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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
HEDMAR DE OLIVEIRA FERREIRA
COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO:
UM INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO FEMININA NA ZONA
DO ALTO PARANAÍBA EM MINAS GERAIS/1928-1950
FRANCA
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
HEDMAR DE OLIVEIRA FERREIRA
COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO:
UM INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO FEMININA NA ZONA
DO ALTO PARANAÍBA EM MINAS GERAIS/1928-1950
Tese apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço
Social da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do grau
de Doutor em História, na área de concentração: História e
Cultura Social.
Orientador: Prof. Dr. Ivan Aparecido Manoel
FRANCA
2006
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Ferreira, Hedmar de Oliveira
Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio : um instru-
mento de educação feminina na Zona do Alto Paranaíba em
Minas Gerais/ 1928-1950 / Hedmar de Oliveira Ferreira.
–Franca : UNESP, 2006
Tese – Doutorado – História – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Educação – História – Brasil. 2. Educação feminina –
História – Minas Gerais. 3. Religião e educação – Brasil.
CDD 376.981
HEDMAR DE OLIVEIRA FERREIRA
COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO
– UM INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO FEMININA NA ZONA DO
ALTO PARANAÍBA EM MINAS GERAIS/1928-1950
TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM HISTÓRIA
Presidente e Orientador: _________________________________________________
1º Examinador _________________________________________________________
2º Examinador _________________________________________________________
3º Examinador _________________________________________________________
4º Examinador _________________________________________________________
Franca, ____ de ________________ de 2006.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho
a todas nós, muitas que somos,
dispersas e anônimas no cotidiano do nosso Ofício;
à história que temos construído no nosso silêncio de
mulheres, mães e professoras.
.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou
indireta de muitas pessoas e instituições. Portanto, demonstrar meu reconhecimento a
todos que participaram dos meus embates com a palavra, entre avanços, recuos e
discussões quanto à inteligibilidade do texto, é motivo de grande alegria. Manifesto
minha gratidão a todas elas e de forma particular:
- Ao meu orientador, Professor Dr. Ivan Aparecido Manoel, foi mais do que um
professor atencioso, competente e amigo. Ofereceu-me orientação, sugestões
metodológicas e bibliográficas e acompanhamento zeloso. É um verdadeiro mestre
para a vida inteira.
- Irmã Mazarello, Diretora do Colégio Berlaar Nossa Senhora do Patrocínio em
2003 e Irmã Gracinha, Diretora em 2004, pela gentileza de oportunizar-me o
acesso aos arquivos e documentos do Colégio; Irmã Zaida – Secretária e Lázara,
(Lica) – Auxiliar de Secretaria; Izabel, funcionária da Tesouraria, pela atenção e
presteza.
- Pela presença e interlocução sempre enriquecedora: Gilca Rodrigues Ferraz e
Maria Nunes Caldeira.
- Maria José Magalhães Ferreira, carinhosamente, Lalá, atual, Diretora Pedagógica
do Colégio Berlaar Nossa Senhora do Patrocínio e funcionária da Superintendência
Regional de Ensino de Patrocínio, colega de trabalho e amiga de longa
convivência, foi cúmplice e crítica o tempo todo. Sua presença, sugestões, idéias e
levantamento de documentos utilizados, marcaram as páginas deste trabalho.
- Às pessoas que se dispuseram a conceder depoimentos orais ou entrevistas
gravadas, que não foram poucas, em especial às senhoras ex-alunas, - mulheres,
mães, donas-de-casa, professoras – personagens e co-autoras dessa história: Alda,
Alina, Antonia, Augusta, Judite, Célia, Celina, Edna, Elvira, Leonor, Maria
Bárbara, Maria Berenice (Beré), Nilda. A vocês meu muito obrigado pela acolhida
calorosa, no melhor estilo mineiro; pelas tardes memoráveis, com café e
rosquinhas, quando contaram sobre suas vidas, entre risos e lágrimas.
- Pela paciência, apoio e pela compreensão silenciosa: José Maria (in memoriam),
meu marido e companheiro.
- Marcelo, Angélica e Isabela, meus filhos, pela ternura infinda e pela solidariedade
absoluta que me dão sempre a certeza de que, depois de tudo, existe um lugar para
se chegar, quer na hora das alegrias, quer na hora dos abismos. Deles obtenho a
paz necessária que me levou à consecução deste trabalho.
- Aos meus familiares, toda essa rede que me liberta e me aprisiona, formada por
irmãs, irmãos, cunhadas, cunhados, sobrinhas, sobrinhos, pelo apoio, carinho e
estímulo confiantes. Sem dúvida alguma vocês me fazem sentir ligada a algo e dão
sentido ao que faço.
- Pela leitura atenta e revisão preciosa: Professor Ivan Batista, amigo de longa
jornada;
- Josiane e Juliana Alves, pela competência no computador e pela tranqüilidade
durante meus “afobamentos informáticos”.
- Ana Luiza, Marlene, Renilda, Sonia e Tê Vieira que acompanharam, cada qual do
seu jeito, o fazer deste trabalho e foram, muitas vezes, cúmplices de idéias.
- Pessoas e instituições foram importantes em sua elaboração. Assim agradeço à
Fundação Comunitária Educacional e Cultural de Patrocínio (FUNCECP), pela
concessão de uma bolsa; Patronato Coronel João Cândido e sua diretora Irmã
Altair e a Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio, onde realizei pesquisas
documentais e entrevistas.
- As contribuições de todos estão incorporadas a esse trabalho, mas nunca é demais
afirmar que a responsabilidade das falhas eventualmente existentes são
exclusivamente minha.
Ao fim e ao cabo, uma relativa paz, uma relativa liberdade que parecem confirmar as
palavras do poeta:
Mas as coisas findas,
Muito mais que lindas,
Essas ficarão.
(Carlos Drummond de Andrade)
RESUMO
Entre 1911 e 1969, as Irmãs do Sagrado Coração de Maria fundaram estabelecimentos
de ensino, orfanatos e santas casas no Brasil. Este estudo pretende reconstituir, o tanto
quanto a documentação permitir, o processo de instalação dessas religiosas em Minas
Gerais, nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, especialmente na cidade de
Patrocínio. A orientação geral adotada para o trabalho como um todo é demonstrar o
envolvimento da Igreja, da oligarquia e do Estado nesse processo, com opção em
explicitar a aliança dessas forças e instituições, independentemente da sincronia de
ação entre elas.
O colégio católico, em regime de internato para muitas das suas alunas, tornou-se, em
Patrocínio, o que foi em todo o mundo, o instrumento de educação e iniciação social.
Criado para receber as jovens e prepará-las para o desempenho dos papéis femininos
tradicionalmente prescritos: mãe, esposa e educadora.
A criação e consolidação dos colégios católicos foram a expressão prática da aliança
tácita entre o Estado, que se eximia da responsabilidade pela educação pública, a
oligarquia, que procurava uma educação conservadora para suas filhas, e a Igreja, que
estabelecia, por intermédio da educação escolarizada, uma base estratégica para seu
programa de recristianização da sociedade pela doutrina ultramontana.
Palavras-Chaves: História – Educação – Minas Gerais – Educação feminina – Colégio
católico
RESUME
Entre 1911 y 1969, las hermanas de caridad del Sagrado Corazón De Maria fundaron
establecimientos de enseñanza, hospicios y santas casas en Brasil. Este estudio tiene
como objetivo reconstituir, lo tanto cuanto la documentación permitir, el proceso de
instalación d esas religiosas en “Minas Gerais”, en las regiones del “Triangulo
Mineiro y Alto Paranaíba”, especialmente en la ciudad de Patrocinio. La orientación
general adoptada para el trabajo como un todo es demostrar el envolvimiento de la
iglesia, de la oligarquía y del Estado en este proceso, con opción en explicitar la
alianza de esas fuerzas e instituciones, independientemente de la sincronía de acciones
entre ellas.
El colegio católico, en régimen de internado para muchas de sus alumnas, torno en
Patrocinio, lo que fue en todo el mundo, el instrumento d educación e iniciación social.
Creado para recibir las jóvenes y prepararlas para el desempeño de los papeles
femeninos tradicionalmente prescritos: madre, esposa y educadora.
Laceración y consolidación de los colegios católicos fue la expresión práctica de la
alianza tácita entre el Estado, que se eximia de la responsabilidad por la educación
publica, la oligarquía, que buscaba una educación conservadora para sus hijas, y la
iglesia, que establecía, por intermedio de la educación escolarizada, una base
estratégica para su programa de recristianización de la sociedad por la doctrina
ultramontana.
Palabra clave: Historia – Educación – “Minas Gerais” – Educación Femenina –
Colegio Católico
RÉSUMÉ
De 1911 jusqu’à 1969, les Soeurs de Sacré Coeur de Marie ont fondé les établissement
d'enseignement, les orphelinats et les hôpitals au Brésil. Cet étude a l’intention de
reconstituer, d'une telle manière que la documentation permet, le procédé de
l'installation de ces religieuse à Minas Gerais, dans les régions Triângulo Mineiro et
Alto Paranaíba, particulièrement dans la ville de Patrocínio. L'orientation générale
adoptée pour le travail est de démontrer l'envolvement de l'église, de l'oligarchie et de
l'État dans ce processus, avec l'option de montrer l'alliance de ces forces et
établissements, indépendamment de sincronie des actions entre eux.
L’école catholique, avec un régime d’internat pour plusieurs de ses étudiantes, est
devenu à Patrocínio, comme dans tout le monde, un instrument de l'éducation et
déclenchement social. Elle était créé pour recevoir les jeunes et pour les préparer pour
l'exécution des papiers féminins traditionnellement prescrits: mère, épouse et
enseignante.
La création et la consolidation des écoles catholiques était l'expression pratique de
l'alliance tacite entre l'état, qui a s’exempté de la responsabilité de l'éducation
publique ; l'oligarchie, qui cherchait un formation conservateur pour ses enfants; et
l'église, qui a établi, pour l'intermédiaire de l'éducation des écoles, une base stratégique
pour son programme de recristianization de la société pour la doctrine d’ailleurs.
Mots-clés : Histoire – Éducation – Minas Gerais – Éducation Feminine – École
Catolique
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – 1938 – Representantes da oligarquia rural e urbana e as freiras da
Congregação do Sagrado Coração de Maria de Berlaar .................
Foto 2 – 1943 – José Francisco de Queiroz, Benfeitor da Santa Casa,
com o Vigário, as freiras e alunas do Colégio Nossa Senhora do
Patrocínio ........................................................................................
Foto 3 – 1950 – Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio ...........................
Foto 4 – 1928 – Colégio Nossa Senhora do Patrocínio .................................
Foto 5 – 1928 – Fachada do Colégio e vista da Rua 15 de novembro, atual
Rua Governador Valadares .............................................................
Foto 6 – 1942 – Apresentação festiva em frente ao Colégio .........................
Foto 7 – 1938 – Alunas em frente ao Colégio ...............................................
Foto 8 – 1927 – Residência do Coronel João Cândido de Aguiar, situada na
Praça da Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio ...........................
Foto 9 – 1953 – Domingo, manhã esportiva após a missa. Em destaque a
torre da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio ..................
Foto 10 – 27 de maio de 1954 – Vista geral da Capela do Colégio ...............
Foto 11 – 1948 – Dormitório do Internato do Colégio ..................................
Foto 12 – 1943 – Primeiras Diretoras do Colégio Nossa Senhora do Patro-
cínio ..............................................................................................
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Foto 13 – 1943 – Fundadores do Colégio ......................................................
Foto 14 – Leonor de Castro Magalhães .........................................................
Foto 15 – Augusta Arantes ............................................................................
Foto 16 – 1938 – Apresentação das alunas no pátio do Colégio, no domin-
go, após a missa ............................................................................
Foto 17 – Elvira Porto – vice-prefeita de Patos de Minas – MG ...................
Foto 18 – 1946 – Primeira Eucaristia das alunas do Colégio Nossa Senhora
do Patrocínio e alunos do Colégio Dom Lustosa .........................
Foto 19 – 1945 – Alunas com uniforme da Associação JEC – Juventude
Estudantil Católica ........................................................................
Foto 20 – 18 de novembro de 1937 – Maria Nunes (de pé), alunas com
uniforme da Juventude Estudantil Católica ..................................
Foto 21 – 8 de dezembro de 1939 – Maria Nunes, apelidada de Morena.
Foto oferecida à Irmã Superiora ...................................................
Foto 22 – 1947 – Alunas com uniforme de gala ............................................
Foto 23 – 1958 – Desfile festivo em frente ao Colégio Nossa Senhora do
Patrocínio ......................................................................................
Foto 24 – 1935 – Alunas no pátio externo – 3ª e 4ª séries primárias .............
Foto 25 – 1955 – alunas no pátio interno – 3ª e 4ª séries primárias ..............
Foto 26 – 1946 – Normalistas ........................................................................
Foto 27 – 1963 – Capela do Colégio – Missa solene de Formatura ..............
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Foto 28 – 2005 – Irmã Zelita, ex-aluna do Colégio Nossa Senhora do
Patrocínio e Religiosa da Congregação das Irmãs do Sagrado
Coração de Maria de Berlaar ........................................................
Foto 29 – 1978 – Colégio ...............................................................................
Foto 30 – 2005 – Colégio ...............................................................................
227
231
231
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................
CAPÍTULO 1 AS MINAS GERAIS DO CONSERVANTISMO E DO
PATRIMONIALISMO ..........................................................
CAPÍTULO 2 REEXAMINANDO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ...........
CAPÍTULO 3 A EMERGÊNCIA DO COLÉGIO NORMAL NOSSA SE-
NHORA DO PATROCÍNIO .................................................
3.1 A Congregação do Sagrado Coração de Maria .........................................
3.2 O envolvimento da Diocese de Uberaba, da oligarquia patrocinense e as
Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar........................................
3.2.1 O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio ...................................
CAPÍTULO 4 APRESENTANDO AS NARRADORAS ...............................
4.1 Memórias de ex-alunas .............................................................................
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68
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94
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CAPÍTULO 5 AS MENINAS DO COLÉGIO NORMAL: INSTRUINDO E
EDUCANDO .........................................................................
5.1 O confinamento do internato .....................................................................
5.2 A ressignificação das disciplinas curriculares ...........................................
CAPÍTULO 6 NORMALISTAS, PROFESSORAS, MÃES – SENHORAS
PRENDADAS ........................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................
BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................
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232
INTRODUÇÃO
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio ocupou e ainda ocupa
hoje a centralidade no imaginário das classes sociais patrocinenses. De 1928 até os
nossos dias recebeu várias denominações oficiais: Escola Normal, Escola Normal
Nossa Senhora do Patrocínio, Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, Colégio
Nossa Senhora do Patrocínio, Colégio Berlaar Nossa Senhora do Patrocínio e
carinhosamente chamado de Colégio das Irmãs. Ele foi encontrado nas minhas
reflexões sobre a presença do Catolicismo na educação escolar brasileira e
redescoberto várias vezes. Na minha dissertação de Mestrado, constatei o empenho do
clero em estabelecer escolas no interior de Minas Gerais. O investimento sistemático
da Igreja Católica em instituições escolares fora articulado especialmente após a
laicização republicana do Estado brasileiro, quando, no âmbito da Igreja, as forças
conservadoras se aglutinaram em um grupo que se denominava ultramontano, cujo
efetivo fortalecimento lhe permitiu impor a sua visão de mundo, constituindo nova
orientação política para o catolicismo.
A partir da perda da condição de religião oficial e da supressão do ensino
religioso nas escolas públicas, a Igreja Católica passou a reinventar a sua ação
pastoral, procurando disseminar a ortodoxia romana. Para reconquistar e conservar seu
rebanho espiritual, o clero católico brasileiro priorizou o investimento na infância, por
meio da implantação do catecismo regular às crianças e do estabelecimento de
instituições escolares católicas. Em particular, o ensino secundário foi alvo das
estratégias eclesiais, especialmente por obra das congregações e ordens católicas
européias que imigraram para o Brasil.
A fundação do Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio em
Patrocínio-MG, em 1928, dirigido pela Congregação do Sagrado Coração de Maria de
Berlaar, fazia parte da articulação da Igreja Católica na conjunção da segunda
República brasileira.
Naquele momento, a Igreja Católica tinha uma rede considerável de
escolas por quase todo o território mineiro que havia sido criada pelo clero europeu e
sistematizado por determinações episcopais. A partir de 1927, esta seria ainda mais
incrementada com a criação do Colégio Dom Lustosa, para meninos e o Colégio
Normal Nossa Senhora do Patrocínio, para meninas. Na maioria dos Estados da
federação brasileira, havia vários colégios de ensino secundário, geralmente um
mantido pelo poder público estadual e outros estabelecidos pela iniciativa privada.
Ademais, a fundação e a consolidação do Colégio dos Padres e das Irmãs
problematizava o caráter laico do regime republicano em Minas Gerais, indicando a
aliança discreta entre a elite civil, em boa parte de formação positivista, e a elite
clerical. Instiga também a pensar o papel que o Colégio em estudo teve na
homogeneização cultural de várias gerações de moças mineiras.
A pesquisa histórico-educacional tem passado por mudanças
consideráveis, pois é significativo o número de pesquisadores que têm se voltado para
os estudos ligados às instituições escolares regionais.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Para o desenvolvimento desta pesquisa, os trabalhos de Ivan Manoel
“Igreja e educação feminina: os colégios das Irmãs de São José de Chamberry – 1859-
1919”
1
, de Carlos Monarcha: “Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes”
2
,
“Casa da Providência: uma escola mineira do século XIX”
3
, trabalho de Eliane Marta
1
MANOEL, Ivan A. A Igreja e a educação feminina: o colégio das Irmãs de São José de Chamberry (1859-
1919). 1988. 306 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
2
MONARCHA, Carlos. Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas, São Paulo: Edunicamp,
1999. (Coleção Momento).
3
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Casa da providência: uma escola mineira do século XIX. Educação em
Revista, Belo Horizonte, n. 6, p. 28-33, dez. 1987.
Teixeira Lopes e “Educação exilada – Colégio do Caraça”
4
, Dissertação de Mestrado
de Mariza Guerra de Andrade, contribuíram para captar nas particularidades de uma
Escola, as características gerais da escola brasileira, percebendo a influência da Igreja,
da economia e da política na época, a pedagogia da Escola demonstrando a
importância dessa instituição na formação humanística, política e econômica de uma
região.
Ivan Aparecido Manoel, em sua tese de Doutorado “Igreja e Educação
Feminina: Os colégios das Irmãs de São José de Chamberry (1859-1919)” estudaram a
educação confessional para mulheres, analisando o trabalho realizado pelas Irmãs de
São José de Chamberry junto às jovens das elites paulistas. Enfatizou a participação da
oligarquia cafeeira na implantação de um projeto educacional ultramontano. Trabalho
considerado marcante para a discussão sobre a educação feminina ao longo deste
estudo.
Carlos Monarcha em seu livro “Escola Normal da Praça: o lado noturno
das luzes” apresenta a trajetória dessa instituição de ensino, e por meio dela,
importantes aspectos do imaginário das classes sociais paulistas entre meados do
Século XIX e décadas iniciais do Século XX. Para tanto, empreende uma
reconstituição histórica original, recorrendo a uma extensa fonte documental.
A obra de Mariza Guerra de Andrade “A educação Exilada: Colégio do
Caraça” constitui-se de uma pesquisa de caráter exploratório sobre os aspectos da
trajetória de um dos mais importantes estabelecimentos mineiros de ensino: o Colégio
4
ANDRADE, Mariza Guerra de. “A porta do céu”: educação e exilidade – Colégio do Caraça. 1991. 249 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 1991.
do Caraça. Fundado no ensino humanístico, de cunho monacal, responsável pela
formação de várias gerações de bacharéis, mas também pela extensão da memória que
legou, construída no coletivo e na história dos grupos e encontra no corpo de uma
oralidade-padrão a afirmação de sua identidade. Este trabalho tem importância
significativa, uma vez que o texto revela, pacientemente, o cotidiano dos jovens que
por lá passaram, os códigos de conduta, os objetivos do ensino, enfim, a visão
recomposta de uma época importante da vida social a partir do ponto de vista da
educação católica.
Wanda Borges, no estudo sobre o “Seminário de mininas órphãs e
educandas de Nossa Senhora da Glória (Primeiros Ensaios para a profissionalização
feminina em São Paulo: 1825-1935)”
5
, abordando os aspectos da educação,
profissionalização e integração da mulher paulista na sociedade do Século XIX, numa
instituição educativa e assistencial, dirigida pelas Irmãs de São José de Chamberry,
propiciou subsídios importantes.
No âmbito da história eclesiástica, a produção sobre o ultramontanismo é
bastante rica. É fundamental a tese de Maurílio José de Oliveira Camello, “D. Antonio
Ferreira Viçoso e a reforma do clero em Minas Gerais no Século XIX”
6
, que analisa a
reforma do clero mineiro efetuado pelo Bispo de Mariana, demonstrando os pontos
básicos da sua ação pastoral e administrativa dentro do espírito ultramontano, na
formação do clero e colégios religiosos para a educação da juventude masculina e
feminina.
5
BORGES, Wanda Rosa. Seminário de mininas órphas e educandas de N. Sra. da Glória (primeiros ensaios
para a profissionalização feminina em São Paulo – 1825-1935). Rio Claro: 1973. 217 f. Tese (Doutorado em
Ciências) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, Rio Claro, 1973.
Outro texto importante é o livro de Augustin Wernet “A Igreja paulista
no Século XIX”
7
, tendo como análise a reforma do clero paulista por D.Antonio
Joaquim de Melo a partir de 1851, demonstrando que o projeto do Bispo de São Paulo
era parte integrante do projeto de romanização da Igreja.
Memorialistas em suas crônicas, embora não tenham tratado
diretamente do Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, fizeram pequenas
referências sobre a Instituição e informaram sobre o contexto econômico, político e
social da cidade Patrocínio, nas primeiras décadas do século passado. O balanço da
literatura pertinente à temática investigada revelou que o ensino confessional, em que
pese seu lugar na História Educacional do Brasil constitui-se, ainda, num campo aberto
para estudos. Segundo Ivan Manoel: “De modo geral, pode-se dizer que a atuação
católica, no âmbito educacional, ou aparece apenas como menção, notas ou parte de
capítulo”
8
.
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, em sua trajetória de
mais de 70 anos, embora seja um marco cultural na Zona do Alto Paranaíba em Minas
Gerais, não recebeu um olhar historiográfico. Não encontramos nenhum trabalho que
focasse especificamente o Colégio de Patrocínio; apenas breves alusões à sua atuação
no cotidiano cultural da cidade, nas primeiras décadas do Século XX. Apreender o
trabalho educacional de uma congregação religiosa de mulheres, numa cidade do
6
CAMELLO, Maurílio José O. Dom Antônio Ferreira Viçoso e a reforma do clero em Minas Gerais no século
XIX. 1986. 365 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.
7
WERNET, Augustin. A reforma do clero paulista de Dom Antônio Joaquim de Mello. 1983. 250 f. Tese
(Livre-Docência) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1983.
8
MANOEL, op. cit., p. 29, nota 1.
interior de Minas Gerais é relevante não apenas para a historicidade local, como,
também para a História da Educação brasileira.
O referencial teórico da investigação está ligado à História Cultural
acoplada a estudos sobre a História da Educação brasileira. A literatura existente
possibilitou o aparecimento de molduras para este estudo, dimensionando as
contribuições oferecidas nos campos estudados. As pesquisas ligadas à História da
Educação e à História Cultural têm se constituído num amplo campo de estudos. Rosa
Souza afirma:
“O crescente interesse pela investigação histórica da cultura escolar no
Brasil deve-se a reconfiguração do campo da História da Educação, influenciada pelas
novas correntes historiográficas, especialmente, pela Nova História Cultural”
9
.
O referencial ligado à História da Educação foi municiado por autores
vinculados à área, como Romanelli
10
, Nagle
11
, Reis
12
, Franca
13
, Bassanezzi
14
, Louro
15
e Santos
16
, que permitiram o estabelecimento de pontes entre a Educação e a História
Cultural. Possibilitaram o entendimento das características do universo feminino dos
anos quarenta e cinqüenta no Brasil, da inserção e da atuação profissional da mulher
no mercado de trabalho, com os devidos referenciais para a análise dos valores
culturais, das relações sócio-econômicas e do papel da mulher em sociedade.
9
SOUZA, R. F. Um itinerário de pesquisa sobre a cultura escolar. In: CUNHA, M. V. Ideário e imagens da
educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2000. p.4
10
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 1978.
11
NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974.
12
REIS, M. C. Tessitura de destinos. São Paulo: Queiroz, 1991.
13
FRANCA, Leonel S. J. O método pedagógico dos jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952.
14
BASSANEZZI, C. As mulheres dos anos dourados. In: PRIORE, Mary Del; BASSANEZZI, Carla (Orgs.)
História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 607-639.
15
LOURO, G. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE; BASSANEZZI, op. cit., p. 443-448.
16
SANTOS, M. I. S. P. Luz e sombras: internatos no Brasil. São Paulo: Salesiana, 2000.
A História Cultural estendeu o campo de estudo dos historiadores para
novos horizontes, pois os acontecimentos presentes na vida cotidiana e as
personalidades esquecidas passaram a ser estudadas. Busca-se “investigação da
composição social e da vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e
congêneres”. Com o impacto desses novos olhares na historiografia,
Os objetos da história não são, ou não são mais, as estruturas e os
mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo, as relações
sociais, e sim as racionalidades e as estratégias acionadas pelas
comunidades, as parentelas, as famílias, os indivíduos
17
.
Lynn Hunt
18
considerou que a nova história cultural não significou
“simplesmente a proposta de um novo conjunto de temas para investigação, mas um
questionamento de métodos, fontes, abordagens e conceitos”, que levou os
historiadores à percepção de que as relações culturais são tão importantes quanto as
sociais e as econômicas e que essas não determinam os aspectos referentes à cultura.
Nesse domínio, um novo conceito de cultura passou a ser concebido
como um movimento social complexo, onde estão inseridas as formulações sobre
diferentes temas, como as questões identitárias e a construção da memória.
A História Cultural surgiu “à emergência de novos objetos no seio das
questões históricas como as forma de sociabilidade, as modalidades de funcionamento
escolar, entre outros”. Os aspectos referenciais da História Cultural perpassaram pela
investigação histórica, em torno do Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio.
17
CHARTHIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo.
Rio de Janeiro: Difel, 1998. p. 161.
A obra de Pierre Bourdieu
19
tem importância como um referencial, na
medida em que se discute a idéia de região, oferecendo uma chave para a análise da
construção das redes religiosas locais e regionais. Para este autor, uma região não é
definida apenas por aspecto físico-geográficos, mas por suas características
econômicas, administração governamental e eclesiástica, língua e dialetos falados,
instrução oferecida à população dentre outros aspectos humanos. Apropriando-se desta
idéia, entende-se a Zona do Alto Paranaíba como o “lugar” de atuação e influência do
Colégio Normal, pois, segundo Bourdieu
20
, “o que faz uma região não é seu espaço ou
seus limites, mas o tempo, a história e a cultura” de cada localidade.
A leitura de dois livros que abordam o cotidiano de escolas de ensino
secundário e de internato também me seduziu, como historiadora, a adentrar o
vestíbulo do Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio. O primeiro é As três
Marias
21
de Rachel de Queiroz e o segundo O Ateneu
22
de Raul Pompéia, grávidos de
memórias escolares angustiadas dos autores, quando internos. Tratam-se de “crônicas
de saudades” – como diz o subtítulo de O Ateneu -, que expõem os jogos de poder e de
hipocrisia do internato de colégio privado.
Uma importante contribuição à análise da formação social brasileira é o
trabalho “Abrindo os baús: tradições e valores das Minas Gerais”
23
, de Tanya Pitanguy
de Paula. Em seu estudo interessa-se pelas raízes do processo de socialização das
famílias tradicionais em contextos históricos diferentes. Sua obra se insere na
18
HUNT, L. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992 apud MUNIZ, Diva do Couto Contijo.
Um toque de gênero: história da educação em Minas Gerais (1835-1892). Brasília-DF: UnB/FINATEC, 2003,
p. 47.
19
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.
20
Ibidem, p.115.
21
QUEIROZ, R. de. As três Marias. São Paulo: Siciliano, 1992.
22
POMPÉIA, Raul. O ateneu: crônica de saudades. São Paulo: Abril Cultural, 1981.
bibliografia sobre a mineiridade – a teoria do ser mineiro – à medida que procura
conferir fundamentação analítica para a questão da cultura e da identidade regional,
tão sujeita à manipulação ideológica e aos ufanismos sem substância.
A redescoberta decisiva do Colégio Normal deu-se a partir da leitura dos
trabalhos de Michel Foucault, especialmente “Vigiar e Punir”
24
. Em Foucault, estão os
subsídios para a análise da arquitetura da Escola. Visualizando a reforma realizada no
prédio identificamos as características do “Panóptico como aparelho de controle e
disciplina”, permitindo o controle e o rigor com as alunas. A análise das estratégias de
docilização dos corpos remeteu-me ao cotidiano dos colégios internos que começaram
a brotar no território brasileiro do Século XIX e se multiplicaram no século seguinte,
marcando época na história da escolarização brasileira.
Foucault não realizou análise específica sobre as escolas, mas como
“instituições de seqüestro”, constataram, de forma esparsa, o estabelecimento do poder
disciplinar no interior das mesmas
25
. No mundo católico, principalmente após o
Concílio de Trento, ganharam relevo os colégios de congregações e ordens religiosas,
particularmente aqueles da Companhia de Jesus, uniformizados pelo Ratio Studiorum.
O Colégio Normal passou a ser compreendido como produtor de sujeitos,
considerando as seguintes práticas escolares: a ordenação das “disciplinas-saber”, as
operações de distribuição e avaliação do conhecimento escolar e a composição social
da população escolar, tornando-se assim um olhar histórico específico. A estreita
23
PAULA Tanya Pitanguy de. Abrindo os baús: tradições e valores das Minas Gerais. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
24
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Lígia M. Pond. Petrópolis: Vozes,
1984.
25
GORE, J. M. Foucault e Educação: fascinantes desafios. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.) O sujeito da
educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 9-20.
relação triangular entre estes dispositivos didáticos permite apreender o “modo de
produção escolar” empreendido pelas Irmãs. Em verdade, o conteúdo, a forma e o
público discente do currículo fazem parte do mesmo processo e, por isso, estão
compulsoriamente se interpenetrando na urdidura escolar. O olhar da porta para dentro
em torno dos saberes escolares corporificados nos planos de ensino, livros didáticos,
falas dos professores e diversas práticas disciplinares que formavam as moças
procuram ter um olho voltado para as janelas que avista a cidade de Patrocínio, na
Zona do Alto Paranaíba em Minas Gerais, onde eram elaborados os produtos culturais
que redesenhavam o Colégio.
As escolas freqüentadas pelas elites tendem a transmitir-lhes os saberes
nobres, capitais culturais que contribuem para a produção estética e a manutenção do
“status” das classes dominantes. Por exemplo, o currículo literário que predominou
nos cursos secundários no período imperial e escravocrata – e em parte na Primeira
República – era o mais adequado para dar ilustração e distinção à elite branca que se
destinava aos cursos de Direito e Medicina, isso para os homens.
Além da seleção da forma e do conteúdo dos bens culturais, as
instituições escolares escolhem as populações que as freqüentam. Em verdade, os
próprios conteúdos escolares e as práticas operam a seleção dos alunos, pelo fato de
não serem universais, mas dirigidos para determinados grupos sociais. As escolas
diferenciam-se pela forma como respondem às demandas de capital cultural de grupos
sociais específicos que têm expectativas diferentes em relação à educação escolar.
A minha leitura histórica sobre o Colégio Normal Nossa Senhora do
Patrocínio, portanto, procura inseri-lo no processo de afirmação da sociedade
capitalista e disciplinar em Patrocínio e em Minas Gerais, nas décadas de 30 a 50,
procurando constatar os seus dispositivos de produção de sujeitos que contribuíram
para a conservação de privilégios culturais. É indispensável sublinhar que se trata de
estudar uma instituição de ensino dirigida pelas Irmãs belgas, da Congregação do
Sagrado Coração de Maria de Berlaar, onde se acomodaram dois discursos
pedagógicos. Por um lado, o Ratio Studiorum, fundado pela Companhia de Jesus para
uniformizar os seus primeiros colégios e reestruturado no início do Século XIX para
adaptar-se aos sinais dos tempos do capitalismo industrial e dos sistemas nacionais de
ensino. Por outro, a orientação pedagógica e administrativa estatal, emanada do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores e inspirada em modelos educativos
europeus.
Sem dúvida, este estudo histórico vai mais além da simples reconstrução
pontual do passado de uma escola católica feminina, pois coloca também em evidência
em que medida as instituições de ensino se inscrevem na estrutura social de uma
comunidade brasileira, assim como o caráter eminentemente produtivo da instituição
de ensino na formação de identidades sociais específicas. Mais do que isto, na medida
em que se trata de uma escola de freiras destinada a formar as elites locais e regionais,
estamos diante do melhor sistema educativo para a educação das meninas e moças
promovendo o interesse dos poderosos, pautado pelos “princípios da disciplina, da
obediência, do respeito e dos bons exemplos”.
Visualizar as meninas/mulheres no interior das escolas mineiras do
século passado, desvendando as relações de classe e gênero que perpassam seu
processo de escolarização, foi objetivo a que me propus ante o desafio de buscar
respostas para as inquietações colocadas pelo meu fazer profissional. A busca de
respostas a tais questionamentos implicou o desafio de superar uma série de
dificuldades na elaboração do presente trabalho. Dificuldades de naturezas distintas e
de diferentes níveis de complexidade, posto que envolviam definições do eixo
temático, dos recortes temporal e espacial, dos pressupostos teórico-metodológicos,
dos tipos de fontes e formas de tratamento e abordagem e quanto à bibliografia.
Para entender essa problemática nos seus vários intercruzamentos, o
esforço foi centrado no recorte educacional sem circunscrevê-lo na educação,
procurando justamente a sua ampliação no sentido de aprofundá-la e apreendê-la em
toda a sua complexidade; recorrendo a algumas contribuições teóricas da História das
Mentalidades que cruza com a História da Educação, uma vez que o seu campo e o seu
objeto é o coletivo, englobando aquilo que o faz: comportamentos, atitudes,
representações coletivas inconscientes – procura dar conta de questões que a história
econômica, política ou social não dá.
Os materiais da História das Mentalidades e também da História da
Educação podem estar em toda parte, portanto, naquilo que é marginal em relação ao
nobre escolar; ou seja, além da legislação, uniformes; além de currículos, livros de
ocorrência; podem estar nos olhares, nos gestos, nos ritos e nos rituais, nos discursos,
nas obras artísticas e nos documentos.
A operação histórica sobre o Colégio Normal Nossa Senhora do
Patrocínio está fundamentada especialmente em documentos escritos, produzidos pelas
Irmãs (diretoras e professoras), inspetores, professoras leigas e alunas da escola, por
autoridades governamentais e por jornais e revistas, mas também utiliza fontes
iconográficas como fotografias e desenhos, bem como depoimentos de ex-alunas. As
fontes são lidas como “documentos-monumentos”, que, como ensina Le Goff, devem
ser desmontadas para detectar as suas condições de produção
26
.
A pesquisa documental foi realizada em arquivos públicos, particulares e
núcleos, a saber:
- Arquivo e museu do Colégio Normal Nossa do Patrocínio, onde foram consultados
os seguintes documentos:
a) Lista de alunas matriculadas;
b) Cadernos de alunas;
c) Prospectos do Colégio;
d) Cartas do Bispo da Diocese de Uberaba, Dom Antonio de Almeida
Lustosa; para o Coronel João Cândido de Aguiar e para Irmã Blandina;
e) Cartas da Irmã Blandina para o Bispo;
f) Revista Lira da Escola;
g) Publicações (panfletos) referentes às atividades do Colégio;
h) Estatutos da Associação de Pais e Mestres;
i) Texto produzido por uma ex-aluna relatando a chegada das Irmãs.
- Arquivo Público do Estado de Minas Gerais. Nesse arquivo foram consultados os
ofícios e documentos atinentes à educação:
a) Ofícios da Instrução de Belo Horizonte
b) Ofícios diversos da Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais.
26
LE GOFF, J. Documento/Monumento. In: _____. História e memória. Tradução de Irene Ferreira; Bernardo
Leitão; Suzana Ferreira Borges. Campinas. EDUNICAMP, 1990. p. 535-549
- Arquivo da Cúria Diocesana de Uberaba. Foram consultadas as Encíclicas dos papas
que pontificaram a partir da segunda metade do Século XIX;
- Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio;
- Arquivo do Patronato Coronel João Cândido de Aguiar.
A documentação consultada será apresentada detalhadamente no final.
A leitura da bibliografia da História da Educação e da História
Eclesiástica e mais a consulta aos documentos, as entrevistas realizadas, investigação
em fontes orais ensejaram a elaboração do plano de redação. O desenvolvimento do
tema obedeceu ao mesmo movimento utilizado para a construção do objeto de estudo a
que se refere Eliane Marta Teixeira Lopes, o de “decompô-lo e recompô-lo” para
“melhor inquiri-lo, para que ele revelasse, em sua fragmentação, sua inteireza ou sua
totalidade possível”. Nessa perspectiva, o presente estudo estrutura-se a partir de seis
partes, em que cada uma delas flagra um momento distinto e, em conjunto, formam
um mosaico escolar.
Capítulo I:
O primeiro capítulo é um olhar sobre as Minas Gerais do
Conservantismo e do Patrimonialismo. A partir do Século XIX, com a decadência do
ciclo de mineração, as famílias pertencentes a estratos dominantes, em regiões direta
ou indiretamente relacionadas a esse ciclo, podem ser vistas como guardiãs de um
complexo de valores associados ao conservadorismo que se expressa por meio da
defesa da ordem social vigente, da obediência à tradição, do ideal da perfeição
convencionado pelo círculo de pertinência. Esses valores consistem na obediência, na
incondicionalidade, na ordem, na reserva, na força, na disciplina, na cerimônia, na
austeridade, na avareza. Funcionam como forma de manter uma hierarquia
tradicionalmente estabelecida, perpetuando, dessa maneira a ordem vigente.
Formou-se, desse modo, um capital simbólico, consolidado pelo
processo político de dominância local e extralocal, que assegurou a permanência e a
transferência de valores por gerações. Torna-se necessário ressaltar que esse
conservadorismo é visto dentro de um processo de modernização conservadora, ou
melhor, de uma mudança de “cima para baixo” que é social e economicamente
dinâmica e politicamente conservadora.
Trata-se de um processo definido pela dominância da dimensão política
que resulta em acentuada continuidade com o passado. Conforme nos mostra a história
de Minas, existe uma adaptação entre o velho e o novo, permanecendo o fio orientador
do conservadorismo que é a manutenção do poder político.
O poder político que as famílias tinham sobreviveu após o
desaparecimento das grandes propriedades rurais, por meio do controle dos cargos
públicos. Considerando-se, aqui, famílias tradicionais aquelas que mantiveram uma
predominância política, econômica e social durante algumas gerações. Tradicional tem
o significado de permanência numa situação de dominância.
A Igreja é capaz de educar o povo restaurando a ordem moral e religiosa
e, conseqüentemente, preservando a ordem social e política. Assim, a aliança entre a
Igreja conservadora e a oligarquia se tornou muito clara porque há uma necessidade
premente que é a manutenção da ordem constituída, anseio de ambas.
A proposta deste capítulo é analisar algumas características do
patrimonialismo e do conservadorismo tomando como centro de interesse a região
mineira da Zona do Alto Paranaíba. Esta região, cuja origem e desenvolvimento estão
ligados, de formas diversas, ao ciclo da mineração e da agropecuária, demonstra
claramente os elementos do conservadorismo e do patrimonialismo.
A Zona do Alto Paranaíba desenvolveu-se a partir de conjunturas
diversas, apresentando variações regionais relacionadas, principalmente históricas e
econômicas, que, por assim dizer, introduziram contradições que fazem com que o
complexo valorativo se abrir a alternativas modernizadoras não-autoritárias, liberais e
democráticas, superando-se, dessa forma, sua orientação autocrática.
Capítulo II:
Neste capítulo estabelece-se de uma breve reflexão sobre os percursos
históricos da Educação brasileira com a pretensão de ressaltar a criação do Colégio
Normal, tendo por objetivo preparar e reciclar uma elite do professorado mineiro. O
Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio traduziu uma nova visão de educação e
foi, como conseqüência, produto de sua época.
Capítulo III:
Ao retratar o Colégio Normal, uma instituição de ensino confessional,
torna-se importante estabelecer uma reflexão sobre os percursos históricos da instrução
feminina, reconstituindo, o tanto quanto a documentação permitir, o processo de
instalação das religiosas na cidade de Patrocínio, Minas Gerais, onde fundaram e
dirigiram institutos assistenciais.
Este capítulo é um olhar telescópico sobre a emergência do Colégio
Normal Nossa Senhora do Patrocínio, com o objetivo de demonstrar o envolvimento
da Igreja, do Estado e da oligarquia nesse processo, independentemente da sincronia
de ação entre estas instituições.
O projeto educacional de Dom Antonio de Almeida Lustosa previa, na
sua vertente feminina, a fundação de um colégio interno, entregue aos cuidados de
religiosas especializadas nessa tarefa. Esse projeto se configurou na vinda das Irmãs
do Sagrado Coração de Maria de Berlaar especialmente para concretizar esse ideário.
Entre as escolas católicas de Minas Gerais, o Colégio Normal ganhou
relevo pelo fato de ter sido a única escola na Zona do Alto Paranaíba que
proporcionava escolarização secundária de forma regular e seriada para as meninas e
moças. A existência de uma única escola, dirigida pelas religiosas, remete a reflexões
em torno da população escolar que a freqüentava, levando em consideração os
marcadores sociais: religião e etnia e, instiga também, a pensar o papel que a escola
teve na homogeneização cultural de várias gerações de estudantes mineiras.
Essa análise deverá demonstrar o envolvimento direto da oligarquia na
instalação dessa rede de escolas, seja fornecendo o prédio, dinheiro, mobiliário,
gêneros alimentícios, seja se responsabilizando pela manutenção e ampliação das
instalações, seja concedendo bolsas para as alunas carentes, ou ainda freqüentando o
colégio.
Capítulo IV:
As memórias de ex-alunas do Colégio Normal desde a década de 30 até a
década de 50 foram construídas a partir de um trabalho de entrecruzamento de suas
histórias de vida com uma história maior. Ouvindo seus relatos, foi possível desvendar
um pouco do contexto em que viveram. Portanto, ao entrevistar as ex-alunas,
importantes questões se afloraram com uma representação significativa para melhor
compreender a história da Educação em Patrocínio e nas Minas Gerais.
A proposta deste capítulo é a de caracterizar o perfil de suas ex-alunas,
verificando de que estratos sociais provinham, quais suas representações sobre a
escola, analisando a formação religiosa que ocorria ao lado da instrução pedagógica e
o que mais permaneceu em suas memórias.
Acredita-se que esse mergulho no passado, na escola de sua infância e
juventude; poderá recuperar dados históricos do século passado, compreender o espaço
onde as histórias ocorreram, tendo como principal foco o Colégio Normal e aprofundar
o tema, percorrendo os anos escolares, a prática educacional, a vida adulta, até o
momento das entrevistas.
Capítulo V:
Aborda as estratégias utilizadas pela educação escolar e colocadas em
prática para disciplinar corpos e normalizar comportamentos, segundo os padrões
normativos de família e de condutas cristãs. Visualizar as meninas na escola religiosa,
historicizando suas diferentes experiências de escolarização e centrando os esforços na
análise do internato como recurso pedagógico, é o pano de fundo deste quinto capítulo,
intitulado As meninas no Colégio Normal: instruindo e educando.
Discute a proposta educacional desenvolvida pelas Irmãs belgas – uma
proposta educacional antimoderna, antifeminista, antiprofissional, voltada mais para o
polimento sócio-cultural das alunas dentro do espírito de religiosidade e moralidade
imposto pelo catolicismo ultramontano, tendo no Ratio Studiorum o seu paradigma
didático-pedagógico.
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio – instituição voltada
tanto para a instrução quanto para a educação - esteve imbuído de um refinamento
curricular de forma a preparar as meninas e moças para o conhecimento de seus
deveres para com Deus, com a Igreja e com a Pátria e também para os encantos da
vida social.
A oligarquia, naquele momento, desejava uma educação competente,
mas, ao mesmo tempo, temia uma proposta educacional que se mostrasse
excessivamente avançada. A realização dos seus objetivos se dava através da educação
em sala de aula e da vivência cotidiana, tendo o internato como recurso pedagógico
natural para a educação das crianças e das jovens.
A maquinaria escolar colocada em marcha também como tática de
vigilância que investia sobre a vida das alunas, mantendo um olhar panóptico sobre
todas e cada uma em particular na sala de aula, no pátio e mesmo em locais fora do
muro do Colégio. Por fim, a normalização escolar também produzida por meios de
punições que incluíam privações, perdas de pontos de comportamento, suspensões e
até expulsões. A regulação das condutas entranhada de resistências, geralmente
silenciosas, anônimas e às vezes irônicas.
Particularmente, a atenção será para a “generização” presente no modelo
educacional da época que respondia por circunscritos à esfera do doméstico: uma
preparação para as alunas tornarem-se mães, esposas, educadoras dos filhos e
administradoras do lar e representantes da família em sociedade.
Capítulo VI:
Finalmente, neste sexto capítulo será contemplada a presença das ex-
alunas nas escolas mineiras do Século XX, bem como historicizar a construção de suas
subjetividades, de suas identidades como professoras. Nessa análise, será feita uma
leitura das relações de poder que atravessam as de gênero e de classe, constitutivas da
trajetória silenciosa de sua inserção no magistério público. Boa parte das egressas do
Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio veio a constituir a elite intelectual,
professoras, donas-de-casa, senhoras cultas, polidas, prendadas, sociáveis, mas, acima
de tudo, católicas convictas.
Conclusão:
A conclusão discute o significado social da escola católica demonstrando
que a sua destinação primeira era a formação das filhas da oligarquia, conforme o
projeto educacional ultramontano.
Subsidiariamente as Irmãs criaram um orfanato para meninas sem
família, o Patronato Coronel João Cândido de Aguiar. Esse orfanato anexo ao Colégio
confirmava a destinação elitizante dos colégios católicos, mesmo porque ali o ensino
se restringia a um mínimo de matérias e ao ensino das prendas domésticas necessárias
a meninas que no futuro seriam, muito provavelmente, empregadas domésticas.
Se os estímulos para realizar o presente trabalho são pontuais, a
motivação profunda encontra-se na minha inquietação frente à educação escolar
brasileira. A escola esteve sempre muito presente na minha vida, desde os estímulos
insistentes de meus pais, fazendeiros e filhos de fazendeiros que valorizavam a
escolarização, no sentido de eu perseverar nos estudos, até a apaixonada prática da
docência no ensino fundamental e médio e, posteriormente, na universidade.
Provavelmente o meu zelo pela educação escolar, considerada como fator de
democratização social, possa ser lido como uma preocupação própria da classe média
baixa interiorana, para a qual a passagem pelo ensino formal significa um dos ou o
grande canal de ascensão social. De qualquer modo, penso que minha indignação,
frente ao caráter elitista da educação escolar em nosso país e em Minas Gerais, está
transversalizada neste trabalho, pelo fato de constatar que o Colégio das Irmãs
contribuiu para distribuir de forma desigual o capital cultural na sociedade
patrocinense.
Enfim, acredito que a reflexão histórica possa ajudar a repensar as
mudanças que vêm sendo ensaiadas na educação escolar em geral desde a década de
sessenta. As práticas escolares de corte disciplinar e elitista, que são alvo de desmonte
hodierno, foram estruturadas no início do Período Republicano e consolidadas na Era
Vargas. As exclusões e submissões do passado devem ser relidas no intuito de mudar a
mentalidade das mulheres e homens, para que se possa engendrar práticas
contemporâneas mais democráticas e pluralistas.
É necessário lembrar que o conhecimento do qual nos apropriamos para
construir nosso objeto é, na maior parte das vezes aproximativa. Weber alertou sobre a
impossibilidade de se esgotar a realidade “incomensurável ao poder do nosso
conhecimento”
27
. “O conhecimento e a ação nunca se realizaram definitivamente, pois
todo o conhecimento requer outros conhecimentos e toda ação, outras ações”.
27
FREUD, J. Sociologia de Max Weber. Tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1980. p. 12.
CAPÍTULO 1
AS MINAS GERAIS DO CONSERVANTISMO E DO
PATRIMONIALISMO
“Sertão é isto: o senhor empurra para trás,
mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos
se espera, digo
lugar sertão se divulga:
é onde os pastos carecem de fechos”
28
.
(Guimarães Rosa)
Bernardo Guimarães, o romancista mineiro, escreve como conhecedor
perfeito do espaço onde localiza a ação e das figuras que movimenta na história, no
romance O Garimpeiro, publicado em 1872.
As regiões que formam os municípios de Araxá, Patrocínio e Bagagem,
29
na província de Minas, encerram paisagens as mais risonhas e encantadoras
que se podem imaginar, e quem uma vez tem percorrido esses férteis e
pitorescos sertões nunca mais os perde da lembrança.
[...] Aqui o solo ondula graciosamente em colinas de suave declive,
separadas uma das outras por cristalinos córregos, orlados de capões, [...]
Acolá os espigões se abaúlam, como leivas gigantescas divididas pelos
buritizais que se estendem como guerreiros ao longo dos brejais.
[...] Tudo é belo e grandioso, é risonho e enlevador por aquelas imensas
solidões”
30
.
Sérgio Buarque de Holanda, em
seu texto “Metais e pedras preciosas”, afirma
que Minas como território de novas atividades
produtivas além da mineração, estabelece uma
ampla gama de atividades, de relações, de
estruturas: o desenvolvimento da manufatura, da
agricultura, da pecuária, da manufatura agrícola,
da expansão urbana, da mobilidade social, da
expansão demográfica, do desenvolvimento
artístico e cultural. Assim diz Sérgio Buarque:
28
ROSA, João Guimarães. Grande sertão veredas. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 218.
29
Araxá – cidade do Estado de Minas Gerais, situada na região do Triângulo Mineiro. Possui águas minerais e é
grande estância balneária. Bagagem é uma localidade próxima de Monte Carmelo-MG.
30
GUIMARÃES, Bernardo. O garimpeiro. 5. ed. São Paulo: Ática, 1977. p. 9.
“As Minas Gerais, dizia com efeito Silva Pontes, nos últimos doze anos do século
XVIII, são hoje no continente de nossa América o país das comodidades da vida, e
só o ouro o fez assim.
Passando ao confronto com outras regiões brasileiras realça ainda a
posição especial que ocupava a sua entre as mais capitanias do Brasil, onde
se produziam apenas gêneros em estado bruto, ou pouco menos, ‘sem mãos
intermédias’ [...] algodão, açúcar, cacau, café [...]
31
.
É significativo o fato de que o principal produto de Minas, o ouro, é, ele
próprio, meio de circulação, que, legal ou ilegalmente, circulou amplamente na
capitania incrementando as trocas, estimulando os mercados. Se se considerar que a
ocupação do território ocorre na última década do século XVII, já em 1711 são
erigidas as primeiras vilas na região mineradora central, espalhando-se pelo território;
em meados do século XVIII, praticamente todos os quadrantes da capitania já
possuíam núcleos urbanos – o extremo Noroeste, com Paracatu, o Nordeste, com
Minas Novas, o Sul, o Leste, o Norte, numa sucessão de vilas refletindo tanto a
itinerância da atividade mineradora quanto às exigências de diversificação produtiva
que ela significa, seja pelas crescentes necessidades de abastecimento, seja pelo
próprio esgotamento das riquezas minerais.
É assim que Minas Gerais constituíra, no século XVIII, nos limites da
dominação colonial, com todas as dificuldades decorrentes do isolamento, das
distâncias, da maçante dimensão rural, uma “civilização urbana”, na ocupação das
Minas Gerais, de diversidade física, geográfica, botânica, econômica, humana, cultural
31
HOLANDA, S. Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, S. B. de. (Org.) AGCB. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1960. v. 2, t. 1, p. 293.
e social. Como está em Guimarães Rosa – “pois Minas Gerais é muitas. São, pelo
menos várias Minas”.
32
A posse da terra era um elemento fundamental na ascensão social
durante a época colonial. Embora não houvesse no Brasil certos privilégios sociais
decorrentes da condição de proprietário, comuns no feudalismo, nem por isso deixava
de haver influência de hábitos europeus no comportamento das elites.
Uma das principais vantagens da
condição de proprietário rural era o acesso a
cargos públicos. Com isso, excluía-se não só os
artesãos, mas também comerciantes e
mineradores. A exclusão do serviço público
significava, mesmo para as pessoas de dinheiro,
que estariam excluídas de todas as instâncias de
decisão política e administrativa.
Por isso, ao enriquecerem, muitos brasileiros tratavam de adquirir terras.
Desse modo, teriam a possibilidade de indicar algum membro da família para compor
os quadros administrativos; ao mesmo tempo, a atitude reforçava a política portuguesa
de desviar os brasileiros de atividades econômicas reservadas aos habitantes da
Metrópole.
A busca de propriedades rurais pelos mineiros mais ricos aumentou a
partir da década de 1740, quando o Governador Freire de Andrade passou a distribuir
sesmarias aos mineiros ricos que as solicitassem. Grande parte da região do vale do
Rio São Francisco foi loteada entre esses mineradores que usaram as terras para criar
gado.
De 01 a 08 de abril de 1737, Martinho de Mendonça, em cumprimento
do estipulado, assinou cartas de sesmarias. Para se ter uma idéia do tamanho de uma
sesmaria e de uma capitania, apresentaremos alguns dados a partir dos quais se pode
32
ROSA, op. c it., p. 272, nota 1.
refletir: Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do
Sul integravam a capitania de São Paulo. As sesmarias mediam em média de 10 a
13000 hectares, o que equivale a 24 000 campos de futebol.
As datas eram doações menores, de mais ou menos 275 hectares. A
diferença entre sesmarias e datas não é apenas no tamanho. A sesmaria, por exemplo,
era isenta de foro, espécie de tributo, pagando apenas o dízimo em espécie à Ordem de
Cristo, que financiara o descobrimento do Brasil; as datas ou aforamentos eram
taxados com foro, além de pagarem o dízimo. Isso se explica em parte pelo fato de os
sesmeiros arcarem com despesas maiores referentes ao financiamento das expedições
para trazer colonos, sementes, etc. Evidentemente, a doação de terras foi um estímulo
à colonização.
Após não mais que duas décadas de administração direta e mal sucedida,
de exploração econômica de seus territórios, a Coroa Portuguesa entregou-as a grupos
particulares. Dividiu-se o território colonial em doze capitanias; estas foram
distribuídas a seus donatários, juntamente com o conjunto de privilégios, de direitos e
deveres de proprietários. Essas prebendas territoriais, ou sesmarias eram grandes
latifúndios, concessões perpétuas aos proprietários de terras, que, embora hereditárias,
se regulavam somente pelo direito de posse e de usufruto, pois o título permanecia nas
mãos do rei. Era uma maneira usada pela Coroa para obrigar seus súditos a assumirem
a tarefa administrativa, cabendo àquela receber de seus prebendários e colonos grande
variedade de tributos fiscais evitando os custos econômicos e organizacionais de
administração ultramarina.
Em Minas Gerais, os povoadores haviam começado por datas legalizadas
e a propriedade certa foi iniciada mediante os estatutos da guarda-moria. O senhor da
capitania tinha o dever de proteger as terras reais e de promover a sua exploração. Para
conceder sesmarias a outros colonizadores – desde que estes explorassem – porquanto,
como Capitão-mor, ele constituía a mais alta autoridade civil e fiscal de seus domínios.
Era a melhor maneira de se fiscalizar o interesse da Fazenda Real. Pelo
exame das cartas de sesmaria, podemos traçar o perfil dos antigos desbravadores que
contrataram para desbravar as suas concessões em pontos determinados para darem
ranchos e pousos ao longo do caminho, obrigando-os a construir por aí casas e postos
para cômodo de tropeiros, e também roças para o farto abastecimento dos itinerantes.
Substituindo o sistema de capitanias independentes pelo Governo Geral,
preservou-se a organização patrimonial de caráter prebendário. Os governadores locais
mantinham sua função militar, já que eram encarregados da defesa de sua capitania,
dispondo da ajuda obrigatória dos sesmeiros e dos senhores de engenho. Portanto,
essas concessões reais de terras a dependentes patrimoniais surgiram como uma forma
típica de administração do novo território português.
A proeminência do senhor de terras foi fortalecida pela militarização da
organização latifundiária, ocasionada pela necessidade de proteger as fazendas contra
o ataque constante de índios. Desenvolveu-se, também o patriarcalismo, reforçado
pelo atrofiamento da vida urbana, pelas grandes distâncias das fazendas e dos
engenhos com grandes extensões de terras.
A distribuição de terras e sesmarias atraía os povoadores, prendendo-os
dentro de seus limites, absorvendo-os, fixando-os, fomentando a contribuição
autárquica de “engenhos reais”
33
, o que era favorecido pela distância uns dos outros,
situados na faixa costeira.
Com a notícia das riquezas de Minas, onde todos os dias se fazia novos
descobertos de lavras auríferas, a sua população foi crescendo, e em proporção
tornavam-se mais rendosos os direitos de entradas com o aumento dos consumidores.
Saindo a percorrer os descobertos abriram-se por várias direções, caminhos e veredas;
os viajantes transitavam pelo interior das Minas, alargando os horizontes, indo e vindo
para Goiás.
A começar pelo Tamanduá, que é o mais antigo núcleo de povoamento do
sertão por esse lado, sabe-se que em 1736, achando-se em Goiás, perseguido
pelos credores, aos quais não podia pagar com o que tinha ou dera por conta,
o Capitão Estanislau de Toledo Pisa, veio estabelecer-se com seu primo, o
Guarda-mor Feliciano Cardoso de Camargos, na paragem denominada Casa
do Casca do Tamanduá [...] Para fugir às perseguições da Justiça, por ordem
do Conde de Assumar, o célebre genro do Anhanguera, Domingos
Rodrigues do Prado, ou pelo assassinato que lhe atribuíram, perpetrado
bárbara e traiçoeiramente em Taubaté na pessoa do Mestre-de-campo Carlos
Pedroso da Silveira, ou pela sanguinolenta sedição do Pitangui, o certo é que
se refugiou no Pium-i, sertão fechado, onde permaneceu por dois anos, à
espera do que viesse encontrar a família assistente no Pitangui, para com ela
seguir a juntar-se com o sogro na conquista de Goiás. Vários outros nomes
anteciparam-se nos primeiros tempos dessas regiões, e também se nomearam
muitos sítios em que tiveram sesmarias por pagamento de serviços os
empresários da picada
34
.
No itinerário histórico de Patrocínio, trilhamos os caminhos de regiões
mineiras cuja origem e cujo desenvolvimento estão ligados, de formas diversas; de um
lado, ao ciclo da mineração, trilhas da riqueza fácil, da sorte, dos aventureiros, de
outro, as Minas dos sertões, da riqueza da propriedade da terra, das boiadas e do
isolamento.
33
VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. v. 1, p. 99.
Nas regiões de currais de gado, a dispersão da população se tornava mais
acentuada visto que, no regime de concessão de sesmarias, uma das condições
consistia na proibição de construção de casas e de currais na légua intermediária entre
uma e outra fazenda. Surge daí, então, o apego ao lugar, a terra, e a espacialização das
relações que são fundadas na presença da família que ocupa lugar nas relações de
confiança.
A propriedade se torna, então, símbolo de distinção e centro do poder
decisório. Ela, em seu antigo e genuíno sentido, trazia consigo certos privilégios para o
seu dono. Estava ligada estreitamente à sua honra pessoal. A “senhorialização” das
maneiras rústicas dos senhores de terra deveu-se, principalmente, ao fato de serem
proprietários. O título de propriedade concedia-lhes honras estamentais. A valorização
de títulos de nobreza e a distinção por nascimento mostram-nos o realce de uma
posição social diferencial, construída e mantida historicamente como forma de
manutenção de uma hierarquia de desigualdade, tanto do ponto de vista sócio-cultural
quanto do econômico e político.
As entradas de Inácio Correa Pamplona foram resultado de
determinações do Conde de Valadares que, na segunda metade do Século XVIII,
exerceu importante papel na obra de expansão do território mineiro. Capitão Inácio de
Oliveira Campos, incumbido de fazer explorações esteve realizando-as na região do
Bromado e Esmeril, nos anos de 1771 e 1772.
Catiguá era o nome que os negros davam ao lugar. Como a expedição
partira de Pitangui tanto a Câmara dessa vila, como o vigário, tratavam de
34
VASCONCELOS, Diogo de. História média de Minas Gerais. 3. ed. Belo Horizonte/Brasília-DF: Itatiaia/
INL, 1974. p. 170-171. (Biblioteca de estudos históricos, 5).
tomar posse de toda a região. Cônego Trindade mencionava um atestado
assinado por Inácio de Oliveira Campos, segundo o qual, o vigário [...]
benzera o cemitério nos Campos de Catiguá ou Salitre
35
.
O Capitão-mor João Pedro de Carvalho, de Pitangui, encarregou o
capitão das Entradas Francisco de Araújo e Sá, morador na região do Picão, no Rio
São Francisco, de auxiliar o Capitão Inácio de Oliveira Campos para estabelecer uma
fazenda.
A demarcação da Sesmaria do Bebedouro de Salitre se deu em 1789 e a
região foi incorporada, oficialmente, à Capitania de Goiás. Junto ao
povoado, incorporou-se a Sesmaria do Esmeril, concedida a Antônio de
Queiroz Teles, aumentando a área e a condição político-administrativa. A
região dos Sertões da Farinha Podre (Triângulo e Alto Paranaíba) retornou à
Capitania de Minas Gerais, em 1818. Conforme consta da Lei Mineira no.
171, de 23 de março de 1840, sancionada por Bernardo Jacintho da Veiga,
Presidente da Província de Minas Gerais, a povoação de Nossa Senhora do
Patrocínio foi elevada a Vila, compreendendo no seu Município todos os
Curatos da Freguesia deste nome, exceto o de Santa Anna da Barra do Rio
das Velhas, que ficou pertencendo ao Município de Uberaba
36
.
A história do povoamento dessa região, “caminhos da busca pelo ouro e
diamante”, foi marcada pelo auge e decadência do ciclo e pelo desenvolvimento de
uma agricultura de subsistência e a criação extensiva de gado.
[...] Como na parte oriental do sertão, existem perto de Paracatú, terrenos
salitrados que substituem o sal para o gado vaccum, e pode ser igualmente
substituído, em diversos districtos, como Araxá, Patrocínio, arredores de
Farinha Podre, por águas mineraes que os animaes saboreiam com delícia
37
.
35
BARBOSA, W. Almeida. Dicionário histórico e geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Promoção da
Família, 1971. p. 349.
36
FERREIRA, Hedmar de Oliveira. Colégio Dom Lustosa: história da educação católica masculina em
Patrocínio – MG – 1927-1972. 2000. 173 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca. p. 50.
37
Ibidem, p. 50.
[...] Faz-se entrar o gado à tarde no recinto, deixa-se o passar ahi a noite;
os bois bebem à vontade, e fazem-nos sahir no dia seguinte. Os animaes
muito magros recusam, às vezes, beber a água do barreiro, mas fazem-nos
bebel-a à força. Freqüentes vezes diversos fazendeiros confundem os seus
rebanhos e os fazem entrar juntos no recinto. Uma das principaes ocupações
dos agricultores, nas zonas de campos, é a de reunirem todos os mezes o
gado; montam a cavallo, galopam nos pastos freqüentes vezes, durante
vários dias, e levam o rebanho à fazenda, seja para dar-lhe sal, seja, como
nos arredores de Araxá e de Salitre ou Patrocínio, para leval-os às águas
mineraes
38
.
[...] As fazendas deste districto são assás favoravelmente situadas;
encontram uma facil sahida para os seus productos em Paracatú, aonde se
pode chegar em dez dias em carros de boi, e têm para o seu gado águas
mineraes. A 6 léguas de Leandro
39
existem fontes da mesma natureza que as
de Araxá e Salitre, em uma pequena cadeia de montanhas chamada Serra
Negra. Estas últimas fontes também são públicas, e a água é recebida em
bebedouros onde o gado vai sorve-lo
40
.
Os fazendeiros, mesmo os mais abastados, levavam uma existência
muito primitiva. Saint-Hilaire nota a pobreza do mobiliário das casas de fazenda:
“além do catre de madeira e couro cru, só a mesa aparelhada e uns bancos rústicos”
41
.
A vida no interior era bastante difícil. Tudo era muito improvisado. As relações entre
os homens eram primárias e pessoais; os serviços realizados espontaneamente, dentro
da tradição do auxílio mútuo. Saint-Hilaire conta que encontrou em Patrocínio uma
tropa, das quais fazia transporte entre Goiás e Rio de Janeiro; a viagem consumia
cinco meses na ida e outros tantos na volta.
38
FERREIRA, op. cit., p. 50, nota 9.
39
Leandro ou Fazenda do Leandro situada a 4 léguas da fazenda do Arruda. A Arruda, segundo Pohl e
Eschewege estava situada ao pé duma pequena cadeia de montanhas muito pouco elevada, na altura da
povoação de Patrocínio; Pohl a chamou de Serra d’Ourada e Eschewege de Serra dos Dourados, hoje
chamam Serra do Cruzeiro. In: BARBOSA, op. cit., p. 246, nota 8.
40
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goyás. São
Paulo: Nacional, 1937. t. 1, p. 241-242. (Brasiliana, série 5ª, 68).
41
Ibidem, p. 274.
“Patrocínio, uma das localidades mais destacadas da Província das Minas
Gerais, enumerada nos documentos oficiais da província, pertencente à
Comarca do Paranaíba. Situado entre as nascentes do Rio Paranaíba e do Rio
das Velhas; formado, sobretudo por campos. Tem pecuária, alguma
agricultura e garimpos de diamantes. O centro principal é a Vila de
Patrocínio, fundada no início do século XIX, e elevada à vila em 1840. Tem
boas pastagens em solo levemente salitroso.
Freguesias:
Santo Antonio dos Patos, a doze léguas a nor-nordeste de Patrocínio; com
cerca de sete mil habitantes;
Santana da Barra do Rio das Velhas, a cerca de 16 léguas a oeste de
Patrocínio. Paróquia extensa entre o Rio Paranaíba, o Ribeirão da Bagagem e
do Rio das Velhas. Tem agricultura e seis mil habitantes;
Bagagem, a cerca de 15 léguas a noroeste de Patrocínio, no ribeirão do
mesmo nome. Tem importantes garimpos de diamantes coloridos. Foi
elevada a vila em 1856, e tem dez mil habitantes”
42
.
A cidade de Patrocínio, situada a mais de 1.200 Km de distância da
cidade do Rio de Janeiro, em pleno sertão mineiro, surgiu como ponto de pouso e da
vida rural.
O Conde de Valadares exerceu importante papel na obra de expansão do
território mineiro, na segunda metade do Século XVIII. As entradas de Inácio Correa
Pamplona e o estabelecimento do arraial de Bambuí foram resultado de determinações
suas. Ao Capitão Inácio de Oliveira Campos incumbiu de fazer explorações e
socavações em vários ribeiros e córregos, desde 1771. Já no fim de 1772, o Capitão-
Mor João Pedro de Carvalho, de Pitangui, encarregou o capitão das Estradas,
Francisco de Araújo e Sá, que morava no Picão, no Rio São Francisco, de auxiliar o
Capitão Inácio de Oliveira Campos, para estabelecer uma fazenda.
Foi no primeiro quartel do Século XIX que o fazendeiro, Antonio de
Queiroz Telles, doou as terras para patrimônio do povoado nascente. Junto ao
42
HALFELD, H.G.F., TSCHUDI, J.J., von. A província brasileira de Minas Gerais. Tradução de Myriam
Ávila. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. p. 108.
povoado, incorporou-se a Sesmaria do Esmeril, a ele concedida, aumentando a área e a
condição político-administrativa. Até 1816 (Alvará de 04 de abril), Patrocínio
subordinado a Araxá, e toda a região do Triângulo Mineiro pertenciam à Capitania de
Goiás. Após aquela data passou (com Araxá) a pertencer a Paracatu
43
.
Patrocínio teve as regalias de paróquia, com o título de Nossa Senhora
do Patrocínio, com a Lei provincial n° 114 de 09 de março de 1839
44
.
E segundo a ex-aluna Alphonsina,
E ao estudar a história de nossa Patrocínio nos leva a refletir sobre a
grandeza e soberania de Deus. E procurando saber como nos foi concedida a
graça de recebermos como padroeira Nossa Senhora do Patrocínio,
evidenciamos a sabedoria naquele, que há muitos anos implorou à Virgem,
Senhora do Patrocínio a cura de uma de suas filhas, chamada Ana. Milagre!
Sua filha estava curada. E Antonio de Queiroz Teles, naquele momento
jubiloso, doou à tão milagrosa santa, uma parte de sua fazenda que veio a ser
a nossa cidade.
Para honrar mais ainda o nome de Nossa Senhora do Patrocínio, os
fundadores de nossa escola, escolheram-na para padroeira e protetora desse
educandário
45
.
Com o desenvolvimento agrícola, a produção cresceu, paulatinamente
em todos os setores, especialmente no cafeeiro e na pecuária. Patrocínio encontrou seu
modus vivendi na agricultura e pecuária que se tornaram responsáveis pelo aumento da
população e pelo acúmulo de capitais a permitirem o aparecimento das grandes
fazendas de café.
O que vale é a terra; o domínio rural, das grandes fazendas de criação ou
cultura, se transforma como centro de gravitação. Daí é que parte a determinação dos
43
Cf. PAULA, Floriano Peixoto de. Patrocínio – subsídios para sua história. Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 1962. p. 16.
44
BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Livro da Lei Mineira. 1908. t. 5, parte 1ª, folha 1.
45
DIAS, Alphonsina. Ex-aluna da década de 50. Caderno de Redação. 1948. Manuscrito.
valores sociais; nela se traçam as esferas de influência, ela é que classifica e
desclassifica os homens. Sem ela não existe poder efetivo, autoridade verdadeira,
prestígio duradouro. Neste ambiente, a figura central e dominante há de ser a do
senhor, do fazendeiro, a do dono da terra. Frente a isso, não só a organização patriarcal
se fortaleceu, mas também a solidariedade da população rural, já que o único foco de
vida e organização social nos sertões ficava dentro dos limites dessas propriedades
rurais.
Desse modo, Minas Gerais possuía regiões de grande conservantismo
com relações tradicionais do domínio agrário patrimonialista. Esse é, especialmente, o
caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, onde predominava a produção agro-
pastoril com fazendas auto-suficientes. A propriedade em Minas, de início um valor
ligado à sobrevivência, tornou-se, com o tempo, símbolo de distinção, de diferenciação
e de participação social. Um símbolo de poder que define a hierarquia no mundo rural.
A sociedade patrocinense desenvolveu-se, em torno do poderoso núcleo familiar.
Família patriarcal, de formação portuguesa antiga. E o grupo familiar não se restringia
somente ao casal e filhos, mas ainda abarcava muitos parentes, afilhados, agregados e
escravos.
Ocorrida com intensidade, na época colonial, a miscigenação entre
escravos, índios e brancos deve ser avaliada, dentro do quadro social dominante.
Apesar da intensidade desses cruzamentos, o casamento não poderia ocorrer de forma
indiscriminada entre senhores e escravos, entre brancos e negros, pois isso significaria
a dissolução da escravidão. Daí a necessidade da preservação do grupo dominante,
mantendo o controle dos futuros parceiros a serem admitidos no grupo familiar. Essa é
uma característica que se reproduz em todas as famílias patriarcais. Veremos, em toda
Minas Gerais, a história de família: filhos de homem “bom!” casar com os filhos de
outro homem “bom”, mantendo coesa a instituição da família, preservando os bens e a
posição de dominância.
Esses “homens bons” tinham seus nomes inscritos nos Livros da
Nobreza, existentes nas Câmaras. A administração local estava nas mãos de Câmaras e
de Conselhos Municipais. Isso indicava que só eles podiam ser eleitos, formando uma
pequena elite frente à numerosa população. Os Conselhos Municipais constituíam a
estrutura jurídico-política básica de formação econômico, social, mercantil e
escravista.
Algumas das famílias mais poderosas do Brasil, tais como os
Albuquerque, em Pernambuco, Corrêa de Sá, no Rio de Janeiro, os Pires Camargo, em
São Paulo, conseguiram manter parentes protegidos nos Conselhos, exercendo
influência sobre as resoluções. Consta que nas vilas do interior de Minas, essa
“nobreza municipal” vivia no campo, só vindo à cidade para cerimônias religiosas e
serviços de vereança:
Durante os dias de trabalho, a maior parte das casas de Araxá ficam
fechadas; seus proprietários não vêm ali senão aos domingos, para ouvir
missa, e passam o resto do tempo nas plantações. Os que habitam a
povoação durante a semana são artífices, dos quais alguns deles habilidosos,
e homens sem ocupação, alguns mercadores e mulheres públicas. O que eu
digo aqui pode aplicar quase todas as povoações da província de Minas
46
.
46
VIANA, op. cit., p. 115, nota 6.
Essa composição político-social, ideológica e econômica da Colônia
ilumina-nos para a constituição dos valores orientados para o sentimento da terra ou do
localismo, para a permanência do patrimonialismo, como vestígios da organização
feudal pré-capitalista.
Em Minas, encontramos famílias numerosas formando clãs parentais
imensos, estabelecidos próximos uns dos outros. Em Barbacena, temos os Sá Fortes e
os Lima Duarte; no município de Uberaba, os Rodrigues da Cunha; em Monte
Carmelo, os Paranhos, os Mundim; em Patos de Minas, os Caixeta, os Borges; no
município de Patrocínio, os Alves do Nascimento, os Borges de Paiva, os Cândido
Aguiar, os Amaral; em Paracatu, os Adjuto, os Botelho, etc.
Nos primeiros séculos da Colônia, a forma de instalação das primitivas
famílias patriarcais, teve como decorrência natural a solidariedade familiar; é um
sentimento e uma forma de relação. Configura uma característica dos senhores de
terra, engenho e currais de gado.
As famílias políticas sempre foram uma constante na história de Minas
Gerais. Em Patrocínio, muitas delas exerceram, desde o início, forte influência e,
desde o início também, transmitiram-na a seus descendentes. Desde a primeira eleição,
em 1930, fazia-se sentir a atuação de grupos familiares.
As famílias que mantiveram o predomínio político em Patrocínio durante
mais de meio século foram os Alves do Nascimento, Amaral, Cândido Aguiar e
Martins Borges. A atuação e a presença delas no cenário político foi muito forte; foi
tão forte que os sobrenomes eram instituídos como sinônimos de partido. Não se sabia
quem pertencia ao Partido Liberal Conservador ou ao Partido Republicano. Sabia-se
quem era do lado dos Alves do Nascimento e Amaral, ou do lado dos Martins Borges e
Cândido Aguiar. A família era e ainda é o ponto de referência do patrocinense: ele fala
o seu sobrenome como identificação de sua cidade. A importância de sua família
determina, portanto, a importância de si próprio.
Nessa época, a vida social de uma cidade do interior se desenrolava
muito em torno de uma Igreja, que tinha um papel de destaque tanto na vida política
quanto na vida social da cidade.
Nesse cenário sócio-econômico pouco dinâmico, se comparado a São
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a Igreja Católica manteve o seu domínio
sobre o comportamento da família, suas atividades, articulações com a educação e a
política. Como lembra Míriam L. Moreira Leite:
O temor à influência dos positivistas e dos elementos anticlericais
funcionava principalmente como impulsionador da (re)cristianização de
instituições leigas clericais, sem reduzir a influência que a Igreja sempre
exerceu junto à sociedade civil no Estado. Tanto assim que foi restabelecido
o ensino religioso nas escolas públicas, com o Governador de Minas Gerais,
Antonio Carlos, em 1928
47
.
Estas condições explicam, portanto, as razões da adequação e do
prolongado sucesso dos Colégios internos masculinos e femininos dirigidos por
religiosos (as) católicos (as) em Minas Gerais. Província/Estado tradicional e agrário,
relativamente atrasado, onde o controle social é mais penetrante e se impõe sobre os
dominados e as minorias, com a população submetida à tutela da Igreja Católica, os
papéis tradicionais masculinos e femininos eram aqui incorporados e aceitos como
47
LEITE, Míriam L. Moreira. Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura. São Paulo: Ática, 1984. p. 8.
indiscutíveis, independentemente das situações realmente vividas dentro e fora da
família, no trabalho doméstico, na lavoura, no comércio, na indústria, na educação e
no funcionalismo. Em Patrocínio “O colégio projetado pelos ‘Picpus’
48
se destinaria,
por meio de uma imagem ideal do homem, o futuro dirigente político e católico fiel”
49
.
A Igreja tinha um papel político na sociedade, integrando a vida política
e social – o ponto central de toda a sociedade. No início do Século XX, na década de
20, propõe-se uma regeneração moral do país, através das normas da Igreja, insistindo
para que o Brasil voltasse a ser católico. Segundo Riolando Azzi,
[...] a Igreja passa de uma posição declaradamente defensiva típica da
mentalidade do Século XIX, para uma nova atitude de conquista espiritual
do mundo [...] sucede a partir da Segunda década do Século XX, um espírito
de otimismo, de coragem e de cruzada: a meta da Igreja é restabelecer seu
domínio na sociedade
50
.
A Igreja é capaz de educar o povo restaurando a ordem moral e religiosa
e, conseqüentemente, preservando a ordem social e política. A educação no contexto
do projeto liberal pretendia formar o cidadão, adaptando-o à tutela da Constituição,
respeitador dos direitos individuais e conhecedor dos princípios da sociedade política
que fazem parte.
Assim, a aliança entre a Igreja conservadora e a oligarquia se tornou
muito clara porque, há uma necessidade mais premente do que as questões liberais,
positivistas, há a necessidade da manutenção da ordem constituída, anseio de ambas.
48
Picpus – Em 1805, os padres da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria se estabeleceram na
Rue de Picpus em Paris (França), de onde veio o nome popular de Padres de Picpus.
49
FERREIRA, op. cit., p. 44, nota 9.
50
AZZI, Riolando. A neocristandade: um projeto restaurador. São Paulo: Paulus, 1994. p. 23. (História do
pensamento católico no Brasil, 5).
CAPÍTULO 2
REEXAMINANDO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
A escola brasileira foi lançada no mesmo instante em que decorridos
apenas quinze dias após a chegada dos jesuítas ao Brasil, o notável Padre Vicente Rijo
instalava a primeira aula de "ler e escrever" na Salvador que se fundava. Uma escola,
de certo modo, onde estava o embrião dos defeitos e virtudes que iriam caracterizar a
própria sociedade brasileira que nascia pela fricção da iniciativa portuguesa com a
resistência do meio natural e humano aqui existente.
Lenta foi sua germinação na monótona estabilidade do regime jesuítico,
nas transições das reformas pombalinas à Independência e, embora se intensificando
gradualmente, nas hesitações do Período Imperial e da Primeira República, até
surgirem os seus contornos mais nítidos foi na recente década de 1930.
Os primórdios da formação social e política do Brasil, refletindo as
idéias educacionais da época, trazidas da Europa pelos colonizadores, não traduzem
nenhuma preocupação da educação popular; ler e escrever não se constituía em
condição generalizada de vida social.
A preocupação com a educação do povo começa a existir com os
jesuítas, cuja obra é considerada um dos fundamentos da cultura e unidade nacional
brasileiras, não obstante serem responsabilizados, até certo ponto, pelo caráter
demasiado literário dos nossos estudos, pelo gosto exagerado pela qualidade de
bacharel, pelo desprezo do homem culto em relação ao trabalho produtivo. O sentido
acadêmico dos estudos torna-se mais pronunciado, enfatizando-se os estudos
superiores, com a transferência da Corte Portuguesa, enquanto o ensino popular não se
constitui preocupação do governo.
No Império, apesar de o Artigo 179 da Constituição instituir: "A
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”, o que, teoricamente, coloca o Brasil
como o primeiro país do mundo a proclamar a gratuidade do ensino, nada se faz nesse
sentido. Não havia mestres para o ensino.
Na Regência, quando o ensino primário é entregue às Províncias, surgem
as primeiras Escolas Normais: a de Niterói em 1835, a que se seguiram as da Bahia,
em 1836, e do Ceará, em 1845. Em 1846 é fundada a Escola Normal de São Paulo,
que, curiosamente, funcionava como escola noturna, freqüentada por jovens que
trabalhavam durante o dia. Mas apesar de o Ato Adicional de 1882 salientar a
importância da disseminação das Escolas Normais pelas Províncias e da criação de um
fundo econômico para educação popular, não interessava à economia do Império,
fundada na escravidão e no latifúndio, a educação do povo. Procurava-se preparar uma
elite para manter os foros da Corte.
A República, apesar de se inspirar nos ideais da Revolução Francesa,
apresenta, no entanto, a mesma tendência que caracteriza a educação no Império:
mantém a educação para uma elite, desvinculada da problemática inerente à mudança
social que se operava.
O ensino primário, nos primórdios da república, sob a responsabilidade
dos estados, se organiza de forma bastante precária, tornando inviável a sua
transformação em um sistema de ensino sólido e complexo. Por isso, em um primeiro
momento, essa educação elementar se caracteriza por um tipo de escola organizada
através de um só professor e uma só classe que agrupa os alunos em vários níveis de
adiantamento, que se alojam, na sua maioria, em casas de aluguel sem as mínimas
condições para desenvolverem um ensino adequado.
Entretanto, mais tarde, ainda sob a responsabilidade dos estados, esse
tipo de estabelecimento, a partir de seu ajustamento com uma série de outras tantas
escolas isoladas, constitui-se no que ficou conhecido como sendo uma das mais
importantes inovações pedagógicas do final do século passado: o Grupo Escolar.
Com turmas homogêneas, várias salas de aula e vários professores, esse
modelo de escola vai pouco a pouco se institucionalizando com base em um ensino
mais racionalizado e padronizado, com vistas a atender um número cada vez maior de
crianças, implicando o início de uma escolarização em massa.
Nesse modelo, o “Grupo Escolar” é a instituição que condensa a
modernidade pedagógica pretendida para a institucionalização do sistema de educação
pública. Essa moderna organização da escola primária escreve Rosa Fátima de Souza,
vinha sendo instituída e adotada em vários países europeus (França, Espanha,
Inglaterra, Alemanha, por exemplo) e nos Estados Unidos: “A generalização desse
modelo foi rápida e sua universalização situa a escola elementar no centro dos
processos de transformação social e cultural que atingiram todo o Ocidente nos séculos
XIX e XX”
51
.
A escola primária começa a funcionar como um sistema de ensino, que
acima de qualquer coisa, se impõe enquanto um poder regenerador que tem a função
de moralizar, civilizar e consolidar a ordem social; ou seja, essa escola, além de se
estabelecer produzindo uma série de inovações pedagógicas, nasce comprometida com
os ideais republicanos que buscam a consolidação de uma nação moderna e
industrializante.
Desse modo, a escola primária dos anos 10, 20 e 30, vai se compondo a
partir de novas necessidades sociais, exigindo que o ensino seja repensado tanto nos
seus fins quanto nos seus meios. E com uma intencionalidade ordenadora cada vez
mais explícita, ao se integrar ao projeto político do país, essa nova escola dá início a
uma série de ações pedagógicas que têm como objetivo formar novos hábitos e
atitudes. É desse período a constituição dos pelotões da saúde e do círculo de pais e
51
SOUZA, Rosa de Fátima. Tempos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de
São Paulo (1890-1910). São Paulo: Unesp, 1998. p. 97.
professores que, com funções muito claras, atuam na escola procurando disseminar um
comportamento disciplinador que visa influenciar não apenas os alunos mas, também,
as suas famílias. É o próprio Anísio Teixeira quem confirma esse poder da escola: “A
ação da escola, por esses três ensinos, não se restringirá ao âmbito de sua sede, mas se
irradiará até a sociedade, concorrendo para expansão e talvez à elevação de sua cultura
social e artística”
52
.
A escola, nesse sentido, acabou por adquirir um papel social e cultural
bastante grande, propiciando a formulação das bases do que ficou conhecido como
sendo a educação integral, isto é, uma educação que não se limita a ensinar a ler,
escrever e contar, mas que procura desenvolver na criança uma série de hábitos
“sadios, inteligentes e belos”
53
.
A mulher brasileira esteve afastada da escola, durante o período colonial.
Os colégios e escolas elementares mantidos e administrados pelos jesuítas destinavam-
se apenas aos homens. Às mulheres cabia aprender a dedicar-se às tarefas ditas
"próprias ao seu sexo": costurar, bordar, lavar, fazer rendas e cuidar das crianças.
Timidez e ignorância eram suas principais características. Somente após a
independência é que essa situação começou a mudar.
Pela Lei de 15 de outubro de 1827, a mulher adquiriu o direito à
educação, com a determinação de criação de escolas de primeiras letras para meninas.
Com isso também surgiram as primeiras vagas para o sexo feminino no magistério
primário, e sua possibilidade de instrução foi ampliada.
De acordo com o Artigo 6
o
desta Lei:
52
TEIXEIRA, Anísio. Por que “escola nova?”. Bahia: Livraria e Typografia do Comércio, 1930. p. 202.
53
Idem, Ibidem.
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios
de mora christã e da doutrina da religião cathólica apostólica romana,
proporcionados à comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Constituição do Império e a História do Brasil
54
.
Quanto ao trabalho das professoras, o Artigo 12 previa o seguinte:
As mestras, além do declarado no Artigo 6
o
, com exclusão das noções de
geometria e limitando a instrução de arithmética só as suas quatro operações,
ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão
nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas mulheres, que sendo
brasileiras e de reconhecida honestidade se mostrarem com mais
conhecimentos nos exames feitos na forma do Artigo 7
o55
.
Segundo Primitivo Moacir, por ocasião da criação das primeiras Escolas
Normais, um projeto de lei de 1830 determinava que o magistério primário das escolas
públicas dar-se-ia preferências às mulheres. No entanto, todas as Escolas Normais
criadas recebiam apenas o público masculino
56
. Para LIMA, nesse caso, existe uma
contradição nos valores então vigentes:
[...] de um lado, o sexo feminino encontrava dificuldades consideráveis
de acesso ao ensino, pois a educação formal não era considerada necessária
para as funções que iria desempenhar na sociedade; por outro lado, o
exercício da atividade docente, especialmente no que se refere às crianças,
54
apud LIMA, Lauro de Oliveira. Estória da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. Rio de Janeiro:
Brasília, 1974. p. 80.
55
Idem, Ibidem. [O art. 7º reza: “Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente
perante os Presidentes, em Conselho; e estes proverão o que for julgado mais digno e darão parte ao Governo
para sua legal nomeação”].
56
Cf. LIMA, op. cit., p. 202, nota 4.
era visto como sendo função próprias das mulheres, para a qual tinham
habilidades inatas
57
.
Com o passar do tempo – já nos últimos anos do Império -, a
situação se alterou e, pouco a pouco, as mulheres foram sendo
admitidas na Escola Normal e acabaram por transformá-la num
espaço predominantemente feminino.
Durante o Império, o ensino secundário era propedêutico e destinava-se
àqueles que pretendiam prosseguir os estudos em nível superior, sendo que este último
não era permitido às mulheres. A Escola Normal, então, passou a representar uma das
poucas oportunidades, se não a única, de as mulheres prosseguirem os seus estudos
além do primário. Ela abrigou tanto mulheres que pretendiam lecionar efetivamente,
como outras que buscavam apenas dar continuidade aos estudos e adquirir boa
formação geral antes de se casarem.
A criação de Escolas Normais públicas nas províncias teve de se
acomodar ao ensino secundário dos Liceus, essencialmente masculinos, dedicados à
preparação para o ingresso no ensino superior e que tiveram sempre como modelo o
Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Os diversos Liceus provinciais constituíam
referência fundamental para o desenvolvimento do ensino normal, emprestando seus
professores, suas instalações e seus regulamentos para as novas escolas.
Assim, a formação de professores para as escolas primárias no Brasil,
exigidas pela ordem social, nasceu umbilicalmente vinculada aos tradicionais Liceus.
Tradicionalmente destinadas à formação das elites masculinas, essas escolas
influenciaram fortemente as iniciativas de criação de Escolas Normais, especialmente
nos primeiros momentos. Estas, por sua vez, dado seu duplo caráter de escolas
secundárias e profissionais, preponderantemente feminina, virão influenciar suas
57
LIMA, p. 80.
congêneres masculinas, e principalmente, nortearão o desenvolvimento da instituição
primária, tanto pública como privada, nos Estados, durante a Primeira República.
A necessidade de uma separação da Escola Normal do Liceu vai pouco a
pouco se tornando senso comum nas províncias, dada a demanda feminina crescente
pelo magistério e a permanência de um sistema educacional que reservava o ensino
superior para os homens. Em 1889, antes da República, Souza Bandeira, presidente do
Mato Grosso, extinguiu a Escola anexa ao Liceu, após constatar a ausência de
meninas, criando, em prédio próprio, externato para as alunas, com a seguinte
justificativa:
Não é preciso dizer mais para patentear o defeito da extinta repartição.
Ela chegou ao extremo resultado
de excluir do ensino normal que melhor e
mais vantajosamente pode desempenhar a árdua profissão de mestre, a
mulher. A escola primária é uma continuação da família; bem como o lar
doméstico, a mulher prendada afeiçoa o espírito e o coração de seus ternos
filhos com aquele segredo que os pais mais ilustrados não praticam, nem
compreendem, assim também na escola elementar, destinada a auxiliar e
aperfeiçoar o trabalho da família, nem a ser uma inconseqüência abandonar
ao homem aquela tarefa
58
.
Nos primórdios do Século XIX, na Província de Minas Gerais, a
existência de colégios era uma raridade. Por colégio entende-se uma instituição em seu
sentido europeu (francês), tal qual se configurava no Brasil do Século XIX: uma
instituição que recruta alunos em determinados segmentos sociais e fornece-lhes um
tipo particular de ensino centrado nas humanidades clássicas, preparando-os para a
academia. As dificuldades impostas às famílias para a educação dos filhos, além do
58
MARCÍLIO, Humberto. História do ensino do Mato Grosso. Cuiabá: Secretaria de Educação e Cultura, 1963.
p. 102.
isolamento e da vigilância considerados indispensáveis à formação escolar, também
estimulavam a procura de colégios, no geral, internatos.
Com a decadência do ensino secundário dos Liceus e o incentivo do
poder central para a criação das Escolas Normais em todas as províncias, acenando-se,
inclusive, com o auxílio econômico do governo central, as múltiplas experiências de
estabelecimento de Escolas Normais iniciadas já em 1835, com a fundação de uma
Escola em Niterói, passaram a tomar por referência as diretrizes emanadas do Rio de
Janeiro. Tem-se uma ilustração da tendência irreversível de feminização do magistério,
quando em 1906 foi inaugurada a primeira Escola Normal pública por João Pinheiro
da Silva em Belo Horizonte.
A constituição de Escolas Normais nas províncias, menos
institucionalizadas, mas de raízes históricas mais antigas, baseou-se na extensão da
escolarização de órgãos entregues a instituições dirigidas por ordens religiosas. Em
São Paulo, efetivou-se, em 1876, a criação de uma Escola Normal junto ao Seminário
da Glória, destinado a órfãs. Mesmo que Escolas Normais não tenham sido instaladas
formalmente nos seminários, eles serviram para prover de professores o magistério
primário. Essa iniciativa contava com franco subsídio dos cofres públicos e foi,
preferencialmente, adotada em regiões que começaram a ter um maior
desenvolvimento econômico, forçando o poder público municipal ou estadual a
subsidiar a iniciativa privada naquelas áreas, geralmente como suporte de ordens
religiosas, como é ilustrado claramente pela atuação das irmãs dominicanas em
Goiás
59
. No Pará, a Escola Normal, instalada em 1871, funcionava no Liceu para os
59
Cf. CANEZIN, Maria Tereza; LOUREIRO, Walderês Nunes. A Escola Normal em Goiás. Goiânia:
Universidade Federal de Goiás, 1987. p. 54-65.
homens e no Colégio Nossa Senhora do Amparo para as mulheres. A formação de
professores em escolas confessionais sofreu um forte impulso a partir de 1920, já num
cenário de necessidade e reconhecimento do magistério feminino como profissão,
fiscalizadas, mas também subsidiadas pelo poder público.
Acompanhando as transformações sociais que ocorriam em todo o
território brasileiro, as Escolas Normais, gradativamente, conformaram-se aos projetos
políticos das oligarquias locais, cada vez mais imbuídos da necessidade de uma
educação primária para as classes populares. Apesar dos anseios de renovação
estimulados pelo advento do regime republicano, que geravam um breve entusiasmo
pela educação voltado para a alfabetização capaz de habilitar os eleitores ao direito de
voto, percebeu-se muito mais uma continuidade do que uma ruptura com as iniciativas
tomadas no final do Império, no que tange ao desenvolvimento institucional do Ensino
Normal. Se bem que, como diz Nagle, "na passagem do regime monárquico para o
republicano foram mantidas as normas gerais de atração do Estado em matéria de
educação”
60
; o federalismo inaugurado pelo novo regime deu azo aos Estados para
organizarem a instrução pública segundo os interesses locais. Nesse processo, as
Escolas Normais constituíram o palco privilegiado do debate educacional e acabaram
por impor normas não só ao ensino elementar, mas também ao ensino secundário e
mesmo superior.
Resumidamente: as tendências educacionais de 1889 a 1930
demonstraram um ensino profissional incipiente e sem
obedecer a um plano comum; um ensino primário
relativamente desenvolvido; um curso secundário direcionado
para o ensino superior e um curso normal que começava a se
desenvolver num contexto educacional de descentralização
administrativa e política. Como era de se esperar, a educação
não apresenta objetivo e conteúdo nacionais.
60
NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira república. São Paulo: EPU/Edusp, 1974. p. 279.
Em geral, nas interpretações sobre a educação brasileira do
passado, as representações sobre o movimento da Escola Nova
estiveram associadas à idéia de ruptura e negação das práticas
educacionais anteriores. Para a autorização e visibilidade deste
discurso, a Escola Nova se localizava numa linha de tempo
evolutiva, como instituidora de um novo tempo histórico e
cujos agentes, os educadores, associados a médicos e juristas,
colocavam-se como sujeitos qualificados para gerar e gestar a
modernidade. Enquanto intérpretes de novas idéias, estas elites
precisavam desqualificar velhas concepções, hábitos e valores
disseminados na população, colocando a educação como tema
fundamental de suas ações.
Os esquemas explicativos para o novo movimento se repetem
nas diferentes obras produzidas na década de 20 de forma
bipolarizada. Ou seja, na escola tradicional, o ensino era
centrado no mestre, havia a disciplina da palmatória, os
métodos de soletração cantarolada, a função da escola era
transmitir conhecimento, a escola era elitista. Por sua vez, na
nova escola, o ensino deveria estar centrado no aluno, a
disciplina precisaria vir de dentro para fora, o objetivo da
escola era educar e não apenas instruir, os alunos deveriam
aprender fazer fazendo, a escola seria popularizada. Esta
disposição de idéias nos ajuda pouco para entender os
movimentos pedagógicos e a história da escola.
O movimento da Escola Nova através dos discursos difundidos
pelas elites intelectuais e pelas práticas disseminadas,
introduziu definitivamente uma nova mentalidade educacional,
a da racionalidade.
As propostas da escola ativa quiseram pôr um fim ao
empirismo das ações, como foram denominadas as práticas da
escola tradicional. Recorrendo à exatidão das ciências, porque
podem calcular e prever, os escolanovistas produziram
estratégias de ação que foram, na verdade, formas modernas de
controle.
A década de 20 foi um período de muitas mudanças na
sociedade brasileira e, portanto, um período especial de estudo
nas mais diversas áreas: economia, política, estruturação social,
cultura e, como não podia deixar de ser, na área da educação.
Segundo Paula, é nesse período que tem início o fenômeno econômico
denominado “substituição de importações”
61
. Frente aos limites impostos pela
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), interrompeu-se um processo de troca que
tradicionalmente era feito com os países europeus mais desenvolvidos: produtos
agrícolas produzidos aqui, principalmente o café, por produtos industrializados
produzidos lá (principalmente na Inglaterra). Foi preciso então que o País, por conta
própria, passasse a atender e suprir as necessidades mais prementes de consumo
interno. Conseqüentemente, houve a ampliação e diversificação do parque industrial
61
PAULA, João Antonio de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 77.
brasileiro. São Paulo e Rio de Janeiro saíram à frente nesse processo, mas Minas
Gerais não ficou fora do quadro nacional. Mais ao final do período da República
Velha, encerrado em 1930, Minas, que havia tido seus principais produtos econômicos
na área da agricultura e da pecuária, começou a mudar, tendo, nos setores alimentício e
têxtil, as primeiras áreas do seu incipiente desenvolvimento industrial e nas cidades de
Juiz de Fora e Belo Horizonte os principais pólos regionais desse movimento.
CAPÍTULO 3
A EMERGÊNCIA DO COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO
3.1 A Congregação do Sagrado Coração de Maria
O termo ultramontano era usado desde o Século XI para descrever os
cristãos que buscavam a liderança de Roma (do outro lado da montanha), ou aqueles
que defendiam o ponto de vista dos papas e que respaldavam a sua política. No Século
XIX, esse termo reapareceu, expressando conceitos e atitudes hauridas da ala
conservadora da Igreja Católica. Tratava-se, na realidade, de uma reação apoiada no
restabelecimento da Sociedade de Jesus, advogando uma maior concentração de
poderes ao papa, e renegando uma série de idéias tidas como perigosas: galicanismo,
jansenismo, liberalismo, protestantismo, maçonaria, racionalismo e também o
socialismo.
Em face do progressivo afastamento dos princípios evangélicos e do
poder eclesiástico, os papas desde Gregório XVI e Pio XII, começaram agir no sentido
de salvar os princípios mais decisivos e ao mesmo tempo, definir o que não mais
poderia ser mantido ou conservado nesta idéia de atualização. Conscientes de que a
afirmação de sua autoridade pastoral e doutrinária constituía-se na força mantenedora
da unidade da Igreja, os pontífices romanos deixaram muito clara sua afirmação
doutrinária. Recorreu-se, naturalmente, ao pensamento de São Tomás de Aquino para
fundamentar as respostas ao mundo católico sobre as indagações e contestações das
novas doutrinas que contradiziam a ortodoxia católica.
Nesse eixo o ultramontanismo foi uma orientação política desenvolvida
pela Igreja, após a Revolução Francesa, marcada pelo centralismo institucional em
Roma, um fechamento sobre si mesma, uma recusa de contato com o mundo moderno,
visando sua própria sobrevivência. Apareceu exatamente como reação ao mundo
moderno, isto é, àquele conjunto de novas relações sociais de produção capitalistas,
novas relações políticas, novas propostas culturais começaram a se esboçar no Século
XVI e tomaram contornos definitivos após as Revoluções Industrial e Liberal.
Entendiam os ultramontanos que a salvação temporal da sociedade
dependia da recristianização do mundo, ancorada na idéia de ser a Igreja portadora da
verdade estabelecida e definida pelo Concílio de Trento, o grupo ultramontano julgou
que a salvação temporal da sociedade e eterna do homem dependiam da
recristianização do mundo, tarefa de exclusiva competência do instituto católico.
A origem da Congregação do Sagrado Coração de Maria data do século
XVIII. De 1686 a 1726, era Vigário de Gestel, uma pequena vila da
província de Antuérpia, com apenas 160 habitantes, a dois quilômetros de
Berlaar, na Bélgica, o Padre Ambrosius den Bosch. Para ajudar na limpeza
da igreja e dar aulas para as meninas, ele criou uma associação com o nome
de “A Reunião de duas ou três moças piedosas”. As duas moças piedosas
pioneiras da associação foram acusadas de possuir livros heréticos
jansenistas e após a morte do Padre Ambrosius foram obrigadas a dissolver a
entidade. Petronela Van Hove e Maria Scheirens resolveram continuar a
viver em comum; por prudência, saíram de Gestel e foram para Berlaar,
dedicando-se ao ensino das meninas e principalmente à preparação para a
primeira comunhão
.
Em 1768, Petronela Von Hove faleceu. A pequena comunidade ficou com
cinco membros durante quase um século. Em 1830, Padre Haes, vigário de
Berlaar, aconselhou Maria Teresa Vermeylen a procurar, com prudência,
novas candidatas. O desejo do vigário era transformar a pequena reunião em
um convento para se encarregar do ensino e da educação cristã da juventude.
O vigário e Maria Teresa introduziram as regras na pequena comunidade,
para depois pleitear o seu reconhecimento como Congregação pela Igreja.
Para esse fim, Padre Haes escreveu uma “maneira de vida”, que foi
acrescentada à regra da Ordem Terceira de São Francisco e em pouco tempo
a reunião era um convento com a licença da Igreja para serem religiosas. O
Cardeal Sterckx da Bélgica, concedeu a licença para tomarem o hábito com
o nome de Irmãs do Sagrado Coração de Maria.
As novas religiosas seguiram ainda onze anos a Regra de São Francisco
como a “maneira de vida”. Em 1856, o mesmo cardeal prescreveu a Regra e
transformou a “maneira de vida” em estatuto. No dia 02 de julho de 1857,
nove Irmãs fizeram pela primeira vez os votos perpétuos de pobreza,
castidade e obediência. Madre Stanislas foi a primeira superiora da
Congregação, apelidada pelo povo de Mãezinha Santa.
O principal fim da Congregação é a santificação pessoal de seus
membros. O fim último é a honra e glória de Deus, pela observância dos
votos de pobreza, castidade e obediência. O fim especial é o ensino, o
cuidado dos doentes e o apostolado. As Irmãs vivem a vida de Jesus: orar e
trabalhar. Passam ao menos quatro horas do dia em oração; o resto do tempo
na prática da caridade cristã.
O espírito da Congregação segundo o Prospecto é “o espírito de fé,
esperança e caridade e de modo particular o espírito de simplicidade. Este
era o espírito de suas primeiras Irmãs – a Reunião de Moças Piedosas. É o
espírito da simplicidade que as autoridades eclesiásticas tanto estimam na
Congregação e tanto atraiu almas para servirem a Deus como Irmãs do
Sagrado Coração de Maria”. O apostolado tem como trabalho específico no
campo social à dedicação à educação da infância e da juventude e cuidados
com os velhos e doentes, sendo, portanto, mestras e enfermeiras.
Para o fiel desempenho de sua missão, as jovens deviam receber esmerada
formação sobre a vocação religiosa. Para ser admitida na Congregação, era
preciso renunciar ao mundo e a si mesma, carregar sua cruz e seguir a Jesus
todos os dias de sua vida
62
.
No Brasil, entre as décadas de 30 a 50, as jovens que desejassem
ingressar na Congregação, conforme o Prospecto, deveriam apresentar os seguintes
documentos:
a) Certidão de registro civil provando ser a candidata filha
legítima e de cor branca;
62
Prospecto da Congregação do Sagrado Coração de Maria. 1935.
b) Certidão de batismo;
c) Certidão de Crisma;
d) Atestado Médico acerca de sua saúde e de sua família. Este
atestado deveria comprovar a isenção de moléstias hereditárias;
e) As menores de idade que estivessem sujeitas a tutoria, deveriam
apresentar uma declaração do pai ou tutor que teve o consentimento para sua
entrada na Congregação;
f) Carta de apresentação feita pelo Vigário da Paróquia ou o
Confessor.
O enxoval a ser apresentado na entrada do postulantado era o seguinte:
04 combinações brancas;
04 camisas de dormir, compridas, com mangas e sem decote;
08 calças brancas;
02 toalhas de banho;
04 toalhas de rosto;
04 lençóis de 2,50m x 1,50m;
01 travesseiro;
04 fronhas;
02 colchas brancas;
03 cobertores;
24 lenços brancos;
04 guardanapos brancos de 50 cm;
06 pares de meias pretas;
06 pares de meias de cor;
01 par de chinelos;
01 canivete;
01 talher;
01 guarda-chuva;
01 estojo de costura e acessórios;
01 pente fino e 01 grosso;
Escova de dente e de roupas;
03 pares de sapatos pretos simples;
01 véu de voile de seda preto sem renda.
Vestidos: as postulantes vestiam trajes seculares simples e modestos. Deviam ter
mangas compridas e cobrirem os joelhos. Entre eles, deveria ter um branco.
Ao ser admitida era feito o pagamento da pensão anual para o postulado
e no dia da tomada de hábito (vestimenta oficial), ou seja, entrada para o noviciado,
outro pagamento para a confecção desse hábito. A doação dos bens que lhe coubessem
por direito de herança de família a ser feita para a Congregação era combinada
conforme as suas condições financeiras.
Na Bélgica, de 1868 a 1900 foram fundadas 18 novas casas, sendo 13
escolas, 04 asilos e um orfanato. De 1901 a 1950 seguiram-se mais 28 fundações: 17
escolas (02 internatos), 03 asilos, 04 clínicas, um orfanato, uma Escola de
Enfermagem, um Preventório para crianças tuberculosas e uma casa de repouso. No
início de 1952, a Congregação já contava com 870 membros residindo na casa-mãe e
nas 63 casas filiais. Fora da Bélgica trabalhavam 265 Irmãs em 18 postos diferentes.
Entre 1911 e 1945, as Irmãs do Sagrado Coração de Maria fundaram ou
receberam a direção de estabelecimentos de ensino, orfanatos e santas casas nas
regiões do Triângulo e Alto Paranaíba, em Minas Gerais, conforme relação abaixo:
Araguari
: Colégio Sagrado Coração de Jesus, fundado em 1919, pelas
Irmãs Blandina, Canuta, Rodrigues, Bertha e Blanche.
Em 1993 fundou-se a Comunidade São Luiz para a prestação de serviços
pastorais.
Patrocínio
: Escola Normal Nossa Senhora do Patrocínio fundada em 11
de outubro de 1928, pelas Irmãs Ghislaine, Alda e Antonina;
Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio em 1929;
Patronato Coronel João Cândido Aguiar em 19 de março de 1952;
Asilo São Vicente de Paula em 08 de setembro de 1956.
Pará de Minas
: Colégio Sagrado Coração de Maria fundado em 1942;
Casa de Formação: preparada para acolher as postulantes e noviças na
preparação para a formação de futuras religiosas (noviciado).
Belo Horizonte
: o Colégio São Pascoal foi fundado em 1941, com a
finalidade de oferecer serviços educacionais para crianças, e jovens do sexo feminino.
Montes Claros
: Colégio Imaculada Conceição, é o maior Colégio da
Congregação, criado em 1907;
Comunidade Maria de Nazaré: apoio missionário e paroquial para
crianças, jovens e adulto;
Comunidade Sagrado Coração de Maria: centro de acolhimento às irmãs
idosas e doentes da Congregação e oferece atendimento espiritual aos enfermos da
Santa Casa;
Centro de Acolhida Sagrado Coração de Maria: local de apoio às
simpatizantes e vocacionadas da Congregação.
Na década de 60, a Congregação criou a Casa Provincial em 1969, tendo
como objetivo a coordenação do trabalho da Congregação em nível nacional. Situa-se
no Bairro Serra, em Belo Horizonte - Minas Gerais, e é coordenada por uma equipe de
Irmãs denominada Conselho Provincial, com a seguinte estrutura:
Creches, Patronatos e Asilos para o atendimento às crianças e idosos
desamparados;
Hospitais: cuidando da pastoral e assistência aos enfermos;
Casa de Formação: formação de jovens dispostas à continuidade da obra;
Clubes de serviço social com atividades filantrópicas.
Esta Congregação além de expandir a sua atuação em Minas Gerais
ampliou-se também para o sul do país, reforçando ainda mais a sua opção educativa.
Instalou-se em Londrina (PR), criando a Escola Santa Maria, no ano de 1960, com os
cursos de Educação Infantil e Ensino Fundamental; e na cidade de Bela Vista, criou-se
a Comunidade Santa Maria – casa de acolhimento às crianças desamparadas e
assistência às atividades pastorais.
No Distrito Federal, na cidade de Taguatinga
, em 1972, criou-se o
Instituto Madre Blandina, para atender os cursos de Educação Infantil e Ensino
Fundamental.
Segundo o Estatuto da Congregação, os estabelecimentos são
propriedades da Congregação das Irmãs do Sagrado Coração de Maria, Província
Brasileira, sociedade civil-religiosa, sem fins lucrativos, tendo por objetivos trabalhos
comunitários, filantrópicos, educativos, culturais, beneficentes e de assistência social,
com sede e foro na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, à Rua Monte Alegre,
número 162, no Bairro da Serra.
O que se pretende é reconstituir, o tanto quanto a documentação permite,
o processo de instalação dessas religiosas para Minas Gerais, nas regiões do Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba, em especial na cidade de Patrocínio, onde fundaram ou
receberam a direção de institutos assistenciais. Na redação, dada a orientação geral
adotada para o trabalho como um todo – demonstrar o envolvimento da Igreja, da
oligarquia e do Estado nesse processo – optou-se por explicitar a aliança dessas forças
e instituições independentemente da sincronia de ação entre elas.
A partir da segunda metade do século XIX, a Igreja católica no Brasil vai
se modificando, transformando o catolicismo vigente datado do século XVIII que se
caracterizava pelo repúdio do método jesuítico, pelo enfraquecimento da Escolástica e
pela grande valorização das ciências em detrimento da Filosofia e da Teologia.
Enquanto a Igreja se transformava no nível de sua doutrina e na sua visão das
realidades terrestres, também o País se modificava, internamente, entrando em uma
nova fase de sua história. Iniciava uma modernização de suas estruturas, ancorada num
capitalismo agrário. Claramente percebe-se a penetração de um ideário europeu ao
lado da expansão capitalista provocando mudanças no tecido social.
Estreitavam-se as relações do Brasil com os países centrais do
capitalismo, enquanto, simultaneamente, a elite intelectual assimilava cada vez mais as
idéias em voga na Europa: o naturalismo, o positivismo, o liberalismo, o
evolucionismo e o materialismo. O desejo de uma “reforma” atingindo a “classe”
sacerdotal, era um anseio comum da Igreja e do governo. Esses anseios nasciam de
uma situação crítica que atingia a vida sacerdotal, a observância religiosa, a deficiência
da formação sacerdotal e a falta de evangelização do povo. Os poucos contatos do
povo com a Igreja aconteciam, em sua maior parte, somente em festas e
comemorações. O clero, além de numericamente pequeno, estava moralmente
comprometido e a vida religiosa longe de se caracterizar pela espiritualidade cristã.
Este quadro ensejou entre o episcopado um desejo reformador, com medidas que
visassem a se ajustar aos postulados romanos no tocante às questões hierárquicas, num
estreitamento de relações com a Santa Sé e uma ortodoxia em relação aos princípios
morais e doutrinários. Era na formação do clero que se concentravam todas as forças e
fazia-se necessário começar pelos Seminários organizados segundo os padrões
ultramontanos.
Na década de 20, iniciou-se uma etapa que pode ser designada como
Restauração católica ou neo Cristandade brasileira. Na concepção do episcopado, era
necessário recuperar a influência junto ao poder político. Esta Restauração não
significava uma ruptura com o movimento iniciado pelos bispos reformadores na
época imperial. Tratava-se apenas de uma evolução na mesma concepção de Igreja. No
pensamento da hierarquia católica, era importante criar uma nova ordem política e
social fundamentado nos princípios cristãos; em outras palavras, transformar o regime
político inspirado no ideário positivista num verdadeiro Estado cristão.
A política ultramontana não se restringia à instituição eclesial, mas, ao
contrário, perpassava por todos os setores da sociedade. Para a família, lançou um
olhar especial, invadindo os lares católicos por meio da prática religiosa, efetuada nas
igrejas, nos colégios, nos orfanatos, nas creches, sendo esses os lugares considerados
preferenciais de sua ação:
O cotidiano doméstico foi devassado: noivados, casamentos, obrigações
dos chefes, nascimento, número de filhos, educação dos jovens eram
aconselhados e normatizados pelos chefes da Igreja. A voz oficial, como em
círculos concêntricos, atingia através dos bispados os mais distantes
microcosmos paroquiais. Através dessa forte presença, os pontífices
sonhavam com a constituição de uma única família cristã, idealizando-se na
chefia dessa comunidade de fiéis
63
.
A presença mais efetiva da Igreja visava criar uma sociedade que
respeitasse os valores tradicionais do Cristianismo. Para que essa presença fosse
eficaz, os bispos desejavam reconquistar uma série de privilégios e regalias típicas do
período do Padroado. Dois pontos tinham vinculação direta com a esfera educativa: o
restabelecimento do ensino religioso nas escolas públicas e o direito à obtenção de
subvenções públicas para as instituições católicas com finalidade social.
O primeiro movimento para o restabelecimento do ensino religioso
ocorreu no governo de Artur Bernardes. Havendo idéia de alterar a Constituição de
1891, as lideranças católicas apresentavam um projeto de modificação do Artigo 72.
Conforme essa proposta, o Parágrafo 6, seria redigido da seguinte forma: “Conquanto
63
GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. À Deus, à Igreja e à Pátria. História, São Paulo, v. 11, p. 245-256,
1992. p. 245.
leigo, o ensino com caráter obrigatório nas escolas oficiais, não exclui das mesmas o
ensino facultativo”.
E o Parágrafo 7, devia ter esta nova redação: “Conquanto reconheça que
a Igreja católica é a religião do povo brasileiro, em sua quase totalidade, nenhum culto
ou Igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança
com o governo da união ou dos estados”.
Não obstante, em 1926, houve apenas cinco alterações na Constituição,
frustrando assim as expectativas do episcopado.
Em 1928, porém, a instituição eclesiástica conseguiu em Minas Gerais
uma vitória significativa: o Presidente Antonio Carlos autorizava o ensino religioso
nas escolas públicas, em atenção aos votos do Congresso catequético reunido em Belo
Horizonte. Essa assembléia tinha como meta afirmar a presença católica na sociedade
mediante a promoção de sua doutrina.
No ano seguinte foi autorizado o Ensino Religioso nos estabelecimentos
de ensino, dentro do horário escolar, pela Lei n º 1092 de 12 de outubro.
A partir da década de 20, portanto, a Igreja procurou uma reaproximação
com o Estado, não em termos de subordinação, mas de colaboração. A hierarquia
eclesiástica mostrou-se disposta a colaborar com o governo na manutenção da ordem
pública, mas exigiu em troca que o Estado atendesse as suas reivindicações de ordem
religiosa.
Para a direção, educação e formação religiosa, os bispos, em
consonância com a Santa Sé, foram buscar os padres lazaristas franceses e
capuchinhos italianos, convictos partidários das idéias ultramontanas. Trouxeram
também outras Ordens e Congregações tanto masculinas como femininas vindas da
Europa que assumiram paróquias, engajaram-se nas missões populares, atuaram no
ensino, dirigindo ginásios, colégios, escolas técnicas e profissionais, além dos
orfanatos e asilos.
Em 1925, estavam postas as condições históricas para a vinda das Irmãs
do Sagrado Coração de Maria para Patrocínio. A chegada em Uberaba, Minas Gerais,
dos padres holandeses da Congregação dos Sagrados Corações, em 12 de junho de
1925, possibilitou o estabelecimento de negociações entre a diocese e a
municipalidade das cidades de Araguari e Patrocínio para a realização do projeto do
Bispo Dom Antonio de Almeida Lustosa, referente à fundação dos colégios em
Patrocínio - Colégio Dom Lustosa – para meninos em 1927, e – Colégio Nossa
Senhora do Patrocínio – em 1928, para meninas.
A criação e consolidação desses colégios, segundo Ivan Manoel,
[...] Foi a expressão prática da aliança tácita entre o Estado, que se eximia
o mais possível da responsabilidade pela educação pública, a oligarquia,
que procurava uma educação conservadora para suas filhas, e a Igreja, que
estabelecia, por intermédio da educação escolarizada, uma base estratégica
para seu programa de recristianização da sociedade pela doutrina
ultramontana
64
.
Em Patrocínio, o ensino masculino e feminino era ministrado por
algumas escolas particulares. A educação para os que moravam em fazendas próximas
era transmitida por pessoas contratadas pelos interessados. Em geral, os filhos de
fazendeiros, ainda pequenos recebiam orientação pedagógica nas casas dos
preceptores, que ensinavam os primeiros elementos para se tornarem, mais tarde,
senhores fazendeiros líderes políticos.
A oligarquia patrocinense estava cada vez mais convencida da
necessidade da educação de seus filhos e filhas. Empenhada em atender a necessidade
de uma escola católica, cuja filosofia de vida pudesse orientar os educandos nos
caminhos da justiça e da verdade, levando-os a atingirem seu desenvolvimento
integral, ela se encarregou de junto ao poder público municipal e ao Bispo da Diocese
de Uberaba, Dom Antonio de Almeida Lustosa, viabilizar a instalação do Colégio. A
relativamente rápida negociação entre eles fundamentava-se na mesma proposta da
Igreja em combater as idéias heterodoxas, a maçonaria e o protestantismo:
[...] Por esse motivo, vimos comunicar a V.Excia. que nesta data a
Comissão de senhoras, incumbidas da compra de um prédio, o comprou sito
ao Grupo, que será imediatamente doado às Revmas. Irmãs, por escriptura
pública, logo que ellas iniciem um externato, como é o desejo de todos,
constituindo essa fundação uma necessidade urgente, em face d’um collégio
protestante, recentemente installado e funccionando nesta cidade
65
.
Foto 1 – 1938 – Representantes da oligarquia rural e urbana e as freiras da
Congregação do Sagrado Coração de Maria de Berlaar.
64
MANOEL, Ivan A. A Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do conservadorismo. São Paulo:
UNESP, 1996. p. 62.
65
Abaixo-assinado do Diretório da Câmara Municipal de Patrocínio, em 03 de março de 1928.
Fonte: Arquivo do Colégio.
3.2 O envolvimento da Diocese de Uberaba, da oligarquia patrocinense e as Irmãs do Sagrado Coração de
Maria de Berlaar
A relativamente rápida negociação entre a Diocese de Uberaba, a
municipalidade de Patrocínio e as Irmãs permitiram que, em 1911, aqui chegassem as
primeiras religiosas, vindas da Bélgica: Irmã Ghislaine, Irmã Gilberta.
Os entendimentos de Dom Antonio de Almeida Lustosa, Bispo de
Uberaba, e as lideranças patrocinenses enquadraram o projeto de educação da
juventude na linha do conservadorismo, do catolicismo ultramontano, colocando sob
os cuidados dos padres do Sagrados Corações o colégio masculino, e, sob a direção
das freiras belgas, da Congregação do Sagrado Coração de Maria Berlaar, o colégio
feminino.
A vinda dessas religiosas revelou o envolvimento do clero, da oligarquia
e da municipalidade nesse processo através da doação de recursos financeiros, porque
a viagem dessas Irmãs foi custeada por doações arrecadadas com a liderança do
fazendeiro João Cândido Aguiar.
Sobre este assunto, a documentação é bem explícita: cartas do Bispo
Dom Lustosa para João Cândido de Aguiar, para sua esposa Emygdia e para a Madre
Superiora, Irmã Blandina, em Araguari-MG.
O presidente do Diretório do Partido Republicano Mineiro, Honorato
Martins Borges e os demais membros: Tobias de Miranda Machado, Elmiro Alves do
Nascimento, Joaquim Cardoso Naves, Nelson Caixeta de Queiróz, João Cândido
Aguiar, José Pedro Ferreira de Paiva, José Luiz da Silva; João Alves do Nascimento,
Presidente da Câmara e Dr. Gustavo Machado, Vice-presidente, assinaram a carta
enviada ao Bispo Dom Antonio de Almeida Lustosa, datada de 03 de março de 1928,
com os seguintes dizeres:
Anciosos pela creação e consequente funccionamento de um collegio para o
sexo feminino, nesta cidade, viemos há tempos, a presença de
V.Excia.Revma. a quem confiámos a nossa causa, compromettendo nesse
intuito a nossa boa vontade e o melhor dos nossos esforços, compromisso
esse que assumimos e que sustentamos até a realização almejada.
Conseguida por V.Excia. a Congregação que deverá vir dirigil-o, faltava de
nossa parte um compromisso escripto garantindo doação do prédio do Grupo
Escolar desta cidade à referida Congregação, prédio aliás conhecido e
acceito pela digna representante da Congregação designada por V.Excia., a
qual pessoalmente visitou a nossa cidade e desempenhou a sua missão. Por
este motivo, vimos comunicar a V.Excia. que nesta data a Comissão de
senhoras, incumbidas da compra de um prédio, o comprou sito ao Grupo,
que será imediatamente doado às Revmas. Irmãs, por escriptura pública,
logo que ellas iniciem um Externato, como é o desejo de todos, constituindo
essa fundação uma necessidade urgente, em face d‘um collegio protestante,
recentemente installado e funccionando nesta cidade.
Esse apoio logístico, financeiro e social recebido do povo em geral, o
rápido estabelecimento das Irmãs belgas em Patrocínio indicou que a população
aceitou a nova política da Igreja e citando, Ivan Manoel, “sem se preocupar muito com
as razões e oposições dos discípulos de Voltaire, Rousseau e Auguste Comte”
66
.
Os depoimentos, leitura das listas de donativos e contribuições
permitem-nos verificar que pessoas simples e comuns da cidade contribuíram para a
vinda das irmãs e instalação da Congregação, de forma confortável – emprestaram
móveis, ofereceram gêneros alimentícios, além da disponibilidade para os trabalhos
domésticos de forma gratuita. Mas, o apoio decisivo veio da municipalidade,
representada pelo Agente Municipal João Alves do Nascimento e da oligarquia rural,
representada por João Cândido de Aguiar.
Em Patrocínio, a Santa Casa de Misericórdia foi idealizada em 1919 por
Dr. Honorico Nunes Oliveira e criada em 1930, tendo os médicos: Dr. Vicente Soares,
Dr. Sílvio Magalhães de Castro e Dr. Luciano Furtado à sua frente, este último, como
diretor clínico. Foi dirigida pelas Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar,
contando com o apoio da municipalidade, prestando serviços aos membros da
irmandade e a toda comunidade. Além de ser o único hospital da cidade, a Santa Casa
fornecia serviços fúnebres à população, atendia os presos, os pobres, viúvas, velhos,
indigentes.
As Irmãs constituem um exemplo de trabalho assistencial junto aos
necessitados, aos enfermos, aos idosos e às meninas desamparadas. Elas foram
chamadas a participar do movimento reformista da Igreja Católica, principalmente no
que se refere à prática dos sacramentos e das novas devoções, e utilizadas como
instrumentos de catequese dada a sua influência na família.
Num contexto marcado por profundas desigualdades sociais, o trabalho
assistencialista aparecia como uma necessidade. A Igreja em parceria com a iniciativa
privada se esforçava para realizar atividades caritativas com o objetivo de minorar a
situação daqueles que por diversos motivos se encontravam no limiar da pobreza.
Alguns paliativos foram utilizados para retirar do convívio social os indivíduos
indesejáveis ao equilíbrio da ordem pública. Conventos, asilos, prisões, escolas e
hospitais foram instituições segregadoras erguidas em nome da manutenção da ordem
social. Essa era talvez a face mais negativa da assistência na sociedade.
Foto 2 – 1943 – José Francisco de Queiroz, Benfeitor da Santa Casa, com o Vigário, as freiras e alunas do
Colégio Nossa Senhora do Patrocínio
Fonte: Arquivo do Colégio.
As obras de caridade se apresentavam, principalmente aos católicos, em
primeiro lugar, como uma forma de justiça social e, em segundo, como uma
66
MANOEL, op. cit., p. 67, nota 3.
sublimação, seja como projeto particular ou coletivo. Este segundo aspecto se
configura como uma atitude mental arraigada na cultura e na religiosidade mineira. No
cruzamento dessas duas perspectivas, a Associação de São José se firmou com grande
respaldo perante a comunidade.
Foto 3 – 1950 – Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio
Frente (da direita para esquerda): Padre Humberto, Irmã Maximiliana, Padre ?, Irmã Gislene, Irmã Lenise
(Maria Ferreira) e Irmã ?
Atrás: José Francisco de Queiroz, Dr. Amir Amaral, João Alves do Nascimento, Dr. José Garcia Brandão e ?
Fonte: Arquivo de Maria Ferreira
As associações religiosas tiveram origem nas primeiras décadas do
Século XX, por iniciativa dos padres missionários dos Sagrados Corações que
promoveram a romanização das suas paróquias. As associações eram constituídas,
exclusivamente, por mulheres e as suas devoções giravam em torno do Sagrado
Coração de Jesus e da Virgem Maria.
O objetivo da Igreja e do Apostolado, construído no Século XIX, de
preservar a estrutura familiar das influências das novas idéias liberais ainda promove a
entronização da imagem e a consagração das famílias ao Sagrado Coração de Jesus.
Sendo formada por senhoras de “boas famílias”, a associação tinha como
diretriz um programa de filantropia social. O seu objetivo era assistir aos pobres
indistintamente. A organização, porém, tinha diretriz concreta a executar: a visita aos
doentes pobres nos seus próprios domicílios e na Santa Casa de Misericórdia.
Para a consecução dos seus objetivos, a instituição recebia o apoio da
Igreja, da municipalidade, da imprensa local e das Irmãs de caridade, mantendo entre
as suas obras a Dispensa dos Pobres no Asilo São Vicente, o Patronato Coronel João
Cândido, as salas de bordados e trabalhos de agulha. E é assim que, pela via de sua
representação sócio-religiosa, as senhoras associadas administravam a vocação e a
missão que a Igreja reservou à mulher, ou seja, a maternidade e o matrimônio.
Esse apostolado feminino movimentou uma parcela significativa de
senhoras e moças de elevada condição social e intelectual, conferindo-lhes status e
satisfação pessoal.
Em alguns depoimentos pudemos constatar os nomes de Emygdia
Aguiar, Zulmira de Rezende, Benilde Amaral Alves, Rita Machado, Alcina Ribeiro,
Luiza Barbosa, Luiza Arantes e Senhorinha Dolores Marques.
O trabalho não tinha retorno financeiro, servia como experiência para o
exercício das nobres virtudes tão bem realçadas pela educação feminina no período.
Abnegação, amor ao próximo, altruísmo e piedade faziam parte de uma ética
humanista idealizada para a mulher. O vigário da paróquia solicitava às senhoras que
divulgassem a associação no sentido de fazê-la “conhecida” na cidade. Pedia também
para as ex-alunas do Colégio engajarem-se na causa. Só aquela com o espírito elevado
e desprendida do luxo e da riqueza material poderia praticar a caridade. É bom notar
que para tornar-se membro do grupo as senhoras precisavam contribuir com quantias
em dinheiro ou em mantimentos. A generosidade não podia faltar àquelas que se
propunham a tão sublime missão.
Além da propaganda religiosa, o grupo feminino buscava: “a melhoria da
condição moral e material da mulher, a organização de patronatos para as meninas
pobres, a moralização dos costumes, a preservação da juventude”
67
.
Inspirada em princípios humanitários e moralizadores, Emygdia
convocava as mulheres a abraçarem a causa do assistencialismo, pois este seria o meio
pelo qual a mulher poderia participar e intervir ativamente nos problemas da sua
realidade. Às funções de esposa e mãe de família na esfera privada, as mulheres
deveriam acrescentar outras lutas na esfera pública, como, por exemplo, a luta pela
moralização dos costumes. Ao elemento do sexo feminino estava reservado um novo
lugar onde seria exigido um desempenho redobrado. Agora não só cuidaria de seus
filhos em casa, mas de toda a humanidade.
Cândida
68
referia-se à sua mãe, Lilia Aguiar, ao concordar que as mães
deveriam incentivar as suas filhas a praticarem a caridade. As moças precisavam
reconhecer o prazer de beneficiar as crianças desamparadas, já que isso não era
nenhum encargo a mais, e sim uma obrigação restrita. Sendo assim, insistia para que
as senhoras se unissem em torno das obras sociais e populares.
Na primeira década do Século XX, o escritor Guimarães Cova reforçava
as virtudes da mulher que a compatibilizariam com o trabalho de assistência social: “A
67
CAIXETA, Zaida. Zaida Caixeta: depoimento [ago. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos
de Minas: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para a Tese de Doutorado. [Alguns nomes são fictícios,
como no caso, pois várias entrevistadas pediram para não serem identificadas].
68
Cândida Aguiar, ex-aluna e neta de João Cândido Aguiar e Emygdia. Entrevistas concedidas nos meses de
julho/2002 e agosto/2003.
mulher é o typo da graça e da bondade; é a personificação do carinho e da constância;
a imagem da paciência, o escrínio do amor e o santuário do perdão”
69
.
O ideal educativo valorizado pelo Colégio e pelas famílias, por sua vez,
prescrevia um comportamento feminino inteiramente romantizado. Através das
atividades escolares, das peças teatrais, das atividades religiosas e festivas, as Irmãs
incentivavam as mães de família, a educarem suas filhas nos valores da caridade.
O imaginário republicano construiu um modelo ressaltando uma série de
virtudes consideradas naturais. Há que se reconhecer que a tarefa atribuída à mulher
era algo que pertencia ao plano da imaginação. A imagem da mulher aparecia
associada à de uma redentora. O pensamento religioso exaltava as virtudes santas e
sobre-humanas das mulheres nesse momento, mas construiu-se um modelo de mulher
ressaltando uma série de virtudes consideradas naturais. Paradoxalmente, tínhamos
uma natureza feminina fragilizada, passiva e dependente de um lado, e uma natureza
forte, decidida, ágil e competente de outro. Em cada momento, conforme a
conveniência, buscava-se valorizar um outro discurso, às vezes os dois
simultaneamente. Segundo Jean Delumeau
70
, esta contradição tem raízes na cultura
ocidental cristã, que, em relação ao sexo feminino, por longo tempo, oscilou entre
atitudes de admiração, repulsão, atração ou hostilidade.
Quando se tratava de solicitar o auxílio dos setores sociais abastados em
campanhas beneficentes, imediatamente lembrava-se das pessoas mais adequadas para
tal empreendimento. O público feminino era o almejado para tamanha empresa, pois as
69
COVA, G. A esposa: livro doutrinário e moralista para as noivas e mães de família. Bahia: Typ. Bahiana,
1911. p. 34.
70
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. Tradução de Maria Lúcia
Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 310.
mulheres nessas horas eram consideradas fortes o suficiente. Na falta de políticas
públicas, os programas de assistencialismo organizados por grupos privados e pela
Igreja assumiam o encargo de criar, alimentar, educar e profissionalizar crianças e
adolescentes espalhadas pelas ruas de Patrocínio.
As damas assumiam uma série de encargos dentro da instituição. Entre
outros, elas deveriam proporcionar às crianças os cuidados compatíveis com o seu
sexo e aptidões, angariar roupas, calçados e outros objetos úteis, costurar vestes para
suprir as necessidades das crianças, promover passeios e diversões, promover “festas
de caridade, tômbolas, bazares de prendas”
71
.
Pelas atribuições, podemos observar que a vida daquelas que se
empenhavam seriamente na questão da criança abandonada era muito agitada. E não
foram poucas as mulheres que atenderam ao chamado do Bispo Dom Lustosa e do
Padre Thiago, responsáveis pelo acompanhamento religioso local. Pelo conteúdo dos
depoimentos, notamos que um dos interesses básicos do Patronato era dar às meninas
que lá estavam uma educação adequada à sua condição de classe. Não propunham
“ensinar a ler e escrever”, pois não era uma escola elementar, mas apenas uma “escola
que pretende preparar a menina para a vida de mulher útil ao lar”
72
.
Este argumento estava inscrito no modo burguês de se pensar a mulher e
o seu lugar na sociedade, trazendo algo de romântico ao não considerar as
necessidades de sobrevivência dessas futuras mães. Na visão de médicos, cientistas e
71
ESTATUTO da Associação São José. 1929. [Associação de Senhoras Católicas da Paróquia de Nossa Senhora
do Patrocínio-MG, com finalidade filantrópica].
72
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985. p. 72.
filantropos, o importante era dar uma orientação às mulheres das classes populares,
trabalhadoras, com o intuito de controlar e disciplinar as suas vidas.
A sociedade republicana, ao seu modo, se preocupou constantemente
com a mulher das camadas populares. Em várias oportunidades as mulheres das
classes médias e altas vão se ocupar com a existência daquelas que nada possuíam.
Calçado, vestimenta, material escolar ou tudo que pudesse auxiliar, pois, nascido de
uma iniciativa privada e da Igreja, o Patronato Coronel João Cândido de Aguiar
contava unicamente com a ajuda de particulares para se manter. Lilia Aguiar, filha de
João Cândido e Emygdia Aguiar, conseguiu mobilizar importantes parcelas da
sociedade em favor do projeto desta instituição. Preocupadas em “custear a educação
de meninas pobres e educar operárias no amor ao trabalho, à religião e à pátria”
73
, não
poupavam sacrifícios para verem o seu trabalho realizado. Elas lançavam pedidos de
auxílio financeiro à população, rogando, em particular, às senhoras da camada mais
alta da sociedade patrocinense. Estas senhoras assumiam uma série de encargos dentro
da instituição.
O Asilo São Vicente de Paula, fundado em 1956, também foi alvo de
atenção ao receber “dádivas generosas” de algumas pessoas. Deste modo, fica evidente
a participação feminina na atividade assistencialista em Patrocínio. Era comum, no
período que estamos enfocando, a promoção de festas e bazares, por grupos femininos,
para facilitar a arrecadação de donativos. Para as jovens que passeavam e trabalhavam
nessas atividades, o espaço se tornava lúdico e prazeroso; nele se podia dançar, cantar,
assistir a peças teatrais e filmes, entabular conversas, constituir namoros e amizades.
73
Panfleto distribuído em junho de l958, convidando para uma festa em benefício do Patronato Coronel João
Cândido de Aguiar.
Para as “mulheres religiosas” era também imprescindível realizar um
evento associado a algum tipo de diversão. Em comemoração ao aniversário do
Congresso das vocações sacerdotais, ao aniversário onomástico dos padres, ao
aniversário da Madre Superiora, ao aniversário dos votos perpétuos das Irmãs, eram
promovidas festas “distinctas” e a atração ficava por conta de concertos, peças teatrais,
a cargo das alunas do Colégio
74
.
Parece que a ligação entre as campanhas beneficentes e as festas
populares se constituiu num legado histórico ao cotidiano dos habitantes das Minas
Gerais. Desde o tempo da Colônia as procissões e as atividades religiosas realizadas
nas cidades mineiras evidenciavam a íntima relação entre o sagrado e o profano. As
festas consagradas a determinados santos eram sempre motivos para músicas, danças,
fogos de artifícios, “comes e bebes”, descontrações; eram verdadeiras reuniões sociais.
Não tendo como objetivo a avaliação dos diferentes significados da
caridade, importa sublinhar é que as mulheres se comprometiam nas suas vivências
com esta função social. Percebemos que as atividades femininas de benemerência,
realizadas no início do Século XX, as colocavam num quadro de integração no projeto
social-cristão mais amplo e corrente no nosso meio, o qual tinha em vista engajá-las
nas práticas assistencialistas. O interesse do sexo feminino por este tipo de trabalho
não deixa dúvidas quanto ao seu comprometimento e da sua sensibilidade para com os
problemas sociais.
Da mesma maneira que muitos homens, representantes da elite local, por
motivos diversos engrossaram a lista dos benfeitores das instituições destinadas ao
74
Cf. ARANTES, Augusta. Augusta Arantes: depoimento [jun. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira
Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida pra Tese de Doutorado.
amparo dos que viviam à margem da sociedade, as mulheres também participaram
desse movimento. A despeito da sua dimensão preferencial, paternalista e de controle
social, o trabalho assistencialista assumiu valor inquestionável para as mulheres no que
concerne ao exercício de deveres prestigiados e reconhecidos socialmente, o que as
impeliu à rua, possibilitando-lhes a entrada na cena urbana.
Essa nova sociabilidade que vai aos poucos sendo construída
proporcionou efetivamente às mulheres mudanças no seu comportamento, bem como
uma ocupação mais sistemática do espaço público.
3.2.1 O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio
Foto 4 – 1928 – Colégio Nossa Senhora do Patrocínio
Fonte: Arquivo do Colégio.
Foto 5 – 1928 – Fachada do Colégio e vista da Rua 15 de novembro, atual Rua
Governador Valadares.
Fonte: Arquivo do Colégio.
A chegada das Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar, em
Patrocínio, ocorreu em um momento em que o prédio destinado à instalação ainda não
estava pronto. Não se tratava de uma construção nova, mas da adaptação do imóvel
localizado na Praça da Matriz, hoje Praça Monsenhor Tiago dos Santos.
Na busca inicial por um espaço escolar na cidade, vários impasses foram
enfrentados, como indicam os depoimentos de ex-alunas e um diário manuscrito. Diz o
manuscrito: “Havia grande dificuldade a ser superada, pois nem se encontrava a tempo
uma casa apta para colégio, nem havia dinheiro necessário para comprar a mobília”
75
.
Nos álbuns fotográficos encontrados foram encontradas algumas
fotografias do casarão em que se instalou inicialmente o colégio, fotos 04 e 05. Nessa
imagem, observa-se o estilo colonial da construção, com inúmeras janelas em estilo
manoelino.
A adaptação do prédio se devia ao fato de ser uma construção
relativamente ampla, passível de ser adaptada para acomodar uma escola e possuía em
anexo, um outro prédio que seria de grande utilidade para o funcionamento de um
internato.
Em 02 de fevereiro de 1929 a Escola Normal iniciou suas atividades
com 157 alunas, em regime de internato e externato, com os Cursos Primário e de
Adaptação. A abertura das aulas repercutiu na imprensa local, causando “tão viva
sensação como era de se esperar”, como anotou o Jornal Cidade de Patrocínio
76
.
A ex-aluna Alda, quando entrevistada, lembrou aspectos do
funcionamento e das rotinas ocorridas no casarão:
A parte da frente era um sobrado português bonito, onde acrescentaram
algumas coisas. Então, ali funcionou o colégio, já com internas, muito
poucas, e também as chamadas semi-internas, que ficavam de manhã,
almoçavam no colégio, estudavam de tarde, e depois voltavam para casa.
Passamos muitas dificuldades, como acontece em todo início de instalação,
mas sempre a família patrocinense nos acolheu com muito carinho. [...]
Tivemos brilhantes resultados e isto criou ainda mais amor, mais estima pelo
colégio. Porém as condições daquelas instalações não eram apropriadas para
o esporte, a ginástica e o recreio. Aos poucos a sociedade foi auxiliando nas
adaptações
77
.
75
Anotações encontradas dentro de um livro de freqüência de alunas sem data e sem autoria.
76
Jornal Cidade de Patrocínio, Patrocínio, fev. 1929. p. 01.
77
AMORIM. Alda Amorim. Alda Amorim: depoimento [mar. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira
Ferreira. Patos de Minas: 2003. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
As dimensões do projeto de adaptação e ampliação do colégio na Praça
da Matriz, uma área central da cidade ocupada por famílias de alto poder aquisitivo,
demonstraram o interesse do Bispo Dom Antonio de Almeida Lustosa e do pároco
Padre Thiago dos Santos em acolher os segmentos que iriam construir sua clientela de
base: as filhas de grandes e pequenos proprietários e de comerciantes da cidade, de
fazendeiros e proprietários do interior de Minas Gerais e de outros Estados.
As imagens incluídas documentam as etapas da adaptação e da
construção (foto 06) da sede definitiva do colégio, (foto 07), a sua fachada principal
(foto 07), já construída e um espaço integrante de suas dependências básicas (foto 09),
o dormitório de alunas internas (foto 11). Essas imagens podem ser completadas pelas
de outros espaços destinados a diferentes atividades desenvolvidas no colégio - capela
(foto 10), dormitório, pátio interno (foto 09), corredores e demais dependências -, em
todas elas podendo-se verificar os traços da construção clássica e funcional, em que a
utilização dos equipamentos requeria amplos espaços, confortáveis e arejados.
As lembranças desse espaço escolar, entretanto, ocorrem de forma
diferenciada aos que vivenciaram as suas instalações.
Enquanto Alda Amorim, ao ser entrevistada, deixou perceber uma
grande satisfação e até um certo orgulho pelas lembranças reativadas ao folhear o seu
álbum de fotografias, uma outra ex-aluna interna não expressou esse mesmo
sentimento. Diante também de algumas fotografias e durante a entrevista, assim se
referiu ao colégio: “O colégio era fechado. As instalações eram enormes e não
podíamos ver a rua. Sentia uma tristeza muito grande dentro daqueles corredores
imensos”
78
.
Foto 6 – 1942 – Apresentação festiva em frente ao Colégio
Fonte: Arquivo do Colégio
Foto 7 – 1938 – Alunas em frente ao Colégio
78
RIBEIRO, Teodora de Castro. Teodora de Castro Ribeiro: depoimento [jul. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de
Oliveira Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
Fonte: Arquivo de Elvira Porto
Foto 8 – 1927 – Residência do Coronel João Cândido de Aguiar, situada na Praça da
Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio
Fonte: Arquivo de Cândida Aguiar
Foto 9 – 1953 – Domingo, manhã esportiva após a missa. Em destaque a torre da
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio.
Fonte: Arquivo do Colégio
Foto 10 – 27 de maio de 1954 - Vista geral da Capela do Colégio
Comentando sobre a composição das salas Alda Amorim recorda que
nelas estavam sempre presentes imagens sacras trazidas do exterior, a que emprestava
em grande valor simbólico e afetivo, não só pelo caráter artístico que possuíam como
pela sua importância religiosa: “Esta Nossa Senhora acompanhou o crescimento do
Colégio. Ela veio da Europa. Não sei de onde, se da Bélgica ou da França. Em todas as
fotografias esta imagem está bem na frente”
79
.
Fonte: Arquivo do Colégio
Levando em consideração que esta foi uma das entrevistadas mais
antigas do colégio pode-se perceber as dificuldades que encerra a análise de seu
depoimento, de seu álbum de recordações, material de incontestável valor simbólico e
documental.
Esta primeira fase de implantação do colégio em Patrocínio não se
encontra nas imagens fotográficas pertencentes ao arquivo da instituição. As
informações sobre este período, ainda que incompletas e imprecisas, foram recolhidas
Fonte: Arquivo do Colégio
Foto 11 – 1948 – Dormitório do Internato do Colégio.
79
RIBEIRO, Teodora de Castro. Teodora de Castro Ribeiro: depoimento [jul.. 2002]. Entrevistadora: Hedmar
de Oliveira Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
em fontes complementares. A documentação consultada demonstra que as funções a
serem desempenhadas eram bem definidas e hierarquizadas, e os papéis religiosos bem
demarcados.
Havia muito a fazer na primeira casa que foi adquirida, reformada e
adaptada às necessidades de atendimento da nova comunidade. Os trabalhos de asseio,
pintura e organização parecem ter sido as principais atividades programadas pelas
senhoras da elite juntamente com o pároco e as freiras naquele momento inicial.
Grande parte das entrevistas revela as inúmeras providências tomadas, desde a compra
de mobiliário até a de utensílios que serviriam para o funcionamento do colégio e a
manutenção da própria residência das Irmãs.
Durante o período de adaptação das freiras à nova cidade, o jornal
local
80
, revelava uma acentuada atenção e apoio às idéias e princípios defendidos pela
Igreja e pela oligarquia, procurando conquistar a confiança da comunidade local e
apoiar as metas a serem conquistadas pela Congregação.
A tradição do ensino católico, reconhecida mundialmente e, ganhando
expressão em Patrocínio, mostra que poderia verdadeiramente ser considerado um
prestígio obter formação no colégio, sob administração e controle das Irmãs do
Sagrado Coração de Maria de Berlaar.
No ano de 1933, foi reconhecido o Curso Normal de 1º Grau pelo
Decreto nº 10.891, de 05/06/1933, passando a denominar-se Escola Normal Nossa
Senhora do Patrocínio. O Decreto nº 2.400, de 07/02/1947, outorgou ao
Estabelecimento, o mandato para ministrar o Ensino de 2º Ciclo, mudando então a sua
denominação para Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, denominado,
atualmente, por força da Resolução nº 238/76, de 01/05/1976, Colégio Nossa Senhora
do Patrocínio.
Ampliando o 2º Grau para o campo da Saúde recebeu, através da
Resolução nº 821/74, de 25/06/1974, autorização, por dois anos, para ministrar a
habilitação de Técnico em Enfermagem. Pela Portaria nº 386/74, da Secretaria de
Estado da Educação de Minas Gerais, teve seu reconhecimento esta habilitação.
O Ministério da Educação e Cultura - MEC, através do Ofício nº 0041,
de 23/01/1947, concedeu o reconhecimento sob o regime de inspeção preliminar, ao
Ginásio Nossa Senhora do Patrocínio, que mais tarde, foi reconhecido definitivamente
pela Portaria nº 1.080, de 29/12/1951. Por força da Lei nº 5.692/1971, pela Resolução
nº 431/74, de 31/01/1974, foi reconhecido o 1º Grau e integrado ao sistema estadual.
Desde 1963, funciona o Jardim de Infância Alegria das Crianças,
segundo os moldes de Decroly, Montessori e Froebel, registrado sob o número
123/DEP – Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, Livro 01, Fls. 41, em
27/02/1975.
Foi declarado de Utilidade Pública Municipal pela Lei 1.109, de
11/06/1969; Lei Estadual número 5.559 de 14/l0/1970 e pelo Decreto Federal 71.307
de 03/11/1972, publicado no Diário Oficial da União em 06/11/l972.
A preocupação com a formação do magistério para o ensino primário
esteve presente desde o Império, embora pouco tenha sido feito em termos de
iniciativas concretas que de fato atacassem a questão da qualificação do professor
primário. Data de 1835 a fundação da primeira Escola Normal (em Niterói), tendo sido
criadas mais quatro até a metade do século.
80
Jornal Cidade de Patrocínio, Patrocínio, fev. 1929.
Tal como o ensino primário, a escola normal era de responsabilidade e
competência dos Estados, o que fez com as reformas efetuadas ficassem restritas aos
limites de cada Estado. Quanto ao currículo, os cursos compunham-se de disciplinas
de cultura geral e apenas algumas de caráter pedagógico, precário do ponto de vista da
formação técnica.
A partir de 1920, entretanto, este quadro vai se modificar, tanto por
fatores de ordem econômica, política e social, como por movimentos educativos de
caráter ideológico. O acentuado processo de industrialização e urbanização, que se
delineou nos principais centros urbanos, gerando uma nova composição das classes
sociais (que se expressa no fortalecimento de um pequeno proletariado urbano e no
alargamento da classe média); essa mudança levou a um aumento na demanda pela
escolarização, na medida em que se passou a requerer do indivíduo um maior preparo
escolar, como meio de ascensão em sua atividade profissional.
O sistema educacional passou a ser determinado por tais fatores, que irão
provocar a expansão da rede pública de ensino e a própria redefinição do papel da
escola. Em termos de medidas concretas, algumas reformas empreendidas no final da
década de 20, em São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal, irão representar um
compromisso entre as necessidades colocadas pelo desenvolvimento urbano-industrial
e as propostas dos educadores, que passaram a ter cargos de direção na administração
escolar.
Como dado a ser assinalado há de se entender que essas reformas
constituíram ações isoladas dos três Estados mencionados e foram de responsabilidade
dos governos locais.
Em Minas Gerais, a reforma empreendida por Francisco Campos e
Mário Casassanta em 1927 foi fruto da ideologia de seus realizadores, que
consideravam a escola um meio de aperfeiçoamento da vida social.
Embora a proposta fosse a de que as escolas normais ministrassem um
ensino de caráter profissional, na prática predominaram disciplinas de cultura geral, o
que as identificava com o curso secundário; elas eram procuradas por moças de classe
média, que buscavam aprofundar os estudos, após o curso primário. Como este mesmo
Regulamento permitia a sua equiparação ao curso secundário, proliferaram também
em Minas Gerais as escolas particulares.
Na verdade, tanto a reforma de Francisco Campos, em Minas Gerais,
como a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, foram as primeiras tentativas de
tornar o Ensino Normal um ramo do ensino profissional e de estabelecer um modelo
de ensino destinado efetivamente à formação do professor primário.
Nesse período, final do século XIX e início do século XX, Minas Gerais
continuava sendo um Estado dependente da agricultura, da mineração e da pecuária,
bem como do comércio importador e exportador. Entretanto, a consolidação da
República no País acenava para um impulso na indústria, principalmente a têxtil. A
cidade de Patrocínio passava por pequenas mudanças em sua estrutura urbana, típicas
de cidade interiorana, onde a base da economia era a agropecuária.
As normas sociais para o sexo feminino, interiorizado pelas mulheres das
camadas médias e altas, não comportavam a idéia do trabalho remunerado. Entretanto,
algumas, como por exemplo, Teodora de Castro Ribeiro, Dária Amaral, Maria Amaral,
Geralda Pereira, Olga Barbosa, dentre outras, viam-se “obrigadas a ele como forma de
sobrevivência, diante do que o magistério se apresentava como uma das poucas
ocupações possíveis, pela dignidade e adequação que supostamente representava para
o sexo feminino”
81
.
A imagem do “ser mulher”, assim como os papéis que mulheres reais
podem e devem desempenhar, não têm sido historicamente estabelecidos por elas
próprias e sim por outros – especialmente pelos homens, pois quem dá nomes às coisas
são os que têm poder e esse vem sendo masculino. Assim, as mulheres que, por
escolha ou por necessidade, abraçassem uma profissão, renunciavam a vida de casada
e aos papéis de esposa e mãe biológica. Mesmo diante dessa opção, Teodora manteve-
se dentro da postura esperada do sexo feminino pela sociedade da época, ao
permanecer como arrimo de família pelo resto da vida, com dedicação e conformismo,
como se esperava de uma mulher. Todo seu empenho resultou em prestígio pela
sociedade, com destaque pela formação, tida como “educadoras modelares”,
“personalidades credoras de admiração e respeito dentro e fora da sua cidade”
82
.
As ex-alunas relembram o quanto o espaço do Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio era poético e acolhedor. Lá elas podiam fazer amizades
saudáveis, relacionarem-se em um clima afetivo e companheiro. O poético a que se
refere uma das depoentes pode ser interpretado por ângulos diferentes. Elas falam de
uma instituição que tinha como pilares a confiança e o respeito. Entretanto, as ex-
alunas conviviam com seus pares, como iguais, onde a relação é permitida, afinal, os
iguais podem ocupar os mesmos espaços e estabelecerem pactos. Isto porque, além de
81
RIBEIRO, Teodora de Castro. Teodora de Castro Ribeiro: depoimento [ago. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de
Oliveira Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
82
RIBEIRO, Teodora de Castro. Teodora de Castro Ribeiro: depoimento [ago. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de
Oliveira Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
ser uma escola eminentemente feminina, também era de jovens de camadas média e
alta da sociedade das regiões do Alto Paranaíba, Triângulo e Noroeste de Minas
Gerais.
As palavras de uma ex-aluna são expressivas:
A primeira turma, a que se formou em 1935, é que mais me deixou
‘imagens’. Havia, entre elas, um grupo de 5, sempre juntas, sempre bem
informadas e, que algumas de nós, denominávamos de ‘o grupo de Chicago’
referência às idéias da Escola Nova ditadas pela Universidade de Chicago.
Eram, as cinco – as mais inteligentes, vivas, sabidas e... invejadas
83
.
O Colégio Dom Lustosa criado em 1927, de educação católica
masculina, situado nas proximidades do Colégio Normal acolheu os meninos destas
regiões, alargando a experiência de educação acolhendo-os no internato. Essa é uma
marca da sociedade patriarcal na busca de preservar uma moral tradicional; o cuidado,
em última instância, é uma forma de garantia de uma identidade.
A não relação com colegas do sexo masculino constituía-se em um
recurso para garantir a manutenção de valores e evitar a troca de intimidades, que
considerava explicitamente perigosa para a “honra” da mulher quando de fato, o receio
era com a desestabilização da estrutura de poder.
Essas e outras atitudes similares mostram a articulação dos valores das
educadoras com a sociedade, o que contribuía para que o Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio fosse o sonho das famílias e o motivo de orgulho para as alunas
que conseguiam fazer parte do seu quadro. Tais sentimentos eram expressos através de
atitudes de carinho para com as Irmãs, manifestos em diversos momentos e, em
particular, na data do seu aniversário natalício ou de profissão de fé. As palavras de
uma ex-aluna do Colégio Normal:
[...] como esquecer a Irmã Ghislaine, diretora enérgica, tranqüila, que a
gente olhava com respeito mas sem medo; a Irmã Magdala – também belga –
de olhinhos azuis penetrantes, severa, acolhedora daquelas alunas mais
difíceis ou com problemas. Irmãs Alda e Evangelina, brasileiras, familiares
no trato com as alunas, preocupadas com o aproveitamento e crescimento de
suas alunas-mestras
84
.
Numa época em que o modelo educacional dominante era o Humanista
Tradicional, focado numa base essencialista do ser humano, ou seja, na premissa de
que existe uma natureza humana única, cabendo à educação – incluindo-se aí os
métodos de ensino, o material didático e a relação professor/aluno – proporcionar o
desabrochar dessa essência, as Irmãs educadoras dedicaram particular atenção às
alunas, ao seu comportamento, às manifestações dos seus sentimentos a fim de
entendê-lo e melhor conduzi-lo.
A educação ministrada pelos colégios católicos era feita em três tipos de
estabelecimentos: os internatos, os semi-internatos e os externatos. Por vezes, essas
duas ou três formas de regime eram mantidas no mesmo edifício, separadas apenas por
alas diferentes de construção.
O Colégio Nossa Senhora do Patrocínio além de ser freqüentado por
alunas externas funcionava em regime de semi-internato e de internato e admitia filhos
da burguesia agrária e comercial patrocinense, bem como de famílias abastadas de
outras regiões de Minas Gerais.
As filhas das famílias oligárquicas mineiras, especialmente do Triângulo,
do Alto Paranaíba e do Noroeste passaram a fazer seus estudos em Patrocínio, como
83
BORGES, Alina. Alina Borges: depoimento [set. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
internas do Colégio, destacando-se as Melo Franco, Piau, de Paracatu; Amorim, de
Presidente Olegário; Porto, Caixeta, Queiróz, de Patos de Minas; Paranhos, Mundim,
Cardoso Naves, de Monte Carmelo; Rodrigues, Caetano, Machado, de Coromandel,
entre outras.
Nos livros de Registro de Matrícula, encontram-se informações pessoais
das alunas como filiação, profissão do pai, residência, atestado de idoneidade moral,
de saúde; requerimentos isolados, devidamente selados na Coletoria Estadual. No
entanto, alguns indicadores tais como o endereço residencial, o sobrenome da família e
depoimentos de ex-alunas, permitem-nos caracterizar a clientela. Em sua maioria,
eram filhas de fazendeiros (grande, médio, sitiante forte) ou de ricos negociantes.
Completaram-se as informações com depoimentos de testemunhas,
sobretudo de ex-alunas do período estudado, ou seja, da década de trinta à década de
cinqüenta, cuja idade não afeta suas lembranças das antigas colegas de turmas e
mesmo de outras turmas. O frio nome da lista despertava-lhes, imediatamente, a
recordação de dados característicos que identificavam a colega (casa onde morava,
nome e profissão do pai, irmãos, apelidos, etc.). As alunas, em sua maioria filhas de
fazendeiros, capitalistas ou de grandes negociantes, levavam nomes como, Lemos
Borges, Wadhy, Machado, Naves Cardoso, Arantes, Botelho de Faria, Borges de
Paiva, Barbosa, Queiroz, Paranhos. Ainda hoje, na lembrança popular permanece a
idéia de que as alunas das primeiras turmas do Colégio eram filhas dos grandes
fazendeiros e comerciantes, responsáveis diretos pela criação e crescimento da cidade.
Patrocínio-MG: 2003. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
84
Idem, Ibidem.
De fato, muitos fazendeiros, estando os filhos em idade escolar, ou
mesmo antes, mudavam-se para Patrocínio, deixando a fazenda a cargo do
administrador. Esse “êxodo” do fazendeiro para a cidade tem um significado que
transcende as necessidades imediatas de educação dos filhos. A entrega da fazenda ao
administrador parecia refletir o desejo dos fazendeiros de que os filhos não cuidassem
diretamente da fazenda e sim estudassem, se tornassem doutores para ingressar na
política, serem profissionais liberais ou altos funcionários do Estado.
Nem todas as alunas, entretanto, tinham pai fazendeiro. Algumas eram
filhas de negociantes, de médicos, advogados, de dentistas todos abastados e que
formavam a “entourage” econômica, política, social e cultural da cidade. Pode-se
afirmar que, ao menos até os anos 50, a clientela do Colégio Normal era formada por
jovens provenientes das classes médias altas. Entre as alunas, não havia filhas de
trabalhadores braçais, a não ser raríssimas exceções, como a que lembra a ex-aluna
Zaida
85
, ela mesma, uma moça pobre que pôde estudar no Colégio, graças à proteção
do Coronel João Alves do Nascimento, grande fazendeiro da época e prefeito do
município de Patrocínio. À pergunta sobre a situação sócio-econômica das suas
colegas, em geral, Zaida respondeu que todas da sua turma tinham boas condições
financeiras, sendo os pais, funcionários, comerciantes, sitiantes e fazendeiros.
Comparando seu depoimento com os de Edna e Berenice, ex-alunas da década de 50,
destacam-se duas grandes diferenças: as filhas de fazendeiros não são mais maioria
nem referência fundamental; quase todas as formandas da década de 50 trabalharam e
85
Cf. CAIXETA, Zaida. Zaida Caixeta: depoimento [mar. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patos de Minas: 2003. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
se aposentaram como professoras. Seguiram uma trajetória comum: começaram a
lecionar nas escolas rurais e depois foram para os Grupos Escolares das cidades.
Em suma, a tradicional clientela do Colégio pensava cada vez mais na
sua futura realização profissional, independente de necessidades estritamente
econômicas. Nesse sentido, aos poucos, vai alterando-se a clientela da escola: daquela
primeira constituída quase que totalmente de filhas da oligarquia rural e urbana que
buscavam na escola complementação cultural do dote matrimonial, passa-se a uma
segunda que buscava um diploma para a realização profissional. Mais tarde, as moças
ricas da região não mais relacionarão sua realização profissional com o magistério,
descartando o curso Normal em favor de outros cursos propedêuticos, ou nele
ingressando para depois seguir cursos superiores. O curso Normal e o Magistério serão
o “destino” escolar/profissional das moças mais pobres.
As alunas inicialmente inscritas no Colégio eram, em sua maioria, da
cidade de Patrocínio, mas logo a instituição criou o internato, com a finalidade de
absorver uma demanda crescente de filhas de altos e médios proprietários e
negociantes do interior, que vinham em busca de uma instrução de qualidade,
passando também a receber alunas oriundas de outros Estados.
Quanto às alunas matriculadas como internas no período de 1932 a 1950,
os livros de registros dão conta de sua origem geográfica: Abadia dos Dourados,
Arapuá, Belo Horizonte, Capelinha do Chumbo, Carmo do Paranaíba, Coromandel,
Guarda-Mor, Guimarânia, Iguatama, João Pinheiro, Lagoa Formosa, Monte Carmelo,
Nova Ponte, Patos de Minas, Paracatu, Presidente Olegário, Rio Paranaíba, Serra do
Salitre, Unaí, Vazante em Minas Gerais; Catalão, Ipameri e Formosa em Goiás.
No Brasil, portanto, a hegemonia absoluta de um determinado modelo
pedagógico, aquele que vincula cultura e escola aos valores do humanismo clássico
tradicional foi posto em discussão a partir dos anos 30. Não que esse modelo
pedagógico desaparecesse ou mesmo se tornasse secundário, mas, pela primeira vez,
dividiu o espaço pedagógico com outros importantes modelos escolares.
Observa-se que o Colégio não foi uma escola para pobres; é uma
importante escola com prédio imponente, bem localizada na cidade, inaugurada com
apoio e aplausos de todos e que visava a formação moral e cultural das filhas da elite.
Quem se formava nessa escola gozava de grande reputação.
Um olhar mais atento para as fotografias dos grupos de alunas permite
observar diferentes expressões e poses que as caracterizam. As formas de posar em
grupos, as expressões e maneiras de sentar, de colocar as mãos e cruzar as pernas, às
vezes extremamente formais, outras ligeiramente mais espontâneas e até mais à
vontade, parecem identificá-las segundo sua origem social.
Com a industrialização e a complexificação do mundo do trabalho,
tornou-se complexa também a rede escolar no Brasil e no mundo, uma vez que todo
ramo produtivo tende a criar seus próprios cursos e escolas. Assim no início do Século
XX, o problema educacional urgente era a difusão orgânica e sistemática do ensino
primário e por isso a necessidade das Escolas Normais. Depois de 1930, outro
problema sério se criava: o da organização do ensino profissional de segundo grau. A
Reforma Francisco Campos de 32 e às Leis Orgânicas dos anos 40 visaram justamente
resolver esse problema.
Ao tentar caracterizar a origem e a evolução da clientela do Colégio
Normal, é necessário mencionar a complexificação do ensino médio, ocorrida pela
entrada em cena do trabalho como princípio pedagógico, fruto da civilização industrial
moderna. Assim, a Escola Normal tradicional deixou de ser, mesmo para as moças
bem nascidas, a única opção escolar. É óbvio, porém, que o trabalho, como princípio
pedagógico, antes de influenciar modelos escolares, difundira-se e influenciara todo o
mundo da cultura, em geral, os valores sociais da época. Esse novo clima cultural
atingia as jovens que, cada vez menos, contentavam-se em ser esposas e mães e
desejavam exercer uma profissão.
É claro que o trabalho, como princípio pedagógico, tem que ser
entendido num sentido amplo, ou seja, não pode ser reduzido à questão da
profissionalização e da complexificação do ensino médio. Como se sabe, a
organização do trabalho na sociedade influi historicamente na própria ideologia geral e
na valorização da profissão, como um elemento importante para a realização pessoal,
inclusive a das moças de bens. O trabalho interfere ainda e, sobretudo, na configuração
da sociedade e, obviamente, em sua escolarização.
Em nível regional, o Colégio respondeu ao desejo de distinção social das
elites, que procuravam se diferenciar do restante da população também por meio de
símbolos, entre os quais a escola de nível secundário de seus filhos, que daria acesso
seguro aos cursos superiores.
Bourdieu assinala que as elites, além de se afirmarem pela posse da
riqueza, procuraram distinguir-se socialmente por meio de ações simbólicas. Entre as
principais “marcas da distinção”, destacavam-se o vestuário, a linguagem e a escolha
da escola dos filhos
86
.
Gilberto Freyre ao descrever a vida social brasileira, em meados do
Século XIX, ressaltou a importância dos internatos dirigidos pelas religiosas:
Aos oito ou nove anos, era a menina de família patriarcal mais opulenta
enviada para um internato religioso, onde ficava até os treze ou quatorze.
sua educação começada em casa, continuava. Aprendia a delicada arte de ser
mulher: música, dança, bordado, orações, francês, às vezes inglês, leve lastro
de literatura eram os elementos de educação de uma menina num internato
escolar
87
.
A educação para a ordem e a disciplina constituía um dos aspectos
importantes que estimulavam as famílias pertencentes às tradicionais oligarquias rurais
a confiarem seus filhos aos religiosos europeus.
Da mesma forma, os rígidos padrões morais existentes, nos colégios
católicos, eram também bastante apreciados, sobretudo na educação feminina; julgava-
se que a juventude devia manter sob controle seus pendores sentimentais e sexuais
nesse período da vida.
Mas a maior atração provinha da seriedade do ensino, ministrado dentro
dos padrões europeus. O apreço pelo elevado nível cultural vigente na maioria dos
educandários católicos constituiu a razão principal do prestígio que se lhes atribuía.
As elites cultivavam a elegância e o refinamento inspirados no modelo
burguês europeu da “Belle Èpoque”, que se disseminara pelo mundo como parte
integrante do imperialismo europeu do final do Século XIX. Entre os mecanismos
86
BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. p. 114.
87
FREYRE, G. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 2. ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1977. p. 86.
culturais pode-se destacar a arquitetura e decoração de residências, tendo como
exemplo o Palacete de João Cândido Aguiar; o vestuário à francesa para as mulheres e
à inglesa para os homens, distinguindo os familiares de Elmiro Alves do Nascimento,
a educação dos filhos em colégios dirigidos por congregações cristãs, a participação na
direção do Partido Republicano.
Enquanto as mulheres eram circunscritas ao espaço privado da família,
onde desempenhavam os afazeres domésticos “delicados”, as funções da maternidade
e a educação dos filhos, bem como o magistério primário, os homens eram preparados
para os embates bélicos da vida pública, tanto na vida política como nos
empreendimentos econômicos. Os moços freqüentavam o Colégio Dom Lustosa para
ingressar nos cursos superiores e as moças estudavam no Colégio Normal, dirigido
pelas Irmãs.
Conforme trecho da carta enviada ao Bispo de Uberaba, datada de 27 de
dezembro de 1927 e assinada pela Irmã Maria Blandina:
A associação das Senhoras e todas as principaes pessoas do lugar affirmam a
mesma cousa e por mais que procuraram não acharam outro caminho. O
Ilmo. Presidente da Câmara, o Snr. João Alves declarou que para o mez de
Julho talvez poderão ter o novo grupo construido e prometteu 1º) que desde
que recebam a doação deste velho grupo do governo o cederão por escripto à
Congregação; também 2º) que a Comarca se incumbe para o concerto,
caiação, pintura e pequenas mudanças, 3º) que pagará nos primeiros annos a
mensalidade para 10 creanças pobres.
Esta primeira fase de implantação do colégio em Patrocínio não se
encontra documentada em imagens fotográficas pertencentes ao arquivo da instituição.
As informações sobre este período, ainda que incompletas e imprecisas, foram
recolhidas em fontes complementares.
O envolvimento da oligarquia no processo de instalação das Irmãs em
Patrocínio foi bastante amplo e profundo também porque desejava um trabalho
assistencial e filantrópico, considerando a sua especial apetência e aptidão para
desempenhar, no tecido social das comunidades em que se inseriu, um papel
insubstituível da promoção da dignidade e dos direitos fundamentais da pessoa
humana.
Foto12 – 1943 – Primeiras Diretoras do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio
Fonte: A LIRA da Escola, Patrocínio, p. 14, 1953.
Entretanto, tornou-se muito difícil descrever com exatidão esse
envolvimento, porque a documentação é quase muda a esse respeito e a bibliografia é
um tanto omissa. A presença da oligarquia urbana e rural se faz notar, tanto nas listas
de doações como nos raros cadernos de registros das Irmãs, sempre sombreada pelo
providencialismo.
As primeiras entradas de recursos para a realização do projeto
educacional do Bispo de Uberaba se originaram de coletas feitas pelas senhoras e
pelos senhores da sociedade patrocinense, conforme comprovam as listas de donativos,
onde se destacam em primeiro lugar as maiores quantias.
Parte do financiamento para a instalação do Colégio foi angariado pelas
senhoras Emygdia de Aguiar, Teia Cardoso, Zulmira Resende, Rita Machado, Luiza
Arantes, Luiza Barbosa, Dolores Marques, Sinhazinha Alves. Não se tem outra
informação tão precisa da quantia arrecadada, mas tudo permite supor que esse
procedimento foi bastante empregado pelo Bispo diocesano e pelo pároco
patrocinense, com o apoio incondicional da oligarquia.
A documentação consultada demonstra que as funções a serem
desempenhadas eram bem definidas e hierarquizadas e os papéis religiosos bem
demarcados.
A chegada das Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar, em
Patrocínio, ocorreu em um momento em que o prédio destinado à instalação ainda não
estava pronto. Não se tratava de uma construção nova, mas da adaptação do imóvel
localizado na Praça da Matriz, hoje, Praça Monsenhor Tiago.
A instalação do colégio na área central da cidade ocupada por famílias
de alto poder aquisitivo, demonstra o interesse tanto das oligarquias quanto da
Congregação em acolher os segmentos que iriam constituir sua clientela de base: os
filhos de grandes e pequenos proprietários e de comerciantes da cidade, de fazendeiros
e proprietários do interior de Minas Gerais e de Goiás.
Foto 13 – 1943 – Fundadores do Colégio
A tradição do ensino jesuítico, reconhecida mundialmente e, pela
segunda vez, ganhando expressão em Patrocínio, mostra que poderia verdadeiramente
ser considerado um prestígio obter formação no colégio, sob a administração e
controle das mestras da Congregação do Sagrado Coração de Maria de Beerlar.
Conferia-lhes este prestígio, a aplicação dos princípios e práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos jesuítas, apoiadas, profundamente, no Ratio Studiorum, método de
ensino de comprovada eficácia, inspirado no fundador da Companhia de Jesus, Ignácio
de Loyola (l491-1556). Os documentos consultados permitem, em constante
cruzamento, observar o valor do método pedagógico e os mecanismos disciplinares e
hierárquicos exigidos para sua eficácia.
de pé: Emydia Aguiar, Dolores Marques; sentadas: Zulmira Rezende, Irmã Ghislaine, Irmã Gilberta e Luiza
Marques Arantes.
Fonte: A LIRA da Escola, Patrocínio, p. 16, 1953.
Esse método de ensino esteve voltado para a formação da juventude no
que se refere à educação religiosa, intelectual, moral e cívica. A formação de jovens
baseada nos ensinamentos loyolistas tinha como fundamentos os princípios da mente
sã em corpo são. Além da defesa do bem da alma, que estava em primeiro lugar,
difundia-se que a educação deveria se voltar para aquelas que tivessem posses e
condições sociais, sob a alegação de que, educando-se os contingentes das classes
privilegiadas na sociedade, estes educariam as de menos condições e oportunidades de
vida. Segundo Maia,
Não abriu Inácio as escolas por aristocrática preferência em relação às
classes superiores, mas porque: não podendo fazer tudo entendia que,
educando as classes altas, derramava o bem com maior eficácia e sobre o
maior número, pelo influxo que, por meio delas, exercia nas classes
inferiores, alcançando assim a maior glória de Deus
88
.
Comentando sua vivência no Colégio Nossa Senhora do Patrocínio,
Nilda Caetano da Silva Rocha, uma de suas ex-alunas da década de 40, disse:
O Colégio teve uma importância muito grande para a vida patrocinense.
A qualidade de ensino era muito boa. Quando o meu pai foi me matricular,
ele ficou impressionado com a qualidade do Colégio. Ele chegou em casa
dizendo que é um verdadeiro ministério a divisão do trabalho entre as Irmãs:
Irmã Superiora, Irmãs professoras, Irmã diretora do dormitório, responsável
pelo refeitório. Ele ficou impressionado...
89
.
88
MAIA, Pedro Américo. A pedagogia da Companhia de Jesus. Boletim Bibliográfico, São Paulo, p. 17-21,
1977. p. 17.
89
ROCHA, Nilda C. da Silva. Nilda Caetano da Silva Rocha: depoimento [fev. 2003]. Entrevistadora: Hedmar
de Oliveira Ferreira. Belo Horizonte-MG: 2003. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de
Doutorado.
CAPÍTULO 4
APRESENTANDO AS NARRADORAS
É importante não só conhecer a história do Colégio e de sua importância
como instrumento de educação, mas também percebermos como os fatores contextuais
faziam parte dessa história. Portanto, ao entrevistarmos as alunas das primeiras turmas,
podemos surpreender uma história pessoal se entrecruzando com a coletiva, deixando
aflorar importantes questões que nos ajudam a compreender melhor a História da
Educação na Zona do Alto Paranaíba em Minas Gerais e no Brasil.
Através da memória destas senhoras, podemos entrever a escola de sua
infância e juventude, recuperando dados históricos do início do século passado.
Acreditamos que este mergulho no passado nos dá condições de olharmos para o
presente com uma nova perspectiva. Ao trabalharmos com a memória de um tempo
vivido por professoras aposentadas, senhoras mães de famílias, desvelando o passado,
refletimos sobre o presente pensando um outro futuro. Desta forma, nos propusemos a
promover o diálogo do texto das entrevistas com o texto da História da Educação mais
ampla.
É interessante ouvir estas senhoras, professoras aposentadas ou
simplesmente donas de casa e mães de família. São pessoas diferentes, que viveram
em épocas e cidades diversas, mas têm em comum o fato de terem sido alunas e
normalistas do Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, e algumas destas
moraram no internato. São mulheres cuja idade varia de 55 aos 87 anos. Colocando-
nos no meio delas, somos ouvintes e interlocutores de suas narrativas. De fato elas são
narradoras, pois intercambiam experiências.
Essas fontes orais foram analisadas comparativa e complementarmente
às fontes escritas e iconográficas, menos com a preocupação de reconstituir “os fatos”
e mais de registrar as “versões” dos envolvidos. Isso porque, como Thompson
90
,
acreditamos que a história ganha nova dimensão quando utiliza a experiência das
pessoas como matéria-prima, na medida em que, em muito maior amplitude do que as
outras fontes, permite recriar a multiplicidade original dos pontos de vista sobre os
mesmos fatos, acontecimentos ou pessoas. Nesse sentido, o que se busca não é apenas
uma história de eventos, ou estruturas ou padrões de comportamento, mas como eles
são (foram) vivenciados e como são lembrados pelas pessoas que os viveram. Os
relatos orais podem, portanto, revelar outras “verdades” que existem por trás dos
registros oficiais ou, quando apresentam “versões divergentes”, proporcionar, em
conjunto, pistas essenciais para a interpretação.
“O que o adulto retém como saber de referência está ligado à sua
experiência e à sua identidade”
91
, pois o sujeito constrói o seu saber ativamente ao
longo do seu percurso de vida. Ao falarem de sua infância e juventude, escolaridade e
prática profissional, de histórias de vida, elas vão desfiando sabedoria fazendo suas
sugestões para a continuação da história. Elas retiram de sua experiência o que
contam: “sua própria experiência ou a relatada pelos outros”
92
.
O método “história de vida” – ou relato de vida – tem por objetivo tirar o
pesquisador de seu pedestal de dono do saber e fazê-lo ouvir o que o seu entrevistado
tem a dizer sobre aquilo que acredita ser importante.
90
THOMPSON, Paul. A voz do passado: a história oral. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.
91
NÓVOA, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e
sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 25.
92
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 201. (Obras escolhidas, 1).
Na correria do dia-a-dia, se conseguirmos um tempo para reflexão e
fizermos uma viagem mental, conseguiremos rapidamente lembrar nossa história de
vida, com preciosos detalhes.
Como interlocutores, vamos incorporando às coisas narradas a nossa
experiência, fazendo a nossa leitura dos fatos. Não é difícil retomar nossa relação com
a família e com a escola – os colegas, os professores, os estudos – trazer de volta
nossos sonhos e esperanças, medos e angústias, nossa experiência de trabalho. Tudo
isso contribui para nossa visão de mundo, nossa concepção de educação.
Neste estudo se pode depreender a informação do conceito de gênero,
entendido, conforme afirma Joan Scott
93
, como “elemento constitutivo das relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos” e “um modo de dar
significado às relações de poder”. Na apreensão do caráter social, histórico e relacional
que está implícito nesse conceito, são articuladas também outras categorias, como
classe e raça.
Ao trabalhar com tais categorias, salienta-se que é preciso considerar que
há diferentes construções de gênero numa mesma sociedade – construções essas que se
fazem de acordo com diferentes modelos, ideais, imagens que têm as diferentes
classes, raças, religiões sobre a mulher e sobre o homem. Acredita-se também que é
importante ter presente que há diferentes construções de gênero numa dada sociedade
de contextos históricos diferentes.
Há de se lembrar, além disso, que a construção do gênero não se dá
através de um processo de imposição unilateral, pela sociedade, das atitudes e valores
93
SCOTT, Joan. O Gênero como categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2,
p. 10-22, jul/dez. 1990. p. 11.
considerados adequados para meninas e meninos, que vão então internalizá-los. É
preciso ter em mente que freqüentemente não só há expectativas divergentes (até
contraditórias) para os sujeitos sociais, como também que esses são capazes de
acomodações, resistências, adaptações, transformações. Daí a importância da
observação de como as mulheres que passaram pelo Colégio Normal Nossa Senhora
do Patrocínio vivenciaram, enquanto sujeitos concretos, as práticas educativas e
sociais em que se viram envolvidas.
E mergulhando numa história instigante, vamos encontrando livros
antigos, velhos manuscritos, álbuns de fotografias, cadernos de recordações e de
receitas, antigos salões de reuniões familiares, uma escolinha perdida no tempo, um
namorico com aluno do Colégio Dom Lustosa. E as narrativas cheias de sentido não se
esgotam nos fatos contados, pois não são meramente informativas, mas capazes de
suscitar espanto e reflexão.
Ao contar histórias, as alunas entrevistadas se transfiguram, voltam a um
passado, revivem-no, seus olhos brilham ao descobrir que o que viveram teve
importância, está sendo pesquisado e não será perdido pela História.
Envoltos nesses depoimentos, percebe-se em cada uma a sua marca
pessoal. Elvira, alegre, cheia de vida, vaidosa, com os cabelos alourados encobrindo os
brancos, fala com prazer de sua infância, juventude, enfim de sua vida de estudante em
Patrocínio, de sua carreira profissional e política, hoje, advogada e vice-prefeita. Alina,
frágil no físico, mas forte, muito elegante, com uma linguagem polida. Zulma e
Leonor, de fala espevitada, com jeito de mando, mostram que sempre gostaram da
Escola Normal, das atividades religiosas e mostram também, que gostaram mais de
serem diretoras do que professoras. Alda, sorridente, simpática, conta suas histórias de
menina de interior e depois de mãe e esposa dedicada e se refere sempre com alegria
aos tempos de Colégio.
Judite, a lutadora que chega a ser professora, ser mãe, apesar de todos os
obstáculos que a vida lhe impõe, mas que ela vence com energia e vontade. Zaida, a
mulher independente que rompe com os padrões da época, morando sozinha, e
enfrenta as autoridades educacionais reivindicando melhorias para sua categoria,
através de uma participação ativa nos movimentos sindicais das professoras
aposentadas. Áurea, a sonhadora e romântica, que buscou o descanso das atividades
educativas nas aulas de pintura e bordados e na leitura, aproveita o tempo livre para
contatos maiores com os filhos e netos. Maria Bárbara, alegre, sorridente ao falar do
cineminha namorisqueiro do Padre Caprásio, batalhadora na lida da casa, dedicada
exclusivamente ao esposo, aos nove filhos e outro tanto de netos. Antonia, elegante, de
porte altivo, de palavras medidas, sóbria, esposa e mãe dedicada ao lar e também às
“boas” leituras. Berenice, alegre, com jeito de garota levada, nunca gostou de estudar,
mas sempre participou com entusiasmo das atividades do Colégio. Edna, aluna da
Escola Normal, única escola por ela freqüentada, dos oito aos dezenove anos de idade,
quando saiu formada normalista; as demais entrevistadas eram senhoras comuns.
Quem viveu boa parte de sua vida em uma única escola sabe que por lá
circulavam afetos, emoções, calor humano, aceitação e repulsa. Momentos que falaram
de solidariedade, de apoio a iniciativas e descobertas, de desenvolvimento da auto-
estima e de cumplicidade. Momentos que ficaram porque foram fascinantes ou porque
deixaram marcas tristes, impregnadas de medo, de desânimo, de perda da
autoconfiança. Marcas, muitas vezes, difíceis de serem removidas.
Foto 14 – Leonor de Castro Magalhães
Fonte: Arquivo pessoal.
“A saudade é braço-e-mão do coração, e que, certas horas, quer segurar
demais alguma pessoa ou coisa”
94
.
Todas as entrevistadas acalentavam o passado como se fosse a única
forma de recuperar aquilo que se crêem perdido.
Esse apego ao passado como forma de preservação da identidade, dá
origem a um culto à Escola Normal, que é visto como símbolo de um tempo de glórias.
Dá lugar também a uma tentativa de recuperação de antigas posições sociais. É uma
tentativa de manutenção de seu prestígio, mesmo que seja no nível imaginário. Existe,
nesse constante olhar para trás, uma retrospectiva otimista sobre aqueles bons tempos;
o tempo passado ali é valorizado e lembrado como o tempo da harmonia, da
permanência e da proteção contra mudanças do presente, que é visto como o tempo da
rapidez, da desordem, da ausência de solidariedade.
As entrevistadas são pessoas possuidoras de sonhos, desejos, projetos,
frustrações, utopias e, como tantas outras, dispostas a partilhar suas lembranças
quando encontram ouvidos atentos que mostram interesse em conhecer suas histórias
há muito guardadas. As ex-alunas da Escola Normal se interessaram pelos
depoimentos não apenas como relatos isolados, mas como histórias... Pois, como nos
diz Freire, “[...] não há homens no vazio”
95
, qualquer ato humano é fruto de uma
história social, ou conforme afirma Goodson:
Os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar a ver os
indivíduos em relação à história de seu tempo, permitindo-nos encarar a
interseção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo,
assim, as escolhas, contingências e opções que deparam ao indivíduo
96
.
94
ROSA, João Guimarães. Grande sertão veredas. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 118.
95
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1986. p. 18.
96
GOODSON, I. Studyng tezcher’s lives. London: Routledge, 1992. p. 75.
Foto 15 – Augusta Arantes
Fonte: Arquivo particular
Os depoimentos, os contos revestiram-se de um universo humano mais
amplo, onde a harmonia conjugou-se com tensões e conflitos. O olhar destas senhoras
revelou uma realidade vivida. Como era a relação dessas alunas com as irmãs e com as
colegas? Será que essa relação foi sempre a mesma ou se modificou nos tempos
diversos? Que importância teve o contexto, o ambiente, na formação do ser mulher, ser
professora, ser mãe de família?
Buscamos responder estas questões escutando pessoas que viveram em
décadas diferenciadas, com a esperança de podermos abranger um bom período
histórico. As idades das alunas, variando de 55 a 87 anos, nos permitiram ler o passado
a partir do presente.
Por onde andaram as suas memórias que deve também ser a nossa –
dessas Minas, das famílias, das pequenas e grandes cidades como Monte Carmelo,
Patrocínio, Patos de Minas, Belo Horizonte, suas lembranças e incuráveis saudades do
tempo de estudante. Memória também das pessoas, das colegas de internato, das Irmãs
persistentes e enérgicas, que marcaram toda a vida. Vidas vividas em diferentes
ritmos. Uma galeria de alunas com a imagem da escola retida, ao alcance dos olhos e
do coração, derramando sensibilidade, trazendo elementos de sua memória, que são
modificados ou recortados pela sabedoria de sua maturidade. As reflexões e
lembranças são costuradas com o olhar de quem carrega nos ombros toda a sabedoria e
saudades da escola. Das falas destas senhoras pinçamos, em suas memórias, um
passado que nos revelou a História da Educação de nossa região e dentro desta a
história da Escola Normal Nossa Senhora do Patrocínio.
Compreender o processo pelo qual as alunas entrevistadas consolidaram
a sua educação e formação profissional no contexto de nossa sociedade afirma a
necessidade de historicizar essa trajetória. Impõe-se, assim, o cuidado de nos atentar
para os diferentes fios que formam o tecido desse intrincado processo de constituição
do ideário feminino, imbricado nas questões econômicas, políticas e culturais de nossa
história. Citando Lara, entendo que um processo cultural, como uma teia, é tecido de
mil fios, muitos imperceptíveis, compreendendo que:
Não é possível enumerar todos os fios envolvidos na elaboração de um
projeto cultural. Possível é, no entanto, para efeito de análise, indicar,
distinguindo, dimensões específicas da realidade humana responsáveis por
linhas de forças especiais – qualidade diversas de fios – a que devemos estar
atentos, neste esforço de compreensão do processo cultural
97
.
Assim sendo, a partir dos depoimentos das alunas entrevistadas, propõe-
se a realizar um exercício buscando o fio condutor das implicações culturais e
religiosas que envolveram a educação feminina, o magistério, com vistas a uma maior
e mais detalhada compreensão do processo de formação profissional destas senhoras.
Partindo da concepção de que a mulher professora, mulher mãe, é um
sujeito histórico, ativo, produto e produtor de cultura, na qual age, reage e interage, se
constituindo na e com a dinâmica social, em cuja complexidade estão presentes
contradições e antagonismo, torna-se necessário um mergulho na macro-história, na
qual se insere e da qual emerge, como fruto do processo cultural, para então, buscar
97
LARA,T. A. A escola que não tive... o professor que não fui: temas de filosofia da educação. São Paulo/
Uberlândia: Cortez/EDUFU, 1996. p. 12.
compreender a dimensão micro-estrutural constituidora do seu processo educacional e
de formação profissional.
Analisando nossas raízes históricas percebe-se que a cultura
mercantilista portuguesa repudiou toda e qualquer possibilidade de colaboração,
respeito e troca entre as duas culturas – a estrangeira e a nativa – opondo-se ao modelo
aqui encontrado, assumindo a colonização caráter de aculturação radical. Assim, o
domínio econômico se exerceu na predominância do dominante sobre o dominado.
Neste contexto, o pater famílias se ramifica com força, consolidando as instituições
que alicerçam a sociedade brasileira, originando grandes distorções em nossa cultura.
Os portugueses, enraizados na tradição ocidental-judaico-cristã,
transportaram para a colônia a semente da dominação patriarcal, combinando com o
costume passional mourisco, de esconder suas mulheres aos olhos de outros homens,
preservou na Colônia a exigência de um confinamento feminino, cujo papel se reduzia
à esfera privada de suas casas. Pode-se constatar pelas palavras de Araújo, referindo-se
a relatos de viajantes que passavam pela colônia:
[...] as mulheres pouco se deixavam ver. Durante minha estada na cidade,
vi as principais autoridades locais e muitas pessoas me visitaram; entretanto,
não fui convidado, por quem quer que fosse, para festas e jantares, e não tive
oportunidade de ver nenhuma senhora paulista
98
.
[...]
[as mulheres] são de dar pena, pois jamais vêem ninguém e saem apenas
aos domingos, no raiar do dia, para ir à igreja
99
.
As palavras de Padre Antonio Vieira, sistematizada por Miranda,
afirmavam haver apenas três ocasiões, em toda a existência, em que a mulher de
98
ARAÚJO, E. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1993. p. 111.
respeito poderia deixar o lar: para o batismo, o casamento e o próprio enterro, reflete a
mentalidade da época. A condição feminina não requeria muita preocupação com a
formação da mulher. Bastaria que aprendesse as primeiras letras e cálculos aritméticos
rudimentares que assegurasse o seu desempenho nas tarefas do lar
100
.
O processo de identidade feminina se constituiu em todo o período
colonial, fundamentado na apreensão dos diversos mecanismos de controle pessoal e
social, num clima de repressão explícita e formal, evidenciado nos costumes, nas leis
civis e eclesiásticas, confirmado pelas palavras de Araújo:
Fora do casamento, no papel de santa mãe, não havia salvação, e mesmo
aí, o preconceito permeava o cotidiano de várias maneiras e a todo o
momento, pois na sociedade colonial a mulher era vista em tentação
permanente e, assim, podia ser potencialmente adúltera, feiticeira,
enganadora, sibarita, repositório enfim de todos os males já presentes desde
a primeira mulher, Eva, a Eva tentadora
101
.
Alguns séculos após a chegada dos portugueses ao Brasil, a mulher
apareceu na história oficial, passando por um longo e sofrido processo permeado de
submissão, coptação, transgressão e rupturas até que ela pudesse se constituir em
sujeito de sua própria história.
Embora alijada por tantos anos do processo cultural, vale ressaltar que
foi, principalmente, através do magistério que a mulher brasileira pôde abrir caminho
para a atividade profissional. Referindo-se ao processo de sistematização do ensino
brasileiro, Bruschini confirma:
99
Ibidem, p. 192.
100
Cf. MIRANDA, A. Ser mulher: reflexões para o futuro. São Paulo: Abril, 1993. p. 38.
101
ARAÚJO, op. cit., p. 213, nota 9.
Foi somente no século passado quando, após a Independência, o ensino,
pelo menos em nível dos projetos e das leis, se tornou gratuito e extensivo a
todos, inclusive às mulheres – que até então só tinham acesso à educação
religiosa, nos recolhimentos e conventos – que surgiram as primeiras vagas
para o sexo feminino no magistério primário. Como não se tolerava a co-
educação e os tutores deviam ser do mesmo sexo de seus alunos, um espaço
para a profissionalização feminina foi aberto, ao mesmo tempo em que se
expandia a própria instrução da mulher
102
.
E ainda refletindo sobre a natureza deste avanço educacional, adverte
Bruschini:
Essa abertura, porém, era justificada em nome das funções maternas da
mulher defendendo-se, simultaneamente, diferenças de gênero nos
currículos: os das meninas davam mais ênfase à agulha e ao bordado do que
à instrução propriamente dita. Assim, se de um lado a primeira lei do ensino
(1827) representou um marco para a mulher, na medida em que ratificou seu
direto à instrução, significou também um instrumento que acentuou a
discriminação sexual, pois só admitia o ingresso de meninas na escola
primária, não aceitava a co-educação nas escolas e reforçava as diferenças
curriculares
103
.
E concluindo em sua análise, pela permanência do sistema de segregação
da mulher afirma que: “A maioria das mulheres – com exceção das de elite e talvez
das dos poucos estratos ascendentes urbanos – não teve, de fato, muito acesso à
escolaridade nesse período”
104
.
A profissionalização feminina no Brasil aconteceu, na verdade, em
decorrência das profundas transformações econômicas e sociais pertinentes à nova fase
da produção capitalista monopolista que aqui se iniciava. Dando início ao processo de
industrialização brasileira, com a substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho
assalariado, o novo modelo econômico possibilitou o aparecimento da classe operária
102
BRUSCHINI, C. Amado T. Estudos sobre a mulher e educação: algumas questões sobre o magistério.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 64, p. 4-13, fev. 1988. p. 5.
103
Idem, Ibidem.
em nossa sociedade, bem como, o alargamento da classe média em decorrência da
mudança do eixo econômico do setor agrícola latifundiário para o agrícola-industrial-
exportador. É neste momento de grandes transformações que a cidade de Patrocínio
começou a escrever a história de seu desenvolvimento, de forma peculiar, no cenário
nacional.
Na história de vida daquelas que freqüentaram a Escola Normal Nossa
Senhora do Patrocínio ou mesmo daquelas que, privadas desse direito, sonharam ou
ainda sonham com ele, a professora é objeto de inúmeras referências.
Trazendo à tona a história de alunas professoras, mães, donas-de-casa,
apresentando-as como portadoras de uma identidade profissional, mesmo sendo o
magistério parte significativa da experiência e da identidade das narradoras, as
professoras não são só magistério. São pessoas concretas e plurais que se fazem
historicamente a partir dos contextos sociais onde vivem seu cotidiano. É aí, na casa,
no trabalho, na sala de aula, na igreja que elas vivenciam sua relação com a estrutura
mais ampla.
Quem viveu boa parte de sua vida em uma escola católica sabe que, nas
tramas da sociabilidade humana, tecidas na convivência com as companheiras de
classe, de internato, com as Irmãs belgas e brasileiras, as professoras, mães, mulheres
vão se formando.
No cotidiano da escola as alunas não foram, apenas agentes passivos
face à estrutura. Desenvolveram uma relação complexa, envolvendo negociações,
conflitos, alianças, burlas, transgressões e acordos, que transformaram a instituição em
espaço de resistência e criação.
104
Ibidem.
Foto 16 – 1938 – Apresentação das alunas no pátio do
Colégio, no domingo, após a missa.
Fonte: Arquivo do Colégio
4.1 Memórias de ex-alunas
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela
astúcia que tem certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos
lugares.
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com os
outros acho que nem se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo
sendo coisas de rasa importância [...] tem horas antigas que ficaram muito
mais perto da gente do que outras de recente data.
O senhor sabe; e se sabe, me entende. Toda saudade é uma espécie de
velhice
105
.
Ao narrar momentos de sua trajetória como aluna do Colégio Nossa
Senhora do Patrocínio, na década de 1930, as entrevistadas Alda Amorim, Alina
Borges e Elvira Porto compõem imagens de alguns espaços escolares, decompõem
tempos e descrevem relações pessoais, desenhando contornos de uma forma escolar
constituída por (e constituinte de) práticas de formação docente instaladas no período.
A referência à Escola Nova marca o relato, destacando a novidade dos procedimentos
da escola.
As Irmãs faziam a gente se interessar pelas notícias de jornais, queriam
que lesse e comentavam com a gente [...] livros também! E desses um que
marcou profundamente foi Contos Pátrios. Eram contos interessantes,
falando sobre a vida no Brasil, de um modo agradável... com muita poesia
106
.
O preparo do professor para a Escola Nova parecia indicar a necessidade
de recorrer a impressos. O Colégio criava todo um ambiente favorável à leitura: hora
específica para a atividade inserida no tempo escolar; indicação de impressos nos
programas de disciplinas, seminários e discussão de textos; compras e solicitação para
doação freqüente de livros, e as alunas eram empurradas à biblioteca.
105
ROSA, op. cit., p. 460, nota 5.
A criação dos clubes de leitura, a instituição da festa do livro nas escolas
primárias, a avaliação dos livros infantis pelas diretorias de Instrução Pública foram
alguns dos mecanismos utilizados por educadores “escolanovistas” para disseminar
novos hábitos de leitura e controlar a produção dos livros.
Analisando as histórias narradas pelas alunas, nos seus períodos de
formação e, posteriormente, em sua prática profissional, detendo no que se refere à
leitura e escrita, procurou-se responder às questões: Como as relações familiares na
infância contribuíram se é que contribuíram, para o estabelecimento do gosto pela
leitura? As antigas professoras do Colégio conseguiram passar sua paixão pela leitura
para as alunas?
Nos relatos feitos pelas alunas, foram constatados que em sua infância e
adolescência o interesse e o contato com os livros e a arte de escrever muitas vezes
encontrou apoio em seus ambientes familiares. Algumas entrevistadas afirmaram não
gostar de ler, desde o tempo de criança e que em suas lembranças as aulas de leitura
eram terríveis. Portanto, o desinteresse pela leitura e a escrita sempre esteve ligado aos
momentos de indisciplina.
As entrevistadas, pelo fio da memória, refazem o percurso de suas vidas,
reconstruindo-as e, junto com sua história individual, vai sendo contada também a
história de sua família, de sua cidade. E para aflorar o passado, é preciso puxar o fio da
memória. Todo processo de recordação é construtivo e tem uma função social na
medida em que, de acordo com Bosi, ele é também constituidor de uma história
coletiva, de uma sociedade e da cultura de um povo. Memória que é em si mesma
106
AMORIM, Alda. Alda Amorim: depoimento [jul. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos
de Minas: 2003. 1 cassete sonoro e 1 fita de vídeo. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
social, porque ela é constituída a partir dos encontros que a vida proporciona, das
pessoas com quem se interage
107
.
Umas vão se lembrando de sua infância na fazenda, buscando
lembranças da sala grande, onde a família se reunia em torno da leitura de cartas e
jornais; são evocados também o escritório do pai cheio de livros, a família letrada dos
tios que moravam numa outra cidade. Estes foram os momentos em que teve o
primeiro contato com a leitura e escrita em suas histórias de vida.
Nas reuniões de família se fazia presente à leitura de jornais e cartas
falando de uma realidade ainda não vivida, que trazia novos conhecimentos e a
vontade de aprender. Para Elvira
[...] as notícias da Segunda Guerra Mundial nos faziam imaginar coisas
terríveis e a noite a gente não dormia, pensando que poderia ouvir tiros.
Chorávamos com medo de alguma pessoa da família ser convocada para ir
lutar na Itália
108
.
Chartier comenta que muitas crianças aprendem em suas famílias que os
escritos existem, que os adultos os utilizam e isso desenvolve a sua curiosidade pelos
sinais gráficos e pelas mensagens neles contidas. Para que isto aconteça é preciso que
os adultos mostrem que estão lendo e escrevendo. Assim, a vida cotidiana pode
proporcionar situações bastante oportunas para estimular a curiosidade
109
. Dessa
forma, o ambiente familiar de Elvira Porto proporcionou a oportunidade de estabelecer
107
Cf. BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. São
Paulo: Queiroz, 1979. p. 39.
108
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
109
Cf. CHARTIER, Anne-Marie et al. Ler e escrever: entrando no mundo da escrita. Tradução de Carla
Valduga. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 56.
o contato concreto com a leitura e a escrita. Isto se evidencia também nos relatos das
ex-alunas:
Na minha infância [...] todo papel escrito, os rótulos nas latas de
bolachas, nos vidros de remédios ou quando alguém chegava lá em casa, na
fazenda, com um jornal embrulhando as compras de produtos para uso no
curral, eu procurava ler e ler alto para a minha mãe ouvir, enquanto ela
mexia na cozinha ou então para o meu pai, à tardinha, assentados na porta
da sala, aproveitando o resto da luz do dia
110
.
Outras formas de convívio com a leitura e escrita, que contribuíram para
a formação de conceitos espontâneos, são lembradas por Alda e outras alunas.
Faltando-lhes em casa um ambiente propício à leitura, Alda Amorim e suas irmãs
Alfa, Alba, Dalva, Dalca e Dulce, todas alunas do Colégio, o descobrem entre os tios:
Quando íamos passar férias na casa dos nossos tios, lá todos falavam
corretamente. As primas tinham professores em casa, uma letra bonita... À
noite eles reuniam e conversavam muito bem. Às vezes eu ia preocupada
para lá...mas eu tinha uma verdadeira admiração por eles, que estavam
estudando no Colégio de padres – o Dom Lustosa – em Patrocínio. Eu tenho
a impressão de que eu sempre gostei de ler e de escrever... deve ter sido
alguma coisa que saiu dali e que fortaleceu quando nós fomos para o Colégio
das Irmãs em Patrocínio – o nosso sonho dourado
111
.
Elvira sorri muito relembrando com admiração e saudade o escritório do
pai, lugar mágico onde descobria o mundo.
110
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
111
AMORIM, Alda. Alda Amorim: depoimento [jul. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos
de Minas: 2003. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
Foto 17 – Elvira Porto – vice-prefeita de Patos de Minas – MG
Fonte – Arquivo pessoal
“O meu pai tinha um escritório... ele era um homem que gostava de ficar
fechado dentro do escritório lendo. Ele tinha livros e jornais como ninguém tinha,
naquela época. Eu achava aquilo lindo!”
112
.
Nas famílias mineiras da época, a leitura era vista como um bem cultural
muito importante. Estes relatos mostram como o meio familiar contribuiu para a
formação das futuras leitoras/professoras.
E a memória vai trazendo para o presente outras lembranças...
Lembranças do início da alfabetização; percebe-se que algumas alunas chegaram ao
Colégio já alfabetizadas, dentre elas, a ex-aluna Edna.
Minha mãe queria tanto ter estudado, mas não teve oportunidade.
Naquela época tudo era muito difícil. Ela sonhou ser professora. Hoje
consigo compreender que segui o caminho que ela gostaria de ter seguido;
muito mais que a falta de opção foi a forte presença do desejo que não era
meu, mas que impregnava meu cotidiano desde criança. Ela não estudou
para ser professora, mal aprendeu a ler e escrever, mas com esforço foi se
desenvolvendo sozinha. Não foi professora leiga, mas foi quem alfabetizou a
mim e quem ajudava a pensar as melhores estratégias para trabalhar com as
crianças dos peões que precisavam aprender a ler e escrever
113
.
Apesar das idades, muitas entrevistadas se lembram até hoje, da primeira
professora e do método de alfabetização. Em seus relatos aparecem a cartilha, o
método fônico, o analítico e o global. A maior parte das alunas fez o primário em
Grupo Escolar Estadual, ou com professor particular na casa da fazenda.
É interessante dizer que a ex-aluna citada acima, a mais nova do grupo
de depoentes, ingressou já alfabetizada no Colégio, mas foi matriculada no primeiro
112
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
113
SILVA, Edna de Oliveira. Edna de Oliveira Silva: depoimento [jul. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de
Oliveira Ferreira. Patrocínio-MG. 2003. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
ano primário, em 1953, obedecendo normalmente, todo o processo de escolarização. A
escola possuía um material muito rico. Em sua lembrança cita a Cartilha de Lili e a
primeira professora, Irmã Reginalda, uma belga muito bonita, bem jovem, mas muito
severa.
Das lembranças do curso primário vão chegando as experiências com a
escrita, que são rememoradas, misturando cadernos de caligrafia com as canetas-
tinteiro, que tornavam a tarefa difícil ainda mais complexa. As letras certinhas eram
um treino, tinha que ser feito todo dia. Os cadernos de caligrafia são lembrados pela
maioria, que acrescenta o comentário de que estes foram muito importantes, pois, a
letra se tornou bonita por isso. E as entrevistadas vão se lembrando daqueles cadernos
que tinham na contracapa o Hino Nacional ou Hino da Bandeira, cadernos comprados,
ou feitos artesanalmente, com sobras de papel e grampeados ou alinhavados. Percebe-
se aí nos hinos colocados no caderno um reflexo da época nacionalista de Getúlio
Vargas.
Em suas histórias vão surgindo lembranças dos livros lidos às
escondidas, do gosto pelo romance, dos folhetins e da leitura chamada de formação
ligada aos aspectos religiosos. É interessante como havia uma certa preocupação das
famílias e das Irmãs com o que podia ser lido. Os livros de formação eram os
aconselhados, enquanto os romances passavam por uma censura prévia das freiras, o
que não impedia, no entanto, a burla, a luta pelo proibido que adquiria um gosto maior.
Muitas alunas internas se refugiavam no banheiro ou no quarto, lendo às escondidas
aquilo que lhes era vedado.
Parece que o romantismo, a busca de histórias açucaradas de amor,
presente nas alunas, encontrou um campo fértil na leitura romântica de uma coleção
que foi difundida na época: a Biblioteca das Moças. Eram romances sentimentais que,
acabavam por estimular seus devaneios, contribuindo para a construção de uma
imagem feminina frágil e sonhadora. As narrativas estavam impregnadas de valores
católicos como a caridade, a renúncia, descrevendo ritos como novenas e missas. Esses
livros faziam parte do acervo da biblioteca do Colégio. Essa era a leitura presente na
juventude das entrevistadas.
Ouvindo as narrativas das ex-alunas/professoras aposentadas, fica
evidente que estes livros faziam parte das bibliotecas escolares destinadas à formação
de professoras. Continuando a análise, percebe-se que o ideal de mulher veiculado por
estes romances pode ser um indicador de que essa leitura ajudou a sedimentar a
imagem do magistério como uma ocupação ideal para mulheres, junto à idéia de que
esta é a carreira mais adequada à natureza feminina, pois requer amor, dedicação
maternal, paciência.
Em suas narrativas vão surgindo nomes como José de Alencar, Machado
de Assis, Joaquim Manoel de Macedo entre outros. É interessante perceber como as
entrevistadas de faixas etárias diferentes fruíam o mesmo prazer nos livros de literatura
brasileira indicada pelas professoras; professoras/Irmãs que conseguiram passar para
as alunas a sua paixão pela leitura. Essas mulheres foram se constituindo como sujeitos
pela leitura, compartilhando de um mesmo mundo estético respondendo às demandas
de uma época. Elas foram formadas sob a influência dessas obras lidas.
CAPÍTULO 5
AS MENINAS NO COLÉGIO NORMAL:
INSTRUINDO E EDUCANDO
5.1 O confinamento do internato
As Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar que dirigiram o
Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio eram herdeiras de uma vigorosa tradição
pedagógica, que fora inventada na conjunção das reformas religiosas e das guerras de
religião do Século XVI, visando produzir católicos obedientes e produtivos. As
reformas protestantes e católico-tridentina colocaram em funcionamento novos
mecanismos disciplinares para conquistar as almas para a sua seara, especialmente
dirigidas às crianças, que foram o alvo preferencial da nova onda cristianizadora.
Se, na sociedade mineira, até o Século XVIII, o atendimento escolar às
meninas praticamente inexistiu, restrito que estava às “primitivas aulas domésticas ou
dos padres-mestres capelães” e à formação proporcionada pelos seus dois
recolhimentos, tal situação pouco se modificou até as primeiras décadas do Século
XIX.
E isso se deu tanto pela omissão das autoridades coloniais e provinciais,
no que diz respeito a uma política de estímulo e de criação de escolas femininas, como
pelo costume predominante de preservação da honra feminina pelo confinamento
doméstico. Tais práticas, e as representações que as informam, responderam por esse
quadro de exclusão inicial das meninas dos bancos escolares, uma vez que a
preocupação das famílias e dos dirigentes foi, prioritariamente, a de resguardá-las o
máximo possível da convivência heterossexual, o que justificou, até mesmo, negar-se-
lhes o acesso ao saber sistematizado.
A educação escolar converteu-se numa estratégia central da cruzada
moderna, pelo fato de os reformadores religiosos investirem de forma rotineira e
sistemática na produção da infância. A idéia da “infância a construir” foi o “leitmotif”
da maioria dos pedagogos humanistas, dos reformadores luteranos, calvinistas e
católicos. A emergência da infância nos discursos dos humanistas e pedagogos cristãos
no início da Idade Moderna fazia parte da problematização geral da arte de “governo”,
que engendrou a incrementação de novas estratégias de “governamentalidade” nos
diversos níveis da vida social, que destoavam das práticas medievais
114
.
Os membros da Companhia de Jesus, pedagogos de vanguarda da
modernidade católica, estabeleceram uma extensa rede de colégios e, para mantê-la
uniforme, instituíram novo método pedagógico, o Ratio Studiorum, que além de
definir critérios para recortar e organizar o conhecimento escolar, destacou-se pela
proposição de novos dispositivos escolares que visava a moldar católicos dóceis e
obedientes. Este escopo estava claramente definido no Ratio, ao orientar os padres-
professores: “Concentre de modo especial a sua atenção, tanto nas aulas quanto se
oferecer o ensejo como fora delas, em moldar a alma da juventude no serviço e no
amor de Deus, bem como nas virtudes com que lhe devemos agradar”
115
.
Entre as estratégias de “governo” de condutas e de produção de
subjetividades determinadas e definidas no método de ensino dos jesuítas, pode-se
destacar o incitamento à atividade permanente do corpo discente, o controle do espaço,
114
Cf. FOUCAULT, M. A Governamentalidade. In: _____. Microfísica do poder. Tradução de Luiz Orlandi;
Roberto Machado. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988. p. 277-293.
115
ORGANIZAÇÃO e Plano de Estudos da Companhia de Jesus. In: FRANCA, Leonel. O método pedagógico
dos jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952. p. 181.
a escanção do tempo, a separação dos alunos em classes e grupos, a emulação, a
individualização das carreiras escolares.
No início do século XIX, com a “restauração” da Companhia de Jesus o
Ratio foi reinventado para responder aos sinais dos tempos da nascente sociedade
disciplinar. Como “técnica de exercício de poder”, a disciplina existiu de forma isolada
e fragmentada nas sociedades antigas, medievais e do Antigo Regime – nas cortes, nas
igrejas reformadas, nas instituições escolares modernas, nas grandes manufaturas –,
mas a partir do século XIX generalizou-se nas instituições sociais como a prisão, a
fábrica, o hospital, o quartel, a escola, a família, bem como nos espaços sociais
urbanos e rurais. O principal traço da sociedade disciplinar é o panoptismo, “uma
forma que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e contínua,
em forma de controle de punição e recompensa e em forma de correção, isto é, de
formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas”
116
.
A vigilância panóptica apareceu como nova forma de gestão de
indivíduos, conectada com a multiplicação da pequena propriedade no campo, o
avanço do capitalismo industrial, o crescimento demográfico e a aceleração da
urbanização, manifestando-se de modo pioneiro na Inglaterra e, posteriormente, nos
países europeus continentais.
As instituições escolares dos séculos XIX e XX constituem-se como
instituições que muito contribuíram para a produção da sociedade capitalista, porém
diferenciadas segundo as classes sociais, gêneros, nacionalidades, etnias, religiões,
particularmente com a implantação da escolarização obrigatória pelos Estados
116
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Lígia M. Pond. Petrópolis: Vozes, 1984.
p. 103.
Nacionais. No Catolicismo “restaurado” emergem novas congregações religiosas
masculinas que constroem discursos pedagógicos pautados pelos princípios
disciplinares como sistema preventivo da Ordem Salesiana e o “Guide des Écoles” dos
Irmãos Maristas.
Entre os mecanismos de refinamento da disciplina-mecanismo, pode-se
destacar a criação do colégio-internato, o estabelecimento de pequenas classes
escolares, a intensificação da individualização das carreiras escolares e a eliminação
gradual dos castigos corporais. A incrementação dos instrumentos panópticos para
moldar a alma, bem como a proibição expressa das punições no corpo foram
peremptórias, mas desdobraram-se ao longo do Século XIX e até meados do Século
XX.
No Colégio Dom Lustosa de Patrocínio, primeiro colégio fundado na
Zona do Alto Paranaíba em Minas Gerais, em 1927, pelos padres da Congregação dos
Sagrados Corações, foram introduzidas práticas de regulação escolar pautadas pelo
Ratio. No início do Século XX, quando foi fundado, o mecanismo disciplinar estava
implantado em vários colégios mineiros, sendo aceito e desejado pelas novas elites
burguesas brasileiras, que procuravam produzir-se e reproduzir-se pela escolarização
disciplinada de seus filhos.
Os novos hábitos introduzidos no Rio de Janeiro com a chegada da Corte
demoraram a se instalar no isolado Estado de Minas Gerais. Mesmo após a
Independência, em que pese à veemência dos discursos das elites sobre a necessidade
de se construir uma imagem do país que “afastasse seu caráter marcadamente colonial
atrasado, inculto e primitivo”
117
, a sociedade mineira provincial permaneceu, até quase
a metade do Século XIX, refratária aos apelos quanto à importância da educação na
modernização, particularmente no tocante à escolarização das meninas. Modernização,
entendida como projeto das elites cujo propósito maior consistia em impulsionar o
Brasil em direção ao “novo”, à “civilização” ou, como explicou Chalhoub, “no sentido
da constituição de uma ordem social burguesa”
118
.
As relações pré-industriais que avançaram pelo Século XX foram sendo
substituídas por relações do tipo burguês, com o processo de substituição de uma
economia escravista pela economia do trabalho livre, porquanto compreendem
mudanças inscritas nas injunções que resultaram na constituição do Estado moderno e
na ampliação das formas de sociabilidade. Segundo Maria Ângela D’Incao:
[...] Presenciamos ainda nesse período o nascimento de uma nova mulher
nas relações da chamada família burguesa, agora marcada pela valorização
da intimidade e da maternidade. Um sólido ambiente familiar, o lar
acolhedor, filhos educados e esposa dedicada ao marido, às crianças e
desobrigada de qualquer trabalho produtivo representavam o ideal de retidão
e probidade, um tesouro social imprescindível [...]
119
.
Além da valorização da maternidade e da intimidade, ocorreram também
novas formas de sociabilidade entre os sexos, com a introdução da convivência nos
salões para jantares e festas. Esta convivência nos espaços externos às famílias
acontece sob seu estrito controle. Os cafés, clubes, teatros, bailes e outros
acontecimentos da vida social tornam-se locais e ocasiões em que a presença das
mulheres da elite se faz notar, sob o olhar atento dos pais, maridos ou irmãos.
117
LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del; BASSANEZI, Carla (Orgs.)
História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 446.
Apesar de instauradas novas formas de sociabilidade, a mulher continua
a ser definida como indivíduo “estruturalmente inferior”, subordinada, portanto, ao
domínio masculino em razão dessa suposta, porém, naturalizada, inferioridade. Então,
nesse processo, “o nascimento de uma nova mulher”, de que fala Ângela D’Incao, na
perspectiva de seu princípio fundador, parece não ter ocorrido.
Essa “nova mulher” – referindo-se, particularmente, àquelas mulheres da
elite – tem ampliado o seu papel, implicando uma ruptura com a prática do
confinamento doméstico, processo resultante da urbanização e da gradativa
desestruturação dos padrões familiares coloniais que inclui um novo padrão de
sociabilidade feminina, sem, contudo, romper com os estreitos limites de sua atuação.
Às jovens da elite foi atribuído um outro tipo de aprendizagem, além
daquele que as preparava para os cuidados com a casa e com os filhos – o de
comportar-se em público, de conviver de maneira polida, recatada e distinta, - de
acordo com Ângela D’ Incao: “[...] Nas casas, domínios privados e públicos estavam
presentes. Nos públicos, como as salas de jantar e os salões, lugar das máscaras
sociais, impunham-se regras para o bem-receber e bem-representar diante das
visitas”
120
.
A educação iniciada em casa com a mãe requeria ainda um refinamento
posterior em termos de aquisição de conhecimentos e formação de hábitos, portanto,
uma formação que apenas poderia ser viabilizada no espaço institucionalizado das
escolas católicas.
118
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 29.
119
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: PRIORE; BASSANEZI, op. cit., p. 228.
120
D’INCAO, op. cit., p. 228, nota 6.
Para receberem essas jovens da elite foram criados educandários
femininos, especialmente internatos dirigidos por religiosas, a fim de prepará-las a
assumirem, futuramente, com bom desempenho, as atribuições de mãe, esposa,
educadora e representante da família em sociedade.
Música, literatura, geografia, história, desenho, pintura, aulas de
civilidade, economia doméstica foram acrescentadas aos currículos, de forma a
instrumentalizá-las para assumirem o que estava predestinado pela sua condição de
gênero: mãe e educadora – abnegada, dedicada e atenciosa, responsável direta pela
primeira educação dos filhos -, mas, também, como cônjuge – esposa honrada, distinta
e prendada, responsável pela administração da casa e supervisão dos serviços
domésticos -, além de contribuir para o projeto familiar de mobilidade social, mediante
sua conduta nos salões como anfitriã ou convidada e, na vida cotidiana, como mãe e
esposa exemplares.
Os colégios – espaço privilegiado para essa preparação - intermediaram
a “passagem do estado de infância ao do adulto”
121
, de que fala Ariès, e se tornaram os
“instrumentos normais da iniciação social”
122
. O regime do internato correspondia a
“[...] uma necessidade nova de rigor moral da parte dos educadores, a uma
preocupação de isolar a juventude do mundo sujo dos adultos para mantê-la na
inocência primitiva, a um desejo de treiná-la para melhor resistir às tentações dos
adultos [...]”
123
.
121
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981. p. 131-132.
122
Ibidem, p. 231.
123
Idem, Ibidem.
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio foi implantado como
instituição de ensino secundário com os regimes de externato, semi-internato e
internato, como era de praxe nos colégios jesuíticos nos séculos XIX e XX. Havia
clara intenção de enclausurar as alunas nos muros do colégio e fixá-las o máximo
possível no aparelho escolar, procurando afastá-las da família e da sociedade. A
existência do semi-internato, que funcionou até o início da década de sessenta, é um
sintoma claro da intenção seqüestradora do colégio, que se manifestava também na
ordem de proibir as internas de passarem feriados na casa dos pais, inclusive aqueles
que residiam em Patrocínio. O espaço escolar fechado foi um mecanismo disciplinar
reinventado pelos jesuítas no bojo da Contra-Reforma, que no Século XIX
disseminou-se nas instituições educacionais européias e brasileiras.
A instituição do internato enquanto recurso pedagógico passou a
desempenhar a função de preparar as meninas e moças com uma educação especial,
porque elas possuem uma pureza que deve ser resguarda a todo custo. O que de fato a
oligarquia desejava, naquele momento, era uma educação que formassem as suas
filhas, mas que, ao mesmo tempo, garantisse a sua moralidade e sua religiosidade. À
educação caberia a tarefa de modelar o caráter da educanda conforme os preceitos e
valores morais católicos, portanto, os objetivos educacionais se propunham a levá-la a
absorver estes preceitos, através da prática das virtudes, do conhecimento das verdades
religiosas e da assimilação dos bons exemplos.
A proposta educacional das Irmãs do Coração de Maria estava
plenamente inserida na teoria ultramontana, que se apresentava como a única educação
verdadeira em face das propostas educacionais leigas ou de outras religiões, de tal
sorte que é possível identificar-se com clareza seus objetivos instrucionais e seus
objetivos educacionais. “[...] se encarregar do ensino e educação cristã de juventude.
[...] aprender a conhecer e a amar a Jesus. [...] que seja o esporte um meio para
subirmos até Deus”
124
.
O objetivo da educação proposta pela Congregação do Sagrado Coração
de Maria de Berlaar era formar jovens cultas, cristãs, católicas, saudáveis, que
difundissem, na família e na sociedade, os valores do catolicismo, conforme evidencia
a Revista Comemorativa dos 25 anos de fundação do Colégio Normal Nossa Senhora
do Patrocínio.
As Irmãs do Sagrado Coração de Maria vieram de Berlaar, na Bélgica,
para Patrocínio, no interior do projeto de romanização da Igreja mineira, com todo o
apoio da oligarquia, como se viu no Segundo Capítulo, porque tinha a certeza de que
elas conduziriam as suas filhas para uma educação competente, desenvolvendo e
cultivando os “dotes” e educando os “talentos”.
Em Patrocínio as famílias Cândido Alves, Alves do Nascimento, Lemos,
Borges, Aguiar, Cardoso, Amaral, mantinham professores de música instrumental;
Ester Romão de Melo ensinava violino e acordem, Célia Lara de Aquino Nunes
ensinava piano, Professor Franklin Botelho ensinava violino e violão.
Devido ao custo elevado e sua sofisticação, essa prática era privilégio e
se destinava apenas às filhas da camada mais alta da oligarquia. Entretanto, as escolas
particulares freqüentadas pelos segmentos menos elevados da oligarquia, também
desenvolviam um programa de ensino em que a tônica era o polimento sócio-cultural
de suas alunas.
124
A LIRA da Escola, Patrocínio, 1928-1953. [Revista comemorativa dos 25 anos da Escola]. 1953.
Examinando-se o levantamento das escolas particulares confessionais de
Minas Gerais, na segunda metade do Século XIX e primeira metade do Século XX,
constata-se que, em todas elas, o ensino de francês, piano, desenho, pintura e trabalhos
manuais, dominavam o programa de ensino.
De toda forma, o que importa ressaltar é que a escolarização oferecida
pelos educandários durante esse período, pautada por currículos diferenciados
daqueles das escolas públicas, contribuiu para reafirmar não apenas as desigualdades
nas relações entre homens e mulheres, também, entre as classes sociais.
Afinal, tratava-se de instituições cuja função social correspondia também
às expectativas de diferenciação social, reclamadas por determinados segmentos
sociais. Na base da formação oferecida por esses colégios e nos objetivos primeiros do
ensino aí ministrado, buscava-se estabelecer a homogeneização cultural de uma elite,
ciosa de distinguir-se do conjunto da sociedade. Nesse sentido, tanto os internatos
religiosos masculinos, como os femininos, cumpriram as funções de diferenciação e
homogeneização demandadas por aqueles segmentos sociais, uma vez que as moças e
os rapazes deles egressos identificavam-se entre si e diferenciavam-se dos demais pelo
tipo de educação ali recebida.
No caso específico dos educandários femininos, observa-se o
estabelecimento tanto de currículos diferenciados como de dispositivos de restrição ao
acesso e à permanência, extremamente úteis no sentido de reproduzir as diferenciações
de gênero e de classe que presidiam o ordenamento da sociedade mineira. Tais
perspectivas expressavam-se em currículos diferenciados, como também nas
condições de ingresso e permanência, restritas às filhas das famílias abastadas.
Todavia, o que mais parece relevante é a existência de uma proposta de ensino
particular e confessional que apresentava, claramente, um direcionamento com vistas à
formação de professoras. Esse enfoque traduz o esforço desses educandários no
sentido de atender às demandas inerentes à ampliação dos papéis identificados como
femininos, dentre eles, o do exercício do magistério. Inicialmente, compreendia o tipo
de exercício profissional pensado principalmente para as alunas de condição social
inferior, que ali estudaram como bolsistas/pensionistas, subvencionadas pelo poder
público, ou mesmo gratuitamente, como órfãs desamparadas.
A presença das meninas pobres e órfãs no Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio se deu por força do atrelamento da concessão da ajuda
financeira do Município à admissão de um certo número de alunas não-pagantes.
Não resta dúvida de que os custos financeiros demandados para o
ingresso nesses educandários – taxa de matrícula e pagamento das trimestralidades,
despesas com enxoval, material escolar e lavagem de roupa, despesas extras com
médico, farmácia e aulas de piano, pintura – tornaram-nos, obviamente, inacessíveis às
camadas inferiores da sociedade.
A documentação consultada, os relatórios e anuários não mencionam
qualquer subvenção do poder público estadual e municipal. Supõe-se que as Irmãs
tinham preferido manter seus vínculos apenas com a oligarquia que lhes financiava
sem interferir no seu trabalho. Embora se careça de informações mais precisas sobre
anuidades, taxas e doações, que com certeza foram constantes, outras informações
permitem imaginar a extensão do alto custo da manutenção de uma filha no internato.
O ônus das anuidades escolares possivelmente foi um dos fatores de
maior peso na manutenção desse ensino diferenciado. Até mesmo para aquelas
famílias mais abonadas financeiramente, não deve ter sido fácil custear tais estudos,
apesar de que os descontos oscilavam entre 10% e 30% para quem tivesse mais de
uma filha matriculada.
A aquisição do enxoval demandava despesas assumidas, sem maiores
sacrifícios, apenas pelas famílias mais ricas, haja vista que se tratava de artigos
majorados pelos custos de transporte e de importação de firmas comerciais de Belo
Horizonte. A relação do enxoval do Colégio traduz bem a dimensão dos custos
envolvidos:
O ENXOVAL:
04 blusas de tricoline;
02 saias de tropical azul marinho;
03 pares de meias pretas
01 par de meias brancas;
15 calças;
04 combinações;
01 blusa de malha azul marinho (de frio);
02 pares de sapatos colegial (preto);
01 par de sapatos canoinha;
03 camisolas brancas;
01 par de sandálias;
01 par de chinelos para banho;
02 toalhas de banho;
03 toalhas de rosto;
04 fronhas;
04 lençóis;
02 colchas brancas;
02 cobertores
01 boina azul;
01 frasqueira;
Objetos de toalete.
A blusa de ginástica e a gola e os punhos eram adquiridos no Colégio.
Uniforme de Gala: (saia de tergal, blusa de lingerie – luvas – chapéu).
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio procurava implementar
a máxima foucaultiana “cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo”.
As alunas eram classificadas em regimes e divisões, ocupando lugares específicos no
espaço escolar e, desta forma, passíveis de localização e identificação. Elas eram
separadas, de acordo com a idade, em divisões escolares: a primeira divisão reunia “as
moças”, ou melhor, “as maiores”, que freqüentavam o Curso Normal e o último ano do
ginásio, e a segunda congregava “as menores” que pertenciam aos três primeiros anos
do Curso Secundário e do Curso Primário. Esta separação do corpo discente em
divisões era aplicada no regime de internato e semi-internato, de modo que cada uma
tinha o seu espaço determinado. No internato, as divisões tinham o seu lugar
específico, na capela, no refeitório, no dormitório e na sala de estudo; as alunas semi-
internas acompanhavam as internas nas divisões da sala de estudo, do refeitório, da
capela e atividades escolares.
Nas salas de aula, os lugares nas carteiras eram determinados pelas
freiras, professoras de Religião de cada turma, evitando a proximidade de alunas que
provocassem desordem.
No início de cada aula, eram feitas fileiras para o ingresso nas salas de
aula, a partir do tamanho crescente das alunas. No internato, as entradas e saídas dos
lugares em fileiras eram ainda mais estipuladas e detalhadas, procurando o melhor
fluxo possível das internas. A fila era exigida até nas praças e ruas da cidade, quando
as internas deslocavam-se para realizar atividades fora do colégio, sempre
acompanhadas por uma Irmã. A partir de meados da década de 50 essas divisões e o
rigor no cumprimento das normas se tornaram mais flexíveis.
O regime disciplinar procurava transformar o conjunto de alunas num
corpo discente que tivesse sua multiplicidade devidamente organizada, formando – no
dizer de Foucault – um “quadro vivo”. A ex-aluna Elvira assim se refere ao internato:
Com que saudades me recordo do internato muito embora fosse ele um
ambiente completamente diferente do de minha vida em casa. Ali, muita
severidade e muita disciplina. Era até meio militarizado de tão exigente:
correspondência censurada, filas e mais filas, cuidados e mais cuidados no
falar, no conviver com colegas e no trato com as professoras, no respeito e
maneira de tratar. Observância detalhada nos modos, nas vestes e no
comportamento enfim, cuidados com o corpo e com a alma...
125
.
O controle do tempo era outra peça necessária e importante para o
funcionamento eficiente da máquina disciplinar. Segundo a tradição do Ratio, na
Escola Normal Nossa Senhora do Patrocínio o tempo era minuciosamente escançado
por meio da determinação do calendário e do horário escolar, que previa a realização
regular das atividades. O ano escolar era denso e contínuo, sendo coberto por aulas
entre os meses de março e novembro, que eram ministradas de segunda-feira a sexta-
feira, excetuando os feriados civis e católicos.
No internato, o horário era mais detalhado e minucioso, pois, além das
aulas comuns a todas as alunas, as internas tinham atividades estipuladas todo o dia,
inclusive aos domingos e feriados. O horário diário era o seguinte: 5:30 – levantar; 6
horas – missa; 6:30 – café; 7:00 – aulas; 9:30 – recreio (25 minutos); 11:45 – almoço,
recreio; 13:00 – estudo; 15:00 – café, recreio, ginástica, estudo livre; 16:45; até às
17:30 – banho; 17:30 – jantar; 18:30 – estudo, com pausa de 15 minutos; 20:30 –
deitar para a turma das menores; 21:00 deitar para as moças. Aos domingos e feriados
e quando não havia aulas, o horário também era definido, sendo previstos missa,
benção vespertina, momentos especiais de estudo e recreios mais longos, passeios ao
Colégio Dom Lustosa para assistir sessões de cinema apresentadas pelos padres,
especialmente pelo Padre Caprásio, e participar das manhãs e das tardes esportivas,
oportunidades para pequenas manifestações de encantamentos com os alunos-rapazes,
explicitado por Elvira,
[...] Tínhamos dias esportivos, cinema no Colégio dos Padres, o Dom
Lustosa, onde conseguíamos, furtivamente vazar as barreiras da vigilância, e
até namorar um dos garotos. Teve gente que até se casou mais tarde com
aquele seu primeiro namorado. Contar fatos do internato dá um romance...Eu
gostei de viver aquela vida. E penso que foi uma pena que não pudesse ter
continuidade para estas jovens de hoje... Pelo Colégio com seu esquema de
125
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [out. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para a Tese de Doutorado.
educar e instruir, pelo internato com suas exigências e limitações, consegui
muitas vitórias por onde passei
126
.
O tempo disciplinar do colégio era, sobretudo tornado útil e produtivo,
procurando “extrair do tempo sempre mais instantes disponíveis e de cada instante
sempre mais forças úteis”
127
. A utilização exaustiva do tempo vincava o corpo
discente, sujeitando-o à rítmica cronológica do aparelho de produção escolar, por meio
do incitamento à freqüência regular e à pontualidade britânica. Havia sobremaneira
preocupação com a freqüência das alunas, pelo fato da pontualidade ser praticamente
compulsória nas engrenagens da maquinaria escolar. No relatório anual, havia um
aviso padrão, repetido todos os anos, que lembrava aos pais das alunas tanto internas
como externas, “os grandes prejuízos” sofridos pelas alunas que não estivessem
presentes às aulas desde o primeiro dia, colocando em risco o aproveitamento e a
aprovação. No relatório anual de 1935, frisava-se: “A freqüência denota a qualidade
mais preciosa, indispensável não só da estudante, senão do homem em geral, e sem a
qual as iniciativas mais promissoras, as idéias mais luminosas fatalmente ficam
estéreis”
128
.
A legislação interna do colégio previa perda do ano escolar para a aluna
que tivesse quarenta ou mais faltas, podendo ela retornar ao colégio no ano seguinte,
após decisão da diretora, que avaliava o seu procedimento e aplicação. Por outro lado,
a freqüência exata às aulas e atividades escolares em geral era sempre apresentada
126
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [out. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para a Tese de Doutorado.
127
FOUCAULT, op. cit., p. 140, nota 3.
128
ESCOLA Normal Nossa Senhora do Patrocínio. Relatório anual. 1935. p. 12.
como a infra-estrutura do êxito escolar, o que era devidamente ressaltado nas
freqüentes e espetacularizadas premiações.
Os toques dos sinos que ressoavam no início e término das aulas e
atividades do colégio eram determinados pelos ponteiros do relógio, que efetivamente
marcavam o ritmo ordenado da vida escolar, visando a multiplicação e utilização
máxima do tempo. O tempo marcado cronologicamente era uma das principais
estratégias do dispositivo escolar, como analisa Beltrão:
O dia escolar não é mais um dia e sim um turno. A aula não é mais um
dia escolar e sim uma hora-aula. Nem a hora-aula tem a duração da hora-
relógio (60 minutos), mas é estabelecida para ela uma duração jurídico-legal:
45 ou 50 minutos. Esse é o verdadeiro significado da utilização disciplinar-
exaustiva do tempo escolar: busca-se não mais uma duração em que caibam
um aprendizado, uma formação, e sim um aprendizado, uma formação que
caiba numa duração. Uma organização temporal interna que se pensa,
porque cada vez mais cindida, mais eficiente e mais rápida
129
.
O início e o final das aulas era avisado pelo toque de sino e, na sala de
estudos e no refeitório do internato, o fim das atividades era marcado por uma
campainha ou batida de mãos da Irmã responsável. Entre as Irmãs havia uma divisão
de funções, que desempenhavam atividades de apoio na portaria, enfermaria, rouparia,
cozinha, chácara, capela, atuando principalmente no internato e semi-internato. Havia
uma divisão detalhada de funções didáticas e administrativas, de forma que o corpo
discente, separado em divisões e classes, fosse conduzido aos estudos e atividades
diversas dentro do colégio por um claro código de sinais como toque de sinos, gestos e
olhares das Irmãs ou professoras, que dispensavam ordens verbais demoradas. As
129
BELTRÃO, Irecê Rego. A didática e a formação de professores de História: em busca da explicitação das
relações poder-saber na organização do trabalho pedagógico. 1992. 157 f. Dissertação (Mestrado em
indefinições de comando eram rarissimamente registradas, prevalecendo à hierarquia e
autoridade da Irmã Superiora. Uma ex-aluna relembra das batidas com a chave, no
primeiro banco da Capela, por Irmã Reginalda, a fim de controlar a entrada e o
posicionamento das alunas.
Segundo Ariès, a prática do confinamento de meninos e meninas nos
internatos traduzia um sentimento muito diferente da antiga indiferença da família em
relação aos filhos. Revelava um amor obsessivo que deveria dominar a sociedade a
partir do Século XVIII, exteriorizado na retirada da criança da sociedade dos adultos
com o objetivo de preservá-la, confinando-a nos internatos – instrumentos de
disciplina severos, protegidos pela justiça e pela política – para melhor discipliná-la
antes de ser entregue à sociedade
130
.
Isoladas do mundo, sob vigilância constante, crianças e jovens, de ambos
os sexos, foram submetidos a esse regime de reclusão e às rígidas regras dessas
instituições, confinados e educados sob a perspectiva religiosa de seus professores e de
currículos diferenciados segundo o sexo. Elas proporcionavam uma formação escolar
desenvolvida sob um clima de devotamento espiritual, de prevenção moral, de reforma
dos costumes, muito mais centrada na aquisição de virtudes do que de conhecimentos.
Trata-se de formação que reproduzia a partilha cultural entre os universos masculino e
feminino, uma vez que preparava os meninos para atuarem, posteriormente, no espaço
público, e as meninas, para futuro desempenho no espaço privado.
Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 1992. p.
147.
130
Cf. ARIÈS, op. cit., p. 277-278, nota 8.
A única opção educacional para as famílias de a elite mineira
encaminharem suas filhas, até quase meados do Século XIX, foi o enclausuramento
dos recolhimentos e, posteriormente, os internatos religiosos. Nos internatos, elas
receberam uma formação religiosa, moral e escolar cujo propósito era o de prepará-las
para o bom desempenho das atribuições prescritas: tornarem-se esposas distintas,
prendadas e virtuosas, que pintavam e bordavam...
Os objetivos educacionais mais importantes, segundo a teoria
ultramontana, se realizavam pelo ensino das virtudes religiosas. Mas, não apenas
noções de doutrina cristã, ensinadas nas aulas de catecismo, diariamente durante toda a
duração do curso, e sim uma doutrinação diária, segundo os princípios ultramontanos,
apoiada na leitura do catecismo, na história de vida dos santos e santas e nas máximas
religiosas.
Conforme o depoimento de algumas ex-alunas e o levantamento feito na
biblioteca do Colégio, os compêndios adotados eram os seguintes:
1 Meu Primeiro Catecismo
. Monjas Beneditinas da Abadia de Santa Maria/SP;
2 Curso de Religião – em aulas desenvolvidas, práticas, vividas
. Pe. Dr. Marcos
SS.CC. (Prefácio de Dom Alexandre, Bispo Diocesano de Uberaba/1942);
3 Lições catecheticas para os pequeninos pelo methodo ativo
. Abbé Quinet;
4 A escrita na escola primária
. Orminda Isabel Marques;
5 O idioma nacional
. Antenor Nascentes (Professor Catedrático do Colégio Pedro II);
6 História da civilização
. Joaquim Silva (de acordo com o programa do Colégio Pedro
II);
7 Polifonias Mariais. Hinos, coros, aclamações e cantatas em honra da Virgem Maria
Imaculada – 1854/1954;
8 Curso de instrução religiosa – História da religião e da Igreja
– Mons. Cauly – 1913;
(para uso dos catecismos de perseverança, casas de educação e famílias);
9 Pedagogia popular do catecismo
. Mons. José Tibúrcio, 1939;
10 Revista de cultura: A ordem
. Órgão do Centro Dom Vital, Rio de Janeiro;
11 Compêndio de Pedagogia e Pedagogia Experimental destinado às escolas normais
.
Mons. Pedro Anísio, 1937;
12 A Escola Nova
. Jonathas Serrano, 1932;
13 A arte de estudar e fazer exames
. Theobaldo Miranda dos Santos, 1949;
14 Dicionário Francês/Português / Português/Francês
. Burtin Vinholes, 1940.
Pela relação percebe-se que o alicerce religioso ultramontano dessa
educação continuava na própria seleção de livros adotados. Essa seleção tinha dupla
finalidade: ensinar a doutrina católica e, concomitantemente, educar para o civismo
conforme citação por Dom Paulo Rolim Loureiro, Bispo Auxiliar de São Paulo, no
Prefácio do compêndio Meu Primeiro Catecismo:
Todos aspiramos por um Brasil maior e melhor na formação dos seus
filhos. Para alcançar tão alto objetivo, cumpre-nos preparar a juventude,
ministrando-lhe, a par de sólida cultura científica e literária, a indispensável
ciência de Deus, a teologia sagrada, que sintetizam as áureas lições do
Catecismo
131
.
A educação das futuras mães deveria estar fortemente alicerçada nos
preceitos católicos, combinando com a sabedoria de vida, com a polidez e com a
131
MEU PRIMEIRO Catecismo – Monjas Beneditinas da Abadia de Santa Maria. São Paulo, 1942. p. 27.
cultura. Nessa medida, os objetivos instrucionais do Colégio das Irmãs do Sagrado
Coração de Maria de Berlaar deveriam, ao mesmo tempo em que preparava a cultura e
a sociabilidade das alunas, reforçar a sua formação moral, religiosa e cívica.
Além da doutrinação religiosa recebida em sala de aula e dos conceitos e
valores morais ultramontanos, as alunas eram envolvidas em práticas constantes de
religiosidade, seja através de orações individuais ou coletivas, nos retiros espirituais,
seja através de atos litúrgicos ou festas comemorativas de santos padroeiros ou
devocionais e nos aniversários de profissão de fé das Irmãs e dos padres do Colégio
Dom Lustosa.
Essa atmosfera de religiosidade, de devoção, de piedade era incorporada
à vida das alunas, no colégio ou fora dele. Entretanto, o real vivido por elas fora do
Colégio, exceção feita às que ingressavam na vida religiosa, era um meio
exclusivamente secular – a família e a sociedade, e uma sociedade que, em face de sua
evolução histórica, requeria um polimento sócio-cultural bastante sólido de suas
jovens. Assim, ao mesmo tempo em que preparavam a cultura e a sociabilidade das
educandas, reforçava a sua formação moral e religiosa.
A criação de colégios destinados à clientela dos estratos superiores e
médios da sociedade foi acompanhada também pela de orfanatos, masculinos e
femininos. Foram iniciativas mais abrangentes e mais duradouras, porque, além de
impulsionadas pela mística missionária de seus gestores e educadores, encontravam-se
também respaldadas, social e politicamente, sobretudo pelas famílias da elite mineira.
A vinda das Irmãs da Congregação do Sagrado Coração de Maria de
Berlaar foi fundamental para a consecução dos objetivos educacionais buscados pelo
bispado, porquanto os dois colégios religiosos fundados em Patrocínio, mantidos e
dirigidos pelos padres e freiras – Colégio Dom Lustosa e o Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio -, respectivamente, tornaram-se, em Patrocínio, como destacou
Eliane Marta Teixeira Lopes, referindo-se ao Colégio da Providência e Nossa Senhora
das Dores,
[...] matrizes primeiras da formação escolar feminina nos dois papéis
fundamentais que a mulher vem assumindo ao longo da história do país
mãe e professora – são também o depositário da mentalidade religiosa e
masculina. São, portanto forjados e forjas; são fôrmas e formados [...]
132
.
Entre os colégios secundários masculinos em Minas destaca-se o Caraça,
modelo de instituição escolar, identificado como local privilegiado para a formação
dos quadros administrativos e governamentais, voltado para as necessidades da
sociedade mineira, onde se gestava sua elite dirigente. Sua imagem de “sementeira do
poder”, de centro formador das elites, foi construída ao longo de setenta e oito anos de
existência por um fazer pautado na austeridade disciplinar e no tradicionalismo
pedagógico
133
.
Centrados na formação de “homens educados e honrados”, sob a
perspectiva da moral cristã e tridentina, tanto o Caraça quanto o Dom Lustosa
cumpriram sua função social de formar quadros dirigentes, visto que seus alunos
foram preparados por um ensino que contemplava “não apenas os objetivos do curso
de preparatórios” – etapa indispensável para o ingresso nos cursos superiores –, mas,
132
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Casa da Providência: uma escola mineira do século XIX. Educação em
Revista, Belo Horizonte, n. 6, p. 28-33, dez. 1987. p. 28.
acima de tudo, uma espécie de propedêutica à vida pública”. Isto porque, como
assinala Mariza Guerra de Andrade,
[...] o mundo das profissões liberais, limitado a uma elite ilustrada e
abastada, exigia a passagem pelo colégio. Esta instância era (bem) aceita
pelas famílias, sensíveis à necessidade de aquisição de uma cultura letrada
por parte dos filhos, garantindo-lhes a distinção social e o acesso (e
permanência) nos estratos sociais mais elevados. Os colégios brasileiros...
eram, inegavelmente, as instituições que corporificavam a porta de entrada
desse mundo [...]
134
.
Se o Caraça e o Dom Lustosa, modelos de instituição escolar,
representaram o “lugar seguro” para a preparação dos meninos para uma futura
atuação no espaço público, já os primeiros educandários religiosos femininos foram
identificados como referência quanto à preparação das meninas para o posterior
desempenho de atribuições circunscritas à esfera doméstica. Ambos desempenharam o
papel de instauradores de um “universo” perpassado por convenções de classe e de
gênero, já que centrado em uma concepção de ensino diferenciado para os filhos e
filhas da elite e entre esses dois tipos de discentes. Entre alunos e alunas porque se
encontrava diferenciada pela noção generalizada de que “aos homens se instruía para
desenvolver o intelecto... e às mulheres se educava para firmar o caráter”
135
.
Assim, enquanto os colégios masculinos “instruíam” seus alunos para o
mundo, os femininos “educavam” suas alunas para o lar. Aqueles objetivavam uma
formação capaz de tornar o jovem “útil à sociedade” e, nesse sentido, proporcionavam-
133
Cf. ANDRADE, Mariza Guerra de. “A porta do céu”: educação e exilidade – Colégio do Caraça. 1991. 249
f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte. 1991. p. 231-234.
134
ANDRADE, op. cit., p. 56-57, nota 20.
135
SHARPE-VALADARES, Peggy. Introdução. In: FLORESTA, Nísia. Opúsculo humanitário. São Paulo/
Brasília-DF: Cortez/Inep, 1985. p. XI.
lhe a “aquisição de uma cultura humanística”. Investiam, também, na formação do
“hábito das virtudes”, mantidas, posteriormente, ao se integrarem à sociedade como
um “bom cidadão”. Já os femininos, esses tinham por finalidade “dar às alunas, uma
boa educação, baseada na religião e na moral”, bem como “também a necessária
instrução nas artes, prendas e misteres próprios de uma boa mãe de família” como
prescreviam os regulamentos dos colégios da Providência e Macaúbas, ambos em
Minas Gerais.
O internato do Colégio, em nenhum momento, entre 1928 e 1950, se
propôs profissionalizar suas educandas; antes, desenvolviam um trabalho educativo
contrário à profissionalização feminina.
Não se deve buscar razões de ordem moral ou ideológica para explicar
esse fato, mas se deve buscar no movimento histórico de suas razões, das quais se
desdobraram justificativas morais e as explicações ideológicas.
A Congregação do Sagrado Coração de Maria de Berlaar se estabeleceu
em Patrocínio, na Praça da Matriz, hoje denominada Monsenhor Tiago dos Santos,
diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio e do palacete do Coronel João
Cândido de Aguiar, da residência de Zulmira Resende, tendo à esquerda da praça o
sobrado da Prefeitura Municipal e, próximo, o Colégio Dom Lustosa, região marcada
pela estruturação patriarcal das famílias oligarcas. Essa estruturação da sociedade, por
si só, já definia as tarefas e as funções que todos deveriam desempenhar na sociedade
– aos homens cabiam a condução da organização familiar, direção do empreendimento
agrícola, participação política e condução dos negócios públicos. À mulher competia a
direção da casa, a educação dos filhos e governo dos empregados domésticos.
Foto 18 – 1946 – Primeira Eucaristia das alunas do Colégio Normal N. S. do
Patrocínio e alunos do Colégio Dom Lustosa.
Vê-se ao fundo o capelão do Colégio (?) e Padre Caprázio.
Fonte: Arquivo de Maria Bárbara Furtado de Oliveira
As mulheres da oligarquia, na divisão social do trabalho, tinham funções
estritamente domésticas; no plano do jurídico, essas funções eram sacramentadas pela
lei. O estatuto legal da mulher brasileira livre no Século XIX permanecia o mesmo dos
tempos coloniais, isto é, a mulher era considerada permanentemente menor diante da
lei, sob a tutela masculina. Porém, é evidente que essa divisão do trabalho não impedia
que, em muitas ocasiões, mulheres viúvas ou esposas de homens incapacitados
assumissem a direção dos negócios da família e a desempenhasse de maneira
competente
136
.
As manifestações femininas em busca de direitos políticos, sociais e
educacionais começaram a partir da metade do Século XIX, quando os primeiros
periódicos passaram a circular, em defesa dos direitos femininos, inclusive o de
profissionalização e de educação em todos os níveis. Tratava-se de um movimento no
interior dos estratos mais elevados da sociedade e não da luta das mulheres em face da
exploração de seu trabalho.
Em matéria educacional, as mudanças legais foram vagarosas e a sua
aceitação também o foi. Quanto mais tentativas eram feitas para concessão de direitos
às mulheres, tanto mais alguns segmentos da oligarquia se firmavam em uma posição
conservadora, em especial aquele segmento ligado ao catolicismo ultramontano.
A doutrina ultramontana era bastante rica em restrições ao trabalho
feminino e à participação das mulheres na política, alegando razões de ordem moral. O
ultramontanismo partia do pressuposto de que as leis naturais e divinas teriam
estabelecido as tarefas domésticas como domínio próprio das mulheres e as atividades
sociais e cívicas como domínio masculino, com a preponderância das últimas sobre as
primeiras. Assim, toda proposta de profissionalização feminina ou concessão de
direitos cívicos às mulheres significaria um atentado as leis criadas por Deus, um
retrocesso à barbárie, o desmoronamento da sociedade civil.
Na esfera educacional, o atendimento às leis da natureza, exigia para a
mulher uma educação inferior à do homem, e nunca uma educação juntamente com
136
SAFIOTTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1976.
p. 171.
ele, a co-educação. Essa diferenciação na educação dos dois sexos era considerada
fundamental para a garantia da estabilidade social, conforme ensinava Pio XI:
De modo semelhante e errôneo e pernicioso à educação cristã, é o
chamado método de ‘co-educação’, baseado para muitos numa deplorável
confusão de idéias, que confunde a legítima convivência humana com a
promiscuidade e a igualdade niveladora. O Criador ordenou e dispôs a
convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e
gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há, na
própria natureza que os fez distintos nas inclinações e aptidões, nenhum
argumento de onde se possa deduzir que possa haver promiscuidade e muito
menos igualdade na formação dos dois sexos
137
.
A proposta educacional das Irmãs do Sagrado Coração de Maria de
Berlaar, elaborada dentro do jesuítismo e do ultramontanismo, se encarregava de
afastar a idéia de profissionalização do interior de seu internato. Um exemplo dessa
doutrinação antiprofissionalizante e antifeminista é o depoimento da ex-aluna Leonor:
[...] Nossas professoras eram belgas e comunicavam com muita
dificuldade. Eram enérgicas e distantes. Não se podiam fazer perguntas.
Moça tinha que ouvir com muita atenção e não se podiam fazer perguntas.
Poucas moças na minha época conseguiram estudar. O estudo avançado era
para os rapazes que saíam de Patrocínio. No Colégio aprendi a afiar a fibra
do caráter, a discernir o certo do errado e muito mais ter firmeza nas
decisões e exigências que a vida de uma mãe de família e dona de casa me
impõe a cada momento. A mulher deve ser o esteio do lar
138
.
No Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio percebe-se que a
centralidade da formação das educandas, nesse momento, era a dimensão baseada na
boa educação e na formação moral, confirmada pela ex-aluna Elvira:
137
PIO XI (papa). Divini Illius Magistri (1929) Petrópolis: Vozes, 1974. p. 28
138
CASTRO, Leonor de. Leonor de Castro: depoimento [jun. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira
Ferreira. Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
[...] Ali complementei a minha educação e a formação de meus hábitos.
Imagino ainda que, naquela escola adquiri a força de minha personalidade e
a firmeza de minha formação moral. [...] advinda de um meio rural, levei
para o Colégio os princípios morais e religiosos fundamentais, que meus pais
me deram desde o berço. Porém devo ao Colégio de Patrocínio aquela
cultura de base que me permitiu continuar pela vida, sem muitos problemas
ou dificuldades
139
.
As diferenciações de gênero se explicitam nos direcionamentos pensados
para cada um dos sexos. Pois, enquanto os alunos dos internatos religiosos recebiam
uma formação de nível secundário que os habilitava para o exercício de algum cargo
ou que correspondia aos preparatórios exigidos nas escolas superiores, a preparação
escolar das alunas não ia além da “instrução primária superior”. Enquanto aqueles
tinham acesso a um ensino de cunho propedêutico e humanístico, desenvolvido a partir
de um amplo leque de disciplinas – latim, grego, francês, inglês, alemão, português,
literatura, retórica, lógica, geografia, história, filosofia, matemática, geometria,
desenho, álgebra, aritmética, contabilidade, trigonometria, ciências naturais, física,
química, elementos de mecânica, e astronomia, história natural, cosmografia, doutrina
cristã e música –, as alunas estavam restritas a um ensino cujo objetivo era prepará-las
para “os misteres próprios de uma boa mãe de família”.
O que se considerava necessário para tal, em termos de escolarização,
pelo menos até a década de 1870, naqueles educandários femininos, compreendia o
ensino das chamadas “primeiras letras” – ler, escrever, contar –, acrescido de outras
disciplinas para diferenciar suas alunas daquelas oriundas das escolas públicas e
139
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [out. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para a Tese de Doutorado.
gratuitas: francês, português, geografia, aritmética (até proporções), música, vocal e
instrumental e trabalhos de agulha
140
.
Os currículos se diferenciavam, porque se pautavam por concepções
educacionais generizadas, reiteradoras da dicotomia entre “instrução e educação”. A
formação escolar das mulheres não demandava a aquisição de uma cultura humanística
e letrada – reservada aos moços – mas, essencialmente, a formação do caráter. Tal
dicotomia era reiterada pelo fazer pedagógico, que, finalmente, acabava por
internalizar, como naturais, diferenças que foram construídas cultural e historicamente.
Não é outro o sentido de negar às meninas o acesso à “instrução”, definida para o sexo
masculino e a ele concedida, sob a justificativa da “capacidade intelectual limitada” e
da “fragilidade orgânica do sexo feminino”.
140
Cf. Regulamento do Collégio do Recolhimento de Macaúbas. Currículo do Collégio N. S. das Dores. In:
ROCHA, Severiano Campos da. Memória: Collégio e orphanato de N. S. das Dores e Hospital de N. S. da
Saúde de Diamantina. Bello Horizonte: Imprensa Oficial, 1919. p. 16 apud MUNIZ, Diva do Couto Gontijo.
Um toque de gênero: história e educação em Minas Gerais (1835-1892). Brasília-DF: UnB/FINATEC, 2003.
p. 185.
Foto 19 – 1945 – Alunas com uniforme da associação JEC – Juventude Estudantil
Católica.
Fonte: Arquivo do Colégio.
5.2 A ressignificação das disciplinas curriculares
A educadora feminista, Nísia Floresta, em seu livro Opúsculo
humanitário, lançado em 1853, já denunciava a desigualdade educacional social e
histórica entre homens e mulheres, como “meio de superação do problema da
inferioridade feminina”. Por perceber – numa postura pioneira e, por isso mesmo,
muito incompreendida à época – que esta inferioridade resultava de uma “mera
construção cultural”
141
que justificava negar às mulheres o acesso à instrução e, assim,
mantê-las excluídas da participação na esfera pública, ela tornou-se uma das primeiras
defensoras de uma completa reforma educacional no país. Imbuída das idéias de
Comte de que a reforma intelectual constituía pré-requisito para a reforma social, Nísia
Floresta insistiu em uma reestruturação que contemplasse o acesso indiscriminado à
instrução.
Num espaço de cinco décadas, desde o período de sua criação, em 1835,
até a sua consolidação no final do Século XIX, uma profissão quase que
exclusivamente masculina tornar-se-ia prioritariamente feminina, sendo que a
formação profissional possibilitada pelas Escolas Normais teria papel fundamental na
luta das mulheres pelo acesso a um trabalho digno e remunerado.
Muitos estudos já se ocuparam dos hábitos brasileiros de reclusão das
mulheres (de determinado estrato social) dos espaços públicos. No entanto, é
necessário lembrar que, mesmo em países europeus e na América, numa época de
costumes “vitorianos”, a questão da profissionalização da mulher era também alvo de
lutas nem sempre de imediato sucesso. No discurso vitoriano, ao substituir a mãe,
esperava-se que a preceptora assumisse uma conduta materna, ou seja, “assexuada”,
“respeitável”, “pura”. Contraditoriamente, por ser livre, solteira e desempenhar um
trabalho assalariado representava uma constante ameaça aos valores e à estrutura
familiar.
Contrariando a vertente interpretativa que enxerga a entrada da mulher
no magistério como concessão dos homens que abandonariam a carreira em busca de
outras mais bem remuneradas, ou outra que tenta associar essa feminização à queda de
prestígio da profissão e à baixa remuneração, Heloisa de O. S. Vilela cita Jane S.
Almeida, quando chama a atenção para uma complexidade de fatores que não podem
ser vistos isoladamente.
Estudando comparativamente o fenômeno da feminização do magistério
em Portugal e no Brasil observa que, em finais do Século XIX, como o campo
educacional expandiu-se quantitativamente, a explicação para o processo de
desvalorização do magistério possivelmente transcenda a questão meramente sexual,
podendo ser explicado também pelo fato de que o magistério passava, cada vez mais, a
ser uma profissão que atendia à população de baixa renda, desvalorizada, portanto, na
ótica capitalista. Jane S. Almeida nega que as mulheres tenham entrado nesse campo
sem a resistência dos homens. Na verdade, a ampliação da rede escolar no Brasil e em
Portugal, inclusive com a necessidade de mulheres assumirem o magistério de escolas
femininas, foi dando ensejo a que se construísse uma argumentação que atribuía às
mulheres o papel de regeneradoras morais da sociedade.
É interessante notar como esse discurso ideológico vai aos poucos
desconstruindo uma visão de mulher sedutora e pecadora e construindo uma noção de
141
SHARPE-VALADARES, op. cit., p. XXIX, nota 22.
mulher como ser “naturalmente” puro. Acompanhando o processo de inserção das
mulheres no magistério e a sua afluência aos bancos das escolas normais, podemos
perceber claramente uma ação de enquadramento às normas morais dominantes. Essa
ação se consubstanciou em discursos e práticas que conformavam toda a possibilidade
de atuação das mulheres nesse espaço acadêmico ou profissional.
Esse discurso da moralidade vai assumindo significados mais complexos
ao se cruzar com os discursos médico-higienista e positivista, relacionando-o com a
crescente presença feminina no magistério. Pouco a pouco, as práticas mais
repressivas sobre a figura da mulher-professora vão cedendo lugar à difusão de idéias
que a associam ao lar, à criança e à regeneração de uma sociedade “sadia”. Além
disso, o magistério de crianças constituía-se uma boa alternativa a um casamento
forçado ou a profissões menos prestigiadas, como costureiras, governantas e parteiras,
por exemplo. Era uma atividade que permitia uma certa liberdade e, ainda, a
possibilidade de adquirir conhecimentos. Assim, o magistério primário representou o
ponto de partida possível no momento histórico vivido.
O Colégio foi o espaço legitimado de produção e circulação de um saber
pedagógico que tentava racionalizar as práticas educativas escolares, tendo como papel
principal à formação dos sujeitos que seriam autorizados a formarem as novas
gerações. Tais sujeitos deveriam apresentar uma conduta moral coerente com o papel
de modelo para a população e agente do Estado nos diversos municípios.
A leitura que se pretende fazer do currículo do Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio procura a apropriação que as Irmãs belgas fizeram, a partir do
Ratio Studiorum e de seus valores culturais, das “disciplinas-saber” obrigatórias,
acrescidas de outras disciplinas para diferenciar suas alunas daquelas oriundas das
escolas públicas e gratuitas: francês, música vocal e instrumental e trabalhos de
agulha; algumas pequenas variações curriculares – como a inclusão de civilidade,
doutrina cristã – catecismo, história sagrada - dando-lhes uma ordenação específica.
Significativamente, verifica-se, ainda, a introdução de disciplinas que apontam para a
importância do desenvolvimento da noção de nacionalidade e de patriotismo, através
da instrução. A escola assumirá o papel de difusora do ideal de pátria, através do
conhecimento do espaço e da história da nação brasileira, característica acentuada da
República.
No que se refere ao projeto pedagógico, a fundação do colégio, na
primeira metade do Século XX, tinha como objetivo formar a professora ideal, em
consonância com as novas metodologias de ensino. Para os dirigentes mineiros e,
especialmente os patrocinenses, a professora ideal era aquela que fosse abnegada, que
encarasse a profissão como um sacerdócio, que possuísse uma sólida formação
religiosa, que tivesse freqüentado o Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio,
onde aprendera os métodos de ensino e os conhecimentos exigidos pela lei. O domínio
dos saberes pedagógicos não era suficiente, combinando-se com critérios de ordem
moral, em conformidade com o ideário que compreendia a educação como estratégia
de moralização da população da região, de maneira a garantir condições de
governabilidade. Educar era assim moralizar o povo, de acordo com os valores dos
países europeus ditos civilizados.
No caso dos educandários religiosos, significativamente, verifica-se uma
mudança curricular, um redirecionamento com vistas à preparação para o magistério.
Assim, por exemplo, no que se refere ao Colégio, foi fundado já com uma nova
proposta curricular para o curso normal oficial, onde se mesclavam orientações de
cunho humanístico, pedagógico e doméstico. A aludida reestruturação pode ser vista
no Decreto n. 9.450 de 18 de fevereiro de 1930, que deu novo regulamento às Escolas
Normais em Minas.
Por essa razão, o programa de ensino do Colégio contemplava mais as
matérias que pudessem reforçar a cultura e a sociabilidade das alunas, juntamente com
seu lastro religioso, do que as matérias voltadas para o conhecimento científico.
Os livros de registros de notas de aproveitamento e de promoção de 1929
a 1940 traziam a estrutura básica da distribuição das seguintes matérias de ensino:
01 – Portuguez
02 – Francez
03 – Arithmética
04 – Música
05 – Sciencias naturaes
06 – Canto Coral
07 – Geograpfia e chorographia do Brasil
08 – Geometria e desenho linear
09 – História do Brasil e Educação Cívica
10 – Physica e chimica
11 – Desenho figurado
12 – Educação Physica
13 – Trabalhos manuaes e modelagem
14 – História Natural
15 – Ciências Físicas, Naturais e Químicas.
O ensino nas Escolas Normais do 2° grau constava de três cursos: o de
Adaptação, o Preparatório e o de Aplicação. Segundo o Regulamento do Ensino
Normal, estes três cursos seriam de dois, três e dois anos respectivamente. A proposta
educacional se compunha desses itens que eram ministrados nos cursos, com o
acréscimo de Ciências Físicas, Naturais e Químicas, a partir de 1940.
CURSO PREPARATÓRIO
Essas matérias eram distribuídas pelos três anos do Curso Preparatório
que se destinava a ministrar a cultura geral indispensável à formação do magistério
primário, do seguinte modo:
1º - Português, francês, aritmética, geografia, desenho, trabalhos manuais e modela-
gem, música e canto coral e educação física;
2º - Português, francês, aritmética, geometria, corografia do Brasil, desenho, trabalhos
manuais e modelagem, música e canto coral e educação física;
3º - Português, francês, história do Brasil, física e química, história natural, desenho e
educação física.
CURSO DE APLICAÇÃO
O Curso de Aplicação constava de dois anos e tinha por fim a formação
profissional das aspirantes ao magistério primário. Eram admitidas à matrícula as
alunas que concluíssem o Curso preparatório, bem como as normalistas de 1º grau,
independentemente de qualquer outra prova. Podiam, igualmente, matricular-se no
primeiro ano do Curso de Aplicação as candidatas que prestassem, em uma ou duas
épocas sucessivas, exames das matérias do Curso Preparatório, devendo requerê-lo a
Inspetoria Geral da Instrução.
Além de satisfazer os requisitos das condições de matrícula: aprovação no
4º ano primário, atestado de vacinação contra varíola e de que não apresentava
nenhuma das moléstias, anomalias e defeitos, a que se refere o Art. 114 do
Regulamento do Ensino Primário e pagamento da taxa de 10$000 para a caixa escolar,
a aluna deveria exibir atestado de conduta irrepreensível.
O Curso de Aplicação se constituía das seguintes cadeiras:
1ª - psicologia educacional;
2ª - biologia e higiene;
3ª - metodologia;
4ª - história da civilização, particularmente história dos métodos e processos de
educação;
5ª - pratica profissional.
Segundo o Regulamento do Ensino Normal, Decreto n. 9.450, publicado
no Diário Oficial dos Poderes do Estado, em 21 de fevereiro de 1930, em seu Artigo
21, reza que “O diploma de normalista do segundo grau constitue titulo de habilitação
para todos os cargos do magistério primário, bem como requisito para nomeação de
professores de methodologia e de pratica profissional nas Escolas Normaes”.
Observa-se que nessa programação oficial do Estado de Minas, as
disciplinas de formação da moral e de religiosidade foram acrescidas à Grade
Curricular do Colégio, juntamente com aquelas que preparavam o lastro cultural e de
sociabilidade das educandas, preponderando sobre as matérias ditas científicas. Foram
colocadas em todos os anos de estudo, o Catecismo e História Sagrada, na primeira
série de cada curso e a Instrução Religiosa, nas demais séries.
A historiografia da educação escrita pelo catolicismo ultramontano
justifica essa programação, apelando para a pouca afinidade do “espírito” feminino
com as ciências naturais e exatas:
A especialização prematura nas ciências exatas, a técnica que predomina o
caráter educativo nessas mesmas ciências de nada aproveita ao espírito
feminino, mais apto para as ciências de cunho literário e até filosófico do
que para os estudos de orientação profissional
142
.
Além disso, continuava essa historiografia, os conhecimentos científicos
de nada adiantariam às jovens, na medida em que a sua educação não deveria formar
um lastro de conhecimentos profissionalizantes ou de iniciação em uma carreira, e sim
deveria formar um sólido lastro cultural:
Até o surto do movimento feminista que começou em fins do século XIX,
e que, sobretudo depois do enorme impulso que lhe deu a Grande Guerra, a
educação das classes abastadas tinha um cunho de formação literária e
distinção notável. Não se preocupavam as moças da procura de uma carreira.
As ciências físicas e naturais eram ensinadas como complemento da
instrução e meio de conhecer a compreender algo do movimento científico
crescente; mas a literatura, a história, as disciplinas formadoras da cultura
geral, dominavam as demais
143
.
Se se observar atentamente à hierarquia da distribuição das matérias de
ensino, percebe-se que a explicação dada por aquela historiografia tem um certo grau
de validade. Não se trata de aceitar a tese de pouca afinidade do “espírito feminino”
142
PEETERS, Francisca; COOMAN, Maria Augusta. Educação (História da Pedagogia). São Paulo:
Melhoramentos, 1936. p.149.
com as ciências exatas, mas se trata de reconhecer que a educação dispensada pelas
Irmãs do Sagrado Coração de Maria não se propunha instruir as educandas com esses
conhecimentos. Antes, o que elas se propunham, era “ornar” o espírito com aqueles
conhecimentos que a sociedade considerava próprio das mulheres.
Segundo a ex-aluna Alina Borges,
A didática tradicional compunha-se pelos livros didáticos, anotações,
mapas geográficos, álbuns de Ciências e de Puericultura e algumas aulas
mais concretas como, por exemplo, algumas de botânica quando a Irmã
Magdala, professora de Ciências nos levava ao jardim do colégio para estudo
de plantas ou então um pouco de ‘prática doméstica’, como arrumar uma
cama, com a Irmã Ghislaine
144
.
No dia 25 de novembro de 1931, foi realizado o primeiro exame de
promoção ao Curso de Adaptação no Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, com a
participação e aprovação das seguintes alunas:
01 – Abigail Marques
02 – Arima Borges
03 – Celina Arantes
04 – Clérida Borges
05 – Dirce Botelho
06 – Dirce Rezende
07 – Grasiela Machado
08 – Irma Carvalho
143
Idem, Ibidem.
144
BORGES, Alina. Alina Borges: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
09 – Laurinda Barbosa
10 – Maria das Dores Duarte
11 – Maria de Lourdes Ribeiro
12 – Maria Felizarda Borges
Fizeram parte da banca examinadora a diretora do Colégio, Irmã Maria
Ghislaine, a professora examinadora, Irmã Maria Eustachia, a professora Irmã Maria
Alda e o Inspetor Dr. Pedro Anísio Maia.
Em 24 de fevereiro de 1933, foram examinadas para o 2° ano de
Adaptação as seguintes alunas:
01 – Abigail Marques
02 – Adail Alves dias
03 – Adail Lindalva Machado
04 – Aida Coelho Botelho
05 – Alda Borges
06 – Amélia Castro
07 – Amenaide Dias
08 – Anália Lemos
09 – Anísia Lemos
10 – Arima Borges
11 – Astrogilda Ribeiro
12 – Beni de Oliveira
13 – Dagmar Silva
14 - Dinorá Pires de Almeida
15 – Dirce Botelho
16 – Dirce Rezende
17 – Eunice Barboza
18 - Glória Alves Nunes
19 – Grasiela Machado
20 – Iraci Luzia
21 – Irma Carvalho
22 – Laurinda Barboza
23 – Maria das Dores Duarte
24 – Maria Felizarda Borges
25 – Maria de Lourdes Barboza
26 – Maria de Lourdes Ribeiro
27 – Maria Nunes de Lima
28 – Marta Machado
29 – Odete Naves Cardoso
30 – Sebastiana de Souza
31 – Zaida de Castro
32 – Zenaide Alfredina Borges
Também fizeram o Exame de Admissão ao 1° ano do Curso Normal, nos
dias 24 a 27 de fevereiro de 1933, as alunas:
01 – Amenaide Dias
02 – Geny Alves Silva
03 – Geny Teixeira Rodrigues
04 – Laga Wadhy
05 – Zenaide Alfredina Borges.
Se, na sociedade mineira, até o Século XVIII, o atendimento escolar às
meninas praticamente inexistiu, restrito que estava às “primitivas aulas domésticas ou
dos padres – mestres capelães” e à formação proporcionada pelos seus recolhimentos,
tal situação pouco se modificou até as primeiras décadas do Século XIX.
E isso se deu tanto pela omissão das autoridades coloniais e provinciais,
no que diz respeito a uma política de estímulo e de criação de escolas femininas, como
pelo costume predominante de preservação da honra feminina pelo confinamento
doméstico. Tais práticas, e as representações que as informam, responderam por esse
quadro de exclusão inicial das meninas dos bancos escolares, uma vez que a
preocupação das famílias e dos dirigentes foi, prioritariamente, a de resguardá-las o
máximo possível da convivência heterossexual, o que justificou, até mesmo, negar-se-
lhes o acesso ao saber sistematizado.
A criação dos primeiros colégios religiosos femininos apenas se efetivou
a partir de 1847, no âmbito das reformas do clero e dos costumes, empreendido por
Dom Viçoso desde o início de seu episcopado (1844-1875)
145
. Trata-se de iniciativa
que vinha ao encontro das aspirações dos segmentos mais privilegiados da sociedade
mineira, habilmente percebida pelo prelado e canalizados para seus propósitos
reformistas.
As iniciativas da Igreja no plano educacional foram, assim como as do
Estado, as que se revelaram mais abrangentes e duradouras, possivelmente porque
vinham ao encontro dessas expectativas sociais. Além disso, a obra educacional
empreendida pelos religiosos e religiosas da Congregação dos Sagrados Corações de
Jesus e de Maria inscrevia-se em um projeto maior do Bispado de Uberaba, de reforma
do clero e dos costumes, com a finalidade última de internalização do Catolicismo na
vida cotidiana dos fiéis nas Zonas do Triângulo e do Alto Paranaíba em Minas Gerais.
Todavia, o que parece mais relevante é a existência de uma proposta de
ensino particular e confessional que apresentava, claramente, um direcionamento com
vistas à formação de professoras. Esse novo enfoque traduz o esforço desses
educandários no sentido de atender às demandas inerentes à ampliação dos papéis
identificados como femininos, dentre eles, o exercício do magistério. Inicialmente
compreendia o tipo de exercício profissional pensado principalmente para as alunas de
condição social inferior, que ali estudaram como bolsistas, subvencionadas pelo poder
público, ou mesmo gratuitamente, como órfãs desamparadas
146
. O magistério, ao ser
assumido pelas mulheres, inscrevia-se em um contexto e dimensão ainda
marcadamente domésticos, já que identificado como “missão”, como um
prolongamento da atribuição materna de educar os filhos
147
, desenvolvida,
predominantemente, no interior da própria casa da professora.
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio, sob a direção das
Irmãs do Sagrado Coração de Maria, configura-se como instituição voltada não apenas
para “preservar” as jovens dos perigos do mundo, mas, sobretudo para manter a
145
CAMELLO, Maurílio José. Dom Antonio Ferreira Viçoso e a reforma do clero em Minas Gerais no século
XIX. 1986. 365 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo. 1986. p. 267-270.
146
No caso, trata-se do Patronato Cel. João Cândido Aguiar, de Patrocínio, fundado em 19 de março de 1956.
As meninas acolhidas pelo Patronato estudavam na Escola Normal como bolsistas do poder público municipal
ou de particulares e mesmo gratuitamente.
“barreira e o nível”
148
, ou seja, para identificá-las entre si e distingui-las socialmente.
Compreendia, assim, uma formação vincada pelo viés do devotamento religioso dos
colégios masculinos e caracterizada pela importância atribuída ao estudo do francês,
do português, geografia e história sagrada, desenho, música, costuras e bordados. Em
suma, um ensino pautado por um currículo diferenciado do limitado “ler, escrever e
contar” das escolas primárias de instrução pública, freqüentada pelas meninas dos
estratos médios e inferiores da sociedade, já que gratuitas.
Significativamente, a aprendizagem do latim, do francês e da música
instrumental – na qual o predomínio do piano foi imbatível – pelas suas alunas
evidencia a dimensão produtora da educação no sentido de estabelecer a marca de uma
distinção social evidente. Traço distintivo que causa certo deslumbramento na
adolescente Helena Morley, na Diamantina do final do século XIX:
[...] Fiquei encantada com minha prima: como é simpática e amável! Ela não
passou por aqui quando voltou do Rio de Janeiro. Foi diretamente para o
Biribiri. Meu tio levou-a para se educar no Rio, onde ela tem uma tia, irmã
de caridade e professora no Colégio do Botafogo. Quanto vestido bonito,
capinhas de renda e tanta novidade ela trouxe! Veio sabendo falar francês e
tocar piano. Ela disse que o tio Joãozinho já deixou um piano comprado no
Rio para vir para aqui. Esteve fazendo planos de bailes, piqueniques,
passeios a cavalo... Ela é mais feliz do que eu, pois já está preparada e não
precisa tirar o título de normalista [...]
149
.
Deslumbramento também demonstrou Maria Bárbara, ex-aluna do
Colégio, quando disse:
147
LOPES, Eliane. A educação da mulher e a feminização do magistério. Teoria da Educação, Porto Alegre, n.
4, p. 13-19, 1991. p. 16.
148
GLOBOT, Edmond. A barreira e o nível. Retrato de burguesia francesa na passagem do século. Campinas:
Papirus, 1989. p. 95.
149
MORLEY, H. Minha vida de menina: cadernos de uma menina provinciana nos fins do século XIX. 6. ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. p. 253.
[...] A vida no internato era rígida, mas, muito diversificada e assim nos
educava para estarmos em toda parte e muito bem. Estudei música no piano
e no harmônio com a Soeur Alda. Era um Colégio completo: aprendi de tudo
um pouco. Joguei várias modalidades de esporte. Aprendi a bordar vários
pontos: cheio, matiz, rechilieu (bordado aberto); aprendi um pouco de tricô,
crochê
150
.
Desde o ingresso das meninas no Colégio, a preocupação com essa
marca de distinção se tornava manifesta, a partir do próprio programa da classe
preparatória, que estipulava a ordem, o bom comportamento e a polidez, como as
práticas iniciais e obrigatórias dos objetivos instrucionais. Daí em diante, o
treinamento diário das alunas se dava ao redor das práticas de sociabilidade, tendo por
referência a etiqueta francesa, que se configurava no aprendizado dos gestos, do
comportamento à mesa, da música instrumental, do canto, do francês.
O francês era ensinado em todos os anos, exceto no curso primário.
Assim como na língua portuguesa, o ensino de francês partia da gramática e
desembocava nos estudos literários.
A ênfase dada à língua de Vitor Hugo no currículo do Colégio por meio
de disciplina obrigatória da grade curricular deve-se ao fato de que a maioria das
freiras-professoras era imigrante belga e de ascendência francesa. O ensino do francês
é uma das facetas do imperialismo cultural europeu, que tinha sido acolhido pelas
elites brasileiras no seu esforço estético de assimilar a cultura dominante. Por outro
lado, deve-se notar que o ensino desta língua tinha um caráter propedêutico – como o
150
OLIVEIRA, Maria Bárbara. Maria Bárbara Oliveira: depoimento [jul. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de
Oliveira Ferreira. Patrocínio: 2003. 1 cassete sonoro e 1 fita de vídeo. Entrevista concedida para Tese de
Doutorado.
ensino secundário – pois, na Primeira República, a maioria dos manuais utilizada nos
cursos superior brasileiro era em língua francesa, inglesa ou alemã.
A língua inglesa era ministrada nos anos do curso ginasial e tinha
importância um pouco inferior às línguas neolatinas. Além das aulas de gramática,
havia leituras, conversações, ditados e exercícios de tradução. O recorte das línguas
européias modernas no currículo do ensino secundário brasileiro ligava-se à
dependência cultural do Brasil em relação aos países hegemônicos no cenário europeu
– França e Inglaterra.
Se entre as línguas européias modernas houve certa estabilidade na sua
carga horária curricular, as línguas mortas européias sofreram diminuição durante a
Primeira República. A partir de 1920 o currículo indicava os exercícios e textos que
deveriam ser trabalhados. Assim como nas línguas modernas, no último ano dava-se
ênfase à literatura e cultura romanas.
No ensino lingüístico, pode-se perceber certa hierarquia entre as línguas
que compunham o currículo do Colégio: no primeiro plano estavam as línguas
portuguesa e francesa, depois o inglês e o latim. As duas primeiras, que eram
ensinadas em todos os anos, tinham maior visibilidade curricular, pois o português era
a língua vernácula e o francês a língua que conferia distinção e elegância às elites
brasileiras e também devido à ascendência das freiras-professoras.
Em relação ao ensino das línguas, deve-se notar que, desde o começo, o
Colégio das Irmãs introduziu, no primeiro ano do Curso Secundário, a disciplina
Caligrafia, que era ministrada regularmente nos últimos anos do curso primário e
previa a “letra latina e gótica”, sendo facultativa a última. A letra latina era ditada para
exercitar boa letra corrente.
Nas festas escolares, geralmente eram declamadas poesias francesas, e
portuguesas; cantava-se também o hino nacional da França e da Bélgica,
posteriormente ao hino brasileiro.
O currículo oficial contemplava saberes geográficos, históricos e
filosóficos. No Ratio Studiorum do Antigo Regime, estes conhecimentos escolares
estavam embutidos no ensino das línguas, principalmente do latim, que dominava o
currículo. No entanto, no Século XIX, com a disciplinarização do saber escolar e a
criação dos sistemas nacionais de ensino, as disciplinas ligadas às ciências humanas
emergiram e se fortaleceram na educação escolar. No ensino secundário brasileiro,
pode-se perceber a ampliação da disciplinarização do currículo na segunda metade do
Século XIX, com a criação e ressignificação de novas disciplinas escolares.
Com algumas oscilações e ênfases, a História Universal era dividida em
dois blocos: o primeiro começava com a Pré-História e terminava com a Idade Média
até Carlos Magno e o segundo dos Quadros Históricos dos tempos das Cruzadas até
nossos dias. Os conteúdos indicam clara ênfase na seleção de fatos e indivíduos
políticos ligados às elites cortesãs e burguesas.
A História do Brasil começava com o descobrimento português de parte
do território que, no século XIX, seria o Brasil, omitindo as sociedades
indígenas.Vultos e fatos mais importantes desde o descobrimento e sua concatenação
com os grandes fatos da História Universal. Constata-se que o conceito de patriotismo,
romântico e oitocentista, ainda era utilizado, a ênfase era dada aos fatos e indivíduos
da elite política e havia a clara intenção de contextualizar a História da colônia
portuguesa e do Brasil na História européia.
Tanto História Universal como História do Brasil eram construídas a
partir de uma mesma abordagem historiográfica, que privilegiava fatos políticos e
individuais da elite, visibilizados por seus atos administrativos; olhava a história
“universal” e “brasileira” a partir da Europa, silenciando sobre os povos ameríndios e
especialmente a sua dominação pela conquista européia. Para isto muito contribuiu a
nacionalidade das freiras-professoras de História, geralmente imigrantes belgas
marcadas pelo eurocentrismo da “Belle Époque”, que fazia parte da hegemonia
européia no planeta.
Como disciplina obrigatória, Instrução Moral e Cívica foi utilizada pelo
colégio das Irmãs, como “um conjunto de ensinamentos destinados a formar o homem
de bem e o cidadão útil à Pátria”. Assim, por um lado, prescrevia conteúdos de fundo
moral como a formação do caráter, o domínio das paixões, o triunfo pelo trabalho, a
autoridade paterna na família e, por outro, recomendações patrióticas como a ordem, a
disciplina, o respeito às autoridades constituídas e sobremaneira à unidade nacional.
Pelo fato da maioria das professoras serem freiras, alguns professores
padres e as professoras leigas serem católicas engajadas, as disciplinas eram
catolicizadas, indicando uniformização do currículo.
As disciplinas de cunho literário selecionavam conteúdos culturais
afastados da conjuntura próxima do início do Século XX, evitando temas e questões
que provocassem polêmicas que envolvessem o mundo moderno e o Catolicismo.No
ensino das línguas optava-se por autores da “época clássica” e, em História Universal,
destacava-se e enfatizava-se a Idade Média, época em que o Catolicismo teve o seu
apogeu. As questões européias contemporâneas como a industrialização e o
nacionalismo, que tanto transformaram o Velho Mundo e a própria Igreja Católica,
eram minimizadas ou evitadas para construir sensação de normalidade e harmonia. As
Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar ressignificaram os conteúdos indicados
nas ementas das “disciplinas-saber” do eixo literário do Colégio Pedro II, dando-lhes a
direção exigida pelo emergente Catolicismo romanizado, no qual a Companhia de
Jesus exercia liderança intelectual.
Ao lado das práticas de sociabilidade, diversas matérias eram ensinadas
de modo a construir o seu lastro cultural, completando, assim, plenamente, os
objetivos instrucionais. A própria organização e distribuição da tarefa docente, nesses
colégios, era feita em conformidade com esses objetivos. Nas memórias de suas ex-
alunas, estas freiras-professoras eram consideradas “sábias” que mantinham
correspondência com as Irmãs da Bélgica.
A partir de 1913, com a liberdade de ensino, facilitou a introdução da
disciplina Religião em todos os anos do curso secundário e normal nas escolas do país.
Tratava-se da única disciplina que tinha o conteúdo seqüenciado em todos os anos do
curso seriado, mas era considerada disciplina facultativa, dirigida aos estudantes
católicos, embora o Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio fosse freqüentado
por um número insignificante de alunas de outros credos religiosos, como relata uma
ex-aluna:
As alunas externas de credos diferentes são livres de assistir ou não
assistir ao ensino da Doutrina Católica e freqüentar as atividades festivas
católicas. E alguns pais de credo diferente, não se opunham absolutamente a
este ensino, antes o desejam, convencidos que estão da sua conveniência,
utilidade e até necessidade
151
.
Embora não fosse disciplina oficial, Religião sempre teve “status” de
disciplina oficiosa, pois figurava no rol das disciplinas oficiais que concorriam
regularmente para a premiação dos alunos. Esta distinção não era conferida às outras
disciplinas facultativas como as diversas modalidades de canto e música e a ginástica,
que eram premiadas em separado. Maria Berenice Araújo, ex-aluna interna, na década
de cinqüenta, recorda que algumas estudantes luteranas freqüentavam a aula de
Religião porque “dava nota no Boletim” e que em determinada ocasião uma colega
luterana tirou melhor nota em Religião
152
.
O aprofundamento dos conhecimentos católicos era oportunizado pela
participação nas associações católicas como a Congregação Mariana, Filhas de Maria,
Liga dos Tarcísios – que já foram analisados anteriormente.
A disciplina Religião procurava proporcionar às alunas saberes
católicos consistentes, que iam muito além dos rudimentos da catequese de primeira
eucaristia, tratando de oferecer uma armadura teológica que pudesse habilitá-las para
enfrentar os “perigos” filosóficos e ideológicos modernos.
151
PARANHOS, Glória. Glória Paranhos: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Monte Carmelo-MG: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de
Doutorado.
152
Cf. MUNDIM, Lourdes. Lourdes Mundim: depoimento [nov. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira
Ferreira. Monte Carmelo-MG: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese
de Doutorado.
Foto 20 – 18.11.1937 – Maria Nunes (de pé), alunas com uniforme da JEC –
Juventude Estudantil Católica.
Fonte: Arquivo de Maria Nunes Caldeira (filha).
Além de Religião, constava na proposta educacional Música, Canto
Coral e Pintura, como disciplinas obrigatórias, com exceção da última. Consideradas
apropriadas para as meninas e moças que estudavam nas escolas normais, a música
vocal e instrumental foi cultivada de forma regular e crescente e em diversas
modalidades. No ano em que abriu suas portas, o Colégio implantou aulas de canto,
piano, violino e violão. Entre os instrumentos musicais, o piano e o violino eram
preferidos em relação ao violão, que foi introduzido só mais tarde. A opção pela
música clássica e pelos instrumentos refinados indicava a seleção de uma estética
musical claramente burguesa.
A disciplina Canto Coral proporcionava ensino de canto profano e
litúrgico, preparando para o coro escolar que abrilhantava solenidades católicas e
profanas, sendo acompanhado por instrumentistas. Sob a liderança de Irmã Alda, a tão
querida “Soeur Alda” e de Irmã Renée, as aulas de canto eram muito dinamizadas com
a impressão de manuais escolares com as letras das canções e cadernos de partituras.
Esta confecção era artesanal, as letras e partituras impressas no mimeógrafo do
Colégio.
Assim, se Religião era oficiosamente incluída no rol das disciplinas
obrigatórias do Colégio Normal, também as aulas de canto tinham o mesmo “status” e,
portanto, contavam para a pontuação que influenciava a avaliação geral. Tinha uma
avaliação separada, em que se destacava a melhor aluna e aquelas que se aproximavam
desta – em torno de uma dúzia – mereciam destaque de “menção honrosa”. A
educação musical visava civilizar, enobrecer, a partir do gosto europeu e
particularmente belga e francês.
O Colégio das Irmãs ressignificou as disciplinas da grade curricular
oficial, não só as de cunho literário, em que os conteúdos são mais moldáveis pela
ideologia, mas também nos saberes “matemático-científicos” que procuravam
contrapor-se às visões científicas materialistas. Primou pela uniformidade curricular,
velando para que o saber considerado socialmente válido pela Igreja Católica e pelas
elites regionais fosse viabilizado e reforçado, enquanto aquele tachado de impróprio
fosse evitado e proibido. O corpo docente – na sua maioria constituída por freiras que
recebiam formação superior na Bélgica – muito contribuiu para imprimir a
uniformidade do conhecimento corporificado no currículo.
Nos primeiros anos de funcionamento do Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio, todas as professoras eram freiras, mas posteriormente,
sobretudo para as disciplinas de Português, História do Brasil, Ginástica, foram
contratadas professoras leigas, que geralmente eram egressas de colégios confessionais
e tinham militância católica. A grande maioria dos professores conhecia o método de
ensino da Companhia de Jesus, o Ratio Studiorum, reinventado pela Congregação, que
lhe dava o amálgama pedagógico para realizar a seleção e organização do saber
escolar.
A partir desta orientação, compreende-se o zelo das Irmãs com a seleção
dos livros didáticos que eram a alma dos conteúdos escolares, sobre os quais se
desenvolviam as aulas e versavam os exames. Os critérios de escolha dos livros eram o
caráter católico e europeu, de forma que a preferência recaía sobre autores que
pertenciam ao clero ou que eram católicos leigos e especialmente de editoras católicas,
como a F.T.D. dos Irmãos Maristas e a Vozes da Ordem Franciscana.
A tradição jesuítica de produzir textos didáticos remonta à época da
criação dos primeiros colégios inacianos em meados do Século XVI e se manteve e se
adaptou às circunstâncias históricas diversas.
Os saberes escolares veiculados no Curso Secundário e no Curso Normal
eram recortados e organizados para as elites e partes das classes médias. Para o
conjunto da população escolar patrocinense, tratava-se de conhecimentos disciplinares
sofisticados que conferiam distinção social e cultural. O viés curricular eurocêntrico,
com toque francês e católico, definitivamente não era endereçado às classes populares
urbanas e nem ao campesinato, mas aos filhos das classes abastadas patrocinenses e
mineiras que desejavam imitar os modelos estéticos do hegemônico e imperialista
Velho Mundo.
O corpo docente do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, em 1932, era
o seguinte:
Professoras belgas: Irmã Maria Ghislaine ministrva Francês e Trabalho Manual;
Irmã Maria Ghilberta: Desenho e Aritmética;
Irmã Maria Neli: Educação Física, Ciências e Modelagem;
Professores brasileiros: Irmã Maria Alda: Música, História do Brasil e Cívica;
Fortunato Pinto Júnior: Português;
Franklin Botelho: Geografia.
Em 1933:
Professoras belgas: Irmã Maria Ghislaine: Francês e Trabalhos Manuais;
Irmã Maria Ghilberta: Aritmética;
Irmã Maria Magdala: Ciências e Desenho;
Professoras brasileiras: Irmã Maria Alda: Português e Música;
Senhora Hilda Souza: Geografia e História do Brasil;
Fortunato Pinto Júnior: Português.
É relevante observar que essa distribuição do trabalho docente talvez
interferisse diretamente na eficácia e qualidade do ensino oferecido. Enquanto várias
professoras se especializavam no ensino de uma única matéria ou prática (desenho,
música, por exemplo) uma única professora era encarregada do ensino de todas as
matérias de uma determinada classe, e matérias diferentes entre si como História
Sagrada e Cosmografia.
Haveria, portanto, que se questionar a validade didático-pedagógica
dessa estruturação de ensino, caso houvesse disponibilidade de documentação a
respeito. Entretanto, o que efetivamente existe, são alguns cadernos de alunas, ofícios
e relatórios de autoridades educacionais informando sobre exames realizados no
Colégio, sempre enaltecendo o bom aproveitamento das alunas ali matriculadas.
Independentemente da discussão da validade didático-pedagógica da
estruturação do ensino nesse Colégio, as Irmãs do Sagrado Coração de Maria
desempenharam suas funções antimodernistas e antiprofissionalizantes a contento e de
maneira competente.
CAPÍTULO 6
NORMALISTAS, PROFESSORAS, MÃES – SENHORAS
PRENDADAS
Foto 21 – 8.12.1939 – Maria Nunes, apelidada de Morena. Foto oferecida à Irmã
Superiora.
Fonte: Arquivo de Maria Nunes Caldeira (filha)
Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiências,
interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao
modo de como cada pessoa se forma, é ter em conta a singularidade de sua
história e, sobretudo, o modo singular como age, reage e interage com seus
contextos. [...] O processo de formação pode assim considerar-se a dinâmica
que vai construindo a identidade de uma pessoa. Processo em que cada
pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a si mesma ao longo de
sua história, se forma, se transforma em interação
153
.
Concordando com Moita, o processo de construção de uma identidade
profissional é um processo histórico, que reflete o conjunto de transformações sociais,
políticas, econômicas e culturais, de uma sociedade.
E também concordando com Bakhtin que diz: “compreender a
enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela. Compreender é, pois,
dialogar, é opor à palavra uma contrapalavra”
154
.
Analisando as falas das entrevistadas, foi possível constatar que, mesmo
no início do século passado, permanecia a distinção na formação de meninos e
meninas, recebendo estas uma educação doméstica a que as mulheres se encontravam
submetida, e a necessidade de incorporá-las ao projeto de educação nacional.
Então, tornou-se possível compreender que o magistério foi, neste
período, o único caminho possível para a maioria das mulheres brasileiras, sobretudo
para aquelas pertencentes às camadas médias da população. Compreender, também,
que, a concepção do magistério, como profissão essencialmente feminina, permaneceu
por vários anos em nosso imaginário cultural, como revelam Nilda e Judite:
153
MOITA, M. C. O percurso de formação e transformação. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas e vidas de
professores. Portugal: Porto, 1992. p. 155.
Quando iniciei, o professor era muito valorizado, foi no tempo da
normalista... aquela música que saiu, linda: ‘Vestida de azul e branco,
trazendo um sorriso franco’... isto foi anos dourados... outra música: ‘Minha
linda normalista, não pode casar ainda, só depois que se formar
155
.
Eu era contratada no Grupo Escolar Casimiro de Abreu. O nosso
pagamento era feito de uma forma muito complicada, mas a gente tem que
aceitar o que nos dão, né? O nosso pagamento só acontecia se o João Turco,
o mesmo João Elias de hoje, muito rico, comprava uma boiada para matar no
frigorífico e então entrava imposto na Coletoria para nos pagar. O Xisto,
Coletor avisava e então nós ficávamos satisfeitas
156
.
Prosseguindo na análise das entrevistas e dos depoimentos ouvidos,
encontram-se diversas falas que evidenciam a concepção tradicionalista da educação a
que foram submetidas quando ingressaram no sistema escolar.
A minha infância foi vivida na ditadura do Getúlio Vargas, aquele
famoso Estado Novo, que nós admirávamos. Eu gostava das aulas de
História, de canto cívico, todo dia. Cantávamos os hinos Nacional, da
Bandeira, da Marinha, do Exército. Era uma beleza
157
.
No exercício da prática pedagógica, as ex-alunas entrevistadas tenderam
a reproduzir os valores que lhes foram passados pelas freiras, dando continuidade a um
tipo de educação desvinculada da realidade de suas alunas. Convidadas a fazerem uma
avaliação sobre o alcance da ação educativa na época de sua atuação apresentaram
posicionamentos diferentes. Se para umas existe a consciência de ter desenvolvido
uma educação funcionalista e mecanicista, para outras, as justificativas são baseadas
154
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do original russo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
p.101.
155
ROCHA, Nilda C. da Silva. Nilda Caetano da Silva Rocha: depoimento [fev. 2003]. Entrevistadora: Hedmar
de Oliveira Ferreira. Belo Horizonte-MG: 2003. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de
Doutorado.
156
COSTA, Judite. Judite Costa: depoimento [fev. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio – MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
nos determinantes sociais, deixando entrever nos seus depoimentos, o discurso liberal,
individualista e meritório, que pretende explicar as diferenças entre as classes sociais
exclusivamente pela capacidade individual.
Depoimentos como: “[...] tudo dependia de nós, meninas de famílias
distintas”
158
, ou “algumas meninas pobres, que não tinham grandes expectativas de
futuro, de lutar pela vida”
159
, refletem a distância entre a prática e as reais necessidades
das alunas.
Procurando interpretar a dimensão dos fatos na conjuntura educacional, é
importante reportar às palavras de Paulo Freire, quando diz:
As heranças culturais têm um inegável corte de classe social. É nelas que
vai se constituindo muito de nossa identidade cultural, que por isso mesmo,
está marcado pela classe social de que participamos. A classe dominante,
porém, devido a seu próprio poder de perfilar a classe dominada, primeira
recusa a diferença mas, segundo, não pretende ficar igual ao diferente:
terceiro não tem intenção que o diferente fique igual à ela. O que ela
pretende é, mantendo a diferença e guardando a distância, admitir e enfatizar
na prática, a inferioridade dos dominados
160
.
Muitas ex-alunas professoras parecem não se dar conta do papel que
desempenharam na educação, ao se constituírem, muitas das vezes, em expressões dos
interesses dominantes, em decorrência da formação recebida e dos diversos fatores que
consolidaram sua profissionalização.
157
Idem, Ibidem.
158
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
159
Idem, Ibidem.
160
FREIRE, P. Professor sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água. 1995. p. 96.
Foto 22 – 1947 – Alunas com uniforme de gala.
De pé, da direita para esquerda, a 7ª é Maria Bárbara, uma das entrevistadas.
Fonte: Arquivo de Maria Bárbara Furtado de Oliveira
Por outro lado, também se depara com outra face, nas palavras da ex-
aluna Eunice, formada na década de 50 e que só foi exercer o magistério na década de
60, momento em que o país sofria os rigores da ditadura militar. Período em que, a
sociedade brasileira vivenciava um acirrado processo de disputa entre os grupos
conservadores tradicionais aliados à classe dominante, e os grupos progressistas,
empenhados na transformação da sociedade, voltados para a defesa das classes
subalternas, numa proposta de rompimento com o modelo capitalista. E, foi neste
contexto que Eunice iniciou sua trajetória profissional, que pode ser caracterizada
como uma caminhada de lutas e reivindicações em prol da educação. Relata um pouco
de sua história:
De repente, uma menina de fazenda, criada na simplicidade da roça, com
aqueles valores morais e religiosos, tem muita coisa para contar. Filha de
pais muito católicos, aquele regime tradicional de família mineira... Então,
de repente, eu saí para morar num colégio de freiras, onde aprendi muito e
também aprendi a enfrentar as dificuldades da vida. [...].
Tive uma educação muito fechada... Freiras muito enérgicas... Saí do
Colégio formada, passei 10 anos cuidando de afazeres domésticos e só
comecei a exercer o magistério numa época em que não tinha nenhuma
abertura e a educação tinha que ser voltada para os conteúdos que os
militares gostariam que fossem ministrados. [...] Você não tinha liberdade.
[...] A liberdade para o professor é muito importante porque, além do
conteúdo, ele tem que levar a sua vivência e, trabalhar com o aluno para que
ele lute pela sua liberdade, pelos seus anseios. Eu que não tive a liberdade no
meu tempo de escola queria mudar, queria ensinar a lutar pelos direitos. Mas
na década de 60, tudo pertencia a um regime fechado, a um regime que
vigiava tudo, quase como no Colégio, vigiava o espaço de todo mundo. [...].
Eu vejo a diferença muito grande entre você ser formada num colégio de
freiras. Ter disciplina e domínio das emoções, o cuidar do corpo, a
conservação dos valores humanos, o convívio coletivo. [...] Aprendi muito
com o regime militar, com experiências duras. Aprendi com diretoras que
pregavam a verdadeira ditadura... Aprendi, diante da resistência ceder o lugar
para outro, a gente tinha mais é que lutar
161
.
Pela análise das falas desta ex-aluna entende-se que toda a atividade
mental é mediatizada pelo discurso interior, através do qual se opera a unidade com o
discurso aprendido no exterior. Eunice foi capaz de em meio às contradições que
vivenciava na escola, confrontar o discurso ideológico e, rompendo com ele,
desenvolver o seu projeto educacional.
Tendo recebido uma formação tradicionalista, desvinculada da realidade
do país, mas, estreitamente relacionada ao projeto educacional necessário à
161
GOMES, Eunice. Eunice Gomes: depoimento [abr. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Belo
Horizonte: 2003. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
implantação do sistema capitalista no Brasil, com sua exigência de modernização, as
professoras, ex-alunas do Colégio tenderam a reproduzir, em sua prática, a elitização
da sociedade, ao conceberem a educação de maneira ingênua e acrítica.
Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a
compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser
professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser
com a nossa maneira de ensinar; e que desvendam na nossa maneira de
ensinar a nossa maneira de ser
162
.
As ex-alunas, através da sua linguagem, revelam toda uma peculiaridade
cultural, permitindo que ocorra o entrelaçamento do passado com o presente,
uma vez que o homem não faz história simplesmente começando de novo e
ignorando os feitos de seus antecedentes. A história só é possível quando o
homem não começa sempre de novo e do princípio, mas se liga ao trabalho
aos resultados obtidos pelas gerações precedentes
163
.
Portanto, todo o trabalho das ex-alunas que exerceram a profissão do
magistério nas escolas de suas cidades, projeta-se no presente e este, reconstruído,
serve de base para projetar ainda mais a importância do Colégio no futuro. Cada uma
destas ex-alunas, portanto, mantém uma unidade pela via das múltiplas vozes, sem,
entretanto, perder a sua singularidade.
162
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, A. (Coord.). Os professores e sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 34.
Foto 23 – 1958 – Desfile festivo em frente ao Colégio Nossa Senhora do Patrocínio
Fonte: Arquivo do Colégio
No diálogo com as ex-alunas que se fizeram professoras, procurou-se
compreender a entrada para o exercício do magistério entre as décadas de 40 e 60,
momento em que, ao mesmo tempo em que sofrem o drama do controle burocrático do
gerenciamento científico em seus trabalhos, as mulheres brasileiras conseguem
algumas conquistas e reivindicam para si o direito de serem sujeitos construtores da
163
KOSIK, K. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves; Alderico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
História. O exercício do magistério, por si mesmo, explicita isso. Mas a opção por esta
profissão parece se definir já na ocasião do nascimento: se for menina, o cargo
máximo de ocupação profissional a ocupar é o de professora. Mesmo assim, as
mulheres-professoras buscam, em seu papel de educadoras, a humanização, ou seja, a
realização de si mesmas.
O que o homem realiza na história? O progresso da liberdade? O plano
providencial? A marcha da necessidade? Na história o homem realiza a si
mesmo. Não apenas o homem não sabe quem é, antes da história e
independentemente da história; mas só na história o homem existe. O
homem se realiza, isto é, se humaniza na história
164
.
E Dalca em seu depoimento diz:
Na minha época a gente só podia escolher o Normal. O pai não deixava fazer
outra coisa. [...] às vezes você faz uma coisa que nem tanto gosta, mas acaba
tomando gosto por ela. Foi o que aconteceu comigo. Eu não gostava de dar
aula, mas aprendi a gostar, mas achava aquilo muito pouco também
165
.
O depoimento de Dalca demonstra que as professoras não se
contentavam em ser simplesmente professoras. Elas tinham desejos, necessidades e
sonhos, além das expectativas profissionais. Antes mesmo de se formarem, já atuavam
pensando na conquista da emancipação. “Eu já trabalhava antes de ser formada, eu
trabalhava como substituta, como contratada”
166
.
1976. p. 218.
164
KOSIK, op. cit., p. 217, nota 11.
165
AMORIM, Dalca. Dalca Amorim: depoimento [jul. 2003]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos
de Minas: 2003. 1 cassete sonoro e 1 fita de vídeo. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
166
COSTA, Judite. Judite Costa: depoimento [fev. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio – MG: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
Esse desejo de independência e realização parece representar uma forma
motriz na vida das professoras que enfrentaram muita luta para conseguirem a garantia
de seus empregos. Zulma e Alphonsina foram morar na cidade de Água Suja, atual
Romaria, hospedando-se na Casa Paroquial. Lecionavam na Escola Santa Maria
Goretti, mantida pela Igreja. Parece um processo de luta pela vida. Judite se casou, foi
morar e lecionar numa fazenda. Com um sorriso no rosto, ela subia e descia morro e
andava de casa em casa à procura de crianças para matricular e formar sua turma.
Mas não são todas as ex-alunas/professoras que enfrentaram estas
dificuldades.
Percebia-se uma ausência de política para a contratação de professores.
Enquanto algumas enfrentavam uma série de entraves, outras assumiam as salas de
aula através da intermediação de alguém ligado ao poder da sociedade política.
“No Grupo Escolar Honorato Borges era a coisa mais difícil ter um lugar
para uma professora que não tivesse um sobrenome de peso”
167
.
Nas histórias narradas pelas ex-alunas/professoras, fica clara a influência
do pensamento pedagógico do movimento da Escola Nova. Apesar da dificuldade do
acesso à bibliografia, as discussões pedagógicas ocorridas na primeira metade do
Século XX, são uma constante na prática pedagógica das ex-alunas/professoras,
marcada por um excesso de métodos e técnicas, características do movimento.
Quando fui trabalhar no Grupo Escolar como professora
alfabetizadora, iniciei com o método global de contos. Era a
Cartilha da LiLi. Olhem para mim. Eu me chamo Lili...
[...]
167
BORGES, Alina. Alina Borges: depoimento [set. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. 1 cassete sonoro e depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
Naquela época a composição era feita com apresentação de cartazes,
gravuras bonitas. Aproveitava para dar ditado também
168
.
Algumas das ex-alunas/professoras entrevistadas sentiram também a
necessidade de reinventar a prática pedagógica da época. É possível que a resistência
aos métodos influenciou uma série de transformações, estimulando a criar seu próprio
material pedagógico a partir de suas vivências docentes, mesmo tendo de enfrentar
desafios.
O avanço destas professoras ousadas é resultante da construção das suas
histórias de vida, de suas leituras de mundo em sua globalidade. Algumas das
entrevistadas revelaram leitoras não só da palavra, mas também da realidade da sua
época. Mulheres que anunciam e denunciam. Anunciam implicitamente que o papel do
educador reside na transformação da pessoa. Outras denunciam a triste realidade de
interrupção precoce dos estudos dos alunos.
Nos grupos escolares, a maioria não continua a estudar,
então a gente queria fazer com que eles tivessem meios de eles
mesmos sozinhos poderem evoluir mais tarde...
[...] Ele vê em você a continuidade do lar dele e vê em você uma mãe,
então você tem que corrigir coisas que cabem à família ou à mãe fazer, o
modo de assentar, de falar, até de comer
169
.
Ao mesmo tempo em que anuncia afeto e diálogo por meio de vivências
do cotidiano escolar, denuncia a transferência de responsabilidades na educação dos
filhos da família para a escola. Por entre as queixas dos desgastes da profissão, gerados
pelas más condições de trabalho e pelas lutas constantes por maior valorização do
168
ARANTES, Augusta. Augusta Arantes: depoimento [jun. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida pra Tese de Doutorado.
profissional, com palavras de orgulho fala da dedicação em suas histórias de vida de
professoras primárias.
“Cumpri meu dever com muita dedicação, com amor, foi um verdadeiro
sacerdócio”
170
.
Apesar dos desgastes, da descrença com o salário, a dedicação e amor ao
magistério são tão intensos que muitas ex-alunas/professoras se aposentaram, mas não
deixaram a profissão. Umas foram dar aulas particulares em casa, outras como
voluntárias nos movimentos da Igreja e algumas em escolas particulares. A escola não
saiu de suas vidas. Ampliaram suas práticas pedagógicas para além dos muros da
escola.
“A gente está sempre fazendo alguma coisa: faz palestras educativas,
visita às escolas, ensina os netos, ajuda nas pesquisas, na correção de trabalhos das
filhas das amigas, das vizinhas [...] Nunca me aposentei de verdade porque continuo
ajudando”
171
.
A história da prática pedagógica das ex-alunas entrevistadas esteve
entrelaçada com os interesses políticos, econômicos e sociais. O contexto histórico de
atuação vai desde o autoritarismo do Estado Novo, passando por momento de
pseudodemocracia até o regime militar, a partir de 1964. Além de controle burocrático,
vindo da Secretaria de Estado da Educação-MG, esta impõe às escolas estratégias de
vigilância às práticas pedagógicas, com a intenção de determinar o tipo de aluno que
169
ARANTES, Augusta. Augusta Arantes: depoimento [jun. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
170
ARANTES, Augusta. Augusta Arantes: depoimento [jun. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
171
CASTRO, Leonor. Leonor de Castro: depoimento [maio 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
deveria se formar na escola mineira. Em alguns depoimentos é evidente como as
professoras reivindicavam liberdade para transformar os velhos saberes e práticas.
Para Leonor, “[...] a educação tinha de ser voltada para os conteúdos que os militares
exigiam. Foi uma experiência não muito agradável, a gente era tolhida, qualquer coisa
que falasse corria o risco de ser chamada de subversiva”
172
.
Interessante observar como as definições do que é socialmente
importante ou condenável quanto ao comportamento feminino, expressam as
convenções de gênero construídas a partir de uma imagem. Nesse sentido, o ensino de
civilidade era de extrema utilidade, pois veiculava e internalizava nas jovens um
conjunto de posturas e práticas necessárias para a convivência em sociedade, ou, como
denominou Ariès, “um conhecimento da sociedade”
173
.
Para a ex-aluna Elvira, hoje, vice-prefeita da cidade de Patos de Minas:
O Colégio possuía, naquele tempo, um Manual de Boas Maneiras.
Continha condutas e maneiras em todas as circunstâncias da vida, inclusive,
da vida política. Isso muito me ajuda hoje como atuante na vida política de
minha cidade. Hoje não se fala em civilidade com pais, filhos, marido e
esposa, patrões e empregados, alunos e professores. Nós tínhamos que
decorar as regras de cortesia, de moral e até de passear, de fazer visitas
174
.
A utilidade atribuída à civilidade, à padronização do comportamento
feminino em público, exigência demandada pela forma de convivência em sociedade,
constituiu-se também como objeto de ensino nos colégios católicos femininos. No caso
172
CASTRO, Leonor. Leonor de Castro: depoimento [maio 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira.
Patrocínio-MG: 2002. Depoimento escrito. Entrevista concedida para Tese de Doutorado.
173
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981. p. 245.
174
PORTO, Elvira. Elvira Porto: depoimento [out. 2002]. Entrevistadora: Hedmar de Oliveira Ferreira. Patos de
Minas: 2002. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para a Tese de Doutorado.
das jovens mineiras da elite, cuja tradição familiar foi a de prepará-las e também
resguardá-las o máximo, tal aprendizagem mostrava-se particularmente útil. Útil,
porque o acesso a esse “conhecimento da sociedade”
175
possibilitado pela formação
adquirida no confinamento dos internatos, constituía mais um dos componentes dessa
preparação circular no espaço público cercadas de algumas garantias que a
convivência dentro do “bom-tom” pressupunha.
As freiras do Colégio não se furtaram e, mesmo, nele se empenharam
com vigor desdobrado.
Elas assim procederam não apenas pelo desejo dos familiares e pelo
propósito de que se achavam imbuídas de transformar suas alunas em ‘boas cristãs”,
“boas mães” e “senhoras prendadas” mas, também, pela meta estabelecida: as “rudes”
meninas adotassem comportamento “civilizado”. Então, “civilizar” as patrocinenses –
e também muitas jovens de outras cidades e regiões – foi a sua tarefa e desafio.
O Colégio oferecia uma formação centrada em habilitar suas egressas
tanto a ganharem “honestamente a vida” com o magistério como ao cumprimento de
seus deveres de filhas, esposas e mães. A criação das escolas normais em Minas
Gerais, a partir de 1870, tinha como objetivo ampliar as oportunidades educacionais e
o atendimento escolar, mesclando instrução e educação. O esforço governamental em
ampliar a formação escolar respondeu pelo direcionamento aos cursos destinados à
habilitação de professoras e professores, de uma preparação que se definia
ambiguamente pelo meio-termo entre educação e instrução, de forma a não
comprometer também seu propósito de formar quadros para o magistério feminino.
175
ARIÈS, op. cit., p. 245.
Foto 24 – 1955 – Alunas no pátio externo – 3ª e 4ª séries primárias
Fonte: Arquivo do Colégio.
Foto 25 – 1955 – alunas no pátio interno – 3ª e 4ª séries primárias
Fonte: Ar
q
uivo do Colé
g
io.
O ser mestra assegurava a muitas mulheres, solteiras ou casadas, uma
maior liberdade de movimentos e poder de decisão, advindos do exercício de uma
atividade intelectual e remunerada. Tal condição proporcionava a muitas professoras
solteiras certa autonomia financeira e, até mesmo, a possibilidade de efetiva
contribuição para o orçamento familiar para as que eram casadas ou que residiam com
pais ou parentes. Foi o que se passou com as ex-alunas Leonor e Augusta. Nessa
perspectiva, a docência mostrava-se particularmente adequada, uma vez que vinculada
ao Estado e identificada como atividade intelectual, num contexto em que o
preconceito contra o trabalho braçal atingia todas as classes, indistintamente.
O sentido de vocação para o magistério feminino constituiu construção
extremamente conveniente ao Estado e, também, às mulheres. Para Guacira Lopes
Louro, é justificá-lo “por uma lógica que se apoiava na compreensão social do
magistério como formação adequada para mulheres e na aproximação dessa função à
maternidade”
176
.
Além da dimensão instituinte das representações sociais, há que se
atentar também para o da necessidade e, mesmo, da conveniência de as mulheres
incorporarem, em seu exercício docente, a linguagem da “vocação”. Pois, se esta, por
um lado, justificava pagar-lhes salários mais baixos, por outro, conferia-lhes
legitimidade social e, principalmente, constituía uma eficiente estratégia para ingressar
no magistério público, incorporando-as aos quadros do funcionalismo e rompendo,
assim, com a reclusão doméstica.
176
LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del; BASSANEZI, Carla (Org).
História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 465.
No Colégio, observava-se um estímulo a tal “vocação”, percebida como
uma “missão”, um “sacerdócio”, veiculado num contexto educacional em que ser
professora representava também uma progressão funcional. Essa preocupação em
estimular, no âmbito escolar, habilidades para a execução de trabalhos manuais e para
a administração da economia doméstica, tinha em vista, essencialmente, educá-las para
“firmar o caráter”: a aprendizagem dos chamados “trabalhos de agulha” – costurar,
bordar, fazer rendas, pintar, etc. – reforçava tal propósito. E isso se fundamentava no
princípio do efeito em cadeia, já que as alunas dos cursos normais deveriam aprendê-
las para executarem-nas em casa e, assim, ensiná-las posteriormente às suas filhas bem
como às suas alunas das escolas primárias. Completando o que se considerava
necessário para a educação centrada em “firmar caráter”, estava também o desafio de
ensinar às alunas os deveres de mães de família. Segundo o princípio religioso de que
“se ensina primeiro com as obras e depois com as palavras”, sempre citado por Irmã
Renè
177
, o tema deveria ser abordado por meio de exemplos, preferencialmente, os de
suas próprias mães, não sendo exclusivo das aulas de catecismo.
As mensagens, sempre presentes nas citações das freiras e veiculadas nos
compêndios e livros didáticos, aparecem nessa ação disciplinadora, na medida em que
reforçam, com suas representações, a internalização de imagens, valores e
significações sociais que referenciam o modelo normativo docente.
177
Irmã Renè – Freira da Congregação do Sagrado Coração de Maria, professora de Instrumentos Musicais
(violão, acordeom, piano), de Canto Orfeônico, de Datilografia, de Religião e de Catecismo.
Foto 26 – 1946 – Normalistas
Fonte: Arquivo de Judite Costa.
Trata-se de processo de aprendizagem mediado pela presença de
mestras, viabilizado por uma relação pedagógica mediante a qual se consegue
“inculcar nos indivíduos um conjunto organizado de esquemas de percepção, de
pensamento e ação”
178
, predispondo-os “a agir de uma determinada maneira”.
Uma vez definidos como condutores do processo ensino-aprendizagem,
eles representam a referência de conduta para suas alunas que também serão,
futuramente, mestras. Esse papel é destacado, de forma recorrente, pelos manuais e
compêndios de pedagogia do século XIX.
Quase sempre de óculos, olhar severo, poucos sorrisos, rosto sério,
cabelos em coque, gestos contidos, costas retas, pés unidos, munidas de palmatória ou
de vara de marmelo, enfim, todo um conjunto de posturas, atitudes, gestos, modo de
vestir-se e de pentear-se modelava o perfil identitário segundo o padrão definido para
o exercício do magistério pelas mulheres. Um modelo a que se submeteu a maioria das
professoras de primeiras letras, em Minas Gerais, no século XIX, revelando a força
instauradora das representações sociais e do poder disciplinar institucional. Não
obstante o poder das representações na conformação do magistério feminino e no
engendramento das identidades, não se pode ignorar que, nesse processo de
assujeitamento aos sentidos hegemônicos articulados no social, as professoras
mineiras, como sujeitos de suas experiências, construíram de formas próprias suas
subjetividades, incorporando, transformando ou rejeitando as representações que lhe
foram impostas. Como bem atenta Guacira Lopes Louro:
178
PASSERON, Jean Claude. Pedagogia e poder. Teoria e educação, Porto Alegre, v. 5, p. 29-36, 1992. p. 30.
“[...] Homens e mulheres constroem de formas próprias e diversas suas
identidades – muitas vezes em discordância às proposições sociais de seu tempo”
179
.
Um olhar atento perceberá que a história das mulheres nas salas de aula é
constituída e constituinte de relações de poder. É mais adequado compreender as
relações de poder envolvidas, nessa e em outras histórias, como imbricadas em todo o
tecido social, de tal forma que os diversos sujeitos sociais exercitam e sofrem efeitos
do poder.
“Todos são, ainda que de modos diversos e desiguais, controlados e
controladores, capazes de resistir e de se submeter. [...]”
180
.
179
LOURO, Guacira Lopes. Prendas e antiprendas: uma história da educação feminina no Rio Grande do Sul.
1986. 176 f. Tese (Doutorado em Educação – Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas.
1986. p. 64.
180
Idem, Ibidem.
Foto 27 – 1963 – Capela do Colégio – Missa solene de Formatura
Em destaque: Dr. Amir Amaral, ex-prefeito de Patrocínio e Paraninfo da Turma.
Fonte: Arquivo do Colégio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Colégio Normal Nossa Senhora do Patrocínio faz parte da paisagem
urbana e cultural da cidade de Patrocínio. Emergiu no início do século passado,
arquitetado pelas elites urbana e rural, em consórcio discreto e seguro com o clero e a
administração municipal. Esses grupos dominantes desejavam a existência de uma
escola que proporcionasse, ao mesmo tempo, letramento substancioso e
disciplinamento moderno às meninas e moças que tinham condições econômicas e
culturais consideráveis.
A análise desenvolvida indicou, a destinação elitista do Colégio. O
internato se caracterizava como uma escola de refinamento da cultura e da
sociabilidade das alunas, preocupando-se muito mais em torná-las damas aptas para o
convívio social do que para outra qualquer função, seja intelectual ou profissional,
além do bom trato em sociedade e das funções de mães e educadoras. Atendendo às
expectativas da oligarquia, a Igreja, dentro de seu próprio projeto, criava um espaço de
doutrinação, de modo a formar um contingente de mães cristãs convictas, de tal forma
que pudessem educar cristamente seus filhos e filhas. Conforme a política da Igreja era
necessário educar solidamente a oligarquia no Cristianismo, para que ela conduzisse o
restante da sociedade para o caminho reto, preocupação registrada claramente pelo
Bispo Dom Antonio de Almeida Lustosa, Irmã Blandina e Coronel João Cândido de
Aguiar, segundo as cartas trocadas entre si, demonstrando a preocupação com o
colégio protestante já instalado em Patrocínio:
A situação afflictiva d´aquella parochia com um collégio protestante de
meninas [...].
[...] Passo às mãos [...] as pessoas que o assignam são não só as dirigentes
do Município de Patrocínio, como homens de grande responsabilidade.
Penso que no nosso caso, não se podia desejar melhor documento. [...] a boa
vontade que há, não arrefeça e por outro, não lance raises o collégio
protestante começado
181
.
O elitismo da educação ultramontana não se realizava apenas no fato de
a melhor educação que a Igreja oferecia ser dispensada em internatos caríssimos, mas,
acima de tudo, porque ela pretendia fazer com que a oligarquia continuasse a ser
dirigente do conjunto social, orientada pelos princípios do catolicismo romanizado.
Ao analisar os resultados da educação oferecida pelo Colégio Nossa
Senhora do Patrocínio, pelas pesquisas, entrevistas e depoimentos, depara-se com a
trajetória de ex-alunas ocupando eminentes posições sociais e políticas, tendo-se
mantido católicas fervorosas, como o exemplo de Elvira Porto, tendo sido vereadora e
vice-prefeita da cidade de Patos de Minas. Outras, sob as mais singelas aparências,
revelaram-se os protótipos da mulher cristã, da esposa modelo, da mãe terna, como as
ex-alunas Antonia, Judite, Augusta, Alina. Boa parte destas ex-alunas também ocupou
e ainda ocupa lugar elevado na escala social, ajudando a dirigir o conjunto da
sociedade, especialmente nos movimentos e organizações da Igreja Católica.
Foto 28 – 2005 – Irmã Zelita, ex-aluna do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio e
Religiosa da Congregação das Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar
181
Carta do Bispo Dom Antônio de Almeida Lustosa para o Cel. João Cândido de Aguiar, datada de 26 de
fevereiro de 1928.
Fonte: Stillus, Patrocínio, n. 2, p. 16, ago. 2005.
A oligarquia desejava e efetivou um projeto educacional que resguardava
suas filhas do contato com a modernidade. Com a implantação dos colégios religiosos,
a idéia de sociedade, de saber válido, de condição feminina, eram as idéias do
catolicismo romanizado, idéias que não se opunham à visão de mundo da própria
oligarquia mineira. Por essa razão, a educação recebida pelas jovens era voltada para a
distinção.
Nessa busca de desvendar o cotidiano de uma escola católica feminina
permitiu-se perceber o desempenho de sua função, nesse contexto: a de constituir,
depois da Igreja, o primeiro espaço público que meninas dos estratos médios e
superiores da sociedade passaram a freqüentar, sem maiores riscos quanto à perda da
honra e da dignidade. Como mediador da passagem do recinto sagrado do lar para o
profano espaço público, o Colégio foi cercado por diferentes dispositivos de vigilância
e múltiplos mecanismos de controle de forma a se legitimar como tal. Trata-se de
processo de legitimação em que se empenharam tanto os corpos administrativo e
docente da instituição como as autoridades civis e eclesiásticas. Esse processo se
inscreve no movimento reformista de implantação da disciplina cristã em Minas, de
internalização do catolicismo romanizado, como uma das estratégias básicas para sua
efetivação, ao lado daquelas voltadas para o adensamento de uma organização familiar
fundada no matrimônio.
O esforço em devassar o cotidiano escolar resultou na percepção de que
o acesso das ex-alunas à instrução revestiu-se de significados diferentes para elas, em
função, sobretudo, de suas condições de classe e de sexo/gênero. E isso porque, ao
projeto comum das escolas femininas, públicas e privadas, de preparação de suas
alunas para o estado de matrimônio, para exercerem o papel prescrito de
esposa/mãe/educadora, acrescentavam-se algumas significativas diferenciações
curriculares.
A instrução recebida nos colégios femininos religiosos, quase sempre
internatos, imbuía-se de um maior refinamento no sentido de um enriquecimento
curricular que incluía o ensino de línguas estrangeiras – principalmente o francês –,
história, canto, música – o imbatível piano –, desenho, pintura e bordados, de forma a
prepará-las também para o convívio dos salões. Para se tornarem esposas distintas,
dedicadas educadoras dos filhos, prendadas donas-de-casa, que pintavam e
bordavam... Para aquelas dos estratos sociais inferiores e médios, reduzia-se a uma
instrução mínima, com acesso às aulas de instrução pública, ou a algumas escolas
particulares laicas, que lhes possibilitava tornarem-se futuras boas donas-de-casa, para
serem mulheres honradas e trabalhadoras. Pode-se concluir, portanto, que a elitização
proposta pelo Colégio não se realizava apenas pelo ensino, ela se incorporava em uma
visão de que os estratos superiores deviam receber uma parcela cultural maior e
melhor.
Além disso, para muitas dessas ex-alunas, a instrução acenou-lhes a
possibilidade de exercerem uma profissão que, embora fosse, desde àquela época, mal
remunerada, assegurava-lhes, porém, não apenas honradez e dignidade, mas
principalmente distinção. As normalistas do Colégio Normal Nossa do Patrocínio,
trabalhando no mais distante arraial, fazendas ou cidades diversas, sobreviveram, ou
ajudaram na sobrevivência da família, às custas de um trabalho intelectual que as
distinguia positivamente das demais mulheres.
Tal instituição transformou-se em padrão de excelência e
respeitabilidade do aparelho escolar na Zona do alto Paranaíba em Minas Gerais, base
institucional do sistema de formação de professores primários e centro de produção de
uma cultura escolar urbana recorrentemente atualizada. Nesse sentido, pode-se pensar
o Colégio no período estudado, como um centro de constituições de saberes
articulados a práticas institucionais – com vistas a organizar a formação de professores
para o magistério primário, objetivo esse que – entre outros – acabou por forjar a
mentalidade educacional hegemônica da época.
Para a Igreja Católica, o estabelecimento do Colégio Normal Nossa
Senhora do Patrocínio significou um fato singular na construção da aliança com a elite
política municipal, afirmando o projeto de europeização do catolicismo na Zona do
Alto Paranaíba, em Minas Gerais, liderado pelo vigário da igreja matriz, Padre Tiago e
pelo Bispo da Diocese de Uberaba, Dom Antonio de Almeida Lustosa, e construído
por uma rede de influências econômicas, políticas e sociais. Graças à formação
intelectual e cultural das religiosas da Congregação do Sagrado Coração de Maria de
Berlaar, e ao seu árduo trabalho pastoral, o Colégio era considerado – com razão – o
“bastião da educação católica feminina” no interior das Minas Gerais.
Foto 29 - 1978 – Colégio
Fonte: Arquivo do Colégio.
Foto 30 – 2005 – Colégio
Fonte: Arquivo do Colégio.
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VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia,
1987. v. 1.
WERNET, Augustin. A reforma do clero paulista de Dom Antônio Joaquim de
Mello. 1983. 250 f. Tese (Livre-Docência em História) – Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983.
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