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ADRIANA VALESE
DESIGN VERNACULAR URBANO: A PRODUÇÃO DE ARTEFATOS
POPULARES EM SÃO PAULO COMO ESTRATÉGIA DE
COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO SOCIAL
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo
2007
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ADRIANA VALESE
DESIGN VERNACULAR URBANO: A PRODUÇÃO DE ARTEFATOS
POPULARES EM SÃO PAULO COMO ESTRATÉGIA DE
COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e
Semiótica - área de concentração Signo e Significação nas
Mídias, sob a orientação do Prof. Doutor Norval Baitello
Junior.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo
2007
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ADRIANA VALESE
DESIGN VERNACULAR URBANO: A PRODUÇÃO DE ARTEFATOS
POPULARES EM SÃO PAULO COMO ESTRATÉGIA DE
COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO SOCIAL
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo
2007
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu companheiro Milton, pela paciência, compreensão e carinho.
Ao meu filho Rafael e minha mãe Maria, por entenderem minha dedicação a esta
pesquisa.
Aos meus amigos e colegas da universidade, pelo apoio em todos os
momentos.
Ao meu orientador Prof. Dr. Norval Baitello Junior, pelas suas aulas sempre
maravilhosas, e por ter acreditado em meu trabalho.
Aos meus queridos alunos dos cursos de design, e a Universidade Anhembi
Morumbi pelo apoio à pesquisa.
Obrigada a todos.
RESUMO
A presente pesquisa pretende investigar o Design Vernacular Urbano, e as relações
estabelecidas a partir dele, com a sociedade e a cultura. Entendemos que: Design
Vernacular Urbano é uma denominação atribuida aos artefatos populares criados por
um indivíduo ou uma comunidade para atender às necessidades básicas e concretas
na luta pela sobrevivência. A inserção desta pesquisa na área de comunicação, se
justifica pelo fato de que os artefatos do Design Vernacular Urbano são analisados
como agentes de comunicação entre o produtor/usuário, e o meio no qual foram
gerados, e, de forma mais abrangente, na relação estabelecida entre os artefatos e o
público consumidor e observador. Nossa pesquisa levanta como hipótese se o design
vernacular urbano, fruto das trocas que ocorrem entre culturas e indivíduos nos grandes
centros urbanos, pode ser caracterizado como uma estratégia de comunicação e
inserção social. O objetivo geral desta pesquisa é o de investigar sobre o lugar do
Design Vernacular na cultura urbana, a partir de uma metodologia exploratória e de
pesquisa bibliográfica, identificando os produtos existentes, as necessidades que os
geraram, os modos de criação/produção e contextualizando-os como artefatos híbridos.
Para conceituarmos nosso objeto de estudo, utilizamos diversos autores que
pesquisaram sobre o tema, como Fernanda de Abreu Cardoso, Rafael Cardoso Denis,
entre outros. Em nossa investigação sobre o Design Vernacular Urbano, procuramos
nos pautar na Semiótica da Cultura, da Escola de Tartu, a partir da obra de Iuri Lotman,
no que se refere ao conceito de texto, também trabalhado por Ivan Bistryna. Para
compreendermos o design vernacular como processo de hibridização cultural, fomos
buscar subsídios em autores como Nestor Garcia Canclini, em “Culturas Híbridas”;
Massimo Canevacci, em “Sincretismos: uma exploração das hibridações culturais”, e
Peter Burke, em “Hibridismo Cultural”. Ao caracterizarmos a cidade de São Paulo como
lugar do design vernacular urbano, propondo relações entre os artefatos e seu meio, a
partir da percepção, memória e interpretação da cidade, utilizamos como referência as
obras “Leitura sem Palavras”, de Lucrécia D´Alessio Ferrara, “Cidade & Alma”, de
James Hillman, e “Pour une Anthropologie des Images”, de Hans Belting.
Palavras-chave: design vernacular, hibridismo cultural, Inclusão social, estratégia de
comunicação.
ABSTRACT
This research intends to investigate the Urban Vernacular Design, and the relations
established taking it as a starting point, with socity and culture. We understand that:
Urban Vernacular Design is a denomination given to popular artifacts created by an
individual or a community in order to attend to its basic, concrete needs in the struggle
for survival. The insertion of this research in the area of communication is justified by the
fact that the artifacts of Urban Vernacular Design are analyzed as agents of
communication between the producer/user, and the medium where they were
generated, and, in a more all-encompassing form, in the relationship established
between the artifacts and the consumer and observing public. The hypotheses for our
research is that if urban vernacular design, born of the interchanges between cultures
and individuals in the big urban centers, can be characterized as a communication and
social insertion strategy. The general goal of this research is to investigate the place of
the Vernacular Design in urban culture, from an exploratory methodology and
bibliographical research, identifying the existing products, the needs that generated
them, the modes of creation/production and contextualizing them as hybrid artifacts. . In
order to conceptualize our study subject, we use several authors that researched this
theme, as Fernanda de Abreu Cardoso, Rafael Cardoso Denis, and others. In our
investigation on the Urban Vernacular Design, we seek to guide ourselves through the
Semiotics of Culture, of the School of Tartu, from the work of Iuri Lotman, regarding the
notion of text, also studied by Ivan Bistryna. To understand vernacular design as a
process of cultural hybridization, we based ourselves in authors as Nestor Garcia
Canclini, in “Culturas Híbridas”; Massimo Canevacci, in “Sincretismos: uma exploração
das hibridações culturais”, and Peter Burke, in “Hibridismo Cultural”. When we
characterize the city of São Paulo as the place of urban vernacular design, proposing
connections between the artifacts and its middle, from the viewpoint of perception,
memory, and interpretation of the city, we use as reference the works “Leitura sem
Palavras”, by Lucrécia D´Alessio Ferrara, “Cidade & Alma”, by James Hillman, and
“Pour une Anthropologie des Images”, by Hans Belting.
Keywords: vernacular design, cultural hybridism, social inclusion, communication
strategy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Design Vernacular – Churrasqueira com tambor de
Máquina de lavar...............................................................................................17
Figura 2 Pufe móvel - Designer: Flávio Verdini................................................17
Figura 3 Carrinho de milho verde- Av. Paulista – SP ......................................19
Figura 4 Carrinho de milho verde - Arraial D’Ajuda – BA.................................19
Figura 5 Banca expositora na Avenida Paulista...............................................24
Figura 6 Banca de Temperos no Largo da Batata...........................................25
Figura 7 Banca de Hot Dog. Av. Lins de Vasconcelos – SP............................26
Figura 8 Carrinho expositor de DVDs. Rua Galvão Bueno – São Paulo..........27
Figura 9 Carrinho de frutas. Esquina da Rua João Ramalho
com Cardoso de Almeida – São Paulo.............................................................28
Figura 10 Carrinho de Yakissoba. Avenida Paulista........................................28
Figura 11 Carroça de coleta de papel – SP.....................................................31
Figura 12 Carroça de coleta de lixo reciclável – SP........................................ 31
Figura 13 Amolador de facas. Rua Vergueiro – SP.........................................32
Figura 14 Amolador de facas...........................................................................33
Figura 15 Carrinho de café. Praça da República – SP....................................34
Figura 16 Carrinho de café. Salvador..............................................................34
Figura 17 Artefato para venda de amendoim - Rio de Janeiro .......................36
Figura 18 Detalhe superior. Rio de Janeiro.....................................................36
Figura 19 Lata de amendoim – BA..................................................................36
Figura 20 Artefato para venda de amendoim. Av. 23 de maio.
São Paulo.........................................................................................................37
Figura 21 Detalhe da alça. Avenida 23 de maio. São Paulo..........................37
Figura 22 Suporte central da lata de amendoim. Avenida 23 de maio.
São Paulo.........................................................................................................38
Figura 23 Detalhe do fogareiro. Avenida 23 de maio. São Paulo...................38
Figura 24 Cartucho com amendoim................................................................38
Figura 25 Cartucho aberto.............................................................................. 38
Figura 26 Artefato com balde de alumínio. Avenida 9 de julho.......................39
Figura 27 detalhe superior. Avenida 9 de julho...............................................40
Figura 28 Carrinho de Hot-Dog industrializado...............................................40
Figura 29 Berço. Praça da Sé – SP................................................................44
Figura 30 Veículos de transporte. Rua João Ramalho – SP...........................62
Figura 31 Banca de Brinquedos, Avenida Paulista.........................................64
Figura 32 Carrinho de Yakissoba, Avenida Paulista..................................... .65
Figura 33 Display “Família de Emas”. Avenida Paulista – SP........................65
Figura 34 Detalhe da alça. Avenida Paulista – SP.........................................65
Figura 35 Design vernacular e escultura de Gilberto Salvador,
Av. Paulista, em frente ao Centro Cultural FIESP...........................................66
Figura 36 Henry Chamberlain. Mercado, 1822. .............................................71
Figura 37 Jean Baptiste Debret.
“Refrescos no Largo do Paço” (1834-1839).....................................................72
Figura 38 Foto de Christiano de Freitas Henriques Júnior,
1865, RJ...........................................................................................................72
Figura 39 Foto de Christiano de Freitas Henriques Júnior,
1866, RJ...........................................................................................................73
Figura 40 Foto de um vendedor ambulante em frente
ao Parque da Aclimação..................................................................................73
Figura 41 Meninos com lata de amendoim.
Imagem do filme Rio 40 graus de Nelson Pereira dos Santos.........................74
Figura 42 Vendedor de doces com uniforme e cesto......................................83
Figura 43 Lata para preparar queijo coalho....................................................85
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
............................................................................................11
1 DESIGN VERNACULAR URBANO
..................................................15
1.1 Uma visão erudita do artefato popular......................................................16
1.2 Um lugar ao sol.........................................................................................18
1.3 Os artefatos do design vernacular urbano................................................22
1.3.1 Artefatos fixos........................................................................................24
1.3.2 Artefatos móveis....................................................................................30
1.3.2.1 Vendedores de amendoim................................................................. 35
1.4 Configurações, usos e traduções..............................................................40
1.5 Reinvenção e re-significação....................................................................43
2 A CIDADE É O LOCAL
........................................................................46
2.1 Leitura não-verbal da cidade....................................................................46
2.2 A imagem da cidade.................................................................................54
2.3 Encontro com a cidade.............................................................................58
2.4 Reconhecendo o design vernacular urbano
nos lugares da cidade..................................................................................... 61
3 VENDEDORES AMBULANTES
.......................................................68
3.1 Os Vendedores ambulantes na sociedade
da metrópole colonizada..................................................................................68
3.2 Sujeitos Sociais da Economia Informal.....................................................75
3.3 Deslocamento e transformação................................................................80
3.4 Inventividade e sobrevivência...................................................................82
3.5 Pertencimento e vínculo............................................................................85
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
..................................................................88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
......................................................91
APÊNDICES
.................................................................................................99
APÊNDICE A – Questionário.........................................................................100
APÊNDICE B – Gráficos da pesquisa realizada com 20 vendedores
ambulantes em São Paulo.............................................................................101
ANEXO
........................................................................................................106
ANEXO – A: Pesquisa Mensal de Emprego – PME......................................107
11
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surgiu a partir da observação, em meio ao caos do trânsito
de São Paulo, dos artefatos que portavam os vendedores de amendoim que vendiam
sua mercadoria sobre o elevado Costa e Silva, mais conhecido como “Minhocão”.
Nossa curiosidade nos levou a pesquisar sobre a produção desses artefatos de
origem popular, a partir de referências bibliográficas e iconográficas acerca dessa
manifestação, e se a mesma poderia ser entendida como um tipo de design popular,
que envolve planejamento, configuração, intenção e propósito, com o objetivo de
atender a uma necessidade imediata, seja de um indivíduo ou comunidade.
Na pesquisa realizada, encontramos alguns autores que já haviam versado sobre
o tema, em especial no âmbito da produção do design gráfico vernacular.
Priscila Farias, autora de Seu Juca, letrista pernambucano, analisou as placas
produzidas pelo letrista pernambucano conhecido como Seu Juca, comparando os tipos
de letras criadas por ele com letras romanas e letras góticas germânicas.
Fernanda de Abreu Cardoso em 2003, pesquisou em sua dissertação de
mestrado intitulada Design gráfico vernacular: a arte dos letristas, a produção dos
letreiros populares pintados à mão, analisando placas populares encontradas na cidade
do Rio de Janeiro, buscando relacionar o design gráfico vernacular à produção da
cultura popular, e o design gráfico culto à cultura erudita.
No trabalho apresentado pela professora Vera Lúcia Dones no Folkcomunicação,
do IV Encontro dos cleos de Pesquisa da Intercom em 2004, intitulado As
apropriações do vernacular pela comunicação gráfica, a autora analisou as
apropriações da estética vernacular pelos designers no campo da comunicação gráfica
na região de Porto Alegre.
No campo da produção de artefatos do design vernacular, encontramos duas
referências que foram de vital importância para a realização desta pesquisa.
12
A primeira foi uma exposição realizada no Museu da Casa Brasileira de São
Paulo, intitulada Design Popular da Bahia. Essa exposição mostrava o resultado de
uma pesquisa realizada em Salvador e 12 municípios do litoral e recôncavo baiano pela
equipe do programa Estúdio CIPÓ de Multimeios. A mostra apresentava artefatos feitos
para o uso cotidiano e utilizados como instrumento de trabalho e de sobrevivência.
A segunda foi o livro sobre a Rua dos Inventos, de Gabriela de Gusmão Pereira,
publicado pela primeira vez em 2002, e reeditado em 2004. O livro reúne fotos e
depoimentos dos “inventores da arte da sobrevivência”, com inventos encontrados
principalmente no Rio de Janeiro, mas também, em menor quantidade, em Fortaleza,
Salvador, São Paulo, Nova York, Paris e Istambul.
Essas referências nos auxiliaram no desenvolvimento de uma pesquisa que teve
como foco a produção de artefatos populares produzidos em São Paulo, os quais foram
intitulados na presente pesquisa como design vernacular urbano.
Nossa investigação levou a formulação de uma hipótese que procura demonstrar
se o design vernacular urbano, fruto das trocas que ocorrem entre culturas e indivíduos
nos grandes centros urbanos, podem ser caracterizados como uma forma de
pertencimento e vínculo social.
Em nossa argumentação entendemos que esses artefatos produzidos por
comunidades carentes, carregam uma carga simbólica e a memória individual e
coletiva, e quando são desterritorizados, ressurgem nos centros urbanos reelaborados,
pois perderam a relação “natural” da cultura com os territórios geográficos e sociais,
reorganizando-se em outros cenários culturais por meio dos cruzamentos constantes
das identidades.
Para poder justificar nossa hipótese, esta pesquisa terá como objetivos:
identificar alguns dos artefatos do design vernacular presentes na cidade de São Paulo;
analisar a cidade de o Paulo, como lugar do design vernacular urbano, a partir da
percepção, memória e interpretação da cidade; investigar quem o os agentes
produtores e usuários do design vernacular, sobretudo a partir dos aspectos sociais e
econômicos.
13
Essa pesquisa buscará também compreender o processo de mestiçagem cultural
do design vernacular, a partir de seus componentes formais e das heranças culturais,
que foram hibridizadas e contaminadas pelo ambiente urbano.
Em nossa investigação sobre o Design Vernacular Urbano iremos nos pautar,
sobretudo, na Semiótica da Cultura, da Escola de Tartu, a partir da obra de Iuri Lotman,
no que se refere ao conceito de texto, também trabalhado por Ivan Bystrina.
Para compreendermos o design vernacular como processo de hibridação cultural
buscaremos subsídios em autores como Nestor Garcia Canclini, com a obra Culturas
Híbridas; Massimo Canevacci, com a obra Sincretismos: uma exploração das
hibridações culturais; e Peter Burke, com Hibridismo Cultural.
Para situarmos o design vernacular urbano em seu contexto - a cidade de o
Paulo - buscaremos realizar uma leitura não-verbal da cidade, a partir da obra “Leitura
sem Palavras”, de Lucrécia D´Alessio Ferrara. Iremos interpretar a cidade e subvertê-la
em imagens endógenas e exógenas (Hans Belting), buscando traçar analogias com a
obra “Cidade & Alma” de James Hillman.
Outros autores que escreveram sobre a cidade, a partir de sua imagem, também
serão referenciados em nossa pesquisa: Kevin Lynch, professor de Planejamento
Urbano no Instituto Tecnológico de Massachusetts, com sua obra “A Imagem da
Cidade”, onde relata suas percepções dos aspectos visuais das imagens de cidades
norte-americanas; e Vera Lúcia Nojima, doutora em Arquitetura e Urbanismo e
professora e pesquisadora do cleo de Comunicação em Design do Programa de
Mestrado em Design da PUC-Rio, com seu artigo “Linguagem e leituras do design
urbano: caracterização da identidade dos lugares”, no qual aborda os aspectos
comunicativos em estudos sobre o espaço urbano, por meio da leitura e interpretação
da cidade.
Também em nossa pesquisa iremos tratar dos agentes responsáveis pela
produção e manipulação do design vernacular urbano os vendedores ambulantes.
Para tanto buscaremos identificar o aparecimento da atividade dos vendedores
ambulantes no Brasil, em seu contexto histórico e econômico, a partir de registros
14
iconográficos e bibliográficos, bem como personagens da cultura brasileira, citados em
obras literárias e cinematográficas.
Para que possamos compreender a situação econômica e social dessa categoria
dentro da Região Metropolitana de São Paulo, buscaremos definir o setor informal, no
qual o vendedor ambulante está inserido, a partir de autores e dados que nos permitirão
verificar quem o, quantos são, de onde vieram, bem como os processos de
deslocamento e aculturação, e os mecanismos criativos utilizados pelos vendedores
ambulantes na luta pela sobrevivência.
A metodologia empregada se a pesquisa teórica, para procedermos às
definições de conceitos e estabelecermos os referenciais teóricos que nos subsidiarão
na análise de nosso objeto de estudo. A pesquisa exploratória nos permitirá
documentar, por meio de registros fotográficos e filmográficos, os artefatos, os modos
de produção, o ambiente no qual eles surgem, e realizar entrevistas com os produtores
dos artefatos, buscando verificar o quadro social, processual, cultural e simbólico desta
manifestação.
A importância desta pesquisa reside no fato de que a produção do design
vernacular, ou popular, que pode ser caracterizada como uma produção artesanal em
uma sociedade s-industrial, é encontrada em várias partes do país, e, sobretudo nas
grandes metrópoles. Optamos por delimitar o universo de nossa pesquisa à cidade de
São Paulo, por se caracterizar por um espaço de “fronteira”, de cultura híbrida, onde
observamos intensas trocas culturais.
15
1 DESIGN VERNACULAR URBANO
Antes de adentrarmos ao nosso objeto de estudo o design vernacular urbano
faz-se necessário justificarmos o emprego de tal denominação.
Segundo Rafael Cardoso Denis (2000, p. 16), a origem imediata da palavra
design está na língua inglesa, na qual o substantivo design se refere tanto à idéia de
plano, desígnio, intenção, quanto à configuração, arranjo, estrutura.
Dessa forma, o termo design não se aplica somente a projetos que o
desenvolvidos através do conhecimento erudito, mas também pode ser utilizado para
designar uma produção artesanal ou semi-industrial de artefatos que foram
configurados, arranjados e estruturados, de forma a atender às necessidades
específicas de um indivíduo, grupo ou comunidade.
Em nossa pesquisa, adotamos o termo design vernacular como sinônimo de
design popular, cuja manifestação não deve ser vista como algo “menor”, marginal, mas
como uma produção que utiliza um tipo de dialeto local que reúne uma infinidade de
linguagens visuais que remetem a diferentes culturas (DONES, 2004).
Embora o termo design vernacular também seja utilizado como referência aos
elementos tradicionais do design nacional
1
, a presente pesquisa irá empregar o termo
para designar a produção de artefatos
2
populares, por comunidades de baixa renda,
elaborados a partir de adaptações de objetos encontrados no meio em que vivem essas
comunidades.
Presente em várias regiões do Brasil, o design vernacular surge como recurso às
necessidades específicas do meio. Despido do conhecimento formal, que cerca o
design “erudito”, o design vernacular encontra-se presente nos letreiros, placas, e
artefatos de uso popular, produzidos por habitantes locais, que não possuem educação
formal na área do design. Isso não significa que inexista uma intenção, um propósito,
um problema a ser resolvido.
1
DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.
2
O termo artefato é empregado para referir-se a objetos que sofreram uma transformação pelo homem.
16
Devido a presente pesquisa estar centrada na produção de artefatos populares
produzidos em São Paulo, de seus agentes e das relações que são estabelecidas com
a cidade, adotamos o termo “urbanopara diferenciar o design vernacular produzido no
meio urbano, das demais regiões do Brasil.
Como em toda sociedade coexistem diversas culturas, compostas por grupos
sociais e classes econômicas diversas, e cada qual com sua realidade cultural e lógica
interna, torna-se importante relacionar os procedimentos culturais com os contextos em
que são produzidos (CARDOSO, 2003).
1.1 Uma visão erudita do artefato popular
Segundo Ana Maria Moraes (in: COUTO & OLIVEIRA, 1999, p. 170), o design se
define como:
(...) a tecnologia projetual que objetiva o desenvolvimento de produtos, com
uma configuração definida, para a produção em pequena ou grande série,
considerando questões de uso, significação, desempenho, funcionamento,
custo, produção, comercialização, mercado, qualidade formal e estética,
impacto ambiental, urbano e ecológico.
Todavia, na presente pesquisa, adotamos o termo “design” para denominar tanto
os produtos pertencentes à categoria do design dito “erudito”, quanto para os artefatos
populares, classificados como vernaculares, Essas terminologias não têm por objetivo
serem dicotômicas, já que não existem hierarquias entre uma e outra. Elas serão
adotadas como forma de compararmos suas diferenças e semelhanças, para podermos
justificar a apropriação do termo no nosso objeto de estudo.
Como semelhanças, o design vernacular e o design erudito são atividades que
visam configurar artefatos para atender às necessidades do usuário final, no caso do
design erudito, e do usuário/produtor no design vernacular, considerando os aspectos
formais, funcionais e de produção.
17
Como diferenças, o design “erudito” é realizado por profissionais liberais ou
autônomos, que tiveram acesso à formação profissional de ensino superior, e cuja
atividade projetual visa atender às necessidades de um cliente, objetivando a produção
de produtos em escala industrial, semi-industrial ou mesmo artesanal.
o design vernacular” é produzido por trabalhadores informais, a partir de
conhecimentos adquiridos da observação da prática, com o propósito de atender às
necessidades concretas do usuário/produtor e gerar um produto adequado ao seu uso
e contexto (CARDOSO, 2003).
Ambas as formas de “design”, o erudito e o popular, podem ser entendidas como
práticas comunicacionais, como formas de representação dos contextos nos quais
foram gerados.
O contato entre diversas culturas e saberes permite a influência e troca mútua
entre o popular e o erudito. Dessa forma, o design erudito se apropria da linguagem
popular, e o design vernacular incorpora modos de produção advindos das práticas do
design erudito.
Ao observarmos a produção de alguns designers brasileiros identificamos
projetos que se assemelham com o design vernacular (figs. 1 e 2), quando se
apropriam de elementos da cultura popular criando artefatos híbridos em materiais e
processos, porém não populares no sentido de serem mais econômicos e mais
acessíveis.
Figura 1 – Design Vernacular –
Churrasqueira com tambor de
máquina de lavar.
Figura 2 - Pufe móvel
Designer: Flávio Verdini. Foto: Iatã.
Fonte: www.objetobrasil.com.br/panorama.htm
18
Esses encontros entre o popular e o erudito possibilitam a descoberta de novos
territórios e espaços simbólicos, e sinalizam, segundo Dones (2004), uma nova relação
dos designers com seu entorno, mostrando-se sensíveis e receptivos aos idiomas,
ritmos e artefatos da cultura popular associados às novas tecnologias.
Entendemos que as apropriações acontecem como forma de estabelecer um
possível equilíbrio entre a visualidade popular e a erudita, entre as construções
espontâneas e as tecnológicas, em um processo pluralístico que privilegia
abordagens inclusivistas, onde ambas as posições são vistas como partes da
mesma cultura (Ibid., 2004, p.1).
1.2 Um lugar ao sol
O design vernacular urbano seria um dos tantos indícios de uma nova cultura
popular urbana que emerge nas complexas articulações da dinâmica das grandes
metrópoles, na qual as classes populares assimilam e reciclam o que está ao seu
alcance para sobreviverem física e culturalmente.
Para Martín-Barbero (2004), o popular constitui hoje um espaço marcado pelos
processos e lógicas de um mercado econômico e simbólico, no qual a estandardização
dos produtos exige uma constante renovação dos padrões de diferenciação.
Ao investigarmos o design vernacular urbano, observamos inúmeras variações
de formatos, materiais e acabamentos, como conseqüência da necessidade de uma
produção mercantil de diferenças, e da acelerada fragmentação social e política.
Deslocado de seu espaço cultural, o popular é devolvido a seus produtores
através de fragmentos integrados em tipicidades do nacional, em formas de
condutas estandardizadas ou necessidades de objetos industriais sem os quais
a vida das comunidades é impossível, convertido em veículo de
desagregação entre objetos e usos, entre tempos e práticas (Ibid., 2004, p.
142).
Apesar da busca por uma integração ao mercado, os produtores do design
vernacular urbano procuram, através de suas práticas, reconstituir seus modos de
afirmação. Como exemplo, podemos citar as latas portadas pelos vendedores de
19
amendoim, que assumiram um padrão mais industrializado, sendo substituídas por
baldes de alumínio, ainda que sua função e uso continuem inalterados.
Também podemos identificar mudanças formais e estéticas em artefatos de
mesma função, que são encontrados em várias regiões do país (figs. 3 e 4).
Essas mudanças são acarretadas por diversos fatores, dentre eles a perda das
referências do meio de origem, e a aquisição de novos vocabulário e sintaxe.
O meio ambiente e o perfil do público consumidor, também são elementos que
agem significativamente na forma, estética, função e comunicação visual do artefato.
Nos exemplos acima, o carrinho de milho da Av. Paulista fica parado em ponto
fixo e atrai o consumidor que está passando na região. Desprovido de mensagens e
elementos estéticos, a função é o fator mais importante para a venda da mercadoria. O
cesto de lixo acoplado ao carrinho permite que o comprador do milho consuma o
alimento no local, e ao final, jogue no lixo a espiga do milho. o carrinho de milho
verde situado na praia de Arraial D’Ajuda, não fica em um único ponto. O vendedor
ambulante trafega pela praia com o carrinho em busca dos clientes. Devido ao grande
número de vendedores de milho verde na praia, os ambulantes ornamentam seus
carrinhos para se destacarem em relação aos outros concorrentes. O carrinho da figura
4 foi pintado de verde e amarelo, fazendo referência ao Brasil, que tem esta palavra
Figura 3 – Carrinho de milho verde.
Av. Paulista - SP
Data: 12/10/2006
Figura 4 – Carrinho de milho verde.
Arraial D’Ajuda - BA
Data: 8/01/2006
20
pintada juntamente com os dizeres “Feliz 2006”. As cores e a mensagem foram
pintadas especialmente para aquele período e para o consumidor turista, os maiores
freqüentadores daquele local, no período do Ano Novo.
Em seu processo migratório para os grandes centros urbanos, os artefatos do
design vernacular aparecem reelaborados, pois perderam a relação “natural” da cultura
com os territórios geográficos e sociais, reorganizando-se em outros cenários culturais,
por meio dos cruzamentos constantes das identidades.
Ao pesquisarmos os artefatos de design vernacular, verificamos diferenças
existentes entre aqueles que são produzidos em São Paulo, em relação a outros
artefatos que são produzidos em outros estados do Brasil. Essas diferenças podem ser
percebidas na escolha do material, nos processos de produção e acabamentos. Isso se
deve ao fato, como mencionamos anteriormente, de que os artefatos do design
vernacular sofrem a influência do meio no qual foram gerados, pois procuram atender
as necessidades individuais ou coletivas, e se adequarem ao produtor/usuário, e aos
modos de produção local.
Essas modificações, provenientes de trocas culturais, não devem ser vistas
negativamente. Para Canclini (2003, p. 348), “as culturas perdem a relação exclusiva
com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento”.
As culturas passam por transformações constantes, movidas por suas forças
internas, em conseqüência dos contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar
a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, e de conceber a
realidade e expressá-la.
Cultura diz respeito não somente à humanidade como um todo, mas também a
cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos (SANTOS, 1996, p. 8).
Para Iuri Lotman, fundador da Escola de Semiótica da Cultura de Tartu, a cultura
pode ser entendida como semiosfera, a qual pode ser definida como o espaço em que
todo sistema sígnico pode funcionar. É na semiosfera que funciona a “fronteira”, como
um mecanismo bilíngüe que traduz as mensagens externas para a linguagem interna
da semiosfera e vice-versa. (LOTMAN, 1996, p. 26).
21
O conceito de semiosfera foi formulado por Lotman para exprimir a cultura como
um organismo, não separando aspectos biológicos de aspectos culturais, o homem do
mundo. Trata-se de um espaço que possibilita a realização dos processos
comunicativos e a produção de novas informações, funcionando como um conjunto de
diferentes textos e linguagens.
Dessa forma, a cidade de São Paulo também pode ser entendida como uma
semiosfera, composta de diversas outras semiosferas (classes culturais, econômicas e
sociais), onde ocorre um trânsito complexo de mensagens entre esses sistemas, cuja
dinâmica é a da contaminação.
Na semiosfera existe a divisão entre núcleo e periferia. É no núcleo que se
localizam os sistemas semióticos dominantes que se preservam do contato com outras
semiosferas.a periferia poder ser compreendida como a zona mais permeável, onde
ocorrem as trocas entre uma e outra semiosfera.
No design vernacular urbano, o núcleo mantém os aspectos mais fechados e
latentes da cultura popular. As trocas e interações entre os diferentes sistemas ocorrem
mais intensamente na periferia. Quando ocorre a migração de artefatos para outras
regiões, estes irão sofrer influências para se adaptarem às condições locais. Porém, o
seu núcleo cultural permanece preservado.
Todavia, em todas as culturas, e principalmente nas culturas populares,
encontramos uma determinada reserva de textos, com códigos perdidos, que
conduzem a um processo de criação de novos códigos. Esse processo não é uniforme.
Nos exemplos observados do design vernacular urbano, encontramos a
presença de artefatos que pouco se modificaram com o passar do tempo, em contato
com outras culturas. Em outros casos, observamos artefatos que sofreram grandes
transformações, pois não existe um padrão homogêneo de desenvolvimento.
Essas modificações se processam por meio do estabelecimento de um
intercâmbio de mensagens entre diferentes sistemas de culturas, e não somente pela
transmissão unidirecional de informações de uma para outra.
22
Os intercâmbios ocorrem entre os mesmos sistemas, e também entre sistemas
diferentes, por exemplo: entre o centro e a periferia, entre o popular e o erudito, entre a
economia formal e a informal.
Segundo Lotman (1996), a semiosfera do mundo contemporâneo está se
alargando constantemente no espaço, ao longo de séculos, adquirindo na atualidade
um caráter global, conceito popularizado e fartamente divulgado como: a globalização.
(...) a globalização redefine as relações centro/periferia: o que a globalização
nomeia não são movimentos de invasão, senão transformações que se
produzem desde e no nacional e ainda no local. É dentro de cada país que não
a economia mas também a cultura se mundializam (MARTÍN-BARBERO,
2004, p. 362-3).
Os processos de intercâmbio e reapropriação de códigos da grande cidade se refletem
diretamente na produção dos artefatos. Nossa análise trará um recorte deste território
de fronteira e dos comportamentos limítrofes, estudando e analisando sua produção.
1.3 Os artefatos do design vernacular urbano
A crescente proliferação do design vernacular urbano na cidade de São Paulo
está associada aos processos migratórios, às taxas de desemprego e ao aumento de
pessoas que ingressaram no setor informal.
Os artefatos que surgem dentro de uma cultura urbana são resultantes de
intercâmbios e reapropriações, fruto de um processo de hibridação.
Para Peter Burke (2003), e Canclini (2003) o hibridismo é um processo e não um
estado, no qual devem ser consideradas as intersecções e trocas estabelecidas entre
diferentes culturas, respeitando-se também a parte que se preserva de cada uma, isto
é, aquilo que não se funde.
Outro termo também empregado para designar os processos de hibridação é o
de “tradução cultural”, utilizado pela primeira vez por antropólogos, e que é usado para
23
“descrever o mecanismo por meio do qual encontros culturais produzem formas novas e
híbridas” (BURKE, 2003, p. 55).
Advindos da necessidade de inclusão social, econômica e cultural, os artefatos
do design vernacular urbano são elaborados para atender funções específicas
inerentes às necessidades de trabalho e sustento. Esses artefatos são configurados a
partir de materiais e cnicas provenientes dos modos de uso e produção local,
mesclados ao saberes e práticas da cultura de origem.
Para que possamos estudar os artefatos do design vernacular urbano e sua
relação com seus agentes produtores/usuários e a cidade, optamos por estabelecer
diversos recortes. Primeiramente iremos categorizar os artefatos separando-os entre
artefatos fixos e artefatos móveis.
Os artefatos fixos são aqueles que são montados em um local onde são
vendidos os produtos. Apesar de alguns artefatos dessa categoria possuírem
mecanismos de locomoção como rodas, eles não são utilizados para serem
locomovidos em busca do cliente.
os veis têm a característica do deslocamento contínuo, podendo ter rodas
para a locomoção ou serem carregados pelo vendedor ambulante.
Os aspectos materiais, formais, técnicos e funcionais serão analisados a partir de
uma pesquisa descritiva. Para tanto foram realizados registros fotográficos e entrevistas
com seus agentes produtores/usuários.
Nesta mesma análise serão traçadas algumas referências históricas da origem
de alguns artefatos objetivando compreender sua configuração e significado atual no
contexto urbano.
Para restringir o objeto de estudo optamos por analisar um único tipo artefato
popular a lata dos vendedores de amendoim. Esta escolha se justifica pelo fato de
podermos encontrar esse artefato em várias regiões do país, e pelas transformações
formais e técnicas ocorridas neste objeto.
24
1.3.1 Artefatos fixos
Esta categoria compreende artefatos que podem até se deslocar, mas não têm
nesta característica sua função principal, isto é, são aqueles cuja função não requer o
movimento constante do artefato para a venda dos produtos. Nesta categoria incluímos
os objetos expositores de pequena, média ou grande dimensão, como barracas,
bandejas fixas, expositores de chão, sendo que alguns possuem rodas para a
locomoção do artefato apenas para chegar ou sair do local onde é realizada a venda.
Os artefatos fixos mais comuns são as bancas expositoras feitas com sarrafos de
madeira com pés articulados por parafusos (fig. 5). São estruturas leves, de fácil
montagem, desmontagem e transporte.
Figura 5 – Banca expositora na Av. Paulista.
Data: 6/9/2006.
25
A necessidade de mobilidade do artefato deve-se ao fato dos vendedores
ambulantes estarem, com muita freqüência, em condições irregulares de registro, sendo
obrigados a fugir rapidamente, quando aparecem os fiscais da prefeitura.
Esses artefatos são revestidos na parte superior com lonas, tecidos ou PVC, que
formam uma superfície para expor a mercadoria. Essas estruturas são mais utilizadas
para exposição de mercadorias leves, como roupas, bijuterias, pequenos brinquedos,
etc.
A maioria dos vendedores ambulantes dessas bancas terceirizou a confecção do
artefato, encomendado a algum vizinho que possuía ferramental para trabalho em
madeira, ou compraram de artesãos que fabricam esse tipo de estrutura. Esses
artefatos não recebem acabamentos como pinturas, pois o sistema articulado facilita o
desgaste na região das dobradiças e parafusos. Como a funcionalidade é o principal
fator, os vendedores ambulantes que trabalham com esses artefatos não sentem
necessidade de ornamentação.
Outro exemplo de artefato expositor é a banca de temperos (fig. 6), localizada no
Largo da Batata, na região de Pinheiros. A mercadoria encontra-se pendurada na
própria barraca ou armazenada em potes de plástico transparente, identificados com o
nome do tempero. Como o produto é vendido a granel, não existe uma marca que
identifique a procedência da mercadoria.
A banca é toda feita em madeira, revestida com plástico na parte superior para
proteger a mercadoria da chuva.
Figura 6 – Banca de Temperos no Largo
da Batata.
.
26
As bancas utilizadas para cozer alimentos (fig. 7), são também classificadas
como artefatos fixos, que ficam localizadas em um único ponto. As mais encontradas
são as bancas pintadas com cores claras, ou com a cor do próprio metal, no caso de
serem de aço inox. Essa escolha é feita com o intuito de passar ao cliente um aspecto
de higiene e limpeza.
As cnicas de produção empregadas são artesanais ou semi-industriais,
utilizando materiais como chapa de metal (zinco) ou aço inoxidável, e solda e rebite
para fixação dos materiais.
Muitas vezes o vendedor ambulante produz um cartaz anunciando os produtos
da banca e os preços. Observamos que, para o texto, são utilizadas letras em caixa alta
e sem serifa. Esse tipo de letra favorece a leitura pelos usuários com pouca
alfabetização.
Figura 7 – Banca de Hot Dog. Av. Lins de Vasconcelos - SP
Data: 22/03/2006.
27
Carrinhos expositores também são encontrados com freqüência pela cidade.
Além da função de expor a mercadoria, os carrinhos possuem um espaço interno
para guardar o estoque. Esse tipo de artefato tem maiores dimensões, e necessita de
rodas para a locomoção em pequenas ou grandes distâncias.
Muitos vendedores ambulantes conseguem deixar o carrinho em
estacionamentos, bancas de jornal, oficinas mecânicas, ou em outro tipo de comércio
vizinho. Os proprietários desses estabelecimentos frequentemente cobram uma taxa
para que os carrinhos sejam guardados.
Por conta da segurança, e devido a muitos carrinhos serem deixados no local da
venda, correntes com cadeados são utilizados para prenderem os carrinhos em postes
ou gradis.
Os materiais empregados, acabamentos e técnicas de construção são diversos,
dependendo do tipo de mercadoria e localização do artefato.
O carrinho da figura 8 é feito em madeira, com uma bandeja interna para
exposição dos DVDs. A tampa também serve como expositor, e no espaço interno do
carrinho é guardado o restante da mercadoria.
O corpo do carrinho, que se assemelha a um baú, tem duas rodas na parte
dianteira para locomoção, e pés na parte traseira para estabilizar o carrinho no solo.
Neste artefato não há acabamento com pintura ou ornamentos.
Figura 8 – Carrinho expositor de DVDs. Rua
Galvão Bueno – São Paulo
Data: 15/03/2006.
28
O carrinho de frutas da figura 9 possui um acabamento de pintura de cor
única. Também foi confeccionado em madeira, com rodas para locomoção. O guarda-
sol, cuja função é de proteção para as frutas, acaba também sendo uma forma de
sinalização, facilitando a percepção comprador.
Os carrinhos utilizados para cozer alimentos também são encontrados em várias
regiões de São Paulo. Alguns são feitos em aço inoxidável (fig. 10), e possuem na parte
superior um bocal queimador para cozinhar o alimento, e na parte interna um botijão de
gás. Na parte interna também são guardados os acessórios e os produtos que serão
cozidos.
Figura 10 – Carrinho de
Yakissoba. Avenida Paulista.
Data: 12/10/2006.
Figura 9 – Carrinho de frutas.
Esquina da Rua João Ramalho com
Cardoso de Almeida – São Paulo.
Data: 16/03/2006.
29
Ao observarmos os materiais empregados no design vernacular urbano,
identificamos que a escolha dos mesmos é determinada por diversos fatores: a partir de
uma necessidade específica de forma e uso; de acordo com os materiais disponíveis no
meio; devido à característica do produto que será comercializado.
Os materiais empregados, muitas vezes provenientes do descarte de produtos e
embalagens eliminados pelo consumidor final, como latas, peças de eletrodomésticos,
varais de roupa, etc., atendem às questões relativas ao s-uso, e atendendo à
primeira necessidade do agente, ou seja, custo baixo.
É também uma solução que responde a questões ambientais, minimizando o
impacto no meio ambiente, através do alongamento do ciclo de vida dos materiais, da
utilização de poucos materiais virgens na produção e de recursos energéticos, pois a
energia empregada no processo de confecção dos artefatos é, em grande parte, a
energia humana.
Dessa forma, o processo de reciclagem empregado na confecção dos artefatos
promove a intensificação do uso, pois vários artefatos produzidos são de uso coletivo e
compartilhados.
A churrasqueira da figura 1 é um exemplo de um artefato fixo feito com material
reciclado. Feita com peça de máquina de lavar teve o tambor soldado a uma estrutura
composta por tubos de ferro. Na parte interna é colocado o carvão, e na parte superior
é disposta outra estrutura metálica, que funciona como suporte para grelhar a carne.
No processo de criação e produção de muitos dos artefatos do design vernacular
urbano, a reciclagem é um dos recursos adotados para a criação de novas formas, usos
e significados.
Além de atender à função econômica, os artefatos reciclados promovem a
inclusão social dos usuários/produtores dos artefatos, e contribuem para a promoção de
práticas de cidadania e redução do impacto ambiental.
30
1.3.2 Artefatos móveis
Os artefatos móveis do design vernacular urbano são confeccionados para uso
em movimento, com o objetivo de oferecer serviços ou produtos aos
clientes/consumidores.
Escolhemos para análise alguns artefatos encontrados na cidade de São Paulo,
muitos deles presentes também em outras regiões do país.
As carroças dos catadores (figs. 11 e 12), são exemplos de artefatos móveis,
pois são utilizadas em movimento pelos catadores de lixo reciclável que recolhem o
material pelas ruas da cidade e transportam até às cooperativas ou depósitos que
compram material reciclável.
As carroças são confeccionadas de materiais diversos: como metal, madeira,
utilizando também parte de geladeiras, varais, gradis, etc. As cnicas de construção
vão desde o uso de solda e rebites, até processos mais artesanais e improvisados com
a utilização de pregos e amarrações com fios e arames. Algumas carroças são
pintadas, outras têm objetos pregados como placas de automóveis, santos e bandeiras
de times de futebol.
Criadas para transportar grandes quantidades de material por longas distâncias,
através de ruas com subidas e descidas, essas carroças possuem um mecanismo de
freio, localizado na parte de trás do veículo que fica revestido normalmente por restos
de pneu velho, cuja aderência ao solo permite frear a carroça. Rodas de automóveis
são utilizadas nas carroças, que também possuem um suporte na parte dianteira para
que o catador possa puxar o veículo. Muitos catadores utilizam a carroça também como
moradia, que uma grande parcela dessa categoria de trabalhadores se constitui de
moradores de rua.
31
Outro artefato móvel encontrado em São Paulo e quase em extinção é o carrinho
do amolador de facas. Esses artefatos foram se transformando ao longo do tempo,
assumindo formatos dos mais diversos, sempre com a finalidade de adequar a forma à
função e uso do artefato.
Alguns amoladores constroem seus artefatos utilizando tábuas de caixote, em
desuso ou novas, uma roda de bicicleta, uma correia de couro, uma pedra esmeril,
Figura 11 – Carroça de coleta de
papel. SP
Data: 9/11/2005
Figura 12 – Carroça de coleta de lixo
reciclável. SP
Data: 30/03/2006
32
corrimão (eixo), pregos e tinta (LUBATTI, 1982). Outros adaptam bicicletas
transformando-as em amoladores (fig. 13).
Os artefatos mais tradicionais possuem na parte traseira uma roda de bicicleta
encaixada entre a tampa e o pé, cuja função é movimentar o esmeril e permitir o
transporte do conjunto de um local de trabalho para outro (fig. 14). Para afiar as
ferramentas, o amolador movimenta o pedal com o ritmo constante e lento. Alguns
amoladores desenham no carrinho ornamentos ou as peças que afiam.
Todo amolador tem mais de um artefato, um que fica em casa, para afiar as
ferramentas das vizinhanças, aos sábados, domingos e feriados, e outro que é utilizado
para o trabalho diário.
Figura 13 – Amolador de facas. Rua Vergueiro – SP.
Data: 27/04/2006.
33
O artefato do amolador de facas é um exemplo da cultura popular que resiste ao
tempo, apesar das transformações formais que sofreu. Ele se tornou símbolo de uma
atividade informal, quase em extinção, que ainda persiste às mudanças econômicas e
sociais dos grandes centros urbanos.
De certa forma, também é um símbolo de resistência econômica, social e
cultural, cuja tradição é passada de geração em geração mantendo o ofício vivo na
memória e no imaginário das pessoas.
Um outro artefato móvel, muito encontrado em feiras e no comércio de rua é o
carrinho de café. Este tipo de artefato é transportado pelos vendedores ambulantes
para oferecer o produto aos outros vendedores que precisam permanecer em seus
locais de trabalho.
Figura 14 – Amolador de facas.
Fonte:
http://www.bestiario.com.br/16_arquivos/amo
lador.html
34
Em São Paulo, esses carrinhos de café são improvisados com carrinhos e
sacolas ou caixas (fig. 15). em outras regiões do Brasil, como Salvador, o carrinho
de café é um artefato construído especialmente para a finalidade de transportar as
garrafas térmicas e os acessórios (fig. 16).
Também podemos citar que os carrinhos de São Paulo não são ornamentados.
os registrados em Salvador são pintados com cores diversas, assemelham-se a
caminhões, e possuem vários outros adereços, como adesivos, frases, etc.
Em ambos os casos, os artefatos são criados para atender a uma demanda, e, de
acordo com cada situação, se emprega materiais e recursos disponíveis para se ter
como resultado final um produto capaz de atender as necessidades de trabalho e
subsistência.
Figura 15 – Carrinho de café. Praça da
República – SP.
Data: 11/03/2007.
Figura 16 – Carrinho de café. Salvador
Fonte:
http://www.mcb.sp.gov.br/expo/expo_design
populardabahia-fotos.htm#
35
1.3.2.1 Vendedores de amendoim
Os vendedores de amendoim e seus artefatos são figuras marcantes no cenário
urbano de São Paulo. Classificados como artefatos móveis, eles possuem a função de
aquecedores, mantendo o amendoim quente para a venda.
As latas e baldes utilizados na confecção desses artefatos foram adaptados e
transformados em instrumentos de trabalho.
Encontrados em várias regiões do Brasil, porém com formatos e materiais
diversos, esses artefatos mantiveram a função e uso quase inalterado ao longo de
décadas.
No modelo encontrado no Rio de Janeiro (fig. 17), uma panela de alumínio foi
adaptada para se transformar em instrumento de trabalho. Um corte lateral foi feito na
panela, para que em seu interior, na parte inferior, fosse colocada uma lata com carvão
cuja função é a de aquecer o amendoim. Dois furos foram feitos nas laterais para
introduzir um arame que sustenta a parte da panela recortada que fica na parte central.
Essa divisão interna permite que seja criado outro compartimento na parte superior que
irá manter alguns cartuchos de amendoim mais aquecidos.
A alça foi feita com arame revestido por um pedaço de mangueira de plástico, e
presa na panela. Na parte superior do artefato (fig. 18) são dispostos os cartuchos com
amendoim, que ficam encaixados em uma tela de metal (filtro de automóvel), que
também serve como porta moedas ou passes, também aceitos como pagamento da
mercadoria.
36
Na Bahia encontramos uma versão de lata para vender amendoim feita com
chapa de zinco, alça com arame revestido e uma pega de madeira (fig. 19).
Todos os artefatos confeccionados para o aquecimento e transporte de
amendoim possuem em seu interior uma panela ou lata com carvão para manter
aquecido o produto.
Figura 17 – Artefato para venda de amendoim.
Rio de Janeiro.
Data: 12/10/2005
Figura 18 – Detalhe superior. Rio de
Janeiro.
Data: 12/10/2005
Figura 19 – Lata de amendoim - BA
37
Aqueles encontrados em São Paulo também preservam a mesma função.
Porém, os materiais empregados vão se alterando na medida em que as necessidades
de uso e o meio ambiente vão impondo outros elementos condicionantes.
Os artefatos mais comuns em São Paulo o aqueles feitos com latas de tinta
recicladas. (fig.20). Na parte superior da lata é presa uma forma de alumínio redonda
onde são dispostos os cartuchos com amendoim. A alça que serve para o transporte do
artefato é revestida de borracha que tem a função de isolar o calor (fig. 21). Também
nesses artefatos observamos a presença de um suporte central de metal utilizado para
prender os cartuchos e para colocar as moedas que facilitam a rapidez do troco na hora
da venda (fig. 22).
Na parte frontal da lata observamos uma abertura grande que é feita para inserir
em seu interior uma panela ou lata com carvão que, aceso, irá manter o amendoim
aquecido (fig. 23).
Os cartuchos com amendoim também são exemplos de design vernacular. Feitos
artesanalmente com papel sulfite, são enrolados em forma de cone, acondicionando o
produto. O formato dessas embalagens permite que o consumidor abra o invólucro pela
extremidade superior e consuma o produto no próprio cartucho. (figs. 24 e 25).
Figura 21 – Detalhe da alça. Av. 23 de
maio. São Paulo.
Data: 21/11/2005
Figura 20 – Artefato para venda de
amendoim. Av. 23 de maio. São Paulo.
Data: 21/11/2005
38
Outra modalidade de artefato utilizado pelos vendedores de amendoim, em São
Paulo, são aqueles feitos com baldes de alumínio (figs. 26 e 27). Estes baldes o
comprados e adaptados para a mesma finalidade das latas aquecer o amendoim e
transporta-lo para venda aos clientes.
Figura 24 – Cartucho com amendoim.
Figura 25 – Cartucho aberto.
Figura 22 – Suporte central da lata de
amendoim. Av. 23 de maio. São Paulo.
Data: 21/11/2005
Figura 23 – Panela com carvão. Av. 23 de
maio. São Paulo.
Data: 21/11/2005
39
Poucas adaptações são feitas na forma original do balde. Uma forma de pizza
também é colocada na parte superior, onde são dispostos os cartuchos de amendoim,
sendo que a alça utilizada é original do balde. Um corte frontal é feito, para ser inserida
uma lata com carvão. Essa lata é um reaproveitamento de uma lata de leite ou
achocolatado, que recebe cortes para que o calor do carvão colocado ali possa se
propagar.
Segundo o ambulante Paulo José da Silva Leôncio, a utilização dos baldes
auxilia na identificação dos vendedores de amendoim pelo cliente, que em locais de
grande concorrência como o elevado Costa e Silva, o cliente que comprou um
amendoim de boa qualidade, em outro momento, procura comprar dos mesmos
vendedores, identificados pelos baldes, pois todos eles vendem o amendoim da
mesma procedência.
As estratégias de venda utilizadas pelos vendedores ambulantes pouco se
alteraram ao longo do tempo. Os pregões e a utilização de instrumentos musicais para
anunciar a chegada do ambulante ainda o mantidos pelos amoladores de facas,
vendedores de biju, etc. Outros ambulantes procuram chamar a atenção com cartazes e
Figura 26 – Artefato com balde de
alumínio. Av. 9 de julho
Data: 21/02/2007
Figura 27 – detalhe superior. Av. 9 de julho
Data: 21/02/2007
40
faixas. Porém, um bom ponto ou região ainda é a garantia de freguesia e maior
lucratividade.
1.4 Configurações, usos e traduções
Os artefatos populares utilizados no comércio ambulante no Brasil foram
registrados em gravuras e fotos ainda no período colonial. Feitos ou adaptados a partir
de objetos e materiais do uso cotidiano, tabuleiros, cestos, barracas e carrinhos foram
se transformando ao longo dos anos, e hoje, muitos deles, são produzidos em larga
escala.
Podemos encontrar grande oferta desses artefatos para venda no site Mercado
Livre. Um carrinho de Hot Dog Novo, com 137 cm de largura, 90 cm de altura, 52 cm de
profundidade e 45 Kg de peso, com 3 meses de garantia, é vendido em dia por R$
850,00.
O carrinho da figura 28, anunciado no Mercado Livre, é feito em chapa branca
galvanizada pré-pintada, com mesa na parte superior em aço inox, com chapa para
fritura e prensa e, 2 molheiras quentes, e potes para recheio. O carrinho também
contém rodas pneumáticas, baú interno para guardar mantimentos, e queimadores e
controladores de gás, e acompanha um guarda-sol.
Figura 28 – Carrinho de Hot-Dog industrializado
Fonte: http://produto.mercadolivre.com.br
Acesso em: 19/02/2007.
41
Com o aumento do mero de vendedores ambulantes nos grandes centros
urbanos, e a diversificação dos produtos para venda, surgem empresas de pequeno e
médio porte especializadas na industrialização e comercialização de carrinhos e
aparatos para o comércio informal.
No design vernacular urbano, o indivíduo que cria e concebe um objeto para um
uso específico, seja para a preparação de alimentos, para o armazenamento ou para a
exposição e venda, também considera, de forma empírica, os elementos de
configuração.
Estes elementos irão atender, necessariamente, às novas necessidades
psíquicas do ser humano, incluídos novos códigos de comportamento e
materialidade, novos códigos visuais e formais.
O produtor do design vernacular urbano elege os elementos configuracionais
para a confecção do objeto, de acordo com os elementos disponíveis e que mais se
adaptam às necessidades funcionais, ambientais e locais, e às próprias necessidades.
Mas, mesmo tendo o foco nessas necessidades, estabelece-se o diálogo, inevitável,
que altera mentes e percepções.
A configuração de um artefato exerce sobre o usuário ou observador uma
influência, que pode exteriorizar-se em aceitação, recusa ou neutralidade frente à
mercadoria que é comercializada.
Obviamente o efeito desejado é o da aceitação, já que o artefato tem por objetivo
atrair o consumidor para a venda do produto.
No design vernacular a funcionalidade continua sendo requisito básico e tem por
objetivo adequar materiais ou sistemas às necessidades do usuário para um melhor
desempenho e eficácia do artefato.
A significação e concretude se justificam no uso, e na interação comercial
estabelecida entre produtor e o usuário.
Os consumidores das mercadorias comercializadas pelos vendedores
ambulantes são os principais receptores das mensagens contidas nos artefatos. Dentro
42
da cadeia de comunicação, os aspectos formais e funcionais podem, assim, ser
designados como consumo estético e como processo de uso.
Os artefatos do design vernacular urbano se encaixam em sistemas simbólicos e
ideológicos de um grupo ou comunidade que estabelece regras de trabalho, e códigos
específicos de cada atividade.
Em suas origens, o design vernacular é produzido para atender à necessidade
do agente. Hoje, principalmente nas grandes cidades, encontramos artefatos
produzidos para atender a uma determinada comunidade.
As carroças utilizadas pelos catadores de material reciclável são, na sua grande
maioria, pertencentes ao comprador da sucata, ou são disponibilizadas por uma das
cooperativas de trabalho que atuam no setor.
Também encontramos um mesmo artefato utilizado por diversos indivíduos, onde
apenas um é o proprietário. È o caso dos vendedores ambulantes ou camelôs que
exercem sua atividade em pontos fixos, nos locais de grande trânsito de pessoas. As
barracas encontradas nesses locais possuem um proprietário, que emprega pessoas
para trabalhar nelas.
Em alguns casos, várias barracas pertencem a um único dono, que fica
responsável pelo abastecimento de mercadorias, contratando funcionários para
trabalhar nas barracas, ou deixando sob a responsabilidade de filhos, cônjuges ou
parentes.
Essas novas relações de uso e de trabalho refletem a crescente necessidade de
sobrevivência pela categoria de trabalhadores informais, que buscam alternativas de
trabalho, frente a crescente crise econômica.
A necessidade de mobilidade do artefato deve-se ao fato dos vendedores
ambulantes estarem, com muita freqüência, em condições irregulares de registro, sendo
obrigados a fugir rapidamente, quando aparecem os fiscais da prefeitura.
Novamente percebe-se o caráter popular da atividade, majoritariamente
desenvolvida por migrantes em busca de novas raízes, e, conseqüentemente, de novas
relações com o mundo e a sociedade.
43
São códigos em transformação, atividades desconhecidas, regras da cidade
grande, impondo obrigações organizacionais também desconhecidas.
Segundo Bürdek (2006, p. 323) não existe um vocabulário de significados para
produtos, que “significados simbólicos podem ser interpretados a partir de seus
contextos sócio-culturais”.
Conforme a região, o design vernacular assume configurações, funções e
significados diferentes, que são reconhecidos, identificados e interpretados a partir de
determinados códigos culturais. Quando os objetos migram para outras regiões, o
reconfigurados para atenderem a outros códigos, isto é, passam por um processo de
tradução para que possam gerar sentidos. Porém, nenhuma tradução se por
completo. O resíduo tradutivo garante a conservação das diferenças e da vida cultural
do local de origem.
A condição humana aceita transformações e traduções. Mas, assim como o
estrangeiro guarda o sotaque de sua origem, fazendo-se compreender, mas
reafirmando-se estrangeiro, as traduções do design vernacular têm limites de
realização, já que nenhuma tradução se dá por completo.
1.5 Reinvenção e re-significação
O processo de reinvenção e re-significação dos artefatos do design vernacular
urbano, através de seus produtores, agentes de uma economia informal, corresponde a
um movimento de constituição de novas identidades sociais, como forma de vínculo e
pertencimento.
O processo criativo na concepção e elaboração dos artefatos é afetado por
fatores ambientais, sociais, econômicos, e pelos valores culturais.
Em locais como a cidade de São Paulo, os materiais naturais, como galhos,
troncos de árvore, bambu, cipó e fibras naturais são quase inexistentes. Ao contrário,
são os materiais industrializados ou o lixo industrial que se encontra mais presente no
design vernacular urbano.
44
A criatividade faz-se presente na escolha e nos arranjos desses materiais, bem
como nos modos de produção, cada vez mais híbridos.
A tecnologia que é incorporada se converte em instrumento para a socialização.
Com a disponibilidade de um ferramental mais apropriado e adequado aos materiais,
são criados artefatos semi-industriais, com técnicas de solda e rebite.
Também o observados artefatos que, pela falta de equipamento apropriado,
são criados em condições mais precárias, porém não menos criativa.
Entre os moradores de rua, qualquer material transforma-se em um artefato para
cozimento, iluminação, ou mesmo para a improvisação de mobiliários.
Caixas transformam-se em berços, (fig. 29), cadeiras, mesas e armários. Latas
viram fogareiros; garrafas, candeeiros, e utensílios são criados com toda sorte de
materiais disponíveis, como garrafas PET, embalagens de plástico, etc.
Os artefatos criados também carregam os valores e crenças do agente produtor.
A presença ou ausência de cor, os acabamentos, texturas, ornamentos, a definição e
escolha deste ou daquele elemento, está diretamente associado aos valores culturais
do indivíduo.
Figura 29 – Berço. Praça da Sé – SP.
Foto: Douglas Mansur.
Fonte:
http://www.comciencia.br/comciencia/h
andler.php?section=8&edicao=15&id=
164. Acesso em 9 de fevereiro de
2007.
45
Os santinhos pendurados na carroça, ou frases bíblicas escritas em placas,
identificam a crença do produtor ou usuário do artefato, conferindo significados
simbólicos aos objetos.
Os artefatos do design vernacular sejam eles produzidos em cidades
interioranas, ou em grandes centros urbanos, são caracterizados como peças únicas,
mesmo que tenham grandes semelhanças. São únicos, pois carregam a subjetividade
do sujeito produtor; da mesma forma também são genéricos, refletindo os aspectos
culturais e sociais da comunidade.
De modo geral, o design vernacular é elaborado a partir do conhecimento
adquirido através da observação da prática. Imita-se o processo, mas não se replica o
objeto. O ato criativo se manifesta ao primeiro toque, ao primeiro movimento, na
manipulação dos materiais e na empunhadura das ferramentas.
Reinventar é conceber novas idéias a partir de velhos modelos, propondo
soluções inusitadas. Re-significar implica dar novo sentido aos objetos, aos costumes,
às práticas.
De certa forma, os artefatos do design vernacular, em contato com a cultura
urbana foram desapropriados e modificados em seus significados, e impelidos a se
reinventar e re-significar a partir dos processos de simbolização do cotidiano.
46
2 A CIDADE É O LOCAL
A cidade de São Paulo, uma das três maiores cidades do mundo e a mais rica do
Brasil, é também produtora de intensas desigualdades sociais, econômicas e culturais.
Como espaço social, a cidade é o local de experiências humanas e de
construção de significados, onde o indivíduo modifica e/ou se adapta ao meio físico,
social, cultural, aprendendo e interpretando as linguagens nele criadas e reproduzidas
para que possa interagir como cidadão (NOJIMA, 1999, p. 26). Dessa forma, procura
diminuir as desigualdades e encontrar as condições necessárias para sua realização e
inserção política, social e cultural.
Neste capítulo buscaremos fazer uma “leitura” da cidade como espaço de
comunicação e inserção, a partir das relações entre os artefatos do design vernacular
urbano, a cidade e os agentes sociais da economia informal.
Em um segundo momento de nossa leitura optamos por focar nosso
reconhecimento do design vernacular urbano na Avenida Paulista, devido ao seu
ecletismo visual e mestiçagem cultural.
Para darmos início ao nosso relato, tomaremos de empréstimo da autora
Lucrecia D´Alésio Ferrara o termo “leitura não-verbal”, definida na obra “Leitura sem
Palavras”, como uma inferência sobre a experiência cotidiana apreendida da cidade,
por meio da observação dos elementos da cidade que nos falam.
2.1 Leitura não-verbal da cidade
Como contexto que aciona nossa capacidade perceptiva - fazendo recortes, e
estabelecendo a delimitação entre os planos perceptivos - é possível distinguir, na
cidade, suas partes e o todo (LYNCH, 1997). Neste momento, identificamos a presença
de objetos inusitados, que se destacam na paisagem, entre eles o design vernacular
urbano.
47
Os artefatos do design vernacular urbano são produzidos no contexto urbano da
cidade. Para compreendermos seus modos de uso e experiências, bem como as
relações que os artefatos estabelecem na mediação entre o sujeito produtor e o meio
ambiente, faz-se necessária uma leitura não-verbal da cidade, de seus espaços e
lugares, para decodificarmos as informações produzidas.
Informação, segundo Ferrara (1999, p. 151), é “uma produção que decorre da
capacidade de inferir, da e sobre a realidade, novos conhecimentos suficientes para
provocar aprendizado e mudança de comportamento”.
Entendemos a cidade como um espaço de informação, composta pelo ambiente
físico, social, econômico e cultural que produz comportamentos, usos e hábitos.
O design vernacular urbano, presente nos espaço da cidade, se faz visível na
medida em que operamos uma percepção do meio ambiente. Essa percepção nos
permite gerar conhecimentos a partir da informação apreendida e codificada do
contexto informado, isto é, “da estrutura decorrente das relações que se estabelecem
entre um determinado lugar e as variáveis que atuam sobre ele” (Ibid., p. 153).
Em nossa leitura da cidade procuramos empregar um juízo perceptivo que nos
permite utilizar as experiências passadas e armazenadas na memória, para o
reconhecimento dos predicativos dos lugares e objetos da cidade.
Porém, essa leitura fasentido, se nos despojarmos dos padrões que nos
são impostos, para nos deixarmos levar pelos aspectos que nos seduzem.
A emoção e sensibilidade são de fundamental importância no processo de leitura
não-verbal da cidade, capturando e decodificando informações, e também sensações.
A leitura que fazemos da cidade implica em uma comunicação não-verbal, por
meio de atribuições denotativas e/ou conotativas dos elementos do meio ambiente. O
sujeito, produtor e consumidor do espaço, apropria-se e incorpora elementos de seu
entorno, através de modos de uso e experiências.
Na relação que o homem estabelece com o meio ambiente, são ativadas: a área
cognitiva, através da percepção, conhecimento e avaliação do meio; a área afetiva,
48
quando são suscitadas sensações e emoções; e a área motriz, quando nos
locomovemos e interagimos ativamente com o espaço.
Quando percebemos e nos encantamos com os detalhes do ambiente urbano,
atribuímos a eles significados, e guardamos na memória formas, cenas e situações,
estabelecendo intimidade e vínculo, isto é, comunicação.
Cada leitura é única, pois se relaciona com as imagens contidas em nossas
memórias próprias, construídas pelas nossas vivências; e aquelas que construímos
através de outros olhares, através de filmes, de fotos, as que são descritas oralmente;
ou com aquelas imagens que criamos através de textos que descrevem a cidade.
Rolnik (2004) compara a construção de uma cidade com a construção de um
texto, onde ambos os fenômenos escrita e cidade são impulsionados pela
necessidade de memorização.
O desenho das ruas e das casas, das praças e dos templos, além de conter a
experiência daqueles que os construíram, denota o seu mundo. É por isto que
as formas e tipologias arquitetônicas, desde quando se definiram enquanto
habitat permanente, podem ser lidas e decifradas, como se lê e decifra um texto
(ROLNIK, p. 17).
A memória armazena os significados da imagem e do imaginário dos lugares,
qualificando-os e distinguindo-os. Segundo Ferrara (2002, p. 17), “a memória é
condição de apreensão reflexiva da ação do tempo sobre os lugares”.
Podemos ter a memória que valoriza os lugares memoráveis, relacionados aos
eventos históricos, e também a memória criadora do lugar ficcional, que recupera as
marcas do passado, através de palavras, imagens, gestos, nomes, que fazem sentido
na vivência do presente. Essas duas memórias podem ser acionadas quando falamos
ou descrevemos os lugares.
É o caso do depoimento
3
sobre a Cidade de São Paulo, feito por Aziz Ab’Saber,
professor titular aposentado da cadeira de Geografia Física da FFLCH USP, que
descreve a cidade de São Paulo mesclando lembranças dos tempos de adolescente,
3
Depoimento gravado em abril de 2004 para os funcionários Eduardo Nobre, Manuella Mariana Andrade
e Liliane Schrank Lehmann da Comissão Editorial da Revista do Arquivo Municipal – no instituo de
Estudos Avançados da USP, e publicado na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, v 203.
49
quando veio para São Paulo para prestar o vestibular na Faculdade de Filosofia. A
partir da memória de histórias do seu pai, imigrante libanês, relata os acontecimentos
que marcaram a transformação da cidade de São Paulo a partir da década de 40.
Em seu depoimento, Aziz Ab’Saber descreve como a construção de grandes
salas de cinema no eixo da Avenida São João e arredores provocaram o declínio de
velhos cinemas da Rua Direita, Rua São Bento e no quarteirão inicial da Brigadeiro Luis
Antonio. Sobre o bairro da Bela Vista, Aziz relata as lembranças da construção de salas
de teatro e cantinas, que descaracterizaram o bairro de sua origem de imigrantes
operários, outrora ocupados por pensões, vilas, porões e cortiços.
Aziz atribui como principais fatores responsáveis pela transformação da cidade
de São Paulo em metrópole: o processo de migração interna, com a chegada de
legiões de trabalhadores braçais; a implantação de um complexo hidrelétrico regional,
proporcionando energia abundante e barata; melhorias na infra-estrutura de transportes
viários; instalação de cidades industriais satélites; implantação das avenidas marginais
do Tietê e Pinheiros que intensificaram os fluxos de circulação.
As leituras que Aziz faz da cidade de São Paulo, são feitas a partir de sua própria
vivência, do olhar de quem acompanhou as mudanças e transformações da cidade de
São Paulo em uma grande metrópole.
Já Caetano Veloso, em sua música “Sampa” faz uma leitura de São Paulo
referindo-se às ruas (Av. Ipiranga e São João), ao povo (“oprimido nas filas, nas vilas,
favelas”), ao capitalismo (“da força da grana que ergue e destrói coisas belas”), e à
poluição da cidade (“da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas”).
Olhares de encantamento e desencantamento, de paulistanos, migrantes e
imigrantes que relatam suas impressões e memórias, como personagens que despem a
cidade, expondo suas belezas e suas mazelas.
A cidade de São Paulo é o palco de inúmeras transformações e olhares, gerados
pelos seus próprios habitantes que devolvem à cidade novas imagens construídas
pelas várias leituras, pelo convívio e pela interação com o espaço urbano.
50
A leitura que é feita da cidade se dá através do conhecimento, dos sentimentos e
das ações, que se processam de formas diferentes.
Para Lynch “a cada instante, mais do que o olho pode ver, mais do que o
ouvido pode perceber, um cenário ou uma paisagem esperando para serem
explorados” (1997, p. 1). Por isso, o devemos confundir a cidade com o discurso que
a descreve (Cf. Ítalo Calvino). Em uma cidade existem milhares, onde todas elas
coexistem na memória e na imaginação de todos nós.
Para o agente produtor e usuário direto dos artefatos do design vernacular
urbano, a cidade é lida através daquilo que ela oferece, ou mesmo a partir das suas
necessidades específicas. Neste caso, a cidade é o espaço econômico de onde ele
obtém seu sustento. É também o meio que propicia a troca, não econômica, mas
cultural. É o espaço de onde ele obtém os materiais para a confecção de seu artefato;
onde observa quem são seus clientes, para estabelecer quais procedimentos serão
adotados como estratégias de abordagem para a venda da mercadoria. É o local de
trabalho, mas também de seu convívio social, onde ele apreende os sons, as
informações, os modos da cultura, os hábitos, dos quais ele seleciona, incorpora e
transforma, devolvendo para o mesmo meio novas formas de representação.
De modo geral, todos nós construímos representações do meio ambiente em que
vivemos, dos lugares em que passamos, a partir da percepção que temos dos
elementos que constituem esse meio. Essas representações são elaboradas por meio
dos nossos sentidos, que agem de maneira seletiva com os objetos que nos cercam,
fazendo com que cada individuo construa sua própria realidade. Cada realidade
construída é fruto de uma leitura, um processo de descoberta de significados e do
exercício de memória.
O observador e usuário, em relação ao seu meio, seleciona, organiza e dá
sentido para aquilo que vê. Dessa forma comunica-se com a cidade por meio das
interações que estabelece entre os processos sociais e a configuração geográfica do
espaço, suas subjetivações e memórias, elementos da percepção.
Segundo Nojima (1999), a leitura e interpretação que fazemos do ambiente
urbano ocorre por meio da apropriação que o usuário faz do espaço, denominado pela
51
autora de “local”; e pelo “conteúdo”, que seria a leitura dos fenômenos que incidem
sobre os elementos que constituem e individualizam a paisagem.
Podemos determinar um espaço da cidade a partir de coordenadas, como por
exemplo, o cruzamento entre duas grandes avenidas. Quando fazemos a leitura e
interpretação dos elementos do local selecionado, a partir de uma “dominante
estrutural”, o local supera seu aspecto exclusivamente físico, visual ou funcional,
permitindo que “o macroespaço urbano mostre suas intimidades, suas forças e
fraquezas que o transformam em lugar orgânico, dotado de força vital” (FERRARA,
2000, p. 39).
Hillman (1993), também faz uma distinção entre espaço e lugar. Espaço,
segundo o autor, é algo abstrato, sem identidade, que se refere a uma concepção
geométrica, espacial, e o geográfica. lugares, ao contrário, trazem as lembranças
de suas histórias, das diferenças étnicas e terrestres, que não podem ser
homogeneizadas, já que cada pessoa faz uma leitura individualizada.
Esses cenários modificam-se pela ação externa e também interna, nos modos do
olhar, nas relações que são estabelecidas com as lembranças, com a memória de outro
tempo ou lugar. Para Ferrara (2002, p. 16), informação, imagem e memória atuam em
simbiose, como vetores operativos e construtivos do design dos lugares da cidade.
Todavia, a relação que estabelecemos com o mundo, segundo Hillman deve ser
dialógica. As coisas também nos falam através das configurações que assumem. “O
mundo se revela em formatos, cores, atmosferas, texturas uma exposição de formas
que se auto-apresentam” (1993, p. 14).
À medida em que as coisas se revelam para nós, elas nos atraem. Para Hillman
essa atração não depende da forma e estética, “mas sim dos movimentos da anima
mundi animando suas imagens e afetando nossa imaginação” (Ibid., p. 15).
Não podemos apenas interpretar as coisas do mundo, incorrendo no erro de
romper com a troca psíquica entre a interioridade das coisas e a experiência subjetiva
humana. Imaginamos o mundo através da elaboração de imagens, através da nossa
imaginação. Essas imagens, que são elaboradas internamente, são chamadas de
“imagens endógenas(Cf. BELTING/KAMPER, In: BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 33) e
52
só se formam no interior do indivíduo quando ocorre o estabelecimento de vínculos com
as imagens exteriores.
Cada coisa no mundo tem uma alma que se exterioriza em imagem, revelando
seu interior, dessa forma nos conduzindo a um olhar mais atento.
Para um contato e reconhecimento da cidade é necessário nos misturarmos a
ela; reconhecermos-nos nela, e termos intimidade com ela. Quando nos aproximamos
da cidade fazendo uso de nossos sentidos, nossa percepção para o entorno torna-se
multisensorial.
A cidade deve ser percebida através de nossos sentidos, mas principalmente,
pelo coração. Para o mundo antigo, o coração era o órgão da percepção e o lugar da
imaginação.
É preciso estar sensível para perceber os detalhes das coisas, despertar a
consciência, reparar em cada acontecimento, ficando atento à qualidade das coisas,
notar. (HILLMAN, 1993).
Para Baitello Junior, para contemplarmos as imagens exógenas é necessário
que haja o “tempo lento”, o tempo da decifração.
Este tempo lento é necessário para o confronto e o diálogo com as nossas
imagens interiores. Nesse diálogo é que nós nos espelhamos, nos
enriquecemos, bebemos, vivemos e multiplicamos o nosso espaço
comunicativo. É com esse diálogo que nós aprendemos a ver, a nos ver e a ver
o mundo. (BAITELLO JUNIOR, 2005, p.33)
Recebemos impressões, informações do meio externo por meio de nossos
sentidos, que de certa forma estão hierarquizados.
A visão e a audição se sobrepõem a outros sentidos como o olfato, o tato, o
paladar, a sinestesia. O tato, pelo qual sentimos as texturas e temperaturas da
superfície, não pode ser substituído somente pela visão. Nossa percepção de um objeto
não pode ser integralmente interpretada sem o uso do tato. Não sabemos, somente
pelo olhar, se sua superfície é fria ou quente. Da mesma forma não podemos sentir a
53
aspereza ou polidez da superfície sem o toque. “Nossa pele é a nossa ponte para o
mundo” (Ibid., p. 105).
O olfato também é um sentido fundamental para a leitura e comunicação com
mundo. Os nervos olfativos, situados na parte superior do nariz, estão diretamente
ligados ao cérebro, sendo o olfato o mais imediato de nossos sentidos.
Odores fétidos ou agradáveis modificam nossa percepção. O perfume delicado
de flores, o aroma de um alimento sendo preparado, ou mesmo o odor fétido do lixo
exposto em uma esquina, são sensações que, somadas às visuais vão construindo a
imagem dos locais por onde passamos. Essa imagem é produto, tanto de sensações
imediatas, quanto de lembranças de experiências passadas.
a audição, sendo hiperestésica, isto é, de grande sensibilidade, é também
inclusiva, da mesma forma que o olfato. Os sons gerados pela cidade atingem nossos
ouvidos, preenchendo o mais profundo silêncio, ou emudecendo a fala. Para ouvi-los
devemos nos colocar de forma passiva e receptiva. Sentir a cidade com sua
sonoridade, buzinas, estampidos, gritos, sons mecânicos, graves e agudos.
Segundo Baitello Junior, ouvir é um ato “feminino vinculado ao universo do sentir,
da paixão, do passivo, do receber e do aceitar” [...]. “Ouvir requer um tempo do fluxo, e
o tempo do fluxo é o tempo do nexo, das conexões, das relações, dos sentidos e do
sentir” (2005, p. 108).
Ao ouvirmos os sons do meio ambiente, devido ao excesso de sonoridade,
escolhemos aquilo que queremos escutar e ensurdecemos para aquilo que o
queremos ouvir. Mesmo o som sendo invasivo, acionamos os mecanismos psíquicos
para que possamos sobreviver em meio à proliferação de imagens sonoras. Todavia, “a
cultura e a sociedade contemporânea tratam o som como forma menos nobre, um tipo
de primo pobre, no espectro dos códigos da comunicação humana”, priorizando a
visualidade em detrimento dos outros sentidos (Ibid., p. 99).
No processo de percepção, identificação e tradução sensorial do design
vernacular urbano, os sentidos o acionados de modos diversos. Sua hierarquização
está relacionada à qualidade intrínseca de cada artefato.
54
A flauta de sete notas, tocada pelo amolador de facas, desperta primeiramente
nossa audição. Relacionamos o som ao objeto, tentando imaginá-lo primeiramente, na
sua estrutura formal, e depois funcional. Resgatamos as imagens endógenas desses
objetos que irão modificar-se ao depararmos com a imagem exógena. Quando as
imagens se fundem (endógenas, exógenas, sonoras, visuais e táteis), o objeto ganha
significado, passando a compor novas imagens.
Da mesma forma que a história da terra
está escrita nas camadas geológicas, as
camadas estratificadas das imagens que guardamos registram nossa percepção do
mundo. Esses registros não são substituídos, mas acumulados, construindo nosso
repertório imagético.
Ao caminharmos pelas ruas de São Paulo, outro de nossos sentidos, o olfato,
nos impulsiona na busca dos artefatos do design vernacular urbano. O cheiro da
pipoca, do cachorro-quente, do churrasquinho sendo grelhado, estimula nossos
sentidos, na procura e identificação visual do produto.
Ao vermos o objeto, sentimo-nos atraídos ou não a nos aproximar e
experimentar o alimento que está sendo vendido. Também o aroma exalado pelo
amendoim, vendido por ambulantes no semáforo, aguça nosso paladar e nos faz querer
tocar na embalagem do produto para saber se o mesmo está quente.
Audição, olfato, paladar, tato e visão são estimulados na leitura não verbal da
cidade e de seus elementos, fixos ou móveis, materiais e imateriais.
2.2 A imagem da cidade
O reconhecimento da cidade é feito pelos sentidos, pela localização geográfica,
pelos lugares, mas, sobretudo, pela memória da cidade. Essa memória encontra-se
presente em suas representações, em suas imagens.
As praças, os monumentos públicos, as ruas e avenidas, carregam memórias de
tempos passados, de heróis, de épocas ou situações.
55
Ao observarmos o Monumento às Bandeiras, instalado na Praça Armando Salles
de Oliveira, no Ibirapuera, observamos imagens esculpidas em granito, que
representam uma expedição bandeirante. Na frente vemos dois homens a cavalo, e
atrás, um grupo formado por índios, negros, portugueses e mamelucos, que puxam
uma canoa, usada pelos bandeirantes nas expedições pelos rios. As raças podem ser
identificadas por detalhes nas estátuas: os portugueses apresentam barbas; as figuras
nuas, com uma cruz ao pescoço são os índios catequizados. Essas imagens nos
remetem a uma São Paulo antiga, quase primitiva. Uma época que só pode ser
rememorada através de seus monumentos, de suas imagens históricas.
Segundo Hillman (1993), uma cidade necessita de imagens de culto que possam
constituir a cultura da cidade. Quando a alma da cidade não se reconhece em suas
imagens cria substitutos, buscando seu espaço, sua identidade visual, por meio da
ação humana, através de cartazes de rua, grafite e pichações.
A cidade apresenta-se como um emaranhado de linhas, formas, volumes,
texturas, cores, sons, odores, movimentos, etc. Ela está ali, presente em sua
temporalidade, revelando-se em seus contrastes e harmonias.
Segundo Nojima (1999, p. 26):
[...] a cidade é uma imbricação de signos multisensoriais produzindo
mensagens intertextuais visuais/sonoras/sinestéticas/olfativas/táteis, que
atingem simultaneamente o indivíduo a qualquer tempo e lugar, de modo muito
dinâmico e sincrético – tudo veloz e ao mesmo tempo.
Cada cidade possui uma qualidade visual específica. Como um livro, a cidade
está lá para ser lida (como já adiantou Rolnik).
Sua forma é apresentada pela sobreposição de imagens públicas e imagens
individuais. Essa imagem pública, para Lynch (1997), se traduz por imagens mentais,
comuns aos vários habitantes de uma cidade. Composta por elementos móveis, as
pessoas e suas atividades; e de elementos físicos, arquitetura e design, a imagem da
cidade forma-se e transforma-se, adquirindo ou perdendo qualidades. Qualidades ou
atributos estes, que podem ser identificados e capturados por meio dos olhares que
lançamos à cidade, quando a flagramos nos passeios que fazemos, a pé, pelas ruas e
56
calçadas, ou por meio de veículos de transporte, público ou particular, em diferentes
modos de apreensão dessas imagens.
Em meio ao ambiente urbano, distinguimos a presença de artefatos pertencentes
ao universo popular. Estes artefatos, denominados em nossa pesquisa de “design
vernacular urbano”, ganham uma dimensão perceptiva se destacando em meio ao caos
urbano.
Em cada locomoção pela cidade, a cada percurso, identificamos o aparecimento
de novos artefatos populares. Eles surgem como reflexo dos processos de
transformação da cidade. Esta, como um organismo vivo, constrói-se e reconstrói-se
continuamente.
Para entender a cidade é preciso observar sua dinâmica, sua movimentação
física e orgânica.
Os transeuntes, elementos orgânicos da cidade, são também responsáveis pela
sua transitoriedade e efemeridade imagética. A cada instante, a cada dia, capturamos
uma nova imagem. Lembrando que a imagem da cidade não é apenas visual, mas
composta também por seus sons e odores.
Em Cidade Polifônica, Canevacci compara a cidade a um coro que canta com
múltiplas vozes autônomas que se isolam, que se sobrepõem umas às outras e que se
relacionam.
Todavia, a multisensorialidade e transitoriedade da cidade podem despertar
inseguranças naqueles que moram ou passam por ela.
Temos necessidade de reconhecer e padronizar nosso ambiente, de nos
identificarmos com os lugares, com as pessoas, com os objetos, pois o reconhecimento
nos oferece um sentimento de segurança emocional. A descaracterização da cidade, e
sua constante transformação e desvinculação com o seu passado, desorientam seus
habitantes.
É nesse momento que ativamos nossa memória, tentando reconhecer os lugares
e nos reconhecer como fazendo parte deles.
57
A cidade de São Paulo, como uma grande máquina que nunca para, afeta a vida
das pessoas que nela vivem e trabalham. A sica “Amanhecendo”, composta por Bily
Blanco, traduz essa imagem de São Paulo:
Começou um novo dia,
Já volta quem ia,
O tempo é de chegar,
De Metrô chego primeiro,
Se tempo é dinheiro,
Melhor vou faturar.
Sempre ligeiro na rua,
Como quem sabe o que quer,
Vai o paulista na sua,
Para o que der e vier.
A cidade não desperta,
Apenas acerta,
A sua posição,
Porque tudo se repete,
São sete, e às sete,
Explode em multidão.
Portas de aço se levantam!
Todos parecem correr!
Não correm "de" correm "para"
Para São Paulo crescer!
Em seu livro Cidade & Alma, Hillman cita um conto de Norton Juster que se
encontra no The Phantom tollbooth. O conto relata a chegada de um menino em uma
cidade sem construções nem ruas, onde todos andavam apressados. Alguém explica
ao menino que havia um tempo em que a cidade era muito bonita, com casas, ruas e
lugares maravilhosos, em que as pessoas paravam sempre para olhar e admirar as
coisas da cidade.
Até que chegou um dia em que alguém descobriu, que se as pessoas não
olhassem para nada e tomasse atalhos, se chegaria mais rápido ao lugar de destino.
Assim, todos começaram a andar cada vez mais depressa, olhando para o chão, e não
olhavam mais as coisas ao redor. Dessa forma, a cidade foi ficando feia, suja, e
começou a desaparecer. As pessoas continuaram a caminhar depressa, percorrendo as
ruas, vivendo em suas casas, sem perceber que a cidade já não estava mais ali.
58
De certa forma, o ritmo frenético da cidade nos rouba o tempo necessário para
olhá-la, percebê-la, e apreciá-la. Sem as imagens exógenas da cidade, não se formam
as imagens endógenas.
Para que as imagens o desapareçam devemos propor um encontro com a
cidade, para que possamos reencontrar o sentido da beleza, dos lugares, das pessoas
e das coisas que pertencem à cidade.
2.3 Encontro com a cidade
A fascinação que a cidade exerce é, em grande parte, gerada pelos seus
hibridismos, pela sua mestiçagem. Não somente uma mestiçagem étnica, mas também
de estilos de vida, visões de mundo e sensibilidade estética (CANEVACCI, 1996).
São Paulo caracteriza-se pelos seus contrastes: natural/artificial, culto/popular,
horizontais/verticais, projeto/acaso, formal/informal, movimento/congestionamento.
Aby Warburg, em sua leitura iconográfica dos índios Pueblo do Novo México,
constatou a presença de linhas ondulosas como elemento recorrente nas imagens e
rituais desses índios, e de como certas formas expressivas sobrevivem.
Isso nos faz pensar: onde se encontram essas formas arcaicas na imagem da
cidade?
A cidade se expressa, quase predominantemente pela verticalidade e
horizontalidade: edifícios, semáforos, postes, torres de transmissão, e até mesmo os
transeuntes, tem como posição a vertical. Ruas, mídia externa (outdoor, front-light,
back-light,), com exceção da empena, exposta nas laterais dos edifícios, são
horizontais. O próprio movimento da cidade, expresso no caminhar das pessoas, no
trânsito dos carros, nos elevadores, são direcionamentos horizontais ou verticais.
Será que a cidade, enquanto imagem, perdeu sua memória, seu elo com o
passado temporal? A cidade, com seu asfalto e concreto, tornou-se impermeável à
transmissão de um conteúdo simbólico arcaico?
59
Na busca de soluções para estas perguntas, proponho um encontro com a
cidade através do ato do caminhar. Caminhar pela cidade, ao invés de observá-la
dentro de um carro em movimento adquire novo sentido, desperta outras sensações.
Segundo Hillman (1993), os habitantes dos grandes centros urbanos, quase
eliminaram por completo a necessidade de caminhar, tornando a locomoção, um ato
mecanizado.
O ato de caminhar nos coloca em contato mais direto com o meio ambiente.
Podemos olhar, ouvir, cheirar e tocar a cidade quando exercitamos o caminhar,
em um tempo próprio que o é determinado pelo fluxo dos automóveis, pelo tempo
dos semáforos, nem pela velocidade dos meios de transporte.
Passadas largas, curtas, paradas. Aproximamos-nos ou nos distanciamos com
nossos corpos dos objetos, das pessoas, da arquitetura. Segundo Harry Pross (Apud
BAITELLO JUNIOR, 2005), toda comunicação ou todo processo comunicativo começa
no corpo, e termina no corpo.
O corpo é linguagem e, ao mesmo tempo, produtor de inúmeras linguagens
com as quais o ser humano se aproxima de outros seres humanos, se vincula a
eles, cultiva o vínculo, mantém relações e parcerias (BAITELLO JUNIOR, p.
62).
O ato de caminhar possibilita interagirmos com a cidade, ampliando nossas
percepções do entorno urbano. Essa interação ocorre também, de forma mais direta,
com as pessoas. Trocamos olhares, expressões e palavras, acrescentando à leitura da
cidade o elemento humano.
O homem transforma-se também em imagem bidimensional, quando registramos
rapidamente sua forma, altura e largura; tridimensional, quando capturamos a
espessura dos corpos; ou cinético, quando observamos o corpo em movimento.
A cidade não é apenas um espaço geográfico ou arquitetônico: a cidade são
seus habitantes. A imagem da cidade é aquela imaginada e transformada fisicamente
pelo homem.
Os homens, através de seus corpos, carregam informações que se somam às
informações dos outros elementos que constituem a cidade. Os corpos comunicam-se
60
através dos gestos, da fala e de tudo aquilo que os adorna (roupas, maquilagem,
acessórios).
Nosso olhar seleciona elementos e formas agradáveis, com as quais nos
identificamos, ou mesmo aquilo que nos causa estranheza. Um cabelo “moicano”, um
corpo repleto de tatuagens, uma roupa extravagante, são instrumentos de
comunicação.
Os corpos ora são vistos em primeiro plano, com a paisagem urbana de fundo;
ora são imagens coadjuvantes que emolduram ou se mesclam aos outros elementos da
cidade. Quando observamos uma multidão, à distância, esses corpos transformam-se
em textura visual.
Se aproximarmos nosso olhar e focalizarmos, não a forma, mas a superfície,
teremos novas percepções e leituras da cidade. A cidade dos muros, dos grafites, a
cidade dos cartazes, das placas, dos artefatos populares. A cidade das texturas.
Leonardo da Vinci nos recomendava observarmos as texturas dos muros. As
camadas de tinta, sobrepostas, descascadas, o registros do tempo que trazem
informações contidas em um microcosmo.
Lembro-me de um tempo em que as casas da vila onde eu morava eram todas
coloridas, pintadas de rosa, azul, amarelo, verde. Era o tempo da mini-saia, das
estampas psicodélicas, das perucas e maquilagem carregada. Anos mais tarde, as
casas foram pintadas de cor gelo, bege, e todas aquelas nuances que, como diriam os
homens, só as mulheres conseguem identificar. O colorido se foi, das casas, das
roupas, dos corpos.
Passados muitos anos, minha mãe ainda mora na mesma vila em que eu
morava. As casas de lá, todas alugadas, ainda mantêm as mesmas fachadas, mas sem
o colorido da minha infância. Mas a memória de outras épocas pode ser rememorada
através das camadas de tinta descascadas, que deixam transparecer as cores do
passado.
Como camadas, as imagens da cidade, do bairro em que eu morava, da vila, e
da casa em que eu nasci, foram cobertas por outras imagens, as do presente.
61
Encontrar a cidade é reconhecê-la em suas imagens, em seu passado e em seu
presente, em seus habitantes, e nos artefatos que surgem a cada instante na cidade.
Talvez os artefatos do design vernacular urbano sejam o elo perdido, a
materialização do conteúdo simbólico das formas arcaicas que povoam as imagens da
cidade.
Percebê-los em meio à paisagem urbana requer uma aceitação das
modificações do tempo e espaço da cidade. Um reconhecimento das diferenças, dos
contrastes, e das alteridades, através do uso urbano, como significado da cidade.
2.4 Reconhecendo o design vernacular urbano nos lugares da cidade
Em um primeiro olhar para a cidade de São Paulo percebemos uma construção
no espaço em grande escala, preenchida com elementos móveis, pessoas e suas
atividades, um cenário que nos incita à exploração. Olhamos para a cidade sem
reconhecê-la, sem termos consciência do seu entorno, muitas vezes harmonioso, e
outras, desorganizado e descaracterizado.
Em um segundo olhar, identificamos na paisagem urbana, a presença de objetos
híbridos, de formas e funções variadas que invadem o espaço, se destacando ou se
mesclando a ele, um design temporal: o design vernacular urbano.
Os artefatos do design vernacular urbano proliferam-se na cidade,
caracterizando a paisagem urbana como híbrida e mestiça. O híbrido e o mestiço são
tratados aqui como sinônimos de colagem, cruzamento, fusão, mistura de modos de
vida e imaginário (GRUZINSKI, 2001). O antigo e o novo, o artesanal e o industrial, o
global e o local, o popular e o erudito compõem o novo cenário da cidade de São Paulo.
No confronto entre distintas tecnologias, objetos e modos de uso, observamos os
contrastes que caracterizam a paisagem urbana (fig. 30).
À medida que a familiaridade vai aumentando cresce a atenção ao detalhe e à
singularidade. O contraste será reforçado quando elementos distintos forem
62
relacionados de um modo próximo e imaginável, assumindo cada elemento, por si, um
caráter mais nítido (LYNCH, 1997, p. 122).
Em nosso reconhecimento do design vernacular urbano nos lugares da cidade,
escolhemos a Avenida Paulista como trajeto para nosso estudo, por seu ecletismo
visual e mestiçagem cultural.
Ao longo de sua história, iniciada no final do séc. XIX, a Avenida Paulista foi
ocupada pela burguesia paulistana que habitava seus elegantes casarões, sendo palco
de corsos carnavalescos, corridas de automóveis, e até hoje é o lugar predileto para
passeatas e manifestações partidárias e sindicais.
Com o passar dos anos, a Avenida Paulista trocou sua vocação residencial por
um acelerado processo de verticalização, com a implantação dos primeiros edifícios
comerciais e de serviços, tornando-se referência da modernidade e pós-modernidade,
Figura 30 – Veículos de transporte. Rua João Ramalho – SP.
Data: 8/06/2006.
63
através do ecletismo arquitetônico, sintetizando os valores dissonantes da maior
metrópole do continente.
Hoje, a região da Avenida Paulista abriga um dos maiores complexos
hospitalares do mundo, e o maior centro empresarial financeiro da América Latina. Ali
encontram-se sedes de entidades como Fiesp, Senai, Sesc e Sesi; escritórios de
grandes empresas; bancos nacionais, americanos, europeus e latinos; escritórios de
empresas multinacionais; construtoras, seguradoras, exportadoras, consulados,
câmaras de comércio exterior, sedes de ministérios, conselhos regionais, sindicatos,
emissoras de radio e TV, agências de publicidade; museus, cinemas e teatros;
shoppings e galerias; restaurantes lanchonetes de fast-food; livrarias, escolas e
faculdades; igrejas; parques e moradias.
Porém, a Avenida Paulista com sua característica mutante e híbrida, abriga perfis
e ritmos diferenciados. Durante a semana, a avenida é cenário para os trabalhadores,
que circulam em ritmo acelerado, locomovendo-se de um lugar a outro. Nos finais de
semana, seus transeuntes são moradores locais ou de outras regiões, cidades e
países, que passeiam em ritmo mais lento, apreciando sua estética eclética, seu
comércio, parque e vida cultural. As calçadas são ocupadas por vendedores
ambulantes que vendem, desde artesanato, a produtos eletrônicos e alimentos.
Em nosso percurso de reconhecimento, procuramos ser seletivo na observação
da paisagem urbana, buscando identificar os tipos de artefatos do design vernacular
urbano, encontrados ao longo da Avenida Paulista.
Telas aramadas transformam-se em expositores; maletas e estruturas de
madeira desmontável o lojas ambulantes; restaurantes móveis em carrinhos de aço,
ou veículos improvisados.
O ecletismo arquitetônico da Paulista é reproduzido no hibridismo dos artefatos e
na multiculturalidade do lugar.
Pertencente a classes sociais e faixas etárias diversas, o público que freqüenta a
Avenida Paulista nos finais de semana transforma o espaço de trabalho em espaço de
lazer. O comércio ainda está ali, porém, informal e popular.
64
A predominância da verticalidade dos edifícios cede lugar à horizontalidade dos
artefatos expositores. Na banca de brinquedos (fig. 31), nosso olhar é atraído para a
moldura de artigos, expostos em primeiro plano. Em segundo plano, encontramos além
de brinquedos, isqueiros e pilhas, que se transformam em textura cromática, cuja
composição visual tem a predominância horizontal.
Continuando nossa trajetória pela Paulista, identificamos um carrinho de
yakissoba (fig. 32). Nessa imagem observamos similaridades entre a superfície reflexiva
dos vidros do edifício registrado ao fundo, com os reflexos do carrinho em aço inox em
primeiro plano. Em contraste temos as horizontais do carrinho, do banner, da jardineira,
dos carros e da avenida, contrapondo as verticais dos edifícios e do semáforo. Apenas
os reflexos dos vidros e do carrinho, quebram a rigidez formal da paisagem urbana
capturada em imagem.
Figura 31 – Banca de Brinquedos, Av.
Paulista.
Data: 6/9/2006.
65
Os artefatos encontrados ao longo do percurso traduzem a inventividade de seus
produtores que recorrem a recursos inusitados para exposição e venda dos produtos. O
display da “Família de Emas” (fig. 33), foi criado em material transparente para permitir
a visualização do produto, e ao mesmo tempo protege a mercadoria da poluição e
intempéries. Para poder transportar o display, o artefato foi construído sobre rodas,
tendo uma alça na parte central para poder puxá-lo durante a locomoção (fig. 34).
Figura 32 – Carrinho de Yakissoba, Av.
Paulista.
Data: 12/10/2006.
Figura 33 – Display “Família de
Emas”. Av. Paulista - SP
Data: 12/10/2006.
Figura 34 – Detalhe da alça. Av. Paulista
- SP
Data: 12/10/2006.
66
Na percepção da paisagem urbana dificilmente voltamos nosso olhar para os
artefatos do design vernacular urbano. Eles se mesclam com a paisagem, adaptam-se
ao seu entorno e são encobertos pelos produtos expostos para a venda.
Descobri-los em meio ao ambiente urbano requer a atenção do observador para
os elementos poéticos e simbólicos contidos nos espaços. Esses elementos traduzem
funções e significados, e nos falam dos indivíduos e de sua sociedade, de suas
aspirações e tradições, denotando o sentido de lugar.
Quando educamos nosso olhar para a percepção acurada do ambiente, as
formas e os contrastes tornam-se mais evidentes (fig. 35), e a imagem formada deixa
de ser apenas o resultado de características exteriores para se tornar um produto do
observador.
Figura 35 – Design vernacular e escultura de Gilberto
Salvador. Av. Paulista, em frente ao Centro Cultural
FIESP.
Data: 12/10/2006.
67
Dessa forma, o observador passa a ser um agente produtor de imagens, através
das quais interpreta o mundo. Para Ferrara (1999, p.201):
As imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam
o cenário cultural da nossa rotina e a identificam como urbanas: o movimento,
os adensamentos humanos, os transportes, o barulho, o tráfego, a
verticalização, a vida fervilhante; uma atmosfera que assinala um modo de vida
e certo tipo de relações sociais.
A presença crescente dos vendedores ambulantes nos espaços da cidade são
indícios das transformações econômicas e sociais.
Os artefatos desses vendedores contam uma história não verbal, e que têm
como significado o conjunto de valores, usos, hábitos, desejos e crenças que marcam a
cultura urbana.
Percebê-los torna-se o primeiro passo para reconhecê-los como agentes e
instrumentos de integração social entre culturas distintas, que cada vez mais, coabitam
os lugares da cidade promovendo intensas trocas culturais.
68
3 VENDEDORES AMBULANTES
Os vendedores ambulantes fazem parte de uma categoria de trabalhadores sem
carteira de trabalho assinada. São pessoas que foram excluídas do mercado de
trabalho formal e que buscam alternativas de sobrevivência, em grande parte criando
artefatos que possibilitem a comercialização de produtos.
A necessidade leva à inventividade. Na criação de artefatos, ainda que precários,
porém, sobretudo funcionais, buscam soluções inusitadas que refletem de maneira
particular a realidade dos grandes centros urbanos.
A atividade de vendedor ambulante surge no Brasil juntamente com sua história,
persistindo até os dias de hoje da mesma forma que no período colonial como uma
atividade pouco valorizada e marginalizada pela sociedade.
Cabe ressaltar que em nossa pesquisa sobre a produção do design vernacular
urbano, a identificação e o conhecimento desses artefatos populares terão sentido
quando analisados como produto da cultura material urbana e como meio de inserção
econômica, cultural e social desses agentes sociais da economia informal.
3.1 Os Vendedores ambulantes na sociedade da metrópole colonizada
A atividade de vendedor ambulante no Brasil colonial foi praticada, em grande
parte, pelos “escravos de ganho”, que comercializavam mercadorias da fazenda nas
praças e mercados das cidades.
Segundo Mary Karasch (2000, p. 284), “[...] a venda de qualquer coisa de porta
em porta era uma atividade constante dos escravos de todas as idades e ambos os
sexos [...]”.
Em 1763, com a transferência da capital do Estado do Brasil para o Rio de
Janeiro, que passa a ser a capital do vice-reinado, a cidade se transforma no centro
69
articulador de toda a região centro-sul da colônia. cadas mais tarde, com a vinda da
família real ao Brasil e sua instalação no Rio de Janeiro, somado a inserção estratégica
do porto do Rio de Janeiro, a cidade se tornaria a principal praça mercantil do atlântico
sul na virada do século XVIII para o XIX.
O crescimento econômico e político do Rio de Janeiro dinamizaram a vida
urbana da cidade, provocando um aumento na demanda de serviços e o-de-obra,
que por sua vez estimularam o tráfico de escravos.
Do seu ponto de vista, os senhores de escravos haviam desenvolvido um
sistema ideal no Rio, no qual, seus cativos lhes proporcionavam benefícios
incalculáveis [...] (KARASCH, 2000, p.260).
em Salvador (antiga Capital), em decorrência da transferência da família real
para o Rio de Janeiro, várias famílias e funcionários públicos tiveram suas economias
pejudicadas, impelindo-as a obter recursos através da utilização dos escravos de ganho
para a venda nas ruas da cidade.
Esses escravos assumiam papéis diferenciados dos escravos das fazendas,
utilizando a comunicação e o convencimento para a venda dos produtos, alterando a
característica do trabalho escravo, usualmente envolvendo o trabalho braçal e pesado.
Para chamar a atenção da clientela e anunciar a mercadoria, os escravos, que
trabalhavam como vendedores ambulantes, ou seja, escravos de ganho, utilizavam
instrumentos musicais como o berimbau-de-barriga, trazido para o Brasil pelos escravos
africanos (bantos). Essa prática ainda persiste a os dias de hoje, como no caso
amolador ambulante que anuncia sua chegada através de um instrumento musical, uma
flauta de sete notas.
Com o crescimento da economia e da população urbana os escravos de ganho
eram empregados ou alugados para produzir, vender ou prestar serviços como
pedreiros, sapateiros, marceneiros, quitandeiras, vendedores ambulantes, ajudantes de
lojas e armazéns, cozinheiras, damas de companhia, amas-de-leite, entre outras
atividades. O escravo de ganho era considerado uma ferramenta para dar lucro ao seu
senhor, e, em muitos casos, sustentava a residência de seus proprietários. Ao final do
70
dia, o escravo de ganho devia entregar uma quantia previamente fixada a seus
senhores, conseguindo, em muitos casos, economizar seus ganhos para a compra de
sua alforria.
Dessa forma, o escravo de ganho começa a suprir a demanda por diversos
serviços, sendo utilizado pelos seus senhores como instrumento de obtenção de
ganhos, já que não cabia ao homem branco ofícios mecânicos.
[...] qualquer pessoa com fumaças de nobreza podia alcançar proveitos
derivados dos trabalhos mais humildes sem degradar-se e sem calejar as mãos
(HOLANDA, 2003, P. 59).
O costume da utilização de escravos para gerarem renda (comercializando os
produtos do trabalho dos cativos), foi importado de Portugal, sendo que tal prática era
ainda mais costumeira e intensa nas cidades como Lisboa, onde a possibilidade de
lucro dos senhores pela utilização de escravos era maior, quer pela utilização dos
escravos como artesãos ou vendedores, quer alugando-os.
O registro das atividades realizadas pelos escravos de ganho está documentado
em gravuras, desenhos e fotografias realizadas por artistas que vieram ao Brasil.
Com a chegada da corte portuguesa em 1808, e principalmente com a abertura
dos portos, uma quantidade considerável de missões diplomáticas, comerciais,
artísticas e científicas desembarcou no Brasil. Essas missões, principalmente as
artísticas, foram responsáveis pela coleta, pela elaboração e pela farta produção de
publicações sobre o Brasil.
Entre os artistas que registraram cenas urbanas e de costumes podemos citar o
tenente da marinha britânica e artista Henry Chamberlain (1796–1843), autor “Vistas e
Costumes da Cidade e Arredores do Rio de Janeiro”, publicado em Londres em 1822.
Entre suas gravuras encontramos registros de personagens de rua, os vendedores
ambulantes e carregadores, que tanto atraíam a atenção no Rio de Janeiro da época
(fig. 36 ).
71
Na gravura acima, intitulada “Mercado”, podemos observar a venda de
mercadorias em pontos fixos, ilustrada pela tenda com os produtos, e a venda
ambulante, representada pelos escravos que portavam sobre a cabeça cestos e
tabuleiros com os produtos destinados à venda.
Também nas gravuras do artista Jean-Baptiste Debret (1768–1848), publicadas
no livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, editado em Paris entre 1834 e 1839,
em três volumes, encontramos cenas típicas de atividades e costumes do Rio de
Janeiro, onde escravos de ganho comercializavam frutas, quitutes, e produtos de
fabricação artesanal (fig.37).
Figura 36 - Henry Chamberlain. Mercado, 1822.
Técnica: Aquarela
Fonte: História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América
portuguesa.
72
Na segunda metade do século XIX, José Christiano de Freitas Henriques Júnior,
fotógrafo português que emigra para o Brasil em 1855, registrou no Rio de Janeiro
vários escravos de ganho portando seus instrumentos de trabalho e suas mercadorias
(fig. 38).
Figura 37 - Jean Baptiste Debret.
“Refrescos no Largo do Paço” (1834-
1839).
Figura 38: Foto de Christiano de Freitas
Henriques Júnior, 1865, RJ.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Nacional
73
Com o passar dos anos, ampliou-se a diversidade de mercadorias, o que
impulsionou a busca de novas soluções formais e funcionais para a elaboração ou
adaptação dos artefatos utilizados para exposição e venda dos produtos.
Os materiais e processos técnicos empregados para a confecção dos tabuleiros
foram modificando-se ao longo do tempo, mantendo-se, porém, a tradição e a origem
cultural desses artefatos como podemos observar ao compararmos a figura 39, foto de
1866, com a foto da figura 40 de 2006.
Os vendedores ambulantes e seus artefatos foram retratados por historiadores,
poetas e cineastas em várias épocas, como personagens da cultura urbana.
Sob o pseudônimo de Mara Lobo, Patrícia Galvão publica, em 1933, a novela
“Parque Industrial”. Nesta obra, Pagú trata de um Brasil urbano, em pleno processo de
industrialização, e de uma problemática de classe, envolvendo a classe média de
Figura 39: Foto de Christiano de
Freitas Henriques Júnior, 1866, RJ.
Fonte: Acervo do Museu Histórico
Nacional
Figura 40: Foto de um vendedor
ambulante em frente ao Parque
da Aclimação.
Data: 22/03/2006
74
valores burgueses e o proletariado. No capítulo "O comício no Largo da Concórdia",
trecho de "Parque Industrial", a autora faz menção aos vendedores ambulantes que
fazem parte de um proletariado que embora explorado, não se cala frente à opressão.
- Não temos nem opinião nem vontade. São ordens!
- Se eu mandasse, era o tenente que eu pisava!
Um deles traz uma fita de fumo no braço.
- Minha mulher é uma operária...
Os vendedores de amendoim se ajuntaram,
- Vai haver frege. Deixa voar d'aqui.
Na década de 50, outra obra retrata o vendedor ambulante. Rio 40º graus, filme
de Nelson Pereira dos Santos, é uma crônica da cidade do Rio narrada através das
aventuras de cinco vendedores de amendoim que vivenciam episódios da vida carioca
(fig. 41).
Figura 41 – Meninos com lata de amendoim
Imagem do filme Rio 40 graus de Nelson Pereira
dos Santos.
Fonte:
www.projetomemoria.art.br/.../img/g_foto39.jpg
75
A presença marcante dos ambulantes no cenário das grandes metrópoles
imprime um caráter popular à cultura urbana, estabelecendo formas híbridas de
existência do “popular”. O popular aqui referido não trata apenas das práticas e objetos,
mas, sobretudo da “maneira que um grupo tem de dar resposta e vincular-se a seu
contexto social” (BLACHE apud CANCLINI, 2003, p. 219).
Os vendedores ambulantes são imprescindíveis para a valorização simbólica da
cidade, e para toda a representação urbana, destacando-se como difusores de
tradições culturais e como “sujeitos sociais”, pois são agentes de transformação e
construção da cidade.
3.2 Sujeitos Sociais da Economia Informal
Pertencentes ao chamado “setor informal”, termo este cunhado pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), os vendedores ambulantes fazem parte de uma
categoria de trabalhadores que desenvolve atividades urbanas geradoras de renda,
encontrando-se fora do âmbito normativo oficial, em mercados desregulamentados e
competitivos.
Segundo Cacciamali (1983), o Setor Informal
possui caráter autônomo ou
complementar ao restante da economia, sendo responsável, em grande parte, pela
criação de empregos e melhoria na distribuição de renda, podendo absorver parte dos
trabalhadores expulsos das relações de assalariamento em função de força física,
idade, sexo, habilidade etc., desempregados ou subempregados em função do ciclo
econômico, ou trabalhadores que optam por abandonar esta relação vendo no Setor
Informal uma alternativa de sobrevivência.
O Setor Informal também pode absorver de forma irregular, em determinadas
atividades e em momentos de rebaixamento de renda real, alguns assalariados e
membros da família, que encontram nessas atividades uma forma de complementar a
renda familiar.
76
Mesmo com baixos níveis de renda, as condições de trabalho por conta
correspondem à aspiração de muitos trabalhadores que querem se libertar de chefes,
ou desejam fugir de horários rígidos.
Alguns trabalhadores que foram assalariados, após serem demitidos e terem
recebido os direitos trabalhistas, empregam o dinheiro na compra de mercadorias e
aparatos como carrinhos, bancas expositoras, entre outros, ingressando no mercado
informal.
Como forma dinâmica de produção, o Setor Informal não se atém apenas à
produção de mercadorias e serviços de qualidade, e não visa atender somente
mercadorias de baixa renda, e nem tampouco a utilização de técnicas tradicionais ou
precárias. Gradativamente o Setor Informal se desenvolve e se moderniza
continuamente, procurando aproximar-se das formas de produção capitalista.
Dentre as categorias de trabalhadores informais, nosso estudo procura se ater
aos vendedores ambulantes. Estes, na organização do comércio informal, não ocupam
pontos fixos como lojas ou estabelecimentos comerciais, apesar de muitos deles
ocuparem locais demarcados informalmente em praças ou ruas de comércio. Embora
saibamos que dentro das relações informais desse tipo de atividade haja a “venda” ou
comercialização de pontos, não há garantia legal da posse do local de trabalho.
Na organização do trabalho informal, podemos observar que o vendedor
ambulante pode ser um produtor direto e possuidor dos instrumentos de trabalho e/ou
de estoque de bens para realização de seu trabalho, podendo atuar sob a forma
simultânea de patrão e empregado. Além de empregar a si mesmo pode também contar
com a ajuda de familiares, ou contratar ajudantes.
O vendedor ambulante, dono da mercadoria, participa diretamente da produção
e/ou venda da mercadoria, conjugando essa atividade com a de gestão de seu negócio.
Vendendo seus serviços ou mercadorias, recebe um montante de dinheiro que é
utilizado, principalmente, para consumo individual e familiar e para manutenção da
atividade econômica.
A atividade exercida é dirigida pelo fluxo de renda que a mesma fornece ao
trabalhador e não por uma taxa de retorno competitiva, sendo que a renda obtida é
77
destinada ao seu próprio salário, e aos salários dos ajudantes ou empregados que
possam existir.
O trabalho informal está concentrado principalmente nos grandes centros
urbanos. Isso se deve em grande parte, ao aumento de migração de trabalhadores do
campo para a cidade em busca de melhores condições de trabalho na crescente
indústria urbana ocorrida após a Segunda Guerra Mundial. Segundo Jakobsen (2000, p.
15):
[...] a migração do campo para as cidades entre 1950 e 1980 envolveu mais de
35 milhões de pessoas: além se ser considerado um dos maiores movimentos
populacionais do mundo, contribuiu sobremaneira para a formação de nosso
excedente de mão-de-obra urbana.
Todavia, a indústria não foi capaz de absorver o grande número de migrantes,
que foram obrigados a inventarem uma alternativa de trabalho, principalmente no
comércio e no setor de serviços, como meio de sobrevivência.
Nas últimas décadas houve um aumento significativo de vendedores ambulantes,
em conseqüência da recessão provocada pelas constantes crises econômicas e
financeiras, que geraram milhões de trabalhadores desempregados, e pela mudança do
perfil produtivo da cidade de São Paulo, com a diminuição de sua capacidade industrial,
transformando-se em uma cidade prestadora de serviços.
A cidade de São Paulo abriga um enorme contingente de trabalhadores
informais, representando quase a metade da população ocupada que trabalha e/ou
mora no município. (JAKOBSEN, 2000).
O trabalho informal é caracterizado pela produção em pequena escala, baixo
nível de organização e pela quase inexistente separação entre capital e trabalho.
(JAKOBSEN; MARTINS; DOMBROWSKI, 2000).
Mencionado por Marx, em “O Capital” como um “segmento estagnado da
população relativamente excedente”, em relação à necessidade de mão-de-obra nas
78
empresas, o trabalho informal durante os primórdios da Revolução Industrial, fazia parte
do exército ativo do trabalho, mas com ocupação irregular (Ibid., 2000, p. 11).
O padrão de vida dessa categoria da população encontra-se abaixo do nível
normal da classe trabalhadora. Apesar de fazerem parte da cadeia produtiva, atuando
no escoamento de produtos, como no caso dos vendedores ambulantes e de ponto fixo,
ou na coleta e reciclagem dos resíduos industriais, por meio dos catadores, os
trabalhadores informais ainda não tem acesso aos direitos sociais e trabalhistas
básicos.
A ausência de um vínculo empregatício formal representa a exclusão de direitos
e benefícios sociais garantidos pela Constituição brasileira. Quando os vendedores
ambulantes adoecem e ficam impossibilitados de trabalhar, o rendimento fica
comprometido, pois não há como obter uma ajuda assistencial ou previdenciária.
Os trabalhadores informais trabalham longas jornadas, exercendo atividades
precárias, estando sujeitos à repressão policial, o que torna os ganhos extremamente
instáveis e incertos. Segundo Singer (2000, p. 12), a jornada semanal de trabalho
média entre os trabalhadores informais é de 76 horas semanais, sendo que os
vendedores em trens trabalham em média 62 horas, os vendedores em semáforos 54
horas, e os catadores de material reciclável 44 horas.
Em entrevista realizada com 20 vendedores ambulantes na região da Avenida
Paulista
4
, em dezembro de 2006, a jornada semanal de trabalho média desses
trabalhadores era de 43 horas. Jornada esta inferior à média de outros trabalhadores
informais. Já o rendimento médio mensal ficava em torno de R$ 717, 00, sendo que dos
20 entrevistados, apenas 4 obtinham rendimentos mensais acima de R$ 1.000,00.
Segundo dados do IBGE, os resultados da Pesquisa Mensal de Emprego
mostram que em dezembro de 2006 o rendimento médio real habitualmente recebido
pela população ocupada na Região Metropolitana de São Paulo foi estimado em R$
4
O questionário aplicado nas entrevistas, bem como os gráficos com os resultados encontram-se nos
apêndices.
79
1.229,00, sendo que os trabalhadores por conta própria tiveram rendimento médio de
R$ 1.099,20
.
5
Esses valores se encontram muito acima dos rendimentos obtidos pelos
vendedores ambulantes, que além de obterem rendimentos precários e instáveis,
correm o risco de perderem toda a mercadoria para os chamados “rapas”. Quando isso
ocorre, os vendedores ambulantes são obrigados a repor o que foi apreendido para
continuarem o negócio, utilizando algum dinheiro que foi guardado para situações de
emergência, ou pedindo dinheiro emprestado aos parentes e amigos.
Uma das alternativas para resgatar o trabalho informal da pobreza é a
organização por meio de cooperativas, que tem por base a solidariedade entre os
trabalhadores, desestimulando a concorrência entre eles.
Singer propõem um modelo de cooperativa em parceria com o poder público,
que pudesse reunir os vendedores ambulantes e distribuí-los de forma racional pelos
espaços da cidade, e que promovesse o desenvolvimento de novas atividades para
ocupar os excedentes de trabalhadores. Dessa forma, as cooperativas criariam
empreendimentos competitivos no mercado, permitindo remunerar o trabalho melhor e
de modo mais sistemático que a atividade individual (Ibid.,, 2000, p. 12).
Na tentativa de organizar o comércio informal e demarcar espaços específicos
para a atuação dos vendedores ambulantes, o Sindicato dos Trabalhadores
Ambulantes do Estado de São Paulo, com o apoio da Prefeitura, criaram dois
shoppings populares, conhecidos como "Pop´s Centros", localizados nas Avenidas
Senador Queiroz e Ipiranga, e atualmente está sendo construído outro em Itaquera, sob
o viaduto da Radial Leste.
Apesar de o poder público acreditar que a criação de espaços adequados ao
comércio informal é um dispositivo legal, que permite disciplinar o uso do espaço
público coibindo seu uso irregular, os camelôs relutam em se instalar nos “Pop´s
Centros”, porque acreditam que o lucro não seria o mesmo daquele obtido nas ruas
5
FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de
Emprego.
80
onde o movimento de transeuntes é mais intenso. O “Pop Center do Brás” foi
inaugurado em 16 de outubro de 1998 e fechado em maio de 1999.
Segundo Guerreiro (2000), um dos motivos que levaram ao insucesso do
empreendimento, além da escolha arbitrária da localização do “Pop Center” e da
ausência de uma estratégia de marketing, foi a ineficiência na articulação entre os
vários agentes que estavam envolvidos no empreendimento: trabalhadores por meio do
sindicato ou em cooperativas, proprietário e empreendedores dos chamados
“Shoppings Populares” e a prefeitura.
No entanto, apesar das várias iniciativas e projetos que são propostos para a
organização do trabalho informal, os vendedores ambulantes não são ouvidos em
relação às suas necessidades de trabalho. Criar “camelódromos” são soluções urbanas
de organização espacial, mas que não atendem às questões sociais dessa categoria de
trabalhadores que busca o uma forma de sobrevivência, mas também uma forma
de socialização e integração com o meio em que vivem. Em outras palavras, os
“camelódromos” afastam os ambulantes, isolando-os e dificultando seus ganhos.
3.3 Deslocamento e transformação
Os vendedores ambulantes são encontrados em todo o país atuando na venda
de mercadorias, desde as mercadorias de origem artesanal até as de origem industrial.
Em São Paulo, os vendedores ambulantes são, em grande parte, migrantes de
várias regiões do Brasil, principalmente do nordeste, que vieram em busca de um
trabalho formal e encontraram no comércio ambulante uma forma de sustento e
sobrevivência.
Muitos tiveram outras ocupações com carteira assinada em bricas e
construções, e encontrando-se desempregados, isto é, fora do mercado formal.
Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (JAKOBSEN, 2000, p. 17), “o
percentual de trabalhadores informais que moravam e/ou trabalhavam no município de
81
São Paulo em 1990 era de 36,3%, índice que em 1998 saltou para 48,2%, equivalente
a aproximadamente 2,6 milhões de indivíduos maiores de 10 anos”.
Atraídos pela possibilidade de arrumar um emprego formal, migrantes chegam a
São Paulo sonhando em ganhar dinheiro e retornar para as suas cidades de origem.
Os Sampauleiros, nome atribuído àqueles que deixavam seu local de origem
para procurar, em terras de São Paulo, condições de trabalho e de sobrevivência, eram
indivíduos que se caracterizavam pelo constante ir-e-vir (ESTRELA, 2003, p. 24).
Os primeiros sampauleiros a migrarem para São Paulo nas primeiras décadas do
século XX empreendiam uma viagem dura e cansativa, recorrendo aos mais variados
meios de transporte: andavam a , a cavalo, de carroça, nos vapores, de trem e de
caminhão. No final dos anos 40, quando a Rio-Bahia foi construída, as linhas de ônibus
começaram a circular, facilitando o deslocamento em direção a São Paulo, vindo
também a contribuir para o aumento do fluxo de migrantes (Ibid., p. 32).
Dentro de uma perspectiva de encontrar melhores condições de vida para si
próprio e para os familiares que ficavam para trás, ou que empreenderam a jornada
com o chefe de família, os migrantes continuam chegando aos grandes centros urbanos
na iminência de encontrar a tão sonhada “terra prometida”.
Recebidos por familiares ou conhecidos que se encontram estabelecidos na
cidade, muitos deles já trabalhando no comércio informal, os recém chegados procuram
adaptar-se a cultura e hábitos locais, e à organização social.
Algumas tradições são mantidas como a música, dança e bitos alimentares.
Porém, a necessidade de sobrevivência faz com que o feijão de corda seja substituído
pelo feijão carioquinha ou rajado, mas a farinha ainda continua presente no dia-a-dia da
alimentação dos nordestinos.
Essas migrações surgem a partir de uma “necessidade de trânsito, de
transposição de fronteiras, [...] como desejo de automodificação nos próprios e alheios
espaços psicogeográficos” (CANEVACCI, 1996, p.7).
82
Como em uma “diáspora”
6
, se estabelecem os estreitamentos entre culturas de
centro e de periferia, na esfera econômica, social, política e cultural provocados pelos
processos de troca e hibridação cultural a partir do momento em que o migrante
depara-se com outra realidade e procura adaptar-se a ela. Este, ao seu modo, procura
traduzir a nova gramática local para que possa fazer, e produzir novos sentidos.
Desconstruíndo os espaços culturais do novo ambiente torna-se possível a
decodificação dos mesmos através do reconhecimento das marcas dos lugares. Dessa
forma acontecem rupturas-deslocamentos para que possam contextualizar os espaços
do cotidiano, o bairro, a rua, os mercados, o espaço público e o privado.
Esse olhar do “estrangeiro” traz novos significados àqueles existentes. São
novas interpretações e novos digos que são incorporados aos antigos. Dessa forma,
mesclam-se as culturas de centro e de periferia, perdendo cada qual a relação
exclusiva com seu território, mas ganhando, em comunicação e conhecimento
(CANCLINI, 2003, p. 348).
3.4 Inventividade e sobrevivência
A presença de vendedores ambulantes em cruzamentos, grandes vias de
acesso, ou em praças e regiões de comércio, transforma a paisagem urbana.
Interagindo com a cidade de forma dinâmica e comunicativa, buscam seu
sustento com a comercialização de produtos que o vendidos aos consumidores que
circulam pelo espaço urbano em ritmo acelerado.
Disputando clientes com outros vendedores ambulantes e com o comércio
formal, buscam soluções inusitadas e criativas para poderem realizar o processo de
venda.
6
Canevacci utiliza o termo diáspora como inseminação, fecundação, disseminação, que permite a
construção de um cenário produtivo, “em que tudo pode ser contaminado, deglutido, entrelaçado”( 1996,
p.7).
83
Estratégias de marketing são aplicadas de forma intuitiva, como meio de realizar
a venda do produto: “aceita passe”, “3 por 10,00 reais”, "não estamos roubando”,
“queremos ter o direito de trabalhar e sustentar as nossas famílias", este último
encontrado nos volantes que os vendedores anexam aos pacotinhos de doces
oferecidos aos passageiros de ônibus.
A Cooperativa dos Vendedores de Doces Ambulantes do Estado de São Paulo
chegou até a propor um uniforme para os vendedores que atuam em ônibus, em virtude
de um projeto de lei proposto pelo vereador Abou Anni (PV) à Câmara Municipal de São
Paulo. O projeto trata da regularização de uma classe específica de camelôs,
conhecidos como vendedores ambulantes de doces (VENTURA, 2005).
Os uniformes (fig. 42) teriam as cores conforme a região da cidade. A cor azul e
vinho para a zona sul, abóbora para a zona leste, laranja para a zona oeste e verde
para a zona norte. As estratégias propostas chegam até a organização de um curso
para os vendedores, que ensinaria boas maneiras, e prepararia também os ambulantes
para “dar instruções caso o usuário do ônibus tenha alguma dúvida, sugestão ou
reclamação”.
7
7
Depoimento do presidente da Cooperativa dos Vendedores de Doce Ambulantes do Estado de São
Paulo, Cláudio Fonseca Nogueira ao Diário do Comércio, in: VENTURA, Ivan. Vereador verde quer
legalizar camelô de ônibus. Diário do Comércio. Disponível em:
www.dcomercio.com.br/especiais/camara/120905.htm
Figura 42: Vendedor de doces com uniforme e cesto.
Foto de Patrícia Cruz/Luz.
Fonte: www.dcomercio.com.br/especiais/camara/120905.htm
84
Em “Vendedor Ambulante, profissão folclórica: pesquisa nas ruas, parques e
jardins de São Paulo”, Lubatti (1982) descreve vários meios promocionais utilizados
pelos vendedores ambulantes para chamarem a atenção dos transeuntes.
Os vendedores de caldo de cana colocam feixes de cana amarrados próximos às
kombis ou aos caminhões que ficam estacionados à beira de rodovias, nas grandes
avenidas e à entrada de parques de diversões. Também são utilizados cartazes fixados
em ramos de árvores, nos postes de iluminação, nas laterais das kombis e dos
caminhões e nos vidros das janelas dos veículos, principalmente em lugares de boa
visibilidade. Os cartazes, segundo depoimento dos próprios vendedores, devem ser
grandes, de cor única, escritos com letra de forma contrastante. Nos cartazes, os
vendedores relacionam os nomes e preços dos produtos.
os pipoqueiros, também segundo Lubatti, utilizam técnicas bem variadas de
propaganda e venda de pipoca. As mais freqüentes são os pregões que procuram
ressaltar a qualidade e preço do produto, objetivando parar os transeuntes para que os
mesmos experimentem e comprem a pipoca. Alguns vendedores também utilizam como
estratégia para atrair o consumidor, pendurar um rádio de pilha na carrocinha, ligado a
todo volume. De vez em quando desligam o rádio e gritam em voz alta os últimos
acontecimentos a fim de atrair gente. O objetivo é chamar a atenção dos transeuntes
que se aproximam, movidos pela curiosidade. Quando reúne certo número de pessoas,
o vendedor prepara os saquinhos com pipoca e vende aos clientes. Também
vendedores que cantam em voz alta, contam anedotas, ou narram acontecimentos
relacionados à cidade natal e à sua pessoa.
A inventividade também aparece no artefato que os vendedores ambulantes
utilizam para transportar e vender as mercadorias. Ao longo da história, foram
confeccionando ou adaptando para venda os artefatos de acordo com o contexto, e as
necessidades de consumo e transporte.
Os cestos e gamelas foram dando lugar aos tabuleiros e latas, e toda a sorte de
improvisações e apropriações de resíduos urbanos.
Recorrendo às habilidades em produzir artefatos e vender produtos caseiros, os
ambulantes apropriam-se de dejetos industriais, reintegrando e dotando de novos
85
significados e funcionalidade, latas, tampas de embalagens, restos de vassouras,
transformando o “lixo” em instrumentos de trabalho (fig. 43).
É dessa forma que driblam provisoriamente o sustento da família, a que
consigam um emprego formal.
Enquanto isso, os ambulantes utilizam a inventividade empregando tecnologias
alternativas na criação de artefatos que irão garantir sua sobrevivência e sustento.
3.5 Pertencimento e vínculo
No processo de desenvolvimento de uma civilização, sociedade, comunidade ou
grupo social, faz-se condição de existência, a integração do homem com seu meio.
Essa integração depende de diversos fatores: sociais, econômicos, culturais,
políticos, e principalmente o de pertencimento.
A necessidade de pertencimento social é decorrente das constantes ameaças a
integridade dos grupos humanos no passado, tais como: guerras, pestes e invasões
estrangeiras. Pertencer, isto é, ser parte de algo, de algum lugar, promove o
estabelecimento de uma relação, de vínculo, de colaboração e, consequentemente,
uma forma de defesa e segurança.
Figura 43 – Lata para preparar queijo coalho.
Data: 8/01/2006.
86
Todos aqueles que chegam para se estabelecerem em novos territórios
procuram formas de vínculos para poderem pertencer aquele lugar.
Os migrantes que chegam a São Paulo procuram formas de pertencimento social
e comunitário, e, sobretudo, procuram igualdade de oportunidades.
No caso dos trabalhadores informais, estes procuram ter direito às políticas
públicas e sociais, a dignidade de serem cidadãos, a igualdade. Esta, deveria ser
condição de qualquer sociedade democrática contemporânea, uma exigência moral
segundo a qual todas as pessoas deveriam ser tratadas da mesma forma como
cidadãos.
Sem pertencer a uma empresa e sem ter local de trabalho fixo, os vendedores
ambulantes buscam um vínculo econômico e social através da venda de mercadorias
que são expostas, transportadas, ou mesmo aquecidas, em artefatos criados ou
adaptados para esse fim.
Esses artefatos, que são elaborados com materiais encontrados no meio
ambiente, tornam-se instrumentos de nculo e pertencimento social, econômico e
cultural.
No processo de criação, elementos da cultura de origem se adaptam às formas e
usos da cultura local. Os aspectos culturais dos artefatos são diluídos ou mesmo
substituídos pelos processos de aculturação do novo ambiente, no caso, o urbano.
Dessa forma, muitos produtores de artefatos populares perderam o vínculo e as
tradições da cultura de origem. Um amolador de facas, um vendedor de amendoim,
desconhece a origem cultural de seu instrumento de trabalho.
Muitos copiaram ou aprenderam, com os pais e parentes, o ofício de construir
artefatos populares, buscando adaptar às necessidades pessoais e ao contexto onde
vivem e trabalham. Outros procuram terceiros que se dedicam à produção em série, em
cuja manufatura podem utilizar técnicas artesanais ou semi-industriais.
A proliferação do design vernacular no ambiente urbano e sua hibridação nas
práticas, processos e usos, são sintomas das transformações culturais e sociais que
ocorrem nos centros urbanos.
87
Pertencer a um grupo ou sociedade depende também dos vínculos estabelecidos
com o lugar, e que se baseiam na posse de valores enraizados, como a língua, os
costumes e as práticas.
São as “coisas do cotidiano, concretas, que aliam, num paradoxo o apenas
aparente, o material e o espiritual de um povo” (MAFFESOLI, 2000, p. 49 - 50).
88
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve por objetivo identificar e analisar os artefatos populares
produzidos em São Paulo, intitulados como design vernacular urbano, e reconhece-los
como meio de inserção econômica, social e cultural.
O emprego do termo design para nomear os artefatos populares se justifica, na
medida em que entendermos que este termo se refere tanto à idéia de plano, desígnio,
intenção, quanto à configuração, arranjo, estrutura (DENIS, 2000, p. 16).
Dessa forma, compreendemos que o termo design pode ser atribuído tanto para
projetos que são desenvolvidos através do conhecimento erudito, como também para
designar uma produção artesanal ou semi-industrial de artefatos que foram
configurados, arranjados e estruturados, de forma a atender às necessidades
específicas de um indivíduo, grupo ou comunidade.
Para compreender os modos de configuração e uso dos artefatos do design
vernacular, procuramos correlacionar estes artefatos com o contexto da metrópole,
realizando uma leitura não-verbal da cidade.
Essa leitura desencadeou um processo de sensibilização para o entorno,
permitindo-nos observar como os artefatos populares se relacionam com a cidade,
tornando-se parte da paisagem urbana
É neste contexto urbano que está inserido o produtor do design vernacular
urbano – o vendedor ambulante, que produz e manipula o artefato.
Os vendedores ambulantes fazem parte de uma categoria de trabalhadores
pertencentes ao chamado “setor informal”, que desenvolvem atividades urbanas
geradoras de renda, encontrando-se fora do âmbito normativo oficial. São pessoas que
foram excluídas do mercado de trabalho formal e que buscam alternativas de
sobrevivência, criando artefatos que possibilitam a comercialização de produtos.
Para a compreensão dos processos de transformação dos artefatos populares,
buscamos identificar a origem desses artefatos no Brasil e seus modos de uso, o que
89
nos remeteu ao período do Brasil colonial, com as atividades dos escravos de ganho
que comercializavam mercadorias da fazenda nas praças e mercados das cidades.
Os escravos de ganho eram empregados ou alugados para produzir, vender ou
prestar serviços, e dar lucro ao seu senhor.
O registro das atividades realizadas pelos escravos de ganho foi documentado
em várias gravuras, desenhos e fotografias realizadas por artistas que vieram ao Brasil.
Alguns desses registros foram utilizados na presente pesquisa para ilustrar a atividade
e os artefatos que eram utilizados para a venda ambulante.
Dessa forma pudemos identificar algumas transformações ocorridas nesses
artefatos, fruto de um processo de adaptação aos novos contextos e realidades sócio-
culturais, mas, sobretudo, às realidades econômicas, que visam atender às
demandas específicas do produtor/usuário do artefato.
Também procuramos categorizar os artefatos populares classificando-os como
artefatos fixos e artefatos móveis, para podermos analisar seus aspectos materiais,
formais, técnicos e funcionais.
Com essa análise pudemos compreender que o produtor do design vernacular
urbano elege os materiais e recursos de acordo com as necessidades funcionais,
ambientais e locais, e com as próprias necessidades, sendo a funcionalidade, o
principal requisito do artefato.
A importância desta pesquisa reside no fato de que a produção do design
vernacular, ou popular, que pode ser caracterizada como uma produção artesanal em
uma sociedade s-industrial, é encontrada em várias partes do país, e, sobretudo nas
grandes metrópoles, por se caracterizarem como um espaço de “fronteira”, de cultura
híbrida, onde ocorrem intensas trocas culturais.
Pesquisar a produção material do design vernacular no contexto urbano é
entender a sociedade que o produziu. O objeto não é apenas cor, textura, matéria-
prima, forma e função. O objeto é tudo isto, e mais história, contexto cultural, emoção,
experiência sensorial e comunicação.
90
Além disso, o design vernacular urbano trata do humano, em suas características
de pertencimento, permitindo um estudo de inclusão e estratégias sociais de
apropriação da realidade.
Reconhecer os vários modos de produção do design nos leva a compreender e
relacionar identidades culturais híbridas, e nos indagar quais seriam, em verdade, as
fronteiras do design.
91
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http://www.lixoecidadaniapr.org.br/catadorII.html. Acesso em 17 de fevereiro de 2007.
http://www.fuzarca.com.br/catadores_de_papeis. Acesso dem 17 de fevereiro de 2007.
Entrevistas:
Marcos Mello, artista e designer. Entrevista concedida em 16 de abril de 2005.
Paulo José da Silva Leôncio, ambulante. Entrevista concedida em 18 de abril de 2005.
Sr. Raimundo, ambulante. Entrevista concedida em 18 de abril de 2005.
Sr. Renato, ambulante. Entrevista concedida em 21 de novembro de 2005.
99
APÊNDICES
100
APÊNDICE A – Questionário
1 – NOME.
2 – IDADE.
3 - CIDADE/ESTADO ONDE NASCEU.
4 - SE NACEU EM OUTRA CIDADE HÁ QUANTOS ANOS MORA EM SÃO PAULO?
5 - HÁ QUANTO TEMPO TRABALHA COMO VENDEDOR AMBULANTE?
6 - JÁ TRABALHOU COM CARTEIRA ASSINADA?
7 - EM QUAL PROFISSÃO?
8 - QUANTAS HORAS TRABALHA POR SEMANA?
9 - QUANTO GANHA, EM MÉDIA , POR MÊS?
10 - O NEGÓCIO É PRÓPRIO OU DE OUTRA PESSOA?
11 - OUTRAS PESSOAS DA FAMÍLIA TRABALHAM COMO AMBULANTE?
12 - QUEM?
101
APÊNDICE B – Gráficos com alguns dos resultados da pesquisa realizada com 20
vendedores ambulantes em São Paulo.
1 - Idade
18 a 24 anos
25 a 49 anos
50 anos ou
mais
2 – Cidade/Estado onde nasceu
AM
SP
Interior de SP
MG
BA
CE
102
3 - Se nasceu em outra cidade há quantos anos mora em São Paulo?
Menos de 1 ano
De 1 a 5 anos
De 5 a 10 anos
Mais de 10 anos
4 - Há quanto tempo trabalha como vendedor ambulante?
Menos de 1 ano
De 1 a 5 anos
De 6 a 10 anos
Mais de 10 anos
103
5 - Já trabalhou com carteira assinada?
Sim
Não
6 - Quantas horas trabalha por semana?
De 30 a 40 hs
De 41 a 50 hs
De 51 a 60 hs
Mais de 60 hs
104
7 - Quanto ganha, em média, por mês? (Em Salário Mínimo - R$
350,00)
Menos de 1
salário
De 1 a 2 salários
(350,00 a
700,00)
De 2 salários a 3
salários (700,00
a 1.050)
Mais de 3
salários (1.050)
8 - O negócio é próprio ou de outra pessoa?
Negócio
próprio
De outra
pessoa
105
9 - Outras pessoas da família trabalham como ambulante?
Sim
Não
106
ANEXO
107
ANEXO – A: Pesquisa Mensal de Emprego - PME
Rendimento Médio Real - a preços de Dezembro de 2006
Região Metropolitana: São Paulo
Idade Mínima: 10 anos
Especificação Estimativas - em reais
Habitualmente Recebido por Mês- Trab. Principal dez/05 nov/06 dez/06
Pessoas Ocupadas(*) 1.167,94
1.220,70
1.229,00
Empregados no Setor Privado(**) 1.060,92
1.129,17
1.116,40
Empregados no Setor Público 1.553,69
1.634,84
1.637,80
Posição na Ocupação- Setor Privado(*)-Trab. Principal
Empregados com Carteira de Trabalho Assinada(***) 1.147,40
1.229,02
1.226,60
Empregados sem Carteira de Trabalho Assinada(**) 847,09
862,07
813,40
Conta Própria 991,49
1.059,76
1.099,20
Efetivamente Recebido no Mês de Referência-
Trab.Principal
nov/05 out/06 nov/06
Pessoas Ocupadas(*) 1.340,80
1.213,40
1.359,73
Empregados no Setor Privado(**) 1.268,07
1.123,41
1.286,46
Empregados no Setor Público 1.886,67
1.639,98
1.888,24
Posição na Ocupação-Setor Privado - Trab. Principal
Empregados com Carteira de Trabalho Assinada(***) 1.405,20
1.228,28
1.454,21
Empregados sem Carteira de Trabalho Assinada(**) 916,02
842,25
824,63
Conta Própria 1.053,46
1.034,55
1.106,03
(*) Exclusive Trabalhadores Não Remunerados
(**) Exclusive Trabalhadores Domésticos e Trabalhadores Não Remunerados de Membro da Unidade
Domiciliar que era Empregado
(***) Exclusive Trabalhadores Domésticos
Dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/pme122006tsp02.sht
m. Acesso em 25 de janeiro de 2007.
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