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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
PSICOLOGIA SOCIAL
FELIPE TAVARES PAES LOPES
Campo e identidade:
as regras do jogo publicitário
São Paulo
2007
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FELIPE TAVARES PAES LOPES
Campo e identidade:
as regras do jogo publicitário
Dissertação apresentada à Banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
mestre em psicologia social, sob a orientação do
Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa.
São Paulo
2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Felipe Tavares Paes Lopes
Psicologia Social
Dissertação apresentada ao Programa de Estudos
Pós-graduados em Psicologia Social como
exigência parcial para obtenção do título de mestre
em psicologia social.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof
a
. Dr
a
.________________________________________________________________
Instituição: _______________________ Assinatura: ______________________________
Prof
a
. Dr
a
. ________________________________________________________________
Instituição: _______________________ Assinatura: ______________________________
Prof
a
. Dr
a
.________________________________________________________________
Instituição: _______________________ Assinatura: ______________________________
Ao amigo Clóvis de Barros Filho,
fiz o que pude para que estas páginas honrassem a homenagem.
AGRADECIMENTOS
A gratidão nada tem a dar, além do prazer de ter recebido.
(ANDRÉ COMTE-SPONVILLE)
Tudo se entrelaça. Amarra-se e nos amarra. Somos sempre atravessados e
determinados por uma infinidade de eventos. Conseqüentemente, jamais podemos ser a causa
absoluta de nós mesmos. Se pudéssemos, aí seríamos deuses e não mais humanos. Por esta razão,
podemos dizer que nossas conquistas e alegrias dependem sempre, em larga medida, de outras
pessoas. Do apoio e afeto delas. A gratidão é justamente o nome que habitualmente damos a esse
reconhecimento. Reconhecimento da importância do outro na nossa própria felicidade.
De minha parte, estou ciente de que devo a muitas pessoas a felicidade de ter
conseguido realizar este trabalho. Não foram poucas as que, direta ou indiretamente, me
ajudaram nessa tarefa. As que me apoiaram e incentivaram nos momentos de cansaço e de
dúvida, tornando a experiência de escrever um mestrado um pouco menos árdua e solitária. Com
elas, gostaria, sinceramente, de dividir essa felicidade. A todas elas, pois, minha gratidão.
À minha família. Minhas avós Jecy e Vera, que me apoiaram financeiramente no início desta
pesquisa e com tudo o mais que precisei em todos os períodos da minha vida. Meus avôs Tito e
Beto, que, embora ausentes, permanecem presentes em doces lembranças e como exemplos de
vida. Meus pais, que sempre me incentivaram e ajudaram a viabilizar meus projetos e sonhos.
Meus irmãos Duda e Pedro, que sempre foram solícitos, emprestando o computador de casa, e
que, além do mais, são corinthianos – como todo bom sujeito. O primeiro, graças a São Jorge, fiel
convicto. Já o segundo, ainda em fase de evangelização.
À minha namorada que amo tanto, que além de ser linda e de sempre estar ao meu lado, é uma
das interlocutoras mais (im)pertinentes que conheci. Sempre me questionando e desfazendo
minhas verdades e idéias feitas. Enfim, sempre me ensinando a pensar e a viver melhor.
Aos amigos e amigas dos Discípulos, Tratantes, EPP e PUC. Desses(as), sou especialmente
grato ao Rafulha e ao Dudu, que desde o início me incentivaram e me apoiaram nessa jornada.
Ao Mago Meucci e ao Sérgio Praça, outros dois grandes incentivadores. À e ao Alan, que
ajudaram a fazer dos anos de mestrado um período, não apenas de construção de novos
conhecimentos, mas, sobretudo, de grande alegria. Sem dúvida, um dos mais felizes de minha
vida!
Ao meu orientador, Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa, sempre atencioso e disposto ao diálogo.
Aqui, também registro minha gratidão aos colegas do NEPIM, que fizeram dos encontros do
núcleo um espaço de agradáveis e férteis discussões.
À Prof
a
. Dr
a
. Fúlvia Rosemberg, que fez preciosas sugestões e críticas no projeto que ensejou
esta dissertação.
À Prof
a
. Dr
a
. Mary Jane, que fez preciosas sugestões e críticas no exame de qualificação e na
defesa.
E, finalmente, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa.
RESUMO
LOPES, Felipe T. P. Campo e identidade: as regras do jogo publicitário. 2007. Dissertação
(Mestrado). Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
Nesta dissertação, discutimos a pertinência da noção de “campo social” desenvolvida pelo
sociólogo francês Pierre Bourdieu como ferramenta teórica de análise científica da prática
publicitária realizada hoje no Brasil. Por outras palavras, discutimos se o universo de produção
dessa prática apresenta as características de um espaço social hierarquizado segundo uma lógica
específica de interesses, com pontos de tangências com outros universos sociais. Ou seja, se ele
constitui um espaço relativamente autônomo, espécie de microcosmo que opera como um campo
de forças, onde ocorrem lutas pela sua transformação ou conservação. Uma espécie de sociedade
com vínculos, regras e instituições de consagração próprias dentro de nossa sociedade. Para
tanto, analisamos os discursos identitários de seus(as) agentes – isto é, os significados que
estudantes e profissionais da publicidade compartilham acerca dessa prática à luz da posição
que ocupam hoje na sua estrutura social. Buscamos, com isso, investigar em que medida essa
correlação nos indica a existência de um campo propriamente publicitário.
Palavras-chave: campo publicitário. illusio publicitária. habitus publicitário. identidade
publicitária.
ABSTRACT
LOPES, Felipe T. P. Field and identity: the rules of the publicity game. Dissertation (Master).
Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2007.
In this dissertation, we discussed the pertinence of French sociologist Pierre Bourdieu’s concept
of “social field” as a theoretical tool for the scientific analysis of the advertising practice in Brazil
nowadays. In other words, we analyzed if the production universe of this practice is characteristic
of a hierarchical social environment organized according to specific interest logic and presenting
tangential points with other social universes. We investigated if it is a relatively autonomous
space, a kind of microcosm which operates like a force field, in which there are fights for its
transformation or conservation. A kind of society with its own bonds, rules and consecration
institutions within our society. To achieve this purpose, we analyzed the identitarian speeches
of its agents - the meanings that advertising students and professionals share about this practice –
considering their positions in the social structure. This analysis allowed us to investigate if this
correlation indicates the existence of an advertising field.
Key words: advertising field. advertising illusio. advertising habitus. advertising identity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO1........................................................................................................
23
QUADRO 2.......................................................................................................................... 90
QUADRO 3.......................................................................................................................... 107
QUADRO 4.......................................................................................................................... 186
QUADRO 5.......................................................................................................................... 188
QUADRO 6.......................................................................................................................... 194
TABELA 1............................................................................................................................ 187
TABELA 2........................................................................................................................... 189
FIGURA 1............................................................................................................................ 190
FIGURA 2............................................................................................................................ 191
FIGURA 3............................................................................................................................ 192
FIGURA 4............................................................................................................................ 193
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................
14
DO PROBLEMA......................................................................................................................... 14
DO PLANO.................................................................................................................................. 16
1 CONTEXTO TEÓRICO-CONCEITUAL DE PRODUÇÃO DO PROBLEMA DA
PESQUISA ................................................................................................................................. 18
1.1 A ABORDAGEM OBJETIVISTA DO UNIVERSO DE PRODUÇÃO DA
PUBLICIDADE: DEMOLINDO SUAS ILUSÕES.................................................................... 24
1.1.1 A leitura do espaço: uma ilusão “externalista”.............................................................. 25
1.1.2 A leitura dos(as) agentes: uma ilusão
epifenomênica
..................................................... 31
1.2 A ABORDAGEM SUBJETIVISTA DO UNIVERSO DE PRODUÇÃO DA
PUBLICIDADE: DEMOLINDO SUAS ILUSÕES.................................................................... 37
1.2.1 A leitura do espaço: uma ilusão “internalista”............................................................... 39
1.2.2 A leitura dos(as) agentes: uma ilusão idealista
............................................................... 45
1.3 A ABORDAGEM PRAXIOLÓGICA DO UNIVERSO DE PRODUÇÃO DA
PUBLICIDADE: DEMOLINDO SUAS ILUSÕES.................................................................... 51
1.3.1 A leitura do espaço: uma proposta de análise a partir da teoria dos campos.............
52
1.3.2 A leitura dos(as) agentes: uma proposta análise a partir dos conceitos de habitus e
illusio............................................................................................................................................ 64
2 A CONSTITUIÇÃO E O EXAME DO CORPUS: PROCEDIMENTOS E
SUAS JUSTIFICATIVAS
.....................................................................................
80
2.1 A ANÁLISE DE DISCURSOS (IDENTITÁRIOS) COMO PROCEDIMENTO
METODOLÓGICO..................................................................................................................... 81
2.1.1 O problema e as possibilidades de investigá-lo: nossa opção pela análise de
discursos (identitários) e suas justificativas teóricas e sociais................................................ 82
2.1.2 Assumindo a perspectiva de Bourdieu: o que analisar um discurso (identitário)
quer dizer?.................................................................................................................................. 85
2.2 AS ETAPAS DA ANÁLISE DE DISCURSOS (IDENTITÁRIOS)..................................... 89
2.2.1 O corpus e sua justificativa...............................................................................................
91
2.2.2 A seleção do corpus e sua justificativa............................................................................. 94
2.2.3 O tamanho do corpus e sua justificativa.........................................................................
95
2.2.4 A coleta do corpus e sua justificativa............................................................................... 97
2.2.5 A codificação da coleta e sua justificativa.......................................................................
103
2.2.6 A análise da coleta e sua justificativa.............................................................................. 103
3 ANÁLISE DOS DISCURSOS RESULTADOS....................................................................
105
3.1 MANIFESTAÇÕES INDICATIVAS.................................................................................... 108
3.1.1 Manifestações tangenciais.................................................................................................
108
3.1.1.1 A referência a(os) pares-concorrentes..............................................................................
109
3.1.1.2 A crença na importância e na imanência da criatividade.................................................. 111
3.1.1.3 O desinteresse estratégico................................................................................................
119
3.1.2 Manifestações discriminadas............................................................................................ 124
3.1.2.1 O domínio do repertório específico à prática publicitária................................................
125
3.1.2.2 As estratégias de valorização simbólicas......................................................................... 134
3.1.2.3 A adesão ao destino profissional......................................................................................
140
3.1.2.4 O medo dos(as) estudantes dos gatekeepers publicitário................................................. 145
3.2 MANIFESTAÇÕES NÃO INDICATIVAS.......................................................................... 147
3.2.1 Manifestações tangenciais.................................................................................................
148
3.2.1.1 A estrutura do discurso de auto-apresentação.................................................................
148
3.2.1.2 O amor pela arte............................................................................................................... 151
3.2.1.3 O amor pela vida de artista............................................................................................... 156
3.2.2 Manifestações discriminadas............................................................................................ 163
3.2.2.1 O consenso deontológico dos(as) profissionais acerca da sua atividade profissional...... 163
3.2.2.2 O comprometimento manifesto dos(as) profissionais com seus clientes e
consumidores(as)..........................................................................................................................
164
CONSIDERAÇÕES DE PROSSEGUIMENTO..................................................................... 168
ESBOÇANDO NOVAS ANÁLISES: LACUNAS E POSSIBILIDADES DE
AVANÇO.....................................................................................................................................
168
ESBOÇANDO NOVAS ANÁLISES: DIALOGANDO COM O
NEPIM..........................................................................................................................................
170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA....................................................................................... 174
ANEXOS..................................................................................................................................... 185
APRESENTAÇÃO
DO PROBLEMA
A prática publicitária
92
tem especificidades. Embora progressivamente
questionadas por prognósticos de reestruturação da produção midiática, implica procedimentos
que não se confundem necessariamente com nenhum outro fazer da indústria cultural. Essa
singularidade parece ter permitido, aqui no Brasil, ao longo das últimas cadas, a constituição
progressiva de um universo de relações, fazeres e posições sociais, em grande medida,
discriminado
93
. Esse universo específico de posições parece apresentar, além de especificidades,
pontos de tangência com outras práticas relacionadas aos meios de comunicação. Tal
aproximação pode ser vista ora na ocupação, pelos(as) seus(as) agentes, de posições em
diferentes universos; ora em tomadas de posição no seu interior que afetam a estrutura de
92
Nenhuma demarcação é neutra. Assim, também, a da prática publicitária. O que está dentro e o que está fora de
seus limites é objeto de luta de seus(as) profissionais e estudiosos(as). Muitas são as perspectivas sobre o que a
constitui. Por vezes, co-existentes. Por vezes, contraditórias. No entanto, para nossos fins, o convencionado por
Kotler e Armstrong nos parece oportuno: “qualquer forma paga de apresentação e promoção não-pessoal de idéias e
serviços, realizada por um patrocinador identificado” (1999, p.341).
93
Universo este que teve, talvez, como seu grande marco fundador a “Eclética”, primeira agência de publicidade do
Brasil. Fundada em São Paulo entre 1913 e 1914, seria desativada já nos anos vinte, cedendo lugar a uma série de
agências norte-americanas: a J. W. Thompson (1929), a N. W. Ayer-Lon (1931), a McCann-Erickson (1935), a
Lyntas (1937) e a Grant (1939). Novas agências nacionais seriam novamente abertas somente a partir de meados da
década de cinqüenta: a ALMAP, em 1957, a MPM, em 1966, a Salles e a Artplan e em 1967 e a DPZ, em 1968. Nos
anos setenta novas agências internacionais chegariam ao Brasil, entre elas: a Gunter Blasé, em 1970, a Young &
Rubican, em 1973 e a Fischer & Justus, em 1985. Para uma breve história da publicidade nacional, sugerimos a
leitura de CONSTANTINO, 2004, p. 96-112. Para uma análise mais detalhada dessa história, sugerimos as seguintes
leituras: BRANCO & MARTESEN & REIS (Org.), 1990; JOSÉ dos SANTOS, 2003; ARRUDA, 2004; ROCHA,
2004.
universos contíguos como o da prática jornalística e de relações públicas. Em alguma medida,
essa aproximação aliada às suas especificidades parece nos apontar para sua relativa autonomia
em relações aos seus múltiplos condicionantes.
De nossa parte
94
, objetivamos verificar em que medida esse universo
específico é, de fato, relativamente autônomo. Se ele apresenta hoje as propriedades constitutivas
daquilo que o sociólogo francês Pierre Bourdieu denominou de campo social. Isto é, se ele
apresenta as características de um espaço social hierarquizado segundo uma gica específica de
interesses, onde “há dominantes e dominados, relações constantes, permanentes, de
desigualdade, que se exercem no seu interior” (BOURDIEU, 1997, p.57). Por outras palavras, se
constitui um microcosmo que opera como um campo de forças, onde ocorrem lutas pela sua
transformação ou conservação dentro do nosso macrocosmo social. Uma espécie de sociedade
com regras, troféus e instâncias de legitimação e consagração próprias – dentro da nossa
sociedade.
Para tanto, direcionaremos nosso escopo investigativo para seus(as) agentes:
profissionais e estudantes
95
. Analisaremos seus discursos identitários isto é, os significados que
compartilham acerca de sua atividade profissional (presente para os primeiros e futura para os(as)
segundos(as))
96
– à luz da posição que ocupam hoje na sua estrutura social. Investigaremos,
94
A despeito de esta dissertação ser assinada por apenas um autor, ela é fruto de um trabalho que contou, ao longo de
todas as suas etapas, com a inestimável colaboração do Prof. Dr. Clóvis de Barros Filho e do Prof. Dr. Antonio da
Costa Ciampa. A Profª. Drª. lvia Rosemberg também fez preciosas apreciações e sugestões ainda na sua fase
inicial, quando não passava de um simples projeto de mestrado. na sua fase final, esta dissertação contou com a
preciosa colaboração da Profª. Drª. Mary Jane. Desta forma, podemos dizer que se trata de um trabalho que é menos
o produto da solidão do autor que o assina, do que o de um diálogo estabelecido entre ele e esses(as) quatro
professores(as). Dito isto, fica justificado o uso da primeira pessoa no plural em todo o corpo do texto. É mister
ressaltar, no entanto, que todos os problemas teóricos e erros metodológicos que este trabalho possa apresentar são
de inteira responsabilidade do primeiro.
95
E não para sua relação com outros universos. Para como ele está inscrito na nossa sociedade, portanto. Esta
decisão metodológica será melhor discutida no item 2.1.1 da parte segunda de nossa dissertação.
96
Compreendemos, portanto, por discurso identitário apenas aqueles que dizem respeito à autodefinição destes(as)
agentes enquanto estudantes ou profissionais da publicidade. Seus outros discursos de autodefinição não pertencem
ao objeto de nossa investigação.
portanto, se essa correlação nos sugere ou não a existência de um campo propriamente publicitário.
Com isso, pretendemos verificar e discutir a pertinência da adoção da noção de campo social
97
melhor dizendo, de campo publicitário – como ferramenta teórica de análise científica dessa prática
profissional. Objetivamos, por conseguinte, enunciar e problematizar para essa prática uma
doutrina sui generis. Apresentado nosso problema de pesquisa e seus objetivos, vamos ao nosso
plano de trabalho.
DO PLANO
Não é raro um(a) mestrando(a), ao reconhecer-se na condição de amplamente
dominado(a) no campo científico, tornar-se clientela dócil ao cientificamente estabelecido e
aplaudido. O cortejo fácil aos trabalhos e autores(as) renomados(as) é freqüentemente objetivado
na excessiva complacência com suas idéias bem como na formalização de seus próprios
trabalhos: consagrando milhares de citações a eles(as) e, sobretudo, adotando um plano que
contemple, em sua maior parte, a reprodução de suas idéias. Deixando, com isso, apenas para a
parte final de suas dissertações o problema que se propõem a tratar. Seria o nosso caso se
adotássemos um plano que se limitasse a justapor, em partes distintas, a noção de campo e o
universo em que pretendemos verificar sua pertinência. Confrontado-os apenas nas últimas
páginas e linhas.
Entretanto, contrariando a excessiva prudência de qualquer iniciante mais
hesitante, reza a boa literatura científica que todas as partes de um trabalho científico devem
contemplar diretamente o problema proposto. Caso contrário, sempre o risco do(a)
97
Diga-se de passagem, já amplamente adotado pelo universo científico para a interpretação de vários outros
espaços, tais como: o da alta-costura, o das artes, o da economia, o do jornalismo entre outros.
pesquisador(a) afastar-se demasiadamente do escopo delimitado. No nosso caso, para não
incorremos nesse risco, é necessário, em primeiro lugar, confrontar em todas as partes da
dissertação a noção de campo com o universo pesquisado por nós. Entretanto, é mister salientar
que essa confrontação, de forma alguma, assegura completamente o nosso escopo. Afinal, é
necessário, também, confrontá-los em cada parágrafo. Em cada linha. Em cada palavra, até.
Evitando, com isso, o simples ombreamento deles. Desta forma, apontar, a todo o momento, para
o nexo lógico-causal entre eles se faz aqui um imperativo. Uma exigência imprescindível.
Definitivamente, essa necessidade orientou a nossa dissertação. Nossas decisões procedimentais,
mais exatamente.
A partir desta proposta de trabalho, arquitetamos o plano da dissertação em três partes
interdependentes: na primeira (1), indicaremos o contexto teórico-conceitual de produção do
nosso problema. Sua origem bibliográfica. As razões que nos levaram a pensar que as propostas
teóricas vigentes para interpretação do universo nacional de produção da publicidade são
insuficientes para compreendê-lo adequadamente. Na segunda (2), apresentaremos (passo a
passo) os caminhos que percorremos até os resultados finais, bem como suas respectivas
justificativas. Ou seja, indicaremos e esclareceremos os procedimentos que adotamos para a
coleta, depuração e interpretação do material empírico. Na terceira e última (3), apontaremos para
os resultados finais, propriamente. Isto é, apresentaremos nossa tradução para o material
discursivo que coletamos. Esclarecidos nosso objeto e plano de trabalho, vamos à parte primeira
(1) desta dissertação.
CAPÍTULO 1
CONTEXTO TEÓRICO-CONCEITUAL DE PRODUÇÃO DO PROBLEMA
DA PESQUISA
Compreender é, em primeiro lugar, compreender o campo
em que nos fizemos e contra o qual nos fizemos.
(PIERRE BOURDIEU)
A publicidade realizada hoje no Brasil não é objeto específico de estudo de
nenhuma área do conhecimento. Tampouco alguma disciplina possui o monopólio de seu estudo.
Pelo contrário, a semiótica, a sociologia, a psicologia, a educação, o direito são apenas alguns
exemplos de muitas das que se dispõem a estudá-la. Não são poucas, também, as escolas
paradigmáticas que se debruçam sobre ela. Assim, embora ainda de forma individual e isolada
98
,
ela foi e ainda é analisada através das mais diversas lentes doutrinárias
99
. Passando por todo
tipo de matiz conceitual. Entretanto, parece que ainda não de forma suficientemente consistente.
Prova disso é que são escassos os estudos sobre seu universo de produção. Quase todos eles se
98
Prova disso é que praticamente inexistem no país grupos de pesquisa com produção contínua sobre o assunto. O
Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM-SP), ainda em fase inicial, pode vir a suprir essa carência.
99
Talvez justamente por esta razão, seja tão raro encontrarmos nas nossas pesquisas sobre publicidade citações,
contraposições de idéias, discussões ou críticas a outras pesquisas, mesmo nas oriundas da mesma universidade e do
mesmo programa de pós-graduação. Evidentemente, à exceção das do mesmo autor ou de autores com afiliação
direta. Sem dúvida, esta constatação só reforça a idéia de que a produção científica nacional sobre o assunto é ainda
individual e isolada. Para utilizarmos a linguagem empregada por Kuhn, está em fase pré-paradigmática. Ainda não
constitui um empreendimento cumulativo. Com um padrão ou modelo socialmente compartilhado (KUHN, 2003).
limitam a analisar apenas o produto publicitário. A mensagem. Seu texto e imagem. Quando
muito, a deduzi-lo deles. Assim, a análise de seus(as) agentes e as relações que estabelecem é
freqüentemente deixada como “pano de fundo”. Nossa hipótese, portanto, é que essa prática
profissional não é compreendida adequadamente pelo campo científico brasileiro.
Uma leitura atenta e rigorosa da literatura científica pátria sobre o assunto
100
nos parece bastante indicadora de como ela, quando não ignora esse universo, aborda-o de forma
equivocada. Ou idealizada ou mecânica. Ora, compreendendo-o como um espaço mágico.
Encantado. Onde a trajetória desses(as) agentes é interpretada como uma espécie de hagiografia.
Ora, encerrando-o numa teoria do “reflexo”. Num marxismo curto. Numa relação direta com o
campo econômico. Como se este determinasse absolutamente o fazer publicitário. E este último
fosse, assim, totalmente heterônomo a ele. Estivesse apenas a serviço dos donos dos meios de
produção. Desta perspectiva, o anúncio publicitário não passaria de uma manifestação ideológica
burguesa a fim de dominar, pelo sentido, o proletariado.
Diante desse preocupante cenário, achamos pertinente levantar novas hipóteses
científicas acerca do funcionamento desse universo profissional. Buscamos,
então, na sociologia de Pierre Bourdieu, a sua teoria dos campos sociais. Dela
deduzimos a noção de campo publicitário. Com isto, como já dissemos na
introdução desta dissertação, objetivamos apresentar e testar uma nova
possibilidade de interpretação dessa prática social
101
, além de oferecer uma
100
A partir de sistemáticas consultas a fundamentalmente 15 bases de dados (indicamos a leitura do anexo 1 e 3)
foram localizados e analisados 35.104 títulos (entrevistas, autobiografias, manuais, artigos, dissertações e teses)
com a advertência de que diversos desses títulos podem se repetir nas bases de dados consultadas que abordam
direta ou indiretamente o tema (indicamos a leitura do anexo 2). Sendo que compreendemos por temas indiretos
todos aqueles que dizem respeito à publicidade, mas não especificamente ao seu universo de produção no Brasil.
Também foram analisados os títulos dos trabalhos apresentados nos grupos de trabalho sobre publicidade nos últimos
10 anos nos congressos da Intercom (Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação) e da Compos
(Associação dos Programas de s-graduação em Comunicação) disponíveis em cd. Podemos dizer que, de todos os
títulos analisados, apenas 194 abordam diretamente a produção publicitária realizada hoje no Brasil. À exceção das
entrevistas, manuais e produções autobiográficas dos(as) profissionais da publicidade, esse número desce para
somente 25 (todos devidamente citados e comentados neste item da dissertação) Destes, somente seis optam por
investigar o discurso de seus(as) agentes.
101
Alexandre Krügner Constantino, em sua dissertação de mestrado “O campo publicitário paulistano nos anos 90:
dilemas da mundialização(2004), também utiliza a sociologia de Pierre Bourdieu como aporte teórico para analisar
o universo publicitário nacional. Mais precisamente, para analisar o universo publicitário paulistano nos anos 90,
como o título de seu trabalho indica. A nosso ver, sua pesquisa se distancia da nossa por duas razões: primeira, ela
não problematiza a pertinência da noção de campo publicitário. Simplesmente, toma-a como algo dado. Parte do
humilde contribuição ao projeto científico proposto por Bourdieu: o de
problematizar a adoção de seus conceitos e teorias como instrumento analítico
para a compreensão das mais diversas realidades sociais. Afinal, acreditamos,
como ele, que:
tomar verdadeiramente partido da ciência é optar, asceticamente, por dedicar
mais tempo e mais esforços a pôr em acção os conhecimentos teóricos
adquiridos, investido-os em pesquisas novas, em vez de os acondicionar
(BOURDIEU, 1989, p. 59)
Por esta razão, ao invés de pressupormos a noção de campo publicitário como
algo dado, acabado, decidimos por problematizá-la. Por confrontá-la com o material empírico
produzido. Afinal, como ele muito bem observou, “a teoria científica apresenta-se como um
programa de percepção e de ação só revelado no trabalho empírico que realiza” (1989, p.59). Só a
partir dele, portanto, acreditamos ser possível demolir antigas ilusões sobre o nosso objeto sem
erguer novas. Não combatê-las fazendo uso de outras.
De acordo com Barros Filho, toda ilusão pressupõe um erro. Imputa-se a um
fenômeno uma causa falsa. Ilusória. Isto é, uma causa que não mantém com o comportamento
estudado nenhum nexo axiológico (2002, p.76). Sendo assim, toda análise ilusória equivoca-se ao
ligar um fenômeno a uma causa que não o motivou. É sempre uma abstração no sentido rigoroso
do termo: um nexo causal que não se sustenta. Denunciá-la pressupõe assegurar, além dessa
pressuposto de que o universo de produção da publicidade nacional apresenta as propriedades intrínsecas a todo
campo social. Assemelha-se estruturalmente a outros campos já analisados por Bourdieu, portanto. Segunda,
enquanto nossa análise centra esforços para compreender os discursos e sentidos que circulam no universo
publicitário sobre o próprio fazer publicitário, como será esclarecido no capítulo seguinte (2), a sua opta por analisar
as relações do universo publicitário com outros espaços sociais. Mais exatamente, objetiva indicar como o universo
publicitário paulistano nos anos 90 exerceu um papel decisivo na produção de ideologias legitimadoras da
globalização. Assim, podemos dizer que, em alguma medida, enquanto nossa investigação tem um olhar mais
microsociológico a sua tem um mais macrosociológico. Nesse sentido, ambas parecem seguir os recortes analíticos
mais consagrados nos seus respectivos universos de produção, a saber: a psicologia social e a sociologia.
inexistência causal, a existência de uma causalidade verdadeira
102
. Ou seja, pressupõe uma dupla
causalidade: uma falsa; outra correspondente.
Desta forma, neste primeiro momento da dissertação (1), buscaremos, nas duas
primeiras partes (1.1 e 1.2), denunciar as falsas. A insustentabilidade daquelas apontadas pela
literatura científica nacional para explicar a prática publicitária realizada hoje em nosso país. Por
outras palavras, buscaremos sistematizar, revisar e criticar luz da sociologia de Pierre
Bourdieu) como esse universo profissional tem sido examinado por ela
103
. Sendo assim, nossa
questão aqui não é analisar propriamente esse universo, mas a representação que o nosso campo
científico faz dele.
Como já antecipamos, propomos que a literatura sobre o assunto pode ser
dividida em duas categorias, sem que haja necessariamente seu enrijecimento
104
: uma que
denominaremos de objetivista (1.1) e outra, de subjetivista (1.2)
105
. A nosso ver, ambas são
insuficientes para explicar esse universo específico de produção. Afinal, fazem afirmativas que
uma apreciação primeira dele nos parece ser suficiente para apontá-las como insustentáveis.
102
Aqui, entendida não como a que verdadeiramente corresponde à realidade. Isto é, como causa absoluta. A única
capaz de interpretar o real legitimamente. Mas como aquela a que se chega a partir de um esforço de objetivação
científica “essa tentativa, nunca completa, de descobrir a realidade social assim como ela é, mais do que como
gostaríamos que fosse” (DEMO, 1992, p.21). Afinal, de acordo com Demo, ainda que a ideologia seja intrínseca, é
fundamental buscar controlá-la, pois a meta da ciência é a realidade, não sua deturpação” (1992, p.21).
103
Não pretendemos, com isso, fazermos uma minuciosa investigação histórica de como a publicidade vem sendo
examinada pelo universo científico nacional. De qual o estado atual dessa área de pesquisa. Obviamente, não temos a
pretensão de, numa dissertação de mestrado, fazermos uma revisão de literatura nos moldes de um “estado da arte”.
Objetivamos, apenas, justificar, nesta parte, porque nos parece preocupante a forma como essa prática profissional
(seu universo de produção e agentes) vem sendo por ela abordada. E, com isto, indicarmos a pertinência de nosso
problema de pesquisa.
104
É quase regra numa polêmica conceitual, enrijecer a postura do(a) adversário(a) para caricaturá-lo(a). Para
enfraquecer sua posição teórica. Desta forma, o fato de classificarmos toda uma literatura em duas categorias pode
fazer crer ao leitor que estamos fazendo uma simplificação conceitual abusiva. Que se trata, na verdade, de um
reducionismo nosso dessa literatura, visando apenas justificar nossa oposição teórica a ela. De fato, concordamos que
toda classificação pode ser redutora, afinal sempre pode fazer crer na homogeneidade total dos seus elementos
constituintes. Desta forma, para escaparmos desse reducionismo, e conferir dignidade àqueles(as) que criticamos,
esforçamo-nos, na medida do possível, para indicar a singularidade e a originalidade de cada um(a). De cada autor(a)
e obra analisada.
105
A tabela 2 (anexo4) aponta para os(as) principais autores(as) e correntes que influenciam cada categoria.
Contra essas interpretações, a partir da praxiologia do sociólogo francês, numa terceira parte
(1.3), desenharemos nossa proposta analítica. O quadro a seguir (quadro 1) sintetiza as três
propostas discutidas neste capítulo.
1.1 A ABORDAGEM OBJETIVISTA DO UNIVERSO DE PRODUÇÃO DA
PUBLICIDADE: DEMOLINDO SUAS ILUSOES
Antes da denúncia, a ilusão e sua história. Sem sombra de dúvida, o
objetivismo é sustentado, de alguma forma, por diversos pensadores em toda a história do
pensamento ocidental. No entanto, é no século XIX que vai ganhar corpo, possuindo “sua
expressão teórica, na sociologia clássica, na figura de Durkheim” (MARTINS, 1987, p.37).
Investindo contra a iluminista no homem auto-suficiente e racional, sua obra desenvolve uma
teoria preocupada fundamentalmente em explicar as práticas individuais a partir das relações
objetivas que as estruturam. Recusando, portanto, quaisquer explicações psicologizantes dessas
práticas. É por isso que, no entendimento de Bourdieu, uma das questões básicas que o
objetivismo irá introduzir na explicação sociológica é das condições particulares, que tornam
possível o mundo social” (MARTINS, 1987, p.37).
Hoje, segundo Burrel e Morgan, essa perspectiva é representada na sociologia e,
acrescentamos nós, também na psicologia social, essencialmente por dois paradigmas: o
funcionalismo e o estruturalismo radical (1979). Ambos serviram e ainda servem de óculos
analítico-conceituais para alguns de nossos(as) cientistas em suas investigações sobre a
publicidade. Sustentamos que fortes indícios de que o foco de suas lentes esteja “distorcido”.
Criando, assim, duas ilusões interdependentes: uma metodológica, a de que essa prática
profissional deva ser interpretada a partir apenas de uma gica externa a ela. Como o simples
reflexo dos campos político e econômico. Da força e dos interesses do capital
106
. E outra,
ontológica. A de que ela não passa, portanto, de um fazer estruturado por essa força e interesses.
106
Isto é, daquilo que é acumulado e tem o poder de se reproduzir. Sobre o assunto, sugerimos a leitura de MARX,
1996.
O que, por conseguinte, leva à reificação, como veremos nos itens subseqüentes, do seu universo
de produção (1.1.1) e dos(as) seus(as) agentes (1.2.1).
1.1.1 A LEITURA DO ESPAÇO: UMA ILUSÃO “EXTERNALISTA
“A sociedade é Deus”, as famosas palavras de Durkheim repetidas e
problematizadas anos mais tarde por Bourdieu no seu curso inaugural no Collège de France
(BOURDIEU, 1982, p.52) – parecem sintetizar muito bem a sociologia do primeiro e suas
dificuldades decorrentes. Sua convicção no poder absoluto das forças sociais sobre seus(as)
agentes. Também explicitada na sua noção de fato social. Nas suas palavras:
toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível sobre o indivíduo uma coação
exterior, ou ainda, que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo ao
mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações
individuais (1978, p. 92-93).
Com ela, embora consiga escapar da velha iluminista, além de fortalecer a
importância do levantamento de material empírico para o estudo da sociedade (diga-se de
passagem, idéia compartilhada por Bourdieu), acaba por transformar a realidade social numa
entidade autônoma. Independente dos(as) agentes que a constituem. Ilusão esta denunciada por
Bourdieu. De acordo com Martins, na concepção deste, o objetivismo
ao privilegiar a lógica da estrutura, apreendida de maneira sincrônica, sobre a
história individual ou coletiva [...], condena-se a apenas registrar a produção de
regularidades da vida social, ou a reificar abstrações, o que consiste em tratar os
objetos construídos pela ciência, como por exemplo “a cultura”, “as classes
sociais”, “os modos de produção” ou outras categorias, como realidades
autônomas, dotadas de uma eficácia social capazes de agir por si próprias,
substituindo dessa forma os agentes sociais (1987, p.38).
Nesta concepção, como poderia ser, o espaço social de produção da
mensagem publicitária não escapa da reificação. Da pena “coisificadora” de seus(as)
defensores(as). É tomada por eles(as) como uma realidade monolítica. Inerte. Sem rupturas. Sem
espaço para o conflito. Para a transformação. Para a resistência dos seus(as) agentes
dominados(as). Como se não houvesse divergência de opiniões. De valores. Luta pelo
monopólio do poder. E como se seus(as) agentes não adotassem múltiplas estratégias para obtê-
lo. Como se ele fosse uma realidade livre dessas disputas. Isto é, das ações de seus(as)
próprios(as) agentes.
Para os(as) seguidores(as) do estruturalismo de Althusser
107
, por exemplo, a
mídia (sobretudo a publicidade), bem como o sistema escolar, o Estado, a Igreja, os partidos, não
passa de um aparelho ideológico
108
. Ou seja, de “uma máquina infernal, programada para realizar
certos fins” (BOURDIEU, 1983, p.106). Uma “caixa-negra
109
, portanto. Para o marxismo de
Lukács, é apenas o reflexo da infra-estrutura. O resultado direto das formas de produção do
sistema capitalista. Para os(as) discípulos(as) da geração pessimista da Escola de Frankfurt
110
, a
mensagem publicitária seria vazia de conteúdo artístico. Produzida com a finalidade única de
107
De acordo com Miceli, filiado à postura canônica de Durkheim verificado pela sua tendência à personificação
dos coletivos em frases do tipo “a burguesia pensa que” ou “a classe operária não aceita que” (2001, p.40).
108
De acordo com Althusser, “um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato de
instituições distintas e especializadas” (1974, p.43) e que funcionam mais pela ideologia do que pela repressão
(p.47).
109
“Usada em cibernética sempre que uma máquina ou conjunto de comandos se revela complexo demais. Em seu
lugar, é desenhada uma caixinha preta, a respeito da qual não é preciso saber nada, senão o que dela entra e o que
dela sai” (LATOUR, 2000, p.14).
110
Thompson argumenta que Horkheimer e Adorno “tentam derivar dos próprios produtos as conseqüências dos
produtos culturais” (2000, p.139) e que, por esta razão, caem naquilo que denominou de “falácia do internalismo”.
Diante disso, urge um esclarecimento: consideramos que seus discípulos se equivocam ao fazer uma análise
“externalista” e não “internalista” da prática publicitária porque, como seus mestres, interpretam-na como
absolutamente heterônoma à lógica do capital. Explicam-na, portanto, por meio de uma lógica absolutamente externa
a ela. Entretanto, diferentemente deles, não a deduzem de sua produção. Da mensagem publicitária propriamente.
Pelo contrário, vão a campo entrevistar seus(as) profissionais. Estudá-los(as). Como é o caso da Maria de Fátima
Vieira Severino no seu trabalho “Narcisismo e publicidade” (2001), que será analisado no item seguinte (1.2.2).
Desta forma, a nosso ver, evitam cair nessa forma de idealismo, que seus mestres caíram, que é “a falácia do
internalismo”.
obter lucros. Não passaria, portanto, de uma veiculadora da “ideologia do consumo”.
Reivindicaria, assim, “a adesão direta aos seus códigos e o investimento em desejos estritamente
pessoais e imediatos, prescindindo assim de qualquer forma de interação humana”
(SEVERIANO, 2001, p.155). Assim, também, para o funcionalismo de MacIntyre: “o mercado
publicitário segue as orientações capitalistas que visam ao lucro por meio da produção e do
consumo de produtos e serviços” (TOALDO, 2004).
Quatro concepções que, a nosso ver, são bons exemplos daquilo que Pierre
Bourdieu chamou de estudos externos. Alegóricos (2002, p.31). Que caem “no erro do curto-
circuito ao [relacionarem] diretamente as obras de uma época com a sociedade ou a economia”
(2002, p.31) de seu tempo. Escamoteando, então, tudo o que elas devem ao seu espaço de
produção específico bem como a história desse espaço (BOURDIEU, 1983, p. 92). Assim como
as soluções estilísticas de Flaubert não decorrem necessariamente do pertencimento a esta ou
aquela classe social, acreditamos que as de um(a) profissional da publicidade tampouco. Ou
ainda, assim como as tomadas de posição do primeiro pouco tem a ver com a ascensão e queda de
Napoleão III, as de um(a) publicitário(a) brasileiro(a) não devem ser deduzidas diretamente da
reeleição de Lula.
Desta forma, pensamos que, ao fazer esse tipo de relação direta, o objetivismo
se fecha para importantes hipóteses analíticas. Afinal, ignora a possibilidade de haver regras e,
sobretudo, interesses específicos ao universo de produção da publicidade. Pensamos que, ao
relacionar o produto publicitário “diretamente à posição de seus produtores e clientes no espaço
social (classe social), sem considerar sua posição no campo da produção” (BOURDIEU, 1983,
p.92) ignora a possibilidade de haver razões específicas determinantes no seu processo de
produção. Melhor dizendo, pensamos que, porque parte de uma concepção metodológica que
interpreta a prática publicitária a partir de uma lógica exógena ao seu universo de produção, o
objetivismo não consegue estabelecer, tampouco problematizar a existência, de uma relação
ontológica entre ela e a estrutura social desse universo. A literatura nacional possui alguns
exemplos de análises desse tipo.
Maria Eduarda da Mota Rocha, em longo artigo intitulado “A nova retórica do
grande capital: a publicidade brasileira entre o neoliberalismo e a democratização” (2004), fruto
de sua tese de doutorado, propõe, por exemplo, compreender os valores em torno dos quais se
organizam os anúncios publicitários brasileiros a partir de sua contextualização econômica e
política. Isto é, a partir de um estudo externo. Ainda que afirme que sua proposta analítica
contemple o que denominou de “campo publicitário brasileiro
111
”, em momento algum,
problematiza-o como um espaço de conflito entre seus(as) agentes. De reconfiguração de suas
libidos. Como um espaço formador de interesses específicos e de tomadas de posições reflexivas.
Talvez, por isso mesmo, interprete o conteúdo dos anúncios que analisa menos a partir do
contraste com o de seus concorrentes do que com o ambiente social vivido pelo país no momento
de sua produção.
Em alguma medida, sua análise parece seguir os caminhos trilhados, no início
dos anos setenta, por sua orientadora, Maria Arminda do Nascimento Arruda,
em “A embalagem do sistema. A publicidade no capitalismo brasileiro” (2004).
Nessa obra, essa autora analisa “a história da publicidade, relacionando-a com
os momentos da industrialização no Brasil” (2004, p. 221). Nela, compreende a
publicidade produzida no nosso país como parte indissociável da constituição
de nossa indústria cultural (ARRUDA, 2004, p. 19), analisando o seu papel na
emergência e desenvolvimento do nosso capitalismo, compreendido por ela
como monopolista. Embora, pelo seu pioneirismo e consistência teórica e
empírica, essa obra constitua um marco e uma referência na literatura nacional
sobre publicidade, ela não escapa às mesmas críticas que fazemos ao trabalho
de sua orientanda.
111
Embora não conceituado pela autora, a leitura de seu artigo nos indica que o que ela compreende por campo
publicitário brasileiro não possui o mesmo significado daquilo que compreendemos por ele. Pensamos, inclusive, que
o fato dela não fazer qualquer menção à obra de Pierre Bourdieu é bastante indicador disso.
Outro exemplo de trabalho marcante que segue esse viés analítico objetivista é
o “Anúncios espelhos da história social, política e econômica brasileira” (1995), de Ercília
Pouças Feitosa e Paulo Rogério Tarsitano. Como o próprio título indica, os(as) autores(as)
interpretam o produto publicitário – no caso, o brasileiro – como mero reflexo da trajetória social,
política e econômica de nosso país. Como se seu espaço de produção fosse completamente
incapaz de refratar ou (re)traduzir essas influências. Transfigurá-las. Como se sua história se
identificasse absolutamente com essas outras. Desses outros universos. Fosse totalmente
heterônoma a eles. Nada afora isso.
Já Renato Castelo Branco, em texto intitulado “A evolução econômica do
Brasil e a contribuição da propaganda” (1990), vai além ou aquém, dependendo do ponto de
vista dessas três análises. Sugere-nos que é justamente quando a propaganda está a serviço da
lógica do capital, promovendo um aumento de vendas lucrativas, que ela pode contribuir “de
maneira importante para economia nacional, educando um número maior de pessoas, levando-as
a um vel de vida mais alto” (1990, p.71). Ou seja, faz do “externalismo” mais do que uma
análise, uma exigência social. Atribui a ele uma dimensão deontológica. De “dever ser”. É
porque a prática publicitária é determinada pelos interesses econômicos que ela pode, segundo
ele, ajudar no desenvolvimento de nosso país
112
.
Obviamente, não queremos, ao problematizar esses trabalhos, sugerir que um
anúncio publicitário não tenha motivações econômicas. Que ele não esteja comprometido com o
dinheiro. Que o mercado não seja reconhecido como uma instância legítima de legitimação nessa
112
O fato dele, além de ter sido pesquisador e presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Comunicação
Social IBRACO, ter sido, também, publicitário foi ex-presidente da J. Walter Thompson do Brasil e vice da J.
área. Tampouco que ele não seja influenciado pelas questões de seu tempo. Impactado por sua
época. Propor que ele seja definido exclusivamente por uma lógica interna ao seu espaço de
produção. Apenas pela concorrência entre seus(as) profissionais. Pelo contrário, se fossemos
absolutamente cegos e não enxergássemos nosso objeto de pesquisa. Desconhecêssemos o que
nele de mais evidente. Só mesmo se quiséssemos aqui sustentar o insustentável.
Sem dúvida, sugerir tal hipótese seria converter os(as) publicitários(as) em
entidades (a)históricas. Isoladas das influências e pressões sociais, políticas e econômicas de seu
tempo. Seria acreditar, por exemplo, que os(as) clientes quem, de fato, financia a publicidade
não possuem qualquer poder de decisão sobre ela. Obviamente que o(a) publicitário(a) “se
relaciona com ele para desenvolver sua produção. Assim como para conseguir sua remuneração”
(TOALDO, 2005a, p.56). Aliás, em princípio, nenhum anúncio vai ao ar sem a aprovação
desse(a). Ou ainda, seria o mesmo que desconsiderar a necessidade que o(a) publicitário(a) tem
de estabelecer uma “relação diretacom seu público-alvo e as questões que o rodeiam. No mês
de fevereiro, aqui no Brasil, com o carnaval, por exemplo.
O que desejamos chamar a atenção é que, pensando com Bourdieu
113
,
acreditamos que a abordagem objetivista não é suficiente para compreendermos muitas das
decisões de um(a) publicitário(a). As minúcias de sua atividade profissional. Sobre a melhor
forma de como se montar, arquitetar, um anúncio, por exemplo. Afinal, pensamos que estes são
marcados por pequenas diferenças, quase que invisíveis aos olhos dos anunciantes e dos(as)
consumidores(as)
114
, mas que os(as) publicitários(as) conferem enorme importância. Investindo,
assim, uma energia fantástica na sua concretização. Acreditamos que tamanho investimento não é
Walter Thompson Company dos E.U.A. talvez explique a sua posição analítica bem como suas motivações ao
defendê-la.
por acaso, mas tem uma boa razão de ser: essas diferenças ínfimas são exigências tácitas da
profissão. Servem para demarcar posição dentro jogo publicitário. E, portanto, podem converter-
se em lucros simbólicos. Assim, ainda que os(as) publicitários(as) acreditem fazê-las para se
ajustar aos desejos dos(as) consumidores(as), fazem, a nosso ver, por referência a seus pares-
concorrentes
115
. É exatamente este tipo de questão que o objetivismo parece ignorar.
Desta forma, pensamos que essa corrente conceitual sofre uma espécie de
hipermetropia analítica em relação à prática publicitária: enxerga mal as minúcias que ocorrem
no universo específico de produção. Em especial, em relação àquelas que, mais especificamente,
dizem respeito a seus(as) agentes. Suas tomadas de posição e interesses específicos. Usam lentes
bicôncavas para enxergá-los quando deveriam utilizar convexas. Este equívoco constitui o objeto
do próximo item (1.1.2) de nossa dissertação.
1.1.2 A LEITURA DOS(AS) AGENTES: UMA ILUSÃO EPIFENOMÊNICA
Se o objetivismo reifica o mundo social, por conseguinte, não deixa de fazê-lo
com seus(as) agentes. Joga tanta luz na sua condição estruturada que ofusca a estruturante. Ou, se
preferirmos, sua dimensão instituinte. Na pena de Loureau:
em todas estas teorias, de Durkheim a Parsons, escotomatiza-se uma dimensão
importante da instituição, que é o instituinte, ou seja, o fato de que a instituição,
embora se apresente como um fato exterior ao homem, necessitou de seu poder
instituinte. Além disso, se o homem sofre as instituições, também as cria e as
mantém por meio de um consenso que não é somente passividade diante do
113
Em especial, a partir das análises feitas por ele em “Sobre a Televisão” (1997).
114
E, portanto, pouco ou sem nenhuma correlação com sucessos de venda.
115
Expressão utilizada por Bourdieu e adotada por nós para nos referirmos a todos(as) aqueles(as) que participam de
um jogo social. Jogo este que é regido por uma dinâmica que os(as) colocam na condição de pares e concorrentes ao
mesmo tempo.
instituído, mas igualmente atividade instituinte, a qual, além disso, pode servir
para pôr em questão as instituições (2004, p.73).
Desta forma, o objetivismo faz deles(as) meros epifenômenos da sociedade. Apresenta-os(as)
como reprodutores(as) “de algo que se encontra objetivamente programado e que lhe é exterior”.
Por isso, dentro dessa perspectiva, o(a) agente social “se apresenta necessariamente como simples
[executor(a)] da abstração como a ‘cultura’, a ‘estrutura’, a ‘língua’” (ORTIZ, 1983, p.11). Ou
seja, como uma espécie de cabide dessas categorias. Ou ainda, para Althusser e seu
estruturalismo, como um apparatchik, que deve tudo ao aparelho. Um aparelho feito em homem.
Um corpo transformado em máquina ideológica.
Pronto a dar tudo a um aparelho que lhe deu tudo: [podemos-lhe] confiar sem
temor as maiores responsabilidades uma vez que ele nada pode fazer progredir
seus interesses sem atender ao mesmo tempo às expectativas e aos interesses do
aparelho (BOURDIEU, 1997, p.194).
Com isso, essa forma de objetivismo radical identifica os(as) agentes com os interesses dos
próprios aparelhos aos quais pertencem. Retira-lhes, portanto, o que neles(as) de mais
humano: seus próprios interesses. Contradições internas. Conflitos psíquicos. Sua capacidade de
resistência, sobretudo. Isto é, retira-lhes o próprio título de agente. Daquele(a) que age e reage.
Apto a ressignificar sua própria existência. E que, por isso mesmo, é capaz de transformar o
mundo que o(a) rodeia, bem como a si próprio(a).
Sendo assim, essa forma de objetivismo radical, ao retirar dos(as) agentes sua
capacidade de ação, coloca, conseqüentemente, o(a) publicitário(a) numa posição de absoluta
passividade. De submissão total às forças externas a ele(a). De mero efeito dos interesses do
capital, quando objetivado num marxismo mais vulgar. Desta forma, podemos dizer que, em
todos esses casos, ele(a) é compreendido(a) como, de fato, um (in)divíduo. Isto é, como alguém
não dividido. Indiviso. Mas não uma unidade absoluta e consciente de si, como reivindicam os
adeptos da filosofia da consciência
116
. Apenas um todo completamente controlado e determinado
por interesses que não são exatamente os seus. Espécie de capatazes malignos de uma ideologia
hegemônica
117
. Mestres na arte de nos fazer consumir em excesso. Gozar, para os lacanianos de
plantão.
Para nós, expectadores, o mestre é o publicitário [...] É ele quem promove a
iniciação dos sujeitos desejantes, convocados desde o lugar de consumidores, em
relação às possibilidades de gozo em circulação no mercado (KEHL, 2004,
p.80).
Mas se a psicanálise nos autoriza a pensá-los(as) como pessoas em permanente
conflito; os(as) autores(as) mais alinhados ao objetivismo, como acabamos de ver, nos censuram.
Vilma Schatzer Marchione, por exemplo, em artigo intitulado “A publicidade na sociedade do
espetáculo” (2001) observa que os(as) publicitários(as), mais do que quaisquer profissionais,
estão sujeitos(as) à influência onipresente do “show” promovido pela “sociedade do espetáculo”.
Afinal, segundo ela, cabe diretamente a eles(as) fazer o “serviço de tradução dos desejos da
sociedade em mensagens de venda” (2001, p.150). Com isso, e como esses(as) profissionais, de
sua perspectiva, “precisam se manter a todo custo no mercado” (2001, p. 150), quase nada
poderiam fazer para mudar o “jogo”. Ou seja, para ela, esses(as) profissionais não passariam de
uma espécie de joguetes desse mundo espetacularizado. Daquilo que os(as) pós-modernistas
costumam chamar de hiper-real
118
.
116
Sobre a noção de “indivíduo”, sua nese e características centrais, sugerimos a leitura do clássico de Norbert
Elias “A sociedade dos indivíduos” (1993).
117
Para que possam escapar desse “trágico destino”, Patrícia Gonçalves Saldanha propõe, na sua dissertação de
mestrado, uma reinterpretação do papel do(a) publicitário(a) no campo comunicacional (2002).
118
Para Baudrillard, por exemplo, a publicidade ajuda, à sua maneira, a construir um real espetacular, que nos
encanta. Sobre o assunto, sugerimos a leitura de seu livro “Para uma crítica da economia política do signo” (1995).
A publicidade, assim, é por ela compreendida como sendo “só uma peça na
engrenagem da ‘sociedade do espetáculo’” (2001, p.150). Mais ainda, “cuja roda dentada precisa
estar em perfeita conformidade com o resto para que o espetáculo não ‘emperre’” (2001, p.156).
Sendo que a publicidade brasileira, de acordo com a autora, por guardar a singularidade de
comportar mais pessoas leigas no assunto do que em outros lugares como nos Estados Unidos,
por exemplo –, estaria “ainda mais sujeita a simplesmente reproduzir comportamentos” (2001,
p.151). Desta forma, embora reconheça que a publicidade não seja uma “‘entidade’ com vontade
própria” (2001, p.153), podemos dizer que seu artigo é, sem dúvida, um exemplo ilustrativo de
uma forma bastante objetivista de interpretar os(as) publicitários(as) e sua prática profissional.
Afinal, apresenta-os(as) como fundamentalmente pessoas passivas. Engajadas apenas numa causa
abstrata, o espetáculo. Envolvidas, portanto, em projetos que não se identificam exatamente com
seus interesses específicos. De reconhecimento e consagração no seu universo profissional.
Rafael José dos Santos apresenta análise que, em alguma medida, também
percorre esse caminho analítico. Em seu doutorado “Um percurso da mundialização: publicidade
e publicitários no Brasil no curto século XX” (2003), aborda a evolução histórica da publicidade
realizada no nosso país desde a década de vinte até os anos oitenta. Nesse trabalho, desenvolve a
tese de que essa evolução está intrinsecamente vinculada com o advento de nossa sociedade de
consumo e consolidação de nossa indústria cultural. Embora sua investigação possua enorme
interesse e valor histórico uma vez que faz uma preciosa análise de toda a documentação (atas
de reunião da diretoria, informativos internos e documentos avulsos pertencentes aos altos
executivos) da matriz da J. W. Thompson (uma das maiores agências de publicidade do mundo)
acerca das estratégias empregadas para a abertura da filial brasileira no final dos anos vinte/
início dos anos trinta; ela parece reduzir os(as) publicitários(as), autores(as) dessas estratégias, a
meras peças de engrenagem da globalização social e econômica e mundialização da cultura.
Outra análise que, em alguma medida, também incorre nesse tipo de redução é
a desenvolvida, por Maria de Fátima Vieira Severiano, no livro “Narcisismo e publicidade: uma
análise psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade” (2001). Nessa obra, Severiano
analisa 20 entrevistas “realizadas com profissionais da área de publicidade representantes de 15
agências de porte médio e grande, localizadas em Fortaleza, São Paulo e Madrid-Espanha”
(SEVERIANO, 2001, p.168). Com isso, nas suas próprias palavras, objetiva “avaliar a
participação da publicidade em TV como instância promotora dos ideais e valores de consumo,
suas estratégias e principais mecanismos” (2001, p.168).
Sem dúvida, sua pesquisa é um raro exemplo, na literatura científica nacional,
de análise da publicidade que consagra atenção aos(as) seus(as) agentes produtores(as). Aos seus
modos de perceber, pensar e retratar sua atividade profissional. O que, sem dúvida, diante da
enorme escassez desse tipo de iniciativa por parte de nossos(as) pesquisadores(as), faz dela uma
exceção metodologicamente virtuosa, além de fortemente embasada no que diz respeito ao
aspecto teórico. O que faz de sua pesquisa uma referência obrigatória. Um dos mais fortes e
interessantes estudos nacionais sobre o assunto.
Entretanto, a nosso ver, esse estudo desperdiça uma chance preciosa de
problematizar o universo de produção da publicidade como um espaço de conflitos e interesses
específicos. Exemplo disso é que a despeito de identificar que “a relação da publicidade com o
real possui vários matizes de acordo com os entrevistados [...] revelando perspectivas ideológicas
distintas” (SEVERIANO, 2001, p.181) entre eles em momento algum, busca compreender as
razões dessa pluralidade de perspectivas à luz das condições sociais que as produziram. Melhor
dizendo, em momento algum, busca relacioná-las com o espaço ocupado por seus(as) agentes na
estrutura social de seu espaço profissional. Limita-se, infelizmente, a comentá-las. Pior, por
vezes, simplesmente a julgá-las. “O argumento de que a publicidade simplesmente atende ao
consumidor, naquilo que ele ‘deseja’, de forma ‘prestimosa’ e ‘solicita’ é, de fato, como disse
Adorno, ‘desculpa esfarrapada’” (SEVERIANO, 2001, p.182-183).
Certamente, a ausência dessa problemática na sua análise deve-se a um vício
ao menos, a nosso ver muito freqüente na análise do grupo de autores que consagra como sua
base teórica: a primeira geração da Escola de Frankfurt em especial, Marcuse e Adorno. Como
analisam a prática publicitária à luz da noção de indústria cultural
119
, para eles, seus propósitos
são de “servir unicamente à racionalidade tecnológica da concentração econômica e
administrativa do grande capital” (SEVERIANO, 2001, p.98). Por isso, muito provavelmente, a
autora tenha estabelecido a priori que a publicidade “visa ao lucro de forma ‘imediata’ e
‘confessa’” (SEVERIANO, 2001, p.98). Ou seja, que ela não passa de mero reflexo reiterativo
das pressões econômicas. Sendo assim, por conseguinte, não consegue problematizá-la como o
produto de uma luta-concorrencial protagonizada por seus(as) agentes. Não consegue enxergar,
portanto, a possibilidade de analisá-la dentro de uma lógica que também possa atender aos
interesses específicos desses(as) profissionais. À ambição de serem reconhecidos(as) pelos seus
pares-concorrentes. À uma libido propriamente publicitária. Em suma, limita-se a identificar os
ideais dos(as) publicitários(as) com os ideais do capital.
Mas não são apenas os(as) publicitários(as) que são analisados(as) dessa forma.
Para Santaella e Nöeth, essas tradições objetivistas, muitas de inspiração marxista, compreendem
as mensagens veiculadas pelos meios de comunicação como
eminentemente ideológicas e falseadoras das relações de produção na realidade
histórico-social, mensagens produtoras, portanto, da falsa consciência que os
119
Horkheimer e Adorno usaram o termo ‘indústria cultural’ para se referirem à mercantilização das formas
culturais ocasionadas pelo surgimento das indústrias de entretenimento na Europa e nos Estados Unidos no final do
século XIX e início do século XX” (THOMPSON, 2000, p. 131).
dominantes, detentores da propriedade dos meios de comunicação, [impigem]
sobre os receptores passivos (2004, p.55).
Ou seja, não apenas as apresentam como o produto coerente de um desejo da
classe dominante e não como o resultado de uma disputa-concorrencial entre os(as) agentes
(publicitários(as)) que a produzem como também dispõem seus(as) receptores(as) numa
posição de absoluta passividade. Isto é, apresentam-na como um fato social contra o qual
esses(as) nada podem. Alimentando, portanto, aquilo que Thompson denominou de o “mito do
receptor passivo”:
a idéia de que os receptores das mensagens da mídia são espectadores passivos,
que simplesmente absorvem o que se passa diante deles na tela ou o que está
presente no papel, é um mito que não se coaduna com o caráter atual da
apropriação como um processo contínuo de compreensão e interpretação, de
discussão, apreciação e incorporação (THOMPSON, 2000, p.36).
Para escaparem desse mito, dessa ilusão, os(as) subjetivistas optaram por se
assentar numa perspectiva da compreensão que tem como característica principal a “recriação
da atmosfera mental, dos sentimentos, pensamentos e motivações do objeto de estudo na mente
do pesquisador” (SPINK & MENEGON, 1999, p.69). A forma como analisam a atividade
publicitária realizada hoje no Brasil é justamente o que veremos a seguir (1.2).
1.2 A ABORDAGEM SUBJETIVISTA DO UNIVERSO DE PRODUÇÃO DA
PUBLICIDADE: DEMOLINDO SUAS ILUSÕES
Embora a denúncia da ilusão subjetivista não seja recente, tendo percorrido toda
a história do pensamento ocidental, fazendo parte da obra de inúmeros(as) pensadores(as),
podemos dizer que, na modernidade, é a partir do trabalho de Durkheim que ela adquire maior
consistência (BARROS FILHO, 2002, p.77). Seguindo essa tradição de crítica, em “Le sens
pratique” (1980), Bourdieu condena impetuosamente aqueles(as) que compartilham da
perspectiva fenomenológica – por ele identificada com o subjetivismo. Para ele, a fenomenologia
tem, na sociologia clássica, Weber seu grande representante, uma vez que este “toma como ponto
de partida o sujeito da ação para a elaboração de uma sociologia da compreensão” (MARTINS,
1987, p.36). Nas orientações metodológicas contemporâneas, tem na etnometodologia, no
existencialismo sartreano e nos interacionistas simbólicos seus grandes sucessores (1987, p.36).
Sem dúvida, todos eles colocam em primeiro plano a questão do sentido. De
como os(as) agentes se reconhecem no mundo em que vivem. Fazendo, portanto, do primado das
idéias a principal marca de suas interpretações. A característica mais acentuada de suas análises.
Não é por acaso que, para seus(as) herdeiros(as), o que chamamos de “‘realidade’ é apenas o que
podemos conhecer por meio das idéias de nossa razão” (CHAUÍ, 1996, p.69). Por este motivo,
diga-se de passagem, do ponto de vista de muitos deles(as)
120
, o mundo é transformado somente a
partir da emergência de novas idéias. Assim, bastaria liberar as pessoas dos falsos dogmas para
libertá-las também da escravidão (ROVIGHI, 1999, p.89). Essa perspectiva é muito indicativa de
como os(as) subjetivistas tomam as idéias como ponto de partida para suas investigações. De
como, na visão deles(as), elas constituem o verdadeiro motor da história.
Afinal, sabemos que, para eles(as), a produção das idéias não está
necessariamente vinculada às atividades materiais de seus(as) agentes. Pelo contrário, de acordo
com a maioria deles(as), elas não passam de mero produto do deslocamento desses(as) agentes
em relação a essas atividades. Não passam, portanto, de entidades autônomas. Com isso,
podemos dizer que o subjetivismo, assim como o objetivismo, incorre numa ilusão metodológica
120
O hegelianismo é um exemplo clássico. Sobre o assunto, indicamos a leitura de “A Ideologia Alemã” (MARX &
ENGELS, 2002).
e noutra ontológica. Na primeira, ao acreditar que as idéias, um texto ou mensagem publicitária,
por exemplo, possuem uma estrutura auto-suficiente de significação, em crer que seus princípios
de explicação devam ser retirados exclusivamente de uma lógica interna a ela. Na segunda, por
conseguinte, em também pensar que seus espaços de produção e agentes as estabelecem
independentemente de quaisquer determinações históricas e materiais. No céu das idéias
121
.
Nas investigações sobre a publicidade, essas ilusões se fazem presentes, em
especial, na literatura “chapa branca
122
”. Mas não apenas, também em artigos mais críticos.
Geralmente, embasados nos dogmas da semiologia
123
. Ambos interpretam essa prática
profissional de forma bastante idealizada. Freqüentemente apagando as condições históricas e
sociais que as produzem. Os efeitos de seu universo de produção sobre seus(as) agentes.
Anulando-o, portanto, como um espaço de formação de regras específicas de classificação e de
ação (1.2.1). Desta forma, os(as) publicitários(as) são interpretados(as) por eles como gênios
criativos. Como subjetividades que emergem espontaneamente. Vazias de determinações sociais
(1.2.2).
121
Embora as análises subjetivistas infiram desse seu “internalismo epistemológico” uma concepção de agente
socialmente indeterminado(a), essa relação não é necessária. Como vimos na nota 20 desta dissertação, Thompson
sustenta que Horkheimer e Adorno inferem dos produtos culturais um espaço de relação absolutamente reflexivo à
lógica do capital (2000). O que, conseqüentemente, nos faz pensar que esses autores assumem uma posição
metodológica subjetivista, porque “internalista”, e uma ontológica objetivista, uma vez que colocam os(as) agentes
na condição de socialmente determinados(as).
122
A nosso ver, o universo científico da comunicação em especial, o da publicidade é ainda bastante heterônomo
em relação ao mercado. Dois fenômenos notados por nós parecem corroborar com essa nossa interpretação: primeiro,
não é raro encontrarmos agentes que fazem jogo duplo: atuam como profissionais e professores(as). Segundo,
parece-nos, também, ser, nesse universo especifico da ciência, relativamente fácil um(a) publicitário(a) converter
seu capital profissional em científico. Prova disso é que seus livros são amplamente adotados nas universidades. Por
exaltarem as virtudes de seus autores (publicitários(as)) e de sua atividade profissional (publicidade), denominaremo-
los de “chapa branca”.
123
Embora os trabalhos de David Victoroff, um dos principais expoentes da semiologia francesa e grande estudioso
da publicidade, sejam quase que completamente ignorados pelas investigações nacionais. São raríssimos as que
citam, por exemplo, seu clássico “La publicidad y la imagenen” (1983) ou ainda sua “Psicossologia da Publicidade”
(1970). a obra “Propagandas silenciosas” (2000), de Ignacio Ramonet, outro grande expoente da semiologia
européia, parece ser mais familiar a nossos(as) pesquisadores(as). Ao menos, a primeira vista, ela parece ser mais
1.2.1 A LEITURA DO ESPAÇO: UMA ILUSÃO “INTERNALISTA”
Evidentemente, os fenômenos sociais podem ser abordados subjetivamente de
muitas maneiras. Assim fizeram uma enormidade de pensadores(as). Como foi dito linhas acima,
na filosofia, Sartre é um exemplo recente. Na sociologia, Weber, um clássico. Ambos são
exemplos de autores que tomam o(a) agente social como ponto de partida para suas análises.
Investigações e interrogações. Que assumem, portanto, uma compreensão de tipo mais
“compreensiva”.
Sem dúvida, Bourdieu busca, em sua obra, escapar desse tipo de compreensão.
Segundo Barros Filho, para ele, como o método adotado pelos subjetivistas não pode
compreender o mundo social senão como evidente, como allant de soi, exclui a questão das
condições materiais, propriamente sociais, que a tornam possível” (2002, p.75). Com isso, de
acordo com Martins, para Bourdieu, tal modo de conhecimento não explica “a coincidência entre
as estruturas objetivas e as estruturas incorporadas nos agentes, o que contribui para criar a ilusão
da compreensão imediata do mundo social”. Eliminando, assim, “toda interrogação sobre as
condições desta ‘percepção’ natural do mundo social” (1987, p.36).
Esta interrogação, na perspectiva de Thompson, está ausente em grande parte
das análises propostas pela literatura científica acerca do “caráter ideológico dos meios de
comunicação de massa” (2000, p.36). Nela, seus(as) analistas tendem a enfocar, extensa e
exclusivamente, a estrutura e o conteúdo das mensagens da mídia. Tentando, com isso, extrair as
conseqüências dessas mensagens a partir delas mesmas. Este tipo de análise cai, assim, segundo
ele, de maneira grosseira, naquilo que chamou de “falácia do internalismo” (THOMPSON, 2000,
citada por eles(as) do que as duas obras de Victoroff. O fato de ela estar traduzida para o português parece ser,
parcialmente, a causa e o efeito desse suposto fenômeno.
p.36) e que preferimos chamar de “ilusões do internalismo”. Ilusões estas que, aqui neste item
(1.2.1), objetivamos denunciar. E que, ao desenvolvermos nossos propósitos teórico-
metodológicos ao longo da dissertação, estamos especialmente interessados em evitar.
Nas investigações mais voltadas para a publicidade, pensamos que esse tipo de
ilusão consiste, fundamentalmente, em acreditar que o anúncio publicitário é o alfa e o ômega e
nada mais para ser conhecido. Como se, a partir dele, toda a lógica regente do universo social
de produção da publicidade pudesse ser deduzida. Como se ele fosse resultado apenas de uma
racionalidade imanente a esse universo. Como se as oposições e os antagonismos que se enraízam
nas relações entre seus(as) produtores(as) fossem produzidas apenas por divergências entre
idéias. Ou ainda, como se houvesse um consenso entre eles(as) para atender aos interesses
dos(as) seus(as) clientes ou consumidores(as). Como se ele fosse, portanto, um universo em
absoluta harmonia. Ou, ao menos, um espaço em busca apenas desse fim comum.
Luiz Celso de Piratininga Figueiredo, por exemplo, busca, na sua dissertação de
mestrado “CONAR Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária como expressão de
uma nova consciência ética na publicidade brasileira”,
reconstruir os passos que levaram à formação dos mecanismos de auto-
regulamentação, principalmente em nosso País, bem como demonstrar que seu
surgimento deveu-se não apenas às pressões de ordem legal, mas também por
uma gradual modificação no comportamento ético do profissional e da
publicidade brasileira (1983, p.9-10).
Desta forma, escreve e inscreve a história da atividade publicitária brasileira numa espécie de
hagiografia. Interpreta seu órgão de auto-regulamentação, o CONAR, não como o produto do
interesse de seu(as) agentes em proteger a autonomia de seu universo profissional, mas como o
resultado do compromisso desses(as) com a sociedade brasileira. Como se ele fosse simplesmente
o coroamento dos esforços das lideranças publicitárias iniciada, segundo ele, em 1957 por
uma relação ética com os(as) consumidores(as) (1983, p.10).
Outro trabalho que interpreta a história da publicidade brasileira mais
especificamente, goiana de forma hagiográfica é o livro “A história da propaganda em Goiás”
(2006), de Iúri Rincon Godinho. Se, por um lado, esse livro traz interessantes informações acerca
da constituição da prática publicitária nessa região do país, resgatando a história de suas agências
e profissionais pioneiros(as); por outro, ele o faz de forma acrítica. Colocando esses(as)
profissionais na posição de verdadeiros(as) heróis, como o publicitário Joaquim Câmara Filho
124
.
“Sem estudar, sem parar para pensar, sem saber o que já estava ocorrendo no Brasil em termos de
propaganda e publicidade, Câmara Filho àquela altura virara uma força da natureza. Agia pura e
simplesmente por instinto.” (2006, p. 45). Como se todos(as) eles(as) participassem de uma
grande epopéia em busca da realização de um único fim: a construção e consolidação do universo
publicitário goiano.
Ao retratarem o universo publicitário de forma hagiográfica, sem analisar as
relações de poder que o atravessam, ambos os autores parecem aproximá-lo da imagem irenista
da “comunidade publicitária”. Outros trabalhos, ao assumirem uma epistemologia “internalista”,
acabam, de alguma forma, assemelhando-se ontologicamente a essas análises. Afinal, ao fazerem
do anúncio o centro-gravitacional de suas análises, acabam interpretando a prática publicitária
como livre de disputas sociais. Atravessada apenas por lutas em torno de idéias. Espécie de
“reino dos fins”, que conheceria apenas as leis da concorrência pura e perfeita das idéias,
infalivelmente recortada pela força intrínseca da criatividade.
124
De acordo com ele, o primeiro de Goiás (2006, p. 40-52).
Clotilde Perez, em “Signos da Marca” (2004), parece compartilhar, em alguma
medida, dessa perspectiva. Afinal, nesse livro, a partir da obra de Santaella e, sobretudo, da de
Peirce, defende a pertinência da aplicação do método semiótico para a análise das mensagens
publicitárias. Segundo ela, esse método é “capaz de analisar tudo o que é comunicado em uma
mensagem” (2004, p.151). Mais ainda, é capaz de identificar a intenção estratégica de seus(as)
produtores(as). No entanto, nas suas próprias palavras, a semiótica “está centrada nos processos
que geram os efeitos [...] no signo e na semiose por ele constituída e disseminada” (2004, p.149-
151). Isto é, não prevê a investigação de seus(as) produtores(as). Desta forma, limita-se a deduzir
essas intenções do seu produto final. Como se uma análise apurada deles fosse capaz de apontá-
las. Ao defender tal método analítico para a publicidade, acreditamos que ela acaba sendo um
exemplo emblemático de pesquisadora que se propõe a analisar a publicidade pelas lentes do
subjetivismo.
João Anzanello Carrascoza também parece analisar a publicidade por essas
lentes. Em “Razão e sensibilidade no texto publicitário” (2004), sugere que a trama da mensagem
publicitária pode ser tecida de duas formas: apolínea, por meio de um viés racional, ou
dionisíaca, que se apoiaria mais na emoção e no humor (2004, p.31). Para ele, essa trama
funciona como um pêndulo: ora podendo “se afastar muito ora pouco de cada um dos extremos”
(2004, p.31). Ora aproximando-se do ethos; ora do pathos. Com isso, a partir desse ponto de
partida analítico, propõe-se, no livro supracitado, rever o percurso dos textos publicitários de
mídia impressa desde os primórdios da propaganda no Brasil até os dias de hoje (2004, p.37).
A despeito de fazer uma apropriação pertinente e original da obra de Nietzsche
e das suas noções de “dionisíaco” e “apolíneo” para analisar o texto publicitário brasileiro, ele, de
certa forma, parece não escapar de alguns prejuízos do “internalismo”. Afinal, limita-se a fazer
uma bela análise interna dos anúncios que examina. A compreendê-los “por eles mesmos” e
“neles mesmos”. Identificando apenas as figuras de linguagem neles utilizadas, as escolhas
lexicais e rede semântica nele empregadas etc. Com esse recorte metodológico, deixa, portanto,
de contextualizá-los à luz do seu universo de produção específico. De iluminar a história e a
posição ocupada por seus(as) produtores(as) no espaço nacional, e até internacional, de produção
da publicidade. Analisa, assim, a história do percurso dos anúncios de mídia impressa brasileiros
sem elucidar as condições objetivas que os produziram.
Por esta razão, muito provavelmente, sustenta que o investimento num ou
noutro discurso depende somente “das peculiaridades do produto ou serviço em questão, os
objetivos da marca anunciante e o perfil do público a que se destina” (2004, p.31). Deixando,
assim, de investigar a hipótese de eles servirem, também, para atender aos interesses específicos
de seus(as) agentes produtores(as). Mais ainda, de problematizar as regras, explícitas ou não, que
orientam esse investimento. A estrutura do discurso como algo histórico e socialmente
localizado. A título de exemplo, o fato de o formato dionisíaco ser, como diz, o preferido dos(as)
redatores(as) “quando se destina a um grupo de elite” (2004, p.86). A defender valores
tradicionais. Já aceitos. Afinal, em momento algum, indica que a lógica que fundamenta este tipo
de procedimento não é resultada de uma racionalidade inerente a ele, mas socialmente construída.
Em momento algum, portanto, levanta a suspeita de ela ser estabelecida no seu próprio universo
de produção. Uma imagem de que como os(as) próprios publicitários(as) enxergam esses grupos
e de como devem ser seduzidos.
Ao não levantar essas questões, podemos dizer que Carrascoza acaba tomando
estruturas lingüísticas oriundas de um mundo social e datado, por a-históricas. Evidentes. Acaba,
assim, tomando estratégias de ação e esquemas de percepção e valoração específicas a universos
sociais particulares por universais. Por quadros (frames) a-temporais, em linguagem goffmaniana
125
. Concebendo uma pequena parte percebida do mundo social como sua totalidade
(BOURDIEU, 1988, p.50). Utilizando-se da máxima de Schopenhauer, como sua “vontade e
representação”.
Outro trabalho que merece ser mencionado neste item é o de Mariângela
Toaldo. Em seu belo livro “Cenário Publicitário Brasileiro” (2005), analisa os anúncios
publicados na Revista Veja no período de 1969 a 1999. A partir disso, identifica os valores
morais sugeridos por eles. Questiona as referências implícitas neles e os princípios que
promovem. Embora sua pesquisa seja bem cuidada, articulando farto material empírico com
substanciosa reflexão teórica, ela opta por fazer uma reflexão ética acerca da publicidade a partir
de seu produto final. Da mensagem, propriamente.
Deixa, com isso, escapar a oportunidade de problematizá-la como o resultado
de uma luta de forças entre seus(as) agentes. Entre os(as) próprios(as) profissionais
eá-nlema
ao seu universo de produção que podem ter motivado uma série de decisões sobre eles não
estão necessariamente manifestadas nos seus textos e imagens. Para perceber tais pressões é
preciso ir além dos anúncios. Ir ao próprio universo de produção da publicidade. Caso contrário,
corremos o risco de perder de vista as estruturas objetivas que podem estabelecê-las. De ver
seus(as) agentes de forma idealizada, como examinaremos a seguir (1.2.2).
1.2.2 A LEITURA DOS(AS) AGENTES: UMA ILUSÃO IDEALISTA
Se, de um lado, as correntes objetivistas buscam escapar das explicações
psicologizantes; de outro, as subjetivistas buscam resgatar os(as) agentes para as análises do
mundo social. Assim, se na obra de Durkheim eles(as) são recalcados(as)
126
; nas suas
investigações eles(as) são tomados(as) como o ponto de partida para a compreensão das
interações sociais. Das representações
127
que nelas são forjadas. Afinal, da perspectiva delas, os
sentidos das ações humanas são estabelecidos subjetivamente. Atribuídos pelo(a) agente que
comunica e que é comunicado(a). Desta forma, em contrapartida ao objetivismo, podemos dizer
que elas interpretam o mundo “como uma rede de intersubjetividade, enquanto resultados de
ações dirigidas para o outro e que adquirem significado em que o outro compartilha [conosco] o
mesmo mundo social no qual tais ações se desenrolam” (ORTIZ, 1983, p.12).
Sem dúvida, ao interpretarem o mundo social dessa forma, elas colocam o(a)
agente social no centro de suas compreensões. Arrancam a sociedade de sua condição de
realidade exterior e superior para interpretá-la como o produto das ações humanas. Como prenhe
126
“[...] na medida em que ele postula, enquanto princípio metodológico, a sociedade como uma entidade exterior e
transcendente aos indivíduos, enquadrando-os coercitivamente através dos costumes ou das normas sociais”
(MARTINS, 1987, p.37).
127
Expressão utilizada por Goffman para se referir “a toda atividade de um indivíduo que se passa num período
caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma
influência” (2003, p.29).
de sentidos contraditórios para seus(as) agentes (LALLEMENT, 2003, p.265). Assim, para elas,
o resultado de uma ação pode receber sentidos muito diferentes, dependendo da pessoa que a
avalia. De seus valores e crenças. Pode ou não ir, portanto, ao encontro das expectativas iniciais
de seu(a) autor(a). Deste modo, diferentemente do objetivismo, elas não interpretam mais os(as)
agentes como meros(as) “joguetes” do social. “Esponjasque tudo absorve indiscriminadamente.
Sendo assim, podemos dizer que, para elas, uma análise do mundo social tem de,
necessariamente, resgatar o “sentido da ação humana tal como é subjetivamente concebido”
(LALLEMENT, 2003, p.265). Perspectiva esta, em larga medida, censurada por Bourdieu.
De acordo com Ortiz, o que essa perspectiva “considera como determinação do
agente (subjetividade), Bourdieu apreende como objetivamente estruturado” (1983, p.20). Por
esta razão, critica ferozmente suas correntes, cujo modelo dramatúrgico de Erwin Goffman é um
exemplo. Um alvo constante. Embora também elogiado por ele
128
, esse modelo não escapa de
suas críticas mais contundentes. Afinal, ele compreende as interações sociais a partir de relações
co-presenciais. De situações face a face
129
. Limitando-se, portanto, a interpretar as estratégias de
poder
130
empregadas pelos(as) agentes sociais apenas na presença imediata de outros(as).
Aquelas freqüentemente utilizadas para dirigir e regular a impressão que esses(as) fazem
deles(as) (GOFFMAN, 2003, p.9).
128
Nas suas “Meditações Pascalianas” demonstra profunda admiração pela forma como ele analisa as interações
sociais. Nas suas palavras: “magnificamente trabalhadas por Goffman” (2003, p.149). Em “Discover of Infinitely
Desta forma, embora essas estratégias dramatúrgicas sejam muitas vezes
trabalhadas em equipe isto é, que possa existir cooperação entre os(as) agentes para o
desenvolvimento de uma encenação particular (GOFFMAN, 2003, p.78) Goffman não retira
seu sentido último da lógica do universo social em que essas cooperações são estabelecidas, mas
dos(as) “agentes individuais que compõem o texto final” (ORTIZ, 1983, p.19). Da qualidade da
encenação. Das virtudes dramatúrgicas da equipe. Do desempenho
131
de cada um(a). Se a
personagem que representam é acreditada ou desacreditada pelo seu público. Se a qualidade da
cena apresentada os(as) confirmam ou não como legítimos(as) no papel que reivindicam para si
(GOFFMAN, 2003, p.230-233). Por isso, para ele, toda interação é sempre uma aposta. Uma
aposta dos(as) que interagem na própria aptidão artística. Derrotada quando inexistente.
Vencedora quando talentosa.
As investigações de natureza subjetivista que abordam os(as) profissionais da
publicidade não fazem muito diferente. Em especial, as “chapas-branca”. Embora suas análises
possuam objetivos bem diferentes das de Goffman
132
, atribuem, assim como as dele, aos(as)
agentes (no caso, os(as) próprios(as) profissionais da publicidade) e seu talento a causa do
sucesso de seus atos. Tomadas de decisão e produções. Fazendo deles(as), então, os(as)
senhores(as) de suas consagrações. De seus troféus. Espécie de sujeitos absolutos de suas
ações
133
.
p.65). Uma outra interpretação da obra de Goffman pode ser encontrada junto à sociologia inglesa e à americana.
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de ORTIZ, 1983, p.20.
131
Definido por Goffman “como toda atividade de um determinado participante, em dada ocasião, que sirva para
influenciar, de algum modo, qualquer um dos outros participantes” (2003, p.23).
132
Enquanto as deste último objetivam denunciar e elaborar uma teoria acerca das batalhas simbólicas travadas
individualmente, onde cada agente social investe na imposição da representação mais vantajosa de si, adotando
estratégias múltiplas de “apresentação de si”, as suas limitam-se a exaltar as qualidades do próprio autor e da sua
própria profissão (publicidade).
133
A filosofia da consciência interpreta os(as) agentes sociais de forma muito semelhante. Sobre a crítica a essa
perspectiva, sugerimos a leitura de “Marx e Freud” (ALTHUSSER, 2000).
Desta forma, podemos dizer que o sucesso desses(as) profissionais não é por
elas contextualizado. Interpretado à luz da estrutura e dos possíveis interesses específicos ao
universo de produção da publicidade. Afinal, elas sequer cogitam a hipótese desse universo ser o
produto e o produtor de lutas, inseparavelmente cognitivas e políticas, travadas entre esses(as)
profissionais em busca da imposição dos critérios de definição do que nele deve e do que nele
não deve ser consagrado. Melhor dizendo, em torno dos princípios de construção e avaliação da
representação mais legítima da realidade publicitária.
Essas análises, ao não problematizarem essas lutas sociais, por conseguinte,
também não problematizam as possíveis “armas” nelas utilizadas. A força de cada uma e sua
distribuição. Se são iguais e igualmente “distribuídas”. Não problematizam, portanto, como o
poder é distribuído no jogo profissional da publicidade. A possibilidade do direito de se definir o
que é e o que não é um anúncio criativo não ser uma prerrogativa de todos(as). Apenas
daqueles(as) que possuem um relativo volume de capital
134
simbólico
135
propriamente
publicitário. Um relativo quantum de autoridade no universo de produção da publicidade. Uma
prerrogativa daqueles(as) que possuem a capacidade de nele “se fazer escutar”. Que nele tem
direito à palavra (BOURDIEU, 2003, p.148). Lembrando das palavras de Bourdieu, “não falamos
a qualquer um e não é qualquer um que toma a palavra. O discurso supõe um emissor legítimo
destinando-se a um destinatário legítimo, reconhecido e reconhecedor” (2003, p.149).
Essas investigações, portanto, não compreendem a criatividade de um anúncio
como o resultado de uma disputa. De uma atribuição interessada. Algo que assim é porque
134
Definido por Bourdieu da mesma forma como Marx o define: algo que é acumulado e tem o poder de se
reproduzir. Sobre o assunto, indicamos a leitura de BOURDIEU, 1988.
135
Corresponde ao acúmulo de rituais ligados à honra e ao reconhecimento pelo qual um(a) agente social passa.
Confere a ele crédito e autoridade, que podem ser convertidos nas outras três formas de capital existentes: o
econômico, o cultural e o social. Sobre o assunto, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 1988, p.290-291. Em
“Ideologia e Cultura Moderna”, Thompson faz uma didática apresentação dessas três formas de capital (2000, p.193-
203).
alguém com poder para tanto fez com que assim fosse. Com que todos(as) também assim
pensassem. Pelo contrário, atribuem exclusivamente ao talento de seu(a) produtor(a). À suas
qualidades individuais
136
. Ou ainda, ao seu estilo de vida. Ao modo de encará-la. Tomemos como
exemplo o que escreve Stalimir Vieira:
pensar criativamente é, antes de tudo, pensar. Reagir à informação, sentir-se
motivado pelas questões que surgem, sentir, naturalmente, uma necessidade
íntima de achar uma solução. E essa é uma condição que alcançamos, antes de
tudo, negando-nos a adotar uma postura passiva diante da vida. Trata-se de um
inconformismo saudável e construtivo (VIEIRA, 2004, p.115).
Interpretação semelhante é feita por José Predebon. Em seu livro “Criatividade:
abrindo o lado inovador da mente” (1997), ele sustenta que a chave para a criatividade está numa
relação mais flexível com a vida. Numa postura diante dela de leveza, inquietude,
comunicabilidade e articulação. Júlio Ribeiro
137
parece pensar de forma semelhante. “Ser original
não significa fazer a apologia do insano. A melhor alternativa contra o excesso de timidez não é o
desvario. É a lucidez. O antídoto contra a pequenez é o talento” (1994, p.49). Haroldo Capote,
em seu artigo “A visão do Todo pela Criatividade” (2004), vai além: propõe-nos que seja
implantada no curriculum básico de todas as áreas do conhecimento a disciplina de
“criatividade”. Afinal, para ele, essa disciplina ajudaria a formarmos pessoas mais “generalistas”,
característica fundamental, no seu ponto de vista, para todos(as) aqueles(as) que se pretendem
criativos(as).
136
José Predebon chega a listar “os 9 inimigos pessoais da criatividade”. Seriam eles: 1) A acomodação; 2) A miopia
estratégica; 3) O imediatismo; 4) A insegurança; 5) O pessimismo; 6) A timidez; 7) A prudência; 8) O desânimo e 9)
A dispersão (1997, p.128-129).
137
Exemplo emblemático de autor que a despeito não jogar o jogo científico, jogar apenas o publicitário possui
certa penetração no ambiente universitário. Prova disso é que o autor desta dissertação foi “obrigado” a lê-lo, em
mais de uma disciplina, quando cursava a graduação em publicidade na ESPM-SP.
Embora todas essas obras desmistifiquem a idéia de a criatividade ser uma
coisa dada. Inata. Um dom de origem estranha. Mais recebido do que produzido. Espécie de
benção cedida a uma minoria de iluminados(as). Apresentam uma perspectiva bastante idealista
sobre assunto. Afinal, ainda que observem que “as idéias não caem do céu” (CAPOTE, 2004,
p.28), imputam a elas um valor imanente. Como se houvesse idéias intrinsecamente criativas.
Independentemente de um(a) agente assim as classificá-las. Inacessíveis apenas quando nos
comprometemos demasiadamente com as exigências da vida adulta. “Nascemos sabendo voar
com a imaginação. Como adultos, perdemos essa liberdade, inibidos pelo compromisso com a
realidade” (PREDEBON, 1997, p.174). Como se houvesse, portanto, uma anterioridade da
criatividade em relação à sua atribuição
138
.
Desta forma, colocam os(as) criativos(as) como pessoas em situação de
abertura para essas idéias. O(a) publicitário(a) nessa condição seria, portanto, aquele(a)
engajado(a) nessa abertura. No sol da prática criativa, nas palavras de Predebon (1997, p.46). Tal
engajamento exigiria, como observamos, certa arte do viver. Uma “relação densa com a vida.
[Ser] incapaz de ficar indiferente ao que em sua volta ou ao que fica sabendo, por meio de
qualquer fonte de informação, da Internet às fofocas do vizinho” (VIEIRA, 1999, p.28). Mais
ainda, “se apaixonar pelo briefing que receber [...] abraçar a causa” (VIEIRA, 1999, p.29). Com
isso atravessado por essa dupla paixão: pela vida pessoal e pela profissão esse(a) profissional
estaria apto para se abrir a tais idéias. Sua postura diante da vida passa, assim, a ser, nessa
perspectiva, o ponto-chave para compreendermos seu sucesso ou falta dele.
Podemos dizer, então, que, ao atribuírem o sucesso de uma campanha
publicitária a certo desprendimento de seus(as) produtores(as) em relação à vida, essas análises
138
Muito indicador disso é o fato de José Predebon iniciar seu livro, aqui já citado, “Criatividade: abrindo o lado
inovador da mente”, com o “Diálogo de Timeu”, de Platão (1997, p.21-23).
não interpretam o espaço profissional da publicidade como uma realidade objetivamente já
estruturada. Constituída por interesses específicos e uma série de regras explícitas e implícitas de
criação. Onde aqueles(as) que nele são consagrados(as) assim o(a) são, não porque agiriam de
forma desprendida, mas porque, pelo contrário, adeririam absolutamente a essa realidade e suas
regras. Estabeleceriam com ela uma relação ontológica. Possuiriam o sentido do seu jogo
139
.
Sem dúvida, a nosso ver, o fato de o subjetivismo deixar de lado, nas suas
análises, a dimensão estruturada da prática publicitária se converte num problema analítico.
Afinal, incorre num idealismo inconsistente. Contra ele, e contra qualquer mecanicismo
objetivista, acreditamos ser necessário reencontrar a mediação do(a) publicitário(a) com seu
universo profissional. Para tanto, com Bourdieu, propomos uma nova abordagem dessa atividade
profissional: a praxiológica. Suas singularidades e implicações serão analisadas a seguir (1.3).
1.3 A ABORDAGEM PRAXIOLÓGICA DO UNIVERSO SOCIAL DE PRODUÇÃO DA
MENSAGEM PUBLICITÁRIA: CONSTRUINDO UMA PROPOSTA DE ANÁLISE
Como vimos nas duas partes anteriores, a literatura que aborda o universo
social de produção da publicidade hoje no Brasil admite, fundamentalmente, duas perspectivas
analíticas: a subjetivista e a objetivista
140
. Sua leitura sugere que ora ela apresenta os vícios de
uma; ora, os de outra. Assumimos que essas abordagens são viciadas ou, ao menos,
insuficientes – pelas mesmas razões que Bourdieu as critica em outros contextos. Assim, da nossa
perspectiva, da mesma forma que o universo social de produção da ciência, do direito, da
139
Esta idéia será melhor discutida no item (1.3.2) desta parte.
140
Com a exceção, como indicamos na nota 11, da dissertação de mestrado de Alexandre Krügner Constantino
(2004).
literatura, do jornalismo etc. são demasiadamente simplificados quando abordados dessas duas
maneiras, também o é o da publicidade. Afinal, como já sugerimos, há fortes indícios de que esse
universo hoje, aqui no Brasil, seja complexo o suficiente para não se “encaixar” nas fronteiras
dessas duas abordagens. Ou seja, de que as críticas que fazemos a elas são, de fato, consistentes.
Desta forma, nesta parte terceira, dedicar-nos-emos a apresentar uma alternativa analítica para o
exame desse universo. Para tanto, faremos uso da sociologia de Pierre Bourdieu.
Primeiramente (1.3.1), discutiremos a leitura do espaço desse universo
específico a partir da sua teoria dos campos. Isto é, indicaremos o que viria a ser um espaço
publicitário com propriedades de um campo social. Melhor dizendo, o que viria a ser um campo
propriamente publicitário. Em seguida (1.3.2), discutiremos a leitura dos(as) agentes desse espaço
(os(as) próprios(as) publicitários(as)) seus discursos identitário e moral e suas tomadas de
posição a partir das noções de illusio e de habitus. Ou seja, indicaremos o que viria a ser uma
illusio e um habitus particulares a esse universo específico.
1.3.1 A LEITURA DO ESPAÇO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA
DOS CAMPOS
O debate à maneira da escolástica nunca animou Bourdieu. Enxergava nele
mera confrontação de idéias descoladas do real. Uma produção intelectual inócua, portanto. Por
isso, longe de elaborar uma “‘teoria teórica’ que tem em si mesmo o seu próprio fim e que nasce
e vive da defrontação com outras teorias” (BOURDIEU, 1989, p.59), desenvolveu (pouco a
pouco) sua obra por meio e para o trabalho empírico, como gostava de escrever. Não é por isso,
contudo, queo é devedor de toda uma tradição de pensamento. De outras tantas teorias.
Conceitos. Idéias. Formuladas e problematizadas por outros(as) grandes autores(as).
Fundamentalmente, sua teoria dos campos sociais deve muito aos escritos de Weber sobre a
institucionalização das religiões (suas instituições, regras de conduta, interesses específicos etc.),
bem como à obra de Norbert Elias. Sem dúvida, outra grande inspiração. Não é por menos que,
em inúmeros textos, conferiu a ambos os autores os créditos da influência.
Foi em 1966, num extenso e importante artigo onde aborda o universo
intelectual
141
, que, pela primeira vez, formulou sua noção de campo social. No entanto, de acordo
com ele próprio, sua elaboração mais rigorosa foi formulada em 1971, num artigo intitulado
“Une interprétation de la sociologie religieuse de Max Weber” (1971, p.3-21). Sem dúvida, a
partir daí, adotou e problematizou essa noção como instrumento conceitual para análise dos
universos sociais que se propôs a examinar
142
. Entretanto, são raros os escritos em que a
apresenta de forma mais sistematizada. Uma exposição que ministrou em novembro de 1976, na
École Normale Supérieure, posteriormente publicada sob o tulo de “Algumas propriedades dos
campos” no livro “Questões de Sociologia
143
” (1983, p.89-94), é um raro exemplo.
A escassez desses epítomes, entretanto, parece ser coerente com seus objetivos
e propósitos. Afinal, escreveu seus trabalhos, como observamos, menos para o debate abstrato
de idéias do que para a compreensão das relações sociais concretas. Desta forma, parece natural
que sua teoria apareça sempre “diluída” nos objetos de sua análise. Pela mesma razão, parece
natural que assim também apareça nos objetos daqueles(as) que fazem uso dela. Diante disso, é
141
Intitulado “Champ Intellectuel et Projet Créateur” (1966, p.865-906). Sobre a gênese da teoria dos campos,
sugerimos a leitura de “O Poder Simbólico” (BOURDIEU, 1989, p.59-75).
142
Segundo Andréa Daher: “na perspectiva de uma sociologia da cultura, ele [o conceito de campo social] é o
resultado frontal à alternativa redutora assumida pelas ciências das obras culturais, da história da arte ou da literatura
entre interpretações interna e externa. Bourdieu isenta-se, assim, de pensar toda e qualquer produção fora do
espaço social de relações objetivas voltando o olhar para as práticas dos grupos sociais, e considerando os agentes
dotados de capacidades estratégicas e inventivas” (2003, p.30).
importante esclarecermos que, se aqui objetivamos sintetizar algumas das propriedades
fundamentais dos campos, é apenas para apresentarmos e familiarizarmos o leitor com a noção de
campo publicitário, que pretendemos problematizar mais tarde. Dito isto, vamos às principais
características dos campos sociais.
De acordo com Bourdieu (1983), um campo social é, antes de tudo, um espaço
de natureza social. Não se trata, portanto, necessariamente de um espaço geograficamente
delimitado, mas, sobretudo, de um espaço constituído e constitutivo de relações humanas.
Relações estas que nunca são completamente desinteressadas. Pelo contrário, envolvem sempre
interesses e forças assimétricas na disputa pela sua conquista
144
. Pela capacidade de intervir no
curso de seus acontecimentos e em suas conseqüências. Pelo seu poder, portanto (THOMPSON,
2005, p. 21). Todo campo social constitui, assim, um espaço de interações e posições
hierarquizadas. Onde o acesso aos seus recursos e oportunidades é sempre desigualmente
distribuído entre a seus(as) agentes. Distribuição esta que é, em larga medida, realizada por
eles(as) mesmos(as).
Desta forma, podemos dizer que todo campo social exige certo grau de
estruturação interna que lhe confere alguma autonomia em relação a qualquer outro espaço
social
145
. Afinal, é nele, e segundo suas regras, que são produzidos e circulam e são significados
143
Título original: “Questions de Sociologie”. Sua primeira publicação data de 1980.
144
O que rompe com a imagem irenista da noção de comunidade.
145
Por esta razão, infra e superestrutura são noções pouco utilizadas por Bourdieu. Afinal, essa relativa autonomia de
todo campo social faz com que eles se relacionem entre si menos na base da hierarquia do que na da homologia
(CONSTANTINO, 2004, p. 13). Desta forma, podemos dizer, com Renato Ortiz, que temos na formulação da noção
de campo social um princípio que, em alguma medida, “determina a possibilidade de toda e qualquer análise que não
pretenda reduzir a superestrutura a uma simples correlação do tipo mecanicista” (ORTIZ, 1983, p.27). Aliás, é
justamente porque não podemos fazer essa redução que, para Bourdieu, “não basta se apoderar do aparelho do
estado, e mudar o programa da grande máquina, para conseguir uma ordem social radicalmente nova” (BOURDIEU
apud ORTIZ, 1983, p.106-107), afinal, para ele, uma ação política pode ser sempre desviada, refratada pelos
múltiplos campos sociais (tanto por seus(as) agentes dominantes, quanto pelos (as) subversivos) que constituem a
nossa sociedade.
seus discursos específicos, objetivadores de tomadas distintivas e singularizantes de posições.
Posições estas nunca definidas a partir delas mesmas, detentoras de supostas propriedades
intrínsecas, mas definidas sempre reflexivamente. Afinal, como observa Bourdieu (1983), essas
posições não possuem nem sentidos nem valores imanentes, mas são explicáveis umas em
relação às outras. Por conseguinte, o prestígio de uma posição é sempre conferido pela sua
oposta, e não por aqueles(as) que a ocupam, como poderíamos pensar num primeiro momento.
Sendo assim, podemos dizer que a noção de campo publicitário nos faz pensar
que há no espaço social de produção da publicidade não apenas pessoas que se conhecem, que se
relacionam, que se influenciam, mas também relações de forças invisíveis. Fazendo com que para
que possamos compreender, por exemplo, a forma como uma agência anuncia determinado
produto ou como realiza determinada campanha “seja preciso levar em conta o conjunto das
relações de força objetivas que constituem a estrutura do campo” (BOURDIEU, 1997, p.56).
Com isso, podemos inferir que, se não todas, ao menos parte das campanhas
publicitárias são produzidas e circuladas num formato menos determinado por clientes e
consumidores do que pela concorrência entre seus(as) produtores(as)-publicitários(as). “Eis um
efeito de campo particularmente típico: fazem-se por referência aos concorrentes, coisas que se
acredita fazer para se ajustar melhor aos desejos dos clientes” (BOURDIEU, 1997, p.33). Ou
seja, podemos inferir que os(as) publicitários(as) são levados(as) a considerar naquilo que fazem
e produzem, consciente ou inconscientemente, pressões e exigências particulares ao seu universo
profissional. Que são conduzidos, portanto, por aquilo que Bourdieu denominou de “Lei de
Jdanov
146
”.
146
Sobre essa lei, indicamos a leitura de BOURDIEU, 1997, p.90.
Desta forma, a noção de campo publicitário nos sugere que uma espécie de
pressão cruzada, nem sempre visível, que os(as) publicitários(as) exercem uns(as) sobre os(as)
outros(as), “geradora de toda uma espécie de série de conseqüências que se retraduzem por
escolhas, por ausências e presenças” (BOURDIEU, 1997, p.39). Por uma série de censuras
mútuas. Indicando-nos, portanto, a existência de um espaço, de relações propriamente
publicitárias, estruturado e que pressupõe, simultaneamente, uma lógica interna de
funcionamento e relações de dependência com outros campos
147
. Sugerindo-nos, portanto, a
existência de um espaço profissional relativamente autônomo. Obviamente, isso não implica que
todo(a) publicitário(a) necessariamente deva possuir a mesma autonomia na produção de um
anúncio. Pelo contrário, cada um(a), de acordo com seu prestígio dentro de sua agência, do
prestígio dela no próprio universo publicitário, entre outros fatores, terá maior ou menor grau de
independência nas suas decisões profissionais.
De acordo com Bourdieu (1988), a autonomia de um campo social será tanto
maior quanto mais específicos forem seus troféus – objetos de luta social que canalizam as
potências de seus(as) agentes e dão materialidade a seus interesses
148
. A maior ou menor
autonomia de um campo também pode, segundo ele, ser objetivada na especificidade de suas
instâncias de legitimação
149
. Isto é, nas posições sociais que, quando ocupadas por este(a) ou
147
Na perspectiva de Constantino (2004), o campo publicitário, assim como o campo jornalístico, constitui um
subcampo do campo de produção cultural, situando-se próximo aos campos econômico e político (p. 50-53)
(indicamos a leitura da figura 1, anexo 5). Embora essa geografia da publicidade não possua sustentação empírica,
uma vez que essas relações são por ele inferidas de reflexões puramente teóricas, in abstractu, ela é bastante
interessante pois nos oferece certa noção da localização do universo publicitário, conseqüentemente, de suas relações
de dependência, dentro daquilo que Bourdieu denominou de “campo do poder espécie de meta-campo,
organizador dos princípios de diferenciação dos demais campos (BOURDIEU, 1989).
148
Como veremos no cap. 3, o objeto de luto do universo publicitário não é “nada mais que o consumidor”, como
quer Constantino (2004, p.33). Mas é, também, o reconhecimento dos(as) pares. No caso, objetivado nas premiações
publicitários.
149
Que, freqüentemente, também são de formação e de divulgação. Sendo assim, o surgimento em 1937 da revista
“Propaganda” e, em 1951, da “Escola de Propaganda do MASP”, que em 1971 passaria a adquirir o seu nome atual
“Escola de Propaganda e Marketing, a ESPM”, deve, em alguma medida, ter contribuído para a autonomização do
aquele(a) agente(a), lhe permitem o acúmulo de um capital específico ao referido campo: espécie
de quantum de reconhecimento de seus pares-concorrentes que podem se converter em outros
capitais (BOURDIEU, 1964).
Nessa lógica, própria a cada campo, de distribuição e redistribuição de seu
capital específico, podemos, segundo ele (1983), assistir à transferência de certo capital
institucional
150
acumulado por esta ou aquela instituição
151
a um de seus(a) representantes, ou
porta-vozes. Mais raro, mas não impossível, é a transferência em sentido oposto. Isto é, do capital
pessoal acumulado pelo(a) profissional em direção a uma instituição ainda em vias de
estruturação. Tempos atrás, por exemplo, por ocasião da criação da agência África, veiculou-se
uma campanha onde Nizan Guanaes
152
anunciava que era ele um dos seus fundadores. E que
trazia com ele toda uma equipe de profissionais com que trabalhara. Exemplo, relativamente
recente, de tentativa de conversão, no espaço de produção publicitária nacional, de um capital
publicitário pessoal em institucional. Esse capital pessoal quase sempre é conseqüência de uma
trajetória de relações no campo cujo impulso inicial dependeu de uma adesão a outras instituições
já consolidadas
153
.
A especificidade das relações sociais e a existência de troféus almejados por
todos(as) permitem a comparação do funcionamento de um campo com o de um jogo. Afinal,
como observa Bourdieu, nele, seus(as) agentes e suas instituições constantemente.
universo publicitário nacional. Sobre a criação dessas instâncias, sugerimos a leitura de CONSTANTINO, 2004, p.
96-112.
150
Referente a uma organização.
151
Aqui compreendida como organização.
152
Renomado publicitário brasileiro.
153
Sobre a transferência de capitais entre indivíduos e instituições, sugerimos a leitura de GAXIE, 1973.
estão em luta, com forças diferentes e segundo regras constitutivas deste espaço
de jogo, para se apropriar dos lucros específicos que estão em jogo neste jogo.
Os que dominam o campo possuem os meios de fazê-lo funcionar em seu
benefício; mas devem contar com a resistência dos dominados (1997a, p.106).
Por conseguinte, um campo propriamente publicitário, como qualquer outro campo social, deve
estar em movimento constante. Contando com um eterno avançar e recuar dos grupos que
disputam seu poder específico. Às vezes, com o grupo dominado, ou parte dele, lutando por
subverter esse poder. Defendendo a “heterodoxia”. Entretanto, muito mais freqüente, devem ser
os casos de aliança entre esse grupo e os(as) agentes dominantes. Aliança que pode permitir
aos(as) últimos(as) se manter nessa condição e aos(as) integrantes do primeiro vislumbrar o
alcance seguro de um lucro profissional a médio ou longo prazo. Um dia vir a sucedê-los(as).
Ocupar seus postos. Desfrutar do prestígio que desfrutam
154
. Diante disto, podemos dizer que a
noção de campo publicitário nos indica que devemos interpretar as tomadas de decisão de
seus(as) agentes sempre à luz do curso continuado de suas ações. Nunca ao sabor do momento.
Indica-nos, também, que esse espaço profissional será semelhante a um
aparelho apenas em situações muito particulares e, ainda assim, jamais alcançadas na sua
plenitude. Quando for ameaçado por forças externas a ele, que podem destruí-lo ou reduzir sua
autonomia. Neste caso, funcionará como uma espécie de conatus, com todos seus(as) agentes
esforçando-se para preservá-lo
155
. Manter sua autonomia. Unindo-se, numa trégua momentânea,
para melhor defendê-lo. Ainda que isto implique perdas individuais. contra os interesses
específicos de alguns
156
. E enrijeça esse espaço social. Temos no jornalismo nacional um
154
Sobre as estratégias de poder adotadas nos embates travados no interior dos campos sociais, indicamos a leitura
de BOURDIEU, 2003.
155
exemplo ilustrativo. Sempre que se sugere alguma regulamentação externa, ou compreendida
como tal, dessa prática profissional, seus(as) agentes se unem para denunciá-la como uma suposta
violação da liberdade de expressão. De um “direito coletivo
157
”. Dificilmente se verá entre
eles(as) uma voz discordante.
De acordo com Bourdieu, também podemos observar um campo social
funcionando como um aparelho
quando os dominantes possuem meios de anular os dominados. [...] quando não
podem fazer mais do que sofrer a dominação; quando todos os movimentos são
de cima para baixo e os efeitos de dominação são tais que a luta e dialética
constitutiva do campo cessam (2003, p.106).
As “instituições totais” – “simbolizadas pela barreira à relação social com o mundo externo e por
proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico” (GOFFMAN, 1999, p.16)
– de que trata Goffman em “Manicômios, Prisões e Conventos
158
” (1999) – objetivam (os(as) que
as controlam, evidentemente), segundo Bourdieu (1983), justamente o estabelecimento desse tipo
de situação. Anular todo conflito que ocorre em seu interior. Aparelhá-lo, portanto.
Lá, de acordo com Goffman, seus(as) internados(as) em virtude do
isolamento a que são submetidos(as), e “esmagados(as) pelo peso” que essas instituições exercem
sobre eles(as) deixam de interpretar os papéis sociais que interpretavam outrora. Antes do
internamento. Com isso, para ele, nesses locais, os(as) internados(as) são desnudados(as) de
157
Para Bourdieu, as práticas realizadas dentro de um campo social aparecem “desinteressadas” apenas quando
referidas a interesses diferentes, produzidos e exigidos por outros campos. Uma boa sociologia do campo jornalístico
brasileiro deve, portanto, ser capaz de denunciar essa aparente defesa “desinteressada” dos(as) nossos(as) jornalistas
pela liberdade de expressão na nossa imprensa como, também, uma estratégia interessada por parte deles(as) para
manterem o controle das regras do seu campo profissional. A prerrogativa que possuem de definir o critério que
define as regras de ação nele autorizadas. O que nele deve ser considerado moralmente virtuoso e o que nele deve ser
considerado moralmente viciado. O que deve ser pauta e o que não deve sair da agenda privada.
158
Para Bourdieu, “provavelmente seu mais importante trabalho” (1983b, p.112).
praticamente tudo o que constituía sua identidade social anterior. Desta forma, segundo ele, seus
“eus” acabam sendo sistematicamente mutilados. Mortificados (GOFFMAN, 1999, p.24-25).
Porém, não de forma suficiente para neutralizar por completa sua resistência às imposições
dessas instituições. Pelo contrário, de acordo com Bourdieu, Goffman mostra no trabalho
supracitado como os(as) internados(as) desenvolvem estratégias originais de resistência
159
, ainda
que pouco visíveis a um primeiro olhar (BOURDIEU & WACQUANT, 1992, p.205).
Sem dúvida, podemos dizer que, diferentemente de uma instituição total, num
campo social as estratégias de resistência são razoavelmente visíveis a uma primeira
observação. O enfrentamento entre seus(as) agentes é, muitas vezes, explícito. O que,
conseqüentemente, pode nos cegar para alguns de seus importantes implícitos. Como observa
Bourdieu (1983), a explicitação desse enfrentamento freqüentemente esconde premissas
consensuais de funcionamento, sem as quais qualquer campo social se dissolveria
160
.
Em primeiro lugar, porque todo jogo requer uma crença compartilhada entre
os(as) jogadores(as) de que vale a pena jogá-lo. Todo jogo exige um engajamento psicológico,
indicador de interesse e disposição para investir nele. Desde seu início, é preciso que seus(as)
agentes estejam dispostos a direcionar parte de sua libido a seus procedimentos e a seus troféus
(BOURDIEU, 1987). É preciso que reconheçam como indiscutível dispensando qualquer
explicitação – o valor do prêmio a ser obtido. Assim, se numa partida de futebol, não há
disposição por parte dos(as) atletas de jogar bola, chutar a bola no gol adversário e proteger o
próprio, a partida fica comprometida.
159
Por esta razão, podemos dizer que a denominação “Instituição Total” é inadequada. Afinal, como acabamos de
observar, o próprio Bourdieu ressalva que a institucionalização das práticas e idéias propagadas pelos agentes
dominantes dessas instituições, pelos seus dirigentes, nunca é “total”. Completa. Radicalmente horizontal. Mas
sempre parcial. Confrontada pelos(as) agentes dominados(as).
Além do valor compartilhado dos troféus, todo jogo pressupõe também
respeito por parte de todos(as) os(as) jogadores(as) a determinadas regras. Impossível jogar
qualquer jogo sem a existência de algum consenso em relação a elas. Da mesma forma, nos
campos sociais. Na ausência de um discurso moral coerente na falta, portanto, de um consenso
sobre as leis sociais específicas de como se proceder nele sua própria existência deixa de estar
assegurada. Não dúvidas de que sem algum consenso em torno delas é impossível jogar
qualquer jogo social. Sendo assim, podemos dizer que todo campo social possui uma doxa, ou
seja, um conjunto de pressupostos que seus(as) antagonistas admitem como evidente e aquém de
qualquer discussão, uma vez que constituem a condição tácita de seu funcionamento
(BOURDIEU, 2003b, p. 134). Mantendo a analogia esportiva, estaria comprometido o futebol se
não houvesse o entendimento unânime sobre a impossibilidade de colocar a mão na bola, com a
exceção do goleiro.
A relativa autonomia dos campos sociais nos indica que essas regras de ação
consensuais mandamentos indicadores dos limites da prática são, em parte, estabelecidas por
seus(as) próprios(as) agentes. São neles onde são definidas essas normas de conduta que definem
o dizível e o indizível. O adequado e o inadequado. O pertinente e o impertinente. A conduta
eticamente aceita ou mesmo aplaudida da moralmente condenável. São neles, portanto, onde
seus(as) integrantes aprendem a reconhecer o certo e o errado. Mas não só, também, a se definir.
A forjar um discurso comum de pertencimento. A identificar os traços de uma identidade
integradora. A dar a ver a fronteira simbólica que aparta o dentro e o fora.
160
É graças a esse consenso que as revoluções ocorridas no interior de todo campo são sempre parciais. Nunca,
totais. Afinal, revoluções como estas, ao colocarem em questão os próprios fundamentos do campo, podem vir a
destruí-los (BOURDIEU, 1983, p.90-91).
Podemos dizer que os próprios campos são, portanto, a condição objetiva de
possibilidade da construção da identidade de seus(as) agentes. De certa visão e de (di)visão do
mundo social. Ainda que a inclinação subjetiva para o ingresso nesses espaços comece a ser
forjada fora deles. Em outras instâncias de socialização, como a escolar. Bourdieu (2002),
inclusive, justifica o entusiasmo dos(as) pretendentes – dos(as) que reivindicam o direito de jogar
seus jogos específicos, mas que ainda não os jogam ao fato dessas inclinações poderem ser
forjadas fora deles. Caso contrário, não teria como explicá-los(as). Compreender esse
direcionamento de suas libidos. Entre outras razões, podemos dizer que é justamente graças a
isso, a elas se constituírem fora deles, que esses espaços são relativamente autônomos. Definidos
por uma fronteira simbólica porosa que, ao mesmo tempo, objetiva ruptura e faculta nexos de
causalidade entre o dentro e o fora.
De acordo com Bourdieu, “quanto mais autônomo for um campo, maior será
seu poder de refração e mais as imposições externas serão transfiguradas, a ponto de,
freqüentemente, se tornarem irreconhecíveis” (2003, p.22). Com isso, podemos pensar que, se a
noção de campo publicitário for, de fato, pertinente, uma agência ou um(a) publicitário(a) deixará
de ocupar uma posição de dominação sempre que perder o poder de deformar o espaço
publicitário à sua volta. A prerrogativa de estabelecer seus discursos legítimos. De ditar suas leis
(BOURDIEU, 1997, p.60). Desta forma, seria plausível pensarmos na hipótese dele(a) (agência
e/ou publicitário(a)) permanecer absolutamente idêntico(a), não perder nenhum cliente, nenhuma
conta, não mudar em nada e, contudo, ser profundamente transformado(a) pelo simples fato de
sua posição relativa no espaço publicitário se achar transformada (BOURDIEU, 1997, p.60).
Este hipotético fenômeno foi observado por Bourdieu em outros espaços
sociais com características de um campo. Por isso, sua reflexão: quanto maior a autonomia de um
campo social, mais o peso de suas instituições e agentes serão determinados pelas suas
capacidades de afetá-lo. Transformá-lo. Transfigurá-lo (2003, p.22). Afinal, para ele, como
observamos anteriormente, todo campo social deve ser um espaço que possuiu uma estruturação
interna capaz de lhe conferir, pelo menos, alguma autonomia. Relativa independência em relação
a outros espaços sociais.
Caso contrário, se ampliasse demasiadamente essa noção, correria o risco de
invalidar seu próprio significado. Esticá-la a ponto de esgarçá-la. De fazê-la desaparecer por
completo. Tornando-a inútil analiticamente. Afinal, como diz Eagleton, “para que um termo
tenha significado, é preciso que se possa especificar o que, em determinadas circunstâncias, seria
considerado o outro dele” (1997, p.21). Muito provavelmente, é por esta razão que não a utilize
indiscriminadamente. Pelo contrário, apenas para analisar alguns universos específicos. Deixando
tantos outros para noções distintas. Para seus “outros”, como diria Eagleton.
Exemplo disso é que, de acordo com Ortiz, no seu clássico “A Reprodução”
(1983b), ele examina a escola fundamentalmente como um aparelho reprodutor da ordem
social” (2003, p.19). Isto é, menos como um campo social do que como um aparelho ideológico
de estado
161
. Ainda, em “A Distinção” (1988), analisa a gênese dos gostos e dos estilos de vida
menos como o resultado de um operador prático forjado num determinado campo do que o de um
específico a uma determinada classe social
162
. Afinal, embora um campo social estabeleça gostos
e estilos de vida, é apenas por meio da análise das condições de classe que, pensamos nós,
poderia compreender de forma mais ampla a lógica que rege o gosto e o estilo de vida de todas as
161
Noção discutida no item (1.1.1) desta parte.
162
Compreendida por ele não como simples reflexo supraestrutural da base material da sociedade, mas como algo
bem mais complexo. Nas suas palavras: “uma classe não pode jamais ser definida apenas por sua situação e por sua
posição na estrutura social, isto é, pelas relações que mantém objetivamente com outras classes sociais. Inúmeras
propriedades de uma classe social provêm do fato de que seus membros se envolvem deliberda ou objetivamente em
classes sociais. Como o resultado das urgências e pressões materiais que as classes populares
sofrem, por exemplo. Caso reduzisse a questão ao recorte dos campos, teria de aceitá-la
necessariamente como o resultado de uma exigência para o pertencimento a um universo deste
tipo: de certo distanciamento dos constrangimentos objetivos exercidos pelo presente mais
imediato.
Assim, a nosso ver, parece-nos claro que grande parte dos(as) agentes de nossas
sociedades (as classe populares, principalmente) parecem se encontrar hors-champ (fora do
campo)
163
. Imersos(as) num grande “espaço social” que tem como eixo de estruturação o
volume e a estrutura do capital possuído (capital cultural e capital econômico). Bourdieu chega,
inclusive, a admitir isso indiretamente, quando explica que a compreensão da obra de um(a)
autor(a) famoso(a) apresenta problemas particulares quando comparada com a compreensão do
discurso de um(a) “profano(a)” e isto “em função, sobretudo, do pertencimento do autor a um
campo” (BOURDIEU, 2002, p.418).
Desta forma, sustentamos que nem sempre o recorte dos campos é o mais
pertinente. Caso contrário, diga-se de passagem, este trabalho sequer faria sentido. Assim, com
Bourdieu, acreditamos que este recorte é pertinente para análise de apenas alguns espaços sociais
específicos. Quais e em que medida eles constituem um campo não nos parece ser algo evidente.
Pelo contrário, pensamos ser preciso uma análise cuidadosa e vasto exame empírico para sabê-lo.
relações simbólicas com os indivíduos das outras classes, e com isso exprimem diferenças de situação e de posição
segundo uma lógica sistemática, tendendo a transmuta-las em distinções significantes” (BOURDIEU, 2001, p. 14).
163
Mesmo aqueles(as) que circulam por algum campo social passam grande parte de suas vidas hors-champ.
Inclusive, podemos dizer que uma das limitações da noção de campo é que ela se limita a analisar o comportamento
desses(as) agentes exclusivamente dentro do campo, ignorando outras relações por eles(as) estabelecidas: públicas
ou privadas, duráveis ou efêmeras, que podem, inclusive, explicar, por vezes, suas tomadas de posição dentro do
próprio campo.
Apenas desta forma conseguiremos, portanto, responder satisfatoriamente às questões que
levantamos.
Até aqui, limitamo-nos a indicar o que caracterizaria a noção de campo
publicitário. A seguir (1.3.2), caracterizaremos as noções de habitus e illusio publicitária. Antes,
entretanto, é importante esclarecermos que essas três noções compõem, na sociologia de
Bourdieu, um todo ontológico. Não há uma sem as outras. São indissociáveis. Interdependentes.
Reciprocamente estruturadas e estruturantes (BARROS FILHO & MARTINO, 2003, p.12).
Desta forma, a separação entre elas atende apenas a um desejo nosso por maior didatismo.
1.3.2 A LEITURA DOS(AS) AGENTES: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE A PARTIR DOS
CONCEITOS DE HABITUS E ILLUSIO
Na parte anterior (1.3.1), apresentamos e desenvolvemos a noção de campo
publicitário. Seus pressupostos e implicações conceituais. Nela, vimos que tal noção nos sugere
que a prática publicitária possui relativa autonomia em relação a outras práticas profissionais.
Indicando-nos, assim, que seus(as) agentes devem considerar, nas suas tomadas de posição, as
pressões e exigências particulares à sua profissão. Devem, portanto, ser conduzidos(as) por uma
lógica específica a ela. A fazer muita das coisas que fazem por referência aos seus pares-
concorrentes. O que, conseqüentemente, nos faz crer que suas ações e discursos acerca da sua
atividade profissional devem habitualmente se repetir. Ou seja, nos faz crer que eles possuem
hábitos socialmente compartilhados. Hábitos estes relativos à sua profissão. Um habitus
profissional
164
análogo, portanto. Publicitário, mais exatamente.
A noção de habitus publicitário, nosso objeto de análise na parte inicial deste
item da dissertação (3.2.2), indica-nos, então, que os(as) profissionais da publicidade devem
possuir uma matriz comum de percepção, classificação e valoração da própria profissão. Na
metáfora de Bourdieu, ‘óculos’ especiais a partir dos quais em certas coisas e não outras; e
vêem de certa maneira as coisas que vêem” (1997, p.25). Ou seja, indica-nos que eles(as) devem
possuir uma visão particular da própria profissão que os(as) levem a agir em condições
semelhantes. Por outras palavras, devem ter um conjunto organizado de princípios de observação
e atribuição de sentido que os(as) predisponham a se comportar de maneira específica. Desta
forma, podemos dizer que a noção de habitus publicitário possui duas dimensões: uma
perceptiva. Outra, pragmática.
Sendo assim, a partir dessa noção, se fizermos um bom mapeamento
sociológico ou psicossocial da atividade publicitária, notaremos, muito provavelmente, que esse
fazer social obedece a regras estabelecidas e incorporada pelos(as) seus(as) agentes, em grande
medida, no interior de seu próprio universo de produção. Assim, diferentemente do que pode nos
parecer num primeiro momento, veremos que esses(as) agentes não agem de livre vontade. Não
são o marco zero dos enunciados que pronunciam. Veremos que seus comportamentos e criações
não são espontâneos. Sem determinações sociais. Produto de uma “abertura pessoal
165
”. De uma
“visão infantil”. Não condicionada. Desapegada, em suma.
164
Embora a noção de habitus esteja muito próxima à de hábito, ela guarda uma sutil diferença, porém importante,
dessa última. Nas palavras de Bourdieu: “o hábito é considerado espontaneamente como repetitivo, mecânico,
automático, antes reprodutivo que produtivo. Ora, eu queria insistir na idéia de que o habitus é algo que possui uma
enorme potência geradora.” (1983, p.105).
165
Sobre a tese da “abertura pessoal”, sugerimos a leitura de PREDEBON, 1997, p. 63-106.
É justamente contra esse tipo de idealismo subjetivista que Bourdieu
desenvolve sua noção de habitus. Sem dúvida, com ela pretende se contrapor a essa postura
analítica. Em especial, ao atomismo iluminista. Ao poder conferido por ele à razão individual.
Pessoal. Não compartilhada. Ao primado dos(as) agentes sobre a sociedade, melhor dizendo.
Afinal, como observa Martins, para Bourdieu, eles(as) são, em larga medida, “o produto de
relações e de instituições sociais” (1987, p.35). Estruturados(as) por elas, portanto.
Por esta razão, como não poderia deixar de ser, critica, como já antecipamos no
item (1.2.2), ferozmente as reflexões fenomenológicas acerca dos processos de mediação entre
os(as) agentes e a sociedade. Afinal, para ele, elas não contemplam a questão das condições de
produção dos eventos sociais. “A coincidência entre as estruturas objetivas e as incorporadas nos
agentes” (MARTINS, 1987, p.36). O que contribui para criar a ilusão de que a compreensão
imediata do mundo social é cientificamente pertinente. Excluindo, com isso, toda interrogação
sobre as condições desta percepção “natural” do mundo social. Daquilo que os fenomenólogos
denominam “experiência vivida do mundo social”. Dos seus fenômenos, por outras palavras.
Mas o que é um fenômeno? Um fenômeno significa “aquilo que se mostra”
(CARMO, 2004, p.22). Isto é, como o mundo se apresenta a nós. Desta forma, para a
fenomenologia nunca podemos apreender o mundo “nele mesmo”. Isto não significa, contudo,
que um fenômeno seja mera ilusão (CARMO, 2004, p.22). Apenas que ele sempre se apresenta
para uma consciência. Com isso, para um(a) fenomenólogo(a), um estudo sobre o mundo social e
seus(as) agentes deve, na impossibilidade de analisá-lo “em si mesmo”, escapar das explicações
ontológicas e limitar-se a descrever seus fenômenos. Onde o que importa é o senso de realidade
que fazemos deles (MALUFE, 1992, p.21). Nosso envolvimento subjetivo com ele. E não a
forma como o objetivamos. Sua relação com a história, como quer Bourdieu.
Desta forma, podemos dizer que, ao elaborar sua noção de habitus, Bourdieu
busca criticar este tipo de perspectiva que toma como ponto de partida os(as) agentes sociais. E
que, conseqüentemente, deixa de apreendê-los(as) como objetivamente estruturados(as). Sartre
em especial, sua obra L’être et le néant” é um alvo freqüente
166
. Sistematicamente criticado
por ele, como já antecipamos no item (1.2.2). Afinal, ele “leva a representar cada ação do
indivíduo como uma espécie de confrontação sem antecedentes do sujeito e do mundo”
(MARTINS, 1987, p.37). Ou seja, por provavelmente desconhecer esse processo de
interiorização das estruturas do mundo social que Bourdieu denomina de habitus, assume uma
concepção da ação que “depende inteiramente de uma razão ditada pela consciência dos sujeitos”
(MARTINS, 1987, p.37). Como se todas tomadas de posição dos(as) agentes sociais fossem
produtos de um projeto livre e racional. E não socialmente estruturadas. Instituídas. Essa é uma
das muitas ilusões denunciadas pela noção de habitus.
Mas não é só o subjetivismo que Bourdieu busca atacar ao desenvolvê-la.
Objetiva, também, a despeito de conservar “a idéia de objetividade das relações sociais” (ORTIZ,
2003, p.14), superar as abordagens objetivistas dos(as) agentes e suas práticas sociais. A idéia de
que eles(as) não passam de marionetes do social. Incapazes de transgredir os costumes e normas
sociais. Ou seja, a idéia de que haja uma espécie de essência transcendental a eles(as) que os(as)
enquadra coercitivamente (ORTIZ, 1983, p.10). Ao criticá-las, Bourdieu visa fundamentalmente
recuperar a antiga idéia de Engels (1977) de que, embora num meio determinado que os(as)
condiciona, são os(as) agentes sociais que fazem sua história. De que ela é, portanto, sempre
construída por eles(as). Instituída por suas práticas e ações. Por seus hábitos mais cotidianos.
Embora ganhe uma roupagem nova na sua obra, a noção de habitus não é
uma criação propriamente sua. Não é uma novidade trazida pela sua obra. Pelo contrário, é
166
Sobre as críticas que faz a Sartre, sugerimos a leitura de BARROS FILHO & SÁ MARTINO, 2003, p. 83-104.
com a apropriação e problematização da noção aristotélica de hexis convertida pela
escolástica em habitus
167
e, posteriormente, retomada por Merleau-Ponty na sua
“Fenomenologia da Percepção
168
que ele a elabora. Produz sua teoria da ação. Sua
praxiologia. Que consegue reencontrar a mediação dos(as) agentes com a sociedade em que
vivem. Jogar luz, portanto, na sua condição estruturada e estruturante. Na dupla dimensão das
suas práticas: a instituída e a instituinte. E, com isso, romper com “o paradigma estruturalista
sem cair na velha filosofia do sujeito ou da consciência, a da economia clássica e do seu homo
economicus que regressa hoje com o nome de individualismo metodológico” (BOURDIEU,
1989, p.61).
Assim, com essa reapropriação, Bourdieu nos indica que compreende as ações
humanas não como o resultado de uma espontaneidade criadora. Tampouco, de uma
exterioridade fora do alcance de seus(as) agentes, como vimos. Mas como a atualização de um
saber prático que acumulam ao longo de suas trajetórias sociais. E que os(as) permitem ter uma
relação com o futuro de protenção, como diria Husserl. E não de projeto, como querem Sartre e
Merleau-Ponty
169
. Com um “a ser vivido” imediatamente percebido. Um “quase presente”. E não
apenas com um futuro antecipado pela razão. Projetado e calculado pela consciência. Nas
palavras de Bourdieu, como “um universo imaginário de possíveis” (1983, p.72).
A partir disso, para fazermos uso de uma metáfora freqüentemente utilizada
por ele, podemos comparar o deslocar dos(as) publicitários(as) no seu jogo específico ao dos(as)
jogadores(as) numa partida de gbi: assim como estes(as) últimos, os(as) primeiros devem
167
Sobre a origem doutrinária do habitus, sugerimos a leitura de “O Poder Simbólico” (BOURDIEU, 1989, p.59-75).
Sugerimos também a leitura de “O habitus na comunicação” (BARROS FILHO & SÁ MARTINO, 2003, p.51-107).
168
Sobre o assunto, indicamos a leitura de BARROS FILHO & SÁ MARTINO, 2003, p.51-107.
possuir aquilo que denomina de “sentido do jogo”. Isto é, devem conseguir adiantar-se
“naturalmente” a uma “jogada” realizada no seu ambiente profissional. Uma espécie de
antecipação pré-perceptiva permitida por um saber prático-profissional não calculado. Construído
ao longo de experiências vividas em condições sociais de existência profissional análogas.
Podemos compreender, assim, o “sentido do jogo publicitário” como uma
produção inconsciente dos(as) profissionais da publicidade que deve permitir que estabeleçam
uma relação ontológica com o seu universo profissional. Em outras palavras, como uma
apreciação que deve possibilitar que se movam nesse universo social sem que para isso tenham
de, necessariamente, fazer uso do cálculo racional. De uma avaliação consciente. Podemos
compreendê-lo, então, como uma espécie de incorporação do próprio espaço de produção da
publicidade. De seus implícitos e pressupostos. Nas palavras de Bourdieu, “ter sentido do jogo é
ter o jogo na pele; é perceber no estado prático o futuro do jogo” (1983, p.72).
Ter o “jogo na pele” deve permitir, portanto, que esses(as) profissionais
tomem decisões sobre sua profissão, acerca de seu futuro profissional, sem necessariamente ter
de ponderar a todo instante sobre elas. Avaliá-las momento-a-momento. Com sua aquisição,
devem passar a dominar as leis imanentes de seu ofício. Mais ainda, a naturalizá-las. Tanto as
escritas como as não escritas, “que são inscritas na realidade em estado de tendência
170
(BOURDIEU, 2004, p.27). Conseqüentemente, podemos supor que o sentido do jogo publicitário
deve permitir que os(as) publicitários(as) assim como no caso dos(as) jornalistas no que diz
169
Inclusive, sua ruptura com a abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty está justamente em rejeitar a noção de
um habitus fundado por um projeto e uma situação que se fundem. Sobre o assunto, sugerimos a leitura de
RABELO, 1999, p.210.
170
Podemos dizer que as instituições universitárias mais conceituadas não apenas oferecem (na maior parte das
vezes, ao menos) as melhores condições de pesquisa além evidentemente de conferirem prestígio a seus
pesquisadores –, como também são espaços privilegiados para aquisição deste saber. Afinal, são fundamentalmente
nelas onde são definidos os temas e abordagens científicas mais legítimas.
respeito à elaboração da pauta
171
saibam, de forma não calculada, como, quando e onde deve
ser anunciado um anúncio com vista a concursos ou à apenas fins comerciais ou, ainda, à ambos.
Podemos supor, também, que ele deve lhes permitir identificar, classificar e,
sobretudo, saber “tocar” o público-alvo de suas mensagens sem necessariamente ter de recorrer a
uma estratégia consciente. Ou seja, deve lhes oferecer um “senso prático” do habitus desse
público. O “sentido do jogo publicitário” se caracterizaria, assim, por ser uma espécie de
conhecimento prático dos múltiplos habitus da sociedade de consumo (CONSTANTINO, 2004,
p. 32). Por esta razão, especulamos a possibilidade de serem insuficientes as explicações que
afirmam que apenas
as eficientes técnicas de sondagens das motivações, tendências e demandas
emergentes do público consumidor colocam ao alcance dos publicitários um
saber que os torna capazes de agenciar as motivações dos consumidores e
responder a elas com um produto, uma imagem, uma marca (KEHL, 2004,
p.88).
Como acabamos de observar, o sentido do jogo publicitário deve oferecer a(o)
publicitário(a) esse saber
172
. As técnicas de sondagens, conseqüentemente, devem lhe trazer
poucas novidades
173
. Quiçá, apenas legitimar o que sabem. Assim, fundamentalmente apoiado
num sistema de disposições duráveis estruturadas e estruturantes que “se constituem na prática e
são sempre orientadas em seu sentido prático (BARROS FILHO & SÁ MARTINO, 2003,
p.115), o sentido do jogo publicitário deve estar predisposto a instituir princípios geradores de
171
Sobre o assunto indicamos a leitura de BARROS FILHO & SÁ MARTINO, 2003, p.107-143.
172
Nesse sentido, parece ser bastante incoerente com o seu aporte teórico, a sociologia de Bourdieu, a afirmativa de
Constantino de que nada, absolutamente nada numa campanha publicitária é casual: tudo é pensado nos mínimos
detalhes, gestos, posturas, palavreados, situações, atitudes que pertencem a uma dada gramática gerativa o habitus
– do target” (2004, p.31). A nosso ver, trata-se, assim, de uma infeliz passagem de seu trabalho de mestrado.
173
Sobre as formas de utilização dessas técnicas e os
práticas e representações. A operar não apenas como “estrutura estruturada”, mas como
“estrutura estruturante”. Como uma matriz de percepção, de apreciação
174
e de ação. Como
habitus, portanto.
Um habitus profissional. Instituído no próprio fazer publicitário. Porque é nele
que deve ser estabelecido. Produzido. Mas que também deve institui-lo. Produzi-lo. Sobretudo,
reproduzi-lo. Afinal, se a noção de campo publicitário é mesmo pertinente, seus(as) agentes, por
conseguinte, devem ser freqüentemente expostos a situações sociais análogas de existência
profissional as quais os adquiriram. Conseqüentemente, devem ser levados(as) a atualizá-los de
forma a repeti-los. Daí a dimensão reprodutora de seu habitus profissional. Dele e de qualquer
outro habitus.
Entretanto, nunca uma situação é exatamente igual a sua anterior. Sem qualquer
alteração em relação a ela. Sempre espaço para a contingência. O inédito. O surpreendente.
Sendo assim, as condições de atualização do habitus nunca podem ser idênticas as que o
produziram. Por vezes, apenas semelhantes. Por vezes, nem isso. Em especial,
em todos os casos em que os agentes perpetuam disposições tornadas obsoletas
pelas transformações das condições objetivas (envelhecimento social), ou
quando ocupam posições capazes de exigir disposições diferentes daquelas
derivadas de sua condição de origem (BOURDIEU, 1997, p. 196).
Daí, evidentemente, nem todo habitus ser necessariamente adaptado e coerente
com as situações sociais em que se concretiza. Ocasionalmente, pode até ser contraditório. Nestes
assunto, Jodelis, em sua dissertação de mestrado, analisa a pesrspectiva dos(as) profissionais de criação do uso da
pesquisa qualitativa na sua atividade profissional (1999).
174
Embora seja uma matriz de apreciação que não se confunde com a ética, que é “a forma teórica, argumentada,
explicitada e codificada da moral” (BONNEWITZ apud MIRANDA, 2005, p.43), o habitus tampouco é sinônimo de
ethos. Afinal valoriza as “regularidades objetivas interiorizadas pelo indivíduo, independente dele estar mais ou
menos integrado ao grupo” (MIRANDA, 2005, p.43). Enquanto que o ethos ainda prioriza o papel da ação coletiva
nos processo de inculcação”, embora esse não esteja excluído da noção de habitus (2005, p.43).
casos, adverte Bourdieu, seus(as) agentes acabam sofrendo uma dupla constrição: a do próprio
habitus e a do universo social em que se encontram (1997, p.196). Constrições essas que podem
levá-los(as) a uma contradição brutal. Dilaceradora. Que os(as) façam sofrer profundamente.
Afinal, podem levá-los(as) a se reconhecer como estranhos(as) à sua própria condição. Por isso,
lembra-nos que
o fato de que as respostas engendradas sem cálculo ou projeto pelo habitus
surjam, com freqüência, como que adaptadas, coerentes, e imediatamente
inteligíveis, não deve levar a que se faça delas uma espécie de instinto infalível,
capaz de produzir a todo instante respostas milagrosamente ajustadas a
quaisquer condições (BOURDIEU, 1997, p.194).
Ou seja, o processo de atualização do habitus não é uma operação mecânica, como podemos crer
num primeiro momento
175
. Cada atualização sua envolve, como observamos, “a resposta a
circunstâncias que são, em alguns aspectos, novas” (THOMPSON, 2000, p.196). Por isto,
freqüentemente é transformado no processo mesmo de sua atualização.
Justamente por esta razão não podemos deduzir da noção de habitus a de
apparatchik, discutido no item (1.1.2). Se a última condena-se apenas a registrar a produção de
regularidades da vida social, transformando os(as) agentes numa máquina coerentemente
estruturada, em seu simples reflexo, o habitus joga luz na forma, nem sempre harmônica, como é
feita a mediação entre eles(as) e a sociedade em que vivem. Que o(a) rodeiam. Na sua condição
estruturada, porém, também, estruturante. De corpos socializados que incorporaram “as estruturas
do mundo e que estrutura tanto a percepção quanto a ação” (RABELO, 1999, p.210). De
praktognosia, portanto. O habitus constitui, assim, o próprio espaço social, com todas as suas
contradições, “feito em corpo”. Na definição do próprio Bourdieu:
175
Por esta razão, ele difere da idéia de hábito, como já destacamos na nota 74.
um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predisposta a
funcionarem como estrutura estruturantes, ou seja, como princípios que
geram e estruturam as práticas e as representações que podem ser
objetivamente regulamentadas e reguladas sem serem o produto de
obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se
tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das
operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente
orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro
(1972, p.175, tradução nossa).
Não são, portanto, segundo ele, os(as) agentes sociais os(as) maestros(inas) de
suas próprias ações, como querem os(as) subjetivistas mais ortodoxos(as). Pelo contrário, para
continuarmos com sua metáfora, estão mais para uma orquestra. Uma orquestra regida por um
maestro invisível. O próprio habitus. Essa mediação entre eles(as) e o mundo. Adquirida, como
observamos, ao longo de suas trajetórias sociais. De suas socializações primárias
176
e
secundárias
177
. Sendo que tanto mais peso terá as segundas quanto mais os espaços sociais pelos
quais circulam nessa fase guardam as características de um campo social. Afinal, este é
caracterizado justamente por delimitar a ação de seus(as) agentes.
Desta forma, podemos dizer que se, de fato, o universo de produção da
publicidade obedece à lógica dos campos sociais, seus(as) profissionais, por conseguinte, devem
possuir um habitus profissional específico. Um modus operanti coerente à sua trajetória
profissional. Com isso, suas tomadas de posição devem ser compreendidas como o resultado de
sua incorporação das regras explícitas e implícitas, visíveis e invisíveis, próprias à sua atividade
profissional. Conseqüentemente, menos como o produto direto de uma gica determinada
176
De acordo com Berger e Luckmann, “a socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo
experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade” (1990, p.1975).
177
De acordo com Berger e Luckmann, “a socialização secundária é a interiorização de ‘submundos’ institucionais
ou baseados em instituições [...] é a aquisição do conhecimento de funções específicas, funções direta ou
indiretamente com raízes na divisão do trabalho.” (1990, p.184-185).
exclusivamente pelos interesses do capital do que a partir das exigências específicas dessa
atividade mesma. A mensagem publicitária, suas soluções estilísticas, deve, assim, ser subsumida
não apenas das requisições de seus(as) consumidores(as) e clientes, mas, também, a partir da
história específica do seu universo de produção. Da história dos(as) seus(as) agentes nela. Do
encontro entre essas duas histórias, melhor dizendo.
Encontro este que ao tecer, ao vincular ontologicamente, essas duas histórias
pode nos apontar, por exemplo, para as possibilidades expressivas “oferecidas” aos(as)
criadores(as) de um texto ou imagem publicitária no momento de sua elaboração. De sua
concretização. Pode nos apontar, também, para os objetivos específicos que os(as) motivaram a
produzi-los da forma como foram produzidos. Muito possivelmente, objetivos referentes ao
desejo deles(as) de subversão ou conservação da lógica que rege esse seu jogo profissional.
Jogo este que, de alguma forma, devem desejar. Achar que vale a pena ser
jogado. Caso contrário, muito provavelmente, não o jogariam. Afinal, existem muitas outras
atividades remuneradas. O fato de a publicitária também sê-la
178
não constitui ao menos, à
primeira vista um argumento forte o suficiente para explicarmos adequadamente o enorme
engajamento de seus(as) agentes. Tamanha adesão por parte deles(as) a esse jogo social
particular. Tamanho investimento libidinal que conferem a ele. Certamente, deve haver outras
gratificações para que o joguem com tamanho entusiasmo.
Prova disso é que, embora existam outros jogos sociais com mecanismos de
ascensão mais frágeis do que o publicitário e tão bem ou melhores remunerados do que ele,
podemos observar que seus(as) agentes dominados(as) não migram para esses outros jogos. Pelo
contrário, parecem completamente engajados nele. Certamente, na busca pelo reconhecimento de
Afinal, como já observamos (1.3.1), não há jogo social sem a crença por parte
de seus(as) jogadores(as) de que ele vale a pena ser jogado. Por esta razão, de acordo com
Bourdieu, a illusioessa crença coletiva no jogo e no valor sagrado de suas apostas, “essa ilusão
de realidade coletivamente partilhada e aprovada” (BOURDIEU, 2002, p.366), que constitui
nosso objeto de análise nesta parte final deste item – é condição de funcionamento de todo campo
social (BOURDIEU, 2002, p. 260). Crença essa que, segundo ele, é também o produto de seu
funcionamento, uma vez que é estabelecida e sustentada, em larga medida, pela circulação dos
incontáveis auto de créditos que são trocados entre todos(as) os(as) seus(as) agentes(as). De um
trabalho coletivo realizado dentro do próprio campo, portanto (BOURDIEU, 2002, p. 260). Como
bem observa, entre os(as) artistas, por exemplo,
com as exposições de grupo ou os prefácios pelos quais os autores consagrados
consagram os mais jovens que os consagram em troca como mestres ou chefes
de escola, entre os artistas e os mecenas ou os colecionadores, os artistas e os
críticos, e, em particular, os críticos de vanguarda que se consagram obtendo a
consagração dos artistas que defendem ou operando redescobertas ou
reavaliações de artistas menores nos quais empenham e põem à prova seu poder
de consagração, e assim por diante (BOURDIEU, 2002, p.260)
Da mesma forma que o artístico, todo campo social possui um complexo
sistema de relações e consagrações que levam seus(as) agentes a crer que seus objetos de disputa
são dignos de interesse. Merecem ser disputados. A querer ser os(as) melhores. Brilhar e triunfar
nele. De acordo com Bourdieu, o paradoxo dos campos sociais reside justamente em produzir, ao
mesmo tempo, essas pulsões de triunfo e, também, o controle delas (BOURDIEU, 1997, p.32).
Afinal, como nos esclarece, elas podem ser realizadas segundo as normas do próprio campo.
Por exemplo, se desejamos triunfar no campo da matemática, é preciso triunfar matematicamente,
por meio da demonstração ou refutação de um teorema. Evidentemente, como nos recorda, “há
sempre a possibilidade de que o soldado romano corte a cabeça de um matemático, mas isso é um
‘erro de categoria’” (BOURDIEU, 1997, p. 32). Como diria Pascal, consistiria em usar numa
ordem um poder que pertence a outra ordem (BOURDIEU, 1997, p. 32). Fenômeno semelhante
pode ser observado nas situações nas quais aqueles(as) que, não podendo chegar à consagração
segundo as normas específicas de seu campo, buscam consagrações temporais, com função
compensatória. Um exemplo disso são os(as) inúmeros(as) intelectuais que não conseguem o
reconhecimento nos seus respectivos campos e “passam o tempo a escrever nos jornais ou a se
exibir na televisão”
180
(BOURDIEU, 1997, p. 32).
Assim, se a noção de habitus nos sugere que os(as) publicitários(as) produzem
e reproduzem as regras implícitas ao jogo publicitário nas suas tomadas de decisão, a noção de
illusio pode nos proporcionar algumas explicações complementares a ela. Ajudar-nos, por
exemplo, a explicar por que jogam seu jogo profissional. Por que continuam nele. Por que, muitas
vezes, o levam tão a rio. Seguem “nele” mesmo “fora dele”. Freqüentemente, circulando por
outros universos a caráter. Ostentando arrogantemente certa alura de gênio(a) criativo(a). Ar de
descolado(a). Afinal, essa noção nos oferece uma nova possibilidade interpretativa: a de que
existe uma inclinação afetiva dos(as) publicitários para o seu universo profissional. De que esse
espaço é capaz de produzir neles(as) um desejo de pertencimento. Essa possibilidade
interpretativa diferencia-se, assim, de qualquer análise economicista, em que os(as)
publicitários(as) estariam ligados(as) ao universo profissional por fatores externos. Econômicos,
mais precisamente. Pelo contrário, a noção illusio pressupõe um envolvimento dos(as) agentes do
campo com suas consagrações e troféus específicos. Na pena de Bourdieu:
180
Sobre esses(as) intelectuais, chamados(as) por ele de “fast-thinkers”, indicamos a leitura de “Sobre a televisão”
(BOURDIEU,1997).
a illusio é o oposto da ataraxia, é estar envolvido, é investir nos alvos que
existem em certo jogo, por efeito da concorrência, e que apenas existem para as
pessoas que, presas ao jogo, e tendo as disposições para reconhecer os alvos que
estão em jogo, estão prontas a morrer pelos alvos que, inversamente, parecem
desprovidos de interesse do ponto de vista daquele que não está preso a este
jogo, e o que o deixa indiferente (1994, p.152, tradução nossa).
Assim, ao desenvolver a noção de illusio, Bourdieu oferece-nos uma
explicação para muitas das ações humanas. Esclarece-nos que os espaços sociais pelos quais
os(as) agentes sociais circulam moldam suas libidos. Mais ainda, e reside sua originalidade,
sugere-nos que, quanto mais autônomos forem esses espaços, mais eles terão condições de
moldá-las. Desviá-las para seus alvos específicos. Estimular suas imaginações com as suas
fantasias características. Por outras palavras, mais serão capazes de justificar a eles(as) o sentido
de suas práticas e atividades, que “por si mesmas” são despossuídas de sentido e valor.
Afinal, para a perspectiva materialista da qual compartilha, o mundo
simplesmente é. As coisas simplesmente são. O real é matéria bruta insignificante. “Natureza sem
acréscimo”, nas palavras de Engels (1977, p.68, tradução nossa). Sendo assim, para sua
perspectiva, nada vale. Tudo se equivale. Ao menos, no plano das “coisas mesmas”. Das “coisas
em si”. Melhor dizendo, se valem, se significam, valem e significam para alguém. Para um(a)
agente que atribui valor. Sentido. Que deseja, em suma. Não alguma coisa aleatória.
Indeterminada. Mas socialmente construída.
A illusio é, segundo ele, justamente o que converte a pulsão inicialmente
indiferenciada dos(as) agentes sociais em específica. Libido biológica em libido social. “Cada um
de nós tem simplesmente uma ilusão de mundo, ilusão poética, sentimental, alegre, melancólica,
suja ou lúgubre segundo sua natureza”, diria Guy de Maupassant (apud BOURDIEU, 2002, p.
365). Na pena de Oliveira, a illusio é justamente o que permite a “passagem de um investimento
autista em outros socialmente sancionados” (2005, p.536). É, portanto, a maneira pelos quais os
universos sociais por onde circulam refazem suas fantasias primeiras de autocentramento.
Desmontam a fantasia originária em que são os centros de tudo (OLIVEIRA, 2005, p.535)
fazendo com que se identifiquem com algo fora deles(as) mesmo(as). Elaborando fontes de
prazer num mundo que não passa de “átomos e vazio”, como diria Epicuro
181
. Nada além disso,
completaria qualquer materialista contemporâneo(a).
Nesse sentido, se os mecanismos de consagração publicitária forem realmente
eficientes, podem conseguir realizar um verdadeiro “milagre”: “fazer crer aos indivíduos
consagrados que eles possuem uma justificação para existir, ou melhor, que sua existência vale
para alguma coisa” (BOURDIEU, 1996, p.106). Podem conseguir, portanto, completá-los. Ao
menos, diminuir suas incompletudes. Fissuras. Fazer crerem na existência de uma platéia que
aplaude suas vitórias. Acolhe suas solidões. Quanto à(aos) esquecidos(as), estes(as) – se os
mecanismos de consagração publicitárias forem, de fato, eficientes serão pretendentes a
consagrados(as). Suas vidas não serão para eles(as), portanto, vazias de sentido. Pelo contrário,
orientar-se-ão pela possibilidade de um dia vir a serem reconhecidos(as) nesse universo
profissional. Por esta razão, podemos dizer com Oliveira que
proclamados como dignos de tal honraria e autorizados a receber os lauréis da
glória estarão aqueles que melhor vivenciarem esse jogo como algo rio,
efetivo, aqueles que fantasiarem e experimentarem sua illusio em um grau de
adesão e investimento libidinal o mais alto possível (2005, p.540)
Sendo assim, é cabível afirmarmos que, quanto mais um(a) publicitário(a)
possuir sua illusio profissional, mais ele(a) sentirá que sua existência profissional vale ser vivida.
Que nela há batalhas que valem a pena ser batalhadas. Mais ele(a) terá a certeza, portanto, de que
vale permanecer na sua profissão. Seguir insistindo nela. Investindo nela. Dando sua vida por ela.
181
Sobre o assunto, indicamos a leitura de “Lettre à Ménécée” (1999).
A illusio publicitária deve propiciar, assim, a cada um(a) dos(as) agentes da publicidade uma
adesão exaltada à imagem do universo publicitário como imagem encantada de si (BOURDIEU,
2005a, p. 43). Em que medida isso, de fato, ocorre foi uma das coisas que buscamos verificar
nesta dissertação. Os procedimentos que utilizamos para tanto constituem o objeto da parte
seguinte (2).
CAPÍTULO 2
A CONSTITUIÇÃO E O EXAME DO CORPUS: PROCEDIMENTOS E
SUAS JUSTIFICATIVAS
A escolha do método não deve ser rígida, mas rigorosa.
(PIERRE BOURDIEU)
Até agora nos limitamos a apresentar o nosso objeto e suanese teórico-
conceitual. Num primeiro momento, apresentamos e criticamos a forma como a literatura
científica nacional vem sistematicamente abordando o universo que nos propomos a pesquisar.
impõe a todo(a) pesquisador(a) que, como nós, compartilha da idéia de que a ciência não deve
objetivar verdades absolutas. Mas sim, a apresentação pública de argumento e
de sua discussão subseqüente
182
. Dito isto, vamos ao plano desta segunda etapa da dissertação
(2).
Na sua parte primeira (2.1), discutiremos a análise de discurso como
procedimento metodológico. Apresentaremos e justificaremos as razões que nos persuadiram
dessa escolha. Bem como indicaremos a concepção de análise de discurso adotada por nós.
Esclareceremos, assim, o que analisar um discurso quer dizer para a perspectiva sociológica
de Bourdieu, nossa base teórica. Na sua parte segunda (2.2), apresentaremos e justificaremos
os procedimentos que adotamos para escolher, coletar, depurar, examinar e ressignificar os
discursos constitutivos e constituintes do nosso corpus de trabalho. Feitos estes
esclarecimentos, vamos à primeira discussão proposta (2.1).
2.1 A ANÁLISE DE DISCURSOS (IDENTITÁRIOS) COMO PROCEDIMENTO
METODOLÓGICO
Nenhum método é neutro. Todo(a) pesquisador(a) deve esforçar-se, ao
máximo, em dar coerência à forma como estabelece e trabalha o seu material empírico com
seu referencial teórico. Assumindo esta perspectiva, praticamente consensual no campo
científico, nesta parte (2.1), objetivamos, num primeiro momento (2.1.1), esclarecer questões
como: por que investigar nosso problema de pesquisa por meio da análise de discursos? Não
existiriam outros caminhos metodológicos mais interessantes? Adequados? Seguros? Férteis?
Para, num segundo momento (2.1.2), esclarecermos a concepção de análise de discurso
assumida por nós. Sua singularidade, especificidades e pressupostos. Principiemos por
justificar nossa opção pela análise de discursos.
182
Sobre essa perspectiva de ciência, sugerimos a leitura de THOMPSON, 2000, p.410-417. Sugerimos também
a leitura de SPINK & LIMA, 1999, p.93-123.
2.1.1 O PROBLEMA E AS POSSIBILIDADES DE INVESTIGÁ-LO: NOSSA OPÇÃO
PELA ANÁLISE DE DISCURSOS (IDENTITÁRIOS) E SUAS JUSTIFICATIVAS
TEÓRICAS E SOCIAIS
Seguramente, não um caminho único para se investigar nosso problema
de pesquisa. Pelo contrário, dada sua enorme complexidade e abrangência, estamos
convencidos de que existe uma infinidade de possibilidades investigativas. Guardadas suas
singularidades, os próprios trabalhos de Bourdieu nos sugerem algumas delas. Podemos
investigá-lo, por exemplo, por meio da análise das relações entre as agências e os(as)
profissionais da publicidade e seus clientes. Podemos, com isso, verificar o grau de autonomia
desse universo profissional em relação ao econômico. Ou ainda, podemos investigá-lo
analisando a história social da evolução das relações entre as agências brasileiras. Afinal, se o
que conta num campo social são os pesos relativos, é, certamente, no plano da história do
conjunto estrutural desse universo que aparecem as informações mais relevantes sobre ele.
Uma outra possibilidade analítica seria verificarmos se os anúncios publicitários produzidos
hoje em nosso país apresentam traços que os relacionam objetivamente (consciente ou
inconscientemente) a outros anúncios produzidos aqui, passados ou contemporâneos. Essa
análise poderia nos apontar se seus(as) produtores(as) compactuam com a preservação do que
foi e do que é produzido hoje no universo que investigamos. Se a sua história, todo o seu
passado, está presente nas novas produções. Entretanto, embora bastante adequados, esses três
caminhos não foram seguidos por nós. Afinal, apresentam, a nosso ver, obstáculos sociais e
metodológicos que decidimos evitar.
Diante disso, como já esclarecemos na apresentação deste trabalho, optamos
por delimitar nosso escopo investigativo ao discurso identitário de estudantes e profissionais
da publicidade. Por verificar se esses discursos apresentam indicativos que podem nos sugerir
ou não a pertinência da noção de campo publicitário como instrumento científico para análise
da prática publicitária realizada hoje em nosso país. Para tanto, optamos pela análise de
discursos. Cabe-nos, agora, então, justificarmos por que optamos por delimitá-lo à questão da
identidade e por que investigá-la a partir do discurso de seus(as) agentes. Cabe-nos, portanto,
apresentar as razões sociais e metodológicas que nos persuadiram a tomar essa decisão.
Comecemos pelas primeiras.
A primeira justificativa para nossa opção pela análise de discursos encontra-se certamente
na aplicabilidade desse procedimento. A opção por um dos três caminhos apontados linhas
acima poderia, a nosso ver, ser tarefa demasiadamente ampla para os estreitos limites de
uma dissertação de mestrado. Não caber nas suas habituais fronteiras. A complexidade e o
número de informações exigidas para desenvolvê-los com o rigor necessário demandaria
uma vinculação a um trabalho maior. Exigiria o engajamento de outros(as) e mais
experientes pesquisadores(as). Diante disso, a análise de discursos nos pareceu ser o
procedimento mais adequado para a elaboração deste trabalho. Além do mais, trata-se aqui,
obviamente, de chegarmos menos a conclusões do que de apontar possibilidades teórico-
analíticas. Apontamentos estes que a análise de discursos pode fazer com relativa
tranqüilidade.
Pensamos, também, que o fato deste trabalho ser desenvolvido num programa de pós-
graduação em psicologia social mais especificamente, no NEPIM
183
nos convida a
refletir sobre a questão da identidade. Sobretudo, a partir do ponto de vista dos(as) agentes
como é o caso das duas outras possibilidades analíticas mencionadas, correríamos o risco
de fazermos deste trabalho algo estranho ao seu próprio universo de produção
184
.
Metodologicamente, o caminho adotado parece ser coerente com a proposta sociológica de
Bourdieu, uma vez que, embora ele não privilegie a noção de identidade nas suas
investigações, ela está, a nosso ver, implícita em praticamente m embor
estabelecimentos escolares, aproximam pessoas que tudo separa” (BOURDIEU, 1999,
p.11). Nas últimas páginas deste livro, inclusive, nos oferece uma belíssima análise de
como se conduzir e analisar entrevistas num contexto científico
185
. Já em “A economia das
trocas lingüísticas” (1998), dedica dezenas de páginas a uma longa discussão em torno das
ciências do discurso. Em especial, em torno da análise de discursos
186
. Suas reflexões sobre
ela, o que compreende por discurso e por analisá-lo, é justamente o que discutiremos a
seguir.
2.1.2 ASSUMINDO A PERSPECTIVA DE BOURDIEU: O QUE ANALISAR UM
DISCURSO (IDENTITÁRIO) QUER DIZER?
Indagação abstrusa. Prenhe de polêmica. Discutida e analisada por diversos(as) autores(as).
Boa parte deles(as), filiados(as) à corrente semiológica. Contra ela, o olhar corrosivo e
desmistificador de Bourdieu. De seu ponto de vista, “não existe ciência do discurso
considerado em si mesmo e por si mesmo” (BOURDIEU, 1998, p.129). Sem sombra de
dúvida, apenas retirando todas as conseqüências dessa sua afirmação, será possível
apresentarmos adequadamente a resposta que nos oferece à questão proposta no título.
Sendo assim, compete-nos, neste momento, responder a duas questões capitais. A saber,
quais os pressupostos envolvidos nessa sua afirmação? Quais as implicações que devemos
retirar dela? Por outras palavras, o que exatamente queria dizer com ela?
A nosso ver, fundamentalmente que uma análise mais crítica e completa do
discurso não deve se limitar a compreendê-lo a partir de suas propriedades formais apenas.
Neste sentido, para ele, a posição quase que jornalística da sociologia “espontânea” de alguns
185
Um resumo dessa análise pode ser encontrado em BONI & QUARESMA, 2005, p.68-80.
pós-modernistas – que se limitam a descrever o que é dito – não passa de uma óbvia
ingenuidade subjetivista. Um equívoco metodológico. Pseudociência. Afinal, como diria, o
sentido último de um discurso pode ser apreendido como objetivamente estruturado
(BOURDIEU, 1998, p.129). Ou seja, deve ser referido às condições sociais que o
estabeleceram. Mais exatamente, ao contexto específico de sua produção, circulação e
recepção. Descartando, assim, toda explicação marxista de tipo mais mecanicista, que
apreende o discurso como diretamente determinado pela infra-estrutura.
Isso significa que compreendemos, verdadeiramente, o que diz ou faz um
agente engajado num campo (um economista, um escritor, um artista etc.) se
estamos em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse
campo, se sabemos “de onde ele fala” como se dizia de modo um tanto vago
por volta de 1968 (BOURDIEU, 2004, p.23-24).
Por outras palavras, suas possibilidades discursivas nesse campo dependem diretamente do
volume que possui de seu capital específico. De seu reconhecimento e visibilidade nele. Sua
“repulsão” ou a “atração” por determinado discurso será, assim, motivada por ela. É ela quem
o tornará “simpático” ou “antipático” a certos conteúdos (BOURDIEU, 2005a, p. 31).
Por conseguinte, podemos dizer que, para traçarmos um mapa sociológico –
ou, se o(a) leitor(a) preferir, psicossocial capaz de indicar se determinado universo obedece
à lógica concorrencial presente a qualquer campo social, é preciso relacionarmos o discurso
de seus(as) agentes com a posição que ocupam na sua estrutura, bem como confrontá-los com
o de seus pares-concorrentes. Só assim conseguiremos perceber seu grau de estruturação pela
via do discurso. Em caso de sua estrutura se assemelhar a de um campo, que suas posições
não são definidas em si mesmas, mas em função de sua oposta. Que as tomadas de decisão
que ocorrem no seu interior não são o produto de uma racionalidade transcendental.
Desinteressada. Espontânea. Mas sim reflexivas.
186
Sobre essa discussão específica, indicamos a leitura da parte III desse livro (p.125-189).
Caso contrário, se nos limitarmos a analisar os discursos “neles mesmos”,
dificilmente chegaremos a esse tipo de constatação. Afinal, eles dificilmente nos indicarão as
condições sociais de sua produção. É bastante improvável que ele explicite sua possível
natureza reflexiva. Pelo contrário, suas sentenças provavelmente a apagarão. Latour, em sua
clássica obra “Ciência em Ação” (2000), denomina de “modalidade positiva” justamente
essas sentenças que “não contêm nenhum vestígio de autoria, interpretação e espaço” (2000,
p.42). Por isso, segundo ele, o que elas expressam poderia muito bem “ser conhecido
séculos ou ser baixado por Deus juntamente com os Dez Mandamentos” (2000, p.42). Com
isso, de acordo com ele, como as condições objetivas de possibilidade de formulação do
discurso são, nesse tipo de sentença, ocultadas, seu universo de produção acaba se encerrando
numa “caixa-preta
187
”.
Desta forma, essas sentenças podem converter o discurso que as enunciam
num fetiche. Isto é, ao apagarem sua historicidade, podem fazer com que ele apareça como
algo absolutamente original. Fascinante. Mágico, até. Que encanta e produz desejo. Nesse
caso, evidentemente, o discurso pode se tornar, como diria Bourdieu, “não um instrumento
de comunicação e conhecimento, mas de poder” (2003, p. 148). De violência simbólica
188
,
mais exatamente. Afinal, ao não indicar “de onde se fala”, a “modalidade positiva” pode
converter qualquer discurso, inclusive o identitário, em algo atemporal. Reivindicar para ele o
status de fato inquestionável. De verdade absoluta. Cristalizando, assim, seu sentido mais
aparente. Conseqüentemente, ocultando o conflito que o produziu. Reificando-o, com isso. E,
como sabemos, a reificação, sob a forma de naturalização e de eternalização, pode ser, num
187
“A expressão ‘caixa-preta’ é usada em cibernética sempre que uma máquina ou conjunto de comandos se
revela complexo demais. Em seu lugar, é desenhada uma caixinha preta, a respeito da qual não é preciso saber
nada, senão o que dela entra e o que dela sai” (LATOUR, 2000, p.14).
188
Sobre a noção de violência simbólica, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 1989, p.7-17.
espaço assimétrico de poder, como os campos sociais, instrumentos poderosos para a
manutenção da dominação de um grupo social sobre outro
189
.
A função de um(a) cientista do discurso seria, então, de acordo com
Bourdieu, a de desnaturalizar e contextualizar essas sentenças. Esses discursos. Justamente,
para denunciá-los como mecanismos de dominação. De opressão. De legitimação de uma
desigualdade social. Para tanto, é preciso, como dissemos, jogar luz nas condições
históricas e sociais de sua produção. Isto é, compreender que ele não é o resultado de uma
espontaneidade. Tampouco, certamente, de um cálculo consciente. Mas, sobretudo, de um
saber prático incorporado das pressões sociais que autorizam como e quando ele pode ou
não ser enunciado exercidas por um determinado espaço social sobre seus(as) agentes.
Compreender que ele é o produto de seus interesses específicos. Entre eles, o de ser
conhecidos(as) e reconhecidos(as) dentro desse espaço.
Desta forma, podemos dizer que analisar um discurso identitário para a perspectiva
praxiológica de Bourdieu quer dizer, fundamentalmente, compreendê-lo como uma
“formação de compromisso”. Um “sintoma”, como diria Freud
190
. De uma classe ou, como
buscamos verificar no nosso trabalho, de um campo social. O produto de um acordo cito
entre o interesse expressivo de seu(a) agente e da censura exercida sobre ele(a) pela própria
estrutura do universo onde o enuncia e para o qual dirige. Por esta razão, sustentamos que
duas questões são capitais na sua análise, a saber: 1) os interesses de seu(a) agente,
motivados pela posição ocupada por ele(a) na estrutura social do universo onde e para o
189
Sobre esses modos de operação do discurso ideológico, indicamos a leitura de THOMPSON, 2000, p.44-90.
190
“Em Freud, o sintoma é o retorno do recalcado. É uma formação de compromisso, fruto de uma negociação
quase impossível dos impasses entre volúpias e as interdições que se impõem ao sujeito” (BIRMAN apud
SANTAELLA, 2004, p.141) Nas palavras do próprio Freud: “[...] o impulso desejoso continua a existir no
inconsciente à espreita de oportunidade para se revelar, concebe a formação de um substituto do reprimido,
disfarçado e irreconhecível, para lançar à consciência, substituto ao qual logo se liga a mesma sensação de
desprazer que se julgava evitada pela repressão. Esta substituição da idéia reprimida o sintoma é protegida
contra as forças defensivas do ego e em lugar do breve conflito, começa então um sofrimento interminável”
(1978, p.15, Segunda Lição). Ou seja, o sintoma pode ser compreendido como aquilo que vem no lugar do que
não vem.
qual o manifesta e 2) as pressões corretivas exercidas por esse mesmo universo sobre ele(a)
(agente). Ou seja, devemos interpretá-lo (discurso) à luz da avaliação prática das chances
de lucro econômico, político e, sobretudo, social que ele pode oferecer ao seu(a) agente no
seu universo de produção, circulação e recepção. Foram justamente as questões que
buscamos analisar nos discursos coletados por nós, como veremos na parte seguinte (2.2).
2.2 AS ETAPAS DA ANÁLISE DE DISCURSOS (IDENTITÁRIOS)
Acabamos de apresentar as razões que nos persuadiram a escolher a análise de discursos
(identitários) como forma de investigação do nosso problema de pesquisa. Agora, nesta
segunda parte (2.2), esclareceremos a condução dessa nossa análise. Apresentaremos e
justificaremos cada uma de suas seis etapas: (2.1) a constituição do corpus: quem são
os(as) entrevistados(as). Nossa opção por analisar o discurso de estudantes, profissionais
dominados(as) subversivos(as), profissionais dominados(as) integrados(as) e profissionais
dominantes; (2.2) sua seleção: por quem e por quais razões foram eleitos(as). Nossa opção
por um critério endógeno ao universo publicitário para essa eleição. O uso que fizemos de
informantes privilegiados para chegarmos aos(as) agentes emblemáticos(as); (2.3) seu
tamanho: qual o critério utilizado por nós para definirmos o tamanho de cada grupo de
entrevistados(as). Nossas razões sociais e metodológicas para dividi-los desigualmente;
(2.4) sua coleta: por que escolhemos entrevistas semi-estruturadas em profundidade para
obtenção do material discursivo. Nossa opção por depoimentos e não por histórias de vida
para conhecermos a identidade profissional de nossos(as) entrevistados; (2.5) sua
codificação: como depuramos, num primeiro momento, as transcrições de seus estados
brutos. Nossa opção por destacar aspectos morais e identitários de nossos(as)
entrevistados(as) nelas identificados e, finalmente, (2.6) sua análise: como realizamos o
processo final de ressignificação das entrevistas. Nossa opção por confrontar a codificação
feita com as anotações que realizamos durante as entrevistas e, sobretudo, com a posição
ocupada pelos(as) entrevistados(as) no universo publicitário nacional. O quadro a seguir
(quadro 2) sintetiza os procedimentos adotados.
Quadro 2. Procedimentos e suas justificativas
PROCEDIMENTOS
JUSTIFICATIVAS
Tipo de investigação
Análise de discursos
Coerência metodológica com a base teórica
utilizada e com o campo de produção desta
pesquisa
Corpus
Manifestações discursivas de estudantes e profissionais da
publicidade
Coerência com os objetivos propostos
Divisão do corpus
1) Polifonia de discursos exógenos ao
universo profissional publicitário:
i. pretendentes (estudantes);
2) Polifonia de discursos endógenos ao
universo profissional publicitário:
i. dominantes;
ii. dominados(as) integrados(as);
iii. dominados(as) subversivos
Engloba as diferentes posições da estrutura
social do universo publicitário
Seleção do corpus
Indicado por informantes privilegiados(as)
Privilegia a adoção de um critério simbólico
em detrimento de um econômico para a
configuração da estrutura social do universo
publicitário nacional
Tamanho do corpus
Total: 24 entrevistados(as)
i.10 pretendentes;
ii. 5 dominados(as) subversivos(as);
iii. 5 dominados(as) integrados(as);
iv. 4 dominantes
Suficiente para a emergência de temas e
perspectivas comuns a cada grupo de
entrevistados(as) e dentro do limite de
entrevistas definido por Gaskell
Coleta do corpus
Entrevistas individuais semi-estruturadas
Permite maior sinceridade por parte de cada
entrevistado(a) e é facilmente exeqüível
Codificação da coleta
1) Transcrições;
2) Depuração das transcrições
i. separação das entrevistas nos quatro grupos de
entrevistados(as);
ii. identificação e destacamento das reflexões identitárias e
morais acerca da prática publicitária feita por cada grupo
iii. junção às anotações realizadas acerca da postura dos(as)
integrantes de cada grupo ao longo das entrevistas
iv. identificação das singularidades e diferenças dessas
reflexões e posturas
Facilita a análise
Análise da coleta
Interpretação das singularidades e diferenças das posturas e
reflexões feitas por cada grupo de entrevistados(as) à luz da
posição que ocupam no espaço nacional de produção da
publicidade
Coerência com a base teórica utilizada e com
os objetivos propostos
2.2.1 O CORPUS E SUA JUSTIFICATIVA
Como já vimos (1.3.1), um campo social é sempre um espaço de lutas
concorrenciais onde, fundamentalmente, o que estão em jogo são os monopólios da sua
autoridade (capacidade técnica e poder social) e da sua competência específica (capacidade de
agir e falar legitimamente nele e sobre ele). Desta forma, podemos dizer que ocorre no interior
de todo campo social uma disputa entre seus(as) agentes para impor como mais legítimos
aqueles discursos (éticos e identitários) mais de acordo com seus interesses específicos.
Aqueles(as) que lhes abonarão com um maior lucro, inclusive simbólico.
Nesta disputa discursiva, os(as) dominantes tenderão à defesa da ortodoxia,
uma vez que a manutenção da estrutura do campo lhes interessa. Conferem-lhes prestígio e
poder. Os(as) dominados(as), por sua vez, poderão seguir duas orientações antagônicas: em
direção às “posições seguras das estratégias de sucessão” (BOURDIEU, 2003, p.129) –
assumindo, assim, da mesma forma que os(as) dominantes, a defesa da ortodoxia. Ou,
inversamente, em direção aos investimentos mais custosos e arriscados, que são as estratégias
de subversão (BOURDIEU, 2003, p.129). Assumindo, então, a defesa da heterodoxia
191
.
os(as) pretendentes embora devam compartilhar, da mesma forma que dominantes e
dominados(as), do valor do campo a que pretendem ingressar (caso contrário, não seriam
pretendentes!) deverão possuir um discurso mais difuso acerca dele. Afinal, seus
referenciais sobre ele serão de outras instâncias de socialização, uma vez que ainda não
circulam ou circularam pelas suas instâncias de socialização específicas.
Sendo assim, nossa hipótese é que se, de fato, o universo publicitário
nacional apresenta as propriedades de um campo social, então seus(as) agentes deverão, não
apenas reconhecer a obviedade de seu valor, de seus troféus específicos, mas, sobretudo,
191
Segundo Bourdieu, a adoção desta ou daquela estratégia por parte desses(as) agentes depende “de variáveis
secundárias, como a trajetória social que comanda a avaliação das oportunidades” (BOURDIEU, 2003, p.129).
manifestar discursos e estratégias coerentes com as posições que nele ocupam. Indicando-nos
não apenas certa consciência de que suas tomadas de decisão estão submetidas a processos de
valorização, mas, sobretudo, de que elas obedecem a uma lógica concorrencial e, portanto,
reflexiva. Caso contrário, se todos(as) assumirem um mesmo discurso, teremos indicativos
importantes de que esse universo constitui um espaço monolítico. Sem disputas significativas
em torno de seu controle e de suas principais posições de poder. Um aparelho, por exemplo.
Se, por outro lado, manifestarem discursos muito diversos sobre ele, teremos, então, um
indicativo importante da fragilidade de suas instâncias de socialização. De que esse espaço
ainda não é relativamente estruturado. Para verificarmos essa hipotética coerência entre seus
discursos e posições de seus(as) agentes, optamos por confrontá-los. Assim, nosso corpus de
pesquisa foi dividido da seguinte forma:
1) Polifonia de discursos exógenos ao universo profissional publicitário.
Para sua constituição, escolhemos emblemáticos(as) estudantes do curso de publicidade.
Todos(as) do primeiro semestre e sem nenhuma experiência profissional na área de
publicidade. Com este grupo, buscamos analisar o discurso dos pretendentes a esse universo
profissional.
2) Polifonia de discursos endógenos ao universo profissional publicitário.
Para sua constituição, escolhemos três tipos emblemáticos, todos(as) representantes de
diferentes agências, de profissionais da publicidade
192
: a. dos(as) dominados(as)
subversivos(as); b. dos(as) dominados(as) integrados(as); c. dos(as) dominantes. Com este
192
De acordo com Kotler e Armstrong, existem quatro tipos de profissionais da publicidade discriminados em
quatro departamentos: criação, que desenvolve e produz os anúncios; mídia, que seleciona a mídia e coloca os
anúncios; pesquisa, que estuda as características e desejos do público; e negócios, que controla as atividades de
negócio da agência (1999, p.341). O nosso corpus de trabalho contemplou esses quatro grupos de profissionais.
grupo e sua divisão em 3 sub-grupos, buscamos analisar os discursos dos(as) diferentes
agentes desse universo profissional.
Apresentado os grupos constituintes de nosso corpus de pesquisa, é preciso
observamos que todos os(as) entrevistados(as) estudam ou trabalham na cidade de São Paulo.
Embora, como observa Constantino, ela constitua “a grande metrópole da publicidade no
Brasil”
193
(2004, p. 104), tomar apenas o discurso desses(as) agentes locais como
representantes do universo publicitário nacional pode constituir uma generalização abusiva de
nossa parte. Sem dúvida, apenas com novas pesquisas em outras regiões do país, poderemos
conhecer melhor as singularidades do fazer publicitário em cada uma delas
194
. Como é
trabalhar com essa atividade fora de um grande cent
2.2. 2 A SELEÇÃO DO CORPUS E SUA JUSTIFICATIVA
Para apresentarmos o critério de seleção do nosso corpus é fundamental, em primeiro lugar,
ressaltar que, diferentemente do corpus probabilístico (amostra), que tem pretensão de ser
aplicado na maioria dos casos, não existe um método único para seleção dos(as)
entrevistados(as) para uma investigação qualitativa como a nossa (GASKELL, 2004, p.70).
Pelo contrário, existe uma verdadeira pluralidade de possibilidades. Em segundo lugar, é
preciso ressaltar que tampouco existe um único critério para estabelecer a posição ocupada
por um(a) agente na estrutura do seu campo. Em “Sobre a Televisão” (1997), por exemplo,
Bourdieu sugere que, além do simbólico, o critério econômico pode vir a ser um importante
indicativo da posição ocupada por um(a) jornalista no seu campo profissional. Assim, de
acordo com ele, se objetivamos saber
o que vai dizer ou escrever [um] jornalista, o que ele achará evidente ou
impensável, natural ou indigno dele, é preciso que se conheça a posição que
ele ocupa nesse espaço, isto é, o poder específico que possui seu órgão de
imprensa e que se mede, entre outros indícios, por seu peso econômico, pelas
fatias de mercado (BOURDIEU, 1997, p.58).
De nossa parte, entretanto, pensamos ser um equívoco metodológico a adoção de um critério
econômico para a seleção de nossos(as) entrevistados(as). Afinal, se nosso objetivo é verificar
se a estrutura do universo que investigamos corresponde a de um campo social, é preciso
verificar se ela é definida em função da distribuição de seu capital específico. Se o discurso de
seus(as) agentes corresponde à forma como são reconhecidos por seus pares-concorrentes. À
quantidade de capital específico que possuem, portanto. E não de capital econômico. Diante
disso, definimos as posições ocupadas pelos(as) nossos(as) entrevistados(as) a partir desse
critério simbólico. Todos(as) eles(as) nos foram, então, indicados(as) por informantes
privilegiados.
Sendo assim, para selecionarmos os(as) estudantes entrevistados(as),
pedimos a um professor do curso de publicidade da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM) que nos indicasse dez daqueles(as) que, de acordo com ele, melhor
representassem o(a) aluno(a) padrão desse curso. Os(as) mais emblemáticos(as), portanto.
Pedimos ao mesmo professor, e a mais alguns outros professores e profissionais da
publicidade, que formulassem uma lista com 20 profissionais que consideravam do
mainstream
196
”, outra com 20 que, apesar de não pertencerem a este grupo, consideravam
“padrão” e uma outra com 20 que consideravam “subversivos”. A partir delas, chegamos aos
14 profissionais entrevistados(as)
197
. Dito isto, a questão que fica é: por que exatamente esse
número?
2.2.3 O TAMANHO DO CORPUS E SUA JUSTIFICATIVA
Para justificarmos o tamanho do nosso corpus, é preciso fazer um esclarecimento inicial.
De acordo com Gaskell (2004), a produção de uma pesquisa qualitativa detalhada e crítica
não está necessariamente ligada à realização de um grande número de entrevistas, mas sim
à adequação e coerência desse número com a base teórica utilizada e com os objetivos
196
Terminologia adotada por nós no diálogo com nossos informantes. Sua adoção não foi ao acaso, mas
calculada. Afinal, o sentido que possui no jargão publicitário é bastante similar ao que empregamos quando
utilizamos “dominantes”. Com sua adoção, objetivamos evitar qualquer tipo de ruído no nosso processo
comunicacional. Afinal, o uso do termo dominantes” poderia assumir uma conotação diferente para nossos
informantes que não aquela presumida por nós. Por exemplo, daqueles que reprimem seus pares-concorrentes
graças a sua personalidade autoritária. Mas não necessariamente por ocupar uma posição privilegiada na
estrutura do seu universo profissional.
197
Não houve caso de nomes que apareceram em categorias de listas diferentes. O que nos indica a existência de
determinado reconhecimento compartilhado por professores e profissionais da estrutura social do universo
publicitário. De qualquer forma, caso houvesse essa sobreposição, os nomes sobrepostos seriam
desconsiderados.
propostos. Assim, de acordo com ele, esse número dependerá “da natureza do tópico, do
número dos diferentes ambientes que forem considerados relevantes e, é claro, dos
recursos disponíveis” (2004, p.70). Sendo assim, compete-nos aqui apresentar as razões
metodológicas e sociais que determinaram o tamanho do nosso corpus. Principiemos pelas
metodológicas.
A partir da perspectiva teórica que assumimos, as representações que os(as)
agentes fazem da realidade social não surgem de experiências totalmente únicas e isoladas,
como elas podem lhes parecer. Mas são sempre resultantes dos processos sociais aos quais
foram submetidos(as). De suas trajetórias sociais, portanto. Por conseguinte, a partir dessa
perspectiva, podemos dizer que agentes com socializações análogas possuem, em larga
medida, representações compartilhadas. Assim, de acordo com Gaskell (2004, p. 71), ao
entrevistarmos agentes nessas condições, num primeiro momento, suas narrativas podem até
nos aparentar ser únicas e chocantes, mas, a partir de determinado número, elas tendem a
perder sua singularidade aparente. Sua originalidade.
Com isso, pensamos que a emergência da repetição sistemática de temas e
perspectivas comuns em cada grupo de entrevistados(as) poderia nos servir como indicativo
de que, primeiro, seus(as) agentes possuem, de fato, socializações comuns. Segundo, de que,
dali em diante, não surgiriam novas surpresas ou percepções nas manifestações desses grupos.
Desta forma, estabelecemos o número de entrevistas realizadas a partir das emergências
desses padrões discursivos. Não o fixamos, assim, a priori. Mas durante a realização do
trabalho. Assim,nos indicando que o universo que investigamos possui relativa capacidade
de forjar discursos específicos, para estabelecimento desse padrão foi preciso realizar um
número maior de entrevistas com os(as) estudantes. Já o grupo de profissionais dominantes
foi onde esse padrão surgiu mais rapidamente.
Em relação às razões sociais, seguindo o conselho de Gaskell (2004, p.71),
estabelecemos 25 entrevistas como nosso número limite. Embora muitas de nossas entrevistas
tenham sido relativamente rápidas, bem abaixo do tempo esperado (inicialmente, uma hora,
uma hora e meia), pensamos que um número superior inviabilizaria a realização de nosso
trabalho. Afinal, para transcrevermos e analisarmos de forma adequada mais de 25
entrevistas, sem uma eventual perda de rigor, teríamos de vivê-las e sonhá-las quase que
diariamente
198
. Já o baixo número de entrevistas realizadas com profissionais dominantes
justifica-se, também, pela enorme dificuldade em contatar e agendar uma entrevista com
um(a) profissional dessa classe. Feitos esses esclarecimentos, vamos à nossa opção por relatos
individuais.
2.2.4 A COLETA DO CORPUS E SUA JUSTIFICATIVA
A opção metodológica por entrevistas abertas decorre, em grande medida,
da inadequação de outros procedimentos ao nosso objeto de pesquisa. O questionário
técnica adequada quando se busca quantificar reduz o universo de possibilidades de
manifestação do(a) entrevistado(a). De acordo com King, essa redução é particularmente
nefasta quando os resultados almejados na pesquisa demandam a análise qualitativa e flexível
do relato de experiências pessoais, situações práticas vividas, singulares e irrepetíveis e,
portanto, nada passíveis de quantificação (1995, p.21). A impossibilidade de propor uma
questão ensejada pela própria manifestação do(a) entrevistado(a) faz do questionário
definido a priori procedimento de curto alcance para quem investiga critérios de atribuição
de valor moral e identitário.
198
A transcrição de uma única entrevista pode muito bem passar de dez horas. Basta multiplicarmos por 25 para
chegarmos a um número astronômico de horas investidas apenas nas transcrições. Considerando que cada
Nesse esforço pela objetivação científica
199
, supomos ainda que o uso de
questionário mascarado pela neutralidade e equidade aparentes nos levaria a resultados
preconceituosos, travestidos de cientificidade, “já que as definições das finalidades da
pesquisa e a formulação das perguntas estão profundamente ligadas à maneira de pensar e de
sentir do pesquisador” (QUEIROZ, 1988, p.15). Com isso, podemos dizer que esse modelo
não propõe apenas o tema e escolhe o(a) entrevistado(a), como também,
fica preso numa rede miúda de questões previamente definidas e discutidas
em suas mínimas particularidades. Além disso, a informação é também
solicitada de maneira a não permitir que o informante ultrapasse o espaço
pré-estabelecido para sua resposta; ele não intervém, portanto, na condução
de suas próprias respostas (QUEIROZ, 1991, p.78).
Sustentamos, então, que, partindo de interesses variados e sem perguntas
pré-definidas, o diálogo pluritemático com o(a) entrevistado(a) nos permitiria vivenciar senão
a quase totalidade dos ângulos que apresenta qualquer fenômeno social, ao menos a
abundância sutil de uma reconstrução determinada só por ela própria.
Sabemos que todo discurso produzido numa entrevista dialógica é forjado -
como qualquer outro discurso por agentes que reconhecem a si próprios(as) e a seus(as)
interlocutores(as) como ocupantes de uma ou outra posição social. Nesse espaço representado
de posições, definem-se expectativas sobre o comportamento do outro e se antecipam
expectativas desse outro sobre o próprio comportamento. Posições e distâncias sociais
percebidas, convertidas em disposições de ação, saberes práticos interiorizados, esquemas de
classificação do mundo que autorizam ou não esta ou aquela tomada de posição, permitem
discriminar o pertinente do inadequado sem qualquer cálculo estratégico. Manifestações que,
na entrevista, sintetizam uma trajetória no mundo e obedecem ao comando de uma
transcrição, de uma/uma hora e pouco de entrevista, pode ter até 15 páginas, ao final das 25 transcrições
podemos chegar a um material de quase 400 páginas para ser analisado!
socialização como qualquer orquestra faria na ausência súbita de seu maestro. Admitimos,
portanto, que uma entrevista, ainda que aberta, por ser sempre um discurso co-presencial, não
poderia ser um exercício livre de linguagem.
A entrevista, contudo, guarda uma singularidade em relação aos demais
discursos co-presenciais. Tem como pressuposto um uso social muito específico: a divulgação
pública. Nesse sentido, podemos dizer que toda entrevista obedece, na maioria das vezes, a
uma lógica social oposta a de uma correspondência amorosa. Ao invés de nascer e superar
uma dupla impossibilidade a de não se poder falar e nem se calar
200
assemelha-se a uma
conversa indiscreta e tagarela. Nesta, as palavras ocultam aquilo que realmente importa, o
que, de fato, se aproxima do desejo – o que não pode ser dito, enfim. Uma entrevista está mais
para duas solidões que se distanciam, separadas pelo medo e pela linguagem, do que para uma
confissão que toca no seio da intimidade e de seu silêncio.
Por esta razão, para maior sinceridade do(a) entrevistado(a), três cautelas: a
primeira, a de começar o diálogo com perguntas que os(as) deixassem a vontade para falar
sobre si mesmos(as), que não os(as) constrangessem com algum conteúdo embaraçoso
(KING, 1995, p.210). A segunda, a de evitar fazer, durante a realização das entrevistas,
quaisquer anotações. Até mesmo, daquelas informações que seriam apagadas na sua
transcrição. Caso contrário, correríamos o risco de conferir à situação demasiada formalidade
aumentado, assim, a possibilidade de o(a) entrevistado(a) sentir-se constrangido(a).
Acuado(a) e violentado(a) por ela. Com isso, deixamos para depois do seu término o registro
das pronúncias, entonações, silêncios... e, também, de toda a linguagem corporal: gestos,
posturas, mímicas, olhares, lapsos etc. manifestados pelos(as) entrevistados(as). A terceira e
última, a de garantir-lhes, antes do início de cada entrevista, o anonimato na produção final do
texto. Garantia essa ainda mais necessária face aos efeitos sociais potencialmente nefastos
199
Sobre nossa compreensão de “objetivação científica”, indicamos a leitura da nota 12 deste trabalho.
da denúncia dos conflitos axiológicos vividos e das soluções morais encontradas. Afinal,
como disse Bourdieu, “a sinceridade do entrevistado está diretamente ligada ao uso social
presumido que o entrevistador fará dela” (2002a, p.552).
Pela mesma razão que omitimos os nomes dos(as) entrevistados(as),
optamos por trabalhar com entrevistas abertas em detrimento dos grupos focais. Por isso,
apesar de possibilitar um caldo discursivo mais copioso, onde um número maior de
perspectivas acaba se constituindo em referenciais para manifestações que, numa coleta
individual não se produziriam, seguimos o conselho de Thornton, que não “recomenda grupos
de discussão quando se pergunta sobre temas muito sensíveis e dentro do âmbito pessoal”
(2002, p.26, tradução nossa). Supusemos que, na eventual adoção desse procedimento, o olhar
moralista dos(as) demais participantes, afastaria as manifestações das reais soluções
elocubradas para os impasses relatados. O medo do isolamento social, decorrente de possível
manifestação de opinião percebida como dominada, poderia condená-los(as) ao silêncio.
Eles(as) e todas as manifestações percebidas como dominadas. Numa progressão cíclica ao
silêncio de todas elas
201
. O constrangimento da presença de seus pares-concorrentes com
fisionomia de condenação poderia se transformar em grande barreira para nossa pesquisa.
É importante esclarecer também que as entrevistas poderiam ser de duas
naturezas: histórias de vida ou depoimentos pessoais. Escolhemos a segunda opção, pois não
se tratava de conhecer a história de vida propriamente dos(as) nossos(as) entrevistados(as),
mas de conhecer e compreender seu discurso sobre a profissão que escolheram (no caso
dos(as) estudantes) ou que praticam (no caso dos(as) profissionais da publicidade)
202
.
200
Sobre as motivações de uma correspondência amorosa, sugerimos a leitura de COMTE-SPONVILLE, 2000,
p.35-44.
201
Sobre a teoria da “Espiral do Silêncio” de Elizabeth Noelle-Neuman, ler seu clássico “The Spiral of Silence.
Public Opinion – our social skin”, 1993.
202
Por razões semelhantes, Bourdieu também elege os depoimentos pessoais como forma privilegiada de
entrevistas em “A miséria do mundo” (1999).
Sabemos, contudo, que todo depoimento é dirigido pelo(a) pesquisador(a) e
por seus interesses específicos (que podem cegá-lo para informações importantes!), e está
longe da riqueza narrativa da história de vida. Para amenizarmos esses problemas, tivemos o
cuidado de jamais interromper o(a) entrevistado(a). Isto porque nenhuma manifestação foi
considerada a priori supérflua. Se não utilizamos de forma irrestrita aquilo que Queiroz
denominou de “técnica da liberdade” (1991, p.76) isto é, se, de alguma forma, restringimos
a autonomia do(a) entrevistado(a) na gestão da entrevista com perguntas mais direcionadas
esforçamo-nos ao máximo para afrouxar as rédeas da entrevista e dirigi-la com a maior
flexibilidade possível. Afinal, quando um(a) entrevistado(a) conta um caso em determinado
contexto mesmo que este possa parecer, num primeiro momento, pouco significativo face
dificuldade em agendar as entrevistas, sobretudo com os(as) profissionais dominantes, e,
também, devido à grande quantidade de entrevistas realizadas e suas dificuldades decorrentes,
realizamos apenas uma entrevista por entrevistado(a) – ainda que a sua escuta e leitura
tivessem suscitado dúvidas e novas questões, indicando-nos a necessidade de uma segunda
entrevista, com um novo roteiro.
Em relação aos locais de realização das entrevistas, outorgamos às(aos)
entrevistados(as) a prerrogativa de sua escolha. No caso dos(as) estudantes, todas as
entrevistas acabaram sendo realizadas na própria faculdade onde estudam mais
especificamente, na sala de estudos da biblioteca logo após o término do último período. Já
no caso dos(as) profissionais, o lugar escolhido foi o seu próprio local de trabalho. Apenas
um(a) deles(as) optou por ser entrevistado(a) num café próximo a esse local. Com essas
escolhas, visamos a atender questões práticas, e não metodológicas. Embora saibamos que a
escolha por este e não por aquele local tenha, evidentemente, implicações metodológicas para
a pesquisa.
Um último aspecto que gostaríamos de destacar ainda neste tópico é que
fazem parte também do nosso corpus manifestações discursivas, em discurso direto, de
profissionais da publicidade, colhidas em sites, jornais, revistas e livros. Pensamos que as
condições materiais de manifestação e coleta desses discursos, eventualmente distintos dos
coletados por nós, não comprometem a natureza direta desta produção discursiva. Afinal, o
ganho para o corpus compensa algum eventual desequilíbrio procedimental. Uma vez obtidas
as manifestações desejadas, depuramo-las e codificamo-las de acordo com nossos objetivos.
2.2.5 A CODIFICAÇÃO DA COLETA E SUA JUSTIFICATIVA
No momento seguinte às entrevistas, fizemos sua transcrição. Logo depois,
identificamos o(a) autor(a) de cada uma e o grupo a que pertence: estudantes, profissionais
subversivos(as), profissionais integrados(as) ou profissionais dominantes. Separamo-las,
então, nesses quatro grupos. Destacamos, em cada um deles, as manifestações que dizem
respeito à atividade publicitária. Feito isto, juntamos essas manifestações às anotações que
fizemos acerca da postura corporal de seu(a) autor(a) durante a realização das entrevistas.
Logo após, indicamos, em cada grupo, as semelhanças e diferenças entre as manifestações e
as posturas de seus(as) integrantes. Isolamos as diferenças. Finalmente, comparamos o que
encontramos de semelhante. A partir desta codificação, pensamos ter depurado
suficientemente o material discursivo coletado para fazermos uma análise final, discutida a
seguir.
2.2.6 A ANÁLISE DA COLETA E SUA JUSTIFICATIVA
Fundamentalmente, buscamos, na análise do material coletado, interpretar
as singularidades e as diferenças entre o que encontramos de comum em cada grupo de
entrevistados(as) à luz das posições que ocupam no universo publicitário nacional. Com isso,
procuramos compreender os diferentes significados que esse universo estabelece para a
atividade publicitária relacionando-os com sua estrutura. Desta forma, objetivamos, se não
desvelar afinal não se trata de descobrir um mundo oculto, que pode ser revelado a uma
suposta subjetividade esclarecida ao menos indicar um novo universo de sentidos para a
compreensão dessa prática profissional. Caminho este que pode ou não nos sugerir a
pertinência da noção de campo publicitário como instrumento científico de análise dessa
prática. Feito este último esclarecimento metodológico, cabe-nos, agora, apresentarmos nossa
análise. Vamos aos resultados finais desta pesquisa (3).
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DOS DISCURSOS: RESULTADOS
Não deplorar, não rir, não detestar, mas compreender.
(BARUCH DE ESPINOSA)
Trata-se de compreender.
Antes de tudo, de compreender. A denúncia vazia, longe de combater a
ignorância, alimentá-a. Oferece razão para sua miséria. Advertência sistematicamente repetida
por Espinosa. Acatada e reproduzida à exaustão por Bourdieu. Entretanto, infelizmente,
violada por algumas investigações científicas. Em especial, por aquelas que abordam a prática
publicitária. Afinal, não são poucas as que têm se limitado a julgá-la ao invés de analisá-la.
Sem dúvida, o livro supracitado de Maria de Fátima Vieira Severiano (2001) é um exemplo
emblemático desse tipo de investigação na literatura nacional. Como observamos (1.1.2),
nesse livro, essa autora, longe de buscar compreender as causas das manifestações discursivas
que investiga, parece, muitas vezes, contentar-se em repreendê-las. Em simplesmente
“alfinetá-las”. Em despejar todo seu ranço academicista contra os(as) publicitários(as) que as
enunciam. Com isso, limita-se, infelizmente, a atribuir juízos de valor sobre eles(as). A
valorá-los(as), em suma.
Entretanto, atribuir valor, seja ele positivo ou negativo, é, lembramos nós,
sempre uma prerrogativa da moral. Nunca, da ciência. Por esta razão, temos como objetivo
central, nesta parte última da dissertação, entender por que os(as) nossos(as) entrevistados(as)
dizem o que dizem. Manifestam o que manifestam. Fazem o que fazem. Por outras palavras,
objetivamos, na medida do possível, entender suas ações e discursos na sua necessidade
singular. A nosso ver, esse é o único modo de conseguirmos trabalhar de forma adequada
nosso problema de pesquisa. De investigar com propriedade a pertinência da noção de campo
publicitário. E, assim, compreender um pouco melhor essa tão mal compreendida atividade
profissional que é a publicitária. Sobretudo, de honrar dignamente com os compromissos
estabelecidos com esses homens e mulheres que nos confiaram os propósitos e as dificuldades
de sua existência profissional.
Para tanto, ao longo de nossa análise, esforçamo-nos para localizar suas
manifestações nas entrevistas. Caso contrário, sem essa localização, poderíamos
descontextualizá-las, perdendo de vista suas condições de produção e utilização. Com isso, ao
não indicarmos suas funções práticas, poderíamos fazer crer a(o) leitor(a) que elas foram
mágica e majestosamente desenvolvidas por uma subjetividade fechada em si mesma, livre de
quaisquer determinações. Por esta razão, no início de cada tópico da análise, buscamos indicar
de que forma e em que momento das entrevistas as manifestações analisadas foram
ensejadas. Buscamos, com isso, entendê-las, nas palavras de Odette Pinheiro, como “ação
situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da
realidade” (1999, p.183).
A análise dessas manifestações ensejou uma estrutura em duas partes. Ao
invés de discriminá-las em discursos dos(as) pretendentes (estudantes), discurso dos(as)
profissionais dominados(as) (subversivos(as) e integrados(as)) e discurso dos(as) profissionais
dominantes, como mandaria um recorte por posições
204
, discriminamo-las em manifestações
indicativas da pertinência da noção de campo publicitário (3.1) e manifestações não
indicativas (3.2). Achamos que dessa forma ofereceríamos a(o) leitor(a) uma melhor
visualização da pertinência do conceito problematizado. O quadro 3 ilustra essa divisão
205
.
Quadro 3. Manifestações indicativas e manifestações não indicativas da pertinência da noção de campo
publicitário
MANIFESTAÇÕES INDICATIVAS MANIFESTAÇÕES NÃO INDICATIVAS
TANGENCIAS DISCRIMINADAS TANGENCIAIS DISCRIMINADAS
As constantes
referenciais aos
pares-concorrentes
O domínio dos(as)
profissionais do
repertório específico à
prática publicitária e a
falta desse domínio por
parte dos(as) estudantes
A estrutura do
discurso de auto-
apresentação
O consenso
deontológico dos(as)
profissionais acerca de
sua atividade
profissional
A crença na
importância e na
imanência da
criatividade
O emprego de diferentes
estratégias de
valorização simbólica
por parte de cada grupo
de entrevistados(as).
Estratégias estas
coerentes com a posição
que ocupam no espaço
publicitário
.
O amor pela arte
O comprometimento
dos(as) profissionais
com clientes e
consumidores
A adoção estratégica
de um discurso
“desinteressado”
acerca da atividade
publicitária
O amor dos(as)
profissionais ao seu
futuro profissional e o
desejo dos(as)
estudantes de dar uma
outra função social à
prática publicitária
O amor pela vida de
artista
204
Embora não tenhamos assumido esse tipo de recorte, elaboramos um quadro (anexo 9) que sintetiza os
posicionamentos desses diferentes grupos. Com isso, buscamos oferecer ao leitor novas possibilidades de
análise.
205
Para uma visualização gráfica desse quadro, indicamos a leitura do anexo 6.
O medo dos(as)
estudantes dos
gatekeepers
publicitários
3.1 MANIFESTAÇÕES INDICATIVAS
As manifestações indicativas foram divididas em dois itens
206
. O primeiro,
diz respeito a tudo aquilo que encontramos de comum tanto na estrutura discursiva dessas
manifestações como no seu conteúdo. O segundo, àquilo que não encontramos (3.1.2). Sendo
assim, o primeiro aponta, em certa medida, para aquilo que é compartilhado num campo
social. Já o segundo, para aquilo que é específico a cada posição sua. Comecemos pela análise
daquilo que é comum.
3.1.1 MANIFESTAÇÕES TANGENCIAIS
Decompomos o que foi encontrado de comum nessas manifestações em três
temáticas. A primeira (3.1.1.1) diz respeito às sistemáticas referências feitas pelos(as)
nossos(as) entrevistados(as) a seus pares-concorrentes. A segunda (3.1.1.2), à importância que
atribuíram à criatividade no seu fazer profissional, bem como à forma como a retrataram.
Neste item, analisaremos as imagens que nos ofereceram do(a) profissional e do anúncio
criativo. Já na terceira temática (3.1.1.3), discutiremos à forma como retrataram suas tomadas
de posição. Sempre, num primeiro momento, como se não envolvessem seus próprios
interesses. Comecemos pela análise das referências manifestadas.
3.1.1.1 A referência aos pares-concorrentes
206
Ambos os itens estão representados graficamente na figura 3 (anexo 7).
“Tem algumas pessoas com quem eu trabalhei que eu acho simplesmente
fantásticas. Supercompetentes. Uma referência pra mim. Como uma diretora com quem eu
trabalhei”, nos contou um(a) profissional. “Nossa [!], eu acho ele o cara. Um cara que mudou
uma porrada de conceitos”, nos confessou outro(a). A despeito de não serem diretamente
estimulados(as), os(as) profissionais entrevistados(as) falaram, e muito, sobre seus pares-
concorrentes. Freqüentemente, citavam uns(as) a(os) outros(as). Tecendo inúmeras
impressões sobre eles(as). Por vezes, de forma positiva. “Eu acho que [X] é o grande nome da
publicidade no Brasil. Sem dúvida, ele contribui muito com a nossa área. Tem pensamento
estratégico e criatividade.” Em outras, nem tanto. “Todo mundo fala que [X] é um grande
profissional. Sinceramente, eu não acho. Acho que é alguém que age sem ética. Tem uma
porrada de profissionais que agem com mais ética e são melhores do que ele.”
Independentemente dos comentários tecidos, o que nos importa, num primeiro momento, é
que, nas entrevistas realizadas, esses(as) profissionais se referiram inúmeras vezes a
outros(as) publicitários(as). Referenciais essas também presentes nas manifestações dos(as)
estudantes. “Eu acho que [X] é um paradigma de bom publicitário. Sabe anunciar de forma
focada sem perder o teor criativo.”
A observação desse fenômeno é indicativa, a nosso ver, de que estudantes e
profissionais da publicidade conferem razoável importância ao que seus pares-concorrentes
importância a eles(as). O que nos faz crer, conseqüentemente, que eles(as) constituem, em
alguma medida, os(as) verdadeiros(as) clientes de suas mensagens e produções.
Reforçando essa nossa suposição, pudemos observar, também, no discurso
dos(as) nossos(as) entrevistados(as), sobretudo no do grupo dos(as) profissionais, que eles(as)
conferem fantástica importância à diferenças ínfimas na produção de uma mensagem
publicitária
207
. Na constituição de um anúncio ou comercial.74(z)-6.2659( )-140.222.45995(p)-571(c)3.74()-1h235(c)3o
existe em função da de dominado(a) e vice-versa. Ou seja, as ações e discursos dos(as)
agentes dominantes são motivados pelos(as) dos(as) dominados(as) e as dos(as) dominados
pelos(as) dos(as) dominantes. Suas manifestações e produções não são, assim, gratuitas. Mas
sim reflexivas. No caso em questão, estruturadas e estruturantes de um espaço de posições
propriamente publicitário.
Espaço este onde a criatividade constitui um bem. Algo que possui
utilidade. Que pode ser acumulado e tem o poder de se reproduzir. Um capital, portanto.
Simbólico, mais especificamente. Afinal, confere a seus(as) detentores(as) crédito e
autoridade profissional. Prova disso é que, quando perguntados(as) sobre o que caracteriza
um(a) publicitário(a) competente, praticamente todos(as) os(as) entrevistados(as)
responderam “ser criativo”. Desta forma, o fato de os(as) profissionais da criação serem os(as)
únicos(as) a receber a alcunha de serem chamados(as), classificados(as), de “criativos “O
criativo [X] é um ótimo profissional.” “O criativo [Y] me influenciou muito no começo da
minha carreira.” “Nós criativos estamos o tempo todo sob pressão.” o fato de possuírem,
portanto, o monopólio da criatividade legítima nesse espaço profissional, parece lhes conferir
grande quantum de seu capital específico. Apontando-nos, com isso, que, além de reflexivo, o
universo que investigamos é fortemente estruturado. O que nos faz crer, então, na pertinência
da noção de campo publicitário. Indicio análogo temos na forma como representam a
criatividade (3.1.1.2).
3.1.1.2 A crença na importância e na imanência da criatividade
Sem dúvida, a criatividade é uma exigência obsessiva no discurso de
nossos(as) entrevistados(as). À exaustão, escutamos sentenças do tipo: “Um publicitário tem
207
Em “Sobre a Televisão” (1997), Bourdieu analisa como ocorre esse fenômeno no universo jornalístico.
que ser várias coisas, é claro [!], mas tem que ser, sobretudo, criativo.” “Um anúncio criativo
é sempre diferenciado, com certeza.”. Em diferentes momentos das entrevistas, pudemos
escutar sentenças como essas. Embora a maioria delas tenha sido enunciada como resposta às
nossas indagações acerca do que caracterizaria um bom anúncio ou profissional da
publicidade, muitas delas também foram manifestadas em momentos nos quais abordávamos
temáticas que não diziam respeito à criatividade, propriamente. Ou seja, muitas delas foram
enunciadas sem nosso(a) estímulo expresso, sugerindo-nos que, de alguma forma, a exigência
de ser criativo(a) é uma constante no discurso de nossos(as) entrevistados(as) sobre seu fazer
profissional (futuro ou presente).
Essa importância conferida por eles(as) à criatividade é, certamente, um
indicativo de que o universo publicitário é capaz de forjar crenças específicas. Da mesma
forma que o universo jornalístico faz crer a(os) seus(as) agentes na importância da
“objetividade informativa”, de relatar o fato “tal como ele ocorreu”
208
, o universo publicitário
parece fazer crer a(os) seus(as) agentes na importância de se anunciar um produto de forma a
romper com o estabelecido. Com o esperado. Diante disso, configurou-nos a hipótese de que
essa crença é condição tácita e expressiva de participação nesse universo, garantindo-nos,
então, a impressão de sua relativa autonomia e independência. Afinal, à exceção do universo
artístico, essa parece uma condição específica a ele.
Uma unanimidade opinativa. Uma visão comum. Homogênea. Além de
amplamente comentada, a questão da criatividade foi abordada de forma análoga pelos(as)
nossos(as) entrevistados(as). Na análise de seus discursos, pudemos constatar que não
diferenças significativas entre o que pensam os(as) profissionais dominantes, os(as)
dominados(as) e os(as) estudantes. Todos(as) fazem uma imagem muito semelhante do
208
Sobre essa crença, sugerimos a leitura de BARROS FILHO, 2003 e BARROS FILHO & MARTINO,
2005, p. 107-149.
assunto. Em linhas gerais, apresentam uma perspectiva bastante idealista
209
. Em primeiro
lugar, como veremos a seguir (i), porque interpretam a criatividade como uma potência. Algo
que está em nós. Pronto a ser acessado a qualquer momento. Em segundo lugar, como
veremos mais adiante (ii), porque também a interpretam como algo intrínseco as coisas do
mundo. A um anúncio ou campanha publicitária, por exemplo. Comecemos pela imagem que
fazem de um(a) publicitário(a) criativo(a).
i A imagem do(a) profissional criativo(a)
Trata-se de uma abertura. Uma abertura para a vida. Uma abertura para os
sentidos. Uma abertura para uma potencialidade esquecida ou reprimida. Assim é retratada a
criatividade pelos(os) estudantes e profissionais da publicidade. A idéia de que qualquer
pessoa pode ser criativa é uma unanimidade no discurso de nossos(as) entrevistados(as).
Todos(as) compartilham da perspectiva de que ela pode ser desenvolvida. Aprendida
210
. O
depoimento seguinte é emblemático: “Eu acredito que a criação não é um dom. É uma coisa
construída. Construída a vida inteira. Um aprendizado acessível a qualquer um.” Depoimento
este reforçado por José Predebon, publicitário por 30 anos e hoje professor de criação, em seu
livro supracitado “Criatividade. Abrindo o lado inovador da mente”:
209
Como vimos no item (1.2.2), perspectiva esta compartilhada por parte do universo acadêmico. Por aqueles(as)
cientistas que, também, jogam o jogo publicitário. Indício de que nesse universo de agentes de socialização
híbrida, a publicitária se sobressai.
210
Neste ponto, discordamos da posição de Constantino, que sustenta que o universo publicitário é atravessado
pela crença do “gênio criador”, a de que criatividade não passa de um dom (2004, p.52). A falta de
fundamentação empírica de sua investigação deve explicar essa sua posição (ele se limita a fundamentá-la em
alguns poucos exemplos retirados da análise de conteúdo das revistas “About” e “Propaganda”). Assim, embora
da mesma forma que ele sustentemos que o discurso dos(as) publicitários(as) sobre criatividade constitui uma
ideologia, não compartilhamos de sua perspectiva de que isso decorre dessa crença. Mas sim do idealismo que o
envolve e que, em alguma medida, faz com que ele estabeleça e sustente relações de dominação no interior do
universo publicitário. O autor desta dissertação desenvolve essa idéia no artigo “Do idealismo à criatividade: o
discurso dos(as) publicitários(as) sobre criatividade e seus usos sociais no seu universo profissional” a ser
publicado na revista “Comunicação, Mídia e Consumo” (LOPES, 2007).
Podemos afirmar que a espécie humana tem capacidade inata e exclusiva de
raciocinar construtivamente. Essa capacidade produz o que tranqüilamente
pode ser chamado de criativo. Quando digo inata, falo do potencial que nos é
próprio. Daí a afirmação de que nós todos somos criativos, o que pode ser
contestado em termos de grau. Também se chega a essa convicção pelo fato
aceito de que todas as crianças são criativas”, e que seu potencial inato vai
depois sendo bloqueado no processo de socialização (2000, p.27).
Neste livro, Predebon chega, inclusive, a listar os “nove inimigos pessoais
da criatividade”: a acomodação; a miopia estratégica; o imediatismo; a insegurança; o
pessimismo; a timidez; a prudência; o desânimo e a dispersão (1997, p.128-129). Como se o
que faltasse a um anúncio classificado como medíocre no universo publicitário fosse mais
ânimo a(o) seu produtor(a) no momento de sua produção. Mais otimismo e segurança. E não o
poder de impô-lo como legítimo a todos outros(as) agentes desse universo. Inversamente,
como se o que garantisse a criatividade de um anúncio fosse a habilidade estratégica
daquele(a) que o produz. Sua ousadia e extroversão. Como se consagração desse anúncio
nesse espaço profissional em nada tivesse a ver com a legitimidade e poder do(a) profissional
e da agência que o assinam.
Seu livro, bem como o discurso de praticamente todos(as) os(as)
entrevistados(as), compreende, então, a criatividade como uma espécie de potência universal.
Uma latência comum a todas as pessoas. As criativas seriam justamente aquelas capazes de
manifestar tal latência. Atualizá-la. O(a) publicitário(a) criativo(a)
211
seria, portanto, aquele(a)
com tal capacidade. De uma maneira geral, assim esse(a) profissional é retratado(a) nas
manifestações analisadas.
O publicitário criativo... Ah, o publicitário criativo é sempre uma pessoa...
Sei lá, é sempre uma pessoa... Um profissional com potencial. Um
profissional que consegue lidar com essa característica humana que é a
211
Aquele(a) que é reconhecido como tal. E não necessariamente aquele(a) que trabalha na área de criação.
Fazemos aqui essa advertência porque o(a) profissional da criação, como indicamos no item anterior (3.1.1.4), é
chamado no seu espaço profissional, no jargão publicitário, de “criativo”. Quisemos, então, evitar qualquer tipo
de confusão.
criatividade. Um profissional que consegue libertar essa nossa potência
criativa. Essa nossa energia quase sempre presa em todos nós. Eu acho que
resumidamente um publicitário criativo é isso aí.
Sem dúvida, o retrato feito acima do(a) profissional criativo(a) possui um
matiz bastante platônico
212
. Não é difícil de enxergarmos a base idealista que sustenta esse e
todos outros discursos aqui analisados. Afinal, o que é uma potência senão uma virtualidade?
Senão aquilo que, de certa forma, existe, mas ainda não se realizou? A criatividade, ainda
que não manifestada, é representada, no discurso de estudantes e profissionais, como algo que
existe. Pode ser nos recônditos de nossa mente, ou seja lá onde for, mas ela existe. Existe
como uma entidade. “Em si” e “por si”. Que está lá. Latente. Pronta a ser acessada em algum
momento. Ou perdida nas exigências da vida adulta. Segundo Predebon, “nascemos sabendo
voar com a imaginação. Como adultos, perdemos essa liberdade, inibidos pelo compromisso
com a realidade” (1997, p.174).
Perdida. Recalcada. Escondida. Como se a criatividade fosse anterior a sua
pró ó
Definitivamente, os(as) publicitários(as) parecem olhar para a criatividade
com óculos platônicos. Enxergam-na nas próprias coisas do mundo. Em algum canto obscuro
de nossa mente. Como se ela fosse uma determinação do(a) próprio(a) agente. De uma
subjetividade que atualizou tal potência. E não como uma determinação de um espaço social
objetivamente estruturado. Conseqüentemente, acabam conferindo o sucesso ou o fracasso de
um anúncio a(o) publicitário(a) que o produziu. À sua competência. À sua habilidade em
saber trabalhar ou não com a potência criativa que supostamente possui. Legitimando, assim,
seu prestígio ou falta dele. Sua consagração ou falta dela. A sua e a de suas produções, como
veremos no próximo tópico (ii).
ii A imagem do anúncio criativo
dissemos (1.3.2) que, para a perspectiva materialista, o mundo
simplesmente é. Desprovido de qualquer valor interno. Sem dúvida, o idealismo inverte essa
lógica materialista. Preenche o mundo de significado intrínseco. O sentido das coisas é
colocado no coração das coisas mesmas. Como se o mundo ou a história guardassem um
sentido imanente. Como se um comercial televiso fosse intrinsecamente divertido. Engraçado.
Emocionante. Ou simplesmente, enfadonho. Como se seu valor estive nas suas imagens.
Fosse inerente a elas. Ao seu texto. À relação entre ambos. E não uma atribuição de alguém.
Uma atribuição que o classifica socialmente. Discrimina-o hierarquicamente de outros
comerciais. Separa-o dos demais o qualificando positiva ou negativamente.
Ao retratarem a criatividade, estudantes e publicitários(as) assumem uma
perspectiva idealista. Não porque, como observamos no tópico anterior (i), a interpretam
como uma potência universal, como uma entidade escondida ou recalcada nos porões de
nossa mente, mas, também, porque a interpretam como algo intrínseco às coisas do mundo.
Às nossas produções. Afinal, imputam a elas um valor criativo interno. Como se houvessem
produções intrinsecamente criativas. Independentemente de um(a) agente assim as classificá-
las.
Tudo o que é criativo, não só um comercial, qualquer coisa que eu designaria
como criativa, é alguma coisa que inova. Agora, não só uma coisa que inova,
pode ser, também, alguma coisa que contém um determinado valor. Um
valor estético, cultural, seja o que for. Um anúncio criativo contém esses
valores. Possui esses valores. São esses valores que fazem de um anúncio
não um anúncio qualquer, mas um anúncio criativo. Sem dúvida, se
reconhece um anúncio criativo, quando reconhecemos nele esses valores. E,
também, é claro a inovação que traz.
O depoimento não deixa dúvidas: o anúncio criativo contém valores.
Valores estes passíveis de serem reconhecidos. Duplo equívoco idealista. Inversão dobrada da
realidade. Ao menos, da perspectiva materialista. Primeiro, porque, como já repetimos à
exaustão, dessa última perspectiva, o valor não pode estar nas próprias coisas. “O real não diz
o que vale”, diria Comte-Sponville (2000, p.24). Um anúncio, então, não pode conter valores.
Dizer o que vale. Fazer dele uma prerrogativa do próprio anúncio e não daquele(a) que o
flagra e o classifica é, assim, uma inversão. Segundo, porque, conseqüentemente, não se
reconhecem valores num anúncio, mas atribuem-se valores a ele. Um anúncio é inovador e
estética e culturalmente relevante porque assim é classificado. Não o contrário. Ele é inovador
e estética e culturalmente relevante e, portanto, assim classificado. Assim, criativo.
Essas inversões podem ser observadas em várias outras manifestações. De
acordo com outro(a) depoente, por exemplo, a criatividade de um anúncio pode estar,
também, no arranjo de seus elementos internos. Na originalidade desse arranjo.
O anúncio criativo é aquele que busca um outro caminho conceitual. [...] Um
anúncio criativo é aquele que sabe combinar as coisas de uma maneira nova.
[...] É você ficar hábil em combinar coisas. Seja ela o que for. Eu sou hábil
em combinar textos. Eu sou hábil em combinar imagens. Eu sou hábil em
combinar textos e imagens. Um anúncio criativo seria, portanto, aquele que
recombina as coisas de uma maneira relativamente nova. [...] Um anúncio é
criativo... quando consigo enxergar nele uma novidade. Sem dúvida, um
anúncio que é criativo sempre impõe algo de novo. Algo que é
indiscutivelmente uma novidade.
Indiscutivelmente uma novidade. Ou seja, uma novidade que não se admite discussão. Impõe-
se a qualquer um. A qualquer observador(a). Para o(a) depoente, um anúncio impõe uma
novidade e, por isso, é classificado como criativo. E não o inverso, como sustentaria qualquer
materialista: ele é classificado como uma novidade e, portanto, de acordo com determinado
critério, é considerado criativo.
A criatividade está nos valores contidos num anúncio. Na novidade que ele
indiscutivelmente carrega. Perspectivas epistemologicamente análogas. Afinal, partem de uma
mesma premissa idealista. Interpretam o anúncio como algo que naturalmente comporta
atributos. Atributos estes prenhes de criatividade. Como se suas mensagens contivessem algo
além delas mesmas. E não como o resultado de uma luta interessada pela definição legítima
desses atributos.
A nosso ver, ao estatuírem a imanência da originalidade e do potencial
criativo de um anúncio, profissionais e estudantes, em alguma medida, acabam por ajudar a
legitimar os anúncios consagrados e, por conseguinte, como observamos no tópico anterior
(ii), seu(a) produtor(a). Afinal, não colocam sob suspeita seu poder criador. Pelo contrário,
apenas acentuam a crença nele. Na de que eles(as) são dignos(as) de honrarias e de todos os
lauréis da glória no interior do seu universo profissional porque possuem uma subjetividade
discriminada. E não porque possuem um alto volume de seu capital específico. Como se
devêssemos buscar o sucesso de suas criações nelas próprias e não na consagração de quem as
consagra. Indício significativo de que compartilham uma mesma ilusão. De uma illusio
propriamente publicitária, portanto. Condição necessária para a existência de um campo
propriamente publicitário, assim como o aparente desinteresse de nossos(as) entrevistados(as)
pelos troféus da publicidade (3.1.1.3).
3.1.1.3 O desinteresse estratégico
Outra semelhança que pudemos observar nos quatro grupos discursivos foi
o desinteresse manifesto. Ou seja, tanto os(as) estudantes como os(as) profissionais
representaram suas tomadas de posição no universo publicitário como se elas não
envolvessem seus próprios interesses. Frases como: “minha função na publicidade é estreitar a
relação empresa/cliente” ou a função da propaganda é “comunicar alguma coisa do produto”
foram repetidas à exaustão. Com duas únicas exceções, um(a) estudante e um(a) profissional,
nenhum(a) outro(a) entrevistado(a) manifestou espontaneamente, por exemplo, interesse na
conquista dos troféus específicos do jogo publicitário. Esses últimos e as estratégias para
alcançá-los eram mencionados, com pouco entusiasmo, mediante estímulo expresso. A
posição periférica do discurso sobre a luta pelos troféus na definição da atividade publicitária
fica clara em frases como: “Não tenho nada contra...” “Acho, até, legal...”, entre outras.
Bourdieu observa que o interesse “puro”, “desinteressado”, pode ser
compreendido como um sistema de interesses específicos a determinado universo social
artístico, religioso, científico – que implica relativa indiferença para com os objetos ordinários
do interesse, como dinheiro e honras (BOURDIEU, 2003b, p.130). Espécie de interesse pelo
“desinteresse”. Forma de interesse que convém a todas as economias dos bens simbólicos.
Economias antieconômicas nas quais, de alguma maneira, é “o desinteresse que compensa”
(BOURDIEU, 2003, p.31). Onde o investimento na “gratuidade” traz uma série de lucros
simbólicos. A título de exemplo, nas economias pré-capitalistas, de acordo com ele, a
noblesse oblige era condição de pertencimento à aristocracia e também um investimento que
convinha ao capital aristocrático (2005, p.150-151). Da mesma forma, estar pronto a morrer
pela arte é condição de pertencimento ao campo da arte “pura” e, também, um investimento
no seu capital específico (BOURDIEU, 2005, p.153).
A conduta “desinteressada”, segundo ele, não se restringe ao campo de
produção da arte (2005, p.147-148). Como observamos (1.3.1), não se joga nenhum jogo
social se não se está envolvido nele. Se não certa predisposição de seus(as) agentes ao
“desinteresse”. Se não uma crença por parte deles(as) de que ele vale a pena ser jogado
por “si mesmo”. Daí a “arte pela arte”. Mas o “desinteresse” não é apenas condição de
pertencimento aos campos sociais. É, também, o que permite com que seus(as) agentes
estabeleçam uma relação ontológica com eles. Com que ajam sem ter de ponderar, a cada
nova ação, sobre qual é a mais interessante para o seu sucesso nesses campos.
Sendo assim, podemos dizer que o olhar desinteressado sobre si de um(a)
agente na própria profissão não é apenas condição de pertencimento ao seu próprio universo
profissional, mas é também o que facilita sua ação nele. Institui e é instituído por aquilo que
no item (1.3.2) denominamos de “sentido do jogo”. Esse “senso histórico do jogo”
(BOURDIEU, 2005, p. 144). Conseqüentemente, as manifestações dos(as) entrevistados(as)
podem ser indicativas da existência de um sentido do jogo propriamente publicitário.
Entretanto, se o interesse por si foi colocado em suspensão pelos(as) nossos(as)
entrevistados(as) nos seus relatos sobre suas tomadas de posição no jogo publicitário, isso não
quer dizer, obviamente, que não eles(as) busquem lucrar com essa adesão “desinteressada” a
esse jogo. Melhor dizendo, que esse interesse não exista de fato.
Pelo contrário, como observamos, a conduta desinteressada pode ser vista
também como uma forma de investimento. Inclusive, esse “desinteresse sobre si” quase nunca
resiste a uma observação um pouco mais atenta. A visão hagiográfica da ciência é, por
exemplo, logo desmentida por tudo o que se conhece da verdade da pesquisa: os plágios, os
roubos de idéias, as querelas de prioridades e tantas outras práticas que são tão antigas quanto
à própria ciência (BOURDIEU, 2003, p.31). Desinteresse esse que pode ser sempre
desmentido. Na pena iconoclasta de Bourdieu,
as ações mais santas a ascese ou o devotamento mais extremos poderão
ser sempre suspeitas (e historicamente o foram, por certas formas extremas
de rigorismo) de ter sido inspiradas pela busca do lucro simbólico de
santidade ou de celebridade etc. (2005, p. 150)
Sem dúvida, é difícil de acreditarmos num amor puro pela alteridade. Libertado do ego. Que
se afirma na negação daquele(a) que o sente. Se oferecemos a outra face, é porque queremos
algo em troca. É porque podemos obter algum lucro com esse comportamento virtuoso.
Agapé, como diria Comte-Sponville, não passa da “loucura da cruz” (2000, p.295).
Apoiando-nos nessa perspectiva, sustentamos que os(as) publicitários(as) e
os(as) aspirantes a eles(as), assim como os(as) cientistas, possuem, embora recalcados,
interesses próprios nas suas realizações profissionais. Interesses estes que, caso objetivados na
ambição de serem os(as) primeiros(as) e de quererem brilhar na sua atividade profissional,
servem de importantes indicadores de que o universo publicitário possui certa capacidade de
redirecionar a libido de seus(as) agentes para o seu jogo. Para seus alvos e premiações. Se
esse interesse não foi explicitado pelos(as) nossos(as) entrevistados(as) quando diretamente
estimulados(as) a se pronunciarem sobre ele, se, num primeiro momento, calaram-se ou
desdenharam a questão da premiação publicitária, boa parte deles(as), geralmente no final da
entrevista, quando estavam mais a vontade e o assunto passava por questões transversais,
acabaram indicando interesse pelo tema.
Sem dúvida, essa inclinação nos possibilita pensar na existência de uma
libido propriamente publicitária e, por conseguinte, também de um desejo de reconhecimento
propriamente publicitário: “eu acho que um trabalho bom tem de ser reconhecido mesmo!”,
disse um(a) estudante no término de sua entrevista. “Primeiro, eu gostaria de ser um
profissional de sucesso, ganhar Cannes”, revelou outro(a), quando perguntado sobre “quem
gostaria de ser”. “Hoje eu vejo de maneira muito crítica, mas eu tenho de admitir que é muito
bom [receber prêmios]. O prêmio certificava: eu sou um cara criativo e tal”, confessou um(a)
profissional. Esse desejo de reconhecimento foi amplamente corroborado pela denúncia que
um(a) profissional dominado(a) nos fez do esquema dos “anúncios fantasmas”
213
.
Segundo seu depoimento, esse esquema envolve grandes agências e
muitos(as) profissionais da propaganda. Consistiria na produção de anúncios com a única
finalidade de conquistar prêmios
214
. Alguns deles com a autorização do cliente; outros tantos,
contudo, sem ela. Esse tipo de anúncio, segundo ele(a), dificilmente seria veiculado. Duas
seriam as razões: primeira, por conservadorismo dos clientes, que preferem apostar em
formatos mais tradicionais. Segunda, porque, muitas vezes esses formatos mais tradicionais
são mais adequados. Esses anúncios feitos com essa finalidade seriam produzidos, como
observou, pois “servem para massagear o ego de muito publicitário”. Outro(a) profissional,
depois de estimulado(a) a falar sobre esse mesmo assunto, manifestou perspectiva semelhante.
Tomemos o que diz sobre a produção desses anúncios:
Eu acho que tem dois lados: por um lado é positivo. Força o publicitário a
pensar como um artista. E fazerem coisas que as pessoas não vão entender
no começo. Coisas chocantes. Que impactam as pessoas de uma maneira
muito diferente que os comerciais que vão pra televisão. Eu acho isso
incrível. Como fruto de um trabalho mesmo. O publicitário precisa desses
momentos. Que não tenham compromisso com a realidade. Esse é o lado
bom. O lado ruim é que isso não se aplica à prática. Isso é feito pra vender
anúncio. E as pessoas esperam da publicidade algo conhecido. Algo
confortável. É difícil vender uma coisa que vai chocar a sociedade.
213
A nosso ver, o fato desse esquema ter sido denunciado por um(a) publicitário(a) subversivo(a) não foi ao
acaso. Afinal, como veremos adiante, quem mais se beneficia com ele(a) são as grandes agências e os(as)
profissionais dominantes. A denúncia desse esquema é, sem dúvida, uma forma de depreciá-los.
214
É sabido que para concorrer a este tipo de premiação é necessário, ao menos uma vez, ter veiculado o anúncio
candidato. Sendo assim, segundo o que nos foi denunciado, faz parte do esquema a também compra de “espaços
A prática denunciada da produção de anúncios fantasmas e as revelações
destacadas acima nos possibilitam, primeiro, recusarmos a perspectiva de Constantino de que
o objeto de luta do universo publicitário se reduz a(o) próprio(a) consumidor(a) apenas
(CONSTANTINO, 2004, p. 33), uma vez que elas explicitam outros objetos de luta que não
envolvem o sucesso comercial, propriamente. Segundo, conseqüentemente, a de considerar
certa autonomia do espaço de produção publicitária em relação às solicitações externas,
inclusive econômicas. Afinal, como destacamos no item (1.3.1), um dos fatores que
indicam autonomia de um campo social é “o grau em que o princípio de hierarquização
externa aí está subordinado ao princípio de hierarquização interna” (BOURDIEU, 2002,
p.246). Isto é, quanto maior o grau de consagração específica, quanto mais o reconhecimento
dado a(os) agentes de um campo social for atribuído por uma demanda endógena ao próprio
campo, e não externa a ele, mais ele será autônomo.
A partir da denúncia dos anúncios fantasmas e das confissões feitas, temos
um indicativo de que o espaço social de produção publicitária é regido, em certa medida, por
uma lógica que nada tem a ver com o sucesso comercial (aumento no número de vendas do
produto de seus clientes, melhorar seu share, transformá-los em tops of mind etc.) ou com
notoriedade social (por exemplo, condecorações em outros espaços sociais), mas sim com o
reconhecimento outorgado pelos(as) próprios(as) agentes desse espaço social. Somado a isso,
temos no discurso “desinteressado” de nossos(as) entrevistados(as) um indicativo de que esse
reconhecimento envolve, como em qualquer campo social, um investimento no
“desinteresse”. O reconhecimento dos lucros oferecidos pela universalização (BOURDIEU,
2005, p.153-156).
É evidente que não desconsideramos que haja, também, uma lógica
econômica na luta pelos troféus do jogo publicitário. Nas suas grandes premiações. Primeiro,
de veiculação fantasmas” Isto é, se paga a veículos de informação para se obter comprovantes de veiculação do
anúncio que, na verdade, não será veiculado.
porque elas valem dinheiro. Segundo, porque um(a) publicitário(a) premiado(a) tem melhores
condições de negociar seu próprio salário. Terceiro, porque uma agência premiada adquire
prestígio frente a seus clientes, convertendo esse prestígio adquirido, em prazos mais ou
menos longos, em lucros econômicos. Entretanto, segundo o(a) mesmo(a) publicitário(a) que
nos denunciou o esquema dos “anúncios fantasmas”, as empresas, principalmente as grandes
contas, pouco se deixam seduzir por este tipo de prêmio. Reivindicam, evidentemente,
resultados reais, dando sentido à expressão que utilizou para justificar a produção desses
anúncios: “massagear o ego de muitos publicitários”. As manifestações analisadas a seguir
(3.1.2), particulares a cada grupo de entrevistados(as), também nos indicam a pertinência da
noção de campo publicitário.
3.1.2 MANIFESTAÇÕES DISCRIMINADAS
No primeiro item (3.2.1) desta primeira parte (3.2), discutimos algumas
manifestações comuns a todos os grupos de entrevistados(as). Todas elas, a nosso ver,
indicativas da pertinência da noção que nos propomos analisar neste trabalho. Agora,
apresentaremos algumas diferenças que observamos entre esses grupos. Todas elas também
indicativas de tal pertinência.
Num primeiro momento (3.1.2.1), analisaremos o domínio de estudantes e
profissionais do repertório específico à prática publicitária. Discutiremos o domínio de cada
um desses grupos da deontologia específica a essa prática, bem como o domínio que possuem
das associações simbólicas legítimas na produção de um anúncio. Num segundo momento
(3.1.2.2), apresentaremos algumas das estratégias de valorização simbólicas empregadas por
cada um dos quatro grupos de entrevistados(as) e seus possíveis significados. Num terceiro
momento (3.1.2.3), discutiremos o amor manifestado pelos(as) profissionais ao seu destino
profissional, bem como o desejo manifestado pelos(as) estudantes de darem um outro social à
sua futura prática profissional. Relacionaremos ambos os fenômenos. Num quarto e último
momento (3.1.2.4), aventaremos uma outra possibilidade interpretativa para a manifestação
desse desejo por parte dos(as) estudantes: o temor provocado pelos rigorosos gatekeepers do
jogo publicitário. O domínio dos(as) entrevistados do repertório específico a sua prática
profissional constitui nosso primeiro tema.
3.1.2.1 O domínio do repertório específico à prática publicitária
Manifestações curtas e, freqüentemente, hesitantes deram o tom das
entrevistas dos(as) estudantes quando convidados(as) a se pronunciar sobre seu futuro fazer
profissional. Enquanto as manifestações dos(as) profissionais sobre o próprio fazer duravam –
sem qualquer interrupção do entrevistador em média dez ou quinze minutos, as dos(as)
estudantes sobre o mesmo tema raramente ultrapassavam um minuto
215
. Desta forma, para
que compartilhassem conosco suas opiniões sobre o assunto, tivemos de oferecer-lhes uma
espécie de assistência à palavra. À moda socrática, esforçamo-nos ao máximo para nos
colocarmos a serviço de suas idéias e pensamentos. Na metáfora de Bourdieu, trabalhamos à
maneira de um parteiro de discursos (1999, p.708). Trabalho este que, a nosso ver, foi
bastante facilitado pelo fato de o entrevistador, quem assina este trabalho, possuir um
conhecimento relativamente aprofundado das condições de existência social e, em especial,
universitária desses(as) estudantes, uma vez que estudou e se graduou no mesmo curso e na
mesma instituição onde hoje iniciam sua vida universitária. Dito isto, a questão que segue é: o
que explicaria a necessidade desse trabalho de parto? Essa hesitação inicial dos(as)
estudantes?
Nossa conjectura: sentiram-se desautorizados(as) a tomar posição num jogo
perante o qual se percebem, no máximo, como pretendentes. “Não sei se algum dia esse
negócio vai rolar. Não tenho idéia como fazer pra começar.” Sentiram-se, portanto,
desautorizados(as), face a um investigador, a inscrever a prática publicitária naquele discurso
de definição de si. Desta forma, tomadas de posição sobre ética no fazer do publicitário foram
muitas vezes por eles(as) iniciadas com: “não sei...”, “hummm..”., “precisaria pensar um
pouco mais....” Em contrapartida, quando estimulados(as) pelo entrevistador a relacionar sua
opção acadêmica à própria trajetória – escolar ou familiar – essas manifestações tenderam a se
alongar. Estenderam-se, em alguns casos, a mais de dez minutos. Tornaram-se mais seguras.
Nestes casos, o discurso de autodefinição nos pareceu incorporar com fluência a opção
escolar pela publicidade. Assim, sustentamos que a legitimidade que falta para um(a)
estudante projetar um agir profissional sobra para justificar a carreira escolhida.
Esse contraste entre o domínio do repertório específico à prática publicitária
observado nas manifestações de estudantes e profissionais é, a nosso ver, indicador de certa
autonomia do universo de produção da publicidade, uma vez que, como vimos no item
(1.3.1), a autonomia de um campo social pode ser balizada pela sua capacidade de
monopolizar a produção discursiva sobre seu fazer específico. A tulo de exemplo, para
discorrer sobre a “Teoria da Cronodinâmica Quântica”, é necessária a chancela de um(a)
físico(a). Conseqüentemente, é preciso circular pelo próprio campo para conhecer as leis
imanentes a esse seu fazer. É preciso participar dele para conhecê-las ou reconhecê-las. Para
mantermos o exemplo da ciência, é preciso certa familiaridade com a universidade para
compreender as regras que separam um(a) docente de um(a) livre-docente. Esse contraste no
domínio do repertório específico à prática publicitária também foi objetivado no domínio de
cada um dos grupos da deontologia específica à prática publicitária (i) bem como no tempo de
215
Se o silêncio foi, então, a própria estrutura discursiva dos recém-chegados; a desenvoltura foi a dos veteranos
de ofício. Respostas longas e sem vacilo deram o tom de suas entrevistas quando as perguntas diziam respeito
alguma maneira, ferissem seus princípios “individuais”. Na indignação de um(a) profissional:
“eu não vou vender uma coisa que eu não acredito!” Na reflexão de outro(a):
[A responsabilidade moral do publicitário] seria com o cliente na medida em
que ele publicitário não estaria se violentando. Vou dar um exemplo prático:
eu conheci um profissional que foi convidado a desenvolver uma campanha
para o general Figueiredo, no tempo da ditadura militar. E ele pessoalmente
me disse: não vou fazer esse trabalho. Eu pessoalmente sou contra a ditadura
militar e não me sentiria à vontade para fazer esse trabalho. Tenho amigos
que trabalham em agências de propaganda que não aceitam fazer propaganda
de cigarros ou de bebidas alcoólicas. São questões de ordem pessoal. Eu
particularmente não diria que existe uma ética absoluta.
E o segundo, o da minoria
218
, que dizia não ter nenhuma restrição a qualquer produto ou
marca. A seguinte manifestação é ilustrativa.
É assim que eu vejo a ética na publicidade. Eu diria o seguinte, que o
profissional esconsciente do que está fazendo e tem uma função de, por
exemplo, ajudar a determinado candidato a vencer uma eleição. Ele
comprometido com aquilo! Bom, você pode perguntar: ele precisa estar de
acordo com aquele candidato? Na minha visão não! Na minha visão, ele
como profissional, da mesma forma que o médico poderá curar uma pessoa
desonesta ou contrabandista, ou um padre um pecador, eu acho que ele
poderá colocar o serviço dele para atender a expectativa de um partido
político com o qual ele não concorda. Por isto, não vejo porque ter restrições
a fazer propaganda para algum partido ou coisa que o valha. Não, não vejo
restrições!
Os(as) estudantes, por sua vez, nos pareceram titubeantes ao comentarem
suas responsabilidades profissionais. Assim, ao discorrerem sobre a deontologia de sua futura
profissão, pareceram demonstrar pouca familiaridade com o assunto. Prova disso é que, em
muitos momentos, pareciam estar lidando com uma reflexão inédita. Ignorada até o momento.
“Putz... Meu, acho que nunca pensei muito sobre o assunto. O professor de marketing falou
que o nosso compromisso é sempre com o cliente. Ainda não sei, acho que preciso pensar
melhor sobre o assunto.” Contrastando, assim, com o discurso seguro dos(as) profissionais
218
Também composta por dominantes, integrados(as) e subversivos(as).
sobre o tema. O que no faz crer que, se os(as) publicitários(as) começam a valorar a sua
profissão em função de uma socialização exógena ao seu universo profissional, redefinem
esse critério ao longo de sua socialização nesse universo
219
. Nessa socialização propriamente
publicitária, também parecem adquirir o domínio do tempo da produção publicitária.
ii. O domínio do tempo da produção publicitária
De acordo com Bourdieu, a alta rotatividade e a rápida, quase
instantânea, perecibilidade das notícias fazem com que os(as) jornalistas busquem freqüente e
freneticamente a “atualidade”, a “notícia do dia”, enfim, o “furo jornalístico” (1997, p.38-41).
Da mesma forma, algo semelhante parece ocorrer no universo publicitário: seus(as)
profissionais parecem buscar incessantemente as novidades tecnológicas, estéticas,
lingüísticas (novos jargões) etc., que surgem a fim de as incorporar nas suas produções
(CONSTANTINO, 2004, p.71). Estar adaptado(a) à velocidade das mudanças parece, assim,
ser uma exigência nesse universo profissional. Prova disso é que ela apareceu inúmeras vezes
implícita ou, até mesmo, explicitamente no discurso dos(as) profissionais entrevistados(as).
“O publicitário tem que ser uma pessoa muito dinâmica. Tem que saber lidar com esse monte
de novidades.” “Se você não é uma pessoa ligada com todas as mudanças que andam rolando
por aí, então você não será nunca um bom profissional [da publicidade]”. Os(as) estudantes
entrevistados(as), por sua vez, mostraram-se bem menos obsessivos(as) em relação a essa
exigência. Quando questionados(as) sobre o que caracterizaria um(a) bom(a) publicitário(a),
apenas dois(as) destacaram a habilidade em adaptar-se às novidades.
219
Conservando a moral como forma de abordagem do nosso objeto, é legítimo supor que um possível indicador
de que, nesse ponto, o universo publicitário possui relativa autonomia em relação a outros campos sociais seja o
fato dele possuir um órgão de auto-regulamentação: o CONAR. Interpretá-lo e compreender as razões pelas
quais surgiu e de seu prestígio junto a anunciantes e agências de publicidade é de grande pertinência para análise
de nosso objeto. Entretanto, a nosso ver, isso escapa à proposta desta pesquisa, demandando uma nova.
De acordo com Constantino, essa pressão da urgência exercida nesse e por
esse universo acaba filtrando seus(as) agentes, “tendendo a favorecer e selecionar aqueles que
possuem disposições para freqüentemente adaptar-se à velocidade e às mudanças” (2004, p.
71). A nosso ver, essa pressão também parece reforçar essas disposições. Tornar esses(as)
profissionais adaptados(as) à rapidez das transformações ainda mais adaptados(as) a ela.
Ainda mais propensos(as) a avaliar um produto publicitário a partir de um critério que
legitima o novo em detrimento do ultrapassado. Como sentenciou um(a) profissional
entrevistado(a): “Ah, um bom anúncio é aquele que está sintonizado com as novas
tendências”.
Esse tipo de julgamento, ao lado do enorme desafio que esses(as)
profissionais enfrentam diariamente de impactar e “fisgar” um grande número de
consumidores(as) num período muito curto de tempo
220
, parece exercer dois efeitos
interdependentes sobre a produção publicitária: primeiro, fazer com que suas mensagens
sejam freqüentemente construídas sobre todos tipos de “lugares-comuns”
221
. Afinal,
enunciados banais, convencionais e comuns parecem ser os mais pertinentes para se seduzir
rapidamente um grande número de pessoas. Segundo, eles parecem gerar certa uniformidade
na oferta dessa produção. Prova disso é que dificilmente encontramos diferenças
significativas na publicidade de bens concorrentes. Como nos recorda Constantino, basta
analisarmos os motivos e os elementos de composição audiovisual presentes em propagandas
de carros, cervejas, sabões em pó, alimentos para observamos como elas guardam inúmeras
semelhantes entre si (CONSTANTINO, 2004, p.72). A repetição diária dessa produção parece
fazer, também, com que seus(as) agentes os(as) próprios profissionais da publicidade
incorporem as associações publicitárias legítimas.
220
Um anúncio televisivo tem em média 30 segundos, por exemplo.
221
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de di MONTE, 2000.
iii O domínio das associações publicitárias legítimas
A dimensão diária, a repetição rotineira de uma produção específica enseja a
incorporação dos procedimentos adotados para sua realização. Assim, um jornalista, por
exemplo, tem incorporado determinado aprendizado acerca da
valoração e da conseqüente hierarquização de um fato da realidade
fenomênica em relação à especificidade do veículo, aos demais fatos, às
opções dos concorrentes, às limitantes de infinita natureza que agem sobre
qualquer produção editorial (BARROS FILHO & MARTINO, 2003, p.
141).
A falta de familiaridade com os procedimentos comumente adotados para o desenvolvimento
do fazer particular a um campo atrapalha, sem dúvida, sua preservação. Conseqüentemente, a
familiaridade por parte de seus(as) agentes com esses procedimentos constitui em condição
necessária para a sua existência. Para o estabelecimento de seu jogo específico. Desta forma,
os(as) agentes de um campo devem sempre possuir um saber prático acerca do seu fazer
específico. Saber este que não deve ser encontrado em agentes de outros campos e universos,
uma vez que um campo possui sempre relativa soberania no domínio de seu fazer específico.
Em alguma medida, pudemos observar esse fenômeno na análise das entrevistas.
“Cachorro e criança são uma unanimidade. Diria, até, jogo sujo! É o apelo
mais fácil que existe. Todo publicitário sabe disso”, sentenciou um(a) profissional.
Você sabe, né, é óbvio que uma criancinha toda bonitinha e vestidinha de
bichinho vende. Ainda mais quando o target é constituído por mulheres-
mães. É só lembrarmos do sucesso estrondoso que fez o comercial da
Parmalat. Basta lembrarmos dele!
Recordou outro(a).
Comercial pra criança sempre tem que ter muita cor. Muita ação. Muita
energia. Tem algumas coisas que são óbvias. Relacionar a personagens de
desenhos animados é uma delas. Jingles bem facinhos também. Lembra do
comercial lá do Kellog’s, então... é um belo exemplo.
Observou um(a) terceiro(a). Diferentemente dos(as) estudantes, os(as) profissionais
entrevistados(as) pareceram dominar as regras de associação simbólica na produção de uma
mensagem publicitária. Ou seja, pareceram ser capazes de identificar quais são os símbolos
mais adequados na promoção deste ou daquele anunciante. Na divulgação deste ou daquele
produto. Destinado a este ou aquele público. Quando convocados(as) a justificar o uso de
cada um desses símbolos, respondiam como se tratasse de uma obviedade. “Ah[!], é óbvio
que aqueles bichinhos poderiam fazer sucesso. Todo mundo se encanta com uma criança
toda fofa. Ainda mais vestida daquele jeitinho.”
Com isso, somos levados a crer que o universo publicitário possui certa
capacidade de inculcar, naturalizar e cristalizar em seus(as) profissionais determinados
esquemas de percepção de mundo que lhes permitem conhecer, ou melhor, concordar, sobre o
valor publicitário deste ou daquele símbolo sem necessariamente ter de, a cada nova
produção, rever seu valor. Ponderar sobre sua pertinência. Esses esquemas parecem lhes
conferir, portanto, certo saber prático acerca da cotação publicitária de um determinado signo.
Saber este que está intrinsecamente ligado a outro saber, o das disposições
de seu público-alvo. Afinal, para que uma mensagem publicitária consiga “tocar”,
“sensibilizar”, enfim, “atingir” os(as) consumidores(as) visados(as), é preciso que ela esteja
“afinada”, em plena sintonia”, com eles. É preciso, portanto, que seus(as) autores(as)
conheçam muito bem os anseios e estilos de vida desses(as) consumidores(as). Assim,
podemos dizer que a manipulação legítima de um signo publicitário é possível, em larga
medida, graças a um profundo conhecimento de seu público-alvo.
Para Constantino (2004), esse público seria, grosso modo, constituído pela
classe média
222
, afinal, segundo ele, “os valores e códigos manejados pelos dominantes
dispensam a publicidade massiva, já que esse código é uma linguagem esotérica apenas
compreendida dentro de seu circuito específico” (2004, p.138). Assim, a publicidade estaria
voltada para os blocos dominados da sociedade, sobretudo para classe média, uma vez que ela
possui um poder aquisitivo maior do que o das classes populares
223
. Para ele, o profundo
conhecimento que os(as) publicitários(as) teriam dos códigos e valores da classe média
explicar-se-ia pela origem desses(as) profissionais, na própria classe média.
Conhecendo as trajetórias pessoais dos publicitários, verifica-se que
pouquíssimos são provenientes das classes altas, que tendem a direcionar
seus filhos a outras áreas, como direito, medicina etc. A maioria,
especialmente os mais antigos, vieram das classes médias, em geral urbanas,
muitos com pais sem formação superior. A sintonia mágica dos publicitários
com as classes médias, expressada pela capacidade de se fazer entender
através das mensagens publicitárias, encomendadas pelo pólo dominante,
vem, de fato, da homologia estrutural do campo publicitário.
Para nós, embora careça de comprovação empírica, essa sua hipótese, à
primeira vista, explica razoavelmente bem essa aparente afinidade do universo publicitário
222
Nas suas palavras, “entendida como todos aqueles grupos de consumo que consome bens já previamente
desvalorizados pelos dominantes, e que foram outrora considerados “valorizados” porque justamente eram
desconhecidos do gosto das massas – eram, outrora, objetos de ‘distinção’” (2004, p. 39).
223
A partir das análises feitas por Bourdieu dos mecanismos e jogos de distinção estabelecidos na
contemporaneidade, Constantino (2004) faz uma interessante análise do papel da publicidade para a classe
média. Para Bourdieu (1998), a hierarquia social é definida substancialmente em função do consumo de bens
simbólicos. Desta forma, a acumulação e a diferenciação simbólica constituem elementos importantes na relação
e (di)visão das classes sociais. Sendo assim, da sua perspectiva, as classes dominantes se distanciam das
dominadas, em grande medida, pelos gostos, posturas, opiniões, estilo de vida etc de seus(as) agentes. Ela marca
e hierarquiza sua diferença negando todos(as) aqueles(as) e tudo aquilo está abaixo dela. A classe média, por sua
vez, para marcar posição, não apenas nega o que está abaixo dela as classes populares como também busca
ascender socialmente procurando consumir e seguir o modelo de distinção imposto pela classe dominante. De
acordo com Constantino (1998), nesse contexto, a publicidade exerceria, então, uma função pedagógica para a
classe média, apresentado a ela os valores e produtos distintivos da classe dominante. Produtos estes que têm o
seu valor distintivo desvalorizado justamente quando passam a ser consumidos pela própria classe média. Afinal,
ao serem consumidos por ela, deixam de ser algo escasso, raro, exclusivo da classe dominante. É nesse
momento, então, que essa última classe tende a assumir novos valores, produtos e estilo de vida que a distinguirá
uma vez mais da classe média. Da mesma forma, a publicidade também exerceria um papel pedagógico para as
classes populares. Neste caso, apresentado para essa classe os valores e produtos distintivos da classe média. A
publicidade atuaria, assim, como uma espécie de mediadora cultural para todas as classes dominadas, fazendo os
bens de consumo escoarem, na sua inspirada metáfora, “numa escada, em que os degraus representam os estratos
sociais” (137, p.2004).
com a classe média. Entretanto, a partir dos depoimentos dados, da diferença do domínio das
associações publicitárias legítimas entre profissionais e estudantes, parece-nos que os(as)
publicitários adquirem um conhecimento ainda maior dessa classe no interior de seu próprio
universo profissional, nas suas instâncias específicas de socialização. Mais ainda, parece-nos
que esses(as) profissionais possuem também um profundo conhecimento dos anseio e estilos
de vida da sociedade em geral, não apenas da classe média. Um profundo conhecimento das
disposições de homens e mulheres de diferentes, classes, raças e idades. Prova disso é que
os(as) profissionais entrevistados(as) demonstraram possuir o domínio do discurso legítimo
para os mais diversos nichos de mercado. Esse domínio parece-nos, assim, constituir, em
alguma medida, um saber especificamente publicitário.
Saber este que pode fazer com que desapareçam possíveis indagações que
venham a ter de ordem prática na construção de uma mensagem cuja freqüente ponderação
dificultaria a produção diária de anúncios e campanhas. Oferecendo-lhes “naturalmente”
respostas a elas. Respostas automatizadas. Automatização habitual. Hábitos facilitadores de
tomadas de posição. Habitus, portanto. Relativos à sua atividade profissional, mais
especificamente. Indicativo de que seu universo profissional o publicitário possui certa
capacidade de forja-lhes um princípio de economia da práxis no exercício da sua profissão. E
de que, por conseguinte, possui características de um campo social. Indícios análogos foram
identificados nas estratégias de valorização simbólicas observadas nas entrevistas realizadas,
tema do nosso próximo tópico (3.1.2.2).
3.1.2.2 As estratégias de valorização simbólicas
Como já destacamos (1.3.1), “a estrutura do campo é um ‘estado’ da relação
de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta” (BOURDIEU, 1983, p.90). Sem
dúvida, esta estrutura origem a uma série de disputas destinadas a conservá-las ou
transformá-las. Colocando em marcha, assim, um permanente jogo de recusas e superações
entre seus(as) agentes. Jogo este que, como bem observa Thompson (2000, p.203-212),
produz e é produzido por uma série de estratégias de valorização simbólica
224
. Sendo assim,
podemos dizer que, num determinado espaço social, o emprego dessas estratégias é indicador
de que esse espaço opera como um campo. Afinal, sugere-nos que seus(as) integrantes
reconhecem seus(as) outros(as) integrantes como pares-concorrentes. Como adversários(as)
ou aliados(as). O que, conseqüentemente, sugere-nos que sua dinâmica se assemelha a de um
jogo. Como ocorre em qualquer campo social.
Indicando-nos que o espaço que investigamos opera a partir desse tipo de
dinâmica característica a todo campo social, ao longo das entrevistas realizadas, pudemos
observar que os(as) quatro grupos de entrevistados(as) adotaram as estratégias de valorização
simbólicas típicas de sua posição social. Os(as) dominantes constantemente referiram-se a(os)
dominados(as) com condescendência (i). Em contrapartida, os(as) dominados(as)
subversivos(as) depreciaram os troféus do jogo publicitário (ii). Os(as) integrados, por sua
vez, manifestaram-se de forma pretensiosa (iii). Já os(as) estudantes manifestaram-se sempre
com respeito e admiração pelos(as) profissionais dominantes (iv). É importante observar que
essas manifestações nem sempre foram explícitas; pelo contrário, muitas vezes, pudemos
observá-las apenas tacitamente nos meandros das considerações tecidas ao longo das
entrevistas. Em especial, no discurso condescendentes dos(as) dominantes.
i O discurso condescendente dos(as) dominantes
224
Sobre elas, indicamos a leitura de THOMPSON, 2000, p.203-212.
“É uma tentativa até válida de se fazer publicidade, por que não? Só não sei
se daria certo com um grande anunciante. Mas acho válido. Talvez, para marcas menores.
Contas menores. Acho que tem até a sua criatividade.” Não abertamente, de forma quase
que velada, bastante condescendente, assim, nas entrevistas realizadas, os(as) profissionais
dominantes manifestaram seu menosprezo pelas formas simbólicas produzidas pelos(as)
profissionais dominados(as). O depoimento supracitado é emblemático. Trata-se de um(a)
profissional dominante comentando as novas formas de publicidade estabelecidas por jovens
publicitários(as).
A condescendência, essa variante sutil do menosprezo (THOMPSON, 2000,
p.208) manifestada pelos(as) profissionais dominantes entrevistados(as), é uma estratégia de
valorização simbólica tipicamente empregada por agentes nessa condição. Afinal, para
preservá-la, para preservar seu status de dominante, precisam sempre negar aqueles(as) que
os(as) negam. Recusar aquilo que os(as) recusam. Por esta razão, são sistematicamente
levados(as) à menosprezar as produções dos(as) agentes dominados(as). Em especial, as
dos(as) subversivos(as). É nessa recusa que afirmam e reafirmam sua condição de
dominantes. Entretanto, ela não precisa ser necessariamente explícita. Declarada. Aberta.
Rebaixar elogiando é uma saída estratégica. Rebaixa-se o outro sem se rebaixar. Torna o
outro indigno sem, também, se torná-lo. Sem dúvida, esta foi a estratégia de valorização
simbólica empregada pelos(as) profissionais dominantes entrevistados(as). os(as)
dominados(as) subversivos(as), optaram por depreciar abertamente os(as) primeiros(as).
ii O discurso depreciativo dos(as) dominados(as) subversivos(as)
“A propaganda morreu! Não nada de novo no ar.” Sentenciou um(a)
profissional dominado(a). “Meu, esses caras querem é grana. Não tão nem aí! Ou você acha
que eles tão preocupados se o produto que tão vendendo faz bem ou mal? Indagou outro(a)
na mesma condição. Pudemos observar nas entrevistas de três profissionais dominados(as)
sistemáticos ataques a(os) publicitários(as) dominantes. Tanto em relação a questões éticas
quanto àquelas que dizem respeito à qualidade de suas produções. Esses ataques, entretanto,
nem sempre eram explícitos. Muitas vezes, ganhavam a sutilidade de uma ironia. “Desse riso
mau, sarcástico, destruidor [...] que fere, que pode matar.” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p.
231). Dessa forma de converter o humor em arma. Arma que, quando objetivada num
sarcasmo, desqualifica o outro pelas suas qualidades, duvidando de seu caráter, por exemplo:
“É... deve ser mesmo por bondade que esses caras fazem campanha de prevenção à AIDS de
graça...”.
Desvalorizar aqueles(as) que os(as) desvalorizam. Negar aqueles(as) que
o(a) negam. Depreciar suas produções. Repudiar suas ações e discursos. Eis a forma
geralmente empregada pelos(as) agentes subversivos(as) para atacar a ortodoxia. Aqueles(as)
que dominam seu jogo social. Que ocupam posições sociais superiores as suas. Sobre esse
ataque simbólico, Thompson, nos lembra, por exemplo, que a “burguesia emergente na
Europa dos séculos XVIII e XIX, algumas vezes, retratava a velha aristocracia como
extravagante, degenerada e irresponsável, como incapaz de organizar as questões políticas e
econômicas e como superficial em sua vida social” (2000, p.209). Retrato semelhante fizeram
os(as) agentes subversivos(as) dos(as) dominantes. Os(as) integrados(as), por sua vez,
parecem adotar uma estratégia diferente, parecem querer se passar por esses(as) últimos(as).
iii. O discurso pretensioso dos(as) dominados(as) integrados(as)
“Eu sempre fui excelente aluno. Sempre me destaquei na faculdade. Ganhei
prêmio nos meus primeiros anos como redator. Depois, consegui abrir uma agência... Quer
dizer, não posso reclamar muito. Acho que sempre fui bem sucedido no que fiz”, disse um(a)
profissional integrado(a). “Eu mesmo, desde muito cedo, mexia com milhões. Tinha nas
minhas mãos contas enormes, o que é uma puta responsabilidade”, disse outro(a). Nas
entrevistas realizadas, praticamente todos(as) os(as) profissionais integrados(as) nos passaram
a impressão de estarem excessivamente preocupados(as) em atribuírem a si mesmos(as) uma
condição de dominação. Em cada relato, em cada gesto, em cada olhar, pareciam reivindicar
uma posição superior a que possuem. Adotavam, aos nossos olhos, uma postura um tanto
quanto pretensiosa. Eternamente dispostos(as) a relatar suas glórias e consagrações.
A pretensão, parafraseando Comte-Sponville (2000, p.153), refere-se
sempre a um nada, uma vez que, implica sempre um conhecimento, ou melhor, um
reconhecimento descontente daquilo que não se é. Da posição que se ocupa no espaço social.
Por esta razão, de acordo com Bourdieu (1988), ela é justamente a marca característica
dos(as) pretendentes. Seu atestado de insegurança e ambição. A forma que lhes sobra de se
autovalorizar. Afinal, ao optar por uma estratégia de poder de sucessão e não de subversão,
como vimos no item (1.3.1), descartam qualquer possibilidade de ascensão social por meio de
uma ruptura crítica com os valores dominantes. Diante disso, resta-lhes apenas acatá-los.
Discriminarem-se individualmente de seus pares-concorrentes. Fazer crer a(os) agentes
dominantes que representam aquele(a) que melhor atende às suas expectativas. Melhor
personifica seus valores e ideais. Por esta razão, em linguagem goffmaniana, gastam tanto
tempo investindo numa fachada
225
distintiva. Tomando partido da aparência. Tentando passar
pelo que não são. Estratégia bastante diferente da adotada pelos(as) pretendentes, que,
225
Definida por Goffman como “à parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral
e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento
expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante a
representação” (2003, p.29).
costumeiramente, limitam-se a se resignar de forma respeitosa em relação às formas
simbólicas produzidas pelos(as) agentes dominantes.
iv. O discurso respeitoso e admirado dos(as) estudantes
“Não, aquele cara eu admiro, meu! O cara é foda! Veio de baixo e hoje é
um puta publicitário. Uma puta estrela da propaganda brasileira. Sinceramente, pra ele eu tiro
meu chapéu.” Manifestação de admiração de um(a) estudante por um publicitário consagrado.
“Eu acho que ele é um dos maiores profissionais que existem. Não profissional como ele.
Não é por menos que é um dos melhores. Meu, é ver o que ele fez. O cara manda muito
bem!” Sentenciou outro(a) estudante sobre o mesmo profissional. Com uma única exceção,
os(as) estudantes fizeram inúmeros elogios aos anúncios e comerciais feitos hoje no Brasil.
De forma exaustiva, prestaram referencia a(os) seus(as) produtores(as). A(os) dominantes do
universo publicitário nacional. Prova disso é que suas produções eram constantemente
classificadas como: 1) superiores: “Meu, aquele comercial é muito bom. Muito acima da
média!”; 2) valiosas: “Ah, eu acho que aquele comercial que ele sempre faz da Bom Bril
impagável”; 3) merecedoras de respeito: “Aquele comercial é profissa, cara!”
De acordo com Thompson (2000, p.210), a resignação respeitosa é a
estratégia de valorização simbólica tipicamente empregada por agentes situados(as) em
posições inferiores num determinado campo social. Mais especificamente, como acrescentaria
Bourdieu, pelos(as) seus(as) pretendentes. Afinal, como diria (1983, p.91), é preciso pagar um
“direito de entrada” para se entrar num espaço desse tipo. Sob pena de serem “barrados(as)”
pelos(as) dominantes, renegados(as) por eles(as), os(as) pretendentes devem sempre por
eles(as) mostrar respeito e admiração. Prestigiar suas produções e idéias
226
. Mostrar-se fiéis a
elas. Exatamente como fizeram os(as) estudantes entrevistados(as). A nosso ver, o que tende a
confirmar que eles(as) possuem certo “sentido de lugar” no universo publicitário. Sentido
esse que, entretanto, não parece se converter numa adesão total ao seu destino profissional.
Pelo contrário, parece fazer com que queiram mudá-lo, diferentemente dos(as) profissionais.
3.1.2.3 A adesão ao destino profissional
A prática publicitária é freqüentemente reconhecida como uma atividade
pouco ética. Do campo científico ao campo jornalístico
227
, não são poucos os universos
sociais que vinculam o(a) publicitário à figura do(a) profissional inescrupuloso(a). Espécie de
paladino(a) do capital. Artista a serviço do capitalismo mais selvagem. Das causas menos
nobres. Uma rápida sondagem sobre a opinião das pessoas acerca dessa atividade profissional
é suficiente para identificarmos sua fama. Sua péssima reputação. A desconfiança em
relação a ela é quase generalizada. Por esta razão, parece-nos natural que um(a) pretendente
ao jogo publicitário também apresente certa desconfiança em relação a ele. Suspeite, portanto,
das virtudes sociais de sua futura profissão. Afinal, a visão que possui dela foi estabelecida
em outros espaços de socialização que não o próprio universo publicitário. Por isso, muito
possivelmente, está sustentada em referenciais não muito amistosos a ele. Hipótese que nos
foi confirmada pelas entrevistas realizadas.
226
O campo científico nos oferece, aqui, um exemplo ilustrativo. Para ingressar num programa de mestrado, por
exemplo, é preciso apresentar um projeto. Para que este seja aceito é preciso, por sua vez, respeitar certa forma
de se ver e se fazer ciência. Forma esta que é sempre determinada por aqueles(as) que avaliam o projeto.
Pelos(as) dominantes do campo científico. Se ela não for respeitada pelo projeto avaliado, ele muito dificilmente
será aprovado.
227
Não foram poucos os meios de comunicação que, nos últimos quatro anos, defenderam a tese de que o
“declínio moral” do Partido dos Trabalhadores (PT) começou com a adoção por parte dele de estratégias
tipicamente mercadológicas. Ou seja, com a intensificação do seu vínculo com o universo publicitário.
Oito de dez estudantes destacaram, ao serem questionados(as) sobre o seu
futuro profissional, que pretendem trabalhar no terceiro setor ou fazer um outro uso social da
propaganda, exercendo alguma atividade de comunicação beneficente paralela à própria
profissão. Essa necessidade de utilizar a propaganda e o marketing para uma finalidade não
lucrativa foi objetivada num discurso crítico sobre sua futura atividade profissional. O
ingresso nessa atividade seria recompensado e justificado por eles(as) apenas pela sua
“natureza criativa” e pouco convencional. Pela sua “arte de viver”, como veremos melhor no
item (3.2.1.3). Assim, nosso(a) entrevistado(a) estudante não se intimida em admitir que
escolheu a publicidade porque achava que ela “era uma coisa mais divertida de se fazer”.
Diferentemente do grupo dos(as) estudantes, dos(as) três grupos de profissionais
entrevistados(as), nenhum(a) manifestou alguma intenção de dar um outro uso para sua
atividade profissional. Ou ainda, de trabalhar no terceiro setor. Dito isto, a pergunta que segue
é: o que esse fenômeno nos sugere exatamente?
Uma possibilidade: o espaço nacional de produção da publicidade é, de
fato, refratário. Ele refrata aqueles discursos que dizem respeito a ele, mas que são forjados
fora dele. Fazendo com que seus(as) profissionais possuam representações próprias acerca da
sua atividade profissional. Não compactuando, por conseguinte, com a perspectiva sombria da
publicidade feita pela maioria das pessoas. Possivelmente, por esta razão, diferentemente
dos(as) estudantes, os(as) profissionais entrevistados(as) não tenham manifestado qualquer
desejo de fazer um outro uso social da publicidade ou de trabalhar no terceiro setor. Por esta
mesma razão, talvez consigam aderir ao jogo publicitário de forma mais irrestrita do que
os(as) estudantes. De forma a não precisarem de uma compensação por exercer uma atividade
reconhecida muitas vezes pela maioria da nossa sociedade como pouco nobre. Imoral, até.
Prova de que a adesão ao jogo publicitário envolve uma representação
positiva desse jogo profissional é que quanto mais crítico nos pareceu o discurso de um(a)
estudante em relação à sua profissão, mais ávido(a) se mostrou para trabalhar no terceiro setor
e/ou para dar um outro uso social a esse fazer. Tomemos, a título de exemplo, dois momentos
de uma mesma entrevista: um(a) estudante, ao ser indagado(a) sobre a questão da premiação
publicitária, afirmou “não estar nem para Cannes”, para, minutos mais tarde, ao ser
interrogado sobre as possíveis funções sociais da publicidade, sentenciar: “ela faz mal pra
muita gente [a propaganda]... mas você também pode fazer uma campanha bem feita contra as
drogas, por exemplo”. A declaração de outro(a) estudante nos oferece mais um exemplo
ilustrativo:
Eu escolhi publicidade por causa do lado artístico. Sempre gostei de dançar e
tudo mais. Aí, eu entrei aqui... achando que ia ser legal... mas, sei lá, acho
que não tem nada a ver! Não tem ética nenhuma! Depois que eu comecei a
ter aula do [X], comecei achar que eu, putz[!]... que eu ia me tornar a pior
pessoa do mundo. [...] E eu fico ouvindo os professores de marketing falar
que a publicidade o cria desejo, sei lá, eu não concordo. Eu não quero
fazer parte disso! [...] Agora eu pensando em trabalhar com ONG ou
alguma coisa do tipo, bem ou mal, você trazendo uma alegriazinha.
Melhor do que vender calça [X] e fazer as pessoas pobres se sentirem mal
porque não podem comprar uma porcaria de uma calça [X].
Essa vontade manifesta de parte dos(as) estudantes de fazer um uso social
da prática publicitária para além do comercial é bastante indicadora de uma insatisfação
antecipada deles(as) em relação a todas pressões e necessidades associadas à sua futura
profissão. Entretanto, essa insatisfação, essa amargura que sentem em relação ao jogo
tradicional da publicidade não parece ser suficiente para uma verdadeira revolta individual
largar o curso de publicidade, por exemplo – e, menos ainda, coletiva – um repúdio ou ataque
organizado às formas tradicionais de fazer publicidade. Pelo contrário, a nosso ver, o caminho
apontado por eles(as) não passa de simples medida compensatória: na impossibilidade de
desejar e de se satisfazer completamente com o jogo publicitário, parecem precisar desviar
suas libidos para outros usos possíveis da sua futura atividade profissional. Para outros troféus
e formas de reconhecimento. Buscar, mais especificamente, um lucro simbólico específico: “o
reconhecimento universal do reconhecimento universal” (BOURDIEU, 1994, p.165), muito
provavelmente estabelecido em socializações anteriores. Desta forma, não termos observado
essa mesma busca nas manifestações dos(as) profissionais entrevistados(as) parece nos
sugerir que o universo publicitário possui certa capacidade de atração da libido de seus(as)
agentes. Prova disso é que nos parecem resignados(as) com seu destino profissional. Amá-lo,
em alguma medida.
“O publicitário está sempre preso ao que lhe é designado”, afirmou um(a)
profissional. “O publicitário está a serviço das causas que chegam à sua mesa. Nada podemos
fazer contra essa verdade”, sentenciou outro(a). Pudemos observar nas entrevistas dos(as)
profissionais que todos(as) eles(as) compartilham a percepção de que profissionalmente estão
atrelados(as) a forças que o controlam. Parecem, assim, perceberem-se presos a um
“destino” que não determinam. Depreendemos daí que se colocam numa posição passiva
diante de suas decisões profissionais
228
. Assim, nessa condição, estariam “despossuídos” de
arbítrio para decidirem sobre elas. “Você no esquema! Você no açougue! Não adiante
dizer que vende um tipo de carne! Você faz parte desse contexto! [...] Em geral, dentro
desse açougue você tem que vender a carne que está exposta.”
Entretanto, apesar de se surpreenderem acorrentados a um destino do qual
não são plenamente causa ativa, os(as) profissionais – entre os(as) quais os(as) autores(as) das
sentenças destacadas logo acima não manifestaram descontentamento ou angústia. Pelo
contrário, pareciam até, em alguma medida, atribuir sentido a esse destino. Afirmar nele suas
próprias existências. O que nos indica que os(as) profissionais da publicidade possuem uma
espécie de amor ao próprio destino profissional. Ao menos, ao por eles(as) percebido. Espécie
de amor fati particular à própria profissão. Na definição de Nietzsche, “não querer ter nada de
diferente, nem para trás, por toda a eternidade... Não apenas suportar aquilo que é necessário,
228
Embora, como veremos no tópico (3.2.2.1), parte deles(as) se ache no direito de não violentarem seus
princípios mais fundamentais. No de não anunciarem um produto ou marca contra os quais tenha alguma coisa.
muito menos dissimulá-lo todo o idealismo é falsidade diante daquilo que é necessário -,
mas sim amá-lo...” (2003, p.68, § 10).
Isso explica, pensamos nós, a coerência entre discurso e prática observada
no caso de um(a) profissional que também exerce o magistério
229
. De acordo com ele(a):
existiu o conflito, pesado! [de ser publicitário e professor] [...] O conflito
de estar trabalhando numa coisa limpa, entenda: educação; e com uma coisa
suja, entenda: publicidade [...] Mas eu vi que coisa é mais complexa do
que isso, que essa era uma visão um pouco ingênua. Muito maniqueísta.
A nosso ver, foi somente a partir da resolução desse conflito que sua permanência no espaço
de produção da publicidade se tornou possível. Caso contrário, ela teria sido bastante
improvável. Afinal, a sustentação de um discurso muito crítico em relação ao próprio jogo
profissional pode vir a atrapalhar, ou, até mesmo, a impossibilitar, a sua realização. Ainda
mais, num jogo como o publicitário, onde se exige de seus(as) agentes grande dinamicidade
nas suas tomadas de decisão. A ponderação freqüente acerca delas, de seu valor moral, alarga
evidentemente o tempo necessário para tomá-las, reduzindo, assim, sua rapidez. Sua eficácia,
conseqüentemente.
Sendo assim, pensamos que, para a realização do jogo publicitário, é
necessário que seu espaço de produção refrate, como as entrevistas nos indicaram, aqueles
discursos, compartilhados por outros universos sociais, críticos em relação a ele. Essa refração
é, sem dúvida, condição de sua existência. Sem ela, impossível sua realização. Entretanto, não
podemos deixar de notar aqui que, se, por um lado, o desejo manifestado por parte dos(as)
estudantes de trabalhar no terceiro setor ou de oferecer um outro uso social à publicidade nos
indica essa refração, ele nos aponta, também, em alguma medida, para certo temor deles em
relação aos gatekeepers publicitários (3.1.2.4).
229
São professores(as) do curso de Publicidade e Propaganda.
3.1.2.4 O medo dos(as) estudantes dos gatekeepers publicitários
“O medo é o primeiro sentimento por certo, pelo menos ‘ex utero’”,
escreveu certa vez Comte-Sponville (1997, p.11). Se suas palavras estão ou não corretas é
difícil de dizermos. Teríamos de perguntar a um(a) recém-nascido(a) ou nascermos
novamente para saber com certeza. Entretanto, se não é possível afirmarmos que nascemos no
medo, é seguro afirmarmos que vivemos no medo. Ao menos, parte de nossas vidas. Afinal,
quem nunca se amedrontou diante de uma situação nova? Diante do para sempre? Ou do
nunca mais? Viver provoca medo. Não vida sem esse afeto. Se isto não é uma certeza, é
certo que dificilmente alguém diria o contrário.
Mas do que temos medo exatamente? Da morte, é uma resposta freqüente.
Da morte violenta, uma ao estilo hobbesiano. Mas essas respostas não são as únicas possíveis.
gatekeepers muito rigorosos, acabarem se contentando em tentar a sorte em universos menos
prestigiados. De mais fácil acesso.
Assim, parte dos(as) estudantes ter manifestado vontade de trabalhar no
terceiro setor e não propriamente em uma agência publicitária pode ser um indício de que, em
alguma maneira, temem os mecanismos de seleção do seu futuro jogo profissional. Desta
forma, a nosso ver, trabalhar no terceiro setor seria uma forma por eles(as) encontrada de
exercer uma atividade semelhante a que desejam, de trabalhar com marketing ou
comunicação, mas sem ter de, necessariamente, passar pelos processos seletivos da atividade
publicitária. O seguinte depoimento parece corroborar com essa nossa suposição. Vejamos o
que diz um(a) dos(as) estudantes entrevistados(as):
Ah, cara, sei lá... Entrar numa agência é foda! Hoje em dia, a coisa tá feia! É
panelinha. Um meio muito fechado. Ainda mais se você quer trabalhar
na criação coisa e tal. Não sei se quero trabalhar numa agência. Eu até queria
antes de entrar na facu, mas agora... Sei lá, acho que a coisa não é fácil O
terceiro setor parece ser uma coisa bem legal. Tem muita gente legal
trabalhando no terceiro setor. Fazendo coisas legais e tudo mais. Não sei,
ultimamente tenho pensado muito em trabalhar numa ONG ou coisa
parecida. não sei se vai virar. Também não sei se quero isso pra a vida
inteira, mas pra começar parece ser bem legal. Dá pra ganhar uma boa
experiência. Não sei, ainda tô pensando. Preciso ver melhor.
A manifestação de outro(a) estudante parece nos apontar para a mesma
direção:
Cara, eu vou te falar que atualmente eu pensando mesmo em trabalhar no
terceiro setor. Não tô a fim de ficar correndo de agência em agência. De ficar
babando ovo pra só daqui a dez anos conseguir alguma coisa legal. O
terceiro setor parece que é uma oportunidade bem legal pra quem tá
começando. Tava vendo isso esses dias numa aula de marketing.
Assim, se, de fato, muitos(as) estudantes do curso de publicidade acabam
buscando trabalho no terceiro setor e não numa agência de publicidade por temerem os
mecanismos de ingresso dessa última por descrença na possibilidade de conseguirem passar
por sua filtragem como as manifestações acima podem nos sugerir, então temos um
importante indicativo de que o universo nacional de produção da publicidade apresenta uma
das principais características de um espaço relativamente hermético: poderosos gatekeepers
psicológicos. Conseguem barrar seus(as) pretendentes sem barrá-los(as) explicitamente.
Garantindo, assim, que ingressem apenas aqueles(as) candidatos(as) que atendem às
exigências por ele estabelecidas. Garantido, portanto, sua relativa autonomia em relação aos
demais universos sociais. Às exigências e demandas impostas por esses outros. Se isto pode
nos indicar a pertinência da noção de campo publicitário, as manifestações analisadas na
próxima parte nos apontam para uma direção contrária (3.2).
3.2 MANIFESTAÇÕES NÃO INDICATIVAS
Na primeira parte (3.1), analisamos as manifestações indicativas da
pertinência da noção de campo publicitário. Agora, nesta segunda parte (3.2), analisaremos as
que relativizam tal apontamento
230
. Para tanto, estruturamos-la de forma semelhante à
primeira. Assim, num primeiro momento (3.2.1), discutiremos aquelas manifestações comuns
a todos(as) os(as) entrevistados(as) e que não corroboram com tal pertinência. Num segundo
momento (3.2.2), discutiremos aquelas singulares a cada grupo e que, tampouco, corroboram.
Comecemos pelas comuns.
3.2.1 MANIFESTAÇÕES TANGENCIAIS
Neste item, as manifestações a serem discutidas ensejam uma tripla
tematização: o primeiro tópico (3.2.1.1) diz respeito à estrutura dos discursos de auto-
apresentação dos(as) entrevistados(as). Já o segundo, ao amor que dizem sentir pela arte
(3.2.1.2). O terceiro, às observações que fizeram acerca do “estilo de vida publicitário”. Estilo
este bastante similar ao do universo artístico, analisado por Bourdieu em “As regras da arte”
(2002). A estrutura das suas auto-apresentações constitui nosso primeiro objeto.
3.2.1.1 A estrutura do discurso de auto-apresentação
“Meu nome é...” “Eu me chamo...” “Eu sou estudante do curso de
publicidade...” “Eu sou publicitário há mais de...” Uma das primeiras características que
pudemos observar tanto no discurso dos(as) estudantes como no dos(as) profissionais da
publicidade não diz respeito ao seu conteúdo, mas à sua estrutura. Em todas as entrevistas
realizadas, para todas as perguntas biográficas que fizemos, seguiram respostas com um
padrão formal mais ou menos definido. Inclusive, para as mais abertas, tais como: “quem é
você?” Constado esse fenômeno, passamos a nos interrogar sobre o seguinte: que sentido
devemos atribuir a essa observação inicial? O fato de pretendentes, dominantes e
dominados(as) se autodefinirem a partir de um padrão semelhante é indicador do que
exatamente?
Para respondermos a tais indagações, é importante fazermos uma digressão
inicial acerca das regras que conduzem um discurso de auto-apresentação. Toda apresentação
de si é um ritual. Obedece a uma seqüência narrativa estruturada de forma previsível e
socialmente definida. Desta forma, a nosso ver, a crença na liberdade da autodefinição não
passa de uma ilusão. De um equívoco ingênuo. Da ignorância das regras interiorizadas ao
longo da nossa trajetória social que conduzem à estrutura de nossos relatos sobre nós mesmos.
A maneira pela qual começamos uma narrativa autobiográfica nada tem de espontânea.
Tampouco os passos que ela conduz. A revelação de si é sempre encadeada com rigor. Se a
230
Ilustrado pela figura 4 (anexo 8).
situação pode nos fornecer os primeiros referenciais – “Você vem sempre aqui?”, exemplo de
uma forma convencional de se começar uma conversa num bar o diálogo iniciado vai
pouco-a-pouco nos permitindo identificar o(a) nosso(a) interlocutor(a). Vai, portanto,
reduzindo sua contingência aos nossos olhos. Indicando sua posição social. O que devemos e
o que não devemos esperar dele(a).
Assim, de acordo com Goffman, cada interlocutor(a) age diante e para uma
outra pessoa que vai se definindo e fornecendo impressões sobre si mesma, às quais solicita
que sejam levadas a sério (2003, p.25). É por isso, escreve Ciampa, que, ao comparecermos
frente a alguém, representamo-nos. Apresentamo-nos como os(as) representantes de nós
mesmos (1998, p.170). Reivindicamos a parcialidade do “Eu” manifesto na nossa auto-
apresentação como uma totalidade verdadeira de nosso “ser”. Como seu “absoluto”.
Reivindicamos, assim, sua coerência em todas as situações. Uma só fachada para nós,
portanto. Numa tentativa de reduzir a possibilidade do nosso interlocutor(a) reconhecer em
nós um “Eu” diverso. Plural. Fragmentado. Indeterminado. Dessubstanciado. Pior,
contraditório com o qual desejamos apresentar.
Reivindicação essa que nem sempre é atendida plenamente. Depende
sempre do(a) interlocutor(a) com quem a negociamos. Mais especificamente, de nossa força
simbólica nessa negociação. Se a representação que nosso(a) interlocutor(a) faz de nós vem
chancelada por uma legitimidade previamente reconhecida. Ou ainda, se somos ou não
capazes de engendrar um discurso apropriado ao contexto em que ocorre a negociação. De
nosso capital lingüístico, portanto
231
. Assim, podemos afirmar que o lucro simbólico que
podemos obter nessa negociação não está necessariamente subordinado a algum privilégio
expressivo inato que podemos possuir. Tampouco, simplesmente ao nosso domínio prático da
gramática. Mas, sobretudo, ao nosso domínio das possibilidades legítimas de sua utilização no
contexto em que nos apresentamos. De saber como, quando e o quê comunicar sobre nós
nesse contexto.
Domínio este que, de acordo com Bourdieu (1996), não passa
necessariamente por um cálculo consciente. Mas por regras que vão, ao longo de nosso
processo de socialização, sendo interiorizadas e se convertendo em disposições. Disposições
habituais de autodefinição. Em habitus autobiográfico
232
, portanto. Mais ou menos
particulares a cada universo social. Sendo que, quanto mais refratário um espaço social for a
outros tipos de socialização, mais seus(as) agentes se apresentarão de forma semelhante e, ao
mesmo tempo, singular. Um hipotético universo social totalmente autônomo seria, portanto,
constituído e constituinte de estruturas narrativas absolutamente próprias de autodefinição.
Diante disso, o fato de todos os grupos de entrevistados(as) se
apresentarem a partir de seqüências narrativas semelhantes significa, muito possivelmente,
que as estruturas de seus relatos refratam porque não refletem quase completamente os
efeitos de uma socialização propriamente publicitária e, de forma bastante provável, os efeitos
de qualquer outra socialização secundária. O que nos constrange a considerar a importância
de uma socialização primária, pré-universitária, na construção das definições identitárias
dos(as) agentes da publicidade. Conseqüentemente, é possível afirmarmos que uma
socialização primária, de origem de classe, que se mantém pode explicar de forma plausível a
gênese dessa estrutura narrativa comum.
Afinal, tanto os(as) publicitários(as), quanto os(as) estudantes(as)
entrevistados(as) encontram-se sob a égide de referenciais comuns: mídia, escola etc.
Pertencem a universos sociais semelhantes. Assim, provavelmente, esse tipo de apresentação
segue o que Bourdieu denominou de habitus de classe. Isto é, de um habitus estabelecido
231
Para uma leitura introdutória à noção de capital lingüístico, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 2003. Para
uma explicação mais detalhada sobre essa noção, indicamos a leitura de BOURDIEU, 1996.
232
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de BARROS FILHO & LOPES & ISSLER 2005, p.13-26.
numa socialização propriamente de classe
233
. Isso indica que uma leitura mais mecanicista das
relações de causalidade entre a infra-estrutura e o universo específico de produção da
publicidade não seria tão impertinente assim. As manifestações analisadas no item seguinte
também nos apontam para a falta de autonomia do universo publicitário (3.2.1.2).
3.2.1.2 O amor pela arte
“Sempre gostei de criar! Desde criança sou um apaixonado pela arte!” Início
enfático da apresentação de um(a) estudante entrevistado(a). “Eu sou uma pessoa muito
curiosa. Sempre ligada à arte”, destacou outro(a). Esses dois relatos, de grande encantamento
com a arte e sua produção, são ilustrativos de muitos outros, quase unânimes nos depoimentos
dos(as) estudantes. Repetidos, reforçados e parafraseados. na pergunta inicial “Quem é
você?” costumavam, de alguma forma, respondê-la pela sua ligação com alguma forma de
arte. “Desde criança eu já gostava de trabalhar com criatividade. Com desenho e música.”
Minha história... Bem, ah [!] eu sou o [X], tenho 23 anos, sou um cara que
curte bastante artes [...]. Eu freqüento o máximo que eu posso ambientes de
arte. Sei lá, museus, show de música, principalmente. Eu toco... eu mexo
com música desde os cinco anos de idade. Em coral. Flauta. E durante,
vamos dizer assim 18 anos, tiveram muitas interrupções. Parava, voltava.
Parava, voltava. Parava, voltava. fiz pintura. fiz desenho. Ou seja, eu
sou bem direcionado nessa parte mais humana. Mais artística.
Resultado idêntico aponta a análise de discurso dos(as) profissionais entrevistados(as). Assim
como os(as) estudantes, todos(as) eles(as) demonstraram, em diversos momentos de suas
entrevistas, paixão pela arte. Alguns(as) deles(as), inclusive, seguem carreiras artísticas
paralelas. Dois(as) são também escritores(as). E um(a) outro(a), fotógrafo(a). Dito isto, que
sentido atribuir a esse amor de ambos os grupos pela arte? Qual sua relação com o universo
233
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 2001, p.183-203.
publicitário? Eis as questões analisadas neste tópico. Comecemos por compreender o que
Bourdieu escreveu a respeito do amor pela arte e do prazer que ela proporciona.
De acordo com ele (2002), a crença na importância da arte é a condição,
quase sempre despercebida, do próprio deleite estético
234
. Aquilo que converte a libido numa
libido propriamente artística (2002, p.365-368). Assim, para ele, a crença na sua importância
é a própria condição da sublimação
235
. É o que chama uma pessoa para o “jogo da arte”.
Desta forma, o campo artístico, como qualquer outro, seria estruturado e estruturante de uma
forma particular de ilusão. Ilusão esta que faz com que a importância de participar dele não
seja calculada. Mas sim implícita. Considerada óbvia. Dada como evidente.
Nesse sentido, chama nossa atenção que todos(as) os(as) entrevistados(as)
tenham manifestado admiração por alguma forma de arte. “Eu amo cinema! Sempre amei
cinema!” “Sem dúvida, o teatro é a minha grande paixão.” E que tenham afirmado dedicar-se,
ou ter se dedicado em algum momento, a alguma delas. “Sempre gostei muito de
manifestação artística. Gosto muito de artes, especialmente música. Quero até seguir uma
carreira depois.” “Eu faço teatro, também desenho em quadrinhos.” Afinal, a observação
desse fenômeno pode nos indicar que eles(as) compartilham essa ilusão particular ao campo
artístico. Possuem, portanto, em alguma medida, sua illusio. A absoluta ausência, nos
discursos, de justificativas ou de razões para esse desejo singular é indicadora de como essa
234
Podemos dizer, aqui, que todo tipo de deleite obtido num determinado campo social está, em primeiro lugar,
relacionado ao grau de importância que o(a) agente que se compraz atribui a ele. Em segundo, a seus interesses
específicos nele. Nem sempre as grandes conquistas internas a um campo são compreendidas como tais por
agentes externos a ele. Assim, o investimento que a obtenção de um título de mestre ou de doutor implica quase
nunca é compreensível fora desse espaço específico de produção da ciência que constitui o campo universitário.
Conservando o exemplo, um(a) agente que participa deste jogo sentirá, por exemplo, grande prazer ao se deparar
com uma grande nova descoberta em sua área, ainda mais se for ao encontro do que acredita. Tomemos essa
passagem do físico brasileiro Daniel Kleppner: “Einstein apresentou sua teoria de radiação de forma tão simples
e natural que se poderia acreditar que ele fez tudo sem esforço, fortuitamente. Trabalhos de arte causam êxtase.
Qualquer afortunado bastante para entender a teoria da radiação de Einstein não pode deixar de se extasiar
(2005).
235
Sublimação é aquilo que desvia nossa energia libidinal para novos objetos que nos parecem úteis. Segundo
Freud, em “O Mal-estar na Civilização”, uma “técnica para afastar o sofrimento no emprego dos deslocamentos
de libido que nosso aparelho mental possibilita e através dos quais sua função ganha tanta flexibilidade. Sua
tarefa consiste em reorientar os objetivos instintivos de maneira que eludam a frustração do mundo externo. [...]
inclinação lhes parece óbvia. Evidente. O fazer artístico, no dizer dos(as) entrevistados(as),
“vale por si mesmo”.
A publicidade não passaria, então, a nosso ver, da forma encontrada por
eles(as) de viver da arte. Ainda que reconhecida como impura e presa diretamente a interesses
econômicos – “todo mundo sabe que isso só serve para vender” – ela guardaria espaço para se
expressarem artisticamente “os caras ganham muita grana às nossas custas, mas a
criatividade, essa é nossa”. Na literatura especializada, encontramos inúmeras manifestações
que corroboram com essa nossa suposição. O que nos faz crer que, de fato, o universo
publicitário interpreta, em alguma medida, seu fazer como uma produção artística. “Fico
muito triste com o fato de vocês não terem entendido que este comercial é uma obra de
arte
236
.” “A propaganda é uma arte comercial. Portanto, pode ser irreal
237
.” E não um negócio
comum.
Sendo assim, nos parece cabível sustentar que, na impossibilidade de
viverem somente de uma experiência artística pura – “pensei, se eu fosse fazer artes plásticas,
ia morrer de fome.“Eu até entrei numa faculdade de música nos EUA, mas é muito caro... o
dólar tava alto” a prática publicitária aparece para seus(as) profissionais e estudantes como
uma solução de compromisso. Uma “saída honrosa”. Socialmente “aceitável”. Sobretudo,
economicamente viável. Uma tangência desesperada entre algumas inclinações, esculpidas
num corpo em socialização, e certa oferta do mercado. “O publicitário é quase um artista
frustrado. A gente caminha entre o vendedor e o artista.” Reconheceu um(a) publicitário(a).
Diante disso, teríamos, na opção dos(as) estudantes pelo curso de
Publicidade e Propaganda, um sintoma indicativo da censura à arriscada profissão de artista e
ao desejo latente de se trabalhar com arte. O resultado relaxante de uma tensão. Inclusive,
Obtém-se o máximo quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do
trabalho psíquico e intelectual” (2002, p.28).
236
De um publicitário para um representante de marketing ao ser questionado sobre a eficiência de um anúncio
que criado por ele, segundo Levy em “Propaganda A Arte de Gerar Descrédito” (2003, p.94).
para alguns deles(as), um alívio provisório demais. Afinal, a opção por esse curso foi
apontada por três deles(as) como equivocada. Um semestre de curso já teria lhes indicado que
a publicidade é muito mais um negócio – “nunca pensei que num curso de publicidade tivesse
tanta matemática” do que propriamente uma forma de arte. “Um pouco me frustrei, porque
tem muito marketing e pouca criação. Até que ponto um publicitário tem liberdade pra criar?
Sei lá, acho que é cada vez mais restrito.”
Essa frustração, a nosso ver, antecipa uma segunda recorrência. Esta,
observada entre os(as) profissionais: praticamente todos eles(as) demonstraram interesse por
projetos que não dizem respeito à profissão. Cai por terra, assim, uma de nossas hipóteses
segundo a qual haveria entre eles(as) uma identificação quase que plena entre projetos de vida
e vida profissional. Acreditávamos que a posse de um capital propriamente publicitário,
decorrente da legitimidade da posição ocupada, isto é, de uma forma particular de
reconhecimento por parte dos(as) demais agentes do seu universo profissional, dispensasse
qualquer desvio libidinal para outras consagrações. Outras práticas, como a carreira de
escritor. Supúnhamos, erroneamente, que as recompensas propriamente publicitárias
bastassem a seus(as) agentes. Sobretudo, a(os) dominantes, que encontrariam na sua
consagração uma justificativa para suas existências.
Desta forma, pensamos que a frustração prematura dos(as) estudantes e os
projetos paralelos dos(as) profissionais, como escrever um livro literário ou participar de uma
exposição fotográfica, são indicadores de que as instâncias de socialização propriamente
publicitárias, no estágio atual de estruturação do universo publicitário, são relativamente
ineficazes na conversão da illusio da arte que esses(as) agentes possuem em uma illusio
propriamente publicitária. Alguns(as) dos(as) estudantes frustrados(as) nos confessaram até
que só seguirão estudando publicidade para, assim como os(as) artistas que possuem um outro
237
Do publicitário Julio Ribeiro em seu livro “Fazer Acontecer” 1994, p.210.
ofício, “poderem viver uma arte que não pode fazer vivê-los” (BOURDIEU, 2002, p.74). “O
meu negócio é cinema. Mas sabe como é, pra viver disso tem que dar muita sorte.”
Notemos, porém, que essa ineficácia é apenas relativa. A consagração
publicitária, ao celebrar e premiar manifestamente o lado artístico e original da sua prática
“os prêmios em publicidade são, e devem continuar sendo, destinados aos criativos, aos
imprevisíveis” e latentemente mascarar seu lado empresarial, o negócio da propaganda
“um chato como o garoto das Casas Bahia pode vender o que for, mas nunca vai ser
considerada boa propaganda” exerce, a nosso ver, função canalizadora da libido artística
dos(as) estudantes e profissionais da propaganda para seu próprio universo. O depoimento
seguinte, dado por um(a) profissional, parece nos apontar para essa direção: “Eu acho que é
arte [os festivais publicitários]. Eu enxergo como um festival de arte. Tem uma proposta.
Uma mensagem de forma e conteúdo. É quase como a pílula da felicidade da criação”.
Assim, da nossa perspectiva, ao abordar a propaganda como uma forma de
arte, os festivais publicitários acabam cumprindo uma dupla função: primeira, satisfazem (ao
menos, parcialmente) um desejo latente dos(as) publicitários(as) de serem reconhecidos(as) e
de se reconhecerem como artistas. Segunda, a partir da denúncia da produção dos anúncios
fantasmas, destacadas no tópico (3.1.1.3), podemos dizer que também conferem a eles(as)
relativa autonomia no exercício de sua profissão. Sobretudo, na criação de uma mensagem
publicitária. No exercício dos pressupostos e regras apreendidos no seu próprio universo
profissional para a produção de um anúncio criativo. Afinal, os festivais, ao premiarem
algumas peças, consagrando-as como obra de arte, outorgam grande poder de criação a(os)
seus(as) autores(as). Como nos recorda Levy, “arte, como é sabido, pode até ser discutida,
mas não pode ser alterada” (2003, p.94). Desta forma, se o amor pela arte manifestado por
todos os(as) entrevistados(as) nos indica certa incapacidade do universo publicitário em atrair
a libido de seus(as) agentes, conseqüentemente, da impertinência da noção de campo
publicitário, a existência dos festivais publicitários parece relativizá-la. Atrair estudantes e
profissionais para o jogo da publicidade. Como veremos a seguir (3.2.1.3), outra tangência
entre o universo da arte e o da publicidade parece ser o estilo de vida adotado ou, ao menos,
tanto de sair, um pouco em decorrência disso. É trabalho de campo, vamos
dizer assim. Inclusive, uma coisa que me assusta um pouco nessa nova
geração de publicitários que chegando é justamente essa falta de
curiosidade. Essa falta de inquietação permanente que todo publicitário deve
ter.
A bebida, a blague, o gosto pelo diferente, a repulsa à rotina, a crença na importância de suas
criações parecem ser outras características típicas do estilo de vida dos(as) artistas
238
que
foram incorporados pelos(as) profissionais da publicidade. Como nos contou um(a) deles(as):
Eu tava te contando que os publicitários são meio loucos. Meio
megalomaníacos. Muitos deles, hoje em dia, se acham, se vêem como
deuses. Capazes de criar mensagens pra vida das pessoas. De melhorar ou
piorar a vida das pessoas. E aí, pra mim o exemplo típico disso é uma festa
de publicitário. Que parece uma reunião do “Grupo”. Onde cada um é deus.
Com papel diferente. Representando uma marca. Ou um grande feito. Onde
eles trocam figurinhas. Se divertem. Tomam muito vinho e contam o que
eles estão fazendo de extraordinário pra as pessoas. O que eles estão criando.
Como suas vidas são extraordinariamente interessantes. É engraçado... eu
acho isso meio prepotente da nossa parte. Uma mega-prepotência. Eu acho
que isso é uma postura de deus.
A representação feita do(a) publicitário(a) pelos(as) estudantes também
parece envolver algumas fantasias típicas do universo artístico. Fundamentalmente, a imagem
que fazem dele(a) é a de um(a) profissional que desempenha funções pouco rotineiras e pouco
convencionais. Que requerem mais intuição casuísta do que a aplicação de métodos rígidos.
De acordo com um(a) deles(as), “eu escolhi publicidade porque o que eu curto é essa coisa de
improvisar, de fazer sempre diferente”. No relato de outro(a):
Eu sempre quis fazer alguma coisa que mudasse a rotina. eu fiz uma
visita a uma agência. E eu achei um clima muito bom. Achei tudo muito
descontraído. eu escolhi a publicidade. Eu acho que a publicidade tem
muito a ver comigo, por isso. Tem que estar em constante atualização e eu
sempre gostei de ler, sou uma curiosa constante e é uma profissão não
muito rotineira, também. Toda profissão tem um pouco de rotina, mas eu
acho que a publicidade tem menos. A publicidade, pelo menos eu acho isso,
é uma profissão que foge mais da rotina. Eu, inclusive, larguei uma
238
Sobre o assunto, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 2002, p.70-86.
faculdade de jornalismo porque eu acho que isso de rotina, que eu tava
querendo fugir, ia ter um pouco.
O relato é emblemático. Um(a) improvisador(a). Criativo(a) e intelectualizado(a). Espécie de
“intelectual total
239
de nossos dias. Eis a personagem-fetiche do(a) publicitário(a) feita
pelos(as) estudantes. Imagem sedutora, sem dúvida!
A palavra fetiche vem do português “feitiço
240
”. De um objeto inanimado
que se apresenta aos olhos de seus(as) cultuadores(as) como animado. Isto é, com vida
própria. De alguma coisa misteriosa. Vinda da natureza ou produzida pelas pessoas. Mas que
passa a ser vista como fascinante e fantasmagórica subjugando seus(as) adoradores(as). Em
“O Capital” (1996), Marx desenvolve a tese de que, no modo de produção capitalista, as
mercadorias transformam-se num fetiche. Ou seja, transformam-se numa coisa gica que
encanta e produz desejo. Para ele, essa metamorfose é explicada pelas condições alienantes
em que se encontram os(as) trabalhadores(as) no sistema de produção capitalista.
Com a divisão social do trabalho e com a desapropriação da posse do
produto de seu próprio trabalho, os(as) trabalhadores(as) passaram a não mais se reconhecer
como causa do que produzem. Deixaram de perceber a mercadoria como a expressão de
relações sociais determinadas (MARX, 1996, p.33-31). Desta forma, de acordo com ele, o
fruto de seu suor e de sua exploração passou a ser por eles(as) percebido como substância.
Isto é, como algo “em si” e “para si”. Sem uma causa eficiente que lhe desse origem. Na suas
palavras, “a mercadoria como surge na superfície, isola-se de suas conexões ocultas e dos elos
intermediários mediadores” (1999, p.189). Com o desdobramento desse processo histórico,
239
Sobre a figura do “intelectual total”, para Bourdieu objetivada principalmente na figura de Sartre, indicamos a
leitura de BOURDIEU, 2005a. Sobre as origens da figura do intelectual, sugerimos a leitura de BOURDIEU,
2002, p. 150-152.
240
Esta, ao menos, é a origem etimológica portuguesa apresentada no “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”
(FERREIRA, 1986, p.773.), no “Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa” (CUNHA, 1982,
p.355) e no “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” (HOUAISS, 2001, p.1933).
essa metamorfose se acelerou e se intensificou e o
Desta forma, “como a forma mercadoria no estudo do capital, a personagem
começa a aparecer como objeto misterioso e fantasmagórico: um fetiche!”
(1998, p.139). A
partir dessa perspectiva, podemos dizer, então, que ao longo de nossas trajetórias sociais
vamos negociando com outras pessoas as representações definidoras de nós mesmos. Por
outras palavras, participamos diariamente de um comércio identitário nas relações que
vivenciamos. No entanto, neste comércio, no processo contínuo de atualização de nossa
personagem pressuposta, acabamos por reificá-la. Por convertê-la em algo com poderes sobre
nós, que mantém e reproduz nossa identidade, mesmo que estejamos envolvidos em outra
atividade.
Em face do exposto, nossa suposição é a de que cada campo social sustenta
uma personagem-fetiche específica. Um fantasma particular que povoa a mente de seus(as)
agentes. Uma imagem que o estrutura e que é por ele estruturada. Podendo, inclusive,
extrapolá-lo. Subjugando, nesses casos, seus(as) agentes em outras situações sociais. Em
outros contextos. Para utilizarmos a linguagem psicanalítica, podemos supor que todo campo
social constitui e é constituído por um “Eu” ou “ego ideal
243
”, que encerra cada um de
seus(as) integrantes “num pseudo-estado aconflitivo mediante o processo de ‘idealização’”
(SEVERIANO, 2001, p.136). Seria ele, portanto, constituído e constituinte do consenso
imanente de todo campo social: o de que vale a pena participar dele e ser reconhecido como
alguém que joga o seu jogo.
Esse “ego ideal”, entretanto, não possui, a nosso ver, garantia da
permanência adeternum de um estado incólume. Afinal, não constitui uma força única.
Participa sempre de uma polifonia discursiva. Muitas vezes, diga-se de passagem, bastante
agressiva a ele. Agressividade esta sustentada freqüentemente não apenas por “vozes”
exógenas, mas também endógenas a ele (a dos(as) dominados(as)). Podemos dizer, então, que,
nesses casos, esse “ego ideal” participa de uma luta social intra e intercampo pela sua
consagração. Sendo que quanto mais autônomo e harmônico for o campo social mais esse ego
estará protegido
244
. Afinal, o primeiro atributo o protege das agressões externas, enquanto que
o segundo, das internas.
Entretanto, uma vez que nenhum campo é completamente autônomo e
harmônico (caso contrário, não seria um campo!) esse seu “ego ideal” nunca estará
completamente protegido. Nunca seuma produção absolutamente sua. Por outras palavras,
a personagem-fetiche feita pelos(as) seus(as) agentes não pode ser um ato absolutamente
livre. Independente de influências de outros universos sociais. Pelo contrário, pode ser o
resultado de uma negociação. Um sintoma, portanto
245
. Assim, de acordo com nossa hipótese,
se a noção de campo social é pertinente para compreendermos o universo publicitário, os(as)
agentes desse universo devem manifestar um sintoma específico: uma personagem-fetiche,
que pode ou não romper as situações estritamente profissionais que os circunscrevem.
Como observamos, o(a) publicitário(a)-fetiche idealizado pelos(as)
entrevistados(as) é o(a) profissional “criativo(a)” e “inovador(a)”, muito diferente de um(a)
burocrata “engravatado(a)”. Próximo(a) a um(a) “artista-boêmio(a)”, com uma identidade
social semelhante àquela assumida pela sociedade artística francesa desde o fim do século
XVIII
246
. Eis a imagem para a qual dirigem boa parte de suas libidos. Por esta razão,
acreditamos que os(as) estudantes, ao cursarem o curso de Publicidade e Propaganda, e os(as)
profissionais, ao trabalharem com publicidade, buscam, em alguma medida, não um fazer
profissional, um meio de sobrevivência, mas, sobretudo, um jogo social que, à diferença das
profissões mais burocratizadas, vem cercado de fantasias. Aspectos lúdicos. De todos os
243
De acordo com Jurandir Costa, o “ego ideal fornece a matriz imaginária do Ego e aquilo que o Ego aceita
tendencialmente sem conflitos, como parceiro na redistribuição da libido(COSTA apud SEVERIANO, 2000,
p.134).
244
Podemos dizer, também, que quanto mais força tiver um campo social no campo do poder, mais legitimidade
ele terá para impor para a sociedade a representação que faz de si mesmo.
245
Sobre a noção de sintoma, sugerimos a leitura da nota 99 deste trabalho.
prestígios que os triunfos do ideário romântico ainda parecem trazer. Em especial, o seu modo
de vida ambivalente e transgressor. Acreditamos, assim, que eles(as) buscam também uma
“arte de viver”. “Nunca me vi trabalhando de terno e gravata”, assumiu um(a) dos(as)
entrevistados(as). “Escolhi trabalhar com publicidade porque sempre achei que ela foge mais
da rotina”, opinou outro(a). A analogia aqui entre a figura do(a) publicitário(a) e a do(a)
artista-boêmio, que entre “‘o homem que pensa’ e o ‘homem que não faz nada’, [...] ‘é uma
exceção: sua ociosidade é um trabalho e seu trabalho, um repouso’” (BOURDIEU, 2002,
p.73), nos parece evidente.
Embora essa busca por essa arte de viver nos sugira que o universo
publicitário possui grande capacidade de estimular a imaginação e a libido de seus(as)
agentes, a ponto de nos parecer não desejarem abandonar sua identidade profissional em
outras situações cotidianas, ela nos serve também como indicativo de que esse universo
importa as ilusões do universo artístico. Além da destacada no item anterior (3.2.1.2), a crença
de que o fazer da arte vale por si mesmo, também a de que o estilo de vida idealizado por
seus(as) agentes constitui mais do que uma experiência ordinária do mundo. Parece-nos,
portanto, que o universo publicitário possui uma illusio híbrida. Illusio esta que permite
transformar, ao menos parcialmente, um(a) candidato(a) a artista-boêmio(a) num(a)
profissional da propaganda. Salvaguardar no imaginário desses(as) profissionais aquele(a)
publicitário-fetiche idealizado pelos(as) pretendentes. Fazer com que se percebam não como
burocratas a serviço do capitalismo, mas como alguém que consegue vendê-lo exprimindo-o
com sensibilidade e criatividade. Espécie de artista do capital. Mas, ainda assim, um(a) artista.
Percepção esta que, em alguma medida, nos sugere certa fragilidade identitária dos(as)
agentes da publicidade. Relativizando, assim, a pertinência da noção de campo publicitário.
246
Sobre essa identidade social do artista e a invenção da boemia, indicamos a leitura de BOURDIEU 2002,
p.70-74.
3.2.2 MANIFESTAÇÕES DISCRIMINADAS
Dividimos este último item da dissertação em dois tópicos. No primeiro
(3.2.2.1), apresentaremos e discutiremos uma singularidade observada nas reflexões
deontológicas dos(as) profissionais acerca de sua atividade profissional: os pressupostos
axiológicos comuns. No segundo (3.2.2.2), dando continuidade ao assunto, discutiremos o
comprometimento que dizem assumir com clientes e consumidores(as). Principiemos pelo
consenso deontológico dos(as) profissionais acerca de sua atividade profissional.
3.2.2.1 O consenso deontológico dos(as) profissionais acerca de sua atividade profissional
A observação de semelhanças nos discursos deontológicos dos(as)
profissionais, apontadas no tópico (3.1.2.1), nos sugere, além de determinada capacidade de
refração discursiva do universo publicitário, certo consenso entre eles(as) acerca das regras do
seu jogo profissional. Consenso este que é condição necessária para a existência de qualquer
campo social. Afinal, como observamos (1.3.1), sob pena de ser extinto, um campo deve
sempre possuir algumas regras compartilhadas por todos(as) os(as) seus(as) agentes. Possuir
certos pressupostos aquém de qualquer discussão (doxa). Sem eles, torna-se impossível jogar
seu jogo ou qualquer outro jogo social.
Desta forma, podemos dizer que, se, de fato, o universo nacional da
publicidade apresenta as características de um campo, é natural que seus(as) agentes
concordem com parte de seus mandamentos. Com parte de seus implícitos e pressupostos.
Acerca de como nele se deve e de como nele não se deve agir. A quem nele se deve reportar.
Entretanto, recordamos o(a) leitor(a) que esse consenso deve ser apenas parcial. Afinal, todo
campo social, como repetimos à exaustão, é sempre um espaço de disputas. Sendo assim,
suas regras de ação (deontologia) também devem sê-las. Ao menos, parte delas.
Por conseguinte, a observação desse consenso deontológico no discurso
dos(as) profissionais nos aponta para certa ausência de conflito no universo que investigamos.
Faz-nos crer que se trata de um espaço monolítico. Espécie de comunidade ou aparelho. E não
de um campo. De um jogo social em revolução permanente. Obviamente, poderíamos
considerar aqui a possibilidade de o universo publicitário nacional se encontrar num estado
onde seu funcionamento define quase que completamente a ordem comum de seu fazer
específico. Ou seja, que ele tenha adquirido tamanha autonomia, capacidade de normatização
e produção discursiva, a ponto das lutas em torno da forma legítima de realização de seu fazer
estarem quase que completamente objetivadas em mecanismos e disposições estabelecidos
nas suas instâncias de socialização específicas. Conseqüentemente, fazendo com que os
ataques contra a ordem publicitária dominante não impliquem rupturas ou censuras expressas
às suas regras de ação. Entretanto, ainda que aceitemos essa improvável hipótese, poderíamos
sustentar que, desta forma, o espaço publicitário não se caracterizaria mais por ser um espaço
essencialmente envolvido em disputas, o que, de alguma forma, invalidaria a pertinência da
noção de campo publicitário. O consenso deontológico dos(as) profissionais nos oferece,
também, uma outra possibilidade analítica indicadora da impertinência dessa noção. Esta
constitui justamente nosso próximo objeto (3.2.2.2).
3.2.2.2 O comprometimento manifesto dos(as) profissionais com seus(as) clientes e
consumidores(as)
“Nossa responsabilidade é com nossos clientes e com nossos consumidores.
Tudo o que fazemos, fazemos pensando neles. Pensando em como atendê-los de forma mais
adequada. Em como atendê-los da melhor forma possível.” Acabamos de observar (3.2.2.1)
que os(as) profissionais entrevistados(as) foram unânimes em reforçar o seu
comprometimento profissional com os interesses de seus clientes e consumidores(as). Além
de nos indicar certo consenso entre eles(as), do que mais essas manifestações podem nos ser
indicativas?
No item (1.3.1), vimos que as decisões tomadas por um(a) agente dentro de
um campo social não são espontâneas. Pelo contrário, obedecem, em grande medida, a uma
lógica reflexiva. Ou seja, são realizadas em referência a seus pares-concorrentes. Entretanto,
vimos, também, que, freqüentemente, esses(as) agentes acreditam tomar tais decisões apenas
para melhor corresponder aos desejos de seus clientes. Clientes estes identificados com
demandas exógenas ao campo. No caso dos(as) jornalistas, por exemplo, com seus(as)
leitores(as) ou telespectadores(as). Com sua audiência, por outras palavras (BOURDIEU,
1997, p.33). Por esta razão, poderíamos interpretar o comprometimento profissional
manifestado pelos(as) profissionais entrevistados(as) como um importante indicativo de que o
universo publicitário nacional apresenta um efeito particularmente típico dos campos sociais.
Sem dúvida, essa seria uma interpretação possível. Entretanto, a nosso ver,
insuficiente. Ingênua, até. Afinal, se, por um lado, podemos dizer que os(as) profissionais da
publicidade não agem de forma desinteressada, isto é, se, nas suas tomadas de decisão, visam
a obtenção de um lucro pessoal como o reconhecimento de seus pares-concorrentes, como
analisamos no item (3.1.1.3); obviamente, que, por outro, somos constrangidos a reconhecer,
por tudo o que conhecemos acerca de sua atividade profissional, que estão sempre sujeitos(as)
a fortes pressões exercidas por seus clientes (que os(as) financiam) e consumidores (que
compram os produtos que anunciam). Ou seja, que não podem desconsiderá-los nas suas
tomadas de decisão.
Desta forma, ainda que nos pareça verdade que, como observa Constantino,
o universo publicitário tenda a aumentar cada vez mais o seu prestígio diante do universo
econômico
247
(2004, p. 177). E, por conseguinte, em alguma medida, sua independência em
relação a ele, uma vez que o valor das mercadorias econômicas parece ser cada vez menos
determinado pelas suas características e funções físicas e cada vez mais pela sua imagem, pela
forma como são percebidas pelos(as) consumidores(as), aumentado, assim, a sua dependência
em relação às estratégias publicitárias de construção e divulgação de imagem
248
. Ainda assim,
parece-nos bastante ingênuo acreditarmos que os discursos, ações e produções de seus(as)
profissionais não sejam, também, amplamente motivados pelas exigências e encomendas
desse poder externo. Que eles não estejam permanentemente sujeitos à prova do veredicto do
mercado, através das múltiplas sanções que este pode lhes conferir. Parece-nos evidente que
eles estão sim comprometidos com ele, como sistematicamente nossos(as) entrevistados(as)
nos fizeram questão de repetir.
Sendo assim, podemos dizer que a lei de “Jdanov” não se aplica
integralmente ao universo de produção da publicidade. Ou seja, podemos dizer que seus(as)
agentes não são suficientemente autônomos(as) para se voltarem quase que de forma irrestrita
aos seus pares-concorrentes – como ocorre, freqüentemente, no universo de produção da
ciência, da arte, ou, até mesmo, o jurídico
249
– universos esses tão bem analisados por
Bourdieu. Obviamente, essa autonomia é, em alguma medida, relativa à posição ocupada por
cada um(a) deles(as) na sua estrutura social. Cada publicitário(a), dentro da agência que
trabalha, temaior ou menor grau de autonomia na produção de um anúncio, em função de
vário fatores. Entre eles: 1) segurança em relação ao seu emprego, que por sua vez dependerá
da posição por ele(a) ocupada dentro da agência, 2) o prestígio de sua agência dentro do
próprio universo publicitário e 3) do grau de concentração de agências no mercado
247
E também, de acordo com ele, do político. Prova disso é que as campanhas eleitorais e, a mesmo, os
programas de governo estariam sendo cada vez mais produzidos a partir de estratégias publicitárias, para atender
a interesses meramente mercadológicos. Sobre o assunto, sugerimos a leitura de CONSTANTINO, 2004, p. 201-
213.
248
Sobre o assunto, indicamos a leitura FONTENELLE, 2002.
249
Sobre esse campo específico, sugerimos a leitura de BOURDIEU, 1986.
publicitário em geral, uma vez que, quanto maior a sua concentração, menor o número de
empregadores(as) potenciais
250
.
Entretanto, independentemente da particularidade de cada publicitário(a), é
certo que nenhum(a) deles(as) pode anular por completo as pressões exercidas por outros
universos sociais no seu fazer profissional. Sobretudo, as exercidas pelo mundo econômico.
Por conseguinte, podemos dizer que o universo publicitário não pode se orientar por meio da
lógica particular às economias anti-econômicas. Baseada, sobretudo, no reconhecimento dos
valores de “desinteresse” e na denegação do comercial e do lucro (BOURDIEU, 2002, p.
163). Não pode, assim, impor completamente suas próprias normas de produção e percepção.
Pelo contrário, suas produções têm, em larga medida, de obedecer às imposições do mercado
de grande produção. Voltar-se para ele, materializando-se, entre outras coisas, em aumento de
“share”, de consumidores(as), de lucro, enfim. O que, sem dúvida, relativiza a pertinência da
noção de campo publicitário como ferramenta teórica de análise científica para o nosso objeto
de investigação.
250
Neste ponto, Barros Filho faz consideração análoga em relação ao universo jornalístico. Ver seu livro “Ética
na Comunicação” (2003, p.105-106).
CONSIDERAÇÕES DE PROSSEGUIMENTO
ESBOÇANDO NOVAS ANÁLISES: LACUNAS E POSSIBILIDADES DE AVANÇO
A ciência é um fazer cumulativo. Obra formada de várias peças. Feita pela
mão de vários(as) arquitetos(as). Cientistas, mais exatamente. Neste ponto, a história parece
dar mais razão a Bacon do que a Descartes. Ao menos, essa é a perspectiva de Bourdieu.
Compartilhada e defendida por nós. Sendo assim, pensamos que as ginas finais de um
trabalho científico devem, antes de tudo, servir como um norte para novos trabalhos. Tecer,
então, menos considerações conclusivas do que de prosseguimento. Apresentar suas lacunas e
possibilidades de avanço. Foi o que procuramos fazer nestas páginas finais.
Partimos de uma maneira de se fazer pesquisa bem específica. De uma
interpretação da cultura extremamente singular. De um padrão muito característico de ver a
sociedade e seus(as) agentes, portanto. De uma prática teórica
251
, em suma. Com seus
pressupostos, vícios e virtudes. A possibilidade de compreendermos um determinado universo
social por meio das teorias sociológicas de Bourdieu nos inquietava. Será que seus conceitos
seriam adequados para acolher o universo de escolarização e de produção publicitária? Será
que podemos falar num campo social da publicidade assim como num campo social
acadêmico ou campo social literário? Fomos e voltamos à teoria por diversas vezes. Partimos
dela. Fomos ao mundo social que nos interessava estudar. Voltamos a ela. E sobre nossa
experiência nesse exercício de pesquisa, refletimos.
251
Sobre essa noção, sugerimos a leitura da introdução de Walter J. Evangelista para a edição brasileira dos
textos “Freud e Lacan e Marx e Freud”, de Althusser (2000, p.9-43).
Nesta reflexão, vimos que muitas das manifestações enunciadas nas
entrevistas realizadas nos apontam para práticas, tomadas de posição e lógicas argumentativas
discriminantes de um universo publicitário relativamente autônomo. Indicando-nos, assim,
que ele possui algumas características inerentes a todo campo social. Entretanto, para
apurarmos nossa reflexão acerca da lógica de funcionamento desse espaço social, precisamos
suprir algumas lacunas deixadas por este trabalho, a saber.
Nosso corpus de investigação se reduz a manifestações de estudantes e
profissionais que vivem, estudam ou trabalham na cidade de São Paulo. Embora ela seja o
locus concentrador da produção publicitária nacional, onde se encontram as maiores agências
e contas publicitárias, tomar apenas o discurso desses(as) agentes locais como representantes
do universo publicitário nacional, sem considerar suas múltiplas singularidades regionais,
pode, sem dúvida, constituir uma generalização abusiva e amplamente redutora de nossa
parte. Além disso, os discursos analisados foram colhidos por meio de entrevistas e não por
meio de observação direta. Conseqüentemente, nada garante que eles, de fato, circulem pelo
universo investigado por nós. Ou seja, que as constantes referências às(aos) pares-
concorrentes, a crença na importância da criatividade, as estratégias de valorização simbólica
empregadas pelos(as) nossos(as) entrevistados(as) etc. não sejam manifestações exclusivas ao
contexto da entrevista. Finalmente, parece-nos, também, que recortar discursos com vistas a
verificar a pertinência de uma noção adrede construída pode constituir uma inversão do
procedimento esperado, que parte do caos de ineditismos colhidos em corpus e fabrica leis
explicativas fadadas à refutação para uma estratégia de aproximação de ocorrências tendo por
escopo sórdido a simples comprovação de hipótese a demonstrar.
Além do preenchimento das lacunas apontadas acima e da resolução de seus
problemas decorrentes, outros caminhos analíticos também podem ser de grande valia para a
compreensão do funcionamento da atividade publicitária realizada hoje no nosso país.
Destacamos três deles no item (2.1): a análise da história social da evolução das relações entre
as agências brasileiras, a análise das relações entre as agências e os(as) profissionais da
publicidade e seus clientes e a relação objetiva entre os anúncios produzidos hoje no Brasil
com outros anúncios produzidos aqui, passados ou contemporâneos. A nosso ver, todos esses
três caminhos, ainda praticamente inexplorados, podem oferecer àqueles que se aventurarem a
segui-los novas e instigantes imagens da publicidade. Outras inúmeras possibilidades de
análise para a sua prática também podem ser estabelecidas. Cabe àqueles(as) que a pretendem
investigar inventá-las. Confrontá-las com a tomada aqui. Complementá-la com novas
informações e interpretações. Sobretudo, cabe a eles(as) criticá-la, apontando suas limitações
e erros imperceptíveis a nossa cegueira analítica. Às(aos) que pretendem se aprofundar nos
estudos sobre identidade e/ou campos sociais, reservamos o último tópico desta dissertação
para, a partir do apontamento de possíveis contribuições mútuas, esboçarmos novos caminhos
analíticos para ambos.
ESBOÇANDO NOVAS ANÁLISES: DIALOGANDO COM O NEPIM
Nas últimas linhas, uma breve retrospectiva. Nela, buscamos resgatar um
pouco das discussões realizadas ao longo dos últimos dois anos no NEPIM – núcleo ao qual o
autor desta dissertação e seu orientador estão vinculados. Com isso, desejamos fazer dois
apontamentos: 1) indicar o alcance da fertilidade da noção de campo social para os estudos
sobre identidade; 2) indicar a pertinência dos caminhos analíticos seguidos pelo NEPIM para
a compreensão das tomadas de posição dentro de um campo social. A nosso ver, esses
apontamentos esboçam, ainda que de forma muito incipiente, novas possibilidades de
abordagens para aqueles(as) que objetivam trabalhar com essas temáticas. Comecemos por
discutir a fertilidade da noção de campo social.
anos, o NEPIM vem enfrentando a árdua e dignificante tarefa de
compreender as diferentes identidades humanas. Seus múltiplos processos de construção e
transformação. O propósito da existência e as dificuldades de viver de homens, mulheres,
intersexos, jovens, velhos, crianças, divorciados, operárias, comerciantes, desempregados,
católicas, evangélicos, andarilhos, estagnados etc. têm despertado seu interesse, constituindo o
principal objeto de suas investigações. Indagações e conjecturas. Ante as dificuldades
impostas por esse enorme desafio científico, o NEPIM vem desenvolvendo fundamentos
conceituais e metodológicos para estudar a história de vida dessas pessoas.
Nesse afã, a importância de não limitar a compreensão dessas histórias ao
relato de seus(as) agentes jamais foi ignorada. Desde os primeiros estudos, o grupo tem
buscado ir além das representações que esses(as) agentes fazem de si, não tomando suas
manifestações isoladamente. Como se seus discursos identitários fossem auto-suficientes.
Afinal, neste caso, correria o sério risco de não problematizar a forma como reconstruíam
suas próprias trajetórias. De interpretar acriticamente suas possíveis “ilusões autobiográficas”.
Analisando, assim, suas histórias de vida como um todo. Como um conjunto coerente e
orientado para a realização de um projeto. Invertendo, desta forma, sua lógica: tomando o que
é efeito por causa e o que é causa por efeito. Ou ainda, correria o sério risco de ignorar o
caráter reflexivo de suas tomadas de decisão. Interpretá-las como simples determinação de
suas subjetividades. Como algo que se de forma espontânea. E não como algo deve ser
apreendido como objetivamente estruturado. Confrontado – ou, se preferirmos, reconciliado
com as condições sociais que as motivaram.
Por esta razão, o grupo sempre advogou a necessidade de contextualizar os
discursos identitários que investiga, situando-os histórica e culturalmente. Entretanto, como
discutimos no primeiro capítulo (1), essa localização é bastante perigosa e difícil, uma vez
que sempre o risco de ela se resumir a uma relação direta e grosseira com a economia e
sociedade de seu tempo. É neste ponto que a noção de campo social pode ser de grande
utilidade analítica para suas investigações. Afinal, ela é capaz de restabelecer o sistema de
relações objetivas, constituinte e constitutivo de parte dos jogos sociais de nossa sociedade,
que explicam, em grande medida, alguns desses discursos, embora não possuam o monopólio
de sua explicação.
O próprio Bourdieu, quando analisa suas tomadas de posição científicas, faz
uma série de considerações acerca de muitos momentos de sua vida que escapam à sua
trajetória como sociólogo. Na sua última e, certamente, mais tocante análise (auto-análise, no
caso) (2005a) explica por que e para quem escreveu sua obra sem esgotar sua compreensão
em quem eram os(as) seus(as) principais rivais no campo científico de seu tempo e/ou nas
estratégias de atuação que empregavam. Pelo contrário, vai muito além desse tipo de
compreensão: apresenta, também, uma reflexão comovente e esclarecedora acerca de sua
infância no meio rural provinciano, de suas experiências de vida no internato, dos tempos em
que viveu na Argélia etc. Afinal, como ele próprio reconhece, sua visão combativa das
relações sociais e seu desencanto com os valores burgueses dominantes, que tanto marcaram
sua obra, têm, em larga medida, sua explicação em disposições adquiridas ainda na infância e
juventude (BOURDIEU, 2005a, p. 109-132).
Diante desse reconhecimento do próprio mestre da sociologia francesa,
impossível não nos questionarmos sobre a fertilidade de ao analisarmos as tomadas de
posição de um(a) autor(a), ou de qualquer outro(a) agente, no seu jogo social relacionarmos
sua trajetória nesse jogo com situações-chave de sua história vivenciadas fora dele. Ou seja,
impossível não considerarmos os limites do alcance da noção de campo social para
entendermos muito do que ocorre nesses jogos. O fato de todo campo ser apenas
relativamente autônomo parece, inclusive, apontar para a necessidade de buscarmos
explicações em outros espaços de socialização para apreendermos o sentido do que ocorre no
seu interior. Das tomadas de posição de seus(as) agentes. Afinal, caso sua lógica interna
esgotasse essa apreensão, eles não seriam mais espaços relativamente, mas completamente,
autônomos. Absolutamente refratários a outras instâncias de socialização. Sendo assim, uma
análise que leve em conta múltiplos aspectos da história de vida do(a) entrevistado(a), como a
empregada pelo NEPIM, parece-nos possuir também grande importância para compreender o
comportamento e discurso de agentes dentro de um campo social.
Esses caminhos também parecem ser importantes para essa compreensão
uma vez que conferem dignidade ao que dizem, sentem e pensam esses(as) agentes. Afinal,
propõem investigá-los(as) a partir da apreensão do sentido que atribuem à própria trajetória:
tragédias, conquistas, sonhos e projetos. Escapando, assim, de um determinado tipo de
racismo cientificista muito freqüente nas abordagens mais objetivistas: o de não “dar voz”
a(o) agente investigado(a). Escapando, então, da crença ilusória de que a vida desses(as)
agentes pode ser inteiramente objetivada em números, gráficos e estatísticas. Deduzida de um
diagnóstico classificatório. Daí, sem dúvida, o interesse em percorrê-los.
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ANEXOS
ANEXO 1 – Quadro 4
Quadro 4. Bases de dados consultadas para constituição do corpus analisado nos itens (1.1 e 1.2)
. A Scientific Electronic Library Online – Brasil (www.scielo.br);
. Banco de Teses da CAPES (http://www.capes.gov.br/servicos/bancoteses.html);
. Biblioteca Central da ESPM-SP (www.espm.br/espm/Sistemas/Biblioteca);
. Biblioteca Central da Universidade Presbiteriana Mackenzie (http://www.mackenzie.br/bibliotecas);
. Biblioteca Dr. Jalmar Bowden da Universidade Metodista-SP (http://biblioteca.metodista.br);
. Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA) (http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca do Espaço Ética (indisponível no site);
. Biblioteca da Faculdade de Direito da USP (FD) (http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca da Faculdade de Economia e administração da USP (FEA) (http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca da Faculdade de Educação da USP (FE) (http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH)
(http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca do Instituto de Psicologia da USP (IP) (http://dedalus.usp.br);
. Biblioteca Karl A. Boedecker da FGV-SP (http://www.fgvsp.br/biblioteca);
. Biblioteca Nadir G. Kfouri da PUC-SP (http://biblio.pucsp.br);
. Sistema de Bibliotecas da UNICAMP (http://www.sbu.unicamp.br)
ANEXO 2 – Tabela 1
Tabela 1. Razão de títulos de produção publicitária encontrados nas bases de dados consultadas em
relação ao de publicidade em 01/2007.
Base de Dados
Publicidade
Produção
Publicitária no
Brasil
%
. A Scientific Electronic Library Online –
Brasil
10 1 10
. Banco de Teses da CAPES 29.416 53
*
0, 001
. Biblioteca Central da ESPM-SP 2.896 96 3,3
. Biblioteca Central da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
20 2 10
. Biblioteca Dr. Jalmar Bowden da
Universidade Metodista-SP
1.359 37
2,7
. Biblioteca da Escola de Comunicações e
Artes da USP (ECA)
214 15 7
. Biblioteca do Espaço Ética 37 8 21,6
. Biblioteca da Faculdade de Direito da USP
(FD)
89 1 1,1
. Biblioteca da Faculdade de Economia e
administração da USP (FEA)
39 1 3
. Biblioteca da Faculdade de Educação da
USP (FE)
18 0 0
. Biblioteca da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP
(FFLCH)
112 2 1,7
. Biblioteca da Faculdade de Psicologia da
USP (IP)
13 1 7,6
. Biblioteca Karl A. Boedecker da FGV-SP 68 4 5,8
*
O número total de títulos sobre produção publicitária no Brasil encontrados nessa base de dados pode ter sido
subestimado. Isso decorre da adoção de um critério de investigação distinto do utilizado nas demais bases.
Enquanto em todas as outras o total de títulos sobre essa produção foi retirado de minuciosa análise dos títulos
encontrados principalmente no descritor “publicidade”, nessa base de dados esse total foi retirado de outros
descritores mais específicos (destacados no anexo 3), que podem não abarcar alguns desses títulos. O número
exorbitante de títulos encontrados no descritor “publicidade” nessa base de dados explica essa decisão
procedimental.
. Biblioteca Nadir G. Kfouri da PUC-SP 608 16 2,6
. Sistema de Bibliotecas da UNICAMP 205 13 6,3
ANEXO 3 – Quadro 5
Quadro 5. Descritores e palavras-chave utilizados na pesquisa nas bases de dados.
. ambiente publicitário;
. atividade publicitária;
. advertising;
. brazilian advertising;
. campo publicitário;
. comunicação;
. comunidade publicitária;
. criação publicitária;
. espaço publicitário;
. fazer publicitário;
. habitus publicitário;
. illusio publicitária;
. identidade publicitária;
. imagem publicitária;
. marketing;
. marqueteiro;
. mensagem publicitária
. prática publicitária;
. produção publicitária;
. profissional(is) da
publicidade;
. propaganda;
. propagandista;
. psicossologia da
publicidade;
. publicidad;
. publicidad brasileña;
. publicidade;
. publicitária(s);
. publicitário(s);
. publicité;
. publicité brésilienne;
. texto publicitário;
. sociologia da
publicidade;
. universo publicitário.
ANEXO 4 – Tabela 2
Tabela 2. A dictomia objetivismo/subjetivismo
OBJETIVISMO SUBJETIVISMO
Lévi-Strauss Sartre
Hegel Kant
Saussure Cassirer
Durkheim Sapir
Marx Whorf
Weber
Estruturalismo Existencialismo
Funcionalismo Fenomenologia
Etnometodologia
Marxismo
Positivismo Idealismo
Materialismo
Sociologia de "Esquerda" Sociologia Conservadora
Economia Não-economia
"Classes-em-si" "Classes-para-si"
Fonte: CONSTANTINO, 2004, p.53.
ANEXO 5 – Figura 1
O CAMPO DO PODER
Dominância
Dominância
Tempo
(história)
Fonte: CONSTANTINO, 2004, p.53.
ANEXO 6 – Figura 2
Figura 1. Intersecção das manifestações dos 4 grupos de entrevistados(as)
Legenda:
P.: Pretendentes
D.S.: Dominados(as) subversivos(as)
D.I.: Dominados(as) integrados(as)
D.: Dominantes
P.
D.
i. A referência a(os)
pares-concorrentes
ii. A crença na
importância e na
imanência da criatividade
iii. O desinteresse
estratégico
iv. A estrutura do
discurso de auto-
apresentação
v. O amor pela arte
vi. O amor pela vida de
artista
D.S.
D.I
.
..
i. O domínio do repertório
específico à prática
publicitária
ii. O comprometimento com
clientes e consumidores
iii. A adesão ao destino
profissional
Condescendência
pelos(as) dominados(as)
Desvalorização
dos(as) dominantes
Pretensão
i
. Respeito e admiração pelos(as)
ii. Medo dos gatekeepers publicitários
iii. Desejo de se trabalhar no terceiro setor
e/ou de dar uma outra função à
publicidade
ANEXO 7 – Figura 3
Figura 2. Intersecção das manifestações indicativas da pertinência da noção de campo publicitário
Legenda:
P.: Pretendentes
D.S.: Dominados(as) subversivos(as)
D.I.: Dominados(as) integrados(as)
P.
D.
i. A referência a(os)
pares-concorrentes
ii. A crença na
importância e na
imanência da
criatividade
iii. O desinteresse
estratégico
D.S.
D.I
.
..
i. O domínio do repertório
específico à prática
publicitária
ii. O amor ao destino
profissional
iii. O comprometimento com
clientes e consumidores
Condescendência
pelos(as) dominados(as)
Desvalorização
dos(as) dominantes
Pretensão
i. Respeito e admiração
pelos(as) dominantes
ii. Medo dos gatekeepers
publicitários
iii. Desejo de se trabalhar no
terceiro setor e/ou de dar uma
outra função à publicidade
D.: Dominantes
ANEXO 8 – Figura 4
Figura 3. Intersecção das manifestações não indicativas da pertinência da noção de campo publicitário
Legenda:
P.: Pretendentes
P.
D.
i. A estrutura do
discurso de auto-
apresentação
ii. O amor pela arte
iii. O amor pela vida
de artista
D.S.
D.I
.
..
i. O consenso
deontológico acerca da
sua atividade
profissional
ii. O comprometimento
com clientes e
consumidores
D.S.: Dominados(as) subversivos(as)
D.I.: Dominados(as) integrados(as)
D.: Dominantes
ANEXO 9 – Quadro 6
Quadro 6. Manifestações observadas em cada grupo de entrevistados(as)
MANIFESTAÇÕES
Estudantes Subversivos(as) Integrados(as) Dominantes
Referência a(os)
pares-
concorrentes
Fazem constantemente Fazem constantemente Fazem
constantemente
Fazem
constantemente
Crença na
importância e na
imanência da
criatividade
Manifestam Manifestam Manifestam Manifestam
Desinteresse
estratégico
Apresentam relativa
indiferença para com
os objetos ordinários
do interesse, como
dinheiro e honras
oferecidas pelo seu
futuro jogo
profissional
Apresentam relativa
indiferença para com
os objetos ordinários
do interesse, como
dinheiro e honras
oferecidas pelo seu
jogo profissional
Apresentam relativa
indiferença para
com os objetos
ordinários do
interesse, como
dinheiro e honras
oferecidas pelo seu
jogo profissional
Apresentam relativa
indiferença para
com os objetos
ordinários do
interesse, como
dinheiro e honras
oferecidas pelo seu
jogo profissional
Domínio do
repertório
específico à
prática
publicitária
Não manifestam Manifestam Manifestam Manifestam
Estratégias de
valorização
simbólicas
Resignação respeitosa
(pelos(as) dominantes
e suas produções)
Depreciação (dos(as)
dominantes e de suas
produções)
Pretensão
Condescendência
(pelos(as)
dominados(as))
Adesão ao
destino
profissional
Manifestam desejo em
trabalhar no terceiro
setor ou darem uma
outra função social à
publicidade
Manifestam espécie de
amor fati profissional
Manifestam espécie
de amor fati
profissional
Manifestam espécie
de amor fati
profissional
Medo dos
gatekeepers
publicitários
Manifestam Não manifestam Não manifestam Não manifestam
Estrutura do
discurso de auto-
apresentação
Possivelmente
definida na
socialização primária
Possivelmente
definida na
socialização primária
Possivelmente
definida na
socialização
primária
Possivelmente
definida na
socialização
primária
Illusio do campo
artístico
Manifestam
(amor pela arte e pela
arte de viver)
Manifestam
(amor pela arte e pela
arte de viver)
Manifestam
(amor pela arte e
pela arte de viver)
Manifestam
(amor pela arte e
pela arte de viver)
Discurso
deontológico
Difuso
Comprometido com
clientes e
consumidores
Comprometido com
clientes e
consumidores
Comprometido com
clientes e
consumidores
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