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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
FLÁVIA DOMINGUES ALVES
ESTUDOS DE SOR E BROUWER:
UMA ABORDAGEM
COMPARATIVA DE DEMANDAS TÉCNICAS
Artigo submetido como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Música;
área de concentração: Práticas Interpretativas
Orientador: Prof. Dr. Celso Loureiro Chaves
Porto Alegre
2005
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2
A Pedro Duval
In
memorian
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3
AGRADECIMENTOS
Minha gratidão, reconhecimento e estima ao Prof. Dr. Celso Loureiro Chaves, pela maneira
segura, competente e dedicada com que me orientou neste trabalho.
Aos Professores Daniel Wolff, Any Raquel Carvalho, Luciana Del Ben e Fredi Gerling, com os
quais ampliei meus conhecimentos em diversas áreas da música nos dois últimos anos.
Aos colegas que de alguma forma contribuíram comigo, em especial a Ricardo Mittidieri,
Márcio de Souza, Marcos K. Corrêa, Paulo Inda e Fabrício Mattos.
A Fernando Mattos, por me ajudar no início desta caminhada, e a James Corrêa, Stelamaris
Menezes e Rodrigo Meine, pelo auxílio na etapa final.
Aos meus pais, por sempre compreenderem e apoiarem minhas iniciativas.
Aos meus filhos, Felipe, Mateus e Lucas, o estímulo para superar obstáculos e vencer
desafios.
A Francisco, meu companheiro e amigo de todas as horas, pelo incentivo, compreensão,
carinho, paciência e amor incondicionais.
4
La música se analiza, las más de las veces, a partir de sus
componentes técnicos (análisis parcial) olvidando casi siempre la
circunstancia que rodea al creador. Circunstancia de orden filosófico
social, ambiental, circunstancia política. Esto, en apretado resumen,
es lo que calificamos de vivencia, y a la larga influye infinitamente más
que la información técnica (por otro lado imprescindible).
Leo Brouwer
5
RESUMO
Neste trabalho, colocam-se em paralelo as abordagens didáticas de dois compositores
reconhecidos da literatura do violão: Fernando Sor (1778-1839) e Leo Brouwer (1939). As
obras escolhidas são os Vinte Estudos para violão de Sor (escolhidos e editados por Andrés
Segovia) e os Vinte Estudos Simples de Brouwer. Trazem-se à tona as transformações
ocorridas na técnica do instrumento entre Sor e Brouwer e seus respectivos períodos.
Relacionam-se as demandas técnicas recorrentes que os estudos enfocam e as soluções
encontradas para atendê-las. A metodologia é de natureza analítica e envolve dois processos
complementares: análise de observação - levantamento das demandas técnicas formuladas e
das soluções propostas - e análise comparada - comparação das demandas técnicas formuladas
e das soluções propostas por Sor e Brouwer. A análise comparativa das digitações dos
Estudos revela as transformações ou mudanças de concepção no emprego das demandas
técnicas. Conclui-se que o aprendizado sistemático destas duas abordagens didáticas, pela
variedade de aspectos específicos de demandas técnicas e dos conteúdos musicais enfocados,
pode substituir, com vantagem, muitos dos exercícios de puro mecanismo, geralmente
desestimulantes e que pouco acrescentam ao desenvolvimento da linguagem musical dos
estudantes.
Palavras-chave:
demanda técnica - demanda técnica recorrente - aspecto específico de demanda técnica
6
ABSTRACT
This work compares the didactic approaches of two well-known composers in classical
guitar literature: Fernando Sor (1778-1839) and Leo Brouwer (1939), in their "Twenty Studies
for Guitar" (Sor, collected and edited by Segovia), and "Twenty Simple Studies" (Brouwer). In
this investigation the changes in instrumental technique that took place between the ages of
Sor and Brouwer are taken into consideration and relationships are established between the
recurring technical demands required by the studies and the solutions found to solve them. An
analytic methodology is employed, involving two complementary processes: Analysis of
observation - survey of the formulated technical demands and the proposed solutions - and
comparative analysis - comparison of the formulated technical demands and the proposed
solutions. The comparative analysis of fingerings reveals conceptual changes on the usage of
the technical demands. It is concluded that the systematic learning of both didactic approaches
can replace, with advantages due to the variety of specific technical demands and musical
content, most of the purely technical exercises usually devoid of stimulation, in the
development of the students' musical language.
Keywords:
technical demand - recurring technical demand - specific technical demand aspect
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 8
1 METODOLOGIA............................................................................................................... 12
2 ANÁLISE............................................................................................................................. 24
2.1 DEMANDAS TÉCNICAS DE MÃO DIREITA........................................................... 24
2.1.1 Desenvolvimento do Toque de Polegar....................................................................... 24
2.1.1.1 O desenvolvimento do Toque de Polegar no Estudo op. 29, nº 23 de Sor....... 25
2.1.1.2 O desenvolvimento do Toque de Polegar no Estudo I de Brouwer................. 28
2.1.2 Acordes de Três ou Quatro Sons, com ou sem separação de dedos para sons
legatos ou staccatos..................................................................................................... 30
2.1.2.1 O emprego dos Acordes de Três ou Quatro Sons no Estudo op. 31,
lição 20 de Sor.............................................................................................................. 32
2.1.2.2 O emprego dos Acordes de Três Sons no Estudo XV de Brouwer.................. 36
2.1.3 Execução de Arpejos..................................................................................................... 40
2.1.3.1 Execução de Arpejos no Estudo op. 6, nº 11 de Sor........................................ 41
2.1.3.2 Execução de Arpejos no Estudo VI de Brouwer.............................................. 44
2.2 DEMANDAS TÉCNICAS DE MÃO ESQUERDA...................................................... 46
2.2.1 Posições Fixas................................................................................................................ 47
2.2.1.1 A utilização de Posições Fixas no Estudo op. 29, nº 17 de Sor....................... 48
2.2.1.2 A utilização de Posições Fixas no Estudo XI de Brouwer............................... 53
2.2.2 Ligados Ascendentes e Descendentes.......................................................................... 56
2.2.2.1 Ligados Ascendentes e Descendentes no Estudo op. 6, nº 3 de Sor................ 57
2.2.2.2 Ligados Ascendentes e Descendentes no Estudo IX de Brouwer.................... 61
2.2.3 O Emprego da Pestana ou Meia Pestana.................................................................... 63
2.2.3.1 O Emprego da Meia Pestana no Estudo op. 29, nº 22 de Sor.......................... 64
2.2.3.2 O Emprego da Meia Pestana no Estudo XVII de Brouwer.............................. 68
2.3 COMPARAÇÃO.............................................................................................................. 70
2.3.1 Comparação de abordagens de demandas técnicas de mão direita......................... 71
2.3.2 Comparação de abordagens de demandas técnicas de mão esquerda..................... 76
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 87
8
INTRODUÇÃO
A experiência que tenho como professora de violão em Curso de Bacharelado, recebendo
a cada ano muitos alunos de formação musical diversa, permitiu-me constatar que
pouquíssimos estudantes de violão tocam, em seu repertório anterior ao curso universitário,
estudos de cunho didático, os quais podem ser determinantes para o desenvolvimento da
técnica de execução e também da compreensão musical. Foi este meu estímulo para a busca
de um tema de pesquisa que enfocasse, em primeiro plano, a análise de estudos de cunho
didático para o instrumento e a necessidade de sua prática no período de formação básica do
violonista.
Neste trabalho, colocam-se em paralelo as abordagens didáticas de dois compositores
reconhecidos da literatura do violão: Fernando Sor (1778-1839) e Leo Brouwer (1939), que
representam períodos históricos diferentes da literatura do violão. Trazem-se à tona as
transformações na técnica do instrumento ocorridas entre Sor e Brouwer e seus respectivos
períodos. Ao falar das transformações na técnica, considera-se a modificação do próprio
instrumento como uma das causas destas transformações.
Houve transformações estruturais na construção do violão ao final do século XIX, como o
aumento das dimensões do braço e da caixa de ressonância, provocadas pelo estabelecimento
do comprimento da corda vibrante em 650 mm. O uso das cravelhas mecânicas contribuiu
9
para a melhor afinação e o uso do leque, um conjunto de tiras de madeira coladas na parte
interior do tampo harmônico, proporcionou melhor distribuição dos harmônicos e maior
equilíbrio sonoro. Estas modificações estruturais são atribuídas ao luthier espanhol Antonio
Torres (1817-1892). Além delas, em 1946, por insistência de Andrés Segovia
1
, surgiram as
cordas de náilon, o que provocou melhoria na qualidade de som (DUDEQUE, 1994, p.79). O
violão tocado no início do século XIX “era significativamente menor, tinha cordas de tripa
com diferente senso de equilíbrio e era tocado por Sor sem a utilização das unhas. Estes
fatores certamente afetaram a técnica...” (TANENBAUM, 1991, p. 5).
Brouwer é violonista, assim como Sor. Ambos demonstram conhecimentos específicos da
técnica violonistica e possuem uma extensa obra de peças de concerto, que figuram entre as
mais significativas do repertório do violão.
Fernando Sor legou aos violonistas o mais completo tratado teórico do século XIX sobre o
instrumento, o Méthode pour la Guitare (Paris, 1830). Para o violonista e teórico Carlevaro,
“Fernando Sor representa uma figura muito importante para o violão do século XIX, uma
personalidade musical poderosa, cuja arte deve reconhecer-se em todo seu alcance e
significação. A arquitetura de sua obra em geral é lógica, com notável sentido da proporção
sonora” (1985, p. 3).
Leo Brouwer preocupou-se com a formação básica do violonista e proporcionou o
conhecimento da linguagem contemporânea aos estudantes de nível médio do instrumento.
Tanenbaum, no livro em que analisa os Estudos Simples, os inclui entre os estudos essenciais
para a formação dos violonistas. Segundo ele “Leo Brouwer é amplamente considerado como
1
Andrés Segovia (1893-1987): Violonista espanhol, fundamental para o desenvolvimento do repertório
violonistico do século XX.
10
o mais importante violonista/compositor do nosso tempo. Em uma época em que finalmente a
composição para [o violão] tornou-se lugar-comum para compositores importantes, Brouwer
dá prosseguimento à tradição de Sor e Carcassi” (TANENBAUM, 1992, p.5 ).
As obras escolhidas para este trabalho são os Vinte Estudos para violão de Sor (escolhidos
e editados por Andrés Segovia, uma versão consagrada no repertório violonístico) e os Vinte
Estudos Simples de Brouwer.
Entre os Vinte Estudos de Sor selecionados por Segovia, encontram-se peças do op. 6
(1815-1817), op.29 (1827), op. 31 e 35 (1828). Os Vinte Estudos Simples de Brouwer foram
compostos em quatro séries de cinco estudos. As duas primeiras datam de 1960 e 1961, as
duas últimas são dos anos de 1980 e 1981. A distância cronológica entre os dois compositores
colabora para a análise das transformações surgidas na técnica instrumental ao longo do
tempo e detectadas no estudo comparativo destes dois compositores.
A peça instrumental de cunho didático passou a ser chamada de “estudo”
2
no início do
século XIX. Destacam-se as coleções de estudos para piano de Cramer (1771-1858), Czerny
(1791-1857) e Moscheles (1794-1870), como exemplos de peças didáticas. Entre os
compositores violonistas com maior destaque na área pedagógica, pela qualidade musical de
seus trabalhos, estão Matteo Carcassi (1792-1853), Mauro Giuliani (1781-1829), Dionísio
Aguado (1784-1849) e Fernando Sor.
2
Estudo: peça instrumental destinada basicamente a explorar e aperfeiçoar uma faceta particular da técnica de
execução (Dicionário Grove de Música, p.304).
11
Os Estudos assumem status de obra de concerto durante os séculos XIX e XX. Entre
autores que dedicam Estudos de Concerto para o violão, destacam-se Villa-Lobos (1887-
1959), que compôs Doze Estudos dedicados a Andrés Segovia, e Angelo Gilardino (1941),
com sua série de Estudos de Dificuldade Transcendental. Esse repertório, dadas as
dificuldades intrínsecas, é inacessível para violonistas em fase de formação.
Os estudos de Sor e Brouwer, selecionados para este trabalho, estão situados no primeiro
grupo: as peças de cunho didático, que têm por finalidade desenvolver determinada
especificidade da técnica violonística. Detecta-se uma evidente relação entre tais estudos e as
demais obras destes compositores, o que propicia ao estudante também uma iniciação ao
estilo das obras concertísticas tanto de Brouwer quanto de Sor.
Identificam-se as transformações ocorridas na técnica do instrumento, também pela
observação dos estudos, compostos em períodos históricos distintos. Nesta pesquisa,
relacionam-se as demandas técnicas que os estudos enfocam e as soluções encontradas por
Sor e Brouwer para atendê-las.
Espera-se que o estudo sistemático de duas abordagens didáticas de períodos diferentes
favoreça a reflexão sobre as demandas técnicas específicas do instrumento e sobre a maneira
de aplicar estes conteúdos ao ensino do instrumento de uma forma lógica e coerente.
12
1 METODOLOGIA
A metodologia proposta para esta pesquisa é de natureza analítica e envolve dois
processos complementares - análise de observação e análise comparada - desenvolvidos em
duas etapas subseqüentes. Para estas duas etapas, descritas a seguir, foram utilizadas como
fontes:
a) para os estudos de Sor - edição facsimilar dos estudos op. 6 (n° 1, 2, 3, 6, 8, 9, 11 e 12),
op. 29 (n° 13, 17, 22 e 23), op. 31 (n° 16, 19, 20 e 21) e op. 35 (n° 13, 16, 17 e 22) e a
coleção escolhida e editada por Andrés Segovia;
b) para os estudos de Brouwer – edição original Max Eschig.
A análise de observação consistiu no levantamento das demandas técnicas formuladas e
das soluções propostas, primeiro nos estudos de Sor, depois nos estudos de Brouwer. Ele é,
inicialmente, apresentado sob a forma de quadros, para possibilitar clareza e objetividade na
expressão dos dados analíticos. Na etapa seguinte, é desenvolvida a comparação das
demandas técnicas formuladas e das soluções propostas por Sor e Brouwer.
A investigação das demandas técnicas contidas nos Estudos de Sor teve como referenciais
teóricos o Méthode de la Guitare (Paris, 1830) do próprio compositor e a coleção The
Essential Studies, volume Fernando Sor´s 20 Estudios (San Francisco: Guitar Solo
Publications. 1991), em que o violonista David Tanenbaum analisou os Estudos de Sor
selecionados por Segóvia.
Para a análise das demandas técnicas contidas nos Estudos Simples de Brouwer, os
referenciais teóricos foram as próprias partituras, nas quais as digitações existentes tornam
claros os aspectos técnicos presentes e também a coleção The Essential Studies, Leo
13
Brouwer´s 20 Estudios Sencillos (San Francisco: Guitar Solo Publications. 1992), em que é
feita uma análise sobre cada estudo de Brouwer.
A investigação dos aspectos específicos da técnica violonistica teve como referencial
teórico a obra Escuela de La Guitarra - exposición de la teoria instrumental, do violonista
uruguaio Abel Carlevaro (Buenos Aires: Dacisa. 1979).
O método escolhido para desenvolver esta pesquisa propõe, em sua primeira etapa, a
análise de observação do objeto de estudo. Procedeu-se, inicialmente, um minucioso exame
das partituras, a fim de detectar as demandas técnicas presentes em cada estudo das séries de
Vinte Estudos de Sor e de Vinte Estudos de Brouwer, comparando-as ao conhecimento prévio
que se tinha acerca das demandas técnicas neles contidas e que havia sido adquirido com a
experiência de sua execução.
Nos estudos das duas últimas séries de Brouwer, XI a XV e XVI a XX, o próprio
compositor informa, na partitura, qual a demanda técnica explorada. Por exemplo, nos estudos
XI e XIII, aparece a recomendação: “Para os ligados e as posições fixas” (1983). No estudo
XIX, encontra-se a indicação: “Para os acordes de quatro sons” (1983). Estas informações
facilitaram a classificação dos estudos de Brouwer, com suas respectivas demandas técnicas.
Nos estudos de Sor, a classificação foi um processo mais complexo, pois o conhecimento
prévio que se tinha deles procedia da revisão e edição de Segóvia dos Vinte Estudos. Nesta
revisão, Segóvia utiliza uma digitação pessoal, configurando uma adaptação dos estudos
originais. Optou-se por examinar detalhadamente cada partitura da edição facsimilar dos
estudos de Sor, para que sua concepção revelasse as reais demandas técnicas. Nesta análise
14
observou-se que, nos estudos do Op. 6 e do Op. 29, Sor não costumava anotar a digitação de
mão esquerda ou direita que deveria ser utilizada. Para melhor identificar a demanda técnica
proposta nestes estudos, recorreu-se à consulta bibliográfica. Tanenbaum esclarece que “Sor
defendia a posição fixa para a mão direita, com o dedo i sobre a segunda corda, o dedo m
sobre a primeira e o dedo p encarregando-se das outras” (1991, p.5). Esta informação mostra a
concepção de emprego da mão direita adotada por Sor, excluindo o uso do dedo a, que era
considerado o mais fraco, e optando pelo uso dos dedos p, i, m, considerados os mais fortes, o
que modifica a idéia inicial que se tem sobre a demanda técnica presente a partir da edição de
Segóvia. Quando parece ser exigido o emprego do dedo anular, realizando a melodia de um
arpejo, a dificuldade proposta por Sor é a de trabalhar o deslocamento do polegar rapidamente
dentro do arpejo.
Em alguns estudos, Sor deixou indicada na partitura qual a demanda técnica principal
planejada para aquele exercício. Isto ocorre nos estudos Op. 29, n° 23, Op. 31, lição XIX e
Op. 31, lição XX. Em alguns estudos do Op. 31 e em todos os do Op. 35, Sor passou a anotar
a digitação que deveria ser adotada pelo estudante.
Com os dados obtidos, elaboraram-se dois quadros, um com as demandas técnicas dos
estudos de Sor, outro com as demandas dos estudos de Brouwer. Nesses quadros, tem-se uma
visão das demandas técnicas de mão esquerda e de mão direita exploradas em cada um dos
estudos.
15
Demanda Técnica:Estudos em ordem
cronológica
Mão Direita Mão Esquerda
Op.6 n° 1 – Allegro moderato
(n° 4 – Ed. Segovia)
Movimento do polegar: uso do
polegar para voz cantante
Posições fixas
Op. 6 n° 2 – Andante allegro
(n° 3 –Ed. Segovia)
Toques diferenciados de dedos
p,i,m
Emprego de meia pestana
Op. 6 n° 3 - não há indicação –
(n° 11 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Ligados descendentes com três
notas
Op. 6 n° 6 – Allegro
(n° 12 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Mudanças de posição em terças
Op. 6 n° 8 – Andantino
(n° 1 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Movimentos de outros dedos,
mantendo um dedo fixo
Op. 6 n° 9 – Andante allegro
(n° 13 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Mudanças de posição
Op. 6 n° 11 – Allegro moderato
(n° 17 - Ed. Segovia)
Arpejos Emprego de dedo eixo
Op. 6 n° 12 – Andante
(n° 14 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Emprego da meia pestana
Op. 29 n° 13 – Andante lento
(n° 19 – Ed. Segovia)
Arpejos Emprego da pestana inteira
Op. 29 n° 17 – All° moderato
(n° 20 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Ligados, trinados, escalas,
mudanças de posição; posições
fixas e emprego da meia
pestana
Op. 29 n° 22 – Andantino
(n° 18 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Ligados, trinados, escalas,
mudanças de posição; posições
fixas
Op. 29 n° 23 - não há indicação
(n° 16 – Ed. Segovia)
Movimento do polegar Mudanças de posição, aberturas
e pestanas
Op. 31 Leçon XVI – Moderato
(n° 8 – Ed. Segovia)
Movimento de polegar Posições fixas
Op. 31 Leçon XIX – Andante
(n° 10 – Ed. Segovia)
Notas repetidas: regularidade,
alternância de p,i
Aberturas
Op. 31 Leçon XX – Andante
allegro
(n° 9 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Mudança de acordes de três e
quatro sons
Op. 31 Leçon XXI – Andantino
cantabile (n° 7 – Ed. Segovia)
Condução melódica em
diferentes vozes
Mudanças de posição; ligados
Op. 35 n° 13 – Andante
(n° 2 – Ed. Segovia)
Arpejos Posições fixas
Op. 35 n° 16 – Moderato
(n° 15 – Ed. Segovia)
Acordes de três sons, com ou
sem separação de dedos
Melodia em terças e sextas;
apogiaturas descendentes.
Op. 35 n° 17 – Moderato
(n° 6 – Ed. Segovia)
Arpejos Dedos Fixos
Op. 35 n° 22 – Allegretto
(n° 5 – Ed. Segovia)
Arpejos Emprego da pestana inteira e
meia pestana
Quadro 1: Levantamento das demandas técnicas identificadas nos Estudos de Sor
Fonte: Segovia, A. Twenty Studies for the Guitar by Fernando Sor. Los Angeles: Marks Music
Corporation, 1945. Sor, F. Complete Works for Guitar. Facsimile edition. New York Shattinger
International Music Corporation, 1977.
16
Demanda TécnicaEstudos em ordem
numérica
Mão direita Mão Esquerda
I - Movido Para o toque de polegar Não há demanda técnica
direcionada
II- Coral Acordes legatos Dedos fixos em mudanças de
acordes
III - Rápido Arpejo: p, i, m;
para o toque de polegar
Não há demanda técnica
direcionada
IV – Allegretto - Comodo Para o toque de polegar Emprego da meia pestana.
Posições fixas, dedos eixo
V – Allegretto - Montune Arpejos com acentuações
deslocadas
Dedos fixos e dedos eixo
VI – (sem indicação) Arpejo (com duas digitações
propostas)
Não há demanda técnica
direcionada
VII – Lo más rápido possible Não há demanda técnica
direcionada
Sons ligados ascendentes e
descendentes
VIII – (sem indicação) Arpejo
.
Dedos fixos e sons legatos
IX – (sem indicação) Não há demanda técnica
direcionada
Sons ligados ascendentes e
descendentes com posições
fixas. Independência de
dedos
X- (sem indicação) Digitação contínua de dedos
i,m
Independência de dedos
XI – Allegretto Arpejos Para os ligados e posições
fixas
XII – Tranquillo - Moderato Para os acordes
desmembrados em legato
Não há demanda técnica
direcionada
XIII - Movido Para o toque de polegar Para os ligados e posições
fixas
XIV - Allegro Para o toque de polegar Para os ligados
XV - Sarabande Para os acordes de três sons Mudanças de posição
XVI - Grave Não há demanda técnica
direcionada
Para os ornamentos
XVII - Moderato Arpejos Para os ornamentos e o
emprego da meia pestana
XVIII - Moderato quasi lento Não há demanda técnica
direcionada
Para os ornamentos
XIX – Movido - Allegretto Para os acordes de quatro
sons
Emprego da meia pestana
XX- Introduction – Movido
Tema: Rápido
Para os acordes de quatro
sons
Para os ligados
Quadro 2: Levantamento das demandas técnicas identificadas nos Estudos Simples de Brouwer
Fonte: BROUWER, L. Etudes Simples. Paris: Editions Max Eschig, 1972.
17
Elaborados os quadros 1 e 2, iniciou-se a segunda etapa da pesquisa, que envolveu a
análise comparativa das informações. Procurou-se, com este procedimento, descobrir as
demandas técnicas recorrentes nas séries de estudos em análise. Para possibilitar a
classificação objetiva destas demandas, separaram-se as demandas recorrentes em dois
grupos: o Grupo I, demandas técnicas de mão direita, e Grupo II, demandas técnicas de mão
esquerda.
No Grupo I, concentram-se aspectos específicos das demandas técnicas de mão direita
presentes tanto em Sor quanto em Brouwer:
1. estudos para o desenvolvimento do toque de polegar - envolvem os diferentes toques de
polegar que podem ser utilizados: toque com ou sem apoio, com gema, com unha, com
diferentes ângulos de ataque, saltos em cordas alternadas, ação conjunta do polegar com os
dedos i, m, ou a;
2. acordes de três ou quatro sons, com ou sem separação de dedos, para sons legatos e
stacatos - exercita os toques simultâneos dos dedos p, i, m, a, utilizando diferentes
combinações de cordas (e de dedos); exercita o uso de apagadores de mão direita para os sons
stacatos, ou seja, o ato de abafar as cordas após o ataque anterior;
3. estudos de arpejos - este aspecto específico de demanda técnica envolve as diferentes
combinações dos dedos p, i, m, a em exercício de arpejos e a utilização de diferentes toques
para cada dedo dentro de um arpejo, de acordo com a função da nota articulada.
No Grupo II, os aspectos específicos das demandas técnicas de mão esquerda que se
encontram em estudos de Sor e Brouwer abrangem:
1. posições fixas - utilização de dedos fixos em mudanças de acordes; utilização de dedo eixo:
aspecto específico que envolve o exercício de manter algum (ou alguns) dedo fixo, enquanto
18
outro (ou outros) conduz algum movimento melódico ou efetua a mudança de acorde. Para
Carlevaro (1978), o dedo eixo é aquele que, permanecendo fixo, permite uma espécie de giro
da mão esquerda para facilitar o câmbio dos outros dedos e possibilitar a mudança de
apresentação da mão;
2. ligados ascendentes e descendentes - envolve as maneiras de produzir o som ligado no
violão, através de diferentes combinações de dedos;
3. emprego da meia pestana - aspecto específico de demanda técnica que exige o uso de um
dedo (geralmente o primeiro) para pressionar, segundo a definição de Pujol (1952), três ou
quatro cordas simultaneamente em uma mesma casa do violão.
Com a formação de dois grupos, o foco da análise pôde concentrar-se em um único
aspecto específico de cada demanda técnica recorrente. No processo comparativo,
elaboraram-se mais dois quadros, um com os aspectos específicos das demandas técnicas do
Grupo I e os estudos de Sor e Brouwer que os representam, outro com os aspectos específicos
das demandas técnicas do Grupo II e seus respectivos estudos.
Aspecto Específico Estudos de Sor Estudos de Brouwer
1.
Estudos para o
desenvolvimento
do toque de polegar
Op. 6 n° 1 (estudo 4)
Op. 6 n° 8 (estudo 1)
Op. 6 n° 9 (estudo 13)
Op.29 n° 23 (estudo 16)
Op. 31 Lição XVI (estudo 8)
Estudo I
Estudo III
Estudo IV
Estudo VIII
Estudo XIV
2.
Acordes de três ou quatro sons,
com ou sem separação de
dedos, para sons legatos ou
sons stacatos
Op. 6 n° 3 (estudo 11)
Op 6 n° 6 (estudo 12)
Op. 6 n° 8 (estudo 1)
Op. 6 n° 9 (estudo 13)
Op. 6 n° 12 (estudo 14)
Op. 29 n° 17 (estudo 20)
Op. 29 n° 22 (estudo 18)
Op. 31 Lição XX (estudo 9)
Op 31 Lição XXI (estudo 7)
Op. 35 n° 16 (estudo 15)
Estudo II
Estudo XII
Estudo XV
Estudo XIX
Estudo XX
Quadro 3: Grupo I – Demandas Técnicas de Mão Direita
19
Aspecto Específico Estudos de Sor Estudos de Brouwer
3.
Arpejos
Op. 6 n° 11 (estudo 17 )
Op. 29 n°13 (estudo 19)
Op. 35 n°13 (estudo 2)
Op. 35 n°17 (estudo 6)
Op. 35 n°22 (estudo 5)
Estudo V
Estudo VI
Estudo VIII
Estudo XI
Estudo XVII
Quadro 3: Grupo I – Demandas Técnicas de Mão Direita (cont.)
Aspecto Específico Sor Brouwer
1.
Posições fixas; utilização de
dedos fixos em mudanças de
acorde; utilização de ‘dedo
eixo’
Op. 6 n° 1 (estudo 4)
Op. 6 n° 8 (estudo 1)
Op. 6 n° 11 (estudo 17)
Op. 29 n° 13 (estudo 19)
Op. 29 n° 17 (estudo 20)
Op. 29 n° 22 (estudo 18)
Op. 31 Lição XVI (estudo 8)
Op. 35 n° 22 (estudo 5)
Estudo II
Estudo IV
Estudo V
Estudo VIII
Estudo IX
Estudo XI
Estudo XIII
2.
Ligados ascendentes e
descendentes
Op. 6 n° 3 (estudo 11)
Op. 6 n° 6 (estudo 12)
Op. 29 n° 17 (estudo 20)
Op. 31 Lição XXI (estudo 7)
Op. 35 n° 16 (estudo 15)
Estudo VII
Estudo IX
Estudo XI
Estudo XIII
Estudo XIV
Estudo XIX
Estudo XX
3.
Meia pestana
Op. 6 n° 1 (estudo 4)
Op. 6 n° 2 (estudo 3)
Op. 6 n°6 (estudo 12)
Op. 6 n°12 (estudo 14)
Op. 29 n° 22 (estudo 18)
Op. 35 n° 22 (estudo 5)
Estudo IV
Estudo XV
Estudo XVII
Estudo XIX
Quadro 4: Grupo II - Demandas Técnicas de Mão Esquerda
Nos quadros 3 e 4 observam-se quantos e quais estudos de Sor e de Brouwer exploram
determinados aspectos específicos nas demandas técnicas recorrentes.
Para prosseguir a investigação, tornou-se necessário selecionar estudos que permitissem
uma visão clara sobre como cada compositor abordou algum aspecto específico da demanda
técnica. As demandas técnicas recorrentes foram subdivididas em dois grupos, com três
aspectos específicos cada um, e assim o número de estudos pôde ser definido pelo número
20
total de aspectos: seis estudos de Sor e seis de Brouwer. Surgiu a seguir o questionamento:
como estabelecer critérios para a escolha de alguns e a exclusão de outros?
Na busca dos critérios para seleção dos estudos a serem analisados, elaboraram-se dois
quadros com a lista de estudos de cada compositor e a relação dos aspectos específicos das
demandas técnicas dos Grupos I e II.
Estudos
de
Sor
Demandas Técnicas do Grupo
I
Aspectos Específicos:
1 2 3
Demandas Técnicas do Grupo
II
Aspectos Específicos:
1 2 3
Op. 6 n°1 X X X
Op. 6 n 2 X
Op. 6 n 3 X X
Op. 6 n 6 X X X
Op 6 n° 8 X X X
Op 6 n° 9 X X
Op 6 n° 11 X X
Op 6 n° 12 X X
Op 29 n°13 X X
Op 29 n°17 X X X
Op 29 n°22 X X X
Op 29 n°23 X
Op 31 -XVI X X
Op 31 -XIX
Op 31 –XX X
Op 31- XXI X X
Op 35 n°13 X X
Op 35 n°16 X X
Op 35 n°17 X
Op 35 n°22 X X X
Quadro 5: Relação dos aspectos específicos presentes em cada estudo
21
Estudos
de
Brouwer
Demandas Técnicas do Grupo
I
Aspectos Específicos:
1 2 3
Demandas Técnicas do Grupo
II
Aspectos Específicos:
1 2 3
IX
II X X
III X
IV X X X
VXX
VI X
VII X
VIII X X
IX X X
X
XI XXX
XII X
XIII X X
XIV X X
XV X X
XVI X
XVII X X X
XVIII X
XIX X X X
XX X X
Quadro 6: Relação dos aspectos específicos presentes em cada estudo de Brouwer
Pela observação dos dois quadros e pelo confronto com os dados obtidos no exame das
partituras, estabeleceu-se um critério de seleção: estudos que tivessem um aspecto específico
de demanda técnica como sua única demanda ou como sua demanda predominante.
Para a análise dos aspectos específicos das demandas técnicas do Grupo I, foram
selecionados os seguintes estudos:
1. Op. 29 n° 23 de Sor e I de Brouwer, nos quais o aspecto específico de demanda técnica é o
desenvolvimento do toque de polegar. No Op. 29 n° 23, há a indicação do próprio compositor,
na partitura, apontando a demanda técnica: ... le but principal est d’habituer le pouce de la
main droite à choisir la note convenable sanz que la main change de place.” [o objetivo
principal é habituar o polegar da mão direita a atacar a nota correta sem que a mão mude de
posição] (SOR, 1977, p. 142). Sobre o Estudo I, tem-se o relato de Brouwer: “Minha teoria é
22
muito simples: trabalhar um só aspecto de cada vez, simplificando os outros componentes.
Por exemplo, no Estudo I, trabalha-se o polegar de mão direita, sem que a mão esquerda
contenha complicação alguma” (informação oral
3
);
2. Op. 31 leçon XX de Sor e XV de Brouwer, que enfocam os acordes de três ou quatro sons,
com ou sem separação de dedos, para sons legatos ou sons stacatos. Na partitura do Op. 31
lição XX, encontra-se a seguinte recomendação do compositor: “Cette leçon peut ètre moins
vite que le mouvement indiqué, mais ayant pour but de prendre possession des acords, il est
utile d’en presser le mouvement à mesure qu’on jouera avec plus de facilité” [Esta lição
talvez possa ser tocada mais lenta do que o movimento indicado mas, com o objetivo de
adquirir domínio dos acordes, é útil apressar o movimento à medida que se toque com mais
facilidade] (SOR, 1977, p. 34). O Estudo XV tem a indicação de Brouwer na partitura: ”Para
os acordes de três sons” (1983);
3. Op. 6 n° 11 de Sor e VI de Brouwer, que envolvem a execução de arpejos, o terceiro
aspecto específico deste grupo. Uma breve análise de superfície das partituras dos dois
estudos revela, de imediato, o aspecto específico neles abordado.
Para as demandas técnicas do Grupo II, os estudos selecionados foram:
1. Op. 29 n°17 de Sor e XI de Brouwer, cujos aspectos específicos predominantes tratam das
posições fixas - utilização de dedos fixos em mudanças de acorde; utilização de ‘dedo eixo’.
A classificação do estudo de Sor, neste aspecto específico, exigiu um exame minucioso da
partitura, associado à execução, para confirmar o emprego da demanda técnica. A partitura do
Estudo XI informa: “Para os ligados e as posições fixas” ( 1983);
3
Em palestra proferida no Seminário Internacional de Guitarra, em Montevidéu, no ano de 1996, em que ele
comentou sobre os princípios que nortearam a elaboração dos Estudos Simples.
23
2. Op. 6 n° 3 de Sor e IX de Brouwer, para os sons ligados, ascendentes e descendentes, nos
quais se enfoca predominantemente este aspecto específico de demanda técnica, o que pôde
ser detectado pela análise de superfície das partituras;
3. Op. 29 n° 22 de Sor e XVII de Brouwer, que exploram o uso da meia-pestana. A
classificação em Brouwer foi feita pela análise de superfície da partitura; em Sor a tonalidade
escolhida para o estudo já indica o emprego da demanda técnica.
A seguir, é desenvolvido o processo de análise dos doze Estudos selecionados por
apresentarem, como sua única demanda ou como sua demanda predominante, os aspectos
específicos de demanda técnica recorrente dos Grupos I e II.
24
2 ANÁLISE
Para o processo de análise em cada aspecto específico de demanda técnica recorrente
dos Grupos I e II, foi selecionado um estudo de Sor e um de Brouwer. Os estudos são
analisados conforme a ordem de classificação das demandas técnicas. Inicialmente, são
abordados os estudos referentes às demandas do Grupo I, que enfocam os três aspectos
específicos de mão direita: desenvolvimento do toque de polegar; emprego dos acordes de três
ou quatro sons, com ou sem separação de dedos, para sons legatos e staccatos; execução de
arpejos. Após, são analisados os estudos referentes às demandas do Grupo II, que enfocam os
três aspectos de mão esquerda: posições fixas; produção dos sons ligados ascendentes e
descendentes; emprego da meia pestana. Para melhor identificar as possíveis modificações ou
transformações entre Sor e Brouwer ocorridas no tratamento da técnica, a investigação de
cada aspecto específico inicia com um estudo selecionado de Sor e conclui com um de
Brouwer, precedidas as duas análises de uma explicação teórica sobre a demanda técnica. Nas
análises, ressalta-se como os compositores enfocaram cada aspecto e quais as soluções que
encontraram para resolver as dificuldades técnicas propostas.
2.1 DEMANDAS TÉCNICAS DE MÃO DIREITA
2.1.1 Desenvolvimento do Toque de Polegar
O desenvolvimento do toque de polegar abrange um capítulo importante da técnica do
violão, pois, em todos os métodos de técnica pura, encontram-se inúmeros exercícios que
abordam este aspecto específico de demanda técnica. A atuação do polegar envolve diferentes
toques: com ou sem apoio (na corda imediata); com unha; sem unha; com diferentes ângulos
de ataque; saltos em cordas alternadas; ação conjunta do polegar com os dedos i, m, ou a;
toque simultâneo de duas ou mais cordas; acordes arpejados pelo polegar; pizzicatos. Segundo
25
Carlevaro, “o polegar é em aparência o mais incapaz [torpe] dos dedos, por isso requer estudo
e dedicação especiais; ao mesmo tempo, é o melhor constituído quanto à sua força e é
necessário então desenvolver toda sua potencialidade” (1978, p. 44).
O polegar articula as cordas em oposição aos outros dedos. Exige um movimento
semicircular, quando precisa atacar repetidamente a mesma corda. O movimento das falanges
deve diferir, se a necessidade for a de atacar cordas imediatas ou a de atacar cordas separadas.
Quando o ataque é simultâneo ao de outro dedo, também é outra a atuação das falanges.
Quanto menos a mão direita se movimentar ou pular ao articular o polegar, mais fácil se torna
o domínio dos toques. Por todos estes fatores, o desenvolvimento do toque de polegar exige
do violonista um esforço permanente na busca do domínio das diferentes formas de ataque, as
quais produzem diferentes resultados sonoros.
2.1.1.1 O desenvolvimento do Toque de Polegar no Estudo Op. 29, nº 23 de Sor
Caso não houvesse na partitura a indicação sobre qual o objetivo desse estudo, se
poderia julgar que a demanda técnica fosse de mão esquerda, tantas são as mudanças de
posição, aberturas e pestanas nele encontradas. Tanenbaum comenta que “em termos de
técnica de mão esquerda, ‘Estudo 16’
4
é muito mais difícil no violão moderno do que no
instrumento do séc. XIX. Enquanto o estudo de pestanas, mudanças de posição e extensões
requeriam um certo grau de dificuldade no instrumento do tempo de Sor, as dificuldades não
são, de modo algum, tão extremas quanto as do violão moderno.” (1991, p. 49). A
recomendação de Sor é incisiva e não deixa dúvidas quanto ao aspecto específico de demanda
técnica por ele enfocado: “o objetivo principal é habituar o polegar da mão direita a atacar a
nota correta sem que a mão mude de posição” (1827).
4
Tanenbaum adota em seu livro a numeração da edição de Andrés Segóvia.
26
O estudo está estruturado em forma binária; envolve uma melodia acompanhada por
encadeamento de acordes na tonalidade de Sol maior; modula para a Dominante no final da
parte A e retorna à Tônica no final da parte B. A melodia (geralmente em terças ou sextas)
encontra-se na voz superior, o polegar fica responsável por articular o baixo e o
acompanhamento praticamente ao longo de todo o exercício. A célula rítmica básica é
formada por colcheia pontuada, semicolcheia na voz superior, pausa de semicolcheia,
semicolcheia e colcheia na voz inferior.
O trabalho do polegar, do compasso 1 ao compasso 6, consiste em atacar uma
semicolcheia na sexta corda e, em seguida, saltar para a quarta corda, ferindo uma colcheia
(Figura 1). O movimento deve ser rápido e preciso; exige dupla atuação do polegar: saltar
para a quarta corda e retornar quase de imediato para a sexta corda. O segundo movimento é
facilitado pela pausa de semicolcheia, que permite um leve repouso do dedo p sobre a sexta
corda antes do novo ataque. Sor recomenda não mudar a mão direita de posição durante os
movimentos do polegar.
Figura 1: Saltos do polegar em cordas alternadas no Estudo op. 29 n° 23 de Sor (compassos 1-6).
27
Os compasso seguintes (7, 8 e 9) trabalham o deslocamento de polegar da quinta para
a quarta corda e da quinta para a terceira corda.
No compasso 10 (Figura 2), há três semicolcheias que deveriam ser tocadas pelo
polegar. Sor coloca um ligado entre as duas últimas, para evitar que a passagem soe
excessivamente marcada, em função de três ataques sucessivos do dedo p e para que o ré da
quarta corda não soe acentuado. Uma das dificuldades que este estudo envolve é a de tocar
com leveza o dedo p, para que a voz conduzida por ele não soe mais forte que a melodia.
Figura 2: Ligado entre duas notas para evitar uso sucessivo do polegar no Estudo op 29 n° 23 de Sor
(compasso 10).
No restante dos compassos da primeira parte e em toda a segunda parte da lição, a
proposta de toque de polegar continua a mesma, exceção aos compassos 42 e 54 (Figura 3 [a]
e [b]), nos quais o polegar deve ferir três semicolcheias sucessivas.
Figura 3: Toque sucessivo do polegar em cordas alternadas [a] e cordas imediatas[b]
no Estudo op 29 n° 23 de Sor (compassos 42 e 54).
Constata-se, através da análise, que a preocupação do compositor no enfoque deste
estudo é exercitar um tipo de toque específico de polegar (o salto em cordas imediatas e
28
alternadas), treinando a demanda técnica pelo método da repetição do movimento. Sor
emprega um encadeamento de acordes que aproveita todo o campo harmônico da tonalidade,
o que torna mais interessante o exercício da prática do toque de polegar. A variação
harmônica proporciona também a variante de cordas alternadas ou imediatas que devem ser
feridas pelo polegar.
2.1.1.2 O desenvolvimento do Toque de Polegar no Estudo I de Brouwer
Nos métodos de violão, encontram-se inúmeros exercícios de técnica pura para o
desenvolvimento do toque de polegar. Em sua maioria, são enfadonhos, monótonos e
contraproducentes, pela falta de interesse musical nas lições, e terminam por desestimular a
busca do aperfeiçoamento no instrumento. Brouwer obtém, neste estudo para toque de
polegar, interesse rítmico e melódico, associando-o à exploração de dinâmica que sugerem a
variedade de timbres. Com isto, um exercício simples para a técnica é transformado em
música que atrai os estudantes pela riqueza de elementos.
Uma análise de superfície da partitura do Estudo I revela a intenção do compositor de
trabalhar o toque de polegar, pois apresenta como tema uma voz cantante nos baixos,
intercalada por um acompanhamento discreto. A confirmação da demanda técnica é do
próprio Brouwer: “no Estudo I, trabalha-se o polegar de mão direita, sem que a mão esquerda
contenha complicação alguma” (informação oral
5
). Na análise do estudo, verifica-se como
Brouwer explora a demanda técnica.
Nos compassos 1 e 2 (Figura 4), Brouwer define o ritmo latino que emprega em todo o
estudo: compasso quaternário, subdivisão 3+3+2 no primeiro compasso e 2+3+3 no segundo e
encarrega o polegar de conduzir o baixo cantante (TANENBAUM, 1992, p.7). As notas do
5
Fita cassete gravada em palestra proferida em Montevidéu, ano de 1996.
29
baixo recebem um sinal de acentuação que indica que esta voz deve ser destacada claramente
do acompanhamento conduzido pelos dedos i e m. O polegar ataca o baixo de forma alternada
e repetida e em cordas alternadas, repetidas e imediatas, exigindo diferentes articulações do
dedo.
Figura 4: Toque do polegar no Estudo I de Brouwer (compassos 1 e 2).
Até o compasso 8, o movimento é conduzido da mesma forma rítmica, e para cada
dois compassos há uma dinâmica específica: mf, pp; f; mp. Esta dinâmica determina
diferentes ataques de polegar e incentiva a busca de diferentes pontos de localização para a
mão direita: mais perto da boca do violão, próximo ao cavalete, sobre os trastes.
Nos compassos 9, 10, 14 e 15 (Figura 5), a acentuação se desloca para as cordas 2 e 3
e 3 e 4, momentaneamente, encarregando-se o baixo da resposta. O movimento exige do
polegar quatro ataques consecutivos que culminam em um ff marcato.
Figura 5: Toques consecutivos de polegar no Estudo I de Brouwer (compassos 9-11 e 14-16).
30
Os compassos subseqüentes seguem a fórmula inicial do estudo, com baixo cantante,
toques alternados e consecutivos do polegar e muitos contrastes dinâmicos.
A solução empregada por Brouwer para desenvolver a demanda técnica é propiciar a
execução de um baixo cantante que exige diferentes toques do polegar através da melodia,
ritmo e dinâmica propostos.
2.1.2 Acordes de Três ou Quatro Sons, com ou sem separação de dedos, para sons
legatos ou sons stacatos
Tocar acordes de três ou mais sons no violão envolve uma série de dedilhados e
toques diferenciados de mão direita. Quando o acorde é formado por notas em cordas
contíguas, há dificuldade natural na obtenção de um som homogêneo, dadas as diferenças de
tamanho dos dedos da mão e a diferença tímbrica entre as cordas. Torna-se indispensável
minimizar esta diferença, observando uma curvatura dos dedos e um ângulo de ataque que
propiciem o equilíbrio de som ao ser ferido o acorde. Os dedos i, m e a, segundo Carlevaro,
“...atuam como um só bloco, unidos (sem necessidade de esforço) por um leve contato lateral,
em correspondência com a mínima separação entre as cordas”, ação denominada por ele de
unidade por contato (1978, p. 74).
Outra dificuldade mecânica neste aspecto específico de demanda técnica é a separação
dos dedos imediatos. Em muitas situações, a formação dos acordes exige o afastamento dos
dedos i, m ou m, a, que devem articular simultaneamente cordas separadas e atacar todas as
notas deste acorde com a mesma unidade de som que se obtém ao tocar acordes formados por
cordas contíguas. Carlevaro (1978) chama atenção para o fato de que os dedos, neste caso,
31
não devem atuar isoladamente, mas sim com toda a mão, ação que denomina de unidade por
contração muscular.
Quando a música solicita o destaque de alguma nota do acorde, é necessário colocar o
dedo que desempenha esta função em um ângulo de ataque à frente dos outros, possibilitando,
desta maneira, uma sonoridade mais robusta com este dedo e alcançando assim a projeção da
voz por ele conduzida.
Uma outra situação de difícil controle, envolvendo os acordes de mais de quatro sons,
é o toque de polegar em mais de uma corda, que também deve soar como um ataque
simultâneo, não arpejado, das duas notas feridas pelo dedo p, com as notas restantes do
acorde, que são feridas por i, m ou a, em que também se torna necessário trabalhar com toda a
mão e não somente com a ação dos dedos isolados.
Os acordes de três ou mais sons podem ser tocados por um ou mais dedos, de forma
arpejada, sendo feito um movimento rápido do polegar, da primeira até a ultima nota do
acorde, procurando dar uma sensação de toque quase simultâneo de todas as notas, ou pode
ser realizado arpejando-se p, i, m, a de maneira rápida e leve.
Os sons legatos em acordes de três ou quatro sons são obtidos pela conjunção de dois
fatores: não afrouxar os dedos da mão esquerda, mantendo-os fixos nas notas do acorde, e não
apagar as cordas com a mão direita, respeitando o valor das figuras antes de atacar o novo
acorde. Os sons stacatos são realizados abafando-se as cordas feridas com os mesmos dedos
que atacaram o acorde ou soltando-se os dedos da mão esquerda. Neste caso, é preciso ter
cuidado de não produzir um ligado descendente com a corda solta.
32
2.1.2.1 O emprego dos Acordes de Três e Quatro Sons no Estudo op. 31, lição XX de Sor
Pela análise das partituras da edição facsimilar dos estudos de Sor, percebe-se a
transformação ocorrida na maneira de ele registrar suas intenções técnicas e musicais. Desde a
publicação dos estudos do op. 29, começam a aparecer, no cabeçalho das partituras, algumas
recomendações e, a partir dos estudos do op. 31, passam a ser indicadas, cada vez com maior
freqüência e detalhes, as digitações de mão esquerda. Para Tanenbaum, a mudança de atitude
de Sor “pode muito bem ter sido a sua reação à maneira equivocada como os alunos
aprenderam os primeiros estudos” (1991, p.26). A análise destas digitações revela o
pensamento de Sor sobre a melhor maneira de dedilhar condução de vozes, de terças e sextas
e de como realizar as mudanças de posição; suas concepções sobre timbres e até mesmo sobre
a atuação da mão direita que, desprovida de qualquer tipo de indicação, provavelmente pelo
fato de, em Sor, utilizarem-se os mesmos números para identificar os dedos das duas mãos.
As digitações de mão esquerda, muitas vezes, dão a entender as opções para o dedilhado de
mão direita. Na Lição XX, Sor coloca na partitura o dedilhado de mão esquerda e a seguinte
recomendação: “esta lição talvez possa ser tocada mais lenta do que o movimento indicado,
mas, tendo como objetivo adquirir domínio dos acordes é útil apressar o movimento à medida
que se toque com mais facilidade”(1977, p.34).
O Estudo, na tonalidade de lá menor, é estruturado por um encadeamento de acordes,
sucedidos geralmente por pausa, fato que, associado ao andamento proposto – andante allegro
– sugere uma execução de caráter rítmico e com as articulações dos acordes em staccato. Na
opinião de Tanenbaum, “ao longo do ‘Estudo 9’ o ritmo é quase estático e não existe
contraponto, portanto a condução de vozes de acorde para acorde tem extrema importância”
(1991, p. 26). Os acordes, em sua maioria, são de três sons, porém há diversas passagens com
acordes de até quatro notas. Tanenbaum (1991) comenta que, neste caso, Sor necessariamente
deve ter empregado o dedo anular, o qual quase não utilizava, mas que aqui se torna
33
absolutamente indispensável, por ser impossível articular simultaneamente, com o polegar,
duas notas em cordas tão distantes, como a sexta e terceira cordas, por exemplo.
A maior dificuldade técnica enfrentada por quem executa este estudo é realizar o
abafamento de todas as notas dos acordes. Para Tanenbaum “as situações mais difíceis de
abafamento ocorrem
quando a mão direita é necessária para tocar, abafar e pular para outras
cordas” (1991, p. 27). A este respeito torna-se importante lembrar que, em seu Méthode pour
La Guitarre, Sor salientou que “para abafar os sons eu jamais emprego a mão direita [...] para
os sons stacatos eu também não emprego a mão direita” (1830). Estas afirmativas
demonstram que a concepção de Sor para a produção de sons abafados e stacatos é
completamente oposta à visão que se tem hoje sobre a maneira de executar sons abafados e
stacatos produzidos, na maioria das vezes, pela mão direita, razão para a classificação da
demanda técnica deste estudo. Carlevaro recomenda, para apagar os sons dos acordes da lição
XX, o uso dos apagadores diretos, que define como sendo “a ação em que o mesmo dedo que
atacou a corda apaga o som” (1979, p.110). Na opinião de Tanenbaum, neste estudo “sua mão
direita é a principal responsável pelo abafamento. Ela deve executar o abafamento fazendo
batidas staccato, quase inteiramente com a segunda falange dos dedos, após o que eles se
movem rapidamente de volta às cordas em uma ação de posicionamento” (1991, p. 26).
O dedilhado de mão direita utilizado por Sor na Lição XX pode ser deduzido
interpretando-se suas considerações sobre o emprego e a digitação de mão direita, quando diz:
não empregarei ordinariamente mais que três dedos [...] empregarei o quarto dedo somente
para fazer um acorde a quatro partes” (1830, p. 14). E complementa, “se a melodia é dupla e
em sextas, afasto um pouco meu segundo dedo do primeiro, subo um pouco a mão (não pela
contração do punho, mas inclinando um pouco o cotovelo), e meu primeiro e segundo dedos
se encontram cada um com sua respectiva corda” (1830, p. 54). Através de exemplos
34
extraídos da análise da partitura, torna-se claro o dedilhado que Sor utiliza para mão direita
durante todo o estudo
.
Nos primeiros compassos da Lição XX, o dedilhado de mão direita exige p, i, m, para
os dois acordes da anacruse e para os dois primeiros acordes do compasso 1. Os dedos i e m
atacam sempre as cordas 1 e 2 (Figura 6 [a]). Nos dois últimos acordes do compasso 1, no
primeiro acorde e nas sextas paralelas do compasso 2, emprega-se o afastamento dos dedos i e
m, que, para tocar os intervalos de sexta, ferem as cordas 1 e 3 (Figura 6 [b]). Este é o
dedilhado utilizado para os acordes de três sons e para as terças e sextas paralelas ao longo de
todo o estudo.
Figura 6: Dedilhado dos acordes de três sons, com dedos i, m usando cordas 2 e 1[a] e dedos i, m
ferindo cordas 3 e 1 [b], no Estudo op. 31 lição XX de Sor (compassos 1 e 2).
Os acordes de quatro sons aparecem pela primeira vez nos compassos 4 e 5, para ferir
a primeira corda é usado o dedo anular (Figura 7 [a]). No início do compasso 5, há um salto
da primeira para a quinta posição. A maior dificuldade técnica desta passagem é tocar, abafar
o acorde de lá menor com a mão direita e saltar logo a seguir para articular as sextas mi–dó
(Figura 7 [b]).
35
Figura 7: Dedilhado dos Acordes de Quatro Sons com emprego do dedo anular [a], e salto da primeira
para a quinta posição [b], no Estudo op. 31 lição XX de Sor (compassos 4 e 5).
Outra seqüência de acordes de quatro sons acontece nos compassos 7 a 9. A maior
seqüência ininterrupta de acordes de quatro sons ocorre da segunda metade do compasso 13
até o primeiro tempo do compasso 16, o que exige do executante bastante sincronia entre as
mãos direita e esquerda para atacar precisamente as cordas, abafar e pular para o novo acorde,
sem perder o pulso. Nesta seqüência de acordes, ocorre o deslocamento dos dedos i, m, a das
cordas 3, 2, 1 para as cordas 4, 3, 2 (Figura 8), nos quatro últimos acordes do encadeamento.
Figura 8: Acordes de Quatro Sons, com deslocamento dos dedos i, m e a das cordas 3, 2 e 1
para as cordas 4, 3, 2 no Estudo op. 31 lição XX de Sor (compassos 13-16).
Ao observar estes exemplos, levando-se em conta as recomendações escritas na
partitura, identifica-se que a maior preocupação de Sor, neste estudo, é tornar claro ao
estudante o dedilhado que usa para a mão esquerda, talvez por considerar que a demanda
técnica de mão direita não apresenta tantas dificuldades. Este detalhe é curioso, pois quando
um violonista se depara com execução de acordes, preocupa-se muito com a atuação da mão
direita, seja com o ataque simultâneo e o som devidamente equilibrado de todas as notas, seja
em como dar destaque às notas de melodia. Na Lição XX, as dificuldades para a mão direita
36
são redobradas, pois as pausas exigem o imediato abafar de todas as notas. É difícil conceber
a execução destas pausas sem o uso da mão direita para apagar as notas. A mão esquerda
eventualmente participa da ação, mas a mão direita é a principal responsável por ela.
Evidencia-se assim o enorme antagonismo existente entre as concepções do século XIX sobre
este aspecto específico de demanda técnica e como elas evoluíram no século XX.
2.1.2.2 O emprego dos Acordes de Três Sons no Estudo XV de Brouwer
O aspecto específico de demanda técnica é indicado na partitura ‘Para os Acordes de
Três Sons’. A indicação da dança barroca Sarabande, para o Estudo, subentende um
andamento lento e demonstra a intenção de Brouwer de estimular o trabalho com acordes de
três sons em legato. Tanenbaum salienta que as sarabandas são danças lentas, que acentuam o
segundo tempo, acrescentando que “o ritmo que se ouve no compasso 1 do Estudo 15 é um
ritmo típico de Sarabanda” (1992, p. 26). Segundo o mesmo autor, “Brouwer escreveu uma
espécie de sarabanda-rondó, com repetições e ampliações que rompem a simetria de
compassos usual desta dança” (1992).
Os primeiros dez compassos expõem o tema do estudo e envolvem vários acordes de
três sons que podem ser executados com ou sem separação de dedos. Brouwer não especifica
o dedilhado de mão direita deixando ao intérprete liberdade de escolha. No compasso 1, a
digitação de mão direita não envolve a separação de dedos, usa p, i, a para articular os dois
acordes iniciais e p, m, a para a digitação do último acorde (Figura 9 [a]). Esta escolha
determina o emprego do dedo p para a sexta e quinta cordas, dedo i para a quarta, m para a
terceira, a para a segunda corda. O dedilhado do último tempo do compasso 2, por lógica,
deve ser p, m. No compasso 3, o segundo acorde exige o deslocamento dos dedos i e a para a
37
terceira e primeira cordas; toca-se o terceiro acorde com os dedos p, i, m; retoma-se os dedos i
e a, para a quarta e segunda cordas, nos dois acordes repetidos do compasso 4 (Figura 9 [b]).
Figura 9: Dedilhado de mão direita usando cordas 6 e 5 para dedo p, 4, 3 e 2 para i,m,a [a]; deslocamento de
dedos i,m, a para as cordas 3, 2 e 1[b] no Estudo XV de Brouwer (compassos 1-4).
No compasso 7, a indicação do número de corda determina que o terceiro acorde tenha
o mesmo dedilhado de mão direita do segundo acorde, pois deve ser ferido o si da terceira
corda. Isto faz com que os dois acordes sejam tocados com os dedos p, i, a, na quinta, terceira
e primeira cordas, respectivamente (Figura 10).
Figura 10: Digitação de corda determinando o dedilhado
de mão direita no Estudo XV de Brouwer (compasso 7).
Nos dez compassos iniciais, a melodia da voz superior deve ser levemente destacada,
já que esta melodia é retomada nas outras seções do estudo. Este tipo de destaque, segundo
Carlevaro (1979), deve ser executado colocando-se o dedo que conduz a melodia do acorde
em um ângulo de ataque um pouco mais à frente dos outros dedos. Nesta primeira seção, os
dedos que conduzem a melodia são a e m.
38
Do compasso 14 ao 21, a melodia da voz superior da primeira seção desce para o
baixo, o destaque do canto é realizado pelo dedo p. Do compasso 14 ao 17, os acordes de três
sons são tocados usando-se o dedo p para a sexta, quinta e quarta cordas e os dedos i, m, a
para a terceira, segunda e primeira cordas (Figura 11).
Figura 11: Dedilhado de mão direita com destaque para o dedo p, no Estudo XV
de Brouwer (compassos 14-17).
Do compasso 22 ao 31, é repetido o tema da primeira seção, única diferença é a
dinâmica, que era mf nos dez compassos iniciais e agora tem sugestão de mp e p do compasso
22 ao 25 e f, com sinal de acento, 15d93999ea1 15d939999e Tc0eo
39
Do compasso 40 ao 54, o andamento é mais movido e há a indicação de caráter
‘lírico’. Os acordes simultâneos utilizam a quarta, a terceira e a segunda cordas, com o
dedilhado p, i, m. Brouwer sugere o dedilhado para mão direita nos compassos 46 e 47, com
dedo m para o ré colcheia na segunda corda e dedo i para o si, mínima pontuada também na
segunda corda, provavelmente com a intenção de não repetir dedos na mesma corda (o que
40
dos sons e permitir que soem de modo legato. Os ataques dos acordes devem soar de forma
absolutamente simultânea, como um só bloco sonoro. As diferenças de dinâmica e de
acentuação de vozes sugeridas dão a entender que Brouwer aproveita a oportunidade para
estimular a busca por diferentes toques de mão direita na execução de acordes de três sons.
2.1.3 Execução de Arpejos
Arpejo, do italiano arpeggio
6
, é uma sucessão de notas de um acorde que soam em
seqüência, “à maneira de harpa”. A execução de acordes arpejados acompanha o
desenvolvimento do violonista desde as primeiras lições no instrumento, quando são
propostos exercícios de notas sucessivas com diferentes combinações de dedilhado em cordas
soltas. Os arpejos podem ser ascendentes ou descendentes em acordes de três ou mais sons.
São inúmeras as possibilidades de combinação de dedilhados a serem propostas, podendo
exigir ação simultânea entre os dedos i, m ou a ou com o polegar. O exercício tem maior
complexidade à medida que se torna necessário hierarquizar as notas dentro de um arpejo.
Estabelecer diferentes toques de mão direita, separando as notas que conduzem o desenho
melódico daquelas que realizam o acompanhamento harmônico e daquelas que conduzem o
baixo; desenvolver regularidade rítmica; adquirir um toque equilibrado entre todos os dedos,
são os problemas técnicos que precisarão ser trabalhados sistematicamente pelo
instrumentista, para que o resultado musical esperado seja obtido.
Os arpejos estão presentes em grande parte das obras da literatura do violão,
41
2.1.3.1 Execução de Arpejos no Estudo op. 6 n° 11 de Sor
Analisar a demanda técnica do Estudo op. 6 n° 11 de Sor parece uma tarefa simples,
por tratar-se de um estudo de arpejos com linguagem tonal e por ser a prática de arpejos uma
das formas mais exploradas de trabalho técnico no
instrumento. Todavia a tarefa torna-se bem
mais complexa ao analisar-se a maneira como Sor emprega os dedos da mão direita, numa
concepção totalmente oposta à visão da técnica moderna. Em seu método, Sor explica ter
estabelecido “como regra geral não empregar ordinariamente mais que três dedos e
conseqüentemente tenho a mão a uma altura que mantém o polegar em condição de percorrer
quatro cordas e os outros dois dedos frente a frente com as outras duas cordas” (1830, p.28).
Pode-se ter uma idéia da dificuldade que enfrentaria um violonista de hoje, caso
optasse por tocar o Estudo op. 6 n° 11 empregando o princípio de excluir o dedo anular para
condução das notas da melodia e utilizar toques consecutivos do dedo p. Apesar de não haver
nenhuma indicação de Sor na partitura para o dedilhado nem de mão direita nem de mão
esquerda, suas palavras indicam que o arpejo era praticado saltando-se o polegar em
diferentes cordas e empregando os dedos i e m fixos na segunda e na primeira cordas. Para
Tanenbaum “o ´Estudo 17` é longo e apresenta arpejos ascendentes – o tipo mais difícil. Para
Sor, este era um estudo difícil para a mão direita. Ele teria tocado as duas primeiras notas do
baixo com toques rápidos e sucessivos de p, pulando sobre uma e, às vezes, duas cordas”
(1991, p. 52). Em suas explicações sobre o emprego dos dedos da mão direita, Sor (1830)
salienta que, caso a melodia passasse para uma nota mais grave do que a primeira corda,
adotava o primeiro dedo para a terceira corda e o segundo dedo para a segunda corda.
42
Pela análise de alguns compassos do Estudo, observa-se como é o dedilhado de mão
direita, segundo a teoria de Sor. Nos dois primeiros compassos, o dedilhado exige toques
sucessivos de polegar da sexta para a quarta corda, dedo i para o sol da terceira corda e dedo
m para o si da segunda corda, a nota que conduz a melodia (Figura 14 [a]). O dedo m salta
para o mi da primeira corda e articula a melodia nas primeiras notas das quiálteras (Figura 14
[b]). O dedo i mantém-se na terceira corda e o polegar na quarta. Há um toque simultâneo de
p e m no início do compasso 2
7
, o p pula para a quarta corda e novamente o m desloca-se da
primeira para a segunda corda (Figura 14 [c]).
Figura 14: Arpejo com dedos p, i, m e salto de p[a], salto de m [b] e salto de p e m [c]
no Estudo op. 6 n° 11 de Sor (compassos 1 e 2).
No compasso 4 (Figura 15 [a]), Sor provavelmente usou o dedo p para o baixo na
sexta corda e o m para as duas notas de melodia (sol e fá#); um toque sucessivo de polegar
para as duas primeiras notas do arpejo; o dedo i na terceira corda, para as notas de
acompanhamento, e o dedo m na segunda corda, pois é estranho imaginar que o polegar
possa saltar sucessivamente da sexta para a quarta e a terceira cordas na velocidade deste
arpejo - o andamento do Estudo é Allegro Moderato – o que deixaria inadequadamente
destacado em dinâmica o acompanhamento. No compasso 5, supõe-se que Sor empregou o
afastamento dos dedos i e m (Figura 15 [b]), ao invés de toques sucessivos de polegar no
acompanhamento, dedilhado que tornaria o arpejo irregular.
7
As duas colcheias do primeiro tempo são mi e sol, e não sol e si, como está na partitura de Sor.
43
Figura 15: Toques de dedos p e m [a]; i e m [b], no Estudo op. 6 n° 11 de Sor (compasso 4).
Nos compassos 9 e 10, a prática de fixar o i e o m na segunda e primeira cordas, com
uso de toques sucessivos de p, certamente foi o dedilhado empregado por Sor (Figura 16).
Figura 16: Dedilhado do arpejo com toques sucessivos de p em diferentes cordas, dedos i e m fixos na segunda e
primeira cordas, no Estudo op. 6 n° 11 de Sor (compassos 9 e 10).
Na segunda parte do Estudo (trecho em Mi maior), no compasso 61 (Figura 17 [a]), há
um dedilhado curioso no arpejo: o polegar desloca-se da quinta para a terceira corda no início
do compasso e o dedo i fere a segunda corda; o dedo m ataca o mi da primeira corda. No
terceiro tempo do compasso, o dedo m salta para a segunda corda, que conduz a melodia, o
que provoca uma mudança dos dedos i e m na mesma corda. O dedo i muda para a terceira
corda. No compasso 62, o arpejo mantém o polegar na quinta e na quarta cordas e os dedos i e
m na terceira e na segunda cordas (Figura 17 [b]).
44
Figura 17: Mudanças de dedos i e m na mesma corda dentro do arpejo [a], e dedilhado
p,i,m nas cordas 5, 4, 3 e 2 [b], no Estudo op. 6 n° 11 de Sor (compassos 61 e 62).
Percebe-se, através da análise, que Sor busca desenvolver, neste estudo, um arpejo
regular, que permita ao violonista a prática de toques diferenciados dos dedos, solicitados
pelas diferentes funções das notas dentro do arpejo. O polegar, por exemplo, encarrega-se de
algumas notas com função de baixo e de outras com função de acompanhamento harmônico.
O mesmo acontece com o dedo m, que tem, na maior parte das vezes, a condução da melodia
e, em alguns momentos, encarrega-se do acompanhamento. A dificuldade maior, entretanto,
concentra-se em manter a regularidade do arpejo, agravada pelos deslocamentos sucessivos
do polegar, que salta tanto para a corda imediata, quanto para cordas distantes.
2.1.3.2 A execução de Arpejos no Estudo VI de Brouwer
No Estudo VI, o único aspecto específico de demanda técnica enfocado é a prática dos
arpejos. O movimento dos arpejos é constante em todo o Estudo, modifica-se apenas a
estrutura rítmica do trecho final, de compasso ternário simples para binário simples, o que,
conseqüentemente, altera as acentuações dos arpejos. Os acordes arpejados misturam
dissonâncias e consonâncias e são sempre descendentes. Os arpejos repetidos a cada
compasso lembram o Estudo n° 1 de Villa-Lobos. Estas repetições podem sugerir ao
intérprete alguma variação de timbre. Através de alguns exemplos extraídos do Estudo,
observa-se como Brouwer explorou esta demanda técnica.
45
Nos doze primeiros compassos o lá da quinta corda é o pedal dos acordes dissonantes,
que se alteram e mantém sempre o mesmo dedilhado descendente de mão direita (Figura 18
[a]). Um movimento, diatônico no início e cromático do compasso 4 até o compasso 9, é
percebido, de dois em dois compassos, sempre no segundo toque do polegar, na última
semicolcheia do segundo tempo (Figura 18 [b]). Os toques de polegar nos contra-tempos
exigem especial atenção do violonista, para que as nota feridas pelo dedo p não soem
acentuadas. O ataque do dedo a, no segundo e terceiro grupo de semicolcheias, não deve ser
encoberto pelo ataque anterior de polegar.
Figura 18: Dedilhado dos arpejos [a] e movimento diatônico e cromático com dedo p [b]
nos acordes do Estudo VI de Brouwer (compassos 1,4,5,7 e 9).
Do compasso 13 ao 22, o movimento cromático é realizado pelo baixo. O dedilhado
do arpejo é o mesmo, alterando-se apenas o toque do polegar, que salta da sexta para a quarta
corda. A partir do compasso 23, o Estudo muda de compasso ternário para binário e o
dedilhado do arpejo não apresenta mais o toque repetido de polegar que ocorria anteriormente
46
nas mudanças de compasso. Neste trecho, o arpejo passa a exigir a acentuação do polegar
(Figura 19).
Figura 19: Dedilhado do arpejo com dedo p acentuado no trecho binário
do Estudo VI de Brouwer (compassos 23 e 24).
Brouwer mantém, no Estudo VI, o seu princípio de enfocar um único aspecto de
demanda técnica de cada vez, exercita arpejos sem maiores dificuldades para a mão esquerda
e assim concentra toda a atenção do aluno na regularidade, limpeza e equilíbrio de execução
do arpejo. As diferentes acentuações do dedilhado nas partes I e II do Estudo exigem cuidados
específicos de toque de mão direita e exercitam especialmente um toque mais leve de polegar.
Por sugerir um movimento rápido para o arpejo, o Estudo torna-se difícil de ser executado,
pois os dedos da mão direita devem movimentar-se de forma independente, de modo a não
travar o fluxo do arpejo. No canto esquerdo da partitura, há uma sugestão de Brouwer para o
treinamento do Estudo com outra fórmula de dedilhado de mão direita, que, ao explorar o
arpejo na forma ascendente e descendente - p,p,i,m,a,m,i,p,a,m,i,p –, estimula o estudante a
trabalhar diferentes fórmulas de dedilhados para os arpejos. Provavelmente em função da
linguagem utilizada na série de Vinte Estudos, este é o único que apresenta um arpejo
constante durante todo o tempo. Nos outros estudos, os eventuais arpejos não constituem a
demanda técnica predominante.
2.2 DEMANDAS TÉCNICAS DE MÃO ESQUERDA
Analisados os seis Estudos de Sor e Brouwer que contém os aspectos específicos das
demandas técnicas do Grupo I como sua única demanda ou como demanda predominante,
igual processo é desenvolvido nos Estudos que enfocam os três aspectos específicos do Grupo
47
II (demanda técnica recorrente de mão esquerda): posições fixas, ligados ascendentes e
descendentes e o emprego da meia pestana. Observa-se como os compositores empregaram
cada aspecto específico nos Estudos. Analisa-se primeiro Sor, depois Brouwer, com o
objetivo de facilitar a identificação das mudanças ou transformações ocorridas
seqüencialmente na técnica. Antecede as análises uma explicação teórica sobre cada aspecto
específico. Nesta etapa, revela-se como os compositores enfocaram cada aspecto e quais as
soluções encontradas para resolver as dificuldades propostas.
2.2.1 Posições Fixas
Um aspecto específico de demanda técnica que exige total controle da motricidade e
da independência dos dedos da mão esquerda é a utilização das posições fixas. A julgar-se
pela dificuldade natural de qualquer pessoa movimentar alguns dedos da mão, mantendo
presos a uma superfície um ou mais dos outros dedos, obtém-se uma idéia do entrave
mecânico sentido pelos estudantes do instrumento em seus primeiros desafios nesta demanda
técnica.
Há inúmeros exercícios que enfocam o controle do movimento de dedos, mantendo-se
um ou mais dedos fixos. Carlevaro (1969) recomenda exercícios com dedos fixos na terceira
corda. Pede, inicialmente, a fixação do dedo 1 no sol# e um movimento cromático e
descendente dos dedos 4, 3, 2 nas outras cordas. No exercício seguinte, fixa o dedo 2 no lá,
movimentando descendentemente os dedos 4, 3, 1; o mesmo tipo de trabalho é desenvolvido
com dedo 3 e depois com dedo 4 fixos. Logo que o estudante sente que domina o movimento
dos dedos, mantendo um deles fixo, passa a fixar dois dedos, enquanto outros dois
movimentam-se. O exercício é repetido com todas as combinações possíveis. O violonista
48
Tennant (1995, p. 15) sugere que sejam praticados exercícios com três dedos fixos, enquanto
apenas um se movimenta.
As posições fixas também são facilitadoras das distensões e contrações dos dedos. Nas
distensões, enquanto algum dedo fica fixo, outro se desloca uma ou mais casas ascendentes ou
descendentes. Nas contrações, os dedos que se movimentam vêm ao encontro dos que estão
fixos. Nestes dois casos, o dedo fixo serve como eixo dos que se movimentam. Estes
deslocamentos podem ser também transversais aos dedos fixos. É possível estar com o dedo 2
fixo na nota sol da sexta corda e distender o dedo 1 para o fá da primeira corda. Procede-se,
49
notas isoladas e contraponto” (1991, p. 60). As passagens contrapontísticas
favorecem
a
predominância das posições fixas e dos dedos eixo que possibilitam as mudanças de
apresentação da mão esquerda.
A presença das posições fixas é constada logo que se executa a primeira parte do
Estudo, pois, do compasso 13 ao compasso 30, todas as passagens fazem uso delas. Pela
análise da digitação de alguns trechos da primeira parte do Estudo, observa-se como Sor
explorou este aspecto específico.
Do compasso 13 ao compasso 15, a condução das duas vozes exige, eventualmente,
algum dedo fixo, enquanto os outros se movimentam. No compasso 13, a voz superior em
colcheias, num movimento escalar ascendente, pede dedos fixos no lá da terceira corda e no
dó# da segunda corda (Figura 20 [a]), enquanto a voz inferior, em contraponto, movimenta-se
com semicolcheias. No compasso 14, a posição fixa é na voz inferior, com o dedo 3 fixo no fá
da quarta corda, colcheia duplamente pontuada, enquanto a voz superior movimenta-se em
contraponto de semicolcheias pontuadas e fusas (Figura 20 [b]). No compasso 15, o lá
colcheia na terceira corda tem dedo 1 fixo, enquanto a voz superior realiza o trinado (Figura
20 [c]).
Figura 20: Dedos fixos na voz superior, lá e dó# [a], dedo fixo na voz inferior, fá# colcheia
com duplo ponto [b] e dedo 1 fixo no lá colcheia da corda 3 [c],
no Estudo 0p. 29 nº 17 de Sor (compassos 13-15).
50
Da anacruse do compasso 16 ao início do compasso 24, o dó da quinta corda é
utilizado como pedal dos acordes. O dedo 3 mantém-se fixo durante toda a passagem,
enquanto os dedos 2, 3 e 4 movimentam-se em torno dele. Nos compassos 16 e 17, o dedo 3
fica fixo no dó, enquanto o dedo 2 desloca-se, numa contração, do mi para o fá da quarta
corda e os dedos 1 e 4 se alternam, na segunda corda, entre as notas dó e ré (Figura 21 [a]). O
primeiro acorde do compasso 18 exige que os dedos 3 e 2 mantenham-se fixos,
respectivamente, no dó e no fá semínimas pontuadas, enquanto o ré e o lá colcheias são
tocados com dedos 4 e 2 (Figura 21 [b]). No último acorde do compasso 18, o dedo 3
mantém-se fixo no dó, há um translado por substituição do dedo 2 para o dedo 4, no fá da
quarta corda, e o sol é tocado em corda solta. Este acorde é resolvido no primeiro acorde do
compasso 19, dó maior, com o dedo 3 que se manteve fixo no dó da quinta corda e as notas
mi e dó com dedos 2 e 1, respectivamente.(Figura 21 [c]).
Figura 21: Uso de posições fixa e contração do dedo 2 [a], fixação de dois dedos [b] e dedo fixo e translado por
substituição de dedos [c}, no Estudo op. 29 n° 17 de Sor (compassos 16-19).
Do compasso 24 até o compasso 29, há uma seqüência, na voz inferior, de dois em
dois compassos, que propicia a utilização de dedos fixos. No compasso 24, fixa-se o dedo 1
no dó da segunda corda em primeira posição, enquanto o si semicolcheia é digitado com o
dedo 4, o lá e o sol colcheias usam dedo 2 e corda solta, todos na terceira corda (Figura 22
[a]). No compasso 25, salta-se para a terceira posição, mantém-se fixos todos os dedos do
acorde de sétima, até a metade do compasso, para favorecer o canto na voz superior. Os dedos
1 e 3 mantém-se fixos até as primeiras colcheias do compasso 26, quando substitui-se o dedo
51
1 pelo dedo 2, no ré da segunda corda (Figura 22 [b]). No compasso 26, a seqüência da voz
inferior é digitada com os dedos 3 e 1, na corda 3, para o si e lá semicolcheias; nos dois
acordes seguintes usam-se dedos 4 e 3, para o sol e o si, e os dedos 3 e 4, para o fá# e o si,
enquanto o dedo 2 fixo serve como dedo eixo para as mudanças dos outros dedos. No início
do compasso 27, o dedo 4 fixo na nota si serve de dedo eixo para as mudanças dos dedos 2 e
3, para o mi da corda 4 e o sol da corda 1, respectivamente (Figura 22 [c]). Os dedos 1 e 4
mantém-se fixos até o início do compasso 28, quando somente o dedo 1 permanece fixo e os
outros três movimentam-se livremente pelas cordas 3 e 4 (Figura 22 [d]). No compasso 29, o
dedo 3, que já estava fixo no lá da terceira corda desde o compasso anterior, serve de eixo
para a mudança dos dedos 1 e 4, para o ré# da quarta corda e para o fá# da primeira corda,
permanecendo fixo até o final do compasso (Figura 22 [e]).
Figura 22: Dedo 1 fixo na corda 2 [a], dedos fixos no acorde [b], dedos eixos favorecendo as mudanças
de posição dos outros dedos [c]; dedo fixo com movimento livre dos outros dedos [d]);dedo eixo
favorecendo a mudança de dois dedos [e], no Estudo op. 29 n° 17 de Sor (compassos 24-29).
Outro exemplo de dedos fixos pode ser observado no compasso 33. No primeiro
tempo, o dedo 4 permanece fixo no dó# e os dedos 3 e 2 são utilizados para o mi da corda 3 e
o sol da corda 2. No segundo tempo, o dedo 2 fica fixo no dó natural, enquanto os dedos 1 e 4
digitam o fá# e o lá na corda 2 (Figura 23). Neste caso os dedos fixos exercem a função de
‘dedo-guia’, facilitando a colocação dos outros dedos sem alterar a apresentação da mão.
52
Figura 23: Dedos fixos que servem como dedo-guia, no estudo op. 29 n° 17 de Sor (compasso 33).
No compasso 41, o dedo 3 deve fixar-se no sol da sexta corda, enquanto as outras
vozes movimentam-se (Figura 24 [a]). No compasso 42, a terça da voz intermediária é
sustentada pelos dedos 2 e 1 fixos, enquanto a voz superior movimenta-se (Figura 24 [b]). O
fá# semínima da voz superior é mantido fixo, enquanto as semicolcheias da voz intermediária
movimentam-se em contraponto (Figura 24[c]).
Figura 24: Dedo 3 fixo [a], dedos 2 e 1 fixos [b], fá# fixo [c], no estudo op.29 n° 17 de Sor
(compassos 41 e 42).
Pela análise da digitação presumível de alguns trechos da primeira parte do Estudo,
constata-se que a utilização de posições fixas e dedos fixos é o aspecto específico
predominante de demanda técnica explorado por Sor no Estudo op. 29 n° 17. Observam-se
longos trechos em que o emprego dos dedos fixos é imprescindível. Sor utiliza com
freqüência as contrações de dedos na mesma casa do braço, por exemplo, tendo-se o dedo 3
fixo no dó da quinta corda, contrai-se o dedo 2 para o fá da quarta corda e, ao mesmo tempo,
o dedo 4 para o ré da segunda corda. O Estudo exercita a total independência dos dedos da
mão esquerda, empregando um ou mais dedos fixos, enquanto os outros movimentam-se. A
53
utilização de dedos que exercem a função de eixo para facilitar as mudanças de posição dos
dedos livres torna evidente a preocupação de Sor de proporcionar ao estudante
desenvolvimento e controle da motricidade dos dedos da mão esquerda.
2.2.1.2 A Utilização das Posições Fixas no Estudo XI de Brouwer
Na partitura do Estudo XI, encontra-se a recomendação de Brouwer: “Para os Ligados
e as Posições Fixas”. O Estudo está dividido em duas seções; a primeira de caráter rítmico,
tempo Allegretto, e a segunda de caráter lírico, Legato ma in tempo, com a indicação todas las
notas tenidas. Na opinião de Tanenbaum “a seção intermediária, Legato ma in tempo, é uma
[referência] explicitamente folk dentro de uma peça ‘clássica’ ”(1992, p.21). O Estudo tem
uma linguagem tonal que se diferencia da linguagem utilizada nas duas primeiras séries de
estudos, compostas vinte anos antes. Tanenbaum salienta que “o estilo muda, o que é
marcadamente claro na seção B deste estudo” (1992). O contraste provocado pela mudança de
caráter, da primeira para a segunda seção, produz um agradável efeito, provavelmente
causado pela sensação tonal, pelo ritmo sincopado do início da segunda seção e pela
impressão que o movimento tornou-se mais lento do que na primeira parte do estudo.
As posições fixas estão presentes já nos dois compassos iniciais (Figura 25), em que o
dedilhado de mão esquerda indica os dedos 3 e 4 fixos na quinta e quarta cordas (dó# e fá#), e
os ligados descendentes são articulados pelos dedos 1 (lá, sol) e 2 (si, ré). Brouwer especifica
também o dedilhado de mão direita, sugere sempre o mesmo arpejo p,i,m para o desenho
rítmico – semicolcheia, semicolcheia, colcheia – em movimento ascendente e ressalta o
mesmo tipo de articulação para a passagem.
54
Figura 25: Utilização de posições fixas no Estudo XI de Brouwer (compassos 1 e 2).
No compasso 3, a posição fixa dos dedos 2, 3, 1 permanece só até metade do
compasso, quando há um glissando - que substitui um ligado - executado pelo dedo 1, do sol
para o lá da primeira corda, colocado com a intenção de promover a mudança da terceira para
a quinta posição, utilizando-se o dedo 1 como guia (Figura 26 [a]). Esta ação é repetida no
final do compasso 3 e no início do compasso 4, com outro glissando feito pelo dedo 1, do dó
para o ré, na corda 3, cambiando para a sétima posição (Figura 26 [b]).
Figura 26: Glissando da III para a V posição [a] e da V para a VII posição [b],
no Estudo XI de Brouwer (compassos 3 e 4).
No compasso 10, a mudança de posição é feita pelos dedos 1, 3, 4, deslizando-os sobre
as mesmas cordas em que estavam, sem produzir efeito sonoro, da posição I para a IV (Figura
27 [a]). Observa-se, no final deste compasso, a realização do ligado descendente na terceira
corda, do ré b para o dó, com os dedos 4 e 2, enquanto os dedos 1 e 3 se mantém em posição
fixa. (Figura 27 [b]).
Figura 27: Mudança de posição simultânea de três dedos [a] e ligado descendente dedos 4 e 2,
com posição fixa dedos 1 e 3 [b] no Estudo XI de Brouwer (compasso 10).
55
No início da segunda seção (compasso 13), é possível sustentar o som do acorde de
Sol maior ao manterem-se os dedos 3 e 4 fixos na sexta e primeira cordas e articular-se
livremente as cordas soltas 4 e 2 (Figura 28 [a]). No compasso 14, um acorde de dó maior
invertido acrescenta a fixação dos dedos 2 e 1, no mi e no dó, mantendo-se fixo o dedo 3 no
sol colcheia da sexta corda (Figura 28 [b]).
Figura 28: Dedos fixos no acorde de sol maior [a] e dó maior invertido [b],
no Estudo XI de Brouwer (compassos 13 e 14).
Nos três compassos finais do Estudo, há efeitos de sustentação de notas. Isto ocorre no
acorde arpejado de dó maior em segunda inversão (Figura 29 [a]), obtido pelos dedos fixos
que obedecem ao ligado de prolongamento de cada nota e nas notas sol e ré do último
compasso, causadas pela fixação do dedo 3 no sol da sexta corda - solicitada pela ligadura de
prolongamento – em consonância com o ré da quarta corda solta (Figura 29 [b]).
Figura 29: Efeito de sustentação provocado por ação de dedo fixo e corda solta no Estudo XI de
Brouwer (compassos 28 - 30).
Brouwer expõe os aspectos específicos de demanda técnica de maneira objetiva e
didática, ao apresentar gradualmente o exercício de dedos fixos associados à realização dos
sons ligados. Aproveita, nas mudanças de posição, a referência de um dedo guia ou de vários
dedos que mudam de posição simultaneamente, mantendo-se na mesma corda em que
estavam; a ação consiste em fixar-se visualmente os pontos para onde devem ser
56
transportados os dedos e proceder a mudança sem que os dedos se desprendam totalmente das
cordas. Outro elemento trabalhado no estudo é a sustentação dos sons, sugerida sempre ao
associar-se a utilização de dedos fixos com a articulação de cordas soltas, o que favorece a
obtenção do efeito.
2.2.2 Ligados Ascendentes e Descendentes
Produzir sons ligados no violão geralmente ocasiona ao estudante uma série de
embaraços técnicos, dadas as dificuldades mecânicas que a ação envolve. Para executar o som
ligado no violão, são necessários dois movimentos distintos: o toque de mão direita, para
articular o som da nota pulsada e o ataque com um dedo da mão esquerda (percutindo a nota
no movimento ascendente ou articulando a nota no movimento descendente), para produzir o
som da nota ligada. Obter um resultado sonoro satisfatório, no qual a nota ligada soe tão clara
quanto a nota pulsada, é um dos desafios enfrentados pelo violonista. Evitar que a nota
percutida soe stacato e não legato; observar a duração das figuras (muitas vezes o executante
encurta o valor da nota pulsada, na ansiedade de realizar o movimento de articulação do som
com a mão esquerda); observar a correta acentuação das figuras; evitar que a corda imediata
também seja articulada no movimento descendente são outros problemas inerentes a esse
aspecto específico de demanda técnica.
Na classificação do Caderno n°4, relativo à técnica de mão esquerda (Carlevaro, 1974),
as diferentes maneiras de produzir os sons ligados no violão são:
ligados simples ascendentes e suas combinações: dedos imediatos (1, 2; 2, 3; e 3, 4),
dedos alternados ( 1, 3; 2, 4 e 1, 4) e ligados de três e de quatro notas (em que só a primeira
nota é executada pela mão direita);
57
ligados simples descendentes e suas combinações: dedos imediatos (2, 1; 3, 2; 4, 3),
alternados (3, 1; 4, 2; 4, 1), de três e de quatro notas (onde só a primeira nota é executada pela
mão direita);
ligados mistos: a sucessão de três notas com ligados ascendentes e descendentes ou
descendentes e ascendentes, nas diferentes combinações de digitação: dedos imediatos e
alternados;
ligados contínuos com e sem utilização de pestana: articulação de mão direita da
primeira nota, seguida de uma série de notas ligadas, ascendentes e descendentes, produzidas
pela mão esquerda;
ligados duplos ascendentes: duas notas simultâneas, articuladas pela mão direita,
seguidas de outras duas notas, articuladas pela mão esquerda, nas diferentes combinações de
dedilhados;
ligados descendentes com corda solta: nota pulsada em corda presa, nota ligada em
corda solta.
Carlevaro não menciona ligados ascendentes com cordas soltas.
2.2.2.1 Ligados Ascendentes e Descendentes no Estudo op 6 n° 3 de Sor
O exame preliminar da partitura permite detectar que há dois enfoques básicos de
demanda técnica no Estudo op. 6 n° 3 de Sor: acordes de três ou quatro sons e ligados de três
notas. Evidencia-se a predominância da demanda técnica de mão esquerda, pois, neste caso,
executar os ligados exige maior esforço e envolve um mecanismo mais complexo do que o da
execução dos acordes. A precisão no ataque da primeira nota dos ligados, que são sempre
antecedidos por acordes localizados em posições distantes da primeira nota, e a limpeza de
som associada à leveza na articulação das três notas passam a ser a preocupação do
executante. A este respeito, Tanenbaum comenta: “apesar dos ligados serem o aspecto mais
58
difícil do Estudo, esta dificuldade não deve ser ouvida e os ligados devem ser mais leves que
os acordes em som e sentimento” (1991, p. 33). Este comentário reforça a idéia que a
demanda técnica deste Estudo exige muito esforço e persistência do violonista na busca de um
resultado musical satisfatório.
A harmonia segue o esquema tradicional da época: encadeamento de acordes na
tonalidade de Mi maior com modulação para Mi menor na primeira parte do Estudo,
retornando ao tom de Mi maior no início da segunda parte.
A estrutura rítmica mantém-se
constante praticamente todo o tempo e os ligados propostos são, na maior parte do estudo,
descendentes. Por alguns exemplos extraídos da análise da partitura, observa-se o tratamento
dado para a dificuldade técnica
Na anacruse e nos compassos 1 e 3, os acordes de tônica, dominante e sub dominante,
estão intercalados por pausa de colcheia e ligados descendentes de três sons na primeira
corda. A distância do acorde, para a primeira nota do ligado, não ultrapassa quatro casas
(Figura 30 [a]). Os ligados propostos, sol#, fá#, mi e lá, sol#, fá#, sugerem o dedilhado 3, 1, 0
e 4, 3, 1. A dificuldade maior é equilibrar o som na articulação entre as notas em corda presa e
a nota em corda solta. Nos compasso 2 e 4, os sons ligados determinam o dedilhado em
segunda corda, exigindo duplo cuidado na execução: não articular indevidamente a primeira
corda e equilibrar o som das notas ligadas (Figura 30 [b]).
Figura 30: Ligados descendentes na primeira corda [a] e na segunda corda [b]
no Estudo op. 6 n° 3 de Sor (compassos 1-4).
59
No compasso 6, aparece o primeiro salto: do acorde de Mi maior na primeira
posição, para a quarta posição, usando dedo 4 para a nota si da primeira corda e dedos 2 e
1 para as outras duas notas ligadas (Figura 31 [a] ). No compasso 10, a dificuldade está
no dedilhado do ligado descendente, que pede uma abertura de duas casas entre os dedos
2 e 1, do lá para o sol natural, em conseqüência da modulação no compasso 8 (Figura 31
[b]).
Figura 31: Mudança de posição que antecede os ligados [a] e o ligado descendente com abertura
de duas casas entre os dedos 2 e 1 [b] no Estudo op. 6 n° 3 de Sor (compassos 6 e 10).
Do compasso 13 ao 19, há uma série de ligados realizados em diferentes posições
(Figura 32). A pausa após os acordes facilita os saltos e a preparação da mão esquerda
para a execução dos ligados.
Figura 32: Ligados descendentes em diferentes posições no Estudo op 6 n° 3 de Sor
(compassos 13-19).
60
O
final do Estudo (compassos 36-39) propõe ligados descendentes em diferentes
cordas na primeira posição (Figura 33 [a]), que exigem um salto transversal da mão esquerda
da primeira para a quinta corda ou da primeira para a sexta corda. Nos compassos 38 e 39, a
terceira corda é ferida junto com a primeira nota dos ligados (Figura 33 [b]).
Figura 33: Ligados descendentes nas cordas 1, 5 e 6 [a] e toque simultâneo de cordas 1, 3 e 3, 6 [b]
no Estudo op. 6 n° 3 de Sor (compassos 36-39).
A análise mostra a intenção de Sor de associar o exercício dos ligados aos acordes
abafados e às mudanças de posição. Os ligados ascendentes só aparecem nos compassos 11 e
26, o que evidencia a preocupação do compositor de exercitar os ligados descendentes, que
são realmente os que provocam maiores embaraços técnicos aos intérpretes. Os ligados
descendentes são propostos em combinações que utilizam notas presas na mesma corda ou
notas presas na mesma corda e seguidas de corda solta para a última nota ligada, o que
dificulta o equilíbrio de som, já que a corda solta tende a soar mais forte. Há também a
dificuldade de executar os ligados nas cordas 2, 5 ou 6, causada pela proximidade com a
corda solta imediata, que pode vir a ser ferida acidentalmente. A pausa que segue os ligados
auxilia a resolução dessas passagens, pois, ao abafar a última nota dos ligados, diminui o risco
de a corda solta imediata soar indevidamente. As pausas que sucedem os acordes revelam a
solução encontrada por Sor para facilitar as mudanças de posição e dar tempo à mão esquerda
de se preparar para os ligados.
61
2.2.2.2 Os Ligados Ascendentes e Descendentes no Estudo IX de Brouwer
A análise de superfície da partitura imediatamente evidencia que os sons ligados
ascendentes e descendentes são o principal aspecto específico de demanda técnica enfocada
neste estudo. Tanenbaum emite a seguinte opinião sobre o Estudo IX:
Em aulas de História da Música é comumente ensinado que o ritmo é o
elemento composicional que foi emancipado no Século XX. Esta peça é um exemplo
de ritmo sendo tratado como elemento principal. Ligados ascendentes e
descendentes constituem o foco de técnica e estabelecem, finalmente, um diálogo
direto (1972, p.19).
Nos primeiros compassos, observa-se o uso dos ligados simples ascendentes, nas
diferentes combinações: dedos imediatos, alternados e com corda solta (Figura 34 [a]).
Destaca-se a presença da corda solta imediata, soando simultaneamente à nota pulsada pela
mão direita, o que exige cuidados especiais com os toques de mão direita e com o ataque
percutido do dedo da mão esquerda, para que se obtenha um som homogêneo, equilibrado e
limpo, tanto para as duas notas simultâneas, quanto para a nota ligada (Figura 34 [b]).
Figura 34: Ligados simples ascendentes em diferentes combinações [a] e com presença de corda solta
simultânea à nota que articula o som ligado [b] no Estudo IX de Brouwer (compassos 1 e 2).
Nos compassos 5 e 6, os ligados simples ascendentes são executados por dedos
imediatos e estão inseridos no arpejo (Figura 35 [a]), associados a um interessante
deslocamento de acentuação rítmica provocado pelo ligado colocado entre a última
semicolcheia do segundo tempo e a primeira semicolcheia do terceiro tempo (Figura 35 [b]).
62
Figura 35: Ligados simples ascendentes, dedos imediatos [a] e deslocamento de acentuação rítmica
provocado pelo ligado [b] no Estudo IX de Brouwer (compassos 5 e 6).
As primeiras notas dos ligados descendentes do compasso 7 são executadas
simultaneamente à corda solta imediata (Figura 36 [a]). Isto exige um forte impulso do dedo
que deve articular a nota ligada em direção contrária à corda solta imediata, para que não
ocorra o choque do dedo com a corda solta, apagando-a. Os ligados estão associados a
posições fixas, certamente com a intenção de exigir um exercício muscular mais intenso e
desenvolver a força dos dedos para a realização dos sons ligados (Figura 36 [b]). No
compasso 15, as duas notas simultâneas são executadas em cordas presas e a nota ligada é
uma corda solta (Figura 36 [c]).
Figura 36: Ligados descentes simultâneos a cordas soltas [a]; associados à posição fixa [b];
simultâneo à corda imediata presa [c] (compassos 7 e 15).
A análise da demanda técnica presente no Estudo torna clara a forma escolhida por
Brouwer para abordar os ligados ascendentes e descendentes. É perceptível sua preocupação
de colocar obstáculos que possam dificultar a articulação clara dos ligados, tais como o uso de
cordas soltas simultâneas ao ataque de mão direita e o uso de alguns dedos fixos, enquanto
63
outros encarregam-se das notas ligadas. Os dois obstáculos exigem uma cuidadosa articulação
dos dedos da mão esquerda. No primeiro caso, o dedo que efetua o ligado não pode repousar
ou bater na corda solta abaixo, que deve ficar soando. No segundo caso, os dedos que
produzem os ligados utilizam maior força muscular provocada pela ação dos dedos fixos que
também prendem o polegar.
2.2.3 O emprego da Pestana ou Meia-Pestana
A palavra ‘pestana’ no vocabulário do violão expressa a ação de pressionar com um
dedo da mão esquerda várias cordas simultaneamente sobre uma mesma casa do braço do
instrumento. Para Emílio Pujol, “este procedimento presta à técnica uma valiosa colaboração;
faz às vezes de um traste seccionável e móvel, que permite realizar e sustentar à maneira de
pedal certas passagens melódicas e harmônicas que de outra maneira seriam difíceis, senão
impossíveis, de executar” (1952, p. 36).
O emprego da pestana e da meia pestana na digitação das peças representa uma
dificuldade técnica a ser enfrentada pelos estudantes de violão. O domínio da força necessária
e a acomodação das falanges do dedo 1, na maioria dos casos, ou de outro dedo, em algumas
exceções, permitem que todas as cordas pressionadas soem com a mesma clareza. Elas são
facetas da técnica que exigem do violonista dedicação e persistência na busca da limpeza do
som. O emprego sucessivo de pestanas pode provocar dor e desconforto na mão esquerda,
principalmente no dedo polegar, resultando em fadiga muscular durante a execução. Por essa
razão, é preciso desenvolver resistência física através de exercícios que envolvam essa
demanda técnica, pois “a fadiga causada ao principiante pelo esforço continuado do dedo para
manter a pestana desaparece com a prática, à medida que se fortalecem os músculos que
intervém em sua ação.”(PUJOL, 1952, p. 38).
64
A pestana e a meia pestana são utilizadas também com a finalidade de desenvolver a
independência dos outros dedos. Ao manter o dedo 1 fixo em pestana, dificultam-se os
movimentos dos outros dedos, pois o polegar deve auxiliar o dedo1 a manter a pestana,
enquanto os dedos 2, 3 e 4 passam a trabalhar sem a ajuda direta do polegar e a empregar
outra força muscular .
2.2.3.1 O emprego da Meia Pestana no Estudo Op. 29 n° 22 de Sor
A opção do uso do tom de Mi b Maior no estudo Op. 29 n° 22 de Sor revela a intenção
do compositor de exercitar essa habilidade como recurso de digitação, pois, nesta tonalidade,
torna-se praticamente impossível ao violonista evitar o uso da pestana. O exame da partitura
mostra, desde os primeiros compassos, a exigência do emprego da meia pestana ou da pestana
inteira na maioria dos acordes, mesmo que procure-se outras opções de dedilhado. Para
melhor exemplificar, examinam-se, a seguir, as possibilidades de digitação mais evidentes dos
acordes da primeira parte do Estudo (Figura 37).
No compasso 1, acorde de fá menor, meia-pestana (três cordas) na casa 1 ou pestana
(cinco cordas) na casa 6. Acorde de mi bemol maior em segunda inversão, meia pestana na
casa 3 ou pestana inteira, também na casa 3, preparam o acorde seguinte, de sol menor, com
pestana inteira na mesma posição.
No compasso 2, acorde de lá bemol maior, com pestana inteira na casa 4; meia pestana
(de três cordas), na primeira posição, para o intervalo de sexta, lá-fá. No compasso 3, meia
pestana (três cordas) para o acorde de si bemol com sétima em primeira inversão, na casa 3,
mantendo fixa esta pestana para o acorde seguinte, mi bemol maior.
65
No compasso 4, o acorde de si bemol com sétima, dedilhado com pestana (de cinco
cordas) na primeira posição. Nos compassos 5, 6 e 7, a meia pestana aparece em acordes
intercalados.
Figura 37: Digitação com pestanas e meias pestanas no Estudo Op. 29 n° 22 de Sor (compassos 1 - 8).
Do compasso 9 ao 14, há necessidade da meia pestana fixa (de quatro cordas), na casa
1, com momentos de relaxamento dessa pestana nos finais das frases, através do uso da
terceira corda solta. Este recurso, provavelmente intencional, permite ao executante recuperar
a força muscular para a próxima seqüência de acordes em meia pestana (Figura 38 [a]). No
segundo tempo do compasso 14, é possível antecipar a pestana em terceira posição, na nota fá
da quarta corda, para preparar os acordes de sol menor e dó com sétima, do compasso 15
(Figura 38 [b]).
Figura 38: Relaxamento [a] e antecipação [b] de pestana e meia-pestana no Estudo Op 29 n° 22 de Sor
(compassos 11-15).
66
Outra seqüência de meias pestanas ocorre do final do compasso 20 até o início do 22.
A meia pestana inicia em terceira posição e vai ascendendo para as casas 4, 5 e 6. Do final do
compasso 22 até o primeiro acorde do compasso 24, há outra meia pestana fixa, agora na
quarta posição. Neste trecho, podem ser evitadas as pestanas no compasso 23, pelo uso da
meia pestana em primeira posição apenas para os acordes de mi bemol maior (compasso 22) e
si bemol maior (compasso 24).
Nos compassos 29, 30 e 31 (Figura 39), há mais uma seqüência de acordes, que exige
a meia pestana ou a pestana inteira, quase sempre em diferentes casas: fá sustenido menor
com quinta diminuta, casa 8; sol menor e ré com sétima, casa 5; mi bemol maior, casa 6; dó
maior, relaxamento de mão esquerda, com duas cordas soltas; lá diminuto, casa 4;
encadeamento de si bemol, mi bemol, si bemol, fá com sétima, todos com pestana na casa 1.
No último acorde deste trecho, o acorde de si bemol maior aparece sem pestana, com a quarta
corda solta, o que propicia o relaxamento da mão esquerda após a seqüência de pestanas.
Figura 39: Digitação de acordes com pestana e meia pestana em diferentes casas, com relaxamento
da mão esquerda no sexto e no último acordes, no Estudo Op. 29 n°22 de Sor (compassos 29-31).
Do final do compasso 32 ao início do compasso 36, há encadeamento de acordes em
posição fixa na primeira casa, que intercala um acorde sem pestana - mantendo-se a terceira
corda solta - e dois acordes com meia pestana (Figura. 40 [a]). Percebe-se, mais uma vez, a
intenção do compositor de propiciar ao executante um breve
relaxamento da mão esquerda
através da utilização de um acorde com corda solta entre dois acordes com pestana. Outra
67
maneira de relaxar a tensão das pestanas deste trecho acontece através da célula rítmica -
colcheia pontuada, semicolcheia, colcheia - entre o encadeamento de acordes (Figura 40 [b]).
Figura 40: Digitação de encadeamento de acordes com pestana em posição fixa, que são intercalados
por acordes sem pestana [a] e relaxamento da tensão por célula rítmica [b] (compassos 32-33).
A cadência dos compassos 39 e 40 apresenta o mesmo tipo de resolução dos últimos
compassos analisados: meia pestana na casa 3, pestana na casa 1 e último acorde sem pestana,
com a quarta corda solta.
Observa-se, na análise desse trecho, que Sor propõe o exercício de pestana e meia
pestana em acordes sucessivos intercalando-os, eventualmente, por uma célula rítmica ou por
um acorde com corda solta, o que propicia sempre um rápido relaxamento da tensão na mão
esquerda. Estes breves momentos de relaxamento são utilizados em meios ou finais de frase.
Conclui-se destas observações que, neste estudo, a solução encontrada por Sor para
tornar acessível ao estudante o exercício da pestana e da meia pestana foi proporcionar o
relaxamento da mão esquerda em trechos cadenciais ou de respiração, através de alguns
momentos sem o uso da pestana. Dessa forma, alivia-se a fadiga muscular provocada pelo
emprego sucessivo da demanda técnica.
68
2.2.3.2 O emprego da Meia Pestana no Estudo XVII de Brouwer
Mesmo que a indicação do compositor para este estudo seja “para os ornamentos”, o
emprego da meia pestana na segunda parte do Estudo XVII fica evidenciado na análise de
superfície da partitura. Diferente do estudo de Sor, aqui se têm as indicações de Brouwer para
os dedilhados de mão esquerda e/ou mão direita em praticamente todos os compassos. Há
predominância da meia pestana como demanda técnica principalmente na segunda parte do
estudo, através de uma seqüência de arpejos (semicolcheias em compasso quaternário
simples), seguida de variação ornamentada, digitados com meia pestana em diferentes
posições. Apresentam-se, a seguir, alguns exemplos (Figura. 41).
No compasso 13, arpejo em meia-pestana na casa dois, dedilham-se os quatro grupos
de semicolcheias com p,i,m,a,m, ligado, a,i na mão direita, mantém-se na mão esquerda a
pestana fixa por todo o compasso; utiliza-se apenas o dedo 2 na corda 2, além da pestana. O
dedo 2 produz a nota ligada. Nos compassos 14, 15, e metade do 16, Brouwer utiliza a mesma
fórmula de arpejo de mão direita e esquerda, mudando apenas a meia pestana para as casas 3,
5 e 7.
Figura 41: Emprego da meia pestana no Estudo XVII de Brouwer (compassos 13-16).
Percebe-se o sentido didático do estudo, que explora primeiro a acomodação do dedo 1
em meia pestana. Arpeja-se uma corda de cada vez para observar a limpeza das notas; depois
realiza-se um ligado de meia pestana e dedo 2, com esse desenho repetido em várias posições,
69
porém com o ligado ascendente de meia pestana e dedo 3. Simultaneamente, o compositor
propõe uma dinâmica - cresc poco a poco - para o trecho. Os dedos 3 e 4 são solicitados ao
final do compasso 16 e exercitam ligados descendentes com meia pestana fixa.9
70
Percebe-se, através da análise, que Brouwer manteve aqui o seu princípio de explorar
poucos aspectos de demanda técnica por vez. Isto possibilita ao estudante melhor
concentração nos enfoques do estudo: realização de arpejos e ornamentos com emprego da
meia pestana para fortalecer e trazer independência aos dedos frágeis da mão esquerda. A
solução proposta por Brouwer para a realização do exercício foi apresentar um elemento de
cada vez: primeiro o arpejo simples com a meia pestana, para que a falange do dedo 1 possa
se acomodar à posição de pressionar as três primeiras cordas sem perder a rigidez. A seguir, o
arpejo ornamentado, por estar o dedo 1 familiarizado com a posição anterior, exercita a
musculatura dos dedos 2, 3, 4 com o obstáculo da meia pestana fixa.
2.3. COMPARAÇÃO
Na etapa anterior, procedeu-se à análise dos seis Estudos de Sor e seis de Brouwer
selecionados por apresentarem algum aspecto específico de demanda técnica recorrente como
única demanda ou como demanda predominante. Os Estudos foram escolhidos através da
análise de observação e da análise comparativa desenvolvida, preliminarmente, nas duas
séries de Vinte Estudos. Nas análises, buscou-se compreender como foi enfocado, pelos
compositores, cada aspecto específico e quais foram as soluções encontradas para resolver os
problemas inerentes a essas demandas. Neste processo, a ordem de análise dos Estudos
obedeceu à classificação das demandas. Primeiramente, foram analisados os seis estudos que
enfocam as demandas técnicas recorrentes do Grupo I, concentrando os três aspectos
específicos de mão direita: desenvolvimento do toque de polegar, acordes de três ou quatro
sons, com ou sem separação de dedos, para sons legatos ou staccatos, a execução de arpejos.
A seguir, foram analisados os seis Estudos que enfocam as demandas técnicas recorrentes do
Grupo II, envolvendo os três aspectos específicos de mão esquerda: posições fixas, ligados
ascendentes e descendentes, emprego da meia pestana. Em cada aspecto específico
71
investigado analisou-se primeiro o Estudo de Sor e depois, o de Brouwer, pelas razões
expostas anteriormente.
Passa-se agora a confrontar as análises procedidas, com o objetivo de detectar quais as
modificações, transformações ou acréscimos de demandas técnicas podem ser observadas
seqüencialmente nas duas abordagens didáticas. O rigor metodológico faz com que se
examinem os aspectos analisados na mesma ordem de classificação da etapa anterior:
primeiro as demandas técnicas do Grupo I, aspectos específicos de mão direita, depois as
demandas do Grupo II, aspectos de mão esquerda. O desenvolvimento do toque de polegar é,
portanto, o primeiro aspecto específico recorrente de demanda técnica de mão direita, nas
duas séries de Estudos, submetido à comparação através das observações sobre as análises dos
Estudos op. 29 n° 23 de Sor e I de Brouwer.
2.3.1 Comparação de abordagens de demandas técnicas de mão direita
A análise do Estudo op. 29 n° 23 ocasionou, inicialmente, dificuldades para a
classificação da real demanda técnica que, aparentemente, se supunha serem as aberturas de
mão esquerda, as pestanas ou as mudanças de posição A indicação de Sor na partitura,
entretanto, não deixa dúvidas quanto à sua intenção de desenvolver a habilidade do polegar
em saltos entre cordas alternadas e imediatas, sem que a mão mude de posição. Levando-se
em conta as diferenças entre as dimensões do violão da época, e as dimensões do violão
moderno, percebe-se que o Estudo ficou muito mais difícil para mão esquerda agora, do que o
era naquele tempo. Justifica-se assim a despreocupação de Sor com as aberturas de mão
esquerda do Estudo. Já o Estudo I de Brouwer revela de imediato, na análise de superfície da
partitura, sua intenção de trabalhar este único aspecto de técnica.
72
A forma de utilização dos dedos da mão direita empregada por Sor, com o uso do polegar
para atacar da sexta até a terceira corda e com os dedos indicador e médio fixos na segunda e
primeira cordas ou eventualmente com o deslocamento para a terceira e segunda cordas,
excluindo o dedo anular, apontam para a primeira diferença de concepção de emprego da mão
direita nas obras analisadas
8
.
No Estudo de Brouwer, o polegar exerce a função específica de conduzir um baixo
cantante. Os diferentes tipos de toques exigidos para o polegar são determinados pelos
contrastes de dinâmica e acentos pedidos. Em Sor, o polegar conduz o baixo e também o
acompanhamento, mudando de função, muitas vezes, a cada toque de polegar, enquanto a
melodia está na voz superior. A mudança de função determina os diferentes toques de polegar
a serem empregados. A dinâmica é resultante de conduções harmônicas e cabe ao intérprete a
percepção do que deve ser feito, pois não há indicações na partitura, diferentemente de
Brouwer, que indica todas as dinâmicas das frases.
Em Sor, os saltos do polegar para cordas alternadas não são intercalados por toques dos
outros dedos, como no Estudo de Brouwer, em que este tipo de deslocamento do polegar é
preparado pelo movimento intercalado do baixo com o acompanhamento. Em Brouwer, os
toques repetidos de polegar acontecem na mesma corda ou em cordas imediatas. Em Sor,
estes toques são sempre em cordas diferentes, imediatas ou alternadas.
Estas comparações indicam que a forma de exercitar o aspecto específico nestes dois
Estudos difere. Sor treina o desenvolvimento do toque de polegar conjugado com uma série
de outras dificuldades técnicas de mão esquerda. Em suas recomendações na partitura, deixa
8
Casualmente, no Estudo I de Brouwer, não há necessidade do emprego do dedo anular, mas somente por ele
não utilizar a primeira corda ou as cordas primas alternadas em nenhum momento neste Estudo.
73
dito que “este Estudo exige que o estudante esteja familiarizado com a harmonia para que as
posições sucessivas de mão esquerda não lhe embaracem de jeito nenhum” (1977, II, p. 142).
O Estudo de Brouwer explora o desenvolvimento do toque de polegar de forma mais
progressiva, apresenta as dificuldades de mão direita sem exigir muito esforço da mão
esquerda. A divisão rítmica não convencional e os contrastes de dinâmica indicados tornam
mais complexos, tanto o trabalho mecânico, quanto a compreensão musical.
Pela maneira como são apresentadas as dificuldades mecânicas, parece haver maior
preocupação didática no Estudo de Brouwer, talvez por ser este o primeiro Estudo da série. O
Estudo op.29 n° 23 de Sor faz parte do grupo de Estudos compostos em 1827, dez anos depois
do lançamento dos Estudos do op. 6. A partir do op. 29, ele passa a preocupar-se em deixar
indicações escritas nas partituras e demonstra interesse em tornar mais claras suas intenções
didáticas.
O segundo aspecto específico de demanda técnica recorrente de mão direita analisada foi
o emprego dos acordes de três ou mais sons, com ou sem separação de dedos, para sons
legatos ou stacatos, em que foram analisados os Estudos op 31, Lição XX de Sor e XV de
Brouwer.
Há uma diferença básica no enfoque destes dois estudos: Sor emprega acordes de três e
quatro sons e trabalha com sons stacatos. Brouwer utiliza apenas acordes de três sons e
sempre para sons legatos.
Mais uma vez, evidencia-se a diferença de concepção do emprego de mão direita. Sor, no
seu Méthode pour La Guitare, lançado em 1830, esclarece como utilizava, em geral, os dedos
74
polegar, indicador e médio da mão direita, empregando o dedo anular apenas quando
necessitava de acordes de quatro sons que impossibilitassem o toque duplo de polegar. Na
análise foi possível visualizar como Sor empregava o afastamento dos dedos i e m sempre que
precisava executar notas na terceira e primeira cordas ou na quarta e segunda cordas. Em
Brouwer, o emprego dos dedos i e a é o dedilhado adotado para estes casos, evitando-se assim
o afastamento de dedos imediatos.
Outra diferença importante na concepção de emprego da mão direita é a maneira de
realizar os sons stacatos e abafados, pois Sor diz que “ para os sons stacatos eu também não
emprego a mão direita” (1830), dando a entender que produzia todos os sons stacatos com a
mão esquerda, o que diante das atuais concepções de técnica torna o Estudo inexeqüível. Para
falar dos apagadores diretos, que define como a ação de apagar (ou abafar) o som com o
mesmo dedo que atacou a corda, Carlevaro (1978) cita, como exemplo, a Lição XX.
Tanenbaum (1991) ressalta que, para abafar os sons deste Estudo, a mão direita é a maior
responsável pela ação. As pausas, que sucedem cada acorde da Lição XX, determinam a volta
quase imediata dos dedos às cordas atacadas. É difícil imaginar que Sor não se utilizasse deste
recurso. Como ele poderia abafar os sons das cordas soltas usando somente a mão esquerda?
Qualquer resposta a esta indagação é, no entanto, hipotética.
No Estudo de Brouwer, as indicações de dinâmica e o destaque de alguma voz dentro do
acorde determinam os toques de mão direita, exigindo diferentes atuações das falanges dos
dedos p, i, m, a. Os acordes de três sons devem soar legato e sustentados, o andamento lento
exige um toque bem articulado de mão direita para que se produza o efeito desejado. Em Sor,
a dinâmica, em função da linguagem da época, resulta do encadeamento harmônico dos
acordes. Por causa do afastamento dos dedos i e m, torna-se necessária uma pequena mudança
75
no ângulo de ataque da mão direita, salientada por Sor em seu Método. Isto não ocorre na
execução do Estudo XV de Brouwer, que não utiliza este afastamento dos dedos imediatos.
As observações levantadas sobre o segundo aspecto específico analisado tornam evidente
a diferença fundamental em Sor e Brouwer com relação ao emprego de mão direita, excluindo
o uso do anular, que na época era considerado um dedo frágil e, pelo posicionamento da mão
direita, ficar em desvantagem em relação aos dedos indicador e médio. Esta diferença faz com
que o dedilhado de mão direita em Brouwer, neste aspecto, seja mais natural, pois evita o
afastamento dos dedos imediatos e mantém o mesmo ângulo de ataque de mão direita nos
acordes de três e quatro sons. Andrés Segóvia, ao digitar outros Estudos de Sor, empregou um
dedilhado de mão direita bem diferente daquele concebido por Sor, utilizando sempre o dedo
anular para a voz cantante ou outras funções. Neste Estudo, porém, Segóvia curiosamente não
deixou nenhuma indicação de mão direita.
O terceiro e último aspecto específico de demanda técnica recorrente de mão direita
examinado nos Estudos de Sor e Brouwer foi a execução de arpejos, em que se analisou,
respectivamente, as digitações dos Estudos op. 6 n° 11 e VI.
Na observação da provável digitação utilizada por Sor nos arpejos do Estudo op. 6 n° 11,
destaca-se, mais uma vez, que o uso da mão direita, ao evitar o emprego do dedo anular por
ser considerado mais frágil e sobrecarregar o polegar com até quatro cordas, é a principal
contradição existente em relação à técnica atual. É possível visualizar, através dos exemplos
da análise, o dedilhado dos arpejos com sucessivos toques de polegar entre a sexta e a quarta
cordas e os dedos i e m realizando afastamentos entre cordas imediatas; o dedo m encarrega-se
de destacar a melodia. O polegar alterna as funções de baixo e acompanhamento. O dedilhado
76
registrado por Segóvia para este Estudo parece bem mais lógico, pois usou o dedo anular para
a voz superior, dedos i e m para o acompanhamento e polegar para o baixo, o que torna mais
fácil obter regularidade e equilíbrio na execução do arpejo. Tanenbaum opina, a este respeito,
que “Sor, sem intenção, escreveu alguns dos melhores Estudos para o desenvolvimento dos
dedos frágeis” (1991, p.7).
No Estudo VI de Brouwer, o dedilhado é pensado de forma a alternar os dedos p, i, m, a
em cordas imediatas, em arpejos descendentes, com toques repetidos de polegar na nota
pedal; repete-se a cada compasso sempre a mesma fórmula de digitação do arpejo. Na
mudança de compasso ternário para binário, na última seção do Estudo, modifica-se a
acentuação do arpejo.
Percebe-se a preocupação didática de Brouwer ao enfocar apenas um aspecto específico
de demanda técnica, tornando praticamente inexistente qualquer dificuldade de mão esquerda
neste estudo. No Estudo de Sor, provavelmente em função da necessidade imposta pela
linguagem tonal, há diversas exigências técnicas também para a mão esquerda.
2.3.2 Comparação de abordagens de demandas técnicas de mão esquerda
Analisadas as transformações, mudanças ou acréscimos observados nas demandas
técnicas do Grupo I, o mesmo processo de cruzamento de dados é desenvolvido com as
demandas técnicas recorrentes do Grupo II, nos aspectos específicos de mão esquerda que
abrangem utilização de posições fixas; produção dos sons ligados ascendentes e descendentes;
emprego da pestana ou meia pestana.
77
No primeiro aspecto específico de demanda técnica de mão esquerda, que envolve a
utilização de posições fixas e as situações de emprego de dedos fixos e de dedos que exercem
função de eixo, favorecendo as mudanças de posição, analisam-se os Estudos op. 29 n° 17 de
Sor e XI de Brouwer. A classificação dos Estudos nesta demanda técnica foi confirmada, em
Brouwer, pela análise de superfície da partitura, na qual está indicado o aspecto de técnica
enfocado. Em Sor, foi preciso um processo de observação e de execução do Estudo para que
se identificasse qual o aspecto específico predominante de técnica. Do cruzamento de dados
das duas análises foi possível destacar algumas observações.
No Estudo op. 29 n° 17, nas situações em que o emprego de dedos fixos faz-se necessário,
estes devem ser mantidos para permitir a duração das figuras de uma das vozes, enquanto
outras vozes são conduzidas, em contraponto, pelos dedos livres. Sor explora, em muitos
trechos, a utilização do dedo 3 fixo em uma nota pedal, enquanto os outros dedos
movimentam-se em torno dele, utilizam mecanismos de contração e distensão, conduzem a
melodia em sextas. Estes mecanismos permitem que a mão esquerda mantenha-se na mesma
posição.
Brouwer, nos primeiros compassos do Estudo XI, dá a entender que utiliza as posições
fixas com intenção de favorecer a sustentação dos sons de todas as notas do arpejo. Isto é
percebido porque as notas que mantém os dedos 3 e 4 fixos são antecedidas e sucedidas por
cordas soltas, o que facilita o efeito de sustentação. Enquanto estes dois dedos permanecem
fixos, os dedos 1 e 2 articulam ligados descendentes com cordas soltas o que favorece a
sustentação dos sons. Este efeito é sentido também na segunda seção do Estudo, na qual o
acorde de Sol maior é sustentado por dedos fixos e cordas soltas.
78
Sor emprega, em muitos compassos, dedos fixos exercendo função de dedos eixo, que
possibilitam o giro da mão esquerda e a mudança dos dedos livres para o próximo acorde.
Brouwer, neste Estudo, utiliza-se de dedos que exercem função de guias para facilitar as
mudanças de posição, como o dedo 1, que desliza em glissando da terceira para a quinta
posição, ou um acorde montado com três dedos, que muda da primeira para a quarta posição,
mantendo os três dedos nas mesmas cordas em que estavam; na nova posição os dedos 1 e 3
permanecem fixos, enquanto os dedos 4 e 2 realizam um ligado descendente.
Estas observações mostram os diferentes enfoques utilizados pelos dois compositores para
a prática das posições fixas nos Estudos analisados. Sor utiliza-se das posições fixas para
permitir a sustentação de uma voz e favorecer o movimento das outras. Brouwer parece
preocupar-se em usar o recurso de posições fixas associado ao uso de muitas cordas soltas,
com a finalidade de proporcionar um efeito de maior sustentação aos sons.
No segundo aspecto específico recorrente de demanda técnica de mão esquerda, a
produção de sons ligados ascendentes e descendentes, foram analisados os Estudos op. 6 n° 3,
de Sor, e IX de Brouwer. A classificação da demanda técnica dos dois Estudos foi feita pela
análise de superfície da partitura, que evidenciou a presença dos sons ligados.
Sor emprega, praticamente em todo o Estudo, os ligados descendentes de três sons, que
são os que geralmente ocasionam maiores dificuldades técnicas aos estudantes, por terem uma
única articulação de mão direita para as três notas, tornando difícil o equilíbrio de som. Os
ligados são propostos em combinações de três notas em corda presa ou em duas notas em
corda presa e a última nota em corda solta. Este detalhe exige cuidado para que a nota em
corda solta não soe demasiadamente forte em relação às outras duas notas. Há sempre um
79
acorde de três sons e uma pausa intercalando o ataque dos ligados, o que favorece a
preparação da mão esquerda nas mudanças de posição.
No Estudo de Brouwer, os ligados propostos são ascendentes e descendentes, em
diferentes combinações de dedos. Há a presença da corda solta imediata (mais grave),
articulada simultaneamente com a primeira nota dos ligados ascendentes, o que dificulta o
equilíbrio de som entre as notas pulsadas pela mão direita e a nota ligada, percutida pela mão
esquerda. As primeiras notas dos ligados descendentes também são articuladas
simultaneamente com a corda solta imediata (mais aguda); ao articular o ligado é preciso
cuidado para não apagar a corda solta. Em alguns momentos, Brouwer emprega dedos fixos
enquanto os dedos livres efetuam os ligados, determinando o uso de uma força muscular
diferente na realização do movimento.
É possível identificar que os enfoques dos dois compositores neste aspecto específico
diferem. Sor exercita os ligados descendentes de três sons, articulados em uma corda,
Brouwer explora as diferentes combinações de ligados ascendentes e descendentes, utilizando
ataques simultâneos das primeiras notas dos ligados com as cordas soltas imediatas.
O terceiro e último aspecto específico de demanda técnica recorrente de mão esquerda é o
emprego da pestana ou meia pestana. Os Estudos analisados foram o Op. 29 n° 22 de Sor e
XVII de Brouwer, nos quais a classificação da demanda técnica evidencia-se pela tonalidade
de Mi b maior, em Sor, e pela análise de superfície da partitura, em Brouwer, em que se
observa em toda a segunda seção o uso da meia-pestana.
80
A escolha da tonalidade de Mi b maior no Estudo Op. 29 n° 22 evidencia a intenção de
Sor de exercitar o uso de pestanas e meias pestanas, pois, nessa tonalidade, é praticamente
impossível evitar seu uso na maioria das passagens. Ao analisarem-se as prováveis
possibilidades de digitação, em alguns trechos do Estudo, observa-se que Sor emprega vários
81
CONCLUSÃO
Após o cruzamento de todos os dados obtidos nas análises dos Estudos de Sor e Brouwer
respondem-se as indagações que nortearam o desenvolvimento deste trabalho.
Que transformações, mudanças ou acréscimos de demandas técnicas podem se observadas
em Sor e Brouwer? O que essas duas abordagens, colocadas em paralelo, revelam da
transformação da própria técnica do instrumento e de seu enfoque didático em períodos
históricos diferentes?
Pela análise comparativa das digitações dos Estudos selecionados nas demandas técnicas
do Grupo I conclui-se que as transformações ou mudanças de concepção nas demandas
técnicas de mão direita nas duas abordagens didáticas consistem, basicamente, no uso do dedo
anular com igualdade de condições em relação aos dedos indicador e médio. Desta forma, o
dedo polegar é poupado de realizar saltos para cordas distantes e geralmente desempenha uma
só função na música. Tanenbaum faz um interessante comentário a respeito do uso do dedo
anular: “texturas não são mais limitadas a três vozes, e os instrumentistas de hoje precisam de
um dedo anular forte para dominar o repertório” (1991, p. 5). Nos acordes de três sons, com o
uso do dedo anular, podem ser evitados os afastamentos entre os dedos imediatos e as
mudanças de ângulo de ataque da mão direita. Se, em Sor, a mudança de ângulo não afetava a
qualidade de som, hoje a mudança de ângulo, com a utilização das unhas, altera a sonoridade.
A execução dos arpejos com emprego de quatro dedos propicia fluência e regularidade. Outra
mudança percebida é a forma de abafar os sons utilizando, como maior responsável para a
ação, a mão direita.
82
Na comparação dos dados extraídos das análises dos Estudos que representam os aspectos
específicos do Grupo II, demandas técnicas de mão esquerda, conclui-se que há mais
evidências de diferenças na forma de enfocar os aspectos específicos, do que propriamente na
concepção de emprego da mão esquerda.
Ao enfocar as posições fixas, em Sor observa-se que os dedos fixos são empregados com
a finalidade de favorecer a manutenção de uma voz enquanto outra se desloca, ou são
utilizados os dedos fixos para evitar as mudanças de posição da mão esquerda; os dedos eixo
são usados para modificar a apresentação da mão. Segundo Carlevaro, as apresentações da
mão podem ser transversais ou longitudinais ou mistas (1972). Brouwer aproveita as posições
fixas para favorecer a sustentação dos sons e, no Estudo analisado, utiliza dedos-guia para
favorecer os translados da mão para posições distantes.
Quanto aos sons ligados ascendentes e descendentes, percebe-se que Brouwer preocupa-se
muito com este aspecto específico, pois nos Estudos analisados, vários deles empregam
também os sons ligados como demanda técnica. Brouwer utiliza-se dos ligados descendentes
para desenvolver o controle de articulação do som ligado, sem apagar o som da corda solta,
ferida simultaneamente com a primeira nota do ligado. A preocupação de Sor é a produção
dos ligados descendentes de três sons, que são de difícil controle por terem uma única
articulação de mão direita. A transformação que pôde ser percebida neste aspecto específico é
quanto ao movimento e à direção que deve seguir o dedo da mão esquerda que realiza o
ligado descendente. Em Sor, os dedos podem repousar na corda imediata, após a articulação
da nota. Em Brouwer, o dedo deve articular o som e realizar um movimento contrário à
direção das cordas imediatas, pois estas devem continuar soando.
83
Quanto ao uso da meia pestana, percebe-se outra vez a diferença de enfoque. Sor treina
especificamente a resistência da mão esquerda ao emprego de sucessivas pestanas e meias
pestanas, Brouwer trabalha de forma a aproveitar a meia pestana para dar independência aos
outros dedos da mão esquerda que estão livres e aproveita para treinar o exercício dos ligados
com meia pestana.
Estas transformações ou mudanças de concepção estão ligadas às mudanças estruturais no
próprio instrumento, que provocaram diferenças no modo de posicionar o violão junto ao
corpo e modificaram, tanto o ângulo de ataque da mão direita - proporcionando melhor
posicionamento e força para o emprego do dedo anular -, quanto a forma de apresentação da
mão esquerda. Há também diferenças entre a linguagem musical de cada época. Sor trabalha
dentro de uma linguagem estritamente tonal, sujeitando-se às regras de harmonia e
interpretação impostas por ela, o que se reflete na forma de explorar e trazer soluções às
demandas técnicas. Brouwer trabalha com estruturas menos rígidas de linguagem, aproveita
elementos aleatórios, acordes dissonantes, ritmos variados, compassos alternados, acentos
deslocados e dinâmicas contrastantes, o que exige do violonista a busca por toques
diferenciados de mão direita. Nas demandas de mão esquerda, a maneira de explorar a
produção dos sons ligados, em Brouwer, mostra a mudança ocorrida neste aspecto específico
quanto à função que desempenha na música, pois os ligados são empregados muitas vezes
para propiciar maior sustentação dos sons.
Na observação do conjunto da obra didática de Sor, percebe-se que seus primeiros
Estudos foram compostos sem maiores preocupações com a questão da progressividade das
lições, constando da série do op. 6, por exemplo, alguns dos mais difíceis Estudos do
84
compositor, em meio a outros bem menos exigentes tecnicamente. Segundo Jeffery, esta
primeira série de Doze Estudos, hoje conhecida como op. 6, foi composta e publicada em
Londres, entre 1815 e 1817, “apareceu sem número de opus, sem qualquer introdução,
comentários ou dedilhados de Sor. Nós temos simplesmente a música [...] As tonalidades e os
andamentos são diversos e diferentes exercícios de técnica variam de estudo para estudo”
(1977, p.101). A série subseqüente de Estudos, o op. 29, consta de mais doze Estudos
publicados em 1827, “para servir de seqüência aos doze primeiros” (SOR, 1977, p. 127).
Alguns deles trazem indicação na partitura sobre a demanda técnica abordada. Os Estudos do
op. 31, 24 Estudos publicados em 1828, apresentam um grau de dificuldade técnica menor
que os do op. 6 e do op. 29; os dedilhados são freqüentes e há muitas indicações por escrito
sobre qual demanda técnica está sendo abordada. Seguem-se as séries de Estudos do op. 35,
24 Exercícios publicados também em 1828, do op. 44, 24 Pequenas Peças Progressivas para
Violão para servir de lição aos alunos iniciantes, publicados em 1831, e os Estudos do op. 60,
25 lições intituladas Introdução ao estudo do Violão, de 1836-7, um trabalho de interesse
pedagógico, que contém um fino material musical. Em meio à publicação dessa grande
quantidade de Estudos, Sor escreveu Méthode pour La Guitare, importante tratado teórico
sobre o instrumento, publicado em Paris no ano de 1830 (JEFFERY, 1977, p.101).
Os Vinte Estudos de Sor selecionados por Segóvia contém estudos do op. 6, do op.29, do
op. 31 e do op. 35, ordenados de maneira a tornar relativamente progressivas as demandas
técnicas neles contidas. “Quando a primeira edição foi publicada em 1945, veio a ser a
versão. Gerações de estudantes tocaram os 20 Estudos sem saber que havia qualquer mudança
do original” (TANENBAUM, 1991, p. 5). O mérito de Segóvia na publicação desta obra,
apesar de ela ser uma adaptação do original de Sor, é indiscutível. Ele trouxe ao conhecimento
dos estudantes uma obra que era, na época, praticamente desconhecida; mostrou uma nova
85
concepção de digitação de ambas as mãos e, na opinião de Tanenbaum, “apesar de ele ter
alterado a obra de Sor sem nos contar, muitas das mudanças de Segóvia tornam os estudos
mais relevantes para as necessidades da técnica contemporânea” (1991, p. 5).
A obra didática de Brouwer, bem menos extensa que a de Sor, mostra sua preocupação
com a progressividade das lições e em manter, nas duas primeiras séries dos Vinte Estudos (I
a V e VI a X), o princípio de enfocar um único aspecto específico de técnica em cada Estudo,
o que só é possível por não haver a necessidade de obediência ao sistema tonal. Nas duas
últimas séries (XI a XV e XVI a XX), os Estudos são tecnicamente mais difíceis, enfocam
mais aspectos de técnica, mas sempre de uma forma gradual e progressiva. O fato de as
partituras dos Estudos trazerem detalhada digitação de mão esquerda e direita, além de
indicações de andamentos, dinâmica, acentos, ligaduras de frase, entre outros, tornam claras
as intenções técnicas e musicais. Analisando-se os Estudos, identifica-se a proposta de
Brouwer de proporcionar aos estudantes de nível iniciante e médio um contato simultâneo
com as demandas técnicas da linguagem contemporânea. Para Ferguson, o objetivo central
dos 20 Estudos é “a integração de elementos técnicos e musicais, onde exercícios de técnica
de mão esquerda e direita estão ligados a uma grande variedade de práticas relevantes para o
intérprete de música contemporânea” (TANENBAUM, 1991, p. 4).
Ao colocarem-se lado a lado os Estudos de Sor e Brouwer, percebe-se a necessidade
do aprendizado destas duas abordagens didáticas para a formação básica dos violonistas.
Brouwer, referindo-se a Sor em comparação a outros compositores violonistas do século XIX,
diz que “Sor significou algo muito especial na chamada época de ouro do violão [...] sem
diminuir a Weber, Spohr, etc., Beethoven representou um passo enorme na literatura musical
da época, e desta mesma maneira enfoco Sor em relação a Giuliani, Carulli e outros italianos”
86
(1989, p. 94). Ao praticar os Estudos de Sor, é possível absorver a linguagem da época e
preparar-se para a execução de obras de maior porte dele e de outros compositores do século
XIX. Apesar da importância histórica de conhecer-se o pensamento de Sor sobre os aspectos
da técnica, tocar seus Estudos, mantendo a demanda técnica de mão direita tal qual foi
concebida por ele, exige um esforço desnecessário do estudante para adaptar-se a princípios
que não contribuem para seu desenvolvimento na técnica atual. As digitações de mão
esquerda recomendadas por ele podem, muitas vezes, facilitar a execução de várias passagens
e evitar, ao máximo, as mudanças de posição desnecessárias. Elas procuram digitar, sempre
que possível, nas primeiras posições do braço do violão (SOR, 1830), princípio de digitação
também observado em muitos dos Estudos Simples de Brouwer. Os Estudos de Brouwer são
obrigatórios para o desenvolvimento técnico musical dos violonistas da atualidade, pois, como
disse Tannenbaum, “Estudios Sencillos compreendem 20 Estudos que tendem a ficar nas
primeiras posições do violão, mas apesar desta estrutura, introduzem brilhantemente muitos
aspectos da música contemporânea” (1991, p. 6), o que permite aos estudantes,
simultaneamente, o desenvolvimento gradual de técnica e de elementos da linguagem musical
do século XX.
O estudo sistemático destas duas abordagens didáticas contribui, portanto,
favoravelmente para a formação básica do violonista. Ele pode substituir, com vantagens,
através da variedade de aspectos específicos de demandas técnicas e dos conteúdos musicais
enfocados, muitos dos exercícios de puro mecanismo, que geralmente são desestimulantes e
pouco acrescentam para o desenvolvimento da linguagem musical dos estudantes. Abre-se,
assim, um amplo caminho para conduzir os estudantes ao estudo e à prática da técnica, de
maneira criativa e desafiadora.
87
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