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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS E
LITERÁRIOS EM INGLÊS
A TRADUÇÃO DO SOCIOLETO LITERÁRIO:
UM ESTUDO DE WUTHERING HEIGHTS
Solange Peixe Pinheiro de Carvalho
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Estudos Estilísticos e Literários
em Inglês, do Departamento de
Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de o
Paulo, para obtenção do título de
Mestre em Letras.
Orientadora: Profª Drª Lenita Maria Rimoli Esteves
São Paulo
2006
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
E LITERÁRIOS EM INGLÊS
A TRADUÇÃO DO SOCIOLETO LITERÁRIO:
UM ESTUDO DE WUTHERING HEIGHTS
Solange Peixe Pinheiro de Carvalho
São Paulo
2006
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Para minha avó Sebastiana (in memoriam); e especialmente para Augusta,
minha maior amiga, minha grande incentivadora.
E também para Valderez e Rosalind.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas me auxiliaram de diversas maneiras ao longo de minha
vida, bem como enquanto pesquisava para escrever minha dissertação, e eu
correria o risco de esquecer algum nome caso fosse mencioná-los todos. Porém,
incorreria em um risco ainda maior o da ingratidão se não fizesse uma
menção especial a certas pessoas, sem cujo auxílio, apoio e sugestões eu não
teria conseguido alcançar meus objetivos:
Em primeiro lugar, as professoras Lia Sanchez, Ciça Minervino, Ana
Leme, Diana Ackerman e Alzira Allegro, cuja competência e dedicação foram
essenciais para que eu aprendesse a conhecer e amar a língua inglesa;
Prof. Dr. Almiro Pisetta, por seu incentivo durante minha graduação;
Profª Drª Viviane Veras, que me deu o “empurrão inicial”, e por fazer
importantes comentários a respeito da minha proposta de tradução;
Profª Drª Cielo Festino, por sempre me fazer lembrar que eu deveria
seguir meu verdadeiro caminho;
Prof. Dr. Alexandre Feldman, pelo conselho inestimável que me deu;
Minhas queridas amigas Adriana, Mariângela e Regiane, pelo incentivo e
pelas boas horas de convivência;
Mr. Walter Leach, Tesoureiro da Yorkshire Dialect Society;
Leanne Eskdale, da Brontë Society;
Nicola Viola e Katja Socher, por me darem as traduções italiana e alemã
de Wuthering Heights;
Maristela Cury Sarian, por me ajudar com tanta prontidão;
Eliane Alembert, pela sua ajuda, e pelas longas discussões sobre
Wuthering Heights e outros assuntos;
Minha colega Célia Prado, por tão prontamente me ajudar na última
hora;
Last, but not least, minha orientadora, Lenita Esteves, por achar que meu
projeto merecia ser desenvolvido.
LANGUAGE, n. The music with which we charm the serpents guarding another's
treasure.
Ambrose Bierce, The Devil’s Dictionary
Además de mi padre, tengo un padrastro, padrino, padre putativo o como se quiera
designarle: el abate don José Miguel Alea, mi traductor. Porque conviene anotar que
yo no soy el Pablo y Virginia ya clásico, arquetípico, en francés, sino uno de sus
hermanos benjamines, vertido a un truculento castellano. Tal circunstancia,
lógicamente, me ha disminuido ante el mundo, como suele suceder con los parientes
pobres. En efecto: ser Pablo y Virginia encerraba sus dificultades, pero serlo en
castellano, con eso de bastardo que toda traducción acarrea, es aun más penoso.
Manuel Mujica Lainez, Memórias de Pablo y Virginia, in Misteriosa Buenos Aires
CARVALHO, Solange P.P. A tradução do socioleto literário: um estudo de Wuthering
Heights. 2006, 218 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Estilísticos e Literários em
Inglês) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo.
RESUMO: O objetivo desta dissertação é apresentar uma proposta de tradução para as
falas das personagens que usam o dialeto de Yorkshire no romance Wuthering Heights.
O romance, publicado pela primeira vez na Inglaterra em 1847, teve nove traduções
diferentes no Brasil, bem como diversas reimpressões; e a existência desta proposta se
deve ao fato de todas as traduções deixarem de lado a questão dialetal e apresentarem a
fala dessas personagens dentro da norma culta da língua portuguesa. Consideramos que
é necessário manter nas traduções em português a heterogeneidade existente no original
inglês, pois essa é uma característica importante que não deve ser ignorada,
principalmente depois que estudos lingüísticos e sociolingüísticos mostraram que
dialetos não são formas inferiores de uma língua ‘padrão’, correta. Levando em
consideração as diferenças lingüísticas existentes entre a Inglaterra e o Brasil, e tendo
por base estudos dialetológicos e o uso de elementos da oralidade para a criação das
falas, a proposta de tradução pretende mostrar ao leitor brasileiro o fato de algumas
personagens do romance não usarem o inglês standard ao falar, bem como uma análise
sobre o papel desempenhado pelo uso do dialeto em diferentes momentos da narrativa.
Palavras-chaves: O Morro dos Ventos Uivantes, tradução dialetal, dialeto de Yorkshire,
estudos dialetológicos.
CARVALHO, Solange P.P. The translation of literary sociolect: a study of Wuthering
Heights. 2006, 218 p. Dissertation (Mestrado em Estudos Estilísticos e Literários em
Inglês) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo.
ABSTRACT: The main purpose of this dissertation is to propose a translation for the
speech of the characters that speak Yorkshire dialect in the novel Wuthering Heights.
This novel, published for the first time in England in 1847, has already been translated
nine times into Brazilian Portuguese; besides, these translations have also been reissued
here. This dissertation has as its basis the fact that in all nine Brazilian translations the
Yorkshire dialect has been rendered into standard Portuguese. We consider that it is
necessary to keep in Portuguese the linguistic diversity found in the original text, since
it is a very important characteristic of the novel that cannot be ignored, most of all
because linguistic and sociolinguistic studies have shown that dialects are not ‘inferior’
forms of a ‘standard’, correct, language. Taking into consideration the linguistic
differences that exist between English and Brazilian Portuguese, and having as basis
dialectological studies and the use of elements of oral language to create the speech of
the characters in Portuguese, this work intends to show to Brazilian readers the fact that
some characters in the novel do not speak standard English, as well as an analysis about
the role played by the use of dialect in different moments of the novel.
Key words: Wuthering Heights, dialectal translation, Yorkshire dialect, and dialectal
studies
ÍNDICE
Introdução..........................................................................................................................10
Capítulo I – A teoria da tradução e o conceito de socioleto literário............................16
Capítulo II – Língua, dialetos e norma culta ..................................................................41
I. Língua escrita vs. língua falada........................................................................................44
II. Estudos dialetológicos na Europa e a situação lingüística da Inglaterra ........................46
III. Estudos dialetológicos no Brasil ...................................................................................50
IV. Estudos dialetológicos e a tradução de textos literários................................................54
V. Caracterização de empregados na literatura brasileira dos séculos XIX e XX ..............58
Capítulo III – O dialeto de Yorkshire na literatura.......................................................70
I. Como o dialeto de Yorkshire é apresentado na literatura inglesa....................................70
II. O dialeto de Yorkshire e o romance Wuthering Heights................................................77
III. O dialeto de Yorkshire nas traduções de Wuthering Heights........................................91
IV. Formas dialetais presentes na narrativa.........................................................................99
Capítulo IV – Proposta de tradução................................................................................109
I. Considerações iniciais......................................................................................................109
II. Relação das características e propriedades fonéticas da língua falada.........................113
III. Traduções para falas da personagem Joseph feitas por outros tradutores.....................115
IV. Proposta de tradução para as falas da personagem Joseph............................................117
V. Proposta de tradução para as falas da personagem Hareton...........................................136
VI. Proposta de tradução para as falas das demais personagens.........................................142
Conclusão ...........................................................................................................................146
Bibliografia.........................................................................................................................148
Apêndice.............................................................................................................................151
I. Exemplos tirados das outras traduções consultadas.........................................................152
II. Formas do dialeto de Yorkshire encontradas ao longo da narrativa...............................157
III. Comentários sobre as traduções das variantes dialetais ................................................181
IV. As traduções de Wuthering Heights em outras línguas.................................................189
V. Variantes dialetais encontradas ao longo da narrativa....................................................196
VI.Comentários sobre as traduções das variantes dialetais ................................................212
VII. Poema de Tasso da Silveira .........................................................................................214
VIII. Poemas em dialeto de Yorkshire ................................................................................215
IX. Mapas ............................................................................................................................217
Introdução
A tradução sempre foi vista como algo ‘menor’, que não poderia ser comparada
à produção literária, pois lhe faltavam a inspiração e o trabalho do artista que
caracterizam a literatura. Apenas no século XX começou a haver uma mudança
significativa referente a esse modo de encarar a questão, apesar da existência de
algumas reflexões feitas sobre o assunto em períodos anteriores. Entretanto, mesmo
com os avanços no campo de estudos tradutológicos, ainda há quem pense que a
tradução é algo mecânico, realizada sem esforço, sem técnica e, acima de tudo, um
trabalho que pode ser exercido por qualquer pessoa que tenha um conhecimento
razoável de uma língua estrangeira e um bom dicionário.
Quando os estudos tradutológicos começaram a tomar forma, eles se
concentravam principalmente no campo da tradução poética, talvez pelo fato de a poesia
ter sido sempre considerada uma forma literária incomparavelmente superior à prosa. A
afirmativa de Susan Bassnett, feita em seu livro Estudos de Tradução, confirma tal
ponto de vista, disseminado entre muitos estudantes e professores de tradução e pessoas
leigas no assunto: “Embora haja um grande volume de trabalho debatendo as questões
que envolvem a tradução de poesia, muito menos tempo tem sido gasto no estudo dos
problemas específicos da tradução da prosa literária.” (2005:146)
Considerando que a tradução é vista como ‘inferior’ à produção literária, e que,
dentro desse campo ‘menor’ a tradução da prosa é inferior à da poesia, que dizer então
da tradução dialetal? Ao considerarmos essa questão, nos deparamos com algo que
poderia ser visto como uma dupla inferioridade: a tradução da prosa não goza do mesmo
status que a da poesia; os dialetos são considerados inferiores à norma chamada ‘culta’
da língua. Compensa, então, discutir algo que parece fadado ao esquecimento e à
indiferença pelo seu próprio caráter de produto ‘indigno’ da atenção dedicada à análise
literária ou da tradução da poesia?
Um dos propósitos deste trabalho é afirmar que sim, compensa discutir a
tradução de variantes dialetais encontradas em um texto em prosa, principalmente
porque nesse nicho aparentemente tão pequeno de campo de estudos encontram-se
temas variados, cuja discussão pode enriquecer não apenas a teoria da tradução, mas
também os estudos lingüísticos e sociológicos, pois a tradução de variantes dialetais é
um tema que não deve ser analisado isoladamente, mas sim aliado aos estudos
sociolingüísticos, dialetológicos e lingüísticos, como será mostrado mais adiante.
Porém, se o estudante julga oportuno se debruçar sobre as traduções de variantes
dialetais ou não-padrão da língua, ele deve fazê-lo tendo a certeza de que esse é um
campo pouco estudado por teóricos no mundo todo, e principalmente no Brasil. Artigos
e trabalhos publicados sobre a tradução de dialetos concentram-se, em sua maior parte,
na análise da fala dos negros, o chamado BEV (Black English Vernacular). Três
trabalhos acadêmicos a respeito desse tema foram realizados recentemente: as
dissertações de mestrado de Di Vito, sobre The Adventures of Hucleberry Finn; a de
Kátia Hanna a respeito da tradução das falas da personagem Burma Jones no romance A
Confederacy of Dunces e a de Maristela Cury Sarian analisando a tradução do romance
The Color Purple, as duas primeiras apresentadas na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e a de Sarian na Universidade
Estadual Paulista em São José do Rio Preto. Esses três trabalhos mostram o fato de os
estudantes de tradução estarem começando a perceber a riqueza de material literário de
que poderão dispor para seus estudos, e ao mesmo tempo apontam para um aspecto
menos interessante: outras variantes dialetais parecem não suscitar o mesmo interesse
para análise na produção acadêmica, pois não são encontradas em grande quantidade em
romances e contos.
É nesse contexto que se insere o presente trabalho: ele tem em comum com as
três dissertações mencionadas acima o fato de analisar a tradução de uma variante
dialetal, mas seu objeto de estudo não é o BEV. Pelo contrário, é algo distante do BEV
tanto em termos geográficos quanto culturais: o dialeto de Yorkshire, assim como ele é
encontrado no romance O Morro dos Ventos Uivantes, publicado por Emily Brontë em
1847. Saem de cena os negros do sul dos Estados Unidos, dando lugar a um empregado
de uma propriedade rural localizada no norte da Inglaterra na virada do século XIX.
Esse fato por si indica que os caminhos percorridos para a análise dessa variante
dialetal e a subseqüente proposta de tradução não foram os mesmos trilhados pelos
autores das três dissertações citadas. Certamente, alguns trabalhos teóricos sempre serão
mencionados em toda a produção acadêmica a respeito do assunto, como os de Gillian
Lane-Mercier, Anthony Pym, Sumner Ives, ou então os brasileiros Dino Preti e
Hudinilson Urbano, se a análise da variante dialetal enveredar pelos caminhos da
análise da utilização de elementos da oralidade no texto literário. Contudo, muito do que
se publicou a respeito da tradução de variantes dialetais até o presente momento é de
pouca ou nenhuma ajuda para o caso específico do dialeto de Yorkshire.
O BEV tem sido estudado algum tempo, e por mais de um teórico; a
bibliografia existente sobre o dialeto de Yorkshire na literatura é reduzida: o presente
trabalho se baseia principalmente nas análises feitas por K.M. Petyt e John Waddington-
Feather sobre Emily Brontë e o uso que ela fez do dialeto em O Morro dos Ventos
Uivantes. Talvez a presença do dialeto de Yorkshire em um único romance de grande
porte seja responsável pela escassez de referências ao assunto; o BEV é encontrado,
entre outros, em uma obra canônica, The Adventures of Huckleberry Finn; e em um
romance ganhador do Prêmio Pulitzer, The Color Purple, que mereceu uma adaptação
cinematográfica na década de 80. Embora O Morro dos Ventos Uivantes seja
indiscutivelmente um dos romances mais importantes da literatura mundial, a ausência
do dialeto de Yorkshire em outras obras tão significativas pode ter sido um fator
determinante para seu ‘esquecimento’ como material de base para um trabalho
acadêmico fora da Inglaterra.
Os estudos realizados por Petyt e Waddington-Feather mostram que Emily
Brontë não ‘inventou’ o dialeto de Yorkshire ao escrever seu romance. A própria
biografia da autora nos mostra que seu conhecimento do dialeto e de seus falantes era
real, concreto: em Charlotte and Emily Brontë Literary Lives, Winnifrith e Chitham
mencionam a importância que a experiência de vida de Emily entre os falantes do
dialeto foi fundamental para seu processo de criação literária: “Emily’s acute ear from
the dialect likely to be used by Joseph was being trained from her very earliest
childhood.”
1
(1998:23) Segundo rin, uma das mais importantes fontes para o contato
com o dialeto, não apenas para Emily, mas também para Charlotte e Anne, foi a
empregada Tabitha Aykroyd, que entrou para o serviço da família Brontë quando Emily
tinha uns cinco anos de idade, e permaneceu junto delas por muitos anos. Tabitha era
falante do dialeto, e Emily parece tê-lo aprendido com ela ainda na adolescência, em
um de seus famosos diary-papers, ela procura registrar algumas das características da
fala de Tabitha: “Taby said just now Come Anne pilloputate (i.e. pill a potato) [...] Taby
Said on my putting a pen in her face Ya pitter pottering there instead of pilling a
potate.” (1971:39)
As três irmãs Brontë retrataram falantes do dialeto em suas obras, embora
apenas Emily tenha criado uma personagem – mesmo secundária cuja participação na
1
A percepção aguçada de Emily em relação ao dialeto que Joseph poderia usar estava sendo treinada dsde
sua mais tenra infância. As traduções de todas as notas foram feitas pela autora do trabalho, exceto as
traduções a partir do alemão.
narrativa fosse tão significativa. Contudo, o interesse delas pelo dialeto de Yorkshire
aparece em suas obras de juventude, como pode ser visto no fragmento de um poema
escrito por Charlotte no conto The Foundling, parte do ciclo de estórias sobre Gondal:
And wi’ that knoife shoo’d a cutt her throit
If I hadn’t gean her a strait waist-coit;
Then shoo flang and jumped
And girned and grumped,
But I didn’t caare for her a doit. (1967:45)
Os estudos de K.M. Petyt mostram que Emily alcançou resultados superiores aos
das irmãs em sua tentativa de retratar um falante do dialeto de Yorkshire em seu
romance: “I would not of course try to insist that Emily Brontë’s picture of the dialect of
Haworth is completely accurate. [...] But as an observer and recorder of the dialect of
Haworth she is surprisingly good – considerably better than either of her sisters.”
2
(2001:45) E, se ela foi capaz de, sem ter conhecimento de estudos dialetológicos, e não
dispondo de nada mais que o alfabeto inglês standard para grafar as variações na
pronúncia das palavras por ela ouvidas diariamente, criar uma personagem cuja fala é
coerente, e que foi reconhecida como tal por mais de um estudioso do assunto, esse
esforço dela não deveria ser deixado de lado nas traduções de seu romance.
Porém, infelizmente, foi isso que aconteceu, não apenas no Brasil, mas em
outros países também. Para a elaboração do presente trabalho, foram consultadas
algumas traduções do romance em português e em outras línguas.
3
. Em praticamente
todas elas, verificamos que não houve, por parte dos tradutores, um desejo de tentar
mostrar que Joseph e outras personagens não usam o inglês standard quando falam.
Algumas marcações de desvios da norma são encontradas nas duas traduções francesas;
apenas na tradução alemã houve a preocupação por parte do tradutor de dar uma ‘voz’ à
personagem Joseph, como pode ser visto em uma das notas finais do livro:
Joseph spricht im Original einen sehr breiten, manchmal ans
Unverständliche grezenden nordenglischen Dialekt. Es liegt in der Natur von
Dialekten, daß sie aufgrund ihrer regionalen Beschränktheit nicht
übersetzbar sind, weil jeder Dialekt andere kulturelle und soziale Werte und
Erfahrungen impliziert. Da aber sowohl für die Charakterisierung Josephs
wie auch als weiterer Hinweis auf die Weltabgeschiedenheit von Wuthering
2
Obviamente, eu não tentaria insistir no fato de que a representação que Emily Brontë faz do dialeto de
Haworth é completamente correta. [...] Mas como uma observadora e registradora do dialeto de Haworth
ela é surpreendentemente boa – consideravelmente melhor que qualquer uma de suas irmãs.
3
A relação das traduções está disponível na bibliografia no final do trabalho.
Heights Josephs ‘grobe’ Sprache von grundlegender Bedeutung ist, halten
wir es trotzdem für notwendig und gerechtfertigt, dem Knecht auch in der
Übersetzung eine gewwillkürliche mundartlich gefärbte Ausdruckweise
zu geben. (2006:427)
4
Porém, tanto a tradução alemã quanto as outras em línguas estrangeiras foram
consultadas apenas com o intuito de verificar a atitude de diferentes tradutores em
outros países que não o Brasil. O foco principal deste trabalho volta-se para as traduções
brasileiras, certamente, pois não aqui espaço para fazer uma análise profunda das
condições lingüísticas e culturais da França, da Itália, da Argentina ou da Alemanha,
com o intuito de encontrar soluções para a questão dialetal nas traduções em francês,
italiano e espanhol e alemão.
As críticas publicadas em jornais ingleses na época da segunda edição de O
Morro dos Ventos Uivantes (1850) e que estão disponíveis na Norton Critical Edition
desse romance não fazem menção específica à presença do dialeto no romance. Ao
longo do século XIX e começo do XX, referências feitas à linguagem empregada por
Emily Brontë em seu romance concentravam-se mais na impropriedade de ela ter sido
empregada por uma escritora:
“Coarseness” was the term Victorian readers used to rebuke unconventional
language in women’s literature. It could refer to the “damns” in Jane Eyre, the
dialect in Wuthering Heights, the slang of Rhoda Broughton’s heroines, the
colloquialisms in Aurora Leigh, or more generally to the moral tone of a work, such
as the vein of perilous voluptuousness” one alert critic detected in Adam Bede.
(1977:25)
5
Para os críticos vitorianos, dialetos são colocados lado a lado com gírias,
coloquialismos, ou o uso de palavras ou a descrição de situações consideradas
‘impróprias’ por mulheres. Atualmente sabemos que dialetos, gírias e uso de palavras
tabus são fatos lingüísticos distintos e que merecem tratamentos distintos por parte de
tradutores e editores; mesmo assim, não se pode precisar quais motivos levaram nove
4
No original, Joseph apresenta um falar bem marcado por forte sotaque, às vezes incompreensível, do
dialeto do norte da Inglaterra. Por sua própria natureza devido à restrição regional são intraduzíveis,
porque cada dialeto implica valores e experiências culturais e sociais. Todavia, nós achamos necessário e
justificável, também na tradução, dar ao servo uma linguagem coloridamente dialetal, não somente para a
caracterização de Joseph, como também como indicação do distanciamento da fala “rude” de Joseph, em
“Wuthering Heights”, do sentido fundamental. (tradução de Célia Prado)
5
‘Rudeza’ era o termo usado por leitores vitorianos para censurar a linguagem não-convencional na
literatura feminina. Ela pode se referir aos malditos’ em Jane Eyre, ao dialeto em O Morro dos Ventos
Uivantes, à gíria usada pelas heroínas de Rhoda Broughton, aos coloquialismos em Aurora Leigh; ou, de
uma maneira mais geral, ao tom moral de uma obra, tal como a ‘veia de perigosa voluptuosidade’ que um
crítico alerta detectou em Adam Bede.
diferentes tradutores brasileiros a deixar de lado uma característica tão sugestiva quanto
o uso do dialeto em suas traduções. Tampouco é possível dizer com segurança se o fato
de O Morro dos Ventos Uivantes ser uma obra canônica influenciou na decisão de
editores e tradutores de ‘esquecer’ a presença do dialeto de Yorkshire no romance. Mas,
pode-se afirmar com certeza que outras variantes dialetais já apareceram em obras
literárias, principalmente naquelas escritas no século XX, e que suas traduções foram e
serão sempre fontes aparentemente inesgotáveis de questionamentos. Este trabalho e a
proposta de tradução nasceram de uma indagação particular, ocorrida na época da
primeira leitura de Wuthering Heights no original inglês, e se consolidaram com a
verificação de que a tradução dialetal é um assunto bastante discutido na atualidade
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, e com a esperança de que seja também no
Brasil.
Este trabalho está dividido em quatro partes: no capítulo I, são analisadas as
correntes teóricas que formaram a base da proposta de tradução; no capítulo II,
apresentamos um breve painel dos estudos dialetológicos e lingüísticos na Europa e no
Brasil, bem como uma análise sucinta do uso da linguagem não-padrão por parte de
escritores brasileiros nos séculos XIX e XX; o capítulo III é dedicado ao estudo do
dialeto de Yorkshire na literatura; e o capítulo IV apresenta a proposta de tradução, com
alguns comentários a respeito das soluções encontradas para questões presentes no texto
original. Essa proposta não tem a intenção de ser a única visão possível sobre o papel
exercido pelo dialeto de Yorkshire em O Morro dos Ventos Uivantes, e nem de
apresentar soluções definitivas para sua tradução. Seu intento é lançar uma luz sobre um
assunto que, até o momento, não tem recebido a atenção que devia por parte de críticos,
professores e estudantes de tradução, e, quem sabe, incentivar novos trabalhos
acadêmicos nessa área.
CAPÍTULO I. A teoria da tradução e o conceito de socioleto
literário
Se, como foi mencionado na Introdução, existem outras traduções do livro O
Morro dos Ventos Uivantes, por que então fazer mais uma? Como é possível justificar
este trabalho em termos acadêmicos? Em primeiro lugar, sem querer discutir uma
questão tão difícil quanto a intenção do autor, poder-se-ia dizer que, se Emily Brontë
julgou importante a presença de um falante de dialeto em seu romance, traduzir as falas
da personagem Joseph dentro das normas do português padrão seria uma espécie de
adaptação indevida, pois o tradutor estaria ignorando uma característica do texto
original que pode mostrar para o leitor muito mais do que apenas uma forma de falar
diferente (esse ponto será discutido no Capítulo III em maiores detalhes). Em termos
acadêmicos, a resposta pode ser encontrada em uma afirmativa feita por Toury em seu
artigo Translating of literary texts” vs. “Literary Translation”: A Distinction
Reconsidered:
Basically, translation is designed to fulfill the needs of a so-called “target culture”. It
does so by introducing into this system a version of something which is already in
existence in another, “source” culture, using a different language, and which for
one reason or another is deemed worthy of introducing into it. The introduced
entity itself is never completely “new”, that is, alien to the recipient culture in all
possible respects. On the other hand, it is always something that has never been
there before. This last claim holds true in cases of retranslating too; for even when
the very same source text is being translated again, the resulting entity – that which
can be said to actually enter the target culture will definitely not have been there
before. (1993:10, itálicos do autor)
6
A observação feita por Toury leva tradutores, professores e alunos a uma
reflexão: traduções devem ser refeitas para acompanhar o desenvolvimento da ngua e
dos estudos feitos sobre ela. Textos traduzidos há vinte ou trinta anos certamente trazem
em si as marcas da época em que foram publicados: vocabulário, estruturas, mesmo a
base teórica que sustentou o trabalho do tradutor estão presentes em cada tradução,
deixando-a com características únicas que jamais serão repetidas. Apenas essa
6
Basicamente, a tradução tem por objetivo atender às necessidades de uma assim chamada ‘cultura alvo’.
Ela faz isso introduzindo nesse sistema uma versão de algo que já existe em outra cultura, a ‘fonte’, e que
por uma razão ou outra é considerada digna de ser nela introduzida, utilizando uma linguagem
diferente. A entidade introduzida nunca é completamente ‘nova’, ou seja, estranha à cultura que a recebe
em todos os possíveis aspectos. Por outro lado, ela sempre é algo que nunca esteve antes. Essa última
afirmação é verdadeira nos casos de retradução também; pois até quando o mesmo texto fonte está sendo
traduzido outra vez, a entidade resultante aquela que está realmente entrando na cultura alvo –
definitivamente não terá estado nela anteriormente.
afirmação de Toury já serviria para validar uma nova tradução de O Morro dos Ventos
Uivantes; entretanto, além da própria particularidade inerente a cada trabalho, esta
proposta realmente tem por objetivo mostrar ao leitor algo ausente das demais
traduções, mesmo a mais recente: a representação em língua portuguesa de uma variante
dialetal presente no texto original. É difícil aceitar que, no espaço de sessenta anos que
encontramos entre a primeira tradução de O Morro dos Ventos Uivantes (década de 40)
e a última (2003), ninguém tenha se perguntado quais foram os critérios que levaram o
dialeto de Yorkshire a ser traduzido sistematicamente dentro das normas do português
padrão. Esses critérios como será mostrado mais adiante envolvem não apenas as
chamadas ‘escolhas do tradutor’, mas também fatores externos à sua vontade, como
pressões do mercado editorial e preconceitos existentes em relação às variantes da
língua consideradas ‘menores’ ou ‘erradas’.
Obviamente, qualquer proposta de tradução vai levantar algumas questões
relativas ao próprio processo tradutório: (in)fidelidade; escolhas do tradutor;
embasamento teórico que norteará a tradução; (in)visibilidade do tradutor; bem como
outras questões que não fazem necessariamente parte dos estudos tradutológicos, mas
sim, pertencem ao campo da lingüística ou mesmo da teoria literária. Conforme
observou Toury, “…theories are constituted in response to needs. Consequently,
different theories inevitably fulfill different functions as well as apply to different
objects…”(1989:102)
7
Portanto, as teorias aqui expostas são aquelas que respondem aos
questionamentos levantados pelas dificuldades e peculiaridades deste trabalho, fator que
explica o motivo pelo qual não serão analisados argumentos sobre (in)fidelidade;
transparência do tradutor; as escolhas por ele feitas, pois eles, embora não possam ser
considerados irrelevantes, não oferecem soluções para o problema estudado.
A tradução de variantes dialetais é um caso tão específico dentro do enorme
campo de estudos dedicados ao assunto, que algumas das questões mencionadas acima
simplesmente correm o risco de ficar sem resposta se forem a ele dirigidas. Os reais
problemas a serem estudados por tradutores e teóricos da tradução que se dedicam a
esse tipo de trabalho são: como definir um dialeto? Qual sua posição dentro do sistema
da língua com a qual ele coexiste? Como o tradutor pode encontrar na língua de
chegada uma maneira de mostrar ao leitor que determinada personagem da obra que ele
vai ler não utiliza a forma padrão ao falar, se a correspondência dialeto da ngua
7
...teorias são estabelecidas em resposta às demandas. Conseqüentemente, diferentes teorias
inevitavelmente desempenham diferentes funções, bem como se aplicam a diferentes objetos...
A/dialeto da língua B simplesmente não existe? No Capítulo II, dedicado à análise da
questão dialetal, esse ponto de vista será exemplificado com maior clareza, mas por ora
é suficiente dizer que não uma correspondência exata entre dialetos de diferentes
línguas; o único ponto que eles têm em comum é o fato de não serem considerados a
‘norma culta’ do país onde são falados. Portanto, a tradução de uma determinada
variante dialetal vai enveredar por caminhos além de indagações relativas à fidelidade e
outras apresentadas pelas teorias da tradução.
Considerando as questões acima propostas, a primeira a ser analisada é: o que é
um dialeto literário? De acordo com Sumner Ives em seu ensaio intitulado A Theory of
Literary Dialect, “A dialect, then, represents the use in one locality of speech traits that
may be individually found somewhere else, but nowhere else in exactly the same
combination.” (1950:144)
8
Quando esse dialeto é usado em obras literárias, alguma
diferença entre ele e as variantes dialetais que ouvimos nas ruas, faladas pela população
de um país? Ives diz que sim, há, e salienta que o autor estabelece a forma dialetal usada
por suas personagens baseado em suas próprias idéias do que é a ngua padrão, não em
estudos científicos: “This ‘standard’ language which has been mentioned can only be
the variety of the language which the author himself considers to be ‘standard’, not what
some dictionary maker or later critic may wish to judge him by.” (1950:150)
9
E ele
oferece sua própria definição do que é um dialeto literário:
A literary dialect is an author’s attempt to represent in writing a speech that is
restricted regionally, socially, or both. His representation may consist merely in the
use of an occasional spelling change, like FATHUH rather than father, or the use of
a word like servigrous; or he may attempt to approach scientific accuracy by
representing all the grammatical, lexical and phonetic peculiarities that he has
observed. (1950:137)
10
Portanto, temos uma definição de dialeto literário como uma tentativa por parte
do autor de mostrar uma certa variante lingüística presente em uma área específica do
país, ou mesmo uma forma de falar que não pode ser associada a uma localidade
8
Um dialeto, então, representa o uso, em uma localidade, de características de fala que podem ser
encontradas individualmente em outro lugar, mas em nenhum outro lugar com exatamente a mesma
combinação.
9
Essa linguagem ‘padrãoque foi mencionada pode ser a variedade de linguagem que o próprio autor
considera ser a ‘padrão’, e não aquela pela qual um dicionarista ou um crítico de uma época posterior
possam querer julgá-lo.
10
Um dialeto literário é a tentativa por parte de um autor de representar na linguagem escrita uma fala
que é restrita regionalmente, socialmente, ou ambos. Sua representação pode consistir apenas no uso de
uma alteração ocasional na ortografia, como
FATHUH
no lugar de father, ou o uso de uma palavra como
servigrous; ou ele pode tentar conseguir uma precisão científica representando todas as peculiaridades
gramaticais, lexicais e fonéticas que observou.
geográfica, mas sim a um distanciamento daquela que é considerada a norma culta da
língua falada em seu país. Esse posicionamento mostra que, na opinião de Ives, não
existe, por parte do autor do texto literário, a vontade de oferecer ao leitor do texto uma
visão científica da diversidade lingüística existente onde ele vive – ele vai utilizar
alguns mecanismos que estão a seu dispor dentro do sistema da sua língua padrão para
mostrar essa forma de falar. E, assim como o dialeto é considerado um desvio da
chamada ‘norma cultada língua, um dos recursos que podem ser usados pelo autor é o
desvio da ortografia padrão para mostrar ao leitor essa variante lingüística usada por sua
personagem ao falar. Tal recurso, conhecido como eye-dialect, é definido por Ives como
“spellings that mean nothing phonetically; they are merely a sort of visual signal to the
reader that the dialect speaker is not literate.” (1950:147)
11
Ou, segundo Francis, “A
crude but common device often utilized to convey the illusion of substandard
pronunciation is eye-dialect, a quasi-phonetic re-spelling of common words.”
(1958:541)
12
A utilização do eye-dialect não fica restrita apenas ao autor, mas também o
tradutor pode usá-la para mostrar ao leitor as variantes dialetais usadas pelas
personagens do texto traduzido.
Quando estudamos a questão dialetal, percebemos que as variantes ocupam uma
posição de inferioridade em relação à chamada ‘norma culta’ da língua. Tendo essa
idéia em mente, é possível lembrar neste momento a posição adotada por Even-Zohar
em The position of translated literature within the literary polysystem, artigo em que ele
explora a dimensão política da tradução em culturas ‘dominantes’ e ‘dominadas’. Se
suas idéias forem aplicadas à tradução de variantes dialetais, veremos que os tradutores
trabalham com um dos elementos que compõem uma cultura: as formas lingüísticas.
Nesse caso, pode-se falar não apenas em culturas dominantes ou dominadas, mas
também em formas lingüísticas dominantes e dominadas ou seja, a chamada ‘norma
padrão’ (dominante) e os dialetos (dominados). Poucas pessoas negariam a afirmação de
que, no Brasil, a influência da literatura européia sempre se fez sentir, desde os tempos
coloniais até a presente data. Caso se fosse discutir a questão de culturas dominantes vs.
dominadas, teria de ser considerada a relação entre – por exemplo – a literatura francesa
ou a inglesa (dominantes) e a literatura brasileira (dominada); da mesma maneira se
poderia pensar que, atualmente, a influência dessas culturas não é tão forte como o foi
11
uma ortografia que nada significa foneticamente, ela é apenas um tipo de sinal visual para o leitor de
que o falante não é letrado.
12
Um artifício rude mas muito comum freqüentemente utilizado para transmitir a ilusão de uma
pronúncia não-padrão é o eye-dialect, uma forma quase fonética de reescrever palavras comuns.
durante o tempo do Brasil Império, mas ainda se faz sentir. Essas questões são bastante
pertinentes, mas deve ser lembrado também que, dentro de nosso país, encontramos
formas dominantes e dominadas de cultura, e esse choque pode muitas vezes passar
despercebido aos olhos de grande parte da nossa população por não estarmos
acostumados a pensar em conflitos culturais internos a ‘superioridade da norma culta’
não costuma ser contestada pelas pessoas em geral, pois o estudo das variantes
lingüísticas está restrito aos meios acadêmicos. No Brasil, como em todos os outros
países, existe uma forma dominante de cultura, que impõe sua força e seu prestígio às
demais; essa forma dominante não é fixa, imutável; ela se transforma de acordo com as
mudanças que ocorrem no país ao longo de sua história. Porém, mesmo com as
variações sofridas pela cultura dominante, uma determinada forma lingüística sempre
será reconhecida como a ‘norma culta’ da ngua em detrimento de suas variantes,
consideradas ‘menores’ ou ‘erradas’. A forma dominante tem força política; a forma
dominada terá de se adaptar para ser aceita dentro do sistema dominante desse modo,
podemos entender um dos motivos do ‘esquecimento’ em relação ao dialeto de
Yorkshire que norteou todas as traduções existentes de O Morro dos Ventos Uivantes: a
variante dialetal (dominada) foi apagada, em favor da norma padrão (dominante).
Um reforço para essa posição poderia ser encontrado também em Toury, que
fala das limitações a que o tradutor está sujeito ao realizar seu trabalho:
Finally, literary translation involves the imposition of “conformity conditions” beyond
the linguistic and/or general-textual ones, namely, to models and norms which are
deemed literary at the target end. It thus yields more or less well-formed texts from
the point of view of the literary requirements of the target culture, even at the price
of shifts on the two lower levels. (1993:15)
13
Toury discute a tradução literária de maneira geral; entretanto a posição dele
pode ser adaptada a este trabalho. As limitações a que Toury se refere (a imposição de
normas e modelos considerados literários na cultura de chegada) fazem com que o
tradutor tente de todas as maneiras adequar sua tradução ao sistema dominante; no caso
de uma tradução de variantes dialetais, ele favoreceria as formas padrão da língua e
ignoraria o que está ‘fora da norma’, porque é exatamente essa a atitude das pessoas (de
maneira geral) quando se deparam com dialetos. A valorização das formas padrão da
13
Finalmente, a tradução literária envolve a imposição de ‘condições de conformidade’ além das
lingüísticas e/ou textuais; a saber, a modelos e normas que são considerados literários no destino final.
Isso então leva a textos mais ou menos formados de acordo com o ponto de vista dos requisitos literários
da cultura alvo, mesmo à custa de transformações nos outros dois níveis.
língua sempre existiu, apoiada por convenções ditadas pelas normas e modelos vigentes
em cada país, que determinaram em um ponto qualquer da sua história social e cultural
qual das variantes lingüísticas usadas em seu território seria o modelo que todos
deveriam seguir, enquanto as outras variantes seriam relegadas ao status de língua de
segunda categoria ou menor importância.
Um dos argumentos usados para validar a tradução de variantes dialetais dentro
da norma padrão é que leitores poderiam se chocar ao ver a língua portuguesa mal
escrita em um livro publicado no Brasil. Em seu livro sobre as traduções lançadas no
Brasil pelo Clube do Livro, o professor John Milton escreveu que
Uma norma rígida que encontrei foi a ausência quase total de linguagem de baixo
padrão nas traduções do Clube do Livro e em outras traduções de obras clássicas
realizadas no mesmo período. Qualquer tipo de idioleto ou dialeto do original era
traduzido em um português correto e padrão. (2002:15)
Essa preocupação com a suscetibilidade dos leitores mostra até que ponto o
preconceito lingüístico ditava normas no mercado editorial: dialetos são colocados lado
a lado com linguagem de baixo padrão, embora não sejam fatos lingüísticos
semelhantes o dialeto é uma variante de uma ngua, enquanto a linguagem de baixo
padrão pode ser considerada, por exemplo, o uso de palavrões ou mesmo uma
linguagem com conotação sexual ou com referências a funções fisiológicas, conforme
observou John Milton em relação à tradução de Gargantua (2002:48-52). A norma culta
é, então, usada para padronizar, aparar arestas, diminuir margens de risco para editores e
tradutores. Não seria também uma forma disfarçada de censura, pronta para enquadrar
aquilo que foge da norma?
No caso do Clube do Livro, por trás de todo esse suposto cuidado com o leitor,
está presente o reforço de preconceitos culturais e sociais arraigados na sociedade
brasileira tanto tempo. Portanto, ignorar uma variante dialetal em uma obra canônica
revela não apenas os preconceitos dos editores, mas também uma forma de se for
possível usar termo tão forte – hipocrisia. Não se pode traduzir variantes dialetais
porque o ‘público’ vai ficar chocado; esse mesmo público, no entanto, não pode ser
considerado todo ele como pertencente a uma elite cultural brasileira; mais ainda, ele
está em contato diário com diversas formas de falar que representam uma parte da
grande variedade lingüística encontrada no Brasil. Além do mais, nossas escolas
deveriam formar alunos ‘poliglotas’ dentro do próprio sistema da língua portuguesa, ou
seja, os estudantes deveriam saber ao menos reconhecer variantes do português e
saber em quais ocasiões poderiam usá-las ou não, deixando de lado o apego excessivo a
uma norma ‘culta’ que poucas vezes é respeitada em sua integridade pela população em
geral o contato com variantes do português seria enriquecedor, e não um empecilho
para o bom aprendizado da nossa língua. Entretanto, todos ignoram algo que pertence à
nossa realidade e à nossa cultura a existência de variantes não-padrão em nome de
um suposto bem-estar de um público leitor hipotético, sem levar em conta a
heterogeneidade de nosso povo e de nossa cultura.
Além desse, outros argumentos foram usados com o intuito de justificar a não
tradução de um socioleto literário, conforme atesta John Milton em seu livro: editores
têm medo de que o público não compre seus livros traduzidos fora da ‘norma culta
porque eles estão ‘mal escritos’, e então apostam na uniformização da linguagem como
um meio de garantir a aceitação de seu produto no mercado consumidor. Mais ainda,
deve ser levado em consideração o papel educativo dos livros na sociedade brasileira,
principalmente na primeira metade do século XX: livros deveriam difundir o que é
‘certo’, ‘bom’, ‘adequado’, eles deveriam ser um meio de difusão de valores apreciados
pela sociedade, para que todos quantos os lessem tivessem mais oportunidades de
aprender o que se convencionou chamar de ‘cultura superior’, separada da ‘cultura
popular’, de qualidade inferior. Os dialetos, obviamente, se encaixam nessa segunda
categoria, pois fogem da norma ensinada nas escolas; os livros, portanto, não podem
trazer textos escritos em uma linguagem que vai mostrar o que é ‘errado’ e ‘inferior’ no
sistema da língua portuguesa. E, como em muitas ocasiões as escolas são grandes
compradoras de livros os considerados ‘didáticos’ –, as editoras não se arriscam a
perder um cliente tão bom, e preferem manter a padronização da linguagem para não
causar problemas com as escolas e os professores encarregados de selecionar quais
livros os alunos devem ler.
Apesar da difusão e da permanência desses argumentos na nossa sociedade até
os dias atuais, existem argumentos confirmando a idéia de que a tradução de variantes
dialetais pode ser feita, independente de crenças, preconceitos e interesses econômicos
existentes não apenas no campo editorial, mas em toda a sociedade brasileira; ela,
porém, não pode ser sustentada por soluções universais, aplicáveis a qualquer tipo de
trabalho, mas sim por soluções individuais, estabelecidas caso a caso; portanto, como
justificar (academicamente falando) esta proposta de tradução? Uma base teórica
consistente pode ser encontrada no artigo de Gillian Lane-Mercier, Translating the
Untranslatable: The Translator’s Aesthetic, Ideological and Political Responsibility, no
qual ela discute exatamente a questão da (in)traduzibilidade de socioletos literários. Para
Lane-Mercier,
The concept of literary sociolect is construed here as the textual representation of
“non-standard” speech patterns that manifest both the socio-cultural forces which
have shaped the speaker’s linguistic competence and the various socio-cultural
groups to which the speaker belongs or has belonged. (1997:45)
14
Esses socioletos literários, de acordo com sua opinião, são considerados
inferiores à norma padrão da língua, e muitas vezes mostrados até mesmo de uma forma
caricata, estereotipada e preconceituosa. A argumentação de Lane-Mercier indica que o
tradutor deve assumir a responsabilidade por suas escolhas se desejar traduzir esses
socioletos fora do que se convencionou chamar de a ‘norma culta’ da ngua, e destaca
não apenas os problemas mas também os riscos enfrentados pelo tradutor no momento
de traduzir os socioletos: perda ou criação indevida de sentido, etnocentrismo, falta de
autenticidade, conservadorismo, radicalismo, e como o tradutor pode ter consciência de
tais riscos, aceitá-los e realizar seu trabalho.
Lane-Mercier também salienta que a representação dos socioletos literários é
quase sempre feita de uma forma negativa, na qual a variante não-padrão é colocada
lado a lado com a forma padrão, e a inevitável comparação se segue, com a constatação
final de que a forma padrão é a válida, correta, ‘perfeita’, enquanto a forma não-padrão
fica estigmatizada como incorreta, imprópria, inadequada, até mesmo tendendo para a
caricatura. Apesar de essa afirmação ter um certo embasamento na realidade, devemos
lembrar que, embora em determinados casos possa haver uma certa carga de
estereótipos na representação das variantes dialetais, elas nem sempre podem ser
consideradas apenas como uma caricatura de algo ‘errado’, ou seja, uma representação
inadequada de uma forma de falar que é colocada em segundo plano em uma certa
sociedade ou grupo social. Além do mais, conforme disse Sumner Ives em seu artigo A
Theory of Literary Dialect, ao usar as variantes não-padrão na caracterização de uma ou
mais personagens, o autor procura dar uma certa veracidade à sua representação de uma
variante dialetal, e cabe a leitores e críticos ter em mente que essa representação é a
visão pessoal que cada autor tem de uma forma de falar particular, uma criação artística,
14
O conceito de socioleto literário é aqui construído como a representação textual de formas ‘não-padrão
de fala que manifestam as forças sócio-culturais que moldaram a competência lingüística do falante bem
como os vários grupos sócio-culturais aos quais o falante pertence ou pertenceu.
e não uma representação da verdade. Mais ainda, a verdade, no sentido em que tal
palavra é comumente entendida algo exato, isento de preconceitos ou juízo de valores
não passa de um conceito abstrato, pois não existe no mundo uma única verdade que
possa se referir a qualquer assunto definindo-o com exatidão. Nossa realidade é
multifacetada, e não compreendemos senão uma pequena parte de uma totalidade
extremamente complexa na qual nos encontramos. Portanto, ao pensarmos na
caracterização de personagens literárias por meio do uso de socioletos, não podemos
considerá-los como a representação estereotipada de uma forma de falar por não
representarem a verdade, mas sim que estamos vendo a visão particular de uma pessoa
que supõe-se não tem conhecimentos de lingüística e nem tem por objetivo fazer
uma representação fonética acurada de uma forma de falar característica de uma região
ou de pessoas de uma determinada classe social. Seu objetivo seria o de caracterizar
uma determinada personagem, dar-lhe traços particulares que a tornem diferente das
demais. Também devemos levar em consideração o fato de que noções como
‘preconceito’ e ‘caricatura’ são em grande medida subjetivas, e o que pode parecer a um
leitor uma representação preconceituosa ou caricata de uma determinada personagem
pode causar uma impressão diversa em outros leitores, pois o ato da leitura envolve não
apenas a capacidade que a pessoa tem de decodificar um determinado sistema
lingüístico, mas também toda a carga de conhecimentos e de vivência que ela acumula
ao longo de sua vida. Da mesma maneira, torna-se difícil discutir até que ponto a
criação literária é ou não preconceituosa, pois para tentar estabelecer esse fato teríamos
de discutir um tema controverso, a intenção do autor, e mais uma vez ficaríamos sem
uma definição exata do que é ou não preconceito em um texto literário, tanto do ponto
de vista do autor quanto do leitor.
Entretanto, quando o tradutor trabalha apenas com a ‘norma culta’, os leitores
ficam com a impressão de que o resultado final da tradução é verdadeiro, não
preconceituoso, que a ‘norma culta’ é a ‘correta’, e eles não se sentem capazes de
criticá-la; por outro lado, se o tradutor apresenta uma tradução de socioletos literários,
seu trabalho será sempre visto como um desacerto, pois os leitores (e também os
críticos) nunca chegarão a um acordo sobre o que deveria ser a verdade naquele caso
específico (como se ela existisse em algum caso). E como a argumentação defendida
por Lane-Mercier fundamenta a idéia de que o socioleto literário (no presente caso, o
dialeto de Yorkshire encontrado no livro O Morro dos Ventos Uivantes) deve ser
traduzido, devo assumir minha posição como tradutora, seguindo as linhas teóricas
propostas por ela e Anthony Pym, enfatizando que não é o objetivo da proposta de
tradução apresentada no capitulo IV deste trabalho mostrar uma visão científica das
variantes dialetais existentes no Brasil. Embora, como será mostrado mais adiante, a
proposta tenha um embasamento científico, ela é acima de tudo uma criação literária
que tem como objetivo transmitir ao leitor brasileiro o fato de a personagem Joseph não
ser um falante do inglês standard no texto original. O mais importante, então, é o
tradutor de variantes lingüísticas ter o apoio de um conhecimento científico para
fundamentar seu trabalho, mantendo sempre em mente quais critérios vai usar, e
procurar se ater a eles para que sua tradução seja coerente, pois, segundo Lane-Mercier,
...what is always already at stake in the translation process is neither the visibility
vs the invisibility of the translator nor the ethical aim of the translation per se, but
rather the translator’s own ethical code, his or her responsibility and engagement
with respect to the choices for which he or she opts and the aesthetic, ideological
and political meanings these choices generate. (1997:63)
15
A posição defendida por Anthony Pym em seu artigo Translating Linguistic
Variation ajudou a definir a melhor abordagem para este trabalho. A questão principal
é: se um dialeto deve ser traduzido, o que traduzir? Devemos procurar características
específicas do dialeto de Yorkshire e passá-las para o português? A resposta imediata é
não, pois o que caracteriza o dialeto de Yorkshire não pode ser adaptado para o
português. Por exemplo, na língua portuguesa não existem vogais longas e curtas, e
mesmo fenômenos como monotongação ou ditongação não podem ser aplicados
diretamente a ela a cada vez que eles ocorrerem no dialeto de Yorkshire. Se não é
cabível estabelecer esse tipo de conexão entre as duas línguas, quais critérios podem ser
usados para definir a abordagem mais adequada para a tradução do dialeto de Yorkshire
para o português? Seria o caso de procurar discutir não as características intrínsecas da
língua de partida, mas tentar utilizar uma multiplicidade de recursos existentes na língua
de chegada, para criar uma forma de falar não-padrão que remeta ao dialeto encontrado
no texto original? Mais uma vez, a posição de Anthony Pym oferece um ponto de apoio
para o tradutor que trabalha com variantes não-padrão de uma língua: em seu artigo
Translating Linguistic Variation ele discorre sobre o papel das variantes lingüísticas em
um texto e diz que seu uso em obras literárias pode acarretar maior ou menor
15
...o que está sempre em jogo no processo de tradução não é nem a visibilidade vs. invisibilidade do
autor nem o cunho ético da tradução per se mas, pelo contrário, o próprio digo ético do(a) tradutor(a),
sua responsabilidade e engajamento no que diz respeito às escolhas feitas por ele ou ela, e os sentidos
estético, ideológico e político por elas gerados.
distanciamento entre texto e leitor, dependendo se elas são apresentadas sob forma de
paródia ou se elas trazem em si um certo grau de autenticidade
16
. Quando as variedades
são apresentadas de forma paródica, autor e leitor vêem o falante dessa variante com um
sentimento de superioridade; se o que Pym chama de autenticidade no texto (isto é,
se o tradutor consegue encontrar em sua língua materna soluções convincentes para a
tradução dos socioletos literários), autor e leitor reconhecem no falante da variante
lingüística uma terceira pessoa a ser respeitada. E Pym conclui:
When translators are confronted with the markers of a variety, the thing to be
rendered is not the source-text variety […] The thing to be rendered is the variation,
the syntagmatic alteration of distance, the relative deviation from a textual or
generic norm. If those shifts can be rendered, as is usually the case, then the
markers may be said to have been translated, and no complaint should ensue.
17
O conceito de autenticidade, assim como é apresentado por Pym, pode ser
considerado um pouco subjetivo por leitores, tradutores e críticos literários em geral, ou
até mesmo idealista ou ingênuo. Entretanto, ele pode ser usado como uma das bases
teóricas que sustentam uma tradução, com resultados satisfatórios tanto para o leitor
quanto para o tradutor. Se na opinião de Pym uma oposição entre autenticidade e
paródia, e esta é “a wilful reduction of variations to just a few, which are then
emphasized through repetition or played with by being produced inconsistently…”
18
,
uma proposta de tradução consistente e não paródica procurará usar determinados
marcadores de linguagem não-padrão de forma constante no texto traduzido; sua
escolha deve ser criteriosa, pois o excesso de poucos marcadores daria então ao leitor
essa impressão de paródia de que fala Pym; da mesma forma, o excesso de muitos
marcadores poderia dar ao leitor a sensação de estar lendo uma representação de fala
que não seria facilmente encontrada na ‘vida real’. Logicamente, esse parecer é
16
A definição de autenticidade a que me refiro é a dada por Pym em seu texto Translating Linguistic
Variation: “Authenticity is then the extreme opposite of parody. It is the multiplication of variations
beyond anything that the popular imagination can identify, such that a variety is represented in so much
detail, with such a wide range of finely nuanced accented features, local lexis and faintly non-standard
syntax, that the linguistic result must surely be the real thing, if only because it goes beyond the limits of
what any analyst could identify as features of a variety.”
17
Quando os tradutores se deparam com marcadores de uma variedade lingüística, a coisa a ser traduzida
não é a variedade do texto-fonte [...] O que deve ser traduzido é a variação, a alteração sintagmática da
distância, o relativo desvio de uma norma textual ou genérica. Se essas alterações podem ser traduzidas,
como é normalmente o caso, então se pode dizer que os marcadores foram traduzidos, e nenhuma
reclamação deve se seguir a isso.
18
a redução proposital de variações para apenas algumas, que são desse modo enfatizadas por meio de
repetições ou não são usadas seriamente sendo produzidas de maneira inconsistente...
subjetivo e poderá contar com a oposição e as criticas de leitores, porém, o uso
equilibrado de marcadores lingüísticos pertencentes à norma considerada não-padrão da
língua portuguesa em uma tradução pode mostrar para o leitor que as personagens não
utilizam a ‘norma culta’ ao falar, evitando com isso a idéia de paródia assim como ela é
explicada por Pym.
Outra opinião que serve de base teórica para a elaboração da proposta de tradução
das falas da personagem Joseph pode ser encontrada no texto de Annick Chapdelaine,
Transparence et retraduction des sociolectes dans The Hamlet de Faulkner:
“À présent, les choix de traduction et leur annotation s’effectuent de plus en plus
en fonction du macrotexte en tenant compte de l’identité des personnages, des
rapports de force, des situations d’énonciation, de nos choix antérieurs et des
isotopies de l’œuvre.” (1994:15)
19
Essa observação também remete àquela feita por Pym – a importância de verificar
what varieties are doing in cultural products? pois ambas se preocupam com a posição
assumida pelo dialeto (ou socioleto literário) dentro da obra. A questão da ‘situation
d’énonciation’ é particularmente importante para a tradução de O Morro dos Ventos
Uivantes se formos pensar em como traduzir as falas da personagem Hareton, que,
como vai ser visto na parte III deste trabalho, mostram uma forte carga de desrespeito
em relação a outras personagens do romance; porém essa relação só pode ser vista e
entendida por pessoas que conheçam os códigos que regem o uso do dialeto de
Yorkshire. Desse modo, o conhecimento do dialeto de Yorkshire não o fonético ou
fonológico, mas sim, da prática de uso no quotidiano de seus falantes é de suma
importância para o entendimento do relacionamento entre as personagens e,
conseqüentemente, não pode ser ignorado no processo de tradução. A posição de
Annick Chapdelaine é reforçada também pela observação feita por Françoise Morvan
em À propos d’une expérience de traduction: Désir sur les ormes d’Eugène O’Neill”,
ensaio no qual ela relata suas experiências como tradutora da peça de O’Neill na França:
En somme, traduire un sociolecte, c’est d’abord traduire une situation d’élocution.
[...] À de tels détails on peut voir aussi que traduire un sociolecte n’est jamais
seulement traduire une langue mais un texte qui la met em scène,
insépareablement de la représentation dans son tout or, plus la pièce a de valeur
19
Atualmente, as escolhas de tradução e sua anotação são efetuadas cada vez mais em função do
macrotexto, levando em conta a identidade das personagens, as relações de força, as situações de
enunciação, nossas escolhas anteriores e as isotopias da obra.
littéraire, plus est grande la cohérence des éléments qui la composent...
(1994:72)
20
Identidade das personagens, o relacionamento entre elas, a situação de elocução
são esses os critérios fundamentais para embasar uma proposta de tradução de variantes
dialetais. Morvan optou por traduzir o inglês com sotaque gaélico das personagens da
peça de O’Neill pelo francês dos falantes de uma região específica da França, a Basse
Bretagne. Embora a proposta de tradução das falas da personagem Joseph tenha por
objetivo justamente não estabelecer sua localização facilmente reconhecível em uma
região brasileira determinada, é possível dizer que um consenso entre as duas
posições: traduzir as falas de Joseph e de outras personagens levando em conta não
apenas as palavras por elas usadas, mas o contexto e a situação em que elas foram ditas.
Podemos também levar em conta o que Karla Holloway diz a respeito da presença
de dialetos em textos literários:
Finally we learn how dialect can accomplish for language what poetry
accomplishes for prose. In the same manner that a line of poetry loses force,
beauty and its concise construction and imagery when translated into prose, dialect
loses those qualities when translated into standard. Dialect and poetry both
intensify. Their adornment and special structures are their speaker’s conscious
manipulations of language to render their experiences as they have felt them. It is a
mimetic act an effort to re-create, through the word, the experiences of a culture.
(1994:184)
21
Deixando de lado a questão particularmente difícil de ser analisada, a comparação
estabelecida por Holloway entre as relações dialeto/linguagem e poesia/prosa, que não é
relevante para o presente trabalho, a afirmação acima mostra outro aspecto digno de ser
levado em consideração na hora de traduzir textos em que haja variantes não-padrão de
uma língua: a descaracterização de texto e de personagens é evidente se o tradutor deixa
de lado a questão dialetal e traduz todas as falas dentro da chamada ‘norma culta’ da
língua. Essa questão é fundamental se pensarmos que estamos ‘apagando’ do texto não
uma forma de falar que não se encaixa no padrão ‘oficial’ da língua de um país, mas
também toda a carga de expressividade das personagens falantes dessa variante dialetal;
20
Resumindo, traduzir um socioleto é, em primeiro lugar, traduzir uma situação de elocução. [...]
Considerando tais detalhes podemos ver também que traduzir um socioleto não é nunca traduzir apenas
uma ngua mas um texto que a coloca em cena, inseparável do conjunto da representação ou seja,
quanto maior o valor literário da peça, maior é a coerência dos elementos que a compõem...
21
Finalmente, entendemos como o dialeto pode fazer para a linguagem o que a poesia faz para a prosa.
Do mesmo modo que um verso poético perde a força, beleza e sua construção concisa e suas imagens
quando traduzido para prosa, o dialeto perde suas qualidades quando traduzido para a língua padrão.
Dialeto e poesia intensificam. Seus adornos e estruturas especiais são a manipulação consciente da
linguagem por parte do falante, para transmitir suas experiências assim como eles as sentiram. É um ato
mimético – um esforço para recriar, por meio da palavra, as experiências de uma cultura.
o que Holloway chama de recriar, por meio da palavra, as experiências de uma
cultura. Estas não se limitam aos falantes de uma variante dialetal, e pode ser facilmente
argumentado que a experiência humana é basicamente a mesma em todo o mundo,
independente da cultura em que as pessoas estão inseridas; porém, o modo como cada
indivíduo expressa sua experiência particular é único, impossível de ser partilhado por
terceiros, daí vem a importância de compreendermos diferentes formas de expressão. E,
se a literatura é uma forma de mostrar a leitores de todas as épocas diferentes tipos de
experiências humanas, o socioleto literário desempenha nela um papel fundamental e
não pode ser ignorado por tradutores. Qualquer que seja a interpretação dada à obra O
Morro dos Ventos Uivantes por críticos de diferentes linhas teóricas, é difícil negar que
o dialeto de Yorkshire está presente para mostrar a leitores não apenas os
contemporâneos de Emily Brontë, mas os dos séculos XX e XXI que seu uso era uma
parte importante da vida dos habitantes daquela região específica da Inglaterra.
Uma importante contribuição para validar a tradução dos socioletos literários pode
ser encontrada no texto de Susan Bassnett, no qual ela fala a respeito da tradução
literária em prosa. Embora não faça referência aos termos usados por Pym e não se
dedique a analisar especificamente a tradução de variantes dialetais, Bassnett segue uma
linha de raciocínio que reforça as idéias dele sobre o assunto. Pym analisa o papel
exercido pelas variantes em uma obra, enquanto Bassnett fala sobre a importância de
considerar as frases que compõem o texto literário como parte de um todo:
...se o tradutor considera cada frase ou parágrafo como unidade mínima e os
traduz sem relacioná-los ao texto como um todo, ele corre o risco de acabar com
um texto em LM como aqueles já citados, nos quais o conteúdo parafraseável das
passagens foi traduzido sem considerar o todo.
A solução para este dilema deve, novamente, ser buscada considerando-se
tanto a função do texto quanto dos recursos nele contidos. (2005:155)
Segundo Bassnett, frases e parágrafos que compõem o texto original devem ser
analisados como unidades de um todo harmonioso, no qual cada parte exerce uma
função que não pode ser deixada de lado, sob o risco de ocorrer uma perda de dimensão
no texto traduzido. Aplicando essas idéias à tradução de O Morro dos Ventos Uivantes,
devemos considerar que o uso do dialeto de Yorkshire por algumas de suas personagens
tem uma função dentro do texto, e ainda que seja impossível estabelecer qual foi a
intenção de Emily Brontë ao criar personagens falantes do dialeto, esse uso deve ser
respeitado e mantido, para manter a estrutura complexa do texto original, e desse modo
não privar o leitor do conhecimento de um aspecto importante da obra.
Desse modo, as posições de Pym, de Chapdelaine e de Morvan convergem para
um ponto que pode ser definido de maneira relativamente simples: o foco principal do
tradutor de socioletos literários não é o conhecimento científico (fonético e fonológico)
dessas variantes lingüísticas, mas sim perceber quais são as formas de relacionamento
entre as personagens; conhecer as normas que regem o uso dessas variantes;
compreender o contexto em que o dialeto está sendo usado, para tentar reproduzir na
língua de chegada não apenas o que foge da norma a simples consideração
certo/errado presente em uma avaliação simplista do papel dos dialetos dentro do
sistema da língua do país mas sobretudo a situação das personagens que usam o
dialeto na sociedade na qual elas vivem. Esse posicionamento do tradutor poderá
mostrar para o leitor what varieties are doing naquela obra específica (segundo Pym) e
levando em conta a identidade das personagens e as situações de enunciação
(Chapdelaine), bem como a função de cada parte do texto dentro do conjunto do
romance (Bassnett).
Lane-Mercier (1997:45) enfatiza muito o papel desempenhado pelos grupos sócio-
culturais na formação de um indivíduo. A variedade desses grupos (por exemplo,
agremiações, escolas, família, amigos, colegas de trabalho) nos leva a supor que sua
influência não é uniforme, e desse modo o indivíduo estaria a todo momento sendo
moldado por forças diversas que agem com maior ou menor força dependendo da
circunstância na qual ele se encontra. Pode-se dizer também que, de acordo com essa
visão, o falante estaria de certa maneira limitado pela ação desses grupos na hora de
falar, e sua produção oral não se diferenciaria muito daquela das demais pessoas que se
encontrassem com ele em um determinado momento ou lugar. Entretanto, não podemos
nunca perder de vista o fato de a individualidade de cada ser humano se manifestar
diariamente em suas menores ações; e a fala é uma dessas ações nas quais essas
características particulares se destacam de forma mais reveladora e visível. O indivíduo,
mesmo pertencendo a um grupo social restrito e aceitando suas regras e idéias, não pode
suprimir seus traços particulares na hora de se expressar se ele adotar todas as regras
de comportamento de um determinado grupo, sua fala perderá a naturalidade, e o que
ele disser soará como se ele estivesse se limitando a repetir idéias de terceiros, e não
dando suas próprias opiniões sobre um assunto qualquer. Considerando esse ponto de
vista, é possível então pensar que a representação de um socioleto literário não está na
realidade vinculada exclusivamente a um grupo específico, mas sim é a tentativa feita
pelo autor de mostrar como uma determinada personagem se exprime, imprimindo
características próprias a um falar que está até certo ponto subordinado às regras criadas
por um determinado grupo ao qual ela pertença.
Partindo dessa premissa, como se pode chegar a uma proposta de tradução para
o dialeto de Yorkshire encontrado no romance O Morro dos Ventos Uivantes que leve
em conta a forma de falar de Joseph e mostre ao leitor brasileiro que essa personagem
não usa a chamada ‘norma culta’? Quais são as dificuldades com que o tradutor vai se
deparar, e como ele poderá contorná-las? Será possível evitar uma tradução
estereotipada, se muitos constatam a presença do socioleto literário no texto original
como uma representação estereotipada, já que ele não é uma representação científica
das variantes lingüísticas encontradas em um país e sim uma criação literária?
Começando pela análise do texto original, temos uma personagem que fala um
dialeto delimitado por um espaço geográfico Yorkshire, região norte da Inglaterra
bem como social Joseph é um empregado na casa onde transcorre grande parte da
ação do livro. Em relação à posição social, um fato interessante é observado: não no
livro todo senão duas falas dos pais de Edgar Linton, o que não nos oferece muito
material para analisar tais personagens; com isso deduzimos que os Linton falavam
apenas o inglês padrão; contudo, não maiores informações encontradas diretamente
no texto para confirmar tal dedução. Quanto aos Earnshaw, também são encontradas
apenas poucas falas do velho Sr. Earnshaw e de sua esposa no romance, mas elas são
suficientes para mostrar que eles misturavam algumas palavras pertencentes ao dialeto
de Yorkshire ao inglês padrão (a questão da fala das personagens será analisada na parte
III deste trabalho com maiores detalhes).
Em relação aos demais empregados que aparecem no romance, apenas Nelly
Dean, a governanta de Thrushcross Grange, tem uma participação ativa em toda a
história, e é mesmo uma de suas narradoras. Os demais empregados aparecem
esporadicamente durante a narrativa, e o estudo feito por K.M. Petyt mostra que Emily
Brontë não teve o mesmo cuidado que mostrou ter ao escrever a fala do velho Joseph
para compor a fala desses outros empregados. Mesmo assim, tanto Zillah quanto a
caseira de Thrushcross Grange que conversa com Lockwood quando este retorna ao
condado em 1802 e o pequeno pastor que aparece no final do romance o falantes do
dialeto de Yorkshire; os empregados de Thrushcross Grange que aparecem na primeira
parte da narrativa misturam palavras pertencentes ao dialeto ao inglês standard.
Analisando rapidamente a posição de Joseph na narrativa, é possível deduzir que
o uso do dialeto, no final do século XVIII e começo do XIX, era restrito às pessoas das
classes mais baixas, enquanto as pessoas pertencentes às classes mais abonadas usavam
o inglês standard. Além do mais, o fator idade não seria uma característica que
permitiria identificar os falantes do dialeto como um grupo coeso, pois tanto Joseph
um homem velho quanto o pequeno pastor um menino e a caseira de Thrushcross
Grange também ela mais idosa falam o dialeto. Outra menção digna de nota é o
fato de Joseph não ser analfabeto, pois ele conhece bem a Bíblia e outros livros
religiosos, e em algumas ocasiões suas falas mostram uma forte influência da linguagem
bíblica. Portanto, não podemos dizer que o uso do dialeto de Yorkshire estava restrito
apenas às pessoas da classe mais baixa da sociedade, iletradas e pertencentes a uma
determinada faixa etária.
Em relação ao espaço geográfico, a história se passa em Yorkshire, região da
Inglaterra onde até hoje o dialeto é usado com certa freqüência. Com isso, supomos que
na época em que transcorre a ação do romance, seu uso era muito maior e mais efetivo.
A fala de Joseph estaria então limitada por esses dois fatores socioculturais – sua
condição de empregado em uma casa e o fato de ser um habitante do norte da Inglaterra
e teríamos aqui a confirmação da afirmativa feita por Lane-Mercier sobre as forças
que moldam a competência de um falante.
Seria possível transpor essas características espaço geográfico e social em
uma tradução para o português do Brasil? Em relação ao dialeto propriamente dito, a
situação do Brasil difere em inúmeros aspectos significativos daquela da Inglaterra: o
dialeto de Yorkshire apresenta muitas diferenças em relação ao inglês padrão, podendo
mesmo causar algumas dificuldades de compreensão entre os falantes locais e os
habitantes de outras regiões; no Brasil, as diferenças existentes entre o português padrão
e as variantes não-padrão são menos marcantes, localizando-se mais em aspectos
fonológicos e lexicais, e não na própria estrutura da língua, e poucas vezes podem
causar grandes dificuldades de compreensão entre falantes de regiões distintas do país.
Conforme observaram Fernando Tarallo e nia Alckmin em seu livro Falares
Crioulos: Línguas em contato,
...poderíamos dizer que a área geográfica brasileira é composta de uma
multiplicidade de dialetos, mutuamente inteligíveis [...] No caso do Brasil há,
portanto, um multidialetismo ameno (as diferenças regionais localizam-se, em
geral, nas áreas da fonética, da fonologia e do léxico). (1987:11)
Levando essa afirmativa em consideração, deparamo-nos com um problema: as
diferenças fonéticas nem sempre são facilmente transpostas para um texto escrito, pois o
tradutor teria de usar acentos, itálicos ou negritos para destacar particularidades da
pronúncia de uma determinada personagem, tornando com isso o texto artificial e talvez
até mesmo de leitura não agradável para o público geral. Portanto, é possível pensar que
um recurso a ser utilizado pelo tradutor seria então o uso do vocabulário para
estabelecer as diferenças entre a fala de Joseph e a das demais personagens. Mas, resta-
nos uma questão: as diferenças de vocabulário, que em parte caracterizam as variantes
do português padrão, poderiam ser usadas como recurso exclusivo para compor a fala de
Joseph em uma tradução?
A resposta é não, pois o uso exclusivo do vocabulário seria um fator limitante
para a tradução, que o tradutor acabaria recorrendo a apenas algumas expressões
consideradas ‘típicas’ de um determinado estado brasileiro para retratar a personagem
que fala uma variante dialetal. Ao proceder dessa maneira, o tradutor incorreria em um
risco muito grande: o de transformar a personagem Joseph em uma figura brasileira, e
nesse caso ele seria uma personagem ‘duplamente estrangeira’: por ter sido concebida
em uma cultura diferente e estar presente em uma obra traduzida para o português, e
também por tornar-se um estrangeiro dentro do próprio Brasil. Sua caracterização como
um nordestino ou um gaúcho, por exemplo, faria com que leitores de outras regiões do
país estranhassem sua forma de falar, devido ao fato de ela soar artificial e apresentar
características estereotipadas dentro do contexto da narrativa, que não ocorre em uma
dessas regiões do Brasil, mas sim na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX.
Convém lembrar que o ‘estranhamento’ possivelmente estará presente quando o
leitor entrar em contato com uma tradução em que haja a presença do português não-
padrão, pois, como foi dito anteriormente, esperamos encontrar nos livros apenas a
norma considerada culta da língua, aquela que é tida como ‘certa’, e o uma forma
‘errada’ como o dialeto. Porém, a tentativa de transformar uma personagem como
Joseph em um habitante de uma região específica do Brasil acarreta um problema maior
que o estranhamento causado pela presença de algo inesperado a forma não-padrão da
língua –, mas sim, a sensação que o leitor poderia ter de estar lendo algo artificial, que
não corresponde à fala que ele está acostumado a ouvir todos os dias. Neste caso, seria
possível dizer que teríamos na tradução a visão preconceituosa do tradutor, pois ele
estaria reduzindo toda a cultura digamos, de um gaúcho a meia dúzia de expressões
tidas como típicas do Rio Grande do Sul, e que talvez nem sejam tão usadas no estado
como pessoas de outras regiões supõem.
Verificando que o uso do vocabulário não ajudaria muito o leitor, o tradutor
poderia tentar detectar no dialeto de Yorkshire características que pudessem ser
encontradas nas variantes não-padrão do português brasileiro e usadas para
particularizar sua fala? Emily Brontë usou vários recursos para mostrar ao leitor como
Joseph falava: vocabulário da região, alterações gráficas, formas verbais pouco usuais
em outras regiões da Inglaterra. Porém, dadas as diferenças entre o português e o inglês,
dificilmente poderíamos transpor essas mesmas características de maneira adequada
para o português de modo que o leitor tivesse uma idéia clara de como o dialeto soaria
para pessoas acostumadas apenas a falar o inglês padrão. Além do mais, devemos ter em
mente também que, na época em que Emily Brontë escreveu seu livro, as diferentes
variantes dialetais tinham uma circulação muito mais restrita, devido à limitação dos
meios de comunicação de que as pessoas dispunham na época. No Brasil do século
XXI, os meios de comunicação levam algumas formas características do falar de certas
regiões brasileiras para o resto do país, de modo que um gaúcho não terá tantas
dificuldades para ser compreendido por um habitante da Amazônia; na Inglaterra do
século XIX, certamente o dialeto de Yorkshire soaria muito mais ‘estranho’ e de difícil
compreensão para falantes de outras variantes dialetais ou mesmo do inglês padrão, pois
a falta de comunicação entre regiões geograficamente distantes umas das outras
impossibilitaria que habitantes do sul ou do oeste compreendessem um dialeto usado
exclusivamente por pessoas do norte.
O estudo das particularidades que caracterizam a fala de Joseph no texto em
inglês espaço geográfico e social mostra que elas não podem ser usadas para causar
o mesmo efeito no texto traduzido para o português. Para tentar evitar a criação de uma
personagem pouco consistente para o leitor brasileiro, uma solução viável é usar
ferramentas da dialetologia, da sociolingüística e do uso de elementos da oralidade na
linguagem escrita e adotar para a tradução das falas em que haja a presença de variantes
dialetais formas encontradas de maneira mais ou menos homogênea no território
brasileiro, impedindo com isso o estabelecimento de uma identificação entre Joseph e os
falantes de variantes específicas do português não-padrão. Usados com critério, esses
recursos podem transmitir ao leitor a idéia de que a personagem não fala a língua
considerada ‘padrão’, sem com isso reduzi-la a um habitante de uma região geográfica
determinada do país. A fala da personagem Joseph traduzida para o português não deve
ser um ‘retrato real’ da forma de falar de um brasileiro, mas sim uma criação que
permita aos leitores de todo o país compreender que estamos vendo no texto literário
uma criação que tenta representar o outro, e não um estudo científico das variantes não-
padrão da língua brasileira.
Analisando os itens apontados por Lane-Mercier – perda ou criação
indevida de sentido, etnocentrismo, falta de autenticidade,
conservadorismo, radicalismo como encará-los em uma tradução
baseada em traços pertencentes à fala de várias regiões do Brasil?
Quanto à perda ou criação de sentido, podemos considerar que o leitor da
tradução não poderá entrar em contato com o dialeto de Yorkshire assim
como ele foi representado no original, algo que poderíamos caracterizar
como uma perda. uma perda em relação ao texto original, pois Joseph
deixa de ser reconhecido como habitante de uma região específica da
Inglaterra (marca regional), ficando apenas ‘socialmente’ marcado. Por
outro lado, temos a criação de uma forma de falar que vai mostrar ao
leitor dessa tradução que Joseph não pertence ao grupo dos falantes da
língua chamada ‘padrão’, e mesmo que sua forma de falar no texto
traduzido não corresponda à do texto original em suas características
morfológicas, lexicais e sintáticas, a idéia da representação do outro foi
mantida, sem que haja necessariamente a criação de um sentido novo
que impeça a compreensão do texto ou seja totalmente infiel ao original.
E ela é também um ganho, pois mostra ao leitor brasileiro uma
característica do texto original até então ausente de outras traduções.
A questão do etnocentrismo é um pouco mais difícil de ser
examinada, porque temos sempre a noção de que vemos em textos
literários, seriados de televisão, filmes, a representação do outro, ou seja,
de alguém que não se encaixa em nossa forma de falar e de viver. No
entanto, sempre esquecemos que, de uma maneira ou outra, todo ser
humano é sempre o outro para alguém, pois cada pessoa a si própria
como pertencente ao centro, e os demais estão na periferia não
necessariamente uma periferia marginalizada, pobre e ignorada, mas sim,
fora do raio de alcance da nossa visão e da nossa compreensão. Dessa
maneira, o etnocentrismo está sempre presente no texto literário, pois
quando o autor escreve um determinado texto, eleo pode se ater
apenas às suas experiências pessoais, à sua vivência, e o resultado de
sua produção livro, peça de teatro, crônica vai ser sempre uma
representação de outras pessoas, uma visão particular que esse autor vai
ter sobre a vida e o mundo. Porém, a maioria das pessoas vê apenas essa
representação do outro quando ela mostra algo que chame muito a
atenção, seja o modo de falar que não corresponde ao da língua padrão,
seja um comportamento que desvie do que é considerado normal em uma
certa sociedade. Portanto, a criação de uma forma de falar não
pertencente à chamada norma culta talvez seja encarada como uma forma
de etnocentrismo a visão de um escritor que conhece a chamada
‘norma culta’ da língua portuguesa e está retratando alguém que não usa
essa norma mas esse etnocentrismo estará presente no texto sob
muitas outras formas que não causam nenhum tipo de comoção entre
críticos e leitores. A tradução mostra o olhar do tradutor em relação ao
outro, mas esse olhar existe em todos os textos, literários ou o. Da
mesma maneira, o tradutor acaba colocando um pouco de sua visão de
mundo em uma tradução, mas devemos considerar que a isenção
absoluta é uma meta impossível de ser atingida, que ela simplesmente
não existe.
A falta de autenticidade foi discutida acima, e poderíamos
reiterar que o autor ou o tradutor não deve ter por objetivo
proporcionar uma visão acurada de uma forma de falar específica de uma
região do país. Uma criação literária nunca será capaz de mostrar ao leitor
como fala um habitante da cidade de São Paulo, pois tantos milhões de
pessoas moram na cidade que não podemos definir com precisão o que é
a fala típica do paulistano. Da mesma maneira, é difícil supor que Emily
Brontë representou o típico habitante de Yorkshire ao escrever O Morro
dos Ventos Uivantes, mesmo que ela tenha tido tal intenção ao escrever
sua obra. Um habitante local pode ter reconhecido determinados traços
característicos da fala da região ao ler o livro, mas provavelmente
ninguém reconheceu a veracidade absoluta de sua criação, e o que temos
no romance é a visão de Emily Brona respeito dos habitantes de uma
pequena localidade no Yorkshire. O falante pode pertencer a um grupo
bastante restrito, mas ele nunca poderá ser tomado como um
representante ‘perfeito’ da forma de falar desse grupo. Reiteramos aqui a
idéia exposta acima de que as forças do grupo influenciam a forma de
expressão de cada pessoa, mas sua individualidade nunca será anulada
quando ela for falar. Ao estudarmos a questão dialetal em O Morro dos
Ventos Uivantes, devemos pensar que a representação de um socioleto
literário não está vinculada à representação da ‘verdade’, mas sim é a
tentativa feita pelo autor de individualizar a forma de determinada
personagem se expressar, mesclando características particulares a um
falar até certo ponto subordinado às ‘regras’ criadas por um determinado
grupo ao qual ela pertença. Os traços usados para criar a fala de Joseph
em língua portuguesa estão presentes, de uma maneira mais ou menos
intensa, em todo o território brasileiro e, ao ler a tradução, o leitor vai
perceber que Joseph o fala o ‘português padrão’; ele pode a
reconhecer determinados traços como pertencentes à maneira de falar da
região onde mora, mas não poderá dizer com segurança que Joseph foi
transformado em um habitante do Mato Grosso, de Minas Gerais ou do
sul do Brasil.
O último aspecto a ser discutido, conservadorismo ou radicalismo, tem pontos
em comum com os demais discutidos. A padronização da forma de falar da
personagem Joseph em relação à chamada norma culta do português, fato que ocorreu
em todas as traduções feitas da obra no Brasil, pode ser considerada como uma forma
de conservadorismo, ou seja, a negação da diferença e a legitimação de um modo de
falar ligado supostamente à elite e às classes dominantes no país. Na época em que as
primeiras traduções de O Morro dos Ventos Uivantes foram feitas, qualquer forma de
variação da língua portuguesa seria considerada apenas como um ‘erro’ a ser eliminado
da vida quotidiana das pessoas, e conseqüentemente não poderíamos encontrá-la em um
texto pertencente ao cânone literário mundial. Atualmente, tal posição torna-se difícil de
sustentar, pois variantes dialetais não são encaradas como erro, e sim como formas
válidas de expressão que coexistem com a ‘norma culta’ da língua portuguesa. Por outro
lado, deve ser lembrado que o oposto do conservadorismo o radicalismo também
apresenta inúmeros pontos negativos, e que a opção por fazer uma tradução radical do
socioleto literário pode acabar acarretando um efeito indesejado no texto, tornando sua
leitura difícil e cansativa. O tradutor radical talvez crie algo artificial que não será
reconhecido por nenhum leitor, dessa maneira tornando a representação do outro uma
forma de caricatura até mesmo preconceituosa.
A proposta de tradução mostra um distanciamento em relação ao
conservadorismo predominante na cultura brasileira, que simplesmente ignorava as
variantes dialetais e traduzia sistematicamente formas dialetais para a chamada norma
culta. Porém, essa proposta não é radical a ponto de tornar-se um obstáculo para a
leitura, e acreditamos que os leitores não se sentiriam desencorajados de ler o livro
devido à presença de variantes não-padrão na tradução. Ainda pensando no papel do
socioleto literário em um romance, cabe aqui analisar um comentário feito por William
Faulkner citado por Annick Chapdelaine em seu artigo:
If the writer puts too much attention to transcribing literally the dialogue he hears,
it’s confusing to the people who have never heard that speech. […] You can go
only so far with dialect and then there’s a point where for the simple reason not to
make too much demand on the [reader] to distract his attention from the story
you’re telling you’ve got to draw the line. (1994:15)
22
Essa observação feita por Faulkner é relevante para a compreensão da proposta
de tradução encontrada na parte IV deste trabalho. O dialeto não pode ser um empecilho
de leitura para o leitor, assim como seu uso não pode ser o motivo único pelo qual uma
obra é escrita. Assim como o autor, o tradutor tem de draw the line (para usar a
expressão de Faulkner) e realizar seu trabalho, sabendo que os critérios de apreciação
são sempre subjetivos e nunca contarão com a aprovação geral de leitores e críticos e
tradutores e professores de tradução. Se o resultado final de seu trabalho for coerente
ou se nele existir o que Pym chama de autenticidade a leitura dessa tradução será
agradável pois as suas soluções não tornarão o texto artificial – ou paródico.
22
Se o autor enfatiza demais a transcrição literal do diálogo que ele escuta, isso se torna confuso para
quem nunca ouviu aquele modo de falar. [...] Você pode ir até um certo ponto com o dialeto, e então
um ponto em que, pela simples razão de não exigir demais [do leitor] e tirar sua atenção da história que
você está contando, você tem de estabelecer um limite.
Vale a pena notar que a proposta de tradução para as falas de Joseph adotar
formas encontradas de maneira mais ou menos generalizada em todo o território
brasileiro – é possível porque existe no Brasil o que Fernando Tarallo chamou de
multidialetismo ameno, ou seja, as diferenças existentes entre a forma considerada
padrão do português e suas variantes não impedem a total compreensão entre falantes
de diferentes áreas do país. Entretanto, em muitos casos, essa postura não pode ser
adotada devido à situação lingüística de um país. Em uma introdução à tradução italiana
de Wuthering Heights, a tradutora faz a seguinte observação:
Emily Brontë fa un uso piuttosto rilevante del dialetto dello Yorkshire; non soltanto
introduce a tratti espressioni dialettali nella narrazione o nel linguaggio di alcuni
personaggi; ma uno dei personaggi, Joseph, il vecchio servitore ipocrita e bigotto
degli Earnshaw, parla sempre in dialetto, un dialetto stretto e non facilmente
comprensibile; fu anche questa, insieme alla “volgarità” del linguaggio (bisogna
naturalmente riportare il concetto di volgarità in un contesto vittoriano), una causa
di “scandalo” e di fastidio all’epoca dell’uscita del libro. Non ho voluto tradurre in
alcun modo con un dialetto italiano il dialetto dello Yorkshire (quale avrei dovuto
scegliere? Il piemontese, il genovese, il friulano?). Se tradurre da una lingua
all’altra è già, in qualche modo, un’infedeltà al testo, ma un’infedeltà necessaria,
utile, convenzionalmente accettata, tradurre un dialetto con un altro dialetto porta a
mio avviso l’infedeltà ai limiti dell’assurdo. (2006:2)
23
O ponto de vista da tradutora é facilmente compreensível se lembrarmos a
complexidade lingüística existente na Itália, onde uma quantidade tão grande de
dialetos que moradores de duas cidades distantes cerca de 50 km uma da outra falam
dialetos praticamente incompreensíveis entre si. Nesse caso específico, a escolha de
uma variante dialetal para traduzir as falas de Joseph levaria não apenas a uma
caracterização indevida da personagem (ou seja, ele poderia ser facilmente associado a
um habitante de uma região determinada do país, tornando-o duplamente estrangeiro
dentro da cultura italiana), como também poderia causar dificuldades de leitura para a
maior parte da população do país. Dizer que fazer esse tipo de escolha o uso de uma
variante dialetal para caracterizar a personagem Joseph seria levar a infidelidade aos
limites do absurdo, conforme afirmou a tradutora, pode ser uma opinião mais subjetiva
23
Emily Brontë faz um uso relevante do dialeto de Yorkshire; não apenas introduz de vez em quando
expressões dialetais na narrativa ou na linguagem de algumas personagens; mas uma das personagens,
Joseph, o velho empregado hipócrita e fanático da família Earnshaw, fala sempre em dialeto, um dialeto
forte e que não é facilmente compreendido; foi esta, juntamente com a “vulgaridade” da linguagem
necessário pensar no conceito de vulgaridade em um contexto vitoriano), uma causa de “escândalo” e de
desgosto na época do lançamento do livro. Não quis traduzir de modo algum com um dialeto italiano o
dialeto de Yorkshire (qual deveria ter escolhido? O piemontês, o genovês, o friulano?). Se traduzir de
uma língua para outra é, de certo modo, uma infidelidade ao texto, mas uma infidelidade necessária,
útil, convencionalmente aceita, traduzir um dialeto por outro dialeto leva, na minha opinião, a
infidelidade aos limites do absurdo.
que científica; porém pode-se supor que, neste caso, manter as falas de todas as
personagens do romance dentro das normas da ngua italiana considerada culta é uma
questão prática, e é ela que vai nortear o trabalho de editores e tradutores em países cuja
situação lingüística seja similar à da Itália (por exemplo, França, Espanha), pois a
presença de uma variante dialetal pode tornar o livro, em certos casos, invendável. No
caso brasileiro, é possível encontrar características da fala não padrão que podem ser
usadas de modo geral na tradução; na Itália, desvios lingüísticos relativos ao italiano
standard dificilmente são localizados de forma homogênea em todo o território, pois
eles são fortemente influenciados pela presença dos dialetos locais.
As características lingüísticas do português falado no Brasil permitem a
apresentação de uma proposta de tradução coerente e consistente para as falas da
personagem Joseph; cabe reiterar aqui pela última vez que a proposta apresentada na
parte IV deste trabalho não pretende oferecer a solução única e definitiva para o
problema; pelo contrário, ela pretende abrir caminhos para novas discussões sobre o
assunto.
CAPÍTULO II. Língua, dialetos e norma culta
Não é fácil estabelecer uma definição para ‘língua’, pois as
controvérsias existentes entre os lingüistas a respeito do assunto são
grandes. Entretanto, parece que definir ‘dialeto’ é muito mais fácil, ao
menos para as pessoas leigas no assunto. Para estas, o dialeto é apenas
uma forma ‘errada’, ‘feia’ ou ‘menor’, que corrompe a ‘pureza’ de uma
língua e não goza de prestígio social. Essa concepção de dialeto como
um erro ou aberração e a oposição dialeto/erro vs. língua correta está
bastante difundida entre a maioria das pessoas, aparentemente no mundo
todo. Chambers e Trudgill colocam de uma maneira clara como a
distinção dialeto/língua se apresenta para as pessoas leigas:
But what exactly is a dialect? In common usage, of course, a dialect is a
substandard, low status, often rustic form of language, generally
associated with the peasantry, the working class, or other groups lacking
in prestige.
DIALECT
is also a term which is often applied to forms of
language, particularly those spoken in more isolated parts of the world,
which have no written form. And dialects are also often regarded as some
kind of (often erroneous) deviation from a norm – as aberrations of a
correct or standard form of language. (1988:3)
24
Outras definições de ‘dialeto’, encontradas em enciclopédias e livros dedicados à
lingüística, apresentam mais ou menos o mesmo conteúdo, como pode ser visto na
definição proposta por Richards e Platt no Longman Dictionary of Language Teaching
& Applied Linguistics:
“a variety of a language, spoken in one part of a country (regional dialect),
or by people belonging to a particular social class (social dialect or
SOCIOLECT
),
which is different in some words, grammar, and/or pronunciation from other forms
of the same language.
A dialect is often associated with a particular
ACCENT
. Sometimes a dialect
gains status and becomes the
STANDARD VARIETY
of a country.” (1993:107)
25
Ou as propostas de David Crystal:
“A language variety in which the use of grammar and vocabulary identifies
the regional or social background of the user; the systematic study of dialects is
known as dialectology or dialect geography. A regional dialect conveys
information about the speaker’s geographical origin; a social dialect conveys
24
Mas o que é exatamente um dialeto? No uso comum, obviamente, o dialeto é uma forma de linguagem
não-padrão, cujo status é baixo e que é freqüentemente rústica, geralmente associado aos camponeses, às
classes trabalhadoras ou outros grupos que não têm prestígio.
DIALETO
é também um termo que é
freqüentemente aplicado a formas de linguagem, particularmente àquelas faladas em locais mais isolados
do mundo e que não têm forma escrita. E dialetos são também vistos como um tipo de desvio (muitas
vezes errado) da norma – como aberrações da forma padrão ou correta da língua.
25
Variedade de uma língua, falada em uma parte do país (dialeto regional), ou por pessoas que pertencem
a uma classe social específica (dialeto social ou
SOCIOLETO
), que difere em algumas palavras, gramática
e/ou pronúncia, de outras formas da mesma língua. Um dialeto é freqüentemente associado a um
SOTAQUE específico. Às vezes um dialeto adquire status e se torna a
VARIEDADE PADRÃO
de um país.
information about the speaker’s class, social status, educational background,
occupation, or other such notions. Rural dialects are heard in the country; urban
dialects in the cities. The term is sometimes used in a pejorative way, as when
someone refers to the speech of a primitive or rural community as ‘just a dialect’. In
fact, everyone speaks a dialect, even those who use a standard variety of a
language (such as Standard English which is, technically, that dialect of English
adopted as the norm for educated use). (1992:101)
26
Uma
VARIANTE
de uma língua, distinta em termos sociais ou regionais e
identificadas por um conjunto particular de
PALAVRAS
e
ESTRUTURAS
GRAMATICAIS
. Dialetos falados costumam também ser associados a uma
pronúncia característica, ou
SOTAQUE
. Qualquer
LÍNGUA
com um número
relativamente grande de falantes acabará por ter dialetos, principalmente se
houver barreiras geográficas separando os grupos de pessoas ou divisões em
classes sociais. É possível que um dialeto predomine sobre os outros, como uma
forma oficial ou
PADRÃO
da língua; esta variante será a forma escrita.
A distinção entre “dialeto” e “língua” parece óbvia: os dialetos são
subdivisões das línguas. mas a lingüística (e, em especial, a
SOCIOLINGÜÍSTICA
)
tem salientado a complexidade da relação entre as duas noções. [...]
Os dialetos que identificam uma pessoa em termos de uma escala social
são chamados dialetos sociais ou dialetos de classe. Mais recentemente, o
termo
SOCIOLETO
passou a ser usado. Algumas línguas são altamente
estratificadas em termos de divisões sociais: de classe, status profissional, idade e
sexo, sendo que surgem importantes diferenças no dialeto social. (1988:81-2)
Vale a pena observar que a depreciação de certas variantes lingüísticas não é
baseada em critérios científicos, mas sobretudo em fatores econômicos e sociais.
Mesmo com todos os estudos feitos sobre dialetos, as pessoas em sua maioria ainda
estabelecem algum tipo de comparação entre eles e a norma considerada ‘culta’ da
língua, com a subseqüente classificação dos dialetos em uma posição de inferioridade
em relação à ‘língua padrão’.
No entanto, verificando estudos feitos sobre o assunto, vemos uma
outra realidade, já que o dialeto não se limita às formas ‘erradas’ ou ‘feias’
da língua e essa oposição dialeto/língua padrão envolvendo noções de
superioridade e inferioridade é uma concepção inadequada que não
corresponde à realidade lingüística de nenhum país. Devemos ter em
mente a existência de diferenças entre as variantes de uma língua, que
podem compartilhar um maior ou menor grau de inteligibilidade mútua
entre si, ou podem ter um maior ou menor grau de semelhança com a
chamada ‘norma culta’ do país, mas essas diferenças não implicam a
valorização de apenas uma dessas formas e a subseqüente
26
Variedade de uma língua na qual o uso da gramática e vocabulário identifica a origem social ou
regional do falante; o estudo sistemático de dialetos é conhecido como dialetologia ou geografia dialetal.
O dialeto regional informa sobre a origem geográfica do ouvinte; o dialeto social informa sobre a classe,
status, nível de educação e ocupação do falante, ou noções semelhantes.Dialetos rurais são ouvidos no
interior; dialetos urbanos nas cidades. O termo é muitas vezes usado de modo pejorativo, p.ex. quando
alguém se refere à fala de uma comunidade primitiva ou rural como ‘apenas dialeto’. Na verdade, todos
falam um dialeto, até mesmo aqueles que usam a variedade padrão de uma língua (como o inglês padrão
que é, tecnicamente, o dialeto do inglês adotado como norma para o uso educado).
desvalorização das outras. Poderíamos, então, analisar a definição de
‘dialeto’ dada por Trudgill e Chambers,
We would agree, however, that it is very often useful to regard dialects as
DIALECTS OF A LANGUAGE
. Dialects, that is, can be regarded as
subdivisions of a particular language. In this way we may talk of the
Parisian dialect of French, the Lancashire dialect of English, the Bavarian
dialect of German, and so on. (1988:3)
27
Analisando essa definição, podemos afirmar que uma das
diferenças entre ‘língua’ e dialeto’ é que a primeira é difundida por toda a
área de um país e compartilhada por seus habitantes, e estes a usam em
qualquer localidade em que estejam tendo a expectativa de ser
compreendidos por seus interlocutores. Ela também tem uma forma
escrita padronizada, que é considerada a ‘oficial’, ensinada nas escolas,
geralmente aprovada por uma Academia nacional, respaldada pelos
dicionários e encontrada nos livros, pedagógicos ou de ficção. O ‘dialeto’
é uma forma que existe dentro dessa língua, limitada a uma área
específica e cujo grau de inteligibilidade pode variar de uma região para
outra do país devido a fatores como distância entre localidades, uso do
vocabulário, entonação, substrato lingüístico, entre outros; muitas vezes
ele não tem uma ortografia oficial, ou tem duas ortografias aceitas; em
determinados casos, sequer uma forma escrita. Podemos então
considerar a existência de uma relação profunda entre ‘língua’ e ‘dialeto’,
eles não são formas completamente independentes uma da outra, e os
dialetos podem ser considerados como “different forms of the same
language” (PETYT, 1980:11)
28
. Uma dessas formas, ao longo da história
política e social de um país, adquiriu o status de ‘norma culta’ ou ‘língua
padrão’ e foi adotada pela maioria dos seus falantes; todavia, não
devemos com isso considerar dialetos como formas ‘menores’ por serem
diferentes da norma ‘culta’ ou por terem sido suplantados por uma
variante que acabou se consolidando como a língua oficial dessa nação.
I. Língua escrita vs. língua falada
Além dessa dificuldade para definir ‘língua’ e dialeto’, também
podemos pensar que existe uma distinção a ser feita entre língua escrita e
falada, pois ambas servem a diferentes propósitos na comunicação entre
os seres humanos. Fernando Tarallo disse que “a língua falada [...] é o
veiculo lingüístico de comunicação usado em situações naturais de
interação social...” (1986:19), mas mesmo essa definição deixa espaço
para questionamento, pois a comunicação entre os seres humanos não
se sempre da mesma maneira e o uso que fazemos da linguagem
muda de acordo com a situação em que nos encontramos.
Conseqüentemente, não podemos nos limitar a dizer que língua é usada
em situações de interação social naturais, pois a natureza de nossas
27
Concordaríamos, entretanto, que é muito útil ver os dialetos como
DIALETOS DE UMA LÍNGUA
.
Dialetos, quer dizer, podem ser vistos como subdivisões de uma língua particular. Desse modo, podemos
falar sobre o dialeto parisiense do francês, o dialeto do inglês falado em Lancashire, o dialeto bávaro do
alemão, e assim por diante.
28
Formas diferentes da mesma língua.
interações vai influir na nossa escolha de vocabulário, na forma como
falamos, na nossa atitude em relação ao nosso interlocutor.
Quais seriam as maiores diferenças entre a língua falada e a
escrita? Em primeiro lugar, a língua falada é aprendida em um contexto
de informalidade, com a família e os amigos, enfim, no convívio diário que
as crianças estabelecem com outros seres humanos desde seus
primeiros dias de vida, e embora ela tenha regras que regem seu uso,
estas o mais flexíveis, permitindo ao falante uma maior liberdade de
expressão. a língua escrita é aprendida em um ambiente formal a
escola – e tem, ela também, um caráter formal, imposto às crianças, como
um conjunto restrito de regras, normas, ‘certos’ e ‘errados’ separando a
língua bem escrita daquela que não é. Outro ponto a ser mencionado é o
fato de a língua falada ser usada em situações em que interação entre
no mínimo duas pessoas, e mesmo que elas o estejam presentes no
mesmo ambiente (por exemplo, durante uma conversa telefônica), elas
podem ouvir a voz uma da outra, a entonação que cada uma delas a
determinadas palavras, e isso auxilia a criar um sentido para aquilo que
está sendo dito. Por outro lado, a língua escrita não supõe essa interação;
normalmente um texto é escrito para ser lido algum tempo depois por
uma ou mais pessoas no caso de textos literários, eles podem ser lidos
séculos depois da época em que foram publicados pela primeira vez. Para
suprir a ausência do interlocutor, e para fazer com que o texto escrito
transmita ao leitor algumas das características encontradas na língua
falada, o autor pode lançar mão de diversos recursos para conferir um
certo grau de particularidade à escrita; esses recursos podem ser
altamente criativos, originais, artísticos, mas ao mesmo tempo podem ser
um empecilho para a leitura no caso de muitas pessoas. Finalmente, a
língua escrita é planejada; no caso de textos literários, ela é
cuidadosamente organizada com o intuito de causar um determinado
efeito no(s) leitor(es) sem que haja uma interação real entre escritor
(emissor) e leitor (receptor); a língua falada é mais espontânea, e o efeito
que ela pode causar nos ouvintes depende muito do contexto em que ela
está sendo usada e da interação emissor/receptor .
Levando em consideração essa diferença no uso da linguagem
escrita e da linguagem oral, vemos essa distinção acabar se
transformando em um dos motivos para que se estabeleça o caráter de
inferioridade de uma variante lingüística. Quando escrevemos, ainda que
inconscientemente, tentamos nos submeter às regras da chamada ‘norma
culta’ e, quando falamos, normalmente não prestamos tanta atenção a
questões gramaticais e de estilo, o que torna a linguagem oral mais livre e
informal que a escrita. Deduzimos, então, que o uso dos dialetos está
majoritariamente ligado à linguagem oral, ou seja, às chamadas situações
naturais de comunicação e interação social (segundo a definição
proposta por Tarallo), e eles raramente vão aparecer na linguagem
escrita, normalmente mais formal. Esse fato torna ainda mais forte o
preconceito que cerca as variantes dialetais, devido ao fato de na
mentalidade das pessoas comuns existir essa concepção de linguagem
escrita como melhor ou mais sofisticada que a linguagem oral. Contudo,
isso não significa que o status de inferioridade normalmente associado
aos dialetos seja procedente, pois a informalidade da linguagem oral não
impede a perfeita comunicação entre os interlocutores de uma língua
qualquer, e podemos observar que uma grande diferença entre a
linguagem oral e a linguagem escrita, não apenas no português, mas na
grande maioria das línguas faladas no mundo. Muitas vezes percebe-se
justamente o oposto, que a linguagem escrita, mais formal, apresenta
obstáculos para sua compreensão para grande parte da população de um
país. Verificamos então que a distinção entre superioridade e
inferioridade estabelecida entre norma culta e dialeto não é baseada em
argumentos científicos, comprovados por estudos, mas sim em puro
desconhecimento do assunto e em idéias preconcebidas que vêm
acompanhando os seres humanos por muitos séculos. A chamada ‘norma
culta’ adquiriu esse status de língua oficial de um país não devido a uma
comprovada superioridade lingüística sua em relação às outras variantes
faladas nesse território. Dessa maneira, podemos remeter às idéias de
Trudgill e Chambers:
We will, on the contrary, accept the notion that all speakers are speakers
of at least one dialect – that standard English, for example, is just as much
a dialect as any other form of English and that it does not make any kind
of sense to suppose that any one dialect is in any way linguistically
superior to any other. (1988:3)
29
II. Estudos dialetológicos na Europa e a situação lingüística da Inglaterra
A Lingüística é sempre associada ao nome de Ferdinand de Saussure (1857-
1913), pois este alterou de maneira significativa os estudos relativos à língua assim
como eles eram entendidos no século XIX (estudos normativos que visavam definir o
‘certo’ e o ‘errado’ e estabelecer parâmetros e padrões do ‘bem falar e escrever’).
Saussure foi, na verdade, o primeiro a mostrar que a língua falada era um objeto de
estudo por si e tinha uma existência independente da língua escrita; que ela era uma
atividade espontânea do ser humano, continuamente recriada e transformada para
atender às necessidades de comunicação dos homens; sofrendo um processo evolutivo
que não acontecia com a língua escrita, pois esta, impossibilitada de se transformar,
guardava em si as características da época em que havia sido impressa.
Se considerarmos que os dialetos existem dentro de um sistema maior a língua,
aqui compreendida como a ‘norma culta’ devemos lembrar também que eles não são
formas estanques, imutáveis. Pelo contrário, retomando a definição dada por Trudgill e
Chambers, de que cada um de nós é falante de ao menos um dialeto, é possível supor
29
Pelo contrário, aceitaremos a noção de que todos os falantes são falantes de pelo menos um dialeto
que o inglês padrão, por exemplo, é apenas um dialeto tanto quanto qualquer outra forma do inglês e
que não faz o menor sentido supor que um dialeto é de qualquer modo lingüisticamente superior a outro.
que as mudanças lingüísticas começam nos sistemas menores dialetos, socioletos
para depois afetarem a chamada ‘norma culta’, com a possibilidade de, um dia, tais
mudanças virem a ser aceitas e incorporadas na norma.
Apesar de seu interesse pela língua falada, Saussure não estava interessado em
estudar as variantes de uma língua, dedicando-se mais a analisar como os seres humanos
falavam, deixando as variantes de lado. Essa tendência foi seguida por muitos lingüistas
principalmente durante a primeira metade do século XX, conforme atestam Chambers e
Trudgill: “Most linguistic theories have started from the assumption that variability in
language is unmanageable, or uninteresting, or both.(1988:145)
30
Contudo, mesmo
durante o século XIX os dialetos foram objeto de estudos para algumas pessoas que
viam neles não a decadência ou a corrupção da ‘norma culta’, mas sim formas que
poderiam ajudar a compreender a evolução e o funcionamento das línguas. Entre essas
pessoas, podemos destacar as figuras do alemão Georg Wenker (1852-1911) e do
francês Jules Gilliéron (1854-1926). Graças às suas pesquisas, Wenker, Gilliéron e seus
sucessores revelaram que, por meio do estudo dos dialetos, poderiam ser descobertos
fatos importantes que auxiliariam na compreensão da evolução das línguas; essas
descobertas foram o passo inicial para modificar as rígidas concepções acerca da
‘superioridade’ de uma forma lingüística (considerada a ‘norma culta’) em relação às
demais, vistas apenas como ‘erradas’ ou ‘formas menores’. Gilliéron foi um dos
primeiros pesquisadores a abordar diversas questões que até então não haviam sido
estudadas pela Lingüística praticada até o culo XIX; foi ele também quem mostrou
com suas pesquisas a importância da criação popular no que diz respeito às mudanças
ocorridas nos diversos dialetos franceses.
Os estudos dialetológicos ajudam a compreender os processos de evolução de
cada língua; este se de uma maneira particular em cada região; podemos entender
seus mecanismos de transformação ao estudar a história de uma língua e as influências
por ela sofridas. Alguns fatores muito importantes que ajudam a determinar as variações
lingüísticas existentes em qualquer país são o substrato, o superstrato e o adstrato
lingüísticos. Segundo Bassetto, entende-se por substrato “as marcas lingüísticas
advindas do povo que abandona seu idioma, levadas para a ngua que passa a adotar
(2001:153); o superstrato serve para designar “os vestígios e as influências de um povo
dominador no idioma do dominado, idioma esse que passa a ser usado por ambos,
30
Muitas teorias lingüísticas começaram a partir do pressuposto de que a variação na linguagem não é
manipulável, ou interessante, ou ambos.
que a língua do dominador político deixa de ser falada...” (2001:157); finalmente,
adstrato, segundo a definição de Mattoso Câmara mencionada por Bassetto é “toda
língua que vigora ao lado de outra, num território dado, e que nela interfere como
manancial permanente de empréstimos” (2001:163). Se considerarmos a história da
Inglaterra, podemos ver que em parte as diferenças encontradas nas variantes regionais
se devem justamente ao processo histórico pelo qual as Ilhas Britânicas passaram ao
longo dos séculos, segundo as observações de Myers:
Until the middle of the fifth century the part of Britain which is now called
England was inhabited by the Britons, who spoke a variety of the Celtic rather than
the Germanic branch of Indo-European. Some four hundred years earlier this
territory had been conquered by the Romans, organised as part of the Roman
Empire […]
Some Germanic tribesmen from the west coast of the European continent
had been raiding Britain even during the Roman occupation, and archaeologists
have found evidence of a few small permanent settlements. The withdrawal of the
[Roman] legions and the disorganization that followed opened the way to much
more extensive settlement, and three tribes soon conquered much of England. The
two larger ones were the Angles and the Saxons, but the identity of the third group
has never been settled. Bede called them Jutes, and this name will be used here,
since no more satisfactory one has been found; but we simply do not know who
they were or exactly where they came from. The Angles took possession of about
the northern two-thirds of what is now called England (from Anglaland) after them.
The Saxons took over most of the southern third, leaving only Kent, part of
Hampshire, and the Isle of Wight to the Jutes. All three tribes spoke Low West
Germanic dialects so much alike that they could understand each other, and Old
English might be described as the result of a gradual fusion of the three. The fusion
was by no means complete. Considerable regional differences remained for
centuries, and at times increased. Even today many of them persist in popular
speech. (1966:61-2)
31
Vemos então como a questão dos substratos lingüísticos afetou a evolução da
língua inglesa. A língua celta falada originalmente nas Ilhas Britânicas sofreu
influências do latim falado pelas legiões romanas ao sul; em um período posterior, de
31
Até a metade do século V, a parte da Grã-Bretanha que agora é chamada de Inglaterra era habitada
pelos bretões, que falavam uma variedade do celta e não o ramo germânico do Indo-europeu. Cerca de
quatrocentos anos antes, esse território havia sido conquistado pelos romanos e organizado como parte do
Império Romano. [...] Alguns membros de tribos germânicas da costa ocidental da Europa haviam
saqueado a Bretanha mesmo durante a ocupação romana, e arqueólogos encontraram evidências de
pequenos povoados permanentes e três tribos logo conquistaram grande parte da Inglaterra. As duas
maiores eram os Anglos e os Saxões, mas a identidade do terceiro grupo nunca foi estabelecida. Bede
chamou-os de Jutos, e esse nome será usado aqui, que nenhum outro mais satisfatório foi encontrado;
mas simplesmente não sabemos quem eles eram ou exatamente de onde vieram. Os Anglos se apossaram
de cerca de dois terços do que é, por causa deles, agora conhecido como Inglaterra (de Anglaland). Os
Saxões se apoderaram da maior parte do outro terço mais ao sul, deixando apenas Kent, parte de
Hampshire e a Ilha de Wight para os Jutos. Todas as três tribos falavam dialetos tão parecidos do Baixo
Germânico que podiam se entender entre si, e o Old English pode ser descrito como o resultado da fusão
gradual dos três. A fusão não foi completa. Diferenças regionais consideráveis permaneceram durante
séculos, e em algumas épocas aumentaram. Mesmo atualmente algumas delas permanecem na fala
popular.
três dialetos germânicos em partes diferentes da ilha; além da influência de dialetos
escandinavos no norte.
32
Por esse motivo, alguns dos dialetos do inglês são mais
ininteligíveis entre si do que o são em relação à norma padrão; cada um deles pode
ajudar um lingüista a entender como foi o processo de evolução da língua inglesa ao
longo dos culos. No caso do dialeto de Yorkshire, a posição geográfica do condado,
ao norte da Inglaterra, pode favorecer a presença mais forte de palavras originárias dos
antigos idiomas escandinavos falados na região durante a época das invasões dos
vikings (Baixa Idade Média); mais ao sul, na região da Cornualha, vemos a presença
mais forte de elementos das línguas celtas faladas na região, devido à coexistência, até o
séc. XVIII, do inglês com a língua celta originalmente falada na região.
A situação lingüística na Inglaterra não é diferente da de outros países no que diz
respeito à desvalorização de variantes dialetais. No entanto, podemos lembrar que,
durante o final do século XVIII (época em que se situa a narrativa de O Morro dos
Ventos Uivantes), a divisão da sociedade inglesa em classes era muito mais acentuada
que nos dias atuais, e as pessoas podiam ser automaticamente ‘categorizadas’ como
membros de uma determinada classe social (entre outros aspectos) devido à sua forma
de falar. Havia uma relação muito grande de desigualdade entre falares regionais e a
pronúncia considerada ‘adequada’, ou seja, a Received Pronunciation, cuja definição,
encontrada no American Heritage Dictionary é a seguinte:
The pronunciation of English that reflects the social and cultural predominance of
southern English speech, that was at one time characteristic of the English spoken
at the public schools and Oxford and Cambridge Universities, and that was
accepted as the standard form of English used in broadcasting. Also called BBC
English, Southern Educated Standard. (1996:1508)
33
Como é possível perceber, a RP é a variante do inglês usada pelas pessoas das
classes sociais elevadas, que freqüentaram as universidades mais tradicionais, Oxford e
Cambridge. Em contrapartida, as formas de falar regionais eram normalmente
associadas às pessoas que não haviam tido acesso à educação formal de qualidade e que
se dedicavam a atividades consideradas mais simples, como agricultura, comércio, entre
outras. Essa situação é refletida no romance O Morro dos Ventos Uivantes, como
32
Conferir mapa no Apêndice para uma melhor visualização da distribuição dos diferentes povos de
origem germânica que se estabeleceram nas Ilhas Britânicas.
33
A pronúncia do inglês que reflete a predominância social e cultural da fala do inglês do sul, que foi em
uma época característica do inglês falado em escolas públicas e nas universidades de Oxford e
Cambridge, e que foi aceita como a forma padrão do inglês usada em emissões de rádio. Também
chamada de BBC English, Southern Educated Standard.
poderá ser visto na parte III deste trabalho, e ela ajuda a classificar a personagem Joseph
tanto geográfica quanto socialmente dentro do esquema do texto original.
Quando um dialeto é estudado, ele não pode ser comparado com outras variantes
existentes no mesmo país, pois as influências por eles sofridas ao longo de sua
existência fazem com que cada um deles se torne uma forma única, sem
correspondência exata com qualquer outra forma falada no país. Portanto, podemos
facilmente compreender que não existe uma correspondência entre dialetos de diferentes
línguas, pois a evolução interna de cada uma delas torna impossível a comparação entre
suas diferentes variações dialetais, fator que não permite a escolha de uma variante
específica da língua portuguesa para ser usada na tradução do dialeto de Yorkshire
presente no romance O Morro dos Ventos Uivantes.
III. Estudos dialetológicos no Brasil
No Brasil, os estudos dialetológicos começaram no início do século
XX com o trabalho de Antenor Nascentes, que estabeleceu as bases para
elaboração de um Atlas Lingüístico do Brasil muitas de suas diretrizes
são usadas ahoje na elaboração dos Atlas regionais brasileiros. Além
de Nascentes, um dos pioneiros nessa área de estudos no Brasil é
Amadeu Amaral com seu livro O dialeto caipira, no qual ele faz um
levantamento das formas de falar do caipira paulista, também nas
primeiras décadas do século XX. Um ponto interessante relativo a esse
livro é o fato de Amadeu Amaral ter dito, na sua introdução, que havia
feito essa pesquisa pensando em conservar um registro do falar típico
dos habitantes do interior de São Paulo, em sua opinião uma variante
fadada ao desaparecimento devido às diversas influências recebidas pelo
caipira, como o afluxo de imigrantes no interior do estado;
desaparecimento gradual da influência do negro; maior acesso à escola e,
conseqüentemente, à educação formal, o que levaria à adoção da norma
culta por um maior número de pessoas, bem como o fato de o avanço nas
comunicações fazer com que as regiões mais distantes onde o caipira
vivia fossem atingidas com maior rapidez e entrassem em contato com o
modo de vida das cidades grandes. Porém, o que vemos na realidade é
que esse modo de falar não desapareceu, e o dialeto caipira estudado por
Amaral continua presente na cultura brasileira, coexistindo ao lado de
outras variantes do português não-padrão. Outro fato digno de nota é que
várias das características apontadas por Amaral como típicas do falar
caipira paulista foram registradas em outras regiões do país quando os
Atlas lingüísticos regionais começaram a ser elaborados; essa
observação mostra que certos fenômenos lingüísticos não podem ser
considerados como particulares de uma área restrita, mas sim, como uma
tendência de simplificação natural da língua falada. Um bom exemplo é a
despalatalização lh > i, que, segundo Bassetto, é encontrada em várias
línguas românicas faladas na Europa, como o espanhol, o francês, o
sardo, e amesmo o romeno (cf. 2001:153), não se limitando, portanto, a
regiões do estado de São Paulo.
No entanto, desde o início dos estudos dialetológicos, podemos
perceber que por muito tempo eles se concentram mais na língua falada
pelas classes que têm pouco ou nenhum acesso à educação formal,
como se apenas essas variantes fossem dignas de estudo. Mas, se
pensarmos que todos as pessoas são falantes de um dialeto, esse
enfoque em apenas uma variante dialetal pode levar a uma visão incorreta
da realidade lingüística de um país. Com o desenvolvimento da
dialetologia e da geografia lingüística no culo XX conceitos como
dialetologia urbana e rural começaram a se difundir e desde então temos
estudos feitos sobre variantes dialetais não somente em localidades
afastadas habitadas por pessoas que não tiveram acesso à educação
formal, mas também em grandes centros urbanos, onde convivem
pessoas de diversas origens e classes sociais. Tais estudos podem
mostrar a existência de variantes dialetais em todas as localidades de um
país, o apenas em regiões afastadas habitadas por pessoas sem muito
acesso à educação formal.
A realidade brasileira é bastante diferente da européia no que se
refere à questão dos dialetos. Na Europa, devido a fatores históricos,
econômicos e políticos, temos a presença de diversas variantes
lingüísticas que coexistem muitas vezes em territórios relativamente
pequenos. Um exemplo significativo é o da Espanha, país cujo território é
menor que o do estado de Minas Gerais, e que tem quatro línguas oficiais,
das quais uma o basco sequer pertence ao mesmo ramo das outras
três, que são línguas latinas, além de dialetos como aragonês e leonês.
Uma de suas línguas oficiais o catalão, falado por centenas de milhares
de pessoas, inclusive na segunda cidade mais importante do país,
Barcelona não é considerado senão um dialeto na França, país que
muitas vezes se caracterizou por uma postura mais rígida de defesa do
francês como única língua oficial e a supressão de dialetos falados em
diferentes partes do seu território. A língua é a mesma, mas seu status de
‘língua oficial’ e de ‘dialeto’ é determinado não por suas características
particulares, mas por fatores políticos.
Quando os portugueses iniciaram a colonização do nosso país
trouxeram para cá a língua portuguesa, completamente diferente das
línguas nativas faladas pelas diversas tribos indígenas que aqui viviam.
Por muito tempo de acordo com alguns historiadores até começo do
século XIX existiu no Brasil o nheengatu, língua de origem indígena que
mesclava elementos do português e do tupi e era usada pela população
em geral, mas ela foi desaparecendo com o passar do tempo devido a
imposições feitas pelo governo brasileiro e cedeu seu espaço ao
português. Além da imposição governamental, talvez a diversidade das
línguas indígenas faladas no Brasil também tenha favorecido a
hegemonia do português no nosso território, pois as diferentes tribos não
se comunicavam entre si, o que pode ter levado a um maior uso do
português como língua de ‘aproximação’ entre brancos, negros e índios,
e as línguas indígenas ficaram restritas às suas comunidades de origem.
Porém, a presença dos índios e dos negros que foram trazidos para
como escravos exerceu uma influência muito grande sobre o português
falado no Brasil, não na estrutura da língua, que se manteve bastante
parecida com o português falado em Portugal, mas sim no vocabulário e
na pronúncia de determinados sons. E embora tenhamos tido contato
com diversas línguas trazidas pelos imigrantes que para vieram, o fato
de o português estar consolidado na época em que eles vieram para o
Brasil limitou a influência delas ao nosso vocabulário, não havendo
interferência na parte sintática da língua. Por isso, não podemos dizer que
no Brasil a situação lingüística é semelhante à da maioria dos países
europeus, onde a diferença entre os dialetos pode dificultar bastante a
comunicação entre os habitantes de regiões distantes de um país. De
acordo com Fernando Tarallo,
...poderíamos dizer que a área geográfica brasileira é composta de uma
multiplicidade de dialetos, mutuamente inteligíveis [...] No caso do Brasil
há, portanto, um multidialetismo ameno (as diferenças regionais
localizam-se, em geral, nas áreas da fonética, da fonologia e do léxico).
(1987:11)
e a observação de Dino Preti, complementando o tópico abordado
por Tarallo:
Se observarmos, por exemplo, uma sociedade de grande área
geográfica, como a brasileira, notamos que, enquanto as variações léxicas
são inúmeras, enquanto as oposições fonológicas e o ritmo prosódico
apontam mudanças consideráveis, as estruturas sintáticas e morfológicas
apresentam maior unidade, apesar de certas regências e concordâncias
típicas, certas estruturas frásicas originais de algumas regiões. (1974:28)
Por fim, o comentário feito por Marli Quadros Leite sobre a situação
lingüística no nosso país:
No Brasil, não uma língua padrão” em moldes rígidos, como
existe, por exemplo, na Inglaterra. Aqui não se ensina uma pronúncia padrão
e também não diferença de valor quanto a usos regionais, relativamente à
gramática e ao léxico. O que há, ao lado de todas as normas praticadas pelos
falantes, é um padrão ideal de linguagem, a que todos almejam alcançar, que
tem apenas como parâmetro uma norma tradicional, também denominada
prescritiva ou explícita. Os dialetos e registros são avaliados, então, a partir
do seguinte critério: se mais distante dessa norma, menor prestígio; se mais
próximo, maior prestígio. (2005:187)
As opiniões dos três estudiosos coincidem, salientando que as
diferenças de registro de fala existentes na sociedade brasileira o
menos significativas que as encontradas em outros países, e não
impedem a boa comunicação entre os falantes das diversas regiões do
país. Esse fator deveria levar a uma maior aceitação das variantes
dialetais por parte da sociedade; no entanto, a situação dos dialetos no
Brasil ainda é vista sob uma perspectiva conservadora. Assim como em
países europeus ou talvez a por influência de idéias recebidas por
europeus as variantes dialetais no Brasil sempre foram vistas como
formas ‘erradas’ da língua portuguesa, cuja utilização deveria ser
desencorajada e, se possível, erradicada da linguagem oral. A idéia de
que existiria uma forma de português ‘melhor’ ou ‘mais correta’ que
outras levou à discriminação de variantes dialetais de regiões mais
pobres e menos desenvolvidas do país. Podemos lembrar que, a
princípio, o próprio português falado no Brasil era considerado ‘errado’ e
‘inferior’ ao de Portugal devido às variações que surgiram em nossa
língua tanto na parte sintática (por exemplo, a colocação pronominal)
quanto no vocabulário.
Como foi dito acima, uma determinada variante acaba sendo
considerada a norma culta de uma língua devido a fatores externos, como
acontecimentos históricos, econômicos e sociais na vida de um país, mas
esse fato é esquecido ou muitas vezes sequer foi reconhecido e essa
variante adquire todo o prestígio, ficando as outras variantes
categorizadas como inferiores ou menores. Porém, um fator não
observado em relação a essa posição antagônica entre norma culta e
suas variantes é que a norma culta acabou ficando mais cristalizada,
cerceada por regras gidas, enquanto as variantes apresentam
características que as tornam mais criativas e dinâmicas que a norma
culta. Conforme observou Fernando Tarallo em seu livro A Pesquisa
Sociolingüística,
As variantes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação
de concorrência: padrão vs. não-padrão; conservadoras vs. inovadoras;
de prestígio vs. estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrão
é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio
sociolingüístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado,
são quase sempre não-padrão e estigmatizadas pelos membros da
comunidade. (1986:11-12)
Se considerarmos a norma culta senão como uma variante do
português falado no Brasil, não podemos pensar que devemos nos limitar
a seguir suas regras e evitar as contribuições trazidas pelas variantes à
língua padrão. As variantes inovadoras, que enriquecem o vocabulário e
tornam a língua mais dinâmica são formas legítimas de comunicação
entre os brasileiros, e se acreditarmos que uma aparente superioridade
da norma ‘culta’ da língua portuguesa em relação a quaisquer outras
variantes não-padrão é válida, estaremos ignorando uma das mais
importantes características de qualquer língua viva, que é a de se
transformar e de criar novos vocábulos e formas de expressão que
correspondem às necessidades lingüísticas e sociais de seus falantes. E,
podemos finalizar com as palavras de Marli Quadros Leite sobre a ‘norma
culta’ da língua:
...essa norma da gramática não é efetiva e cabalmente realizada por
nenhum falante. O que realmente existe é um mosaico de normas, um leque
de possibilidades de realizações da língua, e entre essas possibilidades
uma realização, falada ou escrita, que se aproxima mais do que prescreve a
gramática normativa. (2005:184)
IV. Estudos dialetológicos e a tradução de textos literários
Em seu ensaio O inglês do povo: língua e classe na Inglaterra
(1840-1920), Patrick Joyce comenta sobre o florescimento, na Inglaterra
do começo do século XX, de uma literatura que “afirmava representar ‘a
vida interior do povo’. [...] A língua do povo era o dialeto, que afirmava
sua verdadeira identidade” (1997:207). Ele ainda comenta que exemplos
dessa literatura poderiam ser encontrados nos distritos industriais de
Yorkshire e Lancashire, regiões conhecidas pela conservação e uso de
variantes do inglês não-padrão até os dias atuais. A importância dessa
literatura escrita em dialeto se deve ao fato de as variantes lingüísticas
terem sido usadas de forma criativa, original, ultrapassando seu âmbito
de uso familiar na linguagem oral.
34
Se formos pensar na representação de variantes dialetais em obras
literárias, veremos que ela é bastante restrita, tanto na Inglaterra quanto
em outros países. A literatura, de uma maneira geral, é escrita na ‘norma
culta’, mesmo quando autores criam personagens pertencentes às mais
diversas classes sociais. Os dialetos acabam ficando restritos a poucas
personagens, muitas vezes sendo usado apenas para dar uma ‘cor local’
a determinada história, e poucos autores realmente tentaram caracterizar
suas personagens usando recursos estilísticos e lingüísticos que
mostrassem ao leitor a forma de falar peculiar a cada uma delas. Um dos
poucos a fazer isso foi Mark Twain que, em uma nota introdutória ao livro
The Adventures of Huckleberry Finn, uma explicação sobre o modo
como determinadas personagens se expressavam, comentando que a
maneira de falar de cada uma delas foi representada por ele de maneira
consciente, devido ao seu conhecimento das diferentes variantes do
inglês faladas no sul dos Estados Unidos. Ele chega mesmo a
acrescentar “I make this explanation for the reason that without it many
readers would suppose that all these characters were trying to talk alike
and not succeeding”. (1994:6)
35
A preocupação de Twain é, pode-se dizer,
única, pois muitos outros autores que lançaram mão do uso do dialeto o
fizeram sem pensar na possível reação do leitor quando fosse ler a obra.
Comentando sobre o uso do dialeto em obras literárias K.M. Petyt diz que
Some have been intrigued by dialect in literature: Hardy’s use of Wessex
dialect, the Yorkshire speech of Joseph in Wuthering Heights, Dickens’s
attempts to portray the speech of various parts of Britain, or the numerous
other uses of dialect for characterization. (1980:7)
36
O uso da palavra intrigadas remete à idéia de que muitas vezes os
leitores consideram o uso do dialeto na literatura como algo fora dos
padrões esperados, confirmando a idéia de ‘inferioridade’ dialetal não
condizente com o status de uma obra literária. Se um dialeto pode ser
considerado fora do normal em um texto original, sua presença em obras
traduzidas ainda é mais controversa. Vários estudiosos têm se dedicado
ao estudo de tradução dos dialetos, sem aparentemente conseguir chegar
a um consenso sobre o assunto. Na parte I do presente trabalho, vimos
como alguns teóricos, entre eles Gillian Lane-Mercier e Anthony Pym,
34
Verificar no Apêndice, pp. 215 e 216, exemplos dessa literatura a que se refere Patrick Joyce.
35
Dou esta explicação pela razão de que sem ela muitos leitores poderiam supor que todas essas
personagens estivessem tentando falar da mesma maneira e sem conseguir.
36
Algumas pessoas ficaram intrigadas com o uso do dialeto na literatura: o uso que Hardy fez do dialeto
de Wessex, a fala de Yorkshire de Joseph em O Morro dos Ventos Uivantes, as tentativas feitas por
Dickens de retratar a fala de várias partes da Bretanha, ou os outros inúmeros usos do dialeto para
caracterização.
discutem a questão do socioleto literário e sua tradução, sobretudo os
problemas enfrentados pelo tradutor que tenciona traduzir socioletos
literários, citando entre outros exemplos o fato de não existir uma
equivalência entre diferentes variantes dialetais, o risco de tornar uma
tradução racista ou caricata. Outra questão levantada por muitos teóricos
é que essa representação de um dialeto na literatura não é senão uma
criação do autor, uma tentativa que ele faz de mostrar uma variante de
fala que está restrita a poucas personagens, sofrendo limitações
geográficas (uma determinada região de um país) ou sociais (classe a que
pertence a personagem retratada), e essa tentativa envolveria idéias
preconcebidas que não corresponderiam à realidade social do país.
Mesmo levando em conta tais considerações, não podemos esquecer o
fato de que os dialetos têm importância dentro do sistema de uma língua,
e ignorá-los significaria ignorar uma característica muito importante da
obra a ser traduzida.
No caso estudado nesta dissertação devemos fazer duas
considerações antes de analisarmos como o tradutor pode trabalhar com
a questão das variantes dialetais em uma obra literária. Em primeiro lugar,
O Morro dos Ventos Uivantes faz parte do cânone da literatura mundial, e
obras canônicas são olhadas com um respeito muito maior que obras
consideradas ‘menores’. Esse respeito muitas vezes excessivo pode
ter sido um dos fatores que levaram diversos tradutores a ignorar o fato
de algumas de suas personagens falarem o dialeto de Yorshire. Em
segundo lugar, se lembrarmos que a ação do livro situa-se na Inglaterra
do fim do culo XVIII e começo do XIX, podemos pensar que a presença
do dialeto na linguagem oral nessa época era muito mais forte do que nos
dias atuais. O estudo feito por K.M. Petyt salienta que Emily Brontë
demonstrou ter princípios consistentes para a transcrição em uma época
em que o estudo dos dialetos estava começando na Europa. Esse é um
fato notável, se levarmos em conta que ela não teve acesso a nenhum
tipo de estudo sobre dialetos e foi capaz de representar a forma de falar
da região de maneira consistente e adequada.
Conforme observou Fernando Tarallo, “As variantes lingüísticas
possuem e carregam, portanto, significado social, e a língua como um
todo não somente reflete como também reforça, a cada momento, tais
convenções.” (1987:16) Levando em conta tal observação e refletindo
sobre o fato de Emily Brontë ter retratado em seu único livro personagens
que falam o dialeto da região de Yorkshire, não estariam os tradutores, ao
ignorá-lo, reforçando as convenções sociais que determinam o caráter
‘inferior’ das variantes não-padrão? Se no começo do século XX elas
ainda eram encaradas como ‘desvios’ ou ‘aberrações’, com o aumento
dos estudos na área tal situação deveria ter sido mudada, mas vimos que
não foi esse o caso, pois mesmo a tradução mais recente do livro o
apresenta uma proposta de representação para a fala de Joseph que
mostre ao leitor brasileiro que ele não domina a norma culta do inglês.
Em seu ensaio, Patrick Joyce analisa os motivos que levaram à
manutenção do dialeto na fala quotidiana dos habitantes das regiões do
norte da Inglaterra e questões como a combinação de mudança e de
continuidade na vida dos condados de Yorkshire e Lancashire para a
permanência do dialeto (cf. p. 228-229). Se no começo do século XX as
pessoas ainda usavam o dialeto, podemos supor que, no final do século
XVIII, época em que se situa a maior parte da ação de O Morro dos Ventos
Uivantes, a existência de uma sociedade mais rural, mais voltada para as
atividades do campo, favorecia o uso do dialeto como meio de
comunicação entre as pessoas, pelo menos aquelas que pertenciam às
classes sociais mais simples. Vemos que em O Morro dos Ventos
Uivantes a única personagem que tem uma participação mais efetiva na
narrativa e faz uso constante do dialeto é Joseph, o empregado da casa.
Podemos pensar que essa característica faz parte justamente do ponto
destacado por Joyce, as “poderosas continuidades de estrutura e
memória que prevaleciam” (p. 229). Joseph poderia, então, ser visto como
uma representação da cultura popular, dessa memória do passado e da
continuidade de antigos costumes que, pouco a pouco, iam sendo
deixados de lado devido às mudanças sociais ocorridas na Inglaterra da
virada do século XIX.
Pensando em termos da realidade brasileira, é possível imaginar
uma situação parecida ocorrendo no nosso país. Ao começo do século
XX, dificuldades de comunicação entre as diversas regiões, pouco acesso
à educação formal, e ausência de meios de comunicação como jornais e
revistas, além da influência dos diversos substratos indígenas, bem como
a manutenção de antigas estruturas do português arcaico que
desapareceram em Portugal, levaram ao desenvolvimento de variantes do
português no Brasil. Pessoas com pouca ou nenhuma educação formal
usavam então variantes do português que o correspondiam à ‘norma
culta’ usada pelas poucas pessoas que tinham acesso à educação.
Considerando a tradução do livro O Morro dos Ventos Uivantes para o
português, podemos supor que um empregado de uma casa afastada de
uma cidade grande dificilmente usaria a norma culta para se comunicar
no seu dia-a-dia. Portanto, ao traduzir o livro, devemos tentar encontrar
para Joseph uma variante da norma considerada ‘culta’ para representar
sua forma de falar.
Nesse momento a dialetologia é uma ferramenta extremamente
importante para a tradução dessa variante do inglês não-padrão.
Analisando estudos feitos em relação ao português falado em diferentes
regiões do Brasil podemos encontrar determinadas características
presentes de maneira generalizada na fala informal e não-padrão em todo
nosso território (elas serão mostradas na parte IV deste trabalho). O uso
dessas variantes na tradução do livro permitiria ao leitor brasileiro ver
que uma diferença entre a forma de falar de Joseph e de seus patrões
de uma maneira que soaria natural. Obviamente, essa tradução não seria
um correspondente exato das características específicas do dialeto de
Yorkshire, mas não se pode esperar encontrar um equivalente exato para
esse dialeto no Brasil, já que a grande diferença existente entre português
e inglês não favorece nenhum tipo de comparação entre as duas línguas.
V. Caracterização de empregados na literatura brasileira dos séculos
XIX e XX
A seguir, serão mostrados alguns exemplos de como personagens
pertencentes às camadas mais simples da população foram
representadas na literatura brasileira dos séculos XIX e XX. Não há, entre
as personagens retratadas nos trechos escolhidos, uma correspondência
exata com a situação da personagem Joseph em O Morro dos Ventos
Uivantes; o critério de seleção baseou-se mais no fato de as personagens
pertencerem a uma classe social menos favorecida e, conseqüentemente,
com menor acesso à educação formal. Tampouco se trata de um estudo
exaustivo sobre o assunto, mas apenas algumas reflexões, com o
objetivo primordial de verificar se houve ou não uma tentativa por parte
dos diferentes escritores de retratar variações na fala das personagens.
De acordo com Antonio Candido, no século XIX, foi observada “a
vontade consciente de definir no Brasil uma literatura independente,
exprimindo a seu modo os temas, problemas e sentimentos da jovem
Nação.” (1975:303, v. I) Temos, então, uma geração de escritores que se
dedicaram a mostrar que existia literatura no Brasil e, embora eles
certamente sofressem grande influência dos movimentos literários que
aconteciam na Europa, suas obras começaram a retratar a sociedade
brasileira e seu modo de vida, sobretudo na Corte. Um dos primeiros
romancistas a retratar essa sociedade foi Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882), autor de A Moreninha, A Luneta Mágica e O Moço Loiro, entre
outras obras. De acordo com Dino Preti, sua técnica narrativa “se
aproxima da naturalidade do ‘contador de histórias’, o qual a todo
momento intervém na trama, dando-lhe um cunho real e familiar”
(1974:58). O trecho a seguir foi tirado de A Moreninha, talvez o romance
mais conhecido de Macedo:
Tu pertences àquelas senhoras que estão no camarote, a cuja porta te
encostavas?... perguntei.
Sim, senhor, me respondeu ele, e elas moram na rua de... número... ao
lado esquerdo de quem vai para cima.
– E quem são?...
São duas filhas de uma senhora viúva, que também está, e que se
chama a ilustríssima senhora dona Luísa. O meu defunto senhor era negociante e
o pai de minha senhora é padre.
– Como se chama a senhora que está vestida de branco?
– A senhora dona Joana... tem dezessete anos, e morre por casar.
– Quem te disse isso?...
– Pelos olhos se conhece quem tem lombrigas, meu senhor!...
– Como te chamas?
– Tobias, escravo de meu senhor, crioulo de qualidade, fiel como um cão e
vivo como um gato.
O maldito do crioulo era um clássico a falar português. Eu continuei:
– Hás de me levar um recado à senhora dona Joana.
– Pronto, lesto e agudo, respondeu-me o moleque.
– Pois toma sentido.
– Não precisa dizer duas vezes.
– Ouve. Das duas uma: ou poderás falar com ela hoje, ou só amanhã...
Hoje... agora mesmo. Nestas coisas Tobias não cochila: com licença de
meu senhor, eu cá sou doutor nisto; meus parceiros me chamam orelha de cesto,
de coelho e boca de taramela. dizendo o que quiser, que em menos de dez
minutos minha senhora sabe tudo; o recado de meu senhor é uma carambola que,
batendo no ouvido, vai logo bater no da senhora dona Joaninha.
Pois dize-lhe que o moço que se sentar na última cadeira da quarta
coluna da superior, que assoar-se com um lenço de seda verde, quando ela para
ele olhar, se acha loucamente apaixonado de sua beleza etc., etc., etc.
Sim, senhor, eu já sei o que se diz nessas ocasiões: o discurso fica por
minha conta. (198-:19-20)
Esse trecho é parte de uma carta que Fabrício escreve a Augusto, contando-lhe
como se havia decidido a entabular um namoro romântico, de acordo com a moda da
época. Mais especificamente, Fabrício transcreve o diálogo ocorrido entre ele e Tobias,
escravo da família de D. Joaninha, a moça por quem ele se resolvera apaixonar. Nota-se
que não uma diferença de registro entre as falas de Fabrício (estudante) e Tobias. Se
não fossem feitas referências claras à condição de Tobias (“tu pertences àquelas
senhoras...”, “o meu defunto senhor...”, “Tobias, escravo de meu senhor...”), se poderia
dizer que o diálogo havia ocorrido entre duas pessoas que compartilhassem de uma
situação social e cultural semelhante. O próprio Fabrício, ao ouvir a resposta “Tobias,
escravo de meu senhor, crioulo de qualidade, fiel como um cão e vivo como um gato”,
comenta “O maldito do crioulo era um clássico a falar português.” Mesmo considerando
que a família de D. Joaninha houvesse decidido dar uma educação mais formal a Tobias
(algo pouco comum na época do Brasil Império), podemos pensar que ele dificilmente
chegaria a um nível de sofisticação tão grande quanto o demonstrado no trecho acima.
Entretanto, devemos analisar o momento histórico em que Macedo escreveu o romance
para verificar sua atitude em relação à fala das personagens: no século XIX, falar bem
era considerado um sinal de cultura, de inteligência; A Moreninha é um romance de
costumes urbanos, cujo foco está voltado para uma classe social específica a
“incipiente classe média”, de acordo com Preti (1974:57) e que não tem por objetivo
discutir a questão da escravidão no Brasil, com argumentos favoráveis ou desfavoráveis
a ela. Mais ainda, na época em que Macedo escreveu esse romance, os debates sobre a
abolição da escravatura ainda não haviam atingido seu ponto mais alto, e se um escritor
necessitasse incluir a figura de um escravo em seus romances, ele não o apresentaria
sofrendo devido às condições em que ele era mantido, mas sim, seria um retrato mais
suavizado, mais estilizado (podemos lembrar, a título de curiosidade, que quando
Bernardo Guimarães quis discutir a questão da escravidão no país, ele criou uma
escrava branca, Isaura). Na época de Macedo, o escravo não seria um protagonista da
ação, mas sim, uma personagem secundária cuja única função na trama seria a de fazer
um pano de fundo para os protagonistas, assim como quaisquer outros empregados que
aparecessem em romances ou contos.
Em sua análise sobre Macedo, Preti demonstra que uma alternância entre
momentos mais ‘soltos’, em que uma maior naturalidade na fala das personagens, e
momentos em que predomina um estilo mais culto, com preponderância de colocações
pronominais, concordâncias verbais, e vocabulário, de acordo com o uso da época. O
escravo Tobias, embora fale de uma maneira que hoje soa bastante artificial para o leitor
do século XXI, foi uma criação coerente com os princípios do escritor. De uma maneira
geral, Macedo nivela suas personagens com o uso da norma culta, sem grandes ousadias
relativas à construção de personagens utilizando diferentes níveis de fala para cada uma
delas, pois “Escritor de consumo obrigatório da média burguesia da época, Macedo
nunca desmereceria a confiança de figurar nas bibliotecas familiares.” (1974:69)
Aluisio Azevedo (1857-1913) é considerado por muitos críticos o mais
importante escritor da corrente Naturalista, que vigorou na literatura brasileira no final
do século XIX. Iniciado como uma oposição à escola romântica que dominava o mundo
literário até então, o Realismo-Naturalismo tinha por objetivo proporcionar ao leitor
uma visão mais próxima da complexa realidade da sociedade brasileira. Podemos pensar
que um dos meios de mostrar essa realidade seria diversificar a linguagem das
personagens (bastante uniforme e dentro dos padrões da norma considerada culta na
grande maioria das obras dos escritores românticos), tentando dar-lhes características de
acordo com sua situação social e cultural. Em rios momentos de seus romances mais
conhecidos, O Cortiço e Casa de Pensão, Aluisio Azevedo consegue transmitir ao leitor
alguns aspectos particulares da fala de suas personagens, mas no conjunto de sua
produção literária esses momentos se alternam com outros em que o autor também
recorre à norma ‘culta’ para compor suas cenas, evitando principalmente termos mais
grosseiros ou tabus. O trecho a seguir foi extraído de O Cortiço:
Domingos soltou uma palavrada, que enfureceu a velha.
– Ah, sim?! bradou esta. Pois veremos!
E despejou da venda, gritando para todos:
– Sabe? O cara de nabo diz que não casa!
Esta frase produziu o efeito de um grito de guerra entre as lavadeiras, que
se reuniram de novo, agitadas por uma grande indignação.
– Como não casa?!...
– Era só o que faltava!
– Tinha graça!
– Então mais ninguém pode contar com a honra de sua filha?
– Se não queria casar pra que fez mal?
– Quem não pode com o tempo não inventa modas!
– Ou ele casa ou sai daqui com os ossos em sopa!
– Quem não quer ser lobo não lhe vista a pele! (198-:94-95)
Nesse trecho tão pequeno encontramos alguns pontos sugestivos: em primeiro
lugar, o termo palavrada, usado por Azevedo provavelmente como um eufemismo para
evitar um palavrão ou expressão vulgar, o que levaria a pensar em um desejo por parte
do escritor de não chocar seus leitores; em segundo lugar, cara de nabo, uma expressão
que mostra com clareza o nível de fala mais informal, não pertencente à norma ‘culta’
da língua, embora não contenha desvios em relação à ortografia ou à pronúncia; e
finalmente, quem não quer ser lobo que não lhe vista a pele, uma frase na qual aparece
uma colocação pronominal mais sofisticada (não lhe vista) que somente seria usada por
uma pessoa com pouco acesso à educação formal, caso das lavadeiras retratadas, se
fosse uma frase feita ou provérbio. Essa mescla parece indicar que, apesar de Azevedo
tencionar fazer um retrato mais ‘fiel’ da realidade de seu tempo, inovando ao retratar
habitantes de um cortiço como protagonistas de seu romance, não conseguiu se soltar
completamente das ‘amarras’ que o prendiam ao uso da norma padrão da língua
portuguesa. Conforme observou Preti,
...são poucas as personagens que fogem à norma culta na obra de Aluísio.
Os níveis sociolingüísticos se classificam muito mais pelas expressões típicas,
pelo vocabulário, pelas construções portuguesas, por uma ou outra notação de
ordem fonológica, do que propriamente pelos desvios. (1974:134)
Fogo Morto, de José Lins do Rego (1901-1957), foi publicado em 1943.
Representante do Regionalismo, que, como o nome indica, desejava proporcionar aos
leitores uma idéia mais acurada da vida das pessoas longe dos centros urbanos até então
retratados na literatura brasileira, Rego descreveu em grande parte de sua obra a
decadência dos engenhos nordestinos. Levando em consideração o fato de que uma das
diferenças mais sensíveis entre as pessoas que habitam diferentes regiões do Brasil é a
fala, poderíamos esperar que essa diferença aparecesse de alguma forma na fala das
personagens. Porém, isso nem sempre acontece, como se pode ver a seguir:
...Parou na sua porta um negro a cavalo.
– Boas tardes, mestre.
– Boa tarde, Leandro. Está de viagem?
Nada não, mestre Zé. Vou levando um recado para o delegado do Pilar
que o seu Augusto do Oiteiro mandou.
– Houve crime por lá?
Duas mortes. O negócio é que havia uma dança na casa de Chico de
Naninha, e apareceu um sujeito da Lapa, das bandas de Goaina, e fechou o
tempo. Mataram o homem e um companheiro dele. Vou dar notícia ao major
Ambrósio do sucedido.
– Este Ambrósio é um banana. Queria ser delegado nesta terra, um dia só.
Mostrava como se metia gente na cadeia. Senhor de engenho, na minha unha,
não falava de cima para baixo.
– Seu Augusto não é homem para isto, mestre Zé.
– Homem, não estou falando de seu Augusto. Estou falando é da laia toda.
Não está vendo que, comigo delegado, a coisa não corria assim? Aonde se viu
autoridade ser como criado, recebendo ordens dos ricos? Estou aqui no meu
canto, mas estou vendo tudo. Nesta terra só quem não tem razão é pobre.
É verdade, mestre Zé, mas o senhor deve dar razão a quem tem. Seu
Augusto não vive se metendo nos negócios da vila. Ele não deixa é que cabra
dele sofra desfeita. Homem assim vale a pena. O dr. Quinca do Engenho Novo era
assim. E é assim que deve ser.
Não estou caducando. O que eu digo, para quem quiser ouvir, é que em
mim ninguém manda. Não falo mal de ninguém, não me meto com a vida de
ninguém. Sou da minha casa, da minha família, trabalho para quem quiser, não
sou cabra de bagaceira de ninguém.
– Não precisa ofender, mestre Zé.
Não estou ofendendo. Eu digo aqui, todos os dias para quem quiser
ouvir: mestre José Amaro não é um pau-mandado. Agora mesmo me passou por
aqui um carreiro do coronel José Paulino. Pergunte a ele o que foi que lhe disse.
Não aceito encomenda daquele velho gritador. Não sou cabra de bagaceira, faço
o que quero. O velho meu pai tinha o mesmo calibre. o precisava andar
cheirando o rabo de ninguém.
– Mestre Zé está zangado, eu vou saindo.
Não estou zangado, estou dizendo a verdade. Sou um oficial que não
me entrego aos mandões. Quando a gente fala nestas coisas vem logo um pobre
como você dizendo que estou zangado. Zangado por quê? Porque digo a
verdade? Sou eleitor, dou meu voto a quem quero. Não voto em governo. Aqui me
apareceu outro dia um parente de Quinca Napoleão pedindo o meu voto. “Votar
em quem, seu Zé Medeiros? fui lhe dizendo. Quinca Napoleão é um ladrão de
terra. O Pilar é uma terra infeliz; quando sair da mão do velho José Paulino, vai
parar na bolsa de Quinca Napoleão.” O homem se foi danado comigo. (198-:21-
22)
Encontramos nesse trecho a presença de expressões populares, como: Este
Ambrosio é um banana; mestre José Amaro o é um pau-mandado; ou
expressões mais regionais, como nada não, mestre Zé, com o uso típico dos
falantes nordestinos de colocar o advérbio não depois do verbo (pode-se supor
que Leandro fosse dizer não é nada disso, Mestre ); cabra de bagaceira remete
a uma situação específica da região retratada por Rego, os engenhos de açúcar do
nordeste; até mesmo uma expressão que poderia ser considerada mais vulgar,
como não precisava andar cheirando o rabo de ninguém. Essas são marcas de
oralidade na fala das personagens, que conferem um tom mais informal ao diálogo
travado entre os dois homens; por outro lado, verificamos o uso do verbo haver,
em Houve crime por lá? algo pouco comum na fala das pessoas, que usam mais
ter (poderia se esperar de Mestre que ele dissesse teve crime por lá?) No
trecho selecionado, não grandes desvios sintáticos, ou tentativas por parte do
autor de usar variações ortográficas para mostrar particularidades de pronúncia
das personagens; e de maneira geral o texto se aproxima mais da norma
considerada ‘culta’ da língua portuguesa. O diálogo foi travado entre duas pessoas
pertencentes a uma classe social mais simples; mestre José Amaro é um seleiro, e
por isso dificilmente teria uma educação formal mais consistente. É possível
concluir, então, que José Lins do Rego também não demonstrou um grande
empenho para inovar na representação da fala das personagens, procurando
mostrar características do nordeste para outros leitores do Brasil não por meio de
variações sintáticas ou lexicais, mas sim, pelo tema abordado em sua obra.
Érico Veríssimo é outro representante do Regionalismo na literatura
brasileira; na maior parte de sua obra ele retratou a vida e os costumes dos
gaúchos, usando expressões típicas do Rio Grande do Sul que estão presentes não
apenas na fala de empregados, mas mesmo de pessoas que tiveram maior acesso à
educação formal. No exemplo a seguir, tirado do livro O Continente, publicado
em 1949, vemos uma conversa entre Rodrigo e Toríbio Terra Cambará, filhos
adolescentes de Licurgo, chefe político de Santa Fé, membro de uma família
tradicional, fundadora da cidade, e representante do que se poderia chamar de
‘classe alta’ da localidade, e Fandango, capataz da estância de propriedade de
Licurgo Cambará.
Rodrigo e Toríbio aproximam-se do velho; o mais moço monta-lhe na
perna, o outro toma-lhe do braço.
– Conta uma história pra nós.
– Estou mui cansado.
– Ué... faz Toríbio. Tu conta é com a boca não com a perna. Tua boca
também está cansada?
Conta uma história do Pedro Malasarte logrando o João Bobo sugere
Rodrigo. Aquela que o Pedro aquentou no fogo uma panela de ferro até que ela
ficou em brasa e depois vendeu ela pro João Bobo dizendo que era uma panela
mágica que não precisava de fogo pra fazer comida. Vai então o João Bobo
compra a panela e quando ela esfria ele vê que foi empulhado. Conta!
– Pois tu já contou, muchacho! – boceja Fandango.
– Mas agora conta tu.
[...]
Fandango recosta-se na cama e com a sua voz especial de contar casos,
uma voz pausada de conversa ao pé do fogo, começa:
– Era uma vez um estancieiro podre de rico e louco de tão malvado... (Isso
se passou nos tempos de dantes.) Pois diz-que esse hombre malo tinha até
dinheiro enterrado, mas era o sovina que não comia ovo pra não botar a casca
fora. Na estância dele não dava pousada nem comida pra ninguém. Pra encurtar o
caso, o diabo do hombre era tão ruim que por onde ele andava nem os quero-
queros cantavam. Pois essa peste tinha um filho, um menino, ruim como o pai,
porque quem sai aos seus não degenera...
[...]
– Como era o nome dele? – pergunta Rodrigo.
– Não tinha – Toríbio apressa-se a responder. – Tu sabe.
– É – confirma o velho. – Não tinha. Quando um padre passou pela
estância e começou a batizar quem ainda era pagão, o negrinho também quis um
padrinho. Vai entonces o estancieiro gritou: “Negro não se batiza! O pobre
moleque baixou a cabeça e resolveu que ia ser afilhado da Virgem Maria.
[...]
E quem é que foi contar por estancieiro que os cavalos tinham fugido?
pergunta Rodrigo.
– Ora! – faz Toríbio. – Tu sabe. Foi o filho dele, não foi, Fandango?
É, foi o filho da mãe do guri, xereta simbergüenza. Foi contar ao pai. O
pai entonces manda amarrar o Negrinho num palanque e aplica-lhe uma sumanta
de relho dessas de tirar a alma dum vivente a guascaços. Lept! Lept! Lept! O
Negrinho ficou chorando e sangrando. E como castigo o hombre malvado mandou
o pobre do menino sair na noite escura pra campear o baio e os trinta tordilhos
perdidos.
[...]
– Isso mesmo. Foi pingando cera e cada pingo quando caía ficava aceso e
brilhando como uma outra vela. E tinha tantos pingos que o campo ficou todo
alumiado, claro como o dia.
[...]
Ora, um dia o estancieiro resolve ir até o formigueiro pra ver a calavera
do Negrinho. Mas quando chegou lá ficou de boca aberta com o que viu. [...] O
estancieiro perdeu a fala e ficou ali duro como uma estauta. (19-:491-494)
No trecho analisado, é possível encontrar vários pontos muito sugestivos que
indicam não apenas a presença de variantes não-padrão nas falas das personagens, mas
também a de alguns elementos da oralidade no texto escrito. Em primeiro lugar, o
próprio nome da personagem, Fandango, é de origem castelhana, o que remete à
presença da cultura espanhola no sul do Brasil. Tanto Toríbio Cambará quanto
Fandango misturam a e a pessoas do singular ao falar: tu conta é com a boca; tu
sabe; pois tu contou; essa é uma característica muito presente na fala dos gaúchos de
determinadas regiões do Rio Grande do Sul até os dias atuais, tanto das pessoas com
pouca educação formal quanto daquelas que tiveram possibilidade de estudar. Quando
Rodrigo Cambará diz Aquela que o Pedro aquentou no fogo... verificamos a presença de
uma relativa cortadora, fato extremamente comum na fala de grande parte da população
brasileira, mesmo daqueles que receberam uma educação formal sistemática – de acordo
com a gramática normativa, Rodrigo deveria ter dito aquela [história] em que o
Pedro..., ou então aquela [história] na qual o Pedro..., que ele se refere à história de
Pedro Malasartes. Na fala de Fandango, verificamos também uma forte presença de
castelhanismos, como mui, hombre, malo, muchacho, calavera, entonces; essa
característica se deve à forte presença dos espanhóis no território do atual Rio Grande
do Sul até meados do século XIX, e também pelo fato de esse estado fazer fronteiras
com dois países de fala espanhola, Uruguai e Argentina. Na fala de Fandango
verificamos também palavras que misturam o português e o espanhol, como
simbergüenza (provavelmente uma ‘castelhanização’ de sem-vergonha
sin+vergüenza), e desvios da ‘norma culta’ presentes em outras regiões do país, como
estauta, bem como o uso de regionalismos típicos do Rio Grande do Sul, como
guascaço (golpe dado com guasca ou relho) e sumanta de acordo com o dicionário
Michaelis, sumanta é uma palavra de origem castelhana que significa pancadaria, sova,
tunda (1998:1992). Quanto às marcas da oralidade na fala das personagens, elas podem
ser vistas em , interjeição que serve para mostrar espanto, e é típica da fala das
pessoas, dificilmente sendo encontrada na escrita; vai então (bem como vai entonces),
outro recurso muito comum na fala de quem está narrando algum acontecimento. O uso
dos parênteses para indicar uma digressão explicativa sobre o assunto que a pessoa vai
comentar é outro recurso da fala, pois muitas vezes, quando alguém começa a narrar um
acontecimento qualquer, se lembra de acrescentar posteriormente um detalhe que lhe
parece importante, e o faz por meio de digressões. Diz-que também é um recurso da
linguagem oral, usado para mostrar que o fato ao qual a pessoa vai se referir em seguida
não é documentado oficialmente, mas é de domínio popular; e o uso da onomatopéia
lept! para indicar o ruído feito pelo chicote enquanto o dono da estância castigava o
Negrinho do Pastoreio. Finalmente, temos a presença de aquentou e alumiado, formas
que, embora sejam dicionarizadas, não representam a variante mais aceita pela ‘norma
culta’ da língua portuguesa, respectivamente esquentou e iluminado. Verificamos então
que, sem se afastar em demasia da ‘norma culta’ da língua escrita, Érico Veríssimo usou
recursos bastante expressivos para criar a fala de suas personagens, dando-lhes uma
naturalidade que se aproxima bastante das situações vivenciadas no dia-a-dia das
pessoas.
Os últimos exemplos foram selecionados de três crônicas do escritor mineiro
Fernando Sabino (1923-2003). Uma das características da crônica é justamente tentar
refletir a respeito da sociedade brasileira, comentando assuntos atuais ou então fazendo
referências a fatos pontuais acontecidos nas mais diferentes regiões brasileiras. Pode-se
esperar de uma crônica, então, uma linguagem mais informal, mais próxima daquela
usada pelo povo no dia-a-dia, sem um grande apego às regras ditadas pela gramática
normativa, mas nem sempre isso ocorre, como veremos a seguir:
O engenheiro montou o teodolito e começou a marcar distâncias para
aquela nova estrada no interior de Minas. O matuto parou e ficou espiando.
– Sabe o que estou fazendo? – perguntou o engenheiro.
– Sei não senhor.
– Sou engenheiro: estou vendo por onde a nova estrada deverá passar.
O outro ousou comentar, humilde:
– Nós aqui não fazemos assim não senhor.
– Como é que vocês fazem?
– Quando a gente quer abrir um caminho, a gente solta na frente um burro
e vai atrás. Por onde o burro passar a gente faz o caminho passar também, que é
o lugar mais melhor de bom pra passar.
O engenheiro sorriu, superior:
– E se vocês não tiverem um burro?
O mineiro coçou a cabeça:
– Uai, se a gente não tem um burro, aí a gente usa um engenheiro
mesmo. (1990:86)
Nessa mini-crônica uma mescla de elementos formais e informais: em nós
aqui não fazemos assim, o aqui é usado para dar ênfase, algo pico da fala, pois o
uso do pronome nós já poderia indicar a referência à localidade em que o engenheiro e o
matuto se encontram; porém, para uma grande parte das pessoas, faz-se necessário o uso
de aqui para dar a idéia do lugar e tornar a referência mais concreta. Ao mesmo tempo,
o matuto usa uma perfeita concordância verbal, nós não fazemos, com o uso do
pronome nós no lugar de a gente, mais comum na linguagem oral. Em o lugar mais
melhor de bom temos uma construção também bastante comum, mais melhor, porque
aparentemente, para muitas pessoas, melhor não idéia de uma coisa superior a
outra assim como se diz mais forte, mais alto, por analogia as pessoas dizem mais
bom ou mais melhor, com o advérbio mais usado para dar idéia de intensidade ausente
em melhor; em mais melhor de bom, temos um exagero de intensificação que pode
corresponder a algo excelente, superior ao mais melhor; e finalmente, uai, exclamação
típica da região de Minas e característica da linguagem oral, sendo pouco usada na
linguagem escrita.
– A ponte caiu faz uns três anos explicou-nos uma velha coroca com um
sorriso desdentado. – O jeito é passar pelo rio ali em riba, na curva.
[...]
Foi quando surgiu na estrada um caminhão providencial. Dirigi-me ao
motorista, pedindo que nos rebocasse até a cidade. Ele acedeu, depois de certa
relutância:
Eu não queria sair pra fora nesse chuvão que tou de reumatismo, sou
muito sensives, resfrio atoinha, atoinha.
A chuva amainara quando fomos deixados à porta da oficina do mecânico.
De oficina, só tinha um pneu velho dependurado na porta.
– Alevanta.
Era o mecânico, na frente do carro, com ares de regente de orquestra:
com uma roupinha de brim muito limpa, um chapéu de explorador na cabeça, mais
parecia um criador de galinhas do que um entendedor de automóveis. Estávamos
perdidos. Ainda assim alevantamos, isto é, abrimos a tampa do motor para que ele
se curvasse como um veterinário e cutucasse as suas entranhas com um
pedacinho de taquara.
– Tá bão – concluiu, num sorriso beatífico.
– Como?
– O carro já tá bão. Pode tocar. (1986:64)
Mais uma vez, verificamos a presença de elementos da oralidade na crônica: em
riba, expressão geralmente associada aos habitantes de Minas Gerais e que, embora seja
dicionarizada, não costuma aparecer em textos escritos, nos quais a preferência por
em cima; as aféreses tou por estou e por está; o uso de pra no lugar de para; o
pleonasmo sair pra fora, algo extremamente comum na fala das pessoas que julgam
necessário acrescentar algum tipo complemento para o verbo sair; alterações na
ortografia e na pronúncia das palavras: sensives por sensível, e bão por bom; a alteração
ortográfica atoinha por à-toinha, e mesmo o uso dessa locução adverbial, mais típica da
linguagem oral que da escrita; e finalmente pode tocar, expressão popular usada para
indicar pode seguir em frente ou pode ir embora.
Quando chega a minha vez, imagine a minha aflição: meto a mão no
bolso e nada. Quede a carteira? No meio daquela empurração, me bateram a
carteira. Não tive dúvida: foi o carregador. Ele é que viu a maçaroca de dólar,
traveller’s cheque e o diabo a quatro que a gente carrega na carteira. (1991:25)
Este último exemplo, embora não se refira explicitamente a um
empregado ou pessoa com pouca instrução formal, mostra como o
escritor usa elementos da oralidade para criar a fala de uma personagem
que pertence a uma classe abonada, pois fica difícil imaginar uma pessoa
pertencente à classe mais pobre viajando para a Europa e carregando
uma carteira cheia de dólares e de traveller’s cheques. Em quede a
carteira? temos a expressão quede (forma popular de que é feito de),
pouco usada na linguagem escrita e que, assim como cadê, eram
consideradas formas ‘erradas’ do português até alguns anos atrás. O
diabo a quatro é uma expressão popular para indicar bagunça, desordem,
e também muito comum na linguagem oral; finalmente, em ele é que viu,
temos o uso da ênfase é que, de uso corrente na fala das pessoas, quer
elas tenham recebido educação formal ou não. Verificamos, então, a
presença de diversos elementos, principalmente da linguagem oral, que
conferem grande expressividade ao texto de Sabino. Segundo Luiz
Ruffato, Fernando Sabino “aproximou ainda mais a crônica da narrativa
de ficção, de tal maneira que em sua obra se confundem, enriquecendo-
se ambas.” (2006:53) Talvez essa proximidade seja em parte responsável
pela mescla informalidade/respeito às regras mais básicas da língua
portuguesa, que torna as crônicas de Sabino um texto escrito sem
grandes rupturas da norma e ao mesmo tempo com grande influência da
linguagem oral. E é essa mescla, em grande parte, responsável por
mudanças significativas na literatura brasileira, conforme atestou Dino
Preti:
A rigor, pode-se dizer que as grandes conquistas modernas, no plano
literário, têm procurado aproximar a língua literária da língua falada, no
sentido de descobrir-lhe valores expressivos e originais. Essa atitude
encontra em geral boa receptividade do leitor moderno. E, de certa maneira,
foi uma preocupação de alguns prosadores, praticamente em todos os
tempos, no plano do diálogo escrito... (1974:33-4)
A partir da análise de trechos selecionados de cinco autores
distintos, pertencentes a diferentes escolas literárias, e que escreveram
em um período de mais de cem anos, vemos que houve uma mudança na
forma como cada autor procurou representar os níveis de fala de suas
personagens. Partindo de uma adesão bastante grande às regras por
parte de Macedo, chegamos a um grau bastante significativo de
informalidade na obra de Sabino. Em nenhum dos autores consultados
pode ser verificada a presença maciça de desvios da norma, tanto no
campo sintático quanto no léxico ou fonológico, mas principalmente
Érico Veríssimo e Fernando Sabino, cujas carreiras de escritor
começaram depois da Semana de Arte Moderna de o Paulo em 1922,
souberam aproveitar (conscientemente ou não) recursos da linguagem
oral para a composição de suas personagens, criando momentos em que
a fala destas se aproxima bastante da linguagem oral que ouvimos nas
ruas todos os dias. Talvez uma das grandes conquistas do movimento
Modernista no Brasil tenha sido justamente essa mudança gradual
ocorrida na representação da fala das pessoas em textos literários,
favorecendo uma maior naturalidade na caracterização de personagens
na literatura do nosso século.
CAPÍTULO III – O dialeto de Yorkshire na literatura
I. Como o dialeto de Yorkshire é apresentado na literatura inglesa.
Deve ficar claro que este trabalho não é uma análise lingüística, científica, do
dialeto de Yorkshire. Conhecer suas características não facilita o trabalho de tradução
para o português, pois não existe uma correspondência entre dialetos de diferentes
línguas. A concepção da proposta de tradução o envolve noções como saber se os
habitantes de Yorkshire pronunciam as vogais longas do inglês standard como vogais
mais curtas, ou vice-versa; ou outras particularidades fonéticas ou fonológicas dessa
variante dialetal específica. Não é possível tentar reproduzir em português traços que
especificam o dialeto de Yorkshire; a proposta de tradução apresentada no capítulo IV
tem por fundamento encontrar uma forma de mostrar para o leitor brasileiro que existe
uma diferença entre a fala da personagem Joseph e a das demais personagens que usam
o inglês standard; essa diferença deverá ser mostrada levando-se em conta o sistema da
língua portuguesa falada no Brasil.
Nas literaturas canônicas, o uso dos dialetos não é freqüente, pois a própria
palavra literatura parece indicar ao menos no senso comum – um uso mais
sofisticado da língua; e os dialetos, sempre considerados formas inferiores à padrão, não
parecem se adequar à noção de ‘escrever bem’ definida por estudiosos e escritores
durante toda a história da literatura ocidental e que se transformou em um dos requisitos
básicos para a definição do que é ‘boa literatura’. A observação feita por Patrick Joyce
em O inglês do povo: língua e classe na Inglaterra (1840-1920) sobre o florescimento
de uma literatura escrita em dialeto na Inglaterra nos leva a pensar imediatamente em
algo regional, localizado, não com difusão nacional, muito menos internacional.
Entretanto, por mais que as referências a dialetos sejam escassas em obras
classificadas como parte do cânone mundial, o dialeto de Yorkshire aparece ao menos
duas vezes na literatura inglesa, sem contar O Morro dos Ventos Uivantes: uma
breve referência feita a ele em Pygmalion, de George Bernard Shaw; e ele aparece no
livro infantil The Secret Garden, da escritora Frances H. Burnett (embora sua
classificação como obra canônica possa gerar controvérsias, devemos lembrar que
existe um cânone da literatura infantil, e as obras de Frances H. Burnett nele figuram
muitos anos). As duas obras serão, portanto, usadas como referência para uma breve
análise sobre o papel do dialeto de Yorkshire na literatura inglesa, com o intuito de ver
de que maneira ele é apresentado em cada uma delas. Essa breve digressão poderá ser
útil para estabelecer uma comparação entre seu uso nas duas obras e em O Morro dos
Ventos Uivantes, comparação que poderá ajudar a compreender qual o papel
desempenhado pelo dialeto de Yorkshire na obra de Emily Brontë, e tecomo base
teórica as idéias defendidas por Anthony Pym em seu artigo Translating Linguistic
Variation:
It seems to me that in order to say something remotely intelligent about the
translation of variety, we would have to know what varieties are doing in cultural
products in the first place. Only then, within a general theory of this particular kind
of signification, could we pretend to legislate the pros and cons of translation.
37
Seguindo o raciocínio de Pym, o tradutor precisa ter uma idéia sobre o papel
desempenhado pelo dialeto de Yorkshire no romance para depois poder fazer sua
tradução. É chegado então o momento de ver what varieties (ou seja, o dialeto de
Yorkshire) are doing in cultural products (o romance O Morro dos Ventos Uivantes e
as outras duas obras nas quais o dialeto foi encontrado, Pygmalion e The Secret
Garden).
Pygmalion talvez seja a peça mais conhecida de Bernard Shaw, na qual ele faz
uma recriação do mito de Pigmalião e Galatéia, adaptando-o para a sociedade inglesa.
E, se no mito grego e em sua recriação por Ovídio a transformação de Galatéia se dava
por meio de poderes sobrenaturais, na peça de Shaw o poder transformador é
representado pela ciência; mais precisamente, pela Lingüística. De acordo com o
professor Higgins, um dos protagonistas da peça, a chave para o sucesso de uma pessoa
é falar bem, ou seja, dominar a norma culta do inglês e a pronúncia considerada
adequada, a RP. Em contraponto a falar bem, existe o desconhecimento das normas e da
pronúncia da língua, categoria na qual se incluem os dialetos regionais, o que leva o
professor Higgins a dizer, enquanto se vangloria ao Coronel Pickering de suas
habilidades de lingüista: “You can spot an Irishman or a Yorkshireman by his brogue. I
can place any man within six miles.” (1994:8) Segundo o American Heritage
Dictionary, brogue significa “A strong dialectal accent, especially a strong Irish accent”
(p. 241)
38
e acrescenta sobre a origem da palavra: “Probably from the brogues worn by
37
Parece-me que, para dizer algo remotamente inteligente a respeito da tradução da variedade, teríamos
de saber em primeiro lugar o que as variedades estão fazendo nos produtos culturais. Apenas então,
dentro de uma teoria geral desse tipo de significação, poderíamos pretender legislar sobre os prós e os
contras da tradução.
38
Um forte sotaque dialetal, especialmente um forte sotaque irlandês.
peasants”
39
neste caso, brogue é um tipo de sapato rústico usado por camponeses na
Irlanda. A origem da palavra, então, está relacionada às classes consideradas mais
baixas e mais incultas (camponeses), ligando a palavra brogue a uma pronúncia não-
aristocrática, popular, algo que não deve ser almejado por pessoas que desejem falar
bem o inglês. Ao se referir à possibilidade de ascensão social motivada pelo domínio da
norma culta da língua inglesa (pronúncia incluída), Shaw diz, no prólogo da peça:
“for the encouragement of people troubled with accents that cut them off from all the
high employment, I may add that the change wrought by Professor Higgins in the
flower-girl is neither impossible nor uncommon” (1994:xii)
40
, o que nos leva mais uma
vez a perceber quão desvalorizada é qualquer variante dialetal se comparada à norma
culta da língua a pessoa tem chances de ser bem-sucedida se abandonar a forma de
falar que possa qualificá-la como não pertencente às classes que tiveram acesso à
educação formal de qualidade (no contexto inglês, isso significa o circuito Oxford-
Cambridge). Críticos em geral se referem à peça como uma crítica de Shaw à sociedade
inglesa e ao valor excessivo dado à ‘boa’ pronúncia do inglês, principalmente na época
em que ela se situa; mas, quer a referência ao dialeto de Yorkshire seja realmente uma
crítica à pronúncia não standard do inglês, quer ela tenha sido utilizada por Shaw
justamente para criticar a parcela da sociedade inglesa que se julgava melhor que as
demais por saber falar bem, o fato é que existe uma menção ao dialeto de Yorkshire na
peça e que ela é usada pelo professor Higgins para estabelecer uma comparação entre o
modo ‘correto’ de falar, e o ‘incorreto’. A menção ao dialeto é, portanto, bastante
pejorativa, e mesmo o leitor sem o menor conhecimento relativo a questões lingüísticas
pode supor que as variantes não-padrão são desprezadas na Inglaterra com base na
referência feita a elas pela personagem Higgins durante a peça.
A segunda referência é encontrada no livro The Secret Garden, da escritora
inglesa Frances H. Burnett. Não há nesse livro menções a questões lingüísticas, e sequer
sabemos se Frances Burnett teve o mesmo cuidado tido por Emily Brontë na hora de
criar a fala de suas personagens. É possível mesmo imaginar que a variante dialetal
encontrada em The Secret Garden seja apenas uma criação literária sem nenhuma base
na realidade lingüística do condado de Yorkshire; por outro lado sabemos, devido aos
estudos realizados sobre o assunto, que Emily Brontë procurou mostrar a fala dos
39
Provavelmente tem sua origem nos brogues usados pelos camponeses.
40
Para encorajar as pessoas que têm problemas por causa do seu sotaque, que lhes nega acesso aos
melhores empregos, eu poderia acrescentar que a mudança operada pelo prof. Higgins na florista não é
impossível nem incomum.
habitantes de cidadezinha de Haworth tal como ela a ouvia na primeira metade do
século XIX. De qualquer maneira, alguns comentários serão feitos sobre o dialeto de
Yorkshire tal como ele é apresentado no livro, sem maiores questionamentos sobre sua
autenticidade (ou falta de), e focalizando basicamente as relações sociais existentes
entre os falantes do dialeto e os falantes do inglês standard.
Em The Secret Garden (traduzido para o português como O Jardim Secreto), o
ambiente do condado de Yorkshire e os falantes do dialeto são apresentados de uma
maneira bastante positiva, mesmo se considerarmos eventuais críticas a eles encontradas
no texto. Um exemplo dessa visão crítica pode ser visto na seguinte afirmação feita por
Mrs. Medlock, governanta de Misselthwaite Manor, a respeito de Susan Sowerby:
“Well, she's got a way of saying things [...] Sometimes I've said to her, ‘Eh! Susan, if
you was a different woman an' didn't talk such broad Yorkshire I've seen the times when
I should have said you was clever.’” (19-:204) Em um trecho tão pequeno dois
pontos dignos de menção: o primeiro deles é que a própria Mrs. Medlock é uma falante
do dialeto (e ao fazer essa afirmação ela está utilizando uma variante do inglês que, se
não pode ser classificada como dialeto de Yorkshire, tampouco pode ser qualificada
como ‘norma culta’ da ngua), mas apenas em ocasiões em que está sob o domínio de
uma forte emoção ou quando está sozinha e ninguém pode ouvi-la, usando o inglês
standard quando está na presença de outras pessoas; o segundo ponto é Mrs. Medlock
dizer que Mrs. Sowerby poderia ser considerada inteligente se não falasse o dialeto;
não obstante, todos na localidade reconhecem a bondade, a integridade e o bom-senso
de Susan Sowerby. Ao emitir tal juízo de valor a respeito desta, Mrs. Medlock revela
duas formas de preconceito lingüístico: o de julgá-la pela sua forma de falar e o de
considerar que um falante do dialeto não pode ser inteligente ou sensato por não
dominar a chamada ‘norma culta’.
Para Mary Lennox, protagonista da história, Yorkshire não é uma localidade
‘atrasada’ onde as pessoas falam ‘inglês errado’, mas sim, é o lugar onde ela vai
encontrar gente simples e boa que lhe dao carinho e a simpatia que ela não teve nem
mesmo da própria mãe enquanto vivia na Índia. Mary, talvez por ser criança, tem um
olhar menos crítico a respeito de Yorkshire e dos falantes do dialeto, e a opinião dos
adultos a esse respeito não vai fazer diferença para ela porque seu contato real com a
localidade se deu por meio de falantes do dialeto, Martha e Dickon, crianças como ela.
Pode-se dizer que temos em The Secret Garden uma visão bastante simplista da vida em
uma localidade mais isolada da Inglaterra: Yorkshire é um local rústico, habitado por
gente inculta (que não teve acesso à educação formal de qualidade) e cheia de bons
sentimentos, e no qual os valores positivos da vida ainda são preservados. Se
considerarmos que na literatura infantil do século XIX os argumentos discutidos nos
livros eram geralmente apresentados aos leitores de uma forma mais maniqueísta
(bem/mal; bom/ruim; branco/negro; sem as necessárias ‘zonas cinzentas’ que poderiam
mostrar às crianças que a ‘vida real’ não é constituída por apenas dois pólos opostos), a
preservação desses valores positivos encontrados em Yorkshire certamente não seria
possível em Londres ou qualquer outra grande metrópole européia do século XIX. E, o
ponto mais importante, é graças à bondade das pessoas de Yorkshire que Mary Lennox
e o menino Colin vão aprender a se tornar ‘seres humanos’, ou seja, crianças capazes de
sentimentos como amizade, respeito, honestidade, e de rir e de brincar como quaisquer
outras de sua idade. Temos, portanto, em The Secret Garden, uma visão idílica do
condado de Yorkshire, e as personagens do livro que falam o dialeto são a
personificação de sentimentos que estão aos poucos se perdendo na sociedade inglesa e
– talvez – até mesmo na européia.
Essa visão idílica certamente pode ter sido apreciada por crianças e adultos
desde a publicação do livro até nossos dias, mas ela está tão afastada da realidade
quanto as observações feitas pelo professor Higgins em Pygmalion. O condado de
Yorkshire não é reduto de gente inculta que fala o ‘inglês errado’ e precisa aprender a
falar bem para ter sucesso na vida; e nem é um pedacinho do paraíso preservado na
Inglaterra, onde crianças aprendem a viver em liberdade e felizes. Pode-se argumentar
também que Yorkshire não é exatamente a representação que dele fazem inúmeros
leitores de O Morro dos Ventos Uivantes, um lugar onde ‘paixões primitivas’ (acepção
muito do agrado de determinadas pessoas que insistem em ver o livro apenas como uma
‘linda história de amor’) florescem em meio à charneca e aos ventos tempestuosos. O
argumento que fundamenta este trabalho é que na obra de Emily Brontë encontramos
uma visão menos maniqueísta da região e dos falantes do dialeto: nela o temos nem a
crítica negativa da peça de Shaw nem a visão idílica do livro infantil de Frances H.
Burnett; é cabível afirmar que em O Morro dos Ventos Uivantes o dialeto é apresentado
como parte essencial da vida na localidade, ligado aos costumes das pessoas,
particularmente daquelas pertencentes a uma determinada classe social. Entre outros
aspectos, O Morro dos Ventos Uivantes é uma obra literária importante por mostrar
como as relações sociais entre as personagens podem ser estabelecidas por meio do uso
do dialeto.
Apesar das diferenças existentes entre The Secret Garden e O Morro dos Ventos
Uivantes, existem alguns pontos em comum entre os dois livros: em ambos o dialeto é
falado por pessoas das classes mais simples (empregados da casa, trabalhadores do
campo); os patrões usam o inglês standard. Martha é vista como ‘estranha’ e não é
considerada uma ‘boa empregada’ mesmo pelas criadas mais capacitadas: ela é tagarela,
não é bem treinada, e não sabe falar direito ou seja, ela é falante do dialeto. A
governanta uma empregada que está um pouco acima das demais procura sempre
mostrar que é uma mulher bem-educada, mas tem seus momentos de ‘lapso’, nos quais
passa a usar o dialeto ao conversar com determinadas personagens, ou quando está
falando sozinha. Ao conhecer Dickon, que usa continuamente o dialeto, Mary Lennox
não consegue entender o que ele diz; a observação é repetida depois por Colin, o que
mostra o distanciamento existente entre a propriedade senhorial e a realidade do local.
Essas características são encontradas também em O Morro dos Ventos Uivantes, pois
Edgar e Isabella Linton vivem isolados em Thrushcross Grange e não conhecem o
dialeto local; Catherine Linton cresce também isolada em Thrushcross Grange e sente
dificuldades para entender o que Hareton Earnshaw lhe diz por ocasião de sua primeira
visita a Wuthering Heights. Portanto, cada qual à sua maneira, os dois livros mostram a
seus leitores a distância que separava patrões e empregados na Inglaterra do século XIX,
não apenas no que diz respeito ao aspecto financeiro, mas também às boas maneiras,
entre as quais, o bom uso da língua padrão.
As formas dialetais encontradas em The Secret Garden são quase sempre
explicadas para os leitores; algumas vezes tais explicações se encontram entre
parênteses, outras vezes, não, mas é fácil perceber que elas têm um caráter bastante
didático, principalmente se considerarmos que o livro poderia ser lido não apenas na
Inglaterra, mas em outros países de fala inglesa, como Estados Unidos, Canadá,
Austrália, Nova Zelândia. E, um fato curioso, ao longo da narrativa de The Secret
Garden, as formas wutherin e wuthered aparecem algumas vezes (oito e três,
respectivamente), sempre entre aspas (para indicar que elas são palavras do dialeto, não
do inglês padrão), e, na primeira vez em que wutherin’ aparece, existe uma explicação
para o termo, obviamente com o intuito de torná-lo compreensível para os leitores de
toda a Inglaterra. Nem é preciso lembrar que o título em inglês de O Morro dos Ventos
Uivantes é Wuthering Heights, e que ao chegar à propriedade de mesmo nome,
Lockwood dá uma explicação sobre o ‘provincianismo’ wuthering, explicando seu
significado para os leitores do romance. Por outro lado, em O Morro dos Ventos
Uivantes não explicações para as formas dialetais encontradas ao longo da narrativa,
com duas únicas exceções: a que acabou de ser citada, e uma fala de Nelly Dean, em
que ela usa uma palavra do dialeto, dree, e explica seu significado para Lockwood.
Uma das diferenças mais significativas entre os dois livros é o tratamento dado
ao dialeto de Yorkshire pelas personagens pertencentes à classe mais alta. Em The
Secret Garden, Mary Lennox sobrinha do dono da mansão onde ela vai morar
aprende a falar o dialeto, e chega mesmo a dizer que o estudava como as pessoas
estudavam dialetos na Índia (19-:202), e faz isso para se aproximar ainda mais das
pessoas que lhe haviam dado amor e carinho, reforçando o já mencionado tom idílico do
livro. Em O Morro dos Ventos Uivantes, o leitor encontra uma situação completamente
diferente, e o dialeto e seus falantes não contam com a simpatia da maioria das
personagens. Se na primeira parte da narrativa quem fale o inglês padrão e ainda use
algumas formas dialetais – como os membros da família Earnshaw – na chamada
‘segunda geração’ o desprezo pelas formas não-padrão da língua pode ser visto de
maneira mais evidente. Catherine Linton e Linton Heathcliff não consideram Hareton
Earnshaw um igual, porque ele trabalha nos campos, é falante do dialeto de Yorkshire e
não sabe ler; temos então uma situação bastante diferente daquela encontrada em The
Secret Gardensai de cena o tom idílico da obra infantil, para dar lugar a um retrato da
sociedade inglesa mais próximo do que ela deveria ser na virada do culo XIX: uma
rígida divisão entre a gentry, proprietários de terras que tinham dinheiro e uma boa
posição social, e a população comum, que trabalhava nos campos e não tinha grandes
possibilidades de ascensão social.
O dialeto de Yorkshire usado por Emily Brontë sofreu alterações na segunda
edição do livro, em 1850. Essa edição, supervisionada por Charlotte Brontë, trazia
correções e alterações feitas por Charlotte com o intuito de tornar a obra mais legível
em outras regiões da Inglaterra. Porém, quando pensamos em ‘público leitor inglês’,
temos em mente algo vago, pois já naquela época a Inglaterra contava com alguns
milhões de habitantes, e não seria possível classificá-los todos em um único grupo
homogêneo de leitores com os mesmos interesses e a mesma escolaridade. Segundo
Irene Wiltshire em seu artigo Speech in Wuthering Heights: Joseph’s dialect and
Charlotte’s emendations, Charlotte Brontë, ao escrever para seu editor sobre os
“Southerns”
41
, tinha em mente não o público leitor comum, mas sim os escritores e
41
Carta de Charlotte Brontë a seu editor: “It seems to me advisable to modify the orthography of the old
servant Joseph’s speeches; for though as it stands it exactly renders the Yorkshire dialect to a Yorkshire
críticos com quem ela havia entrado em contato após a morte das irmãs. Charlotte
sempre quisera ser escritora; por vontade dela as três irmãs haviam decidido lançar o
volume de poemas, e, tendo conseguido obter sucesso literário ainda em vida, Charlotte
desejava que a obra de sua irmã recebesse a aprovação de seus amigos escritores e
críticos literários: Thackeray, Harriet Martineau, John Forster e Henry Chorley. E, como
diz Irene Wilshire, “They were influential people, at the heart of literary society; people
whose opinions might have an impact on the fate of her sister’s novel” (p. 27)
42
.
Portanto, as mudanças no texto feitas por Charlotte tinham um propósito mais elitista
que uma real preocupação com o ‘leitor anônimo’ que pudesse comprar o romance de
sua irmã. E, embora seja possível compreender os motivos que levaram Charlotte a ter
tal preocupação, não deixa de ser curioso o fato de o dialeto de Yorkshire, tal como
Emily o havia escrito (e muito bem, de acordo com estudos feitos a esse respeito no
século XX, como entre outros o de Petyt), fosse alterado visando facilitar a vida de
pessoas pertencentes à elite, falantes do inglês standard, dentro das melhores tradições
inglesas.
II. O dialeto de Yorkshire e o romance O Morro dos Ventos Uivantes.
Um estudo feito por K.M. Petyt, “Thou” and You” in “Wuthering Heights”,
mostra como é possível analisar as relações entre as personagens de O Morro dos
Ventos Uivantes por meio do uso que Emily Brontë faz do dialeto de Yorkshire.
Segundo esse estudo, havia um código de uso entre seus falantes que rapidamente
estabelecia não apenas as relações de poder entre as pessoas, mas também relações
sociais. Desse modo, ficamos sabendo que o pronome thou, forma corrente no dialeto,
jamais seria usado quando alguém fosse se dirigir a uma mulher, ou a uma pessoa que
tivesse alguma espécie de poder sobre o falante por exemplo, o patrão ou uma pessoa
mais velha. Esse código era conhecido dos falantes, mas pessoas estranhas à região,
como é o caso de Lockwood, certamente não compreenderiam tais sutilezas na fala dos
habitantes locais, deixando com isso de perceber nuanças importantes no
relacionamento existente entre as pessoas.
ear, yet I am sure Southerns must find it unintelligible; and thus one of the most graphic characters in the
book is lost on them.” (1990:262)
42
Eles eram pessoas influentes, que estavam no centro da sociedade literária, pessoas cujas opiniões
poderiam ter impacto no destino do romance de sua irmã.
Em O Morro dos Ventos Uivantes, o uso de thou é praticamente restrito a
personagens da família Earnshaw e Joseph. Ele também é usado pelo Reverendo Jabes
Branderham durante o pesadelo que Lockwood tem ao dormir no antigo quarto de
Catherine Earnshaw. As poucas falas dessa personagem não serão analisadas no
presente trabalho, pois o Reverendo Branderham está fazendo um sermão, e o uso do
pronome thou nesse contexto é diferente daquele que acontece no quotidiano das
pessoas. Temos então o pronome thou e suas formas correlatas thy e thee usadas por Mr.
Earnshaw, Hindley Earnshaw, Nelly Dean e Heathcliff, em diferentes contextos.
O velho Mr. Earnshaw tem pouquíssimas falas na narrativa, mas podemos ver
nelas o uso regular do pronome thou. Por exemplo, ao falar com a filha: “Nay, Cathy,
[…] I cannot love thee; thou’rt worse than thy brother. Go, say thy prayers, child, and
ask God’s pardon. I doubt whether thy mother and I must rue that we ever reared thee!”
(1998:37); e, pouco antes de morrer, ainda se dirigindo à filha, ele diz: “Why canst thou
not always be a good lass, Cathy?” (1998:37). Neste caso, o uso de thou se encaixa no
que Petyt diz ser uma relação de poder entre as personagens: o pai tem autoridade sobre
a filha, que é ainda uma criança; a esse aspecto também pode ser acrescentada a natural
afetividade que se supõe existir entre pais e filhos. Esse fato pode ser corroborado pela
resposta de Cathy, “Why cannot you always be a good man, father?” (1998:37) – apesar
de a resposta dela ser um pouco impertinente, ela se dirige ao pai usando o pronome
you, pois, como criança, ela não poderia usar thou sem quebrar o código de uso dos
falantes do dialeto.
Hindley Earnshaw, outra personagem que usa o pronome thou, também o faz em
ocasiões específicas, ou seja, quando fala com o filho. Apesar de demonstrar ter grande
amor pela esposa, Frances, ele se dirige a ela usando o pronome you, talvez pelo fato
de o código dos falantes do dialeto considerar o uso de thou em relação a uma mulher
como forma de desrespeito, mesmo que essa mulher fosse a esposa e que a relação entre
marido e mulher fosse de carinho e amor. Porém, ao falar com o filho, Hareton, Hindley
usa o pronome thou: “Unnatural cub, come hither! I’ll teach thee to impose on a good-
hearted, deluded father. [...] Well then, it is my darling! wisht, dry thy eyes there’s a
joy; kiss me. What! It won’t? Kiss me, Hareton! Damn thee, kiss me!” (1998:65).
Também neste caso, vemos a relação de poder entre pai e filho, permeada por um pouco
de afetividade doentia da parte de Hindley em relação a Hareton.
Nelly Dean usa o pronome thou apenas ao se dirigir a Hareton “God bless thee
darling! [...] Hareton, it’s Nelly! Nelly, thy nurse [...] I am come to see thy father,
Hareton” (1998:97). Neste caso, temos uma relação não tanto de poder (pessoa mais
velha/criança), como de afetividade, pois o envolvimento de Nelly com a família
Earnshaw era grande: como ela diz, “my mother had nursed Mr. Hindley Earnshaw”
(1998:30) e a própria Nelly criara Hareton até os cinco anos de idade como se fosse um
filho seu. Entretanto, ao perceber a reação negativa e violenta do menino, que tenta
atirar uma pedra nela, a atitude de Nelly é sugestiva ela continua o diálogo usando o
pronome you, sentindo talvez que entre ela e a criança não haveria nenhuma
possibilidade de entendimento ou de amizade: “Who has taught you those fine words,
my bairn? [...] Tell us where you got...” (1998:97). Por outro lado, o relacionamento de
Nelly com a jovem Catherine Linton é bastante diferente: apesar de tê-la criado como se
fosse uma filha, Nelly jamais se dirige a ela usando a forma thou, pois sua posição em
Thrushcross Grange é claramente a de uma empregada ela não tinha o mesmo tipo de
relacionamento prévio com Edgar Linton que lhe permitisse ter a liberdade de chamar a
pequena Catherine por thou. Ela se refere à menina como young mistress” (1998:214)
ou “little mistress” (1998:216), ou “sweet little mistress” (1998:250), ou apenas “Miss
(1998:168), e por mais que goste dela como se fosse uma filha, Nelly nunca poderia
esquecer sua posição subalterna em Thrushcross Grange.
A relação entre Joseph e Hareton é mostrada também por meio do uso do
pronome thou: “Hareton, thah willn’t sup thy porridge tuh neegth...” (1998:125) e
“Niver heed Hareton, lad dunnut be ‘feard he cannot get at thee!” (1998:221) O
primeiro exemplo mostra relação de Joseph com Hareton quando este ainda era criança,
o que justificaria perfeitamente o uso de thou (poder de uma pessoa mais velha sobre a
criança e afetividade); o segundo exemplo se refere a uma situação em que Hareton é
adulto, e Joseph continua a usar thou para falar com ele neste caso, o poder não conta,
e sim o afeto que Joseph poderia sentir pelo moço. Em outros momentos da narrativa,
vemos que Joseph não se refere a Catherine Earnshaw, quando esta era criança, ou
mesmo Nelly Dean e Catherine Linton, usando o pronome thou, por mais que ele as
desprezasse ou seja, ele respeita o código dos falantes do dialeto e se dirige a
mulheres usando you. Da mesma maneira, em todas as falas do velho Joseph pode-se
perceber que ele se dirige apenas a Hareton usando as formas thou, thee e thy apesar
de Hareton ser o legítimo herdeiro de Wuthering Heights, Joseph ajudou na sua criação
e a diferença de idade entre eles permitiria que Joseph usasse o thou sem incorrer em
falta de respeito, principalmente se pensarmos que Hareton não ocupava a posição que
lhe era devida dentro da propriedade. Mesmo a forma lad pode ser considerada como
uma evidência de que Joseph via o jovem Hareton como o menino que ele ajudara a
criar, e se pensarmos que ele sempre se referia a Hindley, pai de Hareton e antigo
proprietário de Wuthering Heights como Master Hindley
43
, temos a prova de que seu
relacionamento com Hareton envolvia uma certa afetividade que lhe permitia se dirigir
ao rapaz de uma forma que não seria considerada adequada em outras situações.
A outra personagem que faz uso constante do pronome thou é Hareton
Earnshaw, cuja história é bastante sugestiva: filho do dono da casa, legítimo herdeiro da
propriedade, ele é criado por Heathcliff, que o degrada sistematicamente, com o intuito
de se vingar de Hindley Earnshaw. Ele fala naturalmente o inglês padrão misturado com
o dialeto de Yorkshire, pois não recebe uma educação formal que lhe permitiria
aprender o inglês standard e comportar-se como um gentleman. Um primeiro exemplo
de seu comportamento pode ser visto quando Nelly Dean tenta visitar Wuthering
Heights para saber noticias de Hindley Earnshaw e Hareton lhe diz, “Damn the curate
and thee!” (1998:97) Hareton é ainda uma criança, e uma criança jamais poderia se
dirigir a uma pessoa de mais idade usando thou e suas formas correlatas thee e thy,
mesmo que essa pessoa fosse uma governanta como Nelly Dean. Com essa resposta,
Hareton mostra total falta de respeito para com a mulher que o criara, e de quem
aparentemente já não se lembrava.
Nos diálogos entre Hareton e Catherine Linton, ou Hareton e Linton Heathcliff,
podemos ver como o simples uso de um pronome pode indicar a posição de Hareton em
relação aos jovens primos ricos e bem-educados: desprezo e um desejo de afirmação
pessoal. Quando Catherine Linton chega pela primeira vez a Wuthering Heights e pensa
que Hareton Earnshaw é apenas um empregado da casa, ela se dirige a ele dando-lhe
ordens, como faria com um empregado de Thrushcross Grange. Entretanto, a resposta
dele não é a que se poderia esperar de um empregado subserviente e acostumado a
obedecer à patroa: “I’ll see thee damned before I be thy servant!” (1998:172) A resposta
dele é, por si só, bastante rude, e se encaixa no que poderíamos considerar como o nível
aparente de falta de maneiras, mas se conhecemos os tabus relativos ao uso de
pronomes entre os falantes do dialeto, verificamos que Hareton se dirige a Catherine
usando thou, o que representa uma quebra do código de conduta dos falantes do dialeto
e é o nível não-aparente de violência: Hareton é duplamente violento, pois se recusa a
43
Master era uma forma comum na Inglaterra até o começo do século XX para se referir a um menino,
especialmente para estabelecer uma diferença entre ele e o pai, quando a referência a eles fosse feita
usando o sobrenome, não o prenome. No caso da família Earnshaw, Mister Earnshaw seria o pai de
Hindley e Cathy, Master Earnshaw, o jovem Hindley.
desempenhar o papel de empregado, responde de maneira grosseira para Catherine, e
sua resposta inclui a referência a ela como thou, o que não seria admissível para um
homem de qualquer posição social e enfatiza não apenas o desprezo que ele sente por
ela, como também a raiva ao ser considerado como um simples empregado na casa onde
ele deveria ser o patrão. O mesmo ocorre quando ele lhe diz “Damned thou saucy
witch!” (1998:172) Temos a falta de respeito aparente o uso das palavras damned e
witch e a falta de respeito reconhecível por aqueles que falassem o dialeto a
forma thou.
Hareton usa a mesma forma de tratamento em relação ao jovem e mimado
Linton Heathcliff, por ocasião de uma visita de Catherine Linton a Wuthering Heights.
“Get to thy own room!” e “Take her there if she comes to see thee: thou shalln’t keep
me out of this. Begone, wi’ ye both!” (1998:221). Além dessas duas falas, há uma outra,
ainda mais significativa, em uma ocasião em que Linton Heathcliff e Catherine Linton
estão mostrando quanto desprezam Hareton por ele não ser instruído como um
gentleman, e este diz a Linton Heathcliff: “If thou wern’t more a lass than a lad, I’d fell
thee this minute, I would; pitiful lath of a crater!” (1998:194). Temos nesse exemplo
uma repetição precisa do padrão analisado acima, e que mostra o fato de Hareton
colocar Linton Heathcliff no mesmo nível de Catherine Linton uma pessoa não digna
de seu respeito. O nível aparente de desrespeito é facilmente percebido por qualquer
leitor a comparação que Hareton estabelece entre Linton e uma menina, dizendo que
ele era uma criatura fraca e desprezível, e o nível não-aparente, ou seja, o uso do thou.
Apesar de Hareton e Linton serem ambos moços, e de não existir um código de conduta
impedindo o uso de thou entre homens, a quebra do código pode ser vista no fato de
Hareton não ocupar a posição que lhe era devida na propriedade Wuthering Heights
considerado como um empregado da casa, ele não poderia usar a forma thou para se
dirigir a Linton Heathcliff, filho do ‘patrão’ como Heathcliff diz para Nelly Dean,
quando esta vai levar Linton até Wuthering Heights, “I've ordered Hareton to obey him:
and in fact I've arranged every thing with a view to preserve the superior and the
gentleman in him, above his associates...” (1998:184) Em relação a Linton Heathcliff,
Hareton é um empregado, e ainda que tal situação possa ser considerada discutível, pois
não é natural, e sim criada por Heathcliff como parte de sua vingança contra as famílias
Earnshaw e Linton, Hareton não poderia se dirigir a Linton usando as formas thou, thee
e thy se quisesse manter um nível mínimo de respeito para com o outro moço.
Um fato interessante pode ser observado na construção da personagem Hareton
Earnshaw, apesar de sua participação na história ser pequena: ele a princípio fala o
inglês padrão com uma forte influência do dialeto de Yorkshire, mas no final da
narrativa sua maneira de falar está mudando, pois ao apaixonar-se pela jovem
Catherine Heathcliff aceita estudar com esta e aprende a falar o inglês standard, fato
que se coaduna com a posição de herdeiro da propriedade Wuthering Heights e de
marido de Catherine e futuro patrão de Thrushcross Grange. Aos cinco anos de idade,
ao falar com Nelly Dean, ele diz: “I known’t: he pays Dad back what he gies to me – he
curses Daddy for cursing me – He says I mun do as I will.” (1998:98); já adulto, ao falar
com Linton Heathcliff, ele continua a usar formas dialetais: “Take her there if she
comes to see thee: thou shalln’t keep me out of this. Begone, wi’ ye both!” (1998:221).
Uma mudança pode ser vista quando ele conversa com Catherine Heathcliff depois da
morte de Linton Heathcliff: “‘I shall have naught to do wi' you, and your mucky pride,
and your damned, mocking tricks!’ he answered. ‘I’ll go to hell, body and soul, before I
look sideways after you again. Side out o’ t’ gait, now; this minute!’” (1998:278). Nessa
ocasião ele não usa o thou, indicativo de desrespeito, e embora não seja particularmente
educado ao falar com a prima, mostra uma mudança de ponto de vista em relação a
ela, usando o pronome you e com isso diminuindo o tom de descortesia de sua fala. Um
pouco mais adiante, quando Catherine Heathcliff tenta se aproximar dele, ele lhe diz:
“‘Nay! you'll be ashamed of me every day of your life,’ he answered. ‘And the more,
the more you know me, and I cannot bide it.’” (1998:280), continuando a usar o
pronome you para falar com ela. Com sua posição restaurada em Wuthering Heights
após a morte de Heathcliff e a conseqüente ascensão social, Hareton abandona o uso do
dialeto, e não poderá mais ser identificado como um falante de uma variante não-
padrão.
Finalmente, pode ser encontrada uma ocorrência do uso de thou dito por
Heathcliff, quando ele vê pela primeira vez o filho, Linton: “None of that nonsense!
We’re not going to hurt thee, Linton isn’t that thy name? Thou art thy mother’s child,
entirely! Where is my share in thee, puling chicken?” (1998:183). Heathcliff não é um
falante do dialeto de Yorkshire, nem mesmo quando era criança. Nelly Dean diz a
Lockwood que Heathcliff havia estudado: “…we had a curate then who made the living
answer by teaching the little Lintons and Earnshaws…” (1998:35) e In the first place,
he had, by that time, lost the benefit of his early education...” (1998:59-60). Embora o
primeiro comentário não inclua o nome de Heathcliff especificamente, o fato de o velho
Mr. Earnshaw ter decidido criá-lo como um filho nos leva a pensar que ele tinha suas
lições junto com Hindley e Cathy; essa hipótese é corroborada pela segunda afirmação
de Nelly e pelo comentário posterior desta, “He [Hindley] drove him [Heathcliff] from
their company to the servants, deprived him of the instructions of the curate...”
(1998:40). Portanto, Heathcliff recebeu o que se poderia considerar uma educação
regular, ao menos até a morte de Mr. Earnshaw; essa educação incluía o aprendizado do
inglês padrão. Não há na narrativa uma única menção às atividades de Heathcliff
durante o espaço de três anos compreendido entre sua fuga de Wuthering Heights e a
volta para o condado de Yorkshire, conforme pode ser visto na seguinte fala de Nelly
Dean: “I stated before that I didn’t know how he gained his money; neither am I aware
of the means he took to raise his mind from the savage ignorance into which it was
sunk...” (1998:80), mas o fato de ele voltar e procurar Catherine Linton em Thrushcross
Grange com o porte de um cavalheiro (cf. 1998:84-5) indica a possibilidade de ele ter
tido uma oportunidade de retomar o que havia aprendido na infância. Algumas vezes,
Heathcliff usa formas dialetais, como lass e lad, mas o uso de thou em uma situação tão
específica quanto seu primeiro encontro com o filho deve ter um motivo. Uma hipótese
é que Heathcliff, ao ver o filho tão parecido com a mãe e sem nenhuma semelhança
física consigo mesmo, e criado em Londres sem uma conexão com o condado de
Yorkshire, tenha usado o thou para acentuar ainda mais a distância existente entre o
menino doentio e delicado, a vida que ele havia tido com a mãe, e o ambiente no qual
ele passaria a viver – uma região mais inóspita da Inglaterra, e principalmente a
propriedade Wuthering Heights, onde moravam pessoas sem nenhuma sofisticação,
como Joseph e Hareton. Outra possibilidade, baseada no estudo feito por K.M. Petyt, é
que Heathcliff tenha usado o thou para estabelecer uma relação não de afetividade com
o filho, mas sim de autoridade e poder. As especulações quanto ao motivo que levaram-
no a usar uma forma dialetal ao falar com o filho não são conclusivas, nem são
indispensáveis neste trabalho, mas podem mostrar que o uso do dialeto de Yorkshire na
narrativa não está limitado apenas a uma forma de falar que foge da norma padrão do
inglês, e que um campo para especulações sobre esse assunto que ainda não foi
totalmente explorado.
O uso de thou, thee, thy é característico do norte da Inglaterra até os dias atuais,
embora com uma freqüência menor que no século XIX, devido às alterações sofridas
pela sociedade e a expansão dos meios de comunicação, que ajudam a difundir a forma
padrão da língua com maior rapidez. Considerando a análise feita sobre o uso dessas
formas e o papel que elas desempenham na narrativa, é fácil considerar que elas causam
um problema para o tradutor quando este for realizar seu trabalho. A tradutora italiana
colocou a seguinte explicação sobre a solução encontrada por ela para esse problema:
Mi sono invece valsa della posibilità di rendere sia con il “voi” che con il tu”
l’inglese you per sottolineare la differenza, molto marcata nel romanzo, tra gli
Earnshaw, campagnoli, semplici, vicini alla natura e lontani dal “mondo”, e i Linton,
“cittadini”, raffinati, lontani dalla natura e legati al “mondo”; così, per fare un solo
esempio, Catherine, che del tu a Heathcliff e al fratello, del voi al marito,
Edgar Linton, per sottolineare il passaggio da una “civiltà” all’altra avvenuto con il
suo matrimonio. Si intende che ho sempre lasciato il “tu” quando l’autrice ricorreva
al non consueto thou”, vale a dire, quasi esclusivamente, quando il vecchio
Earnshaw si rivolge ai figli. (2006:2)
44
Essa afirmativa da tradutora deixa um espaço aberto para questionamentos: em
primeiro lugar, classificar os Earnshaws como gente próxima à natureza e afastada do
‘mundo’ e os Lintons como pessoas refinadas, distantes da natureza e ligadas ao
‘mundo’ é uma maneira um tanto simplista de analisar as personagens do romance, pois
essa definição parece afastar os Lintons completamente da realidade local, colocando-os
mais próximos de uma civilização urbana, e isolando os Earnshaw do que se poderia
chamar de ‘mundo exterior’, o que está longe de ser a realidade. Conforme observou
Terry Eagleton,
The Lintons, who are the largest capitalist landowners in the district, literally draw
their culture from Nature, in the sense of living by exploiting the land and those who
labour on it. The fatal blindspot of this kind of culture, however, is that it refuses to
acknowledge its dependency on Nature, and imagines itself instead to be an
autonomous sphere. The cosy, well-appointed drawing-room of the Grange is the
product of material labour, but at the same time shuts that labour out. The Heights,
by contrast, is home to that peculiarly English class, the yeomanry, meaning those
minor gentlemen who work their own land. It is thus closer to the realities of Nature
and labour than Thrushcross Grange, as well as in general a more egalitarian,
rough-and-ready place where you eat in the kitchen rather than in the dining room,
and where the lines between master and servant (is Hareton a servant or not?) are
more blurred than among the Lintons. (2005:138)
45
44
Pelo contrário, recorri à possibilidade de traduzir ora com o “vós” ora com o “tu” o inglês you para
estabelecer a diferença, muito marcada no romance, entre os Earnshaw, camponeses, simples, próximos
da natureza e afastados do “mundo” e os Linton, “citadinos”, refinados, afastados da natureza e ligados ao
“mundo”; portanto, para dar um único exemplo, Catherine, que trata o irmão e Heathcliff por tu, trata
Edgar Linton, seu marido, por vós, para sublinhar a passagem de uma “civilidade” a outra decorrente de
seu casamento. Deve-se entender que sempre deixei fiz uso do “tuquando a autora recorria ao pouco
comum “thou”, ou seja, quase exclusivamente quando o velho Earnshaw se dirige aos filhos.
45
Os Linton, que são os maiores proprietários capitalistas de terras no distrito, literalmente retiram sua
cultura da Natureza, no sentido de viverem da exploração da terra e daqueles que nela trabalham. O ponto
fraco fatal desse tipo de cultura, entretanto, é que ela se recusa a reconhecer sua dependência da Natureza,
e se imagina pelo contrário como uma esfera autônoma. A aconchegante e bem arrumada sala de visitas
da Granja é o produto do trabalho material, mas ao mesmo tempo exclui esse trabalho. Em contraste, o
Morro é o lar daquela classe tipicamente inglesa, o pequeno proprietário rural, ou seja, aquele gentleman
Certamente existe uma diferença entre os Lintons e os Earnshaws os primeiros
são gentry, vivem exclusivamente da renda obtida pela exploração de seu campo pelos
camponeses locais, e não se envolvem com nenhum tipo de trabalho braçal; já os
Earnshaw têm uma participação mais ativa na produção agrícola, mas também têm
arrendatários que trabalham para eles. Esse fato pode ser atestado em ao menos duas
ocasiões na narrativa que Nelly faz para Lockwood: “Joseph remained to hector over
tenants and labourers…” (1998:58) e “The villagers affirmed Mr. Heathcliff was near,
and a cruel hard landlord to his tenants…” (1998:174). Ao mesmo tempo, Nelly Dean
conta que ajudava a fazer feno quando Hareton nasceu (cf. 1998:56) e Hareton
trabalhava regularmente nos campos. A posição de superioridade dos Linton na
comunidade e não apenas em relação aos Earnshaw dificilmente será contestada;
uma confirmação para essa distinção entre eles e as demais famílias locais pode ser vista
também no fato de o velho Mr. Linton ser o magistrado local
46
; posição assumida por
Edgar após a morte do pai e abandonada com a morte de Cathy. Mesmo levando esses
fatos em consideração, não se deve perder de vista que Wuthering Heights é uma
propriedade importante da localidade, bem como os Earnshaw podem ser considerados
como a segunda família mais importante: se Cathy Earnshaw não tivesse uma posição
social bem estabelecida, os Lintons não a teriam recebido em casa quando ela foi pega
espiando pela janela com Heathcliff (cf. 1998:44) e não teriam cuidado dela, dando-lhe
roupas e atenção. Heathcliff, apesar de ter sido criado pelo velho Earnshaw, não recebe
o mesmo tipo de tratamento, ele não tinha uma posição social definida que lhe
permitisse ser bem recebido pelos Lintons. Pode-se também acrescentar que, caso Cathy
fosse uma moça de família simples pertencente a uma classe muito mais baixa que a dos
Lintons, dificilmente Edgar se casaria com ela sem a objeção dos pais, pois na Inglaterra
do fim do século XVIII uma mésalliance não seria bem recebida por uma família mais
tradicional como a deles. Por outro lado, quando Isabella foge para se casar com
Heathcliff, ela imediatamente decreta seu banimento da sociedade na qual vivera
confortavelmente até então, pois seu casamento é uma mésalliance: além da fuga, um
não tão importante que trabalha sua própria terra. Então, o Morro está mais próximo da realidade da
Natureza e do trabalho que a Granja da Cruz do Tordo, bem como de modo geral é um local mais
igualitário e rústico onde vocome na cozinha e não na sala de jantar, e onde as linhas divisórias entre
patrão e empregado (Hareton é um empregado ou não?) são mais difíceis de discernir que entre os Linton.
46
Na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, um magistrate era definido como: A civil officer with power to
administer and enforce law, as: a. a local member of the judiciary having limited jurisdiction, especially
in criminal cases. b. a minor official, such as a justice of the peace, having administrative and limited
judicial authority. (1996:1080)
fator por si causador de escândalo e de desonra, seu marido é um homem que não
tem nome, nem família, nem passado.
Para finalizar, é possível também dizer que o espaço geográfico onde se insere a
narrativa é bastante limitado uma pequena comunidade isolada de um condado no
norte da Inglaterra e que a posição de superioridade ocupada pelos Linton nessa
comunidade não lhes garante um lugar de destaque fora desse local, o que seria a
ligação deles com o mundo exterior de que fala a tradutora italiana. Essa rápida análise
mostra que a diferença entre as duas famílias não uma base suficiente para que a
tradutora sustente sua posição. A tradução do pronome inglês you por tu ou vós é ditada
principalmente por uma análise subjetiva de qualquer tradutor, não por indicações
claramente dadas no texto inglês no que diz respeito ao relacionamento entre membros
das famílias Earnshaw, Linton e Heathcliff.
Em países onde as diferenças existentes entre tratamento formal/informal são
mais rígidas, como é o caso da Itália (e também da França, da Espanha, da Alemanha e
da Rússia), a questão da tradução de you por tu ou vós é baseada na interpretação que o
tradutor faz do texto original, pois o pronome you é usado indistintamente em situações
formais e informais, a diferença entre estas sendo marcada pelo uso do sobrenome, ou
de sir ou madam. Na tradução francesa de Jacques e Yolande de Lacretelle, o you é
traduzido sistematicamente por vous, ficando o tu restrito ao relacionamento entre Cathy
e Hindley Earnshaw; entre Hindley Earnshaw e Heathcliff quando crianças; entre o
velho Earnshaw e seus filhos; entre Edgar Linton e sua filha Catherine, e entre Hareton
Earnshaw e Linton Heathcliff e Catherine Linton – uma apreciação subjetiva do tradutor
ditando as normas para o estabelecimento do grau de intimidade e de afeto (ou falta de
respeito) entre as personagens. Na tradução argentina de Haydée N. Fryn, you é
traduzido ora por usted, ora por , de acordo com o tipo de relacionamento entre as
personagens. Catherine Earnshaw trata Nelly Dean, Heathcliff e o marido por ,
enquanto Edgar Linton trata Nelly Dean por usted. Heathcliff trata sempre Nelly Dean
por , mas esta o trata por quando criança e por usted quando ele volta a Wuthering
Heights, adulto. Na tradução espanhola, Cathy trata o marido e Nelly Dean por ;
esta trata Heathcliff por na infância e por usted quando ele volta a Wuthering
Heights, Edgar Linton, seu patrão, é tratado por usted, mas Edgar a trata por . E,
apesar de dizer que Hindley Earnshaw havia sido seu irmão de leite, Nelly o trata por
usted, quando ele volta para casa depois da morte do pai.
Na edição alemã de O Morro dos Ventos Uivantes, encontramos uma nota sobre
os problemas apresentados pela tradução de you por Du ou Sie e as escolhas do tradutor:
Jeder Übersetzer aus dem Englischen sieht sich vor die Frage gestellt, wie er
“you” wiedergeben soll, da es sowohl die Höflichkeitsform “Sie” als auch das
verwandtschaflich-freundschaliche “du” bzw. “ihr” beinhaltet. Da ihm die Sprache
die Lösung nicht vorgibt, ist er gezwungen, eigene Entscheidungen zu treffen, die
von der Zeit der Handlung des Romans sowie vom Kontext, den sozialen
Beziehungen und Standorten der Personen, abgeleitet sein müssen. Doch auch
diese Forderung kann nur einen allgemeinen Rahmen vorgeben, in dem manche
Entscheidungen angreifbar bleiben und bleibenssen. Grundlage für unsere
jeweilige Entscheidung für “Sie” oder du” war 1. die Notwendigkeit, der mit heute
nicht mehr zu vergleichenden Förmlichkeit in den zwischenmenschlichen
Beziehungen des ausgehenden 18. und beginnenden 19. Jh.s (wenn sich etwa
Eheleute wie die alten Lintons mit “Sie” ansprechen) Rechnung zu tragen ohne
dabei jedoch das Befremden des heutigen deutschsprachigen Lesers zu wecken
und damit die Lesbarkeit zu beeinträchtigen; und 2. die Möglichkeit, durch die
Differenzierung in “Sie” und “du die
jeweiligen Beziehungen der Personen
zueinander deutlicher herauszustellen: So ist z.B. das Verhältnis von Catherine,
Hindley und Heathcliff zu Nelly, die praktisch mit ihnen aufgewachsen ist, ein
anderes als von Isabella und Edgar Linton zu der Haushälterin Ellen; abenso sind
Beziehungen zu berücksichtigen, die eine Entwicklung durchmachen, in deren
Verlauf das “Sie” vom “du” abgelöst wird. (2006:428)
47
Conforme pode ser observado, as escolhas feitas pela tradutora alemã foram
também baseadas em critérios subjetivos e não lingüísticos. Dizer que optar por um
tratamento mais formal entre determinadas personagens poderia prejudicar a fluência da
leitura não é algo que possa ser estabelecido com precisão depende do tipo de leitor
(fluente ou não), do seu interesse pela narrativa, das circunstancias em que ele está
lendo determinado romance ou conto. Se o tradutor deve considerar o contexto histórico
e social da obra com a qual está trabalhando para optar entre uma forma de tratamento
mais ou menos formal, é possível argumentar que também o leitor pode ter
conhecimento sobre o período retratado na obra literária, ou sobre a corrente literária a
que ela pertence, e neste caso a escolha de Du ou Sie não prejudicaria sua leitura, pois
47
Cada tradutor do inglês se pergunta como deve reproduzir “you” para que seja
mantido não apenas o tratamento formal “Sie”, mas também o familiar-amigável “due
“ihr” respectivamente. É imprescindível que o tradutor faça suas escolhas levando em
conta época e contexto da publicação do romance e a posição, tanto social quanto
espacial, das personagens. Certamente, esses requisitos podem dar somente um quadro
geral. Algumas escolhas serão vulneráveis, mas necessárias. As razões para nossa
escolha entre “Sie” ou du” foram: 1. Levando em conta que atualmente não exista um
tratamento de tal formalidade nas relações pessoais como
aquele no final do séc. XVIII e
início do XIX (ex. casais mais velhos como os Lintons), que causaria estranheza nos
leitores alemães e com isso afetando a fluência da leitura; 2. A possibilidade por meio da
diferenciação entre Sie” e “du”, respectivamente, de estabelecer claramente a relação
entre as personagens. Assim é, por exemplo, o relacionamento de Catherine, Hindley e
Heathcliff com Nelly, os quais praticamente cresceram juntos; e de Isabella e Edgar
Linton com a empregada Ellen. Os relacionamentos a serem considerados evoluem, em
cujo curso “Sie” e “du” alternam-se. (tradução de Célia Prado)
estaríamos pensando em um leitor fluente, capaz de superar prováveis obstáculos
surgidos durante a leitura. Mais ainda, se considerarmos que uma das muitas funções da
literatura é a de despertar a curiosidade nas pessoas, levá-las a ter contato com outras
culturas diferentes daquelas em que elas vivem, o sentimento de estranheza causado
pela presença de um tratamento mais formal entre certas personagens do romance
poderia ser visto como algo positivo, que levaria o leitor a ir além de uma mera leitura
passiva e refletir – ou pesquisar – sobre aquilo que ele havia lido.
A partir dessa rápida análise, verificamos que as decisões tomadas pela tradutora
alemã tiveram por base um pré-julgamento do que pode ser o leitor alemão, como se
fosse possível transformar centenas ou milhares de leitores potenciais da tradução de O
Morro dos Ventos Uivantes em um grupo homogêneo; a opinião dela tem pontos em
comum com o ponto de vista exposto pela tradutora italiana em sua observação sobre o
problema de traduzir o pronome you para o italiano. O mesmo ocorre com os demais
tradutores, que optaram por um tratamento formal ou informal entre as diversas
personagens de acordo com suas concepções particulares de como poderia se dar o
relacionamento entre elas. Mais uma vez, vale a pena lembrar que são diferentes
interpretações dadas por distintos tradutores sobre um mesmo tema, para o qual não se
pode dizer que há uma solução única e definitiva.
No Brasil, a situação é igualmente delicada, apesar de as convenções sociais não
serem tão rígidas quanto na França, Itália ou Espanha, pois o tradutor tem a opção de
escolher entre você e senhor/senhora. Com a exceção de Oscar Mendes, que preferiu o
uso, em determinadas ocasiões, da segunda pessoa do singular para sua tradução, os
demais tradutores optaram de maneira mais ou menos sistemática por você, deixando o
uso de senhor/senhora para ocasiões muito específicas por exemplo, quando Nelly
Dean fala com Lockwood, ou mesmo quando ela conversa com Edgar Linton.
O ponto mais importante relacionado ao uso que Emily Brontë fez dos pronomes
you e thou é que ele serve para assinalar não a diferença entre as famílias Earnshaw e
Linton uma ligada à natureza, a outra, ao mundo exterior mas sim que conflitos
entre as personagens são mostrados através da linguagem, mas de um modo tão sutil,
que poucos leitores se dão conta desse fato durante a leitura do livro. Apenas com um
estudo mais sistematizado da linguagem usada por Emily Brontë é que podemos
perceber como esse conflito se expressa no presente trabalho, foram escolhidos os
termos nível aparente e nível não-aparente de violência, querendo com isso especificar
as instâncias em que o leitor percebe claramente a falta de respeito entre as personagens
ou aquele perceptível apenas para aqueles que dominassem os códigos de fala dos
falantes do dialeto de Yorkshire, segundo os exemplos analisados acima.
III. O dialeto de Yorkshire nas traduções de Wuthering Heights.
Esta parte da dissertação tem por objetivo analisar especificamente como o
dialeto de Yorkshire é apresentado nas traduções brasileiras de O Morro dos Ventos
Uivantes. Para tanto, foram escolhidas três traduções: de Rachel de Queiroz (1947), de
David Jardim Jr. (1963) e de Renata Maria Parreira Cordeiro e Eliane Gurjão Silveira
Alambert (2005). O critério para a escolha se deve unicamente a uma questão temporal,
pois a tradução de Rachel de Queiroz é provavelmente a primeira lançada no Brasil (a
edição do Clube do Livro não traz data, e torna-se difícil estabelecer qual das duas é a
mais antiga); a de Renata Cordeiro e Eliane Alambert é a mais recente, e a de David
Jardim Jr. situa-se entre as duas. Em alguns casos serão analisados exemplos de outras
traduções, identificadas por meio da data de lançamento no país. No apêndice podem
ser encontradas análises mais detalhadas das demais traduções brasileiras, bem como
das traduções em línguas estrangeiras consultadas para a elaboração desta dissertação. O
dicionário usado para consulta e que aparece como referência é sempre o Dicionário
Michaelis.
Wuthering Heights é uma obra que apresenta dificuldades para o tradutor mesmo
em uma questão aparentemente tão simples quanto seu título. Como wuthering é um
léxico pertencente à norma não-padrão do inglês, o tradutor, caso desejasse manter em
seu trabalho a referência ao dialeto usado pela autora em sua obra, precisaria encontrar
na sua ngua materna um correspondente para tal expressão, mesmo se não fosse uma
forma dialetal, mas que pelo menos transmitisse para os leitores a idéia sugerida pelo
nome uma localidade alta, exposta à força da natureza, neste caso representada pelo
vento que sopra com violência. Em relação às traduções consultadas para este trabalho,
é possível observar que ‘encontrar um nome’ para a obra em português não foi uma
tarefa das mais fáceis: na edição de 1947, traduzida por Rachel de Queiroz, o título é O
Morro do Vento Uivante. De acordo com a observação feita pela tradutora,
O título desta tradução O MORRO DO VENTO UIVANTE devem-no a tradutora e
os editores à preciosa trouvaille literária de Tasso da Silveira, no seu poema
”Balada de Emily Brontë”, publicado no livro “As imagens acesas” em 1928. Muito
gratos ficamos ao ilustre poeta por nos haver permitido usá-lo, certos de que outra
versão mais feliz não existe para o WUTHERING HEIGHTS original. (1947:iv)
48
Partindo dessa informação, é possível constatar que não foi dada uma atenção
especial para a forma dialetal wuthering encontrada no original inglês, e que o tulo da
obra em português não se originou de uma tentativa da tradutora de encontrar uma
palavra ou expressão na língua portuguesa que pudesse mostrar ao leitor a característica
do original, mas sim que ele se deve a um poema escrito por um poeta modernista
brasileiro cuja inspiração se deve à leitura da obra de Emily Brontë. Nas reimpressões
subseqüentes da tradução de Rachel de Queiroz, bem como em todas as demais
encontradas, se encontra o título pelo qual a obra é conhecida no Brasil até os dias
atuais, O Morro dos Ventos Uivantes, sem que fosse possível encontrar em qualquer
outra edição uma explicação para a mudança ainda que pequena encontrada no
título. Quanto às demais traduções em língua estrangeira consultadas para a
apresentação deste trabalho, foi possível observar que o título do romance suscitou até
mesmo problemas referentes a questões de direitos autorais: na França, existem ao
menos três traduções do romance, e uma delas teve seu título registrado pelo autor,
Frédéric Delebecque, Les Hauts de Hurlevent, e os demais tradutores não puderam usá-
lo para novas traduções da mesma obra. As outras edições têm tulos ligeiramente
semelhantes, como Hurlevent des Monts, ou a que foi consultada para este trabalho,
Hurlevent, cujo título original era Haute-plainte (publicada em 1937). Em Portugal
ocorreu o mesmo fato: um tradutor registrou como propriedade sua o título dado por ele
à versão portuguesa do romance, impossibilitando seu uso por outros tradutores e
fazendo com que o romance seja conhecido por diferentes nomes no país. uma nota
explicativa a esse respeito na tradução consultada para este trabalho, O Monte dos
Vendavais:
Este livro foi publicado em Portugal por diversas editoras, sempre sob a
designação de O Monte dos Vendavais. A autora deu a este romance o titulo
Wuthering Heights. “Wuther” é uma variação dialectal de “Whither” (Barulho que o
vento faz nas folhas das árvores). Nas edições em língua francesa foi esse titulo
traduzido por Les Hauts de Hurlevent e na italiana por Cime Tempestuosi (sic).
Deste livro foi extraído um filme, exibido em Portugal, também com o título O
Monte dos Vendavais. Justificar-se-ia, portanto, utilizar também para esta edição o
título consagrado junto do público. Porém, porque, quando da primitiva edição em
língua portuguesa, foi esse título registrado, vimo-nos na impossibilidade de o
utilizar na nossa edição. Entre não publicarmos a obra e publicá-la com um título
ligeiramente diferente do consagrado em Portugal, optámos pela segunda
48
O poema pode ser visto no Apêndice deste trabalho.
hipótese. Cremos, contudo, que este pormenor não irá desagradar aos leitores,
tanto mais que a designação que lhe demos se aproxima mais tanto do original
inglês como da tradução francesa. Desejamos, pois, que fique bem claro no seu
espírito, caro leitor, que este livro que vai ler sob o título O Monte dos Ventos
Uivantes é a versão integral da obra de Emily Brontë, Wuthering Heights, que
tanta aceitação teve junto do público sob o título O Monte dos Vendavais. (s/d:6)
Os problemas relacionados a formas dialetais presentes na narrativa se tornam
ainda mais evidentes nas primeiras páginas do livro. No texto original, é dada uma
explicação para o nome da propriedade onde vive Heathcliff: “Wuthering Heights is the
name of Mr. Heathcliff’s dwelling. ‘Wuthering’ being a significant provincial adjective,
descriptive of the atmospheric tumult to which its station is exposed in stormy weather.”
(1998:2). Nas traduções consultadas, nem sempre tal explicação, com a referência à
forma dialetal wuthering, pode ser encontrada, como por exemplo:
Monte dos Vendavais é o nome da residência do Sr. Heathcliff (e é bem significativo do
tumulto atmosférico a que ela está exposta quando há temporal). (s/d:8)
Wuthering Heights (Cumes Tempestuosos) é o nome da moradia de Mr. Heathcliff e
deriva do tumulto atmosférico a que está exposta, pela sua localização, nos dias de borrasca.
(1958:6, vol. I)
Morro dos Ventos Uivantes é o nome da mansão do senhor Heathcliff. Na verdade, a
ventilação deve ser constante ali... (1963:10)
A Tempestuosa é nome da residência do senhor Heathcliff: e origina-se da agitação
atmosférica a que o lugar está sujeito durante o mau tempo. (1967:6)
A propriedade do Sr. Heathcliff chama-se, adequadamente, Morro dos Ventos
Uivantes, pois está situada num alto exposto às ventanias. (1971:22)
No caso da edição portuguesa, a explicação para o termo wuthering é dada na
nota do editor, como foi mencionado acima; na tradução de Celestino da Silveira foi
criado um nome para a propriedade Wuthering Heights, “A Tempestuosa”, que não tem
nenhuma ligação com o título do livro. Durante toda a narrativa, as referências feitas à
propriedade Wuthering Heights aparecem sempre sob o nome A Tempestuosa, e o leitor
que a tradução fica sem saber por que o livro tem o título O Morro dos Ventos
Uivantes, se não é feita nenhuma menção a tal expressão em suas mais de 300 páginas.
na tradução de Octavio Mendes Cajado, uma explicação “Wuthering Heights
(Cumes Tempestuosos)...”, mas, outra vez, o título do livro não tem a menor relação
com a casa onde Lockwood conhece Heathcliff, e durante toda a narrativa as referências
feitas à propriedade aparecem com o nome em inglês. A tradução feita por Vera
Pedroso editada pelo Círculo do Livro, é diferente da edição de 1971: “A propriedade
do Sr. Heathcliff chama-se, adequadamente, Wuthering Heights...” (198-:20), e nesse
momento uma nota de rodapé feita pelo editor explicando que O Morro dos Ventos
Uivantes é a tradução para o nome Wuthering Heights. Na tradução italiana a referência
ao dialeto é mantida: “L’abitazione del signor Heathcliff è chiamata Wuthering Heights;
Wuthering è un termine dialettale assai espressivo del tumulto atmosferico al quale la
sua posizione espone senza dubbio la casa nei giorni di tempesta.” (2006:4), porém,
durante a narrativa todas as referências à propriedade são feitas pelo nome inglês,
Wuthering Heights; e novamente o leitor pode ficar sem saber por que o romance tem o
título Cime Tempestose se não uma única menção a tal expressão na tradução inteira.
Analisando as diferentes traduções consultadas, observamos que uma das inúmeras
referências ao dialeto de Yorkshire presentes no texto em inglês é deixada de lado em
um dos aspectos mais importantes da obra, o nome da propriedade onde Catherine
Earnshaw e Heathcliff viveram sua infância e adolescência, e que serve de título ao
livro.
A falta de atenção dada ao dialeto de Yorkshire aparece em outros trechos da
obra. No cap. XIII, Isabella Linton faz uma breve referência ao dialeto na carta que
escreveu para Nelly Dean contando-lhe sua chegada em Wuthering Heights. Ela diz que
viu Hareton Earnshaw pela primeira vez e, tentando conquistar a simpatia do menino,
procura conversar com ele: “I approached, and, attempting to take his chubby fist, said –
‘How do you do, my dear?He replied in a jargon I did not comprehend.” (1998:121,
meu itálico) Hareton Earnshaw é um falante do dialeto de Yorkshire, o que levou
Isabella Linton a não compreender a resposta dada por ele. O American Heritage
Dictionary traz as seguintes definições para a palavra jargon: 1. Nonsensical,
incoherent, or meaningless talk. 2. A hybrid language or dialect; a pidgin. 3. The
specialized or technical language of a trade, profession, or similar group. (1996:964).
Das três definições oferecidas pelo dicionário, a que nos interessa é a segunda,
“A hybrid language or dialect; a pidgin”, pois ela se encaixa no contexto em que
Hareton Earnshaw se encontra. Entretanto, as traduções para essa frase são:
O menino respondeu num dialeto que não entendi. (1947:129)
Ele replicou num jargão que não compreendi. (1963:137)
Replicou num jargão que não entendi. (2005:158)
Em relação às traduções em português, apenas a de Rachel de Queiroz (1947)
traz a palavra dialeto; as outras oferecem alternativas que não são adequadas ao
contexto em que se encontram. O termo jargão
49
não pode ser aplicado ao dialeto de
Yorkshire, pois este não é um dialeto exótico (qualquer que seja a acepção de exótico
dada pelo autor do verbete), tampouco é uma mistura de línguas, como uma língua
franca; não é peculiar a uma classe ou profissão, e nem é calão
50
. Um dialeto não é uma
linguagem especial usada por grupos como estudantes, médicos, sapateiros, ou pessoas
de hábitos duvidosos; tampouco é uma linguagem disforme ou incompreensível.
Embora possa ser argumentado que para o leitor leigo a terminologia usada na tradução
não faz muita diferença, o tradutor, como leitor especializado que deve ser, não poderia
perder de vista tais sutilezas.
Mais uma referência ao dialeto de Yorkshire pode ser encontrada na narrativa
que Catherine Linton faz para Nelly Dean de suas idas a Wuthering Heights. Relatando
uma conversa entre ela e Hareton Earnshaw, Catherine diz: “He answered in his vulgar
accent” (1998:219). As traduções consultadas trazem as seguintes opções para tal frase:
E ele respondeu com aquele sotaque de gente baixa (1947:229)
Ele respondeu com sua pronúncia vulgar que... (1963:242)
Respondeu-me com o seu sotaque vulgar... (2005:263)
De acordo com o American Heritage Dictionary, em inglês, a palavra “vulgar”
tem os seguintes significados: 1. Of, or associated with the great masses of people;
common; 2. Spoken by or expressed in language spoken by the common people;
vernacular; 3.a. Deficient in taste, delicacy, or refinement; b. Marked by a lack of good
breeding; c. Offensively excessive in self-display or expenditure, ostentatious; 4.
Crudely indecent. Além das definições, o dicionário traz o seguinte apêndice ao verbete:
Ironically, the word vulgar is itself an example of pejoration, the process by which
the semantic status of a word changes for the worse over a period of time. The
ancestor of vulgar, the Latin word vulgāris (from vulgus, the common people”),
meant “of or belonging to the common people, everyday”, as well as “belonging to
49
Jargão: 1. Linguagem ininteligível ou sem sentido; 2. Língua ou dialeto exóticos que não se entendem;
3. língua ou dialeto híbridos, oriundos de uma mistura de línguas, tal como uma língua franca; 4.
Fraseologia peculiar a qualquer classe, profissão, etc.; 5. Calão, gíria. (1998:1198)
50
Calão: Linguagem especial, peculiar a ciganos, fadistas, larápios, vadios, etc. (1998:390)
or associated with the lower orders”. Vulgāris also meant “ordinary”, “common” (of
vocabulary, for example), and “shared by all”. (1996:2005).
51
As definições que nos interessam para a palavra vulgar são as de número 1 e 2,
of, or associated with the great masses of people; common; e spoken by or expressed in
language spoken by the common people; vernacular, pois elas se encaixam no contexto
em que Hareton Earnshaw se encontra – uma pessoa que não recebeu educação formal e
que usa uma variante do inglês geralmente reconhecida como ‘inferior’ para se
comunicar com outras pessoas. Analisando os exemplos citados, vemos que Rachel de
Queiroz encontrou uma solução que se afasta do texto original, pois a expressão gente
baixa pode ser relacionada ao caráter moral da pessoa, caso ela esteja envolvida em
atividades ilícitas o que não é o caso de Hareton Earnshaw –; e a alternativa proposta
por David Jardim Jr, pronúncia vulgar também apresenta um problema: a pronúncia
está ligada ao modo como cada pessoa articula as palavras, não tendo relação com seu
sotaque, que é uma forma de falar mais ligada a uma região ou a uma cidade de um país.
A tradução para He answered in his vulgar accent poderia ter sido feita simplesmente
como Ele respondeu com seu sotaque vulgar, pois em português, assim como em inglês,
a palavra vulgar está relacionada à língua falada pelo povo (cf. Dicionário Michaelis,
pág. 2220).
Outro ponto digno de nota é o diálogo travado entre Catherine Linton, Linton
Heathcliff e Hareton Earnshaw no cap. XXI, no qual podemos ver que não apenas as
referências ao fato de Hareton ser um falante do dialeto de Yorkshire e ao próprio
condado de Yorkshire são, algumas vezes, apagadas das traduções
‘It’s some damnable writing,’ he answered. ‘I cannot read it.’
‘Can’t read it?’ cried Catherine; ‘I can read it: it’s English. But I want to
know why it is there.’
Linton giggled – the first appearance of mirth he had exhibited.
‘He does not know his letters,’ he said to his cousin. ‘Could you believe in
the existence of such a colossal dunce?
[…]
‘There’s nothing the matter, but laziness, is there, Earnshaw?’ he said. My
cousin fancies you are an idiot. There you experience the consequence of scorning
“book-larning”, as you would say. Have you noticed, Catherine, his frightful
Yorkshire pronunciation?’ (1998:194)
51
Ironicamente, a palavra vulgar é ela própria um exemplo de pejoração, o processo pelo qual o status
semântico de uma palavra muda para pior no decorrer de um período de tempo. O ancestral de vulgar, a
palavra latina vulgāris (de vulgus, “as pessoas comuns”), significava “de ou pertencente às pessoas
comuns, quotidiano”, bem como “pertencente ou ligado às classes mais baixas”. Vulgāris também
significava “corriqueiro”, “comum” (a respeito de vocabulário, por exemplo), e “partilhado por todos”.
As traduções do trecho acima são as seguintes:
– São os diabos de umas letras, respondeu. Não sei ler o que dizem.
Não sabe ler essas letras? bradou Catherine. Pois eu sei: é inglês. O
que desejo saber é por que estão aí.
Linton riu: era a primeira demonstração de alegria que dava.
Ele não conhece nem as letras do A.B.C., falou para a prima. viu
sujeito mais ignorante?
[...]
Nada; o que ele tem é preguiça. Não é, Earnshaw? Minha prima es
pensando que você é cretino. Veja quais são as conseqüências do seu desprezo
por “lição de livros”. Já reparou, Catherine, como é horrível esse sotaque do
Yorkshire que ele tem? (1947:203-4)
– Está escrito – É alguma maldita inscrição – respondeu – Não posso ler.
Não pode ler? indagou Catherine. Eu posso; é inglês. Mas não sei
por que está ali.
Lintou deu uma risada, sua primeira manifestação de alegria.
Ele não sabe ler disse a sua prima. Concebe a existência de tal
ignorante?
[...]
Não nada além de preguiça, não é, Earnshaw? disse. Minha
prima está pensando que você é idiota. estão as conseqüências de sua
zombaria ao estudo. Já notou a horrível pronúncia dele, Catherine? (1963:215)
– É uma escrita dos infernos – respondeu. – Não consigo lê-la.
Não consegue lê-la? exclamou Catherine. Eu consigo lê-la. Está em
inglês. Mas eu gostaria de saber por que está aí.
Linton riu – a primeira manifestação de alegria que exibiu.
Ele não sabe ler disse à prima. Acredita que possa existir tamanho
estúpido?
[...]
– É tão-só preguiça, não é Earnshaw? – disse. – A minha prima o julga um
idiota. Eis a conseqüência do seu desdém pela “estudação nos livros”, como você
mesmo diz. Reparou, Catherine, no seu horrível sotaque do Yorkshire? (2005:235)
Em um trecho curto do romance encontramos dois pontos que devem ser
estudados: a presença de uma forma não pertencente ao inglês padrão, book-larning,
usada por Hareton Earnshaw e aqui citada por Linton Heathcliff; e a referência ao
frightful Yorkshire accent, que engloba tanto a pronúncia característica dos falantes do
dialeto como a menção à própria localidade onde transcorre a narrativa. Em primeiro
lugar, vemos que não foi feita nenhuma tentativa de reproduzir a fala de Hareton
Earnshaw nas traduções em português, a não ser na tradução feita por Renata Cordeiro e
Eliane Alambert que a palavra estudação não é dicionarizada e pode dar ao leitor a
idéia de que Hareton não é um falante do inglês padrão.
O adjetivo frightful, usado para designar o modo como Hareton Earnshaw
falava, foi traduzido por horrível, escolha compatível com o original inglês. Porém, a
referência à localidade o condado de Yorkshire foi deixada de lado na tradução de
David Jardim Jr. Pode ser possível inferir dessa omissão que a localidade onde ocorre a
ação do livro não é importante para os leitores Yorkshire é um condado no norte da
Inglaterra, e não há uma referência cultural ou geográfica significativa que possa torná-
lo conhecido para o leitor brasileiro. A omissão, desse modo, é ‘justificada’, pois
aparentemente tradutor e editores parecem pensar que nada se perdeu quando o leitor
não é informado sobre detalhes a respeito da região onde se situa a narrativa, o que
importa é a ação, não seu cenário e seu ambiente social e geográfico. Porém, esse tipo
de informação não deveria ser suprimido, pois sua omissão ajuda a descaracterizar
mesmo que de uma maneira ínfima – o texto original; e sem a menção direta ao condado
de Yorkshire o leitor brasileiro perde uma referência sobre a diversidade cultural e
lingüística da Inglaterra.
Finalmente, encontramos uma última referência pequena, mas significativa
ao dialeto de Yorkshire na narrativa. Ao conversar com Nelly Dean, Lockwood lhe diz:
“Excepting a few provincialisms of slight consequence, you have no marks of the
manners that I am habituated to consider as peculiar to your class. I am sure you have
thought a great deal more than the generality of servants think.” (1998:55) Lockwood é
uma pessoa estranha à região e seu modo de vida. É possível perceber que ele reage de
uma maneira bastante convencional ao se deparar com a realidade de Yorkshire e de
seus habitantes além de estranhar os costumes e o relacionamento dos habitantes de
Wuthering Heights, ele demonstra ter idéias preconcebidas em relação à atitude e à fala
das pessoas a quem ele considera como ‘inferiores’. Sua afirmativa nos mostra que ao
chegar à região de Yorkshire, ele tem suas próprias noções de como uma governanta
deveria se portar e falar, e também tem a reação de superioridade de quem domina a
norma culta e não usa expressões de pouco prestígio os provincialisms. O fato de
Nelly Dean não se ‘encaixar’ em suas noções de comportamento próprias para
empregados causa uma certa impressão nele e, mesmo se pensarmos em toda a carga de
preconceito embutida em seu comentário, ele pode ser tomado como um elogio que
Lockwood quis fazer a Nelly Dean – um cumprimento por ela ter ‘escapado’ da situação
em que ele esperava encontrá-la, ou seja, falando uma língua inferior que não era a
mesma usada pelas pessoas cultas que ele conhecia em Londres ou outras localidades
inglesas. As poucas formas dialetais usadas por Nelly Dean não ‘atrapalham’ sua
narrativa, e mesmo que Lockwood não as compreenda bem, ou mesmo que, ao ouvir o
relato de Nelly ele não perceba as sutilezas implicadas no uso do dialeto de Yorkshire,
ele continua com sua sensação de superioridade inabalável, pois ele tem a consciência
de que fala a variante ‘correta’ do inglês padrão.
IV. Formas dialetais presentes na narrativa
As formas dialetais não estão presentes apenas nas falas das personagens; elas
podem ser encontradas ao longo de toda a narrativa, e também foram ignoradas pelos
tradutores, que usaram sempre formas da chamada ‘norma culta’ para traduzi-las. Nesta
parte do trabalho, serão analisadas algumas dessas variantes dialetais; no apêndice
poderão ser encontradas outras ocorrências de formas pertencentes ao dialeto de
Yorkshire presentes na narrativa, e suas respectivas traduções. Uma particularidade
interessante das traduções é que elas, muitas vezes, além de ignorar as variantes
dialetais presentes na narrativa, também omitem o fato de que tais variantes foram ditas
por Joseph, diminuindo com isso a presença da personagem na narrativa.
No cap. IX uma breve referência a uma canção que Nelly Dean
canta para embalar Hareton Earnshaw: “It was far in the night, and the
bairnies grat,/The mither beneath the mools heard that.” (1998:67). De
acordo com o comentário feito por Ian Jack no artigo Novels and those
‘Necessary Evils’: Annotating the Brontës, “...it is interesting that it comes
from a translation of a Danish ballad given by Scott in a note to The Lady
of the Lake. The Brontë’s mother, like Hareton’s, died and was laid
‘beneath the mools’ while they were still young.” (1982:331)
52
Nesta
canção, existem algumas formas dialetais: de acordo com o OED, grat é o
past tense do verbo to greet, cuja definição é a seguinte: greet. Now only
Sc. and north. dial. intr. To weep, cry, lament, grieve. (1989:821,v.VI);
mither é uma variante dialetal da palavra mother, usada principalmente na
Escócia (1989:1121, v.IX), e mool tem por definição: Sc. and north. dial. 1.
mould; earth; soil; also in pl. ‘dry earth in a pulverized state; earth for
working’ (Eng. Dial. Dict.); a small lump or clod of earth. 2. The soil for a
grave; the grave. (1989:1049, v.IX). Essa canção nem sempre consta das
traduções, como pode ser visto nos seguintes exemplos:
“Fiquei embalando Hareton e cantarolando, quando Miss Cathy, que ouvira a
gritaria de seu quarto, enfiou a cabeça na porta e sussurou” (1963:79);
“Fui para a cozinha e sentei-me a ninar o meu pequenino.” (1971:100).
Na tradução feita por Octavio Mendes Cajado, a canção é deixada
em inglês, sem notas de rodapé ou do tradutor que pudessem dar algum
tipo de explicação sobre a cantiga para o leitor. Outro fato muito
52
...é interessante o fato de ela provir de uma tradução de uma balada dinamarquesa apresentada por Scott
em uma nota de The Lady of the Lake. A mãe das Brontë, bem como a de Hareton, morreu e foi enterrada
‘beneath the mools’ enquanto elas ainda eram crianças.
interessante relativo a essa cantiga é que, quando traduzida, a presença
de quatro formas dialetais (bairnies, grat, mither, mool) foi ignorada pelos
tradutores, alterando seu sentido: na tradução feita por Oscar Mendes, ela
foi traduzida por, provavelmente, uma canção popular brasileira, sem
nenhuma relação com o texto original: “Chô, chô, pavão/Sai de cima do
telhado/Deixa o menino dormir/Seu soninho sossegado” (1980:76) essa
mesma canção pode ser encontrada na tradução de Silvana Laplace
(2002). Na tradução feita por Rachel de Queiroz em 1947, a cantiga foi
deixada em inglês, e uma nota de rodapé com uma tradução; na
reimpressão de 1995, foi colocada a tradução que anteriormente figurava
como nota de rodapé, e o texto em inglês foi retirado: “Já tarde da noite, o
neném chorava,/E o sapo no brejo bem que escutava...” (1995:72). Na
tradução de Vera Pedrosa editada pelo Círculo do Livro, a tradução da
cantiga, “Era tarde da noite, e o bebê chorou,/E o sapo na lagoa bem que
escutou” (198-:94), o que parece mostrar que houve pelo menos uma
revisão feita no período compreendido entre a primeira tradução (1971) e
a segunda, da década de 1980. José Maria Machado também optou por
uma alternativa bastante parecida com a tradução de Rachel de Queiroz:
“Era tarde da noite e o nenê chorava/E o sapo no brejo bem que
escutava...” (19-:94, vol. I). A tradução de Celestino da Silva apresenta a
seguinte alternativa: “A noite está escura; chora o nenezinho/Porque está
com medo daquele ratinho...” (1967:90); e na tradução de Renata Cordeiro
e Eliane Alambert, encontramos: “Sob o assoalho, os ratos escutavam/Na
alta noite os nenês que choravam...” (2005:102). Três exceções são
encontradas na tradução italiana de Anna Luisa Zazo: “La notte era
profonda piangevano i bambini/Sepolta sotto terra la madre udì quel
pianto” (2006:81); na tradução alemã, “Die Kinder schrien, ’s war spät in
der Nacht,/Im Grab hört’s die Mutter und is erwacht” (As crianças gritam,
era tarde da noite/No túmulo a mãe ouve e desperta
53
) e na tradução
russa, Расплакались дети в полуночной мгле,/А мать это слышит в
могильной земле”, ou seja, “Choravam as crianças na noite enevoada/E
a mãe ouviu isso sob a terra do túmulo”. Dentre as traduções
consultadas, essas foram as únicas que mantiveram a referência à mãe
morta que ouvia o bebê chorar, enquanto nas outras traduções ‘mither’ e
‘mools’ foram traduzidos por ‘sapo’, ‘rato’, ‘lagoa’ e ‘brejo’.
Outro exemplo que será analisado é a seguinte fala de Hareton Earnshaw: “If
thou wern’t more a lass than a lad, I’d fell thee this minute, I would; pitiful lath of a
crater!” (1998:194). Essa frase dita só é bem compreendida se pensarmos em na posição
de Hareton Earnshaw dentro da narrativa: herdeiro legítimo da propriedade, foi criado
por Heathcliff para ser um empregado dentro de sua própria casa. Jovem forte, robusto,
acostumado a trabalhar nos campos, e considerando Heathcliff como um pai, ele se
ressente com a chegada de Linton, menino de saúde fraca mimado pela mãe, e cujos
hábitos não correspondem ao modo de viver dos habitantes de Wuthering Heights. Ao
notar a preferência que Catherine Linton mostra pelo primo, tendo já sido maltratado
53
Tradução de Célia Prado.
por ela por ocasião da primeira visita dela à propriedade, Hareton não hesita em
expressar seu desprezo por Linton dizendo que ele era more a lass than a lad,
possivelmente tendo a si mesmo como parâmetro de comparação para estabelecer a
diferença entre Linton e as pessoas ‘normais’ ou seja, saudáveis e trabalhadoras. Para
os falantes do dialeto de Yorkshire, as palavras lass e lad são de uso corrente, não
contendo um sentido pejorativo específico que lhes pudesse ser associado mesmo em
uma situação como essa em que Hareton falou com Linton Heathcliff. Se Hareton
falasse o inglês standard, ele diria: “If you weren’t more a girl than a boy, I’d fell you
this minute, I would; pitiful weak creature!”
Porém, se não em lass e lad uma carga de preconceito visível, e o desprezo
sentido por Hareton é mostrado não pelo uso dessas duas palavras específicas, mas sim
pelo sentido geral da frase, bem como o contexto em que ela foi dita, vemos que as
escolhas feitas pelos tradutores não mostram essa mesma característica do texto
original. Deve também ser salientado o fato de que nessa frase são encontradas formas
dialetais além de lass e lad: crater e lath cuja definição é dada por Ian Jack em suas
notas a Wuthering Heights: a weakling (1998:314). Lad não pode ser considerada uma
forma exclusiva do dialeto de Yorkshire; entretanto, ela não faz parte da norma
considerada padrão da ngua inglesa, pertencendo a diversas variantes dialetais faladas
na Inglaterra. As formas citadas deveriam ser traduzidas com o propósito de mostrar ao
leitor o fato de Hareton Earnshaw não falar o inglês standard. Porém, as traduções para
tal fala são as seguintes:
Se tu fosses um homem, e não um maricas, eu te tapava a boca agora mesmo, seu
magricela! (1947:204);
Se tu não fosses mais um menino do que um rapaz, eu te derrubaria agora mesmo,
seu magrelo! (1963:216);
Se você fosse rapaz em vez de mocinha, acabaria com você agora mesmo, acabaria
sim, aborto desprezível! (2005:235)
Maricas normalmente designa um homem (ou moço) de conduta ou hábitos
efeminados, muitas vezes mesmo uma pessoa do sexo masculino com clara tendência
homossexual. Em “Se fosses um homem e não um maricas”, temos o contraponto entre
homem (força, virilidade) e maricas (seu oposto, fraqueza e hábitos efeminados). A
opção feita por Eliane Alembert, ‘rapaz’ e ‘mocinha’, embora não traga a mesma
conotação que podemos encontrar em ‘maricas’, ainda transmite um pouco a idéia de
um preconceito de Hareton em relação a Linton Heathcliff maior que a do texto
original. Já a tradução “Se tu não fosses mais um menino do que um rapaz” é um pouco
vaga, pois implica uma distinção entre esses dois termos muitas vezes difícil de ser
estabelecida, mesmo para os falantes da chamada ‘norma culta’ do português
podemos pensar em uma diferença de idade entre menino e rapaz, mas esse é um
critério subjetivo que depende da apreciação individual de cada pessoa, e não de
convenções sociais difundidas há muito tempo.
A distância entre texto original e escolhas dos tradutores pode ser vista com mais
propriedade nas traduções de ‘pitiful lath of a crater’. Conforme disse Ian Jack, lath
significa weakling, ou seja, uma pessoa cuja constituição física é frágil, descrição
perfeitamente adequada a Linton Heathcliff. Entretanto, muito mais importante é a
presença de pitiful, cujas definições são: 1. Inspiring or deserving pity; 2. arousing
contemptuous pity, as through ineptitude or inadequacy (1996:1380). Esse adjetivo,
ignorado em todas as traduções, é a palavra usada por Hareton Earnshaw que mostra
com muita força o desprezo que ele sente por Linton Heathcliff. Os tradutores deram
grande ênfase à tradução de lass e lad e aparentemente não perceberam a importância de
pitiful nesse contexto. As alternativas encontradas para pitiful lath of a crater são:
magricela, magrelo e aborto desprezível. Magricela e magrelo não servem
necessariamente para indicar fraqueza física ou doença, mas sim que a pessoa pode ser
magra demais, de uma magreza que vai além dos parâmetros considerados ‘normais’
para a beleza física em uma determinada época. Aborto pode ser usado em sentido
figurativo para indicar uma pessoa com deformidade física grande; ou portadora de um
problema mental ou, em determinados casos, alguém cuja maldade seja extrema –
nenhuma das alternativas se aplica a Linton Heathcliff. Portanto, vemos que, de uma
maneira ou outra, as traduções se afastam bastante do texto inglês, tirando da fala de
Hareton Earnshaw as características que indicam o fato de ele ser um falante do dialeto
de Yorkshire e desviando o foco de agressividade de suas palavras – no original,
indicado pelo uso de thou e pitiful, e nas traduções, por termos como aborto desprezível,
maricas e magrelo.
Girned é a forma passada do verbo to girn. De acordo com a definição do OED,
girn significa: 1. To show the teeth in rage, pain, disappointment, etc.; to snarl as a dog,
to complain persistently; to be fretful or peevish. Now only north. and Sc. c. trans. To
utter in a snarling tone. (1989:530, v. VI). Esse verbo ocorre em apenas uma ocasião, na
narrativa que Isabella Linton faz para Nelly Dean de sua vida em Wuthering Heights:
“Isabella, let me in, or I’ll make you repent!” he ‘girned’, as Joseph calls it.”
(1998:156). As traduções para essa frase são:
Isabella, deixe-me entrar, ou hei de fazê-la arrepender-se disso! rosnou ele.
(1947:164)
Isabela, deixe-me entrar, ou se arrependerá advertiu ele, enquanto Joseph gritava.
(1963:175)
Isabella, deixe-me entrar, ou vou fazê-la arrepender-se rosnou ele, como diria
Joseph. (2005:195)
Neste caso, não apenas verificamos que as traduções não procuraram mostrar a
presença da forma dialetal encontrada no texto original, mas também a menção a Joseph
é eliminada do texto, tirando toda a conexão do dialeto de Yorkshire com a narrativa.
Em um caso, a tradução de David Jardim Jr., temos não a omissão, mas a introdução de
Joseph como participante ativo da cena: “Isabela, deixe-me entrar, ou se arrependerá
advertiu ele, enquanto Joseph gritava (meu itálico), o que também descaracteriza o
texto original.
também uma ocorrência de gaumless na narrativa: “Did I ever look so
stupid: so ‘gaumless’, as Joseph calls it?” (1998:193) A definição dada pelo OED para
gaumless é: dial. var.
GORMLESS
a. (1989:404,v.VI) Quanto a gormless: a. Wanting
sense or discernment. (1989:695,v.VI). As traduções para essa fala de Heathcliff são:
Será que me mostrava tão estúpido, tão ‘pateta’, como diz Joseph? (1947:202)
Será que eu parecia tão estúpido assim? (1963: 214)
Eu era assim tão estúpido, tão ‘atoleimado’, como diz Joseph? (2005:234)
Nessa fala, Heathcliff cita uma expressão dialetal usada por Joseph, mas vemos
que na tradução de David Jardim Jr. (1963) o nome de Joseph sequer é citado. Temos
não apenas a omissão do dialeto, como a referência a Joseph, mais uma vez diminuindo
a participação e a importância da personagem na narrativa.
Outro aspecto interessante pode ser encontrado em um ‘conserto’ da fala de
Joseph: “Weel done, Miss Cathy! Weel done, Miss Cathy!” (1998:127), cujas traduções
são:
Bonito, Isabel! Bonito, Miss Isabel! (19-:172, vol. I)
Bem feito, Miss Cathy! Bem feito, Miss Cathy! (1947:135)
Bem feito, Miss Cathy, bem feito, Miss Cathy! (1958:1958:164, vol. I)
Bem feito, Miss Cathy! Bem feito, Miss Cathy!” (1963:144)
Ah, ah, bem feito, senhora! [...] Bem feito, senhora! (1967:168)
Com efeito, Srta. Linton! Com efeito, Srta. Linton! (1980:135-6)
Oh! Oh! exclamou José. Com efeito, Srta. Linton! Com efeito, Srta. Linton!
(2002:125)
Bem feito, Srta. Cathy! Bem feito, Srta. Cathy! (2005:164)
Bonito! (s/d:112)
Nesse caso, alguns tradutores tentaram ‘consertar’ o ‘erro’ cometido por Joseph,
que falou com Isabella Linton chamando-a de ‘Miss Cathy’. Porém, nessa situação
específica, como salienta Ian Jack, “Joseph is either ironically congratulating Catherine
on helping to bring this situation about, or suggesting that Isabella is becoming as
difficult as Catherine often is” (1998:312)
54
Não se trata de um ‘erro’ assim como ele é
entendido normalmente, como um erro de impressão ou mesmo um lapso do autor, algo
que os tradutores possam consertar com o intuito de ‘ajudar’ o leitor a compreender a
obra, mas sim, de uma alteração do texto original que nada acrescenta à tradução, além
de diminuir uma vez mais o papel da personagem Joseph dentro da narrativa.
Finalmente, a expressão “mim”, que foi traduzida de diferentes maneiras, ora
como interjeição, ora como advérbio, quando na verdade, segundo o DED, é um
adjetivo usado por falantes de algumas variantes dialetais da Inglaterra: mim. adj. and v.
Sc. Irel. Nhb. Dur. Yks. Oxf. Brks. e.An. Cor. 1. adj. Prim, demure; affectedly modest
or shy; prudish; primly silent or reticent. (1900:114, v. IV) “Mim! mim! mim! Did iver
Christian body hear aught like it? Mincing un' munching! How can I tell whet ye say?”
(1998:121) As traduções para a fala de Joseph são:
Ora, ora, ora! Cristão algum ouviu uma coisa dessas? Engole tudo que fala! Nem sei
que é que está dizendo! (1947:129)
Ora esta, que modos de falar! Como é que vou entender o que a senhora está
dizendo? (1963:138)
Calma, calma! Isso é modo de falar de um cristão? Se come todas as palavras, como
posso entender o que diz? (1967:161)
54
Joseph está ironicamente dando os parabéns a Catherine por ter ajudado a criar essa situação, ou
sugerindo que Isabella está se tornando tão difícil de lidar como Catherine costuma ser.
Devagar! Devagar! Devagar! Jamais cristão algum ouviu coisa semelhante! A senhora
mastiga as palavras, engole tudo. Como posso eu adivinhar o que quer dizer? (1980:130)
Ora, bolas! Será que algum cristão ouviu algo parecido? Devagar, devagar! Como
posso entender o que a senhora diz? (2005:158)
Nesta fala de Joseph, o adjetivo mim é traduzido por um advérbio (devagar) ou
por interjeição (ora; ora bolas; ora esta). No texto original, a fala de Joseph tem uma
forte carga negativa, pois ao usar o adjetivo mim ele mostra que considera Isabella
Linton uma pessoa pedante, e ao mesmo tempo que está ciente da diferença da forma de
falar existente entre eles ele é falante do dialeto, ela, do inglês padrão mas, nas
traduções consultadas, parte dessa carga negativa desaparece pela simples falta de uma
tradução adequada para a palavra mim.
O adjetivo dree é usado uma única vez por Nelly Dean em “My history is dree,
as we say, and will serve to wile away another morning.” (1998:136). O OED oferece a
seguinte definição para tal palavra: dree. a. Now Sc. and north. dial. or arch. 3.a. Long;
slow, tedious, wearisome, persistent; difficult to surmount or get over, ‘stiff’, severe.
(1989:1040, v.IV) Mais uma vez, vemos que as traduções algumas vezes se afastam do
texto original:
A minha história é comprida e vai servir para ajudar a passar outra manhã. (1947:144)
Minha narrativa pode ser interrompida e continuada outra manhã. (1963:154)
A minha história é longa, como dizemos por aqui, e servirá para passar o tempo numa
outra manhã. (2005:174)
Nas traduções em português encontramos as palavras comprida ou longa,
traduções perfeitamente aceitáveis para dree, mas não a menção ao fato de ela ser
uma expressão local e não um vocábulo do inglês standard; uma tradução omite por
completo sua existência (‘minha narrativa pode ser interrompida’). Em relação à
tradução de dree, ainda pode ser observado o seguinte: alguns tradutores encontraram
para ela soluções que, se não remetem a uma variante não-padrão da língua portuguesa,
ao menos mostram ao leitor que naquele determinado momento está sendo usada uma
forma de falar característica da região:
A minha estória é ‘longa como a fome’, conforme costumamos dizer, e servirá para
fazê-lo passar outra madrugada. (1967:180)
Minha história é mais comprida que o fim do mundo, como nós dizemos, e servirá para
matar o tempo de outra manhã. (1980:146)
Minha história é mais longa que o fim do mundo, como dizemos aqui, e vai servir para
matar o tempo de outra manhã. (2002:133)
Essa tentativa de traduzir o adjetivo por uma expressão relacionada à cultura
popular (ditos e provérbios) é um ponto positivo de tais traduções; no entanto, uma
perda em relação ao original, pois ao ouvir o comentário de Nelly Dean, Lockwood
pensa: “Dree and dreary! [...] and not exactly of the kind which I should have chosen to
amuse me...” (1998:136, meu itálico) O jogo de palavras dree/dreary fica perdido nas
traduções em português, e embora seja consenso comum o fato de haver perdas em
traduções, nesse ponto específico da narrativa a perda é significativa. As traduções
podem todas elas transmitir ao leitor o pensamento de Lockwood, mas não o
envolvimento ainda que mínimo dele com a realidade de Yorkshire. Ao
compreender o sentido de dree e usar tal forma juntamente com um léxico do inglês
standard, Lockwood deixa, ao menos por um momento, de ter o olhar distante de um
completo estranho à região, e é capaz de se relacionar com um dos aspectos mais
importantes da vida de qualquer ser humano, ou seja, a língua que ele usa para expressar
suas idéias, sentimentos e desejos.
Conforme foi analisado nesta parte do trabalho, as referências ao dialeto de
Yorkshire são sistematicamente apagadas de todas as traduções, fazendo com que o
leitor não tenha acesso a uma característica importante da narrativa. Em alguns casos,
encontrar formas não-padrão da ngua portuguesa para a tradução de determinadas
formas dialetais é uma tarefa bastante difícil, para não dizer quase impossível, se
quisermos ser coerentes com o embasamento teórico e a proposta de tradução
apresentada na parte IV deste trabalho (alguns exemplos serão analisados no apêndice),
mas para a maior parte dessas ocorrências de formas dialetais uma tradução é possível, e
deve ser feita para se for possível usar tal termo fazer jus ao texto original, ao
trabalho de criação de Emily Brontë e ao leitor brasileiro, que não deve ser privado do
contato com a diversidade cultural e social da Inglaterra da virada do século XIX. E,
como observou Rod Menghan a respeito de Emily Brontë,
What we should note is the depth of her involvement in the texture of local life and
her evident relish for the vernacular of the ordinary people, which is reproduced so
accurately in Wuthering Heights. It means something that Charlotte was
embarrassed by this aspect of the novel when she had to prepare the text for a
second edition; she tried to disguise the harshness of the speech and to neutralize
the vehemence of the local character with which Emily had kept faith. And if it is
true that Emily was inclined to give the popular voice a hearing, there are also
signs that her fellow feeling was not restricted to those close to home. In the novel,
when Mr Earnshaw returns from a trip to Liverpool, he tells a story of having found
Heathcliff ‘starving, and houseless, and as good as the dumb in the streets’ (p. 37).
When Emily was writing the novel in the autumn of 1845, Branwell had just
returned from a journey to Liverpool, bringing reports of the streets being full of
starving children the victims of the Irish Famine. The young Heathcliff spoke in
‘some gibberish that nobody could understand’ (p. 37) – just like the children of the
Famine, who could only speak Erse. Whatever she heard from her brother would
have been offset by the knowledge that collections for the victims of the Famine
were being made in Haworth church, which Emily seldom attended. Her novel
bears witness to a depth of social division that mere charity would be powerless to
undo. (1989:21)
55
É justamente esse olhar de Emily Brontë em relação à realidade na qual vivia a
existência de pessoas que não usam a norma considerada ‘culta da língua que a
proposta de tradução apresentada no capítulo IV deste trabalho pretende recuperar para
o leitor brasileiro.
55
O que deveríamos notar é a profundidade de seu envolvimento na organização da vida local e seu gosto
evidente pelo vocabulário das pessoas comuns, reproduzido tão fielmente em O Morro dos Ventos
Uivantes. É significativo o fato de Charlotte ter ficado tão embaraçada por esse aspecto do romance
quando teve de preparar o texto para uma segunda edição; ela tentou disfarçar a rudeza da fala e
neutralizar a veemência do caráter local ao qual Emily havia sido fiel. E se é verdade que Emily estava
inclinada a dar à voz popular uma oportunidade de ser escutada, também sinais de que sua simpatia
não estava restrita àqueles que estavam perto de sua casa. No romance, quando o Sr. Earnshaw volta de
uma viagem a Liverpool, ele conta o fato de ter encontrado Heathcliff ‘faminto e sem lar, recebendo o
tratamento de um mudo nas ruas’ (p. 37). Quando Emily estava escrevendo o romance no outono de
1845, Branwell havia acabado de voltar de uma viagem a Liverpool, trazendo notícias das ruas cheias de
crianças famintas, vítimas da Grande Fome. O jovem Heathcliff falava ‘uma bobagem que ninguém
conseguia entender(p. 37) assim como as crianças irlandesas, que apenas sabiam falar gaélico. O que
quer que ela tenha ouvido de seu irmão foi compensado por ela saber que coletas para as vítimas da
Grande Fome estavam sendo feitas na igreja de Haworth, que Emily freqüentava esporadicamente. Seu
romance é um testemunho de um abismo social que a simples caridade seria incapaz de solucionar.
CAPÍTULO IV – Proposta de tradução
I. Considerações iniciais.
Antes de apresentarmos a proposta de tradução para as falas das personagens de
O Morro dos Ventos Uivantes que utilizam o dialeto de Yorkshire, alguns comentários
são necessários: das falas traduzidas, a maior parte refere-se a Joseph, que, apesar de ser
uma personagem secundária, tem presença constante ao longo de toda a narrativa ele,
Nelly Dean e Heathcliff são as únicas personagens que participam das duas fases da
história e que são vistas pelos leitores do romance, pois outras, como Cathy Earnshaw,
Isabella e Edgar Linton, são apresentadas apenas por meio da narrativa de Nelly Dean.
De acordo com o estudo de Petyt (2001:ii), Emily Brontë teria mesmo tido um cuidado
muito maior ao escrever as falas de Joseph que a de outras personagens, que têm uma
participação apenas esporádica na narrativa, como o pastorzinho citado por Nelly Dean
no último capítulo (1998:299), ou a caseira de Thrushcross Grange, que recebe
Lockwood em sua segunda visita à propriedade (1998:272). Quanto a Hareton
Earnshaw, um fato deve ser observado: há uma visível alteração no seu modo de falar,
desde o inicio da narrativa (quando Lockwood o conhece em Wuthering Heights) até o
final, quando o mesmo Lockwood o encontra, noivo de Catherine Heathcliff, e na
condição de dono de Wuthering Heights e futuro dono de Thrushcross Grange. Desde a
infância, Hareton é um falante do dialeto de Yorkshire, talvez de maneira não tão
ostensiva quanto Joseph (novamente surge a questão da possível falta de cuidado tida
por Emily Brontë ao escrever as falas de outras personagens que não Joseph, e que
dificilmente será esclarecida). No entanto, seu contato com Catherine Heathcliff e o
amor entre os dois jovens fazem com que ele comece a receber instrução formal da
prima e futura noiva e deixe de ser um falante do dialeto. Esse fator ocasionou
algumas dificuldades na hora de traduzir as falas de Hareton, pois a partir de
determinado momento as alterações nela encontradas deveriam diminuir de maneira
perceptível, porém não completa. Por isso, foi mantido, até o final, o uso de vosmecê,
escolhido para estabelecer a diferença entre os falantes do dialeto e os falantes do inglês
standard, que usariam o senhor/a senhora ou você, dependendo da circunstância. Da
mesma maneira, em algumas falas de Hareton, nas quais se pode ver o que foi chamado
de nível não-aparente de falta de cortesia (cf. parte III do trabalho, g. 77 e ff.), foi
usado ocê para traduzir thou vosmecê seria o tratamento respeitoso, que Hareton passa
a empregar em relação a Catherine Heathcliff quando o relacionamento dos dois se
torna mais amistoso, após a morte do jovem Linton Heathcliff, e ocê indicaria a falta de
respeito.
Emily Brontë utilizou sobretudo alterações na ortografia das palavras para
escrever as falas das personagens que usam o dialeto de Yorkshire e usou a ortografia já
aceita de variantes dialetais, caso elas existissem. Essas alterações, segundo o estudo de
Petyt (2001:7-8), são localizadas, isto é, aparecem principalmente nas partes das
palavras cuja pronúncia é alterada por falantes do dialeto. Mesmo assim, essas
mudanças podem ocasionar dificuldades na leitura, pois o leitor, ao vê-las, está se
deparando com algo a que não está acostumado e foge da norma por ele aprendida na
escola. Como foi observado na parte II deste trabalho, a língua escrita é mais
conservadora que a falada, e a ortografia é um dos recursos usados para manter o que se
convencionou chamar de norma da língua. Ao falar sobre a feição tradicionalizante da
escrita, Dino Preti observa:
Ao tentar, pois, retratar o ato falado, esbarra o escritor com esse primeiro
entrave. Se quiser superá-lo (e alguns o fizeram, em todas as épocas, conforme
veremos), caminhará certamente para uma ortografia fonética individual, nem
sempre uniforme e razoável, que poderá até impedir a compreensão do leitor,
habituado à transcrição convencional dos signos sonoros. [...] Em conseqüência
disso, as atitudes individuais de transcrição fonética de fala, na literatura, são
recebidas com relativo desinteresse, e sua originalidade serve apenas aos
estudiosos. Quase sempre, motivam o afastamento do leitor, pois dificultam a
compreensão, induzem ao erro, atrapalham a aprendizagem da ortografia oficial,
e, enfim, cumprem mal a função conservadora e tradicionalizante que, em geral, a
sociedade atribui à língua literária. (1974:45-6)
Tendo em vista esse comentário, e com o intuito de não sobrecarregar demais as
falas das personagens com o uso excessivo de alterações fonéticas (o eye-dialect, de que
fala Ives), uma opção para mostrar a diferença existente entre as falas das personagens
que usam o dialeto e aquelas que usam o inglês standard é o aproveitamento de
elementos da fala na escrita. Esse assunto foi minuciosamente estudado por Urbano, em
seu livro Oralidade na Escrita O caso Rubem Fonseca, e em suas análises ele mostra
como o uso de determinados elementos da língua oral um tom característico à fala
das personagens. No caso desta proposta de tradução, um dos recursos aproveitados foi
a repetição de palavras, especialmente que, e é que. Ele foi muito útil especialmente na
tradução das falas de Hareton Earnshaw quando este não é um falante exclusivo do
dialeto por exemplo, o uso de pronome reto em substituição às formas obliquas, uma
característica não apenas da fala das pessoas que não receberam instrução formal, bem
como de uma grande parcela da população brasileira; ou o uso de pleonasmos, também
característico da ngua falada informal. Dessa maneira, a fala de Hareton conserva
algumas peculiaridades que estabelecem uma diferença entre ele e as demais
personagens, tentando manter ao mesmo tempo a naturalidade normalmente encontrada
na fala das pessoas em situações informais.
As alterações na ortografia das palavras foram feitas tentando evitar seu uso
excessivo, que pudesse tornar a leitura do texto cansativa para o leitor leigo em questões
lingüísticas, e pouco convincente para um leitor estudioso do assunto. Portanto, a
alteração de vogais pós/pré-tônicas (e > i; o > u), a acentuação para diferenciar vogais
abertas ou fechadas, entre outras, são usadas em ocasiões em que realmente possam
conferir expressividade à tradução ou evitar confusões na hora da leitura (por exemplo,
a diferença entre ele anda e eu vou andá); pois, conforme observou Hudinilson Urbano,
Como facilmente se deduz, por mais que um escritor pretenda reproduzir
fielmente a língua oral, prosodicamente falando, no seu texto escrito, seu
propósito esta destinado à frustração; quando não, seria de efeito
duvidoso, em vista da enorme dificuldade para vencer a tradição escrita do
leitor. Na verdade, como afirma Ward (1984:29-30), “a pronúncia é um dos
elementos mais difíceis de reproduzir sem carregar demasiado a leitura”.
(2000:110)
Deixando de lado a discussão sobre o nível de cuidado tido por Emily Brontë ao
escrever as falas das personagens que usam o dialeto de Yorkshire, todas elas estão
apresentadas na proposta de tradução. Uma única exceção é a fala de uma empregada de
Wuthering Heights (1998:186-7), pois, em dezessete linhas de texto, apenas duas
formas pertencentes ao inglês não standard são encontradas: hisseln (duas vezes) e
’bacca. Consideramos que somente essas ocorrências não caracterizam essa fala como a
de alguém que usa o dialeto de Yorkshire; já as falas de Hareton Earnshaw são
traduzidas sem exceção, pois a alteração que se pode registrar nelas (o abandono do
dialeto de Yorkshire em favor do inglês standard) mostra a mudança que acontece com
a personagem durante a narrativa e não uma falta de conexão dele com o uso de
variantes dialetais.
Da maneira como foi concebida, a proposta de tradução poderá apresentar alguns
desafios para o leitor, pois a tradição escrita de que falam Preti e Urbano é quebrada em
vários momentos, mas ela foi feita com base na vontade de evitar excessos de todos os
tipos. Outro ponto que deve ser reforçado neste momento é que as falas das personagens
não podem ser consideradas como exemplos perfeitos’ do dialeto de Yorkshire;
tampouco podem ser vistas como pertencentes a uma ‘norma’ lingüística que padroniza
todas as falas de quem usa variantes dialetais. Uma análise das traduções deve ser feita
levando em conta que, embora inseridas em um mesmo contexto histórico, geográfico e
social a Inglaterra da virada do século XIX, o condado de Yorkshire, e o fato de os
falantes dessa variante dialetal pertencerem a uma classe de pessoas mais simples, com
pouco acesso à educação formal (Hareton Earnshaw, apesar de ser herdeiro legítimo da
propriedade Wuthering Heights e descendente de uma família tradicional, se encaixa
mais na situação de empregado devido às condições de sua criação, e por isso não difere
muito de Joseph, de Zillah ou da caseira de Thrushcross Grange) essas personagens
não falam uma ‘língua única’, e a individualidade de cada uma delas se manifesta no
momento em que elas se expressam, produzindo com isso um quadro multifacetado no
qual não poderá ser encontrada uma ‘regra’ que defina o que é ‘certo’ ou ‘errado’.
Citando mais uma vez Urbano: “Por mais real e natural que pareça a fala do
personagem ou até mesmo do narrador, não se pode jamais esquecer de que se trata de
uma ilusão, como, aliás, todos os demais elementos na obra de ficção.” (2000:131)
II. Relação das características e propriedades fonéticas da língua falada
1. redução de ditongo: otras por outras; brincadera por brincadeira; poco por pouco;
2. reduções sincopadas: pra por para;
3. redução de nd a n: fazeno por fazendo; pensano por pensando;
4. redução de mb a m: tamém por também;
5. ‘desproparoxitonização’ por síncope de vogais postônicas: establo por estábulo;
6. adições causadas por comodidade articulatória: cêis por vocês; iscuitano por
escutando;
7. palatizações: groséia por groselha; Evangéio por Evangelho;
8. alteração de vogais átonas em sílabas pretônicas: e inicial transforma-se em i
iscuitano por escutando; e medial também se transforma em i: minino por menino; divia
por devia; o medial se transforma em ucuzinha por cozinha; cumida por comida;
9. no final das palavras, em transforma-se em e grave: corage por coragem;
10. no final das palavras, o l se transforma em r: iguar por igual; tar por tal; da mesma
maneira, o l de encontros consonantais e o medial de final de sílaba também se
transformam em r: grória por glória; pobrema por problema; quarqué por qualquer;
mardita por maldita;
11. metástases: percurá por procurar;
12. aférese: borrecido por aborrecido; rancá por arrancar; tenção por atenção;
13. uso de uma única marcação de plural: as palavra por as palavras; dos campo por
dos campos. Quando o s final indicador de plural é seguido por palavra começada por
vogal, ele fica com o som de z e acaba se juntando à vogal: por isso, encontra-se na
tradução a zoreia por as orelhas; o zóio por os olhos. Uma explicação mais detalhada
desse fato pode ser encontrada no livro O dialeto caipira, de Amadeu Amaral, p. 71;
14. o não átono transforma-se em num: não, ele num tá em Gimmerton por não, ele não
está em Gimmerton;
15. pleonasmos e repetições: recursos amplamente usados pela linguagem oral,
principalmente para reforçar a função emotiva. Na proposta de tradução encontram-se o
seu armofadinha aqui diz... por o seu almofadinha diz que...; ou vem rapidinho e entra
correno dentro de casa... por vem rapidinho e entra correndo em casa...; bem como e
eu saio lá fora e digo que... por e eu saio e digo que...;
16. aglutinações: elas acontecem normalmente na fala das pessoas,
independente do nível de instrução que elas tenham, sobretudo em
situações informais. No caso da língua escrita, a opção para representar
essas aglutinações é o uso de aspas simples: Qu’é qu’ele prontano?
por O que ele está aprontando?; Eu nunca pensei que ia chegá o dia
qu’eu ia de ir s’imbora... por Eu nunca pensei que iria chegar o dia em
que eu teria de ir embora...;
17. mistura da e da pessoa do singular: por exemplo, Hareton, ocê num vai comê
teu mingau essa noite... por Hareton, você não vai comer seu mingau esta noite...;
18. falta de correlação entre os tempos verbais: Patrão véio tinha dado uma boa coça
neles... por O patrão velho teria dado uma boa surra neles...;
19. uso do pronome pessoal reto no lugar da forma obliqua
correspondente: na tradução, podemos encontrar ...eu bem que gostaria
de ouvir ela! por ...eu bem que gostaria de ouvi-la!
III. Traduções para falas da personagem Joseph feitas por outros
tradutores:
Os seguintes exemplos foram selecionados aleatoriamente entre algumas das
traduções consultadas para a elaboração desta dissertação, com o intuito de que o leitor
tenha uma idéia a respeito do trabalho realizado por outros tradutores e possa caso
julgue necessário – compará-los com a proposta de tradução.
‘Aw woonder hagh yah can faishion tuh stand thear i’ idleness un war, when all on
’em’s goan aght! Bud yah’re a nowt, and it’s noa use talking yah’ll niver mend uh yer
ill ways; bud, goa raight tub t’ divil, like yer mother afore ye!’ (1998:11)
“– Porque é que Você está para preguiçosa à beira do fogo, quando todos os outros
andam lá por fora... Não presta mesmo para nada e nada não adianta falar... não conserta
seus maus costumes. de ir direitinha para o inferno, como foi sua mãe!” (19-:22,
v. I)
‘T’ maister nobbut just buried, and Sabbath nut o’ered; und t’ sahnd uh tgospel still i’
yer lugs; and yah darr be laiking! shame on ye! sit ye dahn, ill childer! they’s good
books eneugh if ye’ll read ’em; sit ye dahn, and think uh yer sowls!’ (1998:17)
“– O patrão ainda está quente na cova, o Sabbath não terminou, as palavras do
Evangelho ainda estão zunindo nos ouvidos de vocês e têm coragem de brincar! Que
vergonha! Andem, sentem-se, seus coisinhas ruins! Se quiserem ler, livros bons não
faltam! Sentem-se e cada um pense na sua alma!” (1947:22)
‘Yon lad gets war un’ war!’ observed he on re-entering. ‘He's left th’ yate ut t’ full
swing, and miss’s pony has trodden dahn two rigs uh corn, un’ plottered through, raight
o’er intuh t’ meadow! Hahsomdiver, t’ maister ‘ull play t’divil to-morn, and he’ll do
weel. He's patience itsseln wi’ sich careless, offald craters patience itsseln he is! Bud
he’ll nut be soa allus yah’s see, all on ye! Yah munn’t drive him ath uf his heead fur
nowt!’ (1998:74)
“– Seu rapazinho é um desastrado disse ele, ao voltar. Deixou o portão escancarado
e o pônei da senhorita pisou dois renques de trigo e fugiu para o prado! O patrão vai
fazer o diabo amanhã. Ele já tem tão pouca paciência!” (1963:86)
‘Aw sud more likker look for th’ horse’, he replied. ‘It ‘ud be tuh more sense. Bud, Aw
can look for norther horse nur man uf a neeght loike this as black as t’chimbley! und
Hathecliff’s noan t’ chap uth coom ut maw whistle happen he’ll be less hard uh
hearing wi’ ye!’ (1998:74)
“– Teria sido preferível e mais racional ir procurar o cavalo respondeu. Mas numa
noite como esta não posso procurar um cavalo nem um homem. Está escuro como o
interior de uma chaminé. E Heathcliff não é tão surdo que não tenha ouvido o meu
assobio... Talvez com a senhorita ele mostre um ouvido mais apurado!” (1967:99)
‘Thear!’ he ejaculated. ‘Hareton, thah willn’t sup thy porridge tuh neeght; they’ll be
nowt bud lumps as big as maw nave. Thear, agean! Aw’d fling in bowl un’ all, if Aw
wer yah! Thear, pale t’ guilp off, un’ then yah’ll hae done wi’t. Bang, bang. It’s a marcy
t’ bothom isn't deaved aht!’ (1998:125)
“– Veja só! exclamou ele. Hareton, não terás papa esta noite. Hás de comer uns
caroços do tamanho do meu punho. Sim senhor! Se eu fosse a senhora, jogaria logo até
a tigela e tudo mais dentro! Vamos, tire a espuma e tudo irá bem. Ora! ora! É um
milagre não ter a marmita o fundo rebentado!” (1980:134)
IV. Proposta de tradução para as falas da personagem Joseph
‘Whet are ye for?’ he shouted. ‘T’ maister’s dahn i’ t’ fowld. Goa rahnd by
th’ end ut’ laith, if yah went tuh spake tull him.’ (1998:6)
– O que é que vosmecê qué?
56
– gritou ele. – O patrão tá lá nos campo. Dê
a vorta no fim do establo se quisé falá com ele.
‘They’s nobbut t’ missis; and shoo’ll nut oppen’t an ye mak yer flaysome dins till
neeght.’ (1998:6)
– Num tem ninguém fora a patroinha, e ela num vai abri nem que vosmecê fique fazeno
sua baruiada horrive até de noite.
‘Nor-ne me! Aw’ll hae noa hend wi’t’, muttered the head, vanishing. (1998:6)
Eu, nunca! Eu é que num nada com isso resmungou ele,
desaparecendo.
‘Aw woonder hagh yah can faishion tuh stand thear i’ idleness un war, when all on
’em’s goan aght! Bud yah’re a nowt, and it’s noa use talking yah’ll niver mend uh yer
ill ways; bud, goa raight tub t’ divil, like yer mother afore ye!’ (1998:11)
Eu fico pensano como é que vosmecê pode ficá preguiçano ou fazeno coisa pió,
quano todo mundo saiu trabaiá. Mas vosmecê num serve de nada, e vô perdê meu tempo
se ficá falano – vosmecê nunca vai se indireitá, e vai pro inferno, iguar sua mãe antes de
vosmecê.
‘Hearken, hearken, shoo’s cursing on em!’ muttered Joseph, towards whom I had been
steering. (1998:13)
56
Este é um caso em que há a necessidade de usar o acento agudo para estabelecer a diferença entre que e
qué (grafia alterada de quer).
Ove só, ove só, ela mardiçoano eles! resmungou Joseph, em cuja direção eu
estivera olhando.
‘Maister, maister, he’s staling t’lantern!’ shouted the ancient, pursuing my retreat. ‘Hey,
Gnasher! Hey, dog! Hey, Wolf, holld him, holld him!’ (1998:13)
Patrão, patrão, ele robano a lanterna! gritou o velho, correndo atrás de mim. Ei,
Gnasher! Ei, cachorro! Ei, Wolf, pega ele, pega ele!
57
‘T’ maister nobbut just buried, and Sabbath nut o’ered; und t’ sahnd uh tgospel still i’
yer lugs; and yah darr be laiking! shame on ye! sit ye dahn, ill childer! they’s good
books eneugh if ye’ll read ’em; sit ye dahn, and think uh yer sowls!’ (1998:17)
Patrão cabô de sê
58
interrado, o dia do Senhor nem terminô, as palavra
dos Evangéio ainda nas vossa zoreia, e cêis tem corage de brincá! Que
vergonha! Sente aí, criançada ruim! Tem muitos livro bom se cêis quisé
eles: sente aí e pense nas vossas arma!
‘Maister Hindley!’ shouted our chaplain. ‘Maister, coom hither! Miss Cathy’s riven th’
back off ‘Th’ Helmet uh Salvation,’ un’ Heathcliff’s pawsed his fit intuh t’ first part uh
‘T’ Brooad Way to Destruction’! It’s fair flaysome ut yah let em goa on this gait. Ech!
th’ owd man ud uh laced ’em properly – bud he’s goan!’ (1998:17)
57
A alteração fonética sugerida por Emily Brontë na pronúncia de hold seria bastante difícil de ser
mostrada em português, portanto, para tentar manter a quebra da norma padrão no texto original a opção
foi o uso do pronome reto no lugar do pronome obliquo, que soa mais natural em português.
58
Novamente o uso do acento para estabelecer a diferença entre se e (grafia alterada do verbo ser)
Seo Hindley! – gritou nosso capelão. Patrão, vem cá. A dona Cathy rasgô a capa do
Érmo
59
da Sarvação; e o Heathcliff deu um chute na primera parte d’O Longo Caminho
da Distruição! É horrive dimais vosmecê dexá eles andá desse jeito. Hm! Patrão véio
tinha dado uma boa coça neles – mas ele morreu!
‘owd Nick’ (1998: 17)
o canhoto
“I thought there was something wrong as he set down the light; and seizing the children
each by an arm, whispered them to ‘frame upstairs and make little din – they might pray
alone that evening – he had summut to do.’” (1998:37)
Eu achei que havia alguma coisa errada enquanto ele recolocava a vela em seu lugar; e
pegando cada criança por um braço, murmurou que eles ‘devia ir depressinha pra
cima e ficar quietinhos eles podiam fazer as orações sozinhos aquela noite ele tinha
otras coisa pra fazê.’
‘Und hah isn't that nowt comed in frough th’ field, be this time? What is he abaht? Girt
eedle seeght!’ demanded the old man, looking round for Heathcliff. (1998:73)
E por que qu’aquele forgado ainda num vortô dos campo, a essa hora? Qu’é qu’ele
prontano? Óia que preguiça! – perguntou o velho, procurando Heathcliff ao seu
redor.
They were ‘ill eneugh for ony fahl manners’ he affirmed. (1998:74)
Eles eram ‘tão ruim quanto se podia isperá deles’, afirmou ele.
59
O acento aqui se faz necessário para evitar a confusão entre a palavra ermo (local isolado) e a
pronúncia não-padrão de Joseph da palavra elmo.
‘Yon lad gets war un’ war!’ observed he on re-entering. ‘He's left th’ yate ut t’ full
swing, and miss’s pony has trodden dahn two rigs uh corn, un’ plottered through, raight
o’er intuh t’ meadow! Hahsomdiver, t’ maister ‘ull play t’divil to-morn, and he’ll do
weel. He's patience itsseln wi’ sich careless, offald craters patience itsseln he is! Bud
he’ll nut be soa allus yah’s see, all on ye! Yah munn’t drive him ath uf his heead fur
nowt!’ (1998:74)
Esse moleque cada dia pió! ele observou, ao reentrar. Ele dexô o
portão todo aberto, e o pôni da menina pisotiô duas carrera de mio, e saiu
andano, bem no meio dos campo! De quarqué manera, patrão vai fazê um
baruião amanhã, e bem que faz ele. Ele é a paciênça em pessoa com
essas criatura descuidada e ruim é a paciênça em pessoa! Mas ele num
vai sê sempre assim não vosmecê tudo vão vê, vão sim. Vosmecês num
divia de provocá ele à toa.
‘Aw sud more likker look for th’ horse’, he replied. ‘It ‘ud be tuh more sense. Bud, Aw
can look for norther horse nur man uf a neeght loike this as black as t’chimbley! und
Hathecliff’s noan t’ chap uth coom ut maw whistle happen he’ll be less hard uh
hearing wi’ ye!’ (1998:74)
Era mais fáci eu percurá o cavalo ele replicou. Fazia mais senso. Mas, eu num
percurá nem cavalo nem home numa noite como essa preta que nem carvão. E o
Hathecliff num é o tipo de criatura que vai vim pra mode meu assobio pode que ele
fique mais manso iscuitano vosmecê!
‘Nay, nay, he's noan at Gimmerton!’ said Joseph. ‘Aw’s niver wonder, bud
he's at t’ bothom uf a bog-hoile. This visitation worn’t for nowt, und Aw
wod hev ye tuh look aht, Miss yah muh be t’ next. Thank Hivin for all! all
warks togither for gooid tuh them as is chozzen, and piked aht froo’ th’
rubbidge! Yah knaw whet t’Scripture ses – ’ (1998:76)
Não, ele num em Gimmerton! disse Joseph. Eu é que num ia me
espantá se ele tivesse no fundo de um lodaçá. Esse aviso dos céu num foi
à toa, e eu dava um’oiada nisso, minina vosmecê pode de a próxima.
Gradeça ao Senhor por tudo! Tudo concorre
60
pra ajudá os que são eleito,
e que são erguido do pó! Vosmecê bem sabe o que as Escritura diz...
‘Running after t’lads, as usuald!’ croaked Joseph, catching an opportunity, from our
hesitation, to thrust in his evil tongue. ‘If Aw wur yah, maister, Aw’d just slam t’boards
i’ their faces all on ’em, gentle and simple! Never a day ut yah’re off, but yon cat uh
Linton comes sneaking hither and Miss Nelly, shoo’s a fine lass! shoo sits watching
for ye i’ t’kitchen; and as yah’re in at one door, he's aht at t’other Und, then, wer
grand lady goes a coorting uf hor side! It’s bonny behaviour, lurking amang t’fields,
after twelve ut’ night, wi’ that fahl, flaysome divil uf a gipsy, Heathcliff! They think
Aw’m blind; but Aw’m noan, nowt ut t’soart! Aw seed young Linton, boath coming and
going, and Aw seed yah(directing his discourse to me), yah gooid fur nowt, slattenly
witch! nip up und bolt intuh th’ hahs, t’ minute yah heard t’ maister’s horse fit clatter up
t’ road.’ (1998:77)
Correno atrás dum par de carça
61
, como sempre! grunhiu Joseph, aproveitando a
oportunidade, devido a nossa hesitação, para botar em ação sua língua venenosa. E no
seu lugar, patrão, eu ia dá com a porta na cara deles tudo, cavalero ou não. Num tem um
dia que o patrão num saia e que o tar do Linton num venha às escondida pra cá; e a dona
Nelly, ela é uma beleza de moça! Ela fica sentada esperano vosmecê vortá na cuzinha; e
vosmecê entra por uma porta e o mocinho sai por otra; e, então, a nossa fidarguinha vai
60
De acordo com as notas feitas por Ian Jack para a World’s Classics Edition de Wuthering Heights, esta
é uma das ocasiões em que claras referências a versículos da Bíblia são encontradas na fala de Joseph:
neste caso, à epístola aos Romanos (Rm 8,28), “Aliás, nós sabemos que tudo concorre para o bem dos que
amam a Deus, que são chamados segundo o seu desígnio” (1995:1392). Para tentar manter a referência na
tradução, foi usado o verbo concorrer, que, embora não seja usual na fala da maioria das pessoas, pode
ser usado por aqueles que têm o costume de ler a Bíblia com freqüência, caso de Joseph.
61
Neste caso, foi feita uma tradução bastante livre do original, running after the lads. Seria possível optar
por correno atrás de home, que ofereceria a oportunidade de manter os marcadores de fala não-padrão
correno por correndo e home por homem, e seria muito mais ‘fiel’ ao texto original. Porém, a existência
da expressão correr atrás de um par de calças, indicando a atitude da moça ‘namoradeira’, e que foi
usada com bastante freqüência ao menos no estado de São Paulo até a metade do século XX, levou à
escolha dela no lugar da tradução mais literal, pois ela confere maior expressividade à tradução e, em uma
apreciação bastante pessoal do texto, parece estar mais de acordo com o humor ácido do velho e ranzinza
Joseph.
suas vortinha ela tamém! Que belo jeito de sê, ficá andano no meio dos campo,
depois da meia-noite, com aquele minino horrive, o diabo de cigano do Heathcliff! Eles
pensa que eu cego; mas eu num nada disso! Eu vi o moço Linton, indo e vindo, e
eu vi vosmecê (dirigindo seu discurso à minha pessoa); vosmecê num serve pra nada,
sua bruxa suja! Vem rapidinho e entra correno dentro de casa, no minuto que vosmecê
escuta o baruio das pata do cavalo do patrão na estrada.
‘Nelly,’ he said, ‘we’s hae a Crahnr’s ’quest enah, at ahr folks. One on ’em’s a’most
getten his finger cut off wi’ hauding t’other froo’ sticking hisseln loike a cawlf. That’s
maister, yah knaw, ut’s soa up uh going tuh t’grand ’sizes. He's noan feard ut t’ Bench
uh judges, norther Paul, nur Peter, nur John, nor Mathew, nor noan on ’em, nut he! He
fair like’s he langs tuh set his brazened face agean ’em! And yon bonny lad Heathcliff;
yah mind, he's a rare un! He can girn a laugh as weel’s onybody at a raight divil’s jest.
Does he niver say nowt of his fine living amang us, when he goas tuh t’ Grange? This is
t’ way on’t up a sun-dahn; dice, brandy, cloised shutters, und can’le leeght till next
day, at nooin then, t’ fooil gangs banning un’ raving tuh his cham’er, makking dacent
fowks dig thur fingers i’ thur lugs fur varry shaume; un’ the knave, wah, he can cahnt
his brass, un’ ate, un’ sleep, un’ off tuh his neighbour’s tuh gossip wi’ t’ wife. I’ course,
he tells Dame Catherine hah hor father’s goold runs intuh his pocket, and her fathur’s
son gallops dahn t’ Broad road, while he flees afore tuh open t’ pikes?’ (1998:91-2)
Nelly, disse ele quarqué hora a poliça vai em casa pra falá com
aquelas criatura.
Um lá quase perdeu os dedo de tentá separá briga dos otro que se pegava
como bicho. E o patrão, vosmecê sabe, é que vai sê responsave. Ele num
tem medo do Jurgamento e dos juiz, nem de Paulo nem de Pedro, nem de
João, nem de Mateus, nem de nenhum deles, ele num tem! Ele até gosta
de a própria cara pra enfrentá eles tudo! E seu querido minino
Heathcliff, veja só, ele é um tipo e tanto! Ele pode risada, tão bem
quanto quarqué um, dessas brincadera do diabo. Ele diz arguma coisa do
jeito como ele viveno em casa, quando ele vai pra Granja? O que
acontece é levantá quando o sol se escondeno, jogo, bebida, os
quarto alumiado só com luz de vela e as janela fechada até o otro dia na
hora de comê então, o otro vai dizeno palavrão e falano feito loco até o
quarto dele, fazendo as pessoa decente tapá a zoreia de tanta vergonha; e
o sem-vergonho, ora, ele conta o dinhero, e come, e dorme, e sai e
vai pro vizinho pra ficá de conversa com a esposa dos otro. E por acaso
ele diz pra Dona Catherine como é qu’o dinhero do pai dela vai pará nos
borso dele, e como o filho do pai dela vai galopano pelo Ampro
Caminho
62
, enquanto ele próprio corre abri as porta pro rapaz?
‘Mim! mim! mim! Did iver Christian body hear owt like it? Minching un’ munching!
Hah can Aw tell whet ye say?’ (1998:121)
Mas é cheia de nhem-nhem-nhem
63
! Será que um cristão ouviu
arguma coisa parecida? Fica enrolano as palavra! Como é qu’eu posso
sabê o que que vosmecê tá dizeno?
‘Nor nuh me! Aw getten suumet else to do,’ he answered, and… (1998:121)
– Eu é que não! Eu tenho mais coisa pra fazê – ele respondeu, e...
‘Gooid Lord!’ he muttered, sitting down, and stroking his ribbed stockings from the
knee to the ankle. ‘If they’s tuh be fresh ortherings just when Aw getten used tuh two
maisters, if Aw mun hev a mistress set o’er my heead, it’s loike time tuh be flitting. Aw
niver did think tuh say t’ day ut Aw mud lave th’ owld place but Aw daht it’s nigh at
hend!’ (1998:124)
62
Outra referência bíblica, desta vez ao Evangelho de São Mateus (Mt 7,13), “Entrai pela porta estreita.
Larga é a porta, e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos, os que entram por ele...”
(1995:1200).
63
A variante dialetal mim, com o sentido de afetado, comportado, dificilmente teria um equivalente em
português que transmitisse ao leitor a idéia de que é uma palavra pertencente à norma não-padrão da
língua. Por isso, a escolha de traduzi-la pela expressão popular ‘cheia de nhem-nhem-nhem’, que era
bastante comum na língua falada no começo do século XX, e que ao leitor do texto traduzido a noção
de que Joseph está caçoando de Isabella Linton em virtude de sua pronúncia refinada.
Deus do céu! resmungou ele, sentando-se, e esfregando as meias listradas dos
joelhos até os tornozelos. – Se é qu’é pra novidade agora qu’eu tava me costumano
com dois patrão, se eu tenho que tê uma patroa nas minhas costa, já tá bem na hora d’eu
ir s’imbora. Eu nunca pensei que ia chegá o dia qu’eu ia de ir s’imbora da casa véia
mas parece que ele tá chegano!
‘Thear!’ he ejaculated. ‘Hareton, thah willn’t sup thy porridge tuh neeght; they’ll be
nowt bud lumps as big as maw nave. Thear, agean! Aw’d fling in bowl un’ all, if Aw
wer yah! Thear, pale t’ guilp off, un’ then yah’ll hae done wi’t. Bang, bang. It’s a marcy
t’ bothom isn't deaved aht!’ (1998:125)
Ora! exclamou ele. Hareton, ocê num vai comê teu mingau essa
noite, ele num vai nada mais que uns caroço tão grande como minhas
mão. Ora, de novo! Eu ia mais é jogá fora panela e tudo, se eu tivesse no
teu lugar. Ora, joga a espuma fora, e então vosmecê vai cabado com
isso. Bam, bam. É de dar graças aos céu o fundo da panela não tê
rebentado.
The old cynic chose to be vastly offended at this nicety; assuring me, repeatedly, that
‘the barn was every bit as gooid’ as I, ‘and every bit as wollsome’, and wondering how I
could fashion to be so conceited. (1998:125)
O velho cínico decidiu sentir-se extremamente ofendido por essa
delicadeza; assegurando-me que ‘o minino era tão bão’ quanto eu, e
memo tão limpinho’, e que ele ficava imaginando como eu poderia ser tão
orgulhosa.
Parlour! he echoed, sneeringly, parlour! Nay, we've noa parlours. If yah dunnut
loike wer company, they’s maister’s; un’ if yah dunnut loike maister, they’s us.
(1998:125)
Saleta! Repetiu ele, em tom de desprezo Saleta! Não, aqui num tem saleta. Se
vosmecê num gosta da nossa companhia, tem a do patrão; e se vosmecê num gosta da
companhia do patrão, tem a nossa.
‘Here’s a rahm,’ he said, at last, flinging back a cranky board on hinges.
‘It’s weel eneugh tuh ate a few porridge in. They’s a pack uh corn i’ t’
corner, thear, meeterly clane; if yah’re feared uh muckying yer grand silk
cloes, spread yer hankerchir ut t’ top on ’t.’ (1998: 105-106)
– Aqui tem um quarto – disse ele, finalmente, abrindo uma porta que rangia nos gonzos.
Ele é bom demais pra se comê um poco de mingau nele. Tem um saco de grão no
canto, lá, até que bem limpinho; se vosmecê tem medo de sujá suas bela ropa de seda,
coloque seu lenço em cima dele.
Bed-rume!he repeated, in a tone of mockery. ‘Yah’s see all t’ bed-rumes thear is
yon’s mine.’ (1998:126)
Quarto de dormí! – Ele repetiu, em tom de caçoada. – Vosmecê já viu todos os quarto
de dormí que tem aqui – aquele ali é o meu.
‘Oh, it’s Maister Hathecliff’s yah’re wenting?cried he, as if making a new discovery.
‘Couldn’t ye uh said soa, at onst? un then, Aw mud uh telled ye, baht all this wark, ut
that’s just one yah cannut sea he allas keeps it locked, un’ nob’dy iver mells on ’t but
hisseln.’ (1998: 106)
– Ah, é o do seo Hathecliff que vosmecê tá percurano? exclamou ele, como se
estivesse fazendo uma nova descoberta. – E num dava pra dizê na hora? Então, eu podia
tê dito pra vosmecê, sem esse trabaio todo, qu’esse é o único que vosmecê num pode de
vê – ele sempre dexa ele trancado, e ninguém nunca entra lá, a num sê ele memo.
‘This here is t’ maister’s.’ (1998:126)
– Esse aqui é do patrão.
64
‘Whear the divil,’ began the religious elder. ‘The Lord bless us! The Lord forgie us!
Where the hell, wold ye gang? ye marred, wearisome nowt! Yah seen all bud Hareton’s
bit uf a cham’er. They’s nut another hoile tuh lig dahn in i’ th’ hahse!’ (1998:127)
– Mas que diabos começou o religioso ancião. O Senhor nos abençoe!
O Senhor nos perdoe! Pra onde diabos vosmecê vai? Criatura inúti e
mimada! Vosmecê viu tudo menos o quartinho do Hareton. Num tem
nenhum otro canto pra ficá aqui na casa!
‘Ech! ech!’ exclaimed Joseph. ‘Weel done, Miss Cathy! Weel done, Miss Cathy!
Hahsiver, t’ maister sall just tum’le o’er them brocken pots; un’ then we’s hear summut;
we’s hear hah it’s tuh be. Gooid-for-nowt madling! yah desarve pining froo this tuh
Churstmas, flinging t’ precious gifts uh God under fooit i’ yer flaysome rages! Bud,
Aw’m mista’en if yah shew yer sperrit lang. Will Hathecliff bide sich bonny ways, think
ye? Aw nobbut wish he muh cotch ye i’ that plisky. Aw nobbut wish he may.’
(1998:127)
Ora! Ora! exclamou Joseph. Muito bem, dona Cathy! Muito bem,
dona Cathy! De um jeito ou de otro, o patrão vai tropicá nos prato
quebrado; e então nós vamo ouvi pocas e boa, nós vamo como é que
vai sê. Sua tola trapaiada! Vosmecê devia de ficá de castigo sem comê até
o Natal, por jogá as nção do Senhor no chão nas suas hora de nervo!
Mas, m’espantá muito se seus modo durá muito tempo. Será que o
Hathecliff vai güentá esses seus modo, qu’é que vosmecê pensa? Eu
queria qu’ele pegasse vosmecê nas suas raiva. Eu só queria isso.
64
Neste caso específico, a dificuldade de encontrar palavras da língua portuguesa que pudessem ser
grafadas de maneira a indicar uma pronúncia não-padrão deu lugar à escolha de esse aqui, pois a
divergência entre esse (indicando algo distante do falante) e aqui (indicando algo perto do falante) pode
dar ao leitor a idéia de que Joseph não domina a norma considerada culta da língua.
‘They’s rahm fur boath yah un’ yer pride, nah, Aw sud think i’ th’ hahse. It’s empty;
yah muh hev it all tuh yerseln, un Him as allas maks a third, i’ sich ill company!’ (1998:
107)
Eu acho que tem muito espaço pra vosmecê e pro seu orgúio aqui na casa. Ela
vazia, e vosmecê pode de ela toda pra vosmecê, e pr’Aquele que sempre por perto,
em tão má companhia!
…with “t’ little maister” (1998:154)
c’o patrãozinho
‘Whet is thur tuh do, nah? whet is thur thu do, nah?’ (1998:157)
O qu’é que tá contecendo agora? O qu’é que tá contecendo, hã?
‘Und soa, yah been murthering on him?’ exclaimed Joseph, lifting his hands and eyes in
horror. ‘If iver Aw seed a seeght loike this! May the Lord – ’ (1998:157)
Então, vosmecê tentô matá ele? exclamou Joseph, erguendo as os e o olhar,
horrorizado. – Eu nunca que vi uma coisa dessa! Que o Senhor...
‘Aw’d rayther he’d goan hisseln fur t’ doctor! Aw sud uh taen tent uh t’maister better
nur him – un’ he warn’t deead when Aw left, nowt uh t’ soart!’ (1998:165)
– Eu preferia qu’ele mesmo fosse buscá o médico! Eu cuidava meió do patrão qu’ele – e
ele num tava morto quando eu saí, nada disso!
‘offalld ways’ (1998:174)
modos horrive
“It’s Maister Linton Aw mun spake tull,” he answered, waving me disdainfully aside.
(1998:178)
É co’ seo Linton qu’eu tenho que falá ele respondeu, deixando-me de lado com
desprezo.
“Which is his rahm? pursued the fellow, surveying the range of closed doors.
(1998:179)
– Quar qu’é o quarto? – prosseguiu ele, inspecionando a série de portas fechadas.
‘Hathecliff has send me for his lad, un’ Aw munn’t goa back ‘baht him.’ (1998: 149)
– Hathecliff me mandô vim buscá o minino dele, e eu num vô s’imbora sem ele.
‘Noa!’ said Joseph, giving a thud with his prop on the floor, and assuming an
authoritative air. ‘Noa! that manes nowt Hathecliff maks noa ’cahnt uh t’ mother, nur
yah norther – bud he’ll hev his lad; und Aw mun tak him soa nah yah knaw!’
(1998:179)
Não! disse Joseph, batendo com a bengala no chão e assumindo um ar autoritário.
Não! Isso num qué dizê nada – o Hathecliff num tá interessado na mãe, nem em
vosmecê, mas ele qué o minino; e eu devo de levá ele – vosmecê bem sabe disso!
‘Varrah weel!’ shouted Joseph, as he slowly drew off. ‘Tuh morn, he’s come hisseln,
un’ thrust him ath, if yah darr!’ (1998:179)
– Muito bem! – gritou Joseph, enquanto se retirava vagarosamente. Amanhã ele
memo vai vim, vosmecê pode confiá nele pra isso, se vosmecê se atreve!
‘Sure-ly,’ said Joseph after a grave inspection, ‘he’s swopped wi’ ye, maister, an’ yon’s
his lass!’ (1998:182)
É memo, disse Joseph, depois de uma cuidadosa inspeção ele trocô com vosmecê,
patrão, e aquela ali é a minina dele.
‘Cannot ate it?’ repeated he, peering in Linton’s face, and subduing his voice to a
whisper, for fear of being overheard. ‘Bud Maister Hareton nivir ate nowt else, when he
wer a little un: und what wer gooid eneugh fur him’s gooid eneugh fur yah, Aw’s
rayther think!’ (1998:184)
Num consegue comê isso? repetiu ele, examinando o rosto de Linton, e baixando a
voz para um murmúrio, por medo de ser ouvido. Mas o minino Hareton nunca que
comeu nada além disso, quando era piquininho; e o que era bom dimais pra ele é bom
dimais pra vosmecê, eu acho.
‘Is there owt ails th’ victuals? he asked, thrusting the tray under Heathcliff’s nose.
(1998:184)
Tem arguma coisa errada co’a comida? ele perguntou, enfiando a bandeja sob os
olhos de Heathcliff.
‘Wah!’ answered Joseph, yon dainty chap says he cannut ate ’em. Bud Aw guess it’s
raight! His mother wer just soa – we wer a’most too mucky tuh sow t’ corn fur makking
her breead.’ (1998:184)
Ora! respondeu Joseph O seu armofadinha
65
aqui diz qu’ele num
consegue comê isso. Mas eu acho que muito certo! A mãe dele era a
mema coisa – nós era sujo dimais pra plantá o grão pra fazê o pão dela!
‘gaumless’ (1998:193)
istúpido
‘Na-ay!’ he snarled, or rather screamed through his nose. ‘Na-ay! yah muh goa back
whear yah coom frough.’ (1998:208)
Nã-ão! grunhiu ele, ou melhor, gritou com um som anasalado. Não! Vosmecês
deve de vortá pra donde vosmecês viéro.
‘Aw wer sure he’d sarve ye aht! He’s a grand lad! He's getten t’raight sperrit in him! He
knaws – Aye, he knaws, as weel as Aw do, who sud be t’maister yoner – Ech, ech, ech!
he mad ye skift properly! Ech, ech, ech!’ (1998:221)
Eu tinha certeza qu’ele ia sabê o que fazê! Ele é um belo d’um minino. Ele tem a
cabeça no lugar! Ele sabe – é, ele sabe, do memo jeito qu’eu sei, quem que devia de sê o
patrão aqui. Ah, ah, ah! Ele fez os dois saí voano direitinho. Ah, ah, ah!
‘Thear that’s t’father!’ he cried. ‘That’s father! We've allas summut uh orther side in us.
Niver heed Hareton, lad – dunnut be ’feard – he cannot get at thee!’ (1998:221)
65
Uma tradução bem livre para o adjetivo dainty (pequeno, delicado). A forma almofadinha, para
designar moços de hábitos refinados, pareceu mais expressiva que apenas rapazinho ou mocinho.
Mas se num é iguarzinho o pai! exclamou. É o pai! A gente sempre herda arguma
coisa dos otro. Num liga, Hareton, meu minino num tem medo ele num pode fazê
nada pr’ocê!
66
Joseph locked the door, and declared I should do ‘no sich stuff,’ and asked me whether I
were ‘bahn to be as mad as him.’ (1998:222)
Joseph fechou a porta, e declarou que eu o iria fazer ‘umas coisa dessa’, e perguntou
se eu ‘ia ficá tão loca quanto ele’.
He said Mrs. Linton was ‘thrang,’ the master was not in. (1998:259)
Ele disse que a Sra. Linton ‘tinha o que fazê’
67
e que o patrão não estava em casa.
’Aw’d rayther, by th’ haulf, hev ’em swearing imy lugs frough morn tuh neeght, nur
hearken yah, hahsiver!’ said the tenant of the kitchen, in answer to an unheard speech of
Nelly’s. ‘It’s a blazing shaime, ut Aw cannut oppen tBlessed Book, bud yah set up
them glories tuh Sattan, un’ all t’ flaysome wickednesses ut iver wer born intuh t
66
Conforme foi explicado na parte III deste trabalho, o pronome thou poderia ser usado em ocasiões
específicas, de acordo com o código de uso dos falantes do dialeto de Yorkshire. Neste caso, Joseph não
falta com o respeito para com Hareton Earnshaw tratando-o por thou; para a tradução, a forma ocê foi a
solução encontrada para traduzir thou tanto nas ocasiões em que seu uso denota falta de respeito quanto
uma relação de maior afetividade.
67
Thrang significa ocupado, por isso a escolha para traduzir essa expressão por ter o que fazer, bastante
comum na linguagem quotidiana da maior parte da população brasileira.
warld! Oh! yah’re a raight nowt; un’ shoo’s another; un’ that poor lad ’ull be lost,
atween ye. Poor lad!’ he added, with a groan; ‘he’s withched, Aw’m sartin on’t! O,
Lord, judge ’em, fur they’s norther law nur justice amang wer rullers!’ (1998:274)
Eu preferia muito mais eles praguejano nas minha zoreia de manhã
até de noite, e não ouvi vosmecê, de jeito nenhum! disse o ocupante da
cozinha, em resposta a um comentário não ouvido feito por Nelly. É
tamanha vergonha, eu num posso abri o Livro Sagrado que vosmecê
começa a as grória pra Satanás, e toda sua mardade que pode existi
neste mundo! Ora! Vosmecê num serve de nada, e aquela é otra, e o
pobre do minino vai se perdê no meio das duas. Pobre do minino!
acrescentou ele com um gemido. – Ele tá enfeitiçado, tenho certeza disso!
Senhor! Jurga eles, que num tem mais lei nem justiça entre as pessoa!
‘it war’t a crying scandal that she should have fellies at her time of life? And then, to get
them jocks out uh’ t’ Maister’s cellar! He fair shaamed to ’bide still and see it.’
(1998:275)
se num era um baita dum escândalo ela uns namorado naquela idade
dela? E além do mais, ir pegá cumida pr’eles no celero do patrão! Ele
deve de morrê de vergonha de ficá por aqui e vê isso.
‘Tak these in tuh t’ maister, lad’, he said, ‘unbide theare; Aw’s gang up tuh my awn
rahm. This hoile’s norther mensful, nor seemly fur us we mun side aht, and seearch
another!’ (1998:280)
Leva esses pro patrão, meu minino, ele disse e espera por lá, eu indo pro meu
próprio quarto. Esse canto aqui num é decente, nem bom pra nós nós tem que saí, e
percurá otro lugar.
‘Ony books ut yah leave, Aw sall tak’ intuh th’ hahse’, said Joseph, ‘un’ it ’ull be mitch
if yah find ’em agean; soa, yah muh plase yourseln!’ (1998:280)
Cada livro que vosmecê dexá, eu levá eles pra dentro de casa, disse Joseph e
vai sê muita sorte se vosmecê encontrá eles de novo, então, faça o que vosmecê quisé!
‘Aw mun hev my wage, and Aw mun goa! Aw hed aimed tuh dee, wheare Aw’d sarved
fur sixty year; un’ Aw thowt Aw’d lug my books up intuh t’ garret, ’un all my bits uh
stuff, un’ they sud hev t’ kitchen tuh theirseln; fur t’ sake uh quietness. It wur hard tuh
gie up my awn hearthstun, bud Aw thowt Aw could do that! Bud, nah, shoo’s taan my
garden frough me, un’ by th’ heart! Maister, Aw cannot stand it! Yah muh bend tuh th’
yoak, and ye will Aw’m noan used to’t and an ow’d man doesn’t sooin get used tuh
new barthens Aw’d rayther arn my bite, an my sup, wi’ a hammer in th’ road!’
(1998:283)
Eu pegá meu dinhero, e eu s’imbora! Eu bem que gostaria de morrê onde eu
trabaiei por sessenta ano, e eu pensei qu’eu ia botá meus livro no sótão, e minhas
coisa, e eles ia a cozinha pra eles; pr’eu ficá em paz. É difícil abri mão do meu
cantinho, mas eu pensei qu’eu podia fazê isso! Mas não, ela tirô meu jardim de mim,
isso num suporto! Patrão, num pr’eu guentá isso! Vosmecê pode baixá a cabeça, e
vosmecê parece que num liga eu num tô costumado com isso, e um home véio num se
costuma logo com coisa nova eu preferia de ganhá meu pão e minha vida carçano as
estrada!
‘It’s noan Nelly!’ answered Joseph. ‘Aw sudn’t shif fur Nelly nasty, ill nowt as shoo
is, Thank God! shoo cannot stale t’sowl uh nob’dy! Shoo wer niver soa handsome, bud
whet a body mud look at her ’baht winking. It’s yon flaysome, graceless quean, ut’s
witched ahr lad, wi’ her bold een, un’ her forrard ways till Nay! It fair brusts my
heart! He’s forgetten all E done for him, un’ made on him, un’ goan un’ riven up a
whole row ut t’ grandest currant trees, i’ t’ garden!’ and here he lamented outright,
unmanned by a sense of his bitter injuries, and Earnshaw’s ingratitude and dangerous
condition. (1998:283-4)
Num é a Nelly! – respondeu Joseph. Eu é que num ia sdo meu lugar
por causa da Nelly infeliz inúti como ela é, graças a Deus, ela num pode
robá a arma de ninguém! Ela nunca que foi bonita pros home prestá
tenção nela. É essa minina horrive e sem graça, que enfeitiçô nosso
minino, com o zóio aceso dela, e os modo atrevido dela... até... Não! Isso
rebenta meu coração! Ele esqueceu tudo o qu’eu fiz pra ele, e com ele, e
foi direto rancá uma renca intera das groséia das mais bonita, lá no
jardim! E ele começou a lamentar, amargurado pelo sentimento de suas
maiores injúrias, e a ingratidão de Earnshaw e o perigoso estado em que
ele se encontrava.
‘Th’ divil’s harried off his soul,’ he cried, ‘and he muh hev his carcass intuh t’ bargin,
for ow’t Aw care! Ech! what a wicked un he looks girnning at death!’ and the old sinner
grinned in mockery. (1998:298)
– O capeta levô a arma dele, – exclamou ele – e por mim ele deve de levá a
carcaça dele tamém, de contrapeso. Ora! Que jeito ruim ele tem, como
quem tá si rindo pra morte! – E o velho pecador riu com jeito de caçoada.
V. Proposta de tradução para as falas da personagem Hareton:
“Are you going to mak th’ tea?” (1998:9)
– Vosmecê vai fazê o chá?
“Damn the curate, and thee! Gie me that,” he replied. (1998:97)
– Pros diabo c’o pastor e c’ocê! Me dá isso – ele respondeu.
“Devil daddy,” was his answer. (1998:97)
– O diabo do papai – foi sua resposta.
“Naught,” said he, “but to keep out of his gait – Daddy cannot bide me, because I swear
at him.” (1998:97)
Nada disse ele, fide fora do caminho dele... Papai num güenta eu, porque eu
xingo ele.
“I known’t he pays Dad back what he gies to me he curses Daddy for cursing me.
He says I mun do as I will.” (1998:98)
Num sei ele trata papai do jeito que papai trata eu
68
e xinga o papai quando papai
xinga eu. Ele diz que eu devo de fazê o que eu quero.
68
Neste caso, como Hareton Earnshaw ainda é uma criança (5 anos de idade), foi feita a opção pelo uso
do pronome reto eu no lugar da forma obliqua me, característica da fala das crianças, que têm dificuldades
para usar os pronomes oblíquos, muitas vezes até mesmo quando já estão em idade escolar.
“An oath, and a threat to set Throttler on me if I did not ‘frame off’ rewarded my
perseverance.” (1998:121)
Um palavrão, e uma ameaça de colocar Throttler no meu encalço se eu não
‘disaparecesse’ recompensaram minha perseverança.
“Hey, Throttler, lad!” whispered the little wretch, rousing a half-bred bull-dog from its
lair in a corner. “Now, wilt tuh be ganging?” he asked authoritatively. (1998:121)
– Ei, Throttler, moleque! – murmurou o malandrinho, atiçando um mestiço de buldogue
que estava acomodado em um canto. E então, ocê num vai s’imbora daqui? ele
perguntou com ar autoritário.
“I’ll see thee damned, before I be thy servant!” growled the lad. (1998:172)
– Eu quero qu’ocê vá pros inferno antes de eu serví de empregado pr’ocê!
“Damned – thou saucy witch!” he replied. (1998:172)
– Mardita – ocê é uma bruxa ispivitada!
69
– replicou ele.
69
Saucy. adj. Sc. Cum. Yks. Lan. Chs. Der. Not. Lin. Lei. e.An. Ken. I.W. Dev. 2. Full of spirits, lively,
skittish; 4. Proud, vain, conceited. (1900:223, v. V) A escolha de espevitada se deve a um dos sentidos
desse adjetivo, petulante. A ligeira alteração encontrada na tradução foi motivada pela necessidade de
colocar ocê, para indicar com isso a falta de respeito de Hareton Earnshaw em relação a Catherine Linton.
“Why, where the devil is the use on’t?” growled Hareton, more ready in answering his
daily companion. (1998:194)
Ora, e pra que diabos qu’isso serve? grunhiu Hareton, com maior prontidão ao se
dirigir ao seu companheiro de todos os dias.
“If thou wern’t more a lass than a lad, I’d fell thee this minute, I would; pitiful lath of a
crater!” (1998:194)
Se ocê num tivesse mais jeito de guria que de guri, eu te quebrava a cara agorinha
memo, sua criatura fraca e imprestave!
“It wouldn’t do mitch hurt if it did;” and surveyed its legs with a smile. (1998:219)
Ele nun ia machucá muito se fizesse isso, e inspecionou as pernas do pônei com um
sorriso.
“Miss Catherine! I can read yon, nah.” (1998:219)
– Senhorita Catherine! Posso lê isso aqui, agora.
“Get to thy own room!” he said, in a voice almost inarticulate with passion; and his face
looked swelled and furious. “Take her there if she comes to see thee: thou shalln’t keep
me out of this. Begone, wi’ ye both!”(1998:221)
E ocê vai pro seu quarto! disse ele, com uma voz quase inarticulada devido à raiva;
e seu rosto parecia inchado e furioso. Leva ela pra se ela vem pra te vê: ocê num
deve de me botá pra fora. Some daqui, os dois!
“Miss Catherine, I’m ill grieved,” he began, “but it’s rayther too bad –” (1998:222)
– Senhorita Catherine, eu tô muito borrecido – ele começou, – mas é ruim dimais...”
“I’ve brought you something to eat,” said a voice; “oppen t’ door!” (1998:244)
– Eu lhe trouxe uma coisa pra comê – disse uma voz, – abre a porta!
“Tak’ it,” he added, thrusting the tray into my hand.
– Pega ela, – ele acrescentou, colocando a bandeja na minha mão.
“Will you ask her to read to us, Zillah? I’m stalled of doing naught and I do like I
could like to hear her! Dunnot say I wanted it, but ask of yourseln.” (1998:263)
Vosmecê podia pedir pra ela ler pra gente, Zillah? cansado de num
fazer nada; e eu gosto eu bem que gostaria de ouvir ela! Num posso
dizê que eu queria, mas vosmecê pede.
“‘What could I ha’ done?’ began Earnshaw. ‘How was I to blame?’” (1998:263)
– Que é que eu podia tê feito? – começou Earnshaw. – Como é que eu podia tê culpa?
“But, I offered more than once, and asked,” he said, kindling up at her pertness, “I asked
Mr. Heathcliff to let me wake for you –” (1998:263)
Mas, eu ofereci mais de uma vez, e pedi disse ele, se excitando com o atrevimento
dela, – eu pedi pro Sr. Heathcliff pra ele me deixar ficar tomando conta no seu lugar...
“Get off wi’ ye!” he growled, with uncompromising gruffness. (1998:278)
“E ocê some daqui!” – ele grunhiu, com um tom de voz rude e inflexível.
“Will you go to the devil!” he exclaimed, ferociously, “and let me be!” (1998:278)
– E vosmecê vai pro inferno! – ele exclamou, com raiva – e me deixa em paz!
“I shall have naught to do wi’ you and your mucky pride, and your damned, mocking
tricks!” he answered. I’ll go to hell, body and soul, before I look sideways after you
again. Side out o’ t’ gate, now; this minute!” (1998:278)
Eu é que num tenho nada com vosmecê e com seu orgúio sujo, e seus
maldito truque caçoísta! ele respondeu. Eu pro inferno, de corpo e
alma, antes de olhar de novo pro seu lado. Some do meu caminho, agora!
“A companion?” he cried; “when she hates me, and does not think me fit to wipe her
shoon! Nay, if it made me a king, I’d not be scorned for seeking her good-will any
more.” (1998:278)
Companhia! exclamou ele quando ela me odeia, e num me acha
bom pra limpar os sapato dela! Não, nem que com isso eu virasse rei, eu
num ia ser desprezado por querer a amizade dela nunca mais.
“You’re a damned liar,” began Earnshaw; “why have I made him angry, by taking your
part then, a hundred times? and that, when you sneered at, and despised me, and Go
on plaguing me, and I’ll step in yonder, and say you worried me out of the kitchen!”
(1998:278)
Vosmecê é uma maldita mentirosa começou Earnshaw. Por que
então eu fiz ele ficar bravo ficando do seu lado, umas cem vezes? E isso
quando vosmecê caçoava de mim e me desprezava, e... Continua me
atormentando, e eu saio fora e digo que vosmecê me pôs pra fora da
cozinha!
“Nay! you’ll be ashamed of me every day of your life,” he answered. And the more
ashamed, the more you know me; and I cannot bide it.” (1998:280)
Não, vosmecê vai sentir vergonha de mim sua vida inteira ele respondeu. E mais
envergonhada quanto mais me conhecer; e eu não vou suportar isso.
VI. Proposta de tradução para as falas das demais personagens:
Zillah (empregada de Wuthering Heights):
‘Well, Mr. Earnshaw,’ she cried, I wonder what you’ll have agait next! Are we going
to murder folk on our very door-stones? I see this house will never do for me – look at t
poor lad, he’s fair choking! Wisht, wisht! you munn’t go on so come in, and I’ll cure
that. There now, hold ye still.’ (1998:14)
Muito bem, Sr. Earnshaw – exclamou ela. pensando o que vosmecê vai aprontar
da próxima vez! A gente vai matar as pessoas na porta da nossa própria casa? Eu
vendo que esse lugar aqui nunca que vai servir pra mim olha o pobre do moço, ele
afogando! Psiu, psiu! vosmecê num pode continuar assim entra, e eu vou dar um
jeito nisso. Aí, fica direito.
Mr. Earnshaw:
“Nay, Cathy,” the old man would say, “I cannot love thee; thou’rt worse than thy
brother. Go, say thy prayers, child, and ask God’s pardon. I doubt thy mother and I must
rue we ever reared thee!” (1998:37)
Não, Cathy o velho patrão costumava dizer, não posso te amar; ocê é pior que teu
irmão. Vai fazer tuas orações, filha, e peça perdão a Deus. Acho que tua mãe e eu
podemos nos arrepender de te ter criado!
“Why canst thou not always be a good lass, Cathy?” (1998:37)
– Por que ocê não pode ser sempre uma boa guria, Cathy?
Cantiga que Nelly Dean canta para embalar Hareton:
“It was far in the night, and the bairnies grat,
The mither beneath the mools heard that.” (1998:67)
Era tarde da noite e os bebê só chorava,
E a mãe enterrada só iscuitava.
Um pastorzinho de Wuthering Heights:
“Maister Linton wer just ut this side th’ Heights: and he’d be mitch obleeged to us to
gang on a bit further.” (1998:230)
“O Seo Linton tava bem ali do outro lado do Morro: e ele ia ficá muito gradecido se nós
andasse um pouco mais.”
Um estalajadeiro e um camponês:
“Yon’s frough Gimmerton, nah! They’re allas three wick after other folk wi’ ther
harvest.” (1998:271)
Esses vem de Gimmerton, ora! Eles começa a colheita sempre três semana depois
do resto do pessoar.
“Happen fourteen mile o’er th’ hills, and a rough road,” he answered. (1998:271)
São uns vinte e dois quilômetro por cima dos morro; e uma estrada bem das ruim
ele respondeu.
A caseira de Thrushcross Grange:
“Mistress Dean? Nay!” she answered, “shoo doesn’t bide here; shoo’s up at th’ Heights.
[…] “Eea, Aw keep th’ hahse,” she replied. […] “T’ maister!” she cried in
astonishment. “Whet, whoiver knew yah wur coming? Yah sud ha’ send word. They’s
nowt norther dry nor mensful abaht t’ place nowt there isn’t!” […]“Eea, f’r owt Ee
knaw!” she answered, skurrying away with a pan of hot cinders. (1998:272)
A Senhora Dean? Não! respondeu, ela num mora mais aqui: ela no Morro.
[...] É, eu fico tomano conta da casa retrucou ela. [...] O patrão! exclamou ela,
atônita. Ora, quem é que havia de sabê qu’o senhor vinha vino? O senhor devia de
avisado. Num tem nenhum canto seco e decente aqui nessa casa: num tem memo! [...]
Pelo qu’eu sei, tá tudo bem! – respondeu ela, passando rapidamente com um balde cheio
de carvão em brasa.
Um pastorzinho:
“They’s Heathcliff and a woman yonder, under t’ Nab,” he blubbered, “un’ Aw darnut
pass ’em.” (1998:299)
– É o Heathcliff e uma mulher que tão lá, no topo do morro – e ele soluçou – e eu num
tenho corage de passá por eles.
Mary, empregada de Thrushcross Grange:
“Oh, dear, dear! What mun we have next? Master, master, our young lady […] ‘She's
gone, she's gone! Yon Heathcliff's run off wi' her!’ gasped the girl. […] ‘Why, I met on
the road a lad that fetches milk here,’ she stammered, ‘and he asked whether we wern't
in trouble at the Grange I thought he meant for Missis's sickness, so I answered, yes.
Then says he, ‘they’s somebody gone after ’em, I guess?’ I stared. He saw I knew
naught about it, and he told how a gentleman and lady had stopped to have a horse's
shoe fastened at a blacksmith's shop, two miles out of Gimmerton, not very long after
midnight! and how the blacksmith's lass had got up to spy who they were: she knew
them both directly And she noticed the man Heathcliff it was, she felt certain:
nob'dy could mistake him, besides put a sovereign in her father's hand for payment.
The lady had a cloak about her face; but having desired a sup of water, while she drank,
it fell back, and she saw her very plain Heathcliff held both bridles as they rode on,
and they set their faces from the village, and went as fast as the rough roads would let
them. The lass said nothing to her father, but she told it all over Gimmerton this
morning.” (1998:117)
– Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! [...] O qu’é que vai contecê agora? Patrão, patrão, nossa
patroinha… […] Ela foi s’imbora, s’imbora! O tar do Heathcliff fugiu com ela!
resfolegou a garota. […] Ora, eu s’encontrei na estrada com um rapaz que pega leite
aqui – ela gaguejou – e ele me perguntou se nós não tava tendo pobrema aqui na Granja.
Eu pensei que ele tava querendo dizer a doença da patroa, e respondi que sim. Então ele
diz, ‘ah, então tem arguém atrás deles?’ Eu olhei pra cara dele. Ele viu que eu num
sabia de nada, e me contou que um cavalhero e uma dama tinha parado no ferreiro pra
consertar uma ferradura do cavalo, uns três quilômetro de Gimmerton, pouco depois da
meia-noite! E que a filha do ferreiro tinha levantado pra uma espiada e quem eles
era: ela reconheceu os dois na hora e ela viu que o home ele era o Heathcliff, ela
tinha certeza: ninguém não podia s’enganá a respeito – botô um soberano na mão do pai
dela, como pagamento. A dama tinha um véu cobrindo o rosto dela; mas como ela quis
um copo d’água, enquanto ela bebia, o véu caiu, e a menina viu ela direitinho o
Heathcliff segurava as dea dos dois cavalo quando eles foram s’imbora, eles deram as
costa pra vila e foram tão rápido quanto a estrada ruim permitia que eles fosse. A moça
num disse nada pro pai, mas contou pra todo mundo em Gimmerton esta manhã.
Conclusão
Como foi demonstrado ao longo deste trabalho, a tradução do dialeto de
Yorkshire para a língua portuguesa não pode ser feita tendo como base apenas a teoria
da tradução. A idéia apresentada por Anthony Pym, what varieties are doing in cultural
products? forneceu a base para o estudo do dialeto e sua subseqüente tradução; a visão
de Lane-Mercier, sobre a responsabilidade do tradutor, mostrou que, tendo feito sua
análise, o tradutor deve definir seu campo de ação e tentar produzir um trabalho
coerente, mantendo sua posição ideológica e estética, e com a consciência de não poder
produzir a versão definitiva daquela variante dialetal encontrada em um determinado
texto. Entretanto, a proposta de tradução apresentada na parte IV deste trabalho
beneficia-se profundamente dos estudos dialetológicos e lingüísticos, porque, como foi
afirmado no capítulo I, a tradução de cada variante dialetal necessita de soluções
individuais, e elas são fornecidas não por teorias da tradução, mas sim, por estudos
lingüísticos. Estes permitem ao tradutor resolver os problemas com que se depara em
seu trabalho e produzir textos mais próximos da língua falada no dia-a-dia das pessoas.
Retomando a questão apresentada na Introdução, verificamos que compensa
retomar textos já traduzidos – mesmo que eles tenham sido publicados mais de uma vez,
como é o caso de O Morro dos Ventos Uivantes e apresentar novas propostas para sua
tradução de tempos em tempos. Traduções são ‘datadas’, ou seja, elas trazem em si as
marcas da época em que foram feitas; e sobretudo, por quem foram feitas. Os avanços
no campo de estudos tradutológicos certamente irão modificar a visão que tradutores
terão no futuro a respeito das variantes dialetais e de sua função em um texto literário,
quer ele seja poesia ou prosa, e essa nova visão poderá destacar aspectos até então
pouco observados em textos literários traduzidos anteriormente. Para que elas se
beneficiem do conhecimento teórico divulgado nos meios acadêmicos, e possam
oferecer aos leitores textos nos quais não haja a perda de dimensão de que falou Susan
Bassnett, as traduções devem ser periodicamente estudadas por professores, estudantes e
profissionais da tradução, bem como lingüistas, pois este é um assunto complexo que
merece uma abordagem interdisciplinar, abrangente.
Ficou demonstrado neste trabalho que a presença de variantes dialetais em um
texto literário não representa um empecilho para sua tradução; a idéia de
intraduzibilidade de um texto no qual se encontram dialetos se deve muitas vezes mais à
falta de conhecimento lingüístico do tradutor que a uma real impossibilidade de se
realizar um trabalho que alie conhecimentos teóricos e sociolingüísticos. A união destes
dois pode conferir ao texto uma naturalidade que tornará a leitura um ato prazeroso,
tanto para o leitor leigo quanto para o especializado no assunto.
Acreditamos também que os pontos discutidos por Lane-Mercier em seu artigo
Translating the Untranslatable, relativos aos problemas com que o tradutor se depara ao
traduzir socioletos literários, foram contornados na proposta de tradução apresentada na
parte IV deste trabalho. Certamente, a forma como as personagens falantes do dialeto de
Yorkshire, sobretudo Joseph, foram vistas e retratadas não é uma representação da
verdade, ela não tem a pretensão de ser um retrato fiel da realidade lingüística existente
em nosso país; mas, como foi discutido no capitulo I, essa visão da verdade é
impossível de se obter, e o tradutor tem de ter a consciência de estar retratando um
Outro enquanto trabalha. No caso desta tradução, foram dois Outros: os falantes do
dialeto de Yorkshire e aquela parte da população brasileira que não usa a norma
considerada ‘culta’ do português ao se comunicar. Contudo, a base dialetológica e
sociolingüística usada para a realização da proposta de tradução certamente evitam que
as personagens traduzidas sejam retratadas de forma caricata ou preconceituosa, e é esse
o grande valor da contribuição da lingüística no campo de estudos tradutológicos.
Para finalizar, podemos também argumentar que, respondendo àqueles que
comentam tanto sobre as ‘perdas’ ocorridas no processo tradutório de qualquer texto
literário, a proposta de tradução apresentada no capítulo IV representa um ganho: se o
leitor não tem acesso ao texto original em inglês por falta de conhecimento da língua,
ele deve recorrer à tradução para conhecer o romance; as traduções de O Morro dos
Ventos Uivantes feitas até o presente momento ignoraram por diversos motivos o
fato de algumas personagens falarem o dialeto de Yorkshire. Esta proposta, portanto,
acrescenta algo que faltava em traduções anteriores, e esse é um ganho que pode
enriquecer não apenas a leitura daqueles que lêem por amor à literatura, mas também do
leitor especializado. Esperamos que ela possa também incentivar mais pesquisas no
campo de estudos dialetais e tradutológicos, função primordial de todo trabalho
acadêmico.
BIBLIOGRAFIA
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Apêndice
I. Exemplos tirados das outras traduções consultadas
“He replied in a jargon I did not comprehend.” (1998:121)
“Ele respondeu numa linguagem que não compreendi” (19-:165, vol. I)
“O menino respondeu num dialeto que não entendi” (1947:129)
“Respondeu-me numa linguagem que não compreendi” (1958:158,v.I)
“Ele replicou num jargão que não compreendi” (1963:137)
“Respondeu-me numa gíria que não entendi” (1967:161)
“Ele respondeu num linguajar que não compreendi” (1971:167)
“Ele respondeu numa linguagem que não entendi” (1980:130)
“Ele respondeu numa linguagem que não entendi.” (2002:120)
“Replicou num jargão que não entendi.” (2005:158)
“Respondeu-me qualquer coisa em calão, que não percebi.” (s/d:107)
A análise feita na parte III deste trabalho mostra que as alternativas escolhidas
pelos tradutores não são adequadas para o contexto em que a frase foi dita; o mesmo
pode ser visto nos exemplos acima. O termo jargão
70
não pode ser aplicado ao dialeto
de Yorkshire, pois este não é um dialeto exótico (qualquer que seja a acepção de exótico
dada pelo autor do verbete), tampouco é uma mistura de línguas, como uma língua
franca; não é peculiar a uma classe ou profissão, e nem é calão. Tampouco se pode
dizer que dialeto é o mesmo que linguagem, pois uma pesquisa em livros especializados
em dialetologia nos mostra que lingüistas e estudiosos de dialetologia fazem uma
distinção entre linguagem e dialeto; e portanto, essa definição dada pelo dicionário não
pode ser usada em um estudo mais profundo como este pretende ser. Linguajar
71
também não pode ser usado como definição de dialeto, pois uma diferença muito
grande entre modo de falar (que pode ser usado para definir a maneira particular de falar
de cada individuo, independente de ele usar uma variante dialetal de uma língua ou a
chamada ‘norma padrão’ na hora de se comunicar com seus semelhantes, e que muitas
vezes pode ser influenciada por seu estado de espírito e as circunstâncias nas quais o
falante se encontra) e o uso constante de uma variante dialetal de uma dada língua na
comunicação entre os seres humanos. Quanto a gíria
72
, um dialeto não é uma linguagem
70
As definições para jargão e calão podem ser encontradas na parte III deste trabalho.
71
Linguajar: 1. Modo de falar; linguagem; dialeto: O linguajar das crianças. 2. Linguagem popular.
(1998:1260)
72
1. Linguagem especial usada por certos grupos sociais pertencentes a uma classe ou a uma profissão. 2.
Linguagem usada pelos gatunos, malandros e outras pessoas de hábitos duvidosos, para não serem
compreendidos por outras pessoas. (1998:1034)
especial usada por gatunos e pessoas de hábitos duvidosos; nem é característico de um
grupo social ou profissional.
“He answered in his vulgar accent” (1998:219)
“Respondeu com aquele sotaque de gente baixa” (s/d:93,v.II)
“E ele respondeu com aquele sotaque de gente baixa” (1947:229)
“Ao que me respondeu, com aquele sotaque vulgar” (1958:98,v.II)
“Ele respondeu com sua pronúncia vulgar que...” (1963:242)
“...e ele me respondeu no seu tom vulgar” (1967:288)
“Ele respondeu, na sua pronúncia vulgar” (1971:287)
“Respondeu no seu tom vulgar” (1980:230)
“Respondeu no seu tom vulgar.” (2002:212)
“Respondeu-me com o seu sotaque vulgar...” (2005:263)
“Respondeu-me com o seu sotaque peculiar...” (s/d:188)
A partir da análise dos trechos acima citados, vemos que alguns tradutores
encontraram soluções para a tradução que se afastam do texto original, pois ‘sotaque
peculiar
73
e ‘tom vulgar
74
não correspondem a ‘vulgar accent’. A pronúncia de
Hareton Earnshaw não é exclusiva dele (acepção de peculiar); tampouco pode se dizer
que está ligada a seu caráter ou a seu modo de proceder (acepções números 13 e 14 de
tom). A tradução para He answered in his vulgar accent poderia ter sido feita
simplesmente como Ele respondeu com seu sotaque vulgar, pois em português, assim
como em inglês, a palavra vulgar está relacionada à língua falada pelo povo (cf.
1998:2220).
‘It’s some damnable writing,’ he answered. ‘I cannot read it.’
‘Can’t read it?’ cried Catherine; ‘I can read it: it’s English. But I want to
know why it is there.’
Linton giggled – the first appearance of mirth he had exhibited.
‘He does not know his letters,’ he said to his cousin. ‘Could you believe in
the existence of such a colossal dunce?
[…]
‘There’s nothing the matter, but laziness, is there, Earnshaw?’ he said. My
cousin fancies you are an idiot. There you experience the consequence of scorning
“book-larning”, as you would say. Have you noticed, Catherine, his frightful
Yorkshire pronunciation?’ (1998:194)
73
Segundo o Dicionário Michaelis, peculiar significa: 1. Que diz respeito a pecúlio. 2. Especial,
privativo, próprio de uma pessoa ou coisa. (1998:1576)
74
As seguintes definições de tom são dadas pelo Dicionário Michaelis: 1.Grau de elevação ou
abaixamento de um som. 2. Inflexão da voz; certo grau ou abaixamento da voz. 3. Modo peculiar de dizer
alguma coisa. [...] 13. Caráter. 14. Procedimento. (1998:2078)
As traduções do trecho acima são as seguintes:
– São umas danadas de umas letras – respondeu – Não as sei ler.
– Não sabe ler essas letras? – exclamou Catarina – Eu sei; é inglês. O que
eu queria saber é o motivo porque elas ali se encontram.
Linton riu; era a sua primeira demonstração de alegria.
– Ele não sabe ler – disse à sua prima. – Já viu sujeito mais ignorante?
[...]
Preguiça apenas é o que ele tem, não é, Earnshaw Minha prima
imagina que você é idiota. tem o resultado de seu desprezo pela leitura dos
livros, como você diz. notou, Catarina, a sua acentuada pronúncia do
Yorkshire? (19-:61, v.II)
– É um diabo dum escrito, mas não sei ler o que diz.
Não sabe? exclamou Cathy. Eu sei, é inglês. Mas quero saber
porque está lá em cima.
Lintou riu-se. Era a primeira manifestação de alegria que dava.
– Ele não conhece nem as letras do alfabeto explicou à prima. Você
imaginou camarada mais ignorante?
[...]
– Não há nada com ele: o que tem é indolência, não é, Eanshaw? – volveu
Linton. Minha prima imagina que você seja um idiota. Por se medem as
conseqüências da sua atitude de escárnio em relação à ciência dos livros”, como
você diria. Já lhe notou, Cathy, o horrível sotaque de Yorkshire? (1958:63-4, v.II)
Que inscrições danadas! Não sei lê-las.
Não sabe lê-las? gritou Catarina. Eu sei lê-las: são em inglês. Quero
apenas saber porque estão aí.
Linton começou a rir: era a primeira manifestação de alegria de sua parte.
Ele não sabe ler – disse à prima. – Já imaginou que pudesse haver
alguém tão ignorante como esse lorpa?
[...]
Não passa de uma questão de preguiça, não é verdade Earnshaw?
disse. Minha prima pensa que você é idiota. Isto ensinará você a desprezar o
escritório dos livros”, como diz você. Já reparou na sua terrível pronúncia do
Yorkshire? (1967:255)
– É qualquer coisa – respondeu. – não consigo ler.
Não consegue ler? exclamou Catherine. Pois eu posso: está escrito
em inglês. Só quero saber por que está aí.
Linton riu – pela primeira vez, para mim.
– Ele não conhece nem as letras – disse para a prima. – Não é de
espantar que exista alguém tão burro?
[...]
Não nada com ele, a não ser preguiça; não é, Earnshaw? Minha
prima pensa que você é idiota. Aí tem você a conseqüência do seu desprezo pelos
“estudo”, como você diz. Já reparou, Catherine, no horrível sotaque dele?
(1971:256)
– São umas danadas dumas letras – respondeu ele. – Não sei lê-las.
Não sabe lê-las? exclamou Catarina. Pois eu posso. É inglês. Mas
eu desejava saber por que elas estão ali.
Linton escarneceu. Era a primeira manifestação de alegria de sua parte.
– Ele não sabe ler – disse ele à sua prima. – Poderia você imaginar que
houvesse asno maior?
[...]
É preguiça só, o é, Earnshaw? disse Linton. Minha prima está
pensando que você é idiota. Agora você está vendo o que custa desprezar a
“estudação de livros”, como você diz. Notou você, Catarina, sua terrível pronúncia
do Yorkshire? (1980:205)
– São umas danadas dumas letras – respondeu ele. – Não sei lê-las.
Não sabe lê-las?! exclamou Catarina. Pois eu posso. É inglês.
Mas eu desejava saber por que elas estão ali.
Linton escarneceu. Era a primeira manifestação de alegria de sua parte.
Ele não sabe ler disse ele à sua prima. Poderia você imaginar que
existisse asno maior?
[...]
É preguiça só, não é, Earnshaw? disse Linton. Minha prima es
pensando que você é idiota. Agora você está vendo o que custa desprezar a
“estudação de livros”, como você diz. Notou você, Catarina, o seu terrível sotaque
de Yorkshire? (2002:187-88)
– Que letras mais arrevesadas! – murmurou. – Sou incapaz de as ler.
É incapaz? volveu Catherine. Eu leio-as: é inglês. O que queria
saber é porque estão lá.
Lintou soltou um riso de mofa, a primeira expansão de hilaridade que até
aí tivera.
– Nem sabe ler o seu nome – explicou à prima. – Imaginava que existisse
um ignorante desta ordem?
[...]
Não é nada senão mandriice, hem, Earnshaw? disse o filho de
Heathcliff. A prima supõe que és idiota. Conseqüências de fazer pouco dos
estudos... Notou, Catherine, o seu horrível sotaque do Yorkshire? (s/d:167-8)
Nas traduções estudadas na parte III, vemos que houve uma descaracterização do
texto original, presente nos exemplos acima: não houve a tentativa de introduzir
vocábulos pertencentes à linguagem não-padrão, a não ser na tradução feita por Oscar
Mendes que parece ter sido aproveitada por Silvana Laplace e aparece também na
tradução de Renata Cordeiro e Eliane Alambert que a palavra estudação não é
dicionarizada e pode dar ao leitor a idéia de que Hareton não é um falante do inglês
padrão, bem como na de Vera Pedrosa, que coloca ‘os estudo’, usando uma única
marcação de plural, característica da fala das pessoas que não dominam a norma
considerada ‘culta’ da língua – embora não se possa dizer que é exclusiva dessa camada
da população, pois muitas vezes, em ocasiões informais, pessoas que dominam a ‘norma
culta’ usam apenas um marcador de plural também. A alternativa proposta por Celestino
da Silveira, escritório dos livros, além de não remeter ao dialeto de Yorkshire, não faz
muito sentido para o falante do português padrão, sem contudo dar ao leitor a noção de
que Hareton Earnshaw não domina o inglês standard.
O adjetivo frightful, usado para designar o modo como Hareton Earnshaw
falava, foi deixado de lado por José Maria Machado acentuada pronúncia e nas
demais traduções encontramos terrível ou horrível, escolhas compatíveis com o original
inglês; porém, a referência ao condado de Yorkshire foi deixada de lado na tradução de
Vera Pedrosa. Conforme foi comentado na parte III deste trabalho, essa omissão apenas
impede que o leitor entre em contato com a diversidade lingüística e cultural da
Inglaterra, e tal descaracterização do texto deveria ser evitada sempre que possível.
II. Formas do dialeto de Yorkshire encontradas ao longo da narrativa.
Variantes dialetais estão presentes em outras partes do romance, além das falas
da personagem Joseph. Em toda a narrativa, foram encontradas: bairn, beck, bonny,
brach, cant, dunnock, elf-bolts, eft, fain, fairishes, kirk/kirkyard, lad, lass, sough,
starve/-ing/-ed, thible, além do provérbio as mute as mice. Elas não podem ser
qualificadas como características apenas do dialeto de Yorkshire, pois são (ou foram)
usadas em diferentes regiões da Inglaterra, conforme pode ser visto no The English
Dialect Dictionary; entretanto, elas serão analisadas neste apêndice por não fazerem
parte do inglês standard. Muitas vezes, essas variantes têm diferentes significados de
acordo com o local em que são usadas; para o presente trabalho, apenas os significados
relacionados a Yorkshire foram levados em consideração. As variantes serão analisadas
neste apêndice em ordem alfabética, sem relação de importância ou de freqüência
dentro da narrativa. As fontes usadas para encontrar as definições das variantes foram o
Oxford English Dictionary (doravante OED), bem como o The English Dialect
Dictionary (doravante EDD). Caso alguma forma tenha sido encontrada em outra fonte,
esta será informada ao lado da variante dialetal.
Abreviaturas usadas pelo OED.
Dial. – dialect, -al.
Spec. – specifically
Sc.; Scot. – Scottish
North. – northern (dialect)
Var(r).; vars. – variants of.
Lista dos condados mencionados pelo EDD essa lista se refere aos condados
históricos da Inglaterra, e não aos administrativos.
Inglaterra e País de Gales:
Northumberland Nhb.
Durham Dur.
Cumberland Cum.
Westmoreland Wm.
Yorkshire Yks.
Lancashire Lan.
Cheshire Chs.
Staffordshire Stf.
Derbyshire Der.
Notthinghamshire Not.
Lincolnshire Lin.
Rutlandshire Rut.
Leicestershire Lei.
Northamptonshire Nhp.
Warwickshire War.
Worcestershire Wor.
Shropshire Shr.
Herefordshire Hrf.
Gloucestershire Glo.
Bedfordshire Bdf.
Huntingdonshire Hnt.
East Anglia e.An.
Norfolk Nrf.
Suffolk Suf.
Kent Ken.
Sussex Sus.
Hampshire Hmp.
Isle of Wight I.W.
Dorsetshire Dor.
Somersetshire Som.
Devonshire Dev.
Cornwall Cor.
Formas dialetais encontradas durante a narrativa:
“We all kept as mute as mice a full half-hour…” (1998:37) De acordo com o Oxford
English Dictionary, as mute as mice (in a cheese) significa with a muffled voice,
inaudibly (1989:21, vol. X)
“Conservamo-nos todos muito quietos, mudos como ratos, uma boa meia hora...” (19-
:56, v. I)
“Ficamos num grande sossego durante uma boa meia hora...” (1947:42)
“Ficamos assim, sossegados, durante uma boa meia hora...” (1958:51, v.
I)
“Todos nós guardamos silêncio absoluto durante meia hora...” (1963:47)
“Calamo-nos todos durante cerca de meia hora...” (1967:52)
“Ficamos todos calados durante uma meia hora...” (1971:64)
“Conservamo-nos silenciosos, como ratinhos, uma boa meia hora...” (1980:45)
“Conservamo-nos silenciosos, como ratinhos, uma boa meia hora...” (2002:40)
“Ficamos todos quietos, como ratinhos, por uma meia hora…” (2005:69)
“Durante meia hora estivemos ali calados como ratinhos…” (s/d:36)
Bairn. sb. and v. Cum. Wm. neYks. wYks. Lan. neLan. Chs. Der. Lin. Lei.
A child. (1900:134, v. I)
A child; a son or daughter. (Expressing relationship, rather than age) (1989:889, v.II)
‘Oh, such a grand bairn!’ she panted out. (1998:56)
“Oh! que meninão! arquejava.” (19-:79, v. I)
“Oh, é uma criança enorme! arquejava ela.” (1947:62)
“É uma criança deste tamanho – exclamou, ofegante.” (1958:74, v. I)
“Que criança linda! – gritou.” (1963:66)
“Oh, que meninão! – gritou ofegante.” (1967:75)
“Um bebê e tanto! – ofegou ela.” (1971:86)
“Oh! que meninão!” – arquejou ela. (1980:63)
“Oh! Que meninão! – ela ofegou.” (2002:58)
“Ah, é um nenê tão grande!” (2005:89)
“Foi um rapaz!” (s/d:51)
Who has taught you those fine words, my barn? (1998:97)
“Quem te ensinou essas belas palavras, meu rapaz?” (19-:132, v. I)
“Quem lhe ensinou essas lindas palavras, meu filho?” (1947:104)
“Quem lhe ensinou estes lindos nomes, meu bem?” (1958:126, v. I)
“Quem lhe ensinou essas belas palavras, menino?” (1963:111)
“Quem lhe ensinou aquelas bonitas palavras, menino?” (1967:129)
“Quem lhe ensinou a falar assim, hein?” (1971:136)
“Quem te ensinou essas belas palavras, meu rapaz?” (1980:106)
“Quem lhe ensinou essas bonitas palavras, meu rapaz?” (2002:96)
“Quem lhe ensinou palavras tão refinadas, menino?” (2005:132)
“Quem te ensinou esses palavrões, meu menino?” (s/d:86)
Beck. sb. Dur. Curm. Wm. Yks. Lan. Not. Lin. Nrf. Suf. Sus.
1. A brook, a small stream or river. (1900:213, v. I)
The sky is blue, and the larks are singing, and the becks and brooks are all brim full.
(1998:118)
“...o céu está azul e as cotovias cantam; os riachos e ribeirões correm a transbordar.”
(19-:162, v. I)
“O céu está azul, as cotovias estão cantando e os riachos e ribeiros correm cheios.”
(1947:126)
“...o céu é azul, cantam as calhandras e os regatos e ribeiros começam a transbordar.”
(1958:155, v. I)
“O céu está azul, as cotovias estão cantando e os regatos e arroios bem cheios.”
(1963:135)
“...o céu está azul, as cotovias cantam e os rios estão cheios.” (1967:158)
“...o céu está azul, as cotovias cantam e os córregos e os riachos estão transbordando.”
(1971:164)
“O céu está azul, as cotovias cantam e os riachos e ribeiros correm completamente
cheios.” (1980:127)
“O céu está azul, as cotovias cantam e os riachos e ribeiros correm completamente
cheios.” (2002:117)
“O céu está azul, as cotovias cantam e os córregos e os riachos estão bem cheios.”
(2005:156)
“O céu está azul, as cotovias cantam, os rregos correm cheios até às bordas.”
(s/d:104)
Bonny. adj. adv. and int. Sc. irel. All n. countries of Eng. To Der. Also Lin. Rut. Lei.
War. Shr. eAn. Ken. Sus. Hmp. I.W.
1. adj. Beautiful, handsome, pretty, fine, pleasant to look at. (1900:337, v. I)
1. Pleasing to the sight, comely, beautiful, expressing homely beauty. Now in common
use only in Scotland and in north or midland counties of England; occasionally
employed with local or lyrical effect, by English writers, but not a word of ordinary
English prose. 4. Sc. and Eng. dial. A general epithet of eulogy or appreciation,
answering nearly to ‘fine’ in its vaguest sense: like ‘fine’ also often ironical. (1989:389-
90, v. II)
“Now, my bonny man, I’m going to Liverpool to-day…” (1998:30)
“Sigo hoje para Liverpool, meu rapaz.” (19-:46, v. I)
“Estou de viagem para Liverpool hoje, meu velho.” (1947:35)
“Estou de viagem para Liverpool hoje, meu velho.” (1958:42, v. I)
“Bem, meu homenzinho. Vou hoje a Liverpool...” (1963:40)
“Meu filhinho, tenho de ir a Liverpool...” (1967:43)
“...e disse dirigindo-se ao filho: ‘– Vou a Liverpool...’” (1971:56)
“Agora, meu rapaz, sigo para Liverpool hoje.” (1980:37)
“Meu rapaz, hoje eu vou para Liverpool.” (2002:33)
“Bem, meu bom jovem, vou a Liverpool hoje...” (2005:62)
“...e participou , dirigindo-se ao filho, que ia a Liverpul...” (s/d:31)
“On the morning of a fine June day, my first bonny little nursling…” (1998:56)
“Certa manhã de um lindo dia de Junho, nasceu o primeiro belo menino de quem eu tive
de cuidar...” (19-:79, v. I)
“Na manhã de um lindo dia de junho, nasceu a primeira criança de quem cuidei...”
(1947:62)
“Na manhã de um belo dia de junho, nasceu a primeira criança que amamentei...”
(1958:74, v. I)
“Na manhã de um belo dia de junho, nasceu o primeiro rebento de minha linda
patroa...” (1963:66)
“Numa linda manhã de junho nasceu o primeiro nenê que tive de criar...” (1967:75)
“Numa bela manhã de junho, nasceu o meu primeiro bebezinho...” (1971:86)
“Numa manhã de belo dia de junho nasceu o primeiro lindo bebê que tive que criar...”
(1980:63)
“Numa bela manhã de junho nasceu o primeiro lindo bebê que precisei criar...”
(2002:58)
“Na manhã de um belo dia de junho, nasceu o primeiro nenê que tive que criar...”
(2005:89)
“Numa bela manhã de um dia de Junho, veio ao mundo um lindo menino, o primeiro de
quem fui ama...” (s/d:51)
Now, my bonny lad, you are mine! (1998:165)
“Agora, meu bonito rapazinho, és todo meu.” (19-:23, v. II)
“Agora, meu lindo rapaz, você é meu!” (1947:173)
“Agora, meu rico menino, você me pertence!” (1958:25, v. II)
“Agora, meu belo menino, você é meu!” (1963:185)
“E agora, meu bom rapaz, você é meu!” (1967:218)
“Agora, meu rapazinho, você é meu!” (1971:221)
“Agora, meu rapazola, és meu!” (1980:175)
“Agora, meu rapaz, você é meu!” (2002:160)
“Agora, meu rapazinho, você é meu!” (2005:204)
“Agora, meu lindo menino, és meu!” (s/d:144)
Bonniest. Não há um verbete específico em nenhum dos dois dicionários
consultados, mas supõe-se que a formação do superlativo siga a regra geral do
inglês. A forma bonniest foi encontrada duas vezes na narrativa; em um
exemplo já citado acima e no exemplo a seguir.
A wild, wick slip she was but she had the bonniest eye, and sweetest smile, and
lightest foot in the parish… (1998:36)
“Era um diabinho irrequieto e selvagem, mas era a garota de olhar mais alegre, de
sorriso mais doce e de pés mais ligeiros em toda a paróquia.” (19-:54, v. I)
“Era um tico de gente levada da breca, um diabrete. Mas era a garota de olhar mais
alegre, de sorriso mais meigo e de pé mais ligeiro de toda a paróquia.” (1947:41)
“Era um tico de gente levada da breca, um diabrete. Mas era a garota de olhar mais
alegre, de sorriso mais meigo e de pé mais ligeiro de toda a paróquia.” (1958:49, v. I)
“Era uma criaturinha selvagem, rebelde mas tinha o olhar mais lindo, o sorriso mais
doce e os pés mais leves da paróquia...” (1963:45-6)
“Era uma plantinha rústica e maligna: mas tinha o olhar mais claro, o sorriso mais doce,
o passo mais ágil de toda a paróquia...” (1967:50)
“Era um diabinho mas tinha os olhos mais bonitos, o sorriso mais doce e os pés mais
ágeis de toda a paróquia...” (1971:62)
“Um selvagem diabinho! Mas tinha os olhos mais alegres, o sorriso mais
doce e o pé mais ligeiro de toda a freguesia.” (1980:44)
“Um selvagem demoniozinho! Mas tinha os olhos mais alegres, o sorriso mais doce e o
pé mais ligeiro de toda a paróquia.” (2002:39)
“Uma molequinha endemoninhada, mas tinha os olhos mais lindos, o sorriso mais doce
e era a menina mais ativa de toda a região.” (2005:68)
“Era bravia, endiabrada... mas com olhos tão lindos, um sorriso adorável e o pezinho
mais ligeiro de todas estas redondezas.” (s/d:35)
Brach. Sb. Obsol. Sc. n.Lin.
A bitch-hound. (1900:369, v. V)
Now, was it not the depth of absurdity - of genuine idiocy, for that pitiful, slavish,
mean-minded brach to dream that I could love her? (1998:133)
“Ora, não era o cúmulo do absurdo e da estupidez da parte dessa coitada, dessa servil e
pobre criatura, imaginar que eu pudesse amá-la?” (19-:181, v. I)
“Mas não chega a ser o auge do absurdo, não é sandice legitima esta coitada, sórdida,
estúpida criatura cuidar que eu a amasse?” (1947:141)
“Agora diga-me, Nelly, não é o cúmulo do absurdo, da mais pura imbecilidade, aquele
indivíduo, coitado, servil e estúpido, chegar a pensar que eu a amasse?” (1958:172, v. I)
“Não é isso o abismo do absurdo, da prefeita idiotice, desta cadelinha servil, pobre de
espírito, pensar que posso amá-la?” (1963:151)
“Convenhamos: não era talvez o cúmulo do absurdo, da mais rematada estupidez, para
uma misera e ignóbil criatura, pensar que eu a pudesse amar?” (1967:177)
“Ora, não é o cúmulo do absurdo – da idiotice, esse espírito tacanho, servil e desprezível
sonhar, sequer, que eu poderia ter-lhe amor?” (1971:182-3)
“Vejamos, não é o cúmulo do absurdo, da estupidez da parte dessa lamentável, dessa
servil e baixa criatura, imaginar que eu pudesse amá-la?” (1980:143)
“Vejamos, não é o cúmulo do absurdo, da estupidez da parte dessa lamentável, dessa
servil e baixa criatura, imaginar que eu pudesse amá-la?” (2002:131)
“Não é iso o cumulo do absurdo, da perfeita idiotice, que esta cadela patética, servil e
desprezível sonhe que eu possa amá-la?” (2005:171)
“Pois não será o cúmulo do absurdo e da patetice que esta criatura servil e mesquinha
pudesse supor que eu a amasse?” (s/d:117)
Cant. v. and sb. Sc. Irel. Yks. Chs. Der. Lin. Lei. Nhp. War. Wor. Shr. Hrf. Glo. Bdf.
Hnt. Cor.
2. v. To talk gossip; to tell tales, backbite, slender; to scold. (1900:509, v. I)
adj. and v. Cum. Wm. Yks. Lan. Chs. Der.
1. Brisk, vigorous, hale and hearty, esp. of an old person; merry, cheerful, talkative.
(1900:510, v. I)
a. Sc. and north. dial. Bold, brisk, courageous, hearty, lusty, lively, hale. The Sc. sense
leans to ‘Lively, merry, brisk’; cf. Jamieson, who compares ‘cant men’ (armed
followers) with ‘merry men’ of the ballads. (1989:843, v.II)
“‘Don't you cant, Nelly,’ he said. ‘Nonsense!…’” (1998:41)
“Não me venha com sermões, Nelly, disse ele, – tolices!” (19-:62, v. I)
“Deixe de fingimento, Nelly! Tudo isso é tolice!” (1947:46)
“Deixe de fingimentos, Nelly! Tudo isso é tolice!” (1958:56, v. I)
“Deixe de tolice, Nelly!” (1963:51)
“Não me pregue sermões, Nelly: tudo isso são tolices.” (1967:57)
“Ora, não aborreça, Nelly...” (1971:69)
“Não venha com sermões, Nelly. Deixe-se de tolices!” (1980:49)
“Não venha com sermões, Nelly. Deixe de bobagens!” (2002:44)
“‘Não me venha com lições de moral, Nelly! disse. – Não tem cabimento!...’”
(2005:73)
“Não sejas hipócrita, Nelly! Que disparate!” (s/d:39)
“...I remembered how old Earnshaw used to come in when all was tidied, and call me a
cant lass...” (1998:48)
“... e então lembrei-me de que o velho Earnshaw costumava vir, quando tudo estava
limpo e chamava-me ‘uma boa moça’...” (19-:70, v.I)
“...recordei-me então que o velho Earnshaw, quando entrava na sala e encontrava tudo
limpo, chamava-me de ‘boa pequena’...” (1947:53)
“...recordei então que o velho Earnshaw, quando entrava na sala e encontrava tudo
limpo chamava-me de ‘boa pequena’...” (1958:64, v.I)
“...e depois me lembrei de como o velho Earnshaw costumava aparecer, quando tudo
estava arrumado, chamar-me de imprestável...” (1963:58)
“...e me voltava à mente o velho patrão, que tinha o costume de vir sempre ver se tudo
estava em ordem e me chamava – boa filhinha...” (1967:65)
“Lembrei-me, então, de como o velho Earnshaw costumava entrar na cozinha, quando
tudo já estava em ordem, elogiando o meu trabalho...” (1971:77)
“...lembrava-me então de que o velho Earnshaw costumava ali entrar, quando tudo
estava limpo, e me chamava brava rapariga...” (1980:55)
“...e lembrava-me então de que o velho Earnshaw costumava ali entrar, quando tudo
estava limpo, e me chamava brava rapariga...” (2002:50)
“...e recordava-me de como o velho Sr. Earnshaw costumava entrar ali quando tudo
estava em ordem, e me chamava de jovem criada...” (
2005:81)
“...e recordei-me então do patrão velho, que costumava ali entrar quando tudo estava no
maior asseio e, chamando-me rapariga activa...” (s/d:45)
Canty. adj. and adv. Sc. Irel. Nhb. Cum. Wm. Yks. Lan. Stf. Linc.
1. adj. Pleasant, cheerful, merry, brisk, lively. (1900:512, v. I)
“My mother lived till eighty, a canty dame to the last.” (1998:203-4)
“Minha mãe viveu até aos oitenta e muito esperta até o fim.” (19-:73, v. II)
“Minha mãe chegou aos oitenta, e foi uma velha dura até o fim.” (1947:213)
“...minha mãe viveu até os oitenta e foi uma velha dura até o fim.” (1958:76, v. II)
“Minha mãe morreu aos oitenta.” (1963:225)
“Minha mãe viveu até os oitenta anos e sempre rija.” (1967:267)
“Minha mãe chegou aos oitenta, cheia de energia até o fim.” (1971:267)
“Minha mãe viveu até os oitenta e se manteve muito esperta até o fim.” (1980:215)
“Minha mãe viveu até os oitenta e se manteve muito esperta até o fim.” (2002:196)
“A minha mãe viveu até aos oitenta anos, uma senhora vivaz até o fim.” (2005:245)
“A minha mãe viveu até aos oitenta, e sempre lúcida.” (s/d:175)
Dunnock. sb. and adj. Yks. Lan. Chs. War. Wor. Nrf. I.W. Dor. Som. Der.
1. The hedge-sparrow. (1900:212, v. II)
“And Hareton has been cast out like an unfledged dunnock.” (1998:30)
“Hareton foi expulso do ninho, como carriça implume!” (19-:45, v. I)
“Hareton foi expulso do ninho como um passarinho implume!” (1947:34)
“Hareton foi expulso do ninho como um passarinho implume!” (1958:41, v. I)
“E Hareton foi posto de lado como um idiota!” (1963:39)
“Aquele pobre Hareton foi depenado como um passarinho.” (1967:42)
“Hareton é que ficou sem nada!” (1971:55)
“Hareton foi expulso do ninho como uma carriça implume!” (1980:36-7)
“Hareton foi expulso do ninho como um passarinho implume!” (2002:33)
“E Hareton foi expulso do ninho, como uma toutinegra ainda sem penas.” (
2005:61)
“E o Hareton é que foi expulso do ninho como uma carriça implume!” (s/d:30)
Eft. sb. A small lizard or lizard like animal (1989:89, vol. V)
“Keep your eft’s fingers off; and move, or I’ll kick you!” (1998:243)
“Tire de cima de mim esses dedos de lagartixa e afaste-se, se não quer apanhar um
pontapé...” (19-:125, v. II)
“Tire seus dedos de mim, e afaste-se, senão meto-lhe os pés!” (1947:255)
“Tire de mim os seus dedos de lagartixa e saia daqui, se não lhe dou uns
pontapés!” (1958:130, v. II)
“Largue-me e afaste-se, senão lhe dou um pontapé!” (1963:267)
“Tire daqui esses dedos nojentos, se não quer que a encha de pontapés!” (1967:319)
“Tire esses dedos de cima de mim; e afaste-se, ou lhe dou com o pé!” (1971:317)
“Tire de cima de mim esses dedos de lagartixa e vá-se embora, ou então eu a mandarei
passear com um bom pontapé...” (1980:254)
“Tire de cima de mim esses dedos de lagartixa e embora, ou então eu a mandarei
passear com um bom pontapé!” (2002:235)
“Tire de mim estes seus dedos de salamandra, e afaste-se, ou a rechaçarei a pontapés!”
(2005:289)
“Afasta de mim esses dedos de lagartixa, e gira daqui, senão levas um pontapé...”
(s/d:208)
Elf-bolts
Elf. sb. Sc. Irel. Nhb. Yks. 1. In comb. (2) elf-bolt, see -shot.
(8) -shot, (a) an arrow-head or flint; (b) shot or cast by fairies; (c) a disease in persons
or cattle, supposed to be caused by the evil agency or elves or fairies. (1900:247, v. II)
“This bed is the fairy cave under Peniston Crag, and you are gathering elf-bolts to hurt
our heifers…” (1998:108)
“Esta cama é a gruta das fadas debaixo do rochedo de Peniston e tu estás neste momento
apanhando as pontas das flechas para matar com elas as nossas novilhas...” (19-:148, v.
I)
“Esta cama é a caverna das fadas, debaixo de Peniston Crag, e você está apanhando elf-
bolts para com elas matar nosso gado...” (1947:115)
“Minha cama é a caverna das fadas, debaixo dos rochedos de Penistone, e você está
juntando pedras para atirar em nossas vitelas...” (1958:141, v. I)
“Este leito é uma caverna encantada, embaixo do Penhasco de Peniston, e você está
colhendo ervas para fazer mal aos nossos bezerros...” (1963:124)
“Esta cama é a gruta das fadas sob as Rochas de Penstone; e você está apanhando as
flechas dos anõezinhos para ferir os nossos meninos...” (1967:144)
“Esta cama é a caverna das fadas que debaixo de Peniston Crag e você está juntando
flechas de gnomos para acertar as nossas novilhas...” (1971:151)
“Esta cama é a gruta das fadas debaixo do rochedo de Penistone e tu apanhas neste
momento as pontas das flechas para matar com elas nossas novilhas...” (1980:117)
“Esta cama é a gruta das fadas debaixo de rochedo de Penistone e você apanha neste
momento as pontas das flechas para matar com elas as nossas novilhas...” (2002:107)
“Esta cama é a gruta das fadas debaixo do Rochedo Pennistow, e eu a vejo juntando
flechas de elfos para ferir as novilhas...” (2005:144)
“Esta cama é a gruta das fadas debaixo do Peniston Crag, e tu estás a juntar as setas de
ponta de sílex para matar as nossas vitelas...” (s/d:96)
“So you do seek elf-bolts to hurt us!” (198:114)
“Por isso você andava apanhando seixos para Elf-bolts (Flechas de fadas) para atacar-
nos!” (19-:155, v. I)
“Anda procurando elf-bolts para nos ferir!” (1947:121)
“Então, anda procurando pedras para machucar-nos?” (1958:148, v. I)
“Então, você anda procurando ervas daninhas para nos fazer mal!” (1963:130)
“Recolhe as flechas dos anõezinhos para atingir-me!” (1967:151)
“Então, é verdade que você procura ferir-nos!” (1971:158)
“Com que então apanhavas flechas de fadas para ferir-nos!” (1980:123)
“Quer dizer, então, que você pegava flechas de fadas para nos ferir!” (2002:112)
“É por isso que procurava flechas de elfos para ferir-nos!” (2005:149)
“Afinal, procuravas as flechas para nos ferires...” (s/d:100)
Fain. adj. and adv. Sc. Irel. Nhb. Dur. Cum. Wm. Yks. Lan. Chs. Der. Lei. Nhp.
War. Hnt. e.An.
1. adj. Glad, happy, well-pleased.
2. Desirous, eager. Also used advb. (1900:280, v. II)
“Joseph was fain, I believe, of the lad’s removal…” (1998:260-61)
“José estava resignado, creio eu, com a morte do rapaz...” (19-:147)
“Joseph, segundo creio, estava satisfeito com a morte do rapaz...” (1947:272)
“Joseph, creio, ficou contente com o falecimento do rapaz.” (1958:152, v. II)
“Joseph ficou satisfeito, creio, com o passamento do rapaz...” (1963:284-5)
“Creio que José estava contente com o fim do rapaz...” (1967:341)
“Joseph estava ansioso, eu acho, de que o rapaz fosse removido...” (1971:337)
“José estava resignado, creio eu, com a morte do rapaz.” (1980:271)
“José estava resignado, penso eu, com a morte do rapaz.” (2002:249)
“Joseph estava ansioso, eu acho, para que o corpo do rapaz fosse removido...”
(2005:309)
“Joseph, creio eu, ficou indiferente à morte do rapaz...” (s/d:221-2)
Fairishes. A definição dada por Ian Jack em suas notas para Wuthering
Heights é: forma dialetal de fairies. (1998:313)
“I want to see where the goblin hunter rises in the marsh, and to hear about the fairishes,
as you call them…” (1998:172)
“Quero ver onde o caçador de diabinhos aparece na charneca e ouvir contra coisas a
respeito das ‘fadas’, como você diz.” (19-:32, v. II)
“Quero ver onde o caçador de gnomos aparece no pântano, e ver ‘as artes das fadas’
como diz você.” (1947:180)
“Quero ver em que trecho do pântano aparece o caçador de duendes e ouvir sobre as
‘fádicas’, como você diz...” (1958:34, v. II)
“Quero ver onde o caçador de duendes se levanta no pântano e ouvir falar a respeito
dessas bruxarias como você as chama.” (1963:192)
“Quero ver o lugar onde aparecem os caçadores dos anõezinhos e ouvir outra vez aquela
história das ‘fadas’, como você as chama.” (1967:226)
“Quero ver onde é que aparece o caçador de duendes, na charneca, e ouvir você falar
das fádais, como você diz.” (1971:229)
“Desejo ver o lugar em que o caçador de diabinhos aparece nos pântanos e ouvir falar
das ‘fadas’, como você as chama.” (1980:182)
“Desejo ver o lugar em que o caçador de diabinhos aparece nos pântanos
e ouvir falar das ‘fadas’, como você as chama.” (2002:166)
“Quero ver onde aparece o caçador de duendes na charneca, e ouvir sobre as fadinhas,
como você lhes chama...” (2005:212)
“Quero ver o lugar onde o caçador-fantasma aparece no pântano e ouvir histórias de
fadices, como tu disseste há pouco.” (s/d:149)
Kirk. sb. and v. Sc. Irel. Nhb. Dur. Cum. Wm. Yks. Lan. Der. Lin. ?Dev.
1. sb. A church; the Church, esp. the Church of Scotland; the congregation of a church.
Also used attrib.
2. Comb. (76) -yard, a churchyard. (1900:451, v. III)
1. The Northern English and Scotch form of the word
CHURCH
, in all its senses.
(1989:458, v. VIII) Kirkyard: Northern form of
CHURCHYARD
: now confined to
Scotland. (1989:459, v. VIII)
“Find a way, then! not through that Kirkyard…” (1998:112)
“Então, se descobres um caminho! Mas, não através do cemitério.”
(19-:153, v. I)
“Então descubra um caminho... que não seja através do cemitério.”
(1947:119)
“Mas, então, descubra um caminho!” (1958:146, v. I)
“Encontre um meio, então! Não através daquele cemitério.” (1963:127)
“Procura um caminho, então: mas não através do cemitério.” (1967:149)
“Procura um caminho, então! Mas não através do cemitério!” (1980:121)
“Procure um caminho, então! Mas não através do cemitério!” (2002:111)
“Encontre um caminho, então! Não pelo cemitério da igreja.” (2005:147)
“Pois então, que procure um caminho! Não através do cemitério..” (s/d:99)
“...and they refused to bury you in the precincts of the kirk?” (1998:297)
“...e não queiram enterrá-lo nas dependências do cemitério?” (19-:193, v. II)
“...eles podem se recusar a enterrá-lo no cemitério?” (1947:310)
“Sabe que podem recusar-se a enterrá-lo no cemitério?” (1958:200, v. II)
“...e recusem enterrá-lo no terreno da Igreja?” (1963:322)
“...que depois recusem sepultá-lo no recinto da igreja...” (1967:386)
“...e se recusassem a enterrá-lo no campo santo?” (1971:381)
“...e que se recusem a enterrá-lo no terreno da igreja?” (1980:308)
“...e que se recusem a enterrá-lo no terreno da igreja?” (2002:283)
“...e que eles se recusem a enterrá-lo nos limites do cemitério?” (2005:346)
“...e que se recusam a sepultá-lo no recinto sagrado?” (s/d:251)
Lad. sb. and v. Var. dial. uses in Sc. and Eng.
3. A familiar or affectionate term for a man; a husband, son, or boon companion, a
fellow.
6. A manservant, menial; a farm-servant. (1900:496, v. III)
That brute of a lad has warmed me nicely. (1998:52)
“Aquele garoto estúpido esquentou-me bastante.” (19-:74, v. I)
“Aquele garoto estúpido me tirou do sério.” (1947:57)
“Aquela peste de garoto esquentou-me um bocado.” (1958:69, v. I)
“O bruto daquele menino me cansou muito.” (1963:62)
“Aquele animal me fez perder a paciência!” (1967:70)
“Aquele bruto esquentou-me o sangue.” (1971:81)
“Aquele bruto me fez perder o sangue frio completamente.” (1980:59)
“Aquele bruto me fez perder o sangue-frio completamente.” (2002:54)
“Aquele rapazinho rude me esquentou agradavelmente.” (2005:85)
“Aquele brutinho pôs-me fora de mim.” (s/d:48)
Poor lad; I'm sorry too. (1998:163)
“Pobre rapaz! Também o sinto.” (19-:23, v. II)
“Pobre rapaz! Também o lamento.” (1947:172)
“Pobre homem, também sinto a sua morte!” (1958:23, v. II)
“Coitado! Eu também estou sentindo.” (1963:183)
“Coitado: também tenho pena.” (1967:216)
“Pobre rapaz! Também sinto.” (1971:219)
“Pobre rapaz! Também eu estou triste.” (1980:174)
“Pobre rapaz! Também eu estou triste.” (2002:158)
“Pobre rapaz! Também lamento.” (2005:203)
“Coitado! Também o lamento.” (s/d:142)
And, to begin my kindness, Joseph! bring the lad some breakfast. (1998:184)
“E para dar começo à minha bondade, José, traga alguma coisa para este menino
almoçar.” (19-:48, v. II)
“E para dar início à minha bondade: Joseph, sirva o almoço ao rapaz.” (1947:193)
“E, para começar: Joseph, dê de comer ao rapaz!” (1958:50, v. II)
“E para começar minha bondade, Joseph, traga comida para o menino.” (1963:204)
“Para dar começo à minha bondade, José, traga comida para o menino.” (1967:241)
“Para começar, Joseph, traga algo para o rapazinho comer.” (1971:243-4)
“E, para dar início à minha bondade, José, traga alguma refeição para o rapaz.”
(1980:195)
“E, para dar início à minha bondade, José, traga alguma comida para o rapaz.”
(2002:177)
“E, para começar a mostrar a minha bondade, Joseph, traga o café da manhã para o
garoto.” (2005:225)
“E, para começar o meu papel de pai extremoso, Joseph, traz o almoço ao garoto.”
(s/d:159)
I’d have loved the lad had he been some one else. (1998:192)
“Eu ter-me-ia afeiçoado a esse rapaz, se ele fosse outro...” (19-:58, v. II)
“Olhe que eu teria amor a esse rapaz, se ele fosse de outra raça...” (1947:201)
“Seria capaz de querer-lhe se fosse outra pessoa.” (1958:60, v. II)
“Gostaria de que o menino tivesse sido diferente.” (1963:212)
“Gostaria muito dele... se não fosse como é.” (1967:251)
“Se ele fosse filho de outro, acho que o amaria.” (1971:253)
“Eu teria gostado desse rapaz se ele fosse outro...” (1980:203)
“Eu teria gostado desse rapaz se ele fosse outro...” (2002:185)
“Gostaria do rapaz, se fosse outra pessoa.” (2005:233)
“Gostaria desse rapaz se não fosse quem é.” (s/d:165)
Why, Joseph will take care of the house, and, perhaps, a lad to keep him company.
(1998:300)
“José tomará conta da casa e terá talvez um moço para fazer-lhe companhia.” (19-:197,
v. II)
“Joseph, para tomar conta da casa, e talvez um rapaz que lhe sirva de companhia.”
(1958:204, v. II)
“Ora! Joseph tomará conta da casa e talvez um rapaz lhe fará companhia.” (1963:325)
“José cuidará da casa e terá talvez um rapazinho para fazer-lhe companhia.” (1967:390)
“Joseph ficará tomando conta da casa e talvez um rapaz, para lhe fazer companhia.”
(1971:385)
“Ora, José tomará conta da casa e terá talvez um rapaz para fazer-lhe companhia.”
(1980:310)
“José tomará conta da casa e terá talvez um rapaz para lhe fazer companhia.”
(2002:285)
“Joseph, é claro; tomará conta da casa e, talvez algum empregado lhe faça companhia.”
(2005:349)
“Ficará o Joseph, para tomar conta da casa, e talvez um rapaz para lhe fazer
companhia.” (s/d:254)
Lass. sb. Sc. Irel. Nhb. Dur. Cum. Wm. Yks. Lan. Chs. Lin. ?Glo. ?Ken. ?Som.
1. A girl, a young woman.
4. A maid-servant, a servant-girl. (1900:529, v. III)
1.a. A girl. In northern and north midland dialects the ordinary word; in the southern
counties it has little or no popular currency. b. spec. A maid-servant.
Sc. and nort. dial
.
(1989:670, v. VIII).
Why canst thou not always be a good lass, Cathy? (1998:37)
“Por que não és sempre boazinha, Cathy?” (19-:56, v. I)
“Por que tu não és sempre boazinha, Cathy?” (1947:42)
“Por que não és sempre boazinha, Cathy?” (1958:51, v. I)
“Por que não podes ser sempre uma boa menina, Cathy?” (1963:47)
“Por que é que você não é sempre uma filhinha boa?” (1967:52)
“Por que não hás de ser sempre uma boa menina, Cathy?” (1971:64)
“Por que não podes ser sempre uma boa menina, Cathy?” (1980:45)
“Por que não pode ser sempre uma boa menina, Cathy?” (2002:40)
“Por que não pode ser sempre uma boa menina, Cathy?” (2005:69)
“Porque não hás-de ser sempre assim boazinha, Cathy?” (s/d:36)
“And, besides, you should have known better than to choose such a rush of a lass!”
(1998:56).
“Além disso, tu é que devias ter sabido escolher coisa melhor que esse fiapo de gente!”
(19-:80, v. I)
“E além disso você devia ter sabido escolher mulher mais rija, em vez
desse fiapo de rapariga!” (1947:62)
“De mais a mais, você devia ter sabido escolher outra mulher que não esse trapo de
rapariga!” (1958:75, v. I)
“E, além disso, você deveria ter pensado melhor antes de escolher uma moça assim!”
(1963:66-7)
“E depois, o senhor deveria ter pensado melhor e não escolher uma moça tão
delicada...” (1967:76)
“Além do mais, você deveria ter tido o cuidado de não escolher uma mulher tão
fraquinha!” (1971:87)
“E demais, tu é que deverias ter sabido escolher outra mulher, e não esse fiapinho de
gente!” (1980:63)
“Além disso, você é que deveria ter sabido escolher outra mulher, e não
esse fiapinho de gente!” (2002:58)
“E, de mais a mais, o senhor deveria ter-se informado melhor antes de escolher uma
mulher tão frágil.” (2005:89)
“Aliás, você tinha obrigação de escolher melhor esposa do que essa criaturinha tão
frágil.” (s/d:52)
“Hareton, get forwards with the lass.” (1998:189)
“Hareton, vá na frente, com a moça.” (19-:55, v.II);
“Hareton, vá à frente com a moça.” (1947:198)
“Hareton, caminhe à frente com a rapariga.” (1958:57, v.II)
“Hareton, vá na frente com a menina.” (1963:210)
“Hareton, vá na frente com a moça.” (1967:248)
“Hareton, vá à frente com a menina.” (1971:250)
“Hareton, vá na frente com a moça.” (1980:200)
“Hareton, vá na frente com a moça.” (2002:183)
“Hareton, vá na frente com a moça.” (2005:230)
“Hareton, segue à frente com a menina.” (s/d:163)
…besides, that lass owes me her services for her bread… (1998:254)
“Além do mais, esta jovem senhora deve-me alguns serviços, em troca do pão que
comer.” (19-:138, v. II)
“Além disso, essa rapariga terá que me pagar o pão que comer.” (1947:265)
“Além do mais, esta moça terá de trabalhar para pagar-me o pão de cada dia.”
(1958:144, v. II)
“Além disso, essa menina terá que me prestar serviço para pagar seu sustento.”
(1963:278)
“Por outro lado, esta moça me deve os seus serviços pelo pão que me come.”
(1967:333)
“Além do mais, essa moça deve-me serviços em troca do sustento.” (1971:329)
“Além disso, essa jovem senhora me deve serviços em troca do pão que vai comer.”
(1980:264)
“Além disso, essa jovem senhora me deve serviços em troca do pão que vai comer.”
(2002:244)
“Além do mais, essa moça me deve serviços para pagar o seu sustento.” (2005:302)
“Além disso esta rapariga trabalhará para pagar o seu sustento...” (s/d:216)
Sackless. adj. and sb. Sc. Nhb. Dur. Cum. Wm. Yks. Lan.
4. Weak in mind or body; feeble, helpless, wanting in energy.
5. Dispirited, melancholy; moping. (1900:197, v. V)
“‘Yes’, I observed, ‘about as starved and sackless as you...’” (1998:203)
“Sim, – observei – quase tão estiolada e abatida como você.” (19-:73, v. II)
“Sim, respondi, quase tão abatida e estiolada quanto você...” (1947:212)
“Parece – respondi – quase tão abatida e mirrada quanto Miss Cathy...” (1958:76, v. II)
“É sim – observei. – Abatida e desarvorada como a menina...” (1963:224)
“Ora – observei, tem um aspecto friorento e aborrecido, quase igual ao seu...”
(1967:266-7)
“É sim – falei – quase tanto [melancólico] como o seu...” (1971:266)
“Sim, mais ou menos tão estiolada e inerte como você.” (1980:214)
“Sim, mais ou menos tão definhada e inerte como a senhorita.” (2002:196)
“É – comentei – Quase tão fraco e desmotivado como a senhorita...” (2005:244)
“A menina ainda parece mais fraca, com essas faces sem cor…” (s/d:175)
Stalled. ppl. a. 3. Of an animal: Confined to a stall; fattened in a stall for killing. lit. and
fig. (1989:475, vol. XVI)
“Oh, I’m tired – I'm stalled, Hareton!” (1998:266)
“Oh! estou cansada… estou como um animal em estrebaria, Hareton!” (19-:154, v. II)
“Oh, estou cansada! Estou como um cavalo enfarado, Hareton!”
(1947:278)
“Estou cansada, estou farta, Hareton!” (1958:159, v. II)
“Oh! Estou cansada... estou esmagada, Hareton!” (1963:290)
“Oh, Hareton, estou cansada, não posso mais ficar fechada aqui!” (1967:347)
“Oh, como estou cansada... Sinto-me embolorada, Hareton!” (1971:344)
“Oh! estou cansada... estou como um animal que não sai da estrebaria, Hareton!”
(1980:276)
“Oh! Estou cansada... estou como um animal que não sai da estrebaria, Hareton!”
(2002:255)
“Oh, estou cansada… sinto-me como se estivesse confinada num estábulo, Hareton!”
(2005:314)
“Estou tão aborrecida... Hareton, sinto-me como se ‘encurralada’!” (s/d:226)
Starve; -ed; -ing. v. and sb. Var. dial. uses in Sc. Irel. Eng. and Amer.
3. To perish with cold; to suffer or cause to suffer from extreme cold. (1900:735, v. V)
Starve. 5.a. To die of exposure to cold; chiefly used hyperbolically, to suffer extreme
cold, to be benumbed or ‘dead’ with cold. Now only north. (1989:547, v. XVI).
“Ellen, shut the window. I’m starving!” (1998:77)
“Ellen, feche a vidraça. Estou tremendo.” (19-:105-6, v. I)
“Ellen, feche a janela! Estou morrendo de frio.” (1947:83)
“Ellen, feche a janela. Estou morrendo de frio.” (1958:100, v. I)
“Ellen, feche a janela. Estou morrendo de frio!” (1963:89)
“Feche a janela, Ellen! Quer que eu fique congelada?” (1967:102)
“Ellen, feche a janela. Estou morrendo de frio!” (1971:111)
“Helena, fecha a janela. Estou tiritando!” (1980:84)
“Helena, feche a janela. Estou tremendo de frio!” (2002:77)
“Ellen, feche a janela. Estou morrendo de frio!” (2005:112)
“Ellen, fecha a janela. Morro de frio!” (s/d:69)
“…he was sure she was starved./‘I’ve been starved a month and more’, she answered,
resting on the word, as scornful as she could.” (1998:262).
“Tinha a certeza de que ela estava gelada./Há mais de um mês que venho tiritando de
frio – respondeu ela, destacando as palavras, com todo o desdém.” (19-:149, v. II)
“...sabia que ela morria de frio./Há mais de um mês que morro de frio, respondeu Mrs.
Heathcliff pondo nas palavras tanto desdém quanto lhe era possível.” (1947:274)
“...calculava que a prima estava morrendo de frio./Faz um mês, ou mais, que estou
morrendo de frio – respondeu ela, imprimindo às palavras quanto escárnio podia.”
(1958:155, v. II)
“...ela devia estar morte de fome, observou./Estou passando fome mais de um mês
ela replicou, acentuando as palavras da maneira mais desdenhosa possível.” (1963:286)
“...calculava que ela devia estar morrendo de frio./Há mais de um mês que estou
congelada respondeu ela, acentuando bem as palavras com todo o seu desprezo.”
(1967:343)
“...pois certamente ela estaria com frio./Tenho estado com frio um mês
e tanto respondeu ela, da maneira mais desdenhosa possível.”
(1971:339)
“Estava seguro de que ela gelava./Há mais de um mês que gelo disse ela, apoiando a
palavra, com todo o desdém.” (1980:272)
“Tinha certeza de que ela gelava./‘Faz mais de um mês que gelo’, disse ela.” (2002:251)
“...pois tinha certeza de que ela estava gelada./‘Tenho passado frio mais de um mês’
– respondeu ela, pondo em cada palavra o máximo de desprezo possível.” (2005:310)
“...dizendo que ela devia estar enregelada./Há mais de um mês que o estou respondeu
desdenhosamente.” (s/d:223)
Thible. sb. and v. Nhb. Yks. Lan.
1. A smooth stick or spatula, used for stirring broth, porridge. (1900:86-7, v. VI)
“…the quicker the thible ran round, and the faster the handfuls of meal fell into the
water.” (1998:125)
“...mais depressa fazia girar a colher e mais depressa atirava à água punhados de
farinha.” (19-:170, v. I)
“...mais depressa fazia girar a colher e mais depressa atirava na água os punhados de
farinha.” (1947:133)
“...tanto mais rapidamente eu girava a colher e tanto mais depressa enfiava n’água,
punhados de farinha.” (1958:161, v. I)
“...tanto mais rapidamente a colher corria em torno e mais rápidos os punhados de aveia
caíam na água.” (1963:142)
“...tanto mais agilmente mexia a colher de pau e tanto mais rapidamente as mancheias
de farinha caíam na água.” (1967:166)
“...tanto mais depressa a colher de pau remexia na caçarola e os punhados de aveia
caíam dentro dela.” (1971:171-2)
“...mais depressa fazia girar a colher e mais depressa derramava na água
os punhados da farinha.” (1980:133-4)
“...mais depressa fazia girar a colher e mais depressa derramava na água os punhados de
farinha.” (2002:123)
“...mais veloz a colher rodava na panela, e mais rápido os punhados de aveia
mergulhavam na água.” (2005:162)
“...fazendo girar cada vez mais depressa o colherão e lançando na água mancheias de
farinha.” (s/d:10)
III. Comentário sobre as traduções das variantes dialetais.
Segundo mostra o The English Dialect Dictionary, as variantes dialetais usadas
por Emily Brontë em seu romance não são exclusivas do dialeto de Yorkshire, e a
abrangência de uso delas engloba uma extensa região do norte da Inglaterra
75
. No
entanto, como o estudo feito por Petyt salienta, algumas das variantes encontradas em O
Morro dos Ventos Uivantes são usadas até hoje no condado de Yorkshire (2001:i), fato
que comprova sua importância no romance e a necessidade, por parte dos tradutores, de
tentar encontrar soluções que possam mostrar ao leitor essa característica tão
significativa do texto original. Mas, o que se pode notar de maneira preponderante em
todas as traduções consultadas, e não apenas as brasileiras, é que essas variantes foram
ignoradas pelos tradutores, ou então traduzidas dentro da norma considerada padrão da
língua, algumas vezes com resultados que não primam pela exatidão, e que dão ao leitor
uma idéia diferente daquela presente no texto original.
A tradução de algumas dessas variantes para a língua portuguesa pode ser
bastante difícil, pois a situação lingüística do Brasil é bastante diversa daquela da
Inglaterra, e como o propósito da proposta de tradução apresentada na parte IV deste
trabalho é não estabelecer uma conexão que possa ser percebida facilmente entre as
personagens do romance e falantes de uma região específica do Brasil, o uso de
determinadas palavras típicas do vocabulário de determinados estados brasileiros
poderia acarretar essa ligação indesejada. Além do mais, a particularidade de algumas
das variantes torna ainda mais difícil traduzi-las para o português: por exemplo, a
palavra lad pode significar ao mesmo tempo rapaz e empregado; o mesmo acontece
com lass, que significa moça e empregada. esse fato nos levaria a ter de escolher
no nimo duas palavras para traduzir cada um desses vocábulos, pois seria difícil
encontrar uma única palavra no léxico do português falado no Brasil que englobasse
essas duas características e, ao mesmo tempo, pertencesse a uma fala não-padrão.
Como foi visto na primeira parte deste apêndice, os tradutores brasileiros
optaram de maneira geral por soluções dentro da norma considerada padrão da língua
portuguesa para a tradução das variantes dialetais encontradas em O Morro dos Ventos
Uivantes. A seguir, serão feitos breves comentários sobre tais variantes e suas
75
Verificar mapa dos condados históricos da Inglaterra na pág. ??
traduções; quando possível, serão sugeridas alternativas que possam indicar ao leitor
que as personagens estão usando formas não-padrão da língua.
A expressão We all kept as mute as mice a full half-hour, que aparece uma única
vez na narrativa, é, de acordo com as anotações feitas por Ian Jack para a Oxford
World’s Classics Edtion of Wuthering Heights, dialetal. Para sua tradução, entretanto,
foram encontradas soluções que, ou a ignoram (ficar sossegados, em silêncio) ou então
se aproximam bastante do original inglês (ficar quieto como ratos), que não é de uso tão
corrente no português brasileiro. Dada a grande variedade de provérbios e expressões
populares encontradas na língua portuguesa, uma alternativa possível seria “Durante
meia hora, não soltamos um pio...”, ou, em uma tradução mais livre, “Durante a meia
hora seguinte, dava até para escutar uma mosca voando”, que dariam ao leitor a idéia de
uma linguagem mais próxima do oral, e não tão ligada à escrita. Neste caso, não se trata
tanto de procurar uma expressão dialetal para a tradução, mas sim de tentar manter no
texto traduzido um elemento de oralidade presente na narrativa.
A palavra bairn aparece quatro vezes na narrativa, e de acordo com as definições
dadas pelos dicionários consultados, significa filho pequeno, criança. Encontrar uma
forma não-padrão no português para traduzir bairn torna-se difícil, devido ao uso
majoritário da palavra filho em todo o território brasileiro. Vemos que os tradutores
optaram por criança, bebê, rapaz, menino, em diferentes ocasiões. Uma possível
alternativa seria utilizar a forma fio, com a substituição lh > i, bastante comum na língua
falada.
Beck aparece também quatro vezes ao longo da narrativa, sendo traduzido por
regato, riacho, rio. Vale notar que rio é uma alternativa que não corresponde ao
original, pois uma diferença entre um riacho e um rio, de acordo com seu volume de
água e sua profundidade. Uma alternativa para a tradução de beck seria ribeiro, palavra
dicionarizada, sinônimo de ribeirão, mas de uso mais restrito, o que poderia dar ao
leitor a idéia de que no original existe uma palavra que não faz parte da fala quotidiana
das pessoas.
Bonny aparece onze vezes no romance, sendo usado como adjetivo para se
referir tanto a seres humanos (bonny lass, bonny lad) como animais (bonny bird, bonny
beast), e também a uma canção (bonny tune). Sua tradução para o português torna-se
difícil, porque as formas bonito e belo são correntes em nossa língua, e não oferecem
muitas oportunidades para alterações gráficas que pudessem dar ao leitor a idéia de a
personagem usar uma forma não-padrão da língua. Podemos notar que, em algumas
ocasiões, a palavra bonny foi omitida da tradução, como em bonny little nursling e
bonny lad. No caso de a bonny tune, uma possível alternativa seria uma música das
mais bonita, que poderia dar a para o leitor a impressão de algo mais próximo da
linguagem oral que da escrita. Nos outros casos, a opção fica entre bonito e lindo,
ocasionando uma pequena perda na tradução.
Em relação à palavra brach (cadela, cachorra), apenas uma tradução consultada
faz referência a ela a de Renata Cordeiro e Eliane Alambert, “Não é iso o cúmulo do
absurdo, da perfeita idiotice, que esta cadela patética, servil e desprezível sonhe que eu
possa amá-la?” (2005:171, meu itálico) As demais traduções omitem essa palavra,
diminuindo com isso o peso da fala da personagem Heathcliff ao se referir à sua esposa
Isabella. Neste caso, não se trata somente da omissão de uma variante dialetal, mas sim,
da alteração desnecessária da fala da personagem, que não traz benefícios ao leitor do
texto traduzido pelo contrário, pode causar uma perda de dimensão, conforme disse
Susan Bassnett (ver parte I deste trabalho). Uma alternativa possível para brach seria
cusco, palavra de uso corrente no Rio Grande do Sul, e que designa um cachorro
pequeno e geralmente sem raça definida. O uso de cusco está restrito a uma região
pequena do país, e poderia causar dificuldades de leitura para a maioria da população,
além da óbvia associação com o povo gaúcho, mas pode servir como sugestão, pois é
uma palavra facilmente encontrada em bons dicionários (cf. Michaelis, pág. 629). Outra
opção seria a palavra guapeca, de uso corrente no estado de São Paulo até meados do
século XX. As alternativas mais simples seriam cadela ou cachorra, mas devemos
considerar que a existência de alternativas menos comuns pode dar ao texto traduzido a
mesma característica presente no original inglês.
Outro exemplo a ser analisado é o da palavra cant, usada tanto como verbo como
quanto adjetivo. Para “Don’t you cant, Nelly”, encontramos as seguintes traduções:
‘fingimento’, ‘tolice’, ‘não seja hipócrita’, que se afastam do sentido do verbo to cant
(dar sermões). Como dar/fazer/passar sermão é de uso corrente no Brasil e não transmite
ao leitor uma idéia de expressão não pertencente à língua falada corriqueiramente, uma
alternativa possível seria o uso do verbo sermonar, cujo uso é bastante restrito no
Brasil: “Não sermone, Nelly.” Esse verbo pertence à norma considerada culta da língua
portuguesa; não é usado apenas em regiões específicas do país, e não chega a causar
empecilhos para a leitura. Ao ser usado como adjetivo, em cant lass, ele foi traduzido
por ‘boa moça/pequena/filhinha’, ‘brava rapariga’; ou então por ‘jovem criada’, que não
apresentam nenhuma conexão com a expressão encontrada no texto inglês, ou até
mesmo foi omitido na tradução de Vera Pedrosa (...elogiando meu trabalho...). Porém,
mais notável é a tradução de David Jardim Jr., “...e depois me lembrei de como o velho
Earnshaw costumava aparecer, quando tudo estava arrumado, chamar-me de
imprestável...” (1963:58, meu itálico) Essa tradução descaracteriza por completo o texto
inglês, não apenas com a omissão de duas variantes dialetais, cant e lass, mas sobretudo
pela alteração do sentido original: o que era um cumprimento a Nelly Dean feito pelo
velho Earnshaw transforma-se quase em algo mais próximo a um xingamento
imprestável e que não faz sentido dentro do próprio contexto em que foi dito: poucas
pessoas chamariam a uma empregada de imprestável e depois lhe dariam dinheiro como
presente de Natal. Neste caso, uma opção possível para traduzir cant seria
trabalhadeira, que, embora pertença à língua padrão, transmite ao leitor com maior
precisão o que o velho Earnshaw diz a Nelly Dean: ele a cozinha tão limpa, bem
arrumada, e a congratula por isso. A palavra trabalhadeira ainda dá a opção de, com
uma ligeira alteração ortográfica, dar a idéia de que o falante não está usando a língua
padrão: trabalhadera.
Dunnock foi traduzido como passarinho, carriça, toutinegra, e em duas ocasiões
foi omitido da tradução (um idiota, ficou sem nada). Neste caso, talvez a melhor
tradução seja simplesmente passarinho implume, por causa da referência (ainda que não
muito ostensiva) feita por Nelly Dean, a narradora, ao modo de proceder do cuco: a
fêmea bota seus ovos em ninhos de outras aves, que alimentam o filhote como se fosse
seu, e o cuco expulsa os demais filhotes do ninho. De acordo com o ponto de vista de
Nelly Dean, Heathcliff age como um cuco, se apropriando das posses da família
Earnshaw, que o havia recebido e alimentado quando ele era criança, e Hareton, grande
prejudicado pelo modo de agir de Heathcliff, foi destituído de seus direitos quando
ainda era muito pequeno e não podia se defender.
Uma das variantes dialetais mais difíceis de traduzir é elf-bolts. De acordo com
os dicionários consultados, essa expressão refere-se à crença tida pelas pessoas em
determinados locais da Inglaterra de que as pedras de sílex usadas por povos pré-
históricos e que podiam ser encontradas até mesmo no século XVIII (época em que se
situa a maior parte da narrativa de O Morro dos Ventos Uivantes), eram na verdade
pontas das flechas usadas por fadas com intuitos malignos, para causar mal aos animais.
Nas traduções consultadas, vimos que a de José Maria Machado traz, na primeira
referência, uma nota de rodapé explicativa; na segunda, ele deixa o original em itálico,
com a tradução entre parênteses. A tradução da Rachel de Queiroz (1947), traz o
original inglês em ambas as frases, na primeira menção, uma nota de rodapé
informando para o leitor o significado dessa expressão; na reimpressão da tradução de
Rachel de Queiroz feita em 1995, a explicação para elf-bolts é encontrada entre
parênteses no corpo do texto na primeira vez em que é mencionada (1995:111); na
segunda menção (1995:116), encontramos apenas a expressão original inglesa em
itálico. A opção desses dois tradutores de colocar uma nota de rodapé ou mesmo no
corpo do texto esclarece o leitor brasileiro; e mesmo que possam ser feitas objeções a
esse tipo de explicação, pelo menos o sentido original da palavra é mantido. Entretanto,
em outras traduções vemos que não houve sequer uma tentativa de encontrar uma
solução para o problema apresentado por essa expressão, e que as escolhas feitas pelos
tradutores se afastam completamente do texto inglês: pedras (na tradução de Octavio
Mendes Cajado); ervas (na tradução de David Jardim Jr.); flechas de anõezinhos
(tradução de Celestino da Silveira); flechas de gnomos (tradução de Vera Pedrosa);
pontas das flechas (traduções de Oscar Mendes e Silvana Laplace) esta última fica
bastante vaga, pois o leitor pode ficar se perguntando a quais flechas a personagem
Catherine se refere, pois não em sua fala uma menção anterior a nenhum tipo delas.
Na tradução de Celestino da Silveira, até mesmo a palavra heifers (novilhas), foi
traduzida por meninos, uma completa descaracterização do texto original. A opção de
Renata Cordeiro e Eliane Alembert, flechas de elfos, transmite em parte a idéia de que
Cathy está falando de alguma coisa pertencente ao campo da superstição ou da crendice
populares, pois a palavra elfo (aportuguesamento do inglês elf) é bastante conhecida por
leitores brasileiros, por ser muitas vezes encontrada em textos clássicos da literatura
infantil, contos de fadas, ou mesmo literatura de fantasia, gênero que está se
popularizando cada vez mais no país.
Um ponto que deve ser observado é a tradução da expressão fain, encontrada
uma única vez na narrativa. De acordo com o EDD, fain pode ter dois significados: 1.
feliz, contente; 2.ansioso. Em suas notas para a Oxford World’s Classics Edition de
Wuthering Heights, Ian Jack informa que fain significa glad about (1998:316);
concordando com a primeira definição apresentada pelo EDD. No entanto, em duas das
traduções brasileiras, encontramos resignado, palavra que não corresponde ao original
inglês. Se formos pensar no contexto em que a palavra está inserida, a opção por feliz,
contente, seria a mais adequada para traduzir fain, pois Joseph não tinha amizade pelo
jovem Heathcliff e se ressentia com a situação em que Hareton Earnshaw (legitimo
herdeiro da propriedade) se encontrava; a morte de Linton Heathcliff, para ele, seria
mais um motivo de alegria do que de resignação. Quanto ao uso de ansioso, a segunda
definição dada pelo EDD, é um termo que pode ser usado, embora pareça um pouco
estranho, pois a ansiedade de Joseph para se ver livre do corpo do rapaz não faz muito
sentido no contexto em que a expressão é usada. Neste caso específico, torna-se um
pouco mais difícil encontrar uma forma da língua não-padrão, ou uma forma pouco
usual, para traduzir fain dando-lhe o significado de feliz, contente; talvez o mais
importante fosse mesmo ater-se ao significado da palavra e evitar transmitir ao leitor do
texto traduzido uma impressão errônea devido a uma escolha pouco criteriosa na hora
de traduzir.
Fairishes também apresenta problemas nas traduções consultadas. As
alternativas propostas pelos tradutores são: fadas, artes das fadas, fádicas, bruxarias,
fádais, fadinhas. Considerando que, no trecho em que aparece a forma fairishes
Catherine Linton está se referindo a algo que Hareton lhe dissera antes, podemos supor
que ela estivesse simplesmente reproduzindo a palavra por ele usada, ou seja, uma
forma pertencente ao dialeto de Yorkshire ou ao inglês não-padrão. Portanto, uma boa
opção seria a forma fádicas, usada por Octavio Mendes Cajado, por não ser
dicionarizada e transmitir ao leitor a noção de que uma palavra pertencente à forma não-
padrão da língua foi usada no texto original. Fadas, artes das fadas e fadinhas, embora
se atenham ao que foi dito por Hareton Earnshaw, são formas comuns na linguagem
padrão; quanto a fádais, não transmite a sensação de ser um léxico dialetal, que
muitas pessoas, por uma simples questão de acomodação na hora de falar, acabam
acrescentando um i no final das palavras (p.ex.: vocês > vocêis; talvez > talveiz) . Nesse
trecho ainda outro problema: a tradução da palavra goblin, que aparece como
diabinho, gnomo, duende, anõezinhos. De acordo com a tradição folclórica da Inglaterra
(e talvez de outros países europeus), goblin é uma pequena criatura que gosta de causar
problemas para os seres humanos. A palavra diabo (ou diabinho) tem, na mentalidade
das pessoas, uma associação um pouco maior com a religião, uma oposição entre bem
(Deus) e mal (diabo), e por isso não é uma solução adequada para traduzir goblin. Da
mesma forma, anão (ou anãozinho), também não é uma boa alternativa, pois no nosso
imaginário os anões podem ser tanto associados às boas quanto às más ações, e eles
vivem em cavernas ou casas, não em pântanos. Por isso, consideramos que duendes ou
gnomos são as melhores soluções para a tradução de goblin.
A palavra lass aparece 11 vezes no romance; usada não apenas por Joseph (a
única personagem que usa o dialeto de Yorkshire constantemente ao longo da
narrativa), mas também pelo velho Mr. Earnshaw; por Nelly Dean, por uma empregada
de Wuthering Heights; por uma empregada de Thrushcross Grange; pelo Dr. Kenneth;
por Heathcliff; porém, sua tradução é quase sempre ‘menina’ ou ‘rapariga’, vocábulos
comuns na língua portuguesa falada no Brasil, sem ligação com nenhuma forma
regional encontrada em nosso país. Mesmo se considerarmos o fato de no Brasil temos
uma situação de multidialetismo ameno (para usarmos a expressão de Fernando
Tarallo), e que dificilmente poderíamos encontrar uma expressão que pudesse ser usada
para traduzir o termo lass em suas duas acepções (menina e empregada), seria possível
usar guria, para criar uma diferença entre os termos girl (menina), maid (empregada) e
lass (guria) usados em diferentes ocasiões durante a narrativa de O Morro dos Ventos
Uivantes. A palavra guria, de origem tupi, é encontrada em grande parte do território
brasileiro, podendo mesmo servir como alternativa para lass quando esta é empregada
no sentido de criada; e como seu uso é mais restrito que o da palavra menina, sua
presença na tradução mostraria ao leitor ao menos em parte a diferença existente entre
os falantes do dialeto e do inglês standard. Entre os falantes brasileiros uma
tendência a considerar que guri e guria são formas usadas exclusivamente no Rio
Grande do Sul, o que poderia levar à conexão indesejada do texto traduzido com esse
estado brasileiro, mas na verdade guri e guria foram usados com bastante freqüência em
certas áreas do estado de São Paulo até pelo menos o começo do século XX. Mais
característico da região sul do Brasil é o uso de piá para se referir a menino; e,
principalmente no Rio Grande do Sul, prenda para se referir às meninas. O Dicionário
Michaelis indica que piá, (cuja origem é tupi-guarani), é usado nas regiões sul e central
do país (1998:1612); segundo esse mesmo dicionário, uma das acepções da palavra
prenda é moça, esposa, jovem (1998:1689), e não nenhuma explicação quanto ao
local em que prenda tem esses significados.
A expressão starved não ocasionou problemas de tradução, talvez mais pelo
contexto em que ela se encontra que por uma percepção maior dos tradutores de que se
trata de uma variante dialetal: na primeira vez em que ela é mencionada, “Ellen, shut the
window. I’m starving!”, as traduções são praticamente iguais: estou morrendo de frio,
estou tiritando (de frio, fica subentendido); estou gelando. Nenhuma das traduções traz
uma referência à fome (o sentido habitual da palavra no inglês padrão), não por uma
preocupação dos tradutores em manter a presença do dialeto de Yorkshire mas sim por
uma simples questão de associação Catherine passou a noite na chuva, está com o
corpo molhado, doente, e pede a Ellen que feche a janela obviamente por estar com
frio. Na terceira vez em que a palavra starved é mencionada, entretanto, há uma
tradução que foge completamente ao sentido do verbo to starve: na tradução de David
Jardim Jr., “...ela devia estar morta de fome, observou./Estou passando fomemais de
um mês ela replicou...Vemos que as demais traduções se mantêm fiéis ao sentido
dialetal da palavra, talvez por associação (Hareton convida Catherine para sentar-se
perto do fogo), mas outra vez, esse fato só pode se dever ao sentido geral da frase, e não
ao conhecimento do dialeto que os tradutores pudessem ter. No entanto, é interessante
observar que, no primeiro exemplo “Ellen, shut the window. I’m starving!”, David
Jardim Jr. usou “Estou morrendo de frio!”, esse fato parece indicar que ele não se
preocupou com o sentido da palavra no primeiro momento, e simplesmente relacionou a
janela aberta e a doença de Catherine Earnshaw para traduzir a expressão. Porém, ao se
deparar com a expressão pela terceira vez, ele parece não ter se dado conta de tê-la
visto anteriormente, e a traduziu de acordo com o sentido mais habitual, passar fome.
Para finalizar, uma última observação: alguns exemplos encontrados para
ilustrar os verbetes do EDD e do OED são tirados do livro Wuthering Heights, por
exemplo, elf-bolts, sackless e dunnock. Estes exemplos confirmam a importância da
presença de tais variantes dialetais na narrativa, e reforçam a idéia de que é válido
procurar palavras da língua portuguesa para dar ao leitor a impressão de que algumas
das personagens usam formas dialetais (ou da língua não-padrão) quando falam. A
tradução de todas essas palavras para a norma culta do português acaba ocasionando o
que se poderia chamar de adaptação indevida da obra, além da trazer perdas para a
tradução em seu conjunto.
IV. As traduções de Wuthering Heights em outras línguas
Exemplos citados na parte III da dissertação
“He replied in a jargon I did not comprehend.” (1998:121)
“Me contestó en una jerga que no pude comprender” (19-:132)
“Él me replicó con unas palabras ininteligibles.” (2001:148)
“Me contestó en una jerga que no fui capaz de comprender.”(2003:180)
“Il me répondit dans un jargon que je ne comprenais pas.” (1979:164)
“Il répondit dans un jargon que je ne pus comprendre.” (2005:169)
“Lui mi rispose in um dialetto che non capii” (2006:145).
Assim como nas traduções em português, encontramos problemas nas traduções
em espanhol, francês e italiano: em duas traduções em espanhol pode ser encontrada a
palavra jerga
76
, na francesa, jargon
77
. Assim como em português, uma discrepância
entre as formas usadas na tradução (jerga, jargon) e as definições dadas para tais
palavras nos dicionários, ocasionando com isso um desvio no sentido do texto original;
a tradução italiana é a única que mantém a palavra dialeto.
“He answered in his vulgar accent” (1998:219)
“Contestó, con su vulgar acento” (s/d:236)
“Él contestó, con su tosco acento habitual...” (2001:256)
“...contestó él con su acento vulgar” (2003:318)
“Il répondit avec son accent vulgaire.” (1979:284)
“Il me répondit avec son accent vulgaire” (2005:291)
“Lui ha risposto com quel suo accento volgare” (2006:258)
Neste caso, as traduções se mantêm próximas do texto original, a única alteração
ocorre na utilizaçao da palavra tosco. Porém, como um dos significados de tosco pode
ser inculto (cf. 1992:2001), a tradução não se distancia tanto do texto inglês. entretanto,
no trecho a seguir vemos que há omissões mais graves:
76
De acordo com o Diccionario de la Lengua Española da Real Academia: 1. Lenguaje especial y familiar
que usan entre si los individuos de ciertas profesiones y oficios, como toreros, estudiantes, etc. 2.
jerigonza, lenguaje difícil de entender. (1992:1203, vol. II)
77
Segundo o Dicionário Robert: 1.Langage deforme, fait d’éléments disparates; langage
incompréhensible; 2. Langage particulier à un groupe et caractérisé par sa complication, l’affectation de
certains mots, de certaines tournures. Façon de s’exprimer propre à une profession, une activité,
difficilement compréhensible pour le profane. 3. Argot ancien. (2000:1370).
‘It’s some damnable writing,’ he answered. ‘I cannot read it.’
‘Can’t read it?’ cried Catherine; ‘I can read it: it’s English. But I want to
know why it is there.’
Linton giggled – the first appearance of mirth he had exhibited.
‘He does not know his letters,’ he said to his cousin. ‘Could you believe in
the existence of such a colossal dunce?
[…]
‘There’s nothing the matter, but laziness, is there, Earnshaw?’ he said. My
cousin fancies you are an idiot. There you experience the consequence of scorning
“book-larning”, as you would say. Have you noticed, Catherine, his frightful
Yorkshire pronunciation?’ (1998:194)
– Es una de esas malditas cosas escritas – repuso. – No puedo leerla.
¿Que no puede leerla, dice? exclamó Catalina. Pues yo puedo; está
en inglés. Pero quiero saber por qué está allí.
Linton rio sarcasticamente. Era aquella la primera muestra de alegría que
daba.
No conoce el abecedario dijo a su prima. ¿Se imaginó alguna vez
que pudiese existir en el mundo semejante borrico?
[...]
¿No es más que pereza, Earnshaw, verdad? dijo Linton. Mi prima
cree que es usted un idiota. He aquí a donde conduce su desprecio por “lo que se
encuentra en los libracos”, como dice usted. Catalina, ¿advirtsu horrible acento
campesino? (s/d:209-10)
– No sé leer ese condenado escrito – contestó.
– ¿Que no puedes leerlo? respondió Cati. Yo que lo leo, pero lo que
quiero es saber por qué está ahí.
Linton soltó una risotada, primera manifestación de alegría que daba.
– No sabe leer – comunicó a su prima. – Supongo que te asombrará saber
que es un burro tan grande.
[...]
¿Verdad que todo es cuestión de pereza, Hareton? dijo –. Mi prima se
imagina que eres un idiota. Entérate de a lo que conduce despreciar los libracos,
como tú dices. ¿Has oído cómo pronuncia, Cati? (2001:231)
– Es alguna maldita escritura – respondió. – No puedo leerla.
¿No puedes leerla? exclamó Catherine. Yo puedo. Está en inglés.
Lo que quiero es saber por qué lo han puesto allí.
Linton soltó una risita: era su primera manifestación de alegría.
– No entiende las letras – le dijo a su prima –. ¿Puedes concebir que
exista alguien tan bruto?
[...]
No es más que pereza, ¿verdad, Earnshaw? dijo –. Mi prima va a
pensar que eres un idiota. Ahora advertirás las consecuencias de burlarte del
estudio de los libros. ¿Te has dado cuenta, Catherine, de su horrible
pronunciación? (2003:282)
– C’est quelque maudite écriture, répondit-il. Je ne peux pas la lire.
Vous ne pouvez pas la lire ? s’écria Catherine. Je peux la lire, moi; c’est
de l’anglais. Mais je voudrais savoir pourquoi elle est là.
Linton ricana; c’était la première manifestation de gaieté de sa part.
– Il ne sait pas ses lettres, dit-il à sa cousine. Auriez-vous cru qu’il existât
un pareil âne ?
[...]
Ce n’est que de la paresse, n’est-ce pas, Earnshaw ? dit Linton. Ma
cousine vous prend pour un idiot. Vous sentez maintenant ce qu’il en coûte de
mépriser l’ « éteude » des livres, comme vous diriez. Avez-vous remarqué,
Catherine, sa terrible prononciation du Yorkshire? (1979:253)
C’est une de ces damnées choses écrites, répondit-il. Je ne peux pas la
lire.
Vous ne pouvez pas la lire? s’écria Catherine. Moi, je peux, c’est de
l’anglais. Mais je veux savoir pourquoi c’est là.
Linton se mit à ricaner; c’était la première marque de gaieté qu’il eût
montrée.
Il ne connaît pas ses lettres, dit-il à sa cousine. Pouviez-vous imaginer
l’existence d’um tel âne bâté?
[...]
Ce n’est rien que de la paresse, n’est-ce pas, Earnshaw ? dit-il. Ma
cousine croit que vous êtes idiot. Voilà les conséquences de votre mépris pour ce
« qu’on trouve dans les bouquins », comme vous dites. Catherine, avez-vous
remarqué son horrible accent campagnard ? (2005:259-60)
“È uma stupida specie di scrittura” disse “non riesco a leggerla.”
“Non riuscite a leggerla?” esclamò Catherine. “Io sì, è inglese; ma vorrei
sapere perchè è là.”
Linton diede una risatina la prima manifestazione di gaiezza di cui mai
avesse dato prova.
“Non sa leggere” spiegò alla cugina. “Riuscite a credere all’essitenza di
uno zotico simile?”
[...]
“Non ha niente, è soltanto pigro, vero, Earnshaw?” disse Linton. “Mia
cugina pensa che tu sia un idiota. Ecco le conseguenze di aver sempre
disprezzato le lettere. Non avete notato, Catherine, il suo terribile accento dello
Yorkshire?” (2006:229)
No texto inglês, temos a presença de uma forma não-padrão da língua (book-
larning), bem como a referência à pronúncia de Hareton Earnshaw (frightful accent) e à
localidade (Yorkshire). Duas traduções em espanhol trazem a palavra libraco, forma
depreciativa de se referir a livros, mas que, no entanto, não é dialetal, e é dicionarizada.
A tradução francesa de Frédéric Lelebecque traz a forma éteude, que pode mostrar ao
leitor o fato de Hareton não usar o inglês padrão ao falar; a de Jacques e Yolande de
Lacretelle traz a forma bouquin, forma familiar de referência a livros, e que também é
dicionarizada. A tradução italiana é a que mais se afasta do texto original, pois traz
apenas a expressão disprezzare le lettere, forma corrente da língua standard.
Em uma tradução em espanhol mesmo a omissão ao adjetivo frightful (¿Has
oído cómo pronuncia, Cati?), nas demais, encontramos horrible ou terrible, opções que
não ocasinam nhenhum tipo de perda para os textos traduzidos. Quanto à referência ao
condado de Yorkshire, em duas traduções, a francesa de Jacques e Yolande de
Lacretelle, e a em espanhol de Pedro Labrousse uma menção ao fato de o sotaque de
Hareton ser o de uma pessoa que vive no campo, não na cidade
(campagnard/campesino); a tradução espanhola de P.S. omite tanto a menção ao
condado quanto uma possível referência ao fato de Hareton ser um camponês; a
tradução francesa de Frédéric Lelebecque e a italiana mencionam o condado de
Yorkshire.
“It was far in the night, and the bairnies grat
The mither beneath the mools heard that.” (1998:67)
Cuando llora el bebé en la noche oscura
Debajo del piso lo acechan las lauchas... (19-:75)
Era de noche y los niños lloraban; en sus
cuevas los gnomos lo oyeron... (2001:86)
Era de noche y los ratoncitos escuchaban
desde su rincón llorar a los niños... (2003:107)
Sous le plancher, les souris entendaient,
En pleine nuit, les bébés qui pleuraient (1979:97)
Lorsque le bébé pleure au milieu de la nuit
A l’abri du plancher le guettent les souris... (2005:101)
Assim como nas traduções brasileiras, não houve por parte dos tradutores uma
vontade de encontrar soluções a tradução das formas dialetais encontradas na cantiga. A
terra do túmulo (mools) se transformou em cuevas de los gnomos, piso, plancher
(assoalho), ou, em uma tradução absolutamente neutra, simplesmente rincón (canto,
lugar). E a figura da mãe (mither) foi mudada para lauchas, ratoncitos e souris (ratos,
camundongos).
“If thou wern’t more a lass than a lad, I’d fell thee this minute, I would; pitiful
lath of a crater!” (1998:194)
“¡Si no fueses más una mujercita que un varón, te tiraría al suelo en un periquete! ¡
que lo haría, monigote canijo!” (s/d:210)
“¡Si no tuvieras más de chica que de chico, te largaba un puñetazo.” (2001:232)
“Si fueras un hombre y no una niña, te tiraba al suelo ahora mismo, miserable basura.”
(2003:282)
“Si t’étais pas plus une fille qu’un garçon, je t’enverrais rouler par terre à l’instant, pur
sûr, miserable avorton!” (1979:253)
“Si tu n’étais pas plutôt une fille qu’un garçon, je te jetterais par terre à l’instant, oui, je le
ferais, pauvre efflanqué!” (2005:260)
“Se non fossi uma femminetta più che un ragazzo, ti buttereia terra in questo instante, ti
assicuro, bamboccio che sei!” (2006:229)
Assim como foi observado em relação às traduções brasileiras, alguns tradutores
optaram por soluções que modificam o sentido da frase dita por Hareton Earnshaw. Nas
duas traduções em espanhol publicadas na Argentina, encontramos varón e hombre em
oposição a mujercita e niña. O uso da palavra varón dá uma idéia de probidade,
autoridade, respeito, além da virilidade, características que dificilmente poderiam ser
aplicadas a um jovem de dezesseis ou dezessete anos. O tradutor espanhol, por sua vez,
optou por chico e chica, escolhas perfeitamente adequadas para lass e lad, porém omitiu
o restante da frase, ignorando pitiful lath of a crater. As traduções francesas são as que
mais se aproximam do texto inglês, apesar de não conterem formas dialetais ou marcas
de francês não-padrão, já que fille e garçon são palavras de uso corrente na língua
francesa e não têm uma carga pejorativa visível. As alternativas para pitiful lath of a
crater são: monigote canijo, miserable basura, misérable avorton, pauvre efflanqué e
bamboccio. Em espanhol, basura é uma palavra usada para designar lixo, imundície,
esterco, ou seja, está mais relacionada à sujeira que a uma constituição física frágil;
monigote, entre outras acepções, pode significar um boneco de trapos, mal feito e sem
grosseiro. Avorton é um termo francês normalmente usado para se referir a pessoas cuja
forma física não se encaixa dentro dos padrões de normalidade, devido a um nascimento
prematuro ou má formação genética; efflanqué designa uma pessoa cuja magreza é
extrema, sem ter muita relação com a saúde. Por fim, a tradução italiana traz
bamboccio, que confere a Linton Heathcliff mais uma idéia de pessoa inepta, incapaz,
que não se desenvolveu de maneira adequada, do que realmente de uma pessoa cuja
saúde é fraca. Se pensarmos sob a perspectiva de Hareton Earnshaw, o jovem Heathcliff
realmente não era um ser humano ‘completo’, bem desenvolvido, porém, bamboccio
acaba se afastando do termo original ao eliminar qualquer menção ao estado de saúde de
Linton Heathcliff.
“Isabella, let me in, or I’ll make you repent! He ‘girned’, as Joseph calls it.”
(1998:156)
“¡Isabel, déjame pasar, o haré que se arrepienta de su testadurez! ‘gruñó’, como dice
Joseph.” (19-:169)
“Abreme Isabel, o te arrepentirás – rugió.” (2001:189)
“¡Déjame entrar, Isabella, o te arrepentirás! ‘gruñó’, como dice Joseph.” (2003:231)
“Isabelle, laissez-moi entrer, ou je vous en ferai repentir”- ‘grogna-t-il’ comme dit
Joseph.” (1979:207)
“Isabelle, laissez-moi entrer, ou je em ferai repentir” ‘grogna-t-il’, comme dit Joseph.”
(2005:213)
“Isabella, lasciami entrare o te ne farò pentire! ringhiò.” (2006:185)
Em duas traduções, a presença de Joseph é completamente eliminada do texto;
uma característica comum a todas é o fato de a forma dialetal ter sido traduzida dentro
da língua padrão.
“Did I ever look so stupid; so ‘gaumless’, as Joseph calls it?” (1998:193)
“¿Tenía un aspecto tan estúpido, tan de patán, como dice Joseph?” (19-:208)
“Elena, cuando yo tenía su edad o poco menos, ¿era tan estúpido como él?”
(2001:230)
“¿Tuve alguna vez un aspecto tan estúpido, tan ‘atontado’, como dice Joseph?”
(2003:280)
“Ai-je jamais eu l’air aussi stupide, aussi empaillé, comme dit Joseph?” (1979:251)
“Ai-je jamais eu l’air aussi stupide, aussi ‘balourd’, comme dit Joseph?” (2005:258)
“Ho mai avuto um’aria tanto sciocca, e goffa?” (2006:227)
Na fala de Heathcliff uma forma dialetal usada por Joseph, mas as opções
escolhidas pelos tradutores não mostram essa presença: patán e atontado são é formas
dicionarizadas, a outra tradução em espanhol omite tanto a forma dialetal quanto a
referência a Joseph; balourd e empaillé são formas do francês padrão, assim como a
palavra goffa faz parte do italiano standard. A tradução italiana também omite a menção
a Joseph, diminuindo mais uma vez a participação e a importância da personagem na
narrativa.
“Mim! mim! mim! Did iver Christian body hear aught like it? Mincing un
munching! How can I tell you whet ye say?” (1998:121)
“¡Mim! ¡Mim! ¡Mim! ¿Habrá oído jamás un cristiano hablar de esta manera? Se come
usted las palabras, las unas después de las otras. ¿Cómo puedo saber lo que me dice?” (19-
:133)
“¡Cha, cha, cha...” ¿Ha oído nunca un cristiano hablar de esta manera? ¡Que
chachareo! ¡Cualquiera la entiende!” (2001:148)
“¡Despacio, despacio! ¿Cuándo se le ha hablado así a un cristiano? ¿Cómo puedo
entender lo que dice, si se come las palabras?” (2003:181)
“Doucement! doucement! doucement! Jamais chrétien a-t-y entendu quéqu’chose
pareil? Vous mangez vos mots, vous l’s avalez! Comment que j’ pourrions d’viner cque vous
dites?” (1979:164)
“Mim! mim! mim!... Est-ce qu’un chrétien a jamais entendu parler comme ça? Vous
mangez les mots les uns après les autres. Comment c’est-il que je saurais ce que vous dites?”
(2005:169)
“Ma senti, senti, senti! Quando mai un cristiano ha dovuto sentire niente di simile? Non
fate che bisbigliare e mangiarvi le parole! Come faccio a capire che cosa dite?” (2006:145)
O adjetivo mim, usado por Joseph para criticar a pronúncia refinada de Isabella
Linton, é traduzido por advérbios (despacio e doucement) e provavelmente por uma
interjeição, cha, na tradução espanhola de P.S.; nas traduções de Jacques e Yolande de
Lacretelle e de Pedro Labrousse mim é deixado no texto, como se fosse uma interjeição
do inglês. De maneira geral, o sentido da observação feita por Joseph foi mantido nas
traduções, pois ele provavelmente pensa que Isabella Linton ‘come’ parte das palavras
ao falar; uma exceção na tradução de P.S.: ao usar o substantivo chachareo, que
significa falar demais, ele ao leitor a impressão de Joseph estar censurando Isabella
por ela falar demais, e não pelo modo como ela pronuncia as palavras.
V. Variantes dialetais encontradas ao longo da narrativa
“We all kept as mute as mice a full half-hour…” (1998:37)
“Permanecimos todos silenciosos como lauchas temerosas…” (19-:43)
“Durante más de media hora permanecimos en silencio...” (2001:50)
“Durante una larga hora nos quedamos todos callados, como muertos…”
(2003:64)
“Nous restâmes tous muets comme des souris pendant une bonne demi-
heure…” (1979:60)
“Nous restâmes tous silencieux comme des souris craintives pendant une
demi heure... “ (2005:64)
“Restammo tutti quieti come tanti topolini per una mezz’ora…” (2006:45-6)
Bairn
I think he swore – but I didn’t mind him, I was straining to see the bairn… (1998:56)
“Creo que empezó a jurar, pero no me ocupé más de él, tan grande era mi deseo de ver
al bebé.” (19-:63)
“Creo que una blasfemia, pero no me fijé, porque estaba muy ocupada en mirar a la
criatura.” (2001:74)
“Me parece que maldijo, pero no me fijé bien, yo estaba embelesada con el niño.”
(2003:92)
“Je crois qu’il a répondu par un juron; mais je ne faisais pas attention à lui, je tâchais de
voir le bébé.” (1979 :84)
“Je crois qu’il s’est mis à jurer, mais je ne m’occupais pas de lui, tant j’avais envie de
voir le bébé.” (2005:87)
“Credo abbia imprecato – ma non badavo a lui: cercavo di guardare il bambino.”
(2006:67)
Who has taught you those fine words, my barn? (1998:97)
“¿Quién te enseñó esas bonitas palabras, chiquito mío?” (19-:106)
“¿Quién te ha enseñado esas bonitas palabras, hijo?” (2001:120)
“¿Quién te ha enseñado esas lindas palabras?” (2003:149)
“Qui t’a appris ces jolis mots, mon petit?” (1979:134)
“Qui t’a appris ces jolis mots, mon petit?” (2005:138)
“Chi ti ha insegnato quelle belle parole, bambino mio?” (2006:116)
Beck
The sky is blue, and the larks are singing, and the becks and brooks are all brim full.
(1998:118)
“El cielo está azul, las alondras cantan y se desbordan los arroyos.” (19-:130)
“El cielo está azul, las alondras cantan y los arroyos llevan mucha corriente.”
(2001:146)
“El cielo está azul, las alondras cantan y los torrentes y arroyuelos vienen crecidos hasta
rebosar.” (2003:178)
“Le ciel est bleu, les alouettes chantent et les ruisseaux coulent à pleins bordes.”
(1979:161)
“Le ciel est bleu, les alouettes chantent et les cours d’eau débordent.” (2005:166)
“Il cielo è azzurro, le allodole cantano, e i fiumi e i ruscelli sono tutti gonfi d’acqua.”
(2006:142)
Bonny
“On the morning of a fine June day, my first bonny little nursling…” (1998:56)
“Una hermosa mañana de junio vino al mundo un lindo niño, último de la vieja familia
Earnshaw, al que crié.” (19-:62)
“Una hermosa mañana de junio, vino al mundo el primer niño que yo había de criar...”
(2001:73)
“En la mañana de un hermoso día de junio, vio la luz un precioso niño, el primero que
corrió a mi cargo criar...” (2003:91)
“C’est par une belle matinée de juin que naquit le premier joli poupon que j’eus à
élever…” (1979:83)
“Par un beau matin de juin, mon premier nourisson, un joli enfant, dernier de la vieille
famille Earnshaw, vint au monde.” (2005:86)
“Una bella mattina di giugno nacque il primo caro piccino a cui facessi da balia,...”
(2006:67)
Now, my bonny lad, you are mine! (1998:165)
“¡Ahora, hombrecito, eres mío!” (19-:179)
“¡Vaya, chiquito: ya eres mío!” (2001:198)
“Ahora, jovencito, eres mío.” (2003:243)
“Maintenant, mon petit gars, tu es à moi!” (1979:217)
“Maintenant, mon bonhomme, tu es à moi!” (2005:224)
“E adesso, mio bel bambino, sei tutto mio!” (2006:196)
“Nay”, said the servant, “don’t be hard on the bonny lass, Mrs. Dean.” (1998:171)
“Não se zangue com esta linda menina, Sr.ª Dean – acudiu a criada.” (s/d:148)
“No, señora Dean, no sea severa con la gentil señorita – dijo la criada.” (19-:185)
“No riña a la nena, señora Dean – dijo la criada.” (2001:206)
“Señora Dean, no sea tan dura con la pobre señorita – intervino la criada.” (2003:251)
“Allons! dit la servante, ne soyez pas dure pour cette bonne demoiselle, Mrs Dean.”
(1979:225)
“Non, Mrs. Dean, ne soyez pas sevère avec la gentille demoiselle, dit la servante.”
(2005:231)
“‘No’ intervenne la domestica ‘no siate severa con questa bella bambina, signora
Dean.’” (2006:202)
Bonniest
A wild, wick slip she was but she had the bonniest eye, and sweetest smile, and
lightest foot in the parish… (1998:36)
“En una palabra, era una pequeña salvaje atolondrada y mala... pero con los ojos más
bonitos, la sonrisa más encantadora y el andar más garboso de toda la parroquia.” (19-
:42)
“Era una especie de bicho malo y salvaje. Pero tenía los ojos más bonitos, la sonrisa
más dulce y los pies más ligeros de toda la región.” (2003:62)
“C’était une indomptable petite friponne, mais elle avait l’œil plus gai, le sourire le plus
caressant et le pied le plus léger de toute la paroisse.” (1979:58)
“Au total, une petite sauvage étourdie et méchante… mais avec les plus jolis yeux, le
sourire le plus charmant, la demarche la plus légère de toute la paroisse.” (2005:62)
“Era una ragazzetta ribelle e capricciosa, ma aveva gli occhi pbelli, il sorriso più
dolce, il passo più leggero di tutto il paese...” (2006 :44)
Brach
Now, was it not the depth of absurdity - of genuine idiocy, for that pitiful, slavish,
mean-minded brach to dream that I could love her? (1998:133)
“¿Dígame si no es el colmo de lo absurdo, una perfecta estupidez de parte de esta
criatura pálida y ridícula, creer que podía amarla?” (19-:145)
“Y dime: ¿no constituye el colmo de la mentecatez de esta despreciable mujer el
suponer que yo podría llegar a amarla?” (2001:162)
“Pero el colmo del absurdo, de la genuina estupidez de esta lamentable, servil y ruin
criatura, ¿no ha sido creerse que yo podría amarla?” (2003:197)
“Voyons, n’était-ce pas le comble de l’absurdité, de la stupidité, de la part de cette
pitoyable, servile et basse créature, que de se figurer que je pourrais l’aimer?
(1979:178)
“Et dites-moi si ce n’était pas le comble de l’absurdité, une pure idiotie de la part de
cette créature pâle et falote de croire que je pourrais l’aimer?” (2005:184)
“Non era il colmo dell’assurdità in verità di una autentica idiozia che
questa cagna meschina, servile, vile potesse sognare che io l’amavo?”
(2006:159)
Cant
“‘Don't you cant, Nelly,’ he said. ‘Nonsense!…’” (1998:41)
“Nada de prédicas, Nelly. Está usted diciendo tonterías.” (19-:47)
“¡Bah, bah! – replicó.” (2001:56)
“Vamos, Nelly, no des sermones – replicó.” (2003:70)
“Oh, pas de prêche, Nelly; sottises que tout cela!” (1979:65)
“Pas de prêche, Nelly, vous dites des bêtises!” (2005:69)
“‘Oh, non metterti a fare l’ipocrita Nelly!’ ribattè lui. “Sciocchezze!” (2006:50)
“...I remembered how old Earnshaw used to come in when all was tidied, and call me a
cant lass...” (1998:48)
“...y luego me acordé del viejo Earnshaw, cuando venía a verme después de que todo
estaba limpio, llamándome buena chica...” (19-:54)
“... y recordé una ocasión en que el amo anciano – que solía revisarlo todo por si mismo
en casos como aquél –, viendo lo bien que estaba todo, me había regalado un chelín,
llamándome a la vez ‘buena moza’.” (2001:64)
“...y recordé que el viejo Earnshaw venía siempre, cuando todo estaba limpio, para
decirme que era una buena muchacha, y para deslizar en mi mano un chelín como
regalo de Navidad.” (2003:80)
“...et me rappelai que le vieil Earnshaw venait toujours quand tout était nettoyé,
m’appelait brave fille et me glissait un shilling dans la main, comme cadeau de Noël.”
(1979:73)
“...puis je me rappelai la façon du vieil Earnshaw venant me voir quand tout était
nettoyé, m’appelant une bonne fille et glissant un shilling dans ma main comme cadeau
de Noël.” (2005:76-7)
“…poi ricordai come il vecchio Earnshaw fosse solito venire quando tutto era in ordine
e chiamarmi una ragazza in gamba e farmi scivolare in mano uno scellino come dono di
Natale...” (2006:57)
Canty
“My mother lived till eighty, a canty dame to the last.” (1998:203-4)
“Mi madre llegó a los ochenta, conservando todas sus facultades hasta el postrer minuto
de su existencia.” (19-:219)
“Mi madre vivió hasta los ochenta.” (2001:241)
“Mi madre vivió hasta los ochenta, y bien despierta hasta el final.” (2003:295)
“Ma mère a vécu jusqu’à quatre-vingts ans, et très alerte jusqu’à la fin.” (1979:264)
“Ma mère a atteint quatre-vingts ans et est restée une femme alerte jusqu’à la fin.”
(2005:271)
“Mia madre è vissuta fino a ottanta, viva e vegeta sino all’ultimo.” (2006:240)
Dunnock
“And Hareton has been cast out like an unfledged dunnock.” (1998:30)
“Y Hareton fué arrojado del nido como un pajarillo.” (19-:35)
“A Hareton le han dejado sin nada...” (2001:41)
“Y a Hareton lo arrojó del nido como a un gorrión.” (2003:54)
“Hareton a été jeté hors de son nid comme un jeune moineau!” (1979:50)
“Et Hareton a été chassé du nid comme un oisillon.” (2005:55)
“…e Hareton è stato cacciato come un uccellino implume…” (2006:37)
Eft
“Keep your eft’s fingers off; and move, or I’ll kick you!” (1998:243)
“¡Aparte sus dedos de lagarto y levántese, pues de lo contrario la obligaré a puntapiés!”
(19-:261)
“¡Suéltame y apártate, o te pateo!” (2001:283)
“¡No me toques con esos dedos de lagartija y levántate, si no quieres que te vuelvas a
golpear!” (2003:351)
“Enlevez-moi ces doigts de lézard et allez-vous-en, ou je vous envoie promener d’un
coup de pied...” (1979:314)
“Enlevez vos doigts de lézard et levez-vous, sinon je vous y forcerai à coups de pied!”
(1979:314)
“Tieni lontane queste tue dita viscide e vattene, o ti allontanerò io a calci!”
(2006:285)
Elf-bolts
“This bed is the fairy cave under Peniston Crag, and you are gathering elf-bolts to hurt
our heifers…” (1998:108)
“Esta cama es la gruta embrujada que se encuentra debajo de la Roca de Pennistow y
usted recoge las flechas de los elfos para acribillar a nuestros ganados.” (19-:119)
“Esta cama es la cueva encantada que hay al pie de la colina de Penniston y andas
cogiendo guijarros para arrojárselos a los novillos.” (2001:134)
“Esta cama es la cueva de las hadas que hay debajo de Penistone Crag, y tú recoges
flechas de las hadas para herir a nuestros novillos.” (2003:164)
“Ce lit est la grotte des fées sous le rocher de Penistone, vous ramassez en ce moment
leurs fleches pour en percer nos génisses, et vous prétendez, quand je suis près de vous,
que ce ne sont que des flocons de laine.” (1979:148)
“Ce lit est la grotte ensorcelée qui se trouve sous le Rocher de Pennistow, et vous
ramassez les flèches des elfes pour en cribler nos troupeaux. Vous prétendez, tant que je
suis là, que ce ne sont que des flocons de laine.” (2005:153)
“Questo letto è la grotta fatata sotto la Rupe di Penistone, e tu stai raccogliendo frecce
di elfi per colpire le giovenche; fingendo, finché io ti sono vicina, che si tratti di ciuffi di
lana.” (2006:129)
“So you do seek elf-bolts to hurt us!” (198:114)
“¡Es para hacernos daño que recoge las flechas de los elfos!” (19-:125)
“Ella es mi solapada enemiga.” (2001:140)
“¡Andabas buscando aquellas flechas de las hadas para lanzarlas sobre nosotros!”
(2003:171)
“Ainsi vous cherchez les fleches de fées pour nous blesser!” (1979:155)
“...c’est pour nous faire du mal que vous ramassez les fleches de elfes.” (1979:155)
“Strega, è dunque vero che raccogli frecce di elfi per nuocerci!” (2006:136)
Fain
“Joseph was fain, I believe, of the lad’s removal…” (1998:260-61)
“José, a mi juicio, aceptaba sin mucha pena la desaparición del muchacho.” (19-:278)
“José me parece que se alegró de la muerte del muchacho.” (2001:301)
“Me pareció que la muerte del muchacho a Joseph lo había aliviado.” (2003:377)
“Joseph n’était pas faché, je crois, de la disparition du jeune homme…” (1979:333)
“Joseph, je crois bien, acceptait sans trop de peine la disparition du garçon.” (1979:333)
“Joseph era contento, credo, della morte del ragazzo…” (2006:304)
Fairishes
“I want to see where the goblin hunter rises in the marsh, and to hear about the fairishes,
as you call them…” (1998:172)
“Quiero ver el lugar donde el cazador fantasma surge del pantano. También quiero
conocer sus ‘cuentos de hadas’, como dijo.” (19-:186)
“Quiero ver aparecer el fantasma del pantano, y las hadas de que ha hablado usted, pero
apresúrese.” (2001:207)
“Quisiera ver el lugar del pantano donde aparece el cazador de fantasmas y tener más
detalles sobre las brujerías.” (2003:252)
“Je voudrais voir l’endroit le chasseur de lutins apparaît dans le marais, et avoir des
détails sur les ‘féis’, comme vous les appelez.” (1979:226)
“Je veux voir l’endroit le chasseur fantôme surgit du marais. Je veux connaître aussi
vos ‘contes des faî’, comme vous dites...” (2005:233)
“Voglio vedere il punto in cui il cacciatore fantasma sorge della palude e sentir parlare
delle fate di cui mi avete raccontato...” (2006:203)
Kirk
“Find a way, then! not through that Kirkyard…” (1998:112)
“¡Busque un camino, entonces! Un camino que no pase por la tierra de los muertos.”
(19-:122-3)
“Bueno, pues encuéntrame un camino que no pase por el cementerio.” (2001:137-8)
“¡Búscame entonces un camino que no sea a través del cementerio...!” (2003:169)
“Trouvez le moyen, alors! Pas par le cimetière.” (1979:152)
“Trouvez un chemin, alors! Et qui ne passe pas par le champ des morts.” (2005:157)
“Trova il modo, dunque! Non attraverso quel cimitero.” (2006:133-4)
“...and they refused to bury you in the precincts of the kirk?” (1998:297)
“...y que se nieguen a enterrarlo en el recinto del camposanto...” (19-:316)
“...y por esa causa no le quisieran enterrar en tierra sagrada?” (2001:342)
“...y se negasen a enterrarlo a usted en terreno sagrado...” (2003:426)
“...et qu’on refuse de vous enterrer sur le terrain de l’église?” (1979:377)
“...et qu’on refuse de vous enterrer dans l’enceinte du cimetière?” (2005:385)
“...e rifiutassero così di seppelirvi in terra consacrata?” (2006:345)
Lad
“Perhaps I can get a guide among your lads…” (1998:9)
“Acaso pueda encontrar entre sus criados un guía...” (19-:14)
“Acaso uno de sus criados pudiera servirme de guía.” (2001:16)
“Quizá pueda proporcionarme un guía entre alguno de sus criados...” (2003:25)
“Je pourrais peut-être trouver parmi vos valets de ferme un guide...” (1979:25-6)
“Peut-être pourrais-je trouver parmi vos domestiques un guide...” (2005:29)
“Forse potrei trovare una guida tra vostra servitù...” (2006:13)
“…and insisted that he should labour out of doors instead, compelling him to do so as
hard as any other lad on the farm. (1998:40)
“…exigiendo, en cambio, que trabajase fuera de la casa, obligándolo a ocuparse de
tareas tan duras como las de cualquier mozo de cuadra.” (19-:45)
“Le hizo instalar en compañía de los criados y le mandó que se aplicase a las mismas
faenas agrícolas que los otros mozos.” (2001:54)
“Insistía en que debía trabajar en el campo tan duramente como cualquier criado de la
finca, y no paró hasta obligarlo a ello.” (2003:68)
“...voulut qu’ils fussent remplacés par des travaux au-dehors et exigea de lui le même
labeur que d’un valet de ferme.” (1979:63)
“...exigeant à la place qu’il travaillât hors de la maison, et il le contragnit à faire des
besognes aussi dures que n’importe quel valet de ferme.” (2005:67)
“...e volle che egli lavorasse nei campi, costringendolo a lavori pesanti quanto quelli di
tutti gli altri garzoni della fattoria.” (2006:48)
“And cried for mama, at every turn,” I added, “and trembled if a country lad heaved his
fist…” (1998:50)
“Y llamar a ‘mamá’ a cada rato continué; y temblar si un muchacho campesino alza
el puño contra usted...” (19-:56)
“Y llamar a mamá constantemente, y asustarse siempre que un chico aldeano te
amenazase con el puño...” (2001:65)
“Y llamar a mamá a cada momento añadí yo –, y temblar si un chico del pueblo te
amenaza con el puño...” (2003:82)
“Et appeller maman à tout bout de champ, ajoutai-je, et trembler si un petit paysan
levait le poing contre vous...” (1979:75)
“Et appeller ‘maman’ à tout propos, continuai-je, et trembler si un garçon de la
campagne lève le poing contre vous...” (2005:79)
“‘E di chiamare la mamma ogni momento’ aggiunsi io ‘e di tremare si un ragazzo di
campagna ti minaccia con un pugno…’” (2006:59)
The finest lad that ever breathed! (1998:56)
“¡La criaturita más linda que haya existido jamás!” (19-:62)
“Nunca se ha visto uno más guapo...” (2001:73)
“¡El más hermoso del mundo!” (2003:91)
“Le plus beau garçon qui ait jamais vu le jour!” (1979:83)
“Le plus joli petit garçon qui ait jamais existé!” (2005:86)
“Il più bel bambino che sia mai visto!” (2006:67)
Now, don’t you think the lad would be handsomer cropped? (1998:65)
“Pero, ¿no le parece que este chico sería más bonito si le cortáramos las orejas?” (19-
:72)
“Oye, Elena, ¿no es cierto que este chico estaría mejor sin orejas?” (2001:84)
“¿No crees, Nelly, que estaría más lindo si le cortáramos las orejas?” (2003:104)
“Dites donc, ne croyez-vous pas que ce gamin serait mieux avec les oreilles coupées?
(1979:95)
“Mais ne croyez-vous pas que ce garçon serait plus beau si on lui raccourcissait avec les
oreilles?” (2005:98)
“Non credi che il ragazzo sarebbe più bello si gli tagliassi le orecchie?” (2006 :78)
“If the lad swore, he wouldn’t correct him…” (1998:174)
“Cuando el muchacho juraba, no lo corregía...” (19-:188)
“Cuando Hareton juraba, José no le reprendía.” (2001:209)
“Aunque el chico maldijera o se comportara de la forma más reprobable, él nunca lo
retaba.” (2003:255)
“Hareton pouvait jurer, avoir la conduite la plus répréhensible, Joseph se gardait de le
réprimander.” (1979:228)
“Quand le gamin jurait, il ne le corrigeait pas... ” (2005:235)
“Se il ragazzo imprecava, non lo rimproverava...” (2006:206)
Be a good lad; and I’ll do for you. (1998:183)
“Sé un buen chico y llegaremos a entendernos.” (19-:198)
“Ahora a ser buen chico.” (2001:220)
“Sé buen chico y todo irá bien.” (2003:268)
“Sois bon garçon et nous nous entendrons.” (1979:240)
“Sois un bon garçon et nous nous entendrons.” (2005:246)
“Comportati da bravo ragazzo, e sarai felice.” (2006:216)
“Is he not a handsome lad?” he continued. (1998:192)
“¿No le parece un buen mozo? – prosiguió Heathcliff.” (19-:207)
“¿No es un buen mozo? – siguió Heathcliff.” (2001:229)
“¿No es un lindo muchacho? – insistió Heathcliff.” (2003:280)
“N’est-ce pas un beau gars? – continua-t-il.” (1979:251)
“N’est-il pas beau garçon? – continua-t-il.” (2005:257)
“‘Non è un bel ragazzo?’ continuò Heathcliff.’” (2006:227)
“Because that lad yonder, seems determined to beat me…” (1998:237)
“...me está pareciendo que este muchacho tiene la santa intención de desbaratar mis
planes...” (19-:254)
“...se me figura que este muchacho va a darme mucho quehacer aún...” (2001:276)
“Porque – continuó – este muchacho parece resuelto a destruir mis planes...” (2003:343)
“...c’est que ce gaillard-ci a l’air decide à déjouer mes plans...” (1979:305)
“...parce que ce garçon-là m’a tout l’air de vouloir ruiner mes plans...” (2005:311)
“…perché quell ragazzo sembra deciso a frustrare i miei piani…” (2006:277)
Lass
Why canst thou not always be a good lass, Cathy? (1998:37)
“¿Por qué no puedes ser siempre una buena chica, Catalina?” (19-:43)
“¿Por qué no has de ser siempre buena?” (2001:50)
“¿Cathy, por qué no puedes ser siempre una niña buena?” (2003:64)
“Pourquoi ne peux-tu toujours être unne bonne fille, Cathy?” (1979:60)
“Pourquoi ne peux-tu pas toujours être unne bonne fille, Cathy?” (2005:64)
“Perché non sei sempre una bambina così brava, Cathy?” (2006:45)
“Hareton, get forwards with the lass.” (1998:189)
“Hareton, precédenos en compañía de la señorita.” (19-:204)
“Hareton, vete delante con la muchacha.” (2001:226)
“Hareton, tú vete delante con ella.” (2003:275)
“Hareton, va en avant avc la jeune fille.” (1979:247)
“Hareton, va en avant avec la jeune fille.” (2005:253)
“Hareton, vai avanti con la ragazza...” (2006:223)
…besides, that lass owes me her services for her bread… (1998:254)
“Además, esta persona tendrá que servirme en cambio del pan que me costará.” (19-
:271)
“...y que esta muchacha trabaje para ganarse su pan.” (2001:294)
“...esta jovencita tiene que ganarse el pan con algún servicio...” (2003:366)
“De plus, cette jeune personne me doit ses services en échange de son pain.” (1979:325)
“En outre, cette personne me doit ses services en échange du pain qu’elle me coûtera.”
(2005:332)
“Inoltre, quella ragazza deve pur fare qualcosa per guadagnarsi il pane.” (2006:297)
Sackless
“‘Yes’, I observed, ‘about as starved and sackless as you...’” (1998:203)
“Sí – dije, – casi tan débil y digna de lástima como usted.” (19-:219)
“Sí – repuse. – Tan triste como usted.” (2001:240)
“Sí, casi tan mustia y decaída como usted – comenté.” (2003:295)
“Oui, à peu près aussi engoudie et inerte que vous.” (1979:264)
“Oui, dis-je, presque aussi faible et pitoyable que vous.” (1979:264)
“‘Sì’ annuii ‘è infreddolito e abbattuto quasi come voi...” (2006:239)
Stalled
“Oh, I’m tired – I'm stalled, Hareton!” (1998:266)
“¡Oh! estoy cansada...! ¡Harta de vivir encerrada, Hareton!” (19-:283)
“Estoy fatigada y hastiada, Hareton.” (2001:308)
“¡Qué cansada estoy! Me siento como encerrada en un establo, Hareton.” (2003:384)
“Oh! je suis lasse... je suis comme une bête qui ne sort pas de l’écurie, Hareton!”
(1979:340)
“Oh! je suis lasse !... Je suis à bout d’être enfermée, Hareton!” (2005:346)
“Oh, sono stanca, stanca, Hareton!” (2006:310)
Starve
“Ellen, shut the window. I’m starving!” (1998:77)
“¡Cierre esa ventana, Nelly, que me estoy muriendo de frío!” (19-:84)
“Cierra, Elena. Estoy agotada.” (2001:96)
“¡Cierra la ventana, Ellen! Estoy tiritando.” (2003:119)
“Hélène, fermez la fenêtre, je grelotte.” (1979:108)
“Fermez la fenêtre, Ellen. Je meurs de froid.” (2005:112)
“Ellen, chiudi la finestra. Sto gelando!” (2006:91)
“…he was sure she was starved./‘I’ve been starved a month and more’, she answered,
resting on the word, as scornful as she could.” (1998:262).
“Estaba seguro le dijo, de que se hallaba muerta de frío./Me muero de frío desde
hace más de un mes repuso la señora Heathcliff, poniendo en sus palabras todo el
desprecio posible.” (19-:280)
“...y Hareton también, diciéndole que debía estar aterida de frío./Hace un mes que lo
estoy – contestó ella tan altanera y despreciativa como le fue posible.” (2001:303)
“...convencido de que debía estar congelada./Hace casi un mes que estoy congelada
contestó ella, subrayando las palabras con el mayor de los desprecios.” (2003:380)
“...il était sûr qu’elle gelait./Il y a un mois et plus que je gèle, répondit-elle en appuyant
sur le mot avec tout le dédain qu’elle put y mettre.” (1979:335)
“Il était sûr qu’elle était morte de froid./Je meurs de froid depuis un mois et plus,
répondit-elle appuyant sur le mot avec autant de mépris qu’elle put.” (1979:335)
“...senza dubbio doveva morire di freddo./’È più di un mese che muoio di
freddo’ ha risposto lei, pronunciando quelle parole con tutto il disprezzo
possibile.” (2006:306)
Thible
“…the quicker the thible ran round, and the faster the handfuls of meal fell into the
water.” (1998:125)
“...tanto más rápidamente giraba la cuchara, y tanto más grandes eran los puñados de
harina que caían en el agua.” (19-:136-7)
“...más vivamente agitaba el batidor, y más deprisa caían en el agua los puñados de
harina.” (2001:152)
“...cuanto más difícil me resultaba conjurar su aparición, más rápidamente movía la
cuchara y echaba puñados de harina en el agua.” (2003:186)
“...et plus je redoutais d’en évoquer l’apparition, plus vite tournait la spatule et plus vite
les poignées de farine tombaient dans l’eau.” (1979:168)
“...et plus il se faisait pressant, plus la cuiller tournait et plus vite tombaient dans l’eau
les poignées de farine.” (2005:174)
“...e quanto più forte si faceva il pericolo che la sua immagine venisse evocata, tanto più
in fretta girava il mestolo e le manciate di avena cadevano nell’acqua.” (2006:149)
VI. Comentários sobre as traduções das variantes dialetais
A tradução da expressão as mute as mice se mantém bastante próxima do texto
inglês. Em duas traduções em espanhol não referência a ratos, mas não foi feita
nenhuma tentativa de encontrar uma expressão popular ou provérbio que pudesse causar
um efeito semelhante ao da expressão dialetal no texto traduzido. Nas duas traduções
francesas a presença da palavra souris (equivalente a mice): muets comme des souris
ou silencieux comme des souris, quando uma boa solução poderia ter sido encontrada
com a expressão sans piper mot, ou mesmo com on entendrait trotter une souris/on
entendrait une mouche voler, usadas para designar um silêncio completo.
De modo geral, as traduções em língua estrangeira consultadas para a elaboração
da dissertação não apresentam grandes diferenças em relação às traduções brasileiras.
No caso da palavra brach, a tradução italiana foi a única a mantê-la, conservando no
texto traduzido todo o desprezo que Heathcliff mostra ter por Isabella Linton: “Non era
il colmo dell’assurdità in verità di una autentica idiozia che questa cagna meschina,
servile, vile potesse sognare che io l’amavo?” Quanto às demais formas dialetais, elas
foram quase todas traduzidas por formas standard de cada língua, mesmo quando havia
a possibilidade de introduzir alguma expressão que mostrasse ao leitor que a pessoa não
estava falando a língua considerada padrão. Apenas as traduções francesas não são tão
padronizadas, principalmente a de Frédéric Lelebecque, pois ele introduziu nas falas de
Joseph alguns marcadores lingüísticos que mostram o fato de Joseph não ser falante da
norma considerada ‘culta’. Se considerarmos que a situação lingüística na França é
bastante diferente da situação brasileira, e que lá dialetos bastante diferentes do
francês padrão, podemos compreender a opção dos tradutores de não traduzir as falas de
Joseph tendo por base um dialeto específico.
Para a tradução das palavras lass e lad, foram encontradas soluções boas em
francês e em poucas ocasiões em espanhol. As formas gamin e gars, usadas na
tradução de garçon, embora não pertençam a variantes dialetais do francês, são de uso
mais popular, o que ajuda a estabelecer a diferença entre lad e boy existente no original.
A forma gamine, embora seja de uso corrente no francês falado, não foi encontrada
como tradução para lass, mas poderia ter sido usada sem que isso acarretasse algum tipo
de problema para a tradução. Na tradução espanhola, foi encontrada uma única vez
nena, termo de uso corrente na Espanha, onde é geralmente usado como uma forma
afetiva de se dirigir às mulheres, muitas vezes independente da idade, mas que poderia
ser empregada mais vezes, como um indicador de diferença entre chica ou niña e a
forma regional. Da mesma maneira, mozo foi usada em algumas ocasiões, e este é um
vocábulo que pode perfeitamente dar a indicação de que a pessoa a quem os falantes se
referem dessa maneira é alguém que tem uma posição inferior na localidade. No caso de
Hareton Earnshaw, isso é especialmente útil, pois o fato de ele ser chamado de mozo
explicita sua condição de empregado na casa em que nasceu e da qual deveria ser o
legitimo proprietário. A forma feminina, moza, também poderia ser usada para se referir
à empregada de Thrushcross Grange que aparece rapidamente no capítulo XII,
informando a Edgar Linton que Isabella havia fugido com Heathcliff, bem como à filha
do ferreiro mencionada por ela em sua fala.
VII. Poema de Tasso da Silveira.
BALADA DE EMILY BRONTË
No morro do Vento Uivante
o vento passa uivando, uivando...
no morro do Vento Uivante
há um velho casarão sombrio
cheio de salas vazias
e corredores vazios...
A noite toda uma porta
geme agoniadamente.
Pelas vidraças partidas
silvam longos assovios,
no ar de abandono e de medo
passam bruscos arrepios...
No morro do Vento Uivante
o vento passa...
Emily Brontë
Não pares a história... Conta!
conta, conta, conta, conta!
Dá-me outra vez aquele medo
que encheu minha infância morta
de sonhos e de arrepios...
No morro do Vento Uivante
Depois que os anos passaram
como ficaram meus dias
vazios... vazios... (1947:3)
VIII. Poemas em dialeto de Yorkshire:
Osses
by Kathleen Parsons
Years ago George wor a pal ov ahrs
'E wor a dab 'and at mendin' brokken dahn cars
lvry Sat'da' 'e wor aht int' road
'Elpin' sumb'dy wi a brokken dahn load
Along 'ud cum owd joe an' shaht
Nay George lad, wot's ta abaht
Won wilta learn, yons a poor lark
'Osses is best for tahn wark
'E wor a coil man wor owd Joe
'E'd se, Ah nobbut tell 'im an' ‘e'll go
Aye lad, even in t'dark
'Osses is t'best for tahn wark
Nahadays 'Osses is kept as pets
The'r' varry gud fer trade fer t'vets
Little lasses luv ter ride
An' dads go runnin' by the'r side
In Praise of 'Yorkshire Dialect'!
by Cliff Young
Ee, I 'as t' tell someone about this thing 'ave found
Cos it's so exciting, yer'll never keep it down.
Bloody brilliant really, wot a fantastic find,
I just switched on me computor, an' nearly blew me mind.
For 'avin bin an advocate of Yorkshire an' all that's grand,
I couldn't a bin more surprised if it 'ad all bin planned.
T' find that out in cyberspace, amid the I.T. age,
Sum canny minded people 'ad created 'Yorkshire Dialect' page.
Ay, an' let me tell thee summat, it i'nt a load o' tosh,
cos wi really are intelligent, although wi dunt talk reet posh.
An' summat that'll amaze thee, could even blow thee mind,
N' matter where tha travels, Yorkshire folk ye'll find.
They've spread to every continent, by land by sea by air,
'N' it i'nt hard t' tell 'em, no need t' stand n' stare.
They a'nt got funny 'air does, or boils upon the nose,
Or wear the famous button 'ole, that comley Yorkshire Rose.
So 'ere's 'ow t' tell 'em it i'nt a reet 'ard job,
Just ask 'em fer sum watter t' sleck thirst in yer gob.
An' ye'll see a little twinkle, a smile upon the face,
An' a knowin' look behind yer eyes, that yer cum from Gods own place.
The bestest county in the world, a place yer couldn't hide,
That's why we hold our heads up, 'n' they're so full o' pride.
There's a fact yer can't deny, it's written in our plan,
Yer can tek the man out o' Yorkshire, but yer can't tek Yorkshire out o' t' man!
My Horoscope
by Len Wilde
Monday
First thing ah do when ah get out of mi bed,
is to consult mi horoscope for t'day.
"I've to avoid all quarrels an upsets" it said;
so mi old man hed better keep aht of mi way.
Tuesday
"When moons in reight quarter, things fall into place",
they needn't tell me that, cos ah said "sitha,
mi husband fell dahn t'stairs when he tripped on a lace,
and darned near made me a widda".
Wednesday
"Tonight there's to be an important social event",
I can't see this happening to me.
Walking home eating fish and chips, could hardly be meant;
but it's all t'social event ah shall see.
Thursday
"Today, you'll be in the limelight once more".
I was, but ah felt a bit of a wally,
cos a pile of tins in t'supermarket store,
was sent for a burton wi' mi trolley.
Friday
"Improvements are pending, you're aware of your own luck",
but wi' my luck ahl nivver hev enough brass.
There's niver nowt gained by being moonstruck,
so instead of that theer caviar, ahl just hev beef hash.
Saturday
"Today you'll be reckless and exitable".
Its funny how these things come about.
I could have been more generous an reliable,
if I'd been born two days earlier, no doubt.
IX. Mapas
Mapa da Inglaterra – Early kingdoms and territories
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