Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO / PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA
DARCIO GENICOLO MARTINS
A RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO CUMULATIVO E A TEORIA QUANTITATIVA
DA MOEDA: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM MONETÁRIA DE WICKSELL E DE
ALGUMAS INTERPRETAÇÕES POSTERIORES
SÃO PAULO
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
DARCIO GENICOLO MARTINS
A RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO CUMULATIVO E A TEORIA QUANTITATIVA
DA MOEDA: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM MONETÁRIA DE WICKSELL E DE
ALGUMAS INTERPRETAÇÕES POSTERIORES
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Economia Política, sob a orientação da
Profa. Dra. Laura Valladão de Mattos.
SÃO PAULO
2007
ads:
Martins, Darcio Genicolo
A relação entre o Processo Cumulativo e a Teoria
Quantitativa da Moeda: uma análise da abordagem monetária
de Wicksell e de algumas interpretações posteriores / Darcio
Genicolo Martins – 2007.
107 f.
Orientadora: Laura Valladão de Mattos
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
1. História do Pensamento Econômico até 1925 –
Neoclássico até 1925. 2. História do Pensamento: Autores –
Knut Wicksell. 3. Teoria Monetária. 4. Modelos Agregativos
Gerais – Neoclássicos. 5. Preços, Flutuações e Ciclos de
Negócios – Nível de Preços; Inflação; Deflação. I. Mattos,
Laura Valladão de. II. Dissertação (mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. III. Título.
CDU 613.2
DARCIO GENICOLO MARTINS
A RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO CUMULATIVO E A TEORIA QUANTITATIVA
DA MOEDA: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM MONETÁRIA DE WICKSELL E DE
ALGUMAS INTERPRETAÇÕES POSTERIORES
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Economia Política, sob a orientação da
Profa. Dra. Laura Valladão de Mattos.
Data de aprovação:
___/___/______
Banca examinadora:
Profª. Dra. Laura Valladão de Mattos
(Orientadora)
PUC-SP
Profª. Dra. Patrícia Helena F. Cunha
PUC-SP
Prof. Dr. Raul Cristóvão dos Santos
IPE-USP
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), pelo financiamento
deste trabalho, na forma de uma bolsa de estudos, no período de março de 2004 a fevereiro
de 2006.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pelo financiamento do
trabalho no período de março de 2006 a março de 2007.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PEPGEP/PUC-SP), por prover todas as condições
necessárias para o desenvolvimento deste trabalho. Além disso, neste local, tive o privilégio
de participar de um ambiente acadêmico maravilhoso que além de me proporcionar uma
formação acadêmica de excelência, trouxe-me um desenvolvimento como cidadão e como
indivíduo.
Aos componentes da Banca de Qualificação, Prof. Dr. Raul Cristóvão dos Santos e
Prof. Dr. João Machado Borges Neto, que foram de fundamental importância para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento da Dissertação.
Ao Prof. Dr. Raul Cristóvão dos Santos, pela possibilidade de cursar, como aluno
especial, a disciplina ‘História das Idéias Econômicas’, no Instituto de Pesquisas
Econômicas da Universidade de São Paulo (IPE/USP), essencial no desenvolvimento da
Dissertação. Além disso, cabe aqui, também, meu agradecimento à sua atenção dispensada
à minha pesquisa. Ela foi de inestimável importância.
À Profa. Dra. Patrícia Helena F. Cunha, pela possibilidade de realizar o estágio-
docência na disciplina ‘Análise Macroeconômica I’, no curso de Graduação de Ciências
Econômicas da PUC-SP. Além disso, segue meu agradecimento à sua atenção com relação
ao desenvolvimento de meu trabalho.
Ao Prof. Dr. Nelson Carvalheiro, por ser um modelo de conduta como pesquisador,
professor e pessoa. Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Carvalho, uma pessoa que admiro muito,
principalmente, por sua tenacidade e persistência em suas lutas políticas. À Profa. Dra.
Otilia Maria Lúcia Barbosa Seiffert, pela sua inestimável ajuda na concepção metodológica
do trabalho e por ser a pessoa que você é.
A meus contemporâneos nos anos de mestrado: José Eduardo Godoy, Pablo Nostre
Simões, Adriana Myiake, Tatiana Massaroli, pelo privilégio de conviver e obter um
aprendizado constante com vocês.
Aos mestrandos Joaquim Tavares Perrelli e Alexandre Hamilton Bugelli, pela honra
de poder compartilhar de suas respectivas amizades.
À Sonia Maria Santos Petrohilos e Rita de Cássia Sorrentino, por serem minha ‘mãe’
e minha ‘irmã’, respectivamente, na minha convivência na comunidade PUC. Muito
obrigado, mesmo!
À minha orientadora Profa. Dra. Laura Valladão de Mattos, por ter me conduzido,
com muita paciência e atenção, em todo este período, à excelência no trabalho e na
conduta acadêmica. Agradeço por tudo que fez por mim neste período de enorme
amadurecimento como acadêmico e como indivíduo.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A meus sogros, Maria Clara e João Fernando, por tudo o que já fizeram por
mim e a meu cunhado Carlos Eduardo, por nossas eternas conversas políticas.
A meus amigos: James, Nilsinho, Nuca, Manoel e Makray, por tudo o que já
vivemos juntos.
À minha querida família: Sônia, Thaís, Flávia, Cláudia, Joy. Por tudo o que
vocês são. Saudades eternas da ‘vó’ Aurora e do Renato.
À minha esposa Maria Claudia, que sempre me apoiou, desde a época de
namoro: compreendeu, ajudou, chorou e sorriu comigo. Minha eterna namorada,
minha companheira, meu amor, minha paixão. Não tenho palavras para te
agradecer. Você sempre será meu ‘wonderwall’!
Aos meus queridos pais. Sem eles não seria nada. Devo tudo a vocês!
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal compreender a abordagem
monetária de Wicksell, com foco no Processo Cumulativo. Faz-se isto, com a análise
do contexto prático-teórico em que ela foi originada, com ênfase em sua relação com
a Teoria Quantitativa da Moeda; na visão do próprio autor e de seus comentadores
posteriores. Para isto, dividiu-se a análise em quatro momentos fundamentais: (i)
delimitação do ambiente sócio-econômico e institucional de todo o século XIX, no
qual Wicksell estava inserido, com foco nas controvérsias monetárias inglesas; (ii)
descrição e críticas de Wicksell das duas posições-síntese em Teoria Monetária em
fins do século XIX, segundo o autor: Teoria Quantitativa da Moeda de Ricardo e
abordagem de Tooke; (iii) apresentação da abordagem monetária de Wicksell: é feita
a análise do modelo do Processo Cumulativo; (iv) breve descrição de algumas
interpretações sobre o Processo Cumulativo: Humphrey, Patinkin, Haavelmo e
Leijohnufvud, e suas respectivas opiniões sobre o caráter quantitativista ou não do
modelo de Wicksell.
Palavras-chave: História do Pensamento Econômico; Knut Wicksell; Teoria
Monetária; Teoria Quantitativa da Moeda; Processo Cumulativo; Macroeconomia.
ABSTRACT
The main goal of this thesis is to analyze Wicksell’s monetary approach, with
focus on the Cumulative Process. This is made through the reconstruction of
theoretical and practical context in which this theory was originated, underlying its
relation with the Quantitative Theory of Money. The modern debate on the
quantitative character of the Wicksell’s view is also analyzed. The thesis is divided in
four fundamental parts: (i) the analysis of the institutional and economic environment
of XIX century, focusing on the English monetary controversies; (ii) the description of
the two positions in Monetary Theory that, according to Wicksell, synthesized the
debate: Quantitative Theory of Money Ricardo’s version and the Tooke’s monetary
approach; (iii) the analysis of Wicksell’s monetary approach with emphasis of the
Cumulative Process analysis; (iv) a brief description of Humphrey, Patinkin,
Haavelmo e Leijohnufvud conceptions about the Cumulative Process and their
respective opinions about the quantitative characteristic of the Wicksell’s model.
Palavras-chave: History of Economic Thought; Knut Wicksell; Monetary Theory;
Quantitative Theory of Money; Cumulative Process; Macroeconomics.
Sumário
I. INTRODUÇÃO............................................................................................................................................1
II. CONTEXTO HISTÓRICO-INSTITUCIONAL E CONTROVÉRSIAS MONETÁRIAS INGLESAS:
PANO DE FUNDO PARA AS DISCUSSÕES MONETÁRIAS DO SÉCULO XIX.......................................5
II.1. AS PARTICULARIDADES DO SISTEMA BANCÁRIO INGLÊS ..............................................................................7
II.2. A CRISE DE 1797 , RESTRICTION ACT E AS SUAS CONSEQÜÊNCIAS...............................................................8
II.3. A CONTROVÉRSIA BULIONISTA: OS DEBATES NO CAMPO MONETÁRIO NO PERÍODO DE 1797 A 1821 ..........11
II.4. CURRENCY VS. BANKING SCHOOL (DE 1826 AOS ANOS 1850): A CONTINUAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
BULIONISTA
.......................................................................................................................................................18
III. A TEORIA MONETÁRIA NO SÉCULO XIX: O ESTADO DA ARTE NO PERÍODO DE
WICKSELL.........................................................................................................................................................23
III.1. A TQM NA VERSÃO DE RICARDO .............................................................................................................23
III.2. TOOKE E SUA ABORDAGEM EMPÍRICA: A CONTESTAÇÃO DA CAUSALIDADE MOEDA-PREÇOS ....................34
IV. A ABORDAGEM MONETÁRIA DE WICKSELL COMO REFORMULAÇÃO DA TQM: O
PROCESSO CUMULATIVO ............................................................................................................................39
IV.1. OS ALICERCES DA TEORIA MONETÁRIA DE WICKSELL ............................................................................39
IV.1.1. O papel da moeda na abordagem de Wicksell................................................................................40
IV.1.2. A importância da análise da Velocidade de Circulação da Moeda.................................................45
IV.1.3. Taxa natural e taxa monetária de juros...........................................................................................50
IV.2. PROCESSO CUMULATIVO COMO ANÁLISE POSITIVA DE WICKSELL: TENTATIVA DE REFORMULAÇÃO DA
TQM.................................................................................................................................................................55
IV.2.1. Hipóteses do Processo Cumulativo no Interest and Prices..............................................................55
IV.2.2. A descrição do Processo Cumulativo...............................................................................................58
V. O PROCESSO CUMULATIVO E A TQM: INTERPRETAÇÕES SOBRE O CARÁTER
QUANTITATIVISTA DA ABORDAGEM DE WICKSELL..........................................................................68
V.1. INTERPRETAÇÕES ACERCA DO PROCESSO CUMULATIVO DE WICKSELL.....................................................69
V.1.1. O modelo de Wicksell como suplemento à TQM...............................................................................70
V.1.1.1. Humphrey ..................................................................................................................................70
V.1.1.2. Patinkin......................................................................................................................................76
V.1.2. O modelo de Wicksell como alternativa à TQM................................................................................82
V.1.2.1. Haavelmo...................................................................................................................................82
V.1.2.2. Leijohnufvud..............................................................................................................................86
V.2. INTERPRETAÇÕES SOBRE O PROCESSO CUMULATIVO: UMA SÍNTESE..........................................................91
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................93
VII. BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................................95
1
I. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo principal compreender a abordagem
monetária de Wicksell, com foco no Processo Cumulativo. Um primeiro momento
desta análise, é feito com a tentativa de reconstrução do contexto prático-teórico em
que ela foi originada.
O contexto sócio-econômico do último quarto do século XVIII e de todo o
século XIX, foi marcado por grandes e rápidas transformações. A Primeira e a
Segunda Revolução Industrial trouxeram inúmeros avanços tecnológicos que
levaram a enormes ganhos de produtividade nas indústrias e a incrementos
significativos ao padrão de vida médio da população. Houve, também, impactos nas
relações de trabalho devido a esta mudança de matriz tecnológica.
Como havia uma necessidade cada vez maior de grande escala tanto de
produção quanto de obtenção de capitais, o sistema bancário-financeiro que já tinha
um papel muito importante, passa a assumir um lugar central e fundamental para o
desenvolvimento capitalista.
A expansão e aumento de complexidade do sistema bancário-financeiro
trouxeram novos produtos, novas formas de financiamento – além do dinheiro em
espécie, papel-moeda, simples duplicatas e letras de câmbio -, com o intuito de
facilitar a captação de recursos para todos os agentes econômicos. O crédito
bancário, centralizado nas instituições financeiras, portanto, passaria a ser cada vez
mais o elemento propulsor do crescimento e desenvolvimento econômico.
No bojo destas mudanças, houve no século XIX, na Inglaterra, duas
importantes controvérsias a respeito da condução de Política Monetária, que
influenciaram fortemente o desenvolvimento da Teoria Monetária: (i) controvérsia
bulionista; (ii) controvérsia Currency vs. Banking School.
A controvérsia bulionista foi motivada pelo Restriction Act, de 1797, que
estabelecia a inconversibilidade do papel-moeda em ouro. Esta não-conversibilidade
trouxe algumas conseqüências importantes para a economia inglesa: especialmente,
gerou um crescimento inflacionário relevante. A discussão estabeleceu-se,
fundamentalmente, em como explicar este crescimento inflacionário.
2
A segunda controvérsia, Currency vs. Banking School, seria uma continuação
da controvérsia bulionista.
Originada, fundamentalmente, no período de crises econômicas da segunda
metade dos anos 1820, logo depois da volta da conversibilidade, a controvérsia
Currency vs. Banking School envolvia várias questões que giravam em torno,
essencialmente: (i) de qual seria o melhor desenho institucional do sistema bancário-
financeiro e, (ii) como deveria se dar a condução da política econômica, no contexto
do padrão-ouro.
Este debate terminou com a promulgação do Banking Act, em 1844 que
separava o BI em dois departamentos fundamentais: (i) departamento de emissão e,
(ii) departamento bancário.
Mas, o importante aqui, é ressaltar de que maneira tais controvérsias práticas
influenciaram a discussão em Teoria Monetária, propriamente dita.
Poder-se-ia consolidar toda a discussão em Teoria Monetária do século XIX,
segundo Wicksell, em duas posições-sínteses, relacionadas com as controvérsias
práticas acima mencionadas: (i) a Teoria Quantitativa da Moeda (doravante TQM) na
versão de Ricardo e, (ii) a abordagem de Tooke.
É a partir destas duas posições-sínteses que Wicksell desenvolve sua
abordagem monetária. Para Wicksell, apesar de críticas a algumas hipóteses da
TQM, ela seria a tentativa mais científica de explicar as variações do nível geral de
preços, principal questão por trás da teoria monetária de Wicksell. Assim, ele
descarta a visão de Tooke, principalmente por este último defender uma relação de
causalidade inversa à TQM: nível geral de preços originaria mudanças no estoque
monetário.
Portanto, Wicksell iniciou seu trabalho tendo como ponto de partida a TQM, e
como objetivo reformulá-la, adaptando-a a um novo arcabouço institucional sócio-
econômico vigente no período em questão.
A abordagem de Wicksell deu destaque ao caráter variável da Velocidade de
Circulação da Moeda. Sob a hipótese de existência de uma economia com um
sistema bancário-financeiro desenvolvido e centralizado, a TQM teria um poder
explicativo limitado; mesmo que sob a hipótese de uma economia que só tivesse
moeda metálica (pure cash), e uma outra situação que houvesse, além da moeda
3
metálica, mecanismos de crédito simples, a Velocidade da Moeda fosse condizente
com que a TQM sustentava: constante.
A partir desta incapacidade explicativa da TQM em uma economia com
sistema bancário desenvolvido, Wicksell apresentou sua análise monetária,
explorando a mecânica das variações de preços, sendo estas, decorrências, no seu
entender, da desigualdade entre as chamadas taxa natural de juros, representando
o lado real, e a taxa monetária de juros, o lado monetário da economia. Esta
desigualdade entre taxas causaria um ‘Processo Cumulativo’ na variação do nível
geral de preços.
Esta análise robusta da relação entre o lado real e o lado monetário da
economia, delineada por Wicksell, é considerada um marco em Teoria Monetária. E
é sobre as conseqüências desta tentativa de reformulação da TQM - pela elaboração
do modelo do Processo Cumulativo que há discordâncias significativas entre os
comentadores de Wicksell sobre o caráter quantitativista deste autor.
Partindo de contextos teórico-práticos diferentes de Wicksell, e distintos entre
si, alguns autores apresentam conclusões diversas sobre o caráter quantitativo da
teoria de Wicksell, enfatizando em seus argumentos, aspectos diferentes da análise
do autor. Com isto, teria surgido uma famosa controvérsia.
Nesta controvérsia, há autores que acreditam que Wicksell, de fato, apenas
suplementou a TQM, sem alterar, significativamente a sua estrutura. Existem outros,
porém, que acreditam que, apesar de aparentemente ter apenas construído uma
nova versão para a TQM, incorporando novas variáveis à análise, Wicksell, ao fazer
isso, teria destruído a relação estável fundamental entre variações no estoque de
moeda e mudanças nos preços.
Foram selecionados quatro dos principais comentadores da abordagem
monetária de Wicksell: Humphrey, Patinkin, Haavelmo e Leijohnufvud.
Humphrey e Patinkin, apesar de apresentarem argumentos diferentes,
destacam que o Processo Cumulativo de Wicksell apenas teria suplementado e
aperfeiçoado a TQM. Por outro lado, Haavelmo e Leijohnufvud afirmam que esta
tentativa de Wicksell teria feito com que houvesse um rompimento teórico com a
TQM.
Com o objetivo de compreender a abordagem monetária de Wicksell, com
foco no Processo Cumulativo, desde sua gênese teórico-prática, passando, também,
4
por sua relação com a TQM, na visão do próprio autor e de seus comentadores, este
trabalho está organizado em quatro capítulos, além desta introdução: o capítulo II
traz uma sucinta reconstituição das controvérsias monetárias inglesas do século XIX,
incluindo a delimitação do ambiente econômico-institucional da época.
O capítulo III traz uma descrição e as críticas de Wicksell das duas
antagônicas posições-sínteses sobre Teoria Monetária do século XIX, apontadas
pelo autor, que consistiriam no ponto de partida da abordagem de Wicksell: TQM de
Ricardo e abordagem monetária de Tooke.
O capítulo IV traz a abordagem monetária de Wicksell: é feita a análise do
modelo do Processo Cumulativo. Isto é feito utilizando-se, além do trabalho original
de Wicksell, de outras referências pertencentes às fontes bibliográficas secundárias,
ou seja, interpretações sobre o modelo do autor.
Já o capítulo V diz respeito à descrição de algumas das principais
interpretações contemporâneas sobre o Processo Cumulativo de Wicksell e sua
relação com a TQM. São usadas as visões de Humphrey, Patinkin, Haavelmo e
Leijohnufvud. E, em seguida, são apresentadas as considerações finais.
5
II. CONTEXTO HISTÓRICO-INSTITUCIONAL E CONTROVÉRSIAS
MONETÁRIAS INGLESAS: PANO DE FUNDO PARA AS DISCUSSÕES
MONETÁRIAS DO SÉCULO XIX
As últimas décadas do século XVIII e todo o século XIX ficaram marcados por
grandes transformações sócio-econômicas. Na Inglaterra, centro da economia
mundial neste período, alguns acontecimentos trouxeram mudanças profundas, não
só para este país, mas para todo o sistema econômico mundial. Particularmente,
algumas transformações no sistema monetário-financeiro inglês causaram um
enorme impacto.
Deane (1980, p. 69-70) enumera quatro fatores de mudança importantes,
existentes no contexto das primeiras décadas do século XIX: (i) Revolução Industrial,
que ganhava impulso e trazia um grande desenvolvimento para o comércio; (ii)
crescimento populacional e uma aceleração bastante forte da urbanização, também
devido à Revolução Industrial; (iii) concentração anormal de safras
extraordinariamente fracas.
O quarto item de mudança importante neste período, destacado por Deane,
estaria relacionado às conseqüências para o sistema econômico inglês da
suspensão da conversibilidade do papel-moeda e outros títulos em ouro, a partir de
1797.
Segundo Schumpeter (1964, v. 2, p. 384-386), as bases da Teoria Monetária
moderna estariam relacionadas intimamente a estes fatores de mudança citados
acima, de natureza prática, que ocorreram em fins do século XVIII, início do século
XIX, na Inglaterra. Enfim, todo o desenvolvimento teórico, a partir deste período,
passando por todo o século XIX e XX, estaria intimamente ligado a estas
transformações.
Fundamentalmente, seria possível destacar, como o evento catalisador de
todo o debate monetário do século XIX, a discussão incitada pela adoção de um
novo regime monetário, citado acima, a partir de 1797.
A questão da possível existência de abundância anormal de moeda e crédito,
neste período, no contexto do financiamento de gastos com as Guerras
6
Napoleônicas, como conseqüência da adoção de uma moeda não-conversível,
originou a chamada controvérsia bulionista
1
.
Wicksell, em sua abordagem monetária, também reputou os debates
ocorridos nas controvérsias do século XIX, como fundamentais para o
desenvolvimento da sua Teoria Monetária.
O que ele afirmava ser a essência dos debates neste período, coincidia com
seu objetivo final de compreender o sistema monetário e suas conexões com o
sistema econômico como um todo: a polêmica centrava-se na influência dos meios
de crédito, via taxa de juros, nos preços (WICKSELL, 1986, p. 261-262).
Logo, torna-se importante estudar detalhadamente estas controvérsias a fim
de se obter uma melhor compreensão das questões monetárias presentes no século
XIX, e que motivavam Wicksell a desenvolver sua teoria.
Assim, a análise nesta primeira seção concentra-se, principalmente, nas
questões sobre as controvérsias monetárias do século XIX: a controvérsia bulionista,
e a que derivaria desta, e ocupou grande parte do restante do século XIX, a
chamada controvérsia da Currency vs. Banking School.
Além disso, analisa-se, paralelamente, o desenvolvimento do sistema
bancário-financeiro inglês, pois, como aponta Deane, a natureza das instituições
monetárias da época, juntamente com a forma sob a qual se apresentariam os
problemas práticos de política econômica, teriam condicionado o desenvolvimento
da Teoria Monetária (DEANE, 1980, p. 72). Ou seja, o arranjo institucional que o
sistema bancário-financeiro inglês apresentava foi determinante para o rumo dos
debates.
De fato, o primeiro grande debate existente neste período seria, segundo
Laidler (1999, p. 2-4), resultado de uma mudança institucional drástica: o Restriction
Act, de 1797, - que tornou a moeda inconversível e teria, na sua interpretação,
originado a controvérsia bulionista.
Assim, para entender este episódio e as suas conseqüências práticas e
teóricas, faz-se necessário destacar algumas considerações iniciais sobre a
evolução do sistema financeiro inglês e a sua situação em 1797.
1
Ver Bernstein (2001), p. 213-218.
7
II.1. As particularidades do sistema bancário inglês
O Banco da Inglaterra (doravante BI) foi fundado em 1694 com o intuito de
desenvolver um mercado para a dívida pública no reinado de William III, que estava
envolvido fortemente em uma guerra com a França de Louis XIV. O BI era de capital
privado, com privilégios especiais (SCHWARTZ, 1989, p. 41-42).
Ao final do século XVIII, o BI já possuiria uma posição central no sistema
bancário-financeiro inglês por conta dos privilégios citados acima: (i) ele detinha o
monopólio de emissão de notas bancárias na região de Londres, e, (ii) era o único
emissor de notas bancárias que tinha seu capital distribuído a acionistas (LAIDLER,
1989, p. 60-61).
Até 1826, o contrato do BI junto ao governo teria sido interpretado pela justiça
inglesa, como se houvesse de fato uma proibição de que outros bancos na Inglaterra
tivessem acionistas. Os demais bancos teriam de ser de uma só pessoa, ou de até,
no máximo, seis sócios (SCHWARTZ, 1989, p. 42).
Ainda, segundo esta autora, no sistema bancário inglês, além do BI, existiam
dois tipos de bancos: (i) os bancos privados e bem capitalizados de Londres
(doravante BL’s); (ii) e os bancos provinciais (doravante BP’s).
Os BL’s teriam voluntariamente renunciado a seu privilégio de emissão de
notas bancárias. Eles seriam bastante ligados ao BI, sendo grandes portadores de
notas deste banco, o que possibilitaria aos BL’s operarem com estas, sem precisar
emitir títulos. Utilizariam as notas bancárias do BI como reservas (CORAZZA, 2002,
p. 4).
Já os BP’s dependeriam quase que exclusivamente do negócio de emissões
de notas bancárias. Eles financiariam enormemente o comércio de suas regiões.
Em linhas gerais, a estrutura bancária inglesa do início do século XIX, seria
como descrito acima.
Quais seriam os produtos bancários que compunham, o que se convencionou
chamar modernamente de meio circulante, na Inglaterra, no início do século XIX?
Além das moedas de ouro, existiam as notas bancárias emitidas pelo BI e
pelos BP’s, letras de câmbio (bills of exchange) e certificados de depósitos
bancários. Todos estes eram meios de pagamento bastante usados nesta época.
8
Como pode ser observado, nesta época, a estrutura bancária na Inglaterra já
seria bastante complexa. A respeito disso, Landes aponta que:
[...] Em nenhum país da Europa do século XVIII [e
começo do XIX] a estrutura financeira era tão avançada
quanto na Inglaterra, nem o público estava tão habituado
a operar com papéis. (LANDES, 2005, p. 72).
Ou seja, havia um certo grau de sofisticação no sistema bancário inglês, já
nesta época.
Quanto à atuação do BI em momentos de crise, poder-se-ia ilustrá-la por meio
do exemplo da corrida bancária de 1793. A atuação do BI foi, segundo Corazza
(2002, p. 5-8), a mesma de um banco privado qualquer: contração na emissão de
notas bancárias, ou seja, restrição ao crédito. E, dada a sua importância, levou o
sistema como um todo a uma crise aguda de liquidez.
A crise teria sido, nesta interpretação, acalmada graças à emissão direta de
títulos do Governo, e não de notas bancárias do BI. As mesmas medidas teriam sido
tomadas em outras crises que se seguiram em 1795 e 1796.
Isto demonstraria como a lógica de atuação do BI, nesta época, era muito
diferente daquela de um banco central moderno. O BI comportou-se dentro da
racionalidade privada, buscando resultados individuais. Haveria uma noção de sua
importância sistêmica, porém, sua atuação era ‘atomizada’.
Uma das contribuições das controvérsias do século XIX à teoria de Wicksell e
à Teoria Monetária moderna, seria, justamente, pensar as funções do BI como
banco central, tendo funções públicas e sistêmicas. E essa foi uma das questões
discutidas no contexto da controvérsia bulionista, originada pela implementação do
Restriction Act, em 1797.
II.2. A crise de 1797 , Restriction Act e as suas conseqüências
Conforme fora mencionado, o sistema bancário inglês havia sofrido algumas
crises bancárias, nas últimas décadas do século XVIII. Mas, no contexto das
9
Guerras Napoleônicas, quando da ameaça iminente de uma invasão francesa, no
início de 1797, teria havido, segundo Viner, uma forte corrida bancária que o sistema
não conseguiu superar como das outras vezes (VINER, 1965, 122-123).
Neste episódio, o BI teria se comportado, na interpretação de Corazza,
novamente, como um banco privado, restringindo crédito. Porém, como o sistema
econômico inglês estava mais fragilizado que das outras vezes - nível baixíssimo de
reservas em ouro -, nem mesmo a emissão de títulos públicos foi suficiente para
conter a corrida bancária (CORAZZA, 2002, p. 7-8).
As pessoas tentavam trocar, o máximo que podiam, as notas bancárias,
emitidas tanto pelo Banco da Inglaterra (BI), quanto pelos bancos provinciais (BP’s),
por ouro, já que não se tinha certeza sobre a aceitação ou não das notas bancárias
dos BP’s caso ocorresse uma invasão francesa. Mesmo as notas do BI que
funcionavam como papel-moeda na economia com ampla aceitação, também teriam
sido trocadas por ouro em grande escala (BERNSTEIN, 2001, p. 214-215).
O ouro, no entendimento popular, seria aceito, independentemente, de quem
estivesse no poder. Era considerado um ativo livre de risco.
Neste contexto, as reservas de ouro dos bancos que já estavam caindo ao
longo dos anos 1790, chegaram a níveis insustentáveis em 1797 – em 1794, as
reservas eram da ordem de £ 7 milhões, enquanto que, em 1797, já estavam em £ 2
milhões (BERNSTEIN, 2001, p. 215).
Esta queda brusca de reservas em ouro teria feito com que o governo em
fevereiro de 1797, aprovasse o Restriction Act, que trazia duas determinações
básicas (BERNSTEIN, 2001, p. 215-216): (i) não-conversibilidade das notas
bancárias em ouro; (ii) as notas bancárias funcionariam como meio de pagamento,
assim como era o ouro.
A suspensão da conversibilidade era para ser temporária: iria durar até junho
de 1797. Porém, acabou vigorando até 1821.
Rist (1966, p.131-134) destacou que existiriam características peculiares ao
regime de não-conversibilidade da moeda em ouro, na Inglaterra. O regime de
papel-moeda de curso forçado não seria totalmente desconhecido na Europa,
quando foram introduzidos na Inglaterra, em 1797. Porém, nas experiências
anteriores, as emissões de papel-moeda teriam sido todas feitas pelo Estado, de
10
maneira a se autofinanciar. Porém, no caso da Inglaterra, esta emissão não teria
sido feita pelo Estado, mas sim pelo sistema bancário.
A situação de não-conversibilidade, com um aumento da oferta monetária e
de crédito, para financiar, principalmente, a guerra contra a França, teria trazido um
aumento da inflação à economia inglesa. Apesar de, entre 1797 e 1800, os preços e
a taxa de câmbio não terem sofrido efeitos (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 386), a
partir, principalmente de 1802, a inflação começaria a acelerar.
Entre 1802 e 1807, a inflação cresceu 30%; entre 1808 e 1810, subiu 15%.
Em 1815, o nível de preços já seria duas vezes maior que era em 1797
(BERNSTEIN, 2001, p. 222). O fator principal que gerou a controvérsia bulionista foi
este crescimento inflacionário, e as diferenças nas concepções utilizadas para
justificá-lo.
Em um regime de conversibilidade, os bancos teriam pouca flexibilidade em
suas ações, portanto, sua atuação, em tese, teria pouco impacto sobre os preços
(atuação passiva).
Com o abandono da conversibilidade, que dava mais liberdade para bancos
atuarem emitindo notas bancárias, e a simultânea tendência à inflação, a discussão
passou, então, a concentrar-se em como esta maior autonomia deveria ser regulada
e sobre as melhores formas de isso ser feito.
Os bulionistas defendiam, em linhas gerais, que a elevação no nível de
preços seria de responsabilidade do BI, devido à má administração de seus diretores
(SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 388). Pode-se destacar Ricardo, Thornton e
Wheatley como os principais expoentes desta posição.
Já os anti-bulionistas acreditavam que a inflação seria resultado da guerra
com a França: (i) haveria grandes despesas externas do governo britânico; (ii) e,
além disso, haveria um freio às exportações britânicas na primeira década do século
XIX (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 388). Ou seja, seria uma explicação conjuntural
da inflação (choques de oferta); que julgava, portanto, temporária. Torrens e James
Mill seriam os grandes nomes desta linha de pensamento.
Porém, não seria correto usar rigidamente estas definições para cada lado do
debate. A discussão versou sobre uma grande variedade de questões, e seus
participantes não ficaram estanques em suas posições ao longo de toda a
11
controvérsia; alguns até teriam mudado de opinião e de lado do debate (LAIDLER,
1989, p. 60).
Além disso, seria possível destacar também que, apesar de questões
meramente práticas, de política econômica, terem fornecido a motivação inicial à
discussão, posteriormente, travou-se um intenso debate sobre os fundamentos da
própria Teoria Econômica e, particularmente, da Teoria Monetária em si (LAIDLER,
1989, p. 60-61). É a controvérsia bulionista que inicia este processo.
II.3. A controvérsia Bulionista: os debates no campo monetário no período de
1797 a 1821
Qual seria o corpo de análise econômica para lidar com questões monetárias
nesta época? Basicamente, existiria uma versão da TQM e o mecanismo adjunto
desta que seria o chamado price-specie flow (SCHUMPETER, 1954, p. 311-317).
Porém, esta teoria, segundo Laidler, lidaria com um sistema de moeda-
mercadoria, e não com um sistema dominado por bancos, com o meio-circulante
predominantemente formado por notas bancárias, certificados de depósitos e letras
de câmbio (LAIDLER, 1989, 62).
Segundo este autor, o conhecimento disponível à época sobre regimes
monetários de inconversibilidade seria, basicamente, de natureza prática.
Experiências na França, EUA e Rússia, no século XVIII, teriam trazido algumas
contribuições para o entendimento de tal sistema, mas isto estaria longe de ser uma
teoria consolidada.
A respeito disso, Laidler destaca:
[...] Em resumo, nos anos 1790, desenvolvimentos
institucionais no sistema monetário britânico teriam
levado a ultrapassagem do conhecimento sistemático do
que nós agora chamaríamos de Teoria Monetária e
Bancária. As dificuldades do período de suspensão [da
conversibilidade] trouxeram o foco sobre este fato, e a
análise desenvolvida durante o curso da controvérsia
bulionista tinha que resolver problemas fundamentais em
Teoria Monetária, assim como compatibilizá-la com
12
questões de política econômica contemporânea. É
porque se lidou com a primeira destas tarefas com tanto
sucesso, que a controvérsia é de permanente
importância para os economistas monetários, e não só
para historiadores do pensamento econômico e
historiadores econômicos. (LAIDLER, 1989, p. 62).
Deane apresenta posição similar à de Laidler, quando afirma que a
suspensão da conversibilidade teria levado ao desenvolvimento de um novo ramo na
Teoria Econômica:
[...] que se desenvolveu independentemente, em grande
parte, da doutrina econômica dominante que descendia
diretamente de A Riqueza das Nações de Adam Smith. A
Suspensão [da conversibilidade] destruiu o molde
tradicional de prática bancária e pediu uma reavaliação
básica das idéias costumeiras sobre moeda e bancos.
(DEANE, 1980, p. 71).
Este período de não conversibilidade apontado como sendo tão fértil para a
Teoria Monetária foi dominado, como mencionado, pela controvérsia bulionista.
Laidler (1989, p. 62-70) divide esta controvérsia em três fases principais: (i) 1800-
1802, marcada pela publicação do trabalho de Thornton, An Enquiry into the Nature
and Effects of the Paper Credit of Great Britain (doravante, Paper Credit); (ii) 1809-
1811, com o papel marcante de Ricardo e a elaboração do Bullion Report; (iii) 1815-
1825, período de paz (queda de Napoleão), rumo à volta da conversibilidade,
efetivada em 1821.
Os debates envolveram alguns aspectos que seriam, posteriormente, tratados
por Wicksell, como os impactos da moeda e do crédito nos preços e o papel do
banco central em um sistema bancário-financeiro. Por essa razão, esses aspectos
são enfatizados na discussão que se segue.
Utilizando a classificação de Laidler, a primeira fase da controvérsia teria
ocorrido por volta dos anos 1800-02. Como já mencionado, existiam algumas
experiências de inconversibilidade no século XVIII: todas sem sucesso. Portanto,
havia, segundo o autor, um enorme receio quanto aos impactos inflacionários deste
regime na Inglaterra.
13
No caso da Inglaterra, como vimos, até 1800, não ocorreram impactos
significativos no câmbio ou no nível de preços. Somente a partir de 1800, começou a
aparecer um crescimento inflacionário brando, de difícil diagnóstico. Esta inflação
branda, segundo Schumpeter, não teria afetado significativamente o comportamento
do público neste período (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 386).
Mesmo assim, neste período, somado a esta inflação branda, ocorreu declínio
no valor das notas do BI em relação ao ouro e uma depreciação associada da taxa
de câmbio (libra esterlina) no mercado de Hamburgo (LAIDLER, 1989, p. 63). Estas
informações foram tomadas, na época, como indícios de que alguma coisa estava
‘fora da ordem’.
Apesar de ainda reduzida e incipiente, a questão da inflação ocupou o centro
dos debates desta época. Thornton, uma figura muito importante na posição
bulionista neste primeiro momento do debate, já denunciava a ameaça de uma
inflação crescente e cada vez mais forte que estaria por vir.
Seu ponto principal no Paper Credit seria, segundo Laidler, que com a
inconversibilidade, haveria uma expansão cada vez maior do crédito, que traria
impactos crescentes no nível de preços (LAIDLER, 1989, p. 62-63). E, portanto,
analisando os desequilíbrios da época, Thornton apontaria o BI como o grande
culpado pela inflação devido a suas superemissões de notas bancárias.
Além disso, Thornton teria levantado a possibilidade de o BI atuar de maneira
sistêmica como um banco central, em detrimento de uma atuação seguindo a lógica
puramente privada que era recorrente em momentos de crise - o que poderia ter
evitado a adoção do Restriction Act. Corazza explica que, segundo Thornton, em um
regime de conversibilidade:
[...] o Banco da Inglaterra (BI), pela posição central que
ocupava no mercado monetário de Londres, devia
assumir um comportamento diferente em relação ao dos
demais bancos nos pânicos e corridas bancárias. Nessas
situações, os bancos procuram reforçar suas reservas,
encurtando empréstimos à economia, mas o BI, como
fonte última de liquidez, deve atuar em sentido contrário,
expandindo a emissão de suas notas e os seus
empréstimos ao sistema bancário. (CORAZZA, 2002, p.
3).
14
Assim, (i) os bancos privados ao invés de conservarem suas próprias
reservas de ouro, reteriam notas do BI, como reservas bancárias; e, (ii) as notas
bancárias do banco central (BI) passariam a ocupar o lugar do ouro, criando-se
assim, um mecanismo mais consistente, eficiente e eficaz para se acalmar crises
(CORAZZA, 2002, p. 4).
Os anti-bulionistas, defensores das atitudes tomadas pelo BI, argumentavam
que pelo fato dos preços agrícolas terem subido muito mais que o valor do ouro, a
culpa pela inflação estaria no sistema bancário como um todo, e não derivava, de
forma alguma, da política do BI (LAIDLER, 1989, p. 63). Neste contexto, os anti-
bulionistas levantaram uma questão que veio a ser um ponto de discórdia crucial nos
debates seguintes ao longo do século XIX:
[...] [que era] a possibilidade dos bancos provinciais
[BP’s], variando suas emissões de notas, poderem e de
fato exercerem uma influência no comportamento do
nível de preços, independentemente [da política] do
Banco da Inglaterra [BI]. (LAIDLER, 1989, p. 63).
Assim, portanto, além do que se pode observar, em geral, na literatura – ou
seja, dos anti-bulionistas terem buscado justificativas puramente conjunturais para a
inflação –, haveria uma possível explicação estrutural para o aumento no nível de
preços, sem a responsabilidade do BI: a emissão exagerada dos BP’s serem de
alguma forma responsáveis pela inflação.
Como não ocorreu, até 1808, alteração relevante na inflação (que teria
continuado branda), o debate ficou, no entender de Laidler, relativamente esvaziado.
A partir de 1809, com o aparecimento de uma inflação mais intensa, o debate
renovou-se, dando início à sua segunda fase apontada por Laidler
2
.
Neste momento apareceu a figura de Ricardo no debate. Ele teria sido
determinante não exatamente pela superioridade de seus argumentos, mas pela
2
É interessante observar que os economistas desta época não tinham um índice de preços
consolidado para acompanhar o movimento geral da inflação. Porém, eles observaram uma
desvalorização da libra esterlina e um aumento significativo no preço do ouro em termos das notas do
BI, que, por sinal, foram bem mais robustos que no período 1800-1802. Estes seriam sinais indiretos
de movimentação generalizada de preços (LAIDLER, 1989, p. 63-64).
15
personalidade marcante e respeitada, à época dos acontecimentos, com grande
poder de persuasão e excelente retórica.
Ricardo representou a chamada posição radical bulionista
3
(LAIDLER, 1989,
p. 62-65). Esta posição radical, quanto à suspensão da conversibilidade, poderia ser
enunciada da seguinte forma:
[...] a queda na taxa de câmbio, e o aumento no preço do
ouro, eram somente devido a uma excessiva emissão de
notas bancárias do Banco da Inglaterra [BI], a qual nunca
aconteceria em um regime de conversibilidade.
(LAIDLER, 1989, p. 64).
Portanto, na sua interpretação, a culpa pelo surto inflacionário no período de
inconversibilidade da moeda, seria, única e exclusivamente, da atuação
discricionária do BI.
Por outro lado, os anti-bulionistas justificavam a desvalorização do câmbio
pelas pressões exercidas pelos esforços de guerra, e “[...] nada tinha a ver com a
política doméstica do Banco da Inglaterra [BI]” (LAIDLER, 1989, p. 64). Novamente,
estes se concentravam em explicações conjunturais para o fenômeno inflacionário,
ou seja, meros choques de oferta.
Adicionalmente, eles argumentavam que seria impossível haver excesso de
emissão de notas bancárias pelo BI: os empréstimos do BI teriam sempre como
contrapartida letras de câmbio bastante confiáveis, de alta qualidade – as chamadas
real bills - que seriam emitidas para financiar bens durante a produção e distribuição
deles. Neste ponto, os anti-bulionistas defendiam a chamada Real Bills Doctrine
4
,
tradição que vinha desde Adam Smith.
Em essência, segundo Laidler (1989, p. 64-65), o Bullion Report, de 1810, -
documento oficial elaborado por um comitê de parlamentares, banqueiros e outros
participantes do mercado financeiro, que teria contado com a participação de nomes
3
Enquanto Thornton, por exemplo, teria sido considerado um moderado (LAIDLER, 1989, p. 62-65).
4
Real Bills Doctrine: enunciava que os certificados de depósitos e notas bancárias nunca seriam
excessivos na economia, nem no curto, tampouco no longo prazo, se os bancos tivessem para cada
ativo rentável (empréstimos), uma contrapartida em direitos sobre as mercadorias, ou seja, a própria
produção do empresário (real bills) (LAIDLER, 1989, p. 64).
16
como Ricardo, Thornton entre outros – teria sido, justamente, uma crítica aos
princípios da Real Bills Doctrine.
O Bullion Report consistiria em uma discussão bastante cuidadosa sobre
mecanismos pelos quais as políticas escolhidas e executadas pelo BI poderiam levar
a um excesso de emissão de notas bancárias. Ou seja, basicamente, este
documento teria sido uma consolidação dos argumentos defendidos pelos
bulionistas.
Outra questão que surgiu neste momento do debate, como conseqüência,
também do Bullion Report, foi a discussão a respeito da influência ou não dos BP’s
sobre os preços.
Como resposta ao diagnóstico anti-bulionista que atribuíam a estes certa
responsabilidade sobre a inflação, o Bullion Report concluiria que os BP’s e outros
bancos privados tenderiam a seguir, mera e simplesmente, as expansões e
contrações de fornecimento de crédito do BI. Sendo assim, não teriam influência
direta no nível de preços, já que seriam meros agentes passivos, seguindo os
passos do BI (LAIDLER, 1989, p.66-67).
Portanto, a apresentação do Bullion Report, marcou claramente, nos anos
que se seguiriam, a posição bulionista pela volta da conversibilidade.
Já a terceira fase da controvérsia bulionista apontada por Laidler, de 1816-
1825, foi incentivada por fatos importantes que teriam ocorrido um pouco antes. O
mundo viu o declínio de Napoleão a partir de 1812, até a sua fatídica queda em
1815. Isto inaugurou um novo período de paz na Europa.
Neste novo período de paz, a necessidade de financiamento dos gastos
estatais diminuiu enormemente e, sem a guerra, principalmente, sem a ameaça de
invasão francesa, a confiança do público na libra esterlina elevou-se cada vez mais.
Portanto, a idéia da volta da conversibilidade ganhou força novamente.
O fim da guerra trouxe um período de transição econômica bastante difícil. Os
diversos setores da economia tiveram que lidar com esta nova situação de paz:
setores como a agricultura e a metalurgia tiveram que se adaptar aos novos padrões
de produção e comércio sem a guerra (LAIDLER, 1989, p. 68).
17
Quanto à volta da conversibilidade, ninguém se opôs a isso (seria quase um
consenso); exceto a chamada Birmingham School
5
.
E, o que prevalecia nesta época, era a opinião de que a paridade de 1797
deveria ser restabelecida, mostrando a força da posição bulionista.
Então, nesta fase lidou-se, no entender de Laidler, essencialmente, com
problemas de implementação da volta da conversibilidade. Basicamente, dois fatores
principais foram discutidos neste período: (i) a deflação necessária para se restaurar
a libra em sua antiga paridade com o ouro, ou seja, a paridade de 1797; (ii) e, além
disso, a possibilidade de que a demanda crescente por ouro implícita pelo
restabelecimento da conversibilidade por si mesma, criasse mais deflação por
aumentar o preço relativo do ouro.
Neste período, Ricardo destacou-se, novamente, como o principal expoente
no debate. Em uma publicação de 1816, chamada Proposals for An Economical and
Secure Currency, Ricardo teria demonstrado, segundo Laidler, uma preocupação
com dois objetivos primordiais, inter-relacionados: (i) fazer com que se mitigasse
uma deflação futura, decorrente do ajuste à paridade de 1797; (ii) propor um novo
desenho institucional ao sistema monetário inglês (LAIDLER, 1989, p. 69).
Para isso, Ricardo propôs um sistema no qual o papel-moeda seria adotado
como meio de circulação predominante, diminuindo a proporção de moeda de ouro.
O BI deveria manter em contrapartida ao papel-moeda, reservas de ouro em barras,
havendo a possibilidade da conversão daquele em ouro.
E, de fato, este sistema foi adotado a partir de 1819. Este sistema teria tido,
segundo Laidler, a vantagem de evitar grande pressão altista no preço do ouro,
proveniente do excesso de demanda por este, no contexto da volta da
conversibilidade. Isto teria impedido que uma retroalimentação perversa do
mecanismo deflacionário ocorresse.
Porém, um problema prático principal levou ao abandono precoce do sistema
proposto por Ricardo: a falsificação. Com o aumento de circulação de notas
bancárias de menor valor entre 1797 e 1821, e a dificuldade de controle das
5
Em Birmingham, o centro da indústria metalúrgica, pessoas como Thomas e Matthias Atwood teriam
afirmado que, a partir de uma análise mais profunda dos efeitos de um ajuste à antiga paridade -
contração monetária e deflação sobre o emprego –, a fim de evitar tais problemas, seria mais
apropriado, inicialmente, um sistema monetário, bem administrado, baseado em papéis
inconversíveis (LAIDLER, 1989, p. 68). Ou seja, propuseram um período de transição entre o regime
monetário de inconversibilidade para o de total conversibilidade.
18
autoridades monetárias, teria havido um incentivo muito grande ao público de
falsificar o papel-moeda.
A falsificação de notas bancárias, que era um crime quase desconhecido
antes de 1797, no período de inconversibilidade - que durou até 1821 – foi motivo de
mais de 300 condenações judiciais (LAIDLER, 1989, p. 69).
Com isso, este sistema foi abandonado em 1821, quando as moedas de ouro
substituíram as notas bancárias de pequeno valor e, finalmente, a conversibilidade
voltou a vigorar na Inglaterra.
O padrão-ouro estava, pela primeira vez, legalmente estabelecido, já que
antes de 1797, na Inglaterra, existia um padrão-ouro informal (SCHUMPETER, 1964,
v.2, p. 388-389).
Portanto, teria prevalecido a posição bulionista nesta controvérsia.
II.4. Currency vs. Banking School (de 1826 aos anos 1850): a continuação da
controvérsia bulionista
O ajuste deflacionário necessário no período de 1816-1821 para se voltar à
paridade de 1797, mesmo não tendo sido muito grande, afetou forte e diretamente a
economia inglesa, originando uma série de crises financeiras, tendo a primeira delas
ocorrido em 1825.
Este período de crises na segunda metade dos anos 1820, apesar de ter
encerrado o período da controvérsia bulionista, inaugurou um outro debate em teoria
e práticas monetárias, que se convencionou chamar de controvérsia Currency vs.
Banking School; e que nada mais foi do que uma continuação das discussões de
1797-1821.
Schwartz destaca algumas das principais questões da controvérsia Currency
vs. Banking School: (i) a questão da paridade entre as notas bancárias e ouro; (ii) a
discussão sobre a validade da Real Bills Doctrine; (iii) o suposto problema da
superemissão de notas bancárias; (iv) a definição de moeda; (v) a questão da
19
ocorrência dos ciclos de negócios; (vi) a atuação do banco central (SCHWARTZ,
1989, p. 41)
6
.
Mas Schwartz esclarece de maneira enfática:
[...] [Mas] o que não estava em discussão era a
viabilidade do sistema de padrão-ouro com a
conversibilidade em ouro das notas bancárias do Banco
da Inglaterra [BI]. (SCHWARTZ, 1989, p. 41).
Portanto, o estabelecimento e funcionamento do sistema do padrão-ouro, de
plena conversibilidade da moeda em ouro, consistem em um fator de consenso
nesta fase da controvérsia.
Mas, qual teria sido a opinião da Currency e da Banking School
participantes principais deste debate - sobre as questões colocadas acima?
A busca fundamental da Currency School era de obter um nível geral de
preços estável, quer fosse em um sistema em que a oferta monetária fosse
puramente metálica, ou dentro de uma organização em que houvesse crédito, papel-
moeda e moeda metálica.
Entradas e saídas de ouro, sob um regime totalmente metálico, teriam, no
entender desta escola, um efeito imediato de aumento ou decréscimo dos meios de
pagamento em circulação. Enquanto que, em um regime misto (papel-moeda,
crédito e ouro), este mecanismo operaria da mesma forma somente se entradas e
saídas de ouro fossem exatamente compensadas por um aumento ou decréscimo
do componente papel (SCHWARTZ, 1989, p. 43).
Ainda, segundo Schwartz, sob um regime misto, os integrantes da Currency
School diagnosticavam a existência de uma emissão excessiva de notas bancárias
indiretamente, por meio da observação de um aumento no nível de preços e uma
queda na reserva de ouro. Uma verificação direta de uma superemissão de notas
bancárias seria impossível.
Para garantir que as emissões de notas bancárias não fossem excessivas,
tampouco abaixo do necessário para o sistema econômico, esta escola exigiria que
6
Em Schwartz (1989), é citada a Free Banking School como participante da controvérsia. Porém, por
uma questão de interesse da dissertação, e pela pouca importância dada pela literatura econômica,
tal escola não será considerada na análise.
20
houvesse uma regulação efetiva e bastante clara (regras) de emissão de notas
bancárias. Com isso, evitar-se-iam flutuações do valor da moeda que exarcebariam
as tendências cíclicas da economia.
Porém, esta regulação, segundo as pessoas pertencentes ao grupo da
Currency School, deveria ser restrita à emissão de notas bancárias, e não abranger
outras atividades bancárias (SCHWARTZ, 1989, p. 43).
Adicionalmente, para a Currency School, a superemissão consistia em um
problema importante. Para este grupo, os bancos seriam propensos à superemissão
monetária por dois motivos principais: (i) quando buscam aumentar seus lucros, os
bancos expandem o volume de empréstimos o máximo possível; (ii) e, somado a
isso, seria impossível saber, exatamente, qual seria o montante ideal de notas
bancárias para satisfazer todas as necessidades da economia como um todo (RIST,
1966, p.186-187)
A solução proposta pela Currency School seria estabelecer o monopólio de
emissão de notas bancárias ao BI, além de uma legislação de controle desta
emissão, para que fosse promovida a estabilidade da oferta monetária (SCHWARTZ,
1989, p. 46).
No que tange à definição de moeda, Schwartz aponta que a Currency School
considerava como sendo a somatória do dinheiro metálico, do papel-moeda do
governo e das notas bancárias.
A análise feita pela Banking School, a outra posição relevante neste debate,
contestava estas proposições. Era negado por este grupo: (i) que a superemissão
fosse possível na ausência de demanda por bens e serviços; (ii) que as variações na
emissão de notas, necessariamente, causariam mudanças nos preços domésticos;
(iii) que tais mudanças causariam uma queda nas reservas de ouro (SCHWARTZ,
1989, p.43).
Além disso, qualquer desequilíbrio no Balanço de Pagamentos seria visto por
eles como um fenômeno temporário, pois este se ajustaria automaticamente (price-
specie mechanism).
Em resumo, segundo Schwartz, a Banking School seguiria dois princípios
básicos: (i) Real Bills Doctrine modificada (‘lei de refluxo’); e, (ii) ‘need of trade’
doctrine’.
21
A chamada ‘lei de refluxo’, que seria uma Real Bills Doctrine modificada,
afirmava que a superemissão só seria possível em períodos limitados porque as
notas bancárias retornariam imediatamente ao emissor, pelo pagamento de
empréstimos. Esta lei teria sido explicitada nos trabalhos de Tooke.
De qualquer maneira, os componentes da Banking School, acreditavam que o
chamado ‘bom gerenciamento bancário’ seria suficiente para manter o sistema
monetário em bom funcionamento, não sendo necessário assim, que a emissão de
notas bancárias fossem controladas por alguma regra preestabelecida. Ou seja,
seriam a favor de uma atuação livre, discricionária do BI.
Além disso, outro princípio básico deste grupo era a doutrina do ‘need of
trade’, a qual enuncia que a circulação de notas bancárias era determinada, única e
exclusivamente pela demanda: dependendo do andamento dos negócios, os
empresários procurariam mais ou menos crédito, determinando assim, o volume de
notas bancárias existente na economia.
Portanto, a questão da superemissão de notas bancárias, para a Banking
School, não seria um problema relevante, já que para alguns seria apenas um
fenômeno temporário e, para outros, impossível de acontecer.
Segundo o autor, contudo, a Banking School, considerava moeda como
sendo o dinheiro metálico, somado ao papel-moeda do governo presentes na
economia. As notas bancárias e depósitos seriam considerados meios de se
aumentar a velocidade de circulação da moeda, mas não parte integrante do
conceito.
Ainda para a Banking School, no curto prazo, todas as formas de crédito
poderiam influenciar os preços; porém, no longo prazo, somente o dinheiro metálico
e o papel-moeda criado pelo governo, influenciariam os preços da economia.
Contudo, apesar das divergências apontadas, em dois aspectos a Currency e
a Banking School concordariam em linhas gerais. Para ambas as escolas, os ciclos
de negócios ocorreriam por razões não-monetárias: choques positivos ou negativos
de oferta que seriam os grandes direcionadores dos ciclos econômicos.
Adicionalmente, para tais grupos, seria consenso que deveria haver um banco
central. Neste caso, a diferença apareceria na maneira de atuação desta instituição:
para a Currency School, o banco central deveria obedecer a regras de atuação
22
preestabelecidas, enquanto que para os componentes da Banking School, o banco
central teria que atuar de maneira discricionária.
Em resumo, este novo período de debates ter-se-ia caracterizado, segundo
Laidler, principalmente, por dois elementos de controvérsia: (i) a conduta da política
monetária; (ii) desenho das instituições monetárias sob o padrão-ouro (LAIDLER,
1989, p. 70).
No contexto do desenho do sistema bancário-financeiro inglês, um grande
evento teria ocorrido em 1844: o Banking Act.
O Banking Act separou o BI em dois departamentos: (i) departamento de
emissão, que, como mencionado, detinha o monopólio das emissões de moeda; (ii)
departamento bancário, que agia como um simples banco comercial. E, também,
teria a necessidade de possuir na forma de reservas bancárias, a totalidade emitida
em notas bancárias, portanto, na paridade de um para um (RIST, 1966, p.226-227).
É neste momento histórico que teria surgido formalmente e efetivamente a
figura do banco central, na forma do BI.
Foi este cenário, em fins do século XIX, de discussão sobre rumos da Política
Econômica inglesa, que Wicksell teria vislumbrado. No próximo capítulo, serão
estudados os principais aspectos teóricos do debate.
Neste contexto, poder-se-iam ser destacadas duas visões que, resumiriam,
segundo Wicksell, as principais posições estabelecidas em Teoria Monetária até
aquele momento: a TQM de Ricardo e a análise crítica de Tooke.
23
III. A TEORIA MONETÁRIA NO SÉCULO XIX: O ESTADO DA ARTE NO
PERÍODO DE WICKSELL
Conforme já exposto, subjacente a todas estas controvérsias, estaria uma
preocupação com a estabilidade de preços e sua relação com o papel dado ao BI,
BL’s e aos BP’s na emissão de notas bancárias.
Como pano de fundo destas controvérsias do século XIX, estaria a discussão
de como o estoque ou a variação no estoque monetário afetaria os preços da
economia. A TQM, em suas diversas versões, apareceria como uma teoria influente,
principalmente no lado bulionista/Currency School da controvérsia.
Assim como aponta Schumpeter (1954, p. 703-704), Wicksell destaca a
versão de Ricardo como a mais marcante do século XIX. Na verdade, Wicksell
enxerga na TQM de Ricardo a mais bem acabada teoria monetária até fins do século
XIX (WICKSELL, 1965, p.50).
Mesmo sendo considerada a melhor teoria monetária, Wicksell identifica nela
algumas falhas cruciais. E, como será visto posteriormente, seria a partir desta teoria
que ele desenvolve sua abordagem monetária.
Se de um lado das controvérsias monetárias inglesas (bulionistas/Currency
School) Wicksell identifica a TQM de Ricardo como a teoria-síntese, do lado dos
anti-bulionistas/Banking School, a referência seria a abordagem desenvolvida por
Tooke. Esta abordagem seria uma crítica direta à TQM e a seus pressupostos.
A partir da análise destas duas teorias que Wicksell desenvolveria seu
trabalho. Por isso, tornar-se necessário descrever (i) a TQM de Ricardo e, logo em
seguida, (ii) a abordagem crítica de Tooke.
III.1. A TQM na versão de Ricardo
Inicialmente, é interessante explicitar qual o conceito de moeda que estaria
presente na análise de Ricardo.
24
Segundo Schumpeter, assim como para Galiani, Beccaria e Smith
7
, a moeda
seria encarada, fundamentalmente, em Ricardo “[...] como uma mercadoria que
havia sido escolhida para meio de troca, medida de valor [...]” (SCHUMPETER,
1954, p. 699).
Esta abordagem de moeda-mercadoria implicaria que o valor da moeda seria
dado pelo seu custo de produção. Como, essencialmente, a moeda na análise de
Ricardo seria sinônima de ouro e prata, então, o seu valor seria dado pelo custo de
extração destes metais somado aos custos de se levar tais metais ao mercado. Esta
caracterização e utilização da moeda levaram Schumpeter a caracterizar Ricardo
como um metalista
8
.
Porém, Ricardo teria interpretado o papel-moeda também como moeda. E,
seu valor seria dado pelo custo de senhoriagem. O que, para Schumpeter, não
invalidaria o argumento de que Ricardo seria um metalista, pois “[...] o valor da
unidade monetária [inclusive o papel-moeda] deveria flutuar de acordo com o valor
do ouro: tal sistema ainda é metalista” (SCHUMPETER, 1964, v. 2, idem).
Schumpeter ainda destaca que o crédito (principalmente, notas bancárias
conversíveis em ouro), na análise de Ricardo, apesar de não ter sido considerado
parte do conceito de moeda, toma esta forma de facto, assim como o papel-moeda
(SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 397).
Novamente, de qualquer maneira, isso também não invalidaria o caráter
metalista da análise, já que tudo variaria de acordo com as oscilações do valor do
ouro, que por sua vez dependeria da quantidade de trabalho necessária para sua
produção.
Portanto, a análise de Ricardo poderia ser caracterizada como tratando,
essencialmente, de um contexto no qual a moeda metálica seria predominante e
fundamental no sistema econômico-financeiro.
Adicionalmente, é interessante lembrar que o grande impulso para o debate
sobre a TQM no século XIX, foi dado pela suspensão da conversibilidade de notas
bancárias e outros títulos em ouro, em 1797, na Inglaterra. Esta data seria
considerada o nascimento da moeda fiduciária em grande escala (BLAUG, 1995, p.
30).
7
Para uma análise mais completa, ver Schumpeter (1954, p. 698-717).
8
Para uma discussão mais abrangente desta classificação, ver Schumpeter (1954, p. 698-702).
25
Isto teria possibilitado a uma geração inteira de pensadores, que inclui
Ricardo, vivenciarem um período diferente do anterior, quanto ao arranjo institucional
bancário-financeiro, abrindo novos horizontes em Teoria Monetária (DEANE, 1980,
70-71).
Com a suspensão da conversibilidade e câmbio flutuante (antes era fixo),
criaram-se condições para que houvesse, por parte do Banco da Inglaterra, um certo
poder discricionário em determinar as variações e o nível do estoque monetário, o
que não ocorria antes, já que o estoque monetário seria dado, endogenamente, por
condições de Balanço de Pagamentos.
Com isso, dada a possibilidade de se afetar o estoque monetário de maneira
exógena, a TQM passaria a ter um poder explicativo maior, e, neste contexto, ela
faria mais sentido.
A razão disto seria, como aponta Schumpeter (1964) e Blaug (1995), a
exogeneidade da moeda sendo uma das hipóteses cruciais da TQM. Ao descrever
os fundamentos da TQM Clássica
9
, tendo basicamente a versão de Ricardo como
referência
10
, Schumpeter indica seus principais pressupostos:
[...] primeiramente, que a quantidade de moeda é uma
variável independente [...]; em segundo lugar, que a
velocidade de circulação é um dado institucional que
varia lentamente ou não varia [...] [e] é independente dos
preços e do volume das transações; em terceiro lugar, as
transações - ou, melhor dizendo, a produção – não são
relacionadas à quantidade de moeda, e somente devido
ao acaso é que ambas variarão juntas; em quarto lugar,
que as variações na quantidade de moeda, a não ser que
9
Humphrey (1993, p. 251-263) e de Blaug (1995, p. 30-33), referem-se a autores clássicos em Teoria
Monetária como sendo: Hume, Malthus, Ricardo, Thornton, Bentham, McCulloch, James Mill, John
Stuart Mill e Torrens. As proposições que, a partir da análise e constatação dos mecanismos diretos e
indiretos da transmissão monetária, compõem o núcleo duro da TQM, estão longe de serem
consenso em Teoria Monetária, mesmo entre os autores do século XIX. E, como será visto à frente,
Wicksell irá questionar algumas destas hipóteses inerentes à TQM. Apesar de serem reunidos sob
uma denominação comum (clássicos), não existia uma unicidade de pensamento sobre as questões
controversas da TQM. Havia, no entanto, alguns pontos comuns gerais e principais no pensamento
de tais autores que traria sentido colocá-los no mesmo grupo. Como por exemplo, a questão da não-
neutralidade da moeda no curto-prazo. Os clássicos, em geral, apesar de admitirem que os efeitos de
um aumento no estoque monetário seriam totalmente transmitidos no nível geral de preços, no longo
prazo, reconhecem que no curto prazo, a moeda não é neutra. A sua variação afetaria as
expectativas dos agentes econômicos, alterando as decisões de produção
10
Ao descrever essas hipóteses, Schumpeter aponta Ricardo como sendo o único autor na tradição
clássica que “conservou a teoria quantitativa nesse sentido estrito” (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p.
400).
26
sejam absorvidas por variações na produção na mesma
direção, agem mecanicamente sobre todos os preços,
independentemente de como uma elevação na
quantidade de moeda é usada e com que setor da
economia ela se comunica em primeiro lugar (qual o que
a recebe) – e, analogamente, em relação a uma
diminuição. (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 400).
11
Haveria um certo consenso na literatura em Teoria Monetária de que a TQM
seria, desde seus primórdios, em meados dos séculos XVII e XVIII, até os dias
atuais, em linhas gerais, uma teoria da determinação do nível geral de preços, sendo
a direção causal estabelecida da variação do estoque monetário para efeitos no
nível geral de preços (BLAUG, 1995, p.28).
O efeito da oferta monetária sobre o nível geral de preços dar-se-ia de duas
formas, muitas vezes, simultâneas: a transmissão direta e indireta de mudanças no
estoque monetário para o nível geral de preços.
O mecanismo de transmissão direta (apresentado por quase todos os autores
incluindo Ricardo, cuja leitura da TQM seria utilizada por Wicksell em sua análise
crítica desta teoria) poderia ser descrito da seguinte forma: suponha-se que
houvesse um aumento exógeno na oferta de moeda; isso faria com que a renda
monetária de pelo menos alguns agentes aumentasse; como, por hipótese, os
agentes teriam uma necessidade de retenção de saldos reais constante, este
excesso de moeda seria gasto em consumo adicional (efeito saldos reais).
Dada a hipótese do pleno emprego de fatores, haveria um excesso de
demanda por bens e serviços, o que levaria a um aumento no nível geral de preços
da economia. Isto estabeleceria a citada relação causal entre M e P.
Quanto ao mecanismo de transmissão indireta, o ponto crucial, segundo de
Vivo, do argumento de Ricardo em favor da TQM era a “[...] demonstração de que
11
Blaug igualmente enfatiza a exogeneidade da moeda ao sintetizar a TQM em três principais
proposições (BLAUG, 1995, p. 28). A primeira delas diria respeito à direção da causalidade entre
variação no estoque monetário (M) e nível geral de preços (P). Como já mencionado anteriormente, a
direção causal seria da moeda para preços. Mas, para isso ocorrer, seria necessário supor também
que o choque em M é exógeno, ou seja, a mudança inicial teria de ocorrer em M. A segunda
proposição seria que os agentes econômicos teriam uma demanda estável por saldos monetários
reais (conhecido também por Velocidade de Circulação da Moeda) que poderia mudar gradualmente
ao longo do tempo, em função de mudanças institucionais. O que levaria a concluir que a demanda
por saldos monetários variaria independentemente da oferta monetária.E, finalmente, a terceira
proposição refere-se à questão de que o volume de produção seria determinado independentemente
da quantidade de moeda na economia ou do nível geral de preços. A produção seria sempre definida
por variáveis reais (produtividade, tecnologia, entre outras).
27
qualquer montante de moeda seria absorvido pelo sistema, e não haveria excesso”
(DE VIVO, 1987, p.193).
Se houvesse um aumento da oferta monetária, a taxa de juros bancária cairia.
Dado que a taxa de lucro é influenciada somente por fatores reais, ela ficaria
constante. Então, a taxa de juros bancária seria menor que a taxa de lucro, o que
levaria a um incentivo ainda maior para a expansão monetária, chegando a todos os
mercados desta economia. Em decorrência disso, os preços tenderiam a subir.
Portanto, “[...] o que era inicialmente um excesso de moeda tornaria, portanto,
necessária a circulação de mercadorias a preços mais altos” (DE VIVO, 1987,
p.194). Quando não houvesse mais excesso de moeda, a taxa de juros bancária
voltaria a seu nível anterior, igualando-se a taxa de lucro. Logo, “[...] a mudança no
montante de moeda, em última instância, afetaria somente o nível de preços” (DE
VIVO, 1987, p.194).
Wicksell explicaria que, para Ricardo, o excesso de moeda acarretaria dois
efeitos simultâneos: aumento de preços na economia e a queda na taxa de juros.
Porém, segundo Wicksell, Ricardo enfatizaria que essa queda na taxa de juros seria
temporária. Quando os preços se acomodassem à nova situação, não haveria
excesso de moeda, e a taxa de juros retornaria a seu nível inicial (WICKSELL, 1965,
p. xxiv/Prefácio).
Segundo Wicksell, isto de fato aconteceria. Porém, aspectos monetários
constituiriam apenas uma parte do problema (WICKSELL, 1965, p. xxviii); a outra
parte estaria no lado real da economia. Ele ressalta que variações no lado real
também poderiam levar a alterações no nível geral de preços.
Como será desenvolvido no capítulo IV, alterações na produtividade da
economia como um todo, por exemplo, fariam com que a taxa natural sobre o capital
também se alterasse. Neste caso, poderia haver uma divergência entre a taxa
monetária de juros e a taxa natural
12
. Ou seja, haveria um descompasso entre o lado
monetário e o lado real da economia, o que geraria uma alteração no nível de
preços.
12
Na seção IV.1.3 será feita uma discussão mais aprofundada a respeito dos conceitos de taxa
natural e taxa monetária de juros. Por enquanto, só é necessário saber que a primeira deriva das
condições de produção (lado real da economia) e a segunda do setor bancário/mercado monetário
(lado monetário).
28
Portanto, a resposta da TQM quanto a alterações no estoque de moeda e
seus impactos nos preços e na taxa de juros poderia estar correta, porém,
incompleta por não ser este o único determinante de variações no nível geral de
preços. Para ele seria importante, também, verificar a relação existente entre as
magnitudes da taxa natural e da taxa monetária de juros para se ter uma idéia mais
exata do comportamento do nível geral de preços.
De qualquer maneira, a descrição de Ricardo sobre o mecanismo indireto de
transmissão monetária, não foi a mais bem detalhada em termos teóricos de sua
época. De fato, ela é considerada bastante superficial pela literatura em Teoria
Monetária.
E é justamente, no contexto desta superficialidade da abordagem do
mecanismo indireto de Ricardo, que está o objetivo inicial de Wicksell: estudar
fatores que confirmariam e outros que contradiriam a TQM na versão de Ricardo
que, segundo ele, como já visto, seria a formulação existente mais original e mais
completa até aquele momento (WICKSELL, 1965, p. xxiii).
Com relação à determinação do valor da moeda metálica (neste caso M), ela
se daria, para Ricardo, pelo seu custo de produção. Haveria um certo consenso no
debate teórico que os autores clássicos, dentre eles Ricardo, teriam afirmado que
esta relação se daria no longo prazo
13
. Então onde entraria a TQM?
Para Blaug, ela ganha poder explicativo em Ricardo no que concerne ao curto
prazo. Ricardo teria usado a TQM para analisar problemas de curto prazo, com
moeda inconversível e a Teoria do Custo de Produção (na qual o valor de todas as
coisas, inclusive da moeda, seria determinado pelo seu custo de produção, como já
visto anteriormente) seria usada em questões de longo prazo, com plena
conversibilidade de títulos em ouro (BLAUG, 1995, p. 31).
Sobre a questão do curto e longo prazos, Schumpeter afirmaria que:
Os principais “clássicos” [inclusive Ricardo] resolveram o
problema do valor da moeda de maneira bastante dúbia,
simplesmente, por aplicar ao mesmo sua teoria geral do
valor. De acordo com esse procedimento, eles
distinguiram um valor médio de longo prazo da moeda e
um valor de equilíbrio a curto prazo. A primeira ou, como
eles também disseram – confusamente – o valor
13
Ver Blaug (1995), Schumpeter (1964).
29
‘permanente’ era determinado pelo custo de produzir (ou
obter) os metais preciosos, e o segundo pela oferta e a
procura. (SCHUMPETER, 1964, v. 2, p. 398).
Para ilustrar isso, suponha-se que chamássemos o valor da moeda metálica
de p
m
. Este valor também poderia ser expresso em relação a outras mercadorias na
forma 1 / P, onde P seria o nível geral de preços (portanto, p
m
= 1 / P). No longo
prazo, para Ricardo, valeria a relação a qual o p
m
teria que ser igual ao seu custo de
produção (C) - então, p
m
= 1 / P = C.
Se houvesse uma diminuição de C, ceteris paribus, P teria que aumentar para
manter p
m
= C. Isto significaria um ajuste de valor entre os produtos. Haveria um
realinhamento das quantidades de trabalho necessárias para se produzir os
produtos, levando a um reajuste de preços relativos, inclusive do ouro.
Porém, no curto prazo, no qual a TQM funcionaria, ao se diminuir os custos
de produção do ouro, inicialmente, o preço do ouro ficaria acima de tais custos. Isto
significaria ganhos com lucros extraordinários. Dada a livre mobilidade de capital e a
livre concorrência, estes lucros extraordinários iriam atrair novos investimentos na
produção de ouro.
Com novos investimentos, a produção do ouro seria incrementada, o que
geraria um aumento na oferta monetária, inicialmente, pelo menos, neste país
produtor de ouro. Este choque (exógeno) causaria um impacto nos preços da
economia, caracterizando a causa (alteração na oferta monetária) e efeito (impacto
no nível geral de preços), enunciada pela TQM.
Segundo de Vivo, Ricardo elaborou uma ‘equação de trocas’, na qual, de um
lado da equação ficaria o agregado de mercadorias de todos os tipos da economia;
e, do outro lado, estaria o montante de moeda da economia, multiplicado pela
velocidade de sua circulação. O conjunto dos preços
14
entraria para equilibrar esta
relação (DE VIVO, 1987, p.183).
Blaug ressalta que a relação entre o curto e o longo prazos não foi bem
resolvida por Ricardo (BLAUG, 1995, p. 31). Pode-se especular que isso ocorreu
pelo fato de que tal relação não tivesse sido vital para os interesses do autor quando
14
Ricardo não admitia a idéia de um índice de preços. Ele sempre pensava em preços relativos de
todas as coisas (SCHUMPETER, 1954).
30
estava debatendo suas questões de ordem prática, no contexto da controvérsia
bulionista que foi descrita anteriormente.
De qualquer maneira, a crítica de Wicksell, centra-se na análise de curto
prazo do autor: (i) Ricardo teria usado um conceito de Velocidade de Circulação da
Moeda que não era condizente com o ambiente institucional bancário-financeiro da
época; (ii) e Ricardo teria desenvolvido apenas de maneira superficial a questão do
mecanismo indireto de transmissão monetária, abordando somente superficialmente
a influência dos juros no nível geral de preços.
Como já apontado anteriormente, tanto o produto, como a oferta monetária e
a Velocidade de Circulação da Moeda, na análise de Ricardo seriam independentes.
Para de Vivo, o argumento menos consistente e explorado na análise de Ricardo
teria sido a questão da neutralidade da moeda sobre a produção
15
.
Segundo este autor, Ricardo teria tratado a Velocidade de Circulação da
Moeda como sendo um dado institucional, como uma variável exógena. O que
determinaria as variações de tal variável seria o grau de desenvolvimento do sistema
bancário-financeiro e os hábitos do público referentes a transações financeiras neste
contexto. E, por hipótese, este arranjo institucional mudaria ao longo do tempo, mas
de maneira bastante devagar, sendo, com isso, considerada uma variável bastante
estável.
De qualquer maneira, para Wicksell, inicialmente, o interesse principal era
investigar alguns aspectos da Teoria Monetária que indicassem o possível grau de
eficiência do bimetalismo como padrão monetário. Ele mesmo reconhece que estava
inclinado a defender tal padrão, inicialmente
16
.
Porém, Wicksell afirma que logo teria sido forçado a ampliar o escopo de seu
estudo, dada a sua insatisfação com o estado da arte da Teoria Monetária da época.
Ao mesmo tempo em que critica a TQM de Ricardo, por não mais responder
totalmente à realidade de um sistema de crédito cada vez mais complexo,
considerou esta como a única teoria monetária consistente formulada até aquele
momento:
15
Ricardo admitia que mudanças na quantidade de moeda poderiam ter efeitos reais na economia,
por meio de variações nos preços que afetariam as decisões de produção. Porém, estes efeitos
seriam temporários. Além disso, Ricardo apoiava-se na hipótese do Pleno Emprego (DE VIVO, 1987,
p.192-195).
16
Ver Wicksell (1965, p. xxiii).
31
Se a Teoria Quantitativa é falsa – ou até certo ponto falsa
– há, até agora, somente uma falsa teoria monetária
disponível, e não há teoria verdadeira. (WICKSELL,
1965, p. xxiii).
Mesmo Wicksell admitindo que a TQM apresentava uma lógica interna
coerente, ele considerava as hipóteses que sustentariam tal teoria, pouco realistas,
“que pouco ou nada tem a ver com a prática”. (WICKSELL, 1965, p. 41).
Uma primeira crítica que Wicksell lançou às hipóteses da TQM seria que ela
traria ao âmbito individual, a questão da retenção de saldos monetários, quando, na
prática, segundo ele, a grande medida sobre a posse destes saldos seria o conjunto
dos depósitos bancários, tipicamente uma medida coletiva. O quanto cada indivíduo
retém de saldos monetários, nada mais seria que uma medida contábil pouco
significativa; o que interessaria seria o agregado.
Além disso, segundo Wicksell, a TQM assumiria que a Velocidade de
Circulação da Moeda seria constante, ou que flutuaria suavemente em torno de um
nível médio e constante. O montante de saldos monetários retidos pelos indivíduos
para compromissos costumeiros e para pagamentos não-previstos seria
praticamente invariável, condicionado a aspectos institucionais que mudariam
lentamente ao longo do tempo.
Porém, para Wicksell, no contexto de uma economia com crédito e com uma
estrutura bancário-financeira complexa, a Velocidade de Circulação se expandiria ou
se contrairia, dependendo do estágio do ciclo de negócios. Ou seja, ela não poderia
ser de maneira alguma, considerada como constante.
A constatação deste fato, segundo Wicksell, poderia ser bastante danosa às
conclusões da TQM. Isto significaria que não seria mais possível estabelecer uma
relação direta e estável entre variações no estoque de moeda e mudanças diretas e
proporcionais no nível de preços, dado um produto de pleno emprego.
A TQM assumiria, também, que as transações na economia seriam
totalmente, ou quase totalmente, realizadas com dinheiro, no sentido de notas e
moedas. Wicksell afirmou que isso não seria necessariamente verdade, já que
instrumentos de crédito como os cheques e outros, poderiam ser substitutos de
moeda metálica e papel-moeda, dependendo do momento do ciclo econômico.
32
E, por último, Wicksell criticaria a hipótese de que seria possível diferenciar a
porção do estoque metálico que seria empregado em transações, da parte que seria
retida na forma, por exemplo, de jóias e ornamentos preciosos que seriam
guardadas para necessidades futuras, que não seria usada de forma alguma nas
trocas econômicas.
Para ele, o dinheiro só seria entesourado com o objetivo claro de
posteriormente ser usado nas transações, na obtenção de novos bens e serviços
(WICKSELL, 1965, p. 41-42).
Além disso, em sociedades que apresentassem um certo grau de
sofisticação, com a forte presença do crédito, a porção destinada à retenção na
forma de jóias e ornamentos seria irrisória em relação ao todo, e pouco importante
para a análise.
Assim, após análise cuidadosa da TQM, Wicksell concluiu:
[...] A Teoria Quantitativa é teoricamente válida desde
que a hipótese de ceteris paribus esteja firmemente
estabelecida. Mas entre as ‘coisas’ que têm que
supostamente se manter iguais são algumas das menos
críveis e dos mais intangíveis fatores em toda a
economia – em particular a Velocidade de Circulação da
Moeda, a qual de fato todas as outras podem ser mais ou
menos diretamente relacionadas. É conseqüentemente
impossível decidir a priori se a Teoria Quantitativa da
Moeda é de fato verdadeira – em outras palavras, se os
preços e a quantidade de dinheiro se movem juntos na
prática [...]. (WICKSELL, 1965, p. 42).
Assim, é a partir de uma análise detalhada da TQM que Wicksell tenta
desenvolver sua abordagem monetária. Uma questão que será fonte de muito debate
na literatura e será abordado no capítulo IV é a seguinte: ao fazer isto, Wicksell teria
apenas suplementado ou destruído completamente a TQM?
Uma pergunta que poderia ser feita é: por que Ricardo teria sido escolhido
como referência, e não, por exemplo, Thornton, que era um contemporâneo de
Ricardo e apresentou, segundo a opinião geral da literatura, uma versão mais
sofisticada da TQM?
33
A análise de Thornton teria sido a melhor descrição do mecanismo indireto de
transmissão monetária aos preços, nesta época
17
. Porém, Wicksell, segundo a
literatura econômica, não conhecia tal análise.
Seria uma constatação consensual que Thornton era um autor desconhecido
do debate relevante em Teoria Monetária até meados do século XX
18
.
De acordo com Ohlin, a TQM de Ricardo, “[...] para a mente matemática de
Wicksell” (OHLIN, 1965, p. vii), seria muito mais logicamente consistente e robusta
que as questões vagas e gerais que eram debatidas no final do século XIX, no
contexto das idéias da Banking School.
Dentro da tradição da Banking School, não haveria discussão em torno da
conexão que existiria entre o nível da taxa de juros bancária e a oferta monetária e
creditícia. A maioria dos autores acreditava que se, no ato do fornecimento de
crédito, fossem obedecidos os “[...] bons princípios bancários” (OHLIN, 1965, p. vii),
nunca haveria excesso de oferta de meios de pagamento em relação ao que o
mercado exigiria.
Além disso, seria evitada pela linha da Banking School uma questão crucial
para a análise monetária de Wicksell que era a de explicar o porquê dos preços
subirem e caírem. Neste ponto, a análise de Ricardo, ao destacar de maneira
decisiva, apesar de ter abordado superficialmente, a relação entre a política de juros,
quantidade de moeda e preços, ficaria muito mais próxima dos propósitos de
Wicksell (OHLIN, 1965, p. vii).
17
Thornton discute um mecanismo mais sofisticado, o de transmissão indireta. Este apareceria
quando o sistema bancário fosse considerado na análise. Quando há, por qualquer motivo, um
aumento da oferta monetária, este “novo dinheiro” seria colocado na economia via sistema bancário
de duas formas: por meio de expansão de depósitos ou através de aumento de reservas. Estas duas
formas possibilitariam um aumento nos empréstimos fornecidos pelos bancos. Supondo inicialmente,
uma taxa de juros bancária para empréstimos igual à taxa real de retorno sobre o capital físico,
incluindo uma margem de risco do investimento físico: quando houvesse um aumento na oferta
monetária, a taxa de juros bancária cairia, ficando menor que a taxa real de retorno sobre o capital
físico. Com isso, haveria um encorajamento para uma expansão de empréstimos para investimento
produtivo. Como o Investimento seria aumentado, haveria uma expansão da Demanda Agregada. Os
Bens de Capital seriam demandados mais intensamente e, dado o pleno emprego, haveria um
aumento em seus preços. Isso geraria uma pressão para aumento de preços em toda a economia,
incluindo salários. Este transbordamento de aumento de preços chegaria no mercado de bens por
meio de um aumento na demanda por bens na situação de pleno emprego. O que contribuiria,
também, para um aumento no nível geral de preços. Veremos que este mecanismo é bastante
próximo ao que será depois desenvolvido por Wicksell e, no entanto, este autor não foi considerado
por Wicksell. Teria sido a versão estrita da TQM Clássica, dentro da exposição de Ricardo, que
Wicksell escolheu para ser sua referência básica e ponto de partida para sua análise monetária
(SCHUMPETER, 1954).
18
Para ilustrar este fato, o verbete Henry Thornton, até 1987, não constava do Palgrave.
34
Mas Wicksell poderia também ter escolhido autores que apresentam
formulação diferente daquela de Ricardo.
Haveria uma outra justificativa para Wicksell ter escolhido a TQM de Ricardo
como ponto de partida em sua análise. Além da insatisfação com o debate vago e
geral em Teoria Monetária à sua época, explicitado anteriormente, Wicksell também
não concordou com a análise deste que era o outro expoente em Teoria Monetária
do século XIX, que teria desenvolvido argumentos que iam de encontro aos de
Ricardo: Tooke.
A afirmação de Tooke que, no período por ele estudado (1838-1857), “[...] a
taxa de juros tinha sido baixa quando o nível de preços caiu e alta quando os preços
subiram” (OHLIN, 1965, p. viii), contrariava a idéia de Ricardo, de uma relação
inversa entre taxa de juros e preços. Mas Tooke não deixou de ser uma referência
importante.
Segundo Ohlin, teria sido justamente a crítica de Tooke a Ricardo e a
tentativa de Wicksell em defender os argumentos deste último, que teria feito com
que Wicksell realizasse “[...] uma ampliação da Teoria dos Juros de Böhm-Bawerk”
(OHLIN, 1965, p. viii), dando origem à sua análise monetária a partir da relação entre
a taxa monetária e a taxa natural de juros.
III.2. Tooke e sua abordagem empírica: a contestação da causalidade moeda-
preços
A melhor tentativa de crítica à TQM teria sido, segundo Wicksell, aquela
apresentada por Tooke. Mas, ainda assim, seria bastante insatisfatória (WICKSELL,
1965, p. 43-47).
Thomas Tooke teria sido um representante bastante importante na tradição
Banking School / anti-bulionista. Basicamente, ele teria questionado as seguintes
posições da Currency School, predominantes à sua época: (i) o conceito de moeda;
(ii) que alterações em M levariam a alterações em P (causalidade); (iii) que haveria
35
poder dos bancos de afetar o meio circulante; (iv) a relação causal inversa entre taxa
de juros e P (PIVETTI, 1987, p. 657).
Primeiramente, segundo Pivetti, o conceito de moeda proposto por Tooke
teria sido mais abrangente que o de Ricardo. O conceito seria composto pela moeda
metálica, papel-moeda e todos os instrumentos de crédito presentes na economia.
Além disso, de acordo com Hoover & Dowell, Tooke afirmaria que alterações
nos preços seriam provenientes de mudanças nas condições de oferta, e não teriam
nada a ver com o sistema monetário vigente – supondo conversibilidade ou não
(HOOVER & DOWELL, 2001, p. 371-372).
Para ele, o nível de preços não dependeria da quantidade de moeda em
circulação. Seria o contrário: variações na quantidade de moeda seriam
conseqüência de variações nos preços (PIVETTI, 1987, p. 657-658).Isso aconteceria
porque o Banco da Inglaterra e os outros bancos não teriam o poder de afetar o
meio circulante, a menos que houvesse um choque de oferta ocorrendo
simultaneamente – por exemplo, expansão do comércio ou um aumento na
produtividade da economia.
Somente papel-moeda compulsório emitido diretamente por um governo para
pagamentos de bens e serviços, seria uma fonte consistente de demanda nova, de
tal maneira que alterações na sua quantidade agiriam diretamente como causa
originária de variações nos preços.
A abundância de moeda, ou seja, a expansão monetária por parte dos
bancos, primeiramente, fazia com que os preços das securities subissem e a taxa de
juros caísse.
Então, o poder dos bancos em afetar o meio circulante, e, portanto atuar
como causa original e catalisadora das trocas e das variações dos preços,
dependeriam, em última instância, do estímulo por meio da queda da taxa de juros
ao efetivo ao consumo de mercadorias - elasticidade dos empréstimos para
consumo à taxa de juros (PIVETTI, 1987, p.658).
Portanto, segundo Pivetti, a partir da visão de Tooke, flutuações de preços
não seriam conseqüência de variações na quantidade de moeda, seriam
provenientes de alterações nos custos de produção das firmas e de outros choques
de oferta. Assim, não haveria relação de causalidade entre M e P.
36
Alterações na quantidade de moeda seriam, na verdade, o efeito do aumento
das transações e dos preços, e não a causa deles.
Apesar destas críticas terem sido vitais nos argumentos de Tooke contra a
TQM (RIST, 1966, p. 187), o grande mérito de Tooke, segundo Pivetti, teria sido o de
ter trazido à tona a questão dos efeitos de mudanças na taxa de juros no incentivo
ao consumo de mercadorias.
No entanto, para Tooke, não era imediato que, a partir do momento que se
aumentasse o acesso ao crédito, haveria consumo efetivo (PIVETTI, 1987, p. 658-
659). Segundo Pivetti, Tooke afirmava que a experiência real não validaria a noção
de que a facilidade em se tomar empréstimos com uma taxa de juros baixa, levaria
necessariamente a um efetivo aumento no movimento de compra. Baixa taxa de
juros, aumentaria o poder de compra das pessoas; porém, não garantiria o efetivo
consumo.
O erro, para Tooke, seria considerar o aumento da disposição ou desejo de
consumir como conseqüência natural do aumento de poder de compra. Não haveria,
segundo ele, relação de causa e efeito entre variações na taxa de juros e variações
na demanda por mercadorias, a partir de evidências consistentes.
Além disso, Tooke teria argumentado, segundo Wicksell, contra a visão
dominante de que haveria uma relação inversa entre taxa de juros e nível de preços:
quando a taxa de juros subisse, o nível de preços cairia e vice-versa (WICKSELL,
1965, p. 44).
Para ele, uma persistente queda da taxa de juros, faria com que o custo de
produção caísse. Devido à competição entre os produtores, a margem de lucro
cairia, e, portanto, os preços cairiam, o que faria com que houvesse menos
necessidade de M, reduzindo seu montante na economia (PIVETTI, 1987, p. 658-
659).
Por outro lado, Tooke afirmaria que, quando a taxa de juros subisse,
aumentaria o custo de produção dos agentes econômicos, e assim, aumentariam os
preços, levando a uma necessidade maior de meio circulante para se efetuar
transações, o que faria com que os bancos expandissem M (PIVETTI, 1987, idem).
Em essência, Tooke teria negado qualquer poder por parte dos bancos em
regular a seu bel-prazer a quantidade de moeda em circulação.
37
Além disso, teria usado os choques de oferta como subsídio fundamental para
sua crítica à idéia de que todo influxo ou refluxo de metais preciosos deveriam
causar mudanças nos preços, independentemente de circunstâncias ligadas ao
custo de produção (PIVETTI, 1987, p. 659).
Para que aumentos na produção de ouro pudessem gerar aumentos
permanentes nos preços seria necessário, além da descoberta de novas minas
férteis, estar associado com avanços em métodos de trabalho, tecnológicos (queda
nos custos de produção). Ou seja, novamente, mudanças nas condições de oferta
(choques de oferta).
Basicamente, as críticas de Wicksell a Tooke estariam concentradas no que
diz respeito à conexão entre M e P (WICKSELL, 1965, p. 43-47).
Primeiramente, Wicksell defendeu, contrariamente a Tooke, que haveria, sim,
uma elasticidade da demanda por empréstimos de capital à taxa de juros, maior do
que um. Ou seja, seria bastante elástica, sensível a estímulos da taxa de juros.
Isto seria um postulado comum aos marginalistas, incluindo Wicksell. Por
outro lado, para Tooke, haveria inelasticidade nesta relação, baseado em dados
coletados pelo autor.
Além disso, segundo Wicksell, uma outra crítica relevante a Tooke, seria
sobre o efeito da taxa de juros no custo de produção e nos preços.
Para Wicksell, seguindo-se o raciocínio de Tooke, uma persistente redução
na taxa de juros levaria a uma redução na demanda por empréstimos dos
empresários. O meio circulante da economia migraria para os bancos e causaria
uma redução adicional na taxa de juros, e assim por diante, até que a taxa
convergisse para zero. Em outras palavras, a taxa monetária de juros estaria em um
estado de equilíbrio instável.
Esta conclusão, de fato, seguiria, não da visão de Tooke sobre a influência da
taxa de juros nos preços, mas da concepção de Wicksell de que a taxa de juros seria
uma magnitude inteiramente governada pela oferta e demanda por capital
monetário, sobre a qual o banco central pode exercer somente uma influência
temporária.
Não ter reconhecido que as autoridades monetárias tivessem, sim, o poder de
determinar a taxa de juros – embora um poder exercido com grandes restrições –
constituiria, na opinião de Wicksell, a principal falha de Tooke e da Banking School.
38
Sendo assim, apesar de criticar, de maneira contundente, alguns dos alicerces
da TQM, Wicksell rejeita a Teoria de Tooke e, como já dito anteriormente, afirma que
tal teoria, apesar de incompleta, seria a construção analítica mais bem elaborada, até
então, e que, portanto, não se poderia descartá-la precipitadamente, sem maiores
considerações. (WICKSELL, 1965, p. 44-45).
Como já foi visto anteriormente, a grande pergunta que Wicksell se propôs a
responder, quando de sua investigação em Teoria Monetária, foi a seguinte: por que
os preços da economia seriam instáveis?
Desvendar esta questão era fundamental para Wicksell, devido ao impacto
significativo da dinâmica dos preços na economia. A importância de tal problema no
trabalho do autor, pode ser demonstrada por uma citação presente no Interest and
Prices:
Mudanças no nível geral de preços sempre despertaram
um grande interesse. Obscuras em sua origem, elas
exercem uma profunda e abrangente influência na
economia como um todo e na vida social de um país.
(WICKSELL, 1965, p. 1).
Dentro da abordagem monetária de Wicksell há um particular e bastante
importante elemento analítico que vem, como mencionado, despertando muito
interesse dos economistas ao longo do tempo: o Processo Cumulativo.
39
IV. A ABORDAGEM MONETÁRIA DE WICKSELL COMO REFORMULAÇÃO DA
TQM: O PROCESSO CUMULATIVO
O Processo Cumulativo é um aparato teórico que, basicamente, de acordo
com Wicksell, tentaria suplementar a TQM, por meio, essencialmente, da inserção
do elemento crédito na análise monetária.
Este modelo gerou algumas observações e conclusões muito interessantes
sobre o funcionamento de economias capitalistas do final do século XIX e começo
do XX, que ecoariam e continuariam ecoando até hoje, influenciando o
desenvolvimento da Teoria Econômica do século XX e começo do XXI.
Para tentar compreender este esforço teórico de Wicksell e de onde surgiriam
alguns pontos geradores dos debates que se seguiram na literatura especializada,
este capítulo tem como objetivo descrever os principais conceitos utilizados na
abordagem monetária de Wicksell, destacando o Processo Cumulativo, utilizando
para tal, basicamente, a versão original contida no Interest and Prices (WICKSELL,
1965, p. 122-156), e a interpretação apresentada por Uhr (UHR, 1962, p. 233-245).
Com este objetivo, o capítulo é composto por duas partes fundamentais: (i)
delimitação da estrutura analítica de Wicksell, explicitando tanto os aspectos teóricos
que o autor estaria criticando, quanto os conceitos por ele utilizados em sua
abordagem monetária; (ii) descrição do Processo Cumulativo, destacando e
analisando as hipóteses sobre as quais este teria sido construído e as questões
polêmicas que teriam surgido a partir deste.
IV.1. Os alicerces da Teoria Monetária de Wicksell
Segundo Rogers (1989), a importância da Teoria Monetária de Wicksell era
clara no começo do século XX:
Antes da Teoria Geral de Keynes, a Teoria Monetária de
Wicksell representava a mais sofisticada tentativa de
complementar o formalismo estático da Teoria
Quantitativa da Moeda. (ROGERS, 1989, p. 21).
40
A citação sugere também, o que já foi visto no capítulo III, que o ponto de
partida, da abordagem de Wicksell, era a TQM. Wicksell sempre deixou explícito que
a sua intenção seria suplementar a TQM de Ricardo: tornar a ‘velha’ TQM mais
sofisticada, capaz de lidar com problemas mais complexos que anteriormente;
fundamentalmente, explicar melhor os fenômenos monetários em uma estrutura
econômica em que o crédito se tornava um elemento cada vez mais central.
Para tal, ele teve que redefinir vários dos conceitos que estariam subjacentes
à TQM de Ricardo e introduzir outros. A seguir, são descritos os principais
elementos da Teoria Monetária de Wicksell.
IV.1.1. O papel da moeda na abordagem de Wicksell
Wicksell adota uma Teoria Subjetiva do Valor, e afirma que o valor de
qualquer objeto “[...] é meramente a importância que nós damos à posse deste com o
propósito de satisfazer nossas necessidades [...]” (WICKSELL, 1965, p. 29). A
relação de igualdade entre as Utilidades Marginais dos diversos bens, quando
houvesse equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados, determinaria o
vetor de preços relativos das mercadorias na economia.
Porém, para Wicksell, não se poderia considerar a moeda como sendo
simplesmente uma mercadoria como outra qualquer. Para o autor, a moeda teria um
status especial, mesmo reconhecendo que as trocas de bens que ocorressem na
economia, com a utilização de moeda como intermediário, seriam regidas pela
mesma lógica da Teoria Subjetiva do Valor.
A moeda, para Wicksell, inicialmente, seria apenas e tão somente uma
mercadoria intermediária, um meio de troca. Mas, diferentemente de qualquer outra
mercadoria, ele afirma que:
Dinheiro é desprovido de Utilidade Marginal direta, já que
não se destina ao consumo diretamente em qualquer
tempo futuro. Talvez ele possua uma Utilidade Marginal
indireta, equivalente às mercadorias que possamos obter
em troca dele, porém isso depende, por sua vez, do valor
de troca ou do poder de compra do próprio dinheiro, e
41
não será ele que se regulará a si mesmo. (WICKSELL,
1986, p. 173).
Ou seja, “[...] É o poder de compra [da moeda] sobre os bens que determina
sua utilidade e sua utilidade marginal, e não o contrário” (WICKSELL, 1965, p. 29).
Qualquer que fosse sua forma, a moeda só seria moeda propriamente dita, se
exercesse a função de meio de troca; essa seria condição necessária para um objeto
ser considerado moeda. Como destaca Uhr:
Nada pode ser apropriadamente considerado moeda a
menos que sirva como meio de troca, enquanto é
possível medir e reter valor por outros meios. Como um
meio de troca, a moeda desempenha um papel essencial
de correlacionar proporções de troca entre bens, então
facilitando a obtenção das proporções de troca de
equilíbrio de mercado ou preços. (UHR, 1962, p. 217).
É importante ressaltar que, quando Wicksell se referia ao termo moeda em
sua análise, isso significava moeda metálica, ressaltando a distinção entre tal termo
e seus substitutos próximos, e entre aquele e o crédito.
Dentro deste contexto, ou seja, da definição de moeda como moeda metálica,
Wicksell destaca o que seria o seu poder de compra:
[...] moeda é uma quantidade em duas dimensões,
quantidade de valor, de um lado, e velocidade de
circulação de outro. Estas duas dimensões
multiplicadas entre si resultam na ‘eficiência’ da moeda
ou seu poder de facilitar a circulação de bens em um
dado período de tempo. (WICKSELL, 1986, p. 173).
Como é possível ver, o conceito de moeda de Wicksell estaria intimamente
ligado à questão do poder de compra. Um resumo do argumento de Wicksell seria o
seguinte: como a moeda não teria utilidade marginal por si (só teria utilidade
indireta), não poderia, portanto, ser enquadrada na teoria do valor-utililidade, ou
seja, não seria sua utilidade marginal que determinaria seu valor; Wicksell teria
42
atribuído valor à moeda via poder de compra. Logo, o valor da moeda seria o valor
de troca do dinheiro, simplesmente.
Assim, ficaria configurada a especificidade da moeda. E, a partir desta análise
sobre a formação do valor do dinheiro, fica claro o interesse fundamental de Wicksell:
estudar o comportamento do nível geral de preços, que seria uma medida bastante
razoável do poder de compra da moeda em determinada economia.
Valeria ressaltar, também, que uma das possíveis implicações das colocações
de Wicksell sobre a natureza do valor da moeda, é que, como a moeda não possuiria
Utilidade Marginal direta, não faria sentido dizer que existiriam oferta e demanda por
moeda per se.
Dado o seu conceito de moeda, sendo a moeda meramente um meio de troca,
só seria razoável pensar em oferta e demanda por moeda no contexto produtivo,
real, conectado aos outros bens da economia. Ou seja, o objetivo de obter moeda
seria somente o de, em seguida, usá-la para adquirir bens e serviços.
Esta definição de moeda seria totalmente compatível com a estabelecida pela
TQM. O problema seria que, como sugere Soromenho (1994, p. 66-69), esta função
da moeda não daria conta de explicar a determinação do nível geral de preços que,
como foi visto, era o principal objetivo de Wicksell.
Soromenho (1994, p.) utiliza-se do modelo walrasiano de equilíbrio geral para
ressaltar este problema. Supondo: (i) uma economia com dotação inicial de bens
para cada agente econômico; (ii) uma economia sem produção; (iii) que todo o
consumo seria realizado no período corrente (não haveria a possibilidade de
deslocamento intertemporal do consumo).
O modelo walrasiano mostraria que os indivíduos realizariam, a partir de suas
dotações iniciais, trocas diretas (obtendo diretamente o bem desejado por meio da
troca) e indiretas (adquirindo um bem qualquer para, em seguida, trocar pela
mercadoria desejada) entre si, até conseguirem maximizar suas utilidades
simultaneamente; este resultado seria denominado de equilíbrio.
Inicialmente, este modelo não necessitaria de moeda ou qualquer mercadoria-
padrão para que as trocas ocorressem. As trocas seriam regidas pelos preços
relativos e utilidades marginais das mercadorias.
43
Porém, uma pergunta poderia ser feita: a moeda, se adicionada a este modelo
de análise real, modificaria os resultados finais? Ou seja, a moeda poderia ser não-
neutra?
O que se verificaria, ainda segundo Soromenho (1994), quando inserimos a
moeda, com a função de um mero meio de troca, no modelo walrasiano de equilíbrio
geral, seria que o resultado final não se alteraria. E a maneira que se chegaria ao
equilíbrio, fundamentalmente, também não mudaria.
O único efeito que se observaria seria que, com a presença da moeda como
padrão de trocas, haveria a simplificação do processo de trocas necessário para se
alcançar o equilíbrio geral. A moeda seria um mero ‘catalisador’ do processo; o ‘óleo’
que facilitaria o funcionamento das ‘engrenagens’ do modelo walrasiano.
Porém, com isso, não seria possível explicar o porquê das variações no nível
geral de preços. Soromenho destaca esta conseqüência do raciocínio acima, no
contexto do modelo walrasiano com a presença de moeda:
[...] Evidentemente, estava implícito no seu raciocínio [de
Wicksell] que era possível associar diferentes níveis de
preços monetários a distintas quantidades iniciais de
moeda, caso fosse assumida a constância da velocidade
de circulação. A introdução de transações monetizadas,
no entanto, não permitia identificar forças endógenas ao
sistema econômico que determinassem o nível de
preços. Com efeito, se um preço relativo não fosse o de
equilíbrio, o excesso de demanda deveria resultar em
algum processo de ajuste que permitisse eliminá-lo. Mas
o mesmo não ocorria [...] em relação ao nível geral de
preços. Se todos os preços monetários se elevassem
parametricamente, o indivíduo teria de pagar uma maior
quantia pelos bens que adquirisse mas também
receberia uma quantidade mais elevada de moeda como
produto de suas vendas. Diferentes níveis de preços,
portanto, não induziam a atitudes dos agentes que
alterassem o nível geral de preços. Qualquer que fosse o
nível, o indivíduo permanecia-lhe totalmente indiferente.
[...] (SOROMENHO, 1994, p. 69).
Portanto, em relação à explicação sobre as variações no nível geral de preços,
a função meio de troca da moeda seria irrelevante. Caberia, então, para Wicksell,
44
identificar de que maneira a moeda seria importante na determinação dos preços
monetários da economia.
Segundo Uhr (1962) e Soromenho (1994), seria por meio da função reserva
de valor que a moeda influenciaria as oscilações do nível geral de preços. Esta
função possibilitaria a Wicksell inserir a dimensão tempo em sua análise.
Segundo Soromenho (1994, p. 70), o modelo walrasiano, para Wicksell, era
uma abstração de um mercado de bens no qual o tempo é desconsiderado. Mas,
Wicksell considera o tempo como elemento fundamental de explicação. E, neste
contexto, tentou proceder de maneira a introduzir a temporalidade em sua análise.
Em toda a sua abordagem, Wicksell manteve-se fiel ao modelo walrasiano, no
que tange às questões do valor e das trocas. Porém, no que diz respeito à produção,
Wicksell afastou-se do paradigma walrasiano e inspirou-se na teoria austríaca da
produção, fundamentalmente em Böhm-Bawerk. Neste, o aspecto temporal tinha um
papel preponderante, e segundo Wicksell forneceria uma explicação sobre a
determinação dos juros na economia. Neste contexto, Soromenho destaca:
[...] Ao desconsiderar o tempo exigido no processo
produtivo, a teoria walrasiana não descreveria
adequadamente o modo capitalista de produção.
Ademais, ela não forneceria uma explicação consistente
da determinação dos juros. Na verdade, Wicksell
reformulou sua apreciação do enfoque walrasiano,
procurando, posteriormente, conciliá-lo com a
abordagem austríaca. (SOROMENHO, 1994, p. 70).
Para acrescentar o tempo na análise, Wicksell, então, utiliza-se de dois
artifícios: (i) incorporação função da moeda como reserva de valor, (ii) utilização da
interpretação de Böhm-Bawerk sobre o processo produtivo.
A função da moeda como reserva de valor é colocada por Wicksell por meio
do estudo da Velocidade de Circulação da Moeda e, a abordagem austríaca da
produção geraria o conceito de taxa natural de juros.
45
IV.1.2. A importância da análise da Velocidade de Circulação da Moeda
A outra dimensão importante para se analisar o desenvolvimento da análise
monetária de Wicksell é a Velocidade de Circulação da moeda.
A análise de Wicksell sobre a Velocidade de Circulação da Moeda (V) começa
com uma definição:
[...] [A Velocidade de Circulação da Moeda] é o número
médio de vezes que unidades de moeda mudam de
mãos durante uma unidade de tempo, diga-se um ano,
no contexto da compra e venda (excluindo os
empréstimos). (WICKSELL, 1965, p. 52).
A Velocidade de Circulação da Moeda, como pode ser visto em sua definição,
estaria intimamente ligada, fundamentalmente, à função da moeda de meio de troca.
Porém, o inverso desta Velocidade (1/V) daria uma medida para uma outra
função da moeda, de extrema relevância neste momento do trabalho, que seria a de
reserva de valor; a qual teria o intuito de possibilitar ao indivíduo realizar transações
cotidianas e pagamentos não-previstos, ao longo de um período de tempo.
Este seria o chamado período médio de ociosidade da moeda, o qual decorre
entre duas transações realizadas pelo indivíduo.
Como, então, a medida para a função reserva de valor da moeda dependeria
da Velocidade, seria a partir destes conceitos iniciais, que Wicksell colocaria para si
as seguintes questões: o que determinaria a Velocidade de Circulação da Moeda?
Ela seria uma variável endógena ou exógena?
Wicksell tentou responder às questões acima a partir da divisão da análise em
três situações estilizadas de organização monetária, segundo as quais uma
sociedade poderia estar estabelecida, e as conseqüências destes diferentes tipos de
organização no que se referiria à magnitude Velocidade da Moeda: (a) uma
sociedade que só possuiria moeda metálica para todas as transações; (b) uma outra
no qual haveria a presença do chamado crédito simples, ou seja, na qual não
existiria a presença do setor bancário-financeiro e o crédito seria realizado entre
indivíduos, diretamente; (c) e, finalmente, aquela em que haveria um sistema
bancário-financeiro, no qual as transações seriam liquidadas de maneira
centralizada nos bancos.
46
No caso (a), existiriam fatores endógenos e exógenos que determinariam a
Velocidade de Circulação da Moeda.
À semelhança do que era assumido pela TQM, se houvesse, por alguma
razão, um aumento no nível geral de preços (em decorrência das expectativas dos
empresários, por exemplo), dado o pleno emprego de fatores e um estoque de
moeda, as pessoas desembolsariam mais moeda metálica do que o normal, fazendo
com que o fluxo de moeda da economia aumentasse e o período médio de
ociosidade da moeda diminuísse (WICKSELL, 1965, p. 54). Portanto, a Velocidade
de Circulação da Moeda aumentaria e o seu inverso, obviamente, diminuiria.
Porém, apesar de Wicksell não ter deixado claro a amplitude relativa deste
aumento na Velocidade (e redução no período de retenção da moeda), é possível
inferir a partir de seus textos, que depois que o volume de circulação de moeda se
adaptasse ao novo nível de preços, a Velocidade de Circulação da Moeda (e seu
inverso) tenderiam a voltar ao seu estado inicial. Portanto, a Velocidade variaria
endogenamente, mas variaria em torno de um nível constante.
Além disso, fatores exógenos poderiam ter uma certa influência na
Velocidade de Circulação da Moeda. Condições físicas de transporte, por exemplo,
determinariam o limite superior da rapidez de pagamentos e transações na
economia. Como Wicksell afirma:
[...] A moeda não pode circular mais rápido – [...] numa
economia que só haja moeda metálica – do que um
mensageiro possa correr; a Velocidade da Moeda não
pode exceder àquela do carro de entrega dos correios,
dos trens [...]. (WICKSELL, 1965, p. 55).
Contudo, Wicksell destaca que tais condições físicas de circulação da moeda
variariam lenta e gradualmente ao longo do tempo, sendo uma influência pouco
significativa para a variação da Velocidade de Circulação da Moeda. E, portanto,
funcionando como um fator que colaboraria com o argumento da constância da
Velocidade da Moeda, assumida pela TQM.
Um outro fator exógeno que, segundo Wicksell poderia ser considerado, seria
a questão do intervalo médio de ociosidade da moeda (e, portanto, a Velocidade)
47
depender das condições de mercado e da maneira com que os acordos entre
compradores e vendedores são feitos (WICKSELL, 1965, p. 55-56).
A fixação do intervalo entre dois pagamentos sucessivos faria com que os
indivíduos conseguissem planejar o quanto de moeda deveriam manter para cumprir
com seus compromissos monetários (sazonalidade, reserva para pagamentos não-
previstos – baseada no passado, etc.). Isto seria feito pelos contratos de compra e
venda na economia, os quais tenderiam a não tenderiam a variar muito de um
período para outro. Portanto, a constância deste fator redundaria em uma irrelevante
influência na Velocidade de Circulação da Moeda, contribuindo também, para o
argumento da estabilidade desta magnitude.
Em suma, em uma economia em que houvesse a presença somente de
moeda metálica, dada a estabilidade dos fatores endógenos e exógenos presentes
em tal sistema, a Velocidade de Circulação da Moeda tenderia a ser uma magnitude
constante. Sendo assim, segundo Wicksell, a TQM teria sua validade garantida, sob
esta hipótese (WICKSELL, 1965, p. 51-58).
No caso (b), seria inserida a possibilidade da obtenção de crédito, o que a
TQM parece ter ignorado. Porém, neste caso, como foi ressaltado, ainda não haveria
a presença do sistema bancário. As operações de crédito seriam realizadas entre
indivíduos, diretamente, sem intermediação bancária (WICKSELL, 1965, p. 59-61).
Para Wicksell, o crédito de indivíduo para indivíduo só teria o efeito de
aumentar a Velocidade de Circulação da Moeda, uma vez que a moeda ao invés de
ficar parada na mão de um indivíduo, circularia na mão de uma outra pessoa. No
entanto, isto não geraria um substituto para a moeda (WICKSELL, 1965, p. 59). O
crédito funcionaria apenas como um catalisador da circulação da moeda. A presença
de tal instrumento monetário, poderia levar a uma necessidade cada vez menor de
cash holding, elevando assim, a Velocidade da Moeda.
Mesmo não havendo, em teoria, um limite numérico superior para a
Velocidade da Moeda (a não ser aquele dado por restrições físicas) – o uso de
moeda metálica era ainda grande na época de Wicksell.
Um dos fatores que levariam a esta situação estaria relacionado à questão da
grande quantidade de pobres que não tinha acesso ao crédito, por não ter garantias
a fornecer.
48
Um outro aspecto a ser considerado seria o fato de que só um pequeno grupo
de indivíduos teria a capacidade de ser credor/devedor já que as garantias teriam
um custo bastante elevado de se obter. Ou seja, o risco de crédito restringiria uma
expansão muito grande do sistema.
Em suma, sobre a validade da TQM neste segundo tipo estilizado de
sociedade, Wicksell afirma:
[...] Um sistema de crédito simples e desorganizado
[sem um sistema bancário] certamente, reduz a
necessidade de retenção de saldos monetários de
alguma forma; mas a necessidade ainda existe,
particularmente no que diz respeito àqueles saldos que
servem de reservas contra pagamentos não-previstos.
A Velocidade de Circulação da Moeda é agora vista
como sendo de alguma forma uma quantidade elástica,
mas é ainda possuidora de poderes suficientes de
resistência contra expansões ou contrações, o que leva
a considerar que as conclusões da Teoria Quantitativa
da moeda retenham uma aparência de validade
substancial. (WICKSELL, 1965, p. 61).
Portanto, também neste segundo caso, Wicksell aponta que a TQM teria
validade devido a algumas inflexibilidades na variação da Velocidade de Circulação
da Moeda, o que faria com que esta fosse praticamente constante.
Estas inflexibilidades da Velocidade da Moeda seriam removidas no caso (c).
A inserção do sistema bancário-financeiro traria uma maior facilidade para a
obtenção e circulação de moeda e crédito.
Fundamentalmente, a combinação de (i) centralização de empréstimos em
instituições financeiras e (ii) utilização de títulos de crédito para se efetuar
transações removeria os obstáculos que faziam com que a Velocidade da Moeda
tivesse uma certa resistência em se expandir ou se contrair de maneira quase que
ilimitada (WICKSELL, 1965, p. 63).
A centralização bancária de empréstimos possibilitaria que os títulos de
crédito não precisassem passar de mão em mão dos indivíduos inseridos no circuito
de compra e venda da economia. Os títulos poderiam ser, nestas condições,
49
descontados diretamente nos bancos, abrindo espaço para um aumento relevante
na Velocidade de Circulação da Moeda.
O uso bastante difundido de títulos ou notas conversíveis em ouro, poderia
levar a quantidade de moeda metálica tender a zero; e levar a um valor infinito a
chamada Velocidade Virtual da Moeda (crédito) (WICKSELL, 1965, p. 65).
Neste contexto, o indivíduo estaria propenso a depositar seus saldos
monetários não utilizados nos bancos, assim possibilitando que tais instituições
emprestassem a terceiros. Então, Wicksell conclui:
[...] A moeda [metálica] agora serve como um
instrumento de troca ou pagamento, e quando ela é
acumulada pelos indivíduos em somas suficientemente
grandes, ela é depositada [...] no mesmo ou em outro
banco, o qual empresta tudo de novo. E assim por
diante. (WICKSELL, 1965, p. 65).
Ao invés de ficar parado nas mãos do seu dono, o dinheiro mudaria de mãos
e teria impacto nas transações comerciais, “[...] talvez dez a vinte vezes”
(WICKSELL, 1965, p. 65).
Com a possibilidade de descontar os títulos de crédito a qualquer hora nos
bancos, os contratos de compra e venda, e os empréstimos, não precisariam ter
datas muito certas para que fossem liquidados. Isto facilitaria, ainda mais, a
circulação da moeda, aumentando sua velocidade.
Em relação aos bancos, Wicksell afirma:
Quanto maior o número de clientes e a diversidade de
suas ocupações e suas posições na vida, menores são
as reservas relativas necessárias para manter o
sistema; maior também é a Velocidade [Virtual] de
Circulação da Moeda. (WICKSELL, 1965, p. 68).
Portanto, no caso de uma economia com um sistema de crédito organizado, a
Velocidade de Circulação da Moeda tenderia a assumir uma magnitude
indeterminada. Isto faria com que a TQM perdesse quase totalmente seu poder de
50
explicação, ou seja, supondo uma economia em pleno emprego, variações no
Estoque de Moeda não necessariamente levariam a variações proporcionais no nível
geral de preços (WICKSELL, 1965, p. 77-80).
Como Wicksell considerava esta a situação mais próxima à realidade e
considerava que neste contexto a TQM não conseguiria explicar adequadamente
uma economia com um sistema bancário-financeiro organizado, Wicksell tenta
analisar outras variáveis que pudessem fornecer uma resposta mais consistente com
a prática.
Para tanto, Wicksell introduz dois conceitos que serão centrais à sua teoria e
à descrição do Processo Cumulativo: as taxas natural e monetária de juros.
IV.1.3. Taxa natural e taxa monetária de juros
Wicksell apresenta as bases teóricas para a concepção da taxa natural e da
taxa monetária de juros estariam contidas, essencialmente, nas seguintes obras:
Value, Capital and Rent (1893) e de maneira mais superficial no Interest and Prices
(1965). Na 1ª parte do livro Lições de Economia Política (1986) e no artigo ‘A
Influência da taxa de juro sobre os preços’ (1906) as definições apareceriam mais
consolidadas, com algumas suaves diferenças dos trabalhos anteriores.
Inicialmente, antes de se descrever o que seriam estas taxas na teoria de
Wicksell, é necessário ressaltar que a questão sobre a definição da taxa natural de
juros foi motivo de grande controvérsia na literatura e que o propósito deste trabalho,
não é discutir com detalhes este conceito. Simplesmente, será feito um breve
apanhado sobre qual seria a concepção da taxa natural de juros em Wicksell para se
poder analisar o processo cumulativo.
Segundo Uhr (UHR, 1962, p. 224-226), no Value, Capital and Rent, Wicksell
tentou conciliar a teoria da utilidade marginal com a teoria do capital de Böhm-
Bawerk. E desta síntese analítica, ter-se-ia derivado uma das definições que
Wicksell atribuiria à taxa natural de juros. No Interest and Prices, define a taxa
natural de juros da seguinte forma:
Há uma certa taxa de juros sobre empréstimos a qual é
neutra em relação aos preços dos bens, e tende a nem
51
aumentá-los, nem reduzi-los. Esta é necessariamente a
mesma taxa de juro que seria determinada pela oferta e
demanda se nenhum uso de moeda fosse feito e todos
os empréstimos fossem efetuados na forma de bens
reais de capital. Isso pode ser descrito, também, como
o valor corrente da taxa natural de juros sobre o capital.
(WICKSELL, 1965, p. 102).
A taxa monetária de juros seria, para Wicksell, aquela praticada pelos bancos
(WICKSELL, 1965, p. 102-104).
O que estaria implícito nesta definição seria que a taxa natural de juros não
seria uma variável diretamente observável. Portanto, só haveria como conhecer sua
magnitude por meio da sinalização do nível geral de preços: se este estivesse
constante ao longo do tempo, significaria que o valor da taxa monetária de juros
corresponderia ao valor da taxa natural de juros.
Se houvesse alguma oscilação no nível geral de preços, tanto para cima
quanto para baixo, seria um sinal de que a taxa monetária de juros (diretamente
observável) e a taxa natural de juros (não diretamente observável) não teriam a
mesma magnitude.
Portanto, prevalecendo a igualdade entre as magnitudes da taxa monetária e
a taxa natural de juros, a economia estaria com seus preços relativos estáveis e,
com isso, a moeda seria neutra em seus efeitos sobre tais preços.
De qualquer maneira, para Wicksell, o conceito de taxa natural de juros acima
mencionado, teria mais utilidade como um indicador de acompanhamento de política
monetária do que para qualquer outra coisa.
O conceito que nos ajuda a compreender mais a natureza da taxa natural de
juros, no qual a temporalidade estaria inserida, tem origem na concepção de capital
e produção feita por Wicksell.
Como aponta Soromenho, o termo ‘natural’ seria originário da chamada
‘análise real’ de Wicksell. Em uma economia sem moeda, a racionalidade por trás
das trocas leva a algumas leis de funcionamento em uma sociedade atomizada.
Estas leis estariam sujeitas às condições técnicas de produção da sociedade em
questão e às diferenças individuais e sociais dos diversos agentes econômicos.
Estes elementos condicionantes das leis econômicas, segundo Wicksell, seriam
chamados naturais (SOROMENHO, 1994, p. 62).
52
Neste mesmo contexto, a concepção de capital de Wicksell seria equivalente
ao chamado capital real (ROGERS, 1989, p. 27). Este conceito englobaria
construções, maquinaria, ferramentas, matérias-primas, e todos os recursos que
teriam que ser acumulados ao longo do tempo para dar suporte ao fator trabalho
durante o processo de produção.
E a questão da temporalidade e da definição da taxa natural de juros, na
análise de Wicksell - com inspiração na teoria do capital austríaca - apareceria
justamente nessa definição de capital.
Diferentemente dos neoclássicos que, em sua função de produção teriam
Capital, Trabalho e Terra, para os austríacos, os fatores de produção originários
seriam apenas Trabalho e Terra. O Capital seria derivado de uma seqüência de
períodos de acumulação de Trabalho e Terra. O Capital não seria um fator original
de produção.
É a partir composição da ‘função de produção austríaca’ que seria, segundo
Rogers, possível estabelecer um conceito de taxa natural de juros, envolvendo o
tempo. Ela seria a diferença entre a produtividade marginal do Trabalho e da Terra,
no período corrente, e a produtividade marginal do Trabalho e da Terra acumulados
ao longo do tempo (ou seja, do capital, assim definido por Wicksell).
Para isso, o capital deveria ser medido, como aponta Rogers, em uma
unidade que compreendesse a possibilidade de a taxa natural de juros ser originada
do diferencial de produtividades marginais citadas acima (ROGERS, 1989, p. 28-29).
Para determinar a taxa natural de juros, o capital deveria estar medido como
uma soma de valor de troca, ou seja, na forma monetária, em uma medida que fosse
homogênea, caso contrário:
Se o capital tivesse sido medido em unidades técnicas
(terra e trabalho), o capital produtivo deveria ser
distribuído em tantas categorias quanto há tipos de
ferramentas, maquinário, etc., e um tratamento
unificado do capital na produção seria impossível.
Mesmo assim, nós somente saberíamos o ganho de
vários objetos em um momento particular, mas nada
sobre todo o valor dos bens em si mesmos, o qual seria
necessário saber a fim de calcular a taxa [natural] de
juros, que, em equilíbrio seria a mesma para todo o
capital. (WICKSELL apud ROGERS, 1989, p. 28).
53
Portanto, seria necessário definir o capital em termos de valor monetário.
Adicionalmente, Rogers (1989, p. 28-29), além de uma razão técnica, existiria
uma razão teórica para o capital, em Wicksell, ser medido em valor monetário: em
equilíbrio a taxa natural de juros deve ser a mesma para todo o capital. Esta
condição seria o axioma clássico de equilíbrio de longo prazo, definida em termos de
uma taxa de retorno uniforme sobre todos os fatores de produção.
Seria esta, segundo Rogers, a noção de equilíbrio empregada por Wicksell
para definir a taxa natural de juros:
Para isso, para definir tal equilíbrio, contudo, o capital
deve ser tratado como uma entidade homogênea e
móvel de forma que ele possa se mover entre setores
para equalizar a taxa de juros [natural] sobre lucro.
(ROGERS, 1989, p. 28).
O capital definido como valor monetário poderia cumprir este papel, mas
capital definido em termos de quantidade, unidades técnicas, não poderia.
Segundo Rogers, nesta busca pela obtenção de um conceito preciso de taxa
natural de juros, Wicksell teria se distanciado, também por este lado, da análise
walrasiana de equilíbrio geral. Ele teria tentado conciliar as aparentes propriedades
contraditórias do capital financeiro homogêneo e o capital real heterogêneo.
Vale frisar que a taxa natural de juros é um conceito impreciso na obra de
Wicksell. No artigo A Influência da taxa de juro sobre os preços, apresentado à
Seção Econômica da British Association, em 1906, por exemplo, Wicksell destacaria
uma definição diferente da anterior usando como sinônimo de taxa natural de juros o
Lucro sobre o Capital que, por sua vez, dependeria diretamente da Produtividade
Marginal do Capital da economia. Isso deu margem à confusão, pois o conceito de
capital de Wicksell era um pouco diferente do conceito marshalliano, utilizado na
tradição neoclássica inglesa
19
.
19
Ver Wicksell (1965), p. 122-133.
54
Wicksell denomina ainda, a taxa natural de juros também como taxa real de
juros
20
.
O conceito de taxa monetária, por sua vez, já é mais clara na obra de
Wicksell. Na visão do autor, os bancos seriam responsáveis pela fixação da taxa
monetária de juros
21
. É como se os bancos estabelecessem um conluio e definissem
conjuntamente a taxa monetária de juros vigente para toda a economia. De qualquer
maneira, o nível da taxa monetária de juros seria definido a partir das decisões dos
bancos, visando à maximização de seus lucros.
Os bancos, em conjunto, não teriam a menor intenção de definir a taxa
monetária de juros a fim de ser a melhor para a sociedade. Ou, em outras palavras,
os bancos não teriam caráter público, não pensariam no coletivo. Não havia, ainda,
uma noção consolidada de um banco central e suas funções.
Esta possibilidade teórica de definição conjunta da taxa monetária de juros
pelos bancos, faria com que, em Wicksell, o sistema bancário-financeiro pudesse ter
uma enorme importância para a economia como um todo. Mas, o que seria um
possível conceito de equilíbrio para as taxas de juros?
Segundo Leijohnufvud (1981, p. 160), existiriam três condições simultâneas
de equilíbrio para a taxa de juros na economia: (i) a taxa monetária de juros que
prevaleceria seria aquela caso o capital fosse tomado ou cedido em espécie (ou
seja, em igual magnitude à taxa natural de juros); (ii) a taxa monetária de juros
deveria conciliar as decisões de poupança dos indivíduos e de investimento dos
empresários; (iii) a taxa monetária de juros deveria balancear a oferta e demanda
por crédito.
E, dentro deste contexto, o impulso inicial do Processo Cumulativo se daria
quando ocorresse uma divergência entre a taxa natural e a taxa monetária de juros,
fazendo com que houvesse um aumento ou diminuição cumulativa do nível geral de
preços; ou seja, as condições de equilíbrio citadas acima seriam quebradas.
Este processo será analisado a seguir.
20
A taxa real de juros neste caso não é a mesma usada por Irving Fisher. Uma outra visão possível
seria que a taxa natural de juros seria proveniente da relação de equilíbrio entre oferta e demanda de
fundos emprestáveis da economia, respectivamente, Poupança (S) e Investimento (I). O equilíbrio
entre estas duas variáveis (S = I), definidas ex-ante, levaria a uma taxa natural de juros da economia
em questão. Sendo assim, esta taxa seria determinada pelo lado real da economia (ROGERS, 1989,
p. 32-33).
21
Posteriormente, outros autores como Robertson e Keynes, por exemplo, estabeleceriam que a taxa
monetária de juros seria determinada pela ação de mercado (idem).
55
IV.2. Processo Cumulativo como análise positiva de Wicksell: tentativa
de reformulação da TQM
IV.2.1. Hipóteses do Processo Cumulativo no Interest and Prices
Como foi sugerido, anteriormente, os elementos fundamentais de
desencadeamento e de ajuste do Processo Cumulativo proposto por Wicksell, seria
a existência de divergência entre as taxas natural e monetária de juros.
O modelo aqui exposto é uma síntese da apresentação feita por Wicksell no
Interest and Prices (1965, p. 122-156) que foi sua única tentativa de apresentar o
Processo Cumulativo, e da exposição de Uhr (1962, p. 233-245)
22
.
São explicitadas a seguir, as hipóteses que Wicksell adotou ao expor tal
modelo e, posteriormente, é feita uma exposição de um exemplo numérico que
ilustra a dinâmica do processo concebido pelo autor.
A primeira hipótese consiste, em considerar na análise, uma economia
fechada dotada de um sistema de crédito puro
23.
A hipótese de ser uma economia de crédito puro tem relação com seu
objetivo de mostrar uma economia sem o uso de moeda metálica nas transações,
em que relações comerciais e financeiras se dariam de maneira contábil, nem um
pouco, cenário bastante diferente daquele levado em conta pela TQM. Isto reforça o
aspecto crítico do modelo de Wicksell.
O pleno-emprego de fatores é suposto inicialmente. Neste caso, se o
empresário quisesse aumentar a produção, teria que oferecer salários reais maiores
que os iniciais a fim de conseguir a efetiva contratação de mão-de-obra.
A hipótese adotada da livre-competição em todos os mercados exerceria dois
papéis principais e simultâneos no modelo: evitaria que os empresários obtivessem
lucros extraordinários e garantiria sempre o pleno-emprego, ao longo do processo.
22
O exposição do modelo do Processo Cumulativo de Uhr foi escolhida no trabalho, pois é aquela
que mais se aproxima da sistematização original de Wicksell, no Interest and Prices.
23
Provavelmente, Wicksell quis eliminar as influências do mercado internacional já que os resultados
do modelo poderiam ser diferentes para economias produtoras de ouro em relação a outras que não
fossem (UHR, 1962).
56
O período de produção suposto coincide com o período de investimento e é
igual a um ano. A produção começaria ao mesmo tempo em todos os setores, no
começo do ano e seus lucros só poderiam ser obtidos e utilizados no final do
período. Isto impediria que houvesse um descompasso entre os diversos setores de
produção, provocando alguma distorção nos preços relativos dos bens de consumo.
Supõe-se também que o chamado capital real líquido, que corresponde ao
estoque de bens de consumo da economia, é mantido constante pelo agregado dos
capitalistas, sempre que o renovassem anualmente. Seria equivalente à soma dos
salários reais anuais e o fundo de aluguéis.
Estes salários e aluguéis seriam pagos antecipadamente, na forma de
adiantamentos, pelos empresários aos trabalhadores e proprietários de terra no
começo do ano. Isto possibilitaria que eles pudessem comprar um estoque suficiente
de bens de consumo que os sustentasse durante o ano de produção.
Outra hipótese é de que os empresários não possuem qualquer capital inicial.
Eles teriam que contrair, exclusivamente e obrigatoriamente, empréstimos bancários
para que pudessem contratar trabalhadores e terras, no intuito de estarem aptos a
produzir.
Os capitalistas (este termo, aqui, no sentido de possuírem o capital real
líquido, inicialmente), seriam também negociadores de bens de consumo. Porém,
devido à livre-competição, não obteriam lucros extraordinários.
Além disso, a produção teria a função apenas de renovar o estoque de bens
de consumo.
Os bancos, neste sistema de crédito puro, fariam transações sem obter lucros
líquidos. Eles emprestariam recursos à mesma taxa de juros que captassem os
depósitos.
Isto seria ótimo para o sistema como um todo; porém, poderia ser
questionado, então, qual seria o grande motivador da existência dos bancos, já que
eles não obteriam qualquer lucro? Uma resposta possível seria que Wicksell se
refere a um banco com funções públicas, ou melhor dizendo, um banco central, nos
termos contemporâneos.
Adicionalmente, supõe-se que durante o primeiro ano a economia estaria em
estado estacionário. A análise é apresentada num período de dez anos, ou seja,
tendo a dimensão dinâmica do tempo, um papel bastante importante na análise.
57
Para a compreensão do processo, é importante ressaltar, mais
explicitamente, o papel dos cinco agentes deste modelo.
Os empresários seriam os que produziriam os bens de consumo, a partir da
contratação de trabalhadores e terra, com recursos obtidos por meio de empréstimos
bancários no começo de cada período. Ao final do período, os empresários
venderiam a produção aos capitalistas, e com os recursos obtidos da venda,
pagariam suas dívidas junto aos bancos e, se obtivessem lucros nominais, por
hipótese os reteriam para uso futuro.
Os capitalistas seriam os que possuiriam inicialmente o capital real líquido.
Eles venderiam seus estoques de bens de consumo aos trabalhadores e
proprietários de terra, e os recursos financeiros obtidos nesta transação seriam
depositados nos bancos. Ao final do período, os capitalistas comprariam a produção
dos empresários e retirariam desta, uma pequena parte em lucros (a qual guardaria
para consumo futuro) e a outra parte reserva para vender no período posterior.
Os trabalhadores receberiam salários adiantados, no início do período de
produção. Com esta renda, eles comprariam um montante de bens de consumo dos
capitalistas, suficiente para satisfazerem suas necessidades ao longo do ano.
Os proprietários de terra receberiam recursos nominais provenientes de
aluguéis pagos pelos empresários, no começo do período. Com tal saldo monetário,
comprariam bens de consumo dos capitalistas que satisfizessem suas necessidades
durante o período.
Em um primeiro momento, os bancos teriam a incumbência de emprestar
recursos para o empresário produzir. Depois disso, receberiam depósitos dos
capitalistas. Ao final do período, as dívidas seriam liquidadas e os depósitos
devolvidos, obviamente, apenas de forma contábil.
E, finalmente, o modelo do Processo Cumulativo, seria, segundo Uhr, todo
baseado na hipótese de que os empresários e os outros agentes econômicos
agiriam e reagiriam em função somente dos preços correntes nos seus períodos de
planejamento (UHR, 1962, p. 241).
Se eles fizessem o contrário, e antecipassem o aumento de preços do
período seguinte, a aceleração do aumento do nível de preços seria muito mais
rápida do que a seqüência que será apresentada a seguir, na descrição do Processo
Cumulativo.
Os agentes econômicos e suas funções no modelo de Wicksell podem ser
resumidos da seguinte forma:
Pagam
salários
Emprestam
força de
trabalho
Vendem
bens
consumo
Compram
bens
consumo
Vendem
produção
Compram
produção
EMPRESÁRIOS
CAPITALISTAS
TRABALHADORES
BANCOS
Remuneram
Depositam
Emprestam
Liquidam
dívidas
Figura 1. Agentes e suas funções no modelo de Wicksell.
Para efeito de simplificação, é aqui omitida a figura do proprietário de terra na
descrição do modelo, exatamente da mesma maneira que Wicksell fez
originalmente. Como ele exerceria uma função passiva no modelo, não haveria
perda de aspectos explicativos.
IV.2.2. A descrição do Processo Cumulativo
Apesar de o modelo do Processo Cumulativo ter uma certa inspiração
walrasiana, Wicksell, como vimos, não estaria muito confortável com a característica
da atemporalidade observado nos modelos de equilíbrio geral walrasianos
(ROGERS, 1989, p. 28-30).
58
Por conta disso, a descrição aqui realizada segue o mesmo padrão e forma
da apresentação original de Wicksell, de modo a preservar o aspecto temporal da
descrição do Processo Cumulativo, tão importante para o autor.
Wicksell, na descrição original, diferentemente dos modelos de equilíbrio
geral, fez questão de ressaltar a sucessão de períodos, dando uma importância
fundamental ao papel do tempo na análise econômica.
As duas tabelas abaixo elaboradas a partir de Uhr (1962, p. 238-239),
sintetizam a descrição original de Wicksell:
Tabela 1. Processo Cumulativo (I).
Período de Taxa Natural Taxa Monetária Valor monetário
Investimento de Juros de Juros do Capital Líquido
1 5% 5% 100 K $ 100,0000 K
2 6% 5% 100 K $ 100,0000 K
3 6% 5% 100 K $ 101,0000 K
4 6% 5% 100 K $ 102,0100 K
5 6% 5% 100 K $ 103,0300 K
6 6% 6% 100 K $ 103,0300 K
7 6% 7% 100 K $ 103,0300 K
8 6% 7% 100 K $ 101,9900 K
9 6% 7% 100 K $ 100,9800 K
10 6% 7% 100 K $ 99,9700 K
Capital Líquido utilizado
em unidades físicas ou reais
Tabela 2. Processo Cumulativo (II).
Valor monetário Valor monetário Nível Geral de Preços
da Produção (B) dos empréstimos (B) / (A)
105 K $ 105,0000 K $ 105,0000 K 0 K $ 0 K 100
106 K $ 106,0000 K $ 105,0000 K 1 K $ 1 K 100
106 K $ 107,0600 K $ 106,0500 K 1 K $ 1,01 K 101
106 K $ 108,1306 K $ 107,1105 K 1 K $ 1,0201 K 102,01
106 K $ 109,2119 K $ 108,1816 K 1 K $ 1,0303 K 103,03
106 K $ 109,2119 K $ 109,2119 K 0 K $ 0 K 103,03
106 K $ 109,2119 K $ 110,2422 K -1 K $ -1,0303 K 103,03
106 K $ 108,1190 K $ 109,1398 K -1 K $ -1,0199 K 101,99
106 K $ 107,0390 K $ 108,0484 K -1 K $ -1,0098 K 100,98
106 K $ 105,9680 K $ 106,9679 K -1 K $ -0,9997 K 99,97
Termos reais Termos monetários
Lucros LíquidosProduto em
unidades reais (A)
59
60
9 Período 1:
Suponha-se que a taxa natural e a taxa monetária de juros fossem
equivalentes e iguais a 5%, inicialmente.
Os empresários desejariam produzir, mas, por hipótese, não possuiriam
capital real líquido inicial algum. Eles recorreriam aos bancos, obtendo recursos
monetários (de forma contábil) no valor de $100K. Como a taxa de juros monetária
seria de 5%, o empresário ficaria devendo ao banco o valor de $105K.
Com $100K os empresários contratariam 100K trabalhadores, na forma de
adiantamentos de salários. Dada a taxa natural de juros, ao final do período, então,
o valor real da produção seria de 105K unidades de bens de consumo (investiu 100K
e obteve 105K de produto final em termos reais).
Os trabalhadores, então, comprariam 100K unidades dos bens de consumo
que os capitalistas possuem, pelo valor de $100K, a fim de que pudessem satisfazer
suas necessidades de consumo ao longo do ano.
Os capitalistas por sua vez depositariam este valor recebido dos
trabalhadores ($100K) no banco, tendo, portanto, um direito no futuro de $105K, que
seria a remuneração que o banco paga pelos depósitos que seriam feitos em seu
estabelecimento.
Ao final do período, quando a produção ficasse pronta, os capitalistas
comprariam dos empresários os bens de consumo: como os empresários devem
$105K ao banco e os capitalistas teriam direitos a receber deste, no valor, também,
de $105K, simplesmente haveria uma operação contábil (um título contra o outro)
que liquidaria tais dívidas e direitos e consolidaria a operação de troca de
mercadorias.
Logo, no final do ano, empresários, trabalhadores e bancos teriam zero em
seus saldos monetários. Os capitalistas possuiriam $105K, valor o qual teria a
seguinte utilização: $5K seria retido para consumo futuro e $100K seria reservado
para a venda aos trabalhadores no período seguinte.
O índice do nível geral de preços do período dado pelo quociente entre o
valor monetário da produção ($105K) e o valor real da produção (105K), multiplicado
por cem, seria igual a 100.
61
Se nada mudasse, este processo se repetiria indefinidamente, mantendo o
índice de preços em 100, ou seja, com o nível geral de preços constante.
9 Período 2:
Porém, suponha-se que houvesse um ganho de produtividade no trabalho na
economia como um todo, e a nova taxa natural de juros fosse igual a 6%, com a taxa
monetária de juros constante em 5%. O que aconteceria no segundo período?
Do mesmo jeito do primeiro período, os empresários pegariam emprestado do
banco $100K e ficariam devendo $105K. Eles contratariam os trabalhadores por
$100K.
Os trabalhadores por sua vez, comprariam 100K bens de consumo dos
capitalistas por $100K. Já os capitalistas depositariam $100K no banco, tendo como
direito receber no futuro $105K.
Até este ponto, tudo estaria igual ao primeiro período. Porém, o valor real da
produção seria a nova taxa natural de juros multiplicada pelo trabalho aplicado na
produção, que seria igual a 106K. A preços constantes, o valor da nova produção
seria de $106K.
Como os empresários deveriam apenas $105K ao banco, eles teriam um
lucro líquido contábil de $1K. Por hipótese, os empresários reteriam tal lucro para
consumo futuro.
Porém, o índice do nível geral de preços estaria constante: $106K/106K,
multiplicado por cem, seria igual a 100.
Então, excluindo-se o fato dos empresários terem obtido lucro líquido, o que
mudou neste segundo período? Resposta: as expectativas dos empresários. Haveria
um incentivo para a expansão de seus negócios. Agora, eles esperariam para os
próximos períodos, lucros pelo menos iguais aos do segundo período.
9 Período 3:
Numa economia em pleno emprego de fatores, para algum empresário
ganhar, algum outro tem que perder. Seria o chamado ‘jogo de soma zero’.
62
Então, no terceiro período, para conseguir expandir seus negócios nesta
economia em pleno emprego, devido à competição que se daria entre as firmas pelo
fator trabalho, seria preciso aumentar os salários monetários oferecidos para atrair
mais trabalhadores e aumentar a produção.
Porém, haveria um movimento simultâneo do empresariado de tal modo que,
fazendo-se a média do esforço que cada empresário faria para atrair trabalhadores
adicionais, o nível médio dos salários suba para $101K (antes $100K), por exemplo.
Os empresários teriam agora que pegar empréstimos bancários no valor de
$101K para contratar os mesmos 100K trabalhadores (únicos existentes na
economia). Agora, os trabalhadores comprariam os mesmos 100K bens de consumo
por $101K dos capitalistas, pagando $1,01 por unidade. Os capitalistas depositariam
estes $101K no banco, tendo direito, no futuro, de receber $106,05K.
Contudo, o fato importante a ser salientado seria que o valor real da produção
seria igual ao do segundo período: 106K. Enquanto que o valor monetário da
produção que seria igual ao produto entre a taxa natural de juros, o salário pago aos
trabalhadores e a quantidade de trabalho aplicado na produção, seria de $107,06K
(106*$1,01*K). Logo, o índice do nível geral de preços estaria agora em 101
(($107,06K/106K)*K), o que mostraria um aumento nos preços.
Além disso, deveria ser ressaltado que, assim como no período anterior, os
empresários teriam obtido um lucro líquido neste período: $1,01K ($107,06 -
$106,05). O que incentivaria os empresários a novamente expandirem ainda mais
seus negócios. O que traria um aumento nos salários médios pagos aos
trabalhadores e assim por diante, até que houvesse um novo aumento de preços.
Seria aqui que estaria a chave para entender a cumulatividade do processo
em relação ao nível geral de preços. Enquanto a taxa natural e a taxa monetária de
juros divergirem, e, mais especificamente, neste caso, a taxa natural for maior que a
taxa monetária, os empresários teriam um estímulo cada vez maior de investirem e
expandirem seus negócios, gerando um aumento contínuo no nível geral de preços.
9 Período 4:
63
Supondo não haver qualquer alteração na taxa monetária de juros, tampouco
na taxa natural de juros em relação ao período 3, no período 4 o movimento de
expansão de negócios continuaria, dado os lucros do período anterior.
Com isso, haveria, novamente, um acirramento pela busca de novos
trabalhadores em uma economia em pleno emprego, trazendo uma nova pressão
altista ao nível salarial.
Digamos que o salário pago, neste período, fosse de $102,01K. Os
empresários, então, teriam que obter junto aos bancos a quantia de $102,01K.
Com a taxa natural de juros em 6%, em termos reais, dado um investimento
real de 100K, o produto final em unidades reais seria de 106K. Porém, o valor
monetário da produção seria de $108,1306K ($102,01K*1,06), maior que no período
3 (que era de $107,06K).
O lucro auferido pelos empresários neste período 4 teria sido de $1,0201K,
resultado da subtração do valor monetário da produção ($108,1306K) e o valor
monetário devido pelos empresários aos bancos ($107,1105K).
E, finalmente, o nível de preços neste período seria de 102,01, resultado do
quociente entre o valor monetário da produção ($108,1306K) e o valor real da
produção (106K).
Portanto, o nível de preços do período 4 seria maior que no período 3,
destacando o caráter cumulativo do modelo de Wicksell.
9 Período 5:
Supondo também que, no período 5, as condições das taxas de juros, tanto a
monetária, quanto a real, não se alterassem, observar-se-ia um processo idêntico
aos períodos 3 e 4: como teria havido lucro econômico extraordinário sendo auferido
no período 4, persistiria o estímulo aos empresários em aumentar ainda mais sua
produção.
Novamente haveria pressão para aumento de salários devido à competição
pelo fator trabalho em pleno emprego. Suponha que a quantia paga, agora, seja de
$103,03K, maior que no período anterior.
64
Pelo mesmo raciocínio dos períodos anteriores, o valor monetário da
produção é agora $109,2119K. O que daria um lucro aos empresários de $1,0303K,
ainda maior que no período 4.
E, o nível geral de preços, crescente desde o período 3, continuaria deste
modo no período 5: 103,03.
9 Período 6:
A essência do processo cumulativo, conforme este foi descrito até o período
6, é captada por Boianovsky:
[...] Expectativas de lucros podem criar uma ‘bolha’ de
crédito que se autoalimenta por meio de preços
crescentes e uma conseqüente expansão do crédito [...]
(BOIANOVSKY & TRAUTWEIN, 2001, p. 347).
O Processo Cumulativo só pararia quando os bancos resolvessem, neste
caso em particular, subir a taxa monetária de juros para 6%. É o que aconteceria no
período 6.
Suponha-se que no período 6, os bancos realmente subam suas taxas para
6%, ou seja, agora o valor da taxa monetária de juros teria esta magnitude.
Igualando-se à nova taxa natural de juros, derivada do aumento de produtividade no
período 2.
Apesar da existência de lucros auferidos pelos empresários no período
imediatamente anterior a este em questão, não haveria um movimento expansionista
na produção, sob estas novas condições, neste período.
Este movimento altista na taxa monetária de juros, sinalizaria ao empresário
que, a partir deste evento, os lucros futuros tenderiam a ser menores em relação às
expectativas destes quando se tinham as condições dos períodos 3 a 5. Portanto, há
um arrefecimento no desejo de expansão dos empresários.
Portanto, o nível salarial neste período, permaneceria o mesmo do período 5,
ou seja, $103,03K. Assim como o valor da produção seria idêntico ao período
anterior ($109,2119K).
Contudo, neste período, os empresários ficariam com lucro igual a zero
(auferem receita em igual montante aos empréstimos devidos aos bancos).
65
Adicionalmente, com bastante destaque, caberia observar que o nível geral
de preços ficaria igual ao período imediatamente anterior (103,03). Ou seja,
interromper-se-ia a cumulatividade do aumento de preços; estabilizar-se-ia o nível
geral de preços.
Porém, vale ressaltar, como aponta Uhr, que quando o nível geral de preços é
controlado, ele não volta ao patamar inicial; pelo contrário: o patamar em que o nível
de preços e salários se estabilizem, seria o novo ponto de equilíbrio na economia
(não necessariamente igual à situação inicial), geralmente acima do nível inicial
(UHR, 1962, p. 240-245).
9 Períodos 7 a 10:
Suponha-se, agora, que no período 7, os bancos aumentem a taxa monetária
de juros para 7%, ficando acima da taxa de juros natural (6%) e permanecem com
esta taxa até o período 10.
Isso provocaria um processo cumulativo baixista no nível de preços.
Por exemplo, ao final do período 7, seguindo um raciocínio análogo aplicado
aos outros períodos, os empresários deveriam aos bancos, a uma taxa monetária de
juros de 7%, um total de $110,2422K; enquanto que o valor monetário da produção
permaneceria a uma magnitude de $109,2119K.
Isto geraria um prejuízo para os empresários de $1,0303K, dando um
desestímulo à produção no período seguinte, e, se houvesse a manutenção da taxa
monetária acima da taxa natural de juros, ocorreria um desincentivo persistente e
permanente ao longo do tempo. E seria o que aconteceria entre os períodos 7 e 10
da descrição do modelo de Wicksell.
Apesar de, ainda no período 7, o nível de preços ter permanecido o mesmo
do período 6 (103,03), do período 8 em diante, com a taxa monetária de juros acima
da taxa natural de juros, haveria uma força, por um mecanismo análogo ao descrito
nos períodos anteriores, que levaria o nível geral de preços cair sistematicamente,
de maneira cumulativa, graças, fundamentalmente ao desaquecimento da economia.
66
Contudo, como destaca Uhr (1962) a respeito da postura de Wicksell, apesar
dos prejuízos recorrentes dos empresários que os desincentivariam a produzir, não
haveria redução no produto final.
Segundo Uhr, para Wicksell, os trabalhadores e donos de terra reduziriam
suas exigências em relação a salários e aluguéis, respectivamente, e o nível de
produto permaneceria o mesmo. A queda, então, não seria do produto, e sim do
nível geral de preços.
E como seria o mecanismo de parada do modelo nesta situação cumulativa e
baixista? Uhr explica-o da seguinte forma:
Este processo de baixa poderia também seguir
indefinidamente, particularmente, em um sistema de
crédito puro. Mas é mais provável que após algum
declínio cumulativo no nível de preços, empresários, ou
os gerentes dos bancos, ou ambos, poderiam persuadir
os capitalistas a aceitar uma taxa de juros sobre
depósitos bancários [taxa monetária de juros] menor,
uma taxa que fosse igual à taxa natural. Em tal
situação, o equilíbrio será restaurado depois de
passado um ano adicional ou um período de
investimento. (UHR, 1962, p. 241).
Portanto, teria de haver um certo convencimento dos capitalistas para que
abrissem mão de certa parcela de juros em prol do sistema econômico como um
todo.
Contudo, esse parece ser um mecanismo ingênuo de como um sistema
financeiro-bancário complexo e centralizado funcionaria.
Mesmo não sendo o objeto central da Dissertação, é importante ressaltar,
porém que, ainda em sua obra Interest and Prices Wicksell tentou delinear a
configuração de um banco central moderno. Este sim teria como incumbência, como
tem nos dias de hoje, a função de forçar as instituições financeiras e os agentes
econômicos a aceitarem as diretrizes monetárias, e particularmente as taxas de
juros determinadas por um poder central. Este seria um mecanismo mais razoável
de equilíbrio para um modelo cumulativo
24
.
24
Para uma discussão mais detalhada a respeito da concepção de banco central dentro da teoria de
Wicksell, ver WICKSELL (1962, p.178-196).
67
Na maneira como o Processo Cumulativo é apresentado, nas suas mais
diversas interpretações, ao longo do tempo, é bastante comum a presença
constante de um caráter de tentativa de modelagem em termos de Equilíbrio Geral
walrasiano, sem a presença da dimensão tempo.
Porém, no trabalho original de Wicksell, como foi visto, é enfatizado o caráter
dinâmico do processo, ao longo do tempo. Foi isso que se tentou preservar na
reconstrução do Processo Cumulativo feita neste capítulo.
A abordagem monetária de Wicksell influenciou e vem influenciando muitos
autores ao longo de todo os século XX e XXI. A descrição de Wicksell sobre o
Processo Cumulativo gerou interpretações bastante diversas a respeito de sua
natureza e resultados obtidos por meio dele.
Estas diferentes leituras possíveis do modelo deram subsídios ao
desenvolvimento de uma controvérsia em particular: a discussão a respeito do
caráter quantitativista do modelo de Wicksell. De acordo com a abordagem de cada
autor, classificar-se-ia o Processo Cumulativo de forma diferente.
Então, o capítulo V terá o objetivo de realizar uma breve descrição de
algumas destas principais interpretações contemporâneas sobre o Processo
Cumulativo, presentes nesta controvérsia.
68
V. O PROCESSO CUMULATIVO E A TQM: INTERPRETAÇÕES SOBRE O
CARÁTER QUANTITATIVISTA DA ABORDAGEM DE WICKSELL
A tentativa de Wicksell de integrar a análise real e o lado monetário, na forma
do chamado Processo Cumulativo, gerou questões controversas a respeito da
ligação ou não desta abordagem com a TQM.
O uso de hipóteses mais realistas por parte de Wicksell, em relação ao
quantitativismo clássico, trouxe, segundo vários comentadores, uma nova
perspectiva para o entendimento da mecânica de determinação do nível de preços
na economia.
A exposição teórica de Wicksell , a teoria de Wicksell deixou espaço para que
se abrisse uma controvérsia, conforme mencionado acima, no que concerne ao
caráter quantitativista do modelo. A pergunta implícita neste debate é: era Wicksell
um teórico quantitativista?
Há um consenso na literatura entre vários autores sobre o ponto já apontado
nos capítulos III e IV, de que Wicksell denominava-se um quantitativista. Ele visaria a
complementar a TQM por considerá-la inadequada para lidar com a presença do
crédito. A contribuição que Wicksell teria imaginado prover com sua pesquisa seria
desenvolver, aperfeiçoar, suplementar a TQM.
No entanto, não há consenso entre os autores sobre se Wicksell, nesta
tentativa teria apenas complementado ou se de fato, voluntária ou involuntariamente,
teria rompido as fronteiras desta teoria.
Esta discordância com relação ao caráter quantitativista da abordagem
monetária de Wicksell, deve-se em parte ao fato destes autores interpretarem
Wicksell sem a preocupação de serem ‘fiéis’ ao que ele colocou. Cada um a seu
modo ‘atualiza’ a idéia do Processo Cumulativo de forma a ver como este funcionaria
em um contexto institucional bastante diferente do suposto por Wicksell – sistema
bancário-financeiro mais desenvolvido, com a presença de um banco central
proeminente, e instrumentos de crédito muito mais complexos.
Muitas vezes, também, estes comentadores de Wicksell incorporam à análise,
conceitos teóricos modernos. Assim, cada um chega a uma descrição peculiar do
que seria o Processo Cumulativo, sobre o que o iniciaria e como este seria
69
finalizado. E, por conta destas diferenças (e diferenças sobre o que se entende por
ser quantitativista) chegam a diferentes conclusões no que se refere ao
posicionamento de Wicksell em relação à TQM.
Assim, a maneira como os autores reconstruíram o Processo Cumulativo e
classificaram Wicksell diante da TQM tem naturezas bastante variáveis. As razões e
fatores apresentados trazem uma diversidade e, ao mesmo tempo, uma riqueza tão
grande, o que torna o debate muito interessante.
V.1. Interpretações acerca do Processo Cumulativo de Wicksell
É um consenso na literatura de que, para Wicksell, a TQM teria um grande
poder explicativo no caso de uma economia com presença exclusiva de moeda
metálica.
Partindo de uma interpretação da TQM que incluiria o efeito saldos reais, no
que se refereria à economia com a presença exclusiva de moeda metálica, sem
sistema bancário-financeiro, para Humphrey este efeito saldos reais funcionaria
perfeitamente. Portanto, Wicksell consideraria a TQM como válida, tanto para uma
economia fechada, quanto para uma aberta
25
.
Haavelmo concordaria com este argumento de Humphrey; e destacaria que
no caso de uma economia que só existisse moeda em espécie e não houvesse
bancos, a TQM seria uma explicação bastante coerente. Choques exógenos no
estoque monetário levariam a mudanças no nível de preços.
A controvérsia começa quando há a presença do crédito e de um sistema
bancário-financeiro desenvolvido. Neste caso, as interpretações sobre o modelo de
25
Em uma economia fechada, quando havia, por exemplo, uma descoberta de novas jazidas de ouro,
aumentava-se o estoque monetário deste país. Com isso, ocorreria o efeito saldos reais e o nível de
preços aumentaria na mesma proporção do aumento na oferta monetária. Em uma economia aberta,
acontece o mesmo que em uma economia fechada. Porém, supondo que todos os bens são
tradeables (exportáveis e importáveis) e qualquer diferencial de preços destes é eliminado pela
arbitragem, depois do aumento do nível geral de preços neste país, há uma redução dos saldos reais
do resto do mundo. Assim, gera-se uma escassez de saldos reais no resto do mundo. Esta escassez
é compensada com uma redução de consumo e um aumento na oferta de seus produtos. Isto gera
uma entrada de moeda, fazendo com que o equilíbrio nos saldos reais se restabeleça
(SCHUMPETER, 1954).
70
Wicksell são de dois tipos: (i) o Processo Cumulativo – descrito para lidar com esta
questão do crédito - seria um aperfeiçoamento, suplemento à TQM, ou seja, seria fiel
aos pressupostos quantitativistas; (ii) ou, o processo cumulativo seria explicação
alternativa à TQM e romperia com os princípios quantitativistas.
Como foi argumentado, seria consensual que em uma economia mista, ou
seja, na qual houvesse a presença de moeda metálica e crédito, Wicksell
consideraria a TQM antiquada e limitada, pois omitiria em seu corpo teórico o
sistema bancário-financeiro.
Mas haveria divergências sobre a natureza e a dimensão da mudança feita
por Wicksell.
V.1.1. O modelo de Wicksell como suplemento à TQM
Foram selecionados dois autores que adotam a primeira linha de
interpretação – de Wicksell como alguém que se manteve dentro do âmbito da TQM,
apesar de aperfeiçoá-la e suplementá-la – que são Humphrey e Patinkin.
V.1.1.1. Humphrey
Humphrey adota a posição de que Wicksell apenas teria suplementado a
teoria vigente. Neste sentido, ele afirma que:
[...] Para suprir estas deficiências (ausência de bancos),
Wicksell buscou suplementar a teoria quantitativa com
uma descrição do mecanismo por meio do qual o
equilíbrio monetário é afetado e subseqüentemente
restaurado em economias mistas [crédito e moeda
metálica]. (HUMPHREY, 1997, p. 78).
71
O mecanismo a que Humphrey se refere é o Processo Cumulativo, no qual,
como vimos, os movimentos no nível de preços seriam impulsionados pelo
diferencial entre a taxa natural e a taxa monetária de juros.
Na sua descrição deste processo, Humphrey define as variáveis da seguinte
forma: (i) taxa monetária de juros seria o valor usado tanto na captação quanto no
ato de emprestar dos bancos; (ii) taxa natural de juros (r) seria o resultado da
interação entre a Poupança planejada (Sp) e o Investimento planejado (Ip) (ou da
interação entre Demanda e Oferta agregadas de produto real).
Como se pode ver, ao compararmos com o que foi dito no capítulo IV,
Humphrey não é totalmente fiel à terminologia originalmente utilizada por Wicksell.
Humphrey descreve o Processo Cumulativo da seguinte forma: quando
ocorresse uma queda na taxa monetária de juros, fazendo com que esta se tornasse
menor que a taxa natural, isto significaria que o custo do capital seria menor do que
a taxa esperada de retorno sobre o capital. Assim, o Investimento planejado tornar-
se-ia superior à Poupança planejada.
Com isso, os empresários aumentariam sua demanda por crédito e os bancos
supririam tal demanda com uma expansão da oferta. A demanda agregada efetiva
aumentaria, o que geraria um aumento nos preços. Este aumento nos preços seria
cumulativo até que a taxa monetária de juros se igualasse ao valor da taxa natural.
O que Humphrey destaca, na sua interpretação de Wicksell, é que em
economias mistas este diferencial de taxas desapareceria rapidamente, pois:
[...] A demanda do público por saldos monetários reais
assegurariam isto [...] por permitir que os agentes
transacionem uma certa porção de seus pagamentos
reais em espécie. Então, um aumento nos preços
proveniente do diferencial de taxas necessita moeda
adicional para satisfazer esta demanda por transações
reais. (HUMPHREY, 1997, p. 79).
Isto significaria que haveria uma demanda maior por moeda, o que
acarretaria um aumento na conversão de títulos de crédito em espécie. Sendo
assim, as reservas bancárias tenderiam a ser esvaziadas, colocando os bancos em
uma posição de grande risco de inadimplência. Para evitar tal risco, os bancos
aumentariam suas taxas de juros (taxa monetária) até que ela voltasse a ser igual à
72
taxa natural, trazendo o processo ao equilíbrio, novamente (HUMPHREY, 1997, p.
80-82).
Haveria, segundo Humphrey, duas possibilidades para o resultado final em
termos de nível geral de preços. Primeiramente, se os bancos possuíssem excesso
de reservas, a priori, a estabilidade do nível geral de preços seria consolidada em
um patamar mais alto que o inicial, pois não haveria a necessidade de recomposição
das reservas em relação ao período inicial e, por isso, não se precisaria colocar a
taxa monetária acima da taxa natural para atrair mais depósitos.
Porém, no caso dos bancos não possuírem reservas de início, eles teriam que
estabelecer uma taxa monetária de juros maior que a natural. Assim, recomporiam
suas reservas e fariam com que o nível de preços voltasse ao patamar inicial, pois
ocorreria a cumulatividade inversa, empurrando preços para baixo (HUMPHREY,
1997, p. 79-80).
De qualquer forma, o autor argumenta que, mesmo no caso com economia
mista, o caráter quantitativista seria mantido, pois:
[...] um elemento da teoria quantitativa na forma de
demanda por moeda do público funcionaria como âncora
para o nível de preços [...]. [Assim,] a determinação
nominal prevalece neste tipo de economia, assim como
prevaleceu em uma economia de moeda em espécie.
(HUMPHREY, 1997, p. 79).
Se a demanda por moeda funcionasse como uma âncora nominal que
garantisse a determinação do nível geral de preços, existiria uma relação consistente
e estável entre estoque monetário e preços. Isto tornaria a teoria de Wicksell, na
interpretação deste autor, “[...] perfeitamente consistente com a teoria quantitativa”
(HUMPHREY, 1997, p.81).
Para reforçar esta conclusão, Humphrey destaca que “[...] o diferencial e os
movimentos de preços resultantes claramente tem uma origem monetária”
(HUMPHREY, 1997, p.81). Esta origem monetária do Processo Cumulativo também
seria compatível com a TQM
26
. Wicksell, na interpretação de Humphrey, teria
26
Humphrey (1997, p. 6), aponta como proposições clássicas (não necessariamente ricardianas) da
TQM, os seguintes pontos: (i) eqüiproporcionalidade de moeda e preços, ou seja, quando variaria o
estoque de moeda, o nível de preço mudaria proporcionalmente; (ii) a causalidade seria de estoque
73
descrito como um impulso monetário desencadearia o Processo Cumulativo o que o
tornaria consistente com a clássica TQM.
Assim, no caso de o impulso inicial que desencadearia o Processo
Cumulativo ser monetário, haveria nesta interpretação total compatibilidade de
explicação entre a visão de Wicksell e a TQM.
Porém, Humphrey admite que Wicksell rejeitou esta idéia de origem monetária
em seu modelo. Como foi visto no capítulo IV, o desequilíbrio entre taxa natural e
taxa monetária de juros é desencadeado por um aumento de produtividade. E, no
caso de o choque inicial ser um choque real, teríamos a situação (estranha à TQM)
de variáveis reais terem impactos sobre o nível geral de preços. E o próprio
Humphrey coloca o problema:
[...] se choques reais predominam sobre choques
monetários de maneira a gerar um diferencial de taxa de
juros, não seguiria que os movimentos no nível geral de
preços resultante são reais e não fenômenos monetários,
contrariando a teoria quantitativa? (HUMPHREY, 1997,
p. 82).
Alguns teóricos, como será visto adiante, afirmam que sim: Wicksell teria
contrariado (ou superado) a TQM, sob este argumento. Assim, fatores reais é que
seriam responsáveis por mudanças no nível geral de preços, apesar do lado
monetário poder ter papel fundamental no mecanismo de transmissão.
Porém, para Humphrey, esta interpretação ignoraria que Wicksell considerava
que o Processo Cumulativo seria um suplemento à TQM, e inteiramente consistente
com esta. E destacaria que, mesmo neste caso, o lado monetário seria importante:
de moeda para preços; (iii) haveria a não-neutralidade da moeda no curto prazo e neutralidade desta
no longo; (iv) a oferta monetária seria independente da demanda por moeda; (v) haveria uma
dicotomia entre preços relativos e preços monetários, ou seja, existiria uma separação clara entre o
lado real e o lado monetário. A proporcionalidade seria garantida via o mecanismo do chamado real-
balance effect ou efeito saldos reais: indivíduos possuiriam uma demanda por saldos reais, ou seja,
por moeda real (M/P), constante. No caso de um aumento da oferta monetária (M) os saldos reais dos
agentes ficariam acima do desejado. Este excesso de saldos reais seria, então, gasto em consumo
para que se atingisse o nível desejado de novo. Dado o pleno-emprego, o aumento do consumo gera
um aumento nos preços (P). Portanto, estabelece-se a conexão entre M e P. A dinâmica entre a
demanda por saldos reais e a oferta monetária nominal determinaria o nível de preços da economia.
74
[...] uma mudança no nível geral de preços nunca
ocorreria sem o acompanhamento de uma mudança na
oferta de depósitos que a sustentasse [...]. Em resumo,
choques reais e o diferencial de taxa resultante, por si só,
nunca poderiam sustentar mudanças no nível geral de
preços. (HUMPHREY, 1997, p.82).
Neste sentido, Humphrey afirma que alguma coisa precisaria ‘financiar’ o
excesso de demanda por bens para que o nível geral de preços continuasse
aumentando. Tal ‘financiamento’ dar-se-ia pela expansão de depósitos bancários.
A combinação entre uma oferta elástica de depósitos e um diferencial de
taxas de juros seria pré-condição para a ocorrência do Processo Cumulativo.
Humphrey sintetizaria:
[...] alterações no estoque de depósitos constituía para
Wicksell condição absolutamente necessária e suficiente
para movimentos no nível geral de preços. (HUMPHREY,
1997, p.83).
Então, para Humphrey, tanto em uma economia de moeda em espécie quanto
em uma mista, a TQM seria compatível com a abordagem de Wicksell. Já no caso
extremo de uma economia de puro crédito, a explicação percorreria outro caminho.
E, neste contexto, Humphrey argumenta que Wicksell “[...] mostrou que a teoria
[TQM] falharia se houvesse a ausência de intervenção de um banco central”
(HUMPHREY, 1997, p.82).
Segundo o autor, esta ‘falha’ estaria centrada em dois pontos fundamentais:
(i) em uma economia de crédito puro, haveria a total ausência de moeda metálica e,
portanto, não haveria interação entre a demanda e oferta monetária que pudesse
definir um nível de preços, ou seja, um equilíbrio; (ii) a dinâmica entre demanda e
oferta de depósitos também não definiria um único nível geral de preços.
No caso de crédito puro, demanda e oferta de depósitos não seriam
independentes entre si (como eram oferta e demanda por moeda em espécie nos
outros casos). Ocorre que a demanda de depósitos seria a determinante da oferta. A
expansão/retração da oferta de moeda (neste caso crédito) tornar-se-ia, então,
endógena.
75
Assim, não haveria um único nível de preços de equilíbrio ou quantidade de
depósitos de equilíbrio. A qualquer nível de preços, oferta e demanda de crédito
seriam sempre iguais, sendo o nível geral de preços indeterminado. Humphrey, com
base nisto, concluiria:
[...] O resultado é um sistema totalmente desprovido de
restrições de reservas para ancorar variáveis nominais.
Em tal sistema, oferta de depósitos possui
potencialmente elasticidade ilimitada.
Conseqüentemente, o nível de preços, além de ser
indeterminado, teoricamente pode aumentar (ou cair)
para sempre. (HUMPHREY, 1997, p.85).
Qual é a solução de Wicksell, segundo Humphrey, para a determinação do
nível geral de preços em uma economia de puro crédito? Resposta: a intervenção de
um banco central. Tal instituição seria responsável por impor um limite, uma âncora
nominal que pudesse estabelecer um nível geral de preços de equilíbrio, acabando
com o diferencial entre taxa monetária de juros (instrumento do banco central) e a
taxa natural.
A posição de Humphrey, em resumo, é que o Processo Cumulativo preservou
os elementos principais da TQM – teoria que, segundo Humphrey, Wicksell tentou
suplementar, em um ambiente com sistema bancário.
Para isso, Humphrey faz uma trajetória parecida com que Wicksell realizou
quando estudou a Velocidade de Circulação da Moeda em três ambientes
institucionais, conforme descrito no capítulo IV, supondo: (i) economia pure cash,
igual ao raciocínio de Wicksell; (ii) economia mista, presente, também, em Wicksell;
(iii) crédito puro, que não aparece originalmente em Wicksell, com relação ao
conceito de Velocidade, porém, é a suposição que Wicksell faz na descrição do
Processo Cumulativo.
Humphrey também afirma que, assim como Wicksell, os choques
desencadeadores do Processo Cumulativo poderiam ser tanto monetários, como
reais. E, assim como Wicksell, destaca os choques monetários como sendo
fundamentais na análise. Ou seja, dando ênfase ao caráter monetário do movimento
inflacionário. Os choques reais seriam de importância secundária na explicação do
movimento de preços.
76
Uma questão presente em Wicksell que é bastante ambígua, é o caráter
exógeno da moeda, hipótese essencial à validade da TQM. Porém, na avaliação de
Humphrey sobre o Processo Cumulativo, estaria clara a idéia de âncora nominal
exógena, em qualquer dos modelos.
E, finalmente, segundo Humphrey, assim como destaca Wicksell, o Processo
Cumulativo não tem caráter explosivo em sua evolução ao longo do tempo. Porém,
tanto Humphrey como Wicksell destacam que, em uma economia de puro crédito é
necessária a intervenção de um Banco Central.
E, portanto:
[...] A determinação nominal é preservada, consistente
com a teoria quantitativa. Deste modo, Wicksell assegura
que pelo menos um elemento da teoria sobrevive mesmo
no caso do puro crédito. (HUMPHREY, 1997, p.85).
Com isso, Humphrey consolida sua posição de considerar Wicksell, apesar de
algumas características peculiares em sua abordagem, um seguidor da tradição
quantitativista.
V.1.1.2. Patinkin
Patinkin chegaria a essa mesma conclusão de Humphrey, mas utilizando uma
explicação um pouco diferente.
Segundo a interpretação de Patinkin, para Wicksell, o conceito ‘moeda’
utilizado na TQM significava a moeda metálica que serviria como meio de transação
oficial no país e como reservas no sistema bancário.
Os depósitos bancários não estariam incluídos neste conceito de moeda. Um
aumento na demanda por depósitos (demanda por empréstimos) só elevaria,
segundo Wicksell, a chamada Velocidade Virtual das reservas metálicas bancárias.
Patinkin adota a visão de que a TQM deveria, ao invés de considerar a
abordagem do efeito saldos reais individuais (conceito de cash-balance atomizado),
77
utilizado acima por Humphrey, que seria uma das principais fraquezas de seu corpo
teórico, de acordo com Patinkin, a característica relevante de cash-balance seria a
coletiva: somatório dos depósitos pelos bancos.
Segundo este autor, em uma economia moderna, na qual a presença do
crédito seria cada vez maior, e a importância do sistema bancário-financeiro se
amplificaria cada vez mais, Wicksell aponta que um aumento no estoque de moeda
metálica atingiria o coletivo, inicialmente, e não o fator individual. A primeira variável
a responder a este aumento de moeda metálica na economia seria o agregado das
reservas bancárias, na forma de um aumento. E, portanto, não haveria o efeito
saldos reais diretamente no nível geral de preços, como sugerido pela TQM.
Neste sentido, Patinkin afirma:
[...] é necessário suplementar a teoria quantitativa
tradicional com a explicação de como um aumento nas
reservas bancárias, em última instância, gera um
aumento nos preços. E este é o papel do processo
cumulativo. (PATINKIN, 1965, p.588).
Neste contexto, Patinkin descreve o Processo Cumulativo de uma forma
diferente daquela exposta por Humphrey. Ele começa sua análise a partir de um
país ‘A’ com uma economia aberta que não produz ouro. Ou seja, mostrando
claramente uma diferença ao modelo descrito no capítulo IV: Patinkin, ao contrário
de Wicksell, supõe um modelo com economia aberta.
Além disso, adota a hipótese de que predominaria o padrão-ouro e que,
inicialmente, existiria um equilíbrio.
O processo começaria, segundo este autor, com a descoberta de novas
minas de ouro em um país ‘B’. Inicialmente, no país ‘B’, haveria um aumento de
demanda agregada (aumentaria poder aquisitivo em ‘B’), o que geraria, também, um
aumento de demanda por produtos de ‘A’. Neste sentido, ocorreria um aumento nos
preços de ‘A’, enquanto a taxa monetária de juros deste país permanecesse
inalterada.
Com isso, existiriam duas possibilidades de conseqüências para o país A, não
produtor de ouro. A primeira delas seria que, se o ouro seguisse inteiramente para
as mãos dos indivíduos, o processo cessaria seus efeitos. Porém, se alguma parte
78
ou a totalidade do ouro fosse transferida para o sistema bancário de A, seja
proveniente de capitalistas estrangeiros ou via depósitos bancários do público de A,
então os bancos ficariam com excesso de reservas (PATINKIN, 1965, p. 588-590).
Neste caso, os bancos desejariam aumentar a oferta de empréstimos para
otimizar a utilização de seus recursos. Para isso, reduziriam a taxa monetária de
juros para atrair um número maior de interessados em obter crédito.
Patinkin aponta que esta redução na taxa bancária teria duas conseqüências
fundamentais e diretas: (i) haveria um desincentivo à poupança e um conseqüente
aumento no consumo presente de bens e serviços; (ii) se a taxa natural de juros
permanecesse constante por não haver qualquer alteração nos fatores reais da
economia, uma taxa monetária de juros menor que esta significaria que a
oportunidade de lucros dos empresários aumentaria e, portanto, a demanda por
empréstimos também se elevaria.
Neste contexto, seriam aumentadas tanto a demanda por bens de consumo
como por bens de capital. E, dado o pleno-emprego, os preços dos bens de
consumo, dos bens de capital e salários também se elevariam, causando um
aumento no nível geral de preços. Caso esta situação permanecesse, o aumento no
nível geral de preços seria cumulativo. Como afirma Patinkin:
[...] uma dada discrepância entre taxa bancária
[monetária] e a taxa real [natural] trará, se mantida
indefinidamente, um contínuo, e não meramente um
dado, aumento nos preços. Em outras palavras, após um
aumento inicial nos preços, um aumento adicional nos
preços não requer uma queda adicional na taxa de juros
monetária. (PATINKIN, 1965, p.590).
Porém, esta cumulatividade não seria, na interpretação de Patinkin,
autogeradora. Segundo ele, Wicksell não teria afirmado que o processo continuaria
porque geraria expectativas de aumentos adicionais nos preços. Para Wicksell, o
nível geral de preços no período t+1 seria igual ao período t.
Além disso, Wicksell teria afirmado que “[...] o caso das expectativas de preço
elásticas [...] [seria] um caso especial, fora de seu campo principal de investigação”
(PATINKIN, 1965, p. 590-591). Portanto, as expectativas não seriam um fator capaz
de sustentar ou catalisar o Processo Cumulativo.
79
A diferença entre a taxa natural e a taxa monetária de juros não levaria por si
só à cumulatividade, seria preciso que o crédito bancário continuasse a se expandir.
Ou seja, para que a cumulatividade fosse possível seria necessário que a oferta de
crédito fosse elástica.
A pergunta que Patinkin formula é, então: dados estes fatores possibilitadores
da cumulatividade dos preços, o Processo Cumulativo seria explosivo? Haveria
algum desfecho com algum tipo de equilíbrio? Existiria algum limite para que os
bancos mantivessem um diferencial entre a taxa monetária e a taxa natural de juros?
Segundo Patinkin, para Wicksell, a resposta seria sim, haveria um limite.
Primeiramente, quando houvesse um aumento nos preços no país A, haveria uma
drenagem das reservas bancárias em direção ao país B, e um conseqüente aumento
na taxa monetária de juros de A. Porém, Patinkin destaca que, se a taxa monetária
de juros em B fosse aumentada na mesma proporção, dadas as hipóteses já citadas,
esta medida não seria eficiente na contenção de perdas de reservas em A (o
diferencial de preços continuaria). Portanto, um aumento na taxa monetária de juros
em A devido a um esvaziamento de reservas bancárias para o exterior não seria
“uma resposta suficiente” (PATINKIN, 1965, p. 591).
Neste contexto, de acordo com Patinkin, Wicksell inseriria o elemento
fundamental de restrição neste processo, que completaria a resposta dada acima.
Em última instância, uma taxa monetária menor que a taxa natural de juros
provocaria um enxugamento das reservas bancárias por meio do aumento da
demanda por empréstimos. No intuito de manter tais reservas a níveis mínimos de
segurança, os bancos teriam que aumentar suas taxas de juros até que ela atingisse
o valor da taxa natural.
Assim, o nível de preços se fixaria em um nível maior e a taxa monetária de
juros retornaria a seu valor inicial, sendo igual à magnitude da taxa natural de juros.
Com isso, por uma trajetória diferente daquela utilizada por Humphrey, Patinkin
conclui:
[...] a operação do processo cumulativo não implica que o
sistema é instável, e que, depois de um distúrbio inicial,
ele continuamente se distancia de uma posição de
equilíbrio. Pelo contrário, por meio de seus efeitos nas
reservas bancárias, o processo cumulativo, na análise de
80
Wicksell, desempenha o papel do mecanismo
equilibrador fundamental forçando os bancos a eliminar
qualquer discrepância entre a taxa que eles estabelecem
e a taxa real [natural], e deste modo restaurando o
equilíbrio ao mercado de empréstimos. (PATINKIN, 1965,
p.592).
Para reforçar a idéia da análise feita acima, seria necessário, segundo
Patinkin, estabelecer uma hipótese, então, sobre o comportamento dinâmico da taxa
monetária de juros.
Esta taxa nunca seria alterada por si só, sempre haveria uma influência
exógena por trás das alterações. Os bancos seriam induzidos a alterá-la; nunca
seria uma decisão arbitrária.
A influência exógena referida acima poderia ocorrer de três formas: (i) diante
de uma contínua redução das reservas bancárias; (ii) quando há um volume de
empréstimos muito grande em relação às reservas; (iii) ocorrência de ambos
simultaneamente.
É interessante notar que, de acordo com Patinkin, Wicksell analisaria a
redução de reservas e o excesso de empréstimos como dois problemas distintos,
mesmo sabendo que ambos causariam a mesma situação: uma redução na
proporção entre reservas e empréstimos nos balanços dos bancos. Além disso,
Wicksell, segundo a interpretação de Patinkin, consideraria a perda de reservas
bancárias como sendo o choque que os bancos mais sentem
27
.
Segundo Patinkin, o que guiaria os bancos, por hipótese, seria a magnitude
absoluta das reservas, e não a proporção destas em relação aos empréstimos
registrados no balanço. Se bancos fossem guiados pela proporção de reservas-
empréstimos, quando houvesse uma taxa monetária de juros menor que a natural,
eles aumentariam suas taxas e diminuiriam a expansão de seus empréstimos tão
logo tal proporção caísse.
A conseqüência disso seria que, neste caso, o Processo Cumulativo poderia
ser concebido como chegando a um fim sem um esvaziamento de reservas. Logo, o
movimento de preços não teria que ser um passo intermediário necessário do
argumento apresentado por Wicksell.
27
Segundo Patinkin (1965), existem inúmeras passagens no Interest and Prices e no Lectures-II que
ilustram isso.
81
Como o foco de Wicksell, de acordo com Patinkin, seria de que os bancos
responderiam a variações no nível absoluto de reservas, quando o nível geral de
preços subisse e, por conseqüência, aumentasse a demanda de empréstimos por
parte dos empresários, a taxa monetária de juros não se alteraria.
Somente se houvesse variação no nível de reservas bancárias é que a taxa
de juros sofreria mudanças. Portanto, a demanda por empréstimos não afetaria,
diretamente, a taxa monetária de juros.
Wicksell, segundo Patinkin, conceberia que haveria um lag para se chegar ao
equilíbrio. Este fato explicaria o nível geral de preços e a taxa monetária de juros
caminhando na mesma direção, por algum período de tempo.
Além disso, Wicksell destacaria, nas palavras de Patinkin, que não seria o
nível da taxa monetária de juros que importaria, mas a relação desta com a taxa
natural de juros.
De acordo com Patinkin, se houvesse um aumento no nível de preços por um
grande período, a hipótese de que os preços esperados para o próximo período
seriam iguais ao do período atual teria que ser abandonada. Esse aumento contínuo
levaria os empresários a contar não só com os preços efetivos do período atual, mas
também com um adicional de reajuste.
Para parar este processo, não bastaria aumentar a taxa monetária de juros
até o nível da taxa natural. Ter-se-ia que aumentar aquela taxa acima da natural
para frustrar as expectativas dos empresários em alguns períodos. Só assim haveria
um ajuste na formação das expectativas e o equilíbrio poderia ser atingido de novo.
Então, em resumo, a opinião de Patinkin é a de que o Processo Cumulativo
preservaria os principais pressupostos da TQM. Porém, destaca que Wicksell seria
veementemente contra versões mecanicistas da TQM por estas terem ignorado a
questão do crédito.
Ao contrário da descrição feita do Processo Cumulativo no capítulo IV,
Patinkin só se utiliza da suposição em que a economia seria mista, ou seja, haveria
moeda metálica e crédito.
Assim como Wicksell, Patinkin destacou o choque monetário como o foco
principal da exposição do Processo Cumulativo. Este autor não menciona
explicitamente qualquer argumento em relação a choques reais, porém, também não
descarta esta possibilidade.
82
E, assim como Wicksell, Patinkin destaca a presença de uma âncora nominal
exógena que evitaria que o Processo Cumulativo fosse explosivo: a taxa monetária
de juros, arbitrariamente definida pelos bancos.
Com isso, Patinkin, também teria a opinião de que Wicksell teria meramente
suplementado a TQM.
V.1.2. O modelo de Wicksell como alternativa à TQM
As interpretações do modelo de Wicksell sugeridas por Haavelmo e
Leijohnufvud pertencem ao segundo grupo de interpretação, que considera que
Wicksell rompeu com a TQM. Elas tomariam um rumo diferenciado das propostas de
Humphrey e Patinkin explicitadas anteriormente; e chegam a conclusões bem
diferentes.
V.1.2.1. Haavelmo
A idéia principal de Haavelmo é que o princípio da Banking School não seria
incompatível com a ‘solução positiva’ de Wicksell.
Como foi visto nos capítulos III e IV, Wicksell teria usado como ponto de
partida para suas reflexões, as controvérsias monetárias do século XIX.
Fundamentalmente, o debate entre a Banking School, sintetizada na figura de
Thomas Tooke, e a Currency School, personificada em David Ricardo.
O objetivo do trabalho desenvolvido por Wicksell seria explicar de maneira
consistente e convincente, alterações no nível geral de preços (ou poder de compra).
Para esta explicação da Currency School usaria a TQM: aumentos nos estoques
monetários fariam com que houvesse aumentos no nível geral de preços. Para a
83
Banking School a ordem causal seria invertida: seriam variações no nível geral de
preços que fariam com que o estoque monetário se ajustasse passivamente
(endogenamente).
Wicksell, no entendimento de Haavelmo deveria estar classificado entre
aqueles que defendiam o Banking Principle, ou seja, entre aqueles que se
colocaram contra a TQM, e a favor da linha de estudo estabelecida por Tooke.
Mas seria importante destacar alguns pontos importantes da interpretação
de Haavelmo sobre a TQM. Quando ele formaliza a TQM por meio de um modelo
dinâmico, ou seja, inserindo a dimensão tempo à análise. Ele considera, por
exemplo, o volume de bens e serviços produzidos como uma magnitude constante.
Isto aconteceria mesmo sabendo que Wicksell consideraria a variável investimento
como fundamental em sua análise.
Haavelmo adota este curso de análise por acreditar que Wicksell estaria
preocupado em destacar o fenômeno monetário em si. Por isso, teria
desconsiderado os processos de crescimento real e ciclos reais de negócios. Como
já mencionado anteriormente, o grande objetivo de Wicksell era explicar o
movimento do nível geral de preços.
Além disso, Haavelmo também considera, neste momento inicial, a
Velocidade de Circulação da Moeda como sendo constante. Com o Produto (X) e a
Velocidade (V) constantes, usando a equação quantitativa (PX = MV), seria possível
estabelecer uma relação direta entre Nível Geral de Preços (P) e Estoque monetário
(M). Além disso, seria possível afirmar que mudanças em M afetariam
proporcionalmente P.
Com a ausência dos bancos no modelo, Haavelmo chega à mesma conclusão
que Patinkin e Humphrey sobre a economia sem crédito.
[...] neste modelo, seria completamente sem sentido
perguntar ‘o que aconteceria se o nível de preços
aumentasse’. Assim, o princípio da Banking School é
irrelevante, neste caso. Na verdade, pareceria um tanto
absurdo conectar tal princípio com uma economia sem
crédito. (HAAVELMO, 1978, p. 140).
84
Haavelmo aponta que, para Wicksell, a TQM seria antiquada para explicar
uma economia de crédito com um certo grau de desenvolvimento.
Já em um modelo o qual o sistema bancário e o crédito desempenhariam
papel fundamental, as conclusões seriam, segundo Haavelmo, diferentes. Para ele,
em Wicksell, o elemento primário do processo, uma variação no estoque de moeda,
atuaria de uma maneira bastante específica.
Quando houvesse, por exemplo, um aumento do estoque monetário, o
aspecto relevante não seria, ao contrário do frisado por Humphrey e Patinkin, que tal
aumento se convertesse em aumento no nível geral de preços, no curto prazo. O
principal ponto seria que isso significaria um aumento na demanda, do poder de
compra do público.
Isto inflaria o valor da Produção Nominal da economia, devido a uma
expectativa positiva de lucros, quando a taxa monetária de juros é menor que a taxa
natural.
De acordo com Haavelmo, isto estaria completamente de acordo com os
princípios da Banking School. Além disso, supondo uma economia de puro crédito,
tais princípios estariam, igualmente, sendo respeitados.
Em uma economia de crédito puro, a oferta monetária (neste caso, crédito)
mover-se-ia passivamente como resposta às necessidades monetárias do público
que dependeriam do Produto Nominal. Um aumento de preços faria com que a
necessidade de recursos monetários fosse maior. Com isso, os bancos aumentariam
o volume de crédito da economia para suprir essa necessidade.
Assim, dada a relação causal que iria do Nível Geral de Preços para o
Estoque Monetário, ou seja, havendo endogeneidade da expansão monetária, os
princípios da Banking School, segundo Haavelmo, estariam sendo respeitados no
modelo de Wicksell.
Se isso é tão claro na análise de Haavelmo, então por que Wicksell teria
aderido explicitamente à TQM (Currency School)? E não teria utilizado os aspectos,
de maneira clara, propostos pela Banking School?
Haavelmo indica dois motivos fundamentais para que Wicksell não tivesse
manifestado explicitamente sua simpatia pelas idéias da Banking School. O primeiro
deles seria que, à época de Wicksell, haveria muitos detalhes obscuros nesta teoria.
Como Wicksell se preocuparia com a extrema cientificidade das teorias que tratava,
85
logo descartou o Banking Principle, pois haveria, no seu entender, diversas lacunas
lógicas e pontos em aberto.
A outra razão apontada é que os defensores do Banking Principle teriam
evitado o problema essencial de todo o trabalho analítico de Wicksell: as causas
pelas quais o Nível Geral de Preços é afetado. Mesmo assim, Haavelmo afirma que
Tooke e Wicksell teriam dado muitas respostas em comum aos problemas
monetários.
Fundamentalmente, ao se basear no raciocínio de que o Banking Principle
seria compatível com o Processo Cumulativo de Wicksell, por conseqüência,
Haavelmo deixa a entender que o modelo de Wicksell rompeu com a TQM.
O Banking Principle, como já visto no capítulo II, baseia-se na seguinte
relação de causalidade: preços geram movimentações no estoque monetário (o
inverso que é sustentado pela TQM). Esta relação torna a moeda endógena, que
contraria uma das proposições fundamentais da TQM: a exogeneidade da moeda.
Particularmente, Haavelmo, ao analisar uma economia de crédito puro, afirma
que a moeda se torna endógena, mesmo que tenha destacado, assim como Wicksell
descreveu, que em economias mistas e de pure cash a moeda permanecia com o
caráter exógeno.
Além disso, Haavelmo destacou que, sob qualquer hipótese institucional para
a economia, o modelo não seria explosivo. Nos casos de pure cash e de economia
mista o mecanismo da Real Bills Doctrine funcionaria e, no crédito puro, como já
dito, a moeda seria endógena. Portanto, não haveria como o modelo evoluir
indefinidamente. A âncora seria, neste caso, endógena.
86
V.1.2.2. Leijohnufvud
Tal como ocorreu na outra parte do debate com Humphrey e Patinkin,
Leijohnufvud chega a conclusões parecidas as de Haavelmo, sobre o rompimento da
teoria monetária de Wicksell com a TQM
28
, mas por um caminho lógico diverso.
No intuito de suplementar e aperfeiçoar a TQM, Wicksell, de acordo com
Leijohnufvud, teria deixado claro a preocupação com uma explicação detalhada e
precisa dos mecanismos indiretos. Neste contexto,
[...] para tornar a Teoria Quantitativa útil, [...] é preciso
entender tanto o que leva ao movimento de moeda e
preços de um nível para outro quanto o processo
dinâmico interequilíbrios em si mesmo.
(LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 151).
Para isso, Wicksell teria proposto um modelo que analisasse o ‘desequilíbrio’:
o Processo Cumulativo. No entendimento de Leijohnufvud, o Processo Cumulativo
seria resultado de uma abordagem Poupança-Investimento sobre a TQM. O
Processo Cumulativo seria uma “Teoria Quantitativa mais dinâmica”
(LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 152).
Na interpretação de Leijohnufvud, no modelo proposto por Wicksell, existiriam
três setores na economia: firmas, famílias e bancos. As famílias decidiriam o quanto
consumir, e por conseqüência, já escolheriam simultaneamente o quanto poupar
(não-consumo), de acordo com suas restrições de renda. A poupança das famílias
iria toda para os bancos.
As firmas decidiriam quanto investir e quanto produzir, dadas as restrições
tecnológicas de produção. Todos os recursos para investir das firmas viriam dos
bancos. O sistema bancário seria um mero intermediário entre famílias-poupadoras
e firmas-investidoras. Além disso, o foco de Leijohnufvud, no curto prazo, seria sobre
o crédito intermediado pelos bancos, ao invés de ser sobre o estoque monetário.
28
A versão da TQM usada por Leijohnufvud (1981, p.140) seria definida somente como a proposição
de equilíbrio de que o Nível Geral de Preços é proporcional ao Estoque Monetário no longo prazo.
87
Adicionalmente, seria importante ressaltar algumas hipóteses restritivas
apontadas por Leijohnufvud, que existiriam no modelo de Wicksell. A primeira delas
diria respeito a que o crédito ao consumidor seria ignorado.
O autor avaliaria que esta suposição era razoável, já que à época de Wicksell
o acesso ao crédito das famílias junto aos bancos seria muito pequeno. Portanto,
quantitativamente insignificante.
Outra hipótese que Leijohnufvud aponta como compatível com o ambiente
institucional que Wicksell teria vislumbrado, sobretudo na Alemanha e na Suécia, é a
de que o poder de compra adicionado pelos bancos (crédito) só aumentaria o
consumo das firmas (insumos, etc.).
Além disso, o sistema bancário aparece como predominante no financiamento
das firmas (ignorar-se-ia o papel desempenhado pelos mercados de títulos
organizados, como o mercado de ações, por exemplo).
Ainda destaca que, na Suécia, a moeda em espécie seria o principal meio de
pagamento e o volume de cheques era insignificante e que o banco central sueco
não tinha o monopólio de emissão de papel-moeda.
Adicionalmente, Wicksell supõe que os bancos não têm restrições quanto ao
nível de reservas. Assim, Leijohnufvud, por todo este arcabouço justifica o fato de,
para Wicksell, o conceito de moeda ter sido considerado a sua forma em espécie.
E, neste contexto, Leijohnufvud explicitaria uma pequena observação que já
põe em dúvida diretamente o caráter quantitativista do Processo Cumulativo:
[...] [Wicksell] trata este estoque de moeda como
determinado, pelo menos como uma primeira
aproximação, pela demanda do público não-bancário. A
‘moeda’ de Wicksell varia endogenamente em seu
processo cumulativo; ela não exerce um papel causal
significativo. (LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 154).
Esta afirmação sobre a endogeneidade da moeda no trabalho de Wicksell,
segundo Leijohnufvud, ameaçaria a TQM, pois: (i) anularia completamente uma das
proposições da TQM, que a criação de moeda seria exógena; (ii) ameaçaria uma
outra proposição fundamental, no que se refere à direção da causalidade entre
88
moeda e preços (de moeda para preços na TQM; de preços para estoque monetário
em Wicksell).
O que vale destacar a respeito da interpretação de Leijohnufvud sobre o
trabalho de Wicksell é que, segundo aquele autor, os conceitos centrais no trabalho
de Wicksell seriam a taxa monetária e a taxa natural de juros.
Estes termos referir-se-iam a “[...] dois valores da mesma variável”
(LEIJOHNUFVUD, 1981, p.155). Leijohnufvud interpreta a taxa monetária de juros
como sendo o valor efetivo observado em mercado da taxa de juros; enquanto que a
taxa natural de juros seria o valor hipotético que a taxa de juros teria, se e quando, o
sistema estivesse em equilíbrio.
Portanto, na sua leitura, haveria equilíbrio quando a taxa monetária de juros
atingisse o valor da taxa natural. Quando houvesse tal equilíbrio, ele teria dois
sentidos simultâneos: (i) equilíbrio monetário e (ii) equilíbrio real.
O equilíbrio monetário significaria que não haveria qualquer força que levasse
o nível geral de preços a se modificar. Haveria uma estabilidade do nível de preços.
Já o equilíbrio real, diria respeito à compatibilidade intertemporal dos agentes.
Em tal equilíbrio real, as preferências das famílias com relação a quanto
consumir (e, portanto, poupar), e as possibilidades de produção das firmas (decisões
de investir e produzir), deveriam ser totalmente coerentes umas com as outras, tanto
no período atual, como nos períodos seguintes.
Na ocorrência de discrepância entre os valores da taxa monetária e da taxa
natural de juros, ambos os equilíbrios seriam abalados. Eles estariam sempre
ligados. Portanto, enquanto estivesse ocorrendo o Processo Cumulativo, haveria um
desequilíbrio tanto no lado monetário, quanto no lado real.
Porém, uma pergunta poderia ser colocada: como estes dois equilíbrios
estariam interligados, haveria diferença em considerar o choque inicial do Processo
Cumulativo como sendo proveniente do lado real ou do lado monetário?
Inicialmente, quanto à descrição do Processo, Leijohnufvud afirma que “[...]
quase não importa [...] se [o Processo Cumulativo] é iniciado por distúrbios ‘reais’ ou
‘monetários’” (LEIJOHNUFVUD, 1981, p.157). A seqüência de eventos do Processo
Cumulativa seria muito parecida, apesar de não a mesma.
O principal distúrbio monetário exógeno que poderia iniciar o Processo
Cumulativo, seria uma mudança da taxa monetária de juros pelos bancos. Ou seja,
89
haveria uma atuação ativa do sistema bancário, via alteração da taxa monetária de
juros que levaria a uma discrepância entre esta e a taxa natural de juros, disparando
o Processo Cumulativo. Isto não afetaria as decisões de consumo/poupança e
investimento dos agentes, mantendo a mesma proporção entre tais magnitudes da
situação inicial.
Já no caso de um choque exógeno pelo lado real, a mudança poderia ser por
meio de um desenvolvimento tecnológico dos meios de produção, acarretando um
ganho de produtividade. Com isso, a taxa natural de juros aumentaria, trazendo uma
discrepância entre taxas, fazendo com que o Processo Cumulativo fosse
desencadeado. Neste caso, haveria uma mudança de composição entre
consumo/poupança e investimento dos agentes.
Mas, Leijohnufvud ressalta que:
[...] a descrição do processo é a mesma se o sistema
bancário desempenha um papel passivo ou ativo nesta
história. (LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 157).
De qualquer maneira, é destacado por Leijohnufvud que Wicksell teria se
concentrado nos impactos iniciais reais. Seria importante ressaltar que este
comentário significa a negação do caráter quantitativista do Processo Cumulativo já
que, segundo a TQM, o distúrbio inicial teria que ter origem monetária:
[...] A taxa de juros de mercado [monetária] é governada,
não pela discrepância entre poupança e investimento
mas pelo excesso de demanda por fundos emprestáveis.
(LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 159).
Sendo a poupança agregada igual à oferta de fundos emprestáveis (gerada
pela poupança das famílias), e o investimento agregado igual à demanda por fundos
emprestáveis (investimento das empresas), então a taxa monetária de juros só seria
igual à taxa natural se, e somente se, o sistema bancário permanecesse neutro.
Porém, no Processo Cumulativo o sistema bancário não permanece neutro.
90
[...] A expansão do estoque monetário é endogenamente
determinado no processo, apesar do processo estar
inteiramente consistente com a constância da velocidade
observada. (LEIJOHNUFVUD, 1981, p. 160).
Segundo Leijohnufvud, o Processo de Wicksell consistiria no comportamento
de dois agentes (empresários e bancos) sob incorretas ou incompletas informações.
Os bancos falhariam em reconhecer a completa extensão do aumento na taxa real
de lucro realizável (taxa natural de juros).
Já os empresários (e outros agentes não-bancários) falhariam em prever a
taxa de inflação que a política do sistema bancário implicaria à economia.
Porém, mesmo assim, nesta interpretação, o Processo Cumulativo não
continuaria indefinidamente. A crescente perda de reservas bancárias, faria com que
houvesse um ajuste entre as taxas pelos bancos.
Como no modelo de Wicksell, segundo Leijohnufvud, os agentes não
aprendem a antecipar a inflação e os determinantes da poupança e investimento
não se alteram, cada período começa com um excesso de demanda por bens, em
termos reais. Em termos nominais, a distância continua crescendo.
Segundo Leijohnufvud, a preocupação de Wicksell teria sido a inflação. Para
Wicksell, a taxa monetária de juros era determinada pelo setor bancário, ou seja,
excesso de fluxo de demanda por fundos emprestáveis, ao contrário de Keynes que
considerava a taxa monetária de juros sendo determinada no mercado acionário.
Ainda, segundo Leijohnufvud, para Wicksell, a análise da deflação seria
sempre apresentada com um estoque monetário declinante. Possivelmente, a
Velocidade poderia ser constante. Porém, M e V seriam declinantes durante uma
deflação, na prática.
Em resumo, ao focar sua análise no caráter endógeno da moeda,
Leijohnufvud, indicaria sua propensão a afirmar que o Processo Cumulativo teria
rompido com a TQM, que tem como pressuposto fundamental, o caráter exógeno da
moeda.
O argumento de Leijohnufvud é parecido com o de Haavelmo, porém, o
primeiro destaca a reação endógena da moeda a choques reais. A análise de
Leijohnufvud é calcada na hipótese de economia mista e os choques monetários
seriam secundários à análise de Wicksell, segundo este autor.
91
De qualquer maneira, para Leijohnufvud, o Processo Cumulativo não seria
explosivo, pois teria o mecanismo endógeno da moeda restringindo a evolução
divergente do modelo, ao longo do tempo.
V.2. Interpretações sobre o Processo Cumulativo: uma síntese
Acima, foram apresentados diversos argumentos, com lógicas e conclusões
distintas. E um ponto fundamental, e extremamente interessante, é que todas estas
interpretações apresentadas acima, sem dúvida, são leituras, plausíveis sobre o
Processo Cumulativo.
Humphrey sustenta que o Processo Cumulativo preservou os elementos
principais da TQM. Afirma que, os choques originários do Processo Cumulativo
poderiam ser tanto monetários, como reais. E, assim como Wicksell, destaca os
choques monetários como sendo fundamentais na análise. Nesta interpretação,
haveria uma âncora nominal exógena, em qualquer tipo de economia. E, finalmente,
o Processo Cumulativo não tem caráter explosivo.
A opinião de Patinkin também é a de que o Processo Cumulativo preservaria
os principais pressupostos da TQM. Patinkin só utiliza a suposição em que a
economia seria mista, ou seja, haveria moeda metálica e crédito, e destacou o
choque monetário como fator desencadeador fundamental do Processo Cumulativo.
Haveria, segundo o autor, sempre uma âncora nominal exógena que evitaria que o
Processo Cumulativo fosse explosivo (taxa monetária de juros).
Haavelmo, por sua vez, ao defender que o Banking Principle seria compatível
com o Processo Cumulativo de Wicksell, insinua que o modelo de Wicksell rompeu
com a TQM. Isto faz com que a moeda torne-se endógena, em uma economia de
crédito puro, contrariando uma das proposições fundamentais da TQM. Além disso,
Haavelmo destacou, à semelhança dos demais autores, que o modelo não seria
explosivo, porém, com uma âncora nominal endógena.
Ao focar, igualmente, sua análise no caráter endógeno da moeda,
Leijohnufvud, afirma que o Processo Cumulativo teria rompido com a TQM. As
hipóteses de economia mista e de que os choques monetários seriam secundários
92
na análise de Wicksell são características da interpretação deste autor. O Processo
Cumulativo, segundo ele, seria tampouco explosivo, pois teria o mecanismo
endógeno da moeda restringindo a evolução divergente do modelo, ao longo do
tempo.
Todas as interpretações acima são razoáveis, apesar de elas se afastarem de
uma característica fundamental na exposição do Processo Cumulativo por Wicksell:
a presença do tempo. Nestas interpretações contemporâneas aqui presentes, os
autores expõem seus argumentos sob a influência de modelos de equilíbrio geral,
em que o tempo não tem papel algum. Por este fato, é possível afirmar que estas
interpretações perdem um pouco da essência do esforço teórico original de Wicksell.
93
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se objetivou neste trabalho foi tentar compreender, a abordagem
monetária de Wicksell, e a riqueza de argumentos que ela teria gerado para o
debate em Teoria Monetária. Para isso, tentou-se inicialmente, reconstruir o
ambiente histórico-institucional, teórico e prático, que Wicksell estava inserido, que o
motivaram a desenvolver sua abordagem monetária.
Tentou-se mostrar que as mudanças institucionais e as controvérsias
monetárias inglesas foram fatores determinantes e condicionantes para o
desenvolvimento da Teoria Monetária no século XIX.
Em seguida, argumentou-se que as visões de Tooke e Ricardo sobre Teoria
Monetária foram aquelas que conseguiram sintetizar todo este estado de mudanças,
tanto no que diz respeito à teoria em si, quanto no que concerne às mudanças de
rumo na condução da Política Econômica no século XIX.
Foi sustentado, também, que comparando as abordagens de Tooke e de
Ricardo, que compunham para o autor o estado da arte em Teoria Monetária nesta
época, Wicksell acreditava que a TQM de Ricardo era a tentativa mais bem
acabada, com caráter mais científico, apesar de incompleta. E que foi a partir desta
que Wicksell ergueu sua construção teórica.
Dentro de todo este contexto, mostrou-se que Wicksell inicia seu esforço
teórico em responder uma questão aparentemente simples: quais fatores que
influenciam as variações de preços?
É argumentado que Wicksell critica algumas das hipóteses da TQM,
consideradas irrealistas, em especial a constância da Velocidade de Circulação da
Moeda. Ele conclui que, sob um arranjo institucional com um sistema bancário-
financeiro complexo, esta hipótese não se sustenta, o que coloca em xeque a TQM.
É mostrado que, a partir desta constatação fundamental, Wicksell descreve o
lado positivo de sua análise: o Processo Cumulativo, baseado nas taxas natural e
monetária de juros. É importante ressaltar que, ao fazer isso, mesmo usando
ferramentas diferentes da TQM, conforme apresentado, o autor tem como visão,
94
estar apenas suplementando a TQM, para explicar aspectos que fugiam ao escopo
de tal teoria, por exemplo, a presença do crédito e suas conseqüências.
Como foi exposto, mesmo afirmando isso, talvez por algumas ambigüidades
presentes no trabalho de Wicksell e/ou pela própria riqueza da abordagem do autor,
além de existirem economistas contemporâneos que ressaltam o caráter de
suplemento da TQM que a abordagem de Wicksell teria, há comentadores que
sustentam que o Processo Cumulativo teria transcendido o território da TQM.
Então, para ilustrar isso, foram selecionados e explicitados os pontos de vista
de Humphrey e Patinkin que afirmam que Wicksell teria tido sucesso em seu objetivo
inicial: suplementar, pura e simplesmente, a TQM - também interpretada em seu
sentido contemporâneo.
Foram escolhidas e descritas, também, as visões de Haavelmo e
Leijohnufvud que seguem um outro rumo na interpretação do Processo Cumulativo a
partir da TQM: o modelo de Wicksell teria suplantado a TQM, também interpretada
em termos contemporâneos.
O que se pôde inferir sobre tais apropriações modernas das idéias de
Wicksell é, fundamentalmente, que elas são determinadas pelos problemas,
interesses e pelas referências teóricas atuais. Essa falta de preocupação histórica
fez com que as idéias do autor fossem retiradas do seu contexto original e
reinterpretadas à luz do contexto atual.
Este esforço em recolocar as idéias do autor no seu contexto histórico e
teórico original pode introduzir no debate, pontos interessantes que estariam sendo
deixados de fora da discussão moderna , tornando assim, o debate ainda mais rico.
95
VII. BIBLIOGRAFIA
BERNSTEIN, Peter L. O Poder do Ouro: a história de uma obsessão. Rio de Janeiro:
Campus, 2001.
BLAUG, Marc et al. The Quantity Theory of Money: From Locke to Keynes and
Friedman. Aldershot: Edward Algar, 1995.
BOIANOVSKY, Mauro & TRAUTWEIN, Hans-Michael. Wicksell’s lecture notes on
economic crises (1902/05). Structural Change and Economic Dynamics, v.12, 2001,
p. 343 – 366.
CORAZZA, Gentil. Os Bancos Centrais como lenders of last resort. In: Encontro
Nacional de Economia Política, 2002, Curitiba. Encontro Nacional de Economia
Política, 2002. v. cd-rom.
DE VIVO, G. David Ricardo. In: EATWELL; MILGATE; NEWMAN, eds. The New
Palgrave: A Dictionary of Economics, v. 4, London: Macmillan Press, 1987, pp. 183–
198.
DEANE, Phyllis. Evolução das Idéias Econômicas. Rio de Janeiro : Zahar, 1980.
HAAVELMO, Trygve. Wicksell on the Currency Theory vs. the Banking Principle.
Scandinavian Journal of Economics, v.80, n.2, 1978, p. 209 – 215.
HOOVER & DOWELL. Measuring Causes: Episodes in the Quantitative Assessment
of the Value of Money. History of Political Economy, v.33, 2001, p. 371-374.
HUMPHREY, Thomas M. Money, Banking, and Inflation: Essays in the History of
Monetary Thought. Aldershot: Edward Elgar,1993.
____________________. Fisher and Wicksell on the Quantity Theory. Federal
Reserve Bank of Richmond Economic Quarterly, Richmond, v.83/4, p. 71 – 89,
Set./Nov. 1997.
LAIDLER, David. The Bullionist Controversy. In: EATWELL; MILGATE; NEWMAN,
eds. The New Palgrave: Money. United Kingdom, The MacMillan Press, 1989. p. 60-
71.
96
____________________. Highlights of the Bullionist Controversy. Texto apresentado
em uma palestra dada na Stockholm School of Economics. 1999.
LANDES, David. Prometeu Desacorrentado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus,
2005.
LEIJOHNUFVUD, Axel. The Wicksell Connection – Variations on a Theme. In:
Information and Coordination: Essays in Macroeconomic Theory. Oxford: Oxford
University Press, 1981, p. 131 – 202.
OHLIN, Bertil. Introduction. In: Interest and Prices: a study of the causes regulating
the value of money. New York: Kelley, 1965, p. vii – xxi.
PATINKIN, Don. Money, Interest, and Prices: An Integration of Monetary and Value
Theory. 2ª edição. New York: Harper & Row, 1969.
PIVETTI, Massimo. Tooke, Thomas. In: EATWELL; MILGATE; NEWMAN, eds. The
New Palgrave. United Kingdom, The MacMillan Press, 1989. p. 657-659.
RIST, Charles. History of Monetary and Credit Theory: from John Law to the present
day. New York: Kelley, 1966.
ROGERS, Colin. Money, Interest and Capital: a study in the foundations of monetary
theory. New York: Cambridge University Press, 1989.
SCHWARTZ, Anna J. Banking School, Currency School, Free Banking School. In:
EATWELL; MILGATE; NEWMAN, eds. The New Palgrave: Money. United Kingdom,
The MacMillan Press, 1989. p. 41-49.
SCHUMPETER, Joseph A. History of Economic Analysis. New York: Oxford
University Press, 1954.
_______________. História da Análise Econômica. São Paulo: Editora Fundo de
Cultura, 1964, v.2 e 3.
SOROMENHO, Jorge Costa. Um estudo sobre as origens da crítica de Hayek ao
conceito de equilíbrio. 1994. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de
Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
97
UHR, Carl G. Economic Doctrines of Knut Wicksell. 2ª edição. Berkeley : University
of California Press, 1960.
VINER, Jacob. Studies in the Theory of International Trade. New York: Kelley, 1965.
WICKSELL, Knut. Interest and Prices: a study of the causes regulating the value of
money. New York: Kelley, 1965.
_______________. Lições de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1986.