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lágrimas no leitor; somente aquelas que servem ao objetivo do narrador. Nessa
passagem, a utilização do recurso da ironia e a ausência de sentimentalismo revelam a
perspicácia do narrador: na casa do Sr. Gradgrind, os sentimentos ainda não são
admitidos, nem para os personagens, que ainda vivem sob o jugo das doutrinas
utilitaristas, nem para o narrador, que descreve a morte da Sra. Gradgrind segundo os
métodos vigentes na casa, ou seja, utilizando exclusivamente os critérios da razão, o que
não deixa espaço para os sentimentos.
Há, desse modo, a alternância entre a persuasão racional, pelos fatos, através do uso
da ironia, e a persuasão através dos sentimentos. Esse convencimento através dos
sentimentos, que perpassa todo o romance, faz com que se lhe atribua o qualificativo de
“melodrama”.
O termo melodrama constitui um problema para a análise da obra porque vem
acompanhado de uma série de sentidos pejorativos, entre eles, os de “obra de baixo
nível”, maculada por um “sentimentalismo vulgar”. A classificação de Dickens como
melodramático começou quase tão logo ele começou a escrever seus romances. Em
1838 Olliver Twist já estava sendo serializado e T.H. Lister o acusa no Edingurgh
Review , dizendo que “Oliver’s odious half-brother Monks was ‘a mere melodramatic
villain’ (WORTH, 1978: 2). Os críticos de Dickens parecem ter adotado essa opinião,
fazendo com que George Worth, em Dickensian Melodrama, assevere que muito se
criticou e se critica Dickens pelo uso do melodrama, ou seja, pelo franco apelo ao
envolvimento emocional do leitor, pela apresentação da virtude ameaçada pelo vício,
pela linguagem eloqüente e as ações rápidas e surpreendentes. Essas características
fazem parte do romance dickensiano, porém, o que Worth ressalta é que poucos críticos
se dispuseram a explicar a aplicação desse termo, que originalmente se refere ao teatro,
ao texto dos romances de Dickens
39
. O termo é usado de forma vaga, principalmente
para criticar as pretensas falhas do texto de Dickens, sem que haja uma explicação
sistemática dessas mesmas falhas.
39
“There are two things wrong with this [say dismissively, that Dickens is melodramatic]. First, very few
writers on Dickens have troubled to ask themselves, or to tell their readers, what the adjective
‘melodramatic’ might mean as applied to prose fiction such as his. Second, a good many of these critics
have, somewhat irritably, reached for it as handy all- purpose weapon whenever they want to cudgel
Dickens for offenses he has, according to them, committed against the art of fiction or the canons of good
taste as they have understood them. The results are predictable: vagueness in the use of the term;
contradictions among the conclusions that are drawn as a result of such casual invocation; and a troubling
sense in the reader that, because and insofar as he is melodramatic as a novelist, Dickens is to be
summarily arraigned, tried, and condemned at the bar of critical justice.” (WORTH, 1978:2)