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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Museu Nacional
UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando
redes de interesses: Uma pedagogia da democracia no
Brasil
João Paulo Macedo e Castro
2005
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UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando redes
de interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutor em Antropologia Social.
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de
Souza Lima
Volume I
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
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UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando redes de
interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de Souza Lima
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Antonio Carlos de Souza Lima
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
_________________________________________________
Prof. Marilia Pontes Sposito
Universidade de São Paulo/Faculdade de Educação
_________________________________________________
Prof. Gustavo Lins Ribeiro
Universidade de Brasília/Departamento de Antropologia
_________________________________________________
Prof. Federico Guillermo Neiburg
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
_________________________________________________
Prof. Adriana de Resende Barreto Vianna
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
Suplentes:
_________________________________________________
Prof. Eliane Ribeiro Andrade
Universidade Estadual do Rio de Janeiro/Faculdade de Educação
_________________________________________________
Prof. Jose Sergio Leite Lopes
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
__________________________________
Prof. Moacir Gracindo Soares Palmeira
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
iv
FICHA CATALOGRÁFICA
Macedo Castro, João Paulo
UNESCO -
Educando os jovens cidadãos e capturando redes de interesses: Uma
pedagogia da democracia no Brasil, João Paulo Macedo e Castro – Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGAS, 2005.
xv. f 312. 2v.: il
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
Tese (Doutorado) - UFRJ/PPGAS/ Programa de Pós-graduação em Antropologia
Social, 2005.
Referências bibliográficas: f. 313-332
1.
UNESCO. 2. Juventude. 3. Cooperação internacional 4. Políticas públicas. 5.
Administração pública. 6. Antropologia política I. Souza Lima, Antonio Carlos de. II
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-
graduação em Antropologia Social. III. UNESCO -
Educando os jovens cidadãos e
capturando redes de interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
v
RESUMO
UNESCO -
Educando os jovens cidadãos e capturando redes de interesses: Uma
pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
O esforço empreendido nesse trabalho teve como objetivo discutir alguns aspectos da
trajetória da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura
(UNESCO), procurando pressupostos que ajudassem a compreender o papel da Organização
no Brasil, mais precisamente interpretá-la como um agente político de um processo com
maior ressonância nas décadas de 1990 e 2000, e que culminou em 2005 com a criação da
Secretaria Nacional de Juventude. Para tal, em um primeiro momento optei em tratar dois
temas: a definição de cooperação internacional – no âmbito da UNESCO –; e um processo
iniciado pela organização que foi denominado nos anos de 1990 como o movimento racional
da descentralização. Esta iniciativa instituiu uma nova lógica de relacionamento entre os
Estados nacionais e um corpus de especialistas definidos como internacional, formado, no
entanto, por quadros e profissionais nacionais.
Em um segundo momento, procuro discutir – por via da análise de algumas publicações da
UNESCO-Brasil elaboradas no final da década de 1990 e início dos anos 2000 – como certos
termos juventude-violência-cidadania e violência escolar, configurados em um “campo
temático” amplo foram captados e re-significados a partir da perspectiva de elaborar políticas
públicas para a juventude. Por via da análise dessas publicações foi possível observar como a
UNESCO-Brasil passou a ocupar um espaço importante, sendo (re)conhecida como
especialista para certos assuntos relacionados à violência escolar e à juventude. A capacidade
de construir, ou catalisar um conjunto vasto destes agentes para a elaboração e a execução de
Programas sociais também foi um desafio importante para a Organização.
Os produtos desta operação foram: a construção de um problema social, identificado nas
práticas violentas cometidas contra, mas também pelos jovens, e a elaboração de soluções e
recomendações produzidas em uma arena global por via da Construção de uma Cultura de
Paz e não violência. O Programa elaborado pelo UNESCO-Brasil Abrindo Espaços Educação
vi
e Cultura para a Paz e executado em cooperação com alguns estados e municípios no âmbito
do território nacional, foi examinado a partir dos seus documentos normativos os quais
procuraram definir os objetivos, atividades, assim como estabelecer o perfil dos seus
planejadores e executores.
1. UNESCO. 2. Juventude. 3. Cooperação internacional. 4. Políticas públicas. 5.
Administração pública. 6. Antropologia política.
vii
ABSTRACT
UNESCO: Educating young citizens and capturing interest nets: Pedagogy for
democracy in Brazil
João Paulo Macedo e Castro
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
The purpose of the effort carried out in this paper is to discuss particular aspects of the
direction chosen by the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, in a
way to come up with assumptions that help understanding UNESCO’s role in Brazil, namely
interpreting it as a political agent of the major process that took place in the nineties, which
eventually triggered the creation of the National Youth Secretariat in 2005. For such, First, I
selected two themes: defining international cooperation – within UNESCO’s scope –; and a
process initiated by the organization, which was denominated in the nineties as the logic of
decentralization. This initiative has instituted a new logic regarding relationships between
national States and a corpus of experts defined as being international, which is formed,
however, by national professionals and staff.
Second, in an attempt to discuss – by means of analyzing some of UNESCO-Brazil’s
publications developed in the late nineties and in the beginning of the twenty-first century –
how the themes youth-violence-citizenship and school violence, configured in a broad “theme
field” are captured and reconstructed from a perspective of elaborating public youth policies.
By examining these publications it was possible to observe how UNESCO-Brazil has gained
increased significance, being (re)known as an expert on certain subjects related to school
violence and youth. The ability to build, or catalyze a great number of these agents in
elaborating and executing social Programs has also been an important challenge to the
Organization.
The products of this process are: construction of a social problem, identified in the violent
acts carried out against, but also by, young people, and the elaboration of solutions and
recommendations produced in a global arena by Building a Peace not Violence Culture. The
Program elaborated by UNESCO-Brazil, Making Room: Education and Culture for Peace,
and carried out in cooperation with some states and cities nationwide has been examined from
viii
its normative documentation, whose attempt was to define the purposes and activities, as well
as establishing the profile of its planners and executioners.
1. UNESCO. 2. Youth 3. Public Administration. 3. Public Policies. 4. International
Cooperation. 5. Social Programs. 6. Anthropology of Policy.
ix
AGRADECIMENTOS
Iniciar os agradecimentos é uma tarefa que, apesar do que dizem considero
‘complexa’. O trabalho é produto de períodos distintos, de investimentos, diálogos,
debates, acúmulos. Indicar os “colaboradores” significa reviver experiências e
sentimentos que marcaram esses encontros. É relembrar de debates, questões,
dúvidas, que foram sendo elaborados constantemente.
Primeiro, gostaria de agradecer a todo o ‘pessoal da UNESCO’ em especial à Lili e ao
grupo de pesquisa
que me ensinaram, talvez, mais do que imaginam, contribuindo
para a reflexão. Com eles compartilhei momentos difíceis, alegres, tensos, relaxados,
mas sempre acreditando na sinceridade e nas idéias as quais compartilhamos. À
Miriam que me instigou a refletir sobre um ‘campo’ nem tão novo, mas muito
peculiar. Ao pessoal do
Escritório
, representados pelo Pedro e pela Chris, que me
apoiaram e incentivaram bastante.
Agradeço ao Antonio, que mais do que um orientador considero um amigo, que
sempre acreditou e me apoiou nos momentos mais tensos desse período. Espero que
‘pregues menos no deserto’.
Agradeço à Reca que ‘aturou’ minhas incertezas e medos. Ajudou-me em todos os
momentos dos últimos anos. A sua forma de ‘olhar’ o mundo contaminou
positivamente o meu trabalho - a ela agradeço com muito carinho e amor.
Agradeço à minha mãe Sandra, ao Geff, à Flavia, ao Jean-Marie e aos meus
sobrinhos Anaïs e Tom os quais acompanharam ‘angustiantemente’ todas as etapas
(sofridas e alegres) dessa tese. Às vezes não sabia quem ficava mais angustiado.
Agradeço a Elisa não apenas pelo apoio e incentivo, mas também por ter me
proporcionado momentos felizes ao seu lado.
Agradeço ao José Gabriel Silveira Corrêa, colega e amigo que ajudou na leitura, nos
comentários e nos levantamentos finais. À Susana Abrantes, amiga e agora ‘colega’
que fez os primeiros levantamentos e me ajudou na montagem inicial. Isabel de
Souza Lima Junqueira pelo levantamento de dados. À Cristina Cavalcanti pela leitura
e recomendações. A Cloviomar Cararine, que teve uma participação fundamental e
decisiva na reta final.
Aos professores do PPGAS, Lygia Sigaud, Adriana Vianna, João Pacheco de Oliveira.
A Federico Neiburg e José Sergio Leite Lopes, que participaram da minha comissão
de tese.
Agradeço ao PPGAS e a todos os seus funcionários, em especial à Tânia, que me
ajudou em momentos ‘complexos’, Carla e Cristina da biblioteca.
Agradeço o apoio financeiro da CAPES e da FAPERJ. No caso desta última, devo
registrar tanto a concessão pelo PPGAS/Museu Nacional de uma Bolsa Nota Dez da
quota que lhe foi atribuída, quanto a recursos do projeto
Estudo antropológico da
x
administração pública no Brasil: das formas de incapacitação civil e social e da idéia
de "homogeneidade nacional" aos "sujeitos especiais de Direito” e à construção de
uma sociedade plural. Pesquisa, debate e divulgação
, financiado como
Bolsa
Cientista do Nosso Estado
Faperj (2004), sob responsabilidade de meu orientador, de
cujo subprojeto intituladoAs políticas públicas e os direitos culturalmente
diferenciados no Brasil pós-Constituição de 1988: uma antropologia das
transformações sócio-culturais da administração pública no Brasil”, parte do projeto
mais amplo do PPGAS financiado pela FINEP, também pude receber pequenos
recursos.
Provavelmente esqueci alguns.... a todos muito obrigado.
xi
LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS
Gráfico 1: Organograma - Escolas de Paz
Gráfico 2: Circulação de informação (Elaboração)
Gráfico 3: Circulação de informação (execução)
Gráfico 4: Violência e juventude
Gráfico 5: Modelo explicativo através da cidadania
Quadro 1: Projetos integrantes do Programa Abrindo Espaços
Quadro 2: Estrutura organizacional e níveis de operacionalização. Programa Escolas de Paz
Quadro 3: Publicações do setor de pesquisa UNESCO: 2001-2004
Quadro 4: Agrupamento dos eixos temáticos
Quadro 5: Grade analítica
Quadro 6: Autores e trechos - Violências
Quadro 7: Pesquisas de 1999
Quadro 8: Objetivos gerais - Pesquisas 1999
Quadro 9: Definição de juventude - Os jovens de Brasília
Quadro 10: Definição de violência - Pesquisas de 1999
Quadro 11: Exemplos de uso dos dados demográficos - Pesquisas 1999.
Quadro 12: Recomendações - Fala galera
Quadro 13: Recomendações - Ligado na galera
Quadro 14: Vocábulos e definições - Cultivando Vidas
Quadro 15: Matérias de Jornais - Violências nas escolas
Quadro 16: Pesquisadores de campo - Violências nas escolas
Quadro 17: Programa(s) - Abrindo Espaços
xii
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1.1 – Organograma das agências vinculadas à ONU
Anexo 1.2 – ATO CONSTITUTIVO DA UNESCO – 1945
Anexo 1.3 – Estrutura Organizacional – UNESCO-Siéges
Anexo 1.4 – Estrutura organizacional da UNESCO-Brasil
Anexo 1.5 – Ano de criação das unidades fora da sede UNESCO
Anexo 1.6 – Documento com as medidas e propostas para as unidades regionais
Anexo 2.1 – Breves referências sobre a formação e os vínculos institucionais dos principais
pesquisadores (organizadores) das publicações trabalhadas
Anexo 2.2 – Etapas metodológicas adotada pelos estudos de 1998 e 1999
Anexo 2.3 – Estrutura de questionário adotada pelo livro: Juventude, Violência e Cidadania:
Os jovens de Brasília
Anexo 2.4 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados do livro:
Juventude, Violência e Cidadania: Os jovens de Brasília
Anexo 3.1 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados dos livros: (Fala
galera, Gangues e galeras, Ligado na galera e os Jovens de Curitiba)
Anexo 5.1 - ONGs investigadas, itens 5, 8 e 9, livro: Cultivando vida, desarmando violências.
Experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situação de
pobreza
Anexo 5.2 - Autores-Fonte e trechos destacados do livro: Violência nas escolas
xiii
LISTA DE SIGLAS
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
ABLE – Agriculture, Business, Labour and Education
ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência
ACE – American Council on Education
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
ASUW – American Association of University Women
BFC – Bureau de Coordination des Unités Hors Siège
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIE – Bureau International d´Éducation
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais
CAD/OCDE – Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico
CADIS – Centre d'Analyse et d'Intervention Sociologiques
CEAP – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas
CEASM – Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré
CED – Committee for Economic Development
CELADECentro Latinoamericano y Caribeño de Demografía
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CESDIP – Centre de Recherches Sociologiques sur le droit et les Institutions Pénales
CEWC – Council for Education in World Citizenship
CG – Conferência Geral
CICI – Comissão Internacional de Cooperação Intelectual
CLACSO – Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales
CLAVES – Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde
CMAE – Conferência de Ministros Aliados da Educação
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPD – Comissão Nacional de População e Desenvolvimento
CNPq – Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique – Paris/França
CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação
CREFAL – Centro de Cooperação para a Educação de Adultos na América Latina
CRIA – Centro de Referência Integral de Adolescentes
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DATASUS - Departamento de Informação e Informática do SUS
DF – Distrito Federal
DIC – Divisão de Investigação Criminal
DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ECOSOC – Conselho Econômico e Social do Sistema das Nações Unidas
EHESS – École des Hautes Etudes en Sciences Sociales
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FIRJAN – Federações das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNUAP – Fundo de População das Nações Unidas
xiv
FUNDAC – Fundação da Criança e do Adolescente
FUNDAP – Fundação para o Desenvolvimento Administrativo em São Paulo
IBGE – Instituto Brasileiro de geografia e Estatística
IEC – Instituto de Estudos da Educação Continuada
IDA – Agência Internacional para o Desenvolvimento
IICI – Instituto Internacional de Cooperação Intelectual
IIHA – Instituto Internacional da Hiléia Amazônica
IIPE – Instituto Internacional de Planejamento Educacional
IN/STN – Instruções Normativas da Secretaria do Tesouro Nacional
INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Estatísticas em Educação
INPP – International Nutrition Planning Program
IPEA – Instituto de Pesquisa e Estatísticas Aplicadas
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISER – Instituto Superior de Estudos da Religião do Rio de Janeiro
JULAD – Juventude Latino Americana pela Democracia
LCIE – Liaison Committee for International Education
MEC – Ministério da Educação
MIAC – Movimento de Intercâmbio Artístico e Cultural pela Cidadania
NCPT – National Congress of Parents and Teachers
NEAD – National Education Association
NEPP – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
NEV – Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
OECE – Organização Européia de Cooperação Econômica
OIJ – Organização Internacional da Juventude
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONGs – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
ONUREC – Organização das Nações Unidas para a Reconstrução Educativa e Cultural
OPAS – Organização Panamericana da Saúde
OSCIP – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PAS – Programa Alfabetização Solidária
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPGAS/MN – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional
PRODOC – Documento de Projeto
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RMA – Relatórios Mensais de Atividades
SEA – Sistema de Escolas Associadas
SEE-RJ – Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro
SEGAB-RJ – Secretaria Extraordinária do Gabinete do Governador do Rio de Janeiro
SIM – Sistema de Informação de Mortalidade
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFPE – Universidade Federal Pernambuco
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UGP – Unidades Gestoras dos Projetos
UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
UNDCP – United Nations Office on Drugs and Crime
xv
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação
UNECO – Organização das Nações Unidas para a Educação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro
UNRRA – United Nations Relief and Rehabilitation Administration
URI – Iniciativa das Religiões Unidas
USAID – Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional
WHO – World Health Organization
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 3
Organização da tese................................................................................................................3
INTRODUÇÃO........................................................................................................................6
Políticas públicas e a pedagogia participativa: o que é isso?................................................ 6
Caminhos, dilemas e tensões................................................................................................24
Novos caminhos e opções (resolvendo impasses?)..............................................................34
Nascimento do Programa Escolas de Paz no Estado do Rio de Janeiro ..............................38
Experiência piloto ........................................................................................................40
Programa Escolas de Paz..............................................................................................47
Seleção das escolas.......................................................................................................48
2
Consumo.....................................................................................................................173
Gangues, associações.................................................................................................173
Atividades profissionais.............................................................................................174
Sexualidade ................................................................................................................175
Atividades políticas....................................................................................................175
Definindo violências e construindo o jovem violento ........................................................179
Cidadania: um Problema de Estado ...................................................................................186
Cidadania como direitos universais............................................................................187
Cidadania como expressão de regras sociais pactuadas.............................................188
Cidadania e Estado.....................................................................................................190
Cidadania: um problema 5ticas18 608.18.........APÍTULO 4 2a 5ticas375 ............539..........Anteced 1 es:nin...jeto Fala6(.................17adas)1.228 ]TJi/TT0nd]TJinu0 Tc red ..a 5ticas775 ............525.5.............belecen]TJfinu09(n...jeto .)TDocu09( 1 T (f-0.000/TT1 1 -.....9blem)8(a 57.132.92 691PRODOCdo )Tj2 Tc 0........ 8
3
APRESENTAÇÃO
Organização da tese
O objeto dessa tese é o processo complexo em que são geradas as condições por meio das
quais se define aquilo que tem se chamado de políticas públicas, em especial em contextos
nacionais democráticos, tendo por suposto a participação popular, e contando com a
cooperação técnica internacional como um de seus atores principais. Em termos empíricos,
procurei analisar a participação da UNESCO, por meio de seu escritório no Brasil, na
articulação de um conjunto de especialistas empenhados na (re)definição de um “problema
social” que pode-se expressar no trinômio juventude-violência-cidadania. A ação da
UNESCO-Brasil gerou diversas intervenções públicas que viriam a ter como momento mais
recente, e fora das metas do presente trabalho, a criação da Secretaria Nacional de Juventude
em 2005.
A tese está dividida em cinco capítulos. No primeiro, procurei discutir alguns aspectos da
trajetória da UNESCO no Brasil, através de uma análise essencialmente documental para
entender o papel da UNESCO como agente político de um processo que teve maior
ressonância na década de 1990 e que culminou com a criação da Secretaria Nacional de
Juventude em 2005. Para tal, optei por tratar dois temas que me pareceram importantes e que
foram pouco trabalhados pela literatura especializada: a definição de cooperação
internacional – no âmbito da UNESCO – e um processo iniciado pela Organização
considerado, na década de 1990, “une mise en oeuvre rationnelle de la décentralisation”
(159/EX/INFO: 8, 2000). Esta iniciativa inaugurou uma nova lógica de relacionamento entre
as unidades soberanas e um corpus definido como internacional, mas formado por quadros e
especialistas nacionais.
Os dois capítulos seguintes tratam das pesquisas produzidas pela UNESCO-Brasil e
publicadas em 1998 e 1999. No capítulo dois trato do primeiro livro, Juventude, violência e
cidadania: os jovens de Brasília, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz. No terceiro
capítulo o foco foram os quatro estudos depois inseridos em no “Projeto: Juventude,
Violência e Cidadania”. Nestes capítulos – separados com o objetivo de tornar mais
inteligível minha análise – discuto os vínculos conceituais a partir da conjugação de “autores-
fonte” (Castro Faria, 2002) com as categorias juventude, violência e cidadania. Assim, estes
dois capítulos apresentam uma estratégia posta em ação a partir da atuação da representação
4
da UNESCO no Brasil, que captou agentes e agências e (re)configurou setores de um
determinado “campo temático” cuja unidade gira em torno da idéia de elaborar políticas
públicas para a juventude. O produto desta operação é a construção de um problema e a
indicação dos principais atores e das vítimas.
Quero fazer duas observações importantes a respeito dos capítulos 2 e 3. A primeira é que não
fiz uma “revisão da literatura” sobre os temas violência, juventude e cidadania, mas tratei-os
com base nas noções e interpretações sugeridas pelas publicações que examino. A segunda
observação diz respeito ao procedimento adotado na tese como um todo, e em particular
nestes capítulos. Não foi meu objetivo demonstrar as inconsistências, incoerências e
contradições que estes estudos contêm ou promovem, mas observar as operações que
realizam, ou seja, estabelecer os vínculos conceituais que permitem aos autores expor uma
determinada visão ou percepção ao montar um “constructor”: o trinômio juventude-violência-
cidadania.
Para os fins do “mercado” de “intervenções públicas” este “constructor” ganha eficácia e
materialidade quando o segmento social estudado (o jovem) é reordenado a partir de termos
como juventude e violência e violência e cidadania.
O quarto capítulo procura mostrar como soluções e recomendações globais, produzidas em
uma arena internacional, foram trazidas, captadas, (re)significadas e inseridas em uma
proposta concreta de programa social para a juventude. O tema abordado é a Cultura de paz e
a não violência, definido como prioridade pelas Nações Unidas para ser debatido e
transformado em ações locais na presente década. A segunda parte deste capítulo analisa o
Documento de Projeto – também chamado de PRODOC – elaborado pela UNESCO-Brasil
em conjunto com o governo do estado do Rio de Janeiro, que orientou e forneceu as bases do
Programa Escolas de Paz implementado no estado.
O quinto e último capítulo se detém na análise de duas outras publicações da UNESCO-Brasil
de 2001 e 2002. A importância destes trabalhos reside no fato de ampliarem as redes e a
capacidade de elaboração do “campo temático”, ao fortalecer os vínculos e permitir que estas
agências e agentes adquirissem força, visibilidade e disputassem política e ideologicamente
uma proposta nacional de ação voltada para a juventude. Ao mesmo tempo, as duas
publicações analisadas neste capítulo permitiram à UNESCO-Brasil ocupar um espaço
5
importante e ser (re)conhecida como especialista em assuntos relacionados à violência
escolar e à juventude. A capacidade de construir ou catalisar um vasto conjunto destes
agentes na elaboração e execução de programas sociais também forneceu à UNESCO-sede
modelos para o que, genericamente, é denominado cooperação técnica.
Algumas informações finais referentes aos critérios de grafia definidos para esta tese. Utilizei
a fonte itálica para expressões e noções retiradas dos trabalhos e documentos analisados,
assim como para demarcar termos que usualmente eram utilizados pelos integrantes do meu
universo de pesquisa. (juventude, violência, cidadania, técnicos, especialistas,
descentralização etc). As aspas, além de utilizadas nas citações, servem para ponderar certos
sentidos de palavras ou expressões e para indicar expressões de autores citados no corpo do
texto. O uso do negrito quando em citaçao foi utilizado para chamar a atenção sobre aspecto
presentes nesses trechos, quando no corpo do texto refere-se para indicar um destaque meu.
Por fim, uma última observação: Utilizarei o termo UNESCO para referir-me a Organização
do Sistema ONU, UNESCO-siége para indicar a sede da Organização, localizada em Paris,
UNESCO-Brasil para a representação da Organização no Brasil, com sede em Brasília,
UNESCO-RJ e/ou escritório para indicar os funcionários localizados no estado do Rio de
Janeiro.
6
INTRODUÇÃO
Políticas públicas e a pedagogia participativa: o que é isso?
Esta tese sintetiza e dá continuidade a um questionamento e a uma linha de investigação
inicialmente desenvolvida em minha dissertação de mestrado, defendida em 1998 no
PPGAS/MN.
Naquele trabalho (Macedo Castro, 1998) pude pesquisar dentro de uma favela carioca. No
período de realização da pesquisa, a presença na favela de cnicos (engenheiros, arquitetos,
assistentes sociais), administradores (funcionários públicos) e políticos locais (vereadores,
deputados estaduais, subprefeitos) era muito constante. Naquele momento a favela era objeto
de um amplo processo de reurbanização, que incluíam a – contenção de encostas e a criação
de áreas de lazer. Estas ações constavam da rubrica de um programa desenvolvido pela
Prefeitura Municipal em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
Programa Favela-Bairro. No período anterior à pesquisa que resultou na minha dissertação
de mestrado (1996/1997) acompanhei alguns desses técnicos, políticos e administradores para
realizar a “A avaliação do Programa Favela-Bairro: Avaliação da receptividade das
comunidades incluídas no Programa” (IEC, 1996), feita sob a coordenação de Gisélia Potengy
no âmbito do Instituto de Estudos da Educação Continuada (IEC).
O objetivo do trabalho, como indica o título, era identificar como a comunidade percebia o
Programa e apontar as dúvidas, dificuldades, compreensões e visões de moradores das
favelas atingidas pelas ações. Esta era uma fase experimental do programa, um piloto,
realizado em 16 favelas da cidade do Rio de Janeiro
1
.
O trabalho de avaliação consistiu em observar, entrevistar, registrar e classificar as demandas,
dúvidas e questionamentos dos moradores. Durante o trabalho foi possível observar e
acompanhar a interação entre moradores e integrantes do Programa. Estes momentos foram
importantes, pois me permitiram problematizar uma série de questões referentes aos
mecanismos acionados pelos agentes nos processos de intervenção. O aspecto de maior
1
A primeira fase do Programa Favela Bairro foi realizada em 16 favelas: Parque Royal, Canal das Taxas/Vila
Amizade, Parque Proletário de Grotão, Serrinha, Ladeira dos Funcionários/Parque São Sebastião, Morro do
Escondidinho, Morro da Fé, Vila Cândido/Guararapes/Cerro Corá, Chácara del Castilho, Mata Machado, Morro
dos Prazeres, Morro União, Três Pontes, Conjunto Residencial Fernão Cardim (Macedo Castro, 1998: 132).
7
relevância talvez tenha sido a complexidade encontrada para decifrar e compreender os
diferentes níveis em que se processavam as ações do Favela-Bairro. A heterogeneidade de
atores envolvidos, a diversidade de interesses em disputa e a complexa dinâmica da interação
(envolvendo instituições de natureza diversa, indivíduos com experiências e formações
também distintas, discursos contraditórios, interesses dispersos e técnicas e metodologias
heterogêneas) despertaram meu interesse em aprofundar a compreensão destes fenômenos.
Um dos aspectos que me intrigou foi o pouco uso, por parte desses atores, do termo política
pública que, para mim, definia a ação que ocorria nas favelas. Em vista disso, “aceitei” muito
rapidamente a classificação que alguns dos meus “informantes” faziam das suas práticas.
Como me relataram na época, estavam participando de um Programa social ou, ainda,
ajudando a construir políticas públicas para as favelas. Estes termos - programa social e
políticas públicas - despertaram minha curiosidade, pois classificavam a priori suas ações
nestas categorias. Aos poucos fui percebendo que estes termos não eram empregados por
todos, ou seja, eram termos utilizados por alguns indivíduos em contextos específicos,
principalmente quando falavam comigo. Também me chamou a atenção o fato de aqueles
identificados como administradores – funcionários da Prefeitura – não utilizarem estas
expressões.
Afinal, o que era fazer políticas públicas? O que estes atores denominavam política e o que
designavam com o termo pública? Estas perguntas, naquele momento, pareciam simples e
óbvias. Acreditava que o termo fosse empregado em referência à prática da ação estatal.
Procurando o verbete “política” no Dicionário de Política organizado por Bobbio, Matteucci
e Pasquino (1992) encontrei a seguinte definição para o termo política:
“O termo política foi usado durante séculos para designar principalmente obras
dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum
modo às coisas do Estado: (...) Na época moderna, o termo perdeu seu
significado original, substituído pouco a pouco por outras expressões como
‘ciência do estado’, ‘doutrina do Estado’, ‘ciência política’, ‘filosofia política’,
etc., passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de
atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a polis, ou seja,
o Estado” (Bobbio & Matteucci & Pasquino, 1992: 960)
O interessante foi perceber que o termo política pública não constava como verbete, apesar
disso existia uma definição. A ausência da expressão política pública me levou a procurar a
8
definição de um outro verbete que considerei mais “próximo” daquilo que, na fala dos meus
“informantes”, caracterizava-se como política pública. Deparei-me, então, com o verbete “O
político e o social”.
“Contrastando com a tradição clássica, segundo a qual a esfera da Política,
entendida como a esfera do que diz respeito à vida da polis, compreende toda
sorte de relações sociais, tanto que o ‘político’ vem a coincidir com o ‘social’, a
doutrina exposta sobre a categoria da política é certamente limitativa: reduzir,
como se fez, a categoria da Política à atividade direta ou indiretamente
relacionada com a organização do poder coativo é restringir o âmbito do
‘político’ quanto ao ‘social’, é rejeitar a plena coincidência de um com o outro.”
(Op.cit.: 960)
A inexistência do verbete política pública e a identificação da expressão política + social em
disciplinas (“filosofia política” e “ciência política deixou-me mais “perturbado”, pois, afinal,
não apenas eu catalogava certas ações a partir destes termos, como observava que ele também
era utilizado por certos autores. A “obviedade” da expressão aos poucos foi se desmanchando
e tornou-se um problema para a construção analítica, pois, além de perceber que nem todos os
integrantes que participavam das ações do Programa empregavam essa expressão para se
referir às suas atividades, percebi que eu mesmo empregava esta categoria de forma genérica,
de acordo com certo senso comum intelectual.
Estas questões não foram trabalhadas na minha dissertação, mas serviram para levantar
questionamentos e dúvidas. Como são constituídas/elaboradas certas ações entendidas como
programa social e política pública? Por que estes termos ganharam visibilidade e
impregnaram não apenas a mim, mas também a outros indivíduos, tornando-se categorias
importantes que alguns empregavam para referir-se a ações que identificavam como de
interesse comum e/ou público, como aponta o verbete acima citado?
Em 1998 participei de outra pesquisa, promovida pelo Núcleo de Estudos de Políticas
Públicas da Universidade Estadual de Campinas (NEPP-UNICAMP) e intitulada “Análise
qualitativa dos programas inovadores do Comunidade Solidária”, sob a coordenação da Prof.ª
Sônia Miriam Draibe. A participação nesta pesquisa aprofundou minhas dúvidas ante o
emprego de terminologias como políticas públicas e programa social e incluiu novos termos,
como parcerias, programas inovadores e cidadania no léxico que eu então coletava. O trecho
9
seguinte provém de um relatório pessoal escrito após entrevistar uma participante do
Programa Alfabetização Solidária (PAS), realizado pelo Programa Comunidade Solidária:
“Para a entrevistada, a grande novidade do programa consiste na forma
moderna e atualizada de parcerias. A lógica das parcerias atribui
responsabilidades aos diferentes parceiros, fazendo com que o Programa não
tenha apenas uma competência, mas uma grande diversificação. Acrescentou que
considera de suma importância o fato de o programa permitir aos municípios um
crescimento institucional. Considera que este, ao trabalhar nos municípios, ajuda
a transformar a vida das pessoas. Para a entrevistada, o PAS propõe não apenas a
alfabetização, mas oferece uma nova forma de socialização, é mais do que
alfabetizar, é transformar as pessoas em cidadãos.” (Caderno de campo,
dezembro, 1998: 4[grifos meus atuais]).
Esta entrevista foi feita com uma pró-reitora encarregada de organizar algumas ações do PAS
em municípios do Amazonas. Posteriormente, cumprindo as atividades de pesquisa, visitei os
municípios onde a pró-reitora havia levado a cabo estas ações. Conversas e entrevistas com
representantes da administração pública local (prefeitos, secretários de governo, secretários de
educação etc.) revelaram aspectos interessante sobre a forma como eles “traduziam” certos
termos. O PAS era muitas vezes qualificado como ajuda, incentivo, iniciativa e treinamento.
Observei que não empregavam termos como transformar a vida, cidadania, transformar as
pessoas, expressões que eram empregadas pelos integrantes do PAS nas localidades, ou seja,
pelos responsáveis por promover a metodologia de ensino do Alfabetização Solidária.
Essa experiência provocou uma série de questionamentos quanto à ação em si, ou seja, aos
procedimentos do Programa Alfabetização Solidária. Resumidamente, a proposta do
Programa era formar nas localidades turmas de alfabetizadores, que seriam os responsáveis
pela alfabetização dos moradores locais. Os capacitadores (termo empregado para designar
os que forneceriam os modelos pedagógicos aos alfabetizadores) deveriam ser professores de
universidades públicas e/ou privadas. Cada universidade que aderiu ao Programa adotou um
município, segundo os critérios sócio-demográficos estabelecidos pela Coordenação do
Comunidade Solidária. A Coordenação Nacional do PAS selecionou um coordenador
municipal encarregado de operacionalizar o programa na localidade.
O processo de seleção dos alfabetizadores, realizado pelas universidades, revelou aspectos
importantes dos procedimentos adotados pelo Programa que, de acordo com a pró-reitora,
10
visava transformar a vida das pessoas. Destaco um outro trecho do meu caderno de campo
que ilustra esse procedimento:
“Com relação ao processo de seleção dos alfabetizadores o entrevistado
2
fez
algumas reservas, não quanto ao método empregado pelo coordenador da
universidade, mas quanto ao perfil desejado. O coordenador da universidade
selecionava de acordo com a ‘capacidade intelectual da pessoa, e não sabia se a
pessoa era boa’. Para o entrevistado, o perfil ideal deveria ser o da ‘vocação para
educar’. Uma segunda consideração do entrevistado foi com relação à pouca
participação que teve no processo de seleção dos alfabetizadores nos módulos 1 e
2. A sua não participação da seleção nos primeiros módulos levou à escolha de
pessoas ‘inadequadas para alfabetizar’, o que gerou uma ‘frustração’, já que
alguns dos alfabetizadores escolhidos não queriam trabalhar no interior, pois ‘não
podiam viver no interior’. Dois professores desistiram. Alegou motivos pessoais
para essas desistências. O coordenador da universidade, por ser uma pessoa
‘distante’ dos problemas da região, não tinha conhecimento da realidade local, o
que o levou a escolher pessoas ‘inadequadas’. Este problema inicial foi superado
nos módulos 3 e 4, quando o coordenador municipal teve participação direta no
processo de seleção dos alfabetizadores. Segundo informou, sua participação
ocorreu após ter procurado o coordenador da universidade, alegando não querer
mais ‘ser frustrado no interior’ (...) O entrevistado informou que a motivação
[para a participação dos alfabetizadores] se devia a dois motivos principais: 1) a
viagem ao Rio de Janeiro e 2) o salário, que era de R$ 120. Estes seriam os
principais motivos de adesão dos candidatos a alfabetizadores, pois, como
afirmou, ‘muito pouca gente tem motivo para alfabetizar’. (Caderno de campo,
dezembro de 1998).
A “tensão” entre o coordenador da universidade e o coordenador municipal me mostrou a
complexidade que significava operar um Programa cujos objetivos eram e ainda são
definidos como reduzir os elevados índices de analfabetismo e, principalmente, desencadear
um movimento de educação de jovens e adultos. Como pode ser visualizado na página da
Internet do Programa (http://www.alfabetizacao.org.br/pt/programa).
Os termos política pública e Programa social ainda não haviam aparecido nestas experiências
de pesquisa (com exceção de alguns relatos no Programa Favela-Bairro); no entanto, para
mim era exatamente o que esses programas faziam. Ouvi o termo pela segunda vez (de forma
mais ostensiva) ao iniciar uma outra atividade de pesquisa junto à UNESCO-Brasil em 2001,
onde o termo política pública foi empregado de forma mais clara.
2
O “entrevistado” no caso era o coordenador municipal do PAS de um município no interior da Amazônia.
11
Dois anos antes, em 1999, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (ANPOCS) organizara uma publicação em três volumes intitulada “O que ler na
ciência social brasileira (1970-1995)” que cobriam as subdivisões das ciências sociais:
sociologia, ciência política e antropologia. No livro Ciência Política, Marcos André Melo da
UFPE, foi responsável pela redação de um dos capítulos intitulado “Estado, governo e
políticas públicas”. Melo inicia seu artigo da seguinte forma:
“Este texto discute a produção intelectual brasileira no campo da análise de
políticas públicas e sobre a temática do Estado e governo. Não se trata de um
survey da literatura, mas uma discussão sobre as condições que presidiram a
emergência e o desenvolvimento dessa subárea disciplinar” (Melo, 2002:
59[grifos do autor])
Neste trecho, Melo indica que as políticas públicas pertencem a uma “subárea disciplinar”,
aproximando-se desta forma daquela estabelecida pelo “Dicionário de política” para o termo
“política social”. Ou seja, políticas públicas é uma categoria científica e uma continuidade da
“história do pensamento político brasileiro (...) que se confunde, em larga medida, com a
história de uma reflexão sobre o Estado intervencionista”. (Op. cit. p. 60). Na página seguinte,
Melo destaca, a partir de Jobert & Muller (1989), que política pública é o “Estado em ação”
com uma forte tradição anglo-saxônica e norte-americana. A “subdisciplina” foi então
ordenada em três subconjuntos de análise:
“O primeiro subconjunto toma como objeto o regime político, instituições
políticas ou Estado brasileiro em termos de seus traços constitutivos, para
investigar uma política específica. O segundo subconjunto engloba trabalhos
sobre políticas setoriais que combinam a análise do processo político com a
análise de problemáticas internas às próprias áreas setoriais. O terceiro
subconjunto consiste nas análises de avaliação de políticas” (Op. cit. p. 67).
O primeiro subconjunto obedece a uma tradição nas ciências sociais, em particular vinculada
à produção da ciência política, que procurava desvendar os traços constitutivos de certas
configurações sociais (Estado, Partidos, regimes políticos etc.)
3
. Já o segundo subconjunto e o
terceiro apresentam semelhanças entre si e diferenças em relação ao primeiro.
3
Melo destaca que estes trabalhos nas décadas de 1960 e 1970 tratavam de questões relativas à agenda do
“Estado desenvolvimentista”: planejamento econômico, políticas industriais e políticas de desenvolvimento
regional. Também eram focos de análise dessa vertente, temas como “burocracia”, “corporativismo”,
“autoritarismo” (Melo, 2002: 69-70). Na década de 80 Melo, identificou uma outra temática, voltada para a
“expansão do Estado”, visando analisar diferentes políticas estatais (“Conselho Monetário Nacional”, “O
12
Os dois últimos subconjuntos têm por foco análises específicas de determinados aspectos da
ordem política, em especial os processos de intervenção estatal. Em comum, os dois últimos
subconjuntos compartilham o fato de exigirem do pesquisador um conhecimento específico
do objeto de estudo. Tanto os estudos setoriais (previdência, saúde, educação, assistência
social) quanto as avaliações de políticas públicas são geralmente realizados por profissionais
que adquirem um reconhecimento na sua “subárea” específica através de publicações,
relatórios, participação em consultorias ou a elaboração de teses e dissertações temáticas (Cf.
p. 62-65).
Melo ainda destacou o fato de muitos cientistas políticos “de grande expressão nos Estados
Unidos” – ex-presidentes da “American Political Science Association”
4
–apresentarem-se
como especialistas em análise de políticas públicas, ponderando que “a história do campo de
políticas públicas é mais a história de um discurso do que de uma disciplina convencional
composta de idéias mais instituições, revistas e controle de recursos essenciais” (Op.cit. p.
63).
A leitura de Melo sugeriu-me novas problemáticas para refletir sobre a idéia da política
pública. A primeira delas é que o autor estabelece uma continuidade entre o tema e as
preocupações atuais e as reflexões do passado, ao citar a herança da temática com o
“pensamento político brasileiro”. Em segundo, relaciona o tema a uma produção intelectual
primordialmente levada a cabo nos países anglo-saxões, os EUA sobretudo. Por fim,
estabelece que o conteúdo desta reflexão (no âmbito da ciência política) estava e está
relacionado à análise das ações do Estado e que este tipo de reflexão também gera
conselho de desenvolvimento econômico”, etc).(Cf. p. 71-80). No final da década de 70 Melo destaca que a
produção também se volta para as relações entre “Estado e políticas sociais”. Esta temática volta-se para a
relação entre “regimes políticos e política social”, identificada nas análises sobre “sindicatos” e “elites
empresariais”. No entanto, a partir do trabalho de Wanderley G. dos Santos “Cidadania e Justiça” (1979) o tema
da “cidadania” passou a operar como um conector entre “Estado e sociedade”, reordenando a agenda da relação
entre “política social” e governo. Das análises preocupadas em compreender o modelo de desenvolvimento “do
Estado” passou-se, então a operar com o modus operandi “do Estado”. A “questão democrática” entra como uma
chave importante de análise (Cf. p. 80-83), o que, para Melo, expressaria uma certa “reflexão apressada” calcada
em particular na década de 1990 sobre termos como “governança urbana”, que, citando Boschi, conferia “a quem
pode o poder e a quem não pode a participação”.(Cf. p. 82).
4
São citados James Wilson, Theodore Lowi e Arnold Wilenski (p. 63)
13
especialistas
5
. Ou seja, aos termos política pública, e programa social agora se associava um
outro termo: especialistas.
Novas reflexões foram surgindo: O que é ser um especialista em políticas públicas? Quais as
exigências, formações, acúmulos necessários? E, num segundo plano, emergiram questões
referentes à dinâmica da elaboração de uma política pública, ou seja, o que era fazer um
programa social? Quais os diálogos necessários? Quais as exigências individuais e/ou
institucionais? Que procedimentos regem a constituição, implementação e “disciplinarização”
das políticas públicas?
Retomei meu trabalho sobre o Programa Favela-Bairro com um novo olhar, focando os
especialistas. Naquela época (e ainda hoje) me surpreendi com a pluralidade de especialistas
chamados para participar ou colaborar na elaboração de formas de “gestão de certos
segmentos populacionais urbanos” – termo utilizado na minha dissertação de mestrado.
Recuperando alguns eventos e situações do Programa Favela-Bairro, fui percebendo que este
apresentava certas particularidades com relação a projetos/programas anteriores e de natureza
semelhante (analisados depois em texto recentemente publicado Cf. Macedo Castro (2005). A
primeira delas era o fato de os executores diretos – os que realizavam as obras – serem
escolhidos por concurso através de edital, o que gerava uma “terceirização” no processo de
execução. Este tipo de iniciativa fez com que a imagem do Programa fosse diferente em cada
favela e assumisse a feição do executor, já que a concepção e o planejamento estratégico da
ação em cada favela ficavam a cargo da instituição vencedora do edital. Isto levava à
produção de discursos variados – produzido tanto pelos meios de comunicação quanto pela
literatura especializada – em que o Programa era tratado como uma novidade, comparado às
iniciativas do passado. À diferença do passado, o Favela-Bairro foi executado por diversos
tipos de profissionais, com formações, experiências e visões diferentes, sem, no entanto,
sofrer mudanças essenciais nos seus princípios.
A heterogeneidade dos atores envolvidos no processo de implementação do Favela-Bairro
permitiu observar que, por um lado, foram utilizadas metodologias, estratégias e técnicas
5
Após a leitura de Melo (2002) tive acesso a outros textos e análises sobre políticas públicas no cenário
nacional. Em 2003 a Revista Brasileira de Ciências Sociais v.18 n.51 São Paulo fev. 2003, lançou um conjunto
de artigos de Elisa Pereira Reis, Carlos Aurélio Pimenta de Faria e Marta Arretche que tratavam do debate sobre
políticas públicas. Estes textos podem ser encontrados na minha bibliografia.
14
muito diferentes – gerando uma pluralidade de formas de ação junto a certos segmentos
populacionais e, por outro, fortaleceu-se a idéia de um campo de especialistas para assuntos
de planejamento urbano, muito mais amplo do que no passado, pois muito mais disperso.
Estas idéias foram parcialmente trabalhadas por mim em um outro artigo (Macedo Castro,
2002).
Ao iniciar meu trabalho no grupo de pesquisa da UNESCO-Brasil, pude assistir a uma
exposição dos procedimentos de pesquisa da Organização. Nesta ocasião, o setor de pesquisa
da UNESCO-Brasil estava capacitando os jovens que trabalhariam como assistentes em uma
determinada pesquisa em andamento. Uma preocupação dos responsáveis pela capacitação
era deixar claro para os futuros assistentes que a forma de trabalho da UNESCO era distinta
da forma de trabalho da universidade. Como salientou um dos pesquisadores, a UNESCO não
trabalha esses temas como a universidade, mas os traduz em políticas públicas, enfatizando
que os procedimentos eram os mesmos, mas a forma de ordená-los e construí-los era distinta.
O que não foi dito nesta fala, mas pode ser observado em outros contextos, é que a idéia de
traduzir temas em políticas públicas significava trabalhar os procedimentos metodológicos e
analíticos em um contexto relacionado à política e, mais especificamente, à política pública.
Recordando Federic Bailey (1969), a oposição entre a forma como a UNESCO trata os temas
e a forma como a universidade o faz, indicaria que cada um se orienta de acordo com
“normas” e “regras” estabelecidas pelos “participantes do jogo” (Bailey, 1969: 1). Existiriam
então “regras” e “normas” e, portanto contextos que oporiam práticas aparentemente
semelhantes, mas com significados distintos. Mas isto também opõe os “participantes” entre
si; afinal, do jogo participam indivíduos. Quem eram esses indivíduos? Este relato ainda não
me fornecia os ingredientes necessários para qualificar melhor o termo políticas públicas.
Entretanto, forneceu uma pista: há temas que são tratados tanto pela universidade quanto pela
UNESCO, porém há diferenças na maneira como são tratados. De acordo com este relato, a
UNESCO os trataria para traduzi-los em políticas públicas e a universidade não. Mas o que
era a UNESCO-Brasil?
O passo seguinte foi tentar qualificar quem eram os “participantes do jogo”. Novamente
recorro a um registro do meu caderno de campo, já orientado pelo meu trabalho para o
doutorado.
15
Ao ingressar na equipe do setor de pesquisa da UNESCO-Brasil (também chamado de grupo
de pesquisa) para avaliar o Programa Escolas de Paz (que será tratado mais adiante) pude
perceber que a elaboração de pesquisas ou de outras formas de produção de conhecimento na
qualidade de avaliações, estava permanentemente tensionada pela oposição acima descrita
entre o que foi identificado como uma forma universitária e uma forma voltada para as
políticas públicas. Esta tensão manifestava-se no cotidiano dos pesquisadores e na própria
dinâmica de construção dos objetos de investigação, como mostra o diálogo abaixo entre três
pesquisadores.
Pesquisador 1: Nós somos da avaliação, não somos do acompanhamento. Isto tem que ficar
claro!
Pesquisador 2: Na última reunião deixamos claro que entregaríamos relatórios mensais, isso
já foi uma forma de dizer que faríamos uma avaliação em processo. Quando a gente entregou
o relatório eles falaram que a gente tinha avaliado coisas que já tinham mudado
Pesquisador 1: A gente tem que diferenciar o acompanhamento da avaliação. Dizer que
certas coisas são acompanhamento, e outras avaliação.
Pesquisador 2: A gente fala em avaliação eles acham que a gente vai avaliar eles
pessoalmente, que eles vão ser avaliados.
Pesquisador 1: Estamos aqui por que a UNESCO nos chamou para avaliar o Programa, e é
isso que temos que fazer. E deixar claro que avaliação é uma coisa e acompanhamento é outra
coisa.
Pesquisador 3: Daqui a pouco eles vão querer que a gente faça o Programa!
O debate em torno da compreensão sobre avaliação e acompanhamento revela a dificuldade
de estabelecer os códigos ou as “normas” e “regras” a que Bailey referia-se, ou seja, definir os
papéis do gestores do Programa Escolas de Paz e o dos pesquisadores (avaliadores). Nestes
termos, e recuperando a idéia inicial exposta aos assistentes de pesquisa na primeira situação,
observa-se que os responsáveis pela capacitação procuravam ressaltar certos aspectos que
deveriam ser levados em conta na elaboração e definição dos objetos de investigação. A
segunda situação nos revela a importância de definir as regras do jogo que norteiam o
conjunto de procedimentos a serem empregados. Ao opor universidade e UNESCO, informa-
se que a natureza das regras que regem a primeira é distinta da que rege as relações às quais a
UNESCO está submetida. Traduzir temas em políticas públicas é dialogar com espaços
formadores de lógicas de ação específicas. Dito de outra forma, o exame destas situações
16
informa sobre os processos de interação, negociação e diálogo que envolvem as diferentes
formas de produção de conhecimento. O conjunto de saberes que cada um dos participantes
traz serve como estratégia nas disputas, em espaços construídos como opostos - avaliação vs
gestão - ou nos embates entre formas de produção “acadêmica” vs “aplicada”
6
.
O desdobramento deste relato se completa com outro evento registrado em meu caderno de
campo:
“Uma vez por semana os integrantes do setor de pesquisa reuniam-se na sede da
UNESCO-RJ para, junto com alguns integrantes do Programa Escolas de Paz
alocados no escritório, apresentar os resultados da semana de acompanhamento.
Neste dia, no entanto, o encontro ocorrera no ‘campo’ da pesquisa. A tensão era
grande, como na antevéspera de uma batalha. Ninguém sabia direito que
estratégia utilizar, era preciso antecipar os passos do outro e levantar o moral das
‘tropas’. No dia da reunião, o grupo de pesquisa, à diferença dos outros dias,
reuniu-se mais cedo. A responsável pelo grupo – que reside em Brasília –
comandava firmemente sua ‘tropa’, propondo discussões e caminhos que
pudessem ajudar na discussão da noite. O clima era tenso, mas ao mesmo tempo
pairava certa tranqüilidade quanto ao resultado do ‘embate’. As últimas semanas
tinham sido positivas para o grupo, a presença do representante nacional e as
diversas conversas entre os coordenadores indicava que a reunião da noite teria
um encaminhamento antecipadamente definido. Ao aceitar realizar a discussão
no ‘campo’ alheio com um representante de Brasília, o escritório já partia em
‘desvantagem’. Em termos numéricos, o grupo de pesquisa era superior: 8 contra
3. No entanto, os três representantes eram chave no Programa: a representante
da UNESCO-RJ, a Coordenadora do Programa e a Coordenadora de
capacitação. O grupo de pesquisa era composto pela Coordenadora nacional
do setor de avaliação e pesquisa da UNESCO e a responsável pela equipe
encarregada de realizar a avaliação no Rio de Janeiro” (Registro pessoal, maio de
2002[grifos atuais])
Pela lógica do funcionamento das hierarquias, definida no cotidiano da Organização, nesta
reunião deveriam estar presentes apenas os coordenadores, não cabendo neste tipo de
discussão os pesquisadores. No entanto, neste dia estavam todos lá. Para atenuar a
6
Neste sentido, as preocupações levantadas por Oliveira Filho (2004:24) podem ser bastante instigantes. “Ainda
quando o pesquisador mantém uma rígida dicotomia entre pesquisa e ação, financiando a sua investigação
exclusivamente com recursos provenientes de agências do campo científico, ele terá que se defrontar com uma
nova situação etnográfica, onde a comunidade observada e seus porta-vozes discutem os resultados da pesquisa e
atribuem novos encargos e papéis àquele que se candidata á condição de seu etnógrafo”. Souza Lima (1998)
chama a atenção em um outro contexto, sobre as tensões que envolvem esta oposição entre instâncias pensadas
como distintas. “A relação entre a disciplina [antropologia] e a administração (notadamente as agências
coloniais) foi muitas vezes denunciada sob as críticas à dita antropologia aplicada. Mas só a partir de esforços
mais recentes, insuflados por uma história social da produção antropológica, pelas discussões ‘pós-modernas’ ou
por necessidades de ordem prática, este viés constitutivo das práticas da Antropologia foi de fato abordado.”
(Op. cit. p. 224-225). Cf.; Grillo (1985); Goody (1995).
17
transgressão das regras, foi solicitado que apenas os coordenadores e responsáveis fizessem
uso da palavra.
“A equipe do escritório chegou pontualmente no horário marcado. A sala estava
devidamente organizada e as cadeiras haviam sido ordenadas em círculo,
evitando o estabelecimento de uma possível hierarquia. Depois de breves
conversas amenas, comentários extraídos de alguma notícia publicada no jornal, a
coordenadora do escritório comenta: Estes computadores que a gente mandou
para vocês são melhores dos que têm no escritório. O comentário gerou certo
constrangimento e surpresa no grupo. Eles são ótimos, principalmente depois que
a universidade cedeu uma sala para a gente trabalhar, a resposta emitida pela
responsável da pesquisa gerou olhares de satisfação entre o restante do grupo.
Depois de outros breves comentários sobre o espaço e a disposição dos móveis, a
um sinal da coordenadora de Brasília todos entenderam que a reunião deveria
começar.” (Registro pessoal, maio de 2002)
Os integrantes do escritório esperaram todos se ajeitarem para depois procurar as cadeiras
vagas. Apesar do espaço em círculo, a disposição de cada um evidenciou as relações de forças
subjacentes.
A reunião iniciou com a coordenadora nacional da pesquisa, que informou o motivo da
reunião e porque ela ocorreria na universidade em vez do escritório.
“(...) Era para vocês verem o nosso lugar de trabalho. Aqui, apesar de não ser o
escritório, a universidade faz parte do convênio e as pessoas que trabalham aqui
não trabalham apenas para o escritório, mas também para a instituição a nível
nacional. Eles contribuem com a avaliação do Programa mas também, a pedido
do representante, eles produzem materiais de referência. O objetivo dessa reunião
é deixar claro o nosso papel no Programa. A gente faz uma avaliação externa.
computador
Bancadas
mesa
Integrantes
do escritório
Integrantes
da pesquisa
porta
18
Todo programa da UNESCO deve ser avaliado por uma equipe externa, a partir
de indicadores e metodologias apropriadas. Tanto o nosso programa como
qualquer outro programa. (...) é importante também ter claro que não é a
UNESCO que está avaliando a própria UNESCO, pois isto perderia legitimidade.
A avaliação deve ser externa, e por isso existe esta equipe da universidade. É
claro que o pessoal daqui [da universidade] mantém algum tipo de
relacionamento com a UNESCO, é ela que paga, e existe um termo de referência
que define isso”. (Registro pessoal, maio de 2002)
A fala da coordenadora nacional antecipou os possíveis caminhos que a discussão poderia
tomar e trouxe duas questões importantes. Em primeiro, lugar fez alusão ao espaço físico ou,
mais precisamente, ao fato do grupo de pesquisa ocupar um espaço fora da UNESCO, e
ressaltou que a equipe mantém algum grau de afinidade com a Organização – pois é parte de
um convênio e é paga por ela
7
. Em segundo lugar, a coordenadora nacional também se
referiu à inserção do grupo e à sua importância, ao afirmar que este contribui também para a
UNESCO a nível nacional. Esta situação colocava o grupo de pesquisa em uma posição
hierárquica superior à do escritório, visto que as representações locais (UNESCO-RJ) estão
subordinadas à sede, assim como o setor de pesquisa. Em terceiro lugar, ao utilizar a
expressão pedido do representante nacional, a coordenadora nacional identificou que entre o
grupo de pesquisa e o representante da UNESCO-Brasil há algum tipo de vínculo que
permite a ele fazer um pedido. Em uma estrutura extremamente hierárquica como esta, o
termo pedido estabelece uma série de compromissos que ultrapassam a formalidade das
relações institucionalmente definidas e abre caminho a um conjunto de outras normas e regras
associadas ao pedido.
Nesta situação brevemente descrita, o início da fala teve por efeito definir o tipo de normas e
regras que ordenariam o encontro. Pode-se supor também que a fala teve como objetivo
anular uma possível tentativa do pessoal do escritório de estabelecer uma relação
hierarquicamente superior com relação ao grupo de pesquisa ou de ascendência da função
desempenhada pelo escritório com relação a da pesquisa. Nestes termos, observa-se que o
grupo de pesquisa (da universidade) estava vinculado diretamente ao grupo de pesquisa e
avaliação da UNESCO-Brasil, que não mantém nenhuma relação de subordinação com as
representações locais; no entanto, naquela situação, o grupo de pesquisa integrava a equipe de
7
No acordo de cooperação entre a UNESCO-Brasil e o governo brasileiro, o papel da UNESCO-Brasil é
repassar a verba fornecida pelo cooperado (nesta situação, o cooperado é o governo brasileiro) para os diferentes
atores do Programa, (equipes locais, gestores, consultores etc). Estes atores serão apresentados mais adiante.
19
avaliação do Programa Escolas de Paz, o que gerava uma indefinição dos papéis tensionando
as atribuições de mando.
A segunda parte da fala procura definir o papel do grupo de pesquisa no Programa. Estes
trechos demarcam a externalidade do grupo em relação ao Programa, necessária para garantir
legitimidade tanto ao Programa quanto à Organização. Apesar dessa externalidade, observa-
se que havia a preocupação em estabelecer os vínculos do grupo de pesquisa com a
UNESCO-RJ a partir de certos critérios, tais como a competência para formular indicadores e
metodologias apropriadas. Nesta seqüência o referencial de inserção da pesquisa mudou,
sendo os pesquisadores identificados como profissionais que detêm um conhecimento
apropriado e mantêm com a Organização um compromisso firmado em contrato (termo de
referência), e não apenas pelos seus vínculos com o grupo de pesquisa e avaliação da
UNESCO-Brasil.
As situações aqui descritas me estimularam a pensar sobre certas práticas desse universo. Por
um lado, a identificação de que algumas práticas dependem de certo saber fazer ou são
resultado da aplicação de determinados conhecimentos. Por outro lado, o uso destes termos
também informa sobre a disposição dos indivíduos ante as relações estabelecidas. A
manipulação dos termos opera como separador de áreas de atuação, atribuições e tarefas, mas
também estabelece os diferenciais hierárquicos e distingue o nós do eles. Esta distinção é tão
e mais valorizada ao se introduzirem as normas e regras estabelecidas nos documentos legais
que regulam as relações, termos de referência, documento de projeto, termos de adesão,
diretrizes da cooperação internacional, entre outros, que são utilizados e manipulados
constantemente nas relações estabelecidas entre os participantes desse universo.
Se em um nível existe uma superposição de experiências (por exemplo, de ter participado em
trabalhos anteriores de natureza semelhante) e saberes (proveniente de determinado tipo de
formação), que pode ser comprovada na elaboração de instrumentos, no planejamento, na
formulação de indicadores e principalmente na elaboração de materiais de referência (livros,
documentos internos, manifestos etc.), em outro nível observa-se que estes saberes e
experiências vão orientar os caminhos e as formas como as interações vão ser estabelecidas,
constituindo-se distinções importantes (em um nível macro) tais como a identificação do
outro como sendo um técnico ou um político, ou distinguindo o avaliador da gestão. Esta
distinção tem efeitos importantes nas interações, pois a cada um dos termos está associado
20
uma determinada característica transitória (que só pode ser definida no processo de integração
em contextos específicos), que demarcam e identificam o outro nas relações compartilhadas
8
.
Estas situações revelam que certos mecanismos acionados pelos participantes nos processos
de demarcação e definição das regras de conduta vão orientar o processo interativo ou, como
diria Bailey, vão definir as “regras do jogo”. A “indignação” ou “surpresa” dos pesquisadores
com o fato deles (gestores) “confundirem” avaliação com acompanhamento mostra que – de
acordo com os pesquisadores – existem diferenças entre o conjunto das atividades de uma
avaliação e as de acompanhamento. A fala do pesquisador 3 (no primeiro relato) introduz
uma outra variável: a compreensão de que a atividade de acompanhamento deveria ser
executada pela gestão do programa, ou seja, por aqueles indicados para tal função, e não pela
equipe de avaliação.
A experiência apresentada superficialmente nas descrições e relatos acima tornou ainda mais
complexa minha tentativa de entender o que é uma política pública e/ou um programa social.
No entanto, trouxe também novos elementos para entender um fenômeno que se tornava cada
vez mais nebuloso e distante da definição do “Dicionário de política”. Políticas públicas
significava, então, o “Estado em ação”. Mas o que era o Estado? E que ação era esta?
Mary Douglas (1987: 35-37) sugere que em contextos organizacionais as ações dos
indivíduos são motivadas não só pela “obediência” a um conjunto de normas e regras
definidas pela vivência institucional, mas também pelas interações, compreendidas como
momento privilegiado para definir que normas e regras irão ordenar uma determinada
situação, produzindo um espaço de imprevisibilidade e incerteza quanto aos desdobramentos
da ação. Esta percepção aproxima-se da noção de Bailey (1969) mencionada, mas introduz
um elemento importante, que é a idéia de incerteza e imprevisibilidade
9
. Essas idéias
permitem ver o que Jobert & Muller (1989) definiram como o “Estado em ação” por um outro
8
Este tipo de visão se fortalece quando, atualmente, observa-se que existe um discurso materializado em
determinada literatura dirigida a “gestores sociais” em Muñis (1989); Boggio (1985); Goode & Hatt (1972);
Roche (2000); Lopes (2005), dentre outros, que, produzida por organizações privadas ou públicas na forma de
manuais ou guias, discrimina os saberes necessários para ocupar determinado cargo ou função em organizações
e orienta sobre como integrar os discursos dos atores envolvidos. Os debates oriundos deste tipo de literatura
geram certas “categorias discursivas” tais como accountability, advocacy. Cf. Turner & Hulme (1997); Para
informações sobre emprego pelas agências internacionais Cf. Flavia Barros (2005); Roberto Salviani (2002).
9
Em Como as instituições pensam, Douglas (1987: 31) elabora uma crítica à base da teoria da escolha racional
e ao modelo funcionalista de pensar a ordem social.
21
prisma: não mais buscando análises “setoriais”, como descreveu Melo (2002: 67), mas as
práticas e interações produzidas e geradas em contextos de elaboração de políticas sociais.
Visto de outro modo, o “Estado” é então composto por atores sociais e também por
especialistas se aceitarmos a definição proposta por Max Weber
10
– e algumas de suas
práticas são definidas por outros especialistas como políticas públicas. Mais uma questão
entrava no meu rol de questionamentos, que só fazia crescer. Quem eram os especialistas que
definiam que outros especialistas faziam políticas públicas?
As pistas para estas questões já vinham sendo trabalhadas tanto por Melo (2002) como por
Draibe (1997), Beatriz Azeredo (1997), Marco Aurélio Nogueira (1997), Marta Arretche
(1997), Augusto Franco (1997). Para além dos especialistas “setoriais” (Melo, 2002), o
trabalho de pesquisa associado à elaboração de Programas sociais a partir dos anos 1980
assumiu uma nova posição no cenário nacional (Draibe, 1997), ao contrário das décadas de
1950 a 1970, quando os autores acima observaram o crescimento dos investimentos em
centros de pesquisas e na produção científica por parte de órgãos e fundos nacionais e
internacionais, e uma distinção entre conhecimento “científico” e “conhecimento
institucional”. Nos anos 1980 e 1990 esta situação começou a mudar, como mostrou Joan
Dassin
11
, ex-diretora regional da Fundação Ford para a América Latina e o Caribe:
“O que estamos tentando fazer reflete o objetivo geral do escritório de Nova
Iorque no sentido de que buscamos um equilíbrio entre a tradição e a inovação. É
evidente que continuamos mantendo uma relação estreita com os nossos
donatários tradicionais – particularmente com os cientistas sociais – estejam eles
ligados a instituições independentes de pesquisa ou às principais universidades
públicas. Ao mesmo tempo, como a própria comunidade científica, estamos
tentando responder às novas oportunidades criadas pela democratização no
Brasil. Assim, a Fundação uniu-se a vários esforços da sociedade civil para, em
primeiro lugar, apoiar não apenas pesquisas sobre questões teóricas do Estado ou
10
A perspectiva weberiana nos leva a pensar a burocracia como um desdobramento interno das tarefas
administrativas, uma crescente qualificação dos agentes administrativos, e uma ampliação dos saberes
(conhecimentos e técnicas). Segundo Weber (1987), a ocupação de um cargo é, em certa medida, uma
“profissão”, ou seja, exige a aceitação de um conjunto de normas, regras, hierarquias e procedimentos
“intrínsecos” à estrutura administrativa. Por outro lado, chama a atenção para o fato da “posição real” do
funcionário ser socialmente determinada, estando vinculada ao tipo de qualificação, origem social, vínculos com
os “estamentos” (Weber, 1987:716- 720). Esta pequena distinção entre o que poderíamos chamar de posição
pessoal do funcionário e posição real do funcionário permite sugerir que o próprio mecanismo de incorporação
de indivíduos a postos administrativos se conforma a partir de diferentes processos de seleção. Negociações são
realizadas, mediações são estabelecidas, conflitos são expressos e interesses controlados.
11
Joan Dassin também foi representante da Fundação Ford no Brasil no período de 1989-1992.
22
desenvolvimento econômico, como também promover debate intersetorial e
grupos civis que têm como função o monitoramento que promove a discussão
pública. Também continuamos a apoiar organizações comunitárias e atividades
de extensão por parte de uma ampla gama de ONGs e grupos populares e estamos
tentando promover com eles um trabalho em conjunto a respeito da melhoria das
políticas públicas que os afetam” (Dassin, 1993: 27-28).
12
Melo caracteriza esse período a partir da existência, na área, de um “otimismo republicano de
que a democracia é virtuosa” (Melo, 2002: 80)
13
. Ainda de acordo com Melo (2002), mas
também com Draibe (1997), a institucionalização da área de “políticas públicas” teve um peso
importante no processo de (re)significação dos profissionais que trabalham neste tipo de
pesquisa, que é caracterizada como uma modalidade de investigação associada aos programas
e políticas sociais. Na classificação de Melo – e, neste caso, entendo que Draibe não está de
acordo – este tipo de modalidade de análise foi identificado como integrante do terceiro
“subconjunto”, que “consiste nas análises de avaliação de políticas públicas”. Para Melo, este
tipo de “subconjunto” não representa o campo da “ciência política”, pois
“Está associado fundamentalmente à contribuição dos especialistas setoriais,
muitos dos quais produzem seus trabalhos na burocracia pública. Nesse
subconjunto também poder-se-iam classificar os estudos interdisciplinares de
avaliação de programas governamentais. (...) ancorados de forma difusa nas
ciências sociais – o que revela a débil institucionalização dos campos
disciplinares no Brasil – tais estudos mantêm uma vinculação mais estreita com
especializações profissionalizantes como a administração pública, mas também
com a tradição disciplinar da sociologia e da economia” (Melo, 2002: 68-69)
[Grifo meu]
12
Vale lembrar que, já nas décadas de 1940 e 1950, as pesquisas que ficaram conhecidas como “estudos de
comunidade” (Guidi, 1962) já lidavam com essa temática, refletindo formas de pensar políticas sociais. Estes
estudos, como destacou Elisa Castro, tinham por objeto não apenas a mudança social, “promovida pelo impacto
da industrialização sobre as sociedades tradicionais”, mas também o “debate sobre o papel dos antropólogos e
sociólogos que emitiam pareceres a projetos de intervenção” (2000: 2). Em uma perspectiva e período
semelhante, mas em outro contexto, Antonio Sérgio Guimarães chama a atenção para o que hoje Melo
denominou de “disciplina”. “Quanto a Park, escrevendo em 1942, em plena guerra, ele já antecipa a agenda que
Arthur Ramos retomará em 1949, ao assumir o Departamento de Ciências Sociais da UNESCO. Na Introdução
[Park, Robert. 1971. “Introdução à 1ª. Edição americana”, Donald Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, São
Paulo, Cia. Editora Nacional, 1971, pp. 79-86] já citada, Park pensa na nova ordem mundial que surgiria depois
da guerra e vê as ciências sociais como responsáveis por prover a base empírica, científica e racional sobre a
qual se deveria edificar uma nova moral de convivência entre povos, raças e culturas diferentes; reconhecendo
no Brasil um caso muito interessante a ser estudado pois aqui não existiria um “problema racial” propriamente
dito, apesar da grande presença de descendentes de africanos.” (Guimarães, 2004: paper apresentado no colóquio
internacional O projeto UNESCO no Brasil uma volta crítica ao campo 50 anos depois, 12-14 de janeiro,
Faculdade de Medicina da Bahia /UFBA).
13
“O progressivismo à brasileira dos anos 80 é fortemente marcado pelo otimismo republicano de que a
democracia é virtuosa – produz resultados tangíveis para a maioria da população – e pela crença de que uma
nova institucionalidade democrática é precondição, não só necessária, mas também suficiente para a superação
do legado histórico de desigualdade e pobreza.” (Melo, 2002: 80).
23
Para Draibe (1997: 5), a institucionalização desta área (política pública) na década de 1980
ganhou consistência com a expectativa de que as transformações (então recentes) no cenário
político (com a abertura política do regime militar) se traduzissem em uma ampliação dos
direitos sociais e que o sistema de proteção social dilatasse a cobertura dos seus programas e
valorizasse institutos e fundações governamentais como a Fundação para o Desenvolvimento
Administrativo em São Paulo (FUNDAP, criada em 1976) e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA, criado em 1965) do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão (Melo, 2002: 65)
14
. A criação, em 1982, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
(NEPP)
15
na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desempenhou um papel
importante no processo de institucionalização dos investimentos na área de políticas públicas
e uma abertura para a atuação de profissionais das áreas de ciências sociais
16
. O que é
otimismo para Melo, para Draibe é mercado de trabalho.
Ao deparar com todos esses termos (Estado, políticas públicas, programas sociais,
especialistas), encontrei dificuldade de conectá-los às minhas experiências de trabalho e
pesquisa. Essas terminologias, criadas como categorias analíticas por um determinado tipo de
produção científica, não me teriam causado maiores problemas se fossem claramente
utilizadas nos contextos institucionais próprios. No entanto, elas passaram a repercutir
diretamente nos meus processos de investigação, seja no Favela-Bairro, seja no Comunidade
Solidária ou na UNESCO; afinal, eu trabalhava como consultor e era pesquisador científico,
fazendo pesquisa para esta tese de doutorado. Estas noções também revelavam outros
aspectos, distintos dos descritos acima por Melo (2002) ou por Draibe (1997). Era eu um
otimista ante a república democrática? Ou procurava inserir-me no mercado de trabalho? Ou
um pouco de ambos? Questões sem resposta no momento.
14
Melo ainda destaca que a prevalência de instituições públicas na produção de análises sobre políticas está
relacionada ao monopólio da informação e pouca divulgação dos dados e das fontes públicas. (Melo, 2002:66).
15
O NEPP desenvolve atividades de pesquisa nas sub-áreas de educação, saúde, habitação, previdência social,
assistência social, saneamento básico, transporte coletivo e políticas sociais. Os integrantes do NEPP participam
de Comitês Assessores do 2s.03ipam
24
Os debates acima ajudaram a formar algumas hipóteses para compreender a operacionalização
de certos termos. Por exemplo, o termo técnico – muito utilizado nas experiências descritas –
poderia ser considerado um sinônimo de especialista, pois informava e referia-se aos mesmos
conteúdos dos quais nos falaram Sonia Draibe e Marcus Melo. Ao termo eram associados um
conhecimento e uma prática. O conhecimento era dominar certos instrumentais, e a prática era
fazer pesquisa, fazer avaliação. Este saber-fazer operava de forma distinta nas interações,
revelando uma pluralidade da sua utilização. Fiz uma análise do uso deste termo e seu
emprego em uma situação concreta, o Favela-Bairro em um artigo (Macedo Castro, 2002:
240-251).
Ao iniciar minha atividade como pesquisador no Programa Escolas de Paz, me deparei
novamente com estes termos e estes conteúdos. Afinal de contas, o que era fazer um
programa social? O que eram, no seu exercício, políticas públicas? E novas questões
surgiram: o que era produzir “cientificamente” entre o otimismo e o mercado de trabalho?
Estas questões ampliaram ainda mais minhas dúvidas e questionamentos, sem contribuir para
revelar os significados destas categorias ou terminologias, ou mesmo das práticas que lhes
dão substância.
Caminhos, dilemas e tensões
O texto aqui construído reflete minha vivência como observador e participante ao longo de
quatro anos, quando procurei, inspirado em Max Weber, “dar sentido ao caos”. Ao investigar
o significado de termos como políticas públicas e programas sociais, deparei-me, como já
disse para o Favela-Bairro, com o fato destes termos não serem “nativos” e não operarem no
quotidiano em que estava inserido. Mas quem eram esses “nativos”? E que quotidiano era
esse?
17
17
Concordo com a observação de Oliveira Filho (2004: 14) a respeito do uso do termo “nativo”, quando este
afirma que “Muita coisa se perde com essa opção nostálgica. Hoje no Brasil a grande maioria dos antropólogos
não se ocupa de povos indígenas, mas sim com outros fenômenos ocorridos na sociedade nacional. No entanto,
nos momentos rituais da vida acadêmica, assim como nos jogos verbais e nas boutades do cotidiano, a velha
linguagem das pesquisas pioneiras é reeditada em sua plenitude. Todos os objetos de atenção dos antropólogos
tornam-se imediatamente “nativos”, independente de sua condição social, horizonte e ideologia. Abusa-se da
utilização deste termo, apesar dos pressupostos cognitivos que carrega, bem como de seu forte significado
pejorativo. O vínculo que reúne o investigador com as pessoas das quais se ocupa é descrito de maneira
unilateral e estereotipada como ‘relação com o informante’.
25
Em relação aos “nativos”, posso afirmar que eram os que executavam certas ações através de
um conjunto de práticas dispersas e fragmentadas que, nos termos de Bruno Latour e Steve
Woolgar, “tomam forma de rede” (1997: 31). Estes “nativos” eram designados (por eles
mesmos) como políticos, assistentes sociais, funcionários públicos, professores
universitários, técnicos administrativos, educadores, cientistas sociais, consultores, técnicos,
etc. Estavam institucionalmente alocados em funções administrativas, agências financiadoras,
organismos de cooperação internacional, ONGs, instituições universitárias, centros de
pesquisa, autarquias, instituições privadas, instituições de ensino; ou seja, circulavam por
múltiplos “mundos sociais” Anselm Strauss, (1999).
Ao mesmo tempo, atuavam em contextos variados, tais como reuniões de planejamento,
organização e divulgação ou com associações de moradores, participavam de palestras e
seminários nacionais e internacionais, de fóruns mundiais (Fórum Social Mundial, Fórum da
Educação), liam relatórios, faziam pesquisa, recebiam prêmios, faziam e avaliavam
capacitações, escreviam livros, artigos e matérias de jornais, formulavam editais,
negociavam contratos. Denominei este amplo universo de indivíduos e ações o “mundo da
intervenção”. A unidade deste “mundo” residia no sentimento de estarem participando de um
conjunto de atividades em permanente transformação e que envolvia uma dimensão político-
ideológica ou, nos termos de Mariza Peirano, de estarem atuando como “cidadãos”
18
.
As ações e atividades descritas mais acima ocorreram em um contexto muito particular: o do
Programa Escolas de Paz, fruto de um acordo entre a UNESCO-Brasil e o Governo do
Estado do Rio de Janeiro. O Programa teve início em 2000 e ainda continua em execução.
Falarei dele mais à frente.
18
Estou utilizando o sentido dado por Peirano ao termo “cidadão”: “Quer então apontando para a divisão de
papéis sociais, que eram anteriormente concentrados nas mãos dos literatos do início do século, como gerando a
categoria dos cientistas sociais, quer pensando nas alteridades estruturais do antropólogo, derivadas parcialmente
desta herança, ressalta em ambos os casos a configuração do cientista social como cientista e ator político ao
mesmo tempo, em fim, como ‘cidadão’ que, ao fazer ciência, não pode deixar de lado sua responsabilidade
cívica.” (Peirano, 1991: 100). Apesar de nem todos os atores que pertencem ao que chamei de “mundo da
intervenção” serem cientistas sociais, as imagens associadas aos termos “responsabilidades cívicas” ou mesmo
cidadania, tem efeitos importantes nos discursos produzidos. Aprofundando um pouco mais, poderia afirmar que
estas noções operam como conectores entre morfologias sociais, trajetórias e biografias distintas. Acredito ainda
não ser possível dizer que estes atores compartilham a crença de que estão produzindo cidadania, mas operam
com estes termos para iniciar o processo interativo, ou seja, para dar um sentido à interação. A dinâmica destas
interações revela que os conteúdos iniciais deixam de atuar como modelo, passando o conteúdo da interação,
como diria Georg Simmel (1983), a ser informado por outros temas.
26
Ao iniciar meu trabalho junto à UNESCO-Brasil, na modalidade de consultor - para trabalhar
na equipe de avaliação e pesquisa - vi-me do “outro lado” institucional, ao lado daqueles que
trabalham (conclusão minha) para realizar Programas sociais e construir Políticas públicas.
Não era mais um “observador”, no sentido clássico do termo, mas um integrante, participante
e ator. Estes eram meu “campo de pesquisa” e meus “informantes”, colegas de trabalho,
amigos, “inimigos”. Este tipo de relação e os vínculos a ele associados geraram um
considerável grau de tensão e desconforto, pela dificuldade de estabelecer o “distanciamento”
tão necessário e valorizado pela produção da área em que estava inserido “academicamente”.
Vivenciei cotidianamente esta tensão e a dificuldade de meus companheiros de equipe em
compreender meu comportamento como pesquisador e colega de trabalho. Sentia que adquiria
um grau de confiança e de lealdade com meus informantes/colegas, compartilhava não apenas
idéias e opiniões, mas também participava de forma integral das ações e do cotidiano em que
estão (estávamos) imersos.
Estas sensações foram registradas no meu “caderno de campo”, espaço – como mandam os
cânones antropológicos – no qual procurei dialogar com a literatura analítica que fui
resenhando e entender estes momentos e processos que o trabalho/pesquisa acionavam.
Também era um lugar de “desabafo”, de expressar minhas próprias angústias, incertezas,
dúvidas, medos e ansiedades.
O que denominamos etnografia “clássica” - e aprendi como tendo nascido com Bronislaw
Malinowski - estaria marcada por esta busca por uma “aura de verdade”, e o texto etnográfico
assumiria características muito peculiares por ser uma “descrição” fundada no “olhar” do
pesquisador e narrado, muitas vezes, na terceira pessoa do singular. Impessoalidade. James
Clifford assinalou que “Ethnography is actively situated between powerful systems of
meaning (…) It describes processes of innovation and structuration, and is itself part of these
processes” (Clifford, 1986: 2). Nesta mesma linha, Nicolas Thomas (1991:306) assinala a
noção de “alteridade” como um aspecto intrínseco à própria construção etnográfica, que
precisa do “outro” para existir. Ou seja, através do olhar do “outro” nos identificamos,
criamos nossa identidade e definimos nosso papel. Para a produção etnográfica, precisamos
que o “outro” seja mais do que simplesmente “outro”, precisamos sobretudo que seja
“exótico”, isto é, retiramos os resquícios de compartilhamentos de outra natureza,
sociologicamente abordável, que não sejam tradutíveis como meras afinidades.
27
Ao aprofundar minha relação com meu “objetode estudo, estes dilemas e dificuldades foram
se colocando no meu cotidiano. Destaco um trecho de meu diário que ilustra essa sensação:
“Parece que o campo adquiriu uma dimensão que não consigo controlar. A
quantidade de ‘dilemas’ que procuram ser solucionados. Não sei a natureza
destes dilemas. Ou melhor, sei. Pelo menos alguns parecem que têm sua fonte
detectadas. A minha inserção parece que cresceu emocionalmente e
profissionalmente. Foram depositadas confianças, claro que não absolutas, mas
controladas. Isso gera dificuldades, mas também permite certa satisfação. Minha
inserção é cada vez mais ativa, mais participativa, a presença cada vez maior no
escritório da Unesco são coisas que estão se confundindo. (...) As capacitações
observadas aguçaram meu interesse em pensar as ações como dispositivos onde
cada movimento leva a um distanciamento da transformação à alternativa. O
grupo da avaliação me devolve esta percepção, mas ao mesmo tempo me vigia,
controla. Ficamos seduzidos pela imensidão da pedagogia, distante e libertadora.
Gostamos da capacitação, dos temas, da forma e da importância de capacitar
pessoas. Reflexões alternativas são pensadas, instrumentos produzidos para o
trabalho podem sugerir possibilidades alternativas distintas das que são
empregadas por eles. Quando fizemos o mapeamento de talentos achávamos que
ele poderia realmente ser um instrumento do Programa. Ele poderia fortalecer os
mecanismos de controle, mas também poderia gerar ações de contrapoder.
Queríamos realmente mudar a forma como certas coisas no Programa
aconteciam. Neste momento me afasto de Foucault e retomo a utopia, a
perspectiva da alternativa vs a ordem. No entanto, na discussão do mapeamento
procuramos amenizar, articular os outros interesses, afinal interesse é o que não
falta nesse Programa. A dimensão do equilíbrio, nem tanto à terra, nem tanto ao
mar, devia ser restabelecida. É preciso sobreviver, é preciso que o Programa
avance e que os diversos interesses sejam compartilhados, negociados. Esse tem
sido o papel da avaliação. Procurar o equilíbrio, fortalecer certos atores em baixa,
“atacar” quem se destaca e ameaça. É um jogo. Livre. Temos a liberdade de
produzir, falar. Nem tanto. O convencimento se dá pelo limite político – as regras
do Bailey. Não há censura, há convencimento, análise dos interesses, dos efeitos,
das palavras, das críticas. Quanto mais se fala da complexidade das ações, dos
interesses institucionais, dos problemas pessoais, mais fácil é justificar certas
palavras, certas mediações nos relatórios. ‘gente! Isso é só mais um trabalho!’
dizem alguns, todos dizemos isso. Interesses muito forte, impactantes e
reveladores. Para alguns é extremamente prático, para outros existe a crença na
possibilidade da alternativa. São aspectos que caracterizam o grupo e todos os
que participam deste jogo. Relativizamos certas opções feitas, palavras
pronunciadas, textos escritos. A dimensão crítica está presente, o olhar perspicaz,
capaz de ver o emaranhado em que estamos, e entender os interesses de cada um.
O que move os outros? Porque eles fazem isso? Como se contrapor? Eles não
estão pensando no programa, eles pensam nos interesses deles. Mas quem não
pensa? Ingenuidade no trato das palavras, no por que não podemos falar isso?
Devemos falar? Denunciar? Mostrar? O olhar é capaz de desvelar tramas e
interesses, mas se perde no espaço da avaliação. Trajetórias repletas de saberes,
conhecimentos e oportunidades. Aos poucos vou me dando conta de como é forte
a desigualdade, a distinção à la Bourdieu atua como mecanismo de exclusão e de
28
dominação. O nosso grupo é poderoso e eficiente. Dominamos, mas no instante
seguinte nossa força se dissipa, aqueles que nos empoderavam retiram nossas
bases. Por que? O que não estou vendo? Mantemos o equilíbrio nos momentos
mais duros, mais tensos, contornamos o que sabemos que é incontornável, e
sorrimos quando conseguimos. Temos contatos, relações, capital político, social e
vários outros. Temos a capacidade de escrever livros e que sejam divulgados pela
mídia. Que mundo é esse? Em que estou me constituindo enquanto ator.
Compartilho isso com os outros. Todos concordam. Voltamos para nossas
tarefas. E ai! O que a gente coloca nesse relatório? Controlar os mais
exasperados e devolver o equilíbrio. Tornar complexas as situações parece ser
não apenas uma estratégia antropológica, mas uma necessidade de sobrevivência.
Isso é trabalho; isso é antropologia. Dissecar, olhar as possibilidades, as alianças,
os ditos e os não ditos, os talvez ditos, os possíveis ditos, aqueles que ainda não
foram pronunciados (mas serão!) – paranóias obsessivas? Ou simples situações
de trabalho? – que ganham dimensão poética na construção etnográfica. Não
torná-los complexos é perder o equilíbrio e fazer com que o programa fracasse.
Mas o que é o Programa? Por que ele pode fracassar? É isso que eu faço. Que nós
fazemos. Estamos fazendo políticas públicas. O trabalho etnográfico ganha outra
dimensão quando a vivência é nossa, quando nos transformamos naquilo que
estudamos. Vigiar, controlar o olhar, as ações. Falta olhar para outro em relação.
A interação é a chave para entender as práticas e os seus sentidos. Afinal o que
estamos fazendo? Políticas públicas. Não há instituição sem interação. Ela é a
chave da explicação, da explicitação e do distanciamento. Tornar algo complexo
é permitir este distanciamento. Ela permite traçar as estratégias, os confrontos,
buscar os equilíbrios. Entender a dimensão do “Estado em ação”.
Procurava fugir das armadilhas do método buscando outras definições que pudessem trazer
alguma compreensão sobre a situação em que me encontrava.
Distanciamento: “ação ou resultado de distanciar (-se); afastamento 1 atitude de
reserva, ausência de envolvimento diante do que se passa em torno 2 dissociação
entre ator e personagem que visam evitar o envolvimento emocional do público
com os acontecimentos representados, para que possa ter uma atitude analítica e
crítica frente ao que lhe é mostrado; estranhamento” (Dicionário Eletrônico
Houaiss da Língua Portuguesa v. 1.0).
Estas palavras não equacionam e nem me permitem fugir das elaborações da própria tradição
antropológica. Mal intencionado, procuro minhas anotações do período da graduação e
encontro uma citação minha inspirada na leitura de Max Weber – a neutralidade em Weber
reside não na escolha do fenômeno a estudar, mas na busca da cientificidade do mesmo. A
simples leitura das anotações passadas aumenta meu desconforto e a sensação de ser
impossível produzir um trabalho “científico” diante do grau de envolvimento em que me
encontro. A leitura de Max Weber feita na década de 1990 não ajuda a resolver minhas
29
dúvidas. Procuro então no presente a releitura necessária dos cânones consagrados e me
deparo com uma citação redigida pelo Prof. João Pacheco de Oliveira:
“Será que os antropólogos não estariam se envolvendo excessivamente com as
simples condições práticas de realização de seu estudo, intervindo na vida e nas
instituições nativas (ao invés de apenas observá-las), posicionando-se em
questões que deveriam apenas observar e registrar? Não haveria um grande risco
em afastar-se dos bons e sólidos cânones da disciplina, relegando a segundo
plano a pesquisa científica em benefício de uma excessiva militância, um
assistencialismo pouco crítico ou ainda uma mera intervenção administrativa?
Será que uma relação muito forte e direta com atores sociais (órgãos públicos,
ONGs, organizações indígenas) não distanciaria a pesquisa de um olhar objetivo
e explicativo, inscrevendo-a dentro de espaços sociais e cognitivos limitados? O
diálogo interdisciplinar por sua vez não estaria submetendo o antropólogo a
métodos e finalidades que lhe seriam alheias, enquanto paralelamente lhe trariam
questões que escapa à sua competência resolver?” (Oliveira Filho, 2004: 10)
Encontro certo conforto nessas palavras, pois as preocupações que até então pensava que
deveriam ficar à margem na elaboração do texto – em vista de sua função de “consciência
moral”, guiando e impedindo a “contaminação” do texto cristalino e puro – agora podiam ser
expostas e reveladas
19
.
Vejo-me então diante da estranha situação de ter que prescrever condutas, estabelecer
representações e definir em um quadro cognitivo os diferentes atores sociais que
compartilham comigo um cotidiano, para poder transformá-los em “nativos”, “informantes”, e
a mim em “pesquisador”. Preciso instituir uma relação de alteridade entre o “nós” e o “eles”,
onde o “nós” corresponde a uma pretensa “comunidade de cientistas sociais ocidentais” que
se imagina “universal”, com atributos idênticos, mas temáticas distintas. Lembro-me do artigo
de Peirano “O antropólogo como cidadão” e de sua crítica ao universalismo da ciência social
proposto por Louis Dumont. Recupero as preocupações de João Pacheco sobre as “auto-
representações mais habituais da disciplina” e observo que a (falta de) interlocução me faz
constatar que minha situação também tem seu lado positivo, pois a tensão me deixa em estado
de alerta, estimulando um ciclo entre o envolvimento e a busca pelo distanciamento. A tensão
aparece no vértice desta pirâmide, sustentando e dando sentido à base.
19
Alguns autores, como Pels & Salemink (1994), Comaroff & Comaroff (1992), entre outros, enfatizam que é
importante o antropólogo inserir os contextos da produção etnográfica, visando não apenas expor os caminhos
adotados, mas explicitar as implicações éticas e políticas geradas antes, durante e depois do processo
etnográfico.
30
Como ator, compartilho os códigos e as regras que orientam minhas ações e as de meus
colegas de trabalho. Discuto, defendo opiniões, estabeleço alianças, componho, faço parte
integral dos diversos momentos de “negociação”, nos termos de Anselm Strauss (1991).
Como ator, comparto com os colegas as dúvidas, incertezas, os julgamentos, dos medos e as
alegrias geradas no quotidiano que estamos construindo. Como protagonista, tenho acesso e
crio o que Latour (2002) denominou “segredos de Estado”, um conjunto de informações que
orientam ações, envolvem riscos pessoais, fluxos financeiros e afetam pessoas. As
informações a que tenho acesso permitem antecipar certos desdobramentos, frear atitudes,
julgar e avaliar potenciais efeitos de uma determinada ação. Elas também ordenam e
constroem os fatos sociais – fatos esses que são também objeto de estudo. Não só tenho
acesso como ajudo a construir as ações que serão realizadas, detendo dados privilegiados
sobre a dinâmica de certos processos interativos que serão vividos a posteriori. A contradição
se restabelece: como observador, me acompanho como “informante privilegiado”, cujo
envolvimento é de intimidade absoluta, revelando não apenas uma afinidade mas uma dupla
personalidade em constante diálogo. Como em um processo psicanalítico, procuro confrontar
as múltiplas atitudes de cada um dos personagens (e, porque não dizer, das personalidades)
submetidas a regras e lealdades distintas. Como observador, vivo a tensão de procurar
contextualizar os processos onde as ações ocorrem, ouvindo e estabelecendo a confiança
necessária para atentar sobre os fenômenos. Como ator, procuro ordenar minha ação de
acordo com as possibilidades e no contexto em que se situam. Recordo a posição e a situação
do pesquisador “em campo”. As vantagens e desvantagens, do ponto de vista do acesso e da
inteligibilidade do social, de estar inserido ou minimamente identificado e/ou classificado
com um determinado grupo. Em um grau de abstração e num diálogo interno, compreendo
que meu papel como ator não é muito distinto do que desempenho como observador. Ambos
se inscrevem na capacidade de elucidar e dar inteligibilidade a certas situações. Neste instante
talvez consiga distinguir minhas inserções no campo dos objetivos finais de cada um dos
papéis que desempenho.
Evitando uma conclusão simplista, continuo tentando estabelecer as afinidades e
distanciamentos. Retomo minha oposição: como ator, procuro extrair de meu aprendizado e
dos instrumentos de que disponho para a análise os elementos que me permitam atuar e
responder às demandas profissionais. Como observador, busco aproveitar o acesso
privilegiado de que disponho, organizando e dando sentido às ações dos protagonistas.
31
Inserido em uma rede complexa de ações e reações, interesses e compreensões variadas,
minha inserção também é limitada, seja como protagonista, seja como observador, pois em
ambas me curvo diante dos vínculos pelos quais construí minha inserção nos planos da
observação e da ação. Vivo os mesmos processos, tenho as mesmas afinidades. Transito em
uma teia complexa de relações onde alianças são criadas e ações realizadas na mesma medida
em que são desfeitas e refeitas. E não nego isso para fins da construção de uma espécie de
“registro áureo” com fins de escrita acadêmica. Estou imerso num fluxo imbricado de
identificações transitórias e oposições constantes, em que a própria definição e o sentido das
diferentes ações são reordenados e (re)significados.
Minha atuação se inscreve em fenômenos que, grosso modo, são entendidos como
pertencentes à esfera da ação política ou da elaboração de políticas públicas, políticas
governamentais ou, ainda, fenômenos que exigem um saber específico, técnico,
especializado. Meu campo de pesquisa (em todos os sentidos profissionais e científicos)
situou-se em um emaranhado de relações entre órgãos, indivíduos e instituições distintas, com
múltiplos interesses e objetivos. Estas relações eram (são) fundadas também em vínculos
oriundos de trajetórias familiares comuns, visões de mundo compartilhadas, círculos de
amizades, biografias semelhantes. Apesar de aparentemente dispersos, estes atores
compartilhavam espaços e elaboravam uma linguagem comum, estabelecendo um repertório e
uma terminologia própria ou, como diria João Pacheco de Oliveira, a partir de Bourdieu,
“A produção intelectual não se faz em um vazio social dirigido apenas por certas
normas técnicas e ideais de “como” e o “o que fazer”, mas sim dentro de um
sistema de relações sociais que articula entre os diferentes tipos de produtores
intelectuais, agrupando-os e opondo-os segundo certos papéis e posições que aí
assumem, segundo o seu grau de acesso e controle de certos aspectos materiais
da produção, segundo a legitimidade própria que possuem e os critérios de
hierarquização que dispõem seus produtos face aos dos outros.” (Oliveira Filho,
1987: 92)
Meu objetivo inicial de pesquisa era, pois, compreender os vínculos entre certos especialistas
e desvendar o que era fazer política pública e, mais precisamente, seu modus operandi. A
demonstração deste exercício me exigiria, entretanto, fazer opções analíticas e metodológicas,
mas também pessoais, éticas e políticas, como lembram Peter Pels & Oscar Salemink (1994).
32
Reconstruir este modus operandi exigiria estabelecer a relação entre o que Bourdieu – dentre
outros – (1978: 176) chamou de “esquemas de pensamento” com a “estrutura das produções
simbólicas”
20
, ou seja, revelar estes atores sociais que ocupavam determinadas “posições
institucionais” (em escalas diferenciadas) e compartilhavam certas “leis de funcionamento do
capital”
21
.
“A ciência deve aplicar a estes campos o princípio da teoria do conhecimento
antropológico segundo o qual os sistemas simbólicos, que um grupo produz e
reproduz no âmbito de um tipo determinado de relações sociais, adquirem seu
verdadeiro sentido quando referidos às relações de força que os tornam possíveis
e sociologicamente necessários (uma vez que sua função social não é senão o
conjunto de suas “razões sociais de existência”), ou seja, é preciso estabelecer as
condições sociais de sua produção, reprodução, e utilização dos esquemas de
pensamento de que são o produto” (Bourdieu 1982: 176)
Para atingir plenamente os efeitos desejados, que poderiam ser obtidos, ao buscar, pela
compreensão da “estrutura das produções simbólicas”, em que estes atores se encontravam, os
procedimentos e investimentos investigativos, deveriam ser de outra natureza. Visto que parte
desses atores, assim como as situações em que os eventos e as ações ocorriam desenvolveu-se
dentro de espaços específicos e orientados por determinadas “razoes sociais de sua produção”.
O “campo” - e mais precisamente o “científico” -, ainda nos termos de Bourdieu, talvez seja o
locus (não o principal, e nem o único) que tensionava permanentemente os contextos e
processos que eu vivenciava.
“As duas espécies de capital científico têm leis de acumulação diferentes: o
capital científico ‘puro’ adquire-se, principalmente, pelas contribuições
reconhecidas ao progresso da ciência, as invenções ou as descobertas (as
publicações, especialmente nos órgãos mais seletivos e mais prestigiosos,
portanto, aptos a conferir prestígio à moda de bancos de créditos simbólicos, são
20
“É um sistema de relações sociais que obedecem a uma lógica específica que se encontram objetivamente
definidos os princípios de ‘seleção’ mobilizados pelos diferentes grupos de produtores envolvidos na
concorrência pela legitimidade cultural com vistas a operar objetivamente (ou seja, mais inconsciente do que
conscientemente) no interior do universo das tomadas de posição simbólicas efetiva ou virtualmente disponíveis
em um dado momento do tempo, em função dos sistemas de interesse objetivamente associados à posição que
ocupam nestas relações de força de um tipo particular em que consistem as relações sociais de produção,
circulação e consumo simbólicos” (Bourdieu, 1982: 176).
21
“Entre os fatores sociais passíveis de determinar as leis de funcionamento de um campo científico, quer se
trate da produtividade de uma disciplina em seu conjunto ou da produtividade diferencial de seus diferentes
setores, quer se trate das normas e mecanismos que regem o acesso à notoriedade, os mais importantes são sem
dúvida os fatores estruturais como, por exemplo, a posição de cada disciplina na hierarquia das ciências (na
medida em que esta posição comanda o conjunto dos mecanismos de seleção) e a posição dos diferentes
produtores na hierarquia própria a cada uma destas disciplinas.” (Bourdieu, 1982: 167).
33
o melhor indício); o capital científico da instituição se adquire, essencialmente,
por estratégias políticas (específicas) que têm em comum o fato de todas
exigirem tempo – participação em comissões, bancas, (de teses, de concurso),
colóquios mais ou menos convencionais no plano científico, cerimônias, reuniões
etc.” (Bourdieu, 2004: 36).
Ao optar por tratar certos temas a partir de um conjunto de referências e caminhos
metodológicos em detrimento de outros, considerei que tal opção traria perdas e ganhos do
ponto de vista dos objetivos da minha análise. Essas “perdas” ocorreriam quando tivesse que
demonstrar determinadas dinâmicas e os processos constitutivos destas “estruturas
simbólicas” que regem os atores e suas práticas e qualificam o contexto das suas ações. Teria
que estabelecer vínculos entre as diferentes “posições” ocupadas e compreender as “relações
de força” que operam na conformação de um dado “sistema de relações sociais”. Para tal,
seria necessário investir não apenas em outros operadores metodológicos, mas em outro tipo
de “distanciamento”, outro tipo de “envolvimento”. Não me refiro apenas ao distanciamento
antropológico, mas àquele que, como disse Clifford (1986), separa a subjetividade do
pesquisador da objetividade da realidade vivida e garante e permite a “autoridade
etnográfica”.
Estes são e foram os desafios com que me deparei ao optar por um caminho, ao realizar uma
escolha. O trabalho desenvolvido aqui é então - assumida e declaradamente - a combinação do
que Peirano apontou como os “dois papéis sociais” do cientista social, o de “cidadão” e
“cientista”. Julgo que esta combinação é o que torna possível inúmeros trabalhos, conquanto
ela não seja pensada nem declarada.
“Essa combinação faz com que, na categoria nativa, o antropólogo se defina
como um ‘intelectual’, concepção que, nos termos de Louis Dumont, implica
uma aproximação do ‘sociólogo’ e do ‘reformador’ em uma configuração
específica. Pertencendo às duas totalidades ideológicas acima mencionadas, em
uma o antropólogo brasileiro é cidadão do mundo, membro da comunidade
internacional de cientistas sociais, partilhando da ideologia universalista e
cosmopolita da própria ciência; em outra, distintamente, ele é o cidadão
brasileiro, responsável, como parte da elite do país, pelo preenchimento dos
vazios de representação política” (Peirano, 1991: 100).
34
Novos caminhos e opções (resolvendo impasses?)
A dificuldade em falar de um “outro” que não era tão “outro”, visto que eu fazia parte desta
posição, e as implicações éticas, políticas e profissionais que certas análises poderiam
propiciar, me fizeram optar por desviar meu caminho sem, contudo, me afastar de meu objeto.
Assim como aprendi que as atividades realizadas no Programa Escolas de Paz eram
permanentemente negociadas – às vezes de maneira tensa – optei por não tratar do modus
operandi do Programa, dos eventos, das interações, das práticas e dos significados a elas
atribuídos pelos diferentes atores. O caminho adotado, no entanto, não foge – em certa
medida – da idéia inicial de entender o que são políticas públicas. Porém, esse caminho
propõe um outro recorte, um outro olhar. Não tão distinto da análise situacional ou mesmo da
análise das posições sociais, mas ele deixa claro que tal investimento é necessário para a
compreensão de fenômenos que implicam em não só revelar a relação entre os “esquemas de
pensamento” e as “estruturas das produções simbólicas”, mas também realizar um tipo de
sociologia da produção destes esquemas.
Meu objeto foi, então, reordenado; o foco mudou dos “nativos” que executam determinadas
atividades, para o conjunto de precondições necessárias para a realização de um programa da
natureza, extensão e os vínculos do Programa Escolas de Paz.
Nesse sentido, e a partir da minha inserção no trabalho de pesquisa da UNESCO-Brasil,
surgiram algumas indagações, que orientaram e conduziram minha análise ao longo deste
texto. Estas indagações referem-se a um aspecto importante no processo de constituição dos
programas sociais, que é a definição do público alvo ou, nos termos “nativos”, estabelecer a
quem são dirigidos os programas. De maneira esquemática, estas indagações podem ser
descritas da seguinte forma:
1) Que justificativas e demandas são elaboradas na definição da validade de um
programa?
2) O que define que um determinado segmento social deve ser objeto de programas ou
projetos? Como isto ocorre?
3) Que características devem possuir estes segmentos sociais?
A partir destas indagações surgiram outras. Afinal, eu estava trabalhando em uma organização
que definia sua atuação da seguinte forma:
35
“A atuação da UNESCO no Brasil ocorre prioritariamente por intermédio de
projetos de cooperação técnica com o governo. Eles têm sempre o objetivo de
auxiliar a formulação e operacionalização de políticas públicas que estejam
em sintonia com as grandes metas acordadas entre os Estados Membros. A
atuação da UNESCO ocorre também com instâncias da sociedade civil, na
medida em que seus propósitos venham a contribuir para as políticas públicas de
desenvolvimento humano.”
(http://www.unesco.org.br/unesco/nobrasil/historico/index_html/mostra_docume
nto[grifos meus])
Diante disso, formulei as seguintes questões: o que é cooperar? Quais as modalidades de
cooperação e em que contextos ela pode ser acionada como um instrumento auxiliar na
formulação e operacionalização de políticas públicas? Quais os efeitos dessa cooperação?
A partir destas questões, e tendo como contexto de análise o Programa Escolas de Paz,
definido como um programa para e com jovens, sendo a juventude o objeto de intervenção,
procurei verificar como estes termos foram trabalhados (manipulados), a partir de uma série
de pesquisas da UNESCO-Brasil publicadas nos anos de 1998, 1999, 2001 e 2002. Estas
pesquisas tiveram um papel relevante tanto para os desdobramentos futuros da UNESCO no
Brasil quanto para as atividades dirigidas aos jovens e ajudaram a captar diferentes
investimentos, principalmente os de cunho científico.
Em fevereiro de 2005, foi criada a Secretaria Nacional de Juventude, ligada à Secretaria Geral
da Presidência da República e em agosto do mesmo ano o Conselho Nacional da Juventude
do Brasil. À frente deste projeto estavam Beto Cury (Secretário Nacional de Juventude) e
Regina Novaes (Subsecretária e Presidente do Conselho Nacional da Juventude).
“No Brasil, o debate veio a público na década de 90, quando pesquisadores,
organismos internacionais, movimentos juvenis e gestores municipais e estaduais
passaram a enfatizar a singularidade da experiência social desta geração de
jovens, com suas vulnerabilidades e potencialidades (...)
Neste processo, o ano de 2003 pode ser considerado um marco importante.
Naquele ano mobilizaram-se em torno do tema Juventude a Sociedade Civil, o
Legislativo e o Executivo. Entre várias iniciativas, além da UNESCO, das ONGs
e das Universidades que já vinham produzindo sobre o tema, destacou-se o
Projeto Juventude, realizado pelo Instituto Cidadania, que produziu uma ampla
pesquisa ouvindo os jovens, fez interlocuções com movimentos sociais, produziu
livros sobre a juventude brasileira e recomendações para a formulação de uma
política nacional de Juventude (...)
Desde daquela data começaram as consultas para a composição do Conselho
36
Nacional de Juventude. Nesse espaço concebido como lugar privilegiado para a
interlocução e cooperação entre distintos atores sociais, vinte lugares foram
reservados ao poder público e quarenta para a sociedade. O Conselho reúne os 17
ministérios que possuem Programas e Ações voltadas para a Juventude e foram
convidados também a participar representantes de entidades municipalistas, do
Fórum de Gestores Estaduais e da Frente Parlamentar de Políticas Públicas de
Juventude. Já no que diz respeito à sociedade, levou-se em conta tanto as
desigualdades e as diferenças presentes em nossa juventude, quanto às distintas
formas de atuação existentes na imensa extensão territorial de nosso país (...)
Espaço suprapartidário e intergeracional, o Conselho reúne jovens e adultos de
diferentes tipos de organizações: redes, movimentos e entidades juvenis, grupos
voltados para direitos específicos e ações afirmativas de segmentos de jovens que
são alvo de discriminação social; entidades da sociedade civil que trabalham com
e para a inclusão social de jovens e, ainda, pessoas com notório conhecimento e
militância no tema das políticas públicas de juventude(...)
Não se trata de minimizar as responsabilidades do Estado ou de substituir o
protagonismo dos vários movimentos juvenis. É justamente a partir do
reconhecimento dos papéis de distintos atores na formulação, validação,
implementação e avaliação de políticas públicas de juventude que o Conselho
Nacional pode fazer a diferença. Aliás, a sua primeira reunião, em que os
Conselheiros souberam combinar razões e sensibilidade, apontou justamente
nesta direção”.
A UNESCO-Brasil aparece como uma das organizações que contribuíram para a criação da
Secretaria Nacional de Juventude, como observou Regina Novaes em entrevista a O Globo.
“De acordo com a antropóloga Regina Novaes, há hoje uma demanda da
sociedade de se pensar a juventude como um todo, na sua diversidade, mas
também na singularidade da sua experiência geracional. A Unesco no Brasil,
conta Regina, foi precursora na realização de pesquisas mais amplas sobre os
jovens do país. E o que despertou a atenção do órgão da ONU para essa parcela
da população foi o assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos,
queimado vivo por cinco rapazes de classe média enquanto dormia num ponto de
ônibus em Brasília, em 1997” (O Globo, 29.01.2005).
Estas pesquisas sobre os jovens do país promovidas pela UNESCO-Brasil são analisadas
como parte de minha investigação, em que pretendo discutir algumas operações levadas a
cabo por estes estudos. A hipótese que orienta minha investigação e o olhar sobre este
material pode ser formulada da seguinte perspectiva: para a elaboração de programas sociais
e/ou políticas públicas faz-se necessário não só definir um objeto de intervenção (público
alvo), mas também construí-lo como um problema social, político e ideológico, a partir de
noções e procedimentos de inspiração científica.
37
Estes problemas foram formulados pelas pesquisas da UNESCO-Brasil a partir da idéia de
que a violência é o novo paradigma da contemporaneidade e de que o jovem é vítima e
protagonista das ações violentas. A cidadania enquanto matéria para aprendizado em uma
verdadeira pedagogia da democracia é o elemento ideológico e o instrumento necessário para
reverter este quadro de violências a que estão submetidos os jovens.
Meu trabalho vai então operar com as três categorias desenvolvidas pelas pesquisas da
UNESCO-Brasil: juventude, violência e cidadania. Não fiz um estudo aprofundado ou uma
sociogênese do uso destas categorias, mas procurei desvendar como estas servem como
conectores entre pessoas e instituições, definindo as bases de constituição de um “campo
temático” (Castro, 2005) e fornecendo as precondições para o surgimento de um programa
social. A este processo denominei estabelecimento de vínculos conceituais, pois operam a
partir da idéia da captura de redes já existentes e criam e formam novas redes temáticas e
operacionais. O que dá unidade a este “campo temático” não é só a preocupação
exclusivamente científica de pensar o jovem, a juventude e a violência, mas a de enxergar
estes fenômenos como um objeto de intervenção governamental.
O emprego do termo cidadania ocorre em duas perspectivas: em primeiro lugar, fornece as
bases para a elaboração de propostas de reversão do quadro de violência (ou seja, é elemento
central na definição das diretivas e os objetivos dos programas sociais). Em segundo lugar,
permite também estabelecer vínculos – pelo menos no plano discursivo – com escalas e
dimensões mais amplas e capturar outras redes, projetando-se como parte de uma cosmovisão.
A combinação destes aspectos levou a UNESCO-Brasil a ser vista pela sede da Organização –
localizada em Paris – como um “modelo de representação” no ano de 2001 e também ser
considerada uma das maiores representações da Organização do mundo em número de
pessoal e, principalmente, do volume financeiro das operações realizadas em território
nacional.
38
Nascimento do Programa Escolas de Paz no Estado do Rio de Janeiro
Para entender melhor o cenário do qual procurei desentranhar as observações que servem a
esta pesquisa, é preciso discorrer um pouco mais sobre o contexto da minha tese, isto é,
apresentar sumariamente o que é o Programa Escolas de Paz e abordar algumas questões que
ajudam na argumentação deste trabalho. Para isso, a evocação analítica de um evento pode me
servir de fio condutor.
Em agosto de 2001, no anfiteatro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi
lançado o Programa: Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no Estado do Rio de Janeiro,
conseqüência do Acordo básico de cooperação entre a UNESCO-Brasil e o governo do estado
do Rio de Janeiro, firmado no ano anterior, que possibilitou a experiência piloto em 111
escolas da rede de ensino estadual. O evento contou com a participação de representantes do
governo do estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria Extraordinária do Gabinete do
Governador (SEGAB) e da Secretaria de Estado de Educação, além de integrantes das
Coordenadorias Regionais
22
. Por parte da UNESCO-Brasil participaram a representante do
escritório do Rio de Janeiro, a coordenadora de desenvolvimento social da Organização, a
coordenadora do setor de pesquisa e integrantes da equipe de avaliação externa do Programa.
O objetivo do encontro era informar aos diretores, professores e alunos das escolas estaduais
presentes a respeito dos novos procedimentos que corresponderiam à ampliação do Programa
Escolas de Paz em 2001 e apresentar informações colhidas durante a experiência piloto
realizada em 2000.
O evento provocou uma grande mobilização para garantir a presença de representantes de
escolas do interior do estado. Com atraso, a mesa que conduziu o evento foi composta pelo
representante do Gabinete do Governador, a representante da UNESCO-RJ, a responsável
pelo setor de pesquisa da UNESCO-Brasil, a coordenadora da equipe de pesquisa externa do
Rio de Janeiro e a coordenadora geral do programa, indicada pela UNESCO-Brasil.
O encontro teve início com a fala do representante do governo, que expressou sua satisfação
com os resultados do Programa e com o bom trabalho desenvolvido pelos técnicos da
22
A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro está dividida em 29 Coordenadorias Regionais que
abrangem um determinado território geográfico. Com configurações distintas, podem abarcar um ou vários
municípios, e também varia o número de unidades escolares sob cada coordenação. A principal função das
Coordenadorias é a gestão regional. Elas funcionam como uma “representação” da Secretaria de Estado e
executam as determinações da sede.
39
UNESCO. Acrescentou que o objetivo do encontro era abrir as novas atividades do
Programa e devolver o resultado da avaliação feita pelos técnicos. Logo em seguida, a
representante da UNESCO no Rio de Janeiro assume a palavra:
“É uma satisfação dar continuidade a um Programa que visa construir uma
política pública para a juventude através da educação para valores. Vamos
construir junto com vocês esse Programa. Queremos que a escola transforme o
jovem em protagonista do seu próprio destino. (...) O programa foi desenvolvido
por consultores e pela equipe de avaliação da Unesco, que se reuniu durante este
ano para desenvolver esta nova etapa”. (Registro no caderno de campo
23
)
A coordenadora da equipe de avaliação externa tomou a palavra em seguida, e explicou a
importância dos dados que estavam sendo divulgados no evento, revelados pela pesquisa.
Sinalizou que os resultados positivos eram fruto do trabalho de todos os integrantes das
escolas. Os dados que vocês vão ver traduzem a importância da escola e da educação para a
transformação dos altos índices de violência.
Após a fala, muito aplaudida pelo público, dois outros integrantes da avaliação externa
tomaram a palavra e se detiveram na interpretação de tabelas apresentadas em um telão.
“Como vocês podem ver nessa tabela, os nossos alunos ficam a maioria do tempo
no final de semana assistindo televisão. A gente tem que mudar isso! [risos e
aplausos]. (...) nessa outra tabela, a gente vê que a presença do professor no
Programa é muito valorizada pelos jovens. Eles têm um papel importante, são
eles que sabem mais do que ninguém das dificuldades e angústia dos jovens
[aplausos]. (...) temos que melhorar ainda muita coisa, mas principalmente trazer
e ouvir o jovem, esse é o nosso desafio”. (Registro no caderno de campo)
As falas dos integrantes da avaliação externa tiveram um impacto muito positivo entre os
participantes, que comentavam, interrompiam, perguntavam e obtinham respostas. A
“atuação” dos expositores contrastava com as falas dos representantes do governo e da
UNESCO-RJ. A comunicação entre o grupo de pesquisa e a platéia era mais próxima e
informal, revelando não apenas cumplicidade com as preocupações da platéia como também
certa familiaridade com boa parte dos presentes.
23
Todos os registros do evento foram extraídos de meu caderno de campo.
40
Os dados das tabelas expostas no telão causaram impacto entre o público presente. Cada
tabela era objeto de comentários. As informações reveladas apareciam como “verdades”.
Ouviam-se na platéia comentários do tipo é, realmente, os jovens vêem televisão demais. A
sucessão de lâminas exibia diferentes aspectos da primeira experiência do Programa.
A última a falar foi a coordenadora geral do Programa. Em seu discurso, procurou enfatizar o
papel central da escola para que o Programa desse certo. É importante que as escolas
chamem para si a responsabilidade pelo projeto e não fiquem dependendo da UNESCO nem
do Governo. Forneceu mais dados sobre o novo perfil do Programa: como ele foi elaborado,
quem seriam os agentes e, retomando um pouco a linha do Secretário de Governo, afirmou
que o Programa havia sido elaborado por consultores (cujos nomes apareceram no telão, com
titulação e os livros que publicaram sobre o assunto), técnicos da UNESCO e do Governo.
Quando a coordenadora geral mencionou a verba a ser destinada aos agentes e escolas que
participariam da nova etapa o burburinho foi generalizado, com as pessoas falando ao mesmo
tempo; ninguém se ouvia, ninguém se entendia.
Um segundo objetivo do encontro foi fazer que novas escolas assinassem o Termo de Adesão.
Antes do evento havia certa apreensão por parte do Núcleo Gestor do Programa devido à
baixa adesão das escolas à nova fase. Existia a expectativa de que mais de 500 escolas
assinassem o termo, comprometendo-se com o Programa. Este evento inaugurou uma nova
etapa no Programa Escolas de Paz, definiu o fim de uma experiência tratada como piloto e
iniciou uma nova narrativa.
Experiência piloto
Em 2000 o governo do estado do Rio de Janeiro estabeleceu um Acordo básico de
cooperação com a UNESCO visando à implementação de um programa de Construção de
uma Cultura de Paz no Rio de Janeiro
24
. O acordo foi inicialmente firmado através de uma
24
De acordo com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) “Toda e qualquer iniciativa de cooperação técnica
- trate-se de um programa, projeto, atividade, evento, missão etc. - somente pode ser materializada se respaldada
por acordo internacional entre o Governo brasileiro e um organismo internacional ao qual se solicite a
cooperação. Em geral, esses instrumentos recebem a denominação de Acordos Básicos de Cooperação Técnica.”
(ABC, 2005: 15).
41
Assistência Preparatória e, depois, de um Documento de projeto (PRODOC)
25
intitulado
Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com este
documento, o objetivo da cooperação era Construir uma cultura de solidariedade, numa
mobilização permanente pela paz, procedendo a uma profunda reflexão sobre como têm sido
as relações sociais no Rio de Janeiro, não só dos cidadãos entre si, mas também entre os
diferentes estratos sociais (PRODOC, 2001: 6-7).
Desde então, o Programa vem sendo realizado nas escolas estaduais do Rio de Janeiro.
Atualmente (2005) está na sua 4ª fase. Nesses cinco anos de atuação o Programa passou por
diversas reformulações operacionais, e na própria metodologia de atuação. No ano de 2001 a
metodologia e os princípios do Programa foram ampliados para outros Estados, tendo em
cada localidade um nome especifico e um desenho operacional próprio.
Há consenso entre os integrantes do Programa, sejam eles das “UNESCOs” (Brasil e/ou Rio
de Janeiro) ou do governo do estado do Rio de Janeiro, de que as atividades desenvolvidas em
2000 corresponderam a uma fase experimental (Abramovay et. al., 2001: 11) e o Programa
foi identificado como uma experiência (p.17). O que salta à vista nesse consenso é que ele
confere uma lógica a determinados eventos e constrói o que em Victor Turner (1980:64) são
“fios condutores” que se conectam a outros elementos, situações e eventos para dar sentido e
materialidade aos acontecimentos. Os fatos vividos são (re)significados e adquirem expressão
ao serem ordenados e seqüenciados, construindo o que Edward Bruner denominou “estória”
(Bruner, 1986: 145).
26
Ao procurar “traduzir o conhecer em contar” White (1980: 5), ou seja,
25
Diretrizes definidas pela ABC: “A decisão de se elaborar um documento de programa pode partir de um
requisito interno do próprio organismo ou agência internacional cooperante, bem como por iniciativa do
Governo brasileiro. O processo da elaboração e aprovação de um documento de programa prevê etapas
sucessivas, que poderiam ser assim discriminadas:
Definição do(s) setor(es) a ser(em) tratado(s) no documento de programação;
Análise das políticas públicas internas pertinentes, seleção de temas específicos compatíveis com a
função finalística da cooperação técnica internacional e seu matriciamento com os mandatos do
organismo ou agência internacional cooperante;
Análise dos mecanismos de coordenação, supervisão e avaliação mantidos entre o governo e o
organismo ou agência internacional cooperante;
Elaboração da primeira minuta do documento de programação;
Realização de consultas com instituições nacionais relevantes sobre o documento;
Adequação do documento às críticas e sugestões;
Análise da versão final por parte do Governo brasileiro e organismo ou agência internacional
cooperante.
Aprovação formal do documento de programação”. (ABC, 2005: 23)
26
“Os fios condutores são identificados e seguidos de fora para dentro do ambiente natural e do espaço social em
que o evento ocorreu, e tanto no sentido contrário ao tempo, para determinar as ‘origens’ dos eventos, quanto
42
ao estabelecer uma relação entre o “real” e o “imaginário”, inicia-se uma narrativa, cria-se
uma “estória”.
Essa “estória” foi narrada em eventos e processos dinâmicos, mas foi também traduzida em
textos e documentos que passaram a operar como “metáforas criativas” (Malinowski,
1935:219) unindo o “imaginário” e o “real”
27
e dando significado às palavras ditas e
repetidas. Mas, como lembra Malinowski, não quaisquer palavras nem quaisquer processos
possuem a capacidade de se instituir na fronteira entre o imaginário e o real mas só aqueles
que produzem a realidade: “o significado da expressão mágica é simplesmente o efeito
intrínseco que, segundo as crenças nativas, exerce sobre os espíritos e indiretamente sobre a
fertilidade do solo” (219). O significado e a força das palavras ditas (enunciadas) se produzem
na integração entre quem enuncia e o que é enunciado. Ou, na antropologia de Claude Lévi-
Strauss, como quando Quesalid (o feiticeiro) (Lévi-Strauss, 1991: 208) precisou se confundir
com sua representação e acreditou no seu poder mágico. “Imaginário” e “real”
“representação” e “representado” são indissociáveis e inseparáveis; a eficácia mágica ou a
palavra dita ganha significado quando é vivida como real e como experiência.
O nexo entre o “real” e o “imaginário” cristaliza-se na passagem da “Assistência
Preparatória” para a elaboração de um “Documento de projeto”. Mas também quando é
pronunciado, anunciado, compartilhado, exposto a um público mais amplo. No evento da
UERJ estavam presentes o “feiticeiro” e o “público”. O “doente” veio se juntar às lâminas
expostas no telão. A tríade era necessária para que a experiência adquirisse materialidade (a
prova da eficácia da magia era mostrar a “doença”, como nos lembra Lévi-Strauss, e esta
estava no telão). Os “fios condutores” entre o “imaginário” e o “real”, deixaram de ser
dimensões distintas e a narrativa prosseguiu contando sua estória.
Meu trabalho finaliza onde a narrativa começa. Isto é, conto a minha “estória” da “estória” da
narrativa. Como se pudesse revelar os não ditos e as condições materiais, políticas e sociais
que permitiram o surgimento de uma “estória” e desencantar a magia, anular o efeito do
feitiço ou mostrar o feitiço e o feiticeiro.
para frente no tempo, para determinar os ‘impactos’ e ‘influências’ nos eventos subseqüentes.” (Turner 1980:
64).
27
“Para nós, o significado de qualquer palavra significativa, oração ou frase é a ‘mudança efetiva’ produzida
pelo enunciado no interior do contexto da situação à qual se encontra relacionado” (Malinowski, 1935: 219).
43
Este trabalho acompanhou a edificação desta estória – pelo menos parte dela – viveu junto
com seus “atores sociais” os dilemas e as emoções, definiu os “momentos” e os “marcos”
importantes, estabeleceu as origens e fortificou as “metáforas mágicas”. Minha descrição
dessa narrativa termina quando a “estória” é contada através de documentos e transposta para
o “Documento de projeto” ou para o PRODOC (termo usado), quando ela se cristaliza na
avaliação do Programa Escolas de Paz e ganha corpo na brochura Abrindo Espaços:
Educação e Cultura para a Paz.
O começo desta “estória” e o fim da minha, tem início em 2000, quando a UNESCO lançou o
Manifesto 2000, por uma cultura de paz e não violência, elaborado após a aprovação da
Declaração das Nações Unidas e Programa de Ação pela Cultura de Paz em 1999 pela
Assembléia Geral da ONU (A/RES/53/243). A estória do Programa Escolas de paz é
entretecida com as ações de promoção e divulgação do Manifesto.
Em Dezembro de 2000 o Manifesto já havia sido assinado por mais de 50 milhões de pessoas
no mundo inteiro e mais de 15 milhões de assinaturas haviam sido coletadas no Brasil, das
quais mais de 7 milhões no estado do Rio de Janeiro
28
. Cabe ressaltar que a campanha de
promoção e divulgação da assinatura do Manifesto implicou em grandes investimentos por
parte da UNESCO.
“A campanha de assinatura do Manifesto 2000 envolveu mais de 1400 parceiros
da sociedade civil. As ações percorrem um vasto espectro e incluem iniciativas
escolares, exibições, concertos, eventos esportivos, conferências, publicações e
sites na Internet. Pontos focais em cada país, geralmente a Comissão Nacional da
UNESCO, são responsáveis pela coordenação dessas ações. Campanhas
nacionais foram particularmente efetivas na Índia (24,8 milhões de assinaturas),
Brasil (14), Colômbia (11.7), República da Coréia (1.6), Japão (1), Nepal (0.9),
Argélia (0.7), Itália (0.4) e Azerbaijão (0.4) (...)
Os professores tomaram a dianteira da campanha. Em muitos países, fizeram dos
valores do Manifesto 2000 temas de aulas em suas escolas. Um kit especial para
professores foi preparado pela ONG Education International, a qual possui 23
28
“Mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo assinaram o ‘Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e
Não-Violência’, lançado pela UNESCO em março de 1999. A campanha para a coleta de assinaturas para o
"Manifesto 2000" continuou até o final do ano 2000, declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional
por uma Cultura de Paz. O Brasil foi o campeão proporcional em coleta de assinaturas, com quase 15 milhões de
adesões. No país, o Estado do Rio de Janeiro foi o que mais coletou assinaturas, com mais de 7 milhões de
adesões” (http://www.unesco.org.br/noticias/nu1200.html
).
44
milhões de membros em sindicatos de professores em todo o mundo. As
universidades também contribuíram na campanha da assinatura no Brasil,
Azerbaijão, Rússia, Argentina, México, El Salvador, Guatemala e Jamaica.
Comunidades locais e cidades foram especialmente ativas em muitos países,
incluindo França, Venezuela, Espanha, Costa Rica e Brasil (...)
Muitas ONGs contribuíram para a campanha de assinatura. Entre elas estão a
Universidade Espiritual Brahma Kumaris, na Índia e no Nepal; a Confederação
Mundial de Professores, mais notadamente na África do Sul; as fundações
Jubillenium e Dhammakaya, na Tailândia; a Pax Cristi International, em
particular nos Países Baixos; e o Peace Boat (Barco da Paz), o qual coletou
assinaturas durante suas viagens pelo mundo. Além da coleta coletiva de
assinaturas, 2682 indivíduos ofereceram-se como "mensageiros do Manifesto
2000" para recolher assinaturas nas suas comunidades.”
(http://www.unesco.org.br/noticias/nu1200.html)
Esta ampla participação de jovens, integrantes da comunidade escolar e ONGs em escala
global trouxe repercussões positivas para a UNESCO do Brasil. O fato de o país ter sido um
dos que mais coletou assinaturas, deu à representação local uma maior visibilidade no interior
da Organização e no conjunto das organizações vinculadas ao sistema ONU. No plano
nacional, a UNESCO-Brasil ampliava seus vínculos com os poderes regionais, em particular
os governos estaduais
29
.
O segundo momento – depois do lançamento do Manifesto, e talvez um dos mais relevantes,
foi a publicação, em 2001, dos resultados da avaliação da fase experimental (Abramovay et.
al., 2001). O terceiro foi o lançamento do primeiro documento, em forma de brochura, que
estabeleceu as regras, princípios e procedimentos operacionais do programa, com o título
“Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz” (Noleto, 2001), editado pela UNESCO-
Brasil
30
. O último movimento correspondeu à formação do Colegiado Escolas de Paz, cujo os
membros foram escolhidos pelo compromisso, demonstrado na trajetória de suas vidas, de
ver consolidado na sociedade princípios e valores ancorados nos direitos humanos, da
democracia e na justiça social, pilares da construção de uma cultura de paz, os conselheiros
29
A coleta das assinaturas foi celebrada no Dia Internacional da Paz em solenidade na sede da ONU.
“Delegações de crianças e jovens representando Brasil, Índia, Colômbia, França e Argélia fizeram uma
apresentação simbólica no Dia Internacional da Paz ao Presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas, Harri
Holkeri, das assinaturas recolhidas para o Manifesto 2000. Várias personalidades públicas participaram da
cerimônia na sede da ONU em Nova York, entre elas Nani Annan, esposa do Secretário-Geral da ONU, Koffi
Annan; Nohora Puyana de Pastrana, primeira-dama da Colômbia; os Embaixadores Abdala Baali (Argélia),
Anwarul Karim Chowdury (Bangladesh), Kamalesh Sharma (Índia), e o governador Anthony Garotinho, do
Estado do Rio de Janeiro, Brasil.” (http://www.unesco.org.br/noticias/nu1200.html
). As Nações Unidas
instituíram o ano de 2000 como o “Ano Internacional da Cultura da Paz”.
30
Em 2003 (2ª edição) o documento passou a ser publicado em formato livro. A última edição (3ª) é de 2004.
45
podem ser considerados os grandes condutores do programa. (Guia do Conselheiro, s/d: 3)
31
.
Cada um desses momentos estabeleceu um “fio condutor”, ajudou a ordenar e dar sentido aos
protagonistas, às suas ações e à própria narrativa da “estória”.
Depois do lançamento da brochura, os diversos projetos locais passaram a ficar abrigados sob
um grande guarda chuva denominado Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz
(Noleto, 2001). Em 2005 encontramos o seguinte quadro:
Quadro 9: Projetos integrantes do Programa Abrindo Espaços
Estados Nome do Programa início
Rio de Janeiro Escolas de Paz 2000
Pernambuco Escolas Abertas 2000
Bahia Abrindo Espaços 2001
São Paulo Escola da Família 2003
Rio Grande do Sul Escola Aberta para a Cidadania 2003
Piauí Escola Comunidade 2003
Minas Gerais Abrindo Espaço na Escola Viva, comunidade ativa 2003
Juazeiro (Bahia) Construindo Cidadania e conquistando a Paz 2003
Maceió Cidadela 2003
(Governo Federal)
Escola aberta: educação, cultura, esporte e trabalho para a juventude
2004
Abrindo Espaços: Educação e cultura para a paz 3ª ed. revisada, 2004.
Em 2004 a UNESCO-Brasil firmou parceria com o governo federal, através do Ministério da
Educação (MEC), para implementar o Programa Escola Aberta, uma nova versão do Abrindo
Espaços. Esta parceria permitiu que a proposta forjada pela UNESCO-Brasil atingisse outras
áreas dos estados brasileiros (fazem parte do Escola Aberta as seguintes unidades da
federação: Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro e Minas
Gerais abrangendo 72 secretarias de educação municipais e estaduais).
31
Os integrantes do Colegiado eram: João Luiz Duboc Pinaud (Secretário de Estado de Direitos Humanos e
Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro); Rubem César Fernandes (Diretor do Viva Rio); Luiz Chor
(1º Vice-Presidente do Sistema FIRJAN); Regina Novaes (Diretora do ISER); Lia Diskin (Co-fundadora da
Associação Palas Athena-Centro de Estudos Filosóficos); Ubiratan D´Ambrosio (Professor do Programa de
Estudos de Pós-Graduação de História da Ciência da PUC/SP); Regina de Fátima Migliori (Diretora da
Fundação Peirópolis de Valores Humanos); Marlova Jovchelovitch Noleto (Coordenadora de Desenvolvimento
Social, Projetos Transdisciplinares e Cultura de Paz da UNESCO-Brasil); Hélio Ricardo Porto (Coordenador do
Programa Metropolitano da FASE); Jailson de Souza e Silva (Diretor do CEASM); Mauro José Sá Rego da
Costa (Doutor em Educação pela UFRJ, Pesquisador na área de Educação e Comunicação, com o apoio da
FAPERJ); Márcio Libar (Fundador e Diretor Artístico do Teatro do Anônimo) (Guia do conselheiro, s/d:2)
46
De acordo com dados publicados pelos organizadores (Abrindo Espaços, educação e cultura
para a paz, 3ª edição revisada, UNESCO 2004) o conjunto das atividades desenvolvidas por
oito dos nove Programas em 2004 atingiu aproximadamente 5.261.391 beneficiários/mês
32
.
As atividades dos diferentes programas foram implementadas em um total de 6.153 escolas,
sendo que a totalidade das escolas do estado de São Paulo participou do programa.
33
O objetivo do Programa
34
expresso na primeira brochura afirmava o seguinte:
“A UNESCO advoga uma estratégia pelo fomento de um Programa Nacional de
abertura das escolas nos finais de semana e a disponibilização de espaços
alternativos que possam atrair os jovens, colaborando para a reversão do quadro
de violência e construção de espaços de cidadania.” (Noleto, 2001: 17).
Em relação ao Rio de janeiro, o livro publicado pelos responsáveis pela avaliação externa
informava o seguinte sobre os objetivos do Programa:
32
O termo é utilizado para referir-se a todas as pessoas que direta ou indiretamente participaram das atividades
desenvolvidas pelo Programa.
33
Vale salientar que o número de escolas atingidas nos estados variou muito a cada ano. Por exemplo, no Rio de
Janeiro a experiência piloto atingiu 111 escolas e, no segundo ano (2001), 241 escolas. No ano de 2003 o
número caiu para 70 e em 2004 alcançou 200 escolas. Estas variações – em especial no estado do Rio de Janeiro
– podem ser compreendidas tanto a partir de uma ótica financeira (falta de verbas para a implementação das
atividades do Programa), quanto por problemas identificados por integrantes da UNESCO como ‘políticos’. Este
termo designa um conjunto de práticas e procedimentos realizados pelos ‘parceiros’, no caso o estado e/ou
município. Entre as ‘práticas políticas’ há diferentes situações nas quais prevalece a idéia de ‘disputas
partidárias’, ‘disputas internas’, ‘interesses individuais’ ou ‘coletivos’ que dificultam as ‘negociações’ entre o
governo e a UNESCO. As trocas de secretários e a realocação dos ‘funcionários’ também são consideradas
práticas ‘políticas’. Quanto ao que denominei procedimentos, há diferentes níveis de ‘entraves burocráticos’ para
a liberação e distribuição das verbas. No caso do Rio de Janeiro, o contrato firmado entre UNESCO e governo
do estado (PRODOC) estipula que o montante da verba repassada pelo estado à UNESCO é dividido em
parcelas. No entanto, sua liberação depende de diferentes negociações, que passam pelo gabinete do governador,
a Secretaria de Fazenda e a Secretaria de Educação. Uma segunda dimensão corresponde aos procedimentos
administrativos que envolvem ambos os parceiros. Quando o estado repassa a verba para uma conta da
UNESCO é necessário seguir as seguintes etapas: Cadastrar, certificar e autorizar. Estas atribuições foram
assim definidas: “Responsabilidade do CADASTRADOR: Cadastrar e verificar se o pagamento previsto na SP
(solicitação de pagamento) está corretamente caracterizado, se é essencial para o cumprimento dos resultados
previstos no documento de cooperação e se contribui para atingir as prioridades e estratégias dos programas
previstos para o Projeto em questão. Responsabilidade do CERTIFICADOR: Confirmar todas as informações
contidas na SP (solicitação de pagamento), certificar que estão de acordo com as condições estabelecidas no
contrato/autorização de viagem/autorização de fornecimento, nos objetivos definidos no documento de
cooperação e atestar que os serviços e/ou bens entregues atendem aos requisitos de qualidade e prazos exigidos.
Responsabilidade do AUTORIZADOR: Autorizar o pagamento por estar em conformidade como previsto no
documento de cooperação, assegurar que os recursos financeiros necessários estão disponíveis e solicitar as
providências pertinentes. Responsabilidade do OFICIAL DE PROJETOS: Receber, aprovar e providenciar o
arquivamento da documentação hábil à comprovação do cumprimento das obrigações indicadas nos Termos de
Referência, à exceção de eventuais recibos ou comprovantes fiscais (faturas e/ou comprovantes fiscais) que serão
encaminhados à Tesouraria para as providências relativas ao pagamento.” (Doc. Financeiro/administrativo:
UNESCO, 2002).
34
Apesar das regiões apresentarem diferenças quanto à estrutura operacional, os princípios, objetivos e
metodologia mais gerais são os mesmos.
47
“O programa Escolas de Paz está inserido no marco mais amplo de atuação da
UNESCO, voltado para a construção de uma Cultura de Paz, que compreende
valores essenciais à vida democrática, tais como: participação, igualdade, respeito
aos direitos humanos, respeito à diversidade cultural, liberdade, tolerância,
diálogo, reconciliação, solidariedade, desenvolvimento e justiça social.”
(Abramovay et. al., 2001: 19)
Observa-se que o primeiro documento coloca em evidência a reversão do quadro de violência
e a idéia de construção de espaços de cidadania como principais objetivos do Programa. No
segundo texto, observa-se a mesma perspectiva, sendo que a ênfase recai na construção de
uma cultura de paz, com o emprego de termos como participação, igualdade, respeito aos
direitos humanos, diversidade cultural, liberdade, tolerância, diálogo, reconciliação,
solidariedade, desenvolvimento e justiça social.
Essas duas noções, violência e cidadania, estabelecem os parâmetros para compreender o
significado e os objetivos principais do Programa. Elas também revelam outras
preocupações, relativas à identificação e à qualificação do que é nomeado como violência e
com o que vem a ser cidadania e suas diferentes expressões, como exposto no trecho
destacado acima.
O primeiro aspecto que salta à vista é que estes termos informam não apenas sobre uma
determinada situação identificada como violenta, mas também sobre práticas às quais estas
violências são associadas. Se o objetivo é reverter o quadro de violência, é necessário, antes
de tudo, identificá-la, classificá-la, reconhecer seus atores e desvendar sua natureza. O mesmo
procedimento pode ser aplicado aos termos Cultura de paz ou cidadania. Observa-se que
estes, como veremos adiante, foram pensados em oposição ao primeiro. Ao tratar de
violência, trata-se de algo contrário à paz, que nega a cidadania e é alheio ao seu domínio.
Programa Escolas de Paz
Mas o que é afinal o Programa Escolas de Paz? O Programa consiste em abrir as escolas nos
fins de semana para oferecer uma série de atividades, as chamadas oficinas. Estas variam de
acordo com as características da escola e da localidade. Segundo o documento da avaliação
externa (Abramovay et. al., 2001), baseado na experiência de 2000, as cinco atividades mais
48
freqüentes eram futebol e/ou outros esportes, música, gincana/jogos, dança e trabalhos
manuais.
Estas oficinas são realizadas por uma equipe local composta, na maioria das vezes, por
integrantes da escola (alunos, professores e funcionários) e da localidade - ou comunidade - e
por supervisores, geralmente pertencentes às coordenadorias regionais. Cabe à equipe local
organizar, administrar e selecionar os animadores (termo usado em 2000. Na segunda etapa
foi empregado o termo oficineiros) das atividades. Os procedimentos operacionais podem ser
resumidos da seguinte forma:
Seleção das escolas
De acordo com os dados encontrados em Abramovay, et. al., (2001) o processo de escolha das
escolas (em 2000) foi feito pela Secretaria Estadual de Educação, que privilegiou as escolas
situadas em áreas de maior violência e nas localidades com menores alternativas de cultura e
lazer. Um segundo critério foi selecionar aquelas instituições dotadas de infra-estrutura
(bibliotecas, laboratórios de informática, quadras de esporte), para que as atividades fossem
melhor conduzidas, além de evitar investimentos. O terceiro critério foi privilegiar as escolas
onde já existam iniciativas de cunho comunitário, ou seja, onde houvesse atividades ou ações
similares.
A seleção das escolas foi realizada pelo Núcleo Gestor do Programa – indicado e escolhido a
partir de critérios definidos no documento de projeto
35
–, que também deveria avaliar o
projeto de execução das atividades apresentado pelas escolas. As escolas, por sua vez,
deveriam selecionar os integrantes da equipe local, definir a remuneração das equipes (dentro
de um montante previamente definido pelo documento de projeto) e como a forma como a
verba de manutenção das atividades deveria ser empregada.
O processo de seleção de 2001 foi menos criterioso, aceitando-se todas as 231 escolas que se
inscreveram. A segunda diferença é que, pelo fato de muitas escolas terem feito a inscrição
depois de findo o prazo, foi criado um tipo “novo” de atividade
36
. As escolas que se
35
Este documento será analisado no capítulo 4.
36
No Guia do Conselheiro há um breve resumo de alguns pontos do Programa. Todas as escolas participantes
aderiram voluntariamente ao programa, através de resposta a um edital público onde foram divulgados a ficha
de adesão e os critérios de seleção das escolas segundo as etapas descritas abaixo:
Definição dos critérios de seleção
49
inscreveram no prazo foram classificadas como escolas-sedes e as que se inscreveram depois
passaram a ser escolas parceiras (ou agregadas). Isto significou que as escolas parceiras
deveriam unir-se à escola sede mais próxima para realizar em conjunto as atividades dos fins
de semana. Do ponto de vista formal, as parceiras receberam recursos menores e formaram
equipes reduzidas, pois as atividades foram realizadas na escola-sede
37
.
Em terceiro lugar, 30 das 231 escolas foram selecionadas como escolas especiais, todas
situadas na região metropolitana do Rio de Janeiro (incluindo a Baixada Fluminense). Nestas,
o Programa realizaria uma experiência.
Esta experiência consistiu na incorporação de outras atividades oferecidas por ONGs
previamente definidas pelo Núcleo Gestor às atividades dos oficineiros. Estas ONGs
ofereciam oficinas especiais. Como mostra o documento redigido pelo responsável pela
elaboração do projeto, as oficinas especiais teriam duas funções:
“Capacitar os agentes do programa – principalmente das equipes locais,
oficineiros amadores e professores e (2) atender diretamente ao público alvo do
programa nas escolas. Mas ambas têm como objetivo principal o fomento à
aquisição de novos ‘como fazer’, novas práticas culturais e artísticas de interesse
dos jovens”. (Programa Escola de Paz, oficinas especiais, s/d)
38
.
Publicação de ficha de adesão no Diário Oficial (21/06/2001)
Divulgação junto aos Coordenadores Regionais de Ensino
Correspondência explicativa para: 200 maiores escolas, 108 participantes do ano 2000 e inscritas
espontaneamente
Ampla divulgação através de rádio e jornal
Audiência pública
Divulgação das escolas inscritas/selecionadas
Mais de 250 escolas se inscreveram no projeto Escolas de Paz 2001 e a seleção para participar do projeto
obedeceu aos seguintes critérios:
Participação na primeira etapa do projeto
Quantidade e qualidade dos equipamentos das escolas
Escolas situadas em áreas com menor quantidade de equipamentos culturais, educacionais e de lazer
Escolas inseridas em áreas violentas, cujos alunos residam na comunidade do entorno
Indicadores de relação escola-comunidade do Programa Nova Escola (Guia do Conselheiro, s/d: 8).
37
O Guia do Conselheiro também traz a definição desta categoria: Escola-sede x Escola parceira. Escolas-sede
– são aquelas que preferencialmente abrigarão as atividades do Programa e receberão os recursos para
constituir a equipe local completa, além de verba para oficinas, manutenção e nutrição. Escolas parceiras – são
escolas de um mesmo município que deverão desenvolver suas atividades na escola-sede, podendo, todavia,
haver revezamento no local de desenvolvimento das mesmas. (Guia do Conselheiro, s/d: 10)
38
As ONGs selecionadas no primeiro momento foram Afroreggae, Nós do Morro, Jongo da Serrinha e Radio
Bicuda, todas elas supervisionadas pelo Viva Rio.
50
A quarta mudança foi o planejamento de uma série de atividades de capacitação dos agentes
do programa. Nesta nova etapa 2001 estavam previstas cerca de duas capacitações por mês,
sendo que as escolas especiais teriam um maior número de capacitações.
A proposta inicial da capacitação tinha uma estrutura bastante similar aos planejamentos
curriculares escolares, isto é, havia um núcleo comum com conteúdos como valores, direitos
humanos e Cultura de paz, destinado a todos os atores do programa e diversos conteúdos
específicos, que visavam os diversos papéis e funções dos atores do Programa.
Porém, estas atividades foram interrompidas logo no início por incompatibilidades de ordem
institucional. Em 2002, optou-se por eventos de capacitação a cargo de instituições parceiras,
cujo conteúdo limitava-se à troca de experiências entre os diversos atores, visto que eram
estanques e não havia um planejamento em conjunto com o Núcleo Gestor.
Desenho institucional
O organograma do Programa em 2001 tinha uma estrutura piramidal bem nítida, com diversas
instâncias de gerenciamento, elaboração e execução do programa. No gráfico abaixo, observa-
se o desenho institucional que vigorou no período de 2001 a 2002. Nos anos seguintes, esta
estrutura mudaria bastante.
Gráfico 1: Organograma Escolas de Paz
51
A Estrutura de gestão poderia ser também ordenada em três níveis: local, regional e estadual
e em três esferas: decisória, executiva e consultiva.
Quadro 10: Estrutura organizacional e níveis de operacionalização
Instâncias
Níveis
DECISÓRIA EXECUTIVA CONSULTIVA
LOCAL Equipe Local Equipe local + oficineiros + equipe de apoio
REGIONAL Supervisores
ESTADUAL Coordenação Geral
Núcleo Gestor
Colegiado
Estadual
No documento Guia do Conselheiro, as diferentes instâncias são apresentadas na seguinte
ordem:
Equipe Local- grupo encarregado do planejamento e execução do projeto em cada escola.
Componentes: membros naturais (diretor(es) e coordenador pedagógico) e membros
escolhidos (coordenador escolar, coordenador comunitário, jovens monitores e pessoal de
apoio – merendeiras e serventes). Coordenador escolar – profissional da escola responsável
pela gestão cotidiana do projeto e acompanhamento das oficinas. Coordenador comunitário –
morador da comunidade, responsável pela mobilização e acompanhamento do projeto e
organização das oficinas. O perfil profissional adequado é o de um agente com experiência no
campo cultural e vinculado a alguma instituição comunitária com esta característica. Monitor
escolar – jovem aluno da escola onde se desenvolve o projeto, encarregado de apoiar as
atividades da coordenação local e do núcleo gestor regional. (...) Para operar o Projeto, foram
localizados oficineiros: profissional responsável pelo oferecimento de um determinado tipo de
oficina. Ele pode ser morador da comunidade, profissional da escola ou ser vinculado a
entidades externas ao espaço local.
Coordenação
Geral
Governo +
UNESCO-RJ
Núcleo Gestor do Programa
Gestor de
relações
Núcleo Regional
Equipe Local
\
Unidade escola
r
Coordenador da equipe local
Gestor de
qualificação
Gestor
operacional
Supervisor
Colegiado Avaliação Externa
52
Nível Regional – cada grupo de escolas deverá se reunir por proximidade geográfica para
compor um Núcleo Regional, que será integrado e articulado por um supervisor.
Supervisor/articulador: profissional responsável pelo apoio em integração das ações das
escolas de determinada área geográfica, pela articulação de parcerias em nível intermediário e
por facilitar a comunicação entre a coordenação local e a coordenação geral.
Nível Estadual - Coordenação Geral – nível decisório mais elevado, composto por membros
do governo e da UNESCO. Colegiado Estadual - estrutura formada por representantes das
Escolas da Coordenação Geral, de diversas Secretarias Estaduais: Organizações da Sociedade
Civil: Empresas Púbicas e Empresas Privadas. Instância encarregada de propor, articular e
difundir iniciativas concernentes ao projeto. Não tem papel deliberativo – Gestão geral:
Núcleo Gestor – estrutura executiva do projeto responsável por articular as ações de
mobilização, comunicação, qualificação e administração do projeto. Equipe de Pesquisa –
para aprimorar e ampliar a pesquisa de processo realizada na primeira etapa do Escolas de
Paz, todas as vertentes do projeto nesta segunda fase serão monitoradas e avaliadas por uma
equipe de pesquisadores profissionais. (...) O objetivo de toda esta estruturação é a formação
de uma rede de cooperação, onde os papéis estejam bem definidos, mas em que se garanta a
necessária flexibilidade de gestão e proposição de iniciativas, de acordo com a dinâmica de
cada espaço local” (Guia do Conslheiro, s/d: 11-12)
Apesar do programa aparentemente contar com uma estrutura extremamente hierárquica e
com funções estabelecidas, observa-se que ela não representava, na prática, a relação entre os
diferentes integrantes que pertenciam a algumas destas instâncias.
A Coordenação Geral do Programa era composta pelo secretário do governo do estado e pelo
representante da UNESCO no Rio de Janeiro. O envolvimento direto destas duas pessoas era
fundamental para o funcionamento das outras instâncias que constam do organograma acima.
Olhando horizontalmente o quadro aparecem duas outras instâncias que mantêm vínculos com
a Coordenação Geral: o Colegiado e a Avaliação Externa. Neste quadro, a Avaliação e o
Colegiado aparecem como instâncias autônomas em relação às demais, sendo o elo
estabelecido através da Coordenação Geral. Estas três instâncias no topo do quadro detinham
responsabilidades sobre a concepção, a elaboração e as linhas estratégicas de ação do
Programa.
Os integrantes do Núcleo Gestor eram, em sua maioria, indicados pelo governo do estado. O
papel do Núcleo Gestor , como definido era articular as ações de mobilização, comunicação,
qualificação e administração do projeto nos níveis intermediários (local e regional). No
53
entanto, estas relações institucionais eram perpassadas por um conjunto de outras relações que
obedeciam a regras e procedimentos distintos.
No primeiro gráfico obsrva-se os vínculos entre os integrantes da coordenação geral,
avaliação externa e colegiado responsáveis pela concepção do programa.
No gráfico 2 abaixo procurei reconstruir o processo de circulação de informações, que inclui o
conjunto de dados transmitidos pelos diferentes agentes a respeito da situação geral do
programa, isto é, o dia-a-dia das atividades, a rotina de gestão e operacionalização e o
cotidiano das escolas nos fins de semana. Estas informações embasavam a atuação da
Coordenação Geral do Programa
39
.
Gráfico 2 Circulação de informação (Elaboração)
40
As linhas de setas duplas informam uma relação dialógica. Parte-se do suposto de uma
igualdade na relação, não havendo uma ascendência de um sobre o outro. No entanto, é
importante ressaltar que o grau de repasse de informações obedece obviamente às situações
específicas dos agentes envolvidos, às estratégias institucionais, aos interesses específicos.
41
39
Mitchell (1968: 46-49) aponta o “conjunto de comunicação” e o “conjunto de ação” como dois recortes
analíticos que podem ser feitos na ótica da noção de rede social. O primeiro procura entender como se processa o
fluxo de informação, valores ou mesmo fofocas que permeiam as relações sociais. O segundo estaria vinculado à
maneira como a troca de produtos e serviços (troca social) estabelece relações e aciona pessoas em torno de uma
transação específica.
40
Os gráficos desta parte são modelos formalizados de padrões de relacionamento observados no meu trabalho
de pesquisa.
41
Segundo Mitchell (1968: 46) o conteúdo das ligações entre pessoas refere-se ao significado que estas atribuem
ao seu relacionamento, isto é, ao seu propósito ou interesse e, nestes termos, o significado de uma interação pode
estar voltado para, ou ordenado por, fatores diversos (assistência econômica, obrigação familiar, cooperação
UNESCO-RJ
Governador
UNESCO-Brasil
Setor de Pesquisa e
avaliação
Secretário de Estado
Avaliação Externa
54
A linha de seta reta (unidirecional) informa a ascendência de uma instância sobre outra,
evidenciando uma força maior da hierarquia burocrática de influência, ou obediência fundada
em outros critérios. A primeira coisa que salta à vista neste quadro é o papel central que ocupa
a instância nacional da UNESCO - identificada como UNESCO-Brasil -, que mantém
vínculos simétricos com o Governador, o Secretário de Estado e o setor de pesquisa/DF, mas
tem ascendência sobre a UNESCO-RJ).
Um segundo aspecto é a presença do setor de pesquisa/DF e a avaliação externa. A primeira
tem uma relação assimétrica com a UNESCO-RJ e de simetria com a avaliação externa. A
segunda (avaliação externa) tem uma relação simétrica tanto com o setor de pesquisa/DF
quanto com a UNESCO-RJ.
Comparando com o primeiro gráfico, o segundo mostra a presença de outras
instâncias/indivíduos participantes da Coordenação Geral (setor de pesquisa, governador,
UNESCO-Brasil, e em menor escala a avaliação externa). Além disso, o gráfico também
mostra que a UNESCO-Brasil dispõe de mais instâncias no nível da Coordenação Geral do
que o governo do estado, para elaborar e coordenar o Programa.
Se a UNESCO - e em particular a UNESCO-Brasil - tinha uma maior ascendência sobre a
Coordenação Geral, o mesmo não acontecia nos níveis intermediários visualizados no
organograma.
Gráfico 3 Circulação de informação (execução)
religiosa, amizade etc.) e não ser necessariamente encontrado no fluxo de comunicação que rege a interação.
Mitchell conclui que o conteúdo de uma rede não seria observável, mas poderia ser inferido pelo observador em
seu estudo.
55
No gráfico 3 observa-se que a instância Secretário de Estado RJ era privilegiada quanto às
fontes de informações sobre a execução das atividades do Programa. Esta situação
obviamente pode ser explicada pelo fato das instâncias (escolas e coordenadorias regionais)
pertencerem à administração pública estadual, da mesma forma o Núcleo Gestor e os
supervisores – instâncias do Programa – eram compostos por membros da administração
pública estadual. No entanto, isto não impede de constatar que, do ponto de vista da
circulação de informações sobre a execução do programa, o governo contava com um maior
número de fontes de informação, o que permitia um “controle” da circulação das informações
neste âmbito da execução.
Esse gráfico ainda informa que a UNESCO-RJ mantinha uma relação importante com o
Núcleo Gestor. Apesar da maioria dos integrantes pertencerem aos quadros do governo, as
decisões eram tecnicamente compartilhadas no nível da Coordenação Geral. A fonte de
informações da UNESCO-RJ a respeito da operacionalização das atividades provinha
principalmente do Núcleo Gestor, e também da avaliação externa, que mantinha relações com
os principais agentes envolvidos na operacionalização do Programa. Com isso, a UNESCO-
RJ tinha menos capacidade de obter informações sobre a execução do Programa do que os
integrantes do governo.
Os processos que geram a circulação de informação são um dos pilares fundamentais do
Programa. As atividades de elaboração, planejamento e execução correspondem à estrutura
UNESCO-RJ
Coordenadorias
regionais (29)
Núcleo Gestor
Supervisores
Escolas
Avaliação
externa
Secretário
de Estado
RJ
56
primária de gestão, e por isso estão sujeitas a múltiplas variações, conflitos e tensões, que
fazem o Programa efetivamente existir.
Se o “Documento de projeto” estabeleceu as diretrizes para os papéis do governo e da
UNESCO-Brasil na gestão do Programa, este de fato existiu através da vivência e das práticas
cotidianas. Compreender o Programa é, antes de tudo, revelar seu cotidiano, as práticas e
interações experimentadas pelos seus participantes. Minha experiência como parte deste
cotidiano mostrou, por exemplo, que as atribuições e papéis não obedeciam às determinações
do PRODOC (“Documento de projeto”). Mostrou também que estes papéis eram
permanentemente redefinidos e reorientados, que o significado e a interpretação dos termos
normativos eram motivo de tensão e realinhamento das relações.
Ao participar de alguns eventos, acompanhar os principais atores envolvidos no Programa e
analisar alguns documentos, observei que a natureza das relações entre esses atores se
orientava pelo que Mitchell (1968, 1962) denominou “conteúdos normativos”, em que se
espera que os indivíduos compartilhem um léxico comum. No entanto, mesmo considerando-
se que exista um “comportamento a ser esperado entre duas pessoas à luz de um conteúdo
designado para sua ligação” (Op.cit. p. 46), o comportamento das inter-relações não obedecia
apenas a esta lógica. Pode-se então dizer que o “conteúdo normativo” orientava a integração
institucional, o que permite compreender o organograma do Programa. Ao tratar em uma
outra dimensão as práticas sociais e os conteúdos estabelecidos nos processos interativos,
(gráficos 2 e 3) observa-se que aderir integralmente à noção de “conteúdos normativos”
impede a inteligibilidade destas interações. Porém a noção é útil em outro plano, pois permite
confrontar os “conteúdos” formados em uma lógica institucional àqueles baseados em outras
dimensões da vida social e outros laços sociais.
57
CAPÍTULO 1
“A Ata Constitutiva da UNESCO é a única, no sistema das Nações Unidas, a
lembrar os princípios ou os ideais democráticos: justiça, liberdade, igualdade,
solidariedade. No preâmbulo desse texto brilhante, é dito que a paz não é
estabelecida unicamente com base no desenvolvimento – econômico e político.
Os dois são necessários, mas não são suficientes: a paz e o bem-estar dependem
da ‘solidariedade intelectual e moral da humanidade’ (Federico Mayor Diretor
Geral da UNESCO)
58
A UNESCO E A CONSTITUIÇÃO DE UMA COMUNIDADE
INTERNACIONAL
O objetivo deste capítulo é apresentar alguns aspectos da trajetória da Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), procurando acompanhar a
adoção dos procedimentos para o estabelecimento de um programa de intervenção no Brasil,
cuja premissa geral era instituir uma cultura de paz e não violência. O programa no Brasil foi
denominado Abrindo Espaços: construção de uma cultura de paz.
Este capítulo tem por objetivo levantar dois aspectos que considero importantes na
constituição da idéia de cooperação internacional, em particular na trajetória da UNESCO: a)
os debates iniciais promovidos pela Organização no período de 1945 a 1960, que ajudaram a
consolidar a idéia de um saber universal e de uma prática definida como cooperação
internacional; b) tratar um aspecto pouco trabalhado pela literatura especializada sobre a
UNESCO, que é o processo iniciado na década de 1950 e definido de forma genérica apenas
nos anos 1990 como une mise en oeuvre rationnelle de la décentralisation (159/EX/INFO 8,
2000). Esta iniciativa teve como fundamento o estabelecimento, nos países-membros, de uma
unidade da organização com autonomia relativa, capaz de representar a Organização de
forma eficiente e eficaz. Isto institui uma nova lógica de relacionamento entre as unidades
soberanas e um corpus definido como internacional, formado, no entanto, por quadros e
especialistas nacionais.
Para realizar tal exercício meu material empírico de investigação neste capítulo foi um
conjunto de documentos de diferentes instâncias da Organização (Conselho Executivo,
Secretariado, Conferência Geral) além de documentos das Nações Unidas (ONU). Os
documentos produzidos no âmbito da UNESCO estabeleceram as normas e as diretivas que
deveriam ser seguidas pelo conjunto da Organização.
A força e influência destas agências/organizações internacionais variaram ao longo da
história, assim como sua relação com os Estados nacionais também passou por diversos
estágios. No entanto, inúmeros estudos e pesquisas (Escobar 1995; Ferguson 1994; Grilo;
1997; Pels, 1997; Silva 2004; Barros, 2005; Vieira, 2002; Ribeiro 1990, Dezalay e Garth
2004; Ferguson e Gupta, 2002; Mosse, 2001; Nelson e Wright, 1995 dentre outros),
procuraram demonstrar a variação e a força da influência das organizações internacionais nos
59
processos de reforma no gerenciamento administrativo e político pelos quais passaram alguns
Estados, na América Latina, Ásia e África. Esta análise pode ser observada no exposto por
James Ferguson (1994) sobre a experiência do Banco Mundial no Lesoto, onde redefiniu as
relações políticas a partir de pressupostos cunhados para o desenvolvimento, ou na análise de
Arturo Escobar (1995) sobre o International Nutrition Planning Program (INPP)
implementado na Colômbia. Em uma pesquisa mais recente, Kelly Silva (2004) analisa
diferentes processos de reordenamento político a partir da ação das diferentes missões
promovidas pela ONU no Timor Leste, e descreve as diferentes representações que envolviam
a definição de um Estado nacional timorense a partir de discussões sobre procedimentos
administrativos e jurídicos (em especial os previdenciários e fiscais). Flavia Barros (2005: 6)
analisa diferentes etapas que levaram à formação de um “campo polinucleado de poder
ambiental-sustentabilista” e mostra os processos que levaram à constituição do
“ambientalismo” como uma “problemática global” e o configuraram como uma ação política.
No caso brasileiro, as experiências de ingerência das agências de cooperação internacional
podem ser encontradas em uma literatura ainda pouco divulgada, restrita a centros de
pesquisas e universidades. Alguns debates podem ser encontrados na coletânea organizada
por Antonio Carlos de Souza Lima “Gestar e gerir: Estudos para uma antropologia da
administração pública no Brasil”, na revista AntHropológicas, volume 15(2), 2004,
organizada por Peter Schröder e Karin Marita Naase, intitulada “Antropologia do
desenvolvimento”.
Observa-se nestes trabalhos que a natureza, extensão e proposta das intervenções – termo que
muitas vezes aparece como sinônimo de cooperação técnica ou cooperação internacional
praticadas pelas agências do chamado Sistema da ONU
42
, se alinharam a certos acúmulos,
percepções, interesses e estratégias que guiaram os debates na arena internacional, tendo à
frente as principais nações ou, mais precisamente, aquelas com um Produto Interno Bruto
elevado. Apesar de esta arena não ser “controlada” diretamente por um Estado nacional em
particular, a ascendência estadunidense neste cenário é consensual em certo imaginário social
e intelectual.
42
No anexo 1.1 apresento um organograma das Organizações vinculadas ao Sistema ONU criada em 1945.
60
Ao examinar a cooperação técnica ou cooperação internacional procurei investir em uma
desnaturalização desses termos, tomados muitas vezes a priori para qualificar relações entre
Estados nacionais e organismos internacionais. Tampouco falo em sobrepor categorias
sociologicamente construídas em oposição, tais como nacional/internacional, global/local
(Ianni, 1992; Bourdieu, 2001) – utilizadas, via de regra, para criar elos entre soberanias
distintas, posto que perder-se-ia a possibilidade de compreender as variações, imprevistos e
mobilidades sociais e políticas que podem mobilizar os “sujeitos políticos”, assim como
retirar da percepção a própria ambivalência e transitoriedade do que Barros chamou “campo
polinucleado de poder” (Cf. p. 27).
Por outro lado, ao tratar da cooperação internacional, entendida em um primeiro recorte
como uma relação entre “sujeitos políticos”, torna-se necessário definir quem são e como
podem ser identificados e qualificados. Após estes procedimentos, é preciso identificar as
características e atributos que os tornam sujeitos, ou seja, estabelecer que propriedades de
suas biografias/trajetórias lhes conferem credibilidade para existirem enquanto sujeitos
capazes de estabelecer relações com outros sujeitos. O terceiro movimento consiste em
estabelecer os vínculos, os atributos relacionais que permitem que estes sujeitos transitem e
estabeleçam relações, ou seja, que ajam como ‘sujeitos políticos’. Esta tese não pretende
trabalhar estas questões, mas orientar-se por elas para formular e criar vínculos em escalas
distintas que repercutam nas operações nacionais descritas como cooperação internacional.
O Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI)
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, doravante denominada
UNESCO, ao longo dos seus 60 anos de existência tem desempenhado um papel importante
no processo que Dezalay (2004: 6) caracterizou como de constituição de um “espaço
internacional”, onde estariam se constituindo “experts en governance”
43
.
43
“Même s’ils s’opposent sur les diagnostics, et les prescriptions em ce que concerne la mondialisation, les
différents agents qui sont engagés dans ces luttes pour la construction d’un espace international ont aussi
beaucoup en commun, et en pariticulier le fait de prendre au sérieux les enjeux de la mondialisation. En faisant
comme si elle était une réalité à promouvoir, à combattre ou à contrôler, ils mobilisent des ressources sociales et
institutionnelles qui contribuent à la faire exister à la fois comme enjeu politique et comme un formidable
chantier autour duquel s’empressent les experts en gouvernance. En la désignant comme un futur possible, la
61
O surgimento da UNESCO em 1945 correspondeu, de um lado, a um momento de
reordenamento social e político dos Estados nacionais após a Segunda Grande Guerra
Mundial, que consolidou a forma social e jurídico-administrativa do “Estado nacional” como
modelo de organização e demarcação territorial e, de outro, a afirmação da “diplomacia
multilateral” (Herz e Hoffmann, 2004: 33; Góes Filho, 2003: 59) como um dos mecanismos
de regulação destes Estados-nação
44
.
Em 1945, no âmbito da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), nasceu a
UNESCO cujo principal objetivo, definido no artigo primeiro do Ato Constitutivo, era
"(...) de contribuer au maintien de la paix et de la sécurité en resserrant, par
l’éducation, la science et la culture, la collaboration entre nations, afin d’assurer
le respect universel de la justice, de la loi, des droits de l’homme et des libertes
fondamentales pour tous, sans distinction de race, de sexe, de langue ou de
religion, que la Charte des Nations Unies reconnaît à tous les peuples”.(Ato
constitutivo, 1945: 2)
45
.
Além deste objetivo, também são definidas, no primeiro artigo as áreas de atuação da
organização e os principais campos de seu mandato, que podem ser resumido em três pontos
principais: a) Informação de massa; b) Incentivo à educação e difusão da cultura; c) Difusão
do conhecimento/preservação do patrimônio.
“A ces fins, l’Organisation:
a) favorise la connaissance et la compréhension mutuelle des nations en prêtant
son concours aux organes d’information des masses ; elle recommande, à cet
effet, tels accords internationaux qu’elle juge utiles pour faciliter la libre
circulation des idées, par le mot et par l’image ;
b) imprime une impulsion vigoureuse à l’éducation populaire et à la diffusion de
controvers publique sur la mondialisation ne peut qu’inciter à investir dans la construction de ce nouvel espace
de pouvoir" (Dezalay, 2004: 6).
44
Segundo a literatura especializada, um dos marcos de fundação da moderna “diplomacia multilateral” foi o
Congresso de Viena, em 1815 que reuniu as principais potências da época (Prússia, Áustria, Rússia, Grã-
Bretanha e França). Neste congresso foram codificadas algumas regras diplomáticas e a formulação de uma
legislação internacional. São atribuídos ao congresso de Viena, assim como às primeiras sessões da Conferencia
de Haia (1893), o papel de primeiras instâncias de caráter internacional a investirem em uma “universalização da
administração do sistema internacional” (Herz e Hoffmann, 2004: 33).
45
A convenção de criação da Agência Especializada para a Educação Ciência e Cultura, ocorreu em Londres em
novembro de 1945. No dia 16 de novembro do mesmo ano foi assinado por 20 paises o “Ato constitutivo da
organização” no qual eram definidos os objetivos, funções e atributos da nova organização. O ato constitutivo foi
composto com dez artigos.Cf anexo 1.2.
62
la culture: en collaborant avec les États membres qui le désirent pour les aider à
développer leur action éducatrice; en instituant la collaboration des nations afin
de réaliser graduellement l’idéal d’une chance égale d’éducation pour tous, sans
distinction de race, de sexe ni d’aucune condition économique ou sociale; en
suggérant des méthodes d’éducation convenables pour preparer les enfants du
monde entier aux responsabilités de l’homme libre;
c) aide au maintien, à l’avancement et à la diffusion du savoir: en veillant à la
conservation et protection du patrimoine universel de livres, d’oeuvres d’art et
d’autres monuments d’intérêt historique ou scientifique, et en recommandant aux
peoples intéressés des conventions internationales à cet effet; en encourageant la
coopération entre nations dans toutes les branches de l’activité intellectuelle,
l’échange international de représentants de l’éducation, de la science et de la
culture ainsi que celui de publications, d’oeuvres d’art, de matériel de laboratoire
et de toute documentation utile; en facilitant par des méthodes de coopération
internationale appropriées l’accès de tous les peuples à ce que chacun d’eux
publie.
3. Soucieuse d’assurer aux États membres de la présente Organisation
l’indépendance, l’intégrité et la féconde diversité de leurs cultures et de leurs
systèmes d’éducation, l’Organisation s’interdit d’intervenir en aucune matière
relevant essentiellement de leur juridiction intérieure” (Ato Constitutivo, 1945:
2/3).
O artigo primeiro do “Ato Constitutivo” estabelece como os objetivos poderiam e deveriam
ser atingidos, através de acordos internacionais e da ajuda aos países-membros, sugerindo
métodos de educação, criando convenções internacionais e incentivando a cooperação entre
as nações. Através destes procedimentos, observa-se que se expressa o desejo de formação de
um espaço de intervenção/ação capaz de colocar-se acima das particularidades e interesses
nacionais e de construir um conhecimento mais preciso e verdadeiro.
“Pour ces motifs, les États signataires de cette Convention, résolus à assurer à
tous le plein et égal accès à l’éducation, la libre poursuite de la vérité objective et
le libre échange des idées et des connaissances, décident de développer et de
multiplier les relations entre leurs peuples en vue de se mieux comprendre et
d’acquérir une connaissance plus précise et plus vraie de leurs coutumes
respectives.” (Ato Constitutivo, 1945: 1).
O ato constitutivo pode ser lido, assim como a Carta das Nações Unidas
46
, como um
documento de caráter essencialmente simbólico e político, visto os embates e discussões que
46
A carta foi assinada em São Francisco no dia 26 de Junho de 1945.
63
ocorreram ao longo desses 60 anos a respeito do seu conteúdo, e que geraram, inclusive, o
“desrespeito” de algumas nações às suas declarações.
Apesar disso, estes documentos, de caráter normativo e prospectivo, foram importantes na
universalização de procedimentos e práticas de desenvolvimento social promovidos por
instituições governamentais, intergovernamentais e privadas. A partir da década de 1960, e
principalmente dos anos de 1980, estas diretrizes passaram a operar conceitualmente com
base na construção de léxicos que orientaram os programas de intervenção local e a
construção de “categorias discursivas” de repercussão internacional, a partir de perspectivas
como “mundialização”, “transnacionalismos” e “globalização
47
.
Apesar de este processo ter se acelerado (e se tornado objeto de análise) no final do século
XX, a proposta de construção de um “espaço internacional”, nos termos de Dezalay (2004: 5)
é uma marca constante do que Norbert Elias (1997) denominou “processo civilizatório”, ou
seja, é parte constitutiva dos processos históricos de organização dos grupos sociais
48
.
Nestes termos, é importante lembrar que a própria idéia de constituição de uma “comunidade
internacional” (Herz & Hoffman, 2004) voltada para a educação foi uma iniciativa que
adquiriu maior visibilidade a partir do final do século XVIII e início do século XX, quando as
primeiras organizações e associações internacionais foram criadas (Hobsbawm, 1996; Bekri,
1991, Archibald, 1993). Estas foram inicialmente impulsionadas e financiadas por industriais
e “ricos” filantropos ou por cientistas “filantropos” de diferentes áreas que, em muitos casos,
foram considerados os primeiros “empreendedores e humanistas”
49
. Note-se que as relações
47
Cf. Ianni (1992); Wallerstein (1999); Ribeiro (2003).
48
A civilização a que me refiro nunca está completa, e está sempre ameaçada. Corre perigo porque a
salvaguarda dos padrões mais civilizados de comportamento e sentimento em sociedade depende de condições
específicas. Uma destas é o exercício de autodisciplina, relativamente estável, por cada pessoa. Isto, por sua vez,
está vinculado a estruturas sociais específicas. Estas incluem o fornecimento de bens – ou seja, a manutenção do
habitual padrão de vida. Incluem também, sobretudo, a resolução pacífica de conflitos intra-estatais – isto é, a
pacificação social. Mas a pacificação interna de uma sociedade também está sempre correndo perigo. Ela é
ameaçada por conflitos tanto sociais quanto pessoais, que são atributos normais da vida em comunidade humana
– os próprios conflitos que as instituições pacificadoras estão interessadas em dominar. É com este aspecto de
um processo civilizador, com a tensão entre pacificação e violência, que este ensaio se preocupa. (Elias, 1997:p.
161)
49
A presença das grandes corporações, principalmente nos EUA, na vida política nacional e internacional teve
um papel importante na configuração de determinados processos de organização institucional. Dentre alguns
desses industriais pode-se citar Andrew Carnegie (1835-1919) conhecido como “rei do aço”, que teve
participação importante nas Conferências de 1899 e 1907, para a constituição da “court d’arbitrage’ antecessora
da Corte Internacional de Haia. Já Carnegie acreditava que “um Estado ideal no qual o superávit da riqueza de
uns poucos se tornasse, no melhor sentido, propriedade de muitos”. Um outro exemplo deste tipo de
64
que estes mantinham com seus países de origem eram ambíguas e, muitas vezes,
conflituosas
50
.
O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) abriu uma nova perspectiva do ponto de vista
da valorização das instituições internacionais, como um mecanismo capaz de formalizar
pactos de não agressão e acordos comerciais. Os países da Europa (principalmente França e
Inglaterra) e os EUA iniciaram uma aproximação visando à constituição de acordos e pactos
intergovernamentais e os temas relacionados à educação e à cultura passaram a compor as
agendas dos órgãos governamentais.
Existe um consenso na literatura analítica sobre a UNESCO (Mylonas, 1976; Bekri, 1991;
Archibald, 1993; Maio, 1997, 2004, Evangelista, 2003; Elzinga, 2004; Finnemore, 1996;
Sathyamurthy, 1964) de que a Organização é fruto de duas experiências anteriores de
organização internacional: o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), surgido
em 1925, que reuniu intelectuais como Sigmund Freud, Thomas Mann, Henri Bergson e
Albert Einstein, entre outros (Maio, 1997: 17) e a Conferência de Ministros Aliados da
Educação (CMAE), criada em plena Segunda Guerra, em 1942.
O IICI teve um papel circunscrito à elaboração de propostas para a educação e a cultura, sem
conseguir, no entanto, implementar nenhuma delas. Para alguns autores (Sathyamurthy 1964;
Laves e Thomson, 1968; Maio, 1997; Bekri, 1991), o IICI representou uma etapa inicial de
formação de uma agência intergovernamental organizada por cientistas que acreditavam que a
ciência poderia estar acima das tensões e conflitos que envolviam as nações. O IICI foi, na
verdade uma iniciativa do governo francês, a partir de ações individuais e coletivas que
empreendimento foi a atuação de John D. Rockefeller (1839-1937), criador da “Standard Oil Company”. Em
1913 criou a “Rockefeller Foundation” investindo inicialmente em pesquisas cientificas e médicas. A “Simon
Guggenheim Fountation” fundada na mesma época, também esteve presente nas primeiras iniciativas dos anos
20 de constituição de comunidades internacionais (Archibald, 1993: 17/20). Alguns autores têm procurado
mostrar que na Europa, após a revolução francesa de 1789, inúmeras iniciativas foram pensadas, mas poucas
implementadas, até o início do século XX. Com uma perspectiva um pouco diferente da americana, as iniciativas
européias partiam essencialmente de pensadores, filósofos, engajados em atividades governamentais, como é o
caso de Marc-Antoine Julien, que era “Agent du comité de Salut public” em 1793, e integrante da “commission
exécutive de l’instruction publique – embrião do futuro Ministério da Educação (Bekri, 1991: 32).
50
No que se refere aos EUA, no início do século XX (antes da primeira guerra), Archibald (1993:43), e
Finnemore (1996), chamam a atenção para o desinteresse do governo americano pelas grandes iniciativas de
cooperação internacional, sendo estas encabeçadas por órgãos e instituições privadas como as Fundações
Rockefeller e a Carnegie. O exemplo emblemático da postura americana nos primeiros 30 anos do século XX foi
a recusa em assinar o “Tratado de Versalhes” e o pacto sobre a criação da Sociedade das Nações (Liga das
Nações) (Archibald, 1993:20).
65
compartilhavam um mesmo objetivo: formar um organismo que pudesse congregar os
diferentes projetos elaborados por cientistas, educadores, filantropos etc.
O IICI também foi fruto de outra iniciativa: a criação, no âmbito da Liga das Nações, de uma
Comissão Internacional de Cooperação Intelectual (CICI). Nas palavras de críticas de Elzinga,
“O Comitê Internacional de Cooperação Internacional, criado sob os auspícios da
Liga das Nações, era uma organização elitista. Sua lógica básica era a de que a
plêiade das mentes mais brilhantes do mundo conseguiria elevar-se acima do
conflito que normalmente dividia as nações em blocos políticos, ideológicos e de
outras naturezas. Para manter uma aparência de unidade, ignoraram-se as
questões mais controvertidas do período entre as duas guerras mundiais. (...)
assemelhava-se a uma avestruz e sua neutralidade oficial era explorada pelas
nações agressoras pra fabricar uma falsa imagem de civilização e dedicação à
cultura” (Elzinga, 2004: 92).
No entanto, ao longo de seus 24 anos de atuação (1922-1946) o CICI desempenhou, a meu
ver, um papel mais relevante do que retrata a autora. Uma das iniciativas importantes da
Comissão descritas por Bekri (1991: 41) foi o esforço para criar um diálogo entre cientistas e
funcionários governamentais na Europa anterior à 2ª Guerra Mundial e estabelecer vínculos
entre os espaços de pesquisas e os gabinetes governamentais, dando surgimento a um sujeito
político que Bekri (1991) denominou “Éducateur diplomates”.
“Ces derniers [éducateur diplomates] sont bien introduis auprès de la classe
politique; ils fréquentent les antichambres des chefs d’Etar et les couloirs dês
conférences intergouvernementales qu’ils suivent assidûment. Ils ont compris que
sans l’aide dês hommes politiques, il ne pourront réaliser aucun de leurs projets et
que les intellectuels et plus précisément les éducateurs qu’ils représentent
constituent une force dont les gouvernements doivent tenir compte. Ils sont puls
ambitieux que leurs prédécesseurs et visent plus haut que la creation de simples
organismes de liaison entre les members du corps enseignant. Ils veulent établir
avec la participations effective des Etats, et naturellement leur contribuition, de
véritables institutions internationals de cooperation intellectuelle principalement
dans le domaine de l´education.” (Bekri 1991: 41)
Não cabe aqui aprofundar os debates sobre a CICI nem sobre o IICI, mas quero destacar que
no período de vigência destas instituições (1922 – 1945) elas tiveram fomentaram e
articularam associações de natureza intelectual, como sublinha Bekri
“D’après la liste d’activités de 1926, il s’agissait davantage d’um travail de
contact, de recensement, de normalisation, d’examen de problèmes, de
66
prospection, d’analyse et de recherche des voies de réflexion et d’action que de
programme d’ensemble cohérent.” (Bekri, 1991: 66).
Um segundo aspecto importante que merece ser destacado é o fato do IICI ter contado com
um forte apoio do governo francês, que via na cooperação intelectual as bases para a
constituição de modelos culturais fundados não em uma unidade abstrata e teórica, mas na
diversidade. Nestes anos, anteriores à 2ª Guerra Mundial, o termo cooperação intelectual
indicava a forma e o conteúdo pelo qual se regiam certas percepções da integração entre os
Estados nacionais.
A Conferência dos Ministros Aliados da Educação (CMAE)
A CMAE nasceu na Inglaterra, em plena 2ª Guerra Mundial, em 1942. Neste período
encontravam-se em Londres representantes dos países invadidos pela Alemanha
(Luxemburgo, Holanda, Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Grécia e França)
51
. Os
primeiros encontros dos representantes exilados teve como objeto a discussão de iniciativas
que poderiam ser tomadas, findo o conflito na Europa, para reconstruir os sistemas
educacionais dos países, tanto no que se referia à distribuição de materiais didáticos e
formação de professores, quanto de infra-estrutura.
A CMAE passou a ser um dos principais fóruns de encontro e discussão dos países aliados,
ampliando seus temas e preocupações. De acordo com alguns autores, antes mesmo do
surgimento da ONU, (Bekri, 1991 e Archibald, 1993) a estrutura organizacional da CMAE já
estabelecia a noção de “Estado-membro” e definia uma hierarquia entre os países,
organizados por grupos e regiões.
Durante a guerra, a CMAE foi fundamental na manutenção de uma rede de cooperação entre
os governos aliados e na discussão de questões gerais do sistema de ensino e da difusão
cultural. Seus debates chamaram a atenção do governo dos EUA. As propostas da Inglaterra e
da França de criar uma organização internacional voltada para a educação e a cultura, que
articulasse os problemas decorrentes da devastação da guerra e que pensasse o sistema
51
A partir de 1943 mais nove países europeus ingressaram no “Bureau” além da URSS, China e dos EUA que
ingressaram como observadores.
67
educacional em uma perspectiva mundial repercutiram no Departamento de Estado norte-
americano.
Segundo Archibald (1993), desde 1941 já havia uma preocupação do governo americano com
a cooperação. A Carta do Atlântico, assinada por Churchill e Roosevelt em 14 de outubro de
1941, reafirmava o princípio de criação de um sistema mundial de segurança. Neste período a
idéia de cooperação era entendida como uma preocupação com a segurança. No entanto, o
princípio de segurança ao estilo norte-americano buscava a diminuição da influência dos
países do eixo nos demais continentes, através de “acordos” bilaterais. Nestes termos, para o
Departamento de Estado, como sublinhou Archibald, a noção de “segurança”, era sinônimo de
propaganda
52
. No ano de 1943, ainda sob a ocupação nazista do continente, a CMAE recebeu
diversos projetos visando à constituição de uma organização internacional de educação
53
.
Até 1943, os EUA participaram na CMAE na categoria de observadores (sem direito a voto).
Não havia interesse das lideranças do governo norte-americano participar na CMAE, posto
que o Departamento de Estado não pensava investir em uma instituição que considerava
voltada essencialmente para os interesses europeus (Archibald, 1993; Berki, 1991). No
mesmo ano, na Casa Branca, foi assinado um acordo entre as nações aliadas para a criação da
Administração de Assistência e Reabilitação das Nações Unidas (United Nations Relief and
Rehabilitation Administration, UNRRA), inicialmente dirigida ao repatriamento de refugiados
de guerra. Para os EUA, tanto as ações da UNRRA quanto as iniciativas da CMAE poderiam
ser unificadas na idéia de reconstrução dos países devastados pela guerra. No entanto, ao
constatarem que os debates promovidos pela CMAE e as propostas de criação de uma
organização internacional voltada para a educação e cultura iam avançados, o governo dos
EUA pediu para participar já não mais como observador, mas como delegação com direito a
voto.
52
“En Amérique du sud en 1941, il s’y trouvait 862 écoles subventionnées par les pays de l’Axe dont 670 écoles
allemandes, 58 italiennes et 134 japonaises. Une aide americaine temporaire est accordée alors à quesques 200
écoles. Puis, suite à une mission pour analyser la situation sur place, une demande est faite pour une politique
plus active et la création d’ecoles pro-américianes” (Archibald, 1993 : 25).
53
Enviaram à CMAE projetos: a London International Assembly e o Council for Education in World Citizenship
(CEWC). Empresas privadas norte-americanas como o Liaison Committee for International Education, o
Institute on Educational Reconstruction, também contribuíram com projetos (Archibald, 1993). Uma das
preocupações era construir um centro de informação e intercâmbio de publicações, visando “harmonizar os
sistemas nacionais” – palavras do ex-diretor geral da UNESCO Amadou-M´Bow. O fato do Departamento de
Estado manter uma postura crítica e pouco definida em relação a CMAE e as iniciativas de construção de uma
Organização voltada para a educação e cultura, não impediu que instituições privadas aderissem ao projeto
enviando propostas à CMAE.
68
O desinteresse do governo estadunidense ante os debates da CMAE começou a mudar a partir
de 1944, quando a Divisão de Relações Culturais do Departamento de Estado foi
reestruturada, transformando-se em Divisão de Ciência, da Educação e da Arte. Esta iniciativa
teve impactos no desenvolvimento de suas ações no campo internacional, principalmente pelo
fato do governo dos EUA começar a investir em áreas até então de pouco interesse –
educação, ciência e cultura – cujas responsabilidades costumavam se delegadas a
organizações e associações privadas (Archibald, 1993: 27/28)
54
.
Para assumir o cargo de “conselheiro especial para educação” e representante do governo dos
EUA na CMAE foi designado o presidente da Liaison Committee for International Education
(LCIE), Grayson Kefauver. Em 1944 a delegação estadunidense elaborou o projeto
Suggestions for the Development of the Conference of Allied Ministers of Education into the
United Nations Organization for Educational and Cultural Reconstruction.” Nascia o projeto
ONUREC, Organização das Nações Unidas para a Reconstrução Educativa e Cultural. A
influência dos EUA se fez cada vez mais presente nas iniciativas de formação da futura ONU.
1945 – 1950: criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO)
A Conferência de São Francisco
Apesar da proposta defendida prioritariamente pela França de criação de uma organização de
cooperação intelectual autônoma, ordenada pela comunidade dos “espíritos” e baseada na
experiência do IICI, a força dos Estados britânico e estadunidense, amparados na CMAE,
ditou os rumos da futura organização. Assim, o surgimento da UNESCO esteve amplamente
amparado nos debates iniciados pelas nações vitoriosas do pós-guerra, tendo já à frente os
54
A partir de uma análise desenvolvida por Théodore Lowi, no livro La deuxiéme Republique des États-Unis, la
fin du libéralisme, (PUF 1987), Archibald chama a atenção para a presença com forte influência e constante nas
dependências do Departamento de Estado dos grupos de interesse privados. “Em ce qui concerne la politique
culturelle du Département d’État, cette théorie est pertinente car, en effet, il adopte des projets et recrute des
personnes venus d’asscociations privées. C’est le cas, notamment, de Grayson Kefauver, engagé et responsable
d’un des projets d’organisation internationale retenu para la CMAE”. Em nota a referência a Grayson Kefauver ;
“Doyen de l’École de préparation à l’enseignement à l’Université de Stamford et Président d’un ONG ‘Comi
de liaison pour une Éducation internationale’ (Liaison Committee for International Education), est nommé,
dédut 1944, conseiller à la Division des sciences, de l’education et de l’art” (Archibald, 1993: 27).
69
EUA e a visão privilegiada pela CMAE, de pensar as políticas voltadas para educação a partir
dos Estados, isto é, das administrações e governos, e não da “comunidade científica”.
De abril de 1945 a junho do mesmo ano, foi realizada em São Francisco, nos EUA, a última
das grandes conferências entre as nações vencedoras da 2ª guerra
55
: a “Conferência das
Nações Unidas sobre Organização Internacional”. Seu resultado foi a “Carta das Nações
Unidas”, assinada por 50 países, a criação da ONU e de diversas agências especializadas
56
.
Alguns debates desta conferência foram fundamentais para definir as ações da futura
UNESCO.
O aspecto mais relevante deste processo foi a inclusão, na “Carta das Nações Unidas”, do
tema educação, com uma emenda que determinava que o Conselho Econômico e Social da
futura ONU deveria encorajar “a cooperação educativa e outras formas de cooperação
cultural” (Archibald, 1993: 55). No entanto, apesar da emenda ter sido aprovada no último dia
da conferência, 26 de junho (data da assinatura da Carta das Nações Unidas)
57
, a proposta
inicial defendida por partes da delegação dos EUA em São Francisco excluía o termo
“educação” pois, para o Departamento de Estado e o Congresso daquele país, o termo
“(...) pourrai prendre valeur de ‘propagande’ orchestrées, para une organization
internationale et dirigée vers l’étranger, ou vers l’interieur même dês Étas-Unis.
La délègation pensait que le mot ‘culture’ était suffisant pour permettre à
l’Organization internationale d’aborder des sujets, tel qu’un échange
d’information sur les progrés accomplit au plan mondial dans les domaines de
l’éducation, ou un échange de professeurs, d’étudiants ou de matériel
pédagogique” (Archibald, 1993: 56).
55
A conferência de São Francisco pode ser considerada como a última das grandes conferências internacionais
encerrando o que Thales Castro (2005) denominou de “conferencização e multilateralismo excludente”
(A ONU
aos 60 anos: revisões, dilemas e perspectivas à luz da politicidade do Conselho de Segurança. Jus Navigandi,
Teresina, a. 9, n. 807, 18 set. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7304.
A
dicotomia aqui aludida ‘conferencização e multilateralismo excludente’ se refere ao processo político de alto
nível entre os vencedores (EUA, URSS, Reino Unido) tendo como marco decisório a capacidade destes em
determinar o curso, a estrutura e as novas fraturas (eventualmente) da nova ordem mundial pós-ameaça nazi-
fascista. O termo excludente se refere ao fato de que somente poderiam participar dessas seletas reuniões
(Dumbarton Oaks, Ialta, São Francisco) os países que declararam guerra contra o Eixo. Isso refletiria na
configuração dos países que acabariam sendo fundadores da ONU”.
56
As agências que foram criadas durante a conferência ou logo em seguida foram o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Internacional para a reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
57
A emenda relativa à inclusão da cooperação voltada para a educação foi incluída no artigo XII da Carta das
Nações Unidas “(...) développer la coopération international dans les domaines économiques, social, de la
culture intelecttuelle et de la l’education, de la santé publique” (Carta das Nações Unidas).
70
O debate sobre a inclusão da palavra educação revelou um aspecto importante para o futuro
das ações do Sistema da ONU. O desinteresse (parcial) do governo dos EUA por este tipo de
organização internacional permitiu que sua delegação fosse representada na Conferência de
São Francisco por diferentes “organizações privadas”, denominadas também “organizações
mundiais”. Ao delegar a responsabilidade das discussões sobre temas paralelos à segurança
internacional (um dos temas principais da Conferência de São Francisco), as organizações não
públicas americanas desempenharam um papel ambíguo. Ao mesmo tempo alinhavam-se com
a visão do Departamento de Estado sobre a preservação dos “interesses nacionais”, mas
também procuravam consolidar-se no cenário nacional e internacional, o que significava, em
alguns casos, entrar em choque com as propostas oficiais da Casa Branca
58
.
Os principais conselheiros da delegação estadunidense pertenciam à Agriculture, Business,
Labour and Education (ABLE), ao American Council on Education (ACE), à American
Association of University Women (ASUW), ao National Congress of Parents and Teachers
(NCPT) e ao National Education Association (NEAD) (Archibald, 1993 e Bekri, 1991). Os
representantes destas organizações tiveram uma atuação marcante na conferência, fazendo
que a delegação de seu país mudasse de opinião e aprovasse a inclusão do termo “educação”
na “Carta das Nações Unidas”
59
.
A importância desta medida se explica pelo fato de que para criar uma organização
especializada era preciso que a palavra constasse na “Carta das Nações Unidas”. Desta forma,
o empenho dos defensores da criação de uma organização voltada para a educação foi grande.
Este tipo de situação também é revelador da presença e atuação das “organizações privadas
cujo papel nas disputas e na definição de ações políticas - em particular as dirigidas pelo
poder central dos Estados nacionais – é pouco estudado.
58
Este tipo de situação como descreveu Archibald (1993 Cf 57-59), fez com que as organizações mobilizassem
seus integrantes para que influenciassem os congressistas a mudarem a posição oficial da delegação americana.
Archibald descreve esse processo como uma ampla campanha das organizações junto aos congressistas e à
opinião pública americana, através de telefones, cartas, artigos e outras formas. Este tipo de prática estabeleceu
um padrão de ativismo que ao longo do tempo se consolidaria.
59
A atuação destas organizações também ocorreu por fora da conferência, intervindo junto ao congresso
americano, que em 22 de maio aprovou uma resolução sobre a importância da constituição de um “escritório
internacional de educação”. A aprovação pela câmara e pelo senado desta resolução mudou a perspectiva da
delegação americana presente na Conferência de criação da ONU, que adotou a proposta das organizações não
governamentais.
71
Apesar do pouco destaque dado a este tipo de organização, sua presença e atuação foram
importantes e fundantes de um tipo de ação dos organismos internacionais marcado por
múltiplas polarizações. Tende-se a perceber a atuação destas organizações a partir do final dos
anos 1970, quando mudanças em sua natureza são vistas como entendidas como geradoras de
novos processos de gestão e organização das sociedades
60
. Estas mudanças, explicadas em
diferentes níveis, permitiram a emergência do que Touraine (1994) definiu como ação “civil”
dos “movimentos sociais”
61
.
No entanto, a presença e atuação destas organizações além de já se fazer presente na vida
política de certos Estados nacionais, tiveram papel central no ordenamento e na ação das
organizações de cooperação internacional. Vale destacar que as décadas de 1970 e 1980 são
72
esta agência contribuísse para a reconstrução dos países devastados pela guerra. No entanto,
para a França e outros países, como a Bélgica, a futura organização deveria contribuir para a
superação dos sentimentos que produziam as guerras.
A polêmica, longe de ser superada nesses primeiros anos, se estendeu por toda a segunda
metade do século XX, e expunha não apenas a oposição entre uma visão “intelectualista” e
uma visão “da política real”, mas o debate sobre o papel e a função de unidades autônomas e
soberanas e, principalmente, a relação entre elas.
Na conferência de Londres foram retomados os debates anteriores, com a polarização entre as
duas principais organizações da época (CMAE e IICI) sobre o significado e a função de uma
organização voltada para a educação e a cultura. A explosão da bomba atômica, em agosto de
1945, em Hiroshima e Nagasaki trouxe novos significados ao debate. O controle do
desenvolvimento tecnológico e a percepção da “ciência como um bem público” (Elzinga,
2004: 90) entravam definitivamente no rol dos problemas das nações.
Apesar da proposta de organização da UNESCO ser baseada na experiência da CMAE, os
eventos de 1945 reacenderam a posição defendida por cientistas, como Julian Huxley
63
e
Joseph Needham
64
– oriundos do IICI –, de que a ciência deveria ocupar um papel
privilegiado no processo de reconstrução dos princípios educativos e culturais das nações, a
partir daqueles “destacados artistas, escritores e cientistas, fortemente comprometidos não
com as ações, mas com departamentos da mente humana” (Sathyamurthy, 1964: 99).
O papel da ciência e do cientista adquiriam relevância principalmente depois da manifestação
de intelectuais e cientistas sobre a necessidade de estabelecer controles sobre o exercício
63
Julian Sorell Huxley nasceu em 1887 na Inglaterra e, somando os talentos familiares para a ciência e para a
literatura, foi biólogo e escritor. Ocupou a cátedra de Fisiologia no Royal Institute of Londo e foi membro
investigador do Rice Institute nos Estados Unidos. Indicado em 1946, tornou-se o primeiro diretor geral da
UNESCO. Faleceu em 1975.
73
científico. O bioquímico britânico Needham apresentou a moção de que fosse incluída no
nome da nova organização a palavra “ciência” (Archibald, 1993: 4).
A literatura especializada sobre a UNESCO (Bekri, 1991; Maio, 1997, 2004; Elzinga, 1993,
2004; Evangelista, 2003) concorda – apesar das abordagens diferentes – em que nos primeiros
debates sobre o papel e a função da Organização, de um lado estavam “cientistas” e
“intelectuais”, defensores de uma visão “universalista” e de uma Organização resguardada da
ingerências dos governos, capaz de impulsionar o fluxo dos saberes e promover uma
expansão das tecnologias produzidas no mundo e, do outro, a posição defendida pelas
autoridades centrais dos governos, em especial do Reino Unido e dos EUA, que atribuía aos
Estados soberanos o dever e o direito de estabelecer os mecanismos e procedimentos para o
desenvolvimento tecnológico e social.
Tal perspectiva, apesar de suas nuances, estabelece de forma contrastiva a existência de
espaços específicos e relativamente autônomos, uns como políticos e outros como científicos.
Apesar da existência, como diria Bourdieu, de uma “lógica interna própria”
“Os agentes constroem a realidade social; sem dúvida, entram em lutas e relações
visando a impor sua visão, mas eles fazem sempre com pontos de vista, interesses
e referenciais determinados pela posição que ocupam no mesmo mundo que
pretendem transformar ou conservar”
65
. (1989: 8)
De uma outra perspectiva, Archibald (1993) levanta aspectos diferentes desse mesmo período,
mas enfatiza as localização das dimensões científica e política na origem dos debates sobre a
UNESCO. Archibald insiste em debater a influência das corporações e organizações
científicas estadunidenses sobre o Departamento de Estado, isto é, sobre o coração do governo
americano. Para o autor – mesmo observando que estas corporações defendiam uma visão
semelhante às dos cientistas europeus – a forma de atuação e argumentação das propostas
caminhava em um sentido de complementaridade entre os interesses políticos e os interesses
científicos daquele país. Esta complementaridade também se revela mesmo quando – como
vimos no debate sobre a inclusão da “educação” na Carta da ONU – as propostas defendidas
por cada setor eram relativamente distintas.
65
La noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989.
74
Para empregar uma terminologia mais recente, poderíamos sugerir, como destacaram Dezalay
e Garth (2002: 115), que naquele período se formava um consenso entre os interesses internos
estadunidenses, baseados em uma “ideologia americana de vocação universal
66
”. Uma das
expressões dessa práxis social pode ser vista no foreign policy establishment como a dinâmica
ideológica da visão dos EUA sobre a política internacional. Esta noção é apropriada para
tratar aspectos relativos à política interna americana que, por sua vez, foram decisivos na
definição da estruturação política da UNESCO.
Tal tipo de percepção ampara-se na visão de que a política dos EUA no início do século XX
era influenciada pelas organizações privadas, essencialmente a partir de industriais em
ascensão como John Rockefeller, Andrew Carnegie e Simon Guggenheim, dentre outros.
Estes assumiram uma postura de colaboração com o poder central, e investiram em fundações
e centr lD08(i6(i Ca)Tj0.0001 T050.174 Tw012.935 0 to inf355sartArchibald,5 T93:a no )Tj/TT1 1 .174 Tc13.63 0 Cf.d( )Tj/TT0 1 Dezad[(e G, 20.; 1xis)]TJ/TT1 1 Tj0.0001 .215 T2w 20445 -1.725 Cf.d( )Tj/TT0 1 Tf-0.0003 T in31648 .1911.35 0Tdp. 115-117, 391-392)i Ca
75
Através desta perspectiva de internacionalização das disputas nacionais pode-se fornecer um
quadro referencial distinto da fundação da UNESCO e de seus dilemas, conflitos e tensões
internas. Não é meu interesse proceder a uma análise aprofundada desta temática, que é
matéria para uma pesquisa ampla, mas apresentar alguns pontos que permitam compreender
posicionamentos e comportamentos da Organização nos debates sobre a definição de
problemas do desenvolvimento local, principalmente os que têm por tema a violência e a
juventude.
Assim, em dezembro de 1945, sob a afirmação de que “since wars begin in the minds of the
men, it is in the minds of the men that the defences of peace must be constructed foi aprovada
a criação da UNESCO, que teve seu primeiro encontro no ano seguinte
69
.
Estrutura organizacional
70
Washington, Montreal e assim por diante. Não se dão conta de que o retrato do mundo da ciência parece bem
diferente quando visto a partir da Romênia, do Peru, Java, Sião, ou China. Por razões históricas dado que a
ciência cresceu na Europa Ocidental, existe uma ‘zona clara’ que cobre a Europa Ocidental e a América do
Norte, na qual todas as ciências estão muito desenvolvidas e a industrialização está muito avançada. São
precisamente os cientistas e tecnólogos daquelas regiões muito mais amplas, que existem para além da ‘zona
clara’, os que necessitam do apoio da ciência internacional” (Needham, 1945:3, apud Elzinga, 2004: 108). A
experiência do IICI, havia deixado alguns cientistas muito empolgados sobre o papel da futura organização
internacional, muitos acreditavam como Needham, de que a UNESCO poderia constituir-se como uma
verdadeira impulsionadora da “ciência internacional”. Elzinga, (2004).
69
“Les gouvernements des États parties à la présente Convention, au nom de leurs peuples, déclarent : Que, les
guerres prenant naissance dans l’esprit des hommes, c’est dans l’esprit des hommes que doivent être élevées les
défenses de la paix; Que l’incompréhension mutuelle des peuples a toujours été, au cours de l’histoire, à l’origine
de la suspicion et de la méfiance entre nations, par où leurs désaccords ont trop souvent dégénéré en guerre; Que
la grande et terrible guerre qui vient de finir a été rendue possible par le reniement de l’idéal démocratique de
dignité, d’égalité et de respect de la personne humaine et par la volonté de lui substituer, en exploitant
l’ignorance et le préjugé, le dogme de l’inégalité des races et des hommes; Que, la dignité de l’homme exigeant
la diffusion de la culture et l’éducation de tous en vue de la justice, de la liberté et de la paix, il y a là, pour toutes
les nations, dês devoirs sacrés à remplir dans un esprit de mutuelle assistance; Qu’une paix fondée sur les seuls
accords économiques et politiques des gouvernements ne saurait entraîner l’adhésion unanime, durable et sincère
des peuples et que, par conséquent, cette paix doit être établie sur le fondement de la solidarité intellectuelle et
morale de l’humanité. Pour ces motifs, les États signataires de cette Convention, résolus à assurer à tous le plein
et égal accès à l’éducation, la libre poursuite de la vérité objective et le libre échange des idées et des
connaissances, décident de développer et de multiplier les relations entre leurs peuples en vue de se mieux
comprendre et d’acquérir une connaissance plus précise et plus vraie de leurs coutumes respectives. En
conséquence, ils créent par les présentes l’Organisation des Nations Unies pour l’éducation, la science et la
culture afin d’atteindre graduellement, par la cooperation des nations du monde dans les domaines de
l’éducation, de la science et de la culture, les buts de paix internationale et de prospérité commune de l’humanité
en vue desquels l’Organisation des Nations Unies a étéconstituée, et que sa Charte proclame.” (Ato Constitutivo,
1945:1).
70
O anexo 1.3 mostra a estrutura organizacional da UNESCO-Siéges, com seus setores e departamentos. No
anexo 1.4 a estrutura organizacional da UNESCO-Brasil.
76
O “Ato Constitutivo” de fundação da Organização foi assinado por 20 países
71
em Londres,
no ano de 1945. No preâmbulo aos artigos são apresentados os motivos e os objetivos gerais
de atuação da organização.
“1) L’Organisation se propose de contribuer au maintien de la paix et de la
sécurité en resserrant, par l’éducation, la science et la culture, la collaboration
entre nations, afin d’assurer le respect universel de la justice, de la loi, des
droits de l’homme et des libertés fondamentales pour tous, sans distinction de
race, de sexe, de langue ou de religion, que la Charte des Nations Unies reconnaît
à tous les peuples”.
A noção de paz e segurança como preocupação dos Estados nacionais remonta a um tempo
anterior à formação da Liga das Nações (1919-1946)
72
, tendo sido objeto de debates nas
principais “conferências” e congressos dos séculos XVIII e XIX (Congresso de Viena 1815,
Conferência de Haia 1899, Conferência Pan-Americana 1889). A criação da Liga das Nações
(ou Sociedade das Nações) sintetizou uma série de medidas e procedimentos até então pouco
definidos a respeito da constituição de normas e regras que regulamentam as relações
internacionais através de uma legislação sobre “direito internacional”, que define a
“diplomacia” como uma prática multilateral e, principalmente, define a formulação de uma
“administração internacional” (Herz & Hoffman, 2004: 33-35; Góes Filho, 2003: 33). Com o
fim da primeira guerra (1914-1918) e o surgimento da Liga das Nações, as noções de paz e
segurança assumiram outras características, com a constituição de um “sistema de segurança
coletiva” que impunha medidas e sanções aos atos de agressão praticados entre Estados
nacionais
73
.
Foi no início do século XX que os temas da educação e da cultura apareceram como áreas de
interesse da “segurança coletiva”. Neste sentido, o papel da UNESCO seria contribuir com a
71
Africa do Sul, Arábia Saudita, Australia, Brasil, Canada, China, Dinamarca, Egyto, Estados Unidos da
América, França, Grécia, India, Libano, Mexico, Noruéga, Nova Zelandia, República Dominicana, Reino Unido,
Tchecoslováquia e Turquia.
72
Judicialmente a Liga das Nações, existiu até 1946 (quando da fundação da ONU), no entanto teria parado de
atuar desde 1939. Para maiores detalhes sobre este período Cf. Herz e Hoffmann, (2004, p. 82-131).
73
“O sistema é baseado na idéia da criação de um mecanismo internacional que conjuga compromissos de
Estados nacionais para evitar, ou até suprimir, a agressão de um Estado contra outro. Ao engendrar uma ameaça
crível de que uma reação coletiva, através de boicotes, de pressões econômicas e de intrevencao militar, seria
produzida em qualquer hipótese de agressão, o sistema deveria deter atores dispostos a inciar uma empreitada
militar. A imensa agregação de recursos de poder levaria atores racionais a evitar uma derrota já prevista. Essa
lógica só se realizaria caso houvesse imensa confiança no funcionamento do sistema e a participação universal
ou quase – dos membros do sistema internacional. (Herz e Hoffmann, 2004: 82). Cf. Góes Filho (2003:Parte I);
Der Derian (1987).
77
segurança através de ações voltadas para a educação, a ciência e a cultura. Assim, os
objetivos e funções foram definidos da seguinte maneira:
“2) A ces fins, l’Organisation: a) favorise la connaissance et la compréhension
mutuelle des nations en prêtant son concours aux organes d’information des
masses; elle recommande, à cet effet, tels accords internationaux qu’elle juge
utiles pour faciliter la libre circulation des idées, par le mot et par l’image; b)
imprime une impulsion vigoureuse à l’éducation populaire et à la diffusion
de la culture: en collaborant avec les États membres qui le désirent pour les aider
à développer leur action éducatrice; en instituant la collaboration des nations afin
de réaliser graduellement l’idéal d’une chance égale d’éducation pour tous, sans
distinction de race, de sexe ni d’aucune condition économique ou sociale; en
suggérant des méthodes d’éducation convenables pour préparer les enfants du
monde entier aux responsabilités de l’homme libre; c) aide au maintien, à
l’avancement et à la diffusion du savoir: en veillant à la conservation et
protection du patrimoine universel de livres, d’œuvres d’art et d’autres
monuments d’intérêt historique ou scientifique, et en recommandant aux peuples
intéressés des conventions internationales à cet effet; en encourageant la
coopération entre nations dans toutes les branches de l’activité intellectuelle,
l’échange international de représentants de l’éducation, de la science et de la
culture ainsi que celui de publications, d’œuvres d’art, de matériel de laboratoire
et de toute documentation utile; en facilitant par des méthodes de coopération
internationale appropriées l’accès de tous les peuples à ce que chacun d’eux
publie”. (Ato constitutivo, 1945: 2/3[grifos meus]).
Além de estabelecer objetivos e funções, o Ato Constitutivo desenhou as normas e
procedimentos organizacionais que regeriam a Organização. A questão que se colocava
depois era definir o papel dos Estados em uma organização internacional. Para a formalização
de uma “comunidade internacional”, com encontros periódicos e um quadro de funcionários
permanentes, era necessário definir a natureza destes quadros, seu papel e, principalmente,
sua relação com os países-membros. Para responder a esta questão, duas propostas permearam
durante mais de sete anos os debates internos.
De um lado, a proposta apresentada pela França, segundo a qual a Organização deveria ser
regida por uma instância máxima de deliberação, a Conferência Geral, seguida de um
Conselho Executivo e um Secretariado. A Conferência Geral deveria ser composta por
delegados dos países-membros e representantes de organizações e associações intelectuais de
internacionais que atuassem nas áreas prioritárias de ação da Organização. A questão central
para a França era garantir um grau de autonomia para a deliberação dos órgãos de decisão e
execução da Organização ante o poder dos Estados.
78
Embutida nesta concepção estava a visão de que a educação, a cultura e a ciência não
deveriam ser confundidas com os interesses específicos das nações, mas deveriam pairar
acima deles. Esta proposta, no entanto, não foi aceita pelas delegações estadunidense e
britânica, que viam em tal modelo a intenção francesa de transformar a UNESCO em uma
instância de propaganda da cultura européia (Bekri, 1991: 100-103)
74
.
No que se refere às outras instâncias de deliberação, a proposta francesa trazia outros pontos
polêmicos. Para os franceses, os integrantes do Conselho Executivo deveriam ser indicados
pela Conferência Geral, levando-se em consideração não só a representação formal dos
países-membros, mas com a inclusão de personalidades reconhecidas em diferentes áreas de
saber
75
. Já a proposta defendida pelos EUA – que não era distinta da francesa em relação ao
formato – previa que os integrantes do Conselho Executivo fossem compostos apenas por
delegados dos países-membros, os quais indicariam os representantes do Secretariado.
O debate iniciado em 1945 não foi concluído, adiando-se a definição sobre a estrutura
organizacional para os anos seguintes. No entanto, a delegação dos EUA conseguiu aprovar,
em 1945, – no “Ato Constitutivo” – suas principais propostas sobre o papel das instâncias
decisórias. Como “prêmio de consolação”, a França ficou com a sede da UNESCO. A
proposta vencedora, que ordena a atual estrutura da organização, foi a seguinte:
Conferência Geral: se compose des représentants des États membres de
l’Organisation. Le gouvernement de chaque État membre nomme au plus cinq
représentants choisis après consultation avec le comité national, s’il en existe, ou
avec les institutions et corps éducatifs, scientifiques et culturels; Conselho
Executivo: Le Conseil exécutif est composé de cinquante-huit États membres,
élus par la Conférence générale. Le président de la Conférence générale siège en
74
Segundo Archibald, após a conferência de Londres (1945), a preocupação americana era de garantir uma
atuação ‘racionalizada’, e principalmente um orçamento equilibrado. Por outro lado, este autor também chama
atenção para os debates internos (EUA) onde a preocupação com a infiltração comunista nas agências
especializadas era grande. “Em février 1946, la législation concernant l’Unesco se trouvait devant la
Commission des lois (Rules Committee) de la Chambre des Représentants. Cette commission détient le
redoutable pouvoir de paralyser l’action de la Chambre, en refusant tout simplement d’octroyer une ‘rule’ (code
de procédure à suivre) à un projet de loi. Le projet ne pouvait, dès lors, être mis à lordre du jour et discuté em
séance plénière. Or, le Président de cette commission, Eugene Cox (Démocrate, Géorgie) est convaincu que le
Département d’Ètat est ‘bourré de communiste’ (‘chock full of Reds’). (…) D’ailleurs, en privé, Cox fit savoir à
Benton que 10 des 12 membres de la Commission étaient systématiquement contre tout que le Département
d’Éta proposait, en raison de son infiltration 9supposée) par les communistes” (Archibald, 1993: 80).
75
“Dans lê projet français, la délegation à la Conferênce générale était compossée de trois éléments distintcs: les
délégues du gouvernement dont le nombre ne pouvait exéder trois, ceux que la Commission nationale délegue et
dont le nombre pouvait aller jusqu’a cing, et un représentant de chaque ‘association intellectuelle de caractére
mondial” (Bekri, 1991: 115)
79
cette qualité au Conseil exécutif avec voix consultative”; Secretariado: Le
Secrétariat se compose d’un Directeur général et du personnel reconnu
nécessaire (Ato Constitutivo, 1945: 1)
76
.
O Ato Constitutivo definiu que a Conferência Geral elegeria um número
77
de países para
compor o Conselho Executivo e cada país indicaria um representante. A preocupação da
delegação francesa de que os cargos de decisão não ficassem restritos aos delegados
governamentais ficou assim traduzida no artigo V:
b) Lorsqu’il choisit son représentant au Conseil exécutif, le membre du Conseil
exécutif s’efforce de désigner une personnalité qualifiée dans un ou plusieurs des
domaines de compétence de l’UNESCO et ayant l’expérience et la compétence
nécessaires pour remplir les fonctions administratives et exécutives qui
incombent au Conseil”.(idem, artigo V 1946)
Dada a impossibilidade de criar um organismo independente dos Estados, e para não romper o
equilíbrio instável no interior da Organização, foi decidido que cada Estado-membro
constituiria uma Comissão Nacional para colaborar com a delegação de seu país
78
.
“Chaque État membre prendra les dispositions appropriées à sa situation
particulière pour associer aux travaux de l’Organisation les principaux groupes
nationaux qui s’intéressent aux problèmes d’éducation, de recherche scientifique
et de culture, de préférence en constituant une commission nationale où seront
représentés le gouvernement et ces différents groupes.”(Ato constitutivo, 1945: 7
artigo VII)
Não tendo obtido respaldo nas primeiras conferências, a delegação francesa investiu na
consolidação e aumento das ações das Comissões Nacionais, como forma de pressionar as
comunidades científicas a aderirem ao projeto da UNESCO e de pressionar os governos. Estas
76
A regulamentação da estrutura organizacional foi aprovada apenas na 8ª Conferência Geral em 1954. A partir
de 1947, ou seja, desde dois anos depois da assinatura do Ato constitutivo, este sofreu emendas praticamente em
todas as Conferências Gerais, nas sessões (2e, 3e, 4e, 5e, 6e, 7e, 8e, 9e, 10e, 12e, 15e, 17e, 19e, 20e, 21e, 24e,
25e, 26e, 27e, 28e, 29e e 31). Doravante para referir-me aos documentos elaborados no âmbito da Conferência
Geral utilizarei o termo CG.
77
Com o crescimento de adesão dos países o número de países integrantes do Conselho Executivo aumentou.
Atualmente o conselho é constituído por representantes de 58 países-membros.
78
A noção de Comissão Nacional foi desenvolvida ainda no âmbito do CICI, como forma de organização local
das associações intelectuais em diálogo com outras instâncias e instituições. “Ce sont les commissions nationales
implantées dans les pays, au contact des administrations, des milieux intellectuels, universités, academies,
sociétés savants etc. que assumeront graduellement l’aspect technique de cette fonction, qui informeront la
Commission internationale de la situation’sur le terrain’, feront connaître les besoins de leurs pays respectifs, et
serviront de relais pour l’exécution du programme d’activités, et d’agences de liaison avec le milieu intellectual,
les autorités, les scientifiques, les écrivains, etc.” (Bekri, 1991: 67).
80
Comissões, na gestão de Huxley e de Torres Bodet
79
, começaram a ter um papel significativo
nas disputas internas, especialmente entre a delegação francesa e a estadunidense.
Na segunda Conferência Geral (CG) (1947), a UNESCO conclamou os países membros a
participarem da sua constituição interna, incentivando a comunidade científica a contribuir
com as Comissões nacionais. Na terceira Conferência Geral (1948) a Organização conclamou
as organizações internacionais não-governamentais (CG, 1948) a se juntarem às comissões
nacionais. Ao mesmo tempo, a UNESCO incentivava a realização de programas e projetos
com organizações intergovernamentais (CG, 1948: 77)
80
. No mesmo ano, um conjunto de
resoluções incentivava os países-membros a colaborarem com outros organismos nacionais
de cooperação
81
.
Pode-se entender esta estratégia, defendida principalmente pelos que se opunham à visão dos
EUA, como uma forma de ampliar o leque de influência da Organização. Acreditava-se que a
valorização de organizações e entidades não governamentais permitiria pressionar os
governos locais e valorizar as instâncias científicas. No entanto, vale lembrar que os EUA já
investiam maciçamente na formação de organizações de caráter internacional, impulsionando
a “ideologia americana de vocação universal”.
Apesar de propagada uma visão de que a polêmica entre EUA e França fundava-se em uma
concepção que, de um lado, opunha os partidários de uma proposta “política” (EUA) e, de
outro, os defensores de uma proposta “científica”, observa-se que o debate residia mais em
saber sobre que bases os ideais de universalização seriam construídos e definidos. Isto é,
79
Jaime Torres de Bodet nasceu no ano de 1902 em uma família de intelectuais da classe média no México.
Poeta e educador, antes de ingressar na carreira diplomática em 1924, Torres de Bodet lecionou na Escola de
Altos Estudos e atuou no Ministério da Saúde. Aos 41 anos foi nomeado Ministro da Educação e em 1945
representou o México na Conferência constitutiva da UNESCO em Londres. Foi o segundo diretor geral da
UNESCO, renunciando ao cargo em 1952.
80
Uma das prioridades da organização neste período, foi com o programa de “reconstrução” dos países
“devastados pela guerra”. Nestes termos a CG de 1948, tinha como uma de suas preocupações “de favoriser le
développement des programmes et des campagnes ayant trait à la reconstruction entrepris par les commissions
nationales et autres groupements nationaux, ainsi que par des organisations internationales,
intergouvernementales ou non gouvernementales, et aider à la coordination des activités de ces organismes”
(CG, 1948: 14).
81
“La Conférence générale decide en présentant le programme de l’Unesco a la prochaine Conférence générale
le Directeur général et le Conseil exécutif soient invités à préciser la part respective que devraient prendre dans
l’exécution des differentes parties du programme, en coopération avec lê Directeur général chacune des autres
Institutions spécialisées des Nations Unies, les organisations internationales non gouvernementales, les
commissions nationals et autres organisms nationaux de cooperation” (Op. Cit.:57).
81
quem teria legitimidade e credibilidade para impor – utilizando de uma terminologia atual –
um “cosmopolitismo” de caráter global
82
.
Em busca da universalidade: construindo as bases da cooperação
internacional
A UNESCO nasceu, pois, em um momento de reorganização das nações após a queda do
nazifascismo na Europa, com uma forte polarização entre a influência “comunista”, liderada
pela URSS por um lado e, de outro, a presença das potências “liberais”, lideradas pelos
Estados Unidos, Inglaterra e França.
Nos primeiros anos alguns fundadores acreditavam que a Organização poderia representar a
pluralidade ideológica e política das nações, amparada em processos marcados pela
solidariedade e pelo compromisso moral assumido pelos povos de combater as formas
“irracionais” de organização social; entenda-se como irracional naquela época as formas de
gestão e organização social promovidos pelo nazifascismo.
A ciência e a cultura tornavam-se parâmetros não só da racionalidade como também do
compromisso dos povos com a idéia de se estabelecer “one world” (Maio, 1997:18). Esta
visão tinha como principal porta voz o biólogo inglês - e primeiro diretor da UNESCO (1946-
1948) - Julian Huxley.
Huxley pode ser considerado como um dos protagonistas do “humanismo evolucionário”
(Maio, 1997: 19; Elzinga, 2004: 90). Acreditava no papel da ciência como principal
instrumento de combate à “irracionalidade humana”. Em seu livro “UNESCO – its Purpose
and its Philosophy” (1946), sugeria que a UNESCO adotasse uma postura de progresso,
protegendo a humanidade através da solidariedade e da cooperação entre os homens, a qual
deveria ser buscada na valorização da educação e da cultura através da ciência. Embutida na
concepção huxeleiana estava a visão de que a UNESCO não poderia ficar atrelada às
82
Gustavo Lins Ribeiro, a partir de diferentes autores define este termo como: “Cosmopolitismo es una noción
occidental que sintetiza la necesidad que los agentes sociales tienen de concebir una entidad política y cultural
más grande que su propia tierra natal, que incorpore a todos los seres humanos en una escala global” (Ribeiro,
2003: 17).
82
instâncias governamentais, mas deveria ser influenciada pelas instituições, associações e
organizações privadas. Esta visão prevaleceu – com certas ressalvas – em seu ato de
fundação, e consta no artigo X do Ato Constitutivo.
“Article X - L’Organisation sera liée dès que possible à l’Organisation des
Nations Unies. Elle en constituera l’une des institutions spécialisées prévues à
l’article 57 de la Charte des Nations Unies. Ces relations feront l’objet d’un
accord avec l’Organisation des Nations Unies conformément aux dispositions de
l’article 63 de la Charte. Cet accord sera soumis pour approbation à la
Conférence générale de la présente Organisation. Il devra fournir les moyens
d’établir une coopération effective entre les deux organisations, dans la poursuite
de leurs fins communes. Il consacrera en même temps l’autonomie de
l’Organisation dans le domaine de sa compétence particulière, tel qu’il est défini
dans la présente Convention.” (Ato Constitutivo, 1945: 9)
Em 1946, na primeira CG
83
em Paris, foram definidos os parâmetros e linhas de ação da
Organização. Para responder a estes objetivos foram constituídas seis comissões: educação,
informação de massas, bibliotecas e museus, ciências exatas e naturais, ciências sociais e
filosofia e artes e letras.
As resoluções adotadas em 1946 estavam sob o grande guarda-chuva da reconstituição e
reestruturação
84
, educação de base, educação para o desenvolvimento e compreensão
internacional. A preocupação dos participantes neste momento refletia os efeitos da 2ª Guerra
Mundial.
“Par l’éducation de base, on mène contre l’ignorance une campagne de longue
haleine et d’envergure mondiale. C’est une entreprise très complexe qui va de
l’éducation primaire jusqu’aux mesures en faveur des analphabètes adultes. Elle
porte sur les points suivants: l’éducation pour la santé, le perfectionnement de
l’agriculture, l’amélioration des conditions économiques, le progrès des arts et de
la culture, le développement du sens civique et de la compréhension entre les
peuples. L’éducation de base est du ressort des écoles et de nombreuses autres
institutions, et elle exige l’emploi des moyens d’information des masses
récemment découverts. (CG, 1946)
83
Doravante também utilizarei a abreviação CG.
84
A partir de 1945, os EUA, começaram a compreender que o investimento na reconstrução dos países
devastados pela guerra não poderia ficar vinculado apenas ao UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation
Administration), que tinha como principal função auxiliar e acudir os refugiados de guerra. Muitos do
Departamento de Estado americano (até meados dos anos 40) – receosos com relação às organizações
internacionais – tentaram por diversas vezes atribuir à futura Organização das nações unidas apenas o papel de
contribuir com o UNRRA. Tal postura estabelecia à UNESCO um tempo específico de atuação, e um objetivo
preciso. (Bekri, 1991; Archibald, 1993).
83
Assistência científica
Um dos temas que marcou a trajetória da UNESCO foi o papel atribuído ao que foi chamado
nos anos seguintes de cooperação técnica; tratou-se de moldá-la como uma instância capaz de
captar experiências e conhecimentos dispersos e de estabelecer procedimentos de equiparação
que pudessem ser distribuídos e repassados às nações. Observa-se que a estrutura conceitual
da Organização se ordenava a partir de temas que abrangiam as principais disciplinas da
sociedade ocidental, o que mostra a pretensão de ocupar espaços amplos no universo de
disputas entre os “cosmopolitas”.
O termo “cosmopolita” – indicativo de sujeitos políticos que atuam em diferentes espaços e
níveis de comunicação, pode ser útil para pensar a UNESCO. O termo permite compreender
melhor certas formas de qualificação e de ordenamentos promovidos pela Organização e a
dinâmica que assume, no que denominei busca de universalidade. Ribeiro (2003: 22-23),
emprega o termo para designar dois movimentos importantes. A idéia de mobilidade – que
gera processos de negação/afirmação da localidade, ao mesmo tempo em que estabelece
outras afirmações de solidariedade e identidade (nacionalismos, etnias, segmentação etc.),
gera processos sociativos importantes. Um segundo processo busca criar modalidades de
expansão e globalização de cunho intervencionista (colonialismo, expansão de modelos de
organização do trabalho, expansão de mercados etc.). Acredito que a cooperação, nos moldes
como foi gerada, pode ser incluída nesta segunda modalidade, do que Foucault chamaria de
dispositivos de segurança (Foucault, 2004)
O final da 2ª Guerra Mundial criou condições para trocas entre as nações em áreas distintas
das estritamente mercantis, fundadas em dimensões políticas e culturais. As experiências
anteriores de organização internacional haviam demonstrado que os tratados edificados
apenas sobre a perspectiva do controle da guerra não as evitavam e não diminuíam o potencial
de destruição das estruturas e supra-estruturas dos países. A busca de caminhos que evitassem
a guerra mas não impedissem a expansão dos Estados nacionais passava por um equilíbrio de
84
poder entre as nações e pela criação e utilização de mecanismos e procedimentos de
intervenção política e ideológica distintas das até então produzidas
85
.
Com isso não estou afirmando que a guerra como modalidade de resolução de conflitos tenha
sido abolida ou superada, como mostram os processos históricos (Coréia, Vietnam e Iraque,
por exemplo, para ficar apenas nos casos mais emblemáticos). A perspectiva da guerra
permanente e da incerteza diante de um possível conflito, ser traduzida na expressão da
década de 1950 guerra fria, também não foi abolida como mecanismo de controle e coerção.
Porém, chamo a atenção para outros aparatos e instrumentos capazes de coibir possíveis
conflitos e manter um equilíbrio de poder e que dão credibilidade e legitimidade às
intervenções bélicas. Nestes termos, a constituição e o estabelecimento de um equilíbrio de
poder devem ser tratados como um processo que envolve diferentes estratégias, técnicas e
procedimentos administrativos e políticos.
Base dos procedimentos de mediação entre as potências, os acordos de caráter cultural e
político podem ser observados no item “Educação de Base” de 1946 – prioridade número dois
do programa da UNESCO naquele ano. Duas resoluções chamam a atenção. A primeira
refere-se à necessidade de criação de um comitê de experts para estabelecer os parâmetros e
definições mínimas que cada país deveria seguir para garantir a paz e a segurança, tendo
como tema a educação, a ciência e a cultura.
“[Note : Cette section a été approuvée, sous réserve d’un amendement de détail,
aux termes de la résolution ci-après :" Le Conseil exécutif :1° " Approuve le
projet relatif à l’éducation de base figurant à la lettre B du programme, tel qu’il a
été amendé à la suite des débats de la présente session du Conseil. 2° ‘Invite le
Directeur général à prendre, de toute urgence, les mesures nécessaires en vue de
confier la mise en oeuvre de ce projet à une personne qui agira en accord avec le
comité d’experts mentionné plus haut. a) ‘à une définition de la portée de
85
A diplomacia, de acordo com Góes Filho, poder ser compreendida como um instrumento de negociação e
mediação de entidades soberanas. Nestes termos, a emergência da guerra tende a ser tomada como a ‘falência’
dos mecanismos de negociação e mediação empreendidos pelos diplomatas. A regulamentação da diplomacia
entre entidades soberanas esbarra nas ‘regras costumeiras de direito internacional’, que, de acordo com Góes
Filho, “surgem da necessidade das comunidades políticas regularem suas relações mutuas, mas quando os usos e
costumes não são mais capazes de cumprir essa função, pouco a pouco emerge um conjunto de princípios
(universais) que os juristas ingleses chamam de ‘the law of nations’, que estabelece princípios de reciprocidade
entre os Estados, fundados em ‘direitos fundamentais’, que pretendem codificar a competência externa”. (...) “A
tese contrária é de fundamento hegeliano e defende o princípio de que, por se fundamentar exclusivamente na
vontade dos Estados, as obrigações compactuadas (os tratados) não podem transcender a essa vontade não
havendo, portanto, fundamento legítimo para a existência de um corpo de normas baseadas em princípios
universais e, portanto, a possibilidade de uma instância de arbítrio supra-estatal” (Góes Filho, 2003: 39).
85
l’éducation de base, tenant compte spécialement des conditions minima qui,
doivent être remplies dans chaque pays pour que l’éducation, la science et la
culture puissant favoriser et garantir la paix et la sécurité;” (CG, 1946: 282)
Na segunda resolução, a CG convoca o conjunto da Organização para colaborar com uma
comissão de estatística, visando à construção de parâmetros e normas relativas à
“terminologia pedagógica” a ser padronizada e empregada pelos países.
“En collaboration avec une commission des statistiques en matière d’éducation,
l’Unesco entreprendra: d’aider à coordonner, à normaliser et à améliorer les
statistiques nationales de l’éducation; d’aider à normaliser la terminologie
pédagogique; de conseiller les Etats Membres et les organizations
intergouvernementales sur les questions d’ordre général relatives à la
centralisation, à l’interprétation et à la diffusion des données statistiques en
matiére d’éducation; d’étudier la possibilité de publier un annuaire international
de l’Éducation qui devrait comporter, outre des données statistiques, des
renseignements sur les divers systèmes et tendances de l’enseignement.” (CG,
1946: 286:).
Estas duas resoluções puseram em evidência um dos objetivos gerais da Organização, que era
tornar-se uma instituição de caráter universal, capaz de intervir nos domínios da sua área de
atuação. A padronização de informações facilitaria a constituição de canais de interlocução da
Organização com os países-membros não só no nível dos governos centrais, mas também com
os produtores e transmissores destas terminologias.
Os resultados da segunda CG realizada em 1947, na Cidade do México, indicam que o projeto
ganhou uma amplitude maior. De acordo com as resoluções, esperava-se que para 1948 estes
experts pudessem se transformar en un corps mondial d´experts (CG, 1947: 19)
86
. Estes
poderiam ser integrantes dos governos, das universidades ou, ainda, de organizações da
sociedade civil com interesse na educação básica. Sua principal atribuição seria colaborar com
a UNESCO fornecendo informações sobre os métodos e sistemas educacionais desenvolvidos
nos países e atuar como mediadores junto aos governos locais
87
.
86
Dezalay (2004) e Dezalay & Garth (2002) vem mostrando que as organizações internacionais apresentam-se
com um espaço importante de atuação do que denominou dos experts em gouvernance. Cf nota 43.
87
“3.4.7 - Groupe d’experts. De mettre le plus largement possible à profit, en 1948, les services du groupe
d’experts en matiére d’éducation de base, qui fut déjà réuni en 1947 et qui devrait devenir un corps mondial
d’experts: ce groupe sera tenu au courant de l’évolution des expérience d´education de base conduites par
l’Uneseo. Ces experts seront toujours prêts à apporter une aide à l’Organisation dans des cas précis et lorsqu’elle
en fera la demande” (Conference General deuxieme session, 1947: 18).
86
Em 1948, após as orientações dos experts, a UNESCO colocou-se à disposição para ajudar os
países-membros a melhorarem seus sistemas de ensino. A estrutura e o tipo de cooperação
que poderia prestar já estava sendo em funcionamento na parceria com o “Bureau
International d´Education”
88
e com alguns centros universitários de pesquisa que, cada vez
mais, se tornavam um fórum da instituição.
“2.11 Missions à buts éducatifs : prendre toutes mesures en vue d’envoyer dans
les Etats Membres qui en feront la demande, et avec leur participation financière,
des missions à buts éducatifs chargées d’aider, par des enquêtes, des conseils ou
des concours directs, à l’amélioration de l’enseignement, notamment dans les
régions dévastées par la guerre; (...)
2.42 - L’Unesco aidera les Etats Membres qui en exprimeront le désir à lancer un
mouvement en faveur de l’éducation de base, en s’attachant d’abord aux régions
peu développées et, aux éléments les moins favorisés de la société dans les pays
industriels” . (CG, 1948: 18).
O ano de 1948 também foi marcado pela saída de Huxley da direção geral da Organização,
substituído pelo mexicano Jaime Torres Bodet. Esta mudança representou um momento
importante da história da Organização. A literatura especializada interpreta a saída de Huxley
da direção geral como um momento de mudança nas preocupações da Organização e como
uma “vitória” dos que defendiam uma Organização voltada para “política real”. A gestão de
Torres Bodet é identificada como um momento de maior politização, entendido como de
maior presença dos representantes dos países-membros nos processos decisórios. Huxley foi
um dos principais defensores de uma visão considerada “intelectualista”. (Bekri, 1991: 193-
197; Maio, 1997: 21-22)
Torres Bodet acreditava que a Organização não poderia ficar omissa ante as tensões e
conflitos que opunham Leste/Oeste e deveria se aproximar mais da ONU e tornar-se sua
88
O BIE foi fundado em 1925 como uma Organização privada não-governamental. O principal objetivo da
Organização era centralizar documentos referentes aos sistemas de ensino público e privado, realizar pesquisas
científicas e servir de intermediária entre as associações de educação dos países. Em 1929, o BIE transformou-
se na primeira organização intergovernamental na área da educação. Neste período Jean Piaget professor de
psicologia da Universidade de Genebra foi nomeado diretor geral, ficando no cargo durante 40 anos. Desde
1934, o BIE organiza as conferências internacionais de educação conhecidas também como “Conferência
internacional sobre Educação”. Com a criação da UNESCO, esta conferência passou a ser coordenada pelas duas
organizações. Em 1969, o BIE foi integrado como instituição relativamente autônoma à UNESCO, integrando o
setor de Educação da UNESCO junto com o “Instituto Internacional de planificação da Educação” com sede em
Paris e com o “Instituto da UNESCO para à Educação” com sede em Hamburgo na Alemanha. A execução do
programa do BIE esta sob responsabilidade de um conselho composto por vinte e oito (28) conselheiros eleitos
pela Conferência Geral da UNESCO.(Conférence internationale de l'éducation, 3e-37e session, Genève,
Recommandations 1934-1977. Paris, UNESCO, 1979)
87
consciência política. Compartilhava com Huxley, no entanto, a visão de que a UNESCO
deveria estar calcada em uma solidariedade intelectual com ideais universalistas.
A gestão de Torres Bodet foi marcada pelo crescimento e expansão da influência da
Organização e pela valorização das ações educacionais nos países menos desenvolvidos
89
. Tal
perspectiva pode ser explicada pelo fato de a UNESCO estar cada vez mais em conformidade
com as resoluções dos EUA e da ONU quanto aos instrumentos e à dinâmica de atuação das
organizações internacionais
90
.
Apesar de formuladas nos primeiros anos de atuação da Organização, as resoluções sobre
cooperação científica não se efetivaram da forma abrangente como desejava o Conselho
Executivo, visto o investimento dos EUA para controlar e estabelecer suas prioridades. A
influência dos EUA sobre o intercâmbio de recursos na arena internacional era quase
absoluta.
Como pode ser observado no trecho abaixo, na CG de 1949 foi lançada uma discussão sobre
as normas diretivas que regeriam a cooperação científica
91
. O Conselho Executivo da
UNESCO teve que rediscutir o código de diretivas
92
.
“Le Directeur général et le Conseil exécutif ont en conséquence prepare les dix-
huit directives suivantes. Elles ont reçu de la Conférence générale, en sa
quatrième session, une approbation provisoire (quinzième séance plénière); elles
seront communiquées comme telles aux gouvernements des États Membres et
aux commissions nationales pour commentaires et suggestions. La Conférence
89
Foi no período de Torres Bodet que foi instituído o “Projeto Unesco de Relações Raciais” Cf. Maio, (1997,
2004).
90
Vale sinalizar que em junho do mesmo ano (1947) os EUA se dispuseram a fornecer aproximadamente 12
Bilhões de dólares aos países da Europa Ocidental em um período de 4 anos (1948 á 1951), para que estes
“reerguessem suas economias”. O “Plano Marshall”, como ficou conhecido, foi uma das iniciativas políticas
mais significativas empreendidas pelos EUA, que iniciava uma nova etapa de influência política. No mesmo ano
a ONU na resolução A/RES/200, submeteu ao Secretariado das Nações Unidas, que reservasse fundos para os
países que desejassem “equipes de experts”, que poderiam aconselhar os países sobre desenvolvimento
econômico e técnico. No ano seguinte (1949), o Presidente norte-americano Harry Truman no ponto IV do seu
discurso de posse enfatizava a importância do desenvolvimento econômico “Il nous faut lancer un nouveau
programme qui soit audacieux et qui mette les avantages de notre avance scientifique et de notre progrès
industriel au service de l'amélioration et e la croissance des régions sous-développées. Plus de la moitié des gens
dans le monde vit dans des conditions voisines de la misère. Ils n'ont pas assez à manger. Ils sont victimes de
maladies. Leur pauvreté constitue un handicap et une menace, tant pour eux que pour les régions les plus
prosperes”. (apud, Rist, 2001:12).
91
Este termo foi utilizado pela primeira vez nas resoluções da UNESCO neste ano de 1949.
92
Conjunto de normas que orientam as ações da Unesco. O código de diretivas foi elaborado no ano de fundação
da instituição em 1946, de acordo com a carta assinada pelos paises membros.
88
générale, en sa cinquième session, les examinera de nouveau à la lumière de cette
consultation. (...) Conformément aux dispositions de l’Acte constitutif de
l’Organisation des Nations Unies pour l’éducation, la science et la culture, les
directives suivantes guideront. l’Organisation ans la définition et l’exécution de
son programme”. (CG, 1949: 9).
Dentre os itens que compõem o código de diretivas, vale destacar duas definições instituídas
naquele ano:
“II - Dans tous les domaines d’intérêt commun, l’Unesco coopérera étroitement
avec les Nations Unies et leurs Institutions spécialisées. (…) VII - L’Unesco
contribuera à diffuser la Déclaration universelle des droits de l’homme, à
promouvoir l’adhésion aux principes qui y sont contenus et à encourager la
réalisation des conditions d’ordre éducatif, scientifique et culturel nécessaires à
une meilleure application de ces principes.” (Op. cit. p.: 10
E mais adiante,
“Le Directeur général est chargé: De prendre les mesures voulues pour
coordonner l’exécution du programme de reconstruction de l’Unesco avec les
appels ou les campagnes connexes lancés par les Nations Unies.” (Op.cit. p. 11-
12)
As resoluções de 1949 estreitavam os laços da instituição com os projetos e objetivos
defendidos pela ONU, alterando alguns pontos do seu Ato Constitutivo. Desde seu
nascimento, a UNESCO estava vinculada ao Conselho Econômico e Social do sistema das
Nações Unidas (ECOSOC) e, a partir de determinação da 4ª Assembléia Geral da ONU
(1949), a Organização deveria não apenas acoplar seus projetos aos programas do ECOSOC,
mas adaptar suas ações às metas e definições ditadas pelas Nações Unidas, em especial após a
aprovação da resolução A/RES/200.
“Observations et príncipes directeurs adoptés par le conseil économique et social
lors de sa neuvième session (...) Les organisations participantes, lorsqu’elles
assurent une assistance technique aux pays insuffisamment développés en vue
de leur développement économique, doivent: 1. Avoir pour objectif principal
d’aider ces pays à renforcer leurs économies nationales, grâce au
développement de leurs industries et de leur agriculture, afin de favoriser
leur indépendance économique et politique dans l’esprit de la Charte des
Nations Unies, et de permettre a leur population entière d’atteindre un
niveau plus élevé de bien-être économique et social; 2. Observer les principes
généraux suivants posés par la résolution 200 (III) de l’Assemblée générale: a)
L’assistance technique en vue du développement économique des pays
insuffisamment développés ne sera fournie par les organisations
89
participantes qu’en accord avec les gouvernements intéressés et d’après les
demandes reçues des gouvernements; b) La nature des services fournis à
chaque pays sera déterminée par le gouvernement intéressé; c) Les pays qui
désirent recevoir une assistance devront effectuer au préalable tout le travail
possible en vue de définir la nature et la portée du problème qui se pose; d)
L’assistance technique fournie: Ne constituera pas un prétexte d’ingérence
économique ou politique de la part de l’étranger dans les affaires intérieures
du pays intéressé et ne sera accompagnée d’aucune considération de
caractère politique; Ne sera donnée qu’aux gouvernements ou par leur
intermédiaire; Devra répondre aux besoins du pays intéressé; Sera fournie
dans toute la mesure du possible sous Ia forme désirée par le pays intéressé
(CG, 1949: 47[grifos meus]).
A universalização de temas específicos pretendida pelos fundadores da Organização perdia
espaço com o processo de centralização e regulação dos princípios, padrões e normas então
em elaboração pelo complexo “sistema mundial” em gestação de acordo com a “ideologia
americana de vocação universal”.
A resolução da 4ª Assembléia Geral (A/RES/200) normatizava a área de atuação das
organizações do tipo UNESCO e estabelecia procedimentos para a distribuição de recursos,
que passavam a ser definidos com base na introdução de uma modalidade específica definida
como assistência técnica. Além disso, estimulava que esta intervenção de segmentos
administrativos de um país em outro fosse centralizada e coordenada por uma instância
definida pela Assembléia Geral. Isto significava que as organizações especializadas deveriam
– para garantir os fundos destinados à assistência técnica – adaptar seus programas aos
pressupostos e linhas definidas pela ONU.
Em 1950, parte da arrecadação depositada pelos estados associados foi transferida para a
UNESCO, com o objetivo de investir nesta modalidade de articulação entre Estados nacionais
e organizações do Sistema da ONU.
PRENANT ACTE du fait que le Conseil économique et social et que
l’Assemblée générale des Nations Unies ont recommandé aux gouvernements
participant à la Conférence de l’assistance technique l’attribution à l'Unesco de
14 % des contributions versées au compte spécial pour le programme
d’assistance technique, sans préjudice des sommes éventuellement prélevées sur
le fonds de réserve envisagé en accord avec cette organisation et avec le Bureau
de l’assistance technique, AUTORISE le Directeur general; A accepter les crédits
et autres ressources qui pourront lui être attribués sur le compte spécial
mentionné ci-dessus, à condition qu’ils servent uniquement à financer la
participation de l'Unesco au plan d’assistance technique du Conseil économique
90
et social. (...) A continuer de donner son entier concours au Bureau de
l’assistance technique, en ayant constamment pour objet d’élaborer un plan
vraiment coordonné d’assistance technique dans lequel chaque organisation
travaillera selon sa compétence propre à la mise en valeur économique des pays
insuffisamment développés, en accordant toute l’attention nécessaire aux
questions sociales qui conditionnent directement le progrès économique; A
soumettre au Conseil exécutif, à intervalles convenables, un rapport complet sur
l’application du programme, les résultats obtenus et les dépenses effectuées à ce
titre;” (CG, 1950: 70 [grifos meus]).
Nos anos de 1949, 1950 e 1952 houve grandes mudanças tanto no aspecto organizacional
quanto nas diretrizes da UNESCO. Atendendo às resoluções da 4ª CG (1949) sobre a
formação de centros de pesquisa na área educacional, em 1951 foi criado o “Centro Regional
de Educación Fundamental para América Latina” - mais tarde chamado de “Centro de
Cooperação para a Educação de Adultos na América Latina” (CREFAL)- , na cidade de
Pátzcuaro, no México. O Centro foi responsável pelas primeiras publicações na América
Latina de materiais didáticos para o apoio a educadores de adultos da região.
O termo assistência técnica difere de cooperação científica. O próprio termo assistência
supõe uma assimetria entre os organismos internacionais e os Estados nacionais, como pode
ser visto ainda na CG de 1950,
“En vue d’aider au déveIoppement de l’éducation de base dans les États
membres en collaboration avec l’Organisation des Nations Unies, les institutions
spécialisées et les organisations intergouvernementales compétentes, et en
consultation avec les organisations non gouvernementales, le Directeur général
est autorisé à entreprendre des études et des expériences sur les divers aspects
de cette éducation, à mettre certains services techniques à la disposition des
entreprises associées, à continuer d’assurer le fonctionnement de centres
internationaux de formation du personnel et de production de matériel, à faciliter
la création de centres nationaux d’éducation de base et, pour ce faire à rechercher
et accepter des fonds extrabudgétaires”.(CG, 1950: 16[grifos meus])
Segundo os termos da resolução, a assistência técnica surge para realizar pesquisas e estudos
experimentais sobre aspectos da educação e oferecer serviços técnicos às instituições
associadas à UNESCO.
Esta resolução está nos atos das futuras conferências e se torna uma ação permanente da
instituição. Vale ponderar que este tipo de resolução, mais do que efetivamente tornar-se um
projeto ou programa, expressou um sentimento, uma proposição. Mas o fato de constar como
91
uma resolução permitiu à Organização ampliar suas relações institucionais e comprometer um
número maior de instituições privadas e/ou públicas. Como reflete o conjunto das resoluções
do item 1.3 de 1952,
“ASSISTANCE A DES ORGANISATIONS INTERNATIONALES
D’ÉDUCATION
Le Directeur général est autorisé à associer à l’oeuvre de I’Unesco les
organisations et institutions internationales dont l’activité servira a l’exécution de
son programme dans le domaine de l’éducation, et à les aider au moyen de
subventions et de services.
ÉTUDES. Le Directeur général est autorisé à entreprendre, avec la collaboration
d’organismes internationaux et nationaux compétents, des études comparatives de
caractère général ou particulier, portant essentiellement sur des questions
inscrites au programme d’éducation de l’Unesco ou soumises à celle-ci par
l’Organisation des Nations Unies” (CG, 1952: 16)
Neste mesmo ano a UNESCO estabeleceu colaboração para assistência técnica com a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
criando uma agenda de trabalho em comum com eixo na educação de base, o
desenvolvimento econômico, a saúde do trabalhador e a educação de adultos
93
.
Com o estreitamento dos laços entre as diferentes agências da ONU, as declarações e
convênios passaram a orientar cada vez mais a agenda das organizações e seus programas. As
relações entre os organismos internacionais eram apontadas como de colaboração, enquanto
que as relações com os países-membros eram definidas por noções como assistência e ajuda
Este tipo de vínculo pode ser observado na resolução nº. 1.31 da CG de 1956, quando pela
primeira vez o termo extra-escolar foi utilizado, sugerindo que os países membros
incorporassem a seu sistema educacional atividades em prol da divulgação da Declaração
Universal dos Direitos. Esta resolução também emprega termos como cooperação
internacional e compreensão para indicar a necessidade de investir em países em vias de
desenvolvimento.
“Les États membres sont invités: a) A prendre les mesures nécessaires pour
généraliser la scolarité gratuite et obligatoire, particulièrement dans
l’enseignement du premier degré, et pour développer et améliorer l’éducation
93
Resoluções 3.92; 7.192; 2.75;7.181. (CG, 1952)
92
scolaire et extrascolaire (...) conformément aux principes énoncés dans l’article
26 de la Déclaration universelle des droits de l’homme (...) b) A encourager, tant
dans les écoles de l’État que dans les écoles privées, sur tout leur territoire
métropolitain et dans les territoires sous tutelle ou non autonomes qu’ils
administrent, l’enseignement relatif aux Nations Unies et aux institutions
spécialisées, ainsi que l’enseignement relatif aux droits de l’homme et aux
libertés fondamentales définis dans la Déclaration universelle des droits de
l’homme, et d’une manière générale à orienter leur enseignement scolaire vers le
développement de la dignité de la personne humaine et vers la compréhension et
la coopération internationales, afin d’éliminer de l’éducation tous les éléments
qui pourraient faire obstacle à la réalisation des objectifs proclamés dans l’Acte
constitutif de l’Unesco.” (CG, 1956: 11/12[grifos meus]).
A introdução do termo extra-escolar como um dos princípios que regem a educação escolar
amplia a possibilidade de inserir nos currículos e na proposta pedagógica das escolas um
conjunto de saberes produzido pelos diferentes organismos da ONU, sendo o tema dos
Direitos Universais a representação destes saberes. Nesta perspectiva a resolução indica o
caminho que os Estados nacionais devem tomar para o desenvolvimento da dignidade da
pessoa humana.
O que se observa doravante é uma crescente incorporação pela UNESCO das definições e
resoluções tomadas no âmbito da ONU. Este tipo de situação traz benefícios á Organização,
que cada vez mais se consolidado como porta-voz das nações nos assuntos da educação,
ciência e cultura, mas, ao mesmo tempo, isto atrela os países-membros às exigências e
decisões da ONU.
Um reflexo desse processo de “internacionalização dos direitos humanos” através do ensino e
da cooperação internacional pode ser observado no debate ao final da década de 1950 sobre a
definição de educação de base. A partir da parceria com a OIT e a OMS, as resoluções acerca
da educação começaram a mudar, refletindo os interesses das instituições colaboradoras. Em
1958 na resolução 1.51, foi indicada a necessidade de repensar a terminologia adotada para
definir a educação de base.
“Reconnaissant que l’expression ‘éducation de base’ est une source de
confusions, charge le Directeur général de prendre des mesures immédiates pour
qu’une terminologie appropriée et pouvant être appliquée dans le monde entier
soit utilisée par I’Unesco pour tous les genres d’éducation des adultes et des
jeunes, et de mettre aussi rapidement que possible un terme à l’emploi de
93
l’expression ‘éducation de base’ dans tous les documents officiels de l’Unesco.”
(CG, 1958: 17)
94
A década de 1950 foi importante na definição da estrutura organizacional da UNESCO -
principalmente a partir de 1954, quando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) se associou à Organização
95
, alterando consideravelmente a correlação de forças
interna
96
- e na consolidação das propostas de assistência técnica da Organização.
Os debates no interior da CG e do Conselho Executivo neste período refletiram as tensões do
início da guerra fria, polarizando o bloco encabeçado pela URSS, de um lado, e o bloco
liderado por EUA, Inglaterra e França, de outro
97
. De ambos os lados surgiam denúncias e
críticas sobre o “aparelhamento” da UNESCO e seu uso pelos Estados na defesa de interesses
nacionais. A guerra fria tensionava e polarizava as intervenções dos Estados nos organismos
internacionais, afetando a natureza da organização. Um episódio marcante da época foi o
94
“Les États membres sont invités: a) A instituer ou à développer, dans leurs territoires métropolitains et extra-
métropolitains, ainsi que dans les territoires non autonomes qu’ils administrent, un système d’éducation des
jeunes et des adultes qui, complétant et poursuivant l’action de l’école ou l’oeuvre d’éducation de base, tende
principalement vers la compréhension et la coopération internationales, tout en préparant les bénéficiaires à
l’exercice de leurs responsabilités sociales, notamment dans le cadre de programmes concertés de
développement communautaire, l’individualité culturelle de chaque pays ou territoire étant dûment respectée;
Invite les États membres d’Amérique latine à établir, toutes les fois que ce sera nécessaire,des plans d’ensemble
tendant à universaliser, au niveau primaire tout au moins,l’enseignement gratuit et obligatoire et à favoriser ainsi
un accroissement rapide et continu de la population scolaire; à faire tous leurs efforts pour découvrir et éliminer
les obstacles économiques et sociaux qui empêchent les enfants d’âge scolaire de fréquenter l’école; à adapter
l’administration et les programmes des écoles aux aptitudes des enfants et aux besoins de chaque pays compte
tenu de son degré actuel d’évolution sociale et à fournir les ressources nécessaires en matière de construction et
d’équipement scolaires, de formation de personnel enseignant et de crédits budgétaires pour que ces différents
buts puissent être graduellement atteints; [3] Invite les États membres d’Amérique latine à profiter à cet effet
des facilités offertes par l’Unesco au titre du projet majeur, du programme de participation aux activités
des États membres et du programme élargi d’assistance technique; [4] Invite les États membres
d’Amérique latine à négocier des emprunts auprès d’organisations financières internationales et
nationales en vue de surmonter les difficultés budgétaires qui retardent actuellement le développement de
l’enseignement sur leur territoire; [5] Invite en outre les États membres d’Amérique latine à mettre en oeuvre
toutes leurs ressources intérieures et extérieures, en en coordonnant l’emploi, en vue d’atteindre les buts dudit
projet majeur”. (CG, 1958: 20-21[grifos meus])
95
Neste ano a URSS se associou à Unesco junto com boa parte do Leste Europeu.
96
Desde o início da década de 1950 movimentos nacionalistas e anticomunistas dos EUA já se pronunciavam
contra a Organização, alegando uma “tendência comunista” em sua direção. Um dos movimentos mais radicais
(The Cross and the Flag) defendia a abolição da ONU. Os movimentos nacionalistas e anticomunistas cresciam
no interior do país, levando o Congresso americano a restringir a contribuição do país à UNESCO. (Archibald,
1993). Em 1953, o presidente Eisenhower cria um comitê para investigar denúncias da ‘influência comunista’ na
UNESCO. O macartismo repercutia nas organizações internacionais. Neste período a Organização sofreu duas
investigações; uma delas, promovida pelo então diretor geral (Luther Evans), constatou que parte da delegação
estadunidense no Secretariado estava sendo ‘desleal’ aos interesses dos EUA, e tinha tendências comunistas, o
que levou à demissão destes integrantes.
97
Sobre a atuação dos “blocos capitalista e socialista” nas agências da ONU, Cf. Herz e Hoffmann (2004). É
importante registrar que nesta época os EUA e a URSS davam prioridade aos acordos bilaterais, em detrimento
dos multilaterais.
94
apoio da UNESCO à intervenção americana na Coréia, que levou à desfiliação das delegações
da Polônia, Hungria e Checoslováquia. (Evangelista, 2003: 38).
Ao mesmo tempo em que a UNESCO buscava consolidar-se como uma instância de
manutenção da paz e equilíbrio entre as nações, a força dos Estados nacionais se sobrepunha
aos desejos, mecanismos e procedimentos supra-estatais. A experiência da Liga das Nações
havia indicado a necessidade de universalizar certas temáticas e constituir um quadro
permanente de funcionários internacionais. No entanto, esta perspectiva ainda não havia sido
plenamente incorporada pelas organizações internacionais, e em particular pela UNESCO. Os
primeiros anos da organização reviveram os debates que antecederam sua fundação, expressos
na polarização entre IICI e a CMAE que, apesar de terem projetos apresentados como
opostos, reivindicavam os mesmos princípios.
A novidade neste período foi a definição de procedimentos e práticas que deveriam reger as
ações e iniciativas internacionais. A colaboração começou a ser definida a partir de noções
como assistência técnica e ajuda, que indicavam claramente uma assimetria entre os Estados
nacionais, os quais passaram a ser classificados como subdesenvolvidos x desenvolvidos,
terceiro mundo x primeiro mundo etc.
98
. O discurso de Harry Truman em 1949 apontou não
apenas a singularidade e diferenciação dos países como ajudou a qualificar certos termos, que
rapidamente foram normatizados nos documentos da ONU. Termos como assistência técnica
e cooperação científica, que até designavam uma relação entre unidades soberanas, passaram,
a partir de 1950, a operar de forma distinta. Para uns cooperação ou colaboração; para outros,
assistência ou ajuda. Estes indicadores, assim como a qualificação do termo cooperação
internacional, criaram novas formas de relacionamento entre as organizações internacionais e
os Estados nacionais. Estas mudanças incidiram no processo de organização interna dos
organismos de cooperação, que tiveram que se adaptar ao novo cenário internacional onde
coexistiam Estados nacionais subdesenvolvidos e desenvolvidos.
98
Em 1952 o demógrafo Alfred Sauvy utilizou em um artigo na revista L'Observateur (N°118, 14 out. 1952, p.
14) o termo terceiro mundo, que passou a operar, assim como o termo subdesenvolvimento, como categoria
classificatória.
95
Construindo a Organização, descentralizando a representação e centralizando
as ações
O objetivo neste item é compreender uma das estratégias da UNESCO: a de iniciar um
processo de descentralização de suas ações e estrutura organizacional, ainda nos seus
primeiros anos, visando uma maior aproximação da Organização com os países-membros. Se
até aqui foi possível observar como as idéias de cooperação científica foram sendo
reordenadas para termos como assistência, ajuda, e colaboração, pretendo mostrar aqui como
esta perspectiva implicou na necessidade da Organização definir sua relação com os países-
membros.
Esta aproximação era uma estratégia para a obtenção de ganhos políticos e simbólicos através
da expansão e construção, nos países-membros, de uma estrutura administrativa (um
escritório) para estreitar os vínculos com os sujeitos políticos nacionais. Ela também deve ser
lida no contexto das disputas internacionais por espaços e pela afirmação de um projeto
político, ou em termos atuais, na disputa por uma cosmovisão.
O que importa aqui é ver, através da análise de alguns documentos da UNESCO e da ONU,
como a estratégia da descentralização criou uma modalidade de organização e gestão
institucional. Operando com termos como transferência de responsabilidades, concentração
de esforços e integração regional, a Organização iniciou o processo de criação de unidades
próprias situadas em países, conhecidas como unidades hors-sièges em regiões ou macro-
regiões. O fato de ser uma dentre várias organizações especializadas da ONU traz a esta
discussão um aspecto interessante, dada a dupla lealdade a que está compelida, de um lado,
pelas demandas dos países-membros e, de outro, pela Assembléia Geral da ONU.
A UNESCO, assim como outras organizações internacionais vinculadas ao Sistema da ONU,
pode ser considerada uma executora de ‘cosmopolíticas’ nos termos definidos acima, a partir
de Gustavo Lins Ribeiro. Porém, ao pensá-la engajada nesta dupla lealdade (aos países-
membros e ao Sistema da ONU), observamos que a própria existência da Organização (e,
talvez, das demais do Sistema da ONU) é parte de um processo permanente de reordenamento
das suas estruturas organizacionais. Nestes termos poder-se-ia dizer que não existe uma
UNESCO, mas “UNESCOs” distintas e integradas, operadoras de “estratégias
internacionais”.
96
Descentralização 1: definindo princípios
A polarização e a tensão vividas no interior da Organização durante seus primeiros anos
criaram uma rotina de negociação permanente das regras e direitos internos. Vislumbrado
pelos representantes dos países-membros, o sonho de um “único mundo” esbarrava na
impossibilidade de estabelecer uma “cultura organizacional”
99
e de instituir uma “identidade
organizacional” que atendessem às aspirações dos Estados, pela falta de consenso quanto ao
papel e a função que deveriam ter esses organismos.
Em 1950, na gestão de Torres Bodet, o Conselho Executivo da UNESCO lançou a idéia de
descentralizar sua estrutura operacional, atendendo especialmente aos interesses da delegação
dos EUA. A resolução 9.92, indicava ser necessário um estudo sobre a viabilidade da
descentralização com vistas a tornar a ação da instituição mais eficiente.
“CONSIDÉRANT l’importance capitale pour la vie de l’organisation de la
question de l’exacte décentralisation que l'Unesco doit réaliser pour augmenter
l’efficacité de son action, CHARGE le Directeur général d’étudier les modalités
et le degré de la décentralisation qu’il apparaît le plus opportun de réaliser dans
les activités de l’organisation, et de faire rapport à la sixième session de la
Conférence générale sur les différents aspects de ce problème.” (CG, 1950: 71).
Em 1951, foi feito o primeiro estudo sobre a descentralização, apresentado na 6ª Conferência
Geral. O documento foi concebido como
“l'ensemble des mesures susceptibles, sans rompre l'unité organique du
programme ni porter atteinte à l'universalité des buts de l'UNESCO, de favoriser
la pleine participation des États membres aux activités de l'organisation et le
développement d'une action pratique et efficace de l'Unesco dans les différentes
régions du monde, selon des modalités tenant compte des besoins des Etats
membres, des caractéristiques, de leur culture et de l'urgence relative des
problèmes auxquels ils ont à faire face”. (DOC. 6/C/OXR/4, 1951: XX)
99
Os termos “cultura organizacional” e “identidade organizacional” aqui empregados provêm da literatura sobre
a “Sociologia das organizações” e de autores como Crozier (1994) e Etzioni (1974). Freitas (1991: XVIII), por
exemplo, define assim a expressão: “Cultura organizacional é compreendido como um poderoso mecanismo que
visa conformar condutas, homogeneizar maneiras de pensar e viver a organização, introjetar uma imagem
positiva da mesma onde todos são iguais, constituindo-se em um forte instrumento disciplinar, dispensando o
controle externo, uma vez que este está interiorizado”.
97
Este documento refletia a visão defendida por Torres Bodet , oposta à de Huxley, para quem o
principal objetivo da organização era fortalecer a idéia de unidade mundial através da ciência
da cultura e da educação a serviço de um “único mundo”. A descentralização, na perspectiva
huxleyana, seria uma fragmentação e uma vitória dos que defendiam que a Organização se
aproximasse dos interesses estatais.
No entanto, de acordo com os estudos para a descentralização
98
pela Organização. Deste modo, o debate nas décadas de 1960
102
e 1970 foi impulsionado pela
preocupação com o excesso de centralismo da direção da UNESCO (composta pelo Diretor
Geral, o Secretariado e o Conselho Executivo) e a necessidade de aproximar os programas
definidos nas CGs das realidades nacionais.
É importante ter em mente que a década de 1960 foi um dos períodos de maior influência
estadunidense nos assuntos da UNESCO. Foi o período em que o Banco Mundial e a Agência
Internacional para o Desenvolvimento (IDA) destinaram vastos recursos para a prestação de
serviços de educação na América Latina. A educação tornou-se uma preocupação do Banco
Mundial e um fator importante nos investimentos e nos discursos sobre desenvolvimento. Em
1963 foi criado o Instituto Internacional de Planejamento Educacional (IIPE), resultado da
parceria entre o Banco Mundial e a UNESCO, para promover a cooperação na área
educacional. (Bekri, 1991; Archibald, 1993).
A resolução número 10 da 16ª Conferência Geral de 1970, Descentralização das atividades
da organização, definiu que algumas ações da Organização deveriam ser transferidas para
outras instituições ou para escritórios regionais, de maneira que a intensificar os investimentos
da UNESCO nas regiões distantes da sede e nos países em via de desenvolvimento (CG, 1970:
95).
Nas CGs seguintes - 17ª (1972); 18ª (1974) e 19ª (1976) - houve a preocupação não só de
descentralizar, mas definir mecanismos, normas e procedimentos de descentralização que
não prejudicassem a unidade da ação e imprimissem maior flexibilidade aos projetos e
equipes locais. A principal dificuldade estava na autonomia dos escritórios regionais para
estabelecer colaborações locais sem, contudo, se afastarem da unidade pragmática da
instituição. Pour que l’oeuvre de l’UNESCO revête toute l’amuleur et l’efficacité voulues, il
est indispensable qu’elle ne se limite pas aux activités proures de son Secrétariat, mais
qu’elle se renforce grâce à l’action entreprise par ses États membres.
102
Em 1961 ocorreu a primeira Conferência de Cúpula dos Países Não-Alinhados e foi criada a Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD). Em 1962 foi criado o G-7, grupo dos 7
países mais ricos, influenciado pela expansão das empresas japonesas.
99
Neste sentido, a organização decidiu que os escritórios e centros regionais deveriam ter un
plus large pouvoir d’initiative et de décision, sans que l’application de cette politique
compromette le caractère mondial de l’Organisation (CG 1974).
Na resolução 7.22 da 19ª Conferência Geral, o Conselho Executivo incentiva a integração de
sua estrutura organizacional (comissões nacionais, centros e postos regionais) às realidades
locais através da ampliação da cooperação nacional para a implementação de programas
locais, de acordo com os interesses dos Estados. Com esta iniciativa, o Conselho Executivo
acreditava poder estreitar os laços com os países-membros e diminuir gastos com pessoal,
pois a resolução também estabeleceu que os recursos para os projetos deveriam ser fornecidos
pelos países-membros. Em contrapartida, os escritórios locais poderiam subcontratar
especialistas locais
103
.
O modelo organizacional adotado pela Organização continuava sendo objeto de debates,
centrados na rápida ascensão dos outros organismos internacionais, no crescimento dos
acordos bilaterais e na perda de espaço no interior do sistema ONU, o que significava a
diminuição dos investimentos providos pelos fundos e bancos internacionais e regionais.
Vale ressaltar que havia pouca divergência nos debates sobre a composição do Conselho
Executivo. A França, contrária à posição de estatização do Conselho nos primeiros anos da
Organização, voltou atrás, passando a defender um Conselho mais politizado e com maior
influência dos representantes dos países.
Em 1977, um segundo relatório sobre a descentralização trouxe elementos novos. De acordo
com o relatório (Doc. 103 EX/28, 1977), os integrantes do Conselho Executivo estavam
preocupados em garantir uma unidade de concepção e de ação, uma vontade de constituir um
núcleo central sólido, antes de estabelecer as relações no terreno. No entanto, esta
preocupação era contrabalançada pela afirmação de que a busca de unidade da ação esbarrava
num problema de recursos humanos: os funcionários da Organização não estavam habituados
a trabalhar em certas administrações nacionais fortemente centralizadas.
103
Vale lembrar que as resoluções e debates no interior da UNESCO refletiam as polarizações e tensões
mundiais, com os “blocos”, as guerras de descolonização, a recomposição das ex-colonias, os regimes ditatoriais
da América Latina, enfim, uma série de efeitos dos conflitos entre nações.
100
O documento informava que era de interesse da maioria dos países-membros que os
escritórios regionais fossem integrados e unificados (atendendo às áreas de ação da UNESCO:
educação, ciências exatas e naturais; ciências sociais, cultura e comunicação), idéia que não
inviabilizava a instalação, em certos países, de antenas especializadas
104
. Em 1977 a
descentralização foi definida da seguinte maneira:
“La décentralisation s‘analyse en un transfert d’attributions, de la part d’une
autorité centrale au profit d’échelons locaux sans porter atteinte à l’autorité
hiérarchiaque de la première sur les seconds, ni à l’unicité du pouvoir et de la
responsabilité. Elle est donc, en termes juridiques, une déconcentration.
Analysant de plus près ce transfert d’attributions dans le cas concret de
l’UNESCO, on peut signaler que celui-ci implique une délégation (a) d’autorité,
(b) de responsabilités techniques, y compris le fait d’avoir à répondre des
activités exercées, (c) de représentation, en vue de rapprocher l’organisation de
ses services d’information et de son terrain d’action”. (Doc. 103 EX/44, 1977
apud, Doc. 103 EX/SP/RAP1, 1991: 7)
Ou seja, a descentralização era uma transferência de atribuição, delegação de autoridade e de
responsabilidade técnica sem, no entanto desqualificar a hierarquia emanada da autoridade
central. Esta situação foi interpretada muitas vezes como uma dificuldade da Organização
para definir e estabelecer objetivamente um “desenvolvimento organizacional” (Hass, 1990:
4), entendido como o conjunto de normas, tarefas e diretrizes que ordenam e centralizam a
tomada de decisões (decision-making)
105
. No entanto, este tipo de visão obscurece a
compreensão dos efeitos gerados por estas opções, visto que o modelo é construído a partir de
um “dever ser” da Organização. A transferência de atribuições e a delegação técnica às
104
O primeiro escritório regionalizado e integrado foi o de educação em Bangkok, que assumiu a
responsabilidade pela totalidade das ações desenvolvidas na Ásia. De acordo com o relatório apresentado à 103ª
sessão do Conselho Executivo da UNESCO, “Il doit être précisé néanmoins que le concept d’un bureau régional
“intégré” ne signifie pas que ce bureau doit être représentatif de toutes les spècialisations de l’UNESCO. mais
qu’il sera polyvalent en fonction des besoins des proprammes de la région. Il importe donc que le Directeur
général abandonne progressivement la spécialisation purement sectorielle des bureaux hors Siège en faveur
d’une conception intersectorielle de leurs attributions.”
105
Ernest Hass (1990) desenvolveu uma “tipologia” para classificar as organizações internacionais de acordo
com a capacidade de tomar decisões acordes com seus os objetivos. Esta “tipologia” baseia-se na capacidade da
organização em lidar com variações entre seus integrantes e seus programas. A capacidade de mudança foi
ordenada a partir do que chamou de “change by adaptation” e/ou “learning”. “I argue that adaptation can take
place in two different settings, each a distinct model of organizational development. One, labeled ‘incremental
growth’, features the successive augmentation of an organization’s program actors add new task to older ones
without any change in the organization’s decision making dynamics or mode of choosing. The other, labeled
‘turbulent nongrowth’, involves major changes in organizational decision making: ends no longer cohere;
internal consensus on both ends and means disintegrates” (Op. cit. p. 4). A UNESCO, “always functioned in
101
unidades locais levam a uma estratégia de maior alcance, ao abrir a possibilidade de
estabelecer cooperações e colaborações locais.
Na década de 1980 foram feitos novos estudos sobre a descentralização, com destaque para o
questionário aplicado aos países-Membros no período de 1985-1986 para avaliar as
experiências de descentralização já implementadas.
A descentralização esbarrava em dois aspectos importantes. O primeiro refere-se à estrutura
altamente centralizada e setorializada da Organização, o que inviabilizava uma maior
integração entre as áreas (educação e cultura, por exemplo), visto que um escritório regional
poderia ser ligado apenas à área da cultura, enquanto outro, em outra região, poderia estar
vinculado à educação. Os escritórios regionais dependiam essencialmente do
desenvolvimento do setor ao qual estavam vinculados, o que enfraquecia a representatividade
da Organização na região. A autonomia dos escritórios dependia em grande medida da
capacidade de descentralização do setor específico.
O segundo aspecto, e talvez o mais relevante, é que a proposta de descentralização não estava
acompanhada das medidas e procedimentos administrativos necessários, como apontou um
relatório do secretariado na década de 1970.
“La création des bureaux régionaux s’inscrit dans le cadre de la politique de
décentralisation des activités du Secrétariat. La justesse de la philosophie qui
inspire cette politique est incontestable: il s’agit de déléguer aux bureaux qui se
trouvent en contact étroit avec chaque région l’exécution sur le terrain des
programmes de l’Organisation. On escompte que de cette manière les
programmes auront plus de chance de réussir dans la mesure où il sera tenu
compte dans leur exécution des caractéristiques de chaque région, et où ils
pourront être adaptés aux priorités régionales. Les bureaux étudient les besoins de
la région en vue de la structuration des nouveaux programmes et contribuent à
améliorer et à faciliter, en réduisant les délais de communication. Les relations
avec les Etats membres. (...) Mais dans la pratique, la Commission a pu constater
que les bureaux ne disposent pas de toute l’autonomie de décision à laquelle on
pourrait s’attendre dans leur domaine même de compétence, dans bien des cas, ils
sont obligés de consulter trop souvent le Siège, ce qui leur fait perdre une bonne
part de leur marge d’initiative. La Commission n’a pas été en mesure de
déterminer si ces consultations s’expliquent par la simple routine ou par une
incompréhension de la véritable signification de la politique de décentralisation.
Ouand un bureau régional ne peut même pas mobiliser ses experts dans la région
avant d’avoir consulté le Siège, même une fois les programmes de travail
approuvés, la décentralisation n’est qu’un mot vide de sens. »
102
(UNESCO/MINESLA/4; apud. 136 EX/SP/RAP 1: 1991:12)
106
A dificuldade de estabelecer uma política de descentralização, combinada à estrutura
altamente centralizada e hierárquica, inviabilizava a promoção da autonomia da Organização
nas regiões, dificultando a adaptação e implementação local dos programas e projetos. Havia
a nítida percepção de que a descentralização era uma necessidade e que a ampliação das
ações da Organização dependia da sua capacidade de auto-sustentação local, contraposta ao
receio de descaracterizar a missão da UNESCO e perder o controle das referências e
postulados por ela defendidos.
Dando prosseguimento às iniciativas de descentralização, em 1989 foi criado o Bureau de
Coordination des unités hors-siège (BFC), cuja principal atribuição era viabilizar o processo
de descentralização de forma equilibrada, manter sua missão universalista e atender às
exigências dos países-membros.
Na década de 1980, para a direção da UNESCO o problema da descentralização esbarrava
também na dificuldade de formar quadros para levar adiante a missão institucional nos
Estados. Um dos argumentos para explicar a “lentidão” desse processo era que não existia
pessoal com competência administrativa para gerenciar as finanças e que havia uma carência
de especialistas e consultores capacitados para coordenarem projetos de grandes proporções.
Uma das atribuições do BFC seria justamente preparar quadros administrativos e formar
equipes de especialistas nas áreas de atuação da Organização. Uma outra atribuição seria
definir e padronizar o processo de integração setorial, através do fortalecimento das redes de
comunicação interna de todas as instâncias. Em um segundo momento, o BFC deveria
elaborar um perfil (profils) específico de cada país-membro, para determinar a prioridade dos
programas a serem executados em cada um. Em certa medida, o BFC teve também missão de
106
Um relatório da década de 1990 alertava para a distância entre o discurso de descentralização preconizado
nas resoluções e a prática institucional. “le discours tenu au sein du Secrétariat sur la décentralisation ne se
traduisait pas de manière adéquate sur le terrain; en pratique, les unités régionales ne pouvaient même pas
recruter de personnel d’appui local sans auparavant consulter le Siège, ni engager des dépenses de quelque ordre
que ce soit sans autorisation préalable. Cette situation s’est modifiée peu à peu au cours de la décennie écoulée et
certaines mesures ont été prises pour renforcer l’autonomie des bureaux régionaux; » (136 EX/SP/RAP 1:
1991:9).
103
estabelecer indicadores para aferir as necessidades locais e as ações a serem desenvolvidas em
cada região e sub-região, e estabelecer um perfil para a representação em cada Estado
107
.
O processo de descentralização foi acelerado nesta década em função das pressões internas do
Sistema da ONU e à ascensão das organizações não governamentais. Uma resolução do
conselho executivo de 1989 ilustra bem a preocupação da Organização quanto à importância
de fortalecer os vínculos internos e externos.
“a) formation à l'échelle sous-régionale et régionale de réseaux de ressources
intégrés regroupant tous les membres du personnel de l'UNESCO hors Siège,
réseaux qui seront directement reliés au Siège et entre eux, et capables par
conséquent de répondre rapidement à la demande dans tous les domaines de
compétence de l'UNESCO; (b) étroite collaboration avéc les représentants hors
Siège des organisations du système des Nations Unies, en particulier, avec les
représentants du PNUD au niveau des pays qui sont les coordonnateurs officiels
des Nations Unies dans chaque Etat membre; (c) renforcement, dans les Etats
membres. du rôle joué par les Commissions nationales en tant qu’organes de
liaison avec les représentants de l’administration centrale et des organisations non
gouvernementales; (d) partage réciproque d’informations à caractère aussi bien
technique que général entre l’UNESCO et ses partenaires hors Siège:
institutions nationales, institutions des Nations Unies et organisations non
gouvernementales; (e) extension des réseaux régionaux et interrégionaux
spécialisés existants et création de réseaux nouveaux”. (132 EX/6: 1989:51 [grifo
meu])
A integração e unificação da ação das unidades hors-siéges
108
(unidade fora da sede) com a
siége (sede), estava na pauta, ao mesmo tempo em que se entendia a integração como um
processo que ultrapassava a própria estrutura operacional da UNESCO. O incentivo à
construção de um réseaux de ressources intégrés com diferentes classes de atores -
organismos internacionais, ONGs, unidades hors-siéges, integrantes da “administração
central” - indicava uma mudança na própria concepção da Organização, que procurava
ampliar a sua influência e, sem limitar suas relações com os países-membros e órgãos do
Sistema da ONU, ampliar sua capacidade de elaboração e atuação.
107
Dentre as principais atividades realizadas pelo BFC nesta época visando à qualificação dos funcionários
estavam a promoção de cursos de formação regionais da América Latina em 1991 e a constituição de um sistema
de troca, informação e definição das normas e padrões de atuação, do ponto de vista administrativo dos
escritórios hors-siéges.
108
Atualmente a UNESCO conta com três tipos de representação hors-siéges. “L'un des éléments clés de la
stratégie exposée dans le plan d'action pour la décentralisation approuvé par les organes directeurs consiste à
rassembler les États membres au sein de « groupes de pays » (« clusters ») desservis par des bureaux multipays
multidisciplinaires, des bureaux nationaux, des bureaux régionaux et des bureaux de liaison. Le Bureau de
coordination des unités hors Siège est chargé d’assurer une mise en œuvre efficace du nouveau réseau hors Siège
et de fournir une ligne de gestion claire et unique”. (www.unesco.org).
104
Vale lembrar, porém, que este movimento marcou a ação da UNESCO desde o seu
nascimento. A polarização entre os defensores de uma organização nos moldes do IICI e os
defensores de uma organização fundada no poder estatal tinha origem na definição e
priorização das alianças a serem estabelecidas. Os eventos políticos e sociais ocorridos na
segunda metade do século XX mudaram as perspectivas dos debates sobre o tipo de alianças e
relações que a Organização deveria manter. A preocupação de Huxley com a perda de
autonomia da Organização começava a ser recompensada com as redes que a Organização
vinha construindo em paralelo às ações da ONU.
No entanto, havia um segundo desafio: integrar a ação da Organização com os países-
membros sem perder sua capacidade de intervenção local. Na resolução do Conselho
Executivo (doc. 132 EX/6) de 1989 foi estabelecido que a participação dos países-membros
deveria se dar através de comissões nacionais.
“a) étudier les moyens de faire en sorte que les Etats membres interviennent
activement dans les processus de détermination, d’interprétation et d’exécution
des programmes régionaux de l’UNESCO, en reconnaissant que les commissions
nationales ont beaucoup à offrir en termes d’énergie, d’idées, et de capacité de
mobiliser des services d’experts;” (132 EX/6,1989)
Na prática, esta resolução buscava estreitar relações e comprometer os Estados nacionais com
os objetivos da Organização, além de também ampliar a capacidade de obtenção de recursos.
No entanto, isto diminuía o poder de ação dos representantes dos países na Organização, e
fortalecia o representante da Organização no país-membro. Este tipo de medida não gerava
uma integração da Organização com o país, mas com uma instituição local que não respondia
necessariamente aos interesses do governo. A UNESCO ainda não havia conseguido criar
mecanismos eficazes de integração com os países-membros e com os demais atores que agiam
no cenário internacional.
O debate sobre centralização/descentralização permite-nos entender melhor as variações e a
dinâmica de constituição de uma organização internacional. O debate sobre o tema informa
sobre a construção de determinados processos de expansão da intervenção institucional que
ainda podem ser observados na Organização.
105
Definindo os papéis das agências internacionais (A/RES/44/211)
Diferentes autores (Vieira, 2001; Dagnino, 2002 e Herz & Hoffmann, 2004, dentre outros)
destacaram as décadas de 1980 e 1990 como momentos importantes na redefinição dos papéis
de diferentes instituições, em especial das organizações internacionais, não governamentais e
intergovernamentais. Esta maior visibilidade e, conseqüentemente, a maior influência destas
organizações na definição e qualificação das demandas globais - ou, como salientou Barros
(2005: 28), da “problemática global” - gerou também uma reação por parte da ONU na
tentativa de “controlar” ou coordenar as diferentes “cosmopolíticas” que se emaranhavam,
como bem definiu Dezalay,
“Ces discours savants permettent aussi à leurs auteurs de se faire connaître et
reconnaître comme les pionniers d’une gouvernance de la mondialisation. Même
si celle-ci relève d’un futur aussi hypothétique que lointain, le chantier où sont
ébauchés de multiples pré-projets représente déja um formidable marché pour les
producteurs de savoirs d’ètat. Quelles que soient par ailleurs leurs divergences
scientifiques ou idéologiques, ces concurrents ont tout avantage à ne pas saper la
mystification entretenue par les controverses sur la mondialisation. Ce consensus
a minima est d’autant plus facile à mettre en oeuvre des combinaisons assez
voisines de compétences savantes et de capital social cosmopolite, au service de
stratégies qui se répondent comme en écho, d’un forum à l’autre”.(Dezalay,
2004 : 6)
Em 1989 a ONU lançou uma série de resoluções visando reorientar as ações de assistência
técnica de todas suas organizações. A resolução catalogada como (A/RES/44/211- Examen
triennal d´ensemble des orientations des activités opérationnelles de développement du
système des Nations Unies), estabelecia um conjunto de critérios e normas a serem seguidos
por todos os organismos internacionais ligados ao Sistema da ONU e pelos países-membros
da ONU.
Nesta resolução, a Assembléia Geral reafirmava que os Estados eram soberanos e autônomos
para definir suas prioridades e os objetivos de desenvolvimento nacional, e que as ações de
cooperação das agências especializadas da ONU deveriam estar em conformidade e
integradas ao plano adotado pelos países, como indicado na página 3.
“Réaffirmant que les gouvernements des pays bénéficiaires ont la responsabilité
exclusive d'établir leurs plans, priorités et objectifs de développement national,
comme l'indique le consensus de 1970 figurant dans l'annexe à sa résolution 2688
(Xxv), et soulignant que les activités opérationnelles du système des Nations
106
Unies gagneraient en impact et en portée si elles étaient intégrées aux plans et
objectifs nationaux”. (A/RES/44/211, 1989:3)
No que se refere à ação dos organismos de cooperação, a resolução considerava fundamental
a presença física, nos países, das agências internacionais, porém enfatizando que esta presença
deveria estar associada a um programa/projeto, e não baseada em uma representação formal.
Sinalizava ainda, que caberia ao coordenador residente (representante da ONU no país)
centralizar e agir como chefe de equipe dos organismos da ONU
109
.
“16. Considère qu'il est urgent d'améliorer la représentation des organismes des
Nations Unies au niveau local conformément aux fonctions définies dans la
présente résolution, prie le Directeur général d'établir un rapport contenant
informations exhaustives a ce sujet, en utilisant tous les rapports appropriés
relatifs à la représentation des organismes des Nations Unies au niveau local, et
de lui présenter à sa quarante-sixième session des recommandations précises sur
les améliorations à apporter et sur-les moyens d'accroître l'efficacité eu égard aux
objectifs énoncés dans la présente résolution, et prie les chefs de secrétaria: les
organismes concernés de coopérer pleinement à l'établissement de ce rapport en
fournissant les éléments d'information voulus” (A/RES/44/201 paragrafo 16,
1989).
De acordo com os termos adotados nesta resolução, a cooperação dos organismos
internacionais se realizaria mediante a apresentação, pelos governos, de um programa
nacional de desenvolvimento, onde deveriam constar as áreas e os planos para o
desenvolvimento pretendido, e os acordos de cooperação já não poderia ser feitos com base
em projetos avulsos, e sim de uma estratégia de desenvolvimento nacional
110
.
Ainda em 1989, o Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (CAD/OCDE), apresentou em seu relatório anual as orientações
a serem adotadas para as ações de cooperação para o desenvolvimento
111
e a 137ª sessão do
109
“De rendre le coordonnateur résident mieux à même d'agir comme chef d'équipe des organismes des Nations
Unies au niveau du pays afin d'assurer l'intégration des apports sectoriels du système et la coordination efficace
et cohérente de son action dans le cadre du programme national.” (A/RES/44/211,parágrafo 15, letra a).
110
“d) La nécessité de passer de l'approche axée sur les projets à une approche axée sur les programmes a pour
corollaire que tous les organes directeurs intéressés, et en particulier le Conseil d'administration du Programmes
des Nations Unies pour le développement, devront mettre au point des mécanismes de coopération technique
davantage orientés sur les programmes en vue d'apporter aux programmes nationaux un appui plus souple et plus
efficace” (A/RES/44/211, 1989: 8).
111
A OCDE é um organismo de cooperação econômica que sucedeu à Organização Européia de Cooperação
Econômica (OECE) em 1961 e seu objetivo é “aider les gouvernements à réaliser une croissance durable de
l’économie et de l’emploi, ainsi qu’une progression du niveau de vie dans les pays membres, tout en maintenant
la stabilité financière, et de favoriser ainsi le développement de l’économie mondiale”. A convenção da OCDE,
107
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) adotou resolução semelhante
quanto aos investimentos.
“(a) élargissement de la base du développement humain; (b) meilleur équilibre
entre les ressources naturelles disponibles et les populations qui en vivent; (c)
intégration de ces préoccupations dans des stratégies de développement à long
terme grâce à une harmonisation plus étroite des décisions prises au niveau
national et à l’extérieur en ce qui concerne les politiques sectorielles nationales et
les interventions ciblées”. (135 EX/14 1990).
As medidas aprovadas na 44ª Assembléia Geral da ONU, associadas ao relatório anual da
OCDE e às resoluções do PNUD, colocaram a UNESCO em um dilema quanto aos caminhos
do processo de descentralização. O conjunto de medidas tomadas pela ONU, PNUD e OCDE,
ao mesmo tempo em que contribuíam para os esforços empreendidos pela Organização desde
os anos 1970, apresentava novos desafios e demandas, em especial mo que se referia à
integração das ações de cooperação, às relações com os países-membros e à distribuição dos
fundos de financiamento.
Ante as resoluções expostas no documento 44/211, a Organização se prontificou a estabelecer
uma série de medidas internas (Documento 135 EX/14 de 1990). Apesar de acatar a maioria
das resoluções, foram feitas algumas críticas e ponderações:
“La nécessité d’accorder une plus grande attention aux analyses sectorielles, à
l’evaluation des besoins et à la prestation de services consultatifs techniques qui
devraient intervenir préalablement à l’identification des projets s’inscrit
naturellement en corollaire de l’hypothèse envisagée dans la résolution 44/211,
selon laquelle le système des Nations Unies devrait s’efforcer de recourir de plus
en plus à la modalité de l’exécution des projets par les gouvernements. N’ayant
plus à se soucier de la mise en oeuvre des projets, les organismes des Nations
Unies pourraient se préoccuper davantage du processus permettant de
sélectionner des projets appropriés et durables. Pour renforcer le processus de
programmation, on commencerait par aider les gouvernements à élaborer un
“schéma global de programme national” donnant une vue d’ensemble des goulets
d’étranglement en matière de coopération technique dont la solution exigerait la
collaboration et l’aide financière du système des Nations Unies”. (135 EX/14,
de 1960, estabelece que o principal objetivo da organização é contribuir com o “desenvolvimento e o progresso
econômico”. Sua importância reside no fato de ser composta pelos países que detêm 60% da economia mundial.
Em 1989, a reunião de Ministros da cooperação do CAD – cujo papel é traçar diretrizes para os investimentos da
Organização, contou com a presença de representantes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o
que deu às declarações um peso importante. Os países vinculados à OECD são tratados pelos organismos
internacionais como os principais doadores, “devendo-se ter uma atenção especial às suas demandas”.
108
1990 :5 [grifos meus]).
Um primeiro aspecto que chama a atenção neste trecho é o emprego de certos termos como
services consultatifs. Seu uso (mesmo que de forma normativa) produz um novo significado
para a definição das relações da Organização com os governos. Estas não se fundariam, a
partir deste trecho, na idéia de cooperação até então mantida como princípio da relação, mas
em uma prestação de serviços. Essa mudança de status leva a outras formas de atuação dos
integrantes destas organizações e produz entendimentos distintos e conflitos entre cooperados
e cooperantes. O trecho revela ainda uma concepção distinta da expressa na resolução 44/211
e a visão da UNESCO do tipo de cooperação a ser empreendida. Na resolução da ONU, o
esquema global do programa nacional deveria ser realizado pelos governos nacionais, e não
pelas agências internacionais.
“Demande que la programmation des activités de coopération du système des
Nations Unies soit mieux intégrée et coordonnée afin que les processus de
programmation soient fondés sur le schéma global du programme national
d'activités opérationnelles de développement qu'établirait le gouvernement du
pays bénéficaire et qu'il soumettrait aux organismes des Nations Unies dont il
souhaite recevoir l'appui et le financement et dont l'action serait coordonnée par
le coordonnateur Résident” (A/RES/44/211, 1989: 7 [grifo meu])
Neste trecho observa-se que a cooperação começa a ser percebida como atividades, o que
indica a necessidade de demarcar um espaço de atuação para ordená-las e integrá-las aos
demais interesses da Organização.
“Les gouvernements devront établir, conformément à leurs plans et priorités de
développement, des schémas intégrés de leur programme national déterminant les
besoins en matière de coopération que devraient satisfaire les organismes des
Nations Unies et permettant ainsi a ces derniers d'appuyer plus efficacement les
priorités de développement des pays en développement et d'axer son action sur
les pays, tout en facilitant la mise au point d'une approche-programme, grâce à la
formulation claire des objectifs nationaux et a une analyse systématique des
problèmes et contraintes en matière de développement”. (idem, idem)
A resolução da ONU outorgava maior autonomia aos Estados nacionais para definir, elaborar
e apresentar um programa de desenvolvimento para o qual desejassem cooperação
internacional. Já na interpretação da UNESCO, os organismos internacionais poderiam ajudar
os Estados nacionais a elaborar o plano nacional de desenvolvimento, visto que muitos países
em desenvolvimento não estavam preparados para assumir as responsabilidades
109
administrativas e financeiras. (...) Não havendo nenhuma necessidade de constranger os
países para assumirem tais responsabilidades não o desejando (Idem, p. 7)
112
.
Estes dados poderiam passar despercebidos, pois a resolução 44/211 estabelecia normas de
conduta para as relações entre organismos internacionais e Estados nacionais, cabendo ao país
definir em que momento poderia contar com a cooperação. No entanto, como veremos mais
adiante, a relação desses organismos com os países não se sustentava em seus vínculos
jurídico-legais e na sua autonomia territorial. Os textos já citados de Dezalay (2004) e
Dezalay e Garth (2002) chamam a atenção para as relações horizontais entre Estados
nacionais e instituições internacionais, constituindo o que poderíamos denominar uma
comunidade transnacional de especialistas. Neste tipo de perspectiva, a noção de programa
nacional de desenvolvimento como concebida pela ONU está sujeita a interesses
internacionais em que arbitram as ações dos organismos internacionais e demais instituições.
Neste sentido, a interpretação da UNESCO, expressa na resolução 135 EX/14, tem grande
importância. Para a UNESCO, as medidas da ONU limitariam o desenvolvimento das ações
de cooperação.
“Dans la mesure où les nouveaux arrangements proposés pour les dépenses
d’appui pendant la prochaine décennie ne prévoyaient pas de mesures d’incitation
financière visant à associer les organismes des Nations Unies au soutien apporté
aux projets exécutés par les gouvernements, les dits organismes ont souligné, à la
trente-septième session du Conseil d’administration que leur rôle dans la
coopération technique multilatérale risquait fort d’être rapidement
marginalisé si l’on confiait à bref délai l’exécution de toutes les activités aux
gouvernements.” (135 EX/14, 1990: 7 [grifos meus])
Em 1990 a UNESCO encontrava-se ante alguns dilemas tanto no que se referia à sua inserção
no mundo da cooperação internacional, quanto às suas dificuldades financeiras. As resoluções
da ONU conferiam aos Estados nacionais maior poder de decisão e de definir os caminhos
para o desenvolvimento. As medidas também determinavam a maior centralização da ação
das agências internacionais nas mãos de um representante indicado pelo Secretariado da ONU
nos países beneficiários.
112
“de nombreux membres du Conseil ont également fait observer (a) que de nombreux pays en développement
n’étaient pas prêts à assumer les responsabilités administratives et financières liées à cette modalité et (b) qu’il
n’y avait aucune raison de contraindre les pays à assumer de telles responsabilités s’ils ne le souhaitaient pas”.
110
Mesmo assim, a concessão da prestação de serviços estava estreitamente ligada à capacidade
das organizações de convencer os órgãos financiadores e também os governos da importância
de sua ação. Captar recursos era o grande objetivo, e o espaço mais adequado para isto ainda
era buscá-los no próprio Sistema da ONU, ao qual estavam vinculadas as principais fontes
financiadoras. No entanto, esta era a estratégia de quase todas as agências especializadas e
entidades da sociedade civil
113
e, por isso, era preciso disputar os recursos com os demais
organismos internacionais e organizações não governamentais. Fora do Sistema da ONU, as
agências precisavam convencer governos e poderes locais da necessidade e importância da
prestação de certos serviços, ação que também era disputada por instituições da sociedade
civil.
114
. Estes dois grandes desafios visavam fortalecer a instituição perante a comunidade
local e internacional, afirmando-a, desta maneira, como sujeito político credenciado para
receber financiamentos.
Com a resolução 44/211, a UNESCO precisava, cada vez mais, pensar suas ações em uma
perspectiva global, orientada pelos interesses dos países. No âmbito interno, a
descentralização era cada vez mais necessária e era uma demanda dos funcionários e
representantes locais da Organização. O caminho para estreitar vínculos com os Estados
Nacionais era determinante para manter a influência da Organização em escala mundial.
Alguns funcionários da organização manifestavam sua preocupação com a perda da influência
da UNESCO frente a outros organismos internacionais.
“Il semble que d’autres organismes des Nations Unies empiètent
progressivement sur les domaines de compétence de l’UNESCO. Chacun se mêle
de faire de l’éducation: la Banque Mondiale conseille les gouvernements en
113
Diferentes autores vêm destacando o crescimento da influência das organizações da sociedade civil nas
instâncias do Sistema da ONU.(Cf. Vieira, 2001, em especial parte IV p.165-218; e Rice e Ritchie, 1995).
114
De acordo com alguns autores, as organizações não governamentais teriam função paralela e complementar às
agências internacionais, não refletindo de fato uma “concorrência”. Dentro das prerrogativas para elaboração de
programas, as ONGs estariam mais vinculadas as ações de monitoramento e acompanhamento (Vieira, 2001:
150-155). Em muitos casos, estas teriam um papel de “sensibilizar” os governos para certas questões, sendo um
aliado importante do sistema ONU. “As ONGS e a mídia global, em particular, canalizam para a opinião pública
os problemas que requerem ação pública. Alguns órgãos da ONU se esmeraram em usar essas fontes
inestimáveis, argumentando que as ONGs freqüentemente se engajam em atividades consideradas sensíveis, e
que são assumidas pelos governos uma vez que tenham se certificado da aceitação popular.” (Vieira, 2001: 152).
No entanto, outros estudos vêm mostrando que a relação entre ONGs e organismos internacionais é mais de
interdependência do que de “sensibilização” e constituem, como apontou Barros, “um campo polinucleado de
poder” Cf. Barros (2005: 27). Em uma outra perspectiva, o trabalho de Cristina Bastos (2002) mostrou o papel de
mediação desempenhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) junto a ONGs e governos locais na luta
contra a AIDS na década de 1980. (Cf. especialmente o Capítulo 3: “Patrocinando a ação global: o papel da
OMS”, p. 75 – 102).
111
matière de politiques éducatives, l’UNICEF se lance dans I’éducation de base et
l’alphabétisation des adultes, la FAO s’ooccupe de l’éducation axée sur
l’agriculture, le PNUD fait de la mise en valeur des ressources humaines et l’OIT
de l’enseignement professionnel. (...) La concurrence, dit-on, est la forme
supérieure de coopération: peut-être est-il possible et nécessaire de la
promouvoir, mais il conviendrait aussi de rappeler à chaque organisme son
mandat initial” (Bureau de Lusaka). (136 EX SP /RAP1, 1991: 28).
Dentro deste espírito, os funcionários também demonstravam insatisfação quanto à relação da
Organização com as Comissões Nacionais e com outras organizações locais.
“Par voie de conséquence, il faudrait assigner aux commissions nationales une
double fonction: elles seraient conçues à la fois comme des organes de
représentation et de liaison entre le Siège et les institutions gouvernementales, les
associations, etc., et comme des instances dynamiques, créatives, plus étroitement
associées au travail des bureaux sous-régionaux." (Commission Nationale du
Nicaragua)” (Op. cit. p. 27)
“Les différents ministères et les institutions spécialisées des Nations Unies n'ont
pratiquement aucune influence sur le choix des projets qui seront finalement
approuvés et inclus dans le programme de pays. Il est donc important que les
propositions soumises par les différents ministères soient élaborées avec soin et,
en particulier, en conformité avec le plan de développement national (... )”
(Bureau de New Delhi). (Idem, id)
Era necessário, mais do que nunca, fortalecer os vínculos regionais e, principalmente, com os
governos nacionais. Esta preocupação consta no documento elaborado pelo Conselho
Executivo em setembro de 1990 sobre a estratégia que a UNESCO deveria adotar.
“Comme toute stratégie, elle doit être modulée en fonction des contextes et des
priorités du moment. La question qui se pose, à cet égard, est celle de l’équilibre
à réaliser - au cours de la décennie 90 - entre les différentes formes que peut
revêtir l’action de l’Unesco; devrait-elle d’abord, et avant tout, s’efforcer de
mettre en place ou de renforcer des cadres de coopération entre Etats, ainsi
qu’entre communautés intellectuelles et scientifiques – permettant l’échange et la
diffusion d’informations et d’expériences, et l’élaboration de projets conjoints -
au niveau interrégional d’une part, régional et Sou-régional d’autre part? Devrait-
elle faire une place croissante aux activités de soutien direct aux Etats membres
considérés individuellement, et ceci pour répondre aux demandes sans cesse plus
nombreuses qui lui sont adressées à cet effet par les Etats membres eux-mêmes et
par les autres institutions internationales?” (135 EX/25, 1990: 2).
A resolução 44/211 limitava as possibilidades de ação da Organização, visto que a
Assembléia Geral da ONU convidava suas agências a adotarem medidas para reforçar uma
approche axé sur les pays, o que significava que os programas desenvolvidos por todas as
112
agências vinculadas ao Sistema da ONU deveriam integrar-se nos países. A cooperação
precisava ser pensada com base nas demandas dos países-membros.
A resolução da ONU alterava sutilmente o caminho até então trilhado pela UNESCO para a
descentralização, priorizando o investimento no nível interregional – com uma perspectiva
global –, em detrimento do investimento axé sur les pays. O maior problema enfrentado por
este tipo de estratégia residia exatamente na dificuldade de adaptar conceitos formulados para
uma escala global às necessidades locais, tão dispersas e distintas
115
.
A resolução 132 EX/6 de 1989 definiu que a participação dos países-membros se daria
mediante as Comissões Nacionais. A partir das resoluções da ONU, a UNESCO deveria
mudar sua estratégia e atuar no nível do governo executivo. Em 1990 o tema da
descentralização já aparecia sensivelmente alterado.
“la décentralisation n’est pas une fin en soi, mais une stratégie qui vise à faire
participer plus activement les Etats membres à la conception comme à
l’exécution des activités de l’Organisation, et en Particulier à assurer que ces
activités ont un impact tangible, une efficacité réelle dans les divers pays des
différentes régions”. (135 EX/ 25, 1990: 2).
Observa-se que a partir deste período o papel das instâncias da Organização no plano local e
regional (Comissões Nacionais, representantes etc.) cresce consideravelmente, tornando-se os
braços locais da instituição
116
. As medidas mais importantes adotadas no período foram a
integração dos diferentes modelos de escritórios existentes nas mesmas regiões e a decisão de
115
Neste sentido, cabe citar a análise feita por Maio do sentimento de ‘fracasso’ provocado por dois projetos
patrocinados pela UNESCO em território nacional, a fundação do ‘Instituto Internacional da Hiléia Amazônica
(IIHA), em 1947, e o ‘Projeto Unesco de Relações Raciais’, em 1950. O autor analisa estes projetos para além da
dicotomia ‘fracassovs ‘sucesso’ e mostra as contradições, tensões e conflitos entre o ‘desígnio global e a
tradução local’ (Maio, 2004: 163), para concluir que “tanto a proposta do Instituto Internacional da Hiléia
Amazônica quanto o ‘Projeto Unesco de Relações Raciais’ revelam aspectos distintos da formulação e recepção
de demandas globais em contextos locais” (Idem, Id.). Para uma análise mais detalhada Cf. Maio (1997a; 2000 e
2004).
116
Em uma circular enviada em 1990 a todos os representantes hors-sièges, o diretor geral da Organização
determinava que as representações regionais redefinissem com seus parceiros locais as melhores ações e
estratégias a serem descentralizadas. No entanto, dada a dificuldade de estabelecer uma representação em cada
país, a organização optou por ordenar suas ações a partir das regiões, constituindo “réseaux intégrés de
ressources”: “les unités hors-Siège d’une même région devront progressivement s’organiser en “réseaux intégrés
de ressources” où les connaissances géographiques et techniques spécialisées de chaque unité seront disponibles
pour compléter la gamme des services que l’Unesco peut offrir à chaque État membre de la région” (135 EX/25;
1990: 7).
113
que o representante da organização em uma determinada região ou país deveria ter um perfil
técnico, mas capaz de atuar junto às instâncias de poder local.
Descentralização 2: Em busca da expansão através das Unidades fora da sede
O final da década de 1990 foi marcado por intensos debates sobre para encontrar as melhores
estratégias de descentralização, visando fortalecer as unidades hors-siéges sem prejudicar os
programas da instituição e sua missão.
Com a resolução 44/211 da ONU, a descentralização adquiriu um novo significado para a
UNESCO. Os escritórios hors-siéges deveriam não só ter caráter técnico como capacidade
para influenciar as ações e programas de desenvolvimento local, em diálogo com s órgãos
públicos e privados. Por outro lado, tratando-se de uma organização global, as representações
hors-siéges deveriam adaptar os objetivos gerais da organização às necessidades locais, tarefa
que exigia escritórios técnica e politicamente bem estruturados.
Em 1990 foi realizado no Cairo e na Tunísia um estudo aprofundado sobre a
descentralização (136 EX/SP/INF.l). Este documento permite perceber as dificuldades e
tensões que envolviam o processo de descentralização, como mostram os trechos destacados
abaixo:
“Ce Bureau dispose officiellement d'un chef de Bureau (P-5), d'une secrétaire (L-
6) et d'un commis chauffeur (G-3). Leurs relations professionnelles et
personnelles sont manifestement tendues. Le Chef de Bureau, M. Daddah, tente
avec difficulté d'accomplir sa mission le plus efficacement possible. Il a recruté
deux contractuels pour donner plus de volume à l'activité de son Bureau ; l'un,
licencié en droit, a effectué un bon travail de documentation et d'exposition ;
l'autre, bachelière, l'aide efficacement. (…)
Il faut bien constater que ce Bureau, mal installé, dans um quartier excentré, sans
possibilité de parking, a beaucoup de difficulté à mettre en valeur les activités de
l’Organisation (expositions, visites, recherches en documentation). Le Siège
connaît les efforts de M. Daddah pour assurer, malgré ses maigres moyens, son
rôle de représentant de l’UNFSCO qu’il pourrait, à mon avis, remplir
correctement si on lui accordait une logistique plus substantielle (...).
M. D. estime qu’il a essentiellement un rôle de représentation à Tunis et dans la
région. Encore constate-t-il qu’il ne parvient pas, faute d’adjoint, à être présent
114
partout où il devrait l’être. Pour l’essentiel, il regrette de limiter ses activités à des
contacts de nature protocolaire ou représentative. Cela dit, il s’efforce de
concrétiser ses actions sur le terrain par : - le suivi de l’actualité dont il rend
compte à Paris, - des propositions d’action au Siège, - la participation aux
séminaires importants (Alger sur les stratégies de l’éducation), - et, comme
indiqué ci-dessus, des actions protocolaires et représentatives qui lui prennent
beaucoup de temps. Il faut reconnaître que ses objectifs sont peu ambitieux et les
resultants bien limités.
Le représentant du PNUD, avec lequel je me suis longuement entretenue, se
félicite de ses relations personnelles avec notre représentant. Mais il insiste sur la
qualité des cadres tunisiens. Ainsi, indique-t-il que le représentant de 1'UNESCO
a beaucoup travaillé sur le projet de la Bibliothèque Nationale que l'Organisation
va financer avec le PNUD mais qu'il travaillera seul avec 1'État tunisien. De
façon générale, le représentant du PNUD reconnaît qu'il n'existe pas de véritable
coopération locale avec l'UNESCO. Son interprétation s'appuie sur le fait que
l'UNESCO ne doit pas exécuter de projets opérationnels mais axer son action sur
l'expertise intellectuelle.” (Op.cit. p. 2-4)
As percepções apresentadas no relatório do comitê de trabalho sobre a descentralização
tiveram um forte impacto no Conselho Executivo, que a partir de 1992 tomou uma série de
medidas para qualificar melhor seus quadros nos países e regiões onde atuava e,
principalmente, estreitar as relações com os governos nacionais
117
.
Dentre estas medidas, as que tiveram maior impacto no caso brasileiro e efeitos mais
importantes na atuação da Organização foram assim definidas no documento (142 EX/6;
1993).
“L’objectif général, qui se fonde sur les orientations données par le Conseil
Exécutif, peut être résumé comme suit : la décentralisation étant un processus et
non pas une fin en soi, son objectif est de revitaliser le rôle de I’UNESCO en ce
qui concerne:
(a) la coopération intellectuelle dans chaque région et entre les régions;
(b) la visibilité, la pertinence et l’impact de notre action dans chaque pays;
(c) la collaboration avec le système des Nations Unies aux niveaux national et
regional” (Op. cit. p. 5)
Estas medidas visavam essencialmente desonerar a sede de gastos com pessoal e com
determinadas atividades. Ao incentivar a cooperação intelectual com regiões ou países, o
Conselho Executivo entendia a importância de valorizar as instituições científicas locais e de
estreitar laços com sujeitos políticos capazes de contribuir para os saberes institucionais com
117
No anexo 1.6 disponibilizo o documento completo com as medidas propostas para as Unidades Regionais.
115
experiências e saberes locais. Neste aspecto é relevante o depoimento atribuído ao
representante do PNUD na Tunísia sobre a ação da UNESCO na região.
“Pour lui, la décentralisation de l'UNESCO ne consiste qu'à recréer des
bureaucraties locales. Il affirme sévèrement que l'UNESCO est incapable
d'apporter son expertise dans tous ses domaines de compétence et de jouer - sur le
terrain - le role d'une agence spécialisée. Elle serait totalement absente dans ses
rôles - d'appui au développement - de transfert de technologie - de travaux em
ressources humaines. Pour lui, la coopération avec le PNUD est inexistan en
raison du manque de moyens et d'expertise de l'UNESCO sur le terrain” (136
EX/SP/INF.l : 4).
Entre as iniciativas valorizadas, o Conselho Executivo tinha apreço especial pelas unidades
hors-siège que conseguiram comprometer os governos locais com a descentralização, o que,
na prática, significava arcar com os custos de criar e manter estas unidades locais, além de
contribuir com personnel professionnel
118
. Em 1999, as ações de descentralização passaram a
ser definidas como une mise en oeuvre rationnelle de la décentralisation (30 C/83) e
continuaram sendo objeto de investimentos da Organização.
O processo que a UNESCO denominou descentralização pode ser entendido como a
necessidade de nacionalizar iniciativas globais. Ou seja, ao estabelecer que a missão de um
organismo internacional está intimamente vinculada à sua capacidade de globalizar temas e
instituir certas universalizações, as estratégias devem ser pensadas em escalas distintas. A
instauração de unidades fora da sede (unités hors-siége) e a criação de representações
regionais são iniciativas de abrangência ampla. Uma unidade fora da sede permite à
Organização atuar e ter acesso a procedimentos locais muito particulares e restritos. Como
apontou Silva (2004) analisando a missão da ONU em Timor Leste, a presença de organismos
internacionais e suas negociações com instituições e autoridades locais no país gerou
118
“Plusieurs bureaux hors Siège ont pris des initiatives conjointes où le gouvernement hôte et parfois d’autres
gouvernements de la région participent à l’effort de renforcement des bureaux hors Siège par la mise à
disposition de personnel professionnel comme collaborateurs au sein de ces bureaux (par exemple, à Brasilia et à
Beijing)” (142 EX/6: 5). “L'engagement des Etats membres qui reçoivent des bureaux hors Siège mérite d'être
souligné ; il ne se limite pas à des considérations théoriques ou à des déclarations d'intention ; il s'exprime de
manière concrète par des contributions en espèces ou en nature pouvant être chiffrées à quelque 6 millions de
dollars pour 1998-1999. Ce montant est d'autant plus remarquable que le réseau est avant tout ancré dans des
pays à faible ou très faible revenu. Lors de la création d'un bureau hors Siège, la participation attendue du pays
qui le reçoit est précisée dans un "Accord de Siège" signé entre les autorités nationales et l'Organisation ; il s'agit
principalement de locaux mis à disposition sans frais mais aussi de personnel détaché par les services
gouvernementaux et de services divers rendus à des conditions préférentielles. Le tableau ci-après résume les
contributions - en espèces et en nature - mises effectivement à la disposition de certains bureaux hors Siège en
1996-1997 par les Etats membres qui les accueillent”. (155 EX/19, 1998: 3)
116
processos de definição e redefinição da identidade timorense. Toda uma literatura tem
investido na pesquisa dos diferentes processos e situações provocadas por este “encontro”
entre agentes políticos distintos e identificados com normas e diretrizes construídas no
Sistema da ONU e os sujeitos políticos locais que podem assumir múltiplos papéis:
intermediários, cooperantes, colaboradores ou assistidos. (Cf. Kaufman, 1997; Barros; 2005:
Grillo, 1997).
O mais importante na estratégia de descentralização da UNESCO é que ela abre um espaço
em escala local (Estado nacional) capaz de catalisar diferentes processos em escalas distintas.
Ao descentralizar suas ações/atividades em diferentes tipos de ordenamentos (escritórios
regionais, escritórios temáticos etc.) a Organização opera com o que Dezalay e Garth (2002:
31) denominam “estratégias de internacionalização”.
“(...) cette notion nous sert à décrire la façon dont les opérateur nationaux
cherchen à tirer profit d’un capital étranger – en termes de titres universitaires, de
contacts, et plus généralement de légitimité ou de notoriété internationale – pour
accroîter leur influence dans leur champ national” (op.cit.: 31)
Se por um lado as organizações internacionais são espaços favoráveis à institucionalização de
visões universais e porta-vozes de “cosmopoliticas” variadas, sua existência e sobrevivência
pressupõe enraizamentos em escalas distintas.
Meu objetivo ao resgatar este debate é analisar certas mudanças empreendidas no âmbito da
ONU e, em particular, no universo da UNESCO e acompanhar seus reflexos na política
nacional, em especial na relação das autoridades brasileiras com a Organização, tema dos
próximos capítulos.
117
CAPÍTULO 2
Carta Capital: O escritório da UNESCO no Brasil hoje é o maior
do mundo. O que levou a isso? É porque aqui há mais recursos?
Jorge Werthein: Acho que são várias coisas que intervêm ao mesmo
tempo. A primeira, fundamentalmente, é que o Brasil é um país de
grande receptividade à cooperação multilateral. Segundo, porque
sempre foi importante dentro da Unesco, teve funcionários nos altos
comandos. Terceiro, se não tivéssemos sido capazes de entender as
demandas do Brasil, não teríamos crescido e nos tornado o maior
escritório. Quarto, acho que tenho um papel. Morei aqui de 1977 a
1986, sou casado com uma brasileira, tenho cinco filhos brasileiros.
Comecei a publicar meus livros no Brasil, conheci muitos intelectuais
e políticos brasileiros. Tudo isso gerou uma relação de muita
intimidade com o Brasil, sua elite intelectual e, diria, sua elite
política. As pessoas me conhecem, confiam. A Unesco começa a
crescer e a gerar essa sensação de confiança”. Entrevista do então
representante da UNESCO no Brasil à revista Carta Capital, ano X nº
301, julho de 2004: 27.
118
DEFININDO CONCEITOS: JUVENTUDE VIOLÊNCIA E CIDADANIA
Em seu número 6, o boletim Notícias UNESCO de abril-junho de 1998 apresentou uma
matéria intitulada “Seminário discute situação do jovem no Brasil”. Esta matéria referia-se
a um evento realizado em junho de 1998 no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em
Brasília, para divulgar os resultados do estudo Juventude, violência e cidadania: os jovens de
Brasília, e o lançamento da publicação Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. A
matéria iniciava com o seguinte trecho:
“Quando foram divulgados, no final do ano passado, os resultados da pesquisa
Juventude, Violência e Cidadania, coordenada pela UNESCO, um dado chamou a
atenção: apenas 0,5% dos mais de 400 jovens brasilienses, entre 14 e 20 anos,
ouvidos na pesquisa, disseram confiar nos políticos. Na justiça, 0,7%. Na igreja,
6,7. Já na família, 84%. A descrença dos jovens nas instituições públicas
despertou integrantes do Governo, de organizações internacionais e da sociedade
civil brasileira para a importância de se pensar mais e melhor em uma política
voltada para os interesses da juventude. (...)
Foi nesse contexto que se realizou, de 21 a 24 de junho no Centro de Convenções
Ulysses Guimarães, em Brasília, o Seminário Jovens Acontecendo na Trilha das
Políticas Públicas, organizado pela Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento (CNPD), Organização das Nações Unidas (UNESCO e
FNUAP) e Ministério do Planejamento e Orçamento. Logo após a cerimônia de
abertura (...), a qual teve a presença de autoridades do Governo Federal, dos
poderes Legislativo e Judiciário, das Nações Unidas e de ONGs (...), foram
lançados os livros Jovens Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas e
Juventude, Violência e Cidadania. (...) O primeiro reúne textos de especialistas
brasileiros no tema juventude, com enfoque especial para as áreas de educação,
ciência, saúde e trabalho. O segundo, prefaciado por José Gregori, Secretário
Nacional de Direitos Humanos, apresenta, de maneira clara e objetiva, os
resultados da pesquisa Juventude, Violência e Cidadania (...). O seminário
apresentou uma série de painéis, debates e eventos culturais, dos quais
participaram também representantes dos jovens como a JULAD (Juventude
Latino Americana pela Democracia), o Jornal Radical, a comissão de Juventude
da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o grupo AfroReggae e a MTV
Brasil” (Notícias UNESCO, 1998: 3).
Estes trechos apontam alguns aspectos importantes: no primeiro parágrafo, ao apresentar
alguns resultados do estudo Os jovens de Brasília, a matéria priorizou a “descrença dos jovens
nas instituições públicas” e o fato deste dado mobilizar diferentes instituições (governo
federal, organizações internacionais, ONGs etc.). No parágrafo seguinte, ao serem listados os
participantes do evento, observa-se a presença de integrantes destes setores sociais. Em certa
medida, a matéria pretende estabelecer umnculo entre a importância dos resultados dos
119
estudos e a presença dos diversos representantes, que estariam unidos para “pensar mais e
melhor em uma política voltada para os interesses da juventude”
119
.
A segunda matéria publicada foi intitulada “Juventude tem sido esquecida, diz Ruth
Cardoso” e traz comentários de alguns palestrantes do seminário, com ênfase na fala da
presidente do Programa Comunidade Solidária, Ruth Cardoso: “a questão da juventude, a
reflexão sobre a situação da juventude atual, está defasada em face da urgência, da realidade
(...) precisamos descobrir qual a língua que os jovens falam” (Op. cit. p. 3).
Ainda de acordo com o boletim, o evento contou com a presença de integrantes do governo
federal (o Secretário Nacional de Comunicação, Sergio Amaral; o Secretário Nacional de
Assuntos Estratégicos, Ronaldo Sardenberg; o técnico do Instituto de Pesquisa e Estatísticas
Aplicadas (IPEA) Mariano Macedo; o Secretário de Turismo, Lazer e Juventude do Distrito
Federal, Marcelo Dourado; o vice-presidente da República, Marcos Maciel, o representante
do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), George Walmsley, e o representante da
UNESCO no Brasil, Jorge Werthein.
Este evento foi importante para a UNESCO-Brasil pois, como procurou mostrar a matéria,
diante do dado apresentado, que indicava a “descrença dos jovens nas instituições públicas”,
os participantes estavam interessados na produção de mais estudos sobre juventude e na
concepção de políticas específicas para este segmento.
Na perspectiva da matéria, Ruth Cardoso expressou a urgência, aparentemente compartilhada
naquele momento, de investir em estudos como Os jovens de Brasília e Jovens acontecendo
na trilha das políticas públicas, que imprimiam um ar de novidade e apontavam
possibilidades de mudança no “cenário atual”, como enfatizou o coordenador do estudo, Julio
Jacobo Waiselfisz:
“A novidade no momento era fazer com que as autoridades públicas e a
119
A publicação Juventude, violência e cidadania foi apoiada pelas seguintes instituições: Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento (CNPD); Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP); Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Correio
Braziliense; Secretaria de Educação do Distrito Federal; Secretaria Nacional dos Direitos Humanos Ministério da
Justiça. A publicação Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas teve apoio do FNUAP; UNESCO;
Secretaria de Políticas de Saúde e Coordenação Nacional de DST/AIDS-MS.
120
sociedade percebessem que a juventude era um segmento social cada vez maior,
mais ativo e que deveria ser não só ouvido, mas reconhecido nos seus direitos.”
Para entender como foi possível para a UNESCO-Brasil contar com esta rede de agentes e
agências e como ela exemplifica o modo de enraizamento preconizado pela idéia de
descentralização da UNESCO-Siège ao participar da formulação de propostas de intervenção
governamental (“políticas públicas”), é necessário rever alguns aspectos da trajetória da
Organização, destacados no capítulo anterior. Com isso, podemos vislumbrar as condições de
uma possível (re)ordenação de um campo temático, apresentado como causa da existência de
um problema social (o da violência da juventude). Pode-se também perceber como a
“confiança” e a “intimidade” se tornam possíveis e facilitam ações - na escala local ou global
- que levam a intervenções governamentais específicas e à proeminência da UNESCO-Brasil.
O objetivo deste capítulo é mostrar uma dimensão do processo de formulação de planos de
intervenção governamental voltados para a juventude, que corresponde à formulação ou
identificação de um público alvo.
Com base na afirmação de Bourdieu (2004: 33) “o que faz a especificidade do campo
científico é aquilo sobre o que os concorrentes estão de acordo acerca dos princípios de
verificação da conformidade ao ‘real’, acerca dos métodos comuns de validação de teses e de
hipóteses, logo sobre o contrato tácito, inseparavelmente político e cognitivo, que funda e
rege o trabalho de objetivação” [grifos do autor], quero assinalar aqui certos “contratos
tácitos” - políticos e cognitivos - que ajudaram a definir caminhos e estratégias na formulação
do Programa Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz.
Vimos no capítulo anterior porque a UNESCO-Siège nos últimos anos havia incorporado à
sua missão a elaboração e produção de conhecimentos específicos, em escala global, a cargo
de quadros e funcionários com expertise e competências técnicas específicas. Neste sentido,
como mostraram alguns trabalhos (Bekri, 1991; Archibald, 1993; Maio, 1997 e 2004), a
organização fez um forte investimento no diálogo com representantes e indivíduos oriundos
de centros universitários ou com algum tipo de expertise universitário e com indivíduos com
algum tipo de (re)conhecimento “específico”, ou seja, com o que Bourdieu (2004: 34)
caracterizou como as duas “formas de poder que correspondem a duas espécies de capital
121
científico”
120
. Esta distinção é relevante, pois indica investimentos e relacionamentos distintos
da Organização com o “campo científico”, fundados em interesses diversos.
Para a literatura especializada sobre a UNESCO esta mudança (ou investimento) é analisada
como a retomada dos princípios defendidos em um momento anterior à constituição da
UNESCO, ainda no âmbito da Conferência dos Ministros Aliados da Educação (CMAE) e do
Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), em busca de uma autonomia do
pensamento científico e, principalmente, do caráter transformador que os instrumentais
científicos poderiam conferir em prol da paz. No entanto, pude observar que no caso
brasileiro e, mais precisamente, na relação entre a UNESCO-Brasil e o “campo científico”
brasileiro – em especial os agentes e agências aqui citados–, este investimento não se funda
unicamente na crença no emprego transformador dos instrumentais científicos, mas na
capacidade destes agentes para mobilizar e fazer circular as suas “formas de poder”. Esta
perspectiva permite compreender a ação da UNESCO-Brasil em um cenário mais amplo,
como um agente capaz de disputar a definição de problemáticas globais em uma arena
internacional (Barros, 2005).
Os investimentos internacionais da Organização se refletiram no cenário nacional,
principalmente a partir do final da década de 1990. Em 1996 a UNESCO-Siège fez uma série
de mudanças em sua estrutura organizacional no Brasil, investindo em quadros e funcionários
com diferentes trajetórias e inserções na vida política, universitária e institucional do país.
Desta forma, a organização acumulou recursos para apresentar, nas áreas de sua atuação,
porta-vozes qualificados pertencentes a redes da educação e da cultura.
Uma das iniciativas neste sentido foi a criação de um setor responsável pela elaboração de
pesquisas e avaliações dos programas desenvolvidos pela organização. Este setor teve como
principal função ajudar a promover e desenvolver iniciativas no campo da produção de
120
A distinção feita por Bourdieu (2004: 35) entre poder político e poder pessoal como dimensões autônomas,
porém integradas dentro do campo científico, me parece relevante para pensar estas duas dimensões de expertise.
Como afirma o autor, “Segue-se que os campos são o lugar de duas formas de poder que correspondem a duas
espécies de capital científico: de um lado, um poder que se pode chamar temporal (ou político), poder
institucional e institucionalizado que está ligado à ocupação de posições importantes nas instituições cientificas,
direção de laboratórios ou departamentos, pertencimento a comissões, comitês de avaliação etc., e ao poder sobre
os meios de produção (contratos, créditos, postos etc.) e de reprodução (poder de nomear e de fazer as carreiras)
que ela assegura. De outro, um poder específico, ‘prestígio’ pessoal, que é mais ou menos independente do
precedente, segundo os campos e as instituições, e que repousa quase exclusivamente sobre o reconhecimento,
pouco ou mal objetivado e institucionalizado, do conjunto de pares ou da fração mais consagrada dentre eles”.
122
conhecimentos que permitissem o diálogo com as recomendações e deliberações da CG da
Organização e com aquelas formuladas emruns mundiais do Sistema das Nações Unidas.
Desta maneira, o setor de pesquisas se converteu em um espaço capaz de integrar estas
diferentes frentes de atuação através da produção e elaboração de materiais qualificados.
O setor de pesquisa da UNESCO no Brasil foi criado em 1996 e sua primeira pesquisa foi
realizada em Brasília em 1997, com apoio e financiamento de diferentes órgãos públicos
(Secretaria de Turismo do Governo do Distrito Federal, Secretaria de Educação, Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça), de outras organizações das Nações
Unidas (UNICEF, FNUAP e PNUD) e do Correio Braziliense. Esta pesquisa foi publicada
em 1998, com o título Juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília. No mesmo ano
a Organização lançou o estudo “Mapa da violência: os jovens do Brasil”.
No ano seguinte foram publicados mais quatro estudos, que passaram a integrar a série
“Juventude, Violência e Cidadania”: Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude,
violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília, coordenado por Miriam
Abramovay; Juventude, violência e cidadania na cidade de Fortaleza, coordenado por César
Barreira; Os jovens de Curitiba: esperanças e desencantos, coordenado por Ana Luisa Fayet
Sallas; Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro,
coordenado por Maria Cecília de Souza Minayo
121
.
Nos anos subseqüentes, a UNESCO-Brasil ampliou consideravelmente sua produção na área
de violência e juventude. Entre 2001 e 2004 publicou oito livros abordando temas e
preocupações ligadas ao debate inicial.
121
O anexo 2.1 traz breves referências sobre a formação e os vínculos institucionais dos principais pesquisadores
(organizadores) das publicações trabalhadas aqui.
123
Quadro 11: Publicações do setor de pesquisa UNESCO: 2001-2004
ANO Publicação Autores Vínculo Institucional
Mary Garcia Castro Coordenadora de pesquisa
UNESCO
Miriam Abramovay Consultora BID
Maria das Graças
Rua
Consultora UNESCO
2001
Cultivando vidas, desarmando
violências: experiências em educação,
cultura, lazer, esporte e cidadania com
jovens em situação de pobreza
Eliane Ribeiro
Andrade
Consultora UNESCO
Miriam Abramovay Consultora Banco Mundial
Violências nas escolas
Maria das Graças
Rua
Consultora UNESCO
Mary Garcia Castro Pesquisadora UNESCO
Drogas nas escolas
Miriam Abramovay Universidade Católica de
Brasília
2002
Escola e violência
Miriam Abramovay
(org.)
Universidade Católica de
Brasília
Miriam Abramovay Universidade Católica de
Brasília
Ensino médio: múltiplas vozes
Mary Garcia Castro Pesquisadora UNESCO
2003
Escolas inovadoras: experiências bem
sucedidas em escolas públicas.
Miriam Abramovay
(coord.)
Universidade Católica de
Brasília
Mary Garcia Castro Pesquisadora UNESCO
Miriam Abramovay Universidade Católica de
Brasília
Juventudes e sexualidade
Lorena Bernadete da
Silva
Consultora
Ernesto Rodriguez Consultor – UNESCO-Brasil
Mary Garcia Castro Pesquisadora Sênior da
UNESCO-Brasil
Miriam Abramovay Universidade Católica de
Brasília
Fabiano Lima Pesquisador – UNESCO-Brasil
2004
Políticas públicas: de/para/com
juventudes
Leonardo Pinheiro Pesquisador – UNESCO-Brasil
Como já dito na introdução, em 2000 foi realizado no Rio de Janeiro o piloto do Programa
Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz. Esta experiência foi avaliada por uma
equipe externa da UNESCO-Brasil e os resultados publicados no livro Escolas de paz
(Abramovay et.al., 2001). No mesmo ano foram lançados, em brochura, os princípios,
objetivos e metodologia de trabalho do Programa Abrindo Espaços na publicação intitulada
Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz (Noleto, 2001). (Cf. Introdução).
Com a ampliação do Programa para outros Estados em 2002 e 2003, foram lançadas mais
duas publicações de avaliação: Revertendo violências, semeando futuros. Avaliação de
124
impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco, (Waiselfisz e
Maciel, 2002) e Abrindo Espaços Bahia: avaliação do programa (Abramovay, et.al., 2003).
O que pode ser observado no quadro acima é que, após a experiência do Programa Abrindo
Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco, iniciada em 2000, a UNESCO-Brasil assumiu
um papel importante nas ações de caráter público relacionadas à temática da juventude.
No entanto, foram as publicações de 1998 e 1999 que estabeleceram a estratégia e a
credibilidade da Organização. Estas publicações tiveram um impacto importante nas ações e
iniciativas posteriores da UNESCO-Brasil, inserindo-a em um campo de atuação em que, ao
combinar procedimentos investigativos com a elaboração de formas de intervenção social, a
Organização se alçou ao posto de uma das principais catalisadoras das ações de políticas
públicas voltadas para a juventude. As pesquisas de 1998 e 1999 fazem parte da estória da
Organização, relatadas em eventos e documentos como um marco importante em sua
trajetória.
No entanto, este processo exigiu uma série de ações e iniciativas que garantissem à UNESCO-
Brasil a legitimidade e a credibilidade necessárias para coordenar e polarizar um conjunto de
agentes e agências que já possuíam algum tipo de produção científica nas áreas de juventude e
violência. Este capítulo tenta compreender quais foram estas iniciativas e ações que levaram a
UNESCO a uma nova área de investimento e a assumir um papel de destaque nos debates
sobre juventude. Para tal examino, em primeiro lugar, a publicação de 1998: Juventude,
Violência e Cidadania: Os jovens de Brasília
122
organizada por Julio Jacobo Waiselfisz, então
Coordenador de Desenvolvimento Social da UNESCO-Brasil.
Construindo um problema social
Na perspectiva metodológica adotada nesta análise, cada texto foi entendido como o produto
de um relacionamento entre “esquemas intelectuais” (Oliveira Filho, 1987: 160) e de
organização dos fatos observados em um conjunto de categorias, noções e teorias que
orientaram e permitiram aos trabalhos exteriorizar os resultados na forma de uma narrativa
122
Doravante citado como Os jovens de Brasília.
125
inserida em um discurso construído, de modo que suas recomendações ganhassem
materialidade e eficácia
123
.
A idéia de eficácia está relacionada com a perspectiva de que estes textos não só contribuem
para um campo de reflexão e elaboração de determinadas categorias e para a análise de certos
fenômenos sociais, como também são instrumentos para a elaboração de práticas voltadas
para o conhecimento e a ação sobre um determinado segmento da população. No entanto,
montar a equação reflexão–ação envolve aspectos que não se resolvem com a simples
superposição de levantamentos de dados serializados, leis, generalizações ou mesmo
regularidades (elementos que orientam uma certa visão de cientificidade) a processos
interpretativos destes elementos transformados em procedimentos, metas e regras das práticas
de gestão. É preciso pensá-los como processos indistintos onde, citando Foucault “a verdade
não existe fora do poder” (Foucault, 1984: 12).
Apesar da existência de certa autonomia entre o que genericamente se denomina pensamento
científico e os saberes administrativos, ao pensar a ação política – e, em particular, os planos
governamentais de intervenção denominados políticas públicas – a dimensão científica
define, junto com outros saberes, um conjunto de medidas, procedimentos, regras, métodos,
objetivos e estratégias que caracterizam e definem a prática política e dão sentido aos
trabalhos científicos. Cf. Neiburg (1997); L’Estoile, Sigaud, Neiburg (2002); Oliveira Filho
(2004).
“A autonomia da ciência com relação à política aparece, assim, não como um
valor absoluto (que poderia servir de critério de classificação de diferentes
espaços científicos ou de diversos indivíduos no seio desses espaços), mas como
uma reivindicação produzida em determinadas condições históricas por agentes
ou grupos sociais específicos. (L’estoile, Sigaud e Neiburg, 2002: 15)
Assim como a “autonomia da ciência” em “determinadas condições” é reivindicada por
“agentes ou grupos sociais específicos”, a interpenetração entre ciência e política também
123
As referências conceituais e metodológicas utilizadas na análise deste material se inspiraram nos trabalhos de
João Pacheco de Oliveira, em particular os textos “Os atalhos da Magia: reflexões sobre o relato dos naturalistas
viajantes na etnografia indígena”, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Série Antropológica 3(2), 1987,
“Elementos para uma sociologia dos viajantes”, in OLIVEIRA FILHO (org.) (1987), Sociedades Indígenas &
Indigenismo no Brasil, Marco Zero, UFRJ, Rio de Janeiro e CASTRO FARIA (2002), Oliveira Vianna de
Saquarema à Alameda São Boaventura, 41 – Niterói. O autor, o livro, a obra. Relume-Dumará, coleção
Antropologia da Política, Rio de Janeiro.
126
opera como “reivindicação” consciente. Com isto, chamo a atenção para dois aspectos
importantes que devem ser levados em conta nos processos de constituição das políticas
públicas. Em primeiro lugar, é preciso atentar para o efeito político das pesquisas produzidas;
em segundo, para o efeito científico da ação política.
Em uma perspectiva weberiana, poder-se-ia falar do encontro entre uma “racionalidade
administrativa” e uma “racionalidade científica” como o processo de constituição de formas
de dominação próximas do tipo ideal de uma “dominação legal” (Cf. L’Estoile 2002: 61). No
entanto, penso que a eficácia do encontro entre esses saberes, tomados como distintos, está
justamente em sua complementaridade. A distinção entre estas “racionalidades” opera no
nível das construções narrativas, onde são formados discursos e estratégias políticas
específicas e onde se distingue cada uma destas “racionalidades” a partir da classificação e
ordenamento das práticas que as compõem. A combinação destas duas dimensões permite,
por sua vez, compreender de forma mais ampla os processos de elaboração e execução das
políticas públicas.
Os estudos promovidos pela UNESCO-Brasil em 1998, 1999 e 2001-2002 podem ser lidos
em um primeiro plano como produções autônomas que fornecem interpretações e análises
sobre certos fenômenos a partir de determinadas realidades. O ponto de unidade entre estes
estudos reside no compartilhamento de pressupostos metodológicos e teóricos, na composição
das equipes de trabalho e no processo de formatação, publicação e divulgação dos trabalhos,
constituindo o que denomino dimensão política da produção científica.
A partir deste diálogo se estruturam procedimentos e regras de um determinado tipo de
investigação, que associa experiências e orientações conceituais de natureza distinta e constrói
e define sistemas classificatórios que oscilam entre um “desejo intervencionista”, e o desejo
de proceder como o “intelectual universal” de Foucault (1984: 13)
124
. O que garante coerência
124
Foucault, ao discorrer sobre o significado e o papel do intelectual no século XX, chama a atenção para a
mudança do status tanto do intelectual percebido como “consciência universal” como também para o papel do
pensamento científico. “O intelectual era por excelência o escritor: consciência universal, sujeito livre, opunha-
se àqueles que eram apenas competências a serviço do Estado ou do Capital (engenheiros, magistrados,
professores). Do momento em que a politização se realiza a partir da atividade específica de cada um, o limiar da
escritura como marca sacralizante do intelectual desaparece, e então podem se produzir ligações transversais de
saber para saber, de um ponto de politização para outro. Assim, os magistrados e os psiquiatras, os médicos e os
assistentes sociais, os trabalhadores de laboratório e os sociólogos podem, em seu próprio lugar e por meio de
intercâmbios e de articulações, participar de uma politização global dos intelectuais.” (Foucault, 1984: 9).
127
e unidade a estas duas lógicas aparentemente distintas é a tentativa de reconstruir um mundo
social objetivo e concreto, capaz de fornecer explicações e dar materialidade a um sistema de
idéias, crenças e princípios
125
.
A construção de adesões e a definição de vínculos conceituais
Ao examinar estes trabalhos busquei construir uma “unidade de observação” (Knoke &
Kuklinski, 1982:10), que denomino aqui vínculo conceitual. Para estes autores, uma “unidade
de observação” consiste no estabelecimento (descoberta) dos elos e vínculos a que o “ator
social” está submetido em um determinado “sistema social”. Considerei pertinente neste
instrumental porque ele leva a observar outros atores que não necessariamente participam do
“sistema social”, mas são referências significativas nas decisões e ações dos que participam, e
afetam suas percepções e crenças
126
.
O que estou denominando vínculo conceitual se fundamenta no estabelecimento de relações
entre autores, linhas de pesquisa, eixos temáticos, conceitos e categorias utilizados nas
pesquisas produzidas pela UNESCO-Brasil. A partir desses vínculos, a UNESCO-Brasil pode
compartilhar com outros agentes e agências certos procedimentos para a formulação de
128
perspectiva é a constituição da dimensão ideológica do Estado nacional (Reis, 1998: 73)
127
e,
nesses termos, podemos perceber solidariedades fundadoras de certos valores, como assinalou
Max Weber com a idéia de “comunización” (Weber, 1987: 320), onde o que está em
perspectiva é a criação de laços e sentimentos de integração a um grupo ou, como visto na
epígrafe, na constituição de laços de confiança e intimidade.
Nesta dimensão, observa-se que Os jovens de Brasília aponta para a formação de um outro
tipo de adesão, neste caso àqueles que procuram intervir na realidade social. Isto pode ser
observado na maneira como são formados os vínculos conceituais e na própria narrativa
desenvolvida ao longo do texto.
Nas próximas páginas analiso estes vínculos conceituais a partir da narrativa e argumentação
propostas nos livros publicados pelo setor de pesquisa. Neste capítulo abordo Os jovens de
Brasília. No capítulo seguinte dou continuidade à análise, com foco nas pesquisas publicadas
em 1999.
Os jovens de Brasília – instituindo um compromisso teórico-conceitual
Os jovens de Brasília permitiu ampliar as parcerias e repetir a pesquisa em outras capitais e
também teve o mérito de fornecer aos outros quatro estudos as linhas interpretativas e os
procedimentos metodológicos gerais, criando desta forma um fio condutor presente em todas
as publicações da série “Juventude, violência e cidadania”.
Este fio condutor fica mais nítido com a publicação dos outros quatro textos em 1999, que
permite confrontá-los analiticamente. Penso que na primeira publicação não havia a intenção
de construir procedimentos normativos e conceituais, e sim de estabelecer uma filiação
intelectual, com a inserção em um determinado campo de pensamento que passarei a
denominar “campo temático”
128
da juventude, cujas preocupações são o jovem e a violência.
127
“A construção da nação como ideologia política do moderno Estado nacional envolve uma representação
ideal de como a sociedade deve ser organizada. Esse ideal pode abranger tanto um projeto a ser realizado como
uma justificativa de práticas correntes. Ele pode ser formulado de forma mais ou menos explícita, adquirir maior
ou menor saliência na política segundo variações no tempo e no espaço.” (Reis, 1998: 74).
128
Esta noção foi retirada do trabalho de Elisa Castro que a utilizou para agrupar autores e temas comuns: “uso
os termos “campo de investigação” e “campo temático” para designar o conjunto de autores que ao longo de décadas
129
No entanto, com a repercussão desta primeira publicação, ficou clara a formulação de regras
metodológicas e a montagem – como diria Oliveira Filho (1987: 160) – “de determinados
padrões de atividade etnográfica”, configurando um tipo de operação científica baseada na
mesma orientação metodológica, disposição dos dados coletados e procedimentos adotados.
Confrontando as notas metodológicas de cada estudo, observa-se a recorrência de “regras de
conduta” referentes aos procedimentos de investigação que devem ser obedecidas por cada
pesquisador ou pelas equipes locais
129
.
O estudo nasceu após a repercussão do assassinato brutal do índio Galdino Jesus do
Nascimento por um grupo de jovens brasilienses de classe média, como descrito na
“Apresentação” do trabalho:
“20 de abril de 1997 – o país, anestesiado pela violência cotidiana de suas
periferias, se confronta e se choca com a crueldade praticada por um grupo de
jovens brasilenses de classe média contra o índio Pataxó Hã-hã-hãe, Galdino
Jesus dos Santos, 45 anos.” (Waiselfisz, 1998a: 9)
Organização do Livro
O livro foi organizado em seis capítulos e não há uma Introdução que informe os objetivos da
pesquisa e as questões que pretende investigar; esta explicação é fornecida só na última parte,
nas “Conclusões e recomendações”
130
. No “Prefácio”, do Secretário Nacional dos Direitos
Humanos José Gregori, algumas referências permitem ao leitor situar o estudo mais a partir
dos efeitos desejados do que dos procedimentos empregados. Com expressões do tipo:
se debruçaram sobre o tema “juventude” (Castro, 2005:19). A revisão bibliográfica dos debates sobre ao tema da
“juventude” não foi objeto dessa tese, dada a existência de diversos trabalhos neste sentido, tais como Peralva (1997);
Sposito (1997), Sposito e Carrano (2003); Abramo (1997); Rua (1998); Foracchi (1997); Wulff (1995), entre outros.
129
O anexo 2.2 traz as principais etapas metodológicas das publicações de 1998 e 1999. A parte metodológica da
pesquisa é apresentada em Os jovens de Brasília nas páginas 161 a 168, no capítulo “Conclusões e
recomendações”. De acordo com os autores, “a pesquisa compreendeu duas abordagens complementares, porém
diferentes pelas características de seus resultados e estratégias adotadas: a abordagem extensiva e a abordagem
compreensiva, tentando articular os benefícios e superar as limitações de cada uma delas, quando utilizadas
individualmente” (Waiselfisz, 1998:160). Os instrumentos da abordagem extensiva foram 401 questionários
aplicados entre jovens na faixa de 14 a 20 anos; no concernente aos questionários aplicados entre “profissionais
da educação” (diretores, coordenadores, supervisores pedagógicos e professores (p.162), não há informação
sobre quantos profissionais preencheram os questionários, mas sim sobre em quantas escolas eles foram
aplicados. “Foram escolhidas 40 escolas, de forma aleatória. Desse total, 18 são escolas públicas e 22 escolas
particulares” (p.167). A abordagem compreensiva foi feita através de entrevistas (87 jovens, 49 pais, 13
professores) com o método do grupo focal. “O método utilizado para tanto foi o do grupo focal, uma técnica de
investigação qualitativa freqüentemente usada nas Ciências Sociais para buscar uma resposta aos por que e como
dos comportamentos sociais”. (Waiselfisz, 1998a: 164)
130
Os capítulos se intitulam: 1) Brasília; 2) Escola; 3) Vida familiar; 4) Cidadania; 5) O caso Galdino; 6)
Conclusões e recomendações.
130
“Era uma proposta que nos dava a oportunidade de refletir sobre muitos de
nossos próprios estereótipos. (...) o caso Galdino e este estudo posterior nos
demonstram que a violência, em sua expressão atual, permeia o conjunto da vida
social. (...) é nesse campo que a pesquisa juventude, violência e cidadania
objetiva contribuir: melhorar nosso entendimento da juventude atual, no marco
das mudanças e transformações que a vida moderna está a impor”(Waiselfisz,
1998a: 7-8)
Na “Apresentação”, Werthein descreve os objetivos da pesquisa da seguinte forma:
“Seria, portanto, o corpo em chamas do índio Galdino o reflexo dos rostos
juvenis dos brasilienses? Reconhecer e compreender os valores, práticas e
comportamentos sociais dos jovens de classe média, moradores do Plano Piloto
de Brasília, e, ainda, como são esses rapazes e moças percebidos por pais e
profissionais da educação foi o desafio desta pesquisa” (Waiselfisz 1998a: 10).
O primeiro capítulo, “Brasília”, apresenta as percepções dos entrevistados da cidade e
enfatiza suas opiniões sobre diversos temas, tais como lazer, violência, drogas, gangues,
organização espacial da cidade, atividades dos jovens na cidade etc.
131
, com o texto
estruturado a partir das respostas aos questionários e entrevistas.
Inversamente ao esperado, porém, só no primeiro parágrafo da última parte constam os
objetivos e questões que orientaram o estudo
132
; estas questões, examinadas a partir de um
campo específico de debate, já não produzem conhecimentos livres - nos termos de Foucault -
mas são inseridos em atividades e ligações mais complexas e interpenetradas. As
regularidades e procedimentos operacionais indicam uma aproximação entre “saber e poder” e
estabelecem “verdades” controladas e direcionadas, com o fim de construir conhecimentos
capazes de instituir práticas de gestão.
Instituindo as ausências
131
Os temas desta pesquisa foram organizados a partir da estrutura do questionário que consta no anexo 2.3.
132
“Esta pesquisa buscou compreender valores, práticas e comportamentos sociais dos jovens de classe média
moradores do Plano Piloto de Brasília. A análise do sistema de representações do universo investigado partiu de
algumas perguntas fundamentais: até que ponto existe entre os jovens de classe média do Plano Piloto de Brasília
uma visão compartilhada de violência? Quais são esses valores compartilhados? E quais são as diferenças
específicas entre esses jovens? Como os jovens do Plano Piloto constroem e definem sua realidade? Como
articulam e que peso relativo têm os fatos que vivenciam? Como esses jovens vêem o outro, o diferente, as
relações sociais, étnicas, de respeito, de tolerância e solidariedade?” (Waiselfisz, 1998a: 133)
131
As “Conclusões e recomendações” (143-168) se orientam, portanto, a partir da discussão das
três categorias apresentadas como eixos fundamentais de análise: juventude, violência e
cidadania. O texto não se propõe analisar a constituição destas categorias, mas toma-as como
referências conceituais na análise dos dados coletados para, desta forma, participar em um
campo de discussão sem qualquer questionamento.
“Com relação à violência, constatou-se a proliferação de estudos, tendo em vista
a relevância que o tema tem assumido na sociedade. O aumento da violência
cotidiana configura-se como aspecto representativo e problemático da atual
organização da vida social nos grandes centros urbanos, manifestando-se nas
várias esferas da sociedade e constituindo-se com um dos grandes problemas do
momento (...) Embora não seja fenômeno recente, os estudos chamam a atenção
para as proporções que vêm assumindo no espaço urbano. No caso brasileiro, as
tentativas de explicação da violência se difundem na orientação da conduta da
população urbana, no discurso dos meios de comunicação, na análise política, nos
trabalhos acadêmicos e nos projetos institucionais. Essas análises expressam uma
tentativa coletiva de dar forma racional a um difuso sentimento prévio de
extremo desconforto com a atual organização da vida cotidiana nas grandes
cidades brasileiras. (...) Com relação à juventude e violência, verificou-se que um
dos temas mais discutidos é a grande incidência de casos envolvendo crianças e
adolescentes como vítimas e ou agressores. Este fato tem levado à ampliação de
estudos que tentam explicar as causas da inserção cada vez maior de jovens em
atos de violência, centrados fundamentalmente, em jovens de periferia urbana.
(...) Identificar as razões da relação freqüente entre violência e juventude remete à
discussão de fundo sobre como as análises discutem a própria violência. Quanto à
cidadania, para efeito da pesquisa, procuraram-se subsídios que correlacionassem
os temas juventude e violência. Assim, a noção de violência aparece imbricada ao
conceito de cidadania.” (Waiselfisz, 1998a: 143-144 [grifos meus]).
Como pode ser observado no trecho acima, não existe a intenção de discutir estas categorias
do ponto de vista da sua constituição. Pelo contrário, o texto ratifica um conteúdo já atribuído
por outros autores. Desta forma, parte de categorias e temas previamente definidos e
substancializados em outros textos e publicações. As expressões a proliferação de estudos ou
estudos chamam a atenção e verificou-se que um dos temas mais discutidos expressam a
incidência de certo número de estudos já referidos sobre o tema – isto é, informam que o
estudo se situa em uma linhagem de produção discursiva. Por outro lado, a expressão como as
análises discutem pode sugerir que o texto pretende examinar a reflexão dos estudos
anteriores, ou (como sugere o trecho abaixo) algum aspecto que não tenha sido tratado por
essa literatura.
“Para efeito dessa pesquisa, o referencial bibliográfico demonstra a ausência de
132
estudos que tratem diretamente da violência relacionada às classes médias. As
análises centram-se, fundamentalmente, em atos de violência relacionados à
exclusão social. O aumento da criminalidade, tanto do ponto de vista do crime
organizado ligado ao narcotráfico, como o de violências consideradas difusas,
gratuitas, são manifestações freqüentemente analisadas, porém tais análises
localizam-se nos territórios ditos de pobreza.” (Waiselfisz, 1998a: 152 [grifos
meus]).
Neste sentido, os autores anunciam seu compromisso com uma determinada temática e,
principalmente, com certas terminologias e categorias analíticas, estabelecendo o que Lygia
Sigaud (1999: 116) denominou “mecanismos sociais que operam no processo de construção
de teorias.”
Neste ensaio, Sigaud procede a uma análise das representações construídas sobre o clássico
trabalho de Marcel Mauss “Ensaio sobre o dom: forma e razão da troca nas sociedades
arcaicas” (1991[1923-24]), procurando “através da análise do que sucedeu com o texto de
Mauss, colocar em evidência mecanismos sociais que operam no processo de construção de
teorias no âmbito da antropologia, na conformação de representações acerca de textos e na sua
consagração”. Esta idéia me parece bastante apropriada para examinar a forma como se
estabelecem o que denominei compromissos entre agências e agentes, com a criação de
vínculos conceituais através das categorias juventude, violência e cidadania.
Nas páginas 133 a 139 (primeira parte das “Conclusões e recomendações”), o texto procura
apontar as ausências e falhas do que qualificam como políticas públicas específicas para a
juventude - assinalando a ineficácia do sistema educacional em propiciar uma socialização
pautada em valores sociais universais
133
- e das políticas voltadas para prevenção e controle
da violência. Combinado à ineficácia ou ausência de políticas públicas específicas para a
juventude, o texto demonstra também que há uma dificuldade de estabelecer uma definição
precisa da violência, visto que uma pulverização, banalização e alargamento de sua
abrangência e incidência (Waiselfisz, 1998a: 135), dissemina uma variedade de fatores e
133
Como pode ser observado nos seguintes trechos: “A escola assume um papel notadamente instrumental:
preocupa-se muito em preparar o jovem para o êxito profissional e pouco em abrir espaços para compromissos
sociais e estimular uma visão crítica dos valores da modernidade.” (Waiselfisz, 1998: 133) “No Brasil não existe
uma tradição de políticas públicas destinadas especificamente aos jovens. Os programas para juventude são em
geral incorporados e atrelados àqueles voltados às crianças” (Op. cit. p. 134). Observa-se um aspecto importante,
que é a preocupação em diferenciar políticas voltadas para crianças daquelas voltadas para os jovens.
133
vetores que orientam ações violentas
134
.
A conclusão desta parte aponta o que seria, na visão dos autores, um instrumento capaz de
aferir e mensurar a eficácia das estratégias de prevenção e controle da violência, e a validação
destas estratégias têm por base a freqüência de homicídios registrados em uma determinada
localidade:
“A multiplicidade de expressões e manifestações concretas da violência tornam
difícil definir ou propor um índice objetivo para sua qualificação. Mas a
freqüência dos homicídios – com independência de suas causas – aparece como
uma variável altamente associada com os diversos fenômenos de criminalidade e
de violência cidadã. Isso nos permite utilizar a taxa de homicídios como um proxi
primário, à falta de outros conceitualmente superiores, mas ainda inexistentes, de
diversas situações sociais que se relaciona com o volume e a densidade da
violência” (Waiselfisz, 1998a: 35).
Com este tipo de análise os autores criam três tipos de cenários capazes de trazer à tona o
grau de eficácia/ineficácia das estratégias de prevenção da violência:
“a) Situações de baixa ou moderada incidência de criminalidade e de violência,
com taxas de homicídios que oscilam entre 0.5 e 5 em 100.000 habitantes. As
estratégias convencionais de prevenção e/ou repressão resultam eficazes. Podem
existir riscos para os indivíduos, mas predomina a segurança e a ordem tanto
quanto a confiança dos cidadãos nos mecanismos de controle e prevenção
institucional. (...) b) Situações em que a violência ultrapassa patamares
considerados normais, com taxas que se elevam para algo em torno de 5 a 10
homicídios em 100.000 habitantes. As estratégias de prevenção resultam nesses
casos parcialmente eficazes. Começam a aparecer subculturas alternativas que
fomentam a ubiqüidade do crime e da violência. O clima de confiança
desaparece, emergindo a insegurança e o temor que aumentam os riscos e perigos
da violência. Aparece a visão da lacuna que existe entre o que deveria ser feito
134
itens b e c, o sentimento de insegurança e impotência da população se acirraria, instituindo-se
uma quebra de confiança nos mecanismos de proteção social, incentivando estratégias
autodefensivas
135
(Waiselfisz, 1998a: 136).
A tipologia é construída com base em um discurso amplamente divulgado pela imprensa e por
certos estudos e pesquisas – isto é, pelo “senso comum intelectual” – que procuram inferir
uma relação direta entre o aumento da incidência de violências e a diminuição de um sistema
de controle e prevenção com a manifestação de um sentimento de medo. O corolário desta
operação é a criação de uma outra noção importante, a idéia de fatores de risco. De acordo
com os autores, fatores de risco são certas características presentes em espaços específicos,
como comunidades, famílias, escolas, grupos sociais ou vizinhanças que aumentam a
probabilidade da ocorrência de atos de violência praticados por jovens ou contra jovens
(Waiselfisz, 1998a: 137)
136
. A identificação destes fatores de risco colocaria em perspectiva a
dimensão das ausências, identificando quais mecanismos não estariam cumprindo sua função
social. Voltarei mais adiante a este ponto, visto que esta questão foi tratada em um estudo
feito logo após a publicação de juventude, violência e cidadania.
Neste sentido, as primeiras páginas das “Conclusões e recomendações” têm por eixo apontar
as deficiências e ausências de políticas específicas para a juventude e mostrar a ineficácia dos
mecanismos estatais e não estatais para coibir atos de violência que geram uma instabilidade
social e fomentam um sentimento de medo.
135
Este método, de “obtenção de respostas, para questões obscuras ou difíceis” (Evans-Prichard, 2005[1935]:
14) – capaz de aferir e proferir caminhos – se sustenta na crença da imparcialidade e confiabilidade de certas
técnicas e procedimentos explicativos. A crença na ciência – sobretudo quando a base empírica da demonstração
do caráter científico tênue – é um caso como outro de crenças em princípios de sistemas de pensamentos.
Relembrando certa literatura sobre rituais mágicos e forças divinatórias (Malinowski, 1961 [1922]; Favret-
Saada, 1977; Young, 1998, Colson, 1966), sugiro que o simples emprego de determinados procedimentos
científicos adquire a capacidade de restituir uma crença oposta àquela geradora de insatisfações e medos, como
mostra Evans-Prichard (2005 [1935]) ao discutir a eficácia do “oráculo de veneno” na sociedade Azande. Da
mesma forma, Colson (1966), em sua monografia sobre os Tonga de Zâmbia, mostra que a eficácia do sistema
divinatório reside na imparcialidade atribuída ao “adivinho” e no compartilhamento das premissas do seu
“método” de aferição.
136
Como ilustração, reproduzo os fatores de risco identificados pelos autores relativos ao espaço da
comunidade/vizinhança. “Disponibilidade de armas. A circulação de armas de fogo e o acesso a elas no âmbito
vivencial do jovem tem se evidenciado como um forte fator de risco na produção de manifestações violentas.
Cultura criminosa. Normas, expectativas ou valores da comunidade ou vizinhança do jovem, favoráveis a
comportamentos violentos ou criminosos. Desorganização/anomia da comunidade/vizinhança. Áreas de extrema
privação” (Waiselfisz, 1998a: 137).
135
Definindo Conceitos
Na segunda parte das “Conclusões e recomendações” (p. 143-168), observa-se um exercício
distinto do realizado nas páginas precedentes. Nesta parte o estudo procura mostrar a origem
de suas idéias e situar a procedência que fundamenta suas análises no confronto interno do
trinômio juventude-violência-cidadania. Esta parte cumpre a função de fortalecer a análise
precedente (definição das ausências) com base na criação de vínculos entre as três categorias.
Assim, a legitimidade da análise precedente sustentar-se-ia na confirmação dos “autores-
fontes” empregados para estabelecer os vínculos.
O subitem das “Conclusões e recomendações” intitulado “Marco conceitual” (Waiselfisz,
1998a: 143-168) pode ser entendido como o momento em que os autores apontam seus
aliados e sua filiação conceitual, ideológica e política. Se no primeiro momento esta filiação
se fundava na idéia das ausências, aqui ela é construída a partir da inclusão e do
compartilhamento. Este, por sua vez, ocorre com a ratificação dos pressupostos que
permitiram aos autores, nas páginas anteriores, definir ausências e fragilidades na gestão das
políticas públicas.
Os termos juventude, violência e cidadania operam aqui mais como elos - ao criar “unidades
de observação” baseadas no compartilhamento de expressões, definições e conteúdos
atribuídos aos termos - do que como categorias explicativas. Essa leitura leva a refletir mais
sobre as possibilidades de alianças que os termos proporcionam, do que sobre as explicações
que suscitam. Dito de outra forma, estes termos estabelecem vínculos devido à sua força
explicativa, mas também corroboram a formação de vínculos entre pessoas e instituições,
forjados a partir da adesão conceitual.
Com a escolha destes termos, os autores revelam aspectos importantes das estratégias de
construção de uma narrativa que visa propor ações e práticas voltadas para a construção de
políticas públicas. Ao proceder à investigação a partir de categorias como juventude,
violência e cidadania, deixam entrever a preocupação de amparar as análises nas
interpretações provenientes de uma determinada literatura. Para mostrar estes vínculos, fiz um
exercício de organização e classificação dos temas a partir dos “autores-fonte” citados, o que
permite uma melhor visualização destes vínculos, que serão explicitados mais adiante
Este exercício deixa clara a opção por citar as idéias e análises de certos autores em
136
detrimento de outros, levando à formação de uma “unidade de observação” e constituindo não
só um diálogo conceitual, mas uma adesão política e ideológica
137
.
Violência, juventude e cidadania. Primeiras definições
A primeira definição do espectro de práticas sociais do campo em que pode-se situar a
violência é a de comportamento (conduta social), que os autores tratam como um modo de
sociabilidade característico de uma determinada época que instaura uma forma peculiar de
ação e de relação entre homens e natureza. A variedade de situações em que podem ocorrer
atos de violência dificultaria a definição do termo, entendido como um fenômeno com
múltiplas causas, na qual intervém simultaneamente, ou quase simultaneamente, uma grande
variedade de fatores, sendo por isso “ambíguo” e apresentando uma multiplicidade de
manifestações de atos violentos, cujas significações devem ser analisadas a partir das
normas, das condições e dos contextos sociais, variando de um período histórico a outro
(Waiselfisz, 1998a: 144- 145).
Diante desta dificuldade em definir o que é violência, o texto chama a atenção para o fato do
tema não ser um fenômeno recente,
“Verificou-se que um dos temas mais discutidos é a grande incidência de casos
envolvendo crianças e adolescentes como vítimas e/ou agressores. Este fato tem
levado à ampliação de estudos que tentam explicar as causas da inserção cada vez
maior de jovens em atos de violências, centrados, fundamentalmente, em jovens
de periferias urbanas” (Waiselfisz, 1998a: 144).
137
Tenho claro que esta operação não permite estabelecer uma análise mais complexa e detalhada do
funcionamento da network, operação que, como destaquei na Introdução, deveria ocorrer mediante outros
procedimentos analíticos. No entanto, considero relevante e pertinente apontar os vínculos forjados e construídos
a partir de “alianças” temáticas e conceituais, visto que são um dos elementos fundantes das relações que vão ser
estabelecidas entre certos agentes e agências, voltados para a implementação de políticas governamentais, não
no plano dos “conteúdos” das interações como também nas narrativas a respeito. A estória narrada e contada
ganha força e credibilidade ao evocar sua linhagem, seu passado, suas opções, e ao identificar seus parceiros e
colegas. Neste sentido, este exercício – guardadas as devidas proporções – aproxima-se do proposto por Sigaud:
“O que busquei aqui foi identificar as condições sociointelectuais que concorreram para que as idéias contidas no
ED fossem apropriadas e reinterpreta
137
E mais adiante,
“Identificar as razões da relação freqüente entre violência e juventude remete à
discussão de fundo sobre como as análises discutem a própria violência” (Op. cit.
p. 144).
Em outro trecho, a violência é recolocada de forma ainda mais enfática.
“Se cada período histórico instaura seus modos específicos de sociabilidade, seu
leque peculiar de formas de ação e de relação entre os homens e destes com a
natureza, podemos verificar que assistimos neste fim de século a uma profunda
mudança nas formas de manifestação, de representação social e de abordagem
intelectual de um fenômeno que pareceria caracterizar nossa época: a violência
(Waiselfisz, 1998a: 144).
Argumentando ainda a favor da complexidade da definição, o texto afirma que “a violência é
um dos eternos problemas da teoria social e da prática política” e sugere não apenas uma
conexão direta entre teoria social e ação política como também fornece ao tema o status de
paradigma histórico das elaborações teóricas sobre o social. Este tipo de elaboração merece
alguns comentários: em primeiro lugar, o raciocínio apresentado parece ser o seguinte: na
história da humanidade, tem-se revelado [a violência] em manifestações individuais e
coletivas (p. 145); logo, por ser uma ação própria das relações humanas, expressa na história
da humanidade, a violência tem-se manifestado também como uma preocupação teórica.
Em segundo lugar, ao ser definida como uma manifestação das relações humanas, as relações
violentas são ordenadas em dois grupos: manifestações individuais e/ou coletivas. A este
primeiro ordenamento é aplicada uma tipologia que organiza as violências em objetivas e
subjetivas. Apesar de anunciar, o texto não identifica que atos comporiam cada um dos
grupos, informando apenas
“(...) que é possível observar violência de maneira universal. Quantificar, dizer
objetivamente que tal fenômeno é violento. Por outro lado, não se afere muito
bem o que considerar violento, o que a sociedade decreta ser a violência e,
muitas vezes, o que um grupo crê ser violência não é assim considerado por
outro” (Waiselfisz, 1998a: 146 [grifos dos autores]).
Estas últimas afirmações revelam aspectos contraditórios do estudo. Nas primeiras frases
afirma-se que os atos de violência são universais e podem ser quantificados, identificados e
classificados. Logo em seguida as afirmações anteriores são relativizadas e não é possível
138
identificar que tipo de ato pode ser violento na percepção dos autores, pois o que é violento
para um grupo ou sociedade pode não sê-lo para outros, o que dificultaria a classificação dos
atos violentos. Esta contradição parece se resolver no parágrafo seguinte, quando os autores
definem o que é violência para o estudo:
“Para efeito desta pesquisa, considera-se violência como parte da própria
condição humana, aparecendo de forma peculiar de acordo com os arranjos
societários de onde emergem. Ainda que existam dificuldades e diferenças
naquilo que se nomeia como violência, alguns elementos consensuais sobre o
tema podem ser delimitados: noção de coerção ou força; dano que se produz em
indivíduos ou grupo social pertencente a determinada classe ou categoria social,
gênero ou etnia.” (Waiselfisz, 1998a: 145).
Aqui opta-se por uma mediação com relação ao que havia sido dito anteriormente: a violência
é condição humana, mas com distinções de acordo com os arranjos societários de onde
emergem, ou seja, refere-se a uma disposição local e não universal. A segunda sentença
recupera a coerência na definição, ao propor que há alguns elementos consensuais, isto é,
alguns atos, independentemente dos arranjos societários, devem ser considerados violentos.
Violência é então definida como o fenômeno que se manifesta nas diversas esferas sociais,
seja no espaço público, seja no espaço privado, apreendido de forma física, psíquica e
simbólica (Waiselfisz, 1998a: 145).
Definido o que se entende por violência, o texto procura fazer a conexão entre violência e
cidadania, trazendo novos significados atribuídos à violência em função de um maior
reconhecimento de direitos sociais e de cidadania, de uma maior sensibilidade coletiva de
percepção da violência nas várias esferas da sociedade e do surgimento de novas formas de
sociabilidades e de relações sociais decorrentes das alterações na estrutura social e da
concentração das atividades humanas no espaço urbano (p. 146).
De acordo com os autores e apoiados no texto de François Dubet (1995), as grandes questões
da sociedade se localizam principalmente nas grandes cidades (p. 146)
138
. O espaço urbano,
centro privilegiado dos novos significados atribuídos à violência, serve para que o texto
estabeleça o vínculo entre as grandes preocupações globais e as locais.
138
[não informam a referência da citação] François Dubet, que colaborou com outros autores, como Alain
Touraine e Michel Wieviorka, é professor da universidade Victor-Segalen (Bordeaux II); o livro citado é Penser
le sujet. S/I Fayard, 1995.
139
São exatamente as questões das violências urbanas que, de acordo com os autores, marcaram
também a produção das ciências sociais no Brasil. A centralidade do tema na produção das
ciências sociais brasileira se explica pelo crescimento dos índices alarmantes de
criminalidade e de crimes mais violentos, homicídios, delinqüências, ocorridos nas
metrópoles (p. 147). Neste trecho, chamam a atenção a seleção e o emprego de indicadores
(homicídios, criminalidade e delinqüência) para fortalecer a argumentação de que a violência
nos centros urbanos é superior àquela praticada em outros meios (rural).
A segunda preocupação do texto foi definir o agente e a vítima da violência. Citando o texto
de Adorno (1997) “La criminalidad violenta urbana: tendencias y características” apresentado
na Reunión sobre el desafío de la violencia criminal urbana, promovido pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Rio de Janeiro em 1997, os autores vão mostrar
que houve um crescimento de todas as modalidades de delitos: homicídios, roubos,
seqüestros e estupros, os quais não apenas foram incrementados como se tornaram mais
violentos (p. 147). Estas modalidades de práticas violentas também sofreram mudanças, pois
teria havido uma mudança no perfil das pessoas envolvidas, surgiram guerras de gangues,
generalizou-se o crime organizado e houve também um envolvimento maior de adolescentes
e crianças da periferia.
Os dados estatísticos (através dos indicadores) desempenham um papel importante na
identificação das práticas violentas e dos agentes da violência, conduzindo o leitor à
percepção de que o primeiro aspecto a ser levado em conta na definição de violência é
jurídico e criminal e estabelecendo certos padrões de recorrência.
Novos elementos entram em cena no texto para mostrar as mudanças de comportamento das
classes populares e o aumento da criminalidade na vida cotidiana: banditismo, crime
organizado, narcotráfico, polícia, sistema penal, sistema jurídico, crianças e adolescentes
como mandatos de traficantes, mostrando existir uma “nova” lógica social, a do ferro e do
fumo (evocando o trabalho de Alba Zaluar Guimarães Condomínio do Diabo). O conjunto
desses atores alteraria os costumes e os modos de vida nas grandes cidades, com o
estabelecimento de um processo de exclusão social.
“Grande parte da literatura sobre violência tem enfatizado a exclusão social como
140
aspecto fundamental para o entendimento do aumento de atos violentos nos
grandes centros urbanos. Fenômeno mundial, vários autores têm-se dedicado ao
assunto. Há consenso de que se trata de um novo tipo de exclusão social, que
repercute num novo tipo de violência social” (Waiselfisz, 1998a: 148).
Este novo tipo de violência seria fruto do surgimento de um novo tipo de ator social, não
integrado e submetido a uma ordem social desagregada, que geraria formas de exclusão
expressas nas altas taxas de falta de moradia, desemprego e desestabilização salarial, além da
falência dos aparatos de proteção social (direito social, direito ao trabalho, políticas sociais).
O texto parte da noção defendida por Michel Wieviorka (1997)
139
, de que a crise social no
Ocidente que se configura no final da década de 1990 está fundamentada no surgimento de
novas situações a partir da crise do Estado Providência, do enfraquecimento dos laços de
solidariedade e da conformação de novas identidades sociais ávidas de reconhecimento: o
novo paradigma da violência centra-se no fortalecimento do crime organizado, na violência
urbana difusa e nas violências associadas diretamente à idéia de identidade cultural, à
questão racial, da pobreza, da exclusão e da precarização (Waiselfisz, 1998a:149). O
conjunto destas situações levaria ao surgimento de um sentimento de insegurança e
instabilidade social e, em conseqüência, a uma realidade caótica e desgovernada.
Observa-se que este processo não é restrito ao tema da Violência, mas ocorre também nas
discussões sobre Juventude. Ao longo do texto, e particularmente no último capítulo, o tema
da juventude é abordado em uma perspectiva dialógica com as discussões sobre violência e
cidadania. No primeiro parágrafo do subitem “Juventude e cidadania” lê-se o seguinte:
“O tema juventude é de grande relevância nas análises feitas acerca da questão
social na sociedade contemporânea. A presença de crianças e adolescentes nas
várias manifestações de violências ocorridas nas cidades é foco de debates entre
estudiosos.” (Waiselfisz, 1998a: 153)
Ao relacionar o tema juventude com o tema questão social, observa-se que ao tema
(juventude) podem ser atribuídas diferentes conexões e perspectivas de análise, o que dá ao
termo maleabilidade para transitar pelas principais questões e problemas colocados pela
literatura citada e por diferentes instituições e indivíduos. No caso específico deste trabalho, a
139
Michel Wieviorka é diretor de estudos da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales e do Centre
d'Analyse et d'Intervention Sociologiques (CADIS/EHESS/CNRS).
141
associação se faz com a violência.
Essa maleabilidade é fruto de duas operações importantes que o texto executa e que vão
permitir à UNESCO-Brasil inserir-se como agente social em um campo relacionado à
elaboração e execução de propostas de intervenção governamental.
A primeira delas consiste em tratar a juventude como um segmento social específico –
construído a partir de certas distinções em relação a outros segmentos sociais. Neste caso, o
termo opera como uma categoria classificatória. O termo juventude está sendo confundido
com o termo jovem, que pode ser quantitativamente mensurado e classificado. A passagem
abaixo ajuda a esclarecer isto melhor.
“A definição de juventude é passível de ser identificada a partir dos interesses de
cada área de conhecimento e relacionada à faixa etária pesquisada, ou à posição
social ocupada na estratificação social, ás características étnicas e características
de gênero. Com relação a faixa etária, existem divergências ao se fixar uma
cronologia que identifique a categoria juventude. A Organização Internacional da
Juventude define os limites etários entre 15 e 24 anos, enquanto a WHO/OPAS
entre 10 e 20 anos. Para vários autores esses limites são arbitrários. Há distinção
entre juventude e adolescência, no que se refere aos aspectos social, cultural e
emocional. O termo juventude tem um sentido dinâmico e coletivo, e nos remete
a um segmento populacional que faz parte de uma determinada sociedade, ao
passo que a adolescência nos conduz a um aspecto mais relacionado ao plano
individual e demarcado cronologicamente.” (Op. cit. p. 153)
Pode-se observar que juventude aparece relacionada a faixa etária, a características étnicas, a
características de gênero e está em oposição a um outro segmento social, a adolescência.
Estes elementos de natureza demográfica e classificatória permitem criar uma dinâmica de
pesquisa em que os dados podem ser agrupados, ordenados e indexados em diferentes
matizes, permitindo flexibilidade nas conexões e questões abordadas. No entanto, nestas
primeiras definições de jovem e juventude, as duas noções parecem confusas. Este mesmo
movimento ocorrera no debate sobre violência, com a inserção de dados referentes aos tipos
de delitos praticados.
O segundo momento desta primeira operação é a qualificação desse segmento social. A
pergunta que surge então é quem é esse jovem e o que é juventude? E o que os distingue de
outros indivíduos e segmentos sociais? A resposta tenta encontrar características próprias
destes indivíduos capazes de conferir atributos e estabelecer afinidades e identidades em
142
oposição a outros. Neste sentido, o texto opera com uma idéia de Helena Abramo (1994), mas
referida ao debate promovido pela sociologia funcionalista sobre a existência de uma
subcultura juvenil, [que] deriva-se da cultura geral dos adultos e não é necessariamente
hostil ou antagônica a ela (Waiselfisz, 1998a: 155).
Esta subcultura juvenil ou cultura juvenil
140
constitui-se, em primeiro lugar, por oposição à
cultura dos adultos – apesar de compartilhar com ela aspectos morais e valorativos. Os jovens
também estariam buscando sua autonomia e emancipação. No entanto, esta cultura juvenil
também apresenta certos traços ambivalentes, ordenando-se pela delinqüência e/ou de
movimentos reivindicatórios. Ao estabelecer a oposição (delinqüência X movimentos
reivindicatórios), definem-se as possibilidades de movimentação/ação deste segmento social,
ou seja, o jovem passa a ser considerado um ator social que detém certos atributos e está
circunscrito a certos espaços sociais. Este tema será tratado mais adiante.
Nesta perspectiva – que leva à segunda operação – a noção de juventude passa a ser tratada
como um instrumento que permite ver e analisar certos fenômenos sociais. O jovem deixa de
ser visto como um segmento social para ser pensado como um locus privilegiado para refletir
sobre certas questões sociais.
E que questões sociais seriam estas? A resposta está dispersa e fragmentada por todo o texto,
mas pode ser observada com mais clareza nas páginas 133 a 139, onde são apontadas a
ineficácia dos aparatos institucionais em propiciar uma visão crítica dos valores da
modernidade e a inadequação dos mecanismos de prevenção e controle, o que denominei
ausências. Os termos cidadania e violência operariam como indexadores do conjunto das
temáticas tratadas: juventude; juventude e violência; violência e cidadania.
Ao concordar com Wieviorka que a violência é o novo paradigma da contemporaneidade,
que repercute em todas as dimensões da vida social e fragiliza as instituições responsáveis
pela prevenção e proteção social, e que os jovens são os principais atores (vítimas e
agressores) dos atos de violência, os autores aderem a um determinado campo conceitual e
teórico.
140
O texto opera com a expressão “cultura juvenil” extraída de Cultura de Massas no Século XX, de Morin:
“Morin (1986) considera a juventude uma categoria histórica e destaca a formação de uma cultura juvenil no seio
da cultura de massas a partir da metade do século”.
143
Definindo conceitos e teorias. Construindo vínculos conceituais
Para demonstrar esta adesão conceitual e teórica, procurei estabelecer relações entre
juventude, violência e cidadania, apontadas pelos autores como eixos de análise, a partir do
que Castro Faria (2002) definiu como “autores-fontes”
141.
Neste meu trabalho, denominei
“autores-fontes” os autores/textos citados nas “Conclusões e recomendações” (p. 133-168) de
Os jovens de Brasília que serviram para a construção de determinados modelos
explicativos
142
.
O primeiro processo de organização teve por objetivo destacar as idéias debatidas com base
nos “autores-fonte”. Para cada aparição de um “autor-fonte” destaquei o trecho
143
do livro, o
que me permitiu observar em que - e para referir-se a que - o “autor-fonte”era citado. O
segundo momento consistiu em ordenar esses trechos em temas – definidos por mim de
acordo com as questões levantadas em cada trecho.
A partir da leitura dos temas, agrupei-os no que denominei de subcategoria, procurando
responder ao seguinte raciocínio desenvolvido no livro: As práticas violentas (tipos) ou
violências (definição de violência) eram cometidas por certos indivíduos (atores sociais) em
contextos (espaços) específicos, o que explicava sua causa. Estas ações, por sua vez, geravam
efeitos e conseqüências sociais e políticas. Esta operação foi realizada para o eixo violência.
No eixo juventude observa-se uma operação semelhante: um segmento social (definição de
juventude/jovem), com características e atributos específicos, pratica um conjunto de ações
(práticas) evidenciando um determinado comportamento; assim como no caso da violência,
estas ações ocorrem em certos contextos (espaços), produzindo efeitos e conseqüências.
141
Castro Faria (2002: 143), ao estudar a obra e o percurso social de Oliveira Vianna, propõe “examinar como
se modifica e elabora aquilo a que chamamos de pensamento social brasileiro; processos onde se forja através
de ácidos debates uma ‘comunidade de pensamento’, onde se pode discordar de quase tudo, exceto das questões
que se imporiam a qualquer pretendente ao estatuto de escritor. Para utilizar uma expressão cunhada por Pierre
Bourdieu, é quando se cria o ‘consenso no dissenso’. Cremos que assim podemos refletir também sobre a gênese
das tradições nacionais de pensar o mundo social”. Para tal, emprega procedimentos metodológicos inspirados
em Pierre Bourdieu, Georges Canguilhem, Michel Foucault, Afrânio Garcia e Paul Ricoeur. Estes autores foram
citados na bibliografia sumária de autores e textos de valor instrumental para esta análise.
142
No anexo 2.4 constam os “autores-fonte” citados e os trechos destacados do livro Os jovens de Brasília
indicando como estes foram utilizados.
143
As categorias em negrito demarcam os termos que utilizei em meu procedimento metodológico.
144
Os “autores-fonte” foram citados principalmente, nos subitens “Marco conceitual” (p.143),
“Violência e cidadania” (p.143) e “Juventude e cidadania” (p.153) das “Conclusões e
recomendações” (Waiselfisz, 1998a). Diante do exposto acima, obtive o seguinte quadro:
Quadro 12: Agrupamento dos eixos
Juventude/jovem Violência
Definição Definição
Práticas Atores sociais
Espaços Tipos
Efeitos Espaços
Causas
Efeitos
Fonte: Os jovens de Brasília (1998)
Com isto, obtive a seguinte grade analítica - onde constam os “autores-fontes” e demais
informações -, que oferece uma visão de conjunto das questões suscitadas pelos autores
citados.
Quadro 13: Grade analítica
144
Autor Publicação Ano Trecho destacado Tema discutido Subcategoria Eixo
Este seria, em primeiro plano, o objetivo mais geral do trabalho. No entanto, como afirmam
os autores e o próprio título do livro sugere, a idéia era pensar a juventude (o jovem) em
relação com outros dois temas: violência e cidadania. Esta relação por si só já indicava a
orientação do estudo no sentido de vincular comportamentos, ações e espaços de um
determinado segmento social às discussões sobre violências e cidadania.
A relação entre juventude e violência estava dada na própria definição dos eixos que
orientaram a pesquisa. No entanto, ao desagrupar o texto e reagrupá-lo com o recorte da grade
analítica acima, foi possível detectar, por exemplo, que em muitos casos a explicação para um
determinado aspecto relacionado à juventude era buscado nas análises sobre violência, e vice-
versa. Neste tipo de situação teríamos o seguinte gráfico:
144
Esta grade analítica também será utilizada nos capítulos seguintes.
145
Gráfico 4: Violência e juventude
Isto é, para compreender o que era juventude, uma das narrativas construídas foi vinculá-la
aos atores da violência, assim como algumas das práticas da juventude deveriam ser
compreendidas à luz das definições sobre os atores da violência. Definir juventude
pressupunha definir violência.
No que se refere às discussões sobre cidadania, estas foram agrupadas apenas a partir do eixo
definido pelo livro (cidadania). Este eixo tem papel importante na narrativa do texto, pois
serve de contraponto aos demais eixos. Através da sua conceituação são fornecidas as
principais explicações para diferentes questões, tanto as relacionadas a juventude quanto as
discutidas no eixo violência, constituindo-se como um elemento que envolve os demais,
ligando-os às outras dimensões da vida social. Neste sentido temos o seguinte gráfico:
Gráfico 5: Modelo explicativo através da cidadania
Atores da violência
Definição de juventude
Espaços da violência
Espaços juventude/jovem
Práticas violentas
Práticas da juventude/jovem
Práticas violentas
práticas do jovem
Atores da violência
definição juventude/jovem
Espaços da violência
espaços jovens
Efeitos da violência
efeitos ações jovens
Cidadania
Causas das práticas jovem
causas da violência
146
As setas no quadro acima indicam a centralidade da cidadania nas explicações e
interpretações dos diferentes fenômenos relativos à violência e a juventude, fornecendo a base
da argumentação. Diante disto, observa-se que o estudo cumpre um de seus objetivos,
definidos como:
“Compreender valores, práticas e comportamentos sociais dos jovens da classe
média, moradores do Plano piloto de Brasília (...) [a partir de] algumas perguntas
fundamentais: até que ponto existe entre os jovens de classe média do Plano
Piloto de Brasília uma visão compartilhada de violência? Quais são esses valores
compartilhados e quais são as diferenças específicas entre jovens? Como esses
jovens vêem o outro, o diferente, as relações sociais, étnicas, de respeito, de
tolerância e solidariedade?” (Waiselfisz, 1998a: 133).
No entanto, ao buscar as explicações e fornecer as análises – a partir do eixo cidadania
despontam outras preocupações dos autores. Em primeiro lugar estes identificam e qualificam
a existência de um determinado problema social – que pode (e vai) – ser formulado de
diferentes maneiras: a partir do eixo juventude, ou violência, ou mesmo a partir da
interdependência de ambos. Em segundo lugar, buscam explicar este(s) fenômeno(s) a partir
de movimentos endógenos aos respectivos eixos, mas que só adquirem eficácia quando
conectados, novamente, aos itens relacionados ao eixo cidadania. Como indica o trecho
abaixo, inspirado no “autor-fonte” Michel Maffesoli, em Elogie de la raison sensible, de
1996.
“Nessa sociedade destituída e carente de referencias unificadoras surgem novas
formas de arranjos grupais, principalmente de jovens, que denomina de ‘processo
de tribalização’, como reação a um estilo de vida que não mais satisfaz.”
(
Waiselfisz, 1998a: 150)
Nesta passagem, o termo sociedade e os adjetivos destituída e carente indicam um
comportamento jovem como conseqüência de um estilo de vida societal. Este tipo de arranjo
pode ser observado em toda a argumentação do livro. Para não ficar apenas em um exemplo,
outro tema de discussão relativo à violência foi tratado a partir do “autor-fonte” Maria Stella
G. Porto. “A violência entre a inclusão e a exclusão social”, de 1997.
“(...)crimes e violências de natureza sexual, até então tratados na esfera privada –
e não nomeados como violência -, passam a ser assim considerados e adquirem
visibilidade na esfera pública, á medida que as mulheres se assumem como
portadoras de direitos”. (Op.cit. p.: 149)
147
Ou ainda através de Dubet, em Penser le sujet, de 1995.
“Segundo Dubet (1995), o espaço urbano aparece como sintoma, símbolo,
representação da ‘civilização e da barbárie’ modernas” (Op.cit. p.:146)
Esta operação valoriza a oposição interna no eixo cidadania, e revela que as causas e efeitos -
mas nem todos - tanto da violência quanto do comportamento dos jovens podem ser
explicados e aferidos a partir desta oposição.
A conseqüência deste raciocínio é a constatação de que o(s) problema(s) está(ão) intimamente
ligado(s) a diferentes aspectos da vida social, com foco especial naqueles relacionados à
gestão e organização do Estado, considerado responsável (ou co-responsável) tanto pela
eficácia no controle das causas e efeitos gerados pelas práticas violentas quanto sua
existência, manutenção e propagação. Dito de forma direta, o objeto de investigação do
estudo é o Estado, seus aparatos e processos organizativos e suas práticas, e não o jovem.
Como ilustração, leia-se a seguinte passagem sobre o problema das gangues em Brasília:
“Como veremos a seguir, as gangues são bem conhecidas pelos jovens
brasilienses. No entanto, nas entrevistas abertas, nenhum deles, diferentemente do
que ocorreu nas respostas dadas aos questionários, assumiu a participação nesses
grupos. Talvez por realmente não participarem ou então por receio de tornar
público seu engajamento em práticas malvistas pela sociedade, reprimidas pela
polícia e não aceitas pela família” (Waiselfisz, 1998a: 39).
Observa-se que a atitude do jovem ante a declaração ou omissão de sua participação em um
grupo é explicada com base na percepção de que este se orienta por representações fornecidas
pela sociedade, a qual considera negativa esta prática reprimida pela polícia. Aqui, a base de
sustentação da argumentação é o vínculo entre o comportamento do jovem com os problemas
dos valores da cidadania e a repressão do Estado (polícia). Para ratificar esta idéia, os autores
se apóiam na “autora-fonte” Gloria Diógenes em “Fragmentação social e grupos identitários:
a lógica das redes de solidariedade fechadas” (1996: 39) e concluem:
“Elas [as gangues] formam verdadeiras organizações que se identificam com
líderes e com territórios nos quais a circulação é apenas permitida entre os
‘enturmados’. O vazio, a falta de opções, as indefinições dos limites, a
ausência de canal de participação política a descrença na autoridade e na lei
– temas deste trabalho –, têm, certamente, efeito na vivência dos jovens e
148
parecem, muitas vezes, impulsioná-los para a prática coletiva da violência”.
(Waiselfisz, 1998a: 39[grifos meus])
Um segundo exemplo provém do debate a respeito da percepção que os jovens têm de certas
práticas violentas:
“Pelos dados da pesquisa, um grande número de jovens já foi vítima de assaltos e
furtos (43,1%), apesar de somente 4% deles terem feito denúncias às autoridades.
A maioria (51,4%) afirma não haver dado importância ao fato. Com relação à
agressão física, 35,2% dos jovens entrevistados já sofreram alguma agressão
desse tipo, mas somente 6,4% fizeram a denúncia às autoridades, enquanto 63,1%
optaram pela omissão da ocorrência” (Waiselfisz, 1998a: 33).
O registro das informações sobre a assaltos, furtos e agressões físicas - que agrupei em tipos
de violências - é contraposto ao fato do agredido ter feito ou não a denúncia, o que pode ser
lido como um problemas da cidadania. Aqui há duas operações discursivas em ação: 1)
interpretar que práticas violentas são consideradas normais e cotidianas pelos jovens:
Assaltos, furtos, agressões físicas parecem ser considerados pelos jovens 'normais' e
cotidianas e 2) explicar tais procedimentos (a não denúncia) pela ineficácia dos aparatos
responsáveis pela manutenção da ordem:
“Trata-se de situações resolvidas no âmbito privado, sem contar com ajuda
policial. A não recorrência às autoridades talvez possa ser explicada pela
desconfiança e pela descrença em ‘instituições de mediação e dissuasão de
conflitos’” (Waiselfisz, 1998a: 33).
A descrença dos jovens nos instrumentos estatais (leis, polícia) revela a ineficácia destes para
prevenir certas práticas delituosas, isto é, o Estado, na melhor das hipóteses, é co-responsável
pelo desinteresse dos jovens nas instituições.
Ao tratar isoladamente cada um dos eixos (juventude, violência e cidadania) observei certas
particularidades na construção das argumentações e na seleção de “autores-fonte” e conceitos
utilizados. Este ordenamento poderá ser melhor compreendido no próximo capítulo, em que
analiso as demais publicações de 1999.
Recuperando o trecho já exposto a questão central do livro pode ser encontrada na
“Apresentação”, onde se lê:
149
“(...) Reconhecer e compreender os valores, práticas e comportamentos sociais
dos jovens de classe média, moradores do Plano Piloto de Brasília, e, ainda,
como são esses rapazes e moças percebidos por pais e profissionais da educação
foi o desafio desta pesquisa” (Waiselfisz, 1998: 10).
Apesar de os autores tratarem, ao longo do texto, de problemas relativos à cidadania, este
trecho informa que o foco do trabalho está em compreender os valores, práticas e
comportamentos dos jovens de classe média moradores do Plano Piloto e como estes são
percebidos por pais e profissionais da educação.
Atores, tipos, causas e efeitos das violências: definindo categorias e sujeitos
As subcategorias que criei, nas quais organizei os temas discutidos pelos “autores-fonte”
relacionados à violência (definição, atores sociais, tipos, espaços, causas), permitem
visualizar melhor como cada eixo foi definido, os temas tratados e os “autores-fonte” que
foram utilizados.
Observa-se que não há referência aos atores da violência, optando o texto por tratar
principalmente dos aspectos relativos às causas, efeitos, espaços e tipos de violências.
Assim, obtive o seguinte quadro:
Quadro 14: Autores e trechos violências
Autor Publicação Trechos Subcategorias
Michel
Maffesoli
(1996) Elogie de la
raison sensible. Paris,
Bernard Grasset
“Nessa sociedade destituída e carente de referencias
unificadoras surgem novas formas de arranjos grupais,
principalmente de jovens, que denomina de ‘processo
de tribalização’, como reação a um estilo de vida que
não mais satisfaz.” (p. 150)
Causas
Michel
Wieviorka
(1997) “O novo
paradigma da
Violência”. Revista
Tempo Social São
Paulo, vol. 9. n 1
“Como afirma Wieviorka (1997), ‘mudanças tão
profundas estão em jogo que é legítimo acentuar as
inflexões e as rupturas da violência, mais do que as
continuidades” (144).
“Wieviorka, diz que a maioria dos países do mundo
ocidental vive crise e mutação social (...) que produzem
elementos novos e novas significações para a
violência” (p. 149).
Causas
José
Gregori
(1997) “Crime e direitos
humanos”. Reunión
sobre el desafío de la
violencia criminal
urbana. BID/UNESCO/
Est. do Rio de Janeiro.
“É fenômeno com múltiplas causas, no qual intervém,
simultaneamente, ou quase simultaneamente, uma
grande variedade de fatores” (p. 146)
Causas
Robert
Castel
(1995) Les
Métamorphoses de la
question sociale. Paris
Ed. Du Seuil
“Para Castel (1995) a questão da exclusão social é o
cerne da questão social contemporânea e apresenta-se
relacionada a uma degradação, a uma desestabilização
da condição salarial em geral e das relações de
trabalho.” (p. 148)
Causas
A
lain
Touraine
(1992) Critique de la
modernité, Paris,
“Para Touraine (1995), a violência também é a
expressão da exclusão social e um dos maiores
Causas
150
Fayard. fenômenos do nosso tempo, decorrente das crises e do
desaparecimento dos controles sociais, políticos e
econômicos” (p. 148)
José V. T.
Santos
(1995) “A violência
como dispositivo de
excesso de poder”.
Sociedade & Estado,
Departamento de
Sociologia UnB, vol. 10
nº 2 jul-dez
“Há dificuldades na definição da violência, pela
ausência de uma construção conceptual capaz de
inseri-la nas relações sociais difusas e esparsas do
espaço social” (p. 146)
Definição
Jean
Claude
Chesnais
(1981) Histoire de la
violence. Paris, Ed.
Robert Lafoont
“Na historia da humanidade, tem-se revelado em
manifestações individuais ou coletivas” (p. 145)
Definição
A
lba Zalua
r
(1994) Condomínio do
Diabo. Rio de Janeiro,
Revan
“Foi uma das primeiras a estudar a questão da
violência no país, apontando o seu aumento e
especificidade na natureza das suas ações. O estado
de miséria social e o desamparo político têm acarretado
novas estratégias de sobrevivência por parte das
classes populares.” (p. 147)
Efeitos
Who/OPA "No Brasil o tema da violência começa a adquirir
destaque no campo das ciências sociais,
especialmente na última década". (p. 146) ISER,
CLAVES, e especialistas.
Efeitos
François
Dubet
(1995) Penser le sujet.
S-I Fayard
“Segundo Dubet (1995), o espaço urbano aparece
como sintoma, símbolo, representação da ‘civilização e
da barbárie’ modernas” (p. 146)
Espaços
Maria Stella
G. Porto
(1997) “A violência
entre a inclusão e a
exclusão social”. VII
congresso Sociedade
Brasileira de sociologia.
Brasília, agosto.
“há reconceitualização de violência ‘(...) de modo a
incluir e a nomear como violência acontecimentos que
passavam anteriormente por práticas costumeiras de
regulamentação das relações sociais” (p. 146 )
Tipos
Sergio
A
dorno
(1997) “La criminalidad
violenta urbana em
Brasil: tendencias y
características”.
Reunión sobre el
desafio de la violencia
criminal urbana.
BID/UNESCO/Est. Rio
de Janeiro.
“Adorno (1997), ao fazer o perfil da criminalidade no
Brasil, na última década, sem São Paulo e Rio de
Janeiro, constata o crescimento de todas as
modalidades de delitos. (...) Mudaram os padrões
convencionais de criminalidade e o perfil das pessoas
envolvidas.” (p. 147)
Tipos
Michel
Wieviorka
(1997) “O novo
paradigma da
Violência”. Revista
Tempo Social São
Paulo, vol. 9. n 1
“atos de violência apresentam-se não apenas em
crimes, roubos, delinqüência, mas nas relações
familiares, nas relações de gênero, na escola, nos
diversos aspectos da vida social.” (p. 150)
Tipos
Maria Stella
G. Porto
(1997) “A violência
entre a inclusão e a
exclusão social”. VII
Congresso Sociedade
Brasileira de sociologia.
Brasília, agosto.
“(...) crimes e violências de natureza sexual, até então
tratados na esfera privada – e não nomeados como
violência -, passam a ser assim considerados e
adquirem visibilidade na esfera pública, á medida que
as mulheres se assumem como portadoras de direitos”.
(p. 149)
Tipos
Yves
Michaud
(1989) A violência. São
Paulo, Ática.
“concorda-se com o conceito de que: ‘há violências
quando, em uma situação de interação, um ou vários
autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou
esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas em
graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em
sua integridade moral, em suas poses, ou em suas
participações simbólicas e culturais’ (Michaud, 1989,
sem página)” (p. 145)
Tipos/Efeitos/definiç
ão
Fonte: Os jovens de Brasília
Os “autores-fontes” citados mostram a dificuldade de conceituação, mas assinalam que a
violência é um dos aspectos problemáticos da atual organização da vida social e, por isso,
151
tem um papel relevante na contemporaneidade.
Este status confere à violência um papel de destaque na análise dos fenômenos sociais.
Vinculada a temas como exclusão social e questões sociais, o termo ganha mais destaque,
pois passa a abarcar uma problemática maior.
A inclusão do debate sobre a violência nos temas “nobres” do pensamento social insere o
estudo na atualidade do debate e também alça os autores ao papel de protagonistas no
processo de desvendar, junto com demais autores, esta nova problemática.
É interessante perceber que a leitura a partir dos “autores-fonte” valoriza a dificuldade de
qualificar a natureza dos atos violentos, bem como quais atos podem ser qualificados como
violentos. Os autores enfatizam, no entanto, sua preocupação em mostrar a ampliação do
fenômeno e a necessidade de tratar práticas até então não reconhecidas como tal à luz da
violência. A violência é, então, definida a partir do “autor-fonte” Yves Michaud em A
violência, como mostra o quadro acima.
Concorda-se com o conceito de que: ‘há violências quando, em uma situação
de interação, um ou vários autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou
esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em
sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas
participações simbólicas e culturais’ (Waiselfisz, 1989a: 145 [grifos meus]).
Dos treze textos associados à discussão sobre violência, onze foram publicados na década de
1990 e dois na década de 1980. O maior número de citações foi de trabalhos publicados em
1995 e 1997, e Wieviorka foi o mais citado e aparece associado ao maior número de temas
145
.
145
O trabalho de Michel Wieviorka citado foi publicado sob o título O “novo paradigma da Violência”, na
Revista Tempo Social. São Paulo, vol. 9. n 1, no ano de 1997. Este trabalho é um dos textos da revista de
sociologia da USP que teve por tema ‘Estratégias de intervenção policial no Estado contemporâneo’. Os demais
artigos que compõe a publicação foram apresentados no seminário internacional Estratégias de Intervenção
Policial no Estado Contemporâneo, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (NEV) em setembro de 1996. “Concebido para reunir os principais especialistas sobre violência e
estratégia policial no contexto político contemporâneo em sociedades do mundo ocidental, o seminário contou
com a presença de dezessete pesquisadores associados a centros nacionais de excelência como o ISER (Instituto
Superior de Estudos da Religião), Fundação Casa de Ruy Barbosa, Núcleo de Estudos sobre Sistema de Justiça
Criminal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o grupo de pesquisa sobre criminalidade e Violência do
Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), bem como centros
internacionais como o Centre de d’Analyse et d’Interventions Sociologiques (CADIS, França), o Centre de
Recherches Sociologiques sur le droit et les Institutions Pénales (CESDIP, França), o Groupe d’Analyse des
Politiques Publiques (École Normale Supérieur, França) e o Núcleo de Estudos sobre Violência e Crime da
Universidade de Toronto (Canadá). O seminário contou ainda com a presença de inúmeros representantes da
152
Os outros três textos de 1997, “La criminalidad violenta urbana em Brasil: tendencias y
características” de Sergio Adorno e “Crime e direitos humanos”, de José Gregori, foram
apresentados no seminário Reunión sobre el desafío de la violencia criminal urbana,
organizado pelo BID e a UNESCO e realizado no Rio de Janeiro em 1997. O terceiro texto,
de Maria Stella G. Porto, “A violência entre a inclusão e a exclusão social, foi apresentado
no VII Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia em Brasília em agosto do mesmo
ano.
Ao selecionar certos “autores-fonte” o texto não só reconhece sua relevância como indica sua
filiação ao conjunto de ações e iniciativas realizadas por certos agentes e agências para
promover e reconhecer determinadas preocupações, insistindo na criação de vínculos a partir
do uso de categorias e das ações que promovem.
A filiação conceitual aos debates sobre violência também pode ser observada na referência a
instituições e indivíduos que tratam do tema, como sugere o trecho abaixo:
“No Brasil, o tema da violência começa a adquirir destaque no campo das
Ciências Sociais, especialmente na última década. Diversos centros, como o
Instituto de Estudos da Religião – ISER – do Rio de Janeiro, o Núcleo de Estudos
da Violência da Universidade de São Paulo ou ainda o Centro Latino-Americano
de Estudos da Violência e Saúde – CLAVES – da FIOCRUZ, também no Rio de
Janeiro, têm focalizado sua atenção nesse tema. Um grande número de
especialistas, entre os que merecem destaque Sergio Adorno, Paulo Sérgio
Pinheiro, Luis Antonio Machado, Cezar Caldeira, Angelina Peralva, Alba Zaluar,
Maria Estela Porto, Maria Cecília Minayo, Simone de Assis, José Vicente
Tavares e muitos outros se encontram hoje trabalhando e alargando o horizonte
de conhecimentos sobre essa questão” (Waiselfisz, 1998a: 146).
146
Nestes termos, ao optar por tratar certos temas a partir de referenciais determinados e de
autores específicos, indica-se uma afinidade conceitual, abrindo a possibilidade de formar
outros vínculos com esses autores e captar agentes e agências. Um bom exemplo disso foi a
polícia e da justiça paulistas cujo o interesse e colaboração agradecemos” (Revista Tempo Social São Paulo, vol.
9 (1): 3, 1997.
146
Para não ficar apenas nas presenças, é importante uma pequena nota sobre as ausências. Observa-se que
dentre os citados, não constam certos autores como Luiz Eduardo Soares, Leandro Piquet Carneiro, Bárbara
Mussumeci, Jaqueline Muniz, João Trajano Sento Sé, José Augusto de Souza Rodrigues, Claudia Milito, Hélio
R. S. Silva. Estes autores publicaram, em 1996, o livro Violência e Política no Rio de Janeiro, que obteve
repercussão importante nos debates posteriores. Esta publicação é citada em praticamente todos os artigos
publicados na Revista de Sociologia da USP, vol. 9. n 1, no ano de 1997, uma das principais referências da
pesquisa.
153
participação de Maria Cecília Minayo e Simone de Assis como coordenadoras de uma
publicação da série “Juventude, Violência e Cidadania” de 1999, intitulada Fala galera:
juventude, violência e cidadania no Rio de Janeiro, doravante citada como Fala Galera.
Definindo juventudes e jovens, práticas e espaços sociais
Os temas relativos ao eixo juventude foram agrupados nas subcategorias: definição,
jovem/juventude, práticas, causas, espaços e efeitos. Os “autores-fonte” citados para tratar
dos temas relativos à juventude ou ao jovem constam do anexo 2.4.
A primeira exposição de uma definição de jovem ocorre na página 153, com a apresentação de
critérios demográficos estabelecidos pela OMS/OPAS e pela OIJ. Apesar de certa confusão
no emprego do termo juventude para identificar faixa etária, as diferenças são grandes. De
acordo com os autores, enquanto a OMS/OPAS estabelece a faixa etária de 10 e 20 anos, a
OIJ a situa entre 15 e 24 anos.
“Com relação à faixa etária, existem divergências ao se fixar uma cronologia que
identifique a categoria de juventude. A Organização Internacional da Juventude
define os limites etários entre 15 e 24 anos, enquanto a OMS-OPAS entre 10 e 20
anos”. (Waiselfisz, 1998a: 153)
Na página seguinte, entretanto, os autores afirmam que o trabalho vai tratar o jovem da faixa
etária de 14 a 20 anos, com base no “autor-fonte” J. Marcia “Identity of adolescence” (1980),
como mostra o trecho abaixo:
“Delimita-se cronologicamente, para efeito desse estudo, o conceito de jovem
para a faixa etária compreendida entre 14 e 20 anos, tendo como base o estudo de
Marcia (1980), que classifica esse período como a consolidação de uma
identidade juvenil, a partir do desenvolvimento físico, das capacidades
cognitivas, das expectativas sociais, finalizando aos 20 anos - quando a
identidade adulta começa a se manifestar” (p.154).
Já o termo juventude e definido com base em Helena Abramo “Cenas Juvenis: Punks e Darks
no espetáculo urbano”, de 1994:
“Nesta pesquisa, à parte as diferentes definições e enquadramentos teóricos entre
autores, entende-se a juventude como período de transitoriedade. (...) como uma
etapa de transição que processa a passagem de uma condição social mais
154
recolhida e dependente a uma mais ampla; um período de preparação para o
ingresso na vida social adulta. (Abramo, 1994)” (p.154).
As demais citações tendem a valorizar esta transitoriedade, passagem e ingresso na vida
adulta. Juventude, então, é entendida como a ligação entre “mundos sociais” distintos que
podem ser representados como cultura de massas vs cultura juvenil - “autor-fonte” Edgar
Morin (1986) - ou como juventude vs ordem social (Abramo, 1994).
Juventude é entendida como um conjunto de características ora atribuídas aos jovens, ora às
suas representações e manifestações (contestatórios, revolta, delinqüência, grupos, gangues).
Estas características foram definidas como parte de uma cultura juvenil, expressão que indica
a autonomia e identidade deste segmento social.
“Morin, considera a juventude uma categoria histórica e destaca a formação de
uma cultura juvenil no seio da cultura de massas. (...) Essa cultura ambivalente,
predominantemente urbana, integra-se de um lado à industria cultural dominante,
consumindo não só os produtos materiais, mas os seus valores” (p.156).
Quando a definição de juventude e de jovem se interpenetra com os fenômenos da violência,
observa-se um esquema diferente. O jovem deixa de ser pensado como um segmento em
“transição” e é identificado a partir de seus comportamentos e práticas, passando a ser
considerado vítima ou agressor de atos de violência e tornando-se, portanto, um sujeito
político importante. O ator da violência - que não havia ainda sido definido, como visto no
eixo violência - encontra no eixo juventude a sua materialidade.
“As análises sociais têm privilegiado a juventude pobre como objeto de estudos
de delinqüência ou violência urbana, como vítimas ou agressores, enfatizando os
aspectos da exclusão do mercado de trabalho e dos serviços de bens de consumo
urbano, destacando o seu envolvimento com os tráficos de drogas e armas.” (p.
153)
“Observam-se gangues e galeras como processos de formação de grupos de
jovens de manifestações distintas, desde as ligadas à música e ao lazer, até as
delinqüências”. (p. 158)
Assim como no eixo violência, observa-se um grande número de referências aos “autores-
fonte” da década de 1990, o que mostra a preocupação do livro em dialogar com a literatura
155
recente. Isto indica um crescendo dos estudos acadêmicos sobre o tema
147
, mas a seleção de
autores que trabalham a partir de uma determinada orientação revela, principalmente, o intuito
de estabelecer algum tipo de compromisso com pessoas e instituições que fortalecesse o
emprego de certos aparatos conceituais e teóricos e fomentasse a formação de um campo de
reflexão e atuação mais efetivas.
Este tipo de vínculo fica mais evidente com os desdobramentos da publicação de Os jovens de
Brasília, como afirmei no início deste capítulo. Os dados deste estudo me permitem apontar
que houve um processo deliberado na escolha dos interlocutores, em que os autores da
UNESCO-Brasil procuraram intensificar ou criar vínculos com certas redes de autores–atores
e com áreas específicas de estudo e discussões conceituais. Em uma perspectiva mais ampla,
esta estratégia metodológica de organização conceitual e temática está em harmonia com os
investimentos da UNESCO-Siège para estabelecer padrões de organização e tematização da
vida social, como apontei no capítulo anterior.
Um dos efeitos do processo de descentralização promovido pela UNESCO-Siège foi que as
unidades fora da sede precisaram se integrar com os governos nacionais para poderem ajudar
os países a elaborar seus planos nacionais de desenvolvimento. A experiência da UNESCO-
Brasil vem revelando que esta estratégia – brésilienne, como definiu a UNESCO-Siège
precisa moldar-se a certos procedimentos e modus operandis próprios. Neste sentido, não
causa estranheza que o termo cooperação seja vago e impreciso e sirva mais como um elo
entre “campos” e universos – aparentemente – distintos.
A publicação aqui analisada repercutiu favoravelmente nas iniciativas da UNESCO-Brasil
para moldar esta experiência brésilienne de capturar agentes e agências com níveis
147
“Poderíamos concluir que, aparentemente, os pesquisadores interessados em estudar e fazer balanços sobre o
tema da juventude estariam diante de uma situação paradoxal de difícil resolução. De um lado, qualquer
investigação em torno da produção de conhecimento exigiria, como pressuposto, a eleição de uma definição,
ainda que provisória, do objeto de estudo, de modo a orientar os critérios de seleção. De outra parte, como afirma
Mauger, para formular essa categorização inicial as dificuldades não são despreveis, pois seria quase
impossível recorrer a um uso da categoria juventude que se imporia de modo igual a todos os pesquisadores.
Assim, se para ordenar fosse preciso recorrer a critérios comumente utilizados, e se, de fato, é problemática a
adoção desse mínimo já estabelecido, estaríamos diante de um impasse de difícil resolução” (Sposito, 2001: 1).
A advertência sublinhada por Marilia Sposito deve ser enfatizada, principalmente quando considerarmos que o
debate do final dos anos 90 ainda encontrava-se em gestação. Não disponho de dados relativos à produção
acadêmica na área das ciências sociais. Neste mesmo artigo, a autora fez um balanço das teses e dissertações
defendidas no âmbito da educação, onde pode ser observado que, em 1997, houve o maior número de trabalhos
que tinham como tema a juventude (Sposito, 2001:s/p) sf http://www.hottopos.com/harvard4/marilia.htm
.
156
diferenciados de interesses e inserções também distintas. Nesta estratégia, era necessário
construir uma fonte própria de informações e dados sobre os objetos de estudo. Este
procedimento revela aspectos importantes, se lembrarmos a afirmação de Melo (2002) (Cf.
Introdução) de que o acesso aos dados “oficiais” das agências governamentais é limitado e
restrito.
Mapa da violência: os jovens do Brasil – fornecendo indicadores
Um segundo momento importante desta estratégia aconteceu com a publicação de Mapa da
violência: Os jovens do Brasil, também em 1998 e igualmente sob a coordenação de
Waiselfisz
148
.
Se em Os jovens de Brasília (Waiselfisz, 1998a), o autor procurava atentar para as
representações e percepções de diferentes segmentos sociais (jovens, educadores, pais,
administradores etc.) através de uma abordagem essencialmente discursiva e restrita a
Brasília, o Mapa da Violência caracterizou-se por ser um trabalho essencialmente quantitativo
e de abrangência nacional.
Este estudo pode ser considerado um complemento de Os jovens de Brasília e, ao mesmo
tempo, como o próprio texto informa, fornece subsídios aos restantes estudos que a UNESCO
vem desenvolvendo sobre o tema nas várias cidades do Brasil (Waiselfisz, 1998b: 13). Em
Mapa da violência pela primeira vez o termo projeto foi empregado para referir-se à série
Juventude, violência e cidadania
149
.
“A UNESCO, dentro de seu plano estratégico de mediano prazo, tem
estabelecido o tema da juventude como uma de suas três grandes prioridades,
junto com o tema da mulher e do combate à pobreza. Tem desenvolvido um
programa específico nesta área: os jovens e o desenvolvimento social, centrado no
fomento à cooperação entre os jovens visando aumentar sua capacidade de
participação ativa na vida social. Dentro desse programa, presta apoio ao
desenvolvimento das redes e atividades da Infoyouth, a diversas organizações
internacionais, como a Câmara Júnior Internacional, e nacionais de jovens. Como
estabelece seu programa aprovado para o biênio 1998/99, ‘uma das prioridades
148
A publicação contou com o apoio do Instituto Ayrton Senna, que a partir de então se tornou um dos principais
parceiros da UNESCO-Brasil (Cf. próximo capítulo).
149
Mapa da Violência passou a integrar uma série bianual (2000, 2002 e 2004). Em 2005 foi lançado Mapa da
violência de São Paulo.
157
nos próximos anos será ‘escutar’ os jovens e trabalhar com eles no fortalecimento
de sua capacidade para realizar suas metas individuais e sociais’. Nesse sentido, a
UNESCO está dando continuidade a seu projeto internacional ‘Transpondo a
Limiar: na Escuta dos Jovens no Despontar do Terceiro Milênio’, a múltiplos
projetos especiais como ‘A Contribuição dos Jovens ao Fomento de Uma Melhor
Percepção do Outro’ e também contribui decididamente para a execução do
Programa de Ação Mundial para os Jovens, aprovado pela Assembléia Geral das
Nações Unidas” (Waiselfisz, 1998b: 12).
O trecho destaca a conformidade da UNESCO-Brasil com as resoluções e encaminhamentos
propostos tanto pela sede quanto por outras organizações internacionais e oferece um eixo de
continuidade para suas ações. A anexação do projeto juventude, cidadania e violencia a esse
debate amplo e internacional contribuiu para fortalecer o trabalho realizado.
Retomando algumas questões tratadas no capítulo anterior, observa-se que aos poucos a
Organização vai se inserindo de forma mais ampla na vida social brasileira sem, no entanto,
perder seus vínculos internacionais. Isto me fez atentar para a idéia de projeto: a inserção da
Organização na vida nacional (seja através da elaboração de pesquisas, seja na coordenação
de programas sociais) ocorre a partir da constituição de um determinado modus operandi
herdado da trajetória da UNESCO no plano internacional, mas reformulado a partir de sua
experiência local. Esta experiência está inserida em uma lógica que opera, nas relações
políticas, entre a confiança e a intimidade e a técnica e os saberes científicos. O efeito disso
no plano discursivo é a construção de uma estória baseada nessas operações de transposição,
encontros e superposições.
Neste sentido a idéia de projeto pode ser entendida como um mecanismo de ordenamento e
formação de uma determinada expertise capaz de instrumentalizar, em diferentes escalas e por
via de diferentes agentes e agências, uma proposta para pensar a intervenção governamental.
Nestes termos pode-se afirmar, à luz do que foi assinalado por Bourdieu (2004), que as duas
áreas de intervenção da Organização (a execução e elaboração de programas sociais e a
produção de pesquisas) constituem processos que revertem em “capital institucional” e
“prestígio”.
O que se observou neste capítulo é que não estava em perspectiva definir ou identificar um
determinado segmento social (o jovem), mas ordenar o conjunto de definições, atributos e
158
explicações sobre as causas de seu comportamento a partir de certos “autores-fonte” que
forneciam as chaves explicativas.
Com este tipo de procedimento, a UNESCO-Brasil estabeleceu um diálogo conceitual com
determinados autores, capacitando-se para transitar em um universo social específico (o da
produção científica), até então pouco explorado pela organização. No entanto, por si só esta
ação não garantiria reconhecimento e legitimidade à instituição para produzir dados e arriscar
interpretações analíticas. Era necessário cumprir determinados requisitos para obter o
reconhecimento dos gestores sociais.
No entanto, os objetivos da Organização não se restringiam à adesão a um determinado
campo social; eles incluíam o papel de mediadora entre os agentes e agências que atuavam no
universo da elaboração/produção/execução de programas sociais. As pesquisas de 1999 (tema
do próximo capítulo) tiveram um papel decisivo na consecução deste objetivo, pois foram um
trunfo na inserção da UNESCO-Brasil em um determinado “campo temático” e permitiram
criar vínculos com instituições e pessoas que já vinham refletindo sobre o tema da juventude.
Para concluir, gostaria de recordar que o objetivo deste exercício foi mostrar que a publicação
de 1998 instituiu uma “modalidade de produção intelectual” - como destacou Oliveira Filho
(1987: 160) - ao fortalecer uma “unidade de observação” mediante a classificação e ordenação
de um aparato conceitual e mostrar que certos esquemas conceituais geram vínculos
ideológicos.
“Que haja concordância entre certo número de autores ao fazerem reiteradas
menções a um mesmo aspecto de determinado fato não significa um critério de
verdade suficiente dentro da óptica aqui adotada. A existência de descrições
repetitivas pode significar simplesmente que autores diferentes estão atualizando
um mesmo modelo discursivo, ou partilham de um mesmo padrão de descrição
etnográfica. Que diferentes autores façam generalizações semelhantes sobre os
grupos indígenas por eles efetuados tenham ganho um alto grau de veracidade ou
de credibilidade, mas indica tão-somente que tais autores constroem as suas
interpretações, abstrações e generalizações dentro de um mesmo espaço
ideológico e de acordo com esquemas semelhantes de percepção” (Oliveira Filho,
1987: 161).
Uma vez criados estes vínculos, foi possível estabelecer relações com indivíduos e
instituições nacionais e internacionais. Neste sentido, Os jovens de Brasília foi o primeiro
documento normativo que traçou os caminhos e definiu as metas e diretrizes que permitiram à
159
UNESCO-Brasil participar de um campo de elaboração e disputar um projeto de intervenção
social. O segundo momento deste processo se dá com o lançamento das pesquisas publicadas
em 1999, tema do próximo capítulo.
Com a publicação de Os jovens de Brasília observa-se uma preocupação em ratificar a idéia
de Wieviorka (1997) de um novo paradigma da violência não só como um fenômeno com
múltiplos efeitos mas, como afirma o autor, da sua manifestação relacional e histórica, que
cria vínculos difusos entre as práticas violentas e a juventude. A adoção deste novo
paradigma traz conseqüências importantes para a interdependência entre a produção de
conhecimento e as práticas governamentais. Mais do que um reconhecimento teórico, a
eficácia conceitual de um paradigma reside - como diria Castro Faria (2002) - em sua
capacidade de determinar o que pensar e como ordenar as coisas pensadas
150
. Nesta vertente,
Os jovens de Brasília cumpriu esta função, ao disputar espaços de “legitimidade” e afirmação
de um projeto teórico e informativo e, sobretudo, político.
Para confrontar as publicações de 1999 com as de 1998, apresento a seguir as principais
definições tratadas pelos dois estudos de 1998, levando em consideração as subcategorias
discutidas acima.
150
Castro Faria (2002: 45), ao discutir a noção de paradigma com base no livro Race Culture and Evolution de
George W. Stocking Jr., mostra que a noção não “tem o valor de um modelo rigoroso para todas as mudanças
científicas, mas antes um valor heurístico, que auxilia a compreensão de movimentos particulares na história
geral das idéias”. Mais adiante, discutindo a teoria da evolução social, afirma: “como paradigma, ela determina
o que pensar e como ordenar as coisas pensadas. Ela preestabelece o que deve ser incluído e, portanto, o que
deve ser excluído”.
160
CAPÍTULO 3
Carta Capital: Por que a UNESCO tem uma atuação tão forte no
Brasil?
Jorge Werthein: Estamos falando de um país com atitude muito
receptiva à cooperação multilateral das Nações Unidas, o que permite
às várias instituições da ONU terem uma atuação importante. A
Unesco teve habilidade para entender quais eram os aspectos em que
o Brasil precisava de ajuda. Foi suficientemente hábil para entender
essas necessidades e responder com a oferta de cooperação técnica, o
que incrementou o número de parcerias no Brasil. No Brasil, a
Unesco aumentou muito seu trabalho nos últimos anos nas áreas de
educação, cultura, patrimônio cultural e natural, direitos humanos,
juventude, violência.”
(Entrevista a Carta Capital ano X nº 301, julho de 2004: 27)
161
TECENDO REDES: O PROJETO JUVENTUDE, VIOLÊNCIA E
CIDADANIA (1999)
“Mais de 24 mil jovens, entre 15 e 24 anos, morreram no Brasil em 1996. Causas:
acidentes de transporte, homicídios ou suicídios. Entre 1979 e 1996, o número de
mortes violentas dobrou, saltando de 12.271 para 24.409. Os homicídios lideram
as causas. Das 24.409 mortes violentas de 96, 62,4% foram causadas por
homicídios, 31,4% por acidentes de transporte e 6,2% por suicídios. Em 79,
6.943 jovens entre 15 e 24 anos morreram assassinados. Em 96, foram 15.228”
(Notícias UNESCO n 8, 1999: 13)
A publicação do Mapa da Violência trouxe novos desdobramentos às ações da UNESCO no
Brasil na área de juventude. No mesmo boletim, o estudo e as pesquisas sobre juventude,
violência e cidadania são vinculados às prioridades e às metas internacionais promovidas pela
UNESCO-Siège sob o título “Transpondo o limiar: ouvindo os jovens no despontar do
terceiro milênio”, um programa criado à luz das resoluções aprovadas pelas Nações Unidas.
O próprio título da matéria do Boletim da UNESCO, “Pesquisa faz parte de projeto maior”
deixava claros os vínculos internacionais do Projeto “Juventude, Violência e Cidadania” e
informava que a preocupação com a violência era compartilhada pelas diferentes organizações
da ONU.
Em outubro de 1998, um encontro em Brasília reuniu os supervisores gerais da pesquisa
nacional (Julio Jacobo Waiselfisz, Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua) e as equipes
selecionadas para encaminhar a pesquisa “Juventude, Violência e Cidadania” em outras
capitais (Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza e Brasília). A equipe do Rio de Janeiro foi
coordenada por Maria Cecília de Souza Minayo (pesquisadora do Centro Latino-Americano
de Estudos da Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
a de Curitiba por Ana Luisa Fayet Sallas (professora titular da Universidade Federal do
Paraná) e a equipe de Brasília foi coordenada por Julio Jacobo Waiselfisz (UNESCO) e
162
No encontro foram definidos os parâmetros teóricos e metodológicos que orientariam os
estudos locais, cujas principais questões eram juventude, violência e cidadania, os mesmos
temas discutidos na pesquisa de 1998. No entanto, as publicações: Os jovens de Brasília,
Mapa da violência e Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas trouxeram um outro
olhar para o debate, como sugere o depoimento do coordenador das pesquisas:
“Pode-se considerar que as mortes dos jovens originadas de causas violentas
representam só a ponta do iceberg da violência geral. (...) da mesma forma que as
taxas de mortalidade infantil não falam só do volume de óbitos de crianças,
indicam também a existência (ou a ausência) de infra-estrutura de atendimento,
epidemias, condições de higiene, mecanismos culturais, políticos, sociais de
tratamento das crianças, etc., as taxas de mortalidade juvenil, e especificamente
as atribuíveis a causas violentas, portanto, nos falam também de modos de
sociabilidade, de circunstâncias políticas e econômicas, de mecanismos de
negação da cidadania” (Notícias UNESCO n 8, 1999:13).
Este novo olhar se inscreve na perspectiva de pensar as práticas (ou ações) ditas violentas a
partir de seus efeitos (mortalidade juvenil, óbitos de crianças). Esta perspectiva desloca o
eixo explicativo das representações e opiniões das práticas violentas e do comportamento dos
jovens para a busca de causas que expliquem as estatísticas. Esta inversão tem implicações na
própria interpretação do comportamento dos jovens e das violências praticadas por eles ou
contra eles, que passa a ser feita à luz da responsabilidade e identificação dos atores destas
violências e dos efeitos que geram sobre si mesmos e sobre o conjunto da sociedade
brasileira.
As publicações coordenadas pela UNESCO-Brasil em 1998 e 1999 participam da elaboração
de um determinado saber capaz de construir, diagnosticar, explicar e propor soluções. Para
demonstrar esse processo nas páginas seguintes, analiso as pesquisas produzidas em 1999 e
estabeleço vínculos conceituais entre os textos, ao definir suas continuidades e
complementaridades a partir da constituição de “esquemas intelectuais”. Em outras palavras,
procuro demonstrar como, mediante a referência a um conjunto de “autores-fonte” e
publicações, os trabalhos de 1999 conformaram um padrão de compreensão dos fenômenos
abordados e adotaram um padrão de descrição etnográfica, como sugere João Pacheco (1987:
161). Também mostro como esses estudos, somados aos anteriores, promoveram e deram
visibilidade a certos produtores intelectuais que passaram a agir como “transmissores” de
esquemas interpretativos. Esse duplo papel dos autores/atores das pesquisas como
163
“transmissores” e “produtores” permitiu à UNESCO-Brasil elaborar um modelo interpretativo
sobre o jovem e a violência que o atinge e construir uma problemática global.
Desta maneira, estes trabalhos participam de um campo de reflexão ideológica e política que,
em um primeiro momento, visa definir e classificar um segmento social (o jovem), seus
comportamentos e espaços de ação para, em seguida, propor ações e medidas de proteção e
controle dos mesmos.
A consolidação de vínculos conceituais
O debate sobre juventude, violência e cidadania coordenado pela UNESCO-Brasil, como foi
visto, teve início com Os jovens de Brasília, posteriormente ampliada no Mapa da Violência e
nas publicações de 1999.
Quadro 15: Pesquisas de 1999
152
Ano Livro Coordenadores
1999
Os jovens de Curitiba: esperança e desencantos
Ana Luisa F. Sallas
et al.
1999
Ligado na galera: juventude, violência e cidadania na
cidade de Fortaleza
César Barreira
1999
Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do
Rio de Janeiro
Maria Cecília de Souza Minayo
et
al.
1999
Gangues, galeras, chegados e rappers
Miriam Abramovay
et al.
Para analisar os dados destas pesquisas empreguei os critérios e procedimentos do capítulo
anterior, qual seja, procurei as matrizes conceituais que orientaram esses estudos com base
nos “autores-fonte” e nos temas discutidos para, em seguida, ordená-los em subcategorias por
mim criadas
153
.
Este procedimento provou ser eficaz, visto que esses estudos também orientaram as análises
dos dados coletados nas pesquisas pelas categorias juventude, violência e cidadania e os
objetivos e procedimentos metodológicos aparecem, com algumas variações, de forma
152
Doravante, as pesquisas de 1999 serão mencionadas da seguinte maneira: Os jovens de Curitiba: esperança e
desencantos como Os jovens de Curitiba; Ligado na galera: juventude, violência e cidadania na cidade de
Fortaleza como Ligado na galera: Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro
como Fala galera e Gangues, galeras, chegados e rappers como Gangues e galeras.
153
No anexo 3.1 constam os “autores-fonte” citados e os trechos destacados dos livros: Fala galera, Gangues e
Galeras, Ligado na galera e os Jovens de Curitiba, indicando como estes foram utilizados
164
semelhante em todos os trabalhos
154
. O quadro abaixo apresenta os objetivos definidos pelos
autores
Quadro 16: Objetivos gerais pesquisas 1999
Livros Objetivos
Curitiba “Tendo como ponto central a análise da percepção que os
j
ovens de Curitiba
delinearam a respeito da violência verificamos as formas de sociabilidade, na família, na
escola, na mídia e em outros espaços tipicamente juvenis (clubes,
points
, danceterias,
etc.) (...) enfocando também suas diferentes formas de associações – turmas,
g
aleras,
gangues, e os ethos desses agrupamentos” (22).
Rio de
Janeiro
“Neste estudo, buscou-se analisar o sentido que os
j
ovens cariocas pertencentes a
distintos estratos socioeconômicos atribuem à
j
uventude, à violência e à cidadania,
especialmente no âmbito de seu cotidiano familiar, escolar e de sociabilidade” (11).
“Proposta diagnóstica para a
ç
ão no campo de constru
ç
ão de uma cidadania extensiva e
para análise de seus limites e possibilidades, [tendo como principal idéia a]
internalização de direitos e a identidade dos jovens enquanto cidadãos” (18).
Fortaleza “Uma tentativa de compreender os discursos dos
j
ovens de Fortaleza acerca da
violência e da cidadania, privile
g
iando entender a percep
ç
ão dos
j
ovens sobre estas
temáticas. (...) Além disso, busca-se também apreender como a própria
j
uventude
classifica seu comportamento, o que é aceito e o que é negado” (11).
Brasília
As principais inda
g
a
ç
ões iniciais que orientaram esta pesquisa foram as se
g
uintes:
existem realmente gangues e
g
aleras no DF? Se existem, o que distin
g
ue os seus
membros de outros
g
rupos de
j
ovens? Como são or
g
anizadas? O que pensam? Como
vivem? Quais as suas expectativas? Que valores orientam as suas a
ç
ões e decisões?
Como atuam?” (22).
O primeiro aspecto que chama a atenção neste quadro é a referência, na pesquisa do Rio de
Janeiro à idéia de pensar o estudo como um diagnóstico, o que pressupõe pensar a existência
de uma afecção, cuja natureza e causa se busca desvendar. Esta abordagem difere um pouco
dos objetivos definidos pelos demais e gera uma organização do material também um pouco
distinta.
Um outro aspecto presente nestes objetivos é a idéia de que o foco dos estudos é a percepção
- ou os discursos - que um segmento social na faixa etária de 14 a 20 anos tem dos temas
relacionados a violência e cidadania
155
. Para tal, os autores investigam as formas de
organização tipicamente juvenis destes segmentos (gangues, galeras, turmas etc.) e seus
154
Cf. anexo 2.2.
155
Com exceção d/TT0n4g02 ,ei. Eme( Com)Bgalvio5l341sobadocou
165
espaços de sociabilidade, como família e escola).
A escolha desta temática é justificada pela magnitude da violência, como assinala Minayo et
al.(1999), que seria um problema social da atualidade (Barreira, 1999), ou ainda pela
importância da violência sobre as formas de percepção do outro (Sallas et al., 1999). É
recorrente nas quatro publicações a idéia de que a violência é o problema a ser investigado e
analisado, o que concorda com os trabalhos anteriores de Waiselfisz (1998a e 1998b).
A construção desta percepção se baseia na combinação de diferentes fontes de informação
com dados de distinta natureza. As mais utilizadas e citadas foram os dados estatísticos
relacionados à população jovem, desagregados, entre outros, por indicadores de distribuição
geográfica e situação de renda e produzidos por instituições governamentais como o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e secretarias estaduais. Também são empregados
dados produzidos por ONGs e pesquisadores vinculados a centros de pesquisa
156
. No entanto,
em todos os trabalhos o Mapa da violência serve de fonte, de maneira geral, para as
estatísticas sobre mortalidade juvenil.
Outra fonte citada com grande recorrência nos trabalhos são os meios de comunicação de
massa. A mídia aparece como um indicador da atualidade das questões relativas à violência e
juventude e um fator importante a ser acoplado aos temas juventude, violência e cidadania.
Os autores ora consideram a mídia como uma fonte que reflete a realidade, ora como um
agente que divulga uma visão tipificada do comportamento juvenil e das violências praticadas
contra e por jovens
157
.
Estas duas fontes de informação, mídia e estatísticas, aparecem como capazes de revelar a
realidade de forma crua e, principalmente, apontar o vínculo entre práticas juvenis e atos de
156
Os dados estatísticos da pesquisa de Fortaleza provêm da Secretaria do Trabalho e Ação Social e da Divisão
de Investigação Criminal (DIC), vinculada à Delegacia Especializada da Polícia Civil. No trabalho de Minayo et
al.são citadas pesquisas realizadas pelas ONGs Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP,
1993) e pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA, 1994).
O texto também cita o pesquisador R. Gomes (1994), que analisou registros policiais sobre violência sexual.
157
O papel da mídia aparece com destaque em todas as pesquisas, com análises muito semelhantes, como
mostram os trechos destacados. “Dessa forma, os meios de comunicação, que muitas vezes têm a função de
denunciar situações de desrespeito aos direitos de cidadania, também contribuem para a construção e a
manutenção dos estereótipos negativos dos jovens pobres” (Minayo et al., 1999: 19). “Está cada vez mais
comum nos grandes meios de comunicação de Fortaleza, a veiculação de fatos considerados como violentos
atribuídos diretamente aos jovens” (Barreira, 1999: 12).
166
violência. Um exemplo desta associação é a descrição na imprensa do evento ocorrido em 20
de abril de 1997, quando jovens da classe média do Distrito Federal atearam fogo a um índio
Pataxó.
O relato do Caso Galdino, como ficou conhecido, figura em todos os livros e em Os jovens de
Brasília ele é analisado a partir da percepção dos jovens sobre o ocorrido. O assassinato do
índio Pataxó é considerado revelador das práticas juvenis e de seus vínculos com atos de
violência por trazer à tona uma dimensão nova dos diversos tipos de comportamento de um
segmento social até então “pouco” conhecido.
A novidade do Caso Galdino diz respeito menos à relação entre certos comportamentos
tipicamente juvenis e as ações violentas e mais à maior visibilidade de um determinado
segmento social que, ao ser exposto, passou a ser objeto de opiniões e representações. O tema
da violência já fazia parte dos investimentos e reflexões de diferentes instituições e agências
governamentais e não governamentais, e o Caso Galdino trouxe novos elementos para o
debate. Abrindo uma nova perspectiva, dirigiu o olhar para um segmento social, o jovem, e
inseriu-o em uma condição social, procurando revelar suas múltiplas inserções e formas de
agir no mundo social. O Caso Galdino criou um vínculo entre práticas violentas e jovens de
classe média, ampliado nas pesquisas de 1999.
O Caso Galdino foi inscrito, a posteriori, em outros eventos da década de 1990 importantes
para os desdobramentos e investimentos na área da violência. Em minha dissertação de
mestrado (Macedo Castro, 1998) examinei alguns elementos da relação entre violência e as
demarcações geográficas e mostrei a formação da “geografia política da violência”. Nos anos
1990 dois episódios tiveram papel semelhante ao do Caso Galdino na reorientação dos
estudos sobre violência e juventude. O primeiro ocorreu em julho de 1993, quando policiais,
supostamente a mando de comerciantes locais, executaram jovens/adolescentes que dormiam
ao relento nas imediações da igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. O segundo
episódio ocorreu em agosto no mesmo ano, quando policiais do Batalhão de Operações
Policiais Especiais (BOPE), assassinaram toda uma família na favela de Vigário Geral,
situada junto à principal via de acesso ao Rio de Janeiro. Estes dois episódios imprimiram um
novo rumo nos estudos e modelos explicativos do fenômeno da violência, voltados para a
descoberta ou análise dos agentes/atores, pois, mesmo não sendo os únicos do gênero, foram
os que tiveram maior impacto. As áreas em que ocorreram deixaram de ser vistas de um
167
prisma classista que, grosso modo, opunha “pobres e ricos” e partia de noções como
“integração x não-integração”, “aglomerado subnormal x aglomerado ilegal”, para dar lugar
ao surgimento de novas imagens, tais como “cidade partida” e “cidade sitiada” Ventura
(1994) ou “cidade cerzida” Rocha (2000), que foram incorporadas a uma nova retórica sobre a
estratificação social que reafirmava, no plano ideológico, a demarcação de fronteiras sociais
focada nas percepções sobre os diferentes atores da violência. Estas noções representavam
uma maneira diferenciada de encarar certos fenômenos sociais, fundamentada na idéia de que
a violência é o elemento que separa e demarca populações urbanas e que a paz como negação
da violência deveria operar como eixo de reflexão. (Macedo Castro, 2004: 171-198).
Neste sentido o Caso Galdino e as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, entre outros
eventos semelhantes, adquiriram um significado especial na criação de certas linhas de
interpretação e reflexão sobre as práticas violentas.
É neste quadro de reflexões que se situam as pesquisas de 1998 e de 1999, com as quais os
autores procuram inserir-se em um campo de reflexão e situar a UNESCO-Brasil como uma
organização capaz de produzir um saber voltado para a formulação de práticas
governamentais.
Ampliando as redes conceituais
O primeiro aspecto que gostaria de destacar aqui refere-se, sobretudo, ao efeito de verdade
158
que certas preocupações e teses apontadas nas publicações de 1998 alcançam com as
publicações de 1999.
Os dois trabalhos de Waiselfisz (1998a e 1998b), apesar de sua autonomia interna, informam
diferentes questões que, combinadas, ganham poder e força explicativa. De maneira simplista,
158
Em diversos trabalhos Foucault chama a atenção para a relação entre discurso e poder como instâncias
integradas e formadoras de sistemas de poder. “A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua
‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se
sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (...) A ‘verdade está circularmente ligada a
sistemas de poder, que a produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. (Foucault,
1984: 12-14).
168
poderia afirmar que os Os jovens de Brasília (1998a) é uma análise essencialmente
qualitativa, enquanto que Mapa da Violência (1998b) fundamenta a análise em dados
quantitativos
159
. A oposição qualitativa X quantitativo – ou a análise a partir de fontes de
natureza distinta – corresponde a alguns dos principais procedimentos de investigação
científica. Nas publicações de 1999 observa-se que a relação qualitativo X quantitativo
legitima, enfatiza e faz referência às publicações anteriores. Isto pode ser observado, por
exemplo, quando as pesquisas de 1999 se apropriam dos dados estatísticos do Mapa da
Violência, transformando-o em “autor-fonte” privilegiado.
As publicações de 1999 coletaram dados estatísticos de fontes locais (secretarias estaduais,
ONGs etc.) e confrontaram as informações destas fontes com os dados do Mapa da Violência.
Este tipo de procedimento reconhece e valoriza os dados produzidos pela publicação de 1998
e, sobretudo, estabelece a continuidade e interdependência das publicações. Instituem-se,
assim, chaves de leitura autorizadas nessa temática, colocando seus formuladores em
circulação.
Pode-se pensar que esta operação já ocorrera no confronto entre ambas as publicações de
1998. No entanto, o Mapa da violência empregou dados sobre todo o território nacional, com
foco nas capitais dos principais estados. Era necessário, portanto, iniciar um processo que
ampliasse a força explicativa das teses defendidas nas pesquisas de 1998, cujo objetivos eram
compreender certos fenômenos sociais, traçar caminhos e possibilidades para reverter o
quadro atual da violência (Waiselfisz, 1998a) e elaborar instrumentais capazes de aferir este
quadro.
Para demonstrar estas operações recuperei as principais questões levantadas em Os Jovens de
Brasília, onde as hipóteses e teses foram apresentadas e formuladas. Minha primeira tarefa
consistiu em indagar: o que os diferentes autores entendiam e como definiam o que é ser
jovem? Para encontrar as respostas agrupei os temas - com as diferentes referências e
recorrências que indicam a delimitação deste segmento social discutido pelos “autores-fonte”.
A segunda tarefa consistia em definir o que os autores entendiam por violência e quais eram
as modalidades de sua expressão.
159
Esta construção é apontada pelos próprios autores.
169
Construindo um jovem e uma juventude
A análise de Os jovens de Brasília deixou claro que os autores tiveram certa dificuldade em
definir de forma precisa e clara o que entendiam por jovem e juventude. Os “autores-fonte”
citados não ajudaram a construir uma definição mais precisa, mas tiveram o mérito de suscitar
caminhos e hipóteses para compreender este segmento social. No quadro abaixo apresento as
definições estabelecidas pelo estudo Os jovens de Brasília.
Quadro 9: Definição de juventude.
Definição de Jovem Definição de Juventude
"Com rela
ç
ão à faixa etária, existem diver
g
ências
ao se fixar uma cronolo
g
ia que identifique a
cate
g
oria de
j
uventude. A Or
g
aniza
ç
ão
Internacional da Juventude define os limites
etários entre 15 e 24 anos, enquanto a WHO-
OPAS entre 10 e 20” (p.153).
"Delimita-se cronolo
g
icamente, para efeito desse
estudo, o conceito de jovem para a faixa etária
compreendida entre 14 e 20 anos, tendo como
base o estudo de Márcia (1980), que classifica
esse período como a consolida
ç
ão de uma
identidade juvenil, a partir do desenvolvimento
físico, das capacidades cognitivas, das
expectativas sociais, finalizando aos 20 anos -
quando a identidade adulta come
ç
a a se
manifestar" (p. 154).
"Entende-se a
j
uventude como período de
transitoriedade. (...) como uma etapa de transi
ç
ão que
processa a passa
g
em de uma condi
ç
ão social mais
recolhida e dependente a uma mais ampla; um período
de preparação para o ingresso na vida social adulta.”
(p. 154).
Fonte: Os jovens de Brasília
No quadro acima há uma noção para definir o jovem, a faixa etária. Assim, jovem é todo
indivíduo na faixa etária de 15-24 anos, de acordo com a Organização Internacional da
Juventude (OIJ), ou entre 10-20, de acordo com a Organização Mundial da
Saúde/Organização Panamericana da Saúde (OMS/OPAS) ou, ainda, entre 14-20 anos, de
acordo com o trabalho de Márcia (1980). Apesar da profusão de faixas etárias, o texto
estabeleceu um critério, partindo da argumentação de que nesta(s) faixa(s) etária(s) os jovens
estariam consolidando uma identidade juvenil. As características que distinguiriam esta
identidade de outras seriam o desenvolvimento físico, as capacidades cognitivas e as
expectativas sociais.
170
O trabalho de 1998 definiu demograficamente um segmento social (o jovem) a partir de um
recorte etário. Entretanto, ao tentar definir juventude, as análises tornam-se mais confusas,
dada a dificuldade de refletir sobre um termo que, em princípio indicaria uma situação
imaginada (transitoriedade). Como visto no capítulo anterior, o estudo adotou este termo a
partir do trabalho de Abramo (1994).
Outra coisa digna de nota é a construção conjunta dos termos, como se fosse impossível
separar jovem de juventude; é como se, sem o primeiro, o segundo fosse uma abstração
desprovida de significado e existência. A transitoriedade é entendida como uma passagem
entre condições sociais que separam e afastam indivíduos e que coloca-os em situações
distintas. Os indivíduos precisam ser identificados para que o termo opere. Ao identificá-los a
transitoriedade adquire conteúdo e substância, mas ainda não é capaz de qualifica-los. Ao
fornecer substância à juventude, o termo passa a operar não só como uma categoria analítica,
mas também como uma categoria política que transforma o jovem em ator social.
Os mesmos procedimentos adotados em 1998 foram repetidos nos estudos de 1999, que
ratificam e reificam uma determinada compreensão dos fenômenos da realidade social ao
propor e insistir em uma “chave” de leitura sobre a juventude e o jovem.
No entanto, com estas pesquisas as definições adquirem maior complexidade. Isto pode ser
explicado pelo envolvimento de um maior número de pesquisadores e a incorporação de
novas leituras e olhares, ainda que os textos apresentem uma construção analítica semelhante,
evidenciando o que Oliveira Filho (1987: 161) denominou “padrão etnográfico”.
O jovem seria, então, a personificação de um segmento social cronologicamente delimitado a
partir de uma perspectiva biológica/psicológica e definido por instituições e órgãos
internacionais, enquanto juventude seria uma categoria analítica para qualificar as ações deste
segmento social.
Em Fala Galera, baseado no trabalho de Waiselfisz (1998a), juventude é um processo
sociocultural:
“(...) O conceito de juventude resume uma categoria sociológica, que constitui
um processo sociocultural demarcado pela preparação dos indivíduos para
171
assumirem o papel de adulto na sociedade, no plano familiar e profissional.
(Waiselfisz, 1998a)”. (Minayo et al., 1999: 13).
Em Jovens de Curitiba, os “autores-fonte” utilizados - Philippe Ariès em História Social da
criança e da família (1981) e Pierre Bourdieu em Questions de sociologie (1984) indicam que
a oposição entre infância e juventude ou entre velhice e juventude seria uma demarcação
sociohistórica, arbitrária, mutável e em disputa.
“Sabemos, desde os trabalhos de Áries (1981), que as noções e percepções da
infância e da juventude estão marcadas sócio-historicamente, ou seja, elas têm
variado no tempo e de uma cultura para outra (...) As divisões entre as idades são
arbitrárias [e] a fronteira entre a juventude e a velhice é um objeto de disputa em
todas as sociedades”. (Sallas et al., 1999: 25)
Em Ligado na galera, juventude é identificada a partir de Giovanni Lévi e Jean-Claude
Schimitt “História dos jovens: da Antigüidade à era Moderna” (1996), como uma fase de
mudança; logo, o termo indicaria uma provisoriedade.
“A categoria juventude tem como máxima o caráter de provisoriedade, ou seja,
remete a uma fase onde os indivíduos desenvolvem, principalmente, o valor
mudança. (...) A juventude é efetivamente o momento das tentativas sem futuro,
das vocações ardentes, mas mutáveis, da ‘1usca’ e das aprendizagens (...)
incertas, sempre marcada por uma alternância de êxitos e fracassos. (Lévi e
Schmidt, 1996: 12-13)”. (Barreira, 1999: 155)
Gangues e galeras indica a idéia de processo e preparação, mas, à diferença das demais
publicações, informa que isto ocorre em uma faixa etária precisa, dos 15 aos 24 anos.
“O conceito de juventude resume uma categoria essencialmente sociológica, que
indica o processo de preparação dos indivíduos para assumir o papel de adulto na
sociedade, tanto no plano familiar quando no profissional, estendendo-se dos 15
aos 24.” (Abramovay et al., 1999: 24)
Pode-se então afirmar que, para os autores, juventude é um processo sociocultural, sócio-
histórico e arbitrário, oposto a velhice e infância. Um momento de mudança, aprendizado,
incertezas, fracassos e êxitos. A juventude é provisória, uma passagem para a vida adulta e,
segundo Gangues e galeras, vivida por aqueles que estão entre os 15 e os 24 anos.
172
Estas primeiras definições do conceito de juventude abrem campos de possibilidades vastas e
imprecisas em que podem ser incluídos os indivíduos. O termo jovem fornece a possibilidade
de distinguir dos demais os portadores das características acima mencionadas. Sua
flexibilidade leva os autores a buscar mais elementos para qualificar seu objeto de estudo e
integrar os eixos juventude, violência e cidadania.
O processo adotado para tal procedimento consistiu em observar os comportamentos, práticas
e ações destes jovens. Assim, a partir de um recorte temático, os jovens são interpretados e
construídos socialmente. Nesta perspectiva, os trabalhos de 1999 ampliaram largamente os
temas e referências para as práticas e ações destes segmentos sociais. O levantamento que fiz
destas quatro publicações mostra que, do ponto de vista dos comportamentos dos jovens e de
sua inserção social, estes poderiam estar envolvidos em práticas violentas (como atores e/ou
vítimas) e de consumo, como participantes de gangues, associações, grupos e turmas de
natureza distinta (violentas ou não). Poderiam participar de atividades políticas ou
profissionais ou, ainda, desenvolver uma sexualidade conflitante.
Práticas violentas
Um elemento que se destaca nos aspectos acima é a recorrência na identificação dos jovens
com comportamentos violentos e a explicação de certos comportamentos a partir de questões
relativas à própria violência, como mostram os trechos abaixo:
“Em estudo realizado em Duque de Caxias, município da região metropolitana,
Assis (1992) estimou que, nos anos de 1990-1991, 10.955 estudantes do
município conviviam com a violência familiar, sendo que 2.665 eram vitimizados
nas suas formas mais graves, inclusive com ameaça à vida.” (Minayo et al., 1999:
15)
“A vida na periferia, as revoltas, os perigos, os sonhos, são descritos de forma
crítica, parecendo que vivem numa espécie de inferno, cujo futuro é a morte ou a
cadeia , sem felicidade e sem saída, no qual impera a violência.” (Abramovay, et
al., 1999: 142)
“Revela-se assim uma forma generalizada mais subjetiva do preconceito.
Segundo Barrington Moore (1967), o jovem interioriza o conflito social
desvinculando-o de suas origens subjetivas. Não por acaso a única saída
encontrada por alguns jovens para escapar do problema do racismo acaba sendo
também uma saída individualista, sobressair na vida (...)” (Salas et al., 1999: 256)
173
“Foi somente entrando neste mundo de representações que se tornou possível
compreender a violência existente, suas leis, princípios e a importância de certos
comportamentos como ‘o olhar que pode matar’. O seu dia-a-dia se apresenta
como uma realidade interpretada pelos homens e que para eles tem um resultado
subjetivo de um mundo coerente.” (Abramovay, et al., 1999:178)
Consumo
Um segundo grande conjunto de comportamentos atribuídos aos jovens é agrupado em torno
da idéia de consumo:
“A roupa tem, para os jovens, um grande significado social, é um demarcador
importante relativo ao consumo e à possibilidade de parecer igual ou semelhante
ao ‘outro’. Apesar de eles reclamarem que são imitados, é por meio da vestimenta
que podem fugir da identificação como pobres e por esta mesma razão é que a
moda vai mudando rapidamente, sendo substituída e ‘evitando essa insuportável
confusão social e ter meios simbólicos a marcar as diferenças de classe’.
(Abramovay et al., 1999: 44)
“Estudos de Galduroz e Colaboradores (1997) também mostram tendência do
crescimento do consumo de álcool pela juventude do Rio de Janeiro. Quanto ao
uso de cocaína, as proporções dos que já a experimentaram é crescente com a
idade, nas camadas populares, sendo bem significativas nas faixas de 10 a 19
anos”. (Minayo, et al., 1999: 77)
“As drogas aparecem como uma das grandes preocupações para jovens,
professores e pais, e aparecerão entre os primeiros temas que a escola deveria
tratar. No entanto, ao discutirmos este fenômeno, entramos no terreno dos mais
impregnados por um senso comum, preconceituoso e arcaico (...)” (Salas et al.,
1999: 107)
“A juventude dos anos 90, no Brasil, defronta-se com a inovação do mundo
tecnológico, da globalização das informações, do consumo exacerbado”
(Barreira, 1999: 155).
Gangues, associações
No que concerne às associações de jovens, observa-se que as indicações oscilam entre tratá-
los como espaços de encontros e sociabilidades e como demarcadores identitários ou como
espaços que geram comportamentos violentos.
“Pesquisando os bailes funk cariocas, Vianna demonstra que grupos de ethos
174
conflitantes mantêm uma disputa que vai além desses territórios. Para esse autor,
o nome ‘suburbano’ dado ao morador da zona norte pelo da zona sul é uma forma
de acusação freqüente. Assim esses bailes são conhecidos como ‘bailes de
subúrbio’” (Minayo et al., 1999: 40)
“Os punks situam-se a margem da institucionalidade existente, adotando formas
alternativas de manifestação da identidade juvenil, expressando-se num tom
agressivo, expressando a violência, com as suas correntes e munhequeiras. Essa
foi a forma que encontraram de expressar sua insatisfação diante das questões
colocadas à juventude urbana com uma postura de raiva, sempre pronta ao
combate” (Abramovay et al., 1999: 137)
“Movimentos punks, darks, funks, torcidas organizadas, dos carecas do subúrbio,
do skin heads, do hip hop organizado, dentre outros, parece mobilizar de forma
mais visível, a atenção e a tensão juvenil dos anos 90.” (Barreira, 1999: 160)
Atividades profissionais
A inserção do jovem no mercado de trabalho é tratada a partir de duas idéias básicas: a
centralidade do trabalho como espaço de construção de identidades – e, portwnto,
fundamental para o jovem que apresenta incertezas e muitas dúvidas – e a dificuldade de
inserção destes mesmos jovens em atividades profissionais, em virtude de sua própria
condição de jovem.
“Vários autores vêm discutindo a questão do trabalho e sua função social (Castel,
1995; Gorz, 1988), afirmando que é por intermedio do trabalho que os indivíduos
conquistam o pertencimento à esfera pública e constituem sua identidade.”
(Abramovay et al., 1999: 76)
“É nos grupos focais que os jovens manifestam suas angústias quanto ao mercado
de trabalho, ao estudo como estratégia para conquistar uma profissão, bem como
com relação à falta de oportunidade ocupacionais. Segundo Madeira (1998), a
dificuldade de acesso ao trabalho, afeta principalmente os grupos de menor
escolaridade trazendo conseqüências nefastas para que possam vivenciar a sua
própria juventude e retirando-lhes os incentivos para pensar a longo prazo a
elaborar planos e projetos para o futuro”. (Abramovay et al., 1999: 176)
“No que se refere à avaliação dos jovens se Curitiba oferece ou não maiores
chances de sucesso que em outras capitais, os dados da pesquisa quantitativa
revelam que dois em cada grupo de dez jovens não sabem; pouco mais de 4
dizem que não oferece e 3,5 acham que a cidade oferece. Entre os profissionais
da educação, em torno de ¼ não sabe dizer se Curitiba oferece ou não maiores
possibilidades de sucesso para s jovens que outras capitais.” (Salas et al., 1999:
118)
175
Sexualidade
A sexualidade/relações entre sexos é um outro tema com menor destaque, mas que
igualmente contribui para construir uma noção de jovem e inseri-lo em contextos sociais.
“O início da vida sexual foi em média aos 14 anos e meio de idade. Os jovens de
sexo masculino, em ambos os estratos, iniciam a vida sexual mais precocemente.
Houve alguns relatos de que a primeira relação sexual tenha ocorrido aos 6 anos
(nas classes alta/média) e aos 9 anos nas classes populares), no caso dos meninos,
e aos 11 e 12 anos para as meninas, o que pode estar denotando situações
possíveis de violência sexual. (Minayo et al., 1999: 63)
“A percepção dos jovens sobre as relações sociais entre os sexos, expressa as
percepções correntes encontradas sobre o homem e a mulher encontradas na
sociedade, mostrando diferenças que não são naturais, senão produzidas
socialmente (Lavinas, 1997). De maneira geral as mulheres são vistas pelos
jovens como mais fracas, como de natureza menos violenta – ‘Não têm peso de
chegar e se impor’ - , são menos experientes em roubos e podem usar de ‘manha’
para conseguirem o que querem, inclusive a aproximação com membros de
gangues para se tornarem conhecidas” (Abramovay et al., 1999: 134)
Atividades políticas
A menção a atividades políticas é relativamente menor com relação aos temas
comportamentais sumariamente apresentados acima. No entanto, há dados interessantes. A
grande maioria das citações refere-se à escassa participação/atividade do jovem em práticas
identificadas como políticas.
“Aliás, como destaca o já citado trabalho de Ann Mische (De estudantes a
cidadãos), um dos fatores que pode explicar o afastamento dos jovens de seus
organismos de representação é a ‘partidarização’ destes últimos, quer dizer, a
ausência de autonomia das lideranças estudantis em relação aos partidos políticos
nos quais militam, o que seria mais verdadeiro para o caso das lideranças ligadas
aos partidos de esquerda.” (Sallas et al., 1999: 275)
Os temas discutidos revelam que o processo de definição do jovem deve necessariamente
fornecer-lhe materialidade e existência, construindo-o como um sujeito social que praticando
certas ações e tem determinados comportamentos. A maior presença de “autores-fonte” com
relação à publicação de 1998 permite ampliar as definições e construções do jovem e os
vínculos conceituais, expandindo a rede de agentes e agências que refletem sobre a juventude
e o jovem.
176
Nos últimos anos diversos autores têm empreendido o chamado “estado da arte” dos debates
sobre juventude (Peralva, 1997; Sposito, 1997 e 2000; Foracchi, 1972; Wulff, 1995, Guaraná
Castro, 2005) e concluindo que a produção científica sobre o tema vem crescendo. Marília
Sposito, (2000) aponta a década de 1990 como o momento de maior produção de trabalhos
acadêmicos sobre o tema. Mas meu trabalho não tem por objeto a produção sobre juventude e
jovem, como já indicado. O que pretendo aqui é analisar as pesquisas produzidas pela
UNESCO-Brasil neste espaço de produção científica em gestação, através do diálogo
conceitual efetuado pelos livros de 1998 e 1999. Assim, observei as regularidades internas e
os “esquemas intelectuais” que orientaram os caminhos e escolhas feitas para qualificar e
definir o jovem e a juventude.
No que se refere à identificação do jovem, independentemente das ressalvas feitas em todos
os trabalhos, os autores optaram por considerar jovem o segmento social na faixa etária dos 14
aos 20 anos, como indicado pela coordenação nacional do projeto “Juventude, Violência e
Cidadania” e apropriado do trabalho do “autor-fonte” J. Márcia, “Identity of adolescence”
(1980), à exceção de Abramovay et al.(1999) que optou pelo recorte de 15 a 24 anos com
base em Waiselfisz (1998b).
Esta opção pelo critério sócio-demográfico de faixa etária me leva a acompanhar Sposito
(2000: 6) ao considerar esta escolha um “procedimento inicial e útil” capaz de ajudar na
definição do recorte analítico. Entretanto, como destaca a autora, este “procedimento”
considera certas condições sociais que opõem o jovem ao adulto, relacionadas ao “ciclo de
vida” de cada grupo etário
160
. Isto nos remete de volta ao termo transitoriedade como
categoria explicativa para definir juventude, como salienta Sposito:
“Embora ocorra um reconhecimento tácito na maior parte das análises em torno
da condição de transitoriedade como elemento importante para a definição do
jovem - da heteronomia da criança para a autonomia do adulto - o modo como se
dá essa passagem, sua duração e características têm variado nos processos
160
Sposito assinala, a partir de Chamboredon (1985), que o emprego da faixa etária como um elemento
diferencial dos ciclos de vida deve ser problematizado, pois “De acordo com Chamboredon o conceito de ciclo
de vida, útil para fins descritivos, pode ser enganador se ele sugere a determinação natural dessas etapas e o
caráter universal, homogêneo e estável de seu conteúdo.” (Sposito, 2000: 6 [nota 4]). Na mesma linha, Elisa
Castro, baseada em Thévenot (1997), apontou que a definição por faixa etária pode gerar uma “pré-definição e
conseqüente enquadramento de quem são os “jovens”, onde estão e o que fazem” (Guaraná Castro, 2005: 21).
177
concretos e nas formas de abordagem dos estudos que tradicionalmente se
dedicam ao tema. No entanto, a idéia da transição tem sido também objeto de
críticas que incidem, ao menos, sob dois aspectos tidos como relevantes: o
primeiro diz respeito a uma caracterização da transição como indeterminação;
jovens não são mais crianças e também não são adultos, jovens viveriam uma
espécie de hiato na acepção de Salem (1986) sendo definidos pelo que não
seriam. Assim, este momento cada vez mais alongado no percurso de vida
continuaria, paradoxalmente, sofrendo um conjunto grande de atribuições que o
desqualificam exatamente porque se trata apenas de uma passagem. O segundo
aspecto incide sobre uma necessária subordinação dessa fase à vida adulta,
referência normativa caracterizada pela estabilidade em contraste com a
juventude, período da instabilidade e das crises” (Sposito, 2000: 3-4 [grifos
meus]).
Este trecho ajuda a compreender melhor o significado do emprego de determinados critérios –
no caso, os sócio-demográficos – na delimitação de um segmento social. Ele também alude à
idéia de ver os autores que pensam o tema em um “campo temático” que, como sugeriu Elisa
Guaraná Castro (2005), estabelece uma unidade comum entre autores. Desta forma obtém-se
a seguinte resposta à indagação: o que unifica estes autores?
“Talvez apenas o fato de um certo campo de conhecimento definir que todos são
jovens. Ou ainda, a apropriação de um senso comum reproduzido em nosso
cotidiano, que nos sugere quem é jovem e quem não o é.” (Guaraná Castro, 2005:
30)
Se existe consenso ou, nos termos de Sposito, um “reconhecimento tácito” na literatura sobre
o jovem e a juventude, este reside na idéia de transitoriedade e na demarcação demográfica,
apesar das acepções e objetos de análise serem, às vezes, diferentes.
A “condição de transitoriedade” insere no debate a distinção entre “vida adulta” e “vida não
adulta”. Cria-se um “hiato” entre dois ciclos tratados de forma distinta e que compreendem
comportamentos cuja natureza social e psicológica é igualmente distinta. Esta característica
de transitoriedade ou - para empregar outra expressão - esta “etapa de vida” do ser jovem
impõe à juventude uma situação passageira e, por isso mesmo, de difícil definição.
Por outro lado, na ausência de outras definições, este “campo temático” é responsável pela
apropriação das diversas percepções e sensos comuns produzidos na vida social para indicar
quem é jovem e quem não é. Isto nos leva a aproximações com o debate proposto por Adriana
178
Vianna (2002) em torno da relação entre infância e menoridade, em que a autora destaca que
a menoridade se constrói
“como uma relação que supõe certa qualidade de subordinação e, de modo mais
específico, que se constrói socialmente não apenas através de sua definição legal
mas, partindo dela, de uma série de tecnologias de controle. Para tanto, é preciso
pensar, antes de mais nada, que tais tecnologias têm como um de seus
fundamentos a própria aproximação indicada antes entre representações de
infância e a condição de menoridade como sendo, aparentemente, apenas a
conseqüência legal de tais representações. Nesse sentido, as limitações tomadas
como “naturais” à infância, por um lado, e o seu caráter de transitoriedade, por
outro, imprimem à menoridade, seu correspondente legal, uma dimensão
fortemente tutelar, seja pela idéia de que é necessária a demarcação de alguém
que responda por esses indivíduos incompletos, seja pela idéia de que a transição
da menoridade à maioridade deve corresponder a um período de
(trans)formação” (Vianna, 2002: 9 [grifos da autora]).
No concernente à juventude e ao jovem, observa-se a ausência de um “correspondente legal”,
que se responsabilize pelo jovem, mas não de “tecnologias de controle”
161
. Pode-se sugerir,
em uma leitura foucaultiana, que a idéia de transitoriedade – mesmo quando entendida como
uma categoria em construção - e o recorte sócio-demográfico operariam como mecanismos de
controle cuja natureza difere das “tecnologias disciplinares” - que operam no nível dos
“corpos”
162
– mediante o que Foucault denominou “biopolítica”.
“Il ne s’agit pas là, à la diference des disciplines, d’un dressage individuel qui
s’opérerait par un travail sur le corps lui-même. Il ne s’agit absolument pas de se
brancher sur un corps individuel, comme le fait la discipline. Il ne s’agit, par
conséquent, pas tout de prendre l’individu au niveau du détail, mais, au contraire,
par des mécanismes globaux, d’agir de telle manière qu’on obtienne des états
globaux d’équilibration, de régularité; bref, de prendre en compte la vie, les
161
Para Foucault estas “tecnologias de controle” correspondem a diferentes “mecanismos” e técnicas de
exercício do poder denominadas por ele tecnologias de poder. “On a donc, depuis le XVIII
e
, siècle (ou, en tout
cãs, depuis la fin du XVIII
e
siècle), deux techonologies de pouvoir qui sont mises en place avec un certain
décalage chronologique, et qui sont superposées. Une technique qui donc est disciplinaire: ele est centrée sur le
corps, elle produit des effets individualisants, elle manipule le corps comme foyer de forces qu’il faut à la fois
rendre utiles et dociles. Et, d’un autre coté, (...) on a une technologie qui regroupe les effets de masse propres à
une population, qui cherche à contrôler la série des événements hasardeux qui peuvent se produire dans une
masse vivante.” (Foucault, 1997: 222).
162
“Esse novo mecanismo de poder apóia-se mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. É um
179
processus biologiques de l’homme-espèce, et d’assurer sur eux non pas une
discipline, mais une régularisation” (Foucault, 1997: 219-220).
Mesmo quando as publicações analisadas tratam juventude e jovem em separado dos outros
eixos, observa-se que as características e identificadores deste segmento social indicam que o
jovem está permanentemente em situação de instabilidade e indefinição quanto à sua inserção
social, o que leva sua “identidade” a ser constantemente negociada e, nos termos de Bourdieu
(1992), a ser objeto de lutas classificatórias
163
. Analiticamente, a relação de jovem e juventude
com violência fornece uma “identidade” a este jovem.
Definindo violências e construindo o jovem violento
“Concorda-se com o conceito de que: ‘há violências quando, em uma situação de
interação, um ou vários autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou
esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em sua
integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas
participações simbólicas e culturais’. (Michaud, 1989 [s/ pág.] apud Waiselfisz,
1998: 145).
A temática da Violência está presente nas quatro publicações de 1999 de forma semelhante,
ordenada a partir das mesmas considerações encontradas nas publicações de 1998, como
demonstra o quadro abaixo.
163
“Le réflexe professionnel du sociologue est de rappeler que les divisions entre les âges sont arbitraires. C'est
le paradoxe de Pareto disant qu'on ne sait pas à quel âge commence la vieillesse, comme on ne sait pas où
commence la richesse. En fait, la frontière entre jeunesse et vieillesse est dans toutes les sociétés un enjeu de
lutte. Par exemple, j'ai lu il y a quelques années un article sur les rapports entre les jeunes et les notables, à
Florence, au XVI
ème
siècle, qui montrait que les vieux proposaient à la jeunesse une idéologie de la virilité, de la
virtú, et de la violence, ce qui était une façon de se réserver la sagesse, c'est-à-dire le pouvoir. De même, Georges
Duby montre bien comment, au Moyen Age, les limites de la jeunesse étaient l'objet de manipulations de la part
des détenteurs du patrimoine qui devaient maintenir en état de jeunesse, c'est-à-dire d'irresponsabilité, les jeunes
nobles pouvant prétendre à la succession”. (Bourdieu, 1992: 143). Este texto de Bourdieu é citado na maioria das
publicações aqui analisadas.
180
Quadro10: Definição de violência (Pesquisas de 1999)
164
Publicação Definição de Violência
Fala galera: juventude, violência e cidadania
na cidade do Rio de Janeiro
"[...] Na verdade, entende-se, aqui, que não há
um fato denominado violência, e sim violências,
como expressão da exacerba
ç
ão de conflitos
sociais cu
j
as especificidades necessitam ser
conhecidas.
T
êm profundos enraizamentos nas
estruturas sociais, econômicas e políticas, e
também nas consciências individuais, numa
rela
ç
ão dinâmica entre condi
ç
ões dadas e
subjetividade." (:14)
Os jovens de Curitiba: esperança e
desencantos
"(...) 1) tudo o que a
g
e usando a for
ç
a para ir
contra a natureza de alguém (é desnaturar);
todo ato de for
ç
a contra a espontaneidade, a
vontade e a liberdade de al
g
uém, (é coa
g
ir,
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de
trans
g
ressão contra o que al
g
uém ou uma
sociedade define como justo e como um direito.
Consequentemente, violência é um ato de
brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico
contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas
e sociais definidas pela opressão e intimida
ç
ão, pelo
medo e o terror [...]" (:303)
Ligado na galera: juventude, violência e
cidadania na cidade de Fortaleza
“Neste trabalho, portanto, não buscamos uma
definição acabada de violência (...) Uma
definição socioló
g
ica da violência, supõe a ne
g
a
ç
ão
de classificações apriorísticas.
A
violência é
g
erada e produzida dentro de um contexto
social. A tentativa de alcan
ç
ar a complexidade do
problema inclui também a necessidade de superar
oposições clássicas como; bem - mal, legal - ile
g
al e
liberdade - opressão (Barreira, 1998:16)" (:11).
Gangues, galeras, chegados e rappers
“podem-se agrupar as abordagens existentes em
três grandes grupos de hipóteses explicativas. Um
deles privilegia a explicação individual (...).”
(:13). Outro de caráter estrutural. Toma como base
explicativa as modalidades que o
desenvolvimento econômico vem assumindo no
mundo todo. (...) o terceiro tem seu foco explicativo
na crise e falência dos marcos institucionais e
normativos da sociedade moderna” (:14)
A preocupação em definir violência repousa na mesma lógica verificada na definição da
juventude, ou seja, atribuir características e conteúdos a determinados fenômenos sociais
indexados sob este título. No entanto, se a conceituação de juventude apresenta variações e
características distintas, a conceituação de violência também enfrenta dificuldades quando é
preciso qualificar como violentas certas ações ou práticas e determinar quem são os
agressores e as vítimas.
164
Todos os grifos desse quadro são meus.
181
Apesar das diferenças na abordagem, as definições das publicações de 1999 trazem
semelhanças no que tange à organização e o debate do termo. A primeira reside na referência
aos dados demográficos produzidos por instâncias governamentais e não governamentais.
Quadro 11: Exemplos de uso dos dados demográficos (Pesquisas 1999)
Publicação Referências a dados demográficos
Fala galera: juventude, violência e cidadania
na cidade do Rio de Janeiro
a cidade [Rio de Janeiro] apresenta taxas elevadas
e crescentes de mortes por acidentes de transito e,
principalmente, de homicídios entre adolescentes”.
(14)
houve um crescimento estatisticamente
significativo da mortalidade por homicídio” (14)
Os jovens de Curitiba: esperança e
desencantos
“Segundo trabalho recente da UNESCO-seção Brasil,
Curitiba é a se
g
unda entre as cidades do Sul em
taxa de óbitos por causa de ‘homicídios e outras
violências’ entre jovens de 15 a 24 anos”. (304)
Ligado na galera: juventude, violência e
cidadania na cidade de Fortaleza
“os dados oficiais revelam que o aumento da
violência no Estão, em 1998 foi de 11% em rela
ç
ão
a 1997”. (9)
Gangues, galeras, chegados e rappers
Se
g
undo o Sistema de Informa
ç
ões de Mortalidade
do DATASUS, o Brasil re
g
istrou em 1996, um total
de 38.894 mortes por homicídio”. (17)
Se os dados não são empregados ou levados em consideração nas análises, eles ainda assim
são o ponto de partida das mesmas. Os indicadores demográficos operam como indicativos
empíricos – ou “enunciados”, nos termos de Foucault – do que vai ser tratado
165
.
Observa-se que nas duas primeiras definições (Fala galera e os Jovens de Curitiba), a
violência ora é concebida como uma ação social praticada por uns atores sociais contra outros,
ora - como na definição do Fala galera - como o efeito de certos processos interativos, como
uma expressão da exacerbação de conflitos sociais.
Gangues, galeras, chegados e rappers introduz um aspecto distinto dos demais. Além da
explicação individual, há explicações de cunho macrossocial, como o desenvolvimento
econômico, e de cunho moral e jurídico, como a idéia da falência dos marcos institucionais e
normativos.
165
“À primeira vista, o enunciado aparece como um elemento último, indecomponível, suscetível de ser isolado
em si mesmo e capaz de entra em um jogo de relações com outros elementos semelhantes a ele; como um ponto
sem superfície, mas que pode ser demarcado em planos de repartição e em formas específicas de grupamentos;
como um grão que aparece na superfície de um tecido de que é o elemento constituinte; como um átomo no
discurso.” (Foucault, 1995: 90).
182
Na publicação sobre o Ceará, Ligado na galera, há uma percepção um pouco distinta das
anteriores, visto que ali violência só pode ser definida a partir de um determinado contexto.
Esta percepção difere das demais em que, nela a violência adquire materialidade pela própria
descrição do contexto da situação. No entanto, em outra passagem os autores se aproximam
dos demais ao tratar a violência com um fenômeno presente na vida social como um todo sem,
no entanto, defini-la. Barreira ressalta isto ao citar o “autor-fonte” Sergio Adorno (1994)
“Crime, justiça penal e desigualdade jurídica: as mortes que se contam no tribunal do júri.”
“A violência é um fenômeno cada vez mais presente em todos os espaços e
setores sociais, não sendo ‘estranha e sequer passageira’. A violência é percebida
como estando em todos os cantos, como estando difusa (Barreira, 1999: 119).
Apesar das diferenças, o procedimento empregado pelos autores é semelhante: definir certas
práticas sociais como violentas e outras não. Recupera-se a operação descrita no capítulo
anterior que relaciona violência (práticas negativas) e cidadania (práticas positivas). Nesta
operação, apesar das ponderações apresentadas em alguns trabalhos, só há práticas violentas a
partir do momento em que há práticas não violentas.
As publicações tentam então demonstrar porque certas práticas são consideradas violentas e
outras não. Para tal, os autores passam a ordenar determinados fenômenos sociais em certas
esferas da vida social e explicá-los a partir da oposição violento vs não-violento. Ao reunir
todas as situações e fenômenos descritos como violência, observa-se a polissemia das
situações e fatos considerados violentos. Agrupei esta variedade da seguinte forma:
1) Violência como ato de força. Esta definição corrobora aquela apresentada pela publicação
de 1998, que define a violência como causadora de danos a outrem, sendo compreendida
como uma ação que gera efeitos sobre o outro. Talvez o exemplo que mais se aproxime desta
perspectiva seja a definição apresentada em Os jovens de Curitiba:
“(...) 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é
desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade
de alguém, (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de transgressão
contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito.
Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas
pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror [...]” (Sallas et al., 1999: 303)
183
Nesta definição a violência está fundamentada em um conjunto de atos que atuam sobre os
corpos; é um ato de força contra alguém. No entanto, apóia-se também em uma visão
jurídico-legal, ao afirmar que a identificação de um ato de violência é o abuso de direito.
Neste tipo de definição não existe um ator específico da violência, mas certos atos que, em
determinadas situações, podem ser identificados como violentos.
2) Violência como resultado de conflitos sociais. Estes podem ser individuais ou coletivos, e
são produto de interações sociais. Neste caso, a violência é entendida como um curto-circuito
nos processos interativos e resulta da interação comportamental dos indivíduos ou destes com
as estruturas sociais. Novamente, aqui não há um agente específico da violência, mas espaços
e situações que podem gerar conflitos.
“Na verdade, entende-se, aqui, que não há um fato denominado violência, e sim
violências, como expressão da exacerbação de conflitos sociais cujas
especificidades necessitam ser conhecidas. Têm profundos enraizamentos nas
estruturas sociais, econômicas e políticas, e também nas consciências individuais,
numa relação dinâmica entre condições dadas e subjetividade” (Minayo et al.,
1999: 14).
3) Violência como instrumento de regulação. Um grupo de definições parte de premissas de
cunho filosófico e jurídico que, ao contrário do grupo anterior, concebem a violência como
instrumento de regulação de conflitos sociais, que pode ser praticada por diferentes atores.
Esta definição contrapõe a violência legítima à violência ilegal, tratada como criminalidade.
No primeiro caso,
“Como bem demonstrou Elias (1993), o processo de constituição da civilização
implicou “uma grande mudança na conduta e nos sentimentos humanos”,
estabelecendo um tipo de autocontrole que cada vez mais inibia “impulsos e
emoções mais animalescas ao mesmo tempo em que concorria para o processo de
manipulação legítima da violência: ao se formar um monopólio da força, criam-
se espaços sociais pacificados, que normalmente estão livres dos atos de
violência” (Sallas et al., 1999: 26)
A violência ilegítima envolve um ilícito penal, isto é, compreende práticas apontadas ou
classificadas no código penal como criminosas ou criminais e, portanto, entendidas a partir do
seu status jurídico e legal.
184
“Adorno (1997), ao fazer o perfil da criminalidade no Brasil na última década em
São Paulo e Rio de Janeiro, constata o crescimento de todas as modalidades de
delitos. (...) Mudaram os padrões convencionais de criminalidade e o perfil das
pessoas envolvidas.” (Waiselfisz, 1998a: 147)
4) Inata ao ser humano. Esta abordagem apresenta duas variáveis: na primeira, alguns
autores apontam que este tipo de explicação geralmente é fornecido pelos próprios atores
sociais.
“As opiniões dos policiais vão no sentido de registrar a responsabilidade pela
violência dos jovens na própria natureza humana, ou seja, a violência como um
fato quase natural, ‘quase acredito que seja do ser humano’, relatava um oficial
da Polícia Militar de Curitiba”. (Sallas et al., 1999: 329).
As explicações para esta percepção se apóiam na idéia de um discurso de culpabilização,
como mostra o trecho abaixo:
“(...) Em primeiro lugar, existe uma insinuação de que a violência é um
problema, uma ‘doença’ dos pobres, ora como vítimas das condições sociais, ora
como autores, por causa da revolta, ressentimento, frustração e ódio contra os
ricos. Ora, tal sugestão ideológica, que é parte do pensamento hegemônico, como
evidenciam vários autores Pinheiro (1982), Oliven (1983) e Minayo (1997),
confirma uma atitude de culpabilização dos pobres e de obscurecimento da
violência política, cultural, econômica e financeira exercida pela classe
dominante”. (Minayo et al., 1999: 152)
A segunda variável desta definição corresponde a uma percepção mais analítica, que percebe
a existência de uma violência irracional que orientaria a ação de certos indivíduos no mundo
social, como ressalta Os jovens de Curitiba.
“Esse tipo de violência é a que Wieviorka tem chamado de irracional, expressiva
ou espontânea. Um tipo de violência que opera além do conflito ou das crises
próprias a cada formação social; tratando-se de um tipo de violência em que o
instrumento e a finalidade se confundem, dado que ela procura afirmação do
próprio sujeito e não exatamente uma atitude de contestação do sistema ou
contexto que o oprime, ‘nos casos extremos ela parece autonomizar-se, tornar-se
um fim em si, lúdica, paramente destruidora ou auto-destruidora’” (Sallas et al.,
1999: 329).
5) “Fato social total”. O quinto grupo de definições remete a interconexões com demais
definições, mas nesta perspectiva a violência é entendida como o produto/construtor da
185
própria sociedade. Nestes termos, recorrendo a Mauss, afirmam que a violência deve ser
percebida como um fato social total, como um conjunto de ações e práticas que perpassam as
diferentes dimensões da organização social. Ainda que presente em todas as sociedades e
grupos humanos, e manifestando-se de diferentes formas, a violência não é um aspecto inato
ao homem, mas contrariamente, trata-se de um fenômeno social e diferenciado histórico e
culturalmente. É também um fenômeno complexo e dinâmico de caráter bio-psíquico-social,
nos termos de Mauss (1978), um fato social total. (Salas et al.,1999: 25).
6) Violência e exclusão social. Este grupo de definições poderia ser classificado junto com as
anteriores, por tratar de explicar a violência a partir da combinação de outras terminologias e
conceituações sobre a organização da vida social, tais como pobreza, desigualdades
econômicas e sociais e diferenças culturais. No entanto, os temas deste grupo não chegam
propriamente uma definição de violência, limitando-se a explicar certos atos de violência – o
que é diferente de conceituá-la – a partir das causas e efeitos gerados por outros processos e
eventos sociais.
“A região metropolitana do Rio de Janeiro é a que possui maior número absoluto
de pessoas em situação de pobreza. A partir da década de 80 esse processo de
exclusão se acirrou e viu-se sua população se armar e proteger com grades o seu
patrimônio, solicitando e legitimando ações repressivas da polícia”. (Minayo et
al., 1999: 14)
“Outro grupo de hipóteses de caráter estrutural, toma como base explicativa as
modalidades que o desenvolvimento econômico vem assumindo no mundo todo.”
(Abramovay et al., 1999: 13)
Observa-se que nos quatro estudos de 1999 o termo violência é tratado praticamente com base
nos mesmos “autores-fonte”, com a montagem de um mesmo modelo explicativo para um
conjunto de fenômenos. Esta circularidade dos temas e autores citados e das modalidades e
tipos de práticas associadas à violência tem por efeito um determinado acúmulo de
conhecimentos que leva à abertura de novas linhas de investigação e pesquisa. Este caminho,
como sugere Bourdieu (1982), pressupõe uma “tomada de posição” de “produtores” ou
“reprodutores” e, por conseguinte, o desenho de “estratégias cujo alvo é a conquista da
legitimidade cultural, ou melhor, do monopólio da produção, da reprodução e da manipulação
legítimas dos bens simbólicos” (Op.cit. p. 169).
186
Os estudos aqui analisados apresentam particularidades interessantes e podem ser visto como
integrando o mesmo “sistema de relações sociais” – ainda que transitória – que articulou
diferentes “produtores” - nos termos de Bourdieu (1982) – em disputa por inserção e
posições
166
. Nestes termos, como sugere Peirano (1991),
“Se, então, ideologias nacionais estão impressas nas teorias sociológicas –
replicadas ou invertidas -, podemos tirar algumas conclusões: primeiro, que o
pensamento social científico goza de uma ‘relativa autonomia’ em relação ao
contexto social no qual se desenvolve. O contexto social estabelece os parâmetros
dentro dos quais a maior ou menor validade científica é reconhecida (ou maior ou
menor relevância aceita), mas não a determina.” (Peirano, 1991: 245)
Concordando parcialmente com o trecho acima, quero acrescentar que há um processo de
influência mútua entre as “ideologias nacionais” e as “teorias sociológicas”, dado que as
primeiras não se baseiam apenas no pensamento científico, pois surgem da confluência de
diferentes saberes. Porém, a relação entre “ideologias nacionais” e “teorias sociológicas”
permite desenvolver outra chave para a leitura das pesquisas de 1999, em que o que produz a
unidade destas pesquisas seria o sentimento de seus autores/atores de estarem agindo em uma
dimensão político-ideológica e atuando como “cidadãos” (Cf. introdução). Tal perspectiva
pode ser demonstrada quando os dois eixos juventude e violência – passam a operar a partir
do terceiro eixo, a cidadania.
Cidadania: um Problema de Estado
As definições de violência e juventude expostas acima foram elaboradas a partir de uma
padronização discursiva. Partiram de um eixo explicativo comum e de um posicionamento
político e ideológico também compartilhado. Com o termo cidadania, as pesquisas
produzidas pela UNESCO-Brasil em 1998 e 1999 interconectavam-se não apenas com outros
problemas da vida social, formulados a partir do que Marcus Melo denominou “nova agenda
de questões” das décadas de 1980 - fundada na reflexão sobre a “cultura política” e o
“desenho institucional” (1999: 82) -, mas também com agentes e agências que viam nessa
166
Souza Lima (2002) chama atenção para o fato que estes produtores também em determinadas configurações
operam como transmissores de saberes. “De maneira mais abrangente (...) os especialistas no exercício
quotidiano das formas de dominação são produtores e transmissores de saberes que têm uma história própria”
(Op.cit. p. 152).
187
“agenda” certo “encantamento” com a “sociedade civil” (Op.cit. p. 82)
167
. Este processo
ocorreu em dois momentos. O primeiro tratarei agora e o segundo mais adiante neste capítulo.
O primeiro momento consiste na ênfase discursiva em demarcar que, em grande medida, os
problemas que a categoria juventude captou são resultado da incapacidade do poder público
em garantir e efetivar a plena realização dos direitos universais. Esta narrativa discursiva
opera com a idéia da “ausência” – ou, para empregar um termo dos autores, ineficácia – dos
aparelhos e instâncias governamentais em efetivar os direitos. Com isso, os discursos passam
a uma outra dimensão, outra proposta; já não procuram ouvir os jovens – como lembrou Ruth
Cardoso – mas estabelecer um caminho, uma proposta alternativa para efetivar os direitos
desses segmentos sociais.
Cidadania como direitos universais
As cinco publicações aqui tratadas citaram diversos “autores-fonte” para qualificar e fornecer
modelos explicativos para os dados sobre violência e juventude. Já na discussão do tema
cidadania, o número de “autores-fonte” citados foi sensivelmente menor. A própria palavra
cidadania foi utilizada com parcimônia, recebendo menos de 40 citações. Apesar disto, os
temas ligados à juventude e aqueles ligados a violência foram discutidos argumentativamente
com base em sua relação direta ou indireta com aspectos atribuídos ao universo da cidadania.
“De acordo com a famosa tipologia de T.S.Marshall, no século XVIII se consolidaram os
direitos civis (liberdade de expressão, pessoal, crença, direito à propriedade, direito de
justiça); o século XIX corresponderia à conquista dos direitos políticos (direito de votar e de
ser votado para cargos públicos) e o século XX representa o acesso aos direitos sociais
(direito à educação, saúde, segurança, moradia, lazer), em outras palavras a conquista do
‘direito do indivíduo de viver a vida de um ser civilizado’”. (Sallas et. at., 1999: 231)
“Cidadania pressupõe universalização de Direitos. Como bem observa da Matta (1997), a
idéia de cidadania foi um instrumento poderoso para estabelecer o universal, visando buscar
um modo de contrabalançar e minimizar a teia de privilégios hereditários que se
cristalizavam em diferenciações e hierarquizações” (Minayo et al., 1999: 16).
167
A idéia de “encantamento” tratada por Melo demarca a mudança de perspectiva adotada por alguns cientistas
sociais em relação às reflexões e análises sobre políticas sociais. Se nas décadas anteriores a 1980 (período do
autoritarismo) prevaleceu um “desencantamento” ante a incapacidade do Estado de executar políticas sociais, a
década de 1990 trouxe novas perspectivas e novos conceitos e categorias, tais como “sociedade civil”, “cultura
cívica” e “capital social” o que gerou um “encantamento” do ponto de vista da capacidade de reflexão sobre as
políticas sociais e porque estas categorias redefiniram a inserção destes mesmos cientistas, autores e atores.
188
“O desenvolvimento da idéia de cidadania, elaborada por Marshall (1967) com base no caso
inglês, indica o sentido histórico da cidadania ao referir-se ao processo de conquista e
expansão dos direitos dos cidadãos. (...) O autor sugere uma tipologia dos direitos do cidadão,
baseados nos três elementos constitutivos da cidadania.” (Waiselfisz, 1999: 95).
“Por outro lado, como observam Huntington (1975) e Santos (1993), as sociedades podem se
basear em status rigidamente adstritos e, ainda sim, possuírem normas, leis e princípios
universalmente reconhecidos e acatados, como ocorre com diversas sociedades do tipo
tradicional, existentes ainda nos dias de hoje. Por que em algumas sociedades o contrato
social existente não se mostra presente às relações sociais. Segundo esses autores, a causa são
os processos acelerados de transformação social, que substituem a estabilidade das normas
pela imprevisibilidade de comportamentos, cujo único referencial são lealdades, códigos de
valores e interesses privados.” (Abramovay et al., 1999: 184).
Fonte: Pesquisas de 1999 [grifos meus]
Sem entrar em discussões mais aprofundadas, observa-se que as referências acima aludem a
três elementos: 1) direitos políticos, sociais e civis, leis, normas e princípios; 2)
universalização e 3) sentido histórico, que indicam as possibilidades de circulação da
argumentação e ancoram as interpretações de violência e juventude. Estes elementos sugerem
o seguinte ordenamento:
Cidadania como expressão de regras sociais pactuadas
168
“A noção de cidadania, em seu sentido ideal e normativo, implica o
estabelecimento de regras sociais igualitárias e universais relativas ao papel
social do indivíduo. Como cidadãos, todos têm os mesmos direitos baseados em
princípios básicos de igualdade e justiça social, em qualquer espaço social”
(Waiselfisz, 1998a: 95)
Em jovens de Curitiba a cidadania é definida como o estatuto do cidadão numa sociedade,
estatuto baseado na regra da lei e no princípio de igualdade (Sallas et al., 1999: 27). O
debate sobre cidadania ocorre em dois momentos na publicação. Na introdução (p. 27-29) e
nos capítulos 7 e 8, intitulados, respectivamente, “Cidadania: enfrentando as diferenças” e
“Cidadania: política e instituições” (p. 231-280). Na página 231 a cidadania é reportada a uma
dimensão filosófica, com base em Aristóteles:
168
Para tratar deste tema, recorri ao trabalho de Sallas (1999) como eixo orientador da análise, inserindo as
variações dos demais quando estes acrescentem algo de novo. Esta escolha partiu da constatação de que não há
grandes diferenças entre os trabalhos quanto à abordagem e aos temas.
189
“A palavra cidadania é uma expressão remota no tempo e uma das mais caras aos
amantes do pensamento democrático. O próprio Rousseau, em Emílio, chegará a
afirmar que ‘o homem só é homem enquanto se realize como cidadão’. A palavra
cidadania tem por raiz a palavra grega citizen, que definia o indivíduo que
participava dos assuntos administrativos e judiciais da pólis ou cidade-Estado”.
(Aristóteles, 1997: 52 apud Sallas, 1999: 231).
Esta idéia introduz um aspecto importante no trabalho de Curitiba e indica como serão
construídos os vínculos com os eixos juventude e violência: através da noção de participação.
De acordo com este trecho e o exposto no quadro acima, a cidadania pode ser compreendida
como um conjunto de direitos específicos catalogados como civis, políticos e sociais, de
caráter universal e materializados em normas e leis. A materialização dos direitos universais
através de normas e leis estabelece regras sociais para reger as relações interpessoais e/ou
coletivas. Nestes termos, a cidadania adquire um atributo moral que deveria operar nas
diversas convivências e apropriação do espaço público (Sallas et al., 1999: 21), onde os
indivíduos interagem e negociam publicamente (Barreira, 1999: 191). A cidadania é, então,
uma condição humana que permite ao indivíduo agir e comunicar-se e mediante a qual se
constitui a possibilidade de os indivíduos realizarem seu potencial como sujeitos.
(Abramovay et al., 1999: 19).
Há duas idéias centrais nestas argumentações. A primeira associa cidadania a direitos
materializados em normas, leis e regras. Independentemente dos processos históricos, trata-se
de regras escritas, de alcance geral, na forma de leis e demais instrumentos prescritivos e
normativos emanados dos aparelhos estatais. Aqui, os aparelhos estatais são os principais
responsáveis por zelar para que as leis sejam cumpridas e por garantir sansões e penalidades a
quem não o fizer. A segunda idéia entende cidadania como um elemento capaz de definir e
instituir regras sociais definidas e regidas pelas próprias dinâmicas das relações interpessoais,
isto é, de orientar moralmente estas interações.
Estas duas dimensões da cidadania têm um papel de destaque na argumentação das pesquisas
de 1999 em torno da definição de jovem e juventude e na proposta de ação da UNESCO-
Brasil, em particular para o Programa abrindo espaços: educação e cultura para a paz.
Em relação à primeira idéia, ao tratar a cidadania materializada em instrumentos normativos,
os aparelhos do Estado emergem como os principais agentes de regulação e definição
190
daqueles que têm direitos. Se nos baseamos nas idéias apresentadas nestas pesquisas, de que o
jovem é um indivíduo sem um papel claramente definido que transita entre o que não é mais e
o que pode vir a ser, a capacidade do Estado de garantir seus direitos e punir quem o agrida
torna-se limitada. Esta limitação é tratada como fragilidade ou ineficácia.
O poder público torna-se objeto de reflexão nessas pesquisas a partir da discussão sobre
juventude e violência. Isto nos leva a olhar estes estudos por um outro prisma e a identificá-
los como propostas, percepções e indicativos para a elaboração de programas de intervenção
social, e a seus autores como formuladores de políticas sociais.
Cidadania e Estado
“A cidadania é uma construção coletiva, vinculada à participação dos membros
de uma determinada sociedade nas decisões dessa sociedade, com a garantia de
direitos e reconhecimento e exigências de deveres numa relação igualitária. Os
cidadãos têm direitos e deveres iguais, sem privilégios de uns sobre os outros. É
por meio do Estado que se constrói esse arcabouço de garantias” (Waiselfisz,
1998a: 144).
Como assinala o texto, a preocupação central do debate em torno da cidadania gira em torno
da discussão do papel do Estado e, principalmente, de seu fracasso em garantir os direitos e a
igualdade entre os indivíduos.
“Sabe-se que na sociedade brasileira, a cidadania não se realizou como valor central, não
traçou ‘mecanismos democráticos’ que possibilitassem a participação sociopolítica e interação
das pessoas num espaço público de entendimento, nem os direitos mínimos do cidadão
garantidos em qualquer regime que se pretende democrático.” (Barreira, 1999: 173).
“No estudo da formação social, alguns autores desenvolveram a noção de cidadania
estruturada e regulada, tutelada pelo Estado, que enfatiza o lugar ocupado pelos sujeitos no
processo produtivo, não sendo, portanto, universalizada para todos (...)” (Minayo et. al, 1999:
16).
“(...) a persistência do modelo de Casa Grande e Senzala, é um efeito perverso que caminha
na contramão da democracia racial ou social apregoada, como já anotado pelo próprio
Gilberto Freyre. Foi na base desse tipo de preconceito que o pensamento conservador no
Brasil das primeiras décadas deste século enxergava uma relação direta entre solidez das
relações políticas e civis e a qualidade moral (entenda-se racial e social) dos habitantes.
(Sallas et al., 199: 260).
“(...) embora os direitos teoricamente sejam universais, nem todos conseguem exercê-los na
191
medida em que: (a) as instituições não funcionam de maneira inclusiva, por exemplo,
impondo assimetria de tratamento a indivíduos desta ou daquela condição social; (b) os
próprios membros de alguns grupos sociais não têm acesso às condições básicas de existência,
essenciais para assegurar sua informação sobre os seus direitos, a percepção do seu
significado e até mesmo o interesse pelo seu exercício”. (Abramovay et al., 1999: 19)
“Contemporaneamente, a cidadania, ainda mal consolidada, é também revista nos aspectos
políticos e simbólicos pela figura do mercado. O que abstratamente alguns autores como
Bourdieu têm chamado ‘Demissão do Estado’ corresponde a um estágio histórico no qual a
cidadania resulta enfraquecida” (Sallas et al., 1999: 28).
A noção de Bourdieu (1997) de “demissão do Estado”
169
aponta a Sallas o caminho para
estabelecer os vínculos entre juventude, violência e cidadania.
170
Esta noção é incorporada
para explicar problemas definidos como questões sociais e as relações entre estes e o Estado.
Sendo a cidadania definida como um processo de conquistas de direitos, sejam estes civis,
políticos ou sociais, Sallas, baseando-se em Wanderley Guilherme dos Santos (1994), conclui
que, no Brasil, a cidadania nunca foi um processo acabado, mas vivenciado de forma parcial
(Sallas et al., 1999: 28).
Quero sugerir aqui que estas questões sociais, mesmo operando com lógicas internas próprias,
vão ser construídas e definidas em relação com o que os autores denominam Estado, ao qual é
atribuída a responsabilidade de zelar pela garantia do exercício dos direitos, o reconhecimento
das igualdades e o funcionamento de normas, regras e leis.
“No Brasil, mais especificamente, existe um grande fosso social que separa a
legislação vigente, a realidade social e as práticas da legislação e seus conteúdos”
(Minayo et al., 1999: 17).
“Torna-se cada vez menor a efetividade dos mecanismos institucionais para
atender às expectativas dos cidadãos. (...) o resultado é a fragilização das
instituições e normas sociais, a vulnerabilização do conceito de cidadania e a
tendência dos indivíduos ao isolamento. Isso ocorre porque a coexistência
coletiva passa a ser marcada pelo receio, pela desconfiança, pela hostilidade”
(Abramovay et al., 1999: 185)
“Lei, ordem e autoridade formam parte de uma trindade que o policial interpreta
169
Esta expressão provém de A miséria do Mundo.
170
Apesar do termo de Bourdieu ser citado apenas por Sallas et.al. (1999), a idéia que traz implícita está presente
nos demais trabalhos, ainda que com o emprego de outra terminologia.
192
a partir de uma concepção bem livre e discriminatória da ação policial frente ao
cidadão e que Roberto Kant de Lima tem denunciado, para o caso brasileiro, com
uma metáfora de tradição inquisitorial, sendo que, na prática, ‘tal tradição
dissocia a idéia de realidade, ou verdade, da idéia de lei, a lei tem um caráter
eminentemente formativo, de dever ser, e suas aplicações aos casos depende,
portanto, de interpretações que dêem conta do caráter contingencial da realidade”
(Sallas et al., 1999: 286).
A retirada gradativa do Estado das questões sociais e, em conseqüência, o enfraquecimento
dos mecanismos que operam e medeiam a ordem pública estaria na origem das principais
questões relacionadas às práticas violentas, à identificação da criminalidade e à explicação de
certos comportamentos dos jovens.
“De volta ao Estado democrático e ante o desaparecimento do inimigo ideológico
interno e externo, a doutrina [de segurança nacional] foi reinterpretada sendo
transposta para a luta contra a criminalidade, em que o criminoso é um inimigo
que precisa (para ser melhor combatido) ser tratado sem a pretensão dos direitos
civis e, se possível ser abatido. A ideologia da segurança nacional reitera o
exercício da violência aberta contra as classes populares” (Sallas et al., 1999:
294).
“O terceiro grupo de hipóteses tem seu foco explicativo na crise e falência dos
marcos institucionais e normativos da sociedade moderna. Para R.K. Merton
(1949), por exemplo, os desvios da norma e a delinqüência em larga escala
acontecem quando a estrutura social prescreve metas que determinados grupos
não podem atingir por meios socialmente sancionados ou legítimos. (...)”
(Abramovay et al., 1999: 14).
“Por outro lado, conforme observa Grompone (1998), em muitos casos os grupos
excluídos lutam para administrar sua própria identidade, interiorizando os
estigmas com os quais são desqualificados e transformando-os em um emblema
ou um mecanismo de identificação (...)” (Abramovay et al., 1999: 2).
Os efeitos da ineficácia dos aparatos estatais, instituindo relações de oposição entre incluídos
e excluídos, podem ser observados em toda a sociedade, como indicam os trechos abaixo.
“As parcelas excluídas e sem perspectivas de serem incorporadas, não têm
motivo nem fundamento para desenvolver qualquer solidariedade para com a
sociedade como um todo. Já os grupos incluídos procuram se defender da ameaça
daqueles que não lhes são solidários. Nestas condições, incluídos e excluídos
apresentam tal diversidade de orientações cognitivas que é difícil que se fixem
sentimentos de afinidade, compartilhamento e pertencimento social” (Abramovay
et al., 1999: 21).
193
“Arilha e Calazans (1998) resumem estudos sobre a juventude brasileira,
assinalando que além de assinalarem atitudes e comportamentos associados à
transgressão, das normas morais e legais da sociedade, como sempre ocorreu nos
conflitos intergeracionais, os jovens da atualidade estariam demonstrando
perspectivas mais flexíveis no campo ético e moral, o que indica um
distanciamento cada vez maior entre as gerações (...)” (Minayo et.al., 1999: 88).
Nestes termos, pode-se afirmar que os textos trabalham com a idéia de que a violência é a
negação da cidadania e que certos comportamentos - em especial os dos jovens - e certos
fenômenos identificados como violências devem ser explicados à luz da cidadania, ou seja,
com base no fracasso e na ineficiência dos aparatos institucionais.
“Nos dias atuais, na qual tanto se fala de crise do Estado nacional, um dos pontos
fundamentais dessa observação ou hipótese relaciona-se com a utilização de um
tipo de violência que é desencadeada pelos agentes da segurança pública. De
alguma maneira isto estaria redefinindo a noção weberiana de Estado como um
agrupamento político que monopoliza legitimamente a violência” (Sallas et al.,
1999:27).
Este parece ser o vínculo criado entre os termos violência, juventude e cidadania. O trecho
ainda relembra a idéia da descrença – apontada pelos jovens – na política e na classe política,
o que estaria colocando em risco a própria democracia (Sallas et al., 1999: 28-29)
171
.
O jovem e a juventude são então colocados em uma outra perspectiva, deixam de ser tratados
como um segmento social que precisa ser construído, qualificado e classificado para passar a
ser considerados atores sociais concretos, detentores de atributos negativos e positivos que os
alçam ao patamar de co-responsáveis de possíveis mudanças ou transformações. O jovem
passa a ser encarado como um agente social importante na reversão do quadro de incertezas
criado no Brasil.
Observa-se que, nesse ponto, a discussão sobre o jovem muda o foco; passa a ser tratada
menos pelo viés “sociológico” e mais pelo viés “político”, reverberando um senso comum
intelectual sobre a conjuntura do período. O trabalho de Sallas, por exemplo, interpreta o
papel que o jovem desempenha na vida pública:
“É certo que na década de 1990 não chegou a se concretizar a chamada ‘nova
171
Vale lembrar que esta situação foi descrita no Noticiário UNESCO de 1997, comentado no capítulo anterior.
194
cidadania’, que o processo de 1992 anunciava. Entretanto, é necessário não partir
de hipóteses apriorísticas que acabam reduzindo o jovem a uma caricatura de
cidadão apático e indiferente às problemáticas sociais, às instituições, e à
Democracia” (Sallas et al., 1999: 29).
Os autores demonstram uma nítida identificação com a idéia de que o jovem é um ator social
promissor e que é preciso entender porque não consegue atuar como sujeito de direitos.
Compartilhamos com os princípios estabelecidos no trabalho original de Brasília, que a
própria pesquisa some-se ao desafio histórico brasileiro em direção à reconstrução da
cidadania como prática social e expressão de identidade (Sallas et al., 1999: 30). Assim, a
reconstrução da cidadania exige o abandono da posição de apatia (ou não) do jovem. Dito de
outra forma, ao jovem estaria reservado um papel fundamental na reconstrução da cidadania
e, conseqüentemente, na reversão do quadro de violência
172
.
Ao tratar o jovem menos como um problema sociológico e mais como um ator social, os
estudos da UNESCO-Brasil inauguram outras preocupações e interesses; não podem ser lidos
unicamente como trabalhos científicos, mas também como um conjunto de propostas que
visam instituir um campo de intervenção moral e política.
Cidadania: um problema político
Os caminhos percorridos até agora não pretenderam explicar as diferentes etapas e processos
que levam à formulação de políticas públicas, nem a configuração das redes necessárias para
que um programa social seja posto em marcha. Entretanto, procurei apontar até aqui alguns
procedimentos operados através do uso de termos como juventude, violência e cidadania na
construção e definição de um objeto de intervenção e de um público alvo.
Foi possível ainda perceber que a apropriação dos “autores-fonte” feita pelas pesquisas de
1999 se não reordenou um determinado “campo temático”, fortaleceu e captou –
transitoriamente - agentes capazes de modelar um esquema explicativo de determinados
172
É interessante perceber que o termo reconstrução da cidadania é utilizado em referência a um movimento
que anteriormente havia sido contextualizado como ‘desmonte do welfare state’. Não fica clara neste texto a
referência à reconstrução da cidadania como uma necessidade nacional que indique que o país, em algum
momento, já tenha passado por um processo de cidadanização, ou se este movimento corresponde ao que
Bourdieu (1997), referindo-se a um universo essencialmente europeu, identificou como “desmonte do Estado”.
195
fenômenos sociais. Nesses termos, a discussão sobre os sentidos e significados do que vem a
ser o segmento social identificado como jovem é (re)direcionada para uma perspectiva
política. As categorias analíticas empregadas, em especial a categoria juventude, deixam de
operar como “constructos” explicativos e passam a estabelecer elos entre autores/atores que
compartilham perspectivas semelhantes.
O segundo momento consiste em dar “alma” ao que Foucault (1995: 47) denominou “objeto
discursivo” – a juventude – inserindo-o em “relações discursivas” (Op. cit. p. 52) que impõem
características e atributos ao “objeto” ao nomear, classificar e ordenar as dimensões de
circularidade e de movimento possível do jovem. Em outros termos, o que se faz e se espera é
dar visibilidade ao par jovem/juventude
173
, fazendo-o operar como um discurso político.
“Segundo Mussumesi, o que se observa nas mensagens veiculadas que pretendem
prevenir o uso de drogas é que essas são de um modo geral difusas, não atentam
para as distinções entre os públicos-alvos, as diferentes substâncias definidas
como drogas e tampouco para os diferentes efeitos que essas substâncias
provocam nos planos individuais e coletivos (...) os programas não admitem as
variações dos efeitos que o uso das drogas produz em cada pessoa ou grupo, e a
multiplicidade de formas de perceber o que seja o abuso de drogas e de lidar com
esse fato”(Minayo et al., 1999: 138)
“A participação política designa uma variedade de atividades no cidadão: o
exercício do voto, a militância num partido político, grêmios estudantis ou
sindicato, participação em manifestações, da discussão de temas políticos, as
demandas às instituições públicas como integrante da sociedade civil organizada,
o apoio a candidatos de um partido etc. Em outras palavras, o exercício de
práticas e valores típicos da democracia ocidental.” (Sallas et al., 1999: 270)
“As turmas juvenis nos mostram que têm uma expressividade própria. Elas
expõem todo um universo de experiências que as tornam um ‘agente social
independente’ (Damasceno, 1997), ou seja, um espaço criador do que hoje
chamamos cultura jovem. Outros elementos também são fundantes para a
constituição desta nova cultura: uma ética de convivência social diferenciada,
uma linguagem própria um estilo de vestir diferenciado, sobretudo quando
173
Foucault chama a atenção para a dimensão relacional nos discursos que procuram falar sobre algo,
entendendo que a inteligibilidade dos “objetos discursivos” não se esgota nos vínculos e relações internas
produzidas pelo próprio discurso. “As relações discursivas, como se vê, não são internas ao discurso: não ligam
entre si os conceitos ou as palavras; não estabelecem entre as frases ou as proposições uma arquitetura dedutiva
ou retórica. (...) Elas estão, de alguma maneira, no limite do discurso: oferecem-lhe objetos de que ele pode falar,
ou antes (pois essa imagem da oferta supõe que os objetos sejam formados de um lado e o discurso de outro),
determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou quais objetos, para poder
abordá-los, nomeá-los analisá-los, classificá-los, explicá-los, etc. Essas relações caracterizam não a língua que o
discurso utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio discurso enquanto prática”
(Foucault, 1995: 52-53).
196
contraposto ao mundo adulto.” (Barreira, 1999: 50)
A operação para tornar visível este segmento social também constrói o jovem como um objeto
sobre o qual são exercidos mecanismos de regulação social e identificam-no como “sujeito de
direitos”, como ator social que reivindica, se manifesta e deseja ser ouvido.
Ao identificar a ineficácia dos aparatos governamentais em regular as práticas violentas e ao
afirmar que estes aparatos são incapazes de fornecer ao jovem modelos de comportamento, os
autores esboçam caminhos e propostas alternativas com o intuito de contribuir para a
reversão do quadro.
Estas publicações, além de identificarem um segmento social excluído, sem cidadania nem
direitos, esboçam estratégias, propostas e recomendações. Os vínculos conceituais se
ampliam; não pretendem apenas dialogar cientificamente durante a construção do objeto,
apropriar-se de instrumentais capazes de construir um problema, mas estabelecer, nos termos
de Foucault, “práticas discursivas” que unam conceitos, e estabelecer “normas” e prescrições:
“As práticas discursivas caracterizam-se pelo recorte de um campo de projetos,
pela definição de uma perspectiva legítima para o sujeito de conhecimento, pela
fixação de normas para a elaboração de conceitos e teorias. Cada uma delas
supõe, então, um jogo de prescrições que determinam exclusões e escolhas. (...)
Ganham corpo em conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de
comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas,
que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm” (Foucault, 1997b: 11-12)
174
.
Todas as publicações aqui analisadas, à exceção de Gangues, galeras, trazem, nos capítulos
finais, propostas e recomendações dirigidas aos formuladores e implementadores de políticas
públicas (Minayo et al., 1999: 221).
O trabalho de Waiselfisz (1998a) apresenta, no início das “Conclusões e recomendações”, as
“Principais propostas arroladas no seminário ‘Juventude, Violência e Cidadania’ realizado em
Brasília no dia 24 de novembro de 1997” (Op.cit. p. 141-142). As propostas elaboradas neste
174
“A transformação de uma prática discursiva está ligada a todo um conjunto, por vezes bastante complexo, de
modificações que podem ser produzidas tanto fora dela (formas de produção, em relações sociais, em instituições
políticas), quanto nela (nas técnicas de determinação dos objetos, no afinamento e no ajustamento dos conceitos,
no acumulo de informação), ou ainda ao lado delas (em outras práticas discursivas). E está ligada a elas pelo
197
seminário, apesar de enfocarem o Distrito Federal, serviram como ponto de referência para as
propostas e recomendações elaboradas nos anos seguintes. Elas podem ser ordenadas a partir
de quatro eixos:
O primeiro conjunto de propostas incentiva a produção de conhecimentos sobre juventude
para formar uma massa crítica sobre o tema e seus correlatos (violência, cultura e cidadania)
e permitir conhecer as experiências, práticas e comportamentos desses jovens. Neste mesmo
conjunto de propostas os autores incentivam o investimento na produção (ou uso) de dados
sócio-demográficos que forneçam instrumentos para a definição de estratégias visando à
elaboração de novos programas e políticas.
O segundo conjunto de propostas, que denominei desenvolver o protagonismo, destina-se
especificamente a dar voz ao jovem, procurando ouvi-lo nos seus espaços de socialização
(escola, família, grupos de encontros, igrejas, partidos políticos etc.) e incorporá-lo ao
processo de formulação de programas
175
.
O terceiro conjunto compreende diversos temas que deveriam constar nos programas e
políticas dirigidas aos jovens. Os temas destacados foram tolerância e solidariedade. Estas
propostas visam fornecer conteúdo aos programas e políticas.
O quarto e último conjunto de propostas tem por objetivo incentivar e promover encontros,
reuniões e debates com integrantes de governos e jovens, pais de alunos, educadores e
instituições e instâncias com acesso aos jovens. Estas propostas podem ser agrupadas em
torno da idéia de participação.
Estas foram as conclusões apresentadas no estudo de Waiselfisz (1998a), após o seminário de
Brasília. Com as pesquisas de 1999, as propostas de 1998 - extremamente abstratas, e situadas
em uma dimensão puramente enunciativa - ganharam em substância sem, no entanto,
conformarem-se como um projeto ou uma proposta concreta de intervenção localizada.
As pesquisas de 1999 apresentam uma diversificação das propostas e recomendações sem, no
175
As poucas informações fornecidas na publicação sobre este conjunto de propostas me impediram de tecer
considerações, visto que o objetivo desta parte é resumir as propostas fornecidas em Waiselfisz (1998a). Mais
adiante tratarei dessas questões de forma mais clara.
198
entanto, estabelecer uma mudança essencial nos eixos acima descritos
176
. O trabalho da
equipe do Rio de Janeiro traz “Conclusões e recomendações” dirigidas aos “formuladores e
implementadores de políticas públicas”:
“Ao concluir este trabalho, fica para os pesquisadores a certeza de que a
juventude carioca tem muito a dizer sobre a sociedade atual, as perspectivas de
sua transformação e sobre o seu papel no futuro que se avizinha. È a partir dessa
convicção que aqui serão enumeradas as considerações e propostas que seguem
(Minayo et al., 1999: 221-223).
Como demonstra o quadro abaixo, há uma variedade de propostas e recomendações de
natureza distinta, envolvendo instâncias e ações igualmente distintas. Observa-se que boa
parte do conjunto das propostas apresentadas tem por alvo instâncias da administração pública
(secretarias, ministérios, órgãos e instituições locais), as quais, de acordo com os autores,
teriam a responsabilidade de promover as transformações necessárias para superar os
principais problemas apontados, tanto os relacionados à violência quanto os relativos ao
comportamento dos jovens.
176
Uma ressalva deve ser feita ao trabalho sobre Curitiba, que não seguiu o procedimento adotado pelas demais
e não apresentou propostas, mas sim, o que poderíamos descrever como reivindicações dos jovens pesquisados.
199
Quadro 12: Recomendações Fala galera
Temas discutidos Propostas/recomendações
ESCOLA
JOVEM
FAMÍLIA
“Sugere-se que, nas campanhas de massa, os jovens sejam envolvidos desde a ori
g
em, na elabora
ç
ão das mensa
g
ens, na apresenta
ç
ão dos
protagonistas, na linguagem adotada e na avaliação dos resultados” (p. 223).
“Recomenda-se que haja espaço nas escolas, não apenas para informação, mas para o diálogo e o debate, nos quais possam expressar seus
sentimentos e valores, o que significa também o investimento na formação de professores” (p. 223).
propor às Secretarias de Educa
ç
ão do Estado e do Município que incluam o tema como relevante nos seus dispositivos de forma
ç
ão e educa
ç
ão
permanente de professores, e façam parcerias com as várias instituições acadêmicas do estado” (p. 224-225).
“Dar ênfase em todos os espaços de socialização à positividade do esforço de emancipação e de individualização dos jovens”.
“Investir em programas de atenção, de suplementação de renda e acompanhamento domiciliar dos jovens, de forma a apoiar as famílias
matrifocais” (p. 227).
Que seja assumido pelo Ministério e Secretarias de Educação como necessidade verbalizada pelos jovens a expansão das formas tradicionais e
modernas de amplia
ç
ão de acesso ao ensino, sobretudo o ensino superior. E que se
j
am também buscados mecanismos e formas concretas de
uma abordagem pedagógica que privilegie o aprimoramento dos jovens que hoje deixam os estudos para trabalhar e reivindicam o direito à
continuidade de sua formação” (p. 232).
ESCOLA
VIOLÊNCIA
MÍDIA
“Intensificar as políticas de vigilâncias sobre contrabando de armas e drogas. E também, a utiliza
ç
ão dos equipamentos públicos e sociais,
sobretudo a escola, para se propiciarem discussões mais cientificamente fundamentadas sobre o consumo de dro
g
as ilícitas, de álcool e outras
drogas ilícitas que possam provocar dependência” (p. 224)
“Que os Ministérios e Secretarias de Educação e Saúde invistam em programas de sensibiliza
ç
ão e de preven
ç
ão da violência doméstica, por
meio de campanhas, material institucional” (p. 229).
“Que o poder público promova, junto com os próprios meios de comunicação, espaços de discussão sobre a mensagem que a mídia transmite
em relação à violência” (p. 229).
Que os Ministérios e Secretarias pertinentes e o sistema escolar, através do investimento no esporte, nos espa
ç
os de lazer, e nas várias formas
de organizativas de cultura e dos grêmios, incentivem os processo de valorização da democracia no cotidiano, de supera
ç
ão das discrimina
ç
ões
e dos preconceitos” (p. 231).
CIDADANIA
“Cuidados com a etapa de seleção [agentes de segurança], a preparação cuidadosa dos selecionados. Avaliação permanente das ações e das
situações; o fim da impunidade; puni
ç
ão severa para os policiais envolvidos em abuso de poder e práticas ilícitas; o acompanhamento e a
prevenção de estresse dessa atividade (...) apoio psicológico; salários dignos e adequados” (p. 228).
“Que o poder público invista em mecanismos que promovam a diminui
ç
ão das desi
g
ualdades sociais e da exclusão, tornando os problemas
sociais centro das preocupações do Estado e dos governos” (p. 228).
“Repensar o sistema de segurança pública, tanto do ponto de vista organizacional, filosófico e disciplinar, como na orienta
ç
ão dos policiais, a fim
de que o conceito de segurança se transforme em proteção dos cidadãos” (p. 228).
“Que seja reforçado o conhecimento e a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente na construção social dos seus direitos” (p. 229).
“Que os Conselhos de Direitos e Tutelares aí previstos deixem de ser letra morta ou instâncias burocráticas para atuarem como promotores de
cidadania.” (p. 229).
“Que o Estado assuma seu papel na busca de meios que conduzam à expansão da cidadania social. Que também ha
j
a investimento focalizado
numa política de emprego para os jovens, que inclusive solucione a questão da não-experiência que fica ao sabor da rela
ç
ão de for
ç
as
extremamente desigual entre as empresas e o indivíduo” (p. 231).
200
Em Ligado na galera a organização da proposta é um pouco distinta, mas fundamentada na
mesma perspectiva de (co)-responsabilização do poder público, como pode-se observar no
trecho abaixo:
“O primeiro campo de significação de construção das propostas de combate à
violência é revelador de que qualquer iniciativa não se efetiva ou se esgota
apenas no campo das relações individuais, mas está vinculada,
fundamentalmente, a mudanças no modo de gestão governamental dos bens
coletivos, que constituem o espaço e o patrimônio do que se convencionou
201
Quadro 13: Recomendações Ligado na galera
Temas discutidos Propostas/recomendações
FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
“Criar programas de formação e capacitação profissional e de reforço aos talentos dos jovens, envolvendo as escolas, investindo nas artes, nas
diversas modalidades de esportes e na criatividade da juventude” (p. 220).
Investir em pro
g
ramas de capacita
ç
ão ao trabalho e à profissionaliza
ç
ão dos
j
ovens, através de cursos e oficinas profissionalizantes, ampliando
significativamente programas em curso” (p. 220).
ESPAÇOS DE LAZER
“Criar espaços organizados de lazer na cidade, destinados ao jovens” (p. 220).
“Desenvolver atividades, nos diversos bairros, visando à ocupação do tempo, possibilitando a substituição de atividades que impulsionam
práticas violentas” (p. 221).
EDUCAÇÃO E
CIDADANIA
“Aumentar o investimento para a produção de veiculação de programas educativos na TV” (p. 221).
“Realizar campanhas permanentes contra a violência e o uso de drogas, voltados especificamente para à juventude” (p. 221).
“Efetivar programas educativos e projetos sociais com vistas a possibilitar um aumento da auto-estima da juventude” (p. 221).
“Desenvolver campanhas e iniciativas localizadas de esclarecimento sobre as questões juvenis e seus atuais desafios e perspectivas,
j
unto às
famílias e às escolas” (p. 221).
Asse
g
urar o direito dos
j
ovens de serem respeitados como pessoas humanas, nos diferentes espa
ç
os públicos ocupados por eles, para moradia
ou lazer, sem que sofram discriminação nem violência física por parte da polícia” (p. 221).
Desenvolver pro
g
ramas de ressocializa
ç
ão voltados para a crian
ç
a infratora, de rua, ou abandonada, adequados às necessidades e aspira
ç
ões
dessas crianças” (p. 221).
“Os governos devem priorizar investimentos públicos na área de educa
ç
ão, como forma de melhorar as condi
ç
ões de vida dos
j
ovens, visando a
combater a violência juvenil” (p. 222).
EDUCAÇÃO
E
ESCOLA
“As Secretarias de Educação do Estado e do Município devem investir na elaboração de projetos políticos-peda
g
ó
g
icos, que se
j
am vivenciados
no interior de cada escola, de modo que se
j
a desenvolvido e experimentado um modelo de educa
ç
ão oficial mais inte
g
rador e envolvente à vida
e ao tempo dos jovens” (p. 221).
“Governos estadual e municipal devem investir na contrata
ç
ão e em pro
g
ramas de capacita
ç
ão pessoal especializado em a
ç
ões e iniciativas de
reforço e desenvolvimento do talento dos jovens, para atuarem diretamente nas escolas e nos programas a eles voltados” (p. 221).
“Reformular os conteúdos programáticos das disciplinas que propiciem às escolas constituírem-se em espa
ç
o de discussão e de repasse dos
direitos dos deveres da juventude” (p. 222).
SEGURANÇA
PÚBLICA
“Aumentar o efetivo de policiais na cidade, principalmente nos bairros, possibilitando maior segurança para a população jovem” (p. 222).
“Investir efetivamente na capacitação das polícias civil e militar, propiciando-lhes condições de trabalho condignas, possibilitando maior
adequação no tratamento humano junto à população” (p. 222).
“Promover cursos de formação moral e de relações humanas para os policiais, visando principalmente a melhorar o modo de abordagem destes
junto aos jovens de periferias” (p. 222).
“Que o governo estadual efetive ações de moralização das polícias, como a adoção de medidas energéticas de apuração de desabonadores e
punição aos maus policiais” (p. 222).
“Realizar campanhas e ações coletivas de combate à impunidade. A justiça deve ser mais eficiente e presente e deve agir, exemplarmente, em
todas as transgressões cometidas contra crianças e jovens” (p. 222).
“Reforço ao poder institucional da justiça, voltada mais especificamente à criança e ao adolescente” (p. 222).
202
Uma análise mais detalhada dessas recomendações permite ordená-las em dois grupos:
o primeiro informa sobre ações de melhoria, transformação ou mesmo a criação de
instâncias responsáveis pela segurança e socialização dos jovens. Neste grupo as
recomendações estão dirigidas às instituões públicas e privadas que mantém algum
tipo de ação junto aos jovens, como as polícias, as escolas, os conselhos tutelares, as
igrejas, os clubes etc. O conteúdo das recomendações supõe que são estas as
responsáveis pela prevenção e “incorporação controlada”
177
do jovem aos direitos e à
vida política: logo, cabem a elas as principais iniciativas de controle e proteção.
Para o exercício deste controle e proteção - e isso nos leva ao segundo grupo de
recomendações - as instituições e todos aqueles que trabalham com jovens devem
ordenar suas ações a partir de certos temas e conteúdos que, segundo os autores,
correspondem a necessidades e demandas para uma transformação do quadro de
violência. Ou seja, ao assinalar que sobre o jovem incide uma série de ações de
violências, provenientes de outros jovens, mas também de outros segmentos sociais
(adultos), constrói-se uma compreensão do jovem como desprovido de proteção.
Entretanto, não quaisquer mecanismos de controle e proteção que devem ser acionados,
mas sim aqueles que - de acordo com os autores – respondam às reais necessidades
desses segmentos, como mostram as recomendações acima: segurança, lazer, formação,
direitos, educação
178
.
No entanto, as recomendações também indicam que estas instâncias não possuem
unidade e legitimidade para exercer controle e prevenção sobre este segmento social.
177
Esta noção provém de Vianna (2002: 32), que discute a “dupla face” de um exercício de poder tutelar
voltado para a gestão da menoridade.
A emergência de uma legislação voltada para menores e, de forma
mais específica, para crianças e jovens (menores por idade, portanto), depende de uma compreensão
específica a respeito da natureza dos malefícios que podem atingir esses sujeitos de direito especiais, bem
como sobre a natureza dos malefícios que eles podem causar. Nesse sentido, o eixo de intervenção sobre
eles, assim como sobre outros menores que em diferentes momentos podem ser tomados como seus pares,
é dado, por um lado, pela necessidade de prevenção e, por outro, de incorporação controlada”.
178
Ao pensar os processos de regulação e controle de certos segmentos populacionais, é preciso levar em
conta que as ações operam em escalas e dimensões distintas, como assinalou Vianna (2002: 67) a respeito
dos modelos e diretrizes de controle formulados para a infância: “As tentativas de criar e sistematizar
legislações que atuem não apenas em níveis nacionais, mas supra-nacionais, bem como de delimitar
discussões éticas e problemas a serem sanados em diferentes realidades políticas e culturais obriga a que
se recoloque o foco dos modos de gestão da infância em planos simultaneamente concorrentes e
compostos. Nesse sentido, a busca por uma “infância universal” precisa ser pensada não apenas em
termos da produção de representações e ideais genéricos, mas sobretudo de processos históricos e
embates político-morais”.
203
Do ponto de vista da legislação, o jovem pode estar submetido ao que determina o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando forem menores de idade, mas
também à legislação que rege a maioridade. Neste sentido, não existe uma legislação
específica para este segmento, que está sendo sociologicamente construído. O que
parece estar em jogo neste momento é a solução para a tensão entre uma “autonomia
parcial” e a submissão às “relações de autoridade”, como salientou Vianna:
“Ser menor é, sobretudo, encontrar-se em posição de autonomia parcial, por
quaisquer motivos que sejam considerados operantes em um dado momento
e em uma dada configuração social. É, nesse sentido, ser compreendido
como estando em situação de ter alguém que responda por si, que seja seu
responsável, permanecendo incluído em um conjunto de relações de
autoridade em posição subordinada, ou seja, não apenas colocado em meio
a relações de interdependência, mas de sobretudo de assimetria. Menores
podem ser mulheres, escravos, filhos não casados, agregados, loucos,
índios, enfim, todos aqueles que, em uma configuração social específica,
sejam compreendidos como incapazes (ou relativamente incapazes) de
responderem de forma integral por seus atos. Os que precisam de um tipo
peculiar de proteção: a proteção de estarem submetidos à autoridade
responsável de outro indivíduo ou conjunto de indivíduos” (Vianna, 2002:
7 [grifos da autora]).
A formulação de uma legislação sobre o jovem seria desejável, mesmo que isso
implique em uma redução, do ponto de vista sociológico, do emprego de categorias
analíticas para refletir sobre ou para o jovem. Ao mesmo tempo, a própria noção de
transitoriedade – da forma como foi empregada nas pesquisas aqui analisadas - indica a
inserção destes “sujeitos especiais” em uma outra situação, que se assemelha ao que na
década de 1960 foi definido como “marginais” e sua situação como “marginalidade”
(Kovarick, 1981: 16)
179
para identificar certas características comportamentais,
179
“Com efeito, o conceito de marginalidade foi utilizado numa pluralidade de acepções, referindo-se a
situações e grupos sociais os mais dispares. No plano da personalidade, aplica-se ao individuo que
pertence a duas culturas. Serve para caracterizar um grupo internamente desarticulado, o que é geralmente
associado à apatia ou anomia. Por vezes se refere à carência de participação social, ao isolamento e
mesmo à falta de identificação dos padrões da cultura dominante. Em outros casos diz respeito à
‘incongruência de status’, à descontinuidade entre o grupo de participação e o grupo de referência
positivo. Foi também empregado como sinônimo de pobreza cultural ou de populações de baixa renda.
(...) o conceito de marginalidade acabou por abranger todo e qualquer fenômeno que redundasse, em
última análise, numa forma de exclusão dos benefícios inerentes à sociedade urbano-industrial.”
(Kowarick, 1981: 16)
204
econômicas e/ou sociais que colocam estes sujeitos à margem da ordem social
180
.
Este tipo de percepção pode ser observado em Mapa da Violência, que é definido na
“apresentação” como um estudo que simplesmente fornece dados sobre como morrem
nossos jovens no país, em suas capitais e nos grandes aglomerados metropolitanos –
por causas violentas. Waiselfisz, (1998b: 7). Entretanto, mais adiante o texto revela não
apenas sua intenção, mas a sua preocupação:
“Muitos são os perigos e as incertezas característicos de nosso mundo atual
que causam impacto em quem, como os jovens, ainda se encontra na fase
de formação da cidadania em nossa recente democracia reconquistada: a
pobreza reinante, as crescentes dificuldades de inserção no mundo do
trabalho, os problemas da escolarização e do preparo profissional, o
receio e a falta de perspectivas e de futuro, a cartelização expansiva da
delinqüência e da droga, que oferece aparentes saídas fáceis e imediatas, os
diversos conflitos e violências (raciais, étnicas, econômicas etc.) no mundo,
a impunidade e a perda de confiança na efetividade do sistema jurídico,
os vazios e conflitos da democracia e dos partidos políticos que levam a um
profundo desinteresse, são todos fenômenos que contribuem a
promover formas de sociabilidades especificas em nossa juventude
(Op.cit. p. 13 [grifos meus]).
Apesar de constatar esta preocupação, o texto procura mostrar que uma série de imagens
constrói a adolescência e a juventude como momentos de produção de violências e os
jovens como agressores, delinqüentes e criminosos. Porém assinalam a existência de
outras imagens e percepções que retratam o jovem como vítima prioritária da violência.
O estudo se associa às últimas, ao afirmar: Não acreditamos que a juventude seja
produtora de violência.
Ainda que só constem de três das cinco publicações, as recomendações e propostas dos
estudos impulsionaram a politização da produção científica e conferiram uma dupla
função aos estudos e ao “Projeto Juventude, Violência e Cidadania”, neste momento já
consolidado pela UNESCO-Brasil: a de construir um problema social e captar e
articular parceiros e aliados para produzir uma alternativa de intervenção social.
180
Em um artigo baseado em minha dissertação de mestrado discuto a noção de “marginalidade” em
relação às favelas do Rio de Janeiro à luz dos debates promovidos pela teoria da marginalidade. Cf
Macedo Castro, 2004.
205
No que se refere à primeira função, a aplicação de determinados procedimentos
científicos, o estabelecimento de um “padrão etnográfico”, e a manipulação de algumas
categorias analíticas (jovem/juventude) levaram à constatação de que havia uma
demanda social e que um determinado segmento social era vítima e agente de práticas
violentas.
A segunda função teve um cunho mais político. Ao valorizar certos atributos destes
segmentos sociais, como seu caráter contestatório, idealista, transformador etc., estes
foram transformados em agentes sociais dotados de direitos e deveres e partícipes de
uma ordem social que os exclui e, portanto, tornaram-se “aliados” dos autores/atores das
pesquisas. Nesse sentido, penso que as recomendações contribuem para fortalecer esses
vínculos políticos e alianças morais.
À luz do que Foucault denominou dispositivos de segurança (2004: 9), quero sugerir
que estas pesquisas e a ação da UNESCO-Brasil se enquadram em uma perspectiva
mais ampla, a da disputa política e científica em torno de uma forma de ação do Estado,
através de reflexões e ações dirigidas aos formuladores de políticas sociais – como
aponta a publicação de Minayo et al.(1999). Algumas das estratégias adotadas
compreendem a produção de técnicas e mecanismos de controle, prevenção e coerção e
mecanismos capazes de diagnosticar, estabelecer previsões, definir probabilidades e
estabelecer comportamentos. Dito de outro modo: como afirma Foucault, a noção de
dispositivo de segurança aglutina um conjunto de procedimentos que visam não apenas
conhecer e agir sobre os indivíduos (corpos), mas sobre populações (múltiplos
corpos)
181
.
“Dispositif de sécurité qui va, pour dire les choses de façon alors
absolument globale, insérer le phénomène en question, à savoir le vol, à
l’intérieur d’une série d’événements probables. Deuxièmement, on va
insérer les réactions du pouvoir à l’égard de ce phénomène dans un calcul,
qui est un calcul de coût. Et enfin, troisièmement, au lieu d’instaurer un
181
As análises de Foucault sobre os dispositivos de segurança como outra modalidade das tecnologias de
poder podem ser encontradas também em Il faut défendre la société (1997: Cf. p. 211 e 244), onde o
termo biopolítica denomina esta tecnologia de poder construída a partir da idéia de que esta modalidade
de ação se aplica a “un corps multiple, corps à nombre de tête, sinon infini, du moins pas nécessairement
dénombrable. C’est la notion de ‘population’. La biopolitique a affaire à la population, et la population
comme problème politique, comme probème à la fois scientifique et politique, comme problème
biologique et comme problème de pouvoir” (Foucault, 1997: 218-219).
206
partage binaire entre le permis et le défendu, on va fixer d’une part une
moyenne considérée comme optimale et puis fixer des limites de
l’acceptable, au-delà desquelles il ne faudra plt7[(elesq1.(en vaededste )]TJ0.0064 Tc 036943 Tw -15.445 -1.15 Td[donc toutet uneautiredistributiod)6n0 de choseis et de immmi
207
através das estratégias governamentais. Nestes termos, estas pesquisas deram
visibilidade a pesquisadores capazes de atuar como especialistas em jovens, em especial
os violentos. O conjunto das propostas e temas debatidos faz parte de um processo que
visa deslocar o eixo de pensamento sobre os mecanismos de gestão que atuam sobre o
jovem - restrito, até então, às ações estaduais pontuais ou via ONGs – para situa-lo em
uma nova proposta de gestão, formulada a partir de outros pressupostos e preocupações,
que é o tema do próximo capítulo.
208
CAPÍTULO 4
A palavra protagonismo juvenil vem do grego. Proto significa o primeiro,
o principal Ago significa luta. Protagonista no grego significa o principal
lutador de um torneio. O teatro se apropriou dessa palavra como o ator
principal de uma trama. O protagonismo juvenil é um tipo de ação de
intervenção no contexto social para responder a problemas reais onde o
jovem é sempre o ator principal. Nessa concepção, educar é criar espaços
reais para que os jovens possam empreender a construção do seu ser em
termos pessoais e sociais”.
(Antonio Carlos da Costa. Jornal Radical, Fundação Perseu Athos Bulcão
1999,
apud Pipeline project s/d: 9)
.
209
GERANDO SUSTENTABILIDADE: ETAPAS NA CONSTRUÇÃO
DE UMA CULTURA DE PAZ
A partir da publicação e divulgação das pesquisas do Projeto Juventude, Violência e
Cidadania, a UNESCO-Brasil e seus principais parceiros, entre eles o Instituto Ayrton
Senna, vivenciaram um “rito de passagem” e se credenciaram como integrantes do
“campo temático” juventude. As parcerias com os governos dos estados do Rio de
Janeiro e de Pernambuco para a implementação, respectivamente, do Programa Escolas
de Paz e do Projeto Escola Aberta trouxeram novos desdobramentos às ações
desenvolvidas pela Organização. Um segundo conjunto de ações e toda uma nova gama
de relações buscaram demarcar uma diferenciação interna no “campo temático da
juventude”, mediante a conversão das pesquisas em propostas de ação voltadas para o
jovem. Estas propostas, como vimos, foram elencadas nas “Recomendações e
conclusões” das publicações de 1999.
Os dados e análises das publicações de 1998 e 1999 apontaram novas prioridades e
questionamentos. Para entendê-los é importante lembrar que a pesquisa é uma das
atividades da Organização, cujo setor de Ciências Humanas e Sociais –
Desenvolvimento social
183
e, em especial, o Programa Abrindo Espaços: Educação e
Cultura para a Paz realizam as atividades que dialogam mais diretamente com o setor
de pesquisa. No capítulo anterior assinalei três operações importantes no debate sobre
juventude e violência.
A primeira operação discursiva destas propostas define este segmento social e
estabelece, ainda que parcialmente, sua delimitação. Para tal, foi necessário identificar
os atributos e características que o distinguiam de outros segmentos e estratos sociais e
os comportamentos, espaços de circulação e formas de organização e sociabilidade dos
jovens. A opção dos pesquisadores de tratar o tema a partir dos eixos juventude,
violência e cidadania enfatiza a associação de certas práticas juvenis com determinadas
183
“O setor de Ciências Humanas e Sociais e Desenvolvimento Social da UNESCO é um dos cinco
setores especializados da instituição, cuja missão é expandir o conhecimento, elevar padrões e promover a
cooperação intelectual, a fim de facilitar transformações sociais alinhadas segundo valores universais de
justiça, liberdade e dignidade humana”.
(http://www.unesco.org.br/areas/dsocial/index_html/mostra_documento).
210
práticas violentas. Ao partir da violência como o novo paradigma - como sinalizou
Michel Wieviorka (1997: 6)
184
, amplamente citado nas publicações - as explicações,
interpretações e associações entre práticas juvenis e práticas violentas ganham força. O
debate sobre violência forneceu outras chaves explicativas, visto que as publicações
valorizaram as interpretações das violências que identificavam os seus agentes, fossem
eles vítimas ou agressores.
Com a noção de cidadania, os pesquisadores procuram dialogar com as definições e
atributos - fornecidos pelos “autores-fonte” - que identificam o jovem e as ações
violentas, fazendo distinções entre práticas violentas e não-violentas; comportamentos
violentos (delinqüentes, anormais etc.) e normais e entre cidadãos e espaços de
produção de normalidades e espaços de conflito e violência.
A segunda operação consiste em fornecer explicações para as causas da violência e
certos comportamentos violentos dos jovens. Dentre estas, prevaleceu a idéia de que os
mecanismos do poder público de combate ou controle da violência são ineficazes - na
melhor das hipóteses - ou ausentes, nas hipóteses mais radicais.
O anterior levou à constatação de que o jovem é um dos atores da violência e alguns dos
seus comportamentos geram práticas violentas em seus espaços de sociabilidade e/ou de
socialização. No entanto, esta clareza, ainda que parcial e nebulosa, não inviabilizou a
idéia de criar um sistema de proteção do jovem, com base no diálogo com diferentes
agentes sociais.
A terceira operação discursiva destas propostas recupera atributos característicos do
segmento social jovem, tais como o poder contestatório, desejos e ambições e não
conformismo, e o transformam em “sujeitos de direitos” (Sposito, 2003: 19). Aqui, as
publicações da UNESCO-Brasil e seus autores figuram como “porta-vozes” destes
184
“A violência, hoje, renovou-se profundamente nos significados de suas expressões mais concretas, e
insistiremos aqui, no essencial, nas mudanças que a caracterizam desde o fim dos anos 60. Uma
perspectiva de mais longa duração, tomando por exemplo como período de referência o século que
passou, não comprometeria a hipótese de um novo paradigma que vamos examinar; ela surgiria
simplesmente, talvez, que entre as significações mais decisivas de hoje, algumas se assemelham às que
caracterizaram o início da era industrial, quando as classes contestadoras nascentes eram percebidas como
classes perigosas ou que, em um país como a França, fenômenos de bandos e condutas de violência
juvenil imputadas aos ‘Apaches’ ocupavam as colunas dos jornais.” (Wieviorka, 1997: 6)
211
segmentos sociais por expor suas demandas e reivindicações (Minayo et al., 1999) e
enfatizar a necessidade de ouvi-los (Waiselfisz, 1998a) e incluí-los nos processos de
elaboração dos programas sociais.
Esta terceira operação é o objeto deste capítulo, que analisa os novos investimentos da
UNESCO-Brasil em projetos e pesquisas sobre juventude e violência, e a formação de
parcerias com governos estaduais e municipais para a implementação de um programa
social voltado para os jovens, baseado nas pesquisas de 1998-1999.
A violência era o problema a ser revertido, a mortalidade juvenil devia ser reduzida e o
jovem, dado o seu caráter contestatório, devia ser alçado à posição de protagonista das
iniciativas para reverter este quadro. Estas, por sua vez, corroboram um conjunto de
ações e operações em escala internacional que estavam em pleno desenvolvimento
naquele momento e se cristalizavam na construção de uma cultura de paz.
Neste capítulo abordo dois aspectos da terceira operação discursiva. Em primeiro lugar,
situo o debate sobre Cultura de Paz, analisando-o da perspectiva da UNESCO. Em um
breve histórico, examino como a organização se situou neste processo. Os debates e
perspectivas de outros agentes envolvidos na temática não são tratados aqui, por não
serem objeto prioritário deste trabalho. Na segunda parte do capítulo analiso o
documento que regulamenta o acordo de cooperação entre o governo do estado do Rio
de Janeiro e a UNESCO-Brasil para o “Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no
Estado do Rio de Janeiro” e o PRODOC (documento do projeto), que estabelece as
normas e diretrizes para a parceria.
Cultura de Paz – Um breve histórico
“Si vis pacem para bellum”
185
“Mars gravior sub pace latet”
185
Trechos de um provérbio romano: “Se querem a paz, preparem-se para a guerra” e “A pior guerra
esconde-se sob a paz”.
212
Como visto no primeiro capítulo, desde 1946 a UNESCO se opunha - não sem tensões -
às ações bélicas defendidas por alguns países. O exame das Conferências Gerais (CG)
desde 1946 permite observar que, em diversos períodos, a guerra, a (des)colonização e
os conflitos nacionalistas e étnicos produziram diferentes resoluções e embates em torno
do posicionamento da organização. Apesar das nuances, a maioria as resoluções das
Conferências Gerais eram contrárias à resolução de conflitos mediante a violência.
A bandeira da paz em oposição à guerra sempre foi objeto de disputas nas resoluções
internas da UNESCO desde sua criação, em 1945. Apesar de regulamentadas, estas não
se concretizavam em propostas ou planos específicos. Esta “dificuldade” refletia as
tensões internas dos países-membros, que viviam situações distintas de organização
política e social e adotavam posições divergentes ante os conflitos bélicos. Nos termos
de Foucault (1997: 42), a guerra criava condições para uma “relação social
permanente”, ou seja, era preciso superar a noção de que “a paz, na menor de suas
engrenagens, faz a guerra em surdina”
186
.
As “soluções” desta equação começaram a ser formuladas e adquiriram visibilidade
para os organismos internacionais com as declarações, convenções e tratados assinados
entre os países: “Declaração Universal dos Direitos dos Homens”, 1948; “Declaração
sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais”, 1960; “Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial”, 1965;
“Declaração sobre o Fomento entre a Juventude dos Ideais de Paz, Respeito Mútuo e
Compreensão entre os Povos”, 1965; “Declaração sobre a Inadmissibilidade de
Intervenção nos Assuntos Internos dos Estados e Proteção de sua Independência e
Soberania”, 1965; “Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher”,
1967 e “Declaração sobre a Preparação das Sociedades para Viver em Paz”, 1978.
Em 1989, na “Conferência Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens”, realizada
em Yamoussoukro, na Costa do Marfim, a expressão Cultura da Paz foi empregada por
186
Autores como Foucault (1997), Tilly (1996) e Weber (1987) apontaram a guerra como modalidade de
ação social. Como afirmou Foucault, “la loi n’est pas pacification, car sous la loi, la guerre continue à
faire rage à l’interieur de tous les mecanismes de pouvoir, même les plus réguliers. C’est la guerre qui est
le moteur des institutions et de l’ordre: la paix, dans le moindre de sés rouages, fait sourdement la
guerre”. (Foucault, 1997: 43).
213
primeira vez pela ONU, congregando temas até então dispersos em resoluções, tratados
e convenções
187
.
A “Declaração de Sevilha sobre a Violência”, de 1986, trouxe contribuições importantes
para aprofundar as discussões sobre a violência em escala internacional. Com
argumentos de que é “cientificamente incorreto dizer que a guerra, ou qualquer outro
comportamento violento, é geneticamente programada na natureza humana” ou que é
“cientificamente incorreto dizer que no curso da evolução humana houve uma solução
de comportamentos agressivos mais do que de outros tipos de comportamento”, os
cientistas e intelectuais assinantes da Declaração de Sevilha refutaram as origens
“biológicas” das práticas violentas e fincaram suas origens na dinâmica cultural de cada
país.
Em 1991 a UNESCO iniciou uma série de debates internos para definir ações que
pudessem ser transformadas em um programa capaz de se contrapor à “cultura da
guerra”. Um dos principais responsáveis por esta iniciativa foi o professor de psicologia
David Adams, da Wesleyan University (Connecticut, EUA), que esboçou um plano
piloto. Como o próprio autor refletiu em entrevista posterior
188
,
187
Apesar de datar de 1989, a expressão teria sido empregada pela primeira vez no Peru, em 1985, pela
“Comisión Nacional Permanente de Educación para la Paz del Ministerio de Educación del Perú”. A
cunhagem do termo foi atribuída ao Padre Felipe MacGregor. “En el año Internacional de la Paz (1986) el
Ministerio de Educación del Perú nombró una Comisión Permanente de Educación para la Paz.
Nombrado Presidente de la Comisión, decidí dedicar las primeras sesiones a oír la concepción de PAZ de
cada uno de los quince miembros. Las variadas y ricas exposiciones se referían con frecuencia a conflicto,
violencia, resolución pacífica de conflictos, estructura moral de la persona, conflictos existentes en la
sociedad peruana incompletamente resueltos o conflictos no resueltos en la historia del Perú. Decidimos
organizar el rico material aportado para comunicarlo a profesores y estudiantes peruanos. En este proceso
surgió, como núcleo de las exposiciones, la expresión Cultura de Paz; con ese título fue publicado un
libro dirigido a profesores y alumnos de Institutos Superiores Pedagógicos y de los últimos años de la
Educación Secundaria. Posteriormente, en la Reunión Regional de Ministros de Educación convocada por
la UNESCO (Bogotá 1987), participó el Ministro de Educación del Perú y en su intervención expuso la
noción de Cultura de Paz: "Cultura de Paz", dijo, es una relación asociativa entre cultura y paz; significa
la necesaria interioridad de la cultura y la presencia, en el mundo interior creado por ella, de la armonía
también llamada paz. "Cultura de Paz" se asocia, por oposición, a "cultura de violencia" o "cultura
violenta", que habita en el interior del hombre y campea hoy en el mundo. "Cultura de paz" está en la
corriente de la historia; hoy los Gobiernos declaran la paz como su gran meta. En dicha Reunión, la
UNESCO incorporó a su lenguaje oficial "Cultura de Paz".” (Trechos da exposição do Padre Felipe
MacGregor no “Primeiro Congresso Latinoamericano de Relações Internacionais e investigações para a
Paz”, realizado na Guatemala em agosto de 1995, extraído de Nuevos Paradigmas en la Educación: 8).
188 David Adams foi Diretor da Unidade para o Ano Internacional da Cultura de Paz da UNESCO,
aposentando-se em 2001. Iniciou suas atividades na UNESCO, em 1993, como consultor para
desenvolver o Programa Cultura de Paz, a pedido do Conselho Executivo. Foi professor de Psicologia na
Wesleyan University e em Yale.
214
“A proposta era um complemento às operações de manutenção da paz da
ONU. Seu objetivo era ‘sanar as feridas sociais da guerra através de
operações locais de reconciliação e cooperação, em países onde foram
implementadas operações de manutenção da paz pelo Conselho de
Segurança’. Além das atividades locais, a proposta previa ‘pesquisa e
treinamento, documentação e informação’. Sua filosofia era ‘canalizar as
energias dos povos para uma luta comum que beneficie a todos’”
(http://www.comitepaz.org.br/Histórico_CP_2.htm).
Em 1992 foi criado na UNESCO um grupo de trabalho sobre Cultura da Paz,
coordenado pelo Prof. Adams, para avançar nas iniciativas de construir um programa
sobre a paz. Esta iniciativa resultou no documento entregue pelo representante do Iêmen
ao Conselho Executivo da UNESCO (140 EX/28), com um esboço dos principais
pontos e estratégias das ações
189
.
“Uma série de projetos envolvendo ambos os lados do conflito de El
Salvador foram desenvolvidos por oficinas realizadas com representantes
dos dois lados da extinta guerra civil: o Governo de El Salvador de um lado
e as ONGs associadas aos revolucionários FMLN do outro. (...) Os projetos
de El Salvador incluíam cidadania democrática, treinamento de lideranças
locais para gerenciamento de projetos, educação para o desenvolvimento
sustentável, desenvolvimento científico, programas para a juventude, apoio
à cultura popular e produção de artesanato, produção de livros, museus
comunitários, um centro cultural nacional, apoio à leitura para populações
indígenas, educação básica, treinamento em cidadania, educação em
direitos humanos, rádio para as mulheres da zona rural, projetos especiais
de reabilitação de crianças feridas na guerra e treinamento de promotores
de paz pela participação transconflito. A documentação do projeto foi
preparada para pleitear recursos internacionais”. (http://www.comitepaz.
org.br/Histórico_CP_2.htm)
A partir da experiência de El Salvador, em 1993 a UNESCO ampliou e desmembrou a
proposta inicial do Programa Cultura de Paz no documento (142 EX/13), apresentado
189
“Les notes de la récente mission envoyée en El Salvador donnent une idée du type d’activités qui
pourraient être envisagées. Les propositions de la mission étaient les suivantes: éducation formelle et
informelle pour la paix, développement de la tolérance, de la coopération et de la participation à tous les
niveaux, mise en oeuvre de pratiques démocratiques et de politiques sociales à l’échelon local, de
nouveaux modes de communication et de programmes culturels axés en particulier sur la jeunesse. On
pourrait allonger cette liste et y ajouter des programmes de coopération multiculturelle destinés à protéger
et à mettre en valeur le patrimoine culturel et le patrimoine naturel, envisagés comme symboles de
réconciliation nationale. On pourrait aussi proposer des programmes analogues de coopération
multiculturelle dans les domaines de la formation scientifique et technique et de la recherche orientée vers
des méthodes propres à assurer un développement économique a durable” (140 EX /28 1992: 3).
215
em 1993 na CG como fruto da discussão da primeira reunião, “Rumo a uma cultura de
paz” realizada em Paris no mesmo ano. Vale destacar que neste período o programa
Cultura de Paz era percebido como um conjunto de projetos e ações de reorganização
dos países recém-saídos de conflitos armados.
190
Os dois documentos que orientaram as discussões da UNESCO sobre a Cultura de Paz
(140 EX/28 e 142 EX/13) partiam do pressuposto de que as ações e projetos a serem
desenvolvidos nos países deveriam ficar a cargo de “organizações
intergovernamentais”. No entanto, tais iniciativas ainda não eram bem vistas por alguns
países-membros no interior da UNESCO nem pelas principais lideranças da ONU.
Em 1994 a UNESCO promoveu o primeiro Fórum Internacional sobre uma Cultura da
Paz, em El Salvador. O Fórum inaugura uma experiência em El Salvador e,
posteriormente, em Moçambique
191
. Esta experiência contou com o apoio
“desconfiado” da ONU, principalmente em El Salvador, onde atuava como força de
segurança. Apesar disso, com a saída das Forças de Manutenção da Paz, o Programa
Cultura de Paz foi indicado pela própria ONU para dar continuidade às ações de
manutenção da paz.
216
Após estes encontros, reuniões e fóruns internacionais, a UNESCO incluiu a promoção
da Cultura de Paz em seus planos estratégicos de 1996-2001 - cujas ações tiveram
início no exercício de 1996-1997 - com o subtítulo Rumo a uma Cultura de Paz
192
.
“Ce projet, dont les États membres, les commissions nationales et le
Conseil exécutif ont abondamment discuté, insiste sur l’éducation pour la
paix, les droits de l’homme et la démocratie, sur la promotion des droits de
l’homme et la lutte contre la discrimination, sur la consolidation du
processus démocratique, le renforcement du dialogue interculturel et du
libre accès à l’information par le soutien à des médias non partisans,
indépendants et pluralistes, et sur la contribution à la prévention des
conflits et à la consolidation de la paix à l’issue des conflits” (28 C/123:
1995: 3).
Em 1994 a UNESCO criou a Unité du Programme pour une culture de la paix (28
C/123: 2), responsável pela coordenação de atividades do programa. As principais
atribuições desta unidade foram descritas em uma nota do Diretor Geral
(DG/note/94/10):
“* faire en sorte que les activités des différentes unités et des bureaux hors
Siège de l’UNESC0 qui contribuent à la promotion d’une culture de la paix
procèdent d’une approche intégrée;
* élaborer des programmes nationaux et sous-régionaux pour une culture de
la paix;
* coordonner ces activités avec celles du système des Nations Unies et des
organisations intergouvernementales et non gouvernementales;
* continuer d’affiner, par la réflexion, la recherche et l’évaluation, le
concept de culture de la paix et la méthodologie pertinente” (28 C/123).
Com estas iniciativas, a Organização buscava levar o Programa Cultura de Paz às suas
unidades e setores espalhados pelo mundo. A criação de uma unidade para promover a
Cultura de Paz se ancorava na idéia de que a Organização fosse uma instância
catalisadora das ações e projetos vinculados à Cultura de Paz, proposta endossada pela
ONU. Vale ressaltar que as unidades fora da sede (Unités Hors-Sièges) mantinham
parcerias com organizações não governamentais e intergovernamentais, como no caso
192
“Ce projet, dont les États membres, les commissions nationales et le Conseil exécutif ont
abondamment discuté, insiste sur l’éducation pour la paix, les droits de l’homme et la démocratie, sur la
promotion des droits de l’homme et la lutte contre la discrimination, sur la consolidation du processus
démocratique, le renforcement du dialogue interculturel et du libre accès à l’information par le soutien à
des médias non partisans, indépendants et pluralistes, et sur la contribution à la prévention des conflits et
à la consolidation de la paix à l’issue des conflits” (28 C/123: 1995: 3).
217
dos Conselhos Nacionais. Estas unidades também tinham como missão investir nestas
organizações para que apoiassem o projeto da UNESCO de tornar-se referência nas
iniciativas voltadas para a paz. Acrescente-se a estes objetivos a necessidade de
conhecimentos, experiências e expertises capazes de implementar os programas para
uma Cultura de Paz.
Entre 1995 e 1999 os debates não caminhavam para um consenso, mas, pelo contrário
faziam emergir as divergências entre os países-membros. As relações entre as agências
do Sistema ONU também eram tensas e conflituosas. Um dos embates deste período
girava em torno da posição defendida por alguns países-membros europeus, no sentido
de não associar a paz aos direitos humanos. Para estes países, os direitos humanos eram
competência do Conselho de Segurança da ONU. Na entrevista citada, o Prof. Adams
explica como alguns representantes da ONU viam a relação entre Cultura de Paz vs
Cultura de Guerra.
“A Descrença em relação ao Direito Humano à Paz continuou a ecoar por
anos depois desse debate de 1997. Durante discussão informal na ONU, em
6 de maio de 1999, acerca da Declaração Provisória e Plano de Ação de
Cultura de Paz, o representante dos Estados Unidos declarou que ‘a paz não
deve ser elevada à categoria de direito humano, caso contrário será muito
difícil começar uma guerra’. A União Européia, na mesma sessão, embora
não expressasse suas objeções tão francamente, pediu a eliminação de todas
as referências à cultura da guerra.”
(http://www.comitepaz.org.br/Histórico_CP_2.htm).
A substituição dos “processos de pacificação”, geridos pelas forças de segurança da
ONU, por projetos de pacificação coordenados pela UNESCO representava uma nova
forma de intervenção internacional, por não estar fundada exclusivamente na presença
de milícias sob o comando do Conselho de Segurança. A principal característica desta
iniciativa é o fato de os projetos e programas coordenados pela UNESCO mobilizarem
instituições de caráter mais amplo do que aquelas patrocinadas pela ONU. O exemplo
mais marcante pode ser o programa de El Salvador, que mobilizou instâncias locais,
como associações, partidos, movimentos eclesiais, agentes públicos e organizações e
instituições humanitárias e científicas internacionais.
Por outro lado, a UNESCO mobilizou um contingente de “multiplicadores” muito
amplo através do “Sistema de Escolas Associadas” (SEA). Esta instância da
218
Organização - que em 1995 estava presente em mais de 120 países, e tinha parcerias
com mais de 3.200 instituições ligadas à educação - formava, naquele momento, uma
rede com ampla penetração em organizações nacionais, internacionais, privadas e
públicas
193
.
Esta “rede” dotou a UNESCO de uma capilaridade formada, essencialmente, por
instâncias educacionais que permitiam sua penetração nos Estados nacionais não só
através das instituições governamentais, mas por caminhos que passavam ao largo
destas. Isto situou a Organização em um espaço privilegiado com relação a outras
agências do Sistema ONU e gerou fortes conflitos e tensões. A UNESCO tinha acesso a
espaços nacionais e internacionais com visões distintas daquelas defendidas pela ONU e
onde o Conselho de Segurança, devido às relações que mantém com as potências
econômicas, não gozava de muito prestígio. Universidades, centros de pesquisa,
instituições humanitárias e religiosas, entre outras, viam na Organização uma
possibilidade de se contraporem às “grandes potências” e às “grandes decisões
internacionais”. Esta capilaridade foi uma ferramenta nos debates com outras agências
do Sistema ONU, quando a UNESCO procurou atrair para si as principais organizações
e instituições envolvidas nas ações do Cultura da Paz
194
.
Com este fim, no item “Em direção a um movimento e uma visão planetárias” do
documento 28/C/123 de 1995, a UNESCO reafirmou que o compromisso da paz deveria
ser assumido não só pelos Estados-membros, mas por todos os setores e segmentos
sociais interessados na promoção de ações desta natureza.
66. Dans le cadre du Programme pour une culture de la paix, I’UNESCO
participe également, avec de nombreux organismes intergouvernementaux
193
Além disso, a UNESCO mantinha cátedras nas seguintes instituições: Universidade de Durban-
Westville (África do Sul); USP (Brasil); Universidade d’Oran (Argélia).
194
Fazendo um contraponto com a experiência do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro em
2001, observa-se um movimento semelhante na estratégia da UNESCO-Brasil para reunir organizações
atuantes nos temas relacionados à cultura da paz. Esta estratégia permitiu à organização realizar
encontros, seminários, reuniões, declarações e capacitações e preparar textos normativos, tais como Paz
como se faz, semeando cultura de paz nas escolas (UNESCO; Associação Pallas Athena); Programa
Gente Que Faz a Paz, (Iniciativa das Religiões Unidas (URI), Grupo Cultural Afro Reggae, Associação
Palas Athena, Centro para a Paz Global e Viva Rio, UNESCO). Os materiais produzidos foram utilizados
em diferentes ocasiões como materiais de referência para capacitar os integrantes do Programa Escolas
de Paz para os valores humanos.
219
tels que l’Organisation des Etats américains, l’Organisation de l’Unité
africaine et le Secrétariat pour les pays du Commonwealth, à des projets
comme, par exemple, des réunions pour une culture de la paix avec des
responsables militaires d’Amérique latine (...).
67. Ce sont peut-être les organisations non gouvernementales qui
accomplissent le plus grand travail en faveur d’une culture de la paix dans
le monde entier. Tous les jours, l’Unité du Programme est contactée par des
particuliers et des organisations qui travaillent à promouvoir une culture de
la paix et cherchent à s’associer avec d’autres, qui poursuivent les mêmes
buts et ont affaire aux mêmes problèmes qu’eux, ailleurs dans le monde.
Dans bien des cas, on lui demande des avis et un soutien, ce qui confère au
Programme un effet multiplicateur dans le monde entier.
68. L’ampleur des activités entreprises spontanément en faveur d’une
culture de la paix par les organisations non gouvernementales confirme que
la culture de la paix devient comme on l’espérait, un mouvement mondial
au sein duquel chacun peut trouver un rôle important à jouer. Afin de
faciliter le développement de ce mouvement mondial et d’informer ceux
qui y participent, le Programme pour une culture de la paix met
systématiquement en place un réseau d’information. Les données sur les
activités entreprises sont introduites dans un système informatique et seront
utilisées dans des publications périodiques, parmi lesquelles un bulletin qui
devrait être distribué deux ou trois fois par an. Le Programme diffuse
également des informations sur ses propres activités, notamment une
brochure ainsi que des publications et des rapports ponctuels.
69. Cette tâche d’information et de création de réseaux est considérée
comme essentielle, parce qu’en dernière analyse, l’édification dune culture
de la paix est l’oeuvre de milhiers d’individus agissant, seuls ou dans le
cadre d’une structure institutionnelle, en fonction de leur propre degré de
conscience. Or, pour qu’il y ait prise de conscience, il faut être informé,
ouvert sur l’avenir, guidé par un but et doué d’optimisme. C’est bien là,
dans l’esprit des hommes et des femmes, que doivent s’établir les
fondements dune culture de la paix” (28/C/123: 13)
Em dezembro de 1995 a Assembléia Geral da ONU aprovou a resolução
(A/RES/50/173) sobre a “Década das Nações Unidas para a educação no domínio dos
direitos humanos: em direção a uma cultura da paz” e, no ano seguinte, através da
220
resolução (A/RES/51/101
195
), foi aprovado o Programa “Rumo a uma cultura da paz
196
.
As Nações Unidas declararam 2000 o Ano Internacional pela Cultura da Paz
(A/RES/52/15: 1997) e o período 2001-2010 a Década Internacional pela Cultura da
Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo (A/RES/53/25: 1998). Estas
iniciativas foram coroadas com a aprovação, pela 107ª sessão plenária (1999), da
“Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz” (A/RES/53/243).
O papel da UNESCO como coordenadora das ações do programa de Cultura da Paz
foi definido em janeiro de 2001, quando a Assembléia Geral da ONU
“Désigne l’Organisation des Nations Unies pour l’Education, la Science et
la Culture comme organisation chef de file pour la Décennie, sa tâche étant
de coordonner les activités des organismes des Nations Unies visant à
promouvoir une culture de la paix et d’assurer la liaison avec les autres
organisations intéressées;” (A/RES/55/47: 2).
Entre 1997 e 1999 houve inúmeros encontros, reuniões e seminários com integrantes da
UNESCO, das Nações Unidas, de Estados e ONGs, antes de a UNESCO assumir a
coordenação das ações voltadas para a paz. Nestas discussões estavam em jogo as
atribuições e competências de cada agência do Sistema da ONU. Segundo o Prof.
Adams, diversos interesses tiveram que ser negociados no âmbito da UNESCO e das
Nações Unidas:
“O processo de criação da Declaração e Programa de Ação pela Cultura da
Paz, foi longo e árduo – nove meses de reuniões ‘informais’ que
coincidiram com a guerra em Kosovo, e precisaram vencer a resistência da
União Européia e dos Estados Unidos. Já na primeira ‘informal’ de 2 de
195
“Prie le Secrétaire Général de lui faire connaître, à sa cinquante-deuxième session, avec le concours du
Directeur Général de l'Organisation des Nations Unies pour l'Éducation, la Science et la Culture, les
dispositions qui auront été prises pour donner suite à la présente résolution, de même que les activités
d'éducation réalisées dans le cadre du projet transdisciplinaire intitulé ’Vers une culture de la paix’, et
celles qui concernent l'élaboration d'un projet de déclaration et de programme d'action pour une culture de
la paix;” (A/RES/51/101). A aprovação da resolução na Assembléia Geral foi apresentada pelo
representante do Peru, apoiado pelo representante da UNESCO junto à ONU e pelo Ministro das
Relações Exteriores do Brasil na época.
196
Adams destaca que as tensões no interior da UNESCO e da ONU giravam em torno da decisão de
agregar a Cultura de Paz aos debates sobre direitos humanos ou situá-la como um item à parte.
(http://www.comitepaz.org.br/Histórico_CP_2.htm).
221
dezembro de 1998 em Nova Iorque, como descrito no relatório da Sra.
Sibal, a União Européia tentou enviar o documento de volta à UNESCO.
Contudo, isto foi superado graças à forte liderança do Embaixador Anwarul
Chowdhury, e à presença de pelo menos 45 países, na maioria do Sul, que
se apinhavam naquela pequena sala. Mais tarde, na reunião informal de 6
de maio de 1999, o representante dos Estados Unidos afirmou que a Paz
não poderia ser elevada à categoria de direito humano, pois desse modo
seria muito difícil começar uma guerra - enquanto que a União Européia
exigiu a eliminação de todas as referências à cultura da guerra”
(http://www.comitepaz.org.br/Histórico_CP_2.htm).
Esta breve retrospectiva permite ver que, no plano internacional, o Sistema ONU e a
UNESCO tiveram um papel importante na institucionalização das questões ligadas à
Cultura de Paz.
“A paz está em nossas mãos”. Com este título, as Nações Unidas lançaram uma
campanha de combate à violência e à intolerância no ano de 2000. No Sistema da ONU,
A constatação de que a violência, em especial a violência urbana, era um problema
social que demandava solução – tendo, inclusive, sido alçada à condição de paradigma –
não se baseava em uma percepção nacional, pois ocorria em diversos países. No âmbito
das Nações Unidas, a UNESCO era a organização melhor equipada para lidar com
temas como solidariedade moral e intelectual para a manutenção da paz, como
ressaltam seu “Ato Constitutivo” e o preâmbulo da sua constituição, de 1946:
“Uma paz baseada exclusivamente em acordos políticos e econômicos dos
governos não seria uma paz que assegurasse o apoio unânime, duradouro e
sincero dos povos do mundo. (...) para não fracassar, a paz deve, portanto,
estar baseada na solidariedade intelectual e moral da humanidade”.
(http://www.comitepaz.org.br/Hist%C3%B3rico_CP_1.htm)
222
PRODOC – construindo uma pedagogia da democracia
“A UNESCO não trabalha esses temas como a
universidade, mas para traduzi-los em políticas
públicas”.
(Pesquisador da UNESCO-Brasil).
Nos dois capítulos anteriores mostrei como, através do termo cidadania, as pesquisas da
UNESCO-Brasil de 1998 e 1999 refletiram sobre essa temática, esboçando propostas e
caminhos que pudessem ser traduzidos em políticas governamentais.
Esses caminhos e propostas foram traduzidos em um acordo firmado entre o governo do
estado do Rio de Janeiro e a UNESCO-Brasil no ano de 1999. Nas páginas seguintes
analiso como as questões ligadas à Cultura da Paz, assim como aquelas elaboradas
pelas pesquisas de 1998 e 1999, foram traduzidas e “normatizadas” em um Documento
de Projeto (PRODOC).
Em 1999 a UNESCO-Brasil, em colaboração com o governo do estado do Rio de
Janeiro, assinou um acordo preliminar para a elaboração de um PRODOC intitulado
“Assistência preparatória: projeto de cooperação técnica entre a UNESCO e o Governo
do Estado do Rio de Janeiro: desenvolvimento de uma Cultura de Paz no Estado do Rio
de Janeiro”. Este acordo adequava-se às estratégias internacionais da UNESCO de
comprometer os países-membros com ações voltadas para a cultura da paz.
Como dito na introdução, o Programa Escolas de Paz foi implementado em 2000 como
uma ação experimental para reduzir os indicadores de violência mediante ações
realizadas com jovens considerados vulneráveis por provocarem ou serem vítimas de
práticas violentas.
Quero lembrar que o Programa consistia em abrir escolas estaduais selecionadas nos
fins de semana para oferecer atividades em forma de oficinas, que variavam segundo as
características da escola e da localidade. Na introdução informei que estas oficinas eram
conduzidas por uma equipe local, composta, na maioria das vezes, por alunos,
professores e funcionários membros da localidade - também denominada comunidade -
e por supervisores, em geral funcionários estaduais vinculados à Secretaria de
Educação. Cabia à equipe local organizar, administrar e selecionar os animadores das
223
atividades. Esta primeira iniciativa se deu entre agosto e dezembro de 2000 em 108
escolas da rede estadual de educação.
Os resultados da avaliação de quatro meses do Programa Escolas de Paz consolidaram
o acordo de cooperação entre a UNESCO-Brasil e o governo do estado do Rio de
Janeiro, aprovado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC)
197
e respaldado pelo
“Acordo Básico de Assistência Técnica entre o Governo da República Federativa do
Brasil e a Organização das Nações Unidas”, assinado em 1966.
Antecedentes: o Projeto Fala Galera – construindo uma rede de notório saber
No Relatório de Progresso
198
- elaborado pela Coordenação do Programa em atenção
às normas e diretrizes da ABC - os resultados do Programa Escolas de Paz foram
desglosados em cinco tópicos:
Resultado 1- Utilizar os espaços das escolas, geralmente ociosos nos fins
de semana, como novos espaços de educação não formal, lazer e cultura,
atendendo às necessidades das comunidades a serem atingidas pela
assistência preparatória. (...)
Resultado 2- Programar nos espaços e centros culturais estaduais
atividades em torno dos seis pontos propostos pelo Manifesto 2000, assim
como, coletar assinaturas de adesão ao mesmo. (...)
Resultado 3 - elaborar e produzir material pedagógico para a inclusão de
temas relativos á Cultura de Paz nas atividades escolares, de acordo com as
diretrizes das políticas públicas estaduais e federais. (...)
Resultado 4 - planejar e executar ações de reflexão tais como; um
seminário com participação de conferencistas de alto nível, em torno do
tema Cultura de Paz, e reuniões para troca de experiências e opiniões entre
os jovens. (...) [grifos meus]
Resultado 5 - elaboração de um Documento de Projeto para dar
continuidade às atividades de implementação de uma cultura de paz por
meio de atividades de reflexão e de políticas públicas de educação e de
197
Cf. Introdução.
198
Não foi possível obter o documento assistência preparatória. Sendo os dados aqui trabalhados a partir
do “Relatório de Progresso da Assistência Preparatória Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no
Estado do Rio de Janeiro”, datado de março de 2001. Também foi utilizado um anexo do relatório de
progresso relativo ao Projeto Fala Galera. Este documento será denominado de Relatório de progresso
Fala Galera.
224
desenvolvimento social.” (Relatório de Progresso, 2001: 3-5)
A primeira parte do documento indica os resultados desejados, a situação em que se
encontram – se foram alcançados (implementados) ou não (não implementados) – e faz
uma análise da situação (análise de progresso). Estas informações são organizadas em
três colunas: descrição dos resultados, status atual do alcance dos objetivos e análise
de progresso.
Ao colocar em prática a idéia do seminário (resultado 4), a UNESCO-RJ iniciou o
Projeto Fala Galera, através de visitas e contatos a organizações da sociedade civil
com atividades voltadas para os jovens no Rio de Janeiro (Pipeline project s/d: 2). O
termo foi inspirado na pesquisa coordenada por Minayo no Rio de Janeiro Fala Galera:
juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro em 1999, cujos resultados
foram abordados no capítulo anterior.
Esta iniciativa foi um resultado das recomendações da pesquisa (Minayo et al. 1999). O
processo adquiriu uma dimensão maior que o esperado ao mobilizar um amplo leque de
ONGs interessadas em participar. Para coordenar este processo, a UNESCO-RJ
contratou a Professora Regina Novaes
199
, da UFRJ, e o objetivo do Projeto foi logo
transformado para
“Valorizar o crescente protagonismo social realizado pelas organizações do
chamado Terceiro Setor, ampliando espaços para maior articulação,
visibilidade e sustentabilidade de experiências bem sucedidas, para e com a
juventude. Experimentando novas idéias, indicadores e práticas de
excelência, o projeto pretende dar destaque a respostas locais e aos novos
modelos de inclusão social desenvolvidas com sucesso, em grande parte,
com a participação direta da juventude.” (Pipeline project s/d: 3).
O Projeto Fala Galera foi considerado, então, um catalisador de organizações não
governamentais autênticas que desenvolvem práticas sócio-culturais inovadoras,
atraindo os jovens através do exercício da cultura e da cidadania. O foco do Fala
199
Esta contratação foi definida da seguinte forma: “contratação de consultor especializado em pesquisas
sobre juventude e desenvolvimento de um projeto de incentivo ao Protagonismo Juvenil no Rio de
Janeiro” (Relatório de Progresso, 2001: 5).
225
Galera estava nas organizações comunitárias, que possuíam respostas locais para
problemas globais.
Neste período, a UNESCO-Brasil fez um estudo, publicado em 2001, intitulado
“Cultivando vidas, desarmando violências: experiências em educação, cultura, lazer,
esporte e cidadania com jovens em situações de pobreza”
200
. Apoiado pela UNESCO-
Brasil o Projeto Fala Galera foi saudado com grande expectativa por diferentes
intelectuais e, principalmente, as ONGs
201
.
O que foi proposto como um seminário sobre Cultura de Paz, em fase experimental,
ganhou outro formato durante a experiência piloto e se converteu no PRODOC, um
pilar do conjunto de ações do Programa Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no Rio
de Janeiro. As idéias do Projeto Fala Galera, citado só em uma ocasião, estão
presentes em praticamente todos os objetivos e atividades das vertentes educacional e
do protagonismo juvenil. Além disso, como apontou o Relatório de Progresso que deu
origem ao PRODOC 2001, o Relatório recomendava a formação de um Núcleo Gestor
para a plena realização do conjunto das atividades de mobilização juvenil,
200
Esta publicação será tratada no próximo capítulo.
201
ONGs participantes das ações do projeto Fala Galera: OCA – Orquestra da Cidade Alta; Teatro do
Anônimo (busca fortalecer trabalhos desenvolvidos por organizações da sociedade civil que utilizem a
cultura como instrumento de inclusão social); Grupo Cultural Jongo da Serrinha (atua para preservar e
divulgar o patrimônio cultural afro-brasileiro e desenvolver um trabalho de educação e de capacitação
profissional); Grupo Cultural Afroreggae; Nós do Morro (movimento cultural voltado para formação de
atores e técnicos e para despertar na comunidade do Morro do Vidigal o interesse pelo teatro); Armazém
de Idéias; Ex-Cola (objetiva a organização social e cultural de meninos e meninas em situação de rua,
acolhendo as demandas e criando projetos sociais para contribuir com a saída dessa situação); Criola (visa
instrumentalizar mulheres, adolescentes e meninas negras para o desenvolvimento de ações para o
combate ao racismo, ao sexismo e homofobia e para a melhoria das condições de vida da população
negra); Pim (Programa Integrado de Marginalidade) Meninas da Calçada (apresenta oportunidades e
perspectivas diferentes para adolescentes ingressas – ou em vias de ingressar – no comércio sexual do Rio
de Janeiro); Grupo Eco (Organização comunitária do Morro Santa Marta - promove sistematicamente
atividades de educação, formação profissional, lazer e promoção social das crianças e jovens do Santa
Marta); Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré); Coopa-Roca (Cooperativa de Trabalho
Artesanal e de Costura da Rocinha); Criar Brasil / Unir (Criar Brasil utiliza o rádio com o objetivo de
democratizar a informação e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira /
UNIRR - União e Inclusão em Redes de Radio atua em comunidades carentes oferecendo cursos gratuitos
de capacitação para o Rádio); CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular); Tv N’ativa; Connaction
(pretende auxiliar pessoas na busca de um trabalho com significado, ou seja, uma atividade que seja a
expressão dos seus talentos, tenha um impacto social e proporcione a sustentabilidade econômica);
Balcão de direitos-Viva-Rio; Coordenação de segurança pública e de direitos humanos do Viva-Rio;
Fase/Saap (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - voltada para a promoção dos
direitos humanos, da gestãodemocrática e da economia solidária / SAAP - Serviço de Análise e
Assessoria à Projetos); GRUDE (Grupo de Defesa Ecológica).
226
“Uma nova relação com a UNESCO deve ser constituída no conceito de
interdependência. Um Núcleo Gestor deve ser criado, com autonomia
administrativa e financeira (animadores, fundo de recursos etc.) através de
termo de Referências e de Parcerias entre as Ongs e a própria UNESCO.
Em curto prazo o projeto deve promover uma capacitação para que o Fala
Galera assuma um formato efetivo de rede, como por exemplo de uma
OSCIP” (Relatório de Progresso Fala Galera: 9)
202
O Núcleo Gestor, assim como as demais instâncias de elaboração e execução do
Programa, deveria ser formado por consultores com as tarefas de planejar, elaborar e
executar as atividades previstas. Os termos de referência definiam a finalidade da
contratação, estabeleciam as atividades e produtos a serem desenvolvidos e listavam os
requisitos mínimos de qualificação, definidos por indicadores como escolaridade,
experiência e habilidade. Estas considerações apontadas no Relatório de Progresso
garantiam a interlocução do Fala Galera com a UNESCO, ora identificada como
UNESCO-RJ, ora como UNESCO-Brasil. Com relação à UNESCO-RJ, o Fala Galera
se comprometia com a proteção do bem comum, promoção da diversidade cultural e o
intercâmbio e difusão do conhecimento, um dos eixos prioritários para a UNESCO-RJ.
Com relação à UNESCO-Brasil, o Fala Galera estava em conformidade com a visão
sendo expressa por seus integrantes quanto à necessidade de valorizar as experiências
exitosas de ONGs na construção da cidadania juvenil e de trabalhar com o jovem e a
juventude.
202
Em março de 1999 foi regulamentada, através de Lei (9.790/99), a qualificação de pessoa jurídica de
direito privado sem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Esta Lei, também chamada “Lei do Terceiro Setor”, dispõe sobre os critérios a serem usados por aquelas
organizações que desejam ser reconhecidas institucionalmente através da qualificação de OSCIP. A Lei
também fornece um “instrumento jurídico”, definido no seu Art.9º, o “Termo de Parceria”: “Fica
instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder
Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado
à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de
interesse público previstas no art. 3º desta lei”. A lei 9790/99 trouxe inovações aos acordos de cooperação
entre Poder Público e sociedade civil. Estes acordos eram anteriormente orientados pelas “instruções
normativas da Secretaria do Tesouro Nacional (IN/STN nº 1, de 1997 e nº 3, de 1993) e por leis e
decretos distintos. Para maiores detalhes sobre os aspectos das mudanças legais surgidas a partir da Lei
9790/99, Cf. “OSCIP. A lei 9.790/99 como alternativa para o Terceiro Setor”. Este material foi produzido
no âmbito do Conselho da Comunidade Solidária, que teve atuação importante nos processos de
elaboração e definição do marco legal das Organizações da Sociedade Civil.
227
Além da interlocução com as “UNESCOs”, o projeto se legitimava através de acordos
internacionais, convenções e resoluções, tais como as promovidas pela “Comissão
Mundial de Cultura e Desenvol
228
communautaire des conflits dans les zones urbaines violentes est en
voie d’élaboration ; il consistera à établir un réseau d’établissements
scolaires situés dans des villes en proie à une violence endémique, où
des programmes sont prévus pour former les élèves, les enseignants, les
autres membres du personnel scolaire, les parents et la communauté
locale aux méthodes de médiation et de règlement pacifique des
conflits. Dans ces établissements, l’apprentissage de la médiation et de la
gestion des conflits fera partie intégrante du programme d’enseignement et
des activités de l’école et de la communauté qu’elle dessert”. (28 C/123:
1995).[grifos meus]
O PRODOC, intitulado “Projeto de Cooperação Técnica entre o Governo do Estado do
Rio de Janeiro e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura: Desenvolvimento de uma Cultura de Paz no Estado do Rio de Janeiro”, foi
firmado após o término da Assistência preparatória. Ele estabelece os princípios,
objetivos, estratégias e atividades a serem executadas pelos responsáveis pelo
Programa
203
.
O conteúdo do documento pode ser ordenado a partir de quatro temas: 1) definição dos
princípios e pressupostos do Programa, isto é, o para que e o porquê do acordo; 2)
atividades, objetivos, resultados e estratégias de execução; 3) atribuição e definição dos
papéis das partes; 4) marco legal e jurídico da parceria
204
.
1) Definição dos princípios e pressupostos
No que concerne ao primeiro tema, o Programa foi definido a partir das vertentes
educacional e protagonismo juvenil:
203
“O acompanhamento do andamento do Projeto será feito por meio de reuniões tripartites entre a ABC,
a instituição nacional e a UNESCO, além dos relatórios de progresso. O Projeto será submetido a revisões
tripartite, a serem realizadas em conjunto com representantes do Governo do Estado do Rio de Janeiro
pelo Governo Brasileiro – ABC e pela UNESCO, anualmente e ao final do Projeto. Nos encontros
tripartites, o Coordenador Geral deverá preparar e submeter à ABC e à UNESCO, um relatório de
avaliação do desempenho do Projeto (relatório de progresso), em que deverão ser apreciados a
metodologia adotada, o processo de implementação, as dificuldades encontradas e os resultados
alcançados (avaliação de impacto). Outros relatórios poderão ser solicitados durante o período de
execução do Projeto. A versão preliminar do relatório final deverá ser apresentada às partes com
antecedência mínima de um mês antes da data de realização da reunião tripartite fina” (PRODOC, 2001:
26)
204
Decidi não tratar deste item, pois penso que as questões tratadas aqui podem ser examinadas nos
demais temas, não sendo necessário um maior aprofundamento dos artigos jurídicos.
229
“a) vertente educacional, que tem a Escola Pública Estadual como lócus
privilegiado, tanto para ações no seu cotidiano, espaço da educação formal,
quanto para ações extracurriculares, abrangendo outras dimensões
educacionais como a arte, o esporte e o lazer.” (PRODOC, 2001: 4)
Ainda que a Educação formal e a Educação extracurricular (CG, 1974) fossem
importantes para a UNESCO desde sua fundação, a expressão Educação formal foi
empregada pela primeira vez na Conferência Geral de 1974 para indicar a missão da
Organização de incentivar, melhorar e desenvolver as instituições educacionais
205
. Esta
perspectiva se fundava na idéia de que o aperfeiçoamento das instituições educacionais
se amparava na intervenção no que hoje se denomina parâmetros curriculares, ou seja,
no conteúdo pedagógico. A partir da década de 1960, com ênfase em 1978, a UNESCO
propôs uma série de medidas para a promoção do papel do ensino superior na
sociedade
206
. (CG, 1978: 211), o que significava pensar o processo educativo a partir de
novas demandas e olhares.
No entanto, observa-se que a expressão educação extracurricular apareceu nas
resoluções da Organização, em 1954, como categoria inclusiva que abrigava a educação
formal e a educação de adultos. Nos primeiros anos, a CG entendia as atividades
extracurriculares como complementares à educação formal e as resoluções limitavam-
se a estimula-las e apóia-las. A partir da década de 1960 a educação extracurricular
passou a ser parte integrante do sistema educacional e, por isso, sujeita a recomendações
mais gerais
207
. Esta ampliação da noção de educação escolar e, principalmente, dos
aspectos a serem levados em conta para “avaliar” o sistema educacional, podem ser
205
“(c) à encourager et à faciliter l’exécution de programmes et activités de formation d’éducateurs,
formateurs d’éducateurs, inspecteurs, administrateurs et spécialistes divers requis pour améliorer et
développer les systèmes, services et institutions d’éducation formelle et non formelle à tous les niveaux,
et à poursuivre à cet effet l’élaboration, l’expérimentation, la mise en oeuvre et l’évaluation de structures
et de programmes de formation favorisant l’introduction d’innovations appropriées.” (Resolução 1.31 (c);
CG 1974: 194)
206
A Organização deveria investir nos seguintes temas : “Encouragement des tendances innovatrices de
l’enseignement supérieur en vue du développement et de la démocratisation de l’éducation; Coopération
régionale dans le domaine de l’enseignement supérieur; Coopération internationale dans le domaine de
l’enseignement supérieur; Mobilité accrue des étudiants, des enseignants et des chercheurs et
reconnaissance des études et des diplomes” (CG, 1978 : 40).
207
Na CG de 1962 há a seguinte resolução: “1.251 Les États membres sont invités à considérer comme
partie intégrante de tout système éducatif les diverses formes d’éducation extrascolaire et d’éducation des
adultes, afin que soient proposés, tout au cours de leur vie, à tous hommes et à toutes femmes, des
moyens de culture rendant possible aussi bien la promotion personnelle que leur participation active à la
vie civique ainsi qu’au développement social et économique du pays, et à cet effet: (b) à développer les
diverses formes d’éducation, autres que scolaires et universitaires, au bénefice des jeunes gens et des
adultes; (CG, 1962 :29)”.
230
observados no o emprego de certos “signos” no PRODOC, tais como clima favorável,
confiança, fazer amigos, não haver violência, estímulos e oportunidades. Intervir nesses
aspectos significava valorizar os aspectos extracurriculares, segundo as resoluções da
UNESCO dos anos 1970, e aperfeiçoar a escola para que esta atingisse seus objetivos:
“Com relação à vertente educacional, para além das orientações
curriculares, cumpre observar que, segundo a pesquisa educacional, a
escola que atinge os seus objetivos é agradável ao aluno, tem um clima
favorável à aprendizagem e os professores tendem a expressar confiança
no sucesso dos alunos. É significativo que, numa pesquisa realizada em
diversos países latino-americanos, inclusive o Brasil, grande parte do
aproveitamento do aluno tenha sido explicada pelo “clima da escola”. Esse
clima significava que a escola era um lugar onde os alunos faziam amigos,
não havia violência e, se quisessem aprender mais, os alunos tinham
estímulos e oportunidades.” (PRODOC, 2001: 14[grifos meus]).
Com o emprego do termo vertente educacional - que engloba a educação formal e a
educação extracurricular - o documento sinaliza suas origens e premissas
fundamentais. Este dois temas compõem
231
“Se as comunidades de um sistema complexo como o México representam
apenas o terminal local de relações de grupos que vão além do nível da
comunidade, não podemos esperar construir um modelo de como a
sociedade mais ampla funciona com a simples adição de mais estudos de
comunidades. O México – ou qualquer sistema complexo – é mais do que a
soma aritmética das comunidades que o constituem. É também mais do que
a soma de suas instituições de nível nacional ou a soma de todas as
comunidades e todas as instituições de nível nacional juntas. Do ponto de
vista deste ensaio, é a rede de relações de grupos que conecta as localidades
e as instituições, mas grupos de pessoas” (Op. cit. p. 75).
Desta perspectiva, podemos pensar que nos processos interativos os indivíduos
constroem e interpretam os “padrões culturais” fornecidos pelas instituições. Nestes
termos, os vínculos que unem a UNESCO-Siège à UNESCO-Brasil residem no
compartilhamento e na instituição de certas “regras de conduta”, nos procedimentos e
práticas organizativas. No entanto, estas “regras de conduta” não devem ser pensadas
como parte de um padrão UNESCO
208
e, menos ainda, como um padrão associado à
ONU ou ao universo dos “organismos internacionais”
209
.
Voltando à vertente educacional, observa-se que, além de indicar a primazia da
UNESCO em assuntos educacionais, o documento enfatiza o caráter dinâmico e atual da
Organização ao citar outros dois documentos como produtos que atualizam as premissas
originais e dão credibilidade à sua missão, que adquiriu novos significados.
“‘A história da UNESCO, uma instituição com mais de meio século de
existência, tem se caracterizado, fundamentalmente, por uma incessante
luta pela democratização dos conhecimentos produzidos, historicamente,
pela humanidade. O seu campo de abrangência, compreendendo as áreas da
Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura e Comunicação, indica que, por
intermédio da generalização do conhecimento, a humanidade poderá atingir
padrões aceitáveis de convivência humana e de solidariedade. (...) Essa
missão não poderia ser cumprida sem que se colocasse como pressuposto
orientador da política dos Estados-Membros, que integram a Organização,
o combate à ignorância e a universalização do acesso de todos ao
conhecimento disponível. Desse modo, quando a UNESCO persegue hoje
uma cultura de paz, percebe-se logo que a âncora dessa busca é a educação,
pois a conquista da paz pressupõe, entre outros, o direito à educação. É por
208
Como destaquei no Capítulo 2, um conjunto de procedimentos de gestão interna é promovido no
âmbito da sede, em particular no Conselho Executivo, para aferir as ações de suas representações.
209
Para observar estas diferentes modalidades de interação em escalas diferenciadas no mundo
diplomático, cf Góes Filho (2003) e, na cooperação multilateral, cf. Silva (2004), Barros (2005) e Lima
(2002).
232
intermédio da educação que reside a esperança de formação de mentes
verdadeiramente democráticas’. (Werthein e Cunha, 2000). Também nos
inspiram e embasam dois relatórios de comissões temáticas especiais, que
apresentam mensagens de grande relevância para os projetos em tela: os
Relatórios Delors e Cuéllar; o primeiro sobre a educação e o segundo sobre
a cultura
210
.(PRODOC, 2001: 3)
Desta forma, o PRODOC evoca um legado da UNESCO e uma história que se quer
transformar em patrimônio universal da humanidade, capaz de unificar diferentes
propostas nacionais de política educacional e instituir uma eficácia discursiva fundada
na antiguidade e em acúmulos produzidos pela Organização ao longo de sua história
211
.
Ao mesmo tempo, a eficácia deste discurso se sustenta também na estratégia de
trabalhar com a produção local, com conhecimentos produzidos por diferentes parceiros
que ressaltam uma afinidade com os trabalhos internacionais da UNESCO e propõem
uma interpretação da realidade social brasileira, mas orientada por um conjunto de
categorias e conceitos com respaldado internacional. O documento que firma o acordo
de cooperação entre governo do estado do Rio de Janeiro e a UNESCO-Brasil está
alicerçado nessas duas fontes.
O resgate da missão da UNESCO e de seu papel de porta-voz da ONU para a educação
e a cultura se deu através da expressão Cultura de Paz. O PRODOC justifica a
UNESCO-Brasil como cooperante ao se filiar a esta iniciativa.
210
“O Relatório Delors (1996) - Educação: um Tesouro a Descobrir - alerta para a crescente
interdependência planetária, que leva ao risco de ruptura entre uma minoria preparada para mover-se
neste mundo novo e a maioria, que pode se tornar joguete dos acontecimentos. Para fazer face a essas
mudanças, a escola não pode se perder na missão tradicional de transmitir conhecimentos. Cabe-lhe se
preocupar com a ética e a formação moral, bem como com a triagem da massa de informações, para
melhor organizá-las e interpretá-las. Portanto, é preciso dedicar atenção igual a cada um dos quatro
pilares do conhecimento: Aprender a conhecer: levar o aluno a dominar os instrumentos para o
conhecimento, em vez de adquirir um repertório de saberes codificados. Aprender a fazer: preparar o
aluno para colocar em prática os conhecimentos e adaptar a educação ao trabalho futuro. Aprender a
viver juntos: construir um contexto igualitário para os alunos perseguirem projetos comuns, em vez de
apenas propiciar a comunicação entre membros de grupos diferentes. Aprender a ser: desenvolver
integralmente a pessoa do aluno: inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade e
espiritualidade.Por sua vez, o Relatório Cuéllar (1997) – Nossa Diversidade Criadora – considera a
cultura como maneiras de viver juntos, destacando, assim, o princípio do pluralismo. Sua principal
implicação educacional é a abertura e o respeito à diversidade e à identidade de grupos e comunidades;
parte deles tradicionalmente marginalizada. O fortalecimento da sua identidade não é um caminho para o
seu isolamento mas, sim, para a sua integração consciente à sociedade mais ampla. Todas essas
orientações, profundamente vinculadas aos direitos humanos, ao pluralismo, à democracia e à paz, são
perpassadas pela tolerância como missão permanente e modo de agir da escola, como se infere da
Declaração de princípios sobre a tolerância”. (PRODOC, 2001:3/4).
211
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, inclui no artigo 87 § 1º uma referência à
Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
233
“Os resultados e atividades aqui descritos têm, como horizonte maior e
final, a construção de uma Cultura de Paz no Estado do Rio de Janeiro. Um
objetivo tão grandioso pode facilmente ser confundido com uma atitude
demagógica, ou com um discurso vazio. É bom esclarecer, desde o início,
que as partes proponentes deste Projeto de Cooperação Técnica têm a plena
consciência de que a construção de uma cultura de paz é um processo
histórico, que não acontece num prazo previamente estipulado, mas que é
fruto de um esforço permanente e de um compromisso ético-político
profundo (...)” (PRODOC, 2001: 3).
A Cultura de Paz é entendida como um processo histórico (...) fruto de um esforço
permanente e de um compromisso ético-político profundo. O quadro de referência,
portanto, provém dos 55 anos de percurso da instituição. Dentre as terminologias
internas, Cultura de Paz refere-se a um legado antigo da Organização - expressado em
termos como busca pela paz nas nações - da época em que os problemas territoriais e
fronteiriços entre as nações eram a grande preocupação da Organização.
O legado da UNESCO e sua luta pela humanidade a auto-legitimam, portanto, para
empreender ações e projetos coerentes com os objetivos dos países-membros, visto que
estes delegaram à Organização a missão de buscar padrões aceitáveis de convivência
humana e de solidariedade. Os temas Educação e Cultura, presentes na origem da
organização, são recuperados e resignificados sob novas perspectivas. A Cultura de Paz
- apesar de ter data de nascimento e de ser fruto de uma série de disputas entre agentes
políticos - é acrescentada a uma história e um legado transmitidos por gerações
passadas. Com este olhar, a imagem de continuidade e linearidade nas ações
promovidas pela UNESCO é miticamente construída. Como um efeito de esquecimento,
a estória é (re)construída e narrada em um esquema lógico e linear.
O PRODOC afirma que a missão da Organização (lutar pela humanidade), resignificada
na busca da construção de uma Cultura de Paz, pressupõe o comprometimento dos
Estados-membros com suas resoluções e proposições. Isto é, se os Estados-membros
reconhecem que a UNESCO tem o dever e a missão de construir padrões aceitáveis de
convivência humana, devem aceitar a delegação atribuída pela CG à Organização para
elaborar as estratégias necessárias para alcançar estes objetivos.
“O direito à Educação e à Cultura, compreendidos como a democratização
234
da produção e acesso aos conhecimentos humanos, são a chave e a âncora
para o esperado processo de construção de uma cultura de paz. Engajados
na luta pela conquista de tais direitos, tomamos por base as declarações
resultantes das Conferências Internacionais promovidas dentro do Sistema
das Nações Unidas, do qual o Brasil é País-Membro, assim como a
Constituição e o sistema de leis Federais e Estaduais.” (PRODOC, 2001: 3)
Esta posição coloca o parceiro - o governo do estado do Rio de Janeiro - em uma
situação ambivalente. As resoluções e campanhas promovidas pela Organização são o
resultado dos debates e solicitações provenientes da ONU; trata-se de temas eleitos
pelos Estados-membros e definidos como prioridades mundiais. Ao declarar-se
portadora de mensagens materializadas em declarações e resoluções - assinadas por
representantes dos governos centrais, que atuam como “diplomatas” junto às agências
das ONU - a UNESCO confere a si mesma credenciais para atuar junto aos governos
locais e propor estratégias de ação. Voltarei a este tema mais adiante. No momento,
quero deixar claro que a narrativa do PRODOC é construída com base na idéia de que a
UNESCO – e, por associação direta, a UNESCO-Brasil - possui legitimidade para
propor o que considera necessário para atingir os objetivos definidos.
A segunda vertente do projeto, o protagonismo juvenil, cria vínculos entre a tradição e
valores definidos pela Organização no nível mundial com as necessidades e demandas
nacionais, e é apresentada no Projeto Fala Galera da seguinte maneira:
“b) a segunda vertente investe no protagonismo juvenil, através da cultura,
pensando na estimulação de uma rede de soluções cidadãs que tenham o
jovem como sujeito” (PRODOC, 2001: 5).
Esta vertente se funda na seleção de aspectos apontados como parte do universo jovem,
como descrito no capítulo anterior. Neste documento a juventude volta a aparecer
associada a aspectos específicos.
“(...) A Juventude fornece um retrato projetivo da sociedade. Esta
afirmação pode ganhar contornos ameaçadores quando observamos dados
de pesquisas indicando que, para uma ampla parcela da população jovem,
as perspectivas de futuro estão sendo percebidas como achatadas,
comprometendo a capacidade de sonhar e projetar ações no tempo (...)
Quando uma pessoa se percebe sem possibilidades de transformação e
futuro, pode perder a capacidade e o interesse em receber a herança cultural
de seus antepassados, transformá-la e transmiti-la às gerações sucessoras.
235
Quando isso ocorre, uma linha do fio civilizatório se parte. (...) Porém,
dadas às condições atuais de precarização das relações de trabalho e de
violência urbana, ser jovem hoje, no Brasil, é pertencer a um certo "grupo
de risco": um jovem brasileiro de 15-19 anos tem 2 vezes mais chances de
morrer por homicídio do que um jovem colombiano e 10 vezes mais do que
um jovem norte-americano. No Rio de Janeiro, em 1988, a taxa de
mortalidade por homicídio entre jovens de 15 a 19 anos foi cerca de 5 vezes
maior do que a do país. (...) Pesquisas realizadas por Silva e Milito (1994) e
por Soares (1996) demonstram que “os excluídos da cidadania são mais
vulneráveis aos efeitos mais cruéis da criminalidade violenta”. Nas
estatísticas de mortalidade juvenil predominam os negros e os pobres. A
vítima típica é do sexo masculino e é morta por projétil de arma de fogo.
Fernandes e Piquet Carneiro (1995) chamam a atenção para o fato da
maioria dos crimes ocorrem dentro das próprias comunidades onde moram
esses jovens. (...) Estes dados oferecem um quadro que nos dá a dimensão
da importância de iniciativas dirigidas por e para jovens em comunidades
situadas em áreas pobres e violentas. Tais iniciativas devem promover
dinâmicas integradoras, incentivar novas produções culturais, produzir
espaços de sociabilidade, buscando uma maneira de contrapor-se à ‘cultura
do medo’” (PRODOC, 2001: 5-7).
Este quadro é ampliado com informações extraídas das pesquisas coordenadas por
Maria Cecília Minayo.
“A UNESCO-Brasil, ao longo da última década, empreendeu um esforço
de compreensão da relação Juventude, Violência e Cidadania, tendo
patrocinado e publicado pesquisas em diversas capitais nacionais. Na
cidade do Rio de Janeiro, realizou-se a pesquisa intitulada Fala Galera, que
lançou luz sobre a juventude, a escolaridade, a violência e a cidadania
(Minayo, 1999)” (PRODOC, 2001: 10).
Esta segunda vertente cria o vínculo entre a missão da UNESCO-Brasil e a necessidade
de investimentos sociais para uma determinada parcela da população brasileira e
carioca, os jovens em comunidades situadas em áreas pobres e violentas, com base em
citações das pesquisas da UNESCO-Brasil de 1998 e 1999. O Projeto Fala Galera e a
rede por ele mobilizada aos poucos se convertem nos principais agentes do processo de
intervenção social promovido pelo Programa Escolas de Paz. A “pedagogia
democrática” vai se modelando, primeiro com a identificação de seus agentes – os
especialistas de notório saber - para, em seguida, definir suas atribuições, que é colocar
em prática a pedagogia democrática.
236
Ainda no quesito que denominei definição dos princípios e pressupostos do
programa, o documento dialoga com as ações promovidas nos âmbitos nacional e
estadual
212
, expressas no subitem Estratégia do país para o setor.
“No âmbito Federal, algumas ações e políticas têm pontos de contatos com
a preocupação da reversão do quadro de violência que atinge, sobretudo, os
jovens. Em reconhecimento da gravidade da situação em que o país está
mergulhado, e na tentativa de dar uma resposta à população, foi lançado, no
ano 2000, como uma grande prioridade de gestão, o Plano de Segurança
Nacional que propõe medidas de enfrentamento das condições que geram
violência (...) A atenção à defesa dos Direitos Humanos se desdobra em
uma série de projetos dentro do Ministério da Justiça e outros, com
destaque para o Paz nas Escolas que pretende mapear indicadores de
violência dentro das instituições de ensino e propor medidas para sua
erradicação. Se a escola, que é o lugar por excelência de transmissão de
valores e socialização, passa a ser marcada por ações de depredação, roubo,
brigas etc., onde as novas gerações receberão forças e estímulo para
construir um mundo mais solidário e tolerante? Numa perspectiva mais
estrutural, não há como pensar na construção de uma Cultura de Paz, sem
centrar atenção na escola e na política educacional. (...) No nível Estadual
também existem iniciativas voltadas para a problemática da cidadania
juvenil. O melhor exemplo é o Programa Todos pela Paz, lançado em
agosto do ano 2000, executado por diversas instâncias do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, (...) se alinha aos princípios do Manifesto 2000
da UNESCO.” (PRODOC, 2001: 6 - 7).
Estes trechos são interessantes, pois dialogam com as definições e atribuições
formuladas para a execução da cooperação multilateral. De acordo com as
regulamentações do Sistema da ONU, em especial após a resolução A/RES/44/211
(discutida no Capítulo 1), os acordos locais - estaduais e/ou municipais - devem estar
vinculados a um Programa Nacional desenvolvido pelo demandante. No caso, o
vínculo foi estabelecido com o Programa Paz nas Escolas, a cargo do Ministério de
Justiça a partir de 1998
213
.
212
Como visto no Capítulo 1, os programas de cooperação multilateral realizados por organismos do
sistema ONU devem estar em sintonia com os programas nacionais de desenvolvimento, como aponta a
resolução da ONU de 1989.
213
Em 1998 foi constituído o Grupo de Trabalho Interinstitucional na Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, do Ministério da Justiça e no Ministério da Educação. Seu principal objetivo era propor
medidas para reduzir a violência nas escolas a partir de avaliações e investimentos em pesquisas que
fornecessem informações para a ação governamental. “Dentre as propostas e medidas voltadas para a
redução da violência nas escolas apresentadas pelo Grupo de Trabalho, destacam-se: a formação de
Comitês pela Paz nas escolas, vinculados às comunidades locais; a socialização de experiências de
combate à violência e a valorização dos espaços de lazer para uma maior integração entre a escola e
comunidade”. (Programa Paz nas Escolas, http://www.mj
.gov.br/sedh/ paznasescolas/programa.htm)
237
As pesquisas coordenadas pela UNESCO-Brasil sobre juventude, violência e cidadania
reforçaram a necessidade de proceder a acordos regionais, a partir da constatação de que
a violência e o jovem geram problemas de caráter nacional, mas demandam ações
locais. Neste sentido, o acordo firmado entre a UNESCO-Brasil e o governo do estado
do Rio de Janeiro se enquadrava na estratégia da organização de construir um programa
de abrangência nacional, intitulado Abrindo espaços: educação e cultura para a paz,
capaz de ampliar a execução de programas sociais até então realizados em escala
municipal e estadual.
“Desta forma, espera-se que a continuidade do projeto Escolas de Paz,
agora como parte do Programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para
a Paz, estejamos contribuindo para resgatar a função dinâmica de produção
cultural da escola pública, para que os jovens que ali estudam e circulam
possam usufruir deste espaço para construção de bases mais solidárias e
igualitárias de convivência.” (PRODOC, 2001: 13)
2) Atividades, objetivos, resultados e estratégias de execução
O segundo aspecto importante do documento são os itens que informam os objetivos e
atividades para alcançar os resultados. Ou, como apontou uma pesquisadora da
UNESCO-Brasil (Cf. epígrafe do capítulo), a tradução dos temas juventude e violência
em ações específicas.
Os objetivos do programa foram situados em duas vertentes, a educacional e a do
protagonismo juvenil, e os objetivos e atividades obedeceram ao mesmo princípio. Na
vertente educacional, os objetivos foram definidos como:
“Estimular o papel da escola pública como pólo irradiador de cultura, assim
como reforçar a transmissão e reflexão sobre valores humanos, e viabilizar
acesso a variados meios de produção e expressão criativa, que são base para
o desenvolvimento de uma Educação para o Século XXI” (PRODOC,
2001: 17).
Estes foram organizados em dois objetivos imediatos:
1) “Expandir as possibilidades de lazer, entretenimento e convivência aos
jovens e comunidades que têm restrições de opção deste tipo de espaço,
238
fortalecendo o papel da escola como pólo irradiador de cultura”.
(PRODOC, 2001: 20)
2) “Dando continuidade aos resultados desenvolvidos na Assistência
Preparatória, propiciar atividades de criação e reflexão sobre Educação para
Valores Humanos e Educação para o Século XXI” (PRODOC, 2001: 21)
Estes dois objetivos investem no uso do espaço escolar como um lugar de
entretenimento para os jovens e a comunidade. Neste sentido, a escola – definida como
um pólo irradiador de cultura – deve cumprir este objetivo. O segundo informa o que
deve ser desenvolvido na escola: atividades de criação e reflexão sobre educação para
valores humanos e para o século XXII.
O documento também informa – no indicador de resultado - como este objetivo deve
ser avaliado. Aqui há uma inversão da proposição inicial. O objetivo era fortalecer o
papel da escola como pólo irradiador de cultura; o resultado era utilizar, nos fins-de-
semana, os espaços das escolas como espaços de educação não formal, lazer e cultura
(Op. cit. p. 21). Ao assim proceder, o texto omite um aspecto importante, definido no
primeiro objetivo e indicado na expressão fortalecendo o papel da escola. O que vai ser
mensurado então, não é a ação da escola, mas a ação na escola. Esta “omissão” é
determinante, pois a escola deixa de ser sujeito para tornar-se objeto das ações.
O desenho institucional do Programa - a partir do PRODOC - consiste num conjunto de
ações ordenadas por atividades de natureza e objetivos distintos, realizada por
indivíduos ou grupos em espaços determinados, baseados em diferentes procedimentos
e metodologias.
Esta definição sugere alguns questionamentos: O que são e quais são as ações? Quais as
diferenças entre elas? Quem são os indivíduos que as levam adiante? Quais os
procedimentos e metodologias empregados? E, por fim: Quais são os espaços? As
respostas a estas perguntas ordenaram a leitura do PRODOC, especialmente a partir das
informações contidas no item atividades. Vale ressaltar que as atividades descritas,
assim como os resultados esperados, são diretivas que orientam a dinâmica operacional
do programa, pois a partir desse documento as ações propostas devem, do ponto de vista
formal, ordenar as relações entre atores e agentes. Este processo, se não revela a
239
dinâmica de funcionamento do Programa, indica seus parâmetros ou, nos termos de
Wolf (2003), os padrões culturais que informam as relações de grupos.
Investindo na e para a escola, mas não com
Começo minha análise pelo fim, isto é, pelos espaços. A unidade preferencial de ação
do Programa são as escolas da rede estadual de educação do Rio de Janeiro,
compreendidas – como mostra o primeiro objetivo exposto acima – como pólo
irradiador de cultura. Apesar de a escola ser o locus do Programa, este não é dirigido
unicamente a seus integrantes, mas também às comunidades que têm restrições de
opção de lazer e entretenimento. O primeiro aspecto a destacar é que não se trata de
quaisquer comunidades, mas daquelas portadoras de certas características, as que têm
restrições
214
.
“Selecionar escolas públicas de acordo com critérios claros, que levem em
conta tanto a necessidade das comunidades, quanto a capacidade de
atendimento por parte das escolas” (PRODOC, 2001: 20)
215
Definido o espaço de atuação do Programa, retomo a primeira e a segunda questões: “O
que são e quais são as ações?” e “quais as diferenças entre elas?”. A resposta a estas
perguntas implica diferenciar as ações voltadas para a escola e/ou comunidade, ou seja,
para o público alvo do Programa, das ações dirigidas aos responsáveis, os integrantes
do Núcleo Gestor, instância encarregada da execução do Programa, e demais parceiros
que incorporados às atividades.
Definir as ações dirigidas à escola e à comunidade é o objetivo principal do PRODOC,
que visa a construção de uma Cultura de Paz. No entanto, essas ações podem ser
subdivididas também em ações que devem ser realizadas nas escolas e/ou comunidades
e aquelas realizadas pelas escolas, o que já destaquei acima.
214
Para os debates sobre o uso do termo comunidade em áreas urbanas, Cf Macedo Castro, (1997 e 2005)
e Valadares (1999).
215
A definição dos espaços de atuação do Programa geraram diferentes confrontos e tensões entre os
agentes envolvidos, criando novos recortes e reorientações, algumas delas expressas em PRODOCs
posteriores. No entanto, escola e a comunidade constam como operadores constantes.
240
Atividades que devem ser realizadas pelas escolas
“Promover ações de formação de grêmios, grupos culturais e times
esportivos investindo na natureza gregária dos jovens para fins
cooperativos de interesse coletivo”. (p. 20)
“Execução do Plano de Abertura das Escolas”
“Estipular com os executores e supervisores, estratégia de mapeamento e
contato com os talentos artísticos existentes nas comunidades, ao redor de
cada escola participante do projeto.”
“Promover o intercâmbio entre as escolas participantes do programa,
através de oficinas, festivais, circuitos, etc.;”
“Organizar grupos de trabalhos voluntários através de programa de
formação específica – cursos, seminários e treinamento em voluntariado”
“Identificar atividades, linguagem e maneiras de divulgação atraentes para
jovens que não estejam freqüentando escola, ou que estejam correndo risco
social”.
“Trabalhar temas relativos aos valores humanos e à cultura da paz nas
atividades escolares, de acordo com as diretrizes das políticas públicas
estaduais e federais”. (PRODOC, 2001: 19-20)
O documento deixa claro que ações a escola deve realizar, mas estas, em sua maioria,
devem ser elaboradas, planejadas e orientadas pelos supervisores e executores e não
pelas próprias escolas. Na dinâmica do Programa, porém, estas “diretrizes” não foi
exercida ipsis litteris. No processo operacional do Programa, elas eram diluídas em
função das dificuldades cotidianas. Muitas atividades eram, na prática, exercidas por
integrantes da escola ou por pessoas por ela indicadas. Entretanto, mesmo nestas
situações a presença dos supervisores e executores pairava como uma “sombra” com a
qual os integrantes da escola tinham que negociar constantemente.
Atividades que devem ser realizadas nas escolas
Estas atividades compõem a maioria das ações previstas pelo PRODOC. Ao definir as
atividades que deveriam se realizadas nas escolas, a ação se sobrepõe à escola como o
objeto principal.
241
As atividades foram ordenadas em dois tipos. Atividades de capacitação - entendidas
como ações de aprendizado de determinado tema ou prática - dirigidas aos diferentes
executores e participantes do programa e atividades de avaliação, para aferir se as
ações de capacitação haviam sido bem sucedidas. Estas ações também eram dirigidas
aos executores e participantes.
Uma atividade menos recorrente que é o acompanhamento, entendido como uma
modalidade de avaliação, porém capaz de alimentar os processos deflagrados.
“Criar núcleos de supervisão das atividades executadas por escola, por
região e por área de especialidade, com a função de estimular, aprimorar os
trabalhos, e promover a comunicação entre coordenação e equipes de
execução.
Acompanhamento de processo e avaliação de resultados das atividades
executadas
Avaliar junto aos participantes das oficinas, o aprendizado e a qualidade da
produção gerado no trabalho de capacitação.
Acompanhar e alimentar os processos deflagrados nas atividades acima.
Avaliar a eficácia da utilização dos materiais didático pedagógicos
disponibilizados às escolas através de relatórios semestrais.
Capacitar os educadores formais e informais nas habilidades específicas
exigidas para o bom desempenho das ações coordenadas e sob
responsabilidade da equipe interdisciplinar.
Estabelecimento de parcerias com instituições e organismos que produzem
e distribuem produtos culturais, tais como filmes, peças teatrais, livros, CD-
roms, revistas etc., para realização de atividades de formação de público,
oficinas de produção criativa, mostras e doações para o acervo permanente
das escolas”.(PRODOC, 2001: 19-21)
O conjunto destas atividades deve ser realizado por indivíduos detentores de notória
especialização nas áreas de cultura, esporte, lazer, educação, mobilização juvenil e
comunicação. A estes cabe elaborar as estratégias de ação.
“Contratar um grupo de consultores com notória especialização nas
diversas áreas que compõem esse projeto: cultura, esportes, lazer,
educação, mobilização juvenil, comunicação, para elaborarem as estratégias
e metodologia de cada uma das ações previstas nesse acordo de cooperação,
242
bem como os instrumentos de trabalho e de mobilização social” (PRODOC,
2001:19)
Nessas condições, a notória especialização, apesar de vaga e apenas sugerida por
termos como habilidade e experiência, informa sobre um tipo de percepção dos agentes
capazes de atuar nas ações do Programa Escolas de Paz. Trata-se de especialistas em
juventude, mas também pode designar integrantes de ONGs, já que as ações que estas
promovem são reconhecidas como experiência social, como registra o Relatório de
Progresso Fala Galera.
Vale lembrar que estes indicadores de qualificação pertencem ao vocabulário de grupos
em diversos contextos, especialmente aqueles ligados ao mundo do trabalho, como
indicado por uma vertente da literatura sobre globalização produzida por Richard
Sennett (1999), Zygmunt Bauman (1998, 2000), Alvin Tofler (1997) Adam Schaff
(1995) e Jeremy Rifkin (1995), dentre outros que pensam as mudanças no mundo do
trabalho e seus efeitos nas relações de produção
216
. A temática da qualificação aparece,
desta forma, associada aos debates sobre “empregabilidade” e “empreendedorismo”, em
que estas categorias orientam determinados aspectos acionados nos processos de
contratação e seleção de indivíduos para postos de trabalho
217
.
“Hoje podemos dizer que a forte atuação das organizações não
governamentais, inseridas em espaços de grande diversidade cultural,
transformaram o Rio de janeiro em uma espécie de laboratório de
experimentação social que inspira ações semelhantes em outros pontos do
país” (Relatório de Progresso Fala Galera, s/d, 18)
216
Um resumo desses debates pode ser encontrado em Paiva V. Potengy G. e Chinelli F. (1997), "A
Sociologia do trabalho para além da indústria”. Novos Estudos. Cebrap. nº 48, julho.
217
Estes termos podem ser compreendidos “na medida mesmo em que constatamos que antigos padrões
relacionados à valorização da qualificação estavam sendo modificados: assim, valoriza-se mais as
habilidades que se constituem no ambiente de trabalho, mais reais que formais; as formas de seleção aos
postos de trabalho destacam qualidades extremamente subjetivas e psicológicas (como capacidade de
relacionamento, liderança, diferentes níveis de agressividade) em contraposição, muitas vezes, ao mérito
objetivo, etc. Estas tendências, associadas às novas formas de gestão do trabalho (flexibilizando os tipos
de contratos, as formas de remuneração e o controle do trabalho) apontam, ao mesmo tempo, para novas
formas de gestão nas empresas e diferenciadas formas de encarar o trabalho” (Macedo Castro, 2000) Cf.
Vollmer (1960); Walker &Bergman (1998); Whyte, (1946); Zarifian (1998); Morales (1994).
243
Aqui, especialização significa participar de algum tipo de ação/atividade considerada
um experimento, mas também pode classificar os que investem na promoção de
gestores locais, ação atribuída à ongs locais.
“Estas [ONGs] podem ser consideradas como de ‘terceira e/ou quarta
geração’, distinguem-se das precedentes pelo foco na ação local (e pela
produção de gestores locais), e/ou por se caracterizarem através de um
produto cultural específico, gerando novos tipos de profissionais da área da
cultura e da comunicação.” (Ibidem [grifos dos autores])
Entretanto, o fato de a expressão notória especialização ser vaga e não ter sido definida
no PRODOC será objeto de disputa entre os coordenadores do Programa; ela será
definida e redefinida durante sua execução. Vale destacar que a ausência de uma
normatização não parece desprovida de sentido nem deve ser interpretada como uma
“omissão” na definição dos papéis dos consultores mas, pelo contrário, como uma ação
consciente para impedir que a “norma” seja acionada em momentos de tensão.
Pude observar em diferentes momentos - alguns deles retratados na Introdução - que os
termos do PRODOC eram acionados em situações de impasse, quando as negociações e
acordos verbais entre os responsáveis - integrantes do governo ou da UNESCO-RJ - não
levavam a uma solução. Como afirmou um participante do Programa, a regra só é
usada quando você quer romper os acordos verbais. Ou seja, nos momentos de tensão
os agentes acionavam as regras definidas pelo PRODOC para pressionar os demais.
Neste sentido, a não-regulamentação do que vem a ser um consultor de notória
especialização elimina das disputas internas o elemento (norma) que poderia
inviabilizar a dinâmica do Programa, caso este fosse acionado constantemente. Nesta
perspectiva, a regra e a norma têm um efeito inverso ao esperado: inviabilizam as
condutas, ao invés de orienta-las
218
.
218
Como salientou Sigaud (1996:24) em um outro contexto “l’acte de réclamer ou non ses droits sociaux
ne peut être compris que lorsqu’on l’examine dans le cadre des rapports d’interdépendence entre les
individus replacés dans leurs différentes positions sociales. Ce sont des rapports d’echange qui ne se
realisent que sous la force de la contrainte qui pése sur les individus pour qu’ils accomplissent leurs
obligations. Le risque existe toujours que le flux des échanges se brise et seul l’intérêt des individus à
l’avenir de leurs rapports peut prevenir la rupture”.
244
Protagonismo juvenil para os jovens
O segundo objetivo do Programa, associado à vertente protagonismo juvenil, foi
definido da seguinte forma:
219
Estimular a articulação, visibilidade e sustentabilidade às experiências
bem sucedidas para e com a juventude, realizadas pelas organizações da
sociedade civil (conhecido como terceiro setor)”.
Identificar e articular organizações que apresentem projetos testados,
voltados para a promoção do protagonismo social da juventude carioca, às
instituições que possam financiar, divulgar, ler criticamente, enfim apoiar
as soluções encontradas, buscando ampliar seu alcance”.
“Promover e estimular a troca entre os atores sociais que trabalham com
projetos focados na juventude, ajudando a formar uma rede de experiências
locais, nacionais e internacionais”.
“Realizar ações que sirvam de referência para participação da
juventude na gestão de sua cidade, combinando cultura e desenvolvimento
local, como por exemplo, no processo de revitalização cultural de sítios do
patrimônio histórico de áreas de referência para os cidadãos do Rio de
Janeiro”.
“Realizar atividades de avaliação, pesquisa e apoio visando aprimorar a
capacidades das organizações comunitárias e dos órgãos de governo de
empreenderem programas na área de cultura e desenvolvimento, e das
políticas voltadas para a juventude”.
O primeiro que chama a atenção nestes resultados é que as ações não são para os
jovens, mas estão dirigidas àqueles que possam contribuir, estimular, pesquisar e apoiar
ações que sirvam de referência tanto às organizações comunitárias quanto aos órgãos
de governo e à juventude. Desta maneira, a vertente protagonismo juvenil ampara-se em
uma rede de instituições formada por suas atividades para promover este protagonismo.
Nenhuma das atividades listadas prevê trabalho com os jovens, mas para eles.
“Atualizar continuamente o cadastro de instituições que desenvolvem
projetos inovadores com e para a juventude, na cidade e no Estado do Rio
de Janeiro.
Localizar e contatar instituições financiadoras públicas e privadas, bem
como veículos de comunicação capazes de promover estratégias de
viabilidade e continuidade de projetos bem sucedidos em inclusão social
219
Grifos meus.
245
juvenil.”
Identificar e articular agentes públicos e privados tais como universidades,
poder executivo, legislativo, capazes de contribuir na formulação de
políticas públicas voltadas para a juventude.
Realizar oficinas preparatórias, para definir e construir conjuntamente com
as organizações comunitárias e os jovens, o desenho de um evento que
possibilite a formação de uma rede de trocas.
Organizar eventos com convidados nacionais e internacionais para que seja
feita uma leitura qualificada de programas e ações desenvolvidas pelas
organizações comunitárias, ao mesmo tempo em que construam uma
agenda de debates, sugestões e recomendações para formulação de políticas
públicas voltadas para a juventude.
Estabelecer mecanismos de acompanhamento, alimentação e estímulo da
rede de organizações voltadas para a juventude tais como: campanhas
temáticas de mobilização, veículos de comunicação, site na Internet entre
outras.
Editar e publicar material (Bilíngüe) de referência nessa área, promovendo
as experiências bem sucedidas com jovens em situação de risco, visando
potencializar o intercâmbio e as fontes de recursos privados e
internacionais.
Realizar Fóruns especializados através de encontros temáticos relacionando
Juventude, Cultura e Cidade, em interlocução com urbanistas,
restauradores, engenheiros de tráfego, gestores culturais e demais
profissionais envolvidos na discussão sobre alternativas de sustentabilidade
da cidade.
Promover com as organizações comunitárias um diagnóstico dos principais
obstáculos ao seu desenvolvimento institucional, para elaborar um plano
estratégico visando fortalecer a sustentabilidade dos projetos.
Realizar diagnósticos e atividades de pesquisa com vistas à formulação de
indicadores sócio culturais que sirvam de referência para a implementação
de políticas públicas nessas áreas.” (PRODOC, 2001: 19 - 23)
A vertente protagonismo juvenil foi totalmente inspirada no Relatório de progresso
produzido em 2001 após o término de vigência da Assistência preparatória, sobre as
ações realizadas durante a vigência do acordo. Estas ações haviam sido definidas como
planejamento e execução de ações de reflexão tais como: um seminário com
participação de conferencistas de alto nível, em torno do tema Cultura de Paz e em
reuniões para troca de experiências e opiniões entre os jovens.
246
3) Atribuição e definição de papéis
O terceiro tema abordado pelo PRODOC estabelecia os papéis dos parceiros e definia
suas funções no acordo de cooperação. A UNESCO-Brasil foi definida como o parceiro
ideal, em virtude da experiência da Agência na condução do Projeto de Cooperação
Intersetorial e Interinstitucional e de sua experiência no projeto “Educação para um
futuro sustentável”, ação que se desenvolvia no âmbito do “Programa Educação para
todos ao longo de toda a vida” e “Educação para o Século XXI” (PRODOC, 2001: 15).
Desta maneira, a UNESCO-Brasil teria por finalidade
“Ampliar as possibilidades de intercâmbio em âmbitos nacional e
internacional; empreender uma ação de efetiva parceria que conduza à
maior flexibilidade na gestão de processos, que facilite a criação de meios e
condições voltados à agregação de valores institucionais e que contribuam
para a consolidação de um programa flexível e competente.” (Idem).
O governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Educação (SEE), coloca à
disposição os recursos humanos necessários, bem como a dotação orçamentária.
“A implementação do projeto e a garantia de seu sucesso pressupõem o
estabelecimento de obrigações e pré-requisitos entre as partes, ou seja, entre
a UNESCO, de um lado, e a Instituição Cooperante, do outro. Neste
sentido, a Instituição Cooperante deve assegurar a dotação orçamentária e o
fornecimento de recursos humanos e de material, bem como, garantir o
acompanhamento dos trabalhos. À UNESCO, por sua vez, cabe o apoio de
caráter logístico, técnico e administrativo e, assim como à Instituição
Cooperante, o acompanhamento dos trabalhos.” (PRODOC, 2001: 26)
Estas atribuições foram ordenadas a partir das vertentes educacional e protagonismo
juvenil. Ao governo do Estado cabia, através da SEE, a responsabilidade de constituir
um Núcleo Gestor nas dependências da Secretaria Estadual de Educação, para
coordenar as ações da vertente educacional. À UNESCO-RJ cabia formar uma Unidade
Gestora para coordenar as ações do eixo protagonismo juvenil
220
.
220
“Diante do grande número de atividades e instituições envolvidas, os projetos necessitarão de
Unidades Gestoras (UGP) a serem instaladas na UNESCO-Rio e, no caso da vertente escolar, no âmbito
da Secretaria de Estado de Educação-RJ, visando tornar mais ágeis as decisões e comunicações entre as
partes acordadas. Cada UGP, será constituída de uma pequena equipe técnico-administrativa, que se
encarregará da manutenção das relações institucionais e administrativas com os demais parceiros do
Projeto, com os consultores e equipes instaladas em cada escola de modo a implementar e/ou acompanhar
as ações/atividades dos projetos.” (PRODOC, 2001: 15)
247
De acordo com o PRODOC, cada parceiro era responsável pela implementação dos dois
eixos de ação – as vertentes educacional e de protagonismo juvenil – mediante a
formação de unidades gestoras, cuja responsabilidade era executar e coordenar ditas
vertentes. À UNESCO-RJ cabia desenvolver o protagonismo juvenil, e à SEE organizar
as atividades da vertente educacional. No entanto, os objetivos e atividades foram
elaborados de forma a excluir, ainda que parcialmente, a participação de técnicos e
funcionários da SEE, já que as ações se baseavam não em uma atuação com a escola,
mas na escola. Além disso, a parceria previa a contratação de especialistas de notório
saber para levar a cabo as atividades. Estes atributos não foram empregados em
referência aos funcionários e quadros administrativos do governo do estado do Rio de
Janeiro (professores, diretores de escolas, técnicos administrativos etc.).
Apoiada em resoluções e convenções internacionais, a construção da Cultura de Paz
dependia de uma série de práticas responsáveis pelas diferentes situações que, de forma
genérica, eram causa ou conseqüência da exclusão social. Estas práticas foram
identificadas pela Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro. O trecho abaixo não as
menciona explicitamente mas, em uma construção narrativa invertida, aponta o que
deveria ser a escola que atinge seus objetivos.
“Com relação à vertente educacional, para além das orientações
curriculares, cumpre observar que, segundo a pesquisa educacional, a
escola que atinge os seus objetivos é agradável ao aluno, tem um clima
favorável à aprendizagem e os professores tendem a expressar confiança
no sucesso dos alunos. (PRODOC, 2001: 14[grifos meus])
No final deste trecho há uma nota de rodapé:
“Infelizmente, não foram essas as características que revelou a pesquisa
Fala galera, sobre os jovens do Rio de Janeiro. Segundo o relatório, os
professores tendiam a apresentar imagens pessimistas tanto do aluno quanto
das instituições sociais e políticas” (Op. Cit. :14[grifos dos autores]).
Confrontando estas informações com as recomendações da pesquisa de Minayo et al.,
(1999) observa-se que os problemas da escola são diversos e afetam áreas distintas. Os
trechos abaixo provém das recomendações da publicação Fala Galera, examinada no
248
“Escolas, não apenas para informação, mas para o diálogo e o debate, nos
quais possam expressar seus sentimentos e valores, o que significa também
o investimento na formação de professores. (...) Intensificar as políticas de
vigilâncias sobre contrabando de armas e drogas. E também, a utilização
dos equipamentos públicos e sociais, sobretudo a escola, para se
propiciarem discussões mais cientificamente fundamentadas sobre o
consumo de drogas ilícitas, de álcool e outras drogas ilícitas que possam
provocar dependência (...) Que os Ministérios e Secretarias pertinentes e o
sistema escolar, através do investimento no esporte, nos espaços de lazer, e
nas várias formas de organizativas de cultura e dos grêmios, incentivem os
processo de valorização da democracia no cotidiano, de superação das
discriminações e dos preconceitos” (Minayo et al., 1999: 223-231).
Como apontei anteriormente, em praticamente todas as pesquisas produzidas pela
UNESCO-Brasil em 1998 e 1999 a escola e os demais aparelhos de Estado foram
considerados ineficazes ou ineficientes, necessitando reformulações ou mudanças em
suas linhas de ação. Esta visão consta no PRODOC, mas com outra linguagem:
“É significativo que, numa pesquisa realizada em diversos países latino-
americanos, inclusive o Brasil, grande parte do aproveitamento do aluno
tenha sido explicada pelo “clima da escola”. Esse clima significava que a
escola era um lugar onde os alunos faziam amigos, não havia violência e, se
quisessem aprender mais, os alunos tinham estímulos e oportunidades (...)
Para impactar o clima da escola, o Projeto tem que ser construído num
processo que gere: confiança, participação e respeito aos executores das
atividades. Desta forma, pretendemos estruturar alguns eixos importantes
que levem em conta as recomendações da avaliação das atividades
executadas, mas que não chegue às escolas como um pacote fechado, onde
os responsáveis pela sua execução não se sintam estimulados a criar, a
acrescentar e a pensar em outras estratégias mais adequadas a sua realidade
etc. É fundamental, para o sucesso do programa e sua conseqüente
longevidade, que comunidade escolar, jovens e comunidade local se
apropriem dos projetos e se sintam motivados a cobrar apoio para sua
sustentação nas gestões governamentais futuras” (PRODOC, 2001: 14)
O PRODOC identifica os problemas e aponta os caminhos para superá-los, mas deixa
claro sua solução depende de um conjunto de ações em que o governo estadual teria um
papel secundário, por ser uma instância governamental e pouco preparada.
É importante destacar que um dos aspectos assinalados para ressaltar a ineficácia das
instâncias governamentais é o fato dos objetivos do Programa pertencerem à ordem dos
249
valores: respeito, auto-respeito, atitudes, comportamentos, dimensões que não são
identificadas como parte da cultura política da administração pública
221
.
Finalizando sem concluir
A construção dessa “pedagogia democrática” funda-se em uma pedagogia da cidadania
voltada para valores e os “pedagogos” - especialistas de notório saber - teriam por
missão ensinar os jovens a serem cidadãos.
“Aí eu volto novamente para aquela questão da competência técnica.
Somos profissionais ou não? Para alguns grupos comunitários nós somos
para lá de profissionais, somos santos. Para alguns segmentos estatais nós
somos mercenários e tudo mais. Para a UNESCO nós somos ponto de
criatividade que podem se transformar em coisas mais objetivas e
multiplicadores” (Relatório de Progresso, s/d 47 [trecho da fala de um
integrante do Projeto Fala Galera]).
O PRODOC é um documento amplo e complexo que define os pressupostos conceituais
do Programa, seus objetivos, o papel dos parceiros, a operacionalização e os custos
total do acordo. Todas as ações que pretende realizar - da compra de material de
escritório ao desembolso total do Programa - devem ser previamente definidas. Por isto
o documento é fundamental na concepção e gestão do Programa.
Além de ser um documento que atende às exigências do Ministério das Relações
Exteriores por legalizar o acordo de cooperação, o PRODOC é fundamental no processo
de negociação entre as partes, pois é não só um instrumento legal, mas de pressão moral
e política em caso de disputa. As regras e procedimentos operacionais que descreve
devem ser tomadas como modelos culturais (Wolf, 2003) que informam sobre os
procedimentos normativos das relações e condutas sociais, mas não informam sobre a
maneira como estas regras e normas são negociadas no cotidiano das práticas e
vivências sociais.
221
“Esse clima depende, em grande parte, do respeito cultivado em relação aos professores, bem como do
auto-respeito destes últimos. Os professores não são meros transmissores de conteúdos (coisa que a
Internet, os livros, revistas etc. mal ou bem podem fazer), porém educadores que trabalham com valores,
atitudes, comportamentos e competências”. (PRODOC, 2001: 14).
250
A leitura do PRODOC permite perceber alguns desdobramentos das publicações de
1998 e 1999. Através da análise das atividades e objetivos, observa-se com clareza
como certos debates sobre a juventude e a violência tratados nas pesquisas de 1998 e
1999 foram traduzidos em termos normativos e em ações identificadas como políticas
públicas voltadas para a juventude que consolidam uma verdadeira pedagogia da
cidadania.
A experiência de elaborar e executar o programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura
para a Paz - no Rio de Janeiro denominado Escolas de Paz, na gestão de Anthony
Garotinho e Rosangela Matheus - implicou para a UNESCO-Brasil outro tipo de
investimento. As dificuldades enfrentadas na formulação e execução dessas
experiências, observadas a partir do PRODOC, trouxeram à Organização um outro tipo
de preocupação.
Os conceitos e categorias (re)produzidos e captados pelas pesquisas de 1998 e 1999
permitiram à UNESCO-Brasil estabelecer um diálogo com produtores - nos termos de
Bourdieu - de um “campo temático” reordenado e resignificado como juventude e
violência. Estes vínculos permitiram à UNESCO firmar acordos de cooperação visando
à formulação de programas sociais. No entanto, a experiência revelou-se complexa e o
conhecimento, os vínculos e acúmulos produzidos pela Organização não foram
suficientes para consolidá-la como uma “intermediária” de instâncias e indivíduos que
tratam e agem sobre a juventude. Alianças de outra natureza faziam-se necessárias, além
do aprofundamento das já existentes. Este é o objetivo do próximo capítulo: discutir as
novas alianças com o que se poderia denominar, nos termos do livro Fala Galera,
formuladores de políticas sociais.
251
CAPÍTULO 5
“A Unesco acaba de publicar em Brasília um livro de quase 600
páginas - Cultivando Vidas, Desarmando Violências -
relacionando mais de uma centena de experiências em educação,
cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situação de
pobreza. O texto da Unesco mostra que é possível, com poucos
recursos e de forma eficiente, oferecer alternativas à ‘rotina’ de
quem não tem o que fazer. Há um pouco de tudo nessas
experiências, desde a simples instalação de equipamentos de
lazer, a clássica organização de um grupo de teatro, até a
instalação de um atuante Projeto de Flautas Doces. Não faltou,
até mesmo, a curiosa experiência de ‘domar boi bravo’, fazer
uma escola de rodeio mesmo, para socializar jovens com
histórico de ações violentas em cidades do interior. O livro da
Unesco mostrou que já dominamos bem o know-how para
injetar bens culturais - no sentido mais amplo possível da
expressão - em áreas de risco” (Estado de São Paulo,
26/08/2001)
252
AMPLIANDO AS REDES E DEFININDO OS ESPAÇOS DE
INTERVENÇÃO
Após as publicações de 1999, a UNESCO-Brasil enveredou por outros caminhos,
procurando estabelecer novas alianças para formar um campo mais amplo de atores
envolvidos com os temas relacionados a juventude-violência-cidadania e com a nova
temática da Cultura de Paz.
A grande mobilização empreendida pela Organização nos preparativos do Ano
Internacional para a Cultura da Paz (2000) – que contou, além de debates e discussões,
com acordos de cooperação com os governos estaduais do Rio de Janeiro e de
Pernambuco – permitiu à Organização estabelecer novas parcerias e criar novos
campos de investimento em pesquisas.
Os dados apontados pelas pesquisas de 1998 e 1999 já refletiam as tendências e
preocupações da ONU com as práticas violentas e com a resolução de conflitos de
forma violenta. O debate no interior das agências das ONU enfocava países com
diferentes graus de conflito que eclodiram com os processos de independência colonial
nas décadas de 1960 e 1970. O fim da guerra fria, a queda do muro de Berlim, a
primeira invasão do Iraque e as mobilizações que provocou trouxeram para o cenário as
resoluções e medidas antiguerras já expressas nos seus principais documentos, mas que
até então não tinham muita visibilidade.
Na virada de 1999 para 2000 a UNESCO-Brasil iniciou duas novas pesquisas. A
primeira foi “Cultivando Vidas, Desarmando Violências. Experiências em Educação,
Cultura, Lazer, Esporte e Cidadania com Jovens em Situação de Pobreza”, publicada em
2001
222
. Seus objetivos são apresentados nas páginas iniciais:
“(...) contribuir para ampliar a visibilidade social de experiências no
trabalho com jovens - em particular aqueles em situações de pobreza -, no
campo da arte, cultura cidadania a esporte. A intenção é socializar suas
222
Esta publicação teve o apoio da Brasil Telecom, W.K. Kellogg Foundation e do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID).
253
metodologias e práticas e oferecer subsídios para políticas públicas, tendo
por foco a juventude” (Garcia Castro et al., 2001: 13).
Esta publicação trazia aspectos distintos das anteriores, dado o seu objeto de
investigação, e pode ser entendida como parte do processo de ampliação da capilaridade
da UNESCO-Brasil em temas e áreas específicos. As pesquisas de 1998 e 1999
estabeleceram parâmetros de homogeneidade na delimitação demográfica e social do
jovem. Cultivando Vidas reiterou as primeiras definições de juventude e seus
comportamentos, mas, avançou na discussão sobre a proposição de formas alternativas
para enfrentar as práticas violentas, trazendo para a “arena” das alianças as organizações
não governamentais
223
.
Com esta publicação, as ONGs e a UNESCO-Brasil passaram a construir seus vínculos
a partir de certas categorias e da resignificação de outras “antigas”, como as de
vulnerabilidade social e risco social, reapropriadas de uma determinada literatura das
décadas de 1960 e 1970. Estas categorias serviram para discutir diferentes situações da
vida juvenil e formar elos conceituais com diversas ONGs.
A segunda pesquisa de 2000 foi “Violência nas Escolas”, que se inscreve em outro
registro: o de examinar as múltiplas dimensões das práticas violentas na escola, uma das
instituições básicas da administração pública.
“No âmbito destas preocupações e correspondentes esforços situa-se esta
pesquisa, cujos objetivos podem ser descritos em sentido amplo como
identificar e analisar as percepções dos alunos, do corpo técnico-
pedagógico e dos pais sobre as violências nas escolas e suas causas;
descrever a freqüência e a gravidade dos incidentes; avaliar seu impacto
sobre a aprendizagem; e identificar os mecanismos adotados e/ou
recomendáveis – de prevenção, redução e erradicação do problema”
(Abramovay e Rua, 2002: 30).
Elaboradas na virada do milênio, estas pesquisas completaram os esforços e iniciativas
da UNESCO-Brasil de se consolidar como agente no processo de elaboração e execução
de programas sociais dirigidos à juventude. Ambas estabeleceram novas alianças, desta
223
Não é objeto deste trabalho analisar a ação das ONGs do ponto de vista conceitual ou histórico. Isto
pode ser visto em Fernandes (1994); Landim (1998, 1999), Scalon (2000) e Montaño (2001 e 2002).
254
vez com os executores de políticas de governo, buscando a formação de planejadores
sociais.
Cultivando Vidas e construindo formuladores de políticas públicas
Em paralelo às parcerias da UNESCO-Brasil com instâncias da administração pública,
o setor de pesquisa da Organização alimentava as parcerias com estudos e com o
levantamento de novos possíveis parceiros que contribuíssem para os projetos em fase
de elaboração conjunta com os governos estaduais.
Esta estratégia pautava-se na idéia – expressa no Relatório de Progresso – de que era
necessário instituir novas estratégias de combate às diversas formas de exclusão social.
A associação da exclusão social aos debates sobre as manifestações, práticas e
comportamentos da juventude/jovem constam das pesquisas de 1998 e 1999, mas o tema
ganhou maior visibilidade a partir de 2000, com a construção de afinidades entre o
Projeto Fala Galera e as atividades da UNESCO-RJ
224
, quando um programa em
parceria com o poder público deu destaque à exclusão social nas publicações da
Organização
225
.
O objetivo desta parte é examinar algumas questões tratadas em Cultivando Vidas e
aprofundar a compreensão do processo de conversão da UNESCO-Brasil em
protagonista de um espaço de atuação, reflexão e execução de políticas públicas para a
juventude. Para tal, analiso o funcionamento de “categorias discursivas” tais como
vulnerabilidade social, risco social e exclusão social, empregadas para entender as
situações em que se encontram os jovens frente aos demais segmentos sociais. Estas
categorias operaram como conectores e levaram à formação de alianças baseadas na
224
Além da publicação Cultivando vidas, desarmando violências. Experiências em educação, cultura,
lazer, esporte e cidadania com jovens em situação de pobreza, de 2001.
225
É importante ressaltar que a perspectiva da UNESCO-Brasil de pensar a juventude e a exclusão social
já havia sido abordada em um artigo de duas coordenadoras nacionais das pesquisas de 1999: Mary
Garcia Castro e Miriam Abramovay publicaram o artigo “Cultura, identidades e cidadania: experiências
com adolescentes em situação de risco” na coletânea Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas
(1998). Os dados, análises e interpretações dos autores dos dois volumes da publicação do CNPD foram
citados como “autores-fonte”, principalmente no trabalho de Minayo Fala Galera, juventude, violência e
cidadania na Cidade do Rio de Janeiro.
255
construção de léxicos e termos em comum. Estas alianças foram importantes como
estratégias na elaboração de programas alternativos.
Organização do livro. Objetivos, temas e formação de equipes
O livro Cultivando vidas foi concebido a partir do projeto “Experiências de trabalho
com jovens de camadas populares”, desenvolvido pela UNESCO-Brasil com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).
226
“Esta pesquisa partiu da constatação de que existe atualmente no Brasil um
grande número de jovens entre 15 a 24 anos que enfrentam grandes
dificuldades para obter trabalho ou emprego e que se encontra em situação
de risco social e pobreza, especialmente quando são residentes de regiões
metropolitanas. Além disto, estes jovens vivem em seu cotidiano os efeitos
da exclusão social, geralmente, causada pelo fato de serem pobres, não
possuírem uma educação adequada, por não terem experiência profissional
e, principalmente, pela falta de espaços para o desenvolvimento de
atividades culturais e esportivas. Diante deste quadro grave, instituições
governamentais e diversas entidades da sociedade civil estão à procura de
novos caminhos para solucionarem esses problemas”. (UNESCO-BID.
Mimeo 2001: 3 [grifos meus])
Apesar do jovem de 15 a 24 anos estar submetido a diversas situações consideradas
situações de risco social e pobreza, segundo as pesquisas produzidas pela UNESCO-
Brasil aspectos como educação, arte, esporte e cultura são um contraponto a estas
situações. Em nota, os autores mencionam os cinco estudos do projeto Juventude,
violência e cidadania e incluem outros dois estudos: “Desenhos familiares: pesquisa
sobre famílias de crianças e adolescentes em situação de rua” e “Meninos de rua e
instituições: tramas, disputas e desmanche” ao tratar destes contrapontos.
“Entre os principais estudos, podemos citar uma série de pesquisas
realizadas pela UNESCO sobre Juventude, Violência e Cidadania em várias
cidades do Brasil, como por exemplo: Juventude, violência e cidadania. Os
jovens de Brasília; Juventude e violência na cidade de Curitiba; Juventude,
violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro; Juventude, violência e
cidadania na cidade de Fortaleza; Gangues e galeras no DF; Mapa da
violência: os jovens do Brasil I e II; Desenhos familiares: pesquisa sobre
família de crianças e adolescentes em situação de rua e, por fim, Meninos
de rua e instituições: tramas, disputas e desmanche”. (UNESCO-BID.
Mimeo 2001: 4 [nota 1])
226
“Experiências de trabalho com jovens de camadas populares nas áreas de educação, cultura, lazer e
esporte” (BID-UNESCO, 2001).
256
Arte, esporte, educação e cultura são encarados como atividades que permitem a
construção de espaços alternativos de socialização, onde os jovens podem afastar-se
dos perigos das ruas. Nestes espaços o jovem pode também reafirmar seus sentimentos
de indignação, protesto e identidades, mudando suas relações sociais e valores e
evitando o isolamento social. Descobrir saídas e encontrar formas de combater a
violência é o objetivo da pesquisa.
“Assim, a presente pesquisa busca compreender as razões e identificar
alguns projetos e programas realizados por governos locais (estaduais e
municipais), organizações não-governamentais, e outras entidades da
sociedade civil, que estão desenvolvendo formas de combater a violência e
de construir possíveis saídas e novos caminhos para a juventude. Deste
modo, acredita-se que essas experiências possuem um papel importante
para os jovens situados na pior escala de distribuição de riquezas, pois,
combinam arte, esporte, auto-estima, participação, cultura e contracultura, e
investem na criação de cidadãos críticos, e mais capazes de exercerem sua
cidadania. (UNESCO-BID. Mimeo. 2001: 4).
Da pesquisa ao livro
Na apresentação do trabalho, assinado pelo representante da UNESCO-Brasil, o
Presidente da Brasil Telecom Participações, o Diretor Regional para América Latina e
Caribe da Fundação W. K. Kellog e o Representante do BID no Brasil, observa-se o
mesmo teor de crítica das pesquisas anteriores à ausência de políticas públicas voltadas
para a juventude. Os objetivos do estudo são apresentados da seguinte forma:
“A pesquisa visa contribuir com uma nova perspectiva sobre exclusões
sociais, vulnerabilidades e modelagens de políticas públicas no debate que
relaciona cultura e juventude, enfatizando-se a participação do jovem, quer
como produtor, quer como consumidor cultural, além da importância de
incentivar redes, canais de intercâmbio e a abertura de espaços
institucionais, como as escolas, para atividades extracurriculares com
os jovens. (...) quanto a problemas que afetam de modo singular os jovens,
tanto os fóruns internacionais quanto diversos estudos no Brasil destacam
violências como riscos que, se não são próprios de uma época, na
contemporaneidade assumem proporções e formatos próprios a requererem
respostas criativas. (...) Um caminho inovador para lidar com violências
seria afastar-se de uma lógica repressiva e escutar o que querem os jovens,
aquilo que ocupa suas mentes e desperta suas vontades; contrapor o belo à
fera, reapropriando sentidos, cultivando vidas e desarmando violências,
como sugere esta pesquisa” (Garcia Castro et al., 2001: 14 [grifos meus]).
257
De acordo com este trecho, os objetivos do estudo são: 1) Contribuir com uma nova
perspectiva sobre exclusões sociais, vulnerabilidades e modelagens de políticas
públicas; 2) Revelar problemas que afetam de modo singular os jovens - que é a
violência; 3) Indicar caminho[s] inovador[es] para lidar com violências [, o que] seria
afastar-se de uma lógica repressiva e escutar o que querem os jovens.
O primeiro objetivo informa que certas categorias explicativas serão abordadas de uma
nova perspectiva, a de produzir novos modelos de políticas públicas. O segundo
identifica os problemas que afetam os jovens e indica que a violência é o principal. O
terceiro parece ser uma resposta ao primeiro, pois indica a modelagem de políticas
públicas inovadoras e não repressivas, sendo que a inovação estaria nas ações à margem
das políticas públicas.
A construção do texto leva o leitor a perceber que as políticas públicas existentes são
ineficientes e/ou ausentes e que novos caminhos e perspectivas podem ocupar o vazio
produzido por esta ausência. Estes caminhos são frutos de experiências desenvolvidas a
partir de novas formas – tratadas como exitosas – de atuação junto aos jovens.
Equipes multidisciplinares
Do ponto de vista dos procedimentos operacionais, esta pesquisa assemelha-se às
demais produzidas pelo Projeto Juventude, Violência e Cidadania. Foi formada uma
equipe de elaboração composta por quatro pesquisadores: Mary Garcia Castro; Miriam
Abramovay, Maria das Graças Rua e Eliane Ribeiro Andrade, além das equipes de
pesquisa campo
227
. De acordo com o capítulo “Metodologia” (p. 31-38), antes de
227
Na “Nota sobre as autoras” constam informações sobre a formação e inserção profissional das
pesquisadoras. Na página anterior são apresentados todos os integrantes da pesquisa. O texto foi redigido
da seguinte forma: “Equipe de elaboração: Mary Garcia Castro, coordenadora de pesquisa UNESCO;
Miriam Abramovay, consultora BID; Maria das Graças Rua, consultora UNESCO; Eliane Ribeiro
Andrade, consultora UNESCO. Assistentes de pesquisa: Leonardo de Castro Pinheiro, coordenador da
equipe de assistentes. Perla Ribeiro, Vanessa Viana. Caloboradores: Claudia Beatriz Silva de Sousa;
Claudia da Costa Martinelli; Diana Barbosa; Danielle Oliveira Valverde; Indira Marrul; Laura Segall;
Marilia Gomide Mochel; Thiago Galvão”. Em destaque, as equipes de pesquisa de campo. Bahia:
Antonio Jonas Dias, Ricardo Moreno (assistente); Ceará: Verônica Parente, Eugenia Figueiredo
(assistente); Espírito Santo: Luiza Mitiko Yshiguro Camacho, Kátia de Sá (assistente); Maranhão: Cléa de
Souza C. A. Ribeiro, Sandra M. T. Da Costa (assistente); Mato Grosso: Eugênia Coelho Paredes, Daniela
258
selecionar as equipes de campo foram definidas as técnicas e instrumentos de coleta de
dados a serem empregados. Estes indicam semelhanças com as pesquisas de 1999, cujos
princípios, questões e objetivos haviam sido definidos a priori pela equipe de
elaboração
228
.
O segundo passo foi selecionar as experiências que para a análise, visto ser um dos
objetivos identificar alguns projetos e programas realizados por governos locais
(estaduais e municipais), organizações não governamentais e outras entidades da
sociedade civil que estão desenvolvendo formas de combater a violência e de construir
possíveis saídas e novos caminhos para a juventude (UNESCO-BID. Mimeo. 2001: 4).
A seleção das experiências ocorreu da seguinte maneira:
“A eleição das experiências que desenvolvem trabalhos na área do estudo –
arte, cultura, esporte e educação para cidadania com/para jovens em
comunidades de baixa renda – seguiu uma estratégia em três estágios. (...)
Recorreu-se ao apoio de uma rede de pesquisadores, agências que
atuam quer como parceiros doadores, quer como técnicos junto a
distintas experiências, bem como outras agências e personalidades
relacionadas direta ou indiretamente ao campo. Cartas da representação da
UNESCO no Brasil foram enviadas para vários possíveis informantes a fim
de melhor mapear o campo. Também se baseou em pesquisa exploratória
(...). Com esse mapeamento, optou-se pelo levantamento de campo com dez
experiências por estado, o que totalizou cem experiências (...). Procedeu-se,
assim, em um segundo momento, à eleição de trinta unidades de pesquisa,
tendo como parâmetro para tal decisão quanto à amostra o horizonte de
tempo, recursos humanos e materiais. Em lugar de uma seleção
probabilística, a intenção foi garantir alguma presença típica, para
ilustrar a diversidade e a criatividade, inovações em um campo
bastante heterogêneo e vasto (...). Nesse momento, se representou a
diversidade das experiências quanto a tamanho (em termos de orçamento e
público participante); à exposição social (algumas teriam amplo espaço na
mídia e outras seriam reconhecidas por públicos e comunidades
específicas). Também orientou a eleição das experiências, sua preocupação
com a violência e a exclusão (social e cultural).” (Garcia Castro, et al.,
Barros da S. F. Andrade (assistente); Pará: Aldalice Moura da Cruz, Lúcia Isabel Silva (assistente);
Paraná: Ana Inês da Souza, Gisele Carneiro Blasius (assistente); Rio de Janeiro: Alexandre da Silva
Aguiar, Cleide Figueiredo Leitão (assistente); São Paulo: Maria Dirce Gomes Pinho, Vilma Bok
(assistente).
228
A metodologia e as técnicas assemelham-se às descritas nos capítulos anteriores. Observa-se que, do
ponto de vista das metodologias, as pesquisas da Organização mantêm o mesmo padrão, com a
combinação de abordagens qualitativas – definidas como procedimentos que procuram trabalhar o
conteúdo de manifestações da vida social, próprias às atividades dos sujeitos, que interagem em função
de significados (Garcia Castro, 2001: 33) – e as abordagens quantitativas, que visavam detalhar aspectos
dos processos adotados no desenvolvimento das atividades. (Op.cit.: p. 35).
259
2001: 35/36 [grifos meus]) .
Este trecho é revelador, pois indica estratégias importantes dos procedimentos
metodológicos e dos processos de constituição da relação entre os investimentos
desenvolvidos pela UNESCO-Brasil em pesquisa com aqueles voltados para a ação. Os
métodos adotados na seleção das experiências revelam o cuidado de empregar
procedimentos que permitam escolher instituições adequadas aos critérios e requisitos
apontados no relatório BID-UNESCO, que procuram manter continuidade com as
pesquisas anteriores.
“Diante desse quadro e baseado nos dados já levantados, fica evidente que
a arte, a cultura, o lazer, o esporte e a educação sempre aparecem como
contrapontos, isto é, aparecem com subsídios importantes para a
redefinição da violência e servem para a construção de canais alternativos
de expressão”. (UNESCO-BID. Mimeo. 2001: 5)
Este estudo tinha por objetivo mapear as experiências de trabalho com arte, cultura,
lazer, esporte e educação, que sempre aparecem como contrapontos à violência. Nestes
termos, o estudo partia de uma pré-definição das características das experiências a
serem investigadas e valorizadas. Ao indicar que em lugar de uma seleção
probabilística a intenção foi garantir alguma presença típica para ilustrar a
diversidade e a criatividade, sugere olhar este estudo como um complemento, ou
melhor, um subsídio para os gestores do Programa Abrindo Espaços. Este diálogo entre
pesquisadores e executores é nitidamente expresso no PRODOC e nos demais
relatórios, em especial o Relatório de progresso, mas também é expresso no livro com
frases como esses resultados serviram de referência para a montagem do programa da
UNESCO (Garcia Castro, et al., 2001: 22), ou ainda a pesquisa pretende contribuir
para ampliar a visibilidade social de tais experiências (...) e oferecer subsídios para
políticas públicas (p. 23).
Este diálogo entre as pesquisas da UNESCO-Brasil e o projeto Abrindo Espaços (no
caso do Programa Escolas de Paz) gerou uma “confusão” quanto à definição do papel
da UNESCO-Brasil nas ações do Escola de Paz, como sublinhei no capítulo anterior.
Além disso, observa-se que a “confusão” persiste neste estudo, quando o próprio
trabalho se auto-identifica como uma ação que visa contribuir e dar visibilidade às
experiências investigadas. Para algumas ONGs, a UNESCO-Brasil é uma organização
260
que trabalha em projetos sociais e seleciona indivíduos com notória especialização para
atuarem em seus projetos. Este tipo de situação estabelece uma relação assimétrica,
onde os interesses ficam entrelaçados e ambíguos. Ser pesquisado pela UNESCO-Brasil
adquire diferentes significados, pois pode resultar na obtenção de chancelas, por
exemplo, ou permitir a criação de uma parceria futura. O sistema de chancelas da
Organização pode facilitar a obtenção de recursos. Há a idéia de que a UNESCO-Brasil
pode inclusive financiar projeto e que o contato com a Organização pode, facilitar o
acesso das ONGs às agências financiadoras públicas ou privadas. De fato a UNESCO-
Brasil pode fazer tudo isso, pois mantém boas relações com diferentes organizações e
instituições nacionais e internacionais.
A referência à idéia de rede de pesquisadores e agências configura não só um
procedimento de pesquisa como também um mecanismo de intervenção que visa
atualizar e ampliar as adesões e compromissos entre a UNESCO-Brasil (idealizadora de
um programa social) e as ONGs, possíveis executoras. Esta percepção fica mais
evidente quando se avança na análise da estrutura de montagem do livro Cultivando
Vidas.
Definidos os objetivos e experiências a serem analisadas, buscou-se formar as equipes
de campo em cada cidade estudada. A seleção dos pesquisadores passou pela rede de
pesquisadores que mantinham algum tipo de vínculo com a UNESCO-Brasil. A
composição das equipes incluiu pesquisadores das universidades públicas e integrantes
de ONGs.
O papel dessas equipes também é descrito no livro, sendo sua principal atribuição
coletarem os dados em seus respectivos estados (Garcia Castro et al., 2001: 36) através
da aplicação de questionários auto-aplicáveis e a realização de entrevistas e de grupos
focais. Como mostra o trecho abaixo, as tarefas das equipes locais eram bem
determinadas e predefinidas.
“Cada equipe de pesquisa local também coletou registros administrativos e
material secundário sobre as experiências e apresentou relatórios de
observação dos grupos focais realizados. Por fim, foram produzidos
relatórios mensais de atividades (RMA), em que as equipes relatavam o
andamento da pesquisa em seus respectivos estados, bem como impressões
recolhidas durante a coleta dos dados de campo” (Op. cit. p. 37).
261
Ao escolher integrantes de ONGs como consultores nas equipes locais, a equipe de
elaboração optou pela estratégia de trazer do campo dados e informações com a marca
do pesquisador local. Tratava-se de uma publicação que valorizava e resgatava
experiências promovidas por ONGs, e a familiaridade desses consultores com as ações
das ONGs contribuiria para o trabalho, como destacaram os autores.
“(...) foi possível garantir um conhecimento prévio do campo, através da sua
experiência [dos consultores] acumulada de trabalho e dos vínculos informais já
estabelecidos entre eles e as instituições pesquisadas” (Garcia Castro et al.,
2001: 36).
Multiplicando e articulando parcerias
A disposição das experiências analisadas é nitidamente dirigida aos que operam no
“universo da intervenção” – como apontei na Introdução – e se amoldam a uma
narrativa que busca valorizar aspectos muito concretos das experiências analisadas. A
lista das ONGs investigadas, atuantes em nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato
Grosso, Pará, Espírito Santo, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, são ordenadas em um
quadro informativo.
229
Mais adiante estas informações são dispostas de acordo com os
seguintes itens:
1) Caracterização e histórico; 2) Recursos humanos; 3) Programas e projetos em
curso; 4) Metodologia; 5) Redes e multiplicação parcerias; 6) Lugar da avaliação e da
pesquisa na experiência; 7) Problemas específicos da experiência; 8) Por que uma
experiência inovadora? 9) Efeitos da experiência para as mudanças na vida dos jovens.
Estes itens foram indicados no PRODOC e no Projeto Fala Galera, como aspectos
importantes para descrever uma experiência alternativa em programas sociais. A
“nova” pedagogia de trabalho social vai se modelando com a disposição e organização
dos dados.
229
Neste quadro – perfil de experiências - constam as seguintes informações: nome da organização, data
de fundação, tipo de organização, contato, locais onde são realizadas as atividades, origem dos recursos,
áreas da atuação, objetivos e público alvo (Garcia Castro, 2001: 89-100)
262
Esses itens contam uma estória, indicam um motivo e uma origem, além de informar ao
leitor sobre as etapas, as dificuldades e a importância da experiência. Informam ainda
sobre a dinâmica do programa, os profissionais envolvidos, as atividades realizadas e as
formas de acompanhamento, como mostram os trechos abaixo
230
.
“A Fundação Gol de Letra é uma organização-não-governamental que
trabalha com projetos na área de educação, cultura, promoção e
mobilização social, voltados para crianças e adolescentes de comunidades
de baixa renda da cidade de São Paulo. (...) Surgiu há um ano e meio, como
resultado da sensibilização de alguns segmentos do esporte no Brasil,
especificamente o futebol, a partir da situação de miséria social de crianças
e adolescentes no país.
A Fundação tem dado preferência a profissionais de áreas diversas que
tenham experiência com o terceiro setor. Conta com uma equipe de
profissionais com formação superior e atuação na área de educação,
artes e esporte. (...) visando a capacitação, a Fundação realiza uma semana
de planejamento com cada profissional envolvido após o processo, como
uma espécie de treinamento, em que são discutidos os princípios que o
projeto tenciona trabalhar junto a seu público-alvo. Durante todo o ano,
também são realizados cursos, seminários e palestras, no sentido de estar
sempre capacitando seus profissionais. A cada início de ano e meio do
semestre é feita uma capacitação com todos os profissionais, quando são
discutidas questões pedagógicas e metodológicas do projeto”. (Garcia
Castro et al., 2001: 374-375 [grifos meus])
Estes trechos destacam dois aspectos importantes do que denomino pedagogia cidadã: o
primeiro refere-se à motivação. É necessário que haja um querer ajudar, uma
sensibilização, um desejo de mobilizar os protagonistas. Em segundo, aquele que atua é
designado como profissional e tem formação em áreas consideradas importantes para
este tipo de atividade (arte, educação e esporte); exige-se também que tenha algum tipo
de experiência com esse tipo de metodologia. O processo de aprendizado do
profissional é continuo, e ocorre através de treinamentos, cursos, seminários e
palestras, ou seja, de capacitação para torná-lo apto, habilitado.
O terceiro e o quarto itens apresentam os projetos desenvolvidos pela Organização e
explicam as dinâmicas e metodologia.
230
Para efeito de demonstração, na discussão deste item utilizarei apenas uma das experiências descritas
nas páginas 373-386.
263
“O trabalho é desenvolvido diariamente no período extra-escolar. São
realizadas oficinas diárias e palestras pontuais. Cada turma conta com duas
oficinas por dia, e as temáticas são alternadas, de maneira que todos os
alunos semanalmente passem por todas as oficinas. Aos sábados são
realizados encontros sob forma de palestras e oficinas direcionadas para os
jovens que saem do projeto por motivos de idade. Esta é uma forma de os
estar acompanhando junto à comunidade.” (Ibidem)
“Desde sua instalação na Vila Albertina, a Fundação Gol de Letra procurou
criar um vínculo de confiança com seus moradores, líderes, diretores de
escolas, Conselho Tutelar e entidades sociais, para estabelecer uma parceria
na implementação de seus projetos e conhecer melhor as necessidades de
atendimento da população infanto-juvenil. Assim sendo, organizou, na
primeira fase da implantação do programa virando o jogo, uma reunião
com as lideranças, organizações e instituições do bairro, para que
indicassem e encaminhassem as crianças e adolescentes que necessitassem
do atendimento oferecido pela Fundação. Em seguida, as famílias
inscreveram seus filhos para a seleção de 100 crianças e adolescentes,
realizada entre meninos e meninas.” (p. 376)
Antes de tratar os itens cinco, oito e nove, examino os itens seis e sete . O quinto, o
oitavo e o nono serão analisados em seguida de forma mais detalhada.
O item seis indica o trabalho de avaliação realizado pelas próprias ONGs e informar
como cada ONG auto-avalia seu trabalho; item o sete trata dos problemas detectados
pelo pesquisador e aqueles apontados pelos integrantes das ONGs.
“A Fundação Gol de letra realiza um processo de auto-avaliação de
proposta pedagógica com todos os profissionais envolvidos. Uma das
principais questões tratadas é a relevância do trabalho realizado, sua
validade, e se todo o investimento tem sido compensatório. Com relação ao
trabalho com as crianças e adolescentes, o processo de avaliação é ainda
incipiente.
Um dos problemas apontados pelos educadores foi a questão da
concorrência que o projeto desenvolve entre os próprios meninos da
comunidade. Este fator tem criado certa rivalidade entre os jovens que estão
e os que não estão no projeto. Outro aspecto ressaltado como obstáculo diz
respeito à dificuldade de envolvimento quanto à valorização do espaço
físico da Fundação.” (p. 378)
A disposição dos dados, as informações e a própria estruturação dos itens produzem um
efeito pedagógico importante. A história da organização e suas atividades é descrita de
264
forma cadenciada: cada item se une harmoniosamente ao seguinte, formando uma
narrativa linear e compassada.
Neste sistema de ordenação e classificação dos dados, os itens cinco (Redes
multiplicação e parcerias), oito (Por que uma experiência é inovadora?) e nove
(Efeitos da experiência para as mudanças na vida dos jovens) são elementos
importantes na articulação desta pesquisa com o programa Abrindo Espaços,
principalmente pelo fato de indicarem caminhos e estratégias desenvolvidas pelas
ONGs para ampliar suas parcerias e, desta forma, multiplicar suas ações. Como
mostrei no capítulo anterior, um dos desafios da vertente protagonismo juvenil e do
Projeto Fala Galera era atrair o maior número possível de ONGs e parceiros; não eram
quaisquer organizações, mas aquelas que atendiam a certos quesitos, operavam com
certa dinâmica e tratavam de determinados temas
231
.
“O CRIA propôs a criação do MIAC (Movimento de Intercâmbio Artístico
e Cultural pela Cidadania), que engloba várias instituições que trabalham
no campo da arte, da educação, da saúde, da cultura e da
profissionalização com jovens. O MIAC vem disseminando a
metodologia do CRIA e tem agregado novos saberes e potencializado as
suas ações socioculturais, redimensionando seu papel político como ONG”
(Garcia Castro et al., 2001: 105 [grifos meus])
“São estabelecidas parcerias pontuais com a prefeitura, atendendo também
crianças e jovens. O trabalho tem muita visibilidade na cidade e na mídia.
As apresentações dos espetáculos acontecem regularmente e dependem
essencialmente das parcerias. A companhia do Circo Picolino faz parte da
vida da cidade e está presente em comemorações e atividades públicas” (p.
152 [grifos meus])
“Através de sua rede de articulação e das campanhas realizadas nos
últimos oito anos, o Viva Rio conseguiu atingir uma grande visibilidade
perante a sociedade” (p. 468 [grifos meus]).
“Para a realização de algumas atividades, em especial cursos, também
recorre a profissionais de outras ONGs, como a Fundação Mestre Bimba
para a área de capoeira. O Liceu participa de fóruns de debate sobre
violência, arte e educação, muitos organizados em conjunto com outras
entidades congêneres. Realizam-se reuniões periódicas com as famílias
para acompanhar a vida dos jovens. Em parceria com o FUNDAC,
investe-se na retirada de jovens que vivem na rua, buscando reintegração
231
No anexo 5.1 apresento um quadro com todas as ONGs investigadas pelo estudo, assim como os
trechos relativos aos itens cinco; oito e nove.
265
familiar. Desenvolvem-se também parcerias com a comunidade e
associações de bairro para ações específicas, como a de proteção e
conservação das escolas (Projeto Quem ama preserva)”. (p. 122 [grifos
meus]).
“A Fundação Cidade Mãe entra, nas parcerias, com a proposta pedagógica
e com a alimentação, uma refeição diária para o público cliente que
corresponde a 40% das necessidades calóricas. Alguns parceiros cedem
espaço para realização de suas atividades. As unidades são desenvolvidas
em parceria com diversas instituições. Com a Fundação Don Avelar (...),
com a Maçonaria e com a Fundação Banco do Brasil. Há ainda as unidades
desenvolvidas com a entidade espírita Cristo é Vida e com a organização
Mansão do Caminho” (p. 132 [grifos meus])
Ao descrever as iniciativas das organizações visando à multiplicação, à articulação ou
mesmo às parcerias, destaca-se estas ações como iniciativas que realizam ou podem ser
vistas como políticas governamentais, como ações que têm metodologias, público alvo e
instrumentos específicos de atuação, capacitação, debates, encontros,
acompanhamentos e parcerias. O conjunto dessas atividades também se dá em outros
espaços, junto às comunidades ou às famílias dos jovens; desta forma, algumas ações
abrangem outras dimensões da vida do público alvo. Os processos de multiplicação e
articulação são diversos, mas, no essencial, se consolidam em encontros – de natureza
distinta – fundados na idéia de que os parceiros estão motivados para colaborar.
Ao confrontar esta percepção com aquelas expostas pelos autores no item oito (Por que
uma experiência é inovadora?), o sentido destas iniciativas adquire materialidade:
“Um dos atributos inovadores do projeto é a combinação do
desenvolvimento da criatividade artística dos jovens com os estudos. (...)
outra dimensão que é vista como inovadora repousa na capacidade do
projeto de admitir e valorizar as formas de expressão artísticas
provenientes dos próprios jovens e das suas comunidades, criando uma
nova relação coletiva a partir da arte” (p. 236) [grifos meus].
“O projeto é considerado inovador e bem-sucedido, apesar da precariedade
das condições em que é sustentado. A melhor expressão disso é o empenho
dos jovens, que enfrentam grandes dificuldades para poder freqüentar a
escola, além do número extremamente pequeno de desistências no
programa” (p. 342) [grifos meus].
“O projeto tem sido avaliado pela comunidade como um elemento
transformador de suas realidades. O sentimento de pertencimento é
visível na fala das pessoas. A fundação tem conseguido realmente envolver
a comunidade e fazer parte de sua vida” (p. 380) [grifos meus].
266
“São indicativos do sucesso dos projetos da Fundação: testemunho de
mães sobre melhorias no comportamento dos filhos ao passarem a
freqüentar os projetos; o fato de que vários conseguem um emprego em
áreas para os quais foram capacitados – comumente como autônomos, por
exemplo em informática e eletricidade (casos dos que têm mais de 16 anos)
(...) A permanência e continuidade de projetos, como a Empresa Educativa,
em bairros pobres e tidos como “violentos”, é bem apreciada por líderes
comunitários” (Garcia Castro et al., 2001: 134-135 [grifos meus]).
A inovação das iniciativas está na forma como são tratadas, isto é, na sua metodologia
que valoriza as formas de expressão dos jovens. Mas é considerada inovadora também
quando atinge objetivos como a melhoria do comportamento ou o maior envolvimento
da comunidade. Os dados do item nove (Efeitos da experiência para as mudanças na
vida dos jovens) não só corroboram o item anterior, mas ampliam sua capacidade de
explicação da inovação.
“Os jovens passam a ter uma auto-imagem diferente, devido à atuação do
projeto.(...) Aprendem novas competências e mostram um novo empenho
em suas atividades. (...) Aprender a se valorizar, sentido de dignidade social
e resgate de identidade étnico-racial. (...) Ampliação da rede de
sociabilidade. (...) Mudança no quadro de referência quanto a valores,
limites e responsabilidades sociais. (...) Descobrir talentos, explorando
potencialidades para o desenvolvimento artístico-cultural do cidadão”
(Garcia Castro et al., 2001: 126-128 [grifos meus]).
“Mudanças em termos de comportamento quanto a valores, limites e
responsabilidades sociais (...) Os adolescentes são estimulados a romper
preconceitos quanto a temas como AIDS, o que se multiplica em outros
espaços, envolvendo a família. Atividades da Empresa Educativa da
Fundação Cidade Mãe colaboram para que os jovens desenvolvam mais o
raciocínio. Eles estudam sobre a comunidade e começam a analisar a
realidade em que vivem (...) O jovem, ao participar do projeto, desenvolve
o protagonismo e passa a ser multiplicador na sua comunidade. Isso ocorre
devido ao estímulo da descoberta de talentos. (...) Reinserção de jovens que
viviam em situação de risco, nas ruas, ao convívio da família. (...) Ao
entrarem no projeto, os jovens passam a ter maior responsabilidade e
desenvolvem um sentimento de maior cooperação” (p. 135-137 [grifos
meus]).
“Várias formas de mudanças em termos de comportamento, surgindo novas
perspectivas sobre responsabilidade e solidariedade, um melhor
relacionamento com os pais e uma melhoria também nos hábitos de
disciplina e horário. Além disso, foi observado um afastamento de
situações de violência e de drogas, diante da chamada incompatibilidade
entre o desejo de ser artista e o envolvimento em tais situações. Esses
267
jovens passam a desenvolver outra relação quanto ao corpo, até então
voltado para o prazer das drogas, sendo direcionado para outro pólo, como
por exemplo, para o corpo-produção, o corpo-artista. (...) Através de suas
atividades, o projeto permite descobrir talentos, explorando potencialidades
para o desenvolvimento artístico-cultural e cidadão. Isto, por sua vez, vem
possibilitando um estímulo maior para seu desempenho escolar,
qualificando-o para o mercado de trabalho” (Garcia Castro et al., 2001:
146-147 [grifos meus]).
A inovação está em conseguir reverter certos comportamentos considerados negativos e
diminuir a vulnerabilidade dos jovens, o risco social. Tratarei desses termos mais
adiante. Todas as características que grifei, e que aparecem nos demais projetos
analisados, conferem ao estudo a peculiaridade de formar um banco de dados não só de
projetos e ONGs, mas de práticas que podem ser replicadas e incorporadas como
políticas governamentais (alternativas), algumas das quais haviam sido apontadas e
incorporadas ao PRODOC do Programa Escolas de Paz no Rio de Janeiro, como visto
no capítulo anterior.
Há uma continuidade entre este estudo e as pesquisas de 1998 e 1999. Nestas últimas, a
preocupação era demonstrar a pertinência de tratar certos temas a partir do trinômio
juventude-violência-cidadania, com embasamento no pensamento científico. Agora, o
relato das experiências das ONGs ratifica a situação de precariedade dos jovens e,
principalmente, o fato que de o investimento em certos eixos de ação traz resultados
positivos na reversão do quadro de violência que atinge a sociedade.
Esta é uma das chaves de leitura dessa publicação: revelar a precariedade – a situação
de risco – em que se encontram os jovens e demonstrar que iniciativas pedagógicas
específicas podem reverter esse quadro. No entanto, o estudo vai mais longe, ao propor
a criação de um conjunto de termos e terminologias que podem ser empregados por
aqueles que procuram participar dessas ações.
268
“Várias intenções orientaram a estratégia de organizar o que aqui se
apresenta como vocabulário de sentidos. Interessava primeiramente, sair de
generalidades e captar os sentidos atribuídos a algumas palavras recorrentes
nas falas dos entrevistados, suas concordâncias e diversidades. (...) Outro
intento foi captar o que mais mobilizou e que sentidos orientaram as
pessoas – jovens, educadores, e outros – para atuar nesse campo de
trabalho, rompendo com uma noção simplista de que os pobres apenas
necessitam de pão, emprego, educação formal, serviços de saúde ou cursos
de qualificação”. (Garcia Castro et al., 2001: 481)
O vocabulário de sentidos é então apresentado como um
“Acervo de princípios que se destaca para melhor caracterizar as unidades
de análise quanto ao seu potencial de influenciar comportamentos, trabalhar
valores, educar pelo lúdico, pelo artístico, pelo interativo, ouvindo,
dialogando, criando junto com os jovens. Em muitos casos estaria
respaldado por conhecimento acumulado, especializado em diversas áreas”
(p. 482).
Cada vocábulo apresentado (protagonismo juvenil, auto-estima, pertencer, identidade,
conscientização identitária – a raça e cidadania) é precedido de uma explicação, de sua
origem e do contexto da sua utilização. Estes termos, como o próprio texto elucida,
foram elaborados a partir de entrevistas, análises de documentos, vídeos etc. pertinentes
a cada uma das experiências analisadas
232
.
Os vocábulos foram construídos a partir da análise do material coletado, mas chama a
atenção que os conteúdos a eles atribuídos nem sempre são empregados pelos
entrevistados, cabendo aos pesquisadores organizar o que consideram seus atributos.
Como ilustração, o conteúdo da expressão protagonismo juvenil foi definido da seguinte
maneira:
“Protagonismo juvenil se entrelaça com uma série de outros conceitos
próprios de um léxico preocupado em qualificar a democracia, dando-lhes
um sentido geracional, quer em termos de propriedade para um ciclo de
vida, ou seja, a juventude, quer para um pretendido momento na história. É
assim que protagonismo sugere auto-estima, busca por pertencimento,
232
“Por intermédio da análise de documentos impressos, vídeos, sites da Internet e de depoimentos de
animadores/educadores e jovens participantes das experiências aqui pesquisadas, é possível identificar a
construção de um vocabulário estratégico específico, que pretende apoiar em bases ético-estéticas as suas
práticas” (Garcia Castro, 2001: 481).
269
exploração de identidades, afirmação de cidadania” (Garcia Castro et
al., 2001: 483[grifos meus]).
O trecho abaixo, destacado de uma entrevista feita pelos autores, serviu de base para um
dos atributos do vocábulo protagonismo juvenil.
“O protagonismo juvenil também pode ser compreendido como gerência da
sua própria vida pelos jovens, como se adverte na seguinte citação:”
(Garcia Castro, 2001: 484)
“Todo ano estamos mudando, nos adaptando aos novos alunos e vice-versa,
aos novos tempos, para permanecer e manter a qualidade do trabalho, mas,
além da importância desse trabalho que os jovens estão fazendo, sabemos
que a autonomia deles depende da garantia para a sobrevivência, conseguir
pagar seu aluguel, sua roupa, sua alimentação, seu passeio, seu lazer. (...)
então lutamos para contribuir com a autonomia dos jovens, o que passa
por ter ocupação e algum rendimento (entrevista com coordenação, Nós do
Morro, Rio de Janeiro) (Ibidem [grifos meus]).
Este procedimento ocorre em praticamente todos os vocábulos. Ou seja, a definição em
alguns casos é recuperada da fala dos entrevistados e em outros é interpretada ou
resignificada pelos autores. No quadro abaixo exponho os vocábulos e suas definições.
Quadro 14: Vocábulos e definições Cultivando Vidas
Vocábulo Definições
Protagonismo
juvenil
“É comum a ênfase nos jovens como sujeitos das atividades, observando-se que mudanças de
comportamento, grau de satisfação e interesse, enfim, o sucesso das atividades em muito depende de
tal perspectiva. O protagonismo juvenil permite, entretanto, apreensões diversificadas, em especial
quanto ao equacionamento das relações sociais, como as que se podem desenvolver entre gerações,
entre jovens e educadores e entre espaços sociais” (p. 483).
“Protagonismo juvenil se entrelaça com uma série de outros conceitos próprios de um léxico
preocupado em qualificar a democracia, dando-lhes um sentido geracional, quer em termos de
propriedade para um ciclo da vida, ou seja, a juventude, quer para um pretendido momento da história.
É assim que protagonismo sugere auto-estima, busca por pertencimento, exploração de identidades,
afirmação de cidadania” ( p. 483).
“Protagonismo juvenil também pode ser compreendido como gerência da sua própria vida pelos jovens
(...). Protagonismo, desejo e criatividade em muitos projetos são dimensões que se reativam. Por
exemplo, na ONG Comunicação e Cultura (Fortaleza) é o jovem quem escreve, edita, organiza e publica
o jornal escolar. Desta forma, estimula-se a sua participação e responsabilidade e o jovem pode exibir o
resultado do seu trabalho e aumentar sua capacidade expressiva, em especial com a linguagem escrita”
( p. 484).
Auto-estima “Assim como o protagonismo juvenil, a auto-estima é enfatizada como um projeto básico para desarmar
violências, contribuindo para dar sentidos positivos e projetos de vida aos jovens, o que se cultiva a
partir de atividades artísticas, esportivas e de educação para a cidadania” ( p. 486).
Pertencer “Sentimento de “pertence” é um construto valorizado no universo cognitivo das entidades e também
qualifica o debate sobre protagonismo juvenil. A idéia é estimular os jovens para que remodelem
referências e valores, identificando-se com as práticas, princípios e produtos dos projetos situando-se
como parte deles, em um momento, e como parte de uma comunidade com responsabilidades sociais,
em outro (p. 492).
Identidade “Também recorre-se de forma relacional aos conceitos já mencionados, quando se discute identidade.
Por exemplo, na Associação Meninos do Morumbi reconhece-se que, para que o projeto alcance seu
270
principal objetivo, é fundamental que os jovens criem uma identidade com a proposta apresentada, que
se identifiquem com os instrumentos utilizados, com as atividades de todo o conjunto” (p. 494).
Conscientiza-
ção identitária
(raça)
“Em ONGs como o Olodum (Salvador) e Descobrindo o Saber (São Luis), a consciência étnica é um
princípio importante. No caso da primeira, o discurso da identidade racial se liga à construção de uma
identidade nacional. Já a segunda procura vincular nas suas atividades cultura e sociedade” (p. 494-
495).
Cidadania “Nos relatos sobre as experiências, o princípio de cidadania se restringe à reflexão mais ampla
contemporânea, sintetizada na expressão de Hannah Arendt “o direito a ter direitos” (Arendt, 1954),
mas também recebe empiricamente variada modelação, como direito à informação, ao acesso a bens
culturais, à riqueza acumulada , à expressão, a desenvolver talentos” (p. 496).
“No caso dos jovens, a referência é comumente a um processo em aberto, uma busca em que cidadania
juvenil não é reconhecida como um campo que, ainda que se esparrame pelo geral, guarda
especificidades. A cidadania juvenil refere-se ao eu é própria de uma geração (no tempo e em um ciclo
etário). A cidadania plena é tida como um vir a ser hipotético, cabendo aos jovens lutar pela sua
realização” (p. 496).
Este tipo de organização e disposição dos dados confere a estes vocábulos não apenas a
capacidade de refletir certos significados e sentidos atribuídos pelos “informantes” às
suas experiências e práticas, e também de informar sobre a dinâmica que deve reger a
interpretação de certos fenômenos sociais.
A retórica deste tipo de estratégia textual constrói simbolicamente um efeito de verdade
nas afirmações realizadas. Tal perspectiva é reforçada quando as afirmações são
precedidas de citações das entrevistas e grupos focais ou são acompanhadas por dados
estatísticos como fontes que atestam e dão veracidade às informações
233
.
Os vocábulos construídos com base nas expressões citadas acima ganharam outros
vínculos, denominados campos e verbetes (Garcia Castro: 498-513), que correspondem
aos modo de pensar as atividades (p. 482).
Desconstruindo preconceitos culturais: a capoeira
Cultura de rua e grafite
Linguagens
Escola e arte-cidadania
Arte-educação
Entre expressão e disciplina
Arte e pedagogia de/para participação
Direitos e limites
Cidadania cultural e o exercício da crítica social
Esporte – esporte e cidadania – direitos e limites
233
Um dos exemplos pode ser encontrado na página 21, onde se lê: “A mesma tendência se revela em
outras pesquisas, como a promovida pela UNESCO e pela Fundação Fiocruz (...) segundo essa pesquisa,
mais de 20% dos jovens de classe A, B, C, por exemplo, nunca vão ao cinema. Já em outra pesquisa,
também realizada no Rio de Janeiro em data mais recente (2001), tem-se que 70% dos jovens
entrevistados não vão à praia, 55% declararam não praticar nenhum esporte e 11% afirmaram nada fazer
nas horas vagas” (Garcia Castro, 2001: 21).
271
Os vocábulos adquirem significado ao serem contextualizadas nas regras e
predisposições que os orientam, que seriam os verbetes, que expressam os tipos de
projetos analisados. Isto é, as ONGs realizam atividades que podem ser definidas como
cultura de rua e grafite, linguagens, etc. ]Neste sentido, são combinados conteúdos
variados com procedimentos específicos de ações apresentadas pelas ONGs. Os
verbetes correspondem à forma como as ONGs operacionalizam os vocábulos em
projetos e experiências. Os vocábulos adquirem materialidade ao serem confrontados às
experiências desenvolvidas pelas ONGs, apresentada como uma relação harmônica
entre o conteúdo que orienta as ações e os procedimentos operacionais.
Observa-se que, mais do que reproduzir as percepções dos atores envolvidos, estes
vocábulos e verbetes constituem um léxico para pensar e construir certas práticas ou
para remodelar certas práticas de políticas públicas. A percepção dos autores é de que
novas formas de intervenção e práticas sociais devem ser experimentadas para construir
uma alternativa às políticas públicas – identificadas como repressivas – dirigidas ao
jovem. A estratégia proposta pela UNESCO-Brasil de abrir as escolas nos finais de
semana é, para os autores, uma possibilidade de experimentar as diferentes experiências
vividas por essas ONGs em um programa de envergadura e dimensão maiores. Como
visto no início do capítulo, o Programa Abrindo Espaços absorve as diferentes
inovações e formas de atuação desenvolvidas por estas ONGs. O trabalho, então, pode
ser lido também como um manifesto político de busca de parceiros para construir uma
alternativa eficaz de combate às violências, abraçada pelo Programa Abrindo Espaços
para formular uma pedagogia democrática.
“Esta pesquisa pretende ser mais um elo do que aqui se denomina cadeia ou
brigada civilizatória. De fato, destacamos o direto à cultura que, assim
como o direito à dignidade, à educação, ao acesso a serviços públicos, são
direitos que aparecem como reivindicações entre os pesquisados. Assim
também destacamos o investimento na solidariedade, tônica das
experiências analisadas, que ilustram a potencialidade do tema que vem
sendo enfatizado por distintos autores: a importância de ancorar políticas
públicas em participação.” (Garcia Castro et al., 2001: 27)
Vulnerabilidade e exclusão social – velhos conceitos, novos significados
“Na América Latina, foi fundamentalmente após a segunda Grande Guerra
que a marginalidade urbana apareceu como problema teórico e prático. (...)
272
neste primeiro momento, por conseguinte, a marginalidade foi abordada em
termos da precariedade habitacional a que estavam sujeitos estes grupos
sociais, reduzindo-se a questão a um tipo de estudo que, teoricamente,
raramente ultrapassava o limiar da problemática físico-ecológica. A
marginalidade tornava-se, assim sinônimo de “favela” ou “mocambo”,
“barriada”, “ranchos”, “cantegrilles”, “callampa” ou “vila miséria”.(...)
Num segundo momento, a questão ganha corpo. Acrescenta-se à
abordagem físico-ecológica uma gama de condições sócio-econômicas e
culturais que caracteriza os contingentes que viviam nestas áreas. Do
habitat passa-se para a maneira de viver e para uma situação de vida. Baixo
nível de renda e educação, subemprego e desemprego, desorganização
familiar, anomia, falta de participação social foram, entre muitos outros
traços, associados a estes grupos. (...) da situação de vida de certos grupos
espacialmente localizados, passa-se a focalizar a marginalidade como
decorrente de processos que afetam as camadas mais pobres da população”
(Kowarick, 1981: 13-15)
Esta citação foi extraída de Capitalismo e marginalidade na América Latina, publicado
por Lucio Kowarick em 1981 com base em sua tese de doutoramento na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Este trabalho, junto com outros, em
especial Fernando Henrique Cardoso & Enzo Faleto (1970); Robert Castel (1971);
Octavio Ianni (1971) e Celso Furtado (1961), refletia a certa preocupação, nas décadas
de 1960 e 1970, com os processos de “desenvolvimento da América Latina”. Nesta
temática, o trabalho de Kowarick abordou o uso dos termos “marginal” e
“marginalizado”, como já apontado no Capítulo 3, para referir-se a situações e
indivíduos que viveriam a “exclusão dos benefícios inerentes à sociedade urbano-
industrial” (Kowarick, 1981: 16).
Não é meu objetivo aprofundar o debate sobre o termo “marginalidade” ou “marginal” e
as questões que suscita. A citação apenas ilustra a atualidade das questões propostas na
discussão sobre marginalidade, cujos conteúdos foram resignificados em outros termos
e/ou categorias desenvolvidos em Cultivando vidas.
O termo “marginalidade” faz parte, segundo Kowarick, à classificação da
“precariedade” de certos segmentos sociais (“marginalizados”) e identifica as
“condições sócio-econômicas e culturais” destes segmentos, ou seja, examina “maneiras
de viver” e determinadas “situações de vida” que colocam estas populações em situação
de “precariedade” ou de “marginalidade”.
273
Este debate reverbera na atualidade quando comportamentos e práticas de um segmento
social – os jovens – são explicados com o uso de termos como vulnerabilidade e
situação de risco, que informam sobre “situações de vida”ou “maneiras de viver” e
sobre a precariedade – termo utilizado no Cultivando vidas – da vida dos jovens.
As experiências inovadoras descritas ao longo de Cultivando vidas são apresentadas
como alternativas e respostas de um segmento social a condições que os tornam
vulneráveis. A vulnerabilidade é associada, principalmente, a práticas e ações de
violências. Ao descrever a situação da juventude o estudo aponta as determinações que
incluem o jovem na condição de vulnerabilidade. Ou seja, certas situações e condições
tornam um determinado segmento social mais vulnerável do que outros. Diante disso, o
livro, como ocorre com os analisados anteriormente, define quem são esses jovens e as
situações e/ou condições que os tornam vulneráveis.
É interessante notar que aqui a terminologia que caracteriza o jovem neste estudo é
relativamente diferente da empregada nas pesquisas anteriores. Os jovens ora vivem em
bairros de setores populares (Garcia Castro, 2001: 20), ora são jovens de camadas
populares (p. 21) ou, ainda, jovens de classe A, B, C ou elites (idem).
O elo com as pesquisas anteriores reaparece no trinômio juventude-violência-cidadania,
mas de uma perspectiva diferente. O elemento central valorizado aqui é o eixo
cidadania, que já não explica as causas dos comportamentos e práticas violentas, mas
para aponta suas origens.
Neste sentido, o termo vulnerabilidade torna-se uma categoria-chave, pois ordenaria os
indivíduos, ou qualquer segmento demograficamente demarcado, segundo suas
situações e condições, ou do que Kowarick chamou “maneiras de viver”.
As condições que geram vulnerabilidades sociais (ou riscos sociais) para os jovens de
camadas populares (residentes em áreas periféricas) foram definidas a partir de duas
características: 1) falta de acesso a bens culturais; 2) a condição de pobreza (entendida
como falta de alternativas de sobrevivência). Estas duas condições aparecem no trecho
abaixo, indicando o caminho adotado pelos autores para tratar da situação e da condição
que colocam os jovens em situação de vulnerabilidade social.
274
“Um achado comum sobre o cotidiano de jovens que vivem em bairros de
setores populares é o caráter rotineiro de suas vidas, inclusive quanto às
atividades de lazer, quer por carências quanto a equipamentos em suas
comunidades, quer por dificuldades de acesso aos equipamentos
concentrados em bairros de classe média e alta, inclusive por não terem
meios econômicos que lhes garantam o uso de bens culturais urbanos.
Mesmo aquelas atividades promovidas em áreas públicas não são
facilmente freqüentadas. O custo do transporte é, para esses jovens, um
entre vários outros impedimentos, considerando a relação entre classe e
cultura” (Garcia Castro et al., 2001: 20 [grifos meus])
Estas situações e condições propiciam o surgimento de práticas violentas e sentidos
culturais perversos.
“A idéia é que não há uma relação linear absoluta entre pobreza e violência,
mas que, além dos efeitos negativos na qualidade de vida material, a
pobreza facilita sentidos culturais perversos, inclusive comprometendo a
subjetividade, a criatividade e a disposição para uma cultura de paz” (Op.
cit.,p. 25).
A partir desta percepção os autores analisam o que entendem como dimensões centrais
na vida dos jovens, que foram vistas como o conjunto das situações e condições que
orientam a vida juvenil e facilitam ao surgimento de práticas e/ou comportamentos
violentos. Nos termos de Kowarick, poder-se-ia dizer que o estudo trata das “condições
sócio-econômicas e culturais” que levam certos segmentos sociais a serem identificados
como marginalizados.
Desta forma, as autoras se propuseram examinar as vulnerabilidades dos jovens a partir
das dimensões centrais na vida, expressas por eles através de entrevistas e grupos focais
e do confronto com pesquisas anteriores e com dados demográficos oficiais. As
dimensões propostas foram: Trabalho – subdividido em situações de trabalho, o
significado e a importância do trabalho, uso do dinheiro, obstáculos percebidos para
obter um trabalholazer, discriminação, violênciadoméstica e institucional – e
drogas (motivos para o envolvimento com drogas). Estas dimensões geram
vulnerabilidades e podem levar ao surgimento de práticas violentas e processos
culturais perversos, que devem ser combatidos mediante processos de reinserção
através de experiências alternativas.
275
Este estudo apontou possibilidades de confronto e contrapontos às práticas geradoras de
exclusão social (sendo a violência mais uma dentre outras). Do ponto de vista das
categorias empregadas, há a preocupação em fortalecer as adesões conceituais feitas
pelas pesquisas anteriores com o “campo temático” da juventude, através da citação e de
referências constantes às pesquisas, em especial as produzidas pela UNESCO-Brasil.
Procura-se não só retratar os aspectos comportamentais do jovem e da juventude como
também apresentar mecanismos alternativos às práticas violentas. O vocabulário de
sentidos e os verbetes assinalam a necessidade de construir instrumentais para orientar
as intervenções sociais. Além da continuidade das análises anteriores, os vínculos
políticos com as ONGs são criados ou reforçados. O Projeto Abrindo Espaços é o
coroamento deste processo.
“Este estudo versa sobre experiências promovidas por organizações não-
governamentais (ONGs) e entidades do setor público junto a jovens em
situações de pobreza, acionando oficinas, cursos, e atividades ligadas à arte,
cultura, educação para cidadania, esporte, lazer. O intuito é explorar a
construção de um vocabulário de sentidos para uma cultura que se
contraponha a culturas de violências; documentar esforços pela construção
de espaços de democratização dos acessos a bens culturais; registrar
testemunhos de impactos de tais experiências nas vidas dos jovens, seus
familiares e de suas comunidades, em particular, mudanças ou
distanciamento de violências” (Op.cit. p. 21).
Violências nas escolas – consolidando as estratégias de intervenção
O estudo Violência nas escolas (2002) pode ser considerado o maior investimento da
UNESCO-Brasil em termos de pesquisa. O estudo aborda as percepções sobre diversos
tipos de violências de alunos, pais e membros do corpo técnico-pedagógico em escolas
públicas e privadas. (http://www.ucb.br/observatorio/livro_violencias.doc) e descreve a
freqüência e a gravidade dos incidentes; avalia seu impacto sobre a aprendizagem; e
identifica os mecanismos adotados e/ou recomendáveis – de prevenção, redução e
erradicação do problema (Abramovay e Rua, 2002: 30).
Seus resultados foram amplamente divulgados na mídia impressa e televisiva e os
pesquisadores promoveram e participaram de diversos seminários e debates entre 2002
e 2003.
276
Quadro 15: Matérias de Jornais Violência nas escolas
Matérias de jornais
Unesco apresenta hoje resultado de pesquisa sobre violência” (18/04/2002 Globo Online
– Plantão, Rio de Janeiro).
Perigo na escola (18/04/2002 A Tarde, Salvador).
Pesquisadoras lançam estudo sobre violência nas Escolas” (19/04/2002 Correio da
Bahia, Salvador).
Unesco propõe ações para conter crimes nas escolas” (24/04/2002 Correio Braziliense,
Brasília).
Com base em pesquisas, Unesco promove debates sobre violência” (03/05/2002 JB em
Tempo Real, Rio de Janeiro).
Cresce homicídio entre os jovens” (04/05/2002 Diário de Cuiabá, Cuiabá).
Unesco promove no Rio debates sobre violência” (06/05/2002 JB em Tempo Real, Rio de
Janeiro).
Pesquisa revela que 4% dos alunos vão à escola armados” (07/05/2002 Estado de São
Paulo, São Paulo).
Comissão da Câmara discute violência nas escolas” (31/05/2002 Brasil Online).
Congresso realiza seminário sobre violência nas escolas” (04/06/2002 Último Segundo).
Unesco diz que drogas são forte indutor da violência” (05/06/2002 Terra).
Unesco critica falta de atitude contra violência” (05/06/2002 Panorama Brasil).
Seminário debate violência nas escolas” (05/06/2002 Popular. Últimas Notícias).
Comissões de Educação discutem violência nas escolas” (05/06/2002 Brasil Online).
Medidas repressivas não funcionam, diz Unesco” (07/06/2002 Diário da Manhã,
Goiânia).
29% dos alunos de São Paulo já viram armas nas escolas” (19/06/2002
B
rasil em Tempo
Real).
Estudo mapeia violência ao redor das escolas brasileiras” (05/09/2002 Tribuna
Impressa).
Unesco investiga como a violência atinge as escolas (28/11/2002 O Globo, Rio de
Janeiro).
Esta ampla divulgação fortaleceu as iniciativas da UNESCO-Brasil no campo da
elaboração e execução de políticas públicas através do Programa Abrindo Espaços, que
em 2002 já havia tido início em outras localidades (Cf. Introdução).
Nos capítulos anteriores me detive na análise promovida pela UNESCO-Brasil para
identificar e qualificar um determinado segmento social, buscando seus atributos e
qualificativos a partir da elaboração de uma imagem sobre seus hábitos, costumes e
comportamentos. A categorização e organização destes atributos em uma narrativa
específica, permitiram à UNESCO-Brasil e seus parceiros obter respaldo e legitimidade
para promover iniciativas destinadas a atender este segmento social. Estas iniciativas se
basearam, em primeiro lugar, na força e credibilidade das agências do Sistema da ONU,
em particular da UNESCO, perante os governos nacionais. Entretanto, acredito que no
Brasil esta influência maior se deva às adesões e alianças que a Organização estabeleceu
277
com segmentos importantes da vida política nacional, em particular o mundo
universitário e as ONGs. A intimidade e confiança foram essenciais para criar essas
relações, como afirma o representante da UNESCO no Brasil na epígrafe do Capítulo 4.
A relação entre educação, violência e juventude já vinha sendo amplamente debatida e
discutida, nas pesquisas promovidas pela UNESCO-Brasil e na literatura acadêmica
especializada, que denominei “campo temático”, de acordo com Guaraná Castro (2005),
em larga medida capturado e realinhado nas pesquisas analisadas nos capítulos
anteriores.
Com o início da fase experimental do Programa Abrindo Espaços, em 2000, fazia-se
necessário subsidiar os executores do programa com dados, relatos e informações
234
.
Apesar do número considerável de informações colhidas nas diferentes pesquisas e da
visibilidade dos dados de órgãos públicos, tais como o Instituto Brasileiro de Estatística
(IBGE), o Instituto Nacional de Pesquisas Estatísticas em Educação (INEP) e o Sistema
de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/DATASUS),
amplamente empregados, não havia uma análise única e comparativa, de abrangência
nacional, sobre a relação entre educação, violência e juventude que unificasse os
discursos dispersos de instituições e/ou indivíduos.
Esta análise veio a público em Violências nas escolas. A opção de examinar a educação
a partir da escola se fundamentava na crença – amplamente divulgada
235
– no papel
central da escola no processo pedagógico
236
. A relação entre educação e violência já
constava de alguns documentos, como o PRODOC, analisado no capítulo anterior, e das
diretrizes estabelecidas em Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz.
“Várias pesquisas que vêm sendo promovidas pela UNESCO no Brasil
destacam que a violência que envolve jovens quer como vítimas, quer
como agentes diretos tem comportamento oscilante durante a semana,
aumentando os índices de agressões e criminalidade nos finais de semana.
Por outro lado, outras pesquisas também do acervo da UNESCO frisam
234
Vale lembrar, como já dito, que a publicação mapa da violência havia se transformado na série Mapa
da violência, e, que em 2002 estava na terceira edição.
235
Esta percepção do papel da educação está presente nos principais documentos da organização e das
principais agências do Sistema da ONU. Desde sua criação, a UNESCO prega a primazia da educação no
processo de socialização e construção dos valores individuais (Cf Capítulo 1).
236
O papel relevante da escola no processo educacional é quase consenso na literatura, sendo considerada
a instituição responsável pela preparação do jovem para ingressar no mundo adulto Berquó (1998).
278
a demanda dos jovens por lugares e equipamentos para o exercício de
atividades lúdicas, recreativas e esportivas, espaços de sociabilidade e
de manifestação de criatividade artística, em suas diversas expressões.
Também se alerta para a relação entre dimensões de não pertencimento
cidadão: desencanto com os aparatos institucionais, discriminação,
exclusões político-econômico-sociais e perda de referencial ético
valorativo coletivo, assim como baixa auto-estima, com propensão a se
enredar em violências, drogas e atos de vandalismo” (Noleto, 2001: 5
[grifos meus]).
Os trechos acima levantam aspectos importantes e relativamente distintos dos discutidos
nas pesquisas de 1998 e 1999. O primeiro trecho traz um dado importante, que provém
das pesquisas de 1999 e do relatório da equipe de avaliação do programa Escolas de
Paz, ao inferir uma relação, não abertamente declarada, entre a ociosidade dos jovens e
as práticas violentas.
As explicações para isto partiam do pressuposto de que os jovens – por diversos
motivos – estariam ausentes da escola ou fora do mercado de trabalho. Em
conseqüência, estariam mais vulneráveis a situações de risco. No segundo trecho os
autores afirmam que os jovens também não construíram uma relação de pertencimento
cidadão, o que os torna mais vulneráveis e propensos a se enredar em violências,
drogas e atos de vandalismo. Na sentença seguinte são expostos os efeitos e as
conseqüências desta perda de pertencimento cidadão, com afirmações sobre o
desencanto [dos jovens] com os aparatos institucionais, (...) e a perda de referencial
ético valorativo coletivo.
Estes trechos corroboram a responsabilização do poder público pelo desencanto e perda
de referencial ético valorativo dos jovens. Esta responsabilidade – e aqui a acusação
parece ser de negligência - do poder público é demonstrada quando a falta de
equipamentos para o exercício de atividades surge como uma das explicações para
alguns comportamentos dos jovens. Isto já havia sido sinalizado na análise de
Cultivando vidas e das demais pesquisas. A novidade é que Violência nas Escolas trata
exatamente desta problemática. Neste sentido, o processo de consolidação de uma
narrativa (promovida por todos os estudos analisados) se dá ao tratar especificamente da
(co)responsabilidade da escola, por ser esta um dos espaços responsáveis pela
transmissão de referenciais éticos valorativos que deveriam orientar os indivíduos.
279
“(...) Quando a UNESCO persegue uma cultura de paz, percebe-se logo que
a âncora dessa busca é a educação. É por intermédio da educação que
reside a esperança da formação de mentes verdadeiramente democráticas.
(...) A educação deve ter como objetivos o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. Ela deve promover a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e os
grupos religiosos e raciais.” (Noleto, 2001: 7 [grifos meus]).
Como espaço para a transmissão de valores, a escola é o locus privilegiado para a
aplicação de ações e programas voltados para o jovem. No entanto, isto exigia
apontar/evidenciar a fragilidade e a incapacidade dos atores envolvidos neste espaço de
responder às demandas e exigências que, segundo as pesquisas, eram um contraponto às
práticas e comportamentos violentos, por incutirem nos jovens o compromisso com o
respeito pelos direitos humanos e defenderem os ideais de liberdade e tolerância.
O olhar dos pesquisadores se fixa nos diversos atores da escola (professores, alunos,
pessoal administrativo e técnico, pais, policiais, vizinhos, funcionários de órgãos
administrativos etc.). No entanto, o eixo do trabalho reside nas percepções, opiniões e
representações dos alunos.
O universo escolar aparece como o espaço social e político onde as críticas e as
interpretações das instituições públicas são feitas. Ao mesmo tempo, as percepções e
análises da ineficácia de procedimentos adotados pelos órgãos públicos, abrem espaço
para propor alternativas e formas de gestão e operacionalização da unidade escolar.
Nestes termos, ao contrário de Cultivando Vidas, que deu visibilidade às experiências
de valorização e transmissão de valores por instituições não estatais, aqui o foco é
transformar a escola.
Operacionalização – dados sobre as equipes
Considerando-se a produção das ciências sociais no Brasil, a grandiosidade do projeto
salta aos olhos quando observamos sua estrutura. A pesquisa foi promovida pela
UNESCO em parceria com o Instituto Ayrton Senna, o Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre (HIV/AIDS UNAIDS), o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), a
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), a União Nacional dos
280
Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME), a Fundação Ford, o Ministério da
Saúde, o Governo Federal e o Banco Mundial.
O estudo mobilizou uma equipe ainda maior do que as publicações anteriores e ampliou
o número de equipes de campo responsáveis pela coleta e primeira sistematização dos
dados. A coordenação, denominada equipe responsável, foi composta por Miriam
Abramovay, do Banco Mundial e Maria das Graças Rua, da UNESCO
237
e a equipe foi
amparada por dezesseis colaboradores e assistentes de pesquisa em Brasília.
A pesquisa foi realizada em 14 Estados da Federação: Alagoas, Amazonas, Bahia,
Ceará, Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Rio
835 -e po BS6(eul Ri) de SONGs u S Tj0.0007 Tc -.079 3Tw 0 -1.725 TD[(A s ércicia e ainstrma9( ents dm)9( pregdos d]TJ0.00041Tc 0.2181 Tw 16.7 3T Td[ninclu355rim )3.965 -ue stion341,ias dmntrecaluno1c 0.1832 Tc 0 Tw 0-1493 -1.725 -1.72ninclu Tj0.0007 1 0 0.01c 0.10 Tc e 315 901c 0.1oUmsrpo e ainst0 Tw 0-149Tw 16.7 091Td[(donsim)8(po)(ico-pedagrns3gicoi)-135 lizs e a ede )5es ac e
281
Mato Grosso Universidade Federal Candido Rondon.
Ceará Universidade Federal do Ceará. Núcleo de Psicologia
Comunitária/Departamento de Psicologia.
Doutorado
Pará Universidade Federal Popular Doutorado
Pernambuco Centro de Cultura Luiz Freire.
Rio Grande do
Sul
Themis. Graduação
Rio de Janeiro Instituto de Estudos da Religião. Sem informação
Santa Catarina Grupo de Apoio de Prevenção à AIDS.
São Paulo Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação.
Programa Juventude.
Sem informação
Fonte: Violência nas escolas
*Título do responsável local pela pesquisa.
Este quadro mostra que a maioria dos integrantes das equipes de campo possuíam
doutorado, o que dá ao trabalho respaldo do ponto de vista universitário. A presença de
integrantes de ONGs conferiu ao estudo a possibilidade de diálogo conceitual, talvez
não na mesma proporção do que ocorreu com o trabalho Cultivando vidas, mas criou
uma parceria do ponto de vista da terminologia e da gramática empregadas.
Da juventude à escola – definindo os espaços da violência
Para analisar este material utilizei os mesmos procedimentos já adotados, de enfocar o
livro a partir de seus vínculos com certos “autores-fontes” ao construir um determinado
discurso sobre a escola.
O primeiro aspecto que chama atenção no Violência nas escolas, comparado às
publicações anteriores, é a incorporação de novos autores e referências na discussão dos
temas violência e escola. Fazendo as ressalvas necessárias, é importante apontar que
este estudo não tem como eixo de análise os temas juventude, violência e cidadania,
mas o que denomina violência nas escolas. Há uma valorização a posteriori de autores
com publicações anteriores a 1997 – que poderiam ter sido mencionados nas pesquisas
de 1998 e 1999 –, tratadas aqui como contribuições importantes.
Neste sentido, as omissões ou acréscimos de autores estão associados aos caminhos
percorridos pela UNESCO-Brasil e às diferentes ações e alianças conceituais da
organização. Com relação às pesquisas anteriores, há grande quantidade de referências e
citações de autores internacionais, com ênfase em análises provenientes dos EUA,
França e Espanha.
282
Violência e escola: novas alianças conceituais
O livro emprega a expressão violência escolar para designar um conjunto de atos
praticados no interior da escola que atingem os indivíduos fisicamente (agressões),
moralmente (xingamentos, desrespeitos) e socialmente (pichações, depredações e
roubo), que classifiquei em tipos de violências. Segundo Abramovay e Rua, estes atos
têm reflexos no processo de aprendizado do aluno e na imagem da escola como espaço
de aprendizado e formação.
Para identificar estes tipos de violências, o texto se ampara em certos “autores-fontes”
nacionais, mas principalmente internacionais, como Eric Debarbieux (1996, 1998)
239
,
Jean-Claude Chesnais (1981), Jaques Dupâquier (1990) e Meredith Watts (1998) que
trataram da violência escolar a partir da variabilidade de sentidos produzidos e vividos
pelos atores envolvidos. Citando Debarbieux (1996),
“Analisando historicamente a tradição dos estudos da violência no meio
escolar, Debarbieux chama atenção para importantes mudanças tanto no
que é considerado violência como, também, no olhar a partir do qual o tema
é abordado. ‘Uma lição especial da história poderia ser esta variabilidade de
sentidos da violência na educação correlacionada às representações da
infância e da educação’ (Debarbieux, 1996: 32 apud Abramovay e Rua,
2002: 67).
De acordo com os autores, o termo abriga situações diversificadas, que vão dos
pequenos delitos e ataques à propriedade aos atentados contra a vida, e que poderiam
estar associados a outras questões e realidades, mas que, pela complexidade do tema e a
239
Na época da pesquisa, Eric Debarbieux era professor da Universidade Bordeaux II. Sua esposa,
Catherine Blaya, era docente no Instituto Universitário de Formação de Professores da França. Em 1998
os dois organizaram o “Observatoire Européen de la Violence en Milieu Scolaire”. Em 2001 promoveram
a primeira conferência mundial “Violences à l’école et politiques publiques”, realizada em Paris com
apoio da UNESCO e do Parlamento Europeu. (http://www.obsviolence.u-
bordeaux2.fr/presentation/index.html). Em 2003, foi realizada a 2ª Conferência Mundial, no Quebec
(Canadá). Neste evento, o diretor geral da UNESCO-Brasil apresentou “Tackling Violence in Schools: the
role of UNESCO-Brazil”, em que relatou a experiência do Programa Abrindo Espaços em algumas
cidades do Brasil. A presença e participação de Debarbieux e Blaya nas atividades da UNESCO-Brasil
tiveram início em 2002, quando da realização do “Seminário internacional sobre as violências nas
escolas” em novembro, promovido pela UNESCO-Brasil em parceria com a Universidade Católica de
Brasília e apoio do PNUD. Nesta oportunidade, Debarbieux foi convidado a assumir o cargo de
coordenador da equipe de pesquisa e avaliação da UNESCO-Brasil, que ocupou até o primeiro semestre
de 2005.
283
heterogeneidade das manifestações, são tratadas como violências. Apesar de apontarem
a complexidade do termo e a dificuldade de conceituá-lo, os autores sinalizam a
existência de um consenso básico na literatura. Todo ato de agressão - física, moral,
institucional – que tenha como alvo a integridade do(s) indivíduo(s) ou grupo(s) é
considerado ato de violência (Abramovay e Rua, 2002).
“Mas há consenso de que não só a violência física mereceria atenção, já que
outros tipos podem ser traumáticos e graves, sendo recomendado escutar as
vítimas e a comunidade acadêmica, para construir noções sobre violência
mais afins com as realidades experimentadas e as realidades
experimentadas e os sentidos percebidos pelos envolvidos” (Abramovay e
Rua, 2002: ).
Definido que há um consenso na literatura quanto a pensar a violência a partir de
múltiplas dimensões, o texto se volta para a literatura específica sobre violência escolar,
para apontar nela uma multiplicidade de olhares e focos de interesse. Pois, a partir de
Bernard Charlot (1997), a própria violência escolar é um fenômeno heterogêneo e
desestrutura as representações sociais que têm valor fundador: aquela da infância
(inocência), a da escola (refúgio de paz) e a própria sociedade (pacificadora no regime
democrático) (Abramovay e Rua, 2002: 69). Esta citação leva a entender a violência
escolar como uma prática antidemocrática, pois atinge o refúgio de paz.
A segunda dinâmica consiste em classificar e qualificar as violências escolares com
base em sua natureza. As violências praticadas no universo escolar podem ser atos
associados ao que denominam violência (roubos, violência sexual, ferimentos, crimes
etc.), atos de incivilidade (humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito) e
violência institucional e simbólica (violência nas relações).
Para os autores, esta hierarquia permite compreender os fenômenos estudados de forma
mais ampla e diversificada, ao tratar como violência certas ações oriundas da quebra do
diálogo (intimidações, injúrias, delitos contra objetos e propriedades etc.) e examinar as
violências simbólicas.
“A escola se destaca especialmente como um lócus de violência simbólica,
pelo poder do exercício da comunicação racional, segundo a linha seguida
por Bourdieu, que se refere ao poder exercido por uma ordem dominante
como aquelas que agem por meio de sanções da instituição escolar (...).”
284
(Abramovay e Rua: 340)
A noção de incivilidade foi atribuída a uma preocupação essencialmente européia, com
repercussão maior nas análises francesas, em especial a partir do trabalho de Angelina
Peralva (1997)
“Nos últimos anos, chama a atenção o aumento, ou o registro, de atos
delituosos e de pequenas e grandes ‘incivilidades’ [Nota das autoras:
‘Peralva (1997) trata a violência como fenômeno que se sustenta na
incivilidade contrapondo o termo ‘civilidade’ adotado por Norbert Elias’]
nas escolas. (...) Tornam-se mais visíveis as transgressões, os atos
agressivos os incidentes mais ou menos graves que têm como palco a
escola ou seu entorno, onde todos os atores (alunos, professores, o corpo
técnico-pedagógico, pais e agentes de segurança) sentem-se vítimas em
potencial. Este angustiante sentimento de vulnerabilidade, segundo
Debarbieux (1998: 13), expressa a existência de uma tensão social, que
desencadeia insegurança no cotidiano das pessoas, mesmo não sendo elas
vítimas diretas de crimes e delitos - reflexão corrente no acervo da literatura
internacional sobre o tema.” (Abramovay e Rua, 2002: 93).
Se a incivilidade é uma preocupação francesa, para autores como Dupâquier (1999) e
Lia Fukui (1992) seria importante distinguir violência de agressividade (expressão da
incivilidade), visto que nem toda manifestação de agressividade é um ato de violência,
pois pode não desejar a destruição do outro.
O contraponto é apaziguado com a citação de Debarbieux (1998), as incivilidades
seriam violências anti-sociais e anti-escolares, quando mais traumáticas, pois
silenciosas e banalizadas para proteção da escola, tomando muitas vezes a forma de
violência simbólica (Abramovay e Rua, 2002:).
Abramovay e Rua propõem então tratar as violências a partir da idéia de Debarbieux e
Catherine Blaya (2002) de substituir o incivilidade por ’microviolência’, noção
desenvolvida por Debarbieux e Blaya em “Violência nas escolas e políticas públicas”,
editado pela UNESCO-Brasil
240
. O termo seria mais sensível para tratar de violências
em processos interativos.
240
Na “Introdução”, o trabalho é apresentado como uma continuidade das ações do Observatório
Europeu de Violência nas Escolas, que divulga pesquisas sobre o tema. Já na “Apresentação”, assinada
pelo representante da UNESCO-Brasil, o livro é parte de um plano para tornar disponíveis as obras mais
285
O texto realça o crescimento das pesquisas e o investimento cada vez maior na análise
de um fenômeno a partir de múltiplas dimensões. Este crescimento seria observado em
escala internacional, destacando-se aqueles feitos no Brasil, Inglaterra, Estados Unidos,
Espanha e França.
São mencionados alguns estudos feitos na Inglaterra e na Espanha que apontam as
dificuldades dos pesquisadores para conceituar a violência escolar, visto que o termo
violência não é comumente usado para qualificar atos praticados por professores contra
alunos, e vice-versa, devido às suas conotações emocionais (Abramovay e Rua, 2002).
Termos como “agressividade”, “comportamento agressivo”, “bullying” e “disruption
seriam mais apropriados para lidar com certas situações do cotidiano escolar. Na
Espanha, a partir do trabalho de Rosário Ortega (2001), haveria um constrangimento
moral na qualificação de certos atos de violência - em especial aqueles praticados contra
jovens e crianças - como violência escolar. Já nos Estados Unidos o foco tenderia a se
fixar no exterior da escola, nas gangues, segundo as autoras, que citam o trabalho do
“autor-fonte” John Hagedorn “As American as Apple Pie. Paterns in American Gang
Violence” de 1997. Neste caso, as expressões utilizadas seriam “delinqüência juvenil”,
condutas desordeiras”, “comportamento anti-social” fazendo referência aos autores
Daniel Flanery “School Violence: Risk, Preventive Intervention and Policy” (1997) e
Watts, “Cross-Cultural Perspectives on Youth and Violence” (1998).
Ao tratar da pesquisa realizada no Brasil, as autoras observam que a partir de meados
dos anos 1990 há consenso em tratar como violência todas as manifestações de
agressão, tanto as praticadas contra o patrimônio quanto aquelas contra a pessoa
(alunos, professores, funcionários etc.). Nesta constatação são citados os trabalhos de
Fukui (1992), Sposito (1998,), Guimarães (1996), Candau (1999) e Minayo et al.
(1999).
Quanto às explicações das causas da violência escolar, o texto organiza o debate a partir
de dois critérios: identificar os estudos que tratam dos aspectos externos da violência
significativas sobre violências nas escolas, a UNESCO tomou a iniciativa de traduzir e publicar este
livro, dirigido por duas das maiores personalidades da área: Eric Debarbieux e Catherine Blaya.
(Debarbieux e Blaya, 2002: 10)
286
escolar (exógenos) e os que analisam os aspectos internos (endógenos).
Resumidamente, os fatores exógenos referem-se a explicações de ordem
socioeconômica, ao agravamento das exclusões sociais, raciais e de gênero, à perda de
referencial entre os jovens, ao surgimento de galeras, gangues, tráfico de drogas,
desestruturação familiar etc. e à perda dos espaços de sociabilidade. São citados os
seguintes “autores-fonte”: Candau, Lucinda e Nascimento, 1998; Guimarães, 1998;
Belintane, 1998; Artz, 1998; Peignard, 1998; Payet, 1997 e Zinnecker, 1998
241
. Apesar
destes fatores não serem tratados pela literatura como condicionantes, estariam na
origem da explicação de muitos casos de violência praticados nas escolas. Nesta
perspectiva, a escola torna-se vítima de situações que fogem ao seu controle, sendo
objeto de atos de violência.
As variáveis endógenas correspondem ao tratamento da violência a partir de aspectos
como o nível de escolaridade dos estudantes (Flannery, 1997 e Fuch et al., 1996), o
sistema de normas e regras, a disciplina dos projetos políticos pedagógicos (Hayden,
2001; Blaya, 2001 e Ramogino et al., 1997), a quebra dos pactos de convivência
interna, o desrespeito de professores com alunos e vice-versa, a má qualidade do ensino,
a carência de recursos (Sposito, 1998; Feldman, 1998 e Blaya, 2001). As autoras
informam que estas variáveis internas geram dificuldades e tensões no cotidiano escolar,
com reflexos externos. Ou seja, os conflitos internos repercutem no relacionamento
extra-escolar e podem se manifestar na comunidade, na família e nas práticas e
comportamentos externos, em particular dos alunos.
Diante disso, os autores enfatizam que tanto no nível da elaboração conceitual a respeito
da violência escolar quanto no nível das propostas para superá-la deve-se considerar os
múltiplos olhares, percepções e modelos de análise produzidos de perspectivas distintas.
As autoras, partindo de Debarbieux (2001) e Watts (1998), constatam ser necessário
proceder a estudos multidisciplinares e transnacionais para comparar experiências
distintas e encontrar afinidades que levem a uma maior compreensão do fenômeno da
violência escolar.
241
No anexo 5.2 constam os “autores-fontes” citados neste trabalho.
287
O último elemento destacado é a constatação, a partir dos “autores-fonte”, de que a
escola passa por transformações em sua identidade, seu papel e sua função social.
Nestes termos, sugerem alinhar perspectivas macrossociais sobre juventudes, violência
e exclusão social com estudos etnográficos sobre o universo escolar.
Chama a atenção nesse estudo a forte presença de “autores-fontes” estrangeiros, o que
indica a intenção de situar o estudo em um “campo temático” com uma perspectiva mais
global. Além disso, como ilustra a atuação de Debarbieux como responsável pelo setor
de pesquisa da UNESCO-Brasil, havia também o objetivo de estabelecer novas alianças
e adesões institucionais mediante fóruns, congressos e seminários internacionais.
Os autores estrangeiros são utilizados, na sua maioria, para fornecer categorias
explicativas das causas da violência, o que demonstra a preocupação em atentar para
modelos explicativos internacionais no entendimento de problemas sociais locais. Os
autores nacionais, em contrapartida fornecem exemplos, casos e interpretações sobre
aspectos especificamente nacionais. Dentre os temas abordados por estes últimos, os de
maior incidência são os associados a discussão sobre o papel da educação.
“No caso brasileiro, a crise da educação vem sendo agravada pela inserção
da violência em suas diversificadas formas no mundo racional da escola,
derrubando os alicerces da educação, desde a autoridade do professor até o
abandono das exigências mínimas de aprovação. (Barreto, 1992: 59-60
apud Abramovay e Rua, 2001: 87)
“Significados sociais da escola são questionados na literatura brasileira para
melhor compreender a causa da violência nas escolas nos dias de hoje, e
são comuns as análises que apontam os percalços da educação face à
globalização da economia, mudanças do mundo do trabalho, lugar da ética
e extensão da ideologia consumista e individualista. Em especial, frisa-se a
perda da importância da educação para a mobilidade social e - marca dos
autores brasileiros - a chamada para as linguagens juvenis, o anseio do
pertencimento, da participação e o tradicionalismo da linguagem de um
tradicionalismo mais formal” (Guimarães, 1996; Sposito, 1998 apud
Abramovay e Rua, 2001: p. 91)
“Alguns estudos ressaltam cuidado especial com o projeto pedagógico das
escolas, e o modo como os atores - alunos, professores, pais e funcionários
- situam - se em face do fenômeno da violência nas escolas (entre outros
Lucinda, Nascimento e Candau, 1999). Segundo Camacho, em estudo de
caso realizado em Vitória/ES, a escola brasileira estaria passando por uma
288
‘crise de socialização’, devendo, então revisar os valores e os conceitos
formadores da educação, principalmente o referente à disciplina. Essa
autora concluiu que as ações ficam muito mais centralizadas no processo
pedagógico do que na ‘proposta educativa’”. (Abramovay e Rua, 2001: p.
91)
As autoras destacam a preocupação - por via dos “autores-fonte” nacionais - do tema da
educação no processo de construção do pertencimento cidadão, como indicado na
brochura Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz. Do ponto de vista do
discurso político, a educação é tratada no país como tema central e prioritário. Como
visto antes, o discurso da UNESCO-Brasil e de seus parceiros se ampara na valorização
da educação e da escola como elementos indiscutíveis e inegociáveis na construção da
cidadania.
Entretanto, a tradução desta compreensão no Programa Abrindo Espaços fica aquém
das percepções e questões levantadas e sugeridas em Violências nas escolas. A escola,
como visto no capítulo anterior, deixa de ser ator no processo transformador e passa a
ser objeto da ação daqueles capazes de se contraporem, com modelos alternativos, à
ineficácia dos aparelhos estatais.
Ao tratar determinado fenômeno mediante o emprego de referenciais consagrados ou
considerados indiscutíveis, a violência escolar adquire um efeito propositivo importante
e com maior credibilidade.
Apesar de ser tema relativamente recente
242
, a relação violência-escola era (é) um tema
nobre nas ciências sociais, o que ajuda entender o impacto da publicação. A divulgação
242
Sposito (2001) mostra que os primeiros estudos sobre violência no meio escolar surgiram na esteira
dos debates da década de 1980 sobre violência urbana. “Nesses primeiros anos da década de 1980
observa-se certo consenso em torno da idéia de que as unidades escolares precisavam ser protegidas, no
seu cotidiano, de elementos estranhos, os moradores dos bairros periféricos, atribuindo a eles a condição
de marginais ou delinqüentes. Tratava-se assim de uma concepção de violência expressa nas ações de
depredação do patrimônio público, especialmente, e, em menor grau, no medo da invasão dos prédios por
adolescentes ou jovens moradores, aparentemente sem vínculo com a unidade escolar” (Sposito, 2001: 9).
De acordo com um levantamento da autora (1999 e 2000), a produção de pós-graduação sobre violência
escolar no período 1980-1998 era muito pequena. “Somando-se o conjunto de teses e dissertações
produzidas entre 1980 e 1998 em toda a pós-graduação em Educação no Brasil verificamos que, de um
total de 8.667 trabalhos, somente nove investigaram o tema da violência escolar (Sposito, 2000). Em
Ciências Sociais, considerada a produção de onze Programas de pós-graduação (compreendendo centros
de intensa produção como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul)
289
dos resultados nos meios de comunicação fio fundamental para os desdobramentos das
ações da UNESCO-Brasil, como indica a extensão do Programa Abrindo Espaços para
outros estados e municípios.
Quadro 17 Programa Abrindo Espaços
Estados Nome do Programa Ano de início
Rio de Janeiro Escolas de Paz 2000
Pernambuco Escolas Abertas 2000
Bahia Abrindo Espaços 2001
São Paulo Escola da Família 2003
Rio Grande do Sul Escola Aberta para a Cidadania 2003
Piauí Escola Comunidade 2003
Minas Gerais Abrindo Espaço na Escola Viva, Comunidade Ativa 2003
Juazeiro (Bahia) Construindo Cidadania e Conquistando a Paz 2003
Maceió Cidadela 2003
(Governo Federal) Escola Aberta: educação, cultura, esporte e
trabalho para a juventude
2004
Confrontando o trabalho de Abramovay e Rua (2002) com as pesquisas publicadas em
1998 e 1999, observa-se que persiste o foco nas causas das violências e a ampliação de
referências aos tipos de violência praticados no interior das escolas.
Depois desse estudo a UNESCO-Brasil foi convidada por diferentes instituições
públicas e privadas para discorrer sobre diversos aspectos tratados no livro. Os dados,
reproduzidos em 109 tabelas, 18 gráficos e 18 quadros, foram amplamente divulgados e
reproduzidos nos meios de comunicação. A partir de 2003 o livro rendeu subprodutos,
como uma versão resumida, uma versão contendo unicamente o debate conceitual e
outra com temas específicos como, por exemplo, os tipos de violência mais observados
pela pesquisa
243
.
Considerações finais
verifica-se que nesse mesmo período nenhuma dissertação ou tese de doutorado foi defendida sobre o
tema em relação a um total de 2.495 títulos objetos de exame (Sposito, 1999)” (Sposito, 2001: 3).
243
Violência nas escolas está na 4ª edição. Em 2004 foi lançado Violências nas escolas: versão resumida.
A partir de 2002 a UNESCO-Brasil lançou diversos livros e brochuras sobre o tema: Juventude, violência
e vulnerabilidade social na América Latina desafios para políticas públicas; Estratégias educativas para
la prevención de la violencia: mediación y diálogo, Rosario Ortega e Rosário del Rey; Violence in
Schools and Public Policy e Violence in Schools: Ten Approaches in Europe, ÉricDebarbieux, e
Catherine Blaya; Por um novo paradigma do fazer políticas: políticas de/para/com juventudes, Mary G.
Castro e Miriam Abramovay; Desafios e alternativas: violências nas escolas. Anais do Seminário
Violências nas Escolas, Brasília, 2002, Éric Debarbieux et alii.
290
Cultivando Vidas pode ser entendido como uma continuidade do conjunto de
publicações da UNESCO-Brasil cujo pano de fundo era a constituição de saberes
voltados para a intervenção pública.
Se nos trabalhos de 1998 e 1999 o exercício consistiu em conferir atributos a um
segmento social e, através de certas operações, concebê-lo como público alvo de ações e
projetos específicos, os trabalhos subseqüentes abordaram outras dimensões, requisitos
para a elaboração de políticas públicas.
Cultivando Vidas tenta apreender diferentes experiências junto à população jovem para
alcançar uma melhor compreensão das possibilidades de ação junto a este segmento. Ao
mesmo tempo, o trabalho estabeleceu diálogos com ONGS diferentes, ao compartilhar
opiniões, idéias, percepções e léxicos e abrir caminho para a formação de uma ampla
rede de reciprocidade.
Violências nas Escolas - estudo iniciado no mesmo período (2000), mas publicado dois
anos depois - envolveu um investimento maior tanto do ponto de vista da
operacionalização quanto das discussões e temas abordados. Seu desafio parecia ser
definir um locus que viabilizasse uma política pública. A escola seria o espaço propício
para uma ação desta natureza, dado que seu objetivo é preparar a criança para assumir
uma vida responsável em uma sociedade livre, com espírito de compreensão, paz,
tolerância, igualdade de sexos e amizades entre todos os povos, grupos étnicos,
nacionais, religiosos e pessoas de origem indígena (Abramovay e Rua, 2002: 22)
244
.
A opção da UNESCO-Brasil por trabalhar com escolas corresponde à visão amplamente
difundida e aceita por muitos de que a escola, além da família, representa uma dimensão
fundamental da vida social, principalmente por seu papel nos processos de socialização
e de formação dos indivíduos. Desta maneira, o debate de Violências nas Escolas é
permeado por uma forte crença no papel civilizatório da educação, em particular da
escola.
244
Este trecho corresponde ao artigo 29, inciso da Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989.
291
Neste ponto, gostaria de resgatar a análise de Peralva (1997) citada em Violências nas
escolas, (p. 74, 85, 93 e 335), para entender algumas preocupações do estudo. À luz de
Elias e Durkheim, esta autora trabalha com a idéia de um momento caracterizado por
uma “relação pós-convencional às normas” (Op. cit.: p.12), manifesta na debilitação dos
processos de “codificação dos comportamentos” (Idem), o que implica em uma
compreensão do enfraquecimento da capacidade do Estado-nacional para criar uma
“ordem central” agregadora e civilizatória
245
. Nestes termos, a escola – agente produtor
e reprodutor de modelos comportamentais e normativos – estaria gradativamente
perdendo seu vínculo com esta “ordem central” e fornecendo cada vez menos modelos
culturais e ideológicos, o que instauraria uma “defasagem entre categorias que
pertencem à esfera das representações ou dos modelos orientadores das práticas, e as
categorias que pertencem à esfera das práticas, elas próprias gestadoras de modelos
novos” (Op. cit.: p. 13)
246
.
Apesar da percepção de que a unidade escolar não atende às expectativas de promover
o “pertencimento cidadão” em diferentes níveis, o espaço escolar continua sendo
encarado como locus privilegiado para empreender o processo de socialização. Mas, ao
invés desta socialização se dar pela via dos mecanismos públicos – considerados, em
última instância, ineficazes – este processo passaria por caminhos alternativos e seria
movido por referências que pertencem ao universo dos valores e dos direitos.
245
“Vivemos aquilo que Giles Lipovestky designou como crepúsculo do dever, que implicava na
subordinação do sujeito a regras de comportamento que lhe eram exteriores, ao passo que hoje ele se
orienta cada vez mais por escolhas individuais, a partir de um espectro consideravelmente mais amplo de
possibilidades” (Peralva, 1997: 13).
246
“A escola funcionou durante muito tempo como um micro-Estado – isto é, aquilo que classicamente
era designado como uma instituição, um espaço definido por fronteiras, no interior do qual um governo
central era exercido. Esse micro-Estado era um Estado dentro do Estado, um Estado por delegação,
conforme nos ensinou Durkheim (1975), para quem a legitimidade da instituição escolar, do educador e
do processo educativo fundava-se em uma delegação de funções referida a uma entidade maior, a
sociedade nacional. Hoje, sabemos que já não é mais assim: já não há mais nas escolas um modelo de
ordem central, bem como geralmente já não é mais possível encontrar nelas governo que se considere
suficientemente legítimo para exigir a qualquer preço, sob pena de punição, o cumprimento de uma
ordem codificada através de regulamentos. A vontade de exercer controle sobre os requerimentos
próprios da ordem, sob forma de monopólio, se debilitou” (Peralva, 1997: 12).
292
OBSERVAÇÕES FINAIS
Se retornamos às observações contidas na introdução do presente texto quanto ao que é
‘fazer políticas públicas’ num ‘contexto democrático’, sobre os modos pelos quais as
ações governamentais se configuram num dado momento enquanto intervenções
públicas, se nos indagamos acerca das formas como os cientistas sociais (lato sensu)
são delas participantes, quer na qualidade de especialistas capazes de formular
diagnósticos e propostas de solução para problemas sociais, quer na de produtores de
conhecimento inovador, então, para encerrar esse trabalho, cabe-me aqui pensar, muito
brevemente, sobre um universo muito mais amplo de discussões que são parte do
cenário em que a ação da UNESCO-Brasil se deu e se dá. Refiro-me aos debates que
têm conectado, desde o início dos anos 1990, idéias sobre a melhoria de vida dos povos,
idéias sobre o exercício da democracia, propostas de revisão de contextos nacionais
rumo a uma maior igualdade social, proposições quanto à ação de organismos de
cooperação internacional, para ficarmos apenas com algumas virtualidades. Opto, por
cautela, por apresentar ao final da tese essas observações, sem a pretensão de deduzir as
práticas que abordei ao longo dos capítulos desse universo de questões ‘intelectuais’:
afinal a ação dos cientistas sociais ‘pede’ sempre para ser vista assim, enquanto,
primariamente, debate de idéias, afastado das articulações da vida política cotidiana.
Os processos de intervenção governamental em cenários públicos em diferentes áreas
(rural e urbana) têm se tornado cada vez mais um instrumento de instauração da
“modernidade”, a partir da idéia de re-ordenamento dos espaços públicos. Em uma
perspectiva histórica a intervenção como modalidade de organização dos espaços e das
demarcações de território não é novidade, tendo caracterizado diferentes momentos da
vida social de países nos diversos continentes, em particular depois da segunda guerra
293
monitoramento” (Vieira, 2001:143)
Esta nova orientação da ONU tem-se respaldado em um conjunto de elaborações a cerca
do poder político e dos diferentes agentes sociais envolvidos. Uma parte da literatura
mais recente nas ciências sociais tem procurado enfatizar esta nova orientação
entendida como uma mudança qualitativa – no estabelecimento dos mecanismos de
interlocução entre “poder público e sociedade”. (Fisher 1997; Ribeiro, 1998; Gohn,
2000; Navarro, 2000). Dentre estas novidades a questão da participação popular
adquire um significado particular sendo percebida como uma “intervenção social
planejada” em oposição à idéia que prevaleceu nas décadas anteriores onde esta era
definida como um conjunto de forças organizadas para garantir o controle dos recursos
públicos (Gohn, 2000)
247
. No plano dos discursos a mudança do conteúdo do termo
participação popular, do exercício pleno da cidadania em ‘contextos democráticos’,
gerou a constituição de formas de mensurar o grau de participação dos indivíduos e
agentes sociais, estabelecendo desta maneira um “controle” sobre a forma como
indivíduos e grupos intervinham (Navarro, 2000).
A mudança de status da idéia de participação popular tem sua origem em uma série de
desdobramentos nacionais e internacionais. No plano nacional, o processo de
democratização e a abertura política dos anos 80, assim como a ampliação dos
chamados movimentos sociais, são apontados como grandes impulsionadores da
participação popular, percebido neste primeiro momento como um movimento de
massas (Doimo, 1995). No plano internacional o eixo da análise tem se apoiado nas
premissas habermasianas (Habermas, 2004) sobre a redefinição do espaço público e nas
definições de Norberto Bobbio (1992) sobre os mecanismos de governo, em especial
sobre poder local, e governo local.
Para Habermas, a idéia de espaço público tem que ser visto como uma esfera ordenada
onde se concretize a interação entre os grupos organizados da sociedade, de diferentes
unidades, organizações, corporações, associações, movimentos sociais etc. A natureza
dessa esfera é a da argumentação, ou seja, é um espaço para o confronto dos problemas
247
Como salientou Gohn (2000: 4), a partir da constituição de 1988 “Leis orgânicas específicas passaram
a regulamentar o direito constitucional à participação por meio de conselhos deliberativos, de composição
paritária entre representantes do poder executivo e de instituições da sociedade civil”.
294
coletivos. O espaço público se diferencia do espaço estatal, pois o que no primeiro está
em jogo são questões de cunho moral produzindo demandas ao Estado. Do ponto de
vista dos desdobramentos destas premissas encontramos as definições de Norberto
Bobbio (1992) sobre o re-ordenamento dos mecanismos de gestão e coordenação das
políticas públicas no que se convencionou chamar de “teoria democrática”.
De forma muito resumida podemos sugerir que o discurso da “teoria democrática” se
fundamenta a partir de dois eixos; em primeiro lugar na afirmação da perda da
legitimidade do “Estado” no que se refere às ações públicas (crise do walfare state). Em
segundo lugar na percepção de que vem se ampliando a participação dos “setores
organizados” na elaboração de projetos de intervenção pública. Estes dois eixos
permitem concluir que as funções estatais vêm sendo redefinidas, sugerindo desta
maneira a idéia de uma nova governança. Fisher (1997:440) chama a atenção para a
redefinição da idéia de ação coletiva, que põe em movimento atores dispersos local e
globalmente configurando uma nova dimensão às ações públicas e conseqüentemente à
noção de governança. Como sugere o autor “the Study of these changes not only
enriches our understanding of local and translocal connections that enable and constrain
flows of ideas, knowledge, funding, and people, but also invites us to reconsider both
conventional notions of governance and foucaultian ideas of governmentality and how
technologies of control affect both the personal and the political, and to examine
changing relationships among citizenry, associations, and the state.” (Fisher 1997: 441).
É importante salientar que o conceito de governança adquire um teor de explicação para
determinados fenômenos da organização político administrativa local, a partir do
estabelecimento de fóruns internacionais como a “Comissão Mundial sobre Governança
Global”, ocorrido em 1993 (Gohn, 2000). A materialidade da idéia de governança se
efetua no estabelecimento de espaços de cooperação e através da integração entre
diferentes agentes sociais, econômicos, políticos, privados, nacionais e internacionais.
Neste sentido a idéia de governança é entendida como uma nova forma de definir o
papel do Estado, que passa a deter novas características, tais como as de coordenar os
projetos de serviços públicos. A governança pode então ser compreendida a partir das
premissas habermasianas, como a instituição de um novo espaço público não estatal
composto de diferentes atores sociais, inclusive dos agentes estatais. Para a “teoria
democrática” o conteúdo da idéia de governança aparece como um elemento em disputa
295
onde, como estabeleceu Ribeiro (1998) o que estaria em jogo é “um modelo de
desenvolvimento orientado por valores e objetivos de integração, justiça e
solidariedade sociais e de fortalecimento da cidadania”.
Nesse contexto, em 1988, o então secretário das Nações Unidas Javier Pérez de Cuéllar
e o diretor geral da UNESCO, Federico Mayor, lançam um documento intitulado
Década mundial do desenvolvimento cultural”, este documento tinha como objetivo
tentar explicar porque certos projetos de desenvolvimento haviam fracassado. Segundo
os autores isto se dava porque “a importância do fator humano – a teia complexa de
relações, crenças, valores e motivações existente no centro de toda a cultura – fora
subestimada em muitos projetos de desenvolvimento.” (Cuéllar, 1997). Este relatório
gerou uma série de discussões em especial na 26º Sessão Conferência Geral da
UNESCO, onde em cooperação com as Nações Unidas foi criada a “Comissão Mundial
de Cultura e Desenvolvimento Independente”. O objetivo da Comissão era junto como
“homens e mulheres eminentes de todas as regiões do mundo, versados em diversas
disciplinas, para preparar um Relatório Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento e
propostas para ação urgente e de longo prazo, a fim de responder às necessidades
culturais no contexto de desenvolvimento.” (id. 12). Esta proposta foi aprovada no
mesmo ano na Assembléia Geral das Nações Unidas. O relatório foi publicado em 1996
(e em 1997 no Brasil) sob título Nossa Diversidade criadora: Relatório da Comissão
Mundial de Cultura e Desenvolvimento
248
.
Percebemos, aqui, uma conexão temática que propositalmente deixei pouco aparente –
mesmo porque minimizada no material que trabalhei, mas nada ausente do cotidiano
que vivenciei: a com a ampla constelação discursiva em torno da idéia de
desenvolvimento.
248
Uma análise minuciosa do relatório pode fornecer pistas importantes para compreender a mudança de
postura das agencias internacionais em relação as premissas que orientam as políticas publicas.
296
Desenvolvimento como discurso
As preocupações sobre o desenvolvimento, como muito bem assinalado por Mair
(1984); Crush (1998); Crewe e Harrison (1998); Fisher (1997), Cowen e Shenton
(1998); Hoben (1982), dentre outros autores, levaram antropólogos e cientistas sociais a
se indagarem sobre quais os efeitos produzidos pelas ações desenvolvimentistas e como
se insere o cientista social, muitas vezes assumindo a “função” de expert. Por outro lado
Mair, Crush, Crewe e Harrison, por exemplo, chamam ainda a atenção para o
significado positivo que o termo desenvolvimento foi assumindo no campo das ciências
sociais ao longo dos últimos 30 anos, designando um conjunto de ações que visam a
melhoria da qualidade de vida, em oposição aos debates do passado
249
.
Os autores mencionados acima tendem a coincidir em suas análises – com algumas
particularidades – mostrando que o discurso sobre desenvolvimento, tem como marco o
discurso pronunciado pelo presidente dos USA Trumann em 1949. No entanto, nos anos
subseqüentes – com a instituição dos organismos multilaterais e a posterior, e muito
mais recente, instauração da perspectiva da cooperação internacional – o discurso do
desenvolvimento se consolidou em projetos de intervenção pública, partindo da idéia de
que era preciso organizar economicamente as nações “atrasadas” e essencialmente
rurais denominadas de Terceiro Mundo
250.
Assim, a empresa desenvolvimentista no Terceiro Mundo suscitou – em conjunção com
as reflexões sobre a modernidade – um conjunto de críticas de outros autores que
procuraram refletir sobre a empresa desenvolvimentista de diferentes aspectos. Partindo
dos efeitos gerados pelas ações desenvolvimentistas, os estudos dirigiam suas
investigações aos mecanismos e aos procedimentos operacionais da intervenção.
Matrizes diferentes orientaram trabalhos bem diversificados no que tange ao objeto de
análise privilegiado. (Escobar, 1995; Ferguson, 1994; Grilo, 1997; Pels, 1997)
249
Vale salientar como mostrou Pels (1997), que nas décadas de 40/50 houve uma mobilização da
comunidade científica norte-americana contra a participação de cientistas sociais nos projetos de
desenvolvimento.
250
Dentro desta perspectiva é cunhado o termo LDCs (less developped countries). Para maiores
informações ver Ferguson 1994; Escobar, 1995.
297
Se de um lado, como vimos, a crítica inspirada nas proposições habermasianas quanto à
separação Estado/sociedade suscitou diversos trabalhos com ênfase na redefinição dos
espaços públicos e nos debates sobre “modernidade” e “racionalidade” (Navarro, 2000;
Ghon, 2000; Ribeiro, 1998), por outro, os trabalhos de Michel Foucault também
instigaram uma série de reflexões acerca das relações entre poderes, saberes e formas de
controle administrativos, no que tange às ações desenvolvimentistas
Dessa perspectiva, pensar o desenvolvimento como discurso permitiu deslocar o eixo de
análise das ações cunhadas como desenvolvimentistas, para o campo do que Foucault
denominou de “formações discursivas” (Foucault, 1995: 37). Desta forma foi possível
refletir sobre o desenvolvimento como uma forma de identificação e construção do
“outro”, do “nativo”, do “pobre” do “subdesenvolvido”. Desta perspectiva é possível
perceber nas ações desenvolvimentistas certos traços de continuidade das experiências e
práticas coloniais, ou ainda, nos termos de Foucault com a incorporação de novos
mecanismos de exercício do poder ao “direito de soberania”. O eixo de continuidade
com a empresa colonial talvez resida menos nas “tecnologias” empregadas, e mais na
perspectiva de incorporação a um tipo de dominação, técnicas e procedimentos
disciplinares
251
.
Um dos trabalhos que talvez se aproxima mais da perspectiva de Michel Foucault é o de
Arturo Escobar, Encountering Development (1995), que procura mostrar como a
construção do Terceiro Mundo e a idéia de países “mais desenvolvidos e países menos
desenvolvidos” se apóia em uma série de formulações que orientaram a empresa
colonial, fornecendo um fio condutor entre um tipo de intervenção e outra
252
. Para
251
“Esse novo mecanismo de poder apóia-se mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos.
É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo
de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas
de taxas e obrigações distribuídas no tempo; supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do
que a existência física de um soberano. Finalmente, ele se apóia no princípio, que representa uma nova
economia de poder, segundo o qual se deve propiciar simultaneamente o crescimento das forcas
dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina.” E mais adiante, “a teoria da soberania
está vinculada a uma forma de poder que se exerce muito mais sobre a terra e seus produtos do que sobre
aos corpos e seus atos: se refere à extração e apropriação pelo poder dos bens e da riqueza e não do
trabalho; permite transcrever em termos jurídicos obrigações descontínuas e distribuídas no tempo;
possibilita fundamentar o poder na existência física do soberano, sem recorrer a sistemas de vigilância
contínuos e permanentes; permite fundar o poder absoluto no gasto irrestrito, mas não calcular o poder
com um gasto mínimo e uma eficiência máxima”. (Foucault, 1984: 187-188).
252
Um outro exemplo desta perspectiva é o trabalho de Rist (1997) que situa o desenvolvimento como
uma ordem de pensamento originado na idéias evolucionistas desde o século XVIII.
298
tentar explicar sua tese da “continuidade com a empresa” Escobar parte das definições
de Bhabha sobre a empresa colonial, onde:
“The objective of colonial discourse is to construe the colonized as
population of degenerate types on the basis of racial origin, in order to
justify conquest and to establish systems of administration and instruction...
I am referring to a form of governmentality that in marking out a ‘subject
nation’ appropriates, directs and dominates its various spheres of activity.”
(Bhabha, 1990:75, apud, Escobar, 1995: 9)
A empresa desenvolvimentista deve ser entendida então como uma constelação de
relações complexas entre formas de conhecimento e estabelecimento de mecanismos de
ação
253
. Escobar organiza sua análise sobre o desenvolvimento em três eixos: 1) como
uma experiência histórica que elaborou um tipo de conhecimento com categorias e
conceitos próprios; 2) como um sistema de poder que regula as práticas; 3) como
artefato promotor de uma série de representações que identificam, ordenam e organizam
as ações dos indivíduos entre “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”. Ou seja, o
desenvolvimento é pensado como um complexo aparato produtor de conhecimento e
técnicas de exercício de poder para agir sobre populações do “terceiro mundo”. (cf.
Escobar, 1995)
Para Escobar não se trata apenas de desvendar as origens do processo de construção do
problema da intervenção desenvolvimentista, mas também de mostrar como este se
constitui em ações, e quem são os agentes que participam da empresa
desenvolvimentista. Partindo do desenvolvimento como uma experiência discursiva que
cria conhecimentos, age sobre populações e estabelece uma serie de modelos de ação,
Escobar realiza sua pesquisa procurando determinar quais foram as condições históricas
299
de explicá-lo, compreendê-lo, interpretá-lo. Por outro lado os “enunciados” não se
relacionam apenas a um único “objeto”. Os objetos de que falam os diferentes
“enunciados”, foram e são modificados, reorganizados e explicados de forma diferente.
Logo nos termos de Foucault, a “unidade” do discurso não estaria nos seus diferentes
enunciados, mas nas “regras discursivas” que regem e orientam as formações
discursivas (cf. Foucault, 1995).
O autor procura uma origem, um momento de nascimento da idéia de desenvolvimento.
No pós-guerra (1945-1950) as preocupações com a miséria e a fome levaram as
agências internacionais a empreenderem uma serie de estudos e projetos de intervenção
para proporem soluções a estes problemas. Assim fazendo, Escobar desnaturaliza os
processos de intervenção inserindo-os em um processo de constituição, reconhecendo-
lhes uma história própria.
Como a partir de uma série de imagens, representações, identificações de causas e
efeitos o desenvolvimento se transforma em um feixe de “práticas discursivas”? Dentro
desta ótica o trabalho de Escobar realiza uma análise interessante sobre as práticas
políticas, principalmente aquelas orientadas para as políticas públicas. A política deixa
de ser pensada do ponto de vista do contrato social, e é percebida enquanto uma
complexa articulação de diferentes agentes sociais. Noções como “Estado” e
“administração pública”, em geral privilegiadas na análise sobre poder e ação política,
perdem seu caráter totalizador, passando a ser usadas para designar realidades
entendidas sob a forma de redes múltiplas.
Desse modo, Escobar procura desvelar como são estabelecidas certas relações, no caso,
entre Estados nacionais, agências locais, agências internacionais. Parte do pressuposto
que os processos de intervenção pública são construções “coletivas”, para onde
confluem diferentes experiências, valores, ideologias, representações que acabam por
constituir práticas de regulação, criando e controlando realidades nos mundos sociais
em que são postos em prática. Como afirmou Foucault (1995) o poder não é uma
substância, mas um conjunto de ações que se exerce de forma relacional. Algumas das
principais perguntas de Escobar podem ser assim sumarizadas: de que maneira as ações
cunhadas como “políticas” e outras como “não políticas”, revertem em práticas de
intervenção? Se as esferas tradicionais como “Estados”, “administração pública” e
300
“partidos” não são detentoras do monopólio da ação política, como são e quais são as
ações que geram relações de poder? A pergunta proposta por Escobar no meu entender
está correta, no entanto a forma como o autor procura respondê-las evidencia alguns
limites da sua investigação.
O trabalho de Escobar sofreu inúmeras críticas, mas levantou questões interessantes do
ponto de vista da análise do campo discursivo do desenvolvimento254. Ao tomar o
desenvolvimento como um discurso, nos colocamos um problema, que não está
resolvido no trabalho de Escobar (1995): como compreender as ações dos indivíduos
para além dos objetivos e das intenções? Ou, como operar com o que Simmel (1983)
denominaria das “incertezas” dos processos interativos?
Sob premissas metodológicas semelhantes, mas enfocando outros aspectos, alguns
autores como Kaufmann (1997); Rew (1997); Woost (1997); Mosse (1997); Ferguson
(1994) deslocaram o eixo da interpretação dos “regimes discursivos” para as “práticas
institucionais”. Como sugere Ferguson (1994:9) “a questão aqui diz respeito ao
desenvolvimento como uma entidade social em seus próprios direitos: um conjunto de
instituições de desenvolvimento agências e ideologias peculiareursivossl o1ihoe4o ao
301
relação a outras esferas sociais, mantendo graus de interdependência com estas. São
possuidoras de certas regras de conduta e normatizadas por certos dispositivos. Dentre
estas regras e procedimentos a questão técnica (discurso científico) assume uma
dimensão importante. Ao mesmo tempo que afirma que o discurso se sustenta em uma
construção técnica da realidade (que também é política), utiliza a oposição técnica x
política para diferenciar objetos discursivos – ou seja, pensar o desenvolvimento como
“unidade institucional” permite olhar para aquilo que Foucault denominou de “contexto
institucional” (Foucault, 1995: 51-56) da formação discursiva, compreender a posição
do sujeito que fala. Nestes termos a análise de Ferguson, ao fornecer “autonomia
relativa” aos discursos das agências interventoras, possibilita um olhar mais complexo
sobre as práticas, regras e normas institucionais. Todavia, Ferguson não leva em
consideração uma das “condições” necessárias para o aparecimento de um objeto
discursivo e conseqüentemente de uma prática discursiva.
“O objeto não espera nos limbos a ordem que vai liberá-lo e permitir-lhe
que se encarne em uma visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si
mesmo, retido por algum obstáculo aos primeiros contornos de luz, mas
existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações.” E
mais adiante. “Essas relações são estabelecidas entre instituições, processos
econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas,
técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização; e estas relações
não estão presentes no objeto: (...) elas não definem a constituição interna
do objeto, mas o que lhe permite aparecer.” (Foucault, 1995:51)
Ao tratar das agências interventoras e de suas práticas, Ferguson destaca que no campo
do “regime das representações” o que orienta a intervenção são saberes e conhecimentos
deslocados dos saberes e conhecimentos locais. Este é um ponto especialmente
importante para a análise dessa tese, e eu diria que mais amplamente para se entender a
intervenção da UNESCO-Brasil no tocante ao trinômio juventude-violência-cidadania
e, possivelmente para outras intervenções articuladas por organizações similares no
contexto brasileiro contemporâneo. Assim, é possível conceber as intervenções, no caso
aquelas providas pelo Banco Mundial, como um “large standardized package”
(Ferguson, 1994:70), acatando a afirmação de Tendler (1975:88-90) segundo a qual
“(...) a prime institutional need of the agencies and the bureaucrats is to ‘move
money’(...)” e, “Their problem is to find the right kind of problem; the kind of
‘problem’ that requires the ‘solution’ they are there to provide.”( Tendler,1975: 70).
302
Se a análise de Ferguson for entendida deste ponto de vista, fica mais clara sua
percepção da máquina desenvolvimentista como uma máquina anti-política mas com
efeitos políticos. Ou seja, no plano das representações o que orienta as práticas
institucionais são imagens, modelos, e percepções hegemônicas do pensamento
ocidental que se opõem às representações e imagens locais.
No meu entender falta á análise de Ferguson uma maior percepção daquilo que Foucault
chamou de relações que permitem ao objeto discursivo aparecer. Operando com
discursos opostos (política x ciência), onde a política é entendida como um conjunto de
procedimentos de gestão e administração do poder
255
, e ciência como dispositivo que
orienta procedimentos e praticas institucionais, Ferguson deixa de perceber a própria
dinâmica da constituição dos dispositivos políticos e técnicos que no plano local
garantem a intervenção. Dispositivos estes que não são opostos e nem se
operacionalizam de forma distante.
Alguns dos trabalhos integrantes da já mencionada coletânea editada por Ralph Grillo
(1997), “Discourse of development”, ao abordar diferentes situações de intervenção
chamam atenção para aspectos distintos das práticas de intervenção. O trabalho de
Georgia Kaufmann, Watching the developers: a partial ethnography, por exemplo,
destaca a situação de interação entre os “developers” e os “nativos”, enfatizando que a
arena da intervenção modifica, afeta e re-ordena os próprios objetivos dos “developers”,
causando em alguns casos a própria redefinição das orientações institucionais. Através
da análise de algumas motivações que levaram os “developers” a trabalharem em certas
situações de intervenção, foi possível para a autora perceber que em determinadas
situações, aquilo que Ferguson denominou de “large standardized package” – um
conjunto de práticas, signos, termos – adquire significados distintos.
“The choice of words reflects not only different ideological positions, but
also different goals. Institutions and bureaucracies define their goals and
255
Como pode ser percebido no seguinte trecho, em que procura definir o papel da burocracia no Lesotho
“The bureaucracy becomes the vehicle for the exercise of a particular kind of power; and this is not as
some kind of mistake or pathology, but as an essential part of what the bureaucracy in fact is, what it is all
about.” (Ferguson, 1994: 194). Em outra passagem o autor afirma “In this perspectives the
‘development’ apparatus in Lesotho is not a machine for eliminating poverty that is incidentally involved
with the state bureaucracy; it is a machine for reinforcing and expanding the exercise of bureaucracy state
power, which incidentally takes ‘poverty’ as its point of entry” (255).
303
courses of action (policy and projects) as a result of their comprehension
and definition of what constitutes a problem and its resolution.” (p.117)
A abordagem da autora permite pensar a força dos processos interativos na constituição
das práticas discursivas. A “ação social”, a interação aparece como um momento
privilegiado para investigar os processos de constituição dos discursos e práticas. E
neste sentido é possível perceber a polissemia no uso dos jargões desenvolvimentistas.
Nos termos aqui trabalhados a constituição de uma intervenção pressupõe a definição e
o estabelecimento de um público alvo – elemento necessário para conceber um projeto
de intervenção. Os atributos destes segmentos sociais são ordenados e definidos a partir
de diferentes critérios que essencialmente são classificados entre violentos (agressores)
e não violentos (vítimas). Enfim, critérios que mais ou menos confirmam o “pacote” ao
qual Ferguson se refere, podendo ser aplicados a outras realidades
De acordo com De Swaam (1988) a análise das práticas de intervenção pública do
passado e do presente podem revelar as formas encontradas pelas administrações, de
controlar os efeitos negativos causados pela formação dos Estados nacionais.
Concordando com essa perspectiva, acredito que esteja em jogo, também, a construção,
nos termos de Foucault (1997), da inserção dos sujeitos sociais, das suas histórias,
comportamentos e costumes não só como mecanismo de ampliação da cidadania, mas
também como forma de aprimoramento das formas de controle e de gestão das
populações por parte dos poderes públicos.
Em uma outra perspectiva, mas não muito distante podemos retomar as considerações
de Charles Tilly (1996) sobre os processos de reordenamento dos Estados nacionais pós
segunda guerra. Para este autor os países do “Terceiro Mundo” por influência de
diferentes fatores procuraram seguir o modelo de organização de Estado implementado
na Europa nos últimos séculos. Tilly, porém, ressalta a diferença existente entre estas
unidades. Diferenças estas que não estariam nas estruturas formais (tribunais,
legislaturas, burocracias, exército), mas sim nas relações que estas organizações formais
mantêm com os “cidadãos” desses Estados nacionais, na forma e no modo como estas
instituições operam (1996: 277). O fato da unidade Estado nacional ser considerada um
modelo de organização social não deve impedir de se constatar os mecanismos
304
diferenciais que a tornaram uma unidade em si. O mundo do pós-guerra, com a marca
da bipolaridade, gerou uma nova forma de relacionamento entre as unidades nacionais.
E foi significativo, naquele contexto, o papel das colônias, ou mais precisamente, a
forma como as “grandes potências” vencedoras da segunda guerra participaram das
lutas pela autonomia destas colônias. Observe-se que esse é um tema largamente
tratado nas resoluções da UNESCO, subsumido mais amplamente à idéia de criação de
uma Cultura de Paz, para a qual o papel principal da agência seria oferecer ajuda e
assistência. A “coerção” e o “capital”, motores de análise de Tilly, definitivamente
apreenderam e implementaram novas estratégias e novas modalidades de ação a partir
do final da segunda guerra.
A análise de Charles Tilly nos permite entrever que, apesar da existência de um certo
“modelo” de intervenção mais amplo, a empresa desenvolvimentista, por lidar com
contextos diversos, com profissionais diversos, organizações sociais também diversas,
teve que impingir mecanismos e formas de intervenção que fossem capazes de se
adaptar as realidades locais.
A experiência de atuação da UNESCO no Brasil, por meio do Programa Abrindo
Espaços, ajuda a elucidar os mecanismos que são acionados, as alianças necessárias e as
redes que precisam ser captadas para que a empreitada seja vitoriosa.
Internacionalizando práticas e formando cosmovisões
Um outro aspecto que gostaria apenas de comentar, pois dialoga diretamente com meu
objeto de estudo, diz respeito à relação entre unidades soberanas, localizadas em
determinados territórios e unidades transnacionais definidas aqui como organismos
internacionais – sem território fixo. Compreender os fundamentos dessa relação poderá
revelar de forma mais cristalina, como processos e mecanismos de prevenção a
fenômenos, que são denominados de globais, e, por esta natureza, caracterizados como
problemas são ordenados em escalas distintas, mas em muitos casos tratados como
locais.
305
Uma das modalidades de relacionamento entre estas unidades é dada através da idéia de
cooperação internacional ou cooperação técnica, que, de acordo com a Agência
Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC) é definida da
seguinte maneira:
“A cooperação técnica internacional constitui importante instrumento de
desenvolvimento, auxiliando um país a promover mudanças estruturais nos
seus sistemas produtivos, como forma de superar restrições que tolhem seu
natural crescimento”. Os programas implementados sob sua égide
permitem transferir conhecimentos, experiências de sucesso e sofisticados
equipamentos, contribuindo assim para capacitar recursos humanos e
fortalecer instituições do país receptor, a possibilitar-lhe salto qualitativo de
caráter duradouro” (http://www.abc.mre.gov.br/ct/ct.asp).
De acordo com esta definição, observa-se que o governo brasileiro assinala alguns
aspectos importantes conferidos à cooperação: em primeiro lugar define a cooperação
técnica internacional como um instrumento de desenvolvimento o que significa afirmar
a dimensão instrumental, ou mesmo metodológica que assume a cooperação dentro de
uma estratégia mais geral que é o desenvolvimento. Uma segunda dimensão é a
percepção de que a cooperação transfere conhecimentos, experiências e sofisticados
equipamentos. Estes, por sua vez, contribuiriam para capacitar recursos humanos e
fortalecer instituições. Esta dimensão poderia ser chamada também de pedagógica, pois
não apenas transfere conhecimento, mas fornece os modelos operacionais instituindo
uma forma específica de transmissão desses conhecimentos.
Estas duas dimensões expostas no site do Ministério das Relações Exteriores, e que são
freqüentes em textos comprometidos com a idéia e a prática de cooperação, suscitam
algumas questões importantes, para tentar compreender esta modalidade de
relacionamento. O primeiro aspecto que se destaca é o fato de não haver uma
identificação ou mesmo a definição de um “sujeito” da cooperação, mas apenas uma
identificação vaga sobre o objeto da cooperação (desenvolvimento) e o local (país). Por
sua vez, o termo internacional (vago e abstrato), utilizado para identificar o pólo
emissor das ações também é associado a um outro termo que geralmente é utilizado para
qualificar as ações de cooperação internacional, que é o termo global.
306
Esta associação, no entanto, não deve ser interpretada como uma superposição de
termos, mas sim como uma atitude política e ideológica. Nestes termos poder-se-ia
utilizar a idéia de Pearce (2000), segundo a qual o eixo norteador da cooperação estaria
fundamentado em “alianças globais” ou na definição de temas “globais”, e menos em
“consensos retóricos”.
“I shall argue that the age of a rhetorical consensus should be declared
over. Instead, I would partly agree with Michael Edwards (1999) that we
should definitively shift from the ‘foreign aid’ paradigm towards a new
idea of international cooperation, based on broad alliances between
different actors and institutions involved in the struggle against global
poverty and exploitation. Building global alliances or ‘constituencies for
change’, he argues, would enable human beings to co-determine their future
on the world stage” (Pearce, 2000: 2)
Tal tipo de visão também é compartilhada por outros autores (Barros, 2005; Bastos,
2002), que indicam a constituição de uma “temática global” ou uma “problemática
global” (Barros, 2005:6) como elementos ordenadores da relação entre unidades
soberanas nacionais e uma unidade internacional.
Essa análise leva a concluir que, de acordo com a definição do Ministério das Relações
Exteriores, a cooperação técnica internacional é um instrumento que pode ser utilizado
no cenário nacional. No entanto, este instrumento deve ser empregado quando associado
a um determinado conteúdo um tema, ou uma problemática, fornecendo a este
instrumento um aspecto político/ideológico. Como Barros ressaltou, no tocante à
cooperação na área do ambientalismo:
“Parte-se do pressuposto geral de que a consolidação da ideologia / utopia
do ambientalismo e a instrumentalização de vários de seus princípios em
escala mundial com a concepção da ideologia / utopia do desenvolvimento
sustentável foi viabilizada pela estruturação de um campo polinucleado de
poder” (Barros, 2005:p. 1).
Com a noção de “campo polinucleado de poder” a autora procurou responder a uma
problemática analítica que era tentar compreender quais as forças sociais e políticas que
formam ou dão conteúdos às ideologias / utopias. Chamando atenção para uma
dimensão importante das práticas de cooperação internacional que dizem respeito à
necessidade do objeto da intervenção ser construído como uma “problemática global”
307
(Barros, 2005: 6), ou seja, formado a partir de uma diversidade de atores. Estes –
continua a autora – “(...) se influenciam mutuamente, por meio de relações de oposição
e complementariedade, que buscam impor uma nova racionalidade às formas de
organização social em suas múltiplas dimensões”.
Esta percepção se articula com a idéia de que a construção desta problemática passa
necessariamente pela conformação de um “campo político”, que, como destaca,
interfere/infere nas formas de ordenamento e distribuição de poder dos “sujeitos
políticos”, que atuam como atores/autores sociais na definição e no estabelecimento das
demandas e necessidades globais.
Este ordenamento de “sujeitos políticos” atuando como “atores-núcleos” são
compreendidos não como “unidades isoladas”, mas como “partes de relações por eles
configuradas” (Barros, 2005: 3), inseridos em um “campo polinucleado de poder”,
investidos da possibilidade de instituir/definir as “racionalidades” indicadas como
demandas “globais”. Esta perspectiva mostra-se interessante ao conceber que a
legitimidade que garante a estes “sujeitos políticos”, ou mesmo ao “campo polinucleado
de poder”, inferir e definir demandas globais, transcende a certas pressuposições que
concebem as relações internacionais como disputas/consensos formuladas por unidades
soberanas e coesas.
Carlos Lopes (representante das Nações Unidas e do PNUD no Brasil), no livro
Cooperação e desenvolvimento humano. Agenda emergente para o novo milênio
publicado em 2005, atenta para um outro aspecto da cooperação, que é o do
desenvolvimento de capacidades,
“O mundo não vive um choque de civilização. O mundo vive uma
civilização humana diversa e plural. Entender este mundo requer abertura à
diversidade e liberdade cultural. Essa atitude não pode ser entendida, e
muito menos defendida, sem uma atualização da moral e da ética. Essa
atualização deve comportar as cautelas aqui evocadas. Nada é mais
redutível a unidades celulares. Descobrimos com o genoma humano a
complexidade do que somos. Percebemos com a física quântica a gama de
atributos do universo. Mas paradoxalmente os seres humanos têm
dificuldade de admitir que não existem identidades tão finamente definidas
e classificadas. O desafio ético de hoje, esse passatempo dos filósofos, é
admitir as diferenças e considerá-las enriquecedoras. Este livro tenta
308
abordar frontalmente tais desafios, sobretudo no concernente ao
desenvolvimento de capacidades. É o lado mais complexo da cooperação,
tal como ela se pratica nos dias de hoje.” (Lopes, 2005: 41)
Compreender o mundo significa (re)aprender, a olhar e a refletir sobre ele, ou seja, a
diversidade e a liberdade trouxeram novas demandas, novas necessidades. A proposta
não é apenas respeita-lás mas agir sobre, defini-la, instaurar sobre ela dispositivos
capazes de prever e prescrever seus movimentos suas ações. Como nos lembra Foucault
(2004: p. 8) é intervir sobre “múltiplos corpos” dispersos, fragmentados. Construir esses
“corpos”, significa identificar, classificar, construí-los como “sujeitos sociais”.
No caso dessa tese, estes “corpos” são os jovens - rebeldes, contestatórios, idealistas,
transformadores – mas também são agressores, violentos, agem contra si e contra os
outros. Precisam ser pacificados, educados. O operador pedagógico é a democracia
como lembra Habermas (2004) capaz de inserir esses jovens no que Carlos Lopes
chamou de humanidade plural e diversa.
O que parece estar em jogo nesse cenário é uma disputa política e científica sobre esses
“corpos”, ou seja construir e definir quem são os educadores, os formuladores de
políticas públicas capazes de entender o que o mundo quer, e principalmente saber
como fazer.
As questões levantadas nessa tese e a forma adotada para o tratamento tiveram como
preocupação estabelecer um diálogo constante entre o “antropólogo” e o “cidadão”, ou
seja, refletir sobre a dimensão política e ética da elaboração e transmissão de
conhecimento. Procurei tanto no processo de redação do trabalho quanto na abordagem
das pesquisas analisadas olhar com essa dupla perspectiva. Não foi meu objetivo
“denunciar” ou revelar as “incongruências” e “inconsistências” de um tipo específico de
produção de conhecimento. Mas ao contrário, procurar encontrar uma chave de leitura
possível desse modus operandi de produção e transmissão de conhecimento. Tenho
consciência dos limites e das fragilidades dessa operação, assim como dos desafios
impostos por ela. Porém, acredito ter proposto um diálogo sobre certas relações
importantes e pouco trabalhadas, inspirado no que tem sido chamado de “sociologia da
produção sociológica”. Não era meu objetivo discutir um “campo temático” específico
de produção, mas o diálogo entre esses “campos” e outros; entre aqueles que produzem
309
a partir de temas como juventude, violência e cidadania e aqueles que elaboram e
produzem políticas públicas, políticas governamentais, e políticas sociais. Entre os dois
há aqueles que traduzem os temas, que dão materialidade, fornecem – nos termos de
Simmel (1983) “conteúdo” ás “sociações” – conectam-nos com, os objetivos, interesses
e “cosmovisões” do “mundo” ao qual pertencem, ou atuam.
A equação montada com o trinômio juventude-violência-cidadania tratado em muitos
casos pelas pesquisas analisadas aqui, de forma acrítica ou mesmo de forma
“superficial” revela não apenas uma “ligeireza”, fruto das imposições temporais das
agências financiadoras, mas também a aceitação de certos “cânones”, terminologias,
expressões, conceitos e categorias “seqüestradas” de um certo espaço de construção e
reflexão e inseridas em outros contextos com outros objetivos.
Não acredito também na divisão comumente utilizada – em uma vulgata “intelectual” –
para distinguir a produção “aplicada” da produção “teórica”, estabelecendo oposições
tanto sobre instituições e lócus específicos de produção, quanto classificando e
distinguindo pessoas e suas opções políticas, éticas, profissionais, pessoais etc.,
colocando em campos “opostos” “transmissores” e “produtores”.
As pesquisa da UNESCO-Brasil assim como o Programa Abrindo Espaços inscrevem-
se em um processo de (re)significação e (re)conversão de ações e idéias que só fazem
sentido desde que contextualizadas. O jovem, a juventude, a violência e a cidadania
foram (re)construídos, catalogados em novas perspectivas e demandas. Explicações
foram elaboradas através de imagens e representações advindas do mundo social
investigado, mas interpretadas e analisadas a partir de contextos bem específicos e
demarcados.
A violência é o novo paradigma, nos informa Michel Wioviorka (1997), o jovem é o
ator nos indica Waiselfisz (1998a), mas também é vítima. Afinal quem é esse jovem? E
o que é juventude? Não procurei responder a essas perguntas de forma geral, não me
detive em analisar o “campo temático” da juventude, mas sim daquele jovem
“produzido” pela UNESCO-Brasil. Do jovem como problema (desvio) ao jovem como
“sujeito de direitos”, do jovem como regido ao jovem regente, ou seja do jovem
enquanto protagonista. Mas protagonista de que? Na epígrafe do Capítulo 4
310
encontramos uma resposta: O protagonismo juvenil é um tipo de ação de intervenção no
contexto social para responder a problemas reais onde o jovem é sempre o ator
principal.(cf Capítulo 4). O protagonismo nesses termos é um instrumento de
intervenção, assim como as ações do Abrindo Espaços, que visam construir/desenvolver
esse “operador”. Mas é um instrumento de intervenção para atuar junto aos próprios
jovens, ou seja, para atuar sobre os praticantes de atos violentos assim como sobre as
vítimas. Pacificando o “outro” com o “outro”. Protagonismo é então uma pedagogia
democrática e pacificadora como nos lembra a continuidade da epígrafe: Nessa
concepção, educar é criar espaços reais para que os jovens possam empreender a
construção do seu ser em termos pessoais e sociais Poder-se-ia sugerir que este
operador é uma “forma de ação para governo sobre espaços (geográficos, sociais,
simbólicos), que atua através da delimitação de populações destinatárias de um tipo de
intervenção ‘pedagógica’ rumo à capacidade de auto-condução moral e política plena
como integrantes de uma comunidade política” (Souza Lima, 2002: 152).
Um outro aspecto dessa questão é a formação de expertise (ou seja daqueles que
traduzem temas em políticas públicas) e das formas de conceber/elaborar a produção
sobre o conhecimento. O que procurei mostrar nessa tese é a confluência em escalas
distintas da captação de “redes de pesquisadores” a partir da criação de vínculos
conceituais acionando temas, e preocupações variadas, porém semelhantes. O
investimento e a elaboração de formas de atuação a partir de experiências dispersas,
gera/constrói uma metodologia que lembra o que Ferguson chamou de “large
standardized package” (Ferguson, 1994: 70).
As pesquisas desenvolvidas nos anos de 1998 e 1999 (re)ordenam um determinado
“campo temático” dando não apenas visibilidade aos seus integrantes, mas também
(re)orientando prioridades e problemáticas à luz de pressupostos forjados em escalas
variadas.
Isto nos leva a perceber que a implementação de um programa da natureza e
especificidade do Programa Abrindo Espaços, remete a uma discussão sobre processos
de formação e consolidação do Estado. A introdução do termo cidadania e a dimensão
pedagógica da ação – expõem uma visão de que a expressão cotidiana dos indivíduos de
uma determinada unidade soberana é regulamentada por preceitos de direitos e deveres.
311
Ou seja, está-se diante de uma nominação contratualista sobre a relação entre individuo
e sociedade mediado pelos aparatos públicos. Apesar desta visão ser orientada por uma
perspectiva jus-naturalista, o fato é que ao tratar de violência e cidadania, está se
tratando de processos de formação de Estados.
Neste sentido, dois aspectos merecem atenção. Em primeiro lugar, considero que o
Programa Abrindo Espaços mais do que uma política pública setorial, pode ser
considerado nos termos weberianos como uma “ação sobre ações”. A leitura weberiana
sobre as articulações entre administração, autoridade e comunidades políticas nos
fornece uma chave de leitura sobre a ação estatal pensada a partir das suas múltiplas
interdependências. Weber (1987) chama-nos a atenção para os diferentes tipos de
afinidades e de relações que podem ser constituídas entre tipos de comunidades
(políticas, familiares, econômicas). Uma “comunidade política”, para este autor, se
define essencialmente pela capacidade de dominação de uma área por um determinado
período e um conjunto de ações desenvolvidas para a manutenção desta área. A
capacidade destas “comunidades políticas” de se associarem com outros tipos de
comunidade, permite uma mudança seja territorial seja de interesse. A comunidade
política é pensada como uma ordenação que regula coisas distintas (valores, interesses,
identidades, objetivos), podendo desempenhar funções normalmente atribuídas ao
Estado, estabelecimento de direitos, proteção, defesa de direitos adquiridos, cuidado de
interesses higiênicos e pedagógicos e de proteção externa. Estas diferentes funções
podem ser encontradas em um ou mais tipos de comunidades. Pensar as agências
desenvolvimentistas e os projetos desenvolvimentistas enquanto dispositivos
formadores de “comunidades políticas” pode fornecer um conjunto mais amplo de
questões acerca das diferentes relações que são estabelecidas no âmbito das práticas
institucionais.
A partir desta idéia pode-se sugerir ainda, que a parceria entre a UNESCO-Brasil e a
autoridade governamental, envolve um processo de construção ideológica ordenando e
formando um modus operandis da “arte de governar”.
Ao tratar desta relação em uma escala mais global, observa-se que está se lidando
também com um contraponto entre unidades soberanas distintas (organismos
internacionais e Estados nacionais). Para tal é preciso olhar para estes organismos
312
internacionais assim como para estas unidades soberanas, talvez não pela lente provida
pela diplomacia (enquanto disciplina regente de um conjunto de práticas que são
denominadas de relações internacionais), e nem pelo olhar contratualista clássico que
define o Estado como unidade autônoma e soberana. Mas sim procurar as múltiplas
relações, práticas e ações que formam e informam as relações entre estas duas
instituições. E, compreender que são flexíveis, mutáveis e dinâmicas orquestradas mais
em forma de networks do que a partir de estruturas fixas e rígidas. Há aqui um vasto
campo, mal entrevisto no presente trabalho.
313
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333
ANEXOS
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Museu Nacional
UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando redes
de interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
2005
ii
UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando redes de
interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Antropologia Social.
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de Souza
Lima
Volume II
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
iii
UNESCO - Educando os jovens cidadãos e capturando redes de
interesses: Uma pedagogia da democracia no Brasil
João Paulo Macedo e Castro
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de Souza Lima
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Antonio Carlos de Souza Lima
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
_________________________________________________
Prof. Marilia Pontes Sposito
Universidade de São Paulo/Faculdade de Educação
_________________________________________________
Prof. Gustavo Lins Ribeiro
Universidade de Brasília/Departamento de Antropologia
_________________________________________________
Prof. Federico Guillermo Neiburg
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
_________________________________________________
Prof. Adriana de Resende Barreto Vianna
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
Suplentes:
_________________________________________________
Prof. Eliane Ribeiro Andrade
Universidade Estadual do Rio de Janeiro/Faculdade de Educação
_________________________________________________
Prof. Jose Sergio Leite Lopes
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
Rio de Janeiro
Dezembro de 2005
ÍNDICE DOS ANEXOS
Anexo 1.1 – Organograma das agências vinculadas à ONU....................................335
Anexo 1.2 – ATO CONSTITUTIVO DA UNESCO – 1945 ...................................336
Anexo 1.3 – Estrutura Organizacional – UNESCO-Siéges......................................344
Anexo 1.4 – Estrutura organizacional da UNESCO-Brasil......................................352
Anexo 1.5 – Ano de criação das unidades fora da sede UNESCO...........................353
Anexo 1.6 – Documentos completos com medidas propostas para unidades regionais
...................................................................................................................................
356
Anexo 2.1 – Breves referências sobre a formação e os vínculos institucionais dos
principias pesquisadores (organizadores) das publicações trabalhadas....................
360
Anexo 2.2 – Etapas metodológicas adotada pelos estudos de 1998 e 1999.............361
Anexo 2.3 – Estrutura de questionário adotada pelo livro: Juventude, Violência e
Cidadania: Os jovens de Brasília.............................................................................
362
Anexo 2.4 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados do livro:
Juventude, Violência e Cidadania: Os jovens de Brasília........................................
363
Anexo 3.1 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados dos livros:
(Fala galera, Gangues e galeras, Ligado na galera e os Jovens de Curitiba) ........
366
Anexo 5.1 - ONGs investigadas, itens 5, 8 e 9, livro: Cultivando vida, desarmando
violências. Experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens
em situação de pobreza.............................................................................................
394
Anexo 5.2 - Autores-Fonte e trechos destacados do livro: Violência nas escolas...404
335
Anexo 1.1 – Organograma das agências vinculadas à ONU
336
Anexo 1.2 – ATO CONSTITUTIVO DA UNESCO – 1945
UNESCO Constitution
The Constitution of UNESCO, signed on 16 November 1945, came into force on 4 November 1946 after
ratification by twenty countries: Australia, Brazil, Canada, China, Czechoslovakia, Denmark, Dominican
Republic, Egypt, France, Greece, India, Lebanon, Mexico, New Zealand, Norway, Saudi Arabia, South
Africa, Turkey, United Kingdom, United States.
Constitution of the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
Adopted in London on 16 November 1945 and amended by the General Conference at its 2nd, 3rd, 4th, 5th,
6th, 7th, 8th, 9th, 10th, 12th, 15th, 17th, 19th, 20th, 21st, 24th, 25th, 26th, 27th, 28th, 29th and 31st
sessions.
The Governments of the States Parties to this Constitution on behalf of their peoples declare:
That since wars begin in the minds of men, it is in the minds of men that the defences of peace must be
constructed;
That ignorance of each other’s ways and lives has been a common cause, throughout the history of
mankind, of that suspicion and mistrust between the peoples of the world through which their differences
have all too often broken into war;
That the great and terrible war which has now ended was a war made possible by the denial of the
democratic principles of the dignity, equality and mutual respect of men, and by the propagation, in their
place, through ignorance and prejudice, of the doctrine of the inequality of men and races;
That the wide diffusion of culture, and the education of humanity for justice and liberty and peace are
indispensable to the dignity of man and constitute a sacred duty which all the nations must fulfil in a spirit of
mutual assistance and concern;
That a peace based exclusively upon the political and economic arrangements of governments would not be
a peace which could secure the unanimous, lasting and sincere support of the peoples of the worlahracr4Caat
337
(b) Give fresh impulse to popular education and to the spread of culture:
By collaborating with Members, at their request, in the development of educational activities;
By instituting collaboration among the nations to advance the ideal of equality of educational opportunity
without regard to race, sex or any distinctions, economic or social;
By suggesting educational methods best suited to prepare the children of the world for the responsibilities of
freedom;
(c) Maintain, increase and diffuse knowledge:
By assuring the conservation and protection of the world’s inheritance of books, works of art and
monuments of history and science, and recommending to the nations concerned the necessary international
conventions;
By encouraging cooperation among the nations in all branches of intellectual activity, including the
international exchange of persons active in the fields of education, science and culture and the exchange of
publications, objects of artistic and scientific interest and other materials of information;
By initiating methods of international cooperation calculated to give the people of all countries access to the
printed and published materials produced by any of them.
3. With a view to preserving the independence, integrity and fruitful diversity of the cultures and educational
systems of the States Members of the Organization, the Organization is prohibited from intervening in
matters which are essentially within their domestic jurisdiction.
Article II
Membership
1. Membership of the United Nations Organization shall carry with it the right to membership of the United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
2. Subject to the conditions of the Agreement between this Organization and the United Nations
Organization, approved pursuant to Article X of this Constitution, states not members of the United Nations
Organization may be admitted to membership of the Organization, upon recommendation of the Executive
Board, by a two-thirds majority vote of the General Conference.
3. Territories or groups of territories which are not responsible for the conduct of their international relations
may be admitted as Associate Members by the General Conference by a two-thirds majority of Members
present and voting, upon application made on behalf of such territory or group of territories by the Member
or other authority having responsibility for their international relations. The nature and extent of the rights
and obligations of Associate Members shall be determined by the General Conference.
4. Members of the Organization which are suspended from the exercise of the rights and privileges of
membership of the United Nations Organization shall, upon the request of the latter, be suspended from the
rights and privileges of this Organization.
5. Members of the Organization which are expelled from the United Nations Organization shall automatically
cease to be Members of this Organization.
6. Any Member State or Associate Member of the Organization may withdraw from the Organization by
notice addressed to the Director-General. Such notice shall take effect on 31 December of the year following
that during which the notice was given. No such withdrawal shall affect the financial obligations owed to the
Organization on the date the withdrawal takes effect. Notice of withdrawal by an Associate Member shall be
given on its behalf by the Member State or other authority having responsibility for its international relations.
7. Each Member State is entitled to appoint a Permanent Delegate to the Organization.
8. The Permanent Delegate of the Member State shall present his credentials to the Director-General of the
Organization, and shall officially assume his duties from the day of presentation of his credentials.
338
Article III
Organs
The Organization shall include a General Conference, an Executive Board and a Secretariat.
Article IV
The General Conference
A. Composition
1. The General Conference shall consist of the representatives of the States Members of the Organization.
The Government of each Member State shall appoint not more than five delegates, who shall be selected
after consultation with the National Commission, if established, or with educational, scientific and cultural
bodies.
B. Functions
2. The General Conference shall determine the policies and the main lines of work of the Organization. It
shall take decisions on programmes submitted to it by the Executive Board.
3. The General Conference shall, when it deems desirable and in accordance with the regulations to be
made by it, summon international conferences of states on education, the sciences and humanities or the
dissemination of knowledge; non-governmental conferences on the same subjects may be summoned by
the General Conference or by the Executive Board in accordance with such regulations.
4. The General Conference shall, in adopting proposals for submission to the Member States, distinguish
between recommendations and international conventions submitted for their approval. In the former case a
majority vote shall suffice; in the latter case a two-thirds majority shall be required. Each of the Member
States shall submit recommendations or conventions to its competent authorities within a period of one year
from the close of the session of the General Conference at which they were adopted.
5. Subject to the provisions of Article V, paragraph 6 (c), the General Conference shall advise the United
Nations Organization on the educational, scientific and cultural aspects of matters of concern to the latter, in
accordance with the terms and procedure agreed upon between the appropriate authorities of the two
Organizations.
6. The General Conference shall receive and consider the reports sent to the Organization by Member
States on the action taken upon the recommendations and conventions referred to in paragraph 4 above or,
if it so decides, analytical summaries of these reports.
7. The General Conference shall elect the members of the Executive Board and, on the recommendation of
the Board, shall appoint the Director-General.
C. Voting
8. (a) Each Member State shall have one vote in the General Conference. Decisions shall be made by a
simple majority except in cases in which a two-thirds majority is required by the provisions of this
Constitution, or the Rules of Procedure of the General Conference. A majority shall be a majority of the
Members present and voting.
(b) A Member State shall have no vote in the General Conference if the total amount of contributions due
from it exceeds the total amount of contributions payable by it for the current year and the immediately
preceding calendar year.
(c) The General Conference may nevertheless permit such a Member State to vote, if it is satisfied that
failure to pay is due to conditions beyond the control of the Member State.
D. Procedure
9. (a) The General Conference shall meet in ordinary session every two years. It may meet in extraordinary
339
session if it decides to do so itself or if summoned by the Executive Board, or on the demand of at least one
third of the Member States.
(b) At each session the location of its next ordinary session shall be designated by the General Conference.
The location of an extraordinary session shall be decided by the General Conference if the session is
summoned by it, or otherwise by the Executive Board.
10. The General Conference shall adopt its own rules of procedure. It shall at each session elect a President
and other officers.
11. The General Conference shall set up special and technical committees and such other subsidiary organs
as may be necessary for its purposes.
12. The General Conference shall cause arrangements to be made for public access to meetings, subject to
such regulations as it shall prescribe.
E. Observers
13. The General Conference, on the recommendation of the Executive Board and by a two-thirds majority
may, subject to its rules of procedure, invite as observers at specified sessions of the Conference or of its
commissions representatives of international organizations, such as those referred to in Article XI,
paragraph 4.
14. When consultative arrangements have been approved by the Executive Board for such international
non-governmental or semi-governmental organizations in the manner provided in Article XI, paragraph 4,
those organizations shall be invited to send observers to sessions of the General Conference and its
commissions.
Article V
Executive Board
A. Composition
1. (a) The Executive Board shall be elected by the General Conference and it shall consist of fifty-eight
Member States. The President of the General Conference shall sit ex officio in an advisory capacity on the
Executive Board.
(b) Elected States Members of the Executive Board are hereinafter referred to as “Members” of the
Executive Board.
2. (a) Each Member of the Executive Board shall appoint one representative. It may also appoint alternates.
(b) In selecting its representative on the Executive Board, the Member of the Executive Board shall
endeavour to appoint a person qualified in one or more of the fields of competence of UNESCO and with the
necessary experience and capacity to fulfil the administrative and executive duties of the Board. Bearing in
mind the importance of continuity, each representative shall be appointed for the duration of the term of the
Member of the Executive Board, unless exceptional circumstances warrant his replacement. The alternates
appointed by each Member of the Executive Board shall act in the absence of its representative in all his
functions.
3. In electing Members to the Executive Board, the General Conference shall have regard to the diversity of
cultures and a balanced geographical distribution.
4. (a) Members of the Executive Board shall serve from the close of the session of the General Conference
which elected them until the close of the second ordinary session of the General Conference following their
election. The General Conference shall, at each of its ordinary sessions, elect the number of Members of the
Executive Board required to fill vacancies occurring at the end of the session.
(b) Members of the Executive Board are eligible for re-election. Re-elected Members of the Executive Board
shall endeavour to change their representatives on the Board.
340
5. In the event of the withdrawal from the Organization of a Member of the Executive Board, its term of office
shall be terminated on the date when the withdrawal becomes effective.
B. Functions
6. (a) The Executive Board shall prepare the agenda for the General Conference. It shall examine the
programme of work for the Organization and corresponding budget estimates submitted to it by the Director-
General in accordance with paragraph 3 of Article VI and shall submit them with such recommendations as it
considers desirable to the General Conference.
(b) The Executive Board, acting under the authority of the General Conference, shall be responsible for the
execution of the programme adopted by the Conference. In accordance with the decisions of the General
Conference and having regard to circumstances arising between two ordinary sessions, the Executive Board
shall take all necessary measures to ensure the effective and rational execution of the programme by the
Director-General.
(c) Between ordinary sessions of the General Conference, the Board may discharge the functions of adviser
to the United Nations, set forth in Article IV, paragraph 5, whenever the problem upon which advice is
sought has already been dealt with in principle by the Conference, or when the solution is implicit in
decisions of the Conference.
7. The Executive Board shall recommend to the General Conference the admission of new Members to the
Organization.
8. Subject to decisions of the General Conference, the Executive Board shall adopt its own rules of
procedure. It shall elect its officers from among its Members.
9. The Executive Board shall meet in regular session at least four times during a biennium and may meet in
special session if convoked by the Chairman on his initiative or upon the request of six Members of the
Executive Board.
10. The Chairman of the Executive Board shall present, on behalf of the Board, to the General Conference
at each ordinary session, with or without comments, the reports on the activities of the Organization which
the Director-General is required to prepare in accordance with the provisions of Article VI.3 (b).
11. The Executive Board shall make all necessary arrangements to consult the representatives of
international organizations or qualified persons concerned with questions within its competence.
12. Between sessions of the General Conference, the Executive Board may request advisory opinions from
the International Court of Justice on legal questions arising within the field of the Organization’s activities.
13. The Executive Board shall also exercise the powers delegated to it by the General Conference on behalf
of the Conference as a whole.
Article VI
Secretariat
1. The Secretariat shall consist of a Director-General and such staff as may be required.
2. The Director-General shall be nominated by the Executive Board and appointed by the General
Conference for a period of four years, under such conditions as the Conference may approve. The Director-
General may be appointed for a further term of four years but shall not be eligible for reappointment for a
subsequent term. The Director-General shall be the chief administrative officer of the Organization.
3.(a) The Director-General, or a deputy designated by him, shall participate, without the right to vote, in all
meetings of the General Conference, of the Executive Board, and of the Committees of the Organization. He
shall formulate proposals for appropriate action by the Conference and the Board, and shall prepare for
submission to the Board a draft programme of work for the Organization with corresponding budget
estimates.
(b) The Director-General shall prepare and communicate to Member States and to the Executive Board
341
periodical reports on the activities of the Organization. The General Conference shall determine the periods
to be covered by these reports.
4. The Director-General shall appoint the staff of the Secretariat in accordance with staff regulations to be
approved by the General Conference. Subject to the paramount consideration of securing the highest
standards of integrity, efficiency and technical competence, appointment to the staff shall be on as wide a
geographical basis as possible.
5. The responsibilities of the Director-General and of the staff shall be exclusively international in character.
In the discharge of their duties they shall not seek or receive instructions from any government or from any
authority external to the Organization. They shall refrain from any action which might prejudice their
positions as international officials. Each State Member of the Organization undertakes to respect the
international character of the responsibilities of the Director-General and the staff, and not to seek to
influence them in the discharge of their duties.
6. Nothing in this Article shall preclude the Organization from entering into special arrangements within the
United Nations Organization for common services and staff and for the interchange of personnel.
Article VII
National cooperating bodies
1. Each Member State shall make such arrangements as suit its particular conditions for the purpose of
associating its principal bodies interested in educational, scientific and cultural matters with the work of the
Organization, preferably by the formation of a National Commission broadly representative of the
government and such bodies.
2. National Commissions or National Cooperating Bodies, where they exist, shall act in an advisory capacity
to their respective delegations to the General Conference, to the representatives and alternates of their
countries on the Executive Board and to their Governments in matters relating to the Organization and shall
function as agencies of liaison in all matters of interest to it.
3. The Organization may, on the request of a Member State, delegate, either temporarily, a member of its
Secretariat to serve on the National Commission of that state, in order to assist in the development of its
work.
Article VIII
Reports by Member States
Each Member State shall submit to the Organization, at such times and in such manner as shall be
determined by the General Conference, reports on the laws, regulations and statistics relating to its
educational, scientific and cultural institutions and activities, and on the action taken upon the
recommendations and conventions referred to in Article IV, paragraph 4.
Article IX
Budget
1. The budget shall be administered by the Organization.
2. The General Conference shall approve and give final effect to the budget and to the apportionment of
financial responsibility among the States Members of the Organization subject to such arrangement with the
United Nations as may be provided in the agreement to be entered into pursuant to Article X.
3. The Director-General may accept voluntary contributions, gifts, bequests and subventions directly from
governments, public and private institutions, associations and private persons, subject to the conditions
specified in the Financial Regulations.
Article X
Relations with the United Nations Organization
342
This Organization shall be brought into relation with the United Nations Organization, as soon as practicable,
as one of the specialized agencies referred to in Article 57 of the Charter of the United Nations. This
relationship shall be effected through an agreement with the United Nations Organization under Article 63 of
the Charter, which agreement shall be subject to the approval of the General Conference of this
Organization. The agreement shall provide for effective cooperation between the two Organizations in the
pursuit of their common purposes, and at the same time shall recognize the autonomy of this Organization,
within the fields of its competence as defined in this Constitution. Such agreement may, among other
matters, provide for the approval and financing of the budget of the Organization by the General Assembly
of the United Nations.
Article XI
Relations with other specialized international organizations and agencies
1. This Organization may cooperate with other specialized intergovernmental organizations and agencies
whose interests and activities are related to its purposes. To this end the Director- General, acting under the
general authority of the Executive Board, may establish effective working relationships with such
organizations and agencies and establish such joint committees as may be necessary to assure effective
cooperation. Any formal arrangements entered into with such organizations or agencies shall be subject to
the approval of the Executive Board.
2. Whenever the General Conference of this Organization and the competent authorities of any other
specialized intergovernmental organizations or agencies whose purpose and functions lie within the
competence of this Organization deem it desirable to effect a transfer of their resources and activities to this
Organization, the Director-General, subject to the approval of the Conference, may enter into mutually
acceptable arrangements for this purpose.
3. This Organization may make appropriate arrangements with other intergovernmental organizations for
reciprocal representation at meetings.
4. The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization may make suitable arrangements for
consultation and cooperation with non-governmental international organizations concerned with matters
within its competence, and may invite them to undertake specific tasks. Such cooperation may also include
appropriate participation by representatives of such organizations on advisory committees set up by the
General Conference.
Article XII
Legal status of the Organization
The provisions of Articles 104 and 105 of the Charter of the United Nations Organization concerning the
legal status of that Organization, its privileges and immunities, shall apply in the same way to this
Organization.
Article XIII
Amendments
1. Proposals for amendments to this Constitution shall become effective upon receiving the approval of the
General Conference by a two-thirds majority; provided, however, that those amendments which involve
fundamental alterations in the aims of the Organization or new obligations for the Member States shall
require subsequent acceptance on the part of two thirds of the Member States before they come into force.
The draft texts of proposed amendments shall be communicated by the Director-General to the Member
States at least six months in advance of their consideration by the General Conference.
2. The General Conference shall have power to adopt by a two-thirds majority rules of procedure for carrying
out the provisions of this Article.
Article XIV
Interpretation
343
1. The English and French texts of this Constitution shall be regarded as equally authoritative.
2. Any question or dispute concerning the interpretation of this Constitution shall be referred for
determination to the International Court of Justice or to an arbitral tribunal, as the General Conference may
determine under its Rules of Procedure.
Article XV
Entry into force
1. This Constitution shall be subject to acceptance. The instrument of acceptance shall be deposited with
the Government of the United Kingdom.
2. This Constitution shall remain open for signature in the archives of the Government of the United
Kingdom. Signature may take place either before or after the deposit of the instrument of acceptance. No
acceptance shall be valid unless preceded or followed by signature. However, a state that has withdrawn
from the Organization shall simply deposit a new instrument of acceptance in order to resume membership.
3. This Constitution shall come into force when it has been accepted by twenty of its signatories.
Subsequent acceptances shall take effect immediately.
4. The Government of the United Kingdom will inform all Members of the United Nations and the Director-
General of the receipt of all instruments of acceptance and of the date on which the Constitution comes into
force in accordance with the preceding paragraph.
In faith whereof, the undersigned, duly authorized to that effect, have signed this Constitution in the English
and French languages, both texts being equally authentic.
Done in London the sixteenth day of November, one thousand nine hundred and forty-five, in a single copy,
in the English and French languages, of which certified copies will be communicated by the Government of
the United Kingdom to the Governments of all the Members of the United Nations.
344
Anexo 1.3 – Estrutura Organizacional – UNESCO-Siéges
345
346
347
348
349
350
351
352
Anexo 1.4 – Estrutura organizacional da UNESCO-Brasil
Representaç
ão geral da
UNESCO no
Brasil
Educação
Ciência e
Meio
Ambiente
Desenvolvi
mento
Social e
Projetos
Transdiscipl
inares
Representan
te Adjunto
da UNESCO
no Brasil
Diretoria
Técnica da
UNESCO no
Brasil
Cultura
Comunicaçã
o e
Informação
Publicações
Equipe da
Comunicaçã
o
Assessoria
de
Comunicaçã
Sil
Audivisual
Assessoria
Jurídica
Administraç
ão
Administrati
vo/Financeir
o
Recursos
Humanos
Pesquisa e
Avaliação
353
Anexo 1.5 – Ano de criação das unidades fora da sede UNESCO
LISTE DES UNITES DECENTRALISEES DE L´UNESCO
BUREAUX HORS SIEGE Entrée
en
activité
Afrique Etats
Arabes
Asie et
Pacifique
Amerique
Latine et
Caraibes
Europe et
Amerique du
Nord
BUREAUX DE
LIASION
INSTITUTS DE L´UNESCO UNITES ADMINISTREES
CONJOINTEMENT PAR
L´UNESCO
1946 New Tork (Etats-
Unis)
1948 New Delhi
(Inde)
1949 La Havane
(Cuba)
Montevideo
(Uruguay)
1952 Le Caire
(Egypte)
1961 Abuja
(Nigéria)
Bangkok
(Thailande)
1962 Kuala
Lumpur
(Malaise)
Institut international de
planification de l´education – IIPE
(Paris, France)
1964 Centre international de
physique théorique –
CIPT (Trieste, Italie)
1965 Nairobi
(Kenya)
1966 Brasilia (Brésil)
1967 Islamabad
(Pakistan)
Jakarta
(Indonésie)
Mexico
(Mexique)
1968 Addis-Abeba
(Ethiopie)
1969 Dakar
(Sénégal)
Santiago (Chili) Bureau international d´education
– BIE (Genève, Suisse)
1972 Beyrouth
(Libian)
Bucarest
(Roumanie)
1976 Lusaka
(Zambie)
Caracas
(Venezuela)
Venise (Italie)
354
1977 Doha
(Qatar)
1979 Genève (Suisse)
1981 Bridgetown
(Barbade)
San José
(Costa Rica)
1983 Kinshasa
(République
démocratique
du Congo)
Tunis
(Tunisie)
Kuwait City
(Komeit)
Apia
(Samoa)
Port-au-Prince
(Haiti)
Quito
(Equateur)
1984 Port of Spain
(Trinité et
Tobago)
1986 Dar es-
Salaam
(République-
Unie de
Tanzanie)
Harare
(Zimbabwe)
Amman
(Jordanie)
1987 Ouagadougo
u (Burkina
Faso)
1988 Beijing
(Chine)
Venise (Italie)
1989 Kingston
(Jamaique)
Moscou (Fé
dération de
Russie)
Québec
(Canada)
1991 Yaoundé
(Cameroun)
Rabat
(Maroc)
Académie des sciences
du tiers monde – TWAS
(Trieste, Italie)
1992 Windhoek
(Namibie)
Vienne (Autriche)
1993 Doha
(Qatar)
1994 Le Bureau
de
l´UNESCO
La Paz (Bolivie)
San Salvador
(El Salvador)
Centre international de recherche
et de formation pour l´éducation
en milieu rural (Baoding, Chine)
355
à Kuwait
City a été
fermé en
1994
1995 Bangui
(République
centrafricaine
)
Bunjumbura
(Burundi)
Maputo
(Mozambique
)
Porto-Novo
(Bénin)
Alma-Ata
(KAzakhstan
)
Dhaka
(Bangladesh
)
Phnom
Penh
(Cambodge)
1996 Abijan (Côte
d´Ivoire)
Kigali
(Rwanda)
Pretoria
(Afrique du
Sud)
Amman
(Jordanie)
Tachkent
(Ouzbékista
n)
Táháran
(Iran)
Buenos Aires
(Argentine)
Guatemala
(Guatemala)
Lima (Pérou)
Sarajevo
(Bosnie-
Herzégovine)
1997 Brazzaville
(Congo)
Luanda
(Angola)
Libreville
(Gabon)
Ramallah
(Palestine)
Saint-Domingue
(Republique
Dominicaine)
Institut international pour le
renforcement des capacités en
Afrique – IIRCA (Addis-Abeba,
Ethiopie)
Centre international des sciences
de l`homme (Byblos, Liban)
1998 Accra
(Ghana)
Conakry
(Guinée)
Bamako
(Mali)
Katmandou
(Népal)
Asunción
(Paraguay)
Panama
(Panama)
Institut de l´UNESCO pour
l´application des technologies de
l´information à l´éducation – ITIE
(Moscou, Fédération de Russie)
1999 Hanoi (Viet
Nam)
Institut international de
l´UNESCO pour l´enseignement
supérieur en Amérique latine et
dans les Caraibes – IESALC
(Caracas, Venezuela)
356
Anexo 1.6 – Documentos completos com medidas propostas para unidades
regionais
1-Recommandations relatives aux structures et fonctions des bureaux hors Siège
(Recommandations 1 à 8)
RECOMMANDATION SUIVI
N°1 Nommer un Point de contact au sein du réseau
des bureaux hors Siège de I’UNESCO pour assurer
la représentation de l’Organisation dans chaque
Etat
Membre.
N° 2 Bureaux intégrt?s et intersectoriels, sous-
rkgionaux ou régionaux.
et
N° 3 (a) composition plurisectorielle du personnel et
masse critique minimale indispensable.
(b) composition du personnel devant refleter le
caractère international de I’UNESCO.
et
N° 6 Renforcer le personnel hors Siège par des
membres du personnel du Siège ou d’autres
bureaux hors Siège, selon une politique de rotation
du personnel.
et
N° 7 Créer une nouvelle catégorie de fonctionnaires
(NPO) recrutés pour des durées predéterminées.
Délégation d’autorité pour le recrutement local.
et
N° 8 Choisir les fonctionnaires du cadre organique
transférés hors Siège parmi les plus competents et
expérimentt5s du Siège. Nécessité de posséder une
expérience de travail au Siège et hors Siège.
L’expérience hors Siège devrait être prise en
compte dans l’évaluation et les promotions du
personnel
N° 4 Renoncer définitivement au système de
représentation de type unipersonnel à caractère
strictement diplomatique.
N° 5 Les bureaux hors Siège devraient être
identifiés uniquement par le nom de Bureau de
l´UNESCO, suivi du nom de la ville où ils se
trouvent.
Actuellement, tous les Etat membres sont couverts par un
représentant qui exerce aussi des fonctions de programme dans
un bureau hors Siège.
La majorité des bureaux hors Siège ont déjà adopté la formule
de bureau intégré et intersectoriel, recommandée par le Conseil
executif (sauf pour Montevideo, Santiago, La Havane et des
petits bureaux hors Siège, qui deviendront progressivement des
bureaux intégrés).
La question de la masse critique est conçue sur une base
régionale ou sous-régionale, en tenant compte non seulement
du nombre des fonctionnaires mutés du Siège mais encore du
caractère catalytique de ces bureaux et des possibilités de
combiner leurs efforts avec d’autres institutions, gouvernements,
ONG, et OIG regionales ou sous-régionales.
Un effort particulier est fait pour que la composition du
personnel international des bureaux hors Siège puisse être
représentative du caractère international de l’organisation. La
recommandation du Corps commun d’inspection des Nations
Unies de limiter à 40 % la composition du personnel
international provenant de la région est actuellement à l’étude.
Une politique de rotation du personnel, progressive et graduelle,
sera mise en oeuvre, en adoptant des critères très rigoureux
pour le transfert de fonctionnaires ayant travaille plus de 8 ans
au Siège. L’expérience de travail hors Siège est actuellement
prise en compte dans le cadre de la nouvelle méthode
dévaluation du personnel.
Des postes d’administrateurs nationaux (NPO) ont déjà Cte
créés dans plusieurs bureaux hors Siège (p.e. Caracas,
Montevideo, etc.) et l’expérience se poursuivra pendant le
biennium 1994-1995. Si cette expérience s’avérait positive, la
possibilité de deleguer l’autorité pour les nommer localement
pourra être envisagee.
Tous les bureaux hors Siège ont actuellement un secteur tuteur
et l’exécution des activités de programme leur a été confiée
dans le cadre de la politique de écentralisation. Il n’existe aucun
bureau hors Siège avec des fonctions strictement
“diplomatiques”.
Les bureaux hors Siège ont été identifies comme recommandé
par le Conseil exécutif, à compter du 26 C/5. L’actuel Projet de
programme et de budget (27 C/5) reprend la même formule.
357
2-Recommandations relatives à l’appui que le Siège doit apporter à la décentralisation
(Recommandations 1 à 6)
RECOMMANDATION SUIVI
N° 1 Réviser les lignes d’autorité pour mettre
l’accent sur les fonctions programmatiques des
bureaux hors Siège.
N° 2 Rationaliser le rôle et les responsabilités du
Bureau de coordination des unités hors Siège
(BFC).
N° 3 Renforcer la participation systématique des
bureaux hors Siège à l’élaboration des documents
C/4 et C/5
et la
N° 5 Participation des bureaux hors Siège à
l’tlaboration et à l’exécution des plans d’exécution
du programme (PEPs) régionaux et sous-régionaux.
N° 4 Améliorer la ponctualité des réactions du Siège
en réponse aux bureaux hors Siège. Améliorer le
dialogue.
N° 6 Ne pas supprimer, dans la mesure du possible,
en cas de réduction des crédits budgétaires, des
programmes ou projets décentralisés, ni geler des
postes de personnel sans avoir consulté les
bureaux hors Siège et les en avoir informés
préalablement.
Des instructions ont été données (DDG/M/91/Mémo/236 du
10.4.1991) tendant à défti les lignes d’autorité relatives au
programme et à l’administration entre les bureaux hors Siège et
le Siège. Les bureaux hors Siège disposent désormais d’un
large degré d’autonomie, similaire à celui des divisions de
programme du Siège. Mais il faudra renforcer encore la
délégation d’autorité hors Siège.
Afin de mettre l’accent sur le processus de la décentralisation
comme un élément cle de la structure, des procédures et des
méthodes de l’Organisation et pour permettre de rendre plus
cohérente l’action des unités régionales de la Division des
relations avec les Etats membres, avec celle des bureaux hors
Siège, le Directeur général a décidé (DG/Note/92/18 du 29 juillet
1992) de réintégrer le Bureau de coordination des unités hors
Siège dans le cadre de BRX. L’unité chargée de la
décentralisation et de la coordination des unités hors Siège
(BRX/DFC) dont les fonctions essentielles ont été définies dans
les notes DG/88/42 et DG/92/3 a été placée sous l’autorité
directe de l’ADG/BRX.
Les bureaux hors Siège ont été systématiquement consultés par
BPE lors de l’élaboration du 26 C/5 et du 27 C/5. Sur la base du
plan d’action sur la décentralisation pour 1994-1995, les
bureaux hors Siège seront étroitement associés à l’élaboration
et à l’exécution des activités prévues pour être décentralisées
dans le cadre du Programme et budget pour 1994-1995 (27C/5).
En plus des activités prévues, le Directeur général a donné des
instructions aux secteurs pour revoir tous les projets encore
exécutés par eux, en vue d’accroître dans toute la mesure du
possible le pourcentage d’activités mises en oeuvre hors Siège.
Par la modernisation des moyens de communication
entre les bureaux hors Siège et le Siège, notamment par le
réseau télkmatique déjà existant, les échanges d’information se
sont fortement accrus, permettant un dialogue en temps réel. Un
effort doit encore être fait pendant le biennium 1994-1995 pour
obtenir que l’ensemble des bureaux hors Siège soit relié au
réseau télématique SITA.
Un grand effort a été fait pour absorber au Siège la grande
majorité des compressions budgCtaires ; si les bureaux hors
Siège ont été, dans l’ensemble, préservés en ce qui concerne
les réductions de personnel, ils ont eu à contribuer, au même
titre que le Siège, aux efforts liés aux économies de trésorerie.
358
3-Recommandations spécifiques de caractère administratif et financier
(Recommandations 1 à 19)
RECOMMANDATION SUIVI
N° 1 L’ensemble du personnel d’un bureau hors
Siège doit relever de l’autorité et de la
responsabilité de son directeur. Les doter d’un
budget unique ; adopter un système de codage
simplifié.
N° 2 Affecter des attaches d’administration (AO)
dans les bureaux hors Siège.
N° 3 Delégation d’autorité suffisante aux bureaux
hors Siège.
N° 4 Informer les bureaux hors Siège de tout ce qui
concerne l´UNESCO dans le pays, la sous-région et
la région.
N° 5 Que OPI informe les bureaux hors Siège sur
les programmes de I’UNESCO afin de mieux faire
connaître I’UNESCO dans chaque Etat membre.
N° 6 Décentralisation du programme de
participation dans les bureaux hors Siège.
N° 7 Décentralisation des projets FNUAP.
N° 8 Les bureaux hors Siège doivent disposer d’un
budget de fonctionnement suffisant, et distinct des
crédits provenant des secteurs.
N° 9 Accroître la participation des bureaux hors
Siège a l’exécution d’activités extrabudgétaires, en
proportion avec l’accroissement de leurs
responsabilités. (50 % au moins des credits de
financement des frais généraux).
N° 10 Les bureaux hors Siège doivent disposer de
fonds suffisants destinés au financement des
voyages de leurs Directeurs dans les pays où ils
sont accredités en qualité de représentants de
Cette recommandation a été mise en oeuvre dans son
intégralité.
La plupart des bureaux hors Siège ayant un budget important
disposent désormais des services d’un AO. Un programme pour
la formation et la rotation des A0 est à l’étude.
Les dispositions de la circulaire administrative n° 1742 du 30
octobre 1990 fournissent un cadre adéquat pour une plus large
délégation d’autorité aux bureaux hors Siège. L’action de suivi a
pris la forme d’une circulaire du Directeur général adjoint pour la
gestion du 10 avril 1991 établissant des directives concernant la
gestion desbureaux hors Siège.
Des instructions internes ont été renouvelees afim que les
DirecteursKhefs des bureaux hors Siège soient maintenus
dûment informés de tout ce qui concerne l’UNESC0 dans la
pays, la sous-région et la mgion. Mais ils ne doivent pas se
comporter en “récepteurs” passifs ; c’est une interaction
dynamique qui doit prévaloir.
Les Attachés regionaux d’information en consultation avec le
Siège (OPI) ont été chargés de cette tâche. La brochure
“UNESCO 1992-1993 : Programmes et priorités” a été
largement diffusée auprès des Bureaux régionaux.
Les Directeurs/Chefs des bureaux hors Siège seront associés
étroitement à la préparation et au suivi des requêtes du
Programme de participation. Pour l’exercice biennal 1994-1995,
le Directeur général a décidé de décentraliser très largement: le
Programme de participation, une fois les requêtes approuvées,
aux commissions nationales, en étroite coopération avec les
unités hors Siège concernées.
L’exécution de l’ensemble des projets opérationnels sera, en
principe, décentralisée avant la fin de 1995, conformément au
Plan d’action en cours de préparation.
Cette recommandation a été mise en oeuvre dans le cadre des
documents 26 C/5 et 27 C/5 où un budget de fonctionnement
distinct est prévu pour les bureaux hors Siège.
Cette recommandation a été déjà prise en compte par plusieurs
bureaux hors Siège lors de la mise en oeuvre du plan d’action
de l’exercice biennal 1992-1993. C’est précisément des bureaux
hors Siège qu’on peut attendre la mise en oeuvre de la plus
grande partie des activités financées par des ressources
extrabudgétair , la majorité des projets étant nationaux. Ce
changement devra surmonter les obstacles propres à une
“culture d’entreprise” jusqu’ici orientée vers la gestion par le
Siège de ces activités.
Les crédits affectes aux voyages du personnel hors Siège ont
été augmentés dans le 27 C/5. Par ailleurs, des crédits d’un
montant de quelque 5.400.000 dollars ont été prévus au titre de
la Coopération pour le développement pour des activités d’appui
359
l´UNESCO.
N° 11 Les bureaux hors Siège doivent pouvoir
conserver les fonds provenant de la vente de leurs
propres publications.
N° 12 Le montant de la régie d’avance doit être
proportionnel aux activités déléguées.
N° 13 Les bureaux hors Siège doivent communiquer
dans les délais les relevés des dépenses afm de
faciliter la consignation de celles- ci dans le compte
de l’Organisation.
N° 14 Habiliter les Directeurs/Chefs des bureaux
hors Siège à autoriser les voyages et missions du
personnel de leur bureau à l’intérieur de leur région
ou sous-région.
N° 15 Décentralisation de toutes décisions ayant
trait au recrutement et à la formation du personnel
local d’appui.
N° 16 Réviser le montant des sommes que les
directeurs peuvent engager à l’échelon local sans
l’autorisation préalable du Siège ainsi que le plafond
de crédits autorisés pour l’achat d’équipement sur
place.
N° 17 Que les bureaux hors Siège tiennent un
fichier des éventuels candidats locaux à des postes
du cadre organique de I’UNESCO.
N° 18 Réaliser la connexion des bureaux hors Siège
à l’ordinateur central du Siège.
N° 19 Etablir des modèles fondés sur les résultats
obtenus par quelques bureaux, en vue de permettre
une analyse du rapport coût-avantages de la
décentralisation.
direct aux Etats membres (services consultatifs, “activités
d’amont” etc.). Une grande partie de ces crédits sera
décentralisée.
Les bureaux hors Siège peuvent, depuis 1993, conserver le
produit de la vente de leurs propres publications pour
augmenter leur budget publications, comme recommandé.
Cette recommandation a Cté mise en oeuvre dès le présent
exercice biennal.
Certains bureaux hors Siège utilisent déjà le programme de
traitement micro-informatique des relevés de dépenses conçu à
leur intention et qui devrait réduire considérablement les retards
en matière de comptabilité.
Cette recommandation a été mise en oeuvre dès le présent
exercice biennal.
Cette recommandation a été mise en oeuvre dès le présent
exercice biennal.
Dans la limite des allocations budgétaires, les Directeurs des
bureaux hors Siège permanents (à l’exclusion des projets
financés par des fonds extrabudgétaires) sont autorisés à
effectuer des achats de biens et services selon les mêmes
procédures que celles appliquées par les fonctionnaires
responsables du Siège, à savoir : comparaison des prix pour les
montants n’excédant pas 20.000 dollars des Etats-Unis ; appel
d’offres pour les montants de 20.000 à 75.000 dollars;
soumission d’offre sous plis cachetés pour les montants
dépassant 75.000 dollars avec approbation du Directeur général
adjoint pour les contrats dépassant 150.000 dollars.
Des directives ont été données à cet effet aux bureaux hors
Siège.
L’ensemble des bureaux régionaux sera connecte au reseau
télématique SITA d’ici la fin 1995.
Cette recommandation n’a pas été suivie d’effet jusqu’à present.
A l’occasion de la mise en oeuvre du plan d’action sur la
décentralisation pour 1994- 1995, des études de cette nature
pourront être entreprises dans le cadre de l’évaluation du
processus de la décentralisation.
360
Anexo 2.1 – Breves referências sobre a formação e os vínculos institucionais dos principias pesquisadores (organizadores)
das publicações trabalhadas
NOME DOS
ORGANIZAD
ORES
LIVROS QUE PARTICIPOU FORMAÇÃO ATUAÇÃO TÍTULO
Ana Luiza F.
Sallas
(1999) Os jovens de Curitiba Socióloga, com mestrado em antropologia e
doutorado em história
Consultora da FAO em 1989; do IBAMA em 1990; gerente de
projetos do ministério da Cultura em 1990; professora titular da
UFPR desde 1991
Doutorado
César Barreira (1999) Ligado na galera Sociólogo, com pós doutorado Foi colaborador da CEDECA entre 1998 e 1999. É coordenador
do LEV desde 1992 e professor da Universidade Federal do
Ceará
Pós-
Doutorado
Eliane Ribeiro
Andrade
(2001) Cultivando vida,
desarmando violências...;
Doutorado em Educação, Mestrado em
Educação, Especialização em Programas Sociais
e Educacionais, Graduação em Ciências Sociais,
Graduação em Comunicação Social
Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Centro de Ciências Humanas, Faculdade de
Educação.
Doutorado
Julio J.
Waiselfisz
(1998) Juventude, violência e
cidadania: os jovens de
Brasília.
(1999) Gangues, galeras,
chegados e rappers.
Sociólogo Argentino Foi coordenador do escritório da Unesco em Pernambuco;
Idealizador do índice IDJ que envolve educação, saúde e
renda.
Maria Cecília
S. Minayo
(1999) Fala Galera Cientista social
Mestrado: Antropologia
Doutorado: Saúde Pública
Pesquisadora do CLAVES/Fiocruz (líder) e coordenadora geral
da pós-graduação da Fiocruz
Doutorado
Maria das
Graças Rua
(2001) Cultivando vida,
desarmando violências...;
(2002) Violências nas Escolas;
(1999) Gangues, galeras,
chegados e rappers.
Doutorado em Ciências Humanas Ciência
Política, Mestrado em Ciência Política (Ciência
Política e Sociologia), Especialização em
Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais,
Graduação em Licenciatura em Ciências Sociais
Professora da Universidade de Brasília, Faculdade de Estudos
Sociais Aplicados, Departamento de Ciência Política.
Doutorado
Mary Garcia
Castro
(2001) Cultivando vida,
desarmando violências...;
Doutorado em Sociologia Professora aposentada, associada da Universidade Católica de
Salvador.
Doutorado
Miriam
Abramovay
(2002) Violências nas Escolas;
(2001) Cultivando vida,
desarmando violências...;
(1999) Gangues, galeras,
chegados e rappers.
Doutorado em Ciência da Educação, Mestrado
em Educação, Especialização em Pós
Graduação em Educação, Especialização em
Pós Graduação em Psicologia da Educação,
Graduação em Sociologia, Graduação em
Ciência da Educação, Graduação em Pedagogia
Foi Consultora do “Instituto de Estudos Formação e Assessoria
em Políticas Sociais”, do Governo do Distrito Federal, do United
Nations, da Fundação Oswaldo Cruz e Unicamp na época da
pesquisa e publicação do Fala Galera. Atualmente é consultora
e pesquisadora do Banco Mundial, do Ministério de Educação e
Desporto e professora da PUC de Brasília.
Doutorado
361
Anexo 2.2 – Etapas metodológicas adotada pelos estudos de 1998 e 1999
LIVRO PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
TÉCNICAS
ADOTADAS
SEGMENTOS DA
POPULAÇÂO
(1998) Juventude,
violência e cidadania:
os jovens de Brasília.
Abordagem extensiva (p.160)
Abordagem compreensiva
(p.164)
Questionário (p.161)
Grupo focal (p. 164)
Entrevista (p. 164)
Jovens, (p.164)
Profissionais da educação
(professores, coordenadores e
supervisores)
pais de alunos (p. 165)
(1999) Fala Galera
Abordagem quantitativa
Abordagem qualitativa (p.21)
Grupo focal (p.23),
Questionários (p.30)
Jovens, educadores, mães de
jovens estudantes e policiais
(p.22)
(1999) Gangues,
galeras, chegados e
rappers.
Abordagem extensiva (p.22) e
Abordagem compreensiva
(p.22)
Questionários (p.23)
Grupo focal (p.28)
Jovens e policiais (p.30)
362
Anexo 2.3 – Estrutura de questionário adotada pelo livro: Juventude, Violência e
Cidadania: Os jovens de Brasília
QUESTIONÁRIOS TEMÁTICAS ABORDADAS
Percepção sobre educação
Diálogo e relacionamento com os alunos
Diálogo e relacionamento com os pais dos alunos
Percepção e atitude em relação aos comportamentos dos
jovens na escola
Percepção sobre violência na escola
Percepção sobre violência em geral
Percepção sobre consumo de drogas entre alunos
Percepção sobre galeras
Cidadania
Percepção sobre Brasília
Profissionais da educação: diretores,
coordenadores/supervisores e
professores de escolas
Caso Galdino
Características socioeconômicas
Percepção sobre Brasília
Percepção sobre a escola
Situações de violência vivenciadas na escola
Vida familiar
Violência na família
Percepção sobre violência em geral
Comportamentos no trânsito
Opinião sobre o “Caso Galdino”
Vida fora da escola e da família
Cidadania
Jovens na faixa etária de 14 a 20 anos
Visão de futuro
363
Anexo 2.4 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados do livro: Juventude, Violência e Cidadania: Os
jovens de Brasília
AUTOR-FONTE PUBLICAÇÃO
TRECHOS
Alain Touraine (1992) Critique de la modernité, Paris, Fayard. “Para Touraine (1995), a violência também é a expressão da exclusão social e um dos
maiores fenômenos do nosso tempo, decorrente das crises e do desaparecimento dos
controles sociais, políticos e econômicos.” (p.148)
Alba Zaluar (1997) A guerra privatizada da juventude. Folha de São
Paulo, 18-05-1997. (mimeo).
"Observam-se gangues e galeras como processos de formação de grupos de jovens de
manifestações distintas, desde as ligadas à música e ao lazer, até as delinqüências."
(p. 158)
Alba Zaluar (1994) Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro, Revan. "As análises sociais tem privilegiado a juventude pobre como objeto de estudos de
delinqüência ou violência urbana, como vítimas ou como agressores, enfatizando os
aspectos da exclusão do mercado de trabalho e dos serviços de bens de consumo
urbano, destacando o seu envolvimento com os tráficos de drogas e armas." (p. 153)
Alba Zaluar (1994) Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro, Revan “Foi uma das primeiras a estudar a questão da violência no país, apontando o seu
aumento e especificidade na natureza das suas ações. O estado de miséria social e o
desamparo político têm acarretado novas estratégias de sobrevivência por parte das
classes populares.” (p. 147)
Brandão &
Duarte
(1993) Movimentos culturais de juventude. São Paulo,
Moderna
" Brandão & Duarte (1993), seguindo a análise de Morin, identificam a formação de uma
'cultura da juventude' nos anos 50, “reflexo de suas tendências comportamentais de
revolta, expressas principalmente pela música, de forma individualizada ou em
pequenos grupos." (p. 156)
Corenlius
Castoriadis
(1996) La montée de l’insignifiance. Paris Ed. Du Seuil “Castoriadis (1996) discute a crise social como a crise das significações imaginárias da
sociedade. As pessoas não crêem mais no progresso ilimitado da racionalidade
capitalista como solução dos problemas da humanidade, como no século XIX. Pelo
contrário existem pessimismo e ceticismo.” (p. 150)
Edgar Morin (1986) Cultura de Massas no século XX. Rio de
Janeiro, Forense.
"Morin (1986) considera a juventude uma categoria histórica e destaca a formação de
uma cultura juvenil no seio da cultura de massas. (...) Essa cultura ambivalente,
predominantemente urbana, integra-se de um lado à industria cultural dominante,
consumindo não só os produtos materiais, mas os seus valores" (p. 156)
François Dubet (1995) Penser le sujet. S-I Fayard “Segundo Dubet (1995), o espaço urbano aparece como sintoma, símbolo,
representação da ‘civilização e da barbárie’ modernas” (p. 146)
Gloria Diógenes (1996) Fragmentação social e grupos identitários: a
lógica das redes de solidariedade fechadas. XX
Encontro Anual da ANPOCS.
"No Brasil, estudos enfocam as diferenças entre gangues e galeras e abordam sua
proliferação no espaço urbano. Di[ogenes (1996) esclarece que, “ no jargão dos meios
de comunicação de massa e nas falas usuais do senso comum, ter-se-ia forjado uma
definição de gangues como a face violenta dos agrupamentos juvenis". (p. 157)
Helena Abramo (1994) Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo
urbano. São Paulo, ANPOCS Scritta.
"Abramo (1994) explica que, atualmente, existem transformações significativas na
composição da categoria juvenil. Os movimentos contestatórios - como o estudantil -
perdem expressão, ao mesmo tempo que surgem várias manifestações culturais
produzidas por grupos de jovens das mais diversas origens sociais, sendo necessário
364
começar a falar em várias juventudes, “(...) a fim de contemplar as inúmeras
diferenciações que a condição juvenil atravessa." (p. 157)
Helena Abramo (1994) Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo
urbano. São Paulo, ANPOCS Scritta.
"A visibilidade da juventude e sua tematização como problema constroem-se, neste
período, através do surgimento de um comportamento 'anormal' por parte de grupos de
jovens delinqüentes, ou excêntricos, ou contestadores, implicando todos, embora de
formas diferentes, em contraste com os padrões vigentes". (p. 154)
Helena Abramo
W.
(1994) Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo
urbano. São Paulo, ANPOCS Scritta.
"Nesta pesquisa, à parte as diferentes definições e enquadramentos teóricos entre
autores, entende-se a juventude como período de transitoriedade. “(...) como uma
etapa de transição que processa a passagem de uma condição social mais recolhida e
dependente a uma mais ampla; um período de preparação para o ingresso na vida
social adulta. (Abramo, 1994)" (p. 154)
Instituições "Com relação à faixa etária, existem divergências ao se fixar uma cronologia que
identifique a categoria de juventude. A Organização Internacional da Juventude define
os limites etários entre 15 e 24 anos, enquanto a WHO-OPAS entre 10 e 20 anos." (p.
153)
Instituições "A escola de Chicago é marco fundamental nos estudos sobre juventude - a juventude
aparece em contraste com a ordem social:" (p. 155) citando Abramo (1994).
Instituições "No Brasil, o tema da violência começa a adquirir destaque no campo das ciências
sociais, especialmente na última década". (p. 146) ISER, CLAVES, e especialistas.
J. Marcia (1980) Identity of adolescence. In ADELSON (ed.)
Handbook of Adolescent psychology. New York, John
Wiley and Sun
"Delimita-se cronologicamente, para efeito desse estudo, o conceito de jovem para a
faixa etária compreendida entre 14 e 20 anos, tendo como base o estudo de Marcia
(1980), que classifica esse período como a consolidação de uma identidade juvenil, a
partir do desenvolvimento físico, das capacidades cognitivas, das expectativas sociais,
finalizando aos 20 anos - quando a identidade adulta começa a se manifestar". (p. 154)
Jean Claude
Chesnais
(1981) Histoire de la violence. Paris, Ed. Robert Lafoont “Na historia da humanidade, tem-se revelado em manifestações individuais ou
coletivas. Chesnais (1981), em Histoire de la violence, apresenta as múltiplas formas de
violência registradas em diferentes épocas e sociedades, privada e coletivamente” (p.
145)
José Gregori (1997) Crime e direitos humanos. Reunión sobre el
desafio de la violencia criminal urbana. BID – UNESCO
– Est. Do Rio de Janeiro.
“É fenômeno com múltiplas causas, no qual intervém, simultaneamente, ou quase
simultaneamente, uma grande variedade de fatores” (p. 144)
José V. T. Santos (1995) A violência como dispositivo de excesso de
poder. Sociedade & Estado, Departamento de
Sociologia UnB, vol. 10 n2 jul-dez
“Há dificuldades na definição da violência, pela ausência de uma construção conceptual
capaz de inseri-la nas relações sociais difusas e esparsas do espaço social” (p. 144)
Maria Stella G.
Porto
(1997) A violência entre a inclusão e a exclusão social.
VII congresso Sociedade Brasileira de sociologia.
Brasília, agosto.
“Há reconceitualização de violência ‘(...) de modo a incluir e a nomear como violência
acontecimentos que passavam anteriormente por práticas costumeiras de
regulamentação das relações sociais” (p. 146 )
Maria Stella G.
Porto
(1997) A violência entre a inclusão e a exclusão social.
VII congresso Sociedade Brasileira de sociologia.
Brasília, agosto.
“Porto (1997) mostra que crimes e violências de natureza sexual, até então tratados na
esfera privada – e não nomeados como violência -, passam a ser assim considerados e
adquirem visibilidade na esfera pública, á medida que as mulheres se assumem como
365
portadoras de direitos”. (p. 149)
Michel Maffesoli (1996) Elogie de la raison sensible. Paris, Bernard
Grasset
“Nessa sociedade destituída e carente de referencias unificadoras surgem novas
formas de arranjos grupais, principalmente de jovens, que denomina de ‘processo de
tribalização’, como reação a um estilo de vida que não mais satisfaz.” (p. 150)
Michel Wieviorka (1997) O novo paradigma da Violência. Revista Tempo
Social São Paulo, vol. 9. n 1
“Wieviorka (1997) diz que a maioria dos países do mundo ocidental vive crise e
mutação social (...) que produzem elementos novos e novas significações para a
violência” (p. 149).
Michel Wieviorka (1997) O novo paradigma da Violência. Revista Tempo
Social São Paulo, vol. 9. n 1
“Como afirma Wieviorka (1997), ‘mudanças tão profundas estão em jogo que é legítimo
acentuar as inflexões e as rupturas da violência, mais do que as continuidades” (p.
144).
Michel Wieviorka (1997) O novo paradigma da Violência. Revista Tempo
Social São Paulo, vol. 9. n 1
“Atos de violência apresentam-se não apenas em crimes, roubos, delinqüência, mas
nas relações familiares, nas relações de gênero, na escola, nos diversos aspectos da
vida social.” (p. 150)
Robert Castel (1995) Les Métamorphoses de la question sociale.
Paris Ed. Du Seuil
“Para Castell (1995) a questão da exclusão social é o cerne da questão social
contemporânea e apresenta-se relacionada a uma degradação, a uma desestabilização
da condição salarial em geral e das relações de trabalho.” (p. 148)
Ruth Cardoso e
Helena Sampaio
(1995) Bibliografia sobre a juventude. São Paulo,
EDUSP.
"(...) a maior parte dos estudos privilegiam os conflitos entre gerações, o abuso do
poder dos adultos, em especial das autoridades." (p. 157)
Sergio Adorno (1997) La criminalidad violenta urbana en Brasil:
tendencias y caractrística. Reunión sobre el desafío de
la violencia criminal urbana. BID/UNESCO/ Estado do
Rio de Janeiro, março
"`Pode-se entender, tal como sugere Adorno (1997), a relação entre consumo e de
drogas e identidade como parte do mundo contemporâneo e das sociedades
modernas" (p.35)
Sergio Adorno (1997) La criminalidad violenta urbana em Brasil:
tendencias y características. Reunión sobre el desafio
de la violencia criminal urbana. BID – UNESCO – Est.
Rio de Janeiro.
“Adorno (1997), ao fazer o perfil da criminalidade no Brasil, na última década, sem São
Paulo e Rio de Janeiro, constata o crescimento de todas as modalidades de delitos. (...)
Mudaram os padrões convencionais de criminalidade e o perfil das pessoas envolvidas
e generalizou-se o crime organizado, sobretudo aquele relacionado ao narcotráfico.” (p.
147)
T. H., Marshall (1967) Cidadania, classe social e status. Rio de
Janeiro, Zahar.
"O desenvolvimento da idéia de cidadania, elaborada por Marshall (1967), com base no
caso inglês, indica o sentido histórico da cidadania ao referir-se ao processo de
conquista e expansão dos direitos dos cidadãos. (...) O autor sugere uma tipologia dos
direitos do cidadão, baseados nos três elementos constitutivos da cidadania." (p. 95)
Wanderley, G.
dos Santos
(1993) Razões da desordem. Rio de Janeiro, Rocco. "Analisando o impacto dessas mudanças na dinâmica social e política brasileira, Santos
(1993) se refere ao 'híbrido institucional' brasileiro, que combina uma morfologia
poliárquica excessivamente formalista com um 'hobbesianismo social pré-
participatório'." (p. 96).
Yves Michaud (1989) A violência. São Paulo Ática. “Concorda-se com o conceito de que: ‘há violências quando, em uma situação de
interação, um ou vários autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa,
causando danos a uma ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade
física, seja em sua integridade moral, em suas poses, ou em suas participações
simbólicas e culturais’ (Michaud, 1989 – s/p)” (p. 145)
366
Anexo 3.1 – Autores-Fonte, publicações utilizadas e os trechos destacados dos livros: (Fala galera, Gangues e galeras, Ligado
na galera e os Jovens de Curitiba)
Fala.Galera: Juventude, Violência e Cidadania na cidade do Rio de Janeiro
AUTOR-FONTE PUBLICAÇÃO
TRECHOS
M. Sodré (1992) O social irradiado: violência urbana, neogrotesco e
mídia. São Paulo: Cortez.
" [...] Ainda da acordo com Sodré (1992;84) os meios de comunicação ao se
dirigirem especificamente às crianças e aos adolescentes " propiciam uma
interferência singular na nova organização social (o modelo telerealista ) no jogo,
que é encarado, justamente, na teoria do psicanalista Winicott, como uma
atividade formadora tanto do sujeito quanto da ordem cultural." (p. 131)
M. Arilha e G.
Calazans
(1998) Sexualidade na adolescência. In: BERQUÓ, E.
(org.).Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas,
Brasília, CNPq, p. 687-712.
" Arilha e Calazans (1998) resumem estudos sobre a juventude brasileira,
assinalando que além de assinalarem atitudes e comportamentos associados à
transgressão, das normas morais e legais da sociedade, como sempre ocorreu
nos conflitos integracionais, os jovens da atualidade
estariam demonstrando perspectivas mais flexíveis no campo ético e moral, o que
indica um distanciamento cada vez maior entre as gerações[...]" (p. 88)
S. G. Assis (1992) Criança, violência e comportamento: um estudo em
grupos sociais distintos. Rio de Janeiro:
CLAVES/ENSP/FIOGRUZ, 1992, Relatório final de pesquisa
" Em estudo realizado em Duque de Caxias, município da região metropolitana,
Assis (1992) estimou que, nos anos de 1990-1991, 10.955 estudantes do
município conviviam com a violência familiar , sendo que 2.665 eram vitimizados
nas suas formas mais graves, inclusive com ameaça à vida." (p. 15)
L. E. Soares (1996) Violência e polícia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Relume Dumará.
" Soares(1996) afirma que jovens de 15 a 19 têm sido vítimas, em uma escala
cada vez maior, de homicídios dolosos, confirmando os estudos anteriores." (p.
15)
A. L. Sabóia (1998) A situação educacional dos jovens. In: BERQUÓ, E.
(Org.).Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas.
Brasília, CNPq, p. 499-515.
"[...] A segmentação dos jovens segundo a cor mostra uma face cruel da
discriminação ‘que tem origem ainda pautada nos tempos coloniais, mas que
assume feições específicas e particulares em função da complexidade das
relações sociais modernas’.(Sabóia, 1998:511)" (p. 109)
J. C. F.
Galduroz, A. R.
Noto, E. A.
Carlini
(1997) IV Levantamento sobre uso de drogas entre
estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasileiras. São
Paulo. Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal
de São Paulo/ Centro Brasileiro de Informações sobre
367
M. C. Minayo (1997) Violência, direitos humanos e saúde. In: CANESQUI,
A.M.(Org.). Ciências Sociais e Saúde. São Paulo,
Rio de Janeiro: Hucitec/ABRASCO, pp. 247-260.
P. S. Pinheiro (1982) Violência brasileira: Brasiliense.
R. G. Oliven (1983) Violência e cultura no Brasil. Petrópolis.
Vozes.
"[...] Em primeiro lugar, existe uma insinuação de que a violência é um problema,
“uma doença" dos pobres, ora como vítimas das condições sociais, ora como
autores, por causa da revolta, ressentimento, frustrações e ódio contra os ricos.
Ora tal sugestão ideológica, que é parte do pensamento hegemônico como
evidenciam vários autores Pinheiro (1982), Oliven (1983) e Minayo (1997),
conforma uma atitude de culpabilização dos pobres e de obscurecimento da
violência política, cultural, econômica e financeira exercida pela classe
dominante". (p.151 - 152)
R. M. Fischer (1997) A mídia como espaço formativo do sujeito
adolescente. In: Veritas. Porto Alegre. v.42, n.2, p. 333-348.
"[...] Entretanto, algumas mudanças têm ocorrido na construção que a mídia traz
desses perfis, à medida que alguns jovens de camadas médias são noticiados
como responsáveis por atos inflacionais. No sentido positivo, a introdução dos
direitos da criança e do adolescente cada vez mais no meio jornalístico tem
propiciado tornar públicas questões de opressão, exploração e autoritarismo
patriarcais e sociais."
" Assim, embora com tendência reducionista, a imprensa também estabelece e
provoca o contrário, assumindo um caráter formador por vezes mais eficaz e
efetivo que as mensagem pedagógica da escola (Fischer, 1997)".(p. 19)
Gilberto Velho e
Marcos Alvito
(orgs.)
(1996) Cidade e violência. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ.
"[...] Essa idéia de cidadania, relacionada à igualdade de todos os homens, não
se verifica na realidade social (Velho e Alvito, 1996)." (p. 16)
Jacobo
Waiselfisz
(1998) O mapa da violência: os jovens do Brasil. Rio de
Janeiro. Garamond.
"[...] já o conceito de juventude resume uma categoria sociológica, que constitui
um processo sociocultural demarcado pela preparação dos indivíduos para
assumirem o papel de adulto na sociedade, no plano familiar e profissional. Inclui
a fase dos 15 aos 19 anos de idade (WAISELFISZ, 1998a)" (p. 13)
W. G. Santos (1994) Cidadania e justiça : a política social na ordem
brasileira. Rio de Janeiro. Campos.
"[...] No estudo da formação social, alguns autores desenvolveram a noção de
cidadania estruturada e regulada, tutelada pelo Estado, que enfatiza o lugar
ocupado pelos sujeitos no processo produtivo, não sendo, portanto,
universalizada para todos [...]" (p. 16)
S. Hall (1997) Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A Editora.
"[...] O conceito de identidade diz respeito ao pertencimento social, cultural, étnico
e de gênero, pertencimento esse que se constrói na família, nos ambientes
culturais e institucionais, por meio de comparações e contrastes nas interrelações
socioculturais. Todavia, Hall (1997) trabalha com o argumento de que as
mudanças estruturais nas sociedades modernas do final do século estão
fragmentando as realidades culturais de classe, gënero, etnia, raça e
nacionalidade, ocasionando transformações em identidades sociais imprimidas
anteriormente aos sujeitos.[...]" (p. 18)
Castilho, E. A. e
C. L.
Swarcswald
(1998) Mais uma pedra no meio do caminho dos jovens
brasileiros: a Aids.In:BERQUÓ, E. (Org.).Jovens
acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília, CNPq,
p. 197-207.
"[...] O primeiro caso detectado entre jovens na faixa de 15 a 24 anos ocorreu em
1982 em São Paulo, e de lá até 31 de maio de 1997, foram notificados no país
14.536 casos de pessoas neste grupo de idade confirmando o que Castilho e
Swarcswald (1998) denominam ‘mais uma pedra no caminho dos jovens
brasileiros’ [...]".(p. 105)
368
C. Lasch (1990) O discurso sobre a morte em massa. In: O mínimo
eu. São Paulo. Brasiliense.
"[...] Ou como diz Lasch (1990:91), falando das práticas terroristas do Khmer
Vermelho, segundo o qual " não há nada a ganhar mantendo essa população viva
e nada a perder por suprimi-las" [...]. (p. 189)
R. M. Fischer (1997) A mídia como espaço formativo do sujeito
adolescente. In: Veritas. Porto Alegre. V.42,n.2, p. 333-348.
"[...] Outra produção muito elogiada é o "Arquibancada da TVE, no qual os
problemas colocados são ‘discutidos mesmo. É um programa jovem, não tem
nada de careta’. Além desses é citado o ‘Programa Livre’, no qual entendem que
são debatidos de forma interativa, com estudiosos, autoridades, artistas e garotas
e garotos, temas que interessam a juventude. Fischer (1997) denomina esse tipo
de programação como próprio de um "ethos pedagógico da mídia" e considera
que ‘esses adultos que falam de dentro dos meios de comunicação – quase
sempre jornalistas, atores e atrizes, publicitários, músicos e cantores, ou então,
ou então especialistas da área médica que se transformam em figuras típicas da
mídia – fazem-no com a autoridade de adultos experientes e como depositários
de verdades’. (p. 137-138)
F. R. Madeira e
E. M. Rodrigues
(1998) Recado dos jovens: mais qualificação. In:
BERQUÓ,E.(Org.). Jovens acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília: CNPq, p. 427-498.
"[...] Por outro lado, pioram os indicadores referentes ao trabalho, cresceram as
taxas de desemprego e subemprego juvenil, tendo como pano de fundo
problemas estruturais, exigência de maior escolaridade e experiência, pelo
mercado de trabalho e a preferência, tanto por parte de empregadores e mesmo
por parte dos sindicatos por trabalhadores adultos".
"Essas questões repercutem na vida de quase dois milhões de jovens, de 15 a 19
anos, que não estão trabalhando e nem freqüentam a escola, expondo-os a
riscos sociais, com evidentes chances de recorrerem à transgressão, conforme
destacam Madeira e Rodrigues (1998)" (p. 18)
A. Vasconcelos (1995) A sociogênese da violência contemporânea. In:
Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro,v.44, n.7, p.
333-339.
"[...] Vários estudos sobre a violência na televisão apontam para a tendência
natural da criança para a imitação, o que é dado como causa da morte ou
acidentes de crianças por tentarem imitar os heróis da televisão em suas lutas
(Vasconcelos, 1995)".(p. 143)
M. C. Minayo e
E. R. Souza
(1998) Violência e saúde como um campo interdisciplinar e
de ação coletiva. In: História, ciência e saúde, Rio de
Janeiro, v.4,n.3,pp. 513-531.
"[...]Na verdade, entende-se, aqui, que não há um fato denominado violência, e
sim violências, como expressão de manifestações da exacerbação de conflitos
sociais cujas especificidades necessitam ser conhecidas. Têm profundos
enraizamentos nas estruturas sociais, econômicas e políticas, e também nas
consciências individuais, numa relação dinâmica entre condições dadas e
subjetividade (MINAYO e SOUZA, 1998)." (p. 14)
O. Cruz Neto e
M.C. de S.
Minayo
(1994) Extermínio: violentação e banalização da vida. In.
Cadernos de Saúde Publica, Rio de Janeiro, v.10, p. 199-
212 suplemento 1.
"{...} Cruz Neto e Minayo (1994) refletem sobre o tema no artigo em que analisam
a prática do extermínio no país, mostrando que os pobres, freqüentemente, no
Brasil são considerados como desnecessários, potenciais criminosos, ameaças à
sociedade". (p. 189)
Gilberto Velho (1998) Introdução. In: BAPTISTA,M. e INEM, C. (org.).
Toxicomanias: abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro,
Sette Letras, p. 9-16.
"2) As drogas ilícitas citadas por eles com mais freqüência são, pela ordem, a
maconha, a cocaína o ecstasy. Nenhum dos entrevistados assinalou o uso de
cocaína injetável. Sobre a primeira, vários jovens enunciaram sua opinião de que
sua liberação a tornaria menos desejada, concordando com a posição de alguns
369
políticos e intelectuais, como Velho (1998), quando falam sobre discriminação,
diferenciando-a de outras substâncias como a cocaína e o crack." (p. 78)
N. Miguel (1998)Tóxicodependência: a prevenção é possível?. In:
BATISTA,M., INEM,C. (org.). Toxicomanias: abordagem
interdisciplinar. Rio de Janeiro, Sete Letras, p. 67-74.
"3) Os depoimentos de vários grupos de ambos os estratos sociais deixam
entrever uma preocupação com o risco que correm de se ‘viciarem’, perdendo
assim a sua liberdade de enfrentar os problemas, aproveitar a vida e realizar seus
sonhos. Essas falas são freqüentemente associadas a confissões de
experiências esporádicas com alguma substância psicoativa, sem que isso tenha
significado adesão às drogas. Tais receios encontram apoio nos estudos de
especialistas como Miguel (1998), que escreve: ‘Para uns é uma experiência
passageira; para outros, uma viagem arriscada; para outros um mergulho numa
aventura que pode não ter volta’.” (p. 78)
N. Miguel, S. Y.
Garcia, F. I.
Bastos e B.
Carlini-Cotrim
(1998) O consumo de drogas psicoativas entre jovens
brasileiros: dados, danos e algumas propostas. In:
BERQUÓ,E. (org.).Jovens acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília, CNPq, p. 645-669.
"6) Existe um consenso entre os estudiosos (Miguel, 1998; Garcia, 1998; Bastos
e Carlini-Cotrim, 1998), compartilhado pelos educadores entrevistados de que o
consumo de drogas por adolescentes e jovens tem causalidade complexa. Esses
últimos destacam a falta de perspectivas futuras de seus alunos quanto aos
sonhos e realizações profissionais e pessoais; conflitos familiares; alcoolismo dos
pais; violência doméstica; distanciamento da religião e a pobreza da vida
espiritual do jovem e hoje. A mídia com sua programação violenta e seus
incentivos ao consumismo, como sendo alguns dos fatores que favorecem a
drogadição [...]" (p. 79-80)
M. C. Minayo e
S. F. Deslandes
(1998) A complexidade das relações entre drogas, álcool e
violência. In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro,
jan./mar. V.14, n.1, pp. 35-42.
"8) Minayo e Deslandes (1998) discutem as dificuldades no estabelecimento das
relações causais entre drogas e violência, crença muito difundida na sociedade
de hoje. Analisam que elas podem ser tanto desencadeadoras, mediadoras,
como resposta a uma diversidade de comportamentos violentos. Estas autoras
destacam, entre outras questões, quão obscuras são ainda as explicações que
relacionam violências e drogas, uma vez que é difícil saber se em estado de
abstinência as pessoas cometeriam as mesmas transgressões[...]" (p.80-81)
F. R. Madeira e
E. M. Rodrigues
(1998) Recado dos jovens: mais qualificação. In:
BERQUIÓ,E. (org.) Jovens acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília, CNPq, p. 427-498.
"A história, a tradição e a cultura contribuem para a expressão de seus valores,
pois, como afirmam Madeira e Rodrigues (1998), apesar das diferenças que
efetivamente existem, os jovens, independentemente de sua condição
socioeconômica, não só apresentam, mas sobretudo cultivam uma identidade ou
uma marca de ‘juventude’ (p. 12)
Z. Ventura (1994) A cidade partida. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras.
"A música ‘carioca’, de Chico Buarque, descreve a beleza do Rio de Janeiro e a
paixão do artista por ela. Talvez nenhuma outra cidade tenha sido tão exaltada e
tenha inspirado tantos poetas e compositores quanto o Rio. Ventura (1994)
aponta a visão romântica e nostálgica associada ao movimento musical e literário
existente na cidade, especialmente na década de 60. Essa representação
glamourizada da cidade está presente no imaginário coletivo de quem vive aqui e
das pessoas que chegam à cidade, como se pode verificar nesta pesquisa.
O conjunto dos jovens entrevistados reflete em suas falas essa visão positiva do
Rio de Janeiro" (p. 35)
370
R. Veras (1995) A população idosa no Brasil: uso de indicadores de
saúde. In: MINAYO,M.C. de S. (org.). Os muitos Brasis. São
Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco, p. 304-319.
"A opinião dos rapazes sobre as mulheres cariocas pode ser sintetizada na fala
de um garoto do grupo de jiu-jítsu: ‘As cariocas são divinas’. São consideradas
melhores e mais bonitas do que as demais brasileiras. Essa beleza associa-se ao
alto-astral, à ‘curtição’, à espontaneidade do povo e à predominância de jovens,
quando você vai a lugares tá cheio de gente jovem, tudo cheio’, resultando numa
imagem muito carinhosa e idealizada da cidade por parte dos grupos
entrevistados. Essa imagem pode ser contrastada com dados de realidade que
apontam o Rio como espaço demográfico com maior proporção de idosos no
país. E dentro do município destaca-se Copacabana pela concentração dessa
população (Veras, 1995)". (p. 36)
E. R. Souza, S.
G. Assis e C. M.
F. P. Silva
(1997) Violência no município do Rio de Janeiro: área de
risco e tendência da mortalidade entre adolescentes de 10 a
19 anos. In: Pan American Journal Public Health.
Washington. V.1, n.5, p. 389-398.
"A região metropolitana do Rio de Janeiro, é a que possui maior número absoluto
de pessoas em situação de pobreza. A partir da década de 80 esse processo de
exclusão se acirrou e viu-se sua população se armar e proteger com grades o
seu patrimônio, solicitando e legitimando ações repressivas da polícia (Souza,
Assis e Silva, 1997)". (p. 14)
M. Arilha e G.
Calazans
(1998) Sexualidade na adolescência. In: BERQUÓ, E. (org.).
Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas,
Brasília, CNPq, p. 687-712.
"Arilha e Calazans (1998) observam que existe uma associação entre uma maior
abertura nas relações de gênero e níveis de escolaridade, de informação e
condição sócio-econômica, e que nas classes populares os padrões de
comportamento sexual tendem a ser mais conservadores, fato que se observa
também nesta pesquisa. ‘As grandes mudanças que ocorreram nos repertórios
usados para a construção da cultura sexual de rapazes e de moças adolescentes
causaram um impacto muito pequeno no caso dos jovens do sexo masculino e
das camadas populares’ (Arilha e Calazans, 1998)" (p. 73)
J. F. Costa (1997) Utopia sexual: utopia amorosa. Rio de Janeiro:
UERJ.(MIMEO)
"As mudanças atingiram, de forma muito particular, as mulheres e os jovens de
famílias intelectualizadas, como argumenta Costa (1997), dizendo que a
repressão sexual foi contornada pelo código da liberalização sexual, e que hoje
está em questão, para a juventude de classe média, muito mais a realização
amorosa do que os problemas de sexualidade [...]" (p. 73)
J. F. Costa (1986) Violência e psicanálise . Rio de Janeiro. Graal. "Às vezes, os próprios negros tem racismo. Não querem passar por negros
mesmo. Não gostam de ter filhos negros e se casam com loiras". " Eu conheci
uma negra que não gostava de gente preta ". "Eles mesmos se discriminam"
(alunos das escolas públicas). Costa refletindo sobre o tema, diz que: " Ser negro
é ser violentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa ou sem
repouso, por uma dupla injunção: a de encarnar o corpo e os ideais de ego do
sujeito branco e de recusar, negar e anular a presença do corpo negro".
(1986:104)." (p. 199).
Roberto Da
Matta
(1997) A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no
Brasil. Rio de Janeiro. Rocco.
"Cidadania pressupõe universalização de Direitos. Como bem observa Da Matta
(1997), a idéia de cidadania foi um instrumento poderoso para estabelecer o
universal, visando buscar um modo de contrabalançar e minimizar a teia de
privilégios hereditários que se cristalizavam em diferenciações e
hierarquizações." (p. 16)
371
Norberto Bobbio (1996) A era dos direitos. Rio de Janeiro. Campus. "Como bem observa Bobbio (1996), há uma diferenciação bem demarcada na
proclamação de um direito e na forma de desfrutá-lo efetivamente. No Brasil,
mais especificamente, existe um grande fosso social que separa a legislação
vigente, a realidade social e as práticas da legislação de seus conteúdos." (p. 17)
M. A. Straus, R.
J. Gelles e C.
Smith
(1995) Physical violence in American families: risk factors
and adaptations to violence in 8.145 families. New Jesey:
Transactions Publishers.
"Como se pode verificar a partir das evidências da abordagem quantitativa, não
se pode afirmar que haja prevalência de violência entre os extratos sociais. Pelo
contrário, os grupos se alternam na primazia do fenômeno, com percentuais
similares na maioria dos casos. A contraposição dos resultados qualitativos com
os quantitativos observados nesta pesquisa, não é um achado circunstancial, já
tendo sido relatada por outros autores (Straus, Gelles e Smith, 1995) que
estudam violência doméstica". (p. 95)
A. L. Sabóia (1998) A situação educacional dos jovens. In: BERQUÓ, E.
(Org.).Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas.
Brasília, CNPq, p. 499-515.
"Conforme afirma Sabóia (1998), o índice de freqüência dos jovens à escola
reflete os modelos educacionais adotados no país nas últimas décadas. Dentre
os rapazes e moças das camadas altas e médias, 85,8% estavam estudando no
momento da entrevista, sendo que 61% deles inscritos em escolas particulares.
No que toca às camadas populares, 74,2% estudavam em sua maioria no ensino
público (78,7%). Em termos de faixas etárias, cerca de 76% dos jovens
estudantes, em ambos os extratos, tinham entre 14 e 17 anos". (p. 107)
R. M. Fischer (1997) A mídia como espaço formativo do sujeito
adolescente. In: Veritas. Porto Alegre, v.2,n.2, p. 333-348.
"Da mesma forma quando o tema é gravidez na adolescência ou o aborto, a
mídia opera uma separação nítida entre dois mundos sociais. A análise feita por
Fischer (1997) sobre os programas televisivos e publicações dirigidas ao público
adolescente verificou que as mensagens para as meninas da classe média falam
dos cuidados médicos e apoio da família, enquanto para as meninas de classes
menos privilegiadas as mensagens contêm estatísticas demográficas e
explicações sociológicas". (p. 139)
E. R. Souza (1994) Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde
pública na década de 80.In: Cadernos de saúde pública, Rio
de Janeiro, v.10,pp. 45-60.
"Dimensionando o grau da violência no Rio de Janeiro, Souza(1994) encontrou
que, em 1988, a taxa de mortalidade por homicídio entre jovens de 15 a 19 anos
nesse município foi cerca de cinco vezes maior do que a do país, mostrando as
relações conflituosas interpessoais ou por outros motivos, como brigas de
gangues e a violência policial, que se estabelecem nos centros urbanos
brasileiros [...]" (p. 15)
S. Y. Garcia Perdas e danos: violência e sujetividade dos usuários. In:
BAPTISTA,M. , INEM, C. (org.).Taxonomias: abordagem
interdisciplinar. Rio de Janeiro. Sette Letras, p. 25-32.
"Do ponto de vista psicanalítico, alguns autores afirmam que a drogadização está
vinculada à angustia despertada por problemas de sexualidade, sentimentos de
perda, as falhas no processo de identificação, a problemas de inadequação e de
isolamento, enquanto causa e efeito simultaneamente. Constitui-se por isso como
busca de alívio à tristeza, ao sofrimento, às dificuldades de enfrentar a vida
(Garcia, 1998)." (p. 80)
A
.F.Morgado e
N. Miguel
(1984) Dependência de drogas: descrição de uma pesquisa
empírica e revisão de alguns aspectos importantes para a
sua prevenção. Tese (doutorado). Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo.
"Do ponto de vista social, a droga ora é vista como sintoma de mal-estar causado
por problema de mudanças, das crises de valores, das dificuldades econômicas,
do desemprego; ora é considerada sintoma da sociedade de consumo e do
hedonismo que tomou conta do estilo de vida moderno (Miguel, 1998; Morgado,
372
1984)" (p.80)
S. G. Assis (1998) Traçando caminhos numa sociedade violenta: a vida
dos menores infratores e seus irmãos não infratores. Rio de
Janeiro: CLAVES/ENSP/FIOCRUZ, Relatório de pesquisa.
"Dos grupos pesquisados, apenas dois estavam diretamente envolvidos com uso
de drogas: o dos jovens infratores e o dos usuários, formados quase
integralmente por dependentes de maconha e cocaína. Cumprindo medidas
socioeducativas, ambos ressaltaram a influência de seus problemas familiares
como motivo para o seu envolvimento com o tóxico assim como as influências
das drogas nas dificuldades familiares que sofrem hoje e nas práticas inflacionais.
No entanto, todos fazem questão de diferenciar o uso da maconha em relação à
cocaína, mostrando como esta última os torna "desesperados" e "assustados",
enquanto a primeira os deixa "relaxados". Relatos diferenciados sobre os efeitos
de distintas drogas também foram encontradas por Assis (1998) em estudo com
jovens infratores do Rio de Janeiro e de Recife." (p. 80)
R. Morais (1995) Violência e Educação. Campinas. Papirus. "Educadores preocupados com a influência dos meios de comunicação, têm
discutido o papel da mídia na sociedade. Desse modo, o consumismo
desenfreado é visto como fenômeno extremamente negativo para os jovens: ‘A
vertente consumista, comporta outras deflagrações da violência, que vão da
autoviolentação resultante de a pessoa deixar-se cair escrava do supérfluo
doador de status até a violentação dos outros pela opressão da propaganda
instauradora de desejos neuróticos que criam necessidades tão fortes que tem
levado muitos ao crime, na ânsia de lograrem meios financeiros de possuir, de
comprar’ (Morais, 1995:81)".(p. 144)
V. Faleiros (1995) Infância e processo político no Brasil. In: Rizzini, I.,
PILOTTI, F. (Orgs.) A arte de governar crianças. Rio de
Janeiro, Anais, p. 47-98.
"Em relação aos jovens, Faleiros (1995) ressalta que a cidadania de crianças e
adolescentes foi incorporada muito recentemente às prioridades da agenda de
políticas públicas." (p. 16)
M. L. Heilborn (1997) O traçado da vida: gênero e idade em dois bairros
populares da cidade do Rio de Janeiro. In: MEDEIRA
F.(org.). Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro.
Rosa dos Ventos, pp. 291-342.
"Estudando duas favelas do Rio, Heilborn (1997) já havia indicado esses
constrangimentos por que passam as mulheres das camadas mais pobres,
apontando para a classificação operada pela comunidade entre ‘meninas que têm
cabeça’ e ‘meninas de cabeça fraca’.” (p. 64)
J. C. F.
Galduroz, A. R.
Noto, E. A.
Carlini
(1997) IV Levantamento sobre uso de drogas entre
estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasileiras. São
Paulo. Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal
de São Paulo/ Centro Brasileiro de Informações sobre
drogas psicotrópicas.
"Estudos de Galduroz e colaboradores (1997) também mostram tendência do
crescimento do consumo de
álcool pela juventude do Rio de Janeiro. Quanto ao uso de cocaína, as
proporções dos que já a experimentaram é crescente com a idade, nas camadas
populares, sendo bem significativas nas faixas de 19 a 20 anos". (p. 77)
M. C. Minayo (1997) Violência, direitos humanos e saúde. In: CANESQUI,
A.M.(Org.). Ciências Sociais e Saúde. São Paulo, Rio de
Janeiro: Hucitec/ ABRASCO, pp. 247-260.
"Minayo (1997), num dos seus últimos trabalhos, compara a violência a um
complicado quebra-cabeça que só pode ser entendido pela junção do conjunto de
suas peças. Porém, diz na sua reflexão, diferentemente de um quebra cabeça
que uma vez decifrado exibe um retrato compreensível, a violência sempre se
apresenta como uma realidade fugidia, complexa e controversa. Mais que isso,
em relação à ela, a soma das verdades individuais não reproduz a verdade social
e histórica, e os mitos e crenças costumam distorcer a realidade, como num
373
espelho invertido." (p.147).
R. Gomes (1996) O corpo na rua e o corpo da rua: a prostituição
infantil feminina em questão. São Paulo. Unimarco Editora.
"O início da vida sexual foi em média aos 14 anos e meio de idade. Os jovens de
sexo masculino, em ambos os estratos, iniciam a vida sexual mais precocemente,
como pode ser verificado no gráfico 5. Houve alguns relatos de que a primeira
relação sexual tenha ocorrido aos 6 anos (nas classes alta/média) e aos 9 anos
(nas classes populares), no caso dos meninos, e aos 11 e 12 anos para as
meninas, o que pode estar denotando situações possíveis de violência sexual,
pouco denunciadas e investigadas na sociedade brasileira. Saffioti (apud Gomes,
1996) ressalta a inexistência de dados nacionais sobre o abuso sexual , devido à
precariedade dos registros de ocorrência e à ausência de um levantamento global
de registros." (p. 63),
A. L. Sabóia (1998) A situação educacional dos jovens. In: BERQUÓ, E.
(Org.).Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas.
Brasília, CNPq, p. 499-515
"Observando-se as diferenças de gênero, vê-se que a maioria das meninas (58%)
e dos meninos cariocas (52%) está no primeiro grau. No segundo grau
encontram-se 39,3% e 43, 7%, respectivamente. No curso superior os rapazes
também são privilegiados (4,4% versus 2,7% das meninas). Esses resultados
podem ser comparados, com alguma reserva, aos encontrados no Brasil, que se
referem à faixa dos 15 aos 19 anos de idade , onde, em 1995: a) 53,8% dos
rapazes e 62,3% das moças cursavam o primeiro grau; b)42,1% e 34%
respectivamente se encontravam no segundo grau ; c) 3,4% e 2,6% no curso
superior. Os resultados aqui apresentados que mostram a melhor escolaridade
masculina, discordam dos relatados por Sabóia (1998) para a faixa dos 15-24
anos, em que evidencia-se maior percentual de mulheres cursando o nível
superior de ensino." (p. 109)
F. I. Bastos e B.
Carlini-Cotrim
(1998) O consumo de drogas psicoativas entre jovens
brasileiros: dados, danos e algumas propostas. In:
BERQUÓ, E. (org.). Jovens acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília, CNPq, p. 645-669.
"Os dados aqui citados são confirmados pelos estudos de Bastos e Carlini-Cotrim
(1998), com escolares adolescentes e jovens, nos quais os autores mostram que
80% do consumo de drogas se concentra em bebias alcóolicas[...]" (p. 77)
R. Gomes (1998) Da denúncia à impunidade: um estudo de morbi-
mortalidade de crianças vítimas de violência. In: Cadernos
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, abr/jun, v.14, n.2, p. 301-
311.
"Outra pesquisa que constata a vitimização e ausência de direitos legais de
crianças e adolescentes foi desenvolvida por Gomes (1998). Esse autor analisou
todos os 105 registros policiais de violência doméstica contra crianças de 0 a 5
anos de idade, ocorridos no município do Rio de Janeiro, em 1990. [...]" (p. 15)
L. Lavinas (1997) Gênero, cidadania e adolescência. In: MADEIRA,
F.(org.). Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro.
Rosa dos ventos. p. 11-44
"Para o grupo de ‘classe média intelectualizada, a vivência da sexualidade pode
ser homogênea, simétrica e indiscriminada, com base em valores positivos’, diz
Lavinas (1997), o que não deixa de significar uma boa mensagem deste final de
século[...]" (p. 73)
Hermano Vianna (1997) O mundo funk carioca. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor.
"Para Vianna (1997:84), "a violência é um tema, uma preocupação e uma
realidade em todos os momentos do baile". Esse autor observou que existe toda
uma organização nesses bailes a fim de evitar ocorrências violentas, como a
revista na porta, segurança que circulam pelas pistas de dança, a habilidade do
DJ. No entanto, as falas de jovens entrevistados nesta pesquisa, pertencentes a
grupos funk, revela mais adiante que em alguns momentos o próprios
374
organizadores dos bailes passam a incentivar as brigas e a truculência dos
seguranças contribui para a violência nesses espaços." (p. 41)
M. L. M. Afonso,
M. Arilha e G.
Calazans
(1997) A polêmica entre adolescência e sexualidade.
Tese(Doutorado). Faculdade de Educação. Universidade
Federal de Minas Gerais.
"Segundo as falas, rapazes e moças cariocas jovens adotam uma classificação
de comportamentos que parece ser hoje generalizada e da uso geral no país,
pois tem sido observada por outros autores como Afonso (1997), Arilha e
Calazans( 1998), em estudos sobre sexualidade e juventude brasileira.[...]" (p.
103)
B. Musumeci (1994/1995) Drogas: prevenção, repressão ou
discriminação? In: Comunicação e política, dez.1994/ mar.
1995, v.1, n.2, p. 54-62.
375
189)
L. E. Soares (1993) Criminalidade urbana e o Rio de Janeiro no contexto
internacional, Rio de Janeiro: ISER.
"Vários estudiosos, quando tomam a violência como objeto de suas
interrogações, têm se deparado com a dificuldade de conceituá-la teoricamente.
Chesnais (1981), Soares (1993), Minayo (1997) anunciam tal dificuldade
buscando avançar em sua compreensão, " colaborando para que se estenda a
faixados componentes "objetivos" em nossa visão coletiva, até para que a
subjetividade possa se nutrir de fatos novos e mais ricos do que a ração
miserável que nos costumam servir", diz Soares (1993:3)." (p. 147)
Hermano Vianna (1997) O mundo funk carioca. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor.
"Vários trabalhos de antropólogos brasileiros apontam a territorialização da
cidade do Rio de Janeiro, como é o caso da zona norte e zona sul, e que esses
territórios não são homogêneos. Pesquisando os bailes funk cariocas, Vianna
demonstra que grupos de ethos conflitantes mantêm uma disputa que vai além
desses territórios. Para esse autor, o nome ‘suburbano’ dado ao morador da zona
norte pelo da zona sul é uma forma de acusação freqüente. Assim esses bailes
são conhecidos como ‘bailes de subúrbio’. Sobre o ‘mundo suburbano’, lembra
Vianna, diversos antropólogos e literatos encontram muitas representações ‘que
incluem desde depreciações até elogios. As depreciações mais comuns são:
p
obreza, cafonice, abandono, atraso. Os elogios sempre giram em torno da maior
solidariedade ou amizade existente entre os moradores da zona norte‘(1997:67)"
(p. 40)
J. C. Chesnais (1981) Histoire de la violence em Occident de 1800 à nos
jours. Paris: Editions Robert Laffont.
“(...) No mesmo sentido, Chesnais , elegendo como objeto de análise
"L´Histoire de la violence " no Ocidente nos últimos duzentos anos, mostra a
interferência de múltiplos fatores nas idéias e reações que a sociedade possui
sobre violência, dificultando a objetivação científica desse tema [...]" (p. 147)
P. Burke (1995) Violência social e civilização. In: Braudel Papers, São
Paulo, n.12, p. 1-8.
“[...] Em seus estudos, Burke (1995) sublinha que em todas as sociedades, os
jovens constituem grupo de risco para a violência, por causa do espírito de
transgressão, aventura e afrontamento da lei." (p. 161)
S. G. Assis (1994) Crescer sem violência: um desafio para educadores.
Rio de Janeiro: CLAVES/ENSP/FIOCRUZ.
S. F. Deslandes (1994) Prevenir a violência: um desafio para os profissionais
de saúde. Rio de Janeiro: Claves.
“Em vários estudos que associam a instituição escolar e seu papel ante a
violência social, (Assis, 1994; Deslandes, 1994) fica evidenciada a sua dificuldade
diante do fenômeno. Apesar de o conhecimento sobre os preceitos do ECA ter
ampliado nos últimos anos, seu cumprimento não se dá diante das situações de
violência contra o adolescente , devido a muitos motivos, entre eles a falta de
preparo e, por vezes, de compromisso social." (p. 124)
E. R. Souza, S.
G. Assis e C. M.
F. P. Silva
Violência no município do Rio de Janeiro: áreas de risco e
tendência da mortalidade entre jovens de 10 a 19 anos. In:
Pan American Journal Public Health, Washington, v.1, n.5,
p. 389-398.
“No segundo estudo, a análise feita por Assis e Souza (1995) a partir dos
registros policiais envolvendo lesões não fatais contra crianças e adolecentes de
0 a 19 anos, ocorridas nos anos 1990, ressalta que os acidentes de transito, as
agressões e os roubos/furtos foram as principais causas de violência,
preferentemente na faixa dos 10 aos 19 anos". (p.153)
376
Gangues, galeras, chegados e rappers: Juventude, Violência e Cidadania nas cidades da periferia de Brasília
AUTOR-FONTE PUBLICAÇÃO
TRECHOS
A. Arias (1998) Avaliando a situação ocupacional e dos rendimentos
do trabalho dos jovens. In: Jovens acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília. Comissão Nacional de População
e desenvolvimento – CNPD.
“ [...] O trabalho e a educação funcionam como uma espécie de salvo-conduto
moral, um passaporte de entrada para a sociedade e para a cidadania (Arias,
1998).” (p. 76)
R. Grompone (1998) Exclusión e control social. Um nuovo mapa peruano.
In: Nuova Sociedad, nº
156, julio/agosto.
“ [...] Por outro lado, conforme observa Grompone (1998), em muitos casos os
grupos excluídos lutam para administrar sua própria identidade, interiorizando
os estigmas com os quais são desqualificados e transformando-os em um
emblema ou um mecanismo de identificação [...]”. (p. 20)
M. Lavinas (1997) Gênero, cidadania e adolescência. In:
MADEIRA,F.R. (Org.)Quem mandou nascer mulher? Estudo
sobre as crianças e adolescentes pobres no Brasil. Rio de
Janeiro: Afiliada.
“ A percepção dos jovens sobre as relações sociais entre os sexos, expressa as
percepções correntes encontradas sobre o homem e a mulher encontradas na
sociedade, mostrando diferenças que não são naturais, senão produzidas
socialmente (Lavinas, 1997). De maneira geral as mulheres são vistas pelos
jovens como mais fracas, como de natureza menos violenta – “Não têm peso
de chegar e se impor” - , são menos experientes em roubos e podem usar de
“manha” para conseguirem o que querem, inclusive a aproximação com
membros de gangues para se tornarem conhecidas[...]” (p. 134)
L. Ratinoff (1996) Delincuencia y paz ciudadana. In: BID,Hacia um
enfoque integrado del desarrolo: ética, _ntermédi y seguridad
ciudadana. Encuentro de reflexión, Washington, 16 e 17 de
Fevereiro, mimeo.
“ Atualmente, existem sérios indícios de que há não só uma “crise de ideais “ ou
uma crise de expectativas e de futuro (possibilidades legítimas de realização).
Existe também uma adaptação ativa a novos modelos e identidades que, não
por sua ilegitimidade deixam de assegurar formas de ingresso, oportunidades e
poder territorial. Essas novas filiações têm também a ver com mecanismos de
proteção pessoal em situações nas quais as instituições de segurança
perderam a efetividade, originando organizações de “defesa” e proteção
territorial”. Como aponta Ratinoff (1996): “ Isto significa, na prática, que os
jovens que habitam áreas controladas por bandos e organizações criminosas
devem optar entre culturas e normatividades paralelas.” (p. 18)
A. Zaluar (1994) Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro.
Revan.
“ Segundo Zaluar (1994 a) a questão do trabalho, cria uma área de
ambigüidades que se expressa na fala dos jovens, no dilema de ser ou não
trabalhador [...].” (p. 84)
A. Zaluar (1997) Gangues, galeras e quadrilhas. In: VIANNA, H.(Org.)
Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais.
Rio de Janeiro. UFRJ.
“ Segundo Zaluar (1997), a família vai perdendo a sua função socializadora
numa sociedade onde: ‘o processo de globalização da cultura é efetivado pela
difusão rápida na industria cultural dos novos estilos da cultura jovem,
transformando os jovens parcialmente em consumidores de produtos
especialmente fabricados para eles, sejam vestimentas, estilos de roupa,
drogas ilegais [...]” “ (p. 73)
J. Rawls (1974) Uma teoria da Justiça. Brasília: UnB. “[...] embora os direitos teoricamente sejam universais, nem todos conseguem
exercê-los na medida em que: (a) as instituições não funcionam de maneira
377
inclusiva, por exemplo, impondo assimetrias de tratamento a indivíduos desta
ou daquela condição social; (b) os próprios membros de alguns grupos sociais
não tem acesso às condições básicas de existência, essenciais para assegurar
sua informação sobre os seus direitos, a percepção do seu significado e até
mesmo o interesse pelo seu exercício. Trata-se do que Rawls (1974, 1993)
apontava como sendo atributos irracionalmente conferidos, que resultam em
desvantagem para o indivíduo no exercício dos seus direitos: a situação
socioeconômica de origem, determinadas características étnicas, físicas ou
intelectuais, etc.”.(p. 19)
L. Ratinoff (1996) Delincuencia y paz ciudadana. In: BID,Hacia um
enfoque integrado del desarrolo: ética, _ntermédi y seguridad
ciudadana. Encuentro de reflexión, Washington, 16 e 17 de
Fevereiro, mimeo.
“[...] Maior tempo de transição, maior necessidade de ‘preparo’ e chances bem
menores de inserção estariam originando o que passou a ser denominado
‘perda do idealismo’ (Ratinoff, 1996). Essa ‘crise’ de futuro estaria gerando
situações propícias para a consolidação, entre os jovens, de alternativas ilegais
ou criminosas de existência e de sobrevivência”. (p. 14)
S. Fleury (1998) Política Social, exclusión y equidad em
_
ntermé Latina em los 90. In: Nueva Sociedad, nº156,
julio/agosto.
“[...] Vale chamar a atenção para a multidimensionalidade do conceito, que não
se restringe aos aspectos formais nem se limita à esfera econômica. De fato,
como aponta Fleury (1998), a exclusão pode manifestar-se ou não como uma
norma legal [...].” (p. 18)
A
. Campbell, R.
W. Connl e W.
B. Miller
(1975) Violence by youth gangs and youth groups as a crime
problem in mayor _nterméd cities. Washington D.C. U.S.
Department of Justice.
“À época da realização desta pesquisa, trabalhos sobre gangues/galeras
femininas no Brasil eram inexistentes e o papel das mulheres neste tipo de
organização juvenil nunca tinha sido objeto de estudo sistemático. Estudiosos
americanos, também chamam a atenção para a menor relevância dada ao
fenômeno nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que afirmam que as mulheres
tinham um papel ativo nas gangues masculinas, principalmente atuando como
auxiliares, seja prestando ‘favores sexuais’, conseguindo drogas ou fazendo
mediação na compra de armas (Connell, 1997; Miller, 1975; Campbell, 1993)”.
(p. 132)
A. Zaluar (1985) A máquina e a revolta: as organizações
populares e o significado da pobreza.
São Paulo. Brasiliense.
“A roupa tem, para os jovens, um grande significado social, é um demarcador
importante relativo ao consumo e à possibilidade de parecer igual ou
semelhante ao ‘outro’. Apesar de eles reclamarem que são imitados, é por meio
da vestimenta que podem fugir da identificação como pobres e por esta mesma
razão é que a moda vai mudando rapidamente, sendo substituída e ‘evitando
essa insuportável confusão social e ter meios simbólicos a marcar as diferenças
de classe’ (Zaluar, 1985).” (p. 44)
H. W. Abramo (1994) Cenas juvenis. Punks, darks no espetáculo urbano.
São Paulo, Página Aberta LTDA.
“Abramo (1994), descreve em seu trabalho, como as composições tem uma
descrição distópica – contrário ao utópico – com imagens apocalípticas que são
aplicadas para chamar atenção dos traços negativos da sociedade. O
sofrimento, a agonia, a realidade, a miséria, os problemas familiares sofridos
pelas crianças e adolescentes , a desconfiança, a distopia – de que pode existir
um mundo melhor – aparecem nas letras sugerindo que não há saída nem
opção. A vida na periferia, as revoltas, os perigos, os sonhos,
378
são descritos de forma crítica, parecendo que vivem numa espécie de inferno,
cujo futuro é a morte ou a cadeia , sem felicidade e sem saída, no qual impera
a violência.” (p. 142)
H. W. Abramo (1994) Cenas juvenis. Punks, darks no espetáculo urbano.
São Paulo. Página Aberta LTDA.
“Além de serem diferentes das gangues, os grupos rappers também são
distintos dos punks. Segundo Abramo, os punks fazem parte de um universo
juvenil que busca estabelecer referências culturais mediante um estilo de
contraposição ao sistema e com manifestações citiadas no campo do lazer, do
consumo, da mídia e da criação cultural. Os punks situam-se a margem da
institucionalidade existente, adotando formas alternativas de manifestação da
identidade juvenil, expressando-se num tom agressivo, expressando a violência,
com as suas correntes e munhequeiras. Essa foi a forma que encontraram de
expressar sua insatisfação diante das questões colocadas à juventude urbana
com uma postura de raiva, sempre pronta ao combate. Suas músicas afirmam
uma identidade punk, obrigando a sociedade a vê-los e escutá-los. Porém,
embora denunciem o que consideram errado, os punks não apresentam
propostas, já que as suas temáticas têm como foco, exatamente o problema da
existência juvenil numa sociedade em crise e sem futuro: “ não há uma
progressão de outro estado de coisas, diferente do atual. O que se enfatiza é a
impossibilidade de haver um futuro, a descrença em qualquer proposta,
inclusive a desconfiança de qualquer utopia ilusória”. (ABRAMO, 1994). (p. 137)
F. Rosemberg (1994) A educação das mulheres jovens e adultas no Brasil.
In: SAFFIOTTI H. M. V. Mulher brasileira é assim. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos.
“Analisando-se a escolarização por sexo, observa-se que são as entrevistadas
do sexo feminino que têm maior inserção escolar, com 57%, enquanto 43% são
do sexo masculino. Esse dado confirma pesquisas realizadas por Rosemnberg
(1982; 1994) que concluem que em todos os graus da escola Brasileira, para as
jovens não existem problemas de acesso decorrentes do sexo. As meninas são
mais numerosas que os meninos nas primeiras séries do Ensino Fundamental,
e concluem com maior freqüência o Ensino Médio.” (p. 79)
E. P. Reis (1995) Desigualdade e solidariedade... Uma releitura do
“familismo moral” de Banfield. In: Revista Brasileira de
Ciências Sociais, nº29, ano 10, outubro.
“As parcelas excluídas e sem perspectiva de serem incorporadas, não tem
motivo nem fundamento para desenvolver qualquer solidariedade para com a
sociedade como um todo. Já os grupos incluídos procuram se defender da
ameaça representada por aqueles que não lhes são solidários. Nestas
condições, incluídos e excluídos apresentam tal diversidade de orientações
cognitivas que é difícil que se fixem sentimentos de afinidade, compartilhamento
e pertencimento social [...]”. (p. 21)
L. Ratinoff (1996) Delincuencia y paz ciudadana. In: BID,Hacia um
enfoque integrado del desarrolo: ética, _ntermédi y seguridad
ciudadana. Encuentro de reflexión, Washington, 16 e 17 de
Fevereiro, mimeo.
“Como aponta Ratinoff (1996):” A relação entre o crime, o gênero e a juventude
é outro aspecto significativo do fenômeno da violência anômica e aponta para a
importância da socialização [...].”(p. 16)
M. Burstztyn e
C. H. Araújo
(1997) Da utopia à exclusão: vivendo nas ruas de Brasília “Diferentemente de outras cidades do seu porte, a capital brasileira expressa,
de forma irrefutável, a segregação espacial da sua população, segundo estratos
de renda.” [...]” (p. 37)
379
T. P. do R.
Caldeira
(1984) A política dos outros: o cotidiano dos moradores da
periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São
Paulo. Brasiliense.
“É interessante notar que o discurso dos jovens é auto-compensatório e
invertido quando “se refere a valores e critérios morais. Caldeira (1984), ao
analisar o discurso dos habitantes da periferia de São Paulo sobre o que é ser
rico e o que é ser pobre, constata que uma das formas básicas de operar as
compensações sobre a riqueza é atribuir características positivas à pobreza,
tais como bons sentimentos, solidariedade, honestidade e principalmente o
caráter. ‘No plano moral a riqueza é dos pobres e eles são sempre descritos
pelo positivo enquanto os ricos são considerados pobres’.” (p. 45)
F. R. Madeira (1998) Recado dos jovens: mais qualificação. In: Jovens
acontecendo na trilha das
políticas públicas. Brasília: Comissão
Nacional de população e desenvolvimento – CNPD.
“É nos grupos focais que os jovens manifestam suas angústias quanto ao
mercado de trabalho, ao estudo como estratégia para conquistar uma profissão,
bem como com relação à falta de oportunidade ocupacionais. Segundo Madeira
(1998), a dificuldade de acesso ao trabalho, afeta principalmente os grupos de
menor escolaridade trazendo conseqüências
nefastas para que possam vivenciar a sua própria juventude e retirando-lhes os
incentivos para pensar a longo prazo a elaborar planos e projetos para o futuro”.
(p. 176)
M. Castells (1998) The information age: economy, society and culture. In:
Volume III – End of _ntermédio. Oxford: Blackwell Publishers.
“Em termos gerais, a intensificação das mudanças tecnológicas, a globalização
e a exclusão social vêm aumentando nos últimos dez anos. Segundo Castells
(1998), exclusão social é um conceito proposto por instituições formuladoras de
Políticas Sociais da Comissão da União Européia e adotado pela Organização
Mundial do Trabalho, OIT [...].” (p. 19-20)
P. L. Berger e T.
Luckmann
(1985) A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes. “Foi somente entrando neste mundo de representações que se tornou possível
compreender a violência existente, suas leis, princípios e a importância de
certos comportamentos como “o olhar que pode matar”. O seu dia-a-dia se
apresenta como uma realidade interpretada pelos homens e que para eles tem
um resultado subjetivo de um mundo coerente (Berger e Luckman, 1985).” (p.
178)
B. de S. Santos (1995) A construção multicultural da igualdade e da diferença.
Trabalho apresentado no VII Congresso Brasileiro de
Sociologia, Rio de Janeiro.
“Neste sentido, Santos (1995) adverte para as profundas diferenças entre
desigualdade e exclusão: ‘Se a desigualdade é um fenômeno socioeconômico,
a exclusão é, sobretudo, um fenômeno cultural e social, um fenômeno da
civilização. Trata-se de um processo histórico através do qual uma cultura por
meio de um discurso de verdade, cria a interação e a rejeita...O sistema de
desigualdade se assenta, paradoxalmente, no caráter essencial da igualdade; o
sistema de exclusão se assenta no caráter essencial da diferença... O grau
máximo de exclusão é o extermínio; o grau extremo da desigualdade é a
escravidão.” (p. 19)
Hannah Arendt (1993) A condição humana. São Paulo. Forense Universitária. “No limite, a exclusão envolve a privação ou negação da própria condição
humana, de tal forma que, segundo H. Arendt (1993), além dos direitos de
cidadania, o que se nega aos excluídos é a sua própria condição humana, ou
seja, a possibilidade de ação, discurso, comunicação, mediante os quais se
constitui a possibilidade de os indivíduos realizarem o seu potencial como
380
sujeitos.” (p. 19)
M. Castells (1997) The information age: economy, society and Culture. In:
Volume II The power of identity. Oxford. Blackwell Publishers.
“O modelo de família nuclear – mulheres e homens casados, vivendo sob o
mesmo teto, com uma relação estável – ainda é dominante, senão na prática
pelo menos nos discursos. Todavia, os entrevistados sinalizam a presença de
novas composições familiares.
De acordo com Castells (1997), isso não significa o fim das famílias, mas sim a
tentativa de estabelecimento de novos arranjos familiares [...]” (p.70)
Robert Merton (1949) Social teory and social structure.New York. The Free
Press.
“O terceiro grupo de hipóteses tem seu foco explicativo na crise e falência dos
marcos institucionais e normativos da sociedade moderna. Para R. K. Merton
(1949), por exemplo, os desvios da norma e a delinqüência em larga escala
acontecem quando a estrutura social prescreve metas que determinados grupos
não podem atingir por meios socialmente sancionados ou legítimos. [...]”. (p. 14)
L. Ratinoff (1996) Delincuencia y paz ciudadana. In: BID,Hacia um
enfoque integrado del desarrolo: ética, _ntermédi y seguridad
ciudadana. Encuentro de reflexión, Washington, 16 e 17 de
Fevereiro, mimeo.
“Outro grupo de hipóteses, de caráter estrutural, toma como base explicativa as
modalidades que o desenvolvimento econômico vem assumindo no mundo todo
(Ratinoff, 1996). A aceleração do desenvolvimento tecnológico, juntamente com
outros fatores, estaria gerando uma capacidade cada vez menor de absorver
produtivamente os novos (e até os antigos) contingentes humanos. Isso gera
uma acumulação de excedentes populacionais, especialmente entre os jovens,
que, nem nas melhores condições do ciclo econômico, têm chances de inserir-
se produtivamente no mercado” (p. 13).
S. P. Huntington (1975)A ordem política nas sociedade em mudança. Rio de
381
filosofia de vida, um estado de espírito, uma filosofia, uma memória. Todavia,
diferentemente dos punks, apresentam uma crítica social mais elaborada e
focalizada e expressam o sentimento de pertencer à sociedade, de participar e
de reivindicar direitos. Segundo Bazin (1995), esse movimento está tipicamente
associado ao contexto urbano, como uma resposta a um ambiente hostil, no
qual reage às condições de vida propondo a modificação do seu contexto
sociocultural.” (p. 137)
A. Gorz (1988) Métamorphoses du travail quê du sens
- critique de la rasion economique. Paris. Éditions Galilée.
R. Castel e A.
Gorz
(1995) Les Métamorphose de la question sociale : une
chronique de salariat. Paris. Fayard.
“Vários autores vêm discutindo a questão do trabalho e sua função social
(Castel, 1995; Gorz, 1988), afirmando que é por intermédio do trabalho que os
indivíduos conquistam o pertencimento à esfera pública e constituem sua
identidade [...].” (p. 76)
382
Ligado na galera: Juventude, Violência e Cidadania na cidade de Fortaleza
AUTOR-FONTE PUBLICAÇÃO
TRECHOS
G. Diógenes (1998) Cartografias da cultura e da violência -
gangues, galeras e movimento hip-hop
São Paulo. Annablume.
" [...] A juventude está quase sempre no centro dos debates, ora pensada como
agente da violência, ora como vítima a experimentá-la no próprio corpo
(Diógenes, 1998)." (p. 119)
G. Diógenes (1998) Cartografias da cultura e da violência - gangues,
galeras e o movimento hip hop. São Paulo. Annablume.
" [...] Como analisa Diógenes, ‘a busca da diferença, o desejo de impactar, de
provocar contrastes, marcas definidoras de existência social é o que parece
mobilizar a juventude dos anos 90. Movimentos punks, darks, funks, torcidas
organizadas, dos carecas do subúrbio, do skin heads, do hip hop organizado,
dentre outros, parece mobilizar de forma mais visível, a atenção e a tensão
juvenil dos anos 90’. (1998:103)" (p. 160)
C. Barreira (1998) Crimes por encomenda: pistolagem e violência no
cenário brasileiro. Rio de Janeiro. Relume Dumará.
" [...] Embora a cidade tenha alcançado elevado índice de crescimento nos
últimos 20 anos, a concentração de renda da sua população aumenta
significativamente, de modo que os 10% mais pobres ganham, em média,
0,76% do salário mínimo, enquanto os 10% mais ricos ganham 45,7 salários
mínimos. Estes desequilíbrios têm se refletido em várias frentes de expansão da
miséria social e da violência, através da segregação dos espaços da cidade.
Dados de 1995 revelam um contingente de 720 mil favelados, o que corresponde
a 36% da população de Fortaleza (Barreira, I,1998;14). " (p. 9-10)
A. Zaluar (1994) Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro. Revan. Ed.
UFRJ.
" Um outro recorte importante da nossa análise está em uma interpretação de
dados empíricos segundo a relação de gênero. Sabemos que crianças e jovens
têm sido alvo de preocupação tanto de movimentos sociais quanto de políticas
públicas, embora ainda de forma incipiente, quando se trata das situações de
risco e das vulnerailidades às várias formas de violência. Particularmente, some-
se a esse grupo as mulheres, inseridas em um sistema cultural bastante marcado
pela discriminação e pela classificação de pertencerem aos grupos fracos e
discriminados (Zaluar, 1994) ". (p. 15)
Giovanni Lèvi e
Jean-Claude
Schimitt
(1996) História dos jovens: da Antigüidade à era Moderna.
São Paulo. Cia. Das Letras.
"A categoria juventude, tem como máxima o caráter de provisoriedade, ou seja,
remete a uma fase onde os indivíduos desenvolvem, principalmente, o valor
mudança. A riqueza dos códigos juvenis pode ser vislumbrada pelo peso que a
juventude exerce sobre a nossa sociedade, não deixando de lembrar que não há
uma única juventude. Segundo Lèvi e Schmitt (1996),
...a juventude é efetivamente o momento das tentativas sem futuro, das vocações
ardentes mas mutáveis , da ‘busca’ (...) e das aprendizagens (...) incertas,
sempre marcada por uma alternância de êxitos e fracassos. (1996: 12,13)". (p.
155)
S. Adorno (1994) Crime, justiça penal e desigualdade jurídica: as
mortes que se contam no tribunal do júri. In: Revista USP.
"A violência é um fenômeno cada vez mais presente em todos os espaços e
setores sociais, não sendo "estranha e sequer passageira". A violência é
383
Dossiê judiciário, número 21, março/maio, pp. 132 a 151. percebida como estando em todos os cantos, como estando difusa (Adorno,
1994) [...]."(p. 119)
José Machado
Pais
(1998) Gerações e valores na sociedade portuguesa
contemporânea. Lisboa: Gradegráfica.
"A visão de mundo juvenil é uma construção sujeita a constantes ambiguidades e
limitações. Os valores especificamente juvenis fornecem a inteligibilidade da
categoria juventude. Mas que valores são esses? Como eles podem ser
trabalhados?
Segundo José Machado Pais, os valores não devem ser tomados apenas
enquanto valores valendo, mas também enquanto valores sendo - pois só assim
percebemos o que valem e para quem, isto é, só desse modo entendemos em
que medida os valores aparecem como produto de divisões objetivas...São estes
"valores sendo" que se podem sedimentar em "verdadeiros valores", próprios de
determinados universos culturais, de entre os quais se destacam os geracionais e
cujas descontinuidades terão que ver com diferentes níveis de adesão
substantiva por parte de distintas gerações...(1998: 20)
Helena W.
Abramo
(1994) Cenas juvenis. São Paulo. Scritta. "Abramo (1994) apresenta o período da vida que uma sociedade atribui à
juventude como uma época de ‘moratória’ social, quando o jovem tem sempre
ocasião de recusar ou aceitar os valores do ‘mundo adulto’ a ele proposto. Alguns
o recusam (pelo menos temporariamente) e outros assimilam-se ao mundo e por
ele são assimilados mais rapidamente do que outros. A possibilidade de vivências
múltiplas e mútuas é a razão da existência das turmas. Cada turma cria os seus
estímulos, os seus estilos, as suas regras, enfim, os seus valores que podem ser
simples reproduções dos valores sociais gerais com outro linguajar, ou totalmente
contrários a estes, assumindo uma posição considerada desviante pela
sociedade." (p. 50)
A.Zaluar (1994) Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro. Revan. Ed.
UFRJ.
"As diferenças entre sexo no que se relacionam à percepção e ao modo de
vivenciarem as situações consideradas como violentas aparecem em toda a
análise, a partir da comparação das informações cortejadas entre rapazes e
moças. Embora sejam marcantes as idéias comuns que estes demonstram ter
sobre determinados valores que moldam seus modelos de comportamentos
atuais, as diferenças apontadas revelam-se relevantes `a compreensão da
temática em destaque, e servem para demarcar o que Zaluar refere-se aos
valores entendidos socialmente como parte do "imaginário feminino". Este como
imaginário característico do mundo da mulher - isto posto sob a ótica de um
pensamento conservador, baseado primeiramente no estreito e imediato mundo
doméstico (Zaluar, idem: 165)". (p. 15)
Francisco José
G. Damasceno
(1997) Movimento Hip Hop organizado do Ceará/MH2O-Ce
(1990-1995).Dissertação de mestrado. São Paulo, PUC.
"As turmas juvenis nos mostram que têm uma expressividade própria. Elas
expõem todo um universo de experiências que as tornam um ‘agente social
independente’ (Damasceno, 1997), ou seja, um espaço criador do que hoje
chamamos cultura jovem. Outros elementos também são fundantes para a
constituição desta nova cultura: uma ética de convivência social diferenciada,
uma linguagem própria um estilo de vestir diferenciado, sobretudo quando
384
contraposto ao mundo adulto." (p. 50)
A. Zaluar (1997) Da revolta ao crime S/A. São Paulo: Editora
Moderna.
"Assim, de geração para geração, novos valores vão sendo incorporados e
revistos ou mesmo invertidos de acordo com a experiência de quem vai receber.
A juventude dos anos 90, no Brasil, defronta-se com a inovação do mundo
tecnológico, da globalização das informações, do consumo exacerbado, da
mundialização das crises econômicas, crescimento da violência ao lado da
pobreza e do desemprego. Isso vem influenciando a configuração de novos
estilos de cultura jovem que, como analisado por Zaluar, ‘transformou os jovens
parcialmente em consumidores de produtos especialmente fabricados para eles
(1997:40)". (p. 155-156)
P. Bourdieu não há publicação do ano de 1989 na bibliografia "Buscamos também apreender como a própria juventude classifica o seu
comportamento, o que é aceito e o que é negado. Nesta classificação, a
operação principal foi o seu entendimento sobre o que é violência. Perguntou-se
ainda sobre os seus dilemas e desafios frente à criação de espaços materiais e
simbólicos, como eles são criados e o modo como
esses jovens têm intercambiado valores e acumulado ‘capital cultural’ (Bourdieu,
1989)" (p. 11)
Helena W.
Abramo
(1994) Cenas juvenis. São Paulo. Scritta. "E diante de várias representações sobre as turmas, referimo-nos a Maffesoli,
dizemos que a turma representa ‘a superação do principium individuationis que
era o nome de ouro de toda organização e teorizações sociais’ (1994; 03). A
turma reaviva o gosto pela vida regida numa esfera coletiva. É um grupo visto
como instituído e instituinte de novos padrões e com cargas de sentido e
significações intersticiais na sociedade contemporânea." (p. 50)
Hannah Arendt (1991) A condição humana. Rio de Janeiro. Forense
Universitária.
"É possível relacionar isto a um outro conceito de cidadania, segundo Hannah
Arendt (1991), que é exatamente a oportunidade de pertença ao espaço público
do discurso, onde as pessoas têm oportunidade de participar, não só dos bens e
serviços que o estado deve oferecer, mas também oportunidade de falar, de
interagir pública e politicamente. (p. 190-191)
Rosemary de
Oliveira Almeida
(1995) Violência, identidade e processos organizativos: o
Forró da bala como cenário de análise. Dissertação de
Mestrado, Fortaleza, Universidade Federal do Ceará.
"Entretanto, o que se faz necessário é chamar a atenção para a relação entre a
cultura autoritária e a cultura juvenil que, se por um lado, apresenta seus valores
descolados e criativos, por outro lado, está integrada aos ‘valores’ dominantes de
individualismo e autoritarismo da sociedade brasileira que, por sua vez, não fez
valer a cidadania e a justiça (ALMEIDA, 1995)." (P. 173)
Cândido e
Castello
estes autores não constam na bibliografia. "O modo de ver a violência não é independente dos processos sociais violentos,
não podemos apreender a violência sem levar em consideração os discursos e as
idéias sobre a violência, pois o que é violento em uma sociedade não o é em uma
outra. E não esqueçamos que, para Oswald de Andrade "as idéias tomam conta,
reagem, queimam gente nas praças públicas" (Cândido & Castello, 1981: 71)
[...]". (p. 119)
P. Bourdieu (1984) Questions de Sociologie.Paris.Ed. Lês
"Quando falamos de classe, estamos pensando sobretudo em Pierre Bourdieu e
385
Editions De Minuit. da aplicação prática que ele atribui a este conceito. Para o autor, se por um lado
o "debate sobre classe social" seja uma das disputas da luta de classes, por
outro, uma análise sociológica não se deve deixar aprisionar pela rigidez do
conceito e muito menos cair na ‘tentação teológica’ da distinção entre
‘estratificação’ e ‘classe social’. Além disso, os diversos capitais que são
monopolizados pelos diferentes agentes não se resumem, nesta análise, apenas
ao ‘capital econômico’, mas abrangem, ainda, um estudo dos capitais ‘simbólico’
e ‘cultural’ necessários para apreendermos os diferentes ‘conflitos históricos"
surgidos nas sociedades contemporâneas” (Bourdieu, 1984: 53-55)." (p. 14)
Roberto Da
Matta
(1982) As raízes da violência no Brasil. In; Paoli
Maria Célia e outros. A violência brasileira. São Paulo.
Brasiliense.
"Quando, então, relacionamos juventude e o campo social da violência,
pretendemos pensar a violência como uma categoria sociológica que nos abre a
possibilidade de compreender o mundo social em geral, e em particular, o mundo
da juventude (Da Matta, 1982) [...]." (p. 120)
Gilberto Velho e
Marcos Alvito
(1996) Cidadania e violência. Rio de Janeiro,
Ed. UFRJ: Ed. FGV.
"Sabe-se que na sociedade brasileira, a cidadania não se realizou como valor
central, não traçou ‘mecanismos democráticos’ que possibilitassem a participação
sóciopolítica e interação das pessoas num espaço público de entendimento, nem
os direitos mínimos do cidadão garantidos em qualquer regime que se pretende
democrático (Velho, 1996)". (p. 173)
C. Barreira (1998) Crimes por encomenda: pistolagem e violência no
cenário brasileiro. Rio de Janeiro. Relume Dumará.
"Uma definição sociológica da violência, supõe a negação de classificações
apriorísticas. A violência é gerada e reproduzida dentro de um contexto social. A
tentativa de alcançar a complexidade do problema inclui também a necessidade
de superar oposições clássicas como; bem - mal, legal - ilegal e liberdade -
opressão (1998:16)." (p. 11)
Gilberto Velho e
Marcos Alvito
(orgs.)
(1996) Cidadania e violência. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ: Ed.
FGV.
“É o conceito de Gilberto Velho: a noção de cidadania imbricada à consolidação
de um espaço público onde indivíduos interagem e negociam politicamente
(VELHO, 1996: 14)." (p. 191)
386
Os jovens de Curitiba: Esperanças e desencantos
AUTOR-FONTE PUBLICAÇÃO
TRECHOS
Marilena Chaui (1999) Uma ideologia perversa: explicações para a violência
impedem que a violência real se torne compreensível. In:
Folha de S. Paulo , 14 de março. (caderno Mais!, p. 3-5)
"[...] 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é
desnaturar); todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade
de alguém, (é coagir, constranger, torturar, brutalizar);3) todo ato de transgressão
contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito.
Consequentemente, violência é um ato de brutalidade , servícia e abuso físico
e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais
definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror [...]" (p. 303)
Benoni Belli (1998) Violência policial, poder e espaço público no Brasil:
uma reflexão a partir do pensamento de Hannah Arendt
(mimeo). Brasília.
"[...] A partir dessa lógica o policial se enxerga quase como um agente
missionário, com uma função que é também quase teológica, combater o crime
antes que a sociedade seja devorada por este, " O criminoso é assim,
´demonizado`, considerado um caso perdido e sem a mínima chance de
ressocialização. Torturá-lo para obter informações ou matá-lo justifica-se pela
simples razão de que, ao ter-se bandeado para o lado do crime "[...] tornou-se
inimigo, transmutou-se em agente de destruição da sociedade, enfim, renegou
sua condição de cidadão merecedor de respeito e submete-se ao rigor dos
agentes da ordem."(BELLI, 1998, p. 3)" (p. 286)
Wanderley
Guilherme dos
Santos
(1978) Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo.
Duas Cidades.
"[...] A persistência do modelo da casa grande e senzala é um efeito perverso que
caminha na contramão da democracia racial ou social apregoada, como já
anotado pelo próprio Gilberto Freyre. Foi na base desse tipo de preconceito que o
pensamento conservador no Brasil das primeiras décadas deste século
enxergava uma relação direta entre solidez das relações políticas e civis e a
qualidade moral (entenda-se racial e social) dos habitantes (SANTOS, 1978)."(p.
260)
A. Zaluar (1987) O condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Ed. Revan.
Heloisa
Rodrigues
Fernandez
(1989) Rondas à cidade: uma coreografia do poder. In:
Tempo Social. Revista de Sociologia da USP (São Paulo), 1
(2).
"[...] A violência passa a se reproduzir com uma quase normalidade no cotidiano
do jovem curitibano. Não por acaso quando foi perguntado ao jovem o que menos
gosta em Curitiba, o tema da violência (em forma genérica) aparece em primeiro
lugar. Conforme já analisado, os jovens pretos, pardos e mulatos consideram a
ação violenta da polícia o que mais detestam na cidade, apontando para o fato
dos dados quantitativos confirmarem as hipóteses mantidas pela bibliografia
especializada. (ZALUAR, 1987; FERNANDEZ, 1989)". (p.283)
Benoni Belli (1998) Violência policial, poder e espaço público no Brasil:
uma reflexão a partir do pensamento de Hannah Arendt
(mimeo). Brasília.
"[...] O resultado é que o sujeito policial internaliza a idéia de que servir à lei e à
ordem passa por executar um modo particular de justiça "que é sumária e
arbitrária" (BELLI, 1998, p. 5) (p. 286)
Karl Polanyi (1980) A grande transformação. Rio de Janeiro: Editora
Campus.
"[...] Processo este inserido e a serviço desse ’deus’ moderno, o ‘moinho
satânico’, no dizer de Karl Polanyi: a economia de mercado, fundamentada em
387
um sistema supostamente autoregulável. Situação em que a economia teria
invertida sua posição: ao invés da economia estar embutida nas relações sociais,
são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico (POLANYI,
1980, p. 72)" (p.188)
Aristóteles (1997) A política. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações. "A palavra cidadania é uma expressão remota no tempo e uma das mais caras
aos amantes do pensamento democrático. O próprio Rousseau em Emílio,
chegará a afirmar que "o homem só é homem enquanto se realize como
cidadão". A palavra cidadania tem por raiz a palavra grega citizen, que definia o
indivíduo que participava dos assuntos administrativos e judiciais da polis ou
cidade-estado (ARISTÓTELES, 1997, p. 52)" (p. 231)
Jean-Marie
Mayeur
(1993) Participação Política. In: BOBBIO, Norberto et
al.Dicionário de Política.5 ed.Brasília UnB, v. II, p.888.
"A participação política designa uma variedade de atividades no cidadão: o
exercício do voto, a militância num partido político, grêmios estudantis ou
sindicato, participação em manifestações, da discussão de temas políticos, as
demandas às instituições públicas como integrante da sociedade civil organizada,
o apoio a candidatos de um partido etc. Em outras palavras, o exercício de
práticas e valores típicos da democracia ocidental. (MAYEUR, 1993, p. 888)" (p.
270)
Saffo Testoni (1993) Violência. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de
Política. Brasília: Universidade de Brasília. v. II, p. 1291.
"A violência é definida pelo Dicionário de Política como a intervenção física de um
indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo. Para que haja violência é
preciso que a intervenção física seja voluntária (...) (TESTONI, 1993,p. 1291).
Esta definição, embora de importância operacional mostra-se limitada ao deixar
de lado outros aspectos do fenômeno como o fato da violência simbólica.” (p.
303)
Ann Mische (1997) De estudantes a cidadãos: redes de jovens e
participação política. In: Revista Brasileira de Educação.
ANPED, 5 e 6, p. 1445-45
"Aliás, como destaca o já citado trabalho de Ann Mische (De estudantes a
cidadãos), um dos fatores que pode explicar o afastamento dos jovens de seus
organismos de representação é a ‘partidarização’ destes últimos, quer dizer, a
ausência de autonomia das lideranças estudantis em relação aos partidos
políticos nos quais militam, o que seria mais verdadeiro para o caso das
lideranças ligadas aos partidos de esquerda. (MISCHE, 1997, p. 145)" (p. 275)
Luis Claudio M.
Figueiredo
(1998) Adolescentes e violência: considerações sobre o
caso brasileiro. In: Adolescência pelos caminho da violência.
São Paulo: Casa do Psicólogo, p.54.
"As opiniões dos policiais vão no sentido de registrar a responsabilidade pela
violência dos jovens na própria natureza humana, ou seja, a violência como um
fato quase natural, "quase acredito que seja do ser humano" relatava um oficial
da Polícia Militar de Curitiba [...]. (FIGUEIREDO, 1998, p. 54)" (p. 329)
Reinhard Bendix (1983) A ampliação da cidadania. In: Fernando Henrique
Cardoso e Carlos Estevam Martins (orgs.).Política e
Sociedade. São Paulo: Editora Nacional.
"De acordo com a famosa tipologia de T. S. Marchall, no século XVIII se
consolidaram os direitos civis (liberdade de expressão, pessoal, crença, direito à
propriedade, direito de justiça); o século XIX corresponderia à conquista dos
direitos políticos (direito de votar e de ser votado para cargos públicos) e o século
XX representa o acesso aos direitos sociais (direito à educação, saúde,
segurança, moradia, lazer), em outras palavras a conquista do ‘direito do
indivíduo de viver a vida de um ser civilizado’ (BENDIX, 1983, p. 390)". (p. 231)
388
Samuel P.
Huntington
(1996) O choque de civilizações, Rio de Janeiro. Objetiva. "De certa forma, estas representações e visões reforçam a hipótese de Samuel P.
Huntington, segundo a qual nas próximas décadas o conflito entre nações e no
interior das nações terá como fonte principal não a violência das armas ou o uso
potencial destas, mas o choque cultural, isto é, as fontes principais da violência
passarão a ser outras como a raça ou a religião. (HUNTINGTON, 1996,p. 17-43)"
(p. 322)
Anne Muxel (1997) Jovens dos anos noventa: a procura de uma política
sem rótulos. In: Revista Brasileira de Educação. ANPED,
n.5 e 6.
"De resto, a rejeição pela participação política, pela classe política e pelas
instituições é uma tendência dos jovens que se exprime contemporaneamente
em qualquer sociedade de massas. Dessa forma, este não é um problema
isolado do jovem brasileiro. ‘A perda da credibilidade das personalidades assim
como das instituições é um elemento recorrente do conjunto de discursos’, nos
diz Anne Muxel (1997, p. 153), referindo-se ao caso o jovem da França , e
poderíamos dizer exatamente o mesmo no caso do jovem curitibano". (p. 279)
Paulo Sergio
Pinheiro e Emir
Sader
(1986) O controle da polícia no processo de transição
democrática no Brasil.In: Temas IMESC. São Paulo. Soc.
Dir. Saúde, 2(2).
"De volta ao Estado democrático e, ante o desaparecimento do inimigo ideológico
interno e externo, a doutrina foi reinterpretada sendo ‘[...] transposta para a luta
contra a criminalidade , em que o criminoso é um inimigo que precisa (para ser
melhor combatido) ser tratado sem a pretensão dos direitos civis e, se possível
ser abatido. A ideologia da segurança nacional reitera o exercício da violência
aberta contra as classes populares." (PINHEIRO e SADER, 1986, p. 87)" (p. 294)
Sedi Hirano (1996) As várias imagens do Brasil e do brasileiro (mimeo).
Trabalho apresentado na Universidade de Quioto, Japão.
"Em suma o preconceito de cor está presente, mascarado ou não, mas inserido
no esforço não de sua superação, mas de sua ‘invisibilização’. No entanto, suas
manifestações às vezes são tão intensas que chega a ser difícil ficar indiferente
aos seus efeitos. Antigas metáforas como ‘democracia racial’ ou ‘Curitiba, capital
das etnias’ mostram-se insuficientes para encobrir o problema. Ou como se
pergunta Sedi Hirano (1996):’[...] será que toda miscigenação é confraternização
de vencedores e vencidos, como diz Gilberto Freyre?’" (p. 256)
Hannah Arendt (1994) Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume/Dumará. "Essa definição aponta no mesmo sentido daquela dada por Hannah Arendt
(1994, p. 37-41), para quem a violência jamais é legítima, ela só possui uma
natureza instrumental, portanto, precisa ser sempre justificada, e mesmo a
justificação interna depende da qualidade do fim a ser atingido." (p. 303)
Alba Zaluar (1994) Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Editora Revan. "Essa percepção do policial curitibano identificado com a transgressão que supõe
a existência de esquemas com o tráfico de drogas reforça a tese de Alba Zaluar,
segundo a qual nos setores populares (nas favelas especialmente) existe uma
ética de trabalho que longe de ver no bandido do bairro um Robin Hood paladino
da justiça social, pelo contrário, o identifica como um parceiro dos policiais
corruptos que gostam de "muito dinheiro no bolso e pouco trabalho [...]".
(ZALUAR, 1987, p. 92)" (p. 290)
Ann Mische (1997) De estudantes a cidadãos: redes de jovens e
participação política. In: Revista Brasileira de Educação.
ANPED, 5 e 6, p. 1445-45
"Essas informações apontam para uma forte tendência para aquilo que os
cientistas políticos chamam de paralisia política – baixo grau de opinião
combinada com baixo grau de participação nos assuntos políticos. Entretanto,
seria simplificador rotular isso como mera apatia. A esse respeito, uma
389
pesquisadora, refletindo sobre o problema, indagou: não estaria faltando espaços
centralizadores ou de identidades públicas capazes de transformar essas críticas
e essas posturas em ação coletiva? O potencial do jovem sempre é muito grande
(potencial que se baseia na indignação e no entusiasmo e ele renasce
eventualmente em momentos críticos, como o processo de impeachment de
1992. (MISCHE, 1997, p. 144-145)"" (p. 272)
Michel Wieworka (1997) O novo paradigma da violência. In: Tempo Social.
Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 9 (1)
"Esse tipo de violência é a que Wieworka tem chamado de irracional, expressiva
ou espontânea. Um tipo de violência que opera além do conflito ou das crises
próprias a cada formação social; tratando-se de um tipo de violência em que o
instrumento e a finalidade se confundem, dado que ela procura afirmação do
próprio sujeito e não exatamente uma atitude de contestação do sistema ou
contexto que o oprime, "nos casos extremos ela parece autonomizar-se , tornar-
se um fim em si, lúdica, praticamente destruidora ou autodestruidora".
(WIEWORKA, 1997)",(p. 329)
Norbert Elias (1990) O Processo Civilizatório. Rio de Janeiro: Zahar, v.2. "Este processo civilizatório de auto-repressão foi acompanhado por um outro que
concorria para a monopolização da força pelos agentes políticos, "Ao se formar
um monopólio da força, cria-se espaços sociais pacificados, que normalmente
estão livres dos atos de violência" (ELIAS, 1990, p. 198)" (p. 303)
Jünger
Habermas
(1984) Mudança Estrutural da Esfera pública. Rio de
Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1976, Ed. Tempo
Brasilero.
"Este tipo de violência tem na família a sua ecologia privilegiada, pelo fato de
constituir a esfera do privado, encobrindo-se assim de um caráter de sigilo.
Habermas ao refletir sobre a instituição família como esfera privada, que se
distingue da esfera pública, observa que o espaço da casa havia se tornado mais
habitável para o indivíduo, porém restrito e pobre para a família (1984, p. 62).” (p.
159)
Roberto Kant de
Lima
(1989) Cultura jurídica e práticas policiais. In: Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 4(10), Jun. 1989.
"Lei, ordem e autoridade formam parte de uma trindade que o policial interpreta a
partir de uma concepção bem livre e discriminatória da ação policial frente ao
cidadão e que Roberto Kant de Lima tem denominado, para o caso brasileiro,
com uma metáfora bem exata de tradição inquisitorial, sendo que, na prática, ‘tal
tradição dissocia a idéia de realidade, ou verdade, da idéia de lei, a lei tem um
caráter eminentemente normativo, de dever ser, e suas aplicações aos casos
depende, portanto, de interpretações que dêem conta do caráter contingencial da
realidade [...] (LIMA, 1989, p. 69)." (p. 286)
Michel Wieworka (1994) O novo paradigma da violência. In: Tempo Social.
Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 9 (1)
"Michel Wieworka, quase na mesma direção que Elias, atribuiu ao fenômeno da
violência um outro significado, a violência é instrumental sim, porém ela é,
contemporaneamente, também expressiva: "[...] ela pode vir a traduzir um déficit
ou dificuldades nas relações entre atores." (WIEWORKA, 1997, p. 12)" (p. 303)
Manuel Martins
Fernández
(1994) Mujeres policía. Madri: Sglo vintiuno de Espanha
Editores.
"Na mesma linha de raciocínio - sobre violência e gênero -, um aspecto
importante destacado pelos jovens é que a violência parece ser independente do
sexo do policial. As mulheres da instituição, na opinião dos jovens, se comportam
e abusam tanto da sua autoridade quanto os policiais masculinos. "Agora quando
uma mulher dá a geral na gente, feminina né, elas são bem mais estúpidas do
390
que qualquer outro tipo de guarda. Elas são grossas demais... dão tapa na cara".
(escola pública/meninas/manhã) Na verdade, segundo os jovens, as mulheres
policiais estariam reproduzindo o modelo de comportamento do policial
masculino) [...]" (p. 288)
Robert Castel (1998) As metamorfoses da questão social - uma crônica do
salário. Petrópolis: Vozes.
"O individualismo apontado pela fala do jovem traz os problemas de adequação
de um ideal coletivo contra os imperativos do mercado, que se assenta sobre os
princípios da competição desmesurada entre os indivíduos, que acabaria por
produzir o que Robert Castel denominou de ‘individualismo negativo’, a saber,
‘formas de individualização [...] que são obtidas por subtração em relação ao
encastramento em coletivos’ (CASTEL, 1998, p. 596)" (p. 187-188)
A. Zaluar (1994) A criminalização das drogas e o reecantamento do
mal. In. Drogas e cidadania. São Paulo. Brasiliense.
"Outra questão posta nestes verbetes diz respeito a uma certa ética masculina,
presente também nas disputas territoriais, que legitimaria o comportamento
violento e o uso das armas como fetiches do poder e da virilidade, portanto
elementos de fascínio dos adolescentes em busca de símbolos de masculinidade
(ZALUAR, 1994,p. 119)" (p. 201)
Michel Wieworka (1994) O novo paradigma da violência. In: Tempo Social.
Revista de Sociologia da USP, USP, São Paulo,9(1)
"Por um lado, o indivíduo moderno quer participar da modernidade, do que ela
oferece, do que ela promete, do que ela mostra através dos meios de
comunicação e das solicitações de um consumo de massa cujo espetáculo está
doravante mundializado. Por outro lado, o indivíduo quer ser reconhecido como
sujeito, construir sua própria existência, não ser totalmente dependente de papéis
e normas, poder distanciar-se deles sem ser, no entanto, obrigado a fazê-lo. Ele
pretende, por exemplo efetuar escolhas que o autorizem a referir-se a uma
identidade coletiva, sem estar totalmente subordinado a ela, produzir-se, e não
somente reproduzir-se. (WIEWORKA, 1997, p. 23)" (p. 215)
Barrington
Moore
(1967) As origens oficiais da ditadura e da democracia:
senhores e camponeses na construção do mundo moderno.
São Paulo: Matins Fontes.
"Revela-se assim uma forma generalizada mais subjetiva do preconceito.
Segundo Barrington Moore (1967), o jovem interioriza o conflito social
desvinculando-o de suas origens subjetivas. Não por acaso a única saída
encontrada por alguns jovens para escapar do problema do racismo acaba sendo
também uma saída individualista, sobressair na vida (...)" (p. 256)
Viviane Nogueira
Guerra
(1998) Violência dos pais contra filhos: a tragédia revisitada,
São Paulo, Cultrix,
"Segundo Viviane Nogueira Guerra (1998), a violência doméstica relaciona-se à
violência estrutural (entre diferentes classes sociais), mas é "um tipo de violência
que permeia todas as classes sociais como violência de natureza interpessoal"
(Guerra, 1998, p. 31)." (p.159)
Sánchez-
Janowski
(1991) Islands in the street: gangs and american urban
society. Berkeley University.
"Tal dinâmica tem sido apontada por diversos autores como responsável, entre
ouras coisas, por situações de desagregação social e delinqüência juvenil
(ZALUAR, 1994 e SÁNCHEZ-JANOWSKI, 1991)" (p. 188)
A. Zaluar (1994) A criminalização das drogas e o reencantamento do
mal. In: Drogas e Cidadania. São Paulo: Brasiliense.
"Tal dinâmica tem sido apontada por diversos autores como responsável, entre
outras coisas, por situações de desagregação social e delinqüência juvenil
(ZALUAR, 1994 e SÁNCHEZ-JANOWSKI, 1991). Diz-nos ZAluar a este propósito:
os controles morais que tornam a lei desnecessária pararam de funcionar e não
foram substituídos por uma nova ética baseada na liberdade pessoal e no
391
entendimento com os outros pelo diálogo (...) " (p. 188)
Pierre Bourdieu (1997) Sobre a televisão. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. "Talvez seja interessante lançarmos mão de uma questão posta por Bourdieu no
que diz respeito aos processos de ‘democratização’ do ensino e que nos parece
extremamente procedente. Em recente trabalho, esse autor dirá que se
anteriormente o problema do sistema escolar era a exclusão por falta de vagas,
agora que o número de vagas aumentou, e conseguiu incorporar setores que
estavam ‘fora’, observar-se-ia que os indivíduos sentem-se excluídos no interior
do sistema." (p. 184)
P. Bourdieu (*) não há na bibliografia nenhum livro do Bourdieu
publicado em 1983
“... as divisões entre as idades são arbitrárias...[e] a fronteira entre a juventude e
a velhice é um objeto de disputa em todas as sociedades”. (p. 25)
C. Levi-Strauss (1982) As estruturas elementares do parentesco, Petrópolis,
Vozes.
“...a cultura não pode ser considerada nem simplesmente justaposta nem
simplesmente sobreposta à vida. Em certo sentido substitui-se à vida, e em outro
utiliza-a e a transforma para realizar uma síntese de nova ordem.”
(p.24)
Myriam Barros (1987) Autoridade e afeto: avós, filhos e netos na família
brasileira. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor.
“A ocorrência da violência doméstica dá-se no âmbito familiar pela incapacidade
de seus membros gerirem de modo satisfatório os seus conflitos internos. Estes
conflitos podem ser qualificados de geracionais e de autoridade. Para Myriam
Barros, o conflito entre visões de mundo e estilos de vida contrastantes no interior
das famílias adquire caráter mais aberto e direto quando envolvem relações
afetivas. Segundo a autora, esses conflitos não são necessariamente
destruidores da unidade social, mas podem, sem dúvida, expressar as
dificuldades de relacionamentos em família e da carga afetiva envolvida para
seus participantes, sejam eles os pais ou os filhos (BARROS, 1987, p. 47)." (p.
160)
Marcel Mauss (1978) Ensaio sobre a Dádiva, EPU/ EDUSP. “Ainda que presente em todas as sociedades e grupos humanos, e manifestando-
se de diferentes formas, a violência não é um aspecto inato ao homem, mas
contrariamente trata-se de um fenômeno social e diferenciado histórico e
culturalmente. É também um fenômeno complexo e dinâmico de caráter bio-
psíquico-social, nos termos de Mauss (1978), um fato social total”. (p. 25)
Bastos, F. I. e
Beatriz Carlini-
Cotrim
(1998) Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas,
CNPD.
“As drogas aparecem como uma das grandes preocupações para jovens,
professores e pais, e aparecerão entre os primeiros temas que a escola deveria
tratar. No entanto, ao discutirmos este fenômeno, entramos no terreno dos mais
impregnados por um senso comum, preconceituoso e arcaico (...)” (p. 107)
Norbert Elias (1990) O Processo Civilizatório. Rio de Janeiro: Zahar, v.2. “Como bem demonstrou Elias (1993), o processo de constituição da civilização
implicou uma “grande mudança na conduta e sentimentos humanos”,
estabelecendo um tipo de autocontrole que cada vez mais inibia “impulsos e
emoções mais animalescas” ao mesmo tempo que concorria para o processo de
monopolização legítima da violência: “Ao se formar um monopólio de força,
criam-se espaços sociais pacificados ,que normalmente estão livres de atos de
violência” (p. 26)
392
P. Bourdieu (1997) A miséria do mundo. Petrópolis, Vozes. “Contemporaneamente, a cidadania, ainda mal consolidada, é também revista
nos aspectos políticos e simbólicos pela figura do mercado. O que abstratamente
alguns autores como Bourdieu têm chamado da ‘Demissão do Estado’,
corresponde a um estágio histórico no qual a cidadania resulta enfraquecida”. (p.
28)
A. Coulon (1995) A Escola de Chicago, Papirus.
A. Zaluar (1997) Gangues, galeras e quadrilhas: globalização,
juventude e violência, UFRJ.
“Em Curitiba, como em outras cidades é considerada “atividade de gangue”
desde depredação promovida pelas torcidas de futebol depois dos jogos até
crimes praticados por pequenos grupos, que nada tem de estrutura de gangue,
no sentido estrito do termo. Isso ficou evidenciado nas entrevistas que
realizamos. Em quase todas indagamos sobre tais organizações e as respostas
apontavam sempre para grupos que se associavam por território, local de
moradia, etc.(...) As primeiras definições deste tipo de associação ocorreram nos
EUA, produzida por sociólogos ligados à Escola de Chicago ainda na década de
1920".(p. 91)
Theodor Adorno Livro não consta da bibliografia. “Embora a violência na família constitua um tema tabu em nossa sociedade, a
pesquisa pode retratar como o universo familiar dos jovens é permeado por
“pequenas” e “grandes” violências em seu cotidiano, introjetando-se a idéia de
que os castigos físicos, maus tratos, agressões verbais ou físicas são “normais”.
Segundo Adorno (1988), a violência é a própria negação de valores considerados
universais, como liberdade, igualdade e a vida (...)” (p. 158)
Sánchez-
Jankowski
(1991) Island in the street: gangs in the american urban
society,Berkeley
University.
“No caso curitibano como em outros locais, a “gangue” esta instituição
demonizada e produtora de muitos medos, é uma construção cuja
responsabilidade da imprensa é muito grande. Sánchez-Jankowski aponta que,
mesmo no caso americano, a gangue “é por natureza um produto midiático””.
(1997, p. 182) (p. 92)
Jean Baudrillard (1994) À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e
o surgimento das massas,Brasiliense.
“No que se refere à avaliação dos jovens se Curitiba oferece, ou não, maiores
chances de sucesso que em outras capitais, os dados da pesquisa quantitativa
revelam que dois em cada grupo de dez jovens não sabem; pouco mais de 4
dizem que não oferece e 3,5 acham que a cidade oferece. Entre os profissionais
da educação, em torno de ¼ não sabe dizer se Curitiba oferece ou não maiores
possibilidades de sucesso para os jovens que outras capitais.” (p. 118)
M. Wievorka (1997) O novo paradigma da violência. In: Tempo Social,
Rev. Sociol. USP.
“Nos dias atuais, na qual tanto se fala de crise do estado nacional, um dos pontos
fundamentais dessa observação ou hipótese relaciona-se com a utilização de um
tipo de violência que é desencadeada pelos agentes da segurança pública. De
alguma maneira isto estaria redefinindo a noção weberiana de Estado como um
agrupamento político que ‘monopoliza legitimamente’ a violência”. (p. 27)
Jacobo
Waiselfisz
(1998) Mapa da violência: os jovens do Brasil, Cortez
Editora.
“O conceito de juventude, por outro lado, seria uma categoria sociológica, que
indica o processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel de adulto
na sociedade, abrangendo a faixa etária dos 15 aos 24 anos”.(23)
Ronaldo Almeida
e Maria de
(1998) Juventude e filiação religiosa no Brasil. In: Jovens
Acontecendo na trilha das políticas públicas,CNPD.
“Para os jovens a religião ocupa um lugar de destaque, conforme verificamos
pelo grau de confiança que atribuem às instituições”. (p. 97)
393
Fátima Chaves
Philippe Ariès (1981) História Social da Criança e da família. Guanabara. “Sabemos desde os trabalhos de Áries (1981) que as noções e percepções da
infância e da juventude estão marcadas sócio-historicamente, ou seja, elas tem
variado no tempo e de uma cultura para outra(...)”(23)
A. V. Gennep (1977) Os ritos de passagem, Petrópolis, Vozes. “Seja qual for a denominação, ‘entrada’ ou recorte, encontramos a demarcação
clara entre o processo biológico e o social. Dolto (1990), representando um
importante ponto de vista entre psicanalistas e psicólogos, coloca que é
necessário ultrapassar, para compreender o problema em toda a sua extensão,
as faixas etárias. Gennep (1997), em seu texto clássico sobre os ritos de
passagem, revela que a existência de uma puberdade social, não é coincidente
com a puberdade biológica”.(p. 24)
H. W. Abramo (1998) Juventude, violência e cidadania: os jovens de
Brasília, Editora Cortez.
“Ultrapassando os aspectos exclusivamente etários e valorizando o aspecto de
que a juventude é um processo, a UNESCO considera a juventude como ‘uma
etapa de transição que processa a passagem de uma condição social mais
recolhida e dependente a uma mais ampla; um período de preparação para o
ingresso na vida adulta’. (p. 23)
Saffo Testoni (1993) Violência. In: Bobbio, Norberto et al. Dicionário de
Política, Universidade de Brasília.
“Um conhecido conceito de violência define-a como a intervenção física de um
indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo. Isto é, para que haja violência
é preciso que existam no mínimo dois agentes envolvidos e que a intervenção
física seja voluntária”. (p. 25)
394
Anexo 5.1 - ONGs investigadas, itens 5, 8 e 9, livro: Cultivando vida, desarmando violências. Experiências em educação,
cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situação de pobreza
ONG REDES, MULTIPLICAÇÃO E PARCERIAS (5) POR QUE UMA EXPERIÊNCIA
INOVADORA? (8)
EFEITOS DA EXPERIÊNCIA PARA AS
MUDANÇAS NA VIDA DOS JOVENS (9)
CRIA - BA “O CRIA propôs a criação da MIAC (Movimento de
Intercâmbio Artístico e Cultural pela Cidadania) que engloba
várias instituições que trabalham no campo da arte, da
educação, da saúde, da cultura e da profissionalização com
jovens. O MIAC viria disseminando a metodologia do CRIA e
tem agregado novos saberes e potencializando as suas
ações socioeconômicas, redimensionando seu papel político
como ONG” (: 105).
“O CRIA é um espaço de sociabilidade
singular, em que a união que se desenvolve
entre os jovens se cimenta em valores
estimulados na ONG. É considerado ‘um
espaço de discussão’ e um ‘espaço de
proposições’ em que os jovens são
protagonistas” (: 109).
“Impacto em projetos e no bem-estar na vida,
estimulando o pensar criativamente e orientar-se por
responsabilidade social, questionando adscrições e
discriminações sociais, contribuindo para novos tipos
de sociabilidade, formas de trabalhar em conjunto e
estimulando a criação de lideranças nas escolas e
comunidades” (: 112).
Liceu de
Arte e
Oficio da
Bahia
“Para a realização de algumas atividades, em especial
cursos, também recorre a profissionais de outras ONGs,
como a Fundação Mestre Bimba para a área de capoeira. O
Liceu participa de fóruns de debate sobre violência, arte e
educação, muitos organizados em conjunto com outras
entidades congêneres. Realizam-se reuniões periódicas com
as famílias para acompanhar a vida dos jovens. Em parceria
com o FUNDAC, investe-se na retirada de jovens que vivem
na rua, buscando reintegração familiar. Desenvolvem-se
também parcerias com a comunidade e associações de
bairro para ações especificas, como a de proteção e
conservação das escolas (Projeto Quem ama preserva)” (
:122).
“Na percepção dos pais e responsáveis, o
trabalho do Liceu é diferente do dos demais
projetos, pois atua no sentido de formar
cidadãos” (: 124).
“Os jovens passam a ter uma auto-imagem diferente,
devido à atuação do projeto.(...) Aprendem novas
competências e mostram um novo empenho em suas
atividades. (...) Aprender a se valorizar, sentido de
dignidade social e resgate de identidade étnico-racial.
(...) Ampliação da rede de sociabilidade. (...)
Mudança no quadro de referência quanto a valores,
limites e responsabilidades sociais. (...) Descobrir
talentos, explorando potencialidades para o
desenvolvimento artístico-cultural do cidadão” ( :126-
128).
Fundação
Cidade
Mãe - BA
“A Fundação Cidade Mãe entra, nas parcerias, com a
proposta pedagógica e com a alimentação, uma refeição
diária para o público cliente que corresponde a 40% das
necessidades calóricas. Alguns parceiros cedem espaço para
realização de suas atividades. As unidades são
desenvolvidas em parcerias com diversas instituições. Com a
Fundação Don Avelar (...), com a Maçonaria e com a
Fundação Banco do Brasil. Há ainda as unidades
desenvolvidas com a entidade espírita Cristo é Vida e com a
organização Mansão do Caminho” (: 132).
“São indicativos do sucesso dos projetos da
Fundação: testemunho de mães sobre
melhorias no comportamento dos filhos ao
passarem a freqüentar os projetos; o fato de
que vários conseguem um emprego em
áreas para os quais foram capacitados –
comumente como autônomos, por exemplo
em informática e eletricidade (casos dos que
têm mais de 16 anos) (...) A permanência e
continuidade de projetos, como a Empresa
Educativa, em bairros pobres e tidos como
“Mudanças em termos de comportamento quanto a
valores, limites e responsabilidades sociais (...) Os
adolescentes são estimulados a romper preconceitos
quanto a temas, como AIDS, o que se multiplica em
outros espaços, envolvendo a família. Atividades da
Empresa Educativa da Fundação Cidade Mãe
colaboram para que os jovens desenvolvam mais o
raciocínio. Eles estudam sobre a comunidade e
começam a analisar a realidade em que vivem (...) O
jovem, ao participar do projeto, desenvolve o
protagonismo e passa a ser multiplicador na sua
395
“violentos”, é bem apreciada por líderes
comunitários” (: 134-135).
comunidade. Isso ocorre devido ao estímulo da
descoberta de talentos. (...) Reinserção de jovens
que viviam em situação de risco, nas ruas, ao
convívio da família. (...) Ao entrarem no projeto, os
jovens passam a ter maior responsabilidade e
desenvolvem um sentimento de maior cooperação” (:
135 – 137).
Grupo
Cultural
Olodum -
BA
“O Projeto Capacitação Solidária tem uma etapa, chamada
“Ciência Prática”, que compreende 180 horas. Nessa etapa,
ainda não realizada, a idéia será levar o trabalho do Olodum
para outras entidades, levar para a rua, fazer apresentações
em praça pública, em teatros e também para outros projetos,
entidades escolas municipais, etc.” (: 143).
“A inovação do projeto está no fato de que,
ao trabalhar com arte e educação,
proporciona aos jovens uma nova maneira de
sentir e perceber o mundo no qual estão
inseridos. A arte, como a dança e a música, é
vista como um instrumento à cidadania e um
dos elementos mais importantes no combate
à violência, na medida em que permite ao
jovem uma outra forma de expressão,
contribuindo não só para a formação de
profissionais, mas também de espectadores
e cidadãos”. (: 145).
“Várias forma as mudanças em termos de
comportamento, surgindo novas perspectivas sobre
responsabilidade e solidariedade, um melhor
relacionamento com os pais, e uma melhoria também
nos hábitos de disciplina e horário. Além disso, foi
observado um afastamento de situações de violência
e de drogas, diante da chamada incompatibilidade
entre o desejo de ser artista e o envolvimento em tais
situações. Esses jovens passam a desenvolver outra
relação quanto ao corpo até então voltado para o
prazer das drogas, sendo direcionado para outro
pólo, como por exemplo, para o corpo-produção, o
corpo-artista. (...) Através de suas atividades, o
projeto permite descobrir talentos, explorando
potencialidades para o desenvolvimento artístico-
cultural e cidadão. Isto, por sua vez, vem
possibilitando um estímulo maior para seu
desempenho escolar, qualificando-o para o mercado
de trabalho” (:146 – 147).
Circo
Picolino -
BA
“São estabelecidas parcerias pontuais com a Prefeitura,
atendendo também a crianças e jovens. O trabalho tem muita
visibilidade na cidade e na mídia. As apresentações dos
espetáculos acontecem regularmente e dependem
essencialmente das parcerias. A Companhia do Circo
Picolino faz parte da vida da cidade, e está presente em
comemorações e atividades públicas” (: 152).
“A experiência desenvolvida pela Escola
Picolino de Artes do Circo conseguiu
despertar o interesse de outras prefeituras
em replicar experiência, a partir do
reconhecimento do sucesso do trabalho. O
Circo vem recebendo visitantes de vários
estados, interessados em desenvolver a
experiência. (...) Os trabalhos realizados pela
Escola Picolino de Artes do Circo tem o
poder de mexer com todo o processo de
formação cultural dos jovens. Têm também
conseguido proporcionar espaços
alternativos de lazer para os jovens. A escola
é considerada legítima na sociedade de
Salvador que reconhece o desenho de seus
“De uma maneira geral, os efeitos da experiência nos
jovens têm-se evidenciado em vários aspectos,
especialmente na construção de uma nova
percepção sobre seu lugar no mundo, como por
exemplo, uma visível mudança em termos de
comportamento, sendo que muitos deles vêm-se
afastando de comportamentos violentos. (...) Para a
família o projeto é reconhecido pela sua importância
na vida dos jovens, os resultados são visíveis. (...)
Também tornou-se evidente a transformação na
auto-estima e na convivência social desses meninos.
Hoje, muitos sentem que conseguem se comunicar
melhor, e a partir disso construir melhores relações.
(...) Os jovens construíram uma nova percepção da
realidade social, passando a atuar de forma incisiva,
396
espetáculos na divulgação de mensagens de
cultura de paz. (...) É constituído uma
identidade bastante forte, um sentimento de
pertencimento para com a Companhia Circo
Picolino, que é vista como um espaço
alternativo aos ambientes de violência,
inclusive pelos ritmo de atividade e
demandas. (...) O projeto tem propiciado
oportunidades para se descobrir talentos,
explorando potencialidades para o
desenvolvimento artístico-cultural e cidadão”
(: 153 – 154).
com responsabilidade, para obter mais possibilidades
de inserção. (...) Para a família, muitos efeitos
tornam-se visíveis, especialmente quanto à relação
de responsabilidade” (154 – 156).
Associaçã
o
Curumins -
CE
“A Associação Curumins reconhece a importância da troca de
experiências entre as organizações que trabalham com
crianças e jovens em situação de rua. E até mais além, a
Curumins apóia a criação de uma rede de atendimento entre
instituições congêneres para que estas possam prestar um
atendimento integrado aos jovens que se encontram em
situação de rua” (: 164).
“Todos os informantes pesquisados fazem
uma avaliação positiva do projeto. Segundo
eles, o projeto possui uma série de
facilidades estratégicas que contribuem para
o desenvolvimento das atividades” (: 169).
“As mudanças acontecem em vários níveis. Desde a
simples higienização diária até mesmo o retorno de
um jovem em situação de rua para a sua família” (...)
No projeto, o adolescente que chega à maioridade
com habilidades de engajamento no mercado pode
ser inserido como funcionário da equipe Curumins,
quando existe demanda. (...) Alfabetização e
orientação quanto à questão das drogas. (...)
Sentimento de pertencimento: os jovens da Curumins
acham-se diferentes dos demais, eles sentem que
fazem parte de um grupo que aprende “coisas boas”.
(...) Aumento da auto-estima e mudança no
comportamento” (: 171-172).
Comunica
ção e
Cultura -
CE
“Comunicação e Cultura foi vencedora do prêmio Itaú-
UNICEF de 1999, na categoria Educação e Participação.
Este prêmio é concedido para ONG que atingiram uma alta
distinção em sua área de atuação. Além disso, possui várias
articulações regionais e nacionais, através de participação
em fóruns e associações de organizações do Terceiro Setor.
(...) A Comunicação e Cultura estabelece parcerias e troca
experiência com outras organizações congêneres. É membro
efetivo da ABONG e participa das seguintes articulações:
Fórum Cearense pelos direitos da Criança e do Adolescente
(Fórum DCA), Fórum Cearense de ONGs que trabalham na
prevenção à AIDS (Fórum AIDS), Rede de Educação pela
Comunicação e Rede de Ensino Profissionalizante” (: 179 –
180).
“De um modo geral, as avaliações sobre o
projeto são positivas entre todos os
informantes pesquisados” (: 183).
“O projeto trabalha com a linguagem (oral e escrita),
com a expressão pessoal e com conceitos básicos
(educação, cidadania, sexualidade) presente na vida
dos jovens. Aliado ao fato de funcionar dentro da
escola, o projeto possibilita aos jovens se
posicionarem criticamente quanto à escola, à
sociedade e à família (campo de referências de
valores dos jovens)” (: 185).
EDISCA -
CE
“A EDISCA possui articulações em diversos níveis, com
outras ONGs, com a comunidade, com o governo, com
“De um modo geral, as atividades artísticas
desenvolvidas na EDISCA são muito
“Em todos os relatos analisados, percebemos que os
jovens que passam pela EDISCA modificam seu
397
organizações internacionais e ainda faz parte de redes de
organizações do terceiro setor como a Associação Brasileira
de Organizações Não-Governamentais – ABONG e Rede de
Arte-Educadores do Ceará” (: 194).
atrativas para o público-alvo e mostraram-se
eficientes como instrumento de educação
usando o lúdico. Assim, as avaliações sobre
o trabalho da EDISCA são bastante positivas
em todos os relatos analisados” (: 198).
comportamento, sua postura e atitude. Além destes,
outros impactos e percepções fazem da EDISCA
uma experiência fascinante” (:199).
Circo
Escola -
MA
“O projeto Circo-Escola é extremamente articulado, tanto com
outras ações da Fundação, quanto com ações de
organizações parceiras” (: 209).
“Como, geralmente, a criança e o
adolescente em situação de rua cristalizada
não consegue por si só adaptar-se ao
sistema escolar por estarem em um nível
altíssimo de liberdade, o projeto apresenta-se
como um espaço intermediário entre a rua, a
família e a escola” (: 213).
“Os impactos do projeto Circo-Escola na vida das
crianças e dos adolescentes atendidos são
extremamente significativos, pois representam
mudanças na vida de cada um deles, bem como
mudanças que propiciam a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária” (215).
Descobrin
do o Saber
- MA
“O Projeto Descobrindo o Saber não é isolado, ele está
inserido em uma rede de entidades do município que se
apóiam mutuamente, buscando novos caminhos” (: 222).
“Porque a equipe do Projeto Descobrindo o
Saber parte da concepção de que a cultura, o
esporte e o lazer são importantes como
meios para que a auto-estima dos jovens
seja fortalecida. Outro conceito importante
que se trabalha utilizando a cultura e o lúdico
é o de identidade pessoal, tenta-se passar
para os jovens a importância dos valores
tanto culturais como sociais” (: 226).
“Retorno ao convívio escolar e aumento do
rendimento escolar. (...) Melhoria do rendimento
escolar. (...) Aumento da auto-estima dos jovens. (...)
Mudança comportamental dos jovens: eles
recuperam alegria e a esperança e se tornam mais
respeitosos. (...) Favorece o desenvolvimento e o
surgimento de liderança entre os jovens e aumenta a
capacidade crítica. (...) Favorece e aumenta a
possibilidade de o jovem conseguir um emprego,
porque o capacita. (...) Educação é tratada em
sentido amplo” (: 227 – 229).
CIARTE -
MT
“A formação de redes é uma característica central. Para o
CIARTE é importante que a comunidade se envolva no
projeto. Assim se estabelecem relações com o clube de
mães, com associação de moradores de bairros, com as
escolas na área de atuação do projeto, com as organizações
juvenis, com as igrejas, com as pastorais” (: 233).
“Um dos atributos inovadores do projeto é a
combinação do desenvolvimento da
criatividade artística dos jovens com os
estudos. (...) Outra dimensão que é vista
como inovadora repousa na capacidade do
projeto de admitir e valorizar as formas de
expressão artísticas provenientes dos
próprios jovens e das suas comunidades,
criando uma nova relação coletiva a partir da
arte. (...) Observa-se que o envolvimento
com o projeto faz com que as crianças e
jovens fiquem menos nas ruas” (: 236)
“O tempo do jovem que participa das atividades do
projeto é totalmente preenchido, o que influencia
positivamente para que ele não se envolva com más
companhias ou que procure as drogas. (...) A
participação como voluntário no projeto ensina aos
jovens novos papéis e relações sociais. (...) Existe
uma clara diferença entre os jovens que participam
do projeto e aqueles que não. (...) Os pais
reconhecem que o envolvimento no projeto trouxe
oportunidades de ocupação prazerosa do tempo,
para seus filhos que careciam de acesso ao lazer,
contribuindo para acalmá-los”(: 237 - 238).
Orquestra
de Flautas
Doce - MT
“A principal parceria se dá entre a Secretaria Municipal de
Educação e a Escola Municipal Dejane Ribeiro, Escola
Técnica Federal. As atividades do projeto acabam por se
ramificar junto a outras instituições e a envolver a
comunidade” (: 245).
“A diretora considera esta uma experiência
inovadora e, para justificar sua opinião,
enfoca o impacto da experiência no próprio
projeto de vida dos jovens” (: 248).
“Os envolvidos sustentam que o projeto tem
provocado significativas mudanças de vida dos
jovens. (...) Há uma mudança na visão de mundo do
jovem, que passa a estar mais centrado nas suas
responsabilidades. Afeta o próprio comportamento do
jovem que se torna mais calmo e dedicado às outras
398
tarefas do dia-a-dia, mas sem afetar seu
relacionamento com os demais colegas. (...) As mães
assinalam mudanças no comportamento dos filhos,
especialmente a redução da agressividade. (...) Os
professores aparecem como os principais vetores
desta mudança de comportamento dos alunos,
juntamente com a própria música. (...) Também é
importante notar o aprendizado que o trabalho com
jovens carentes proporciona ao próprio professor” (:
248 – 249).
Cores de
Belém –
PA
“O Projeto Cores de Belém tem o suporte de outros dois
programas da prefeitura: Arte e Cidadania, da FUNPAPA,
órgão da administração indireta do município de Belém,
responsável pela coordenação da política municipal de
assistência social, e o Cultura, escola e alegria, da Secretaria
Municipal de Educação; Movimento Organizado de
Grafiteiros de Belém; Associação Metropolitana de
Grafiteiros; Associação de Arte-Educadores; Federação
Estadual de Atores de Teatro e Cessão de Artistas de Teatro”
(: 256).
“A importância de possibilitar aos jovens que
trabalhem a cultura, o esporte e o lúdico para
canalizar suas energias é um consenso entre
os participantes. Muitos acreditam que essas
atividades são fundamentais para o
amadurecimento juvenil, bem como para
reduzir a violência entre eles. Além disso,
diversos outros fatores apontam para o
caráter inovador dessa experiência” (: 259).
“Dentre os efeitos ocorridos na vida dos jovens, uma
característica essencial tem sido a forte mudança em
sua percepção de mundo. (...) Os jovens recebem
educação e passam por um processo de
humanização e de formação de consciência de seus
direitos. (...) Os jovens tem conseguido se libertar de
uma situação de risco e, principalmente, de violência.
Observa-se também a diminuição das rivalidades
entre os bairros e das brigas de gangues. (...)
Participar das atividades tem desenvolvido
capacidades, como também garantido novas
perspectivas, inclusive, de trabalho. (...) O projeto
tem ocasionado nos jovens uma mudança
comportamental”. (260 – 262).
Rádio
Margarida
– PA
399
em especial consideram que a estratégia de
fazer o trabalho de prevenção nas escolas é
de extrema importância, contribuindo,
inclusive, para a ampliação da clientela do
projeto, já que as jovens já integradas trazem
suas colegas, irmãs e vizinhas” (: 284).
consciência de seus direitos e autonomia” (: 285).
Auçuba –
PE
“A Auçuba vem desenvolvendo atividades em cooperação
com outras instituições atuantes na área de educação de
jovens, através da ANDI com sede em Brasília. Estas
organizações são CIPÓ, na Bahia, Ciranda, no Paraná, UGA
UGA, em Manaus, e Oficina de Imagem, em Belo Horizonte.
A ONG faz parte, ainda, da Rede de Educação pela
Comunicação – REDUCOM – composta por 15 instituições
brasileiras que trabalham com a educação através da
comunicação e apoiada pelo Instituto Ayrton Senna” (: 293).
“Os programas do Auçuba são, em geral,
bem avaliados. O fato de possuir uma
metodologia reconhecida nacional e
internacionalmente são referenciais
importantes de legitimidade na avaliação” (:
297).
“Entre as principais mudanças na vida dos jovens,
um dos coordenadores do Auçuba relata primeiro a
auto-estima. (...) Em segundo lugar, começa a surgir
na vida desses jovens uma perspectiva de futuro,
coisa que geralmente eles não tem” (: 300).
Centro das
Mulheres
do Cabo –
PE
“O Centro das Mulheres é uma entidade que faz parte do
Conselho Tutelar, tem parcerias com entidades como a
Comunidade Solidária, o SEBRAE, a Prefeitura, a Caixa
Econômica e outras, desenvolvendo atividades com crianças
e jovens” (: 306).
“Entre os indicadores formais visíveis do
sucesso do programa para jovens do Centro
das Mulheres do Cabo, têm-se: a alta
procura; a persistência das jovens
associadas, sendo baixa a evasão; fato de
que muitas jovens conseguiram melhor
rendimento e superação de problemas de
comportamento que apresentavam nas
escolas; colocação de jovens no mercado de
trabalho, como na área de comunicação e
em rádio comunitária” (: 310 – 311).
“Ocorrem mudanças em termos de comportamento, e
os jovens se afastam de comportamentos violentos
(como vítimas ou agentes). Tanto eles como seus
familiares consideram que a participação nos
projetos lúdico-culturais e de socialização cidadã do
Centro contribuiu para um melhor aproveitamento
escolar. Também há referência a outra mudança,
como um maior cuidado com a aparência e mais
interesse em obter informações. Contudo, vários
informantes relacionados ao Centro advertem que a
miséria dos grupos familiares dos jovens limita esses
efeitos positivos sobre os jovens a longo prazo.
Insiste-se, entretanto, que realmente ocorre uma
mudança de perspectiva em relação ao valor da
educação e da escola, contribuindo, para isso, as
atividades de reforço escolar realizadas pelo Centro”
(: 313).
Centro de
Cidadania
Umbu
Ganzá –
PE
400
hoje fazem parte do quadro” (: 323). tornando-se, dessa forma, referência para a
comunidade na qual estão inseridos” (: 325).
PACA –
PE
“O projeto desenvolve articulações com outras secretarias,
com a Igreja, com a Universidade federal de Pernambuco e
outras instituições. Alguns projetos recebem também
colaboração financeira de organizações como UNICEF e a
ABRINQ. Vários projetos têm recursos do Governo Estadual
e do Ministérios da Previdência e Assistência Social” (: 332).
“Segundo a coordenação, o programa pode
ser considerado bem-sucedido, devido à sua
expansão. No início, havia uma média de 200
adolescentes no Criarte, e chegou-se a
quase 3.200 atendidos em quatro anos. No
segundo semestre de 2000, o PACA atendeu
a cerca de 1.200 jovens” (: 334).
“Mudanças comportamentais dos jovens: passam a
se apresentar melhor após ingresso nos projetos e
modificam seus gostos culturais, valorizando mais
expressões da cultura nacional e regional, como o
maracatu. (...) Quando comparados a jovens que não
passaram por projetos do programa, os que deles
participaram destacam-se por apresentar maior nível
de integração ao grupo, exercendo liderança” (: 336).
Escola de
Rodeio
Erê – PR
“Não há parceria com qualquer organização congênere. A
principal razão para que isso ocorra é a falta de divulgação
do projeto. Em algumas ocasiões, a escola foi tema de
reportagens em jornais, revistas e telejornais. Porém, as
pessoas da comunidade costuma tomar conhecimento do
projeto através dos próprios meninos que dele participam ou
do professor” (: 341).
“O projeto é considerado bem-sucedido,
apesar da precariedade das condições em
que é sustentado. A melhor expressão disso
é o empenho dos jovens, que enfrentam
grandes dificuldades para poder freqüentar a
Escola, além do número extremamente
pequeno de desistências do programa” (:
342).
“Segundo os relatos obtidos nessa pesquisa, são
vários os impactos positivos da Escola Erê na vida
dos jovens que dela participam. (...) A persistência
dos garotos em permanecer no programa e
mudanças radicais nas suas vidas e na mentalidade
do grupo. (...) Segundo a percepção dos informantes
pesquisados, os jovens passam a apresentar uma
melhora em seu comportamento e postura” (: 344 -
345).
Artvistas
MDE Hip
Hop – PR
“Não existe nenhum trabalho de parceria com o projeto, a
não ser com as próprias comunidades envolvidas. Nada está
formalizado. O único acordo firmado refere-se aos jovens que
hoje desenvolvem os trabalhos. Também não existe parceria
de natureza financeira no projeto do Artvista MDE Hip Hop.
Todo o recurso utilizado é proveniente da renda pessoal dos
jovens dirigentes” (: 352).
“O projeto tem sido avaliado pela
comunidade como essencial e transformador
da realidade social vivenciada pelos jovens.
Houve inicialmente uma resistência por parte
das famílias, mas, em pouco tempo, tornou-
se visível o reconhecimento no que se refere
à qualidade do trabalho desenvolvido” (:
354).
“Para os jovens acontecem mudanças extremas, e
muitos que já estiveram envolvidos com algum tipo
de criminalidade conseguiram sair de forma
definitiva. Outros que não faziam parte deste
contexto de forma direta também acabaram por estar
dentro de redes perversas, uma vez que a maioria
desses jovens era usuária de drogas. Com o resgate
da auto-estima, esses jovens adquirem valores como
caráter, entre outros. Há consenso e veemência em
suas falas, quanto à saída do que denominam
‘mundo das drogas’ e marginalidade, como resultado
direto do processo de inserção do Movimento Hip
Hop na comunidade” (: 356).
Cidade
Escola
aprendiz –
Projeto
“100
Muros” –
SP
“O Cidade Escola Aprendiz conta com um grande número de
parceiros entre financiadores e outros de natureza diversas.
Além dos 35 financiadores, a organização conta com
aproximadamente 100 empresas parceiras e profissionais
liberais, como arquitetos e desingners, que trabalham
gratuitamente, oferecendo bens e serviços ao projeto.
Existem também parcerias com outras organizações não-
governamentais, escolas da comunidade, administrações
regionais e meios de comunicação, como por exemplo o
“Existe uma grande discussão acerca da
violência instituída na realidade brasileira,
sendo o jovem seus principais focos, tanto
como vítima quanto como agente. Para os
atores envolvidos, o Projeto 100 Muros é
considerado, dentre outros aspectos, como
um trabalho estratégico no combate à
violência. No discurso desses especialistas, a
cultura, o esporte e as atividades artísticas
“Os jovens do Projeto 100 Muros demosntraram que,
a partir de sua participação nos trabalhos, houve uma
mudança na percepção sobre o contexto
sociocultural no qual estão inseridos, pois
começaram a enxergar suas realidades de uma outra
maneira. Desde então, passaram a discutir de forma
mais comprometida algumas questões como a
violência, esta reconhecida como elemento
preocupante e presente em seu cotidiano” (: 370).
401
canal GNT, TV Futura, Programa Turma da Cultura, Centro
Cultural São Paulo” (: 366).
possuem o poder de perscrutar o imaginário
dos jovens, oferecendo subsídios para a
transformação social” (: 368).
Fundação
Gol de
Letra – SP
“A Fundação Gol de Letra conta com vários parceiros que
colaboram de forma diferenciada com financiamento, bens e
serviços. Dentre os financiadores, destacam-se a Fundação
Kellogg, o Instituto World Childhood Foundation, a Fundação
Abrinq Pelos Direitos da Criança, o BNDES, a Fundação
Vitae e Fundação Chase, além de pessoas físicas que
apóiam o projeto. A instituição conta ainda com o apoio de
empresas como: a Unimed Paulistana, que oferece plano de
saúde para todas as crianças, adolescentes e jovens do
projeto, e seus familiares durante o período de atividades; a
RX Qualix que fornece os produtos para limpeza; a Pitti &
Brant Comunicação e Litokromia que trabalham na criação da
arte e impressão do material gráfico; a Cuca Toys que
oferece brinquedos; a Intel/Microtec que doou computadores;
a Kappa que contribuiu com uniformes; a Promofarma que
contribuiu com remédios; a Viação Nação Unidas que doou
dois ônibus para a Fundação; e o Supermercado Ourinhos,
que oferece descontos para a Gol de Letra” (: 377).
“O projeto tem sido avaliado pela
comunidade como um elemento
transformador de suas realidades. O
sentimento de pertencimento é visível na fala
das pessoas. A Fundação tem conseguido
realmente envolver a comunidade e fazer
parte de sua vida” (: 380).
“Quando a questão dos efeitos dos projetos na vida
dos jovens, um dos aspectos mais evidentes é sua
relação com a visão sobre a escola. Há um processo
de reconhecimento e valorização do papel da escola,
dos instrumentos que ela pode oferecer e do
processo de aprendizagem, inclusive, uma maior
preocupação com relação ao futuro. Foi possível
identificar na fala dos meninos (as) que a escola
passou a Ter um papel estratégico na oferta de
caminhos para este possível futuro de inserção
social, de oportunidades, especialmente no
afastamento das drogas, etc.” (: 382).
Meninos
do
Morumbi -
SP
“Além das parcerias financeiras com empresas privadas, o
projeto conta com um convênio com a Prefeitura Municipal de
São Paulo através da Secretaria Municipal de Assistência
Social, que permite cobrir parcialmente a necessidade de
recursos humanos, a manutenção dos instrumentos, limpeza
e conservação da associação” (: 390).
“Entre os jovens, educadores,
coordenadores, pais e comunidade, é
consensual o entusiasmo e o grau de
envolvimento afetivo pelo projeto. De uma
maneira geral, apesar de existir a clareza de
que muito ainda precisa ser revisto e
melhorado, o projeto tem sido avaliado pelos
atores, como uma experiência inovadora, por
conseguir, dentre outros aspectos, trabalhar
com o conceito de diversidades, a partir do
envolvimento construtivo de vários
segmentos da sociedade, e por colaborar
para o crescimento individual e coletivo dos
mesmos” (: 393).
“O projeto tem sido avaliado pelos atores envolvidos,
como construtivo e transformador no que se refere à
percepção social dos jovens inseridos nas atividades
realizadas com a instituição. É possível identificar a
própria mudança da imagem que o jovem constrói de
si mesmo, de seu papel social, revelando uma
realidade até então muitas vezes desconhecida. A
questão da valorização da auto-estima bem como da
responsabilidades são traços bastante visíveis,
ambos contrapostos a um perfil agressivo vivenciado
por esses jovens anteriormente” (: 396).
Fundação
Travessia
– SP
“A partir da proposta metodológica do projeto, foram
realizadas várias parcerias, desde 1996. A seguir,
enumeram-se apenas algumas delas: Literis Instituto de
assessoria e Pesquisa em Linguagem; Walter Bender
Massachussetts; Instituto de Terapia Familiar; UNESCO;
CEBRAP; Companhia Metropolitana de São Paulo; Shopping
“A avaliação positiva é comum entre os
educadores, coordenadores e demais
parceiros, quanto aos afeitos benéficos
desses projetos na vida dos jovens, bem
como da necessidade de continuidade e
ampliação desse tipo de trabalho. Para eles,
“Para os atores envolvidos no projeto, seus efeitos
tornam-se visíveis sob vários aspectos na vida dos
jovens e de suas famílias. Um desses aspectos
refere-se a questão do distanciamento das drogas,
tornando-se um dos pontos mais fortes em todo o
processo de mudança” (: 410).
402
Eldorado; Cultura Inglesa ...” (: 407). tornou-se visível a transformação na vida dos
meninos(as), especialmente quanto à saída
das ruas e resgate da cidadania,
envolvimento com a família e comunidade” (:
409).
Vila
Olímpica
da
Mangueira
– RJ
“O projeto Olímpico da Mangueira serviu de modelo para a
implantação do programa Vilas Olímpicas do Governo do
Estado do Rio de Janeiro. Além disto, a Mangueira ainda não
realizou nenhuma ação para a replicação da experiência.
Não foi informada nenhuma parceria da Mangueira com
outras Escolas de Samba para o desenvolvimento de um
projeto social” (: 419).
“Todos os informantes pesquisados fazem
uma avaliação positiva do projeto. Segundo
eles, o projeto possui uma série de
facilidades estratégicas que contribuem para
o bom desenvolvimento das atividades” (:
421).
“Entre alguns impactos relevantes na vida dos
jovens, podemos citar: Mudança no comportamento e
na atitude. (...)Mudança na disciplina e no convívio
social. (...) Mudança de atitude em relação às drogas.
(...) Contribui para diminuir a agressividade dos
jovens” (: 425 – 427).
Comitê
para a
Democrati
zação da
Informática
- RJ
“Nos primeiros dois anos, o CDI se apoiou em parcerias que
fornecessem principalmente espaço físico e computadores,
tentando demonstrar que o projeto era auto-suficiente no
sentido de não necessitar de custos iniciais do próprio
empreendedor” (: 434).
“As avaliações feitas sobre o programa são
bastante positivas. O sucesso do projeto
consiste no fato de se utilizar uma
metodologia que valoriza a vivência e as
culturas próprias das comunidades para o
ensino da informática. Além disso é
importante ressaltar a rede estabelecida
entre o CDI nacional, com os CDIs
internacionais e com os CDIs regionais, além
das parcerias que esses desenvolvem com
as comunidades locais” (: 436).
“Segundo depoimentos, ao trabalhar a qualificação e
capacitação dos jovens, o projeto indiretamente
fortalece a auto-estima dos alunos. A auto-estima
acaba se refletindo no comportamento dos jovens na
escola. Além desse fato, o projeto permite que os
jovens desenvolvam uma maior consciência sobre o
mundo em que vivem e os problemas existentes em
suas comunidades” (: 438).
Grupo
Cultural
Afro
Reggae –
RJ
“O Grupo Cultural Afro Reggae faz parte da ABONG. Esse
contato foi feito através da FASE, entidade parceira do
projeto desde seu início. O SAAP/FASE sempre teve um
papel importante junto ao Grupo Cultural Afro Reggae, na
formação dos seus quadros de liderança, tanto na
coordenação atual, como na nova geração de líderes
formados” (: 446).
“Os indicadores de sucesso do Grupo
Cultural Afro Reggae podem ser percebidos
pela forte demanda reprimida existente hoje
no projeto, por sua visibilidade, pelo
protagonismo dos jovens e pela mudança na
vida dos meninos e meninas. É importante
ressaltar que o Afro Reggae, dentro das
comunidades em que trabalha, funciona
como um contraponto ao narcotráfico” (:
449).
“O Afro Reggae possibilitou uma grande mudança na
vida desses jovens tanto na parte pessoal como
social. Os jovens, ao participarem do projeto,
ampliam a sua percepção quanto à realidade em que
vivem, passando a se preocupar com as condições
dos outros jovens em suas comunidades. Também
passam a vislumbrar maiores oportunidades de
inserção social” (: 450).
Grupo de
Teatro Nós
do Morro –
RJ
“Ao desenvolver o projeto, o Grupo Cultural Nós do Morro
estabelece uma forte relação com as famílias dos alunos e,
por conseqüência, com a comunidade na qual estão
inseridos. A escola formal, desde o início do projeto, se
apresenta como uma forte aliada, estabelecendo uma relação
direta entre a educação formal e a educação através da arte
e cultura, muitas vezes cedendo espaço físico para as
atividades”(: 457).
“O Projeto Nós do Morro tem sido
considerado referência na área de projetos
com jovens, na medida em que busca,
através da arte e da cultura, o resgate da
cidadania, da autoconfiança e do
protagonismo de indivíduos que
historicamente foram discriminados pela
sociedade, por serem negros, oriundos de
“Segundo os depoimentos, com a freqüência às
aulas/oficinas o comportamento e a atitude dos
alunos têm-se modificado em casa e nas suas
relações sociais. As mudanças, os depoimentos, são
bastante significativas, uma vez que abrangem desde
pequenas atitudes, como o cumprimento de horários,
até a percepção de si mesmo como sujeito de
direito”(: 460).
403
baixa renda e pouco escolarizados,
respeitando-os como sujeitos de direito,
sonhos e de conhecimentos” (: 459).
Viva Rio -
RJ
“Considerando o questionário respondido pela instituição, a
inovação do projeto está na sua rede de articulação,
principalmente com relação com a comunidade. No caso do
projeto de educação de jovens e adultos através das
telessalas, o Viva Rio conta com a parceria da fundação
Roberto Marinho e com as associações ou organizações
comunitárias”(: 468).
“De uma maneira geral, o ambiente das
telessalas é considerado agradável e familiar,
o que colabora para uma atmosfera
satisfatória ao trabalho. Até mesmo as mães,
que tinham dificuldade em participar das
aulas por causa dos filhos, têm agora uma
maior flexibilidade e tranqüilidade para os
estudos” (: 474).
“Os alunos, ao participarem do projeto, adquiriram
maior segurança de si mesmos e uma maior
percepção sobre as questões sociais em que estão
inseridos, aumentando, assim, a sua participação na
comunidade e a sua liderança. Muitos ao entrarem
apenas tinham a intenção de terminar o primeiro grau
e, ao freqüentarem o projeto, passaram a sonhar em
terminar o segundo grau e entrar para a
universidade” (: 475).
404
Anexo 5.2 - Autores-Fonte e trechos destacados do livro: Violência nas escolas
AUTOR PUBLICAÇÕES
TRECHOS
Jurgen
Zinnecker
(1998) " Perpetrators of school violence: a
longitudinal study of bulling in german schools. In:
Watts, Meredith W. Cross
" [...] Tal linha de pesquisa não se restringe a características individuais dos alunos, mas
estaria mais interessada, por exemplo, no caso do bullying, no comportamento agressivo
legitimado, ou nas ações de grupos contra indivíduos isolados (Olweus, 1993; Schuster,
1996, apud Zinnecker) (p. 81).
Nancy Day (1996) Violence in Schools - learning in fear.
Berkeley Heights, NJ: Enslow Publishers.
"(...) é necessário tentar desvendar as mensagens escondidas nos atos de violência contra
o patrimônio das escolas, que podem ter vários significados: a necessidade de chamar
atenção, exibir-se para os colegas, expressar revoltas ou, segundo Day (1996), querer
deixar a sua marca no mundo, uma vez que os que o fazem estão botando para fora a
rebeldia deles contra o governo ou contra os pais, contra a sociedade, contra a escola.
Fazem a pichação deles ali para botar para fora a sua vontade, o seu desejo." (p. 281 e
284).
Lia Fukui (1992) "Segurança nas escolas". In: ZALUAR,
Alba (org.). Violência e educação. São Paulo,
Cortez.
405
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
"[...] Já quando se propõem análises com perspectivas macrossociais, defende-se o debate
sobre o que se passa nas escolas, situando-as em contextos sociais, em dinâmicas
sóciopolítico-culturais de um tempo e uma sociedade. Ou seja, faz-se referência a
associações macrorreferidas, ou temas conexos à violência, como o individualismo, o
consumismo, a cultura da violência (enfatizada, por exemplo, no estudo sobre violência e
juventude no Brasil por Oliveira, 1995) e o autoritarismo. "A juventude, mais que outros
grupos ou gerações, seria afetada pela modernização, mudanças de valores, cultura da
violência, a existência de gangues, drogas e armas" (Watts, 1998: 07)" (p. 83)
Maria
Cecília de
Souza
Minayo et al.
(1999) Fala Galera: juventude, violência e
cidadania na cidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Garamond.
"[...] Muitos alunos informaram manter relações agradáveis e satisfatórias com os
professores [ nota 74: Em Minayo et al., (1999:112) "a relação com os professores foi vista
positivamente pelos jovens dos diferentes estratos, na pesquisa domiciliar. Cerca de 74%
dos jovens qualificam a relação como boa, 24% como regular e apenas 2% como ruim. Nos
grupos focais, os jovens evidenciaram o conv
406
social. Por intermédio da ação educativa, o meio social exerce influência sobre os indivíduos
e esses, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se capazes de exercer uma
relação ativa e transformadora em relação àquele ( Enguita, 1989). Tais influências se
manifestam por meio de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir,
técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos,
assimilados e recriados pelas novas gerações." (p. 139)
Pierre
Bourdieu
(2001) O poder simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
"A escola se destaca especialmente como um locus de violência simbólica, pelo poder do
exercício da comunicação racional, seguindo a linha seguida por Bourdieu, que se refere ao
poder exercido por uma ordem dominante " como aquelas que agem por meio de sanções
da instituição escolar (...)" (2001: 101)." (p. 340).
Lia Fukui (1992) "Segurança nas escolas". In: ZALUAR,
Alba (org.). Violência e educação. São Paulo,
Cortez.
"A necessidade de estabelecer limites conceituais entre violência e agressividade também é
enfatizada por autores brasileiros, ainda que ambas devam ser de preocupação de uma
cultura de não - violência e de respeito aos direitos humanos. Fukui (1992), analisando
escolas em São Paulo, sugere, para distinguir violência de agressividade, recorrer-se a
chamada de Jurandir Freire (1984, apud Fukui, 1992: 103), para quem violência seria "o
emprego desejado de agressividade com fins destrutivos." Assim sendo, "agressões físicas,
brigas, conflitos podem ser expressões da agressividade humana, mas não
necessariamente manifestações de violência. Na violência, a ação é traduzida como violenta
pela vítima, pelo agente ou pelo observador. A violência ocorre quando há desejo de
destruição." Contudo, Fukui também identifica como formas de violência "os furtos e
roubos, que atingem o patrimônio da escola, e as agressões que atingem diretamente a
pessoa" (Fukui, 1992: 106) (p. 75).
Hannah
Arendt
(1994) Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume
Dumará.
"A violência aparece nessa pesquisa como todo dano - físico ou simbólico - que se impõe a
indivíduos ou grupos. Associa - se a macrotendências como pobreza, desigualdades sociais
e falhas de comunicação. Refere-se ainda a perda de legitimidade - como uso da razão,
consentimento e diálogo, portanto, antítese da violência (Arendt, 1994) - e a formas de
relações com poderes, como o exercido pelas armas, pelo medo, pela intimidação e pelo
não respeito ao outro." (p. 335)
Eloisa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Éric
Debarbieux
(1999) La violence em milleeu scolaire. Le
desordre des choses. Paris. ESF Éditeur.
"A violência nas escolas associar-se-ia, segundo Debarbieux (1999), a três dimensões
socioorganizacionais distintas. Em primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar, isto é,
à grande dificuldade de gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes. Em
segundo, a uma violência que se origina de fora para dentro das escolas, que as torna
sitiadas (Guimarães, 1998) e manifesta-se por intermédio da penetração das gangues, do
tráfico de drogas e da visibilidade crescente da exclusão social na comunidade escolar. Em
terceiro, relaciona-se a um componente interno das escolas, específico de cada
estabelecimento. Há escolas que historicamente têm se mostrado violentas e outras que
passam por situações de violência. É possível observar a presença de escolas seguras em
bairros ou áreas reconhecidamente violentas, e vice-versa, sugerindo que não há
determinismos nem fatalidades, mesmo em períodos e áreas caracterizados por exclusões,
o que garante que ações ou reações organizadas sejam possíveis." (p. 231).
Lia Fukui (1992) "Segurança nas escolas". In: ZALUAR,
"Ainda que este autor considere a violência escolar uma transgressão da ordem e das
407
Alba (org.). Violência e educação. São Paulo,
Cortez.
regras da vida em sociedade, adverte que não se deve confundi-la com agrassividade e
reconhece que é difícil estabelecer os limites entre a violência na escola e a transgressão
das regras de civilidade. [ nota]: Preocupação também comum em vários autores brasileiros
sobre a temática, a exemplo de Fukui (1992).
Miriam
Abramovay.
(coord.)
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
"Ainda que os termos gangues/galeras [nota 41: No Brasil as palavras
gangues/ galeras têm sido utilizadas genericamente para designar um grupo de jovens, um
conjunto de amigos e também uma organização mais ligada a atos delituosos. Assim,
quando os jovens, nos grupos focais, tratam do tema esbarram na mesma imprecisão, ou
seja, as gangues podem ser tanto grupos que se juntam para fazer algazarra (...) um grupo
de amigos, quanto um grupo organizado para cometer crimes. Galera, segundo os próprios
jovens definem em Abramovay et al., (1999:100), é "um grupo de amigos que se reúne para
se divertir, para 'curtir' , estando sempre prontos para proteger e defender uns aos outros]
sejam muitas vezes utilizados indistintamente , alguns dos entrevistados, principalmente
membros do corpo técnico-pedagógico, fazem questão de marcar a diferença, afirmando
que a galera é o que se encontra nas escolas: Eu não diria gangues, eu diria as galeras.
Galera é considerada uma turma de amigos "do bem": Tem aqueles alunos que se dão bem,
mas não são para o mal, que andam em grupos, em galeras. Eu estou admitindo que
gangue é para criar confusão." (p. 112).
Daniel J.
Flanery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric-
columbia.edu/monographs/uds 109.
"Além do conceito de delinqüência juvenil, estudos sobre violência nos Estados Unidos,
costumam recorrer a termos como agressão, conflitos, condutas desordeiras,
comportamentos criminosos, comportamento anti-social. Diante disso, Flanery (1997)
ressalta a importância de cuidar da terminologia e diferenciar tipos de violência e, em
particular, distinguir o que se entende por violência e "comportamento anti-social" (p. 72)
Daniel J.
Flanery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
Wanderley
Codo e Iône
Vasques-
Menezes
(2001) As relações entre a escola, a vida e a
qualidade de ensino. Brasília, MIMEO, CNTE.
"Alerta Flanery (1997) que vinha sendo observada uma mudança quanto à prevalência do
tipo de violência escolar. Progressivamente, os atos de vandalismo ou de delito contra a
propriedade estariam sendo substituídos pela violência contra a pessoa. Note-se que igual
tendência também vinha sendo observada no Brasil (Codo e Vasques - Menezes, 2001).
Também nas brigas vir-se-ia passando das palavras e punhos para as armas,
especialmente de fogo, o que provocaria o aumento dos casos de desfecho letal." (p. 72-73)
Luzia Mitiko
Yshiguro
Camacho
(2001) "As sutilezas das faces da violência nas
práticas escolares de adolescentes." In: Revista
da Faculdade de Educação da USP - Educação e
Pesquisa. São Paulo, v.27, n.1, pp 123-140,
jan./jun.
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A.
"Alguns estudos ressaltam cuidado especial com o projeto pedagógico das escolas, e o
modo como os atores - alunos, professores, pais e funcionários - situam-se em face do
fenômeno da violência nas escolas (entre outros Lucinda, Nascimento e Candau, 1999).
Segundo Camacho, em estudo de caso realizado em Vitória/ES, a escola brasileira estaria
passando por uma "crise de socialização", devendo, então revisar os valores e os conceitos
formadores da educação, principalmente o referente à disciplina. Essa autora concluiu que
as ações ficam muito mais centralizadas no processo pedagógico do que na "proposta
educativa". (p. 91)
James
Wilson e
(1982) "The policy and neighbohood safety". In:
The Atlantic Magazine. March
"As implicações da violência e suas diferentes manifestações no ambiente escolar têm
preocupado de forma especial toda a sociedade. Assim, para entender tal fenômeno torna-
408
George
Kelling
se indispensável conhecer o ambiente escolar, inclusive a partir de sua estrutura física. [nota
44: Uma das hipóteses mais discutidas na literatura sobre violência, especialmente aquelas
contra as instalações públicas é conhecida como "broken windows". A teoria, muito
conhecida nos Estados Unidos, propõe que quando as populações vivem em condições
precárias coexistindo com equipamentos sociais degradados, a sua tendência é negar o
pertencimento àquele ambiente e expressar sua insatisfação e revolta mediante atos
variados de violência, em especial contra o patrimônio público. (WILSON, James, KELLING,
março/ 1982)." (p. 121)
John M.
Hagedorn
(1998) "As american as apple pie. Paterns in
american gang violence". In: Watts, Meredith W.
Cross - cultural perspectives on youth and
violence. Londres. Jai Press, Stamford.
"As pesquisas sobre violência nas escolas nos Eua seriam influenciadas pelo foco da mídia
sobre grupos singulares, como as gangues, grupos de jovens com práticas ritualísticas e
linguagens próprias, associados com violência, especialmente de natureza xenófoba. Isso é
criticado por Hagedorn (1998), que defende que tal associação não ocorre necessariamente,
em todos os casos. De fato nos últimos 15 anos, tem-se observado nas escolas americanas
o aumento de atos violentos praticados por elementos isolados ou em duplas." (p. 73).
Eloísa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
"As primeiras conclusões apontavam, como ocorrências mais freqüentes, as ações contra o
patrimônio escolar, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, entre outras.
Com base nessas conclusões, acreditava-se que essas ações resultavam de uma reação à
autoridade imposta pelo sistema escolar. Em contraponto, Guimarães Tcaa8374m
409
Bernard
Charlot;
Jean -
Claude Émin
(1997) Violences à l´école - état de savoir. Paris:
Mason & Armand Collin éditeurs.
"Bernard Charlot refere-se à dificuldade de definir violência escolar, não somente por que
esta remete aos "fenômenos heterogêneos, difíceis de delimitar e ordenar", mas também
porque desestrutura "as representações sociais que têm valor fundador: aquela infância
(inocência), a da escola (refúgio da paz) e da própria sociedade (pacificada no regime
democrático). (Charlot, 1997: 01)" (p. 69)
Éric
Debrabiuex
e Catherine
Blaya (dir)
(2001) La violence em millieu scolaire 3 dix
approche en Europe. Paris: ESP éditeur.
"Blomart (apud Debarbieux e Blaya, 2001) menciona países da União Européia no seu
informe sobre Iniciativa, Violência na Escola (1999) por meio da comissão européia e relata
os projetos em curso e as políticas dos estados-membros na luta contra a violência. A maior
parte dos programas de prevenção realizados na Europa tem relação com instrução cívica,
educação para a cidadania e educação para a saúde [...]." (p. 326)
Nancy Day (1996) Violence at Schools - learning in fear.
Berkeley Heights, NJ: Enslow Publishers.
"Building é definido por Nancy Day (1996) como abuso físico ou psicológico contra alguém
que não é capaz de se defender. Ela comenta que quatro fatores contribuem para o
desenvolvimento de um comportamento de building: 1- uma atitude negativa pelos pais ou
por quem cuida da criança e do adolescente;2) uma atitude tolerante ou permissiva quanto
ao comportamento agressivo da criança ou adolescente; 3) um estilo de paternidade que
utiliza o poder e a violência para controlar a criança ou o adolescente; e 4) uma tendência
natural da criança ou adolescente a ser arrogante [...]" (p. 71)
Glaucio
Soares e
Maria das
Graças Rua
(1996) Vítimas secundárias da violência no Distrito
Federal. Brasília: Mimeo, UnB.
"Caberia, aqui, remeter ao conceito de vítimas indiretas ou secundárias da violência,
proposto por Soares e Rua (1996), que sustentam que a violência não se sustenta no ato
em si, nem nas conseqüências diretas que tem para suas vítimas imediatas. Em lugar disso,
as repercussões se espraiam por diversas esferas da vida daqueles que foram por ela
tangenciados, os quais representam um contingente possivelmente enorme, mas ainda não
mensurado, de vítimas secundárias ou indiretas." (p. 303)
Pierre
Bourdieu
(1979) La Distinction. Paris: Editions Minuit. "Como sublinha Bourdieu (1979), os objetos não são objetivos: eles dependem das
características sociais e pessoais dos informantes. Em outras palavras, na abordagem
qualitativa os fundamentos do discurso científico não levam em conta aspectos
independentes do sujeito, centrando-se nas suas percepções, na procura do sentido, nas
intenções, nas motivações e nos valores dos atores sociais. Estes interagem em função dos
significados (individuais, sociais, culturais, etc.) atribuídos tanto a própria ação quanto à
relação com os outros. Busca-se assim, recompor o ator fragmentado, num primeiro
momento, em dimensões objetivas, que são também importantes para a caracterização de
uma determinada morfologia sociocultural." (p. 35)
Éric
Debarbieux
e Catherine
Blaya
(2001) La violence em millieu scolaire 3 dix
approche en Europe. Paris: ESP éditeur.
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
"Como visto, violência nas escolas é tema que comporta múltiplos enfoques e modelos de
pesquisa. Na literatura internacional é possível identificar algumas lacunas que já vêm
sendo apontadas por autores que se voltaram a resenhar o campo, como Debarbieux (2001)
e Watts (1998), entre outros." (p. 92)
Ana Luíza
Sallas et al.
(1999) Os jovens de Curitiba: Esperanças e
Desencantos, Juventude, Violência e Cidadania" -
Brasília, UNESCO,
"Considerando a literatura sobre violência nas escolas, o acervo de ensaios e pesquisas
promovidas pela UNESCO [NOTA 96: Ente outros, WAISELFISZ, Julio Jacobo "Mapa da
violência: os jovens do Brasil" - Rio de Janeiro, Garamond, 1998; SALLAS, Ana Luíza et al. "
410
Candido
Alberto
Gomes
(2001) "Dos valores proclamados aos valores
vividos: traduzindo em atos princípios das Nações
Unidas e da UNESCO para projetos escolares e
políticas educacionais", Brasília e Secretaria do
Estado do Rio de Janeiro.
Javier Pérez
Cuéllar
(org.)
(1997) "Nossa divindade criadora: Relatório da
Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento",
campinas, Papirus, Brasília: Unesco,
Jorge
Werthein
(2000) "Juventude, Violência e Cidadania",
Brasília, UNESCO.
Jorge
Werthein e
Célio Cunha
(2000) "Fundamentos da Nova Educação". In:
Cadernos UNESCO Brasil, volume 5, Brasília.
Julio Jacobo
Waiselfisz
(1998) "Mapa da violência: os jovens do Brasil" -
Rio de Janeiro, Garamond
Os jovens de Curitiba: Esperanças e Desencantos, Juventude, Violência e Cidadania" -
Brasília, UNESCO, 1999; GOMES, Candido Alberto " Dos valores proclamados aos valores
vividos: traduzindo em atos princípios das Nações Unidas e da UNESCO para projetos
escolares e políticas educacionais", Brasília e Secretaria do Estado do Rio de Janeiro, 2001;
WERTHEIN, Jorge, "Juventude, Violência e Cidadania", Brasília, UNESCO, 2000;
WERTHEIN, Jorge e CUNHA, Célio "Fundamentos da Nova Educação". Cadernos UNESCO
Brasil, volume 5, Brasília, 2000; CUÉLLAR, Javier Pérez (org.) "Nossa divindade criadora :
Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento", campinas, Papirus, Brasília:
Unesco, 1997.] e o conteúdo desta pesquisa, é possível sistematizar um conjunto de
recomendações a serem acionadas pelo Poder Publico nas instâncias federal, estadual e
municipal." (p. 323)
Angelina
Peralva
(2000) Violência e Democracia - o paradoxo
brasileiro. São Paulo. Paz e Terra.
"Considerando as pesquisas que desenvolveu na França, Peralva (2000) trata a violência
enquanto fenômeno urbano, interno à escola e que se sustenta na incivilidade, em
contraponto ao termo "civilidade", adotado por Norbert Elias [ nota: O foco deixa de ser a
violência e a referência é o processo civilizatório - Conjunto da obra de Norbert Elias o
número especial dos Cahiers Internacionaux de Sociologie: Norbert Elias, une lecture
plurielle. Vol. 99, 1995. Processo civilizatório seria a codificação dos comportamentos, sua
normatização. É o compartilhamento das regras comuns a respeito de como se comportar
na sociedade]. Segundo a autora, mais que a ordem dos delitos, a violência escolar na
França passou, em meados da década de 90, a pertencer a ordem das "transgressões
puramente comportamentais ". (p. 74)
P.J. Hanke (1996) Putting school crime into perspective: self-
reported school victimizations of high school
seniors. Journal of Criminal Justice.
"De fato, como também adverte Hanke (1996), ao analisar escolas nos EUA, não basta
focalizar atos considerados criminosos e extremos, pois, isso não colaboraria para melhor
entender a natureza, a extensão e as associações entre violências e vitimização." (p. 70)
Éric
Debarbieux
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123 - avril,
mai - juin.
"Debarbieux nomeia a vulnerabilidade da escola frente ao aumento das condutas
delinqüentes e incivilidades, vis-à-vis o aumento do desemprego e da precariedade da vida
das famílias nos bairros pobres. Menciona, também, o impacto da massificação escolar
quando se recebe, na escola, "jovens sob uma dupla representação: vítimas da crise e
participantes da violência", ou seja, jovens negativamente afetados por experiências de
exclusão e pertencimento a gangues, o que implica conseqüências para todos os membros
da comunidade escolar: alunos, pais e professores (Debarbieux, 1998: 39)."(p. 78)
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
"Destaca-se na literatura internacional um número crescente de estudos de caso e
pesquisas localizadas, faltando como observa Watts (1998), desenhar análises
comparativas transnacionais e entre regiões de um mesmo país e cuidar de ouvir diferentes
atores envolvidos com a escola." (p. 92)
Antonio
Sergio
(1999) Racismo e anti-racismo no Brasil. São
Paulo, Ed. 34.
"É comum, na literatura brasileira sobre racismo, falar sobre a sua banalização, por
intermédio de um certo "racismo cordial", quando posturas racistas são disfarçadas por uma
411
Alfredo
Guimarães
Antonio
Sérgio
Alfredo
Guimarães e
Lynn
Huntley
(2000) Tirando máscara. Ensino sobre racismo no
Brasil. São Paulo: Paz e Terra.
Carlos
Hasenbalg e
Nelson Vale
(1992) Relações raciais no Brasil. Rio de Janeiro:
Rio Fundo.
Cláudio
Moura
(1988) Sociologia do negro brasileiro. São Paulo:
Brasiliense.
pseudocordialidade, mesclando-se referências preconceituosas com um tratamento
supostamente afetivo (entre outros Guimarães e Huntley, 2000; Guimarães, 1999;
Hasenbalg, 1992; Moura, 1988). Como fruto da negação das práticas racistas diretas, o
preconceito expressa-se mediante brincadeiras e piadas [...]." (p. 223)
José Vicente
Tavares dos
Santos
(1999) A palavra e o gesto emparedados: a
violência na escola. PMPA, SMED.
Lia Fukui (1992) "Segurança nas escolas". In: ZALUAR,
Alba (org.). Violência e educação. São Paulo,
Cortez.
"Em comum com a literatura internacional, particularmente a francesa, está a percepção de
que o professor é uma figura-chave, tanto para ações preventivas como para controle de
situações de violência nas escolas.[nota (36) : Alguns autores chegam a ser bastante
enfáticos no sentido de destacar a importância preventiva, contra a violência, do
investimento na remuneração e formação dos professores, e nas condições para que
possam ter relações mais simétricas e de amizade - ganhando a confiança dos alunos,
"valorizando-os" (Santos, 1999)]. A partir de estudo sobre a segurança em três escolas de
São Paulo em 1990 [ nota (37): Em 1990, Fukui foi solicitada a fazer um estudo de caso
sobre a segurança nas escolas públicas estaduais da Grande São Paulo, pela Fundação
para o desenvolvimento da Educação (FDE). Segundo Fukui (1992:108): "cerca de 20 a 23
% de todas as escolas da rede em todas as regiões da grande São Paulo são afetadas por
problemas de segurança. Isso mostra, de um lado, a generalidade do problema, e, de outro,
que (...) as escolas constituem o segundo local de ocorrência das agressões, depois das
vias públicas." A autora ressalta, algumas características comuns às três escolas escolhidas
como unidades de estudo para pesquisa, dentre elas o estado precário das instituições
escolares, a superlotação e uma situação de instabilidade dos professores]." (p. 90)
Charles J.
Skykes
(1995) Dumbing down our kids: why american
children feel good about themselves but can ´t
read, write or add. New York: St. Martin Press.
"Em sua essência a teoria do Broken Windows sustenta que desordens na vizinhança - em
aspectos físicos (grafite, lixo, depredação) e pequenas delinqüências (bebidas e
vagabundagem) sinalizam para os marginais que ninguém está observando. Skykes (1995)
propõe a aplicação da teoria broken windows nas escolas, indicando os problemas que
afetam a comunidade escolar e fazendo uma analogia com as janelas com as janelas
quebradas da teoria original." (p. 80)
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A. "Entretanto, como observam Lucinda, Nascimento e Candau (1999), os professores não
necessariamente estariam atentos para o papel da "cultura escolar", como fonte de violência
e como um tipo de violência - a simbólica, por exemplo. As autoras fazem tal inferência a
partir da pesquisa em que foram ouvidos alunos e professores do ensino fundamental em
escolas públicas do grande Rio: (...) inúmeras pesquisas no âmbito da educação têm
mostrado que, muitas vezes, existe uma grande distancia entre a cultura escolar e a cultura
412
social de referência dos alunos e alunas, podendo este fato ser também fonte de violência,
por exemplo, a violência simbólica, ou daquela presente nas práticas especificamente
escolares, como nos modos de conceber as avaliações da disciplina. Lucinda, Nacimento e
Candau, 1999: 90)" (p. 92)
Julio Jacobo
Waiselfisz
(1998) "A violência escolar e a crise da autoridade
docente". In: Cadernos Cedes, ano XIX, N. 47, PP
07-19.
"Esse jogo de culpabilização entre pais e professores já foi constatado em outras pesquisas
(Waiselfisz, 1998), nas quais o discurso gira em torno da "privação cultural" dos alunos
responsabilizando a família pela falta de atenção e convívio com os jovens, o que
comprometia o diálogo escola - família (...)(p. 171).
Jean -
Claude
Chesnais.
(1981) Histoire de la violence. Paris. Éditions
Robert Laffont.
"Este autor sustenta que somente a primeira concepção tem por base uma definição
etimologicamente correta, encontra amparo nos códigos penais e nas perspectivas
profissionais - médicas e policiais, por exemplo, quanto ao fenômeno. Assim, a violência
física é que significaria efetivamente a agressão contra as pessoas, já que ameaça o que
elas têm de mais precioso: a vida, a saúde, a liberdade (Chesnais, 1981: 14)." (p. 69)
R. Putnam (2000) Bowling Alone: the colapse and rivival of
american community. Nova York: Simon &
Schuster.
"Este fato por outro lado, parece sinalizar par
413
que a relação professor/ aluno está vinculada à disponibilidade para o diálogo: o que eu
acho interessante é que todo o primeiro dia de aula, os professores se apresentam para o
aluno e dizem: "Qualquer coisa que vocês precisarem, falem com a gente. (p. 177)
Anália Soria
Batista e
Patrícia
Dario El-
Moor.
(1999) "Violência e agressão". In: Codo,
Wanderley (coord.) Educação: carinho e trabalho,
CNTE, Brasília: UnB Psicologia e Trabalho e
Petrópolis, Vozes
"Focalizando os processos sociais e do ambiente que afetam a violência, inclusive nas
escolas, desenvolveu-se a teoria broken windows, segundo a qual as comunidades que
apresentam pequenos sinais de abandono ou decadência estão mais vulneráveis à
violência. O argumento central é o de que as desordens na vizinhança - em aspectos físicos
(grafite, lixo, depredação) e pequenas delinqüências (bebidas e vagabundagem) - indicam
aos marginas que não há uma autoridade vigilante e sinalizam aos indivíduos em geral o
descaso para com as suas condições de vida. Na literatura nacional há advertências contra
associações deterministas entre pobreza e violência no bairro e na escola, pois, em tais
ambientes haveria escolas com diferentes níveis de violência. (Sposito, 1998; Batista e El -
Moor, 1999). Segundo Sposito, " a diversidade também sinaliza o fato de que ambientes
sociais violentos nem sempre produzem praticas escolares caracterizadas pela violência'"
(1998: 64)." (p. 336)
Marilia
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun.
"Focalizando os processos sociais e do ambiente que afetam a violência, inclusive nas
escolas, desenvolveu-se a teoria broken windows, segundo a qual as comunidades que
apresentam pequenos sinais de abandono ou decadência estão mais vulneráveis à
violência. O argumento central é o de que as desordens na vizinhança - em aspectos físicos
(grafite, lixo, depredação) e pequenas delinqüências (bebidas e vagabundagem) - indicam
aos marginas que não há uma autoridade vigilante e sinalizam aos indivíduos em geral o
descaso para com as suas condições de vida. Na literatura nacional há advertências contra
associações deterministas entre pobreza e violência no bairro e na escola, pois, em tais
ambientes haveria escolas com diferentes níveis de violência. (Sposito, 1998; Batista e El -
Moor, 1999). Segundo Sposito, " a diversidade também sinaliza o fato de que ambientes
sociais violentos nem sempre produzem praticas escolares caracterizadas pela violência'"
(1998: 64)." (p. 336)
Áurea M.
Guimarães
(1996) A dinâmica da violência escolar: conflito e
ambigüidade. Campinas: EAA.
"Guimarães (1996:149) relacionou a identidade estabelecida entre os colegas como um
"apelo afetivo" que liga as pessoas a um território - a escola - no qual são partilhados
interesses comuns e onde a história individual acaba formando "um nós" que valoriza o que
era comum a todos". (p. 159)
Luis Alberto
Oliveira
Gonçalves e
Marília
Pontes
Sposito
(2001) "Um exame de iniciativas públicas de
redução da violência escolar no Brasil". Texto
apresentado na International Conference on
Violence in School and Public Polices. Paris:
Mimeo.
Miriam
Abramovay
(coord.)
(2001) Escolas de Paz. Brasília; UNESCO e
Governo do Estado do Rio de Janeiro / Secretaria
de Estado de Educação, Universidade do Rio de
Janeiro.
"Implantar programas de abertura das escolas no final de semana com proposta de
envolvimento da comunidade, da família e dos alunos em atividades culturais, artísticas,
esportivas e de lazer, com a tônica em educação para a cidadania e na construção de uma
cultura de paz [ nota 99: Tal proposta não se confunde com programas pontuais de simples
abertura das escolas nos finais de semana que contam com experiências várias no Brasil
(ver Gonçalves e Sposito, 2001), combinando pesquisas e sistema de avaliação continuada;
cuidado com o conteúdo ético e qualidade artístico - cultural das atividades e montagem de
complexa engenharia de gestão democrática ampliada, levantamento de talentos na
comunidade e acompanhamento do programa quanto a intervenção em formas de interação
social (Ver também sobre tal proposta, a criação de Escolas de Paz no Rio de Janeiro, em
414
Abramovay et al., 2001). " (p. 329)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
"Implantar, nas instâncias nacional, estadual e municipal, um sistema de avaliação [ nota
100: Segundo Flannery (1997), para melhor intervenção torna-se necessário discutir com a
comunidade escolar questões básicas como: os resultados esperados do programa, o seu
funcionamento. Essa avaliação deve identificar as necessidades quanto à prevenção da
violência , avaliar os processos, avaliar os resultados e comparar os diferentes programas -
piloto existentes. Uma das principais críticas quanto aos programas contra a violência, é a
falta de acompanhamento e avaliação dos mesmos, o que impede que sejam conhecidos e
aproveitados por outros setores e outros países.] permanente e periódica da situação de
violência nas escolas (por técnicas quantitativas e qualitativas, por indicadores flexíveis às
especificidades escolas), em que não somente se registre esse fenômeno, mas, também,
casos bem sucedidos quanto a prevenção e contenção. Recorrer a distintas técnicas de
avaliação, dentre as quais: relatórios pessoais de alunos, professores, diretores, pais e
membros da comunidade em que se situa a escola; coleta de dados sobre as atividades
cotidianas no ambiente escolar; e coleta de dados em parceria com instituições policiais." (p.
333)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
Éric
Debarbieux
e Catherine
Blaya
(2001) La violence em millieu scolaire 3 dix
approche en Europe. Paris: ESP éditeur.
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
"Independentemente da tipologia da violência, o exame dos dados mostra que a violência é
uma construção social, com inúmeras e variadas percepções. Dando-se em relações
sociais, envolve alteridades e sentimentos diferenciados para os atores envolvidos e para as
sociedades de referência. Alude-se a processos complexos e requer visão multidimensional
(Watts, 1998; Debarbieux e Blaya, 2001; Flannery, 1997)." (p. 294)
Daniel J.
Flanery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
"Indica-se também como princípio que se deve ter por base, a existência de vontade política
que sustente a prevenção e a erradicação da violência enquanto política pública. A
responsabilidade, neste sentido, cabe a toda a sociedade e não se trata de propriedade de
uma administração, uma vez que muitas medidas, em particular as que lidam com o
simbólico, a cultura do imaginário, requerem certo prazo de maturação [nota 97: Segundo
(Flannery, 1997: VII.1) " Comportamentos agressivos são estáveis, crônicos, sendo difíceis
de ser alterados por intervenções de curto termo e limitados se centrados em círculos".] O
combate a violência nas escolas deve aparecer como parte da agenda pública de
sedimentação da democracia e não como problemas de jovens ou da escola, o que pede
investimento crítico continuado por muitas agências.' (p. 323-324).
Miriam
Abramovay
et al.
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
"Insiste-se, aqui, na construção conceitual que se vem apresentando em trabalhos
promovidos pela UNESCO, em que se entende a exclusão social como a falta ou a
insuficiência de incorporação de parte da população à comunidade política e social
(Abramovay et al., 1999). Ou seja, ao situar sujeitos à margem do contrato social negam-se
formal ou informalmente, os seus direitos de cidadania, como a igualdade perante a lei e as
415
instituições públicas, a proteção do Estado e o seu acesso às oportunidades diversas, quais
sejam, de estudo, profissionalização, trabalho, cultura, lazer, entre outros bens e serviços do
acervo de uma civilização." (p. 191)
Rosario Pr.
Ortega
(2001) "Projet Sevilla contre la violence scolaire:
une módele d´intervention éducative à caractère
écologique". In:Éric Debarbieux e Catherine
Blaya.La violence em millieu scolaire 3 dix
approches em Europe. Paris: ESP Éditeur.
"Já Ortega (2001), a partir de trabalhos na Espanha, observa que a violência é um tema que
desperta certa "ambivalência moral", principalmente quando se refere à crianças e jovens, e
que a expressão " violência escolar" provocaria uma rejeição, sendo que nos anos 90, na
Europa, tal negação é mais forte. No entanto, vir - se - ia pelo menos enfrentando e
procedendo pesquisas." (p. 71)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire
"Mas há consenso de que não só a violência física mereceria atenção, já que outros tipos
podem ser traumáticos e graves, sendo recomendado escutar as vítimas e a comunidade
acadêmica, para construir noções sobre violência mais afins com as realidades
experimentadas e as realidades experimentadas e os sentidos percebidos pelos envolvidos
(Budd, 1999, apud Hayden e Blaya, 2001). (p.73).
Marília
Pontes
Sposito
(2001) "Um breve balanço da pesquisa sobre
violência escolar no Brasil". In: Revista da
Faculdade de Educação da USP - Educação e
Pesquisa. São Paulo, USP, V.27, N. 1, P 87-103,
Jan./Jun.
"Mas, como adverte Sposito (1998) sobre o Brasil, estar atento às condições históricas e
sociais que colaborariam para o aparecimento de condutas violentas na escola - "molduras"
- não deve levar a "estabelecer linearidade entre o quadro social que favorece o seu
aparecimento e as práticas de violência na instituição escolar" (Sposito, 1998: 61). Portanto,
um desafio seria bem acompanhar o que se passa em cada escola, para avaliar como essas
rebatem e compõem estratégias de resistência , buscando escapar de quaisquer
determinismos." (p. 83)
Eloísa
Guimarães
(1984) A escola e a violência: relações entre
vigilância, punição e depredação escolar.
Dissertação de Mestrado, PUC Campinas.
Júlio Groppa
Aquino
(1998) "A violência escolar e a crise da autoridade
docente". In: Cadernos Cedes, ano XIX, N. 47, PP
07-19.
Júlio Groppa
Aquino
(1996) Confrontos na sala de aula: uma leitura
institucional da relação professor-aluno. São
Paulo: Summus.
M. G. de S.
Guedes
(1999) "Violência, escola e diálogo". Dissertação
de Mestrado, Departamento de Educação PUC -
Rio.
Vicente
Barreto
(1992) "Educação e violência: reflexões
preliminares". In: ZALUAR, Alba (org.) Violência e
educação, São Paulo, Cortez.
"Na década de 80 e início dos anos 90, não obstante a adoção de medidas pontuais, o
problema da violência na escola persistiu, quer sob a forma de depredação dos prédios e
das constantes invasões (Guimarães, 1998; Pinto, 1992), quer sob a forma de ameaças a
alunos e professores (Aquino, 1996 e 1998). Entretanto, o clima de insegurança agravou-se
com a ação do crime organizado e do crime em algumas cidades brasileiras (Guimarães,
1998). Aumentaram a criminalidade e o sentimento de insegurança, sobretudo nos bairros
periféricos, e a vida escolar passou a sofrer de forma mais nítida os impactos dessa nova
conjuntura (Barreto, 1992; Guedes, 1999)." (p. 84)
Alba Zaluar
(org.)
(1992) Violência e educação. São Paulo: Cortez.
Bernard
Charlot e
Jean -
(1997) Violences à l´école - état de savoir. Paris:
Mason & Armand Collin éditeurs.
"Na literatura internacional e nacional sobre violência nas escolas [ nota 92: Sobre propostas
de programas de combate à violência na escola, em textos de autores estrangeiros, entre
outros ver: Watts, 1998; Ortega, 2001; Moreno, 1998; Flannery, 1997; Dupâquier, 1999;
Debarbieux, 1996 e 1998; e Charlot e Émin, 1997; na literatura nacional entre outros
consultar: Zaluar, 1992; Santos, 1999; Guimarães, 1998; Fukui, 1991; Candau et al., 1999; e
Aquino, 1999; e análise de iniciativas públicas no Brasil ver Gonçalves e Sposito. (2001)] e
416
Claude Emin
(coord.)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
Eloisa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Eric
Debarbieux
(1996) La violence em millieu scolaire: l´états de
lieux. Paris: ESF Editeur.
Éric
Debarbieux
(coord.)
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123 - avril,
mai - juin.
Jacqes
Dupâquer
(1999) "La violence em millieu scolaire". In:
Éducation et formation: enfants et adolescents em
difficulté. Paris; Presses Universitaires de France.
José Vicente
Tavares dos
Santos (org.)
(1999) A palavra e o gesto emparedados: a
violência na escola. PMPA, SMED.
Juan Manuel
Moreno
(1998) "Le côté sombre de l´école: politique et
recherche sur le comportement anti - social dans
les école espagnoles". In: DEBARBIEUX, Eric
(coord.). La violence à l´école: approches
européenes - Revue Française de Pedagogie, n.
123, mai - juin, Inst. Nat.
Julio Groppa
Aquino
(1996) Confrontos na sala de aula: uma leitura
institucional da relação professor-aluno. São
Paulo: Summus.
Lia Fukui (1991) "Estudo de caso de segurança nas escolas
públicas estaduais de São Paulo". In; Cadernos de
pesquisa
Luis Alberto
Oliveira
Gonçalves e
Marília
Pontes
Sposito
(2001) "Um exame de iniciativas públicas de
redução da violência escolar no Brasil". Texto
apresentado na International Conference on
Violence in School and Public Polices. Paris:
Mimeo.
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
no plano do conhecimento dos atores da comunidade escolar - como os entrevistados nesta
pesquisa - há uma preocupação em combinar relatos e análises com uma perspectiva
propositiva, bem como em acionar medidas contra diversas violências que desestabilizam a
escola e deixam marcas na vida dos que dela participam." (p. 299)
417
Rosário Pr.
Ortega
(2001) "Projet Sevilla contre la violence scolaire:
une módele d´intervention éducative à caractère
écologique". In:Éric Debarbieux e Catherine
Blaya.La violence em millieu scolaire 3 dix
approches em Europe. Paris: ESP Éditeur.
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A.
Antonio
Sérgio
Alfredo
Guimarães;
Lynn
Huntley
(2000) Tirando máscara. Ensino sobre racismo no
Brasil. São Paulo: Paz e Terra.
"Na literatura sobre o tema no Brasil, é comum destacar-se o fato de que o racismo é
realizado por formas complexas, não sendo, mesmo, admitido pela maioria da população. E
que, por outro lado, atitudes como ter amigos de outro gruo étnico-racial não
necessariamente excluem práticas ou reproduções de relacionamentos pautados por
racismo (Guimarães et al., 2000) (...)" (p. 219)
Éric
Debarbieux
(1996) La violence em millieu scolaire: l´états de
lieux. Paris: ESF Editeur.
James
Wilson e
George
Kelling
(1982) "The policy and neighbohood safety". In:
The Atlantic Magazine. March
Jurgen
Zinnecker
(1998) " Perpetrators of school violence: a
longitudinal study of bulling in german schools. In:
Watts, Meredith W. Cross
"Na maioria dos estudos, seleciona-se uma unidade de análise, comumente os alunos -
suas percepções - e esses são identificados ou como vítimas ou como agressores. Contra
tal maniqueísmo posiciona-se o trabalho de Zinnecker (1998), ao indicar que o mesmo aluno
pode ter, dependendo da situação, ambos papéis. Entretanto, há de se destacar que "a
maioria das vítimas no meio escolar são alunos, seguidos de longe pelos adultos e
estabelecimentos" (Debarbieux, 1996: 57)" (p. 80)
Mary Garcia
Castro
(2001) Cultivando vida, desarmando violências:
experiências em educação, cultura, lazer, esporte
e cidadania com jovens em situação de pobreza.
Brasília, UNESCO.
Miriam
Abramovay
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond..
"Na realidade, tal dado vem sendo observado em outras pesquisas realizadas pela
UNESCO [NOTA 69: Segundo Abramovay et al.(2002) os alunos se reconhecem como
desinteressados e causadores de problemas de disciplina. Quando se lhes indaga qual o
principal problema da escola, 77,7%, indicam os alunos desinteressados.], fazendo-se
acompanhar de manifestações aparentemente contraditórias. Ao mesmo tempo em que os
jovens exibem uma certa desvinculação, isolamento e até mesmo estranhamento em
relação aos seus colegas constituem formas alternativas de agressão, dentro e fora da
escola [ nota 70: Ver a propósito, Abramovay et al. "Gangues, galeras, chegados e rappers",
op. cit.; Castro et al. "Cultivando Vidas Desarmando violências, op. Cit.] - como galeras,
grupos e rappers, de grafiteiros, de pagode, de teatro, etc. - , que não têm como critério de
pertencimento a organização institucional da classe de alunos, nem dos grêmios estudantis
e nem da escola como tal." (p. 156-158)
Miriam
Abramovay.
(coord.)
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
"Não existe consenso acerca da conveniência da vigilância policial no ambiente da escola.
Para muitos - alunos e professores - a presença da polícia não somente seria inútil, como
prejudicial, porque não é merecedora de confiança. Os jovens mostram-se críticos em
relação a polícia, não como instituição, afirmando que [ nota 40: As publicações citadas
sobre juventude e violência da UNESCO, têm mostrado como os jovens são críticos e
incisivos quanto à atuação da polícia. Ver principalmente Abramovay et al., Gangues,
418
Galeras, chegados e rappers (1999), onde fica claro o conflito latente existente.]" (p. 109)
Ofer
Feldman
(1998) "Materialism and individualism: social
attitudes of youth in Japan". In: Watts, Meredith W.
Cross-cultural perspectives on youth and violence.
Londres, Jai Press.
"Nesse sentido, estudando as escolas do Japão, Feldman (1998) sublinha a associação
entre violências e individualismo, materialismo, problemas de comunicação e atitudes
negativas em relação à escola e aos estudos. Este autor sugere que não bastaria nomear
dinâmicas socioculturais que caracterizariam a contemporaneidade, pois, em cada pais,
essas se entrelaçariam com o perfil econômico-político e cultural da sociedade e o lugar da
educação e da escola." (p. 83)
Jean -
Claude
Chesnais
(1981) Histoire de la violence. Paris. Éditions
Robert Laffont.
"Neste sentido, Chesnais (1981) chama atenção para o fato de que existem várias
concepções de violência, as quais devem ser hierarquizadas segundo o seu custo social.
Para o autor, o referente empírico deste conceito é a violência física - inclusive a violência
sexual - que pode resultar em danos irreparáveis à vida dos indivíduos e,
consequentemente, exige a reparação da sociedade mediante a intervenção do Estado." (p.
68)
Julio Groppa
Aquino
(1998) "A violência escolar e a crise da autoridade
docente". In: Cadernos Cedes, ano XIX, N. 47, PP
07-19.
"No Brasil, Aquino(1999:11) advoga a propriedade de tomar como via de análise as relações
entre professor e aluno, pesquisando o lugar da autoridade como construído
institucionalmente: (...) O sujeito só pode ser pensado à medida que pode ser situado um
complexo de lugares e relações pontuais - sempre institucionalizadas, portanto, (...) Ele é
estudante de determinada escola, aluno de certo(s) professor(es), filho de uma família
específica, integrante de uma classe social, cidadão de um país e assim por diante (Aquino,
1999:11)" (p. 82)
Angelina
Peralva
(1997) "Escola e violência nas periferias urbanas
francesas". In: GUIMARÃES, Eloísa; PAIVA,
Elizabeth (org.). Violência e vida escolar.
Contemporaneidade e Educação. Revista
semestral de Ciências Sociais e Educação. Rio de
Janeiro: Inst. de Est. da Cult. e Edu. Continuada.
Ano II, n 02..
Éric
Debarbieux
(coord.)
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123 - avril,
mai - juin.
"Nos últimos anos, chama a atenção o aumento, ou o registro, de atos delituosos e de
pequenas e grandes "incivilidades" [nota: Peralva (1997) trata a violência como fenômeno
que se sustenta na incivilidade, contrapondo do termo "civilidade" adotado por Norbert
Elias.]. Tornam-se mais visíveis as transgressões, os atos agressivos os incidentes mais ou
menos graves que têm como entorno a escola ou seu entorno, onde todos os atores
(alunos, professores, o corpo tecnico-pedagógico, pais e agentes de segurança) sentem-se
vítimas em potencial. Este angustiante sentimento de vulnerabilidade, segundo Debarbieux
(1998:13), expressa a existência de uma tensão social, que desencadeia insegurança no
cotidiano das pessoas, mesmo não sendo elas vítimas diretas de crimes e delitos - reflexão
corrente no acervo da literatura internacional sobre o tema. " (p. 93)
Miriam
Abramovay.
(coord.)
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
"Nos últimos tempos vêm-se desenvolvendo novas concepções acerca da violência nas
escolas, pelos significados que assume, ampliando-se a sua definição de modo a incluir
eventos que antes passavam por práticas sociais costumeiras. Nesse sentido a violência
deixa de estar relacionada apenas com a criminalidade e à ação policial, passando a ser
alvo de preocupações ligadas à miséria e ao desamparo político, uma vez que acarreta
novas formas de organização social relacionadas com a exclusão social e institucional e
com presença de atores a descoberto do contrato social, ou seja, em situações de "não
integração" com a sociedade (Abramovay et al., 1999: 57). Além disso, a reflexão sobre o
tema passa a focalizar, também, a chamada violência simbólica em suas múltiplas formas
de expressão, especialmente aquelas relacionadas às práticas institucionalizadas na
419
sociedade, incluindo-se aí manifestações diversas de discriminação." (p. 94)
Angelina
Peralva
(1997) "Escola e violência nas periferias urbanas
francesas". In: GUIMARÃES, Eloísa; PAIVA,
Elizabeth (org.). Violência e vida escolar.
Contemporaneidade e Educação. Revista
semestral de Ciências Sociais e Educação. Rio de
Janeiro: Inst. de Est. da Cult. e Edu. Continuada.
Ano II, n 02..
"O aluno, em alguns casos, se comporta de maneira autoritária humilhando/insultando o
professor ou, em casos extremos, utilizando-se do poder ou prestígio dos pais para forçar a
demissão daquele de quem não gosta [nota 77: Na relação entre alunos e professores, há o
transbordamento de estratégias de gestão dos conflitos, as quais assumem três formas:
"uso do tratamento "você"; os xingamentos e os insultos; e as ameaças contra adultos e
agressões físicas" (Peralva, 1997: 17). A autora se refere ao contexto francês, e no Brasil o
pronome de tratamento não se aplica, pois devido à diversidade regional é possível usar o tu
ou você, assim como
senhor(a) sem nenhum problema.] (p. 181)
Jaques
Dupâquier
(1999) "La violence em millieu scolaire". In:
Éducation et formation: enfants et adolescents em
difficulté. Paris; Presses Universitaires de France.
"O conceito de incivilidade mostra-se mais palpável por sua operacionalização, o que
também identifica a sua ambigüidade. Considerando os estudos sobre escolas na França,
Dupâquier (1999 refere-se a incivilidades como o encontrado empiricamente: delitos contra
objetos e propriedades, como estragos em caixa de correspondência, quebra de portas e
vidraças, danificação das instalações elétricas, elevadores, móveis e equipamentos, prédios
e veículos. Ressalta o comum quanto a danificação proposital de cabines telefônicas e até a
provocação de incêndios e pichações. As incivilidades contra pessoas podem tomar a forma
de intimidações físicas (empurrões, escarros) e verbais (injúrias, xingamentos e ameaças)."
(p. 74)
Rosario Pr.
Ortega
(2001) "Projet Sevilla contre la violence scolaire:
une módele d´intervention éducative à caractère
écologique". In:Éric Debarbieux e Catherine
Blaya.La violence em millieu scolaire 3 dix
approches em Europe. Paris: ESP Éditeur.
"O modelo parte do ponto de vista psico-educativo e da escola como lugar de vida em
comum entre os jovens, onde todos os membros da comunidade - famílias, professores e
alunos - devem estar representados. O SAVE concebe a escola como um local onde a
coabitação deve ser tratada de maneira democrática, a atividade de instrução deve ser
cooperativa e a educação deve ultrapassar a instrução, penetrando no domínio da formação
de valores pela educação de sentimentos e moções sociais (ver sobre o projeto SAVE,
Ortega, 2001). " (p. 325-326).
César
Barreira
(coord.)
(1999) Ligado na Galera - juventude, violência e
cidadania na cidade de Fortaleza. Brasília:
UNESCO.
"O propósito de uma vida melhor [nota 80: Sob a perspectiva da independência financeira e
da ascensão social segundo Barreira (1999: 97), a escola aparece como representação
positiva, independentemente da classe social:" Os jovens valorizam essa escola e tendem
mesmo a atribuir-lhe um papel semelhante, e mesmo superior, ao esperado da família,
quando pensam em estratégias de ascensão social"] tanto para si quanto para a família foi
citado por alunos que acreditam que o estudo devolve a inteligência e oportuniza a
segurança pessoal [nota 81: Uma significativa distinção de gênero quanto à percepção do
valor e da função da educação está refletida, no depoimento de algumas alunas, no almejo
de independência financeira em relação à família e, principalmente, aos homens: Para ter
um bom futuro e não depender de ninguém, para ser alguém na vida e para quando casar
não depender de marido. Para o marido não ficar humilhando a gente dentro de casa.] no
futuro: Crescer mais na vida e conseguir com seus méritos mais coisas, mais condições de
vida boa para seus filhos." (p. 197)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
"O recurso às armas em brigas e conflitos, nesses tempos de agravamento da violência na
sociedade, chega em grande medida à escola. Levar uma arma para este ambiente,
420
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
Nancy Day (1996) Violence at Schools - learning in fear.
Berkeley Heights, NJ: Enslow Publishers.
Vic Cox (1997) Gund, Violence, and teens. Berkeley:
Enslow Publishers, Inc.
segundo algumas pesquisas norte-americanas, (Cox, 1997; Flannery, 1997; Day, 1996)
significa para os jovens, mais do que a intenção de perpetrar algum crime, impor respeito,
proteger-se e defender-se." (p. 253)
Jurgen
Zinnecker
(1998) " Perpetrators of school violence: a
longitudinal study of bulling in german schools. In:
Watts, Meredith W. Cross
"O vetor de referência para o debate teórico também varia na literatura sobre violências nas
escolas. Principalmente entre autores europeus, tende-se a privilegiar análises institucionais
(ou variantes, como a sistem level approach , a que se refere Zinnecker) que podem tomar
vários formatos, como análises de relações intragrupos. Nessa linha, há estudos que
investigam o status e a popularidade dos jovens que tem comportamento agressivo, entre os
pares (Crains et al., 1998; Asher e Coie, 1990; Coie et al., 1991, apud Zinnecker, 1998), e as
normas dos grupos." (p. 81)
Antonio
Olinto
(2000) Minidicionário Antonio Olinto da língua
portuguesa. São Paulo, Moderna.
"Ocorre, porém, que as punições podem se tornar tão banalizadas que deixam de ser tidas
como sanções. Nestes casos, os diretores se mostram resistentes em reconhecer os
castigos [nota 64: Punição que se inflige a um culpado; mortificação. (Olinto, 2000: 163).]
aplicados como punições, pois argumentam que não existe castigo, existem os regimentos
que prescrevem as punições. Em outros casos, não conseguem definir se recorreram a
punição: Não sei se a gente pode chamar de punição deixar o aluno sem recreio ou só
entrar na sala acompanhado dos pais ou dos responsáveis." (p. 149)
Claudemir
Belitane
(1998) "O poder de fogo da relação educativa na
mira de novos e novos prometeus." In: Cadernos
Cedes, ano XIX, n.47, p 20
"Os limites desses pactos dependeriam das relações estabelecidas e do sentido de
pertencimento à escola. Isso, por sua vez, dependeria não do controle, mas "de sutilizas
outras, tais como o despertar do desejo, tanto por um certo resgate da dignidade social dos
sujeitos que jogam o jogo pedagógico como pelo próprio objeto ( a escola) que se veicula ao
pacto (Belitane, 1998)." (p. 82)
Daniel J.
Flanery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
Joan L.
Curcio e
Patricia F.
First
(1993) "Violence in Schools. How to proactively
prevent and defuse it". Series: Roadmaps to
success series. Newbury Park: Ed. A. Corwin
Press Publication.
"Os termos usados para indicar a violência variam de acordo com o país. Por exemplo:
enquanto nos Estados Unidos diversas pesquisas sobre violência na escola recorrem ao
termo delinqüência juvenil [ nota 26: delinqüência juvenil corresponde a atos que vão contra
a lei ou potencialmente sujeitos a uma medida penal. Estaria mais associada a agressão
física e vandalismo e estupro Hayden e Blaya, 2001)], sendo tal enfoque pouco usado na
Inglaterra. Para alguns autores na literatura anglo-saxônica , o termo violência na escola só
deveria ser usado no caso de violência entre alunos e professores (Cusio & First, 1993;
Steinberg, 1991apud Flanery, 1997)ou em relação a atividades que causem suspensão,
atos disciplinares e prisão."(p. 72)
Éric
Debarbieux
(coord.)
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123 - avril,
mai - juin.
"Os vários informantes concordam que as regras são indispensáveis para a constituição da
ordem escolar, mas chamam a atenção para o tipo de coerção a que são submetidos para
alcançar tal fim. Segundo Debarbieux (1998), dos problemas que se colocam hoje, entre os
docentes e o corpo escolar em geral, emergem, prioritariamente, as formas de contestação
da própria ordem escolar, que se manifestam como incivilidades ou como uma violência
mais evidenciada ou como comportamento de rejeição." (p. 140)
421
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
"Outra linha com igual vetor - o indivíduo - associa comportamentos agressivos à
socialização na infância, na família e nas relações intergeneracionais. Esta abordagem é
mais encontrada em trabalhos sobre bullying. É quando a idade ganha destaque, mas não
somente quanto a esse tipo específico de comportamento. Agressivo. De fato, há uma
tendência a associar este comportamento com o ciclo etário, como se ocorressem
agressividades próprias a cada ciclo, o que de alguma forma lembra o debate sobre ritos de
passagem e rituais de socialização (Flannery, 1997)" (p. 81)
Bernard
Charlot;
Jean -
Claude Émin
(1997) Violences à l´école - état de savoir. Paris:
Mason & Armand Collin éditeurs.
"Para Charlot (1997), se a agressão física ou pressão psicológica aparecem mais
espetacularmente, são as "incivilidades"que representam a principal ameaça para o sistema
escolar." (p. 69)
Jacques
Delors
(2000) Educação: um tesouro a descobrir.
Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XIX.
São Paulo. Cortez.
"Para tanto há que se contar com profissionais respeitados pelo seu conhecimento e
pedagogia dentro e fora da sala de aula, cabendo ao Poder Público investir em formação e
reciclagem desses profissionais, bem como adotar estratégias para fazer prevalecer o
respeito aos direitos e deveres do professor. Torna-se necessário contar com uma educação
de qualidade e com currículos de formação pedagógica afins aos pilares do conhecimento
(Delors, 2000), como também com uma insistência humanista." (p. 325)
Nancy
Cardia
(1997) "A violência urbana na escola". In:
GUIMARÃES, Eloísa; PAIVA, Elizabeth (org.).
Violência e vida escolar. Contemporaneidade e
Educação. Revista semestral de Ciências Sociais
e Edu. Rio de Janeiro: Inst. De Est.da Cult e Edu.
Continuada...
"Parte considerável dos enfrentamentos relatados nos grupos focais envolvem grupos de
jovens que se incluem em alguma categoria em oposição a outra, como entre bairros
distintos com os quais os jovens identificam-se por neles morarem ou porque a escola aí
está localizada. Este contorno, portanto, atinge a vida escolar de diversos modos [nota 42:
Ver, em Cardia (1997), estudo sobre diversas formas por meio das quais a violência no
entorno da escola afeta a vida escolar.], especialmente a circulação no bairro onde a escola
se situa, posto que os estudantes são impedidos ou sentem-se inseguros de ir e vir da
escola." (p. 115-116)
Éric
Debarbieux
(1996) La violence em millieu scolaire: l´états de
lieux. Paris: ESF Editeur.
"Pode-se finalmente que um estudo sobre a violência e a insegurança no meio escolar
deveria considerar: i) os crimes e delitos, tais quais os furtos, roubos assaltos, extorsões,
tráfico e consumo de drogas, etc., conforme qualificados pelo código penal; ii) as
incivilidades, sobretudo, conforme definidas elos atores sociais; e iii) sentimento de
insegurança, ou sobretudo aqui o que determinamos " sentimento de violência" resultante
dos dois componentes precedentes, mas também oriundo de um sentimento mais geral nos
diversos meios sociais de referência. (Debarbieux, 1996: 42)" (p. 70)
Éric
Debarbieux
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123
"Porém Debarbieux (1998) critica tal postura como "obsoleta", não somente pelo
reconhecimento de diversos direitos, mas também por sentidos das "pequenas
delinqüências" e das "incivilidades", quebras de pacto social das relações humanas e das
regras de boa convivência (Debarbieux, 1998)." (p. 69)
Angelina
Peralva
(2000) Violência e Democracia - o paradoxo
brasileiro. São Paulo. Paz e Terra.
"Quando se aborda o tema das violências nas escolas, há de se lidar com múltiplas
contradições, além daquela destacada por Peralva (2001), de que no Brasil registrou-se o
aumento da violência em período da consolidação da democracia, desde a década de 1980.
Ao mesmo tempo em que a escola se institui como instância de aprendizagem de valores e
de exercício da ética e da razão, é noticiada como lugar de incivilidades, brigas, invasões,
422
depredações, e até mortes, onde os conflitos se registram entre vários agentes: alunos e
alunos, alunos e professores, alunos e funcionários, etc., inclusive por violências simbólicas
e autoritarismos." (p. 335)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire
"Recorrendo, portanto, a percepção dos jovens, os estudos tendem a ter como foco o
comportamento dos alunos, a cultura dos estabelecimentos escolares e a invasão e
influência dos estranhos no meio escolar. A partir desses temas mais próximos é comum,
nas pesquisas desenvolvidas, por exemplo, na Inglaterra, sair da escola e discutir sobre
cidadania, considerando a violência na comunidade ou a delinqüência e a segurança nos
quarteirões em torno dos estabelecimentos escolares e o papel da escola na comunidades
(Marlow e Pitts 1998, in Hayden e Blaya, 2001)." (p. 80).
Jaques
Dupâquier
(1999) "La violence em millieu scolaire". In:
Éducation et formation: enfants et adolescents em
difficulté. Paris; Presses Universitaires de France.
"Reitera-se que são muitos os tipos de violência analisados sendo mais comuns, em
especial na literatura norte-americana, o olhar sobre gangues, xenofobia e bullying. Esses
temas também variam concentrando mais estudos na Europa, especialmente na França,
sobre incivilidades no meio escolar. Este último é outro termo ambíguo não considerado por
alguns autores (Dupâquier, 1999) como violência, e mais referido como agressividade ou
padrões de educação contrários às normas de convivência e respeito para com o outro." (p.
74)
Jean -
Claude
Chesnais
(1981) Histoire de la violence. Paris. Éditions
Robert Laffont.
"Segundo Chesnais, os franceses se identificam tão intimamente com seus patrimônios e
seus bens que, muitas vezes, reagem mais intensamente quando estes são violados do que
quando a sua própria pessoa sofre violência. Daí esta tendência de atribuir à violência uma
conotação econômica, confundindo-a com delinqüência. Fica claro, nas palavras do autor,
que o seu entendimento de violência econômica não se refere às desigualdades na
estrutura de posições no mercado nem aos déficits de cidadania resultantes das assimetrias
sociais (Chesnais, 1981, 13)." (p. 68)
Éric
Debarbieux
(1998) "La violence à l´école: approches
européene". Inst. Nat. De Recherche Pedagogic.
In: Revue Française de Pedagocie, n. 123
"Segundo Debardieux (1998), as incivilidades seriam violências anti-sociais e antiescolares,
quando mais traumáticas, pois silenciosas e banalizadas para proteção da escola, tomando
muitas vezes a forma de "violência simbólica" [...]". (p. 75)
Jacques
Delors
(2000) Educação: um tesouro a descobrir.
Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XIX.
São Paulo. Cortez.
"Sejam quais forem os tipos de manifestação, as violências nas escolas representam uma
ameaça a princípios internacionalmente reconhecidos sobre a educação. Primeiramente,
abalam diretamente os quatro pilares do conhecimento, reconhecidos pela Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e aprender a ser (Delors, 1998)" (p. 25)
Miriam
Abramovay
et al.
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
Teresa Pires
do Rio
Caldeira
(1984) A política dos outros. O cotidiano dos
moradores da periferia e o que pensam do poder
e dos poderosos. São Paulo. Brasiliense
"Ser bem de vida" ou optar por uma categoria intermediária ao autoclassificar-se na escala
de estratificação social pode ser a maneira de assumir uma recusa frente às situações
consideradas extremas e negativamente valorizadas do ponto de vista social, ou que
corresponderiam a esteriótipos a serem evitados. De alguma forma, haveria referências
implícitas a um outro com o qual não se quer identificar ou que não serve de parâmetro de
comparação [nota 84: Em pesquisa realizada no Distrito Federal, sobre gangues, em que
foram analisados padrões de discriminação, também se registrou a tendência a buscar a
diferenciação por atributos dicotômicos quanto às condições de vida - no caso, por parte dos
que habitavam regiões periféricas em relação "àqueles, no Plano Piloto", destacando-se a
423
ocorrência, entre jovens, de um "discurso compensatório e invertido quando se refere a
valores e a critérios morais" (Abramovay et al., 1999: 45). Caldeira (1984) enfatiza tal
mecanismo compensatório, nas autoclassificações, o qual opera por codificações sobre
ricos e pobres, por afastamentos e compensação." (p. 209)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric
"Similarmente, desenha-se a pesquisa de Flannery (1997) sobre alunos em escolas norte
americanas, onde o autor conclui que boa parte dos agressores, em casos de homicídios e
outros delitos graves, já tinha algum tipo de registro criminal envolvendo armas de fogo.
Este autor apela para o que denomina "teoria desenvolvimentista (do indivíduo)" ou de "
análise do contínuo da história de vida" de alunos para delimitar fatores de risco ou
situações que condicionariam a violência, o que conjuga com a importância de, nas escolas,
adotar "fatores de proteção" já orientados para os alunos desde a infância." (p. 81-82)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire
"Similarmente, Hayden e Blaya (2001) apontam que nos estudos na Inglaterra existe um
complicador adicional ao fato de que, no dicionário, o vocábulo violência em como indicador
apenas a violência física [...] Nesse país, nos estudos sobre violência na escola, o mais
comum seria usar termos outros, como "agressividade" ou" comportamento agressivo" dos
alunos." (p. 71)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire -
3 - dix approches em Europe. Paris, ESF, 43-70.
N.
Ragmognino
et al.
(1997) L´école comme dispositive simbolique et
les violences: le example de trois école em
Marcelle. In: Charlot, Bernard; ÉMIN, Jean -
Claude (coords.) Violence à l´école - états du
savoirs. Paris: Masson & Armand Collin
"Sobre um outro ângulo, o das variáveis endógenas, portanto, de dentro do ambiente
escolar, seriam destacadas: (...) ii) as regras e a disciplina dos projetos pedagógicos das
escolas, bem como o impacto do sistema de punições (Carvel, 2000; in: Hayden, Blaya,
2001; Ragmognino et al. 1997)" (p. 77)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire -
3 - dix approches em Europe. Paris, ESF, 43-70.
Marília
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun.
Ofer
Feldman
(1998) "Materialism and individualism: social
attitudes of youth in Japan". In: Watts, Meredith W.
Cross-cultural perspectives on youth and violence.
Londres, Jai Press.
"Sobre um outro ângulo, o das variáveis endógenas, portanto, de dentro do ambiente
escolar, seriam destacadas: (...) iii) Os próprios professores que, por banalizar a violência e
não dar atenção especialmente às incivilidades e descriminações, estariam contribuindo
para desrespeitar o direito dos alunos à proteção e perderiam o momento pedagógico de
educar contra culturas de violência (Sposito, 1998; Feldman, 1998). Alguns estudos também
apontariam a má qualidade do ensino, a carência de recursos humanos e o tratamento
autoritário dado aos alunos como potencializadores de violências por parte dos mesmos
(Blaya, 2001)" ( p. 77)
Daniel J.
Flannery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric-
columbia.edu/monographs/uds 109.
"Sobre um outro ângulo, o das variáveis endógenas, portanto, de dentro do ambiente
escolar, seriam destacadas: (...) i) a idade (Flannery, 1997, sobre bullying nos Eua) e a série
ou nível de escolaridade dos estudantes (Döptner et al., 1996; Fuch et al., 1996 apud Funk,
2001)" (p. 77)
424
Walter Funk (2001) "La violence à l´école em Alemagne" In:
Debarbieux, Éric et Blaya, Catherine (dir.) La
violence em mullieu scolaire - 3 - dix approche em
Europe. Paris: Ed. ESP, 25-42
Manfred
Max
Bergman
(1998) "Research note: a theoretical note on the
differences between attitudes, opinions and
values". In: Swiss Political Science Review,
Lausanne: Institut d´Etudes Politiques et
Internationales.
Meredith W.
Watts
(1998) Cross - cultural perspectives os youth and
violence. Londres. Jai Press.
"Também é comum o debate sobre teorias da personalidade. Nesta vertente, para alguns
autores, autoritarismo e tendência a violência seriam traços relativamente estáveis da
personalidade. Já para outros, o autoritarismo seria uma ação de reação à ansiedade
(Watts, 1998). Por exemplo, para Bergman (1998), na Alemanha, a violência dos jovens se
relacionaria com ansiedade e insegurança provocadas pelo processo de unificação do país.
Alguns grupos juvenis, segundo este autor, seriam mais afetados que outros pela tensão
social, daí serem portadores de expressão de xenofobia e autoritarismo. Quando o foco
centra-se em indivíduos (agressores), é comum dar-se ênfase a "falta de competência"
desses, problemas de comunicação, o modo como interpretam mensagens, respondendo de
forma agressiva." (p. 81)
Jaques
Dupâquier
(1999) "La violence em millieu scolaire". In:
Éducation et formation: enfants et adolescents em
difficulté. Paris; Presses Universitaires de France.
"Também para Dupâquier (1999), justifica-se a preocupação com vários tipos de violência
na escola, tanto pelo princípio dos direitos humanos, pelo lado das vítimas, como também
pela sua expressão e por seu crescimento. Haveria de se indignar socialmente com o
sentido de violência para as vítimas, para as instituições que a sofrem, para a democracia.
Seria necessário reduzir a insegurança das escolas e cuidar do risco de vitimização de
jovens neste ambiente, principalmente por seus pares." (p. 70)
Carol
Hayden e
Catherine
Blaya
(2001) "Violence et comportement agressif dans
les écoles anglaises". In: Éric Debarbieux;
Catherine Blaya La violence em mullieu scolaire
"Também são feitas referências a perturbações (disruption) no sistema de aprendizagem ou
nas aulas, causadas por "atitudes indesejáveis"; a décrochage -´desengajamento' ou
desinteresse pela escola e pela aprendizagem"; e a comportamentos anti-sociais, ou seja,
"atos que implicam não respeito à lei e ações que não são necessariamente ilegais e que
não dão lugar a uma perseguição pela justiça" (Ruther et al., 1998, apud Hayden e Blaya,
2001)" (p. 71)
Daniel J.
Flanery
(1997) School violence: risk, preventive
intervention, and policy. Nova York, NY: Eric
Clearinghouse on Urban Education, 1997.
Disponível em http://eric-
columbia.edu/monographs/uds 109.
Ingeborg
Breines et
al.
(2000) Towards a women´s agenda for a culture of
peace. Paris, UNESCO Publishing.
"Um outro fenômeno associado a situações de violência é a disponibilidade de armas de
fogo e as mudanças que isso impõe às comunicações conflituosas, contribuindo para o
aumento do caráter mortal dos conflitos nas escolas. Diferentes pesquisas, baseadas em
surveys nos EUA, sugerem que os jovens que carregam arma para a escola, comumente,
têm a intenção de se defender, mais do que perpetrar um crime (Flanery, 1997)" (p. 73)
Antonio
Sérgio
(2000) Tirando máscara. Ensino sobre racismo no
Brasil. São Paulo: Paz e Terra.
"Uma das vertentes sócio-culturais da exclusão diz respeito à questão racial [ nota 78: Raça
aqui, corresponde à acepção nativa do pensamento social, e não a uma categoria
425
Alfredo
Guimarães e
Lynn
Huntley
Dayci David
Oliveira
(1998) "A cor do medo: o medo da cor." In: A cor
do medo: homicídio e relações raciais no Brasil.
Brasília: Editora Universidade de Brasília.
G. Seyferth (1989) As Ciências Sociais no Brasil e a questão
racial. In: Cativeiro e liberdade; Seminário do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: UERJ.
essencializada. Nesta linha, raça pode ser compreendida como uma classe de compreensão
do mundo social. Vale insistir que, no sentido biológico, a única raça comprovadamente
existente é a humana. (Oliveira et al., 1998; Guimarães et al., 2000)]. , aqui tratada em
termos de percepções., assim como exemplos de discriminações. De fato, o racismo é uma
forma de exclusão social encravada na sociedade brasileira em geral e no sistema
educacional em particular, e aparece, algumas vezes, de forma explícita e, outras, por meio
de atitudes de pseudocordialidade, como se documenta nesta pesquisa [ nota 79: Embora já
tenha sido amplamente provado, tanto por cientistas das áreas biológicas quanto sociais,
que o conceito de raça carece de fundamento científico, uma perspectiva sócio-política torna
impossível deixar de falar de raça. Isso porque todas as pesquisas evidenciam que o grande
contingente de excluídos por razões fenotípicas existe de fato. Como elucida Seyferth:
Embora não existam linhas ou barreiras raciais bem definidas, os brasileiros dãi importância
à aparência física e elaboram inúmeras categorias designativas das muitas tonalidades de
pele, traços faciais e outras características da raça negra". (Seyferth, 1989: 28)"]. (p. 192)
Jean -
Claude
Chesnais.
(1981) Histoire de la violence. Paris. Éditions
Robert Laffont.
"Uma terceira concepção tem por foco a idéia de autoridade, que possui forte conteúdo
subjetivo e, segundo o autor, encontra-se na moda: trata-se da chamada violência moral ou
violência simbólica. Chesnais sustenta que " falar de violência neste sentido é um abuso de
linguagem, próprio a certos intelectuais ocidentais, excessivamente bem instalados na vida
para conhecer o mundo obscuro da miséria e do crime (Chesnais, 1981, 13)." (p. 68)
J. Morse (1999) Qualitative generalizability. Quantitative
Heath Research, vol. 9, issue 1, January.
[...] Usualmente, grande parte do público aceita sem dificuldades as generalizações dos
achados de dados quantitativos. O mesmo não ocorre quando se trata dos dados
qualitativos. Morse (1999), porém, argumenta que, assim como a pesquisa quantitativa, a
pesquisa qualitativa é generalizável, apesar de os critérios de generalização diferirem entre
uma e outra." (p. 60)
Jorge
Werthein e
Célio Cunha
(2000) "Fundamentos da Nova Educação". In:
Cadernos UNESCO Brasil, volume 5, Brasília.
“... está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não violenta de conflitos. É
uma cultura baseada na tolerância, solidariedade e compartilhamento em base cotidiana,
uma cultura que respeita todos os direitos individuais - o princípio do pluralismo, que
assegura e sustenta a liberdade de opinião - e que se empenha em previnir conflitos
resolvendo-os em suas fontes, que englobam novas ameaças não - militares para a
segurança como exclusão, pobreza extrema e degradação ambiental. A cultura de paz
procura resolver os problemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma
a tornar a guerra e a violência inviáveis (Werthein in UNESCO, 2001: 6). (p. 324)”.
Claudemir
Belitane
(1998) "O poder de fogo da relação educativa na
mira de novos e novos prometeus." In: Cadernos
Cedes, ano XIX, n.47, p 20
“[...] O tolerável, em termos de violência, seria dado por "pactos institucionais", segundo
Belitane(1998), também se baseando em estudos em escolas no Brasil, com diferentes
graus de violência." (p. 82)
Jean-Paul
Payet
(1997) "La violence à l´école in: Ragmognino,
Fradji, Soldini e Vergés. Le école comme dispositif
simbolique et les violence: le example de trois
école em Marcelle". In: Charlot, Bernard; Émin,
Jean-Claude(coords.) Violences à l´école - états
de savoir. Paris.
“A vulnerabilidade da escola a violências várias, macrossociais, viria aumentando, como
também sua perda de legitimidade como lugar de produção e transmissão de saberes,
quando contraposta ao alcance social, ampliação do escopo e do acesso de outros meios
de formação. Este é o diapasão que orienta autores como, por exemplo, Payet (1997: 145-
146): A violência na escola, enquanto objeto social, se inscreve em diversos locais. Os
estabelecimentos escolares têm certamente o status de lugar original, mas o "problema
426
social" é construído em outros cenários. Entre esses, a cena mediática e política são
determinantes, pois elas dão aos atos, aos incidentes, um porte e um valor gerais, que por
sua vez dão sentido ao que se passa nos estabelecimentos. (...) Essa maneira de
"pensamento único" sobre a violência na escola pode ser resumida a algumas "evidências".
A violência que se manifesta na escola provém do exterior. Para que a violência cesse, é
necessário fechar a escola, protegê-la, isolá-la." (p. 78)
Éric
Debarbieux
(1996) La violence em millieu scolaire: l´états de
lieux. Paris: ESF Editeur.
“Analisando historicamente a tradição dos estudos da violência no meio escolar, Debarbieux
chama atenção para importantes mudanças tanto no que é considerado violência como,
também, no olhar a partir do qual o tema é abordado. "Uma lição especial da história
poderia ser esta variabilidade de sentidos da violência na educação correlacionada às
representações da infância e da educação (Debarbieux, 1996: 32)." (p.67)
J. Hanke (1996) Putting school crime into perspective: self-
reported school victimizations of high school
seniors. Journal of Criminal Justice.
“De fato, como adverte Hanke (1996), ao analisar escolas nos EUA, não basta focalizar atos
considerados criminosos e extremos, pois isso não colaboraria para melhor entender a
natureza, a extensão e as associações entre violências e vitimização.” (p. 70).
Alba Zaluar (1994) Condomínio do diabo. Rio de Janeiro:
UFRJ.
Angelina
Peralva
(2000) Violência e Democracia - o paradoxo
brasileiro. São Paulo. Paz e Terra.
Carla Araujo (2001) "As marcas da violência na constituição da
identidade de jovens da periferia". In: Revista da
Faculdade de Educação da USP - Educação e
pesquisa, São Paulo, v. 27, n.1, p 141-160, jan. /
jun.
Eloísa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Miriam
Abramovay
et al.
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A.
“No Brasil durante os anos 90, diferentemente da tendência dos anos anteriores, melhor se
delineia a preocupação com a violência nas escolas não mais como um fenômeno de
origem exógena, ainda que se dê ênfase, em especial ao problema do narcotráfico (Zaluar,
1994; Guimarães, 1998; Candau, 1999; Peralva, 2000), à exclusão social ( Araújo, 2001. In:
Educação e pesquisa, v. 27) e às ações de gangues (Abramovay et al., 1999), entre outras.
Conclui-se que estes estudos constatavam a existência de outras causas atribuídas à
violência que não só a autoridade, conforme enfatizado nos estudos dos anos 80.” (p. 85)
Pierre
Bourdieu
(2001) O poder simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
“Segundo Bourdieu (2001), seriam permitidas por um poder que não se nomeia, não se
deixa assumir como conivente e autoritário. Assim, professores não vêem, não reclamam e
as vítimas não são identificadas como tais. No racismo e nas ações xenófobas também
seria comum tal cumplicidade não assumida por jovens, adultos, alunos e professores". (p.
75).
Éric
Debarbieux
e Catherine
Blaya
(2001) La violence em millieu scolaire 3 dix
approche en Europe. Paris: ESP éditeur.
“Segundo Debarbieux e Blaya (2001), Bonafé-Schmitt (1997), não é possível analisar a
violência nas escolas sem refletir sobre agressão física, os pequenos roubos, o vandalismo
e o que os pesquisadores franceses consideram como "incivilidades", isto é, ofensas
verbais, grosserias diversas, empurrões, interpelações e humilhações. De fato, fica claro no
427
J. Bonafé-
Schimitt
(2000) La médiation scolaire par les élèves. Paris:
ESF Editeur.
discurso dos alunos e dos membros do corpo técnico-pedagógico das escolas que as
formas pelas quais a violência se realiza são inúmeras, como também variados são os seus
objetivos, alvos, instrumentos, vítimas e praticantes." (p. 232)
Áurea M.
Guimarães
(1996) A dinâmica da violência escolar: conflito e
ambigüidade. Campinas: EAA.
A instituição escolar não pode ser apenas vista como reprodutora das experiências de
opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano macroestrutural. É importante
argumentar que, apesar dos mecanismos de reprodução social e cultural, as escolas
também produzem a sua própria violência e sua própria indisciplina. (Guimarães, 1996, 7).
(p. 88)
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A. A intervensão por parte do narcotráfico nessas escolas se faz (...) de forma sutil, com pouca
visibilidade, através de diferentes mediadores, representativos de posições diversas em
relação às quadrilhas, tendo como propósito ampliar a área física e os grupos sociais sobre
seu controle. Essa operação resulta em sistemas de proteção/subordinação das instituições,
a exemplo do que se obtém por parte dos moradores das áreas ocupadas (Candau, 1999:
7)". (p. 85)
Anália
Soroia
Batista e
Patricia
Dario El-
Moor
(1999) "Violência e agressão". In: Codo,
Wanderley (coord.) Educação: carinho e trabalho,
CNTE, Brasília: UnB Psicologia e Trabalho e
Petrópolis, Vozes.
Marília
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun.
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A.
Ademais, encontram-se na literatura nacional advertências contra associações deterministas
entre pobreza e violência no bairro e na escola, pois, em tais ambiências haveria escolas
com diferentes níveis de violência (Sposito, 1998; Batista e El-moor, 1999; Lucinda,
Nascimento e Candau, 1999). (p. 88).
Anita
Schumann
Rodrigues
(1994) "Aqui não há violência: a escola silenciada
- um estudo etnográfico. Dissertação de Mestrado.
Rio de Janeiro: PUC/Departamento de Educação.
Vera Maria
Candau et
al.
não há publicações dessa autora do ano de 1994
listadas.
Candau (1994) reflete sobre os riscos da banalização da violência escolar, assim como seu
silenciamento (Rodrigues, 1994), de uma forma que ilustra o cuidado da literatura nacional
em identificar, por um lado, nexos entre a violência na sociedade e na escola e, por outro,
em situar tipos e níveis de violência, em particular na escola [...]. (p. 89)
Anália Soria
Batista e
Patrícia
Dario El-
Moor
(1999) "Violência e agressão". In: Codo,
Wanderley (coord.) Educação: carinho e trabalho,
CNTE, Brasília: UnB Psicologia e Trabalho e
Petrópolis, Vozes.
De fato, quase não há referência a agressões de professores contra alunos na literatura
consultada. Ao contrário, o que se percebe é a preocupação com as agressões sofridas
pelos professores, praticadas pelos alunos e entre eles. Por exemplo, observa Batista e El-
moor (1999: 150): Os episódios de violência nas escolas mais comentados e enfatizados
pela mídia são aqueles são aqueles relativos a agressão aos professores ou entre os
próprios alunos, o que pode ser facilmente constatado na maior parte dos noticiários, jornais
e revistas. No entanto, nossa pesquisa mostrou que os acontecimentos mais freqüentes no
conjunto das escolas brasileiras, são os de vandalismo, seguidos de agressões entre alunos
e por último as agressões dirigidas a professores." (p. 85-86)
428
Henry A.
Grioux
(2000) Cruzando as fronteiras do discurso
educacional. Porto Alegre, Artmed.
Em que pese a ênfase nos alunos, busca-se na literatura brasileira, como em vários autores
estrangeiros antes referidos, evitar a demoninação dos jovens (Grioux, 2000), considerando-
se por outro lado, a "situação de violência contra a educação". (p. 86)
Nancy
Cardia
(1997) "A violência urbana na escola". In:
GUIMARÃES, Eloísa; PAIVA, Elizabeth (org.).
Violência e vida escolar. Contemporaneidade e
Educação. Revista semestral de Ciências Sociais
e Edu. Rio de Janeiro: Inst. De Est.da Cult e Edu.
Continuada...
Estudos, no Brasil, indicam que mesmo em situações de violência nos bairros por conta das
gangues e do tráfico , por exemplo, os alunos prezam a convivência escolar, como espaço
de construção de redes de solidariedade com os colegas e com os professores (Cardia,
1997) (p. 86)
Walter Funk (2001) "La violence à l´école em Alemagne" In:
Debarbieux, Éric et Blaya, Catherine (dir.) La
violence em mullieu scolaire - 3 - dix approche em
Europe. Paris: Ed. ESP, 25-42.
Funk (2001), por exemplo, em resenha sobre estudos na Alemanha, identifica uma plêiade
de fatores - também presentes em estudos desenvolvidos em outros países - fortemente
associados com violência nas escolas, como:
1) entre os alunos: baixa alto-estima, falta de perspectivas em relação ao futuro e de
percepção do lugar da escolaridade em sua vida profissional; alguns traços da
personalidade; contexto familiar marcado pela falta de diálogo, violência doméstica, falta de
interesse dos pais no desenvolvimento escolar dos jovens ; desejo de se fazer aceitar no
grupo de referência e formas de representar e viver a masculinidade
2) Quanto à escola: "atmosfera de trabalho escolar ou qualidade do ensino medíocre";
problemas nas relações entre professores e alunos; " falta de ênfase nos valores na
educação ministrada"; " resultados escolares ruins - maior índice de repetência entre os
alunos que se envolvem em atos de violência.
3) exposição à mídia, a programas de violência.
4) Tipo de comunidade e vizinhança e o grau de violência aí encontrado." (p. 79)
Eloísa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Guimarães (1998: 12), em estudo etnográfico realizado entre os anos de 1991 e 1992, trata
das diferentes formas de conexão da escola pública (no Rio de Janeiro) com a violência
que ali se intensificou a partir dos anos 80, focalizando três movimentos distintos: o
narcotráfico, as gangues / galeras e os movimentos juvenis emergentes, os quais afetam o
cotidiano das escolas.(p. 86)
Vicente
Barreto
(1992) "Educação e violência: reflexões
preliminares". In: ZALUAR, Alba (org.) Violência e
educação, São Paulo, Cortez.
Há como uma integração recíproca entre essa duas esferas da atividade humana que,
aparentemente, estão bem distantes uma da outra. No caso brasileiro, a crise da educação
vem sendo agravada pela inserção da violência em suas diversificadas formas no mundo
racional da escola, derrubando os alicerces da educação, desde a autoridade do professor
até o abandono das exigências mínimas de aprovação. (Barreto, 1992: 59, 60) " (p. 87)
Ofer
Feldman
(1998) "Materialism and individualism: social
attitudes of youth in Japan". In: Watts, Meredith W.
Cross-cultural perspectives on youth and violence.
Londres, Jai Press.
Já ambigüamente se localizando fora e dentro da escola, estaria o mal-estar em relação às
instituições sociais gestoras das políticas públicas. Nesse caso, a escola seria apenas o
local onde ocorreriam as interações dos grupos prejudicados e insatisfeitos. No mesmo
sentido, pesquisas destacam que as formas convencionais de participação e de
representação política são também objeto de crítica e rejeição por parte dos jovens. "Muitos
projetam suas frustrações no sistema social, não estão satisfeitos com o processo político,
com os líderes e consideram que ninguém no sistema os entende" (Feldman, 1998: 22)" (p.
77)
429
José Vicente
Tavares dos
Santos (org.)
(1999) A palavra e o gesto emparedados: a
violência na escola. PMPA, SMED.
Já Santos (1999), insiste na análise institucional da escola, o tipo de ensino e das relações
entre professores e alunos, ressaltando que haveria de compreender que a escola seria
locus de relações de sociabilidade e que propiciaria certo "autoritarismo pedagógico". Cita
comportamentos agressivos por parte dos professores, em sala de aula, as "violências
simbólicas" - como não dar aula ou dar aula de qualidade discutível e exercer autoritarismo
nas relações interpessoais com os alunos. E sublinha a distância entre a linguagem dos
jovens - mais afim ao lúdico - e aquela imposta por um tipo de escola - a "escola caserna" -
com ênfase na disciplina e em regras: A escola com sua educação tradicional, impõe ao
aluno um aprendizado que não corresponde a realidade do universo cultural, sendo vista de
uma forma negativa e nada estimulante e lúdica. O seu controle exagerado estimula
comportamentos de rebeldia e desobediência...A violência que as crianças e os
adolescentes exercem é, antes de tudo, a que seu meio exerce sobre eles. Sabemos que a
escola-caserna é vivida como um lugar trancado que impõe aos corpos uma ordem de
uniforme, da qual não há meios de fugir: regras, controles, punições, dominações são os
meios habituais de disciplina. A escola tem se mostrado com freqüência como espaço da
coação. Parece ter ficado do lado de fora o caminho lúdico da aprendizagem. (Santos, 1999:
157)." (p. 87-88).
Anita
Schumann
Rodrigues
(1994) "Aqui não há violência: a escola silenciada
- um estudo etnográfico. Dissertação de Mestrado.
Rio de Janeiro: PUC/Departamento de Educação.
Marília
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun.
Mas por outro lado, vários autores insistem no papel das desigualdades sociais, de
"potencializadoras" de violências. Além disso, há de se ressaltar a preocupação com a
banalização da violência, ou o fato de diretores e alunos, em alguns casos a não
considerarem como violências atos que o seriam por outros parâmetros (Sposito, 1998).
Neste sentido, o silenciamento em relação a violências (Rodrigues, 1994) ou o modo como
são definidas, é um dos vetores sublinhados pelos autores nacionais, como os citados" (p.
89)
Vera Maria
Candau et
al.
(1999) Escola e violência. Rio de Janeiro; DP&A. Nesta perspectiva, a combinação dos referidos fatores favorece uma trama dialética da
violência que articula aspectos de diferentes naturezas. Daí a necessidade de estabelecer
distinções entre seus níveis e dimensões: a violência reconhecida e efetivamente punida
como crime; a que se instalou em parte da estrutura do Estado e a que tece as mais amplas
relações sociais e domésticas. (Candau, 1994:31)" (p. 90)
GUIMARÃE
S, O autor
não consta
nas
referências
bibliográfica
s das
autoras.
(1995) No Brasil a maioria dos estudos tem por contexto o Rio de Janeiro e São Paulo, dando
prioridade ao ambiente de localização das escolas, configurando situações marcadas pelo
narcotráfico ou pela violência e pobreza acentuadas, ainda que não necessariamente
reduzam o fenômeno da violência nas escolas a condicionantes de fora. [nota : Por
exemplo, o trabalho de Guimarães(1995) desenvolveu - se em escolas públicas das zonas
do narcotráfico do Rio de Janeiro, ressaltando - se a ausência do Estado quanto à políticas
sociais . Guimarães pesquisa grupos juvenis, galeras nos morros cariocas sua atuação nas
escolas, inclusive por invasões associadas a disputas de grupos rivais e as negociações
que diretores que diretores são levados a fazer com chefes do narcotráfico para garantir o
funcionamento das escolas.] (p. 85)
Julio Groppa
Aquino
(1996) Confrontos na sala de aula: uma leitura
institucional da relação professor-aluno. São
Numa outra perspectiva, tanto no Brasil como no exterior vários autores frisam a importância
de diferenciar a violência que vem de fora e aquela que propriamente identificam como
430
Paulo: Summus.
Marília
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun.
violência escola - "que nasce no interior da escola ou como modalidade da relação direta
com o estabelecimento de ensino"(Sposito,1998: 64). Aquino (1999) classifica como
"sociologizantes" os enfoques que somente consideram os problemas estruturais ou de fora
da escola. Esse autor critica também um enfoque comum a vários autores norte americanos,
que se centralizam na figura do aluno, ou o que denomina de " clínico - psicologizante"
(Aquino, 1996:07). (p. 88).
Eloísa
Guimarães
(1998) Escola, galeras e narcotráfico. Rio de
Janeiro: UFRJ.
Outra importante contribuição dos estudos de Guimarães (1998), contra lugares comuns
sobre violência, estaria na observação de que os alunos relacionados ao tráfico, não seriam,
necessariamente, os que se destacariam por comportamento violento na escola. Ao
contrário, ainda que sua presença seja um possível elemento perturbador por conta das
brigas entre facções do crime, mas isso poderia ter lugar também entre gangues." (p. 86)
Áurea M.
Guimarães
(1996) A dinâmica da violência escolar: conflito e
ambigüidade. Campinas: EAA.
Por exemplo, Guimarães (1996), no estudo de caso, em duas escolas de Campinas,
encontrou que: Todos os professores relacionavam a violência a uma agressão física ou
verbal, mas para a maioria deles, a escola não era violenta, pois, as brigas, os roubos e os
xingamentos eram "coisa deles", "natural da idade". As causas desse "problema disciplinar"
estariam no ambiente familiar e na estrutura econômica. Todas as soluções mencionadas
tinham por objetivo amenizar as manifestações de hostilidades entre os alunos para "
melhorar" o comportamento deles ou adaptá - los às normas da escola (Guimarães,
1996:147)." (p. 89)
Hannah
Arendt
(1961) Between Past and Future. New York:
Meridian Books.
Vicente
Barreto
(1992) "Educação e violência: reflexões
preliminares". In: ZALUAR, Alba (org.) Violência e
educação, São Paulo, Cortez.
Segundo Barreto: A idéia de que a educação pressupunha a imposição da vontade de uma
pessoa livre sobre outra, em muitas teorias políticas e sociais do século XX, passou a ser
conhecida como "antidemocrática", contrariando a própria natureza do processo
educacional. Dessa forma, conforme observa Hannah Arendt (1961: 191), a perda da
autoridade que se iniciou na esfera política estendeu-se para a esfera privada, de forma que
a autoridade foi contestada na família e na escola (Barreto, 1992: 57)." (p. 87)
Marília
Pontes
Sposito
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun
Segundo Sposito (1998:64): "A diversidade também sinaliza o fato de que ambientes sociais
violentos nem sempre produzem práticas escolares caracterizadas pela violência". (p. 88)
Miriam
Abramovay
(coord.)
(1999) Gangues, galeras, chegados e rappers. -
juventude, violência e cidadania nas cidades da
periferia de Brasília. Rio de Janeiro, Garamond.
Segundo Sposito, o fato ocorrido em Brasília, no ano de 1997, onde cinco jovens de classe
média atearam fogo a um índio Pataxó enquanto este dormia em um ponto de ônibus,
estarreceu a sociedade brasileira e impulsionou a produção de pesquisas brasileiras sobre
violência e juventude. Neste contexto, a UNESCO realizou um estudo sobre o tema com os
jovens da Capital, intitulado juventude, violência e cidadania: os jovens de Brasília (1998)
Este estudo foi precursor de outras pesquisas da UNESCO, cada uma das quais busca
entender os fatos relacionados com a violência entre jovens brasileiros: Gangues, galeras,
chegados e rappers (1999), Ligado na Galera (1999), Os jovens de Curitiba: esperanças e
desencantos (1999), entre outras. (p. 89).
Áurea M.
Guimarães
(1996) A dinâmica da violência escolar: conflito e
ambigüidade. Campinas: EAA.
Marília
Pontes
(1998) "A instituição escolar e a violência". In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação
Significados sociais da escola são questionados na literatura brasileira para melhor
compreender a causa da violência nas escolas nos dias de hoje, e são comuns as análises
que apontam os percalços da educação face à globalização da economia, mudanças do
mundo do trabalho, lugar da ética e extensão da ideologia consumista e individualista. Em
431
Sposito Carlos Chagas, n. 104, p 58-75, jun especial, frisa-se a perda da importância da educação para a mobilidade social e - marca
dos autores brasileiros - a chamada para as linguagens juvenis, o anseio do pertencimento,
da participação e o tradicionalismo da linguagem de um tradicionalismo mais formal
(Guimarães, 1996; Sposito, 1998)." (p. 91)
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