Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
MUSEU NACIONAL
CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA
BAIXADA FLUMINENSE
Alessandra Siqueira Barreto
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA
BAIXADA FLUMINENSE
Alessandra Siqueira Barreto
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Antropologia Social, do Museu Nacional,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em
Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Gilberto Cardoso
Alves Velho
Rio de Janeiro
Julho de 2006
ads:
3
CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA
BAIXADA FLUMINENSE
Alessandra Siqueira Barreto
Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do
Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social.
Aprovada por:
____________________
Presidente: Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho
____________________
Prof. Dr. Moacir Gracindo Soares Palmeira (PPGAS/ MN/ UFRJ)
____________________
Prof. Dr. Antônio Carlos de Souza Lima (PPGAS/ MN/ UFRJ)
____________________
Profa. Dra. Karina Kuschnir (PUC – RJ)
____________________
Profa. Dra. Alzira Alves de Abreu (CPDOC – UFRJ)
Rio de Janeiro
Julho de 2006
4
Barreto, Alessandra Siqueira.
Cartografia política: as faces e fases da política na Baixada
Fluminense/ Alessandra Siqueira Barreto – Rio de Janeiro:
UFRJ/ MN, 2006.
xi, 392f.: il; 31 cm.
Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho
Tese (doutorado) – UFRJ/ Programa de Pós-Graduação/
Museu Nacional, 2006.
Refencias Bibliográficas: f. 352-374.
1. Baixada Fluminense. 2. Política. 3. Trajetórias 4. Eleição
5. Processos de identificação. 6. Projeto. I. Velho, Gilberto
Cardoso Alves. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social. III. Título.
5
SUMÁRIO
Resumo............................................................................................................................6
Abstract............................................................................................................................7
Agradecimentos................................................................................................................8
Introdão........................................................................................................................11
Capítulo I. Versões e Proposões...................................................................................25
Capítulo II. Jorge Gama: o articulador (ou visionário?) de uma Baixada......................64
Capítulo III. Zito: da Baixada para o mundo................................................................127
Capítulo IV. Lindberg: do mundo para a Baixada........................................................200
Capítulo V. Sobre o tempo da política na Baixada: entre festas e guerras...................267
Considerações finais: Construindo (e des/ re-contruindo) reis, ídolos e bacharéis......320
Bibliografia Geral..........................................................................................................352
Bibliografia sobre Baixada Fluminense........................................................................370
Anexos...........................................................................................................................375
6
RESUMO
Cartografia política: as faces e fases da política na Baixada Fluminense
Alessandra Siqueira Barreto
Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho
Esta tese visa, a partir da apresentação de três trajetórias de poticos que atuam na Baixada
Fluminense, apreender os sentidos e as imagens acionadas sobre este “lugar” e em que
medida se relacionam com os projetos políticos em questão. Ao apresentar as
possibilidades de se construir a categoria Baixada, as práticas, os discursos e os projetos
poticos são pensados como operadores dos movimentos de expansão e retração das
fronteiras simbólicas (assim como as espaciais), enfocando o estatuto adquirido pela
potica no que tange à enunciação desta multiplicidade.
Jorge Gama, José Camilo dos Santos Filho – o Zito e Lindberg Farias são apresentados
como algumas das faces da política local. Através de suas trajetórias, buscamos
compreender os processos de interação e de trânsito dos atores políticos entre os diversos
repertórios e universos socioculturais, dando destaque aos conflitos e alianças que tornam
possíveis seus projetos, acionando diferentes imagens sobre Baixada em negociações
cotidianas entre atores e agências. Os atores políticos são pensados então como
enunciadores-políticos que, ao lhe conferirem sentido, reinventam-na.
Palavras-chave: Baixada Fluminense, Potica, Trajetórias, eleição, Processos de
identificação, Projetos políticos.
7
ABSTRACT
Political Cartography: the faces and phases of Baixada Fluminense’s politcs
Alessandra Siqueira Barreto
Adviser : Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho
This PhD Dissertation inquires into the political career of three politicians from the Baixada
Fluminense so as to understand the extent to which their political projects relate to the
meanings and images commonly associated to this “place”. While presenting the
possibilities of constructing the category Baixada, the practices, discourses and political
projects are conceived as operating the movements of expansion and contraction of the
symbolic (as well as of spatial) borders, with a specific focus on the status held by politics
in regard to the enunciation of this multiplicity.
Jorge Gama, José Camilo dos Santos Filho – Zito and Lindberg Farias are pointed out as
some of the local politicsfaces. Through their trajectory, we seek to understand the
processes of interaction and the passage of political actors through the various repertoires
and socio-cultural universes, while outlining the conflicts and alliances that make their
political projects possible as they trigger different images of the Baixada in their daily
negotiations. The political actors are here thought as political enunciators that reinvent the
Baixada while signifying it.
Key-words: Baixada Fluminense, Politcs, Social Trajectory, Election, Political Projects.
8
AGRADECIMENTOS
É neste momento ritual, como no ato imediato de um ponto final, que sentimos uma mescla
de dever cumprido e de certa sensação de vazio. A escrita prazerosa, mas por vezes irritante
e angustiante, finalmente chega ao fim. Ao menos desta etapa. Estar agora agradecendo a
quem compartilhou comigo todos esses momentos, bons e ruins, é ter a oportunidade de
lembrar, a mim mesma e aos outros, que por mais que tenha sido eu à frente de uma tela em
branco a escrever as páginas que aqui estão, elas foram produzidas em conjunto. Todos –
meu orientador, família, amigos, professores, funcionários, entrevistados, autores foram
co-partícipes nessa empreitada. E como na dádiva maussiana, a obrigação de dar, receber e
retribuir não se encerra nessas linhas.
Nomear parece injusto, pois foram tantos que me apoiaram, cada qual a seu modo é claro,
que eu me veria diante da missão de escrever outras tantas páginas. Por isso, utilizar-me-ei
de generalizações e sentimentos. Afinal de contas, aqui é a hora e o lugar para dizer:
obrigada.
À minha família devo a sensibilidade, o afeto e a confiança. Particularmente à minha mãe,
de quem herdei o “gosto pelo mundo”, e a meu pai por buscar na construção de diálogos
(por vezes, devaneios) entre a (sua) matemática e a (minha) antropologia um caminho para
estar sempre próximo. Agradeço a Gilberto Velho, meu orientador, que também incluo aqui
como “da família”, pois mais do que alguém que simplesmente ensina, que doa, ele se fez
presente com conselhos e atitudes amigas. Ter compartilhado com ele esses quase oito anos
me fez perceber, seja por seu rigor, seja por seu bom humor, que é alguém com quem
poderei contar sempre e que mesmo finda esta etapa, jamais precisarei caminhar sozinha.
9
Aos amigos de toda uma vida, aqui representados por Fernando, Bugre, Jackiele, Vicka,
Renata e Michele, agradeço carinhosamente e também àqueles com os quais convivi
durante meus dias de Quinta: Adriana Facina, Andréa Moraes, Cristina Patriota, Fernanda
Piccolo, Rogéria, Sandra Costa, Patrícia Delgado, Pedro Alvim e Marcelo, com quem
compartilhei ótimos momentos. A Isabel, Carla e Cristina (da Biblioteca); Luis Cláudio e
Marcelo (Secretaria), Afonso (Contabilidade), Álvaro e Marcelo (Informática), Roberto e
Miguel (Cantina) por se colocarem sempre como amigos, dispostos a tornar mais simples
meus problemas cotidianos.
Agradeço igualmente a Jorge Gama, por ter me recebido por vezes seguidas, sempre bem
humorado e disposto a ajudar. A Zito e Andréia Zito por terem dispensado algumas horas
de seus dias em entrevistas. A todos do PT, PTB e PMDB que se dispuseram a conversar
comigo, os quais não nomearei por excesso de cuidado. Aos moradores anônimos da
Baixada pelas conversas de portão, pela água gelada compartilhada em dias de caminhadas
poticas, pelos papos bem humorados e pela recepção sempre cordial. À Gisele e Thamara
que me auxiliaram durante um período da tese, coletando dados, fazendo entrevistas com
moradores, acompanhando-me em caminhadas e eventos poticos. Sua dedicação e
amizade foram mais que “assistência de pesquisa”.
A Roberta Ceva que compartilhou comigo alguns momentos de tensão durante esta tese e,
principalmente, por seu apoio indispensável na edição deste trabalho. Certamente você foi
responsável por tornar a leitura dessas páginas bem mais agradável.
Aos professores que jamais esquecerei: Moacir Palmeira, Lygia Sigaud, José Sérgio Leite
Lopes, Federico Neiburg, Giralda Seiferth. Assim como a Antônio Carlos de Souza Lima e
Karina Kuschnir que acompanharam o processo de “fabricação” desta tese.
10
Aos colegas da UFU. Aos já bons amigos que fiz em meus dias nas Gerais, especialmente,
Deise, Lilia, Sérgio, Christy e Karen.
À Vitória que traz em seu nome a marca de quão querida e desejada é. Aos seus breves
sorrisos entre choros e sonecas.
A Juarez Humberto, um agradecimento especial. Simplesmente por me fazer desejar ser
sempre melhor. Obrigada pelas leituras durante as madrugadas, pela compreensão em meus
dias deria, pela infinita pacncia diante de minhas réplicas e tréplicas, por me amar sem
limites. Você é indispensável na minha vida e os dias em que posso estar contigo são
sempre ensolarados.
Por fim, agradeço ao CNPq que me concedeu bolsa durante os dois primeiros anos de
minha tese neste Programa.
11
INTRODUÇÃO
Começo com um mapa da viagem. Afinal, o que pretendo elaborar aqui pode ser, de certa
forma, pensado como uma cartografia (ainda que breve) da potica na Baixada Fluminense.
É difícil precisar quando exatamente comecei esta etnografia. A política sempre permeou
meus interesses; em um primeiro momento, muito mais como moradora e observadora da
Baixada Fluminense e somente mais tarde como questão sociológica propriamente dita.
Acho importante refletir, de alguma maneira, sobre o fato de que nasci e morei até os 15
anos de idade em Paracambi, município localizado a 80 km do Rio de Janeiro, às vezes
incluído como o último município da Baixada. A Rodovia Presidente Dutra era um de meus
caminhos habituais. Os trilhos que levavam à Central do Brasil, um outro. O destino: o Rio
de Janeiro.
A visão cotidiana e repetitiva das cidades que se sucediam, sem que se notasse
precisamente seus limites, marcou os meus dias durante muito tempo. As idas e vindas
pareciam-me, às vezes, intermináveis. O movimento era uma prática constante e uma
exigência iminente.
A manutenção de meus laços com Paracambi e com a Baixada, de forma mais ampla, deu-
se não apenas porque meus pais, outros parentes e alguns amigos ainda moram por lá, mas
também porque sempre mantive algum vínculo de identificação com a localidade. Não
havia, por exemplo, transferido o meu título de eleitor até a eleição de 2004. Era uma forma
de participar da vida da cidade de uma maneira ou de outra. Não que isto me torne uma
“nativa” (se é que posso classificar-me desta forma), que autorize o meu discurso ou, ainda,
que me coloque em posição privilegiada. Apenas reconheço que fiz uma opção consciente
12
de transformar em objeto algo que fazia parte do meu cotidiano, múltiplo, heterogêneo e
perpassado por outras formas de pertencimento e processos de identificação que, em
algumas situações, foram mesmo contraditórios.
A própria alteração em meu status me fez redirecionar o olhar. Novos lugares e novos
sentidos. De repente, transformei-me numa pesquisadora em trânsito. As inúmeras viagens
operavam, agora, um desejo de conhecer e desvendar a “casa”. Os amigos, amigos dos
amigos, conhecidos e estranhos viravam interlocutores, nativos e mediadores. Tudo me
parecia fora do lugar. Eu mesma estava fora do lugar.
Cada dia era novo e cada fala, cada paisagem, cada cidade me exigia mais e mais. Os
tropeços foram intercalados por conversas com motoristas de vans e moradores em filas de
ônibus; poticos em campanha e outros que delas já desistiram; “marketeiros”, assessores e
eleitores; festas e chuvas; caminhadas e a procura por elas.
Outro aspecto de meu “trabalho de campo” foi o trânsito entre “meus diferentes mundos”,
mais especificamente e geograficamente, o Rio de Janeiro, onde residi de 1994 até 2004
(com alguns intervalos); Nova Iguaçu, cidade na qual estudei quando adolescente, morei
por dois anos e trabalhei por quatro e Paracambi, cidade onde nasci e fui criada. O
“movimento” foi parte constitutiva
do meu cotidiano antes e durante todo o processo do
doutorado e as pessoas que conhecia foram peças-chave para que esta pesquisa se
desenvolvesse. Não se trata, portanto, de uma etnografia multi-situada (Marcus, 1995);
tendo antes a pensá-la como multi-referenciada.
A partir da pesquisa de campo, descortinavam-se diante de mim outras tantas Baixadas que
eu não conhecia e, de repente, em pequenos diálogos, parecia que todas se faziam uma só:
Aqui na Baixada é assim mesmo!” “Você não tem cara de Baixada!” “Se você é de
13
Paracambi, sabe do que estou falando”. Estas foram apenas algumas das falas “roubadas”
de seus contextos e registradas aqui no intuito de expressar distanciamentos e acolhimentos
que fizeram parte de minha vivência.
Não retomarei aqui a discussão sobre uma suposta imparcialidade — já exaustivamente
abordada pelas ciências sociais — tampouco aquela relativa à posvel interferência da
proximidade (espacial e/ ou sociocultural) do pesquisador que opta pelo estudo no mesmo
universo de que faz parte — questão explorada e problematizada por Velho (1980 e 1981) e
Velho e Kuschnir (2003). Farei, no entanto, algumas observações sobre as condições de
realização de minha pesquisa.
Eu não segui o modelo tradicionalmente institdo pela antropologia clássica, fundado por
Malinowski a partir de sua pesquisa na Melanésia, mais especificamente nas Ilhas
Trobriand (1922). O “trabalho de campo” tornou-se a partir de então referência e marco
para a antropologia, informando um novo fazer etnográfico. Minha opção pelo recorte
socioespacial da Baixada Fluminense não se deve apenas à sua classificação como área
periférica, marginal e estigmatizada ou ao lugar secundário que ocupa na historiografia da
potica regional, mas também ao fato de que este “lugar” estaria em processo constante de
construção, a partir de projetos diversos e, muitas vezes, conflitivos (dentre os quais os
projetos políticos analisados nesta tese).
A decisão de estudar a potica e, mais especificamente, algumas trajetórias de políticos da
Baixada Fluminense (assim como a de situá-los nas redes de que fazem parte), deu-se a
partir do trabalho realizado para a conclusão do curso de mestrado. Esta dissertação tratou
da articulação — entendida em termos amplos e não restrita à articulação partidária — de
uma associação de moradores em um bairro carioca, tendo na figura de seu presidente, o
14
mediador e porta-voz autorizado para lidar com o problema da eminente construção de um
túnel urbano (que reconfiguraria não apenas o espaçosico, mas as relações sociais dentro
do próprio bairro) (Barreto, 2001).
Ao ingressar no doutorado, procurei unir dois interesses primordiais: a potica e a Baixada.
Meu projeto inicial consistia em analisar as trajetórias de dois políticos locais, também
empresários, tentando pensar as relações entre a potica e o mundo empresarial, a partir
desta dupla inserção dos atores escolhidos. Tal empreitada, no entanto, logo se mostrou um
tanto complicada devido à dificuldade — quase impossibilidade — de acessá-los e, mais
ainda, o mundo empresarial da região. Voltei-me então para a idéia mais geral motivadora
de minha entrada no doutorado: a Baixada Fluminense.
Este estudo insere-se na área que se convencionou chamar Antropologia Urbana. A
passagem para uma antropologia das e nas cidades fomentou debates e buscou novas
oões para lidar com os objetos produzidos a partir desse “encontro” do pesquisador com
sua própria sociedade e da exincia de se constituir uma outra alteridade.
Seja nos trabalhos que enfocavam a cidade como objeto (Weber, 1967 [1921]), passando
por aqueles que procuravam dar conta das especificidades estabelecidas pelo novo ritmo
das metrópoles (Simmel, 1967 [1902]) e, finalmente, nos estudos da Escola de Chicago
1
1
A Universidade de Chicago foi criada em 1892, com o apoio obtido da Fundação Rockfeller e a partir da
atuação de diversos intelectuais, entre eles de pastores protestantes como Albion Small. A Escola de Chicago
o configura propriamente uma “escola em termos de uma referência teórica específica, referindo-se antes a
estudos marcados por influências diversas, pela interdisciplinaridade e que, apesar das variadas experiências
que originaram, tiveram em comum a cidade e os grupos urbanos como objetos de estudo. A origem do que se
convencionou chamar Escola de Chicago foi o Departamento de Sociologia e Antropologia que funcionou
entre 1892 e 1929. Em 1929 o Departamento foi desmembrado e os pesquisadores se dividiram entre as duas
áreas. Os trabalhos produzidos pelos pesquisadores da Escola de Chicago, no entanto, continuaram a exercer
influência entre diversos pesquisadores preocupados com as cidades e com sua própria sociedade. Entre seus
principais temas e autores encontramos: a integração e imigração (Thomas e Znanieki, 1918-1920); a
segregação socioespacial (Park (1967 [1916]), Wirth (1928), Burgess (1928); o estilo de vida urbano, Wirth
(1967 [1938]); as carreiras, Hughes (1971a e 1971b), Becker (1977 e 1982); o desvio, Becker (1967 e 1973);
15
que consagraram as pesquisas em meio urbano, a heterogeneidade e a complexidade dos
grupos sociais e das interações foram se impondo frente às transformações por que
passavam as cidades em todo o mundo.
O trabalho de Foote Whyte (2005 [1943]) é exemplar para pensarmos a constituição da
pesquisa com grupos urbanos, a metodologia de trabalho empregada, além do próprio lugar
ocupado pelo pesquisador.
“As idéias crescem, em parte, como resultado de nossa imersão nos dados e do processo
total de viver” (idem, p. 284). A partir desta afirmação, gostaria de debruçar- me sobre meu
recorte, minhas escolhas e meus dados, ainda que de forma incipiente.
A amplitude de meu recorte e minha proximidade com o universo pesquisado foram os
primeiros obstáculos enfrentados para a realização desta pesquisa. Como enfrentar a
Baixada Fluminense? E, afinal de contas, por quê? A potica surgiu, então, como uma
tentativa de tornar possível tal empreitada bem como de estabelecer algum tipo de
estranhamento. Mas se a escolha recaísse sobre a análise da trajetória de um único potico,
como seria possível contemplar o objetivo inicial de entender a multiplicidade de imagens e
interpretações sobre este “lugar”? Provavelmente, seria um trabalho mais minucioso que
me permitiria acompanhar pari paso o dia a dia do político, as reuniões, as alianças, com a
possibilidade de me fazer presente o maior tempo possível.
o estigma e as performances (Goffman (1975 [1959], 1974 [1961], 1975 [1963], 1969). Esses autores tiveram
papel de destaque na prodão antropológica brasileira, fundamentalmente pelo intermbio entre
pesquisadores de Chicago, como Donald Pierson em São Paulo, influenciando toda uma geração de cientistas
sociais e, no Rio de Janeiro, pelos trabalhos desenvolvidos por Gilberto Velho e seus orientandos, com
marcada influência dos trabalhos supracitados. Sobre a Escola de Chicago, consultar Bulmer (1986), Becker
(1990). Sobre as experiências e diálogos de pesquisadores brasileiros e franceses com os pesquisadores de
Chicago, consultar o livro A Escola de Chicago. Impacto de uma tradão no Brasil e na França, organizado
por Valladares (2005).
16
O segundo problema surgia justamente daí. Se uma única trajetória não era suficiente para
pensar na multiplicidade da Baixada a partir das práticas políticas locais, quais trajetórias
deveriam ser selecionadas? E por quê?
Desde o icio, eu estava decidida a abordar o caso de Zito, visto que se encaixava
exemplarmente no perfil do potico-empresário e tinha sua imagem pública
constantemente associada a uma representação da Baixada condizente com os noticiários
jornalísticos dominantes na década de 1980. Logo em seguida, no entanto, após recorrentes
tentativas, a aproximação com tal político mostrou-se dificílima
2
. Acabei optando, então,
por recomeçar de outra forma. O critério adotado para a definição dos nomes a serem
abordados nesta tese passou a ser a possibilidade de acionarem imagens diversificadas
sobre a Baixada — e sobre o fazer político local — e não somente aquelas remetidas às
idéias de violência, criminalidade e assistencialismo.
Tentei, em seguida, montar um pequeno quadro de referência sobre repertórios e imagens
mobilizados, privilegiando as narrativas construídas por poticos que, a meu ver,
descreveriam não apenas as práticas poticas locais como trariam à tona tal multiplicidade
de formas de identificação e de constituição das diferentes Baixadas, por intermédio de seus
projetos individuais e na medida em que possibilitariam ou não a constituição de projetos
coletivos. Ao tentar definir o lugar dessas práticas e discursos, enfoquei o estatuto da
potica no que tange à enunciação da(s) Baixada(s), procurando abordar os projetos
poticos como operadores dos movimentos de expansão e retração das fronteiras
simbólicas e espaciais do que se convencionou chamar Baixada Fluminense.
2
Retomarei tal questão no capítulo 3 desta tese.
17
Achei adequado, após as inúmeras negativas que recebi da equipe de Zito,o invadir o
mundo da potica, mas tentar entrar como convidada. Sendo assim, quando por fim me
decidi a estudar as relações poticas locais, busquei imediatamente um possível mediador.
Meu primeiro contato foi com o então prefeito de Paracambi (pelo PT), André Ceciliano,
em 2003. Este acesso foi facilitado porque já nos conhecíamos de Paracambi e, segundo um
ditado comum nas cidades pequenas, “em cidade pequena, todo mundo se conhece”. Minha
condição de ex-moradora e os laços desse tipo de pertencimento foram, portanto, decisivos,
naquele momento, para meu ingresso nesse universo.
Na reformulação do projeto inicial, resolvi recomeçar a pesquisa entrevistando outros
prefeitos da Baixada. Meu primeiro passo foi telefonar para a prefeitura de Paracambi e
marcar uma entrevista com a secretária de André Ceciliano, que a agendou para a semana
seguinte. A entrevista foi marcada para o dia 15 de setembro de 2003, às 8h30min, em seu
gabinete na Prefeitura. Cheguei antes das 8 horas e fiquei aguardando na sala de espera
onde também estavam mais quatro pessoas que desejavam uma audiência com o prefeito
(uma enfermeira, responsável por um projeto junto à Secretaria de Saúde; uma mulher de
aproximadamente 45 anos que era representante de uma associação de moradores e dois
moradores de bairros da periferia). O prefeito chegou às 9horas, aproximadamente. Logo
em seguida, solicitou à secretária que me pedisse para aguardar um pouco pois atenderia a
enfermeira para, em seguida, falar comigo. Levou apenas dez ou quinze minutos neste
atendimento” e logo me mandou entrar. Conversamos por mais de duas horas e, a partir
daquele momento, André tornou-se um interlocutor e mediador fundamental.
Nesta primeira entrevista, conversamos sobre sua trajetória potica, seus projetos – entre os
quais a reeleição – e também sobre a Baixada – sobre imagens veiculadas pela mídia,
18
violência, problemas estruturais, personalidades políticas e emprerios, principais agências
etc. E foi neste mesmo dia que, a partir de uma pergunta sobre os novos nomes do PT para
a Baixada (referindo-me mais explicitamente a Narriman Felicidade que pouco havia
ingressado no PT, fato este que provocara grande repercussão no partido e também na
imprensa, já que seu marido era ninguém menos que o polêmico Zito), ficou evidenciada a
ligação de André com Lindberg Farias. Na ocasião, André me garantiu que, apesar do
alvoroço em torno de Narriman, o grande nome do partido para as eleições de 2004 seria o
de Lindberg Farias e que ele, certamente, venceria a eleição. “Você pode anotar isso: o
Lindberg vai ganhar essa eleição em Nova Iguaçu. Ele é um cara com carisma, com
potencial e não entra pra perder.” Contou-me sobre sua relação com Lindberg e alertou-me
que ficasse “ligada”, “de olho”, pois ele iria “dar o que falar”.
Naquele momento, ainda não havia decidido por que poticos “recortar” a Baixada. Resolvi
partir dos executivos municipais em seu cotidiano, pesquisando a maioria dos municípios
da Baixada Fluminense — ou seu núcleo mais conhecido, constituído por Duque de Caxias,
Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados, Japeri e
Paracambi. Realizei diversas entrevistas com prefeitos, mas percebi que seria inviável
trabalhar com todo o material coletado de forma adequada. Ao mesmo tempo, estava
acompanhando a articulação da campanha para a reeleição de Mário Marques — eleito
vice-prefeito de Nova Iguaçu em 2000, tendo assumido o cargo quando Nelson Bornier
elegeu-se deputado federal nas eleições de 2002 — junto a quem permaneci pesquisando
até o final da eleição de 2004.
Após algumas conversas e ponderações de meu orientador, resolvi definir as trajetórias
poticas a serem abordadas, escolhendo entre nomes diretamente envolvidos com os novos
19
rumos que a potica na Baixada poderia tomar. Concentrei meus esforços em três
personalidades poticas, cada qual mantendo uma relação bastante singular com a região.
Zito foi um dos escolhidos, mesmo sem conseguir dele me aproximar; os outros dois foram
Jorge Gama e Lindberg Farias. Tal escolha justifica-se, de forma geral, pela importância
potica, pela especificidade da vida pública e pelas imagens e projetos de Baixada
suscitados por esses atores — como procurarei demonstrar ao longo desta tese.
A escolha de Jorge Gama explica-se em grande medida por seu papel central na potica da
Baixada, desde os anos 1970, e por sua “sobrevivência potica”, mesmo estando há muitos
anos sem mandato legislativo. A opção por Lindberg deveu-se ao fato de, em um
determinado momento da pesquisa, termos sido confrontados a uma situação inusitada. Até
então, a eleição não seria objeto de análise deste trabalho e as movimentações e a
organização do dia a dia das campanhas poticas não constava de meus planos de
investigação. Entretanto, como se a tese ganhasse vida própria, fui engolida pelos
acontecimentos políticos que tiveram início no fim de 2003, intensificando-se nos primeiros
meses de 2004: a entrada em cena de um potico outsider, Lindberg Farias.
Os três perfis aqui analisados são bastante contrastantes. O pertencimento a distintos
partidos políticos e as carreiras de rumos diversificados, permitiram-me contrapor os
estilos e as atuações desses atores sociais que, no entanto, guardavam alguma similaridade:
seus projetos políticos tinham a Baixada Fluminense como locus privilegiado.
Durante a pesquisa não tive a sorte de deparar-me com um Doc como Foote Whyte (op.
cit.), mas contei com a colaboração de diversos (e valiosos) informantes ativos (em
contraposição à sua idéia de “informante passivo”). Dentre eles, André Ceciliano foi o
primeiro, mas posteriormente estabeleci uma relação similar com Pedro Cezar (o PC,
20
assessor de comunicação de Mário Marques), com Jorge Gama e com Kayo (assessor de
comunicação de Lindberg Farias). Eles não se contentavam em informar-me. Na maioria
das vezes, exigiam que eu me posicionasse, emitindo, a todo momento, suas opines sobre
a potica” e sobre “a Baixada”. Assim como Foote Whyte, eu procurava esquivar-me de
temas delicados e de “questões melindrosas”, mas a “conversa” era o instrumento por
intermédio do qual se dava a aceitação e a justificativa para a minha interferência
inoportuna (cf. Foote Whyte, op. cit., p. 305). O reverso da moeda, no entanto, consistia no
fato de que, ao mesmo tempo em que a minha presença poderia ser problemática e
desconfortável (as conversas deveriam ser “controladas”, a escolha das palavras mais
cuidadosa, os nomes muitas vezes omitidos...), também significava que a trajetória pública
destes homens despertava interesse — e quem sabe minha aceitação poderia ser
capitalizada (como o foi e tratarei disso mais adiante) em alguma visibilidade (nota em
jornal, a publicação de um artigo, de um livro etc.).
Desde 2003, as entrevistas e conversas com poticos, pessoas a eles ligadas e moradores
foram realizadas como forma de penetrar aos poucos no “mundo” da potica local. O
estilo” de pesquisa adotado me possibilitou trabalhar com abordagens e técnicas diversas.
Em face da opção por conduzir o estudo a partir de três trajetórias específicas, não trabalhei
com histórias de vida ou estudos de caso. A peculiaridade do objeto e do tempo que cada
potico dispunha para estar comigo obrigavam-me a criar alternativas ao “contato o mais
íntimo possível” — bem como o fato de estar morando em outro estado, desde agosto de
2004.
Além da pesquisa bibliográfica sobre a Baixada Fluminense, particularmente sobre a
potica na Baixada, os jornais (impressos, televisionados e on line) foram fontes
21
privilegiadas de análise. Já que não haveria como mapear as relações de cada ator analisado
e entrevistar/ conversar com pessoas que acompanharam tais trajetórias, utilizei os meios de
comunicação — mais do que como fontes — como informantes mesmo, juntamente com os
moradores dos municípios da Baixada e com pessoas diretamente ligadas aos poticos, ou
por vínculo profissional ou por familiar e de amizade.
As matérias coletadas provêm, majoritariamente, dos jornais cariocas O Globo e Jornal do
Brasil. Nesses dois recolhi todas as matérias publicadas sobre Jorge Gama, Lindberg Farias
e Zito até o momento imediatamente posterior à eleição de 2004, englobando o início da
década de 1980 até o final de novembro de 2004. Além dos jornais mencionados, também
realizei pesquisas on line — cujas buscas foram realizadas pelos nomes dos políticos e/ ou
da Baixada Fluminense em periódicos e semanários diversos até o fechamento desta tese:
Folha de São Paulo, Estado de Minas, Gazeta Mercantil, Jornal do Comércio, Jornal de
Hoje, Extra, O Dia, Revista Isto É, Revista Veja. As matérias foram classificadas,
inicialmente, pelo potico mencionado e, em seguida, por assunto. Não houve nesta
abordagem qualquer intenção de mensuração quantitativa, mesmo porque a imprensa (em
suas diversas modalidades) foi trabalhada como um “informante” identificado, ou seja,
como fonte de informações que traduz interesses próprios.
Também foram consultadas atas de seses da Assembia Legislativa que diziam respeito
a algum acontecimento marcante para os políticos escolhidos, assim como sítios eletrônicos
de partidos poticos e páginas pessoais de alguns poticos na Internet. Entre o staff de cada
um, os assessores de comunicação foram privilegiados, com eles sendo realizadas
entrevistas formais. Também foram entrevistados secretários de governo, motoristas,
22
fotógrafos de campanha, candidatos às Câmaras Municipais, e, quando possível, alguns
poticos próximos a Jorge, Lindberg e Zito.
Optei por entrevistas abertas e gravadas, assim preservava-se o “clima de conversa” —
nenhum dos meus interlocutores tendo demonstrado qualquer constrangimento diante de
meu pedido para realizar a gravação. Alguns deles solicitaram que eu desligasse o gravador
em alguns momentos da entrevista, para que a informação pudesse ser dada “em off”. Elas
aconteceram em locais diversos: gabinetes, restaurantes, bares, corredores, festas, casas,
carros etc. Como eu estava sempre “armada” com meu gravador, qualquer hora era hora.
Além das entrevistas, diversas outras situações e conversas informais colaboraram para
minha “imersão nos dados”. Apesar de não residir em um dos municípios da Baixada
durante o período da pesquisa, coloquei-me como etnógrafa em tempo integral, o que
implicava em transformar minhas “idas e vindas” à Baixada (para encontrar amigos, ir a um
restaurante, comprar algo) como parte de uma “vivência de campo”.
Minha familiaridade com lugares e pessoas não se revelou um empecilho à pesquisa, ainda
que, às vezes, eu me cobrasse um certo distanciamento e alteridade que, curiosamente,
puderam ser construídos a partir da aproximação com meus interlocutores. Nesses
movimentos de “abertura” e “fechamento” fui, aos poucos, encontrando o meu lugar — não
definido apenas por mim e pela idéia inicial de que eu poderia “controlar tudo”, mas
também pelas pessoas com quem fui me relacionando e que me classificavam ora como
pesquisadora-moradora, ora como moradora-pesquisadora, ou ainda como pesquisadora
ou só como (ex-)moradora. A suposição (ou presunção) de um domínio sobre as distâncias
processadas caiu por terra, e o convívio, mais ou menos duradouro, com o mundo da
potica na Baixada tornou-se instigante e prazeroso.
23
A respeito dos nomes, decidi-me por mantê-los em função do caráter público das trajetórias
abordadas. Já os nomes dos moradores e de pessoas ligadas aos políticos, por vínculos
profissionais e/ ou pessoais, foram alterados visto que em função quer das informações,
quer de suas opiniões, estariam expostas a constrangimentos e algum tipo de retaliação.
Destaco apenas que nenhuma delas fez qualquer objeção ou restrição ao uso de seu nome.
A construção da tese implicou em uma ordenação dos capítulos que, à primeira vista, pode
parecer marcada pelo recorte cronológico. Adianto que não foi este o objetivo. Tal fato
deve-se à tentativa de — juntamente com apontamentos sobre as práticas poticas e as
imagens acionadas sobre a Baixada — seguir os acontecimentos no tempo. Enfatizo, no
entanto, que minha escolha por três políticos (as faces) que ainda atuam na vida pública
justifica-se, em grande medida, por acreditar que as fases da potica na Baixada podem
coexistir em situações que, à primeira vista, apresentam-se como antagônicas.
Sendo assim, inicio a tese com uma síntese (no primeiro capítulo) de algumas
considerações a respeito de como a categoria Baixada Fluminense vai sendo formada e
transformada ao longo do tempo, a partir dos discursos dos diferentes atores e agências
sociais em jogo. A partir dessas classificações, abordo os trabalhos mais recentes que lidam
com a Baixada e com a multiplicidade de suas construções: de historiadores, vereadores,
músicos, deputados e moradores de um município recém-emancipado, procurando
apreender as formas como a política é por eles entendida e vivenciada.
Nos três capítulos subseqüentes, exponho as trajetórias de Jorge Gama, Zito e Lindberg
Farias, respectivamente, enfatizando as imagens e discursos acionados sobre a Baixada,
além dos projetos poticos de cada um, na medida em que traduzem repertórios culturais
diversificados e distintas possibilidades para se pensar o “lugar” em diferentes contextos.
24
Pensando essas trajetórias como interligadas a redes políticas mais amplas, buscamos
compreender os sentidos atribuídos à potica e a suas práticas e a relação entre os projetos
individuais e coletivos.
O quinto e último capítulo focaliza o tempo da política na Baixada — tomando como base
as eleições de 2004 — sintetizado nas idéias da festa e da guerra. Desse modo,
privilegiamos de um lado, uma estrutura específica de visibilidade e da relação potico-
eleitor propiciada pelos showcios e, de outro, a dimensão conflituosa das contendas
eleitorais e das disputas entre projetos políticos diferenciados.
Por fim, mencionamos algumas considerações sobre a construção dos sistemas de
visibilidade e do papel dos meios de comunicação para se falar de potica e de cidadania
nas sociedades contemporâneas.
25
CAPÍTULO 1: VERSÕES E PROPOSIÇÕES
Há tantas maneiras de representar o espaço quantos são os grupos” (Halbwachs,
1950:166).
oconsenso quando o assunto é Baixada Fluminense. Por este motivo, cabem aqui
algumas considerações iniciais. Hoje, a configuração mais ampla da região (da qual me
utilizo)
3
abrange 13 municípios — Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queimados,
Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo, São João do Meriti, Duque de Caxias,
Magé e Guapimirim — que, juntamente com as cidades do Rio de Janeiro, Niterói e São
Gonçalo, formam a Região Metropolitana do Rio de Janeiro ou o Grande Rio. Com uma
população de mais de 3 milhões de habitantes
4
, a Baixada tem comocleo os municípios
de Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis e Nova Iguaçu —este
último tendo sido historicamente desmembrado em quase todos os demais que hoje
comem a região, por meio das emancipações que tiveram início na década de 1940
(Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis); as últimas tendo ocorrido na década de
1990 (Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita)
5
.
Apesar de hoje já contarmos com um número mais expressivo de trabalhos sobre a região,
sua delimitação ainda permanece algo polêmica. Mesmo não sendo o objeto da maioria
destes estudos, a temática em questão figura, de uma forma ou de outra, entre as
3
As razões desta escolha serão explicitadas ao longo deste capítulo.
4
De acordo com dados do Censo 2000 do IBGE, a Baixada Fluminense — com a configuração acima exposta
— teria 3.370.508 habitantes e, de acordo com o Quantitativo de Eleitores de março de 2005, divulgado pelo
TSE, 2.290.890 eleitores.
5
As datas das emancipações são respectivamente: 1943, 1947 (de Duque de Caxias), 1947 (de Nova Iguaçu),
1990, 1990, 1991 e 1999. Os municípios de Itaguaí, Seropédica (desmembrados em 1997); Paracambi; Ma
e Guapimirim (desmembrados em 1990) possuem características que os singularizam frente aos demais
municípios. Procurarei, no entanto, matizar tal abordagem a fim de pensar o “lugar” de cada um na Baixada,
como construção simbólica.
26
preocupações de seus autores
6
. Provavelmente, a definição preliminar mais utilizada nos
trabalhos acadêmicos seja a de Geiger e Santos (1956) que, grosso modo, identifica a
Baixada como uma área de planícies baixas constantemente alagadas entre o litoral e a
Serra do Mar, atualmente estendendo-se pelos municípios situados ao longo da Rodovia
Presidente Dutra, numa extensão de aproximadamente 80 km a partir da cidade do Rio de
Janeiro
7
. Apesar de uma ocupação lenta verificar-se já a partir do século XVI e da região
ter sido fornecedora e distribuidora de matérias-primas diversas (cana-de-açúcar, café,
carne etc.) à capital (Rio de Janeiro)
8
, um dos processos mais significativos de ocupação da
localidade teve início com a construção da estrada de ferro D. Pedro II, no século XIX
9
.
Desde 1840, a idéia da construção de uma estrada de
ferro que, partindo do principal porto da Vila, fosse
6
Diversos são os trabalhos produzidos sobre a Baixada Fluminense — ou a ela relacionados — durante as
últimas décadas. Por questões relacionadas ao escopo desta tese, estarei utilizando aqueles mais recentes ou
que tenham ligação direta com a questão das práticas políticas locais. O grande esforço dos pesquisadores
atualmente envolvidos com a análise de grupos sociais na região é o de refletir sobre a multiplicidade de suas
práticas. Sendo assim, selecionei dentre as pesquisas acadêmicas mais recentes na área de ciências sociais
— seis trabalhos com os quais pretendo dialogar mais sistematicamente neste catulo: duas dissertações de
mestrado (Oliveira, 1999 e Monteiro, 2001) e três teses de doutorado (Alves, 2003 [1998]; Enne, 2002 e
Freire, 2005), exceção feita ao trabalho de Israel Beloch (1986) sobre a trajetória de Tenório Cavalcanti, dada
a singularidade de seu objeto e de sua importância para esta tese. No “recorte” que fiz, privilegiei autores que
estivessem, em alguma medida, preocupados em definir a(s) Baixada(s) e/ ou a política local e suas práticas.
Diante disso, podemos agrupá-los a partir de alguns dos assuntos por eles abordados: identidade social,
violência, práticas políticas e organizações coletivas/ arenas públicas. Percebemos a confluência em torno de
alguns temas, distribuídos quase eqüitativamente por todos os trabalhos.
Outro fato que acabou definindo esta escolha foi o uso recíproco entre os próprios autores e, portanto, o
reconhecimento desses trabalhos e de seus objetos. Ainda nessa mesma direção, ressalto que esta produção —
novamente exceção sendo feita ao trabalho de Beloch data da segunda metade da década de 1990 em
diante, acompanhando a ascensão da categoria Baixada a uma outra ordem de visibilidade, a uma mudança de
status nos meios de comunicação, como apontado pela maioria dos trabalhos aqui analisados. Tal opção não
implicou, no entanto, em qualquer restrição aos demais trabalhos produzidos até eno sobre Baixada, que
serão utilizados ao longo desta tese.
7
Para citar apenas alguns trabalhos: Beloch (1986), Alves (1991, 1999 e 2003), Fernandes (1992), Andrade
(1993), Keller (1997), Souza (1997), Torres (1998), Costa (1999), Souza (2000), Prado (2000), Enne (2002),
Barreto (2004), Costa (2006), entre outros. A maioria considera a Baixada como sendo composta por 11
municípios — quando não apenas por 8. Na primeira delimitação exclui-se Itaguaí e Seropédica e, na
segunda, os mesmos, mais Paracambi, Magé e Guapimirim. Há, no entanto, quem inclua ainda nesta
composição, Mangaratiba — somada aos 13 municípios já mencionados acima.
8
Peixoto (1968), Pereira (1970 e 1977), Ferreira (1994), Peres (1993), Silveira (1998), Oliveira (2004), entre
outros.
9
Abreu (1988), Peres (2004).
27
terminar à foz do rio Sarapuí, em um porto chamado da
Armação, era um sonho alimentado pelos fazendeiros e
financistas da região. Prejudicados com o atraso em
despachar e receber suas mercadorias, que dependia da
maré enchente, e mesmo assim com a ajuda de escravos
que impulsionavam as canoas por meio de varas
escoradas no fundo da lama, fizeram com que esse desejo
fosse levado à sede do Império e, no dia 9 de maio
daquele mesmo ano, autorizadas pela Fazenda Real,
abriram-se subscrição de ações através da Lei
Providencial para tal empreendimento” (Peres, 2004:24).
A ampliação da estrada de ferro até Queimados, em 1858, promoveu a atração e fixação da
população que, tendo se deslocado para as margens da linha do trem, estabeleceu um
padrão de ocupação ainda hoje marcante na quase totalidade das cidades que comem a
região
10
. Tal processo implicou no abandono das vias fluviais — até então fundamentais
para a economia local — que acabaram por tornar-se obsoletas
11
.
Um segundo momento crucial da história local foi marcado, já na década de 1930
12
, pela
criação da Comissão de Saneamento da Baixada e do Departamento Nacional de Obras de
Saneamento que ocasionaram inúmeras mudaas na rego, repercutindo em uma nova
leva populacional, a partir da década seguinte
13
. A chegada de migrantes de várias regiões
do país e do estado — mas sobretudo nordestinos — em busca do sonho de um pedaço de
terra e/ ou da possibilidade de morar mais próximo ao local de trabalho (o município do Rio
10
Sobre a extensão da linha férrea, temos o caso, por exemplo, de Japeri cuja história é marcada pela morte de
centenas de homens que trabalhavam na construção da ferrovia — acometidos de malária ou mortos em
acidentes, devido às péssimas condições de trabalho e de salubridade na região.
11
Este fato provocou mudanças consideráveis na região da vila de Iguassu (mais tarde Iguaçu e, a partir de
1916, Nova Iguaçu) até então tendo uma economia voltada para os portos (como os de Iguaçu e Estrela, por
exemplo) que acabaram assoreados.
12
É importante salientar que um primeiro movimento para sanear e drenar as terras da Baixada ocorreu entre
1844 e 1900, tendo como maiores beneficiários os proprietários de terra locais — quehaviam lucrado com
a valorização advinda da construção da estrada de ferro e que, com a drenagem e canalização dos rios,
obtiveram lucros ainda maiores (Pereira, op. cit.).
13
Na década de 1930, tal migração acentuou-se devido fundamentalmente à citricultura e às mudanças na
configuração do espaço na região. Até o início da Segunda Guerra Mundial, Nova Iguaçu era uma das
maiores exportadoras de laranja do país (Pereira, 1977; Souza, 1992).
28
de Janeiro
14
) —resultou no período de maior crescimento populacional da região (décadas
de 1950 e 1960), bastante superior às taxas observadas para o restante do estado
(crescimentos de mais de 100%, só na década de 1950)
15
.
As narrativas de moradores locais confirmam os dados e retomam a saga — desde a cidade
de origem, passando pela viagem de muitas horas em ônibus precários ou em paus-de-arara,
sozinhos ou com toda a falia; o sol e a chuva enfrentados pelo caminho e, por fim, a
chegada ao Rio de Janeiro
16
. O desembarque, mencionado em muitos dos relatos que
escutei, ocorria, por exemplo, no Campo de São Cristóvão — local onde os homens eram
avaliados para possível trabalho na construção civil — e o destino final era, geralmente,
uma das favelas cariocas ou alguma cidade da Baixada Fluminense. As redes familiares e
de amizade apresentavam-se como fatores decisivos no momento da escolha do local de
moradia. Contar com o aulio, ainda que temporário, de um irmão, cunhado, prima ou
amigo era essencial para quem não tinha casa, dinheiro ou mesmo uma ocupação. Alguns
poucos já chegavam empregados — via de regra, por intermédio desses parentes/ amigos
— mas nem todos tinham a mesma sorte.
“Minha família, é uma família humilde, né? Meus pais são
analfabetos, vieram do Nordeste [Pernambuco] tentar a
vida no Rio de Janeiro e sempre trabalhando pra que
pudesse[m] nos sustentar e dar estudo para a gente, né?
Mas as condições [] como é normal no Rio de Janeiro,
acho que no país todo […] Édifícil para as pessoas que não
têm condições e a vida muito sacrificada. É pai trabalhando
em feira, é […] ajudante de caminhão, eu, meu irmão,
minha irmã também trabalhamos em feira, em barraca,
enfim nós trabalhamos muito pra chegar onde nós
14
Algumas obras também contribuíram para tal processo, como por exemplo, a constrão da Avenida Brasil,
em 1946, da Rodovia Presidente Dutra (inaugurada em 1951), assim como os investimentos gerados graças
aos loteamentos que surgiram a partir daí.
15
Fonte: IBGE, 1996.
16
A este respeito, consultar Barreto (2004).
29
chegamos” (Waldir Zito, ex-prefeito de Belford Roxo,
03/02/2004).
“Minha família veio pra Nova Iguaçu sem nada, só com a
coragem mesmo. [...] Porque senão, iam passar fome, né?
Eu nasci aqui, sou daqui da Baixada mesmo, mas já fui
pro Norte, lá pra casa dos meus parentes [Sergipe], mas eu
não troco isso aqui por lá, não” (M., 36 anos, casada,
professora primária, 09/06/2004).
As estradas que atravessam e cortam a Baixada demonstram o seu fluxo permanente. Duas
principais a atravessam diametralmente: a Estrada de Ferro D. Pedro II (atualmente,
SUPERVIA) e a Rodovia Presidente Dutra (BR 116). A circulação incessante de gente, de
carros, de imagens aponta, ao mesmo tempo, para uma estética homogeneizante e para a
multiplicidade de significados em jogo. Haveria, assim, o olhar seencial e indistinto de
quem simplesmente passa por ali e a percepção matizada de quem se atreve a parar, a
desvendá-la (Barreto, 2004).
A primeira vez que fui à Baixada Fluminense estava na
companhia do professor Luís César de Queiroz Ribeiro,
do IPPUR, e de dois educadores da FASE. Eles
organizavam um curso de capacitação de liderança da
Baixada, em Belford Roxo. No trajeto, minha atenção
passou a se voltar para os cenários cinzentos oferecidos
pela Avenida Brasil e pela Rodovia Presidente Dutra.
Duas vias que farão parte da minha experiência
quotidiana de deslocamento, tal como dos moradores da
Baixada Fluminense que trabalham no Rio de Janeiro e
andam de ônibus ou de carro (Freire, op. cit., pp. 29-30).
Os seus moradores poderiam ser caracterizados como errantes. Em primeiro lugar, pela
própria condição de migrante cuja saída da cidade natal constitui o primeiro ato de
deslocamento; em seguida, pelo movimento pendular diário entre a casa e o trabalho (na
maior parte das vezes, fora da Baixada, essencialmente no Rio de Janeiro) e, por fim, pelo
deslocamento necessário até a escola, o hospital etc. Além disso, a circulação se faz
30
presente de forma tão arraigada que constitui tamm os momentos de lazer: “viaja-se
para ir à praia, a um show ou para encontrar amigos do trabalho, do estudo etc.
17
.
A superlotação de trem, de vagões de metrô e de ônibus
no sentido “Baixada Fluminense / Rio de Janeiro, de
6h00 às 9h00, e no sentido contrário, de 16h00 às 20h00,
nos horários de trabalho, de “rush”, é a melhor
demonstração da intensidade das situações de co-
presença, de coexistência, entre pessoas desta região e do
Rio de Janeiro. Cerca de 250 mil a 300 mil pessoas que
residem nos municípios de Magé, Japeri, Mesquita, Nova
Iguaçu, Paracambi, Queimados, Nilópolis, Belford Roxo,
Duque de Caxias e São João de Meriti,o trabalhar
diariamente na cidade do Rio de Janeiro (idem, p. 77).
A delimitação do que se poderia denominar Baixada Fluminense é alvo das preocupações
de diversos autores que atualmente trabalham na ou a Baixada. A tese de doutoramento de
Enne (2002) é exemplar ao apontar para a pluralidade de significados construída pelos
diversos agentes e agências locais. O processo polifônico em questão refere-se ao que a
autora, influenciada pelos trabalhos de Bakhtin, chamou de produção múltipla de sentidos,
denotativos e conotativos da categoria Baixada Fluminense (p.31). A múltipla apropriação
de que nos fala Enne demonstra a inadequação de uma abordagem em termos de unidade
espacial. Tal unidade é desmentida e recusada pela autora. Para além dos espaços
geográficos, estaríamos lidando com construções sociais que extrapolam tal lógica, o que a
obriga a recuperar a bibliografia sobre região, espaço, território e lugar
18
.
Ainda assim, não podemos perder de vista que os atores e agências que constituíram os
interlocutores em sua pesquisa têm interesses bem delineados sobre a história e a memória
17
Alguns moradores da Baixada costumam referir-se às idas ao município do Rio de Janeiro como “viagens”,
o que nos permite pensar que tal uso remeteria a um duplo sentido: o da distância física, mas também
simbólica que o Rio representa para uma parcela considerável da população da região.
18
Ana Enne faz uma apresentação minuciosa desta problemática, privilegiando trabalhos de autores de
diversas áreas , tais como Roncayolo (1986), Heredia (2001), Gomes (1995), Pellegrino (1983), Ricq,
(1983), Weber (1999), Briggs (1985), Foucault (1986), entre outros.
31
locais. Grosso modo, a polifonia de que nos fala Enne é, ao mesmo tempo, produto das
construções discursivas (desses atores e agências, da mídia impressa, da televisão, do
Estado etc.) e dos projetos coletivos e/ ou individuais em disputa na região. A meu ver,
falar em Baixadas
, no plural, constituiria muito mais o resultado do esforço e do rigor
do pesquisador em demonstrar as interações, conflitos, consensos e ambigüidades por trás
da pretensa uniformidade que o uso da categoria no singular —forjada ou não a ferro e fogo
pelo discurso político — nos sugere, do que uma “idéia-sensão” experimentada, de fato,
por seus moradores
19
.
No trabalho de Enne (op.cit.), a mídia foi analisada como importante produtora de imagens
e identidades e pensada como um lugar de memória
20
. Sendo assim, a contextualização das
transformações ocorridas nas imagens divulgadas sobre a Baixada, ao longo das últimas
cinco décadas (de 1950 ao ano 2000), permitiram à autora vislumbrar, com relação à
imprensa escrita, seu enorme potencial de comunicação e de influência na conformação das
identidades locais. Este potencialvinculado à produção de uma cultura de massa — é
percebido em relação aos diferentes discursos (“de fora” e “de dentro”) postos em cena
21
.
Em um primeiro momento, as representações negativas remetiam às imagens da vioncia e
da criminalidade (em seu sentido mais amplo), desqualificando os moradores da Baixada
sob uma designação estigmatizante e generalizada
22
.
Seguindo esta trilha, o segundo capítulo de sua tese destina-se à discussão bibliográfica
sobre o tema em questão e às construções discursivas de três grandes jornais do estado do
19
Refiro-me, aqui, ao sentido atribuído, por exemplo, pela administração pública que opera divisões e
delimitações espaciais. Seria importante salientar também a relação entre as noções de poder, território e
política, como tratada por Weber (1999: 155-186) em “As comunidades políticas”.
20
Nora (1984).
21
Sobre o fenômeno da indústria cultural e da cultura de massa, ver, entre outros, Benjamin (1990), Adorno e
Horkheimer (1990), Eco (1993), Thompson (1995), Rocha (1995).
22
Refiro-me, aqui, à construção de uma marca física e moral estruturante de algumas relações dos moradores
da Baixada — fundamentalmente, com os moradores da cidade do Rio de Janeiro.
32
Rio de Janeiro: o Jornal do Brasil, O Dia e A Última Hora. Enquanto o JB — como é mais
conhecido o Jornal do Brasil — goza de reputação nacional e um público considerado mais
elitizado”, os jornais A Última Hora e O Dia são tidos como “sensacionalistas”, apesar
deste último ter passado por significativas mudanças ao longo dos últimos quinze anos
23
.
Nos anos 1950, a Baixada ainda não tinha muita visibilidade regional ou nacional — esta
adquirida a partir da década seguinte e consolidada ao longo das duas posteriores (1970 e
1980) como sinônimo de criminalidade e vioncia.
Durante esse período, um personagem local ganhou notoriedade diante de sua apresentação
pouco comum e de sua vinculação partidária, a princípio, incompatível com seu estilo
potico
24
. Refiro-me a Natacio Tenório Cavalcanti de Albuquerque, imortalizado como O
Homem da Capa Preta
25
.
Em Capa preta e lurdinha, Beloch (1986) analisa a singularidade da trajetória de Tenório
Cavalcanti para pensar as práticas poticas e a participação das camadas populares no
interior do sistema que convencionou chamar de coronelismo urbano
26
. Alagoano, Tenório
Cavalcanti mudou-se para o Rio de Janeiro em 1926, ainda jovem, após a morte do pai. Por
intermédio da rede de relações familiares, foi auxiliado num primeiro momento por
23
A autora faz uma exposição detalhada dos critérios utilizados para esta escolha, bem como da metodologia
de trabalho com esta fonte.
24
A UDN (União Democrática Nacional), criada em 1945 aglutinando nomes contrários a Getúlio Vargas e
ao Estado Novo, apesar de não ter sido um partido homogêneo, possuía uma imagem de “partido de elite”,
com um eleitorado preponderantemente de classe média. Sobre este tema, ver, por exemplo, Benevides
(1981).
25
Título de um filme produzido em 1986, por Sérgio Resende, tendo Jo Wilker no papel de Tenório
Cavalcanti. Trinta anos antes, em 1954, foi filmado Carnaval em Caxias, no qual Jo Lewgoy interpretava
Honório Boamorte, personagem inspirado em Tenório Cavalcanti.
26
Beloch (op. cit.) toma emprestado o conceito de coronelismo, desenvolvido e consagrado por Victor Nunes
Leal (1975), retirando-o de seu universo original (o meio rural, no qual o coronel – o proprietário de terras – é
também o chefe político) e operacionalizando-o em um contexto urbano, através da percepção do político
como um mediador que privatiza a obtenção dos bens públicos. Tal transposição seria facilitada pela próprio
processo de transição sofrido pelo município: inicialmente de distrito à município; posteriormente sua
urbanização incipiente que o transformava num misto de cidade pequena/ de interior e periferia do Rio de
Janeiro. No entanto, como o próprio autor nos chama a atenção, essa noção seria “um amálgama de elementos
de populismo e de coronelismo, constituindo um movimento de transição entre as duas formas.” (p.106), no
qual os diferentes mundos se encontrariam sob o impacto da industrialização da cidade do Rio de Janeiro.
33
Hildebrandois — que lhe arranjou um emprego na construção da estrada Rio - São
Paulo, em 1927. Logo em seguida, foi convidado a administrar a fazenda de Edgar de Pinho
(cunhado do eno ministro das Relações Exteriores [no governo de Washington Ls],
Otávio Mangabeira), em Duque de Caxias. Nessa época, envolveu-se em diversos conflitos
armados pela posse de terras na região e acabou deixando a fazenda, pelo que recebeu “uma
gorda indenização”. Tornou-se um próspero proprietário de terras e, por intermédio de
Getúlio de Moura (eminente potico iguaçuano), ingressou na União Progressista
Fluminense (UPF), elegendo-se em seu primeiro mandato político como vereador em Nova
Iguaçu (1936). Tinha início, assim, a polêmica trajetória que inauguraria a vinculação entre
Baixada e violência no imaginário potico carioca.
Com o advento do Estado Novo, e graças às boas relações mantidas com Ricardo Xavier da
Silveira, Tenório foi nomeado fiscal em Duque de Caxias. Começaram nessa época as
desaveas com Amaral Peixoto
27
, então interventor, e com o Secretário de Segurança por
este nomeado, Agenor Barcelos Feio, com o qual protagonizou inúmeras cenas de
violência. Com a deposição de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, Tenório filiou-se à
UDN (União Democrática Nacional), sigla pela qual se elegeu deputado estadual, em 1946,
com 2.800 votos (cf. Beloch, op.cit.).
A trajetória de Tenório e a construção de sua persona pública nos permite pensar na
possibilidade de utilização da violência e da coerção como expedientes políticos legítimos.
Nesse sentido, o homem de “corpo fechado”, o “corajoso” que tinha a gratidão “do povo”
de Caxias, encerrava um paradoxo ético, como ressaltou Beloch (p.76-77): era aquele que
“mata mas faz”, ou ainda “faz porque mata (os maus)”.
27
Sobre a trajetória política de Amaral Peixoto, consultar DHBB (2001).
34
“Aliás, sua concepção sobre a aplicação da justiça pelas
próprias mãos coincide com a noção dominante em
parcelas da população trabalhadora, que se traduz nos
linchamentos amiúde repetidos. As punições que
prescreve têm inclusive finalidade de defesa moral e dos
bons costumes. Aludindo a ‘um marginal que urina
perante moças’, sublinha: ‘Eu então dou um tiro na perna
do marginal, pra ver se ele reage, para depois atirar no
peito. Eu, quando dou um tiro na barriga da perna de
alguém, é porque ele tá maconhado e é uma cobra
venenosa que euo posso deixar solta na rua […] Os
covardes é que se omitem e deixam o cachorro louco e a
cobra venenosa agredir(em) o indefeso. Tem que matar o
agressor injusto, que é injustoo contra vo, mas
contra toda a coletividade’” (idem, p. 70).
Quatro anos mais tarde, em 1950, Tenório elegeu-se deputado federal com uma votação
bastante superior à anterior – 9 mil votos. No pleito seguinte foi reeleito como o mais
votado de sua legenda, com 42 mil votos — posteriormente repetindo a façanha (em 1958,
com 46 mil votos)
28
.
Em 1960, disputou o governo do estado da Guanabara, ficando em terceiro lugar, com 23%
dos votos válidos
29
. Após este episódio, sua situação dentro da UDN tornou-se
insustentável, motivo pelo qual deixou o partido, logo em seguida.
Em 1962, candidatou-se ao governo do estado do Rio de Janeiro já pelo PST (Partido
Social Trabalhista), mas foi derrotado pelo petebista Bagder Silveira, irmão do ex-
governador fluminense, Roberto Silveira
30
, morto em um acidente. Dois anos mais tarde,
seu perfil polêmico e sua vida pública pouco ortodoxa foram motivos suficientes para que
tivesse os direitos poticos cassados pelo AI-1 (Ato Institucional n
o
.1). Durante o peodo
28
É importante destacar que, a partir de 1954, Tenório Cavalcanti tinha uma poderosa máquina a seu favor: o
jornal A Luta Democrática, no qual escrevia regularmente ora em coluna assinada, ora valendo-se de
pseudônimos. O jornal foi fundamental para a consolidação de sua imagem de “benfeitor”, assim como a de
homem justo e valente, herói destemido, preocupado com as classes populares.
29
Sobre este pleito e o papel da candidatura de Tenório Cavalcanti para a vitória de Carlos Lacerda, ver
Beloch (1986), capítulo 4: “A ovelha negra”.
30
Sobre Roberto Silveira, consultar DHBB (2001).
35
da ditadura militar, Tenório manteve-se afastado da cena potica caxiense, mas continuou
atuando em seus bastidores — sobretudo por intermédio de Hydekel de Freitas, seu genro
31
.
Em 1982, passados dezoito anos, Tenório novamente candidatou-se a um cargo eletivo (de
deputado federal) pelo PDS, mas foi derrotado. Seu nome já não contava com o mesmo
prestígio de antes e, nesse meio tempo, outras lideranças já haviam surgido na Baixada.
Alves (2003[1998]) privilegiando o recorte a partir do tema da violência, por exemplo,
partindo das definições formuladas por geógrafos e recorrendo aos órgãos públicos de
administração e pesquisa (FUNDREM, IBGE, COPPE/UFRJ)
32
, também problematizou a
categoria Baixada até chegar ao contorno aproximado das UUIO (Unidades Urbanas
Integradas de Oeste), recorte que coincide com os dados coletados e as imagens divulgadas
sobre a violência local. “Nessa definição, entram os elevados índices de homicídio,
matéria-prima a partir da qual se produziu a vinculação da região com a violência,
sobretudo através dos meios de comunicação” (pp.16-17). Esta definição restringiria as
fronteiras da Baixada aos municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis,
Nova Iguaçu, Belford Roxo, Queimados e Japeri (Mesquita ainda não havia sido
emancipado de Nova Iguaçu no período em que o trabalho em questão foi redigido [1998]).
Se nos trabalhos de Enne (op. cit.), Freire (2005) e Monteiro (2001.), o tema foi
amplamente debatido, ele foi retomado como foco principal da tese de Alves (idem), assim
como da dissertação de Souza (1997).
Aos loteamentos, anteriormente mencionados, que determinaram um tipo de ocupação
marcado pela presença majoritária das camadas populares (ou como preferem alguns
31
A vida política de Hydekel de Freitas será abordada no capítulo 3, no qual analisarei a trajeria de Zito.
32
Entre os geógrafos, destacam-se os trabalhos de Geiger e Santos (1956), Soares (1955). Já em relação à
COPPE/UFRJ, temos as contribuições de Silva (1975), Bursztyn (1976), Penteado Filho (1978) e Bronstein
(1979).
36
autores, classes operárias
33
) em áreas que não apresentavam as mínimas condições de infra-
estrutura
34
, somaram-se as disputas pela terra, desencadeando um violento processo que
teve à sua frente jagunços e capatazes dos grandes proprietários da região que, na grande
maioria dos casos, jamais residiram nessas localidades
35
.
Alves (op.cit.) traçou os rumos da violência na região, desde os primórdios do processo de
ocupação da Baixada até a constituição de seu caráter político — tema que nos interessa
particularmente, visto a imbricada relação entre a estrutura de execuções sumárias e a
dominação potica, trazida à tona por este trabalho
36
.
Como nos mostra o autor, a marca distintiva da ocupação na Baixada passava a ser, por um
lado, a violência privada dos empregados a mando dos grandes proprietários e, por outro, o
abandono do poder público, permitindo que tais loteamentos — em muitos casos ilegais —
fossem levados adiante.
Para abrigar a vaga populacional através de loteamentos,
as prefeituras locais realizarão seu papel de favorecer ao
máximo o estabelecimento das pessoas em seus
territórios. Taxas mínimas eram cobradas para serem
aprovadas as plantas das obras, que eram impressas e
fornecidas pela municipalidade[…] Na sede de Nova
Iguaçu, até 1944, o número anual de autorizações de
construções não chegava a 100. No ano seguinte,
chegaram a 251 e em 1950, somaram 897. Sete anos mais
tarde, esse número seria duplicado[…] Na Baixada
Fluminense, até 1929, tinham sido aprovados 21
loteamentos com 20.524 lotes. Entre 1930 e 1939, há um
aumento pequeno de loteamentos, 22; porém uma
redução do número de lotes, 15.419. De 1940 a 1949,
sente-se o primeiro grande impacto da vaga loteadora.
33
Ver, a este respeito, Monteiro (2001).
34
As primeiras áreas loteadas localizavam-se nos distritos, hoje municípios, de Duque de Caxias, São João de
Meriti e Nilópolis devido à sua proximidade com a cidade do Rio de Janeiro.
35
Beloch (op.cit.), Grynszpan (1990a e 1990b), Monteiro (op..cit.), Alves (2003).
36
Enquanto Alves (op. cit.) trata das execuções sumárias e da relação entre violência e política em diferentes
municípios da Baixada — a ela referindo-se como “um lugar”, ou seja, aludindo a uma possível unidade
Souza (op.cit.) aponta para as especificidades de Duque de Caxias.
37
São aprovados 447 loteamentos com 373.025 lotes. De
1950 a 1959 os números praticamente triplicaram, 1.168
e 273.208, respectivamente. Já de 1960 a 1969, inicia-se a
tendência à redução, com 615 loteamentos e 120.158
lotes. De 1970 a 1976, os números são praticamente
reduzidos à metade dos da década anterior. Nessa
trajetória dos índices apresentados, está presente também
um outro fator. A tendência à redução da área média dos
lotes” (Alves, op.cit., pp.64-65)
37
.
Muitas famílias perderam suas economias na compra de terrenos que não conseguiram
regularizar e outras tantas tiveram que esperar muitos anos para ter acesso aos
equipamentos urbanos básicos como luz, água e esgoto — além do calçamento das ruas e
da coleta de lixo que ainda constituem graves problemas na região.
Isso aqui sempre foi uma lama só. Chove e a gente tem
que andar com os pé(s) coberto(s) com saco plástico pra
não ficar de lama até o joelho. É uma vergonha. Nós tá(sic)
aqui abandonado. Ninguém olha por nós” (I., 65 anos,
moradora da Estrada de Madureira, em Nova Iguaçu,
10/08/2003).
“Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente que
é muito pobre. Pensa bem chegar... chegar aqui no Rio,
vindo de onde eu vim e ter que encarar ao mesmo tempo
uma sacaria ganhando pouco[…] — pra quem tava
acostumado com uma enxada é ruim demais — […] e, ao
mesmo tempo, morar de aluguel e ter de sustentar mulher,
mãe e filharada. Rapaz! A única coisa que eu pensava
naquela época era comprar o terreno e fazer o barracão
(Clenio de Lima Santos, entrevista concedida em
01/11/1995 apud Monteiro, 2001:20).
O modelo de habitação então adotado por este segmento foi o da autoconstrução, que tinha
na dupla jornada de trabalho e nas relações de parentesco e vizinhança sua forma por
excelência
38
. A participação dos filhos — independentemente da idade — e às vezes de
vizinhos e/ ou amigos na construção da casa própria acabava por fundar ou fortalecer os
37
Até 1949, o tamanho dos lotes ficava em torno de 1.083m
2
e, nas décadas seguintes, diminuiu para cerca de
492m
2
.
38
Tal questão será tratada no capítulo que aborda a trajetória de Zito e de sua família.
38
laços de solidariedade e de vizinhança entre os moradores da localidade. Outro aspecto que
apontaria para a consolidação de tais laços é aquele apresentado por Monteiro (idem) em
sua dissertação de mestrado — e corroborado pelos discursos nativos e matérias de jornais
— a rede de resolução de problemas práticos
39
. Tal rede teria origem na necessidade de se
criar alternativas à escassez de aparatos coletivos disponibilizados para esta população
desde aspectos básicos como coleta de lixo, água encanada, calçamento de ruas até a
questão propriamente da segurança.
E você acha que a gente é porco pra deixar a rua virar um
chiqueiro? O jeito foi ir cavando vala, tirando o matagal da
rua, fazendo cobertura para os pontos de ônibus e mais um
bocado de coisa que não era pra gente fazer” (Antônio de
Souza Leite, entrevista concedida em 21/08/1995 apud
Monteiro, op. cit, p.22).
Em pesquisa, realizada em maio de 1990, portanto anterior a de Monteiro e às demais até o
momento apresentadas, Angélica Drska e Rosana Heringer apresentam dados e
representações sobre a violência em Nova Iguaçu e Nilópolis a partir da análise qualitativa
dos depoimentos de moradores dividos em seis grupos de faixas etárias distintas (metade
composto por mulheres e a outra, por homens)
40
. Segundo as pesquisadoras responsáveis,
em 1987, 77% dos moradores da Baixada eram empregados, mas 33% sem carteira
assinada e 35% dos trabalhadores não contribuíam para a Previdência. 1,7 milhões dos
habitantes da Baixada residiam em Nova Iguaçu e Nilópolis e 80% desses moradores
empregados recebiam até três salários mínimos. Ainda de acordo com os dados da
39
Mais adiante me deterei especificamente nesta questão, a fim de elucidar alguns aspectos relativos às
práticas políticas na Baixada Fluminense. Por hora, limito-me a mencioná-la en passant.
40
A pesquisa “A gente enterra o morto, silencia e se conforma. A violência em Nova Iguaçu e Nilópolis na
visão dos seus moradores” foi realizada pelo IBASE a partir da iniciativa da Comissão Justiça e Paz da
Caritas Diocesana de Nova Iguaçu e Nilópolis e contou também com a colaboração da Retrato Consulturia e
Marketing. Esta pesquisa foi publicada no Cadernos IBASE 8 (1990).
39
pesquisa, no ano de 1989 ocorreram 1906 mortes violentas na região noticiadas por
diversos jornais.
A partir deste panorama, as diferentes formas de entender e classificar a vioncia foram
trazidas à tona pelos discursos de moradores, demonstrando a ambiidade do tema. Se a
violência estava presente nesse cotidiano, ela foi mencionada por eles de formas distintas,
dependendo dos contextos.
...não é de ninguém da área [o corpo], são apenas
desovados...Então não há violência, há morte que vem de
fora...Porque se todo dia aparece quatro, seis, oito, dez
conforme se vê na ladeira da rua, não existia mais
nenhum morador. Eno esses crimes são praticados fora
e jogados lá.” (idem, p. 13)
Os sentimentos de medo e insegurança são tratados no trabalho, principalmente ilustrados
nas falas que enfatizam a preocupação com a noite. Mas se a rua é lugar de medo, a casa
também pode sê-lo. Esses sentimentos são agravados pela relação com a pocia, percebida
como “verdadeiros ladrões” ou a estes associados (grupos de extermínio e roubos de carga,
por exemplo), em contraposição aos “bandidos da área” que, de alguma forma, “prestam
serviços”, suprindo a ausência do Estado e/ ou sua ineficncia
41
. Assim, os policiais seriam
equiparados aos “bandidos de fora”, àqueles que não convivem com a “comunidade” e que
o coloboram com ela.
Uma dona uma vez em Nova Iguaçu saiu chorando
porque ela foi assaltada, levaram carteira, levaram tudo
dela, ela chegou lá na delegacia e teve que pagar uma
taxa de 150 cruzeiros. Ela veio desesperada, gritando no
meio de todo munod: ‘Esses são os verdareiros lades!’”
“Eles [os bandidos da área] não assaltam, eles não fazem
sujeira ali na área...É todo mundo unido, é tudo crescido
ali. Cresceu e cada um tem seu jeito, cada um faz aquilo
41
Consultar Lengruber (1985), Pinheiro (1983), entre outros.
40
que tem vontade...Então eles não fazem ali. Por isso que
ali no meu lugar eu me sinto segura. Eles dão proteção a
todo mundo.” (idibem, p. 14)
"Lá não tem liberdade, à noite não há liberdade, ninguém
é de ninguém. Muitos são os mortos por policiais à
paisana, disfarçados. Se te olharem e não forem com tua
cara, te botam no camburão, e aí, tudo é possível...”
(idem, p. 15)
É pocia mineira...tem uma caixinha que corre entre
eles. É proteção da área. Aquilo ali é o serviço da
madrugada. Se tiver alguma coisa errada, é ir lá, reunir
a turma, na madrugada aquele camarada desaparece.” (p.
17)
A insegurança e o medo são seguidos de relatos de moradores sobre a sensação de
impotência frente à ação de policiais, seus atos violentos e às “queimas de arquivos”. O
silêncio torna-se a estratégia mais comum nesse universo. “Tem só um jeito: enterrar o que
morreu e silenciar. É a lei do morro, da favela e da Baixada” (p. 15).
Assim, a Baixada se aproxima da favela como lugar de medo e de morte, conferindo
sentido ao desabafo do morador citado anteriormente. Mas não podemos esquecer que, por
outro lado, é recorrente nas falas de moradores a tentativa de se diferenciar dos “favelados”
(Cardoso, 1978; Silva e Leite, s/d). A Baixada aparece como a opção frente a morar na
favela. Ao recusar a comparação com o “morro”, rejeita-se também a sua associação direta
à violência explorada reiteradamente pelos meios de comunicação.
Sandra Regina S. da Costa (2006), em sua tese de doutoramento, nos traz um exemplo
oriundo de sua própria vivência — enquanto pesquisadora e ex-moradora da Baixada — da
articulação de parcelas da população para a resolução dos problemas locais, bem como da
concepção de justiça e de legitimidade implicadas nessa relação:
Recorro a minha própria memória para explicar este
ponto. Lembro que na minha infância, a ocupação do meu
41
bairro [no munipio de São João de Meriti] não tinha se
dado por completo.o tínhamos favelas próximas, como
as que existem agora, e havia muitos terrenos ainda não
ocupados, cobertos de mato. Lembro que uma fonte de
medo constante era os boatos acerca dos ‘tarados’. [...] Em
algumas vezes, e eu me recordo de pelo menos uma meia
dúzia delas, os moradores localizavam o suposto ‘tarado’,
que era linchado e tinha as partes do seu corpo expostas em
vários postes da localidade. A idéia de ‘justiça feita com as
próprias mãos’, sem a intervenção do Estado, que se
figuraria na Polícia (Civil ou Militar, nesse caso tanto faz)
era a tônica desses momentos de extrema dramaticidade”
(Costa, 2006:49).
Se o caso de Tenório é emblemático da visibilidade do fazer político na Baixada
Fluminense durante as décadas de 1950 e 1960, nas décadas seguintes outros personagens
não deixaram de fazer jus ao legado dohomem da capa preta”. A partir de 1964, a região
passaria por um processo de intervenção potica e de supressão de qualquer forma de
oposição ao regime militar instalado. Os últimos anos desta década e toda a seguinte seriam
marcados por cassações de poticos e pela imposição de interventores, contribuindo, assim,
para o surgimento de uma nova elite no poder
42
.
A década de 1980 significou o ápice da vinculação entre Baixada e violência — apontada
na amostra dos jornais selecionados por Enne (op. cit.), principalmente a partir de notícias
que abordavam a questão da violência potica também ligada aos interesses de
comerciantes locais. Se, conforme destacou Alves (op. cit.), a atuação dos grupos de
externio na região teria se iniciado essencialmente a partir da década de 1960 — como
forma de “garantir a ordemfrente aos saques e à ausência de segurança local diante da
omissão do poder público — a partir de 1970, esta situação intensifica-se, estimulada por
autoridades (policiais e militares) locais e por políticos. A “pocia mineira” (Souza, op.
cit.), como ainda é conhecida, estampava os jornais e imprimia o medo.
42
Tal fato será analisado no próximo capítulo.
42
Para a Baixada (em termos de sua visibilidade externa), os primeiros anos de 1980
configuraram a “fase dos justiceiros e matadores
43
”. Mão Branca foi o mais famoso dentre
eles, povoando os jornais cariocas do período (cf. Enne, op. cit.). Além daqueles que se
enquadravam melhor na categoria “matadores profissionais”, proliferavam também os
assassinatos e a coerçãosica com fins poticos. Apesar disto, a década de 1980 marcaria
ainda o período de emergência dos movimentos sociais na Baixada, fundamentalmente
ligados à questão da casa própria
44
.
Além da violência e do surgimento dos movimentos sociais, um outro fator apontava,
naquela década, para uma alteração nas relações de poder na região: a eleição de Brizola,
em 1982, que teve forte impacto sobre a escolha dos prefeitos locais. O voto brizolista ou
“fenômeno Brizola” refletiu o caráter oposicionista daquelas eleições assim como a ênfase
no discurso voltado para as classes populares.
Enquanto a tese de Enne (op.cit.) nos trouxe uma discussão refinada sobre a configuração
da Baixada, colocando-nos frente a frente a discursos (e projetos) os mais diversos,
ressaltando esse “movimento” e a fluidez dessas fronteiras; a dissertação de Oliveira (1999)
concentra-se na política e pouco problematiza a categoria Baixada, focalizando seu estudo
no caso de Nova Iguaçu, local onde realizou seu trabalho de campo.
Tal dissertação (idem), defendida no Instituto de Ciência Potica da UFF, teve por objetivo
analisar a dinâmica legislativa da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, no período
compreendido entre 1997 a 2000, apoiando-se igualmente em dados sobre a legislatura
anterior (1993-1996), sobre a produção legislativa e as práticas dos vereadores daquela
43
Dentre eles: Mão Branca, Carlinhos Blá-blá-blá, Paulo Cigano, Jorginho da Farcia, Beto da Feira, De
Souza, Careca, Paulo Hulk, alguns sendo policiais militares. Para uma análise mais detalhada sobre a atuação
dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense, ver no trabalho de Alves (op.cit.) o capítulo intitulado “Da
ditadura militar ao neoliberalismo: o poder e a violência recente na história da Baixada”, pp. 101-172.
44
Ver Lesbaupin (1982), Bernardes (1983), Simões (1993), Tavares (1993), Freire (2005), entre outros.
43
Casa. O autor preocupou-se em analisar a “cultura potica”
45
de Nova Iguaçu, partindo do
pressuposto de que o papel político dos vereadores não tem sido cumprido. Para embasar
sua premissa foram testadas algumas hipóteses:
“1) as Câmaras Municipais, sob o ponto de vista
constitucional, adquiriram força no quadro potico-
institucional vigente e significado como órgão legislativo
e co-partícipe do governo local, força essa jamais vista no
cenário político municipal brasileiro;
2) a relação Executivo-Legislativo em nível municipal é
diferente da estabelecida em nível federal, devido ao fato
de o poder institucional do Prefeito ser menor do que os
poderes garantidos ao Presidente da República;
3) com isso, o Poder Legislativo municipal possui maior
liberdade e amplitude para desenvolver seus próprios
trabalhos, diferente do seu similar em nível federal;
4) entretanto, a produção legal da Câmara, considerando-
se as iniciativas exclusivas dos vereadores, tem um
caráter essencialmente assistencialista e não produz
mudanças substantivas na vida dos cidadãos;
5) dentre as principais fuões do Poder Legislativo, a de
fiscalização é a mais prejudicada;
6) a maioria dos vereadores de Nova Iguaçu pretende
seguir carreira política, principalmente por meio de
reeleição. Para isso, pratica atividades de assistência
social e acredita que o seu papel na potica municipal é
de intermediar serviços públicos junto à população;
7) por isso, essa maioria acredita que assim cumpre bem
o papel potico para o qual é eleita e, portanto, a CM não
precisa de mudanças institucionais para melhor
desenvolver suas atribuições legais no atual contexto de
democratização” (ibidem, pp.22-23).
Concluindo com o destaque à fraca institucionalização e à subordinação da Câmara
Municipal de Nova Iguaçu ao prefeito, o autor retomou algumas discussões existentes na
produção sociológica acerca das relações entre executivo e legislativo (Leal, 1975; Bezerra,
1998; Lopez, 2001) com a intenção de apreender os limites que tais “cultura” e prática
poticas acabam impondo à vida democrática. Apesar da preocupação em não construir
45
Sobre a noção de “cultura política” ver, entre outros, o artigo de Carneiro e Kuschnir (1999).
44
uma visão normativa ou em sugerir “soluções” para tal impasse, a democracia é tomada
como um valor durante todo o trabalho, as práticas poticas sendo assim analisadas como
estando em consonância ou não com ela. A própria opção por operacionalizar o debate em
termos de classificações, tais como a de “conservador-clientelista” ou a de “populista-
clientelista”, reproduziu o entendimento do contexto político a partir do que ele idealmente
deveria ser, atribuindo menos ênfase às falas (e a seus significados) — que, no caso do
autor, foram “recolhidas” — do que ao implacável olhar jurídico-legal (formal)
46
.
Sendo assim, o autor privilegiou a reconstituição de uma parte da história do município, em
detrimento das distintas formas de se entender a Baixada Fluminense. A alusão a esta
última categoria, quando ocorre, remete exclusivamente à tentativa de se criar um nós, uma
identidade coletiva, por intermédio da ênfase na escassez, na pobreza, na violência e nas
práticas poticas típicas” das periferias e zonas desfavorecidas do país. Em consonância
com o anteriormente exposto, o autor se utiliza de uma classificação mais tradicional para
delimitar a região, segundo a qual Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo,
Nilópolis, Nova Iguaçu (antes da emancipação de Mesquita), Queimados e Japeri seriam os
municípios que integrariam a Baixada. Tal recorte justifica-se a partir de um “quadro de
contrastes sócio-econômicos, de problemas sociais crônicos e de conflitos poticos, cuja
origem remonta à época colonial” (p. 87). Oliveira resume em mais ou menos três
parágrafos as contradições decorrentes dos processos de urbanização pelos quais a Baixada
passou, mencionado sua condição de subalternidade em relação à cidade do Rio de Janeiro,
46
Para ilustrar a minha afirmação, reproduzo as próprias palavras do autor: “[…] diante dessa conjuntura
sócio-urbana e desse cenário político, se a Câmara e seus membros buscarem o aprimoramento e o
aperfeiçoamento da instituição legislativa local em direção ao exercício das suas atribuições constitucionais,
significará um grande avanço para a democratização e melhoria da qualidade de vida na cidade de Nova
Iguaçu” (ibidem, pp. 92-93).
45
e finalizando com a alusão à caracterização das cidades-dormitórios
47
. Sua menção à
Baixada Fluminense praticamente pára por aí.
Após efetuar esse breve apanhado, o autor concentrou-se nos dados referentes à Nova
Iguaçu, referindo-se novamente à Baixada apenas na conclusão, na qual afirmou que esta
estaria inserida numa “cultura” mais ampla, a “cultura potica tipicamente brasileira”,
referindo-se ao clientelismo, ao populismo e ao assistencialismo (p. 119)
48
. Numa tentativa
de negar uma pretensa singularidade à Baixada, o autor enfatiza seu caráter de “periferia”
comum a outras áreas carentes do país ou, como chama, a outros “boles de miséria”,
próprios da estrutura social e urbana brasileira. Munido de estatísticas, que tendem a
privilegiar a dimensão representativa de nossos objetos e não a simbólica, Oliveira nos
apresenta percentuais que não se restringem à Baixada, como por exemplo, o dado relativo
aos 3,2 milhões de pessoas em situação de pobreza e miséria na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ, 1995)
49
. Por outro lado, nesta parte do trabalho, Nova Iguu
ganha mais visibilidade em sua análise:
até bem pouco tempo era considerada a segunda maior
cidade do Estado [do Rio de Janeiro] e a quinta do país,
47
Uma das imagens mais comuns sobre a Baixada, bastante propagada nas décadas de 1960 a 1990, remete-
nos à categoria cidades-dormitório. Diretamente vinculada ao processo de ocupação da região, tal imagem
sintetizou, de certa forma, a realidade da população e da economia locais até pelo menos meados da década de
1980. No caso da Baixada, tal classificação acabou tornando-se um estigma, já que era empregada
pejorativamente, remetendo à idéia de um “lugar” de escassez, de falta.
Quando as indústrias e o setor de serviços tiveram um significativo incremento, alterou-se em parte a
configuração do mercado interno desses municípios. No entanto, no fim da década de 1980, o fechamento de
algumas indústrias (principalmente as têxteis) importantes em municípios como Paracambi, por exemplo,
obrigou seus moradores a novamente buscar emprego fora dos limites de sua cidade.
Nesse sentido, a refinaria e o jornal Extra de Duque de Caxias, assim como o setor terciário e as diversas
indústrias de Nova Iguaçu (a Embeleze, por exemplo, de propriedade do deputado federal Itamar Serpa –
PSDB/RJ ou a Compactor do Brasil), o parque industrial de Queimados e a central termoquímica de Japeri
são alguns exemplos da mudança no cenário do mercado de trabalho nos municípios da Baixada, com reflexo
nas áreas adjacentes. Como veremos mais à frente, o setor de comércio e serviços e o funcionalismo público
representam a quase totalidade das possibilidades de absorção de mão-de-obra nos municípios da Baixada.
48
Sobre populismo, consultar, entre outros, Debert (1979), Ianni (1975 e 1991), Weffort (1980), Rodrigues
(1996).
49
O autor refere-se ainda a dados relativos à educação e à saúde.
46
ultrapassando a marca de 1 milhão de habitantes. Hoje
possui cerca de 826.188 habitantes, ocupando a terceira
posição em nível estadual e a décima sétima no país, em
tamanho populacional […] Em termos eleitorais, essa
posição ainda é mais significativa, pois com 526.721
eleitores, Nova Iguaçu ocupa o segundo lugar no Estado e
o décimo quinto no país, que somados aos seus
municípios vizinhos, formam uma das maiores regiões
eleitorais do país” (idem, pp. 89-90, grifos meus)
50
.
Na dissertação de Oliveira, o problema da violência é mencionado — essencialmente
ligado às características dos processos de urbanização locais — mas não chega a ocupar um
lugar de destaque em sua análise.
A década de 1990, segundo Enne (op. cit.), marcaria a construção de um novo olhar —
agora positivado — que passava a ser dirigido à localidade. A partir das notícias de jornais,
ou da notícia como discurso (p.79), Enne demonstra como tais discursos vão construindo
representações sobre a Baixada Fluminense, ora aproximando-se às do senso comum, ora
vinculadas a projetos diversos, como os políticos.
Em termos poticos, a década de 1990 trouxe novidades para a Baixada. Associando nomes
novos a lideranças já consolidadas, as redes assim constituídas delineavam os contornos
que a vida política tomaria dali por diante. Alves (op.cit.) nos apresenta este panorama:
Após a primeira metade dos anos 90, conviviam na
Baixada diferentes projetos poticos que se
aproximavam, conforme inúmeras denúncias, tanto pelo
clientelismo como pelas formas ilegais de ação: os
Abraão David, com a eficiente fusão da contravenção
com o carnaval e com o clientelismo potico; o grupo
comandado por Raunheitti, distribuindo vagas em escolas
e creches, e oferecendo consultas e operações médicas
gratuitas, tudo financiado pelas irregulares subvenções
sociais do Congresso; Zito e Joca, combinando favor e
medo, numa reedição moderna e situacionista do “homem
da capa preta”. O brizolismo sobrevivia, embora muito
50
O autor se utiliza de dados referentes à contagem populacional de 1996 do IBGE.
47
mais como estratégia eleitoral e potica de um prefeito, o
Neca, em Nilópolis, do que como força política de
resistência. A grande fragilidade ficava por conta do
Partido dos Trabalhadores, movimentos sociais e CEB’s,
ainda com seu único vereador na Baixada, por Nova
Iguaçu, sem os dois deputados estaduais que não se
reelegeram e sem a mesma força mobilizadora dos anos
80 (idem, p.116)
51
.
A atuação denia Maria Salles Moreira como promotora
pública na comarca de Duque de Caxias desconstruiu a rede
que a partir do próprio Fórum de Justiça da
Cidadecoordenava as execuções. O caso de Pedro
Capeta,eleito no final dos anos 80 suplente de vereador,
pelo PTB, revelou-se exemplar. Preso numa tentativa de
assassinato, era assíduo freqüentador do Fórum e possuía
uma carteira de oficial de justiça Ad Hoc dada pelo então
juiz. A arma com ele encontrada tinha lhe sido entregue
pelo próprio juiz, após ter sido apreendida em um outro
crime (MOREIRA, 1996: 102-103 e 111-114).
19 Assim, um
dos mais famosos matadores da época agia com arma e
carteira fornecidas pelo juiz, que represava processos de
homicídios por anos em suas gavetas para arquivá-los em
seguida, alegando ausência de tempo paraoperacionalizálos.
Desnecessário dizer que Pedro Capeta foi absolvido no
processo por falta de testemunhas. [...]
Para Hélio, a redução dos homicídios estava diretamente
associada à sua capacidade de interferir na nomeação de
delegados, destituindo aqueles vinculados ao esquema de
execuções, que por sua vez agiam associados ao poder
político local, responsável pela indicação das suas
nomeações e sustentação no cargo. O que explicaria o fato
de que em anos de eleições municipais a permanência de
Hélio Luz à frente do cargo que ocupava tornava-se
insustentável. (Alves, 2005:25)
A escassez e a vioncia que marcaram os discursos sobre a Baixada constrdos pela mídia
durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 foram atenuadas a partir da década de 1990,
concomitantemente ao início da publicação do “Caderno Baixada” (um dos suplementos
51
Os projetos políticos serão retomados na análise das trajetórias de Jorge Gama, Zito e Lindberg Farias,
assim como o lugar dos partidos na conjuntura política da Baixada.
48
sobre bairros já publicados no município do Rio de Janeiro, posteriormente estendido para
outras regiões do estado) do jornal O Globo.
Foi somente a partir de 2000 que as notícias sobre assassinatos e pobreza divulgadas na
imprensa foram reduzidas de maneira mais significativa. Entre as hiteses levantadas por
Enne para dar conta de tal fato (op. cit., pp.90-91) estão a percepção de que o fenômeno da
violência era agora generalizado, além da diminuição das distâncias físicas e simbólicas
entre a Baixada e a cidade do Rio de Janeiro — possibilitada pelo incremento do fluxo de
pessoas com as construções das Linhas Vermelha e Amarela — além da visibilidade
alcançada por movimentos sociais locais e da percepção da região como um novo mercado
consumidor em potencial. Ainda segundo a autora, durante a última década do século XX
as matérias sobre a “efervescência cultural e social” já apontavam para uma alteração das
representações sobre a região
52
.
Os mecanismos de aproximação (materiais e simbólicos) entre moradores da Baixada
Fluminense e de cidades próximas — mas principalmente do Rio de Janeiro — expostos
acima criaram novas alternativas, possibilitando que o fluxo de pessoas pudesse se dar em
outras direções que não apenas o sentido unilateral tradicionalmente estabelecido — da
capital como únicolo de atração
53
.
As antigas imagens — bem como os antigos problemas — evidentemente não
desapareceram de todo. A leitura da tese de Freire e sua auto-avalião como pesquisadora
duplamente estrangeira
54
fornecem elementos decisivos para pensarmos esses “novos”
52
A tese de Costa (op. cit.) ilustra este “outro lado” da Baixada. Por meio do estudo das carreiras de alguns
músicos da região, a autora nos permite acompanhar o processo de reformulação de suas identidades locais.
53
E neste caso, o sentido oposto (Baixada Rio) acaba sendo desconsiderado nas análises sobre o tema, já
que tido como compulsório.
54
A condição de “dupla estrangeiridade” é explicada pelo fato de a autora ser francesa, tendo mudado para o
Rio de Janeiro — mais especificamente para Niterói — alguns anos e, durante a pesquisa, residiu cerca de
dois anos em Nova Iguaçu.
49
olhares sobre a região. Fascinante é a forma como constrói a passagem do tempo em seu
relato. Os acontecimentos ditam sua temporalidade. A Baixada é o seu acontecimento.
Momentos cotidianos na vida comum dos moradores locais ganham cores novas para a
pesquisadora, que se vê subitamente confrontada ao “lugar”
55
.
O sol se esconde e tira aos poucos a luz que permitia ver
com nitidez as ruas de terra batida e as casas de tijolos do
bairro. Dezenove horas. A presidente da Associação
olhou para seu relógio e me aconselhou que pegasse meu
ônibus. Despedi-me às pressas e acelerei o passo para
chegar até o ponto. No meio do caminho, numa das ruas
que conduz à estrada onde passa o ônibus, a escuridão de
repente tomou conta de tudo e substituiu as tonalidades
alaranjadas dor-do-sol. Estranho andar no escuro no
meio de um lugar que desconheço. Penso: “é agora que
vou me perder”. Apenas alguns fios de luz vindos das
janelas das casas não confirmavam uma escuridão total.
Entrevia, por vezes, a sombra de um morador, sentado
numa cadeira, em frente ao seu portão. Tropeço nos
buracos. Sem saber se ainda estou no caminho certo,
oo, de repente, vozes e risos vindo de um grupo de
pessoas um pouco atrás de mim. Precipitadamente,
interpelei o grupo. Pedi alguma ajuda. Uma mulher me
respondeu: “Estamos indo pro ponto também. Pegue meu
braço!”. Ela indicava detalhadamente como me deslocar,
um pouco para a esquerda, para evitar um buraco, um
pouco para a direita, para evitar outro. Nos minutos que
se seguiram, comento minha surpresa com a situação e
outra pessoa que caminhava junto, diz: “Sabe, a gente tá
acostumada, já conhecemos perfeitamente o mínimo
buraco. Isso é o que tem de menos. Às vezes, você pode
ter maus encontros e ninguém vê (p.09).
Dia de temporal, num fim de tarde de um mês de março,
no horário de rush, na Via Light, Centro de Nova Iguaçu.
Naquele dia de março de 2004, o clima estava quente e
abafado, um céu cinza anunciava desde cedo uma chuva
prestes a cair. De repente, ela desabou sobre a cabeça dos
transeuntes. Os ônibus paravam rapidamente no ou fora
do ponto, jogando os passageiros no meio da via que se
55
A extensão das citações faz-se necesria, neste momento, diante do objetivo proposto de entender a
condição de dupla “estrangeiridade” da autora e sua mudança de “olhar” com relação à Baixada.
50
alagava cada vez mais[…] Quando chove, as águas da
Via Light escorrem pelas ruas perpendiculares à avenida,
alagando boa parte daquelas próximas à Prefeitura.
Alguns transeuntes estavam nos pontos mais elevados das
calçadas esperando que as águas baixassem. […] Na
entrada do túnel, um homem com mais reflexo já fez sua
escolha para atravessar a rua Bernardino de Mello e
chegar até o ponto. É seguido por vários outros. De fato,
o caminho escolhido garantius menos molhados,
embora um dos seguidores, menos observador, tivesse
torcido o pé num buraco coberto de água no meio da via
(pp.9-10).
[…] Viagem chuvosa para o Rio de Janeiro
Realizava um estágio de docência no IFCS. Sa num
horário que, pela minha programão mental, permitisse
chegar na hora para dar minha aula, se não um pouco
adiantada. Pensava, como muitos moradores de subúrbio,
no “tempo de margem” em caso de imprevistos. Nesta
época, eu morava em frente à Prefeitura[…] Na rua que
faz esquina com a Prefeitura havia um ponto de ônibus
direto para o Rio, um parador”[…] Esperava o ônibus,
torcendo para que, se passasse, o motorista sentisse
piedade de meu rosto, pés, corpo e mãos encharcados.
Uns 45 minutos se passaram[…] Se eu e aquela moça
pensávamos estar salvas e que apenas chegaríamos com
alguns minutos de atraso no Rio de Janeiro, nossa
presunção acabou quando o ônibus chegou na Via
Presidente Dutra. Um engarrafamento de cerca de uma
hora e meia, apenas na Dutra, surpreendeu os
passageiros[…] Ao chegar à Avenida Brasil, novos
congestionamentos em vários eixos da via. Resultado: o
tempo da viagem foi de duas horas e meia, quando a
demora normal é de cerca de 1h30, às vezes 1h45. Sem
trânsito poderia até durar uma hora. Acrescentado o
tempo de espera, foram 3h30 para chegar ao centro da
cidade do Rio de Janeiro (pp. 11-12).
A autora prossegue descrevendo outros acontecimentos: os dias de verão de 45 graus, o
Hospital da Posse, o Dia Internacional da Mulher, o Juizado Especial de Pequenas Causas,
a reunião do MAB...
Preocupada em entender a pluralidade de sensos de justo em Nova Iguaçu, ela procura
definir seus “usos”, partindo da problematização de situações específicas vividas pelos
51
moradores da cidade e integrantes do MAB (assim como dos múltiplos pertencimentos de
seus principais interlocutores). As percepções dos problemas sociais” dignos de
publicização e da revolta frente a eles são contextualizadas no repertório de reivindicações
locais e de construções coletivas. Nesse sentido, as mobilizações e debates públicos são
analisados a partir de uma gramática potica (dispositivos e reperrios) orientada para a
dramatização (Turner, 1984).
Com este intuito, a autora tenta reconstruir — a partir da noção de arena pública — a
definição de espaço público para esses atores, buscando apreender os mecanismos de
constituão de novos públicos, ou seja, a mudança de status do grupo a partir da
visibilidade alcançada
56
. Desmascarando as alegações de ilusão ou alienação, a autora
desvenda as “competências” dos atores ao definirem as situações problemáticas e
mobilizarem-se coletivamente.
Baseando-se na noção de identidade social tal como formulada por Goffman (1975a,
1975b), Freire apresenta uma pluralidade de visões acerca “da Baixada” (em geral), bem
como do sentido de pertencimento a ela atrelado — igualmente fundamentados nas
percepções dos sensos de justo. A autora coloca-se a seguinte questão:que lugar a
‘Baixada Fluminense’, enquanto recorte cognitivo, ocupa no espaçoblico (entendido não
só do ponto de vista comunicativo, mas como espaço de problematização, de circulação, de
reservas e acessibilidades)?” (p.69).
56
Freire (op.cit.) vai abordar esta questão a partir do que chamou de dispositivos de publicidade: jornais, atos
públicos, passeatas. A autora busca enfatizar a passagem do problema a um nível de generalidade a partir do
uso de recursos políticos e dos dispositivos acima enumerados.
52
Novamente dialogando com Goffman (idem), Freire procurou compreender os “olhares”
sobre a Baixada a partir dos contatos mistos (entre “normais”/ “estigmatizados”)
57
. A
autora pôde observar que os sentimentos acionados para operacionalizar os distanciamentos
e aproximações giravam em torno de um repertório de acusações mútuas; as manifestações
de emoções por ambos os “lados” sendo percebida durante todo o tempo da pesquisa. Os
“da Zona Sul” (uma referência generalizada na construção do outro - o morador do Rio de
Janeiro - para os nativos) acusam os “da Baixada” de “bregas”, “cafonas ou advertem a
autora sobre os perigos do “lugar”: “Você é louca!; A Baixada é outro mundo!; Ali é lugar
de desova! Eu realmente nunca moraria lá.” (p. 73). Tais imagens manifestam-se em
relações jocosas, demonstrando ao mesmo tempo a existência de pré-noções e preconceitos,
e um certo desconforto que se faz notar pelo tom de confidência, quase privado, assumido
pelos interlocutores da pesquisa. Os “da Baixada”, por sua vez, enfatizam a “frescura”, a
arrogância e a “metidez” dos “da Zona Sul”, utilizando-se de adjetivos como “babaca”,
“otário” para caracterizá-los, além de os acusarem de “viver em outro mundo”
58
. Dando
destaque aos momentos de prova e à idéia da ordemblica
59
como “ordem negociada”
(Strauss, 1992), Freire demonstra como os processos de definição implicavam
compromissos e acordos assim como conflitos e tensões, nos quais as arenas públicas
constituíam “os bastidores do espaço público” (Freire, op.cit., p.45). A partir da
57
A revista eletrônica Almanaque, da TV a cabo Globo News, exibiu em 17 de abril de 2006 um programa
intitulado Baixada bonita. No referido programa foi mostrada uma exposição fotográfica realizada com apoio
da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e da Prefeitura de Nova Iguaçu, durante o Fórum
Mundial de Educação. Pudemos perceber que ao se tentar mostrar “o que a Baixada tem de bonito”, estava
implícita a todo momento a referência à pobreza e à violência da região. Esta impossibilidade de
desvinculação na fala dos “de fora” — dos fotógrafos estrangeiros — evidencia-se, portanto, mesmo quando
constituída a partir de um projeto político de reinvenção do “lugar”.
58
Freire utiliza-se da personagem da empregada doméstica (como um tipo ideal) para pensar no contato e nas
possíveis trocas entre os distintos “mundos sociais”. Nesse sentido, enfatiza a dimensão profissional como
responsável por parte significativa das relações entre os moradores da Baixada e aqueles residentes no Rio de
Janeiro.
59
A autora desenvolve um debate entre nões de espaços públicos e processos de publicidade a partir,
fundamentalmente, de Habermas (1992), Boltanski e Thévenot (1991) e Gusfield (1981).
53
diferenciação entre espaço público e arena pública, a autora enumera suas características:
dramaturgia, pluralidade, embates, negociações, regras de publicidade coercitivas e
dispersão (cf. idem, pp. 46-47).
Apesar de Freire não mencionar a dissertação ou qualquer outro trabalho de Monteiro
(op.cit.) em nenhum momento, a complementaridade entre ambos os estudos será aqui
evidenciada. Enquanto a primeira preocupou-se em compreender os processos de
constituição dos sensos de justo a partir das arenas públicas e, portanto, os processos de
dramatização, visibilidade e encenação nelas encerrados; o segundo conferiu destaque à
explicação nativa das práticas de resolução de problemas cotidianos englobada por uma
concepção particular de cidadania.
O que Freire (p.62) denominou “repertório do próximo” e que serviu de base para o
entendimento da construção do bem comum, a partir da definição de uma situação
problemática num contexto coletivo bastante específico, estaria bem próximo da dinâmica
da rede de resolução de problemas práticos (Monteiro, op. cit.), ambos trazendo à tona
uma reflexividade prática (Boltanski e Thévenot, op.cit.), bem como uma “criatividade no
agir” (Joas, 1999 apud Freire, op.cit., p. 140).
O evento referencial seria fundamental para a constituição do “problema” em si que,
atrelada a operações cognitivas e morais, tornaria possível sua publicização. A denúncia
pública traduziria a passagem de um problema de ordem particular (e portanto de menor
grandeza) a um problema generalizado, coletivo (de maior grandeza). Tal elaboração supõe
formas de classificação e utilização de recursos do mundo da potica: a publicidade gera o
caso” — recurso operador e amplificador de grandeza.
A dissertação de Monteiro (op.cit) aproxima-se igualmente deste tipo de abordagem.
Interessado em desvendar os processos de construção das identidades locais em relação às
54
práticas poticas (e ao poder público) e às percepções de cidadania em jogo, o autor
analisou o caso Belford Roxo”. Por intermédio da análise do processo de emancipação do
ex-distrito iguaçuano, Monteiro deparou-se com uma populão que, abandonada pelo
poder público e não o tendo como legítima instância a se recorrer, criava suas próprias
alternativas, agindo coletivamente, definindo “situações problemáticas” e administrando
seus sensos de justo.
Examinando as colunas destinadas a reclamações do Jornal de Hoje, o autor procurou
estabelecer uma tipificação e hierarquização das reclamações a fim de perceber a
classificação “problema” ou “situação problemática” para os moradores da Baixada. Sua
hipótese inicial era a de que os principais problemas diriam respeito a situações de difícil
resolução informal. O levantamento desses dados ocorreu entre os anos de 1982 —
escolhido pela significativa queda na taxa de migração observada — e 1997, ano em que foi
extinta a coluna de reclamações Boca no Trombone, substituída por outra, intitulada Seu
Bairro
60
. Não me alongarei na análise desses dados, mas é a partir deste levantamento que
o autor estabelecerá uma série de implicações com as práticas poticas locais e com a
trajetória potica que utilizará para ilustrar tal vinculação.
O segundo equívoco revelado sobre a ação proletária na
Baixada Fluminense relaciona-se com o entendimento de
60
A própria alteração do nome da coluna é significativa de um processo de transformação nas imagens
produzidas sobre a Baixada Fluminense. A tabela que se segue traz a tipologia dos problemas e sua
hierarquização.
PROBLEMAS NÚMEROS TOTAIS PORCENTAGEM
Hospitais 500 25,0%
Lixos e pragas 400 20,0%
Segurança pública 340 17,0%
Saneamento básico 240 12,0%
Transporte deficiente 180 9,0%
Telefones públicos 180 9,0%
Creche, escolas 120 6,0%
Iluminação pública 20 1,0%
Lotes abandonados 10 0,5%
Opções de lazer 10 0,5%
TOTAL
2000 100%
apud Monteiro (op.cit., pp.32-33).
55
que existe passividade popular no desconhecimento de
deveres e direitos e na negação das reivindicações como
algo efetivamente solucionador de problemas políticos
inerentes à ação de governos. Aquele tradicional
entendimento de que cabe ao governo a responsabilidade
por resolver todos os problemas, aspecto do paternalismo
extremamente aprofundado em nossas instituições
poticas, é criticado involuntariamente por esse morador
que se orgulha do fato de não depender do governo para
manter sua rua transitável e seu bairro parcialmente
organizado (idem, p. 44).
Monteiro inicia seu relato sobre a rede de resolução de problemas práticos a partir de uma
disputa potica — e por visibilidade — entre um vereador local e um líder comunitário,
sobre “serviços” prestados à comunidade e sobre a cobrança por proteção (o líder
comunitário pertenceria a um grupo de extermínio). Alguns conflitos públicos foram
desencadeados até que os dois finalmente entraram em acordo. Cessado o conflito, a
situação merecedora de cobertura da imprensa — a criação do movimento “roça limpa” —
não se desarticulou. A população local continuou revezando-se para a coleta do lixo,
improvisando latas para seu acondicionamento e utilizando-se de um caminhão particular
(de propriedade de um morador da região) para seu transporte até o “lixão”. Tal prática é
mais comum do que se imagina na Baixada, como um todo.
A rede de resolução de problemas práticos não configura, no entanto, um movimento
social. Distingue-se deste último por seu caráter espontâneo (não-formal), permanente e
o-reivindicativo (no sentido de não privilegiar as manifestações públicas)
61
. É neste
aspecto que a abordagem de Monteiro diferencia-se daquela elaborada por Freire — que
61
Sobre movimentos sociais, sua forma de organização, suas características, consultar, entre outros, Cardoso
(1983), Boschi (1983 e 1987), Jacobi (1987), Oliveira (1987), D’Incao e Botelho (1987), Sader (1987 e 1988),
Ammann (1991), Doimo (1995), entre outros.
56
volta seu olhar para um movimento social constituído, o MAB. Mas qual seria a
singularidade de uma organização popular não-reivindicativa como esta?
A resposta popular à sua invisibilidade pelo poder público se dá justamente a partir de uma
concepção particular de potica. Grosso modo, esses moradores não percebem a cidadania
em associação à reivindicação de direitos. O agir no mundo (em seu mundo), por
intermédio de práticas solidárias cotidianas, despidas de um caráter de “serviço” (como
empregado por poticos e alguns líderes comunitários) e a busca por visibilidade vão
novamente na direção oposta daquela abordada por Freire, ao tratar das organizações
coletivas (op.cit.). Seria justamente essa invisibilidade (não necessariamente desejada, mas
percebida como um fato, diariamente constatada na relação morador-poder público) e sua
percepção como “forma de convivência” por excelência a pautar esta relação que
permitiriam a atuação efetiva da rede de resolução de problemas práticos e sua
manutenção mesmo após a “resolução” de um problema específico.
Para Monteiro (op.cit.), tal rede seria mais ampla do que as organizações populares formais:
os moradores da Baixada, por conviverem com uma realidade extremamente dura, seriam
compulsoriamente envolvidos na “ação coletiva”. A despeito da generalização desta
afirmação, a análise relativa à constituição das redes, à auto-resolução dos problemas e à
concepção de cidadania por parcela de moradores da Baixada nos dá indicativos da
concepção de política local — e de sua experiência efetiva.
Em consonância com tal abordagem, o autor assim analisa o surgimento do líder marginal
em oposição ao político profissional
62
.
62
Utilizo a definição weberiana de político profissional, cujo surgimento remete à relação de oposição entre o
príncipe e “as ordens” (ou seja, os proprietários dos meios materiais de gestão). Analisando momentos
históricos distintos, o autor chama a atenção para o surgimento de diversas categorias privadas dos meios de
gestão públicos (clérigos, letrados, nobreza da corte, o patriciado, os juristas etc.). Interessa-nos
57
O perfil do líder marginal da região da Baixada
Fluminense traçado até aqui permite-nos chegar às
seguintes conclusões: é esse elemento alguém
necessariamente integrado à comunidade em que vive, ele
não existiria sem a informalidade de resolução de
problemas práticos, pois, conforme vimos, é ele parte
integrante dessa informalidade, agindo como um
elemento facilitador na medida em que organiza os
trabalhos realizados dentro da rede. Desvinculado da
rede, o líder marginal poderia surgir unicamente como
mais um dos “poticos” que pululam na região ignorando
o trabalho mudo da rede de resolução de problemas
práticos, ou — mais comumente — se aproveitando da
boa vontade de alguns inocentes para conseguir votos
através da realização de “obras de maquiagem” que,
segundo o senhor Antônio, “acabam com a primeira
chuva” (idem, p. 96).
Para ilustrar a imbricada relação entre estes dois tipos ideais, o líder marginal e o político
profissional, o autor relata como os primeiros acabam tornando-se vereadores, prefeitos ou
deputados estaduais num movimento mais voltado à mobilização popular — com fim às
emancipações distritais — do que a profissionalização em si. “Não seria, portanto,
completo o perfil do líder marginal se não entendermos que grande parte desses deres
lentamente, porém de forma decisiva, tomaram assento primeiramente nos legislativos
municipais e depois nas prefeituras dos distritos iguaçuanos emancipados” (ibidem, p. 97).
Ao insistir na nítida diferenciação entre tal líder e o político profissional, o autor acaba por
reforçar a caracterização do sujeito que vive “para a política”, tendo na vocação sua marca
distintiva (Weber,1971). Não deixa, no entanto, de destacar a necessária transição de um
lo ao outro. Essa “invasão”, conforme chama, apareceria de maneira exemplar na
trajetória de Joca:
particularmente a noção de “funcionário” e a relação entre a empresa política e a empresa de interesses, cuja
figura política central seria o boss (EUA).
58
O primeiro prefeito de Belford Roxo surgiu-nos como um
exemplo lapidar da lideraa marginal baixadense na
medida em que experimentou uma rápida ascensão
potica completamente ancorada na sua eficiente ação
social substituidora do poder público e no seu forte
carisma pessoal. Acompanhar tal ascensão permite-nos
compreender ao mesmo tempo as razões que orientam o
desenvolvimento da lideraa marginal e a mutão que
tal estilo de lidar com o poder público imprime no
próprio poder público: a chegada de Joca à prefeitura de
Belford Roxo determinou a inauguração de um estilo
diverso de governo. Em lugar da negação da
reivindicação potica como algo eficiente na resolução
dos problemas, a população belforroxense aposta que se
Joca comportar-se à frente da prefeitura como
comportou-se como um líder marginal de seu bairro e
como vereador iguaçuano, “Belford Roxo, nunca mais
será a mesma” (idem, p.98. Grifos do autor).
Jorge Julio da Costa, o Joca — ex-baleiro, pedreiro, carroceiro, “matador” e/ ou
“justiceiro” — foi eleito com mais de 80% dos votos válidos como o primeiro prefeito de
Belford Roxo (após a emancipação), em 1992, na época já “um bem sucedido empresário
do setor de transportes e construção” (p. 117). Sua vidablica começou, no entanto, como
vereador em Nova Iguaçu pelo PMDB, em 1988. Com uma trajetória política marcada por
um estilo próprio e pelas trocas constantes de partido, tinha como diferencial sua relação
com o “povo”. Joca mantinha ambulâncias (vans adaptadas) para atender a população de
Belford Roxo (ainda distrito de Nova Iguaçu) mesmo antes de candidatar-se a um cargo
público. Sua liderança na região passa a ser reconhecida já a partir do final da década de
1980. Com prestígio em alta junto ao eleitorado de Belford Roxo, algumas lideraas de
Nova Iguaçu começaram a vislumbrar possíveis alianças. No período em questão, o prefeito
do município era Aluísio Gama, do PDT que, manifestando-se a favor da emancipação do
distrito, conseguiu atrair Joca para seu partido. Em 1991, já próximo a Bornier, filiado ao
PL e convencido de que poderia alçar vôos mais altos, Joca lançou seu nome para possível
59
candidatura em Belford Roxo — tendo como vice um político ligado às elites tradicionais,
Ricardo Gaspar. Foi eleito e governou Belford Toxo até 1995, ano em que foi assassinado
após reagir a um suposto assalto na saída do túnel Santa Bárbara, no Rio de Janeiro
63
.
As redes políticas a que atores como Joca estão vinculados trazem à tona o movimento e a
circulação de imagens e indivíduos. Contudo, a violência e a fala do crime (Caldeira,
2000), ainda que minimizadas pela grande imprensa (jornais como O Globo, Jornal do
Brasil e, mais regionalmente, O Dia) vão colocar-nos diante de um processo que, associado
às questões anteriormente elencadas (pobreza, ocupação rápida, urbanização desordenada,
abandono, globalização do crime
64
etc.), viabilizará uma instrumentalização da violência
potica.
“A instrumentalidade potica da violência relaciona-se
com a subjetividade de uma determinada população,
construindo formas de perpetuação de poderes e lógicas
sociais de justificação do recurso à violência: a sua
relação com o poder e com o estado” (Alves, 2003, pp.
21-22).
Alves nos chama a atenção para o fato de que as imagens da violência veiculadas pela
mídia e cristalizadas pelo senso comum generalizam a violência/ criminalidade —
naturalizando-a — assim como transmitem a sensação de estarmos todos inseridos em um
estado de barbárie”, nos eximindo de pensar tal violência como um aspecto da própria
relação com o Estado.
Nesse sentido, para o autor, um conjunto de fatores explicaria a permeabilidade da máquina
estatal e a consolidação de grupos políticos graças às relações entre violência, poder local e
esferas de poder “supra locais” (idem): o rápido crescimento urbano ocorrido na região a
63
Mais detalhes sobre sua trajetória e sobre os desdobramentos políticos de sua morte serão abordados no
capítulo 3 desta tese.
64
Ver, a este respeito, Zaluar (1996).
60
partir de 1930 e os conseqüentes loteamentos de terrenos; o incremento populacional; o
período de ditadura militar e a “atomização das relações sociais”; a presença de matadores
operando numa linha bastante tênue entre público e privado — além de sua ligação com
setores do capital privado (empresariado local e regional) e as relações dos atores
envolvidos nesses esquemas de dominação potica local com as esferas do Executivo,
Legislativo e Judiciário. A associação entre a potica local, o jogo do bicho e as escolas de
samba também constituíram outra faceta deste quadro (Cavalcanti, 1993), tendo no
município de Nilópolis e na família Abraão David seus exemplos paradigmáticos.
As elites poticas da Baixada não estiveram isoladas como se poderia supor dadas as
precárias condições infra-estruturais e o abandono de seus moradores. As trajetórias
poticas de figuras como o Barão-fazendeiro (ibidem, p.31), o eloqüente orador Getúlio de
Moura, o emblemático Tenório Cavalcanti e sua “Lurdinha”
65
, a família Raunheitti (em
Nova Iguaçu) e até os populares “justiceiros/ matadores” — Joca, em Belford Roxo e Zito,
em Caxias — semvida lançam luz sobre os processos e relações sociais igualmente
constitutivos do “lugar” Baixada Fluminense. O contraste entre a antiga oligarquia rural e o
selfmade man inaugurou um novo cenário para as relações poticas na região, fazendo
despontar novos nomes.
Se os discursos dos moradores, tomados anteriormente, permitem-nos mergulhar na
multiplicidade desses sentidos e em sua polifonia, a dimensão potica nos apresentará
algumas formas de instrumentalizá-los. Nesse sentido, os projetos — de atores poticos
coletivos e individuais — vão também delineando novas fronteiras para a Baixada.
A composição da Baixada em treze municípios — tal como mencionada no primeiro
parágrafo deste capítulo — corrobora alguns desses projetos. Tal composição está presente,
65
Nome pela qual era conhecida sua inseparável metralhadora.
61
por exemplo, nos discursos de agentes ligados à Secretaria de Estado de Desenvolvimento
da Baixada e município adjacentes (conhecida apenas como Secretaria da Baixada)
66
, à
Associão de prefeitos da Baixada Fluminense, às mobilizações coletivas pela
Universidade Pública da Baixada (cf. Freire, op.cit.), em projetos sociais ligados à música
(Costa, 2006), entre outros que procuram redimensionar o “lugar”, quer seja na tentativa de
obtenção de verbas públicas, visando a ampliação de poder e prestígio, ou na disputa por
acessos privilegiados (Kuschnir, 2000) ou ainda em torno “da memória” (Enne, op.cit.) ou
da constituição de identidades (Freire, op.cit.; Monteiro, op. cit).
“Até mesmo o poder público, o poder político, quer
construir uma outra imagem pra região. E por outro lado,
você tem grupos poticos ligados a grupos de extermínio
que não querem mais ser associados a isso. E eu acho que
têm meios de comunicação que estão aliados a esses
grupos políticos. Eu não digo nem pelo avanço cultural,
que a gente o vê, pelo ‘grande avanço’ de infra-
estrutura, porque não foi tanto assim, que a Baixada
ganhou [espaço na mídia]. Mas talvez porque esses
poticos que tinham uma representação mais a nível
regional começaram a ganhar espaço nacional […]o
querem ser associados à barbárie, querem buscar estar
agora próximos à modernidade, porque essas chacinas
estão próximas da barbárie e eles não querem mais estar
associados a isso” (Maria dos Carmo Gregório apud
Enne, op. cit., pp. 110-111).
Alguns discursos políticos mencionam a necessidade de se “pensar a Baixada como um
todo”, referindo-se a uma configuração que incluiria ainda Paracambi ou Itaguaí, por
exemplo — como no caso de um de meus interlocutores, abordado no próximo capítulo.
Outros exemplos serão aqui apresentados a partir de imagens divulgadas pelas campanhas
poticas durante o período eleitoral de 2004 em Nova Iguaçu e em Duque de Caxias. Deste
66
A importância da configuração adotada pelo Estado, via Secretaria de Governo da Baixada, é também
abordada por Freire (op.cit.), assim como por Alves e outros pesquisadores, já em 2005, no Relatório
Impunidade na Baixada Fluminense.
62
modo, a busca por uma “outra imagem” para a Baixada — por intermédio de projetos
poticos traduzidos em ações com repercussão coletiva — acaba por exacerbar a fluidez
desse “lugar” e a ampliação da interpenetração com outros “lugares” (como a cidade do Rio
de Janeiro, por exemplo), quer pela associação com bairros da Zona Oeste (Campo Grande)
e subúrbios da Avenida Brasil (Irajá e Pavuna), quer com a Zona Sul e, fundamentalmente,
com a Barra da Tijuca.
“A Barra [da Tijuca] é o paraíso dos ricos da Baixada.
Todo mundo que fica rico, muda pra lá. Se não muda,
tem apartamento e sexta-feira pega o carro e só volta na
segunda” (I., comerciária e estudante de administração,
26 anos, moradora da Posse – Nova Iguaçu).
Se no início deste capítulo, nos referimos ao “lugar” como a “territorialização” operada
pelos múltiplos sentidos possíveis (através de atores, agências etc.); daqui por diante
estaremos remetendo a um tipo específico de “territorialização”: a efetuada pelo discurso
potico e por suas práticas (Deleuze, 1992).
A potica na Baixada é, semvida, “coisa pessoal”. A noção anteriormente mencionada
de rede de resolução de problemas práticos nos dá algumas pistas dos caminhos a seguir.
A conjunção do espaço e do território aos usos e significados a que estão submetidos
redimensionam a qualidade banal de “meio” e operam uma religação. Caracterizada pela
circulação de informações e imagens, palavras e pessoas, a Baixada permite que pensemos
esta coleção de lugares a partir do aspecto não exclusivamente racional do espaço, mas
pelo fluxo e pela interação de elementos diversos, e às vezes ambíguos, conformados em
modos de ser e experiências senveis.
63
As trajetórias políticas selecionadas nesta tese serão os enunciadores-políticos, os lugares
de dizer (Guimarães, 2005) para que a Baixada faça sentido na própria enunciação
67
. Desse
modo, assim como os lugares-eventos (Borges, 2003) enfatizam as “palavras” e os “feitos”
nativos, também a rede de resolução de problemas práticos ou mesmo a construção das
arenas públicas a partir da problematização de situações específicas, voltam a nossa
atenção às experiências cotidianas e vivências, e aos discursos e projetos políticos.
O conjunto desses discursos, como uma espécie de “razão prática”, aparecem como
justificativa para a ação. E, através das narrativas, as pessoas envolvidas interpretam o
mundo e expressam alternativas (no caso, poticas) buscando apresentá-las como razoáveis
e coerentes.
É a partir desta visão que a articulação entre imagens da Baixada (e as possibilidades para
sua expansão) e projetos políticos individuais e coletivos serão apresentados como forma de
apreender os sentidos da espetacularização do mundo político. Ou seja, demonstraremos, ao
longo desta tese, como os diversos sentidos atribdos ao “lugar” seo cruciais no
repertório acionado pelos atores poticos no momento de sua apresentação. A potica,
entendida também como espetáculo trará novos personagens, técnicas e interlocutores
68
.
Ela tornará possível a existência de outras Baixadas e será por essa multiplicidade
atravessada.
67
Para Guimarães, o político é pensado como fundamento das relações sociais —importância fundamental
sendo conferida, portanto, à linguagem (o político é o homem que fala) —e caracterizado pela contradição
que encerra entre a distribuição das desigualdades e a afirmação de pertencimento ( cf. p.17).
68
Balandier (1982), Carvalho (1995), Chaia (1996), Sarmento (1999), Puls (2000), Castilho (2000), Courtine
(2003), Piovezzani Filho (2003), Sargentini (2003).
64
CAPÍTULO 2: JORGE GAMA: O ARTICULADOR (OU VISIONÁRIO?) DE UMA
BAIXADA
Neste capítulo, pretendo apresentar algumas observações sobre as relações poticas na
Baixada Fluminense – fundamentalmente a partir de 1964 – utilizando-me, para tanto, de
documentos históricos sobre a trajetória de Jorge Gama, além de entrevistas e conversas
informais que realizei com ele. Com isso, espero ilustrar o papel de alguns de seus atores
sociais na construção de projetos políticos que trouxeram à tona imagens da região, delas se
apropriando e tornando-as visíveis a outros universos sociais. Pensar, enfim, a
multiplicidade da conceituação referente à Baixada a partir dos discursos poticos aqui
apresentados.
A prática política na Baixada não pode, de modo algum, ser entendida através de duas ou
três redes compostas por partidos poticos determinados a priori. Para compreendermos
este quadro, devemos excluir o ponto de vista estático para pensá-lo em processos
constantes de abertura e fechamento, aglutinação e reformulação, densidade e
esvaziamento. A “personalização” é, desde sempre, uma das dinâmicas constitutivas das
redes poticas da região, operada a partir de indivíduos-chave e da busca por seus
interesses particulares, ora valendo-se de partidos, ora de redes mais amplas para atingir
seus objetivos (Beloch, 1986; Grynspan, 1990b; Ferreira, 1994; Alves, 2003). Pretendo,
assim, transformar Jorge Gama no primeiro narrador de uma das versões sobre a Baixada, a
potica local e seu modus operandi.
Minha escolha por iniciar por sua trajetória não foi arbitrária. Destaco que, ao começar o
trabalho de campo em Nova Iguaçu, meu primeiro contato, ainda apenas por telefone, foi
65
com o assessor de imprensa do então prefeitorio Marques
69
, Pedro Cezar, em julho de
2003
70
. Foi por seu intermédio que tive acesso aos secretários, principalmente ao secretário
de governo, um político tradicional do PMDB do estado, o ex-deputado federal Jorge Gama
que se tornou um importante interlocutor desta pesquisa, além de ser um personagem com
destaque na história potica regional – e, em alguma medida, também nacional
71
.
Tanto as entrevistas quanto as “conversas” foram feitas em seu gabinete, na Prefeitura
Municipal de Nova Iguaçu, com exceção da última delas, realizada na Secretaria de
Governo da Baixada, localizada no km 15 da Rodovia Presidente Dutra
72
. O prédio da
69
Mário Pereira Marques Filho é natural de Nova Iguaçu. Advogado, foi juiz de paz da Comarca de mesmo
nome, entre 1967 e 1970, e secretário de administração da prefeitura de 1967 a 1968.
Elegeu-se vereador em seu primeiro mandato pela ARENA, em 1970, com 2.397 votos, sendo reeleito em
1972, pelo mesmo partido, com 3.025 votos. Foi suplente de Deputado Estadual (1974-1978) pelo mesmo
partido e participou da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, como relator, em duas
legislaturas (1970/ 1972 e em 1976).
Foi reeleito vereador pela terceira vez em 1976 (ARENA) com 3.024 votos. Filiou-se ao Partido Democrático
Social (PDS), em 1981, no qual permaneceu a1990. Reeleito pela quarta vez em 1982, foi o 3º mais votado
do município, com 4.761 votos. Foi líder da bancada do PDS e fundador do partido (1980/ 1982) no
município.
Foi reeleito vereador, ainda pelo PDS, em 1988 com 1.180 votos, quando atuou como Relator da Lei Orgânica
de Nova Iguaçu, em 1988 e em 1990.
Candidatou-se à Câmara dos Deputados, em 1990, pela legenda do PTR, obtendo 4.882 votos – ficando na 5ª
suplência. Reelegeu-se vereador pela sexta vez consecutiva em 1992, obtendo 1.615 votos, sendo o 1º da
coligação PTR/ PST. Na mesma ocaso, elegeu-se também 2º Vice-presidente da Câmara Municipal de Nova
Iguaçu.
Reeleito vereador pela 7ª vez consecutiva, em 1996, já pelo PPB, obteve 2.772 votos e foi eleito Presidente da
Câmara Municipal de Nova Iguaçu, de 1999 a 2000.
Aos 63 anos, tornou-se pela primeira vez prefeito de seu município, após 30 anos de mandatos legislativos,
tendo assumido o cargo em 2002. Em 2004, foi novamente candidato à Prefeitura de Nova Iguaçu pela
coligação Crescer sempre com Deus e com o Povo, perdendo para o candidato do PT, Lindberg Farias.
70
Jornalista de formação, PC, como é conhecido, trabalhou nos jornais O Globo e O Dia, mas já está na
política há quase vinte anos. Iniciou-se nesta atividade como assessor de Moreira Franco e Francisco Amaral,
em 1986, trabalhando também com Nelson Bornier em suas duas últimas campanhas (para o executivo
municipal de Nova Iguaçu, em 2000, e para a Câmara dos Deputados, em 2002), prosseguindo com suas
atividades de assessoria com a transferência do mandato ao vice-prefeito Mário Marques, que na época era do
PP.
71
Esclareço o uso extenso das transcrições das entrevistas – realizadas em três ocasiões (10 de agosto de
2004, 23 de setembro de 2004 e 15 de outubro de 2005) – dada a importância, para esta tese, da identificação
da rede política em que Jorge Gama se insere, por intermédio de sua narrativa de si. Repetirei este artifício
com outros atores, quando julgar que tal empreendimento se justifique.
72
Geralmente, após as entrevistas, almoçávamos juntamente com outras pessoas (outro secretário, Pedro
Cezar e algum outro assessor). Apesar de não registrados sistematicamente, tais eventos também são
considerados fontes importantes para a pesquisa. Minha presença exigia uma redefinição da “situação” pelos
66
Prefeitura situa-se na Rua Ataíde Pimenta de Moraes, n
o
. 528, no bairro central, próximo ao
maior shopping center da cidade, o Top Shopping. Tem dois pavimentos (térreo e 1º.
andar), além do piso subterrâneo onde costumavam ficar as assessorias de comunicação e
outras afins. O gabinete do secretário de governo está localizado no andar superior, no qual
há uma ante-sala com ar-condicionado, algumas poltronas e a mesa de sua secretária. O
gabinete é amplo: tem duas escrivaninhas – uma para uso próprio e a outra, para uso de seu
assessor pessoal – e uma grande mesa oval, com aproximadamente dez cadeiras.
A primeira entrevista não foi previamente agendada. Após alguns telefonemas, resolvi
dirigir-me diretamente à Prefeitura para tentar estabelecer contanto com alguém próximo ao
prefeito Mário Marques, uma vez que vários dos encontros marcados já haviam sido
cancelados. Nesse dia, 10 de agosto de 2003, conheci Pedro Cezar pessoalmente. Após
aproximadamente uma hora de conversa, prometeu agendar uma entrevista com o prefeito e
resolveu apresentar-me a seu secretário de governo para que, assim, “a viagem não fosse
perdida”. Levou-me ao gabinete, entrando sem ser anunciado. Lá, apresentou-me a Jorge
Gama como “pesquisadora, fazendo trabalho sobre potica na Baixada”. Este último foi
muito receptivo, convidando-me a sentar, porque teria que dar alguns telefonemas antes de
falar comigo. Pedro Cezar saiu e pediu-me que, ao terminar, o procurasse na secretaria de
comunicação (que ficava no prédio anexo, do outro lado da rua, juntamente com o gabinete
do prefeito, uma sala de reuniões e salas de alguns secretários) para acertarmos a data da
entrevista com o prefeito.
Jorge Gama estava de terno escuro, camisa bege e gravata. O dia estava muito quente e o
ar-condicionado, ligado. Ofereceu-me água e café, pedindo à secretária que providenciasse
presentes já que, certamente, o conversavam sobre qualquer assunto e, quando desejavam falar algo que
o deveria ser divulgado, alertavam-me, dizendo que determinado assunto deveria ficar emoff”.
67
os mesmos. Seu assessor retirou-se, retornando quando estávamos terminando a
entrevista, quase duas horas depois. Como de praxe, estava com meu gravador. Perguntei se
poderia gravar a entrevista, ao que ele não fez nenhuma objeção. Expliquei que se tratava
de minha tese de doutoramento pelo Museu Nacional da UFRJ e que meu interesse, a
princípio, era o de entender como se fazia potica na Baixada Fluminense. Jorge Gama
mencionou o fato de gostar de antropologia, citando sua leitura de Darcy Ribeiro. Afirmou
que, se não tivesse feito Direito, certamente teria direcionado seus estudos para alguma
carreira na área das ciências sociais.
A primeira entrevista teve início formalmente e pedi que ele me falasse um pouco sobre si,
sobre sua trajetória, ao que respondeu-me imediatamente, narrando sua entrada no MDB.
Deixei que falasse sem interrompê-lo. Só mais tarde, intervim, perguntando se ele havia
nascido em Nova Iguaçu. Sua narrativa recomeçou, então, centrada em seu nascimento e
nas histórias sobre seus familiares.
Jorge Gama nasceu em 19 de setembro de 1942. Carioca “do Rocha” (subúrbio do Rio de
Janeiro), mudou-se para Nova Iguaçu com seis anos de idade, juntamente com o pai, a mãe
e os três irmãos. Seu pai, Manuel de Barros, era imigrante português nascido durante o
regime salazarista. Era comerciante, dono de uma carvoaria em Nova Iguaçu e de um
botequim, localizado onde hoje situa-se o munipio de Mesquita. Sua mãe, Nmia de
Oliveira Gama de Barros, era dona de casa. Jorge fez o primário (hoje chamado de ensino
fundamental) no Colégio Iguaçuano – na época, uma das melhores e mais tradicionais
instituições educacionais privadas da cidade e referência local, ainda hoje. Aos 12 anos, foi
trabalhar norum, estudando à noite no Colégio Monteiro Lobato (uma tradicional escola
da rede pública). Continuou trabalhando no cartório e, aos 18 anos, foi nomeado
68
escrevente. Quando concluiu o curso de direito pela Universidade Federal Fluminense, em
1969, optou por não fazer concurso e permanecer no cartório onde “ganhava bem”.
Sua fase adulta transcorreu durante os anos de ditadura no Brasil. Em um primeiro
momento, o regime autoritário cassou mandatos parlamentares e instituiu o AI-2 (que
implicou a extinção dos partidos políticos) e, logo em seguida, o bipartidarismo (ARENA e
MDB), permitindo o funcionamento, ainda que parcial, da sociedade política e garantindo
sua legitimidade com base na percepção de que tal situação seria transitória
73
. Assim, a
estratégia de manter dois partidos políticos visava evitar a desconfiança e o descrédito
gerados por um sistema autoritário strito sensu (Avritzer, 2000)
74
. No entanto, o processo
potico implementado pelo novo regime não conseguiu diferir das antigas relações
patrimonialistas e clientelistas (Faoro, 1975; Leal, 1975) já que necessitava angariar apoio,
negociando cargos e privilégios com os antigos – e tradicionais – donos do poder (Ferreira,
op. cit.; Alves, op. cit.).
O regime militar e o momento posterior daabertura são significativos para o
entendimento da política na Baixada Fluminense, além de constituírem o contexto de
surgimento de algumas trajetórias poticas expressivas em termos mais gerais. Nessa
73
O MDB surgia, oficialmente (registrado na Justiça Eleitoral, apesar de existir desde finais de 1965), em 24
de março de 1966. Nascido sob o signo da oposição ao regime – e “batizado” por Tancredo Neves (Ulysses
Guimarães preferia a palavra ação a movimento) – o partido foi inicialmente presidido por um general, Oscar
Passos, Senador pelo Acre e, a princípio, pouco defrontava o partido do governo, a ARENA. (DHBB, 2001).
Segundo Diniz (1982), o MDB fluminense caracterizava-se (no período de 1965-1979) por um alto grau de
heterogeneidade, congregando diferentes facções que disputariam a hegemonia interna pelo poder no partido.
A autora faz uma análise da máquina chaguista – desde sua estruturação e ascensão, até a articulação de suas
bases de apoio – demonstrando a construção de um aparato ligado essencialmente ao clientelismo, suas
implicações dentro da estrutura urbana e sua relação com as massas.
74
Segundo Avritzer (2000), “o regime autoritário permitiu o funcionamento parcial da sociedade política,
contanto que esta se sujeitasse aos objetivos primordiais do regime (...) O regime autoritário entendia que a
vitória nas urnas dar-lhes-ia legitimidade, mas não porque seus programas políticos fossem ao encontro do
desejo da maioria do eleitorado, e sim porque isso lhe possibilitaria manipular o processo eleitoral de modo a
assegurar o controle a longo prazo do aparelho estatal. O problema dessa estratégia foi que ela criou um
processo político que não levava à legitimidade, e sim ao autoritarismo” (pp. 170-171).
69
época, entraram em cena novos atores que, vinculados ou não aos militares, perpetuaram-se
na vida potica local e ainda demonstram sua influência e prestígio, mesmo após 20 anos
de democracia.
Apesar de qualquer menção ou análise da situação de Nova Iguaçu estar ausente da
narrativa de Jorge Gama durante a primeira entrevista que me concedeu, na Baixada
Fluminense como um todo, tal situação explicitava-se pelo grau de intervenção nos
munipios
75
. Entre 1963 e 1969, a região passou por significativas mudanças poticas.
Em Nova Iguaçu, mais especificamente, tais mudanças resultaram na nomeação de/ ou na
eleição de oito prefeitos diferentes, fato que, diante da situação potica conturbada que se
estabeleceu após a instauração do regime militar, culminou na interferência direta sobre o
poder local, com cassações de prefeitos e vereadores da oposição e a imposição de
interventores na região.
A cidade teve como chefes do executivo, nesse período, dois interventores (Joaquim de
Freitas, em 1966, e Rui Queis, em 1969), dois presidentes da Câmara Municipal (José
Lima, em 1966, e Nagi Amalwi, em 1968), dois prefeitos eleitos (Aluísio Pinto de Barros,
em 1963 e Ari Schiavo do MDB, em 1967) e dois vice-prefeitos (João Luiz do
Nascimento, em 1963 e Antônio Joaquim Machado, da ARENA, em 1967
76
) e viu
despontar nomes como o de Darcílio Aires Raunheitti, iro mais velho e “padrinho
potico” de Fábio Raunheitti que, mais tarde, surgiria como uma das principais lideranças
dentro da Baixada
77
.
75
Sobre os processos de construção da memória, assim como sua reelaboração sob diversas perspectivas,
consultar Pollak (1989 e 1992), Sarmento (1999), Enne (op.cit.), Santos (2003), Amado (2003), entre outros.
76
Fonte: TRE-RJ e Arquivo da Câmara Municipal de Nova Iguaçu.
77
Do outro lado do campo político, Darcílio iniciou sua vida pública ocupando a quinta suplência na
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pela UDN (União Democrática Nacional, em 1962). Fábio
70
Nos municípios adjacentes, a situação de ingerência era a mesma. Duque de Caxias, após a
lei 5.449, de 4 de junho de 1968, tornou-se área de segurança nacional devido à presença de
uma refinaria de petleo e de uma rodovia interestadual (a Rodovia Washington Luís),
tendo como primeiro interventor Carlos de Medeiros
78
. Em São João de Meriti, Jo
Amorim, que há pouco se havia filiado à ARENA, não escapou da cassação e João Batista
Lubanco – ligado aos Raunheitti (Darcílio e Fábio) – foi nomeado interventor, em 1970
79
.
No mesmo ano, Nilópolis também substituiria seu prefeito. Jo Cardoso, do MDB, perdeu
Raunheitti, por sua vez, nasceu em Nova Iguaçu em 1928. Advogado, formado pela UFF, casado com Lígia
Gonçalves Raunheitti, iniciou sua vida profissional como tabelião substituto em sua cidade natal. Tornou-se
uma das principais lideranças políticas locais a partir da década de 1960, articulando alianças e financiando as
campanhas de seu irmão e de outros políticos locais sem, no entanto, candidatar-se, pois teria que “fazer
frente” a seu irmão. Os dois estiveram vinculados à prefeitura de Nova Iguaçu durante a gestão de Rui
Queirós, por intermédio da empresa responvel pela limpeza urbana na cidade – CONDENI, envolvendo-se
em acusações de corrupção e mau uso do dinheiro público mas, apesar disso, não sofreram qualquer sanção
(sobre corrupção ver, por exemplo, Bezerra 1994 e 1998). A entrada de Fábio na vida pública deu-se como
Secretário de Educação e Cultura entre 1968 e 1970. Presidiu a Fundação Educacional de Nova Iguaçu de
1975 a 1976 e, também, a Companhia Municipal de Desenvolvimento até 1982.Após a morte do irmão, no
entanto, ocorrida em 1986, seu prestígio e liderança foram transferidos para Fábio, que conseguiu projeção
regional ao eleger-se deputado federal, pelo PTB, nesse mesmo ano.
Em 1969, Fábio fundou e, em seguida, dirigiu a Sociedade de Ensino Superior de Nova Iguaçu (SESNI) que
atendia à demanda de toda a região, visto que as instituições de ensino superior na Baixada eram escassas
nesse período. Com isso, adquiriu não somente knowhow, mas praticamente o monopólio de tal atividade na
região. Inicialmente, contando apenas com faculdades de pedagogia, ciências contábeis e direito, foi
conquistando cada vez mais alunos (majoritariamente trabalhadores de segmentos populares e de camadas
médias assalariadas que precisavam e/ ou desejavam aperfeiçoamento), ampliando assim a oferta de cursos e
seu orçamento particular. O carro-chefe da antiga SESNI – transformada em universidade em 1992 – agora
Universidade Iguaçu (UNIG), era (e ainda é) a faculdade de medicina (posteriormente, a ela somando-se a de
odontologia), que esteve rodeada de denúncias de compra de vagas, de gabaritos de provas, de venda de
diplomas e, por fim – fato decisivo para a trajetória política de Fábio Raunheitti: uso de dinheiro público em
sua instituição privada e nos hospitais da Posse e São José, informação que veio à tona no escândalo em que
ganhou a alcunha de “anão do Orçamento”.
78
Duque de Caxias será administrada por interventores até 1985, ano em que finalmente elege seu primeiro
prefeito desde a instauração da ditadura militar. As relações políticas quem o município como locus serão
objeto do próximo capítulo que analisará a trajeria de Zito.
79
Em 1965, Darcílio, já filiado à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) – partido que dava sustentação
política ao governo militar instaurado em 1964 – iniciou uma relação de apoio incondicional ao regime,
elegendo-se deputado estadual em 1970 e deputado federal em 1974 e 1978. Em 1979, filiou-se ao PDS,
reelegendo-se em 1982. Defensor do regime militar, impôs resistência às eleições para governadores,
senadores e deputados e colocou-se a favor da transferência do pleito de 1982 para 1986. Também fez
oposão à volta das eleições diretas para presidente da República, representada pela emenda Dante de
Oliveira, apresentada na Câmara em 25 de abril de 1984. Faleceu em 1986, transferindo sua base eleitoral ao
iro,bio Raunheitti. João Batista Barreto Lubanco, por sua vez, integrante do mesmo partido de Darlio
e ligado aos irmãos Raunheitti, elegeu-se vice-prefeito de Nova Iguaçu, em 1972, juntamente com o ex-
interventor, nessa ocasião prefeito também pela ARENA, Joaquim de Freitas. Em 1974, assumiu a prefeitura
após a renúncia do prefeito de Nova Iguaçu, em um processo aparentemente sem conflitos, no qual a
população não se pronunciou, mantendo a pretensa aparência de “ordem” (Alves, op. cit.).
71
o mandato como resultado de um processo judicial movido contra ele – e cujas testemunhas
foram Miguel Abraão e Aniz Abraão David, parentes do sucessor de Cardoso, Jorge David
(Alves, 2003)
80
. Já em São João de Meriti, Denoziro Afonso elegeu-se o único prefeito de
oposição (MDB) nas eleições de 1972.
Foi sob esse clima potico que teve início a vida pública de Jorge Gama. Filiado ao MDB
desde 1967, a potica lhe interessava, mas ainda com certa distância e muito ligada às suas
relações pessoais e a um “estilo contestador”.
“Aqui, em Nova Iguaçu, tinha um fato interessante.
Lançava-se um candidato, assim, da nossa patota, da
nossa turma e aí,s apovamos. Vamos votar no
cara, vamos botar ele na Câmara. Era uma coisa
muito despolitizada, muito eleitoral. Era um
modismo. Pegava um nome, uma espécie de liderança
na turma e botava ele na Câmara. Nós fizemos isso
80
As famílias David e Abraão David ingressaram na política durante o período da ditadura, inicialmente
ocupando cargos nas prefeituras da Baixada com o apoio do aparato do governo federal e, em alguns casos,
mantendo relações com interventores federais. Iniciava-se, assim, a união entre política e contravenção que
marcaria a imagem de Nilópolis, nesse período já emancipada de Nova Iguaçu.
Simão Sessim, irmão de Jorge David e primo de Aniz Abraão David, nasceu no Rio de Janeiro, em 8 de
dezembro de 1935. Mudou-se para a Baixada quando criança e sua aproximação com a política deu-se ainda
quando estudante, momento em que se filiou à UDN, em 1962. Aos 19 anos, foi diretor do Instituto de
Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu. Formou-se em Direito pela Gama Filho, em 1969, ano em que
ingressou na ARENA, tendo ocupado o cargo de secretário de Educação de Nova Iguaçu. No ano seguinte,
tornou-se chefe de gabinete na mesma cidade sendo, logo em seguida, (1971) nomeado procurador-geral em
Nilópolis. Em 1972, elegeu-se prefeito de Nilópolis pela ARENA, enquanto seu primo, Miguel Abraão David,
foi nomeado presidente da Câmara. Em 1977, deixou a prefeitura para ocupar o cargo de assessor da
presidência da Fundão para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundren). No
ano de 1976, a família Abraão David sairia derrotada nas eleições municipais de Nilópolis, na qual Nelson
Abraão não se elegeu. No entanto, nas eleições para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa do
Rio de Janeiro, elegeram Simão Sessim deputado federal (pela primeira vez) e Jorge David, deputado
estadual. De acordo com Alves (op. cit.), iniciou-se, neste momento, a vinculação das relações políticas com o
jogo do bicho no município, cujos antecedentes remetem ao apoio financeiro da família Razuk, de São João
de Meriti, a Roberto e Bagder da Silveira, ambos do PTB, durante a década de 1950. Em 1979, Simão Sessim
filiou-se ao PDS, reelegendo-se deputado federal em 1982. Em 1984, esteve ausente da sessão em que foi
votada a emenda Dante de Oliveira, demonstrando, dessa forma, sua posição quanto ao assunto em questão.
Em 1985, Simão Sessim filiou-se ao PFL – partido formado pela dissidência do PDS – no qual se reelegeu
pela terceira vez, em 1986 e, novamente, em 1990.
Em 1994, candidatou-se outra vez e foi eleito, pela quinta vez. Nas eleições municipais de 1996, mesmo tendo
Nilópolis como uma de suas principais bases eleitorais (além de Itaguaí e Magé), Sessim não conseguiu
eleger-se prefeito pelo PSDB, ficando com o segundo lugar, atrás do candidato do PDT, José Carlos Cunha
(TRE/RJ). No ano seguinte, saiu do PSDB e filiou-se ao PPB, legenda pela qual se reelegeu no pleito de 1998
e também no de 2002.
72
com o Mauro Miguel, amigo, boêmio. Demos uma
força e o elegemos. Bom, depois com a ditadura
começou a ter um grupo que pensava, que
conversava, que trocava idéias. E esse grupo se
reunia, informalmente, perto do Fórum, num bar que
tinha na esquina, em frente à estação [ferroviária], era
o bar do Zuza. Todo mundo ia pra lá de noite tomar
cerveja, conversar e trocar idéia. Era quase
semelhante àquele grupo do Pasquim, um pouco
influenciado pelo grupo do Pasquim
81
. Era o Robson,
que é dono do Correio da Lavoura;
82
eu, o Sérgio
Fonseca, o Eliasar Diniz, o Roque Bone (Roque da
Paraíba, compositor e pintor), Hugo Freitas (artista),
Paulo Faria, Paulo Amaral. Aquilo era um centro de
debate, de contestação ao prefeito, à política da
ditadura. E aí se criou, no Correio da Lavoura, uma
coluna chamada ‘O Negócio é o seguinte. Era uma
coluna livre e cada um fazia uma frase, e foi um
sucesso muito grande. O jornal era semanal e todo
mundo comprava pra ver as piadas e as críticas. Eu
usava pseudônimos: ‘o Transeunte’ e ‘Maria
Auxiliadora da Paz’. Depois criei um outro
personagem, o ‘Geraldinho boca de trombone’, que
esculhambava todo mundo. Enfim... Fazia uns artigos
uma vez ou outra. Aquilo ali era um cenário, ningm
tinha um projeto eleitoral. Era um cenário meio
boêmio e meio contestador. Aos domingos, o jornal
publicava o que saía dali, mais ou menos.
Os personagens criados trazem à tona o papel dos jornais como um dos poucos espaços
possíveis para a crítica ao regime. A relação e as implicações entre as diversas mídias e a
potica perpassam a análise da trajetória de Jorge Gama e conferem tons distintos aos
81
O Pasquim assim como Opinião, Movimento, Em Tempo, Coojornal e Versus – era um jornal alternativo,
em formato de tablóide e com circulação irregular; um jornal de protesto e de oposição. Editado no Rio de
Janeiro, foi lançado em 1969, tornando-se um dos principais jornais do gênero. Teve em seu quadro de
redatores nomes como os de Sérgio Cabral, Jaguar, Tarso de Castro, Carlos Propseri, Claudius Ceccon etc..
De acordo com Maria Paula N. Araújo (2000), o “Pasquim misturava potica, comportamento e crítica social.
Reproduzia a linguagem coloquial e incorporava o palavrão – muitas vezes utilizando um asterisco como
substituto do termo. Chegou a ter uma tiragem de 200 mil exemplares (...) Atingido pela censura prévia, o
Pasquim teve várias edições apreendidas, com prio de seus editores e processo judicial (...) Naquele ano
[1970] o Pasquim representou, de certa forma, um símbolo da luta de resistência ao regime militar. (...)
Durante os anos 1980 sua tiragem foi se tornando extremamente rarefeita. Os últimos números do jornal
saíram no final dessa década. (p.23).
82
O jornal Correio da Lavoura, de circulação local, foi criado em 22 de março de 1917. Atualmente, sua
periodicidade é semanal.
73
marcos temporais, aos “momentos históricos” por ele vivenciados. O período da ditadura
apresenta-se como basilar para a constituição de sua identidade potica a partir do viés da
expressão artística, do humor (sarcasmo), da crítica e do engajamento, ainda não
propriamente vinculado a uma adesão ideológica. Manifesta-se, simplesmente, o escritor
livre, indignado com o cerceamento, com o medo, com a incapacidade de agir.
Primeiramente o “Transeunte” e “Maria Auxiliadora da Paz”, depois Geraldinho boca de
trombone” vão compondo e divulgando discussões poticas e informações proibidas e
censuradas como alternativa às notícias dos jornais tradicionais, limitadas pelas exigências
do regime e do mercado. Estes novos veículos trazem para o cenário local (Nova Iguaçu)
uma forma de mobilização e de provocação (aos políticos locais) marcada pela criatividade,
pela coragem e pela imprudência. Os codinomes utilizados são emblemáticos:
“Transeunte”, aquele que se move, sem paradeiro fixo, sem destino. O marginal (e
marginalizado) por excelência. “Maria Auxiliadora da Paz”, mulher, portanto pertencente a
uma minoria, que carrega no próprio nome um apelo. E, por fim, o escracho: “Geraldinho
boca de trombone”, o homem comum que fala; que fala sem que o detenham, sem limites;
em suma, o agitador.
A conjuntura política do país transformou o papel das mídias – principalmente do jornal e
dos jornalistas – gerando, conforme ressaltou Abreu (2003), uma valorização simbólica da
ligação entre jovens quadros a partidos, principalmente o PCB. Assim, “a escolha do
jornalismo como profissão era uma forma de exercer o engajamento potico, divulgar uma
ideologia e atuar politicamente” (p.21). Na época de sua atuação como colunista no Correio
da Lavoura, Jorge Gama era um advogado recém-formado que, de alguma forma, traduziu
74
esse espírito de seu tempo como porta-voz local da insatisfação, da contestação e do anseio
pela mudança.
Este “movimento” (como Jorge o denomina) teve início na década de 1970, influenciando
em sua entrada na vida potico-eleitoral local com a candidatura pelo MDB do advogado
Humberto dos Santos, considerada “mais conseqüente, mais de esquerda”. Jorge coordenou
a campanha vitoriosa de Betinho (como Humberto era conhecido). Um candidato “mistura
de boêmio e contestador, mas inorgânico”, que fez um mandato “combativo” sem, no
entanto, manter uma relação de proximidade com o partido.
Em 1972 (ano em que se casou e residiu no bairro carioca da Ilha do Governador), deu
prosseguimento à sua atuação como articulador e coordenador de campanhas, envolvendo-
se na candidatura de João Luis Nascimento, ex-prefeito de uma cidade do interior do estado
pelo MDB. O primeiro turning point de Jorge Gama deu-se, contudo, apenas dois anos
depois. Alguns membros do partido queriam que ele se candidatasse a deputado estadual,
mas Jorge não aceitou, alegando que o nome de Francisco Amaral (Chico Amaral) seria o
mais adequado, naquele momento. De seu escritório, que ficava próximo ao fórum,
gerenciava uma prestadora de serviços de assistência jurídica e administrativa juntamente
com dois outros poticos, por ele considerados “mais de esquerda”: Paulo Faria (um
político do interior do estado) e Paulo Amaral (advogado da Comiso de Justiça e Paz, ex-
membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR e ex-preso potico). Sua
firma foi a responsável pela articulação da campanha de Francisco Amaral –apoiada pela
esquerda (segundo Jorge, “uma esquerda independente, uma parte do “Partidão”, além de
75
setores da Igreja”) – que foi eleito e tornou-se um dos principais nomes da “esquerda
local
83
.
O escritório de Jorge figura, em sua narrativa, como o espaço no qual se deu sua formação
ideológica. É a partir da criação desta prestadora de serviço, do contato com os dois
advogados que trabalhavam no escritório e com Francisco Amaral que Jorge marca sua
passagem para a “potica de verdade”. Se a “origem” dessa ligação localiza-se nas
conversas poticas” com os amigos boêmios e contestadores, a mudança de seu estatuto
potico foi conferida por intermédio da relação com nomes “mais da esquerda” e se
apresenta como fundadora de um novo ciclo: sua entrada como ator político na arena local.
Eu tinha uma formação crítica, no máximo. Depois eu adquiri uma formação ideológica.
Uma formação mais social”. Havia, semvida, um significativo peso simbólico em
classificar-se (e/ ou ser classificado) como “de esquerda”. De um lado, havia a preocupação
em não ser vinculado a uma postura radical (“esquerdista”), ao mesmo tempo em que era
desconfortável (para alguns atores sociais) ser rotulado de conservador. Grosso modo, “ser
de esquerda” aludia a um rol de atributos, conhecimentos e práticas remetidos
fundamentalmente à postura de crítica ao regime militar.
A relação com Francisco Amaral, anterior à sua vinculação com eleições, estreitou-se a
partir de sua entrada no cenário eleitoral de Nova Iguaçu e das possibilidades abertas por
um contato direto com a Assembléia Legislativa. A atuação no cartório (desde criança”) e
sua profissão foram decisivas para o estabelecimento de contatos com diferentes segmentos
83
Nesse ano, a eleição para governador deu-se por meio de eleição indireta, realizada pelo sufrágio de um
Colégio Eleitoral nas Assembléias Legislativas, na forma do artigo único, caput e § 1º da Emenda
Constitucional n.º 2, de 9 de Maio de 1972. Da mesma forma ocorreu a eleição para Presidente da República,
realizada pelo Colégio Eleitoral (composto de membros do Congresso Nacional e de delegados das
Assembléias Legislativas dos Estados), na forma dos arts. 1º e 2º, da Lei Complementar n.º 15, de 13-08-
1973. (Tribunal Superior Eleitoral)
76
sociais, assim como a vida boêmia e o estilo contestador. Juntos, estes atributos
compunham a imagem de um profissional responsável, ao mesmo tempo em que o
associavam a um tipo de sociabilidade e de trânsito entre a classe média (na qual se incluía
na época da entrevista) e setores populares, em algum nível mediado pelos locais por ele
freqüentados, pelos “personagens” que criou e por seus escritos nos jornais locais.
Forjavam-se, assim, algumas das características que o distinguiriam e o tornariam um
candidato vitorioso naquele momento. Estavam em jogo os processos de identificação que
resultariam na constituão de sua persona pública.
Nessa época, na verdade, estava surgindo uma classe
média em Nova Iguaçu. não era mais aquela
aristocracia rural. Ali, eu apareço em [19]76 como um
personagem que transitava entre todo mundo, que
conversava com todo mundo, que tinha as idéias. Não era
esquerdista, mas não era conservador. Eu também estava
buscando uma identidade.
Jorge Gama disputou, em 1976, sua primeira eleição para a Câmara Municipal de Nova
Iguaçu, embora o partido pretendesse lançá-lo como candidato à prefeitura
84
. Preferiu, no
entanto, novamente apoiar Francisco Amaral que, contudo, não conseguiu se eleger, sendo
perseguido, tendo sua candidatura ameaçada de impugnação e seus colaboradores
coagidos
85
. Jorge, por sua vez, foi eleito vereador pela legenda do MDB (Movimento
84
As eleições de 15 de novembro, de âmbito nacional, foram reguladas na forma da Resolução n.º 10.041, do
Tribunal Superior Eleitoral, de 16-06-1976. As eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores deram-se em
20 de dezembro, nos municípios em que não foram realizadas em 15-11-1976. Consoante disposto no art. 1º
da Resolução n.º 10.242, do Tribunal Superior Eleitoral, de 10-12-1976. (Tribunal Superior Eleitoral)
85
Jorge Gama foi intimado – “convidado para ter uma conversa” – com o major Carneiro, no Regimento
Sampaio,o somente por estar à frente da campanha de Francisco Amaral, mas essencialmente por sua
ligação com o jornal O Pontual, que pertencia ao empresário Manuel Góes Teles e que, segundo este último,
fora “aproveitado” por seu grupo (dada a coragem e ousadia de seu proprietário) para fazer ataques políticos.
Na ocasião, Jorge foi inquirido a respeito do jornal e de sua ligação com Manuel Góes Teles e depois
liberado.
77
Democrático Brasileiro) como o segundo mais votado do partido – com 3.847 votos
86
graças à sua inserção junto às camadas médias de Nova Iguaçu e, segundo o próprio, ao
voto expressivo dos “servidores da Justiça”, em uma alusão direta a seu vínculo
profissional. Nesse mandato, durante o governo do prefeito da ARENA, ex-interventor
agora eleito, Rui Queirós presidiu a Comissão de Justiça e a de Redação da Câmara
Municipal e foi um opositor incessante do governo municipal e das poticas
administrativas que o executivo implementava.
Nesse primeiro momento, ainda não havia delineada uma geografia eleitoral de contornos
tidos. Jorge Gama não tinha como reduto eleitoral um bairro ou área da cidade
específicos, e sim uma determinada camada social e um grupo profissional mais facilmente
identificável. A representação espacial, tão cara à potica em geral – como, por exemplo, à
potica dos vereadores (Lopez, 2001) – não era predominante e tornava possível ao
candidato (Jorge Gama) ampliar suas possibilidades eleitorais por intermédio de uma
“bandeira” que, apesar de representar interesses específicos, perpassava, no caso de Nova
Iguaçu, diferentes áreas da cidade.
A dinâmica das relações pessoais é outro fator que merece atenção. Desde o período de sua
“formação potica”, as relações de Jorge com algumas pessoas em Nova Iguaçu foram
fundamentais para sua decisão de ingressar no cenário potico-eleitoral. A noção de rede é
aqui retomada privilegiando-se seu aspecto mais centrado no ego, o ator político,
interessando-me refletir sobre a forma como as relações diádicas são travadas e
operacionalizadas para a prática da política local (Mitchell, 1969; Bott, 1971; Mayer, 1969;
86
O mais votado foi Ricardo Gaspar, de Belford Roxo, filho do eno deputado estadual Antônio Gaspar.
78
Bezerra, 1994)
87
. Tais relações não foram constitutivas apenas dos processos de
identificação potica de Jorge Gama, mas qualificaram sua inserção local a partir da rede a
que resolveu aderir.
Sua aproximação definitiva com as camadas populares foi, no entanto, posterior à primeira
eleição e deu-se por meio de sua relação com membros da Igreja Católica da Diocese de
Nova Iguaçu – fundamentalmente por intermédio de Francisco Amaral que o apresentou a
Dom Adriano Hilito
88
, o que permitiu sua inserção no universo dos movimentos
populares
89
. Essa ligação – e o reconhecimento de seu lugar legítimo como político na
cidade – favoreceu sua eleição para deputado federal, pelo MDB, em 1978 – com 25 mil
votos, apenas em Nova Iguaçu (no total de 38 mil votos), tendo sido um dos mais votados
da região (TRE/RJ).
O suporte (político e financeiro) do partido não foi imediato e irrestrito já que seu antigo
colega de escritório, Paulo Faria, também se lançara candidato, dividindo, portanto, o apoio
87
Sem desconsiderar as observações desenvolvidas por Barnes (1969), para quem a rede seria um “conjunto
de relações interpessoais concretas que vinculam indivíduos a outros indivíduos” (p.167), desenvolvo minha
análise levando em consideração os nódulos da rede, as relações travadas a partir de um ego sem que, no
entanto, sejam exclusivamente referidas aos contatos concretos – levando em consideração, portanto, os
contatos a partir de terceiros. Trabalho com um conjunto limitado de contatos diretos, mas os indiretos
(denominados de segunda ordem por Barnes, op. cit) também mostraram-se relevantes para o entendimento
do conjunto das ações.
88
Dom Adriano Hipólito foi um personagem marcante na Baixada entre 1966 e 1981. Foi Bispo de Nova
Iguaçu e atuou junto aos movimentos sociais, auxiliando a formação das Comunidades Eclesiais de Base na
região. Foi seqüestrado em 1976 e torturado, tornando-se um símbolo pela luta contra a repressão e a ditadura.
O depoimento de Frei Beto à jornalista Deigma Turazi, da Agência Brasil, exemplifica o papel da Igreja e de
personagens como Dom Adriano: “Na verdade, havia setores da Igreja que apoiavam o golpe e outros que
fizeram resistência ao regime, como foi o meu caso e o de um grupo de dominicanos de São Paulo, de Dom
Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara, Dom Mauro Morelli, Dom Adriano Hipólito e de tantos outros
bispos. Acontece que, quanto mais a repressão policial-militar fazia cair a sua pesada mão sobre a Igreja,
tanto mais a Igreja se unia e se afastava do apoio ao golpe, tornando-se uma instância crítica e uma caixa da
ressonância da insatisfação com o Regime. Com a vantagem de que era a única instância, a única instituição
do país para a qual os militares não teriam como nomear um general da reserva para comandá-la. Eles podiam
fazer isso com universidades, com associações, com sindicatos, mas não com uma instituição duplamente
milenar, como a Igreja Católica. Isso fez dela um grande espo da conquista, da democracia, de defesa dos
direitos humanos, de sementeira de movimentos sociais que renasceram nos anos 70/80 e, por fim, fator de
derrubada da ditadura”. Dom Adriano morreu em 1996.
89
Sobre a relação entre política e Igreja Católica na Baixada, consultar, por exemplo, Alves (1991).
79
dentro do MDB. Em seu relato, Jorge Gama enfatizou sua independência com relação aos
nomes mais importantes do partido na cidade – como o de Francisco Amaral – assumindo a
responsabilidade pelas despesas da campanha com a ajuda de alguns parentes, de
conhecidos (“um ou outro me dava alguma coisa...”) e, só mais tarde, de sua legenda.
A minha eleição, repito, foi pela classe média, [fui]
o segundo mais votado. Mas, logo depois de eleito, o
movimento popular estava começando a ter um
crescimento aqui; esse crescimento, muito ligado à
Diocese de Nova Iguaçu – a Dom Adriano, e aí o
Francisco Amaral, que nós já tínhamos feito a eleição
dele em (19)74, já estava na potica antes de mim.
Então, peguei o meu mandato e coloquei o meu
mandato à disposição do movimento popular. Eu me
engajei totalmente no movimento popular, na
formação das associações de moradores, na sua
organização do ponto de vista legal. Nós dávamos
uma assessoria [sobre] como fazer e tal ; potica,
principalmente política. Nós tínhamos reuniões
intermináveis aí, em todo o município de Nova
Iguaçu, que antigamente era Queimados, Mesquita,
Japeri […] era bem maior. E depois teve uma luta
específica que também fortaleceu muito o movimento
popular
90
.”
A partir de sua relação com as associações, a bandeira potica de Jorge Gama passou a ser
a da “casa própria”. Assim como o lote (Borges, 2003), a “casa própria” não representava
somente um sonho de consumo, mas a própria incorporação social, tornando possível aos
indivíduos perceberem-se como cidadãos ao expressarem relações de significação entre
espaço e potica e sua dimensão na configuração de modos de vida. Em Nova Iguaçu, e na
Baixada de modo geral, tal problemática mobilizou discursos poticos e organizações civis,
possibilitando a Jorge a operacionalização de um fazer potico informado por seu fazer
profissional: o Direito. Os despejos em massa consistiram acontecimentos decisivos para
90
É importante destacar que, nesse período, Francisco Amaral foi advogado da Diocese de Nova Iguaçu.
80
solidificar essa aproximação e reformular as imagens que compunham sua identidade
potica.
O BNH produziu, aqui na Baixada, uma centena de
conjuntos habitacionais; estes conjuntos habitacionais
acabaram […] gerando um adensamento populacional
grande, mas a organização financeira não foi a
melhor e gerou uma enorme inadimpncia. Aí as
financeiras, na época, ingressaram aqui com uma
série de despejos e houve um pânico generalizado.
s pegamos aquele movimento e demos uma
organizada. Nós fundamos mais ou menos umas 23
associações de conjuntos habitacionais, já também
engajando no movimento popular das associações de
moradores tradicionais; e aí, foi realmente importante
essa luta porque nós conseguimos – aí eu já era
deputado – modificar toda a legislação para atender
aos conjuntos habitacionais de baixa renda.”
Para Jorge, ainda que se partisse de uma questão pessoal – como a casa da família A ou B –
o mecanismo de articulação desenvolvido junto às associações conseguia originar debates
de natureza potica. Para ele, aquele era o momento oportuno para “plantar a crítica e a
conscientização” e mobilizar as pessoas para a ação política. A centralidade da “casa
própria” para os envolvidos nos movimentos sociais da cidade refletia-se na dinâmica local,
nosmbolos adotados e no discurso tornado público pelos atores legitimamente
constituídos (investidos) durante o processo. A “casa própria” aparece então como palavra-
de-ordem para criar e organizar a ação. Através dela (e por ela), esta última se realizava.
Reuniões eram articuladas no escritório de Jorge, nos domingos à noite; fomentava-se o
debate; construía-se a mobilização.
O referido escritório situava-se na rua Moacir Marques Morado – atualmente rua Paulo
Machado – em frente ao Fórum, na região central da cidade.
De acordo com Pedro Cezar –
que estava presente durante uma das entrevistas – “aquilo ali era um aparelho. Estava
81
sempre cheio; tinha sempre alguém que precisava usar o telefone e ia lá”. Além de receber
eleitores, o lugar era, por excelência, um ponto de sociabilidade. “Ia todo mundo, o Roque
Bone, o Hugo Freitas, o Robson, o Paulo Faria, o Paulo Amaral, o Chico Amaral […] Às
sextas-feiras, aparecia um amigo meu, aposentado do Ministério da Saúde, que vendia um
whisky, uma calça Lee, e sempre levava um whisky pra gente abrir. A gente tomava na
tampinha, conversando, uma fumaceira, o escritório era pequeno, uma coisa horrorosa […]
Tinha até um mimeógrafo a álcool. Esse mimeógrafo produziu os primeiros panfletos,
feitos pelo Laerte Barros sem a minha autorização, sobre lotes de graça no Nova Aurora”
(atualmente, um bairro popular de Nova Iguaçu, ocupado pelo movimento social local). O
escritório funcionava como ponto de encontro para falar de política, conversar com as
lideranças das associações de moradores. Era freqüentado também por sambistas, artistas e
boêmios, ao mesmo tempo em que funcionava para o atendimento ao eleitor (Kuschnir,
2000).
Durante o mandato de deputado federal, Jorge Gama costumava voltar às quintas-feiras à
Nova Iguaçu para atender os eleitores e reunir-se com as lideranças locais em seu
escritório. Na sua ausência, seu irmão ou algum assessor conduzia as reuniões e os
atendimentos até a chegada do deputado, organizando as prioridades. “A gente também
convivia no escritório com o cara que ia pedir uma ajuda, uma coisinha […]”. Neste
contexto, o “eleitor tradicional” é concebido como aquele que corrobora a “potica dos
vereadores”, ou seja, o atendimento como uma atividade eleitoral, de troca. Para Jorge, tal
troca não consistiria uma dimensão potica, “de crítica”, visando apenas a maximização de
votos por parte do político, em contrapartida à satisfação de necessidades e interesses
individuais, por parte do eleitor. Assim, a capacidade do potico de obter o bem desejado
82
pelo eleitor lhe garantiria, em algum nível, retribuição em termos de voto e apoio (Bezerra,
1999; Kuschnir, op.cit.; Borges, 2003; Lopez, 2001 e 2004). Tal explicitação é, no entanto,
evitada e, ao se pensar a relação de “generosidade” e de “benfeitoria” do político com
seu(s) eleitor(es), o foco recai sobre algo já observado por Bordieu:
“[…] o caráter primordial da experiência do dom é,
sem dúvida, sua ambigüidade: de um lado, essa
experiência é (ou pretende ser) vivida como uma
rejeição do interesse, do cálculo egoísta, como
exaltação da generosidade, do dom gratuito e sem
retribuição; de outro, nunca exclui completamente a
consciência lógica da troca” (Bourdieu,1996: 7).
Em todas as entrevistas que me concedeu, Jorge Gama atribuiu um juízo de valor negativo
à “política de resultados”, conferindo à sua identidade potica a marca da opção ideológica
e da ‘função de fiscal’ do Executivomais presente em seu mandato como vereador.
Diferentemente do exposto por Kuschnir (2000) sobre a concepção de política dos Silveira
(seus interlocutores: Fernando e Marta), Jorge Gama – ao falar de si e de sua prática
potica –afirma não priorizar o atendimento, que estaria ligado a interesses individuais, em
detrimento do que considera o real fazer potico: a doação desinteressada, o bem da
coletividade. A doação (do tempo do político, da atividade potica, da “bandeira”) é
pensada então em relação diametralmente oposta à troca (reificada em termos do caráter
imediato do bem). No entanto, mesmo atribuindo um caráter negativo a tal sistema,
reconhece sua necessidade, justificando-o pelo argumento da “tradição”. Tradição mantida
por vereadores, prefeitos, deputados, eleitores (eleitores tradicionais”) enfim, por todos os
atores sociais envolvidos no processo político. Segundo Jorge, a carência de aparatos e
serviços públicos somada à pobreza em que vivem muitos dos moradores da região
promovem a utilização desse tipo de recurso potico, possibilitando sua reprodução. É
83
interessante notar que o político benfeitor e/ ou doador nos termos de Chaves (1996) pode
tanto atender aos pedidos de pessoas de camadas populares (por remédio, lotes ou
gasolina), quanto intermediar concessões poticas a empresários, render homenagens
públicas a “cidadãos ilustres” etc. (Kuschnir, 1993; Viegas, 1996; Lopez, 2001). Colocar-se
como doador significaria, então, apresentar-se como ator legítimo, socialmente investido
para atender às demandas da população por meio dos canais gerados pelo próprio status do
potico e por acessos angariados no exercício dessa função. Nesse sentido,ter acesso é o
que diferencia os políticos e, em especial, os parlamentares, das demais pessoas. O acesso é
um bem escasso e que não pode ser comprado, mesmo por quem tem muito dinheiro. Para
se obter acesso, é preciso entrar para a política
(Kuschnir, 1998: 237).
Em seu primeiro mandato como deputado federal, as invasões de terra ocuparam boa parte
das preocupações e ações de Jorge Gama. Consideradas “um problema da coletividade”
91
, o
auxílio prestado aos grupos nelas envolvidos era tanto político, quanto técnico. Político,
uma vez que remetia à negociação entre parcelas da população e esferas do poder público.
Já o saber técnico, que remetia à formação profissional de Jorge, configurava um aspecto
distintivo, singularizando-o frente a outros atores poticos locais
92
. Nova Aurora e Monte
Líbano são algumas das áreas invadidas – hoje bairros majoritariamente ocupados por
conjuntos habitacionais – cujos processos de ocupação tiveram, em algum nível, a
participação de Jorge Gama. Sua atuação nestes episódios proporcionou sua aparição na
91
É interessante notar como Jorge Gama diferencia a “casa” ou o “lote” de um bem em termos mais gerais.
Tal diferenciação passa pela construção de um discurso coletivo sobre o bem em questão – que envolve a
constituição de um “movimento” – autorizando-o, portanto, a tomá-lo como demanda coletiva. A relação
entre “movimento” e interesse é fundamental para entendermos as formas de classificação operacionalizadas
por Jorge Gama com relação ao seu fazer político.
92
Ver, Coradini (2001).
84
mídia e a conexão de seu nome ao de outras personalidades de grande carisma, como Dom
Adriano Hilito.
Os atores políticos engajados nesses movimentos originavam-se de diversos segmentos
sociais: políticos profissionais, moradores da periferia, lideranças de bairros, membros da
Igreja Católica etc. Para os poticos profissionais, tais movimentos sociais configuram loci
de atuação privilegiados, propiciando um espaço de visibilidade e de exaltação da mediação
como ferramenta necessária, permitindo que algumas pessoas se coloquem em evidência
devido à singularidade de seu potencial de trânsito por distintos segmentos.
Kuschnir (2000) já nos advertiu que nem todo político é necessariamente um mediador.
Portanto, como pensar a mediação quando nos referimos a atores poticos? Falamos de
mediação em geral ou seria necessário qualificá-la, adjetivando-a? O que, afinal de contas,
distinguiria o mediador? Neste trabalho, a mediação será pensada como uma atividade
quando – conforme ressaltou Castro (2001) – relacionada a um “projeto pessoal de se tornar
mediador”(p.210). No entanto, diferentemente da análise elaborada por este autor, defendo
que o político profissionalo é um mediador apenas ou mais facilmente em peodos de
transição e de mudança – apesar de tais momentos potencializarem sua visibilidade e seus
atos. Por esta razão, a mediação política é tratada aqui como uma atividade. Ela não é o
extraordinário, mas o cotidiano. É a execução constante do projeto pessoal e não uma
qualidade “natural” de certos indivíduos. Esta especialização na articulação e/ ou
negociação, como enfatiza Castro (op. cit.), singulariza determinados indivíduos, mas
realça a dimensão “voluntarista” assim como a condição necessária para essa atuação:
gostar de desempenhar tal papel. Este gostar é definido por sensações tanto quanto pela
crença no sucesso ou na possibilidade de conquistá-lo. A vontade de atuar como mediador e
85
a aptidão em desenvolver tal atividade são proporcionais à capacidade de lidar com a
diversidade de códigos, símbolos e interesses envolvidos – neste caso, no processo potico.
No entanto, podemos dizer que seria mais apropriado pensar no mediador como uma
situação (estar mediador) e não, necessariamente, como uma qualidade ou propriedade (ser
mediador). Não é garantia, portanto, para a reprodução incessante dessa atividade apenas o
desejo do ator ou algum atributo inato, mas um complexo de significados, ações e
motivões intersubjetivas; interessando-nos mais especificamente o between, do que a
suposta origem ou finalidade da mediação.
No caso específico de Jorge Gama, há uma grande ênfase em tal atuação. “Quem marcou a
primeira audiência de Dom Adriano com um membro da ditadura fui eu”. Atuando como
mediador em um determinado segmento da população, Jorge demonstrou possuir algum
trânsito entre as diferentes esferas e atores públicos, conseguindo expor suas reivindicações
– mesmo em um espaço cerceado pela insegurança e pelo medo da exposição,
característicos dos anos de regime militar. O epidio em que agendou uma audiência para
Dom Adriano com o então Ministro do Interior, Mário Andreazza, para que tratassem de
um novo modelo de financiamento habitacional que melhor atendesse às necessidades e
restrições econômicas da população de baixa renda de Nova Iguaçu, consagrou-se como
uma demonstração de sua capacidade de articulação e mediação. Jorge presenciou tal
reunião em Brasília, juntamente com Francisco Amaral, Paulo Amaral e Ubaldo Rodrigues.
O potico, assim como qualquer outra liderança, precisa constituir seu espaço legítimo de
atuação e conformar seu discurso a um público específico –seu eleitorado. O processo de
investidura requer dos atores poticos a demonstração de seu capital simbólico, de seu
86
poder e prestígio
93
. Em um universo potico no qual a mobilização era vigiada e os direitos
poticos, sociais e civis restringidos, tal demonstração passava, necessariamente, pelo
trânsito entre os militares (nas instituições de direito), tanto quanto entre as associações
civis e a Igreja Católica – que passou a ter uma postura de contestação e crítica aos
militares com o recrudescimento do regime, a partir da década de 1970. Apesar dos limites,
o campo de possibilidades de indivíduos-chave é sempre colocado em evidência por meio
de suas ações e projetos. Ou seja, as delimitações sócio-históricas implicam uma estrutura
mais ou menos rígida que, no entanto, pode ser flexibilizada a partir da atuação dos sujeitos
(alguns mais, outros menos) no mundo social. Esseatuarou “agir no mundo” leva em
consideração o potencial de metamorfose (Velho, 1994) dos atores em questão para a
concretização de seus projetos (individuais ou coletivos). Assim sendo, os projetos políticos
individuais aqui analisados demandavam conciliação, conformando projetos coletivos em
alguns momentos e circunstâncias específicos, dentre os quais o da redemocratização
brasileira que conseguiu aglutinar, em torno de um objetivo comum, um grande número de
atores individuais e entidades civis.
A partir do final de década de 1970, os movimentos sociais começaram a imprimir sua
marca por meio da articulação de alguns grupos civis pela busca do exercício de seus
direitos, da cidadania. De acordo com a análise de Avritzer (op. cit.), três deles traziam suas
próprias propostas de modernização e de reação ao regime autoritário: o novo sindicalismo,
os movimentos sociais urbanos (chamados pelo autor de “organizações dos pobres das
áreas urbanas”, dentre as quais destaca o papel das Comunidade Eclesiais de Base - CEB’s
[p.178]) e as associações de classe média. Foi justamente a partir deste momento que o
93
Bourdieu (1974 e 1989).
87
MDB tornou-se mais combativo, abrindo espaço para a incorporação das lideranças
populares, apoiando suas críticas quanto à queda no desempenho da economia nacional
devido à crise do petróleo e quanto ao fim do “milagre econômico brasileiro”
94
.
Ainda de acordo com este autor (idem), no final da década de 1970, o MDB apresentava
todas as condições para a incorporação dos movimentos surgidos ao longo do período
ditatorial, sendo, no entanto, incapaz de fazê-lo.
O papel de oposição institucional desempenhado
pelo MDB não incla o desafio radical às políticas do
regime autoritário do governo no âmbito do eleitorado
operário. A reivindicação de autonomia para os
trabalhadores nunca fez parte do programa do MDB.
A ligação de poticos do MDB com o passado
populista, um passado rejeitado pelos movimentos
sociais, também o ajudava no relacionamento
desses movimentos com o partido de oposição. Por
outro lado, o MDB, apesar de sua reação positiva
inicial aos movimentos sociais, não levava a sério a
sua reivindicação de uma nova forma de atuação
potica. […] Incorporar o discurso de mudança na
atuação política equivaleria a afastar o eleitorado
patrimonialista, enfraquecendo o MDB nos estados
onde o patrimonialismo predominava. Os
movimentos sociais e o MDB seguiram caminhos
diferentes entre o final da década de 1970 e o começo
da de 80, criando uma dissociação entre a lógica dos
atores sociais criados pela modernização e a política
94
Ulysses Guimarães teve um papel crucial nesse processo. O episódio da anti-candidatura, narrado a seguir,
é bastante ilustrativo desta situação . “O Grupo Autêntico do MDB, que já vinha amadurecendo a idéia no
início de 70, resolveu lançar Ulysses como anticandidato na passagem do governo Garrastazu Médici para
Ernesto Geisel. Em companhia de Barbosa Lima Sobrinho, o vice, Ulysses percorre as capitais do País com a
pregação das idéias oposicionistas. Ganha espaço na mídia interna e alcança grande repercussão no exterior, o
que mais irrita os militares. A semente estava lançada, mas Ulysses foi além do combinado com os autênticos.
A idéia era que renunciasse no dia da eleição. Ele resolveu ir até o fim, o que deu legitimidade ao Colégio
Eleitoral e à eleição do general Ernesto Geisel. Apesar do clima de chumbo da época - que obrigou Ulysses a
enfrentar literalmente os cachorros da polícia baiana do governador Roberto Santos em visita a Salvador - os
autênticos tinham lá o seu humor. Como o adversário era um militar, (ou os militares), resolveram montar
também a sua hierarquia de caserna. No grupo, cada um tinha uma patente: Fernando Lyra era o “cabo Lyra”,
Alceu Collares, o “sargento”, Alencar Furtado, o “coronel, Marcos Freire, o “almirante”, Chico Pinto, o
“marechal”. Nem todos gostavam dessa brincadeira, mas era o ‘nosso exército’, lembra Chico Pinto” (site do
Diretório Regional do PMDB, consultado em 12/03/2004).
88
de oposição ao autoritarismo no nível institucional”
(pp.182-183).
A partir de 1979, com o fim do bipartidarismo e o início do processo de organização e
criação dos partidos poticos, Jorge Gama filiou-se ao PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro), sucessor direto do MDB. Foi justamente a partir deste panorama
que surgiu o “outro potico”, o inimigo: em um primeiro momento, o PT; logo em seguida,
o PDT. A aproximão de partidos de esquerda e das CEB’s com as associações de
moradores é o mote desse conflito, narrado com desconfiança e descrédito por Jorge Gama
– e coincidindo com seu afastamento do “movimento”.
[…] daí a Igreja se identificava com o PT e aí ruiu
tudo. Eu, por exemplo, em 1982, quando vi isso aí, eu
parti pra dentro do partido político, larguei isso aí pra
; eu me excluí do movimento popular, ou melhor,
não, eu fui excluído pelo sectarismo deles. Eles não
têm uma visão democrática da sociedade. O PT,
infelizmente, tem uma visão corporativa, até mesmo
do processo político.
[…] A originalidade, a
autenticidade do movimento popular se dilui na
medida em que você partidariza e depois, pior que
isso, eleitoraliza; aí, é uma tragédia total. Hoje, as
associações estão em declínio, em decadência,
infelizmente, depois de ter tido um auge na década de
1970, 1980, porque no caso de Nova Iguaçu, em
particular, e no Rio de Janeiro, a FAMERJ acabou.”
A legitimidade na condução dos movimentos sociais em Nova Iguaçu aparece como um
dos nichos de maior disputa pelo poder potico no momento em que a sociedade civil
coma a se organizar e a se manifestar. A contenda em torno de quem seria o porta-voz
autorizado desses movimentos aumentava as rivalidades ideológicas, tendo as siglas
89
partidárias – agora passíveis de expressão e visibilidade – entrado em cena, disputando
cada qual o seu quinhão.
O multipartidarismo provocou uma fissura interna na frente de oposição ao regime militar e
sua pulverização em uma gama de partidos que agora disputavam a arena potica
95
. O
MDB, que congregou em sua sigla frentes ideológicas diversas desde a exigência do
bipartidarismo, sofreu um grande impacto eleitoral com tal dissenso. Apesar de ter mantido
nomes importantes em seus quadros, como Ulysses Guimarães
96
, seu vice-presidente, a
impossibilidade de entendimento entre alguns deles possibilitou a criação de outros partidos
– dada a incapacidade de atrair para si poticos que se apresentavam como adversários. Tal
foi, por exemplo, a forma como se deu a criação do PP –congregando nomes como
Tancredo Neves
97
e Chagas Freitas
98
– do PDT de Brizola; do PTB; do PCdoB etc.
95
Segundo Skidmore, em “A queda de Collor: uma perspectiva histórica”: “a legislação eleitoral altamente
permissiva, redigida no final dos anos 1970 e início dos 1980, levara à rápida criação de 40 partidos políticos,
dos quais 17 tinham representação no Congresso. Essa tolerância exagerada com a proliferação partidária
podia ser em parte explicada como uma reação retardada à manipulação anterior da legislação eleitoral pelo
regime militar, visando a garantir a vitória do partido governamental.” (1999: 27/28).
96
Ulysses Silveira Guimarães nasceu em Rio Claro (SP) em dia 6 de outubro de 1916 e morreu em um
acidente de helicóptero no litoral fluminense em 1992. Elegeu-se pela primeira vez como deputado para a
Constituinte de São Paulo em 1947. Foi deputado federal por oito mandatos. Foi Ministro da Indústria e
Comércio no governo de João Goulart. Em 1966, foi um dos articuladores da organização do MDB, tornando-
se vice-presidente do partido. Em 1989, foi derrotado na primeira eleição direta para a Presidência da
República, ficando em sétimo lugar. Morreu em um acidente de helicóptero no litoral de Angra dos Reis em
12 de outubro de 1992. Para mais informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (2001).
97
Tancredo Neves nasceu em São João del Rei (MG), no dia 4 de março de 1910. Iniciou sua vida pública
como vereador em sua cidade natal, em 1935. Elegeu-se deputado estadual pelo PP em 1947. Foi primeiro-
ministro em 1961. Em 1962, elegeu-se deputado federal pelo PSD, reelegendo-se em 1966, 1970 e 1974, pelo
PMDB. Em 1978, foi eleito senador por Minas Gerais. Em 1982, elegeu-se governador do mesmo estado.
Em 1985, foi eleito Presidente da República, vindo a falecer no dia 21 de abril do mesmo ano. Para mais
informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (op. cit.).
98
Antônio de Pádua Chagas Freitas nasceu no Rio de Janeiro, eno Distrito Federal, em 1914. Foi deputado
federal pelo PSP em 1954, reeleito em 1958, em 1962 (pelo PSD) e em 1966 (pelo MDB). Foi governador do
estado da Guanabara, em 1970 e, em 1978, após a fusão, do estado do Rio de Janeiro (ambos por via indireta).
Faleceu no Rio de Janeiro, em 1991. Para mais informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro
(op. cit.) e Diniz (1980 e 1982).
90
Dentro desse panorama, reaparece a figura de Leonel Brizola que, precisando de espaço e
convencido de seu poder e prestígio poticos, entrou na disputa com Ivete Vargas pelo
capital simbólico representado pela sigla do PTB. Depois de uma batalha judicial, Ivete
Vargas – da “ala” de São Paulo e ligada a Golbery do Couto e Silva (Ministro-chefe do
Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel) – saiu vitoriosa, não deixando a Brizola outra
alternativa senão a da crião de um novo partido. O que, no entanto, acabou gerando um
outro impasse. A aproximação com o PC do B e com o “novo sindicalismo” (representado
por Lula) também resultou infrutífera e a criação do novo partido significaria colocar
Brizola como o seu núcleo – diferentemente do que aconteceria com a conquista da sigla do
PTB que, como o político gaúcho, já possuía sua própria história e legado. A criação do
PDT foi, assim, marcada por negociações e pelo fortalecimento da figura potica já
emblemática de Brizola
99
.
Em 1982, já findado seu primeiro mandato de deputado federal, Jorge Gama foi escolhido
para concorrer como vice-governador do Rio de Janeiro ao lado de Miro Teixeira, com a
missão de desempenhar o papel de “governador da Baixada”. Essa “escolha”, no entanto,
o se deu sem esforços. Segundo Jorge, tudo começou com um amigo seu, Luis Carlos
Medeiros, que achava que o vice-governador deveria ser alguém da Baixada, já que a
região representava o segundo maior colégio eleitoral do estado. Restaria ao partido
escolher entre os nomes de Jorge ou Francisco Amaral. Com a divulgação de uma nota do
jornalista Pedro Cezar, publicada no jornal O Globo, anunciando que o vice de Miro
Teixeira poderia vir da Baixada, o presidente do PMDB – na época, o senador Mário
Martins – teve que lidar com os diversos nomes que pleiteavam o cargo: Rafael de Almeida
99
Ver, Sento-Sé (1999)
91
Magalhães, Noel de Carvalho, Arthur da Távola, Valter Silva, Paulo Rattes e Jorge Gama.
Em uma reunião do partido, Mário sugeriu que os interessados conversassem e tentassem
resolver a questão sem a necessidade de uma disputa mais acirrada e pública. Diante desta
situação, Jorge propôs que a reunião fosse realizada no sítio de Noel de Carvalho (em Três
Pinheiros, próximo a São Lourenço – MG). O encontro foi marcado para um fim de semana
e todos os pleiteantes compareceram, com exceção de Valter Silva, que mandou um
representante. Percebendo que a disputa seria difícil, já que todos tinham suas pretensões,
Jorge sugeriu que, em conjunto, indicassem Arthur da Távola como o segundo nome do
partido para concorrer ao Senado – conseguindo, assim, que um dos pleiteantes (o mais
forte, segundo ele) se retirasse da disputa sem o ônus e o desgaste de um embate. Em
seguida, na reunião do partido, foi anunciada a decisão do “encontro dos vices. O
presidente do partido protestou contra a decisão do grupo, mas foi voto vencido, pois a
candidatura de Arthur – que concorreria com o próprio Mário Martins – já estava lançada.
Restavam, agora, os outros pleiteantes. Noel de Carvalho desistiu e lançou o nome de
Rafael de Almeida Magalhães que, mais tarde, depois de algumas negociações, concorreu
também para o Senado – no lugar de Flávio Castreoto, que fora indicado por Mário Martins
(“por ser um potico de pouco expressão e, por não ter possibilidade de fazer frente a ele
nas eleições”), mas rejeitado por Miro Teixeira que encarregou Jorge Gama de negociar
com ele sua desistência. Valter Silva também desistiu. Sobravam apenas Jorge Gama e
Paulo Rattes. Esses dois, no entanto, tinham um acordo prévio – e mesmo anterior ao
encontro dos vices” – de que não se enfrentariam e caso a disputa ficasse entre eles,
escolheriam entre si sem a interferência da esfera partidária. Sendo assim, na conferência
do partido que ocorreu no escritório de Jorge Leite, Paulo solicitou quinze minutos para
conversar com Jorge em particular. Optaram então por impedir que Miro Teixeira decidisse
92
o destino dos pleiteantes, pois isso enfraqueceria a candidatura do escolhido e colocaria o
outro em uma posição politicamente desconfortável. Paulo pediu a palavra e desistiu em
favor de Jorge Gama, optando por candidatar-se à prefeitura de Petrópolis (cuja eleição
venceu). Este episódio demonstra, uma vez mais, a capacidade de articulação de Jorge
Gama e o reconhecimento desta habilidade por seus pares políticos – além de ressaltar os
laços pessoais de amizade entre ele e Paulo Rattes e alguns interesses comuns.
Foi Leonel Brizola, no entanto, quem se elegeu governador; a chapa composta por Miro
Teixeira e Jorge Gama tendo ficado em terceiro lugar
100
. Nessas eleições, o voto vinculado
gerou a obrigatoriedade de se votar na mesma legenda partidária para todos os cargos, o
que acabou desencadeando o chamado “femeno Brizola”, abalando a estrutura do poder
vigente até então na Baixada, devido ao número de cadeiras obtido pela oposição nas
Câmaras Municipais da região. Para a política desenvolvida pelo PMDB na localidade, tal
arranjo” foi um dos principais obstáculos à consolidação de sua imagem e a seus avanços
como “partido de oposição”.
Em Nova Iguaçu, o PDT elegeu o advogado trabalhista Paulo Leone e, em São João de
Meriti, Manoel Valêncio Opasso. Inaugurava-se, assim, um período em que o brizolismo
reinaria, quase absoluto, nos municípios da Baixada Fluminense e no qual o partido de
Brizola – juntamente com seu líder – passaria a configurar o novo “inimigo” por
excelência.
O femeno do brizolismo, analisado por Sento-Sé (1999), deve ser concebido como
processo de construção de uma imagem pública – da persona Brizola – e dos elementos
100
Essa eleição foi regulada na forma da Resolução n.º 11.455, do Tribunal Superior Eleitoral, de 16-09-1982
e teve o seguinte resultado: Brizola (PDT) em 1º. Lugar, com 34,19% dos votos; Moreira Franco (PDS), em
2º., com 30,60%; Miro Teixeira (PMDB), em 3º., com 21,45%; Sandra Cavalcante (PTB), em 4º., com
10,71% e Lysâneas Maciel (PT), em 5º., com 3,05% (Tribunal Superior Eleitoral).
93
conformadores de seu discurso. Sendo assim, este autor reflete sobre os contextos de sua
produção e atualização, preocupado com a (re)definição dos processos eleitorais como
dramas (Turner, 1994) ressaltando as formas de identificação com a figura de Brizola desde
seu retorno do exílio, em 1979. Tendo como mito fundador o trabalhismo (e o legado
varguista), Sento-Sé demonstra a construção da persona Brizola como um “todo coerente”
– desde sua infância “de luta”, até o seu ingresso na vida pública, filiando-se ao PTB. A
austeridade de seus atos políticos e sua disposição para a “briga” compuseram sua imagem,
ajudando a defini-lo como “um guerreiro disposto à auto-imolão, enfrentando
adversários ocultos, em certas ocasiões, semi-ocultos em outras.” (p.62). Particularmente
no tocante à Baixada, seu discurso dirigido aos excluídos, seu “nacionalismo moreno” e,
segundo Sento-Sé (idem), sua verborragia consagraram-no como a grande liderança
popular, em uma região marcada pela escassez, pela pobreza e pelo alto índice de
criminalidade, sem, no entanto, incorporar o tom mais radical do PT que, apesar da
militância junto aos movimentos sociais, só conseguiu eleger um vereador em Nova
Iguaçu
101
.
O brizolismo, no entanto, não conseguiu penetrar em áreas já cooptadas por um tipo muito
específico de potica. Nesse sentido, a família Abraão David ainda assegurava seu poder
em Nilópolis, elegendo Miguel Abraão pelo PDS – por meio de uma associação entre a
potica e a contravenção, cujo emblema seria a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis.
Delineava-se, assim, a formação das redes que configurariam o campo político (Bourdieu,
1974 e 1989) na Baixada Fluminense. A influência do “brizolismo” na região fazer-se-ia
101
Alves (op.cit.).
94
sentir até a década seguinte, apesar de progressivamente ir perdendo força para partidos
como PSDB, PTB e PFL.
As a derrota nas urnas, em 1983, Jorge Gama afirma ter percebido ser aquela a hora do
partido político”. Com esta “intuição”, procurou Miro Teixeira para que este concorresse à
presidência do PMDB. Obteve, no entanto, uma resposta negativa. Miro argumentou que
precisava pensar em outros projetos. Jorge fez, então, a opção pela máquina partidária e
começou as articulações para concorrer à presidência regional do PMDB. “Comecei a
trabalhar esta possibilidade”, diz. As reuniões tiveram início na casa do professor de ciência
potica, Eurico Lima Figueiredo, das quais também participavam Gilberto Rodrigues,
Carlos Alberto Direito, Carlos Alberto Muniz, Hércules Correia e Paulo Rattes.
Começaram a discutir a reformulação do partido no estado. Em seu relato, durante as
entrevistas que me concedeu, Jorge Gama oscila entre duas alternativas. Ao mesmo tempo
em que diz ter tomado as rédeas da situação, fazendo da presincia do partido, seu projeto
potico naquele momento, afirma que sua candidatura foi cogitada por seus pares, “tendo
surgido” nas reuniões e começado a ganhar força a partir daí.
Esta aparente ambiidade entre fazer a escolha (um projeto) e ser escolhido (investido)
deve ser compreendida, tendo em vista uma apresentação de si a posteriori, que marca a
construção de uma memória e de uma identidade potica ancoradas na iia de vocação
(Weber, 1971). Tal idéia estabeleceria uma relação entre sujeito político, valor ético (de
convião) e valor de eficiência (de sucesso), em contraponto com a lógica da política do
poder (idem, p. 108), do poder em si.
O verdadeiro político de vocação seria, portanto, o
político responsável. Aquele potico capaz de sacrificar
algumas de suas convicções, se assim o contexto exigir,
95
mas que em determinado momento, no limite de seus
princípios, pode vir a dizer: "Não posso fazer de outro
modo; detenho-me aqui" (Weber 1998: 122). Na verdade,
na ação potica não estão em jogo apenas o poder ou a paz
e a satisfação individuais — embora estes existam — mas,
sim, esforços responsáveis por uma causa que, apesar de
transcendente ao indivíduo, requer convicções pessoais. A
política não é em si o reino das intenções e da força, a
política é por excelência o mundo das realizações
comprometidas em contexto” (Grifos meus) (Teixeira,
1999: 5).
Naquele momento, o partido simbolizava justamente essa adesão. Simbolizava a crença na
possibilidade de construção de uma unidade ideológica que o fortificaria politicamente e,
conseqüentemente, eleitoralmente dentro do panorama estadual. A disputa pela presidência
do PMDB possibilitou, no entanto, a evidenciação das nuances e matizes internas ao
partido, bem como a cristalização do novo inimigo político pós-eleições de 1982: Brizola.
A justaposição da figura de Brizola à do partido é de tal ordem que a sigla pouco é
mencionada nas entrevistas realizadas com Jorge Gama
102
. É sempre o nome de seu líder
que aparece e se apresenta como grande opositor do PMDB no estado do Rio de Janeiro.
Para Jorge Gama, Brizola tornara-se um empecilho na conquista da presincia do partido,
pois ao governador não interessava um “PMDB hostil”. Assim sendo, o chefe do executivo
estadual promoveu um governo de coalizão ou, nos termos de Jorge,de cooptação”, pois
trocou” secretarias por apoio além de ter conseguido aliar-se a alguns deputados estaduais
“brizolistas” (ainda segundo meu entrevistado; nomes por ele mencionados: Átila Nunes,
Aluisio Gama, Cláudio Moacir, Jorge Roberto da Silveira). A chapa concorrente era
composta por Miro Teixeira e majoritariamente pelos chamadoseuros”, os “intelectuais de
102
Sento-Sé (1999), em sua análise sobre o brizolismo, enfatiza tal colocação, demonstrando como o conceito
de carisma é fundamental para a compreensão da construção da persona Brizola.
96
Ipanema”. Como aliados, Jorge Gama contava com membros do “Partidão”, com os
chaguistas”, com os prefeitos e com setores de uma esquerda dividida — liderados por
Paulo Rattes, que figura sempre como aliado potico e amigo de confiança .
Bom, eu disse não […] Eu vou […] O meu espaço
tava muito reduzido e eu, depois de ter sido candidato
a vice-governador, tive uma longa conversa com
Miro Teixeira pra que nós não deixássemos o PMDB
do Rio de Janeiro se esvaziar e tal, e aí, aconselhei o
Miro a ser candidato à Presincia do PMDB do Rio
de Janeiro. Ele disse que não. Logo depois da eleição,
o estado [do Rio de Janeiro] negativo pra nós.o...
não, vou pensar, mas não quero’. E aí achei, percebi
que a minha campanha de vice-governador, ao longo
de todo estado […] Numa campanha ampla, eu já
tinha conhecimento suficiente,era conhecido
suficiente pra pleitear a presidência do partido.
Analisei, verifiquei, pensei... No ano de [19]83, todo
ano de [19]83, eu me dediquei à campanha da
presidência do PMDB e acabei eleito em 20 de
outubro de [19]83, presidente do PMDB do estado do
Rio de Janeiro. O PMDB totalmente dividido: várias
tendências, várias correntes. Tinha o chaguismo
tradicional; tinha os independentes — eu era um dos
independentes — tinha o MR-8; uma parte, um setor
doPartidão”; o PCdoB todo; os euros, que eram
mais localizados na Zona Sul, intelectuais – Maria da
Conceição Tavares, Carlos Lessa, Milton Temer,
João Roberto, Monteiro de Barros, Joca Serran, meu
querido amigo e saudoso Joca Serran... Então tinham
vários PMDBs. Era preciso fazer aquela leitura e a
leitura daquilo era... pra quem tava de fora era dicil
de entender. Então... E ainda tinha um poder paralelo
na Assembia Legislativa, que eram os brizolistas do
PMDB […]”.
A vitória (por 66%), marcou mais um episódio em que ficou evidenciada também a
capacidade de trânsito e articulação de Jorge Gama por intermédio das alianças por ele
costuradas. Seu vice, por exemplo, era o deputado federal Jorge Leite — personagem
97
potico conhecido por sua forte vinculação ao “chaguismo”, que mantinha uma máquina
potica eficiente em todo o estado
103
. Os problemas, no entanto,o haviam cessado com a
conquista da presincia do partido, em 20 de outubro de 1983. Lidar com a diversidade
das frentes de apoio que tornaram possível tal empreendimento e, principalmente, com o
estilo potico de seu vice transformou o mandato de Jorge em uma constante mediação e
negociação de conflitos — além da fragilidade de sua condição de político sem mandato.
O Deputado federal Jorge Leite e o Prefeito de Petpolis,
Paulo Rattes, - líderes da chapa “Unidade” – confirmaram
ontem seu favoritismo, na convenção do PMDR-RJ,
derrotando, com 66 por cento dos votos para o diretório, a
chapa de Arthur da Távala, do jornalista Paulo Alberto
Monteiro de Barros, de Marcelo Cerqueira e Cláudio
Moacyr, entre outros. [...]
Devido à impugnação na justiça eleitoral de alguns
Diretórios zonais e ao impedimento do voto plural, a
chapa de Arthur da Távola também perdeu na
composição da no va Comissão Executiva, que tem agora
como Presidente o ex-Deputado Jorge Gama. A
convenção do PMDB-RJ transcorreu em clima de muita
disputa e a tônica foi a troca de provocações e de ameaças
de agressão entre militantes das duas chapas. (O Globo,
21/11/1983)
Naquele dia — eu não vou esquecer — eu cheguei no
partido, na Almirante Barroso n
o
. 82, e meia hora depois,
chegou o advogado do Jorge Leite, que era um advogado
da Assembléia, um advogado experimentado, chamado
Francisco Romão de Lima […], com uma procuração pra
eu assinar, para expulsar o vereador Jorge Felipe que
tinha traído o Jorge Leite na eleição. Olha que coisa! Ele
diz:O Jorge Leite mandou isso daqui, que nós vamos
expulsar o Jorge Felipe porque ele traiu a gente lá em
Bangu, na Zona Oeste.’ […] Eu pensei, analisei. Se eu
assinar isso daí, eu sou um escravo do Jorge Leite. Se eu
não assinar, ele é meu maior inimigo. De qualquer
maneira, se eu assinar perco a minha independência, se
não assinar vou pro enfrentamento. Disse: ‘Não assino’.
Olha Romão, você avisa ao Jorge que eu vou evitar levar
o partido para o Judiciário. Isso é uma questão potica,
103
Diniz (1982).
98
eleitoral e vamos resolver isso aqui. O partido só irá pra
Justiça em último caso. E, mais ainda, quem vai
representar o partido na Justiça, sou eu mesmo. Não vou
assinar, não é nada contra o Jorge, peça a ele desculpas,
mas não vai acontecer aqui levar o partido pra Justiça,
sobretudo por causa de acerto eleitoral […] Foi um sinal
de guerra. Depois, fui embora pensando que não ia ficar
mais dez dias”.
Os confrontos foram, de fato, constantes. De um lado, com Jorge Leite e, de outro, com os
“intelectuais”. Segundo Jorge, as acusações de suburbano, “da Baixada” e “sem muita
expressão potica” constitam a tônica dos discursos oposicionistas por parte dos
“intelectuais”. “Fizeram uma reunião pra me dizer que eu não podia ser o presidente do
partido. Já entrei na presidência do partido estigmatizado”. A acusação aparece, aqui, como
uma das principais formas de vinculação a uma identidade de originário da Baixada”. De
acordo com Goffman (1975b: 16), os gregos foram os criadores do termo estigma, fazendo
alusão a “algo de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”.
Estessinais” marcavam socialmente a pessoa como uma metáfora da poluição que esta
representava. Jorge vinha da Baixada, uma região vinculada a símbolos de violência e
pobreza. Independentemente de outras possíveis pertenças sociais, naquele momento em
particular, seu pertencimento determinante dava-se pela associação a uma imagem que
denunciava, incriminava e segregava, corroborada pela mídia
104
. Para ele, o maior
problema não era, no entanto, o discurso acusatório —aquela facção não dispunha de poder
e influência dentro do partido e acabou se ausentando das reuniões e eventos — e sim o
104
É importante relembrar que nesse peodo — e até a década de 1990 — as imagens veiculadas pelas mídias
televisiva e impressa sobre a Baixada Fluminense faziam referência constante a questões sobre violência,
criminalidade e pobreza, pouca atenção sendo dada às notícias políticas que não estivessem a tais temas
relacionadas. E as matérias de jornais que traziam o nome de Jorge Gama geralmente enfatizavam sua origem:
filho de carvoeiro, morador de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense.
99
chaguismo”, representado principalmente por Jorge Leite, que tentou, inclusive, promover
a destituição da executiva.
Todavia, em 1983, um acontecimento marcou a história política nacional e definiu um
lugar para Jorge Gama dentro do partido. No relato sobre a constituição de seu papel como
ator social e político legítimo (e legitimado), Jorge atribui um peso decisivo à sua atuação
junto ao movimento popular local como conformadora de um modus operandi que o
singulariza frente aos políticos atuais — aos por ele chamados de “políticos de realização”.
É a partir desta vinculação que se dá, também, a ampliação de sua “bandeira de luta” e de
sua mobilidade política (ascensão e decnio).
Como já mencionado, a movimentação de grupos da sociedade civil teve início na década
de 1970, intensificando-se na presidência do general Ernesto Geisel (1974-1979), que
prometia uma abertura “lenta, gradual e segura” (Soares, 2001). O peso da propaganda
potica eleitoral mesmo com as limitações impostas pela Lei Falcão – foi demonstrado
nas urnas.
Por ironia típica das artes da política, porém, o
feitiço voltara-se contra o feiticeiro nas eleições de
1974, quando a institucionalização da propaganda
eleitoral gratuita na televisão acabou favorecendo a
campanha do partido de oposição, o Movimento
Democrático Brasileiro. O MDB obteve considerável
vitória eleitoral (basicamente nas eleições majoritárias
para o Senado) em pleito que, por força do
bipartidarismo e da insatisfação popular – mediada
agora pela TV se transformou em autêntico plebiscito
de aprovação, ou não, do governo” (Lattman-
Weltman, 2003: 140).
100
Com o fim do bipartidarismo e, conseqüentemente, a criação de partidos poticos (além da
organização das siglas que já possuíam uma história anterior ao golpe de 1964), as vitórias
angariadas pela oposição (MDB) — ainda em 1974 e também em 1976 — anunciavam que
o regime ditatorial chegara ao fim. Entretanto, foi somente durante o governo Figueiredo
(1979-1985) que se assistiu a uma intensa mobilização de distintos setores da sociedade,
exigindo o retorno ao regime democrático por intermédio do voto direto para presidente da
República (idem).
O PMDB que eu estava descrevendo, aqui, tinha um
nicho na Assembléia, que eram os governistas que
fizeram um acordo, logo, com o Brizola. Eu fiquei
totalmente ilhado no PMDB, eu era uma rainha da
Inglaterra, entendeu? Ficava, ali, um zumbi
pensando: ‘Meu Deus, o que é que eu vou fazer aqui?
Ganhei uma eleição duríssima, o partido rachou no
meio, o brizolismo contra mim, ?’ Daí, danou a vir
aquela expressão de que o PMDB não abria – entre a
bíblia e o capital, ele fica com o diário oficial – já não
havia isso, então eu diria que... (risos) Mas já tava
começando esse negócio. Eno foi uma dificuldade
grande pra mim juntar aquilo tudo e coisa e tal...o
partido fracionado e tal […] Mas aí aconteceu,
começou a acontecer a campanha das Diretas Já”.
A articulação pelas “Diretas Já” teve seu pontapé inicial, ainda em março de 1983, por
intermédio da apresentação de uma emenda constitucional para o restabelecimento das
eleições diretas, feita pelo deputado federal do PMDB/MT, Dante de Oliveira (emenda esta
que ficaria conhecida pelo nome de seu autor). Tal iniciativa, no entanto, teve pouca
repercuso em um primeiro momento, sendo noticiada apenas pelo jornal Folha de São
Paulo — em um artigo assinado por Tristão de Athayde, em 18 de março, e no editorial do
101
dia 27 de março daquele ano, no qual o jornal colocava-se a favor do retorno do pleito
direto em todos osveis.
A movimentação de setores políticos, religiosos, entidades de representação profissional,
entre outros, intensificou-se a partir de abril daquele ano, com o pronunciamento de
lideranças diversas, como Dom Evaristo Arns e Dom Ivo Lorscheiter, e com a
aproximação do PT ao PMDB, que buscava se articular aos demais partidos sob a bandeira
do retorno à democracia. Se desde abril, o processo dava indícios de sua intensidade, a
partir de outubro a movimentação dos atores políticos em diversos estados cresceu
consideravelmente. Em novembro, os jornais — principalmente a Folha de São Paulo
passaram a noticiar as ações e articulações que pretendiam restaurar a democracia
representativa em sua íntegra. Os principais nomes do PMDB circulavam entre os diversos
estados, negociando alianças e dando maior visibilidade à campanha pelas Diretas Já. O
ano de 1984 começa com intensa mobilização. Tancredo Neves, Ulysses Guimarães,
Miguel Arraes (do PMDB), além de Lula, entre outros, tornaram-se figuras-chave nesse
movimento, que contou ainda com a participação de vários intelectuais e artistas,
percorrendo o país em diversos comícios e shows em prol da campanha.
Jorge Gama, na época presidente regional do PMDB/RJ, relata sua inserção e seu papel
neste processo como uma espécie de “revelação”. Nesse sentido, volta-se para a construção
de um discurso visionário, segundo o qual seu potencial de observador atento aos fatos e
hábil articulador lhe garante o privilégio de estar um passo à frente dos demais atores
poticos — dentro e fora de seu próprio partido — o que lhe assegura um lugar na história
(como denota a narrativa na primeira pessoa do singular) .
102
Quando eu percebi a campanha das Diretas Já, eu
me conectei imediatamente com Brasília, com Dr.
Ulysses. Quando nós fomos fazer a campanha com a
sociedade civil, a campanha já estava dando mídia,
que a mídia da época ali não foi […] A mídia ali foi
conquistada, os movimentos foram crescendo e a
mídia não pôde ignorar mais. A TV Globo demorou...
ignorou até quando pôde... depois não... e aí, o
partido começou a receber não só a sociedade civil —
que o partido curiosamente também tinha uma
sociedade civil que era PMDBista, MDBista e tal;
ela não era militante permanente, mas quando o
movimento cresceu, eles se aproximaram do PMDB e
eu consegui (como eu estava ali convivendo,
conhecia o partido, eu conheço o conveniado do
PMDB ) ... Eu consegui interpretar o que cada
movimento pensava das Diretas Já: todos eram a
favor das Diretas Já. Eu digo:bom isso já nos
une’[…]”
Diante da heterogeneidade do partido — que se colocava como um dos grandes obstáculos
a um projeto coletivo de unidade potica — e da necessidade de lidar com frentes de
matizes ideológicas distintas, Jorge Gama torna-se um dos principais articuladores e
mediadores do movimento pelas Diretas Já no Rio de Janeiro. Fundamentalmente por estar
à frente do partido — mas também por apresentar um projeto político unificador — seu
discurso dá o tom da fragilidade da experiência de presidir o partido, ao mesmo tempo em
que marca sua importância para o processo de consolidação potica do PMDB na região e
em todo o país. A capacidade de negociar com as variadas frentes internas e de “aproveitar
o momento” para colocá-las sob o imperativo do devir histórico deve ser entendida de
acordo com a complexidade simbólica com que é narrada.
Corroborando a narrativa acima, as mídias viram-se obrigadas a posicionar-se. Conforme
ressaltou Lattman-Weltman (op. cit.),
103
[…] a campanha das Diretas Já marcou a
necessidade de uma nova relação entre a cobertura
midiática da potica e seu público mais amplo. O
movimento ofereceu a alguns veículos a oportunidade
de afirmar uma nova identidade editorial, mais
conforme com os novos tempos – caso da Folha de
o Paulo— assim como obrigou outros a uma
inflexão de enfoque. Foi o caso da Rede Globo, que
tentou ignorar o movimentos pelas diretas em seus
primeiros passos, mas acabou se rendendo, diante do
crescimento da participação popular e da cobertura a
ela conferida pelos concorrentes” (p.143).
A partir do ato público realizado em São Paulo com a presença do governador Franco
Montoro (PMDB) e de lideranças poticas de diversos partidos — no qual Jorge Gama
esteve presente — as primeiras movimentações no Rio de Janeiro começaram a ser
organizadas. Em torno à reivindicação do retorno às eleições diretas, o PMDB conseguiu
mobilizar suas diferentes facções internas, possibilitando a reaproximação dos
“intelectuais” com o partido presidido por Jorge. O passo seguinte consistiu em uma
reunião entre as entidades civis e profissionais, juntamente com o PMDB, com as
comises do PTB, do PC do B, do PT e com o governador do estado, Leonel Brizola, para
planejar a manifestação pública. A partir daí, o PDT — e principalmente Brizola — é
alçado ao patamar de inimigo número um do PMDB, o que se prolonga por toda a década
de 1980. As relações tensas e os conflitos deram o tom das interações entre, por exemplo,
Jorge Gama e Brizola, remetendo-nos ao quadro mais amplo das relações partidárias e
potico-eleitorais no estado e, fundamentalmente, na Baixada.
O PMDB naquela época elegeu nove governadores
e, no Rio de Janeiro, elegeu o Brizola, que não queria
as Diretas Já. O Brizola queria uma Constituinte com
o Figueiredo, mais dois anos de mandato com o
Figueiredo. Então até nós alavancarmos a campanha
das Diretas Já e organizarmos a campanha no Rio de
104
Janeiro,s tivemos muitos embates com o Brizola
no Palácio (da Guanabara). O primeiro embate foi
quando eu cheguei com umas 12 associações, 12
entidades, OAB, ABI ... Várias outras entidades:
CUT, PT, comissões provirias de partido etc. O
Brizola disse: ‘Não […] nós só vamos fazer
campanha com os partidos legalizados’, o que era
uma bobagem do ponto de vista potico na época e,
outra coisa, era uma coisa autoritária, prepotente,
excludente, da cabeça dele, caudilho como sempre – e
não tira uma palavra disso que eu digo, digo e repito.
Aí eu digo: bom, eu me lembro que saiu de dentro do
gabinete — nós estávamos na ante-sala — o falecido
deputado Brandão Monteiro, aos berros, dizendo:
‘Não... só com os partidos legalizados!’.. e eu: Que
isso companheiro? A sociedade civil está participando
disso, o partido es em vias de organização. Isso é
uma bobagem!’ Aí vira ele pro Hélio Sabóia — que
era presidente da OAB — e pro Augusto Villas Boas
— que era representante da ABI — e também
estavam o Drº Barbosa Lima Sobrinho não ia e o
Augusto que disse que queria ouvir, mas peraí...o Dr
Barbosa Lima sobrinho disse vamos nos retirar daqui;
aí entrou o Talarico, José Gomes Talarico, que disse:
‘Calma, Brandão!’ Brandão vociferava pra poder
[…]aquela subserviência ao Brizola, uma coisa
horrorosa […] ‘Não é bem assim, isso aqui não é
assim... vo está falando com o presidente do
partido!’. Aí a coisa evoluiu, nós ameaçamos nos
retirar. Ia ficar mal, o Brizola ia ficar isolado ali; ele,
, instaurou o plenário permanente das Diretas Já;
chegamos a ter 19 entidades, ele era minoria, o
governo era minoria mas, de qualquer maneira,
pagava a conta... Tinha que ser... Então a luta pra
colocar a campanha das Diretas Já, no Rio de Janeiro,
foi uma luta dura, tivemos que enfrentar o Brizola,
principalmente o Brizola, que queria uma Constituinte
com o Figueiredo, outro fato curioso neste particular.
Quando nós fizemos a caminhada no centro da
cidade, que o Lula veio depois pra Niterói, nós
colocamos 300 mil pessoas. Nossa caminhada foi em
substituição ao comício que o Brizola resolveu adiar,
nós fizemos uma caminhada; depois nós viemos a
descobri que o Brizola só permitiu que se fizesse o
cocio na Cinelândia [o que agregou 1 milhão de
pessoas], ele marcou aquela data porque sabia que o
Figueiredo ia pra Espanha e não queria fazer nada que
105
desagradasse o Figueiredo. Era o Aureliano Chaves
que estava na Presidência, e aí o Brizola apareceu
com uma data estranha, mas vamos fazer, não
interessa. Depois, nós descobrimos que o Figueiredo
deu uma entrevista à Veja, dizendo o seguinte: “se eu
tivesse no Rio de Janeiro, seria um milo e um mas,
na verdade, o Brizola procurou saber quando o
Figueiredo ia viajar pra fazer na auncia dele, pra
passar por ‘bonzinho’ pra ditadura. Esse que era o
papel do Brizola, mas aí, com o sucesso, não teve
jeito. Esse foi outro episódio que eu vivi com muita
profundidade e que precisa ser contado”.
A emenda Dante Oliveira foi, então, votada pelo Congresso, recebendo 298 votos a favor,
faltando 22 para a maioria exigida de 2/3
105
. Duas expressivas lideranças poticas da
Baixada não integraram esse movimento: Darcílio Aires, que votou contra e Simão Sessim,
que se absteve. Restava, então, à oposição articular-se para a disputa do Colégio Eleitoral.
A partir daí teve início uma acirrada negociação política em torno dos nomes que
disputariam a eleição.
“A costura deste apoio, conhecido como o ‘acordo de
Minas’, foi iniciada ainda na noite da renúncia
106
de
Sarney, quando este recebeu a visita do deputado Ulysses
Guimarães e do senador peemedebista Fernando Henrique
Cardoso e, confessando-se traído pelo presidente, deu o
sinal de que ele e seu grupo se dispunham a apoiar um
candidato da oposição […]
Com o intuito de deter o retrocesso da redemocratização, os
governadores do PMDB, sob a presidência do deputado
Ulysses Guimarães, reuniram-se em Brasília no dia 29 de
junho e decidiram lançar o nome de Tancredo Neves à
disputa no Colégio Eleitoral. Quatro dias depois a Frente
Liberal do PDS rompeu definitivamente com o governo
federal, passando a atuar no Congresso e nas assembléias
legislativas estaduais como bloco parlamentar independente
105
É interessante notar que a oposição detinha apenas 244 cadeiras, o que significa dizer que membros do
partido do governo votaram a favor da emenda, em uma demonstração de que o regime militar chegava, de
fato, ao fim.
106
Tal renúncia refere-se à intenção de concorrer à Presidência da República pelo PDS.
106
e dando início às negociações com a oposição em torno do
lançamento da candidatura do governador de Minas à
presincia. A formação da Frente Liberal implicou,
automaticamente, as desistências de Aureliano Chaves e
Marco Maciel da disputa pela indicação do PDS na
convenção partidária, ficando esta restrita aos candidatos
Andreazza e Maluf.
No dia 14 de julho, no palácio Jaburu, sede da vice-
presincia da República, foi firmado o pacto da Aliança
Democrática para enfrentar a caminhada de Paulo Maluf, o
mais cotado dos pré-candidatos pedessitas, rumo ao palácio
do Planalto[…]
O pacto foi consolidado em encontro realizado em Brasília
no dia 7 de agosto, quando foram abordados os itens
essenciais do programa do candidato aliancista:
constituinte, problemas sociais, eleições diretas, dívida
externa, casa própria, pleno emprego, previdência social,
liberdade sindical e estado de direito. Na ocasião, ficou
decidido que a Frente Liberal faria a indicação do
candidato à vice-presidência da República, recaindo a
escolha no senador José Sarney. A coordenação da
campanha ficou a cargo de Ulysses Guimarães” (DHBB,
2001).
Os episódios das Diretas Já e a movimentação política em torno do nome de Tancredo
Neves para disputar a Presidência da República pela Aliança Democrática demonstram
também a proximidade e fidelidade de Jorge Gama a Ulysses Guimarães, há todo instante
evidenciada
107
. Tais acontecimentos descortinam os processos de disputa pelo poder no
interior do partido, entre Ulysses e Tancredo Neves. Diante deste quadro, Jorge Gama mais
uma vez enfatiza uma percepção de si como articulador político —sem, no entanto,
107
O primeiro contato com Ulysses Guimarães deu-se durante o mandato de deputado federal, em 1978. Jorge
Gama nunca havia ido à Brasília. Com pouca experiência, não conseguia estabelecer uma relação de
proximidade com o então líder do partido, o deputado Freitas Nobre. Começou a freqüentar os gabinetes de
Ulysses e de Amaral Peixoto e, com isso, foi construindo uma aproximação. Com a escolha de seu nome para
disputar as eleições de 1982 como vice-governador, passou a chamar mais atenção mas foi a eleição para a
presidência do partido que, de fato, estreitou a relação — porque, segundo o próprio Jorge Gama, “Dr.
Ulysses era muito institucional. Ele não vinha ao Rio sem falar comigo”. As viagens de Ulysses ao Rio de
Janeiro eram sempre comunicadas ao presidente do partido e encontros agendados. Assim, a relação entre os
dois foi ficando cada fez mais próxima, a “fidelidade” de Jorge Gama sendo colocada à prova com o
movimento em torno da escolha do nome peemedebista para a disputa do colégio eleitoral de 1984.
107
romper com os laços que inicialmente o prenderam ao partido e à “ala” que escolheu/
aderiu. Colocando-se no “olho do furacão”, seu relato traz à tona os melindres e agruras de
liderar um partido heterogêneo, em momentos de definição de poder. A visibilidade
angariada pelo PMDB como partido-aglutinador da oposição produzia um duplo (e crucial)
desafio para Jorge: posicionar-se a favor do movimento que ajudara a articular e organizá-
lo, anunciando o nome de Tancredo, ou manter-se fiel à sua facção? Diante de tal
encruzilhada, sua opção recaiu, segundo ele próprio, “sobre a coerência”.
Partimos pra campanha do ‘Tancredo Já’. É, eu era
presidente do PMDB e tal, mas eu era ‘ulyssista’, não
era ‘tancredista’ e surgiu um manifesto dos artistas,
dos intelectuais, de todo mundo assinando, aqui, para
ser publicado no Jornal do Brasil. Quem tinha que
encabeçar o manifesto era eu, e eu disse: ‘Eu não
assino’. Eu não assinei porque – vim a assinar mais
tarde – porque não havia uma definição de quem seria
o candidato, se seria Ulysses ou Tancredo e no
PMDB havia uma luta interna e tal, que a imprensa já
(es)tava anunciando (não era bem interna, já era
pública); e eu era ‘ulyssista’, não vou assinar um
manifesto ‘Tancredo Já’ e aí fiquei esperando a
solução, porque o Dr. Ulysses, sabiamente, se lançou
candidato à Presidência da República numa viagem
que ele fez a Nova York. Quer dizer, está logo ali,
mas vai interpretar esses sinais... É uma dificuldade!
Se ele se lançou lá fora foi pra poder retirar, isso é um
digo interessante, mas quem não interpretava esse
candidato, Ulysses é candidato só em Nova York […]
Bom, quando o Dr. Ulysses esteve na famosa visita
que ele fez ao Palácio da Liberdade, ao Tancredo e
ali resolveu, aí eu assinei o manifesto. Mas aí já
estava na mão, desesperado... ‘Assina’; ‘Não vou
assinar, não adianta’;Mas por quê’? ‘Não vou
assinar […] eu sou presidente do partido, sou de
uma corrente, não vou assinar […]’. Eu diria pra
você que historicamente era até um fascínio assinar
aquilo, era uma sedução você assinar ao lado de
Chico Buarque […]. Nada disso, o potico não
pode entrar nessa, tem que ter pensamento
estratégico, senão ele cai numa sedução
108
momentânea e se perde e não é por aí […] Eu disse:
‘Não!’ Uma pressão violenta dos intelectuais [que
diziam]: ‘você está atrapalhando’. ‘Eu não estou
atrapalhando nada […], cada coisa no seu tempo
[…]’ Aí, logo em seguida, eu assumi a campanha
do Tancredo no Rio”.
Se a assinatura ao lado de intelectuais de renome poderia significar atrair – ainda que
apenas momentaneamente — os holofotes para si, os frutos políticos a serem colhidos
posteriormente poderiam ser desastrosos. Jorge já enfrentava muita oposição dentro do
partido para colocar-se contra seus próprios aliados; isso poderia significar um suicídio
potico.
O movimento pelas Diretas Já também delimitou sobremaneira os campos para a atuação
potica. Os aliados — bem como os adversários — são explicitados e suas posições
marcadas nas disputas pelo poder. O caráter acusatório e o tom denunciativo da narrativa
do ex-presidente do PMDB são exemplares para se pensar a constituição da identidade
potica de Jorge Gama em oposição a outros homens públicos como Brizola, Jorge Leite,
entre outros — além de evidenciar a importância de sua relação com Ulysses Guimaes
para a constituição de tal identidade.
O período à frente da presidência estadual do partido (1983/1986) foi marcado também por
festividades. Uma delas, em particular, evidenciou novamente sua performance de hábil
articulador, garantindo visibilidade à sua filiação institucional. Foi uma homenagem e uma
demonstração pública de apoio potico a Ulysses, realizada logo após a escolha do nome
109
de Tancredo Neves para disputar a Presidência da República
108
. Ulysses era, então, cotado
para tornar-se o novo presidente da Câmara e membros do PMDB pensavam em uma forma
de colocá-lo na mídia e reafirmar o seu prestígio. A realização de uma festa foi cogitada
como meio de se conseguir tal resultado. Não havia, no entanto, dinheiro em caixa para
organizá-la. Após conversar com Paulo Rattes — que sugeriu fazer a festa no hotel
Quitandinha, em Petpolis, evitando com isso custos com aluguel do local — Jorge
convocou uma reunião para comunicar sua decisão aos membros do PMDB/RJ. Nessa
reunião, surgiu uma nova proposta, de Albino Pinheiro, sugerindo que a festa fosse
realizada no Copacabana Palace, restabelecendo assim os “tempos de glamour do partido”.
Debaixo de muitos aplausos, a idéia foi aprovada. Encerrada a reunião, Rodrigo Faria
Lima, que era amigo de José Eduardo Guinle, diss-se a levar Jorge Gama ao hotel para
que tratassem dos detalhes. O orçamento da festa ficou muito alto e o partido não dispunha
daquele dinheiro. Jorge Gama resolveu, então, entrar em contato com a bancada federal
para tentar algum tipo de ajuda financeira, o que acabou não se concretizando. Diante disso,
ligou para Pedro Cezar — na época jornalista de O Globo, trabalhando junto à colunista
Teresa Cruvinel — e, durante um almoço, pediu a ele que “soltasse uma nota” dizendo que
Tancredo viria à festa e que os convites já estavam esgotados. Pedro Cezar acatou o pedido.
A partir daí “o telefone não parou de tocar. Era gente querendo dez convites, querendo
cinqüenta. Era assim. O almoço havia saído por Cr$25 mil, mas eu coloquei logo por
R$50,00. Assim, a gente podia dar alguns pra quem não podia comprar e pra algumas
personalidades” (Jorge Gama).
108
A eleição de Tancredo Neves foi indireta, realizada pelo Colégio Eleitoral no Congresso Nacional, em 15
de janeiro de 1985, na forma do art. 1º, da Lei Complementar n.º 47, de 22-10-1984 (Tribunal Superior
Eleitoral).
110
A festa foi um sucesso, sendo noticiada em jornais como O Globo e Jornal do Brasil
109
.
Jorge conseguira atingir seu objetivo: demonstrou a Ulysses sua fidelidade e aptidão frente
à presincia do partido, além de conseguir, uma vez mais, projetar-se na mídia nacional.
O Presidente nacional do PMDB, Deputado Ulysses
Guimarães, receberá hoje o troféu de “Campeão da
Democracia” durante o jantar no Copacabana Palace em
que mais de 1.200 pessoas vão homenageá-lo numa festa
organizada pelo partido no Rio com a finalidade de lançá-lo
publicamente à Presincia da Câmara [dos Deputados]. Os
candidatos da aliança Democrática à Presidência e Vice-
Presidência da República, Tancredo Neves e José Sarney,
já confirmaram sua presença na festa de que participarão,
ainda, oito Governadores – Leonel Brizola, Franco
Montoro, Gilberto Mestrinho, Nabor Júnior, Wilson
Martins, Jader Barbalho,lio Garcia e José Richa – e
centenas de Senadores e Deputados, Prefeitos e Vereadores
de todos os partidos.
Para o Presidente do PMDB do Rio, Jorge Gama, a festa
acabará se transformando num grande fato potico
nacional. Os convites, a Cr$25 mil, estão esgotados há uma
semana. (O Globo)
À frente da presidência regional do partido, Jorge Gama viajou por todo o estado do Rio de
Janeiro, estabelecendo contatos, firmando ou consolidando alianças. Estava “em
campanha” pela busca de uma possível (e desejada) unidade para o partido, como também
preparando o terreno” para as eleições futuras. Para o político profissional, o tempo da
política não se restringe ao período eleitoral, como assinalam diversos autores que se
debruçam sobre este tema (Palmeira e Heredia, 1995; Viegas, 1996; Kuschnir, 2000;
Borges, 2003; Chaves, 1996 etc
110
). A dinâmica temporal de quem “vive da potica” é
reinventada pela necessidade de angariar apoios (de outros políticos, de empresários e dos
eleitores) e conseguir acessos. Nesse sentido, presidir o partido significava não somente
109
Ambas as matérias de 06/12/1984.
110
O trabalho de Palmeira e Heredia (idem) é pioneiro e acabou influenciando diversos pesquisadores que
lidam com o tema das eleições e da política em geral.
111
manter seu status, mas também dispor de recursos (humanos e financeiros) – além de
alguma visibilidade. Representava também a possibilidade de se fazer notar pelas
lideranças mais importantes do partido em nível nacional e, desse modo, afiançar apoio
para uma possível candidatura.
Em 1986 (sem mandato eletivo desde 1982), Jorge Gama foi escolhido como o articulador
da campanha de Moreira Franco para o governo do estado do Rio de Janeiro. No mesmo
ano, disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, ficando com a primeira suplência. Tal
resultado foi atribuído à falta de (ou pouca) dedicação à sua própria campanha, dado seu
envolvimento na coordenação da campanha de Moreira, e as inúmeras atividades que lhe
ocupavam no partido (em 1986 passou o cargo de Presidente para o Senador Nelson
Carneiro, ficando com o cargo de secretário geral do partido no estado). Em conseqüência
dos argumentos anteriores, o afastamento de suas bases (a Baixada) acabou revelando-se
muito longo para quem tinha pretensões eleitorais. Seu projeto político havia suplantado
sua expectativa eleitoral. Ainda assim, foi nomeado Sub-secretário de Governo em maio de
1987 e, depois da extinção da pasta, assumiu a Secretaria de Trabalho, corroborando a
identidade de articulador e mediador político – e sendo recompensado pelo trabalho durante
a campanha do governador eleito (Moreira Franco) com um cargo que viabilizava contatos
e acessos
111
.
111
Segundo matéria publicada pelo Jornal do Brasil em 28/05/1987, Jorge Gama teria planos de disputar a
prefeitura de Nova Iguaçu na próxima eleição municipal. No entanto, isto jamais foi mencionado em qualquer
das entrevistas que me concedeu durante todo o tempo da pesquisa. De acordo com o exposto neste capítulo,
Jorge Gama alega ter sido convidado e cogitado algumas vezes para disputar a prefeitura da cidade, mas
nunca como um projeto político próprio. A posse de Jorge Gama como novo Secretário de governo de
Moreira Franco foi também noticiada pelo jornal O Globo de 22/05/1987.
112
Eu fui nomeado sub-secretário, depois que saiu o
Paulo Rattes [que] voltou pra Petrópolis
112
. Eu tinha
como finalidade, como exercício da minha atividade,
conversar com os partidos porque nós fizemos uma
coligação imensa com todo mundo […] Então eu
diria o seguinte botaram aquele abacaxi na minha
mão: atender deputado eleito, prefeito e tal. Eu me
lembro uma vez, eram 11 horas da noite – o
secretário do Moreira me contou depois – ele abriu a
cortina e falou: ‘Mas ainda tem gente aí’? Tinha
muita gente, ainda, porque eu atendia com calma,
nada de atender o poticoele não gosta de ser
atendido com pressa, tem que ter calma... Chegar: ‘Ó,
companheiro […] Outra coisa: de preferência, chamá-
lo pelo nome pra facilitar, aí a coisa caminha bem.
Então, eu atendia o cara do interior – o cara demorava
5 horas pra chegar no Rio de Janeiro, é atendido em 2
minutos, não dá... – o que eu podia resolver, eu
resolvia; ligava pra um secretário, marcava uma
audiência pra ele ir na mesma hora.” (Jorge Gama)
Jorge Gama: Só por ser o ocupante da Secretaria de
Governo, já teria um considerável poder de
influência: ao contrário dos demais secretários, que
despacham com Moreira só de quinze em quinze dias,
despacha todo dia. É um potico de centro esquerda.
Jorge Gama amortece os conflitos que surgem entre
as centenas de poticos da Aliança Popular
Democrática. É ele, em suma, que administra a
distribuição dos melhores chuveirinhos de Moreira,
os que vêm em forma de emprego. Chuveirinho, no
universo vocabular do governador, é um afago, um
agrado que se dá a todos os tipos de insatisfeitos.
(Jornal do Brasil, 23/08/1987)
“Um belo dia, o Moreira resolveu acabar com a
secretaria de governo, transformá-la em gabinete civil
– cometeu um erro – despolitizou o Palácio, ficou
uma coisa fria, administrativa, ninguém ia mais lá; e
me pediu, me designou para ir para a secretaria do
trabalho […] Fiz alguns acordos internacionais: fiz
acordo com a Organização Internacional do Trabalho,
com o curso de instrutores sindicais. De relevância,
fizemos a carta de São Paulo, reafirmando todos os
112
Paulo Rattes foi vice-prefeito de Petrópolis em 1966, elegendo-se prefeito em 1972. Em 1978, foi eleito
deputado federal, sempre pelo MDB. Em 1982, já pelo PMDB, tornou-se novamente prefeito de Petrópolis.
Foi Secretário de Governo de Moreira Franco durante o primeiro semestre de 1987.
113
poderes da Constituinte. Eu conduzi, fui eleito
secretário geral do Fórum Nacional dos Secretários
de Trabalho; e aí, depois, nós tínhamos um
compromisso, queria era reformular o governo”.
(Jorge Gama)
A mediação aparece, novamente, como um conceito-chave para a compreensão da
trajetória de Jorge Gama. A construção de sua persona pública não é remetida ao carisma
individual ou a algo que o designe um líder nato, ligando-se preferencialmente ao
desempenho de um papel potico específico – crucial para a consolidação de projetos e de
sua própria existência política – e possibilitado por seu enorme potencial de metamorfose e
mediação. A habilidade com as palavras e a postura de “distinção” foram atributos
selecionados em momentos cruciais e diferentemente utilizados segundo os contextos em
questão. A composição de sua fachada, de sua apresentação de si (Goffman, 1975a) e sua
aptidão como mediador transformaram-no em potico singular na Baixada, apesar das
derrotas nas urnas. Em sua atuação junto aos movimentos sociais, às características
anteriormente aludidas somava-se a prudência na escolha do repertório de símbolos – dada
sua origem social e profissional – ora referindo-se à origem popular”, do Rocha, “da
Baixada”, ora à profissão de advogado. Nesse sentido, alguns turning points (Becker e
Strauss, 1970) na trajetória de Jorge Gama. Evidenciados, ao longo da narrativa, nota-se
como seu discurso foi re-semantizado, suas “bandeiras” reconstruídas e – ao mesmo tempo
em que se manteve fiel a uma determinada facção – suas alianças internas e externas
edificadas em etapas capitais para o partido a que pertencia.
Os múltiplos processos de identificação acionados em contextos sociais específicos
demonstram o grau de percepção de Jorge Gama acerca de sua própria capacidade de
atuação no mundo político, bem como a consciência na aplicação de determinados meios
114
para atingir os objetivos desejados. Sua sobrevivência enquanto figura pública deve-se
fundamentalmente à sua “função” (de articulador/ mediador) e à sua manutenção dentro da
arena potica por intermédio do exercício de cargos públicos (administrativos ou de
assessoria). Estar apartado deste meio e de suas relações implicaria sua morte política e,
talvez, a impossibilidade de um ressurgimento, dada as características particulares de sua
atuação.
[…] Então, eu assumi o meu segundo mandato de
deputado federal, já em (19)89, depois da
Constituição. Eu infelizmente não participei da
Constituinte”.
Em 1990, Jorge voltou a substituir Aluísio Teixeira namara dos Deputados (primeira
substituição tendo ocorrido em 1989) e, em outubro deste mesmo ano, concorreu às
eleições, não conseguindo, no entanto, se reeleger.
Nessa eleição, novamente a ligação entre potica e corrupção foi trazida à tona. Segundo o
Jornal do Brasil, de 13 de novembro de 1990, o nome de Jorge Gama aparecia entre os
citados pelo relatório final do TRE/RJ
113
.
Na noite da última quinta-feira, quando o TRE divulgou o
relatório final sobre fraude nas eleições de 3 de outubro, a
platéia presente ao plenário ficou surpresa com a inclusão
de um novo nome entre os acusados – o do deputado Jorge
Gama. Militante da resistência ao regime militar, Gama,
um filho de carvoeiro que se formou advogado trabalhista a
duras penas, beneficiou-se com 100 votos em fraude
comprovada, manchando uma longa carreira potica.
(grifos meus)
113
Entre os demais nomes de políticos de Nova Iguaçu citados estavam o de Nelson Bornier (PL), que teria
sido beneficiado com 381 votos; José Távora (PFL), com 418 votos; Ernani Boldrim (PMDB), com 248
votos.
115
Tal derrota foi, no entanto, atribuída por Jorge à falta de recursos financeiros, o que a partir
de então seria condição necessária para o sucesso nas urnas. Com os novos padrões de
propaganda e marketing poticos (Scotto, 2004; Castilho, 2000), ou o candidato dispunha
de uma “bandeira forte” ou precisaria de muito dinheiro para custear as despesas de
campanha –– além do assistencialismo e clientelismo recorrentemente praticados (Diniz,
1982; Bezerra, 1994, 1998, 1999a e 1999b; Alves, 2003). Jorge tentou criar a sua
“bandeira” através de um projeto de implantação de uma universidade pública na Baixada,
mas não teve êxito. Tal projeto desagradou (e acirrou a briga com) outro nome importante
da potica local:bio Raunheitti, dono da UNIG (Universidade Iguaçu), irmão e sucessor
de Darcílio Raunheitti, pertencente à outra rede política local.
Nesse período, aqui em Nova Iguaçu, surgiram
forças políticas insuperáveis. Surgiu obio
Raunheitti, surgiu Itamar Serpa e o Bornier. Então, eu
fiquei sem espaço porque todos os três são poderosos
do ponto de vista ecomico. O Itamar é um
empresário de sucesso; obio tinha uma
universidade atrás dele, e aí... Mas aconteceu uma
coisa curiosa que, de alguma maneira, foi importante.
Como eu não tinha dinheiro, eu tinha que ter
criatividade,me restou isso. Então, eu comecei o
projeto de implantação da universidade pública. Eu
preparei um projeto de lei autorizativo’ no meu
mandato de (19)90 ainda Eu fiquei preocupado: ‘Que
é que eu vou fazer? Que bandeira que eu vou
levantar?’ Eu não tinha. Estava olhando o panorama
econômico: candidatos com mais potencial, essa coisa
toda. […] estruturados. E aí eu bolei e fiz um projeto
de implantação de uma universidade pública no
município. Eu fiz toda a minha campanha recolhendo
assinaturas, um abaixo-assinado imenso para que nós
tivéssemos uma universidade pública. Eu ainda era
deputado; encaminhei ao ministro – na época era o
Carlos Chiarelli, ministro do Collor
114
– solicitando, e
... fiquei ‘batendo uma lata’ com o meu projeto.
114
Carlos Chiarelli foi Ministro da Educação no governo do presidente Fernando Collor de Mello.
116
Terminou, não foi possível... Que é que eu fiz? A
Constituição Federal obriga a interiorização das
universidades quando existem aquelas só na capital,
nas capitais de um modo geral. A Constituição
percebeu isso, obrigou em 10 anos que as
universidades fizessem uma potica de interiorização.
Baseado nisso – tendo em vista que eu perdi o meu
projeto – na época havia uma comissão e ela
considerou um projeto eleitoreiro – então nem dei
bola pra eles, é evidente. Eu me lembro que eu
encontrei o Roberto Freire, e falei: ‘Ó, Roberto, eu
estou com um projeto de lei ‘autorizativo’, criando
uma universidade pública pra Baixada Fluminense. Se
ele for distribuído pra você como relator, você é da
comissão, você me dá um parecer favorável’? Ele
disse: ‘É evidente’ (Foi interessante) ‘Você acha que
eu comunista, não vou dar um parecer favorável?
Claro que vou! Mas eu nem sei pra que foi distribuído
porque eu já vim pra campanha e nunca mais tomei
conhecimento do projeto, não pude acompanhar e
depois perdi a eleição. Parece que foi arquivado.
Em 1992, no entanto, durante o mandato do prefeito de Nova Iguaçu Aluísio Gama (PDT),
Jorge articulou as negociações e depois presidiu a comissão que instaurou uma unidade da
UFF (Universidade Federal Fluminense) em Nova Iguaçu. Esse campus contava com três
cursos: direito, ciências contábeis e administração. Tal empreendimento (que funcionou por
apenas cinco anos) demonstra novamente seu trânsito por diversas esferas e sua habilidade
em conceber arranjos suprapartidários.
Bom, terminado isso [] Aí nós estamos falando
em [19]91 mais ou menos, [19]92. A Constituição
consagrou em um dos seus artigos a obrigatoriedade
de expansão das universidades pro interior. Aí que é
que eu faço: ‘peraí, eu tenho um projeto para a
sociedade iguaçuana na qual houve uma mobilização;
há uma memória disso’. Aí eu fui procurar o diretor
da faculdade de Direito de Niterói, profº Manoel
Martins. Fui lá: ‘Ó, Manoel, veja bem, eu fiz esse
movimento, um movimento eleitoral, é verdade, mas
117
aí tem a Constituição. Há um espaço pra gente
negociar uma interiorização da UFF’? Ele falou: ‘Há,
é claro’. ‘Então, eu gostaria de discutir isso. Está aqui
o meu projeto, está aqui o abaixo assinado’. Ele falou:
-Vou te levar na Reitoria’ – foi uma audiência com o
José Raimundo Martins Romeu, que era o reitor. Aí
eu fui, conversei com o Romeu. E ele falou:s
temos interesse. Qual o munipio’? Eu digo: ‘A
região da Baixada Fluminense, mas com sede em
Nova Iguaçu’. Ele até estranhou porque falou: ‘Mas
Nova Iguaçu é do PDT, do Aluísio Gama’. Eu digo:
‘Sim, mas eu não vim reivindicar uma universidade
para o PMDB, vim pelo município, seja PDT,
qualquer partido serve’. Aí ele perguntou: ‘O prefeito
de lá topa’?, eu liguei pro Alsio Gama, na época,
e digo: ‘Olha, Aluísio, está nos planos fazer uma
parceria com a UFF pra botar uma universidade em
Nova Iguaçu? É possível?’ ‘É possível, claro que é!
‘Eu já estive na universidade e ele quer nos receber
’. Aí marquei uma audncia, levei o Aluísio . O
Reitor disse: ‘[…] não vamos fazer um convênio
guarda-chuva inicialmente, cobrindo tudo. Vamos
evoluir. O projeto tem que ser detalhado, a grade
curricular, as cadeiras, as faculdades’. Criamos uma
comissão, que eu presidi. Falei:vai dar problema,
Aluízio. Você é do PDT e me nomear […]então, eu
vou fazer o seguinte, eu vou te pedir algumas
considerações: não remunerado, vinculado ao seu
gabinete e com classe específica, que eu vou indicar a
maioria da comissão […] pra eu ficar à vontade. Se eu
fosse ficar lá com o secretário, não iria andar’. E ele
respondeu: ‘Prepara que eu assino’. Aí eu fiz a
portaria, ele assinou. Em 120 dias nós fechamos o
projeto e... em 92, janeiro de 92, lançamos o edital do
1º vestibular com 3 cadeiras: Direito, Administração,
Ciências Contábeis... é... 4 mil e tantos inscritos.
Fizemos o vestibular com 150 vagas – se eu me
lembro – pra cada cadeira... não me lembro bem aí o
número […] E funcionaram as 3 universidades
[faculdades] aqui... Tem gente formada aqui em
Direito, Administração e Ciências Contábeis sem
nunca ter ido à Niterói; o curso todo feito aqui no
Monteiro Lobato. Depois outros governos não
puderam prosseguir... o convênio foi extinto. Então,
nós tivemos uma universidade pública aqui; uma
projeção da UFF, a interiorização da UFF,
funcionando muito bem” (grifos meus).
118
No início de 1993, Nelson Carneiro disputou, e perdeu, a presincia regional do partido
para Renato Archer (presidente da Embratel), que foi apoiado por Moreira Franco,
desligando-se do partido e filiando-se ao PP. Em solidariedade ao Senador, Jorge também
saiu do partir e disputou as eleições de 1994 já pelo PP. No entanto, outro acontecimento
marcaria a sua carreira. Um novo escândalo vinculou-o à contravenção do jogo do bicho.
Em uma lista, apreendida pelo Ministério Público, nomes de vários poticos apareceram
como receptadores de doações – dentre eles também o de Simão Sessim, filiado ao PPR,
Partido Progressista Reformador, onde permaneceu por menos de um ano –vinculados ao
bicheiro Castor de Andrade. Nesse mesmo ano, as eleições no estado do Rio de Janeiro
foram anuladas devido a suspeitas de fraude e remarcadas para dezembro, mas Jorge Gama
não voltou a concorrer.Nas entrevistas que me concedeu, justificou tal decisão alegando
que estava com um enorme déficit – um passivo acumulado desde 1990
115
– e que sua
família também o pressionava para “deixar a potica”. Na primeira entrevista, Jorge Gama
pouco falou a respeito da denúncia, ressaltando apenas que nada havia sido provado contra
ele. Em outras conversas e entrevistas, entretanto, admitiu o peso potico dessa denúncia –
e da subseqüente cobertura da imprensa – em sua derrota, influenciando também sua
decio de não concorrer novamente, depois de anulado o primeiro pleito. Nenhum
processo foi instaurado contra ele e Jorge afirma que sua ligação com Castor de Andrade
era distante – visto que conhecia apenas Anísio, Aniz Abraão David, irmão de Simão
Sessim (deputado federal) e de Farid (atual prefeito de Nilópolis) e chefe do jogo do bicho
115
Segundo verbete do Dicionário Aurélio, passivo é conjunto de dívidas e obrigações de uma pessoa ou
empresa; o conjunto de contas que registra a origem dos recursos da empresa: capital próprio, financiamentos
etc.
119
na mesma localidade. Diz ainda, que desconhecia a origem das camisas recebidas para a
campanha, por intermédio de um conhecido– vindas de Nilópolis [de Anísio].
A distância relativa da imagem de Jorge Gama dos estereótipos acionados para falar de
potica na Baixada dessa vez não se concretizou. Mesmo minimizando os efeitos poticos
da associação com o jogo do bicho em termos gerais (a partir de uma percepção não-
negativa sobre o seu papel na região), a projão política de Jorge não se restringia aos
limites territoriais da Baixada, motivo pelo qual tal ligação repercutiu negativamente em
esferas mais amplas.
Tal episódio não significou, no entanto, que as portas do mundo da política fecharam-se
para Jorge. Após o ocorrido, ele decidiu dedicar-se ao escritório de advocacia, situado no
Centro do Rio de Janeiro, onde prestava consultorias diversas a deputados e vereadores,
mantendo assim seus vínculos com poticos profissionais e retornando ao partido de
origem.
A ligação com Nelson Bornier (que, a essa altura, já era um dos nomes mais influentes da
potica local
)
116
, por exemplo, estreitou-se em 1998, quando este o convidou para a sub-
116
Nelson Bornier configura uma peça-chave para se pensar a política na Baixada a partir da década de 1990.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1950, formou-se em direito por uma faculdade particular de Valença, em 1977,
dedicando-se, além da política, à atividade de contador e empresário em Nova Iguaçu. Em 1986, filiou-se ao
PL (Partido Liberal) e presidiu o diretório do partido até 1989, quando se tornou vice-presidente regional
(cargo no qual permaneceu até 1993) (DHBB, 2001). Em 1990, elegeu-se deputado federal, com votos
provenientes fundamentalmente da Baixada. Durante seu mandato, integrou diversas comissões e defendeu
projetos de interesse para a região, tais como: obras na Linha Vermelha; instalação do pólo petroquímico de
Itaguaí; comises de Finanças, de Viação e Transportes, de Desenvolvimento Urbano e Interior e de Defesa
Nacional. Fez parte também da CPI que investigou irregularidades na Previdência Social e na privatização da
VASP. Em 1994, reelegeu-se pela sigla do PL com 105 mil votos (TSE). Como já mencionado anteriormente,
esta eleição foi anulada, sendo uma outra realizada em novembro do mesmo ano – na qual confirmou a vitória
de 3 de outubro. Neste mesmo ano, filiou-se ao PSDB (em dezembro de 1994), tomando posse na Secretaria
Especial da Baixada no princípio do ano seguinte, durante a gestão de Marcelo Alencar. Nelson reativou o
hospital da Posse – ligado à UNIG, de Fábio Raunheitti – e, em fevereiro de 1995, reassumiu o seu mandato,
dada a decisão do TSE quanto à anulação do pleito de outubro de 1994, desligando-se imediatamente depois
para retomar as atividades à frente da Secretaria da Baixada. Em 1996, elegeu-se prefeito de Nova Iguaçu
(com 184.640 votos contra 66.240 de Cornélio Ribeiro do PDT e 56.563 de Arthur Messias do PT), onde
120
secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Municípios Adjacentes
117
. Este cargo
significava a possibilidade de novamente dispor dos acessos. Jorge permaneceu neste cargo
até receber o convite de Mário Marques para assumir a secretaria de governo de Nova
Iguaçu, em 2002
118
. À frente da nova secretaria, teve a oportunidade de exercitar seu poder
de mediação junto às lideranças locais, mas sentia-se isolado. Jorge e Bornier discordavam
com relação a algumas políticas do governo de Mário, fundamentalmente porque o
primeiro via como ingerência a atuação do ex-prefeito na administração municipal. Jorge
acreditava que Mário Marques deveria ser mais independente em relação a seu antecessor,
mas sua postura era de certa submissão, “um misto de gratidão e admiração
119
. A partir
daí, a relação de Jorge com Bornier ficou abalada. A situação complicou-se ainda mais a
partir da campanha de 2004. Os indícios de que os conflitos existiriam apareceram logo no
reorganizou a administração e retomou o pagamento do funcionalismo público municipal, com atrasos
superiores a três meses. Foi em seu mandato executivo, tendo o sobrinho de Raunheitti, Fernando Gonçalves,
como vice-prefeito, que as desavenças entre Bornier e bio tiveram início, principalmente devido a
problemas com a transferência de dinheiro público para o hospital vinculado à instituição de ensino deste
último. Em 2000, com apoio popular e político, reelegeu-se com maioria absoluta sobre o segundo colocado
(204.716 votos, contra 83.645 de Sheila Gama do PDT e 28.520 de Adeilson Teles do PT) (TRE/RJ). Em
2002, já pelo PMDB, afastou-se da prefeitura de Nova Iguaçu, sendo eleito deputado federal com 140 mil
votos . Manteve, no entanto, sua influência política no governo do sucessor devido à permanência de parte de
seu secretariado na administração seguinte.
117
O secretário da Baixada era, até então, Ernani Boldrim. Advogado, filiou-se ao MDB em 1977 e foi um
dos fundadores do diretório de Nova Iguaçu. Em 1979, filiou-se ao PP (Partido Popular), liderado pelo então
governador do Rio de Janeiro, Chagas Freitas. Em 1982, o PP foi incorporado ao PMDB. Em 1986,
candidatou-se a uma vaga na Câmara dos Deputados, ficando com a suplência. Ex-deputado federal pelo
PMDB, em 1989, e entre 1990-1991 – em ambos os casos porque era suplente – ocupou respectivamente a
vaga dos deputados Flávio Palmier da Veiga – que se tornou Secretário de Turismo, Esporte e Lazer no
governo de Moreira Franco – e de Gustavo de Farias – que renunciou, ameaçado de cassação. Ernani foi
também deputado estadual, de fevereiro de 1995 ao início de 1997. Sem mandato, tornou-se secretário de
Desenvolvimento da Baixada e Munipios Adjacentes em 1998, ainda no governo de Marcelo Alencar
(1995-1998), que promoveu obras como o Baixada Viva e o projeto de construção da Via Light. No mesmo
ano, elegeu-se deputado estadual pelo PPB. Em 2002, diretamente vinculado à família Garotinho, tentou a
reeleição, mas saiu derrotado.
118
Jorge Gama foi convidado primeiramente para assumir a Secretaria de Saúde no lugar de Gilberto Badaró
em outubro de 2002, mas acabou permanecendo apenas na Secretaria de governo. A notícia foi veiculada pelo
Jornal O Globo, no Caderno Baixada, em 27/10/2002 (p.9).
119
Um fato ilustrativo dessa preocupação de Jorge com relação a Mário Marques foi explicitado por Pedro
Cezar, em uma das entrevistas que me concedeu. Segundo ele: “o Mário nem tirou a foto do Nelson da parede
das repartições públicas. Você chega numa secretaria e vê a foto do Nelson, e não a dele. Ele é muito grato ao
Nelson por seu apoio. Mas com isso, ninguém sabe que ele é que é o prefeito agora.”
121
início da campanha, quando Bornier deixou Jorge Gama totalmente à margem das
principais decisões. A condução de todo o processo foi gerenciada pelo primeiro, tendo
como braço-direito Pedro Cezar – quem, de fato, coordenou de perto e que sempre
manteve boa relação com Jorge.
Durante o período da campanha, Jorge permaneceu à distância, limitando-se a preparar
algum material escrito – fundamentalmente o programa de governo e algumas críticas ao
adversário do PT. Ia aos cocios, mas sem fazer uso da palavra. Não era um porta-voz
autorizado. Mais tarde, as discordâncias entre Mário e Bornier e, conseqüentemente, o
afastamento deste último do dia-a-dia da campanha possibilitaram a reaproximação de
Jorge com a equipe de Mário. A partir daí, ele esteve presente nas carreatas, nas
caminhadas no centro comercial da cidade – o calçadão – inclusive na que acabou em um
confronto físico direto entre os cabos eleitorais das coligações ‘Crescer sempre com Deus e
o Povo’ (PP, PDT, PMDB, PSL, PTN, PSC, PL, PPS, PSDC, PRTB, PHS, PMN, PV, PRP,
PRONA e PT do B) e ‘Hora da Mudança’ (PT, PFL, PSDB, PSB e PC do B).
Com a derrota de Mário para a prefeitura de Nova Iguaçu, Jorge foi ocupar novamente o
cargo que já ocupara anteriormente na Secretaria de Desenvolvimento da Baixada – cujo
secretário era seu “afilhado” potico, o ex-prefeito de Paracambi por dois mandatos e
deputado estadual por três, Déliosar Leal (PMDB). A Secretaria em questão configura
uma importante máquina potica visto que abriga a Fundação Leão XIII, a Serla
(Superintendência de rios e lagos), a Secretaria de Trabalho, a Secretaria de Administração,
além de diversos projetos sociais como o pólo de distribuição de leite em pó, o projeto de
inclusão digital, além do Detran e da Escola de Serviço Público.
122
No fim de março de 2006, com a necessidade de desincompatibilização de Délio Leal para
disputar ou uma vaga na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ou a de vice-governador
nas eleições deste ano, Jorge Gama foi indicado para assumir a Secretaria da Baixada,
telefonando-me em seguida para me comunicar seu novo posto
120
. Encontra-se atualmente
envolvido com novos projetos como a criação e implantação do curso de formação potica
para mulheres, a criação de uma universidade à distância, além das atividades culturais para
a comemoração do Dia da Baixada (30 de abril). Jorge Gama é um dos defensores da
centralização das atividades da Secretaria da Baixada exclusivamente nos municípios da
região e não o formato que vem sendo adotado, englobando também a região Metropolitana
– agregando assim os municípios de Itaboraí, Niterói, São Gonçalo e Tanguá. Para ele,
trabalhar pela região metropolitana e pela Baixada fica muito extenso e pouco produtivo.
Devemos atuar somente nos treze municípios da região” (Jornal de Hoje, 19/04/2006).
Persiste a seguinte pergunta: por que Jorge Gama não tentou disputar novas eleições? Por
que ainda atua como mediador se não possui mandato eletivo há mais de 15 anos?
Minha opção recaiu em pensar as possíveis respostas a tais perguntas a partir de sua própria
narrativa. Sendo assim, os discursos acusatórios (corrupto, ligado ao jogo do bicho etc.) não
foram rechaçados, mas colocados no plano do narrador. De tal perspectiva, as práticas
necessárias para perpetuar-se no mundo potico da Baixada remetem ao assistencialismo/
120
Assim que cheguei ao Rio, numa quarta-feira 19/04/2006, após ter sido avisada dos telefonemas de Jorge
Gama, dirigi-me à Secretaria da Baixada para falar-lhe. Assim que cheguei fui muito bem recebida e fiquei
aproximadamente uma hora conversando com ele em sua sala, onde também estava presente um professor do
campus da UERJ na Baixada. Falamos sobre a “situação política” para as eleições de 2006 e sobre as
comemorações pelo dia da Baixada (30 de abril). Fui presenteada com uma camisa comemorativa da Baixada
e também fui convidada a participar de alguns eventos desta comemoração, inclusive cogitando a
possibilidade de se lançar uma revista com alguns artigos sobre a Baixada e seus “tipos”. Antes de sair, Jorge
Gama perguntou sobre a defesa de minha tese e sobre o “lançamento do livro” e disse que gostaria que eu o
fizesse na Secretaria da Baixada e que a secretaria estava à minha disposição para a organização de um
seminário ou qualquer evento que dissesse respeito à Baixada Fluminense. Agradeci e disse que pensaria a
respeito.
123
clientelismo de um lado e/ou ao marketing potico, de outro. Em ambos os casos, Jorge
Gama coloca-se à parte. No primeiro caso, por opção e, no segundo, por falta de recursos.
A mediação tornou-se, portanto, o único modo de efetivar sua permanência na potica.
Criando espaços de visibilidade, circulando entre diferentes atores poticos, tendo trânsito
livre em diferentes esferas do poder (Executivo e Legislativo) — desde presidentes
nacionais de partidos a vereadores de cidades do interior do estado etc – em uma palavra,
conseguindo manter os acessos.
Seu projeto político foi então analisado tendo-se em vista a vocação de mediador tanto
quanto a dedicação à atividade. Desde o início de sua apresentação, a Baixada aparece
como uma escolha. Fazer da Baixada sua “terra” e a de seu “povo”, sua gente, foi
determinante para a concepção de seu devir potico. Nas entrevistas, e em outras
conversas, Jorge Gama sempre manifestou uma grande preocupação com a posição potica
da região em relação ao estado do Rio de Janeiro. Enfatizando iniciativas como a da
Associão de Prefeitos da Baixada e do consórcio de municípios na área da saúde e meio
ambiente, ele acredita em um possível alinhamento de forças no intuito da região conseguir
unidade potica para pleitear mudanças relativas ao tratamento que recebe dos governos
estadual e federal.
Eu acho – do ponto de vista dos poticos da Baixada
– eles talvez ainda não tenham percebido a
importância da Baixada como um todo; eles
defendem a Baixada ainda de forma isolada e cada
um fazendo o seu pedacinho. Claro que isso daí é até
a questão da sobrevivência, eu compreendo –
concorrência eleitoral, potica, essas coisas todas;
mas eles não entenderam a necessidade de se ter uma
atuação mais conjunta, sobretudo os parlamentares,
os prefeitos não, já estão entendendo mais; mas os
deputados estaduais e federais ainda não
interpretaram a Baixada, ainda não têm uma atuação
124
parlamentar satisfatória em direção à Baixada como
região; sempre defendem a Baixada isoladamente.
Vai lá, faz um estudo, faz[em] leis, mas que não liga
coisa nenhuma; não é nada estruturante, não é nada
disso”.
A preocupação com a criação de um projeto coletivo é por ele manifestada frente aos
conflitos e ao caráterpouco orgânico” das lideranças da região. A Baixada aqui
apresentada é multifacetada e englobada por redes políticas que se intercomunicam, ora
agrupando-se em facções rivais, ora configurando novas “alas” e dissidências, em um
trânsito constante de atores poticos que, ao se moverem, redimensionam as forças
presentes no campo político. Tal configuração, no entanto, não é capaz de engendrar
objetivos comuns que pensem a Baixada como um todo – mas ao contrário, o caráter
segmentado acaba sendo enfatizado diante das realidades diversas dos distintos municípios.
Neste universo, os projetos (Velho, 1994) dos atores políticos são, via de regra, tomados
individualmente, e a associação a outros projetos não visa uma constrão coletiva”, mas
a capitação de recursos (simbólicos e econômicos) em benecio próprio, na medida em
que o político com maior capital simbólico for capaz de viabilizar alianças para este fim.
Apesar de estar mais próximo da classificação de ideológico do que de assistencialista, não
me parece que essa dicotomia dê conta satisfatoriamente da trajetória de Jorge Gama. Ele
próprio não se define nem como uma coisa, e muito menos como a outra. Sempre esteve
muito ligado ao intrincado processo de constituição de seu partido e das mudanças pelas
quais ele passou – desde o vínculo com os independentes, a aproximação com Moreira
Franco e a devoção a Ulysses Guimarães, até a configuração mais recente, com a entrada de
Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus. A adesão a uma determinada
facção não o impediu de galgar posições e constituir alianças diversas dentro do partido
125
como forma de manter as condições para sua sobrevivência política. Suas ligações com
chaguistas como Jorge Leite, por exemplo, e com a própria Fundação Leão XIII, que desde
o governo de Chagas Freitas, esteve vinculada a notícias de uso potico, empreguismo e
clientelismo nos mais diversos contextos (fundamentalmente eleitorais) foram ilustrativas
dessa atuação.
Assim, as formulões de uma história ou de suas versões (como prefiro) são determinadas
pelos discursos e transformadas pela possibilidade de recontar e reinventar, num mover-se
constante entre diversos campos, numa fluidez relacional na qual não só o tempo, mas o
espaço e os possíveis interlocutores configuram distintos planos para a construção
narrativa. Dentro dessa composição relacional, e portanto dinâmica, o universo potico é
conformado, através da apreensão de práticas próprias e de formas de experiência
significativas.
A tentativa de apreender as relações políticas travadas na Baixada por intermédio da
narrativa de alguns de seus atores merece algumas considerações. Mesmo não utilizando a
expressão “história de vida”, lidar com trajetórias implica, decerto, operar com a idéia de
sucessão temporal dos acontecimentos pertinente a um (ou mais) ator (es), em alguma
medida, remetida a “um deslocamento linear, unidirecional” (Bourdieu, 1996: 183).
Entretanto, neste caso em particular, é a partir da construção narrativa sobre eventos de uma
memória da potica nacional – e de suas implicações locais que se encontram os
elementos que possibilitam recompor um quadro de forças no qual os atores em questão
disputam espaço, poder e cargos/ mandatos. Entremeado de emoção, satisfação e críticas, o
depoimento de Jorge Gama ilumina a posteriori aspectos da trajetória de nomes
importantes da política na Baixada, em termos de visibilidade nacional e regional.
126
Reestruturado, o discurso sobre si funde-se com a história da nação, da cidade, da Baixada,
a justificativa de sua transformação/ conversão em ator político aparecendo como uma
seqüência de proposições verdadeiras e significativas para além do âmbito de uma escolha
individual e/ ou egsta, ou seja, surgindo como vocação.
Nesse sentido, há uma lógica retrospectiva e prospectiva no relato do entrevistado que é
organizada a partir de fatos significativos para si e para quem o “interroga”. O antropólogo,
como o inquisidor (Ginzburg, 1989), contribui para o condicionamento da produção desta
“fala”: tanto a relacionada a uma acusação de feitiçaria quanto àquela ligada à narrativa de
acontecimentos nacionais como as Diretas Já, a partir da perspectiva de Jorge Gama. O
sujeito da narrativa consti seu próprio romance, atribuindo constância e conseqüência aos
momentos selecionados, marcando passagens, omitindo outras, revelando assim a
preocupação em apresentá-lo como um continuum coerente e conciso.
No entanto, a percepção de que o mundo social é marcado por acontecimentos cuja
sucessão no tempo não é unilinear evidencia a multiplicidade e a profusão das relações que
perpassam os indivíduos, pensados aqui como sujeitos fracionados, mas interligados no
interior do campo social. Apresentar as intrincadas relações poticas na Baixada a partir da
versão de Jorge Gama não significa retirá-las de seu campo e das relações de poder aí
existentes, mas antes, afirmar o caráter de artefato da narrativa e, ao mesmo tempo, encará-
la como potencialmente produtora de realidade(s): da Baixada como palavra de ordem
121
.
121
A Baixada como palavra de ordem é possível a partir do entendimento sobre sua aparição centrada na
análise dos processos que desencadearam sua expansão em meio ao campo político.
127
CAPÍTULO 3: ZITO: DA BAIXADA PARA O MUNDO
Entrevistando Zito
Optei por iniciar este capítulo de maneira um pouco diferente dos demais. Sua redação se
deu sem que eu tivesse acesso ao personagem principal, Zito. A dificuldade em conseguir
contactá-lo acarretou a diversificação de possíveis entradas e a captação de dados das mais
diversas fontes.
Sendo assim, a construção do capítulo baseou-se principalmente na biografia de Zito
(Gramado, 1999) e em entrevistas realizadas com alguns de seus secretários (em seu
segundo mandato como prefeito de Duque de Caxias) e com membros da família Camilo
dos Santos. Também foram analisados trabalhos acadêmicos sobre a cidade, a política local
e seus atores, assim como documentos dos arquivos das Câmaras Municipais de Duque de
Caxias, Belford Roxo e Guapimirim, além de matérias de jornais.
Durante mais de dois anos, apesar de muita insistência, não foi possível entrevistar Zito.
Após diversas tentativas sempre frustradas, decidi tomar sua biografia (autorizada ou
encomendada?) como fonte primeira de dados a respeito de sua trajetória pessoal. Com
relação à sua vida política, foram também utilizadas fontes oficiais, depoimentos de
moradores de Duque de Caxias sobre sua administração, bem como entrevistas com
pessoas próximas a ele (com vínculos de parentesco, profissionais e/ou de amizade).
Em uma última tentativa, telefonei para o gabinete da deputada estadual Andréia Zito (o
que já havia feito antes sem sucesso), no dia 17 de abril de 2006, e fui atendida por Aurélio
que, muito solícito, pediu-me que ligasse mais tarde para falar com a chefe de gabinete.
Liguei na hora recomendada, mas não consegui encontrá-la. Pedi então a Aurélio o telefone
celular de Marcela Dutra (a chefe de gabinete) para que eu pudesse contactá-la o mais
128
rápido possível, explicando que se tratava de uma pesquisa em fase de redação final. Uma
vez obtido omero de telefone, liguei imediatamente, explicando no que consistia a
pesquisa. A princípio, mencionei tratar-se de minha tese de doutoramento e da redação de
um livro sobre a potica na Baixada, enfatizando a minha área de atuação e minhas
filiações institucionais (Antropologia, Museu Nacional/ UFRJ e UFU). Como, na ocasião,
eu falava de meu telefone residencial, em Uberlândia, Marcela Dutra perguntou se a
entrevista seria por telefone e se eu desejava falar apenas com Andréia ou se também
gostaria de falar com Zito. Respondi prontamente que, se possível, queria falar com os dois,
explicando que já havia tentado entrevistá-los sem sucesso. Forneci, então, meus telefones
para, posteriormente, agendar e confirmar a data e o local das entrevistas.
No dia seguinte, Marcela telefonou-me, marcando a entrevista para quinta-feira, 20 de abril
e solicitando que, uma vez no Rio, eu lhe telefonasse para confirmar o encontro. Como
combinado, liguei para o telefone do gabinete, mas não consegui encontrá-la. Aurélio,
então, forneceu-me outro número no qual finalmente conseguiria encontrar Marcela. Esta
passou-me diretamente para o secretário pessoal de Zito, Fernando, que agendou o dia e o
horário para as duas entrevistas. O encontro com Zito seria em seu escritório, em Duque de
Caxias, às 10 horas; com Andréia, às 16 horas, em seu gabinete, no prédio anexo à ALERJ.
O dia 26 de abril de 2006 certamente foi o mais tenso (talvez porque o mais esperado) de
toda a minha pesquisa de campo. Durante esses mais de três anos, participei de diversos
eventos: jantares, almoços, caminhadas, carreatas, reuniões, conversas informais,
entrevistas. Ora como anônima – como mais uma – ora como pesquisadora, acompanhando
poticos ou entrevistando/ conversando com moradores/ eleitores. Todos eles eram repletos
de rituais, dos mais variados tipos. As entrevistas, no entanto, constituíam momentos
particularmente interessantes. Durante as caminhadas, carreatas, showmícios e reuniões, a
129
minha presença (apesar de nunca deixar de contar como um dos elementos em jogo) podia
ser diluída ou atenuada e não se colocar como peça-chave nessas situações. Nas entrevistas,
por sua vez, o pesquisador é parte fundamental do ritual, tendo um papel ativo e explícito
no processo de construção da própria interação. Trata-se de um diálogo, no qual as
intervenções marcam lugares específicos para cada ator envolvido.
Apesar de todas elas terem marcado momentos singulares e excepcionais para a elaboração
desta pesquisa, a entrevista com Zito me fez confrontar todas as imagens e pré-noções que
eu mesma já havia construído acerca de sua persona pública.
Cheguei no escritório, na rua Prefeito Carlos Lacerda, em Duque de Caxias, às nove e meia
da manhã. O prédio onde ele está situado é estritamente comercial e localiza-se ao lado da
Câmara Municipal da cidade, próximo à praça central. Dirigi-me à sala que fica no sétimo
andar. Para entrar ali, há um interfone por meio do qual a secretária, Simone, monitora a
entrada e a saída de pessoas. Na recepção, há também algumas poltronas que comportam
cerca de oito pessoas. Quando cheguei, dois homens já aguardavam para falar com Zito.
Após minha identificação, Simone (a secretária) avisou a Lucas (um assessor) que eu havia
chegado. Ele imediatamente veio falar-me, pedindo que eu esperasse alguns minutos. Em
seguida, entraram os dois homens que haviam chegado antes de mim. Esperei por cerca de
trinta minutos. Enquanto aguardava, as pessoas não paravam de chegar ao escritório e eu
aproveitava para prestar atenção nas conversas que elas mantinham sobre potica e a atual
administração municipal
122
.
122
Dentre os relatos que ouvi, o que narro a seguir chamou particularmente minha atenção. Uma mulher
negra, apelidada pela secretária de “Luana Piovani”, reclamava sobre a forma como vinha sendo tratada pela
equipe do atual prefeito. Tentando entender do que se tratava, puxei conversa. Ela explicou-me, então, que a
atual administração estaria promovendo uma “caça às bruxas” e que todas as pessoas ligadas ao antigo
prefeito estariam “com um X nas costas”. Tal moça cursa faculdade de serviço social e trabalha como
“parceira” em um projeto social,o sendo funcionária da prefeitura. Alegando que vinha sendo discriminada
130
Fui recebida, finalmente. Na sala, que deve ter aproximadamente 12 metros quadrados,
estavam Zito e Dr. Moretti, ex-secretário de governo de Waldir Zito na prefeitura de
Belford Roxo. Ao que tudo indica, aquela era a sala de Moretti, pois este estava sentado
atrás de uma escrivaninha, de costas para uma grande janela — de onde se via o viaduto e a
linha férrea — enquanto Zito encontrava-se em uma das cadeiras à sua frente, onde também
me sentei.
As imagens do homem arrogante, quase rude, de voz imponente e estatura marcante
propagadas por fontes variadas – moradores, políticos, jornalistas etc.foram reavaliadas
no mesmo instante em que pisei naquela sala. Ao entrar, fiquei frente a frente com um
homem modestamente vestido (tênis, calça jeans e camisa de malha verde) que não
ocupava a cadeira principal e colocava-se como um convidado”. Este homem levantou-se
e cumprimentou-me respeitosamente, pedindo que eu me sentasse a seu lado. Sua voz
imponente, entretanto, contrastava com a postura curvada e com o olhar que me fitava por
não mais que alguns poucos segundos, sempre dirigido ao chão, como se estivesse fechado
em si mesmo.
Após as apresentações (Zito apresentou-me a Dr Moretti, que permaneceu conosco durante
toda a entrevista) e alguns minutos de conversa sobre o meu trabalho, perguntei se poderia
gravar a entrevista.A autorização foi imediata.
Iniciei com uma pergunta geral: “Como foi sua entrada na vida potica” ?
A resposta foi sintética. Um breve resumo de cerca de 15 minutos, sem mencionar partidos
ou nomes de aliados e adversários, centrando-se em sua origem familiar “humilde” — filho
de “pais analfabetos” que chegou a ser vereador, deputado e prefeito.
e boicotada, afirmava sua vinculação a Zito dizendo não ter um X nas costas como os outros, e sim um Z, de
Zito.
131
Fiz então uma nova intervenção: “O senhor começou sua vida pública no PTR, um partido
pequeno, e depois integrou vários outros. Poderia falar um pouco mais sobre estas
‘passagens’” ?
Obtive a seguinte resposta: “Vo está sabendo bem da minha vida,?!” (risos). Em
seguida, Zito reiniciou seu relato contando em detalhes os diversos momentos de sua
trajetória que serão agora explorados ao longo deste capítulo, revisitado após as
entrevistas
123
.
Os Caminhos Que Levam À Baixada
José Camilo dos Santos Filho – Zito – nascido em 15 de outubro de 1952, é o segundo dos
três filhos de José Camilo (conhecido como Seu Zé) e de Dona Luzia. Pernambucanos, Seu
Zé e Dona Luzia deixaram sua cidade natal e foram para Paulista, cidade da zona da Mata,
em busca de um emprego na indústria têxtil Companhia Paulista de Tecidos que sustentasse
a família inteira
124
. Após anos e anos de trabalho, Seu Zé foi demitido por testemunhar a
favor de um ex-funcionário da empresa, um conhecido seu que moveu um processo
trabalhista contra a companhia. A partir daí, a família precisaria prover seu sustento da
123
A entrevista com a deputada Andréia foi marcada em seu gabinete, no prédio anexo à ALERJ, na sala 407.
Cheguei às 15hs50 e fui recebida por Aurélio, com quem já havia falado algumas vezes por telefone e que me
forneceu o telefone de Marize. Logo na entrada do gabinete, há uma pequena ante-sala com duas cadeiras,
separada da parte interior na qual se encontram as mesas de trabalho do staff da deputada, além de sua sala e a
de sua chefe de gabinete. Há também uma pequena copa com bebedouro, máquina de café, geladeira e pia. O
espaço não é grande, mas bem organizado por divirias. Após esperar por alguns minutos, fui atendida por
Marize que me levou à sua sala onde aguardei um pouco mais conversando com ela. A deputada me recebeu
por volta das 16hs30. Conversamos sobre a minha pesquisa e Marize fez algumas perguntas sobre o trabalho:
como havia começado, quais os meus interesses etc. A entrevista teve aproximadamente quarenta minutos de
duração. Após a concluo, ainda conversamos por cerca de vinte minutos sobre Zito e as “imagens”
divulgadas a seu respeito. Marize indagou-me novamente, agora sobre minha impressão sobre a deputada e
seu pai. Discorremos sobre sua visão enquanto não-moradora da Baixada e sobre o tratamento da imprensa
aos políticos da região. Ao final, Marize perguntou à deputada se poderia me fazer um convite e ela
concordou. Propuseram que em caso de publicação da tese, fizéssemos o lançamento na ALERJ, na tentativa
de aproximar “a casa ao meio acadêmico”.
124
Consultar, por exemplo, os trabalhos de José Sérgio Leite Lopes (1979 e 1988) e Maria Rosilene Alvim
(1979).
132
forma que lhe fosse possível. Teve início, assim, a ciranda de empregos e ocupações pelas
quais Seu Zé passaria. Tentou de tudo um pouco. A princípio, montou uma “venda” no
quintal de casa, na qual comercializava desde bebidas até frutas e mantimentos. Depois de
algum tempo, no entanto, a empreitada não deu certo devido à dificuldade em receber pelas
mercadorias compradas “fiado” — na maior parte dos casos por amigos ou pessoas
próximas, em situação semelhante ou pior do que a da família Camilo dos Santos. O
esgotamento de todas as alternativas da família fez Seu Zé decidir “tentar a vida” em outro
lugar. Saíram de Paulista em fevereiro de 1954, tendo como destino o Rio de Janeiro e a
busca dosonho da cidade grande”. Na ocasião, a filha Maria José tinha 4 anos e Zito,
pouco mais de um ano de idade.
O mito fundador da trajetória de Zito é reforçado tanto na narrativa de seu irmão Waldir,
quanto em sua biografia (Gramado, 1999). Essa construção o transforma em um
personagem com um passado em comum, um passado partilhado com muitos moradores
da Baixada: o de migrante nordestino. A viagem para o Rio de Janeiro corrobora a saga
nordestina: o pau-de-arara, a fome, a sede, o medo e, às vezes, até mesmo a morte. Há uma
espécie de iada conferindo um desencadear espetacular aos acontecimentos (no sentido
mais amplo, de não-ordinário), envoltos em dramas pessoais que, no entanto, marcam
ligações com um todo maior — no caso, o percurso transcorrido por muitos migrantes de
diversas localidades das regiões Norte e Nordeste do país. Esses nordestinos, saídos de suas
cidades-natais, deixam para trás familiares, amigos, enfim, tudo o que possuem, em troca
do sonho de uma “outra vida”. No caminho, a poeira, o sol, a chuva e a sensação ambígua
da esperança e do medo do porvir. A designação comum a tantos que narram suas histórias
a partir desses fatos, ricos em incidentes e acontecimentos, é apenas um dos aspectos que
133
unem pessoas diferentes e lugares distantes. Mas se a viagem, por mais penosa que possa
ser, é carregada de desejo e confiança, a chegada pode trazer à tona uma realidade nem
sempre parecida com as imagens idealizadas. O acordar pode ser abrupto, um despertar
quase cruel.
O relato do caminhão chegando ao Rio de Janeiro, desembarcando todas aquelas pessoas —
algumas com rumos já traçados, outras ainda nãomarca a expatriação, mas também
formas de integração. Alguns lugares constituíam destinos certos. É o caso da Baixada
Fluminense que aparece, novamente, como um destino partilhado. Sendo assim, a chegada
ao recém emancipado município de Duque de Caxias reintegrou a família de Zito, a partir
dos laços de parentesco originais. Os Camilo dos Santos foram acolhidos na casa de um
parente de Seu Zé que tinha lhe arrumado um emprego em uma empresa de ônibus. Pouco
tempo depois, no entanto, a convincia na pequena casa da rua Itatiaia, em Duque de
Caxias, tornava-se complicada devido ao grande número de pessoas dividindo um espaço
exíguo. A mudança para um lugar exclusivo da família deu-se ainda naquele mesmo ano,
quando Seu Zé optou pela permanência no município, alugando um cômodo na rua
Itacolomi.
Diante das possibilidades de tal segmento social, a Baixada Fluminense aparece como o
espaço privilegiado para moradia. As razões são variadas. Desde a proximidade com a
cidade do Rio de Janeiro e, portanto, com o local de trabalho, até a possibilidade de se
conseguir ocupar ou adquirir um terreno/ lote ou casa
125
. O problema da habitação é então
recolocado, agora sob a ótica do morador e não a do potico como anteriormente abordado
(capítulo 2). Da perspectiva dos indivíduos que buscavam a “casa própria”, a Baixada foi
125
Soares (1962), Abreu (1988), Souza (1992), Costa (1999).
134
ao mesmo tempo eldorado e lugar de expiação. Representava a possibilidade da crença em
um futuro melhor, com terrenos baratos e adequados aos restritos orçamentos dos membros
das camadas populares. Mas também encerrava inúmeras outras relações: de abandono, de
dominação e de submissão. Se por um lado tornava possível o surgimento do selfmade
man, por outro mantinha os moradores sob o jugo de práticas políticas coronelistas e
clientelistas, quase invariavelmente associadas à violência (Ferreira, op. cit.; Leal, op. cit.,
Alves, 1991, 1999 e 2003).
Em nosso país, a estrutura latifundiária favoreceu a transfiguração do poder público por
meio dos usos (e abusos) do poder privado, ancorada no poder político que tinha como
contexto a profunda desigualdade da distribuição de renda e de terra, criando vínculos de
obrigação e de compromisso entre o “coronel” e a populão a ele submetida. O
coronelismo funcionou então como “uma forma específica do poder político brasileiro que
floresceu durante a Primeira República, e cujas raízes remontavam ao Império; já então os
municípios eram feudos poticos que se transmitiam por herança não configurada
legalmente, mas que existia de maneira informal” (Queis, 1976:165). Grosso modo, o
mandonismo local operaria uma diferenciação de poder ao colocar em cena a figura do
chefe potico, impondo a premência do estabelecimento de uma relação com o “coronel”
para o funcionamento e a manutenção do referido sistema
126
. Este último oferecia o
eleitorado, enquanto o chefe político, os serviços públicos e o fortalecimento de seu poder
privado. Tal estrutura, entretanto, vai se enfraquecendo com o crescimento urbano e a
industrialização, responsáveis pela reconfiguração das relações de poder tradicionais. Essa
alteração no panorama potico refletiu nos primeiros anos da falia Camilo dos Santos em
126
Ver, também, a este respeito, o artigo de Castro Faria (1999) sobre poder local e municipalismo, no qual
enfatiza a centralidade do trabalho de Oliveira Vianna (1920), Populações Meridionais do Brasil: História,
organização, psicologia, para se pensar em tais questões.
135
Duque de Caxias, correspondendo a um período de agitação e conflitos (Grynszpan, 1987).
Mesmo ausentes da biografia de Zito e dos relatos de Waldir, os saques e as revoltas
camponesas representaram um levante popular inédito na região e marcaram a história local
(idem)
127
.
Desde seu início, a trajetória de Zito evidencia a diversidade de códigos culturais e campos
de possibilidades em jogo. A chegada ao Rio de Janeiro ainda bebê, com pouco mais de um
ano de idade, tendo viajado por quase oito dias em um caminhão com mais de 40 pessoas
foi o começo de tudo. A infância foi marcada pela dificuldade financeira, a questão da
moradia constituindo sempre um grande problema — a família passou por seis endereços
diferentes, desde omodo da rua Itacolomi, até conseguir adquirir o terreno onde
finalmente construiu a casa própria.
Tal terreno foi comprado na rua Ipanema, no bairro de Copacabana, em Duque de Caxias,
em 1957, antes do nascimento de Waldir, o caçula e o único filho a nascer no Rio de
Janeiro. O lote – como os demais oriundos do retalhamento das grandes áreas destinadas às
culturas agrícolas como, por exemplo, a citricultura – ficava em uma rua sem calçamento,
sem rede de esgoto e sem luz, como a maioria das ruas do município nessa ocasião.
A especulação imobiliária somada ao descaso com que o poder público lidava com a
problemática da moradia na Baixada Fluminense definiam o panorama encontrado pelas
famílias de migrantes que ali tentaram fixar-se, fugidos da miséria da cidade-natal, da falta
de oportunidades de trabalho ou das favelas cariocas. Desde a falta de infra-estrutura básica
até loteamentos irregulares, as questões relativas à terra e à casa própria foram tomando
vulto e, dessa forma, capitalizando os discursos políticos que visavam arregimentar os
127
Consultar também Torres e Menezes (1987).
136
votos daquela (grande) parcela da população
128
. Apesar das dificuldades, a compra e/ ou
ocupação dos lotes deu início ao processo de expansão da cidade (e da região) com a
ampliação da construção de imóveis residenciais
129
.
O terreno foi comprado graças aos esforços da mãe que procurou em diversas imobiliárias
e, por fim, conseguiu um terreno barato — tendo, como tantos outros, inúmeros problemas
para a sua legalização. A figura materna (e o papel da mulher numa “cultura nordestina”
130
)
é ressaltada como personagem-chave para a concretização do sonho da casa própria. Foi
Dona Luzia quem teria “corrido atrás” do terreno e mobilizado a família para tal
empreendimento. Era em suas mãos que Seu Zé entregava o pagamento e era sua a
responsabilidade de zelar pelas economias da família. A casa própria surge como valor e
fonte de segurança frente às incertezas do “lugar desconhecido” e das parcas possibilidades
financeiras familiares.
“A gente tinha uma coisa na mente: a casa própria,?
Isso ninguém pode tirar da gente. Até hoje, ainda, a gente
não conseguiu acaba(r) ela, mas pelo menos não
pagamo(s) aluguel pra ninguém. É dinheiro jogado fora,
”? (D. I. , 55 anos, moradora de Duque de Caxias).
“Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente,
que era muito pobre. Pensa bem: chegar... chegar aqui no
Rio, vindo de onde eu vim e ter que encarar, ao mesmo
tempo, uma sacaria ganhando pouco — pra quem tava
acostumado com uma enxada é ruim demais — e, ao
mesmo tempo, morar de aluguel e ter de sustentar
mulher, mãe e filharada. Rapaz! A única coisa que eu
pensava naquela época era comprar o terreno e fazer o
128
Entre os trabalhos recentes sobre o tema, consultar, por exemplo, os artigos organizados por Valladares
(1980) e o trabalho de Borges (2003).
129
Sobre o processo de ocupação e desenvolvimento da Baixada Fluminense, ver catulo 1.
130
A novela “Senhora do Destino”, da Rede Globo de televisão, constituiu um exemplo do uso dos
estereótipos relativos a alguns tipos sociais para falar da região da Baixada: o bicheiro, o baixadense (como
sinônimo de nordestino pobre) e a mulher nordestina, neste caso, Maria do Carmo, representada pela atriz
Suzana Vieira, entre outros.
137
barracão” (entrevista com Clenio de Lima Santos, natural
de Pernambuco e morador do Morro da Cocada, em
Belford Roxo apud Monteiro, 2001).
A autoconstrução foi o modelo (possível) adotado pela falia que, assim como grande
parte dos moradores da região, contava com uma rede de solidariedade fundada nos laços
de parentesco, mas também nos novos laços adquiridos: os de vizinhança
131
. A dupla
jornada marcava os dias dos Camilo dos Santos, principalmente os do chefe da família. O
trabalho na Garagem Bom Retiro durante o dia era seguido pela construção da casa, para a
qual contava com a ajuda dos filhos e de Dona Luzia.
Além da empreitada privada da construção da casa própria, os moradores da Baixada têm
que enfrentar inúmeros outros problemas. A maneira pela qual eles conseguem lidar com
adversidades e privações do cotidiano consiste em estender tal padrão de resolução privada
para fora de suas casas, para as vias públicas. A rua — lugar de todos, mas
responsabilidade do poder público — é, então, reapropriada pelos moradores que elaboram
um modo de atuação para tentar converter o abandono e o descaso — com a falta de
aparatos coletivos e de infra-estrutura — em soluções imediatas. “O morador entrará em
cena como construtor e mantenedor precário dos equipamentos urbanos necessários às
nimas condições de salubridade e conforto” (Monteiro, op. cit, p.23).
131
Ver, a este respeito, Maricato (1976) e Lima (1980). Lima (1980), em nota de rodapé, explica a categoria
autoconstrução como “o processo através do qual o proprietário constrói sua casa sozinho ou auxiliado por
amigos e familiares […] nos seus horários de folga do trabalho remunerado, principalmente, portanto, nos
feriados e fins de semana”. No artigo em questão, a autora analisa as motivações para escolha da casa própria
além das alternativas adotadas para prover os recursos necessários à construção. Outro questão por ela
destacada refere-se ao fato de que a casa própria não teria apenas um valor de uso, tendo também um
potencial mercantil (podendo ser vendida ou alugada) – além da tendência observada neste segmento
populacional de se construir no mesmo local de residência, um lugar para o trabalho, como uma loja, uma
“venda” ou uma mercearia. A autora não discute o valor afetivo e simbólico da casa própria, mas deixa
entrever esta questão, ao afirmar que nenhum dos entrevistados pretendia, no momento da pesquisa, vender
ou alugar a casa, sendo esta apenas uma possibilidade em caso de real necessidade.
138
A partir da categoria rede de resolução de problemas práticos
132
— que nos possibilita
apreender a realidade do morador da Baixada assim como sua relação com a potica e os
poticos locais — as noções de escassez e precariedade são re-significadas, adquirindo uma
gramática pautada na ação como meio e fim. Conforme sugere Monteiro
133
, a construção
das identidades na região respeita a “situação desvantajosa”, a “não-possibilidade de atrair
a atenção do poder público para si” para pensar a constituição de ideologias e de uma
cultura potica própria (“cultura potica baixadense”). Apoiando-se no entendimento da
ideologia como sistema cultural (Geertz, 1989), o autor adota o conceito para pensar as
construções ideológicas das camadas subalternas — para além da imposição das classes
superiores — sobre a própria prática cotidiana da potica. Fundamentalmente preocupado
em repudiar as alegações de alienados dirigidas aos moradores da Baixada frente à não
sistematização da reivindicação como ação fundadora de sua cidadania (a reivindicação
seria uma “besteira”), Monteiro aponta a criação das redes de resolução de problemas
práticos como mais do que uma resposta ao poder público: como um sistema que dá
sentido à vivência desses moradores, exprimindo suas iias sobre o mundo e sobre o lugar
nele ocupado. A fala dos entrevistados ilustra exemplarmente esta questão:
Não foi somente na época que eu vim pra cá que a
prefeitura não se interessa(va) por isso aqui... Até hoje,
eles só aparece(m) […] fazer obra aqui, só quando tem
potica. A prefeitura daqui faz obra no centro ou no
bairro onde mora(m) os parentes do prefeito. Acho
também que a gente não pode reclamar muito, não,
porque, na verdade, a gente nem existe pra eles: isto aqui
era um loteamento ilegal e ninguém paga imposto
nenhum. Até hoje, não se paga nada pra eles” (Guilherme
Antônio Novaes, aposentado do setor químico, natural do
interior do Rio de Janeiro, morador do bairro Prata em
Belford Roxo apud Monteiro, pp.24-25).
132
Idem
133
Ibidem, pp.26-27.
139
"[…] você deve ter visto que não temos luz nessa rua,
apesar da gente pagar todo mês iluminação pública na
conta de luz. Foi besteira reclamar e a gente comprou os
bocais e foi roubando luz da Light e colocando luz em
cada poste" (Fabiano Queiroz, comerciário, morador do
bairro Barro Vermelho em Belford Roxo, idem, p.29).
"Água é a mesma coisa. Todo mundo aqui tem porque
pagou para uns cara(s) furar(em) o cano da adutora que
passa na rua de ts. A CEDAE nunca veio aqui legalizar
e a gente vai gastando sem pagar. Adianta reclamar?
(Fernando Matos, natural de Duque de Caxias, morador
do Lote XV em Belford Roxo, ibidem, p.29)
Todo mundo trabalha um pouco.o tem moleza aqui,
não. Os filhos ajuda(m), os vizinhos... Não dá pra
ninguém ficar parado. Senão, é só dá (sic) uma chuva que
inunda tudo. Se a gente não faz, fica aí, jogado” [sobre os
problemas do bairro, da cidade e a ação dos políticos]
(entrevista realizada em 2003 com A., 33 anos,
cabeleireira, moradora da Palhada, bairro de Nova
Iguaçu).
O destino do pobre é o trabalho, mesmo. Eu me orgulho
disso. Nunca pedi nada pra ninguém, vizinho, político...
Nada, nadinha. Até hoje, tem que faze(r), eu faço”
(entrevista realizada em 2004, durante o período eleitoral,
com W., 67 anos, aposentado, morador da Posse, bairro
de Nova Iguaçu).
O trabalho aparece como solução para os problemas, mas também como valor social e
elemento constitutivo dos processos de identificação locais. A característica primeira de
uma ocupação a partir do crescimento e urbanização da região, já no século XX, foi a
presença maciça de trabalhadores de camadas populares. Um ethos do trabalho é aqui
acionado, sem que isso signifique uma característica exclusiva dos membros de camadas
populares. Uma leitura da composição de processos de identificação pela oposição
140
trabalhador versus bandido seria por demais simplificadora da realidade social que
encontramos na Baixada
134
. Se em alguns contextos, a diferenciação pode ser definida pela
confrontação desses “tipos ideais”, em outros, poderíamos utilizar a conjunção aditiva e
acumular papéis — como no caso do justiceiro Miranda, no qual o trabalho é fortemente
enfatizado em sua narrativa e opera como um “elemento legalizador e, ao mesmo tempo,
normalizador do comportamento, introjetado como desviante” (Barreira, 1998:105). Nos
discursos da família Camilo dos Santos, o trabalho tem um lugar de destaque, sendo
recodificado (na categoria trabalho social) e transformado por Zito.
Todos os membros desta família aprenderam desde muito cedo a importância do trabalho.
Seu Zé sempre levava os filhos para a barraca que montava na feira, durante os finais de
semana. Além da real necessidade de mão de obra, mantinha os meninos ocupados e “longe
dos problemas”. A ajuda deles era fundamental também para complementar o orçamento
familiar. A “tendinha” — modelo de pequeno comércio realizado no próprio terreno da
casa e já adotado pela família em Paulista — começou a funcionar em 1958, com a obra
ainda em andamento. Com a experiência acumulada desde os tempos de Pernambuco, Seu
Zé logo percebeu a escassez desse tipo de comércio na nova localidade e a demanda da
população do bairro por algo que suprisse suas necessidades mais imediatas. O
estabelecimento funcionou por mais de vinte anos, transformando-se em alguns momentos
na principal fonte de renda da família. Vendia-se de tudo. O lugar tornou-se ponto de
referência, tendo Dona Luzia principalmente — mas também as crianças — à frente do
negócio (“birosca”) durante o dia, enquanto Seu Zé trabalhava no laboratório Monteiro
Lázaro (em Vila Isabel, zona Norte do Rio de Janeiro).
134
Sobre a relação entre os tipos “trabalhador” e “bandido” para a construção de identidades entre membros
de camadas populares ver, por exemplo, Zaluar (1985).
141
A educação dos filhos era prioridade do casal que não queria que os meninos fossem
analfabetos como eles”. Estudavam em escola pública e auxiliavam no trabalho
preferencialmente nos finais de semana. No entanto, ao longo de toda sua biografia, Zito
nos é apresentado como alguém que não valorizava o estudo como forma de ascensão
social, diferenciando-se dos pais que tinham a educação como única via de mobilidade
possível para os filhos. Zito via no esforço individual, no “ganhar dinheiro”, a única
maneira de “crescer”, de “mudar de vida”. Nesse sentido, um ethos do trabalho vai
constituir uma marca identitária forte, permeando todo o discurso sobre si construído na
biografia e a composição de sua persona política.
Ele entrou e saiu de alguns colégios (todos públicos), mas sempre encontrava tempo para
jogar futebol e, principalmente, para fazer “uns bicos”. Começou a trabalhar como faz-
tudo: carregando areia, fazendo pequenos serviços. Seu primeiro empreendimento
autônomo consistiu na confecção e venda de pipas na feira livre do Aterro do Flamengo,
inaugurada durante o governo de Carlos Lacerda. Inicialmente sozinho e depois com a
ajuda de amigos e do irmão, Zito conseguiu juntar algum dinheiro — até a chegada do
inverno que representava uma queda no movimento, devido à diminuição do número de
freqüentadores do parque. “Era uma verdadeira aventura […] Saíamos de casa de manhã
bem cedo e só voltávamos à noite. Ganhava um bom dinheiro” (Zito apud Gramado, op.
cit.:108). Se até este epidio, Waldir era apresentado na biografia de Zito como o irmão
caçula, “preguiçoso”, “fofoqueiro” (p.48) e a relação entre os dois ainda não era marcada
pela proximidade, pela partilha e pela amizade; o trabalho em parceria é tido como o
veículo desta união. Foi a partir da venda das pipas que os irmãos deram início à uma
relação de extrema cumplicidade que se estenderia também à vida política.
142
Com 15 anos, Zito foi empregado em uma estamparia. Ainda assim, sempre conseguia um
jeito de arrumar “um dinheiro extra”, fosse por meio da confecção de pipas que ele próprio
vendia nas feiras livres no Rio de Janeiro (no Aterro do Flamengo, por exemplo) ou
transportando água para os moradores de seu bairro e de bairros vizinhos em sua carroça.
Zito estava sempre envolvido em atividades que lhe rendessem algum lucro. Nessa época,
seus “serviços” eram empreendimentos exclusivamente particulares, não havendo qualquer
menção à prestação de assistência à população do bairro. Interessava-lhe apenas “ganhar
dinheiro”
135
. A falta de recursos do bairro era por ele convertida em oportunidades e a
“independência” (leia-se: saída da casa e da jurisdição paterna) chegou cedo, aos 17 anos,
quando se casou. Sua casa foi constrda nos fundos do terreno de seus pais, uma “meia-
água”, e Andréia nasceu no ano seguinte.
Aos 25 anos, decidiu deixar o emprego que o pai lhe havia arrumado — ainda na juventude,
na Monteiro Lázaro — e tornar-se seu próprio patrão. Associado a um amigo formado em
química, abriu um laboratório na mesma rua em que morava. O dinheiro de suas economias
e da rescisão trabalhista foi investido na abertura e legalização da firma que, no entanto,
não foi pra frente. Zito acabou, então, indo trabalhar com o pai na “tendinha” da família. A
partir destes epidios são elaboradas as características que o transformariam no selfmade
man, — aspecto central de sua personablica. O espírito empreendedor configuraria a
primeira delas. À frente da “tendinha” foi responsável por sua reorganização e
transformação em loja, reestruturando o lugar e fazendo obras de expansão. No ano
135
Na biografia de Zito, é marcante a referência constante aos bens materiais adquiridos ao longo de sua
trajetória. A carroça, a moto, a televisão, a geladeira, outra moto, o carro etc. Tais bens parecem simbolizar as
conquistas e a própria ascensão social de Zito, sendo enfatizados como fatores de distinção com relação aos
“colegas de bairro” e ao próprio irmão.
143
seguinte, inaugurou uma outra no bairro Jaqueira e Seu Zé, à essa altura já aposentado,
ficou responsável pela loja da rua Ipanema.
Indícios Da Violência Como Marca
Os problemas com a criminalidade local começaram a aparecer e a postura de Zito foi
distinta da dos demais comerciantes. A fama de “valente” — que teria comado ainda na
juventude com as brigas de rua, narradas como revanches da época de criaa
alcançaria, agora, um novo patamar.
“[Zito] Não deixava de resolver seus problemas com
qualquer um e começou a ser respeitado no bairro,
dando os primeiros contornos no homem que se
tornaria um líder comunitário. Mais pela imposição
da própria vizinhança, que via nele uma pessoa que
não admitia injustiças. A primeira providência para
resolver os impasses era sempre uma boa conversa,
mas se preciso fosse, Zito não pestanejava em utilizar
os punhos para se impor” (Gramado, op.
cit.:116/117).
O pagamento porproteção” era uma prática comum na região e, em larga medida,
obrigatória. O “pedágio” era uma das formas de extorsão habitualmente realizadas: para
carregar ou descarregar a mercadoria ou para entregá-la em outros bairros, os comerciantes
tinham que pagar uma taxa. Zito rebelou-se e não aceitou fazer parte desse sistema local.
Enfrentou os bandidos, chegando inclusive a ir tomar satisfações”. Em um dos episódios
narrados em sua biografia, sua postura de enfrentamento lhe rendeu, entretanto, alguns
prejuízos e a agressão a um de seus funcionários, gravemente ferido pelos bandidos locais.
Nesta narrativa são claramente ressaltadas sua coragem e disposição para o embate (físico,
inclusive) enquanto “homem de bem”. Por outro lado, um episódio ali relatado vai de
144
encontro a relatos de moradores sobre a relação de Zito com a violência e o banditismo
locais. Segundo Gramado (p.122), ele teria conseguido adquirir alguns pontos comerciais
de pessoas que preferiram fugir da insegurança a enfrentar a criminalidade. Em algumas
das entrevistas que realizei com moradores, tal epidio foi mencionado. O tom, no entanto,
era outro. Algumas versões apresentavam Zito como “mancomunado” com os bandidos e,
portanto, usurpando os comerciantes, obrigando-os a venderem seus pontos e saírem da
região.
A essa altura, Zito já havia conseguido ampliar seu patrimônio e começava a explorar um
outro tipo de estabelecimento: os bares/ botequins. O primeiro deles, o Bar e Mercearia
Compre Bem, foi em sociedade com o iro, Waldir. Pouco depois, compraram um galpão
na rua Copacabana onde abriram o Zitu’s Bar, contando com shows de música ao vivo e
serviço de bar. Um trágico incidente, no entanto — a morte de duas meninas próximo ao
bar — levou os irmãos a mudarem de ponto, indo, então, para a Praça Dr. Laureano. A esta
altura, Zito já conquistara relativa ascensão, tornando-se proprietário de alguns
estabelecimentos comerciais — desde mercearias e lanchonetes até bares e boites — mas a
sociedade com o irmão foi rompida depois da falência de um deles — e retomada algum
tempo depois. Entre fracassos e novos necios, ele ingressou, em 1985, na Guarda
Municipal de Duque de Caxias. Mas foi somente a partir de sua entrada para a política que
à sua fama de “valente” somou-se a de “justiceiro” ou “matador”.
Conforme Barreira (op. cit, p.10), o pistoleiro é um tipo lendário da sociedade brasileira,
especificamente da nordestina”. Tal personagem povoa o imagirio social,
primordialmente agrário (mas não exclusivamente), sendo estampado nos cancioneiros, nos
romances, na história oral e em relatos jornalísticos. É a partir de tal atributo em particular e
145
da composição desse personagem que serão feitas algumas considerações relativas às
“falas” sobre Zito e sobre a violência potica.
É no campo político, entretanto, que se estabelecem as
maiores ambigüidades desta realidade na qual se insere a
Baixada. A trajetória potica de vários membros de
grupos de externio, eleitos a partir da notoriedade
adquirida enquanto matadores, nos dá toda a dimensão da
tragédia das milhares de pessoas cuja única referência de
segurança pública foi dada pela atuação dos esquadrões
da morte, pelo controle exercido recentemente por
traficantes e pela atuação comprometida do aparelho
judiciário que, em mais de 90% dos casos de homicídios
não consegue identificar a autoria dos crimes nem
constituir processo (Soares, 1996).
Se os problemas estruturais e o retorno à democracia são levantados como questões-chave
para se pensar a violência e o aumento da criminalidade no Brasil (Peralva, 2000), a
referência à “cultura nordestina” (p.12) é também acionada tanto nos discursos nativos
quanto em trabalhos acadêmicos — quando se trata da violência na Baixada
136
. A violência
do cangaço, dos coronéis, dos jagunços, dos grileiros, dos posseiros faz parte da história
local desde o século XIX
137
, pelo menos. Conforme tratado no primeiro catulo, a região
foi palco de diversos episódios de vioncia e esteve à mercê de sua própria sorte. O
descaso do poder público implicou na centralização do poder e da força nas mãos dos
poderosos locaisnesse caso, poticos e fazendeiros e, mais tarde, poticos, empresários
e policiais (Benevides, 1983; Grynszpan, 1990b; Alves, op. cit., Souza, 1997).
136
Sobre a relação entre uma “cultura nordestina” e práticas violentas, consultar Barreira (op.cit.) e Freitas
(2003), assim como os de Marques (1999) e Villela (1999). Já nos trabalhos relacionados à Baixada ver, por
exemplo, Beloch (1986).
137
Tais discursos remetem à dimensão dos valores sociais, tais como a masculinidade, a honra e a lealdade,
também abordados nos trabalhos de Peristiany (1971), Pitt-Rivers (1977), Peristiany e Pitt-Rivers (1992),
assim como Herzfeld (1988) sobre honra mediterrânea.
146
O trabalho de Barreira (op. cit.) consiste no estudo da pistolagem enquanto sistema,
enfatizando os pistoleiros — alguns deles tendo sido entrevistados, inclusive – bem como o
papel e o lugar dos mandantes, dos intermediários e dos discursos sobre as vítimas. O autor
preocupou-se em entender a articulação dos valores culturais por intermédio das narrativas
sobre o cotidiano do pistoleiro e das falas sobre a violência (legítima ou não; legal ou
ilegal). Ao desenvolver sua pesquisa, Barreira deparou-se com a notoriedade desse
femeno, não mais restrito ao universo rural, ao campo, mas presente também nas cidades,
onde a atuação de pistoleiros e os “crimes por encomenda” adquiriram formas mais
complexas e, como no caso estudado, passaram a ser encarados como “questão de
segurança pelo Estado”
138
.
O fenômeno da pistolagem é, atualmente, marcado pelos
aspectos urbanos, deixando de ser um fenômeno apenas
rural. A cidade deo Paulo tem uma média de 20
assassinatos por dia, sendo mais de 50% através de
“pistolagem”. As motos, os capacetes passam a fazer
parte dos crimes de aluguel, cometidos em movimentadas
vias públicas (Barreira, 1998:54).
O relatório da CPI corroborou as conclues de Barreira, apresentando um cenário
preocupante.
A impunidade é uma regra: das 1.646 pessoas
assassinadas no campo, apenas 22 casos foram a
julgamento. Existem localidades onde nenhum crime foi
apurado, sendo vários os casos de homicídios que sequer
deram origem a inquéritos policiais (Relatório final da
CPI, 1994: 63 apud Barreira, op. cit., p.54).
138
O autor analisa mais especificamente três situações: a primeira referente à campanha para acabar com a
pistolagem no estado do Ceará, promovida pelo governo local, através de sua Secretaria de Segurança
Pública, entre o fim de 1987 e o começo de 1988. A segunda, refere-se à criação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre Pistolagem, instaurada em 1992, a partir da iniciativa do deputado Edmundo
Galdino (PSDB/TO), no Congresso Nacional; e a terceira, trata das eleições municipais de 1996 em
Maracanaú, munipio do estado do Ceará, diretamente relacionada a crimes políticos.
147
A situação no estado do Rio de Janeiro e, particularmente, na Baixada Fluminense não é
diferente do quadro delineado acima. Segundo o relatório Impunidade na Baixada
Fluminense, desenvolvido em 2005 por diversas entidades e pesquisadores, a região
apresenta índices alarmantes de criminalidade
139
. Acontecimentos como a chacina de 31 de
março de 2005 refletem a dura realidade dos moradores da região. O Laboratório de
Análise da Violência da UERJ fez um levantamento dos índices de violência letal a partir
de dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça
e pelo DATASUS (certies de óbitos). Nessa análise, o estado do Rio de Janeiro aparece
em terceiro lugar em número de homicídios no Brasil, em 1998, e em quinto, em 2002. A
Baixada, no entanto, apresenta uma taxa de homicídios 21% superior a do município do Rio
de Janeiro e a do estado como um todo. Ainda de acordo com as conclues dos
pesquisadores, a despeito dos índices, o como distinguir os homicídios ligados a
grupos de extermínios, à violência policial ou a crimes políticos. Não obstante essa
indiscernibilidade, os crimes na Baixada estão presentes nas diversas narrativas sobre o
modus operandi da política local.
A ambigüidade da conceituação revela-se no processo contínuo que engendra sua
constituição por atores diversos. Não há unanimidade quanto ao tema da violência e do uso
privado/ particular da força/ coerçãosica. Os episódios violentos e crimes que
permaneceram impunes e estamparam os jornais cariocas e fluminenses — desde os mais
populares aos de circulação mais ampla — refletem esse cotidiano no qual proliferaram a
utilização da coerção física por particulares ou mesmo os crimes de vingança.
139
As instituições responsáveis pela elaboração de tal relatório foram: CESEC, FASE, JUSTIÇA GLOBAL,
Laboratório de Análise da Violência / UERJ, SOS QUEIMADOS e VIVA RIO.
148
No caso de Zito, em particular, a identidade nordestina, de “homem valente” —
constantemente acionada — e provavelmente seu histórico de inserção no “mundo policial”
— por ter integrado a Guarda Municipal — podem ter fornecido elementos para algumas
dessas construções narrativas
140
. Uma espécie de “cultura do medo” — como assinalou
Barreira (p.63), ao tratar da relação entre pistolagem e eleições — apontaria os policiais
como uma das categorias menos confiáveis no universo estudado pelo autor. De forma
análoga, na Baixada, tais atores também estão sujeitos à mesma classificação negativa. No
entanto, ao mesmo tempo em que tais associões relacionam-se a um certo imagirio do
medo, os crimes podem conferir fama e prestígio em um universo social marcado pela falta
de segurança pública e pela privatização da coerção (física e moral). Dessa forma, a
notoriedade desejada e necessária em determinados contextos (ser escolhido para um
“serviço” específico; ser considerado um “vingador” por certos grupos) pode transformar-
se em um predicado pouco interessante em outros (conseguir votos para além do seu
universo eleitoral de origem, por exemplo).
Eleito vereador com base na limpeza que realizou no
bairro onde morava, executandoo os possíveis
ladrões e bandidos como qualquer um que o
contestasse, assumiu a presidência da Câmara
Municipal. Tendo acesso às máquinas da prefeitura, em
troca do apoio e sustentação dados ao prefeito, ampliou
sua notória rede de clientelismo, realizando agora
obras públicas de impacto coletivo. Arrolado como réu
em um processo de homicídio doloso e após ter sido
preso duas vezes pelo Ministério Público, elegeu-se
deputado estadual, ganhando imunidade parlamentar
por quatro anos, neste absurdo da legislação brasileira
que, naquela época, garantia imunidade também para
crimes comuns. (Alves, 2005: 27).
140
Tais conexões, no entanto, são descartadas pela deputada Andréia Zito e pelo próprio Zito, alegando que
tais acusações foram forjadas por “inimigos políticos”, na tentativa de deter seu êxito eleitoral.
149
“A bandidagem daqui se encolhe com ele […] Mas é
assim mesmo: se fez, tem que paga(r)” (47 anos,
taxista, morador de Duque de Caxias).
De repente, acontece um crime de grande repercussão
na cidade. O assassinato do subsecretário municipal de
Serviços Públicos, Ary Vieira Martins, em 14 de agosto
de 1993, baleado na garagem da prefeitura. Era a
cartada que o grupo que tentava se perpetuar no
comando da cidade precisava para prejudicar o
femeno de votos da Baixada [referindo-se a Zito]”
(Gramado, op, cit., p. 150).
“E teve gente que achou bom [referindo-se à fama de
‘matador/justiceiro’]. Que achava que seria bom pro
lugar, pra defender as pessoas” (Andréia Zito,
26/04/2006).
A ambigüidade e a ambivalência são constitutivas das narrativas sobre a violência,
principalmente quando associada às práticas poticas. O agente de determinada ação ilegal
pode ser considerado “pistoleiro” ou “vingador”, implicando em um sistema classificatório
com remissão direta a valores e à sua hierarquização. Se ambos são criminosos sob o olhar
jurídico-legal, não o são necessariamente a partir das perspectivas dos diferentes grupos
atingidos por sua ação. A internalização de valores sobre a violência por determinados
estratos sociais implicará na maneira como esta é percebida e engendrada como aceitável
ou não; legítima ou ilegítima. Freitas (2003: p.89) já nos chamava a atenção para o fato de
que, a princípio, a violência seria sempre tomada como referência de negatividade por
aludir, normativamente ou não, à vida como valor universal (Arendt, 1989). Entretanto,
prossegue o autor, no plano da análise narrativa (em seu caso, referente ao universo do
trabalhador do mundo da cana), os fatos/casos e agentes, apesar de dispostos em uma
estrutura socialmente reconhecida, seriam representados de modos variados e, por vezes,
ambíguos.
150
Os crimes por vingança, passionais ou ligados à honra são diferentemente percebidos e
avaliados em relação aos crimes encomendados, ao crime profissional. O rol de valores
associados a um tipo ou outro reporta-nos a visões mais ou menos sedimentadas
socialmente que tanto podem implicar em manifestações de apoio, quando se trata de “lavar
a honra” ou de “pagar com a mesma moeda”, quanto resultar em atribuições de
crueldade” ou “ambição” quando envolvendo a dimensão do dinheiro e sua subordinação.
Sendo assim, os crimes políticos oscilariam entre a legitimidade ou não da ação,
indistintamente enquadrada como ilegal pelas esferas oficiais. Quaisquer que sejam os
argumentos e valores acionados a favor de determinada ação (por exemplo, um homicídio
de um rival potico), são desqualificados pelo Estado que se outorga o monopólio da força
física e da aplicação dos valores sociais vigentes por meio do Direito e da legislação.
Contudo, o recurso bastante comum à diabolização do outro — no caso, a tima
(Wieviorka, 1997) pode produzir a imagem desejada e ser acolhido por determinados
grupos ou segmentos, não somente legitimando a ação, como também sobre ela elaborando
algum consenso e justificação moral.
A Baixada Fluminense, assim como Duque de Caxias, sempre esteve envolta em histórias
de crimes e de violência (dos criminosos, mas também do poder público – via abandono
e/ou atuação dos policiais). Os processos de identificação geralmente remetem a tais
experiências, seja para afirmá-las ou negá-las, mas de todo modo tornando-as palpáveis.
Reais mesmo para quem não as vivenciou diretamente e que, ainda assim, acaba
construindo um mapa da região, da cidade, do seu bairro a partir das narrativas (endógenas
e exógenas) sobre a violência
141
.
141
Ver, Campos (1987), Velho (1987), Zaluar (1985, 1994), Soares (1996), Silva (1999), Peralva (2000).
151
A fala do crime (ou da violência), como ressalta Caldeira (2000), não marcaria apenas o
cotidiano das grandes cidades, mas reconfigura e re-semantiza o universo social mais
amplo. A re-siginificação do mundo a partir dos acontecimentos violentos é, para quem os
sofre — mas também para os demais — uma maneira de lidar com o corte, com a mudança
brusca na percepção da cidade e das relações sociais nela engendradas. Falar do crime é
uma maneira de se (re)colocar no mundo, assim como de entendê-lo a partir da ruptura
gerada pela experiência violenta. Nesse sentido, por intermédio das narrativas, a violência é
difundida, criada, apropriada e transformada.
Mais marcante (ou será presente?) em alguns momentos do que em outros, a violência deu
o tom dos mais diversos discursos sobre a Baixada e sua população, ainda hoje gozando da
infame reputação de “faroeste fluminense”.
Responsabiliza-se o poder público pela condição marginal da região, pelo abandono. A
falta de infra-estrutura, de aparatos coletivos e de segurança criariam as condições para que
a violência, nas suas formas mais diversas, proliferasse. Mas a potica, ou melhor, os
poticos conseguiram transformar tais carências em capital político que lhes rendeu votos;
muitos votos. Somente o recurso ao uso da violência não seria capaz de dar conta do
sucesso de alguns atores poticos e o fracasso de outros. Tampouco explica por que alguns
policiais ligados a grupos de externio conseguem eleger-se e outros não; ou por que
alguns deles utilizam de maneira mais recorrente a temática da violência/justiça, enquanto
outros preferem expor outros temas, levantar outras bandeiras.
Se, no caso de Zito, as acusações não foram levadas adiante — ou pelo silêncio como
tática de preservação da vida” (Freitas, op.cit.), ou por falta de provas materiaissua
apresentação de si foi igualmente deslocando o foco na vioncia e evidenciando seus
152
predicados comoum igual”, um “trabalhador como outro qualquer”. As carências e a falta
de infra-estrutura do bairro Dr. Laureano permitiram que Zito começasse a travar contatos
com políticos e funcionários da prefeitura e se constituísse como porta-voz e mediador das
reivindicações de sua vizinhança. Um dos primeiros contatos foi com o então vereador Dr
Heleno. A partir das relações que estabeleceu por meio das reivindicações de melhorias
para o bairro, Zito construiu o discurso sobre sua vocação potica e sobre o imperativo do
exercício desse papel. A estruturação de tal narrativa conferiu inteligibilidade às ações de
mediação com o poder público e seus agentes, ao mesmo tempo em que o autorizou a “falar
por seu bairro”.
Corroborando a informalidade da resolução de problemas como regra geral, Zito — assim
como anteriormente Joca, em Belford Roxo (Monteiro, 2001) — atualizará a relação entre
tais ações e as práticas políticas
142
. Em um primeiro momento destaca-se como líder
comunitário e só mais tarde torna-se um legítimo mediador político. A prinpio, Zito
guardaria algumas semelhanças com o que Monteiro (p.92) denominou líder marginal.
Como anteriormente abordado (capítulo 1), tal líder se destacaria em sua comunidade por
privilegiar a atuação em termos da resolão dos “problemas práticos”, diferenciando-se do
142
Jorge Júlio Costa dos Santos, o Joca — um dos principais nomes da política baixadense com quem Zito é,
por vezes, comparado — ingressou na vida pública, em 1982, como vereador em Nova Iguaçu. Teve
expressiva votação no distrito de Belford Roxo que, na época, ainda o havia sido emancipado. É
apresentado por Monteiro (op.cit.) como um líder marginal, ou seja, como alguém integrado à sua
comunidade e cuja existência só é possível frente à informalidade da resolução dos problemas locais. Nesse
sentido, é um agente dessa informalidade, mas também um facilitador, na medida em que é ele próprio quem
organiza e operacionaliza tal rede (idem, p.95). A ascensão política de Joca foi bastante rápida, assim como
seu fim. Exatos treze anos de vida pública. Joca foi vereador por Nova Iguaçu durante três mandatos
consecutivos — sempre por partidos diferentes (PMDB, PDT, PL) — e mantinha uma máquina
assistencialista que distribuía desde brinquedos a comida. Por fim, elegeu-se o primeiro prefeito de Belford
Roxo, em 1992, pelo PL, com mais de 80% dos votos, transformando-se numa espécie de herói local
142
.
Ligado a acusações de uso da violência e participação em grupos de extermínio (Sousa, 1997; Alves, op. cit.;
O Globo, 8/7/1992; Jornal do Brasil, 13/10/1992) ficou menos de três anos à frente da prefeitura. Sua
heroicização teve como desfecho seu assassinato, em 20 de junho de 1995. Houve grande comoção e
manifestações de tristeza e indignação por sua morte. A praça central de Belford Roxo foi tomada de gente e
seu enterro acompanhado por uma multidão de moradores.
153
líder assistencialista “que se aproximaria de uma determinada comunidade com a única e
exclusiva intenção de através da prestação de determinado serviço auferir benefícios
eleitorais”. Contudo, me parece complicado estabelecer uma separação estanque entre tais
classificações. Não obstante a percepção da experiência cotidiana do líder marginal, como
demarcar a intencionalidade de suas ações? Como determinar a priori se ele tem ou não
interesses político-eleitorais?
Grosso modo, para Monteiro (op. cit.), o agente assistencialista — ou “benfeitor” — parece
ser aquele que presta” um determinado serviço à população sem, no entanto, compartilhar
seus problemas. Seriam “geralmente profissionais liberais ou comerciantes que
disponibilizam parte de seu tempo, capital ou propriedades para ‘servir’ à comunidade em
épocas de campanha eleitoral” (idem). Não haveria, portanto, um cotidiano, não haveria
relações de vizinhança nem tampouco uma rede de resolução de problemas práticos
permanentemente implementada. Novamente, a idéia de um destino compartilhado, de uma
experiência comum é acionada, possibilitando-nos pensar tais atores enquanto[…]
individuals act in politics largely as members of groups” (Landé, 1977: 75)
143
.
O caso de Zito guarda algumas semelhanças com o de Joca: ambos são oriundos de
camadas populares, empreendedores — selfmade men — envolvidos em acusações de
pertencimento (ou contato com) grupos de externio, tendo ingressado no mundo da
potica inicialmente com ações comunitárias, depois como vereadores e finalmente como
143
Nesse sentido, adoto o conceito de grupo enquanto “a set of individuals who share an attitude. They act
together because they perceive that by doing so they are most likely to attain objectives consistent with the
attitude which they share, and thus to gain similar individuals rewards. Groups often […] consist of persons
whose common attitude stems from the fact that they have some similar 'background' characteristic such as
sex, age, religion, occupation or social class” (Landé, 1977:76).
154
prefeitos
144
. O fato de ser um comerciante/empresário local não desvinculou Zito de uma
experiência comum e tampouco de sua vizinhança. Suas ações implicavam a resolução dos
problemas práticos em seu bairro e, em alguma medida, nas adjacências, obtida por
intermédio dos contatos com o poder público e seus agentes. Deste modo, a atuação a partir
da rede de resolução de problemas práticos não pode ser pensada apartada das demais
relações sociais, estando estas comprometidas ou não com atores poticos
145
. O fim
exclusivamente eleitoral, sublinhado por Monteiro (op.cit.), pode ser mensurado após a
sua explicitação e, portanto, sua percepção a partir de discursos diversos: o do interesse
pessoal e, nesse caso, o uso deliberado da condição de der local” ou, ainda, a velha
conhecida alegação de “chamado do povo” ou “a pedido dos amigos” e assim por diante.
Qualquer que seja a justificativa adotada, a relação entre a vivência de problemas, suas
soluções e a intencionalidade da ação nos possibilitará refletir sobre a atuação política
desses atores (líderes marginais ou não) em relação a um espaço físico específico (ao
menos em um primeiro momento, ligado às relações de vizinhaa e à rede de resolução
dos problemas práticos)
146
.
Surge o Político Zito
Meu sonho era chegar a ser prefeito em minha cidade
144
Sobre grupos de extermínio, ver a dissertação de mestrado de Josinaldo Aleixo de Souza (1997), intitulada
“Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense” (UFRJ).
145
Por outro lado, creio que o conceito em queso vincula-se à especificidade dos municípios recém-
emancipados, nos quais se destaca o papel dos líderes comunitários e das expectativas das populações locais
quanto à continuidade do “trabalho” por estes desempenhados como líderes marginais — agora, como agentes
políticos. Sobre essa questão, ver capítulo 2, item 1.1 A municipalização de distritos baixadenses.
146
Apesar das semelhanças anteriormente apontadas, há também diferenças significativas entre Zito e Joca.
Este último governou um município recém-emancipado, com carências de todos os tipos, o que implicou uma
condução ainda mais personalista da administração e a resolução dos problemas nos moldes adotados em sua
época de vereador. A cooptação de vereadores —convertidos em clientes e de empresas locais
operacionalizaram o exercício de seu mandato através de uma espécie de repartição/ divisão das áreas da
cidade entre estas duas categorias, possibilitando assim que serviços básicos como a coleta de lixo, por
exemplo, fossem finalmente disponibilizados para a população local (Monteiro, 2001).
155
Zito, em 26/04/2006
Quando analisamos o surgimento de Zito como ator político
147
, uma geografia política
evidencia-se imediatamente. A construção de um lugar para si dentro do bairro e, com isso,
a obtenção do reconhecimento de sua capacidade em “resolver problemas” e de lidar com
poticos foi o ponto de partida para sua transformação de liderança comunitária a candidato
“ideal”. A própria noção de “ideal” já nos remeteria à percepção da entrada na arena
eleitoral como involuntária, dada pela vocação (Kuschnir, op. cit.). Aqui, novamente, o
cálculo egoísta” é minimizado (Bourdieu, op. cit.), exaltando-se o engajamento como
comprometimento desinteressado.
Em 1988, a convite do então deputado federal e candidato à prefeitura de Duque de Caxias ,
Messias Soares, Zito candidatou-se a vereador pelo PTR (Partido Trabalhista Republicano),
sendo eleito com 1.770 votos. Sua campanha direcionou-se ao bairro de sua residência e
áreas adjacentes, contando com o apoio de familiares e vizinhos. Começava assim a vida
potica de Zito, e sua escalada rumo ao poder regional.
Eu, que não era filiado a nenhum partido, que não
gostava de política, me filiei e me candidatei a vereador.
[…] Eu entrei para a vida pública em 1988 — candidato a
vereador — na vontade de fazer alguma coisa pras
comunidades nos bairros onde eu tinha uma certa
credibilidade potica, eleitoral. E tive uma sorte imensa
de ser eleito […]”.
147
É importante destacar que muitos trabalhos sobre trajetórias políticas e eleições de modo geral marcam a
pertinência do conceito de geografia eleitoral para a compreensão da atuação de políticos e cabos eleitorais.
A trajetória de Zito corrobora este modelo não apenas no que tange seu aparecimento como personagem
político mas, como demonstraremos aqui, no próprio desenrolar de sua carreira. Ver, a este respeito, os
trabalhos de na coletânea organizada por Palmeira e Goldman (1996), Chaves (1996), Kuschnir (1993 e
2000), Lopez (2001), Borges (2003), entre outros.
156
A entrada na arena potica municipal não foi fácil. Seus pares não o receberam de braços
abertos. Zito não tinha qualquer intimidade com a rotina da Câmara e desconhecia o
habitus político. Sua apresentação, tanto quanto seu “estilo”, colocavam-no à margem,
distanciado dos demais parlamentares. Era chamado de “peão” — segundo ele mesmo
contou a Gramado (op. cit.) — por “estar sempre sujo de lama”. Sua proximidade com o
eleitor pobre incomodava duplamente. Primeiro, porque configurava uma ameaça no
momento de disputar os votos, em eleições futuras. Segundo, porque aquela forma de
apresentar-se “simplesmente vestido”, “como um qualquer”, “desarrumado” diluía a
fronteira entre o mundo ao qual ele pertencia anteriormente — como um “morador comum”
da cidade — e seu novo status, de homemblico, de vereador.
A importância da apresentação de si e da performance dos atores sociais (Goffman, 1975)
nos remete à relação entre identidade, relações sociais e autoconstrução de imagens. Nesse
sentido, a apresentação de si demarca de maneira mais imediatamente visível fronteiras
simbólicas — no caso, entre o morador pobre e o político profissional — forjando
distinções, da mesma forma em que pode, em determinadas circunstâncias e lugares,
expressar a hierarquia como valor social. É interessante perceber que distinguir-se do
eleitor-morador é também condição para o reconhecimento do potico enquanto tal. A
afirmação recorrente de alguns moradores referindo-se a poticos/ candidatos: “ele é como
a gente” ou, ainda, “ele é um de s” não contradiz a percepção do político como alguém
especial. A suposta igualdade anteriormente mencionada refere-se muito mais ao
reconhecimento de possíveis laços identitários e/ ou de relações específicas do que à
persona política em si.
157
As mudanças na vida de Zito não foram ocasionadas somente por seu ingresso na vida
pública. No ano de 1988, em seu primeiro mandato como vereador, conheceu Narriman
Felicidade em uma festa, por intermédio de um amigo casado com a irmã dela. Narriman,
na época, com 33 anos, era formada em engenharia e cursava pós-graduação na Fundação
Osvaldo Cruz. Sua família residia em Bangu, bairro da Zona Oeste carioca. De acordo com
a biografia de Zito, houve a princípio alguma resistência ao relacionamento, colocada em
termos da diferença social entre os dois – ela, pós-graduanda e ele, que mal havia
estudado”; ela moradora do Rio (ainda que do subúrbio carioca) e ele, da Baixada
148
. A
diferença social entre as famílias expressa-se na narrativa de Gramado quando o autor
menciona a surpresa (“susto”) de Narriman ao conhecer o lugar onde os Camilo dos Santos
residiam. Segundo o depoimento de Zito ao jornalista (p.143), “ela ficou horrorizada
quando foi à minha casa. Achou o bairro uma tragédia, sujo, com ruas de barro e barracos
amontoados, tudo feio. Disse que ali não moraria de jeito nenhum. Eu falei que era melhor
só ficarmos namorando, então, porque dali não sairia”. A partir desta conversa, Narriman
voltaria atrás em sua posição e a ênfase do relato biográfico recai sobre o engajamento/
identidade de Zito com o lugar de moradia e sua população. À companheira, que mais tarde
será bem mais do que uma aliada potica, é atribuído um lugar de destaque na biografia —
exaltando-se sua escolaridade, sua formação, “com pós-graduação” — que coincide com a
ascensão política de Zito.
148
A alusão à resistência da família de Narriman ao namoro reflete a hierarquia de cidades e bairros existente
no mapa social e a própria flexibilidade da atribuição valorativa a lugares. Neste caso, para o morador da
cidade do Rio de Janeiro, a Baixada Fluminense aparece como um lugar violento, distante, perigoso. Por
outro lado, para o morador da Baixada, suas cidades o melhores do que alguns bairros cariocas,
principalmente quando a comparação se dá com favelas ou bairros do subúrbio carioca. Assim, a
contextualização de tais classificações permite evidenciar o lugar de onde se fala, para quem se fala e o que se
pretende demarcar com tal “fala”. Esta é aqui pensada como uma ordem instauradora do real, como potência
virtual. Sobre as imagens do surbio carioca e as identidades a elas relacionadas, ver, por exemplo, Heilborn
(1984) e Kuschnir (2000[1998]).
158
Seu projeto político delineia-se mais claramente a partir de 1990, com o ingresso no PTB e
a candidatura para a ALERJ. Na ocasião, já casado com Narriman, Zito havia conquistado
seu eleitorado valendo-se da imagem de “homem de ação” (relacionada à violência, à
“limpeza do bairro”, ou não) e costurado algumas alianças locais. Na disputa por uma vaga
na ALERJ, mesmo tendo obtido 11.300 votos (TRE/RJ), não conseguiu ser eleito, ficando
com a primeira suplência
149
.
Na eleição municipal de 1992, já pelo PSB, foi o vereador mais votado da Baixada
Fluminense, com 7.100 votos — e Moacyr do Carmo (PFL) voltava novamente ao
executivo de Duque de Caxias. Se a votação demonstrava o prestígio de Zito (relacionado
ou não à questão da violência), ele não era suficiente para garantir-lhe a condição de
mediador político. A inexperiência em lidar com seus pares e as desavenças com o
deputado caxiense Alexandre Cardoso, um dos nomes em evidência no cenário estadual
e o responsável pelo convite para que Zito ingressasse no partido — o levou a deixá-lo .
[…] Zito resolveu correr por conta própria. Arranhou
o presgio negociando apoio sem ouvir os líderes do
partido. Um dos que estavam observando-o era o
Alexandre Cardoso. Independente desse controle, Zito
decidiu apoiar Moacyr do Carmo. Numa reunião entre
os dois, acompanhada por Lacerda, ficou determinado
que ficaria com a Secretaria de Obras. [citando Zito]:
‘Por quê? Porque queria trabalhar. Se a tivesse nas
mãos naquela época, já teria promovido uma verdadeira
modificação no município. Nem exigi que me dessem o
secretário, que seria um nome deles mesmo. Mas o
restante dos cargos seriam [sic] meus. O que acabou
não acontecendo, já que tive que sair do PSB porque o
Alexandre Cardoso não aceitou o que eu fiz. Fiquei sem
nada’” (Gramado, op. cit, p.148).
149
Sobre o PTB, ver Ângela de Castro Gomes (1988).
159
Ainda em 1992, Zito teve a oportunidade de assumir a vaga na ALERJ e ficou seduzido
pela idéia. “Aquilo era um verdadeiro mundo para mim, fiquei alucinado vendo o palco de
importantes decisões de todo um estado, os carros dos parlamentares. Mas não deixei o
poder me subir à cabeça” (idem, p.149). Optou, no entanto, por continuar seu mandato e
posteriormente conquistar a presincia da Câmara Municipal.
No biênio 1992-1993, enquanto era Presidente da Câmara Municipal de Duque de Caxias,
Zito foi acusado pela morte de Ary Vieira Martins. Segundo depoimentos divulgados por
jornais, as desavenças entre ele e o subsecretário de Serviços Públicos da Prefeitura de
Caxias em torno de obras, materiais e equipamentos teriam motivado o crime. De acordo
com Gramado (op. cit.), a acusação não passava de uma armação de inimigos poticos,
enfurecidos com seu sucesso eleitoral e com a promessa potica que representava. Assim,
os desafetos teriam se aproveitado de um assassinato — mesmo o mandante e o assassino
sendo réus confessos — para imputar a Zito a responsabilidade pelo ocorrido e “sujar” o
seu nome. Na ocasião, ele chegou a ser acusado e teve até mesmo a prisão preventiva
decretada
150
. Diferentes discursos e veres foram construídos a respeito do episódio,
alguns o incriminando, outros, o defendendo. A sua própria versão é reproduzida abaixo,
assim como de importantes jornais da época:
[…] A maquiavélica engrenagem foi colocada em
movimento e o passo seguinte foi mais covarde [] A
prisão foi decretada, em 25 de agosto de 1993, com base
150
Grande destaque é atribuído ao fato de que, nessa mesma noite, sua esposa, Narriman Felicidade, teria se
convertido ao protestantismo. O contato com o mundo evangélico seria anterior, a fim de buscar “equilíbrio
— na época em que seu marido já estava no segundo mandato como vereador. Dr. Heleno e sua família são
mencionados em tal passagem, já que teriam sido eles os responsáveis por levar membros da Assembléia de
Deus à casa da família, na noite da prisão de Zito. Marca-se assim, com um acontecimento dramático, a
convero de Narriman. Zito, por sua vez, se auto-classifica como cristão sem, no entanto, vincular-se a
nenhuma uma religo em especial. Afirma que sua esposa e filha são evangélicas — Andréia pertencendo à
Igreja Maranata.
160
numa suposta ameaça de morte sofrida, indiretamente,
por Sadarx [filho da vítima].
[…] Ao chegar à Câmara, Anilton [advogado de Zito]
notou a presença de rios policiais em torno do prédio.
Quatro deles cercavam Zito no interior do gabinete. Um
dos policiais, após perguntar a Anilton se ele era o
advogado de Zito, colocou sobre a mesa o mandado de
prisão temporária. ‘Logo verifiquei que não constava[m]
números de processo ou de inquérito, dados referentes ao
tombamento dos autos, entre outros. Quer dizer, tinha
alguma coisa diferente por ali’, lembra Anilton”(ibidem,
pp. 151-152)
151
.
O Presidente da Câmara de Vereadores de Duque de
Caxias, José Camilo Zito dos Santos Filho, foi preso no
início da noite de ontem sob a acusação de estar
ameaçando de morte a principal testemunha de um
homicídio encomendado por ele. A prisão temporária de
Zito, com prazo de cinco dias, foi pedida pela promotora
Tânia Moreira Salles. Ele foi levado para a 59ª. DP
(Caxias), onde está numa cela comum, pom individual.
(Jornal O Globo, 26/11/1993)
O juiz da 4ª. Vara Criminal de Duque de Caxias, Caio
Ítalo, decidirá, segunda-feira, se renova ou não a prisão
temporária do presidente da Câmara de Vereadores do
munipio, José Camilo dos Santos, o Zito (PSDB), preso
desde quita-feira na 59ª. DP [...] Para o delegado, o
principal motivo do assassinato do subsecretário – que
consta do inquérito – foi a potica de moralização
adotada por ele na administração da garagem municipal.
Ari criou o projeto Mãos Limpas do munipio e afastou
20 pessoas acusadas de desviar combustíveis e peças de
carros de garagem. (Jornal do Brasil, 27/11/1993)
Apresentando o “caso” como uma “armação” dos adversários poticos, Zito conseguiu
habeas-corpus e foi solto no dia seguinte. Começava ali a polêmica com a promotora Tânia
151
Tal episódio é extremamente marcante (e controverso) na trajetória de Zito. De modo distinto ao que é
relatado na biografia de seu pai, Andréia Zito afirmou em entrevista que, na época, “a viúva mesmo declarou
que meu pai era inocente e que ela sabia quem era o mandante. Só que não podia falar nada porque estava
ameaçada de morte, com medo, é claro. O filho e a própria viúva tinham certeza que não era meu pai
(26/04/2006).
161
Maria, noticiada nas páginas dos jornais e abordada na tese de doutoramento de Alves
(op.cit.).
A seguir, um encontro marcante resultaria em uma nova troca de partido e em uma aliança
que se mostraria decisiva ao longo de toda a trajetória de Zito. Em 1993, como presidente
da Câmara dos Vereadores, conheceu Marcello Alencar. “Achei ele um potico diferente
de todos que eu já tinha conhecido. Getúlio Gonçalves, Alexandre Cardoso, Hydekel,
Lacerda, Messias Soares e, aí, eu fui para o PSDB junto com o Marcello.” (Zito,
26/04/2006).
Em 1994, já pelo PSDB, teve novamente a prisão decretada, agora pelo juiz Cairo França
Davi, do Tribunal do Júri de Duque de Caxias. O vereador e, agora candidato a deputado
estadual, foi detido no dia 9 de setembro, no Aeroporto Internacional, enquanto aguardava
a chegada do candidato de seu partido à Presidência da República, Fernando Henrique
Cardoso e levado ao Ponto Zero em Benfica
152
. No entanto, — e ainda sob a acusação de
homicídio — foi eleito deputado estadual, com 34.373 votos (sendo 30.484 somente em
Duque de Caxias), ficando entre os dez mais votados para a ALERJ
153
. Em 7 de dezembro
de 1994 conseguiu novo habeas corpus concedido pelo desembargador Décioes e em
15 de dezembro foi diplomado deputado estadual
154
. Em 1995, Zito estava à frente da
Comissão de Orçamento da ALERJ e era novamente denunciado, agora através do
procurador-geral Hamilton Carvalhinho. Os jornais cariocas apresentavam as acusações e a
152
Jornal do Brasil, 13/09/1994. O jornal O Globo, 14/09/1993 também deu destaque à prisão e à concessão
do habeas corpus pelo desembargador Mário Magalhães que, no entanto, voltou atrás em sua decisão e
juntamente com outros desembargadores cassou a liminar. Zito, no entanto, não ficou preso.
153
Sobre a relação entre política e violência, ver Soares (1996) e seus desdobramentos para a Baixada
Fluminense em Benevides (1983) e Souza (1999 e 2000).
154
A diplomação, com ênfase na acusação de homicídio, foi noticiada pelos jornais O Globo e Jornal do
Brasil de 16/12/1994.
162
reabertura do processo contra Zito que poderia ser cassado, chamando atenção ao fato que
talvez o sonho do deputado de concorrer à prefeitura de Caxias estivesse arruinado
155
.
Na década de 1990, as emancipações de Belford Roxo, Japeri e Mesquita descortinaram
novos arranjos poticos. Nomes como os de Joca — que, apesar de curta vida pública é
lembrado como um dos principais poticos da Baixada — ou da família Paixão
conquistaram significativo espaço na vida política local. Desse modo, na eleição de 1996,
o capital simbólico acumulado por Joca — já falecido — ainda garantiu a eleição de sua
viúva que, com o slogam “Maria Lúcia é Joca”, conseguiu 90.383 votos contra 31.920 do
segundo colocado, o deputado estadual pelo PSDB, José Renato de Jesus — mesmo
amparado em um sistema de distribuição de sacolões e perpetuando no poder a rede
potica ligada a Bornier
156
.
Zito, por sua vez, sob novas dencias que ligavam seu nome a mais três assassinatos,
fazia articulações para o pleito municipal mesmo antes de 1996
157
. A intenção de disputar o
cargo de prefeito não se concretizaria sem alianças importantes. Washington Reis (na época
filiado ao PSC e deputado estadual como Zito) foi consultado sobre uma possível
coligação e sobre a viabilidade de lançar seu nome como vice na chapa encabeçada pelo
PSDB.
Ele também tinha as pretensões poticas dele, e a
pretensão de ser prefeito. E eu disse a ele que se
155
Jornal do Brasil 08 e 12/09/1995, O Dia, 20/09/1995.
156
Outro nome que remete à vinculação entre violência e política é o do advogado criminalista Carlos
Moraes. Eleito prefeito de Japeri, em 2000, pelo PDT, esteve envolvido em diversos episódios de conflito e,
até mesmo, de agressões físicas. Acusado de ligações com “bandidos” e de fazer ameaças de morte a seus
adversários, tentou a reeleição (PSC), mas foi derrotado pelo pastor Bruno (PSDB), por 22.824 votos contra
21.097.
157
Em outubro de 1995, outra denúncia rondava Zito. Dessa vez, de envolvimento em mais três assassinatos
publicada pelo jornal O Dia de 03 de outubro de 1995. Em outra maria, com o mesmo conteúdo, o jornal em
17 de janeiro de 1996 dava voz a Sidney Tavares, guarda-municipal e principal testemunha de acusação no
inquérito sobre a morte de Ary Vieira, que declarou que Zito também era o mandante do assassinato de um
jovem de 14 anos e de um feirante de 35 anos em 1988 e 1989, respectivamente.
163
viéssemos nós dois candidatos, nós perderíamos a eleição
e novamente o Hydekel venceria, ele ganharia. E que nós
fizéssemos uma dupla que seria quase imbatível porque o
que faltava pra eu ganhar as eleições era o apoio dele […]
Ele aceitou ser o meu vice, até porque ele era muito
jovem e o desejo dele era ser o prefeito de Caxias. E ele
foi o meu vice e ganhamos as eleições”(Zito,
26/04/2006).
Foi a partir deste momento que Zito ganhou visibilidade na grande dia. Ainda nessas
eleições, ele — no PSDB — conseguiu eleger-se para o primeiro mandato em um cargo
executivo, tornando-se prefeito de Duque de Caxias em um pleito disputadíssimo com o
ex-prefeito e ex-senador, Hydekel de Freitas. No primeiro turno, Hydekel (PPB), com
114.866 votos, estava tecnicamente empatado com Zito, que obteve 114.302 votos. As
alianças no segundo turno possibilitaram uma reviravolta e a eleição deste último com
195.778 votos, contra 142.309 do adversário. Atribuindo esta vitória à “credibilidade que
o povo deu a um homem que veio das bases, de origem humilde e ao cansaço e à perda de
esperança nos poticos que por Duque de Caxias passaram” (idem), Zito entrava para a
história potica de Caxias.
Em 1996, eu me candidatei para prefeito, venci as
eleições e comecei um trabalho muito sério, com a
intenção enorme e a vontade de fazer da minha cidade
uma cidade diferenciada. Até então era vista como a
cidade do bangue-bangue, a cidade do mal, a cidade da
sujeira, dos poticos sem credibilidade, dos coronéis, dos
doutores. Na potica, eu que vim das bases humildes,
tinha a chance de mostrar o outro lado de uma potica
mais direcionada ao trabalhador” (Zito, ibidem).
No último round da briga entre o governador Marcello
Alencar e o prefeito César Maia na Baixada Fluminense,
os dois ganharam – e perderam. Em Duque de Caxias,
venceu o deputado estadual José Camilo Zito dos Santos.
O tucano virou o jogo no segundo turno e derrotou io ex-
prefeito Hydekel de Freitas (PPB) [...] César Maia saiu
vitorioso emo João de Meriti, onde o deputado
estadual Antônio de Carvalho (PFL), que também ficou
164
em segundo lugar no primeiro turno, venceu o deputado
federal Candinho Mattos, do PSDB. (Jornal do Brasil,
16/11/1996)
Durante o primeiro mandato, Zito promoveu uma administração de muitas obras. Calçando
ruas, construindo e reformando escolas, postos de saúde, praças etc., ele se fez notar
158
. A
construção de um aparato assistencial municipal para a população caxiense, incluindo
projetos diversificados — como o para a terceira idade, por exemplo — fazia com que sua
gente o visse como um benfeitor (Chaves, 1996) que legitimava o atendimento sob a
rubrica de “ação pública”, colocando-se, assim, como provedor ou doador
desinteressado
159
. Tais iniciativas possibilitaram a arregimentação de um séquito de
vereadores, sua administração caracterizando-se pelo clientelismo interno à Câmara
Municipal — de maneira similar ao analisado por Lopez (2001) em seu trabalho sobre
Araruama. Como ressalta este autor, o vereador é percebido como alguém que tem como
obrigação servir à população e, nesse sentido, a categoria trabalho passa a ser evocada
como sinônimo de serviço de assistência, como trabalho assistencial. É comum escutarmos
frases como “Fulano sempre trabalhou pra comunidade” ou ainda “Ele faz um trabalho
muito bom aqui no bairro”. Tais afirmações nos levam de encontro à própria lógica em
jogo. Kuschnir (2000) já nos havia alertado para tal percepção acerca do papel do vereador.
No caso por ela estudado, era justamente dessa forma que a vereadora de Roseiral concebia
sua atuação política. O atendimento era uma obrigação, um dever que, se por um lado
implicava em “amarrar” o eleitor e garantir ao vereador seu lugar no mundo da potica, por
outro também remetia à própria construção de identidade no interior deste universo. Assim,
158
De acordo com dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Comunicação e Promoção de Duque de
Caxias, nesta administração teriam sido pavimentadas três mil ruas na localidade, além da extensão do serviço
de coleta de lixo, da drenagem de rios, da instalação de nova iluminação (a vapor de sódio), do passe livre
para estudantes da rede pública e do aumento do salário do professor em início de carreira para R$1.000,69.
159
Idem, p.135.
165
a lógica dadiva (idem) pode ser estendida para outros cenários pesquisados como Buritis
(Chaves, op. cit.), Araruama (Lopez, op. cit.), Recanto das Emas (Borges, op. cit.) ou, no
caso desta tese, a Baixada Fluminense.
À frente da Secretaria de Meio Ambiente, Zito colocou sua esposa, Narriman, que ganhou
visibilidade por intermédio das polêmicas em torno do aterro sanitário de Gramacho. Nesse
meio tempo, Andréia trabalhava diretamente com o pai na Secretaria de Governo e, como
ela própria ressalta, “não era uma função potica, era mais administrativa, interna”.
A alocação de parentes em cargos “de confiança” é uma prática antiga e recorrente em
nosso país que, para além de explicitar o nepotismo, traz à tona a dimensão da obrigação
social (Queiroz, 1976), segundo a qual trata-se de um dever para com a família e a forma
mais eficaz de impedir que tais cargos sejam ocupados por outros grupos poticos
formados no momento da eleição — mas que, na realidade, continuam a disputar acessos
fundamentais para manterem-se na arena potica
160
. No caso de Narriman, sua nomeação
tinha dupla justificativa, segundo a lógica em questão: ela era a esposa do prefeito
portanto, alguém de extrema confiança — e, por outro lado, possuía habilitação técnica,
sendo pós-graduada pela Fundação Osvaldo Cruz. Era dessa forma que Zito costumava
justificar sua escolha para quem o acusasse de nepotismo, ao mesmo tempo em que
garantia uma importante secretaria a um aliado.
A visibilidade na Secretaria de Meio Ambiente rendeu a Narriman o capital potico
necessário para que pudesse compor, em 1998, a chapa como vice-governadora ao lado de
Luiz Paulo Corrêa da Rocha pelo PSDB — obtendo o terceiro lugar em votos (110 mil só
em Duque de Caxias).
160
Ver, a este respeito, Bezerra (1995), Kuschnir (op.cit.) e Lopez (op.cit.).
166
“Aqui, a gente pode falar que tinha Caxias antes e depois
do Zito. Ele mudou a cara da cidade. Isso não dá pra
negar” (Entrevista com Sr. C., 64 anos, morador de
Duque de Caxias apud Barreto, 2004: 54-55).
Segundo todas as evidências, [Zito] está fazendo uma boa
administração. As vagas nas escolas públicas subiram
35% e os professores ganham R$ 700 mensais. Ele se dá
ao luxo de realizar sonhos acalentados na infância de
menino pobre. Comprou, por exemplo, três ônibus com
ar-condicionado e videocassete para levar os alunos da
rede pública a pontos turísticos como o Pão de Açúcar e o
Corcovado no Rio. "Não conhecem o mar", justifica. Zito
gosta de lembrar que se elegeu prefeito contra "a
oligarquia que mandava em Caxias há 30 anos e que tinha
o apoio de Cesar Maia, Garotinho e até do Paulo Maluf".
Ninguém ousou discordar. Afinal, Zito é o Rei da
Baixada. ‘O povo diz que sou um mito, mas o poder não
me subiu à cabeça’, jura. (Revista Isto É, Especial Eleição
98, 14/10/1998).
Ainda naquelas eleições, Zito faria um de seus maiores inimigos poticos, o então
candidato ao governo do estado, Anthony Garotinho (PDT)
161
. Durante a campanha para o
segundo turno, César Maia (PFL) e Garotinho disputavam o apoio do prefeito de Caxias
que já gozava de prestígio — tendo conseguido eleger a filha, Andréia Zito, de 24 anos
(pelo PSDB), com quase 60 mil votos. O prefeito caxiense aproveitou a oportunidade para
demonstrar seu peso político e atrair a imprensa.
“César Maia e Garotinho estão me procurando por causa
de minha performance nestas eleições. O Luiz Paulo
(Corrêa da Rocha) teve em Caxias uma de suas melhores
votações. Eu transfiro votos por isso querem meu apoio”,
161
Ressalto que as classificações operadas para (e pelos) os atores políticos são bastante dinâmicas. Nesse
sentido, Garotinho ser aqui tomado como inimigo não impede que em outros contextos as alianças possam vir
a constituir-se. Sinalizo aqui a constituição de grupos e de redes políticas que, no entanto, se fazem e
desfazem com relativa rapidez. Como me disse em entrevista, o ex-deputado federal cassado, Fábio
Raunheitti, falecido em dezembro de 2005, “na política, a gente o tem amigos nem inimigos; tem
interesses”.
167
diz, sem modéstia, o prefeito [Zito]. (Jornal do Brasil,
Perfil, 07/10/1998)
Em uma situação, no nimo, inusitada, colocou os dois candidatos frente a frente, em um
debate promovido em Duque de Caxias para uma platéia por ele escolhida — e
denominada, pela Revista Isto É (14/10/1998), “Movimento Popular da Zitolândia”. Entre
promessas de ajuda potica e juras de fidelidade a Zito, os candidatos passaram por uma
espécie de sabatina pelos presentes no auditório. Zito decidiu-se então pelo apoio a César
Maia que acabou perdendo a eleição — e, desde então, a relação com Garotinho é
extremamente complicada.
Em seu primeiro mandato como deputada, Andréia retomou a atividade desenvolvida pelo
pai durante a atuação como vereador, reocupando o QG do bairro Dr. Laureano. Em um
espaço no terreno da própria casa, Zito costumava oferecer atendimento à população. O QG
de trabalho
162
— como preferem chamar — teria sido uma exigência da população,
desativado assim que Zito ganhou o primeiro mandato executivo. Apesar de seu discurso
durante nossa entrevista ter sido pautado na crítica ao assistencialismo difundido, de modo
geral, em todo o território nacional e não apenas na Baixada — e apesar de ter direcionado,
em vários momentos, suas cticas ao ex-governador do Rio, Anthony Garotinho — quando
perguntado a respeito de sua própria utilização desta prática potica, a resposta que deu
contradiz o depoimento dado por sua filha. Zito afirma não mais possuir qualquer centro de
assistência e que o QG que mantinha, há muito havia sido desativado. Andréia, por sua vez,
162
Para Zito, o QG de trabalho é um “ponto de referência”, ou seja, a representação máxima da
territorialidade do voto, de sua base eleitoral — que, em seu caso, concentrava-se no bairro Dr. Laureano.
Ainda segundo ele, depois de ser eleito deputado — e, mais tarde, prefeito — não havia mais sentido em sua
manutenção pois, a partir daí, a política a ser desenvolvida não seria estritamente “local”, e sim “mais ampla,
geral, pra população como um todo”. Há portanto em sua fala uma diferenciação marcante entre o fazer
político do vereador (local e de assistência) e, de outro lado, o do deputado e o do prefeito (mais geral).
168
menciona ter sido procurada pela população do município, solicitando a reabertura de tal
centro.
Eu tive um QG de trabalho
. [ênfase dada pelo
entrevistado]. Funcionava com o trabalho de médicos do
município. Eu era vereador, eu cedia. Trabalhava como
ponto de refencia enquanto eu era político-vereador;
depois deputado, prefeito, não tem porquê mais” (Zito,
26/04/2006).
Eu não acho certo isso. Essa coisa de assistencialismo.
Meu pai tinha o QG quando era vereador, mas depois
parou. Depois que eu fui eleita, as pessoas vieram me
procurar e solicitaram que eu reabrisse. Eu não tinha como
negar. Então nós voltamos a atender a população, ali, da
Dr. Laureano. Mas é esse.s não temos centros
assistenciais porque não acreditamos nesse tipo de potica”
(Andréia Zito, 26/04/2006).
“Agora, a gente tem lá um cinema comunitário. Vo
precisa ver a felicidade deles. Aqueles olhinhos brilhando
de frente pra tela. Na Baixada, você sabe, a gente não tem
atividades culturais, a gente não tem opção. Então essa é
uma opção pra eles. Tem gente que nunca foi ao cinema na
vida” (idem).
“Os pobres, os trabalhadores, esses são vítimas dos
poticos profissionais. Esses poticos não trabalham.
Talvez pra eles seja muito mais fácil não lutar pela escola
pública de qualidade, pelo ensino profissionalizante, pela
universidade pública [...] pra ele, talvez seja mais fácil
concentrar força no dinheiro — não sei se legal ou ilegal,
não posso aqui avaliar — e fazer centros sociais pra atender
a uma população aqui, ali, acolá, porque o pobre quer
comida, quer assistencialismo de qualquer jeito […] O cara
fala: ‘Mas você, Zito, é contra o restaurante popular a
R$1,00’. Eu não sou contra. Tem que ajudar o pobre, o
necessitado, mas tem que fazer com que ele cresça. Não
pode incentivar a ele que aquilo ali é bom. Aquilo é um
sustento naquele momento, mas que é muito melhor ele
estudar, trabalhar […] Eu sou contra essa coisa de
assistencialismo, essa política vergonhosa, barata […]
Grande parte dos políticos não quer acabar com a pobreza,
porque senão acaba com os currais eleitorais que eles têm
169
como o senhor daquele campo eleitoral que ele domina”
163
(Zito, 26/04/2006).
No ano seguinte, em novembro de 1999, o nome de Zito foi novamente associado à
violência. Naquele ano, foi instaurada na ALERJ, uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI), que tinha como finalidade apurar algumas denúncias sobre a rede de narcotráfico
que atuaria no Rio de Janeiro e a relação de seus membros com alguns agentes poticos.
Sendo assim, foram realizadas algumas diligências em lugares apontados pelas denúncias
entre novembro de 1999 e junho de 2000 quando, por fim, os sub-relatores — deputados
Laura Carneiro, Paulo Baltazar e Wanderley Martins — deram por concluído o
inquérito
164
. Após terem sido apuradas as denúncias do advogado Edson Lourival dos
Santos contra Zito (de que fazia parte de um grupo de extermínio na Baixada Fluminense e
de que teria recebido ajuda do narcotraficante Niltinho do Dendê), chegou-se à conclusão
de que não havia provas materiais contra o prefeito de Caxias, pondo em dúvida “a
verdadeira intenção das denúncias que [o advogado] encaminhou a esta CPI”.
Ascensão e Declínio Do Mito
Eu peço desculpas, perdão, à população desses dois municípios[Belford Roxo e Magé],
mas infelizmente não foi de vontade minha fazer tão somente com que eles tivessem o
poder, mas sim que eles fossem úteis às cidades em que governavam. Mas não foi possível,
mais uma vez eu quero deixar bem claro que foi um erro meu, político, em fazer os dois
prefeitos.
Zito, 26/04/2006.
163
Na tentativa de desvincular-se do discurso acusatório do assistencialismo, Zito corrobora algumas imagens
sobre a pobreza e as camadas populares, segundo as quais “o pobre, o trabalhador é um acomodado por
natureza”, ou ainda a associação entre pobreza e violência, pobreza e prostituição etc. “O que mais vo
percebe nessa classe é a jovem grávida, a mãe de família sem o pai, o crescimento desordenado da família.
Isso vai gerar o que? Vai gerar violência”.
164
Em abril desse ano, novamente o caso do assassinato de Ary Vieira é retomado. Agora pelo procurador-
geral Muinos Pinheiro Filho (Jornal do Brasil, 21/04/1999).
170
Mesmo em meio a denúncias, 2000 revelou-se irrefutavelmente o ano de Zito. Bastante
assediado pela imprensa, colocou à mostra todo o seu poder e influência poticos e não
apenas por meio de sua reeleição — com 81,06% de aprovação e a expressiva votação de
315.679 contra 27.950 votos do segundo colocado, Geraldo Moreira (do PDT) — sendo
apresentado pela imprensa como um “fenômeno eleitoral” (TRE/RJ) e deixando o genro de
Tenório Cavalcante, Hydekel de Freitas, em quinto lugar.
“Minha segunda eleição foi por mérito. Na primeira, foi por uma falta de opção e uma
vontade de mudança. Eles viram [a população/ os eleitores] em mim uma chance muito
remota, mas cansados e sem esperança, deram o voto a mim e me fizeram prefeito.
A aliança com Washington Reis, alinhavada para o primeiro pleito executivo, não duraria
muito. Este último deixou o cargo de vice em 1998, reassumindo o mandato de deputado na
Assembia. Para Zito, Washington
“faz de tudo para alcançar os seus objetivos. Ele não foi
candidato a prefeito em 2000 porque sabia que não tinha
condições de me vencer. Senão, ele seria candidato contra
mim. Mas s tivemos sempre um bom diálogo, uma boa
convivência. Eu sei também que ele só foi meu vice
porque não tinha jeito, não tinha como ele vencer. Ou a
gente se unia pra vencer ou o Hydekel ganharia. E ele é
esperto, é muito mais potico, talvez, do que eu, nessa
visão de negociação e de interesse pelo poder, sede pelo
poder”.
Zito também teve papel fundamental nas eleições de sua esposa e de seu irmão para
prefeituras-chave da Baixada. Waldir foi eleito em Belford Roxo, pela coligação PPS/ PTB
/ PRN / PMN / PST, derrotando a ex-prefeita, Maria Lúcia, por 89.495 votos contra 73.640.
171
Em Magé, Narriman derrotou Nelson do Posto (PDT) e Núbia Cozzolino (PTB), dois
caciques locais — com 35.802, 32.589 e 27.453 votos respectivamente
165
.
Presidente do diretório local do seu partido, elegeu-se
prefeito e se reelegeu. Nesta reeleição [2000], conseguiu
emplacar dois parentes seus como prefeitos em outras
duas cidades da Baixada e um outro familiar ocupando a
Assembia Legislativa do Estado. Somados os votos
dessa família, aproximamo-nos do meio milhão de votos”
(Soares, op. cit., p.27).
A derrota de Maria Lúcia significou mais do que a inclusão de um novo município no rol
de influência de Zito. Correspondeu a uma tomada de posição frente à rede potica do ex-
prefeito de Nova Iguaçu e deputado federal Nelson Bornier na região. Em Belford Roxo,
Bornier apoiou Maria Lúcia, juntamente com Antônio de Carvalho (prefeito de São João de
Meriti), Azair Ramos (prefeito de Queimados) e o governador do Rio de Janeiro, Anthony
Garotinho (na época, do PDT) e, apesar de sua força conjunta, não foi possível deter a
popularidade de Zito — cuja estratégia de construir a campanha de Waldir como um elo de
ligação e de continuidade com a sua foi extremamente eficaz. A transferência do capital
potico de Zito ao irmão foi possibilitada por diversos fatores que, conjuntamente,
garantiram a vitória contra uma adversária de prestígio local, mas excessivamente ancorado
na figura de seu marido, Joca
166
. Nesse caso, como salientou Monteiro (op.cit.), a memória
de Joca estava diretamente relacionada às suasões anteriores e não a objetos ou lugares
de memória (Nora, 1984), o que poderia explicar oesquecimento” representado pela
165
Zito contou também com o apoio de sua filha, Andréa Zito, deputada estadual no terceiro mandato e do
deputado federal Dr. Heleno, ambos do PSDB. Heleno Augusto de Lima, conhecido como Dr. Heleno, é
advogado e contador e foi um dos responsáveis pela entrada de Zito na vida política. Tendo como base
eleitoral Duque de Caxias — mais especificamente o bairro Dr. Laureano e adjacências — foi eleito deputado
federal (pelo PSDB) pela primeira vez em 1998. Hoje está em seu segundo mandato, tendo sido um dos
nomes-fortes do ex-prefeito de Caxias e um de seus mais importantes articuladores.
166
Sobre os processos de conservação e reelaboração da memória, ver, por exemplo, Pollak (1989).
172
inexistência de um culto ao político após a sua morte e, por outro lado, a busca por outro
salvador, no caso, Zito, por intermédio de seu irmão, Waldir
167
.
Da mesma forma, vencer Núbia Cozzolino significou romper com um reinado de mais de
uma década na região de Magé e Guapimirim
168
.
A prefeitura de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, é
mais uma a ser controlada pelo clã Zito, liderado pelo
prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, reeleito
para o segundo mandato consecutivo. O candidato do
PPS, Waldir Zito, que foi eleito hoje, é o irmão caçula de
Zito, cuja mulher, Narriman Felicidade, foi eleita prefeita
de Magé (Folha de São Paulo, 29/10/2000).
Em 2001, Zito deixou pela primeira vez o PSDB, alegando insatisfação com a forma como
o partido vinha tratando Marcello Alencar, após a sua doença. “Num momento da minha
vida enquanto prefeito, teve o problema da doença do Marcello e houve assim uma falta de
respeito para com ele que eu não gostei e saí do partido; quase entrei no PMDB, fui pro
PDT e agora retornei ao PSDB, novamente pelo convite do Marcello. Eu tenho ele como
um pai. Ele me deu muita credibilidade potica, ele me deu uma chance de mostrar quem
eu era e hoje eu me encontro no PSDB e sou candidato a deputado estadual, numa vontade
enorme de retornar a ser prefeito em 2008” (Zito, 26/04/2006).
167
Na tentativa de explicar tal esquecimento, Monteiro (op. cit, pp.109-110) afirma que a “mitificação política
de Joca é fluida porque na realidade todo o seu carisma embasava-se muito menos nos seus atos espetaculares
e muito mais na percepção popular de que Joca era parte do povo belforroxense e de que suas soluções
somente diferiam em grandeza das solões tradicionalmente encontradas pela população baixadense. Não era
possível, portanto, que o processo de mitificação política de Joca se restringisse a objetos concretos como um
túmulo, um livro de memórias, uma estátua ou uma rua. Muito mais próximo que todos os objetos que possam
lembrar Joca está a convivência diária com problemas para os quais Joca significava em primeiro lugar uma
solução. Solução que mesmo parcialmente já era proporcionada pela rede de resolução de problemas
práticos.
168
“Outra família tradicional da política fluminense a manter seu espaço parlamentar é a Cozzolino, um clã
muito forte na região de Guapimirim e Teresópolis. A deputada federal Núbia Cozzolino (PPB), que responde
a processo por supostamente ter encomendado o assassinato de um jornalista no ano passado, se reelegeu,
ficando com a última vaga de seu partido. Núbia pode comemorar também a vitória do sobrinho Renato
Cozzolino (PSC), reeleito para a ALERJ” (Ancia Carta Maior, 11/10/2002).
173
O “flerte” entre Zito e o PMDB não passou incólume. Houve manifestações contra e a
favor e, inclusive, cenas de confronto entre deputados na ALERJ dias antes de sua filiação,
deflagradas a partir do discurso do deputado André Luiz. Na ocasião, o deputado Geraldo
Moreira fez críticas à filiação de Zito, alegando que “no meu Partido, como diz o
Governador Garotinho, teria que haver uma ficha criminal limpa, para sabermos quem, de
fato, é a pessoa”. Tal declaração foi imediatamente respondida pelos deputados André Luiz
e Paulo Melo, que saíram em defesa de Zito e do partido que o acolhia.
Em primeiro lugar, quero falar sobre o regozijo que todos
nós temos com a entrada do Zito no PMDB. Também
gostaria de dizer ao nobre Deputado que me antecedeu
que, talvez, S. Exa. tenha experiência de abandono, afinal
de contas, sempre defendeu o Brizola. Já lhe ouvi dizer
que Brizola era o grande líder: perdeu o poder, perdeu o
companheiro.
Agora, esse negócio de pedir ficha criminal, tem que
pedir a de muitos companheiros. Respeito o Deputado
que me antecedeu pela sua história e pela sua trajetória,
mas a leviandade nas declarações tem que ser medida e
comedida, porque, garanto, se for pedida a de muita
gente, [eles] nem nesta Casa estariam.
Como Deputado, temos história. Não reconhecer que, na
cidade do Prefeito, a populão que o elegeu deu para o
Zito o maior atestado que um político pode ter — 80%
dos votos — é desconhecer a própria realidade.
(Deputado Paulo Melo, 05/06/2001).
Sr. Presidente, se o Zito fosse à margem da Lei, não teria
sido reeleito Prefeito de Caxias. Obrigado. (Deputado
André Luiz, 05/06/2001).
Zito significava capital potico para qualquer partido e, nas eleições de 2002, o PMDB,
mesmo tendo força na Baixada, não podia abrir mão dos cerca de 500 mil votos
representados por sua rede política na região. As acusações que pesavam sobre ele eram
174
minimizadas em prol das possibilidades eleitorais advindas da ligação com o “rei da
Baixada”.
Ainda nesse ano, ele novamente teve seu nome vinculado a acusações de violência. Foi
apontado como possível mandante do assassinato do jornalista Mário Coelho de Almeida
Filho, do jornal A Verdade, de Magé. Mariozinho, como era conhecido, foi assassinado
com cinco tiros, por volta das 18 horas do dia 16 de agosto de 2001, quando chegava em
casa. As denúncias contra Zito foram motivadas devido à ação que movia contra o
jornalista — por ter usado o espaço em seu jornal para reproduzir uma declaração da
deputada estadual Núbia Cozzolino (na época, do PTB), insinuando que Narriman Zito,
prefeita de Magé e mulher do prefeito de Duque de Caxias, estaria tendo um caso com um
segurança
169
. Núbia, um dos alvos preferenciais do jornalista assassinado — que
freqüentemente publicava matérias contrárias a ela e a sua família no jornal — também foi
acusada neste inquérito, chegando até mesmo a responder a processo como mandante do
assassinato.
Trazendo novamente à tona a questão da violência potica na Baixada, o epidio marcou a
disputa entre duas famílias pelo poder político em Magé: a de Zito e a de Núbia Cozzolino.
Conforme ilustra a matéria reproduzida abaixo, os confrontos foram se tornando cada vez
mais acirrados, tendo como principal estratégia de ataque as denúncias feitas por
intermédio da imprensa escrita.
A Polícia do Rio está investigando se o assassinato de
Marílton dos Santos, 49, assessor da deputada estadual
Núbia Cozzolino (PTB), tem alguma ligação com a morte
do jornalistario Coelho de Almeida Filho, 42, diretor
administrativo do jornal "A Verdade", ocorrida no último
169
Houve grande repercussão no assassinato do jornalista, com destaque até mesmo em jornais de âmbito
nacional como, por exemplo, a matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 19/09/2001.
175
dia 16. Santos foi encontrado morto com um tiro na
barriga, na madrugada de ontem, em Piabetá, distrito de
Magé (a 60 km do Rio). A deputada insinuou no jornal
"A Verdade" que a prefeita de Magé, Narriman Zito
(PMDB), mulher do prefeito de Duque de Caxias, Jo
Camilo Zito dos Santos (sem partido), mantinha um
romance com um ajudante-de-ordens. A família Zito nega
qualquer relação com os crimes.
Em depoimento ao 66ª DP (Piabetá), a família de Santos
afirmou o acreditar que o crime tenha ligação potica
(Folha de São Paulo, 23/08/2001).
O sargento reformado da Polícia Militar, Manoel Daniel
de Abreu Filho, 55 anos, foi preso no dia 14 de setembro
de 2001, por suspeita de assassinato no caso do jornalista
Mário Coelho Filho. O juiz de Ma decretou a prisão
preventiva do sargento a pedido do delegado Hallak,
depois que uma denúncia anônima em 13 de setembro
levou-o até Abreu Filho. Em seu apartamento, em
Belford Roxo, parte da Baixada Fluminense, foram
encontradas duas armas, uma delas uma pistola 380 —
mesmo calibre da arma utilizada para matar Mário
Coelho Filho. Abreu ficará preso no 20º Batalhão de
Polícia Militar, no município de Mesquita, até que seja
feito o exame de balística para comparar se os tiros que
atingiram o jornalista saíram de sua pistola. Segundo o
delegado Hallak, duas testemunhas que ajudaram a fazer
o retrato-falado e que haviam reconhecido Manoel Daniel
de Abreu Filho por foto não sustentaram o
reconhecimento pessoalmente. Mas ainda falta confrontar
o preso com outras testemunhas. O delegado pretende
pedir a quebra de sigilo telefônico do suspeito e sua ficha
de antecedentes criminais para verificar se teve
participação no crime e o motivo. Manoel Daniel de
Abreu Filho, que disse à polícia que não vai a Magé
10 anos, trabalha como guarda-costas de Maristela Corrêa
Nazario, esposa de Waldir Zito, prefeito de Belford Roxo
e iro de José Camilo Zito dos Santos. Negou-se a dar
declarações sobre esse assunto e afirmou que vai
responder em juízo, na presença de um advogado, às
perguntas sobre seu trabalho com a família do prefeito de
Duque de Caxias. A relação de trabalho do suspeito foi
confirmada pelo próprio prefeito Zito dos Santos que, em
uma entrevista para os jornais do Rio de Janeiro,
reconheceu que Manoel foi guarda-costas de sua filha, a
deputada estadual Andreia Zito, mas que deixou de
trabalhar com Andreia "para ficar mais perto de casa".
176
Depois de saber que duas testemunhas não reconheceram
o suspeito, o prefeito disse ao jornal O Dia que pretende
processar o delegado Ricardo Hallak e o Estado por
perdas e danos e calúnia por vincular seu nome ao crime.
Afirmou que é vítima de perseguição potica por ser
candidato à sucessão do governador do Rio de Janeiro,
Anthony Garotinho (Jornal Impunidade, matéria de
Clarinha Glock, setembro de 2001).
Se a imprensa era o palco mais visível das disputas entre as famílias Zito e Cozzolino, a
ALERJ tornou-se igualmente cenário de confrontos entre Andréia Zito e Núbia, com
acusações recíprocas. Através do requerimento 490/2001, a deputada do PPS criou uma
comissão para acompanhar o assassinato do jornalista de A Verdade, transformando a
sessão de 3 de outubro daquele ano em um palanque no qual aliados e adversários
pronunciavam-se com veemência, declarando apoio a um lado ou a outro. Com o apoio dos
deputados José Távora, Sivuca, André Luiz e, inclusive, Washington Reis, foi solicitado o
adiamento da votação e a não inclusão de deputados com qualquer suspeita de vinculação
com o caso na comissão que acompanharia o assassinato do jornalista — além de terem
sido feitas severas críticas ao “comportamentoda deputada e à sua tentativa de “fazer
politicagem” a partir do episódio da morte do jornalista
170
.
Em 2002, mais um caso de assassinato. Desta vez, a vice-prefeita de Narriman, Lídia
Menezes (PSDB), foi encontrada carbonizada dentro de seu automóvel, na estrada Magé-
Manilha, há cerca de 20km da cidade. Segundo Narriman, Lídia não tinha experiência
potica, "não era muito esclarecida. Eu, engenheira, fazia o trabalho técnico e o
planejamento da cidade. Mas fui eu quem a coloquei ali, por ser uma negra, uma pessoa do
povo, uma boa mulher que me representava publicamente” (Folha de São Paulo,
02/06/2002).
170
A transcrição integral da sessão ordinária de 03 de outubro de 2001 pode ser consultada no Anexo.
177
As veres sobre o crime giraram em torno de questões poticas, assim como as
declarações da prefeita e de membros de seu secretariado. Segundo Jorge Cosan, presidente
do PSDB de Magé, os crimes poticos não eram apurados, motivo pelo qual a cidade
transformara-se em um imenso barril de pólvora. Alertando que mais pessoas poderiam
morrer, Jorge levantou algumas hipóteses sobre o ocorrido, em todas elas desviando o foco
das atenções para Narriman. “Qual o objetivo de matar a vice-prefeita? Será que querem
tirar a prefeita do cargo? Será que alguém está interessado em ocupar o Executivo com a
ocorrência destes crimes? Estas mortes são por motivação potica e nunca são investigadas
a contento” (idem). Dessa forma, os adversários da prefeita eram automaticamente
colocados sob suspeita e a morte capitalizada em revolta e solidariedade.
Apesar das acusações e conflitos, as expressivas vitórias nas urnas em 2000 e em 2002,
possibilitaram a Zito começar a trabalhar no projeto político de tornar-se governador do Rio
de Janeiro. Viajando pelo estado, na tentativa de formar alianças e de fortalecer-se
politicamente, acabou se ausentando bastante da cidade o que, segundo ele próprio, lhe
causou algum ônus. “A minha intenção, naquela época, era ser candidato a governador e eu
confesso que deixei um pouco a cidade meio que de lado. Deixei o time trabalhando na
cidade, mas quando eu percebi que a minha ausência [es]tava fazendo falta, eu retornei”.
Também no ano de 2002, já de volta ao PSDB e seduzido pela possibilidade de disputar as
eleições para o governo do Rio de Janeiro
171
, Zito foi escolhido coordenador da campanha
presidencial de José Serra no estado (e anunciado como tal em abril daquele ano). Com o
lema “vamos serrar”, acompanhou as caminhadas e comícios do presidenciável em Duque
171
No início do ano, o PSDB cogitava o nome de Zito para uma possível candidatura própria ao governo do
estado. De acordo com a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, realizada em fevereiro daquele ano,
Sérgio Cabral (PMDB) e Zito (PSDB) apareciam tecnicamente empatados — com respectivamente 18% e
17% — em hipótese que excluía a candidatura de Garotinho (PSB). Em primeiro lugar, com 30%, aparecia a
vice-governadora, Benedita da Silva.
178
de Caxias. As tentativas de alianças (com o PDT, por exemplo) foram, no entanto,
fracassadas; sendo assim, a executiva nacional resolveu não lançar candidato próprio ao
governo do estado do Rio de Janeiro
172
.
O apoio do partido à candidatura de Solange Amaral (PFL) para o governo do estado do
Rio de Janeiro frustrou o projeto político de Zito de ascensão ao Palácio Guanabara —
deixando-o extremamente contrariado. O apoio subseqüente aos candidatos Jorge Roberto
Silveira (PDT) ao governo do estado do Rio de Janeiro e Ciro Gomes, da Frente
Trabalhista, à Presincia da República, foi o primeiro passo na direção da futura migração
ao PDT (concretizada apenas em 2003). Tal filiação o colocaria como um dos principais
nomes do partido no estado, tendo em vista seu esvaziamento após a saída de Anthony
Garotinho, seu desafeto — além da perda de prestígio do partido após as sucessivas
derrotas de seu fundador, Leonel Brizola.
Insatisfeito com a falta de apoio da Executiva Nacional
do PSDB, o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo
Zito dos Santos, acaba de deixar a seção do Rio de
Janeiro do partido. Zito queria ser candidato ao governo
estadual, mas não contou com o apoio da direção do
PSDB, que fechou coligação em torno da deputada
estadual Solange Amaral (PFL). O prefeito encaminhou o
pedido de desfiliação para a Executiva Estadual, que
aindao se pronunciou. Ele deixa o partido para
anunciar o apoio a Jorge Roberto Silveira (PDT), ex-
prefeito de Niterói, na sucessão a governador, conforme
já vinha sinalizando desde a semana passada.
Por contar com forte influência na região de Duque de
Caxias, Zito é disputado pelos atuais candidatos. Pela
manhã, ele se reuniu com a governadora, Benedita
173
da
Silva (PT), com quem almoçou. O prefeito ainda não
anunciou quem iapoiar para presidente, mas deve
172
Sobre as disputas no interior de uma mesma facção e de como a política é percebida pelos próprios
políticos, ver, Viegas (1997) e Heredia (1999).
173
A aproximação com Benedita havia ocorrido desde o início do mandato de vice-governadora, por
intermédio dos projetos sociais vinculados à Baixada Fluminense. Em notícia divulgada pelo Jornal do Brasil
de 12/11/2000, o governador Anthony Garotinho teria se desentendido com ela, alegando que Benedita o
traíra ao receber dois de seus desafetos políticos: César Maia e Zito (p.6).
179
descartar um apoio a José Serra (PSDB), por considerar
que o candidato teve atuação tímida em favor de sua
candidatura ao governo (Folha de São Paulo,
15/07/2002).
A direção nacional do PT começou a se aproximar de
Zito no fim do ano passado, durante a campanha
presidencial, por intermédio da então governadora
Benedita da Silva. O prefeito, que começara 2002 como
coordenador da campanha de José Serra (PSDB), acabou
se desentendendo com os tucanos e aderindo a Ciro
Gomes (PPS) ainda no primeiro turno. No segundo turno,
apoiou Lula. Os agrados em retribuição vieram primeiro
para o irmão Waldir Zito. Belford Roxo, um dos
municípios mais pobres do Rio, que tem 450 mil
habitantes e deu a Lula mais de 90% dos votos no
segundo turno das eleições, foi incluído no programa de
erradicação dos lixões do programa Fome Zero, com
recursos de R$ 1,3 milhão (Agência Carta Maior,
16/09/2003).
“Pelo Marcello [Alencar], nós teríamos candidatura
própria e quando o Marcello adoentou-se, eles
aproveitaram e fizeram a imposição de uma candidatura
apoiando a Solange Amaral, que é minha amiga, foi
deputada comigo. E essa imposição fez com que eu me
afastasse do partido e do grupo potico que lá estava.
Resolvi abandonar a campanha do Serra e não aceitar a
candidatura da Solange” (Zito, 26/04/2006).
A saída do PSDB não implicou a perda de prestígio de Zito. Desde o início, sua trajetória
potica esteve desvinculada de uma ideologia partidária, atrelando-se diretamente à
construção de sua persona pública — e a constante troca de partido só reforçava esta
situação. Tal mudança de sigla também não significou demonstração de força ou adesão a
seu nome, visto que Zito somente conseguiu levar consigo quatro vereadores de Duque de
Caxias (dentre eles, Laury Villar). Sua filha e esposa optaram por não mudar de partido.
180
Apesar de muito criticada por não ter acompanhado o pai, a deputada Andréia afirma que
ele não manifestou qualquer contrariedade com relação à sua decisão.
Ao contrário do que todo mundo fala, meu pai não é um
ditador. A gente conversa muito, e eu fui conversar com
el. Falei que não achava uma boa idéia a saída dele do
partido; que eu gostava do partidome identifico com
suas ideologias — e que eu preferia continuar. Que eu ia
continuar porque pra mim era melhor. Ele entendeu a
minha posição e não me criticou. Os outros, sim, é que
criticaram, não entenderam. Mas a minha vida política é
uma coisa e a do meu pai é outra. Nós temos um projeto
sim, mas ele me escuta, a gente conversa muito, ele me
ouve muito. E eu, Andréia, sou quem resolvo as minhas
coisas; eu falo com ele, escuto ele, mas eu resolvi que era
melhor ficar” (26/04/2006).
Decerto, a saída do partido marcava a posição de Zito na queda-de-braço interna ao PSDB,
mas relacionava-se mais imediatamente à busca pela operacionalização de seu projeto
potico, até então barrado pelo partido. Como seu trânsito entre alguns partidos e pessoas
importantes ainda estava garantido e sabendo que seu peso potico certamente não seria
descartado, Zitode arriscar-se. E o fez.
O rei da Baixada Fluminense, José Camilo Zito (PSDB),
não teve dificuldades para eleger a filha, Andréia Zito,
deputada estadual com 56 mil votos. Há dois anos, Zito
conseguiu, além de se reeleger prefeito de Duque de
Caxias, bancar as eleições do irmão Waldir e da mulher
Narriman para as prefeituras de Belford Roxo e Magé,
respectivamente. Agora, seu poderio se alastra ainda mais
(Agência Carta Maior, 11/10/2002).
Para Andréia, a saída do pai do PSDB não repercutiu negativamente em sua votação em
2002, pois seu prestígio “não havia sido abalado”. Com um mandato já cumprido e alguma
experiência acumulada — de lidar com o eleitor, inclusive — Andréia esperava uma
181
votação mais expressiva. Apesar de sua avaliação pouco otimista, ela foi bem votada,
conseguindo reeleger-se.
Eu fiquei muito chateada. Nessa eleição, eu fiz mais
campanha, percorri as ruas, em São João mesmo. Eu fui
aos showcios, mas a ligação de meu nome ao de um
candidato a [deputado] federal me prejudicou um pouco
[referindo-se ao candidato a deputado federal de seu
partido, Dr. Heleno]. Muitas pessoas não queriam votar
nele e acharam que como fizemos campanha juntos,
outdoors juntos, que se votassem em mim, teriam que
votar nele e preferiram abrir mão de votar em mim”.
Apesar da vitória com sua absolvição do assassinato de Ary Vieira em março daquele ano,
os problemas com Narriman começavam a aparecer e a imprensa não deixou passar em
branco. Ela afastou as pessoas próximas a Zito da prefeitura de Magé, alegando precisar
ficar “independente na potica”. Na eleição estadual, ele apoiou Jorge Roberto Silveria
(PDT) e ela, Benedita da Silva (PT). Assim como na eleição para a Presincia da
República: o apoio de Zito foi para Serra (PSDB) em um primeiro momento da campanha
e, depois, para Ciro Gomes, apoiando Lula apenas no segundo turno. Já sua esposa
manifestou seu apoio ao PT de Lula desde o início da campanha presidencial.
Se desde o final de 2001 os boatos envolvendo o casal já apareciam, em 2002 (junho), um
momento difícil, a confirmação de problemas em outro setor da vida marcou Zito. O jornal
O Dia, por exemplo, explorou bastante a crise conjugal e sua repercuso em termos
poticos para ambos os lados.
“A notícias da separação do prefeito de Caxias, Jo
Camilo Zito dos Santos, e da prefeita de Magé, Narriman
Felicidade, foi o principal motivo de comentários ontem
nas duas cidades e no meio político. [...] quem não gostou
nada das insinuações dos poticos da região de que o
coração de Zito já teria dono foi a Secretaria de
Comunicação [Duque de Caxias], Cláudia Cataldi.
182
Naquele mesmo ano, os dois se reconciliaram. Estou namorando meu ex-marido”, disse
Narriman ao jornal O Dia de 22/12/2002, enfatizando a necessidade de “união da família”.
No ano seguinte, em outro episódio polêmico, foi a vez de Narriman trocar o PSDB pelo
PT, que tampouco trouxe as vantagens esperadas (e desejadas) — a possibilidade de
angariar recursos financeiros junto ao governo federal, além do capital político advindo de
uma vinculação ao nome de Lula
174
.
A ofensiva petista nos munipios fluminenses, parte da
estratégia de tornar o partido uma das duas maiores
forças políticas no Estado do Rio em 2004, dividiu o PT.
Parte do PT fluminense reage à estratégia. A bancada do
PT na Assembia Legislativa decidiu ontem, por seis
votos a um, ser contra a participação na prefeitura de
Nilópolis. Só Palmares foi a favor. Para o líder do PT na
ALERJ, Carlos Minc, as atividades da família Abrahão
David são incompatíveis com o ideário petista. “Essa não
é uma questão partidária. O problema é que pesa sobre
esse grupo político uma vinculação com o bicho”, disse
Minc.
No Câmara dos Deputados também houve protestos. Ex-
procurador de Justiça do Estado do Rio, o deputado
Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) criticou a filiação de
Narriman, defendida pelo presidente nacional do PT, Jo
Genoino. “O patrimônio ético do PT não pode ser
atingido por filiações como esta. A prefeita e seu marido
(José Camilo Zito dos Santos, prefeito de Caxias)
utilizam-se de práticas poticas condenáveis e são
suspeitos de outras atividades ilícitas”, disse Biscaia, que
já criticara a punição do deputado Chico Alencar por ter
se abstido na reforma da Previdência. “No momento em
que parlamentares éticos são punidos pelo partido, o PT
cogita a filiação desse tipo de pessoa”, criticou Biscaia.
Chico disse que ficou surpreso com a participação de
Narriman no programa do PT na televisão, anteontem:
Sou do tempo em que quem era recém-admitido no
partido era soldado raso e não general cinco estrelas. O
programa era discutido, havia critérios rigorosos para
participar desses veículos de massificação do ideário
174
Sobre a relação entre captação de recursos e redes políticas ver, entre outros, Leal (1975), Bezerra (1999a e
1999b).
183
petista”. O ex-deputado Milton Temer preferiu ironizar:
Ou o era o programa do PT ou não era a Narriman”.
(O Globo, 10/09/2003).
A filiação de Narriman Zito ao PT, no entanto, acabou se
revelando mais problemática que qualquer ajuda
financeira do governo federal. Elevada à condição de
estrela do programa de TV do partido sem consulta
prévia às lideranças regionais petistas e apenas dois dias
após ter sido filiada, Narriman causou desconforto.
Sobretudo ao presidente regional do PT, deputado
estadual Gilberto Palmares, que viu sua intenção de levar
o partido a participar do governo de Farid Abraão David
(PP) em Nipolis ser rejeitada pelos outros seis
deputados da bancada petista na Assembléia do Rio,
inconformados com a nova postura adesista.
Narriman piorou as coisas ao anunciar que pretende
processar o deputado federal e ex-procurador-geral de
Justiça do Rio, Antonio Carlos Biscaia (PT), que criticou
sua filiação (Agência Carta Maior, 16/09/2003).
A Executiva Nacional do PT aprovou a filiação ao
partido da prefeita de Magé (RJ), Narriman Zito, eleita
pelo PSDB e mulher do prefeito de Duque de Caxias,
José Camilo Zito dos Santos (PDT), acusado de
envolvimento com grupos de externio que atuariam na
Baixada Fluminense. A Executiva pressionou e obteve do
Diretório Municipal de Nilópolis (RJ) a rejeição à
participação de petistas na gestão do prefeito Farid Abrão
David (PP), irmão do banqueiro de bicho Aniz Abrão
David, o Anísio. As duas decisões dividiam os petistas do
Rio de Janeiro. Houve contestação do diretório regional
tanto da filiação de Narriman quanto da aliança com
Abrão David. Ambas ações haviam sido aprovadas pela
direção fluminense. Mas a participação no governo do PP
de Nilópolis foi agora derrubada por meio de pressões da
Executiva Nacional (Folha de São Paulo, 14/10/2003).
A imagem potica de Narriman não podia ser desconectada da de Zito e, portanto, dos
discursos que o ligavam à violência, ao clientelismo e ao uso da máquina política com fins
eleitorais. A ingerência de Zito na administração dos municípios chefiados por seus
parentes era alardeada pelos jornais. Conduzir reuniões, demitir funcionários, enviar sua
184
equipe para “dar suporte técnico” foram algumas de suas ações, noticiadas pela imprensa
como comprovação da existência da “Zitolândia”. Narriman era acusada, assim, de ser um
mero fantoche do marido
175
. Além disso, seu nome e suas relações poticas poderiam gerar
uma alteração na configuração das forças internas ao partido no estado, o que gerava
inquietações. A objeção de membros do diretório estadual à sua filiação ligava-se, sem
dúvida, a aspectos ideológicos, mas evidentemente não podemos menosprezar as questões
eleitorais implicadas em sua adesão ao novo partido. Narriman era uma peça importante no
tabuleiro potico da Baixada que, ao mudar de posição, alterou as demais relações,
produzindo efeitos sobre outros atores e outras possibilidades de alianças eleitoralmente
relevantes para alguns projetos poticos de membros do PT.
Sua administração à frente da prefeitura de Magé tampouco trouxe os resultados esperados
pela população, desejosa de uma atuação semelhante à de seu marido em Duque de Caxias.
O município governado por Narriman não contava com uma arrecadação tão expressiva
quanto a de Caxias, inviabilizando uma administração voltada exclusivamente para a
realização de obras, marca registrada do governo Zito. Além disso, os Cozzolinoo
tinham desistido de Magé. Os conflitos acompanharam todo o mandato de Narriman — por
meio de denúncias em jornais (como as acima apresentadas) ou dos atendimentos
realizados pela deputada Núbia e sua equipe.
175
Na entrevista que me concedeu, Zito referiu-se a este assunto da seguinte forma: “Não é verdade. Eu sou
um homem que respeito muito a condição de qualquer um e o exercício da eleição — que por ela passaram os
dois, e eleitos foram. E eles governaram a cidade deles sem nenhuma intervenção minha. Claro que, quando
eu percebia que alguma pessoa ligada a mim pudesse ajudá-los, eu sempre deixava à disposição. Se eles assim
pretendessem, que eles levassem pra que eles pudessem atuar lá como eles atuaram aqui...mas nunca
desrespeitando a democracia e a posição que eles ocupavam enquanto prefeitos. Tanto que ninguém nunca me
viu lá mandando em nada, funcionário nunca me viu nem sequer sentado na cadeira deles, que eu tinha por
eles um respeito enorme. Eu confesso que eu até deveria ter sido mais duro, mais impulsivo na demonstração
de que eles não [es]tavam agindo corretamente como deveriam, mas do outro lado foi bom porque, hoje, eles
o podem dizer que se não fizeram um bom governo, um bom trabalho, foi por intervenção minha ou coisa
parecida”.
185
Na avaliação de Zito, tanto quanto na de Andréia, a filiação de Narriman ao PT foi um
equívoco. Para o primeiro, ela não era reconhecida pelos demais membros do partido como
um deles”: “[Era] um peixe fora d’água no PT. Foi usada sem que lhe dessem retorno
potico e governamental. Está bem claro atualmente que o PT não sabe governar. E não
souberam ajudá-la para que ela fosse uma prefeita melhor do que foi”. Começavam aí os
desentendimentos que resultariam na ausência de Zito durante toda a campanha para a
reeleição de Narriman
176
.
Eu não estive nenhuma vez lá [na reeleição da Narriman]
porque nós tivemos alguma divergência política, de
governo. Ela já se achava pronta para caminhar sozinha
politicamente e eu, então, no governo dela, já me afastei e
na reeleição, também não fui mais lá” (Zito, 26/04/2006).
Se o PT quisesse, teria levado até Magé muitos recursos
através de deputados federais, estaduais e feito com que o
trabalho dela e de tantos outros prefeitos que eles governam
pudesse aparecer. Isso não foi feito. Pelo contrário,
deixaram ela à deriva. […] Eles [o PT] têm as cartas
marcadas. Só dão a César o que é de César. Eles usam
você” (idem).
A eleição municipal de 2004 traria novas surpresas. Desde o ano anterior, Zito já havia
desistido da reeleição de seu irmão, em Belford Roxo. Waldir tinha um grande índice de
rejeição: em sua gestão, a cidade sofreu com paralisações de servidores municipais, greves
de motoristas de vans e todo tipo de denúncia sobre uso ilícito de dinheiro público. A
cidade continuava com os mesmos problemas de antes e as promessas de que “Waldir é
Zito” não se concretizaram.
176
Em 2003, Zito parecia inclinado à adesão ao PT. Freqüentou reuniões em Magé juntamente com sua
esposa, estreitou relações com José Genoíno e Gilberto Palmares na tentativa de uma coligação PDT-PT
contra a força de Garotinho no estado. No entanto, não hove conciliação nas negociações em torno do nome
para disputar a eleição em Duque de Caxias e Zito acabou escolhendo um nome do próprio partido.
186
Em Duque de Caxias, por sua vez, a sucessão tornou-se uma questão complicada. Que
nome seria capaz de substituir Zito? Seu carisma seria transferido ao sucessor? Quem
seguiria o seu estilo potico?
Devido à legislação eleitoral, Andréia não podia disputar a prefeitura como “sucessora
natural” de seu pai. Narriman, com projeto político próprio, tentava a reeleição e Waldir
não havia demonstrado habilidade no exercício do mandato executivo — estando, por
conseguinte, descartada a possibilidade de manter-se como um dos peões no jogo político
de Zito. Diante da impossibilidade da transferência de seu capital potico a um dos
membros da família, a alternativa foi escolher entre um dos aliados “de fora”.
Sob o lema da continuidade potica, Laury Villar — que ingressou no PDT juntamente
com Zito — foi o escolhido pelo partido para concorrer à prefeitura de Duque de Caxias.
Eu tenho consciência de que, hoje, eu represento o
‘Projeto Zito’; o projeto que não é mais uma pessoa, e
sim o de toda uma cidade e o apoio dele é fundamental.
Eu acho que hoje o governo que o Zito fez na nossa
cidade resgatando a auto-estima e a cidadania do povo de
Duque de Caxias tem sido uma marca muito grande, e
isso, com certeza, é a minha bandeira; a bandeira da
continuidade desse projeto político e o apoio do Zito, não
tenha dúvida, é fundamental; eu tenho certeza que o
Laury será prefeito muito mais pelo apoio de tudo aquilo
que o Zito fez na nossa cidade; e eu tenho certeza que
com o apoio dele, aí sim, eu vou poder mostrar a minha
capacidade, a minha competência na forma de
administrar essa cidade” (entrevista com Laury Villar, em
agosto de 2004).
Na avaliação de Zito, no entanto, Laury não era o nome mais indicado para concorrer ao
pleito, mas diante da hesitação partidária frente às demais opções, acabou apoiando tal
candidatura.
Eu cheguei ao término [do mandato], fazendo a opção por
um candidato que não era o preferido. Não que ele não seja
187
uma pessoa que não tenha qualidades para exercer o poder
e não que eu não tenha confiança e não que eu não
gostasse. Mas eu tinha outras idéias, né? Sondei um grande
amigo meu que foi presidente da Câmara na minha época,
que foi vereador comigo. Eu acho que era um grande nome
pra cidade, pela vivência que nós tínhamos, pelo
conhecimento potico dele, mas ele resolveu não ser
candidato. Depois eu achei que a Secretária de Educação
[Roberta Siqueira] seria um grande nome pra ser a minha
sucessora, mas aí teve um problema na vida dela familiar,
pessoal, de casamento e tal e isso traria um desgaste
enorme na campanha. Então, o escolhido foi o Laury já que
eu sempre tive por ele uma grande admiração. Volto a
frisar que não seria o meu candidato enquanto prefeito
porque ele era vereador — foi meu Presidente da Câmara
— mas eu não via ainda uma experiência avantajada para
que ele viesse a ser prefeito, mesmo que eu tivesse por trás.
Mas você sabe que o poder é o poder, a caneta seria dele
então […] não era o nome que eu escolheria, se tivesse na
minha vontade. Não porque eu vim a perder as eleições
com ele, não é isso. Não que eu perdi a empolgação com
ele, não é isso, né? Eu acho que ele pode até ser um bom
vice, mas não o titular, eu acho que ele ainda está jovem
pra isso”.
A trajetória de Laury Villar está intimamente relacionada com a de seu pai, cujo nome
herdou. Este último era natural de Campos, no noroeste fluminense, e sua mãe, de
Madureira (subúrbio carioca). Mudaram-se para Duque de Caxias em 1945. O ingresso de
Laury (pai) na vida potica daria-se apenas em 1966 (como vereador). Após cinco
mandatos consecutivos, deixaria a vida pública em 1988. Muito ligado ao meio esportivo e
com um bom trânsito potico, conseguiu que seu filho fosse nomeado Secretário de Esporte
do município, em 1989, no governo do então prefeito José Carlos. Nesta fuão, Laury
permaneceu por onze anos — atravessando distintas administrações — sendo responsável
pela implantação de projetos de vulto como a Vila Olímpica de Duque de Caxias (através
de verba do Ministério do Esporte, na época, sob o comando de Pelé). Formado em
Administração de Empresas e em Direito, Laury é casado e disputou a primeira eleição em
188
2000, concorrendo — a pedido de Zito, segundo ele próprio — ao cargo de vereador pelo
PSDB, para o qual foi eleito com 4.594 votos.
Apoiado pelo prefeito, ficou entre os dez mais votados no município. “Assumi meu
mandato e o prefeito já me deu uma incumbência muito grande que foi ser o líder do
Governo na Câmara; eu fiquei 2 anos comoder de governo. Fui candidato a presidente da
Câmara para o biênio 2003 e 2004. Fui eleito por unanimidade” (entrevista com Laury
Villar, 05/04/2004).
Representando o que ele próprio chamou de “projeto Zito”, o discurso de Laury centra-se
no tema da continuidade. Apesar de localmente percebido como “homem de bem”, “pessoa
direita” e de pautar a construção de sua fala e de sua apresentação de si na ética e na
responsabilidade — que também parecem ter marcado a vida pública de seu pai — ele não
era conhecido por parte significativa da população do município. Na definição que elabora
a respeito de si mesmo, diferenciando-se do prefeito de Caxias, lança mão de características
como a discrição e o equilíbrio em contraposição à impulsividade de Zito.
Grosso modo, não podemos dizer que Laury seja um político carismático ou de grande
expressão eleitoral. Sua atuação sempre foi mais técnica, e a secretaria que comandava, de
segundo escalão. Não reunia características que possibilitassem sua associação a Zito ou
mesmo a seu discurso, sempre enérgico e veemente. A transferência do carisma de Zito,
bastante vinculado à imagem de “homem do povo”, não seria fácil já que o candidato por
ele apoiado era oriundo das camadas médias caxienses. “Estudado” e sempre “bem
vestido”, Laury não exercia a mesma “mágica” de Zito, com seu linguajar simples e trajes
de gente do povo”, como mencionado por um de meus entrevistados (Sr. M, 58 anos,
evangélico, morador da Vila Operária). A associão com a gente de dinheiro”, no
entanto, não impedia que Laury fosse também classificado comogente de bem”. Sua
189
atuação como vereador pautava-se na “fiscalização e execução do orçamento municipal”,
em fazer as leis”, ligando-se também a projetos esportivos e culturais. Nesse sentido,
afastava-se da lógica da política dos vereadores (Leal, op. cit.; Queiroz, op. cit; Soares, op.
cit.; Lopez, op. cit.) e da constituição da prática potica a partir do trabalho social (Lopez,
idem) — exemplificada na Baixada pela atuação de centros assistenciais dos mais
diferentes tipos, ligados a vereadores e membros de suas famílias.
O principal adversário de Laury Villar na eleição de Caxias foi o deputado estadual
Washington Reis (PMDB). Casado, empresário e membro da Igreja Evangélica Assembia
de Deus, Washington iniciou sua vida potica aos 24 anos, elegendo-se vereador por
Duque de Caxias (PSC), em 1992, com 2.194 votos. Em 1994, concorreu à Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro, sendo eleito o deputado mais jovem da casa. Na eleição
municipal seguinte (1996), compôs a chapa como vice-prefeito de Zito, em Duque de
Caxias. Em 1998, aos 28 anos de idade, foi reeleito deputado estadual após desentender-se
com o prefeito e deixar o cargo de vice. Em 2002, já pelo PMDB — seu atual partido — foi
reeleito com 64.788 votos.
A participação de Zito na campanha de Laury à prefeitura foi intensamente criticada, sob a
alegação de que a ela não estaria dedicando-se a contento. Durante o período eleitoral, Zito,
de fato,o se afastou dos trabalhos da prefeitura, a eles destinando o período da manhã —
momento em que deixava a cargo da filha, Andréia, a rotina de campanha. O prefeito em
exercício costumava privilegiar o horário noturno para a promoção de seu sucessor e
eventos de maior repercussão, fato ao qual caberiam interpretações distintas (ou, até
mesmo, opostas): maximização do tempo e /ou estratégia de campanha ou, por outro lado,
falta de cuidado, de dedicação, descrédito ou mesmo demonstração de descontentamento
pela escolha de Laury. Zito não compareceu a alguns dos eventos dos quais participei em
190
Caxias, apesar de sua presença amplamente propagandeada. Tais anúncios, sem dúvida,
faziam parte de uma estratégia de marketing para cooptar o maior número de pessoas para
tais atividades — sua ausência sendo lida como descaso e abandono e deslegitimando o
apoio alardeado em panfletos e propagandas políticas.
No primeiro momento da campanha, Zito parecia acreditar que seu nome por si já seria
suficiente para promover a candidatura do sucessor. A disputa, no entanto, tornava-se cada
vez mais acirrada e a entrada em cena da propaganda televisionada significou um capítulo à
parte na corrida eleitoral.
Transmitido pela emissora de TV CNT, o HGPE dos candidatos ao pleito municipal de
Duque de Caxias redimensionou o cenário potico local. A princípio, em setembro, os
índices favoreciam o candidato do PDT com 41,7% das intenções de voto contra 37,1%
para Washington Reis (PMDB), 5% para Dica (PFL) e 3,8% para Alexandre Cardoso
(PSB)
177
. Segundo a mesma pesquisa, entre o eleitorado evangélico (que somou 32,1% da
amostra), Washington liderava com 47,4%, contra 33,6% de Laury Vilar. No final do
mesmo mês, a disputa seguia acirrada e os jornais anunciavam empate técnico entre os dois
primeiros colocados: Washington Reis (PMDB), com 42% das intenções de voto e Laury
Villar, com 35% (PDT)
178
.
A participação de Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus, manifestando
publicamente seu apoio a Washington Reis, além do uso da máquina do governo do estado,
foram fundamentais para a reviravolta nas intenções de voto. A vinculação ao nome de Zito
177
Pesquisa realizada pelo GPP com 600 pessoas, no dia 21 de setembro. A pesquisa foi registrada no TRE de
Duque de Caxias sob o nº 086/04.
178
Ver, por exemplo, O Globo de 29/09/2004, p.5 da seção “O País”, e de 03/10/2006, p.11 da mesma seção
em matéria na qual Washington Reis (PMDB) aparecia com 47% e Laury Villar (PDT) com 39% das
intenções de voto.
191
não conseguiu fazer frente à distribuição de cestas básicas pela Fundação Leão XIII e pelos
centros assistenciais do candidato do PMDB em Caxias.
No fim de setembro, todo o arsenal do PMDB voltou-se contra o candidato do PDT. A
mesma tática utilizada na campanha em Nova Iguaçu era implementada nos demais
municípios da Baixada e em outros do estado do Rio de Janeiro: entremear o discurso
religioso com as ameaças de corte de verbas estaduais aos municípios que elegessem os
adversários da rede política de Garotinho
179
.
O primeiro turno acabou com vantagem de Washington Reis, totalizando 45,2% dos votos
válidos contra 41,6% de Laury Villar (TRE/RJ).
As negociações para as alianças no segundo turno começaram antes mesmo do resultado de
3 de outubro. O PDT não favoreceu a ampliação de capital político de Laury e o apoio da
executiva nacional do partido ao PMDB, no segundo turno das eleições, deixou seu
candidato em situação complicada. Apesar do apoio de César Maia (PFL) ao candidato do
PDT, o candidato pefelista, Dica, também aliou-se a Washington Reis (PMDB), alegando
ser um adversário de longa data do prefeito caxiense, sendo, portanto, inconcebível seu
apoio ao candidato de Zito. A aliança de maior peso foi, semvida, a costurada com
César Maia, adversário de Garotinho, que, no dia 8 de outubro, recebeu Laury e Sandro
Matos (candidato do PTB à prefeitura de São João de Meriti) no Palácio da Cidade para
formalizar seu apoio e marcar as gravões dos programas eleitorais. O prefeito reeleito do
Rio visitou Duque de Caxias diversas vezes nas últimas semanas antes da eleição — o PT
demonstrando seu apoio por intermédio das visitas da ex-governadora Benedita da Silva e
de gravações para a propaganda televisiva das quais participaram seus principais líderes
179
Ver, por exemplo, as matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Globo de
25/09/2004. Este tema voltará a ser abordado mais detidamente no capítulo 5.
192
nacionais, como os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Humberto Costa (Saúde). Outra
importante aliança foi com o pastor da Assembléia, Manoel Ferreira (PP) que, após
rompimento com o grupo político do ex-governador Garotinho (e apoiando também o
candidato à prefeitura de Nova Iguaçu pelo PT, Lindberg Farias, no segundo turno das
eleições) participou de algumas caminhadas com Zito e o candidato Laury.
Em matéria intitulada “Caxias tem guerra de caciques”, o Jornal do Brasil de 31 de outubro
dava o tom da disputa no segundo turno daquela cidade:
Na véspera doturno, Duque de Caxias era o retrato da
eleição não decidida. Por toda a cidade, havia outdoors e
bandeiras dos dois candidatos — Washington Reis
(PMDB) e Laury Villar (PDT).
Ontem, os dois candidatos optaram por seguir em
carreatas e demonstraram confiança.
- O povo de Caxias abraçou nossa campanha. Tenho
certeza de que o eleitor vai saber reconhecer quem é o
melhor - comentou Laury, que tem o apoio do atual
prefeito, Jo Camilo Zito.
Washington Reis, que representa o grupo político do ex-
governador Anthony Garotinho, ressaltou a importância
da aliança com o governo estadual.
- O povo deixou bem claro que quer mudanças, isso vai
se refletir nas urnas.
Os últimos dias da campanha já apontavam uma certa vantagem do candidato do PMDB,
apesar da situação ser apontada como empate técnico. Washington Reis aparecia na
pesquisa Ibope com 46% das intenções de voto, contra 43% do adversário, Laury Villar —
este com o apoio do PT e do PFL de César Maia, ambos interessados em derrotar o grupo
potico de Garotinho com vistas às eleições de 2006.
Na queda de braço com Garotinho, venceu este último que, dentre as muitas derrotas
sofridas nas eleições municipais de 2004, conseguiu com Duque de Caxias uma das vitórias
potico-eleitorais mais importantes do estado.
193
“Muitos me perguntam assim: ‘Mas, Zito, será que não
houve falha da tua parte? Porque o Washington poderia
estar com você até hoje, ser o seu candidato, seu sucessor
haja visto que ele foi o vitorioso nas eleições e tal. Eu
confesso que estou consciente, cada vez mais convicto que
acertei em não fazê-lo o meu sucessor ou o meu candidato
a meu sucessor. Porque eu via sempre nele uma sede
enorme de poder. Sempre vi nele um potico trabalhador,
inteligente, com certa experiência no campo legislativo,
mas não como executivo. Então, eu não via nele um grande
sucessor pra vir a me suceder e ser um grande prefeito.
que eu percebia a vontade de riqueza, né? Não a riqueza
potica, mas a riqueza na vida particular, na vida pessoal e
isso faz com que os poticos não cresça[m], não evolua[m],
não venham a evoluir […] isso eu sentia no meu coração,
que não seria o nome que eu poderia trazer e dar a
responsabilidade da minha sucessão. Então, por isso, ele
nunca seria um nome escolhido por mim. Não porque eu
quisesse continuar comandando o município, mas sim
imaginando que a cidade não teria essa continuação desse
desenvolvimento e ele tá mostrando, né? Uma cidade que
eu deixei sem débito nenhum — quando eu peguei o
município, foi com 12 milhões de reais, a renda mensal;
nós entregamos com 68 milhões de reais/ mês. Uma cidade
que entregamos com 100 mil alunos e que pegamos com 30
mil alunos. Uma cidade que entregamos nas mãos dele,
com o professor mais bem remunerado de todo o estado do
Rio de Janeiro — ganhava cinco salários mínimos, no piso
inicial, e ele acabou com isso. Uma cidade que hoje eu vejo
falar em empréstimo no BNDES, uma cidade que eu vejo
falar com tanta parceria com o estado, tentando viabilizar
uma eleição do candidato do partido dele [Anthony
Garotinho]. Uma cidade que eu vejo muita bravata, muitas
promessas que foram trazidas na época de eleição e que não
[…] que eu tinha certeza que não teria condição de fazer.
Uma situação de uma série de problemas que estão
aparecendo e que vão aparecer e que eu prefiro não ser aqui
o denunciante porque a imprensa e os óros responsáveis
certamente irão trazê-los no momento certo, não serei eu
[…] o autor disso aí, até porque não me sinto feliz com
isso. Mas isso vem a fortalecer a minha visão da época em
que eu achava que ele não deveria ser o meu sucessor”.
Com as derrotas amargadas pela rede política de Zito, Núbia Cozzolino conseguiu ser eleita
em Magé (com 46.699 votos contra apenas 31.397 de Narriman) e Maria Lúcia voltava à
194
prefeitura de Belford Roxo. Narriman não apenas não havia conseguido se reeleger, como
ficara com o segundo lugar com uma diferença considerável de votos. Sua campanha não
contou com o apoio esperado do partido, como outras na Baixada, não sendo considerada
“estratégica”.
“Foi um grande erro político meu
. Falta de experiência e
visão. Não foi uma criação minha, uma vontade minha
fazê-los poticos. O Waldir, pela vontade própria e por
interesses de amigos que moram em Belford Roxo que
tinham assim...hoje eu vejo...tinham uma vontade, interesse
pessoal na ida dele pra lá e a Narriman, do mesmo jeito, em
Magé. Se perguntar se eu faria isso de novo eu vou dizer
que não faria. E não farei isso mais porque as pessoas que
votaram no Waldir e na Narriman votaram pelo Zito e
achavam que eles pudessem fazer o mesmo que eu fiz em
Duque de Caxias, mas tá cada vez mais comprovado que
cada pessoa é uma pessoa.s não somos iguais, cada um
tem seu lado forte, o seu conhecimento, a sua eficácia. Mas
não é a mesma coisa. E as pessoas ficaram frustradas em
não ter tido a sorte de que eles pudessem fazer com que o
sonho deles virasse uma realidade. Tanto que eu pedi ao
Waldir que não se candidatasse e ele foi […] ele
respeitosamente aceitou o meu pedido e não se candidatou.
Ele — acho eu — dificilmente retornará à vida pública em
qualquer cargo eletivo, a não ser que tenha uma passagem
pelo legislativo. Começar como vereador, como eu acho
que todo mundo deve fazer. Como eu fui. É o ABC da
potica […] Tem que começar pelo primeiro degrau; eles
começaram pelo terceiro degrau, né? […] Confesso a vo
que não foi de minha vontade e isso mostrou a minha força
potica — que eu elegi os dois — mas também serviu de
desgaste potico enorme pra mim e de problemas com
vários políticos. Hoje, eu jamais faria isso” (Grifos meus).
Na ocasião, os jornais anunciaram amplamente que Zito havia perdido o posto de “rei da
Baixada”
180
. Ele, no entanto, de forma alguma desistira de seu projeto político. A
aproximação com César Maia foi, então, concretizada com o convite e a criação de uma
secretaria para Zito. À frente da Secretaria de Relações Institucionais, Zito estava
180
Ver, por exemplo, as matérias publicadas nos seguintes jornais: Jornal do Brasil, 04/11/2004; O Dia,
06/11/2004 e O Globo, 06/11/2004.
195
incumbido de conseguir apoio onde o prefeito carioca não gozava de grande prestígio: na
Baixada.
O projeto político de César Maia era coincidente, nesse momento, ao de Zito. Se este
último desejava continuar no cenário político, mantendo seus acessos e reconhecimento
como mediador legítimo;sar, por sua vez, não podia dispensar seu capital potico que,
somado ao de Lindberg Farias na prefeitura de Nova Iguaçu, poderia significar votos em
uma região tradicionalmente resistente a seu discurso.
Em seguida, o retorno ao PSDB marca a retomada do projeto inicial de Zito. Nesse
momento — não mais contando com a aliança com o antigo aliado político, Dr. Heleno,
agora no PP e aliado do atual prefeito de Caxias, Washington Reis — sua filha, a deputada
estadual Andréia Zito, destaca-se na operação de retomada de sua trajetória potica.
Segundo Andréia, Zito teria inclusive desistido de cargos poticos no ano de 2005, depois
da derrota em Caxias e dos desgastes com o PSDB, e depois com o próprio PDT.
“Meu pai havia desistido. Eu o convenci a retornar ao
PSDB. O Marcello diz que foi por minha causa que meu
pai voltou. Foi preciso muita conversa. Mas foi mais como
filha, foi mais com o coração que eu falei com ele do que
como deputada. A gente conversa muito. E eu falei pra ele
que achei um erro ele ter saído do partido. O lugar dele é no
PSDB” (Andréia Zito, 26/04/2006).
Mais do que apoio para a volta ao PSDB, Andia configurou uma peça-chave para a
retomada de Zito à vida pública. O seu retorno ao partido, em setembro de 2005, acabou
provocando um certo mal-estar, uma vez que se cogitava seu possível ingresso no PFL de
César Maia. Sendo assim, no início deste ano, Zito deixou o cargo que ocupava na
Prefeitura do Rio de Janeiro a convite do prefeito para dedicar-se à campanha de 2006.
196
Para viabilizar seu retorno e seu projeto político de retomar a administração de Duque de
Caxias, em 2008, Zito optou por candidatar-se a deputado estadual nas próximas eleições e
tentar fazer de sua filha uma aliada na Câmara dos Deputados — posição até então ocupada
por Dr. Heleno. As articulações nesse momento giram em torno dessas duas candidaturas
que, se concretizadas, podem significar maior proximidade do objetivo final de Zito: o
governo do estado em 2010.
“Agora, nós estamos indo de casa em casa. A campanha de
rua é o nosso forte. Fazemos reuniões em casa de família,
com pequenos grupos para conseguir apoio e mostrar o que
pretendemos.s trabalhamos assim” (Andréia,
26/04/2006).
Nas eleições em Caxias, nós batemos na trave. Mas minha
credibilidade potica cresceu. Os convites aconteceram
para que eu fosse candidato a governador do meu partido,
para que fosse vice, fazendo o fechamento do PSDB com
outros partidos, para que fosse senador. Mas eu quis e
quero reiniciar minha vida pública no cargo de deputado
estadual. Por que? Porque eu vou ficar mais próximo às
bases no meu estado. A minha filha que tem dois mandatos
de deputada estadual […] houve uma lacuna nessa nossa
caminhada, porque o Dr. Heleno — que sempre foi o meu
federal — acompanhou tamm o Washington, me deixou.
Então, eu pedi que a Andréia fosse candidata a federal e eu
a estadual para que eu venha a recomeçar o meu trabalho
não só aqui em Duque de Caxias. Eu quero poder ajudar os
prefeitos em outras cidades, na sua reeleição e com
algumas outras lideranças que por ventura venham a surgir.
Enfim, eu quero fazer um trabalho enquanto deputado
estadual que venha a abranger todo o estado do Rio de
Janeiro. Por isso, eu quero voltar a ser deputado estadual
por dois anos, porque eu quero voltar a ser prefeito e fazer
um grande trabalho; em 2010 me credenciar de novo a ser
candidato a governador. Esse é o meu caminho, a minha
pretensão política e eu vou trabalhar para que eu tenha uma
votação expressiva em todo o estado do Rio de Janeiro e
não só em Duque de Caxias. E pretendo fazer a Andréia
nossa deputada federal, porque é muito importante pra
mim, pra que os projetos federais, as verbas federais, as
emendas venham e pra que eu possa ajudá-la e que ela me
tenha como guia para que esses recursos possam chegar nas
197
cidades onde nós certamente iremos trabalhar” (Zito,
26/04/2006).
Apesar do discurso de que “há um exército [de aliados] atrás de mim”, Zito parece
relativamente isolado. Quando perguntado sobre seus aliados poticos no momento,
mencionou apenas dois: sua filha Andréia e o candidato derrotado nas eleições municipais
de Duque de Caxias, Laury Villar.
Seu mais antigo aliado potico, Dr. Heleno, o abandonou, indo para o lado adversário. Os
demais políticos com quem mais recentemente manteve estreitas ligações —sar Maia,
Lindberg Farias, entre outros — são nomes de ocasião, ou seja, acertos políticos
momentâneos e instáveis. O retorno ao PSDB, por exemplo, implicou no afastamento de
sar Maia — a relação de proximidade com Lindberg e o PT sendo imprevisível. Todo o
desgaste oriundo da insistência em levar a cabo o projeto de candidatar-se a governador
acabou lhe rendendo um grande ônus potico, apesar de seu prestígio pessoal em Caxias
estar aparentemente intacto. Em relação a Narriman, segundo ele ainda estariam juntos,
mas durante a entrevista Zito não usava aliança. Os jornais parecem concluir que a união do
casal não durará muito, já que, ainda filiada ao PT, a ex-prefeita teria sido convidada a
disputar as próximas eleições como candidata do partido à Assembléia Legislativa,
contrariando os interesses poticos do marido que afirmar que ele deveria sair da
potica
181
.
As diversas falas aqui apresentadas permitem-nos apreender a multiplicidade de interesses
em jogo e as formas pelas quais as práticas poticas são operacionalizadas. Não foi
objetivo desta tese classificar ou mesmo rotular este ou aquele potico de assistencialista,
181
O Dia, 26/11/2004.
198
populista ou clientelista
182
, nem mesmo de benfeitor, herói, messias ou salvador
183
. Por
outro lado, a preocupação em tampouco diluir ou mesmo suprimir a pecha de populista ou
assistencialista remete à percepção de que as relações em questão estão sempre envoltas em
tipologias e classificações (nativas ou não) associadas a julgamentos de valor.
Ao traçar as possíveis relações entre os discursos sobre ou para uma determinada pessoa e
ressaltar a polifonia existente na constituição dos processos de identificação sociais
vinculados às práticas poticas e eleitorais, podemos relacionar os projetos em jogo, os
campos de possibilidades dos atores e sua capacidade de mediação (Velho, op.cit.; Velho e
Kuschnir, op. cit). Nesse sentido, a análise da trajetória de Zito permitiu-nos expor com
minúcia as estratégias e os obstáculos enfrentados para a concretização de seu projeto
pessoal — e em que medida tal projeto podia associar-se a outros e, assim, obter êxito.
Grosso modo, as disputas internas ao próprio partido – a luta entre “os mais iguais entre os
iguais” (Heredia, op. cit.) – ou mesmo o desgaste nas relações familiares (com Narriman e
Waldir) puderam ser entendidos em relação às estratégias individuais e às mudanças por
que passaram os projetos políticos dos atores em questão. A incapacidade de manter-se
como mediador potico (mesmo que temporariamente), independentemente de seu carisma
pessoal, foi demonstrada através da tentativa mal-sucedida de imposição de sua vontade e
projeto a outras lideranças.
Assim, o papel e a influência dos partidos — apesar do “sentimento de inferioridade” com
relação a estes últimos
184
— mesmo que minimizados em trajetórias como a aqui abordada,
são novamente acionados quando nos depararmos com o insucesso de Zito na efetivação de
182
Leal (op. cit.), Weffort (1980), Nunes (1997).
183
Harris (1978) e Girardet (1987).
184
A expressão entre aspas é de Jairo Nicolau (1996) quefaz uma análise sobre o sistema político e,
particularmente, sobre os partidos políticos no Brasil, no período pós-1985.
199
seu projeto de candidatar-se ao governo do estado. Novamente, seu carisma, por si só, não
foi capaz de garantir a concretização de suas intenções, tampouco de lhe assegurar a
prefeitura de Duque de Caxias como base para projetos futuros.
Aparentemente isolado politicamente, Zito enfrentará sua prova de fogo nas eleições de
2006. Testando o seu carisma pessoal e sua capacidade de mediação potica, sua vitória ou
derrota para a ALERJ — e a de sua filha para a Câmara de Deputados — definirá os
destinos políticos de sua família.
200
CAPÍTULO 4: LINDBERG: DO MUNDO PARA A BAIXADA
O Brasil está olhando para esta eleição em Nova Iguaçu, afirmou Lindberg Farias (Jornal
do Brasil, 04/10/2004).
Neste capítulo abordarei a trajetória de Lindberg Farias, a última selecionada para
pensarmos a Baixada como o resultado da multiplicidade de práticas poticas locais, seus
atores e processos de identificação nelas envolvidos. Esta apresentação visa refletir a
respeito da multiplicidade em termos representativos e expressivos, expondo os diferentes
(e em alguns casos, novos) discursos (e projetos – individuais e coletivos) sobre a região e
o próprio fazer potico, acionados durante a campanha eleitoral para o pleito municipal de
Nova Iguaçu, em 2004.
Conforme demonstrarei no decorrer do capítulo, meu acesso ao candidato petista não foi
imediato, tampouco sem esforços. Sendo assim, como ponto de partida, trabalhei com
fontes documentais sobre sua vida potica — fundamentalmente com o Dicionário
Histórico e Biográfico Brasileiro (Abreu et al., 2001), devido à inexistência de uma
biografia até o momento — além de matérias de jornais de âmbito nacional e regional.
Utilizei-me, ainda, de entrevistas com alguns assessores e pessoas ligadas à sua campanha,
documentos de partidos políticos e material obtido por meio de pesquisa em sítios
eletrônicos diversos.
Embora tenha conversado com Lindberg, não realizei uma entrevista formal. Fiz
observão participante, acompanhando o cotidiano de sua campanha pelo maior tempo
201
possível. Durante o trabalho de campo, conversei também com moradores dos mais
diversos bairros da cidade em circunstâncias variadas e participei de eventos
showmícios, caminhadas, carreatas e encontros — dos três principais candidatos à
Prefeitura de Nova Iguaçu
185
.
Conforme tratado em capítulo anterior
186
, Nova Iguaçu pertence à Região Metropolitana do
Rio de Janeiro e constitui um dos núcleos do lugar Baixada Fluminense. De acordo com o
IBGE, a cidade possuía, em 2002, 750.487 habitantes, distribuídos por nove unidades
regionais (URGs): Centro (175.562 hab.), Posse (117.834 hab.), Comendador Soares
(108.614 hab.), Austin (96.199 hab.), Cabuçu (76.350 hab.), Vila de Cava (63.035 hab.),
Km 32 (57.467 hab.), Miguel Couto (50.872 hab.) e Tinguá (13.328 hab.). Segundo as
estimativas deste mesmo órgão, em 2004, Nova Iguaçu contava com a terceira maior
população do Estado do Rio de Janeiro (817.117 habitantes) e, ao lado de Duque de Caxias
(a segunda no ranking, com 830.679 hab.), constituía uma das cidades mais importantes
potica e economicamente dentro da região.
Nova Iguaçu sempre teve um papel crucial na Baixada Fluminense — até a década de 1980,
disputando a hegemonia potica regional somente com Duque de Caxias. A trajetória de
Zito, abordada no capítulo anterior, bem como a dos demais atores políticos aqui
apresentados, ilustra exemplarmente o processo que culminará, em 2004, na
reconfiguração das relações de poder locais, cada vez mais dinâmicas e fluidas, trazendo à
tona a complexidade do fazer potico numa arena ampliada para além das fronteiras
fluminenses e de seus “caciques”. Nesse sentido, Nova Iguaçu transformou-se no cenário
185
Os candidatos à prefeitura de Nova Iguaçu, em 2004, foram: Lindberg Farias (PT), Mário Marques
(PMDB), Fernando Gonçalves (PTB), Carlão (PSTU) e Renato (PCB).
186
Ver capítulo sobre a(s) Baixada(s) e seus munipios.
202
de uma das eleições mais noticiadas daquele ano — tanto pela imprensa escrita carioca,
quanto por alguns jornais de caráter mais abrangente (O Globo, Folha de São Paulo,
Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, Estado de Minas, entre outros). Tais eleições
acarretaram uma visibilidade política inédita para a região. A cobertura da imprensa
nacionalizou as campanhas locais e transformou a cidade no palco da guerra política entre o
casal Garotinho (a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus e seu marido, o ex-
governador e ex-secretário de segurança do estado, Anthony Garotinho, ambos do PMDB)
e o governo federal (o presidente Lula e o PT), redirecionando, assim, os holofotes para a
Baixada Fluminense
187
.
No pleito em questão, as redes políticas que atuam na Baixada polarizaram o campo
político (pensado em termos de lutas entre concorrentes pelo poder potico na cidade e na
região como um todo
188
), fundamentalmente, em torno de dois candidatos principais: Mário
187
Anthony Garotinho nasceu em Campos, onde disputou sua primeira eleição (em 1982, para a Câmara dos
Vereadores, pelo PT). Apesar de ter sido o candidato mais votado da cidade, não conseguiu eleger-se porque
seu partido não atingiu o coeficiente eleitoral mínimo.
Em 1986, elegeu-se para a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrático
Trabalhista (PDT). Em 1988, ainda pelo PDT, candidatou-se à prefeitura de Campos. Foi Secretário de
Agricultura do estado do Rio de Janeiro, na gestão do então governador Leonel Brizola, entre 1993 e 1994.
Neste mesmo ano foi candidato ao governo do estado pelo PDT, tendo sido derrotado, em segundo turno, pelo
candidato do PSDB, Marcello Alencar. Em 1996, Garotinho foi eleito para a prefeitura de Campos. Em 1998,
deixou o cargo para lançar-se novamente candidato do PDT ao governo do estado do Rio de Janeiro. Elegeu-
se, em segundo turno, com 58% dos votos válidos para o mandato de 1999 a 2003, tendo como vice, Benedita
da Silva, do PT.
Foi, em 2002, secretário de governo de sua esposa, Rosinha Matheus, em seguida tornou-se Secretário de
Segurança do estado. No ano de 2006 tentou lançar-se pré-candidato à Presidência da República pelo PMDB,
mas não teve sucesso. As disputas internas ao partido e interesses em possíveis coligações impediram que o
projeto de Garotinho se concretizasse. Ele foi alvo de diversas denúncias de mal uso do dinheiro público
feitas pelo jornal O Globo, fazendo greve de fome como protesto ao que chamou de tentativa de “derru-lo”,
de “tirá-lo do campo” maculando sua imagem de homem público. Até o momento da revisão final desta tese,
o PMDB ainda não havia tomado qualquer decisão sobre possíveis coligações e, devido à verticalização, as
coligações para o cargo de Presidente implica no respeito a tais coligações também nas esferas estaduais para
a eleição de Governadores.
Já Rosinha Matheus é Governadora do Rio de Janeiro, em seu primeiro mandato eletivo, obteve 4.101.423
votos, representando 51,30% do total dos votos válidos, contra os 1.954.379 votos de Benedita da Silva, do
Partido dos Trabalhadores (PT), totalizando 24,45% do total da votação (Dados do TSE). O casal é
evangélico, membro da Igreja Assembléia de Deus (Barreto, 2004:60).
188
Ver, a este respeito, Bourdieu, 1989: 163-164.
203
Marques
189
, do PMDB — através da coligação “Crescer sempre com Deus e o povo”,
composta por 16 partidos (PP, PDT, PMDB, PSL, PTN, PSC, PL, PPS, PSDC, PRTB,
PHS, PMN, PV, PRP, PRONA e PT do B) — e, do outro lado, o paraibano Lindberg
Farias, escolhido para disputar a eleição na cidade pela coligação Hora da Mudança” (PT,
PFL, PSDB, PSB e PC do B).
A opção pela análise da trajetória de Lindberg deveu-se não somente à novidade
representada por sua candidatura — em termos do lugar que a Baixada (via Nova Iguaçu)
passaria a ocupar na potica do estado, mas também do país de forma mais ampla — mas,
sobretudo, por constituir o primeiro passo em direção a um projeto político coletivo do PT
para o Rio de Janeiro, com implicações para as eleições futuras (de 2006). Pela primeira
vez, em muitos anos, Nova Iguaçu e a Baixada, de forma mais ampla, eram alçadas a
manchetes nacionais sem remissão direta (ou exclusiva) à violência, criminalidade ou
pobreza da região
190
.
189
Neste trabalho, não abordarei a campanha de Mário Marques. Faz-se necesrio, no entanto, um breve
resumo de sua biografia. Mário Pereira Marques Filho é natural de Nova Iguaçu. Advogado, foi Juiz de Paz
da Comarca de mesmo nome, entre 1967 e 1970, e Secretário de Administração da Prefeitura, de 1967 a 1968.
Em 1970, foi eleito vereador em seu primeiro mandato (pela ARENA), com 2.397 votos e reeleito, em 1972,
pelo mesmo partido, com 3.025 votos. Foi suplente de Deputado Estadual (1974-1978) ainda pelo mesmo
partido, participando, como relator, da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, em duas
legislaturas (1970/ 1972/ 1976).
Em 1976, reelegeu-se vereador pela terceira vez (ARENA), com 3.024 votos. Filiou-se ao Partido
Democrático Social (PDS) em 1981, no qual permaneceu a1990. Reeleito pela quarta vez em 1982, foi o 3º
mais votado do município, com 4.761 votos. Foi líder da bancada do PDS e fundador do partido (1980/ 1982)
no município.
Em 1988, reelegeu-se vereador, ainda pelo PDS, com 1.180 votos, momento em que atuou também como
relator da Lei Orgânica de Nova Iguaçu (em 1988 e 1990).
Em 1990, candidatou-se à Câmara dos Deputados pela legenda do PTR, com um total de 4.882 votos, obtendo
a 5ª suplência. Reelegeu-se vereador pela sexta vez consecutiva em 1992, obtendo 1.615 votos — sendo o 1º
da coligação PTR/ PST, posteriormente eleito 2º Vice-presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu.
Foi reeleito vereador pela 7ª vez consecutiva, em 1996, já pelo PPB, obtendo 2.772 votos. De 1999 a 2000, foi
Presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu.
Aos 63 anos, após 30 anos de mandatos legislativos, tornou-se pela primeira vez prefeito de seu município,
tendo assumido o cargo em 2002.
190
Tais “imagens” o desapareceram por completo, foram minimizadas em relação às demais regiões do
estado e, principalmente, ao município do Rio de Janeiro, conforme retratado por Silvia Ramos e Anabela
204
Destinos e Projetos
“Eu vim pra cá pra mudar Nova Iguaçu. Porque Nova Iguaçu é só o começo.
Lindberg Farias, no palanque, durante a sua campanha em 2004.
Luís Lindbergh Farias Filho nasceu em João Pessoa (PB), em 8 de dezembro de 1969. Filho
da professora Ana Maria Nóbrega Farias e do médico Luís Lindbergh Farias, começou a
vida adulta trilhando o caminho do pai ao optar pelo curso de Medicina da Universidade
Federal da Paraíba, no qual permaneceu por dois anos. Sua inserção na vida política
universitária iria, entretanto, levá-lo em outra direção. O “encontro” com a potica também
deveu-se, de certa forma, à influência paterna —seu pai tendo sido ex-militante da Ação
Popular (AP) e vice-presidente da UNE, em 1961.
Em 1988, Lindbergh filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PC do B). No ano seguinte,
integrou, como secretário-geral, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade
Federal da Paraíba. Em 1991, tornou-se secretário-geral da UNE (União Nacional dos
Estudantes) e, em maio de 1992, foi eleito presidente, em cerimônia na USP na qual
estiveram presentes o então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da
CUT, Jair Meneguelli; a prefeita de São Paulo, Luiza Erundina; o presidente da SBPC,
Enio Candotti, e o presidente do PC do B, João Amazonas
191
.
Paiva no relatório completo, realizado pelo CESeC, assim como no relatório Impunidade na Baixada
Fluminense, organizados em conjunto por diversas entidades e centros de pesquisa (2005).
191
Jornal do Brasil de 16/07/1992.
205
Meses depois, Lindbergh se transformaria em um dos principais líderes do movimento dos
cara-pintadas” (DHBB, 2001)
192
. A partir de agosto daquele ano, juntamente com outras
entidades civis como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), a Associão Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), organizou diversas manifestações públicas estudantis (e de
cidadãos, de modo em geral), exigindo o impeachment do presidente Fernando Collor de
Mello (PRN)
193
.
Na passeata de sexta-feira às 10h30m, partindo da
Candelária, temos um objetivo muito claro: unir toda a
juventude que está indignada com os rumos que o país
está tomando. Mas não queremos apenas os jovens, que
naturalmente estão participando [...] Vamos unir todos
que são contra a impunidade, os que são contra a
corrupção, os que defendem o impeachment do presidente
Collor. Não interessa por que partido têm simpatia. Se os
simpatizantes do PFL que defendem o impeachment
quiserem participar, ótimo. Serão muito bem recebidos”
(O Globo, 20/08/1992).
No dia 31 daquele mesmo mês, o jornal Folha de São Paulo, referindo-se a Lindberg como
o novo herói”, publica uma entrevista feita com ele sobre as manifestações estudantis, a
UNE, Cuba, a década de 1960 e a luta armada, terminando com a seguinte pergunta: Vo
pretende seguir carreira política?”. A resposta negativa enfatizava os planos de “acabar os
estudos”, formar-se em Direito e trabalhar pela causa “dos trabalhadores e camponeses”.
192
É importante destacar que a própria grafia de seu nome foi alterada, suprimindo o H ao final e tornando-se
conhecido apenas como Lindberg Farias.
193
Nesse mesmo ano, Lindberg conheceu Maria Antônia Goulart durante uma das passeatas, sua companheira
e mãe de seu filho, também chamado Luís. Maria Antônia e Lindberg se separaram e permaneceram assim até
meses antes da eleição de 2004, quando reataram o casamento.
206
Apesar de não assumir qualquer intenção de ingressar na vida pública, suas palavras finais
acabaram sendo um presságio: “Eu sempre vou querer estar no olho do furacão
194
.
Através da visibilidade nacional alcançada com o “Movimento pela Ética”, liderando os
estudantes a favor do impeachment, Lindberg tornou-se um interlocutor privilegiado com o
governo federal — na ocasião, já sob o comando de Itamar Franco (PSDB/MG) — a
despeito das críticas de seu partido a esta administração. No ano seguinte (1993), ele esteve
à frente das manifestações estudantis contra o aumento das mensalidades e participou
ativamente do Movimento pela Ética na Política (DHBB, op. cit.).
A conquista de um cargo eletivo, semvida, já figurava entre seus interesses, constituindo
um projeto pessoal, desde o impeachment de Collor. O ano de 1993 foi de muitas conversas
e de articulação potica. O mais famoso dos “cara-pintadas” tornara-se importante e
disputado politicamente. Em matéria publicada em 5 de maio de 1993, a revista Veja
ressaltava alguns dos atributos de Lindberg, a ele referindo-se como o “astro do
impeachment”.
De fala arrastada e jeito sedutor, Lindo, o bonitão
modelo anos 60 que se tornou o muso dos cara-pintadas,
agita a moçada, provoca paixões e distribui autógrafos.
[...] No movimento estudantil, o partido responde pelo
nome de Virão. Lindberg é a estrela da chapa, que hoje
comanda a maioria das entidades estudantis do país. Foi
eleito por mais da metade dos votos dos representantes
dos 1,5 milhão de estudantes universitários. É também a
esperança do PC do B, que tem sete deputados e nenhum
senador no congresso.
194
Poucos dias após essa entrevista à Folha de São Paulo, outro jornal — o Jornal do Brasil — afirmava que
o sonho de Lindberg era diplomar-se, mudar-se para o Rio de Janeiro e “com certeza, fazer política” (Jornal
do Brasil, 13/09/1992).
207
Em 15 de agosto de 1993, o Jornal do Brasil anunciava uma possível aproximação com
Brizola que, no entanto, não se concretizou. Em 1994, o projeto individual (Velho, op.cit.)
de Lindberg foi vitorioso: ele conseguiu eleger-se o deputado federal mais votado de seu
partido (PC do B), com 57.544 votos — pela Frente Brasil Popular (PC do B, PT, PSB, PV
e PSTU) — com um discurso voltado para a área da educação, para o movimento estudantil
e contra a corrupção. Sua atuação durante este primeiro mandato eletivo esteve, de fato,
muito ligada à educação, com uma postura crítica ao “provão” — apoiando, assim, a
posição sustentada pela UNE — e à abolição do monopólio estatal das telecomunicações e
do petróleo. Em setembro de 1997, Lindberg desligou-se do PC do B, filiando-se ao PSTU.
A lógica dos partidos pode ser acionada de diversas maneiras
195
: do ponto de vista do
potico que participa de uma “ciranda de siglas” com o objetivo de eleger-se; para pensar a
operacionalização de um sistema partidário fragmentado — como no caso brasileiro — e a
dinâmica dos números
196
; como crítica à perda do caráter ideológico dos partidos ou, ainda,
como denúncia, no contexto da disputa eleitoral — como no caso da matéria, veiculada
pelo jornal da Liga Bolchevique Internacionalista, que pretendia fazer uma análise da saída
de Lindberg do PC do B.
195
O tema em questão é abordado por inúmeros pesquisadores — historiadores (Beloch, 1986; Sarmento,
1999; Soares, 2001); cientistas políticos (Schmitt e Araújo, 1997; Sento-Sé, 1999; Mainwaring, 2001);
sociólogos (Diniz, 1982), antropólogos (Palmeira e Goldman (orgs.), 1996; Viegas, 1997; Bezerra, 1999;
Kuschnir, 2000; Santos, 2001; Borges, 2003) — com ênfases diversificadas, mas com o objetivo comum de
tentar entender o sentido e as formas de operão da política e da democracia no Brasil. É interessante
perceber como a lógica dos partidos é correlata à lógica da dádiva, influência de Mauss na re-significão
operada por Kuschnir, sendo a primeira possível graças a um sistema multipartidário que qualifica como
atendimento, a mediação operada pelo ator político. Dessa forma, a prática da “ciranda das siglas” adotada
por muitos políticos convive, na maioria dos casos, harmoniosamente com o tipo de Estado constituído na
América Latina e, particularmente, no Brasil.
196
O que denomino dimica dos números refere-se essencialmente à expressão numérica e percentual da
representação política. No processo da dinâmica eleitoral, os votos, pensados como números, são tratados sob
o prisma da quantificação, deixando de lado o caráter expressivo — de seu sentido e de sua dimensão de
valor.
208
[…] a saída de Lindberg do PC do B e seu ingresso no
PSTU seguia unicamente suas conveniências eleitorais,
em um processo de re-acomodação partidária no
mesmo marco da frente popular. Alertávamos, porém,
que mais grave que a conduta de Lindberg era a
orientação levada a cabo pela direção do PSTU ao
acolher, sem qualquer reserva ou exigência de
autocrítica profunda, uma figura de ponta do PC do B
em seus acordos com a burguesia, procurando apagar as
traições de seus antigos adversários, no momento em
que estes se filiam ao partido. Em resumo, a forma
como Lindberg ingressava no PSTU acabava por tornar
esse partido uma espécie de legenda de aluguel da
esquerda[…] O ex-presidente da UNE e garoto-
propaganda do impeachment, eleito em 1994 em função
das mobilizações do Fora Collor, via ameaçada suas
pretensões de reeleição em 1998, porque o PC do B do
Rio de Janeiro decidira priorizar a reeleição da também
deputada federal, Jandira Fegalhi. Em uma conduta
eleitoral típica dos mais marginais políticos burgueses,
Lindberg Farias, às vésperas do encerramento do prazo
para mudanças de partidos, larga o PC do B e adere ao
PSTU” (06/08/2001).
Os jornais também conferiram destaque à mudança de sigla. Com manchetes como
“Lindberg troca o PC do B pelo PSTU: militante no partido desde 87, deputado federal pelo
Rio recebe críticas de colegas” (Folha de São Paulo, 28/09/1997), ou “O desbunde do cara-
pintada: o deputado Lindberg Farias troca a cartilha do PC do B pelo trotskismo do PSTU e
é vítima de insinuações no Congresso” (Revista Isto é, 08/10/1997). Vários políticos
também comentaram a troca de partido, algumas situações de conflito vindo à tona nesta
reportagem da Isto é (idem).
“‘Não entendi nada. Pelas posições que defendia
[Lindberg], parecia estar mais próximo de pessoas como
Leonel Brizola e Miguel Arraes do que dos trotskistas’,
afirmou o deputado Inácio Arruda (PC do B - CE) [...]
Acho que o PC do B é burocrata e tem ilusão de que é
possível mudar o país aos pouquinhos. A saída é a luta
209
popular’, defende um aguerrido Lindberg [...] ‘O que ele
fez foi uma mistura de oportunismo eleitoral com vontade
de brilhar sozinho num partido pequeno. Ele acha que no
PSTU só vai ser menos importante que o Trotski’,
alfineta Ricardo Capelli, atual presidente da UNE e
militante do PC do B.
‘Ele apostou no PSTU porque acha que vai haver uma
aliança com o PT e assim fica mais fácil para se reeleger’,
avalia o deputado Ricardo Gomide (PC do B - PR).
Nos últimos quatro meses, Lindberg vinha emitindo
sinais a seus colegas de que estava perdendo o eixo.
Ameaçou renunciar ao mandato na hipótese de
condenação doder dos sem-terra, José Rainhanior
[...] Antes de radicalizar de vez, foi convidado a ingressar
em partidos menos ortodoxos.
‘Chamei o Lindberg porque no PV ele poderia desbundar
à vontade’, brinca Fernando Gabeira, único representante
do Partido Verde na Câmara.
[...] As críticas [de Lindberg a Miguel Arraes] tiveram
resposta imediata. O deputado federal Alexandre
Cardoso,der do PSB de Arraes, fez um discurso
malicioso insinuando que Lindberg estaria envolvido com
cocaína [...]
‘O Alexandre Cardoso é o tradicional potico da
Baixada Fluminense. Gosta de baixar o nível’, contra-
ataca Lindberg” (Grifos meus, p.32).
Enquanto para alguns atores (fundamentalmente de “alas”, mas também de redes poticas
diferentes, como acima exposto), a troca de partido efetivada por Lindberg significava uma
simples manobra eleitoral; para outros (para uma parte da imprensa, por exemplo), refletia
um recrudescimento de suas posições poticas, valendo-lhe a designação de “radical”. No
entanto, apesar da expressiva votação obtida (74 mil votos) naquele ano (1998), a mudança
de sigla não reverteu necessariamente em sua reeleição e Lindberg não conseguiu ser
reeleito.
210
À fama de “radical”, somava-se também a de “bêbado”, “encrenqueiro”,badboy”.
Lindberg protagonizou confusões dos mais variados tipos: com policiais, durante leilão da
Vale do Rio Doce, em 1997; trocando cotoveladas com seguranças da Câmara dos
Deputados, em 1998; arremessando pedras em policiais militares durante leilão de
privatização da Telebrás, neste mesmo ano e, por fim, envolvendo-se numa briga em uma
lanchonete, em 1999. Lindberg, após estes episódios, decidiu mudar seu visual (emagreceu,
começou a praticar esportes, a correr), no intuito de transformar tamm sua imagem
pública.
Hoje, aos 29 anos, Lindberg Farias pode até continuar o
mesmo radical de sempre – tanto que permanece filiado
ao ultraxiita PSTU, partido no qual ingressou em 1997,
por achar os comunistas do PCdoB ‘muito
conservadores’. O visual, entretanto, mudou um bocado.
[...] São 88 quilos sarados em 1,86m de altura” (O Dia,
25/06/2000, grifo do autor).
Tais mudanças visavam o ano eleitoral de 2000. Ainda pelo PSTU, disputou uma vaga na
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, obtendo 40.503 votos, mas novamente não
conseguindo eleger-se — sendo necessário um mínimo de 85 mil votos, considerado um
coeficiente alto para um partido do porte do PSTU
197
.
Em 2001, Lindberg efetuou uma nova troca de partido, filiando-se ao PT — o que gerou
novas críticas e acusações de ex-colegas do PSTU
198
. Nas eleições de 2002, disputou uma
vaga para a Câmara dos Deputados, saindo vitorioso com 83.468 votos e sendo o terceiro
197
Chamo a atenção para a noção de risco intrínseca à própria concepção de projeto, seja ele individual e/ou
coletivo. Conforme assinalou Velho (1999:29), “o projeto, sendo consciente, envolve algum tipo de cálculo e
planejamento, não do tipo homo economicus, mas alguma noção culturalmente situada, de riscos e perdas
quer em termos estritamente individuais, quer em termos grupais”.
198
O Partido dos Trabalhadores não é objeto desta tese, mas sobre sua criação, projetos, trajetórias ver, por
exemplo, Gadotti (1989); Meneguello (1989); Florestan Fernandes (1991); Keck (1991); Silva (2000). Outros
trabalhos recentes que se referem ao PT, mas que não o tomam necessariamente como objeto,o: Gaglietti.
(1999); Dacanal (2002); Pereira (2004); Soares (2004); Nobre (2004).
211
mais votado do partido no estado do Rio de Janeiro, atrás apenas de Chico Alencar (com
169.131 votos) e Jorge Bittar (com 140.848 votos) (TSE)
199
.
A trajetória no PT seguiu caminhos, por vezes, polêmicos. Em alguns momentos, Lindberg
colocou-se contrário a decisões da “ala governista”, integrando a “ala radical” juntamente
com Heloísa Helena (a quem fez juras de amizade e fidelidade
200
), Babá, Luciana Genro,
entre outros, o que implicou em embates e até em ameaças de expulsão do partido. O
episódio em questão recebeu abundante atenção da imprensa, sendo alçado ao patamar de
questão de Estado”, segundo Luiz Antonio Magalhães, do Observatório da Imprensa.
De acordo com matéria publicada na Folha de São Paulo de 04/02/2003, a cúpula do
partido estaria insatisfeita com as declarações e tomadas de posição de alguns de seus
correligiorios. Ainda segundo seu autor, o jornalista Kennedy Alencar, o então ministro
da Casa Civil teria dito que “gostaria de ver fora do PT as senadoras Heloísa Helena e Ana
Júlia e os deputados federais Lindberg Farias, Luciana Genro e o Deputado Babá”. Segue-
se, na mesma matéria: “nas conversas reservadas, Dirceu tem dito que o grupo de
deputados mais sectários deve sair do PT. ‘O PSTU e o PCO receberiam esse pessoal de
bom grado’, disse Dirceu a um grupo de deputados no último final de semana” (idem). Essa
não foi a única manifestação dos conflitos internos ao partido, ficando cada vez mais tensa
a relação entre os “radicais” e os “governistas”.
Em seguida, Lindberg foi procurado por nomes importantes do PT. Convidado a participar
de reuniões, que contaram com a presença do Presidente Lula; ele parecia estar assumindo
uma posição de conciliação, afastando-se dos “radicais” que acabaram expulsos do partido
199
É importante destacar que a vitória de Lula no segundo turno contra José Serra (PSDB), marcaria uma
nova fase para o Partido dos Trabalhadores, agora pela primeira vez no governo.
200
Folha de São Paulo, 21/05/2003; Revista Época, 06/09/2003, entre outros.
212
— e que vieram a fundar o PSOL. Na ocasião, os jornais elencaram os motivos e as
alianças que começavam a descortinar-se, a partir dos episódios em questão. De acordo
com matéria do Jornal do Brasil, de 02 de abril de 2003,
O deputado Lindberg Farias (PT-RJ) confirmou que
está costurando uma declaração de voto, em plenário,
para que os radicais possam marcar sua posição. Essa
declaração envolverá parlamentares de outros partidos
da base. ‘A reunião de hoje foi uma dupla vitória. Do
presidente do PT, que demonstrou disposição no
diálogo e capacidade de trânsito de todas as correntes. E
de nosso grupo, que consegui garantir um debate amplo
sobre a autonomia do BC e o Pl9’, disse o deputado.”.
Como retalião e prenúncio do que estaria por vir, no início de maio, Lindberg foi
ameaçado de afastamento da vice-liderança da bancada do partido na Câmara dos
Deputados. Sua aproximação definitiva de membros governistas do PT (e de seus projetos)
deu-se a partir de então e foi sendo aos poucos estruturada, ficando explícita na coluna por
ele escrita, a respeito da votação da reforma da Previdência — e publicada pela Folha de
São Paulo, em 09/05/2004.
“A proposta de reforma da Previdência merece apoio
dos deputados do PT? – Sim.
A votação da reforma da Previdência esquentou o
debate sobre o governo Lula entre velhos militantes da
esquerda. Alguns, em especial sindicalistas do
funcionalismoblico,falam em sair do PT,
acompanhando os parlamentares que votaram contra o
governo e que provavelmente serão expulsos do
partido. Esse, a meu ver, é um grave erro potico. A
saída do partido dos que têm posição mais à esquerda
favorece a consolidação das forças mais conservadoras
no governo e fora dele.
Quero alertar aos mais desavisados que a opção que
alguns fizeram pelo tensionamento às últimas
conseqüências faz parte de uma estratégia política.
Querem ser expulsos do PT. Crêem que chegou a hora
213
da construção de um novo partido, este
verdadeiramente revoluciorio. No fundo, estão presos
a um velho esquema: o da Revolução Russa, de 1917.
Ou melhor, a uma leitura equivocada e esquemática de
seus feitos. Não creio na possibilidade de uma
ultrapassagem pela esquerda a Lula e ao PT. Se o
governo for derrotado, não vem o PSTU; voltam os
tucanos e o PFL. Não é hora, portanto, de criar um
movimento de oposição pela esquerda, mas de
fortalecer uma ala à esquerda no governo e no PT que
pressione e exija mudanças de rumos. A falta de uma
avaliação equilibrada dessa correlação de forças pode
levar uns a pensarem que agem como os portadores da
coerência, quando na verdade estão sendo usados como
inocentes nasos da direita.
O fato é que o jogo não acabou. Ao contrário, está
esquentando. Temos de apostar em uma aliança ampla
de forças que juntem do mesmo lado os trabalhadores e
os setores produtivos do empresariado contra essa
hegemonia asfixiante do sistema financeiro; os setores
da esquerda do PT e dos movimentos sociais com a
parte do governo que começa a entender que essa é a
hora de iniciar o descarte desse entulho monetarista. É
nessa batalha que o futuro do governo Lula será
decidido. Se persistir a política atual, perde o Lula e
toda a esquerda. Volta a direita. Se, por outro lado, o
governo entrar em uma outra fase que privilegie o
crescimento ecomico e a geração de empregos,
teremos uma vitória, que, apesar de parcial, será
importantíssima. Ela nos dará um tempo maior na
espera de uma alteração na correlão de forças em
nível internacional que poderá abrir possibilidades para
saltos maiores (Tendências e Debates, Folha de São
Paulo, 09/05/2004).
Os pronunciamentos de Lindberg — ora criticando duramente o governo, ora pedindo
calma aos “companheiros” — revelavam a ambigüidade de suas posições ao mesmo tempo
em que testavam suas possibilidades no interior do partido, naquele momento específico.
Lindberg Farias (RJ), 33, afirmou que não recuou em
suas críticas ao governo e que não decidiu ainda qual será
a sua posição na votação dos pontos polêmicos das
reformas. "Acho que a bancada pode ainda mudar muito a
214
opinião", disse o deputado federal.
Folha - O sr. recuou da decisão de ir contra a
proposta do governo?
Lindbergdigitação Farias - Eu não recuei um milímetro.
Continuo articulando contra a cobrança dos aposentados,
que entendo ser errada.
Folha - Mas o sr. vai votar contra a proposta de
reforma previdenciária do governo?
Farias - Não vou dizer de antemão qual será o meu voto.
Acho que a bancada pode ainda mudar muito a opinião
em relação à proposta. Vou trabalhar para isso.
Folha - Por que o caso do sr. não irá para a comissão
deéticaFarias - Acho que eles quiseram dar um exemplo
agora. Mas eu continuo contra determinados pontos da
reforma.
Folha - O sr. concordou com a proposta do Campo
Majoritário de o debate ser interno e o voto em
conjunto?
Farias - Fui contra. Eu não antecipei o voto. Mas quero
ganhar a bancada (Folha de São Paulo, 13/05/2003).
A impossibilidade de manter-se unido aos “radicais” e de dar continuidade aos seus
projetos políticos fez com que Lindberg buscasse o alinhamento com o chamado Campo
Majoritário (composto, entre outros, pelo Presidente Lula, pelo presidente do PT, na época,
José Genoíno, pelo então Ministro da Fazenda/ Economia, Antônio Palocci e pelo então
Ministro da Casa Civil, José Dirceu), alinhamento este que, de alguma forma, já vinha se
delineando anteriormente. Os contatos iniciados desde o fim de 2002, mas consolidados
somente após o rompimento com os “radicais” — e a tomada de posição a favor de projetos
de interesse dos governistas — lhe renderam, mais especificamente em meados de 2003, o
apoio a seu nome como pré-candidato à eleição majoritária em Nova Iguaçu, por uma
importante parcela do PT nacional.
215
A pré-candidatura de Lindberg não foi, no entanto, um ato isolado do PT, e sim uma das
jogadas no tabuleiro potico regional com implicações para um projeto político nacional: as
eleições de 2006.
Através, por exemplo, de declarações sobre as estratégias para as disputas eleitorais de
2004, feitas pelo então presidente do PT, José Genoíno — em entrevista concedida aos
jornalistas Marcel Gomes, Ottoni Fernandes Jr. e Verena Glass, da Agência Carta Maior,
em 16 de setembro de 2003 — podemos perceber como as lideranças do partido
ponderaram suas resoluções e preocuparam-se em construir um projeto coletivo (para o
PT). Na entrevista em questão, Genoíno traçou um panorama das disputas anteriores e da
posição que o partido deveria tomar a partir de 2003.
“Como o PT é governo, a primeira prioridade é disputar
essas eleições para ganhar. Eu estou insistindo muito
nesta tese. Em algumas das eleições anteriores,
disputamos para acumular forças, para afirmar nomes, de
olho na eleição presidencial. Em 2000, lançamos
candidatos para ganhar, mas também para fazer nome.
Em 2004, temos que entrar para ganhar. Primeiro,
mantendo as prefeituras que o PT já governa, com a
reeleição na maioria delas, evitando o que ocorreu em
2000, quando nos reelegemos em apenas 30% dos
municípios que governávamos. Além de garantir a
reeleição dos nossos prefeitos, temos que vencer nas
cidades pólos, nas capitais de estados importantes e nas
cidades com mais de 200 mil habitantes. Também
queremos prefeituras de pequenas e médias cidades e
pelo menos um vereador em todos os municípios”.
201
201
De um ponto de vista retrospectivo, não podemos deixar de mencionar o episódio conhecido como
“mensalão”. A expressão “mensalão” foi cunhada pelo eno deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e
imediatamente adotada pela mídia. A primeira ocorrência da expressão em um veículo de comunicação de
grande reputação nacional foi no jornal Folha de S.Paulo, em matéria do dia 6 de junho de 2005. Ela refere-se
a um suposto esquema de pagamento mensal a parlamentares da base governista, em troca de apoio nas
votações do plenário. Tal esquema, divulgado a partir das investigações sobre corrupção dos Correios, deu
origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito que colheu depoimentos de diversos nomes envolvidos no
escândalo e culminou na cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson, do ex-Ministro Chefe da Casa
Civil ,José Dirceu, e do deputado Pedro Corrêa (PP/PE).
216
Enfatizando sempre a constituição das alianças a partir dos partidos que já integravam a
base governista (PC do B, PSB, PPS, PTB, PL, PP e PMDB), Genoíno afirmava, então, que
as articulações para acordos com os demais partidos — mesmo o PFL e o PSDB — não
estariam descartadas, mas que não se processariam em nível nacional, ocorrendo apenas
localmente. Com relação à autonomia dos diretórios municipais na constituição dessas
alianças, o presidente do PT afirmou que a eles caberia:
[…] com recurso ao diretório estadual e no limite ao
nacional. Por exemplo, em algumas cidades do Rio de
Janeiro, poderemos fazer aliança com o PTB. Mas na
capital, o PTB tende a fazer aliança com o César Maia,
que é oposição ao governo e ao PT. Já com [relação a]o
PMDB:s vamos laar candidato pprio no Rio, e o
PMDB também. E faremos aliança no segundo turno,
apoiando quem for enfrentar o César Maia. O critério
ético terá que ser respeitado na escolha dos candidatos e
não vamos apoiar um prefeito de partido coligado ao Lula
se existir um doss ou dencia contra ele” (Grifos
meus).
Não foi o que ocorreu em Nova Iguaçu, no entanto. Se por um lado, Lindberg contava com
as manifestações de apoio de Bittar, por outro, enfrentava as críticas de outros nomes de
peso dentro do PT, como Benedita da Silva, por exemplo, que se colocava contrária a
candidaturas “estrangeiras” à Baixada. Fazendo coro às declarações da vice-governadora —
e sendo o mais interessado no desfecho negativo para Lindberg — Adeilson Telles, ex-
secretário estadual de Trabalho durante o governo de Benedita, também condenou tal
candidatura, alegando que o pré-candidato desconheceria a realidade da Baixada e que sua
participação iria “contra todos os princípios defendidos pelo PT. Já tivemos exemplos de
prefeitos de Nova Iguaçu que moravam na Barra da Tijuca e sempre nos colocamos contra
217
isso” (O Dia, 23/07/2003, p.19
202
). O mal-estar ocorrido no diretório local do PT deveu-se
ao fato de a pré-candidatura de Lindberg trazer à tona as fissuras internas e a briga de
facções no interior do pprio partido. Em seguida, houve umracha” no diretório
municipal e nomes locais pronunciaram-se contrários à candidatura “estrangeira” e às
aliaas que se delineavam. O nome de um “nativo”, de um morador, como Adeilson —
ainda que vinculado à ala mais “à direita” do PT (a Articulação) — parecia a escolha mais
acertada, uma vez que encarnaria a “identidade da Baixada”, “a cara do iguaçuano
203
.
Sendo assim — e conforme abordado por Freire (2003) — lançar mão desse status
significava operar sob a lógica do estigma, ou seja, fundamentar o discurso e o projeto
poticos (de tornar-se candidato do partido) na gramática da identidade social, investindo
na condição estigmatizante vivenciada pelo “povo da Baixada”
204
.
No caso estudado por Freire, a situação de prova (Boltanski e Thévenot, 1991) enfrentada
pelos pré-candidatos concerne justamente à uma reunião do partido cuja pauta era a escolha
do nome que disputaria a eleição de 2004
205
. A apresentação dos repertórios de ambos os
202
A fala de Adeilson é novamente citada pelo jornal em maria de 23/08/2003, p. 21. Tal matéria também
menciona o fato de Lindberg ter sido vaiado durante a inauguração do CEFET no bairro Santa Rita, na qual
também estavam presentes o Ministro da Educação, Cristóvam Buarque (PT), e o deputado federal Nelson
Bornier (PMDB).
203
Alguns membros locais, como Jerry Simões, um dos fundadores do PT em Nova Iguaçu, eram partidários
de uma candidatura “nativa — como a de Adeilson Telles, ex-vereador, candidato a prefeito na eleição de
2000 e ex-secretário estadual de Trabalho — e contrários à candidatura de Lindberg Farias. Já o presidente do
diretório, Percival Tavares, apesar de desautorizar o anúncio da coligação com o PSDB, por exemplo,
manifestava seu apoio à Lindberg, desde setembro de 2003 (Hora H, 23/09/2003).
204
Utilizo a noção de estigma tal como a define Goffman (1975:11). De origem grega, ela remete aos “sinais
corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral
de quem os apresentava[…] Mais tarde, na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescidos ao termo: o
primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divina que tomavam a forma de flores em erupção sobre a
pele; o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbio físico.
Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é
mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal”.
205
A escolha do candidato que concorreria à Prefeitura de Nova Iguaçu pelo PMDB também não foi
consensual. Nomes como os dos deputados estaduais Cornélio Ribeiro e Walney Rocha também foram
“testados”. O mais cotado era o do deputado José Távora que também disputava a candidatura. Mas a escolha
acabou recaindo sobre o “candidato natural, o prefeito em exercício, Mário Marques. O descontentamento de
218
lados — cada qual tentando adequar-se à situação dada pela “ala” oponente, a ênfase nas
trajetórias, a alusão a projetos específicos, todos esses foram fatores elencados no momento
da disputa. A dificuldade de aceitação — pela “ala mais à esquerda” do PT local — de
determinadas alianças não impediu, no entanto, que, mais tarde, a candidatura de Lindberg
firmasse uma coligação com o PSDB — por intermédio do vice, Itamar Serpa
206
— e com
o PFL
207
.
Ficava explícita a fragmentação dos interesses na luta interna ao partido e na diversidade
dos repertórios arrolados. A formação de um projeto supra-individual, nos termos de Velho
(idem), não prescinde ou desconsidera tal pluralidade, mas procura tratá-la a partir de algo
que a englobe ou que, ao menos, sintetize interesses comuns de “[…] classe social, grupo
étnico, grupo de status, família, religião, vizinhança, ocupação, partido potico etc.” (p.33).
Os projetos políticos de Lindberg e do PT, de forma mais ampla, entrecruzaram-se na
medida em que a viabilidade potica do primeiro também estaria implicada (mas não
exclusivamente) em estratégias eficazes para o projeto coletivo do segundo que, ao incluí-
Távora ficou patente e seu possível apoio (ainda que velado) ao candidato petista — que, assim que soube da
decio, assim manifestou-se publicamente: “A camisa 10 da minha campanha es guardada no meu armário
à espera dele. Ele será o capitão da minha equipe” (O Dia, 09/06/2004) — preocupou peemedebistas.
206
Itamar Serpa nasceu em Vitória, Espírito Santo. Mudou-se para Nova Iguaçu na década de 1950,
trabalhando em serviços diversos até ingressar na faculdade de Engenharia Química da Universidade do
Brasil. Participou do movimento estudantil e filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) em 1965, no
qual permaneceu até sua diplomação, em 1969.
De volta à política depois de alguns anos afastado, filiou-se ao PMDB em 1980, elegendo-se vice-prefeito no
pleito de 1982, na chapa de Pedro Ivo, originário do PC do B. Na eleição seguinte, foi eleito vereador já pela
sigla do PSB, transferindo-se para o PDT antes mesmo de sua posse. Reelegeu-se em 1992. Foi eleito
deputado federal em 1994. Em 1995, filiou-se ao PSDB. Neste mesmo ano, teve seu mandato cassado pelo
TRE, acusado de abuso de poder econômico e corrupção eleitoral; tendo recorrido ao Tribunal Superior
Eleitoral, foi absolvido. Em 1998, não se elegeu, ficando com a primeira suplência. Exerceu o mandato de
Deputado Federal de 30 de junho de 2000 a 25 de outubro de 2000. Reassumiu novamente como deputado ,
sendo efetivado em 21 de novembro de 2000. Nas eleições seguintes, ficou novamente com a suplência, vindo
a exercer o mandato na legislatura 2003-2007 — de 19 de fevereiro a 5 de agosto de 2003 — reassumindo o
mandato em 15 de agosto de 2003 (Câmara dos Deputados).
207
A homologação da candidatura de Lindberg Farias à prefeitura de Nova Iguaçu foi realizada pelo PT na
Câmara Municipal da cidade, no dia 24 de junho de 2004.
219
lo como ator privilegiado, gerava não somente um repertório de interesses comuns, como
aglutinava discursos potencialmente envolventes para os mais variados perfis.
Esta situação não impediu, no entanto, que no início da corrida eleitoral, Lindberg fosse
acusado de “pára-quedas” e “forasteiro” e que sua candidatura sofresse fortes resistências,
tanto de políticos de partidos adversários quanto de militantes do próprio PT de Nova
Iguaçu. A campanha caracterizou-se por duas fases. A primeira delas seria traduzida no
desconhecimento da população iguaçuana sobre a candidatura petista e seu candidato
período compreendido entre sua (alegada) mudança para a cidade em 2003 e agosto de
2004. A segunda teve início com o horário gratuito de propaganda eleitoral, com a
intensificação da campanha de rua (com destaque para os showmícios) e com o apelo a um
projeto novo de cidade e de Baixada.
Em Busca Da Vizinhança
“Se deixá-lo [Lindberg] sozinho em Santa Rita [ bairro de Nova Iguaçu], ele não sabe
chegar ao Centro. Não sabe chegar à casa dele” (Nelson Bornier, em matéria do jornal O
Dia, de 23/08/2003, p. 21).
Morando em um apartamento alugado no centro da cidade desde agosto de 2003 — pelo
qual pagaria mil e duzentos reais de aluguel, mais quatrocentos reais de condonio
Lindberg tentava desde o mês seguinte a transferência de domicílio eleitoral
208
.
Neste período, procurou estabelecer contatos não apenas com os moradores da região, mas
também com alguns poticos locais, tornando-se conhecido e buscando criar laços de
pertencimento à cidade (mais especificamente, entre dezembro de 2003 e agosto de 2004).
208
Os valores foram divulgados pelo jornal O Dia, de 24/01/2004.
220
Foi o momento de consolidação das alianças. O fato de “vir de fora” tornava esse início
mais complexo em termos de conjunção de forças e composições partidárias.
O rol de acusações que cercaram os indícios, a confirmação e, finalmente, o anúncio do
nome de Lindberg como pré-candidato do PT à prefeitura da segunda cidade em população
e importância ecomica da Baixada Fluminense gravitou, em um primeiro momento, em
torno de sua identidade outsider
209
.
Os antigos residentes poderiam ter aceitado os recém-
chegados, como pessoas que precisavam de ajuda, se
estes se submetessem a sua proteção e se contentassem
em assumir, na hierarquia de status, a posição inferior
que costuma ser destinada aos recém-chegados, pelo
menos durante um período de experiência pelas
comunidades já estabelecidas, mais estreitamente unidas
e conscientes de sua posição. Em regra, tais comunidades
esperam que os novatos se adaptem a suas normas e
crenças; esperam que eles se submetam a suas formas de
controle social e demonstrem, de modo geral, a
disposição de ‘se enquadrar’” (Elias, 2000: 64-65).
Diferenças à parte, assim como os antigos moradores de Winston Parva esperavam a
adequação” dos novos moradores às suas regras, os atores políticos “nativos” também
tentaram impor as suas ao candidato recém-chegado. Não bastava, portanto, ser um “nome
conhecido”, havia a necessidade de entrar no jogo potico local e de dialogar com seus
caciques”. Destarte, a busca pelos nomes certos significava o passaporte de entrada no
campo potico de Nova Iguaçu, e implicaria arcar com o benefício, assim como o ônus das
escolhas e alianças compostas a partir daí.
209
Como nos mostra Elias, em seu trabalho sobre Winston Parva (2000), a primeira forma de classificação
social, como também de segregão, constitui-se na dicotomia entre antigos residentes e recém-chegados. O
autor chama a atenção para o fato de que não se trata de uma diferenciação de statuspura e simples” (p.63),
mas de uma diferença relacional de posição social relativa, nesse caso, aos três bairros que compõem a
localidade.
221
A escolha do nome do vice era fundamental para o ingresso na vida potica local. Sem o
apoio de uma rede potica forte na cidade, talvez fosse ainda mais difícil levar adiante a
campanha e obter sua aceitação. Lindberg não quis arriscar. O PT local discordou. Para
uma parte dos petistas do diretório local — como Jerry Simões, um de seus fundadores e
partidário de uma candidatura “nativa” — geravam desconforto a escolha de alguém “de
fora” e as alianças que o partido havia feito. Eram inaceitáveis o nome de Itamar Serpa
como candidato a vice-prefeito bem como a ligação de Lindberg com Rogério Lisboa,
vereador, candidato à reeleição pelo PFL e inimigo declarado de alguns membros do
partido em Nova Iguaçu
210
. Apesar de todas essas dificuldades, Lindberg conseguiu
contabilizar alguns importantes aliados locais. Tinha ao seu lado membros da “ala” mais à
esquerda (o Refazendo), além de lideranças do Movimento Amigos do Bairro de Nova
Iguaçu (o MAB), membros da Diocese local e de alguns movimentos sociais.
No contexto do diretório local, o discurso de um projeto “para os pequenos, para o
movimento popular iguaçuano” (Freire, op. cit., p.4) conseguiu reverter os argumentos
utilizados em defesa de uma candidatura nativa e operar a (re)definição da situação. Ainda
nessa linha, o nome de Lindberg foi capaz de fazer convergir repertórios a princípio
inconcilveis (identidade local X identidade mais ampla; outsider X established; pobre X
rico) graças, por um lado, à sua trajetória que o colocava (na ótica de alguns) mais à
210
Em uma das caminhadas das quais participei, um membro do PT local, conversando comigo sobre a
campanha enquanto aguardávamos a chegada de Lindberg, mostrou-se bastante desconforvel ao perceber
que este havia chegado junto (no mesmo carro, uma caminhonete) com Rogério Lisboa, fazendo o seguinte
comentário: “Esses dois estão igual irmãos siameses; não se desgrudam”. A frase dita naquele contexto
ilustra exemplarmente o qo problemática era a relação entre os diversos atores da coligação firmada para a
disputa eleitoral em Nova Iguaçu. A aliança era mantida por uma linha tênue, a todo momento ameaçada de
ruptura.
222
esquerda do partido e, por outro, a seu acesso a uma constelação política, ou seja, de
grandes nomes” (lideranças políticas nacionais do PT)
211
.
A articulação potica em busca de alianças locais significava um fôlego extra para a
campanha, além de dinheiro e de colaboradores. Mas isso não era suficiente para que a
população o conhecesse. As pessoas ainda não o reconheciam nas ruas. Lindberg ainda era
um estranho.
A transferência do domicílio eleitoral configurava o primeiro passo para tornar-se, de fato,
um morador (e candidato) de Nova Iguaçu. Mesmo alegando residir na cidade desde abril
de 2003 (na casa de uma amiga)
212
, Lindberg teve negados o pedido de transferência —
em setembro de 2003, pela ex-juíza da 27ª Zona Eleitoral de Nova Iguaçu, Clara Maria
Jaguaribe
213
— bem como seu recurso — no dia 21 de janeiro de 2004, pelo juiz Joel
Teixeira de Araújo — permanecendo em uma situação indefinida até 16 de junho de 2004,
quando, por fim, conseguiu uma liminar do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) garantindo
não apenas a transferência almejada mas a possibilidade de disputar a eleição.
A notícia de sua entrada” na Baixada e, mais especificamente, em Nova Iguaçu, não foi
bem recebida pelas redes poticas adversárias. A agitação em torno de seu nome não parou
e os conflitos exacerbaram-se a partir de dezembro de 2003. No dia 15, o Ministro da
Cultura, Gilberto Gil, foi à cidade participar do encerramento do seminário Cultura para
211
Utilizo a idéia de constelação política no sentido de uma configuração de notáveis, ou seja, de indivíduos
capazes de conferir legitimidade/ poder/ acessos por intermédio da apropriação/ utilização de suas imagens/
falas por outrem.
212
O verbo alegar é utilizado neste parágrafo, na medida em que o candidato não comprovou residência fixa,
o havendo documentação em seu nome que fornecesse tal evidência, o que somente ocorreu após a locação
de um apartamento no bairro central da cidade, como já mencionado anteriormente.
213
A aliança com Itamar Serpa foi, desde o início, bastante complicada. Quando a transferência de domicílio
foi negada a Lindberg, Serpa lançou-se imediatamente como pré-candidato em seu partido, alegando que a
conjuntura política havia mudado e que pretendia buscar alianças com outros partidos para viabilizar uma
candidatura própria, o que provocou grande mal-estar e constrangimento.
223
Todos realizado no Sesc. Tal visita provocou muito alvoroço e troca de acusações, sendo a
principal em torno do uso da máquina política federal para fazer propaganda com fins
eleitorais no município. Este fato foi agravado — segundo nota oficial da Prefeitura de
Nova Iguaçu — pois nenhum representante do município foi convidado a participar do
evento. Na ocasião, o secretário municipal de Cultura, Nelson Freitas, protagonizou cenas
de confronto público com o pré-candidato Lindberg Farias, declarando repúdio à sua
candidatura, em uma manifestação escrita e assinada pela Comissão Organizadora da
Associão de Secretários da Cultura da Baixada.
Em janeiro, apesar de toda a querela judicial por conta do domicílio eleitoral, mais
precisamente no domingo dia 18, a equipe de Lindberg e o PT organizaram o primeiro ato
potico na cidade para o lançamento do programa de governo participativo
214
. Estavam
presentes importantes personalidades políticas além de um público estimado, segundo os
jornais, entre 500 a 1000 pessoas (Jornal do Brasil: “mais de 500 pessoas”; Estado de São
Paulo:reuniu mais de mil militantes”). Realizado no Centro de Formação de Líderes, ao
lado do Sesc de Nova Iguaçu, o ato contou com a presença de José Genoíno, que defendeu
as alianças feitas pelo PT em Nova Iguu e em vel nacional; de Bittar, pré-candidato à
prefeitura do Rio de Janeiro; de Marcello Alencar, ex-governador do estado, presidente
regional do PSDB, importante nome da potica regional e liderança estratégica na Baixada;
de Luiz Paulo Corrêa da Rocha, deputado estadual pelo PSDB; de Alexandre Cardoso,
deputado federal e presidente regional do PSB; de Gilberto Palmares, deputado estadual e
presidente regional do PT; de Adeilson Telles, membro do PT local; além de Antônio
Pitanga, ex-vereador carioca, representando a mulher, a ex-governadora e ex-ministra da
214
O evento foi anunciado, acompanhado e noticiado por diversos jornais, dentre eles: O Globo, 16/01/04 e
19/01/2004; Jornal do Brasil, 16/01/2004 e 19/01/2004; O Dia, 14/01/2004 e 19/01/2004; Folha de São
Paulo, 19/01/2004; Estado de São Paulo, 19/01/2004 e Estado de Minas, 19/01/2004.
224
Assistência Social, Benedita da Silva. Tratou-se de um evento eminentemente voltado para
correligionários, visando a cobertura da imprensa e, com isso, a promoção do nome de
Lindberg e de suas propostas.
Usando bonés de campanha, mencionando a possibilidade de mais verbas para a Baixada e
a importância das alianças ou criticando partidos por “racionalizar(em) demais”, Lindberg,
Genoíno e Marcello Alencar permaneceram todo o tempo lado a lado, cercados por uma
pequena multidão que vestia camisas com o nome do pré-candidato —concentrada atrás da
mesa principal, de onde orquestrava as saudações e manifestações de maior entusiasmo
juntamente com a platéia logo à frente.
A importância do evento deveu-se não apenas ao lançamento do nome de Lindberg,
configurando também uma demonstração de força do PT nacional frente às hostilidades de
um grupo pertencente ao diretório local do partido. A presença de personalidades
importantes da política nacional e regional evidenciou qual era o lugar desta candidatura
para o partido e para os interesses mais amplos de alguns partidos (uma parcela da
executiva nacional do PT; o PFL de César Maia e um grupo do PSDB ligado a Marcello
Alencar). Na queda de braço entre Lindberg e o PT de Nova Iguaçu, ganhou o primeiro,
mas a insistência na obtenção de apoio local acabou resultando na escolha de Adeilson
Telles para a coordenação da campanha, como forma de apaziguar as diferenças e os
problemas iniciais.
No mês seguinte, em fevereiro de 2004, juntamente com outros políticos, o deputado-
candidato conseguiu — por intermédio de emendas individuais — que fosse destinado à
cidade o maior montante do Orçamento Federal para um município do estado do Rio de
225
Janeiro naquele ano. Foram mais de 9 milhões de reais, dos quais Lindberg foi responsável
isoladamente por quase 2,5 milhões
215
.
A questão foi amplamente noticiada. Na matéria intitulada Orçamento vira arma eleitoral,
onde o jornal Estado de Minas de 11/04/2004 dava o tom do debate.
Um grupo de 110 deputados e senadores parte para a
disputa das eleições com uma arma a mais em relação aos
seus adversários: as verbas do Orçamento da União. Eles
destinaram R$ 63 milhões em emendas individuais aos
municípios onde concorrerão à prefeitura[…] Os
congressistas do PT, que sempre apontaram as emendas
individuais como fator de clientelismo e de cooptação de
parlamentares pelo governo, foram os que mais
utilizaram este instrumento. Os 22 petistas que disputam
a eleição apresentaram um total de R$ 19 milhões em
emendas para os seus municípios – dia de R$ 860 mil.
Em segundo lugar, aparece outro partido governista, o
PSB, com um total de R $6 milhões e média de R$ 680
mil[…] Os campeões do clientelismo são do Rio de
Janeiro[…] O petista Lindberg Farias, pré-candidato a
prefeito de Nova Iguaçu, aprovou três emendas para o seu
município. Serão R$ 750 mil para unidades
especializadas em saúde, R$ 950 mil para a ampliação de
oferta de cursos de graduação e R$ 800 mil para a
instalação de um espaço cultural. Sandro Matos (PTB),
candidato em São João de Meriti, destinou R$ 1,46
milhão ao Hospital de Caridade da cidade, R$ 300 mil
para a unidade de saúde do bairro Venda Velha, R$ 740
mil para revitalização de áreas centrais. O suplente de
deputado Fernando Gonçalves (PTB-RJ), outro candidato
em Nova Iguaçu, cedeu a vaga na Câmara para o titular
Miro Teixeira, mas deixou três emendas para o
munipio. São R$ 2,15 milhões dirigidos à Associação
de Caridade Hospital Nova Iguaçu […]”.
215
O dinheiro seria destinado a projetos como: Base de Apoio à Cultura, do Ministério da Cultura; Consórcio
de Universidade Públicas, do Ministério da Educação, além de projetos ligados à área da saúde. Os demais
deputados fluminenses com emendas individuais ao Orçamento da União foram: Itamar Serpa (PSDB),
Nelson Bornier (PMDB), Fernando Gonçalves (PTB), André Luiz (PMDB), Eduardo Cunha (PMDB),
Leonardo Picciani (PMDB), Laura Carneiro (PFL) e Jandira Fegalhi (PC do B).
226
As “atuações” de Lindberg em projetos importantes do governo federal o inseriram no
circuito das dádivas da quina governamental. Ainda em fevereiro, devido às suas
atividades na Câmara dos Deputados, se ausentou de Nova Iguaçu devido à viagem a
Roraima. O caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol foi exemplar nesse sentido.
Indicado como Relator da Comissão Externa da Câmara para avaliar a polêmica
demarcação de terras indígenas, desde fevereiro de 2004, Lindberg apresentaria dois meses
depois uma proposta que implicava na redução de até 45% do território da reserva Raposa
Serra do Sol. Em meio a críticas da Funai e de setores diversos da sociedade civil, a
controvertida proposta/ avaliação do deputado-relator foi manchete dos principais jornais,
sendo associada algumas vezes a “outros interesses”.
Agravando ainda mais os conflitos, em matéria publicada no Jornal do Brasil de
19/04/2004, o deputado federal e relator Lindberg Farias acusou o presidente da Funai de
incentivar a violência, sugerindo que ele renunciasse ao cargo. Em suas palavras: “ele, que
deveria agir como um bombeiro, apagando o inndio deste conflito, partiu como se tivesse
um balde de querosene, para jogar mais fogo[…] Não se pode, em hipótese nenhuma, tentar
justificar o que foi uma verdadeira chacina” (referindo-se à morte de 29 garimpeiros na
referida reserva)
216
.
Ainda envolto em problemas relacionados à comissão da reserva Raposa Serra do Sol, em 8
de março, Dia Internacional da Mulher, Lindberg já estava de volta à cidade, indo —
216
Durante todo o mês de abril, diversos jornais publicaram matérias a respeito da demarcação das terras e do
relatório da comissão. Em 19/04, além da matéria supracitada, outras figuraram nos seguintes jornais: Jornal
do Brasil (coluna do Boechat); O Globo (reportagem de Ilimar Franco). Em 20/04: Jornal Extra (Coluna Extra
Extra,de Berenice Seara); O Globo (Caderno O País, reportagem de Evandro Éboli); Jornal do Brasil (O País,
reportagem de Luiz Queiroz). Em 21/04: O Estado de São Paulo (Editorial, página A3); Folha de São Paulo
(Brasil, A10). Em 22/04: O Globo (Opinião, artigo de Lindberg Farias). Em 27/04: Agência Câmara
(reportagem de Tatiana Azevedo e Natália Doederlein). Em 28/04: O Globo; Jornal do Brasil. Em 29/04: O
Dia (coluna de Cláudio Humberto).
227
juntamente com alguns assessores e candidatos à Câmara Municipal — para o
“calçadão
217
, no Centro, distribuir flores para as homenageadas do dia
218
. Começava a
partir daí um cortejo
219
que acabaria caracterizando a segunda fase de sua campanha: a
habilidade — e o enorme sucesso — em lidar com o eleitorado feminino.
“Lindberg Farias, gato e pré-candidato à prefeitura de
Nova Iguaçu pelo PT, foi o grande destaque do Dia
Internacional da Mulher naquela cidade. Segunda-feira,
sol a pino, o galã e ex-rebelde cara-pintada resolveu fazer
um agrado e saiu pelo calçadão distribuindo flores às
necessitadas. Resultado: filas, corre-corre, gritinhos, e
beijos-ventosa ‘partout’. Lindberg gostou da experiência,
mas não deve repetir. Até porque ele não quer ser só um
rostinho bonito na política fluminense (Jornal O Dia,
Coluna Lu Lacerda, 10/03/2004).
As ações de Lindberg como deputado federal visavam um único propósito: a eleição. Sendo
assim, a publicidade angariada com os projetos governamentais e com a vinculação de seu
nome ao da cidade de Nova Iguaçu possibilitava a criação de laços, convertidos em capital
simbólico. Dentre os projetos por ele apresentados, o de maior repercuso foi o da
Universidade Pública da Baixada Fluminense
220
. Ainda em março de 2004, foram liberados
R$ 950 mil para a abertura das primeiras turmas e anunciada a liberação de mais R$ 30
217
O “calçadão”, como é popularmente conhecido, corresponde à área comercial no centro da cidade, na qual
a maior parte das ruas é interditada ao tráfego de veículos, criando um grande shopping a céu aberto.
218
Ainda naquele mesmo mês, Lindberg participou de debate realizado em Brasília sobre a questão do
oleoduto. Tal evento revelou um tom apaziguador no discurso do deputado e de seu novo alinhamento no
interior do PT. Conforme nota de Arnaldo César, do jornal O Dia, de 17/03/2004: “Quem ouviu o discurso do
ex-presidente da UNE, líder dos cara-pintadas e hoje deputado federal Lindberg Farias (PT), ontem, no debate
sobre o oleoduto Rio-São Paulo, em Brasília,o reconheceria o radical de anteontem. Ele disse que é contra
extremismos e a favor de conversar sempre para atingir um ponto em comum. O que a entrada no governo
não faz com o cidadão...”
219
Utilizo o substantivo no duplo sentido: denotando o ato de cortejar, dirigir galanteios, mas também como
quito e comitiva.
220
Note-se que um projeto semelhante já havia sido proposto por Jorge Gama, em 1992, constituindo sua
bandeira de campanha. Jorge, no entanto, não conseguiu aprová-lo, tampouco reeleger-se.
228
milhões até 2006
221
. O Pólo Universitário de Nova Iguaçu, como foi batizado, tornar-se-ia
uma das principais bandeiras da campanha de Lindberg e um dos elos fundamentais com
seu eleitorado preferencial: a juventude iguaçuana. Se durante o ano de 2003 e os primeiros
meses de 2004, Lindberg procurou costurar as alianças potico-partidárias (internas e
externas) que possibilitariam uma candidatura com chances reais de vitória, no momento
seguinte precisava confirmar sua inserção como morador de Nova Iguaçu. A partir de
então, Lindberg começou a participar mais ativamente da vida da cidade, das festas, das
“peladas” (jogos de futebol
222
), freqüentando as escolas de samba, os restaurantes e bares
locais.
A sociabilidade potica na Baixada passa necessariamente pelos bares, botequins e
restaurantes. Um quadro espacial é montado no tempo da política, definindo os lugares
específicos de cada rede e/ou facção potica. Não é comum encontrarmos, numa cidade do
porte de Nova Iguaçu, as diferentes redes políticas locais freqüentando os mesmos bares e
restaurantes
223
. Os membros de partidos considerados “de esquerda” (PT, PC do B), como
também alguns integrantes de movimentos sociais, costumam “bater ponto” nos bares
Raízes, Bar do Daniel e Bar das Meninas — todos próximos à prefeitura e às sedes desses
partidos. Os locais são ponto de encontro nos fins de tarde e cenários das negociações e
embates poticos em qualquer época do ano. O Siri do Galeão, por sua vez, localizado
próximo ao Corpo de Bombeiros, é bastante procurado pelos partidários de Bornier, por
membros do PMDB e seus aliados —as reuniões e almoços do staff da prefeitura que pude
221
O Dia, 15/03/2004 e 18/03/2004.
222
Os jogos de futebol, não apenas um esporte mas também uma forma de sociabilidade tradicionalmente
masculina foi, ao longo da campanha, transformando-se em dos “lugares” do cortejo. A presença cada vez
maior de mulheres para assistirem aos jogos, mas fundamentalmente para verem Lindberg era marcante e
noticiada pelos jornais.
223
Silva (1980), Guebel (1996).
229
acompanhar durante as últimas duas administrações ocorriam costumeiramente nesse
espaço. O Pizza e Pasta é um dos restaurantes prediletos da rede potica dos Raunheitti. É
comum encontrar ali alguém ligado à família (por parentesco ou afinidade) jantando
semanalmente, ou simplesmente tomando um chope
224
. Do mesmo modo, Lindberg
também se encaixou no circuito da boêmia política iguaçuana
225
.
Paralelamente às iniciativas visando o reconhecimento e a aceitação de Lindberg, ressurgiu
a discussão em torno de sua condição outsider, agora redefinida sob a égide da identidade
nordestina. A distribuição de panfletos apócrifos por toda a cidade, com dizeres como
“Trate bem o turista, mas não vote nele” marcou o início da ofensiva
226
.
A acusação de “forasteiro”, por sua vez, desconsiderava a composição da Baixada em
termos de origens sociais e regionais, possibilitando à equipe de Lindberg um contra-ataque
baseado na menção a (e reinvenção de) uma identidade maior, “fundadora”: a identidade
nordestina. A ênfase em tal pertença social acabou redimensionando as posições no interior
da arena política local
227
. Testando a capacidade de mobilização desse discurso
inicialmente surgido como acusação — Lindberg procurou utilizá-lo como mote para o
estabelecimento de um vínculo com os moradores da região. De um lado, a oposição (os
candidatos Fernando Gonçalves e Mário Marques) o acusava de forasteiro, “paraíba”; de
224
Conforme mencionei no capítulo 2 desta tese, a política em Nova Iguaçu relaciona-se intimamente à
boemia. Não me refiro apenas à dimensão da comensalidade, mas à tênue fronteira entre a política e a alegria/
vadiagem/ vida desregrada representadas pelo consumo algo excessivo de bebida alcoólica pelos políticos e
seus afins. Tal consumo é por vezes acionado como categoria acusatória. Há uma lógica operando a
classificação dos agentes políticos em político-boêmio-alegre e, no extremo oposto, político-irresponsável.
Esta polarização é, no entanto, circunstancial, ou seja, a atribuição dos adjetivos variará de acordo com outros
elementos em contextos espeficos — como poderemos ver mais adiante ao abordarmos os ataques dirigidos
a Lindberg por seus adversários na eleição municipal Lindberg.
225
Os “encontros” políticos em bares/ botequins/ restaurantes foram matérias de jornais como: O Dia, de
30/05/2004.
226
Ver Anexo.
227
A mídia, mais especificamente a imprensa escrita, teve um papel primordial nesta ênfase, que será tratada
mais adiante.
230
outro, Lindberg — e sua equipe de assessoria —defendia-se, criando estratégias como a da
alegação de uma origem social comum entre ele e a maioria da população da Baixada
Fluminense e de Nova Iguaçu — ele era “um nordestino, com muito orgulho!”.
Mais que um argumento, a identidade nordestina da Baixada é um lugar-comum, reiterado
em discursos diversos: desde a fala oficial de representantes poticos, da imprensa, aos
trabalhos acadêmicos (Souza, 1992; Prado, 2000; Monteiro, 2001 e, entre os não
acadêmicos, Gramado, 1999, por exemplo). Apesar de a Baixada ser, de fato, composta por
um número significativo de migrantes nordestinos — sendo que em Nova Iguaçu este
percentual sobe para 40% do total da população — é importante mencionar o fato de que há
também uma forte presença negra na região. Tal questão é abordada em apenas alguns
poucos trabalhos que pesquisam a história local, mas seus autores têm se esforçado para
reverter esse quadro, apresentando dados significativos sobre a composição desta parcela da
população na região (Gomes, 1992 e Viana, 1998). No campo político, o resgate da
presença negra na Baixada é operado apenas pelos movimentos sociais ou, no caso da
eleição em questão, pelo candidato do PSTU, Carlão, único candidato negro à prefeitura de
Nova Iguaçu.
Levanta-se então a seguinte interrogação: quem é o nativo, no caso em questão? Ou, quem
é “mais nativo”? A questão da identidade social e da busca por uma origem que se
apresenta como o cerne da problemática da representação é aqui recolocada, revelando
possibilidades para sua utilização pelos atores sociais aqui analisados. Que identidade
marcaria, de fato e de direito, o morador da Baixada a ponto de fazê-lo sentir-se mais ligado
a um candidato que a outro? Ser iguaçuano ou nordestino? Em que espaços e momentos
231
aciona-se uma ou outra identidade? Para a potica local, o que se mostraria, de fato, mais
eficaz, a identidade local (de morador) ou a regional (de migrante)?
Não há uma resposta única para todas essas queses. A dinâmica do processo eleitoral e
dos processos de identificação, de modo geral, revelam o poder de aglutinão e, ao mesmo
tempo, de fragmentação dos símbolos e discursos empregados na constituição dos
personagens políticos. A satisfação de condições gerais não é dada a priori, o campo
potico tendo uma incrível capacidade de mover-se e transformar-se. Pela própria fluidez
de tais classificações e pela incerteza a respeito da identidade que cada candidato deveria
assumir — além do ônus da contra-partida do adversário — a adoção do discurso
identitário como bandeira de campanha seria excessivamente arriscada e imprevivel.
Assim, o que parecia a melhor estratégia para desacreditar e deslegitimar o candidato
“forasteiro”,o se confirmou. Sua resposta foi pontual e sua campanha acabou não se
apoiando (mais do que para responder às acusações) na identidade nordestina, como alguns
chegaram a prever. Tal discurso se demonstrou inócuo, incapaz de qualificar um dos
candidatos de maneira a singularizá-lo frente aos demais e, apesar do apelo à identidade, o
cotidiano da campanha seguiu em outras direções. Em junho, a convenção do partido, que
contou com a presença do Ministro da Educação, Tarso Genro, e o da Coordenação
Potica, Aldo Rebelo, como já se esperava, oficializou a candidatura de Lindberg Farias à
prefeitura de Nova Iguaçu.
O início da campanha de rua foi marcado pela sensação de total desconhecimento da
população com relação a quem ele era, o que fazia ali, qual a sua ligação com a cidade e
com os grupos que detinham (e ainda detêm) o poder. No dia a dia da campanha, a
preocupação central era com a conquista do eleitorado iguaçuano. As reuniões com
232
associações de moradores e lideranças dos bairros foram as primeiras atividades
desenvolvidas em busca de possíveis interlocutores e da conquista de contatos e alianças.
Assim, o discurso “para os pequenos” ganhava contorno e sua candidatura, legitimidade. A
partir da apresentação de um programa de governo anunciado como tendo sido concebido
em conjunto com os moradores” e, portanto, “sólido e bem construído” a partir da
realidade da cidade”, o candidato tentava diferenciar-se da “politicagem local”, recorrendo
inclusive ao expediente de registrá-lo em cartório
228
.
A rotina de Lindberg — quando teve início o período eleitoral oficial (6 de julho de 2004)
— começava bem cedo, no Terminal Rodoviário da cidade onde procurava aproximar-se
das pessoas comuns, com elas conversar e tornar-se conhecido. Às 6 horas da manhã, já era
possível encontrá-lo distribuindo material de campanha. Testemunhei tal fato num dia em
que esperava o ônibus para voltar ao Rio, momento em que indaguei alguns funcionários
dos guichês da rodoviária sobre a periodicidade dessa ação. Responderam-me que isso
vinha acontecendo com freqüência e, segundo um deles, “o menino (referindo-se a
Lindberg) bate ponto aqui”.
Apesar de contar com o apoio de Marcello Alencar — que enfrentava seu ex-pupilo
Bornier, agora ligado a Garotinho — desde o início da campanha, Lindberg costumava ser
visto acompanhado apenas por alguns poucos candidatos à Câmara Municipal e por seu
staff. Suas caminhadas pelos bairros centrais praticamente não tinham repercussão, o que
revelou-se diferente na periferia. Uma frase bastante ilustrativa de tal inadequação inicial
foi retirada de uma entrevista feita com um assessor de imprensa que acompanhou
228
Aqui novamente percebemos a eficácia da estratégia de marketing da equipe de Lindberg. Segundo um de
seus assessores, a atitude foi pensada para gerar publicidade e render-lhe algumas notas e matérias na
imprensa.
233
Lindberg desde o início da campanha: “Era preciso que a gente falasse assim: Esse aqui é o
deputado federal Lindberg Farias, do PT, partido do presidente Lula, que vai ser nosso
prefeito aqui em Nova Iguaçu”. Ainda assim, segundo este mesmo assessor, era
praticamente necessário “arrastar” as pessoas para que o candidato pudesse conversar com
elas, distribuir seus “santinhos” etc.
Além do desconhecimento do candidato, a campanha também não dispunha de material
físico e humano adequado, contando apenas com algumas kombis — com a logomarca da
candidatura — e com uma banda composta por músicos locais. Na ocasião, a falta de
recursos era evidente e, mesmo, declarada pelo então coordenador de campanha, Adeilson
Telles. Nestas eleições, as críticas dos candidatos petistas à executiva nacional eram
constantes, exigindo o apoio do PT para que houvesse chances reais de disputa contra a
máquina do governo do estado
229
.
Ainda nesse primeiro momento da campanha, acompanhei algumas das caminhadas na
periferia e na região central do município. De início, o candidato à Câmara de Vereadores
local reunia um grupo de pessoas (o tamanho dependia do prestígio de cada candidato e dos
recursos disponibilizados) que ia de casa em casa chamando os moradores com um carro de
som (uma kombi), que anunciava a chegada de Lindberg e reproduzia o jingle da
campanha. Somente após uma ou duas horas do horário marcado para a concentração,
Lindberg chegava, quase invariavelmente acompanhado do candidato Rogério Lisboa
(PFL). Dependendo do bairro que se visitava, havia também a presença de lideranças de
movimentos sociais locais como o MAB (Movimentos Amigos do Bairro de nova Iguaçu),
de líderes de bairro e, invariavelmente a pequena banda — que se assemelha àquelas que
229
Tais críticas também vinham dos candidatos às prefeituras do Rio (Bittar) e de Niterói (Godofredo Pinto).
234
tocam em coretos de praça ou em festas de igreja de cidade pequena — cujo repertório era,
em parte, de autoria de um dos músicos, o responsável pelo grupo. Lindberg parava nas
portas das casas, em algumas até mesmo entrava, cumprimentava, conversava com as
pessoas.
“A rua é a casa do candidato”, disse um dos assessores políticos de Lindberg. Ela constitui
o local privilegiado da interação, onde a corporalidade, o contato físico se faz mais
evidente, necessário e, às vezes, até mesmo exigido. É importante para o eleitor tocar,
abraçar ou, ao menos, apertar a mão do candidato. É a expressão de uma proximidade não
existente nas eleições estaduais e federais ou, pelo menos, não necessariamente. As eleições
municipais propiciam, portanto, o evento por excelência do contato entre corpos que produz
efeitos como se operasse uma escie de imantação
230
. O predomínio das relações face a
face garante que a potica (distante, vazia e impura) seja, então, ressignificada pela
virtualidade da aproximação dos corpos, pela troca de palavras e gestos, pelo olhar dentro
dos olhos.
No bairro central, a organização dos encontros adquiria outros contornos. Região de
localização do centro comercial da cidade, conta com várias ruas de circulação exclusiva
para pedestres, por onde circulam milhares de pessoas todos os dias. Sendo assim, a hora e
o local de concentração do evento eram anunciados com antecedência. Lindberg costumava
chegar no mesmo momento que os candidatos do PT — e de partidos aliados — à Câmara
Municipal, caminhando por quase toda a extensão da rua principal. Entrava nas lojas,
cumprimentava funcionários, sempre acompanhado pela bandinha de música. Essas
230
Denomino imantação política, a interação intensa, cujo grau de proximidade/ contato não é avaliado a
priori pelo sujeito político e os demais atores sociais, o primeiro detendo forte poder de atração, sedução,
encantamento sobre os demais. A imantação distinguiria-se do carisma na medida em que seu tempo-espaço
espefico seria o tempo da política.
235
caminhadas pelo calçadão davam-se, geralmente, em horários de pico (perto do horário do
almoço, ainda na parte da manhã, ou depois das 14 horas, prioritariamente) e duravam, em
média, cerca de três a quatro horas.
Havia também as carreatas pelas ruas da cidade e por bairros mais afastados. Na primeira
fase da campanha, a maior parte dos carros que acompanhava a comitiva pertencia a
candidatos e pessoas a eles ligadas. A essa altura, os moradores, de modo geral, ainda não
tinham aderido à campanha. Em algumas localidades havia uma melhor aceitação —no
centro comercial e em bairros da periferia, como Posse, Tinguá, Vila de Cava, Miguel
Couto, Palhada, entre outros. Nas demais localidades visitadas, a população ainda estava
“estudando” o candidato, tentando conhecê-lo. Esta situação manteve-se inalterada até
meados de agosto de 2004 e mesmo a presença de Benedita da Silva, em caminhadas por
bairros da cidade, não foi capaz de mobilizar o número esperado de moradores nesse início
de campanha
231
. Em uma das visitas de Benedita, a bandinha de música enfrentou
problemas técnicos e, segundo militantes e um dos assessores de Lindberg, a convidada
reclamou em tom de brincadeira. Tal episódio foi motivo de piada tanto entre eles como
entre os adversários
232
.
Nessas caminhadas, ficava difícil aproximar-me do candidato. Geralmente, eu conversava
com pessoas próximas, assessores, candidatos à Câmara Municipal e eleitores. Meu
primeiro contanto pessoal com o candidato do PT foi travado em um jantar com um
empresário — e potencial financiador de campanhas na Baixada — em junho de 2004. No
231
Apesar de não atingir o objetivo almejado, a presença de Benedita da Silva já demonstrava o papel da
relação entre política e religião em Nova Iguaçu e na Baixada de modo geral; assunto que será abordado mais
adiante.
232
A escassez de recursos durante o que convencionei chamar “primeira fase da campanha” era expressa na
forma de uma joke relationship. Assim, as tensões ficavam à margem e as críticas, dissimuladas em tom de
brincadeira e de deboche. Percebi tal situação em diversas conversas com membros do direrio local do PT,
assim como em campanhas dos demais candidatos.
236
dia 30 de junho, eu estava acompanhando o “dia do prefeito”
233
e candidato à reeleição em
Paracambi, André Ceciliano (PT). Depois de passar toda a manhã observando os despachos
em seu gabinete, as conversas com candidatos à Câmara Municipal e algumas negociações
sobre o nome que comporia a chapa como vice, seguimos para o Rio de Janeiro, pois uma
de suas atividades consistia em entregar relatórios no Tribunal de Contas — no referido
município — cujo prazo já se havia esgotado. Como ele dispunha de acessos em tal órgão
público, preferiu fazer a entrega pessoalmente. Além disso, havia o compromisso de
comparecer a um jantar que, a princípio, não seria “potico”, mas que contaria com a
presença de pessoas envolvidas com a política”. Saímos de Paracambi por volta das 16
horas e fomos direto para o centro da cidade (Rio de Janeiro). Depois de sermos
brevemente recebidos pela pessoa responsável no Tribunal de Contas, fomos à ALERJ para
que o prefeito se encontrasse com assessores de poticos aliados. Após alguns telefonemas,
nos dirigimos ao Café do Paço, ao lado da Assembléia, onde o prefeito conversou com dois
assessores de deputados. Ele pediu que eu ficasse em uma mesa separada, pois precisaria
tratar de assuntos confidenciais. A conversa levou cerca de uma hora. Em seguida, veio até
a mesa em que eu estava (a uma distância de mais ou menos dois metros), pediu um café e,
em seguida, nos dirigimos à Barra da Tijuca. Eram mais ou menos 21 horas quando
chegamos à Avenida Lúcio Costa, na cobertura do empresário/ anfitrião
234
. Fomos os
233
Conforme apresentado na parte introdutória desta tese, nessa fase da pesquisa eu entrevistei alguns
prefeitos da Baixada e, quando possível, acompanhei suas atividades durante um dia inteiro de trabalho,
situação que denominei de “dia do prefeito”.
234
O casal pode ser classificado como novo rico ou emergente. Os dois têm “origem modesta”, segundo a
esposa. Ele é antigo morador de São João de Meriti — cujos familiares ainda residem no município —
divorciado e pai de um adolescente. Ela, oriunda da Zona Oeste do Rio de Janeiro e dona de um salão de
beleza em seu atual bairro. Na ocasião, residiam na Barra da Tijucahá algum tempo, tinham um filho de
pouco mais de um ano de idade e estavam de mudança para outro apartamento — no mesmo bairro, porém
maior (um duplex). O marido, ao contrário da esposa, não falava sobre seus bens, mencionando o novo
apartamento apenas quando indagado por um dos convidados a respeito da mudança. A preocupação com a
decoração, o vestuário e as jóias era visível no estilo de vida da mulher, e atenuado no do marido — que
237
primeiros a chegar e logo fui apresentada aos donos da casa como pesquisadora da
Baixada”. O candidato à prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, só chegou por volta
das 23 horas, acompanhado por um assessor, Francisco Sousa (o Chico), por Rui Aguiar,
apresentado como seu coordenador de campanha e pelo candidato a vereador, pelo PFL,
Rogério Lisboa
235
. Tive então a oportunidade de conversar não apenas com Lindberg, como
também com seu “coordenador de campanha”. Todos os convidados falavam abertamente
sobre qualquer assunto apesar de minha presença. Mesmo tendo sido apresentada como
uma pesquisadora que estava escrevendo uma tese sobre a política na Baixada”, não
pareciam preocupados com o conteúdo de suas falas, uma vez que presenciei — ou mesmo
participei de — conversas que giravam em torno das ações de poticos locais tradicionais,
da questão da vioncia potica em Nova Iguaçu e de seus “possíveis” mandantes ou ainda
de aspectos relacionados aos financiamentos das campanhas
236
. Outra questão que me
chamou a atenção foi o fato de que eu era a única mulher presente nesse jantar, com
exceção da dona da casa
237
.
Serviram prosseco, uísque e água mineral francesa. Havia apenas uma empregada que se
ocupava da comida, sendo o anfitrião, o responsável pela bebida. Os convidados ficaram a
trajava uma camisa pólo (Ralph Loren), bermuda, sandálias e usava um relógio discreto, mas que era
provavelmente de ouro.
235
A roupa adequada para enfrentar situações diversas — e, às vezes numa mesma jornada — constituía uma
de minhas preocupações freqüentes. Sendo assim, optei por criar um padrão. Sempre usava calça jeans escura
e blusa de mangas compridas, que poderia ser de algodão ou linha, sem decotes e de cores discretas. Quando
vestia saia, era sempre longa. Nas campanhas de rua, eu trajava, às vezes, camisa de mangas curtas pois o
calor era extremo e as caminhadas com os candidatos e/ou suas equipes poderiam prolongar-se por horas a
fio. No jantar em questão, o prefeito de Paracambi estava com um terno escuro e discreto. Lindberg Farias
estava de calça jeans e uma camisa de mangas longas. Seu tesoureiro, Chico, e Rogério Lisboa corroboravam
seu estilo. Somente seu conselheiro-coordenador de campanha trajava um terno de cor clara (bege). Eu vestia
uma blusa de linha preta com uma gola branca que caía sobre os ombros e calça jeans.
236
As conversas eram travadas entre um empresário do setor farmacêutico e o prefeito de Paracambi e entre
este mesmo empresário e Lindberg — neste caso, versando sobre uma possível “ajuda” para a campanha em
Nova Iguaçu.
237
Abordarei tal especificidade em um segundo momento, ainda neste capítulo.
238
maior parte do tempo na espaçosa varanda (que contava com uma banheira de
hidromassagem em seu canto esquerdo, próxima a algumas plantas). Até o jantar ser
servido na parte interna do apartamento, em uma ampla sala de jantar, todos conversavam e
bebiam despreocupadamente. Os anfitriões optaram por um cardápio japonês. Os talheres
japoneses eram de prata, fato este que mereceu grande destaque por parte da dona da casa
que chegou inclusive a comentar com Lindberg onde os havia comprado, quem lhe havia
“recomendado” etc
238
. Depois do jantar, os convidados sentaram-se no living e os homens
fumaram charutos. Ficaram conversando sobre a condução mais adequada para a
campanha de Lindberg e sobre as ameaças por ele sofridas — abordando também suas
desconfianças com relação aos supostos mandantes do “atentado”, citando o nome de um
tradicional político de Nova Iguaçu e a ele atribuindo sua autoria
239
. Lindberg afirmou que
de nada adiantariam as ameaças e que sabia exatamente de onde procediam — porque
desde a época em que atuava na Câmara era um único deputado que costumava chamá-lo
de “aquele paraíba”. “Não tinha medo”, mas sabia que a potica na Baixada “não é mole” e
que a violência é um dos recursos utilizados pelos “locais”. As conversas versaram ainda
sobre a “correria” da campanha, o cansaço —às vezes não dando tempo sequer de tomar
um banho, tamanho “entra e sai”, tendo sempre uma camisa reserva no carro — e sobre a
238
Faz-se necessário ressaltar que a Barra da Tijuca é o destino da maioria dos políticos e empresários da
Baixada Fluminense após sua ascensão social. O bairro carioca representa para esse grupo (emergentes/ novos
ricos) o que, em algum nível, Copacabana representava para os grupos white collar pesquisados por Gilberto
Velho em sua dissertação de mestrado, publicada no livro A Utopia Urbana (1973). Refiro-me
especificamente à dimensão da relação entre ascensão social e mobilidade espacial e a seus desdobramentos
para pensarmos estilos de vida e visões de mundo. Em outro trabalho do autor — dando continuidade à
pesquisa em questão, Cotidiano e Política num prédio de conjugados (1981) (publicado anteriormente em
Classes médias e política no Brasil, organizado por J. A. Guilhon de Albuquerque, 1977) — a problemática
da visão de mundo e do estilo de vida é retomada, agora sob o prisma da percepção deste grupo a respeito da
política e de como esta manifestava-se, de certa forma, em todos os aspectos da vida das pessoas
entrevistadas. A tese de doutoramento de Diana Lima (2005) também aborda a temática dos emergentes/
novos ricos a partir da análise do padrão de consumo e de sua relação na constituição dos sujeitos.
239
A violência da campanha de Lindberg será abordada no próximo catulo. Esclareço apenas que este
episódio refere-se à abordagem ameaçadora sofrida por um de seus coordenadores políticos em Nova Iguaçu.
239
sensação de que sairiam vitoriosos. Perguntei sobre a cidade (Nova Iguaçu), o que ele
estava achando de fazer potica ali e Lindberg me respondeu que “se sentia em casa”.
Falou sobre o enorme acolhimento das pessoas de lá e de como a cidade era diferente do
que a mídia apresentava; “não é o lugar que a gente vê nos jornais”. Continuou dizendo que
iria “mudar aquilo lá”, reconhecendo a existência de muita pobreza na região. Nossa
conversa foi interrompida por um momento de grande tensão, ocorrido por conta de um
telefonema recebido por André Ceciliano, no qual lhe contavam o que estava se passando
na convenção do PT de Paracambi para a escolha do candidato a vice em sua chapa. O
nome por ele sugerido provavelmente não seria escolhido. André dizia-se trdo por seu
secretário de governo — e presidente local do partido — que desejava que seu próprio
nome fosse indicado. Muito nervoso, praticamente descontrolado e aos gritos, disse que
estava desistindo da candidatura caso o nome que havia sugerido não fosse o escolhido.
Lindberg tentou acalmá-lo, dizendo que precisava controlar-se para reverter a situação e
que não podia, de forma alguma, desistir da reeleição —o que seria péssimo para o partido.
Todos tentavam demovê-lo da iia, mas André parecia irredutível. Em seguida, resolveu
dar alguns telefonemas e, por fim, a convenção foi encerrada sem decisão alguma sobre o
vice. Uma outra seria convocada para que a escolha fosse feita. Esta notícia acalmou
André, que foi aconselhado a negociar com os “interessados”. Pouco depois do episódio,
todos decidiram ir embora ao mesmo tempo.
A relação entre André Ceciliano e Lindberg Farias era de proximidade e de apoio mútuo. A
mediação do primeiro foi fundamental para meu contato e posterior inserção na campanha
do PT — até entãoo conseguida por meios próprios
240
. No jantar acima relatado,
240
A pesquisa em Nova Iguaçu teve início com o acompanhamento da campanha de Mário Marques para a
reeleição, uma vez que minha inserção no campo havia se dado por intermédio das entrevistas realizadas com
240
Lindberg conversava com o prefeito de Paracambi como se fora seu pupilo (mas sem a
reverência típica desse tipo de relação); pedindo conselhos e o colocando a par de questões
da campanha. A experiência de André à frente da prefeitura era um capital que o candidato
do PT não possuía — não tendo qualquer experiência no executivomas que podia lhe
ser transmitido por meio de contatos, caso deste jantar, ou de sugestões como, por exemplo,
a do nome de Rui para conselheiro-coordenador” da campanha
241
.
Tal relação me chamou a atenção porque existia um diferencial de poder entre André e
Lindberg que, visto de fora, tendia para o último. No jogo político local, no entanto, a
experiência de André — fundamentalmente, à frente da Associão de prefeitos da
Baixada — lhe rendia um knowhow e um trânsito que Lindberg não possuía. Os contatos e
acessos de André, de fato, parecem ter sido bem aproveitados pelo candidato recém-
chegado. Para André, por sua vez, o sucesso de Lindberg significaria apoio potico na
região — assim como de nomes do PT com ampla visibilidade nacional — e dividendos
visto que, de acordo com o projeto coletivo do partido, ele seria seugaroto-propaganda
na região e no estado, de forma geral.
Até meados de agosto de 2004, a movimentação da campanha de Lindberg não havia
impressionado a população local nem tampouco a imprensa. Os números indicavam que a
disputa giraria em torno de Fernando Gonçalves (28%) e de Mário Marques (26%), que
crescia nas pesquisas de intenção de votos, em relação ao primeiro colocado. Lindberg
prefeitos da Baixada. Tal contato, no entanto, provocou uma espécie de mácula em minha identificação local,
principalmente porque foi utilizado pela equipe de marketing do referido candidato através da divulgação de
notas em jornais, como a publicada na coluna Extra Extra, de Berenice Seara, no jornal Extra de 06/08/2004.
241
Utilizo o termo conselheiro-coordenador porque Rui Aguiar não era o coordenador “de direito” da
campanha e não tinha ligações formais com o PT. Havia um coordenador oficial, integrante do partido do
candidato, cuja atuação corresponderia muito mais ao imperativo da conciliação política local do que à
coordenação da campanha, propriamente dita. A coordenação “de fato” ficava a cargo, nesse primeiro
momento, de Rui Aguiar.
241
aparecia em terceiro lugar (com aproximadamente 12%) e sua campanha de rua ainda não
havia alcançado o ritmo desejado pelos organizadores. O apelo à identidade nordestina
inicialmente usado como acusação pelos adversários, aludindo a uma identidade outsider
(Elias, 2000) e que fracassou – tampouco conseguiu cristalizar um vínculo de
pertencimento de Lindberg com a cidade e seus moradores, possibilitou tão somente um
contra-ataque sem maiores desdobramentos — veiculado pela imprensa, no material de
campanha e nos discursos do candidato — sob a alegação de que Lindberg seria
“nordestino como a grande maioria dos moradores da Baixada”
242
.
A busca pela vizinhança (Park, 1912) definia sua condição, dependente igualmente de uma
decisão (positiva) da Justiça Eleitoral — cujos pareceres, até então, lhe haviam sido
desfavoráveis. A construção de um elo local na condição de morador poderia significar
maior s” em sua campanha. Além da vinculação ao eleitorado, a socialização no mundo
da política requer do principiante a obtenção de contatos e acessos que possibilitem a
aquisição de capital político, viabilizando o trânsito nessa arena. Lindberg tentava
constituir uma vizinhança, laços e interações sociais com os grupos locais, ao mesmo
tempo em que buscava inseões no campo político, o que passava inevitavelmente pelas
articulações com poticos e empresários locais. Este campo, na Baixada, é particularmente
marcado pelomero de empresários diretamente envolvidos em cargos comissionados ou
com mandatos eletivos na vida potica. Sendo assim, além do financiamento de campanhas
242
Há uma espécie de fórmula seqüencial, ou seja, a cadeia que se forma a partir da primeira acusação,
geradora de uma série de ataques e contra-ataques, réplicas e tréplicas que podem ser apresentadas
publicamente, em discursos televisionados e nos palanques, direcionadas individualmente ou disseminadas
sob formulações genéricas. As propagandas eleitorais gratuitas são exemplares nesse sentido, mas é no
comício / showmício que tal prática ganha corpo, ficando explícitas as diversas formas de ataque utilizadas
pelas facções políticas envolvidas no imbroglio, a partir das performances não apenas dos candidatos, mas de
todos os que formam o palanque (Palmeira e Heredia, op. cit.).
242
e demais “auxílios” em termos de prestígio e acessos, eles configuram, na região, atores
poticos por excelência
243
. São pequenos comerciantes, donos de padarias, de botequins, de
salões de beleza ou industriais ligados às áreas farmacêutica e de beleza, ao setor
imobiliário ou à educação privada. Volto a frisar:o me refiro apenas ao expressivo
número de poticos-empresários da região, mas ao potencial de influência desses
indivíduos na vida pública. Nesse sentido, André Ceciliano foi, novamente, um importante
mediador entre Lindberg e o mundo político da Baixada Fluminense
244
.
Ainda no mês de agosto, antigos problemas voltaram à cena, na corrida de Lindberg à
prefeitura de Nova Iguaçu. As desavenças entre ele e o coordenador da campanha, Adeilson
Telles eram constantes. Seu afastamento, ainda que temporário, foi inevitável. Segundo
Adeilson, “a personalidade de Lindberg é um problema”. Este último teria exigido a não
243
Para ilustrar tal colocação, cito apenas alguns nomes de empresários (de pequeno e médio porte) de Nova
Iguaçu que têm ou tiveram mandato eletivo nos últimos anos:bio Raunheitti e seu filho, Fabinho (como é
conhecido), Nelson Bornier, Itamar Serpa, Xandrinho, Tuninho da Padaria, entre outros.
244
André Ceciliano nasceu em Nilópolis e mudou-se, na década de 1960 (com dois anos de idade) para
Paracambi onde seus pais — ele, comerciante de origem italiana e ela, oriunda de uma família de portugueses
e índios — foram buscar trabalho na empresa Nicola Salzano. André estudou na cidade e trabalhou na loja
que pertencia a seu pai. Iniciou o curso de Direito algumas vezes, mas não o concluiu, resolvendo dedicar-se
apenas ao trabalho. Mudou-se para o Rio de Janeiro, montando uma factoring na qual empregou vários
moradores e amigos de Paracambi. Sua relação com a cidade mantinha-se por interdio das visitas aos
familiares e amigos e do empreendimento que lá realizou, possibilitando, em 1996, a reabertura da única sala
de cinema da cidade, fechada por mais de 10 anos. André iniciou sua vida pública em 1995 ao filiar-se ao PT.
Segundo ele conta, já tinha contatos com integrantes do partido, sempre acompanhando de perto as
campanhas e seus candidatos — pois “tinha alguma militância no partido — mas sendo empresário do
mercado financeiro, acreditava “não ter o perfil do PT”. Em 1996, candidatou-se à prefeitura de Paracambi,
sendo derrotado por Rogério Ferreira — médico cardiologista, filho de um empresário local do ramo da
construção civil e membro do PMDB, mesmo partido do ex-prefeito da cidade e, na época, deputado estadual
, Délio César Leal. Dois anos depois, elegeu-se deputado estadual pelo PT, sendo o candidato mais votado em
Paracambi (obteve 58% dos votos válidos). Em 2000, foi eleito prefeito e em 2004, disputou a reeleição, cuja
vitória foi garantida por uma pequena margem (300 votos) de seu adversário, Dr. Flávio (PL). Neste pleito,
houve uma grande disputa jurídica a partir da denúncia de compra de votos por parte do candidato do PL.
Somente no segundo semestre de 2005, saiu a decisão final do Supremo Tribunal, garantindo a posse de
André Ceciliano como prefeito. No período em que esteve afastado da prefeitura, André foi secretário de
governo de Lindberg, em Nova Iguaçu, levando boa parte da equipe que com ele trabalhava em Paracambi —
e que, depois de sua vitória jurídica, para lá retornou quase integralmente.
243
divulgação de uma pesquisa de sondagem com indicadores negativos sobre sua
popularidade, o que agravara ainda mais as discordâncias entre os dois.
Adeilson já estava, desde o icio da corrida eleitoral, em uma posição extremamente
delicada. Primeiro porque seria o candidato natural do PT para as eleições, o que o colocou,
desde o início, no pólo oposto ao de Lindberg. Em seguida, apesar das alianças internas ao
partido visando um reajuste de forças e a indicação de seu nome para a coordenação da
campanha, esta não era de fato levada a cabo por ele — que acabava tratando de assuntos
mais pontuais, permanecendo afastado das decisões e atuando muito mais como um
conselheiro”. Rui Aguiar, “homem dos bastidores” da potica local, vinculado a poticos
de Mesquita (à família Paio, por exemplo) foi, num primeiro momento, o articulador por
detrás do coordenador. Somou-se, portanto, à debilidade da posição de Adeilson naquele
contexto, o epidio da sondagem não divulgada por determinação do candidato. Uma nova
crise era deflagrada. Para além do fato de que os índices levantados poderiam causar um
impacto interno no campo dos próprios aliados e da “justificativa ética” dada por Adeilson,
a veiculação dessas pesquisas produziria um efeito de “construção de opinião”, conforme
enfatizado nos trabalhos de Bourdieu ( 1976, 1977 e 1980 [1973]) e de Champagne (1996
[1990]).
[…] a potica é, antes de tudo, uma luta simbólica na
qual cada ator político procura monopolizar a palavra
pública ou, pelo menos, fazer triunfar sua visão de mundo
e impô-la como visão correta ou verdadeira ao maior
número possível daqueles que são, econômica e,
sobretudo, culturalmente, desfavorecidos” (Champagne,
idem, p.24).
244
Desse modo, o jogo de poder imbricado na construção, aplicação e divulgação das
sondagens pode refletir-se na constituição da opiniãoblica”. Sendo assim, para
Lindberg, disponibilizar os dados em questão, significaria explicitar a debilidade da
campanha posta em prática até então. O preço a pagar poderia ser alto e inviabilizar a
estratégia pensada para reorganizar o campo de forças na arena política iguaçuana — via
publicização de sua persona política e de seus programas eleitorais televisionados
245
.
A segunda fase da corrida eleitoral teve início justamente a partir deste episódio, marcada
pela entrada em cena de outros personagens — para a coordenação e realização da
campanha — e pela veiculação do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) e
realização dos showmícios, que transformaram o candidato petista em um “fenômeno de
popularidade”, mal podendo sair às ruas e caminhar sozinho.
Nova Iguaçu tornara-se um dos principais cenários das eleições municipais de 2004, e não
apenas no estado do Rio de Janeiro. Um grande investimento (político e econômico) dos
governos federal, de um lado, e estadual, de outro, resultou não apenas na atenção da mídia,
mas hiper-dimensionou a publicidade local, bem como a de algumas de suas
personalidades, como o candidato Lindberg Farias — e, no pólo oposto, também o
candidato Mário Marques, essencialmente devido à “guerra” travada entre o governo
federal e o então Secretário de Segurança e ex-governador do estado do Rio de Janeiro,
Anthony Garotinho.
Somente em meados de agosto de 2004, os índices de intenção de votos começaram a
mudar; primeiro em favor de Mário Marques e, mais tarde, de Lindberg. A partir deste
momento, entrava em cena em sua campanha a empresa de publicidade Super Nova que
245
Trabalho com a idéia de Champagne (1996), da opino pública como artefato.
245
atuaria na fase decisiva da preparação da propaganda eleitoral para as mídias eletrônicas.
Instaurava-se assim, no discurso do candidato petista, um outro olhar sobre Nova Iguaçu e
a Baixada Fluminense, de forma mais ampla.
Vozes e Cenários
No ano de 2004, o TRE inovou ao distribuir a transmissão das propagandas eleitorais entre
as principais cidades e canais de televisão. A emissora Rede Bandeirantes foi o canal
sorteado para a propaganda eleitoral gratuita dos candidatos ao pleito de Nova Iguaçu e um
imponderável acabou auxiliando os coordenadores da campanha do PT nesse período: as
olimpíadas. A Bandeirantes transmitiu com exclusividade tais jogos, atingindo uma
audiência muito superior a que tem habitualmente, o que favoreceu a veiculação dos
programas poticos dos candidatos do município, potencializando o poder de alcance e de
influência de seu marketing potico
246
.
Foi a partir de setembro daquele ano, com a propaganda eleitoral gratuita veiculada pelo
dio e pela televio e com os inúmeros showmícios realizados, que o candidato do PT
246
Em entrevista realizada com Débora Souto (uma dascias da empresa de marketing e consultoria política
Monte Castelo, assessora de imprensa de Lindberg durante a campanha e a ele ligada profissionalmente ainda
hoje ), percebi o destaque conferido por ela e por sua equipe à conexão olimpíadas-audiência para o
reconhecimento do candidato do PT pela população local. O fato é que as transmissões em questão
possibilitaram que um maior número de moradores conhecesse Lindberg, o que, segundo Daniela, foi
comprovado por meio de pesquisas e de enquetes, tornando possível a reestruturação da propaganda televisiva
e o melhor aproveitamento das inserções diárias. Não tratarei aqui da viabilidade (ou não) da mensuração das
conseqüências deste acaso, limitando-me a apresentar o real crescimento das intenções de voto e a chegada do
candidato do PT ao primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto divulgadas ainda em setembro. O papel
desempenhado por Débora Souto, Miranda e Cacá (os dois últimos, sócios da agência de publicidade Super
Nova, responsável pela campanha de Lindberg Farias), bem como aquele exercido por Pedro Cezar
(responsável pela campanha de Mário Marques), entre outros, ainda será abordado neste tese. Refere-se, no
entanto, à problemática do marketing e do peso de seus agentes (os assessores políticos) na arena eleitoral e
seus desdobramentos para a democracia — tratados em trabalhos como os de Scotto (2004) e Castilho (2002).
246
passou a ter um crescimento extraordinário nas pesquisas de opinião
247
. Sua propaganda
potica centrava-se na idéia de mudança. “É hora de mudar, pra ser feliz” foi o slogam da
campanha e mudança foi a palavra-chave empregada para sensibilizar o público iguaçuano.
O tema em questão, norteador da propaganda eleitoral de Lindberg, pode ser encontrado,
em graus variados, em diversos trabalhos sobre trajetórias poticas e sobre eleições,
constituindo igualmente o elemento central dos discursos dos candidatos (Palmeira, 1996;
Lemenhe, 1995 e 1998; Barreira, 1998). Concorrendo para a constituição de identidades, a
247
Getúlio Vargas deu início à organização da propaganda política no Brasil. Foi durante o seu governo,
fundamentalmente, que a propaganda — até então vinculada a produtos e marcas e dirigida ao mercado
consumidor — centrou-se nas questões políticas, pretendendo-se um veículo fidedigno de informação aos
eleitores (ver Scotto, 2004).
A criação, em 1931, do Departamento Oficial de Publicidade (DOP) representou a primeira vinculação entre
propaganda e Estado. Em 1934, o DOP transformou-se em Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DPDC) tamm ligado ao Ministério da Justiça. E em 1937, passou a atuar na área de “educação nacional” já
sob a rubrica de Departamento Nacional de Propaganda (DNP), responvel pela criação de “A Hora do
Brasil”, programa transmitido diariamente pelas estações de rádio, que relata os acontecimentos nacionais.
Em 1939, criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), subordinado à presidência da República
e relacionado a nomes da intelectualidade brasileira e do movimento da semana de 22 (Cassiano Ricardo,
Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros).
O Código eleitoral foi criado na década de 1950, mas a cada eleição a regulamentação se dá por intermédio de
leis específicas a cada pleito. A partir de 1964, com a criação do Conselho Nacional de Propaganda (CNP),
grande ênfase é dada durante o regime militar à atividade governamental de relações públicas, suprindo um
espaço de informação e comunicação com a população, posteriormente suprimido pela censura
especialmente entre 1970 e 1974, durante o governo do general Médici.
Este modelo da “comunicação governamental” caracteriza-se inicialmente pelo elevado número de
anunciantes com ligações com o aparato do Estado: Banespa, Caixa Econômica etc. (Scotto, idem).
Até 1968, as forças de oposição ainda têm algum espaço na mídia, progressivamente restringido devido ao
endurecimento do regime, com a instauração dos atos institucionais — fundamentalmente o AI5 (1968) —
que caracterizou um período de controle e “fechamento” dos meios de comunicação de massa.
Os partidos políticos só vieram a ter direito à propaganda eleitoral gratuita em 22 de agosto de 1962, com a lei
n
o
. 4.115, até 1974 coexistindo com a propaganda paga . Neste ano, a modalidade gratuita foi extinta pela lei
9.601, conhecida como Etelvino Lins.
A lei 6.339, conhecida como lei Falcão, foi aprovada em 25 de julho de 1976, no governo do general Ernesto
Geisel, com o intuito de conter os avanços da oposição (MDB) que aumentava o número de cadeiras na
Câmara e nas Assembléias desde as eleições de 1974. A propaganda eleitoral gratuita passaria, então, a exibir
apenas a foto e o currículo do candidato, além de anunciar horários de comícios (ver Castilho, 1994; Soares,
2000).
Desde a década de 1970 — mas, principalmente, a partir da década de 1980 — a política passa a ser
representada como um mercado no qual os candidatos podem ter suas “imagens vendidas”.
Foi somente a partir da Constituição de 1988 que os todos os partidos políticos tiveram garantido o acesso ao
tempo de propaganda eleitoral gratuita sem que, no entanto, fossem proibidas as propagandas pagas em
dios, revistas, jornais e canais de televisão. O Código eleitoral será o responvel por restringir este uso,
normatizando e fiscalizando os processos eleitorais.
247
mudança aparece como categoria relacional na medida em que se constrói no discurso de
diferenciação do Outro — neste caso, o(s) adversário(s) potico(s) — e vai se adequando
aos contextos aos quais é inserida. A mudança pode ter uma conotação de gênero
(candidatas mulheres em oposição a candidatos homens), de classe social (movimentos
sociais), de perfil ocupacional (empresários) ou relacionada a uma estrutura de dominação
potica (remanejamento de poder com discurso de contestação/ crítica de elites locais). A
propaganda de Lindberg referia-se especificamente a esta última. Apesar das alianças com
o PSDB e com o PFL, pretendia-se, por um lado, alcançar a parcela da população
insatisfeita com o governo de Mário Marques e, por outro, dar um basta à alternância das
elites locais — representadas mais recentemente por Bornier e pela família Raunheitti
no poder.
Lindberg assumia, portanto, o discurso do herói/ salvador (Girardet, 1987) que viria
resgatar Nova Iguaçu — e a Baixada, em sentido mais amplo — da condição
estigmatizante a que há anos se via relegada e reverter sua alcunha de “curral eleitoral”.
Atacando o coronelismo, o clientelismo e o assistencialismo como práticas poticas
“típicas” da elite local, o candidato do PT colocar-se-ia contra o complô permanente a que
seus moradores estiveram submetidos, instaurando um novo tempo para
a potica. De
modo semelhante a Lindberg, como nos mostra Carvalho (1995), o discurso político de
Tasso Jereissati opera igualmente com a “dimensão simbólica do coronelismo no
imaginário coletivo nordestino
248
.
Insidioso mal, o coronelismo afeta não apenas o corpo
desnutrido, mas a própria alma do povo, imprimindo ao
anti-coronelismo o tom de exortão moral [...] Tasso é,
portanto, muito mais que um candidato ao governo de um
248
Segall (1979).
248
estado do Nordeste, ele é a materialização da imagem
tica da ruptura com os grilhões do passado, anúncio de
um novo tempo na política” (pp.132-133).
A trajetória do candidato fundia-se então a um conjunto ampliado de imagens e projetos
relativos à própria cidade. O projeto de uma nova Baixada, a partir de uma nova Iguaçu, era
então veiculado nas propagandas televisionadas do candidato petista. O discurso do partido
apresentava, na figura de um jovem e promissor político, a possibilidade de experimentação
de uma nova etapa na vida da cidade. A fala de Lindberg — durante debate realizado no
SESC de Nova Iguaçu pelos movimentos sociais locais, fundamentalmente o MAB, a
Diocese de Nova Iguaçu e a Escola de Governo da Baixada, em 16 de setembro de 2004 —
evidencia a ênfase em um discurso de diferenciação em relação aos demais candidatos e de
transformação: “(...) eu vou entrar ali, eu vou pôr ordem (...) eu (estou) mandando um
recado para aquela turma que tá (está) ali (...) não (estou) de brincadeira. Vamos entrar
rasgando aquela máfia lá, de compra de medicamentos, de tudo(palavras de Lindberg
Farias). Devo ressaltar que, se nas propagandas gravadas, o candidato não costumava
utilizar-se do expediente de atacar os adversários, o mesmo não se dava nos palanques. Tais
ataques, no entanto, apresentavam-se sob forma “genérica” e não individualizada (omitindo
nomes), prática esta que os demais candidatos entrevistados assumiram como rotineira
durante o período de eleições: “é assim mesmo, na hora da eleição, vale tudo!” (candidato à
Câmara Municipal pelo PDT).
O jingle de Lindberg é exemplar para pensarmos a construção do discurso que moldou toda
a sua campanha e que procurou forjar sua identidade potica.
01 Ele foi cara pintada
249
02 Líder de uma geração
03 E manteve o passo certo
04 Cresceu junto com a Nação
05 Hoje é homem
de idéias
06 Que traz a solução
07 Sempre com a verdade
08 Sempre com a sinceridade
09 Nova Iguaçu, nova direção
10 Um novo
caminho
11 Uma nova visão
12 Lindberg é o futuro
13 Com coragem e pé no chão
14 Pra cuidar de todo mundo
15 Coração e peito aberto
16 Pra mudar o que tá ruim
17 E pra fazer do jeito certo.
18 É hora de mudar
19 Pra ser feliz
20 Lindberg prefeito
21 É assim que se diz.
22 Lindberg prefeito, é hora de mudar
...
(grifos meus)
O velho e o novo, o tradicional e o moderno confrontavam-se por detrás dos nomes de
Lindberg, em um dos pólos, e de Marques/ Gonçalves, no outro. Estes pares de opostos
250
aplicavam-se não somente aos programas políticos e slogans, como também às trajetórias e
faixas etárias dos candidatos. A identificação da população jovem do município com o
candidato do PT e sua atuação no movimento estudantil e no impeachment de Collor
mostrou-se um dos pilares de sustentação da campanha (linhas 1 e 2 do jingle), sendo a
trajetória como deputado (por dois mandatos) enfatizada como o traço que o distinguiria do
estudante”, ao mesmo tempo em que o transformara, de fato, em “homem”(linhas 4 e 5).
A nova conjunção de forças em Nova Iguaçu, no entanto, redefiniu a luta potica em
termos de facções. Não se operava mais uma disputa entre duas elites locais, ou entre uma
elite local e um forasteiro (como tentaram qualificá-lo com a utilização da categoria
“nordestino”, no período pré-candidatura). A partir de agora, a composição de forças era
diferenciada, resultando em um amálgama que permitia a Lindberg utilizar-se do discurso
da mudança, ao mesmo tempo em que costurava arranjos com poticos tradicionais sem
que tivesse afetados seu foco ou prestígio. A temática da mudança sempre esteve
relacionada à sua figura potica e remetida à construção de uma trajetória ligada aos
sentimentos e às emoções (linhas 14, 15 e 19).
A esta altura da campanha (3 de setembro de 2004), as pesquisas de opinião já se haviam
alterado. Lindberg deixara para trás os 12% que registrava em 10 de agosto e já estava em
primeiro lugar, com 30% das intenções de voto, seguido de Mário Marques (27%) e
Fernando Gonçalves (16%). Acenava-se, portanto, para uma nova polarização. Sendo
assim, a partir deste momento, o “poder de fogo” voltou-se inteiramente para o primeiro
colocado, o candidato do PT. Se até o mês anterior, o grande rival de Mário Marques era
Fernando Gonçalves e a disputa girava em torno das elites iguaçuanas — que tentaram
atingir Lindberg por intermédio de um discurso apoiado na identidade local — os
251
jogadores, agora, haviam mudado de posição, as regras do jogo devendo ser
necessariamente reformuladas. A equipe de Marques iniciou um feroz ataque ao deputado
federal do PTB que, somando-se a falta de apoio e de dinheiro, foi aos poucos sucumbindo
ao poder da máquina representada por Mário e pelo PMDB.
As mesmas iniciativas foram tomadas em relação a Lindberg, mas, neste caso, os resultados
foram outros. Cartazes apócrifos foram espalhados pela cidade. Outdoors colocados em
pontos estratégicos. Todos com o mesmo conteúdo: acusações dirigidas ao candidato da
coligação Hora da Mudança.
Aqui, novamente, os sentimentos e os “atributos psicológicos” voltaram à tona nos ataques
ao candidato do PT e na resposta de sua equipe. A expressão acusatória dos sentimentos
(Barreira, idem) remete, em geral, a fatos contados como revelações, admitindo-se assim
um caráter de artificialidade e de construção de características apresentadas como
verdadeiras por determinado candidato, e que seriam desmentidas pelo adversário para o
conhecimento da população, para o “bem do povo”. A exibição de fotos de Lindberg
bebendo uísque, cartazes revelando sua suposta concordância com a liberalização da
maconha, outdoors denunciando seu voto a favor do salário nimo de R$ 260,00, foram
expedientes utilizados pelos adverrios para desconstruir a imagem de “homem de bem” e
deslegitimar o discurso da mudança através da retórica do medo e da divulgação de antigas
imagens a ele associadas: a de bêbado, arruaceiro, drogado, violento.
“Você tem que saber uma coisa. Aqui, na Baixada, a gente faz potica com fofoca”
(palavras de um assessor político de um dos candidatos à Prefeitura). Grosso modo, e
levando em conta que “o uso comum nos inclina a tomar por fofocas, em especial, as
informações mais ou menos depreciativas sobre terceiros, transmitidas por duas ou mais
252
pessoas umas às outras” (Elias, op. cit, p.121), verificamos que a fofoca —
preferencialmente a blame gossip, mas não exclusivamente — transformou, naquelas
eleições em particular, a arena potica num folhetim, no qual os personagens surgiam e
desapareciam conforme os “gostos” dos eleitores. Os temas das maledicências eram
testados” a partir dos sentimentos e reações manifestados pelos demais atores em jogo (os
adversários, os aliados, os eleitores).
Se os ataques a Lindberg apresentavam-se de forma violenta e incessante, não conseguiram,
no entanto, provocar sua rejeição por parte da população local — fato muito bem
explorado pela equipe de marketing do PT e capitalizado em termos de solidariedade e
demonstrações de apoio ao candidato. Sua resposta às acusações também foi equivalente
àquela adotada em 2002: no estilo “lulinha paz e amor”, prometendo “cuidar de todo
mundo” (linha 14), Lindberg incitava a população a optar por uma nova fase em suas vidas:
é hora de mudar pra ser feliz” (linhas 18 e 19 do jingle)
249
.
A equipe de marketing responsável pela campanha do PT em Nova Iguaçu não atacou o
candidato à reeleição em termos pessoais, preferindo explorar sua atuação administrativa à
frente da prefeitura por quase dois anos e os graves problemas de infra-estrutura que a
cidade ainda enfrentava. “Isso aqui é uma vergonha. Eu nasci na lama, tô criando meus
filhos na lama, vou criar meus netos na lama. Por intermédio do depoimento de uma
(suposta) moradora da periferia da cidade exibido em um dos programas eleitorais de
televisão, o discurso do candidato do PT voltou-se para a revitalização dos bairros —
percebidos como o locus da sociabilidade nativa por excelência —as peças publicitárias
passando a enfatizar um conhecimento sobre a cidade e seus problemas, mostrando o
249
A menção ao “estilo lulinha paz e amor” foi recorrentemente utilizada por assessores e demais pessoas
próximas a Lindberg Farias.
253
candidato nas ruas com “sua gente”, a par das dificuldades cotidianas do morador
iguaçuano.
O direcionamento de sua propaganda voltou-se, então, para um projeto de reconstrução da
cidade, não apenas um projeto urbanístico como o das administrações anteriores de Bornier,
mas um projeto novo, de uma nova cidade, uma nova Iguaçu. A valorização da cultura
local, da ecologia e do trabalho foram os pilares de sustentação de seu programa de
governo, bem como das propagandas televisionadas. Além da temática da mudaa e de
suas implicações, o apelo “ao que Nova Iguaçu tem de bom” ditou o ritmo das propagandas
e das falas políticas. Essa nova Iguaçu aparecia como projeto potico, mas também como
vocação da cidade. Neste sentido, operava-se com a idéia de que já haveria capacidades
inerentes à cidade e a seus moradores, inexploradas pelos antecessores poticos. A
potencialidade do crescimento e da grandeza era agora enfatizada a partir da natureza e da
cultura próprias à localidade.
Evocando, em muitas situações, a “comunidade da Baixada” ao invés de referir-se
exclusivamente à Nova Iguaçu, a equipe de Lindberg e o candidato optaram por redefinir a
Baixada a partir da condição iguaçuana, ou seja, alçar o iguaçuano à condição de legítimo
representante da região. Sendo assim, Nova Iguaçu deveria ser restitda a seu posto, de o
“lugar” da Baixada. As tomadas externas da campanha publicitária priorizaram a “gente de
Nova Iguaçu”, a “terra” e as “belezas iguaçuanas”. Conferindo otulo de “capital da
Baixada” à Nova Iguaçu, a campanha do PT propunha uma retomada do antigo prestígio e
poder da cidade, do “tempo dos laranjais” (Souza, 1992), quando ainda não havia sido
desmembrada com as emancipações que se seguiram.
254
O Cortejo e a Vitória
“Não sou só um rostinho bonito” (Lindberg Farias, O Dia, 24/10/2004).
A segunda fase da campanha foi marcada, entre outras coisas, pela conquista do eleitorado
feminino. Desde os “tempos” da UNE, Lindberg já gozava da fama de “bonitão”, de
“lindo”, seu “efeito” sobre as mulheres sendo sempre ressaltado em matérias jornalísticas.
A eleição iguaçuana de 2004, entretanto, operou sua transformação de “muso” em ídolo,
“pop star”.
A apatia dos primeiros dias de campanha havia ficado para trás e Lindberg passava a ser
festejado por segmentos diversos nas ruas e aclamado pelas mulheres, que o apelidaram de
Lindoberg ou Lindinho. Não refiro-me apenas a seu prestígio político, mas à fama
alcançada pelo candidato do PT. Assim como exposto no trabalho de Coelho (1999), a fama
pode ser pensada em termos de uma relação assimétrica entre ídolo-fã — neste caso,
especificamente, a condição de ídolo do candidato do PT e seu pólo oposto e
complementar, o fã (neste caso, fã-eleitor). Segundo a autora, “o modelo da relação é
basicamente centrípeto: um indivíduo centraliza as atenções de muitos, sendo da natureza
mesma dessa relação a impossibilidade de o indivíduo famoso corresponder às expectativas
que tantos alimentam a seu respeito” (p.135), o que pode manifestar-se na idealização de
uma relação amorosa com o indivíduo singularizado por seu carisma (que no caso desta
tese foi ressaltado na relação de eleitoras com Lindberg) ou ainda, combinada com a
impossibilidade de identificação plena, na transformação do candidato em “produto
massificado”. Aqui, a fama — por vezes tomada como sinônimo de carisma —
diferentemente da honra estaria ligada ao advento da comunicação de massa e à
particularização do indivíduo que, a partir de uma concepção específica de modernidade
255
(Simmel, 1967), remeteria à exaltação da singularidade do ídolo por oposição ao anonimato
(ainda que relativo) do eleitor. Esta definição expõe o caráter dinâmico do conceito, visto
que é construído na relação entre os discursos sobre si e sobre o outro em um jogo que nos
permite perceber a fabricação de personagens públicos visando reconhecimento, renome.
Com manchetes como a publicada no Jornal do Brasil, de 19 de setembro de 2004, “A
Baixada se rende ao forasteiro: deputado do PT vira ídolo de crianças, adolescentes e
mulheres de Nova Iguaçu, e passa à frente nas pesquisas para prefeito” ou as que figuraram
no jornal O Dia (de 4 e 29 de outubro do mesmo ano, respectivamente): “O ídolo pop da
Baixada: candidato petista à prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias sofreu com o
assédio feminino” e “Petista joga para torcida: mulheres lotam campo para assistir à pelada
do prefeitável de Nova Iguaçu com astros do futebol” percebemos a dimensão de sua
aceitação por uma parcela específica do eleitorado iguaçuano. A política da festa (Chaves,
op.cit.) conduzida pelos showmícios, os programas eleitorais televisionados e a ênfase no
corpo a corpo auxiliaram na transformação do candidato em ídolo. Explorando a imagem
de ex-líder estudantil para assegurar sua proximidade dos jovens de Nova Iguaçu, bem
como o carisma pessoal e a beleza, Lindberg obteve uma combinação de fatores que lhe
rendeu amplo acesso ao eleitorado feminino (de diversas idades). Além de camisas com o
nome do candidato, as eleitoras mais jovens usavam adereços como bandanas, faixas de
cabelo e pinturas feitas nos rostos — geralmente a estrela do PT.
Moreno, 1,85m e 86 quilos, o paraibano arrancou
suspiros das mulheres – muitas delas o tratavam como
“Lindinho”. Algumas mais assanhadas,o se continham,
chamando o candidato de gostoso (O Dia, 04/10/2004).
A doméstica desempregada, Claudete Santos Lima, de 40
anos, cai no choro depois de beijar o ídolo. “Vejo todos
os programas”, dizia ela, antes de romper a barreira de
256
seguranças. Leide Melo, 20 anos, estudante de
enfermagem, comemora eufórica: “Ele bebeu água
mineral da minha garrafa!” Ele quem? Reinaldo
Giannechini?o. Lindberg Farias, deputado federal e
candidato à prefeitura de Nova Iguaçu (Extra,
24/10/2004).
São cinco e meia da tarde de terça-feira e Lindberg, de 34
anos, paraibano que ficou famoso ao liderar o movimento
dos estudantes cara-pintadas pelo impeachment de Collor
em 1992, mal consegue andar pelo calçadão comercial do
centro [de nova Iguaçu] [...] Antes da chegada do
candidato, Tatiana de Souza, 17 anos, Vanessa Peixoto,
18, e Talita Carriello, 16, vestidas com saia de pregas,
camisa branca e gravatinha azul do curso normal superior
do Instituto de Educação Rangel Pestana, davam
explicações poticas para a preferência pelo petista. “Ele
luta pela universidade pública”, lembra uma. “Prometeu
dar um jeito na saúde”, cita outra. “Ele até pode ser
lindinho, mas sem competência não dá”, avisa a terceira.
“Aaaaiiii! Lá vem ele!”, gritam elas ao avistar o
candidato. E lá se vai a consciência potica (idem).
Representantes de fã-clube e moradores disputaram o
alambrado em volta do campo. As estudantes Samantha
Navarro, 18 anos e Tatiane Alves, 20, disseram que não
importavam a mínima para a partida. “Vim aqui pra ver o
Lindberg de terno, de short, o que quer que seja. Ele está
com esse bermudão, espero que ele bote um shortinho
mais curto”, dizia Tatiane
250
(O Dia, 29/10/2004).
250
Durante o mês de setembro de 2004, fiz algumas pesquisas sobre os fã-clubes do candidato petista. Na
Internet encontrei um site, no qual havia depoimentos de algumas mulheres — todas jovens entre 15 e 24 anos
— além de uma pequena biografia de Lindberg. Mandei vários e-mails para as responsáveis pelo fã-clube,
mas nunca obtive resposta. Num certo dia, conversando com uma pessoa que trabalhava na campanha, ela
deixou “escapar” que o fã-clube teria sido uma invenção de marketing, para “criar notícia”. Não posso
confirmar ou negar tal fato. Ressalto, no entanto que, não conseguindo falar com nenhuma das jovens cujos e-
mails constavam do site, procurei o responvel pela página (o webdesigner). Telefonei para ele perguntando
como poderia entrar em contato com as duas meninas do fã-clube. Ele me respondeu que teria sido contratado
por uma pessoa da assessoria de comunicação de Lindberg e queo teria tido contato algum com nenhuma
das fãs-eleitoras. Conversei com um dos principais assessores de Lindberg que confirmou a existência do fã-
clube. Quando indagado sobre como localizar uma das fãs, afirmou não ter qualquer contato com elas. Diante
disso, e apesar das inúmeras manifestações que pude presenciar durante a campanha — e mesmo depois dela
— não consegui confirmar a existência de um único fã-clube do candidato.
257
A fama mudou o dia a dia do potico. Não era mais possível sair às ruas sem seguranças.
Se anteriormente, um ou dois bastavam para protegê-lo de qualquer eventualidade (leia-se,
assalto ou atentado político), a partir do final de agosto, eles estariam encarregados de
manter sob controle as fãs-eleitoras. Lindberg tentou desvincular-se de uma associação
direta com o “voto feminino”, afirmando ter “mais votos entre os homens”
251
. A proporção
tomada por sua transformação em ídolo não era esperada nem mesmo por membros de sua
equipe, surpreendidos durante o processo eleitoral, e dela tirando o máximo proveito
possível
252
.
Era uma loucura. A gente nem podia sair na rua com ele.
É verdade. Você viu, não viu? A mulherada gritava mais
pra ele do que pro Zezé di Carmago, pro KLB, é mole?
[risos] Era um tal de pegar, abraçar e beijar que só ele pra
ter tanta paciência mesmo, porque é uma loucura; gente
te puxando de todos os lados. A gente ficava perdido; às
vezes, sem saber o que fazer, até. O quê que eu podia
fazer? Não dá pra empurrar, pô; são eleitoras né?! Tem
que deixar. Ele ficava esgotado no final. Mas ele tem um
pique! Parece que nem dorme... Eu nunca vi coisa igual”
(um assessor de Lindberg durante a campanha eleitoral,
28/11/2004).
O dia 3 de outubro de 2004 parecia anunciar a vitória. Amanheceu um dia chuvoso, tenso.
Urnas eletrônicas tiveram que ser substituídas; a cidade estava tomada por grande agitação.
Cabos eleitorais por todos os lados tentavam buscar nos indecisos a chance da virada.
Alguns confrontos entre adversários acabaram em ataques físicos, troca de socos entre
cabos eleitorais. A fiscalização estava atuante: materiais considerados ilegais foram
apreendidos e acabaram presos cabos eleitorais que estavam além dos limites previstos por
251
Fala extraída do Jornal do Brasil, de 24/10/2004.
252
Daniella Sholl, em entrevista realizada em julho de 2005, contou-me que a idéia do apelido “Lindoberg”
foi sua. Segunda ela, em uma conversa com uma amiga — jornalistade O Globo — comentou sobre a
popularidade de Lindberg junto ao eleitorado feminino da cidade e que as mulheres gritavam seu nome
quando ele passava ou chamavam-no de lindinho. Diante disso, ainda segunda Daniella, tal jornalista resolveu
ir à Nova Iguaçu, confirmando o asdio ao candidato e corroborando o apelido “Lindoberg”.
258
lei para a “boca de urna”. A solicitão para que a polícia federal garantisse a idoneidade
das eleições não foi atendida e mais choques e ameaças davam demonstrações do que
ocorreria até o fim do dia
253
.
Lindberg e sua esposa votaram pela manhã, na Igreja de São Jorge, enquanto Mário
Marques, também acompanhado pela esposa, votou no Instituto de Educação Rangel
Pestana.
Faltou ética para meus adversários. O Mário Marques
teve 15 dias de campanha suja. Estou lutando, não contra
o meu oponente, mas contra o boato de que não sou mais
candidato. Cheguei a ficar apavorado, mas acho que,
quando as pessoas descobriram que era uma armação, se
voltaram contra o meu adversário. Espero que isso não
influencie o resultado da eleição – afirmou o ex-
deputado, para quem pelo menos não houve manipulação
das urnas (Jornal do Brasil, 04/10/2004).
O primeiro turno terminou com Lindberg em primeiro lugar, com 181.185 votos (48,19%
dos votos válidos), seguido de Mário Marques, com 147.137; Fernando Gonçalves, com
44.800; Carlão, com 2.353 e Zé Renato, com 947. Logo em seguida ao resultado da
apuração, o segundo colocado deu início a novas articulações para tentar angariar o apoio
dos candidatos vencidos.
Lindberg não deixou escapar a oportunidade e, conforme anunciado na reportagem da
Folha de São Paulo de 06/10/2004, tirou o máximo proveito de ter o Presidente da
República como aliado declarado, transformando-o em “garoto-propaganda” de sua
candidatura no segundo turno.
O candidato do PT à Prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg
Farias, teve um encontro hoje com o presidente Luiz
253
Lindberg Farias pediu às autoridades competentes o envio da policia federal para Nova Iguaçu no dia da
eleição, no entanto, o pedido foi recusado por ter sido considerado desnecessário pelo presidente do TRE-RJ
juiz Marcus Faver.
259
Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. O tema da
conversa foi a possível criação de parcerias entre a
prefeitura de Nova Iguaçu com o governo federal e
organizações internacionais como o Banco Mundial, em
particular na área de saneamento.
Após ser informado que o ex-governador Anthony
Garotinho (PMDB) havia feito ameaças de corte nos
convênios entre o Estado do Rio e Nova Iguaçu caso
Lindberg vencesse, o presidente afirmou em sua última
visita ao Rio que o governo federal ajudaria as prefeituras
que sofressem discriminação dos governos estaduais.
Antes do encontro em separado com o presidente,
Lindberg participou de um café da manhã com Jo
Dirceu (Casa Civil) e Lula. A conversa com o Presidente
será usada na campanha para o segundo turno.
Segundo Lindberg, Lula prometeu dar “um banho de
saneamento e asfalto” no município e disse também que
espera que a administração em Nova Iguaçu seja um
cartão postal do PT na Baixada Fluminense”.
Mesmo antes do resultado final de 3 de outubro, Fernando Goalves já era sondado por
ambos os lados. O patriarca da família Raunheitti também foi procurado. Segundo ele
próprio me informou — em entrevista realizada em agosto de 2005, poucos meses antes de
seu falecimento — estava ciente, desde o início, das chances remotas de seu sobrinho,
preferindo ficar “de fora dessa disputa”. Sendo assim, não apoiou lado algum. Nessa
mesma entrevista, no entanto, deixou claras suas críticas a Lindberg e ao PT, apoiando-se
sobre oepisódio do mensalão”.
Esse rapaz veio pra cá com uma carinha bonita, boa
pinta e deixou o Mário no chinelo. Eu não ia desembolsar
nada. Já gastei muito com eleição. Se algum filho meu
quiser se candidatar, tudo bem; senão, eu deixei a potica
pra lá. Fiquei desgostoso depois do que aconteceu
comigo [referindo-se ao caso dos Anões do Orçamento].
Mas o PT nunca me enganou. Eu sempre soube que era o
mais sujo de todos. Agora a máscara caiu. E eu quero ver
como esse menino vai ficar agora. A administração dele
não anda. A prefeitura está parada. O Fernando fez o que
260
tinha que fazer. Se juntou ao mais forte. O Mário já não
tinha mais chance. O Bornier não ia soltar mais dinheiro,
e eu acho que, por ele, o Mário nem seria o escolhido. Ele
o tinha pique pra agüentar o ritmo daquele menino. É
muita diferença. Campanha é uma dureza. Eu já estou
velho e doente pra essas coisas” (bio Raunheitti,
14/08/2005).
Fernando Gonçalves acabou apoiando Lindberg, sendo alvo de ataques do candidato
adversário. Outdoors do primeiro turno estampados com sua foto foram pichados com a
palavra traidor
, em mais um surto de agressões e acusações mútuas. Para Lindberg, além do
apoio de um “nativo” com significativa expressão potica (e eleitoral), a ligação com
Fernando Gonçalves implicava também a aproximação de uma importante parcela do
eleitorado: a evangélica — religião do candidato do PTB derrotado nas urnas no primeiro
turno.
Durante a campanha para o segundo turno das eleições, os ataques não foram diferentes. A
relação de “fã” foi alvejada pelo adversário, alegando que as eleitoras estariam cometendo
um erro por votarem nele devido somente à sua beleza, por “ficar fazendo papel de bom
moço” — comentário de Mário Marques a um jornalista do Jornal do Brasil (idem). Mas já
que a juventude e a beleza pareciam contar a favor de Lindberg, seus adversários
resolveram mudar de estratégia, partindo agora para um ataques morais. Aproveitando-se
da antiga fama de “mulherengo”, espalharam a notícia de que o candidato do PT teria uma
“filha bastarda”. Segundo os jornais, a garçonete Márcia Cristina Lima, de 35 anos,
afirmava ter conhecido o candidato em 1996 e que ele seria o pai biológico de sua filha de 7
anos
254
. Lindberg negou a afirmação, declarando não conhecer a garçonete e contestando
254
Na ocasião, o boato em questão foi noticiado em diversos jornais: Estado de São Paulo, 21/10/2004; O
Globo, 21/10/2004; Jornal do Brasil, 21/10/2004; O Dia, 22/10/ 2004.
261
informações por ela fornecidas aos jornalistas: “com todo respeito a Coelho da Rocha,
nunca estive , na minha vida.
A suposta paternidade foi um duro golpe, segundo me informou uma pessoa próxima a
Lindberg. Ainda segundo esta mesma pessoa, o impacto teria sido mais pessoal e menos
potico, uma vez que sua equipe de comunicação revertera imediatamente a situação,
divulgando declarações do candidato e, principalmente, de sua esposa. Imagens feitas em
seu apartamento, mostrando-o em família (com a esposa e o filho, que até então residia com
a avó materna, em Belo Horizonte) foram divulgadas pela mídia. O Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e outros colegas do PT vieram em seu auxílio, manifestando repúdio às
acusações.
Em encontro fechado com os candidatos do PT às
Prefeituras de Nova Iguaçu (Lindberg Farias) e de Niterói
(Godofredo Pinto), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
lamentou a acusação de que Lindberg Farias poderia ser
pai de uma garota de sete anos. O candidato do PT em
Nova Iguaçu creditou o pedido de paternidade da
garçonete Márcia Cristina Leonardo Lima a uma
estratégia do ex-governador Anthony Garotinho (PMDB)
para prejudicá-lo. Segundo a assessoria de Lindberg, Lula
afirmou que a acusação não deverá prejudicar o
candidato.Não se preocupe porque esse tipo de coisa só
tira voto do adversário, disse (Folha de São Paulo,
22/10/2004).
Nesse mesmo peodo, o IBOPE apontava para um empate técnico entre os dois candidatos
ao segundo turno. Entretanto, apesar do desgaste da acusação de ser pai de uma filha
bastarda, o corpo a corpo e os showcios continuaram ditando o ritmo da campanha.
Quanto mais próximo do dia da votação, mais tenso ficava o clima político na cidade.
No dia 31 de outubro, data marcada para o segundo turno das eleições, a movimentação não
foi diferente. Lindberg, vestido com uma camisa de cor laranja, votou às 10 horas da
262
manhã, acompanhado de Benedita da Silva e de Rodrigo Maia (PFL). “É a cor dos laranjais
de Nova Iguaçu”, disse, justificando a cor da camisa que marcou os últimos dias de sua
campanha. O adversário, Mário Marques, votou como no primeiro turno, em companhia da
família.
A campanha ainda não havia terminado e, durante todo o dia, os candidatos percorreram as
ruas atrás dos indecisos.
Lindberg Farias (PT) resolveu madrugar ontem. Às 6h30,
o candidato já estava dentro do seu jipe para buscar os
votos dos indecisos. Ele saiu do prédio onde mora, na rua
Humberto Gentil Barone, e passou por seguranças e
cabos eleitorais do adversário, Mário Marques, que
ficaram surpresos com a disposição de Lindberg. “Olha
lá, é ele”, diziam (O Dia, 01/11/2004).
Tanto Lindberg quanto Mário optaram por acompanhar de perto as eleições, visitando
bairros, falando com militantes e ambos foram repreendidos pelas autoridades. O primeiro
teria sido “quase detido, por duas vezes” por promover uma pequena carreata (idem) e o
segundo, advertido pela juíza da 158ª. Zona Eleitoral devido aos militantes que o
acompanhavam, gritando o seu nome (idibem). A despeito dos boatos de que a candidatura
do petista havia sido impugnada, a votação durante o segundo turno transcorreu sem
maiores problemas.
A comemoração da vitória começou já no início da noite, após a apuração do resultado de
algumas sessões eleitorais. Nas ruas cheias, praticamente tomadas — em sua maioria por
jovens com rostos pintados com a estrela vermelha, fazendo referência aombolo do
Partido dos Trabalhadores — carros de som tocavam funk, principalmente, além do jingle
da campanha. Lindberg foi carregado nos ombros por militantes e ovacionado pela
263
população. As comemorações invadiram a noite e, como verdadeiros foles, os iguaçuanos
fizeram um carnaval fora de época.
Depois das comemorações, a vez das negociações. Os conflitos não cessaram com a vitória.
Uma crise com o vice-prefeito, o deputado federal Itamar Serpa, foi desencadeada a partir
da escolha dos nomes que comporiam o governo. Itamar acusou Lindberg de querê-lo
somente como “figura decorativa”, alegando ter aberto mão de uma candidatura própria e,
com seu apoio, beneficiado o PT com seis minutos diários no horário gratuito de
propaganda eleitoral (HGPE). As queixas não paravam por aí. O vice também reclamou da
“importação” de pessoal do PT de São Paulo — como secretários e assessores —
ameaçando não tomar posse.
No dia 1
o
de janeiro de 2006, na casa de shows Rio-Sampa, localizada na Rodovia
Presidente Dutra, Lindberg foi empossado assim como seu vice, apesar da dúvida ter
persistido até o último momento. Nomes importantes do PT que participaram da campanha
não estiveram presentes na cerimônia de posse, com exceção de Marcelo Sereno (Secretário
Nacional de Comunicação do PT) e Vicente Trevas (Subchefe da Casa Civil para Assuntos
Federativos). “Emocionado, o prefeito empolgou o público ao lembrar Che Guevara e
prometeu governar para o povo” (O Dia, 02/01/2005). A tietagem persistiu até mesmo
durante a cerimônia de posse. Gritos, fotos com o prefeito e a primeira-dama, choros e
vaias a Fábio Raunheitti foram alguns dos ingredientes da festa.
A expectativa dos iguaçuanos era tão grande que meninas
preferiram usar a roupa de réveillon na tarde de ontem. A
dona de casa Marise Gamelheira de Souza, 51 anos,
caprichou. “Fui comprar roupa com as mulheres da
família juntas. Para ninguém repetir cor”, contou,
brilhando em strass. A reclamação foi a falta de bufê. Só
tinha refrigerante. Vendido a R$ 2. (O Dia, 02/01/2005).
264
Depois da cerimônia Lindberg dirigiu-se — juntamente com a esposa, Maria Antônia — à
prefeitura, onde havia um grande número de pessoas o aguardando para que Mário Marques
lhe passasse o cargo. Outra festa começou, animada, agora, pela bateria da Escola de
Samba Leões de Nova Iguaçu. Nem o “apagão” ocorrido aquela noite foi capaz de
desanimar os presentes.
Sobre o futuro, Lindberg costuma dar respostas vagas. Ainda em dezembro de 2005, foi
escolhido presidente da Associação de Prefeitos da Baixada e já articulava reuniões e
encontros dos poticos locais com o Presidente Lula e sua equipe. Constituía-se, assim,
como um porta-voz legítimo de sua região. Suas primeiras tentativas não foram, no
entanto, bem sucedidas — devido “à falta de espaço na agenda” do Presidente. A
Secretaria de Imprensa do Palácio garantiu, entretanto, que Lula receberia os prefeitos
eleitos da Baixada. Tentava, assim, demonstrar a seus pares dispor de acessos privilegiados.
Na ocasião, o prefeito de Nova Iguaçu também teve que lidar com a disputa de poder entre
a Associão por ele presidida, de um lado e, de outro, a Associação de Prefeitos do estado
do Rio de Janeiro (Apremerj), presidida pelo prefeito de Rio das Flores, Vicente Guedes
(PSC), aliado de Garotinho e do PMDB.
Com relação ao futuro político, Lindberg afirmou não estar entre seus projetos, o governo
do estado do Rio de Janeiro, em 2006, uma opção possível, no entanto, para 2010.
“Não existe uma meta. Sei que meu futuro vai depender
muito dessa prefeitura. Se, a médio prazo, eu fizer uma
boa administração, posso virar uma referência no estado
do Rio. Essa fase de lua-de-mel passa daqui a pouco,
tenho que apresentar resultados. Tenho um filho de nove
anos, não quero me envolver com corrupção. Se alguém
fizer bandalha, boto a polícia em cima. Juro que não
penso em ser Presidente da República. Se eu arrebentar
265
no meu governo, posso um dia ser governador”
(14/11/2004).
A atuação de Lindberg durante a eleição de Nova Iguaçu demonstrou seu sucesso em
traduzir digos culturais e, ao mesmo tempo, costurar alianças políticas decisivas para a
conquista do executivo municipal iguaçuano. Sua capacidade de atuar nos mais variados
contextos e falar a “língua” de seus interlocutores — fossem eles jovens estudantes,
mulheres, homens, membros de camadas dias ou classes populares — lhe garantiu um
lugar privilegiado na dinâmica potica local, transformando-se no que Friedrich (1968)
denominou political middleman. A multiplicidade acionada por sua persona tornava
possível a associação entre elementos por vezes contraditórios. Os atributos acionados
durante toda a campanha e, particularmente, o slogam da mudança apresentaram-se como
uma exortão, como se Lindberg fosse “o herói do progresso marchando contra a força do
atraso” (Carvalho, op. cit.), libertando Nova Iguaçu e a Baixada por intermédio do discurso
do ator político sobre a cidade e a região, ora investido.
A eficácia de uma construção simbólica apoiada na veiculação de uma identidade potica
ideológica em oposição a uma postura assistencialista (Kuschnir, 1993 e 2000) implica
pensarmos a sua vitória como um acontecimento ainda mais improvável no contexto da
potica praticada localmente. Pela primeira vez na história potica de Nova Iguaçu era
eleito um candidato do PT. Na eleição de 2000, André Ceciliano havia sido eleito o único
prefeito do partido em toda a Baixada Fluminense e um dos dois eleitos no estado do Rio
de Janeiro. Em nível nacional, segundo David Fleischer
Em 2000, o PT elegeu 187 prefeitos, mas no ‘Brasil
urbano’ (100 cidades maiores) elegeu 27 prefeitos em
cidades que somaram 12,9 milhões de eleitores (38% do
eleitorado nestas cidades). Nas 62 cidades maiores, o PT
266
elegeu 17 prefeitos. Em nível nacional, o PT obteve 7,9
milhões de votos em 1996 e 11,9 milhões em 2000 —
um aumento de 51,3%, bem acima do crescimento do
eleitorado nacional (14,2%). Em 2000, dos 187 prefeitos
eleitos pelo PT, 51 (27,3%) foram reeleitos, aquém da
média nacional de 37,2%. Dos 60.387 vereadores eleitos
em 2000, 7.000 (11,6%) eram mulheres. O PT elegeu 350
vereadoras entre 2.485 (14.1%), a maior porcentagem de
todos os partidos. Em 2000, 31 cidades realizaram
eleições em segundo turno. O PT disputou 16 destas
eleições (mais da metade) e elegeu 13
prefeitos” (publicado no portal Universia Brasil,
www.universia.com.br/html/materia/materia_edfi.html
consultado em 16/07/2004).
Já em 2004, foram 412 prefeituras conquistadas pelo PT em todo o território nacional, um
aumento de cerca de 120% em relação à ultima eleição. No estado do Rio de Janeiro, apesar
de numericamente pouco expressivas (8,7% dos prefeitos eleitos no estado
255
), as vitórias
angariadas pelo partido tiveram um sabor especial frente à disputa de poder com a rede
potica do adversário, Anthony Garotinho — especialmente a conquista da prefeitura de
Nova Iguaçu, por Lindberg Farias. Franqueava-se ali uma das principais portas de entrada
para o partido e para seus projetos poticos relativos a 2006.
255
IBAM, Série Estudos Especiais n
o
. 85, janeiro de 2005. Ver tabela 5 do anexo. As prefeituras conseguidas
pelo PT foram: na Baixada - Nova Iguaçu e Mesquita (Arthur Messias); no restante do estado, Niterói
(Godofredo Pinto), Itaboraí (Cosme Salles), Bom Jesus de Itabapoana (Carlos Garcia), Cantagalo (Guga de
Paula), Iguaba Grande (Hugo Canellas) e Quatis (Aldredo) (TRE).
267
CAPÍTULO 5: SOBRE O TEMPO DA POLÍTICA NA BAIXADA: ENTRE FESTAS
E GUERRAS
A Festa
Além das propagandas e peças publicitárias, as campanhas contaram com inúmeras outras
situações nas quais a relação entre candidato e eleitor foi testada. A rua, em suas múltiplas
possibilidades, é o lugar por excelência deste “teste” e o comício, o evento ideal para sua
verificação. Nesse sentido, outro momento de destaque na segunda fase das campanhas na
Baixada, especialmente aquela do PT em Nova Iguaçu, diz respeito à relação eleitor-
potico a partir dos eventos centralizados nos palanques.
Os comícios são objeto de diversos trabalhos acadêmicos, revelando-se eventos capitais não
somente para a apreensão da relação potico/ eleitor, de formas de sociabilidade política,
mas também por configurarem “ao mesmo tempo, os motores e os relógios (marcadores de
tempo) desse tempo da política” (Palmeira e Heredia, 1995)
256
. Constituem espetáculos à
parte, compondo uma espécie de aura — juntamente com os artistas e convidados ilustres
— para a atuação e apresentação do candidato (Goffman, 1975a).
Naquele pleito de 2004, todas as campanhas utilizaram-se dos cocios como estratégia de
marketing. A de Lindberg Farias, por sua vez, ao privilegiar a realização de showmícios,
evidenciou algo mais: o direcionamento do conjunto de suasões para a festa política
(Barreto, 1992 e Chaves, 1996).
256
Consultar, entre outros, os trabalhos de Palmeira (1996), Scotto, (1996), Kuschnir (2000), Borges (2003) e
Chaves (1996).
268
Na primeira fase da corrida eleitoral, as atenções dirigiram-se para o conhecimento das
demandas locais e a construção do discurso midiático, propagado por intermédio do horário
eleitoral, além do mapeamento da cidade visando definir em que lugares seria mais
importante atuar e de que forma
257
. Na segunda fase, após a introdução do horário gratuito
de propaganda eleitoral (HGPE), foi alterada a dinâmica interna de cada campanha e
redefinido o campo político a partir da interferência da mídia eletnica.
A confecção de um mapa das cidades
258
— orientando, em um primeiro momento, a que
bairros dirigir-se, com que freqüência, de que forma e com quem — foi alterada, agora sob
o ângulo da “preparação da festa”. Com esta expressão, refiro-me às ações e meios
disponíveis para “recortar” as cidades a partir dos pontos/ lugares considerados ideais para
a festa política. Não somente a extensão da área estava em questão, mas também a sua
centralidade e poder de atração, ou seja, a possibilidade de concentrar com maior facilidade
os eleitores, com transporte acessível para se chegar e sair do local, além de infra-estrutura
para a montagem de palcos, camarins e para as filmagens de cenas que pudessem ser
utilizadas nos programas televisionados. Assim sendo, a região central de Nova Iguaçu era
geralmente escolhida por disponibilizar todos esses recursos — além de simbolizar a
própria “vida da cidade” — sendo, portanto, o alvo principal das disputas e canalizando
também os conflitos e as trocas de acusações durante o tempo das festas.
No contexto específico dessas eleições municipais, seria até mesmo inadequado utilizarmos
a expressão comícios para definir os eventos realizados. Showmício, de fato, parece ser um
257
Sobre formas de apresentação das candidaturas, construção de campanhas televisionadas e de rua ver, por
exemplo, os trabalhos de Castilho (1994) e Scotto (1996).
258
Para uma problematização das definições geográficas oficiais como uma dimensão estática e delimitadora
dos espaços — como os bairros — ver, por exemplo, o artigo de Gra Índias Cordeiro e António Firmino da
Costa (1999).
269
termo mais adequado. Sua organização poderia ser descrita como a de uma festa política,
preparada em cada mínimo detalhe: desde a seleção dos cantores até as exigências do tipo
de público. Há os de tipo gospel, os evanlicos, os católicos, os de pagode, os sertanejos e
os que congregam tipos variados de música. Sua divulgação é feita com muitos dias de
antecedência e costumam contar com a presença de “estrelas” do mundo da potica.
Geralmente, o showmício tem início com uma atração musical, mas não a banda ou grupo
considerado “atração principal”, esta é reservada ao momento posterior ao discurso dos
candidatos (a prefeito e a vereador) e das personalidades políticas convidadas, garantindo
assim que o público permaneça no local até o final da festa.
A classificação nativa já opera com esta nova referência. No universo estudado, os políticos
e eleitores praticamente já não usam o termo comício. O showmício tornou-se um lugar-
comum no vocabulário potico, fundamentalmente no tempo da política. Se, anteriormente,
as grandes produções destinavam-se quase que exclusivamente às eleições majoritárias
estaduais e nacionais, no momento atual os grandes shows tornaram-se critério de distinção
e prestígio, sendo disputados pelos candidatos e partidos e reinventando a lógica da
organização das festas políticas.
Na Baixada, a campanha de Lindberg contou com um verdadeiro arsenal de shows,
financiado pelo PT nacional e compartilhado pelos demais candidatos do partido às
principais prefeituras de todo o país. A escolha das cidades a serem beneficiadas com essas
mega-produções era feita a partir do estabelecimento de prioridades, ou seja, privilegiavam-
se localidades com potencial de desenvolvimento e campanhas em fase de consolidação.
Dessa forma, o grupo de trabalho eleitoral (GTE) “se articula com os dirigentes nos Estados
e (...) desde o momento em que definimos para onde determinado showmício vai, já há uma
270
decisão potica” (Francisco Campos, secretário de mobilização nacional do Partido dos
Trabalhadores)
259
.
No caso específico do PT, artistas como de Zezé di Camargo e Luciano (que chegaram a
cobrar até 100 mil reais por show), Leonardo, Rio Negro e Solimões, KLB além de bandas
de forró e cantores evangélicos estiveram (alguns, pela primeira vez) se apresentando a céu
aberto, na cidade de Nova Iguaçu, para um público que chegou a mais de 100 mil
espectadores.
De acordo com Francisco Campos, em sua alise sobre o “fazer potica” e sua relão
com a condução das campanhas:
“Hoje, nas campanhas, temos de ser criativos.o
basta o PT fazer uma campanha só ideológica. Temos
de levar a proposta do partido para as grandes massas.
Portanto, não podemos reduzir o comício apenas às
propostas petistas. O povo precisa participar das
campanhas e não é atraído somente pelo conteúdo
ideológico. Os 80 showmícios que foram realizados
desde o dia 22 de agosto trouxeram o elemento
potico em combinação com o cultural […]
O objetivo {…] é alcançar os eleitores no sentido de
massificar as campanhas petistas e dos aliados. A
idéia central é fazer com que esses shows mobilizem
camadas do eleitorado que nós não conseguimos
mobilizar apenas com o comício potico: as camadas
populares que têm uma identificação com o PT[…]
Um ato do PT que consegue mobilizar 70 mil pessoas
numa cidade deixa os adversários sem dormir”
260
.
259
Depoimento colhido em 10/09/2004, na página oficial do Partido dos Trabalhadores, www.pt.org.br .
260
Idem, 15/09/2004
271
Ainda segundo este mesmo secretário, desejava-se arregimentar um número cada vez maior
de pessoas para estes eventos com o intuito de que, no ambiente “familiar” da festa,
descaracterizados de seu aspecto e discurso ideológicos o candidato e sua equipe pudessem
criar outras vinculações, pertencimentos e/ ou formas de aproximão com a população
(heterogênea) presente.
o há um cálculo preciso, […] mas um número
aproximado aponta que o partido conseguiu mobilizar
aproximadamente 1,8 milhão de pessoas em todo o
país desde o início dos eventos. A primeira
apresentação ocorreu em Maceió para a coligação do
PT com o PSB. O show foi com a dupla sertaneja
Zezé di Camargo e Luciano. Esse showmício já deu o
tom de como seria a participação do eleitorado da
faixa mais popular nesses grandes eventos[…] Esses
eventos, sem medo de errar, podemos afirmar que têm
ajudado muito o partido a levantar as campanhas do
PT em locais em que estávamos fragilizados. Depois
da passagem de Zezé di Camargo e Luciano em Nova
Iguaçu (RJ), o Lindberg (Farias, candidato petista a
prefeito da cidade) subiu nas pesquisas; o showmício
ajudou, também, a consolidar uma liderança em
Araçatuba (cuja candidatura petista é de Edna
Flor)”
261
.
Em Nova Iguaçu, a festa política teve início com a montagem de um enorme palco com
estrutura de ferro no final do canteiro central da Via Light
262
. O conjunto e a disposição das
luzes, holofotes e caixas de som, assim como o fundo negro do cenário conformaram o
ambiente do grande espetáculo que seria realizado àquela noite. Carros de som anunciando
261
Ibidem.
262
A Via Light é uma via expressa — construída durante o governo do então prefeito Nelson Borneir (na
época, PSDB), com o apoio do governador Marcello Alencar — que faz a ligação entre a cidade e outras áreas
da Baixada Fluminense, mas também com a Zona Norte e o Centro do Rio de Janeiro, além de outros bairros
do subúrbio carioca. Esta via foi motivo de conflitos entre os candidatos do PT e do PMDB, por situar-se na
área central, de maior visibilidade e melhor acesso — além de facilitar a realização das prodões maiores,
como os principais showmícios das campanhas devido a suas amplas proporções.
272
o showmício percorreram a cidade, divulgando o evento com bastante antecedência e, no
dia da festa, não paravam de circular. Apesar da realização de outros shows em bairros
mais afastados do centro, nenhum deles tinha a magnitude deste último. Na periferia, o
estilo da apresentação seguia uma lógica mais “tradicional” da política e dos comícios,
incluindo atrações locais ou bandas de menor sucesso como, por exemplo, alguns conjuntos
de pagode já relativamente no ostracismo.
Os grandes shows eram antecedidos por um trabalho exaustivo de organização nos comitês,
responsáveis também pela coordenação da distribuição de bandeiras, camisas e faixas, feita
pelos cabos eleitorais. Esses eventos eram geralmente gravados para serem posteriormente
utilizados como material para a propaganda televisionada. A presença da imprensa era
outro fator que gerava grande expectativa, uma vez que uma cobertura favorável poderia
garantir ao candidato a visibilidade (mais do que) necessária em época de campanha
potica.
Ainda segundo Francisco Campos, o PT demonstrou uma preocupação especial com os
showmícios, “diferente em relação a partidos tradicionais”, por conceber o espetáculo
como fator de mobilização das campanhas”. Nesse sentido, o secretário enfatizou a
laboriosa preparação dos eventos, muitas vezes, coordenados e definidos em conjunto pelo
Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE), com o envolvimento dos comitês e da militância,
antecedendo a sua mobilização pública. “São, portanto, atos poticos animados por shows,
não apenas shows que figuram num ato político. É a cultura junto com a política para
ajudar a mobilizar as campanhas petistas”. Tal afirmação presente no discurso oficial do
partido (disponível e tornada pública em seutio eletrônico) reflete a percepção de que a
festa viria a reboque da política — e que estaria demonstrada, em certa medida, por meio
273
do próprio engajamento dos atores/ cantores nos eventos
263
. Pretendo mostrar adiante que o
showmício irá reinventar a apresentação potica no ritual da festa e na transfiguração do
potico em “estrela”, o que não pressupõe necessariamente a hierarquização entre as
esferas (no caso potica e artística; potica e emotiva), mas uma relação de composição e
simbiose. Sendo assim, optei por fazer uma pequena etnografia de um showmício em
particular: aquele considerado fundamental para a reviravolta do candidato petista nas
pesquisas de intenção de voto. Nesse sentido, os eventos realizados pelos demais
candidatos serão mencionados apenas en passant, já que seguem o padrão mais tradicional
da potica (Palmeira e Heredia, op. cit.), não operando a transformação obtida pelo
primeiro. Da mesma forma, maior ênfase será dada à campanha em Nova Iguaçu, onde
pude acompanhar mais de perto o desenrolar da movimentação eleitoral. Em Duque de
Caxias, Magé e outras cidades da Baixada, participei de alguns eventos, mas a observação
deu-se fundamentalmente à distância, por intermédio dos meios de comunicação.
O showmício que irei descrever – com a presença da dupla sertaneja Zezé di Camargo e
Luciano – ocorreu numa segunda-feira, 30 de agosto, sendo considerado uma das pedras de
toque na transformação da campanha de Lindberg e do novo rumo que ela tomaria, dali por
diante. O local escolhido pela equipe do candidato foi a Via Light, principal via de
circulação da cidade. Para a realização de um evento desta magnitude, as principais ruas
em torno da pista central deveriam, por lei, estar fechadas a partir das 17 horas. O que se
263
A declaração de Francisco Campos no site oficial do partido ilustra exemplarmente esta questão: “o artista
também participa politicamente. Os artistas têm elogiado o governo Lula e pedem voto para o candidato da
cidade. Com os showmícios, estamos retomando uma cultura que a esquerda tem no Brasil e que o PT já
tinha antes: combinar a cultura em diálogo com a política para mobilizar corações e mentes com os
candidatos de esquerda e centro-esquerda, que é o nosso projeto nacional. Portanto, é um show politizado”.
274
verificou, no entanto, foi a permanência da circulação de vculos até muito depois desta
hora, tornando o trânsito na região extremamente complicado – situação agravada pelo fato
desta via expressa dividir a cidade ao meio, sendo necessário atravessá-la para se chegar
aos bairros localizados do outro lado da linha férrea. Com a reorganização do tráfego,
ocorrida somente após as 20 horas – e fundamentalmente porque as pessoas já haviam
tomado as ruas – já era possível vislumbrar a dimensão que aquele evento assumiria. Para
chegar até lá, optei pela estratégia adotada também pela maioria dos ali presentes: resolvi
locomover-me de ônibus ou de van, imaginando que seria inviável tentar estacionar – além
do risco de sofrer um assalto.
Alguns candidatos à Câmara Municipal chegaram a providenciar transporte gratuito para
moradores de suas áreas de influência”, de suas bases eleitorais – essencialmente para os
residentes em bairros mais periféricos. As pessoas não paravam de chegar. Os ambulantes
estavam por todas as partes, vendendo bebidas e comidas diversas (churrasquinho,
cachorro-quente, pipoca etc). A dimensão da sociabilidade, presente mais explicitamente na
comensalidade, se fazia notar na relação necessária com a comida, com a bebida e com as
conversas que antecediam o show. Em torno dos vendedores formavam-se verdadeiros
nichos de interação, congregando pessoas que já relacionavam-se anteriormente ao evento,
mas também aquelas que acabavam de se conhecer. É importante destacar que o “público”
ali presente era composto por faixas etárias, gêneros e classes sociais diversificados. Apesar
de perceber uma maior presença feminina na região mais próxima ao palanque, tanto
crianças, quanto homens e senhoras eram vistos por todos os lados.
Havia, de forma geral, muitas pessoas vestidas com camisas da campanha, portando fitas
de cabelo com o nome de Lindberg etc., mas as munidas de faixas e bandeiras pareciam-me
275
militantes e/ ou cabo eleitorais – sobretudo por situarem-se bem próximas ao palanque
constituído por um grande palco no qual as personalidades” da noite podiam ser vistas
mesmo à longa distância – chamando as outras para ali juntarem-se, denotando uma
combinação previamente estabelecida.
Nesta situação em particular, a dimensão hierárquica – dissimulada nas outras formas de
interação características das campanhas (caminhadas, passeatas e carreatas) – é muito bem
marcada e reflete-se em um mapa social que engloba o palco e a área destinada ao público/
eleitor.
O palanque é o local por excelência deste “englobamento” candidato / eleitor. Aqui, não
mais aquele palco cuja estrutura quadrangular remete ao velho estilo dos comícios locais:
ele havia sido montado como o dos grandes shows em capitais e metrópoles, com o formato
de uma abóboda, remetendo-nos ao desenho mais livre e ao mesmo tempo envolvente da
concha acústica. Planejado especificamente para atender às demandas do candidato, o
palanque demarca as possibilidades para a condução da interação com o público-eleitor,
delimitando o lugar de cada um.
Nesta situação, a hierarquia pode ser percebida pela
distância (real e simbólica) que separa o candidato, seus convidados e os artistas que se
apresentam do público,o somente devido à grande altura dos “palcos”, mas também
porque há freqüentemente uma barreira física (e humana, formada por seguranças) a
demarcar fronteiras no interior dos showcios.
Ao espaço destinado ao público (eleitores) não correspondia uma marcaçãosica fortuita,
mas um conjunto de referenciais simbólicos que designava os pontos, ou seja, o lugar
ocupado por cada grupo – quando assim constituído – no interior de um sistema de
276
posições relacionais, um tabuleiro no qual quem estivesse mais próximo ao palanque, teria
sua proximidade traduzida em termos de adesão – no caso, a uma facção específica. Quem
se colocava bem ao fundo, por sua vez, poderia estar assinalando sua separação ou
desvinculação potica do candidato em questão, indo “apenas pra ver o show”, para
“conferir” o seu sucesso ou fracasso, ou ainda para passar informações à facção oposta.
Sendo assim, o público presente a estes eventos deve ser enquadrado no processo mais
amplo da campanha – e concebido como tão “formado” quanto o das carreatas e passeatas
empreendidas (cf. Palmeira e Heredia, op. cit.).
A composição dos showmícios remete-nos a um conjunto heterogêneo de pessoas
mobilizadas à participação, mas com variados graus de envolvimento, percebidos o do
ponto de vista das motivações individuais – o que seria inviável dado o número expressivo
de pessoas presentes nos eventos, como os realizados em Nova Iguaçu – mas a partir da
possibilidade de remeter-lhes às escolhas por shows específicos, por exemplo, feitas por
cada tipo de “público”.
Todo o trabalho dos cabos eleitorais e militantes durante a campanha somava esforços em
direção ao clímax representado pelo cocio/ showmício que, sendo positivo, alcançaria a
meta de mobilizar o maior número possível de pessoas que constituiriam, a partir de então,
eleitores em potencial.
De onde estava, o público presente de forma alguma limitava-se a observar os fatos,
participando ativamente do evento por meio de gritos, aplausos, ou cantando o jingle da
277
campanha – além das corriqueiras declarações apaixonadas das eleitoras-fãs de Lindberg
264
.
Em cima do palanque, percebia-se a contínua concentração e dispersão dos mais diversos
grupos ou “alas” de políticos. Havia um grande número de pessoas no palco: o candidato à
prefeitura e seu vice Itamar Serpa (PSDB), assessores, músicos, técnicos, candidatos a
vereador e demais poticos que compunham a aliança representada pela coligação Hora da
Mudança (PT, PFL, PSDB, PSB e PC do B), além de nomes da potica local integrantes
de partidos aliados.
O showmício pode ser pensado como uma das circunstâncias de maior visibilidade da
relação entre potico/ eleitor. O evento narrado acima possibilitou-me a observação de um
marco temporal diferenciado – um momento – dentro do horizonte mais amplo do tempo da
política (Palmeira e Heredia, op. cit.). É o tempo da emoção, mais especificamente, do
êxtase/ arrebatamento/ encanto, e da festa propriamente dita, implicando uma experiência
de aproximação e/ ou contato e — diferentemente da apresentação de si nos programas
gravados para a televisão ou mesmo nas caminhadas (nos quais a relação mantém algum
distanciamento devido à própria organização desses eventos) — remetendo a um tempo
sincrônico, imediatamente vivido e compartilhado
265
. O acontecimento partilhado refere-se
ao tempo estritamente vivenciado, experimentado e efêmero, que não está presente em todo
o processo eleitoral e pode ser caracterizado pela efervescência (como na experiência
264
Em matéria veiculada no Primeiro Caderno de O Globo, de 25/10/2004 , foi ressaltada a dimensão que a
campanha tomara e o assédio das eleitoras / fãs a Lindberg: “Os seguranças que acompanham o candidato do
PT a prefeito em Nova Iguaçu, Lindberg Farias, na campanha, ganharam uma nova preocupação nesse fim de
semana: o ombro direito do candidato. Eles têm orientação do próprio Lindberg para proteger o seu ombro do
assédio entusiasmado dos eleitores. Nos últimos dias, ali se instalou um abscesso (...)”.
265
Durante o showmício em questão, Lindberg Farias desceu do palanque para cumprimentar o(s) público
/eleitor(es), beijando, tocando, dando a mão a várias pessoas, mas também acenando e fazendo sinais de
carinho (mão no peito, tocando o coração, depois beijando a mão e fazendo um movimento como se lançasse
algo de si ao público) denotando uma partilha de si, atualizada em gestos, assim como na expressão de
emoções.
278
religiosa, em Durkheim) que realça a realidade por meio das sensações experimentadas via
a associação dos discursos à música, ao aplauso etc. Tais experiências transformam a cena
potica em um episódio mais do que teatral, revogando do eleitor / ouvinte sua condição de
mero espectador e transformando-o em parte constitutiva (e ativa) da performance ali
executada. É o momento quase mágico (o partilhado) em que o candidato transfigura-se em
ídolo.
Não digo com isso que o showmício tenha, em si, propriedades específicas geradoras dessa
aura mágica. Nem todo showcio marca um acontecimento partilhado. Refiro-me, antes,
às condições ali reunidas que, somadas a outras concernentes aos próprios indivíduos
(nesse caso, o carisma pessoal de Lindberg Farias), tornam possível a exacerbação da
emoção. Foi justamente esse estado de inquietação, ansiedade e euforia que chamou minha
atenção, levando-me a considerar cuidadosamente tal nível de interação. Parece-me que
esse estado algo alterado que se observa em alguns showmícios guarda semelhanças com
outros episódios da potica nacional, como as manifestações de comoção pelo suicídio de
Getúlio Vargas em 1954; as passeatas pela Diretas Já, em 1984; a movimentação popular
pelo impeachment do Presidente Fernando Collor, em 1992 ou, mais recentemente, a
emoção desencadeada pela eleição de Lula, durante o processo eleitoral de 2002.
Barreira (2004), em artigo em que analisa a expressão de sentimentos na esfera potica
associada à imagem de candidatos à Presidência da República em 2002, expõe como as
reações “emocionais” acabaram por integrar-se à retórica das campanhas a partir de tal
pleito, devendo-se, sobretudo, à influência exercida pela campanha presidencial de Lula
266
.
266
A referência principal da autora, no artigo em questão, é o trabalho de Marcel Mauss, “A expressão
obrigatória dos sentimentos”, 2001 [1921].
279
Se a potica é normalmente tomada como o lugar da racionalidade, da estratégia e da
objetividade, a incorporação da expressão das emoções e de sentimentos parece, em um
primeiro momento, algo fora de ordem. Observa-se, no entanto, que na eleição municipal
aqui analisada, o modelo das “alusões emotivas” e da apresentação biográfica (Bourdieu,
1997) ganhou a cena, integrando-se à própria composição do personagem potico. Sendo
assim, a “percepção das emoções e sentimentos como parte das regras sociais e jogos
poticos evita pensá-los como matérias substantivas da natureza humana, atentando para os
seus significados e formas de expressão, constrdos e /ou incorporados à disputa eleitoral
(Barreira, op. cit., p. 68).
A expressão “potica se faz com festa” (Chaves, 1996) poderia, sem dúvida, estender-se
para além de seu contexto etnográfico de origem — Buritis (MG) — e ser utilizada para
compreendermos as configurações que a política assume sob o clima de campanha
(Barreira, idem). A festa política, neste caso, o showmício, constitui o tempo da
dramatização das relações sociais por meio da exploração das imagens e valores pertinentes
a uma determinada concepção de mundo e de potica — sendo, no caso específico de Nova
Iguaçu, esperada, comparada e até mesmo cobrada por significativa parcela da população
local
267
.
Nessa perspectiva, o comício sobre o qual nos falam Palmeira e Heredia (1995) não seria
idêntico ao ritual que ora denominamos showmício, porquanto este último acaba por
subverter a ordem de precedências. Se, para os autores em questão, a festa é pensada como
267
Cabe, aqui, uma referência ao entendimento da política como ação simbólica e à importância da
teatralização para a compreensão da instituição estudada por Geertz (1991): o Negara. Este último, assim
como o objeto desta tese, também remete a um intrincado de formas simbólicas que praticamente
impossibilita a distinção entre os planos simbólico e real.
280
parte constitutiva do comício — é o que denota a frase: o “lado festivo do comício, ou para
sermos mais precisos, da festa que existe dentro
de todo comício (...)” (p.77) —, no caso
por mim analisado esta relação parece inverter-se
268
. Tomando os showmícios como um
novo modelo de ritual potico e de comunicação, não descarto que alguns possam
conservar o seu caráter faccional e, em grande parte, a forma típica de organização desses
eventos que, ainda segundo os mesmos autores, “propiciam a oportunidade de, fazendo a
festa mais bonita e mais bem organizada, demonstrarem, por antecipação, sua capacidade
para realizar uma administração futura.” (idem). Destaco ainda que a estrutura geral do
evento também é preservada, principalmente no tocante à relão palanque/ candidato/
público e ao lugar por este ocupado nas campanhas eleitorais, de forma mais ampla.
O comício não se confunde com um ajuntamento
qualquer de pessoas em torno de um candidato. Tanto
em Pernambuco, quanto no Rio Grande do Sul, a
população distingue cuidadosamente o comício da
reunião. A reunião é dialogada; o comício, não. No
cocio, só fala quem está no palanque. Não há lugar
para consulta. Os de fora do palanque devem limitar-se
a ouvir. Na reunião, a expectativa é inversa. É o
candidato quem ouve e, naturalmente, responde. As
tentativas de tornar o cocio dialogado, a não ser em
circunstâncias muito especiais ou no caso de candidatos
com muito carisma, são complicadas e podem
comprometer o próprio comício. O caráter solene do
comício é essencial” (Palmeira e Heredia, ibidem:
p.36).
Entretanto, o que designei por showmício, nos moldes presenciados nos palanques do PT,
durante as eleições de 2004, em Nova Iguaçu, utiliza-se preponderantemente de um dos
268
Corroborando a análise de Palmeira e Heredia (idem), adoto o conceito de ritual tal como proposto por
Roberto DaMatta em Carnavais, malandros e heróis (1979), ressaltando o seu caráter extraordinário e extra-
cotidiano.
281
modelos abordados por Palmeira e Heredia (idem): o que “prioriza o início do comício
(p.57), colocando o candidato como a “estrela entre as estrelas”, “a maior estrela” (frases
proferidas por Zezé di Carmargo, cantor sertanejo, durante o evento mencionado
anteriormente)
269
, enfatizando seu carisma pessoal e sua capacidade de interação com o
público. Como podemos exemplificar a partir da nota da colunista Joyce Pascowitch, surge
com Lindberg uma nova figura política, a do candidatodolo.
“Lindberg Farias, o candidato do PT à prefeitura de
Nova Iguaçu, que não decolava, nunca se sentiu tão em
alta — e não apenas nas pesquisas de opinião. Ele vive
dias de celebridade no maior município da Baixada
Fluminense. Nos shows de duplas sertanejas por conta
da campanha, quem agora dá autógrafos é ele. Coisas
de Nizan Guanaes” (grifos meus) (Revista Época,
setembro de 2004).
A combinação de juventude, beleza e carisma do candidato, além de sua associação com o
novo
270
, fez de Lindberg a maior estrela (em dupla acepção: símbolo do partido e ídolo) do
PT na Baixada, nos dias de hoje
271
. Atualizando a ação política pautada, em regra, pela
secularização, Lindberg demonstrava capacidade de atração (garantindo sua visibilidade) e
de condução das massas (no sentido abordado por Weber), diferenciando-se do todo (e,
assim, expressando sua singularidade ou mesmo o caráter “divino” do líder — que
269
Ainda sobre a organização das “apresentações”, apesar de haver uma alternância entre os modelos que
privilegiam o início ou o fim dos comícios como momentos clímax, os autores chamam a atenção para o fato
de que se podem tratar de “variações de um mesmo modelo”.
270
O novo aqui está remetido a um projeto político e a uma outra imagem de Baixada e de Nova Iguaçu.
271
Com relação ao carisma, conferir o trabalho sobre tipos de dominação — especificamente a carismática
em Weber (1984), além da selão de textos editados por Eisenstadt (1968) e do livro de Lindholm,
inteiramente dedicado ao fenômeno (1993).
282
remeteria ao tipo ideal originado da autoridade religiosa) e ligando-se ao eleitorado por
intermédio de imagens, projetos e valores compartilhados
272
.
Corroborando tal construção simbólica, os artistas conferem especial conotação à festa
política porque além de configurarem seus personagens mais legítimos, digamos assim,
operam uma demonstração de força e prestígio do candidato — como já abordado
anteriormente, que poderia traduzir-se sob a ótica da doação. Esta obrigatoriedade de
colocar-se à disposição “do povo” através da doação constitui um tipo específico de troca
— já que não previamente acordado e não exigindo retribuição — trazendo à tona que:
“está em jogo uma concepção de poder onde aquele
que gasta mais dando aos outros – aos eleitores, mas
não apenas a eles, o que é indicativo de seu desinteresse
– mostra-se portador da generosidade necessária ao
exercício do poder, ao mesmo tempo que indica a
possibilidade efetiva de continuar exercendo essa
generosidade numa escala ampliada, uma vez no
governo” (Palmeira e Heredia , op. cit.: p. 78).
Diferentemente dos universos estudados por autores como Palmeira e Heredia (1995) ou
Chaves (1996), por exemplo, Nova Iguaçu é uma cidade de quase um milhão de habitantes.
Sendo assim, a estrutura dessa nova modalidade de cocio — o showmício — é
inteiramente distinta daquela pensada para uma localidade com primazia de relações face a
face (contextos de cidades pequenas e /ou de interior), mas na qual, de certa forma, ainda é
possível preservar relativo o anonimato. Isto é, apesar da cidade poder ser caracterizada
pelos próprios moradores como “pequena” ou “de interior”, não é possível conhecer todo
272
Ver o artigo de Velho (1994) sobre a vitória de Collor, no qual aborda algumas das questões implicadas na
vitória desse candidato à Presidência da República, em 1989, e o conjunto de valores e atitudes a ela
associados.
283
mundo, chamar todos pelos nomes. Estaria em jogo, neste contexto, um mapa de relações
mais circunscritas aos grupos espeficos, onde sim prevalecem as interaçõespicas de
pequenos aglomerados humanos. No entanto, apesar das diferenças de escala, o showmício
também configura um lugar de encontro, de relações pessoais, ao mesmo tempo em que
promove a convincia e o encontro do diferente, do novo e do desconhecido. É um evento
de congraçamento, mas também de conflitos em potencial.
O showmício de 30 de agosto foi apenas o primeiro de muitos que se seguiram. De
setembro em diante, Lindberg enfrentou uma verdadeira maratona. A partir de outubro, em
um único dia era capaz de comparecer a quatro showmícios, geralmente marcados todos
para às 20 horas — e sendo, pelo menos um deles, destinado ao público evangélico.
durante o dia, o candidato petista costumava percorrer as ruas em caminhadas ou carreatas,
em busca do voto dos indecisos ou da “conversão” dos eleitores de Mario Marques.
Do lado adversário, os showmícios também tiveram relativa importância. De modo distinto
ao que ocorria na campanha do PT, a grande “estrela” de tais eventos não era o candidato
peemedebista à prefeitura, e sim o então Secretário de Segurança do estado, Anthony
Garotinho — que, ainda assim, de forma alguma tornou-se um ídolo, ou mesmo
concorreu” com os artistas. O cantor Daniel (sertanejo), a banda LS Jack (pop rock),
alguns grupos de pagode e bandas de forró, além de inúmeros cantores evangélicos,
principalmente o grupo Celebrai, foram alguns dos que passaram pelos palanques de Mário
Marques.
A campanha do PMDB em Nova Iguaçu pautou-se, de forma mais evidente, na temática da
continuidade. O nome de Nelson Bornier constituía o cartão de visita de Mario Marques
284
que, a essa altura, ainda não conseguira forjar uma identidade potica própria mesmo após
tantos anos de vida pública local. Seu prestígio limitava-se às camadas médias de Nova
Iguaçu e, essencialmente, à elite a qual pertencia. Em conversas com moradores de bairros
periféricos pude perceber um grande índice de rejeição ao candidato ligando-se,
principalmente, a acusações de abandono. Presença constante nos discursos dos moradores
quando se referiam ao prefeito — o adjetivo abandonados sendo inúmeras vezes utilizado
— a sensação de abandono seria marca da conexão necessária entre política e promessa.
Os políticos abandonam a população”; “a população da periferia é abandonada” são
algumas das afirmações que ouvi, ou ainda, a de que:os bairros pobres são sempre
esquecidos pelos poticos, só lembram da gente na eleição” e assim por diante. Para além
dessas críticas, Mario ainda tinha de enfrentar o relativo desconhecimento de seu nome e de
sua trajetória pública por parte da população. Sendo assim, o nome de Bornier chegava até
mesmo a figurar antes do dele nas propagandas poticas, durante os primeiros meses de
campanha.
A estratégia de sua equipe de marketing centrava-se em progressivamente diminuir o
destaque conferido ao deputado e, paralelamente, enaltecer os feitos do prefeito/ candidato.
Um número considerável de outdoors apresentava Mario Marques acompanhado de Bornier
e do casal Anthony Garotinho e Rosinha. Havia um número reduzido de propaganda na
qual constasse apenas sua foto ou nome, o que demonstrava a necessidade de vinculá-lo a
personalidades políticas de maior influência e prestígio local. Mario detinha o poder da
máquina governamental em suas mãos já que não se desvinculou do cargo de prefeito para
disputar as eleições, não dispondo, no entanto, de prestígio e carisma políticos.
285
As festas organizadas pelo PMDB contaram, no início, com mais recursos materiais e
humanos. Havia vários carros de som à disposição da campanha, um grande número de
pessoas trabalhando na distribuição de material impresso, muitos outdoors espalhados pela
cidade. O candidato costumava visitar vários bairros por dia, em uma rotina extenuante.
Uma das caminhadas de que participei no bairro da Posse, em agosto de 2004, demonstrou
o tipo de organização do evento político utilizado pelo grupo em questão. Em um primeiro
momento, os assessores reuniam-se no comitê para instruírem os cabos eleitoraismuitos
eram funcionários da prefeitura
273
— responsáveis por aglutinar as pessoas nos bairros e
despertar sua atenção, chamando-as de porta em porta. O carro de som — daqueles que
m um pequeno palco em cima — tocava o jingle da campanha, enquanto um puxador
(como os de escolas de samba) convidava a população a acompanhar o candidato. Assim
que Mario chegava, os fogos de artifício espocavam no ar como uma forma de marcar o
início da festa política. O carro de som principal seguia na frente do cortejo e, logo atrás,
vinha o candidato, acompanhado por seus colaboradores — que arregimentavam os
moradores e os colocavam em posição para dialogar com o candidato — enquanto o
operador de câmera filmava toda a movimentação. Havia outros carros de som distribuídos
273
Pude perceber que muitos dos funcionários da Prefeitura tamm trabalhavam na campanha durante o
expediente e que carros oficiais eram invariavelmente estacionados no pátio interno do prédio onde
funcionava o comitê, aguardando a ordens para levar ou buscar algm, pegar e distribuir material etc. Eu
mesma utilizei, em algumas ocasiões, carros da Prefeitura para ir a comícios e caminhadas do candidato da
coligação “Crescer sempre com Deus e o povo”. O uso da máquina e dos recursos da administração municipal
era flagrante e, aparentemente, sem muita preocupação com os usos políticos que seus adversários poderiam
fazer de tal fato. A “troca, portanto, não se dava exclusivamente entre eleitores distantes (refiro-me àquele
indivíduo que não mantinha qualquer relação com o candidato até o momento da eleição). A “ajuda” de
funcionários durante a campanhao era por eles encarada (ao menos com os que tive a oportunidade de
conversar) como “troca de turno”, ou seja, a troca do horário de expediente na Prefeitura pelo trabalho de
divulgação da campanha. Empenhava-se ali em “vestir a camisa”, expor-se e automaticamente escolher um
dos ladoso que para quem trabalha no serviço público municipal sem ser concursado, significa permanecer
no “serviço” ou ser mandado embora, dependendo da vitória ou fracasso do candidato apoiado. A situação
dessas pessoas é frágil e seu engajamento nas campanhas é quase compulsório, de acordo com os
depoimentos coletados.
286
pelo percurso do evento, principalmente de candidatos a vereador. Era uma enorme
confusão de sons, pois além dos jingles de campanha, eram reproduzidas também as
músicas dos candidatos à Câmara Municipal. A competição entre esses últimos era bastante
acirrada, o que revertia a favor de Mario, uma vez que todos colocavam junto a seus nomes,
o do prefeito — o que significava, por exemplo, um grande número de santinhos
distribuídos. O carro de som de maior porte percorria a rua principal do bairro, enquanto os
outros faziam o percurso pelas ruas perpendiculares. Sendo assim, quando o prefeito
chegava em determinado ponto do trajeto, alguém ali já havia estado, distribuído material
de campanha e falado sobre os “feitos” da administração vigente. Era uma maneira de
preparar o terreno” (nos termos de Pedro César e de outros assessores) para que Mario não
fosse exposto a situações desagradáveis. Apesar desta preocupação, pude presenciar uma
cena na qual o candidato em questão pedia voto a uma moradora que vestia a camisa do PT,
pedindo a ela que retirasse a placa de Lindberg de sua casa. A moradora foi incisiva ao
declarar que não mudaria seu voto mesmo tendo o candidato ali, a sua frente, tentando
demovê-la da resolução. O argumento do prefeito girava em torno do conhecimento sobre a
cidade e seus problemas, mas a posição da moradora permanecia inalterada. Mario
resolveu, então, desistir e, com um sorriso nos lábios, disse que esperava que ela mudasse
de idéia até a data da eleição.
Durante o trajeto da caminhada, várias placas como àquela (de outros candidatos) que
estavam nos muros, postes e até em alguns quintais foram arrancadas e trocadas pelas de
Mario Marques, sem que necessariamente houvesse prévia permissão do(a) morador(a).
O evento culminava na reunião dos candidatos e dos moradores que tinham acompanhado
a caminhada em uma praça ou, se no bairro não dispusesse de praças, em um lugar central e
287
de maior visibilidade, no qual Mario fazia seu discurso e despedia-se, avisando quando
estaria de volta e o local escolhido para a pxima caminhada ou comício /showmício
274
.
Uma característica nada irrelevante diz respeito à música escolhida, ao jingle de campanha
de Mario Marques. De forma geral, as candidaturas parecem dar preferência ao uso de
sambas em seus jingles. É interessante perceber que mesmo naquelas em que há algum
apelo às religiões protestantes, como no caso desta coligação, a escolha do estilo musical
acaba corroborando um ideário mais geral sobre identidade/ brasilidade, festa/ samba. O
imperativo de remeter à felicidade e à alegria reflete-se na escolha do samba como porta-
voz da emoção que se pretende passar ao eleitor. Não cataloguei os jingles de todas as
campanhas, mas percebi a preponderância deste ritmo musical não apenas nos municípios
da Baixada, como também em outras regiões do estado. No entanto, mesmo o jingle
principal sendo um samba, havia ainda outras músicas criadas para públicos específicos. O
jingle de Lindberg teve, por exemplo, uma vero gospel.
Se na primeira fase da campanha, a falta de recursos impedia o uso de “atrações” nos
eventos do PT
275
, o PMDB não sofria do mesmo mal. Nos dois meses iniciais, o formato
dos comícios era menor, maior destaque sendo conferido ao candidato à prefeitura e a
poticos com bases eleitorais em bairros ou áreas específicas da cidade. As produções
maiores aconteceram a partir do fim de agosto e, essencialmente, a partir de setembro.
Quanto mais próximo do dia 3 de outubro, maior o número de showcios realizados e
274
Como abordado anteriormente no capítulo 2, Jorge Gama teve um papel limitado na campanha de Mário
Marques. Em um segundo momento, no entanto, durante a “guerra política” deflagrada, teve atuação
destacada.
275
Consultar o capítulo 4 desta tese.
288
mais “atrações” oferecidas
276
. O acirramento da disputa no segundo turno das eleições fez
com que a governadora Rosinha Matheus e Anthony Garotinho se fizessem mais presentes
— fundamentalmente a primeira, dedicando-se às campanhas na Baixada enquanto seu
marido concentrou seu apoio aos candidatos de Campos. Os showmícios evangélicos se
multiplicaram, nesse período, sendo o tom do discurso da governadora essencialmente
religioso — além das ameaças dirigidas aos adversários desde o início do período eleitoral.
Em Magé, a campanha da mais nova (e polêmica) petista não seguiu o mesmo caminho
trilhado por Lindberg. Narriman não teve acesso à organização e à estrutura dos mega-
shows. Além de não contar com o apoio de Zito, que se manteve afastado de sua
campanha
277
, tampouco obteve o suporte de seu partido. Os showcioso foram
realizados em Magé, as principais lideranças nacionais do partido lá não estiveram e, como
exposto nas críticas de Zito, os recursos financeiros tampouco chegaram à cidade. Narriman
contou apenas com shows de menor porte realizados com assiduidade a partir de setembro
(dos dias 16 a 30) daquele ano. Bandas de pagode (grupo Ki-Prazer), cantores como
Waguinho (cantor de pagode) ou a Banda Mel (axé music) — que o estão “na crista da
onda” já algum tempo — além de vários artistas gospel: Marquinhos Menezes, grupo
Ella, Melissa, Claudino Maciel, banda Tempo, Jossana Glessa, Francisco Bezerra e Ozil
276
Na corrida para a prefeitura de Nova Iguaçu em 2004, o sobrinho de Fábio Raunheitti não teve o apoio da
família, que se manteve oficialmente afastada da candidatura e, ao que parece, também financeiramente.
Em sua campanha não foram realizados comícios. No caso do candidato do PTB, Fernando Gonçalves, os
recursos disponibilizados para as atividades eleitorais também foram escassos. . Fernando dispunha de carros
de som precários e palanques pequenos, além de não ter contado com a participação de nomes conhecidos em
seus comícios — preferencialmente voltados para a comunidade evangélica. Nestes eventos, as músicas
religiosas e a presença de pastores assinalavam uma diferença em relação às demais campanhas, que
produziam comícios específicos para cada “público”. Por conta disto, o candidato foi alvo de inúmeras
piadas.Nos bastidores das campanhas de seus adversários, por diversas ocasiões escutei comentários do tipo:
“Hoje, o Fernando é quem vai cantar, no máximo, a mulher dele. Eles vão perder a eleição, mas podem
montar uma banda (risos)”. Seus eventos não tinham “atrações”. A campanha foi levada a cabo com pouco
dinheiro e apoio político, recorrendo fundamentalmente ao corpo a corpo. Mesmo assim, conseguiu manter-se
na liderança por quase dois meses após o início oficial da corrida eleitoral.
277
Ver capítulo 3 desta tese.
289
Silva e ainda a comunidade evangélica de Nilópolis e a da Igreja Batista Nova Jerusalém
foram alguns dos grupos que se apresentaram nos eventos da candidata do PT. Narriman,
no entanto, não resistiu à estrutura da família Cozzolino que, associada a de Nelson do
Posto, ditou um outro ritmo à campanha.
Em Duque de Caxias, a situaçãoo foi muito diferente. A primeira fase da campanha
parece ter se apoiado essencialmente no carisma de Zito e na possibilidade de associar suas
características às do candidato por ele apoiado, Laury Villar. Grosso modo, foram
privilegiados os pequenos eventos nos bairros e nas “comunidades”, realizados desde o
momento da escolha do candidato do PDT à sucessão de Zito. As caminhadas tiveram lugar
de destaque, momento nos quais o antigo prefeito demonstrava sua habilidade em lidar com
“seu povo”. Reuniões com grupos de moradores — nas quais eram apresentadas propostas
e se ouviam as queixas da população — eram organizadas por lideranças comunitárias e
vereadores que tentavam a reeleição, ou por aqueles que concorriam pela primeira vez à
Câmara Municipal,em escolas, centros comunitários, quadras de esportes etc. Alguns
secretários de governo de Zito também tomaram parte na organização de alguns desses
eventos. Tive a oportunidade de participar de deles, organizado pela sub-secretária de
educação do município
278
. Nesta reunião, os moradores de um condomínio de classe média
da cidade foram apresentados ao candidato e com ele conversaram sobre o bairro, questões
de segurança e urbanização. Zito não apareceu e Isabel foi incumbida de avisar aos
presentes, justificando a ausência do prefeito com o argumento de que este teria outros
278
Isabel Costa foi apresentada a Zito por Roberta Siqueira que já trabalhara em sua equipe e que, mais tarde,
se tornaria sua secretária de educação. Isabel acabou participando da campanha de 1996, ajudando na
elaboração do plano de governo — fundamentalmente na área da educação. Com a vitória de Zito, foi
trabalhar na Prefeitura juntamente com Roberta, onde atuou como coordenadora e posteriormente como
subsecretária de educação — por dois anos.
290
compromissos na Prefeitura e que, portanto, ficara muito tarde para que pudesse ali chegar.
Isabel completou a justificativa ressaltando que Zito estava muito assoberbado com o
trabalho de administrar o município de Caxias.
Esse foi o modus operandi da campanha do PDT em um primeiro momento:
supervalorização da imagem de Zito, mas nem sempre a sua presença, embora não
costumasse faltar às reuniões organizadas pelos principais candidatos à Câmara Municipal.
Ainda que permanecesse por apenas alguns minutos, ele dizia algumas palavras sobre os
candidatos a vereador e prefeito, ressaltando sempre que a eleição deste último significaria
a continuidade de seu trabalho e dos projetos até então implementados na cidade. As
críticas ao adversário Washington Reis eram mais contidas do que aquelas dirigidas ao ex-
governador e à governadora do Rio. Queixava-se sobretudo da falta de parceria e da
dificuldade de repasse de verbas do estado ao município, afirmando que este havia sido
abandonado por Rosinha”.
Em Duque de Caxias, as campanhas utilizaram-se da estrutura já conhecida dos comícios.
Neste caso em particular, a ênfase recaia sobre os poticos mais importantes que apoiavam
os candidatos e, em alguns casos mais do que em outros, sobre os próprios candidatos. A
festa ainda era o recurso catalisador da multidão, capaz de aproximar o candidato dos
eleitores. Sua produção, no entanto, seguia um padrão mais convencional, contando com
alguns grandes shows, mas direcionando o foco sobre as “estrelas” poticas. Desse modo,
nos eventos realizados por Washington Reis, Anthony Garotinho era sempre a grande
atração, juntamente com a governadora Rosinha — o repertório de shows tendo seguido o
padrão adotado pelo candidato peemedebista de Nova Iguaçu.
291
Laury Villar, por sua vez, contava com o forte apoio de Zito e, durante o segundo turno,
também com o desar Maia e do PT — ainda que não tão ostensivo quanto se esperava.
Tal apoio foi expresso nas visitas que César empreendeu a Duque de Caxias, bem como na
gravação de programas eleitorais. Benedita da Silva (PT) também esteve na cidade, assim
como alguns ministros petistas que gravaram participações para exibição durante o horário
de propaganda eleitoral gratuito (HGPE).
A lógica do palanque e da disposição do público-eleitor seguiu a supracitada, alternando-se
entre ora privilegiar os “convidados”, ora os músicos, ora o candidato, tal como relatado
por Palmeira e Heredia (idem). Não se viu em Duque de Caxias ou em Magé a exaltação e
as demonstrações de carinho/ afeto/ deslumbramento que pude perceber em Nova Iguaçu,
em relação a Lindberg Farias.
O espaço simbolizado pelo palanque só é possível circunscrito a um tempo da política. Os
cocios são marcadores deste tempo singular, que é aquele das campanhas, operador de
uma transformação dos espaços — transformação simlica e emera relativa a
modalidades de interação entre os atores sociais e áreas da cidade criadas especificamente
para fins eleitorais ou reconfiguradas pela própria disputa. A política entendida aqui
como categoria nativa, ou seja, a percepção dos moradores daquela região sobre o que seria
o fazer político – também remeteria, na Baixada, a relações não-exclusivas às campanhas e
momentos de eleição, referindo-se ao político como ator social legítimo e a práticas
coletivas ligadas a tal mundo, como por exemplo, as já mencionadas redes de resolução de
problemas práticos (Linderval, op. cit.). Frente à sazonalidade da presença do potico, seu
staff (assessores, secretários de governo etc.) é freqüentemente tomado pelos moradores
como canal legítimo de mediação, do “fazer potico” (Kuschnir, 1993 e 2000), da mesma
292
forma como acaba ocorrendo com relação às entidades civis (majoritariamente associações
de moradores/ escolas/ grupos culturais e ONG’s). Assim, apesar da classificação nativa na
Baixada parecer não se restringir às eleições ou a seus personagens oficiais, as articulações
em momento de campanha – que para os poticos profissionais não corresponde somente
ao peodo eleitoral – transformam as relões cotidianas e podem unir sujeitos sociais
(individuais ou coletivos) antes tidos como integrantes de campos opostos ou mesmo a-
poticos (Igreja e Estado; Associações de moradores e Prefeitura; morador e Secretaria
de Saúde, Educação, Obras, Lazer etc.)
279
.
No interior deste tempo da política e a partir da lente do palanque, o caso de Lindberg foi
exemplar, no sentido de ter evidenciado as etapas de sua transformação de candidato em
candidato-ídolo. Este seria, a meu ver, um dos sinais distintivos entre cocio e showmício:
a operação de uma mudança de status do potico, que vira um astro. Evidentemente, sem
desconsiderar o carisma pessoal de Lindberg Farias, não podemos relegar a um plano
secundário a construção de um aparato específico que garantiu a exploração, em toda sua
amplitude, das emoções suscitadas pelo candidato num misto de espetáculo e regozijo. A
comoção não era a expressão individualizada, mas a manifestação coletiva dos sentimentos
em um espaço “da potica” tradicionalmente pensado como apartado das interações
emocionais” ou, quando muito, qualificado por rótulos populistas
280
.
A problemática dos sentimentos relacionada ao estudo da potica e das eleições configura,
como ressaltou Barreira, um “percurso sinuoso” (op. cit., p. 68) no qual o que importaria
destacar seria a dimensão reveladora das emoções como formas de entendimento do real,
279
Já nos referimos, no capítulo sobre a(s) Baixada(s), ao papel dos movimentos sociais como atores políticos
legítimos na hisria política da região.
280
Sobre populismo ver, por exemplo, Wefford (1968).
293
das relações humanas, engendrando outras maneiras de olhar nossos objetos para além da
mecânica da “produção marqueteira” e do discurso do potico-produto alimentado pela
comunicação de massa. Não se trata de desconsiderar seu apelo e suas força e eficácia
simbólicas, mas de compreender o que traz consigo. A “rmula gica” dos marqueteiros
não constitui um dado anterior, pré-configurado, sendo antes uma construção a partir do
termo final, ou seja, só se sabe do sucesso após a sua proclamação. É só nesse momento
que o discurso sobre si passa a incorporar novos tons, extraordinários, fantásticos. Sendo
assim, a fórmula de modo algum é mágica, nos termos daquela estudada por Mauss (1974),
cuja crença em sua eficácia é sempre dada a priori. Tal percepção relativa às estratégias de
marketing é fruto de um longo trabalho de criação de um campo, de profissionais
específicos, de intelectuais próprios”, de produção técnica e bibliográfica e do
engajamento dos atores sociais em questão (Castilho, 2000)
281
.
Notícias De Uma Guerra: Estratégias, Ameaças e Orações
Se a festa, a princípio, revelaria uma dimensão mais harmoniosa ou alegre das campanhas
eleitorais, ela também abarca uma dimensão de conflito — nesse caso, entre os grupos
adversários pela promoção da melhor festa.
A idéia da universalidade da guerra figura entre nossas mais antigas teses sobre a natureza
humana como, por exemplo, na guerra de todos contra todos, que qualifica o estado de
natureza em Hobbes. A concepção da guerra e de uma gramática e estética próprias a ela,
não está apartada do mundo da potica, muito pelo contrário. O universo potico
281
Apesar de o autor utilizar a analogia entre marketing e magia em sua tese de doutoramento, prefiro optar,
pelos motivos acima expostos, pela análise abordada quanto à construção do marketing como um campo
profissional em busca de legitimidade.
294
institucionalizado por partidos e homens públicos demonstra as formas variadas em que
esse “estado” ali se instaura legitimamente.
As eleições, pensadas como arenas, mas também como espetáculos, nos remetem
diretamente à esta questão. Se na bruxaria “l’acte, c’est lê verbe” (Favret-Saada, 1998), na
potica não seria diferente. O bruxo, o mágico e o potico têm em comum a palavra como
força-motriz de uma ação à distância
282
. A palavra engendra uma rede de ações, reações e
relações. Assim, na guerra da potica a palavra é sua ferramenta por excelência. Mas não
somente a palavra, a ela soma-se o gesto, a imagem. A publicidade (aqui entendida como
englobando o marketing potico) torna-se assim o instrumento por excelência desta guerra.
Em peodo de campanha, os candidatos eso na base do “matar ou morrer”, já que perder
uma eleição pode significar, de fato, a “morte” potica. Estar apartado desse mundo, sem a
garantia dos acessos que ele possibilita (Kuschnir, op. cit.; Bezerra, op. cit.), pode ser o
prenúncio do fim e, com sua força simlica, torná-lo real
283
.
Desse modo, as eleições no estado do Rio de Janeiro e, mais especificamente, na Baixada
Fluminense, transformaram-se em uma das principais arenas (senão a principal) nas quais
282
Consultar, por exemplo, Mauss (2003 [1904]), Evans-Pritchard (2005 [1976]), Favret-Saada (1998).
283
O “clima de guerra” que reinou durante o período eleitoral em Nova Iguaçu chegou, em alguns momentos,
perto das vias de fato. Conforme noticiado pelo jornal O Globo de 01/11/2004: “O acirramento da campanha
no segundo turno em Nova Iguaçu se refletiu ontem nas ruas. Militantes dos candidatos a prefeito da segunda
maior cidade da Baixada Fluminense — Lindberg Farias (PT) e Mario Marques (PMDB) — só não trocaram
socos e pontapés ontem porque foram impedidos por fiscais do TRE e policiais militares”. Outro fato que
mereceu destaque na imprensa foi a intimidação sofrida pelo coordenador político da campanha, Antônio
Neiva, conforme relatado pela Folha de São Paulo de 12/09/2004: “O primeiro alerta de que a campanha
poderia ser perigosa veio no início da disputa. Em junho, o coordenador político da candidatura, Antônio
Neiva, foi cercado ao descer do ônibus que o trouxe do Rio. Neiva contou que dois homens saltaram de um
carro e o imprensaram contra um muro. ‘Mandaram um recado para o Lindberg, a quem se referiram como ‘o
paraíba’ [o deputado é paraibano]. Deixaram claro que ele corria riscos caso insistisse na candidatura.
Falaram que eu estava sendo seguido havia 36 horas. Acreditei, pois disseram coisas que fiz no período’,
disse Neiva. O escritório em Nova Iguaçu já foi invadido duas vezes. Foram roubados documentos e
computadores. Na semana passada, foram pichados os 70 outdoors de Lindberg na cidade. As pichações
visaram, sobretudo, o rosto dele.
295
tais confrontos se desenrolaram. Os comícios e showmícios marcaram o ritmo das
campanhas a partir do fim de agosto e os embates entre os principais candidatos foram
tornando-se cada vez mais acirrados. De um lado, o PT nacional e o governo federal
através do presidente Lula e de seu staff —e, de outro, o governo estadual — por
intermédio do casal Garotinho (Anthony e Rosinha Matheus) — encetaram conflitos que
se tornariam os objetos preferenciais das mídias escrita e televisionada. A partir deste
momento, não se tratava apenas do projeto coletivo do PT que abarcou projetos individuais
como o de Lindberg ou mesmo o de Zito, em alguma medida. Havia também o projeto
potico de Garotinho e de sua rede potica para o Rio de Janeiro e para uma possível
candidatura à Presidência da República.
O arsenal deste último grupo já estava preparado: além de acusações do uso da máquina
administrativa com fins eleitorais que pairavam sobre a candidatura petista de Lindberg
Farias — mesmo antes da eleição — outros ataques vieram também na forma de cartazes
distribuídos pela cidade, outdoors e adesivos com mensagens como “Trate bem o turista,
mas não vote nele”.
296
Jorge Gama, aparentemente apartado da campanha, seria, segundo uma pessoa próxima
ligada ao comitê eleitoral de Marques — um dos principais articuladores destas investidas.
Apesar de seus desentendimentos com Bornier, e de ter se mantido afastado do dia a dia da
campanha, sua criatividade teria sido colocada à disposição do candidato peemedebista, que
dela se utilizou em diversas ocasiões. Não há como confirmar ou negar tal afirmação, mas
de fato o tom crítico e o humor ácido dos panfletos lembram, em alguma medida, o tom
debochado e desafiador do Geraldinho Boca de Trombone, por exemplo. Foram objeto da
campanha difamatória adotada contra Lindberg, desde suas trocas de partido, quanto sua
atuação como relator no caso da demarcação de terras da reserva indígena Raposa Serra do
Sol, até a posição por ele tomada na votação do salárionimo (entre outras).
297
298
299
300
A tais ataques somaram-se, ainda, as ameaças da governadora do estado, Rosinha Matheus,
e de seu marido aos eleitores que votassem em candidatos adversários. Àquela altura —
meados de setembro — o empate técnico entre Lindberg e Mário Marques em Nova
Iguaçu, assim como os índices de Laury Villar, em Duque de Caxias, eram preocupantes.
Diante disso, o casal Garotinho entrou com toda a força na campanha do PMDB,
direcionando todas as armas disponíveis contra os candidatos petista e pedetista,
respectivamente. O que de início começou com ofensivas nos palanques, logo ganhou o
espaço dos programas televisionados.
Tem um candidato que sobe nos palanques para nos
ofender, nos xingar e isso não é bom porque nós
queremos continuar amando Nova Iguaçu, visitando
essa cidade. Como é que nós vamos fazer isso caso
esse candidato que nos ofende seja prefeito da
cidade? A escolha é sua” (discurso de Garotinho,
transmitido durante horário de propaganda eleitoral
gratuita da coligação Crescer sempre com Deus e o
povo).
Os interesses de reprodução/ ampliação das redes poticas e de influência na região, por
ambos os lados (no caso de Nova Iguaçu, PT e PMDB), ficou logo evidente e a resposta foi
imediata
284
. Alguns ministros foram convocados a entrar na briga e a imprensa tornou-se o
palco de embates veementes e indignados entre os doislos
285
. A pluralidade de partidos
284
É importante destacar que um terceiro termo esteve implicado na equação política em Nova Iguaçu e na
Baixada Fluminense como um todo: César Maia e o PFL. A atuação (mais ou menos) discreta durante o
primeiro momento da campanha não impediu que o prefeito do Rio de Janeiro declarasse seu apoio a
Lindberg e que participasse ativamente do segundo turno — subindo nos palanques, inclusive. Para o mapa
político da Baixada, a rede encabada por César Maia significava uma rearranjo das forças locais e regionais,
delineando um poderoso triângulo entre PT, PMDB e PFL. A aproximação entre César Maia e Lindberg não
erao impensável quanto poderia parecer à primeira vista, diante de seu contato bastante próximo com o
filho do prefeito e deputado federal, Rodrigo Maia, e com o vereador Rogério Lisboa.
285
Em menos de um ano, diversos Ministros de Estado estiveram em Nova Iguaçu: Gilberto Gil (da Cultura),
Humberto Costa (da Saúde), Aldo Rebelo (da Coordenação Política), Jo Dirceu (da Casa Civil) e Tarso
301
na disputa foi canalizada em dois discursos ao mesmo tempo inclusivos e excludentes,
simbolizados pela oposição entre as personas: Lula/ Lindberg X Garotinho/ Marques.
Segundo o jornal O Globo (13/09/2004, p.11) “em reação ao crescimento de Lindberg,
Anthony Garotinho, presidente regional do PMDB, disse que a governadora Rosinha
Matheus não repassaria recursos estaduais para a prefeitura se o petista fosse eleito”.
Representantes do governo federal responderam às ameaças de cortes em projetos sociais
de Nova Iguaçu com a promessa de cobrir qualquer ônus eventual aos moradores (e
eleitores) da cidade. Na ocasião, o então Ministro da Educação, Tarso Genro, deu a
seguinte declaração à imprensa (escrita
286
e televisionada):
O Presidente da República me autorizou a dizer que
nós vamos não só estabelecer uma relação de
qualificação e de igualdades com os prefeitos, como
também o governo federal vai cobrir qualquer
ausência de convênio que eventuais governos de
estado se neguem a fazer por discriminação potica”
(Jornal Nacional, 25/09/2004).
A declaração de Garotinho desencadeou ainda uma manifestação pública de repúdio, no dia
27 de setembro, nas escadarias da ALERJ. Batizado de “Movimento por eleições limpas e
éticas na política do Rio”, o evento clamava por eleições transparentes, sem boicotes,
contando com a presença de diversos poticos e parlamentares de partidos aliados —
naquele momento — a Lindberg, tais como: Marcelo Allencar, Luis Paulo Cora da
Rocha, Chico Alencar, Carlos Minc, Rogério Lisboa, César Maia, Rodrigo Maia, Andréia
Zito, além de membros do PT de Nova Iguaçu e do seu diretório estadual. Tal iniciativa
Genro (da Educação), além de João Paulo Cunha (líder do governo na Câmara). Tal fato mereceu destaque no
Jornal do Brasil, de 04/10/2004 e em O Globo, de 15 e 16/10/2004.
286
Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Globo de 25/09/2004.
302
(que segundo a coordenadora da assessoria de comunicação política de Lindberg, Débora
Souto, teria partido dela) constituiu o acontecimento procio para angariar mais
visibilidade à candidatura petista e buscar maior apoio popular.
O Secretário de Segurança é um elemento
desestabilizador na eleição. O que se tenta fazer é
espalhar a potica do medo. É a ante-sala do terrorismo.
Vários candidatos têm sofrido também com a distribuição
de panfletos anônimos. Esta política é hitlerista – afirmou
Lindberg (O Globo, 28/09/2004).
Zito não participou do ato público e justificou-se, na entrevista que me concedeu, dizendo
que aquele o era seu “estilo”: “Eu sempre fui contrário a tudo isso aí. Sempre fui contra
essa potica do Garotinho para o estado do Rio de Janeiro. Eu sofri com isso aqui, em
Caxias. Mas nunca fui um potico de ir pra rua e mostrar uma indignação exagerada,
exacerbada, né?” Sua filha, a deputada estadual Andréia Zito, no entanto, marcou presença
fazendo coro com o grupo liderado por Marcello Alencar.
Em seguida, a denúncia de Lindberg quanto ao assistencialismo do governo estadual em
troca de votos, no caso da distribuição de cestas básicas pela Fundação Leão XIII, acabou
ocasionando sua suspensão e a revolta da população local
287
. No jogo das visibilidades, era
preciso culpabilizar os agentes do mal, — nesse caso, os “assistencialistas”, os “corruptos”.
Precisava-se, portanto, de um “bode expiatório”. Nesse sentido, a organização da
mobilização anteriormente mencionada — que tinha como bandeira eleições limpas e
287
A Folha de São Paulo do dia 29/10/2004, em matéria intitulada Panfletos acusam Lindberg de impedir
distribuição de cesta básica, relata a responsabilidade atribuída a Lindberg Farias pela suspensão da
distribuição das cestas básicas, ordenada pela Justiça Eleitoral de Nova Iguaçu, por intermédio de diversos
panfletos distribuídos pela cidade. O panfleto que reproduzo abaixo, fora desta vez assinado pela coligação
Crescer sempre com Deus e o povo.
303
éticas — colocava o adversário no pólo oposto, do mal. É interessante perceber que, apesar
de tudo isto,, a menção à assistência não foi de todo descartada no discurso potico de
Lindberg, , mas apenas atenuada , conforme percebemos em reportagem da Agência Carta
Maior, de 31/10/2004, sobre o caso da distribuição de cestas básicas:
“A governadora Rosinha Matheus determinou, em 19
de outubro, que a Fundação Leão XIII, ligada ao
governo estadual, iniciasse em Nova Iguaçu a
distribuição de cestas básicas para moradores dos
bairros Aymo e Campo Belo, duas das áreas mais
carentes da cidade. Anunciada com antecedência pelo
prefeito, a distribuição das cestas era feita, segundo
apurado por fiscais da Justiça Eleitoral, mediante a
apresentação pelos beneficiados da carteira de
identidade e do título de eleitor. Os fiscais presenciaram
a entrega de 780 cestas e, no dia 26 de outubro, o juiz
José Lessa Giordani determinou a suspeno da
distribuição. Rosinha acatou a decisão da Justiça, mas
no mesmo dia ordenou o icio da distribuição entre os
iguaçuenses, de tíquetes que podem ser trocados por
latas de leite em pó. O candidato do PT reagiu à
distribuição de alimentos pelo governo estadual,
prometendo aos eleitores de Nova Iguaçu que vai
ampliar na cidade o Programa Bolsa Família, do
governo federal. Para as ameaças da governadora, que
afirma que “será obrigada a abandonar Nova Iguaçu se
Lindberg for eleito”, o petista ressalta a todo momento
sua ligação com o governo federal. Nesse contexto, até
mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gravou
mensagens para a propaganda eleitoral na televisão
dizendo para o povo “votar em Lindberg sem medo
porque “vai compensar Nova Iguaçu de outras formas”
se a cidade for abandonada pelo governo estadual”
(grifos meus).
304
305
306
Em Caxias, Garotinho e a governadora Rosinha utilizavam-se de estratégia semelhante,
proferindo ameaças e acusações aos adversários locais durante os comícios realizados na
localidade. Presença constante nos palanques do município, o casal não poupava ninguém.
Os candidatos [Sandro Matos (PTB), em São João de
Meriti, e Laury Villar (PDT), em Caxias] também
reclamaram do uso da máquina do governo estadual na
eleição. Segundo Zito, as ruas de Caxias estão forradas de
cartazes de propaganda do estado, com promessas de
realizações e obras. Sandro Mattos reclamou que em
Meriti os políticos ligados ao governo estadual fazem
circular boatos de que, se eleito, ele acabaria com o
cheque-cidadão (Jornal do Brasil, 09/10/2004).
A temática religiosa que, até então, não havia tido grande destaque, tomou vulto; a briga
pelo “voto evangélico” atingindo seu ápice durante o segundo turno das eleições
288
. Diante
deste cenário, cada candidato procurou costurar suas alianças com nomes importantes no
meio evangélico da Baixada e do estado, de forma mais ampla
289
. As visitas às igrejas
repetiam-se com freqüência; o campo religioso local sendo polarizado por pastores de
distintas vertentes. Dentre eles, Manoel Ferreira, principal líder da Assembléia de Deus,
manifestou seu apoio a Lindberg — graças à adesão de Fernando Gonçalves à campanha
petista — acompanhando-o em caminhadas e também nos palanques. Já do outro lado, o
bispo da Universal, senador pelo PL e segundo lugar no pleito carioca, Marcelo Crivella,
288
Conforme anteriormente mencionado, as religiões protestantes foram tratadas, em um primeiro momento,
como mais um segmento eleitoral, contando com shows espeficos, visitas às igrejas, conversas com pastores
e fiéis etc. Naquele momento, no entanto, não se havia apelado ao discurso religioso como arma político-
eleitoral, vinculando a opção religiosa (e sua prática) ao voto em um candidato em particular.
289
De acordo com os dados do Censo do IGBE, a população evangélica brasileira passou de 13,3 milhões
entre 1999 e 2000 para 26,1 milhões, em 2002. Isto significa um crescimento percentual de quase 100%,
muito superior a qualquer outra denominação religiosa.
307
deu seu apoio a Mário Marques, conclamando os pastores da IURD, como também seus
fiéis a votarem nele
290
.
“Candidato pelo PT à prefeitura de Nova Iguaçu,
Lindberg Farias prometeu reunir pelo menos 300
pastores evangélicos na igreja da Assembia de Deus,
na cidade, amanhã. A estratégia visa a ‘arrebanhar
parte dos fiéis que estão hoje sob a influência do ex-
governador Anthony Garotinho (PMDB). O
peemedebista apóia a campanha do prefeito Mario
Marques (PDT), que busca a reeleição. A entrada dos
evangélicos na campanha de Lindberg foi acertada,
segundo o candidato, com o pastor Manoel Ferreira
(PL), que foi candidato a vice na chapa de Luiz Paulo
Conde e, até então, era aliado de Garotinho” (Jornal do
Brasil, 09/10/2004).
- Não cheguei até aqui por acaso. Tenho certeza de que
foi a vontade de Deus. Após conversar com o pastor, saí
com espírito renovado, pronto para a maratona do
segundo turno — afirmou (Jornal do Brasil,
11/10/2004).
Em Duque de Caxias, apesar dos conflitos entre o pastor Manoel Ferreira e seu “padrinho”,
Garotinho, e do primeiro ter manifesto publicamente sua adesão à campanha de Laury, o
candidato do PMDB contou com o apoio de alguns pastores de sua denominação religiosa,
a Assembia de Deus.
Zito ajudou na minha candidatura ao Senado. Graças a ele, tive
290
Destaco que o pastor Manoel Ferreira e Garotinho pertencem à mesma denominação religiosa, colocando-
se, no entanto, nessa eleição, em arenas políticas opostas, privilegiando seus interesses particulares e o
vínculo partidário em detrimento do pertencimento religioso. O primeiro foi o terceiro colocado para a vaga
do Senado Federal, em 2002, tendo sido também candidato a vice-prefeito na chapa de Luiz Paulo Conde, nas
eleições municipais de 2004, no município do Rio de Janeiro. Com a aliança com o PTB em Nova Iguaçu,
pôde apoiar publicamente o candidato do PT. Garotinho (), por sua vez, já tinha costurado anteriormente uma
aliança com a IURD — em 2002, na época filiado ao PSB. ,. Apesar do PL ter tido um senador na chapa de
Lula naquelas eleições para a Presidência da República, predominou, ao que parece, o vínculo evangélico. No
segundo turno, Garotinho declarou seu apoio a Lula e teria atuado como mediador junto a outras igrejas para
conseguir congregá-las ao candidato petista. Vale a pena lembrar que José Serra (PSDB), adverrio de Lula,
recebeu o apoio da Convenção Nacional das Assembléias de Deus, da Convenção Geral das Assembléias de
Deus no Brasil e também da Igreja Quadrangular (Machado, 2002; Oro, 2003).
308
mais de 15 mil votos. Estou firme nesta campanha para ajudar a eleger Laury — explicou o
pastor evanlico”, em entrevista ao Jornal do Brasil de 18 de outubro de 2004.
Entre as armas utilizadas pela rede de Garotinho em Nova Iguaçu, destaca-se uma tática
bastante “tradicional” na política: a distribuição de cartas, só que desta feita, de cunho
religioso — postadas pela Delta Construções
291
(empresa ligada a Nelson Bornier), nas
quais Garotinho pedia votos para o candidato do PMDB
292
.
A temática do mal, vinculada acima à anti-ética, é retomada com toda força, agora, com
viés religioso
293
. É o que se evidencia também no trabalho de Leite, segundo o qual
algumas aproximações podem ser traçadas entre a condição estigmatizante dos moradores
da Baixada e aquela dos moradores das favelas cariocas, principalmente no que tange à
relação entre tal estigma e a conotação que o vínculo religioso adquire nestes segmentos.
Eis algumas de suas conclusões (2002:71):
[…] o acirramento da violência na cidade [do Rio de
Janeiro] correspondeu, na última década, a um
adensamento dos estigmas sobre os moradores das
favelas. Criminalizados por ali residirem, são
291
"Uma coisa de amizade" (O Globo, 29/10/2004). É assim que o deputado federal Nelson Bornier (PMDB)
define a colaboração da empreiteira Delta Construções S.A. à campanha do prefeito peemedebista Mario
Marques, candidato à reeleição em Nova Iguaçu, na disputa com Lindberg Farias.
292
Entre as estratégias políticas de vinculação de um determinado candidato a um nome político considerado
“forte”, de prestígio, destaca-se a distribuição de cartas cujo teor pode variar de um simples pedido de voto a
acusações explícitas ao adversário. Há também telefonemas, nos quais o político mais conhecido, e que apóia
a candidatura em questão, grava uma mensagem telefônica — mencionando o nome do proprietário da linha e
do morador — pedindo voto para o “seu candidato”. Nas duas estratégias, a personalização do contato, por
meio do emprego do nome próprio do eleitor, pode ser pensada como uma forma de criar laços e promover
uma “sensação de proximidade” no eleitor. No HPEG, o candidato fala “para todos”. Nas cartas e
telefonemas, ele fala com a pessoa, singularizada na utilização de seu nome próprio. Algumas matérias de
jornais expuseram tal questão. Dentre elas, a de Daniela Name, de O Globo de 23/10/2004.
293
Para a problemática da constituição do mal na cultura brasileira, ver a coletânea de artigos organizada por
Patrícia Birman, Regina Novaes e Samira Crespo (1997). Para este trabalho, interessaram-me particularmente
os artigos: “Males e malefícios no discurso pentecostal (Birman), “As metamorfoses da Besta Fera: o mal, a
religião e a política entre trabalhadores rurais” (Novaes), “Política Ambígua” (Palmeira) e “O mal à brasileira:
Um pósfacio. O mal, a ética, a política e o Brasil” (Sanchis).
309
aproximados de bandidos e marginais em uma lógica que
considera a convivência forçada um sintoma de
conivência. As favelas e seus moradores são, no Rio de
Janeiro, aproximados do campo do “Mal” – associado à
violência e ao terror das quadrilhas de narcotraficantes.
Neste contexto, cresce a importância da adesão religiosa
como meio de afastar-se do campo conflagrado da
violência social, tanto pela crença no efeito transformador
da palavra religiosa, capaz de converter o mais renitente
dos pecadores que assim iniciaria uma nova vida distante
dos “erros do passado”, quanto, e em decorrência, pelo
efeito social positivo de discriminação dos adeptos das
religiões evangélicas da marginalidade e do crime
(grifos meus).
As investidas de Garotinho e de seus aliados já associavam a candidatura petista à
encarnação do mal (primeira citação, abaixo) mesmo antes da declaração de apoio de
Fernando Gonçalves a Lindberg — e deste último ter adquirido o status de “convidado-
bem-vindo” no campo evangélico iguaçuano. No segundo turno, no entanto, entrou em
cena a poderosa “máquina” das igrejas envolvidas nas campanhas (segunda citação,
abaixo); uma nova interpretação para a guerra política sendo então apresentada.
“Diante de milhares de pessoas, a maioria composta
por jovens evangélicos reunidos para o show
Celebrai, Garotinho juntou no palco cantores
conhecidos de música gospel e pediu que todos
orassem ‘para pedir a Deus que impeça a eleição de
Lindberg’. Como justificativa, o ex-governador
alegou que o petista ‘ofendia a fé cristã da cidade’,
ao assumir determinadas posições poticas: ‘Este
rapaz defende a legalização da maconha e o
casamento de pessoas do mesmo sexo, e isso não é
coisa que um verdadeiro cristão apóie. Falem isso na
igreja, contem para papai e mamãe. A eleição deste
moço é muito ruim para Nova Iguaçu’, disse
(Agência Carta Maior, 27/09/2004).
Para se defender, o PT buscou apoio no PTB. O
candidato do partido, Fernando Gonçalves, que
chegou em terceiro lugar com 12% dos votos,
310
declarou apoio a Lindberg, tirando da campanha
petista o estigma de ´ser de fora de Nova Iguaçu’,
explorado pelos adversários. Iguaçuano e deputado
federal mais votado na cidade, Gonçalves ainda por
cima também é evangélico, o que ajudou muito
Lindberg a jogar para o alto a pecha defilho do
demo que quer lhe colar Garotinho[…] No dia 10 de
outubro, presente a um templo da Assembléia de
Deus lotado, Lindberg foi alvo das benções e orações
de lideranças políticas e/ou religiosas como o próprio
Ferreira e a ex-governadora Benedita da Silva. O
candidato petista – que leu as cartilhas de Stalin no
PC do B e depois as do seu inimigo, Trotsky, no
PSTU, que já foi radical e agora é moderado do PT –
é católico, mas não esconde mais sua simpatia pelos
evangélicos pentecostais. Do lado de fora do templo,
militantes de outras seitas distribuíam o jornal Folha
Cris, com acusações a Lindberg e uma matéria
dizendo que a prefeitura petista de Belo Horizonte
mandou construir ‘um templo para Satanás’. Essa
guerra santa se explica pelo incrível contingente de
eleitores evangélicos de Nova Iguaçu: segundo um
levantamento feito pela PUC-RJ, 29% dos habitantes
da cidade são evangélicos. A Assembléia de Deus é a
maior seita, com 11,5% dos iguaçuanos, enquanto a
Igreja Universal é seguida por 3,5% da populão
(Agência Carta Maior, reportagem de Maurício
Thuswohl, 13/10/2004) (grifos meus).
Com relação a Duque de Caxias, o discurso de Zito tentou passar ao largo da questão,
desvinculando a opção religiosa da prática e escolha poticas. Mesmo tendo esposa e filha
evangélicas, ele não declara pertencimento a qualquer denominação religiosa, e costuma
enfatizar a necessidade de autonomia dos fiéis no momento da eleição:
O líder comunitário, o pastor, o padre pode ser alguém
que o induziu [o eleitor] ao erro. A política que quer ser
levada a sério […] porque, senão, nós estamos usando
uma arma, que é o nosso voto, apontado para nós
mesmos, contra nós. Assim, eu vejo que a predominância
de algumas entidades — ou mesmo religião — é um
311
momento, isso é passageiro. E eu espero que cada
cidadão saiba separar uma coisa da outra e comece a
entender da sua responsabilidade com o seu voto” (Zito,
26/04/2006).
As acusações não pararam por aí, a onda de boatos tampouco. Lindberg foi novamente
atacado. A notícia de que teria uma filha — até então ignorada — com uma garçonete
agitou o clima político local e provocou uma avalanche de matérias na imprensa
294
. Tal
boato teria sido espalhado (e fabricado) pela rede política de Mário Marques e Lindberg
acabou acusando o ex-governador de ser o responsável pelo fato
295
. O PT nacional também
marcou posição, enviando nota aos jornais em repúdio aos ataques efetuados a seu
candidato no segundo turno
296
.
Ao blame gossip juntaram-se as acusações de cunho religioso e a novidade dos panfletos
assinados. Durante o primeiro turno, diversos panfletos apócrifos já haviam sido espalhados
pela cidade com acusações de diversos tipos; no segundo turno, a divulgação de sua autoria
marcava uma inflexão na estratégia. Segundo o candidato do PMDB, o que sua coligação
fazia era esclarecer o eleitor a respeito de “quem era esse candidato”, “esse tal de
Lindberg”.
294
Como mencionado no capítulo anterior, algumas marias deram destaque aos boatos que o candidato do
PT enfrentou durante toda a campanha. Por exemplo: O Globo, de 23, 24 e 31/10/2004, referindo-se às
diversas acusações ao candidato petista, inclusive a de paternidade.
295
Tal acusação foi notícia em jornais como O Globo e a Folha de São Paulo, de 21/10/2004, e O Globo, de
22/10/2004.
296
A matéria divulgada na Folha de São Paulo, de 21/10/2004, configura um dos exemplos: “O presidente
nacional do PT, José Genoino, divulgou nesta sexta-feira nota oficial reclamando de ataques sofridos pelos
candidatos petistas no segundo turno das eleições. Segundo a nota, o PT é vítima de ‘armações e violências
por parte de seus adversários. Ao conclamar seus correligionários a ‘não caírem em provocação’, Genoino
afirma esperar que os ‘nossos adversários não se utilizem desse clima de sectarismo e violência, que não
condiz com um país democrático e civilizado’.
Outras matérias foram veiculadas pelo jornal O Globo dos dias 26, 29 e 30/10/2004. Em uma delas, Merval
Pereira referiu-se aos ataques como “os mais baixos recursos, até mesmo a religião”; Arthur Dapieve
ressaltou os “argumentos pretensamente religiosos” do casal Garotinho e, por último, Teresa Cruvinel remetia
ao “tom religioso”, mas também às ameaças de corte de verbas e projetos sociais do governo do Estado, feitas
porGarotinho.
312
A relação entre os campos potico e religioso no Brasil não constitui propriamente uma
novidade, apesar de recente. A IURD talvez figure como a principal iniciativa dos
evangélicos no campo político. De acordo com Oro (2003), sua atuação neste universo teve
início nas eleições de 1986 para a Assembléia Nacional Constituinte, elegendo um
deputado federal (p.53). A partir daí, sua inserção foi aumentando significativamente ao
longo do tempo (1990: três deputados federais e seis estaduais; 1994: seis deputados
federais e oito estaduais, a Secretaria do Trabalho e Ação Social e 500 mil votos para o seu
candidato ao Senado; 1998: dezessete deputados federais e vinte e seis estaduais; 2002,
dezesseis deputados federais e dezenove estaduais [idem]).
No Rio de Janeiro, desde a eleição de Anthony Garotinho (PDT) para o governo do estado
— tendo como vice, Benedita da Silva (PT), também evangélica — em 1998, a
participação dos evangélicos e a associação entre o campo religioso e o capital político
dessa coligação possibilitaram a supremacia política do casal Garotinho na eleição seguinte,
assim como a ampliação das vagas ocupadas por poticos evangélicos na ALERJ
297
.
Bispo Rodrigues, bispo João de Jesus, pastor Almir, bispo Vieira Reis, pastor Divino, bispo
Léo Vivas, pastor Ely Patrício, bispo Caetano, pastora Edna, bispo Jodenir, Arolde de
Oliveira, Eduardo Cunha, entre outros, são alguns nomes de lideranças evangélicas locais,
eleitas para mandato parlamentar no Rio de Janeiro, em 6 de outubro de 2002. Apesar da
onda Lula” — que repercutiu em todo o Brasil nas eleições proporcionais, possibilitando
um crescimento considerável do número de parlamentares de esquerda, principalmente do
297
Nas eleições de 2002, um dos líderes da Igreja Universal, o bispo Marcelo Crivella (PL), foi eleito para o
Senado com 3,2 milhões de votos. Manoel Ferreira (PTB), da Assembléia de Deus, foi o 3º colocado, com 1,7
milhão.
313
PT — as comunidades evangélicas e outros grupos sociais tradicionalmente representados
(desde militares e policiais, até funkeiros e esportistas) tentaram garantir seus espaços nas
urnas, nem sempre obtendo o resultado esperado. Nessa eleição, Garotinho recebeu
15.175.729 votos (17,87%) na disputa para a Presincia da República, enquanto sua
esposa, Rosinha Matheus foi eleita governadora do estado do Rio de Janeiro, ainda no
primeiro turno, com 4.101.423 votos (51,30%)
298
. O tom das disputas e a condução da
guerra potica (apelidada por alguns de “guerra santa”) no estado do Rio de Janeiro foram
criticados por membros do próprio partido de Garotinho.deres de expressão nacional do
PMDB colocaram-se contrários à ofensiva e ao uso do discurso religioso. Jorge Gama,
apesar de tentar atenuar algumas posições do ex-governador, também fez críticas ao “estilo
Garotinho” e à própria mudança que uma figura política como a dele implicaria ao PMDB.
O projeto potico do casal Garotinho foi inteiramente embasado na linguagem religiosa
que conferiu intensidade dramática à operacionalização efetuada entre liderança espiritual e
assistencialismo social. Diversos autores ressaltam o papel da assistência e do trabalho
social nas experiências de aproximação entre potica e religião implementadas em diversos
estados brasileiros (Peirucci, 1989; Coradini, 2001; Oro, 2001; Conrado, 2000; Machado,
2001). De acordo com Novaes (2002), a Igreja Universal teria inaugurado o estilo, pensado
comocorporativismo de vs religioso. Tal iniciativa, no entanto, logo foi seguida por
inúmeras outras. A Assembléia de Deus, por exemplo, esteve envolvida em projetos como
o do cheque-cidadão, implementado no governo de Garotinho no Rio de Janeiro (Machado,
op. cit.). Mais recentemente, como já mencionado, encontramos, em todo o estado, a rede
assistencialista vinculada à Fundação Leão XIII e seu uso com fins eleitorais.
298
Segundo Machado (2002), a Assembléia de Deus teve 24 candidatos concorrendo para a ALERJ (tendo
eleito 5 deputados), seguidos de 18 da Igreja Batista e 17 da IURD.
314
Pautar a potica na assistência e prestação de favores — podendo implicar em laços de
gratidão e dívida moralnão é exclusividade das lideranças religiosas e evangélicas. Na
potica brasileira encontram-se vários exemplos desta prática (Leal, 1975; Lanna, 1995;
Kuschnir, op. cit.). Se para alguns autores — como nos aponta Coradini (op. cit.) — as
preocupações dos políticos evangélicos estariam preferencialmente a “serviço da religião” e
menos voltadas para politizar as questões religiosas e/ou mundanas, para outros — como
demonstrou Machado (2002), em seu trabalho sobre políticos evangélicos na Câmara
Municipal e na ALERJ — a filantropia e o engajamento em ações sociais não se restringiria
à ética religiosa, remetendo igualmente às ocupações profissionais e à tentativa de angariar
mais poder no espaço público. Assim, a partir de um depoimento que lhe foi dado (p.291),
ela considera a existência de “[] um círculo vicioso em que o ator religioso utiliza o
engajamento em atividades sociais da Igreja como atributo potico para conseguir votos e
mais uma vez eleito privilegia as questões religiosas e assistenciais”.
Entretanto, o campo religioso na Baixada e, mais particularmente, em Nova Iguaçu,
fragmentou-se diante dos diversos interesses em jogo — os atores sociais evidenciados
nesse processo disputando não somente prestígio potico, mas também o poder sobre a fé.
Nessa guerra particular, a mediação potica apresentou-se sob novos aspectos e o
clientelismo — tradicionalmente utilizado para pensar as relações poticas e as instituições
no Brasil — nãode ser acionado como critério explicativo exclusivo. Venceu Lindberg e
o projeto coletivo do PT (ao menos o do Campo Majoritário). Aglutinando e combinando
pertencimentos e interesses os mais diversos, impôs sua vitória na quase totalidade das
315
zonas eleitorais de Nova Iguaçu — imprimindo efeitos tamm sobre outros municípios da
Baixada através de sua atuação como “porta-voz do PT” na região
299
.
Levando-se em conta que, na Baixada Fluminense — e, talvez, no Brasil como um todo,
nos dias de hoje — o voto evangélico pode ser decisivo, focalizamos não apenas a sua
dimensão representativa e, portanto, quantificada, mas a necessidade de adequação a um
discurso e a uma prática não mais exclusiva ou predominante do campo político. Outros
discursos religiosos também estão em cena, com pesos distintos. Os católicos, apesar da
redução no número de fiéis, têm se feito presentes, com atuações variadas
300
. A Teologia da
Libertação e as CEB’s reduziram sua intervenção no cenário potico nacional, diante do
processo histórico de democratização brasileira que, a partir de meados da década de 1980,
ampliou a possibilidade da participação das associações de moradores, sindicatos e partidos
poticos. A própria crise do paradigma marxista como elemento estruturante e a nova
postura da Igreja Católica — sob o comando de João Paulo II e seu conservadorismo —
além da expansão do movimento dos carismáticos, redefiniram as práticas e valores
internos a essa instituição, alterando sua configuração e a própria extensão de sua
autoridade. A trajetória de Jorge Gama é ilustrativa desta situação. Sua atuação junto aos
movimentos sociais que lutavam pela casa própria em Nova Iguaçu foi decisiva para a
constituição de sua persona pública, mas a entrada em cena de novos partidos e novos
discursos acabou implicando numa ruptura com esta forma mais tradicional do fazer
potico. Outro elemento a se considerar é o surgimento do que Leite (idem) denominou
299
As zonas eleitorais em que obteve maior votação foram, respectivamente, Cabuçu, Vila de Cava e Centro.
A única localidade na qual Lindberg não atingiu mais do que 50% dos votos foi Austin, ficando com 48,62%
(13.831 votos) do total da votação. Para os detalhes sobre os números em cada zona eleitoral, ver Anexo.
300
De acordo com Leite (2002:69-70), o número de evangélicos no estado do Rio de Janeiro passou, nos
últimos dez anos, de 12,86% para 21,13%, enquanto os católicos tiveram um decréscimo de 67,65% para
57,16%.
316
redes de solidariedade e filantropia”, fundadas na ação cívica e no sentimento religioso.
Desse modo, emerge o que a autora — citando Bellah — chamou de “dimensão religiosa
pública”, baseada na relação entre compromisso e cidadania, delineando uma espécie de
“religião civil” que, de certa forma, operaria uma alteração nas fronteiras entre religião e
potica (Leite, 2002)
301
.
Se nos trabalhos de Weber (1999 e 2004) encontramos a preocupação central com o
processo de racionalização e de desencantamento do mundo, Geertz (1997:214) nos chama
a atenção para o que isto significaria: “um mundo totalmente desmistificado é um mundo
totalmente despolitizado”. Nesse sentido, refletindo sobre o conteúdo sagrado do poder
302
,
sobre seus centros, as figuras dominantes e o carisma — e não exclusivamente sob formas
extravagantes” ou efêmeras — o autor ressalta um conjunto de formas simbólicas
expressas pelo poder e por suas dimensões ao mesmo tempo morais e estéticas:
“[…] Não importa o grau de democracia com que essas
elites foram escolhidas (normalmente não muito alto)
nem a extensão do conflito que existe entre seus
membros (normalmente bem mais profundo do que
imaginam aqueles que não são parte da elite); elas
justificam a sua existência e administram as suas ações
em termos de um conjunto de estórias, cerimônias,
insígnias, formalidades e pertences que herdam, ou, em
situações mais revolucionárias, inventam. São esses
símbolos – coroas e coroações, limusines e conferências
– que dão ao centro a marca de centro e ao que nele
301
Em nota de rodapé, Leite refere-se à atuação do projeto Viva Rio frente à problemática da violência e sua
relação com uma concepção de “religião civil”, segundo a qual “não se constrói um Estado democrático sem
uma religião civil capaz de valorizar as virtudes cívicas ou o comprometimento do cidadão com a coisa
pública, com o espaço comum e, por conseqüência, com os destinos das instituões políticas” (Soares et al.,
1996:51-52 apud Leite, 2002:67)
302
A este respeito, Geertz (idem, p.219) ressalta que “o que faz um líder político espiritual não é, afinal, sua
posição fora da ordem social, em algum transe de auto-admiração, e sim um envolvimento íntimo e profundo
– que confirme ou deteste, que seja defensivo ou destrutivo – com as ficções mais importantes que tornam
possível a sobrevivência desta ordem”.
317
acontece uma aura não só de importância, mas, algo
assim como se, de alguma estranha maneira, ele estivesse
relacionado com a própria forma em que o mundo foi
constrdo” (idem, p.219).
Sendo assim, pensar a potica na Baixada como ação simlica (Geertz, 1991[1980])
significa apreender os diversos discursos emão – o do marketing, o da religião, o da
potica, o da festa, o do espetáculo, o do capital etc. – e a teia de significados da qual faz
parte como produto e produtora. Desse modo, os projetos políticos aqui analisados
revelaram os valores e símbolos implicados numa determinada maneira de conceber o
mundo e a política, especificamente. As ltiplas possibilidades em jogo foram
evidenciadas, ora por meio dos arranjos representativos, das variáveis numéricas, ora
revelando-se na potencialidade aglutinadora do carisma de algumas personas políticas,
como as aqui apresentadas.
A eficácia de elementos simbólicos do campo religioso repercute cada vez mais no fazer
potico por meio de alianças, da própria representação partidária e de uma linguagem que
privilegia uma religiosidade difusa. Não que isto possa ou, de fato, suprimir a dimensão
dos interesses pessoais e dos grupos, mas evidencia — a partir de um olhar atento e
minucioso — a inserção de novos atores (oriundos do campo religioso), o que vem
alterando a própria dinâmica do mundo da política, re-significando discursos e originando
uma nova gramaticalidade na qual o bem e o mal, para além de uma dicotomia restritiva,
podem ser pensados na cultura (e por que não, na política) brasileira
303
.
303
Pierre Sanchis (1997) pensa a ambigüidade e ambivalência, fazendo uma análise da cultura brasileira a
partir da polaridade entre a cordialidade e o conflito. O autor utiliza-se do “número três” (p.225), referindo-se
à ambigüidade brasileira: “uma ambigüidade que não deixa o mundo ser de modo maniqueísta dividido em
318
A triangulação Jorge Gama – Zito – Lindberg seria então uma forma de entender a
ambigüidade constitutiva da potica local. Expus nos capítulos anteriores, a partir das
trajetórias dos três políticos, as mudanças dos discursos, das bandeiras poticas, da
apresentação de si e dos projetos. Assinalei que a construção acerca do que seria o fazer
potico desses atores era dinâmica. A oscilação entre o sofrimento, a violência, os estigmas
e, na outra face (pois constitutiva do mesmo!) a pertença, a novidade, a mudança pode nos
indicar por que caminhos seguir. A própria assistência (o trabalho social) é ambígua. Pode
ser usada num contexto acusatório, mas pode igualmente demarcar uma relação de dádiva
com o morador-eleitor. O político benfeitor-violento é um outro exemplo. Ao mesmo
tempo em que transita entre os pólos do bom e mau (e em muitos casos, do bem e do mal),
incorpora-os
304
.
O mal foi aqui trazido enquanto experiência cotidiana e não exclusivamente pensado dentro
do mundo religioso. A remissão ao conjunto de símbolos que suscita ultrapassa
delimitações de campos específicos a partir das experiências e dos processos de re-
significação do mundo social. Assim como para Novaes (1997:102) as pessoas não se
aproximam do cenário potico abstratamente ou operando apenas com a razão e com a
idéia do ‘público’. Aproximam-se, sim, levando consigo a sua vida privada, sentimentos,
paixões, afinidades pessoais, crenças religiosas, concepções sobre o Bem e o Mal.”; tentei
demonstrar também como esta interpenetração pode ser “provocada”.
‘bons’ e ‘maus’, e que também significa ambivalência dos seres, dos comportamentos, dos valores[…] Mas a
mistura entre homem e natureza, entre o mal e o bem, pode ter também o seu sentido negativo. Pois a própria
ambigüidade é ambígua, virtualmente ambivalente[…] É então que esta junção (mistura) ambivalente produz,
ao mesmo tempo, perigo e fascínio. Ambigüidade potencial e funcional que responde à sua ambigüidade
estrutural”. Outros artigos que trabalham essa ambigüidade em diferentes contextos podemo encontrados
no mesmo livro.
304
Por exemplo, os meus “nativos” referem-se à Baixada sempre no singular, como já abordado no capítulo 1.
319
Desse modo, a “guerra santa” empreendida na Baixada e no estado do Rio de Janeiro
durante as eleições de 2004 explicitaram os usos dessas concepções (Bem e Mal), mas
também evidenciaram que, no jogo potico, os pertencimentos e filiações estão sempre em
movimentos, desmanchando-se e recompondo-se. Em Duque de Caxias venceu o discurso
que conciliou religião, potica e trabalho social; em Nova Iguaçu, o mesmo discurso
perdeu. No entanto, a explicação não é tão simples. Vimos, nos capítulos anteriores, como a
potica traz consigo a ambiidade e a incerteza, a partir da própria avaliação acerca dos
projetos políticos bem-sucedidos e fracassados dos atores em questão. Resta-nos agora
tecer algumas considerações a respeito da construção, des-construção e re-construção
desses projetos assim como das próprias imagens (e configurações) de Baixada.
320
CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONSTRUINDO (E DES/ RE-CONTRUINDO) REIS,
ÍDOLOS E BACHARÉIS
Nos capítulos precedentes tentei apresentar algumas visões acerca da Baixada Fluminense,
dialogando com trabalhos mais recentes que enfocavam o “lugar” de maneira mais o menos
sistemática para mapear algumas práticas e discursos sobre a potica a partir da análise das
trajetórias de três poticos profissionais. Retomarei agora algumas questões tratadas ao
longo desta tese.
Sendo assim, a primeira questão em que esta tese se debruçou foi como pensar a Baixada
Fluminense frente às múltiplas possibilidades que comporta e aos distintos processos de
identificação a ela vinculados. Utilizar-se do plural — marcando sua heterogeneidade
seria a melhor solução? Mas por que, então, as pessoas/ moradores permanecem referindo-
se à Baixada
, no singular? Por que ainda faz sentido enunciar sua suposta condição (ou
possibilidade) de unidade?
“A Baixada não existe. É uma ilusão” (Freire, op.cit., p.95). A afirmação que foi feita pela
bibliotecária da Fundação CIDE à Freire (idem)
305
— motivada pela escassez de dados
oficiais sobre a região — me fez pensar como algo poderia não ter “existência” e mesmo
assim marcar tantas experiências...
Inseridos neste debate e com a preocupação de não forjar uma ordem (no sentido de
ordenação criada pelo pesquisador) ao escolher um recorte frente à sua multiplicidade e não
305
Na página 96, Freire declara não ter dúvidas quanto à existência da Baixada, justificando o uso das aspas
como remissão às falas nativas, transcrição de palavras alheias. Para a autora, a Baixada “é uma região, ela é
também um recorte mental, um quadro cognitivo que se elabora através de um trabalho intenso de
significação problemática, e que possibilita precisamente um movimento de um [eu] para um [nós], de uma
asceno de problemas singulares para problemas gerais e públicos, em determinadas situações”. Em outra
passagem do texto (p.106), a autora insere a discussão sobre a problematização pública do que seria a
Baixada, ressaltando a construção de um “nós”, um coletivo referenciado ao lugar. É neste ponto que a
definição da autora caminhará na direção que esta tese pretende seguir.
321
apenas ao que tem de comum, o desdobramento dessas primeiras indagações fez-nos
questionar sobre o que teria mais rendimento para o trabalho: a categoria que se relaciona
com o estigma? As imagens positivas? Os discursos dos moradores? Os discursos sobre os
moradores? A “fala” institucional (do estado, da prefeitura, das secretarias)? O que nos
dizem os movimentos sociais?
Nosso esforço deu-se no sentido de pensar a Baixada Fluminense a partir da “significação
afetiva” presente nos discursos diversos de seus atores sociais sobre o “lugar” e seus
moradores. Grosso modo, retomando a própria dimensão de comunicação e de
intersubjetividade do espaço, apontamos para a ambivalência dos sentimentos de pertença e
de imputação de um pertencimento (da identidade de “morador da Baixada” dita pelos “de
fora”, por exemplo) que simultaneamente funde e rejeita; que estabelece um delicado
equilíbrio entre os fluxos: o movimento e a (des/ re)territorialização do (seu) mundo
306
.
Esse aspecto duplo (e ambivalente) evidencia-se igualmente nas metáforas da ponte e da
porta utilizadas por Simmel para falar da cidade e do urbano, de forma mais ampla
307
. Uma
ordem simbólica que expressa, de formas variadas, a abertura e o fechamento, a ligação e a
ruptura. Não me parece factível falarmos numa “identidade baixadense” stricto sensu, e sim
em processos de identificação que remeterão à criação — assim como à dissolução e
recriação — de espaços de significação. Pensar apenas nos limites territoriais dos
municípios ou na configuração das próprias fronteiras da Baixada significaria reificar algo
estático, o não-movimento, negando a fluência como constitutiva dos processos de
identificação locais. A “frouxidão” desses limites, do trânsito constante desses moradores
306
Deleuze (1992).
307
Simmel (1983).
322
reinventa este “espaço”. Sendo assim, a Baixada apresenta-se como coleção de lugares
308
,
conforme nos sugeriu Enne (op. cit., p.37), o que implica um sensível partilhado, uma
experiência comum que em maior ou menor escala marcou a ocupação, o crescimento e as
imagens da região (para dentro e para fora), corroborando por fim um ethos local, assim
como marca relações e representações nos contatos mistos sobre quem são esses
moradores, quais seriam suas características etc
309
.
Detendo-me mais especificamente na definição de Asa Briggs (1985) — e, desse modo,
corroborando grande parte das conclues de Enne (op.cit.) — a Baixada constituiria um
lugar na medida em que permitiria uma vivência comum, compartilhada assim como suas
ambigüidades e ambivalências.
Verbal as well as visual accounts are usually far more
relevant than architect’s photographs or planners’
models, wich not only leave out but often misrepresent.
[...] The sense of place, indeed, as expressed in words and
pictures encompasses feelings that particular places are
nasty as well as beautiful, hateful as well as lovable.”
(idem, pp. 95).
Reforçando tal vivência com imenso potencial transformador — e não restrito aos
moradores da Baixada — enquanto uma experiência sobre o espaço e a partir deste, o
trânsito é apreendido como uma constante nas vidas dessas pessoas. Por outro lado, se o
“morador” é uma auto-denominação, também é uma classificação externa a partir de
referenciais outras que não exclusivamente as tomadas por quem é “de dentro”.
308
“I regard places, as Susanne Langer does in her Feeling and form, as ‘creative things’, ‘ethnic domains
made visible, tangible, sensible’. In this connection, a ship, constantly changing its locations, is nonetheless a
self-contained place, and a gipsy camp is far different from an Indian camp, although geographically it may
be where Indian camp used to be. Given this approach, it is essential to reiterate that cities are collections of
place as well as places in themselves. While there has been only one Paris, one Rome, one New York, one
London – t go back to the great quartet identified by Pritchett – each of these cities in itself has been a
collection of distinct places, each with its own ecology and history, sometimes with its own sub-culture.”
(Briggs, 1985:90).
309
Utilizo ethos no sentido empregado por Geertz (1989).
323
A idéia de trabalhar com as diversas imagens sobre Baixada não delimita uma dicotomina
fixa entre os “de dentro” e os “de fora” mas, ao colocá-los em cena, traz à tona como essas
relações se constituem e comem as próprias representações sobre o “lugar” em um fluxo
de imagens e discursos que tem como enunciadores os mais diferentes atores sociais:
moradores da Baixada, moradores do Rio de Janeiro, poticos, lideranças de movimentos
sociais, jovens ligados ao hip hop, músicos, historiadores locais, evangélicos, católicos,
umbandistas, meios de comunicação, técnicos, projetos urbanísticos. Essa lista poderia se
alongar indefinidamente.
O caso de Paracambi seria paradigmático no que diz respeito à demarcação de suas
(possíveis) fronteiras. Numa delimitação mais ampla da Baixada (essencialmente ligada a
discursos e projetos políticos) a cidade é incluída, estando, no entanto, ausente de um
mero significativo de referências sobre a região. Costuma-se afirmar como nos
trabalhos de Monteiro (op. cit.) e de Enne (op. cit.), por exemplo — que as características
de Paracambi (assim como Magé e Guapimirim) estariam mais próximas daquelas
verificadas em cidades da zona rural ou do interior do estado do Rio de Janeiro. No entanto,
a despeito de peculiaridades no processo de ocupação local, o processo de urbanização da
cidade esteve vinculado à atividade industrial — fundamentalmente de duas indústrias: uma
têxtil e a outra siderúrgica — conformando, de alguma maneira, contornos de uma cidade
operária que ainda hoje guarda em sua memória marcas desse passado
310
.
310
Um dos lugares de memória da cidade é, por exemplo, o prédio no qual funcionava a indústria têxtil Brasil
Industrial — que, anos após seu fechamento, foi transformado em universidade (durante o primeiro mandato
do prefeito André Ceciliano - PT). Sobre a hisria da indústria têxtil em Paracambi ver Keller (1997).
324
A condição de cidade-dormitório
311
, anteriormente mencionada, também é uma
característica comum a outros municípios da região, implicada no trânsito constante de seus
moradores para trabalhar, estudar, ou ainda divertir-se. No entanto, no tocante aos de
processos de identificação, os moradores de Paracambi preocupam-se, em parte, em
desvincular-se da pecha de ser da Baixada” — identidade não substitda necessariamente
por outra local, como a de paracambiense, por exemplo. Sendo assim, na tentativa (ainda
que suavizada nos discursos atuais) de negar uma provável relação ou aproximação com a
Baixada, as falas nativas remetem, em geral, aos seguintes aspectos: “aqui, o tem
violência, diferente de...”, “aqui, a gente dorme de porta aberta”, “aqui, todo mundo se
conhece”. Apesar da pertinência de tais afirmações, não podemos desprezar a presença de
policiais-matadores na localidade, os trens que buscam meninos e meninas para levá-los
aos bailes funk ou aos cinemas em outras cidades da Baixada ou no Rio de Janeiro, ou ainda
que os filhos das camadas médias locais estudam em Nova Iguaçu, por exemplo, ou na
capital carioca ou, ainda, nas universidades particulares espalhadas pela região
312
e, por
último, que a Posse, para alguns e o Fátima, para outros, são os hospitais geralmente
311
Tal característica (ser um “lugar” formado por cidades-dormitórios) foi apontada por alguns dos
interlocutores de Freire (2005) como uma das causas, senão a principal, para a falta de conscientização
política (de atuação política e de projeto compartilhado) e da cautela em se falar numa “identidade de
Baixada”. “Aqui é por excelência um local dormitório. Acho que isso inclusive é o que dificulta a percepção
mais consciente da identidade da Baixada Fluminense.” (idem, p. 112). Mais à frente, no mesmo trabalho, a
autora retoma a questão e demonstra, por intermédio de dados do Instituto Pereira Passos e do IBGE, que os
dados sobre as razões dos moradores da Baixada para seus deslocamentos não seriam precisos para tal análise
visto que analisam a proporção de pessoas que estudam ou trabalham nos municípios em relação as que
estudam ou trabalham no estado do Rio de Janeiro. Diante desse fato, Freire (p.131) monta sua própria tabela
na qual também evidencia o intenso fluxo de pessoas, agora suavizado pelo incremento no funcionalismo
público da região, devido às emancipações levadas a cabo a partir da década de 1990. O termo “cidade-
dormitório passaria então a ser utilizado, a partir de um certo momento, como categoria acusatória, já que na
própria gramática política dos interlocutores da autora — e também dos meus — ele já estaria em desuso.
312
Dentre as principais universidades presentes na Baixada Fluminense, temos: UNIG (Nova Iguaçu e São
João de Meriti), Estácio de Sá (Nova Iguaçu e Queimados), UniAbeu (Belford Roxo), UniGranrio e FEUDUC
(Duque de Caxias).
325
freqüentados pelos paracambienses etc
313
. Caso contrário, estaríamos subestimando o
sentido do trânsito na vida dessas pessoas. E ele está presente em suas próprias narrativas
— como lamúria e / ou como projeto (no primeiro caso, do trabalhador que lamenta a
rotina diária da “viagem” e do cansaço; no segundo, na “vontade de sair”, de “mudar”, de
“descer”
314
)
315
. Recorrentes são também essas imagens de “cidade de interior” ou do “lado
bom” dispersas por outras tantas falas de moradores de diferentes cidades da Baixada,
como ilustram alguns de meus interlocutores e demais moradores entrevistados :
Aqui, as pessoas são mais próximas. Mais carinhosas’,
são frases que podem ser ouvidas com freqüência”
(Costa, op. cit., p.46).
Eu saio pra trabalhar em paz porque eu deixo as crianças
com minha [filha] mais velha [13 anos] e sei que Dona
Minda [a vizinha] sempre dá uma olhada pra ver se tá
tudo bem com os menino[s][...] Volto só mais de noitinha
porque tenho que pegar o trem das seis [da noite]” (M.,
39, empregada doméstica, moradora de Austin).
O que pretendo ressaltar é que mesmo sendo a negação, a tônica de alguns discursos, a
sensação de pertencimento ao lugar é parte constitutiva da auto-imagem desses moradores
que, nos últimos anos — talvez até mesmo por conta da mudança do estatuto do lugar nas
mídias (impressa e televisiva) — vêm alterando e reinventando seus processos de
identificação com relação à Baixada.
313
É importante destacar que, apesar de não dispor aqui de dados sobre violência na cidade, a sensação de
insegurança tem sido uma constante nos discursos dos moradores que costumam alegar que “a cidade
mudou”. Notícias ou boatos sobre mortes violentas (assassinatos, estupros etc.) e sobre tráfico de drogas têm
preocupado os moradores e demarcado de forma mais explícita segregações socioespaciais antes mais ou
menos matizadas nas falas locais (com relação aos bairros de Lajes e do Guarajuba, por exemplo, que durante
as eleições de 2004 protagonizaram a exacerbação de antagonismos e preconceitos locais na polarização de
candidatos ligados, de um lado, ao que se chama Paracambi (bairros centrais) e, de outro, a Lajes).
314
Os moradores de Paracambi costumam referir-se às idas ao Rio de Janeiro como “descer”. “Eu desço todo
dia pra cidade. Pego o Normandy [nome da empresa de ônibus que opera a linha Vassouras-Rio] às 6 horas e
chego aqui lá pelas 9, às vezes, 10 da noite” (Relato de um morador da cidade que trabalha em um grande
banco privado no Centro do Rio de Janeiro).
315
Para pensar a importância do conceito de projeto, consultar Velho (1994).
326
“Paracambi [es]tá na Baixada, mas aqui é bem diferente.
Aqui não tem a violência da Baixada. A gente sabe o que
acontece com todo mundo; isso às vezes até irrita a gente,
mas dá calma porque a gente sabe em quem pode confiar,
? Sabe que [es]tá todo mundo de olho, mesmo (C., 34
anos, separada, técnica em enfermagem, moradora do
bairro Fábrica, em Paracambi).
Eu gosto muito daqui. Aqui, é o fim da linha do trem.
Antes, tinha direto pro Rio, mas foi coisa da política;
durou só pra mostrar e ganhar votos [referindo-se ao
deputado estadual Délio Leal] e depois parou. O trem é
bom, mas às vezes é ruim porque qualquer um pode parar
aqui; é fácil pra chegar. Agora tem que parar em Japeri.
Ficou pior porque a gente tem que esperar o trem pra cá e
demora. Se você perde, fica um tempão esperando o
outro. Mas também, agora, tem ônibus da Normandy, né?
Mas eu prefiro o trem. Eu levava os filho[s] de trem pra
Nova Iguaçu pra ir no cinema. Domingo era calmo. Aqui
não tinha [cinema], teve um tempo, depois voltou, agora
acabou de novo (P., 61 anos, funcionário aposentado da
Brasil Industrial).
“Hoje em dia, a Baixada é um lugar melhor. Paracambi,
mesmo, agora tem faculdade, vai ter colégio técnico, tem
escola de música pros meninos. Essas coisas, né? Mas a
cidade tá falida desde que a fábrica fechou, faliu;
ninguém tem dinheiro. Você não vê essa vergonha de
férias coletivas e reduzir salário do pessoal da Maria
Cândida [outra empresa local]” (J., professora primária
aposentada, moradora do bairro Cascata).
As categorias contraditórias utilizadas nos processos de identificação na Baixada não são
exclusividade dos municípios de Paracambi, Seropédica, Itaguaí, Magé e Guapimirim
316
.
As imagens sobre o “lugar” nos remetem, por um lado, à violência, à pobreza, à
criminalidade, ao abandono e, por outro lado, ao “todo mundo se conhece”, “aqui as
pessoas são mais solidárias”, ou ainda, “celeiro cultural” (Costa, op. cit, p.42). A oscilação
316
Um exemplo bastante ilustrativo dessa ambigüidade refere-se ao fato de que os moradores de Paracambi
sentiram-se lesados quando a emiso do canal da Rede Globo de Televio foi alterado, pois a recepção
passou a ser realizada pela região Sul Fluminense, alterando a programação de telejornais. Segundo laguns
moradores, as notícias não abordavam “a realidade da gente”. Nessa época, há cerca de quatro anos atrás, as
relcamações eram constantes e, alguns preferiram adquirir TVs por assinatura para assistirem a programação
da Globo para o Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense.
327
entre um pólo e outro expressa o lugar de onde se fala, ou seja, a territorialização operada
no momento da enunciação do vínculo de pertencimento. A característica, mais ou menos
fluida, escorregadia, da assunção deste vínculo é, nesse sentido, marca do próprio trânsito
dos indivíduos pelos diferentes grupos sociais e “mundos” aos quais pertencem. Ou seja, a
inserção no lugar é assumida, ao mesmo tempo em que se procura desvincular de
associações recorrentes na imprensa, nas falas de moradores de outras regiões — os
cariocas, por exemplo — entre outros.
Ao pensarmos a Baixada a partir da idéia do trânsito e da fluidez de classificações, lhe
conferimos um morar no sentido e explicitamos o repertório cultural e o campo de
possibilidades de que dispõem os atores sociais para nomeá-la como melhor lhes aprouver
(Velho, 1994).
Nesta tese especificamente, a categoria Baixada Fluminense foi tomada para compreender
em que medida os discursos e práticas que a informam e formam estão invariavelmente
ligados à política. Enfatizando o aspecto profissional da potica a partir de atores eleitos
por sufrágio universal, recaímos na dimensão de poder imbricada nessas relações. O poder
pode ser entendido, segundo Weber (1999:175), “genericamente, [como] a probabilidade de
uma pessoa ou várias impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a oposição
de outros participantes desta.”. Desse modo, a noção de dominação está implicada na
definição de poder já que aquela é uma modalidade desta. Na tentativa de descrever as
formas de dominação e do exercício do poder no lugar Baixada, recorremos aos projetos,
individuais e coletivos, procurando apreender os sentidos das práticas poticas ao longo
dos anos, justificando em parte a escolha por trajetórias que demarcam “tempos” (que não
são estanques, mas que podem coexistir) para essas práticas, assim como as referências
simbólicas das formas de agir.
328
Os projetos poticos apresentados demonstraram a tentativa de que a Baixada, enquanto
um “lugar de potica”, também fosse ampliada para além das fronteiras da potica
institucional e compreendida na medida em que dá sentido à ação social dos moradores (via
rede de resolução de problemas práticos, por exemplo). As alternativas criadas por eles
manifestaram uma leitura a partir da “política dos outros” (Caldeira, 1984) e a possibilidade
de reconhecer-se enquanto ser político. Mas na busca pela reinvenção de uma cidadania, os
mundos se encontram e, inevitavelmente, se interpenetram. De um lado o mundo do
morador da Baixada e, de outro, o mundo da política que em muitos momentos é visto
como parte constitutiva de “ser da Baixada” (novamente a rede de resolução de problemas
práticos assim como as arenas públicas construídas pelos movimentos sociais) e, em
outros, como a imposição de projetos de redes políticas que subordinam os interesses locais
a interesses de grupos específicos ou mesmo individuais.
Os políticos, como os moradores da Baixada de forma geral, também estão em trânsito.
Talvez sua própria condição resulte numa maior visibilidade deste deslocamento que, em
alguns casos, acaba por configurar uma acusação (“ele nem mora aqui, na Baixada”
317
) e,
em outros, um valor (“ele veio de fora, mas sabe do que a gente precisa. É um rapaz
viajado, experimentado, de conhecimento
318
).
Os projetos políticos individuais (que em alguns momentos aglutinam interesses e
constituem projetos coletivos), ao demandarem uma busca constante por aliados e eleitores
— e apesar de tradicionalmente procurarem montarbases eleitorais” com dimensões
territoriais mais definidas —o imprescindíveis para compreendermos o fluxo connuo a
317
Acusação corriqueira de alguns moradores da Baixada a políticos locais. Tais acusações são corroboradas
pelos adversários e por jornais que noticiam o fato de alguns candidatos terem casas /apartamentos fora da
região.
318
Relato de um morador de Nova Iguaçu, justificando seu apoio ao candidato do PT, Lindberg Farias, nas
eleições municipais de 2004.
329
que estão submetidos. Desse modo, se tal fluxo remete a espaços (bairros, regiões mais
amplas como Zona Sul, por exemplo), o mesmo pode ser dito com relação aos bens
simbólicos, aos vínculos de reciprocidade, ao trânsito institucional, à mediação política e
cultural que alguns atores desempenham ao longo desse processo (Kuschnir, 1993 e 2000).
Neste caso em particular, a ausência reiterada do Estado e a transferência/ delegação de
algumas de suas funções a indivíduos e grupos possibilitaram que a personalização fosse a
nica da potica na Baixada. Sendo assim, para além dos partidos e siglas o que parece
predominar no “fazer político” da região são as alianças, mais ou menos duradouras, entre
interesses individuais e de grupos que culminam na formação de redes poticas,
ultrapassando os limites locais. Foi este o caso de Tenório Cavalcanti, de Fábio Raunheitti
e, mais recentemente, de Bornier — além de ser o projeto diversas vezes anunciado de Zito.
Nesta tese, os três porta-vozes autorizados e investidos foram escolhidos para que
pudéssemos refletir sobre as possibilidades da adesão (a) ou imposição de projetos
específicos. Cada qual em um momento singular na sua carreira potica. Interessa-nos
agora voltar à constituição da “autoridade” desse atores. Com este propósito, lidamos a
todo tempo com as imagens, a publicidade e a opinião pública acerca dos atores poticos
tratados. No entanto, não se pretendeu em momento algum fazer uma análise da
propaganda stricto sensu. Tentamos minimizar a iia da dominação pela persuasão e
manipulação, para compreender os usos e sentidos das imagens empregadas sobre e pelos
poticos durante suas trajetórias enquanto parte constitutiva de si. Desse modo, a
propaganda política
319
de ser abordada, através do momento da eleição de 2004, tendo
319
É interessante perceber que, apesar de Burke (1994, p.16) apreender a propaganda moderna também como
produto das técnicas de persuasão que remontam ao século XVIII, seu olhar é diferente do dos autores que
buscam explicar o marketing político essencialmente por essa possibilidade e pela manipulação, voltando o
olhar para a idéia da conversão (no sentido criso).
330
em vista sua dimensão de “venda da imagem”, mas também vinculada ao caráter de
reinvenção constante do político, como o seu “modo de ser político”. O político é um ser
público por excelência. Portanto, ao refletir sobre as imagens (individuais e públicas)
desses atores podemos decifrar em que medida é possível “a fabricação de um grande
homem” descobrindo o que as imagens dizem, para quem, por que meios e com que
intenções (cf. Burke, 1994).
A construção das personas de Jorge Gama, Zito e Lindberg Farias buscou torná-los, em
escala diferente, “homens excepcionais, ou melhor, visaram os projetos para se tornarem
grandes homens”. No processo de fabricação de suas imagens, retomaremos alguns
episódios e as iias de cena e palco poticos.
A idéia da dramaticidade e teatralidade das relações sociais pode ser bastante útil para uma
análise sobre o mundo das práticas poticas e, fundamentalmente, da construção de
personas públicas.
Do estudante cara-pintada que tinha a caldeirada de frutos do mar como o seu prato favorito
e nenhuma intenção de entrar na potica em 1992
320
; ao cabo-eleitoral do PT na Baixada,
pai de família que agora prefere arroz, feijão, bife e salada
321
. Quem é esse Lindberg que se
apresentou como a nova opção, como o herói que resgataria Nova Iguaçu das garras de uma
elite potica descompromissada com “o povo”?
Como já foi demonstrado, Lindberg esteve próximo do mundo da potica desde muito
jovem, quer pela influência de seu pai, quer pela sua inserção no movimento estudantil. Seu
carisma pessoal foi colocado à prova desde suas primeiras iniciativas poticas e
demonstrado com distinção durante a eleição municipal em Nova Iguaçu. Um jovem,
320
Jornal do Brasil, 13/09/1992.
321
O Dia, 10/10/2004.
331
bonito e eloqüente que prometia trazer o novo, transformar a cidade. Lindberg era o
outsider que traz um pouco do mundo e que ao mesmo tempo seria capaz de colocar a
Baixada no mapa potico nacional. Seria aquele que transformaria a Baixada no cenário
possível da saga de um herói que não precisa mais de uma identidade una, mas que opera
com a multiplicidade dos processos de identificão, com a fragmentação e complexidade
de um mundo cujas fronteiras estão em expansão.
Apoiado em um “discurso de esquerda” durante toda a sua trajetória, agregou às suas
características (já que o carisma é pessoal, lhe é próprio ao mesmo tempo em que é
atribuído e reconhecido) a explicitação de uma ideologia potico-partidária que, no entanto,
foi se alterando (PCdoB, PSTU, PT), mas nunca se desligou de uma postura “de esquerda”
(por mais que em alguns momentos tal postura fosse questionada, como demonstrado no
capítulo 4). Criticou duramente a “oligarquia local” e a política dos coronéis” procurando
mesclar a associação de seu nome a projetos “novos” como o tema da ecologia, da
qualidade de vida, aos problemas tocados comumente sobre educação, saúde etc. Com
afirmões como: “Temos um patrimônio histórico tremendo. Mas o maior problema em
Nova Iguu é o saneamento. 51% do munipio é um valão au aberto. Não existe
nenhuma estação de tratamento
322
, Lindberg Farias garantia a legitimidade, já que
reconhecia os “problemas reais” enfrentados pelos moradores da cidade, assim como falava
de uma “outra” Baixada, ligada à cultura, à história, à música.
Criando um sistema de visibilidade através de atos constantemente noticiados pela
imprensa e de um investimento maciço em sua assessoria de comunicação, Lindberg
aproveitou todas as oportunidades e promoveu algumas. Explorou o apoio recebido da
322
Jornal do Brasil, 15/05/2005.
332
executiva nacional do PT e as visitas de ministros, poticos de destaque e artistas
323
. As
polêmicas foram outra fonte de visibilidade. E se multiplicaram durante todo o período
eleitoral e mesmo no início de seu governo. A transição do governo Mario Marques para a
administração petista deu o que falar. Acusações recíprocas e sindicâncias. A “importação
de pessoal técnico da equipe da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy só fez aumentar as
rivalidades. Durante os primeiros meses de seu mandato o fechamento da pedreira em Nova
Iguaçu foi acompanhado pela imprensa local e pelos jornais cariocas O Globo, JB, Extra e
O Dia. A ecologia, que já havia sido um dos motes da campanha, ganhava força com o
parque do Tinguá. O assassinato de um ambientalista novamente colocava a cidade e o
prefeito sob os holofotes. Lindberg acompanhou o enterro em um bairro do surbio
carioca e prometeu esclarecer o crime
324
.
A cidade e Lindberg figuravam freqüentemente em matérias de jornais durante o primeiro
mês de 2005. Nesse período as notícias tratavam da transição potica e dos problemas
enfrentados pelos novos administradores dos municípios da Baixada, com ênfase para Nova
Iguaçu e Duque de Caxias. Passada essa etapa, houve uma diminuição do número de
323
Quando me refiro aos artistas, não menciono apenas os cantores que estiveram nos showmícios, mas ao
apoio em alguns casos mais em outros menos explícitos e declarados. Ziraldo, escritor e cartunista, por
exemplo, foi um dos “entrevistadores-comentadores” de uma entrevista do JB com Lindberg intitulada
Levantando a auto-estima da Baixada. Nessa entrevista (com tom de bate-papo), a participação de Ziraldo,
assim como os seus comentários, já garantiam um estatuto diferenciado à Baixada e ao prefeito de Nova
Iguaçu. Em uma de suas intervenções, após uma fala do prefeito petista sobre a pedreira, Ziraldo diz: “Que
vai virar agora um centro cultural, com orquestra sinfônica tocando, no centro da cidade, que nem Jaime
Lerner fez em Curitiba! Vai ser o mais belo anfiteatro do mundo! Tem uma reverberação fantástica! (percebe
seu excesso de elogios e pergunta) Você não quer me contratar como assessor de imprensa? (risos) É que eu
me entusiasmos com essas coisas! Imagina se alguém me desse, eu com 34 anos, uma cidade pra eu governar?
Eu ia enlouquecer! (JB, 15/05/2005, pp. B6)
324
Palmeira e Heredia (1997) já chamavam a atenção aos lugares públicos privados. Os enterros seriam assim
momentos importantes de demonstração de generosidade durante o período eleitoral. No caso de Lindberg,
tal período já havia passado, no entanto, como os limites do tempo da política são difíceis de determinar, o
prefeito petista, sendo um outsider, aproveitou tal situação para estreitar laços, assim como criar novos que
pudessem ser traduzidos em apoio e visibilidade políticos. É interessante ressaltar que eu estava em Nova
Iguaçu no dia desse enterro e conversava com uma pessoa próxima a Lindberg quando este telefonou
indignado, pois não havia sido entrevistado ainda e solicitou a esta pessoa que tentasse “conseguir uma
matéria.
333
matérias, mas o prefeito petista jamais saiu de cena. Ainda naquele primeiro semestre, em
31 de março, outro episódio levaria Nova Iguaçu e a Baixada para a dia nacional: a
chacina de 29 pessoas em um só dia nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados. No
início da noite daquela quinta-feira, em um intervalo de duas horas, essas pessoas foram
assassinadas em frente às suas casas; algumas em bares e outras voltando do trabalho. Entre
elas, também havia crianças
325
.
Apartada da imprensa como matéria principal desde fins dos anos de 1990, a associação
entre Baixada e violência era então retomada a partir desse drama, somada à atuação de
policiais-matadores
326
. Conforme já demonstrado, os grupos de extermínio parecem ter uma
relação bastante estreita com o poder público, a política local e os comerciantes, permeando
também o aparelho judiciário, refletindo por muitos anos na estrutura de poder dos
municípios da Baixada Fluminense e não somente de Belford Roxo e Duque de Caxias
como privilegiamos em capítulos anteriores.
A temática dos extermínios voltava à cena, agora fora do ritmo cotidiano, alardeando a
situação de insegurança vivida pela populão local e a indiferença às suas vítimas. Essa
tragédia, no entanto, foi ressignificada e a imagem do prefeito e de sua atuação nesse
caso” foram exaltadas. Sua participação junto às organizações civis, seu diálogo com o
325
Parentes das vítimas e organizações civis mobilizaram-se e fundaram um fórum de discussões, o Reage
Baixada, que exigiu dos governos estadual e municipal providências sobre a chacina.
326
De acordo com os dados da pesquisa coordenada por Silvia Ramos e Anabela Paiva pelo CESeC sobre
violência e segurança pública constantes no relatório Impunidade na Baixada Fluminense (2005), das 2.514
matérias analisadas nos jornais O Dia, O Globo e Jornal do Brasil; Folha de São Paulo, O Estado de São
Paulo e Agora São Paulo; O Estado de Minas,Diário da Tarde e Hoje em Dia, no período de maio a
setembro de 2004, 48,2% referem-se ao estado do Rio de Janeiro e apenas 66 (5,6%) referem-se a Baixada,
fundamentalmente relacionando-se a atos violentos e a sua repercussão, enquanto o . Dos jornais pesquisados,
O Dia é o que confere maior destaque à Baixada (60%), seguido de O Globo (22,7%) e Jornal do Brasil (com
duas matérias). Quanto aos temas, as ações policiais representam, segundo as autoras, 65,2% das notícias,
onde 30,5% referem-se a crimes cometidos pelos policiais. Os dados dessa pesquisa ilustram as afirmações de
Enne (op. cit.) sobre o decréscimo no número de matérias sobre violência na Baixada em relação ao Rio de
Janeiro, mas, por outro lado, chamam a atenção para o fato de que tais problemas apesar de terem saído da
mídia não deixaram de fazer parte do cotidiano dos moradores da Baixada, conforme pudemos notar com a
tragédia dessa chacina assim como afirma Alves (2003 e 2005).
334
rum Reage Baixada, sua proximidade com o governo Lula e com o Ministro da Justiça
Márcio Thomás Bastos garantiram a Lindberg operar uma conversão entre a “matança” e a
“mudança”: “Há uma rejeição aos negócios de gangsterismo ligados à potica e à polícia.
A chacina em Nova Iguaçu vai resultar numa série de mudanças. A Baixada inteira gritou:
‘Nós estamos aqui presentes’. É um momento de transição” (JB, 15/05/2005, B6).
Analisando as matérias utilizadas nesta tese,o nos preocupamos em definir de que lado a
imprensa (se é que podemos tratá-la no singular!) se colocou. Tentamos ponderar,
fundamentalmente a partir da imprensa escrita e da on line, como Lindberg Farias era
apresentado aos leitores desses jornais. Grosso modo, a despeito da pseudo imparcialidade
da notícia - cujas críticas Abreu (2002) levantou justamente sobre o caráter de bem
simbólico assim como ecomico, frente à competitividade entre jornalistas e os vários
tipos de mídia – Lindberg conseguiu notável visibilidade durante 2004, em matérias que o
colocaram comoo novo”,uma opção”, ressaltando qualidades pessoais (disposição,
beleza, carisma, determinação). Mas tamm recebeu algumas críticas, essencialmente
relacionadas a fatos de repercussão nacional como a demarcação das terras indígenas, a
votação do salário mínimo ou a reforma da Previdência.
Ainda na mesma linha de Abreu (op.cit.), os jornais diferiram pouco em relação ao
posicionamento sobre a candidatura petista, variando de uma apresentação do forasteiro à
saudação do novo e consagração do “ídolo”, corroborando a afirmação da autora de que “o
resultado é que a informação quotidiana divulgada pelos diferentes órgãos de imprensa está
se tornando cada vez mais igual.” (p. 36)
327
.
327
Segundo a autora (idem), a outra explicação baseia-se no fato de que, analisando as trajetórias de
profissionais de imprensa, percebeu-se a formação de uma “cultura jornalística compartilhada”, onde os
profissionais em cargos mais altos na hierarquia de jornais apresentam uma formação comum e são eles que
335
Entre as brigas internas, as denúncias de irregularidades deferidas ao antecessor, Lindberg
também teve papel de destaque como Presidente da Associação de Prefeitos da Baixada
Fluminense. Logo após a sua eleição e a escolha de seu nome como Presidente da
Associação, tentou, sem sucesso, marcar duas reuniões entre os prefeitos eleitos da Baixada
e o Presidente Lula. Após as duas tentativas frustradas, e diante das críticas de alguns de
seus pares, os prefeitos foram recebidos em Brasília e expuseram os problemas que
enfrentavam à frente de seus executivos municipais. Já em 2006, além de tornar-se o porta-
voz dos prefeitos devido ao canal, aparentemente sempre aberto com o governo federal,
Lindberg trabalhou pela instalação dolo petroquímico em Itaguaí, o que significaria
maior crescimento para a região e mais empregos. No entanto, a cidade de Itaboraí,
próxima à São Gonçalo, Niterói e à cidade do Rio de Janeiro, e que tem um prefeito do PT,
foi a escolhida. Perdeu o projeto de poticos da Baixada assim como o dos poticos ligados
a Garotinho que defendiam sua instalão em Campos. Entre suas iniciativas, Lindberg
promoveu também o Fórum Mundial de Educação em Nova Iguaçu, garantindo novamente
mais visibilidade nacional para si e para a Baixada e que lhe rendeu, como já mencionado,
matérias jornalísticas e um programa no Almanaque, na rede Globo News.
Quanto à promessa de “mudança” que permeou toda a sua campanha, não há como
apresentar conclusões acerca das possibilidades representadas pela escolha de seu nome nas
urnas em 2004. As alianças que construiu para a viabilidade de sua candidatura levantam
dúvidas. Até que ponto a sua eleição vai significar uma mudança na condução da potica
na região ou mesmo imprimir um novo estilo de fazer potica, a partir do discurso “de
esquerda”, é uma questão ainda sem resposta.
definem o que deve ou não ser noticiado. Há ainda a questão da concorrência e da influência do marketing na
formação da opinião pública.
336
Quanto a Zito, talvez a sua transformação” seja ainda mais surpreendente. No início da
vida pública, era um homem considerado rude, intimidador, que não sabia se expressar
adequadamente em público (avesso à oratória potica). Para algumas pessoas, um homem
que dava medo!”. O tipo físico auxiliava na construção dessas imagens. Alto, forte, com
os cabelos sem corte e bigode. A entrada no mundo da potica e os “encontros” propiciados
por sua inserção como vereador nesse mundo lhe renderam um controle (gradativamente
conseguido) sobre sua apresentação e o cuidado com sua imagem, que até então não parecia
figurar entre suas preocupações, afinal de contas seu ingresso na potica foi justamente sob
a construção muito próxima do líder marginal.
Zito emagreceu, cortou o cabelo, tirou o bigode e a barba estava sempre feita. O vestuário
também se adequou. Os ternos e as camisas sociais substituíram as de malha. Entretanto, na
fabricação de sua imagem a preocupação com a manutenção do vínculo de pertencimento
com os moradores de Caxias ficava explicitada na opção por um estilo, senão mais
simplório, casual. No dia a dia, a calça jeans, a camisa de malha (que agora era “de marca”)
e o tênis tornaram-se o uniforme do prefeito Zito.
Considerado um “Zé ninguém” no início de sua carreira potica, conseguiu aproximar-se
de Marcello Alencar a partir do mandato de deputado estadual (apesar de ter sido
apresentado a este quando ainda era vereador). Este, potico experiente e muito bem
articulado, viu em Zito um poderoso aliado na Baixada, já que em Duque de Caxias Zito
gozava de grande prestígio e tinha um estilo que poderia lhe render frutos poticos. Unindo
o atendimento (exercido segundo Zito apenas durante o primeiro mandato como vereador,
mas desmentido por sua filha a deputada Andréia Zito), aos acessos, à intimidação (de fato
337
ou imputada, mas que figura entre as imagens difundidas sobre sua persona
328
) e a sua
atuação como administrador, Zito conseguiu ampliar seu poder e prestígio poticos e ser
intitulado o “rei da Baixada”.
O troca-troca de siglas partidárias realizado por Zito também foi sua marca. Sua
“fabricação” não se apoiou em qualquer filiação e seu discurso político não estava
impregnado do discurso ideológico associado a partidos. A força da personalização"
329
na
potica pode ser analisada a partir desta trajeria e reflete, de alguma maneira, a
pertinência de se atentar para a problemática dos partidos poticos no Brasil. A
personalização da política, diferentemente do que alguns autores chegaram a pensar,o foi
suprimida ou relevada à segunda ordem em relação aos partidos poticos. A volatilidade
eleitoral no Brasil é elevada (Nicolau, 1998; Braga, 2003), sendo um indicativo do que
alguns autores consideram como instabilidade de nosso sistema partidário. Segundo Kinzo
(2005),
Não dúvida de que uma das causas tem a ver com as
transformações no ambiente eleitoral, as quais ocorreram
em todas as partes do mundo. Referimo-nos ao impacto
da era televisiva sobre a campanha eleitoral, o que
resultou numa competão centrada muito mais em
personalidades do que em partidos (Wattemberg, 1998 e
2000; Dalton, 2000). No caso brasileiro, além do fato de
o jogo partidário e a própria democracia serem
instituições jovens, a estrutura de incentivos sob as quais
os atores poticos competem por votos contribui, a nosso
ver, para dissipar as distiões entre os partidos, tornando
328
Por exemplo, seu adversário na eleição de 2004, Washington Reis (PMDB) declarou ao jornal O Dia de
01/11/2004 que temia pela violência durante a campanha e também após: “Tomar muito tiro. Tiro de verdade:
de metralhadora, nove milímetros. Ameaça por total conhecimento que, do lado de lá, o adversário é mal e
joga muito sujo. Nunca na vida pensei que um dia fosse preciso dormir de olhos abertos. [...] Agora começa a
pior missão: mexer na casa de marimbondos. [...] Graças a Deus não houve nenhuma vítima [durante a
campanha]”.
329
Os exemplos sobre a “personalização da política” são inúmeros tanto no caso brasileiro, quanto em relação
à política mundial. Só no século XX temos: Getúlio Vargas, João Goulart, Carlos Lacerda, ou ainda, J.
Kennedy, De Gaulle, entre outros). O trabalho já citado nesta tese de Burke (op.cit.) traz como exemplo
máximo o Rei de França, Luis XIV.
338
difícil a lealdade partidária. Mais especificamente, as
estratégias utilizadas por candidatos e partidos para
maximizar seus ganhos – em eleições para cargos
executivos e legislativos, sob os sistemas majoririo e
proporcional – criam uma situação que não apenas
estimula a personalização da competição, mas também
torna nebulosa a disputa propriamente partidária. Como
os partidos têm menos visibilidade do que os candidatos,
não conseguem fixar suas imagens junto ao eleitorado, o
que dificulta a criação de identidades e conexões com os
eleitores.
Se as escolhas dos eleitores são marcadas pela opção individualizante do candidato X ou Y
e pouca refencia se faz aos seus partidos, as propagandas eleitorais são conduzidas na
afirmação e reificação desse tipo de referência.
Vale lembrar que nos anos em que ocorreram eleições
nacionais – 1994, 1998 e 2002 –, quando se supõe que os
partidos sejam referências importantes para o eleitor, as
taxas de preferência decresceram ao invés de aumentar.
Isto é uma clara indicação de que as campanhas eleitorais
– tanto para os cargos executivos, como para os
legislativos – não se centram nos partidos como atores
distintos. Durante a campanha, os eleitores estão expostos
a uma disputa muito mais entre candidaturas individuais
(quando não entre as alianças partidárias), o que torna
improvável o desenvolvimento de laços fortes entre
partidos e eleitores.
A despeito das valiosas observações de Kinzo sobre o sistema partidário brasileiro e da
relação de identificação com o eleitorado, não podemos descartar que além de questões
estruturais como o baixo nível educacional da sociedade brasileira, a situação de trabalho e
a própria complexidade de nosso sistema partidário que disponibiliza poucas informações
(ou não prioriza sua circulação) sobre os partidos, em alguns contextos, a prática potica só
é um valor destituída (mesmo que relativamente e não de forma absoluta) de sua ideologia
partidária. Ou seja, essa prática é concebida como uma relação entre indivíduos ou grupos a
339
partir de problemas-resoluções, não implicando necessariamente na constituição de um
pensar” democrático stricto sensu onde, nos termos da autora,eleitores com um grau
maior de comprometimento com valores democráticos são mais predispostos a ter um
vínculo partidário”. Se na correlação traçada pela autora algumas hipóteses,
preferencialmente sobre o PT, são mais facilmente explicadas, não se tem a mesma situação
em relação ao PMDB ou ao PSDB, por exemplo, principalmente no tocante à variável
índice pró-democracia. Uma análise pautada exclusivamente sob a perspectiva partidária
não poderia dar conta dos casos apresentados nesta tese.
Em relação aos meios de comunicação, Zito passou de vereador com fama de matador e
estilo “trator” a Rei da Baixada e foi, depois das derrotas em 2004, destronado. Sua imagem
foi constantemente associada à violência, à corrupção e a desmandos poticos, exceção
feita às matérias coletadas no período de 1999 e 2000 que enfatizavam sua administração à
frente da prefeitura de Duque de Caxias e o prestígio e aprovação junto à população
caxiense. Sua vida pessoal também foi levada à cena, mesmo porque Zito chefiava um dos
principais clãs políticos da Baixada, colocando seus familiares em cargos importantes e
conseguindo assim capital político para negociar em qualquer matéria potica. Os conflitos
familiares transformaram-se em desgaste potico e o casal político mais famoso da Baixada
enfrentou um período delicado em 2002. Apesar da reconciliação, Zito e Narriman não
comungam mais dos mesmos ideais e cada um agora parece percorrer o seu próprio
caminho, ao menos no mundo da potica. Diferentemente, Andréia está com sua vida
pública vinculada a de seu pai e passará nas eleições de 2006 pela prova de fogo assim
como Zito.
A desconstrução do Rei (da Baixada) abriu espaço para enfocar outras características de
Zito. O seu “lado frágil”, do homem que, “igual a qualquer pessoa. Às vezes, [teve] tive
340
vontade de chorar e de ficar calado”, foi explorado por jornais como O Dia, por exemplo. A
tentativa de apontar tais aspectos desembocaria na decretação do declínio potico do ex-Rei
e na situação de atual fragilidade política, apontada como conseqüência de um projeto
potico auto-centrado que preteriu alianças e acordos. O deputado Alexandre Cardoso, com
uma relação antiga (de amor e ódio) com Zito, declarou ao jornal O Dia
330
que “ele [Zito]
mostrou fôlego ao dar 200 mil votos a seu candidato, mas tem pouca articulação política e,
complementando a reportagem, o deputado estadual Geraldo Moreira (PSB) afirmou que
“não dá para sobreviver tentando ser hegemônico sem proposta ideológica”. Diante da
derrota, aliados de Zito já anunciavam a possibilidade de debandar para o lado do prefeito
eleito, já que para o funcionamento da política de vereadores as alianças com o executivo
para a obtenção dos recursos e a manutenção dos cargos e acessos são decisivas. Com
declarações como as que se seguem, vemos descortinar diante de nós a transitoriedade dos
laços e acordos políticos. “Não tive a oportunidade de conversar com Zito. Mas votar pelos
lindos olhos do prefeito eleito, não vou. Tenho interesses na minha região”, afirmou o
pedetista, terceiro colocado em votos para a Câmara Municipal de Duque Caxias (com
7.511 votos), Chiquinho Grandão. Ou ainda Quinzé 100% Zito que, apesar da viculação
explicitada no próprio nome, disse não esperar a derrota de Zito e estar “tonto ainda com a
campanha, mas vou sentar com Zito para conversar”. Um dos aliados mais antigos também
voltou-se para a rede do novo prefeito. Dr Heleno, assim como Zito (conforme
demonstrado no capítulo 3), tenta suavizar a ruptura potica com o ex-aliado e amigo
dizendo que:
“Moro em Caxias há 57 anos e estou em meu segundo
mandato graças a Zito. Os anos de fidelidade foram
330
O Dia de 07/11/2004, matéria intitulada Rei em decadência. Eleição faz Zito perder domínio político
da Baixada.
341
maravilhosos e meu propósito era ajudá-lo a ser
governador. Eu não queria ser candidato a prefeito na
última eleição, mas muita gente me disse que, se eu
tivesse na disputa, as coisas seriam mais difíceis para o
Washington. Agora, seguindo um conselho do próprio
Zito, resolvi andar com as minhas pernas.” (Jornal Extra,
27/01/2005)
Zito, no entanto, demonstrou não estar morto politicamente. O convite de César Maia para
integrar a sua equipe foi um indicativo de sua importância mesmo diante das derrotas
sofridas. No entanto, a possibilidade de entrar no PFL foi desmentida com o retorno ao
PSDB e ao ninho de seu principal aliado, Marcello Alencar.
A mídia não o esqueceu e seu nome esteve estampado nos jornais mesmo após a sua saída
da prefeitura de Caxias. As acusações de Washington Reis em relação a obras
superfaturadas, aos acordos políticos ilegais ou à polêmica em torno do valor da
aposentadoria de Zito garantiram espaço na imprensa. Como também o conseguiu em
termos de exposição de seus novos projetos políticos. A afirmação, logo após a eleição de
seu adversário, de que deixaria a potica por algum tempo, não durou sequer um mês. 2005
foi o ano de re-construção e de busca por seu espaço. Na disputa, venceu o PSDB, partido
onde protagonizou episódios de amor e ódio, ameaças de chantagens etc. O rei pode ter
sido destronado, mas, ao que tudo indica, não foi morto.
Jorge Gama aparece como contraponto. Advogado, preocupado com suas roupas, palavras e
gestos, foi “treinado” por seu papel profissional ao condicionamento do corpo e a uma
apresentação se não compatível ao menos socialmente esperada a quem pleiteia um cargo
potico. Segundo o próprio Weber (1971), discorrendo sobre as duas formas de exercer a
potica (viver “para a potica” e “da potica”), o advogado aparece como o “tipo” mais
próximo do potico, graças às suas “qualificações”, enquanto o capitalista seria o “mais
342
disponível” e o homem de negócios assim como o médico e o operio estariam imersos em
suas atividades.
“Já motivados por pura técnica profissional, as
dificuldades mostram-se menores no caso do advogado, o
que explicita a circunstância de ele ter desempenhado,
como homem potico profissional, papel
incomparavelmente maior e, freqüentemente, de realce.”
(idem, p. 69, tradução livre)
Jorge Gama teve desde o início de sua trajetória a marca do “bacharel”. Nos trabalhos de
Gilberto Freire, principalmente sobre as transformações do patriarcado rural no Brasil do
culo XVIII até meados do século XIX, o papel dos bacharéis ganhou grande destaque. “A
ascensão dos bacharéis brancos se fez rapidamente no meio potico, em particular, como
no social, em geral.” (Freire, [1936] 2002, p.602). Os bacharéis representavam ai a
decadência do patriarcado rural e a ascensão de uma “aristocracia do sobrado”, do homem
formado para a vida política. O presgio do bacharel marcava então o triunfo de um outro
tipo potico: o homem da cidade
331
. Além do desencanto dos bacharéis formados em
Europa de volta à casa também houve espaço para outros bacharéis, os mulatos e
morenos”. A despeito das idéias de ajustamento social” de Freire (idem), a descrição do
surgimento de um tipo político específico é interessante para pensarmos o papel e o
presgio dosdoutores no imagirio social da política brasileira.
Assim, a ascensão social de Jorge Gama e a constituição de sua persona se deu
primeiramente pelo Direito, como “doutor” e, depois, pela potica. Apesar de ter estudado
em bons colégios (tanto públicos quanto particulares) e de seu pai ter sido um pequeno
comerciante, Jorge nunca foi rico e durante as entrevistas só se auto-classificou em termos
de classe social (“classe média”) após a concretização de seu vínculo profissional. Ser
331
Para uma análise mais completa e detalhada sobre as questões acima levantadas, ver Parte 2, capítulo XI:
Ascensão do Bacharel e do Mulato, do livro Sobrados e Mucambos.
343
advogado marcou a sua vida e, talvez, tenha sido um dos fatores decisivos para a sua
entrada no mundo da política.
A construção de sua imagem pública sempre esteve permeada por esse vínculo. Desde sua
atuação no início da carreira potica junto aos movimentos sociais que lutavam pela
moradia em Nova Iguaçu até os debates sobre o cerceamento de direitos durante a ditadura
militar, não apenas era identificado como sua apresentação enfatizava tais características.
Talvez por este motivo a mácula da acusação de “burlar a lei” através do envolvimento com
compra de votos e da ligação com o jogo do bicho não pôde ser convertida. Se no
concernente à imagem pública de Zito não havia uma incompatibilidade entre as acusações
de ligações com o “mundo do crime” e a sua atuação como ator potico legítimo, no caso
de Jorge Gama, cuja imagem foi desde o início “fabricada” a partir da referência a outro
repertório sociocultural, tal disjunção era necessária.
Somado a tais fatores, Jorge Gama não dispõe hoje de um sistema de visibilidade apesar de
escrever regularmente no Correio da Lavoura, que no entanto é um jornal de expressão
apenas local. As novas configurações da política parecem apontar para a necessidade de um
sistema de visibilidade mais amplo e mais flexível, que permita ao potico acompanhar as
nuances dos repertórios acionados por cada público, agora mais heterogêneo.
Conforme gosta de se auto-denominar, a Jorge Gama sempre coube mais o papel de
articulador”. Como articulador entenda-se o “profissional”. Jorge não tentou qualquer
mandato executivo, sua prerrogativa sempre foi o legislativo. Homem de partido, e de um
só partido. Podemos dizer que, independentemente dos sucessos e fracassos eleitorais,
manteve-se no mundo da potica como ator legítimo durante todos esses anos. Em alguns
momentos mais no ostracismo, e em outros impondo a sua presença. Porém, o mais
importante, sua trajetória descreve a possibilidade de coexistência de um outro tipo de
344
potico juntamente com o personalista, o político de bastidores, ou seja, aquele que
inserido no campo político conhece suas regras e saberes específicos, domina uma certa
linguagem, a sua burocracia, as “regras do jogo (cf. Bourdieu, 1989).
O período áureo de Jorge Gama foi da segunda metade da década de 1970 (primeiro
mandato como deputado federal) até meados da de 1980 (à frente do PMDB durante o
Movimento Diretas Já), no entanto, parece não ter sido possível a formão de um sistema
de visibilidade próprio para um ator político da Baixada apartado das iias dominantes que
associavam a Baixada Fluminense à violência/ criminalidade. Se no caso de Tenório
Cavalcanti, por exemplo, tal configuração foi possível, não se deve apenas ao fato de que
possuía um jornal de grande circulação local (Luta Democrática) – sem tirar-lhe o crédito
ou às “benfeitorias”, mas também porque o repertório acionado por ele corroborava as
imagens veiculadas sobre a Baixada e “seu povo”, exibindo para além das fronteiras locais
um potico exótico aos olhos da capital. Assim, a marginalidade da Baixada era reafirmada
através da trajetória do Homem da Capa Preta, ao contrário da Baixada que Jorge Gama
apresentava. Não desconsidero as ligações de Jorge Gama com poticos que se aproximam
dessas práticas, mas ressalto que sua imagem estaria remetida a uma Baixada “classe
média”, letrada, diferente da propagada pelos jornais através dos assassinatos, estupros e
linchamentos. Jorge enunciava uma Baixada “fora de seu tempo”, só “descoberta” (pelos
discursos autorizados) em meados da década de 1990.
As três trajetórias escolhidas permitiram-me descrever acontecimentos políticos, o dia a dia
de campanhas, e compartilhar os juízos de valor acionados sobre a potica, a Baixada e
seus atores. Também nos deparamos com as “fabricações” edesconstruções” operadas
pelos interlocutores desta pesquisa. Ponderamos sobre tais construções e percebemos que,
mesmo durante jantares descontraídos e em conversas informais onde algo poderia ser
345
revelado” a qualquer momento, ou nos momentos aparentemente mais espontâneos das
entrevistas, a apresentação de si (do eu” para Goffman) marcava uma “fachada”
332
. Não
no sentido de uma “representação falsa”, mas como encenação legítima, mais ou menos
planejada. Essa teatralidade é comum às interações sociais de outra ordem que não apenas a
potica. No entanto, o mundo da potica traz a formulação da encenação enquanto técnica
e seus atores são, em muitos casos, classificados de “falsos”. Em relação à composição das
fachadas, a “falsidade” do potico remete-nos à denúncia de sua “representação” enquanto
enunciação de uma performance não autorizada. Assim, em Plenário, falar alto, gesticular;
ou durante o tempo da política, responder vigorosamente a uma crítica ou “entrar numa
briga” (a partir de um combate sico ou moral) são atuações possíveis nesses cenários. Os
conflitos explícitos e que chegam as “vias de fato” fora do tempo da política, por exemplo,
seriam impensáveis ou, quando acontecem, censurados e desautorizados (Palmeira e
Heredia, 1997).
Também encontramos alegações como “mentiroso”, que são comumente utilizadas frente à
desconfiança que o mundo da potica suscita. Refere-se, na maioria das vezes, à idéia
difundida no senso comum, que constitui uma espécie de imagirio social sobre o político
profissional, de que “promessa de potico não vale nada”, ou de que “político é tudo
interesseiro” etc. De acordo com Palmeira e Heredia (1997), a potica opera uma
linguagem de divisão, suspendendo o cotidiano e instaurado um outro tempo cujos limites
são redefinidos e os conflitos colocados em cena.
332
Goffman (1975) faz a distinção entre aparência e maneira para tratar da fachada pessoal. Aparência diria
respeitoaqueles estímulos que funcionam no momento para nos revelar o status social do ator” e a maneira
os que “funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação que o ator espera desempenhar
na situação que se aproxima” (p.31). Aqui, no entanto, trabalharemos com a idéia mais geral, enquanto um
“equipamento expressivo, congregando as duas formas.
346
O medo da política e a rejeição dos políticos por parte
dos excluídos ou daqueles nela inseridos segundo eixos
outros que não o das disputas programáticas é patente.
[...] Essa funcionalidade da política não elimina o seu
lado ameaçador. A possibilidade de divisão, concentrada
num determinado peodo de tempo, é, por assim dizer,
potencializada. A potica ameaça, em primeiro lugar,
pelo fato mesmo de representar uma ruptura do
cotidiano.” (idem, pp. 161)
As “chaves de leitura” (Goffman, 1974) constituem a dimensão do enquadramento dos
repertórios utilizados pelos atores sociais em sua leitura do mundo
333
. Nesse sentido, a
compreensão do mundo é dada pelas interpretações que as pessoas fazem desse mundo, as
idéias e julgamentos que formam, e aí os meios de comunicaçãom papel de destaque,
mas não exclusivo, onde opinião pública - pensada, segundo Aldé (op. cit.), como
construída discursivamente na expressão, argumentação e defesa – seria mais um dos
quadros de referência para que os atores sociais construam suas explicações sobre seu
mundo
334
. Por outro lado, asdias fornecem elementos para a “formar da opinião”
(Champagne, op. cit.) e as explicações sobre a política e os poticos podem ser
enquadradas a partir da construção de crenças, valores e explicações para o “mundo ser
como é”
335
.
No cotidiano da potica, o clientelismo e coronelismo foram diversas vezes utilizados, ora
como fatores explicativos (no discurso acadêmico, assim como pelo senso comum) ora
como parte de um repertório de acusações ao adversário potico. Se como categoria
anatica seu uso foi aqui limitado frente à capacidade de aglutinar juízos de valor fora de
333
Para Goffman (op.cit., p.10) seriam “definições da situação construídas de acordo com princípios de
organização que governam os eventos – ao menos os eventos sociais – e nosso envolvimento subjetivo com
eles.
334
Sobre enquadramentos que predominam na grande imprensa, consultar Aldé (op. cit.) e Lattman-Weltman
(2003).
335
Sobre as especificidades de cada meio de comunicação e a relação com sua “credibilidade” e legitimidade,
consultar, Figueiredo (2000).
347
seu contexto original, enquanto classificação e vocábulo da gramática política local não
pode ser preterido.
A valorização do Executivo em detrimento do Legislativo no Brasil deve-se, em parte, à
inovação trazida pelos direitos sociais implantados durante os períodos de ditaduras no país
que acabou por gerar o que Carvalho (2001) chamou de “fascinação” pelo Executivo e que
teria origens mais longínquas na tradição ibérica. Se a centralidade desse poder foi buscada
historicamente pelo autor, podemos pensar em seus desdobramentos para a
personalização” da política, principalmente, a partir do incremento técnico dos meios de
comunicação de massa a favor das campanhas eleitorais. Na equação potica
contemporânea, a mídia de massa ganha espaço central.
Os meios de comunicação não foram objeto desta tese, no entanto, tiveram grande espaço
como uma fonte de informação assim como quadro de referência privilegiado e como um
dos “fabricantes” das imagens aqui trabalhadas: da(s) Baixada(s), dos atores poticos, da
potica em geral etc. A transformação que as mídias operam na política é marcada pela sua
espetacularização”, ou seja, em despertar a atenção do público em um desencadear de
acontecimentos (Courtine, 2003; Piovezani Filho, 2003). Os mologos longos foram aos
poucos substituídos pelas falas curtas, pela proliferação de imagens que compunham uma
narrativa, música, coreografias, instaurando-se um outro estilo de retórica
336
. A sensação de
intimidade, de proximidade forjada por essa nova forma de retórica, apoiada na tecnologia
e nas novas mídias, privilegia as conversas em detrimento do orador de tribuna (Abreu, op.
cit.). O político moderno é um ator social televisivo, multimídia, um comunicador. Das três
trajetórias analisadas, Lindberg é o que mais próximo está desse novo tipo, adaptando sua
336
Assim como o que Burke (op.cit., p.29) chamou de imagem viva, ou seja, o todo formado a partir de
imagens, palavras, ações, música ou eventos multimídias.
348
imagem aos contextos e repertórios culturais. Mesmo os outros dois não se apartaram de
tais transformações. Zito ainda utiliza bastante a “política de bairro, as reuniões nas
“comunidades” além de pautar suas campanhas em sua atuação na administração
municipal, mas utilizou a Revista Magazine como propagadora de seus projetos. Assim
como Jorge Gama, que teve no jornal Correio da Lavoura um espo privilegiado para
lançar suas idéias e críticas como também se fazer presente. No entanto, de fato, Lindberg
foi quem protagonizou as principais cenas nos embates poticos durante 2004 na Baixada
e, talvez, no Rio de Janeiro, deixando os demais como coadjuvantes.
Diversos autores trabalham o papel dos meios de comunicação e suas conseqüências
poticas nas ciências sociais em geral; desde estudos de recepção e audiência (Eco, op.cit.)
aos estudos que encaram os meios de comunicação de massa enquanto atores políticos
(Bourdieu, 1997) até os que redimensionam a democracia a partir da comunicação de massa
através do tipo ideal da democracia de público
337
(Manin, 1995) cuja relação entre política
e comunicação é re-considerada e o status do político vem se alterando, aproximando-se
cada vez mais da figura do comunicador onde o político passa a ter uma relação diferente
com o eleitor e seu voto já que a potica passaria da esfera da verificação para a da
credibilidade (Aldé, 2001).
337
Na democracia de público, “os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do rádio e
da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações partidárias” (Manin, 1995, p. 26). Apesar de
uma visão um tanto esquemática, o autor lança um modelo (tipo ideal) interessante para pensarmos a prática
política.
349
Nesse contexto, a televisão surge como um dos principais formadores da opinião pública e
da homogeneização da informação (Bourdieu, op. cit.; Abreu, op.cit.; Aldé, op. cit.;
Sargentini, 2003)
338
.
O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre os
outros campos. Em outras palavras, ele próprio cada vez
mais dominado pela gica comercial, impõe cada vez
mais suas limitações aos outros universos. Através da
pressão do índice de audiência, o peso da economia se
exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão
sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais,
mesmo sobre os mais ‘puros, e sobre os jornalistas, que
pouco a pouco deixam que problemas de televisão se
imponham a eles. E, da mesma maneira, através do peso
do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos
os campos da produção cultural.” (Bourdieu, op.cit., p.
81)
O enfrentamento entre pessoas (idem) privilegiado pelos meios de comunicação,
essencialmente a televisão, opera na potica uma virada na ordem dos problemas, da esfera
pública para o terreno do público-privado, enfatizando a vida pessoal do político, mexericos
e transformando-o em um entertainer.
A despeito de visões como a da esterilização do debate político (Sennet, 1988), da
irracionalidade do voto ou ainda da mídia como, de alguma forma, um algoz do
pensamento potico (Novaro, 1995) ou de uma nova esfera de poder – a vídeo-política
(Satori, 1989); os meios de comunicação (incluindo também o marketing político) e seus
atores não podem ser desconsiderados frente às novas modalidades da apresentação
política. Entretanto, reforço seu papel quanto à apresentação eo estritamente à prática
potica, visto que os arranjos, alianças, coligações etc, levantam outras questões que serão
338
Sobre a relação entre política e televisão e sobre concessões a emissoras de rádio e TV depois de 1988,
consultar Aldé (2000) e Godoi (2001).
350
tão ou mais decisivas para o mundo da potica e para pensarmos as relações de poder
dependendo de contextos específicos e configurações de força.
Assim, a mudança da legislação eleitoral para 2006, com a proibição dos showcios e
limitações à gravação de programas eleitorais nos dão uma amostra do quão refém das
mídias (da vídeo-política, por exemplo) uma parcela considerável acredita que estejamos
339
.
A pressuposição de que o controle sobre o aparato tecnológico voltado para as propagandas
eleitorais e para os showcios nos colocará no caminho reto da democracia pode nos
conduzir a conclusões precipitadas assim como a idéia que a gerou. A influência da mídia é
inegável, mas ela não se dá apenas na vídeo-potica stricto sensu. A possibilidade de
manipulação das imagens e falas acabou reduzida a uma série de regras que supostamente
acabariam com a corrupção, com o caixa dois ou ainda com os benefícios aos partidos e
atores políticos melhor capitalizados (quer com dinheiro próprio, quer com dinheiro de
aliados) e com mais acessos. E os debates sobre cidadania restringem-se então a
procedimentos e dispositivos.
O papel dos políticos e da dia, a formação da opinião pública, a lógica do atendimento,
os acessos, a fabricação de imagens, os projetos políticos individuais e coletivos foram
alguns dos aspectos abordados nesta tese.
A transversalidade da Baixada nos colocou diante de três trajetórias que problematizam os
questionamentos tradicionais sobre a potica. As concepções que a definem como
propriedade perdem-na como paisagem e processo. A tentativa de localizar seu poder torna-
lhe fugaz. A multiplicidade de focos e engrenagens leva-nos a pensar nas relações,
339
A Mini-reforma Eleitoral com validade para 2006 proibiu a distribuição de brindes, como bonés,
camisetas, chaveiros assim como a realização de showmícios. As doações terão que ser efetuadas em cheque
cruzado e nominal ou transfência eletrônica, ficando proibida doação em dinheiro, assim como os gastos terão
que ficar dispoveis na Internet. Consultar Resolução 22.158, instrução no. 107, classe 12ª., TSE.
351
cotidianas e nas percepções e produções e não em uma (suposta) essência ou atributo. O
poder não tem essência, é operacionalizado na potica (entre outros) e só nos afeta
enquanto relação. Assim, os poticos aqui apresentados eram vizinhos, amigos, matadores,
ídolos, reis, bacharéis, engajados, interesseiros, oportunistas, forasteiros, mas que diante de
suas singularidades eram sempre pensados em relação.
As questões levantadas referiram-se aos universos estudados, mas podem apontar algumas
alternativas para comparação. A apreensão dos repertórios acionados e a busca por dar
conta da heterogeneidade e complexidade de mundos que se interpenetram não é
exclusividade do mundo potico da Baixada e esses atores também não estão circunscritos
apenas a tal mundo. Na tentativa de entender a dinâmicas das relações e práticas poticas
locais, também nos deparamos com questões mais gerais como os sentidos da cidadania e
da democracia.
Estudar as práticas e as trajetórias poticas coloca o pesquisador em uma delicada situação.
Não nos predispomos a fazer previsões, mas acabamos por nos colocar frente a arranjos
dinâmicos de forças e posições e, o que apontamos agora pode ser alterado no espaço
efêmero do findar da frase. Colocar o ponto final parece então impossível. Assim, esta tese
se encerra como mais um olhar para as relações poticas na Baixada Fluminense, incitando
novos olhares e perspectivas.
352
BIBLIOGRAFIA GERAL
ABREU, Maurício. 1988. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
IPLANRIO/ Jorge Zahar.
ABREU, Alzira. 2002. A modernização da imprensa (1970-2000). Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editora.
_____. 1996 (org.). A imprensa em transição. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas.
_____. 2003. “Jornalistas e jornalismo ecomico na transição democrática”. In: ______,
LATTMAN-WELTMAN, F. e KORNIS, M. 2003. Mídia e política no Brasil.
Jornalismo e Ficção. Rio de Janeiro, Editora FGV.
_____ et al. 2001. Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, CPDOC/
FGV.
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. 1990. “A indústria cultural”. In: LIMA, Luis
Costa. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
ALDÉ, Alessandra. 2001. A construção da política: cidadão comum, mídia e atitude
política. Rio de Janeiro, IUPERJ. Tese de doutorado.
ALONSO, Sergio Fernandes. 1993. A espacialidade do Partido dos Trabalhadores. Rio de
Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ.
ALVIM, Maria Rosilene. 1979. “Notas sobre a família num grupo de operários têxteis”. In:
LOPES, J. S. L. Mudança social no Nordeste. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
AMADO, Janaína. 2003. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em
história socia”. Nossa História. Biblioteca Nacional/Ed. Vera Cruz, ano 1, n. 2,
dezembro.
AMMANN, Safira. 1991. Movimento popular de bairro: de frente para o Estado, em busca
do Parlamento. São Paulo, Cortez.
APPADURAI, Arjun. 1998. “Introcdution: plance and voice in Anthropology theory in:
Cultural Anthropology, ano 3, no. 1.
ARAÚJO, Maria Paula. 2000. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no
mundo na década de 1970. Rio de Janeiro, Editora FGV.
AVRITZER, Leonardo. 2000. “Conflito entre a sociedade civil e a sociedade potica no
Brasil pós-autoritário: uma análise do impeachment de Fernando Collor de Melo”.
in: ROSENN, K. e DOWNES, R. Corrupção e reforma política no Brasil: o
impacto do impeachment de Collor. Rio de Janeiro, FGV Editora.
353
BAILEY, F. G. 1971. “Gifts and poison”. In: (ed.). Gifts and poison. The politics of
reputation.
BALANDIER, G. 1982. O poder em cena. Brasília, Editora Universidade de Brasília.
BARBOSA, Marialva. 1996. Imprensa, poder e público (os diários do Rio de Janeiro
1880-1920). Niterói, Centro de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense (Tese de doutoramento).
BARNES, J.A.. 1969. “Networks and political process”, in: MITCHELL, J. C.(ed.). Social
Networks in Urban Situations. Manchester, Manchester University Press.
BARREIRA, César. 1998. Crimes por encomenda. Violência e pistolagem no cenário
brsileiro. Rio de Janeiro, Relume Duma, Núcleo de Antropologia da Política.
BARREIRA, Irlys. 2004. “A expressão obrigatória dos sentimentos na potica”. In:
TEIXEIRA, C. e CHAVES, C. Espaços e tempos da política. Rio de Janeiro, relume
Dumará.
BARRETO, Alessandra. 2001. “O paraíso efêmero: trajetória e mediação no Leblon.”, In:
VELHO, Gilberto e KUSCHNIR, Karina (orgs.). Mediação, cultura e política. Rio
de Janeiro, Aeroplano.
BECKER, Howard S. 1996. “A Escola de Chicago”. Mana: estudos de antropologia social,
vol. 2, n. 2, out. p. 177-188.
_____. 1993. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo, Hucitec.
_____. 1973. “Outsiders”, in: Outsiders: studies in the sociology of deviance. Nova York,
The Free Press. p. 1-18.
BENEVIDES, Maria Victória. 1983. Violência, povo e política. São Paulo, Brasiliense.
BERGER, Peter L. e LUCKMAN, Thomas. 1973. A construção social da realidade:
tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, Vozes.
BEZERRA, Marcos Otavio. 1998. Em nome das “bases”. Potica, clientelismo e corrupção
na liberação de recursos federais. Rio de Janeiro, UFRJ/MN/PPGAS. (Tese de
doutoramento)
_____. 1994. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil. Rio
de Janeiro, Relume-Dumará/ANPOCS.
_____. 1999a. “Políticos ‘locais’ e acesso à grande política”, in:
Cadernos do NuAP. Rio de Janeiro, NAU, n.2.
_____. 1999b. “Domínio pessoal nas redes de poder potico, considerações iniciais a partir
354
das relações entre prefeitos e parlamentares, in: Cadernos do NuAP. Rio de Janeiro,
NAU, n.4.
BOLTANSKI, L. e THEVENOT, L (orgs.). 1991. De La Justification – Les Economies des
Grandeurs. Paris, Gallimard.
_____. 1989. Justesse et justice dans le travail,
Cahiers du centre d'études et de l'emploi, Paris, PUF, 33, 1989, 9. V-VII
BOSCHI, Renato. 1990. Cenários políticos no início dos anos 90. Rio de Janeiro, IUPERJ.
_____. 1987. A arte da associação, política e Democracia no Brasil. São
Paulo: Vertice.
_____. 1983. Movimentos coletivos no Brasil urbano. Rio de Janeiro, Zahar.
_____ . 1999. “Descentralização, Clientelismo e Capital Social na
Governança Urbana: Comparando Belo Horizonte e Salvador” in Revista de
Ciências Sociais Dados, Rio de Janeiro, Vol. 42, 42 1999, pp. 655-690.
_____(coord.). 1991. Novo Congresso e rumos da política. Rio de Janeiro,
IUPERJ.
_____ (coord.). 1990. Sistemas partidários e alternativas da oposição. Rio de Janeiro,
IUPERJ.
BOTT, Elizabeth. 1971. Family and Social Network. Londres, Tavistock.
BORGES, Antonádia. 2003. Tempo de Brasilia. Etnografando lugares-eventos da política.
Rio de Janeiro, Relume Dumará, Núcleo de Antropología da potica, UFRJ.
BOURDIEU, Pierre. 1989. O poder simbólico. São Paulo, DIFEL.
_____. 1974. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva.
____. 1996. “A ilusão biográfica”, in: Razões Práticas. Sobre a teoria da ação.
Tradução Mariza Corrêa. Campinas, Papirus.
BRESCIANI, Maria Stella. 1994. “A cidade das multidões, a cidade aterrorizada”. In:
PECHMAN, Robert Moses. Olhares sobre a Cidade. Rio de Janeiro, UFRJ.
BRIGGS, Asa. 1985. “The sense of place”, The collected papers of Asa Briggs. Great
Britain, The Harverster Press.
BRITO, Joaquim Pais de. 1999. “O Fado: etnografia na cidade”, in: VELHO, Gilberto
(org.). Antropologia urbana – cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar.
355
BRONSTEIN, Olga. 1979. Estrutura urbana distribuição de população e setor público.
Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ. (Dissertação de mestrado).
BULMER, Martin. 1986. The Chicago School of sociology: institutionalization, diversity
and the rise of sociological research. Chicago/London: The University of Chicago
Press.
BURKE, Peter. 1994. A fabricação do Rei. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
BURSZTYN, Marcel. 1985. O poder dos donos: planejamento e clientelismo no nordeste.
Petrópolis, Vozes.
_____. 1976. Determinantes da localização residencial: o caso da população de biaxa
renda na área metropolitana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ.
(Dissertação de mestrado).
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. 1984. A política dos outros: o cotidiano dos moradores
da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. Rio de Janeiro, Brasiliense.
CARDOSO, Ruth. 1983. “Movimentos sociais urbanos: um balanço crítico”, in: SORJ,
Bernardo e ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (org.). Sociedade e política no
Brasil pós-64. São Paulo, Brasiliense.
_____. 1978.Sociedade e poder: as representações dos favelados em São Paulo”. Ensaios
de Opinião, v.2, n.4.
CARNEIRO, Leandro Piquet. 1997. “A Igreja como contexto potico: cultura cívica e
participação potica entre evangélicos”. XX Congresso Internacional da Associação
Latino-Americana de Sociologia, Guadalajara, México.
CARNEIRO, Leandro Piquet e KUSCHNIR, Karina. 1999. "As dimensões subjetivas da
potica: Cultura política e antropologia da potica". In Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol.13, n
o
24, pp. 227-250.
CASTILHO, Sérgio Ricardo Rodrigues. 2000. Marketing e “Política”: a construção social
do ‘mercado eleitoral’ no Brasil. Rio de Janeiro, PPGAS Museu Nacional UFRJ.
(Tese de doutoramento)
CAVALCANTI, Maria Laura V. C. 1993. Onde a cidade se encontra: o desfile das escolas
de samba no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ (Tese
de doutoramento).
CARVALHO, José Murilo de. 2001. A cidadania no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira.
_____. 1980. A construção da ordem: elite política imperial. Rio de Janeiro, Campus.
356
CASTRO, Celso. 2001. “Comentários”. In: VELHO, Gilberto e KUSCHNIR, Karina
(orgs.). Mediação, cultura e política. Rio de Janeiro, Aeroplano.
CARVALHO, Rejane Accioly. 1995. “A máquina fabulatória da dia e o re-encantamento
da potica: a estrutura mítica das campanhas eleitorais. In: Caderno CRH. Salvador,
CRH/UFBa, n.1, pp.114-137.
CHAIA, Vera. 1996. “Um mago do marketing político”. Comunicação & política, 3 (3).
CHAMPAGNE, P. 1996. Formar a opinião: o novo jogo político. Petrópolis, Vozes.
CHAVES, Christine A. 1996. Festas da política. Uma etnografia da modernidade no
sertão (Buritis, MG). Rio de Janeiro, Relume Duma, Núcleo de Antropología da
potica, UFRJ.
COELHO, Ana Cláudia. 1999. A experiência da fama: individualismo e comunicação de
massa. Rio de Janeiro, Editora FGV.
COELHO, Edmundo Campos. 1987. “A criminalidade urbana violenta”. In: Série Estudos.
Rio de Janeiro, IUPERJ, no. 60, dezembro.
CONRADO, Flávio César dos Santos. 2000. Cidadãos do Reino de Deus. Representações,
práticas e estratégias eleitorais (um estudo da “Folha Universal” nas eleições de
1998). Rio de janeiro, PPGSA/IFCS/UFRJ (Dissertação de mestrado).
CORADINI, Odaci Luiz. 2001. Em nome de quem? Recursos sociais no recrutamento de
elites políticas. Rio de Janeiro, Relume-Dumará (Coleção Antropologia da Política).
CORDEIRO, Graça Índias e COSTA, António Firmino da. 1999. “Bairros: contexto e
intersecção”. In: VELHO, Gilberto (org.). Antropologia urbana – cultura e
sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. p. 58-79.
COURTINE, J.J. 2003. “Os deslizamentos do espetáculo potico”. In: GREGOLIN, Maria
do Rorio (org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos, Claraluz.
DAGNINO, Evelina (coord.). 1994. Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São
Paulo,Brasiliense.
DEBERT, Guita Grin. 1979. Ideologia e populismo: A de Barros, M. Arraes, C. Lacerda,
L. Brizola.o Paulo, T.A. Queiroz.
DINIZ, Eli. 1982. Voto e máquina política: patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, Paz e Terra.
D’INCAO, Maria Conceição e BOTELHO, Moacyr. “Movimento social e movimento
357
sindical entre os assalariados temporários da agroindústria canavieira no estado de
São Paulo”. In: SADER, E. (org.). 1987. Movimentos sociais na transição
democrática. São Paulo, Cortez.
DOIMO, Ana Maria. 1995. A vez e a voz do popular. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
ECO, Humberto. 1993. Apocalípticos e integrados. o Paulo, Perspectiva.
ELIAS, Norbert. [1969] 2001. A sociedade de corte. Investigação sobre a sociologia da
realeza e da aristocracia de corte. Tradução Pedro Süssekind; prefácio Roger
Chartier. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
ELIAS, Norbert. 1990. O processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
_____ e SCOTSON, John L. 2000. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações
de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
EPSTEIN, A.L. 1969. “The network and urban social organization”., in: J. C. Mitchell
(ed.), Social Networks in Urban Situations. Manchester, Manchester University
Press.
FAORO, Raymundo. [1957] 1975. Os donos do poder: formação do patronato político
brasileiro. o Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.
FARIA, Luiz de Castro. 1999. “Localismo, municipalismo e práticas políticas”, in:
Cadernos do NuAP. Rio de Janeiro, NAU, n.4.
FAVRET-SAADA, Jeanne. 1998[1977]. Les mots, la mort, les sorts. Folio Essais.
FERREIRA, Marieta de Moraes. 1994. Em busca da Idade de Ouro: as elites políticas
fluminenses na Primeira Repúblia (1889-1930). Rio de Janeiro, Editora UFRJ.
FIGUEIREDO, Marcus. “Mídia, mercado de informação e opinião pública”. In:
Informação e democracia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.
FREITAS, Geovani Jacó de. 2003. Ecos da violência. Narrativas e relações de poder no
nordeste canavieiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará, Núcleo de Antropologia da
Potica.
FRESTON, Paul. 1993. Evangélicos e a política no Brasil. Da Constituinte ao
impeachment. São Paulo:DCS/Unicamp. (Tese de doutoramento).
FOUCAULT, Michel. 1987. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes.
FOUCAULT, Michael. 1986. “Sobre a Geografia”. In: Microfísica do poder. Rio de
Janeiro, Graal.
358
FREYRE, Gilberto. 1936. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro, José Olimpio.
GADOTTI, Moacir. 1989. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos
Trabalhadores /Moacir Gadotti, Otaviano Pereira; prefácio de José Dirceu de
Oliveira e Silva; posfácio de José Genoíno Neto.o Paulo, Cortez.
GAGLIETTI, Mauro. 1999. PT: ambivalências de uma militância. Porto Alegre,
Dacasa/UNICRUZ.
GANS, Herbert J. 1969. Urban Villagers: group and class in the life of Italian-Americans.
Nova York, The Free Press.
GEERTZ, Clifford. 1997. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa.
Petrópolis,Vozes.
_____. 1991[1980]. Negara. O Estado-teatro no século XIX. Lisboa, Difel.
_____. 1978. A interpretação das culturas, Rio de Janeiro, Zahar.
GELLNER, Ernest. 1977. Patrons and clients em mediterranean societies. London,
Duckworth, Center of Mediterranean studies of American Universities Field Staff.
GUIMARÃES, E. 2005. Semântica do acontecimento. Campinas, Pontes.
GIRARDET, Raoul. 1987. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras.
GODOI, Guilherme C. de Souza. “Históricos e perspectivas: uma análise da legislação e
dos projetos de lei sobre radiodifusão no Brasil”. In: Cadernos do Ceam, UnB, n.
6,2001.
GOFFMAN, Erving. [1959] 1975a. A representação do Eu na vida cotidiana. Petrópolis,
Vozes.
_____. [1963] 1975b. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio
de Janeiro, Zahar.
_____. 1974a. Frame Analysis: an essay on the organization of experience. Nova York,
Harper Colophon Books.
_____. [1961] 1974b. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva.
GOMES, Ângela de Castro. 1988. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro, Relume
Dumará.
GOMES, Paulo César. 1995. “O conceito de região e sua discussão”. In: CASTRO, Iná,
359
GOMES, Paulo C. e CORRÊA, Roberto (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil.
GUEBEL, Claudia. 1996.O bar da Tita: política e redes sociais”, in: M. Palmeira e M.
Goldman (orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro,
Contra Capa.
GUSFIELD, Joseph. (1981), The culture of public problems: Drinking-driving and the
symbolic Order, Chicago, University of Chicago Press.
HABERMAS, Jürgen. (1992), L’espace Public. Paris, Payot.
HALBWACHS, Maurice. 1976. Les Cadres Sociaux de La Mémoire. La Haye, Mouton.
[Harmondsworth, Penguin Books.
_____. 1950. La Mémoire colective. Paris.
HANNERZ, Ulf .(1980), Explorer la ville. Paris, Minuit.
HARRIS, Marvin. 1978. Vacas, porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira.
HEILBORN, Maria Luiza de A.. 1984. Conversa de portão: juventude e sociabilidade em
um subúrbio carioca. Rio de Janeiro, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ (Dissertação
de mestrado).
HEREDIA, Beatriz
. . 2001. “Região regiões: visões e classificações do espaço social”. In:
ESTERCI, Neide, FRY, Peter e GOLDENGERG, Mirian (orgs.). Fazendo
Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro, DP&A Editora.
_____. 1999. “Conflitos e desafios: lutas no interior da facção”. Cadernos do NuAP 4.
HEREDIA, Beatriz, TEIXEIRA, Carla e BARREIRA, Irlys (orgs.). 2002. Como se fazem
eleições no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
HUGHES, Everett C. 1971a. “Dilemmas and contradictions of status”, in: The Sociological
Eye: selected papers on institutions and race. Chicago, Aldine Athernon.
_____. 1971b. “Cycles, turning points and careers”, in: The Sociological Eye: selected
papers on institutions and race. Chicago, Aldine Athernon. p. 124-131.
IANNI, Otavio. 1991. A formação do estado populista na América Latina. Rio de Janeiro.
_____. 1975. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
JACOBI, Pedro R. 1987. “Movimentos sociais urbanos numa época de trnasiçào: limites e
potencialidades”. In: SADER, E. (org.). 1987. Movimentos sociais na transição
democrática. São Paulo, Cortez.
360
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. 1986. O coronelismo: uma política de
compromissos. São Paulo, Brasiliense.
JOAS, H. (1999), La créativité de l’agir, Paris, Cerfs.
JOSEPH, Isaac. (2000), Erving Goffman e a Microssociologia. Rio de Janeiro, Fundação
Getulio Vargas Editora.
KINZO, Maria D'Alva. “Os partidos no eleitorado: percepções públicas e laços partidários
no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, fev. 2005, vol.20, no.57
KIRSCHNER, Ana Maria e GOMES, Eduardo R. (orgs.). 1999. Empresa, empresários e
sociedade. Rio de Janeiro, Sete Letras.
KUSCHNIR, Karina. _____. 2000. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
_____. 1998. Política e sociabilidade: um estudo de antropologia social. PPGAS, Museu
Nacional/UFRJ (Tese de doutoramento).
_____. 1993. Política e mediação cultural: um estudo na Câmara Municipal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ (Dissertação de mestrado).
_____. 2001. “Trajetória, projeto e mediação na política”, in: VELHO, Gilberto e
KUSCHNIR, Karina (orgs.) Mediação, cultura e política. Rio de Janeiro,
Aeroplano.
_____. 1999. “Política, cultura e espaço urbano”, in: VELHO, Gilberto (org.). Antropologia
urbana – cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
_____. 1996. “Trânsito e aliança na representação parlamentar”. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, nº 30, ano 11, fevereiro. p. 101-109.
LANDÉ, C. 1977. “Networks and Groups in Southeast Asia : Some Observations on the
Group Theory of Politics”. In : SCHMIDT, S. W. (ed.). Friends, Followers and
Factions : A Reader in Political Clientelism. Berkeley : University of California.
LASCH, Christopher. 1995. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de
Janeiro, Ediouro.
LATTMAN-WELTMAN. 2003. “Mídia e transição democrática: a (des)institucionalização
do panptico no Brasil”. In: ABREU, A. A., LATTMAN-WELTMAN, F. e
KORNIS, M. 2003. Mídia e política no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV.
LEACH, Edmund. 1970. “Introduction” in,: _______ and MUKHERJEE, S.N. 1970. Elites
in South Asia. Cambridge, The University Cambridge Press.
361
LEAL, Victor Nunes. [1949] 1975. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime
representativo no Brasil.o Paulo, Alfa-Ômega.
LEEDS, Anthony. 1978. “Carreiras brasileiras e estrutura social: uma história de caso e
um modelo”, in: A. Leeds e E. Leeds. A sociologia do Brasil urbano. Rio de
Janeiro, Zahar.
LEITE, Márcia Pereira. 2003. “Novas relações entre identidade religiosa e participação
potica no Rio de Janeiro hoje: o caso do Movimento Popular de Favelas”. In P.
Birman (org.). Religião e espaço público. São Paulo, Attar.
LEMHENHE, M. 1998. “A ‘modernidade’ como emblema potico”. In: PALMEIRA,
Moacir e BARREIRA, Irlys. Candidatos e candidaturas: estudos de campanha
eleitoral no Brasil. São Paulo, NuAP/UFC/AnnaBlume.
LENGRUBER, Julita (coord.). 1985. “A instituição policial”. In: Revista da OAB. Rio de
Janeiro, OAB, no. 22, julho.
LIMA, Diana N. de O. 2005. “Nova sociedade emergente”. Trabalho e consumo na
constituição de sujeitos e objetos modernos. Rio de Janeiro, PPGAS/ MN/ UFRJ
(Tese de doutoramento).
LOPES, José Sérgio Leite. 1988. A tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das
chaminés”. São Paulo, Marco Zero, Brasília, MCT/ CNPq.
_____. 1979. Mudança social no nordeste: a reprodução da
subordinação. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
LOPEZ Jr., Feliz Gracia. 2001. As relações entre executivo e legislativo no município de
Araruama. Rio de Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ. (Dissertação de mestrado)
____. 2004. “A potica cotidiana dos vereadores e as relações entre executivo e legislativo
em âmbito municipal: o caso do munipio de Araruama”. In: Revista de Sociologia
e Política. Curitiba, no. 22, junho.
MACHADO, Maria das Dores Campos. 2003. “Existe um jeito evangélico de fazer
política?”. In P. Birman (org.). Religião e espaço público. São Paulo, Attar.
MALINOWSKI, B. 1922. Os argonautas do Pacífico Ocidental. Coleção Os Pensadores.
São Paulo, Editora Abril Cultural.
MANIN, Bernard. 1995. “As metamorfoses do governo representativo”. In: Revista
Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, Ano 10, outubro.
MARCUS, George E. 1995. “Ethnography in/of the world system: the emergence of multi-
sited ethnography”. In: Annual Review of Anthropology. California, vol. 24.
362
MARQUES, Ana Claudia. 1999. “Lutas e laços de família – honra e violência no sertão
nordestino, in: Cadernos do NuAP. Rio de Janeiro, NAU, n.4.
MAUSS, Marcel. 1950a.Esquise d´une théorie générale de la magie”, in: Sociologie et
Antropologie. Paris, P.U.F.
_____. 1950b. “Essai sur le don”, in: Sociologie et Anthropologie, Paris, PUF.
MENEGUELLO, Rachel. 1989. PT: a formão de um partido, 1979-1982. Rio de Janeiro,
Paz & Terra.
MITCHELL, J. Clyde.1971. Social Networks in Urban Situations. Manchester, Manchester
University Press.
MILLS, C. Wright. [1956]1968. A elite do poder. Rio de Janeiro, Zahar Editores.
MOTTA, Marly Silva da. 2001. “Entre o individual e o coletivo: carisma, memória e
cultura potica”. Comunicação apresentada ao XXI Simpósio Nacional da ANPUH.
Niterói, 22-27 de julho de 2001.
NICOLAU, Jairo Marconi. 1996. Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o
sistema partidário brasileiro. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.
NORA, Pierre.1984. Les lieux de mémoire. Paris, Gallimard.
NOVAES, Regina Reys. 2002. “Crenças religiosas e convicções políticas: fronteiras e
passagens”, in: Carlos Fridman (org.). Política e cultura: século XXI. Rio de
Janeiro, Relume-Dumará, ALERJ.
OLIVEIRA , Lucia Lippi de. “Movimento operário em São Paulo – 1970-1985”. In:
SADER, E. (org.). 1987. Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo,
Cortez.
ORO, Ari Pedro. 2003. “A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso
e potico brasileiros”. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 18, nº. 53, 53-
69, outubro.
PALMEIRA, Moacir e GOLDMAN, Marcio (orgs.). 1996. Antropologia, voto e
representação política. Rio de Janeiro, Contra Capa.
PALMEIRA, Moacir e HEREDIA, Beatriz. 1997. “Potica ambígua”. In P. Birman & R.
Novaes (orgs.). O mal à brasileira. Rio de Janeiro, EdUERJ.
_____. 1995. “Os cocios e a potica de facções”. Anuário Antropológico 94.
_____. 1993. “Le temps de la politique”. Études Rurales, 131-132, julho-dezembro, p.
73-87.
363
PARK, Robert E. 1967. “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento
humano no meio urbano”, in: VELHO, Otávio G. (org.). O fenômeno urbano. Rio
de Janeiro, Zahar.
PARETO, Vilfredo. 1965. “The circulation of elites”, in: PARSONS, Talcott; SHILS,
Edward; NARGELE, Kaspar D.; PITTS, Jesse R.(eds.) Theories of Society.
Foundations of modern sociological theory. New York/London, The Free
Press/Collier Mascmillan.
PEIRANO, Mariza G.S. 1995. A favor da etnografia. Rio de Janeiro, Relume-Dumará.
_____ (org.). 2001. O dito e o feito. Ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro,
Relume-Dumará.
PEIRUCCI, Antônio Flávio. 1996. “Representantes de Deus em Brasília: a bancada
evangélica na Constituinte”. In: A.F. Peirucci & R. Prandi. A realidade social das
religiões no Brasil. São Paulo. Hucitec.
PELLEGRINO, P. 1983. “Identité régional, répresentations et aménagement du terrtoire”.
In: Espaces et sociétés, n.41. Paris.
PERALVA, Angelina. 2000. Violência e Democracia: o paradoxo brasileiro. Rio de
Janeiro, Paz e Terra.
PERISTIANY, John. (org.) 1971. Honra e vergonha: valores das sociedades
mediterrâneas. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
_____ e PITT-RIVERS (eds.). 1992. Honor and Grace in anthropology. Cambridge,
Cambridge University Press.
PINHEIRO, Paulo Sérgio (org.). 1983. Crime, violência e poder. o Paulo, Brasiliense.
PIOVEZZANI FILHO, Carlos Félix. Potica midiatizada e mídia politizada: fronteiras
mitigadas na s-modernidade. In: GREGOLIN, Maria do Rosário (org.). Discurso
e mídia: a cultura do espetáculo. o Carlos, Claraluz.
PITT-RIVERS (ed.). 1977. The fact os schechem or the politics of sex: essays in
anthropology of Mediterranean.. Cambridge, Cambridge University Press.
POLLAK, Michael. 1992. “Memória e identidade social”. In: Estudos Históricos, 5 (10).
Rio de Janeiro.
_____. 1989. “Memória, esquecimento, silêncio”. In: Estudos Históricos, 2
(3). Rio de Janeiro.
PULS, Mauricio. 2000. O malufismo.o Paulo, Publifolha.
364
QUEIRÓS, Maria Isaura Pereira de. 1976. O mandonismo local na vida política brasileira
e outros ensaios. São Paulo, Alfa-Ômega.
REIS, Elisa. 2000. “Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade”, in: Revista
Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, fevereiro.
_____. 1982. “Elites agrárias, state-building e autoritarismo”, in: Dados, 25 (3).
_____. 1980. “Sociedade agrária e ordem potica”, in: Dados, 23 (3).
RIBEIRO, Renato Janine. 2002. “Religião e potica no Brasil contemporâneo”, in: Carlos
Fridman (org.). Política e cultura: século XXI. Rio de Janeiro, Relume-Dumará,
ALERJ.
RICQ, Charles. 1983. “La région, espace institutionnel et espace d’identité”. In: Espaces et
sociétés, n.41. Paris.
ROCHA, Everardo. 1995. A sociedade do sonho. Comunicação, cultura e consumo. Rio de
Janeiro, Maud.
RODRIGUES, Marly. 1996. A década de 50: populismo e movimento desenvolvimentistas
no Brasil.São Paulo, Ática.
RONCAYOLO, Marcel. 1986. “Região”. In: Região. Enciclopédia Einaudi, vol.8. Lisboa,
Imprensa Nacional – Casa da moeda.
SADER, Eder. 1988. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas
dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1989). Rio de Janeiro, Paz e Terra.
______ (org.). 1987. Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo, Cortez.
SAHLINS, Marshall.1979. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro, Zahar.
SANTOS, André M. 1997. “Nas fronteiras do campo potico. Raposas e outsiders no
Congresso Nacional”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 12, nº. 33,
fevereiro, p. 87-101.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. 1981. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro. Zahar.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. 2003. “História e memória: o caso do Ferrugem”. In:
Revista Brasileira de História. o Paulo, vol 23, no. 46.
_____. 1998. “Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns problemas
teóricos”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. o Paulo, vol 13, no. 38.
365
SARGENTINI, Vânia Maria Oliveira. 2003. “A teatralidade na geração de empregos: dia
na campanha eleitoral”. In: GREGOLIN, Maria do Rosário (org.). Discurso e mídia:
a cultura do espetáculo. São Carlos, Claraluz.
SARMENTO, Carlos Eduardo. 1999. “A morte e a morte de Chagas Freitas. A
(des)construção de uma imagemblica: trajetória individual e reelaboração
memoriastica”. Rio de Janeiro, CPDOC.
SARTI, Ingrid. 1998. Representação e a questão democrática contemporânea :o mal estar
dos partidos socialistas. Rio de Janeiro, IUPERJ (Instituto Universitario de
Pesquisas do Rio de Janeiro).
SCHMIDT, Steffen. 1977. Friends, followes and factions. Berckeley, University of
California Press.
SCHUTZ, Alfred. 1979. Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro, Zahar.
SCOTTO, Gabriela. 2004. As (difusas) fronteiras entre a política e o mercado. Um estudo
antropológico sobre marketing político, seus agentes, práticas e representações.
Rio de Janeiro, Relume Dumará, Núcleo de Antropología da potica, UFRJ.
_____. 1996. “Campanha de rua, candidatos e biografias”. In: PALMEIRA, Moacir e
GOLDMAN, Marcio (orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de
Janeiro, Contra Capa.
SENTO-SÉ, João Trajano. 1999. Brizolismo: estetização da política e carisma. Janeiro.
Rio de Janeiro, Edtora FGV.
SEGALL, Maurício. 1979. O coronel dos coronéis (a história e a lenda do “coronel”
Delmiro Gouveia). Rio de Janeiro, civilização Brasileira.
SENNET, Richard. O Declínio do Homem Público - As Tiranias da Intimidade.o Paulo,
Companhia das Letras, 1999.
SIGAUD, Lygia. 1996. “Direito e coerção moral no mundo dos engenhos”. Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, vol. 9, nº. 18, p. 361-386.
SILVA, L. A. M. 1999. “Criminalidade violenta por uma nova perspectiva de análise” In
Revista de Sociologia e Políticas n° 13. Pp. 115-124.
_____. 1980. “O significado do botequim” In Cidade: Usos e abusos, Ed.
Brasiliense, pp. 77-113.
_____ e LEITE, Márcia Pereira (s/d). “Favelas e Democracia: Temas e
problemas da ação coletiva nas favelas cariocas In A Democracia vista de baixo
(Ibase). Texto consultado no site
http://www.ibase.br/pubibase/media/ibase_dvb_capitulo6.pdf.
366
SILVA, Marcelo Costa da. 2000. O partido dos trabalhadores na Assembleia Nacional
Constituinte de 1987-1988: Um perfil sociologico e biografico de seus
parlamentares. Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais.
SKIDMORE, Thomas. 2000. “A queda de Collor: uma perspectiva histórica”. in:
ROSENN, K. e DOWNES, R. Corrupção e reforma política no Brasil: o impacto
do impeachment de Collor. Rio de Janeiro, FGV Editora.
SIMÕES, M. R. 1993. Movimentos sociais e autogestão em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro,
UFRJ.
SIMMEL, Georg. 1983. “Pont et porte”, in: Cahiers de l’Herne, Paris.
_____. [1908] 1971. “The sociology of sociability”, In: LEVINE, Donald (org.), On
Individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press.
_____. 1967. “A metpole e a vida mental, In: VELHO, Otávio G. O fenômeno urbano.
Rio de Janeiro, Zahar.
SOARES, Luiz Eduardo. 1996. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Relume Dumará/ISER.
SOARES, Gláucio Dillon. 2001. A democracia interrompida. Rio de Janeiro, Editora FGV.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. 1995. “O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento”. In: CASTRO, Iná, GOMES, Paulo C. e CORRÊA, Roberto
(orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
STOKES, Eric. 1970. “Tradicional elites in great rebellion of 1857: some aspects of rural
revolt in upper and central Doab”, In,: LEACH, Edmund and MUKHERJEE, S.N.
1970. Elites in South Asia. Cambridge, The University Cambridge Press.
STRAUSS, A. 1992. La Trame de la Négociation. Paris, LHarmattan.
TEIXEIRA, Carla Costa. 1998. A honra da política: decoro parlamentar e cassação de
mandato no Congresso Nacional (1949-1994). Rio de Janeiro, Relume-
Dumará/Núcleo de Antropologia Política.
THEVENOT, L. 2000a. “L'action comme engagement”, In Barbier, J.-M. (ed.), L'analyse
de la singularité de l'action, Paris, PUF, pp.213-238.
_____ . 2000b. Constituer l’environnement en chose publique : une comparaison
franco-américaine. Texto de Conferência do Seminário PUCA : « Dynamique du
cadre de vie et action associative”, Paris, Ministère de l’Equipement, 25 septembre
2000.
367
_____. 1990. "L'action qui convient", In Pharo, P. et Quéré, L., (éds.), Les
formes de l'action, Paris, Ed. de l'EHESS (Raisons pratiques 1), pp.39-69.
THOMAS, W.I. 1979. “Définir la situation” In Grafmeyer, Yves e Joseph, Isaac, orgs.,
(1979). L’école de Chicago. Naissance de l’écologie urbaine. Aubier. Paris.
THOMPSON, John B. 1995. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica na era dos
meios de comunicação. Petrópolis, Vozes.
TURNER, V. 1984. Dramas, fields and metaphors. Symbolic action in human society.
Ithaca, Cornell University Press.
VALLADARES, L. 1978. Passa-se uma casa. Rio de Janeiro, Zahar.
_____ (org.). 2005. A Escola de Chicago. Impacto de uma tradição no Brasil e na França.
Belo Horizonte, UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ.
VELHO, Gilberto. 1994. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
_____. 1986. Subjetividade e Sociedade: uma experiência de geração. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar.
_____. 1973. A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro, Zahar.
(1989, 5ª edição, Jorge Zahar).
_____. 1998. “Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica”. In:
VELHO, Gilberto e ALVITO, Marcos (orgs). Cidadania e violência. Rio de
Janeiro, UFRJ/FGV.
_____. 1987.O cotidiano da violência: identidade e sobrevivência”. In: Boletim do Museu
Nacional.rie Antropologia, n. 56, abril.
_____. 1981. “Observando o familiar”. In: Individualismo e cultura: notas para uma
antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
_____. 1980.O antropólogo pesquisando em sua cidade: sobre conhecimento e heresia”.
In: O desafio da cidade. Rio de Janeiro, Campus.
_____. 1977.Cotidiano e potica em um prédio de conjugados”, In: GUILHON, José
Augusto (org.), Classes médias e política no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
_____. 1974.Estigma e comportamento desviante em Copacabana”, In: Desvio e
divergência. Rio de Janeiro, Zahar.
368
_____ e KUSCHNIR, Karina. 1996. “Mediação e metamorfose”. Mana: estudos de
antropologia social, vol. 2, nº 1, Rio de Janeiro, Relume Dumará, abril.
VILLELA, Jorge Luiz M. 2004. O povo em armas. Violencia e política no sertão de
Pernambuco. Relume Dumará, Núcleo de Antropología da política, UFRJ.
_____. 1999. “Legalidade e ilegalidade na potica brasileira – Lampião
e o jaguncismo no sertão nordestino durante a República Velha”, In: Cadernos do
NuAP. Rio de Janeiro, NAU, n.4.
ZALUAR, Alba. 1994. O condomínio do diabo. Rio de Janeiro, Revan/ Ed. UFRJ.
_____. 1985. A Máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da
pobreza. Rio de Janeiro, Brasiliense.
_____. 1975. Desvendando máscaras sociais. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
______. 1996. “A globalização do crime”. In: VELHO, Gilberto e ALVITO, Marcos (orgs).
Cidadania e violência. Rio de Janeiro, UFRJ/FGV.
WEBER, Max. 1999a. Definição de poder”. In: Economia e Sociedade: fundamentos da
sociologia compreensiva. Brasília, DF, Ed. Universidade de Brasília, Vol. 2, capítulo IX.
_____. 1999b. “As comunidades políticas”. In: Economia e Sociedade: fundamentos da
sociologia compreensiva. Brasília, DF, Ed. Universidade de Brasília, Vol. 2,
catulo IX.
_____. 1971. “Politics as a vocation”, In: PIZZORNO, Alessandro (ed.). Political
sociology. Selected readings. England, Peguin Books Ltd.
_____. 1967. “Conceito e categorias da cidade”, In: VELHO, Otávio (org.). O fenômeno
urbano. Rio de Janeiro, Guanabara.
WEFFORT, Francisco. 1980. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e
Terra.
WHYTE, William Foote. 1973. Street Corner Society: the social structure of an italian
slum. Chicago, The University of Chicago Press.
WIEVIORKA, Michel. 1997. “O novo paradigma da violência”. In: Tempo Social: Revista
de Sociologia. São Paulo, USP, 9(1), maio, pp. 5-41.
WIRTH, Louis. 1967. “O urbanismo como modo de vida”. In: VELHO, Otávio G. (org.). O
fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar. p. 97-122.
369
_____. 1964a. “The ghetto”, In: On Cities and Social Life: selected papers. Chicago, The
University of Chicago Press. Social Policy. Chicago, The University of Chicago
Press.
_____. 1964b. On Cities and Social Life. Chicago, The University of Chicago Press.
Jornais consultados:
O Globo
Jornal do Brasil
O Dia
Extra
Estado de São Paulo
Folha de São Paulo
Estado de Minas
Revista Isto É
Revista Veja
Sites consultados:
tre.gov.br
tse.gov.br
baixadaonline.com.br
falabiaxada.com.br
jornalhoje.inf.br
observatoriopolitico.com.br
rj.gov.br
novaiguacu.rj.gov.br
pmdb.org.br
pt.org.br
370
BIBLIOGRAFIA SOBRE BAIXADA FLUMINENSE:
ALVES, José Cláudio Souza. 2003. Dos barões ao extermínio. Uma história da violência
na Baixada Fluminense. Duque de Caxias, APPH, CLIO.
_____. 1999. “Baixada Fluminense: odigo genéticosocial de uma periferia”. Resvista
FEUDUC, CEPEA, PIBIC, no, 1, agosto.
_____. 1991. Igreja Católica: opção pelos pobred, política e poder. O caso da paróquia
Pilar. Mestrado em Sociologia e Política. Rio de Janeiro, PUC RJ (Dissertação de
mestrado).
ANDRADE, Eliane Ribeiro. 1993. Nos limites do possível:uma experiência político-
pedagógica na baixada fluminense. Rio de Janeiro, FGV/IESAE.
ARAÚJO, Frederico Guilherme Bandeira de. 1982. Lutas pela terra na Baixada da
Guanabara :1950-1964. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ.
BARRETO, Alessandra Siqueira. 2004. “Um olhar sobre a Baixada: usos e representações
sobre o poder local e seus atores”, in: Campos. Curitiba, 5(2).
BASTOS, Eliane Cantarino O’Dwyer. 1977. Laranja e lavoura banca. Um estudo das
unidades de produção camponesa da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro,
PPGAS/MN/UFRJ (Dissertação de mestrado).
BERNARDES, Júlia Adão. 1983. Espaço e movimentos reivindicaórios; o caso de Nova
Iguaçu. Rio de Janeiro, Geografia/UFRJ (Dissertação de mestrado).
BELOCH, Israel. 1986. Capa preta e lurdinha. Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada.
Rio de Janeiro, Record.
CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU. 2000. Memória da Câmara Municipal de
Nova Iguaçu. (coordenação Ney Alberto Gonçalves de Barros) Nova Iguaçu (RJ),
Jornal Hoje.
CASTRO, Elisa Guarana de. 1995. Entre o rural e o urbano: dimensões culturais dos
assentamentos rurais no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto
de Filosofia e Ciencias Sociais.
CIDE, Fndação. 1997. Baixada Fluminense: aspectos socio-demográficos, atividades
econômicas e atividades financeiras. Rio de Janeiro, Data Cide.
CIDE, Fundação. 2004. Anuário Estatistíco do Estado do Rio de janeiro (CD-rom).
371
COSTA, Aguimon Alves da. 1999.Breves considerações sobre a ocupação do solo urbano
na Baixada Fluminense e a questão da legalização fundiária: um enfoque ao
usucapião como política habitacional. Rio de Janeiro, UFRJ/IPPUR.
CUNHA, Neiva Vieira da. 1998.Os Empalhados - um estudo de memória social e
reconstrução de trajetórias em um grupo de velhos militantes sanitaristas :dois
ensaios em torno de uma problemática. Rio de Janeiro, UFRJ.
DRSKA, Angélica e HERINGER, Rosana. 1990. “A gente enterra o morto, silencia e se
conforma. A violência em Nova Iguaçu e Nilópolis na visão dos seus moradores.”.
In: Cadernos IBASE 8. Rio de Janeiro, IBASE, outubro.
ENNE, Ana Lúcia. 2002. Lugar meu amigo, é minha Baixada: Memória, Representações
Sociais e Identidades. Rio de Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ (Tese de doutoramento).
_____. 1995. Umbanda e assistencialismo: um estudo sobre representação e
identidade em uma instituição da Baixada Fluminense. PPGAS/Museu Nacional/
UFRJ (Dissertação de mestrado).
_____. 2004. “Imprensa e Baixada Fluminense: múltiplas representações” in Ciberlegenda,
n°14, 2004, artigo consultado na página http://www.uff.br/mestcii/enne1.htm
.
consultado em 11/11/2005.
FERNANDES, Tania de Souza. 1992. Uma comunidade de salvos:Um estudo sobre
batistas na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, UFRJ.
FORTES, Maria do Carmo Cavalcanti. 1986 . Tenório – o homem e o mito. Rio de Janeiro,
Record.
FREIRE, Jussara. 2005. As concepções de justo e as arenas públicas em Nova Iguaçu. Rio
de Janeiro, IUPERJ (Tese de doutoramento).
_____. 2003.Percepções do justo e princípios de justiça: a elaboração de problemas
públicos em Nova Iguaçu”. Trabalho apresentado no GT Rituais, Representações e
Narrativas Poticas. XXVI encontro Anual da Associão Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 21-25 de outubro.
2002. “Movimentos Sociais: para além da dicotomia autonomia/
institucionalização. XIII Encontro Regional de História-ANPUH / RJ – Rio de
Janeiro.
_____ e REIS, G. 2004. “Participação e Arenas Públicas: um quadro analítico para
pensar os conselhos municipais setoriais e os fóruns de desenvolvimento local.
Caderno Metrópoles (pp. 75-102), n. 10.
FRÓES, Vânia. 1974. Município de Estrela (1846-1892). Niterói, História/UFF
(Dissertação de mestrado).
372
GEIGER, Pedro Pichas e SANTOS, Ruth Lira. 1956. Notas sobre a evolução da
ocupação humana da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE.
GOMES, Flávio dos Santos. 1992. História de quilombolas: mocambos e comunidades de
senzalas no Rio de Janeiro – século XIX. Campinas, Unicamp (Dissertação de
mestrado).
GRAMADO, Paulo. 1999. Zito. Rompendo barrerias com justiça e trabalho. Rio de
Janeiro, Liberato.
GRYNSZPAN, Mário. 1987. Mobilização camponesa e competição política no estado do
Rio de Janeiro (1950-1964). Rio de Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ (Dissertação de
mestrado).
_____. 1990a. “Ação política e atores sociais: posseiros, grileiros e a luta pela terra na
Baixada”, in: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 33, no. 2.
_____. 1990b. “Os idiomas da patronagem: um estudo da trajetória de Tenório Cavalcanti”,
in: Revista Brasileira de Ciências Sociais, no. 14. Rio de Janeiro, Vértice,
ANPOCS, outubro.
HYPOLITO, Adriano. 1982. Imagens de um povo sofrido. Petrópolis, Vozes.
KELLER, Paulo Fernandes. 1997. Fábrica & Vila operária: a vida cotidiana dos operários
têxteis em Paracambi/RJ. Paulo do Frontin, Sólon Ribeiro.
_____. 1999.O cotidiano e o complexo”, in: Revista Áquila. Rio de Janeiro, vol. 3, nº 5,
jan./jul.
LAZARONI, Dalva. 1990. O município de Duque de Caxias: sua terra, sua gente, sua
economia, sua história. Rio de Janeiro, Ao Livro cnico.
LESBAUPIN, Yves do Amaral. 1982. Direitos humanos e classes populares. Os direitos
na perspectiva de grupos populares do município de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro,
IUPERJ (Dissertação de mestrado).
LIMA, Bráulio. 1991. O proletariado urbano nas ocupações de terra rural na Baixada
Fluminense e a região do Grande Rio: o assentamento Vitória da União de
Paracambi. Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ. (Dissertação de mestrado).
LIMA, Maria Helena Beozzo de. 1980. “Em busca da casa própria: autoconstrução na
periferia do Rio de Janeiro”. In L. Valadares (org.). Habitação em questão. Rio de
Janeiro, Zahar.
MAGGIE, Yvonne e GONÇALVES, Márcia Contins. 1980. “Gueto Cultural ou a
Umbanda como modo de vida: notas sobre uma experiência de campo na Baixada
373
Fluminense”, in: VELHO, Gilberto (org.). O desafio da cidade: novas perspectivas
da antropologia brasileira. Rio de Janeiro, Campus.
MENDES, Renato da Silveira. 1950. Paisagens culturais da Baixada Fluminense. São
Paulo, FFCL/USP (Tese de doutoramento).
MONTEIRO, Linderval Augusto. 2001. Baixada Fluminense: identidade e transformações.
Estudo de relações políticas na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, História
Social/UFRJ (Dissertação de mestrado).
NAZARETH, Juliana de Souza e Costa. 2003. ‘Na hora que tá em sufoco, um ajuda o
outro’:um estudo sobre famílias chefiadas por mulheres urbanas de baixa renda.
Rio de Janeiro, UFRJ.
OLIVEIRA, Otair Fernandes de. 1999. O Legislativo Municipal no contexto democrático:
um estudo sobre a dinâmica legislativa da Câmara Municipal de Nova Iguaçu.
Niterói, Ciência Potica/UFF (Dissertação de mestrado).
PEIXOTO, Rui Afrânio. 1968. Imagens iguaçuanas. Nova Iguaçu, Edição do autor.
PENTEADO FILHO, Paulo A. 1978. Considerações sobre a estrutura interna da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ. (Dissertação de
mestrado).
PEREIRA, Wladick. 1970. A mudança da Vila (História Iguaçuana). Nova Iguaçu,
Arsgráfica.
PEREIRA. 1977. Cana, café e laranja. História econômica de Nova Iguaçu. Rio de
Janeiro, FGV/SEEC-RJ.
PERES, Guilherme. 1993. Baixada Fluminense: os caminhos do ouro. Duque de Caxias,
Consórcio de Administração de Edições.
_____ . 2004. “Do Rio Iguassú ao Sarapuhí: primeiro projeto ferroviário do
Brasil”. In: Revista Pilares da História. Duque de Caxias, Instituto Histórico
Vereador Thomé Siqueira Barreto/ Câmara Municipal de Duque de Caxias e
Associação dos Amigos do Instituto Histórico.
PINTO, Laudicea de Souza. 1992. A revolta do estigma. Rio de Janeiro, UFRJ.
PRADO, Walter. 2000. História social da Baixada Fluminense. Riode Janeiro, Ecomuseu
Fluminense.
PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU. 2003. De Iguassú a Nova Iguaçu. 170
anos (1833-2003). Nova Iguaçu, Prefeitura da cidade de Nova Iguaçu, Secretaria
Municipal de Educação, Ministério da Educação.
374
ROCHA, Jorge Luís. 2004. “Memória ferroviária de uma cidade”. In: Pilares da História.
Duque de Caxias, Instituto histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto, câmara
Municipal de Duque de Caxias, ano III, no. 4, maio.
ROSENDAHL, Zeni. 1994. Porto de Caxias. Espaço sagrado da Baixada Fluminense. São
Paulo, Geografia/USP (Tese de doutoramento).
SILVEIRA, Jorge Luiz Rocha da. 1998. Transformações na estrutura fundiária do
município de Nova Iguaçu durante a crise do escravismo fluminense. Niterói,
História/UFF (Dissertação de mestrado).
SARMENTO, Carlos Eduardo. 2000. O novo quadro da política fluminense:
administração pública e representação potica no Rio de Janeiro pós-fusão. Rio de
Janeiro, CPDOC.
SOARES, Maria Therezinha. S. 1955. Nova Iguaçu, absorção de uma célula urbana pelo
Rio de Janeiro. In: Revista Brasileira de Geografia, n. 24, abril-jun.
SOUZA, Josinaldo Aleixo de. 1997. Os grupos de extermínio em duque de Caxias
Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, Sociologia/IFCS/UFRJ (Dissertação de
mestrado).
SOUZA, Marlúcia S. 1999. “A construção do poder local em Duque de Caxias”. Hidra de
Iguassú, ano I, no.1, abril.
SOUZA, Marlúcia. 2000.Imagens da cidade de Duque de Caxias”, in: Revista
FEUDUC/CEPEA/PIBIC, no. 2.
SOUZA, Sonali Maria de. 1992. Da laranja ao lote. Transformações sociais em Nova
Iguaçu. Rio de Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ (Dissertação de mestrado).
TAVARES (da Silva), Percival. (1993), Origem e trajétoria do movimento amigos de
bairro em Nova Iguaçu (MAB) – 1974. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas.
TORRES, Rogério. 1998. “Baixada Fluminense”. Revista Memória. Ano I, no.1.
TORRES, Rogério e MENEZES, Newton. 1987. Sonegação, fome, saque. Duque de
Caxias, Consórcio Administração de Edições.
VIANA, Juliosar da Silva. 1998. Do terreiro ao samba: um estudo sobre memória e
trajetória social na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais.
375
ANEXOS
376
TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO O SEXO, PARA O BRASIL, PARA A REGIÃO SUDESTE E
PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SEXO BRASIL REGIÃO
SUDESTE
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO
TOTAL 5.562 1.668 92
MASCULINO 5.143 1.577 86
FEMININO 418 90 6
SEM
INFORMÀO
1 1 -
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
377
TABELA 2
DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO A IDADE, PARA O BRASIL, PARA A REGIÃO SUDESTE
E
PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
IDADE BRASIL REGIÃO
SUDESTE
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO
TOTAL 5.562 1.668 92
Até 29 anos 123 17 -
De 30 a 39 anos 1.040 260 8
De 40 a 49 anos 2.189 607 36
De 50 a 59 anos 1.549 536 37
60 anos ou mais 622 233 11
SEM
INFORMÀO
39 15 -
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
378
TABELA 3
DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO O GRAU DE INSTRUÇÃO, PARA O BRASIL, PARA A
REGIÃO SUDESTE E
PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
GRAU DE
INSTRUÇÃO
BRASIL REGIÃO
SUDESTE
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO
TOTAL 5.562 1.668 92
SUPERIOR 2.662 842 52
MÉDIO 1.687 446 30
FUNDAMENTAL 1.063 328 9
LÊ E ESCREVE 93 30 157
SEM
INFORMÃO
57 22 -
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
379
TABELA 4
DISTRIBUIÇÃO RELATIVA DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO AS PRINCIPAIS OCUPAÇÕES, PARA O BRASIL, PARA
A REGIÃO SUDESTE E
PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
OCUPAÇÃO
(%)
BRASIL
(%)
REGIÃO
SUDESTE
(%)
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO
(%)
TOTAL 68,02 69,32 80,43
COMERCIANTE 11,27 11,69 15,22
AGRICULTOR 9,80 9,47 -
MÉDICO 7,44 7,13 11,96
EMPRESÁRIO 6,85 7,61 8,70
PREFEITO 5,57 5,70 7,61
ADVOGADO 4,51 5,46 7,61
PROFESSOR 1º. E 2º.
GRAUS
3,96 2,82 -
SERVIDOR PUB
MUNICIPAL
3,94 4,92 3,26
PECUARISTA 3,72 3,30 -
ENFGENHEIRO 3,33 3,84 7,61
SERVIDOR PUB
ESTADUAL
3,15 2,22 3,26
PRODUTOR
AGROPECUÁRIO
2,39 3,12 2,17
ADMINISTRADOR 2,09 - 2,17
APOSENTADO - 2,04 2,17
SENADOR/DEP/VEREADOR - - 6,52
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
380
TABELA 5
DISTRIBUIÇÃO RELATIVA DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO OS PRINCIPAIS PARTIDOS POLÍTICOS, PARA O
BRASIL, PARA A
REGIÃO SUDESTE E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PARTIDO
POLÍTICO
BRASIL
(%)
REGIÃO
SUDESTE
(%)
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO (%)
TOTAL 94,92 95,98 95,65
PMDB 19,06 17,27 45,65
PSDB 15,66 21,82 3,26
PFL 14,29 12,59 7,61
PP 9,91 6,59 9,78
PTB 7,62 9,17 2,17
PT 7,39 9,35 8,70
PL 6,89 7,73 4,35
PPS 5,50 4,98 -
PDT 5,45 4,14 4,35
PSB 3,15 2,34 -
PSC - - 5,43
PV - - 4,35
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
381
TABELA 6
DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004,
SEGUNDO O ESTADO DE NASCIMENTO, PARA O BRASIL, PARA
A REGIÃO SUDESTE E
PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ESTADO DE
NACIMENTO
BRASIL
REGIÃO
SUDESTE
ESTADO DO
RIO DE
JANEIRO
TOTAL 5.562 1.668 92
MESMO
ESTADO
4.662 1.531 81
OUTRO
ESTADO
8874 125 11
SEM
INFORMÀO
26 12 -
FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004.
TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais
(IBAMCO).
382
VOTAÇÃO POR ZONA ELEITORAL 1º. TURNO
LINDBERG
Votação por Zona Eleitoral - 1° turno
UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (LUIZ
LINDBERGH FARIAS FILHO)
1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração
Partido: PT Situação: 2º turno
Zona Eleitorado
(VV)
Votos
Válidos
(V)Votos
Nominais
%
(V/VV)
84 82.583 63.489 35.741 56,295
157 74.760 59.805 29.278 48,956
159 67.235 52.366 22.860 43,654
156 50.415 40.006 20.919 52,290
67 43.640 33.894 15.558 45,902
82 38.733 30.875 15.079 48,839
27 45.651 35.625 15.034 42,201
158 40.704 32.388 14.940 46,128
250 36.673 27.974 11.776 42,096
MÁRIO MARQUES
Votação por Zona Eleitoral - 1° turno
UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (MARIO
PEREIRA MARQUES FILHO)
1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração
Partido: PMDB Situação: 2º turno
Zona Eleitorado
(VV)
Votos
Válidos
(V)Votos
Nominais
%
(V/VV)
82 38.733 30.875 10.640 34,462
158 40.704 32.388 13.510 41,713
27 45.651 35.625 13.881 38,964
250 36.673 27.974 13.903 49,700
156 50.415 40.006 14.144 35,355
67 43.640 33.894 14.554 42,940
84 82.583 63.489 20.284 31,949
157 74.760 59.805 22.841 38,192
159 67.235 52.366 23.380 44,64
383
VOTAÇÃO POR ZONA ELEITORAL 2º. TURNO
MARIO MARQUES
Votação por Zona Eleitoral - 2° turno
UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (MARIO
PEREIRA MARQUES FILHO)
1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração
Partido: PMDB Situação: Não eleito
Zona Eleitorado
(VV)
Votos
Válidos
(V)Votos
Nominais
%
(V/VV)
159 67.235 52.740 25.287 47,947
157 74.760 59.641 24.008 40,254
84 82.583 64.134 22.870 35,660
67 43.640 33.982 16.327 48,046
27 45.651 34.632 15.095 43,587
156 50.415 40.036 14.981 37,419
250 36.673 28.446 14.615 51,378
158 40.704 32.475 14.419 44,400
82 38.733 30.654 11.617 37,897
LINDBERG FARIAS
Votação por Zona Eleitoral - 2° turno
UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (LUIZ
LINDBERGH FARIAS FILHO)
1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração
Partido: PT Situação: Eleito
Zona Eleitorado
(VV)
Votos
Válidos
(V)Votos
Nominais
%
(V/VV)
250 36.673 28.446 13.831 48,622
67 43.640 33.982 17.655 51,954
158 40.704 32.475 18.056 55,600
82 38.733 30.654 19.037 62,103
27 45.651 34.632 19.537 56,413
156 50.415 40.036 25.055 62,581
159 67.235 52.740 27.453 52,053
157 74.760 59.641 35.633 59,746
84 82.583 64.134 41.264 64,340
384
FONTE Tribunal Superior Eleitoral 2004
Consultado no site: www.tse.gov.br
385
ORDEM DO DIA
Requerimento 490/2001
Informações Básicas
Sessão: Ordinária
Autor do Documento: Maria Lameira/ALERJ Data da Criação: 03/10/2001
__________________________________________________________________
Data da Sessão:
03/10/2001
Hora:
11:27
__________________________________________________________________
Texto da Ordem do Dia
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Anuncia-se a discussão única do
REQUERIMENTO 490/2001, de autoria da Deputada Núbia Cozzolino, que cria
Comissão Especial para acompanhar as investigações sobre o assassinato do jornalista
rio de Almeida Coelho Filho.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Em discussão a maria. Não havendo quem queira
discutir...
A SRA. ANDRÉIA ZITO – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra a Sra. Deputada Andréa
Zito.
A SRA. ANDIA ZITO (Pela ordem) Sr. Presidente, como todos os Deputados já
devem ter observado, sempre voto favoravelmente às CPIs, ou pelo menos na maioria das
vezes.
Neste caso, sou favovel à CPI, mas o Artigo 34 do Regimento Interno determina o
seguinte: “Fica impedido da participação como membro da Comissão Parlamentar de
Inquérito o deputado que tenha envolvimento com o fato determinado a ser apurado”.
Sei que a questão é a CPI, porém, por analogia, quero dizer que tenho um documento em
mãos, da 65ª DP, onde a pessoa assassinada havia feito uma queixa-crime com relação à
Deputada Núbia Cozzolino.
Gostaria de solicitar que nem eu, Deputada Andréia Zito, nem o Deputado Júnior do Posto,
sobrinho do ex-prefeito de Magé, nem a Deputada Núbia Cozzolino fizéssemos parte dessa
Comissão. Pela lógica, acho que é uma questão razoável de averiguarmos. Sou totalmente
favorável à CPI, mas acho que a Mesa deve avaliar essa questão.
O SR. SIVUCA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
386
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Sivuca.
O SR. SIVUCA (Pela ordem) – Sr. Presidente, observei a ponderação da Deputada Andréia
Zito, e a exemplo do pedido do Deputado José Távora, solicito também o adiamento por
duas Sessões para que possamos discutir com mais tranqüilidade.
O argumento lançado pela Deputada Andréia Zito é válido. Não podemos permitir que
pessoas envolvidas num problema participem de determinada Comissão.
Por analogia, quando um membro do Judiciário es envolvido em determinado problema,
tem o dever legal de argüir a própria suspeição e não presidir, em hipótese alguma. Sendo
assim, para que possamos esclarecer em tempo hábil essa situação, peço a V.Exa. que a
matéria seja suspensa por duas Sessões, para futuros esclarecimentos.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Peço a palavra para discutir, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Em votação o pedido de suspensão por duas
Sessões. Os Senhores Deputados que aprovam a matéria permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Sr. Presidente, para discutir! Eu fui citada, eu fui acusada
aqui!
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Já foi suspensa. Depois V.Exa. terá o direito de falar
pela ordem.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Não senhor! Eu fui acusada e quero o direito de resposta!
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - V. Exa. não foi acusada. Foi colocado em votação.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Fui acusada de que o jornalista fez uma denúncia de
ameaça de morte! Todo mundo aqui ouviu! E ela está faltando com a verdade! Eu não
tenho interesse no processo ...
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Eu pediria que cortasse a palavra da Deputada Núbia
Cozzolino.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Não tem eu cortar a palavra! Por que não vou falar?!
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Vai cortar a palavra porque V.Exa. está se
excedendo. V. Exa. falará depois, pela ordem. Esse assunto já foi adiado por duas Sessões,
a pedido, e aprovado pelo Plenário. A Presincia não vai dialogar com V.Exa. nesses
termos, Deputada Núbia Cozzolino.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – V.Exa. não me deixou falar!
387
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - V.Exa. tem o direito de falar pela ordem .
A Presidência concede a palavra, pela ordem, à Deputada Núbia Cozzolino.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Sr. Presidente, em primeiro lugar quero
dizer à Deputada Andréia Zito que não solicitei CPI, solicitei Comissão Especial.
Em segundo lugar, dizer que um jornalista nunca me acusou de ameaça de morte. Eles
faltam mais uma vez com a verdade.
Em terceiro lugar: não sou a pessoa interessada porque o acusado foi o segurança dela. Em
momento algum fui acusada, até porque a família Cozzolino nunca teve nenhum
envolvimento em homicídio.
O SR. JOSÉVORA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Sr. Presidente, gostaria que V.Exa. garantisse a minha
palavra, os três minutos a que tenho direito.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Está garantida.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO - A Família Cozzolino governou Magé por vários anos, e
nunca foi acusada, nunca foi condenada, nunca teve um inquérito de homicídio. Enquanto a
Família Cozzolino governou Magé, jornalista não foi assassinado, vereador não foi
assassinado, portanto, não sou eu quem tem interesse. Quem tem interesse são eles,
inclusive, quero lembrar ao Plenário desta Casa que o segurança do tio dela, se não me
engano, quinta-feira passada, matou uma pessoa no Rei do Bacalhau, um outro segurança, e
a pessoa que está presa foi a mesma pessoa que foi na Casa do meu funcionário, Ozan, me
esperou o dia inteiro e eu tenho testemunha que é o Sargento Gilmar esperando o dia
inteiro. Isso por quê? Porque eu levava o funciorio todos os dias em casa. Então, ele
estava lá com certeza, tocaiando vendo a hora que eu chegava para fazer uma covardia
comigo. Todo mundo no Rio de Janeiro sabe que o Zito mata. O Zito tem uma condenação
e 28 processos, eu tinha dito 23 mas, revendo, vi que são 28 processos e eu não tenho
nenhum processo de homicídio. Nunca fui acusada de nada, e ela faltou com a verdade aqui
quando disse que o jornalista disse que eu tinha ameaçado ele de morte. É mentira. O
jornalista falou isso há dois anos mas não disse que eu tinha acusado. Citou meu nome
porque tinha rivalidade política. Agora, quem tem interesse é ela. Ela tem interesse. Agora,
se o problema para aprovar a Comissão é eu estar na frente, tudo bem, aqui tem Deputados
que são isentos como o Deputado Chico Alencar, a Deputada Cidinha Campos e outros
Deputados que são isentos, que não tem nenhum interesse. O Deputado Sivuca tem
interesse porque, evidentemente, lá tem um vereador que o aprova e ele tem interesse em
entrar em Suruí. Todo mundo sabe que ele acompanhou o Prefeito Zito, quando esteve na
Secretaria de Segurança. Todo mundo sabe que ele está aliado com ele. Todo mundo sabe
que hoje ele está aliado com o Prefeito Zito. Eu respeito isso. Isso é uma posição do
Deputado Sivuca. Agora, dizer que eu tenho interesse! Sr. Presidente, eu nunca fui acusada
de homicídio, eu não tenho um inquérito e ele tem 28 e todos com relação a homicídio.
388
O SR. PRESIDENTE ( José Cláudio) – A Presidência informa a V.Exa. que seu tempo está
esgotado, por favor, conclua.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Só para terminar, Sr. Presidente. Eu trouxe
a essa Casa o depoimento da Dra. Tânia e muito mais preocupada eu fiquei depois que li
todos aqueles crimes dos quais a Dra.nia acusa o Prefeito Zito, um por cabeçada, outro
esquartejado, e isso quem fala é um Promotora Pública. Eu estou indignada com o
Ministério Público que depois daquele depoimento nada fez contra o Prefeito de Caxias que
sempre sai imune e quem foge são as timas como fugiu a mulher do Carlão que veio a
essa Casa, deu seu depoimento e depois teve que fugir do País e todo mundo sabe disso.
O SR. PRESIDENTE (José Távora) – Sra. Deputada, seu tempo está esgotado, conclua.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Os bandidos do morro estão expostos à
pocia, no caso do Zito é diferente, quem foge são as vítimas, ele continua no mesmo lugar.
O SR. SIVUCA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) – Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Sivuca,
que foi citado.
O SR. SIVUCA (Pela Ordem) – Sr. Presidente, não apenas pela citação, mas para
esclarecer a Sra. Deputada Núbia Cozzolino. Quero tranqüiliza-la. Ela não alcançou o que
eu pretendia dizer. Ela não sabe que a chefe do meu gabinete sofreu um atentado antes de
ontem. Ela não sabia disso. A razão que eu pedi o adiamento não foi com a finalidade de
prejudica-la, em absoluto. Eu apenas entendo que a Sra. Deputada Núbia Cozzolino, por
estar envolvida com o problema, assim como está envolvida a Deputada Andréa Zito.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO — (FALA FORA DO MICROFONE).
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — Deputada Núbia, respeite o orador, como todos
respeitaram V. Exa. A senhora está extrapolando. A senhora está exaltada. Deputada,
procure o Departamento Médico.
Prossiga, Deputado Sivuca.
O SR. SIVUCA (Pela ordem) — Sr. Presidente, com o objetivo de por fim a essa discussão,
que não leva a lugar algum, lembro que sou o Presidente da Comissão de Segurança
Pública e Assuntos de Polícia, onde a Deputada Núbia Cozzolino poderia estar presente até
para relatar o que vem ocorrendo.
A verdade é a seguinte: essas Comissões Especiais e as Comissões Parlamentares de
Inquérito, em determinados casos, são supérfluas, porque já existem as Comissões
Permanentes exatamente para tratar de matérias pertinentes, e esta é uma delas.
389
Não quis, de forma alguma, alijar a Deputada Núbia Cozzolino, mesmo porque ela é do
meu partido, do palco das discussões — consideraria uma traição —, mas entendo que a
Deputada Andréa Zito não pode participar dessa Comissão e vou além, o Deputado Júnior
não pode participar dessa discussão, como membro da Comissão, que eu quero dizer. Se
não me quiserem aceitar, eu também abro mão — porque a minha chefe de gabinete foi
tima de uma atentado —, também entendo e cedo o espaço, pois sou uma pessoa
acessível, só não quero é ser mal interpretado. Por essa razão, insisto, Sr. Presidente, adie,
por duas sessões, para que possamos, num clima mais calmo, discutir este projeto.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — A matéria é vencida, já foi adiada.
O SR. WASHINGTON REIS — Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado
Washington Reis.
O SR. WASHINGTON REIS (Pela ordem) — Sr. Presidente, pelo que estou vendo, a
Assembia Legislativa está navegando e daqui a pouco irá desembocar num mar de lamas,
e porque não podemos deixar que a individualidade venha usar o plenário desta Casa para
se autopromover, porque o que estamos ouvindo aqui são coisas serssimas.
O Deputado Sivuca colocou bem que a Deputada Núbia Cozzolino não tem condição de
participar por vários aspectos que não-somente por estar envolvida, mas até por não ter
equilíbrio.
Estamos tratando de um assunto que conheço — sou da Baixada Fluminense, de Duque de
Caxias. Conheço, também, o Prefeito Zito e a politicagem da Baixada Fluminense.
Infelizmente, a Deputada está usando isto para fazer politicagem, e está falando de forma
injusta.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO — (FALA FORA DO MICROFONE)
O SR. WASHINGTON REIS (Pela ordem) — Ela é mal-educada, está despreparada para
exercer a função de Deputada, infelizmente. Ela precisa se comportar direito, porque esta
Casa não é dela, mas do povo. A Deputada tem tido um comportamento horroroso aqui.
Sempre admirei o trabalho da Deputada na área social, mas, agora, não posso compartilhar,
ficar aqui calado vendo a Deputada falar inúmeras mentiras, que ela sabe que o são. Daqui
a pouco ela vai falar que aquele avião que derrubou as torres gêmeas nos Estados Unidos
foi enviado pelo Zito. Ela está colocando a culpa no Prefeito Zito por tudo o que está
acontecendo. Sabe por que isso, Sr. Presidente? Porque a Deputada está com ódio no seu
coração por ter perdido a eleição em Magé. Ela perdeu porque quis, porque quer fazer
potica dessa forma, gritando, fazendo escândalo. Ela que é competente, trabalhadora, que
tem condição de fazer política com a força do trabalho e que é de uma família com tradição
na potica de Magé. Está na hora da senhora manter o equilíbrio.
390
O Deputado André Luiz e o Presidente foram muito felizes quando sugeriram que a senhora
procurasse um médico, um neurologista, se Deus quiser, para melhorar, porque a senhora
trabalha. Tem que procurar um neurologista. É mal-educada.
Por que não usa esta Casa onde temos que trabalhar...
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Ele tem que defender mesmo! Por causa da nacional...
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada.
O SR. WASHINGTON REIS – Sr. Presidente, a Sra. Deputadao tem equilíbrio.
Peço a V. Exa. que inclua o meu nome nessa Comissão, porque vou pedir para ampliá-la e
investigar o comportamento da Sra. Deputada nas CPI’s. A Deputada tem um passado
triste, nesta Casa, em abrir CPI de...
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Prova! Prova!
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada Núbia Cozzolino respeite...
O SR. WASHINGTON REIS – Ela não tem credibilidade alguma...
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - ...respeite o orador Sra. Deputada.
O SR. WASHINGTON REIS - ...para falar na tribuna. Fez uma CPI para apurar...
O SR. PRESIDENTE (Jo Cláudio) – Só falta pedir para a Sra. se retirar.
O SR. WASHINGTON REIS - ...evasões fiscais e saiu extorquindo emprerios, Sr.
Presidente. Eu mesmo, rasguei muitas vezes...
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sr. Deputado Washington Reis, peço que V. Exa
conclua, por favor.
O SR. WASHINGTON REIS – A Sra.Deputada não tem sabe se comportar. Por isso, peço
ao Sr. para que, enquanto eu estiver nesta Casa, essa Deputada terá que respeitar o
Parlamento e os Deputados, porque ela não está no terreiro da casa dela.
A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Nacional...
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada Núbia Cozzolino, se V. Exa.
continuar com esse comportamento vou ter que pedir para que se retire do Plenário.
Ontem, foi aprovado na Mesa Diretora a nova Comissão de Ética, que irá apurar a ética dos
Srs. Deputados, aqui, no Plenário. A Presidência não vai aceitar mais o que a Sra. está
fazendo. Respeite o Deputado que está ao microfone, da mesma forma como V. Exa. falou
391
e foi respeitada. A Presidência lhe concedeu três, quase cinco minutos. Não vou aceitar
mais isso. Porte-se como Deputada.
A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra a Sra. Deputada Alice
Tamborindeguy.
A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY (Pela ordem) – Sr. Presidente, estou muito chateada
e lamento profundamente o que está acontecendo, hoje, no Plenário desta Casa.
Sempre relacionei-me muito bem com a Sra. Deputada Núbia Cozzolino. Sempre procurei
ter uma potica de boa vizinhança com ela, mas também com todos os meus colegas desta
Casa. Porém vejo que a Sra. Deputada Núbia Cozzolino está se excedendo e se emociona
profundamente quando fala no assunto.
Acho uma sugestão ponderada a do Sr. Deputado Sivuca, quando propõe que as pessoas
envolvidas no caso não sejam membros dessa Comiso Especial. Temos que apurar a
morte desse cidadão, assim como a de qualquer pessoa que morre da mesma maneira.
Devemos apurar. Mas temos que fazer isso de uma forma isenta. Porém, estou percebendo
que isso está virando uma guerra política. A guerra potica está tomando conta do cenário.
Isso não é bom para a Assembléia e nem para que se apure o caso.
Gostaria de ler aqui o depoimento que esse cidadão fez antes de morrer. Esse depoimento,
Sra. Deputada Núbia Cozzolino, foi, realmente, concedido.
Sr. Presidente, peço que o publique no Diário Oficial.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Está deferido o pedido de V. Exa.
A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Vou lê-lo nesse momento, rapidamente.
(A Deputada faz uma leitura)
Está aqui, e gostaria que V. Exa. autorizasse a publicação.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - A Presidência já deferiu o pedido de V. Exa.
A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Obrigada.
Então, diante dos fatos expostos neste Plenário, acho de bom tom nenhuma das pessoas
envolvidas participarem da Comiso.
Muito obrigada.
392
O SR. DOMINGOS BRAZÃO – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos
Brazão.
O SR. DOMINGOS BRAZÃO (Pela ordem) - Sr. Presidente, gostaria de fazer um apelo à
Presincia: que volte à pauta. Temos ainda um Projeto na Ordem do Dia, o qual, inclusive,
interessa aos estudantes que estão hoje ocupando a galeria desta Casa.
(Palmas nas galerias.)
O SR. DOMINGOS BRAZÃO – A autoridade competente deve ter tranqüilidade para
apurar os fatos com transparência, mas sem pressão de nenhum dos lados. Esse assunto já
foi por várias vezes motivo de intervenção de pauta nesta Casa. Gostaria que a Presidência
não mais permitisse que tal fato ocorresse e se ativesse à pauta.
O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - A Presidência acata o pedido de V. Exa. e vai
prosseguir na pauta. Logo após, darei pela ordem a qualquer Sr. Deputado.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo