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GABRIEL MENOTTI
ATRAVÉS DA SALA ESCURA
DINÂMICAS ESPACIAIS DE COMUNICAÇÃO
AUDIOVISUAL - APROXIMAÇÕES ENTRE
A SALA DE CINEMA E O LUGAR DO VJING
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas
Mídias, sob a orientação do Prof. Doutor Nelson Brissac
Peixoto.
SÃO PAULO
2007
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A Rossana, José Irmo, Marcela e Fernanda.
Aos professores Amálio Pinheiro, Oscar Cesarotto e Sérgio Bayron, que me acompanharam
neste percurso; Giselle Beiguelman e Arlindo Machado, que me auxiliaram durante a (e muito
além da) qualificação; e principalmente Nelson Brissac, que me orientou.
Ao CNPQ, pela inestimável auxílio infraestrutural.
Ao Cine Falcatrua e todo mundo que passou por lá.
4
Cinema é quando a imagem se torna um
problema arquitetônico.
– Robert Hadaway
We will always choose a large amount of half-
ass solutions over the one totalizing master
plan. There are techno-cultural complexities
beyond our human capacity to compute.
– Rasmus Fleischer
5
RESUMO
6
ABSTRACT
The subject of this research is film consumption and how it circumscribes the relation
between spectator and image. What motivates our investigation is a certain delay in the
cinematographic industry: even though film production has been expanded throughout
history, benefiting from the new conditions of the image, the same hasn't occurred to film
distribution and exhibition. In fact, these two links of the chain have become stiffer within the
years, and cannot deal with all the potentials of a filmic work any longer. In the meantime,
another circuit for audiovisual consumption has spinned off from the experiences of color
music and light show: VJing, the screening of real-time generated, edited or composed video.
Free from the constraints of an established industry, VJing is still open to the possibilities of
emerging technologies. So, albeit it does not pose itself as a direct alternative to the movie
theater, the VJing space (VJ arena) can give us clues about its development. The differences
between both circuits become evident in the way by which their respective consumption
spaces are organized as media and serve to the construction of meaning. So, in the light of the
history of cinematographic screening, our work has the double objective of suggesting
prototypes for a future movie theater, more coherent with the conditions of the digital movie,
as well as establishing cinema as a paradigm for the study of VJing. In order to do so, we will
confront classical theories of cinematographic fruition with the historical development of the
screening spaces, having in mind some artistic experiences that insert themselves critically in
the movie theater. That way, we aim to create an articulation between the concepts of cinema
situation, mobilized virtual gaze and interface, in order to create a basis for the comparison
between the conventional movie theater and the place of the VJing, as well as between the
dynamics of audiovisual communication presupposed by each space.
Keywords
Cinematographic apparatus; digital cinema; cinema situation; VJing.
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: O LUGAR DO FILME ............................................................. 08
2. ARQUITETURA DA ESPECTAÇÃO .................................................................. 20
2.1 O “Primeiro Cinema” .............................................................................................. 21
2.2 Nickelodeons: fixando um lugar, reunindo a audiência .......................................... 26
2.3 Movie Palaces: sofisticação do consumo e verticalização da indústria ................... 31
2.4 Grandes transições: desvalorização da experiência e valorização do produto................................ 36
2.5 4:3 mono versus 16:9 surround: a experiência em favor do produto ...................... 41
2.6 Blockbusters, multiplexes e o aftermarket ………….............................................. 44
3. O CONTRÁRIO DO CINEMA .............................................................................. 52
3.1 Tecnologia e constrangimentos do espaço .............................................................. 53
3.2 O cinema como possibilidades de dispositivo e arquitetura .................................... 55
3.2.1 Chelsea Girls ......................................................................................................... 59
3.2.2 Cosmococas: Programa in Progress ..................................................................... 64
3.2.3 The Tulse Luper Suitcases .................................................................................... 68
4. CONCLUSÃO: ENTRE CIRCUITOS DE BAIXA IMPEDÂNCIA .................. 76
5. REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 82
8
1. INTRODUÇÃO - O Lugar do Filme
É 1995, e estamos em um restaurante de hotel. As janelas se abrem à luz de uma tarde difusa.
Ao redor, se turistas refestelam em silêncio com croissants, quiches e outros petiscos
folclóricos. O marulhar de sua alimentação, filtrado por um poderoso microfone direcional, se
transforma no ruído puramente imagético que serve de fundo para a figura de Michel Piccoli.
O ator está sentado na mesa mais próxima. Sua fisionomia descontraída ocupa quase todo o
quadro, mas não o domina. Em primeiro plano, de costas para nós, se insinua Jean-Luc
Godard. Quem visse de longe, poderia tomar por um feliz reencontro entre o criador e a
criatura que O Desprezo
1
revelara ao mundo.
Mas a imagem nos atinge enquadrada; o almoço não é casual. Foi arranjado pelo cineasta, a
propósito das comemorações dos 100 anos do Cinema, presididas por Piccoli. A câmera
apontada para o ator está gravando 2 x 50 Ans du Cinéma Français, documentário para uma
série do British Film Institute.
2
Piccoli atendeu desarmado ao convite de Godard. Estrela decana dos estúdios franceses, seu
trabalho à frente das solenidades é menos diplomático do que publicitário. Tal qual uma efígie
numismática, ele sequer representa um valor, somente o ilustra. Esperava uma refeição repleta
de causos e brindes. Nem imagina que alguém pudesse questionar as comemorações. Que
viesse perguntar, como então perguntava o cineasta: por que agora?
“Mas se é agora que se completam os 100 anos da exibição no Salon Indien”, respondia
Piccoli, sem entender, oferecendo as palmas com indisfarçável desconforto. “A primeira
exibição de cinema!”
Ao que Godard, implacável, replicava: “Mas por que não a data de criação da câmera? Por
que comemoramos a exploração comercial do cinema, e não a invenção de sua produção?”.
1
Le Mépris, 1963.
2
A série, chamada The Century of Cinema, compreende documentários realizados por diretores célebres, sobre o
cinema de seus respectivos países.
9
Antes que os questionamentos do cineasta se aprofundem em tópicos específicos do cinema
francês, vamos pausar o filme e ponderar em cima dessa questão, que interessa especialmente
a este trabalho.
Com efeito, diversos anos poderiam ter sido escolhidos para a inauguração do cinema. Por
que não 1659, quando Christiaan Huygens fez a primeira placa animada para projeção de
lanterna mágica?
3
Ou 1832, data da criação do fenaquistiscópio de Joseph Plateau, dispositivo
que reconstituía o movimento a partir de imagens discretas?
4
Ou 1890, ano em que Étienne-
Jules Marey usou sua câmera cronofotográfica para registrar uma cena animada em película
de celulóide?
5
O próprio quinetoscópio de Thomas Edison existe desde 1891, e começou a ser usado em
exibições públicas um ano antes da projeção dos Lumière.
6
A bem da verdade, os próprios
Lumière já haviam apresentado seu cinematógrafo (então também chamado de quinetoscópio)
no começo de 1895, na Société d’Encouragement pour l’Industrie Nationale, em Paris,
quando algumas dezenas de convidados viram La sortie des Usines Lumière.
7
Portanto, o que havia de especial na projeção de 28 de Dezembro 1895, realizada no Salon
Indien du Grade Café, quando Auguste Lumière (o pai) e o fotógrafo Clément-Maurice
apresentaram dez filmes para “trinta e dois curiosos”?
8
O que havia de único naquela ocasião,
que a torna apta a ser eleita como momento original do cinema?
O cinema, mais do que qualquer outra mídia, surgiu aos pedaços. Diversas cnicas e
tecnologias, criadas de maneira independente, vieram se articulando através de séculos até
que se solidificaram em um processo mais ou menos coeso de produção e consumo. O
elemento-chave dessa coesão está presente na exibição do Salon Indien: o germe do que, na
falta de termo melhor, podemos chamar de moviegoing; o ir ao cinema.
3
MANNONI: 62.
4
Idem: 222.
5
Idem: 319.
6
Idem: 382.
7
Exibição que aconteceu, mais precisamente, em 22 de Março daquele ano. Ver MANNONI: 414.
8
MANNONI: 447.
10
A exibição do Salon Indien foi a primeira pública e pagante.
9
Pública em dois sentidos: em
primeiro lugar, ao contrário do que acontecia com o quinetoscópio de Edison, feito para ser
utilizado por um espectador de cada vez, a imagem era projetada, de forma que pudesse ser
vista por várias pessoas ao mesmo tempo. Além disso, diferente da “exibição de cabine” na
Société d’Encouragement, ela era aberta a qualquer pessoa, contanto que pagasse.
Esse modelo permitiu estabelecer um circuito de consumo permanente no Salon Indien. Nos
primeiros meses de 1896, o lugar nunca esteve vazio. Exibições aconteciam durante todo o
dia, e foi o lucro decorrente delas que impulsionou a produção de novas “vistas
cinematográficas”.
10
Não por acaso, é aí que termina A Grande Arte da Luz e da Sombra, uma das mais completas
historiografias do pré-cinema, que opta por abandonar seu objeto de estudo justamente
quando ele parece ser capaz de funcionar sozinho: quando o modelo experimentado no Salon
Indien ganha o mundo.
A projeção de imagens; a reconstituição do movimento a partir de unidades discretas; sua
inscrição em película; e mesmo a exploração comercial dessa tecnologia: tudo isso surgiu
antes do cinema. O que vai reunir todas essas técnicas em um processo comum e, portanto,
inaugurar o meio é precisamente a criação de um modelo de consumo apropriado, capaz de
dar vazão e impulsionar a produção cinematográfica.
Assim, por mais que isso incomode Godard, o cinema enquanto tal surge não com a produção
do filme, mas com o seu consumo, sua “exploração comercial”. É ao redor da exibição
pública pagante que o cinema floresce; produtores se separam de exibidores; uma indústria se
consolida.
Os locais de exibição sempre ocuparam uma posição determinante na instituição
cinematográfica. É ali que o consumidor finalmente entra contato com o filme, e os
investimentos de produção devem se pagar e não podemos esquecer que temos aqui um
9
Há controvérsias. Laurent Mannoni aponta que uma sessão pública pagante teria sido realizada pelo
bioscópio de Max Skladanowsky, em de Novembro de 1895, em Berlin. Mas Skladanowsky, ao contrário dos
Lumière, não deu continuidade às suas projeções. Ver MANNONI: 444.
10
MANNONI: 449.
11
produto muito específico, que demora anos para ser feito, e cujo valor comercial se esgota a
cada dia após seu lançamento.
11
Poucas mercadorias requerem tamanho dispêndio de capital por unidade produzida quanto um
filme de longa metragem, e ele nem sequer é vendido.
12
Isso aumenta ainda mais a
importância dos seus locais de “varejo”, e a necessidade de a indústria controlar tais
magazines.
Além disso, as condições de exibição têm um impacto significativo em toda a cadeia
cinematográfica. Por um lado, são elas que fundamentam a recepção fílmica,
13
o que significa
restringir a experiência do espectador a uma dinâmica sócio-cognitiva comercialmente
determinada. Da mesma forma, a sala de projeção, este templo que é sinônimo de cinema,
define a produção e o formato do filme tanto quanto ou mais do que a película, seu suporte
secular.
Isso fica patente hoje em dia, quando a película se tornou completamente obsoleta, e
sobrevive unicamente por causa da intransigência dos expedientes tradicionais de projeção.
Tecnologias eletrônicas, historicamente ligadas ao vídeo, são amplamente utilizadas na
produção cinematográfica. Não existe nenhum filme que não seja digitalizado em alguma
etapa de sua realização, nem que seja para o tratamento de imagens.
14
Mesmo a captura de material bruto pode ser feita por câmeras digitais de alta resolução,
como aconteceu no segundo episódio da série Guerra nas Estrelas, Guerra dos Clones
(George Lucas, 2002).
15
O resultado final só continua sendo exportado para rolos de celulóide
porque a dinâmica de consumo – calcada nas salas de projeção – assim demanda.
Estamos a um passo da metamorfose do cinema em um meio inteiramente digital. Tudo o que
resta para completar esse processo é a transição dos mecanismos de distribuição e exibição.
Mas a indústria se opõe, e escolheu justamente as salas de projeção como sua última
trincheira.
11
ANDREW: 164.
12
HARK: 2.
13
Idem: 3.
14
DE LUCA: 204.
15
Idem: 204.
12
Ao contrário do que é publicizado,
16
os motivos para essa relutância não são imediatamente
estéticos. Já estão disponíveis no mercado tecnologias de projeção digital capazes de construir
imagens tão definidas quanto um dispositivo 35 mm.
17
As razões de a indústria não adotar
imediatamente essas tecnologias, que dispensariam a copiagem dos filmes em película,
provocando ganhos de produtividade em todas as instâncias da cadeira cinematográfica,
18
são
operacionais.
Produtores, distribuidores e exibidores se enrolam para definir quais os padrões mais
adequados, vantajosos para todas as partes. Esse processo é encabeçado pelo Digital Cinema
Initiative (DCI), consórcio formado pelos sete maiores estúdios de Hollywood.
19
Por trás dele,
está a resistência da indústria em ceder espaço no ponto em torno do qual gira toda a
economia do cinema; de onde essa economia pode ser controlada: suas dinâmicas de
consumo.
O principal interesse dos agentes que dominam o mercado é manter sua posição privilegiada.
A digitalização representa uma séria ameaça a esse desenho, uma vez que acarretaria o
completo sucateamento do parque tecnológico vigente, substituindo-o por uma estrutura mais
aberta, dinâmica e flexível.
20
Digitalizado, o filme é uma quantidade de bytes, matriz de altíssima qualidade, pronta para se
desviar dos canais autorizados e escoar pelo mercado informal. Digitalizada, a sala de
projeção é pouco diferente de um home theater conectado à Internet. Ela se torna tão acessível
para o espectador quanto uma câmera de gravação MiniDV ou um software de edição de
vídeo.
16
Por exemplo, em reportagens como “Projeção Digital Desagrada a Especialistas”, publicada no jornal Folha
de S. Paulo, em 29 dez. 2005.
17
DE LUCA: 21.
18
Idem: 204
19
Idem: 149.
20
Esse parágrafo também poderia se referir à Indústria Fonográfica, que, assaltada pelas tecnologias digitais, se
apega a um modelo ultrapassado de consumo, e se apropria dessas tecnologias unicamente como forma de
manutenção desse modelo (um trabalho desempenhando tanto pelos mecanismos de gerenciamento digital de
direitos, o famoso DRM, quanto pelos canais oficiais de download, como a iTunes Music Store). A comparação
pode ser bastante proveitosa para o estudo do cinema digital, mas, como não é o foco desse trabalho, deixo-a
como sugestão para possíveis interessados.
13
Dentro desse quadro, o que parece preocupar a indústria, além da proliferação descontrolada
de cópias ilegais de filmes ainda não lançados, são os efeitos que a vulgarização dos espaços
de exibição poderia causar no moviegoing.
Por muito tempo, o moviegoing foi a única dinâmica de consumo audiovisual possível. Hoje,
muito embora conviva com várias outras – filmes podem ser vistos em canais de TV,
alugados em DVD, baixados da Internet –, ele mantém sua deferência.
De forma semelhante, mesmo com a disseminação de procedimentos mais adequados às
dinâmicas de comunicação digitais que predominam em nossa sociedade, a sala de projeção
permanece preponderante no circuito cinematográfico. Ela ainda é “o primeiro e principal
ponto de vendas” de filmes,
21
de tal modo que o circuito continua se organizando ao seu
redor. Apenas de uma outra maneira.
Se antes a sala de projeção era o único local onde a indústria obtinha retorno financeiro, hoje
a venda de home vídeo e os licenciamentos de imagem representam aos produtores um lucro
ligeiramente superior do que os dividendos da bilheteria.
22
Da mesma forma, os próprios
exibidores ganham mais vendendo concessões (pipoca, refrigerante e demais comestíveis)
do que ingressos.
23
Com isso, mais do que nunca, a experiência cinematográfica fica refém de uma economia de
resultados. A projeção do filme acaba se tornando uma espécie de espetáculo de marketing
para uma série de mercados acessórios, e a sala de cinema passa a ser nada mais do que uma
vitrine,
24
em torno da qual todas as outras mídias se colocam, obedecendo ao esquema das
janelas.
25
Ironicamente, dentro da presente estrutura, as potências particulares de cada dinâmica de
consumo são anuladas. Uma obra precisa ser portável o bastante para atravessar diversas
mídias com o mínimo de adaptações, sem perder o seu apelo comercial. Para isso, ela não
21
DE LUCA: 95.
22
Idem: 151.
23
Idem: 126.
24
Idem: 95.
25
Processos de autorizações cronológicas, gradativas, para a veiculação de filmes em diversos veículos. Ver DE
LUCA: 197.
14
pode se valer de características específicas de qualquer meio nem mesmo do original, a sala
de projeção.
Com a comodificação do moviegoing, restringem-se todas as formas de espectação
cinematográfica, inclusive o próprio. O controle das salas de projeção possibilita à indústria
determinar econômica e esteticamente a recepção do filme e, em última instância, aspectos
relativos à sua produção e linguagem.
Se a digitalização assusta, é porque permite diluir esse controle, e flexibilizar as dinâmicas de
consumo a tal ponto que seja impossível utilizá-las como cancela para a produção. Cada filme
poderia buscar as formas de exibição que fossem mais adequadas à sua proposta específica, e
nem por isso deixar de ser cinema.
Mesmo dentro da indústria, timidamente, isso está acontecendo. Tanto de maneira mais
branda (como em Road to Guantanamo, último filme de Michael Winterbottom, lançado
simultaneamente para salas de projeção, televisão e Internet),
26
quanto em propostas mais
radicais (como a série Tulse Luper Suitcases, que vem sendo desenvolvida por Peter
Greenaway, de maneira articulada e complementar, em diversas mídias).
27
Por essas razões, mais do que nunca, se faz necessário pensar o consumo do filme,
especialmente suas práticas de exibição isto é, “todas as práticas que se reúnem em
determinado momento e lugar para permitir aos espectadores assistirem a um filme”.
28
Este
trabalho busca se inserir nesse campo de estudos. Nosso objeto primordial de análise é a mais
antiga dessas práticas, a projeção cinematográfica. Pretendemos tomar a sala de cinema como
modelo exemplar de uma dinâmica espacial de consumo, e presumir as características
específicas que esse tipo de situação pode causar no filme.
A exibição nunca foi um assunto especialmente favorecido pelos estudos cinematográficos.
Como aponta Robert Allen, “a história do cinema foi escrita como se os filmes não tivessem
audiência, ou fossem vistos por todo mundo da mesma forma”.
29
A principal razão que
26
Reportagem “Filme britânico terá lançamento simultâneo na Internet”, da Folha Online. Disponível em
<www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u50901.shtml>. Acesso em 15 fev. 2005.
27
<www.tulselupernetwork.com>.
28
HARK: 1.
29
ALLEN: 300.
15
Dudley Andrew coloca para tanto é que “o sistema de Hollywood nos absorveu
completamente”.
30
Estamos tão imersos no moviegoing que fica difícil questioná-lo.
Para contornar esse problema, optamos pela perspectiva do futuro historiador da cultura
visual.
31
Tendo em vista como a digitalização da cultura redefine o cinema, procuramos
confrontar a sala de projeção com outras dinâmicas espaciais de consumo audiovisual, de
maneira a focar seus aspectos particulares. Em primeiro lugar, pretendemos ter a dimensão de
um outro circuito de consumo, o do VJing.
VJing
32
se refere à projeção de vídeo gerado, editado ou composto ao vivo. O material sai
diretamente das ilhas de edição para os telões. Às vezes, uma câmera alimenta o sistema copmeete (2.46239(a)-6.26346( )-30.1643R(e)95585(t)-2.16436(a)3.)2.80561(o)-0.295585(j( )-30.16430.326995(p)-0-0.295585( )-30.1643(s)-1.2312(i)-2.62.079 -20.74244584(p)-0.2965995( )-20.1584(p)-10995(p)-5(s)-1.22997( )-20.15985 )-30.1652445840..74( )-20.1596(f)2.80561(o7.1643w995(6(t)-2.1584(p)-0.2965995( ).16558(3(s)-1.2312(i(t)-2.16436(a)3.30.32662(c)3.74(t)-2.16558(o)-0.295e.d610.326.410.3015(m)-2.4599573g0.1702(v.16920.301995(6(-11.2371( )]TJ29558(p)-0.295585(o)-0.29.995(6(-11.2371(0 Td[(o)25585(o)-0.29. )-200.266(60.223(a)3.74(o)-0.295695585(m)-2.45995(a)3.74((0r-200.26625-e)3 -0-0.29558646571( )-30.1643(u00.266(6455(its)-Cõ)-2.1648-0-0.295585(a)3.74((0f119.7)-12.17525(n)-0.295585(s)-11.23a)-0.146571( )-20.1p)-5(s)-1.22997( )2á293142( )312(t)-2.1692548573g0.1702x185(s)-11.23a))3.74(o)-0.2955571( 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16
pensar dinâmicas de consumo apropriadas para um cinema que se torna cada vez mais
eletrônico. Especialmente porque a cena VJ está fundamentada em todas as possibilidades
tecnológicas das quais a indústria cinematográfica quer distância: sistemas de projeção
digitais, redes online para troca de arquivos, sampling, remixing.
Como deve ter ficado claro, não está entre nossos objetivos suprir a lacuna existente na
bibliografia brasileira sobre técnicas de exibição.
36
Tal empreitada demandaria uma análise
mais profunda e adequada historicamente, levando em conta as condições de exibição
específicas do país, e acompanhada por uma extensa pesquisa de campo.
Nosso interesse com esse trabalho é articular dois campos aparentemente distintos, de tal
forma que, futuramente, um possa servir para o exame crítico do outro. Parece-nos que uma
ciência do VJing não pode prescindir do estudo de técnicas de exibição cinematográfica, na
mesma medida em que, ao cinema, quanto mais digitalizado, não é dado ignorar as
possibilidades de invenção resgatadas pelos VJs.
São inúmeros os relatos que falam da autonomia da projeção nos primórdios do cinema. O
fato de os filmes serem vendidos pelos produtores, ao invés de alugados,
37
mostra como o
foco da indústria no início do século passado era bem diferente do de hoje em dia. O
moviegoing se configurava mais como um ir ao cinema do que um ir ver um filme. Mesmo
porque o “filme” se realizava na hora, como pura experiência cinematográfica.
O dono de um estabelecimento tinha completo controle editorial sobre o que exibir.
38
O
operador podia usar recursos de iluminação e regular a velocidade do projetor para dar ou
corrigir o sentido das imagens.
39
A música, executada em sincronia com o filme, o
pertencia à obra em si, e sim era aplicada sobre sua fruição.
40
Dessa maneira, por mais que um
filme se repetisse, ele nunca seria visto da mesma forma.
36
Uma notável exceção é “Salões, Circos e Cinemas de São Paulo”, de Vicente de Paula Araújo, que não vai
muito além da compilação de dados e publicidade de época.
37
MACHADO, 2002: 91.
38
MUSSER: 17.
39
RICHARDSON: 75.
40
AUMONT: 45.
17
Em 1963, Stan Brackage ainda falava na projeção como performance, isto é, prática criativa.
41
Mas a marcha da indústria solapou essa capacidade, ao instituir uma dinâmica comodificada
de consumo, conforme padronizações técnicas (e de linguagem) se tornavam cada vez mais
necessárias para garantir a penetração de diferentes obras em diferentes espaços de exibição
42
(e, hoje em dia, sua circulação por um amplo espectro midiático).
43
Neste processo, o filme passou a ser eixo nervoso e pivô econômico da indústria
cinematográfica. Os tableaux vivants e os travelogues
44
perderam lugar para o blockbuster
milionário. Concomitantemente, a exibição se tornou um procedimento cada vez mais
transparente, de forma que o mínimo de interferência atuasse sobre a fruição do filme tal
como ela havia sido originalmente planejada.
Por isso, tanto o ruidoso nickelodeon quanto o opulento movie palace acabaram substituídos
pelo multiplex de shopping, local de consumo por excelência, cuja arquitetura espartana não
possui qualquer marco espacial, e favorece um fluxo ininterrupto de público e de obras.
É difícil separar causas de conseqüências nessa complicada evolução. Tudo o que nos resta é
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18
Nosso percurso começa por uma tentativa de distinguir a dinâmica de consumo particular do
moviegoing, referente à sala de projeção cinematográfica, dentro da atual configuração de
mídias.
Conforme Christian Metz, a incomparável situação cinematográfica é marcada pela
submotricidade e pela superpercepção socialmente impostas.
45
Nos dias de hoje, quando um
filme pode ser visto nas mais variadas condições, somos forçados a admitir que esses aspectos
não estão diretamente relacionados à fruição geral da obra de cinema, mas ao caso específico
da sala de projeção.
Dessa forma, podemos identificar a sala de cinema como uma interface técnico-cultural, que
impõe sua lógica não apenas ao consumo do filme, mas às diferentes mídias com as quais se
relaciona,
46
e justamente por isso seja tão resistente a mudanças.
A primeira parte deste trabalho realiza uma rápida historiografia dessa interface, tomando
como pontos-chave os modelos de exibição cristalizados em diferentes épocas: as projeções
em feiras e vaudevilles, os nickelodeons, os movie palaces e os atuais multiplexes.
Fixamos nossa análise em procedimentos universais da instituição cinematográfica,
depreendidos a partir de cruzamento bibliográfico, baseado principalmente nos estudos de
Douglas Gomery e Gregory Waller sobre o cinema dos Estados Unidos. Não nos parece
inadequado universalizar os pressupostos retirados de tais estudos, uma vez que a indústria
cinematográfica também se universaliza a partir do modelo norte-americano.
Nosso objetivo é fazer um desenho, ainda que reticente, de como o moviegoing se
transformou de um ir ao cinema em um ir ver um filme, da mesma maneira que a sala de
projeção assumiu sua presente anatomia, caracterizada pela sobre-demarcação do conteúdo, a
nulificação do espaço físico e o amortecimento da presença humana.
A segunda parte complementa esse estudo, ao evocar certas obras que, ao longo da história,
utilizaram a exibição cinematográfica como elemento criativo.
45
METZ, 1983: 425.
46
MANOVICH, 2001.
19
Nesse universo, destacam-se principalmente experiências advindas do campo das artes
plásticas, como o filme Chelsea Girls (1966), de Andy Warhol, que utiliza duas projeções 16
mm simultâneas, e as Cosmococas (1973), série de instalações de Hélio Oiticica e Neville
D’Almeida, também conhecidas como “quase-cinemas”.
Também consideraremos mais demoradamente o citado Tulse Luper Suitcases, projeto que
se desdobrou em filmes, vídeos, série para TV, websites, CD-ROM e livros e até mesmo em
uma apresentação de VJing do próprio Peter Greenaway.
47
Assim, buscamos elucidar como a sala de projeção reforça uma dinâmica de consumo
adequada somente ao cinema clássico de forma que, por mais que a produção
cinematográfica se desenvolva, ela sempre permaneça tolhida pelos espaços de exibição.
47
NOTV.
20
2. ARQUITETURA DA ESPECTAÇÃO - A construção histórica da sala de
projeção e do consumo do filme cinematográfico
A teoria cinematográfica costuma conjugar o filme a uma forma ideal de consumo, provocada
pelo direcionamento da atenção e pela restrição do comportamento espectador. Essa dinâmica,
batizada por Hugo Mauerhofer de situação cinema, implica em “um regime particular de
consciência definido pelo isolamento mais completo possível do mundo exterior e de suas
fontes de perturbação visual e auditiva”.
48
O conceito ecoa nas formulações de Christian Metz, que coloca a submotricidade e a
superpercepção do público como condições indispensáveis da experiência cinematográfica
e até mesmo da existência do filme enquanto tal. Para Metz, o filme “é somente pelo olhar”, e
depende tanto da assistência do espectador quanto de sua negação como sujeito: todas as suas
energias são drenadas para o “ver-olhar-ouvir”.
49
Essa disposição psico-fisiológica tem relação direta com a arquitetura própria da sala de
projeção, onde o filme se apresenta como único estímulo possível aos corpos amortecidos.
Evocando um cinema ideal, o próprio Mauerhofer diz que
a eliminação radical de todo e qualquer distúrbio visual e auditivo não relacionado com o
filme justifica-se pelo fato de que apenas na completa escuridão podem-se obter os melhores
resultados na exibição do filme.
50
Dessa forma, ele define a experiência cinematográfica como algo passível de ser mensurado a
partir da eficácia da sala de projeção em filtrar ruídos. Nesse sentido, a sala de projeção
ocuparia o lugar de canal de transmissão em certas teorias datadas, segundo as quais o filme
seria uma mensagem a ser transmitida com o máximo de fidelidade entre dois pólos
comunicantes.
Estudos mais recentes deixam de lado esse viés hipodérmico, mas insistem na
correspondência entre o filme, o regime de consciência do espectador e o lugar de consumo.
Lev Manovich, por exemplo, caracteriza a situação cinema como a culminância do regime de
48
MAUERHOFER: 375.
49
METZ, 1983: 425.
50
MAUERHOFER: 376.
21
espectação (viewing regime) típico das telas dinâmicas, baseado na identificação do
espectador com a imagem.
51
Mas, como ressalta Anne Friedberg, essas teorias generalizam a noção de consumo
cinematográfico a partir dos “preceitos de espectação do filme hollywoodiano clássico,
descartando estratégias opostas ou alternativas de exibição”.
52
Portando, ainda que hoje, apoiados nesses estudos seminais, possamos considerar o arranjo da
sala de projeção imprescindível para uma fruição satisfatória do filme, devemos admitir sua
construção histórica, de forma a poder considerar criticamente suas conseqüências estéticas e
econômicas – seja para assumi-las ou rejeitá-las.
A situação cinema não é a única dinâmica de consumo cinematográfico possível, como
também não é intrínseca à sala de projeção. Muito pelo contrário, foi engendrada ao longo de
anos, conforme a indústria se adequava a uma série de percalços e buscava os arranjos mais
lucrativos.
Neste capítulo, tentaremos delinear essa evolução, por meio da análise dos vários tipos de
espaços de exibição cinematográfica que se tornaram modelo em determinados períodos
históricos.
O que nos guiará por esse percurso será uma certeza que tomamos emprestada de Douglas
Gomery, a de que a exibição de filmes sempre foi um negócio. Portanto há, na base de sua
história, uma história econômica
53
uma história na qual os padrões de consumo mudam de
acordo com as mais novas técnicas do varejo.
54
2.1. O “Primeiro Cinema”
As primeiras exibições cinematográficas, ocorridas entre 1895 e 1907, são chamadas por Tom
Gunning de “cinema de atrações”, pois compreendem uma “variedade de gêneros” e
51
MANOVICH: 97.
52
FRIEDBERG, 1994: 130.
53
GOMERY, 1992: 3.
54
FRIEDBERG, 1994: 58.
22
“espetáculos descontínuos”.
55
À época, o cinema ainda não havia se fixado em lugar nenhum.
Podemos até dizer que não havia lugar apropriado para ele, tanto que boa parte das exibições
era itinerante.
56
Esse lugar foi sendo criado aos poucos, pela própria instituição
cinematográfica, na medida em que consolidava uma prática economicamente estável.
57
As projeções eram montadas em espaços tradicionalmente voltados para o entretenimento,
que possibilitassem de alguma forma sua exploração comercial. Eram lugares como feiras,
parques de diversão, quermesses, vaudevilles e cafés.
58
Então, o filme era apresentado como
melhor conviesse ao ambiente: como espetáculo ou curiosidade científica, ora em companhia
de uma apresentação de cancã, ora no lugar do homem-elefante.
A experiência cinematográfica não era apenas contaminada, como, em grande parte, definida
pela organização do lugar em que a projeção se instalava, e pelo comportamento tradicional
de seus freqüentadores. A dinâmica de consumo do filme era especialmente vulnerável às
mais diversas influências:
Os filmes eram vistos diferentemente, e tinham uma ampla gama de significados, que
dependia do bairro e do status do teatro, da bagagem étnica e racial da audiência habitual, da
mistura de sexos e idades, da ambição e das habilidades do exibidor e da equipe de
atuantes.
59
De onde, é interessante notar, aspectos relativos à produção do filme ficam de fora. Isso
porque, como nunca depois, o filme era indissociável de sua projeção ou, como diz Flávia
Cesarino Costa, “só aparecia na sua apresentação-performance”.
60
Não por acaso, os fabricantes de dispositivos cinematográficos eram os mesmos que
realizavam os filmes, e inicialmente também acumulavam a função de exibidores. Por algum
tempo, os Lumière tentaram manter o monopólio sobre a projeção, alugando seu
cinematógrafo (acompanhado por um técnico da companhia) aos estabelecimentos que
quisessem utilizá-lo. Essa tática se provou economicamente inútil, conforme aparelhos
equivalentes como o vitascópio ganharam o mercado. Em 1897, os irmãos franceses
55
CHARNEY e SCHWARTZ: 14.
56
HERZOG: 54.
57
Estabilidade que só a projeção tornou possível. Ver GOMERY: 7.
58
MACHADO, 2002: 78.
59
John Fell, apud COSTA: 64.
60
COSTA: 60.
23
haviam desistido da idéia, e estavam vendendo unidades da sua invenção para quem estivesse
interessado.
61
Como isso demonstra, no início do cinema, o que havia de particular ao moviegoing era
determinado pelo dispositivo. Tanto que as pessoas não iam ao cinema (lugar que ainda não
existia), tampouco ver um filme (produto que não possuía qualquer autonomia), mas
maravilhar-se com o cinematógrafo dos Lumière
62
ou com o vitascópio de Edison.
63
Logo, na experiência cinematográfica original, os efeitos do dispositivo o movimento e a
verossimilhança se sobrepunham em muito ao arranjo narrativo de um filme (arranjo que,
lato sensu, também podemos relacionar à sua figuratividade).
64
Como diz Manovich, o
cinema era originalmente a arte do movimento.
65
Sua essência se realizava pelo mostrar,
66
no
momento de exibição. Isso encontra correspondência na economia cinematográfica da época.
Os filmes, individualmente, não valiam grande coisa. Para começo de conversa, ao contrário
de outros brinquedos óticos populares no final do século XIX, eles não passavam de rolos de
celulóide quando em estado de latência. Desligado do dispositivo de projeção adequado, um
filme era reduzido à mais banal materialidade.
Mesmo durante sua projeção, um filme sozinho era pouco. Por várias razões, principalmente
técnicas, as obras ainda não duravam o bastante para preencher o tempo de uma sessão. Isso
também era referendado culturalmente. Em 1925, ao falar do Capitol Theater de Chicago,
John Eberson dizia: “Variedade é a primeira demanda de um blico que quer se
divertir.”
67
Então, o cinema se apoiava numa dinâmica que dependia do retorno constante do público, de
modo que a variedade de obras era mais importante do que sua qualidade.
68
As exibições
61
MANNONI: 450.
62
Sobre as primeiras exibições do cinematógrafo dos Lumière, ver MANNONI: 449.
63
As primeiras exibições de cinema nos EUA foram, na verdade, “exibições do vitascópio de Edison”, que
aconteceram no Koster & Bial’s Music Hall, em Nova York, em 1986. Ver MUSSER: 13.
64
MUSSER: 15.
65
MANOVICH: 296.
66
COSTA: 22.
67
EBERSON: 106.
68
HARK: 3
24
reuniam filmes diversos, eventualmente intercalados com outros tipos de espetáculo,
69
num
claro exemplo do que podemos denominar coleção –“um mundo imagético mais livre e
‘desconcertante’, mais surpreendente, apoiado na força de ocorrências imagéticas
descontínuas, singulares”.
70
O descaso com a especificidade dos filmes se refletia no tratamento que lhes era dispensado
enquanto produtos. Quem está acostumado com o rígido controle sobre direitos de exibição
vigente nos dias de hoje pode se espantar com o fato de que os rolos com imagens eram
originalmente cedidos ao exibidor. Como os filmes eram relativamente curtos e baratos de se
produzir, a forma mais eficiente de lucrar com sua realização era vendendo-os para os
cinemas. O valor era determinado da forma mais material possível: pela sua extensão em
metros.
71
Esse arranjo durou até meados de 1910, quando as cópias dos filmes passaram a ser alugadas.
Até então, o controle dos exibidores sobre a programação era quase pleno. Diz Suzanne
Schiller: “Quando a cópia é vendida diretamente para o exibidor, ela pode ser mostrada e
usada sem restrições”.
72
Esse controle tinha influências profundas sobre a recepção do filme. “Através da década de
1890”, conta Charles Musser, “o exibidor tinha controle criativo sobre uma série de elementos
que hoje chamamos de pós-produção”.
73
Ao organizar e apresentar seqüências de filmes curtos, eles não apenas moldavam seu
sentido, como o criavam. […] Nesse respeito, programar e editar ainda não eram fenômenos
distintos.
74
Por isso, ainda segundo Musser, a narrativa o era estranha ao cinema de atrações. A
primeira exibição do vitascópio, inclusive, teria criado “uma narrativa altamente estruturada,
apesar de oblíqua”.
75
Mas é inútil procurar essa textura em qualquer uma das seis obras
apresentadas naquela noite de 23 de Abril de 1896, uma vez que ela teria sido montada
exclusivamente durante a sua apresentação conjunta.
69
Idem: 1.
70
CHARNEY e SCHWARTZ: 14.
71
SCHILLER: 107.
72
Idem: 107.
73
MUSSER: 17.
74
Idem: 17.
75
Idem: 17.
25
Dadas as condições extremamente desreguladas de consumo do filme, o sentido criado na
exibição, embora efêmero, invariavelmente sobrepujava qualquer arranjo discursivo presente
nas obras – para o bem ou para o mal.
Em 1911, em uma crítica ironicamente intitulada The Murder of Othello, H. F. Hoffman relata
a exibição particularmente catastrófica de uma adaptação cinematográfica da peça de
Shakespeare. “Ele foi assassinado por um operador ontem à noite.”
76
Entre os vários erros cometidos pelo tal operador, o mais grave foi ter colocado o filme ao
contrário, de tal forma que “o título e as legendas apareciam invertidos”. Ao invés de parar a
exibição, ele tentou “disfarçar” o defeito, acelerando o filme cada vez que os caracteres
apareciam. Com isso, conseguiu transformar o drama em comédia, e chamar mais atenção
para si do que para o que estava na tela. Por meio do erro, o mecanismo se desvelava.
Nas críticas de Hoffman, já podemos notar certa preocupação com “aquilo que traz as pessoas
ao lugar”: o filme.
77
Também fica patente o quanto era difícil manter a coerência desse
elemento. As técnicas de exibição não eram nada transparentes, e a perfeita reprodução de
uma obra dependia da afinação de uma série de fatores sobre os quais havia padronização
meramente funcional.
Some-se a isso uma audiência um tanto quanto dispersa, e seremos forçados a admitir que a
comunicação fidedigna de uma mensagem um pouco mais complexa seria um esforço
praticamente inócuo – ou um engano.
A primeira fileira está sempre cheia de crianças batendo os calcanhares, rindo e conversando
com o filme. A todo o momento, a platéia explode em aplausos fervorosos. Os meninos
adoram assoviar acompanhamentos para a música, indiferentes ao tom e ao ritmo.
78
Embora se refira especificamente às agruras vividas pelos pianistas nos nickelodeons, o
parágrafo acima descreve bem o comportamento da platéia nas primeiras exibições
76
HOFFMAN: 73
77
Ainda assim, é uma espécie de “crítica cinematográfica” que não faz qualquer juízo de valor sobre o filme
(nem sequer cita seu diretor ou empresa produtora). Tudo o que avalia é sua reprodução momentânea. Isso
mostra como o foco do cinema ainda estava muito voltado para a exibição, uma vez que o filme não existia para
além dela.
78
BOBLITZ: 138
26
cinematográficas. Não aqui qualquer superpercepção, muito menos submotricidade mas
quem há de negar que estamos diante de uma certa situação cinematográfica?
Originalmente, o cinema não possuía um público específico; ele tomou audiência emprestada
dos vários espaços em que se inseriu. Essa gente veio trazendo uma série de expectativas
cognitivas que a projeção nunca foi obrigada a cumprir, mas os produtores não viam como
não fazê-lo, de forma a manter seu ofício comercialmente sustentável. Não havia como
controlar a platéia; era ela quem controlava as exibições.
Assim, quando os primeiros estabelecimentos para a exibição de filmes surgiram, a postura
leviana do público dos vaudevilles e das quermesses foi importada para dentro deles.
79
Eram
ambientes bem diferentes do que Mauerhofer poderia classificar como ideais. Não obstante,
tratava-se do cinema ele mesmo – como talvez nunca tenha sido depois.
2.2. Nickelodeons: fixando um lugar, reunindo uma audiência
Espaços destinados exclusivamente para a exibição cinematográfica começaram a se
popularizar por volta de 1905. Eram chamados nickelodeons, termo que combina a palavra
grega para teatro, odeon, à moeda cujo valor correspondia ao ingresso (o níquel cinco
centavos de dólar).
Essa denominação mostra o quanto o apelo desses ambientes (e de sua dinâmica de exibição
característica) estava relacionado não apenas a uma forma anterior de entretenimento público,
como também à economia e ao comércio. Mais especificamente, ao comércio popular: o
cinema era um teatro de cinco centavos – um teatro barato, um teatro para as massas.
80
O que tornava o secular divertimento burguês acessível a qualquer um era justamente a
substituição da peça ao vivo pela projeção de filmes. A automatização da cena era uma
maneira de reduzir os custos de produção e abaixar o valor de entrada. O cinema, que antes
79
A criação de estabelecimentos exclusivos para o cinema não acabaria com a exibição de filmes nos
vaudevilles, que são apontados por Charlotte Herzog como “o mais importante outlet cinematográfico” até 1915
(HERZOG: 53). Como veremos a seguir, o movie palace dará continuidade a muitas de suas características,
inclusive à programação “híbrida” e à arquitetura marcante.
80
Um teatro não seria caracterizado pelo seu preço, a menos que esse fosse muito alto ou baixo. A ironia com
que a língua helênica é usada deixa claro que temos aqui um exemplo do segundo caso.
27
era vendido como curiosidade ou maravilha da ciência, passou a ser explorado na forma de
uma encenação barata.
As dependências dos nickelodeons condiziam com essa pretensão. Ao buscar espaço nos
distritos comerciais, a exibição cinematográfica acabou por se instalar em armazéns e
armarinhos adaptados.
81
Russel Merritt diz que o típico nickelodeon era “um teatro pequeno e
desconfortável; normalmente um salão de baile, restaurante, loja de penhores ou tabacaria,
modificado para parecer com um empório de vaudeville”.
82
Não por acaso, a audiência comumente associada aos nickelodeons são as vastas camadas
proletárias dos cinturões industriais.
83
Na época, o comércio do entretenimento havia sido
especialmente favorecido pela redução das horas de trabalho e pelo aumento da renda familiar
da classe média.
84
Estabelecimentos de todo o gênero espocaram pelas cidades. Entre eles, os
únicos que se adequavam ao ritmo de vida dos operários eram os nickelodeons.
Nos Estados Unidos, o cinema passou a disputar com o bar e com a igreja o tempo de lazer da
classe trabalhadora, especialmente dos imigrantes. O preço era baixo, e os horários, frouxos o
bastante para se adequarem perfeitamente ao salário e ao tempo livre dos operários fabris.
Além do mais, para o estrangeiro recém-chegado à América, o cinema não era apenas um
espetáculo barato, como também o único compreensível. Como os filmes eram mudos, seu
entendimento dependia muito pouco do pleno domínio do inglês.
Por isso, os nickelodeons logo foram convertidos numa espécie de refúgio para a população
dos guetos. O que estava na tela pouco importava: o negócio era estar ali. Como diz Merritt,
para aquela gente, o cinema era uma forma de escapar dos sobrados precários, da
insalubridade das fábricas.
85
E era também uma maneira de conviver com o outro: a sala de
projeção, espaço único dos nickelodeons, logo se tornou um espaço de socialização.
81
Desse reaproveitamento de espaços surge um outro nome para o cinema da época, store shows que, numa
tradução grosseira, podemos chamar de “espetáculos de loja”.
82
MERRITT: 22.
83
MACHADO, 2002: 79.
84
ROSENZWEIG: 30.
85
MERRITT: 23.
28
Em uma reportagem de 1909, Jane Addams relata que, em Chicago, o cinema “está
rapidamente se tornando um centro social e um clube em muitas vizinhanças superpopulosas.
[...] A sala que abriga [...] o palco é pequena e aconchegante, e menos formal do que um
teatro regular, e há tanta conversa e interação que parece que o foyer e o fosso se fundiram”.
86
Diz Roy Rosenzweig que o público adotava um “um comportamento interativo, vivaz e
frequentemente desordeiro”,
87
que não nos parece muito diferente do comportamento da
audiência nas quermesses e nos cafés. O caso é que, embora esse comportamento estivesse
apropriado à exibição cinematográfica nesses outros lugares, não parece condizer com a
atmosfera de um teatro parâmetro segundo o qual o nickelodeon pretendia colocar a
exibição cinematográfica.
Em um texto do final da década de 1890, o crítico (de teatro) John Corbin corrobora essa
opinião, assim descrevendo a platéia do Teatro Italiano de Nova York:
Eles conversam contigo ao menor pretexto, sem nenhuma razão, e se identificam com tudo
que acontece no palco... Nos clímaxes trágicos, eles berram deliciados, e, ao fim de cada ato,
gritam em plenos pulmões.
88
O preço baixo estimulava certa “atmosfera de independência” na platéia, comportamento
informal e sociabilidade relaxada. A falta de uma estrutura gida de horários reforçava essa
atitude: como nenhuma apresentação (filme) dentro dos programas era muito longa, não havia
imperativo de chegar na hora. Para um trabalhador acostumado a bater ponto todo dia, era o
paraíso.
Assim, muito embora as classes dominantes tivessem total controle sobre o conteúdo dos
filmes, a forma de interação com as obras e os usos do espaço de exibição eram em grande
parte determinados pelo populacho. O moviegoing obedecia à dinâmica de outras recreações
da classe trabalhadora.
89
Para muitos estudiosos, isso empresta aos nickelodeons e ao início do cinema uma aura
romântica. Mas a realidade não é bem assim, mesmo porque em momento algum os
exibidores se propuseram a oferecer um entretenimento democrático eles estavam atrás de
86
apud ROSENZWEIG: 34, grifos nossos.
87
ROSENZWEIG: 32.
88
apud ROSENZWEIG: 32
89
apud ROSENZWEIG: 32
29
um negócio lucrativo. Foi por necessidade, e não por escolha, que acolheram imigrantes,
operários e desempregados. Tão logo se mostrou possível, buscaram controlar o
comportamento da audiência e elevar o nível dos espectadores.
De qualquer forma, foram os próprios nickelodeons que estabeleceram um padrão para a
distribuição nacional de filmes, e construíram a base de um público multiclasses, sem o qual a
exibição cinematográfica nunca teria alcançado seu pleno potencial. Embora Arlindo
Machado diga que os teatros de cinco centavos tinham papel econômico irrisório,
90
seu
sucesso comercial é inegável, a ponto de ter impulsionado toda a indústria que viria depois.
Rosenzweig nos como exemplo a cidade de Worcester (em Massachussets), que, nos dez
primeiros anos do século XX, viu o número de assentos nas casas de entretenimento locais
triplicar de 3.438 para 9.338 graças à abertura de cinemas baratos e ao desenvolvimento
de um público da classe operária.
91
Em 1910, já havia cerca de 10.000 salas de exibição espalhadas por todos os EUA. Essas salas
criavam uma demanda para cerca de 150 novos rolos de filme toda a semana.
92
A importância
econômica do cinema aumentava cada vez mais. Com isso, não demorou muito até a classe
média cruzar os sinistros umbrais dos nickelodeons.
A bem da verdade, o público burguês sempre esteve lá, sobretudo mulheres e crianças. Como
não possuíam muitos lugares onde se divertir, as primeiras iam ao cinema durante pausas na
jornada de compras; as outras, após as aulas.
93
Representavam menos de 30% da freqüência
total dos nickelodeons, mas eram especialmente queridas pelos empresários, pois eram um
possível ponto de apoio para a qualificação da audiência.
94
Acontece que o próprio ambiente dos nickelodeons espantava a burguesia. Em primeiro lugar,
por causa de sua insalubridade: como a maior parte eram lojas adaptadas, não se tratava do
local mais propício para duzentas pessoas passarem horas trancadas no escuro. Isso não
incomodava os trabalhadores, que viviam em condições precárias.
90
MACHADO: 79.
91
ROZENWEIG: 29.
92
MERRITT: 22.
93
Idem: 25.
94
Uma forma de atrair respeitabilidade para o estabelecimento era mantê-las ali dentro. É para isso que surge,
por exemplo, a meia-entrada.
30
Essa aversão ao espaço era somada (ou mesmo superada) pela aversão às pessoas. Diz
Rosenzweig que
[…] Parte do choque do público de classe-média não era causada pelas condições físicas dos
estabelecimentos, mas pela simples aglomeração de um grande número de trabalhadores,
que se comportavam, se vestiam, e até mesmo exalavam um odor diferente do deles.
95
Logo, se a indústria cinematográfica precisava se expandir, e a forma de fazê-lo era
absorvendo o público burguês, alguma coisa precisava ser mudada nos espaços de exibição.
A mudança começou efetivamente com a higienização do produto cinematográfico. Da
mesma forma que tentava inibir o consumo de álcool, a polícia passou a cortar cenas
“amorais” de determinados filmes.
96
Buscando reverter a coação a seu favor, tanto produtores
quanto exibidores começaram a adotar práticas de auto-censura.
Nesse sentido, não bastava tornar o filme um elemento inofensivo. Era necessário sofisticá-lo.
O apelo de novidade do cinema não era suficiente para atrair o tal público qualificado, que
também não estava interessado na socialização marginal que o espaço do nickelodeon
proporcionava.
Como vimos, o cinema passou a ser vendido como uma encenação barata. Portanto, uma
das formas de valorizar o produto era melhorar a encenação. Perseguindo os parâmetros da
peça, o drama se complica, e os filmes se tornam mais longos. Não é à toa que o cinema
narrativo clássico, e a própria situação cinema, vão ser inaugurados dentro dos
nickelodeons,
97
uma vez que ambos são tomados de empréstimo do teatro – forma de
espetáculo com a qual o nickelodeon havia emparelhado a projeção.
A sofisticação do filme vai aumentar sua importância comercial, causando uma primeira
reorganização da indústria cinematográfica. Além disso, com a complexificação do drama,
uma nova disposição cognitiva é criada na sala de projeção. Se antes o público dividia as
95
ROSENZWEIG: 35.
96
Alguns exemplos dessa “imoralidade” são as visões do Inferno, no Fausto de Goethe, e o assassinato de Júlio
César, no drama shakespeariano. Ver ROSENZWEIG: 37.
97
MACHADO, 2002: 79.
31
atenções entre a tela e seu vizinho, agora precisava focar-se no filme, para compreender o que
se passava.
Essa dinâmica colabora com as demais estratégias de “limpeza” do espaço de exibição, que
buscavam torná-lo um lugar familiar. Tais estratégias envolvem, em primeiro lugar, a
anulação da presença do outro (no caso, literalmente, do estrangeiro), tanto pela repressão do
comportamento leviano, quanto pela nulificação de sentidos “acessórios” ou seja, todos os
sentidos que não serviam ao consumo do filme.
Afinal, um dos sentidos mais afetados na sala de exibição era o olfato, que não promovia em
nada a afluência de espectadores, muito pelo contrário. Rosenzweig relata a seguinte opinião
de um correspondente de um jornal de Worcester sobre os cinemas:
Pessoas sem higiene deveriam ser convencidas a respeitar o direito dos outros. O melhor
sistema de ventilação não livraos cinemas de odores que se tornaram parte de certos
indivíduos.
98
Assim, a superpercepção em que o cinema passa a se apoiar é seletiva. O estímulo da visão-
audição (necessárias para a compreensão da história) é acompanhado pela supressão dos
demais sentidos. A anulação do outro é acompanhada por uma certa mortificação do eupela
domesticação de todas as funções fisiológicas que não sirvam para o consumo
cinematográfico.
Isso dará um novo formato ao espaço de exibição, marcado pela separação entre a sala de
projeção e a arena social. Além disso, enquanto os produtores apelavam para filmes que se
aproximavam em forma e duração das peças de teatro, os exibidores buscavam atrair o
público com carpetes luxuosos e mordomias correlatas, inaugurando a era dos movie palaces.
2.3. Movie Palaces: sofisticação do consumo e verticalização da indústria
Os nickelodeons sinalizaram uma primeira mudança na dinâmica de consumo do filme rumo
ao que temos hoje. Eles fixaram a exibição cinematográfica em um espaço determinado, e
98
ROSENZWEIG: 35.
32
buscaram reunir um público específico, que se esforçaram para educar. Mas o que
consolidaria a importância do filme seriam os espaços de exibição que vieram depois deles.
A era dos nickelodeons terminou por quase dobrar a audiência de cinema nos EUA: de 26
milhões por semana, em 1908, saltou para 49 milhões, em 1914.
99
O início da Primeira
Guerra Mundial abalou essa estrutura, mas a prosperidade conquistada pelos Estados Unidos
ao seu fim daria nova força à indústria cinematográfica.
Um vasto público estava à espera de um novo moviegoing, mais formal e estruturado, calcado
no filme de longa metragem: o aumento na duração dos programas obrigava à definição de
horários de exibição específicos e até mesmo de cadeiras marcadas.
É a partir de então, por volta de 1915, que surgem as cadeias nacionais de exibição, e, a
exemplo de outros “growing consumer-product manufaturers”, o mercado se verticaliza.
100
O
cinema havia se tornado big business. Um dos maiores. Os espaços de exibição característicos
desta época, os tão afamados palácios cinematográficos, não deixam dúvidas.
O movie palace buscava ser tudo que o nickelodeon jamais poderia ter sido: um lugar
luxuoso, de arquitetura extravagante, onde o público fosse tratado como rei. Em um artigo
escrito em 1925, Samuel “Roxy” Rothafel, proprietário da cadeia homônima de cinemas, diz
que a primeira coisa que o público quer é “sentir que o cinema é seu”.
101
Era esse tipo de
apelo, que não estava necessariamente relacionado ao reconhecimento de uma identidade
entre o espectador e a obra, que o movie palace buscava aliar ao consumo do filme.
A decoração de interior dos movie palaces era especialmente marcante, seguindo a moda de
hotéis e óperas. Os donos dos estabelecimentos, motivados pela competição, adicionavam
cada vez mais confortos ao espaço lounges, fumódromos, berçários, lanterninhas
uniformizados, e móveis luxuosos, tapeçarias, e enfeites de parede para todos admirarem”.
102
De acordo com essa gica, a própria programação passa a ser tratada como um mimo caro e
restrito. Os programas dos movie palaces irão durar cerca de 3 horas, compreendendo um
99
MERRITT: 26.
100
FÜLLER, 2002a: 94.
101
ROTHAFEL: 100
102
FÜLLER, 2002b: 46 (Film Reader)
33
filme de longa metragem (“entre cinco e sete rolos de mil pés”), curtas variados e algumas
apresentações ao vivo.
103
Os filmes de longa metragem serão especialmente importantes para essa economia, pois
servirão para dar respaldo aos maiores cinemas, segundo a hierarquia de runs de ordem de
exibições.
Os estúdios, interessados que seu reduzido estoque de cópias fosse visto pela maior
quantidade de pessoas no maior número de lugares, passam a dar preferência de distribuição
aos principais movie palaces, estabelecimentos em que cabiam até seis mil pagantes.
104
Dessa
forma, buscava-se aumentar o lucro proveniente de cada exibição e, indiretamente, a demanda
pelos mesmos filmes em cinemas menores, de interior, e salas independentes que acabavam
recebendo cópias já gastas, sujas e arranhadas, com atraso de semanas.
Dentro dessa dinâmica, a novidade de um filme passa a ser economicamente mais importante
do que a variedade de atrações nos programas. Um dos motivos para isso é prático: afinal, as
cópias efetivamente pioravam de qualidade a cada exibição. Os longa-metragens vão se
desvalorizando com o tempo, criando uma demanda permanente para novas obras.
A experiência cinematográfica a fruição do filme ganha um valor comercial, passível de
ser medido e hierarquizado. Não é por acaso que datem dessa época os primeiros estudos
psicológicos sobre o filme, onde a atenção do espectador passa a ser valorizada.
105
Segundo intensas campanhas publicitárias, os únicos lugares onde as produções
Hollywoodianas poderiam ser consumidas em toda sua excelência eram os principais movie
palaces.
106
Como deve ter ficado claro pelo aumento no valor do produto-filme, essa dinâmica de
consumo era especialmente influenciada pelos realizadores. Ao verem o crescimento do
mercado cinematográfico, os estúdios buscaram se aliar às empresas de exibição. Como diz
103
FRANKLIN: 116.
104
Idem: 117.
105
Refiro-me especificamente aos de Hugo Munsterberg, de 1916. É interessante ressaltar que Munsterberg era
famoso na época por “livros sobre psicologia e eficiência industrial, que se tornaram os manuais-padrão para a
administração e a propaganda modernas”. Ver HANSEN, 2000: 338.
106
FÜLLER, 2002a: 89.
34
Kathryn Füller, “os produtores descobriram que, possuindo os outlets mais importantes, eles
poderiam exercer um lucrativo efeito oligopolístico na massa de cinemas independentes.”
107
Nos anos 20, havia pelos EUA centenas de first-run urban theaters, possuídos ou
controlados por produtores-distribuidores como Paramout-Famous Players-Lasky, Loew’s-
MGM, Fox e Warner Brothers-First National. Eles mal representavam 20% do total de telas
do país, mas geravam a maior parte da renda dos produtores.
A consolidação desse quadro não teria sido possível sem a formação de cadeias nacionais de
exibição. Tomemos como exemplo o caso da Balaban & Katz, que ganhou o país após sua
aliança com a Paramount-Famous Players-Lasky, o maior estúdio da época. Douglas Gomery
sugere que uma análise das estratégias da Balaban & Katz pode explicar como o cinema (o
moviegoing) se tornou o entretenimento de massa dominante nos EUA.
108
No mínimo, essas
estratégias ilustram perfeitamente a lógica por trás da dinâmica de consumo preconizada pelos
movie palaces.
Em 1925, quando se uniu à Paramount, a Balaban & Katz era a cadeia de exibição mais
bem-sucedida de Chicago. Os filmes que exibia, em si, não tiveram tanta importância nessa
escalada até o topo. A empresa tinha pouco acesso aos melhores filmes; pegava o que os
competidores deixavam para trás. As salas da Balaban & Katz eram em sua maior parte
second-run.
Mas havia cinco pontos em que elas se diferenciavam da concorrência, e foram esses aspectos
que lhes permitiram dominar o mercado: localização, arquitetura, serviço, atrações de palco e
– pasmem – ar condicionado.
109
Em primeiro lugar, Balaban & Katz foi procurar novas audiências nos subúrbios. Foi longe
dos centros comerciais que a empresa ergueu as fundações de seu império, em locais de fácil
acesso a partir da pulsante malha rodoviária. Ela construiu quatro auditórios em pontos-chave
107
FÜLLER, 2002b: 47.
108
GOMERY, 2002: 91.
109
Idem: 93.
35
de Chicago, de forma que, como propagandeava, “ninguém precisa viajar mais de meia hora
para chegar a um de seus maravilhosos cinemas”.
110
Afora isso, buscava uma arquitetura atraente e funcional. A decoração de seus cinemas, além
da opulência comum a outros movie palaces, favorecia a experiência do filme. A empresa foi
a primeira a posicionar as cadeiras de tal forma que todo o público tivesse visão perfeita da
tela. As luzes eram mantidas baixas, transformando a sala de exibição em um lugar solene.
111
Assim, se impunha certa reverência à platéia, aumentando a presença do filme e, mesmo
que fosse um filme de segunda classe, ou a cópia estivesse gasta, ele ganhava destaque.
Gomery diz que os serviços oferecidos (como berçários e salões de jogos) e as atrações de
palco buscavam aumentar ainda mais o valor do espetáculo, compensando a falta de filmes de
grande sucesso.
112
O que nos leva a pensar que, ora, se qualquer show de vaudeville supria a
falta dos “melhores filmes”, então o papel do longa-metragem não era assim tão importante
para atrair o público que estava mais interessado no entretenimento regular e na ilusão de
suntuosidade.
Por outro lado, o ar condicionado talvez tenha sido uma das principais razões para o sucesso
desse tipo de espaço de exibição. Primeiro porque ele evitava que o auditório fechasse no
verão, quando a maior parte dos estabelecimentos de entretenimento comercial ficava quente
demais para suportar o público. Mais do que isso, o cinema se tornava um refúgio contra o
calor da estação. De maio a setembro, os movie palaces se convertiam em “refúgios de
verão”.
113
O ar condicionado vai colaborar para a criação de um espaço cada vez mais artificial dentro
da sala de projeção, e também para o amortecimento da presença de si e do outro. Em
temperatura agradável, deixamos de sentir nosso corpo, e o corpo do outro também deixa de
incomodar. Dessa forma, o ar condicionado apresentou uma solução indireta, mas definitiva,
para o incômodo que o odor alheio representava para o público burguês.
114
110
Idem: 95.
111
Idem: 97.
112
Idem: 98.
113
Idem: 101.
114
A nulificação da presença humana também pode ser notada no comportamento quase militar imposto ao
exército de lanterninhas que trabalhava nos movie palaces. Um artigo de 1928 sobre o gerenciamento de salas de
exibição diz que eles não só deveriam seguir rígida etiqueta, como agir como se fossem invisíveis, e de forma a
36
O modelo proposto pela Balaban & Katz logo foi imitado por exibidores em todo os EUA.
Eles passaram a oferecer um “pacote de entretenimento” que gerava o máximo possível de
lucros. As cadeias surgidas nessa época terminarão por dar forma aos três maiores estúdios de
Hollywood: MGM, Warner Bros e Paramount.
115
2.4. Grandes Transões: desvalorização da experiência e valorização do produto
Na dinâmica de exibição proposta pelos movie palaces, o filme ainda não era o único – nem o
principal foco para atrair a audiência. Ele podia até estar no centro da experiência
cinematográfica, mas, como diz Gomery, “muitos espectadores, freqüentemente, nem se
importavam com o que passava na tela”.
116
A experiência cinematográfica, em sua essência,
ainda era um evento social era “sair de casa”, razão que tantos espectadores davam para ir
ver um filme.
117
Foi justamente por isso que os produtores buscaram se aliar aos exibidores. Esse arranjo lhes
possibilitou aproveitar plenamente a nova dinâmica de exibição, valorizar seu produto e
garantir um mercado infalível.
Mas, ao final da década de 20, dois acontecimentos completamente distintos vão causar uma
nova reorganização da indústria cinematográfica, que vai aumentar a importância do filme e
diminuir a do seu espaço de consumo. São a invenção do som sincrônico e a queda da bolsa
de Nova York.
O efeito imediato da chegada do filme sonoro é o fim das apresentações ao vivo nos cinemas.
A primeira cadeia a adotar a novidade em larga escala foi justamente a Balaban & Katz. Em
1929, a maior parte das suas salas de exibição Publix já tinha sistema de som instalado,
criando um novo patamar para a indústria.
agilizar o fluxo de espectadores: “Um sistema de sinalização deve ser estabelecido para que os lanterninhas
possam indicar uns aos outros os lugares vagos nas fileiras – essa sinalização não deve ser percebida pelo
público, e deve ser efetuada sem qualquer barulho, pela localização do lanterninha e pela maneira como
posiciona suas mãos.” Ver FRANKLIN: 120.
115
GOMERY, 2002: 102.
116
Idem: 102.
117
HARK: 113.
37
Com isso, “o palco moveu-se para a tela”.
118
Os shows ao vivo perderam seu apelo econômico
logo, os exibidores trataram de cortá-los do espetáculo. Os músicos foram sendo demitidos
tão logo seus contratos expiravam.
A publicidade da época não nega: “O vitaphone [o vitascópio sonorizado] transforma cada
cadeira do estabelecimento em uma cadeira da primeira fila”.
119
A nova tecnologia estava
destinada a destruir a distância, o espaço ele mesmo. Conforme a realidade era devorada pelo
filme, que ganhava importância, a sala de cinema se esgotava.
Antes do fim daquele ano, todos os Publix já estavam equipados com som. O quadro que Ben
Hall pinta da situação é ligeiramente estarrecedor:
Um frio que não vinha do ar condicionado percorria os camarotes. Ir ao cinema se tornou
uma experiência solitária, ainda que todas as cadeiras estivessem ocupadas. A tela
barulhenta tinha ganhado a máxima importância. Os fossos de orquestra estavam vazios, e os
camarins se tornaram depósitos de displays e cartazes de refrigerante. Os gerentes de
cinema, que já haviam sido empresários cheios de orgulho e um milhão de idéias, se
transformaram de showmen em vendedores de balas.
120
Assim, a padronização técnica, conforme se mostra uma solução mais lucrativa, desencadeia
outra etapa na nulificação do espaço físico e na mortificação da presença humana,
deteriorando a convivência social que até então caracterizava o moviegoing.
O golpe de misericórdia na arquitetura de exibição barroca dos movie palaces seria dado pela
Grande Depressão. A quebra da bolsa de Nova York, em 1930, afundou os Estados Unidos
num período de grave crise econômica. Para os exibidores, ficou impossível manter o padrão
dos serviços oferecidos. Os cinemas independentes tiveram que adotar fachadas mais
modestas, diminuir de tamanho – ou simplesmente fechar.
As grandes empresas, muito embora conseguissem resistir melhor aos solavancos da
economia, enfrentavam um problema muito mais grave: a falta de público. À época, não havia
audiência disposta a pagar pelo luxo que era ir ao cinema ainda mais porque, agora, tudo o
que as salas de exibição tinham para oferecer era um filme.
118
HALL: 141.
119
Idem: 141.
120
Idem: 142.
38
A exibição cinematográfica acabou por se transformar em um constante exercício de
criatividade, um negócio que se bastava em seduzir o público das maneiras mais vis a tal
ponto que um artigo de 1938 sobre o “gerenciamento” de cinemas não traz nada além de uma
série de idéias para promoção do estabelecimento, entre as quais distribuição de brindes,
festas beneficentes, roletrando, bingo e shows de calouros.
121
Enquanto os exibidores procuravam desesperadamente um formato de consumo apropriado,
os produtores faziam malabarismos para que o valor econômico e cultural de seu filme longa-
metragem não diminuísse, e os lucros junto com ele. O cenário era propício para o surgimento
de novos estúdios. Para resguardar o escoamento de toda sua produção e conter o crescimento
de uma possível concorrência, as majors passaram a promover uma série de práticas
comerciais pouco éticas, que garantissem sua predominância nas telas. As principais eram o
block-booking e o blind bidding.
Aqueles que defendiam o block-booking como uma prática comercial legítima diziam que não
passava de “o sistema de aluguel de filmes em que o exibidor se compromete a pegar dois ou
mais ou todos os filmes oferecidos por um distribuidor, de forma a obtê-los mais barato do
que se fossem alugados individualmente”.
122
Claro que essa é uma explicação tendenciosa.
Afinal, podemos pensar pelo outro lado: para pegar os filmes que realmente queria, por um
preço justo, o exibidor acabava sendo obrigado a pegar vários outros – inclusive os péssimos.
O block-booking funcionava aliado ao blind bidding (ou blind buying), que é
o aluguel de um filme ainda não visto, normalmente em avançado estágio de produção. Era
uma parte integral do block-booking porque os distribuidores não costumam carregar uma
pilha de filmes prontos para oferecer aos exibidores. Para vender em blocos, era necessário
vender filmes ainda não concluídos.
123
Às vezes, um exibidor era obrigado a se comprometer com um filme completamente no
escuro, um ano antes que ele tivesse sido finalizado.
124
121
RICKETSON JR.: 194.
122
HARRISON: 211.
123
HUETTIG: 215.
124
SCHILLER: 110.
39
As vantagens de ambas as práticas para os estúdios são claras. O block-booking assegurava o
escoamento de toda a sua produção, e o blind bidding garantia que isso fosse feito com muita
antecedência. Em tempos de crise, não havia melhor arranjo. Em uma análise de 1944 sobre o
controle econômico da indústria cinematográfica, Mae Huettig chega a comparar tais práticas
a uma forma infalível de seguro.
125
Além disso, elas causavam um efeito colateral extremamente vantajoso: uma vez que os
exibidores acabavam comprometendo toda a sua cota de tela com os filmes das majors, não
conseguiam absorver produções independentes, ainda que fossem mais bem realizadas.
Depois que o luxo dos movie palaces perdeu seu apelo com a audiência, e as tendências de
consumo deixaram de ser pautadas pelos leading outlets, era isso que assegurava o monopólio
do mercado a uns poucos estúdios.
Além do produtor independente, quem mais perdia com esse arranjo era o próprio exibidor.
Afinal, ao invés de ir atrás de filmes melhores e mais lucrativos, ele tinha que se apegar
àqueles “certos”, com as maiores estrelas e melhores campanhas publicitárias, que lhe
garantiriam uma renda mínima mas, junto com esses, era obrigado a engolir um monte de
outros.
O dilema era profundo: sem ver tais filmes, como saber se eles seriam adequados para sua
audiência? Ou tão bons quanto o produtor prometia? No fim das contas, essas práticas de
licenciamento acabaram contribuindo ainda mais para a pasteurização da produção e da
experiência cinematográfica.
A resistência dos exibidores ao sistema do block-booking vai resultar em uma série de
disputas jurídicas, que culminarão em 1938 com uma ação antitruste imputada aos oito
maiores estúdios de Hollywood.
126
Mas o oligopólio seria mesmo quebrado dez anos depois, com o processo Estados Unidos
contra Paramount Pictures, movido pelo Departamento de Justiça dos EUA, ironicamente
contra o primeiro estúdio a formar uma cadeia de exibição nacional.
127
Em favor dos
125
HUETTIG: 216.
126
Idem: 215.
127
SCHILLER: 107.
40
exibidores, a Suprema Corte Norte-Americana determinou a ilegalidade de várias práticas
comerciais das majors, e obrigou-as a abandonar sua participação no mercado de exibição.
128
Essa decisão vai mostrar suas conseqüências após o fim da II Guerra Mundial, quando os
EUA atingem um novo período de prosperidade econômica, e salas de exibição dos mais
variados gêneros se multiplicam pelo país.
129
A nova configuração da indústria favorecerá a entrada de filmes independentes e estrangeiros
no mercado norte-americano. Com o divórcio entre produção e exibição, e o fim das práticas
que asseguravam o monopólio a uns poucos estúdios, Hollywood deixa de contar com a renda
garantida pelas salas de cinema.
Assim, a produção das majors terá que ser redimensionada, e cai 28% entre 1946 e 1956.
130
Sem ter certeza do seu escoamento, os estúdios preferem deixar de produzir filmes em
quantidade, e passam a concentrar seus esforços em umas poucas obras de alta categoria,
atraentes o bastante para conquistar a preferência dos exibidores, apesar de seu alto valor.
Os “cinemas de arte” especializados em documentários, filmes independentes e
relançamentos de clássicos do cinemão se multiplicarão nesse vácuo deixado pelo
mainstream. Em dois anos (1950-52), a quantidade de salas de arte nos EUA chegou a
dobrar.
131
Mas a queda no volume da produção Hollywoodiana não será o único motivo que levará
exibidores a apelar para conteúdos exóticos. Outra responsável pela disseminação de salas
alternativas é a TV.
128
Vale dizer que, informalmente, o block-booking e o blind bidding ainda são correntes na indústria
cinematográfica, embora sempre objeto de muita polêmica.
129
Inclusive os drive ins, resultado inevitável do car boom que se operou nos EUA nessa época. Os drive ins são
espaços de exibição com características muito particulares, constituindo um rodapé desviante na grande narrativa
sobre o consumo cinematográfico que buscamos construir aqui. Por isso, não lhes dedicaremos o espaço
merecido, muito embora possam contribuir enormemente para a compreensão das dinâmicas de exibição através
da história.
130
WILINSKY: 67.
131
FRANK: 52.
41
A partir de 1950, a entrada de televisores nos lares americanos passa a suprir as necessidades
de entretenimento familiar. A indústria não outra alternativa que não mirar uma audiência
adulta, oferecendo filmes sofisticados, maduros, que motivassem o público a sair de casa.
132
Mas esse não será o único efeito desse notável eletrodoméstico, que acabará promovendo
nova reorganização do cinema e para o bem ou para o mal contribuindo para a
cristalização de inéditos moviegoing e arquitetura de exibição.
2.5. 4:3 mono versus 19:6 surround: a experiência em favor do produto
Podemos dizer que, com o ocaso dos movie palaces, os espaços de exibição cinematográfica
entram em um longo período de metamorfose, caracterizado por uma série de abalos na
indústria que impedirão a fixação de uma dinâmica estável de consumo e de um modelo
arquitetônico característico.
É somente com a invenção da TV que esse quadro irá mudar. Como vimos, o afastamento
dos produtores do mercado de exibição havia resultado na rarefação do filme, convertendo-o
em um produto ainda mais sofisticado e valioso. A existência da TV vai consolidar a
autonomia da obra, tornando-a independente de sua projeção nas salas comerciais.
A partir de então, se faz necessário repensar as práticas de exibição, pois elas passam a
disputar não apenas o público, como o próprio produto. Em um artigo de 1948, a televisão já é
apontada como séria ameaça ao cinema: “A ciência está dando o maior susto na indústria
cinematográfica desde que os filmes surgiram, com a televisão fazendo os espectadores
‘ficarem em casa aos montes’”.
133
Nesse momento, a qualidade da experiência cinematográfica volta a ser uma preocupação,
uma vez que é ela que vai diferenciar o consumo audiovisual na sala de projeção daquele na
sala de estar. Mas a qualidade perseguida será bem diferente da que marcava os movie
palaces, uma vez que não estará relacionada à opulência social e a uma série de luxos alheios
ao filme. Muito pelo contrário, se baseará na supressão dessas (e de outras) distrações.
132
WILINSKY: 69.
133
ARCHITECTURAL RECORD: 225.
42
Em acordo com o valor conquistado pelo filme de longa-metragem, o foco do moviegoing
passa a ser a fruição ideal da obra. A televisão era relacionada a uma forma de visão distraída,
que não fazia justiça à experiência do filme. A sala de cinema passa a ser vendida como o
lugar excelente dessa experiência.
Os exibidores achavam que o que afinal definiria a supremacia sobre o eletrodoméstico seria a
“intensidade da ilusão criada”.
134
Dessa forma, passam a elaborar uma arquitetura funcional,
dedicada a garantir essa intensidade. Isso explica a implantação de uma rie de tecnologias
“imersivas” nos cinemas durante a década de 50, como o som estéreo, a widescreen e a
projeção 3D.
A widescreen talvez seja o melhor símbolo da nova dinâmica de consumo. A partir de 1952,
as telas de grande parte das salas de cinema se transformaram: a proporção tradicional
1,33/7:1 se esticou até 1,66:1 (no sistema Vista Vision) ou mesmo 2,77:1 (no Cinerama). Seu
tamanho também aumentou consideravelmente: de uma média de 20 x 16 pés, elas saltaram
para 64 x 24.
135
Esse formato buscava estimular a visão periférica do espectador, numa oposição direta à
telinha estreita (de proporção 4:3) dos televisores domésticos. Era uma forma de ampliar a
diferença entre um e outro meio, dando vantagens ao primeiro.
Além disso, em resposta à espectação passiva da TV, o cinema pretendia possibilitar a
“participação” do espectador – claro que da maneira mais cínica: oprimindo-o com o filme.
O cinema widescreen aumenta a tela a tal ponto que, embora ela não desapareça, se torne
transparente, e ofereça aos espectadores um senso de presença equivalente ao teatro, criando
um forte sentimento de participação física.
136
Um sentimento que é criado em prejuízo da
fisicalidade da própria sala e do eu – da percepção do espaço físico e do corpo.
134
Idem: 225.
135
BELTON: 239.
136
Idem: 243.
43
Outro artigo da época festeja os avanços tecnológicos que possibilitavam “a redução da
distração no espetáculo moderno”.
137
Essa supressão da distração não será um efeito acessório
da nova dinâmica espacial de consumo do filme, e sim o elemento que a tornará possível.
Belton caracteriza a nova situação da seguinte forma:
Ao contrário da “distração” que Siegfried Kracauer sugeriu caracterizar a experiência do
espectador nos movie palaces de 1920, em que a arquitetura do estabelecimento encoraja os
olhos do espectador a vaguear da tela para a decoração ao redor, Cinerama, CinemaScope e
Todd-AO contam com telas curvas e som e imagem envolventes, de forma a absorver o
espectador no mundo representado na tela: a distração dá lugar à participação cooptada.
138
Obrigada a conviver com outra forma de exibição, a sala de cinema pretende destacar uma
sensibilidade particular, e para tanto se transforma em um bolsão cognitivo, um arranjo
provisório que cria condições em favor de tal sensibilidade. Em 1949, “A Psicologia da
Experiência Cinematográfica”, de Hugo Mauerhofer, batizará essa dinâmica de consumo:
situação cinema.
No ano anterior, o arquiteto Ben Schlanger, um dos principais interessados nas
transformações dos espaços de exibição, pede um aparte ao final de uma conferência de nome
parecido, “Psychology of the Theater”. Então, ele descreve o que considera a sala de projeção
perfeita, talvez sem saber que anuncia o triunfo da nulificação do espaço e do corpo:
Um estabelecimento em que a pessoa possa se sentar e olhar o que está a sua frente sem ter
consciência do espaço físico em que está vendo o filme. Ela deve ser capaz de assistir ao
filme, se perder completamente nele, e não ter qualquer lembrete do fato de que está em um
lugar fechado assistindo a um filme.
139
Essa utopia acabaria por ofuscar a preocupação de “como o lado social da sala de cinema
pode ser traduzido em design”.
140
Como o favorecimento da percepção do filme acontecerá
em detrimento da percepção do outro, o “lado social” do moviegoing rapidamente se
desintegra. O design dos multiplex de hoje não nos permite negar: os espaços de exibição
passam a subscrever um comportamento privatizado, um isolamento ainda maior do que o do
telespectador em sua casa.
137
CUTTER: 229.
138
BELTON: 244. Attention-grabbing participation, no original.
139
CUTTER: 231, grifos nossos.
140
ARCHITECTURAL RECORD: 228.
44
A arquitetura dos movie palaces havia tido enorme sucesso em suprimir a socialização
dentro da sala de projeção, isolando-a em lugar e hora determinados: nos amplos foyers,
durante intervalos do programa. Mas, no novo modelo, nem mesmo este ambiente restará para
o convívio da audiência. O novo formato de exibição impõe um ritmo intenso de consumo,
em que não a sala de projeção, como também o foyer se torna espaço de fluxo, onde
ninguém pára para conversar, senão compra pipocas a caminho da próxima sessão.
2.6. Blockbusters, multiplexes e o aftermarket
De qualquer forma, não restavam dúvidas de que a TV havia decretado o fim de um
moviegoing regular. Entre as décadas de 60 e 70, a afluência de público às salas de exibição
diminui progressivamente, e a audiência se mostra cada vez mais seletiva com o que ver.
141
Dentro desse novo quadro, cada filme tinha que fazer sucesso por seus próprios méritos.
Interessada em criar uma rotina comercial estável a partir dessa situação, a indústria vai
novamente redimensionar o filme: para funcionar, cada obra deveria se tornar um evento, um
espetáculo irresistível. Por isso, o volume de produção cai, conforme os estúdios passam a
concentrar seus esforços na criação de uns poucos fenômenos certeiros, “os 10% que gerariam
metade da sua renda”: os blockbusters.
142
A produção de blockbusters estará diretamente ligada a uma estratégia de distribuição
específica, o mass release: o lançamento simultâneo no maior número possível de salas, de
forma a capitalizar em cima do interesse do público pela novidade, e reduzir os efeitos que um
boca-a-boca negativo pudesse gerar (uma vez que, quando a má fama se espalhasse, todos
teriam visto o filme).
O primeiro filme de grande orçamento a se utilizar dessa estratégia foi Tubarão (Steven
Spielberg, 1975), lançado em 500 salas ao mesmo tempo. Com ele, estabeleceu-se o modelo
de distribuição que se tornaria regra para a indústria:
141
PAUL: 78.
142
Idem: 79.
45
Propaganda extensiva no horário nobre da televisão, para gerar reconhecimento do nome,
seguida pela estréia do filme no maior número de mercados possível, para tirar vantagem da
propaganda nacional.
143
O filme era colocado à disposição do público como qualquer outro produto massificado. O
desenvolvimento desse modelo acabará por dar forma a um novo espaço de exibição, o
multiplex.
Multiplexes são cinemas com mais de uma sala de projeção, construídas em torno de um
foyer onde se localizam bilheteria e lanchonetes (as chamadas concessões). Ao contrário do
que se possa pensar, essa arquitetura não é nova. O primeiro cinema duplo do mundo data de
1963.
144
A popularização do modelo, entretanto, está diretamente ligada à produção dos
blockbusters e ao surgimento de um aftermarket doméstico para o filme, a partir da década de
80.
Depois do fim da II Guerra, os cinemas localizados nas regiões centrais das grandes cidades
começaram a perder prestígio para salas construídas em subúrbios distantes. Buscando uma
audiência mais constante e fugindo da especulação imobiliária, as cadeias de exibição
começaram a migrar em direção às zonas periféricas, os novos centros residenciais da urbe.
Novas salas de exibição foram construídas próximas a shopping centers, ao longo de avenidas
interurbanas lugares de fluxo constante, acessíveis a qualquer automóvel, coqueluche da
época.
Inicialmente, essas salas imitavam a estrutura dos monstruosos movie palaces: possuíam entre
500 e 1.500 lugares e uma única tela.
145
Foi justamente o mass release que motivou a
modificação maciça dessa arquitetura de exibição. Com várias telas disponíveis, seria possível
oferecer os últimos lançamentos na hora e no lugar exato que o público quisesse. O consumo
se tornava o mais imediato possível.
Em 1978, 10% dos cinemas possuíam mais de uma tela. A partir da década seguinte, esse
número aumenta espantosamente, conforme o multiplex se torna padrão no mercado.
143
Idem: 80.
144
DURWOOD: 279.
145
PAUL: 81.
46
Praticamente todo cinema construído nos anos 80 será um conglomerado de várias salas de
exibição, alguns chegando a reunir 20 delas.
146
Os movie palaces que ainda existiam, ou deixaram o mercado ou foram esquartejados para
formar várias salas menores. Seus ornamentos espalhafatosos, que enfatizavam
individualidade e audácia, foram substituídos por uma decoração racional, corporativa.
Em um discurso de 1963, o arquiteto Drew Eberson expõe os principais elementos dessa
decoração, destinados a implantar a utopia prevista por Schlanger. Trata-se de um desenho
funcional, de onde não estão excluídas “cadeiras confortáveis, com lugar o bastante para
acomodar as pernas” e “luz suficiente para inibir bolinações e tropeços”.
147
A sala de exibição está destinada a se tornar um lugar pelo qual os corpos trafeguem sem
solavancos, do qual entrem e saiam sem qualquer impedimento, e onde permaneçam imóveis
durante todo o tempo de projeção do filme sem se cansarem, sem tocarem uns nos outros.
Toda uma gama de pequenas tecnologias em favor da situação cinema começará a ser
desenvolvida, entre as quais a cadeira de estádio, que permite visão perfeita da tela para toda
a audiência.
Acontece que esse privilégio da situação cinema não se dará em favor de uma fruição
cinematográfica ideal, mas sim da otimização comercial dessa fruição. No novo modelo de
exibição, toda forma de consumo deve ser desimpedida, especialmente a do filme. Os horários
de projeção são vários, mas precisam ser rigidamente controlados e obedecidos.
A espartanização do espaço físico, acompanhada pela padronização do consumo audiovisual
segundo uma dinâmica negativa de comportamento da audiência (i.e.: passivo, marcado pela
submotricidade e superpercepção direcionada), serve para reduzir imprevistos e anular
resquícios de interação social, que acabariam por retardar o fluxo consumidor, instabilizar a
grade de programação e diminuir os lucros.
Trata-se de uma tentativa de automatizar o último acessório intransigente na exibição do
filme, a platéia.
146
Idem: 81.
147
EDGERTON: 156.
47
Tal arquitetura buscará provocar constância não apenas no fluxo de público, como também no
de obras. Para tanto, se colocará além de todas as modas e estilos, tornando-se “um cercado
completamente neutro”,
148
compatível com qualquer tipo de filme.
A personalidade desses espaços, desprovidos de quaisquer marcos arquitetônicos específicos,
será um reflexo da novidade dos filmes. Toda sala passará a ser uma sala de estréia, vazia em
sua essência, mas sempre estufada com os últimos lançamentos de Hollywood. Assim,
enquanto o edifício dos movie palaces pretendia equiparar a experiência cinematográfica ao
sonho, apelando para decorações exóticas e fachadas monumentais, os multiplexes passarão a
oferecê-la inegavelmente como um produto descartável.
149
A mudança na programação dos cinemas deixa de ser regular, e passa a seguir um modelo
darwinista chamado de “grande abrangência” (opening wide):
150
os lançamentos são
colocados em três ou quatro salas, em vários horários, de forma a ficarem amplamente
disponíveis para o público. A presença de um filme nas telas diminui conforme ele deixa de
ser novidade, e pára de atrair audiência aos borbotões.
151
Quando menos percebemos, ele não
está mais lá, e foi substituído por uma nova produção (que também está passando em outras
quatro salas, vejam só).
Esse ritmo de exibição serve aos estúdios na medida em que disponibiliza os lançamentos da
maneira mais ampla e precipitada, agilizando o retorno necessário para pagar os altos custos
de publicidade (utilizada para espetacularizar a exibição) e produção.
152
Para os exibidores, tal estrutura também não deixa de apresentar vantagens consideráveis.
Conforme os filmes se tornaram produtos caros, o custo de seu licenciamento ficou alto
demais para que a exibição fosse rentável por si só. Por isso, a venda de concessões se torna
um recurso necessário para a sobrevivência econômica das salas de cinema. Em alguns casos,
90% do lucro dos exibidores estarão ligados a esse comércio.
153
148
CUTTER: 231.
149
Ironicamente, pelo menos no Brasil, a maior parte dos mastodônticos edifícios que abrigavam movie palaces
foi convertida em igrejas evangélicas ou bingos – lugares de sonho, não obstante.
150
HARK: 5.
151
STONES: 297.
152
PAUL: 82.
153
Idem: 82.
48
Para os donos de cinema, um filme é tão bom quanto outro, já que o valor arrecadado com o
ingresso de ambos é o mesmo. Nesse sentido, a substituição de um filme velho (de público
restrito, mas constante) por um lançamento (de público efêmero e numeroso) será sempre
vantajosa, pois causará trânsito intenso pela lanchonete.
O multiplex favorece a existência das concessões porque promove maior circulação de
público do que um cinema de uma única tela.
154
A variedade de obras busca apelar para uma
audiência sortida, e as sessões são organizadas de forma que, caso os ingressos para
determinado filme estejam esgotados, outros ainda estarão à disposição do espectador. E, no
fim das contas, não importa que filme o público tenha ido ver: todos compram refrigerante.
Assim, as concessões passarão a representar a “base de lucro sólido e estável” do exibidor.
155
Grosseiramente, podemos dizer que o eixo econômico da exibição cinematográfica se
deslocado de projetar filmes para vender pipocas. Não é por acaso que as salas de cinema se
parecerão cada vez mais com lojas de departamentos, lugares que Émile Zola descreve como
máquinas de vender, repletos de dispositivos que intensificam a circulação de mercadorias e
direcionam o olhar do consumidor.
156
Por isso, também, as salas de cinema terminarão localizadas majoritariamente dentro de
shopping centers. Nesses lugares, a exibição ganhará a função de elemento catalisador;
função intimamente relacionada aos rumos que o moviegoing veio a tomar. No jargão dos
arquitetos, o cinema é o mais poderoso dos “estabelecimentos magnéticos” (magnet stores).
157
Na década de 80, os donos de shopping passaram a investir na construção de multiplexes em
seus edifícios. Isso possibilitou um crescimento ímpar do mercado de exibição, talvez o maior
da história,
158
que não dependia da aplicação direta de capital da própria indústria
cinematográfica. O interesse desses empresários era utilizar o cinema para atrair possíveis
clientes e promover seu contato com os demais magazines.
159
154
Idem: 82.
155
GUBACK: 129.
156
FRIEDBERG, 1994: 80.
157
Idem: 112.
158
PAUL: 81.
159
GUBACK: 128.
49
Espetacularizada, a exibição do filme estava se transformando em um gênero sensacional de
promoção de outros negócios. Essa condição seria consolidada com a criação do aftermarket
doméstico possibilitado pelo videotape e pelos canais a cabo. De início, essas invenções
assustaram a indústria cinematográfica tanto quanto a TV, mas os estúdios logo aprenderam a
usá-las a seu favor, expandindo o mercado para o produto-filme por meio do comércio de fitas
e exibições pay-per-view.
Para que os mercados pudessem conviver sinergicamente, sem entrar em conflito,
estabeleceu-se a dinâmica das “janelas-de-exibição”, uma forma de organizar a distribuição
do filme por diversas mídias cronologicamente. No Brasil, por exemplo,
um filme pode chegar à locadora de vídeo após 150 dias de seu lançamento em cinema, à
venda direta de DVD ou vídeo ao consumidor em 180 dias, à televisão paga por demanda
(pay-per-view) em 270 dias, à televisão paga transmitida em 330 dias e à televisão aberta,
660 dias após o primeiro lançamento em cinema.
160
Dessa forma, o aftermarket não afetou a freqüência de público às salas de exibição, a qual se
manteve estável durante as décadas de 70 e 80.
161
O faturamento de um filme no mercado
doméstico, por sua vez, estava diretamente relacionado à sua exposição nos cinemas. Com
isso, a exibição ganhou uma nova função dentro da complexa economia cinematográfica
contemporânea, bem de acordo com as outras que já apresentamos: servir de trampolim para o
lucrativo mercado doméstico.
162
Hoje, o faturamento dos estúdios com a venda de cópias para o usuário final supera o das
exibições em salas de cinema.
163
Hollywood tem se dedicado a uma nova forma de
verticalização do mercado, com o comércio de DVDs e o gerenciamento de canais de TV a
cabo Universal, MGM, Fox e Warner Bros possuem os seus. Essa penetração das majors
no ramo da exibição” permite um controle mais preciso sobre a circulação do produto e os
padrões de lançamento.
164
160
DE LUCA: 197. O sistema de regionalização dos discos de DVD possui função semelhante: preservar as
datas de lançamento dos filmes ao redor do mundo, garantindo que a ordem das janelas de exibição de cada país
seja respeitada. Como os discos de uma região não podem ser reproduzidos nos aparelhos de outra, ainda que
seja possível importar um filme para um país onde ele ainda não tenha sido exibido, é supostamente impossível
vê-lo. Ver LASICA: 23.
161
PAUL: 79.
162
Idem: 79.
163
Idem: 83.
164
GUBACK: 132.
50
Mas, mesmo com a pulverização da renda, mais do que nunca se faz necessário manter o
governo e a preponderância das salas de projeção na hierarquia de consumo cinematográfico.
É por isso que o cinema digital causa brotoejas nas majors. As novas tecnologias tornam
tecnicamente possível (e até favorecem) a criação de estruturas de distribuição e projeção
mais baratas e flexíveis, até mesmo domésticas. Graças à Internet, o lançamento de um filme
poderia ser simultâneo nas mais diversas mídias.
Para o jornalista J.D. Lasica, a digitalização dos sistemas de distribuição e exibição seria
capaz de provocar uma mudança nas dinâmicas de mercado tão profunda quanto aquela
causada pelo lançamento de Tubarão no sentido justamente de reverter a política do mass
release, redimensionando o filme e sua forma de consumo.
165
Em seu livro-reportagem Darknet, Lasica descreve como um longa-metragem ganha o mundo
em menos de três dias após seu lançamento, através de redes de compartilhamento de
arquivos peer-to-peer. Apesar de seu amplo alcance e velocidade, esse sistema possui custo
baixíssimo, e pode ser totalmente coordenado por cinco ou seis pessoas em sua maioria
estudantes, que fazem todo o trabalho de seus computadores pessoais, durante seu tempo
livre.
166
Embora à primeira vista isso possa parecer interessante para todos os estúdios, já que queima
etapas para a chegada do produto no aftermarket e divide os custos da distribuição com os
próprios espectadores, a verdade corre bem longe. Em primeiro lugar, o ambiente
desautorizado da rede favorece a pirataria. “Conforme as conexões ficam super-rápidas, os
discos rígidos dobram de tamanho e as tecnologias de compressão se aprimoram”, a
proliferação de cópias não-autorizadas de filmes se torna quase inevitável.
167
Mas o problema não é esse. A indústria também não pode abrir mão do pesado modelo de
exibição que o tempo cristalizou, pois esse modelo garante sua subsistência. Em primeiro
lugar, o valor dos filmes no mercado doméstico é em grande parte determinado (digamos, até,
construído) pelo seu sucesso nas bilheterias. Além disso, a dinâmica de consumo em vigor
165
LASICA: 95.
166
Idem: 54-55.
167
Idem: 49.
51
restringe a emergência de produtores independentes, uma vez que apenas os grandes estúdios
são capazes de arcar com lançamentos no esquema de mass release.
A experiência cinematográfica se encontra refém desse mercado corpulento e inerte.
52
3. O CONTRÁRIO DO CINEMA - Estratégias alternativas de exibição e
consumo cinematográfico
Na primeira parte deste trabalho, acompanhamos como os espaços de projeção se
normalizaram ao longo da história do cinema, priorizando uma dinâmica de consumo que
atendia às exigências econômicas da indústria o modelo chamado clássico, tão valorizado
pelas teorias de gente como Christian Metz e Jean-Louis Baudry.
169
A padronização do consumo cinematográfico, longe de preservar condições indispensáveis
para a apresentação do filme, lhe impôs certos limites, dentro dos quais não cabem nem
grandes malabarismos técnico-estético-formais, sequer as mais tímidas manifestações do
espectador.
53
singular; a relação não-interativa entre espectador e imagem; a imagem emoldurada; e a tela
de superfície plana.
171
Sob o jugo dessas soluções de mercado, promovidas ao patamar de linguagem universal,
blockbusters e filmes d’auteur não são assim o diferentes. Assistimos a todos da mesma
forma que, há seis séculos, contemplaríamos Madonnas e Santas Ceias.
3.1. Tecnologias e constrangimentos do espaço
Diferentemente do que possamos supor inicialmente, os princípios de espectação não são
resultado essencial da tecnologia cinematográfica, da câmera e do projetor. Tanto que o
período inicial do cinema, quando o dispositivo imprimia efeitos muito mais marcantes na
apresentação do filme, “está muito mais próximo do que seria uma típica situação-vídeo do
que uma situação cinema”.
172
Por situação-vídeo” entenda-se a dinâmica de consumo particular da televisão, que Arlindo
Machado qualifica como
um comportamento muito mais distraído e dispersivo do que ver cinema, que o
espectador não se encontra mais envolvido pelo fascínio hipnótico da tel7217( )]TJ/R7879(e)3.74140.23(d)-0.295585(o)-.3339( )250]TJ-23 a7o nãin4( )-63.445(n)5.72023(ã)-T(a)-2.05734(i)0.7210B1T2.16436(t)-2.16558(i)-42.164t36(t)-2.16558(i)-42.164t36(t)-2.160561(a)3.74(t)-2.16558(i)-2.165a da ec339(a)-2.0573438-6.3339(a)-6.3339(e)-2.05734(r)2tdinti iita(t)-12.1715(03365580.721099(o)-(m)-2.45995(u34( )n77(e)-734( )-05(u34( )n77(e)-734( )92( )-100905.72023(ã)-T(a)-2.05734(i)0.7210B1T2.1643(1995(o)9.7546.33537(r)-41.55617(s)3.21993(i)0.7214(i)0.721099(n)5.7217(4(d)1.d-)5.7217(e)-14.1129(m)18.4984(a)-2.06028(,)-3.16695( )-340.724P)3.74(i)-2..7210B1T2.1643(199n-4295585(i)-2.1645(i)-)2.80439(l)-2.16436(i)-2.1643606028(,i)-,i)-,i))1.d-e n pr-0.294974721099(a)-9.294974ã2(p)-0.295585(r-0.294974721099(a)-9.294974ã2(p)-0.295584)-0.295585(ia)-9.294974ãR9 12 Tf2(h)5.72170.721099(723)-2.16558(d3)-294lí54299( )250]TJ-257.792 -20.76 Td[(p)-0.294974(e)3.74(r)2.5561.76 Td[(p)-0.294974(e)3.74(r)2.805(í)-2.16558(o)-0.294974(d)-0.294974(o)-0.294974( )-140.23(i)-2.16558(n)-0.295585(i)-2.16558(c)3.74(i)-2.16558(a)3.74(l)-2.16558( )-140.23(d)-0.295585(o)-0.295585( )-150.236(c)3d1995(o)9.7546.335339(o)-6.3339( )-340.4(d)1.d- q i n4(d)1.d- s .05734(n)5.71 ssi ãa.9( )250]TJ-23 n474( )-14n474( )-14ã
54
opõe a essas características somente o moviegoing instituído pela emergência do modelo
clássico.
176
Em último caso, se os princípios de espectação fossem um simples efeito colateral do
engessamento tecnológico, eles acabariam por se tornar obsoletos conforme a tecnologia se
torna mais aberta, e as diferenças entre cinema, vídeo e imagem sintética se diluem com a
digitalização.
em 1986, o teórico de mídias Friedrich Kittler prometia que “a digitalização generalizada
da informação e dos canais apagaria as diferenças entre mídias individuais”.
177
Quinze anos
depois, Manovich se permitiria maior precisão, ao afirmar que a dia computacional
redefine a identidade do cinema, transformando suas características definidoras em meras
opções pré-setadas (default options).
178
Agora, estamos em 2007, e as coisas não são bem assim. Por mais que a quase totalidade dos
filmes incorpore imagens sintéticas e expedientes digitais de produção, o cinema ainda
persegue seu modelo canônico. Ou melhor,
a tela do cinema, a tela do televisor doméstico e a tela do computador mantêm seus lugares
distintos, ainda que o tipo de imagem que se veja em cada uma esteja perdendo sua
especificidade baseada no meio.
179
Vale a pena chamar a atenção para como essa colocação de Friedberg enfatiza a importância
do lugar na caracterização das diferentes dinâmicas de consumo. Também Manovich,
discretamente, ressalta a mudança da organização espacial durante a transição entre o
primeiro cinema e o cinema clássico. Para ele, a possibilidade de situação-vídeo no princípio
do cinema estava ligada ao fato de “o espaço da sala de projeção e o espaço da tela estarem
claramente separados”.
180
Talvez isso nos revele porque, muito embora a produção cinematográfica esteja
profundamente contaminada pelo código digital, o cinema não deixe de funcionar segundo os
176
Uma mudança de paradigma que, segundo Miriam Hansen, também foi responsável por criar a figura do
espectador. Ver FRIEDBERG, 1994: 205.
177
FRIEDBERG, 2000: 239.
178
MANOVICH: 293.
179
FRIEDBERG, 2000: 239.
180
MANOVICH: 146.
55
parâmetros clássicos. Existe um código mais poderoso para mantê-lo fiel a esses parâmetros:
a arquitetura especializada em que opera seu consumo, “a tela grande e a sala escura” citadas
por Machado.
Uma arquitetura destinada a fazer o espectador perder todo o julgamento de distância e
espaço.
181
Uma arquitetura destinada a impossibilitar todas as outras.
3.2. O cinema como possibilidades de dispositivo e arquitetura
Os princípios de espectação não se institucionalizam com a tecnologia, mas com a arquitetura.
Uniformizando o acesso espacial ao filme, também se tornam uniformes a lógica de ver e o
comportamento do usuário.
182
Por esse motivo, a situação cinema está diretamente ligada à sala de projeção e sua vocação
adquirida de pasteurizar os mais diversos tipos de obras, “despojando diferentes neros de
suas distinções originais e impondo-lhes sua lógica”.
183
Qualquer material exibido em um cinema é, no mais das vezes, apresentado e visto como um
filme narrativo de longa-metragem. Isso acontece inclusive fora do circuito comercial. Até
mesmo os festivais de audiovisual independente (que, segundo Holly Willis, revigoram a
produção regional de filmes)
184
reforçam constrangimentos favoráveis ao formato preferido
da grande indústria.
Os festivais, ao invés de adotarem uma dinâmica de consumo mais adequada à vídeoarte ou
ao filme de curta-metragem, por exemplo, promovem sessões temáticas que agrupam o maior
número possível de obras no tempo de um longa.
Essa aglutinação inevitavelmente solapa o sentido individual de cada obra, e proíbe de
antemão qualquer estratégia de exibição particular. Mal tempo para mudanças de registro
na cabeça do espectador. Todos os filmes são mostrados da mesma maneira, um atrás do
181
FRIEDBERG, 1994: 22.
182
MANOVICH: 282.
183
Idem: 65.
184
WILLIS: 16.
56
outro, em um ritmo um pouco mais intenso do que o de uma maratona televisiva de episódios
de sitcom.
As convenções adotadas na sala de projeção estão tão entranhadas na linguagem do cinema
que se espalham mesmo pra fora dela. Exibições itinerantes se esforçam por recriá-las ao ar
livre, higienizando espaços públicos que poderiam favorecer um outro tipo de obra e de
espectação.
Mas poucos realizadores se importam. Não são muitos que, como o vídeoartista Bob Wilson,
têm a dimensão do sentido criado pela dinâmica de consumo da obra sentido que
inevitavelmente se deixa degradar pela exibição em outro espaço que não o originalmente
planejado. Arlindo Machado conta que Wilson se recusou a exibir seu Vídeo 50 em uma “sala
aberta ao público”, pois “sua ‘obra’ havia sido feita para a televisão, de forma que a sua
recepção tinha de ser necessariamente bloqueada, descontínua e distraída como requer a tela
pequena”.
185
A maioria dos cineastas, quando se dispõe a protestar contra as condições de exibição, faz
reivindicações opostas às de Wilson. Para eles, interessa o arranjo que proporcione um acesso
desimpedido ao maior número de espectadores; uma estrutura que deixe transparecer a obra
em toda sua magnitude: a tela maior, o som mais potente, a sala mais escura características584(p)-0.295.7( )-130.225(c)342(i)-2.16436(o)-0.2931427G52(e)3.74(s)-1T002(e)3.74(s)-11.2.348(3.74(d)-0-70.1891(n)-10.3015(e)3(a)3.741227.225()3.74(i)-9585(e)3.74(:4(P)-4.33-2.16436(i)-2.1643295585(.)-0.147792( )-20.1596(Ah0439(a)3.74(c)3.74244(t)-2.16436(e).)-0.2955585(r)-7.20r)2.804zu.16436(e).571( )-40.1702(o)-0.2(e).)-0.295o
57
loops audiovisuais, que costumam ser apropriados de outras mídias, entre as quais o
cinema.
188
Ao exibir um filme, um VJ não se deixa limitar pela montagem predeterminada. Ele o faz
como bem entende, usando todas as possibilidades de seu software, obedecendo somente ao
ritmo da música e ao comportamento da audiência. A obra é repartida e misturada com cenas
de outros filmes, programas de TV, grafismos abstratos e animações tridimensionais.
Claro que isso é feito sem qualquer autorização dos realizadores. Muitos VJs obtêm seu
acervo copiando filmes alugados ou baixando cópias piratas da Internet.
189
Para começo de
conversa, o valor dos direitos de uso seria absurdo. Além disso, se perguntado, um cineasta
certamente ficaria horrorizado com a idéia de que o corte final de sua obra-prima fosse
estragado pelo cara da projeção.
Esse preconceito não impediu a produtora O2 de providenciar cenas de Cidade de Deus
(2002) para o VJ Alexis, que fez um remix usado na promoção do filme em circuitos em que
um trailer convencional não funcionaria. Nem inibe o documentarista Hans Beekmans de
abrir suas apresentações de live cinema à intervenção de outros artistas, que compõem a trilha
sonora das cenas que o cineasta edita ao vivo com total liberdade para mixar o som direto
dos takes.
190
De maneira semelhante, obras que se disponham a estratégias alternativas de exibição vão
renegar a situação cinema, quer se fazendo vulneráveis a influências diversas, quer se
apropriando do dispositivo e estabelecendo uma dinâmica de consumo particular, inteiramente
sua. Elas não se enquadram em espaços especializados.
Para explicitar como funcionam essas estratégias, analisaremos três obras que incorporam o
aparato em seu jogo de sentidos. A primeira é Chelsea Girls (1966), filme de Andy Warhol;
em seguida, Cosmococas (1973), série de instalações de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida;
por último, The Tulse Luper Suitcases (2003-2006), projeto multimídia de Peter Greenaway.
188
SPINRAD: 139.
189
LASICA: 15.
190
HIDDINK.
58
Cada uma possui seus próprios parâmetros de exibição, que substituem os procedimentos
normais de operação do projetor e os princípios de expectação, estabelecendo uma relação
extraordinária entre os elementos envolvidos no consumo de um filme.
The Chelsea Girls vem com “instruções de projeção muito específicas”, que detalham como
sincronizar as duas projeções que o compõem e exibir os doze rolos do filme na ordem
correta.
191
As Cosmococas vão mais longe: além de promoverem diferentes situações de
projeção (que podem até incluir redes e balões infláveis), oferecem “instruções para
performance” da audiência (como dançar e lixar as unhas).
192
The Tulse Luper Suitcases dispensa instruções, optando por recursos extremos. De um
lado, o projeto de Greenaway comporta filmes que se destinam à sala de cinema tradicional,
mas que se submetem de maneira crítica aos princípios de espectação, revelando-os pela
diegese. De outro, também inclui as chamadas Tulse Luper VJ Performances, em que os
parâmetros de exibição são definidos ao vivo pelo cineasta, entre infinitas possibilidades.
193
Não custa chamar a atenção para o fato de que esses exemplos se localizam na intersecção
entre cinema e artes plásticas. A carreira de cineasta underground de Andy Warhol é
imediatamente ofuscada por seu título de Pai da Pop Art. Oiticica, um dos fundadores do
Grupo Neoconcreto, figura entre os mais importantes artistas do Brasil. E Greenaway, com
seu cinema híbrido, sempre esteve em contato com o universo das artes tendo inclusive
realizado duas instalações, “100 Objects to Represent the World” (1992) e “The Stairs,
Munich, Projection” (1995).
194
Tal recorte não é por querer, mas também não é por acaso, e reflete diferenças históricas entre
os dois campos. Enquanto a intelligentsia do cinema se afobou para promover o mais alto
reconhecimento de seu métier
195
(um processo que colaborou com o enrijecimento dos
princípios de espectação e parâmetros de crítica), as vanguardas modernistas atacaram as
instituições de arte, se opondo a seus protocolos e mecanismos de autenticação.
196
Assim,
191
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls.
192
OITICICA: 14.
193
NOTV.
194
MANOVICH: 238-239.
195
Já em 1920, o futurista Ricciotto Canudo reivindicava para o cinema o posto de “sétima arte”. Ver JAEGER,
12.
196
FRIEDBERG, 1994: 164
59
importando mictórios para dentro de galerias ou esculpindo espirais em um lago de Nova
Jersey, o artista plástico se acostumou a questionar o circuito de consumo em que está
inserido.
197
Ao propor a análise de obras inegavelmente híbridas dentro de um campo teórico tradicional
do cinema, buscamos alargá-lo, e pensar a espectação para além do modelo proposto por Metz
e Baudry para que assim também possamos pensar um filme para além do filme; uma sala
de cinema para fora de suas paredes.
3.2.1. Chelsea Girls (Andy Warhol, 1966)
Nos silkscreens da Pop Art havia um projeto cinematográfico. Como o cinema, os close-
ups de “objetos parciais” (os lábios de Marilyn, garrafas de Coca-Cola) criam, pela
serialização, uma imagem da atemporalidade.
198
Assim, é de maneira quase natural que Andy Warhol começa a fazer filmes, toma gosto pela
coisa, e se torna um das mais importantes figuras da cena underground novaiorquina. Entre
1968 e 1972, o principal produto de sua Factory foram longas-metragens em 16mm.
199
Segundo Robert Sklar, Warhol foi o precursor do filme estrutural, gênero que evita o
mainstream abdicando de um dos “elementos essenciais do filme comercial”: a história.
200
Manovich vai além, dizendo que os primeiros filmes de Warhol talvez sejam “a única
tentativa de criar cinema sem linguagem”.
201
Eram obras que buscavam não expressar uma mensagem, mas servir como “puro estimulante
para o exercício imaginativo da audiência”.
202
Logo, sua exibição não reiterava nenhum
sentido prévio, construído pela montagem. O sentido era dado no próprio consumo, pela livre
197
Brian O’Doherty aponta, no livro cujo título inspira o deste trabalho, que a arte dos anos 70 já concentrava
suas “idéias radicais” na “atitude em relação à estrutura herdada da ‘arte’” – isto é: seu espaço, a galeria. Ver
O’DOHERTY: 86.
198
FRIEDBERG, 1994: 171.
199
HACKETT e WARHOL: XI.
200
SKLAR: 313.
201
MANOVICH: 299.
202
SKLAR: 313.
60
interação entre espectador e imagem, em que o realizador evitava intrometer processos
cinematográficos de produção.
O próprio Warhol chama atenção para a preponderância da imagem nos seus filmes, que
possuem caráter quase fotográfico. Em entrevista, declarou que não sabe qual é o seu papel
enquanto diretor: “Estou apenas fotografando o que acontece”.
203
Para ele, quem realmente
faz um filme é o “cara da câmera”.
204
Sleep (1963), sua primeira experiência cinematográfica, é um take de cinco horas do poeta
John Giorno dormindo e nada mais. Outras obras, como Eat (1963), Haircut (1963) e Kiss
61
cinema produz. Paul Spinrad até faz piada, sugerindo usar as oito horas de Empire (1964)
como wallpaper eletrônico para televisores de alta definição.
208
Acontece que o atrito com as condições normais de projeção é essencial para o agenciamento
de sentidos que esses filmes propõem. “A duração de uma mesma imagem”, que não teria
qualquer impacto em um ambiente descontraído, é o que “leva o espectador a uma nova
atenção da experiência perceptiva”.
209
em Chelsea Girls é que Warhol vai redimensionar essa estratégia, substituindo o registro
quase mecânico de atos banais por um olhar voyeur sobre a boemia novaiorquina, e elevando
o mostrar a uma forma mais sofisticada de exibicionismo.
Inteiramente thíeT.0678 -2rte thíe558(e)3.2.16558(e025(t)-2-2.45.295585.29558533.74(n)-0.295a9]TJ/R7 1T.0678 u)-0.295585(m)-37e95585(m)-37e95585(m)-38.0625 0 íe440.999386 0 0 1 538.44 40.160(h)-0.295585.39(a)3.74(z)-6.2659( h(h2s)-1.2312(e0(h)-0.295585.39(a)3(e0(h)-0.295585.39(s)-1.2312(e-140.23(f74(z))3.74(z)-6.2659374(z)-6.2659s)-1.2312(i)-2.16436(o)-0.295585(n)-0.295585(a)3.74(r42.16558(s)25(t)-2-2.4598.47.74(.)257.74(558585(t)-2.T.061)-2-2.45984(s)-1.2312(a)3.74( )-80.1938(e)3ae585(n)-0.295585(a)3.74(r42.T.061)-a)3.747<882.16436(r)2.80439(a(a)3.74(r)-)-2-2.45980k4(s)-1.2312(a)3.74( )-80.1938(295585(t)-2.(c)3I1q(a)34(s)-1.2312(a)3.74( )-80299( )250]TJ-251.188 -20.(ó)-0.294974( )-7585.39(s4-0.295585(r)389]TJ/R72-80299( )250]TJ-251.17)3.74( )-80272-80299( )2 )-3s27838 -20.(P$3i29(“)3.74024(A)1.57565(a)3.74(m)-2.4429554(l)-2.16436(e)3.909(n)-0.29497v6íe558(e)1-2.16436(a)3.74( )-40.1702(c29554.295585(r)383I1q(a)3558(e6( )250558(558(e6(585(9/R7 12 Tf0.99941 0 0 1 267.96 l)-2.1-7íe87161(i)-2.16558(ê)3.i)-65(a)3.74(m)-2.440.295585(u)-73.74(m)-.T.07u2u2u2u2u2u2u-0.147792(e)3.74(x)-10.309(n)-0.29497v1762u2u2u2u2T.0678 u)-R7 12 Tf0.8312(a)35995(e)4(l)-2.164369u2u2u23995585(u)-73.74(m)-.Ta)3.74(.2955z2u2u2u2u2T.0678 u)-R7 12 Tf1a)39)Ys)3ae585(n)2955z2u2u2u2u2T.0678 u)-R7 12j.-0.295585( )-40.1714(d) cm0 G0 gq8.33333 03.74(r42.T.061)-a)3.5585(d)-0.295585(3.74(r42.rh1e4(r42.rh1ea)3.74(t)-22M4.876)Ys)3ae585(8.74(z)-76)Y99.74(o)-0.295585( )-82.0678 u)-R7 12 Tf1aae0(h)-0.50.912j.-0.29551-.Take0(h)-0.50.893.-0.29551-.Ta912j.-0.29551-.Taa912j.-0.29530.1714(d)-0.295585(e)3.74( )-50.1773(a)3.74(t)-2.16558(o)-0.295585(s)-1.22997( )-40.1714(b)-0.294363(a)3.74(n)-0.295585(a)3.74(i)-2.16558(s)-1.2.29 uão t a b 3.7476Gid74(i)-2G0 gq7195540.1714()ar
62
O resultado foi tão positivo que motivou o Film-Maker’s Distribution Center (FMDC) a
distribuí-lo por Los Angeles, Dallas, Washington, San Diego e Kansas City. Rosalyn
Regelson, em resenha publicada no New York Times um ano após o seu lançamento, diz que
foi “o primeiro filme underground a ganhar espaço em salas de arte”.
214
A causa de sua popularidade não é nenhum mistério. Chelsea Girls retrata melodramas
libertinos, envolvendo sexo, drogas e alguma histeria – e cresce em polêmica pela sua
condição semi-documental.
Como revela Jonas Mekas, cabeça do FMDC, não sem alguma dose de publicidade: “As
pessoas que participam desse filme não são atores; ou, se estão atuando, sua atuação se torna
irrelevante. Ela se torna parte de suas personalidades.”
215
O que literalmente significa que
membros do casting, sob o efeito de entorpecentes, “sequer atentavam, ou mal atentavam,
para o fato de estarem sendo filmados”.
216
Os episódios eram abertos ao improviso, de forma que fica ainda mais difícil discernir entre a
atuação amadora e o real descontrole da cena (como se houvesse grande diferença). O puro
registro do momento de filmagem se embaralha com uma diegese incerta, como no episódio
Hanoi Hanna, em que uma picuinha entre as atrizes se incorpora de maneira natural à
história.
217
Velvet estava esperando uma ligação de uma agência de modelos, e avisou a Andy que, se o
telefone tocasse durante a filmagem, ela precisaria atender. Mas, quando o telefone toca,
Mary o tira de seu alcance, não deixando que ela atenda. Velvet pede a Mary que a deixe
atender, dizendo “você prometeu” e “é para mim”, mas Mary responde: “Não é, não.
Você é uma baranga”. O resultado é que Velvet sai do quarto, furiosa mas volta para
terminar a cena.
218
As estratégias de Warhol produziam um efeito de verdade que fazia crescer o apelo
voyeurístico do filme. O programa distribuído na premiére, por exemplo, incluía os números
dos quartos do Hotel Chelsea em que cada episódio se passava. Mas muito possivelmente
eram números falsos, mesmo porque algumas cenas não haviam sido filmadas em locação.
219
214
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls Reviews.
215
Idem.
216
Idem.
217
Ironicamente, Hanoi Hanna é um dos poucos episódios com roteiro prévio. Ver WARHOLSTARS.
218
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls.
219
WARHOLSTARS.
63
Outra característica de Chelsea Girls que suscita o voyeurismo, em seu aspecto mais invasor,
é a multiplicidade de projeções. Tendo opções a escolher, a audiência precisa inevitavelmente
ativar sua atenção.
Não que esse sistema fosse novidade. Quarenta anos antes de Chelsea Girls, houve Napoleon
(1927). O filme de Abel Gance consistia em não menos que três projeções simultâneas, e
usava “todas as combinações possíveis de imagens nas três telas para produzir efeitos de
sentido com a edição espacial”.
220
Nos anos 50, essa tecnologia daria origem ao Cinerama, em
que a projeção sincronizada de três rolos 35mm compunha a mesma imagem em uma tela
wide.
221
Mas tanto Napoleon quanto os filmes de Cinerama, cada qual por seu motivo, convocavam o
espectador a apreender toda a tela (todas as projeções) para compreender o sentido da
imagem. Chelsea Girls, pelo contrário, não. No filme de Warhol, cada episódio se basta. O
emparelhamento das cenas é fortuito, e não amarra significados: eles transbordam.
Dessa forma, suas duas projeções criam inúmeros focos de atenção. Sem saber para onde
olhar, o espectador se concentra ora em uma, ora em outra, ora em ambas ou faz como a
crítica da Arts Magazine, e examina o trecho da tela em que se misturam.
222
Apesar de não realizar grandes acrobacias semióticas, Chelsea Girls estabelece uma situação
inédita, para a qual o cinema não prevê parâmetros de consumo – sequer de projeção.
Precavido, Warhol despachava o filme com “instruções muito específicas”, detalhando a
ordem dos rolos e as deixas de cada um. No projetor da direita, deveriam ser exibidos os
episódios ímpares. No da esquerda, os pares, com cinco minutos de atraso. As instruções do
rolo 12 informam ao projecionista que “depois que o rolo 11 acabar, desligue a luz do
rolo nº 12, mas mantenha o som rolando, como música para saída e intervalo”.
223
220
BAZIN: 82.
221
Um sistema digital semelhante pode ser visto na apresentação Idiomaterno, do Museu da Língua Portuguesa,
em São Paulo.
222
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls Reviews.
223
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls.
64
Mas era quase impossível manter a plena integridade desse procedimento, uma vez que fugia
aos expedientes regulares do cinema e, além de não ser contemplado pelo savoir-faire do
projecionista, também não era necessário ao filme. Como a antologia frouxa que era, Chelsea
Girls mais parecia um quadro abstrato, e bem poderia ser pendurado de cabeça para baixo.
Por isso, até que ganhasse uma compilação em vídeo, onde o arranjo de Warhol seria
cristalizado, o filme levou uma existência mutante. Suas exibições podiam durar entre 190 e
210 minutos, “dependendo de quando o projecionista começasse os rolos”.
224
Com Chelsea Girls, esse profissional era levado a reviver o tempo em que sua atividade ainda
não era padronizada, e exigia trabalho criativo, como modular a trilha sonora e ordenar os
episódios.
225
A falta de parâmetros lhe permitia um papel editorial, como nas primeiras
sessões do vitascópio.
226
3.2.2. Cosmococas: Programa in Progress (lio Oiticica e Neville DAlmeida, 1973)
Como tantas vídeoinstalações, essa série de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida apresenta
uma proposta que se insere de maneira muito natural no campo das artes, que Maggie Morse
sumariza como “um redesign experimental do dispositivo [...]; uma orientação inédita do
corpo no espaço e uma reformulação da experiência cinética e visual”.
227
Acontece que, muito embora tenham sido planejadas para o espaço do museu, o âmbito de
questionamento das Cosmococas é cinematográfico. Neville revela que “quando pensamos
nas Cosmococas, a palavra ‘instalação’ ainda não fazia parte do vocabulário”.
228
Ditosas
vítimas deste pioneirismo, os artistas não tinham alternativa que não pensar a obra como
cinema – ou melhor, “quase-cinema”.
229
224
Idem.
225
NICO WEB SITE, The Chelsea Girls Reviews.
226
MUSSER: 17.
227
WILLIS: 76.
228
Em depoimento ao jornal Folha de S. Paulo, 30/09/06, “Galerias Investem em Hélio Oiticica”.
229
OITICICA: 6.
65
Assim, as Cosmococas têm tanto ou mais a nos dizer sobre o que fazer com o filme na sala de
projeção do que “o que fazer com o audiovisual no museu”.
230
Elas se assumem como uma
série de propostas alternativas à situação cinema (“a hipnotizante submissão do espectador
frente à tela de super-definição visual e absoluta”
231
) motivada pelo descontentamento de
Oiticica com o “cinema-linguagem”.
De certa forma, a inquietação de Oiticica é a mesma que origina este trabalho: como é que,
atentado por uma outra tecnologia de imagem, com expedientes muito mais adequados ao seu
tempo, o cinema se mantenha fundamentalmente o mesmo?
No nosso caso, a tecnologia em questão são as dias digitais. No de Oiticica, era a televisão.
Em seu caderno de notas, ele perguntaria: “A que tipo de gratuidade e chatisse (sic) fica
reduzida a linguagem-cinema quando se tem a TV?”.
232
Segundo ele, a TV desintegra a relação “espectador-espetáculo”, evidenciando os
constrangimentos do cinema. Na televisão, o “cinema-linguagem” entrevia seu limite. Para
superá-lo, seria necessário “prescindir dessa NUMBNESS q (sic) aliena o espectador cada vez
mais impaciente na cadeira-prisão”.
233
O espectador impaciente a que Oiticica se refere é aquele que “solta o CORPO no ROCK”,
dono de um outro regime cognitivo, mais adequado aos princípios de espectação da TV. Não
mais uma audiência passiva: uma audiência inquieta.
Para entrar em acordo com esse público, o cinema precisaria de JOY: alegria, felicidade
“dançar acima do chão”.
234
Em suma, é isso que Cosmococas oferece: a joy da cocaína e do
rock contra a numbness do cinema-linguagem, na forma de uma outra dinâmica de produção e
consumo.
230
LAGNADO.
231
OITICICA: 6-7.
232
Idem: 8.
233
Idem: 8.
234
Idem: 22.
66
O projeto engloba nove experimentos, identificados individualmente pela sigla CC seguida de
um número. Todos possuem a mesma espinha dorsal: projetores de slide, trilha sonora e
instruções para performance.
235
Em nenhum deles há filme.
Slides são projetados de maneira intercalada, a intervalos regulares, no teto e nas paredes do
recinto. Reproduzem fotografias de desenhos feitos com cocaína, carreiras à guisa de
maquiagem, em imagens da cultura pop.
Cada CC elege uma imagem-tema sobre o qual executa variações. Na CC1-Trashiscapes
(1973), é um retrato de Luis Buñuel na capa da New York Times Magazine. Outros modelos
são a capa do livro Grapefruit (1964), de Yoko Ono; da biografia de Marilyn Monroe, escrita
por Norman Mailer; e do disco War Heroes (1972), de Jimi Hendrix.
236
As músicas também são específicas de cada obra. CC1-Trashiscapes, por exemplo, reúne
Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Banda de fanos de Caruaru, Jimi Hendrix e
Stockhausen.
237
Mas a trilha é executada sempre do mesmo jeito: por disco ou tape, de forma
que se ajusta quase acidentalmente à projeção.
238
Assim, se Cosmococas prescinde da unilateralidade do cinema-espetáculo, é porque nem
chega a tanto.
239
Está em sua origem: a série surge como desvio de um projeto de filme de
Neville, que resulta em “programa aberto”.
240
Produção cinematográfica (“audiovisual de
ranço professoral”
241
) que se degrada e se torna processo in progress (“nem obra nem não-
obra!”
242
), quase-cinema.
Os experimentos operam pela “fragmentação do cinetismo”, dupla-decomposição: do filme
em fotogramas e do dispositivo em mecanismos discretos.
243
É como se os frames ainda não
235
Idem: 14.
236
ADRIANO.
237
Idem.
238
Idem: 15.
239
OITICICA: 9.
240
Idem: 6.
241
Idem: 9.
242
Idem: 21.
243
Idem: 11.
67
tivessem se tornado cenas, revelando a arbitrariedade do movimento e da narrativa no
cinema.
244
De maneira semelhante, o eixo que organiza a sala de projeção, formado por projetor sonoro e
tela, ainda não se alinhou. Projetores, caixas de som e paredes, dispersos pelo espaço, não
conseguem consolidar os princípios de espectação.
A única forma de compensar esse dispositivo insuficiente é por meio de uma espectação ativa.
Como os meios de baixa definição que se pretendem,
245
as Cosmococas “aguçam a
imaginação e exigem maior grau de participação do público receptor”.
246
Segundo Friedberg, o movimento da imagem no cinema é obtido em prejuízo da mobilidade
da audiência.
247
Nas Cosmococas, paralisadas, as imagens novamente requisitam essa
mobilidade. Dessa forma, deixam de ser “o supremo condutor ou fim unificante da obra”,
248
e
se tornam mera “parte-play do jogo fragmentado q (sic) origina das posições experimentais
levadas a limite”.
249
Outra peça fundamental desse jogo são as instruções para performance incluídas em cada CC
– às vezes, não de maneira explícita, mas como disponibilidades arquitetônicas.
Temos colchonetes, travesseiros e lixas de unha espalhadas pelo chão (CC1); esculturas
geométricas em esponja, entre as quais o espectador é convidado a dançar (CC2); um chão de
areia, revestido de plástico, coberto por bexigas coloridas (CC3); redes de dormir penduradas
nas mesmas paredes em que são projetados os slides (CC5).
250
Ao se relacionar livremente com essas variantes, é o espectador quem faz emergir novos
princípios de espectação os seus princípios. Formas não-comodificadas de ver, mais
244
As imagens estáticas, projetadas dessa forma, renegam o olhar virtual mobilizado que o cinema comodifica.
Ver FRIEDBERG, 1994: 110.
245
OITICICA: 13.
246
MACHADO, 1988: 61.
247
FRIEDBERG. 1994: 2.
248
OITICICA: 11.
249
Idem: 12.
250
ADRIANO.
68
próximas da rotina: “Dormir durante uma projeção da Cosmococa não causaria problema
algum”.
251
Dessa forma, Oiticica e Neville nos oferecem um cinema em que não acordos prévios, e a
realização da obra se na sua exibição, conforme o investimento do público, e em acordo
com tal investimento.
252
3.2.3. The Tulse Luper Suitcases (Peter Greenaway, 2003-)
À primeira vista, o primeiro filme da série The Tulse Luper Suitcases, The Moab Story (2003),
parece um capítulo eventual da filmografia de Peter Greenaway, uma obra que retoma
estratégias exaustivamente trabalhadas pelo diretor em outras, como o uso de coleções
como topografia narrativa (vide O Livro de Cabeceira, 1996) e a sobreposição de frames
como forma de montagem (por exemplo, em A Última Tempestade, 1991).
São precisamente essas estratégias que tornam Greenaway um prototípico representante do
que Lev Manovich chama de cinema de banco de dados (database cinema), promessa de uma
outra linguagem cinematográfica que as novas mídias se destinariam a cumprir.
253
A diferença é que, em The Moab Story, essa outra linguagem não mais se encontra em
estado de latência. O filme opera os bancos de dados como as poderosas formas simbólicas
que de fato o são – e de maneira até mais sofisticada que certos trabalhos de arte-tecnologia –,
mas pela sua negação.
Isso fica claro se o considerarmos não historicamente, em relação às outras obras de
Greenaway, e sim como parte de um sistema que envolve não apenas a instituição
cinematográfica, mas uma série de objetos e produtos que se dispõe perpendicularmente por
diversas mídias.
251
LAGNADO.
252
Em suas últimas conseqüências, seu plano talvez nos levasse ao locus preferencial do VJing: a pista de dança.
A pista é um espaço que só se ativa pela audiência: “o relacionamento entre ‘pista’ e ‘dança’ depende de pessoas
(em movimento). [...] Uma pista de dança é uma estrutura (framework) para interação”. Ver JAEGER: 43.
253
MANOVICH: 242.
69
O filme é senão uma pequena parte de The Tulse Luper Suitcases, projeto de Greenaway que
engloba três longa-metragens, uma série de TV, 92 DVDs, livros, CD-ROMs, websites e até
mesmo apresentações de VJing. Todo esse conjunto se presta a reconstituir a vida de Tulse
Luper, arqueólogo e “prisioneiro profissional”, a partir de suas 92 valises, que contêm
coleções dos mais diversos tipos.
Mas, da mesma forma que uma vida não cabe em valises, o foco do projeto não se revela em
cada um desses objetos, e sim como organização que lhes dá coerência, na relação que
estabelece entre as mídias às quais eles se integram.
O banco de dados quintessencial as valises de Luper, os catálogos de sua vida, sua vida
mesmo nunca nos é oferecido sem impedimentos. Temos que acessá-lo através dessas
diversas interfaces, que limitam cada qual à sua maneira a experiência do espectador-usuário.
Assim, Greenaway evidencia tanto a integridade do banco de dados quanto das diversas
formas de operá-lo.
É somente reunindo as percepções limitadas por cada mídia que podemos deduzir a vida de
Luper. Essa dedução não é automática; implica numa múltipla negação de interfaces, que por
sua vez depende de reconhecer o funcionamento e as características específicas de cada uma.
Assim, ao contrário de projetos que festejam a confluência de mídias, The Tulse Luper
Suitcases funciona graças à sua nítida separação.
Por isso, The Moab Story é um filme extremamente self-conscious, tanto na tradução literal
consciente de si quanto no sentido popular da expressão constrangido. Possui escrúpulos
de sua condição de filme, se deixa limitar por ela, e evidencia tais limitações ao insinuar
outras interfaces.
Em rias cenas, The Moab Story sugere operações típicas das novas mídias. Uma das mais
reveladoras é aquela em que Luper e seu amigo Martino Knockavelli conversam trancados
num depósito de carvão. A menção da palavra “gordo” faz surgir fotos de pessoas gordas na
tela, uma após a outra, como thumbnails resultantes de uma busca de imagens do Google.
A diferença é que ali não busca; simplesmente seu procedimento, cristalizado da causa
ao efeito pela interface-filme. É o próprio filme que opera tudo aquilo que é operado no filme:
70
o que evoca as imagens é o diálogo entre as personagens, sempre o mesmo; o que aparece são
sempre as mesmas fotos, inseridas na pós-produção. O filme conversa apenas consigo.
Mas as operações estão evidentes, e não como simulação ou, como o próprio Manovich
coloca, como uma mera “reação às convenções das novas mídias”.
254
O que há é uma
aplicação dessas convenções em outro sistema tecnológico, que as sujeita ao seu próprio
funcionamento, esgotando seu potencial.
Elas se apresentam como possibilidades poéticas, prestidigitações. Sabemos que o gico
flutua sustentado por finos cabos metálicos, mas nem por isso deixamos de apreciar o truque.
E, da mesma forma que essa fantasmagoria nos revela a distância entre o homem e os
pássaros, o esgotamento das operações evidencia as diferenças entre a tela dinâmica e a tela
interativa.
255
São justamente essas diferenças que invalidam a plena aplicação do rótulo database cinema
ao filme, a qualquer filme. Para Manovich, os bancos de dados são “coleções de itens em que
os usuários podem executar várias operações”.
256
. A coleção não é um modelo organizacional
de todo estranho ao meio cinematográfico, mesmo porque serviu como paradigma para o seu
desenvolvimento pré-histórico.
257
Por outro lado, desde que foi inaugurado, o cinema se
caracteriza pela falta de domínio do usuário sobre a interface de consumo.
Através dos anos, a instituição cinematográfica constitui-se no sentido de limitar cada vez
mais o controle do espectador sobre as condições de recepção do filme. A sala de projeção,
lugar excelente para a exibição, é um mecanismo que sublima essa relação a ponto de inverter
a equação normal: ela cria condições em que é o filme que opera sobre o usuário – não apenas
fazendo-o chorar ou sorrir, mas efetivamente controlando seu estado-de-ser durante o tempo
da sessão.
Para Greenaway, é daí que surge a poética particular do cinema. Isso fica implícito quando ele
proclama a data de morte da sétima arte: 31 de setembro de 1983, dia da entrada do controle
remoto nos lares americanos. Segundo ele, o controle remoto “implica em certas noções de
254
Idem: 288.
255
Respectivamente, a tela de cinema e a tela do computador. Ver MANOVICH: 96 e 100.
256
MANOVICH: 219.
257
CHARNEY e SCHWARTZ: 14.
71
interatividade, e o cinema não pode ser interativo”.
258
Aquilo que considera o formato
standard do cinema “a perseguição linear uma história contada cronologicamente de cada
vez”
259
não combina com o vaguear disperso instituído pelo zapping, e muito menos com a
versatilidade modular do meio digital.
Esse conceito de cinema adequado ao modelo clássico não se revela apenas no jogo
estratégico que Greenaway faz com as convenções das novas mídias, mas na própria diegese
de The Moab Story: em todas as vezes que Luper descarta um gancho que desencadearia outro
plot; na metalinguagem rasteira que incorpora trechos do roteiro e testes de elenco à
história
260
– e principalmente em seu argumento.
O principal cenário do filme é um deserto do meio-oeste norte-americano, paisagem que
remete à “clássica mitologia Americana em que o indivíduo descobre sua identidade e
constrói seu caráter movendo-se pelo espaço”.
261
Não obstante, a figura do explorador,
personagem reincidente de tais epopéias, é a perfeita antítese de Luper, que “se formou
arqueólogo; deve ser visto como um colecionador; considerava-se arquivista; tinha especial
admiração pelos colecionadores, lexicógrafos, enciclopedistas, e todos que se esforçavam por
ordenar o mundo sob um sistema”. Enquanto o explorador se entrega ao mundo (e se descobre
nesse processo), o colecionador procura apreendê-lo (e acaba se tornando refém de seus
métodos).
262
Não por acaso, Thomas John Inox, um dos falsos especialistas que presta depoimento sobre
Luper durante The Moab Story, classifica sua vida como uma história de prisões. Luper está
sempre encarcerado em algum lugar em um depósito de carvão, em um quarto de hotel, em
uma banheira. Seus momentos de liberdade são tão raros que servem como turning points do
filme.
Pouco após chegar ao deserto, ele se torna prisioneiro de uma família mórmon com a qual
pretendia se hospedar. O cenário repleto de possibilidades e aventuras em que se essa
258
Declaração feita em conferência durante o festival zemos98. Uma gravação está disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=9SSqIlaiB5U>.
259
GREENAWAY: 21.
260
Outro momento interessante é aquele em que uma secretária, ao transcrever o diálogo entre dois personagens,
obtém como se fosse o roteiro do filme, operando a engenharia reversa do meio por meio da diegese.
261
MANOVICH: 271.
262
Esse aparente paradoxo é outro tema recorrente das obras de Greenaway. Manovich o analisa tomando por
base o filme The Draughtsman’s Contract (1982). Ver MANOVICH: 104.
72
prisão o deserto faz destacar a impotência de Luper diante da sua sina. Existe um
mundo ao seu redor, mas ele não pode explorá-lo, pois está impedido de se mover.
Sua situação aponta diretamente para a de outros dois prisioneiros, o espectador e o cineasta.
Existe um enorme banco de dados por trás de The Moab Story, mas eles não podem navegá-
lo, pois estão restritos ao suporte e à interface de consumo típicos da instituição
cinematográfica. Inscrito na película, exibido em uma sala de projeção, o filme não está
aberto a variações. É somente uma história.
Ironicamente, a condição de prisioneiro do espectador lhe é revelada no momento em que se
sujeita à situação cinema, já que esta promove e depende de sua identificação com Luper. Ver
um filme significa não poder se mover nem pelo espaço físico nem pelo virtual (o banco de
dados), estar preso tanto a um lugar quanto à trajetória que o diretor engendrou.
A exibição também é a ruína do diretor, pois o obriga a interromper o processo criativo e
recusar inúmeras possibilidades de montagem e narrativa. Segundo Manovich, e que o
cinema se separa do banco de dados. “Durante a montagem, o editor constrói a narrativa do
filme a partir de um banco de dados [de cenas], criando uma trajetória única através do espaço
conceitual de todos os filmes possíveis que poderiam ter sido construídos”.
263
Por isso, Luper é também uma representação de Greenaway, embaixador que o diretor usa
para comunicar sua vaidade à audiência, inclusive atribuindo à personagem a realização de
dois de seus filmes menos conhecidos, Vertical Features Remake (1976) e Water Wrackets
(1975).
Luper é a essência do cineasta, que busca dar conta do mundo por amostragem (sampling) e
catalogação (quantization), um processo cujo resultado é nada além de uma porção
insuficiente, cujos contornos são dados pela forma de seu receptáculo – um filme, enfim.
A coisa muda de figura nas Tulse Luper VJ Performances, em que as cenas que compõem os
três filmes da série o apenas The Moab Story, como também Vaux to the Sea (2004) e
263
MANOVICH: 237.
73
From Sark to the Finish (2003) – são editadas ao vivo por Greenaway. Nessas apresentações,
as valises de Luper são finalmente liberadas do jugo do dispositivo cinematográfico.
A primeira Tulse Luper VJ Perfomance aconteceu em 17 de Junho de 2005, em Amsterdã. O
palco foi o Club 11, bar-restaurante-boate situado no 11º andar de um antigo prédio dos
correios, famoso por sua programação de vídeos – segundo um release, um “templo do
VJing”.
264
A princípio, seria apenas uma apresentação especial, integrando a noite da agência de visual
music e live cinema NoTV (da qual também participou o VJ brasileiro Spetto). Mas, devido
ao “tremendo sucesso”, eles decidiram levar a performance a um “outro patamar”, iniciando
turnê internacional.
265
Até o fim de 2006, Greenaway havia se apresentado na Bélgica, Espanha, Suíça, Itália,
Polônia e Rússia e até ameaçou vir ao Brasil, em Outubro, durante a 30ª Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo.
A estrutura que ele usa na Tulse Luper VJ performance é muito simples. O sistema de
projeção, desenvolvido com exclusividade pela empresa holandesa BeamSystems,
266
define a
ordem e controla a reprodução das cenas em cada tela.
267
Esse sistema responde a um monitor
sensível ao toque, montado em um pedestal, que é colocado sobre o palco. Dali, Greenaway
define ao vivo os rumos da apresentação, sob o escrutínio constante da audiência. Sua tarefa é
compartilhada com Serge Dodwell, o DJ Radar, que realiza um “remix intenso” da trilha
sonora da série.
268
Dessa forma, os filmes são inteiramente recompostos em tempo real. A Tulse Luper VJ
Performance reúne produção, pós-produção e consumo no mesmo processo, encerrando a
digitalização do ciclo cinematográfico.
264
NOTV.
265
Idem.
266
<http://www.beamsystems.nl>.
267
Na apresentação pioneira, foram 12 telas, mas esse número costuma variar conforme a apresentação.
268
NOTV.
75
espectador, forçando-o a identificar o designante com o designado, a representação com a
‘realidade’”.
276
O que produz essa ilusão de “referencialidade não-mediada” é a ocultação do dispositivo, que
por sua vez depende da relativa imobilidade do espectador.
277
Ao sujeitar-se aos princípios de
espectação, ele pensa tornar-se onipotente, mas não passa de um cativo. Por isso, Manovich
relaciona a passividade da audiência à transparência do meio.
278
Mas, se a mediação fica explícita na presença do VJ, não como (nem porque) prender o
espectador. Também não disfarces possíveis para o filme. A projeção digital é opaca: “Ao
contemplá-la o espectador se defronta, antes de mais nada, com a sua materialidade”.
279
Na Tulse Luper VJ Perfomance, o processo constitutivo da imagem está tão evidente quanto a
projeção resultante. Nesse sentido, a obra obedece a uma condição própria dos meios digitais,
em que
a reaparição periódica do maquinário, a contínua presença do canal de comunicação na
mensagem, previne o sujeito de cair no mundo onírico da ilusão por muito tempo, fazendo-
o alternar entre concentração e desprendimento.
280
Conforme liberta a vida de Tulse Luper da “clássica linearidade cinematográfica”,
281
Greenaway ofusca sua personagem. Ao se colocar como um ator no proscênio, o cineasta
recria profundidade no espaço de projeção. A imagem é renegada à condição de cenário. O
público é levado a identificar-se não com Luper, mas com o seu criador, maestro-regente das
12 telas.
Sem poder investir na diegese, a audiência ganha nova percepção de seu próprio espaço; se
liberta da situação cinema. Sua atenção dispersa serve ao realizador na medida em que input e
output colidem. O filme vigia seus espectadores; nesse intervalo, abre-se uma brecha para a
criação.
276
MACHADO, 1988: 58.
277
FRIEDBERG, 1994: 23.
278
MANOVICH: 210.
279
MACHADO, 1988: 58.
280
MANOVICH: 207.
281
NOTV.
76
4. CONCLUSÃO - Entre Circuitos de Baixa Impedância
No último capítulo do seminal The Language of New Media, Lev Manovich se propõe a
explicar o que é cinema. O que significa que, depois de tanto usar esse singular regime do
visível
282
como um dos principais operadores na sua taxonomia das novas mídias, ele
finalmente vem nos dizer do que estava falando.
Mas toma a precaução de fazer a definição de forma indireta, conforme enumera os “efeitos
da computadorização no cinema”. Assim, ao indicar os pontos em que o meio se deixa afetar,
Manovich nos mostra onde imagina estarem seus contornos.
Ele fala no “uso de técnicas de computação na realização cinematográfica tradicional”, como
a composição tridimensional e os cenários virtuais; em “novas formas de cinema baseadas em
computador”, de filmes interativos ao cinema tipográfico; e na reação dos realizadores tanto
às técnicas quanto às convenções das novas mídias, com movimentos como o Dogma 95 e a
produção de filmes em digital video.
283
sobre as novas tecnologias de difusão cinematográfica, como a projeção digital e a
distribuição de filmes em rede, Manovich não tem muito a dizer, a não ser que
ainda que esses desenvolvimentos tenham um importante efeito na economia de produção
e distribuição do filme, eles não parecem ter um efeito direto na linguagem
cinematográfica.
284
Imagino que, com essa declaração, ele pretenda coroar da maneira mais elegante a advertência
lançada nas primeiras páginas do livro, contra “privilegiar o computador como uma
ferramenta para exibição e distribuição de mídia”.
285
O que não percebe é que assim comete o
erro contrário, descartando todos os potenciais da máquina enquanto tal.
282
MANOVICH: 297.
283
Idem: 287-288.
284
Idem: 289.
285
Idem: 19.
77
A conclusão de Manovich despreza não apenas os efeitos da digitalização nos expedientes de
consumo do cinema, mas a própria influência da economia de produção e distribuição do
filme na linguagem do meio.
Ora, como buscamos demonstrar neste trabalho, é o circuito disponível que define
imediatamente as possibilidades de uma obra. Os espaços por onde um filme transita e o
modo como ele é consumido contribuem tanto para a construção de seu sentido e valor quanto
a plataforma empregada em sua criação.
O realizador eficiente prevê as características do circuito, seja para compor uma obra que se
conforma e circula sem embaraços, seja para dialogar com esses parâmetros de maneira
crítica. Deste caso, encontramos bons exemplos na segunda parte desta dissertação. Daquele,
não precisamos particularizar, nem procurar muito. Filmes para televisão são feitos de um
jeito diferente; blockbusters são feitos do jeito adequado para o mass release. Por isso,
funcionam.
Reitero que aqui não interessa separar causa de efeito, se é que existe tal diferença. Importa
apenas mostrar que relações diretas entre as tecnologias de difusão e a linguagem de um
meio; relações que não se limitam a um condicionamento retroativo.
Afinal, da mesma forma, um filme visto fora da sala de cinema é outro filme e não apenas
no instante exato de sua fruição. A relação do espectador com a obra é fundamentalmente
distinta se ele disputa os caríssimos ingressos de uma pré-estréia ou compra o disco por
trocados, no camelô. Além da óbvia dimensão econômica, o consumo possui um caráter
afetivo que é sensível a esses fatores.
Ainda que tenha sido pouco explorado nesta pesquisa, o afeto é preponderante ao circuito
cinematográfico. É a ele que a indústria recorre quando faz alarde de cada lançamento de
78
filme como um evento inédito, com o qual promete marcar a vida do espectador,
286
ou se
propõe a vender DVDs como objetos de coleção.
287
Também por isso, as tais economias de produção e distribuição do filme não são capazes de
circunscrever totalmente sua criação. Por outro lado, nos parece que são precisamente elas
que permitem ou não a consolidação de uma linguagem. Sem dinâmicas de consumo que a
suportem, é improvável que tal e qual estratégia de sentido se torne exeqüível, comum
gramática, enfim.
O próprio Manovich admite que o cinema adota a computação como ferramenta de
produtividade, mas isso não significa que abra mão do seu efeito peculiar a combinação
entre a forma narrativa, o efeito de realidade e o arranjo arquitetural.
288
Ora, enquanto as
tecnologias numéricas servirem à instituição cinematográfica nesses termos, o cinema digital
não passará de uma sombra. Teremos bits compondo película, emulação da simulação.
Digitalizado, o filme até poderia “nos mover da identificação para a ação”
289
mas, enquanto
a sala de projeção não nos der condições de jogar com a situação cinema, nem espectador nem
realizadores (categorias que cada vez mais se confundem) serão capazes de dar o primeiro
passo.
A efetiva implantação de novas tecnologias de difusão permitiria normalizar estratégias de
sentido inéditas ao meio cinematográfico. Somente assim os efeitos da computadorização
enumerados por Manovich deixariam de servir ao modelo clássico ou a experiências artísticas
singulares para dar corpo a um novo sistema um cinema marcado por outra economia, outra
cognição, outros afetos.
De Luca sugere que as salas de cinema digital adotarão uma arquitetura fluida, apta a exibir
diferentes produtos, como jogos de futebol e shows de rock.
290
Mas isso não passa de
286
Por ironia, esse apelo se realiza de forma meramente extemporânea, seja na expectativa da exibição ou na
lembrança que ela provocará, nunca no seu momento preciso. Afinal, a exibição consiste precisamente em
nulificar a vivência do espaço-tempo real e substituí-la pela experiência do espaço-tempo diegético. Assim, não
há evento inédito: a cada vez que o filme é exibido, tudo se repete.
287
Nada além de um altíssimo ágio afetivo (derivado da autenticidade) justifica o preço atingido por esses
disquinhos de plástico Made in Taiwan. Ver LASICA: 89.
288
MANOVICH: 310.
289
Idem: 183.
290
DE LUCA: 232-233.
79
perfumaria. É ingênuo pensar que a mudança provocada pela digitalização dos expedientes de
consumo do cinema se limita a esse nível superficial.
Essas tecnologias têm a capacidade de alterar completamente o balanço de poder entre a
grande mídia e as pessoas comuns.
291
A distribuição de filmes em rede deteriora as janelas de
lançamento, acabando com o apelo de exclusividade dos blockbusters. A projeção digital
torna a exibição de filmes um negócio ordinário, ao alcance de qualquer um. Um realizador
não mais precisa depender do cartel de multiplexes: ele pode programar sua própria estrutura
de difusão, conveniente com a sua obra.
Mais do que isso, a projeção digital modifica a essência do dispositivo cinematográfico. O
filme passa a ser composto de maneira radicalmente distinta: não se trata mais da projeção de
registros indiciais, mas da efetiva criação de som-imagem a partir de um código arbitrário, por
meio de processamento algorítmico em tempo real.
Conforme a tela de cinema passa a ser interativa,
292
a exibição do filme deixa de ser playback
(reprodução) e se torna rendering (interpretação).
293
Somente pela atuação concomitante do
dispositivo é que o código pode ser traduzido em mapa de bits, frame, história. Nesse
processo, se torna suscetível a outras contaminações.
A projeção digital é, logo, uma interface opaca o contrário de tudo que a sala de cinema foi
programada para ser. Seu funcionamento aponta para o instante da própria exibição, esse
tempo que a anti-arquitetura do multiplex busca suprimir. Por isso, também favorece a
experiência do espaço real. Digitalizada, a sala de cinema ganha medidas, volume, distância.
Quem sabe não assuma a disposição de outros espaços de novas mídias, e se torne
navegável?
294
80
por meio da situação cinema, ela os deixa livres para se encontrarem sozinhos, em uma nova
modalidade de exploração cinematográfica.
295
Realidade e diegese, homem e máquina, estão
sorvendo um ao outro. Num exagero da metáfora, poderíamos dizer que o dispositivo, o
espaço e os próprios espectadores de VJing se encontram em estado virtual e mobilizado.
296
Ina Hae Rark agrupa os locais de exibição cinematográfica em três categorias que se sucedem
historicamente: aqueles do “cinema de atrações”, os nickelodeons e os movie palaces.
297
Segundo ela, os multiplexes vão causar um retorno à relação entre exibição e varejo presente
nos nickelodeons. Nesse sentido, seria conveniente pensar na VJ Arena como um outro passo
atrás, ao atualizar características do cinema de atrações. Mas também seria um equívoco.
O VJing não é senão uma situação-limite da dinâmica de consumo particular da sala de
projeção digital. Ou melhor, sua perversão. É verdade que, com a digitalização do dispositivo,
a exibição cinematográfica recupera um caráter hic et nunc, permitindo a vivência da
realidade em sincronia com a experiência da diegese.
298
Ao espectador é dado perceber tanto a
projeção quanto a imagem projetada.
Logicamente, esse caráter deveria ser compartilhado por produção e consumo. Nesse caso,
abriria a possibilidade de mútuas intervenções, e quem sabe diálogo. Por isso, nos parece que,
ao priorizar a condição ao vivo somente da obra (ou, mais especificamente, de sua edição), o
circuito do VJing supervaloriza a atuação do VJ e o papel do dispositivo, promovendo um
desequilíbrio.
Manuais do ofício chegam a imputar ao VJ a sublime tarefa de “ativar o espaço e a audiência pelo
ritmo”,
299
como se ele fosse o único responsável por isso como se espaço e audiência fossem
peças integrantes de um novo aparelho, que funciona de formao muito diferente do antigo.
Conforme o meio se consolida em torno desses conceitos, a projeção por vezes se perde em
clichês, arremeda a paisagem sonora, se faz refém do software empregado.
300
No fundo, o
295
JAEGER: 42.
296
FRIEDBERG, 1994: 2.
297
HARK, 7.
298
Arrisco dizer que está uma boa saída para o negócio de exibição: desistir da disputa com as redes P2P e
puaput-4.55617( )-87.5562(d)-6.3339(a)-2.05734
81
VJing esconde o potencial de um star system tão daninho quanto o de Hollywood, e uma
dinâmica de consumo tão ou mais comodificada que a do cinema clássico troque-se a
superpercepção pela alienação sensorial, a submotricidade por uns passos de dança frenética.
Se hoje a VJ Arena ainda é um espaço repleto de possibilidades cinematográficas, aberto à
experimentação, é porque o circuito à sua volta se conserva imaturo: faltam-lhe parâmetros de
crítica, padronização estrutural, regulamentação do consumo. Esse estado sugere uma outra
vocação das tecnologias digitais, que talvez cause um efeito muito mais significativo ao
cinema e sua linguagem.
As novas tecnologias provocam no circuito cinematográfico um estado comparável ao da Low
Power TV, emissões televisivas de baixa potência que caracterizam, por exemplo, canais
comunitários. O enfraquecimento do canal o torna acessível, gerando uma reorganização dos
pólos comunicantes, e deixando o meio muito mais maleável.
301
Da mesma forma, a estrutura distribuída das redes digitais promove um ambiente altamente
participativo, em que a autoridade/gramática são pouco densos.
302
Com a vantagem de que
sua organização modular é capaz de compensar eventuais restrições, permitindo circuitos
muito mais difusos, sim, mas de alcance equivalente ao do atual mainstream. Circuitos de
baixa impedância, mas altíssima potência.
São essas mudanças na composição do meio que impedem que a instituição cinematográfica
mantenha sua estrutura tradicional, calcada em rígidas instâncias de autorização. É em
resposta a elas que surgirão novas dinâmicas de consumo, possivelmente múltiplas.
A partir daqui, se quisermos saber mais a respeito de um futuro moviegoing, será preciso
desfocar o nosso questionamento sobre o lugar do filme e buscar um ângulo que seja capaz de
abranger as várias possibilidades de circuito no mesmo panorama, ainda que instável. Para
analisar um cinema que escapa à determinação da arquitetura, é preferível se colocar do lado
de fora.
301
MACHADO, 1988: 37-39.
302
Teorias mais comprometidas o chamariam de livre, popular, de borda ou terceiro.
82
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