Brasil pertencia a senhores de posses modestas, habitantes de localidades
rurais que, para o trabalho de produção de gêneros alimentícios e
mercadorias destinadas ao consumo e ao mercado interno, contavam com
uma mão-de-obra mista composta por alguns cativos
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(na maioria dos
casos, menos de cinco escravos), um ou outro trabalhador livre ou liberto e,
principalmente, filhos, sobrinhos, tios, afilhados, irmãos dentre outras
pessoas que mantinham laços de dependência com os proprietários
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.
Convicto da relevância em aprofundar o conhecimento do cotidiano
de escravos, libertos e livres em tais condições, sem pretender com isso
afirmar a maior importância dessa modalidade do cativeiro sobre as outras
formas coexistentes no país, e, pelo contrário, da mesma maneira que
outros historiadores, entendendo-as como facetas interdependentes da
mesma história, escolhi para este estudo o Termo e depois Comarca de
Estudos Econômicos. São Paulo, v. 13, nº. 1, p. 211-221, janeiro/abril, 1983; SCHWARTZ, Stuart
B. Padrões de propriedade de escravos nas Américas: nova evidência para o Brasil. Estudos
econômicos. v. 13, nº. 1, p. 259-287, janeiro/abril de 1983; SLENES, Robert W. Os múltiplos de
porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. In: Cadernos do IFCH,
nº. 17, 1985; GUTIÉRREZ, Horacio. Demografia escrava numa economia não exportadora:
Paraná, 1800-1830. Estudos Econômicos. v. 17, nº. 2, p. 287-314, maio / agosto de 1987;
MATTOS, Hebe Maria. “A escravidão fora das unidades agro-exportadoras”. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion (org.) Escravidão e abolição no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1988; SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru: EDUSC, 2001;
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999 e BACELAR, Carlos Almeida Prado.
“A escravidão miúda em São Paulo colonial”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (org.). Brasil:
colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 239-254. Também se inseriram
no debate com os autores que atribuíam às relações com o mercado externo os principais
elementos da formação econômica e social do Brasil, revelando a importância dos negociantes
coloniais nesse processo, as obras: FLORENTINO, Manolo G. Em costas negras: uma história do
tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX).São Paulo: Companhia
das Letras, 1997 e FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e
hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998.
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Herbert Klein e Francisco Vidal Luna afirmam que “o uso de mão-de-obra escrava,
inicialmente de índios e depois de negros, para produzir gêneros de subsistência e
destinados ao mercado local, foi uma das características distintivas da escravidão
brasileira. Poucas foram as outras sociedades escravistas nas Américas que fizeram uso
tão sistemático da cara mão-de-obra escrava nessa área de produção.” LUNA, Francisco
Vidal ; KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de
1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p.107-108.
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Refiro-me aqui ao modelo patriarcal vigente durante muito tempo no Brasil, o qual, na acepção
de Kátia de Queirós Mattoso, é o tipo de família “na qual o pater famílias reúne, sob sua
autoridade e sob seu teto, tias e tios, sobrinhos, irmãs e irmãos solteiros, vagos primos, bastardos,
afilhados, sem contar os ‘agregados’. Estes últimos são livres ou alforriados, brancos pobres,
mestiços ou negros, que vivem na dependência tutelar da família e são considerados como
parcelas dessa comunidade familiar. Também os escravos fazem parte da família. Todos os
escravos, pois o privilégio não é restrito aos domésticos”. MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser
escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 124.