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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS E
LITERÁRIOS EM INGLÊS
VISÃO DA MODERNIDADE
A PRESENÇA BRITÂNICA NO GABINETE DE LEITURA (1837-1838)
Maria Angélica Lau Pereira Soares
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Lingüísticos e Literários
em Inglês, do Departamento de Letras Modernas
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, para a
obtenção do titulo de Mestre em Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos
São Paulo
2006
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS E
LITERÁRIOS EM INGLÊS
VISÃO DA MODERNIDADE
A PRESENÇA BRITÂNICA NO GABINETE DE LEITURA (1837-1838)
Maria Angélica Lau Pereira Soares
São Paulo
2006
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RESUMO
O Gabinete de Leitura, Serões das Famílias Brasileiras, Jornal para todas as Classes,
Sexos e Idades foi publicado no final de década de 1830 no Rio de Janeiro. O principal
objetivo de seus redatores era o de difundir o hábito da leitura de ficção. Por
conseguinte, publicaram textos ficcionais traduzidos de periódicos estrangeiros,
principalmente europeus. Este estudo investiga os textos ficcionais e não-ficcionais
britânicos presentes no Gabinete de Leitura: 1) tendo como ponto de partida como a
nação britânica era vista pela jovem intelectualidade brasileira; 2) relacionando a ficção
britânica ao conjunto ficcional do Gabinete de Leitura com o objetivo de averiguar
algumas de suas peculiaridades. Dessa forma, pretendo contribuir para a discussão sobre
a presença da ficção britânica nos periódicos oitocentistas brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: ficção britânica; periódicos; Brasil; Grã-Bretanha; século XIX.
ABSTRACT
The Gabinete de Leitura, Serões das Famílias Brasileiras, Jornal para todas as Classes,
Sexos e Idades was published at the end of the 1830’s in Rio de Janeiro. Its editors
aimed at developing the habit of reading fiction. Accordingly, they offered translated
fiction from foreign periodicals, notably European. This study investigates the British
fictional and non-fictional texts of the Gabinete de Leitura: 1) by taking into account
how the British nation was regarded by the young Brazilian intellectuals; 2) by relating
the English fiction to the body of fictional texts offered by the periodical in order to
detect some of its peculiarities. Therefore, I intend to contribute to the discussion of the
presence of British fiction in nineteenth-century Brazilian periodicals.
KEYWORDS: British fiction; periodicals; Brazil; Great Britain; nineteenth-century.
Para Miguel (em memória) e Lourdes,
meus pais.
Para Adalberto, Daniel, Vanessa e Monique,
meu marido e filhos.
ÍNDICE
Capítulo 1: Continuar-se-á.............................................................................................1
1.1 Quem eram os redatores do Gabinete de Leitura?..........................................5
1.2 As condições de produção da imprensa da época...........................................8
Capítulo 2: O que é um GABINETE DE LEITURA?................................................13
2.1 Os gabinetes de leitura chegam à corte do Rio de Janeiro............................20
Capítulo 3: Viagem à roda d’um prefácio....................................................................25
Capítulo 4: A missão do intelectual...............................................................................41
Capítulo 5: Visões da Albion.........................................................................................63
Capítulo 6: A nação britânica no Gabinete de Leitura................................................76
6.1 A Galeria Parlamentar...................................................................................76
6.2 A prosa de ficção britânica no Gabinete de Leitura......................................82
Considerações Finais....................................................................................................138
Anexos
1. Índice do Gabinete de Leitura....................................................................................140
2. Textos do Gabinete de Leitura publicados n’O Chronista ........................................160
3. Lista de alguns dos autores presentes no Gabinete de Leitura ..................................162
Bibliografia....................................................................................................................189
1
Continuar-se-á
Havia em França, uma mulher, que se chamava Maintenon, — de
muitos de meus leitores deve ela ser reconhecida. Tinha esta dama muito
talento e como quisesse adquirir nome e dar nos olhos da boa sociedade
francesa, procurou meio de chamar à sua casa quanto mais de brilhante
adornava Paris. Desgraçada! Maintenon não era fidalga, não dava bailes, onde
se reunissem as belezas da corte, e, — o que pior era, — não tinha dinheiro,
com que pudesse fazer face às despesas que seriam necessárias para
aparecer na corte da França. Lembrou-se ela que os jantares eram um
poderoso atrativo, e que com jantares poderia reunir em sua casa as pessoas
cuja amizade desejava; — no fim deste brilhante projeto por fatalidade ela olhou
para a sua receita, e viu que loucura ela pretendia fazer.
Maintenon não era mulher que desistisse facilmente duma idéia que
houvesse concebido e examinado; em sua cabeça achava ela recursos para
tudo; — recursos devia ela achar para sair deste embaraço, e no outro dia todos
se admiraram da alegria que adornava seu rosto, e muito mais dos convites que
mandou fazer às principais personagens de Paris, para jantarem em sua casa,
sem que o jantar fosse correspondente ao número e qualidade dos convidados.
Maintenon, impassível e sossegada esperava pelos convidados e os ia
recebendo com grande presença de espirito. Ainda antes do jantar já todos
estavam cativos das maneiras afáveis e das reflexões judiciosas que a todo o
respeito fazia a dona da casa: a hora do jantar chegou, Maintenon redobrou de
perspicácia e agudeza, suas histórias e anedotas foram mais variadas, e se
retiraram sem perceber que o jantar fora o mais mesquinho que eles haviam
comido em sua vida.
Os jantares de Maintenon continuaram a ser honrados por convidados
da mais alta hierarquia, e eram tidos pelos melhores de Paris.
Um dia, — dia fatal e de glórias para Maintenon, — o criado que servia
a mesa, por simplicidade ou malícia, veio ter com sua ama, quando devia servir
os assados, e disse-lhe em meia voz, mas tão alta que podia ser ouvida por
todos que estavam à mesa: — Minha ama, contai alguma história a estes
senhores, porque o assado se queimou e não pode vir à mesa. — Maintenon
não se desconcertou, repetiu as palavras do criado, e contou uma historia, que
se não encheu a barriga aos seus hóspedes, ao menos os divertiu e fez-lhes
conhecer que suas finanças não estavam em estado de regalá-los à mesa.
Maintenon foi reputada pela mulher mais espirituosa de seu tempo, e quando os
2
grandes queriam ir à sua casa, não diziam: Vamos jantar à casa de Madame
Maintenon, mas sim, vamos conversar com Madame Maintenon.
Nós, imitando Maintenon, vos convidamos para jantar conosco todos os
domingos em nosso GABINETE, e se vos não darmos que comer, ao menos
vos contaremos histórias: e praza a Deus, que muitos aceitem o nosso convite!
1
É com a história dessa perspicaz Madame de Maintenon, que pelo menos nesse
prefácio configura-se como uma verdadeira Scherazade da era moderna, utilizando sua
habilidade em narrar histórias para ascender socialmente, e é com esse simpático convite
que o Gabinete de Leitura, Serões das Famílias Brasileiras, Jornal para todas as
Classes, Sexos e Idades abre seu primeiro número em 13 de agosto de 1837. O
periódico semanal era publicado na corte do Rio de Janeiro pela Tipografia Commercial,
situada na rua do Hospício n. 66, que pertencia a Josino do Nascimento Silva. Apesar de
sua curta duração, algo bastante comum na época — ao todo foram 35 números,
publicados de 13 de agosto de 1837 a 8 de abril de 1838 —, sua importância reside no
fato de ter sido quase que exclusivamente dedicado à prosa ficcional num período de
formação de nossa prosa literária.
2
Em suas 8 páginas de três colunas, a prosa de ficção
se misturava às crônicas, poesias, anedotas e curiosidades das seções “Miscelânea” e
“Variedades”. Ao longo de seus nove meses de existência, o Gabinete de Leitura
dedicou mais de três quartos de suas 280 páginas à publicação de textos ficcionais. Ao
todo foram publicados 92 títulos de prosa de ficção, dentre eles 14 nacionais.
O Gabinete de Leitura consistia basicamente de ficção traduzida de periódicos
estrangeiros, especialmente ingleses e franceses. Devido ao hábito de citar suas fontes,
sabemos que várias de suas histórias foram retiradas de revistas e periódicos ingleses,
tais como a Blackwood's Magazine, famosa revista escocesa, de atestada importância na
1
Gabinete de Leitura n.1, 13 de agosto de 1837. Somente a ortografia foi atualizada, preservou-se a
pontuação . O mesmo vale para citações futuras.
2
Meu interesse inicial pela pesquisa da ficção publicada no Gabinete de Leitura foi, em grande parte,
devido ao comentário que Marlyse Meyer acrescentou à relação de periódicos brasileiros do século XIX
que consultou para a sua pesquisa sobre folhetins. Segundo ela, o Gabinete de Leitura “é certamente a
mais importante publicação para o estudo dos primórdios do romance brasileiro; publicou uma série de
novelas de Pereira da Silva com nítida influência de Luiza de Mme. Helme, muitas crônicas, primeiro em
tradução, depois originais, visivelmente imitadas de Paul de Kock”. [Meyer, Marlyse. Folhetim: uma
história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 430].
3
história do periodismo literário do Reino Unido
3
; a New Monthly Magazine, publicada
em Londres e contemporânea à Blackwood's Magazine; a Retrospective Review; e os
chamados “giftbooks”, Forget Me Not e Literary Souvenir, que eram livros de poesia e
prosa que fizeram enorme sucesso na Inglaterra e nos Estados Unidos pela qualidade da
encadernação e por serem estrategicamente publicados todos os anos à época do Natal,
de forma que pudessem ser oferecidos como presente às jovens senhoras, amantes das
“belas letras”. Os ingleses Bulwer-Lytton, Crabbe e Richard Steele, além do americano
Washington Irving, também figuram entre os autores traduzidos. Quanto aos periódicos
franceses, há registro das seguintes publicações: L’Entr’Acte, Gazette Médicale, Journal
des Débats, Gazette des Tribunaux, Journal de Paris e Revue Britannique. Com relação
aos autores franceses encontramos no Gabinete de Leitura histórias assinadas por
Frédéric Soulié, Eugène Scribe, Ferdinand Denis, Émile Deschamps, Stephen de la
Madeleine, Duquesa D’Abrantes, Visconde d’Alincourt, Arnould Frémy, Jules A.
David, Alphonse Karr, Alexandre de Lavergne, Jules Lecomte, Auguste Arnould,
Eléonore de Vaulabelle, Burat de Gurgy, Eugénie Foa, e outros completamente
desconhecidos para nós
4
.
Antonio Candido ressalta a importância das traduções de ficção durante a
primeira metade do século XIX no Brasil e sua possível influência para nossos
romancistas:
Os livros traduzidos pertenciam, na maior parte, ao que hoje se
considera literatura de carregação; mas eram novidades prezadas, muitas
vezes, tanto quanto as obras de valor. Assim, ao lado de George Sand,
Mérrimée, Chateaubriand, Balzac, Goethe, Irving, Dumas, Vigny se alinhavam
Paul de Kock, Eugène Sue, Scribe, Soulié, Berthet, Souvestre, Féval, além de
outros cujos nomes nada mais sugerem atualmente (...) Na maioria, franceses,
revelando nos títulos o gênero que se convencionou chamar folhetinesco. Quem
sabe quais e quantos desses subprodutos influíram na formação do nosso
romance? Às vezes, mais do que os livros de peso em que se fixa de
preferência a atenção
.
5
3
Para um estudo pormenorizado sobre a importância da Blackwood’s Magazine na Inglaterra e a sua
influência nos periódicos brasileiros da primeira metade do século XIX, ver: Ramicelli, Maria Eulália
Ciranda de ficção no Século XIX. Blackwood's Edinburgh Magazine no Brasil. São Paulo: FFLCH/USP,
1999. Dissertação de mestrado. (mimeo).
4
Para maiores informações sobre biografia e obras desses autores, ver Anexo 3.
4
Ao folhearmos as páginas dos periódicos da primeira metade do século XIX,
percebemos que a prática da tradução ou “imitação”, como muitas vezes era chamada,
desempenhou um papel importante no desenvolvimento do hábito da leitura de romances
assim como estimulou o interesse dos escritores brasileiros pelo gênero, que ainda era
novidade por aqui.
Marlyse Meyer destaca o papel relevante prática da tradução de prosa de ficção e
dos romances em folhetim na primeira metade do século XIX. Compara tal atividade a
“um verdadeiro laboratório”, o qual possibilitou que nossos primeiros homens de letras
aprendessem com os modelos estrangeiros e ao mesmo tempo experimentassem, dentre
outras coisas, uma linguagem mais solta.
6
Também podemos encontrar no Gabinete de Leitura textos retirados de
periódicos portugueses e brasileiros. A contribuição portuguesa ficou a cargo d’A
Bibliotheca Universal e d’O Artilheiro. Quanto aos brasileiros, há uma crônica retirada
d’O Carapuceiro, periódico pernambucano escrito pelo padre Miguel do Sacramento
Lopes Gama (1791-1852), um texto do Correio Official Nictheroyense e duas
contribuições d’O Chronista, cujos redatores, Justiniano José da Rocha, Josino do
Nascimento Silva e Firmino Rodrigues da Silva, como se argumentará mais adiante, por
certo mantiveram uma estreita ligação com a publicação do Gabinete de Leitura.
O Gabinete de Leitura, além de ficção traduzida, publicou em suas páginas as
primeiras tentativas de se produzir prosa de ficção brasileira. Misto de jornalistas,
intelectuais e homens de letras, os jovens colaboradores do Gabinete de Leitura faziam
parte do grupo que, sob a batuta de Gonçalves de Magalhães, pretendiam lançar aqui as
bases da então desconhecida e moderna escola Romântica, promovendo, assim, o que
eles acreditavam ser um meio cultural mais elevado em um Brasil recém liberto da
amarra colonial
7
. Em vista disso, escreveram histórias com o intuito de construir uma
literatura nacional nos moldes daquilo que consideravam como o que havia de mais
moderno no campo literário: o romance. Dificilmente passíveis de serem incluídas no
que atualmente entende-se como o gênero romance, estas contribuições eram por eles
denominadas “novelas”, “romances” e “legendas”. Em geral, essas primeiras prosas
5
Candido, Antonio. Formação da literatura Brasileira., vol. 2. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia,
1997, p.108.
6
Meyer, Marlyse. Voláteis e Versáteis: de Variedades e Folhetim se fez a Chronica. In: As Mil Faces de
um Herói Canalha e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, pp. 109-196.
7
Candido, Antonio. op. cit., em especial capítulos 1 e 2.
5
ficcionais brasileiras eram narrativas curtas nas quais o enredo e a intriga romântica se
misturam aos tipos, cenários e costumes brasileiros.
Pereira da Silva contribuiu com várias histórias: “Luiza — Legenda Brasileira”
8
,
“Uma Aventura em Veneza”
9
, “Um Primeiro Amor”
10
, “As Catacumbas de S. Francisco
de Paula”
11
, “Um Último Adeus”
12
e “Maria”
13
. Firmino Rodrigues da Silva publica
“Um Sonho”
14
. O jovem Martins Pena colabora com “Um Episódio de 1831”
15
; e,
talvez, Gonçalves de Magalhães também tenha participado, escrevendo e/ou traduzindo
uma crônica alemã, “Krettel”
16
(a assinatura que acompanha a crônica é semelhante à
que Magalhães usava em seus artigos — M.). Além dessas histórias brasileiras de
autores por nós reconhecidos, o Gabinete de Leitura publicou várias outras, sem
assinatura e que somente traziam ao final os dizeres “Collaboração do Gabinete”. Há
também uma outra história brasileira, “Meu Primeiro Namoro”, assinada com uma
misteriosa inicial K.
17
1.1 Quem eram os redatores do Gabinete de Leitura?
Não se pode saber com certeza quem eram os redatores do Gabinete de Leitura,
uma vez que não há nenhuma nota publicada nele ou em qualquer outro periódico da
época — ao menos naqueles a que pude ter acesso — nem fonte bibliográfica que
contenha tal informação. Contudo, o Gabinete de Leitura, como mencionado, era
publicado na Tipografia Commercial que pertencia a Josino do Nascimento Silva. Essa
tipografia também publicava o periódico O Chronista (1836-1839), cujos redatores eram
o próprio Josino, Justiniano José da Rocha e Firmino Rodrigues da Silva. Ambos
periódicos eram vendidos na tipografia e na livraria H. & E. Laemmert, de propriedade
dos irmãos Heinrich e Eduard Laemmert. Ao longo dos nove meses nos quais o
8
Gabinete de Leitura, N. 10 (15/10/1837). Jornal dos Debates (18/01/1838). Em Barbosa Lima Sobrinho.
Os Precursores do Conto no Brasil. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1960.
9
Idem. N. 11 (22/10/1837) . Em Sobrinho, B. L. op. cit. pp.117-116.
10
Idem. N. 13 (05/11/1837). Jornal dos Debates (03/05/1838), com o título: “Romance: Um primeiro
amor no baile do Catete”. Em Sobrinho, B.L. op. cit. pp. 111-116.
11
Idem. N. 14 (12/11/1837). Jornal dos Debates (25/05/1838). Em Sobrinho, B.L. op. cit. pp. 127-134.
12
Idem. N. 15 (19/11/1837). Jornal dos Debates (08/02/1838).
13
Idem. N. 18 (10/12/1837). Jornal dos Debates (19/04/1838). Em Sobrinho, B.L. op. cit. pp. 123-126.
14
Idem. N. 22 (07/01/1838). Em Sobrinho, B.L. op. cit. pp. 143-145.
15
Idem. N. 35 (08/04/1838). Em Sobrinho, B.L. op. cit. pp. 233-237.
16
Idem. N. 05 (10/09/1837).
17
Idem. N. 27 (11/02/1838). Até o momento, não descobri nenhum autor brasileiro que assinasse com tal
inicial. O que é de se lamentar, pois, talvez “Meu Primeiro Namoro” possa ser considerada uma das
melhores histórias brasileiras publicadas no Gabinete de Leitura.
6
Gabinete de Leitura foi publicado, O Chronista imprimiu em suas páginas vários
anúncios dando publicidade ao periódico
18
. Uma outra evidência pode ser o fato de que
n’O Chronista de 12 de abril de 1838, quatro dias após a data do último número (n. 35)
do Gabinete de Leitura, há uma nota dirigida aos assinantes do Gabinete explicando que
o número 35 “não foi publicado no dia conveniente por inconvenientes ocorridos na
tipografia” e que os redatores pedem desculpa por esta “falta involuntária”.
Acresce que duas histórias que saíram no Gabinete de Leitura já tinham sido
publicadas n’O Chronista. O contrário também ocorre, sendo que vários textos que
apareceram no Gabinete de Leitura, especialmente depois de seu término, foram
republicados n’O Chronista
19
. Como por exemplo, na primeira página do segundo
número do Gabinete de Leitura, de 20 de agosto de 1837, sai publicada a história “O
Amor Materno”. Essa mesma história acabara de aparecer na seção “Apêndice” (a que
ocupava o rodapé da página) d’O Chronista de 2, 5 e 9 de agosto de 1837,
respectivamente. Outra história do Gabinete de Leitura n. 16 (17 de setembro de 1837),
“O Livro da Vida”, já havia sido publicada na seção “Variedades” d’O Chronista de 5,
15 e 19 de outubro de 1836, respectivamente.
Apesar de a “rapinagem” de textos publicados em outros periódicos ser uma
prática comum nessa época, uma vez que não havia leis específicas regulamentando os
direitos autorais ou de publicação, há indícios de que esse não foi o caso do Gabinete de
Leitura com relação ao O Chronista e vice-versa. Não é difícil imaginar que a decisão
pela reedição de “O Livro da Vida” nas páginas do Gabinete de Leitura tenha sido
causada pela confusão havida na sua primeira publicação n’ O Chronista no ano
anterior. No caso de “O Amor Materno”, a sua republicação no Gabinete de Leitura veio
acompanhada de uma nota da redação com o seguinte esclarecimento:
(Obtivemos da pessoa que escreveu em português a bela novela — O
Amor Materno, — publicada no Chronista, a correção e supressão de diversos
lugares que tornavam a narração fria, e o diálogo pouco animado.)
20
18
N’O Chronista número 90, de 23 de agosto de 1837, sai uma nota anunciando o segundo número do
Gabinete de Leitura. Infelizmente, no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro não consta o
número 89, que poderia conter o anúncio do primeiro número do Gabinete de Leitura.
19
Ver no anexo 2 a relação dos textos do Gabinete de Leitura que também foram publicados nos
exemplares d’ O Chronista que constam no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
20
Gabinete de Leitura n. 2, de 20 de agosto de 1837.
7
Não se pode negar que, com essa nota, a possibilidade de os redatores dos dois
periódicos serem os mesmos ou, pelo menos, de manterem uma estreita relação parece
ficar mais plausível. Como os redatores do Gabinete de Leitura teriam tido acesso ao
tradutor ou tradutora de “O Amor Materno”, se na sua versão n’O Chronista não havia
nenhuma informação a esse respeito e nenhuma assinatura? Se a história tivesse sido
simplesmente “pilhada”, por que os redatores do Gabinete de Leitura escolheriam uma
história que acabara de ser publicada num periódico da corte?
Da mesma forma, vários textos que apareceram no Gabinete de Leitura,
especialmente depois de seu término, foram republicados n’O Chronista. Um exemplo
significativo é a história “O Noivo d’Além Túmulo”, que iniciou sua publicação no
segundo número do Gabinete de Leitura (20/08/1837) e teve continuação nos dois
números subseqüentes. Apenas seis dias depois, sai publicada n’O Chronista a primeira
parte dessa mesma história, parando exatamente no mesmo ponto que a do Gabinete de
Leitura. Além do famoso “Continuar-se-á”, nas três partes que a compõem, os redatores
deixam bem claro de onde a história foi retirada, pois dão como fonte: “GABINETE DE
LEITURA”.
21
Importante ressaltar que O Chronista não era um jornal que costumava publicar
anúncios pagos em suas páginas, como era o caso, por exemplo, do Jornal do
Commercio. Os poucos anúncios que ali aparecem são das então recentes aquisições
e/ou publicações de livros da livraria e tipografia dos irmãos Laemmert e da
Typographia Commercial, que, como já mencionado, era propriedade de Josino do
Nascimento Silva. Foi por essa época, porém, que O Chronista passou a publicar os
anúncios do Gabinete de Leitura, nos quais estavam listados alguns dos títulos já
publicados, dentre eles “O Noivo d’Além Túmulo”. Cabe aqui perguntar se a publicação
dessa história n’O Chronista, numa data tão próxima ao lançamento do Gabinete de
Leitura, não seria uma forma de propaganda, dando aos leitores (e às suas famílias) uma
pequena amostra do tipo de história que encontrariam nas páginas do novo periódico.
21
“O Noivo d’Além Túmulo” inicia sua publicação n’O Chronista, em 26 de agosto de 1837. As duas
partes subseqüentes saem em 30 de agosto e 6 de setembro do mesmo ano.
8
1.2 As condições de produção da imprensa da época
A sistemática expansão da imprensa brasileira no período pós-Independência,
com o lançamento e publicação de um número cada vez maior de periódicos,
especialmente nos maiores centros urbanos, não significou, contudo, que sua produção
fosse tarefa fácil.
Comparando as redações do jornal moderno às daquela época, Tarquínio de
Sousa comenta:
O que agora é tarefa coletiva de um grande número, naquela época era
o trabalho de um, dois ou três indivíduos. Os jornais não tinham sequer local
destinado à redação. Em regra, o redator escrevia em sua própria casa o jornal,
levava-o a uma tipografia, quando não possuía um prelo, e ele mesmo se
incumbia da revisão, da distribuição, de tudo isso que agora constitui o trabalho
de numerosas seções especializadas
.
22
No caso de nossos redatores, contudo, essa dificuldade era minimizada pelo fato
de Josino do Nascimento Silva possuir sua própria tipografia. Tudo indica, porém, que
na época da publicação d’O Chronista e do Gabinete de Leitura sua tipografia
trabalhava com impressora manual. Isso porque é possível encontrar nas páginas d’O
Chronista vários artigos nos quais os redatores, com certo tom de despeito, referem-se
ao Jornal do Commercio como o “grande jornal (...) impresso no prelo mecânico
23
.
Essa forma de qualificar o Jornal do Commercio pode ser um indicativo das dificuldades
que Justiniano, Josino e Firmino enfrentavam para colocar no mercado dois periódicos
simultaneamente.
24
Há bem poucas informações sobre os custos de produção e o número de
subscritores necessários para que um periódico se mantivesse no mercado à época.
Contudo, em um relatório dirigido ao conselho da Sociedade de Instrução Elementar,
22
Sousa, Tarquínio de. Evaristo da Veiga. São Paulo/ Rio de Janeiro: Comp. Ed. Nacional, 1939, p.67.
23
O Chronista, 23 de novembro de 1836 (meu grifo). O Jornal do Commercio iniciou sua publicação no
Rio de Janeiro em 1 de outubro de 1827, fundado pelo ex-livreiro francês Pierre Plancher. Na condição de
exilado político, devido às suas idéias liberais e apoio à causa bonapartista, Plancher veio para o Brasil
trazendo consigo maquinário tipográfico e competentes profissionais das artes gráficas. A primeira
impressora mecânica do Brasil foi, contudo, adquirida por um outro francês, J. Villeneuve, que comprou o
negócio de Plancher e assumiu o Jornal do Commercio em 1832. Sobre Pierre Plancher e J. Villeneuve ver
o cap. IV de Hallewell, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 1985, pp.65-78.
9
Josino do Nascimento Silva analisa a viabilidade da criação de um periódico que teria
como meta a difusão de conhecimentos úteis. De acordo com sua estimativa, o custo
para se publicar um periódico mensal, composto de 32 páginas no formato in-4
º
, seria da
ordem de 610 mil réis anuais, dos quais cerca de 80% seriam gastos com a compra de
papel e o restante com as despesas referentes à redação e distribuição.
25
Tendo em conta que tanto em relação ao formato quanto ao total do número de
páginas mensais o Gabinete de Leitura assemelhava-se ao referido periódico, esta
estimativa talvez estivesse bem próxima dos custos de sua produção, não sendo de todo
impossível que ela se baseasse na experiência de Josino com a publicação do Gabinete
de Leitura. Sendo assim, como o valor da subscrição anual do Gabinete de Leitura era
de 6 mil réis, seriam necessários um mínimo de 100 assinantes para cobrir as despesas
de impressão e distribuição. Se para o leitor moderno tal número de assinantes parece ser
pequeno, até mesmo irrisório, tudo indica que naquele tempo as coisas não eram tão
simples. Um exemplo disso é um artigo d’O Chronista no qual é feito um balanço dos
diferentes jornais então publicados no Rio de Janeiro. Nele o redator comenta o sucesso
do então recém lançado Semanario do Cincinnato, que teria conseguido angariar por
volta de 200 assinaturas.
26
Significativa também é a comparação feita pelos redatores
d’O Chronista entre a imprensa e o número de leitores na França e no Brasil:
Em França o jornalismo é uma potência, milhares de leitores ouvem
seus oráculos e guiam seu pensar por suas leituras. Outro tanto não acontece
no Brasil; poucos são os que lêem, pouca é a importância do jornalismo. O
periódico político que conta com mais de 500 assinantes tem quase que tocado
24
Durante o ano de 1837, O Chronista era bi-semanal, saindo às quartas e sábados. A partir de janeiro de
1838 passou a ser publicado três vezes por semana: às terças, quintas e sábados. O Gabinete de Leitura,
como já referido, saía aos domingos.
25
O Chronista, de 17 de março de 1838. Por essa época, quase todo o papel utilizado para impressão no
Brasil era importado. Em O Chronista de 11 setembro de 1838, há pequeno artigo sobre o francês radicado
no Brasil, André Gaillard, que possuía uma pequena fábrica de papéis nos arredores do Rio de Janeiro. O
artigo comenta sobre as dificuldades que esse empresário enfrentava para fabricar seu produto e que,
apesar de o seu papel ser de qualidade inferior ao importado, alguns jornais já estavam utilizando-o
regularmente. [Sobre as dificuldades que os impressores brasileiros do século XIX enfrentavam em
relação à aquisição de papel ver Hallewell, Laurence. Op. cit, pp.131-133.]
26
O Chronista, de 1 de março de 1837. O Semanario do Cincinnato saía aos sábados na corte do Rio de
Janeiro e, como outros periódicos da época, não teve existência muito longa. Ao todo foram 36 números,
de 18 de fevereiro a 4 de novembro de 1837. Era publicado na Tipografia do Diário de N. L. Vianna e,
segundo Nelson Werneck Sodré, seu redator era José Cristino da Costa Cabral. Colaborador do Diário do
Rio de Janeiro, Costa Cabral ficou conhecido devido ao sucesso de sua coluna escrita sob o pseudônimo
Cincinnato. Entusiasmado com esse sucesso junto ao público leitor da corte, Costa Cabral resolveu lançar
seu próprio jornal semanal. Foi também redator do Correio Oficial e do Jornal do Commercio, entre 1838
e 1842; a partir de 1855, dirigiu o Correio da Tarde. [Sodré, N. W. História da Imprensa no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1966, p. 157].
10
ao máximo de sua possível circulação, e esse número bem poucos são os que
o atingem...
27
Cabe ressaltar que essas cifras referem-se a periódicos que lidavam com matérias
de cunho político e econômico, que, segundo os comentários dos próprios redatores da
época, atraíam a maior parcela do público leitor, que era preponderantemente masculina.
Apesar de esses dados não serem de fontes oficiais, eles permitem entrever as
dificuldades que os redatores enfrentavam para manter suas publicações no mercado,
especialmente em se tratando de um periódico de cunho exclusivamente literário como
era o caso do Gabinete de Leitura.
Tudo indica que as dificuldades de ordem financeira que esses jovens redatores
enfrentavam não eram pequenas. Na seção “Variedades” d’O Chronista de 20 de agosto
de 1836, Justiniano José da Rocha promete aos leitores que sempre que possível faria a
crítica das produções teatrais encenadas na corte, atividade que, segundo ele, nenhum
jornal até então se empenhara em fazer. Contudo, na época em que o Gabinete de
Leitura estava sendo publicado, Justiniano explica aos seus leitores os motivos da
ausência de críticas teatrais no periódico:
De há muito que desaprendemos o ofício de crítico dramático, porque
nos não deixam nossas ocupações tempo bastante para que o vamos
esperdiçar em nossos teatros, e quando mesmo nos elas (sic) deixassem,
conselhos higiênicos nos fazem recolher ao toque de trindades, conselhos
econômicos nos obrigam a não despendermos assim de chofre aquilo que tanto
nos custa a ganhar: por isso depois de nossa última censura que, se bem nos
lembra, foi a primeira representação de — Uma paixão desenfreada — nada
temos escrito sobre dramas, comédias, atores &c. &c. porque não os temos ido
visitar.
28
Além da falta de dinheiro, dificilmente se podia contar com uma equipe
preparada e especializada que dividisse as inúmeras tarefas. Com relação à redação do
Gabinete de Leitura, contudo, o acúmulo de trabalho talvez tenha sido contornado pelas
contribuições recebidas de seus colaboradores — tanto no que se refere à ficção
(assinada e anônima) quanto às traduções. Uma ilustração dessa possível conjunção de
esforços para contornar as dificuldades que esses redatores enfrentavam é dada por
27
O Chronista, 22 abril de 1837.
11
Justiniano J. da Rocha, numa espécie de prólogo à história que irá contar em um dos
apêndices d’O Chronista. Nele, Justiniano faz o narrador vivenciar uma cena que
poderia ser sua própria vida de jornalista/escritor. O narrador inicia afirmando que não
mais escreveria apêndices porque além de ser tarefa “muito cansativa”, alguns deles lhe
acarretaram problemas, uma vez que “certas pessoas” acreditaram que eles haviam sido
escritos com o intuito de criticá-las (exemplifica referindo-se ao assunto de apêndices já
publicados). São 9 horas da noite e, alegando ter o hábito de dormir cedo, se prepara
para deitar. Já sonolento, ouve alguém bater à sua porta. Abre-a ao reconhecer a voz de
um amigo, que, esbaforido, lhe pede que escreva um apêndice para a manhã seguinte, de
forma que possa sair publicado no próximo número d’O Chronista. O tal amigo justifica
o pedido alegando que ele e seu colega da redação estavam sobrecarregados de trabalho
e que já havia algum tempo que não conseguiam publicar um apêndice e, devido a isso,
alguns leitores já haviam reclamado. Pede-lhe que o escreva de forma que preencha “as
fraldas de três boas laudas”. O narrador tenta esquivar-se da tarefa alegando que
...para fazer apêndices preciso é ter a cabeça descansada, a
imaginação desenferrujada, e pelo menos uma anedota para diluir no
competente caldo de palavras: tudo isso me falta
.
29
O narrador acaba por ceder à insistência do amigo jornalista e apresenta ao leitor,
num tom de quem conta um “causo”, uma história que se passa no Rio de Janeiro
colonial, cujo tema central gira em torno da “traição feminina”.
30
O que vemos nessa espécie de prólogo é uma forma dramatizada do que poderia
ser uma situação corriqueira na vida desses jovens redatores à época. Por vezes, a
cooperação mútua era a única forma de desempenhar a contento as múltiplas tarefas e
profissões que exerciam. Isso porque, além de redatores, escritores, jornalistas e
tradutores, Justiniano J. da Rocha, Josino do Nascimento Silva e Pereira da Silva
também atuavam como advogados
31
. Mais tarde, Justiniano ainda ocupará o cargo de
28
O Chronista, 6 de dezembro de 1837.
29
“O Copo d’Água”, O Chronista de 25 de novembro de 1837.
30
Por essa data, Justiniano José da Rocha já havia se desligado da redação d’O Chronista para assumir o
cargo de redator do Correio Oficial, jornal oficial do governo. Na carta em que se despede dos leitores,
publicada n’O Chronista de 11 de outubro de 1837, Justiniano afirma que eventualmente escreveria
apêndices para o jornal. Daí que, para o leitor da época, a cena descrita teria um cunho de veracidade.
31
São vários os artigos publicados n’O Chronista e no Jornal dos Debates que comentam a atuação dos
três jovens como advogados de defesa em diversos processos judiciários na corte do Rio de Janeiro
durante os anos de 1836-1839. No Jornal dos Debates de 8 fevereiro de 1838, por exemplo, foi publicado
12
professor de Geografia e História Antiga e Romana no Colégio D. Pedro II, enquanto
Firmino Rodrigues da Silva será nomeado Juiz de Direito em Minas Gerais.
32
Vê-se, pois, que o acúmulo de trabalho e o baixo retorno financeiro das
atividades no campo jornalístico são constantes na vida desses jovens intelectuais, pelo
menos durante o período sob exame. Como vimos, uma das formas que parece ter sido
adotada para driblar essas inevitáveis dificuldades foi a união de esforços. O fato de
Justiniano mencionar que Pereira da Silva tinha o hábito de passar grande parte de suas
manhãs no balcão da tipografia Commercial
33
, em conversas entre amigos, pode ser um
indício de que a idéia de se publicar um periódico que teria a ficção como carro-chefe foi
tomada levando-se em conta a colaboração de todos.
Cabia, portanto, a escolha de um título para o novo periódico. A escolha recaiu
no que havia de mais moderno em termos de acesso à leitura, como veremos nas páginas
seguintes.
um quadro com a lista dos julgamentos realizados no mês anterior, no qual os três estão presentes —
Pereira da Silva advoga dois casos.
32
A escassez de livros didáticos leva Justiniano J. da Rocha a escrever o Compendio de Geographia
Elementar offerecido ao Governo de S. M. I., para uso dos allunos do Imperial Colegio de Pedro II,
publicado no Rio de Janeiro em 1838. [Catalogo de Livros da Bibliotheca Fluminense. Rio de Janeiro:
Typographia Commercial de Soares & Co., 1852, p.212.]
33
O Chronista, de 16 de dezembro de 1837.
13
Capítulo 2
O que é um GABINETE DE LEITURA?
Um dicionário francês contemporâneo à publicação do periódico Gabinete de
Leitura, o Dictionnaire de l’Académie de 1835, define o termo francês CABINET DE
LECTURE como sendo “un lieu où l’on donne à lire, moyennant une faible rétribution,
des journaux et des livres”
34
. De forma mais completa, o Dictionnaire National registra:
“Établissement tout moderne dans lequel, moyennant une faible rétribution, on peut lire
des journaux, revues, brochures et ouvrages et même les louer pour les emporter à
domicile”
35
. Na Inglaterra, as chamadas “Circulating Libraries”, ou bibliotecas
circulantes, são assim definidas pelo Oxford English Dictionary: “a private commercial
establishment for the lending of books, the borrower paying either a fixed sum for each
book lent or a periodical subscription”
36
.
Apesar das diversas denominações que essas instituições receberam nos
diferentes países em que se instalaram — o já mencionado “Circulating Library” na
Inglaterra e nos Estados Unidos, “Cabinet de Lecture” na França, “Leihbibliotheken” na
Alemanha, “Gabinete de Leitura” em Portugal e no Brasil —, seu traço comum era o de
serem estabelecimentos de caráter ao mesmo tempo comercial e cultural que
possibilitavam aos seus subscritores a leitura e/ou a locação de livros e periódicos, sem
que houvesse a necessidade de compra.
Em 1661, na Grã-Bretanha, já há registros de que o livreiro Francis Kirkman
anunciava o aluguel de livros para quem não pudesse ou não quisesse comprá-los.
37
Contudo, foi somente a partir da segunda década do século XVIII que o comércio de
aluguel de livros começou a se estabelecer de forma sistemática no Reino Unido. Tudo
indica que a primeira biblioteca circulante pertenceu ao poeta escocês Allan Ramsay,
que alugava os livros de sua livraria em Edimburgo em 1725.
34
[“Um lugar onde se dá a ler, em troca de módica quantia, jornais e livros”] (Esta e as traduções que se
seguem são minhas, salvo se observado o contrário)
35
[“Estabelecimento moderno no qual, em troca de módica quantia, pode-se ler jornais, revistas, brochuras
e obras, e mesmo alugá-las para levá-las para casa.”]
36
[“Estabelecimento comercial de caráter privado para locação de livros, no qual o locatário pode ou
pagar uma taxa fixa por livro alugado ou uma subscrição periódica”.]
37
Altick, Richard D. The English Common Reader: a social history of the mass reading public 1800-
1900. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1957, p.59.
14
Nos anos seguintes, bibliotecas circulantes se instalaram em locais de veraneio,
especialmente em estâncias hidrominerais, tais como Bath e Southampton. O sucesso
dessas bibliotecas estrategicamente instaladas em lugares turísticos pode ser averiguado,
um século depois, em duas passagens dos Sketches by Boz, de Charles Dickens. Nota-se
que, para seus freqüentadores, além da busca por material de leitura, talvez até como
uma maneira de preencher o tempo ocioso, a visita em si a estes estabelecimentos
configurava-se como uma forma de estreitar relações sociais:
The ‘dear girls’ (...) had been at different watering-places, for four
seasons; they had gambled at libraries, read books in balconies, sold at fancy
fairs...
38
The library [at Ramsgate] was crowded. There were the same ladies and
the same gentlemen who had been on the sands in the morning and on the pier
the day before....
39
A partir de 1740, pelo menos três bibliotecas circulantes operaram em Londres:
a do Reverendo Samuel Fancourt, com um acervo mais especializado, voltado para o
estudo e formação profissional, e as de Thomas Wright e Samuel Bathoe, que
aparentemente atendiam mais ao gosto popular.
A prática de aluguel de livros por meio de subscrição também foi utilizada por
outros tipos de bibliotecas criadas nesse mesmo período. Formadas, em geral, por
pequenas associações ou instituições ligadas a sociedades literárias e filosóficas, as
proprietary libraries, como eram chamadas, desenvolveram-se principalmente nas
grandes cidades e vieram a ser um meio importante de aquisição de conhecimentos para
parte considerável das classes alta e média da sociedade britânica. Além da subscrição
anual, essas bibliotecas cobravam uma taxa de seus associados para a aquisição do
acervo e manutenção das instalações. Devido aos altos preços cobrados e de somente
poderem ser utilizadas pelos subscritores, grande parte do público leitor não teve acesso
a elas.
Um outro tipo de associação comum na época foram os chamados clubes do
livro, ou book clubs. Numerosos nas últimas décadas do século XVIII, os clubes do livro
38
Dickens, Charles. Sketches by Boz, Great Britain: Wordsworth Editions, 1999, p.272.
15
surgiram da iniciativa daqueles que não podiam arcar com as altas taxas de subscrição de
uma “proprietary library”. Eram em geral formados por famílias ou indivíduos de classe
média que se associavam para a aquisição de livros que poderiam ser compartilhados
pelo grupo. Uma vez lidos por todos que se interessassem, os livros ou eram vendidos
para a aquisição de um novo lote ou mantidos como acervo permanente.
40
Diga-se, porém, que foram as bibliotecas circulantes, de caráter exclusivamente
comercial, que em pouco tempo alcançaram a preferência de um público leitor em plena
expansão, particularmente o das mulheres de classe média. Oferecendo leitura por um
preço acessível, as bibliotecas circulantes proliferaram na capital, nas províncias e até
nas pequenas vilas.
Na França, a prática de alugar livros mediante uma subscrição começou a ser
adotada por livreiros franceses durante o século XVIII, especialmente a partir da sua
segunda metade. Sob pressão da concorrência dos mais solidamente estabelecidos, os
recém instalados livreiros, como forma de aumentar o lucro, tanto podiam vender seus
livros como alugá-los. Multiplicaram-se assim os gabinetes de leitura, que passaram a
ser importantes entrepostos provinciais para a difusão de periódicos, de novidades e de
livros.
41
Os “gabinetes literários”, como foram inicialmente chamados, ofereciam a seus
clientes romances, novelas, relatos de viagens, ensaios de autores da época, panfletos
políticos, bem como os famosos “livros filosóficos”
42
.
Assim como na Inglaterra também foram criados na França gabinetes de leitura
sem fins lucrativos, formados pela associação de cidadãos comuns. Em sua passagem
pelo país em 1788, o viajante inglês Arthur Young descreve sua visita a um desses
estabelecimentos:
Uma instituição comum nos grandes centros comerciais da França, mas
particularmente florescente em Nantes, é a câmara de leitura, o que
chamaríamos de um book-club que não distribui os livros entre seus membros,
39
Ibidem, p. 337.
40
Um exemplo bem sucedido de um desses clubes do livro se deu em Sussex. Um grupo de cerca de
sessenta subscritores conseguiu angariar, entre os anos de 1786 e 1794, um acervo com cerca de 1000
volumes. Altick, Richard. Op. cit., p. 61.
41
Chartier, Roger. Leituras e Leitores na França do Antigo Regime. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora UNESP, 2004, p. 205.
42
Livres philosophiques era a denominação dada às obras obscenas, contra a Igreja ou sediciosas.
Proibidas, eram impressas nas fronteiras do reino e comercializadas de forma clandestina dentro do país.
Darnton, Robert. Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. Trad. Luís
Carlos Borges. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 124.
16
mas os mantém como uma biblioteca. Há três salas: uma para leitura, outra
para conversação e uma terceira destinada à biblioteca; mantêm-se boas
lareiras no inverno e há velas.
43
Contudo, a maior expansão dos gabinetes de leitura na França se deu em meados
do século XIX. Em Paris, capital e centro da vida intelectual e literária, entre 1815 e
1830, registram-se mais de uma centena de estabelecimentos de caráter comercial que
alugavam livros para leitura domiciliar ou permitiam, mediante pagamento de módico
valor, que os clientes lessem em suas próprias dependências. Honoré de Balzac
confirma:
de 1816 à 1827, époque à laquelle les cabinets littéraires, d’abord
établis pour la lecture des journaux, entreprirent de donner à lire les livres
nouveaux moyennant une rétribution.
44
.
O relato de um contemporâneo dá conta da familiaridade dos gabinetes de leitura
na paisagem parisiense da época da Restauração:
On en trouve dans tous les quartiers de la ville, surtout dans ceux qui
sont les plus fréquentés des étrangers. La plupart de ces cabinets se bornent à
offrir à lecteur, dans des salons bien modestes, les journaux politiques et
quelquer autres ouvrages périodiques; um certain nombre se distinguent
cependant par l’étendue de leur local, par la multitude des jornaux et
nouveautés, tant français qu’étrangers, et par une bibliothèque choisie d’ancient
ouvrages qu’ils mettent tous, pur une modique rétribution, à la disposition du
public. Le prix ordinaire d’uns séance de durée illimitée est de 6 sous
.
45
43
Young, Arthur. Arthur Young's Travels in France. London: George Bell and Sons, ed. Matilda
Betham-Edwards, 1909. O texto pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico:
http://www.econlib.org/library/YPDBooks/Young/yngTF3.html; acessado em 15 março de 2006.[“An
institution common in the great commercial towns of France, but particularly flourishing in Nantes, is
a chambre de lecture, or what we should call a book-club, that does not divide its books, but forms a
library. There are three rooms, one for reading, another for conversation, and the third is the library;
good fires in winter are provided, and wax candles.”]
44
Balzac, H. de. Illusions Perdues, Paris: Garnier Frères, 1961, p.410. [“ De 1816 a 1827, época na qual
os gabinetes literários, originalmente criados para a leitura de jornais, começaram a oferecer a leitura de
livros novos em troca de pagamento.”]
45
Harmand (C.), Manuel de l’étranger dans Paris pour 1823, contenant tous les renseignements
nécessaires aux étrangers pendant leur séjour dans la capitale, et la description exacte et complète de tout
ce qui est remarquable à Paris..., Paris: Hesse et Cie., Firmin Didot impr., 1828. Apud Parent-Lardeur,
17
Não é de todo impossível imaginar que o gabinete descrito por Paul de Kock em
um de seus romances seja visto como exemplar dos Gabinetes de Leitura franceses da
época da Restauração:
Le magasin se divise en salon de lecture sur place et en librairie de prêt.
Dans le salon, on consulte les jornaux et les revistes; le nombre des lecteurs est
tel (particulièrement pour les jornaux politiques) que la libraire coupe les jornaux
en deux pour pouvoir satisfaire un plus grand nombre de demandes. Dans la
libraire, c’est un défilé incessant d’abonnés qui se mandent avant tout: "Du
Nouveau! Du Nouveau! – Voilá bien les abonnés: il leur semble que le nouveau
seul est bon”
.
46
Circunstâncias especiais favoreceram o surgimento e crescimento do número de
bibliotecas circulantes na Inglaterra e gabinetes de leitura na França a partir da segunda
metade do século XVIII. Apesar de suas diferenças históricas, é possível dizer que em
ambos países houve uma expansão considerável do público leitor. A ênfase na difusão
do conhecimento, fruto das idéias iluministas, propiciou um aumento inédito no número
de alfabetizados. Assim como a ascensão das classes sociais, com destaque às ligadas ao
comércio e à indústria, tornou possível às pessoas empregarem parte da renda mensal no
consumo de artigos até então considerados de luxo, dentre eles os livros. Ao mesmo
tempo, avanços tecnológicos e transformações econômicas resultantes da Revolução
Industrial possibilitaram a uma parcela da população, especialmente a da classe média
que residia nos grandes centros urbanos, dispor de mais tempo para o lazer. No caso das
mulheres inglesas, por exemplo, muitas já podiam contar com produtos manufaturados
que dispensavam-nas de tarefas domésticas até então habituais, tais como fazer pão ou
François. Les Cabinets de Lecture: la lecture publique a Paris sous la Restauration. Paris: Payot, 1982, p.
12-13. [“Encontram-se gabinetes em todos os bairros da cidade, especialmente nos que são mais
freqüentados por estrangeiros. A maior parte desses gabinetes oferece ao leitor, em salões bastante
modestos, jornais políticos e algumas outras obras periódicas; um certo número de gabinetes se distingue
todavia pela amplidão de seus salões, pela quantidade de jornais e novidades, tanto estrangeiras como
francesas, e por uma biblioteca escolhida de obras antigas que eles põem à disposição do público em troca
de modesta contribuição. O preço comum de uma sessão de leitura de duração ilimitada é de 6 sous.”]
46
Apud Martins, Ana Luiza. Gabinetes de Leitura da Província de São Paulo: a pluralidade de um
espaço esquecido (1847-1890).Dissertação de Mestrado FFLCH/USP, mimeo, p. 31-32. [“A loja se divide
em salão de leitura no local e em livraria de empréstimo. No salão, podem-se consultar jornais e revistas; o
número de leitores é tal (particularmente de jornais políticos) que a livraria corta os jornais em dois para
poder satisfazer a um maior número de pedidos. Na livraria de empréstimo, há um desfile incessante de
assinantes que pedem mais do que tudo: ‘Novidades! Novidades! – Eis aí os assinantes: lhes parece que só
o que é novo é bom’.”]
18
fiar. É claro que é muito difícil prever quanto desse ócio era gasto com leituras.
Contudo, pode-se argumentar que, com a difusão das idéias humanistas, despertando no
homem o interesse pelo saber, e com o progresso da nova economia capitalista,
demandando um grau de conhecimento antes desnecessário sob o regime feudal, a
habilidade de ler e a própria leitura em si passam a ser vistas como formas de aquisição
de conhecimento, adquirindo assim importância cada vez mais acentuada. Em vista
disso, o apetite pela palavra impressa se aguça à medida que o século avança. A leitura
de jornais e periódicos, por exemplo, começa a fazer parte da rotina de uma considerável
parcela da população, ávida de informação.
Contudo, o alto preço dos livros e o baixo rendimento médio dos trabalhadores
restringiam de maneira significativa o acesso à leitura. Na Inglaterra, dificilmente um
indivíduo das classes menos abastadas conseguiria adquirir um livro sem comprometer
seu orçamento doméstico. Um exemplar de Tom Jones, de Henry Fielding, por exemplo,
poderia chegar a custar o equivalente ao que um trabalhador ganhava em média por
semana.
47
Apesar da oferta de obras mais baratas, em especial as pirateadas por impressores
estrangeiros, foi nos gabinetes de leitura e bibliotecas circulantes que os amantes dos
livros puderam satisfazer seu desejo de ler. Operando em conexão com o mercado
livreiro, eles ofereciam com fartura e por preço acessível a uma parcela maior da
população o que mais fascinava o leitor da época não muito afeito às obras clássicas: o
romance.
Por volta de 1790, William Lane, redator da Minerva Press — periódico
dedicado à ficção sentimental e sensacionalista, já era um dos mais bem sucedidos
livreiros a alugar livros por meio de subscrição. Por essa data, o cardápio oferecido aos
seus subscritores perfazia cerca de 10.000 volumes e, segundo o prospecto, constava de:
Works of Genius and Taste, both ancient and modern, whether History,
Biography, Philosophy, Voyages, Travels, Poetry, &c., &c. ... Also for Pleasure
and Amusement, every Novel, Romance, Tale, and Adventure in the English
Language, together with all the Dramatic Publications.
48
47
Watt, Ian. A Ascensão do Romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Trad. Hildergard Feist,
São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 40.
48
Blakey, Dorothy. The Minerva Press, 1790-1820, 1939, p. 114. Apud Altick, Richard. Op. cit., p.62.
[“Obras de Gênio e de Gosto, antigas e modernas, sejam de História, Biografia, Filosofia, Jornadas,
Viagens, Poesias, &c., &c. ... Incluindo para o Prazer e Entretenimento, todas os Romances, Estórias
Romanescas, Contos, e Aventuras em Língua Inglesa, junto com todas as Publicações Dramáticas.”]
19
Adequadas ao gosto desse público leitor emergente não muito afeito à leituras
mais elaboradas, as obras destinadas ao “prazer e entretenimento”, com destaque
especial ao romance, logo se tornaram o principal produto oferecido pelas bibliotecas
circulantes e gabinetes de leitura — e o mais requisitado pelos seus freqüentadores,
especialmente pelo público feminino.
Um aspecto importante dessas instituições de caráter ao mesmo tempo comercial
e cultural foi o de funcionar como mediadoras na relação entre editores, escritores e o
público leitor. Apesar da aparente concorrência que num primeiro momento os gabinetes
de leitura representaram para o comércio editorial, não demorou muito para que se
tornassem seus melhores clientes. Para os editores era muito mais lucrativo suprir alguns
poucos clientes de confiança com quase a metade da tiragem de uma edição (cerca de
500 livros) do que vendê-los no varejo nas livrarias espalhadas pelo país.
49
Outra
vantagem para os editores foi a prática da publicação de uma obra em três volumes
largamente incentivada pelos gabinetes de leitura, uma vez que o aluguel era cobrado
por volume e não por título. Para os escritores, a existência dos gabinetes de leitura
significou uma alternativa ao mercado editorial antes dominado pelas livrarias, além de
abrir a possibilidade de uma maior divulgação de seus trabalhos. Para o público, a
instalação dos gabinetes de leitura veio ao encontro do crescente interesse pela cultura
letrada e, de certa forma, realizou o que se pode chamar de uma “democratização da
leitura”, permitindo ao leitor comum acesso a uma mercadoria até então considerada de
luxo.
Cabe ressaltar a contribuição dos gabinetes de leitura para a própria história da
literatura, pois, se por um lado, eles prosperaram principalmente devido ao fascínio que
o romance exercia no público leitor de classe média, por outro, eles contribuíram de
maneira decisiva para a expansão desse leitorado assim como para a consolidação de sua
preferência pelo novo gênero literário.
Na França, o declínio dos gabinetes de leitura se deu a partir da segunda metade
do século XIX. Dentre as prováveis causas, Parent-Lardeur menciona a contrafação de
livros franceses pelos impressores belgas, que inundou o mercado com livros baratos e
obrigou os editores a também baixarem seus preços, e a publicação de romances na
seção folhetim do periódicos populares La Presse de Émile de Girardin e seu
20
concorrente Le Siècle de Dutacq, a partir de 1836. Com preços com que o trabalhador
comum podia arcar, o sucesso da publicação de ficção nos periódicos pode ser medido
pela tiragem dos jornais parisienses que entre 1836 e 1847 passa de 80.000 para 180.000
por dia.
50
Escritores iniciantes e de renome como Alexandre Dumas, Balzac, Frédéric
Soulié e Eugène Sue passaram, assim, a fazer parte do dia a dia de uma larga parcela da
população, o que certamente dispensou os leitores comuns de procurá-los nos gabinetes
de leitura.
Na Inglaterra, mesmo com a criação das bibliotecas públicas, financiadas com
dinheiro de impostos, em 1850, as bibliotecas circulantes se mantiveram operando com
sucesso até meados do século XX.
2.1 Os gabinetes de leitura chegam à corte do Rio de Janeiro
Cruzando o Atlântico, os gabinetes de leitura aportaram em terras brasileiras em
circunstâncias bem diversas. Os primeiros estabelecimentos, sejam comerciais ou
institucionais, a oferecer livros para locação na cidade do Rio de Janeiro partiram da
iniciativa de imigrantes europeus que ali se estabeleceram principalmente nos anos que
se seguiram à vinda da família real para o Brasil.
Num passeio pela rua do Ouvidor, uma das mais movimentadas da corte
imperial, o missionário inglês Robert Walsh, em sua visita à cidade entre 1828 e 1829,
relata que alguns dos franceses ali estabelecidos eram proprietários de “doze libraries e
relieurs, alguns dos quais mantêm bibliotecas circulantes e possuem uma boa coleção de
livros em todas as línguas”
51
. Talvez fosse o caso, por exemplo, do francês Albino
Jourdan, abrasileirado para “Jordão”, proprietário de uma das livrarias mais conhecidas
da rua do Ouvidor — a Casa do Livro Azul, que funcionou de 1828 a 1852. Nela os
clientes poderiam comprar, trocar ou alocar livros, pagando pelo aluguel uma taxa de
“80 réis por dia e, por mês 2.000 réis”.
52
Ou o também francês, Cremière Filho, que em
49
Altick, Richard. Op. cit., p. 295.
50
Parent-Landeur, François. Op. cit., p. 121
51
Walsh, Robert. Notícias do Brasil. Vol. 1, tradução Regina Régis Junqueira, Belo Horizonte: Itatiaia,
São Paulo: EDUSP, 1985, p. 198.
52
Jornal do Commercio de 23 de dezembro de 1835. Citado por Meyer, Marlyse. “Voláteis e versáteis: de
variedades e folhetins se fez a chronica”. In: As Mil Faces de um Herói Canalha e outros ensaios. Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 1998, p. 83.
21
agosto de 1828, estampava no Diário do Rio de Janeiro um longo anúncio com as obras
disponíveis em seu Gabinete de Leitura, situado na rua dos Ourives, 86.
53
Por essa mesma época, outras instituições associativas de caráter laico e
iniciativa privada foram criadas na corte do Império: a Gesselschaft Germania ou
Sociedade Germânia em 1821, a British Subscription Library em 1826 e o Gabinete
Português de Leitura em 1837
54
.
Em 1824, o viajante Ernest Ebel comenta sobre a Sociedade Germânia, formada
por membros da comunidade alemã estabelecida na corte do Rio de Janeiro, e que por
essa época inaugurava sua nova sede à rua Direita:
...É a única do gênero no Rio, tanto mais necessária quanto é grande a
carência de círculos sociais condignos. O local consiste numa sala de bilhar e
noutras de jogos, jantar e leitura. (...) Cinqüenta é o número de sócios novos,
podendo ser admitidos mediante balotagem, assim como estrangeiros.
Geralmente as reuniões são à noite para jogar cartas ou matar o tempo em
torno do bilhar. Como leitura, só se conta com os jornais brasileiros e uns
quantos livros alemães antiquados.
55
Todavia, ao menos para o período no qual este estudo volta seu interesse, ou seja,
a primeira metade do século XIX, devido ao elevado preço da subscrição e à exigência
de que seus membros dominassem o idioma alemão, é muito provável que os benefícios
no campo cultural e social proporcionados pela Sociedade Germânia tenham atingindo
apenas um círculo bastante restrito de associados, uma vez que o leitor comum
fluminense pouco acesso teve a eles. Uma prova disso é o fato de que sócios de
nacionalidade brasileira somente foram admitidos pela instituição a partir de 1850.
Assim como a Sociedade Germânia, a British Subscription Library partiu da
iniciativa alguns imigrantes ingleses residentes na cidade do Rio de Janeiro. Imbuída de
um espírito utilitarista e uma cultura protestante que imprimiam à leitura lugar de
destaque, em 1824 a comunidade inglesa já contava com uma sala de leitura. Segundo o
registro de Ernst Ebel, a Sala de Leitura Birnie, situada à rua Direita, consistia de uma
biblioteca “cujos assinantes [eram] na maioria ingleses”. Acrescenta:
53
Meyer, Marlyse. Voláteis e Versáteis... Op. cit., p. 82.
54
Para um estudo amplo sobre essas instituições ver Schapochnik, Nelson. Os Jardins das Delícias:
Gabinetes Literários, Bibliotecas e Figurações da Leitura na Corte Imperial. FFLCH / USP, 1999, Tese
de Doutorado, (mimeo).
22
Aí se encontram quase todos os diários ingleses, um par de franceses,
o Correspondent de Hamburgo, jornais estes que os paquetes ingleses trazem
com certa regularidade, mensalmente, da Europa; assim ficamos a par de tudo
o que se passa no mundo.
56
Dois anos após a criação da British Subscription Library em 1826, o Reverendo
inglês Robert Walsh faz menção à nova entidade ao se referir à comunidade inglesa da
capital da corte:
Há pouco tempo criaram uma biblioteca circulante com um bom estoque
de todas as recentes publicações da Europa. Possuem também um jornal (Rio
Herald) que agora acredito estar suspenso.
57
Pouco mais de uma década depois da criação da British Subscription Library,
num período bastante conturbado da regência de Diogo Feijó, a cidade do Rio de Janeiro
viu nascer mais um espaço de leitura e sociabilidade, o Gabinete Português de Leitura.
Iniciativa de um grupo de portugueses liberais, recém-chegados de um Portugal
dominado pelo absolutismo de D. Miguel, o Gabinete Português de Leitura abriu suas
portas a 14 de maio de 1837. O grupo composto de homens com idéias modernas, em
sua maioria formado por comerciantes e bacharéis de Direito, tinha como objetivo
congregar a comunidade lusitana “em um estabelecimento criado por portugueses, ‘o
primeiro do Império’, no intuito de sua ilustração, da ilustração geral e de concorrer para
restaurar a glória literária da pátria”
58
.
Esse espaço de sociabilidade cumpriria as múltiplas funções de um “instituto
para a cultura do espírito, desenvolvimento da razão e aperfeiçoamento das faculdades
do homem, tendo como conseqüência o melhoramento das condições de produção, nas
ciências, artes, indústria, comércio e na organização social.”
59
55
Ebel, Ernest. O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824. Trad. Joaquim de Sousa Leão Filho, São
Paulo: Editora Nacional, 1972, p. 118-119.
56
EbeL, Ernst. Op. cit., p. 119.
57
Walsh, Robert. Op. cit., p. 198.
58
Severo, Ricardo. “Um ‘Tombo’ Luso-Brasileiro” (discurso proferido a 14 de maio de 1937 no
Centenário da Criação do Gabinete de Leitura) . In: Discursos, Rio de Janeiro: Gabinete Português de
Leitura, 1937, p.6.
59
Idem ibidem.
23
Vê-se que uma das preocupação de seus fundadores era a de elevar o nível de
instrução tanto de seus compatriotas quanto dos brasileiros, difundindo o gosto pela
leitura.
O que se percebe é que todas essas instituições formaram-se a partir da iniciativa
de grupos estrangeiros e, principalmente no caso da Sociedade Germânia e a Rio British
Subscription Library, estavam voltadas quase que exclusivamente às necessidades e
expectativas de seus próprios membros. Pode-se dizer que, de modo geral, além da
formação de um acervo ao qual seus associados tinham acesso, elas também visavam ser
um espaço de convivência social e de recreação. Com exceção do Gabinete Português de
Leitura, para o qual, por razões obvias, não havia restrições quanto à língua, tudo indica
que somente um círculo restrito da população da corte teve acesso à Sociedade
Germânia e à British Subscription Library, pelo menos durante o período sob exame.
Por outro lado, os catálogos dessas instituições — e aqui pode-se incluir o da
Biblioteca Fluminense (1847) — revelam que foram as obras literárias e de
entretenimento que, em seu conjunto, formaram a maior parte de seus acervos, o que
indica a preferência da maioria de seus associados por esse tipo de leitura.
Por seu turno, muitos dos romancistas estrangeiros presentes nesses catálogos
foram os mesmos que tiveram suas obras (na maioria, pequenos contos) traduzidas e
publicadas nos periódicos da corte. O que talvez nos permita argumentar que a
publicação de prosa de ficção nos jornais e periódicos brasileiros não só ajudou a formar
um público leitor de ficção como divulgou e popularizou o nome e as obras mais
extensas desses romancistas.
O registro da presença dos gabinetes de leitura como fontes de entretenimento e
instrução literária pode ser encontrado em relatos, testemunhos e biografias de escritores
consagrados. Como é o caso dos irmãos Brontë, que, numa remota vila no interior da
Inglaterra, caminhavam quatro milhas até a biblioteca circulante mais próxima a fim de
obter seu quinhão de ficção semanal.
60
Ou de José de Alencar, que ia buscar no gabinete
de leitura de “um francês, de nome Cremieux (sic)” as “melhores novelas e romances até
então saídos dos prelos franceses e belgas”.
61
Seja na distante província inglesa ou na corte do Rio de Janeiros, os gabinetes de
leitura tiveram um papel fundamental na divulgação e popularização do hábito de
60
Gaskell, Elizabeth C. The Life of Charlotte Brontë. London: J. M. Dent & Sons, New York: E. P. Dutton
& Co., 1950, p.80.
61
Alencar, José de. Como e porque sou romancista. Campinas, SP: Pontes, 1990, p.50.
24
leitura, possibilitando a uma maior parcela do público acesso a obras literárias, em
especial, o gênero romance.
Talvez influenciados pela então recente inauguração do Gabinete Português de
Leitura, mas certamente imbuídos do desejo de levar a ficção aos lares fluminenses,
esses jovens redatores decidiram nomear o novo periódico com o que havia de mais
moderno em termos de acesso à leitura. É o que se observará no texto introdutório do
Gabinete de Leitura.
25
Capítulo 3
Viagem à Roda d’um Prefácio
No prefácio do Gabinete de Leitura é possível verificar algumas das linhas
mestras que nortearam sua publicação assim como certos aspectos das condições de
produção e recepção culturais à época.
Logo após a história da espirituosa Madame de Maintenon, segue a introdução:
O que é um gabinete de leitura? É a casa em que cada um vai, por
módico estipêndio, entregar-se a seus gostos; — é um foco de instrução; — é a
livraria do povo, desses a quem não abundam meios de pagar por um livro
preço excessivo, e que todavia podem dar 2$000 rs. por mês para lerem quanto
puderem. — O que será o GABINETE DE LEITURA, — jornal? — O mesmo
que aquele: aqui por módico estipêndio, haverá artigos talhados para todos os
gostos, — não será um foco de instrução, que tanta filáucia não temos nós que
queiramos instruir, mas ao menos com artigos divertidos irá preparando o gosto
da leitura longa e refletida. Acham-se nos gabinetes de leitura muita cousa boa,
muita cousa sofrível, e muita cousa ruim, o mesmo nos acontecerá, mas como a
classificação será feita pelo leitor, temos que nem um dos nossos artigos se
bom ou ruim.
Ora, pois, aqui abrimos nossa casa, e assim como o proprietário do
gabinete de leitura não é o autor das obras que aluga, assim também nós
apenas seremos como ele, o arranjador dos artigos em seus devidos lugares.
Prometemos...mas para que promessas? Faremos por agradar ao
público, que nisso vai nosso interesse, e trabalharemos para dar aos nossos
leitores uma meia hora de ociosidade divertida.
O prefácio inicia-se ensinando ao leitor o que é um gabinete de leitura. Pode-se
dizer que, ao estabelecer a similaridade entre o título do periódico e a instituição
gabinete de leitura, os redatores remetiam-se ao que havia de mais moderno em termos
de facilitação de acesso à leitura na época. Como vimos, esses estabelecimentos de
caráter ao mesmo tempo comercial e cultural propiciavam aos seus subscritores acesso
aos livros, sem que houvesse a necessidade de compra.
26
O que diferenciava os gabinetes de leitura das bibliotecas é que, nessas, a
consulta e leitura somente eram permitidas dentro das dependências, enquanto que os
gabinetes de leitura permitiam que seus subscritores levassem os livros para casa. Sob
esta nova condição, a leitura poderia ser feita tanto de maneira silenciosa e
individualizada, no aconchego e privacidade do quarto, por exemplo, quanto em voz alta
para alguém ou para um grupo de ouvintes — a família, amigos, vizinhos, escravos e
mucamas. A leitura de romances e novelas compartilhada pelo grupo familiar e de
amigos passava assim a ser uma alternativa para preencher aquelas horas vagas após o
jantar, o merecido descanso dos afazeres diários — os “serões das famílias” como
anuncia o subtítulo do Gabinete de Leitura. José de Alencar nos remete a uma dessas
reuniões nas quais a leitura era partilhada entre ele e os seus familiares e amigos, quando
não havia “visitas de cerimônia”:
Era eu quem lia (...) não somente as cartas e os jornais, como os
volumes de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo (...).
Não havendo visitas de cerimônia, sentava-se minha boa mãe e sua irmã d.
Florinda com os amigos que apareciam, ao redor de uma mesa redonda de
jacarandá, no centro da qual havia um candeeiro (...). Dados os primeiros
momentos à conversação, passava-se à leitura e era eu chamado ao lugar de
honra (...). Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu
era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso, as pausas para dar
lugar às expansões do auditório, o qual desfazia-se em recriminações contra
algum mau personagem, ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói
perseguido. (...) Foi essa leitura contínua e repetida de novelas e romances que
primeiro imprimiu em meu espírito a tendência para essa forma literária que é
entre todas a de minha predileção (...). Nosso repertório romântico era pequeno:
acompanhava-se de uma dúzia de obras, entre as quais primavam a Amanda e
Oscar, Saint-Clair das Ilhas, Celestina e outros de que já não me recordo. Esta
mesma escassez, e a necessidade de reler uma e muitas vezes o mesmo
romance, quiçá contribuiu para mais gravar em meu espírito os moldes dessa
estrutura literária
62
.
Esse relato memorialista de um de nossos maiores romancistas ilustra bem o tipo
de público leitor que os redatores do Gabinete de Leitura tinham em mente quando
lançaram o periódico: um público que provavelmente passaria a utilizar a leitura de
62
Alencar, José de. Op. cit., pp. 24-30.
27
ficção como um momento de convívio social, motivo para conversas entre os membros
da família e amigos. O relato fornece também algumas pistas sobre os hábitos de leitura,
como por exemplo, o leitor de oitiva que não podemos deixar de considerar como um
importante componente do leitorado numa época em que poucos sabiam ler. Outro
aspecto importante aí presente é a leitura e releitura das mesmas obras, uma vez que a
quantidade de livros disponíveis na maioria dos domicílios era pequena.
Os livros eram caros e de difícil acesso, especialmente para quem residia fora dos
centros comerciais ou no interior da província. Daí a importância de se publicar um
periódico barato, de circulação ampla (imagina-se que certamente era o que os redatores
almejavam quando resolveram publicá-lo) e com maior chance, assim, de chegar às
mãos dos leitores.
Aqui, acredito ser importante abrir um parênteses sobre a questão dos gabinetes
de leitura na corte do Rio de Janeiro e os preços por eles cobrados, uma vez que
pesquisas sobre esse tipo de informação a respeito do Brasil oitocentista carecem muitas
vezes de dados oficiais e precisos. Correspondências, artigos e anúncios em periódicos
passam a ser fonte importante de investigação, pois, muitas vezes, são capazes de captar
certas características do momento. Como é o caso do prefácio do Gabinete de Leitura,
no qual o redator afirma que se pagavam 2$000 réis mensais para ter acesso aos livros
dos gabinetes de leitura.
Como vimos, as instituições que funcionavam como gabinetes de leitura durante
a década de 30 eram a Gesselschaft Germânia (Sociedade Germânia), criada em 1821, a
British Subscription Library, em 1826, e o Real Gabinete Português de Leitura,
inaugurado em maio de 1837 (note-se que a data desse último é bastante próxima à do
lançamento do periódico Gabinete de Leitura). Essas instituições, com algumas
variações, cobravam jóia de cerca de 20$000 réis para admissão dos sócios e mais uma
taxa que poderia ser mensal, semestral ou anual, mas que, em geral, ficava em torno de
2$000 réis mensais. As taxas da Sociedade Germânica e da British Subscription Library
foram coletadas nos estatutos dessas entidades em 1828 e 1832, respectivamente, ou
seja, antes de 1837, data do prefácio do Gabinete de Leitura. O Real Gabinete Português
de Leitura cobrava uma taxa de subscrição de 4$000, 7$000 e 12$000 réis por três, seis e
doze meses, respectivamente. Contudo, certamente devido à falta desses dados
específicos sobre a época de sua inauguração, Schapochnik somente conseguiu coletar
essa informação nos estatutos de 1860. Uma das características dessas instituições,
principalmente as duas primeiras, era a restrição do acesso aos interessados. No caso,
28
por exemplo, da Sociedade Germânica, somente poderiam se associar pessoas que
falassem o idioma alemão. Juntado-se a isso o fato de que os preços por elas cobrados
eram bastante altos, pode-se dizer que somente uma pequena parcela da população tinha
acesso. Além dessas instituições de caráter mais restrito, Robert Walsh, em visita à
cidade do Rio de Janeiro em 1828 e 1829, já registra a existência de algumas livrarias,
especialmente as francesas, que locavam livros por dia ou por mês. Schapochnik afirma
que os gabinetes de Mongie e de Désiré Dujardin também cobravam uma taxa
equivalente a 2$000 réis mensais, de acordo com anúncios publicados no Jornal do
Commercio, em fevereiro de 1844 e fevereiro de 1850, respectivamente.
63
É possível
perceber, assim, que o valor de 2$000 réis mensais, mencionado pelos redatores do
Gabinete de Leitura, está muito próximo das cifras coletadas por Schapochnik, apesar da
diferentes datas nas quais esses dados foram pesquisados.
O preço da subscrição estampado nas páginas do Gabinete de Leitura e nos
sucessivos anúncios que apareceram n’O Chronista era de 2$400 réis por trimestre,
4$000 réis por semestre e 6$000 réis por ano. O leitor, na verdade, gastaria a soma de
800 réis mensais para adquirir um periódico dedicado à ficção e variedades. Para aqueles
que não quisessem fazer a subscrição, o exemplar avulso do Gabinete de Leitura poderia
ser adquirido pelo preço de 200 réis
64
.
Como podemos notar no prefácio do Gabinete de Leitura, os editores afirmam
que tanto os gabinetes de leitura quanto o periódico visavam alcançar o leitor que não
tivesse condições financeiras para adquirir livros. Dessa forma, não é difícil vislumbrar a
existência de um público leitor que só não lia mais por falta de recursos financeiros.
Alguns anúncios publicados n’O Chronista podem nos dar uma idéia do preço médio
dos livros na época:
Vida e Aventuras do Cavaleiro de Faublas, rica encadernação com estampas
finas, 4 volumes 16$000 rs.” ( N. 5, 13/06/1836).
O Último Dia dum Condenado de Victor Hugo preço 1$280 rs”. (N. 52,
08/04/1837).
63
Schapochnik, Nelson. Op. cit. Cf. Em especial o capítulo 3.
64
Essa informação não consta nas páginas do Gabinete de Leitura, mas pode ser encontrada nos vários
anúncios do periódico que saíram n’ O Chronista, como por exemplo, n’O Chronista n. 90, de 23 de
agosto de 1837.
29
Cartas sobre os Estados Unidos da América – Escritas em 1832 e 1833 por
J.M.B. de *** , preço do volume 3$000 rs”. (N. 86, 09/08/1837).
Leis do Brasil , edição do (sic) Ouro Preto, 1822 até 1835, 7 vol. A assinatura
para a coleção de 1808 a 1821 custa 10$000 rs., e depois de impresso custará
12$000 rs”. (N. 91, 26/08/1837).
Dona Ignes de Castro, novela pela condessa de Genlis, traduzida, 1 vol. com
numerosas estampas. Rs. 2$500. (N. 128, 09/01/1838)
Contos a meus meninos para recreá-los, formar-lhes um bom coração e corrigi-
los dos defeitozinhos da sua idade, por Mad. De Renneville. 1 vol. com 24
estampas. Rs. 2$000. (N. 128, 09/01/1838)
Os Puritanos da Escócia. Novela histórica por Sir Walter Scott, vertida em
português pelo Dr. Caetano Lopes de Moura, 4 vol., elegante encadernação e
impressão de Paris, Rs. 8$000”.(N.146, 22/02/1838).
Para uma comparação entre o preço dos livros e do periódico, usaremos como
parâmetro uma informação contida em um relatório da Província do Rio de Janeiro (sem
título), de outubro de 1837, escrito pelo vice-presidente da província, Vaz Vieira.
65
Segundo o relatório, um professor municipal “de primeiras letras” concursado da cidade
do Rio de Janeiro tinha como rendimentos, na época, um salário anual de cerca de 600
mil réis. Levando-se em consideração o montante desse salário, esse professor
despenderia 16% de sua renda mensal para adquirir os quatro volumes de Os Puritanos
da Escócia de Walter Scott, por exemplo, enquanto gastaria bem menos, 4.8% de seus
rendimentos, para receber em sua casa semanalmente, durante um período de três meses,
um periódico exclusivamente dedicado a textos ficcionais e variedades. Com o preço ao
alcance do bolso do cidadão médio, os periódicos tinham maior chance de chegar às
mãos do consumidor e, assim, conquistar a preferência popular.
Mas por que os livros custavam tão caro? Algumas razões contribuíam para isso:
a principal delas era o fato de grande parte dos livros ter que cruzar o Atlântico para
65
Esse relatório pode ser encontrado no endereço eletrônico da Universidade de Chicago:
http://www.clr.uchicago.edu/content/brazil/jain.html. Acesso: agosto de 2005.
30
aportar em terras brasileiras, em geral, vindos de Lisboa e Paris. O custo já elevado pela
importação poderia aumentar ainda mais devido a problemas com a liberação das
remessas na alfândega. Amparados pelas leis vigentes na época, empregados
alfandegários despreparados, mal pagos e, muitas vezes, mal intencionados, tinham o
poder de reter lotes inteiros ou parte deles, por simples ignorância, ganância ou puro
descaso.
Alguns anos antes, o reverendo inglês Robert Walsh já registra em seu livro de
viagem as práticas ilícitas dos guardas aduaneiros na capital da corte do Rio de Janeiro.
Walsh chega inclusive a sugerir o aumento de salário desses profissionais como forma
de coibir os abusos:
Muitas vezes ficam nos armazéns mercadorias não-reclamadas, e
quando são abertos os pacotes, descobre-se que contêm apenas coisas velhas
deixadas em troca das novas, não tendo outra utilidade a não ser a de serem
jogadas no lixo. Os livros são alvos comuns dessas pilhagens, cujos autores
atuam de forma tão insensata que levam apenas um ou dois volumes
arruinando toda a coleção. Um amigo contou-me que tinha alguns pacotes
depositados nos armazéns; quando finalmente foram abertos, conseguiu
apenas dois volumes de uma obra sobre Química, constituída de cinco
volumes; e assim acontecia com o resto.
66
Queixa semelhante pode ser encontrada numa correspondência publicada nas
folhas de O Chronista. Assinada por um livreiro, ela dá conta de alguns dos problemas
enfrentados por esses profissionais no dia-a-dia de seus negócios, assim como expõe
questões relacionadas ao campo editorial à época:
Snrs. Redatores — Sabendo que as colunas de sua estimada folha
estão sempre abertas a qualquer causa justa, lanço mão deste meio para
denunciar um mau uso admitido por lei, ou regulamento ministerial, na
esperança de chamar talvez a atenção do exm.º snr. ministro da fazenda sobre
um objeto, que a primeira vista parecerá a muitos de pouca importância, o
contrário do que provarei nas poucas linhas que vou traçar.
Quero falar na impugnação dos livros.
66
Walsh, Robert. Op. cit, p. 190-191.
31
Todos sabem que antes do 1
º
de julho de 1836 os livros deviam ser
avaliados por uma norma estabelecida na última pauta da alfândega, e
pagavam direitos muito moderados. Desta época em diante começou a vigorar
a lei dos 16 ½ por % de direitos e ao mesmo tempo um novo regulamento,
mandando que os livros fossem despachados por fatura e não pela pauta, e
estivessem em conseqüência sujeitos à impugnação. (...)
É fora de toda a dúvida, snrs. redatores, que um bom governo não
poderá querer a ruína de uma classe de habitantes que trabalha para ganhar a
sua vida honradamente, e que por sua posição social antes se torna digna de
alguma contemplação, como o provam muitos exemplos da Europa a respeito
de certos privilégios concedidos à classe dos mercadores de livros e a dos
impressores. Aqui no Brasil porém consente-se que qualquer porteiro da
alfândega, sem merecimento algum, e que não teve trabalho nem ao menos
risco com a importação da nossa mercadoria, talvez por amor de poucos mil
réis, ou em conseqüência de alguma intriga, possa privar à sua vontade do fruto
dos esforços dessa classe (...); a nós que gastamos a nossa mocidade para
aprender todos os ramos de nosso negócio, a nós que levamos longos anos
com sacrifícios numerosos para conhecer as necessidades literárias de um
lugar, e que, para que se nos efetue qualquer encomenda, é mister estabelecer
antes nosso crédito em diferentes países.
Repito-lhes que é doloroso e cruel (...) ver-se estrangulado por um vil
impugnador, capaz de vender todos os tesouros da ciência por um real, por um
impugnador que se assemelha a um pirata de Tunis e Marrocos pela proteção
com que as leis favorecem a ambos, distinguindo dele somente pelo risco que o
Tunisiano corre de ser metido a pique ou de arrepender-se do seu atrevimento
no mastro de seu próprio navio, enquanto o impugnador de cara risonha goza
de paz e tranqüilidade do fruto do trabalho de uma classe industriosa e útil ao
estado.
(...)
Outra conseqüência ruinosa é que já ninguém quer encarregar-nos de
uma encomenda pela pouca certeza que tem de receber uma obra que talvez
esperaria com a maior impaciência por seis ou oito meses, passando ela pela
impugnação a outras mãos. O mesmo acontece com publicações periódicas
com cuja continuação o assinante não pode contar. Da mesma maneira se
segue que os institutos públicos não poderão mais contar com as obras
necessárias para os seus cursos em nossas casas, e que nós, tendo
conseguido tirá-las das garras da cobiça, nos vemos obrigados a nos remunerar
nos preços daquelas que nos deixaram, não devendo portanto o público
queixar-se dos altos preços. Segue-se mais que ninguém se animará, como
antes, a mandar vir grandes sortimentos de livros, tanto de obras clássicas
32
antigas, como de publicações novas pelo meio das quais um país se põe em dia
com os progressos do espírito humano. Uma prova disto dá uma das primeiras
casas de livros aqui, que, considerando com quantos riscos e embaraços tinha
que lutar o comércio de livros vindos de fora, renunciou a ele quase
inteiramente, e limita-se a publicações suas: exemplo que será brevemente
seguido por outros mais, de maneira que daqui a alguns anos os viajantes não
poderão mais dizer nas suas descrições, como disse o capitão Freycinet, que
passou pelo Rio de Janeiro há mais de oito anos, para prova do estado
adiantado do país: “as livrarias do Rio de Janeiro abundam em todas as boas
publicações literárias da Europa”; dirão sim que as acharam, com exceção de
obras de tempos passados e de algumas traduções valiosas, inundadas de
novelas, comédias e folhetos, que, sem contribuir em respeito algum aos
progressos intelectuais da sociedade, flutuam como bexigas no mar do saber e
servem muitas vezes só para a corrupção do espírito e do coração, dando
porém ao empreendedor um lucro quase certo (...)
Um mercador de livros.”
67
Reproduzo aqui essa longa correspondência, escrita num tom de desabafo e
indignação, para que se possa fazer uma idéia dos percalços enfrentados pelos livreiros
da época para colocar seu produto no mercado a preços acessíveis e, ao mesmo tempo, o
descaso que as autoridades governamentais brasileiras demonstravam com relação ao
ramo editorial.
O relato também nos ajuda a entender as razões que levaram muitos editores a
preferir imprimir revistas e periódicos com matéria própria ou traduzida: além do custo
mais baixo, diminuindo os riscos de um demorado retorno comercial, esses editores
evitavam os riscos da importação, dentre eles o de ficar nas mãos de empregados
alfandegários que tinham o poder de tomar decisões, como pudemos perceber, de forma
arbitrária. Tudo indica que o livreiro e editor Jean Soleil Saint Amant, proprietário da
Typographia Francesa, fundada no Rio de Janeiro em 1837, foi um dos que procuraram
driblar as dificuldades do mercado editorial brasileiro da época ao compilar trechos
traduzidos de livros estrangeiros diversos, produzindo, assim, uma nova obra. Pelo
menos é o que esse anúncio informa:
33
PENSAMENTOS DE NAPOLEÃO
Coligidos de diversas obras francesas pelo snr. J. Saint-Amant, e
traduzidos para o vulgar pelo snr. P. Gueffier.
1 vol. de {ilegível} pag. com o francês em frente (sic)
Napoleão é o homem-prodígio (sic), todos querem saber como ele
pensou sobre os homens e sobre as cousas; Napoleão muitas vezes profetizou
os destinos das nações, e todos querem ver se o grande homem era com efeito
inspirado, e se suas profecias se realizam (sic). Por outro lado o livro dos
Pensamentos de Napoleão é uma obra muito interessante, e comprazemo-nos
de recomendá-la ao público. O senhor Saint-Amant foi sumamente escrupuloso
na escolha das obras donde extraiu os Pensamentos de Napoleão, e procedeu
nesse trabalho, sem dúvida árduo, com consciência e circunspecção. O
tradutor, devemos dizê-lo, nem sempre foi feliz: lutou com grandes dificuldades
e algumas não venceu; todavia, devemos desculpá-lo, atendendo a essas
mesmas dificuldades.
O livro — Pensamentos de Napoleão — é próprio para o estadista e
para o homem privado.
Vende-se este volume nas casas dos senhores Sain-Amant, rua S. José
n. 64; Laemmert, rua da Quitanda n. 77; Guimarães, rua do Sabão n. 26; e
Mello, rua dos Ourives n. 46. Preço 2$000 réis.
O senhor Saint-Amant pretende publicar brevemente — Opiniões de
Napoleão sobre si mesmo e seus contemporâneos mais célebres. —
Subscreve-se para esta obra em sua casa por 2$ réis.
68
Saint Amant, por certo, usando de sua experiência e tino comercial, percebera o
interesse do público leitor brasileiro da época por tudo que dissesse respeito a Napoleão
Bonaparte, e a possibilidade de essa obra lhe trazer lucros. Com alguns livros sobre
determinado assunto e um tradutor para “vertê-los para o vulgar”, como se costumava
dizer, evitavam-se os altos custos e riscos da importação assim como o eventual
pagamento de direitos autorais.
Mas, segundo o nosso mercador de livros, o “lucro quase certo” era, na verdade,
obtido com a venda de novelas e romances traduzidos. Novelas que podiam ser achadas
nos anúncios de jornais da corte desde a segunda década do século XIX: O Diabo Coxo
e As Aventuras de Gil-Blas, ambos de Lesage, Telêmaco, Dom Quixote, Paulo e Virginia
67
O Chronista, 16 de dezembro de 1837.
68
Idem, 29 de dezembro de 1838.
34
de Bernadim de Saint-Pierre, e muitos outros. E junto às “últimas novidades de Paris”
trazidas pelos paquetes também aportou um farto sortimento de novelas inglesas, grande
parte traduzida do francês: Saint-Clair das Ilhas, ou os desterrados na ilha de Barra e
Luiza, ou a cabana no deserto, Tom Jones, ou o enjeitado – “história galante e divertida
composta no idioma inglês por Mr. Fielding”, Historia da virtuosa, e infeliz Clara (sic)
Harlowe, Viagens de Gulliver a vários países remotos, dentre outros. Novelas e
romances ingleses que muitos brasileiros acreditaram serem de autoria francesa. Como
foi o caso do famoso romance Saint-Clair das Ilhas, ou os Desterrados da Barra, cuja
autoria foi, inicialmente, atribuída a Madame Montolieu (na verdade, sua tradutora),
mas que provou ser de autoria de Elizabeth Helme.
69
Por sua vez, essas então anunciadas “moderníssimas novelas”, hoje por muitos
consideradas “de segundo time”, deixam entrever a existência de um público leitor
propenso a consumir esse tipo de publicação. Leitores que não precisariam esperar os
“seis ou oito meses” para obter a leitura desejada — bastaria que se dirigissem às
tipografias e livrarias e lá encontrariam farto sortimento de novelas, contos e romances
traduzidos.
Como Antonio Candido bem observa, a listagem das traduções de romances e
folhetins, publicadas em periódicos brasileiros entre 1830 e 1854
70
, nos mostra que o
ano de 1839 é o que apresenta maior número de traduções, fato que parece corroborar a
existência de um publico leitor receptivo a esse tipo de publicação.
71
O prefácio do Gabinete de Leitura nos remete a outras questões que valem a pena
serem analisadas, como é o caso da alegação dos redatores de não desejarem instruir
seus leitores. Contudo, o simples fato de pretenderem desenvolver “o gosto para leituras
mais longas e refletidas” não deixa de ser uma maneira de educar. Na verdade, instruir é
a palavra de ordem para nosso acanhado meio cultural brasileiro, que ainda colhia os
69
Meyer, Marlyse. “O que é, ou quem foi Sinclair das Ilhas?”. In: Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros. São Paulo: USP, 1973, n. 14, 1973, pp. 37-63; e Almanaque – Cadernos de Literatura e
Ensaio, n.8, São Paulo: Editora Brasiliense, 1978, pp.82-99. Um levantamento extenso sobre a presença de
romances ingleses no Brasil durante o século XIX pode ser encontrado em Vasconcelos, Sandra G.
Teixeira. “Romances ingleses em circulação no Brasil durante o séc. XIX” no endereço eletrônico:
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandralev.htm Acesso agosto de 2006.
Sobre o assunto ver também da mesma autora, “Leituras Inglesas no Brasil Oitocentista”. In: Fonseca,
Maria Augusta (org.) Olhares sobre o Romance. São Paulo: Nanquim Editorial, 2005, pp. 255-287.
70
Esse levantamento, considerado pelo próprio autor como incompleto, foi feito por J. M. Vaz Pinto
Coelho, “Da propriedade literária no Brasil”, Revista Brasileira, 2
ª
fase, 1879-1881, vol. 8, pp. 494-495.
Também está reproduzido em Serra, Tania Rebelo Costa. Antologia do Romance-folhetim (1839-1870).
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997, pp. 209-212.
35
amargos frutos da herança colonial. Formar um público leitor passava a ser tarefa
fundamental se quiséssemos desenvolver nossa literatura. Sem leitores, não há
literatura.
Aparentemente, nem todos os leitores do Gabinete de Leitura ficaram satisfeitos
com a publicação exclusiva de textos ficcionais e miscelâneas. No número 18, de 10 de
dezembro de 1837, os redatores alegam ter recebido uma queixa com relação ao tipo de
matéria publicada no periódico:
Alguns dos nossos leitores hão queixado da redação do nosso jornal,
por lhes não oferecer artigos científicos, e somente historietas que aproveitam
apenas no momento da leitura, sem deixar rastro após de si: nosso fim não era
instruir, queríamos preparar terreno, dando o gosto da leitura, mas por
agradarmos a esses assinantes, e mesmo para estendermos o nosso jornal a
outras classes de leitores, nós subscrevemos a este desejo.
O artigo dito “científico” publicado na primeira página desse número do
Gabinete de Leitura, e com continuação no seguinte, foi “A Grande Serpente
Marinha”
72
.
Essa nota não deixa de ser importante se consideramos que há poucos registros
sobre a opinião de leitores acerca do tipo de matérias que esperavam ver publicadas nos
periódicos dessa época. Com um sistema de educação ainda bastante precário e o difícil
acesso aos livros devido ao seu alto preço, era nas páginas dos periódicos que muitos
leitores ansiavam encontrar a tão desejada instrução. Por outro lado, levando-se em
conta o comentário do nosso “mercador de livros”, segundo o qual a venda de novelas e
contos gerava “lucro certo”, percebe-se que esse público leitor era bastante heterogêneo
nos gostos e preferências. Por certo, esse leitorado desejava que um periódico que se
dizia para “todas as classes, sexos e idades” cumprisse sua promessa.
Se, por um lado, os editores do Gabinete de Leitura acreditavam que o única
finalidade de sua publicação era o de preparar o leitor para “leituras mais longas e
refletidas”, não foi bem isso que um outro periódico da época comentou, uma semana
após o lançamento do Gabinete. Numa pequena nota, o Semanario do Cinccinato, sob a
71
Candido, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. op. cit., vol. 2, p. 107-108.
72
Esse texto foi republicado no Jornal do Commercio, na seção “Variedades”, em 22 de janeiro de 1838.
36
epígrafe de Horácio, omne tulit punctum, qui miscuit utile dulci
73
, elogia o novo
periódico dedicado à ficção:
Lemos o primeiro n.º deste novo periódico, publicado aos domingos na
Tipografia Commercial, e não podemos dispensar-nos de louvar o Redator, ou
Redatores por sua feliz lembrança. O Gabinete de Leitura oferece o útil com o
agradável, e por isso torna-se uma folha digna de ser lida. Não é política; seu
fim único, ou principal, é entreter o leitor com agradáveis contos e extratos
alheios, que, deleitando-o, lhe sejam também instrutivos. Vê-se pois que o
Gabinete é credor das simpatias dos amantes da leitura; muito principalmente
sendo hábeis as mãos, que o dirigem, como alcançamos de seu primeiro
número. Possa o Gabinete sustentar-se entre uma população, que parece olhar
com alguma indiferença para a literatura.
74
O preceito horaciano do utile et dulci configura-se aqui de forma explícita na
epígrafe e no julgamento de Costa Cabral sobre o lançamento do Gabinete de Leitura:
uma publicação sem cunho político e que combinaria em suas páginas o “útil com o
agradável”, ou seja, a base da famosa tríade deleitar-instruir-edificar.
Essa tripla função atribuída à ficção em prosa foi estudada de forma profunda por
Antonio Candido em seu ensaio “A Timidez do Romance”
75
. Candido analisa textos do
século XVII, cujos escritores já defendiam a validade do gênero. Muitos viam o romance
como pernicioso, contrário à moral e à religião, além de prejudicial ao intelecto, uma vez
que poderia induzir seus leitores ao devaneio. Para justificá-lo, seus defensores
utilizaram-se de vários argumentos, dentre os quais se destacou a possibilidade que o
romance oferecia de ser utilizado como um instrumento de edificação moral e de
instrução, com a vantagem de que o leitor as receberia de forma amena e agradável.
Esse mesmo preceito foi amplamente discutido e utilizado por romancistas e
críticos ingleses durante todo o século XVIII, época que coincide com a formação e
consolidação do gênero na Inglaterra. A rápida acolhida que o novo gênero, por eles
denominado novel, recebeu por parte do público leitor inglês, especialmente das
“leitoras”, deu início a uma série de discussões sobre as vantagens e perigos que a leitura
de romances poderia acarretar. Para justificar o novo gênero, qualificado por muitos
73
Na verdade a epígrafe original que saiu publicada na nota era “Omne punctum tulit, qui miscuit utile
dulci”. A correção da mesma se deu na página final do número 29 do Semanario do Cincinnato.
74
Semanario de Cincinnato, 19 de agosto de 1837.
75
Candido, Antonio. “A Timidez do Romance”. In: A Educação pela Noite & outros ensaios. 3
ª
ed., São
Paulo: Ática, 2000, pp. 82-99.
37
como corruptor de costumes, romancistas e críticos defendiam o potencial que o
romance possuía quando e se utilizado como instrumento de educação dos jovens
(especialmente das jovens, suas maiores leitoras), norteando-os a trilhar as veredas da
virtude e dos bons costumes. O apelo popular que desde o início caracterizou o romance
moderno contribuiu para que ele passasse a ser visto como um poderoso instrumento
pedagógico.
Os perigos que poderiam advir da leitura de romances também foram alvo de
discussão de nossos primeiros ficcionistas. Justiniano José da Rocha e Josino do
Nascimento Silva, nas páginas d’O Chronista, comentam acerca de um anúncio de
venda do romance “Vida e Aventura do Cavaleiro de Faublas”, de Louvet de Couvray,
recém traduzido para o português e publicado em Paris. No artigo, os redatores
qualificam a obra como imoral, uma “infame produção que os tipos franceses mimoseam
o nosso Brasil”. Segundo eles, várias das obras francesas contemporâneas seriam
obscenas, porém de uma obscenidade que “enjoa e não perverte”, ao passo que em
Faublas “vê-se a corrupção de bom tom, coberta de todos os seus atavios, que atrai o
leitor por suas graças, que lhe inflama a imaginação e lhe irrita os sentidos”. O romance
de Louvet de Couvray seria pernicioso porque nele “os gênios da depravação e da
sensualidade, combinando tudo quanto têm ambos de mais nefasto, não poderiam formar
veneno mais sutil”. O auge da indignação dos editores aparece na asserção:
E com estampas!... Não lhe basta o texto, não lhe basta perverter a
imaginação pela leitura, quer-se ainda inflamá-la pela vista?...
76
A leitura de romance aparece aqui em toda sua ambigüidade. Se por um lado o
romance era visto como um instrumento capaz de divertir-edificar-instruir, por outro ele
também poderia tomar o caminho oposto e “corromper” o leitor. E o pior de tudo,
corromperia sem que o leitor se desse conta, uma vez que o romance teria o poder de
atraí-lo “por suas graças”. O imenso perigo apontado seria exatamente essa capacidade
que o romance tem de tornar-se um “veneno” tão “sutil” a ponto de ser tragado
inconscientemente. Com relação ao Brasil, o argumento usado pelos redatores dO
Chronista é o de que, num país tão carente de livros como o nosso, não há por que
gastar tempo, dinheiro e talento para traduzir esse tipo de romance, “esse vírus
pernicioso”, que somente serviria para corromper a nossa mocidade. Porque, uma vez
76
O Chronista, 13 de junho de 1836.
38
vertido para o português, o romance alcançaria um número maior de leitores e não
somente aqueles que dominassem o idioma francês.
Nesse período inicial das nossas letras o que parece prevalecer no julgamento de
nossos jovens redatores-escritores é o quanto de ensinamentos morais uma obra poderia
conter, ou seja, o que ela possuía de explicitamente educativo. É o que podemos
constatar nessa pequena resenha do romance Gustavo ou o Rapaz Extravagante, do
prolífico escritor francês Paul de Kock, assinada por um de nossos precursores e
colaborador do Gabinete de Leitura, Pereira da Silva. Nela podemos perceber que, em
seu juízo de valor, Pereira da Silva tende a concentrar-se mais no caráter moral do que
nas qualidades estéticas da obra:
É esta uma das melhores obras de Paulo de Kock, e em que ressumbra
toda a fineza e espírito do autor. Os epigramas os mais extravagantes e
sainetes se acham mesclados ao interesse do romance e à marcha da intriga.
Ainda que seus meios e seus episódios pareçam ferir a moral pública, contudo
o fim é uma absolvição de todos os seus pecados. Marchando por intrigas e
aventuras amorosas e extravagantes, vendo murchar a flor de sua mocidade no
seio dos desmanchos, Gustavo enfim se corrige, estabelece-se, casa-se e
torna-se homem honrado, bom cidadão, bom pai e bom esposo.
77
O modelo aqui é a personagem que se arrepende e, depois de sofrer os percalços
advindos de seus erros, enquadra-se nos ditames impostos pela sociedade, tornando-se
persona exemplar.
Por ocasião da representação da peça A Noiva de Lammemoor no Teatro da Praia
de D. Manuel, Pereira da Silva, ao fazer a crítica da peça, elogia o caráter moral da obra
de Walter Scott:
As páginas de suas obras, ricas de poesia, cheias de noções históricas,
e de magníficas descrições, e pintura do coração humano, respiram além disto
uma suave candura e decência; e o mais terno infante, a mais inocente donzela,
podem ao acaso abri-las, sem temer uma só expressão falta de gravidade, sem
suspeitar que a mais ligeira cor purpuriasse suas faces. É por isso também,
que seus romances traduzidos em todas as línguas, são lidos nos salões dos
Monarcas, nos gabinetes perfumados das Duquesas, nas Câmaras dos
Diplomatas e Legisladores, com tanto prazer, como na barraca dos soldados, e
77
Jornal dos Debates, 25 de outubro de 1837.
39
no pobre albergo do obreiro. São eles resumos de historia e de moral, que
encantam todas as classes da sociedade, e todas as idades.
78
Essa ênfase no poder moralizante e educativo da atividade literária não foi
prerrogativa de nossos primeiros homens de letras
79
. Vinte anos mais tarde, num artigo
em defesa de sua peça Asas de um Anjo, acusada na época de imoral, José de Alencar
argumenta:
Será imoral uma obra que mostra o vício castigado pelo próprio vício;
que tomando por base um fato infelizmente muito freqüente na sociedade,
deduz dele conseqüências terríveis que servem de punição não só aos seus
autores principais como àqueles que concorrem indiretamente para a sua
realização?
A lição que se dá aos pais de família sobre a necessidade de cuidarem
da educação moral de seus filhos; a punição do sedutor que, acabando de amar
a mulher que ele seduziu, vê-se abandonado por ela; o castigo do moço
pródigo, que depois de sacrificar toda a sua fortuna a uma amante, encontra
nela o desprezo e o escárnio quando se trata de salvá-lo da desonra; a miséria
que serve de termo à vida desregrada de uma pobre menina, impelida pela
imaginação enferma, que lhe dourava o vício; o horror da filha que, vendo seu
pai ébrio estender-lhe os braços lascivos, contempla o profundo abismo de
abjeção e vergonha a que se arrojou; e finalmente o suplício de Tântalo de um
amor partilhado e não satisfeito, de um amor cheio de remorsos e recordações
pungentes, a acusação eterna, constante da consciência; (...)
E entretanto é esta a ação da minha comédia (...); não há aí uma só
personagem que não represente uma idéia social, que não tenha uma missão
moralizadora.
80
(meu grifo)
Ao estatuto da personagem ficcional como paradigma de uma “idéia social”,
apontado por Alencar, cabia a função exemplar de transformar costumes, combater
vícios e desenvolver comportamentos moralmente adequados numa sociedade que
almejava alcançar o seu lugar no mundo “civilizado”.
78
Jornal dos Debates, 8 de julho de 1837. ,
79
Nas resenhas de periódicos ingleses e franceses da época também é comum encontrar essa ênfase no
caráter pedagógico da literatura.
80
Apud. Martins, Wilson. História da Inteligência no Brasil, Vol. III (1855-1877). São Paulo: Cultrix
Editora da Universidade de São Paulo, 1977, pp. 84-85.
40
Como veremos, para os intelectuais da jovem nação brasileira a literatura será
concebida como instrumento privilegiado na formação do povo e na construção de uma
cultura autenticamente nacional.
41
Capítulo 4
A Missão do Intelectual
Antonio Candido, referindo-se aos escritores brasileiros que amadureceram
durante o período Regencial e primeiros anos da Maioridade como a “geração
vacilante”, aconselha aos estudiosos
...abordá-los com largueza de espírito, prontos a interpretar a sua
eventual dubiedade, própria menos dos indivíduos que da época em que
viveram situada entre duas literaturas, dois períodos, duas eras políticas. Época
de liquidação do passado e de rumos novos para o futuro, na arte e na vida
social.
81
Por muitos vistos como os introdutores do Romantismo no Brasil, esses “homens
de letras” distinguiam-se de seus predecessores pelo desejo de dotar o país de uma
literatura que exprimisse e valorizasse a nova nação independente. A síntese formulada
por Antonio Candido expressa de forma precisa os dilemas dessa geração. Os novos
tempos exigiam que se pensassem as possíveis vias de desenvolvimento do Brasil que
rompessem a herança do passado colonial. Cabia, pois, estender a independência
conquistada no plano político à economia e às realizações artísticas e culturais.
Muitos desses jovens pertenciam aos primeiros grupos de alunos formados pelas
faculdades de Direito, em São Paulo e Recife e pelos cursos médicos, no Rio de Janeiro
e Salvador. Outros traziam na bagagem formação e vivência em países europeus, como
foi o caso do grupo dos jovens Domingos José Gonçalves de Magalhães, Francisco Sales
Torres Homem, Manuel Araújo Porto Alegre, João Manuel Pereira da Silva, quando,
ainda em Paris no ano de 1836, publicaram a Niterói, Revista Brasiliense de Ciências,
Letras e Artes, que tinha como epígrafe: “Tudo pelo Brasil, e para o Brasil”. Ela constou
de apenas dois números, porém lançou as bases da escola romântica e do nacionalismo
literário brasileiro. Na nota Ao Leitor, os autores esclarecem o propósito da publicação:
O amor do país e o desejo de ser útil aos seus concidadãos foram os
únicos incentivos, que determinaram os autores dessa obra a uma empresa,
81
Candido, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Op. cit, vol. 2, 1997, p. 41.
42
que, excetuando a pouca glória, que caber-lhes pode, nenhum outro proveito
lhes funde. Há muito reconheciam eles a necessidade de uma obra periódica,
que (...) acostumasse... [os cidadãos]... a refletir sobre objetos do bem comum,
e de glória da pátria (...). Tal é o fim a que se propõem os autores dessa
Revista, reunindo todas as suas forças para apresentar em um limitado espaço
todas as matérias, que devem merecer a séria atenção do brasileiro amigo da
glória nacional.
82
No segundo número da Niterói, em seu ensaio “Estudos sobre Literatura”,
Pereira da Silva estabelece a correlação entre literatura e civilização:
A literatura é sempre a expressão da civilização; ambas caminham em
paralelo: a civilização consistindo no desenvolvimento da sociedade, e do
indivíduo, fatos necessariamente unidos e reproduzindo-se ao mesmo tempo,
não pode deixar de ser guiada pelos esforços das letras; uma não pode se
desenvolver sem a outra, ambas se erguem e caem ao mesmo tempo.
83
(...)
A poesia é considerada no nosso século como o representante dos
povos, como uma arte moral, que muito influi sobre a civilização, a
sociabilidade, e os costumes; sua importância na prática das virtudes, seus
esforços a favor da liberdade e da glória lhe marcam um lugar elevado entre as
artes, que honram uma nação.
84
A poesia romântica surgia no cenário europeu como um “estandarte vitorioso”
contra os cânones impostos pelo Classicismo, então visto como decadente, incapaz de
exprimir os anseios individuais e coletivos dentro da nova ordem do mundo. O grito de
liberdade dado pelos poetas europeus não encontrara ainda repercussão em nosso país.
Isso porque
... nossos vates renegam sua pátria, deixam de cantar as belezas das
palmeiras, as deliciosas margens do Amazonas e do Prata, as virgens florestas,
as superstições e pensamentos de nossos patrícios, seus usos, costumes, e
religião, para saudarem os Deuses do Politeísmo Grego, inspirarem-se de
82
Magalhães, G., Porto Alegre, A., Torres Homem, F. S., Pereira da Silva, J. M. “Ao Leitor”. In: Niterói,
Revista Brasiliense, Tomo I, p.5.
83
Pereira da Silva, J. M. “Estudo sobre a Literatura”. In: Niterói, Revista Brasiliense, Tomo II, pp. 214.
84
Idem, p. 237.
43
estranhas crenças, em que não acreditamos, (...) e destarte não passam de
meros imitadores, e repetidores de idéias e pensamentos alheios.
85
Ao repudiar a atitude de Portugal por não valorizar poetas como Camões e
Bocage quando suas obras foram produzidas, Pereira da Silva reafirma a importância de
os brasileiros reconhecerem o papel do artista:
É mister (...) que o Brasil se dispa dos preconceitos, que Portugal legou-
lhe no seu descobrimento, sobre os poetas; acreditando-os homens inúteis na
sociedade, e ignorando sua missão e influência.(...) Ao Brasil pois cabe também
o começar a apreciar os seus homens, lembrando-se que o poeta, para ser
digno desse nome, deve ser historiador, filósofo, político e artista, e que
portanto as dificuldades, que se lhe antolham, e que todas tem de vencer, para
ganhar um nome, merecem todo o nosso respeito, e atenção.
86
Nesse pequeno trecho, Pereira da Silva toca num outro traço distintivo de nossos
literatos: o de homens atuantes, envolvidos em múltiplas tarefas e áreas do
conhecimento. Numa sociedade emergente onde tudo estava por fazer, principalmente
no setor cultural, cabiam aos nossos poucos intelectuais tarefas diversas: escritores,
editores e colaboradores de revistas e periódicos, tradutores, tipógrafos, professores,
bacharéis de direito, médicos, políticos e funcionários públicos. Ao traçar o perfil dos
literatos que pertenceram à geração introdutora do Romantismo no Brasil, Carvalho
França comenta:
Eram homens empreendedores, que desenvolviam atividades múltiplas,
que gozavam de não pouco prestígio público e que mantinham um razoável
vínculo com as instâncias de poder. Eram (...) ativos participantes [do] processo
de formação do povo e construção da cultura nacional...
87
Vê-se, pois, que o papel que nossos primeiros homens de letras impuseram a si
próprios, ou seja, o de auxiliar o Brasil a “marchar na estrada luminosa da civilização”
88
,
85
Idem., p.237.
86
Idem. p. 239.
87
França, Jean M. de Carvalho. Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista. Imprensa
Nacional/ Casa da Moeda, 1999, p. 143.
88
Magalhães, G., Porto Alegre, A., Torres Homem, F. S., Pereira da Silva, J. M. “Ao Leitor”. Niterói,
Tomo 1, p.6.
44
pressupunha uma intervenção de caráter ao mesmo tempo político e cultural, cujas
fronteiras nem sempre são fáceis de discernir.
Bernardo Ricupero, ao estudar a relação entre o período romântico e a formação
da idéia de nação no Brasil, chama a atenção para o caráter diverso do romantismo
europeu e o das ex-colônias americanas recém-independentes.
89
A diferença provém do
fato de que uma das molas propulsoras do movimento romântico europeu foi sua reação
ao crescente avanço do capitalismo, manifestada tanto na idealização nostálgica de uma
sociedade pré-capitalista assim como por meio da crítica a certos aspectos da sociedade
burguesa. Como Michel Löwy argumenta:
Na visão romântica do mundo, esse passado pré-capitalista se encontra
ornado de uma série de virtudes (reais, parcialmente reais ou imaginárias)
como, por exemplo, a predominância de valores qualitativos (valores de uso ou
valores éticos, estéticos e religiosos), a comunidade orgânica entre os
indivíduos, ou ainda, o papel essencial das ligações afetivas e dos sentimentos
— em contraposição à civilização capitalista moderna, fundada na quantidade, o
preço, o dinheiro, a mercadoria, o cálculo racional e frio do lucro, a atomização
egoística dos indivíduos.
90
Em contrapartida, no contexto histórico diverso do continente sul-americano, o
de formação dos Estados nacionais, o artista romântico vê com simpatia o modo de
produção capitalista, associando-o ao conceito de civilização. A ânsia de ruptura com o
passado colonial leva a intelectualidade a assumir (pelo menos no discurso) as condições
dos novos tempos como necessárias para a inserção de suas nações no que denominavam
de processo civilizatório.
Segundo Carvalho França, a crença no caráter civilizatório do fazer literário será
um dos traços não só característicos mas, em grande medida, constitutivos de nossas
letras ao longo de todo o século XIX. Por meio dela, nossos homens de letras impuseram
89
Ricupero, Bernardo. O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins
Fontes, 2004, p. xxvii.
90
Löwy, Michel. Romantismo e Messianismo – ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin. Trad. Myrian
Veras Baptista & Magdalena Pizante Baptista. São Paulo: Perspectiva / EDUSP, 1990, p. 13. Sobre o
sentimento de desenraizamento e de desintegração da antiga ordem, que tomou conta da geração
romântica inglesa em conseqüência das transformações econômicas e sociais advindas da Revolução
Industrial, Maria Odila da Silva Dias afirma: “Um dos temas da nova consciência social ou de classe num
mundo em rápida e contínua transição é o do viajante em busca da comunidade perdida, seja a
comunidade antiga, orgânica e coesa dos conservadores anglicanos, a ‘mutuality’ do cooperativismo
paternalista, do jacobinismo igualitário de Robert Owen, ou do novo radicalismo artesanal de início do
45
a si mesmos a missão de moralizar e educar o povo e contribuir para seu progresso moral
e intelectual. A esse caráter engajado da atividade literária cabia a tarefa de intervir no
nosso acanhado meio cultural, não só dotando o país de uma cultura própria como
também despertando nos brasileiros uma consciência nacional.
91
Observando-se melhor a nota de bom acolhimento dada pelo Semanario do
Cincinnato ao Gabinete de Leitura, percebe-se que além de encorajar a educação de
cunho moral e edificante ela também manifestou o desejo de que esse tipo de
publicação ajudasse a promover uma mudança de atitude do leitor brasileiro com relação
à literatura. Diante da perspectiva de que no Brasil o público olhava “com alguma
indiferença para a literatura”, uma possível solução para despertar esse interesse era a de
colocar nossos leitores em contato com um gênero que já chegava aqui consolidado e
que figurava como o que havia de mais moderno no mundo das belas-letras: o romance.
A tarefa, porém, não era tão simples.
As condições socioeconômicas da Inglaterra dos séculos XVIII e XIX
comparadas às do Brasil recém saído de sua posição de colônia de Portugal apontam
para as diferenças na recepção do novo gênero pelo público leitor. Fruto de uma classe
média emergente numa economia positivamente marcada pelos avanços da revolução
industrial, o cidadão inglês já podia contar com um sistema de alfabetização que, apesar
de ainda precário se comparado aos níveis modernos, era de proporções consideráveis
para a época. No Brasil, a situação era bastante diversa. Um dos poucos índices
estatísticos que há com relação à alfabetização no século XIX, o de 1889, aponta que
menos de um quinto da população era alfabetizada. Podemos, pois, imaginar que durante
o período regencial, ou seja, meio século antes, esse índice era ainda muito menor.
Importa considerar também que nessa reduzida parcela da população que sabia ler e
escrever somente alguns poucos estavam habituados à leitura de textos literários.
Cabia portanto a esses jovens redatores-escritores a tarefa nada pequena de, além
de moralizar e educar as pessoas, transformando hábitos e costumes e ajudando a torná-
las bons cidadãos, também desenvolver nesse diminuto leitorado brasileiro o gosto e o
hábito da leitura, que, como veremos, era considerada por eles como uma das condições
essenciais para alçar o Brasil ao nível das nações civilizadas.
século XIX.” [Dias, Maria Odila da Silva. O Fardo do Homem Branco – Southey, historiador do Brasil.
São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1974, p. 25.
91
França, Jean M. de Carvalho. Op. cit.
46
Josino do Nascimento Silva começou cedo a sua aventura no campo editorial.
Ainda quando estudante do curso jurídico em São Paulo, redige o jornal O Amigo das
Letras. Publicado de abril de 1830 a setembro do mesmo ano, o jornal contou com 24
números. No seu prospecto, Josino anuncia o objetivo da publicação:
Radicar profundamente o amor da liberdade no coração de seus
leitores, e animá-los a respeitar, e a promover a moral pública, sem a religiosa
observância da qual cai em desprezo a prática dos bons costumes, e periga a
independência das Nações; são estes os dois grandes objetos a que se dedica
o Amigo das Letras; e para desempenhar tão importante tarefa, recorrerá o seu
redator aos publicistas de renome e aos literatos mais abalizados, antigos e
modernos, assim nacionais como estrangeiros; extraindo de suas obras aquelas
passagens, que encerrarem os melhores preceitos de política e de moral.
92
A “importante tarefa” educadora está colocada: desenvolver em seus leitores o
respeito e a valorização da moral pública, única maneira de preservar a recém
conquistada liberdade da nação. A fonte para a aquisição de tais saberes serão os
“publicistas de renome” e os “literatos mais abalizados”, nacionais ou estrangeiros.
Segundo Hélio Lopes, como contribuições literárias, o jornal publicou “traduções do
francês (Marmotel e Lamartine), do inglês (Milton), de alguns poemas alemães, e umas
poucas páginas de ficção e teatro”
93
.
Alguns anos depois, em 1836, na corte do Rio de Janeiro, Josino do Nascimento
Silva inicia a publicação do periódico O Chronista (1836-1839) ao lado de Justiniano
José da Rocha. Assim como Josino, Justiniano começou cedo sua carreira de homem de
letras. Também como estudante na Faculdade de Direito da São Paulo, Justiniano
participou da publicação da Revista da Sociedade Filomática (1833). No segundo
número da revista, Justiniano escreve um dos primeiros ensaios críticos brasileiros sobre
o primeiro livro do também jovem Gonçalves de Magalhães, Poesias.
Mas será n’O Chronista que Justiniano e Josino irão começar a publicar textos
ficcionais lado a lado com as notas jornalísticas e comentários políticos. Já no quinto
número do jornal, em 13 de junho de 1836, na seção denominada “Parte Literária,
92
Apud Lopes, Helio. A Divisão das Águas – contribuição ao estudo das revistas românticas Minerva
Brasiliense (1843-1845) e Guanabara (1849-1856). São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências
Humanas, 1978, p. 15n.
93
Idem, Ibidem.
47
Científica e Industrial”, é publicada a história, provavelmente traduzida pelo próprio
Justiniano, “Werner – Episódio da Guerra de Argel”, assinada por Napoleão d’Abrantes.
No número seguinte, 20 de junho, é publicada “A Luva Misteriosa – Conto Fantástico”,
atribuída a Balzac. Na nota introdutória da nova seção, os redatores expõem as razões
que os levaram a inserir textos ficcionais nas páginas do periódico:
A literatura moderna é ainda assaz desconhecida entre nós, e todavia,
fonte de gozos indefiníveis, devemos aproveitá-la; o triunfo da escola romântica
sobre a escola clássica, tanto tempo disputado parece ser seguro: no teatro (ao
menos no teatro brasileiro) dúvida nenhuma fica de que o terrível do
romantismo atrai mais do que o terrível do classicismo. — As melhores
produções desta escola têm ido à cena e têm feito dormitar, enquanto o
romântico Jogador, os românticos Seis degraus do crime têm constantemente
chamado numerosos espectadores.
Querendo vulgarizar mais as belezas da moderna literatura, há muito
tempo resolvemos inserir nas colunas do CHRONISTA alguns pedaços,
traduzidos das melhores obras que se vão multiplicando, mas, lembrando-nos
que traduções sempre desmerecem dos originais, achamos melhor resumir em
mais breves quadros, onde reuníssemos o que há de mais notável e elegante
nas principais obras dos [sic] Hugo, Balzac, Sue, Lacroix, &c.
Esse conto fantástico de que hoje publicamos parte foi filho daquela
resolução. — Imitada da novela terrível de Balzac — La peau de chagrin —
possa a luva misteriosa agradar aos leitores brasileiros como La peau de
chagrin agradou aos franceses.
O propósito é claro: introduzir e “vulgarizar” as belezas da literatura “moderna”,
filha da nova “escola romântica”. A fonte será “o que há de mais notável e elegante” nas
“melhores obras” dos escritores já consagrados — estrangeiros, é claro. A técnica será o
“resumo” e a “imitação”.
A nova escola, sucesso no teatro brasileiro, estaria agora disponível aos leitores
do jornal. Sendo o periódico barato e de ampla circulação, o texto ficcional teria chance
de chegar àqueles que residiam fora da corte ou que não tivessem recursos financeiros
para freqüentar seus teatros. Sem contar que oferecer histórias nos moldes daquilo que é
sucesso consagrado nos teatros da corte poderia ser um chamariz para aqueles leitores
que não cultivavam o hábito da leitura.
Quatro meses depois, em 5 de outubro de 1836, Justiniano e Josino introduzem,
pela primeira vez no Brasil, o sucesso já consagrado na França — o Feuilleton como
48
espaço jornalístico, criado pelo editor francês Émile de Girardin no La Presse, e
imediatamente pirateado pelo seu ex-sócio Dutacq naquele mesmo ano.
94
Estava
inaugurada no Brasil a ficção ao pé da página, separada das outras matérias jornalísticas
por um traço vertical.
95
O artigo que introduz a novidade inicia-se ensinando o leitor a reconhecer o
novo espaço que a ficção irá ocupar no jornal daquela data em diante. O objetivo é o de
“transplantar” para o solo brasileiro a novidade, filha de “um povo instruído”:
... Árvore preciosa, que cultivada pelo gênio delicado do Francês, que
bafejada pelo sopro fertilizador de um povo instruído, viçosa te adornas de
abundantes flores, é com nossa mão grosseira, com nosso tosco engenho que
te queremos transplantar para o abençoado solo de nossa pátria; a natureza lhe
sorri, o sol o aquece e fertiliza: nele aclimar-te-ás, nele certo não perderás o
mimo de teu aroma, o mimo de tua folhagem. Sim, amigo leitor, vai O
CHRONISTA dar-vos FEUILLETON (...); árdua é por si mesma a empresa,
talvez que nela sucumbíssemos se de nossas únicas forças loucos
confiássemos, mas não: quando para nossos artigos faltar-nos assunto, ou
imaginação, ou a erudição precisa, imploraremos socorro; literaturas
estrangeiras, alheias imaginações, abrir-nos-ão os tesouros de suas riquezas, e
de qualquer modo sempre desempenharemos nossa promessa...
96
Fica claro onde os redatores irão buscar ajuda quando faltar “assunto”,
“imaginação” ou conhecimento. Novamente, a fonte serão as literaturas estrangeiras, que
“abrir-nos-ão os tesouros de suas riquezas”.
A primeira aclimatação será batizá-lo em nosso idioma. Como chamar o
Feuilleton brasileiro? A decisão recai sobre “Folha Literária”, “Folha Crítica” ou “Folha
Científica”, de acordo com o assunto tratado.
E nesse ponto da nota introdutória, Justiniano faz uma distinção entre a função da
matéria jornalística e a do novo espaço que a ficção irá ocupar nas páginas do periódico,
que é importante analisar com mais vagar:
94
Meyer, Marlyse. Folhetim: uma história. Op. cit. p.58-59.
95
Em outubro de 1838, O Jornal do Commercio publica a tradução de Capitão Paulo, de Dumas.
96
O Chronista n. 3, de 5 de outubro de 1836.
49
Ocupa-se o resto do periódico com administração, com política, com
justiça, com legislatura, com finanças, indústria, comércio, com todos esses
assuntos de grande importância na verdade, mas que só dizem respeito ao
material da vida, ao positivo da existência; o domínio de nossas FOLHAS é todo
intelectual, elas falarão às imaginações, e às inteligências. Nos areais da Líbia a
natureza dispôs viçosas oásis (sic), por as quais anela, nas quais descansa o
viajante: possam nossos artigos serem as oásis nas quais descanse o espírito
do leitor.
Essa distinção entre as funções das diferentes partes que compõem o periódico
remete a uma distinção de outro quilate. Nela, a nova seção (e aí está incluída a
literatura) é elevada a uma esfera que paira acima dos problemas comuns enfrentados
por uma sociedade em processo de estruturação de suas instituições: a política, a
administração, a justiça, a indústria, o comércio, etc. — definidas por Justiniano como o
“material da vida”, o “positivo da existência”. O folhetim ou “folha”, nessa perspectiva,
passa a ser o “oásis”, a “fonte de inefáveis gozos”, o manancial onde o viajante sedento e
cansado irá saciar a sua sede e repousar o espírito.
Ao final da nota, os redatores d’O Chronista revelam a tarefa a que se
propuseram:
Fazer aparecer em nossa população a primeira necessidade da
civilização moderna — o desejo de ler, — dar-lhe incremento, e fomentá-lo,
oferecer leitura que distraia das lidas da existência, das amofinações dos
trabalhos, dos tédios da inocupação, eis o que temos em vista, eis o que
esperamos conseguir
.
A tarefa à qual os redatores d’O Chronista se propõem é a de “fazer aparecer” o
hábito da leitura na população. A constante publicação de matéria literária, crítica e
científica pouco a pouco despertaria nos brasileiros “o desejo de ler”, que, segundo
Justiniano, seria o traço distintivo que elevaria a sociedade brasileira ao grau de
“civilização moderna”. É nesse empenho em prover textos literários ao público leitor,
que esses jovens passarão a traduzir prosa de ficção estrangeira e, ao mesmo tempo, a
compor seus próprios textos. Como Marlyse Meyer declara, essas primeiras
manifestações literárias saídas da pena desses precursores caracterizam-se pela
50
interpenetração do discurso ficcional e não-ficcional, aproximando-se do que hoje
classifica-se como crônica
97
.
Se compararmos esse caráter engajado de nossos jovens redatores-escritores, que,
como vimos, logo cedo esforçaram-se em atuar no acanhado meio cultural do Brasil da
época aos objetivos expressos no prefácio do Gabinete de Leitura, constata-se que seus
redatores mostraram-se bastante modestos em suas pretensões. A afirmação de que não
pretendiam instruir, mas somente preparar o leitor “para leituras mais longas e
refletidas”, dando a ele uma “meia hora de ociosidade divertida”, reflete apenas em parte
o que o leitor encontrará nas páginas do periódico.
Não se pode negar que algumas das histórias publicadas no Gabinete de Leitura
se coadunam com os objetivos propostos. Histórias divertidas, enredos românticos e
diversos textos da seção Miscelânea certamente tinham como meta entreter os leitores.
Quanto a prepará-los para textos mais longos, há por exemplo, a história “O Amor
Materno”, à qual já nos referimos anteriormente. Enquanto que nas páginas d’O
Chronista essa história foi publicada em três partes, no Gabinete de Leitura ela aparece
completa em um mesmo fascículo. Com esse novo formato, pode-se dizer que o leitor
teria chance de fruir a história de maneira mais prazerosa, abrindo caminho para as
“leituras mais longas”. Também podemos encontrar nas páginas do Gabinete de Leitura
histórias mais longas que foram publicadas em duas ou três etapas, seguidas do famoso
“Continua”. Raras nos primeiros fascículos, essas histórias começam a aparecer com
mais freqüência a partir do número 17, de forma que poderíamos confirmar a intenção
dos redatores de progressivamente educar o leitor para textos mais longos e complexos.
É o caso, por exemplo, de “O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe
III”, de Alexandre de Lavergne, publicada em quatro partes. É a história mais longa do
Gabinete de Leitura com um total de quase doze páginas.
98
No seu prefácio, além desse objetivo acima mencionado, os editores do Gabinete
de Leitura também colocam para si o papel de meros “arranjadores dos artigos em seus
devidos lugares”, o que implica um critério de escolha dos artigos publicados. Como
pudemos ver, um dos parâmetros mais utilizados pelos nossos primeiros ficcionistas para
julgar o valor de uma obra é o quanto de ensinamentos morais ela continha. Numa
publicação que almejava ser lida pelas famílias brasileiras, não é difícil imaginar que
uma grande parte das suas histórias teria como ponto forte tal foco moralizante. É assim
97
Meyer, Marlyse. Voláteis e Versáteis. Op. cit., pp. 108-196.
98
Publicada em 07, 14, 21 e 28 de janeiro de 1838.
51
que mocinhas dóceis e obedientes, impossibilitadas de unir-se ao seu verdadeiro amor,
resignam-se a casar com quem os pais lhe destinaram, pagando o preço de morrer pouco
a pouco de melancolia ou de afogar-se nas águas turbulentas de um rio no dia das
núpcias, como é o caso de “Luísa – uma legenda”, de Pereira da Silva. Vícios castigados
e virtudes recompensadas são ingredientes constantes de várias das histórias, traduzidas
ou escritas pela pena dos nossos precursores. Não é difícil imaginar que nossos
primeiros ficcionistas inspiraram-se nos romances ingleses e franceses que aqui
chegavam nos paquetes que cruzavam o Atlântico, uma vez que esse mesmo cunho
moralizante foi largamente utilizado por romancistas europeus durante grande parte de
século XVIII e XIX.
Um outro aspecto possível de se observar em algumas das histórias publicadas
no Gabinete de Leitura é um certo ponto de contato entre alguns do temas por elas
tratados e as opiniões e anseios dos redatores-colaboradores em relação a esses mesmos
temas, discutidos em artigos publicados nas páginas de seus outros jornais. O que se
percebe é que a maneira como esses textos ficcionais tratavam certos assuntos, de certa
forma, ia ao encontro dos pontos de vista defendidos por esses jornalistas. Não é difícil
imaginar que a exposição do problema ao leitor sob forma ficcional que, na maioria das
vezes, relata um caso exemplar, pode vir a ser um meio eficaz de induzi-lo a um
posicionamento crítico sobre a matéria.
É o caso, por exemplo, da discussão sobre a pena de morte iniciada com a
condenação e enforcamento de um escravo velho e cego, acusado de ter matado o
caixeiro de seu senhor. N’O Chronista, de 18 de fevereiro de 1837, um sábado, sai
publicada uma pequena nota comunicando à população fluminense que a execução do
escravo estava marcada para aquele dia. Uma semana depois, a 25 de fevereiro, Josino
do Nascimento Silva publica na “Folha Literária” d’O Chronista a história “Um
Enforcado – O Carrasco”
99
. Nela, o narrador em primeira pessoa relata a sua indignação
quando percebe que seus vizinhos se preparam para acompanhar o cortejo que levará o
velho escravo cego à morte como se fosse um dia de festa (que na história também era
um sábado). A crítica a esse burburinho é expressa numa espécie de monólogo interior
no qual o narrador expõe todo seu inconformismo com a atitude leviana da população:
Nada entendo disto, cada vez mais se baralham minhas idéias. Pois
quando todos se deviam recolher em suas consciências, investigar sua pureza,
99
Essa história também foi publicada em Sobrinho, Barbosa Lima. Op. cit., pp. 149-154.
52
e rogar a Deus por miserável, que por ser criminoso não deixa de ser homem, é
que vejo tanta e tão estranha confusão! És incompreensível, natureza humana!
Jogo de paixões contraditórias, obedeces a todas, e assim vives!
À figura do carrasco, pintada com todas as tintas da iniqüidade, segue mais uma
reflexão crítica:
Oh! meu Deus! Que há de o homem poluir a mais bela feitura de vossas
mãos! Vós não criastes carrascos, e o homem fez carrascos! O que é um
carrasco? Não sei. Será um homem? Não, por certo. Era o executor da alta
justiça da sociedade, (...) eu vi nesse homem o tipo do justo, e para bem retratar
a sociedade o tipo do justo arrastava grossas cadeias. Quem é ele? Sem dúvida
o mais virtuoso de nós todos, sem dúvida é ele o guarda mais severo de nossas
leis; seu ofício lhe quadra por sua austeridade, por seu amor à sociedade...
Não, aquele homem é tanto ou mais criminoso do que o padecente, e porque já
não tem sequer um atributo de homem é carrasco!
A discussão toma conta dos jornais. No mesmo dia em que essa história aparece
n’O Chronista, o Semanario do Cincinnato publica um artigo discutindo a necessidade
da pena de morte como forma de livrar a sociedade daqueles que põem em perigo a
ordem pública. Em resposta, n’O Chronista n. 44, de 8 de março, Justiniano e Josino
caracterizam a pena de morte como um “lugar comum de todos os modernos
criminalistas” e acrescentam que, apesar de as sociedades terem o direito, por elas
mesmas instituído, de matar “a sangue-frio para castigar o matador”, o que eles não
conseguem admitir é a figura humana do carrasco:
... esse cujo ministério é estrangular homens que mal nenhum lhe
fizeram, e que quase sempre abatidos, fracos naqueles momentos excitam mais
compaixão do que horror; e matá-los como ele os mata, apertando-lhes com
vagar a corda do pescoço, calcando-lhes o peito com os joelhos e braços. Oh!
isso é que é horrível! Ver o homem [ilegível] contra o homem sem que sua
barbaridade tenha a desculpa de alguma paixão donde provenha! (...) isso é
que nos congela as carnes toda a vez que ouvimos falar na aplicação da pena
última!
E é assim que o Gabinete de Leitura publica em suas páginas duas histórias cujos
protagonistas são carrascos... “arrependidos”: a “História – Execução de Joanna
53
Grey”
100
, de Soulié, e “As Honras Hereditárias – História de Amor, de Mistério e de
Filosofia”
101
, de Bulwer-Lytton.
A “Execução de Joanna Grey” apresenta traços característicos de um drama
histórico, no qual personagens fictícios misturam-se a acontecimentos e personalidades
reais, transcrito em forma narrativa. O protagonista é Jack, carrasco oficial da corte
inglesa durante o conturbado período que se seguiu à morte do jovem rei Edward VI,
único filho de Henry VIII. Com a morte de Edward VI, devido a questões políticas, Lady
Jane Grey assume a coroa britânica por um período muito curto, sendo julgada e
condenada à morte por Mary Tudor que, alegando sua legitimidade como herdeira,
assume o trono.
No início da narrativa, Jack ostenta perante seu subordinado, Fayry, o orgulho de
ser o carrasco-mor da corte devido à sua habilidade profissional e por ter recebido a
incumbência da execução da jovem e bela Jane Grey. É por intermédio do diálogo entre
os dois carrascos que o leitor paulatinamente toma contato com os fatos históricos desse
período da Inglaterra. Depois da execução de Jane Grey, Jack não é mais o mesmo. A
resignação com a qual a doce e meiga jovem monarca aceitou seus momentos finais
despertou em Jack um profundo remorso. O climax se dá quando Jack relata que pela
primeira vez, devido à sua profunda comoção, foi incapaz de executar sua tarefa com um
único golpe. Abatido, Jack entrega seu machado a Fayry que, anos mais tarde, também
passará por uma experiência semelhante devido à execução de Mary Tudor, julgada
herdeira ilegítima por Elizabeth.
No caso de “As Honras Hereditárias”, o narrador em tom satírico conta a história
de amor entre a romântica Laura e um inominado mancebo que, rodeado de mistério,
lamenta sua sorte devido a uma peculiar herança, uma honra que há quatrocentos anos
pertencia à sua família. O mancebo vive uma crise de consciência, indeciso entre
perpetuar a herança recebida ou renegá-la, livrando-se do que considera um fardo. O
final irônico é dado quando a donzela apaixonada e seu pai, este interessado na possível
riqueza do mancebo, descobrem que as “honras” herdadas pelo pretenso marido eram a
de ser o carrasco oficial.
Apesar de sempre haver a possibilidade de a escolha dessas histórias ser uma
mera coincidência, a análise de certos posicionamentos críticos desses redatores em
relação ao papel da literatura nos revela como eles também a concebiam como um meio
100
Gabinete de Leitura n. 6, de 17 de setembro de 1837.
101
Idem n. 11, de 22 de outubro de 1837.
54
de influenciar seus leitores não só mudando comportamentos mas também
transformando idéias e opiniões. É o caso do anúncio e da resenha do romance O Último
Dia dum Condenado, de Victor Hugo, publicados nas páginas d’O Chronista.
Convocando os leitores à subscrição do romance traduzido para o português, que
seria publicado pela Tipografia Commercial (a mesma do Gabinete de Leitura), o
anúncio traz um comentário dos redatores sobre a obra. Nele os redatores referem-se a O
Último Dia dum Condenado como o “jornal do pensamento agonizante” e transcrevem
um trecho (provavelmente do seu prefácio) que eles acreditam ser significativo para se
compreender por que a obra foi escrita:
E depois, pode muito bem ser que não seja inútil o que eu assim
escrever. O jornal dos meus sofrimentos, consignando-os hora por hora, minuto
por minuto, suplício por suplício, se eu tiver forças para continuá-lo até o
momento que me for fisicamente impossível concluí-lo; esta história
necessariamente não acabada, mas tão completa quanto pode ser, de minhas
sensações não dará grande e profunda lição? Não haverá neste processo
verbal do pensamento agonizante, nesta progressão sempre crescente de
dores, nesta autópsia intelectual de um condenado, mais d’uma lição para os
que condenam? Não poderá acontecer que esta leitura lhes faça menos leve a
mão, quando outra vez se tratar de pesar uma cabeça que pensa, uma cabeça
de homem, no que eles chamam balança da justiça? Talvez nunca refletissem,
— desgraçados! — na lenta sucessão de torturas que se inclui na fórmula breve
de uma sentença de morte? Não; eles não vêem em tudo isto mais do que a
queda vertical dum cutelo triangular, e pensam que para o condenado nada há
anterior nem posterior.
Estas folhas os desenganarão...
102
Na resenha crítica de O Último Dia dum Condenado, publicada alguns dias mais
tarde, Justiniano José da Rocha argumenta que a “filantropia”, apesar de se utilizar de
todos os argumentos possíveis, não conseguiu extinguir a pena de morte nas nações
cultas. Como último recurso, a filantropia “aparou a pena” de certos escritores para que
suas obras conseguissem combater “a rotineira barbaridade das sociedades”. Em vista
disso, Justiniano acrescenta:
102
O Chronista n. 47, de 18 de março de 1837.
55
...força é confessá-lo, ela [a filantropia] triunfou; ninguém que tenha
sentimentos de homem por maiores sofismas de que lance mão para
convencer-se de que deve como juiz matar seu semelhante, podê-lo-á fazer se
tiver presente a pintura da terrível (...) agonia que lhe impõe, e que o pincel
animoso e valente de Victor Hugo lhe representa.
E conclama:
Eia pois vós todos de quem depende a execução de uma pena última,
ministros, legisladores, jurados e magistrados, lede essa obra, e sede mais
parcos do sangue de vossos semelhantes. Deixai que morte seja só atributo da
justiça divina.
103
Como é possível notar, para esses redatores a narrativa ficcional poderia
funcionar como arma eficaz na modificação de hábitos, atitudes, comportamentos e
idéias devido à sua capacidade de atingir profundamente a sensibilidade humana. Ou
seja, seu caráter educativo era bastante abrangente, não só mudaria comportamentos que
diziam respeito ao indivíduo e à esfera privada mas também poderia influir nas decisões
de ordem pública, colaborando assim para o progresso da sociedade como um todo.
Outro exemplo significativo dessa concepção pragmática da literatura que nossos
jovens homens de letras possuíam pode ser encontrado em outras duas histórias
publicadas no Gabinete de Leitura: “O Sedutor”, do escritor americano Washington
Irving, e a prosa de ficção brasileira “A Perjura”
104
. E para uma melhor compreensão
dessa questão aqui discutida, faremos uma análise comparativa dessas duas narrativas e
uma outra, “O Vil Sedutor”, publicada nas páginas do Semanario do Cinccinato
105
.O
Vil Sedutor” nos permite vislumbrar um tipo de prosa de ficção que era publicada em
periódico e oferecida ao publico leitor fluminense no período que antecede o início da
publicação do Gabinete de Leitura. Apesar de o Semanario do Cincinnato ser hoje
considerado um jornal pouco expressivo, há indícios de que durante o período de sua
publicação ele conseguiu angariar um número considerável de leitores
106
. Acresce que
103
O Chronista n. 53, de 12 de abril de 1837.
104
“O Sedutor” foi publicado no n. 10, de 15 outubro de 1837, e “A Perjura”, no n. 21, de 31 de dezembro
de 1837.
105
Semanario do Cincinnato n. 2, de 25 de fevereiro de 1837.
106
Alguns dias depois do lançamento do Semanario do Cinccinato, uma nota n’O Chronista (n. 42, de 1
de março de 1837) informa sobre o sucesso do periódico e comenta que nos dias que se seguiram ao início
56
as três narrativas incluem elementos bastante comuns à época: uma bela jovem que,
levada pelas paixões, se deixa seduzir por mancebos não muito bem intencionados; o
tom moralizante é dado pela punição exemplar da jovem no final do enredo.
É a partir de seu segundo número, em 25 de fevereiro de 1837, que o Semanario
do Cincinnato passa a publicar na seção “Variedades” (que ocupava o rodapé da página)
histórias de cunho explicitamente pedagógico e moralizante, escritas provavelmente pelo
próprio Costa Cabral. Na apresentação da nova coluna o redator faz referência ao “caso”
verídico, presenciado pelo narrador ou relatado a ele por alguma testemunha, conferindo
à história a necessária autoridade de exemplo a ser seguido. É o que nos mostra a
introdução da seção no jornal:
Variedades
Debaixo de um tal título permita o Leitor que, não sempre, mas quando
pudermos, lhe apresentemos algumas curiosidades, que possam por alguma
forma interessar-lhe. Hoje nós lhe oferecemos um caso, que mais de uma vez
ouvimos a um velho, cuja amizade freqüentávamos. Do que agora referirmos
alguma utilidade poderá colher-se.
Segue-se então a história “O Vil Sedutor”. Como o próprio título indica, nela é
possível encontrar vários dos ingredientes que configuram um autêntico melodrama, na
base do que Marlyse Meyer denominou de “desgraça pouca é bobagem”.
107
Recheada de
notas explicativas quanto à paisagem e aos costumes da Bahia, a narrativa inicia-se
descrevendo Pedro. Pobre, humilde e honesto pescador, conhecido por suas virtudes de
bom pai e marido, Pedro vive modestamente numa choupana à beira do rio Paraguaçu
com sua esposa, seu filho José e sua bela e inocente filha de dezesseis anos, Rosa. Numa
noite tempestuosa, três forasteiros que estavam em viagem de negócios batem-lhe à
porta e pedem-lhe guarida por aquela noite. Pedro, compreensivo e benevolente, oferece
sua humilde morada e manda-lhes servir a ceia. Depois daquela noite, encantado pelas
graças e pelo ar inocente de Rosa, Antonio, um dos forasteiros, resolve voltar outras
vezes à choupana trazendo presentes à família em agradecimento por sua hospitalidade.
de sua publicação “200 pessoas ou perto disso o foram assinar”. Aliás, um dos motivos que teriam levado
Costa Cabral a lançar o semanário foi o sucesso de sua coluna no Diário do Rio entre o público leitor da
corte.
107
Meyer, Marlyse. “Voláteis e Versáteis: de Variedades e Folhetins se fez a Chronica”. Op. cit., p.125.
57
Não é difícil imaginar o que se segue. Seduzida por Antonio, Rosa foge de casa
deixando sua família em desespero. A carta que seus familiares recebem um ano depois
dá o tom da desgraça:
Meus queridos pais: se ainda algum amor vos merece uma filha ingrata,
compadecei-vos de sua má estrela. Eu fui vilmente seduzida por aquele mesmo
homem, que vós tão cordialmente recebestes em vossa casa. Inexperiente
jovem, fiei-me no seu fementido coração; mas o cruel, depois de assassinar
minha honra, depois de manchar torpemente vossas cãs, e amargurar vossos
dias, entregou-me à penúria, e ao abandono. Meus ternos pais, condoei-vos do
desamparo em que se acha vossa desgraçada filha — Rosa.
Depois do retorno de Rosa à casa paterna, José sai em busca de Antonio, jurando
tirar-lhe a vida, vingando assim a desonra de sua irmã. Bem sucedido em sua
empreitada, José, em conseqüência, acaba sofrendo as agruras do cárcere durante longo
período de sua vida, que em outras circunstâncias teria sido honesta e laboriosa.
Não bastasse a história, cujo intuito é declaradamente o de servir como exemplo
moral às mocinhas que se deixam levar por paixões, acarretando para si e para os seus
familiares todas as desventuras de seu “passo mal dado”, o narrador ao final insere notas
nas quais reflete sobre as conseqüências funestas que atitudes impensadas e
comportamentos indevidos podem ocasionar:
Reflexões. Impudico Antonio de quantos males não foste origem!
Tu semeaste os maiores pesares em uma família que vivia pacífica! Tu
sacrificaste a castidade, e pureza de uma donzela! Tu [ilegível] as sagradas leis
da hospitalidade! Tu cravaste agudo punhal no seio daqueles, que te deram os
mais vivos sinais de sua candura! Tu a ti mesmo promoveste à morte! E, por
fim, tu só foste a causa dos eternos desgostos de pais amantes.
Oh! se as donzelas aprendessem neste exemplo a não se deixarem
vencer por seus falsos adoradores, muito lucrariam elas, muito lucraria a
sociedade inteira. O mundo está cheio de sedutores da inocência; há muitos
Antonios, que só querem corromper, e saciar-se, com quebra da honra das
míseras donzelas, que lhes dão crédito. Moças, não vos deixeis trair por vossos
corações, não sejais fáceis em iludir-vos para não serdes desgraçadas, para
não causardes pesares às vossas famílias.
58
E vós, inconsiderados moços, não abuseis da fragilidade da donzela.
Ponderai que um dia sereis pais e tereis filhos; e que bem vos doeria ver vossa
filha seduzida e abandonada.
Menos explícita, mas não menos pedagógica, a história “O Sedutor”
(coincidência de títulos?) de Washington Irving, publicada no Gabinete de Leitura
108
,
também recorre às técnicas fartamente utilizadas pelos escritores da época para conferir
à história seu cunho de veracidade. Aqui a autenticidade é garantida pelo narrador-
viajante que, de passagem pela localidade, além de registrar os contornos geográficos da
região e as peculiaridades e costumes de seus habitantes, testemunha o drama que irá
relatar. Muda-se a paisagem, não mais a da Bahia, mas a da zona rural alemã, mais
precisamente a do vale do Necker, com suas pequenas “aldeias”, habitadas por um povo
alegre, simples e trabalhador — estereótipos recorrentes nas histórias centradas na
Alemanha. A filha do pescador agora passa a ser a filha do moleiro da aldeia, Ágata,
também uma bela jovem de dezesseis anos. Dois forasteiros, jovens estudantes de
famílias abastadas, resolvem passar as férias da universidade no campo e alugam os
quartos que o moleiro reservava para esse fim. O resto do drama é previsível, novamente
o binômio “seduzida e abandonada” entra em ação, com direito a paixões, fugas,
“honras” perdidas, desmaios, choros convulsivos, etc. O fim é trágico: ao saber que seu
amado havia se casado com alguém mais condizente com sua classe social, desesperada
e fora de si, a heroína lança-se nas águas turbulentas do rio Necker com o filhinho
apertado ao peito, fruto da “virtude maculada”.
“A Perjura”
109
, prosa de ficção brasileira e anônima, também assevera aos
leitores o seu cunho de veracidade, iniciando-se com a epígrafe All is True. A história
utiliza-se estrategicamente de uma suposta carta de um certo Eugênio, bacharel em
Direito, que viaja da corte para Cabo Frio para defender um caso jurídico. No caminho,
já tarde da noite e pego por uma tempestade, Eugênio é obrigado a bater às portas da
única habitação que havia na redondeza. Seu acompanhante e guia, um homem rústico e
que conhecia bem a região, nega-se a entrar na casa, pois todos na região diziam que lá
vivia uma louca. É na sua estadia nessa casa “mal assombrada” que Eugênio vem a
conhecer a trágica história de Henriqueta, narrada por sua dedicada e carinhosa avó.
108
Op. cit. n. 10, de 15 de outubro de 1837.
109
Idem, n. 21, de 31 de dezembro de 1837.
59
Órfã, Henriqueta foi criada desde pequena pela avó. Moravam na corte e, apesar
de não gozarem de grande fortuna, sua avó conseguiu dar-lhe um certo grau de
educação. Noiva de Eduardo, um rapaz de não muitas posses, honesto e trabalhador,
Henriqueta jura-lhe amor eterno “pela alma” de sua mãe. Contudo, impedida de casar
naquele momento, Henriqueta deixa-se seduzir e foge com Domingos, homem rico da
corte. A morte trágica de seu ex-noivo que, sem saber, salva a ela e a Domingos de um
acidente que poderia tê-los levado à morte, e, mais tarde, o abandono daquele que lhe
tinha prometido casamento despertam nela o remorso. Atormentadas e sofrendo pressões
da sociedade carioca, avó e a neta passam a viver na cabana, longe de tudo e de todos. A
punição exemplar da heroína agora remoída pelo remorso, perseguida pelos fantasmas
da mãe e do ex-noivo, será a loucura e morte.
Esse pequeno resumo nos mostra que as três histórias cumprem bem seu papel de
instrumento de moralização, cuja meta era regrar o comportamento dos jovens, em
especial o das jovens. Principalmente porque é nessa época que as mulheres começam a
sair da restrita esfera doméstica e, cada vez mais, passam a freqüentar bailes, teatros,
saraus e passear em lugares públicos, especialmente aquelas que residiam na corte.
Começavam, assim, a desafiar o lugar que lhes foi imposto pela ideologia patriarcal,
segundo a qual o casamento, o cuidado do lar e a educação dos filhos seriam as suas
únicas fontes de realização e felicidade. E isso certamente representava um perigo.
Mas se no resumo do enredo das três narrativas encontramos vários pontos de
semelhança, há diferenças no conteúdo que valem a pena ser analisadas.
Enquanto em “O Vil Sedutor”, Pedro e sua família recebem as visitas e presentes
de Antonio, sem nunca desconfiar de suas “más intenções”, na história de Washington
Irving, a mãe de Ágata acreditava que sua filha nascera para ser uma “grande dama” e
que “devia casar-se em uma esfera social acima daquela em que vegeta[va]m seus pais”.
O narrador ressalta, porém, que
...uma ambição desta espécie é rara entre os alemães, sobretudo nas
classes agrícolas, bem persuadidas da sua dignidade pessoal, e defendidas
assim desse ciúme baixo que anima em Inglaterra cada classe da sociedade
contra os que lhe são superiores, e que só mostra exceção naquela que não
tem ninguém acima.
60
Como se pode notar, em sua ânsia de moralizar, “O Vil Sedutor” traduz uma
visão maniqueísta típica das fábulas, nas quais os contornos entre o bem e o mal estão
claramente delimitados. Por outro lado, na história de Washington Irving pode-se dizer
que a introdução do conflito de classe na trama narrativa, mesmo com a ressalva acima
citada, torna a matéria ficcional mais próxima de uma situação plausível. Isso porque, ao
colocar a ambição materna como um agente facilitador do envolvimento amoroso de
Ágata com o jovem estudante, Irving ameniza não só o contraste entre o bem e o mal
como também dissimula o intuito pedagógico contido na narrativa. Em outras palavras,
na versão estrangeira, as personagens e situações por elas vividas apresentam-se mais
verossímeis aos olhos do leitor contemporâneo. Com isso abre-se a possibilidade de uma
maior identificação da parte desse leitor com a matéria narrada, o que, por sua vez,
contribui para que o seu aspecto educativo chegue ao leitor de forma implícita, sem que
ele se dê conta.
Se por um lado é o cunho moralizante que dá o tom a essas duas narrativas, como
vimos, de forma explícita em “O Vil Sedutor” e atenuada na narrativa estrangeira, o
caráter pedagógico de “A Perjura” não deixa de ser mais abrangente. Isso porque, no
prefácio da história, o redator do Gabinete de Leitura comenta que participara de uma
discussão entre alguns amigos bacharéis de direito, na qual se discutiam as leis
brasileiras sobre o perjúrio:
Uma tarde estávamos todos reunidos em uma casa, éramos todos
amigos, e todos nós nos havíamos dado ao estudo da jurisprudência pátria. Era
animada a discussão que agitávamos, — que falávamos da Jurisprudência
criminal, como uma das partes do Direito que mais amenidade oferece.
Discutíamos os defeitos de nosso código, e insensivelmente caímos na parte
em que se trata do perjúrio. — Júlio, jovem que se tem dado com todo o zelo ao
estudo do direito criminal, fez-nos o paralelo da legislação de outros povos com
a nossa, e concluiu que o código brasileiro favorecia em demasia os perjúrios.
— Não, disse Eugênio, nenhuma legislação será jamais suficiente para
punir o perjúrio, que nem uma legislação pode levar o remorso ao coração do
criminoso; e em crimes desta natureza o remorso é a única punição, porque o
remorso é um flagelo de todos os dias, de todas as horas, de todos os
instantes. Só Deus, só o Ente incompreensível pode infligir essa pena, a
sociedade é impotente; as galés, as prisões, os desterros forçados não têm
proporção com os males que causam o perjúrio, e toda a pena que é
desproporcionada ao delito é impotente. Deixemos a Deus vingar as injúrias
61
que a seu Santo Nome fazem os perjuros, e procuremos arraigar no ânimo da
população o espírito de honra e probidade, para podermos riscar da legislação
todas as exigências de juramento. Tenho hoje que fazer, senão vos contaria
uma história de amor e perjúrio; mas porque desejo fazer-vos compreender o
que disse, eu a darei ao nosso colega editor do GABINETE DE LEITURA, para
que ele a mande imprimir. — Agradeci a Eugênio sua oferta, e pedi-lhe que me
mandasse sua história o mais breve possível. — Sem dúvida; amanhã tereis a
minha história, verdadeira em todos os pontos, e peço-vos que lhe deis a
epígrafe — All is true. — Com efeito no outro dia de manhã recebi uma carta de
Eugênio, e com ela a história que me prometera, e que ofereço aos meus
leitores para decidirem a questão.
Constata-se pois que a história além de demonstrar os malefícios que
comportamentos inadequados podem causar ao indivíduo e à sociedade também visa
despertar no leitor um posicionamento crítico em relação a uma discussão sobre a
legislação brasileira da época. Numa espécie de fórum de debates, o editor do Gabinete
de Leitura conclama os leitores a decidirem a questão. Por mais estranha que hoje nos
possa parecer a discussão proposta pela narrativa, é fundamental que coloquemos o
posicionamento de Eugênio com relação ao perjúrio dentro do contexto histórico em que
ele se dá. O questionamento da prerrogativa do julgamento divino em contraposição à
da lei civil, que hoje nos parece um contra-senso, não era de todo estranho numa
sociedade que começava a erigir as bases de um Estado nacional e para a qual o ranço de
nossa condição colonial ainda se batia com as modernas teorias que nos chegavam de
fora. Uma leitura dos jornais da época nos mostra que discussões como esta faziam parte
do dia-a-dia dos intelectuais, jornalistas e cidadãos interessados nos rumos da nação.
É possível perceber que parte das histórias e crônicas tanto traduzidas quanto
escritas por nossos precursores nesse período inicial de nossas letras podia conter
elementos que coadunavam com a discussão de certos problemas que estavam na ordem
do dia, expondo-a aos leitores, muitas vezes, de forma irônica ou exemplificada com
casos ditos “verídicos”. Parece claro que a intenção é fazer o leitor tomar conhecimento
dessas questões, levando-o a um posicionamento com relação a elas.
110
110
No rodapé d’O Chronista, Justiniano e Josino publicaram várias histórias, quase crônicas, nas quais
discutem problemas pertinentes à época. Em algumas delas chegam a fazer críticas mordazes a certos
costumes e instituições. Como é o caso de “Ser guarda nacional” (09/11/1836), “Ser jurado” (12/12/1836),
“Áurea Mediocritas” (27/05/1837), “Um Coração Sensível”, todas de autoria de Justiniano José da Rocha.
Por sua vez, são de autoria de Josino do Nascimento: “Dissertação filosófico-moral” (04/02/1837), “Mais
62
No papel que esses intelectuais se impuseram, o de organizadores e
reformadores da cultura, cabia despertar no incipiente leitorado o espírito crítico, assim
como a consciência de que os problemas econômicos, políticos e sociais brasileiros
somente seriam resolvidos com o empenho de todos. Sua principal arma era a pena. Os
modelos, as nações “civilizadas”. E no caminho que trilharemos a seguir, veremos que o
progresso e desenvolvimento da Grã-Bretanha, sob certos aspectos, a colocaram em
posição privilegiada perante as outras nações.
venha dinheiro” (11/02/1837), “O enforcado – O carrasco” (25/02/1837) e “Gretna Green – ou o amor de
um homem” (26/07/1837).
63
Capítulo 5
Visões da Albion
Em 1828, durante sua viagem pelo Brasil, o reverendo inglês Robert Walsh relata
o “espetáculo curioso e interessante” que teve oportunidade de presenciar ao percorrer
uns dos maiores e mais movimentados portos brasileiros, o da cidade do Rio de Janeiro.
Entre o vaivém de “milhares de negros”, que então trabalhavam “o dia inteiro sem parar
removendo pacotes de todos os tipos”, Walsh pôde observar a enorme quantidade e
variedade de mercadorias ali estocadas provenientes da Inglaterra. Não sem espanto e
admiração, comenta:
... era tal a quantidade de (...) mercadorias, que parecia que Sheffield e
Manchester trabalhavam apenas para abastecer o Rio (...). Havia caixas e
fardos de mercadorias abertos por todos os lados contendo xales, lenços,
bonés, roupas de algodão, sedas, botas, sapatos, meias, camisas, luvas,
chapéus, caixas de toucador, espelhos, facas, martelos, machados, alfinetes,
agulhas, pás de pedreiro, mosquetes, quadros, pianos, barômetros, taças,
canecas, jarros e mais outros incontáveis artigos de vestuário e implementos
mecânicos e científicos. Cobriam uma extensão de um a dois acres...
111
A “febre” de exportar seus produtos para o Brasil que tomou conta dos
comerciantes ingleses pode ser mensurada pelo relato de Walsh:
...quando as portas do país se abriram à especulação estrangeira, não
foi surpresa para ninguém o fato de que a cidade do Rio e seu comércio
tivessem crescido com uma rapidez incrível. Tal era a ânsia especuladora na
Inglaterra, que tudo era mandado para o Brasil sem a menor preocupação com
relação à sua conveniência ou utilidade para o clima ou necessidade do povo
que iria adquirir as mercadorias. As lojas e empórios da Fleet-Street e de
Cheapside eram pilhados e esvaziados; a preocupação não era com o que se
podia mandar, mas com a rapidez com que isso seria feito.
112
111
Walsh, Robert. op. cit., p. 190
112
Idem. pp.188-189.
64
Ao ser informado sobre o tipo de produtos que os brasileiros encontraram ao
abrir “os milhares de caixotes” recém-chegados ao Rio de Janeiro nesses primeiros
tempos de comércio, o próprio Walsh não pôde deixar de constatar, com um travo de
ironia, a ganância de seus compatriotas e sua ignorância ao fazer uso do conceito
capitalista “tempo é dinheiro”. Isso porque dentre as mercadorias estavam
...um imenso suprimento de grossos cobertores, aquecedores de carvão
e para completar a série de disparates, patins de neve para que os brasileiros
pudessem praticar exercícios saudáveis sobre o gelo, numa região onde nunca
se viu um único floco de neve.
113
A entrada maciça de produtos manufaturados ingleses no mercado brasileiro a
partir das primeiras décadas do século XIX não se deu por acaso. A presença inglesa na
sociedade brasileira oitocentista tem suas raízes na subordinação econômica de Portugal
aos interesses da Inglaterra, selada por meio dos diversos tratados e convenções
firmados entre as duas nações desde o século XVII. Com a transferência da família real
portuguesa para o Brasil, fugindo do Bloqueio Continental imposto por Napoleão
Bonaparte, e com a assinatura da Carta Régia por D. João VI em 1808, abrindo os portos
brasileiros às nações estrangeiras, a Inglaterra passa a desfrutar posição privilegiada no
comércio com o Brasil, uma vez que a maioria das nações européias estavam direta ou
indiretamente envolvidas nas guerras do continente. Contudo, foi com o Tratado de
Comércio e Navegação de 1810 que as relações anglo-brasileiras tomam vulto. Devido a
ele, os produtos ingleses passaram a receber tratamento privilegiado: pagavam 15% de
impostos, contra os 24% cobrados aos comerciantes de outras nações. O Brasil tornava-
se, assim, um dos principais e mais promissores mercados para o comércio inglês.
A preponderância britânica nos assuntos brasileiros continuou mesmo após a
Independência, quando os laços com Portugal foram cortados. Por intermédio de
tratados que asseguravam ao novo império brasileiro o reconhecimento de sua recém
conquistada autonomia política, a Inglaterra manteve seus privilégios nas áreas que eram
de seu interesse: navegação, comércio e investimentos. E é exatamente na época em que
Walsh visita o porto da cidade do Rio de Janeiro e constata seu intenso movimento, ou
113
Idem. p. 189.
65
seja, na segunda década do século XIX, que a preeminência inglesa no Brasil alcança
seu auge.
É assim que o relativo isolamento econômico, cultural e intelectual que marcou o
cenário brasileiro durante o período colonial, a partir das primeiras décadas do século
XIX cede espaço à afluência de idéias, modas e costumes vindos do exterior, que
recebem bom acolhimento da sociedade, ávida por novidades. A crescente europeização
dos principais centros urbanos do país, com especial destaque para a corte do Rio de
Janeiro, acabou por alterar sensivelmente a fisionomia das antigas cidades coloniais,
com a introdução de novos estilos de vida e de necessidades até então desconhecidas. A
partir de anúncios em jornais fluminenses e pernambucanos da primeira metade do
século XIX e dos relatos de viajantes europeus oitocentistas, Gilberto Freyre constatou a
influência marcante da cultura inglesa na sociedade brasileira por meio da introdução de
novos hábitos de consumo, de alimentação, vestuário, de habitação, assim como a
alteração da própria paisagem urbana com o emprego de vidros e artefatos de ferro que
passaram a ser usados nas novas construções.
114
Contudo, não foram apenas os produtos ingleses que aportaram em terras
brasileiras. Profissionais liberais, artífices, empregados civis e militares e,
principalmente, um considerável número de comerciantes ingleses aqui se
estabeleceram, atraídos pelas novas condições econômicas e possibilidades de
empreendimentos. Apesar da vinda de aventureiros e especuladores em busca de lucros
fáceis, os ingleses que passaram a residir na corte do Rio de Janeiro pertenciam, em sua
maioria, à classe média.
115
Não demorou muito para que esses comerciantes ingleses estabelecessem os mais
variados ramos de negócios. Como nos conta Macedo, durante o regime de Napoleão
Bonaparte, especialmente durante o período da ocupação da Península Ibérica,
desenvolveu-se nos brasileiros um forte ressentimento com relação ao povo francês de
maneira geral. Dessa forma, antes de os franceses tomarem conta da rua do Ouvidor —
com suas chapelarias, alfaiatarias, charutarias, tinturarias, floriculturas, perfumarias,
lojas de modistas e cabeleireiros — foram os ingleses os primeiros a estabelecer ali suas
casas comerciais:
114
Freyre, Gilberto. Ingleses no Brasil, Aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a
cultura do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1948.
115
Alan K. Manchester comenta o pouco interesse da classe dos trabalhadores comuns ingleses em se
estabelecer no Brasil. Aponta o clima, os baixos padrões de vida e o trabalho escravo como algumas das
66
No Rio de Janeiro a Rua do Ouvidor foi uma das primeiras a ter casas
ou estabelecimentos de negociantes ingleses, lojas de louças, de fazendas ou
panos tecidos, e enfim de comércio de importação e exportação de gêneros
recebidos da Inglaterra e mandados do Brasil, e portanto antes de ouvir dizer
monsieur e sacre nom de Dieu ouviu repetir mister e Goode-mi e comeu batatas
inglesas antes de comer petit-pois
.
116
É certo que a pressão exercida pela Inglaterra nos assuntos políticos e
econômicos do Brasil nas primeiras décadas do século XIX, em especial o constante
esforço britânico para suprimir o tráfico de escravos no país, acabou por abalar as
relações entre os dois países. Em conseqüência do que era considerada uma intromissão
indevida nos assuntos brasileiros, a imagem que os brasileiros tinham dos ingleses
passou a ser marcada por uma certa ambigüidade. Isso porque ao mesmo tempo que no
campo econômico a Inglaterra figurava como nossa maior parceira comercial,
fornecendo manufaturados e adquirindo (com óbvias vantagens) grande parte das
matérias-primas brasileiras, era ela também que com mão de ferro vasculhava os mares,
aprisionando navios que suspeitasse estarem contrabandeando escravos para as costas
brasileiras.
Contudo, havia por parte dos brasileiros uma certa consciência de que para uma
nação cuja força advinha principalmente de uma economia voltada para o lucro, como
era o caso da Inglaterra, seus interesses comerciais sempre falariam mais alto nas
disputas de cunho político. Um exemplo disso é um pequeno artigo que dá conta de uma
notícia publicada em jornal estrangeiro (não cita a fonte) sobre a possibilidade de a
Inglaterra bloquear os portos brasileiros devido à não interrupção do tráfico de escravos.
Referindo-se com ironia à nação britânica como nossa “bem querida aliada”, os
redatores de O Chronista expõem os motivos pelos quais acreditavam que a Inglaterra
nunca tomaria tal decisão. Em primeiro lugar, porque a Inglaterra reconheceria os
causas desse desinteresse. Preeminência inglesa no Brasil. Trad. Janaína Amado. São Paulo: Brasiliense,
1973, p. 77n.
116
Macedo, Joaquim Manoel de. Memórias da Rua do Ouvidor. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1952, pp.158-159. Gilberto Freyre salienta que, devido ao tipo de comércio desenvolvido pelos ingleses
— em geral, voltado mais para o setor varejista e de mercadorias pesadas, que requisitavam maior espaço
para a estocagem, como as louças e artefatos de ferro e cobre —, a tendência, com o tempo, foi a de
procurarem as ruas menos estreitas, como era o caso das que se situavam próximas à alfândega. [Freyre,
Gilberto. Op. cit., pp. 168-174.]
67
esforços do governo brasileiro para coibir o tráfico, não podendo responsabilizá-lo pela
ação arbitrária de traficantes e pelos “preconceitos populares” que favorecem a violação
das leis e “iludem a vigilância das autoridades”. Em segundo lugar,
... porque a Inglaterra bem sabe que um bloqueio efetivo nos portos do
Brasil, embora funestíssimo ao império, sê-lo-á ainda mais a ela mesma, pois
que ela não ignora que a maior parte dos objetos consumidos no Brasil saem de
suas manufaturas, e que quase todo o comércio brasileiro está entregue aos
Ingleses.
Lícito pode ser à França, cujo comércio limitadíssimo apenas se ocupa
com vidrinhos de água de cheiro, pomadas, cabelos e modas, que interrompa
suas relações mercantis que de tanta monta são este ou aquele estado da
América; mas a Inglaterra que tem por aqui em giro tamanho cabedal!... Oh! de
certo ela examinaria duas ou três vezes antes de dar semelhante passo: contra
sua ambição, contra sua amizade, premunem-nos seus interesses.
117
Os interesses comerciais britânicos, contudo, não impediram que sua poderosa
esquadra patrulhasse as costas brasileiras à procura de embarcações suspeitas de
contrabando de escravos. A arrogância com que os oficiais da marinha britânica
tratavam a tripulação dos navios considerados suspeitos pode ser medida pela
indignação expressa num comunicado assinado por um “Brasiliense”, publicado nas
páginas de O Chronista. Segundo o artigo, um escaler da marinha brasileira, navegando
nas águas da Baía da Guanabara, ao cruzar com outro “tripulado com muitos
marinheiros e um oficial da marinha inglesa”, foi por este alertado com um tiro,
recebendo em seguida ordens de parar. Como o navio brasileiro não atendeu à ordem,
mais dois tiros foram disparados pela corveta inglesa, até que:
... dando uma abordagem ao escaler do arsenal, nele pularam logo
alguns marinheiros ingleses, e sem a menor cerimônia foram virando o escaler
brasileiro, e levando a reboque presos para bordo da corveta os oficiais e
marinheiros brasileiros, que nele se achavam. Chegando à corveta foram os
prisioneiros obrigados a subir, e um oficial inglês lançou mão de uma pistola e
apresentando-a ao peito do tenente Virgílio, depois de repreender a todos os
prisioneiros por não terem obedecido ao primeiro chamado da corveta, porque
(diziam eles) quando um navio inglês ordena, deve ser logo obedecido!!
68
Pegaram os marinheiros em lanternas, deram uma rigorosa busca no escaler, e
tendo apalpado e inspecionado os marinheiros, mandaram-nos embora
impondo-lhes como preceito, depois de muitos insultos, que para o futuro
fossem prontos em obedecer aos Ingleses que são senhores dos mares.
118
Se, por um lado, os insolentes marinheiros de Sua Majestade Britânica muitas
vezes foram descritos como ruivos beberrões que desciam nos portos brasileiros e
faziam arruaças pelas ruas das cidades, pondo em risco a tranqüilidade pública, por
outro, o mister ou o gentleman poderia ser visto como o homem sério e introvertido,
pouco afeito às distrações e festividades. É assim que, em “Dissertação Filosófico-
Moral”, Josino do Nascimento caracteriza os ingleses, ao comentar com que alegria e
ansiedade os brasileiros esperavam a época do entrudo:
Nem sempre tenhamos teso o arco; nem sempre vivamos como esses
ingleses.
Sempre casmurros, sempre enregelados
Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na carnal montanha
Do beef cru e insípido!
119
Beberrões e comedores de carne crua são também Bolingbrok e John, os dois
personagens ingleses da comédia de Martins Pena, As Casadas Solteiras. Com negócio
estabelecido no Brasil, ambos representam também o estereótipo do capitalista esperto
que enriquece às custas da ingenuidade e boa índole dos brasileiros. Ou nas palavras de
Jeremias, um dos personagens brasileiros da peça, ao observar a chegada da barca em
que estão Bolingbrok e John:
117
O Chronista, 10 de novembro de 1838
118
O Chronista, 21 de abril de 1838.
119
O Chronista, 4 de fevereiro de 1837.
69
parecem-me ingleses... há de ser, há de ser... É fazenda que não falta
por cá. Não gostam do Brasil, Bresil non preste! Mas sempre vão chegando
para lhe ganharem o dinheiro
.
120
Nesta tentativa de mapear através dos textos deixados pelos escritores da época
como a nação inglesa e seu povo eram vistos no contexto histórico brasileiro, percebe-se
que, apesar dessa imagem negativa, a Inglaterra também era sinônimo de modernidade.
Com uma economia forte, alto desenvolvimento tecnológico e instituições políticas que
funcionavam a contento, a Inglaterra era o paradigma de nação bem sucedida e
referência para o que na época se costumava chamar de civilização.
Um outro fator fundamental para compreender o interesse desses jovens
intelectuais pela nação britânica é o fato de ela ter alcançado esse desenvolvimento
econômico-social sob o regime governamental que eles consideravam o único capaz de
resolver os problemas do Brasil: uma Monarquia Constitucional Representativa.
A instabilidade política e as agitações de cunho separatista das províncias do
Norte e do Sul, que marcaram os anos finais do período regencial, eram vistas como uma
grave ameaça à unidade nacional. Para esses intelectuais, a melhor solução seria a
instauração de um governo forte, constitucional, centralizado na figura do monarca e que
permitisse a participação das camadas médias da população. A Inglaterra, portanto, era
vista como exemplo de nação que alcançou amplo desenvolvimento em grande medida
devido à estabilidade política proporcionada por seu sistema de governo.
A predileção desses jovens intelectuais por assuntos concernentes à nação
britânica fica evidente em inúmeros artigos — alguns traduzidos, outros escritos por
suas próprias penas — publicados nas páginas de O Chronista e no Jornal dos Debates.
Artigos que, em grande parte, apareceram estampados em lugar de destaque no jornal,
ou seja, no alto da primeira página, e não nas seções “Miscelânea” ou “Variedades”, que,
nos jornais voltados a assuntos sobre economia e política, eram quase sempre
preenchidas com curiosidades ou leituras ditas “amenas”, cujo principal objetivo era o
de entreter os leitores.
120
Pena, Martins. As Casadas Solteiras. In: Teatro de Martins Pena I – Comédias. Ed. crítica por Darcy
Damasceno. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1956, p.401. Sobre o assunto ver Meyer,
Marlyse. “O Inglês nas comédias de Martins Pena”. In: Pireneus, Caiçaras... da Commedia dell’Arte ao
Bumba-meu-boi. 2
ª
ed., Campinas, São Paulo: Ed. da UNICAMP, 1991, pp. 95-144.
70
A análise desses textos deixa claro o fato de que, para esses intelectuais, a
Inglaterra poderia servir como ponto de referência para se pensar os problemas políticos
e sócio-econômicos do Brasil regencial. Dentre os títulos publicados encontram-se:
“Indústria, sistema monetários – A Inglaterra e sua influência sobre a crise atual”
121
;
“Finanças – O Imposto em Inglaterra”
122
; “Ciência Legislativa – Centralização Judiciária
em Inglaterra”
123
’; “História Política – A Inglaterra – No Reinado de Guilherme IV e
quando subiu ao trono Vitória Alexandrina I”
124
; “Aos Princípios Fixos da
Administração Atual”
125
; “Indústria – Caminhos de Ferro, Canais e Carros de Vapor, nas
Estradas Ordinárias”
126
. Cito aqui apenas alguns dos títulos traduzidos e publicados nos
jornais da época, mas a lista é bastante longa.
127
Como é possível perceber, os artigos versavam sobre assuntos das mais diversas
áreas: indústria e comércio, sistemas político, judiciário e financeiro, assim como os
mais recentes avanços tecnológicos e científicos. Nas páginas desses jornais, os leitores
fluminenses poderiam obter informação sobre as áreas nas quais a Grã-Bretanha
conseguira, ao longo de seu percurso histórico, se desenvolver de forma a se tornar a
principal potência política, econômica e cultural da época.
Curioso é o fato de que nas páginas do Jornal dos Debates e, principalmente, d’O
Chronista não são encontrados, pelo menos não com a mesma assiduidade, artigos que
tratem exclusivamente de assuntos referentes às instituições francesas. Em geral,
encontramos neles comentários sobre algumas instituições, como o parlamento, por
exemplo, mas nenhum trata de analisar os mecanismos de seu funcionamento. Talvez o
motivo seja porque, nessa época, a França ainda estava em fase de reconstrução de sua
economia e instituições políticas, abaladas pelos sucessivos anos de guerras e conflitos
internos.
121
O Chronista, 23 de agosto de 1838. Faltam vários números d’O Chronista do mês de agosto de 1838,
portanto não há como saber a fonte.
122
Idem. Publicado em 5 partes: 1, 4, 6, 11 e 15 de setembro de 1838. Fonte: Revue Britannique / New
Monthly Magazine.
123
Idem. 31 de março de 1838. Fonte: Revue Britannique.
124
Idem. Artigo bastante longo, publicado ao longo de vários números: 18, 20, 22, 25, 29 de setembro, 6, 9
e 11 de outubro de 1838. Fonte: Revue Britannique / Political Weekly Paper.
125
Idem. Primeira parte do texto publicada em 8 de março de 1837. O texto completo foi publicado em 28
de junho e em 3, 5, 7, 10, 12 e 14 de julho de 1838. Fonte: Revue Britannique / Oxford Prize Essays.
126
Idem. 15, 17 e 22 de novembro de 1838. Fonte: Revue Britannique / Edinburgh and Foreign Quartely
Review.
127
O interesse desses jovens redatores de trazer ao público leitor brasileiro conhecimentos sobre aspectos
políticos, econômicos e sociais da nação britânica também pode ser observado nos vários textos
publicados na Revista Nacional e Estrangeira nos anos de 1839 e 1840, cujos redatores eram Josino do
Nascimento Silva, João Manuel Pereira da Silva e Pedro de Alcântara Bellengarde.
71
Um comentário sobre alguns desses artigos que têm a nação britânica como foco
principal talvez nos permita vislumbrar certas questões com relação a alguns dos textos
ficcionais e não-ficcionais, traduzidos de fontes inglesas e publicados no Gabinete de
Leitura. O objetivo será verificar como a Inglaterra era vista e sentida pelos redatores e
colaboradores do Gabinete de Leitura e como isso se refletiu na escolha dos textos ali
inseridos.
No artigo intitulado “Das Causas do Desenvolvimento da Indústria
Manufatureira na Grã-Bretanha”
128
, o autor analisa sob a ótica britânica a prosperidade e
a capacidade de progresso industrial de seu país. Inicialmente afirma que os
conhecimentos das duas ciências, química e mecânica, responsáveis pelas descobertas
científicas que propiciaram os avanços da indústria de modo geral, já se encontravam
disseminados em outros países. Sendo assim, argumenta que, se a Inglaterra não é o
única a deter tal sabedoria, haveria certamente outros fatores que teriam concorrido para
a sua supremacia industrial. Ao analisar as possíveis causas do desenvolvimento inglês,
o autor as divide em físicas e morais, que, segundo ele, “raras vezes se encontram em
outros países”. Dentre as causas físicas, aponta a riqueza do solo na produção agrícola e
de bens de capital — ferro, carvão, etc., o clima ameno e a posição geográfica
privilegiada, uma vez que o acesso ao mar permitia à nação inglesa fácil obtenção de
matéria-prima no exterior assim como o escoamento de sua produção.
Quanto às denominadas causas morais — que são as que mais nos interessam —,
o autor aponta a “segurança da propriedade” que, segundo ele, na Inglaterra se goza
“mais que nem um outro país da Europa” desde o estabelecimento da casa de
Hanover.
129
A manutenção da estabilidade econômica e conseqüente progresso material
estavam vinculados à proteção, por parte do Estado, dos direitos individuais:
A boa fé inviolável com que o governo guarda suas promessas, o
respeito que a legislatura testemunha pelos direitos individuais, dão às nossas
instituições sobre a propriedade um caráter sagrado e solene. Nunca o
capitalista inglês hesitará expor-se aos riscos de duma empresa pelo temor de
que sua propriedade não seja suficientemente protegida; semelhante idéia
nunca é lembrada por alguém. Os capitais empregados em qualquer
128
Idem. 15 de fevereiro de 1837. É muito provável que esse artigo tenha sido traduzido, uma vez que a
voz enunciativa se utiliza dos pronomes “nós” e “nosso” quando se refere à Inglaterra. Apesar de, no seu
final, haver indicação de continuação, isso não ocorre. Sendo assim, não há como precisar a fonte.
129
A real casa inglesa de Hanover (1714-1901) iniciou-se com o reinado de George I, sucedido por
George II, III, IV, William IV e Vitória.
72
manufatura de Manchester são tidos por tão seguros, como se fossem
convertidos em propriedades rurais em Devonshire. Sem essa confiança
130
pública, de que nos serviriam nossas minas de ferro e de carvão, nossa posição
insular e nossas outras vantagens? Desde que se pudessem conceber justas
inquietações sobre as garantias da propriedade, fechar-se-ia nossa carreira
comercial. Se o sistema judiciário e administrativo que rege a Inglaterra inspirar
algum dia a menor desconfiança, nossa queda seria mil vezes mais rápida que
nossa elevação...
Temos aqui exposto um dos pilares da Economia Política, no qual cabia ao
Estado permitir a independência e liberdade de movimento do empreendedor e, ao
mesmo tempo, garantir por meios de suas instituições os direitos individuais e a
preservação da propriedade, seja esta física ou na forma de capital.
É nessa mesma perspectiva que um jornalista brasileiro analisa o progresso da
outrora denominada “nação de pescadores”, que soube
...tirar vantagens da indústria rural e manufatureira, cujos produtos
procurando consumo além dos mares, (...) atraem ao seu país novos valores e
novas exigências: a conseqüência foi o emprego de braços, que, de puros
consumidores se tornaram produtores; a elevação do comércio, cujos agentes
cogitando meios de fazer valer os frutos de toda a indústria, por interesse
próprio, animaram a mesma indústria e introduziram o amor do trabalho, que
concorre para o bem geral e prosperidade comum.
131
(meu grifo)
Em seu artigo “Sobre a Escravatura”, Torres Homem aponta a falta de amor e de
incentivo ao trabalho por parte das classes livres brasileiras como uma das
conseqüências da economia baseada no sistema escravocrata, para ele, raiz de nosso
atraso em relação às nações industrializadas:
A sede dos públicos empregos, e a esquivança para as profissões
industriais são fatos mui gerais entre nós, e que amiudadas vezes hão sido
assinalados pela administração, como uma enfermidade do corpo político. O
negociante, que pelas economias feitas sobre os benefícios realizados no seu
comércio acumulou um certo cabedal, nenhum outro destino dá na generalidade
130
No texto original a palavra grafada é “congança”; por certo um erro tipográfico.
131
Jornal dos Debates, 7 de outubro de 1837. O artigo é assinado por reticências.
73
dos casos aos seus filhos a não ser a carreira dos cargos do Estado. Os filhos
uma vez empregados públicos consomem improdutivamente riquezas, que
empregadas sob a forma de capitais no engrandecimento paterno, lhes
procurariam posição mais útil a si, e à prosperidade material do país.
132
Em contrapartida, o trabalhador livre
...para não sucumbir na concorrência dos outros da mesma espécie,
cura de dar a seus órgãos aptidão, e destreza, e a seu espírito a maior
capacidade técnica, tanto mais que sabe, que por esse meio se enriquece de
um duplo capital, capital tão verdadeiro, e tão real, como as máquinas, as
matérias primeiras, e o numerário do empresário de indústria, que o
assalaria
.
133
No Brasil, o liberalismo econômico adotado pelas nações européias batia de
frente com a herança colonial baseada no sistema escravocrata e latifundiário, problema
central na formação da nossa classe burguesa, que, ao longo de praticamente todo século
XIX, se verá na dependência da política do “favor”.
134
Em um artigo sob o título “Os
Novos Empregados”, o redator d’O Chronista dá a dimensão do problema ao comentar
o grande afluxo de candidatos para o preenchimento de algumas vagas de emprego no
consulado:
Na posição atual de nossa sociedade, tendo de um lado escravos com
monopólio de todas as ocupações mais trabalhosas, de outro os estrangeiros
com o monopólio de quase todas as profissões industriais, que recurso terá o
pobre cidadão brasileiro para que dele tire sua subsistência? Ser empregado
público. Possível lhe não é lutar com o estrangeiro que, isento do ônus social,
só goza das vantagens que a sociedade lhe oferece. O comércio o rejeita: falto
de capitais, ele não pode lançar-se em altas especulações, preciso lhe é
começar pelo tirocínio, e esse tirocínio lhe é vedado; a indústria o repele; e
como, baldo de capitais, baldo da necessária inteligência prática, como lutaria
132
Nitheroy, op. cit, vol. 1, p. 79.
133
Idem. p. 63.
134
Richard Graham estuda a disseminação do patronato como prática política e seus efeitos no processo
social do Brasil oitocentista. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Trad. Celina Brant. Rio de
74
ele contra a perfeição dos produtos que quotidianamente nos trazem da
Europa? Os ofícios mecânicos mesmo estão lhe vedados, porque, quando
mesmo ele tivesse bastante filosofia para não se achar humilhado por ombrear
com o escravo nesse serviço, como lutar ainda com o estrangeiro que enche
nossos armazéns com objetos de toda espécie, já manufaturados, e que, se nos
não manda paredes feitas, madeiramentos de prédios já preparados, é só por
lhe ser isso impossível. Restava-lhes a carreira dos estudos, podiam ser
médicos ou letrados: nem mesmo esse recurso lhes ficou; as revoluções de
Portugal se encarregaram de fornecer-nos advogados aos milheiros, e as
academias da França um sem número de médicos. Nesse estado de cousas, ou
hão de os Brasileiros abandonar ao triunfo do estrangeiro as nossas cidades
mais populosas, indo formar novas colônias no interior dos nossos sertões, ou
hão de anelar um emprego, espreitar uma vaga e tornarem-se pretendentes.
(...)
No meio desse tropel confuso de pretendentes que todos, por costume
de nossa terra, empregam toda a proteção e valimento de alguns amigos e
padrinhos, a quem há de o ministro atender? Força é que mais de 100 por um
hão de ficar excluídos. As habilitações mais ordinárias com as quais se julga
todo e qualquer em circunstâncias de ser atendido são as mais comuns e triviais
possíveis. No conflito pois de tantas pretensões, de tantas recomendações,
como pode o ministério instituir um exame preliminar sobre a capacidade e
moralidade do nomeado, sobre sua aptidão para as funções de que deve ser
encarregado? A quem confiará ele essa indagação, esse exame?
Por outro lado, o número dos pretendentes é de ordinário o cêntuplo do
dos (sic) empregos a preencher; a escolha de um ofende pelo menos a 99. São
99 inimigos que ganha o ministro, e com eles todos os seus protetores e
amigos; e num país como o nosso, em que os interesses pessoais dominam as
afeições e ódios políticos, quem pode afirmar que não influam tanto ou mais
ainda sobre a existência de um gabinete os interesses pessoais que houver
ofendido, do que a marcha de sua política, as medidas que toma de interesse
geral?
135
Como é possível perceber, a prática institucionalizada do favor tornava difícil ao
cidadão da emergente classe média brasileira vencer pelos seus méritos pessoais. Se, ao
longo das décadas seguintes, vários desses intelectuais serão de alguma forma
Janeiro: Ed. da UFRJ, 1997. Para a relação entre processo social e forma literária ver Roberto Schwarz. Ao
Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000.
135
O Chronista, 1 de dezembro de 1838.
75
beneficiados por essa mesma prática, no momento aqui sob enfoque, pode-se dizer que
eles ainda acreditavam que, se houvesse um empenho do setor político e da sociedade
como um todo, tal situação poderia ser alterada. Daí por que os modelos europeus eram
estudados e pensados como possíveis para nossa sociedade. E como se observará, no
quesito modernidade, a Inglaterra recebeu tratamento privilegiado nas páginas do
Gabinete de Leitura.
76
Capítulo 6
A Nação Britânica no Gabinete de Leitura
Vários dos artigos que ocuparam as páginas do Gabinete de Leitura lidavam com
aspectos da nação inglesa. Dentre eles, encontram-se “O Respeito dos Ingleses pelas
Leis”, “Faculdade de profetizar atribuída a alguns enfermos”, “Crônica – Os Amigos de
George IV”, “Notícias Estatísticas da Inglaterra”, “Isturitz”, “Fragmento inédito achado
nos papéis de Lorde Byron”, “Os Duelos na Inglaterra”, “O punhal de Otelo”, “O rei
Dick” e “Higiene Pública – Influência da vacina sobre a duração da vida”.
O enfoque deste trabalho, contudo, recairá sobre dois grupos de textos publicados
no Gabinete de Leitura: um não-ficcional, intitulado “Galeria Parlamentar” e o formado
pelo conjunto de prosa de ficção cuja fonte é inglesa.
6.1 A Galeria Parlamentar
A partir do final do século XVIII, os procedimentos do Parlamento Britânico
passaram a ser publicados nos jornais ingleses. O debate político, antes restrito às
Câmaras, passa a ser acompanhado e discutido de forma mais intensa pela esfera
pública. A acirrada luta entre interesses políticos divergentes e a constante pressão por
reformas travada na arena parlamentar entre os membros do partido Tory, de caráter
conservador, e Whig, de tendência liberal, levam um número maior de periódicos a
publicar em suas páginas os discursos e embates dos membros do Parlamento Britânico.
Sob essas novas condições, os parlamentares não demoram muito para perceber a
necessidade de adaptar seu discurso à cada vez mais dominante cultura impressa.
Conceitos como sinceridade e confiança políticas passam a ser remodelados por meio
das técnicas retóricas.
No final de 1835, James Grant (1802-1879), jornalista escocês, publica Random
Recollections of the House of Commons, from the Year 1830 to the Close of 1835,
including Personal Sketches of the Leading Members of All Parties. By One with no
Party. O interesse público por assuntos referentes ao parlamento faz do livro um
sucesso; em 1836, o livro já contava com quatro edições.
77
Há indícios de que os artigos sob o título “Galeria Parlamentar”, publicados em
vários números do Gabinete de Leitura, constituem trechos desses sketches publicados
por James Grant.
136
A “Galeria Parlamentar”, como o título indica, constitui-se de pequenos quadros,
quase retratos, de alguns dos parlamentares ingleses que gozavam de certa influência na
época. O objetivo do artigos que a compõem não é tanto a discussão de temas políticos,
mas a descrição mais ou menos minuciosa da aparência, vestimenta, postura, gestos,
entonação de voz, o poder de persuasão e o efeito de um discurso sobre os outros
membros do parlamento.
A voz enunciativa é a do observador que, habituado a presenciar a rotina dos
debates durante muitos anos, outorga a si mesmo a autoridade da descrição e do
julgamento imparcial, apartidário. Como ele mesmo indica,
Tendo eu por ofício no espaço de muitos anos transcrever a facúndia
destes senhores, estudar-lhes o gestos, copiar-lhes as vistas, e notar-lhes a
inflexão de voz, tive tempo de entrar mesmo no cenário; e ainda quando me
faltasse sagacidade, sobrava-me a experiência.
137
Alguns dos membros do Parlamento Britânico retratados na “Galeria
Parlamentar” também eram homens ligados à imprensa e escritores. É o caso, por
exemplo, de John Wilson Croker (1780-1857), político irlandês, assíduo colaborador da
Quartely Review (1809-), periódico de tendência conservadora
138
. Depois de um
comentário irônico acerca do pedantismo de Croker, o narrador assim o descreve:
M. Croker é um homem alto e bem feito que há 28 ou 29 anos tem
assento na câmara dos comuns. Sua cabeça calva se eleva acima da mor parte
136
Não foi possível o acesso ao livro. Contudo, encontrei algumas citações referentes à obra que
continham trechos muito semelhantes a certas passagens dos artigos da “Galeria Parlamentar”. Fica aqui,
portanto, registrada a possibilidade de a versão brasileira ter sido retirada dessa obra de James Grant. De
qualquer forma, os comentários sobre a “Galeria Parlamentar” serão sobre a versão em português,
publicada em vários números do Gabinete de Leitura (n. 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15 e 16). Para efeito de registro,
os referidos trechos do livro de James Grant, Random Recollections of the House of Commons..., London:
Smith, Elder & Co. 2
nd
edition, 1836, referentes aos parlamentares Richard Chandos e Charles W.
Williams Wynn, podem ser encontrados no endereço eletrônico:
http://www.dukesofbuckingham.org/sources/printed/other/grant’s_recollections.htm
Acesso outubro de 2006.
137
Gabinete de Leitura n. 15, de 19 novembro de 1837.
78
das cabeças de seus colegas. Tem de altura quase seis pés, abusa da
gesticulação, toma mil posturas teatrais, e pela veemência de seu acionado
obriga a câmara a escutá-lo. Espirituoso advogado, que não possante orador,
não gosta de longos discursos, mas é excelente em suas respostas vivas e
improvisadas: é então que ele enlaça e aperta seu adversário, ataca-o com
viveza pelo lado que lhe conhece fraco, e o faz perder a posição imediatamente.
Para bem apreciá-lo é necessário vê-lo mudar de postura, agitar-se no banco,
jogar um sarcasmo, opor ao orador adverso uma objeção de má-fé, não escutar
sua resposta, maçá-lo com a mesma objeção arranjada em outros termos, e
combatê-lo por todos os meios de que se lembra. Sua tática parlamentar
parece-se com sua crítica no jornal Quartely, engraçada, viva, calorosa, mas
sem consciência e sem convicção. Era muito curioso ouvir outro membro da
mesma câmara, M. Jeffrey
139
, proprietário e principal redator da Revista de
Edinburgo (sic), responder em estilo grave aos ataques do corifeu da Quartely,
e tirar de sua coleção algumas páginas sábias para opô-las à viva dialética de
seu adversário.
140
Alguns dos artigos podem ser lidos como uma continuação dos anteriores. É o
caso, por exemplo, do artigo sobre Michael Tomas Sadler (1780-1835), no qual o
narrador compara seus atributos discursivos aos de Croker, publicado dois números
antes:
Thomas-Michel (sic) Sadler, distinto economista político, homem
benfazejo, e cuja recente morte para seu partido foi perda real, não era dotado
de nenhuma das qualidades do senhor Croker. A sua inteligência era tarda
posto que solerte; era laborioso e lógico, mas não valia nada na guerra
parlamentar, que quase toda é de surpresas, correrias, saques e escaramuças.
Tinha-o feito ídolo do seu partido o seu primeiro discurso. Mas ignoravam que
aquele improviso que levou três horas a recitar, tinha levado a compor três
meses de trabalho aturado! Quando viram que nas mais importantes questões
ele se calava depois de ter tão brilhante (sic) começado, quebrou-se então o
encanto, e o desengano foi completo. A ocasião mais oportuna, (...) as mais
138
John Wilson Croker também foi o editor do livro de Boswell, Life of Johnson (1831) e iniciou a edição
anotada dos escritos de Pope.
139
Francis Jeffrey (1773-1850). Crítico e jurista escocês. Um dos fundadores da Edinburgh Review
(1802), e seu editor entre 1803 e 1829. Foi membro do Parlamento entre 1830 e 1834. Jeffrey, assim como
o escritor Thomas B. Macaulay (1800-1859), o economista Sir Robert Torrens (1780-1864) e o médico
Joseph Hume (1777-1855) são retratados no último artigo da “Galeria Parlamentar”, publicado no
Gabinete de Leitura n. 16, de 26 de novembro de 1837.
140
Gabinete de Leitura n. 5, de 10 de setembro de 1837.
79
favoráveis circunstâncias não eram capazes de excitar a atividade de seu
espírito; confundia-o qualquer objeção, e tanto nas comissões como nos
comícios (...) bastava atacá-lo para o vencer. Então gaguejava, perdia o fio do
discurso, (...) e oferecia ao inimigo um cil triunfo! Parece que esta desgraça é
comum às inteligências mais dadas à meditação; e com efeito observa-se que
lhes é indispensável o silêncio, o remanso de espírito e o repouso de gabinete;
precisa agitar as questões profundamente; perturba-o a polêmica, e toda a
armação da sua dialética cai por terra ao simples toque dum epigrama. Nos
seus discursos preparados notava-se uma certa solenidade lúgubre, que estava
em perfeita consonância com a sua fisionomia pensativa, a sua avançada
idade, cabeça branca, e voz nasal semelhante a da maior parte dos pregadores.
O caráter sério, tímido e frouxo no combate que temos descrito, foram causa de
não poder responder a graves acusações que contra ele intentou um adversário
político, e que o desacreditaram na opinião pública. Não foi reeleito.
141
Acredito que estes dois exemplos são suficientes para ilustrar o tipo de
comentário que esse narrador-observador tece acerca dos vários parlamentares britânicos
que compõem a sua galeria. O tom é o de quem conhece a fundo os combatentes e as
armas que utilizam para vencer a batalha na arena política. Pode-se até dizer que,
independentemente de o leitor conhecer ou não as figuras narradas, sua leitura não deixa
de ser divertida e prazerosa.
Considerando-se que durante o período regencial a prática parlamentar no Brasil
estava dando seus primeiros passos, parece ser significativo o que um colaborador do
Jornal dos Debates comenta sobre a inexperiência de nossa vida parlamentar: “...os
nossos costumes políticos começam apenas a formar-se; ainda longe estamos de ter
contraído os hábitos da vida representativa.”
142
Portanto, vistos à luz do contexto histórico brasileiro da época, não é difícil
imaginar que esses artigos pudessem despertar um razoável interesse. Isso porque, a
oratória, que até então tivera lugar privilegiado no púlpito, passa a ser vista como
poderoso instrumento de atuação e intervenção política. Para esses jovens intelectuais, as
futuras “revoluções” do mundo moderno seriam travadas na arena parlamentar.
143
141
Idem n. 7, de 24 de setembro de 1837.
142
Jornal dos Debates n.15, 21 de junho de 1837.
143
Um exemplo de parlamentar por eles admirado é o irlandês Daniel O’Connell (1775-1847), conhecido
como “O Libertador”. Citado em vários artigos tanto n’O Chronista quanto no Jornal dos Debates,
O’Connell era visto como o grande exemplo de político moderno que, por meio da mobilização da opinião
80
Em seu “Estudos sobre a Literatura”, Pereira da Silva subdivide a oratória entre a
religiosa e a parlamentar. Aponta o declínio da religiosa depois do século XVIII,
elegendo Monte Alverne como um dos poucos sucessores digno dos grandes pregadores
do passado, dentre eles o padre Antônio Vieira.
144
Quanto à eloqüência parlamentar,
Pereira da Silva alega que ela
... somente com a liberdade e a emulação se desenvolve; é por isso que
seu brilho só de quando em quando aparece (...) Hoje tem ela grande influência
na sociedade, porque a liberdade fulgura com todo o seu esplendor; os
Oradores mais afamados são Lord Gray, O’Connell, Peel, Royer Collard,
Guizot, Berryer e Lord Althorpe.
145
Coincidência ou não, às vésperas da renúncia de Diogo Feijó, o Jornal dos
Debates publica um artigo, intitulado “Oradores Parlamentares”, no qual a técnica
discursiva dos mais importantes políticos brasileiros da época é comentada. Cabe notar
que Bernardo de Vasconcelos era, na época, o deputado que encabeçava a oposição ao
governo de Diogo Feijó:
No primeiro plano do quadro entre os oradores que mais fixam as vistas
na câmara dos deputados, eleva-se a cabeça admirável do Sr. Bernardo de
Vasconcelos. A sua dicção é despida de ornamentos, a sua elocução um tanto
pesada, lenta, e difícil, mas abastecida de uma argumentação substancial,
serrada, nervosa, sarcástica, e poderosa. A sua ironia de lâmina fina punge
como a ponta de um punhal. Ninguém conhece melhor que ele a estratégia
parlamentar, e a arte de combater um ministro. De princípio não atemoriza o
adversário, antes enternece-se pelo seu destino, tranqüiliza-lhe o espírito, e ao
mesmo tempo dirige-lhe interpelações umas após as outras, que são outras
tantas circunvalações para a defesa, em caso de assédio. O ministro alucina-se,
abandona-se durante um momento ao sentimento de uma falsa seguridade,
pública e de sua atuação e eloqüência no parlamento inglês, conquistou reformas importantes para seu
país, principalmente para o segmento católico da sociedade irlandesa.
144
Antonio Candido credita à personalidade romântica de Monte Alverne parte do fascínio que o pregador
exerceu sobre os contemporâneos. Além do discurso, cuja emoção contagia, Antonio Candido ressalta em
Monte Alverne “o culto do próprio eu e a necessidade de torná-lo público. Nos sermões onde parece
realmente empenhar-se há uma procura de efeitos pessoais, de referências ou alusões à sua capacidade,
tanto quanto permite um gênero em que o orador cristão deve, teoricamente, pôr-se à margem.” Formação
da Literatura Brasileira: momentos decisivos, Vol. 1, Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Itatiaia, 1997,
p.273.
145
Niterói,n.2, p. 240.
81
mas pouco depois vê-se aturdido, e como enlaçado pelos nós indissolúveis de
uma serpente, que o comprime, e sufoca. É o primeiro tático da câmara, e o
mais formidável antagonista de um governo. Se o ministro irrita-se, e ataca com
violência a oposição, ele responde com a prudência do filósofo, e a mais
perfeita moderação, a fim de tirar-lhe o direito de ter razão. Se o ministro
mostra-se insensível aos golpes da oposição, para despertá-lo, lança-lhe um
epigrama, que vai ferir-lhe o íntimo do coração. As inflexões de sua voz, ainda
que pouco harmoniosas, têm alguma cousa de sentimental, que interessa, e
capta a benevolência da câmara. Todo ocupado em calcular os efeitos do
ataque, ele despreza os atavios brilhantes no discurso, tanto mais que sabe que
a simplicidade, o natural constituem a verdadeira eloqüência dos modernos...
146
Nota-se que o texto brasileiro, sob o aspecto da construção discursiva, revela
semelhanças expressivas em relação aos da “Galeria Parlamentar”. Assim como nestes, a
voz que enuncia no Jornal dos Debates preocupa-se mais em registrar as táticas
discursivas, os gestos, posturas e entonação de voz dos parlamentares retratados do que
as suas idéias ou propostas políticas. Os vocábulos utilizados também não diferem:
elocução, dicção, argumentação, discurso, ironia, sarcasmo, polêmica, dialética.
Todavia, o que chama atenção em ambos os textos é a atuação parlamentar ser retratada
em termos de uma guerra, de um combate. Como é o caso de Croker, que “enlaça e
aperta seu adversário, ataca-o com viveza pelo lado que lhe conhece fraco, e o faz perder
a posição imediatamente”. Por seu turno, a ironia de Bernardo de Vasconcelos é descrita
como uma “lâmina fina [que] punge como a ponta de um punhal”. Da mesma forma que
o adversário de Croker, o ministro brasileiro, diante do ataque de Vasconcelos, se vê
como que “enlaçado pelos nós indissolúveis de uma serpente, que o comprime, e
sufoca”.
Difícil afirmar com certeza que o artigo do Jornal dos Debates sobre os
parlamentares brasileiros tenha se inspirado na “Galeria Parlamentar”. Todavia, vistos
como modelos textuais não se pode deixar de considerar a semelhança.
Levando-se em conta o momento político instável que o Brasil atravessava
naquela época, com as constantes ameaças de revoltas que ameaçavam pôr em risco a
unidade nacional, a crença generalizada entre a classe intelectual era a de que o embate
político deveria ser travado na arena parlamentar. Sendo assim, pode-se supor que
146
Jornal dos Debates, 13 de setembro de 1837. Na seqüência do artigo são analisados o discurso dos
deputados: Montezuma, Miguel Calmon, Limpo de Abreu, Rebouças e Rodrigues Torres.
82
artigos do tipo “Galeria Parlamentar” talvez fossem lidos com razoável interesse, pelo
menos, por determinada camada do público leitor.
6.2 A prosa de ficção britânica no Gabinete de Leitura
Dos noventa e dois textos ficcionais, oferecidos aos leitores fluminenses pelo
Gabinete de Leitura, dez registram como fonte publicações ou autores de língua inglesa.
Tal dado não implica, porém, que não haja no Gabinete de Leitura outras histórias
possivelmente retiradas de fontes britânicas. Isso porque a crescente circulação de
periódicos nacionais e, principalmente, estrangeiros que traziam em suas páginas textos
ficcionais e não-ficcionais retirados das mais variadas fontes — na maioria das vezes
sem fornecê-las aos leitores — torna difícil estabelecer com exatidão a questão da
origem.
A falta de leis que regulamentassem os direitos autorais e a prática comum da
publicação anônima ou sob pseudônimo tornavam propícia a apropriação de textos,
principalmente de jornais e revistas estrangeiros. Cruzando o Atlântico nos inúmeros
paquetes que aportavam em terras brasileiras, os periódicos franceses e ingleses eram os
preferidos. Não só por trazerem as notícias “de fora”, muitas vezes balizadas pelas
opiniões e comentários de escritores e jornalistas de renome e prestígio por aqui, mas
também porque em suas páginas os leitores sabiam que encontrariam histórias para todos
os gostos.
No caso específico dos empréstimos de textos britânicos, a possibilidade de que
nem sempre os redatores brasileiros tenham ido diretamente às fontes originais não deve
ser desprezada. Isso porque, num recente estudo, Ramicelli demonstra a importância da
intermediação de uma revista francesa — a Revue Britannique — na recepção de textos
ficcionais britânicos, publicados em periódicos e revistas fluminenses da primeira
metade do século XIX.
147
Rastreando os caminhos e descaminhos percorridos pela
ficção britânica desde sua origem nas revistas e periódicos ingleses até as páginas das
publicações brasileiras, Ramicelli constatou a passagem de parte considerável dessa
147
Ramicelli, Maria Eulália. Narrativas Itinerantes: aspectos franco-britânicos da ficção brasileira em
periódicos do século XIX. São Paulo: FFLCH/USP, 2004. Tese de Doutorado. (mimeo). A importância da
intermediação da Revue Britannique também pode ser percebida nos inúmeros artigos não-ficcionais que
foram publicados, principalmente nas páginas de O Chronista, que citam como fonte a revista francesa e
não o original inglês.
83
ficção pelo crivo dos tradutores franceses antes de serem traduzidas pelos brasileiros.
Levando em conta esses tortuosos percursos, a análise comparativa desse processo
tradutório da ficção britânica revelou as múltiplas intervenções dos tradutores franceses
e brasileiros que, em muitos dos casos, alteraram de maneira significativa a versão que
chegou às mãos dos leitores brasileiros.
Com relação a esse conjunto de textos ficcionais britânico, primeiro, faremos
uma breve apresentação das narrativas, destacando as diferenças mais significativas que
algumas delas possuem em relação ao original inglês. Levando-se em consideração a
discussão até aqui empreendida, verificaremos quais os possíveis significados que a
versão brasileira adquiriu. Num segundo momento, compararemos o corpus ficcional
britânico com as demais narrativas do Gabinete de Leitura de forma a averiguar suas
peculiaridades.
“Uma Noite no Mar”, como o próprio título indica, é uma aventura marítima.
Conta a batalha de um navio inglês, Davy Jones, e uma misteriosa escuna americana,
que parecia ser dotada de poderes sobrenaturais, nas águas da Jamaica numa noite escura
e tempestuosa. É o mundo dos marinheiros e aventureiros do mar. O texto completo foi
publicado na Blackwood’s Magazine em cinco partes, cada uma com um título próprio.
“Uma Noite no Mar” é a versão de “Davy Jones and the Yankee Privateer”, publicada
em julho de 1830
148
.
“O Testamento”, cuja autoria o Gabinete de Leitura atribui ao poeta inglês
George Crabbe, é uma narrativa com um forte tom de desencanto ao final.
Wallack é um rico proprietário de terras. Desgostoso com o estilo de vida e as
tendências ao vício de seu filho, resolve fazer um testamento no qual o filho nada
herdaria. Nesse testamento o maior beneficiado é o senhor Wright, um velho amigo da
família. Ao saber que George nada herdará no testamento, Wright tenta fazer Wallack
mudar de idéia, aconselhando-o a dar uma segunda chance ao rapaz. O pai aceita o
conselho, dizendo que providenciará um segundo testamento. Por via das dúvidas, pede
ao amigo que guarde o primeiro caso alguma coisa aconteça. O pai faz um segundo
148
Os cinco episódios e as datas de sua publicação na Blackwood’s Magazine são: 1) “A Scene of
Bermuda” (setembro de 1829); 2) “The Cruise of H. M. S. Torch” (novembro de 1829); 3) “Heat and
Thirst, - A Scene in Jamaica” (junho de 1830); 4) “Davy Jones and the Yankee Privateer” (julho de 1830);
5) “The Quenching of the Torch” (outubro de 1830). A versão brasileira compreende apenas o quarto
episódio.
84
testamento no qual lega ao filho a propriedade, assim como dá a Wright e a alguns
parentes determinada soma em dinheiro.
O velho morre. Logo após o enterro, George corre para o escritório do pai em
busca do testamento. Quando se dá conta de que herdou toda a propriedade, abre a
janela, olha para o vale “que nunca lhe parecera tão rico”:
Viu todos os trabalhadores com outros olhos, com outros sentimentos, e
um gosto inteiramente novo: tudo achava belo! O lavrador que viu ao longe
revolvendo a terra lhe pareceu um bom e útil escravo, cuja força admirou. Que
espetáculo encantador e soberbo! Eram de meu pai, hoje são meus...
Ao término da leitura, percebe que o pai legara a parte em dinheiro para Wright e
alguns parentes. O rapaz fica indignado. Sem saber sobre o primeiro testamento, George
queima o segundo para não ter que dividir sua riqueza com outros. Wright pressiona o
rapaz para que mostre o testamento e, após vários dias recebendo a mesma resposta, a de
que não havia nenhum, tira do bolso o primeiro. Assim, de uma hora para outra, o jovem
compreende que perdera tudo e que está na miséria.
Para se regenerar, aluga parte das terras da propriedade e começa a trabalhar
nelas. O rapaz muda. Passa a trabalhar com afinco, levanta cedo, aprende e adquire
experiência. Em pouco tempo consegue angariar suas próprias economias. Wright fica
feliz com a atitude do rapaz. Pouco tempo depois, o velho amigo adoece e morre.
George recebe de volta a propriedade e toda a fortuna.
O que poderia parecer um final feliz, entretanto, ganha tons de desencanto
quando o narrador afirma que os anos de trabalho e economia somente aumentaram sua
paixão pelo dinheiro: tornara-se um avarento... rico e solitário.
“O Livro da Vida”, como mencionado, já havia sido publicado n’O Chronista. É
a história de um rapaz que, numa noite tempestuosa, procura abrigo em uma estalagem
próxima ao mar. Ali, presencia a violenta briga de um casal (um soldado e sua esposa).
Apesar do mal tempo, o casal sai de barco e não mais retorna. Exatamente um ano
depois, o rapaz tem um pesadelo em que revê o casal brigando e, no sonho, o soldado
mata a esposa. De ano em ano, sempre na mesma data, o rapaz sonha com o soldado em
situações diversas. Quatorze anos mais tarde, sem saber o que o rapaz havia sonhado,
um filósofo alemão lê no “livro da vida” o que realmente aconteceu e interpreta cada
85
sonho. Um oficial ferido que estava por perto reconhece ali sua história. Era o soldado
que matara a esposa.
Em relação a “O Testamento” e a “O Livro da Vida”, cabe ressaltar que os
textos originais não foram encontrados, pois as fontes citadas se mostraram
problemáticas.
149
No caso de “O Testamento” não houve uma publicação com o título
indicado como fonte. E quanto a “O Livro da Vida”, cuja fonte indicada é a
Restrospective Review, também há problemas porque essa revista se dedicava a resenhas
críticas e não publicava narrativas completas, apenas citações de determinados trechos
das obras analisadas.
“Terêncio o Alfaiate” é uma das histórias divertidas do Gabinete de Leitura. O
texto original inglês intitula-se “Terence O’Flaherty” e foi publicado no volume do
Forget-me-Not para o ano de 1829. O texto é assinado por “A Modern Pythagonean”,
pseudônimo usado por Robert Macnish.
O Forget-me-Not; a Christmas and New Year’s Present for 1823 foi o primeiro
gift book inglês, editado por R. Ackermann e sob direção de Frederic Shobel. Foi
publicado de 1823 a 1847. Os chamados annuals ou gift books eram livros pequenos,
destinados principalmente ao público feminino, que contavam com uma atraente
encadernação em couro, com bordas douradas. Eram estrategicamente postos à venda
perto da época de fim de ano para serem oferecidos como presente. Seu maior atrativo
eram as belas gravuras feitas por profissionais de renome à época.
O narrador de “Terêncio o Alfaiate” inicia a história dirigindo-se ao leitor como
alguém que irá contar um “causo”. A parágrafo inicial resume a história:
Ora agora, se quereis por poucos minutos calar a boca, contar-vos-ei a
história de Terêncio O’Flaherty, o alfaiatezinho, de cabelos ruivos, que morava
em Dublin, perto da porta de Dermot Reilly, voltando à esquerda, indo para a
casa comum. Sabereis como ele tomou tabaco, bebeu uma pinga e conversou
com o diabo; como lhe fez um par de calções; como conseguiu desembaraçar-
se de sua mulher Judith, que tanto o atormentara com seu gênio endiabrado; e
como depois foi feliz até sua morte, se é que ele morreu, porque é a cousa que
eu não sei muito bem.
86
A epígrafe de um poema em forma de balada do poeta escocês Robert Burns
também é significativa (a nota de rodapé é original do Gabinete de Leitura):
The de’il ran fiddling through the town,
And danced awa’ wi’ th’ exciseman (
*
)
Terêncio O’Flaherty é o que na língua inglesa se chama de um henpecked
husband, ou seja, um homem dominado pela esposa, que faz tudo o que ela manda.
Assim como o “coletor de impostos” da epígrafe não é uma figura que desperta
simpatias, o maior desejo de Terêncio é se ver livre da esposa, Judith.
Seu desejo é realizado quando uma noite, depois de ter bebido alguns copos e de
Judith ter se retirado para dormir (não sem antes brigar com ele e jogar-lhe uma imensa
batata na cabeça), aparece um estranho velho sentado à sua frente. O estranho promete
que irá livrá-lo da mulher contanto que Terêncio pare de remendar os calções do
reverendo e passe a coser um especialmente para ele.
Depois de muita bebida e anedotas, Terêncio percebe que o indivíduo começa a
se transformar. Pouco a pouco seus olhos se tornam vermelhos como brasas e cresce-lhe
uma cauda. Em meio ao entusiasmo, o estranho pega o violino (que na versão brasileira
é um violão) e começa a tocá-lo. Tudo e todos passam a dançar ao som da música:
cadeiras, tesouras, agulhas, copos e garrafas. É só então que Judith, atraída pela
algazarra, aparece para ver o que está acontecendo. Por mais que proteste e tente lutar
contra o estranho, Judith também não consegue evitar de dançar. O estranho, agora já
com toda a aparência de um ser demoníaco, abre a porta da rua e carrega Judith consigo
ao som do violino. Terêncio ainda os vê indo embora, dançando pelo jardim. Pergunta
ao estranho sobre os calções, e este lhe diz para esquecê-los. Livre da esposa, Terêncio ri
“com todas as suas forças” e mete-se “entre os lençóis da cama” ainda vestido. De
manhã, a primeira coisa que fez foi verificar se Judith voltara, mas não a encontrou.
Procurou pelos calções que tinha feito para o estranho, mas também não estavam lá.
Encontrou somente os calções do reverendo devidamente remendados “como se neles
trabalhasse a noite toda”. Perto dos calções havia uma garrafa e um copo vazio.
O narrador termina a história de forma bastante irônica:
149
Baseio-me aqui no estudo realizado por Maria Eulália Ramicelli sobre a prosa de ficção inglesa
publicada em periódicos fluminenses na primeira metade do século XIX, de cujo corpus os textos
ficcionais britânicos publicados no Gabinete de Leitura são parte. Narrativas Itinerantes. Op. cit.
*
O diabo correu a cidade tocando violão, e carregou consigo o arrecadador dos tributos.
87
Nem eu, nem qualquer outro em Dublin é capaz de dizer como isto
aconteceu, mas nem por isso deixa de ser verdade, por que foi o mesmo
Terêncio que mo contou com sua própria boca. Ele pensava que tudo isto se
fizera por milagre, e tal é também minha opinião.
Todavia não devo calar que na vizinhança se pertendia [sic] que três
meses depois tinham visto Judith com um cabo de esquadra de Connaugt, que
rondara a casa do alfaiate no dia em que ela se foi dançando com o velho. Mas
eu não creio, e em verdade como poderia crê-lo, tendo Terêncio jurado sobre a
Bíblia que os vira partir como contei? Se deveras ela dançou por tal maneira, é
pouco provável que volte a Dublin, e, interessado pelo pobre Terêncio, é
seguramente o que desejo de todo meu coração.
A ironia do texto está exatamente nesse narrador aparentemente despretensioso,
que manda todos se calarem porque vai contar uma história, que se diz amigo do
ingênuo personagem, que configura a si próprio também como um simplório, mas que
ao longo da narrativa vai deixando pistas ao leitor (ouvinte?) de que o caso não foi
exatamente o que pareceu ser à primeira vista. Um narrador que revela ao leitor certos
traços (quase sempre negativos) de seus personagens, muitas vezes, utilizando um tom
casual ou despretensioso, outras vezes, como veremos em outras histórias do corpus de
textos ingleses, tecendo comentários bastante mordazes.
É nesse tom casual que o narrador, ao longo da história, tece pequenos
comentários, descreve gestos e cenas que acabam por levar o leitor a suspeitar que
Terêncio bebeu mais do que devia e que tudo não passou de uma grande armação de sua
esposa e do desconhecido.
Por certo o alcoolismo era um tema que interessava ao autor. Isso porque Robert
Macnish, além de colaborar com pequenos textos ficcionais para vários periódicos, era
formado em medicina e, em 1824, publicou sua tese The Anatomy of Drunkness, um dos
primeiros estudos de caráter científico sobre o efeito do álcool no organismo físico e
psíquico humano.
É também por meio da história de uma trapaça que o narrador de “Álibi” tece
severas críticas ao sistema judiciário irlandês. A versão inglesa, “The Alibi; an Assize
Anedocte”, de autoria do escritor irlandês Thomas Colley Grattan, foi publicada na New
Monthly Magazine and Literary Journal de fevereiro de 1836.
88
Os redatores do Gabinete de Leitura incluíram no título da narrativa a seguinte
nota esclarecedora para os leitores menos familiarizados com termos jurídicos:
“Ausência do indiciado do lugar onde foi cometido o crime de que é acusado, no tempo
em que teve lugar”.
O texto abre com uma espécie de prólogo no qual o narrador critica o estado de
caos que toma conta das cidades da Irlanda durante a época da reunião semestral dos
juízes para o julgamento dos casos pendentes:
A cabeça de comarca de um condado na Irlanda é, durante a reunião
dos assises, o mais horroroso teatro da desordem. Parece que a presença da
justiça personificada nos dois veneráveis juízes de grandes cabeleiras
empoadas, que presidem ambos os tribunais, só serve para autorizar a violação
de todas as leis. Turbulenta e ociosa a multidão vagueia em turmas pelas ruas
nesses dias. Há ferimentos e injúrias; os ladrões e vagabundos, aproveitando-
se do tumulto, se introduzem nas casas, esvaziam os armários, desguarnecem
as mesas, roubam os animais, e embebedam-se à noite. Mesmo aos olhos dos
juízes, no tribunal, se cometem os mais flagrantes delitos. O xerife e seus
oficiais estão sempre ocupados em prender novos indiciados. Estas saturnais
semestrais da ociosidade, do espírito de desordem e deboche, são algumas
vezes assinaladas por assassinatos, e sempre por tumultos, roubos e vias de
fato. Tudo isto se passa em nossos dias; pior acontecia há pouco mais ou
menos um meio século. Não havia então polícia armada para manter a ordem,
nem carruagens públicas para comunicar duma cidade para outra; os cinco
sextos da população irlandesa gemiam sob o jugo da degradação política; então
o juiz chasqueava quando resumia os debates, e fazia calembourgs (sic) sobre
o acusado a quem condenava. A história de algumas destas sessões, tal qual
foi traçada pelos escritores da época, é terrível. Eis uma anedota inédita, que
nos pareceu reproduzir com fidelidade o caráter do tempo, sem contudo
escurecer muito o quadro.
A “anedota” que se segue pode ser descrita como um bem armado “teatro” por
meio do qual um famoso salteador de estradas da época, capitão Quilty, fazendo-se
passar por um distinto cavalheiro, consegue fornecer um álibi para um de seus
companheiros no exato momento em que a sentença de morte era decretada pelo
tribunal. O enredo é desenvolvido de tal maneira que a revelação e esclarecimento de
que tudo não passara de um estratagema somente se dá no final
89
É esse posicionamento ambíguo do narrador em relação aos personagens ou à
própria matéria narrada que, como veremos, configura-se um dos traços distintivos da
prosa de ficção britânica em relação aos outros textos ficcionais presentes no Gabinete
de Leitura.
“Esboços Sicilianos” foi publicada no Gabinete de Leitura em quatro episódios,
sendo que o primeiro consiste em uma espécie de prólogo seguido de uma história
completa. A segunda história, mais longa, foi divida em duas partes. A terceira, saiu
completa em uma parte. A versão inglesa, “Sicilian Facts”, foi publicada na revista
londrina The Metropolitan. O texto inglês é uma longa coletânea de pequenas narrativas
independentes entre si, que versam sobre “fatos” da vida siciliana, presenciados pelo
narrador ou a ele relatados durante o tempo em que residira no país. O autor de “Sicilian
Facts” é Edward D. Baynes, sobre quem não se encontrou nenhuma informação
biográfica a não ser a indicação de uma outra obra sua, Ovid’s Epistles (1818).
O ponto de vista narrativo é o do estrangeiro que registra os costumes e paisagens
da paragens exóticas. As histórias, que o narrador assevera serem “verídicas”, são,
principalmente, relatos de crimes horrendos, alguns com requintes de crueldade,
perpetrados por membros da nobreza siciliana que geralmente saem impunes.
Recheadas de crimes passionais, vinganças, amores e ódios extremos, torturas,
castelos, ruínas, masmorras, passagens secretas, fugas e disfarces, as duas histórias
publicadas no Gabinete de Leitura figuram entre as mais trágicas dentre as várias
narrativas que compõem a série original.
Essas imagens e temas, intensamente utilizados pelos romances do tipo gótico,
surgidos nas últimas décadas do século XVIII e início do século XIX na Inglaterra,
constituíam-se como parte integrante de uma trama narrativa que tinha por objetivo
explorar os meandros da psicologia humana, despertando o medo por meio da
contextualização de situações verossímeis nas quais os leitores, principalmente os da
classe média burguesa, pudessem se reconhecer.
150
Aqui, a sociedade siciliana é examinada e retratada sob o ponto de vista do
homem civilizado, que considera seus membros e instituições num estado semi-bárbaro.
Aos ilustres, tudo é permitido. Princípios morais e éticos são suspensos ou anulados,
150
Refiro-me aqui à tradição iniciada por The Castle of Otranto (1764) de Horace Walpole, Caleb
Williams (1794) de William Godwin, The Monk (1796) de Matthew Lewis, The Italian (1797) de Ann
Radcliffe e Frankenstein (1818) de Mary Shelley. Punter, David. The Literature of Terror: a history of
gothic ficcions from 1765 to the present day. London / New York: Longman, 1980.
90
dando lugar às paixões em estado quase puro. A Justiça está a serviço da classe
dominante, que a usa somente em proveito próprio.
Há, contudo, alguns pontos divergentes entre a versão inglesa e a brasileira que
valem a pena ser destacados. No prólogo do original inglês, percebe-se que há um
esforço por parte do narrador em reiterar que suas histórias são verídicas. Afirma que
não mencionará nomes porque pertencem a famílias ilustres da Sicília e alega ter sido
autorizado por um amigo siciliano a publicá-las. Depois de advertir os leitores do
conteúdo trágico da maioria das histórias, o narrador acrescenta a seguinte nota:
It will be observed, that in most of the events related, notwithstanding
the power of the offenders, and their impunity from any earthly tribunal, a severe
retribution has taken place, and moral justice been satisfied even in this state. In
the instances where this is not perceptible, it is to be recollected that they have
been left to the acute reproaches of a guilty conscience — perhaps the severest
of punishments.
151
Por certo que, para a recatada sociedade vitoriana da época, as histórias de crimes
e transgressões dos códigos morais e de boa conduta só eram admissíveis se o Mal fosse
devidamente punido. Daí o esforço do narrador em garantir a qualquer custo que os
culpados foram de alguma forma castigados, mesmo que a punição tenha sido a de uma
“consciência culposa”.
Todavia, na versão publicada no Gabinete de Leitura, o narrador não faz
nenhuma referência quanto à possível punição “moral” dos criminosos, o que, de certa
forma, intensifica a crítica a uma sociedade, na qual a Justiça somente pune os pequenos
e humildes.
“Manuscrito Achado em uma Casa de Loucos” é a versão de “A Manuscript
found in a Madhouse”, originariamente publicada no volume de 1829 do Literary
Souvenir (1825-1835), um dos annuals ou gift books mais famosos da Inglaterra. A
151
[“Observe-se que, na maior parte dos eventos relatados, não obstante o poder dos ofensores e a sua
impunidade perante qualquer tribunal terrestre, um severo castigo teve lugar, e a justiça moral foi satisfeita
mesmo nestas circunstâncias. Nos casos em que isso não fica perceptível, deve-se lembrar que a eles
restaram as agudas reprovações de uma consciência culposa — talvez a maior punição dentre todas.”]
91
autoria da história somente foi revelada pelo original, que traz a seguinte nota junto ao
título: “by the author of Pelham”, o qual vem a ser Edward Bulwer-Lytton.
152
A história é contada por um narrador em primeira pessoa. Trata-se do relato de
um ser desfigurado, monstruoso, rejeitado pela família e pela sociedade, mas que traz
dentro de si a inteligência e sensibilidade de um filósofo e poeta. Devido à sua condição,
vive recluso e solitário. A figura grotesca não é descrita. O leitor somente percebe sua
monstruosidade pela reação das personagens que a vêem.
Se fizermos uma comparação entre “Manuscrito Achado na Casa de Loucos” e o
conto da Bela e a Fera, pode-se dizer que o final feliz da conhecida história é aqui
substituído pelo horror que toma conta da Bela, quando vê a Fera pela primeira vez no
dia de seu casamento. O horror é tão intenso que ela não resiste e morre.
Atraída pelos versos e cartas que ele estrategicamente deixa ao longo do caminho
pelo qual costuma passear, a jovem acaba se apaixonando pelo poeta e filósofo que
transparece em seus escritos. Passam a se encontrar à noite no bosque escuro. Mesmo
informada sobre sua deformidade, ela aceita casar-se com ele sob a condição de que,
primeiro, ele teria que revelar ao mundo toda sua inteligência e sabedoria.
A ousadia da narrativa fica por conta do filho (também monstruoso) que ela
espera, e que morre com ela no dia do casamento. O auge do grotesco é quando o ser
recolhe a jovem e o filho mortos, leva-os para sua gruta e, deitado junto a eles, “brincava
com os vermes que os devoravam”.
O ser retorna ao mundo e, com a morte de seu pai, toma posse da fortuna que lhe
era de direito (ele era o primogênito de uma família abastada). Não demora muito para
que todos descubram que ele é o poeta e filósofo que escrevera a “grande” obra que fora
publicada anônima. Cercado de admiração e possuidor de grande fortuna, não mais se
sentiu sozinho.
É claro que o próprio título da narrativa dissolve qualquer eventual reação de
escândalo que o público leitor vitoriano pudesse ter em relação ao seu conteúdo
excessivamente fantasioso e grotesco.
152
Bulwer-Lytton foi um autor prolífico e muito popular na época, cuja produção literária foi marcada
pelos diversos gêneros no qual escreveu. Começou sua carreira literária escrevendo as denominadas silver-
fork novels, histórias que retratavam o modo de vida elegante da aristocracia. Para Bulwer-Lytton, o
gênero silver-fork nasceu do fato de que as estruturas tradicionais sobre as quais as qualidades morais e
espirituais da aristocracia até então haviam se sustentado estavam gradativa e definitivamente se
extinguindo num mundo dominado pelo mercado. Conseqüentemente, a aristocracia passa a ser
fashionable, seus hábitos, maneiras e roupas passam a ser sinônimo de elegância, principalmente para a
classe média burguesa. Assim, as silver-fork novels passam a ser uma espécie de “manual” no qual os
92
“As Honras Hereditárias – História de Amor, de Mistério e de Filosofia”
153
foi
originalmente publicada sob o título “Hereditary Honours – A Tale of Love and
Mystery” na The New Monthly and Literary Journal, em 1832, cujo editor na época era
o próprio autor da história, Bulwer-Lytton.
A história é contada por um narrador irônico que, por meio de uma narrativa
entremeada da linguagem e cenas típicas das estórias romanescas e sentimentais, tece
uma forte crítica ao conceito de hereditariedade em seu sentido amplo, como valores
herdados do passado.
O dilema do protagonista, que ao longo da história não é nomeado, é ter que
conviver com o fato de ter recebido por hereditariedade as honras gozadas por sua
família há séculos. Utilizando-se de um jogo de omissões e pressuposições por parte dos
personagens, o narrador tece uma severa crítica à sociedade inglesa vitoriana.
Vamos à história: Laura era a filha única e herdeira de um “honrado procurador”
e, segundo o autor, “particularmente dada aos romances e grandes paixões”. Um dia,
“que pensativa passeava em um bosque observando como as avezinhas se beijavam”, ela
vê, recostado a um olmeiro, um jovem rapaz vestido com um rico traje de seda bordado.
Sem perceber a aproximação de Laura e com visíveis sinais de perturbação, o
“mancebo” fala consigo mesmo:
— Singular destino! Horroroso pensamento! Devo resistir? Devo fugir?
Não, esse procedimento seria indigno do meu nome. Há quatrocentos anos
gozaram meus antepassados de suas honras, — sem interrupção em sua
linhagem: — serei o primeiro que renuncie [a] esta distinção hereditária? Longe
de mim tal pensamento!
Os dois jovens se olham, suspiram e imediatamente se apaixonam. Ela julgava
ter diante de si “algum nobre de distinta raça”, talvez até o “filho de um rei”. E ele, “uma
celeste criatura”. A tentativa do rapaz de lhe fazer um gesto cortês foi tão abrupta e
“novos ricos” burgueses encontraram a representação de um estilo de vida que ansiavam imitar. [Davis,
Philip. The Victorians. Oxford: Oxford University Press, 2002, p.272-77]
153
Gabinete de Leitura, n.11 de 22 de outubro de 1837.
93
violenta que quase a acertou no rosto. Ao que ela, “perpetrada do terror que convém a
uma heroína de romance (...) recuou e soltou um gritozinho”
154
.
Esse gesto desajeitado ao tentar fazer uma cortesia é a primeira pista dada pelo
narrador de que, talvez, o rapaz não pertencesse à nobreza.
O narrador mais uma vez lança mão de clichês dos romances sentimentais para,
de forma irônica, ressaltar o interesse de Laura pela linhagem do rapaz:
A inclinação de Miss Laura pelo desconhecido era a mais platônica
possível. Ela tinha achado o ideal de todas as heroínas de romances; não lhe
agradaria o namorado que deixasse o balcão; sempre em seus sonhos havia
pensado ao menos no filho d’um general. Qual não foi sua alegria quando pôde
dizer a si mesma: — Tenho um amante que tem avôs e avós que gozaram por
quatrocentos anos... — de quê? Aí estava o principal. Laura era curiosa —
interrogou seu desconhecido a respeito de sua posição social e de seu nome
.
O rapaz não consegue ocultar seu nervosismo, seus gestos o traem. Alega não
poder lhe revelar naquele momento, mas que... um dia ela tudo saberia.
O mistério sobre as alegadas “honras hereditárias” herdadas pelo rapaz somente
será revelado no final da história depois de muita peripécia (a garota chega a pensar que
estava apaixonada por um vampiro). A revelação: não se tratava de nenhum título de
nobreza nem de prestígio, mas sim o de ser um carrasco oficial.
A utilização de elementos convencionais das narrativas de antigos romances, que
naquela época ainda enchiam as prateleiras das bibliotecas circulantes — sensibilidade
exacerbada, elogio da virtude, o recato e inocência da heroína, gesticulações, linguagem
afetada, atitudes e valores como coragem, heroísmo, honra e honestidade — serve para
intensificar a ironia construída entre o que os personagens dizem uns aos outros e aquilo
que pensam ou só dizem para si mesmos.
Laura estava mais interessada em descobrir o eventual título de nobreza do
desconhecido e o montante da fortuna que herdaria com o casamento. O “honrado
procurador”, pai da donzela, nada mais é do que o burguês oportunista. A ele pouco
importa se o mancebo é na verdade um nobre de estirpe ou um criminoso (a hesitação do
154
Cabe registrar que a versão do Gabinete de Leitura não traz a frase em que o narrador descreve a
tentativa desajeitada do protagonista que, ao tentar fazer um gesto de carinho, quase acerta um soco no
rosto da heroína. Ao somente registrar a reação de espanto da jovem (na seqüência: o rapaz a chama de
“celeste criatura”, e ela é acometida de terror), a versão brasileira acaba por comprometer a coerência dos
94
rapaz em responder sobre sua linhagem leva o pai a supor a existência de algum crime).
Em suas cogitações, ambas possibilidades lhe afiguravam rentáveis: os laços do
casamento, se o rapaz realmente fosse um nobre, ou a recompensa por entregá-lo à
justiça, se fosse um criminoso. Bastava-lhe, pois, descobrir a verdade.
O dilema do rapaz, por sua vez, não estava circunscrito apenas à questão ética e
moral, mas, sobretudo, econômica. Renunciar a suas “honras hereditárias” implicava
renunciar também à pensão paga pelo governo. Em outras palavras, estar à mercê do
mercado de trabalho. A precariedade de sua condição financeira revela-se pelo seu
excessivo cuidado com suas ricas vestes. Isso porque, segundo a tradição, o carrasco
tinha direito às vestes do condenado — no caso, as ricas vestes que portava foram
herdadas com a morte de um marquês. Como marqueses e viscondes raramente são
enforcados, o cuidado procede. Não admira, pois, que casar-se com a bela e “única
herdeira” de um procurador resolveria grande parte de seus problemas.
Bem ao estilo da ironia inglesa, Bulwer Lytton dissolve a aparente “historinha”
sentimental “de amor e mistério” numa crítica à divisão de classes sociais e aos valores
burgueses ainda vigentes na época.
Cabe ressaltar uma diferença entre o original e a tradução publicada no Gabinete
de Leitura, que altera o espaço onde o enredo se desenrola. Na versão inglesa, a
indeterminação do espaço narrativo logo de início remete o leitor às histórias
romanescas (só faltou o Once upon a time, ou o nosso conhecido Era uma vez).
There is a certain country, not very far distant from our own: in a certain
small town, close to the metropolis of this country, there once lived a certain
young lady, of the name of Laura.
(meu grifo)
Na versão brasileira, o caráter ambíguo do original inglês parece não ter sido
captado pelo tradutor:
Em uma cidade pequena vizinha da metrópole britânica, vivia uma moça
que se chamava Laura
.
eventos. Contudo, dadas as condições muitas vezes precárias em que os periódicos da época eram
impressos, não se pode desconsiderar uma falha de impressão.
95
Parece evidente que a expressão this country foi tomada pelo tradutor em sentido
literal. Contudo, se levarmos em conta a maneira como a frase do original inglês está
estruturada — com a expressão this country distanciada de a certain country, e sua
proximidade a from our own (country), não é de todo impossível considerar que o
intuito aqui era o de criar uma deliberada ambigüidade. Esse caráter ambíguo da
indeterminação do espaço narrativo, que acentua o tom irônico do narrador ao criticar a
estrutura de classes da sociedade inglesa, em parte se perde na versão brasileira quando
esta indica Londres como ponto de referência.
O original inglês de “Costumes Ingleses – Um Amador da Vida Campestre”, “A
Cockney Country-Gentleman”, foi na verdade publicado em junho de 1837 na revista
The New Monthly Magazine and Humorist, cujo editor na época era Theodore Hook. A
indicação errônea no Gabinete de Leitura, Colburn’s Magazine, talvez tenha sido
causada pelo fato de Henry Colburn ser o proprietário da New Monthly Magazine na
época. Como no Gabinete de Leitura somente há indicação da fonte (e, como vimos,
incorreta), foi o original inglês que revelou sua autoria. “A Cockney Country-
Gentleman” traz a assinatura P*, utilizada por John Poole, assíduo colaborador da
revista.
Importante ressaltar que o comentário sobre “Costumes Ingleses – Um Amador
da Vida Campestre” revela-se mais complexo em relação aos anteriores, porque a versão
publicada no Gabinete de Leitura apresenta diferenças significativas quanto ao original
inglês. Segundo Ramicelli, a versão brasileira também difere da versão francesa
publicada nas páginas da Revue Britannique. Ela constatou que o texto brasileiro
apresenta determinados trechos que se encontram em inglês, mas não na versão francesa.
De qualquer maneira, o que importa aqui não é saber se as modificações foram feitas por
tradutores brasileiros ou franceses, mas verificar como essa história foi lida pelos
leitores fluminenses.
“Costumes Ingleses – O Amador da Vida Campestre” é a história de Henry
Fieldlove, jovem londrino que, como seu nome ironicamente indica, sonha morar no
campo, longe do barulho e agitação da cidade grande. Órfão desde pequeno, Fieldlove
vive com seu único parente, seu tio materno, Mr. Urby, que o educou como seu próprio
filho. Às vésperas de se aposentar de seu cargo de corretor da Companhia das Índias —
cargo que lhe rendera fortuna considerável —, o velho e solteiro Mr. Urby decide que é
hora de Fieldlove, que nessa época conta com 16 anos, dar seu “primeiro passo na vida
96
ativa”. Para tanto, em acordo firmado com seus antigos sócios, Mr. Urby fornece-lhes
uma certa quantia em dinheiro de forma a ficar estabelecido o ingresso de Fieldlove na
empresa, primeiro como simples gerente e, assim que atingir a maioridade, como sócio
nos negócios.
Não muito feliz com as perspectivas com relação a seu futuro, Fieldlove revela
ao tio seu desejo de “passar a vida no campo”. Sentido-se responsável por ter despertado
no rapaz esse sentimento (ocasionalmente o levara para passeios nos arredores de
Londres), Mr. Urby empenha-se por dissuadir o rapaz, que acaba por ceder aos desígnios
do tio.
Assim, Fieldlove assume seu cargo de caixeiro na firma e, com exceção dos
domingos, que reservava para sua incursões pelos arredores da cidade, cumpre com
religiosidade todas as obrigações que o trabalho lhe impõe. Não deixa, porém, de
acalentar o sonho de um dia poder desfrutar as delícias do campo. E esse dia chegaria
quando conseguisse dinheiro suficiente para ser o senhor de seu destino.
O acordo é cumprido e, aos 21 anos de idade, Fieldlove passa à condição de
sócio da empresa. Se, por um lado, o novo cargo lhe permite se tornar financeiramente
independente de seu tio, por outro, lhe traz mais obrigações e responsabilidades. Num
lance irônico, o narrador afirma que a monotonia de seu trabalho (“das nove da manhã às
nove da noite, seis dias por semana) só era quebrada quando aparecia mais trabalho.
É somente aos 40 anos, já casado (com a filha de Mr. Bags, um dos sócios) e com
três filhos, que Fieldlove pôde finalmente pensar em realizar seu sonho de morar
definitivamente no campo. Mesmo porque nesse meio tempo, com a morte de Mr. Urby,
Fieldlove recebe uma herança de 25 mil libras, quantia suficiente para se aposentar.
Morando agora com a família em sua nova propriedade rural, Fieldlove passa
seus dias entre a caça e a pesca. Sua alegria, porém, teve curta duração. Com a chegada
do inverno e, conseqüentemente, com os dias cada vez mais curtos, às quatro da tarde
Fieldlove já estava de volta de seus “afazeres” campestres. Pouco dado a conversas e
visitas sociais e sem os divertimentos que Londres oferecia, o casal logo percebe que as
noites no campo podiam ser bastante longas e tediosas. Mesmo com a chegada da
primavera e, portanto, da possibilidade de retornar às suas até então únicas atividades
rurais, não demorou muito para que o que antes o divertia passasse a entediá-lo. Isso e as
suas infrutíferas tentativas de conhecer e de se fazer conhecido por seus vizinhos acabam
por levar a família de volta a Londres alguns meses depois.
97
Se quiséssemos resumir o comentário de “O Amador da Vida Campestre”,
diríamos que a sua acirrada crítica ao sistema capitalista é construída principalmente por
meio da caracterização do protagonista. Indo ao ponto, Henry Fieldlove é um sujeito
medíocre. Medíocre, mas com sorte. Se não fosse pelo fato de o tio tê-lo colocado num
cargo hierarquicamente acima do trabalhador comum, Fieldlove seria um daqueles
sujeitos que passam a vida toda sendo e fazendo algo comum, sem relevo — um simples
amanuense, por exemplo.
A crítica se torna mordaz quando o narrador deixa entrever que, para o tipo de
capitalismo que por essa época já se encontrava estabelecido e em pleno funcionamento
na economia inglesa — ou seja, não mais o da fase de acúmulo de capital, mas o da
especulação —, Fieldlove configurava-se como o protótipo do sujeito ideal. Eram
exatamente indivíduos como ele que faziam com que a máquina da especulação do
capital continuasse a funcionar a pleno vapor. E se, no caso, a mola propulsora desse
indivíduo forem desejos e anseios que somente possam ser alcançados após anos de
trabalho árduo, tanto melhor — poupa o sistema de ter de produzi-los.
No discurso de Mr. Urby para convencer o sobrinho a, pelo menos, adiar sua
idéia de morar no campo para depois de ter trabalhado na firma e angariado riqueza
suficiente, é possível perceber os limitados horizontes de alguém que dedicou toda sua
vida e juventude em função de acumular dinheiro. Ao afirmar que viveu toda sua vida
em Londres e que não conseguia conceber a idéia de passar seus últimos dias em outro
lugar, o tio imprime um tom determinístico que, como veremos, será utilizado de forma
irônica pelo narrador ao longo de toda a narrativa:
O hábito é a segunda natureza; assim, posto que me tenha retirado
dos negócios há quase sete anos, morreria de languidez se não fosse todos os
dias ao café da praça do comércio ou da Jamaica
155
, se não visse todos os dias
algum de meus antigos fregueses, e não conversasse ora com este, ora com
aquele, falando com todos sobre águas-ardentes, cafés e açúcares. Poderia eu
viver em outra parte sem morrer logo de desgosto?
(meu grifo)
155
A Jamaica Coffee House foi a primeira casa do gênero construída em Londres, em 1652. Assim como
as quase 2.000 casas que ao longo do tempo foram se instalando na capital londrina, a Jamaica Coffee
House era um lugar onde os mercadores e negociantes se encontravam para discutir negócios e conseguir
ou conceder empréstimos. Durante o período da escravidão, essas casas também eram utilizadas para os
leilões de escravos e para se fixarem anúncios de venda ou de escravos fugidos.
98
Para Mr, Urby, o fato de “estar habituado” com determinado tipo de vida é que o
faz, mesmo agora rico e aposentado, freqüentar os mesmo lugares para conversar com as
mesmas pessoas sobre exatamente os mesmos assuntos e, por seu turno, não conseguir
conceber uma outra maneira de passar seu tempo. Na opinião de Mr. Urby, para se
“gozar da vida do campo ou da cidade é mister ter sido educado para isso”.
156
O termo “hábito”, expresso no discurso (e na vida) de Mr. Urby, será utilizado de
forma irônica pelo narrador como expressão crítica da aparente liberdade do indivíduo
moderno. Um exemplo desse fator condicionante entre o indivíduo e o meio é quando
Fieldlove passa a somente conseguir pensar ou expressar seus sentimentos utilizando-se
do vocabulário próprio da área comercial — característica que todos os velhos sócios da
firma já possuíam.
Nesse ponto da história, a juventude de Fieldlove talvez sirva para justificar sua
incapacidade de perceber os limitados horizontes de seu tio que, depois de uma vida
inteira dedicada ao trabalho e acúmulo de fortuna, não consegue imaginar a si mesmo
vivendo em outro lugar ou fazendo outra coisa que não seja continuar envolvido nos
antigos negócios.
A versão brasileira publicada no Gabinete de Leitura apresenta certas omissões e
modificações do texto ficcional que alteram de maneira significativa o tom de crítica ao
sistema capitalista presente no original inglês. Na versão brasileira, a diluição desse tom
crítico se dá de maneira mais visível na caracterização de Fieldlove.
Por exemplo, quando Fieldlove estava para ser promovido a sócio da empresa, o
narrador brasileiro descreve os progressos que ele fizera até aquele momento:
Foi assim que Fieldlove chegou aos 21 anos. Os cinco anos de seu
noviciado se haviam passado com grande satisfação dos snrs. Bags, Bales &
Co. Graças a um trabalho infatigável, sua mão tinha-se consideravelmente
melhorado; podia tirar uma conta com admirável celeridade, fazer uma fatura ou
conhecimento digno (sic) dos elogios do caixeiro principal
.
156
No original inglês: “...to enjoy a country life, or a town life, or any particular mode of life, you must be
bred to it”.
99
À expressão “trabalho infatigável” da versão brasileira foi retirado o adjetivo
“monótono”, presente no original
157
. Não obstante, o que realmente falta ao texto
brasileiro é o comentário irônico que o narrador inglês faz logo a seguir:
That, indeed, was nearly all he could do; but, since nothing more was
required of him, the satisfaction of the ‘firm’ is not to be wondered at. The march
of his intellect had certainly not kept pace with the progress of his hand; and, if it
marched at all, it was, to say the most of it, to the tune of a very slow march.
158
Vê-se, pois, que na versão brasileira o narrador registra apenas os aspectos
positivos alcançados por Fieldlove no período entre a adolescência e a maioridade: 1) o
não esmorecimento em relação ao trabalho árduo, 2) o progresso na habilidade da escrita
e na feitura de cálculo, 3) o conhecimento prático da área burocrática do ramo comercial,
e 4) a conseqüente satisfação dos empregadores.
Os aspectos negativos apontados pelo irônico narrador inglês que não se
encontram presentes na versão brasileira são: 1) o trabalho incessante e monótono, 2) o
fato de que as expectativas de seus empregadores com relação ao seu desempenho não
eram grandes, e 3) a falta de progresso intelectual.
Ao ressaltar apenas os aspectos positivos adquiridos por Fieldlove, o narrador da
versão brasileira altera de maneira significativa a caracterização da personagem agora
em sua fase adulta. O caráter de homem comum, sem nenhuma qualidade expressiva e
pouco inteligente, que é a linha mestra da construção do personagem no original inglês,
cede lugar ao rapazinho que trabalha incansavelmente, adquire novas habilidades,
aprimora as que já possui, e que, portanto, em conseqüência de seu esforço, persistência
e do satisfatório resultado de seu trabalho, alcança o mérito de ser elogiado por seus
superiores. Vista nessa perspectiva, a riqueza financeira que alcança na fase adulta não
advém somente de seu trabalho árduo mas também é conseqüência de seu
aprimoramento intelectual (além, é claro, da providencial herança recebida com a morte
de Mr. Urby).
A falta de percepção que Fieldlove tem da realidade se torna mais evidente
quando, já desgostoso com a monotonia de sua “vida rural”, pergunta ao cura do
157
“By dint of unremitting drudgery...”
158
[“Isso, porém, era praticamente tudo o que ele era capaz de fazer; contudo, desde que nada mais lhe era
requerido, a satisfação da ‘firma’ estava garantida. A marcha de seu intelecto certamente não manteve o
mesmo passo do progresso de sua mão; e, se é que alguma vez marchou, foi, no máximo, no ritmo de uma
marcha muito lenta..”]
100
condado como um dos proprietários da vizinhança, o Squire Woodleigh, conseguia viver
no campo o ano inteiro e de que forma ele passava o tempo.
Eis a resposta do cura inglês:
“He has plenty do to,” replied the curate. “He has a vast estate, upon
which he was born, the management of which is in his own hands; he has a
large tenantry, who, from his long residence among them, look up to him as their
guardian and protector; then, he is a magistrate, and has to attend quarter-
sessions, besides doing justice-business here; then he has a large circle of
acquaintances about him...
159
A resposta do cura da versão brasileira, por sua vez, é outra:
Estes senhores estão habituados desde a infância a uma elegância
preguiçosa, que, graças a Deus, vós não conhecestes. A caça e a pesca
tinham encantos para vós porque vos divertiam de vossas ordinárias
ocupações
. (meu grifo)
No original inglês, a percepção distorcida que o urbano Fieldlove tinha do que
era viver no campo, — o lugar aprazível onde se caça e pesca longe da sujeira e barulho
da cidade grande, algo próximo, vamos dizer, a um country club, é escancarada pela
realidade nua e crua de que no campo as pessoas “trabalham”.
160
Na versão brasileira, contudo, a percepção não só é confirmada pela “elegância
preguiçosa” dos proprietários rurais como o desajuste passa a ser uma questão de
“hábito”. Fieldlove não está habituado à “elegância preguiçosa” porque de onde vem as
pessoas trabalham — “Graças a Deus”.
Enquanto, no original inglês, um dos componentes fundamentais da ironia é o
narrador deixar bem claro que são os personagens que encaram o problema da adaptação
159
[“‘Ele tem muito o que fazer’, respondeu o cura. ‘Ele possui uma vasta propriedade, onde nasceu, e
cujo gerenciamento é de sua inteira responsabilidade; possui um grande número de arrendatários que,
devido ao fato de há muito tempo residir entre eles, o têm como guardião e protetor; segue que ele é um
magistrado, e tem que comparecer às sessões, além de seus afazeres jurídicos por aqui; ele também possui
um vasto círculo de conhecidos...”]
160
Em The Country and the City, Raymond Williams analisa no contexto britânico as diferentes
construções ideológicas que permearam a complexa relação entre o campo e a cidade. Dentre elas, o fato
de o campo passar a ser visto como mera paisagem e lugar aprazível, conseqüência do intenso processo de
urbanização. Em contraste, a cidade é o lugar da multidão sem rosto, da sujeira, do vício e pecado.
[Williams, Raymond. The Country and the City. New York: Oxford University Press, 1973].
101
de um indivíduo a determinado lugar como uma questão de “hábito”, a versão brasileira
dissolve o tom de crítica ao confirmar o discurso inicial de Mr. Urby, segundo o qual
para “gozar da vida do campo ou da cidade é mister ter sido educado para isso”.
O parágrafo final, no qual o narrador descreve o retorno de Fieldlove e da família
para Londres também apresenta diferenças significativas entre as duas versões:
Behold him, now, established in a comfortable house in Blooms-bury-
square; visiting, or receiving the visits of, his old friends and acquaintances;
indulging sometimes at the Opera, a concert, or a play; and passing his life
agreeably, because in the manner for which habit had qualified him. His great
pleasure is a morning’s stroll into the city, to talk of cottons and coffee, and see
how things are going on amongst his old associates in Mincing-lane; but, still, his
greatest is an occasional week’s shooting or fishing at some friend’s in the
country. And he has been heard to declare that, upon striking the balance, he is
convinced that that is the only mode in which a confirmed Londoner can truly
enjoy the life of — a COUNTRY GENTLEMAN.
161
A ironia final, no original inglês, fica mais evidente quando Fieldlove, ao dar por
encerrada sua estadia no campo, relembra e repete ipisis litteris o discurso inicial de seu
tio, justificando para si mesmo a sua dificuldade de adaptação como uma questão de
hábito (essa parte também foi omitida na versão brasileira). Daí a conotação irônica que
o termo “habito” assume nesse parágrafo final, uma vez que Fieldlove retorna a Londres
para fazer exatamente o que seu tio Urby fazia quando se aposentou, exceto, é claro, por
seus eventuais passeios ao campo.
No original inglês, portanto, o seu retorno ao meio urbano funciona como um
elemento de confirmação dos limitados horizontes do personagem, do seu caráter
acrítico e de sua falta de percepção da realidade — que o narrador de forma irônica já
deixa entrever no início da história, quando o personagem ainda era adolescente, além de
em alguns outros trechos da narrativa. Para Fieldlove, portanto, não resta mais nada a
161
[“Olhe para ele, agora, estabelecido numa confortável casa em Blooms-bury-square; visitando e
recebendo visitas de seus velhos amigos e conhecidos; permitindo-se de vez em quando ir à Ópera, a um
concerto ou a uma peça; e vivendo a vida de forma agradável, porque foi assim que o hábito o ensinou.
Seu grande prazer é seu passeio matutino pela cidade, para conversar sobre algodão e café, e ver como as
coisas andam entre seus antigos sócios em Mincing-lane; mas, ainda, seu maior prazer é ocasionalmente
passar uma semana caçando ou pescando na casa de campo de algum amigo. E ouviram-no dizer que, tudo
posto na balança, ele está convencido de que esta é a única maneira pela qual um autêntico londrino pode
desfrutar a vida de — um Country Gentleman.”]
102
fazer senão voltar para a cidade, único local onde com sua limitada capacidade
intelectual pode encontrar algo para passar o tempo: visitar a antiga firma e os coffee
houses, encontrar antigos clientes e saber como estão as cotações do fumo e do açúcar,
por exemplo.
No parágrafo final da versão brasileira, todavia, o futuro de Fieldlove é outro:
Voltou para Londres, e continuou, não seus negócios, mas suas
relações. Sua honra proporcionou-lhe consideração, e muita gente apreciando
sua inteligência quando lhe pediam conselhos, ou a grandeza de sua
generosidade quando reclamavam seus serviços, deram-lhe seus sufrágios
para importantes cargos da administração da cidade, e talvez que, se Deus lhe
der vida, se realize a profecia de seu tio Urby: talvez seja Lord Maire (sic).
Na versão brasileira, como é possível perceber, seu retorno a Londres apresenta
um caráter bastante diverso. Sua inteligência e generosidade garantem-lhe a confiança e
amizade de todos a ponto de conseguir votos para cargos importantes da administração
pública. O sucesso é de tal monta que o narrador até entrevê a possibilidade de Fieldlove
realizar o sonho de seu tio Urby — o de um dia se eleger para o cargo mais alto na
hierarquia administrativa de uma cidade britânica — lord mayor de Londres.
Verificou-se, portanto, num primeiro momento, que na versão do Gabinete de
Leitura há uma sensível modificação na construção do personagem. Enquanto no
original inglês ele é completamente plano, caricatural — característica que acentua o
tom irônico e, por conseqüência, crítico da história, a versão brasileira acaba por dar a
Fieldlove certos contornos que, se não o tornam um personagem com profundidade
psicológica, lhe conferem certo desenvolvimento.
Por seu turno, a questão da adaptação do indivíduo ao meio, utilizada de forma
irônica pelo narrador inglês como elemento de alienação e de revelação do caráter
acrítico dos personagens, é confirmada na versão brasileira pela “elegância preguiçosa”
dos senhores do campo.
Nota-se, portanto, que a versão brasileira de “A Cockney Country-Gentleman”,
lida pelo público fluminense, apresentou alterações tanto na forma quanto no conteúdo
narrativos que, de certa maneira, adequaram-na à visão que nossos primeiros homens de
letras tinham da sociedade britânica. Pode-se dizer que o progresso material e intelectual
103
adquiridos por Fieldlove — que Torres Homem denominou de o “duplo capital” ganho
pelo trabalhador livre — correspondiam às expectativas que esses jovens intelectuais
tinham com relação a uma sociedade moderna, na qual as oportunidades de trabalho, e,
consequentemente, de sucesso, estavam abertas ao cidadão comum. Em vista disso,
parece ser significativa a inclusão de “costumes ingleses” ao título da versão brasileira.
Todavia, se analisarmos as outras modificações presentes em “Costumes Ingleses
– Um Amador da Vida Campestre” à luz da discussão sobre os problemas econômicos e,
principalmente, sociais brasileiros à época, é possível argumentar que elas talvez
estivessem mais próximas às expectativas que os nossos intelectuais tinham com relação
ao Brasil do que com à Inglaterra. Isso porque, como vimos, a economia escravista e o
predomínio estrangeiro na área comercial geravam sérios problemas para o cidadão
médio brasileiro que, com poucas opções de trabalho (e pouco preparo técnico), acabava
recorrendo aos empregos públicos.
Acompanhando a trajetória do Fieldlove da versão brasileira, vemos o rapazinho
urbano que, após anos de trabalho árduo, desenvolve suas capacidades intelectuais e
amealha fortuna suficiente para se aposentar, conseguindo, enfim, realizar seu sonho de
se tornar um proprietário rural. A justificativa à sua inadaptação à vida campestre, ou
seja, a “elegância preguiçosa” com a qual os senhores rurais estariam habituados desde a
infância, talvez correspondesse à visão que o cidadão urbano da época tinha do
proprietário rural brasileiro, uma vez que, no Brasil, o trabalho no campo era todo feito
por escravos. O retorno do personagem a Londres, por seu turno, é ainda mais
expressivo. Isso porque, a sua honradez, assim como a sua inteligência e generosidade
despertam tamanho apreço das pessoas a ponto de lhe angariar votos “para importantes
cargos da administração da cidade”. O que se observa, portanto, é que Fieldlove, rico e
bem estabelecido na vida, assume um emprego público não por necessidade ou falta de
opção, mas por livre escolha. E a glória maior — o cargo provém dos votos dos cidadãos
londrinos, e não da indicação de “padrinhos” ou “amigos”.
Por conseguinte, dos “costumes ingleses”, incluídos no título da narrativa, têm-
se: o ambiente urbano e rural inglês, o mundo do trabalho e dos negócios, a linguagem
comercial, os coffee houses, a prática da caça e pesca como esporte. O caráter positivo
da carreira bem-sucedida de Fieldlove, porém, foi fruto da versão brasileira. E nesse
aspecto, o personagem londrino, ao vivenciar os possíveis anseios do cidadão médio
urbano brasileiro, reforçou a imagem da sociedade britânica como modelo a ser seguido.
104
“Uma Morada perto de Tudo” é a versão de “The Inconveniences of a
Convenient Distance”, também de autoria de John Poole. Apesar de o Gabinete de
Leitura citar como fonte a Blackwood’s Magazine, “The Inconveniences of a Convenient
Distance” foi publicada na New Monthly Magazine no segundo semestre de 1830.
Trata-se da divertida história de Rufus Wadd, rico comerciante londrino que,
assim como Fieldlove, trabalhou durante anos como sócio de uma firma de comércio
internacional até angariar fortuna suficiente para poder se aposentar e ir morar no
campo. O que o difere de Fieldlove é o fato de Wadd ser um avarento. Ele faz qualquer
coisa para manter a fortuna que passou a vida amealhando. Resolve comprar uma
propriedade no campo, mas a uma distância conveniente que lhe permita visitar seus
negócios e antigos clientes quando lhe aprouver. Sua escolha recai numa propriedade
situada cerca de cinco milhas de Londres, que contava com um conveniente sistema de
ônibus à porta. O que Wadd não esperava é que exatamente devido à facilidade de
transporte seus fins de semana seriam preenchidos com a visita de todos seus parentes e
conhecidos, que chegavam de acordo com o horário dos ônibus. Havia aqueles que
vinham para o café da manhã, outros para o almoço ou jantar, ou até para dormir (tudo
às suas custas, é claro). O que deveria ser seu descanso passa a ser seu pesadelo. A gota
d’água é quando Wadd lê uma nota no jornal informando sobre o aumento do número de
linhas e capacidade dos ônibus (ao invés de seis, os novos veículos passariam a
transportar dezesseis passageiros) que ligavam Londres a Turnham-Green. Wadd vende
a propriedade e muda-se para lugar bem distante.
O tom crítico do narrador se direciona a dois aspectos com relação a personagem.
Primeiro, para a mesquinhez de Wadd — como, por exemplo, quando antes de se mudar
para o campo, ele planeja minuciosamente de que maneira e em qual circunstâncias irá
convidar os amigos e parentes de forma a gastar o mínimo possível:
Uma vez por ano, no natalício de sua filha, que felizmente caía em
julho, daria uma festa magnífica, um almoço no jardim sobre a relva, e para ele
convidaria todos os amigos e parentes. Um almoço era preferível a um jantar
que dava menos trabalho e especialmente custava menos dinheiro; além de
que nessa época haveria muita fruta, e os habitantes de Londres gostam muito
105
delas; e eles as aproveitarão, que no caso contrário força seria deixá-las
apodrecer ou com elas alimentar e cevar os porcos.
162
Ou quando Wadd faz planos de como poderia passar seus dias no campo, quando
não fosse visitar seus antigos negócios:
De manhã contaria suas frutas, e colherias as necessárias para a
sobremesa do dia: primeira economia, que os jardineiros são muito ladinos.
Depois daria uma volta pela venda para comprar pessoalmente as miudezas do
gasto doméstico: segunda economia, que as criadas sempre à custa dos amos
arranjam seu pecúlio. Examinaria, e tiraria a prova de todas as contas da
lavadeira em que sempre se acham erros, sempre do mesmo lado, sem
esperança de compensação
.
O segundo aspecto da crítica do narrador é com relação ao gosto pequeno-
burguês de Wadd, especialmente quanto à decoração de sua casa. É nesse segundo
aspecto que a versão brasileira diferencia-se do original inglês. A longa descrição dos
detalhes da decoração de sua casa é omitida na versão do Gabinete de Leitura, o que de
certa forma esvazia parte da crítica presente na versão original.
De qualquer forma, “Uma Morada perto de Tudo” apresenta uma faceta da
sociedade britânica que, naquele momento, era assunto em diversos artigos dos jornais
fluminenses, a saber: o moderno omnibus.
Pereira da Silva, logo após sua chegada da Europa, publica um artigo intitulado
“Carruagens Públicas”, no qual ressalta a necessidade da implantação de linhas de
transporte público na cidade do Rio de Janeiro. Segundo ele, o desenvolvimento material
da corte estava aquém do seu “movimento intelectual”, e um dos problemas que urgia
solução era a falta de um sistema regular de transporte público:
Esses omnibus, cuja falta choram todos aqueles que viajaram na
Europa, atravessam e entrecortam por muitas partes as cidades, até as
barreiras, e mesmo algumas aos arredores, recebendo os viajantes pelo módico
preço, correspondente a 100 rs. por pessoa, e estabelecem assim meios não só
mui fáceis de comunicação, como também adequados a todas as fortunas. É o
162
Na versão inglesa, a crítica é ainda mais mordaz, pois Wadd se dispõe a uma vez por ano convidar seus
parentes e amigos não para um almoço, mas para um café da manhã no jardim — “ a breakfast in the back
lawn”.
106
lugar da igualdade de classes, a aristocracia e o povo se confundem, se
abalroam, os ricos e os simples obreiros se assentam ao mesmo banco
.
163
O mesmo caráter “democrático” do transporte público é apontado pelo articulista
T.. No artigo “Estabelecimento dos ônibus no Rio de Janeiro”, o sistema de transporte
britânico recebe destaque:
Louvores sejam dados à indústria! Já os ricos não são os únicos
admitidos a gozar de uma das maiores comodidades da civilização, e de se
transportar com rapidez e sem cansaço de um ponto para outro, aonde os
prazeres ou negócios chamam; as pessoas pouco favorecidas da fortuna
também partilham a mesma vantagem. Já na Inglaterra ninguém, graças à
quantidade e diminuto preço das carruagens de posta, viaja a pé nas
províncias, e graças aos omnibus transita nas cidades, senão sentado muito a
seu saber em um bom carro, por um desembolso tão pequeno, que apenas
equivale ao valor que se poupa no calçado, asseio e saúde. Os ônibus têm
verdadeiramente resolvido o problema da igualdade social, ao menos sob o
ponto de vista da condução; o povo também anda de sege, mas tão decente,
prestes e vantajosa, que o mesmo rico a não despreza, e que o duque a par
dos três reinos não raras vezes se encontra nela ao lado do jornaleiro, enquanto
sua lady tem por vizinha uma simples camponesa. Em Londres, desde 1830, os
ônibus têm-se multiplicado a ponto de partirem todos os cinco minutos dos
extremos das suas linhas, que se cruzam e se recortam em todas as
direções
...
164
Tamanha democracia, contudo, entrava em choque com uma estrutura social que
ainda mantinha a suas raízes do período colonial. No número seguinte do jornal, o
mesmo articulista T. retoma o assunto, que, provavelmente, gerara discussões. A questão
é, se o transporte público é um bem para todos, como foi argumentado no artigo anterior
— “a sege para o povo”, o que fazer com o escravo? A contradição é inevitável:
Em quanto [sic] à nossa população, várias pessoas têm expressado o
receio de que sirva de obstáculo à boa aceitação de veículos destinados todos
(omnibus) a circunstância de ser composta de homens livres e de escravos;
porém, para resolver a questão, ao menos pelo lado gramatical, notaremos
que depois da palavra omnibus deve se subtender populi, a todos do povo, ora
163
Jornal dos Debates, n. 15, de 21 de junho de 1837.
107
os escravos não pertencem ao povo (populus) nem mesmo à plebe (plebe);
eles, politicamente falando, são instrumentos de trabalho (instrumenta operum)
e não têm jus a serem admitidos nos omnibus; removida a classe escrava
nossa população não é diferente das da [sic] Europa e talvez mesmo sua lia
não seja tão hedionda e numerosa.
(grifo meu)
A tentativa do articulista é clara — tentar resolver a questão ao menos no âmbito
do discurso. O que se vê, portanto, é que, apesar de as idéias e os avanços tecnológicos
dos países estrangeiros, especialmente os europeus, serem considerados como modelos a
seguir, a tentativa de colocá-los em prática, na maioria das vezes, esbarrava na
diversidade do contexto socioeconômico-político brasileiro. Apesar das controvérsias, é
possível perceber que o assunto era atual e fazia parte do dia-a-dia dos jornais e,
certamente, das conversas dos cidadãos fluminenses à época.
Como vimos, com supressão de parte da crítica irônica do narrador da versão
original, que alterava a caracterização do protagonista, a versão brasileira acabou por
realçar os elementos de modernidade da sociedade capitalista britânica. E o que talvez
tenha chamado a atenção e tornado a história ainda mais divertida para o público leitor
brasileiro foi o fato de o londrino Mr. Wadd ter seus planos frustrados e sua vida
transformada exatamente por aquilo que os fluminenses mais ansiavam: um moderno
sistema de ônibus à porta.
Vista no conjunto dos textos ficcionais publicados no Gabinete de Leitura, a
prosa de ficção inglesa apresenta contrastes significativos em relação aos demais textos.
Na breve exposição que se segue será possível observar que as diferenças referem-se,
principalmente, à temática e à posição do narrador em relação tanto à matéria narrada
quanto à sua visão da sociedade
Um dos contrastes mais marcantes é a falta de personagens femininas no centro
da trama da narrativa britânica. Todas as histórias inglesas presentes no Gabinete de
Leitura são protagonizadas por personagens masculinos, com conflitos e problemas de
um mundo regido por valores que, na época, eram considerados da esfera dos “homens”.
Como, por exemplo, o ambiente marítimo de “Uma Aventura no Mar”, o mundo dos
negócios de “Costumes Ingleses - Um Amador da Vida Campestre” (a esposa mal
164
Idem, n. 37, de 11 de outubro de 1837.
108
aparece na história), assim como em “Uma Morada perto de Tudo” o conflito se dá com
o personagem masculino.
Apesar de “Manuscrito Achado em uma Casa de Loucos” e “As Honras
Hereditárias” apresentarem personagens femininas, elas desempenham um papel
secundário dentro da história. A mocinha de “Manuscrito Achado em uma Casa de
Loucos”, por exemplo, funciona na verdade como instrumento de auto-descoberta e
auto-valorização do protagonista. É ela que proporciona ao narrador-personagem, pela
primeira vez, a possibilidade de amar e de ser amado, o que o leva a tomar coragem de
sair de seu refúgio e expor sua sabedoria e deformidade ao mundo.
No caso de “As Honras Hereditárias”, pode-se dizer que, no conjunto da prosa de
ficção inglesa, é a história na qual a personagem feminina tem maior participação na
trama narrativa. Mas de qualquer forma, o conflito é o do personagem principal, que
vacila entre continuar em sua função de carrasco oficial ou abandoná-la.
Essa falta de personagens femininas na prosa de ficção inglesa contrasta com o
conjunto dos outros textos ficcionais publicados no Gabinete de Leitura. Neles é
possível encontrar todos os tipos de mulheres: virtuosas, sedutoras, dedicadas, traidoras,
ingênuas, fiéis, sensíveis, loucas, aventureiras, impetuosas, recatadas, corajosas,
vingativas e inteligentes. Na maior parte dessas histórias a mulher é a personagem
principal e é em torno dela, ou por causa dela, que o conflito se instaura.
O enfoque no universo feminino também altera a configuração do espaço
narrativo dessas histórias. O ambiente doméstico passa a ser privilegiado, seja a sala de
visitas, a alcova, o jardim. Mas há também os salões da corte, os bailes, as reuniões
sociais, assim como a cabana humilde e o castelo.
Em muitas das histórias, o casamento não é somente sinônimo de final feliz mas
também solução para problemas sócio-econômicos e diferenças de classe. Como é o
caso, por exemplo, de “O Negociante de Cabelos”, de Stephen de Madelaine. Trata-se
da mudança de condição social de uma família da antiga aristocracia francesa em meio à
reordenação das classes sociais depois da revolução burguesa de 1830.
A narrativa se inicia num ambiente feminino por excelência: a “elegante loja do
ilustre cabeleireiro Augusto”, que numa noite de inverno “refletiu (...) em suas paredes
de espelhos uma cena de dor e de enternecimento”. É a história da bela Jenny que, sem
condições financeiras para o sustento da casa e com a mãe muito doente, vai ao elegante
estabelecimento a fim de vender seus longos cabelos.
109
O “comerciante de cabelos”, um abastado homem de meia idade, penalizado pela
situação da moça, não só não permite que lhe cortem os cabelos como lhe arruma um
emprego — ela pintará porcelanas, trabalho que poderá ser realizado em casa.
É nesse ponto da narrativa que o comerciante, em visita à casa da jovem, se dá
conta da penúria na qual mãe e filha vivem e tem oportunidade de conhecer a triste
história da família. A mãe, duquesa d’Amanvillers, era viúva de um conde que fora
oficial da guarda sob o reinado de Luís XVIII e que morreu “crivado de dívidas” em
1826. Durante algum tempo a viúva e filha sobreviveram graças a uma pensão de dois
mil francos paga pelo governo. A revolução de julho, contudo, tornou sua situação
extremamente difícil, pois, com o corte da pensão, elas se viram obrigadas a recorrer ao
trabalho “com as agulhas”. A situação ficou quase insustentável quando a mãe, enferma,
não pôde mais ajudar no sustento da casa. Ambas sabiam que era uma questão de tempo
para o governo lavrar um termo oficial de miséria.
Não demora muito para o comerciante revelar seu desejo de casar com a jovem,
que o aceita. O prêmio final para a duquesa e a filha, além do casamento, foi a
revelação, às vésperas das bodas, de que o comerciante na verdade era um duque, título
que lhe fora concedido por seus talentos militares durante o Império.
O casamento que possibilita a ascensão social é também o fecho de ouro de “O
Véu de Maria Luiza”, de Arnould Frémy. A diferença em relação à precedente é a
posição social da personagem. Teresa é uma simples bordadeira de uma pequena cidade
da França. A história se passa em 1809. As autoridades e pessoas ilustres da localidade,
ao saberem que a arquiduquesa da Áustria, Maria Luiza, passaria por ali a caminho de
Compiègne para seu casamento com Napoleão, resolvem lhe presentear com um véu.
Decidiu-se que o véu seria bordado pelas ilustres senhoras e senhoritas da cidade.
E aqui a história mergulha nos mexericos e discussões das senhoras antes de decidirem o
tipo de tecido, a cor, o desenho, a linha ou o melhor ponto para o bordado. Enfim, o
mundo do trabalho feminino.
Enquanto bordavam, as senhoras comentavam com maledicência sobre as
pretensões da melhor bordadeira da cidade, Teresa Brisson, de se casar com Adolfo
Brotier, filho do tecelão, que partira da cidade havia algum tempo e que subira na
carreira militar lutando no exército de Napoleão.
Apesar de trabalharem dia e noite, as senhoras perceberam que o bordado, de
feitio extremamente complicado e trabalhoso, não ficaria pronto a tempo. Decidem, pois,
110
chamar a jovem bordadeira, única capaz de concluir a tarefa. Teresa termina o véu a
tempo. Seu único pedido é o de participar da festa de entrega, o que lhe é negado.
Ao voltar para casa, triste e decepcionada, Teresa ouve o som de um galope.
Era Adolfo, que acompanhava a comitiva da embaixatriz e vinha pedir sua mão em
casamento.
Nada deu certo quanto à festa que a cidade pretendia oferecer à futura imperatriz.
O tão trabalhoso véu mal foi por ela notado. No final, Adolfo compra o véu e Teresa o
veste no dia de seu casamento.
Em contraponto a essas Cinderelas francesas do século XIX, há aquelas mulheres
que resolvem enfrentar a ordem estabelecida de um mundo regido por valores
masculinos. São mulheres determinadas a quebrar os padrões de conduta que lhes foram
impostos pela sociedade. Com freqüência a ruptura se dá com a desobediência aos
ditames paternos ou da família. Há, contudo, aquelas que ousam quebrar as regras do
casamento. Na maioria das histórias, no entanto, elas acabam pagando um alto preço por
seu desvio de conduta. A morte, a loucura, a miséria, o abandono ou os dias terminados
na clausura de um convento costumam ser o seu destino.
De qualquer forma, seja qual for a sorte a elas reservada, todas possuem um traço
comum: o que as leva a transgredir os códigos de conduta será sempre o amor.
No tocante às heroínas seduzidas e que depois são abandonadas por seus
amantes, como é o caso das protagonistas de “O Sedutor”, de Washington Irving, e de
“A Mesa do Diabo – Novela Militar”, do anônimo A. F., a falta de perspectiva de
felicidade futura as conduz, respectivamente, ao suicídio e à loucura.
Histórias de cunho moralizante, nas quais os erros e crimes eram exemplarmente
punidos ou pela própria sociedade ou pela Providência, não eram novidade nos jornais
da corte do Rio de Janeiro. Como já mencionamos, ao longo do ano de 1837, o
Semanário do Cincinato publicou algumas histórias com propósitos explicitamente
pedagógicos. Nelas, o narrador deixa bem claro aos leitores que seu intuito é o de que a
história sirva de exemplo para que mocinhas e rapazes não se deixem levar pela paixão.
Nas histórias publicadas no Gabinete de Leitura, contudo, esse propósito
moralizante não fica explícito. Isso porque seus narradores se colocam como
participantes e, portanto, testemunhas da história que contam. No caso de “O Sedutor”, o
narrador é um viajante que permanece durante algum tempo na pequena aldeia alemã e
que tem a oportunidade de testemunhar o drama de Ágata. Em “A Mesa do Diabo”, por
111
sua vez, o narrador é um soldado que viaja junto à sua guarnição pelo interior da França.
Descreve os lugares pitorescos da região, detendo-se com especial atenção em uma
formação rochosa que os habitantes do lugar acreditavam ser assombrada por maus
espíritos. Na verdade trata-se de uma formação rochosa que se assemelha a uma mesa
(daí o título). Uma noite, o narrador junto com seus colegas do exército resolvem cear na
tal mesa. Sobem o penhasco e, quando estavam no meio da refeição, vêem surgir uma
mulher “descarnada”, com a aparência de um “esqueleto”, que lhes pergunta por sua
filha. Lescot, um dos soldados, que conhecia a triste história, assume o papel de narrador
secundário e narra o evento.
Se juntarmos a esses ajustes do ponto de vista narrativo a descrição de paisagens
e costumes pitorescos dos lugares onde os enredos se desenrolam e, no caso específico
de “A Mesa do Diabo”, a presença de elementos do sobrenatural — figuras espectrais e
rituais de magia negra, é possível supor que essas histórias, com forte apelo à
imaginação do leitor, talvez funcionassem de maneira mais satisfatória do que qualquer
catecismo moral.
É também por amor que a misteriosa e destemida heroína de “Uma Aventura
(1812)” vaga sozinha pelas ruas sujas e mal iluminadas de um dos bairros mais
populares de Paris. As cenas iniciais remetem à aura de mistério que envolve a dama de
negro das primeiras páginas de Cinco Minutos de José de Alencar — a misteriosa
mulher, sentada no banco de trás do ônibus, pela qual o narrador alencariano irá se
apaixonar.
“Uma Aventura” também se inicia com uma misteriosa dama. É noite. A dama se
aproxima e diz ao narrador-personagem: “Segui-me”. O narrador, jovem de dezoito
anos, obedece à desconhecida, mas não sem antes conjecturar sobre as inúmeras
possibilidades que tal situação ofereceria para a escrita de um romance. O jogo de luz e
sombra, criado pela pouca iluminação das ruas, assim como o chapéu e o véu preto, que
cobre o rosto da misteriosa dama, não permitem que ela seja identificada. Depois de
percorrerem várias ruas, ela o encaminha para um velho prédio, com aspecto de
abandono. Sobem. O quarto também está escuro. Na longa conversa inicial, permeada
por afirmações de honra e dignidade, recuos e aproximações (afinal, a situação é
bastante suspeita para uma mulher “direita” e “séria”), a desconhecida alega que
necessita lhe fazer um pedido, mas que só o revelará sob determinadas condições.
Primeiro, a de que ele nunca procure saber quem ela é, e segundo, a de que ninguém
tome conhecimento daquela entrevista. Quando ela pergunta ao rapaz se ele aceita ou
112
não suas condições, eis que aparece o famoso “Continua”. E o leitor ficará em suspense,
sem saber qual será a resposta do rapaz até o número seguinte.
165
Mas o leitor ainda terá que aguardar mais um pouco para saber a resposta. Isso
porque, no entremeio, há um longo diálogo no qual o rapaz se declara apaixonado pela
dama. Ela, por sua vez, demonstrando ser uma mulher com mais experiência, tenta
dissuadi-lo afirmando que seu coração pertencia a outro.
E é nesse trecho da história que é possível encontrar certas atitudes e
posicionamentos dos personagens em relação ao amor facilmente reconhecíveis na
ficção romântica dos nossos primeiros ficcionistas: a defesa da honra e da virtude, a
fidelidade aos sentimentos do coração e aos princípios morais. O amor afirma-se como
princípio em si mesmo, como uma das justificativas, talvez a maior, da existência
humana.
É por amor que a dama arrisca sua honra, dignidade e até a própria vida. Seu
pedido é uma resma de papel com um determinado timbre, que ela descreve
minuciosamente ao rapaz. O único lugar onde ela acreditava ainda ser possível encontrar
tal papel timbrado era em um antigo armazém que ficava nos fundos da residência do
rapaz. O rapaz concorda e, na noite seguinte, no horário e local combinados, aparece
para entregar-lhe seu pedido. A noite estava escura e as ruas desertas. Ele escuta uma
tênue voz que o chama e que vem da direção do rio. Sobe a ponte e divisa um vulto de
uma mulher pendurada na balaustrada da ponte. Era a misteriosa dama que, num gesto
desesperado para evitar que o rapaz chegasse perto e a reconhecesse, ameaça se jogar
nas águas do rio caso ele se aproximasse. O rapaz lhe entrega o papel e afasta-se.
Rapidamente a dama desaparece. O rapaz volta a procurar pelo edifício no qual eles
tiveram a estranha entrevista, única pista que lhe restava. Depois de muito custo, o
encontra. A zeladora lhe informa que o apartamento pertencia a um mancebo que estava
fora de Paris há muito tempo. Fim da segunda parte.
Terceira parte: oito anos depois. Lugar: um tribunal. Os réus: a senhora Anna
Clemencia Joubert e Emílio d’Estievant. Ambos acusados de forjar um testamento no
qual Emílio figura entre os herdeiros da fortuna do senhor Casaneuve, marido de Anna.
O rapazinho das duas partes iniciais é agora o advogado de defesa de Anna. Foi
designado pelo governo devido à difícil situação financeira da ré. Emílio d’Estievant era
sobrinho de Casaneuve. Com ciúmes de Emílio, que acreditava ser amante de sua
165
Vale observar que “Uma Aventura (1812)” foi dividida em três partes. Com cerca de 6 páginas e meia,
é possível considerá-la uma das histórias longas do Gabinete de Leitura.
113
esposa, Casaneuve o deserda e afasta sua esposa de casa. Depois da morte do marido,
Anna aparece com um outro testamento no qual Emílio está entre os herdeiros. Emílio
recebe a herança e se casa com uma outra jovem, também muito rica. O processo é
aberto por um dos herdeiros que, ao voltar de uma longa viagem, desconfia de que o
testamento era falso. O advogado, quando vê o timbre no papel do testamento, percebe
que inconscientemente participara do crime. Passa mal e precisa ser substituído. Nada
fica provado, e os réus não são incriminados. Algum tempo depois, o advogado recebe
uma carta de Anna, que agora reside em Nova York. É na carta que revela que está
pobre, sozinha e muito doente. Alega que tudo que fez foi por amor e que Emílio nada
sabia sobre o falso testamento. Confessa que, na época em que cometera o crime, mesmo
consciente de que Emílio já não a amava, imaginou que talvez seu gesto o
reconquistasse. Admite que seu esforço fora em vão. Sua punição, como ela mesma
afirma, foi ver Emílio gozar a fortuna com outra. Resignada, diz acreditar que a punição
que o destino lhe impôs foi maior do que qualquer justiça humana.
Percebe-se que, em “Uma aventura”, certos elementos estruturais da narrativa
auxiliaram na intensificação do clima de suspense e mistério, prendendo o leitor até o
término da história: 1) os cortes em momentos estratégicos de forma a manter o leitor
em suspenso; 2) o ponto de vista subjetivo do narrador-personagem que, assim como o
leitor, não sabe o que está por trás da situação na qual foi envolvido. Em conseqüência
disso, há uma maior aproximação do leitor com relação à experiência vivenciada pelo
narrador. 3) o desfecho esclarecedor, pois é somente na carta de Anna que o narrador (e
o leitor) vem a saber os motivos que a levaram a cometer o crime.
Elementos como esses, muitos dos quais retirados das histórias que começavam
invadir os rodapés dos jornais franceses e, por tabela, os brasileiros, pouco a pouco iriam
habituar os leitores a esse tipo de enredo. Muita ação, situações dramáticas, amores
impossíveis, heróis e heroínas destemidos, que arriscam a honra e a própria vida por um
amor.
Ao estudar o herói romântico do teatro francês da década de 1830, Almeida
Prado delineia como o amor passou a ser visto na época:
O amor (...) como experiência vital e única, não admite meio-termo,
compromissos, concessões. Ou tudo ou nada. Ou vence os obstáculos,
alcançando a plenitude, a comunhão perfeita, a felicidade sem restrições, ou
busca a paz aonde é certo alcançá-la. Indiferente à vida e à morte, caminhando
114
como se num fio suspenso sobre o nada, sentindo a atração do abismo e a
presença exaltante do amor, o herói romântico mantém até o fim a sua preciosa
ambigüidade.
166
A barreira não está entre os amantes, homem e mulher, unidos por laços
espirituais e carnais, mas sim entre eles e o mundo,
...entre o amor, entendido como um absoluto capaz de relativizar todas
as outras relações humanas, e as convenções morais ou religiosas da
coletividade.
167
Os obstáculos que se interpõem entre os amantes podem ser a diferença de classe,
de religião e, até mesmo como veremos mais à frente, de ideologia. Não obstante, o
entrave mais comum é o casamento, que é visto como uma forma institucionalizada do
amor, imposta pelas leis da sociedade e não pelas do coração. Esse é o caso da história
“O Proscrito – Episódio da Insurreição Irlandesa”. Nela, de certa forma, os amantes
acabam por enfrentar todas essas barreiras combinadas. O cenário é a Irlanda, final do
século XVIII. Eduardo é de uma antiga família católica, que teve suas terras confiscadas
pelo governo. Maria, filha do conde de Lockwood, “uma das mais ricas herdeiras do
condado”. A família dela é protestante. O pai não permite o casamento, pois nunca
casaria a filha com “um papista”. Os jovens passam a se encontrar furtivamente à noite
no bosque. O pai descobre e, no dia seguinte, leva-a para a França. A jovem somente
teve tempo de escrever ao rapaz uma carta de despedida. Eduardo vai para a França e se
alista no exército. Imagina que talvez o conde mudasse de idéia se alcançasse alguma
distinção militar. Três meses depois, o conde de Wexford, em viagem pela França, se
enamora de Maria e a pede em casamento. Apesar dos seus protestos e choros, Maria
não tem outra alternativa senão ceder à imposição do pai. Eduardo recebe a notícia e
sofre muito, mas nada lhe resta fazer senão se consolar.
Seis anos depois. Irlanda. Explode a rebelião dos católicos contra os
protestantes. Eduardo, ao saber dos problemas de seu país, “não podia continuar em
França: a honra e o dever o chamavam à sua pátria em defesa da religião e da liberdade”.
166
Prado, Décio de Almeida. Teatro de Anchieta a Alencar. São Paulo: Perspectiva, 1993, p.231.
115
Eduardo assume o comando do insurgidos e o conde de Wexford assume o posto de
magistrado em Dublin.
Como tática, o exército rebelde decide seqüestrar a esposa de Wexford para tê-la
como trunfo, abalando assim a força da repressão. Arma-se uma emboscada na estrada
em que carruagem irá passar. A condessa é feita prisioneira do exército rebelde. Não fica
difícil prever o que se segue. Eduardo, ao ver sua amada, percebe que o amor que sentia
por ela em nada havia diminuído. Maria sofre um dilema: seguir seu coração e dar vazão
aos sentimentos, ou ater-se a seu dever de honra como esposa. Eduardo, por seu turno,
também se divide entre honrar seu dever para com seus companheiros e,
conseqüentemente, para com a rebelião ou proteger sua amada de qualquer eventual
perigo que a ameace. Resolve reconduzir Maria para junto do marido.
Na hora da partida, um mensageiro mostra a Eduardo um anúncio de recompensa
pela sua captura, vivo ou morto. Surpresa, Maria acaba dando demonstrações de que
ainda o ama (ela desmaia ao ler o bilhete). Fica implícito que ela decide ficar com
Eduardo.
Quinze dias depois, as tropas reais derrotam os insurgidos e Eduardo é feito
prisioneiro. Um mês depois, os rebeldes capturados vão a julgamento. Junto a Eduardo
há um outro jovem que ninguém consegue identificar porque usa um chapéu que lhe
cobre o rosto.
Antes de seu julgamento, Eduardo pede ao juiz, o conde de Wexford, que liberte
o jovem rapaz devido à sua idade e ao fato de ser inocente, o que lhe é concedido.
Condenado, Eduardo sofrerá a pena naquela mesma hora e local.
Vejamos a cena:
Eduardo, dirigindo-se então com passos firmes para o fundo da sala,
tirou de seu peito um lenço branco; levou-o aos lábios com emoção, e depois
atirou-o com um riso melancólico ao jovem prisioneiro que, apesar de absolvido,
não cessava de chorar e soluçar. Mas logo que teve o lenço em suas mãos,
sufocou seus suspiros e seus gemidos, e seus olhos repentinamente cheios de
fogo tomaram uma estranha expressão. Depois vendo Eduardo de joelhos com
as mãos nos olhos, e as espingardas que se abaixavam e dirigiam para a
vítima, pôs-se à espera e a ouvir. Seu rosto estava lavado em suor, seus dentes
rangiam com força, e foi fácil ver que fazia violentos esforços para fazer calar a
desordem e as angústias de sua alma. Eduardo pronunciou pela derradeira vez
167
Idem, p. 226.
116
estas palavras: — Adeus, Maria, adeus. — Imediatamente foi dado o sinal de
morte; ao mesmo tempo se ouviu um grito cruel; o jovem prisioneiro se precipita
para Eduardo, apertou-o em seus braços, e ambos caem ao mesmo tempo
banhados em seu sangue, com a cabeça despedaçada pelas mesmas balas.
Para fechar com chave de ouro, ainda resta o último parágrafo, no qual o conde
de Wexford retira o chapéu do jovem suicida e reconhece nele sua amada esposa.
Nessa narrativa, além da proibição paterna devido às diferenças de classe e
religião e o posterior casamento da jovem com o conde de Wexford, há mais um
elemento que se interpõe à plena realização do amor: o herói e a heroína estão em lados
opostos de uma luta política.
Além do ideal do amor, a história também traz o herói que luta em favor dos
menos favorecidos contra as injustiças causadas por um sistema autoritário e arbitrário,
que usa a força para oprimir seu povo.
As condições adversas enfrentadas pelos insurgidos são compensadas pela
determinação, disciplina e coragem do grupo:
Poucos dentre os Niveladores, ou White-Boys, como os chamavam,
estavam munidos de sabres, espingardas e pistolas, e mesmo só os tinha os
cavalheiros, os chefes, ou seus parentes em qualquer grau, e os que tinham
algum título imediato a seu apoio e proteção. Mas nas linhas inferiores,
achavam-se indivíduos de ordem mais baixa, os lavradores, que todavia não
queriam que lhes dessem esta denominação. Entretanto vestiam a libré da
indigência extrema, estavam mal armados, quase nus, a mor parte era mal
conformada e de miserável aspecto.
(...)
Este estava armado de uma acha ou duma espada sem bainha, aquele
duma espingarda sem fechos, outro duma foice posta em alguma vara, alguns
só tinham facas, ou paus e estacas arrancadas das cercas. O ar selvagem
destes homens, sua barba e seus cabelos em desordem os tornavam objeto de
espanto e terror.
(...)
Entretanto seus hábitos de independência e liberdade, que todavia
sabiam subordinar às ordens de seu chefe, e o modo particular de disciplina dos
Irlandeses, os fazia igualmente formidáveis por sua bravura individual e pela
convicção da necessidade que tinham de obrar de acordo para dar a seu
gênero de ataque todas as possíveis probabilidades de triunfo.
117
Eduardo, ao abraçar a luta pela liberdade de seu povo, assume a condição social
de um pária dentro da ordem que domina seu país. A perseguição e a punição do rebelde
marginal fazem da sua morte símbolo de sua coragem, altivez, abnegação e lealdade à
causa abraçada. Assim como para os amantes:
A morte é o ponto de convergência entre as aspirações secretas do par
romântico, desejoso de abandonar um mundo que não está à sua altura, e as
determinações da sociedade, ansiosa por punir os transgressores da lei.
168
Em “Um Episódio da Guerra Civil de Espanha”, de Jules A. David, o pano de
fundo é a guerra civil que assolava a Espanha, iniciada após a morte do rei Fernando VII
(1784-1833), devido a divergências quanto à sucessão do trono. Parte da população,
principalmente a ala liberal e radical, apóia a causa de D. Carlos (1788-1855), irmão de
Fernando, que alega ser o legítimo sucessor. Enquanto a parte mais conservadora dá seu
apoio a Maria Cristina (1806-1878), viúva de Fernando, que assume a coroa como
regente, uma vez que a filha, Isabela II, ainda é muito pequena. O assunto era bastante
atual e foi amplamente noticiado e discutido pelos jornais brasileiros da época.
Logo no início o narrador faz o seguinte comentário:
Para compreender as dores e crimes que consigo arrasta uma guerra
civil, releva não olhá-la em seu todo, mas em seus acidentes: não é no campo
de batalha que se devem fixar os olhos, é no interior das famílias, aí se acham
almas cortadas de dor, corações que sangram, sentimentos fora da natureza,
inquietações e desesperações de todas as horas. Que é a ferida do corpo em
comparação dessa chaga moral, que mão alguma cicatrizará, e a desordem de
uma peleja em comparação da desordem doméstica que reina nos palácios dos
reis e na última cabana? Não se diga Carlos contra Cristina; diga-se o filho
contra o pai, o esposo contra a mulher, o irmão contra a irmã, e por toda a parte
o ódio. Quando as públicas calamidades se transformam também em agonias
individuais que cada qual devora em silêncio, não pode existir pintor tão
fecundo, teia tão vasta que as perpetue; dolorosa é a escolha, e reproduzem-se
as que pela graça tocante ou pela fortuna do herói se tornam mais pungentes.
168
Prado, Décio de Almeida. Op cit., p. 229.
118
Esse comentário é significativo em relação ao tipo de abordagem histórica
presente em grande parte da prosa de ficção publicada no Gabinete de Leitura que se
intitula “romance histórico” ou “novela histórica”. Nesse tipo de narrativa, os contextos
e eventos históricos servem apenas como pano de fundo para personagens fictícias
viverem um drama doméstico ou uma história de amor. Todavia, no comentário, o
narrador não só revela o tipo de ficção que será oferecida ao leitor — os dramas mais
“pungentes”, como também se coloca no papel daquele que simplesmente escolhe quais
serão narrados. Com tal procedimento, sua história ganha estatuto de veracidade, uma
vez que foi “colhida” entre os muitos “dramas” da vida real.
Nessa história, o desfecho trágico final é devido a questões ideológicas. Isso
porque, inicialmente, nada há que impeça os amantes de se casarem. Ambas as famílias
são nobres e ricas e o casamento está em vias de se concretizar. Porém, com a morte do
rei D. Fernando, D. Leão resolve juntar-se ao comando das tropas que lutariam pela
causa de D. Carlos. Seu casamento com a jovem Teresia é, assim, adiado até que a
situação se normalize.
Os anos de guerra e a convivência com as tropas insurgidas, descritas como um
bando de bandidos e salteadores, transformam o caráter e a personalidade de D. Leão. O
homem de nobres princípios se torna frio, calculista, pronto para matar e saquear vilas e
povoações.
Um certo dia, a tropa faminta resolve atacar um castelo da redondeza, o qual D.
Leão reconhece pertencer ao pai de Teresia, D. Gomes. Sem poder revelar sua antiga
relação com a família de D. Gomes (que era cristino
169
) e vendo que nada que fizesse
conseguiria impedir a tropa de atacar e saquear o castelo, D. Leão arma um plano para
tentar salvar Teresia. O plano (com direito a disfarces e fugas no meio da noite) falha. A
figura encarapuçada que D. Leão leva para longe do castelo não é Teresia, mas sim D.
Gomes. Sem saber que Teresia ainda estava no castelo, D. Leão chega no exato
momento em que seus homens preparam-se para violentá-la. D. Leão saca a pistola e
mata Teresia. Profundamente abalado, toma consciência de seus erros. Quando D.
Gomes chega com o exército para reaver o castelo, D. Leão se mata. A tragédia termina
169
Cristinos e carlistas eram expressões usadas, na época, para designar quem apoiasse a rainha Maria
Cristina ou D. Carlos, respectivamente.
119
com D. Gomes chorando a morte da filha e daquele que poderia ter sido seu genro.
Desgraça pouca é bobagem, como diz Marlyse Meyer.
Há várias narrativas no Gabinete de Leitura que têm como pano de fundo
acontecimentos ou personalidades históricas. Um exemplo é a já mencionada “Execução
de Joanna Grey” de Frédéric Soulié, que traz o subtítulo “História”. Nela, como vimos, a
beleza, inocência e juventude da jovem rainha inglesa, sua atitude de completa
resignação perante a morte, além do fato de ela ter sido um simples peão no jogo de
interesses políticos despertam no carrasco uma tomada de consciência quanto à sua
função dentro do sistema sócio-político da época.
A condessa Marie Jeanne du Barry (1743?-93), filha de uma costureira e que
chegou a ser amante de Luís XV, é a personagem central de “O Profeta Misterioso”. Já
em “Um Protestante e um papista”, os personagens são o monge dominicano alemão
Johann Tetzel (1465-1519), o teólogo alemão e reformador religioso Martinho Lutero
(1483-1546) e Katherina von Bora (1499-1552), freira alemã que adotou o
protestantismo e, mais tarde, casou-se com Lutero. De autoria de Eugénie Foa, “A Cruz
da Ponte – Novela” tem como protagonista François Jean Lefebvre (1745-1766),
conhecido como o Cavalheiro de La Barre, decapitado sob a acusação de quebrar a cruz
de uma ponte em Abbeville na França. Em “Um Rapto”, de Raymond Brucker, temos
Maquiavel na Itália renascentista.
Contudo, seja como personagem, ou por meio de seus oficiais, de sua corte ou de
seu exército, Napoleão é a figura histórica mais presente na prosa de ficção e
miscelâneas do Gabinete de Leitura. Como é o caso da bem-humorada história “O
Rabugento – Esboço Biográfico”, sem menção do autor, que alega ser a biografia de um
dos soldados mais dedicados e mais mal-humorados de Napoleão. Como também em “O
Lanceiro Polaco”, de autoria da duquesa de Abrantes, que narra os percalços de um
soldado polaco do exército de Napoleão que tinha como missão atravessar as estradas
espanholas tomadas pelas tropas de resistência, com o objetivo de levar uma mensagem
de Murat para o general Junot, em Portugal.
Dentre as narrativas em que Napoleão figura, uma se destaca por retratar um
período histórico que os brasileiros certamente conheciam bem — a época da ocupação
de Portugal pelo exército napoleônico. “Um Oficial de Napoleão – Histórico”, de B.
Gallet, se passa em Lisboa, na primavera de 1808, e seria mais uma narrativa de amor
120
inserida em um momento histórico se não fosse pelo fato de conter uma alta dose de
nacionalismo português.
Cena inicial: dois jovens, sentados e conversando em um cemitério (atrás da
igreja de Santa Catarina) em Lisboa. Frederico é um oficial do exército de Napoleão, e
Catarina, uma bela jovem portuguesa. Apesar de estarem apaixonados, divergem quanto
à maneira como vêem a presença francesa em Portugal. Note-se no diálogo abaixo o
forte nacionalismo:
— Oh, meu Frederico! disse Catarina, lançando um de seus braços ao
pescoço do mancebo, enquanto lhe mostrava com a outra mão uma estrela,
que se tornava então visível por se haver desviado uma nuvem; aquela estrela
é o emblema de Portugal. Ele reviverá como ela... e em breve a opressão
estrangeira fugirá de seu solo como esta nuvem...
— Ah! minha rebeldezinha, respondeu Frederico sorrindo-se, não
somos Godos ou Árabes... Viemos à vossa pátria para vos proteger e não para
oprimir-vos... e além disso, acrescentou maliciosamente o jovem oficial, vossos
Portugueses poderiam tentar de novo resistir ao homem que já conquistou os
três quartos do mundo!
— E por que não? Senhor, replicou Catarina com impaciência, vossos
soldados são brutos e valentes, mas batem-se sem motivo e assassinam por
dever... Fomos vencidos por vosso Mecena, mas nossa submissão é aparente...
dum dia para outro nos levantaremos mais fortes e temíveis... e, acreditai-me,
combateremos melhor para conservar nossa nacionalidade, do que vós para
roubar-no-la.
Catarina define seu pai como um “patriota fanático”, que nunca aceitaria a união
da filha com um oficial francês. Por ter se tornando amante de Frederico, Catarina
acredita que renegou sua pátria e deseja que ambos fujam para a França para se casarem.
O que ela não sabe é que ele já é casado.
Cena II: Palácio Imperial. Napoleão, impaciente, espera a chegada de uma
comissão formada por 17 deputados portugueses. Junto aos deputados estão Catarina
(disfarçada de jovem oficial) e seu pai (com um uniforme de capitão português). A
deputação era liderada pelo conde de Lima, “antigo embaixador de Portugal em Paris”.
Depois de cumprimentar a todos, Napoleão diz:
— Não sei o que hei de fazer de vós... Tornou o imperador... No mapa
da Europa somente sois um ponto... Não estais muito unidos, nem sois assaz
121
numerosos para fazer um povo de vós...Tendes sido por dez vezes
conquistados. Vosso rei vos abandonou como um cobarde...
E, dirigindo-se diretamente ao conde de Lima, já indignado por estes
preliminares:
— Que população tem Portugal?... dois milhões de homens.
— Mais de três, respondeu o conde.
— Lisboa tem cento e cinqüenta mil almas....
— Mais do duplo, tornou o conde de Lima.
— Não importa... continuou Napoleão... três milhões de homens não é
volume suficiente para fazer um povo... Que quereis?... vejamos.... Quereis ser
espanhóis?”
O conde de Lima levantou a cabeça, roxo de cólera, sua indignação
pareceu-lhe dar mais de dez pés de altura.
— Não!!! Exclamou ele, levando a mão aos copos de sua espada, e
com uma voz atroadora que abalou as abóbadas do palácio.
(...)
Quando a deputação se retirou, Napoleão voltou-se para o marechal
Duroc
170
:
— Estes Portugueses são fanáticos pela nacionalidade... e acrescentou
com ironia: O conde de Lima acaba de dar-me um não soberbo.
Neste ponto da narrativa o leitor fluminense é informado por meio de uma nota
de rodapé que “esta cena é toda histórica”. Segue o drama dos dois jovens. O pai
descobre o romance entre a filha e Frederico. Desafia o rapaz para um duelo, mas o
jovem recusa-se a lutar. Levado pela cólera e pela “desonra” da filha, o pai acaba por
ferir o rapaz mortalmente no peito. A notícia se espalha rapidamente pela cidade.
Abalado pelos acontecimentos, o velho não oferece resistência quando os franceses o
prendem. O próprio Napoleão se encarrega de interrogá-lo, porquanto Frederico era um
de seus oficiais prediletos. Ao saber das razões que levaram o velho pai a cometer o
crime, Napoleão por um instante se mostra compadecido, contudo, não hesita em
mandar fuzilá-lo. Os rogos e súplicas de Catarina de nada adiantam. O narrador,
contudo, revela o lado humano de Napoleão, quando, comovido pelo drama, ele enxuga
“a furto uma lágrima”. Mas logo em seguida é o poderoso imperador francês que afirma:
“É triste (...) mas a clemência assemelha-se muito com a impunidade”.
170
A referência é ao marechal francês Geraud-Christophe-Michel Duroc (1772-1813).
122
No parágrafo final, o desfecho do drama moral vivenciado pelo pai,
patrioticamente referido como “o Português”, remete à situação do povo lusitano
subjugado ao domínio estrangeiro. Segue a lição moral:
O Português morreu com a coragem de um soldado e com o fervor de
um cristão. Catarina depois de ter mandado rezar missas em todas as igrejas
da cidade pelo repouso eterno de seu amante e de seu pai, professou no
convento de Santa Cecília. Quase consolada por essa benéfica religião que
cicatriza todas as feridas, passando sua vida na prática da caridade e das boas
obras, é o anjo da guarda da santa comunidade, e os habitantes de Lisboa não
falam nunca duma mulher piedosa e resignada sem citar o nome de Catarina.
Percebe-se, pois, que o corpus ficcional inglês presente no Gabinete de Leitura
difere significativamente dos outros textos de prosa de ficção ali publicados. Numa
primeira leitura, constatamos que uma das diferenças está diretamente relacionada aos
temas. Nas histórias britânicas não há heróis ou heroínas, enredos sentimentais trágicos,
nem finais consoladores. Não há heroínas que se redimem de seus erros dedicando-se à
caridade em prol da comunidade, como é o caso de Catarina em “Um Oficial de
Napoleão”. Nem mulheres destemidas que enfrentam tudo e todos, muitas vezes
colocando sua própria honra e reputação em jogo em defesa de um amor. Também não
há histórias de amor, intriga e espionagem, tal como em “Veneno e Chocolate”, na qual
uma ousada espiã inglesa, a mando do governo britânico, penetra na corte de Napoleão
disfarçada de condessa austríaca com o intuito de conspirar para a queda do imperador
francês e preparar o terreno para a volta de Luís XVIII. Não há heróis que lutam por uma
causa ou que se apaixonam por desconhecidas.
Outro ponto que se observa nas histórias não-inglesas é o tratamento dado pelo
narrador tanto com relação aos personagens quanto à própria matéria narrada. Nelas não
há ironia. Ao contrário, há um nítido empenho do narrador em enaltecer as qualidades
dos “bons” ou apontar os defeitos dos “maus”. Sua atitude é de quem simplesmente
“narra uma história acontecida”. Diferentemente dos narradores ingleses que, como
vimos, geralmente mantêm uma posição crítica tanto em relação aos personagens quanto
à sociedade. Importante ressaltar que, apesar de no processo tradutório de alguns dos
originais ingleses, como se pôde observar, ter ocorrido uma certa atenuação do tom
crítico do narrador, a versão brasileira, contudo, não anula de todo esta postura.
123
Em parte, essa atitude crítica dos escritores ingleses tem raízes no próprio
contexto histórico da Inglaterra das primeiras décadas do século XIX. Isso porque, se,
por um lado, o desenvolvimento do capitalismo industrial, a posição de liderança no
comércio internacional e o sistema político representativo colocaram a Inglaterra como a
nação mais poderosa do mundo ocidental, por outro, geraram problemas até então nunca
enfrentados e com os quais os escritores mais conscientes tiveram de lidar. Isso se torna
mais evidente a partir de 1830 com a abertura democrática à participação de parte da
classe burguesa nas decisões do país, momento em que a burguesia instala-se
definitivamente como classe dominante. A possibilidade de ascensão social gerada pelo
desenvolvimento do capitalismo industrial ao mesmo tempo que criou uma nova
consciência de classe também pôs a nu a exclusão de grande parte da população, em
especial a da classe trabalhadora. A transformação do trabalhador em escravo-máquina,
vivendo nos grandes centros urbanos em condições precárias e tendo de enfrentar o
fantasma da instabilidade econômica, era uma realidade que não podia ser negada.
Para Bulwer-Lytton, a era romântica terminara com a morte do poeta e
aristocrata Byron em 1824:
When Byron passed away, the feeling he had represented craved
utterance no more. With a sigh we turned to the actual and practical career of
life: we awoke from the morbid, the passionate, the dreaming, (...) and by a
natural reaction addressed ourselves to the active and daily objects which lay
before us... Hence that strong attachment to the Practical, which became so
visible a little time after the death of Byron, and which continues (unabated, or
rather increased) to characterize the temper of the time.
171
As mudanças na percepção do mundo causadas pelas novas condições
econômicas, políticas e sociais nos ajudam, de certa forma, a compreender o
posicionamento crítico de pelo menos uma parcela dos escritores ingleses em relação aos
problemas e tensões inerentes à sociedade moderna na qual estavam inseridos. Isso,
contudo, não resolve de todo o nosso problema. Principalmente porque lidamos aqui
171
[“Quando Byron morreu, o sentimento que ele representou não mais ansiou expressar-se. Com um
suspiro nos voltamos para o lado real e prático da vida: despertamos do mórbido, do passional, do sonho
(...) e numa reação natural, nos voltamos para os objetos vivos e diários que estavam à nossa frente... Daí
este forte apego ao Prático, que se tornou tão visível pouco tempo depois da morte de Byron e que
124
com prosa de ficção publicada em periódicos ingleses voltados para o mercado e que
procuravam atender ao gosto de um público leitor que ainda se deleitava com as histórias
sentimentais e melodramáticas, com os grandes feitos de heróis e heroínas, mocinhas
seduzidas, virtudes perseguidas, vilões devidamente punidos, mães sofredoras e crianças
maltratadas.
172
Por que, então, a prosa de ficção inglesa publicada no Gabinete de Leitura não
corresponde a esse tipo de ficção?
Outro ponto a ser considerado é a complexidade da estrutura narrativa do corpus
de textos ficcionais britânicos analisados. A presença de longas passagens descritivas,
assim como as constantes digressões e intervenções do narrador que interrompem o
fluxo narrativo estão presentes nos textos ficcionais britânicos.
Vejamos um trecho de “The Alibi: An Assize Anedocte”. A passagem vem logo
após o comentário inicial do narrador quanto ao estado de euforia que toma conta das
cidades irlandesas na época da reunião dos juízes. Importante observar no original inglês
a tentativa de se reproduzir o dialeto local na fala dos personagens, assim como a crítica
do narrador em relação ao modo de ser dos irlandeses:
The host of “The Flaherty Arms” was up to his eyes in business, serving
custormers at the bar, superintending the dinner-dressing in the kitchen, running
up stairs after the chambermaid, and down stairs after the cook, seeing that
ostler “whisped down” the horses, that the waiter “rubbed up” the spoons, knives
and forks, and glasses; that “ the boy” was cleaning the boots; “the girl” plucking
the poultry; thus duly keeping himself in practice for his own supereminent
vocation of plucking the customers. In the midst of this bustle – but I cannot
vouch for the landlord’s particular locality at the moment, whether kitchen,
pantry, or scullery, he was attracted by a loud ringing at the outer bell, and
vociferous bawls for the ostler, passed through a straggling crowd of servants
and retainers, in his various titles of “Tim!” “Carney! !” “Tim Carney!!!” — and by
such soft inducements as “why thin, bad luck to you Tim, why don´t ye run to the
bell?” “To the devil wid you Carney, can´t you come whin they´re callin´ you?
“Tim Carney, you brute, why do you keep the jintleman and his sarvint and the
other bastes waitin´?”
continua (de maneira igual, ou até maior) a caracterizar o espírito do tempo.”] Bulwer-Lytton, Edward.
England and the English, 1833, livro 4, cap.2. Apud Davis, Philip. The Victorians. Op. cit, p. 272.
172
Richard Altick cita os títulos Fatherless Fanny e The Mysterious Orphan como exemplos do tipo de
histórias sentimentais consumidas pelo público leitor das décadas de 1830-40 na Inglaterra. Altick,
Richard. The English Common Reader. Op. cit, p. 290.
125
“ Pray, thin, mister Timothy Carney,” at last said the landlord, seeking in
his own person the dilatory functionary in the darkest recess of the stables, “by
what manes do you daar to keep the qwallity stannin’ in the street while you are
snorin’ under the manger? It’s a nate patthern of an ostler you are, is’nt it? Why ,
thin, the curse o´Cromwell on you, Tim Carney , this blissed day , but it´s a broth
of a boy you are, an’ might fit for an ostler at the head inn of a county town in the
’sizes! Bad scratch to ye, Tim, an’ the likes o’ ye for a lazy, limpin’, ould, good-
for-nowthin’ thief o’ the world!”
To all this abuse, and the loud shouts of laughter which accompanied it
from all the “by’s” and girls, old and young, who lounged in the yard and under
the gateway, old Tim only muttered, as he hobbed along, his opinion that some
one out of all those who took such to call him might themselves have taken hold
of the horses and led them into the stable. To the justness of this opinion my
readers will no doubt give their assents. But the division of idleness is a
too well established principle of political economy in Ireland to run any
risk of being violated, by any one individual doing any thing that isn’t “his
place”.
“Why thin, my gracious! Dinnis Murphy”, exclaimed mine host,
reproachfully but pathetically, as he encountered the waiter with an arm full of
plates and dishes, and flirting with the kitchen maid in the passage, “could’nt you
have thrun down thim crockery, and helped the jintleman to get off his horse,
while he was waitin’ in the sthreet for that draamin’, ould hop-an’-go-constant of
an ostler of yours?”
“Indeed, Mr. Mulligan, I don’t think that’s the business of a head waither
entirely. Any how it’s not my place.”
(...)
The landlord found no greater satisfaction from the boot-boy, or the cow-
boy, or the cook, in arguing and disputing with whom he lost a good quarter of
an hour of his own and their time, while the gentleman in the tile-floored and
sand-covered parlour was waiting with great seeming patience, first for the
waiter and then for the host, who were respectfully roared after and hallooed for,
in modifications of the same kind of summonses as were addressed erewhile to
the ostler.
When Mr. Mulligan at last bowed himself into the parlour, he was not a
little struck with respect, and somewhat with admiration, at the presence of his
new customer.
(meu grifo)
126
No trecho destacado, observa-se que, ao emitir sua crítica, o narrador dirige-se ao
leitor de maneira a fazê-lo concordar com seu juízo em relação aos irlandeses. O diálogo
entre Mr. Mulligan e seus empregados (parte dele por mim omitido por ser bastante
extenso) confirma o tom crítico do narrador, uma vez que vários dos empregados, ao
serem repreendidos pelo estalajadeiro por não terem atendido ao hóspede recém-
chegado, respondem-lhe que não tinham sido contratados para tal tarefa.
Por outro lado, no trecho da versão brasileira é nítido o empenho do tradutor em
resumir as imprecações do estalajadeiro, assim como o longo diálogo entre ele e os
empregados da estalagem. Note-se também que a crítica formulada pelo narrador inglês
desaparece do texto brasileiro:
O estalajadeiro das Armas de Flaherty era talvez neste momento o
homem mais ocupado da cidade. Sua casa estava cheia de estrangeiros, e ele
se esforçava, com o vigilante olhar do dono, por manter uma aparência de
ordem no meio da confusão que aí reinava. A sineta da porta exterior da
estalagem soou-lhe aos ouvidos, uma e mais vezes, e foi o sinal dum chuveiro
de injúrias irlandesas, com que messer Mulligan mimoseou todos os seus
criados, machos e fêmeas, moços e velhos.
— Onde estais malditos incrédulos? Ide receber a pessoa que chega,
canalha ! Vá o moço da cavalariça pensar-lhe o cavalo, e tu, Betsy, doidinha,
prepara a este belo senhor um copo de grog e tua mais graciosa cortesia. Com
todos os diabos! andem todos ao mesmo tempo, andem ... Ah ! que inferno
aturar esta gente !
A voz irada de messer Mulligan troava ainda quando foi introduzido o
nobre estrangeiro a (sic) sala dos hóspedes ladrilhada e areada da estalagem,
onde ficou só por alguns instantes até que se acalmou um pouco a cólera do
estalajadeiro. Finalmente este, sem poder tomar respiração, entrou e balbuciou
algumas palavras de desculpa, e veio respeitosamente receber as ordens do
recém-chegado.
O que se percebe, pois, é que na versão brasileira ao mesmo tempo que há um
enxugamento do texto, que torna o enredo mais ágil, também há uma alteração sensível
da forma narrativa. Esses mesmos procedimentos ocorrem em escala ainda mais
acentuada em “O Amador da Vida Campestre”. Assim como o exemplo anterior, aqui
também é possível observar as constantes intervenções do narrador que, de forma
irônica, volta sua crítica ora para o personagem, ora para a sociedade moderna:
127
“Fieldlove now set seriously about looking out for a place in the country
to which he might retire; and it seldom happens, in this happy land, that a person
who has plenty of money to spend, need be long in want of anything which he
may wish to procure. The Humdrummie estate was to be sold. It was situate
[sic], sixty miles distant from London, in a fine country, possessing the
advantages of fine shooting, fine fishing, fine coursing, fine hunting. It consisted
of about one hundred acres, more or less, comprising pleasure-grounds, lawns,
shrubberies, orchards, fruit and flower-gardens, and (from the undulating
character of a considerable portion of the land, facilities for forming [sic]) one of
the most beautiful parks in England — and which required nothing but to be
planted. Immediate possession might be taken, as the house was (as usual,
stated to be) in complete repair. New white-washing, plastering, and papering,
from top to bottom, and fresh painting, inside and out, it required, of course —for
this is the least which a house in complete repair generally does require. It is
true the house was partly unroofed, though, luckily, only at that part of it where
the servants’ bed-rooms were. Then, the flooring of some of the lower rooms
was rotten; and some of the window-frames were decayed; and some of the
doors were warped and would not shut; and others were warped and would not
open; and, then, there was a crack, here and there, in the main walls. But as
these were trifles which might be attended to, or not, entirely at the option of the
purchaser, the house was (in the liberal sense) in complete repair. Fieldlove
went down to see the place, and was delighted with it. Not the least of its
charms, in his eyes, was, that it was seven miles away from the nearest town,
Bobston; two from Dumbleditch, the nearest village; and (being more than a mile
off the high road) was to be approached only by a most rutty and romantic cart-
road. What on earth could be more rural! It realized, nay exceeded, his wildest
visions of country. Within three days after his return to town, Humdrummie
House was his. “And now,” he exclaimed, “am I soon to be a country-
gentleman!”
Paper-hangers, painters, plumbers, glaziers, carpenters, bricklayers,
and masons, were forthwith set to work; and, in about five months, the house
(which five months before was said to be in complete repair and ready for
immediate possession) was rendered habitable — allowing, still, three or four
weeks for it to become perfectly dry. Then came the upholsterer and his train. At
length, everything being ready, Mrs. Fieldlove and children (for, since their
marriage, three had made their appearance) were sent down; and Fieldlove
himself (he being now, by the introduction of a son of Mr. Bales into the firm,
relieved from a portion of his labours in the business) would occasionally take an
opportunity of going there for a couple of days at a time. To find himself shooting
or fishing on his own domain! What more could life bestow — than to relieve him
128
from all other occupations? Rod or gun in hand he was abroad from the rising till
the setting of the sun. Then would he return, delighted and fatigued, recount his
exploits by “flood or field,” eat his dinner — and go to bed. Had the day been
twice as long it had still been too short to satisfy him. The next morning would
find him again stirring with the lark; but, alas! For no pleasanter purpose than to
mount the London coach and return to Mincing-lane. These visits to
Humdrummie, which were short and seldom, served but to increase his appetite
for a country life: so at the end of two years more, which brought him to the age
of forty, he withdrew his capital from the concern and retired altogether from
business. “To curing your husband till he died,” is said to have been the form of
an apothecary’s bill to a poor widow. Fieldlove’s share of the profits, made by
the West-India house in which he was a partner, had been considerable: this will
scarcely be credited now: but they were acquired before certain Doctors had
taken “to improving our Colonies till they were ruined.”
Behold him, with an ample fortune, established at Humdrummie House!
“And now,” he exultingly exclaimed, “I am a country-gentleman; and, in the
enjoyments of a country life, here will I pass the rest of my days!”
Por sua vez, na versão brasileira de “O Amador da Vida Campestre”, a supressão
de vários trechos descritivos e das constantes intervenções irônicas do narrador é ainda
mais evidente:
Então tratou de comprar uma casa no campo, e com efeito achou uma a
60 milhas de Londres, com boa caça, pesca, e belos campos para correr.
Podia-se tomar imediatamente posse da casa, porque, como acontece a todas
as propriedades que estão para vender, havia sido reparada de pouco tempo e
completamente. Todavia era preciso consertar o assoalho dos quartos dos
criados. Algumas tábuas de outros estavam um pouco danificadas, algumas
janelas estavam empenadas; algumas portas não queriam fechar-se enquanto
outras não queriam abrir-se; mas tudo isto ficou pronto em menos de cinco
meses, e neste espaço toda a caterva de pintores, vidraceiros, carpinteiros,
arquitetos, etc., etc. foi despedida. Era preciso esperar ainda três ou quatro
semanas para que tudo estivesse completamente seco. Finalmente Fieldlove,
sua mulher e seus três filhos, que já os tinham, fizeram sua entrada triunfal em
seu castelo. Poder enfim caçar e pescar! ó que felicidade ! Fieldlove levava todo
o dia fora de casa, armado de espingarda ou de anzol! À noite voltava cansado,
mas contentíssimo, e contava o que tinha feito até que viesse o sono.
129
Cabe ressaltar que os procedimentos tradutórios utilizados na época não se
pautavam pela fidelidade ao texto original. Numa época em que a regulamentação dos
direitos autorais era bastante precária, a livre apropriação de obras por quem as pirateava
ou traduzia era bastante comum. A própria tradutora brasileira de “O Amor Materno”
nos indica com que liberdade o texto estrangeiro poderia ser modificado:
.
..queremos, leitor benévolo, contar-vos uma história, que achamos em
um livreto, que nos veio às mãos; traduziremos, que nada há de melhor, porque
nada há que dê menos trabalho; traduziremos, mas, com a liberdade de que
usamos, iremos cortando ao original o que nos parecer inútil, desenvolvendo o
que julgamos carecer de desenvolvimento, alterando o que achamos que para
ser mais facilmente entendido deve ser alterado.
Não é, pois, de se estranhar que, durante esse período de introdução e início da
produção de prosa de ficção no Brasil, a delimitação entre o que era tradução e o que era
autoria não estava claramente estabelecida. É o caso, por exemplo, da narrativa
ambientada em Paris, A paixão dos diamantes, assinada por Justiniano José da Rocha e
publicada no Jornal do Comércio em março de 1839
173
. Em nota de rodapé, Justiniano
adverte seus leitores acerca da sua própria incerteza quanto ao seu papel no processo de
criação do texto narrativo:
Será traduzida, será imitada, se original a novela que vos ofereço,
leitor benévolo? Nem eu mesmo que a fiz vo-lo posso dizer. Uma obra existe
em dois volumes, e em francês, que se ocupa com os mesmos fatos; eu a li,
segui seus desenvolvimentos, tendo o cuidado de reduzi-los aos limites de
apêndices, cerceando umas, amplificando outras circunstâncias, traduzindo os
lugares em que me parecia dever traduzir, substituindo com reflexões minhas o
que me parecia dever ser substituído; uma coisa só tive em vista, agradar-vos;
Deus queira que o tenha conseguido.
Percebe-se que as alterações feitas pelos tradutores na composição dos textos
ficcionais eram vistas como processos naturais tanto de adaptação da narrativa ao gosto
do público leitor quanto ao seu redimensionamento de forma a caber nas apertadas
130
colunas dos periódicos. O que pode ter sido o caso do Gabinete de Leitura, uma vez que
é nítido o empenho de seus redatores em utilizar todo o espaço disponível das suas oito
páginas para a publicação dos textos.
Todavia, comparando-se o processo tradutório dos textos ficcionais britânicos
com o de algumas narrativas francesas publicadas no Gabinete de Leitura é possível
constatar diferenças significativas. É o caso da versão brasileira “A Execução de Joanna
Grey” e o original francês “HISTOIRE - Exécution de Jane Grey”, de Frédéric Soulié.
Le jour commençait à pénétrer dans la chambre basse d’une maison
située dans la rue de Guild-Hall. Aussi entendait-on la voix grondeuse d’un
homme qui, du haut d’une échelle qui conduisait à l’étage supérieur, excitait la
lenteur de quatre ou cinq valets, en train de faire leur toilette. Comme ils
finissaient de s’habiller, celui qui semblait leur maître descendit. Un des valets
lui présenta une hache, qu’il examina avec soin. Il promena ses regards autour
de lui, et demanda brusquement où était maître Fayry. Celui-ci, entrant aussitôt,
se plaça en face de son maître ; comme lui, il portait une hache resplendissante;
il s’était posé comme quelqu’un qui s’offre à l’examen d’un supérieur, d’un
connaisseur à la fois, mais cependant avec la confiance d’un homme sûr de lui-
même. Après l’avoir attentivement considéré, le maître lui dit avec un signe de
satisfaction :
— C’est bien, Fayry, la tenue est bonne, mais ce n’est rien mon garçon;
songe à ce qu’il te reste à faire. J’espère que tu dois être content d’avoir quitté
Edimbourg pour Londres, et d’avoir changé la peau tannée et coriace de tes
lairds écossais pour la fine peau de nos seigneurs d’Angleterre ?
— Je vous remercie, maître Jack, répondit le jeune homme; vous
m’avez tenu plus que vous ne m’aviez promis.
— Et ce n’est pas la coutume dans ton pays, n’est-ce pas ? Mais je veux
être franc: assurément, quoique je désire t’avancer parce que tu m’es
recommandé par lord Murray, je ne t’aurais pas cédé l’exécution d’aujourd’hui à
Tyburn, si je n’avais eu affaire à la Tour. Sais-tu que c’est drôle, le même jour,
sur le même billot, le grand-père, le père et le mari d’une reine; ça ne se
rencontre pas comme un pou sur la tête d’un juif.
174
Eis o trecho da versão brasileira:
173
Publicada em Sobrinho, Barbosa Lima. Op cit, p.31-54.
131
Começava o dia a penetrar em uma câmara baixa duma casa situada
na rua de Guild-Hall. Ouviam-se os ralhos de um homem que de cima duma
escada do andar superior excitava a lentidão de quatro ou cinco criados, que se
estavam vestindo. Quando acabaram, o que parecia seu amo desceu. Um dos
criados lhe apresentou um machado que ele examinou cuidadosamente.
Lançou suas vistas em torno de si, e com carregume perguntou por mestre
Fayry. Este, entrando no mesmo momento, se postou em frente do seu amo;
como ele, tinha também um machado reluzente; e se havia postado como
alguém que se oferece ao exame dum superior, que é ao mesmo tempo
conhecedor, mas todavia com a confiança dum homem seguro de si próprio.
Depois de o haver considerado com atenção, o amo lhe disse mostrando
satisfação:
— Muito bem, Fayry, o porte é bom, mas isso é nada, rapaz, toma
sentido no que te resta por fazer. Espero que ficaras contente de haver deixado
Edinburgo por Londres, e de haver mudado a pele trigueira e dura de teus
lordes escoceses pela pele fina dos senhores de Inglaterra.
— Eu vos agradeço, mestre Jack, respondeu o mancebo; vós tendes
feito por mim o que me não havíeis prometido.
— E não é esse o costume do teu país, não é assim? Mas eu quero ser
franco, ainda que seja minha vontade adiantar-te visto seres recomendado de
lorde Murray, todavia seguramente não te haveria cedido, a execução que hoje
se faz em Tyburn se não tivesse que fazer na Torre. Não parece galante que no
mesmo dia, e no mesmo cepo se mate o avô, o pai, e o marido duma rainha: é
cousa tão difícil de encontrar como um piolho na cabeça dum judeu.
Nota-se que a versão brasileira é uma tradução bastante próxima do original
francês. Ao mesmo tempo, observa-se que a postura do narrador em relação aos
personagens é bastante diversa da postura dos narradores ingleses. Aliás, nessa história,
especificamente, o narrador relega aos personagens a função de revelar ao leitor, por
meio de diálogos, os detalhes pertinentes à situação por eles vivida, ou seja, o intrincado
contexto histórico inglês que levou a jovem rainha ao cadafalso.
Algo semelhante ocorre em outra narrativa de Frédéric Soulié, “O Cocheiro do
Marechal C...”. Nela, é o narrador quem se encarrega de contar a história do misterioso
174
Soulié, Frédéric. “HISTOIRE - Exécution de Jane Grey”. O texto se encontra disponível no endereço
eletrônico: http://leslivresoublies.free.fr/leslivresoublies/Soullie/Execution_de_Jane_Grey.html (último
acesso novembro de 2006). Ver maiores informações no Anexo 3
132
cocheiro que, ao final, revela ser um homem de origem nobre que, arrependido por ter
envolvido o pai num negócio escuso, assume a humilde profissão como forma de expiar
suas faltas. A versão francesa se intitula “Le Cocher du Maréchal C...”
175
.
Voici une histoire qui m'a été racontée comme je vais vous la dire, et
elle est arrivée comme elle m'a été racontée. Ce n'est point une invention
destinée à vous montrer comment une faute suffit à perdre souvent la vie d'un
homme; c'est un fait réel au récit duquel nous ne donnerons pas ses véritables
noms, parce qu'ils révéleraient les secrets d'une famille qui tient un rang illustre
dans un des principaux états de l'Allemagne.
Le maréchal C... (il n'était alors que général) se trouva avoir besoin d'un
cocher. Il en fit demander un à une dame de Saint-Domingue qui tenait un hôtel
garni, et qui louait en même temps des voitures de remise. D'abord cette dame
déclara ne pouvoir lui en procurer un dont elle pût répondre, presque tous ceux
qui conduisaient ses voitures étant des cochers à la journée, et qui ne
demeuraient point chez elle. Un seul, celui qui surveillait tous les autres, eût pu
convenir au général, et c'était précisément à cause de ses bonnes qualités que
cette dame désirait le garder. Le général insista d'autant plus vivement pour
l'obtenir. Enfin, la maîtresse de l'hôtel garni finit par le lui céder.
Quand cet homme fut au service du général, on ne remarqua rien
d'extraordinaire en lui ; seulement, une politesse extrême, un soin attentif à ne
jamais se mêler aux jeux des autres domestiques, une exactitude rare dans
l'accomplissement de ses devoirs, le rendirent précieux à son maître. Par une
exception bien rare, cette préférence obtenue par le cocher n'excita pas la haine
des autres domestiques. Il y avait dans cet homme un fond de tristesse si
continu, qu'on ne pouvait croire que ce fût par fierté qu'il se séparait de ses
camarades. A l'heure du dîner de tous, il s'asseyait silencieusement à table,
mangeait avec sobriété, et se retirait dans son écurie aussitôt après le repas.
Dans le château du général, au moment où le service des chevaux laissait à
Muller beaucoup de loisirs, il n'en usait ni pour aller au cabaret, ni pour jouer,
comme faisaient les autres ; il s'asseyait sous quelque arbre du parc, et y faisait
de longues lectures. Toutefois ces singularités, qu'on se rappela plus tard, ne
surprirent personne à cette époque ; on se contenta de dire que Muller était un
ours, et on le laissa faire à sa guise, sans s'occuper de lui.
175
Ver detalhes sobre essa narrativa no anexo 3.
133
Na versão brasileira, lê-se:
Vou contar-vos uma história como ma contaram, e tal qual ma
constaram assim aconteceu. Não é uma invenção com o fim de mostra-vos que
uma falta sobeja muitas vezes para perder a vida dum homem: é um fato real a
cuja narração não ajuntaremos os verdadeiros nomes, porque revelariam os
segredos duma família que goza de ilustre posição em um dos principais
estados da Alemanha.
O marechal C... (era então general) teve necessidade de um cocheiro, e
mandou pedir a uma dama de S. Domingos, dona dum hotel que tinha ao
mesmo tempo carruagens para alugar, que lhe inculcasse algum. Ao princípio
esta dama declarou que não podia servi-lo por não achar algum por quem
pudesse responder, porque quase todos os que dirigiam suas carruagens
ganhavam por dia e não moravam em casa dela. Só um que era quem
administrava todos os outros poderia convir ao general, e era precisamente por
suas boas qualidades que esta dama desejava conservá-lo. O general tanto
insistiu para obtê-lo, que por fim a dama lho cedeu.
Nada de extraordinário notou o general neste homem quando ele entrou
para o seu serviço, e somente uma civilidade extrema, um cuidado atencioso
em não partilhar os jogos dos outros criados, uma exatidão rara no
cumprimento de seus deveres o tornaram precioso a seu amo. Por uma bem
rara exceção, esta preferência obtida pelo cocheiro não excitou o ódio dos
outros criados. Havia neste homem um fundo de tristeza tão continuado que
não era crível que por altivez se separasse de seus camaradas. À hora do
jantar de todos, ele se sentava silenciosamente à mesa, comia com sobriedade,
e retirava-se para seu quarto logo depois de comer.
Assim como no caso anterior, a versão brasileira é praticamente a tradução literal
do original francês. Por seu turno, a figura do narrador e, conseqüentemente, o seu
discurso são reforçados pela alegação da veracidade do relato – procedimento ainda
comum na primeira metade do século XIX. Dessa forma, o narrador assume a posição de
alguém que conhece um fato e deseja compartilhá-lo com os leitores.
Um outro exemplo é a história intitulada “Encontro na Gruta de Balme”, de
autoria do anônimo J. M.. A história é contada por um narrador em primeira pessoa que,
ao visitar esse ponto turístico francês, toma conhecimento de um estranho caso, que lhe é
relatado pela jovem guia. A versão francesa intitula-se “La Grotte de Balme”:
134
...Après avoir laissé ma monture dans la vallée, je me mis en devoir
d'escalader la rude montée, sur les pas d'une jeune fille à l'accent et au
caractère de tête italiens, dont l'allure légère , la taille svelte et mignonne, le teint
olivâtre, me rappelèrent la Fenella de Walter Scott. Je ne ferai pas la description
de cette caverne merveilleuse , du gouffre effroyable qui, sous la forme d'un
puits, s'ouvre sous vos pieds à trois ou quatre cents pas de l'entrée, et laisse
entendre le bruit des eaux souterraines qui traversent ses profondeurs. Après
avoir admiré toutes les beautés, toutes les bizarreries de nature qu'éclairait,
d'une lueur douteuse, la torche de ma conductrice, je me disposai à
redescendre, non sans avoir , sur son invitation, inscrit mon nom à la suite d'une
foule d'honnêtes voyageurs jaloux de laisser pour la postérité une trace de leur
passage. Je feuilletai machinalement le registre, lorsqu'un nom effacé d'une
manière étrange, mais dont il était possible de deviner encore les lettres,
m'arracha une exclamation qui fit rapprocher ma jeune compagne.
Pourquoi, lui dis-je, ce nom semble-t-il avoir été lavé? Elle me regarda
avec une expression d'intelligence extraordinaire, cherchant à lire ma pensée
dans mes traits, puis: Vous êtes bien Français , n'est-ce pas ? dit-elle. Sur ma
réponse affirmative: Eh bien , je vais vous conter l'histoire. Nous sortîmes de la
grotte, et tout en regagnant la vallée, elle me fit le récit suivant, dans un langage
vif et coloré qui trahissait son origine étrangère.
Assim como as anteriores, a versão brasileira de “La Grotte de Balme” é
praticamente literal:
...Depois de ter deixado a minha cavalgadura no vale, dispus-me a
escalar a áspera subida, guiado por um rapariga, cujo andar, estatura airosa e
delicada, e um rosto moreno me fez recordar a Fenella de Walter Scott. Não
farei aqui a descrição desta caverna maravilhosa, do terrível abismo,
semelhante a um poço que se abre por baixo dos pés, a quatrocentos passos
da entrada, e deixa ouvir o sussurro das águas subterrâneas que atravessam as
suas profundidades. Depois de ter admirado todas as belezas e raridades da
natureza, que mal me patenteava o clarão do archote que levava a minha
condutora, já me dispunha a descer, não sem ter, a rogos seus, inscrito o meu
nome em seguimento dos de uma multidão imensa de honrados viajantes,
zelosos de deixarem à posteridade uma prova de terem por ali passado. —
Folhei maquinalmente o registro, quando um nome apagado duma maneira
estranha, mas cujas letras ainda era possível adivinhar, me arrancou uma
exclamação que fez aproximar de mim a minha jovem companheira.
Por que, lhe pergunto eu, parece este nome ter sido lavado? Ela olhou
para mim com uma expressão de inteligência extraordinária, procurando ler o
135
meu semblante; depois; “Vós sois francês, não é assim?” Diz ela. À minha
resposta afirmativa, acrescentou: Está bem, pois eu vos conto toda a história.
Saímos da gruta, e ganhando outra vez o vale, fez-me a narração seguinte
numa linguagem viva e afetada, que traía a sua origem estrangeira.
Verifica-se, portanto, que o processo tradutório da prosa de ficção inglesa e
francesa, presentes no Gabinete de Leitura, foi bastante diferenciado. Enquanto a
tradução da prosa de ficção francesa se apresenta bastante fiel ao original, a inglesa
sofreu alterações significativas tanto no conteúdo quanto na forma narrativa. Também é
possível observar uma maior complexidade da estrutura narrativa da prosa de ficção
inglesa, especialmente devido às constantes intervenções do narrador e, em alguns casos,
a inserção de personagens secundários.
Nesse mapeamento de algumas das características da prosa de ficção britânica do
Gabinete de Leitura e dos aspectos que a tornam distinta dos demais textos ficcionais ali
presentes, constatam-se diferenças principalmente quanto: 1) à temática; 2) à posição do
narrador em relação à matéria narrada e à sociedade; 3) ao processo tradutório, que, em
alguns dos textos ficcionais, ocasionou supressões e alterações no conteúdo e/ou na
forma narrativa.
Com relação a esses aspectos, não se pode desprezar a possível intermediação da
Revue Britannique ao menos em algumas das narrativas britânicas do Gabinete de
Leitura. Isso porque foi na Revue Britannique que os nossos primeiros homens de letras
buscaram alguns dos textos ficcionais e não-ficcionais britânicos publicados em seus
periódicos. A proposta da revista francesa de levar aos leitores de seu país o que havia
de mais moderno e instrutivo nos periódicos ingleses condizia com os propósitos de
nossos jovens intelectuais — o de influir no meio cultural brasileiro com a formação de
um público leitor.
Todavia, a Revue Britannique, ao selecionar nos periódicos ingleses os textos que
seriam publicados em suas páginas, também procurou por aqueles que apresentassem
aspectos críticos da sociedade inglesa. E em alguns casos, especialmente com relação à
prosa de ficção, foi o tradutor francês que intensificou o tom crítico do narrador, assim
como promoveu alterações no conteúdo e na estrutura narrativa de forma a adequar essa
ficção ao objetivo da revista — o de levar ao público leitor francês informação e
entretenimento.
176
176
Ramicelli, Maria Eulália. Narrativas Itinerantes... Op. cit.
136
Apesar de os redatores do Gabinete de Leitura citarem apenas as fontes inglesas,
apagando, assim, a provável intermediação da Revue Britannique, tudo indica que ela
não foi pequena. Isso porque, dos dez textos ficcionais ingleses presentes no Gabinete de
Leitura, sete tiveram versões francesas na Revue Britannique. A exceção ficou por conta
de “O Testamento”, atribuída a George Crabbe, “As honras hereditárias – história de
amor, de mistério e de filosofia” de Bulwer-Lytton, e “Costumes Ingleses – Um amador
da vida campestre”, de John Poole. No caso da última, como já dissemos, apesar de na
Revue Britannique haver uma narrativa intitulada “Le Cockney Campagnard”, publicada
em fevereiro de 1838, a versão brasileira não é a tradução dessa francesa.
Percebe-se, portanto, que a intermediação da Revue Britannique foi em grande
medida responsável por introduzir no Gabinete de Leitura um tipo de prosa de ficção
que divergia consideravelmente das demais. De maneira geral, apresenta um narrador
crítico, que mantém o controle da narrativa, mas que, ao mesmo tempo, trata seus
personagens com distância, sem laços afetivos. Mesmo quando o narrador assume o
papel de “amigo” do personagem, como é o caso em “Terêncio o alfaiate”, percebe-se
que tal posicionamento (na verdade, uma camuflagem) tem por fim intensificar a ironia
do “dizer, fingindo não dizer”. É exatamente essa atitude “não afetiva” do narrador com
relação aos personagens que anula qualquer possibilidade de haver, nas narrativas
inglesas do Gabinete de Leitura, heróis ou heroínas. Por seu turno, tal posicionamento
acaba por gerar uma estrutura narrativa muito mais complexa, permeada pelas digressões
e intervenções do narrador, especialmente nas histórias em que o narrador também
critica a sociedade moderna. E voltamos a ressaltar que, mesmo com as alterações
efetuadas em algumas das versões brasileiras, o narrador ainda mantém uma posição
mais crítica do que o das demais histórias do Gabinete de Leitura. E podemos afirmar
que são exatamente essas características que imprimem às narrativas inglesas uma certa
atualidade, a ponto de agradar até mesmo o leitor moderno.
Se, portanto, a Revue Britannique foi por certo responsável pelos aspectos que
diferenciaram a prosa de ficção inglesa dos demais textos ficcionais do Gabinete de
Leitura, a adequação dessas narrativas britânicas ao público leitor brasileiro, porém, saiu
da pena dos nossos redatores-tradutores.
E, como vimos, tais alterações ocorrem de forma mais acentuada nas narrativas
que têm como pano de fundo a sociedade capitalista (na verdade, as duas únicas do
Gabinete de Leitura): “Uma morada perto de tudo” e “Costumes Ingleses – Um amador
da vida campestre”. Nelas, observamos que o esvaziamento da crítica à sociedade
137
capitalista e aos valores pequeno-burgueses dos personagens, assim como,
especificamente no caso de “O Amador...”, as modificações na construção do
personagem e no conteúdo narrativo foram ao encontro das expectativas que os redatores
e, possivelmente, o cidadão médio urbano tinham com relação às sociedades modernas.
Pallares-Burke, ao estudar a presença do famoso periódico de Addison e Steele,
The Spectator (1711-12, 1714), nas páginas d’ O Carapuceiro (1832-1847), mostra
como Lopes Gama “abrasileirou” o texto inglês, dando-lhe cor local. Dentre outros
procedimentos, Lopes Gama acrescentou paisagens e frutas regionais, e até mesmo
escravos, quando se tratava de uma cena doméstica.
177
No caso de “Costumes Ingleses – Um amador da vida campestre”, apesar de,
como vimos, os procedimentos terem sido outros, o objetivo dos redatores-tradutores era
por certo semelhante ao de Lopes Gama — tornar o texto estrangeiro reconhecível para
seus leitores e, assim, fazer do texto literário um poderoso instrumento de reforma de
hábitos e costumes e, podemos acrescentar, idéias.
E para reforma tão ampla implicava trazer aos leitores o que as nações modernas
haviam conquistado de positivo em termos de desenvolvimento nas áreas econômica,
política e sociocultural — e nesse aspecto, como vimos, a Grã-Bretanha recebia posição
vantajosa perante as demais.
Os redatores do Gabinete de Leitura, contudo, não tiveram tamanha pretensão.
Presentearam seus leitores com a “Galeria Parlamentar” e com histórias divertidas.
Histórias, porém, que traziam consigo as marcas da modernidade britânica: nos temas,
no enredo, na estrutura narrativa.
177
Pallares-Burke, M. Lucia. “Um espectador nos trópicos: estudo de caso sobre produção e reprodução
cultural” In: Nísia Floresta, O Carapuceiro e outros ensaios de tradução cultural. São Paulo: Hucitec,
1996, pp. 129-165.
138
Considerações Finais
Justiniano José da Rocha, num artigo d’O Chronista, nos dá um testemunho de
sua experiência longe do Brasil, época em que estudou em colégios franceses. Segundo
ele, quem nunca esteve distante não sabe
...como o sentimento do amor da pátria se enraíza em nossos corações,
como eles palpitam quando ouvimos algum som da língua que primeiro
balbuciamos, como se nos arrasam de lágrimas os olhos quando alguma cousa
exterior nos lembra a pátria, quando vemos nos jardins públicos a planta de
nossa terra, e de nossa afeição, quando nas cartas dos pais, recebemos
notícias de que há longe de nós, quem por nós se interesse...
Todavia,
Se depois, quando voltamos, pela comparação de nosso atraso, e do
progresso da civilização que deixamos, nossa alma como que se encolhe, e se
entristece, passada essa primeira impressão, que sentimentos tão nobres nos
inflamam, como anelamos elevar quanto pudermos o ídolo de nossos cultos à
altura em que o supúnhamos, em que o ideávamos!
178
Não é de todo impossível imaginar que a mesma percepção do “atraso” do nosso
país em relação ao “progresso da civilização” européia foi experimentada pelo grupo de
jovens redatores e colaboradores da revista Niterói, ao desembarcar em terras brasileiras.
E por certo, compartilharam o mesmo sentimento de Justiniano de que algo tinha de ser
feito.E foi nas páginas dos periódicos que esses jovens intelectuais encontraram o meio
privilegiado para empreender as mudanças que acreditavam serem necessárias — influir
no acanhado meio sócio-cultural brasileiro.
Suas armas foram a pena e as páginas de seus jornais. Quem as percorre observa
a diligência desses jovens jornalistas em utilizar todo e qualquer espaço nelas disponível
178
O Chronista, 8 de abril de 1837.
139
para publicar artigos que chamassem a atenção dos leitores e, por certo, dos políticos
para os problemas da nação. A falta de leitores, contudo, tornava a empreitada difícil.
Especialmente porque, dentre as múltiplas tarefas que a si delegaram, também estava a
de dotar a nação de uma literatura que exprimisse o que tínhamos de original. Para que a
estratégia por eles escolhida para combater os males da nação fosse bem sucedida, era
fundamental que houvesse um público leitor. Cabia, portanto, formá-lo.
O Gabinete de Leitura surgiu do esforço conjunto de alguns desses jovens que
desejavam fazer da leitura um hábito diário nos lares brasileiros. Nossa carência cultural,
porém, obrigou-os a buscar nos periódicos estrangeiros, principalmente franceses e
ingleses, as histórias que acreditavam serem capazes de desempenhar a tripla tarefa de
entreter, instruir e edificar.
Foram esses os aspectos que nortearam este trabalho ao tentar apreender o caráter
da presença britânica no Gabinete de Leitura. Tendo como ponto de partida o contexto
sócio-econômico-cultural brasileiro do final da década de 1830, assim como os artigos
que nossos homens de letras publicaram em seus outros periódicos, percebeu-se que o
principal interesse desses intelectuais pela nação britânica consistia em compreender —
com o objetivo de aplicar aqui — o que ela continha de moderno no âmbito econômico,
político e social.
Contudo, diferente das longas análises político-econômicas publicadas nos
jornais da corte, o Gabinete de Leitura apresentou aspectos da modernidade inglesa em
histórias e artigos divertidos. Ao confrontarmos os originais ingleses e a versão
brasileira, percebemos que tais aspectos tornaram-se ainda mais evidentes devido às
alterações feitas pelos tradutores brasileiros.
Este estudo também constatou que a prosa de ficção britânica, quando comparada
às demais narrativas do Gabinete de Leitura, apresenta diferenças significativas quanto à
temática, à postura crítica do narrador e à estrutura narrativa. Percebeu-se, assim, que a
Revue Britannique, ao fazer a intermediação na recepção da prosa de ficção inglesa,
também foi responsável por introduzir no periódicos brasileiros um tipo de ficção
caracterizada por uma estrutura e forma narrativas muito mais complexas, e portanto
modernas.
ANEXO 1
Índice do Gabinete de Leitura, serões das famílias brasileiras,
jornal para todas as classes, sexos e idades
140
Gabinete de Leitura, serões das famílias brasileiras, jornal para todas as
classes, sexos e idades
[F] Ficção
[FB] Ficção Brasileira
[C] Crônica
[CB] Crônica Brasileira
Índice
N.01 13 / 08 / 1837
p.1 Introdução
p.1-3 O Profeta Misterioso [F]
Fonte: O Chronista
Nota Inicial: “Este conto foi publicado no Chronista
p. 3 Um Processo!
Fonte: L’Entr’Acte
p. 3 Miscelânea
1) “Enterrou-se há algum tempo em Inglaterra...”
2) “Um habitante de Southampton...”
p. 3-4 Ciências Médicas
1) Faculdade de Profetizar atribuída a alguns enfermos
Fonte: Rev. Britannique
p.3 2) Receita contra a Bacharelice
Fonte: Entre’Acte
p.4-5 3) Um Médico Condescendente
Fonte: Gazette Médicale
p.5-6 O Banquete do Cemitério – Crônica do século XI [F]
Autor: O Visconde D’Arlincourt
p. 7 Viagens
141
A Festa de S. Pedro em Corongos
Nota Inicial: “Corongo = cidade da América do Sul na República do
Peru”
Fonte: Rev. Britannique
p.7-8 Uma Visita [F B]
Anônimo
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.8 Fato Curioso
Sem fonte e autor
p.8 Crônica – Os amigos de George IV
Fonte: Rev. Britannique
p.8 Sem título: “Os pintores célebres...”
N. 02 20 / 08 / 1837
p.9 O Amor Materno [F]
Nota inicial: “Obtivemos da pessoa que escreveu em português a bela
novela — “O Amor Materno” — publicada no Cronista, a correção e
supressão de diversos lugares que tornavam a narração fria, e o diálogo
pouco animado.”
Sem fonte e autor.
p.12-13 O Noivo D’Além Túmulo [F]
Fonte: 3
º
Conto do Semeador
p.13-15 Viagens
Uma Noite no Mar [F]
Fonte: Blackwood’s Magazine
p.15-16 Nota Estatística
p.16 Loteria [ C B]
Anônimo
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.16 Miscelânea -Estatística
p.16 Notícias Estatísticas d’Inglaterra
N. 03 27 / 08 / 1837
142
p.17-19 O Lanceiro Polaco [F]
Autor: A Duquesa de Abrantes
p.19-20 O Cocheiro do Marechal C... [F]
Autor: Soulié
p.20-21 O Novo La Ronciere [F]
Fonte: Entr’Acte
p.21- 22 O Noivo D’Além Túmulo [F]
Nota inicial: “Continuação do n. antecedente”
Nota Final: “Segue o próximo número”
p.22- 24 O Leão de Medina [F]
Autor: Em. Deschamps
p.24 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar - Charles Whithereld
Nota inicial: “Sob este título publicaremos o retrato de alguns
membros da câmara dos comuns em Inglaterra. Principalmente pelo
partido tory.”
Nota final: “Este artigo e os subseqüentes foram publicados em
princípio de 1836 pelo Political Observer
N.04 03 / 09 / 1837
p.25- 28 Uma Ocorrência da Vida de Tom Bermingham [F]
Fonte: Biblioteca Universal
Nota final: “Tom Bermingham não declara se depois do seu casamento pagou ao
seu alfaiate”.
p.28- 30 Um Oficial de Napoleão – Histórico [F]
Autor: B. Gallet
p.30- 32 O Noivo d’Além Túmulo [F]
Fonte: 30
º
conto do Semeador
Nota inicial: “Continuação do n. antecedente”
Nota final: “ERRATA deste artigo. P. 13, 1
a
coluna, linha 18, em vez de
Alfredo leia-se Henrique”.
p.32 Miscelânea
1) Sem título: “Um dia andava Napoleão...”
Fonte: Jornal da Marinha
2) Medicina. Influenza. (Epidemia)
Sem fonte
143
3) Excesso de Amor
Sem fonte
4) Isturitz
Fonte: Blackwood’s Magazine
N. 05 10 / 09 / 1837
p.33-34 Um Protestante e um Papista [F]
Autor: O Judeu Errante
Nota Final 1: “Traduzido por uma Fluminense”
Nota Final 2: “Agradecemos à nossa assinante, que nos enviou este artigo,
as lisonjeiras expressões com que brindou nossa empresa, e temos que a
sua cooperação é evidente sinal de que ela prosperará. Pedimo-lhe perdão
de (sic) algumas alterações que fizemos em sua tradução.”
p. 34 Galeria Parlamentar – M. Croker
p.34-37 A Mesa do Diabo – Novela Militar [F]
Autor: A. F.
p.37-38 Vamos à Feira [F B]
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
Anônimo.
p.38-39 Uma Atriz em Viagem [F]
Autor: E. G.
p.39-40 Krettel – Crônica Alemã [F]
Autor: M.
p.40 Miscelânea
1) Novecentos Dólares por uma Mulher
(sem indicação de fonte)
2) Linguagem Universal
Fonte: Courrier Français
N.06 17 / 09/ 1837
p.41- 43 História – Execução de Joanna Grey [F]
Autor: Frederico Soulié
p.43- 46 O Livro da Vida [F]
Fonte: Retrospective Review
144
p.46- 47 O Negociante de Cabelos [F]
Autor: Stephen de la Madelaine
p.47-48 Estatística da População do Globo
p.48 Os Nervos
p.48 Poesia Portuguesa – A Sesta
Autor: Garrett
p.48 Miscelânea
1) Modo de destruir as pulgas, percevejos, etc.
(sem indicação de fonte)
2) Purificação do azeite rançoso
(idem)
N.7 24 / 09/ 1837
p.49- 51 Recordações de Meu Tio Doutor – Uma Mãe [F]
Autor: N. Albert
p.51-53 Um Episódio da Guerra Civil de Espanha [F]
Autor: Jules A. David
p.53- 54 Emancipação Mulheril [C]
Nota final: “Continua”
p.54 Os Cabelos Brancos [C]
Fonte: L’Entr’acte
p. 54 Miscelânea
1) Sem título: “Nada prova tanto a cruel situação das províncias da
Síria...”
54- 56 2) Galeria Parlamentar – Thomas Sadler – Sir Robert Peel
N. 8 01/ 10/ 1837
p.57-59 Meu Primeiro Duelo [F]
Autor: Ephraim Twigg
145
p.59- 60 Manuscrito Achado em uma Casa de Loucos [F]
Fonte: Literary Souvenir
p.60- 62 Die Judengasse – [A Rua dos Judeus] – Crônica de Strasburgo em
1349 [F]
Autor: Eugene Prud’Homme
p.62- 63 Costumes – Os Velhos Namorados [C B]
Fonte: Carapuceiro
p.63- 65 Miscelânea
1) Fenômeno
Sem indicação de fonte.
2) Absurdo Matemático da Homeopatia
Fonte: Revista Estrangeira
3) Fragmento Inédito achado nos papéis de Lorde Byron
Fonte: Representative
N. 9 08/ 10/ 1837
p.65- 68 Veneno e Chocolate – Anedota do Tempo do Império [F]
Fonte: Memórias de Luiz XVIII
p.68-69 Emancipação Mulheril – Dois meses depois [CB]
Nota Final: “Colaboração do Gabinete
Sem fonte e autor.
p.69- 71 O Testamento [F]
Fonte: Crabbe’s POSTHUMOUS WORKS
p.69 Poesia Brasileira – Fantasia Poética
Assinado: Pelo fluminense F. R. da Silva
p.70 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar – Goulbourn – Knatchbull – Henrique
Hardinger
2) Descobrimento do vidro
3) Variedades das cores
4) Aposta
5) Espetáculo dum Exército Turco em Campanha
N. 10 15/ 10 / 1837
p.73- 75 O Sedutor [F]
146
Autor: Washington Irving
p.75- 77 A Alma do Outro Mundo [F B]
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.77- 79 Costumes – O Jeito [C]
Nota inicial: “Foi este artigo escrito em Portugal e publicado aqui em
quase todos os jornais, mas a rogos dum nosso assinante, e porque o
achamos digno desta publicação o inserimos”.
Fonte: O Artilheiro
p.79- 80 Luiza – Legenda Brasileira [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.80 Miscelânea
1) Os Duelos em Inglaterra
Sem indicação de fonte.
N. 11 22 / 10/ 1837
p.81- 83 As Honras Hereditárias – História de amor, de Mistério e de Filosofia
[F]
Autor: G. L. Bulwer
Nota final: “Para inteligência dos leitores diremos que em alguns países
da Europa o emprego de carrasco é hereditário, e são herdeiros dos
vestidos dos criminosos que enforcam.”
p.83- 86 Casaca Verde e Casaca Azul [F]
Autor: Madame A. L.
p.86- 87 Uma Aventura em Veneza [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.87- 88 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar
2) Tribunais
Fonte: Gaz. des Tribunaux
3) Estatística
N. 12 29 / 10/ 1837
147
p.89- 91 Álibi [F]
Nota original referente ao título: “Ausência do indiciado do lugar onde foi
cometido o crime de que é acusado, no tempo em que teve lugar.”
Fonte: New Monthly Magazine
p.91- 94 O Irmão de Armas de São Tiago – Tradição espanhola [F]
Sem indicação do autor.
Fonte: Lays and Legends of Various Nations
p.94- 96 Uma Morada Perto de Tudo [F]
Sem indicação do autor.
Fonte: Blackwood’s Magazine
p.96 Miscelânea
1) Tribunais
Sem indicação de fonte
2) Útil Invento
3) Anedotas
N. 13 05 / 11/ 1837
p.97- 99 O Rei de Ouros [F]
Nota final: “Continuar-se-á”
p.99- 101 Job o Filantrópico [F]
Sem indicação do autor
Nota final: “Traduzido”
p.101- 102 Um Primeiro Amor [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.103-104 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar – O marquês Chandos – Shaw – Vyvyan –
Sibthorp
2) Poesia Portuguesa – Carta para o Príncipe D. Pedro de D. Inês de
Castro
Autor: O Português
3) Máxima
4) Anedota
148
N. 14 12 / 11 / 1837
p.105-107 O Rei de Ouros [F]
Nota inicial: “Continuação do n. antecedente”
Autor: Eug. Scribe
p.107-108 Uma Vingança [F]
Sem indicação do autor e fonte
Nota final: “Traduzido”
p.108-110 As Catacumbas de São Francisco de Paula [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.110-112 Terêncio o Alfaiate [F]
Sem indicação do autor
Fonte: Forget-me-not
p.112 Miscelânea
1) Anedota
Aviso Final do fascículo: “Com este n.º finda o primeiro trimestre desta
publicação. Rogamos aos nossos subscritores que assinaram por trimestre
hajam de reformar suas assinaturas, para não sofrerem demora na entrega.
O 2
º
trimestre findará em 13 de fevereiro de 1838.”
N. 15 19 / 11 / 1837
p.113-115 O Verso da Medalha [F]
Autor: P. M.
p.115-117 Uma Manhã na Casa dos Inválidos [F]
Autor: Emílio Deschamps
p.117-119 Um Último Adeus [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.119-120 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar – O Partido Radical na Câmara dos Comuns
– Henrique Hunt – William Cobbett
2) Carta de uma donzela de treze anos, pedindo parecer sobre o seu
casamento
Autor: Steele
3) Sem título: “Um alfaiate de Londres reclamava...”
149
N. 16 26 / 11/ 1837
p.121-123 O Passaporte [F]
Autor: E. Guinet
p.123-125 Visita de D. Sebastião I ao Convento da Batalha [F]
Autor: Ferdinand Denis
p.125-126 Miss Negly ou o Olho de Vidro [F]
Nota final: “Continua no próximo número”
p.126-127 A Medicina na Alemanha [C]
Fonte: Entr’acte
p.127-128 Miscelânea
1) Galeria Parlamentar – Macaulay – Jeffrey – O Coronel Torrens –
Hume
2) Sem título: “Há alguns dias, diz um jornal de Berlim...”
3) Sem título: “Foi posta em segurança uma mulher de Kennington...”
4) Sem título: “As viúvas continuam a queimar-se em Bengala...”
5) Anedotas
N. 17 03 / 12 / 1837
p.129-130 O Novo Conde de Saint Germain [F]
Sem indicação de fonte e autor.
Nota final: “Traduzido”
p.130-132 Miss Negly e o Olho de Vidro [F]
Nota inicial: “Vide o n. 16”
Autor: P. Granal
p.132-135 A Noite do Sangue – Anedota de 1836 [F]
Nota final: “Continuar-se-á”
p.135-136 Um Baile [F B]
Sem indicação do autor
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
150
N.18 10 / 12 / 1837
p.137-138 A Grande Serpente Marinha
Nota inicial: “Alguns dos nossos assinantes se hão queixado da
redação do nosso jornal, por lhes não oferecer artigos científicos, e
somente historietas que aproveitam apenas no momento da leitura, sem
deixar rasto após de si: nosso fim não era instruir, queríamos preparar o
terreno, dando gosto da leitura, mas por agradarmos a esses assinantes, e
mesmo para estendermos o nosso jornal a outras classes de leitores, nós
subscrevemos a este desejo.”
Nota final: “Continua”
p.138-141 O Proscrito – Episódio da Insurreição Irlandesa [F]
Fonte: Boston Magazine
p.141-142 Maria [F B]
Autor: Pereira da Silva
Nota final: “Colaboração do Gabinete”
p.142-143 A Noite do Sangue – Anedota de 1836 [F]
Nota inicial: “Vid. n. 17
Autor: Visconde d’Arlincourt
p.143-144 O Último Hino de Santeuil – Abadia de S. Victor [F]
Nota final: “Continua”
p.144 Miscelânea
1) O Processo perdido
Sem indicação de fonte
N. 19 17 / 12 / 1837
p.145-146 A Grande Serpente Marinha
Nota inicial: “Vid. n. 18”
Autor: B. de Xivrey
p.146-149 O Último Hino de Santeuil – Abadia de S. Victor [F]
Nota inicial: “Vid. n. 18”
Nota final: “Continua”
p.149-151 O Profeta Pedro [F]
Autor: T. V.
p.151-152 Um Jantar no Campo [F B]
151
Nota final: “Continuar-se-á”
p.152 Miscelânea
1) As Diligências, os Barcos de Vapor e os Caminhos de Ferro
2) O Leão e a Águia
3) Uma Relíquia de Napoleão
N. 20 24 / 12 / 1837
p.153 Biografia – Mozart
Sem indicação de fonte.
p.153-156 As Aventuras Galantes de um Marinheiro Inglês [F]
Sem indicação de fonte e autor
p.156-157 O Que pode a Miséria [F]
Sem indicação de fonte e autor.
p.157-159 O Último Hino de Santeuil – Abadia de S. Victor – Terceira Parte –
Dijon [F]
Nota inicial: “Vid. n. 19”
Sem indicação de fonte e autor.
p.159-160 Um Jantar no Campo [F B]
Nota inicial: “Vid. n. 19”
Sem indicação do autor.
Nota final: “Colaboração do Gabinete”
p.160 Miscelânea
1) Sem título
2) Modo de Suportar as Desgraças
3) Achada para os Filarmônicos
4) O Bofetão por Tabela
5) A Vida dos Médicos
6) Imprensa Inglesa
N. 21 31 / 12 / 1837
p.161-163 O Homem de Má Sina [F]
Sem indicação de fonte e autor.
p.163-165 A Perjura [F B]
152
Nota final: “Continua”
p.165-167 Bálsamo Amarelo [F]
Autor: A. Arnould
p.167-168 Miscelânea
1) Moléstia Extraordinária
2) Tribunais
3) Singular Interpretação de uma Receita
N. 22 07 / 01 / 1838
p.169-171 O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe III [F]
Nota final: “Continua”
p.171-174 Reichmuth D’Abocht – Novela de Oehlenschlaeger [F]
Fonte: Revue du 19
º
siècle
p.174-175 As Vítimas do Preconceito [F]
Nota Final: Extraído de Beaumont
p.175-176 Um Sonho [F B]
Autor: Rodrigues da Silva
Nota final: “Colaboração do Gabinete”
p.176 A Mãe que Assassinou a Filha [C]
Fonte: Bushing’s Evening Post
p.176 Miscelânea
1) Castigo do Adultério na Rússia
2) Singular Aposta
N. 23 14 / 01 / 1838
p.177-179 O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe III [F]
Nota inicial: “Continuado do n. antecedente”
Nota final: “Continua”
p.179-182 A Perjura [F B]
Nota inicial: “Vid. o n. 21”
Sem indicação do autor.
Nota final: “Colaboração do Gabinete”
153
p.182-184 Uma Tormenta [F]
Autor: J. G.
Fonte: Commerce
p.184 Miscelânea
1) O Ladrão do Troco
2) Os Duelos na Groelândia
Fonte: Magasin Universel
N. 24 21 / 01 / 1838
p.185-187 O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe III [F]
Nota inicial: “Continuado do n. antecedente”
Nota Final: “Continua”
p.188-190 A Traição de uma Flor [F]
Autor: Lassailly
N. 25 28 / 01 / 1838
p.191-196 O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe III [F]
Nota inicial: “Continuado do n. antecedente”
Autor: Alexandre de Lavergne
Observação: Faltam as páginas 192 e 193
p.196-199 O Rabugento – Esboço Biográfico
Fonte: Un Page du Palais Imperial
p.199-200 Miscelânea
1) Definição Física do Piparote
2) Estatística da China e Índia
3) O Punhal de Otelo
4) Anedotas
5) Charadas
N. 26 04 / 02 / 1838
p.201-204 O Véu de Maria Luiza [F]
154
Autor: Arnould Fremy
p.204-206 Sim ou Não? – Legenda das Margens do Neckar [F]
Nota Final: “Traduzido do alemão por A. Pichard”
Fonte: Journal de Paris
p.206-207 Vida em Paris [C]
Fonte: The Metropolitan
p.207-208 Um Casamento por Subterfúgio [F]
Sem indicação do autor
Fonte: O Pilote du Calvados
p.208 Miscelânea
1) Revelação Pouco Satisfatória para um Procurador Régio
2) Madrigal
Autor: A. A. Queiroga
3) Charada
N. 27 11 / 02 / 1838
p.209-211 Meu Primeiro Namoro [F B]
Autor: K.
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
p.211-213 A Cruz da Ponte – Novela [F]
Nota Final: “Continua”
p.213-215 A Cidade de Washington [C]
Autor: P. M. F.
p.213-214 O Professor de Acenos [C]
Sem indicação de fonte e autor.
p.215-216 Miscelânea
1) Lance Sentimental de Dois Esposos
2) O Latim não Enche Barriga
3) Sem título: “Angeli é um bravo e honrado artista...”
4) Máquina para Alisar as Pedras
5) Charada
N. 28 18 / 02 / 1838
155
p.217-220 A Cruz da Ponte – Novela [F]
Nota Inicial: “Vide o número 27”
Nota Final: “Continua”
p.220-222 Uma Barateria [F]
Autor: Jules Lacomte
p.222 O Rei Dick [C]
Sem indicação do autor
Fonte: Revue Britannique
p.222-223 Higiene – Socorro para os afogados
Sem indicação de fonte e autor.
p.223-224 Miscelânea
1) Tribunal de Polícia Correcional de Paris – O Óculos Furtado por
Engano
2) Soldados, Reis, Duques e Príncipes do Tempo da Revolução
Francesa
3) Modo de fazer reviver o escrito, quando, com o tempo, se tem
tornado inteligível
4) Anedotas
a) O Gascão e o cavalo de Henrique IV
b) O receio bem fundado
c) O homem coerente com a sua promessa
d) Resposta lisonjeira
e) Contrição de um usurário
f) O amador de teatro
5) Charada
N. 29 25 / 02 / 1838
p.225 Glórias Literárias da América
Sem indicação do autor.
Fonte: Correio Oficial Niteroiense
p.225-229 A Cruz da Ponte – Novela [F]
Nota Inicial: “Vide o número 28”
Autor: Eugênia Foa
p.229-231 O Tio da América [F]
Autor: Alphonse Karr
p.231-232 Miscelânea
156
1) Higiene Pública – Influência da vacina sobre a duração da vida
2) Polimento para os móveis e mármores
3) Do perigo que há de conservar vinho, água ou aguardente em
vasilhas de chumbo
4) Anedota
N. 30 04 / 03 / 1838
p.233-236 Costumes Ingleses – Um Amador da Vida Campestre [F]
Sem indicação do autor
Fonte: Colburn’s Magazine
p.236-238 Uma Aventura – Primeira Parte (1812) [F]
Nota Final: “Continua”
p.238-239 Respeito dos Ingleses pela Lei [C]
Sem indicação de fonte e autor.
p.239-240 Meu Vizinho Anatole [C]
Autor: Burat de Gurgy (jeune)
p.240 Miscelânea
1) Tribunal de Polícia Correcional de Paris – Lição materna, ou os
ratoneiros de menor idade
2) Um Duelo Importante
3) Charada
N. 31 11 / 03 / 1838
p.241-244 A Senhora Condessa [F]
Autor: Jules A. David
p.244-246 Uma Aventura – Primeira Parte (1812) [F]
Nota Inicial: “Vide n. 30”
Nota Final: “Continua”
p.246-247 Esboços Sicilianos [F]
Nota Final: “Continua”
p.247-248 Miscelânea
1) Tribunal de Polícia Correcional de Paris – As bordoadas que
envolvem política
2) Açúcar Extraído do Milho
157
3) Um Navio Americano
4) Resposta de uma Cantora Italiana ao Grão-senhor
5) Equipagem Curiosa
6) Poesia – A Saudade
Sem indicação do autor.
7) Enigma
N. 32 18 / 03 / 1838
p.249-251 Uma Aventura – Segunda Parte (1820) [F]
Nota Inicial: “Vide n. 31
Autor: A. A.
Fonte: Le Commerce
p.251-253 Vingança Espantosa [F]
Sem indicação de fonte e autor.
p.253-254 Esboços Sicilianos [F]
Nota Final: “Continua”
p.254-256 Encontro na Gruta de Balme [F]
Autor: J. M.
p.256 Miscelânea
1) Prodigiosa Longevidade
2) Microscópio Monstro
3) Couve Monstro
4) Batata Monstro
5) Poesia – Os Dois Lírios
Sem indicação do autor
6) Charada
N.33 25 / 03 / 1838
p.257-259 Uma Alcunha [F]
Autor ou fonte?: Job-o-Risonho
p.260-261 Esboços Sicilianos [F]
Nota Inicial: “Vide n. 32”
Nota Final: “Continua”
p.261-263 Meus Dias de Guarda – O Sim d’uma Moça [F]
158
Nota Final: “Continua”
p.263 Um Casamento na China [C]
Sem indicação de fonte e autor.
p.263 Miscelânea
1) Um Duelo
2) Indigentes na Europa
3) A Mania de Mentir
4) A Verdade até Morrer
5) O Econômico
6) As Duas Leis
7) Esperteza de um Pregador
8) Poesia – Apólogo – Mané Sapo, uma Cobra e um Cisne
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
N. 34 01 / 04 / 1838
p.265-267 Meus Dias de Guarda – O Sim d’uma Moça [F]
Autor: Eduardo Lemoine
p.267-268 Semana Santa em Jerusalém
Sem indicação de fonte e autor.
p.268-270 Um Rapto [F]
Autor: Raymond Brucker
p.270-271 Esboços Sicilianos [F]
Fonte: The Metropolitan
p.271-272 Miscelânea
1) Anedota
a) O Marinheiro inglês e seu companheiro sem cabeça
b) Descrição que podia custar caro
c) Xisto V e o seu bordão
d) Amor pago com ingratidão
e) Desforra de um magistrado
2) A Mania de Quebrar Vidros
3) Aviso aos que pedem cartas de recomendação
4) Poesia – A meu Amigo F. B Ribeiro – Ode às Lágrimas
Sem indicação do autor
Nota Final: “Colaboração do Gabinete”
159
N. 35 08 / 04 / 1838
p.273-275 O Preceptor de seu Mestre [F]
Autor: Eleonora Vaulabelle
p.275-277 Napoleão [Biografia]
Nota Final: “Continua”
p.277-278 Um Episódio de 1831 [F B]
Autor: L. C. M. P (Luís Carlos Martins Pena)
p.278-280 Miscelânea
1) Milagre da Polícia Correcional de Paris
2) Os Casamentos em Agra
3) Anosidade
Fonte: Journal des Debats
4) Carta de um Cômico
5) Revista Judiciária
6) Aviso aos Enfermeiros – Rasgo de ingratidão de um doente
7) Modo de Preservar as Plantas do Estrago dos Caracóis
8) Profundidade do Mar
Fonte: Geology of Scriptures, London, 1835
9) Modo de fazer uma bebida muito saudável chamada cidra
10) Modo de Conservar as Batatas
ANEXO 2
Textos do Gabinete de Leitura publicados n’O Chronista
160
“O Livro da Vida” [Ficção] [Gabinete de Leitura n.16 17/09/1837]
O Chronista n. 3 (05/10/1836) (é nesse número que inicia a seção Folhetim); n. 6
(15/10/1836); n. 7 (19/10/1836) [seção “Variedades”]
N’O Chronista n.7, devido a problemas com o texto, os redatores inserem a
seguinte nota:
“Por engano, unicamente nosso, se publicou no CHRONISTA n. 6 uma parte
deste artigo que devia ter lugar aqui; pedimos a nossos leitores desculpa desta falta”.
“O Amor Materno” [F] [Gabinete de Leitura n. 2, 20/08/1837]
O Chronista, seção “Apêndice”, n. 84 (02/08/1837); n. 85 (05/08/1837); n. 86
(09/08/1837).
“O Noivo d’Além Túmulo” [F] [Gabinete de Leitura n.2 20/08/1837]
O Chronista n. 91 (26/08/1837); n. 92 (30/08/1837) e n. 94 (06/12/1837)
Ao término da história, no n. 94, vem a mesma fonte do Gabinete de Leitura “ 3
ºº
conto do Semeador” e também “Gabinete de Leitura n.4”.
“Um Sonho” [Ficção Brasileira] [Gabinete de Leitura n. 22 (07/01/1838]
Autor: Firmino da Silva Rodrigues
O Chronista n. 129 (11/01/1838)
“A Mãe que assassinou a filha” [Gabinete de Leitura n. 22 (07/01/1838)]
Fonte: Bushing’s Evening Post
O Chronista n. 131 (16/01/1838)
“Glórias Literárias da América” [Gabinete de Leitura n.29 (25/02/1838)]
O Chronista n. 149 (01/03/1838)
Apólogo – Mané Sapo, uma cobra e um cisne [Poesia] [Gabinete de Leitura n.33
(25/03/1838)]
Os Dois Lírios [Poesia] [Gabinete de Leitura n. 32 (18/03/1838)]
A Saudade [Poesia] [Gabinete de Leitura n. 31 (11/03/1838)]
Todos publicados n’O Chronista n. 162 (31/03/1838)
161
“Tribunal de Polícia Correcional de Paris – Lição materna, ou os ratoeiros de
menor idade” [Miscelânea] [Gabinete de Leitura n.30 (04/03/1838)]
O Chronista n. 171 (21/04/1838)
“Um Casamento na China” [Crônica] [Gabinete de Leitura n. 33 25/03/1838]
O Chronista n. 176 (05/05/1838)
“Galeria Parlamentar – Charles Whithereld” [Miscelânea] [Gabinete de Leitura n.3
(27/08/1837)]
Miscelânea – Sem Título / Fonte: Jornal da Marinha [Gabinete de Leitura n. 4
(03/09/1837)]
Miscelânea – Anedotas [Gabinete de Leitura n.12 (29/10/1837)
Todos publicados n’O Chronista n. 182 (19/05/1838)
Tribunais [Miscelânea] [Gabinete de Leitura n.21 (31/12/1837)]
Isturitz [Gabinete de Leitura n.4 03/09/1837]
Miscelânea – Estatística
Miscelânea – Notícias Estatísticas da Inglaterra [ambos, Gabinete de Leitura n. 2
(20/08/1837)]
O Chronista n.183 (22/05/1838)
Miscelânea – Novecentos Dólares por uma Mulher
Miscelânea – Linguagem Universal [ambos, Gabinete de Leitura n.5 10/09/1837]
Miscelânea – Tribunal de Polícia Correcional de Paris – O Óculos Furtado por Engano
[Gabinete de Leitura n. 28 18/02/1838]
O Chronista n. 184 (26/05/1838)
ANEXO 3
Lista de alguns dos autores presentes no Gabinete de Leitura
162
Cada entrada está organizada da seguinte forma:
a) Nome do autor em ordem alfabética pelo sobrenome
b) Título da(s) história(s)
c)
Entre chaves: data da publicação no Gabinete de Leitura, número do fascículo,
páginas.
d)
Entre parêntese: fonte fornecida pelo Gabinete de Leitura. Segue também entre
parêntese a fonte na qual o texto foi localizado.
e) Item Observações : informações coletadas sobre o texto ou a fonte.
f) Item Dados Biográficos: informações biográficas sobre o autor.
163
DUQUESA D’ABRANTES
1) “O Lanceiro Polaco” [27/08/1837, n. 3, p. 17-19]
DADOS BIOGRÁFICOS: Laure Permon Junot, duchesse d’Abrantès (1784-1838).
Esposa de Andoche Junot, um dos generais íntimos de Napoleão. Laure brilhou na corte
napoleônica com suas festas luxuosas, jantares soberbos e também por causa de sua
extravagância, beleza e inteligência. Algumas vezes acompanhou Junot durante suas
campanhas militares na época da Guerra da Península Ibérica. Recebe o título de
duquesa quando Junot é condecorado duque de Abrantès. Devido aos seus gastos
excessivos, principalmente após a morte do marido e a queda de Napoleão, Laure logo
se vê em situação financeira bastante precária. Incentivada por amigos como Balzac, ela
resolve escrever suas memórias. O sucesso foi imediato. Desde então, utilizando seu
título de duquesa de Abrantès, Laure passou a tirar da literatura o seu sustento. Além de
seus livros de cunho memorial, Laure também escreve romances e contribui com
novelas e contos a vários periódicos, especialmente para os dedicados à juventude, tal
como o Journal des jeunes personnes (1830-1894).
Algumas de suas obras: Souvenirs d'une ambassade et d'un séjour en Espagne et en
Portugal, de 1808 à 1811 ; Les Deux Soeurs, scènes de la vie d'intérieur ; Etienne
Saulnier, roman historique ; Histoires morales et édifiantes ; L'Amirante de Castille
(1832) ; Catherine II (1834) ; Histoires contemporaines (1835) ; Mémoires sur la
Restauration ou souvenirs historiques (1835) ; Une Soirée chez Madame Geoffrin
(1837) ;Histoire des salons de Paris, tableaux et portraits du grand monde, sous Louis
XVI, le Directoire, le Consulat et l’Empire, la Restauration et le règne de Louis-Philippe
(1837) ; Souvenirs d’une ambassade (1837) ; La Duchesse de Vallombray (1838) ;
Hedwige, reigne de Pologne (1838) ; Louise, roman posthume (1839).
164
VISCONDE D’ARLINCOURT
1) “O Banquete do Cemitério – Crônica do século XI” [13/08/1837, n.1, p.5-6]
2) “A Noite do Sangue – Anedota de 1836” [03/12/1837, n. 17, p. 132-135 e
10/12/1837, n.18, p. 142-143]
DADOS BIOGRÁFICOS: Charles-Victor Prévot, visconde d’Arlincourt (1789-1856),
romancista francês. Em 1818, D’Arlincourt publica um poema épico, Charlemagne, ou
La Caraléide (1818). Mas é como escritor de romances com enredos de aventura e pano
de fundo histórico, seguindo a então recente tradição do romance gótico, que
D’Arlincourt alcança popularidade — em especial com a publicação de Le Solitaire
(1821), Le Renégat (1822) e Ipsiboé (1823). Devido ao grande sucesso alcançado junto
ao público francês, os três romances foram traduzidos para o inglês no mesmo ano de
suas publicações na França, sob os títulos The Recluse, The Renegate e Ipsiboé
respectivamente. Nos prefácios dessas edições é possível encontrar as razões pelas quais
decidiu-se publicar as obras de Arlincourt para o público inglês. O prefácio de The
Recluse, por exemplo, estabelece uma relação entre a obra e “o caráter histórico e estilo
dramático” de Walter Scott
179
. Já o prefácio de The Renegate justifica a publicação da
obra devido à sua “interessante natureza” e “eloqüência de suas descrições”, destacando
a avidez com que os leitores franceses a consumiram. Acrescenta que mais quatro
edições já haviam sido lançadas no mercado e que o público francês ainda as recebia
“com a mais alta estima”.
180
Hale comenta o sucesso comercial de Le Solitaire na
segunda década do século XIX e estima que a obra possa ter atingido cerca de 100.000
leitores somente na França.
181
Algumas de suas obras: L´Etrangère (1825) ; Le Chef des Penitens noirs, ou le Proscrit
et l'Inquisition (1828) ; Les Rebelles sous Charles V (1832) ; Les écorcheurs ou
179
“Preface to the Fifth Edition of the Original”, vol. 1, p. [iii].
180
Vol. 1, p. [v]. As informações e referências bibliográficas sobre as edições inglesas das obras de
D’Arlincourt, assim como o comentário acerca do conteúdo de seus prefácios podem ser encontrados no
endereço eletrônico do “Centre for Editorial and Intertextual Research – British Fiction 1800-1829 (A
Database of Production, Circulation and Reception) da Cardiff University.
Endereço: http://www.british-fiction.cf.ac.uk/index.html Acesso maio 2006.
181
Hale, Terry. “A Forgotten Best-Seller of 1821: Le Solitaire by the Vicomte d’Arlincourt and the
Development of European Horror Romanticism”. Gothic Studies 2 (2000), Manchester University Press,
pp. 185-204.
165
l'usurpation et la peste, fragmens historiques 1418 (1833) ; Le Brasseur Roi, chronique
flamande du quatorzième siècle (1834) ; Double Regne. Chronique du Treizieme Siècle
(1835)
L'Herbagère (18-) ; Les Trois Châteaux, histoire contemporaine (1840) ; Le Pèlerin.
L'Etoile polaire (1843) ; Les Trois Royaumes (1844) ; Les Anneaux d'une chaîne (1845)
Dieu le Veut (1848) ; Les Fiancés de la mort, histoire contemporaine (1850) ; Le
Chateau de Chaumont (1853).
A. ARNOULD
1) “Bálsamo Amarelo” [31/12/1837, n. 21, p. 165-167]
DADOS BIOGRÁFICOS: Auguste Jean François Arnould (1803-1854). Literato
francês. Escreveu inúmeras comédias, vaudevilles, romances e dramas. Grande parte de
suas obras foi escrita em parceria com outros escritores como, por exemplo, a ópera
cômica composta com Frédéric Soulié, Les Deux Reines (1835). Com Alexandre Dumas
(pai) e Narcisse Fournier escreve, dentre outros textos, o famoso L’homme au masque de
fer, publicado em Les Crimes Cèlébres em 1840. Em 1843, em colaboração com Alboize
de Pujol e H. Marquet, publica Histoire de la Bastille.
Alguma de suas obras de ficção: Struensée, ou la Reine et le favori (histoire danoise de
1769) (1823) [em parceria com Narcisse Fournier] ; Alexis Pétrowitch: histoire russe de
1715 à 1718 (1835) [em parceria com N. Fournier] ; À la belle étoile (1838) ; Les Trois
aveugles (1838) [em parceria com Alexandre de Lavergne] ; Romans du coeur. La Mère-
folle (1840) ; Adèle Launay (1841) ; Fille, femme et veuve (1841) ; La Roue de fortune
(1842) ; Tout chemin mène à Rome (1844) [Em parceria com Alexandre de Lavergne].
166
RAYMOND BRUCKER
1) “Um Rapto” [01/04/1838, n. 34, p. 268-270]
DADOS BIOGRÁFICOS: Um dos pseudônimos de Auguste Michael Benoît Gaudichot
Masson (1800-1875). Jornalista, dramaturgo e romancista francês. Várias de suas obras
foram assinadas com outros pseudônimos: Michael Masson e Michael Raymond. Em
1835 é um dos colaboradores do jornal Chronique de Paris, mais conhecido como
Globe, recém adquirido por Balzac. Junto a Théophile Gautier e Charles de Bernard, foi
responsável pela parte ficcional do jornal.
Algumas de suas obras: Daniel le lapidaire ou Les contes de l'atelier ; Le Puritain de
Seine-et-Marne (1832) ; Les Sept Péchés capitaux (1833) ; Les intimes (1834) ; Un
secret (1835) ; Soirées à Corbeil (1836) ; Mensonge (1837) ; Le boudoir et la mansarde
(1838) [Em colaboração com Carle Ledhuy (1808-1862)] ; Le Bouquet de mariage,
révélations sur les moeurs du siècle (1838) ; Le portefeuille noir (1839) ; Le Maçon,
moeurs populaires (1840) ; Un Jacobin sous la Régence (1842) ; Les Causeries de
Bruyères le Chatel (1842) ; Les Docteurs du jour devant la famille (1844) ; Le Carême
du roi, comédie en 3 actes (1853) ; Quarante-huit heures de la vie de ma mère (1857).
BULWER-LYTTON
1) “Manuscrito achado em uma casa de loucos” [01/10/1837, n. 8, p.59-60]
(Literary Souvenir)
OBSERVAÇÕES: A versão original, publicada no volume de 1829 do Literary
Souvenir, sob o título “A Manuscript found in a madhouse”, traz a seguinte nota: “by the
author of Pelham”, que vem a ser Edward Bulwer-Lytton.
2) “As honras hereditárias. História de amor, de mistério e de filosofia”
[22/10/1837, n. 11, p. 81-83]
167
OBSERVAÇÕES: O texto original intitula-se “Hereditary honours. A tale of love and
mystery”. Foi publicado na New Monthly Magazine em 1832.
DADOS BIOGRÁFICOS: Edward George Earle Bulwer-Lytton (1803-1873), primeiro
Barão Lytton. Membro do parlamento inglês. Autor de extensa e variada obra, com
grande aceitação popular. Escreveu romances, peças teatrais, poesia e crítica literária.
Foi editor da New Monthly Magazine, entre 1831 e 1833. Iniciou as carreira com
romances que descreviam a vida elegante da aristocracia, como é o caso de Pelham
(1828), que poucos críticos na época perceberam o tom satírico da obra. Bulwer tamm
iniciou a voga do romance de crime e injustiça social com Paul Clifford (1830), dando
seguimento com Eugene Aram (1833). Autor de vários romances históricos, como The
Last Days of Pompeii (1834), no qual contrasta a brutalidade, sensualidade e
superstições pagãs com a simplicidade e sinceridade dos primeiros cristãos.
Algumas de suas obras: Falkland (1827) ; The Disowned and Devereux (1828) ;
Godolphin (1833) ; Ernest Maltravers (1837) ; Leila (1838) ; The Last of the Barons
(1843) ; Zanoni (1842) ; Harold (1848) ; The Caxtons (1849) ; The Coming Race (1871).
168
GEORGE CRABBE
1) “O Testamento” [08/10/1837, n. 9, p. 69-71] (Crabbe’s Posthumous Works)
OBSERVAÇÕES: Não houve publicação com o título indicado.
DADOS BIOGRÁFICOS: George Crabbe (1754-1832) nasceu em Suffolk, na
Inglaterra. Publicou vários poemas, mas também escreveu algumas obras em prosa. Sua
poesia de cunho realista versa principalmente sobre a vida rural. Assim como
Wordsworth, Crabbe trouxe para a poesia o caráter e as condições sociais dos pobres e
humildes.
Algumas de suas obras: The Village (1783) ; The Borough (1810) ; Tales in Verse (1812)
Tales of the Hall (1819).
JULES A. DAVID
1) “Um Episódio da Guerra Civil de Espanha” [24/09/1837, n. 7, p. 51-53]
2) “A Senhora Condessa” [11/03/1838, n. 31, p. 241-244]
DADOS BIOGRÁFICOS: Jules-Antoine David. Literato francês. Participou do comitê
da Société des Gens de Lettres em 1841. Autor de vários romances, dentre eles La Pythie
des Higlands de 1844 que, sob a rubrica “roman inédit”, inicialmente foi atribuído a
Walter Scott. ;
Algumas de suas obras: Lucien Spalma (1835) ; Le Dernier marquis (1835) , La
Duchesse de Presles (1836) ; La Bande noire (1837) ; Le Club des désoeuvrés (1838) ;
Les Protecteurs (1840) ; Frédéric le Lion (1840) ; Jacques Patru (1840) ; Le Péché
originel (1842) ; Le Procureur du roi (1842) ; Stuarts et Bourbons (1843) ; Le Yacht du
diable (1844) ; Les Créanciers (1844) ; Les Voisins (1844) ; La Reine des voleurs (1844)
; Tel père tel fils (1847).
169
ÉMILE DESCHAMPS
1) “O Leão de Medina” [27/08/1837, n. 3, p.22-24]
2) “Uma Manhã na Casa dos Inválidos” [19/11/1837, n. 15, p. 115-117]
OBSERVAÇÕES: “Uma Manhã na Casa dos Inválidos” é parte do conto “Une Matinée
aux Invalides”, publicado na obra coletiva Paris, ou le livre des cent-et-un, tomo nono,
Chez Ladvocat Libraire, Paris, 1832.
DADOS BIOGRÁFICOS: Émile Deschamps de Saint-Amand. Poeta, dramaturgo e
crítico literário francês. Nasceu em Bourges em 1791, e morreu em Versailles em 1871.
O salão de seu pai em Paris, à rua Saint-Florentin, tornou-se um dos primeiros pontos de
encontro dos principais representantes da nova geração romântica. É lá que Émile tem
oportunidade de reencontrar Henri de Latouche e com ele compor duas comédias,
Selmours e Le Tour de faveur (1818). É também lá que conhece Victor Hugo com o
qual, cinco anos mais tarde, inicia a publicação da revista La Muse français. Em parceria
com Alfred de Vigny, traduz o drama de Shakespeare Roméo et Juliette em 1827, cujo
texto será na década seguinte adaptado por Deschamps para a sinfonia dramática
composta por Hector Berlioz. Da mesma forma que Hugo no seu “Prefácio” de
Cromwell (1828), Deschamps divulga no “Prefácio” de Les Études Françaises et
Étrangères, também de 1828, as idéias da nova escola romântica, que estabeleciam uma
ruptura com a tradição clássica. Adapta e traduz para o francês várias obras inglesas
(especialmente Shakespeare), alemãs (Goethe e Schiller, dentre outros), espanholas e
russas.
Algumas de suas obras: Ivanhoé, opéra en 3 actes, imité de l'anglais (1826) [Em
parceria com G.-G. de Wailly. Música de Rossini] ; La Guerre en temps de paix
Les deux familles; Causeries littéraires et morales sur quelques femmes célèbres (1837)
Macbeth, drame en 5 actes, en vers (1848) ; La Rédemption, mystère en 5 parties (1850)
[poesia de Emile Deschamps e Emilien Paccini, música de Giulio Alary].
170
EUGÉNIE FOA
1) “A Cruz da Ponte – Novela” [11/02/1838, n. 27, p.211-213; 18/02/1837, n.28, p.
217- 220 e 25/02/1838, n. 29, p. 225-229]
DADOS BIOGRÁFICOS: Rébecca Eugénia Rodriguès-Henriques (1796-1853) nasceu
em Bordéus a 14 de Junho de 1796. Descendente de duas ricas famílias de judeus
portugueses, que passaram a residir na França depois da expulsão dos judeus da
Península Ibérica em 1492. Aos vinte anos Eugénia casa-se com Joseph Foa, um
negociante de Marselha. Dedica-se à escrita de ficção sob o nome Eugénie Foa —
utilizando também os pseudônimos Miss Maria Fitz-Clarence e Edmond de Fontenes.
Escreve para periódicos, tais como La Voix des femmes, Journal des femmes e La
Chronique de Paris. Colabora e participa da criação de jornais e revistas voltados para o
público infanto-juvenil, como o Le Journal des Demoiselles, La Gazette de la jeunesse e
Le Journal des enfants. Apesar de iniciar sua carreira escrevendo novelas com temas
judaicos, especializa-se e alcança notoriedade com seus contos e romances voltados à
juventude, uma área literária pouco explorada até então. Vários desses contos traçam o
perfil de personalidades famosas da História francesa. Foa também participou da
fundação da Société des Gens de Lettres e da Académie des Femmes, instituições
voltadas para a divulgação e proteção dos direitos dos escritores e artistas. Escritora
prolífera, dotada de uma imaginação muito fértil, Eugénie Foa compôs uma vasta obra
que a tornou reconhecida em sua época. Seus livros e contos, bastante apreciados pelo
público leitor francês durante grande parte do século XIX, também foram traduzidos em
várias línguas.
Algumas de suas obras: Le Kiddoushim ou l'anneau nuptial des Hébreux (1830)
Alexandrine ; Batilde, ou la Petite esclave ; Les Blancs et les bleus ; Le Chapeau du
noyé ; Le Chien de lord Byron ; Les Contes de ma bonne; Le Castel du diable ; Les
Contes de ma bonne. Les Cinq infortunes des sabots de Ramouniche; Les Deux amis;
Enfance et jeunesse d'hommes illustres ; L'Enfant mystérieux, ou Mlle de Lussan ; Les
Enfants d'Edouard ; Les Enfants du fermier ; La Famille du vieux soldat ; La Femme à
la mode ; La Fiancée de l'exilé; La Fille du gondolier, suivie de Jean l'Oiseleur ; La
Juive, histoire du temps de la Régence (1835) ; Le Juvénile-Keepsake ; Ludwig Van
Beethoven, ou le Petit maître de chapelle ; La Madone, suivie du Tuteur ; Mémoires d'un
171
polichinelle (1837) ; Mémoires d'une petite fille devenue grande ; Les Nouveaux
Robinsons, aventures extraordinaires de deux enfants qui cherchent leur mère ; La
Paysanne de Domrémy, ou Jeanne d'Arc ; Contes historiques pour la jeunesse contenant
Jean-Jacques Rousseau, Sainte Victoire, Jacques Cook, les élèves d'Ecouen, Antoine
Galland, Wolfgang Mozart, les Deux soeurs d'Ecouen, Marie Leczinska, Marietta
Tintorella ; Courage et résignation, contes historiques contenant Vercingétorix, Grisel
Raleigh, Mlle de La Fayette, Oberlin, Marie de Beaurepaire, Deux princes d'Orléans,
Mme Campan ; Héroïsme et candeur, contes historiques ; Grandeur et adversité,
enfance de femmes célèbres, contes historiques dédiés à la jeunesse, contenant Clotilde
de France, Bertrade, Mme de Maintenon, Mlle de Penthièvre, Mlle Du Bourk,
Joséphine, Pauline de Tourzel, la reine Hortense ; La Dernière des Penthièvre. Le
Comte de Dijon. Contes historiques pour la jeunesse ; Contes variés, histoire et
fantaisie, contenant Les Enfants de la vallée d'Argelès, Angélique Kaufmann, Virginie
Chesquière, Suzanne Centlivre, Jacques Laffitte ; Les Enfants illustres, contes
historiques contenant Jeanne d'Arc, Guttenberg, Gustave Wasa, Sixte-Quint, Rubens,
Gassendi, Catherine I
ère
, Mozart ; Le Livre de la jeunesse, contes historiques contenant
Sainte-Victoire, Saint-Médard, Elie de Bourdeille, Valentin Duval, Mme Leprince de
Beaumont, Mme de Genlis, l'abbé de L'Epée, Berquin ; Persévérance et renommée,
contes historiques ; Le Petit poète ; Le Petit Robinson de Paris ou le triomphe de
l'industrie ; Le petit Robinson des Bois (1840) ; (sob o pseudonimo de Miss Maria Fitz
Clarence) Petite mosaïque historique, contes vrais dédiés au jeune âge contenant Du
Guesclin, le Masque de fer, Charles-Edouard, les Pages du grand Frédéric, Expédition
d'Egypte, le Premier grenadier de France, Naufrage de la Méduse ; Les Petits artistes
peintres et musiciens, contes historiques dédiés à la jeunesse, contenant Guido, Marietta
Tintorella, Van Dyck, Callot, Salvator Rosa, Sébastien Gomès, J.B. Lulli, Boieldieu ; Les
Petits guerriers, contes historiques pour la jeunesse contenant Turenne, Jean Bart,
Dugay-Trouin, Hoche, Kléber, Napoléon, le général Foy ; Les Petits poëtes et
littérateurs, contes historiques dédiés à la jeunesse, contenant Le Roi René, Christine de
Pisan, Clément Marot, Mme de Sévigné, Fénelon, Daniel de Foe, Bernardin de Saint-
Pierre, Mme de Staël ; Petits princes et petites princesses, contes historiques dédiés à la
jeunesse, contenant Marguerite de Provence, Mme Isabelle de France, Anne de
Bretagne, Louise de Lorraine, Louis Xiv enfant, Marie Leczinska, Mme Louise de
France, le Petit roi captif ; Les Petits savants, contes historiques dédiés à la jeunesse
contenant Cujas, Montesquieu, Pothier, Franklin, Vaucanson, Jacquard, Dupuytren ;
172
Rachel ; Les Saintes, contenant Sainte Geneviève, ... ; Le Schelling marqué, ou l'Enfance
du capitaine Cook ; Simples histoires, suivi de La Petite créole, ou Mademoiselle
d'Aubigné ; La Soeur du joueur ; Les Soirées du dimanche ; Travail et célébrité, contes
historiques dédiés à la jeunesse contenant Colbert, Galland, Cornil, Barth, Métastase,
Sedaine, Favart, J.J. Rousseau, le capitaine Cook ; Vertus et talents, modèles des jeunes
filles, contes historiques contenant Olga, grande-duchesse de Russie, Mlle de Marillac,
Mlle de Lussan, Mme Cottin, Mme Elisabeth, Mme Campan, Marie d'Orléans, la reine
Victoria ; Le Vieux Paris, contes historiques ; Les Vocations, ou les Elus des beaux-arts,
contes historiques ; Les Frères captifs, ou Deux Orléans.
173
ARNOULD FRÉMY
1) “O Véu de Maria Luiza” [04/02/1838, n. 26, p. 201-204]
DADOS BIOGRÁFICOS: Arnould Frémy (1809-?) Literato francês. Colaborador
assíduo de um grande número de jornais, tais como Le Peuple, Le Siècle, Le Charivari e
L`Avenir Nacional. Participa também de coletâneas com textos de vários autores como,
por exemplo, Physiologie du rentier de Paris et de province (1841) que escreve junto
com Honoré de Balzac. Em 1847, assume o cargo de professor de Literatura Francesa na
Faculté de Lettres de Lyon. Publica vários romances e novelas, entre outros Les Deux
anges e La Chasse aux fantômes. Também escreveu comédias para o Teatro Odeón,
como La Réclame e Le Loup dans la bergerie.
Algumas de suas obras: Les Deux anges (1833) ; Elfride (1833) ; Une Fée de Salon
(1837) ; La Chasse aux Fantômes (1838) ; Moeurs contemporaines. Les Roués de Paris.
Victor de Chélan (1838) ; Les Femmes proscrites (1840) ; Les Mémoires d'une fille du
peuple ; Les Moeurs de notre temps ; Journal d'une jeune fille (1853) ; Les Maîtresses
parisiennes. Scènes de la vie moderne (1855) ; Confessions d'un bohémien (1857) ; La
Cousine Julie (1860) ; Joséphin le Bossu (1861) ; Les Femmes mariées (1862).
THOMAS COLLEY GRATTAN
1) “Álibi” [29/10/1837, n. 12, p. 89-91] (New Monthly Magazine)
OBSERVAÇÕES: O Gabinete de Leitura somente cita a fonte. A autoria só foi
descoberta através do original. “The Alibi; an Assize Anedocte” foi publicado na New
Monthly Magazine em fevereiro de 1836, e traz a seguinte nota: “by the author of
Highways and Byways, que vem a ser T. C. Grattan
DADOS BIOGRÁFICOS: Thomas Colley Grattan (1792-1864) nasceu em Dublin, na
Irlanda. Romancista, também escreveu relatos de viagens. Estudou direito, mas acabou
se dedicando à carreira literária. Amigo de Washington Irving, Lamartine e Thiers.
174
Colaborador de vários periódicos britânicos, tais como New Monthly Magazine,
Edinburgh Review e Westminster Review. Seu livro de memórias de viagem, Highways
and Byways, foi dedicado a Washington Irving e teve sua primeira edição em 1823,
seguida de mais duas, em 1825 e 1827. Exerceu o cargo de cônsul britânico no estado de
Massachusetts nos Estados Unidos da América.
Algumas de suas obras: Highways and Byways, or Tales of the Roadside picked up in the
French Provinces by a Walking Gentleman (1823) ; Traits of Travel, or Tales of Man
and Cities (1829) ; The Heiress of Bruges, a Tale of the Year Sixteen Hundred (1831) ;
Legends of the Rhine and of the Low Countries (1832) ; Civilised America (1859) ;
Beaten Paths and those who trode them (1862).
BURAT DE GURGY
1) “Meu Vizinho Anatole” [25/02/1838, n. 29, p.239-240]
DADOS BIOGRÁFICOS: Edmond Burat de Gurgy (1810-1840). Literato e
dramaturgo. Autor de La Prima donna et le garçon Boucher (1831).
Alguma de suas obras: Un duel sous Charles IX. Scène historique du XVIe siècle (1830);
Le Fils de Figaro, comédie-vaudeville en 1 acte (1833); Un bal. 6 mars (1834);
Paillasse, épisode de carnaval (1834); La Jeunesse d'un grand roi, épisode historique en
1 acte (1836); Le Diable boiteux, ballet-pantomime en 3 actes (1836); Biographie des
acteurs de Paris (1837); Le Bonheur sous les toits, vaudeville en 3 actes (1839); Le
Jugement dernier, opéra sacré en 1 acte (música de M. A. Vogel, estreou no teatro
Renaissance em Paris em 1839).
175
WASHINGTON IRVING
1) “O Sedutor” [15/10/1837, n. 10, p. 73-75]
DADOS BIOGRÁFICOS: Washington Irving (1783-1859) Escritor americano, autor de
contos e ensaios, poeta, biógrafo e colunista, também escreveu livros de viagem. Irving
nasceu na cidade de Nova York, em 3 de abril de 1783, caçula de uma família de 11
filhos. Seu pai era um próspero comerciante e sua mãe era de origem inglesa. Logo cedo
Irving desenvolveu sua paixão pelos livros. Pouco utilizou sua formação em Direito.
Entre 1804 e 1806, Irving viajou por vários países da Europa. Sua carreira de escritor
iniciou-se em jornais e revistas. Colaborou para o periódico Morning Chronicle (1802-
1803), cujo redator era um de seus irmãos. Depois da morte de sua mãe, decidiu ficar na
Europa onde residiu por dezessete anos, de 1817 a 1832. Aclamado em seu país por ser o
primeiro escritor americano a alcançar renome internacional, Irving retorna à América
em 1832. Suas obras mais conhecidas são os contos “The Legend of the Sleepy Hollow”
e “Rip Van Winkle”.
Algumas de suas obras: The Sketch Book Of Geoffrey Crayon, Gent. (1819-20);
Bracebridge Hall (1822); Columbus (1828); Conquest Of Granada (1829); The
Companions Of Columbus (1831); Alhambra (1832); Mahomet And His Successors
(1850); Wolfert's Roost (1855); The Life of George Washington (1855-59).
176
ALPHONSE KARR
1) “O Tio da América” [25/02/1838, n.29, p. 229-231]
DADOS BIOGRÁFICOS: Jean Baptiste Alphonse Karr (1808-1890). Jornalista, crítico
e novelista francês. Em 1832 publica Sous les tilleuls, seu primeiro romance. Une Heure
trap tard sai no ano seguinte, confirmando o sucesso obtido junto ao público. Em 1839,
Alphonse Karr se torna redator do Le Figaro, jornal para o qual até então tinha sido
colaborador assíduo. Nesse mesmo ano, também passa a publicar sua própria revista
satírica, Les Guêpes, um sucesso imediato de público. Com sua pena ácida e estilo
profundamente irônico, Karr satiriza a vida política e literária da época. Desgostoso com
os rumos da política francesa após a subida de Napoleão III, retira-se para Nice, onde
passa a se dedicar à botânica e jardinagem.
Algumas de suas obras: Vendredi soir. (1835); Le chemin le plus court (1836) ; Ce qu'il
y a dans une bouteille d'encre. 2e livraison. Clarisse. (1839); Voyage autour de mon
jardin (1845); Clovis Gosselin (1851); Raoul Des Loges ou un homme fort en thème
(1852); Contes et nouvelles (1852); Les femmes. (1853); Devant les tisons. (1854); La
famille Alain et Fa-dièze (1854); En fumant (1862); De loin et de près (1862).
LASSAILLY
1) “A Traição de uma Flor” [21/01/1838, n. 24, p.188-190]
DADOS BIOGRÁFICOS: Charles Lassailly (1806-1843). Poeta e romancista francês.
Editou em parceria com Théophile Gautier o hebdomadário Ariel, journal du monde
élégant em 1836. Em 1840, foi editor da Revue Critique. Autor de Les Roueries de
Trialph, romance com raízes na tradição gótica, publicado em 1833.
177
ALEXANDRE DE LAVERGNE
1) “O Último Mouro de Granada – Crônica do Tempo de Felipe III” [07/01/1838,
n. 22, p. 169-171; 14/01/1838, n. 23, p. 177-179; 21/01/1838, n. 24, p.185-187 e
28/01/1838, n. 25, p. 191-196]
2) “O Último Hino de Santeuil – Abadia de S. Victor” [10/12/1837, n. 18, p. 143-
144; 17/12/1837, n.19, p. 146-149 e 24/12/1837, n. 20, p. 157-159]
OBSERVAÇÕES: Apesar de “O Último Hino de Santeuil – Abadia de S. Victor” não
trazer nem fonte nem assinatura, dentre as obras de Alexandre de Lavergne encontra-se
“Le Denière Hymne de Santeuil”.
DADOS BIOGRÁFICOS: Alexandre-Marie-Anne de Lavaissière de Lavergne (1808-
1879). Romancista e dramaturgo francês.
Algumas de suas obras: Marguerite de Quélus (24 août 1572), drame en trois actes
(1835) [Em parceria com Paul Foucher (1810-1875) e Charles-Louis-François Desnoyer
(1806-1858)]; Le transfuge, drame en trois actes (1835) [Em parceria com Paul
Foucher]; Les Trois aveugles (1838) [Em parceria com Auguste Arnould]; L'Aîné de la
famille (1839); L'Audience secrète, drame en 3 actes (1842) [Em parceria com Paul
Foucher]; La Belle Aragonaise ; La Pension bourgeoise (1841); La Course au clocher
(1841); La Marquise de Contades (1842); Tout chemin mène à Rome (1844) [Em
parceria com Auguste Arnould]; Le Secret de la confession (1845); La Princesse Des
Ursins (1845); Le Dernier seigneur de village (1845); Le Cadet de famille (1852); Il faut
que jeunesse se passe (1852); Le Comte de Mansfeldt (1857); La Famille de Marsal
(1862); Le Chevalier du silence (1864); Le Roi des rossignols (1864); Le Lieutenant
Robert (1868); Epouse ou mère. 2e partie du Lieutenant Robert (1868); Les Demoiselles
de Saint-Denis (1873).
Contos: Pauline Butler; Les Suites d'une passion.; La Sainte d'Offémont; Le Dernier
More de Grenade; La Force; La Dernière hymne de Santeuil; Le Bourgeois de Bayeux;
Le Jeune Boufflers; Le Château de la Brosse-Saint-Ouen; Anne d'Arcona ; Hannah
178
Glenmore ;Le Brasero; La Marquise de Contades; Le Livre du Mezouar; Brancas le
rêveur.
JULES LECOMTE
1) “Uma Barateria” [18/02/1838, n.28, p. 220-222]
DADOS BIOGRÁFICOS: Jules François Lecomte nasceu em Boulogne-sur-Mer em
1814, morreu em Paris em 1864. Foi jornalista, romancista, autor dramático e crítico de
arte. Sob o pseudônimo Van Engelgom escreveu crônicas maliciosas que criticavam
certos excessos de obras e autores do romantismo francês — o que despertou o rancor de
muitos de seus contemporâneos. Contribuiu para vários jornais e periódicos e trabalhou
como correspondente do Independance Belge por volta de 1850. Entre 1858 e 1864, foi
redator de La Chronique Parisienne. Lecomte ficou conhecido por suas obras de
literatura marítima, em especial por seu Dictionnaire Pittoresque de Marine publicado
em 1835, e por sua revista Le Navigateur, publicada entre 1834 e 1838. Em parceria com
Charles Bosselet traduziu o drama Othello de Shakespeare, que estreou em Paris em
março de 1834.
Algumas de suas obras: Chroniques de la marine française (1836); L'Abordage, roman
maritime (1836); L'Ile de la Tortue, roman maritime (1837); La Croisière de la Mouche
(1837) ; Les Smogglers (1838); Le Capitaine Sabord (1839); La marquise invisible
(1843); Marie-Louise à Parme (1845); Cinq coups de poignard et main de plâtre (1846);
La Femme pirate (1846); Le Mort vivant, roman maritime (1847); La Dernière
Morosini, ou le Poignard de cristal (1848); La Pêche du gardon, par deux pêcheurs
rennais (Escrito em parceria com Alexandre Bon); Un voyage de désagrément à Londres
(1853); Histoire d'un modèle (1855); Les Pontons anglais, ou le Mort vivant... (1858);
Voyages çà et là (1859); La Charité à Paris (1861); Secrets de famille; Ghita (1863).
179
E. LEMOINE
1) “Meus Dias de Guarda – O Sim d’uma Moça” [01/04/1838, n. 34, p. 265-267]
DADOS BIOGRÁFICOS: Édouard Lemoine. Literato e crítico de arte francês.
Colaborador do L’Écho des Feuilletons. Sob o pseudônimo Thécel escreveu artigos de
crítica literária no L’Independence Belge em 1860. Autor de Physiologie de la femme la
plus malheureuse du monde de 1841.
ROBERT MACNISH
1) “Terêncio o alfaiate” [12/11/1837, n.14, p. 110-112] (Forget me not)
OBSERVAÇÕES: A versão original intitula-se “Terence O’Flaherty” e foi publicada no
Forget me not para o ano de 1829. O texto é assinado por “The Modern Pythagorean”,
pseudônimo de Robert Macnish.
DADOS BIOGRÁFICOS: Robert Macnish (1802-1837) nasceu em Glasgow, na
Escócia. Formou-se em medicina. Sua primeira publicação foi Anatomy of Drunkness,
tese apresentada em 1825 e publicada em 1827. Em 1830, publica The Philosophy of
Sleep, outra obra da área médica,. Escreveu alguma poesia. Sua ficção foi marcada
principalmente pelo fantástico e grotesco. A partir da publicação de “The
Metempsychosis” na Blackwood’s Magazine, em 1826, seus escritos passaram a ser
acolhidos por importantes revistas britânicas, tais como a Fraser’s Magazine e The
Metropolitan. Em 1938, seu amigo, D. M. Moir, escreveu sua biografia e reuniu seus
escritos ficcionais em Life of Macnish.
180
STEPHEN DE LA MADELAINE
1) “O Negociante de Cabelos” [17/09/1837, n. 6, p.46-47]
DADOS BIOGRÁFICOS: Étienne-Jean-Baptiste-Nicolas Madelaine (1801-1868).
Conhecido como Stephen de la Madelaine, romancista francês. Nasceu em Dijon. Veio
para Paris com 24 anos com o objetivo de estudar literatura. Dono de uma voz
privilegiada, entrou para o coro da capela real na época do reinado de Carlos X. Apesar
do encerramento das atividades da capela com a Revolução de 1830, Madelaine
continuou ativo nos círculos musicais, tornando-se amigo de Berlioz. Entre 1835 e 1838,
Madelaine contribuiu para a Revue et Gazette Musicale com diversos contos “históricos”
que, na verdade, eram uma mistura de ficção e fatos sobre a biografia e a carreira de
músicos e instrumentistas famosos dos séculos XVI, XVII e XVIII. Entre 1830 e 1860
escreveu vários romances e novelas, a maioria deles dedicada à juventude.
Algumas de suas obras: Le Curé de campagne; Le Chemin des écoliers (1837); Scènes
de la vie adolescente (1837); Le Berger d'Helfédange, chronique du XVIIIe siècle
(1837); Après le travail, contes sous la feuillée, pour l’instruction et l’amusement de la
jeunesse (1838); L'Ange gardien (1838); Le Donneur d'eau bénite de Saint-Eustache, ou
la Charité d'un pauvre homme (1838); Les bonnes étrennes, ou le livre des prix (1839);
Les Voisins de campagne (1840); Mémoires d'un chien (1841); La Cabane et le château
(1847).
181
LUIS CARLOS MARTINS PENA
1) “Um episódio de 1831” [08/04/1838, n. 35, p.277-278]
OBSERVAÇÕES: Este conto se encontra publicado em Barbosa Lima Sobrinho. Os
Percursores do Conto no Brasil. Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia: Civilização
Brasileira, 1960.
DADOS BIOGRÁFICOS: Nasceu no Rio de Janeiro em 5 de novembro de 1815 e
morreu a 7 de dezembro de 1848, em Lisboa. Freqüentou a Academia de Belas Artes.
Trabalhou na Mesa do Consulado da Corte e na Secretaria dos Negócios Estrangeiros.
Em 1847, foi nomeado adido da primeira classe à Legação Brasileira em Londres.
Publicou crônicas e crítica teatral no Jornal do Comércio. Na historiografia literária
brasileira, Martins Pena é especialmente lembrado por sua obra teatral.
Algumas de seus contos: “A Sorte grande” [Correio das Modas, 12 e 19 de janeiro de
1839]; ‘O Poder da Música” [Correio das Modas, 23 de fevereiro de 1839]; “Minhas
aventuras numa viagem nos ônibus” [Correio das Modas, 26 de janeiro de 1839];
“Uma viagem na barca de vapor” [Correio das Modas, 13 de abril de 1839].
Teatro: Juiz de Paz na Roça; A Família e a Festa da Roça; Judas em Sábado de Aleluia;
Os Irmãos das Almas; Os Dois ou o Inglês Maquinista; O Noviço; Caixeiro da Taverna;
Quem Casa quer Casa; As Casadas Solteiras.
182
JOHN POOLE
1) “Uma Morada perto de tudo” [29/10/1837, n. 12, p. 94-96] (Blackwood’s
Magazine) (original publicado na New Monthly Magazine)
OBSERVAÇÕES: Apesar de o Gabinete de Leitura indicar a Blackwood’s Magazine
como fonte, o original “The Inconveniences of a Convenient Distance” foi publicado na
New Monthly Magazine, no segundo semestre de 1830. A versão original vem assinada
por ‘P*’, inicial identificada como sendo de John Poole.
2) “Costumes Ingleses. O Amador da Vida Campestre” [04/03/1838, n. 30, p.233-
236] (Colburn’s Magazine) (original publicado na New Monthly Magazine and
Humorist)
OBSERVAÇÕES: Não existiu na Grã-Bretanha uma publicação intitulada Colburn’s
Magazine como indicado no Gabinete de Leitura. O original inglês intitula-se “A
Cockney Country-Gentleman” e foi publicado na New Monthly Magazine and Humorist
em junho de 1837. O texto vem assinado por ‘P*’, assinatura identificada como sendo de
John Poole.
DADOS BIOGRÁFICOS: John Poole (1786?- 1872) dramaturgo e escritor de contos e
poemas. Ficou conhecido por suas farsas e comédias encenadas em Londres, entre 1813
e 1829. Sua peça teatral mais conhecida é Paul Pry, comédia em três atos. Colaborou
assiduamente para a New Monthly Magazine. Também participou com miscelâneas para
Household Words (1850-1859), cujo editor era Charles Dickens.
Alguma de suas obras:
Teatro: Hamlet Travestie (1810); Turning the Tables (1821); Simpson & Co. (1823);
Deaf as a Post (1823); Married and Single (1824); Tribulations: or, Unwelcome Visitors
(1825); Paul Pry (1825); ‘Twixt the Cup and the Lip (1826); The Wealth Widow, or
They’re Both to Blame (1827); Lodgings for Single Gentleman (1829).
Outros escritos: Little Pedlington (1839); Byzantium, a Dramatic Poem; Comic
Miscellany; Sketches and Recollections
183
EUGÈNE SCRIBE
1) “O Rei de Ouros” [05/11/1837, n. 13, p. 97-99 e 12/11/1837, n. 14, p. 105-107]
DADOS BIOGRÁFICOS: Eugène Scribe (1791-1861) Literato, escritor dramático e
libretista francês. Começou sua prolífica e bem sucedida carreira com vaudevilles. Seu
primeiro sucesso foi a peça Une Nuit de la Guarde Nationale em 1815. Scribe foi um
dos primeiros dramaturgos que conseguiu espelhar em suas obras a vida e a moralidade
burguesa, infundindo na ópera e drama franceses do século XIX temas políticos e
religiosos. Dentre suas melhores obras, notáveis por seus enredos bem estruturados estão
Adrienne Lecouvreur (1849), que mais tarde foi adaptada para ópera, e a Bataille de
Dames de 1851.
Algumas de suas obras: L’Ours et Pacha (1820); La Veuve du Malabar (1822); La
Louge du portier (1823) ; Le Mariage de raison (1826) ; La Demoiselle à marier (1826);
Le Diplomate (1827); Le Mariage d’argent (1827); Bertrand e Raton (1833); La
Camaraderie (1837); Le Varre d’eau (1840); Une Chaîne (1841); Les Contes de la
Reine de Navarre (1850); Bataille de Dames (1851).
184
PEREIRA DA SILVA
1) “Luiza – Legenda Brasileira” [15/10/1837, n. 10, p. 79-80]
2) “Uma Aventura em Veneza” [22/10/1837, n. 11, p. 86-87]
3) “Um Primeiro Amor” [05/11/1837, n. 13, p. 101-102]
4) “As Catacumbas de São Francisco de Paula” [12/11/1837, n. 14, p.108-110]
5) “Um Último Adeus” [19/11/1837, n. 15, p. 117-119]
6) “Maria” [10/12/1837, n. 18, p. 141-142]
OBSERVAÇÕES: Os títulos constantes nos itens 1, 3, 4 e 6 acima estão publicados em
Barbosa Lima Sobrinho. Os Percursores do Conto no Brasil. Rio de Janeiro, São Paulo,
Bahia: Civilização Brasileira, 1960.
DADOS BIOGRÁFICOS: João Manuel Pereira da Silva nasceu em Iguaçu, no Rio de
Janeiro a 30 de agosto de 1817, e ali morreu em 1898. Em 1834, foi para Paris onde
formou-se em Direito. Durante esse período, associou-se a Domingo José Gonçalves de
Magalhães, Manuel José de Araújo Porto Alegre e Francisco Sales Torres Homem,
grupo que publicou a Niterói – Revista Brasiliense. No segundo número da revista,
Pereira da Silva publica um importante artigo, “Estudos sobre a Literatura”, no qual
traça as primeiras diretrizes da crítica romântica. De volta ao Brasil em 1837, colabora
para o recém fundado Jornal dos Debates, cujo editor era Francisco Sales Torres
Homem. Foi advogado e político de linha conservadora, elegeu-se deputado provincial,
depois geral e, mais tarde, senador. Pereira da Silva foi redator do Jornal dos Debates
(1838), Jornal do Comércio e da Revista Popular. Sócio do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e membro-fundador da Academia Brasileira de Letras. Pertenceu à
diretoria e foi subscritor da Associação Biblioteca Fluminnse. É considerado um dos
mais importantes precursores da prosa de ficção no Brasil. Além de sua contribuição no
Gabinete de Leitura, Pereira da Silva também publica no Jornal dos Debates “A Vida
185
política no Brasil”, em março de 1838; “Uma Paixão de Artista – Romance”, em julho
de 1838 e “Um Brasileiro em Roma- Romance”, em agosto do mesmo ano.
Algumas de suas obras:
“Amor, Ciúme e Vingança – Novela Brasileira” [publicada no Museo Universal, vol.
II., de 1838 a 1839]
“O Aniversário de D. Miguel em 1828. Romance Histórico” [Jornal do Comércio,
16 a 22 de janeiro de 1839]
“Religião, Amor e Pátria. Romance Histórico” [Jornal do Comércio, 12 a 16 de
março de 1839]
“O Banho russo” [Revista Nacional e Estrangeira, dezembro de 1839 e Museo
Universal, 13 de janeiro de 1844]
“Jerônimo Corte-Real, crônica portuguesa do século XVI” [Jornal do Comércio, 8 a
11 de janeiro de 1840]
Variedades Literárias e Políticas (1862)
Manuel de Moraes, crônica brasileira do século XVII (1866)
Aspásia (1873).
186
FRÉDÉRIC SOULIÉ
1) “O Cocheiro do Marechal C...” [27/08/1837, n. 3, p. 19-20]
OBSERVAÇÕES: O texto original intitula-se “Le Cocher du Maréchal C...” e pode ser
encontrado no endereço eletrônico vinculado à Bibliothèque Municipale de Lisieux:
http://www.bmlisieux.com/archives/lecocher.htm
Segundo informações contidas nesse endereço eletrônico, o texto reproduzido foi
publicado na Revue des feuilletons, 3
º
ano, Paris, 1843. Contudo, informa-se que o texto
fora publicado anteriormente no Journal des Enfants (sem registro de data).
2) “História – Execução de Joanna Grey” [17/09/1837, n. 6, p.41-43]
OBSERVAÇÕES: O texto original intitula-se “Histoire – Exécution de Jane Grey” e
pode ser encontrado no endereço eletrônico:
http://leslivresoublies.free.fr/leslivresoublies/Soullie/Execution_de_Jane_Grey.html
Segundo informações contidas nesse endereço eletrônico, o texto foi publicado no
Musée des Familles em outubro de 1833.
DADOS BIOGRÁFICOS: Romancista e dramaturgo francês. Nasceu em Foix em 1800,
morreu em Bièvre em 1847. Apesar de atualmente pouco conhecido, Soulié foi um dos
autores mais apreciados em seu tempo. Suas primeiras obras, dramas com pano de fundo
histórico encenados no Teatro Odéon e no Théâtre-Français, Roméu et Juliette (1828),
Christine à Fontainebleau (1829) e Clotilde (1832), não alcançaram muito sucesso junto
ao público. Seu reconhecimento só veio com a publicação do romance Les Deux
Cadavres (1832) e com a série de romances históricos sobre a região de Languedoc:
Le Vicomte de Berziers (1834) e Le Comte de Toulouse (1835). O reconhecimento
definitivo, que o colocou lado a lado com escritores como Balzac, Victor Hugo e
Dumas (pai) na preferência popular, foi a publicação seriada de Les Mémoires du Diable
nas páginas do Les Journal des Débats em 1837 e 1838. Seu dramas posteriores
também lhe trouxeram notoriedade, em especial La Closeraie des Genêts (1846).
Escreveu também uma série de contos, poemas e artigos em revistas e periódicos.
187
Algumas de suas obras: Le Conseiller d’État (1835); Un Éte à Meudon (1836); Deux
Séjour. Province et Paris (1836); Romans Historique du Languedoc (1836); Sathaniel
(1837); La Lanterne Magique: históire de Napoléon, recontée par deux soldats (1838);
L’Homme de Lettres (1838); Un Diamant à dix Facettes (1839) [romance escrito em
parceria com Paul de Kock]; Diane et Louise (1839); Le Maítre d’École (1839); Diane
de Chivry (1839); Le Fils de la folle (1839); Le Bananier (1843); Les Prétendus (1843)
ELÉONORE DE VAULABELLE
1) “O Preceptor de seu Mestre” [08/04/1838, n. 35, p. 273-275]
DADOS BIOGRÁFICOS: Eléonore Tenaille de Vaulabelle (1802-1859) Dramatista
francesa. Irmã do historiador francês Achille de Vaulabelle, famoso por suas obras sobre
o período da Restauração francesa. Eléonore compôs inúmeras comédias, vaudevilles e
dramas, a maioria deles em parceria com outros escritores. Utilizou também os
pseudônimos Jules Cordier para suas peças dramáticas, e Ernest Desprez para assinar
alguns de seus romances. Autora de romances e contos voltados para o público infanto-
juvenil. Em parceria com os irmãos Théodore e Hippolyte Cogniard escreveu Les Trois
dimanches, comédia adaptada por Martins Pena com o título Casadas e Solteiras.
Algumas de suas obras: Un Enfant (1833) [Escrita sob o pseudônimo Ernest Dresprez];
Les Jours heureux, contes et morale à l'usage des enfans des deux sexes (1836); La
Tireuse de cartes, mélodrame en 3 actes (1831) [Em parceria com Alboise du Pujol];
Clémentine, comédie-vaudeville en 1 acte (1845) [Em parceria com J. Ancelot (1794-
1854)]; Les Club des maris et le club des femmes, vaudeville en un acte (1848) [MM.
Clairville (1811-1879) e Jules Cordier]; Les filles de la liberté, vaudeville en un acte
(1848) [MM. Clairville (1811-1879) e Jules Cordier]; Paris sans impôts, vaudeville en
trois actes et six tableaux (1849) [MM. Clairville (1811-1879) e Jules Cordier]; Les
grenouilles qui demandent un roi, vaudeville en un acte (1849 ) [MM. Clairville, J.
Cordier e Arthur de Beauplan]; Le palais de cristal, ou Les parisiens à Londres, grande
188
revue de l'Exposition universelle, en 5 actes et 8 tableaux (1851) [Em parceria com
Clairville (1811-1879)].
XIVREY
1) “A Grande Serpente Marinha” (não ficcional) [10/12/1837, n. 18, p. 137-138 e
17/12/1837, n. 19, p.145-146]
DADOS BIOGRÁFICOS: Jules Berger de Xivrey (1801-1863). Membro da Académie
des Inscriptions et Belles Lettres do Instituto da França. Autor de várias obras, dentre
elas Traditions Tératologiques ou de l’aniquité et du moyen age en occident sur
quelquer points de la fable du marveilleux et de l’histoire naturelle (1836), cujo tema
central é o estudo de animais exóticos e criaturas monstruosas que fazem parte do
folclore e imaginário ocidental desde a Idade Média. Outra de suas obras é Recherches
sur les sorces antiques de la littérature française, publicada em 1829.
BIBLIOGRAFIA
189
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(1836-1839) Fundado por Justiniano José da Rocha. Colaboradores: Josino do
Nascimento Silva e Firmino Rodrgues da Silva
Gabinete de Leitura, serões das famílias brasileiras; jornal para todas as classes, sexos
e idades. Rio de Janeiro, Typ. Commercial de J. do N. Silva, 1837-1838.
Jornal dos Debates Politicos e Litterarios. Rio de Janeiro, Typ. de J. Villeneuve e
Comp. (1837-1838)
Revue Britannique, ou choix d’articles traduits des meilleurs écrits périodiques, de la
Grande-Bretagne, sur la littérature, les beaux-arts, les arts industriels, l’agriculture, la
géographie, le commerce, l’économie politique, les finances, la législation, etc., etc.
Paris, Dondey-Dupré [1825-1901] período consultado 1825-1838
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