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MARIA CRISTINA PETROUCIC ROSENTHAL
“ASSIM É SE LHE PARECE”
TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO:
ESTUDO DE VARIÁVEIS COGNITIVO-AFETIVAS DE PERSONALIDADE
POR MEIO DO MÉTODO DE RORSCHACH
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2007
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ii
MARIA CRISTINA PETROUCIC ROSENTHAL
“ASSIM É SE LHE PARECE”
TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO:
ESTUDO DE VARIÁVEIS COGNITIVO-AFETIVAS DE PERSONALIDADE
POR MEIO DO MÉTODO DE RORSCHACH
Tese apresentada à Faculdade de Psicologia,
da Pontifícia Universidade Católica,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Doutor em Psicologia Clínica,
Orientadora: Profa.
Dra. Mathilde Neder
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2007
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iii
FOLHA DE APROVAÇÃO
l
BANCA EXAMINADORA
Professora Dra
.
Matilde Neder (Orientadora)
Instituição:
PUC-SP
Assinatura: ___________________________
Professor Dr
.
Marcio Antonio Bernick
Instituição
:
Assinatura: _________________________________
Professor Dr.
Andrés E. Antunes Aguirre
Instituição
:
IP-USP Assinatura: _________________________________
Professora Dra
.
Maria Elizabeth Montagna
Instituição
:
PUC-SP Assinatura: ___________________________
Professora Dra
.
Regina Sônia G. Nascimento
Instituição
:
PUC-SP Assinatura: ___________________________
iv
O MITO DE SÍSIFO
Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume
de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em conseqüência do seu peso. Tinham
pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e
sem esperança: um suplício indizível em que o seu ser se emprega em nada terminar.
Sísifo é o herói do absurdo. É-o tanto pelas suas paixões como pelo seu tormento.
No termo desse longo esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem
profundidade, a finalidade é atingida. Sísifo vê então a pedra resvalar em poucos
instantes para esse mundo inferior de onde será preciso trazê-la de novo para os cimos.
E desce outra vez à planície.
Se este mito é trágico, é porque o seu herói é consciente. Onde estaria, com efeito, a sua
tortura se a cada passo a esperança de conseguir o ajudasse? O operário de hoje
trabalha todos os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos
absurdo.
Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente...
(CAMUS, 2004. Adaptado por esta autora
)
v
DEDICATÓRIA
A meus pais,
A meus filhos, Sissi e Gui
E meus quase-filhos: Del e Bia
vi
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho de Ensino e Pesquisa da (CEPE) da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, pela concessão de bolsa de capacitação docente, com a qual foram parcialmente
financiados o projeto e a elaboração desta tese.
Para a minha orientadora de mestrado e doutorado, a Dra.Mathilde, especiais. Pessoa
guerreira, lutadora, lado a lado comigo em momentos em que estive e estivemos frágeis de saúde,
e sempre mostrando confiança no meu trabalho, guiado por ela e seu exemplo de vida.
Aos professores participantes da banca de qualificação: Dra. Latife Yazig, Dr. Francisco
Lotufo Neto e Dra. Ceres Araújo, por terem me encaminhado para uma análise qualitativa
conselho que segui com muito prazer e produtividade. À Dra. Regina Sônia Gattaz Nascimento,
que vem me acompanhando desde o mestrado com sugestões pontuais sobre o Rorschach e auxílio
logístico, imprescindíveis para que eu realizasse a pesquisa. E Dra. Miriam Debieux Rosa, que
aceitou ser convocada para me ajudar a melhor compreender e aproveitar o potencial heurístico
das sugestões dadas pela banca.
Ao Ambulatório de Ansiedade do HCFMUSP, na pessoa do Dr. Marcio Bernik, que
participou das bancas de meu mestrado muito ativamente: um auxílio imprescindível.
À Ciça Vilhena Moraes, colega e amiga querida, que foi solidária a ponto de re-rever todas
as classificações das respostas uma por uma e de me dar horas e horas de seu RIAP, do
computador e de sua companhia naquela deliciosa cobertura onde mora.
Fani, colega de faculdade e assessora de AAIM (assuntos ansiógenos e incompreensíveis
para mim), muito disponível para me apoiar emocional e estatisticamente.
vii
Tatiana Sato Mitie, ex-aluna, monitora e orientanda de iniciação científica sobre TOC,
agora colega de profissão e companhia nos lanches vespertinos com pães e sucos naturais
integrais.
Rita Motooka e Thais C. Infante, excelentes pesquisadoras de Rorschach que reviram
resposta por resposta as classificações dos protocolos de TOC e com quem tive conversas
ótimas nos nossos encontros de revisão.
Betinha Montagna, chefe do meu departamento, cuja tese atuou como modelo de ousadia
para que eu me permitisse fazer um trabalho com vertente clínica e qualitativa.
Lucy, ou MIP (minha irmã preferida) e Roberto, ou MIF (meu irmão favorito), sempre
presentes comigo. A Lu foi meu co-ego para “desambigüizar” rias das situações que para mim
eram tão definidas quanto um borrão de tinta, assim como para corrigir obsessivamente todas as
minhas distrações (errros, na verdade...) no português e dar um “upgrade” na forma das idéias
que pus no papel.
Regina Kato, objetiva e me ajudando em diversas partes do caminho que percorri na
pesquisa.
À minha prima, doutora Miriam Debieux Rosa, alinhando os pensamentos que me
prendiam na organização geral dos tópicos.
Aos pesquisadores e amigos solidários Ygor Ferrão e Andrés Antunes, contemporâneos no
desenvolvimento de suas teses de doutorado sobre TOC, ambas e ambos pontos de apoio
importante em meio às reverberações temáticas e de dúvida que me acometeram nos processos de
tomada de decisão no meu trabalho.
À Vera Soares, da secretaria do pós em Psicologia Clínica, que me salvou em momentos
burocráticos importantes.
viii
À Edna Gonçalves, que com seus conselhos ajudou-me nas coisas da vida, de modo que eu
pudesse desenvolver este trabalho com maior tranqüilidade.
Ao Partido Verde, na pessoa de Luiz França Penna, Marco Antonio Mroz e Lavíni M.
Ayres, por tentarem (re)-construir um mundo ecologicamente mais viável e, no que se refere
especificamente à minha pessoa, cedendo um espaço físico e emocional para eu desenvolver meu
trabalho com sustentabilidade afetiva.
Por último, mas não menos importante e com muito carinho, agradeço a todos os pacientes
que colaboraram neste trabalho, dedicando com muito boa vontade seu tempo para as nossas
sessões; em particular, àqueles que acompanhei em psicoterapia e com quem participei mais
diretamente na batalha contra idéias, imagens e impulsos que insistiam em vir à sua mente
para atrapalhar e causar enorme sofrimento.
ix
SUMÁRIO
LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................................................................... xi
LISTA DE CÓDIGOS DO SISTEMA COMPREENSIVO DE EXNER ...................................................... xii
RESUMO.............................................................................................................................................. xiii
ABSTRACT.......................................................................................................................................... xiv
LISTA DE TABELAS............................................................................................................................. xv
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1
2
OBJETIVOS DO ESTUDO................................................................................................................ 5
OBJETIVO 1 ........................................................................................................................................ 5
OBJETIVO 2 ........................................................................................................................................ 5
3
CONCEITOS BÁSICOS E REVISÃO DA LITERATURA................................................................... 6
PRIMEIRA PARTE: TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E
ASPECTOS COGNITIVO-AFETIVOS DE PERSONALIDADE............................................6
3.1. TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E A CLASSIFICAÇÃO ATUAL DAS DOENÇAS
MENTAIS ....................................................................................................................................... 6
3.2. DESCREVENDO AS OBSESSÕES E COMPULSÕES ................................................................. 8
3.3 DA IMPORTÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E DA QUESTÃO DIAGNÓSTICA .................................. 13
3.4
HISTÓRIA DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: DAS CONTRIBUIÇÕES INICIAIS À
PSICANÁLISE E PERSPECTIVAS ATUAIS ................................................................................ 16
3.4.1 Neurose (transtorno), personalidade (caráter) e transtorno de personalidade obsessivos-compulsivos.......20
3.5
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E CO-MORBIDADES............................................ 23
SEGUNDA PARTE: O FENÔMENO OBSESSIVO-COMPULSIVO POR MEIO DO
MÉTODO DAS MANCHAS DE TINTA DE RORSCHACH.............................................. 27
3.6. A CRIAÇÃO DO PSICODIAGNÓSTICO E A EXPANSÃO DO MÉTODO: OS CINCO SISTEMAS
E O SISTEMA COMPREENSIVO ................................................................................................. 27
3.7
O PROCESSO DE RESPOSTA NA PROVA DAS MANCHAS DE TINTA DE RORSCHACH....... 32
3.7.1 A polêmica nomotético-ideográfica ........................................................................................ 32
3.7.2 As manchas de tinta vistas com prova de resolução de problemas ......................................... 36
3.7.3 O processo de resposta nas fases de associação e de inquérito ........................................... 39
3.7.4. As etapas da fase de associação, segundo Exner. ................................................................ 43
3.8 OS ESTADOS PSICOLÓGICOS E PSICOPATOLÓGICOS: INFLUÊNCIA NO ESTILO DE
RESPOSTA.................................................................................................................................. 46
x
3.9. O FENÔMENO OBSESSIVO-COMPULSIVO E O RORCHACH: A LITERATURA ...................... 48
4
DELINEAMENTO DO ESTUDO...................................................................................................... 59
4.1 CASUÍSTICA................................................................................................................................ 62
4.1.1 Seleção inicial dos pacientes................................................................................................. 62
4.1.2 Composição da amostra........................................................................................................ 64
4.1.3 Caracterização da Amostra ................................................................................................... 67
4.1. 4 DADOS DE ANAMNESE, SINTOMATOLOGIA, EVOLUÇÃO E TRATAMENTO DOS CASOS
GRAVES ...................................................................................................................................... 72
4.2 INSTRUMENTOS ......................................................................................................................... 78
4.2.1 O Método das Manchas de Tinta de Rorschach...................................................................... 79
4.2.1.1 Variáveis selecionadas para este trabalho: Códigos Especiais ....................81
4.3. PROCEDIMENTO E ÉTICA......................................................................................................... 86
5
RESULTADOS ............................................................................................................................... 88
5.1 RESULTADOS QUANTITATIVOS RELATIVOS ÀS VARIÁVEIS EM ESTUDO............................ 88
5.1.1 ESTUDO EXPLORATÓRIO....................................................................................................... 91
5.2.
ANÁLISE QUALITATIVA DO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA RESPOSTA DOS CASOS
SELECIONADOS PARA ILUSTRAÇÃO ...................................................................................... 93
5.2.1 Quatro casos de TOC grave com índices acima da média grupal ........................................... 95
5.2.2
Dois casos de TOC grave com índices abaixo da média grupal............................................ 136
5.2.3 Um caso de TOC grave com índices mais próximos da média grupal ................................... 155
5.2.4 Caso de TOC leve com índices acima da média grupal ........................................................ 163
5.2.5 Síntese dos aspectos qualitativos......................................................................................... 173
6 DISCUSSÃO .................................................................................................................................... 178
6.1 CARACTERÍSTICAS DA AMOSTRA ......................................................................................... 178
6.2 OS CÓDIGOS CRÍTICOS: ASPECTOS QUANTITATIVOS ........................................................ 179
6.3 ANÁLISE QUALITATIVA DO PROCESSO DE RESPOSTA....................................................... 182
6.3.1 O processo de elaboração da resposta e aspectos psicopatológicos .................................... 182
6.3.2 Relação entre sujeito e examinador nas fases de associação e de inquérito......................... 188
6.3.3 Limitações do estudo............................................................................................................ 190
6.3.4 Sugestões para estudos futuros ........................................................................................... 194
7
CONCLUSÃO............................................................................................................................... 196
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 199
ANEXO................................................................................................................................................ 211
xi
LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AMBAN Ambulatório de Ansiedade
APA
American Psychiatric Association
CID Classificação Internacional de Doenças
DSM-IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(4.ed)
DSM-III-R Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(3.ed, revista)
DSM-III Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(3.ed)
DSM-II Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(2.ed)
FMUSP Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
HCFMUSP
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de USP
IPQ Instituto de Psiquiatria
O-C Obsessivo-Compulsivo
PUCSP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
TOC Transtorno obsessivo-compulsivo
TPOC Transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo
TP Transtorno de personalidade
xii
LISTA DE CÓDIGOS DO SISTEMA COMPREENSIVO DE EXNER
R
Número de respostas
F
Resposta de forma pura
F+, Fo, Fu, F-
Resposta de qualidade formal: elaborada, ordinária, única, menos
P
Resposta popular
W
Resposta global
D
Resposta de detalhe usual
Dd
Resposta de detalhe inusual
S Resposta de espaço branco
M ,FM e m
Respostas de movimento: humano, animal e inanimado
FC e FC’
Respostas de forma-cor: cromática e acromática
CF e C’F
Respostas cor-forma: cromática e acromática
C e C’
Resposta de cor pura: cromática e acromática
FT, TF e T
Respostas de textura: diferenciada, indiferenciada e sem forma
FV, VF e V
Respostas de vista: diferenciada, indiferenciada e sem forma
FY, YF e Y
Respostas de sombreado: diferenciado, indiferenciado e sem forma
Fr e rF
Respostas de reflexo: diferenciado e indiferenciado
FD
Resposta de dimensão baseada na forma
OBS
Índice de estilo obsessivo, ou constelação obsessiva
Sum6
Códigos Especiais: somatória
WSum6
Códigos Especiais: soma ponderada
DV
Verbalização Desviante
DR
Resposta Desviante
INCOM
Combinação Incongruente
FABCOM
Combinação Fabulada
CONTAM
Contaminação
ALOG
Lógica Inadequada
PSV
Perseveração
CONFAB
Confabulação
AB
Conteúdo Abstrato
MOR
Conteúdo Mórbido
AG
Movimento Agressivo
COP
Movimento cooperativo
CP
Projeção de cor
xiii
RESUMO
Os objetivos desta pesquisa foram: estudar variáveis cognitivo-afetivas em pacientes
com diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), em nível severo e
incapacitante, e estudá-las comparativamente em pacientes com TOC leve. A seleção
inicial da casuística foi baseada em entrevistas, prontuários dicos e escalas
objetivas: YBOCS, AGF e ICG. A partir desses dados se compôs dois grupos de
pacientes: graves (G1) e leves (G2). O método de Rorschach, avaliado de acordo com
o Sistema Compreensivo de Exner, foi o principal instrumento para aferição das
variáveis cognitivo-afetivas de personalidade, com foco nos denominados Códigos
Críticos Especiais. Os resultados quantitativos mostraram diferenças significativas entre
os grupos quanto aos índices: WSum 6, DR2 e Nível 2, sugerindo presença maior
dessas alterações cognitivas no grupo G1. O estudo exploratório evidenciou um índice
MOR mais elevado em pacientes do grupo G1. Uma análise da distribuição amostral
dos valores referentes às variáveis foco demonstrou uma variabilidade ampla nos
valores do grupo G1. Os casos mais discrepantes foram estudados do ponto de vista
qualitativo, visando a melhor entendimento das alterações cognitivas tal e qual estas se
expressam nos indivíduos com TOC. A análise do processo de elaboração das
respostas mostrou, como ponto em comum em todos os pacientes do grupo grave, a
presença de uma diminuição ou perda da capacidade de flexibilidade mental que
assumiu formas e intensidades variadas. Observou-se a presença de rituais obsessivo-
compulsivos durante a fase de associação ou de inquérito, durante os quais o paciente
se desviava completamente da instrução em curso; em todos os casos, verificava-se
uma repetitividade temática de conteúdos de resposta ou de partes desta inter e intra-
pranchas; em diversos indivíduos, se evidenciava a presença de respostas repetitivas
potenciais, que se traduziam por comentários do tipo “em todas as pranchas eu veria..”;
finalmente, rigidez e perfeccionismo extremos prejudicavam ou lentificavam a
elaboração do processo de resposta. Também na análise qualitativa mereceram
atenção especial aspectos da dinâmica paciente-examinador. Bastante peculiar no caso
desses indivíduos prolixos, muitas vezes com dificuldade de exprimir o limite entre uma
unidade de resposta e outra, o examinador deve cuidar para não interferir no processo
de resposta tal e qual a formulou o paciente. A discussão abordou os resultados
quantitativos e qualitativos tendo em vista os aspectos psicopatológicos do TOC e sua
diversidade clínicia. Finalmente, são apontados os limites do estudo e sugestões para
pesquisas posteriores.
xiv
ABSTRACT
This research aimed to study cognitive-affective variables in patients diagnosed with
severe and disabling obsessive-compulsive disorder (OCD) and compare them with
those in patients with mild OCD. The preliminary selection of sample patients was based
on interviews, medical records and the YBOCS, AGF and ICG objective scales. These
data allowed detection of two groups: severe (G1) and mild (G2). Focused on the so-
called Critical Special Scores, the Rorschach method according to the Exner´s scoring
system was the main instrument used to examine the cognitive-affective variables of the
personality. Quantitative results showed significant differences regarding the response
values WSum 6, DR2 and Level 2, suggesting the larger presence of those cognitive
alterations in group G1. Further exploration of the variables evidenced elevated MOR
score in G1. Next, an inter case analysis of both groups showed a large variability in the
response values in G1. The most discrepant cases were further studied under the
qualitative aspect, aimed at better understanding cognitive alterations as they appear in
individuals with OCD in particular. That allowed verifying a lack of mental flexibility as
the common thread among G1 cases that took different forms and intensities. In some
cases obsessive-compulsive rituals were observed during association and inquire
phases; on these moments, the patient completely lost the instructions and was driven
away from them. Thematic repetition of the content of the responses or of part of them
was observed in all the patients of the severe group. Besides, some of them showed
potential repetitive responses through comments like “in all of the plates I could see…”
Finally, signs of rigidity and perfectionism were present in some cases, so that the
response time increased highly. The analysis of the response process also allowed to
note particularities in the dynamics of the patient-examiner relationship which deserved
attention; very prolix, sometimes the patient himself was not able to define a response
unit, so that the examiner had be careful to not interfere on the patients own process of
response. The discussion approached the quantitative and qualitative results vis-à-vis
the OCD’s psychopathological aspects and their diversity. Finally, some limitations of
the research are noted and suggestions for further research are made.
xv
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - D
ADOSCIO
-
DEMOGRÁFICOS DE PACIENTES COM
TOC
GRAVE
(G1)
DIAGNOSTICADOS PELO
DSM IV ...68
Tabela 2 - E
SCORES PRÉ
-
E PÓS
-
TRATAMENTO EM PACIENTES COM
TOC
GRAVE
(G1)
NAS ESCALAS
YBOCS, AGF
E
ICG.......................................................................................................................................................................69
Tabela 3 - D
ADOSCIO
-
DEMOGRÁFICOS DE PACIENTES COM
TOC
LEVE
(G2)
DIAGNOSTICADOS PELO
DSM-IV......70
Tabela 4 -
E
SCORES PRÉ
-
E PÓS
-
TRATAMENTO DE PACIENTES COM
TOC
LEVE
(G2)
NAS ESCALAS
YBOCS, AGF
E
ICG.......................................................................................................................................................................71
Tabela 5 - C
OMPARAÇÃO ENTRE MÉDIAS NA VARIÁVEIS
WSUM6,
RESPOSTAS DE
N
ÍVEL
2
E
DR
ENTRE PACIENTES
COM
TOC
GRAVE
(G1)
E LEVE
(G2) .................................................................................................................89
Tabela 6 - D
ISTRIBUIÇÃO NA AMOSTRA DO NÚMERO TOTAL DE RESPOSTAS
(R) , WSUM6,
RESPOSTAS DE
N
ÍVEL
2
E
DR 2
EM PACIENTES COM
TOC
GRAVE
(G1)....................................................................................................89
Tabela 7 - D
ISTRIBUIÇÃO NA AMOSTRA DO NÚMERO TOTAL DE RESPOSTAS
(R), WSUM6,
RESPOSTAS DE
N
ÍVEL
2
E
DR2
EM PACIENTES COM
TOC
LEVE
(G2) .........................................................................................................91
Tabela 8 - C
OMPARAÇÃO ENTRE PACIENTES COM
TOC
GRAVE
(G1)
E LEVE
(G2)
QUANTO À VARIÁVE
l MOR ............91
Tabela 9 – D
ISTRIBUIÇÃO NA AMOSTRA DO ÍNDICE
MOR
EM PACIENTES COM
TOC
GRAVE E LEVE
..............................92
Tabela 10 - V
ARIÁVEIS ESTATISTICAMENTE SIGNIFICATIVAS E NÃO
-
SIGNIFICATIVAS NA COMPARAÇÃO ENTRE GRUPOS
DE PACIENTES COM TOC GRAVE
(G1)
E LEVE
(G2) ............................................................................................92
1 INTRODUÇÃO
Ocupava o cargo de psicóloga clínica na Divisão de Neurocirurgia Funcional do
Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPQ-
FMUSP) em 1995, quando o Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) dessa entidade
solicitou um estudo neuropsicológico e de características de personalidade sobre
pacientes com diagnóstico de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) que não
apresentavam resposta favorável aos tratamentos farmacológico e psicoterápico
sistemático a que se submeteram.
Essa foi a oportunidade para desenvolver também a vel acadêmico um estudo
mais sistemático desse grupo de pacientes, que levou à dissertação de mestrado desta
autora em 2001. Nele, focalizara-se a presença da chamada constelação obsessiva,
(OBS) definida e aferida por meio do método das manchas de tintas de Rorschach
segundo a proposta de Exner (EXNER, 1996) – o qual aborda a tarefa como um
processo de resolução de problemas. Fora verificada a ausência do índice OBS
associado a traços de perfeccionismo, minuciosidade, superincorporação de
informações, esforço conativo elevado e apego a comportamentos convencionais -
naquele grupo de pacientes gravemente comprometidos. Fora discutido se esse achado
em função de problemas conceituais e metodológicos relativos à contraposição dos
termos transtorno obsessivo-compulsivo e personalidade obsessivo-compulsiva
(ROSENTHAL, 2000).
2
Adicionamente, na abordagem exploratória dos protocolos fora possível levantar,
dentre outros dados positivos, alterações no funcionamento cognitivo-afetivo
observadas por meio da elevação do número de respostas contendo os chamados
“Códigos Especiais Críticos”. A presença dos Códigos Especiais Críticos envolve,
segundo Weiner (2000), a perda temporária ou mais prolongada da capacidade de
pensar logicamente, de modo que os indivíduos tendem a raciocinar de modo arbitrário,
formulando suas idéias de maneira pouco coesa e provocando divagações irrelevantes
que prejudicam o processo de resolução de problemas tal como é proposto na instrução
da prova. Historicamente, algumas dessas alterações mencionadas já haviam sido
observadas por rorschachistas eminentes, que se dedicaram a estudar patologias
neuropsiquiátricas como é o caso de Rapaport (1976), ou Piotrowski (1965) por
exemplo - mas que também se evidenciaram em trabalhos mais recentes, pautados por
critérios nosológicos atualizados e procedimentos metodológicos mais estritos, um
deles realizado com casuística brasileira (ANTUNES, 2004).
A necessidade de maior aprofundamento nessa área conduziu ao
desenvolvimento deste trabalho em nível de doutorado, inspirado nas questões e
lacunas suscitadas no decorrer da primeira pesquisa e atentando às suas falhas e
limitações de ordem metodológica. A proposta de dois grupos de pacientes com
transtorno obsessivo grave e leve, voltada para o estudo de possíveis diferenças de
padrão cognitivo-afetivo frente à severidade da patologia, surgiu da necessidade de
ampliar a casuística restrita, na dissertação de mestrado, a pacientes severamente
comprometidos. O procedimento de se realizar, ao lado da computação dos dados, uma
análise qualitativa do processo de elaboração da resposta do indivíduo à prova,
3
atendeu ao objetivo de se detectar aspectos mais sutis do modo de funcionamento dos
pacientes.
As instruções e processos mentais recrutados por meio da prova de manchas de
tintas, vista como tarefa envolvendo resolução de problemas (EXNER, 1996), permitem
não somente uma leitura nomotética e quantitativa, mas também processual e
qualitativa das respostas do indivíduo, portanto trazendo a vantagem da flexibilidade
sobre outros instrumentos ao se contemplar essas duas modalidades metodológicas.
A importância de se estudar os aspectos diagnósticos do TOC se releva
particularmente quando se observa que, a despeito da maior precisão no diagnóstico e,
por conseguinte, no direcionamento do enfoque do tratamento advindo dos progressos
científicos e tecnológicos ocorridos, muitos são ainda os casos de pacientes que não
obtêm resposta adequada às intervenções terapêuticas, mostrando-se severamente
comprometidos e inabilitados para atividades da vida diária e interpessoal. Novas
aberturas diagnósticas tendem a gerar ou substanciar novas nuanças, vertentes ou
mesmo abordagens para o tratamento, provendo meios para se minimizar o sofrimento
daqueles que ainda não foram atingidos pelo arsenal terapêutico tradicionalmente
proposto.
A atividade de estudar o TOC, tanto na teoria quanto por meio do contato clínico
direto com cada paciente, pode ser descrita como o olhar através de um caleidoscópio:
cada mirada provoca um arranjo diferente e infinitamente variável dos múltiplos
elementos constituintes, que vão constelando desenhos e formas que se multiplicam a
cada movimento do observador.
4
Temos que congelar instantaneamente cada imagem e nos deter em cada
padrão formado para tentar captar esse todo mutável, a fim de, a partir dos elementos
vistos, procurar abstrair, construir, formar um significado e, se possível, nomear esse
global transitoriamente apreendido.
Ciente do desafio que é organizar essa entidade quase inapreensível, singular e
plural, constituinte de dores e sofrimentos bem reais, concretos e evidentes para quem
vivencia essa doença, este trabalho se propôs a colaborar com o desvelamento e
aprofundamento desse complexo campo de estudo, numa tentativa de acessar a
diversidade e a singularidade dos fenômenos psicológicos e psicopatológicos
expressos no TOC.
5
2 OBJETIVOS DO ESTUDO
OBJETIVO 1
Estudar variáveis cognitivo-afetivas em pacientes com diagnóstico de transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC), em nível severo e incapacitante. Especificamente,
estudar a presença de
Códigos Críticos Especiais,
definidos segundo o Sistema
Compreensivo de Exner.
OBJETIVO 2
Estudar comparativamente as variáveis cognitivo-afetivas entre pacientes com
TOC grave e com TOC leve.
6
3 CONCEITOS BÁSICOS E REVISÃO DA LITERATURA
PRIMEIRA PARTE:
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E
ASPECTOS COGNITIVO-AFETIVOS DE PERSONALIDADE
3.1. TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E A CLASSIFICAÇÃO ATUAL DAS
DOENÇAS MENTAIS
Tendo em vista minimizar problemas conceituais e diagnósticos e,
conseqüentemente, possibilitar maior precisão e objetividade nos critérios utilizados,
foram desenvolvidas classificações internacionais de doenças mentais. As mais
importantes o a da Associação Psiquiátrica Americana (APA), com suas várias
revisões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM), e a
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
(CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), referente a Transtornos Mentais e de
Comportamento, em sua décima revisão em 2006.
A classificação da APA, utilizada como principal referência nosológica neste
trabalho, foi inicialmente publicada em 1952 (DSM-I), tendo sido revisada em 1968
(DSM-II) e 1980 (DSM-III), esta última novamente revisada em 1986 (DSM-III-R). A
quarta edição (ou DSM-IV), de 1994, foi submetida em 2000 a uma quinta revisão
apenas do texto entre os critérios (DSM-IV-TR). Este trabalho utilizará a versão DSM-
IV, que os pacientes da amostra foram diagnosticados de acordo com esse
referencial.
7
O DSM-IV propõe-se a ser descritivo e ateórico, de modo que as informações
possam ser utilizadas por profissionais de diferentes áreas e orientações (APA, 1995).
Além disto, tem a característica de orientar que a classificação de uma doença mental
seja pautada em cinco dimensões ou eixos diagnósticos, cada qual referente a uma
modalidade de informação. Sua preocupação subjacente é a de que se possa obter
uma percepção diagnóstica ampla, o só da doença, mas também do indivíduo
doente.
Como efeito direto dessa posição, a orientação de conduta e tratamento proposta
pelo profissional deverá levar em conta vários fatores determinantes, além do quadro
clínico propriamente dito, que consta do denominado Eixo I, a saber: os principais
aspectos e transtornos de personalidade, no Eixo II; as condições físicas consideradas
relevantes para o entendimento do paciente, Eixo III; os estressores psicossociais
contributivos no desenvolvimento do distúrbio atual, Eixo IV; e, finalmente, o nível de
funcionamento adaptativo geral (Eixo V), este último aferido pela Escala de Avaliação
Global do Funcionamento (AGF)
1
.
No DSM-IV o TOC se insere no Eixo I, ao lado das psicopatologias mais
clássicas, junto ao grupo dos chamados “transtornos de ansiedade”, por ser essa
característica considerada como mais dominante, dentro dessa classificação das
doenças mentais.
Nesse contexto nosológico, o quadro clínico do TOC é caracterizado
basicamente pela presença de obsessões e compulsões.
Obsessões
são descritas
1
Esta escala será mencionada posteriormente como parte dos procedimentos de seleção inicial da
casuística deste trabalho.
8
como pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes, persistentes e indesejáveis que
produzem ansiedade ou desconforto significativo. O paciente vivencia tais pensamentos
como sendo de natureza irracional, causando-lhe constrangimento contá-los a outras
pessoas (S
HAHADY
, 1994).
Compulsões
são comportamentos voluntários, porém
estereotipados e repetidos numerosas vezes, geralmente de acordo com certas regras,
e sem finalidade útil, raramente proporcionando prazer (L
OTUFO
N
ETO ET AL
, 1994);
consomem muito do tempo do indivíduo, interferem em sua rotina de vida, ocupação,
atividade ou em seus relacionamentos sociais (S
HAHADY
, 1994).
3.2. DESCREVENDO AS OBSESSÕES E COMPULSÕES
Este capítulo abordará os fenômenos de obsessão e compulsão, principais
sintomas do TOC, descrevendo os diversos padrões encontrados na clínica; as notas
de rodapé ilustrarão exemplos retirados de casos clínicos que constituem a casuística
deste trabalho.
Segundo
Lotufo Neto et al. (1997),
pensamentos obsessivos
são idéias, imagens
ou impulsos que surgem repetidamente na consciência de forma estereotipada.
Causam sofrimento ou repugnância porque se referem a temas obscenos ou de
violência, ou porque são percebidos como irracionais, sem sentido, e contrários à
vontade do indivíduo. A pessoa luta em vão para evitar esses pensamentos, embora os
reconheça como próprios, diferentemente do que ocorre nos quadros psicóticos.
9
Do ponto de vista psicopatológico, ainda seguindo esse autor, os
pensamentos
obsessivos
podem ser classificados quanto à forma, ao conteúdo e à conseqüência.
Quanto à forma, podem envolver:
dúvida
: dificuldade em acreditar que uma atividade ou tarefa foi
realizada de modo adequado, ou indecisão quanto ao caminho a seguir. Por
exemplo, um paciente manifestou indecisão durante duas sessões de contato
com a psicóloga quanto a assinar ou não um termo de compromisso relativo à
sua participação em uma pesquisa
2
.
impulsos
: contrários à vontade, para realizar ações que são triviais,
agressivas ou socialmente inadequadas. Por exemplo, um paciente com
impulsos de introduzir objetos pontiagudos no ânus de pessoas que estão à
sua frente
3
.
medo
: de perder o controle e realizar, inadvertidamente, um ato
socialmente inadequado.
Quanto ao conteúdo, temos:
sujeira e contaminação. Exemplo: medo de contaminar-se por
excrementos de rato
4
.
agressividade e prejuízo, verbal ou físico, contra si ou terceiros,
suicídio ou morte
5
.
temas impessoais ou inanimados: contas, palavras, números
6
.
2
Vide seção 4.1.4, caso 15
3
Vide seção 4.1.4, caso 5
4
Vide seção 4.1.4, caso 6
5
Vide seção 4.1.4, caso 10
6
Vide seção 4.1.4, caso 1 e 11
10
bem-estar familiar, trabalho, etc.
7
.
Quanto à conseqüência, as obsessões podem ser (op.cit.131 et seq.):
eliciadoras
de ansiedade, desconforto, repugnância ou culpa.
corretivas
, ou rituais cognitivos, que visam a aliviar ou compensar o
desconforto causado por uma obsessão anterior. Por exemplo, repetir um
pensamento a respeito de preocupações com o trabalho inúmeras vezes
8
.
disruptivas
: idéias ou imagens que interferem na realização de
pensamentos, raciocínios, ou ações que impedem a correção de uma
obsessão ou ato compulsivo. Exemplo: uma palavra obscena ou imagem
erótica durante uma confissão ou reza.
as c
ompulsões
consistem no comportamento repetitivo e intencional
executado em uma ordem pré-estabelecida. A ação em geral não tem um fim em si
mesma e visa a prevenir a ocorrência de uma situação com conotação ameaçadora
para o indivíduo; todavia, essa relação lógica entre os dois eventos nem sempre existe.
O ato compulsivo é precedido de uma sensação de urgência e de uma resistência que
em geral é vencida e seguida por alívio temporário com a realização do ato. A pessoa
em geral tem consciência de que tais atos são irracionais e não aufere prazer em sua
execução, apesar de o ritual diminuir sua ansiedade (LOTUFO NETO ET AL. 1997).
Os autores (Op.cit, p 132 et seq.) classificam as compulsões, quanto à forma,
em:
7
Vide seção 4.1.4, caso 14
8
Vide seção 4.1.4, caso 14
11
limpeza / descontaminação
: a pessoa lava repetidamente as mãos,
roupas e objetos que tenham sido de alguma forma “contaminados”; ou toma
banhos muito prolongados, seguindo determinada seqüência, com uso
abundante de sabonetes, álcool ou desinfetante
9
.
verificação:
o indivíduo testa ou examina rapidamente, para estar
seguro de sua correção, determinados atos ou circunstâncias
10
. Esse tipo de
ritual visa a assegurar que nenhuma catástrofe irá ocorrer, sendo, portanto,
de natureza preventiva.
repetir ou tocar:
este aspecto de repetição é particularmente
acentuado em alguns casos, embora seja característicamente inerente às
compulsões
11
.
rituais
: envolvem a repetição, de maneira precisa e seguindo regras
arbitrárias, de um conjunto específico de comportamentos. Isso pode ser
ilustrado com o caso de uma paciente que, ao fazer o trajeto do quarto em
direção à cozinha de sua casa, tinha que se deter e dar três passos para
frente e três para trás toda vez que passava pelo corredor de acesso
12
. Esses
atos constrangem e dificultam enormemente a vida da pessoa, que se obriga
a recorrer a manobras a fim de disfarçar suas idiossincrasias, ou a planejar
seu caminho para evitar os rituais.
9
Vide seção 4.1.4, caso 7
10
Vide seção 4.1.4, casos 7,11
11
Vide seção 4.1.4, caso 2
12
Vide seção 4.1.4, caso 11
12
simetria e ordem
: a pessoa coloca objetos em uma ordem pré-
determinada ou de acordo com um padrão simétrico
13
.
colecionismo
: implica juntar objetos, não jogar nada fora. Um
paciente guardava em casa todos os tipos de material gráfico (revistas,
jornais), não sendo capaz de se desfazer do mesmo a despeito dos
argumentos contrários apresentados pela família
14
.
lentificação
: não rituais propriamente ditos, porém os atos são
realizados de forma excessivamente lenta, tomando horas ao dia.
Dentro das compulsões, os autores colocam ainda os
comportamentos de
esquiva
e os
comportamentos paradoxais
. Os primeiros surgem quando uma pessoa
identifica os estímulos que desencadeiam suas obsessões, e passa a procurar evitá-los
ativamente. Isso o sendo possível, desenvolve as compulsões, que visam a aliviar o
desconforto eliciado. Os comportamentos paradoxais podem ocorrer em pacientes que
apresentam rituais de limpeza, sob a forma de uma exacerbação da esquiva pelo fato
de que, por vezes, os indivíduos acabam não permitindo que os objetos sejam tocados
por outras pessoas, para evitar contaminações.
Em estudo realizado no Brasil sobre os aspectos transculturais desse quadro,
Del Porto (1996) realça a universalidade dos sintomas obsessivo-compulsivos, ao lado
de uma relativa independência entre fatores culturais.
Complementarmente, Insel (1990), estudando a fenomenologia do TOC, afirma
que os indivíduos podem variar quanto à apresentação dos sintomas ao longo do
13
Vide seção 4.1.4, caso 1 e 11
14
Vide seção 4.1.4, caso 14
13
desenvolvimento da doença. Isto é, num determinado ponto os indivíduos m
obsessões de contaminação, as quais podem posteriormente retornar enquanto dúvidas
obsessivas e rituais de checagem, ou mesmo como uma síndrome obsessiva pura. Até
mesmo o critério de ego-distonicidade que expressa uma sensação de desconforto e
conflito perante os sintomas e a personalidade do indivíduo - vem sendo considerado
cada vez menos uma característica necessária no diagnóstico do TOC, (T
ORRES
, 1994),
cuja psicopatologia variaria bastante ao longo de um
continuum
de maior e menor
insight
(E
ISEN
; R
ASMUSSEN
, 1992).
3.3 DA IMPORTÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E DA QUESTÃO DIAGNÓSTICA
Nas últimas cadas tem havido um crescimento substancial no número de
pesquisas voltadas tanto para um maior entendimento das características clínicas e
patofisiológicas, como para a terapêutica do transtorno obsessivo-compulsivo.
Tal interesse provavelmente advém do fato de que, até duas décadas atrás, o
TOC era considerado uma doença rara e de difícil prognóstico. Entretanto, essa
perspectiva veio a mudar radicalmente com o levantamento
National Epidemiological
Catchement Area Survey
(ECA),
um trabalho epidemiológico baseado numa amostra
ampla de pessoas dos Estados Unidos, utilizando instrumentos e critérios
diagnósticos padronizados. Os resultados desse estudo, surpreendentemente,
sugeria que a prevalência populacional encontrada seria de 40 a 60 vezes maior do
que a anteriormente estimada a partir de estudos clínicos anteriores (K
ARNO ET AL
.,
1988). Dentre as explicações colhidas para esse fenômeno (L
OTUFO
N
ETO
, 1997)
14
estão: problemas amostrais (predomínio de pacientes internados e o-provenientes
da comunidade) e a baixa especificidade do instrumento diagnóstico utilizado
(B
ERNIK
, 1997).
Em sua recente revisão sobre o problema do diagnóstico do TOC, (OKASHA,
2005) explicitamente se coloca a questão: “Por que não diagnosticamos o TOC mais
freqüentemente?” Segundo o autor, a resposta a essa pergunta associa-se
basicamente à própria natureza dissimulada dessa condição, em que se observa um
longo tempo entre o início dos sintomas do TOC e seu efetivo diagnóstico.
Assim, o ocultamento da doença por parte dos pacientes (RAPOPORT,1990),
que acabam por fazer da mesma um tema ”tabu“, é um elemento importante a se
considerar quando se menciona a questão do diagnóstico, tratamento e prognóstico
dessa patologia
.
Rothenberg (2005) refere-se explicitamente ao fato de que o segredo mantido
pelos pacientes sobre sua condição é um fator importante na subestimação da
verdadeira incidência da doença. Complementa ainda que, embora o nível de
evolução atual dos estudos teóricos sobre o TOC permita mais facilmente
reconhecer esse transtorno, a presença de conflitos relacionados à dissimulação dos
sintomas, à vergonha e negação dos problemas, por parte desses indivíduos,
continua a influenciar a avaliação, o tratamento e a validade dos resultados das
pesquisas.
Mais do que os de qualquer outro transtorno psiquiátrico, segundo Rothenberg
(2005), os sintomas do TOC o são espontânea ou voluntariamente relatados pelos
15
pacientes aos profissionais de saúde, ou mesmo a familiares mais próximos, dado o
temor de os pacientes sentirem-se desaprovados ao revelarem a doença. Esse autor
considera, inclusive, que o segredo e os conflitos associados ao TOC tenham função
própria na formação e perpetuação dos sintomas dessa patologia (Rothenberg,
2005), já que este contribui para um aumento ainda maior do gradiente de ansiedade
do quadro.
Por outro lado, embora o advento de novas drogas e tratamentos psicoterápicos
venha contribuindo para uma melhor precisão diagnóstica e um prognóstico mais
favorável para essa doença, são ainda freqüentes casos com sintomatologia mais grave
e resistente, mesmo empregando-se adequadamente os recursos diagnósticos e
terapêuticos atuais (J
ENIKE
, 1990b,1991,1994).
Principalmente nesses casos mais severamente comprometidos, além das
alterações psicopatológicas envolvendo a freqüência, duração e intensidade dos
sintomas obsessivo-compulsivos, são observados prejuízos importantes no
funcionamento pessoal e social e ocupacional dos pacientes. Na descrição de sua
casuística, Rosenthal (2000), em pesquisa sobre TOC e personalidade em pacientes
severamente comprometidos, descreve uma média da pontuação obtida por meio do
Escala de Sintomas Obsessivo-Compulsivos de Yale-Brown YBOCS (GOODMAN et
al.,1990) de 32 pontos, indicando nível de intensidade sintomatológica grave no que se
refere ao tempo ocupado pelos pensamentos e rituais ao grau de sofrimento impingido
aos pacientes. Na Escala de Impressão Clínica Global (CGI), inicialmente desenvolvida
pelo
National Institute of Mental Health
(
NIMH
) de Maryland, Estados Unidos, (GUY,
1985), 8 entre 11 casos situaram-se no nível 6, caracterizando o estado corrente da
16
maior parte dos casos como “gravemente doente”; 2 incluíram-se no grau 5
(marcadamente doente) e um no nível 7 (doença mental extremamente grave). O
prejuízo na adaptação psicológica e ocupacional desses pacientes foi representado por
uma elevada pontuação (41 pontos) na Escala de Avaliação Global do Funcionamento
(AGF) do eixo V do DSM-IV (APA, 1995). Observou-se também que todos os pacientes
da amostra mantinham-se inativos profissionalmente (e/ou aposentados por doença) ou
com muitas restrições - apesar de terem uma escolaridade de no mínimo segundo grau
incompleto e de alguns já terem profissão definida na história pregressa.
Tais dados apontam para a importância da questão diagnóstica e terapêutica em
torno dessa doença e para a necessidade de se continuar promovendo estudos mais
sistematizados sobre esses aspectos do TOC. Ressalta-se que as dificuldades de
detecção e de diagnóstico mais precoce da própria doença deixam os pacientes por um
longo tempo à deriva e à mercê de intenso sofrimento subjetivo, além de mais sujeitos a
prejuízos funcionais ligados a sua adaptação em diversas áreas de atuação na vida
quotidiana e profissional.
3.4 HISTÓRIA DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: DAS
CONTRIBUIÇÕES INICIAIS À PSICANÁLISE E PERSPECTIVAS ATUAIS
Dos verbos latinos
obsidiare
(C
UNHA
, 1982), isto é, cercar, e
compulsare
(C
UNHA
,
1982), isto é, obrigar, compelir, originam-se os termos obsessivo e compulsivo, que
se referem às características que definem essencialmente o quadro clínico dessa
doença. O aspecto paradoxal dessa psicopatologia, ou seja, a presença de
comportamentos estranhos ou bizarros pareados com a preservação da crítica e
17
julgamento sobre o próprio funcionamento; os “pontos cegos” levando a lacunas no
processo diagnóstico; e, de modo geral, os problemas metodológicos pouco aqui
aludidos na questão epidemiológica, podem ser parcialmente compreendidos quando
se observa a variabilidade de denominacões nosológicas que o TOC recebeu ao
longo de sua história.
Insel (1990) relata que essa doença é bastante antiga, tendo seus sinais e
sintomas sido descritos pela primeira vez há pelo menos 300 anos. Analisando sob uma
perspectiva histórica os relatos dessa síndrome e a diversidade de termos usados para
defini-la, esse autor observa que, de certa forma, cada escola acaba por considerar
como essencial e acentuar em sua definição uma ou mais das várias nuanças que
compõem sua psicopatologia. Considera, assim, que uma revisão dessas contribuições
auxilia a visualizar um pouco mais da natureza complexa dessa condição psiquiátrica.
Seguindo, então, Insel (1990), vê-se que os ingleses, no século XVII, se referiam
a
escrúpulos
e
melancolia religiosa
para descrever a aflição e culpa como sintomas
proeminentes.
Os fenomenologistas franceses, com Esquirol (1837), e mais tarde Pierre Janet
(1903), usavam diversos termos como por exemplo, loucura da vida, delírio de tocar
ou psicastenia, para relacionar essa desordem com a dúvida patológica, e acentuar
como aspecto psicopatológico central da doença a esfera da volição.
Dentre os clínicos alemães, Insel (1990) cita o psiquiatra e neurologista Westphal
(1878), o qual considerava que a patologia básica era a emergência de pensamentos
irracionais, ou tiques mentais. Westphal usou a denominação
insanidade abortiva
para
18
descrever o fenômeno e fazer uma distinção entre os limites desse tipo de pensamento
e uma ideação caracteristicamente psicótica, ou seja, uma insanidade verdadeira.. Para
Insel (1990), essa é a descrição clínica que mais se aproxima daquilo que atualmente
se denomina transtorno obsessivo-compulsivo, ou seja: uma desordem não-psicótica e
calcada na ansiedade, cujos elementos sintomatológicos mais sicos são as
obsessões e compulsões.
Dentro da psiquiatria alemã é ainda importante citar as contribuições do
fenomenologista Jaspers (1979), que acentua nessa doença, além do papel da
angústia, a dificuldade e necessidade do eu de resistir aos pensamentos intrusivos e
obsessões, assim como o absurdo e a falta de sentido destes
.
O autor desenvolve essa
questão psicopatológica na seguinte direção:
O eu deixa de ser senhor de suas escolhas, perdendo a influência sobre o
objeto que pretende tornar conteúdo de sua consciência, de modo que este
conteúdo persiste, mesmo contra sua vontade; e é quando o eu luta contra o
conteúdo, que não pode afastar embora o queira, que este conteúdo adquire o
caráter de obsessão psíquica.(JASPERS, 1979; p.161).
Ainda dentro de uma perspectiva histórica, vale reservar um espaço às
contribuições de Freud para o entendimento da entidade clínica que denominou
neurose obsessivo-compulsiva, que essa sua visão persistiu pela maior parte do
século XX. Freud retoma o termo “neurose”, proposto pelo médico escocês Cullen
(1710-1790) em 1777, definindo esta não como advinda de fraquezas nas vias
nervosas, como considerava Cullen, mas oriunda de toda uma dinâmica vivencial.
Nesse caso, apoiado em
constructos metapsicológicos
, mais do que na
psicopatologia
descritiva
, como o dos autores até agora mencionados, o enfoque principal desse autor
repousa inicialmente na existência de um conflito intrapsíquico representado por um
19
interjogo entre forças provenientes de um
inconsciente dinâmico
, as quais incluem
desejos, tendências instintivas e representações de objetos, em oposição a outras
forças mentais, que contêm e barram a expressão comportamental daqueles elementos
mais primários. (V
AUGHAN
e S
ALZMAN
, 1996). A neurose, então, seria a via final comum,
uma solução de compromisso entre instâncias mentais interditas e reprimidas, que
surgiriam de forma disfarçada e simbólica por meio de sintomas. A neurose obsessivo-
compulsiva se inscreve, portanto, dentro dessa perspectiva dinâmico-vivencial.
Muito bem descritos numa história clínica de Freud de 1909, conhecida como
Um
caso de neurose obsessiva - o Homem dos Ratos
(1909) (F
REUD
, 1948a, p.214), estão
os antagonismos entre desejos amorosos, tentações, proibições, impulsos agressivos e,
por outro lado, dúvidas, noções de ordem e proibições. Essa configuração de conflitos
assolava um paciente de 29 anos, o personagem principal do relato, e estava, conforme
assinala Freud, na origem de suas representações obsessivas. Desvendando esses
conteúdos ao longo da análise, Freud relaciona-os com a presença de sentimentos
conflitantes em relação ao pai (complexo paterno), e conclui que as obsessões seriam
respostas neuróticas de defesa frente a impulsos inaceitáveis dirigidos àquela figura.
Leckman (1997), além de rever historicamente as diversas definições de TOC e
as diversas facetas que se vão revelando ao longo dessa análise, refere-se criticamente
às classificações nosológicas mais recentes. Compostas a partir de descrições
categoriais das doenças, nada mais seriam do que tentativas infrutíferas de simplificar
essa rede complexa de fenômenos, de modo que a concepção do TOC como uma
unidade conceitual trouxesse como resultado direto a perda da riqueza e diversidade
dos elementos psicopatológicos presentes no quadro. Estende essa crítica às escalas
20
clínicas, como, por exemplo, a YBOCS (GOODMAN; PRICE, 1990), a despeito de
considerar positivo seu papel coadjuvante no trabalho clínico de abarcar mais
efetivamente a amplitude de sintomas que compreendem o TOC e de caracterizar
operacionalmente sua gravidade.
Em função dessa sua tentativa de ampliar os limites impostos pelas atuais
nosologias, Leckman (1997) busca, assim, uma definição de TOC que de alguma forma
escape à redução sintomatológica presente nessas classificações. Assim, descreve
essa doença como
uma patologia que envolve uma ampla gama de fenômenos que
representam domínios psicológicos múltiplos, incluindo percepção, cognição, emoção,
relacionamento social e diversos comportamentos motores (grifo nosso).
Do ponto de
vista desta pesquisa, essa definição permite a inclusão de fenômenos psicológicos e
psicopatológicos não explicitados nas descrições sintomatológicas atuais.
Esse amplo espectro de variações e divergências atesta, portanto, não
somente a natureza complexa do problema diagnóstico, e conseqüentemente do
tratamento dessa doença, como também faz sentido quando se retoma o problema
das questões nosológicas responsáveis pelas imprecisões epidemiológicas
mencionadas anteriormente
.
3.4.1 Neurose (transtorno), personalidade (caráter) e transtorno de
personalidade obsessivos-compulsivos
Até a elaboração do DSM-III (APA, 1980), quando o termo “transtorno obsessivo-
compulsivo” passou a ser utilizado nessa classificação de doenças mentais por não ter
vínculos com teorias, “neurose obsessivo-compulsiva” era a designação utilizada para
21
esse distúrbio psiquiátrico. E, no próprio DSM-III, essa terminologia aparece ainda entre
parênteses, ao lado da nova proposta. Para o psicanalista Goldstein (1985), os termos
neurose
obsessiva-compulsiva e
transtorno
obsessivo-compulsivo se equivalem.
Por outro lado, esse mesmo autor conceitua diferentemente esse transtorno e a
p
ersonalidade
ou c
aráter
obsessivo no que tange a aspectos ego-distônicos, presentes
no transtorno obsessivo-compulsivo, e ego-sintônicos, na personalidade obsessivo-
compulsiva (Goldstein, 1885). Historicamente, num breve artigo intitulado
Caráter e
erotismo anal
(1908
)
, Freud descreve uma tríade de traços de personalidade
particularmente pronunciados em alguns neuróticos: amor à ordem, que pode evoluir
para um formalismo; parcimônia, que se transforma em avareza; e obstinação, que
pode se tornar rebeldia. Mais tarde, Abraham (1970) aprofunda esse estudo, e, assim
como Freud, assinala a presença de mecanismos comuns entre a neurose e o caráter
obsessivo, não obtante enfatizando que estes não são exclusivos desse tipo de
neurose.
De um modo geral, em uma perspectiva psicanalítica mais tradicional, diversos
trabalhos (INGRAM M; 1961; INGRAM D., 1982) consideram caráter (ou personalidade)
e neurose obsessivo-compulsiva como dois pólos dentro de um mesmo c
ontinuum
(VAUGHAN, 1996), os quais podem ser alinhados em um espectro de diferentes
severidades
(
GOLDSTEIN, 1985), porém com idênticos mecanismos subjacentes
(SALZMAN, 1981).
No outro polo encontram-se autores, como Pollak (1979), que põem em cheque
a idéia de uma relação de continuidade ou contigüidade entre o TOC e a personalidade
22
obsessivo-compulsiva. Esse autor observa não ser essa uma condição necessária e
nem suficiente para o desenvolvimento do TOC, referindo-se à inexistência de
evidências empíricas fortes para explicações de ordem etiológica a esse respeito.
Rapoport et al (1981) e Insel (1982), na mesma direção teórica, consideram que
sintomas e traços de personalidade obsessivo-compulsivos seriam independentes do
ponto de vista diagnóstico. Para este último, pacientes com TOC teriam outros estilos
de personalidade com maior freqüência do que obsessivo.
Ainda é importante retomar o fato de que, com o intuito de dar maior ênfase aos
aspectos da singularidade das patologias psiquiátricas, foi criado no DSM-III (APA,
1980) um eixo diagnóstico próprio para os chamados “transtornos” de personalidade,
que no DSM-IV (APA, 1995) define dez tipos, dentre os quais o”transtorno de
personalidade obsessivo-compulsivo” (TPOC). Os critérios para o diagnóstico de
“transtorno” de personalidade requerem que estes se refiram ao funcionamento
corrente e em longo prazo no indivíduo, que não se encontrem restritos a episódios de
enfermidade, e que possam causar uma alteração significativa do funcionamento social
ou laborativo, ou em termos de mal-estar subjetivo. É importante ressaltar que o termo
transtorno
de personalidade no DSM-IV refere-se a
aspectos de personalidade e
mecanismos de defesa proeminentemente não adaptativos
(APA, 1995, grifo nosso
)
No
caso do TPOC, os principais traços ali descritos são: capacidade restrita para expressar
emoções mais calorosas, perfeccionismo, insistência em que os outros efetuem as
atividades como o próprio indivíduo determina e indecisão.
Concluindo, este trabalho considera que os termos
neurose
e
transtorno
obsessivo-compulsivo se equivalem, e que o conceito de
transtorno de personalidade
23
implica alteração significativa no funcionamento do indivíduo, atributo que não cabe
quando se refere às noções de
personalidade
ou
caráter obsessivo-compulsivo
.
3.5 TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E CO-MORBIDADES
Em sua recente revisão sobre o diagnóstico do TOC, Okasha (2005) aporta
evidências conclusivas no sentido de que o TOC apresenta alta co-morbidade com
transtornos de depressão maior e de ansiedade, bem como de sintomas psicóticos. O
autor brasileiro Ferrão (2004), em sua tese de doutorado analisando um grupo de 49
pacientes com TOC, observou que 85% deles apresentaram alguma co-morbidade
psiquiátrica ao longo da vida, conforme diagnóstico realizado pelo DSM-IV. Nesse
mesmo trabalho, o estudioso comparou os dados obtidos em um grupo de pacientes
considerados como refratários a tratamento, a partir de diversas escalas e critérios
médicos, com os de pacientes considerados como respondedores. Seu estudo verificou
que 90,9% dos pacientes refratários apresentavam alguma co-morbidade, e que 80.8%
dos respondedores apresentavam alguma patologia co-mórbida. Ora, sendo essa
diferença estatisticamente o-significativa, esse autor supõe que tal condição possa se
dever a fatores intrínsecos ao TOC.
Miranda (1999), em sua tese de doutorado sobre co-morbidade em TOC,
comparou 42 pacientes com um grupo de controle normal. Verificou que os transtornos
psiquiátricos presentes ao longo da vida e mais freqüentes entre os casos eram:
depressão maior (57,1%), fobia específica (52,4%), fobia social (40,5%) e tique (19,0%)
ao passo que nos controles os mais freqüentes foram fobia específica (33,3%),
24
depressão maior (19,0%) e tique (9,5%). Ou seja, pacientes obsessivos têm maior
chance de apresentar depressão maior e fobia social tanto ao longo da vida como num
determinado período do que indivíduos sem TOC.
diversos estudos sobre a co-morbidade entre TOC e transtorno de
personalidade. No Brasil cita-se Torres (1994), que realizou estudo contrastando
portadores de TOC com controles por meio do instrumento denominado Entrevista
Estruturada para Distúrbios de Personalidade do DSM-III-R (SIDP-R); (Pfhol,B. et
al.,1989). Este verificou como fator mais constante nos pacientes a presença de pelo
menos um diagnóstico de transtorno de personalidade no grupo como um todo, sendo
que o TPOC foi diagnosticado em apenas 17,5% dos casos. Os demais transtornos
observados pelo autor foram: evitador, dependente, histriônico e paranóide. Jenike et al.
(1994), estudando 43 pacientes com TOC refratário, refere que 32,6% desses casos
preenchiam os critérios do DSM-III (APA, 1980) para transtorno de personalidade
“esquizotípico”, sugerindo que a presença desse diagnóstico seria elemento prognóstico
negativo para diversos tipos de tratamento. Mais recentemente, Ferrão (op.cit, 2004)
comparou pacientes refratários com respondedores a tratamento, por meio da SIDP-R,
não observando diferenças significativas entre dois grupos com relação às variáveis
presença e tipo de transtorno de personalidade.
Em seu capítulo sobre revisão do diagnóstico do TOC, Okasha (2005), sob o
subtítulo de áreas abertas à pesquisa, menciona a necessidade de estudos adicionais
para uma melhor compreensão da possível relação entre o TOC e variáveis de
personalidade.
25
Vários teóricos, dentre eles Akiskal (1983), propuseram-se a organizar mais
sistematicamente esse intrincado e complexo campo teórico, procurando compor um
quadro teórico mais amplo a respeito das possíveis relações entre uma patologia
psiquiátrica e distúrbios de personalidade.
Este trabalho se alinha com as idéias de Graham Foulds (1976), que apresenta
cinco modelos abarcando as possíveis relações entre doença mental e problemas de
personalidade. Resumidamente, no primeiro modelo, ambas as entidades são
mutuamente exclusivas, isto é, e se o indivíduo é membro de uma classe, não pertence
a outra. Esse era o método a algum tempo atrás assumido pela Classificação
Internacional das Doenças Mentais (CID). Nesse raciocínio, o transtorno obsessivo-
compulsivo e a personalidade obsessiva obrigatoriamente teriam uma relação de
independência entre si. No segundo modelo, a doença psiquiátrica necessariamente
implica problemas de personalidade. No campo clínico esse modelo não se sustentou,
visto que, sob condições de estresse, um indivíduo normal pode desenvolver um quadro
desordens psiquiátricas. Alguns autores, entretanto, dão crédito total a esse modelo, e
isso pode ser devido ao fato de estes não re-examinarem o paciente na fase de
remissão do quadro conforme coloca Foulds (1976). o terceiro modelo é o inverso
do segundo, e propõe que todo indivíduo com problemas de personalidade
necessariamente desenvolve doença mental. Esse modelo é o menos convincente na
literatura mais específica sobre TOC e personalidade, em que, inclusive, alguns autores
defendem o ponto de vista de que a personalidade obsessiva pode até mesmo impedir o
aparecimento da neurose ou transtorno obsessivo-compulsivo (FENICHEL, 1997). No
quarto modelo, mais nítido quando empregado no caso das neuroses, não se faria mais
26
uma distinção entre traços de personalidade e sintomas, ambos fazendo parte de uma
mesma dimensão e diferindo apenas quanto aos graus de severidade. Esse ponto de
vista se ajusta ao modelo psicanalítico mais tradicional, em que neurose e caráter
obsessivo seriam parte de um
continuum,
com mecanismos subjacentes em comum
(SALZMAN, 1981). Finalmente, o quinto modelo defendido por Foulds como
teoricamente mais viável propõe que, embora problemas de personalidade e doença
mental existam separadamente, pode haver uma ampla área de sobreposição entre os
mesmos, de modo que, em uma parcela de indivíduos, essas entidades clínicas
poderiam co-ocorrer, e, portanto, estes poderiam apresentar concomitantemente doença
mental e problemas de personalidade.
Diversas formas de relacionar TOC e personalidade foram assinaladas acima,
sendo a mais aceita por psicanalistas a idéia da continuidade e contigüidade entre essas
duas entidades. De acordo com os dados até agora encontrados na literatura, este
trabalho considera que o modelo mais viável parece ser o quinto modelo mencionado,
em que as duas entidades existem separadamente, podendo também co-ocorrer.
27
SEGUNDA PARTE: O FENÔMENO OBSESSIVO-COMPULSIVO POR
MEIO DO MÉTODO DAS MANCHAS DE TINTA DE RORSCHACH
3.6. A CRIAÇÃO DO PSICODIAGNÓSTICO E A EXPANSÃO DO MÉTODO: OS
CINCO SISTEMAS E O SISTEMA COMPREENSIVO
Métodos e Resultados de uma Experiência Diagnóstica de Percepção
(Interpretação de Formas Fortuitas)
deveria ser o título original da obra desse médico
nascido na Suíça em 8 de novembro de 1884, a qual, por sugestão de seu editor,
recebeu o nome por que ficou conhecida até hoje: Psicodiagnóstico.
Filho de um professor de artes, Hermann Rorschach estudou Medicina em
Zurique, Berlim e Berna, na época em que Freud desenvolvia suas idéias sobre o
inconsciente. Em 1912 elaborou sua tese de doutorado sobre o estudo da relação entre
alucinações e a percepção, abordando a questão da transposição de informações de
uma modalidade sensorial para outra. A idéia de construir uma prova baseada na
percepção e interpretação de borrões, no entanto, não é original do criador do
Psicodiagnóstico
. referências de que já Leonardo da Vinci (1452-1519) considerava
que as manchas estimulavam a estimulação criativa e que, por isso, poderiam ser
utilizadas na seleção vocacional daqueles que se candidatavam à carreira artística. De
uma forma mais sistemática, Justino Kerner, em seu livro
Kleksografien
publicado em
1857, estuda a imaginação das pessoas por meio da percepção de manchas de tinta.
Posteriormente, encontramos referências a Alfred Binet e Victor Henri, na França,
Rybakof, na Rússia, e Dearbor, nos Estados Unidos os quais, no final do século XIX,
28
desenvolveram estudos nos quais os borrões de tinta são utilizados como forma de
acesso à imaginação.
O que é importante acentuar, todavia, é que o mérito do criador do
Psicodiagnóstico
não esteve na proposta em si da utilização de borrões enquanto
instrumento de investigação do comportamento, mas no tipo de método de análise e
interpretação das respostas que desenvolveu.
Enquanto seus antecessores se concentravam no estudo do conteúdo das
associações às pranchas, Rorschach se mostrava mais interessado em classificar as
características formais mais destacadas das respostas. Parece evidente (inclusive pelo
tema de sua tese) que esse autor tinha conhecimento da literatura sobre os
mecanismos e processos implicados na percepção, inclusive da obra dos gestaltistas
sobretudo de Wertheirmer que lhe permitiram diferenciar e estabelecer parâmetros
para classificar os aspectos básicos da resposta.
Ao escrever sua monografia sobre a “interpretação de formas fortuitas”
subtítulo que Rorschach dá aos resultados de seu trabalho sobre o Psicodiagnóstico - ,
o autor adverte claramente que suas descobertas são preliminares, enquanto sublinha
a necessidade de se realizarem investigações posteriores. No entanto, seu falecimento
precoce o impediu de avançar mais nesse estudo, e, particularmente, no que se refere
a determinados elementos dos borrões (sombreados e nuanças), que apareceram
durante a fase de impressão e edição das pranchas. Esses dois fatos contribuíram para
que, no desenvolvimento posterior e expansão dessa prova, no eixo Europa - Estados
29
Unidos, linhas diferentes de classificação e de interpretação da prova de Rorschach
tenham sido elaboradas.
David Levy foi o psiquiatra americano, que, por volta de 1920, levou a obra de
Rorschach para os Estados Unidos. Em 1932, Samuel J. Beck supervisionado por Levy
e pelo psicólogo experimental Robert Woodworth, propôs-se, como trabalho de tese, à
padronização da prova de Rorschach para a população norte-americana. No mesmo
ano Marguerite Hertz, com formação psicológica rigorosamente empírica, também
trouxe importantes contribuições normativas para o método, particularmente no que
tange a respostas de crianças.
A chegada ao poder de Hitler na Alemanha levou a novas direções na história da
expansão do método de Rorschach. Bruno Klopfer, submetido a pressões políticas
naquele país, e, após passagem por Zurique, onde teve contato direto com Jung,
decidiu emigrar para os Estados Unidos em 1934. Com formação dentro dos
parâmetros da psicanálise propôs-se a discutir novos rumos na classificação e
interpretação das respostas (KLOPFER et al, 1954)
Essas diferenças tenderam a se transformar em um cisma teórico, no qual Hertz,
a princípio desempenhando um papel mediador, também acabou por trilhar seu próprio
caminho. Configuravam-se assim três sistemas independentes de análise, classificação
e interpretação da prova de Rorschach, calcados na orientação teórica e vicissitudes
práticas de cada um de seus criadores.
Nessa época, com a invasão da Alemanha à Polônia, Zygmund Piotrowski,
investigador polonês associado ao Instituto Neuropsiquiátrico de Nova Yorque, com
30
formação em psicologia experimental e interesse por pacientes com transtornos
neurológicos, decidiu manter-se nos Estados Unidos e estudar como aqueles indivíduos
reagiriam à ambiguidade dos estímulos propostos por Rorschach. Publicou seu livro
Perceptanalysi
s (1965), no qual integrou seus conhecimentos sobre a interpretação da
percepção a um sistema de utilização do teste. Assim apareceu um quarto enfoque,
diferente e independente dos anteriores.
Mas antes mesmo de Piotrowski terminar seu trabalho, outra figura, também
foragida da Europa em 1938, lança novas bases para a criação de um quinto sistema
de interpretação do Rorschach. Trata-se do ngaro David Rapaport (1976), com
orientação claramente psicanalítica, e fortemente influenciado pela obra de Henry
Murray Jr. (1938)
sobre projeção e sua relação com o estudo da personalidade.
Mostrava-se particularmente interessado em estudar os processos de pensamento, em
especial os patolológicos. Incentivado pelo psiquiatra norte-americano Karl Menninger,
organizou um amplo projeto para estudar a eficiência diagnóstica de diversos
instrumentos de investigação do comportamento, inclusive o teste de Rorschach.
Assim se constata que, no período de 20 anos (1936-57), desenvolveram-se nos
Estados Unidos cinco sistemas de Rorschach. Não eram absolutamente díspares entre
si, porém, ao mesmo tempo, suas diferenças não podiam ser minimizadas, de modo
que, em uma perspectiva mais realista, tinha que se considerar que não havia mais
somente um, mas cinco testes de Rorschach.
No Brasil, e apoiando-se nessas diversas vertentes teóricas, Vaz (1986), Aniela
Ginsberg, Anibal Silveira e Fernando de Villemor Amaral destacaram-se pela divulgação
31
do método e elaboração de pesquisas teóricas e normativas sobre o Psicodiagnóstico
neste país (NASCIMENTO, 1993).
Assim, apesar da expansão do método e desenvolvimento de pesquisas, o
prejuízo nas qualidades de confiabilidade e validade da prova se fez sentir devido à
disparidade de procedimentos envolvidos, enquanto que críticas à falta de um sistema
consistente, único e bem-fundamentado em termos de normas e padrões amostrais
fizeram-se cada vez mais contundentes.
Foi atendendo à necessidade de atingir tais objetivos que, em 1968, a
Rorschach
Research Foundation
, dos Estados Unidos, iniciou um primeiro projeto, visando a
verificar qual dos cinco sistemas enunciados acima teria características de maior
solidez empírica.
A partir de questionários enviados a clínicos filiados à
American Psychological
Association (APA) e à Society for Personality Assessment
(SPA), verificou-se que os
usuários do Rorschach não se baseavam em um único sistema para codificação e
interpretação das respostas, tendendo, em sua maioria, a incorporar características de
vários deles, além de idiossincrasias da experiência clínica de cada um. Havia também
dúvidas com relação à confiabilidade dos dados normativos e descrições estatísticas
dos grupos.
Os esforços então se dirigiram a uma revisão sistemática e ampla de toda
literatura experimental sobre o Rorschach. Isso incluiu desde um re-exame da
monografia do autor do teste, no sentido de se resgatar seus pressupostos originais,
passando por todos os avanços dos anos 60, teóricos e normativos, até se poder
32
valorizar os pontos de evidência mais sólidos e confiáveis de cada um dos cinco
principais sistemas como base para elaborar um sistema compreensivo, amplo, único,
psicometricamente seguro e de maior utilidade na clínica.
3.7 O PROCESSO DE RESPOSTA NA PROVA DAS MANCHAS DE TINTA DE
RORSCHACH
3.7.1 A polêmica nomotético-ideográfica
A palavra “projeção” já estava presente em ciências como a física e matemática, e
coube a Freud o papel de utilizar essa metáfora para se referir a mecanismos psíquicos,
sem, todavia, elaborar uma teoria relacionando esse fenômeno a testes psicológicos.
Segundo Anzieu (1972), esse termo foi introduzido em 1895, no trabalho
A Neurose de
Angústia,
estando presente em sua obra com conotações mais ou menos amplificadas.
O uso do termo
métodos projetivos
, aplicado a uma variedade de provas que têm
em comum a presença de estímulos relativamente o-estruturados ou ambígϋos e
instruções amplas, é atribuído a Frank (1939), que os definiu como métodos de estudo da
personalidade em que se confronta o sujeito com uma situação a que ele responderá de
acordo com o que esta significa si e como ele se sente quando responde. A prova das
manchas de tinta de Rorschach foi incluída nessa categoria, e, por muito tempo, foi
considerada representante de uma abordagem
idiográfica
da personalidade, em oposição
à abordagem
nomotética.
33
Coube a Hermans (1988) definir os métodos de investigação de personalidade de
abordagem nomotética, como aqueles que se apoiam em questões objetivas, geralmente
com respostas elaboradas sob forma de múltipla escolha, e em aferição dos resultados
por meio da comparação com descrições estatísticas de grupos de referência normativos.
As descrições de personalidade são construídas a partir de traços ou dimensões que
variam em um
continuum
, ou conjunto de atributos básicos, que têm uma expressão mais
direta ao nível do comportamento.
uma ampla variedade de instrumentos que podem ser incluídos nessa linha de
abordagem, desde escalas clínicas com a função específica de aferir objetivamente a
presença e o grau de severidade de alterações psicopatológicas particulares a uma
determinada doença - como é caso da escala Yale-Brown para sintomas obsessivo-
compulsivos (YBOCS; GOODMAN; PRICE,
1990)
15
- até inventários mais amplos sobre
traços, atributos, sintomas ou distúrbios de personalidade.
Em contrapartida, a abordagem idiográfica, identificada com a tradição clínica,
baseia-se em métodos intuitivos e preconiza uma apreensão sintética e global do
indivíduo, privilegiando os aspectos mais nucleares ou internos, inferidos a partir da
avaliação qualitativa do comportamento ou de processos psicológicos. As descrições de
personalidade são sindrômicas, visando à compreensão dos aspectos latentes do
comportamento.
Entretanto, Weiner (1998) analisa criticamente essa questão de considerar ou
não o Rorschach como um método projetivo, exclusivamente de abordagem idiográfica,
15
Esta escala será utilizada para selecionar a casuística deste trabalho.
34
e desenvolve esses pontos considerando as idéias do autor da prova e a posição do
Sistema Compreensivo a respeito.
Para responder ao primeiro aspecto, Weiner (1998) lembra que, quando
Rorschach colocou como subtítulo
Uma prova diagnóstica baseada na percepção
em
sua monografia, este já estava estabelecendo um ponto de vista a respeito de como
classificava este instrumento. Nessa perspectiva, o argumento é de que as respostas
do Rorschach identificam características de personalidade, pois o modo pelo qual os
sujeitos impõem características perceptuais à mancha espelha as maneiras pelas quais
estes vêem e respondem a outras situações relativamente não-estruturadas em suas
vidas. Acrescenta ainda que, apesar de Rorschach ter mencionado algumas vezes a
importância do conteúdo de determinadas respostas como revelando aspectos do
subconsciente e mais singulares do sujeito, deu ressalva a pesquisas empíricas com
grupos clínicos normativos, e nunca chegou a denominar sua prova de
técnica
projetiva
, no sentido que a palavra tomou posteriormente: ou seja, com ênfase nos
aspectos idiossincráticos, e na natureza não-estruturada da tarefa e dos estímulos.
Seguindo esse raciocínio, o Sistema Compreensivo (EXNER, 1994; WEINER,
1998) propõe, então, que se reserve a conotação de projetivos aos processos do
Rorschach que envolvem uma interpretação mais pessoal do estímulo, como é o caso
das respostas de forma menos freqüentes ou distorcidas, ou às respostas com
determinante de movimento, as quais trazem à tona ou revelam aspectos e
elaborações mais particulares a um indivíduo.
35
Por outro lado, os elaboradores desse sistema não identificam o Rorschach
como um instrumento exclusivamente idiossincrático, dando também o devido relevo
aos aspectos nomotéticos, que envolvem o apoio da estatística descritiva e de
elementos normativos (freqüência das categorias de resposta), assim como as demais
características e qualidades psicométricas (fidedignidade, precisão) dessa prova.
Weiner (1998) resume essa questão colocando o Rorschach como um
instrumento que se apóia tanto na abordagem idiográfica quanto na nomotética. Define
como seu objetivo básico a investigação de estilos de personalidade por meio de uma
tarefa de solução de problemas, em que o indivíduo elabora respostas a estímulos
compostos por aspectos mais e menos estruturados, os quais possibilitam o
aparecimento de um componente projetivo, ou mais pessoal.
É importante ainda ressaltar que, para dar conta da instrução
O que isto poderia
ser
, um elenco de numerosas operações e recursos cognitivos do indivíduo têm que ser
mobilizados. Perry (1996) complementa que, embora haja múltiplas formas com que o
indivíduo normal pode abordar o problema implícito na instrução, a amplitude de
possibilidades fica reduzida no caso de indivíduos com problemas neuropsiquiátricos, o
que torna o Rorschach um método sensível para se detectar a presença de alteração
nos processos cognitivos nesses casos.
Esse autor norte-americano é um importante pesquisador do funcionamento
mental de indivíduos portadores de patologias neuropsiquiátricas por meio da prova das
manchas de tinta; embora considere a importância dos dados quantitativos, defende a
idéia de que confiar estritamente na resposta final do indivíduo, sem levar em conta o
36
processo desenvolvido para se atingir tal resposta, pode levar a vieses ou distorções na
interpretação final dos resultados dessa avaliação. Sugere esse pesquisador que um
paciente poderia, por exemplo, dar uma resposta final aceitável, mas ao mesmo tempo
estar fazendo uso de alguma estratégia de procedimento altamente patológica no
desenvolvimento desse processo.
Para Perry (1996), uma orientação enfocada no “processo” tem a característica
de ser centrada no sujeito - e não em sua resposta final - e, por essa razão, monitora
mais eficientemente o fenômeno de resolução de problemas, que enfatiza
diretamente as estratégias e tipos de erros que o indivíduo pode apresentar. Afirma
ainda que tal abordagem captura os elementos mais significativos dos elementos
cognitivo-afetivos, analisando-os sob uma perspectiva qualitativa.
Assim, a prova das manchas de tinta de Rorschach pode ser conceitualizada
com um desafio perceptual e cognitivo, o qual induz o participante a colocar em ação
recursos cognitivos, perceptuais e afetivos, face à tarefa de organizar uma resposta a
um problema abstrato, qual seja, a interpretação das manchas de tinta do Rorschach
(PERRY, 1996).
3.7.2 As manchas de tinta vistas com prova de resolução de problemas
Rorschach (1942) considerava que a “interpretação das formas fortuitas” era uma
atividade da esfera da percepção envolvendo trabalho intrapsíquico:
Ora, se podemos definir a percepção como uma assimilação associativa de
engramas disponíveis (imagens recordação) a complexos de sensações
recentes, podemos compreender que a interpretação de formas fortuitas surja
como uma percepção, na qual o trabalho de assimilação entre o complexo de
37
sensação e o engrama é tão grande que por esta razão será percebida com
trabalho de assimilação intrapsíquico. É esta assimilação intrapsíquica,
equivalente imperfeita do complexo de sensações e do engrama, que dá à
percepção o caráter da interpretação (RORSCHACH, 1961, p.17).
Ou seja, o autor do teste partia do princípio de que as pessoas sabiam que este
se baseava em borrões; e que, por outro lado, indivíduos muito limitados intelectual
ou psicopatologicamente não eram capazes desse discernimento, e, em vez de
interpretar
os estímulos, formulando respostas ou associações, se restringiam a
identificá-los simplesmente como manchas. Cattell (1951
apud
W
EINER
, 1995), tentando
explicar a situação dessa prova, assinalava que quando o sujeito está frente à tarefa
pela primeira vez, tem que produzir algo que não está realmente lá, ou seja, deve
perceber erroneamente o estímulo
, e, por meio dessa percepção errônea, projeta algo
de si.
Ora, quando se fala em
percepção errônea
, tal como coloca Cattell (1951,
apud
Weiner,1995), pode ficar implícita a idéia de que o sujeito
não sabe
que se trata de uma
mancha – idéia essa com a qual o próprio Rorschach não concordava.
Desenvolvendo esse raciocínio, Exner (1994) analisa o processo de resposta ao
teste considerando que a pessoa
sabe
isso, e que, na verdade, a instrução “O que isto
poderia ser?” do teste força o sujeito a”desidentificar” o estímulo” ou seja
, converter a
mancha em algo que realmente esta não é dando origem a uma situação em que se
tem
que
resolver um problema que exige uma certa violação da realidade, e, ao mesmo
tempo, manter sua própria coerência pessoal
(grifo do autor)
.
Ora, tais contingências
criam uma situação de problema e conflito postos para o sujeito, a qual desencadeia
38
neste uma série de operações mentais que culminarão em tomada de decisões e
emissão de respostas.
É interessante se acrescentar aqui a contribuição de um pesquisador da área da
neuropsicologia, ciência que basicamente trata das relações entre cérebro e
comportamento (GOLDBERG, 2002), o qual faz uma distinção bastante relevante, no
tocante ao processo de resposta às manchas de tintas. O autor parte da idéia de que os
denominados
testes tradicionais
ou seja, aqueles baseados em resposta a questões
diretas e objetivas, ou relacionados à
abordagem nomotética
se apóiam na
tomada
de decisões verídica” (
op.cit. p.106
)
isto é, envolvendo a escolha de apenas uma
resposta, que é a correta. Em outras palavras, tais provas lidam com encontrar a
verdade - como a de que a soma de um mais um pode ter como resultado correto
dois.
Goldberg (2002) conclui que as provas baseadas em um critério externo de certo
e errado, como o dos testes tradicionais, seriam ferramentas pouco adequadas para se
aferir as sutilezas presentes nas tomadas de decisão que ocorrem na
vida real
.
Segundo o autor(2002), os problemas com que nos deparamos no quotidiano (mesmo
os aparentemente mais simples, como a escolha de uma roupa para vestir) não têm
uma resposta intrinsecamente correta; pelo contrário, implicam toda uma mobilização
de recursos e esforços, cognitivos, conativos e afetivos, que por sua vez envolvem uma
seqüência bastante longa de passos bastante complexa.
A resolução desses problemas envolve operações mentais como priorizações,
valorações e escolhas, num processo que, assim como Exner (1999), Goldberg (2002,
39
p.107) chama de “desambigϋizar a situação”, a qual por natureza é ambígua, fluída, ou
mesmo vaga. Segundo esse autor, resolver ambigüidades significa reduzir a situação a
uma questão que tenha uma única resposta correta. O procedimento de
desambigϋizar depende das prioridades do indivíduo num determinado momento, as
quais podem mudar dependendo do contexto.
Ainda a esse respeito, Goldberg (2002) acrescenta que a incapacidade de
reduzir a ambigüidades leva a um comportamento vacilante, incerto, inconsistente.
Finaliza sua colocação alertando sobre os perigos da ambigüidade e lembra dizeres
cunhados pelos antigos romanos como
Dura lex sed lex
(A lei é melhor que nenhuma
lei)(op.cit. 107).
Goldberg interpreta aquela situação de desambigϋizar como envolvendo uma
tomada de decisão adaptativa
”(op. cit.p.106). Assevera que esse segundo tipo de
tomada de decisão, bem como o problema de estabelecer prioridades e
hierarquizações, tem sido ignorado nos testes tradicionais. Cita explicitamente a técnica
de Rorschach como capaz de aferir os processos cognitivos relativos às tomadas de
decisão
adaptativas
.
3.7.3 O processo de resposta nas fases de associação e de inquérito
Discutindo o papel da ambigüidade no Rorschach, Weiner (2000) considera,
assim com Goldberg (2002), que considerável ambigüidade na parte da associação
livre do sujeito, uma vez que se pergunta a este:
O que isto poderia ser?
sem que
40
qualquer outra orientação seja dada sobre com fornecer sua resposta (op.cit, p. 21).
Entretanto, defende que, particularmente na fase do inquérito, perguntas não-ambígϋas
induzem a tipos de resposta específicos.
Assim sendo, torna-se essencial, quando se analisa qualitativamente o processo
de resposta às manchas de tinta de Rorschach, que se discriminem os processos
mentais do examinando envolvidos na fase de associação e de inquérito.
O procedimento de aplicação do método de Rorschach envolve duas fases
diferentes, tanto no que se refere a seus objetivos
,
como aos processos psicológicos
subjacentes. Inicialmente o examinador deve esclarecer ao sujeito do que se trata a
tarefa, dando uma explicação breve do tipo:
Eu
v
ou lhe mostrar alguns cartões com
manchas de tinta e quero que você me diga com o que se parecem para você
(EXNER,
1999, p.14, grifo do autor). Exner explica que as instruções foram planejadas para
serem simples. Quando o examinador entrega ao sujeito o primeiro cartão, deve dizer:
O que isto poderia ser?
(EXNER, 1999, p.15). Tal instrução desencadeia na pessoa que
busca atender a essa proposta uma rie de operações cognitivas complexas,
envolvendo múltiplos passos.
Ressalta-se que o processo de comando executivo dessa atividade, em toda sua
seqüência, cabe ao indivíduo avaliado, que deve verificar se a instrução foi seguida e
efetivada
.
A tarefa do examinador é passiva, isto é, restringe-se à apresentação dos
cartões ou pranchas e ao registro das resposta. Sua intervenção deve ser a mínima, de
modo a permitir a máxima estruturação do campo psicológico, segundo as variáveis
41
relativas ao testando e seu modo de organização mental face às demandas cognitivas
implícitas na instrução.
Na fase do inquérito, o examinador pede que o probando indique onde viu a
resposta e o que existe na mancha que faz com que esta pareça o objeto referido. O
examinador desempenha um papel mais ativo, relendo as respostas dadas e
certificando-se de que o indivíduo explicou e explicitou suficientemente o que lhe foi
solicitado. Se necessário, coloca perguntas ou pede maiores esclarecimentos, para
posteriormente poder codificar as respostas com maior precisão, ou seja, mais
fielmente à forma como cada pessoa concebeu e construiu sua resposta.
Assim, em princípio, durante essa fase de inquérito
,
a tarefa está mais
diretamente sob a responsabilidade do examinador, que então desempenha o papel
principal no que concerne à condução da atividade. Cabe a este desenvolver as
seguintes operações: 1. Analisar as respostas dadas pelo indivíduo, desenvolvendo
ativamente hipóteses sobre os elementos envolvidos (localização, determinante,
conteúdo, etc...); 2. Lembrar ao testando que ele deve indicar onde viu as respostas e
explicar o que faz com que a mancha se pareça com os objetos referidos; 3. Solicitar
maiores esclarecimentos, caso as explicações dadas não sejam suficientes; e 4. Tomar
a decisão de terminar o inquérito, ao verificar que os elementos estruturais das
respostas foram suficientemente esclarecidos e que estas podem então ser codificadas
com segurança.
Entretanto, é necessário assinalar que, mesmo com a presença de metas
precisas que orientam o examinador no cumprimento de sua tarefa do inquérito,
42
também uma constelação de funções está ativada para que
o indivíduo
possa fazer
frente àquelas demandas.
Após ter sua resposta repetida pelo examinador, o probando deve dar
explicações que satisfaçam as necessidades do examinador de precisar a localização,
os determinantes, o conteúdo e os demais compontentes da resposta. Esse processo
requer que o indivíduo exercite sua capacidade de introspecção para relembrar seu
percepto tal como o construiu durante a associação, ou seja, no momento da geração
inicial da resposta à prancha.
A manutenção da atenção nesses processos mentais, o esforço introspectivo
envolvido e a manutenção do programa de re-visão e re-análise presentes na
experiência do inquérito também são frutos de ou põem em jogo habilidades cognitivas
importantes.
Dificuldades ou alterações nesse âmbito, por parte do probando, podem ainda se
refletir no cumprimento das metas que o próprio examinador se propõe a cumprir no
inquérito, ou ainda exigir que este quem tenha que ser muito cuidadoso e criterioso em
relação ao seu comportamento, de modo a intervir o mínimo possível na composição da
resposta realizada pelo sujeito.
Cabe, então, aprofundar as várias etapas desse processo de resolução de
problemas, para se aferir de que forma aspectos e estilos pessoais do indivíduo
poderão transparecer a partir do momento em que é dada a consigna da prova.
43
3.7.4. As etapas da fase de associação, segundo Exner.
Exner (1994) inicia sua análise dessa questão a partir de experimentos em que
verifica que, dependendo do tipo de instrução (ver o ximo de coisas, objetos
menores, em maior ou menor tempo de exposição dos estímulos), do grau de incentivo
e da própria relação com o examinador, a extensão do protocolo varia. Todavia, esta
tende a ser maior do que a média de respostas na situação padrão de aplicação do
teste (op cit, p. 33). Pergunta-se, então: “O que ocorre com as respostas potenciais, não
(necessariamente) fornecidas ou verbalizadas pelo sujeito? O que pode estar
influenciando sua seleção final e decisão?”.
Exner (1994) percebe a necessidade de se padronizar com maior rigor a
instrução, e, por outro lado, de se entender quais fenômenos permeiam aquelas etapas
do processo de seleção e decisão. Descreve, assim, as seguintes cinco etapas na
construção da resposta pelo indivíduo:
1. O
processo de admissão
(
input
), no qual ocorre a representação interna, na
consciência, do campo estimular. Exner (1999) assinala que a decodificação dos
estímulos visuais, em si, se muito rapidamente. Em contrapartida, ocorre um tempo
de demora entre esse passo e a efetiva verbalização da resposta; portanto, que outros
processos estariam presentes nesse período de tempo?
2.
Classificação dos estímulos, de suas partes, ou ambos
. Segundo refere Exner (op.
cit, p. 36-37), uma vez produzida a entrada dos dados, estes se codificam e se
armazenam disparando um processo de memória a curto prazo, tendo início então um
processo de classificação. A memória a longo prazo do sujeito é usada como referência
44
para que este “desidentifique” certas partes do campo estimular uma mancha, mas
com que pode parecer?), classificando-as como suficientemente semelhantes (ou não)
a objetos conhecidos ou imaginados. Exner observa que algumas características das
manchas têm maior valência no sentido de poderem pertencer a determinadas classes
de objetos.
3. Eliminação de respostas potenciais por ordenação hierárquica
. Como a instrução do
teste deixa em aberto o número de respostas que a pessoa pode dar, estas parecem,
em sua maioria, estar regidas por um princípio de economia, não se sabendo se por
eficiência (escolher as melhores?) ou por defesa (apreensão? desejo de terminar logo a
prova?). Isso significa que a média de respostas dadas sob condições de aplicação
padronizada acaba sendo menor do que aquela sob condições experimentais
mencionadas anteriormente. Outro aspecto que explicaria esse fenômeno de economia
seria a presença de um fator de ordenação classificatória, como quando um indivíduo
seleciona respostas dentro de uma determinada categoria de conteúdos: considera, por
exemplo, que parece
mais
com um morcego do que com um pássaro ou mariposa.
4. Eliminação por censura.
Vários estudos são citados por Exner sobre fatores que
podem exercer um papel de censura de respostas às respostas potenciais ao teste.
Dentre eles estão: o tipo de relação estabelecida entre examinador e sujeito,
preconceitos com relação ao fato de estar sob uma situação de teste, ou juízos de valor
sobre o grau de aceitação de suas respostas. Embora tais estudos não sejam
conclusivos, oferecem certas pistas sobre o papel da censura, de modo que o processo
de ordenação hierárquica pode situar certas respostas como altamente selecionáveis, e
a censura atuar excluindo-as enquanto tais.
45
5. Estilos e traços no processo de seleção e decisão.
As características psicológicas
do indivíduo desempenham, segundo Exner (1994, p. 47) papel primordial na
determinação de respostas que este emitir. Trata-se, explica ele, daquelas
características pessoais que fazem com que um indivíduo seja relativamente coerente
em muitas de suas operações psicológicas e condutas manifestas. Independentemente
dos nomes dados a tais características traços de caráter, hábitos, estilos, disposições
psicológicas estas representam um conjunto de elementos dominantes na
personalidade que dão lugar a preferências condutais e à reiteração das maneiras
pessoais de responder na vida.
Tais características individuais influem de forma particular em muitas das
operações de decisão relacionadas com a maneira de se abordar situações e resolver
problemas. Conquanto se entenda a instrução do Rorschach como uma demanda de
resolução de problemas, compreende-se que as decisões finais do sujeito, em termos
de qual resposta selecionar e verbalizar, sejam influenciadas por tais características.
Exner entende, pois, que nas operações envolvidas no Rorschach, a tendência à
reiteração do comportamento se manifesta criando uma maior probabilidade de que se
selecione e emita certo tipo de respostas e não outras, que também se encontrariam
potencialmente disponíveis
.
46
3.8 OS ESTADOS PSICOLÓGICOS E PSICOPATOLÓGICOS: INFLUÊNCIA NO
ESTILO DE RESPOSTA
Exner (1994) situa com clareza a questão da influência de variáveis e estados
psicológicos, estáveis ou mais duradouros, sobre os hábitos ou estilos de resposta do
indivíduo.
Parte da idéia de que:
A estabilidade relativa de muitas características de personalidade e suas
conseqüentes condutas depende, de certo modo, da estabilidade das condições
de estímulo que as provoca. Em outras palavras, os hábitos ou estilos de
respostas de uma pessoa são contingentes (op.cit. p. 51).
Assim, certos tipos de conduta têm maior possibilidade de ocorrer sob
determinadas condições de estímulo, que envolvem tanto
os elementos externos
quanto os internos.
Ora, mudanças de comportamento podem ser resultados de
mudanças no estado psicológico do indivíduo, que variam desde um aumento ou
diminuição de necessidades ou emoções, passando uma experiência inesperada de
estresse, até o aparecimento de diferentes estados psicopatológicos. Estes podem ter
efeito de indução de novas condutas, que se integram às inclinações anteriores, ou as
substituem. Em alguns casos, essas novas condutas podem variar ligeiramente, como
no caso de um ligeiro aumento de ansiedade em uma pessoa usualmente tranqüila, ou
de uma maneira mais marcante, como quando um indivíduo sofre um ataque de pânico
intenso.
Se as respostas no Rorschach podem ser consideradas como um conjunto de
amostras de condutas de resolução de problemas, por conseguinte, se existe um
estado psicológico que altere o funcionamento do sujeito, ou se ache incorporado ao
mesmo, tal estado pode também influenciar a seleção de variáveis emitidas durante
47
a prova. Por exemplo, há pesquisas indicando que determinadas variáveis têm
fidedignidade teste-reteste muito baixas, tanto sob intervalos longos como curtos,
como é o caso dos determinantes de movimento inanimado,
m
, e o de sombreado
difuso,
Y
. A investigação, discute Exner (1994), tem mostrado que ambos se referem
a um estresse, ou a características instáveis.
Exner (1994) refere-se ainda a estados psicológicos que podem deixar uma
marca mais duradoura na estrutura básica da personalidade. Muitos estados
psicopatológicos apresentam tais características, e, da mesma forma que interferem
num âmbito variado de comportamentos, também influenciam a seleção de respostas
ao Rorschach. Cita o caso das depressões graves ou crônicas, que, dentre outras
alterações, levam a um aumento de conteúdos envolvendo morbidez, representados
pelo código MOR.
Enfatiza ainda o autor que, à medida que se prolonga o estado de depressão,
sua influência aumenta, e quanto mais grave é, maior seu impacto sobre a tomada de
decisões. Por outro lado, à medida que o estado se dissipa, também o faz sua
influência sobre a seleção de respostas ao Rorschach.
Assim, este trabalho conclui que o estado psicológico da pessoa submetida ao
Rorschach contribui para a seleção final das respostas que esta emita, e que sua
influência será proporcional tanto à intensidade
do
seu impacto sobre o indivíduo, como
à continuidade e duração do estado ou alteração psicopatológica presentes.
Analisando mais amplamente essa questão, Tyrer et al. (1986) deixam claro
que o problema da fidedignidade se torna mais complexo quando se trata de doenças
48
mentais crônicas ou de início precoce, como é caso do transtorno obsessivo-
compulsivo, em que o limite entre a personalidade pré-mórbida e a doença é
extremamente sutil.
Nesses casos
,
as conclusões sobre estudos do tipo transversal são restritas, e
os resultados não podem ser aplicados às condições pré-mórbidas de personalidade
(TORRES, 1994).
3.9. O FENÔMENO OBSESSIVO-COMPULSIVO E O RORCHACH: A LITERATURA
Em sua maioria, as
pesquisas existentes até hoje relacionando as duas variáveis
acima mencionadas dificilmente trazem elementos conclusivos, e isto se deve a
problemas metodológicos importantes que dificultam a generalização das informações
obtidas pelos diversos autores.
O primeiro deles é que a interpretação dos dados remete a sistemas de
codificação de interpretação no Rorschach que, conforme visto aqui, são diversos
(seção 3.6).
Além disso, alguns trabalhos nem sempre explicitam o tipo de definição de
transtorno obsessivo-compulsivo a que se referem, sendo que, em certos casos, esse
diagnóstico não é diferenciado do de caráter anal e de transtorno obsessivo-compulsivo
de personalidade (seção 3.4.1).
Este trabalho ainda salienta a importância de um olhar sobre o histórico sobre
essa doença, a respeito da qual diferentes estudiosos marcaram aspectos
49
psicopatológicos diferentes (seção 3.4). O aspecto multifacetado e heterogêneo dessa
complexa patologia e a presença elevada de problemas co-mórbidos (seção 3.5) são
outros aspectos implicados que devem ser levados em conta na realização e análise de
pesquisas sobre TOC e Rorschach.
A necessidade de utilizar referenciais diagnósticos mais atuais, assim como de
descrever o grau de severidade do quadro também são elementos importantes a serem
observados. Vale lembrar que a interferência dos estados psicológicos pode deixar uma
marca mais duradoura na estrutura da personalidade, isto é, assim como interferem num
âmbito variado de comportamento, também influenciam a seleção de respostas ao
Rorschach. Exner (1994) afirma que sua influência se proporcional à intensidade do
impacto sobre o indivíduo, bem como à continuidade e duração do estado ou alteração
psicopatológica presentes (seção 3.8).
Feitas estas considerações, pode-se verificar que o TOC foi objeto de estudo
do próprio criador do Psicodiagnóstico, que deu bastante ênfase ao que denominou de
“tipo de vivência”, que influencia inclusive a “escolha da neurose”, e vice-versa
(Rorschach, 1961). Mais especificamente, o autor associa o tipo de vivência ambigual à
“neurose compulsiva”: se o indivíduo estiver mais próximo do lado introversivo, sofre de
“fantasias compulsivas”; se estiver do lado oposto, extratensivo, apresentará
principalmente “movimentos compulsivos”. Aqueles pacientes que se situarem
exatamente no centro serão os “céticos e meticulosos compulsivos” (Rorschach, 1961).
Ao longo de seu livro, cita ainda outras características dos obsessivos, tais como:
repressão dos afetos e tendência a autocontrole excessivo, representados por reações
50
de choque à cor vermelha e pelo aparecimento de uma elevada porcentagem de
respostas determinadas pela forma da mancha.
Não é possível aferir mais claramente quais os critérios diagnósticos de que se
utilizou, porém fica claro que não faz distinção entre neurose e caráter ou
personalidade obsessivo-compulsivo, dificuldade esta encontrada nos outros trabalhos
a serem aqui revisados.
Piotrowski (1965) oferece contribuição importante no que se refere à análise
qualitativa do processo de resposta às manchas de tinta de Rorschach. Embora
valorize o aspecto estrutural, preocupa-se em identificar sinais mais sutis de alteração
no funcionamento cognitivo que não são usualmente detectados em um protocolo.
Registra, assim, alguns sinais de obsessividade e rigidez que podem se evidenciar
na elaboração da resposta. Um deles é criticar o próprio percepto imediatamente após tê-
lo produzido, como por exemplo: “Parece uma borboleta, mas as asas não são bem
assim, o corpo está muito pesado, e tem esses buracos”. Outro é a dificuldade de decidir
com que a mancha se parece. Assinala que uma “obsessividade muito forte” se
caracteriza quando o sujeito muitas respostas para uma mesma área. Considera-as
meramente possibilidades remotas, dentre as quais não consegue optar por uma final,
muito embora tenha a sensação de que apenas uma resposta deveria ser dada, e que as
demais o “erradas”. Um terceiro sinal consiste na elaboração meticulosa do percepto
principal, porém pouco imaginativa e repetitiva, e sem acrescentar detalhes novos a essa
resposta. Piotrowski também observa que esses sinais refletem insegurança e hesitação
51
e acompanham a rigidez, a qual é maior ainda quando também estão presentes a
perseveração e um rebaixamento do funcionamento intelectual.
A despeito da riqueza dessa contribuição, novamente se verifica que Piotrowski
não se preocupa em deixar claro se tais alterações remetem a um transtorno obsessivo-
compulsivo, à personalidade ou a aspectos de caráter obsessivo, ou ainda se são
exclusivos de alguma patologia mental em particular.
Rapaport (1976), psicólogo da Clínica Menninger, estudou por meio de uma
ampla gama de testes, entre eles o Rorschach, pacientes de diversos patológicos,
inclusive os neuróticos compulsivos-obsessivos”. No entanto, não se aprofunda sobre
os critérios usados no diagnóstico desses pacientes, realizado pelos psiquiatras
daquela clínica e nem sobre o grau de severidade de seus sintomas. Apenas ressalta
que se limitaria a descrever as categorias quando estas diferissem da “nosologia
corrente”. Menciona somente que foram excluídos de sua amostra pacientes com
desordens de caráter”, citando como exemplo psicopatia, infantilismo e neuroses de
caráter (op. cit. p. 27). Com relação às descrições do grupo de compulsivos-
obsessivos por meio do Rorschach, verifica-se que o autor procura alinhar
características que considera como mais marcantes e gerais da amostra, embora
também faça diferenciações importantes, anotando que “o grupo de compulsivos-
obsessivos abarca distintas classes de casos” (op. cit. p. 259); ou seja,este não
constitui um grupo homogêneo.
Dentre os aspectos mais freqüentemente observados no grupo, Rapaport (1976)
cita: produtividade ideacional elevada (número de respostas superior à dia),
52
destaque de áreas inusitadas da mancha (em 13% das respostas), soma elevada de M
(respostas de movimento humano), superior à soma cromática, além do aparecimento
do que denomina de respostas “fabulizadas” (distorcidas perceptualmente). Assinala
que a presença de traços que denomina de “rígidos-compulsivos” pode ser identificada
por meio de uma freqüência elevada de respostas determinadas pela forma, e pelo
grande presença de respostas de cor em que predomina a forma (FC: forma-cor).
Menciona ainda o aspecto da nitidez do tipo compulsivo, que transparece na presença
de muitas respostas que denomina de “F especial” (respostas ricas e bem descritas do
ponto de vista da forma, e também na elevada qualidade formal (respostas bem vistas,
que se coadunam com a mancha).
Ao mesmo tempo, e a despeito de ter levantado a presença desses aspectos mais
usuais nos protocolos, Rapaport (1976) descreve diferenças importantes no perfil de
personalidade entre os indivíduos. Categoriza subgrupos, dentre os compulsivos-
obsessivo, a partir dos critérios: a) porcentagem de respostas de formas bem e mal vistas
e b) número de respostas de movimento humano: elevado implicando na presença de
obsessões e dúvidas; rebaixado, com respostas de forma bem vista diminuído, numa
configuração plenamente neurótica e obsessiva. Observa-se que os termos que Rapaport
(1976) utiliza são amplos, e envolvem diferentes elementos psicopatológicos do TOC,
como
dúvidas
” ou “
configuração neurótica e obsessiva
”.
É importante ainda a menção a um autor europeu, Edwald Bohn (1979), com
orientação dentro da linha suíça, cujo livro sobre o psicodiagnóstico de Rorschach traz
contribuições importantes do ponto de vista do diagnóstico diferencial de quadros
psiquiátricos. Este pesquisador procura permear descrições de variáveis do Rorschach
53
com teorias psicopatológicas e psicológicas (da psicanálise) a respeito de cada doença.
Essa posição teórica fica implícita quando compara a neurose com o caráter obsessivo,
afirmando que “em geral, o caráter obsessivo difere apenas
quantitativamente
da
neurose obsessiva (...); a estrutura é a mesma (...), o quadro [neurótico] é mais rico em
sintomas” (op.cit p. 288).
Posteriormente, Coursey (1984), utilizando a metodologia de Rorschach,abordou
mais especificamente os aspectos de conteúdo e mecanismos de defesa em 15
pacientes com desordem obsessivo-compulsiva. Verificou a emergência de conteúdos
hostis, agressivos e orais em suas verbalizações, ao lado de tentativas de neutralizá-los
por meio de reações de embaraço, vergonha, ou do uso de defesas mais clássicas como
anulação e negação. Interpretou esses achados no sentido de corroborarem
especificamente as hipóteses de alguns psicanalistas, para os quais impulsos sádicos e
anais representam o componente central dessa desordem. Observou ainda que, embora
o diagnóstico de esquizofrenia estivesse excluído, 20% das respostas apresentavam
algum tipo de distúrbio formal de pensamento. As formulações de Coursey (1984) são
compatíveis com as de Rapaport (1976), que também mencionava a presença de
respostas “fabulizadas”, as quais apresentam essa conotação diagnóstica de alterações
cognitivas em pacientes compulsivos.
No Brasil, o psicólogo Cícero Cristiano Vaz (1986), em sua segunda edição de um
livro sobre o método de Rorschach, parte do levantamento de 220 protocolos e se baseia
nos diagnósticos do DSM-III (APA, 1981) para nortear a seleção de sua casuística.
Procura, quando possível, relacionar a interpretação dinâmica das variáveis do
Rorschach com os critérios descritivos acima citados. Inclui em seu estudo pacientes
54
classificados como “transtorno neurótico obsessivo”, e descreve uma configuração geral
do grupo muito semelhante à dos outros autores anteriormente citados, ou seja, número
de resposta elevado, porcentagem de respostas de forma (F%) elevada, diminuição das
respostas globais e presença de detalhes inusuais, incluindo ainda aumento de respostas
de forma indefinida ou vaga e a presença de confabulação, como Rapaport (1976) e
Coursey (1984). Acentua, todavia, que essa última característica seria um dos principais
sinais de “transtorno neurótico”, mas não especificamente do grupo dos obsessivos.
Exner (1994), propôs-se a desenvolver investigações sobre o que denomina de
estilo obsessivo (
OBS
), elaborando a partir destas uma constelação de fatores para
mensurar esses traços, ou seja, o “índice
OBS”,
composto por variáveis que
diferenciaram grupos de indivíduos com traços e sintomas obsessivo-compulsivos (
OBS
elevado) e pacientes com diagnóstico de esquizofrenia e depressão (nenhum
OBS
positivo).
Rosenthal (2000), estudando um grupo de onze pacientes com diagnóstico de
TOC e avaliados por meio de escalas objetivas como severamente comprometidos e
inabiltados, analisou a presença da chamada “constelação obsessiva”, definida e
aferida por meio do todo das manchas de tintas de Rorschach segundo a proposta
de Exner (1999). Verificou a ausência desse índice associado a traços de
perfeccionismo, minuciosidade, superincorporação de informações, esforço conativo
elevado e apego a comportamentos convencionais - naquele grupo de pacientes
gravemente comprometidos. Esse achado foi corroborado por Antunes (2004) em sua
tese de doutorado na qual, por meio do Rorschach, comparou 30 pacientes
55
diagnosticados com TOC com um grupo controle de 30 indivíduos e, dentre outros
elementos, detectou a ausência desse índice na totalidade dos casos.
Em abordagem exploratória dos protocolos, Rosenthal (2000) levantou, dentre
outros dados positivos, a presença de alterações no funcionamento cognitivo-afetivo
observadas devido à elevação do número de respostas contendo os denominados
Códigos Especiais
”. Segundo Weiner (2000) essa presença elevada dos
Códigos
Especiais
envolve a perda temporária ou mais prolongada da capacidade de pensar
logicamente, de modo que os indivíduos tendem a raciocinar de modo arbitrário,
formulando suas idéias de modo pouco coeso e provocando divagações irrelevantes
que prejudicam o processo de resolução de problemas tal como é proposto na instrução
da prova.
Quando comparou pacientes com TOC e normais em seu estudo caso-controle,
Antunes (2004) trouxe contribuições importantes ao descrever seus achados obtidos na
fase exploratória de sua pesquisa. Verificou diferenças estatisticamente significativas
quanto às variáveis
: Soma dos Códigos Especiais, Soma Ponderada dos Códigos
Especiais e
respostas
de Nível 2
, dentre outros aspectos. Os dois primeiros índices
revelam alterações no pensamento mostrando a presença de processos ilógicos,
incoerentes, fusionados e indiscriminados que constituem dificuldades de personalidade
que interferem no ajustamento psicológico. As respostas de
Nível 2,
conforme define
Exner (1999), diferenciam-se daquelas que se inserem no
Nível 1
no que tange ao grau
de desorganização, mais branda e moderada nesse nível e refletindo formas mais
sérias de desorganização nos casos codificados como
Nível 2.
Essas contribuições de
56
Antunes (2004) foram importantes no sentido de fundamentar com mais base o foco de
desta pesquisa e a seleção das variáveis a serem estudadas.
Vale ainda citar um estudo recente, realizado no Hospital da Universidade
Nacional de Seul, na Coréia, que traz nova forma de identificar subtipos dentro da
classificação de TOC. Desenvolvida por Lee, H-.J e Kwon, S-.M. (2005), a pesquisa
visou a estudar desordens de pensamento em pacientes com TOC por meio do Sistema
Compreensivo de Exner. Os protocolos foram classificados na base do consenso por
pares de examinadores, cegos para as hipóteses de pesquisa. Em sua proposta de
subtipos no TOC, após diagnosticar essa patologia de acordo com o DSM-IV, os
autores propõem que se classifiquem os fenômenos obsessivos em dois subtipos: a)
autógenos, envolvendo obsessões mais bizarras, ameaçadoras, repulsivas e com
conteúdo sexual, agresssivo ou religioso, e b) reativos, referindo-se a obsessões,
impulsos e imagens que tem um caráter menos ameaçador, e envolvem conteúdos
mais realistas, como contaminação, erros ou assimetrias, por exemplo. Compuseram
dois grupos de pacientes que se diferiam quanto a essa variável (15 indivíduos com
obsessões autógenas, e 14 com obsessões reativas). Adicionalmente, dois outros
grupos foram formados: o de pacientes portadores de esquizofrenia e o de pacientes
com outras desordens de ansiedade. Observaram que os esquizofrênicos e os do grupo
de obsessões autógenas apresentaram mais desordens de pensamento do que os
indivíduos dos demais grupos.
Assinala-se que Lee, H. -J., & Kwon, S.-M. (2003) partem da perspectiva de que
os sintomas obsessivo-compulsivos podem ser apreendidos como condição psicótica, e
com alterações de pensamento similares .
57
A seção 3.4. deste trabalho mencionou autores que historicamente inseriram o
TOC no limiar de uma psicose, propondo denominações compatíveis com essa
perspectiva (Insell, 1990), como é o caso de Wesfall (1878). Este se refere ao TOC
como “insanidade abortiva” para diferenciá-lo de uma verdadeira insanidade, ou seja,
da psicose. Similarmente, outros autores, como Coursey (1984), utilizando o método de
Rorschach, também assinalam a presença de alterações de pensamento em pacientes
com TOC, ressaltando terem excluído da amostra pacientes esquizofrênicos” ou seja,
indiretamente indicando a associação dos achados com esta última patologia.
Esta pesquisa utiliza como referência a classificação do DSM-IV (APA. 1995)
tendo em mente a ressalva feita por Insell (1990) de que o fato de esta considerar o
TOC como entidade única pode limitar percepção da riqueza e diversidade
psicopatológica encontrada nessa patologia quando se faz uma leitura histórica de seu
desenvolvimento conceitual.
Retomando a questão do TOC visto sob a mira das provas de manchas de tinta
de Rorschach, inclui-se aqui a colocação de Weiner (2000) a esse respeito. O autor
assinala que a futura utilidade dos achados no Rorschach em diagnosticar outras
condições clínicas dependerá do delineamento de características de personalidade que
são razoavelmente específicas a cada quadro. Ressalta que a recíproca é verdadeira,
ou seja, quanto mais se puder aprender sobre aspectos da dinâmica e estrutura de
personalidade que contribuem ou são determinados por cada tipo de condição clínica,
mais efetivo será o Rorschach em diagnosticar essas patologias.
58
É frente a estas perguntas e contradições que emerge a importância de se
estudar sistematicamente a presença de estilos ou de aspectos afetivo-cognitivos de
personalidade em pacientes com TOC. Isso, a partir de instrumento de investigação
padronizado e seguro psicometricamente, como o Rorschach, aferido de acordo com
Sistema Compreensivo.
Além disso, dadas as questões metodológicas mencionadas, há que se
considerar a necessidade de focalizar um grupo de pacientes homogêneo quanto ao
diagnóstico psiquiátrico, mas diferindo quanto o grau de severidade do quadro,
evolução da doença e funcionamento social geral - além de avaliado por meio de
instrumentos e critérios explícitos e objetivos.
Uma melhor compreensão diagnóstica sobre estes pacientes mais
criteriosamente selecionados é importante no sentido de abrir possibilidades para uma
interferência mais incisiva no âmbito da abordagem e do planejamento terapêutico,
levando-se em conta os aspectos de personalidade.
Como ponderado anteriormente, apesar de um delineamento metodológico
transversal não permitir abstrações a respeito da personalidade pré-mórbida desses
pacientes, uma pesquisa qualitativa e mais aprofundada, baseada nos princípios de um
estudo de caso (Cawley e Tarsh ,1994), em que diversas fontes de informação são
consideradas, tem particularmente a contribuir nos processos de investigação de
indivíduos com uma história de doença longa e crônica como o TOC. Isso porque,
neste, a relação entre a síndrome clínica principal e os traços ou estilos de
funcionamento cognitivo-afetivo é bastante complexa (TYRER, 1986).
59
4 DELINEAMENTO DO ESTUDO
Tanto a conceituaçãosica como as descrições clínicas do quadro seguiram os
critérios diagnósticos propostos pelo DSM IV, eixo I. Quanto à casuística (seção 4.1),
primeiramente o estudo comenta sobre os instrumentos utilizados para seleção dos
pacientes. Segue-se a composição da amostra e os pontos de corte para a divisão em
grupos grave e leve (seção 4.1.2). Os elementos sócio-demográficos relativos a cada
grupo seguem nas Tabelas 1 e 3 (seção 4.1.3). Os escores dos pacientes com TOC
grave e leve nas escalas clínicas selecionadas constam das Tabelas 2 e 4.
A seção 4.1.4 traz os dados de anamnese, sintomatologia, evolução e tratamento
de cada um dos 15 casos graves objeto deste estudo.
A seção 4.2 aborda os instrumentos utilizados na pesquisa e o método das
manchas de tinta de Rorschach será pormenorizado na seção 4.2.1.
A seguir, o estudo focaliza os Códigos Especiais, ou sejam, as variáveis
selecionadas para este trabalho (seção 4.2.1.1).
Finalmente, o procedimento e a ética concernentes a esta pesquisa são
apresentados (seção 4.3).
Os resultados quantitativos quanto às variáveis de estudo submetidos à análise
estatística são apresentados na seção 5.1.
Para se compreender melhor a expressão dos índices obtidos na amostra dos
pacientes, optou-se pelo estudo
qualitativo
do processo de resposta às manchas de
60
tintas, seguindo-se a orientação de Weiner (2000) quanto à forma de apresentação dos
casos e as ressalvas e restrições por ele consideradas (seção 5.2). São apresentadas
as transcrições das respostas das fases de associação e inquérito acompanhados pela
análise qualitativa de casos de TOC grave acima da média grupal (seção 5.2.1), abaixo
da média grupal (seção 5.2.2) e mais próximos à média grupal (seção 5.2.3). Um caso
de TOC leve com resultados acima da média grupal é apresentado ao final.
Os casos apresentados neste trabalho não têm o intuito de constituir estudos de
caso ou avaliações psicodiagnósticas, nem o utilizados para demonstrar a validade
das inferências no Rorschach. Eles m o papel de ilustrar, por meio dos protocolos de
Rorschach, os mecanismos e processos cognitivo-afetivos mais significativos no grupo
de pacientes com TOC grave e leve. Os estudos de caso, se adequadamente
realizadosos, exigem informações detalhadas sobre os problemas apresentados pelo
indivíduo, histórico de desenvolvimento, antecedentes familiares e contextos social e
pessoal correntes. As avaliações psicodiagnósticas implicam a utilização de baterias de
instrumentos de avaliação selecionados em função das hipóteses de diagnóstico que
devem ser investigadas e envolvem o uso de instrumentos estruturados bem como
relativamente não-estruturados, todos integralmente interpretados. Por outro lado,
demonstrações convincentes da validade das inferências do Rorschach exigem sua
comparação sistemática com dados de outros testes, eventos conhecidos da vida dos
sujeitos e relatórios fidedignos sobre seu comportamento em vários tipos de situações.
Essas não o as metas deste trabalho.A inclusão de tal tipo de discussão
limitaria consideravelmente o número e a diversidade dos protocolos que poderiam ser
apresentados, assim como os tipos de pessoas e problemas psicopatológicos que
61
ilustram. Por esse motivo, optou-se pela apresentação dos casos sob uma abordagem
ilustrativa em vez de uma abordagem de estudo de caso, psicodiagnóstico ou
validação.
Nesta pesquisa, a análise qualitativa do processo de resposta visou a abordar os
aspectos mais evidentes dos protocolos no que tange às hipóteses e variáveis
relacionadas à mesma. As categorias ou os focos principais do funcionamento afetivo-
cognitivo de cada caso emergiram
a posteriori
. Ou seja, foram sendo gerados e
engendrados durante / após o próprio processo da análise quantitativa e qualitativa,
quando já havia elementos suficientes para tal.
Os casos discutido no trabalho não pretendem fornecer uma descrição completa
da personalidade dos sujeitos, tampouco documentar a precisão das interpretações
apresentadas, muito embora, em alguns casos, sejam ressaltadas ligações
particularmente evidentes entre os dados que emergem dos protocolos e aspectos
psicopatológicos relativos ao quadro clínico e/ou eventos da dinâmica ou da vida do
sujeito.
Ainda com relação à abrangência deste trabalho, as discussões de caso e as
análises feitas o pretendem abordar todos os aspectos significativos dos dados
estruturais, temáticos e de comportamento presentes, limitando-se a um foco
relativamente seletivo. Assim, é possível que deixem de ser apreciados diversos
elementos que um clínico experimentado considerasse importante e relevante para o
caso em questão.
62
Transcendendo essas divergências de foco ou de ênfase, as interpretações
apresentadas têm em mira apontar elementos da prova de Rorschach que podem ser
usados para contribuir como hipóteses e conclusões, buscando construir um retrato vivo
da personalidade e de suas capacidades e limitações adaptativas. Um retrato que, por
sua vez, possa permitir um acesso à complexidade e variedade de mecanismos
psicológicos resultantes das alterações psicopatológicas ocasionadas pelo TOC e à
forma em que esses fenômenos incidem naquele indivíduo em particular.
4.1 CASUÍSTICA
Nesta parte serão apresentados os critérios para seleção inicial dos pacientes e
os pontos de corte utilizados nas escalas. Segue-se a composição da amostra, sua
caracterização e, finalmente, a história e evolução dos casos clínicos graves, pois estes
se referem ao foco principal deste estudo.
4.1.1 Seleção inicial dos pacientes
Os instrumentos usados na seleção inicial do grupo da amostra foram os
prontuários médicos provenientes do HCFMUSP e dos consultórios particulares e as
seguintes escalas clínicas:
1) Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale (YBOCS) (GOODMAN;PRICE,
1990). Esta é uma escala aplicada pelo avaliador, cujo objetivo é medir a gravidade
específica de sintomas obsessivo-compulsivos. Consta de 10 itens, cada um variando
63
de zero (sem sintomas) a 4 (extrema gravidade), com escore máximo de 40. Tanto as
obsessões quanto as compulsões são avaliadas de forma semelhante, incluindo para
ambas os itens: freqüência, interferência sobre o funcionamento, desconforto subjetivo,
resistência e controle sobre o sintoma.
2) Escala de Impressão Clínica Global (ICG): Gravidade da Doença e Melhorias
(NIMH, 1985). O avaliador mede a gravidade dos sintomas numa escala com amplitude
de 0 a 7 pontos, desde (1) normal, não doente, até (7) doença mental extremamente
grave. Nosso ponto de corte (4) corresponde a “moderadamente doente”.
3) Escala de Avaliação Global do Funcionamento (AGF) do eixo V do DSM-IV
(APA, 1994). Essa escala afere o grau de funcionamento social, psicológico, social e
ocupacional em um
continuum
hipotético de saúde-doença mental. Não inclui prejuízos
devido a limitações físicas. Varia numa amplitude de 100 a 0 e é segmentada em faixas
de 10 pontos, podendo haver pontuações intermediárias. O grau 100 é descrito como
“funcionamento superior em uma ampla faixa de atividades, problemas de vida jamais
vistos fora de seu controle, é procurado por outros em vista de suas muitas qualidades
positivas”; a faixa de 10 a zero refere-se a perigo persistente de ferir a si mesmo ou a
outro, ou inabilidade persistente em manter a higiene pessoal e íntima, ou, ainda ato
sério, suicida ou expectativa de morte. O ponto de corte nesta escala refere-se a
sintomas sérios (ideação suicida, rituais obsessivos graves), ou qualquer prejuízo rio
no funcionamento social, ocupacional ou escolar (nenhum amigo, incapaz de manter
um emprego.
64
4.1.2 Composição da amostra
Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos:
1)
Um grupo de pacientes denominados de
G1
foi composto por 11 indivíduos
com diagnóstico de TOC, segundo o DSM-IV (APA, 1995), com patologia em nível
severo e incapacitante, pertencentes à pesquisa de mestrado desenvolvida por esta
autora (Rosenthal, 2000) e provenientes do Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (IPQ-HCFMUSP). A estes foram acrescidos quatro novos
pacientes, com o mesmo grau de comprometimento, sendo dois também provenientes
do AMBAN; os demais tinham sido anteriormente atendidos, diagnosticados e tratados
na Divisão de Neurocirurgia Funcional do IPQ-FMUSP.
2)
Um grupo formado por 15 pacientes com o diagnóstico de TOC, segundo o
DSM-IV (APA, 1995), em nível de gravidade leve, aqui denominado de
G2
,
provenientes do AMBAN e de consultório particulares ou clínicas.
Os pacientes provenientes do AMBAN diagnosticados como graves faziam parte
de uma população mais ampla de aproximadamente 400 portadores de TOC, que ao
longo dos anos passam rotineiramente por um processo de triagem, diagnóstico e
tratamento medicamentoso e psicoterápico no Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Após pelo menos 6 anos de diagnóstico e tratamento do
quadro (Torres, 1994) os pacientes eram reavaliados pela equipe médica do hospital, e,
65
caso satisfizessem os critérios de inclusão propostos para esta pesquisa, eram
encaminhados para o grupo G1.
Dos pacientes diagnosticados como leves, dez eram provenientes do AMBAN e
cinco de clínicas ou consultórios particulares. Foram diagnosticados pelo profissional
responsável pelo caso como portadores de TOC e todos tinham sido submetidos a
tratamento medicamentoso ou de terapia comportamental cognitiva.
Os pontos de corte utilizados para seleção do grupo de pacientes G1, com
TOC
severo e incapacitante
foram os seguintes:
1) Com relação à
intensidade /severidade
dos sintomas,
impressão clínica geral
e
grau de
funcionamento global
correntes
:
a. Escore total na Yale-Brown Obsessive - Compulsive Scale (YBOCS)
(GOODMAN;PRICE,1990): pelo menos 20/40 pontos;
b. Escore de pelo menos 5/7 na Escala de Impressão Clínica Global (ICG)
(NIMH, 1985);
c. Escore de no máximo 50/zero a Escala de Avaliação Global do
Funcionamento (AGF) do eixo V do DSM IV (APA, 1994).
2) Com relação à
evolução do quadro clínico
, entre o início e pelo menos
6
anos
(Torres, 1994) de diagnóstico e tratamento do TOC no AMBAN:
a. Pacientes que apresentaram um decréscimo menor que 25% no escore
total da YBOCS (GOODMAN, PRICE, 1990), caracterizando uma evolução
66
desfavorável do ponto de vista da intensidade geral dos sintomas obsessivo-
compulsivos.
b. Pacientes que apresentaram um decréscimo menor que 2 pontos na
Escala de Impressão Clínica Global (ICG), na aferição da severidade do
quadro, caracterizando não ter havido melhora significativa no TOC após
esse processo.
c. Pacientes em uso de medicação regular e sem sinais clínicos de
intoxicação, de acordo com a avaliação da equipe médica do AMBAN e dos
médicos que atuam em consultório particular.
Os pontos de corte utilizados para seleção do grupo de pacientes G1, com
TOC
leve
foram os seguintes:
1) Com relação
à intensidade /severidade dos sintomas, impressão clínica geral
e grau de funcionamento global
após o tratamento medicamentoso ou psicoterápico:
a. Escore total na Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale (YBOCS)
(GOODMAN, PRICE. 1990) de no máximo 20/40 pontos.
b. Escore de no máximo 3/7 na Escala de Impressão Clínica Global (ICG)
(NIMH, 1985).
c. Escores de no mínimo de 60/zero a Escala de Avaliação Global do
Funcionamento (AGF) do eixo V do DSM IV (APA, 1994).
67
2) Com relação à evolução do quadro clínico, antes e após tratamento
medicamentoso ou psicoterápico
a Pacientes que apresentaram um decréscimo de no mínimo 25
%
no escore
total da YBOCS (GOODMAN; PRICE, 1990), caracterizando uma
evolução
favorável
do ponto de vista da intensidade geral dos sintomas obsessivo-
compulsivos.
b. Pacientes que apresentaram um decréscimo de no mínimo 1 ponto na
Escala de Impressão Clínica Global (ICG), na aferição da severidade do
quadro, caracterizando ter havido
melhora
no TOC após esse processo.
c. Pacientes em uso de medicação regular e sem sinais clínicos de
intoxicação, de acordo com a avaliação da equipe médica do AMBAN e dos
médicos que atuam em consultório particular
.
Os critérios de exclusão para ambos os grupos foram: 1) história de traumatismo
crânio-encefálico com amnésia pós-traumática; 2) história corrente de outras doenças
sistêmicas ou neurológicas, ou de uso de medicamentos capazes de induzir
manifestações psicopatológicas; 3) gestantes ou lactentes; 4) recusa em participar do
estudo; e 5) idade abaixo de 18 e acima de 65.
4.1.3 Caracterização da Amostra
Com relação aos aspectos sócio-demográficos, no grupo de pacientes
graves
(G1) havia predominância de indivíduos do sexo masculino ( 9 homens e 6 mulheres),
68
com idades variando entre 22 e 48, e média de 31 anos. Muito embora com uma média
de escolaridade elevada (12 anos), de segundo grau incompleto a superior completo,
11 dos pacientes estão inativos, e 4 exercem suas atividades profissionais com
restrições importantes, conforme Tabela 1 abaixo.
Tabela 1: Dados sócio-demográficos de pacientes com TOC grave (G1) diagnosticados
de acordo com o DSM IV:
CASOS
SEXO IDADE
ESTADO
CIVIL
ESCOLARIDADE
(em anos)
PROFISSÃO ATIVIDADE CORRENTE
1 AM
M 25
solteiro ensino médio completo (11) encadernador inativo
2 AC
F 22
solteira superior incompleto (12) estudante inativa
3 CKO
F 26
solteira superior completo (15) advogada inativo
4 EPCS
M 25
solteiro superior incompleto (12) estudante inativo
5 FM
M 48
casado superior completo (18) médico com restrições
6 GE
F 58
viúva ensino médio incompleto (10)
do lar com restrições
7 GSM
M 26
casado superior incompleto (12) estudante inativo
8 IR
F 27
solteira superior completo (15) escriturária inativa
9 JM
M 43
solteiro ensino fundamental completo (8) sem ocupação inativo
10 JCH
M 48
casado ensino fundamental completo (8) comerciante com restrições
11
MVBS
F 46
casada superior incompleto (13) professora primária inativa
12 RQ
F 27
solteira superior incompleto (12) funcionária pública inativo (afastado)
13 RM
M 27
solteiro superior incompleto (14)
estudante,
professor de colégio
estudante
com restrições
14 VBS
M 26
solteiro ensino médio incompleto (10) vendedor Inativo
15 WC
M 44
solteiro ensino médio incompleto (10) funcionário público Inativo (afastado)
Fonte: Criada pela autora
Quanto às escalas clínicas, os pacientes graves mostraram no YBOCS
(GOODMAN; PRICE, 1990) uma média de 32 pontos indicando nível de intensidade
69
sintomatológica grave no que se refere ao tempo ocupado pelos pensamentos e rituais
ao grau de sofrimento impingido aos pacientes. Na escala de Impressão Clínica Global
(NIMH, 1985), 60% desses casos situaram-se, após o tratamento, no nível 6,
gravemente doente; 15% no nível 7, ou seja, doença mental extremamente grave; e
15% incluíram-se no grau 5, marcadamente doente. O prejuízo na adaptação
psicológica e ocupacional desses pacientes foi representado por uma elevada
pontuação média (43 pontos) na escala de Avaliação Global do Funcionamento do eixo
V do DSM-IV (AGF; APA, 1995), conforme Tabela 2 a seguir.
Tabela 2 - Escores pré-e pós-tratamento nas escalas YBOCS, AGF e ICG em pacientes
com TOC grave (G1).
YBOCS
AGF
ICG
CASOS
PRÉ-
TRATAMENT
O
PÓS-
TRATAMENTO
COMPARAÇÃO
PRÉ-PÓS
ESCORE
ATUAL
PRÉ-
TRATAMENTO
PÓS-
TRATAMENTO
COMPARAÇÃO
PRÉ-PÓS
1 AM 30 34 +11% 41 5 7 +2
2 AC 40 38 -5% 49 7 6 -1
3 CKO 26 28 +7% 41 5 6 +1
4 EPCS 38 38 0% 40 7 7 0
5 GE 34 34 0% 41 5 5 0
6 FM 34 27 -20% 50 7 5 +2
7 GSM 34 31 -8% 41 7 6 -1
8 IR 32 33 +3% 40 6 6 0
9 JM 28 30 +7% 45 5 5 0
10 JCH 27 29 +7% 42 5 6 +1
11 MVBS 29 32 -10% 43 5 6 +1
12 RQ 32 34 +6% 45 5 6 +1
13 RM 34 34 0% 43 5 5 0
14 VBS 30 32 +6% 42 5 6 +1
15 WC 33 30 -9% 48 7 6 -1
Fonte:
Criada pela autora
70
O perfil sócio-demográfico dos pacientes com TOC
leve
(G2) mostrou
predomínio do sexo feminino (10 mulheres e 5 homens), com idades entre 21 e 60 e
média de 41 anos. A média de escolaridade era semelhante à do grupo grave (11
anos). Porém, neste caso, todos os indivíduos exercem ou haviam exercido
anteriormente suas respectivas atividades profissionais;um deles obtivera licença
médica termporária e outro aposentadoria por tempo de serviço, conforme Tabela 3.
Tabela 3 - Dados sócio-demográficos de pacientes com TOC leve (G2) diagnosticados
pelo DSM-IV
CASOS SEXO IDADE ESTADO CIVIL ESCOLARIDADE PROFISSÃO ATIVIDADE
CORRENTE
1 AG M 27
solteiro ensino fundamental
completo (8)
vigilante licença médica
(problema
físico)
2 AP F 42 casada ensino fundamental
incompleto(7)
dona de casa dona de casa
3 CE F 41 solteira superior completo (14) assistente social assistente
social
4 CL F 36 casada superior completo (15) advogada advogada
5 DIV F 44 casada superior incompleto (13) contabilidade dona de casa
6 ES M 43 casado superior completo (14) administrador administrador
7 LEF F 60 solteira ensino médio completo
(11)
funcionária pública aposentada
8 LS M 29 solteiro superior completo (14) administrador empresário
9 MT F 51 casada ensino fundamental
incompleto(7)
comerciante comerciante
10 MJ F 55 separada superior completo (14) comerciante comerciante
11 NS F 21 solteira superior completo (14) fonoaudióloga fonoaudióloga
12 PD M 21 solteiro ensino fundamental
incompleto (6)
comerciante comerciante
13 RG M 30 casado superior incompleto (12) comerciante comerciante
14 SN F 43 casada superior completo (14) professora dona de casa
15 VS
F
40
solteira
superior completo (14) administradora gerente
Fonte: Criada pela autora
Nas escalas clínicas, os pacientes do grupo leve mostraram média de pontuação
no YBOCS (GOODMAN; PRICE, 1990) de 6,93 pontos, indicando nível de intensidade
71
sintomatológica leve quanto ao tempo ocupado pelos pensamentos, rituais e grau de
sofrimento. Na escala de Impressão Clínica Global (NIMH, 1985), 60% situaram-se no
nível 2, ou seja, limítrofe para doença mental; 26,6% no grau 3, levemente doente e
13,3% situaram-se no nível 1, isto é, normal, não doente, conforme Tabela 4 abaixo.
O grupo de pacientes com TOC leve obteve elevada pontuação média (78) na
escala de Avaliação Global do Funcionamento do eixo V do DSM-IV (AGF; APA, 1995).
Tal resultado indica que, se os sintomas estão presentes, são temporários e consistem
em reações previsíveis a estressores psicossociais, havendo apenas um leve prejuízo
no funcionamento social, ocupacional e escolar.
Tabela 4: Escores pré- e pós-tratamento de pacientes com TOC leve (G2) nas escalas
YBOCS, AGF e ICG
YBOCS AGF ICG
CASOS
PRÉ-
TRATAMENTO
PÓS-
TRATAMENTO
MELHORA
(MÍNIMA=25%
ESCORE
ATUAL
PRÉ-
TRATAMENTO
PÓS-
TRATAMENTO
COMPARAÇÃO
PRÉ-PÓS
1 AG
31
12
61
70
4
3
-
1
2 AP 24 18 25 60 3 2 -1
3 CE 18 6 66 70 3 2 -1
4 CL 10 1 90 90 3 2 -1
5 DIV 35 0 100 90 5 1 -4
6 ES 13 5 61 80 4 2 -2
7 LEF 39 10 74 80 4 2 -2
8 LS 10 1 90 80 3 2 -1
9 MT 38 17 55 60 5 3 -2
10 MJ 12 3 75 81 4 3 -1
11 NS 35 9 74 80 7 2 -5
12 PD 32 5 84 90 4 2 -2
13 RG 30 7 76 80 4 3 -1
14 SN 27 6 77 71 5 2 -3
15 VS 38 7 81 90 4 1 -3
Fonte: Criada pela autora
72
4.1. 4 Dados de anamnese, sintomatologia, evolução e tratamento dos casos
graves
Caso 01: AM
Paciente do sexo masculino, 25 anos, solteiro, segundo grau incompleto, inativo.
Seus primeiros sintomas de TOC apareceram aos 12 anos, quando se iniciaram
medos
(de lâmpada fluorescente, espelhos, fogões) e
rituais de limpeza
: começou a lavar as
mãos exageradamente, demorando no banheiro; além disto, tinha rituais de
ordenação
(as roupas e vidros de medicação tinham que estar sempre na mesma disposição).
Com o passar do tempo, alternavam-se: preocupação com
ordem, precisão
e rituais de
verificação
em situação de alimentação (se havia ou não colocado a comida na boca da
forma correta, tomado ou o água corretamente) que o levavam a se alimentar muito
mal; preocupação excessiva com
número
s (negava-se a falar certos números) e com a
precisão
quanto a horários (saía de casa apenas às 14 horas em ponto; tomava o metrô
às 17 em ponto). Houve piora progressiva, particularmente de rituais envolvendo
números
e
simetria
: tinha que pisar na divisa exata entre os ladrilhos e o chão; subia as
escadas de 20 a 30 vezes ao dia enquanto contava seus passos à frente, para trás e
para os lados. Realizou duas tentativas de suicídio (atirando-se sobre uma linha de
metrô e jogando-se em um rio). Apresenta história de várias internações. Faz
tratamento medicamentoso e tem dificuldade em engajar-se em tratamento
psicoterápico.
Caso 02: AC
Paciente do sexo feminino, 22 anos, solteira, sem ocupação, insegura e com
poucos amigos desde a adolescência. Desde pequena gostava de fazer as coisas
“certas, e sem sujeira”, como as tarefas escolares. Quando se mudou de residência, aos
17 anos, rituais de v
erificação
(tocar objetos e pontos específicos da casa e do próprio
corpo) e
limpeza
(no banho) tenderam a se sistematizar, acentuando-se em períodos de
depressão. Teve tentativas de suicídio com remédios. Os rituais hoje lhe consomem o dia
inteiro. Toda a atividade rotina diária fica preenchida por
rituais
que envolvem a higiene
pessoal, inclusive em relação aos cabelos (lavados pela mãe) e órgãos genitais (lava a
vagina diversas vezes, depois coloca o dedo indicador dentro da vagina e o médio no
ânus). Além disso, quando deambula pela casa desce as escadas
tocando
com o
indicador, médio e anular todas paredes ao longo desta, em seguida as do
corredor,fazendo o mesmo nos outros recintos. Apesar dos tratamentos medicamentosos
e psicoterápicos apropriados e contínuos, está inabilitada socialmente (sem amigos) e
não pôde retomar as atividades acadêmicas (faculdade de Psicologia).
Caso 03: CKO
Paciente do sexo feminino, 26 anos, solteira, formada em direito, porém inativa.
Na infância constam problemas relacionados à atenção, linguagem e hiperatividade,
73
associados à ansiedade na ausência da mãe e dificuldade no contato com outras
crianças. Aos 11 anos iniciam-se sintomas de tricotilomania. Obsessões e compulsões
iniciaram-se por volta dos 19 anos, quando passou a apresentar
dúvidas
e
rituais
, estes
movidos por obsessões de
limpeza
(lavagem de mãos e banho; quando põe as mãos
no olho, sente nojo e lava as mãos), temor à
contaminaçã
o (por perfume, por exemplo).
Também mantinha rituais de
ordenação e verificação
(arrumar a casa e a própria bolsa
inúmeras vezes, contando o número de objetos presentes, e retomando a contagem
caso interrompida ou em dúvida quanto à sequência), além de pensamentos de que
uma orca, a baleia assassina, iria atacá-la enquanto estivesse nadando sozinha na
piscina (antes receava que esta pudesse introduzir-se pelos furos do chuveiro enquanto
tomava banho). Quadro comórbido com depressão; teve várias tentativas de suicídio,
com ideação suicida ainda claramente presente. Dos 20 aos 26 anos consultou
inúmeros dicos e psicólogos, com tempo variado de tratamento medicamentoso com
antidepressivos, ansiolíticos e neurolépticos não apresentando melhora importante.
Caso 04: EPCS
Paciente sexo masculino
,
25 anos, escolaridade superior incompleta (faculdade
de Engenharia), foi encaminhado para tratamento com quadro de
pensamentos
obsessivos com conteúdo sexual
desde os 18 anos. Nessa época, andando pela praia,
ao se deparar com um grupo de homossexuais, sentiu intensa angústia e medo de “ser
como êles”. Apesar de se considerar sexualmente normal, não era capaz de libertar-se
dessa idéia. Posteriormente começou a ter
impulsos
obsessivos sob a forma de “medo
de ter vontade de matar seus dois irmãos”. Refere que passava noites sem dormir
“para não perder o controle sobre os pensamentos”, porém estas idéias “não saíam da
cabeça
.
Passou também a apresentar cefaléia quando se sentia muito nervoso devido
aos pensamentos; concomitantemente tinha medo de ter cefaléia. Vivia então o círculo
vicioso sofrer cefaléia, ter medo de tê-las e ao mesmo tempo ter pensamentos “que
forçavam a -las”. As
idéias, imagens e impulsos
ocorriam no plano ideatório; não
executava rituais. Dados sobre personalidade mostraram um padrão de funcionamento
rígido, auto-exigente e perfeccionista
precoce: desde pequeno era preocupado em não
errar, e justificando que era o neto mais velho e os parentes depositavam em si todas
as expectativas. Caso cometesse alguma falha, ou se percebesse não atendendo
àquelas expectativas, sentimentos de culpa o assolavam intensamente. Em
contraposição, seu rendimento acadêmico e comportamento foram sempre
irreprováveis, o primeiro piorando após o início do quadro, ao ponto de abandonar os
estudos. Recebeu os diagnóstico de TOC e co-morbidade com depressão e transtorno
de personalidade obsessivo-compulsivo; fez tentativa de suicídio e conteúdos dessa
natureza tipo ainda estão presentes. O paciente realizou diversos tratamentos
farmacológicos e psicoterápicos (psicoterapia analítica) nos 7 anos anteriores a este
estudo, sem resposta favorável.
74
Caso 05: FM
Paciente do sexo masculino, 48 anos, casado, médico, exercendo a profissão
com restrições importantes. Sempre foi criança muito ansiosa, com medos, sendo que
por volta dos 19 anos iniciaram-se os sintomas de TOC, que envolvem principalmente
imagens
obsessivas
com conteúdo
sexual
e
agressivo.
Por exemplo, se está com uma
caneta na mão, imagina que a está introduzindo no ânus ou vagina de uma pessoa
próxima; ou então, se está num restaurante e o garçom lhe vem à frente, tem a imagem
que está dilacerando a genitália de outro homem - no caso do garçom, ou então seu
próprio pênis. Houve comprometimento do seu ajustamento social (não tem nenhum
amigo) e prejuízo importante em seu exercício profissional, pois teme que os pacientes
percebam seu problema. Teve tentativas de suicídio, e se refere claramente à sua
ideação suicida, que atualmente é constante. É irritável, impulsivo, e com episódios de
agressão física à esposa e verbal a médicos que o atenderam. O quadro persiste sem
melhoras a despeito dos inúmeros tratamentos psicoterápicos (em diversas linhas de
abordagem, inclusive psicanalítica e comportamental-cognitiva) e medicamentosos a
que tem se submetido continuamente.
Caso 06: GFG
Paciente do sexo feminino, 58 anos, segundo grau incompleto, viúva, 3 filhos,
profissão prendas domésticas, com restrições. Introvertida e tímida, recebeu educação
rígida da cultura japonesa. Teve experiência de abuso sexual na infância, em que um
primo mais velho tocou seus genitais. Devido a esses acontecimentos, que na época não
a incomodaram, refere que aos 13 anos, quando iniciada nos ensinamentos da religião
católica, teve a
idéia
obsessiva de que era “suja” e que “não era mais virgem” (o que não
era verdadeiro).
Rituais
intensos, principalmente associados a preocupações com
limpeza,
iniciaram-se aos 38 anos, época do nascimento de um dos filhos, quando
deparou-se com excremento de rato no ambiente doméstico. Passou a cuidar
exageradamente da própria higiene (rituais ao banho e na escovação de dentes, por
exemplo) e da do filho; a preocupação com este último foi o que a motivou a procurar
tratamento mais efetivo. O quadro evoluiu com melhoras transitórias e parciais dos
sintomas com medicação e psicoterapia (psicodinâmica, e comportamental, mais
recentemente).
Caso 07: GSM
Paciente do sexo masculino, 26 anos, superior incompleto, casado, inativo,
economicamente dependente dos pais. Desde os seis anos apresentava
medos
diversos: do escuro, de caveira, ralo de banheiro, piscina (pois poderia ser sugado), do
filme do Super-homem (na cena que seu planeta explodiu), e, particularmente, de que o
ET
(personagem de filme infantil) aparecesse subitamente à sua frente. Muito inseguro,
sempre teve dificuldade com amigos. Aos 15 anos iniciou rituais intensos de
verificação
(conferia várias vezes todos os objetos que a e colocava em sua mochila; se a porta
estava trancada e as luzes todas apagadas) e de
limpeza
(ficava por horas no banheiro,
75
após defecar, limpando-se com um lencinho de papel até que este estivesse
absolutamente branco). Estes persistem até hoje associados ao uso de álcool e
maconha. Apesar dos tratamentos medicamentosos e psicoterápicos apropriados e
contínuos o paciente encontra-se incapacitado.
Caso 08: IR
Paciente de 27 anos, administradora de empresas, superior completo, trabalhou
como escriturária, atualmente inativa. Seus problemas tiveram início aos 14 anos,
quando ouviu dizer que uma moça tinha sido violentada, e começou a ter imagens e
representações intrusivas com esse conteúdo. Esse episódio remitiu espontaneamente,
porém aos 22 anos passou a ter
dúvidas
: se tinha perdido a virgindade, se havia ficado
louca, e também passou a ter medo de ter sido
contaminada
por doenças, como
verminose. Desenvolveu rituais de
limpeza
e
descontaminação
intensos, a ponto de
suas mãos e pés ficarem machucados de tanto serem lavadas. Além disso,
apresentava rituais cognitivos, de
contagem
, e de
verificação
: buscava a confirmação
das pessoas próximas para se certificar se os episódios haviam ou o acontecido, e,
no ambiente de trabalho, tinha que verificar várias vezes com diversos colegas se sua
produção estava correta ou não. Com o aumento da intensidade dos sintomas, parou
de trabalhar e atualmente está afastada por doença; eventualmente auxilia a e em
compras no supermercado ou nas tarefas domésticas. Tratada com psicoterapia
psicodinâmica e farmacoterapia, sem melhora.
Caso 09: JM
Paciente de 47 anos, segundo grau completo, inativo. Desde os 15 anos com
sintomas ansiosos: “nervosismo, irritabilidade, sensibilidade exagerada”. Aos 28, após
ter presenciado o assassinato do pai, passou a ter
idéias
obsessivas relacionadas à
religião, impureza, pecado.
O número 3, por exemplo, remetia à Santíssima Trindade e
à idéia de sexo entre Cristo e a Virgem, e entre si e a Virgem, de modo que esse
número lhe causava desconforto. Quando vinha a
imagem
de ter pisado em Cristo ao
andar, para aliviar-se da angústia dessa obsessão tinha que fazer ritual de retornar ao
lugar onde isso ocorrera, para certificar-se de que não havia de fato pisado em Cristo e
consequentemente poder sentir-se melhor. Tinha também o
pensamento
obsessivo de
estar perdendo ou de ter perdido partes do corpo, e, portanto, tinha que roçar a cabeça
várias vezes para
verifica
r se ela estava presente em seu corpo. Em suas palavras:
“quando penso em uma parte do meu corpo, parece que esta vai sumir”.Teve duas
internações anteriores com diagnóstico de esquizofrenia.
Caso 10: JCH
Paciente do sexo masculino, 48 anos, casado, segundo grau completo,
comerciante, com prejuízo importante na atividade laborativa. Seus primeiros sintomas
de TOC apareceram aos 14 anos, com
dúvidas
patológicas: nessa idade foi comprar
uma rádio-vitrola e, após a transação, começou a ter dúvidas se “o negócio havia sido
feito mesmo”. Daí em diante começou a questionar-se freqüentemente a respeito de
temas relacionados a prejuízo de patrimônio. Por exemplo: será que a partilha de bens
foi correta? Será que as minhas coisas são minhas? Será que assinei um papel
importante e não estou sabendo? Seus rituais
de verificação
consistem em tentar
76
certificar-se interrogando sua esposa e esperando uma resposta dela, o que o
tranqüiliza temporariamente. Também tem rituais de
repetição
, em que tem que “fazer
tudo três vezes” inclusive piscar os olhos, mesmo quando dirigindo o carro, o que
motivou um acidente. Sua doença teve curso contínuo até os 21/22 anos. Houve
remissão dos sintomas dos 22 aos 28 anos, que retornaram, após essa idade,
acompanhados de depressão e, posteriormente, alcoolismo. Apresenta várias histórias
de internações relacionadas ao uso abusivo de álcool e benzodiazepínicos, depressão
e agressividade extrema em relação a seus familiares. Tentou suicídio três vezes e
mantém ideação com este conteúdo. Fez vários tratamentos medicamentosos desde os
18 anos, sem melhora importante. Fez psicoterapia cognitivo-comportamental por um
período de alguns meses, porém a presença do quadro co-mórbido dificultava a
aderência ao tratamento.
Caso 11: MVBS
Paciente do sexo feminino, 46 anos, casada, dois filhos, superior incompleto,
aposentada por doença. Quando criança era muito ativa, gostava de esportes, porém
mostrava uma insegurança e timidez que tenderam a melhorar na adolescência,
quando ficou mais “extrovertida” (sic). Aos 15 anos iniciaram-se rituais de
verificação,
nos quais tinha que escrever diversas vezes o mesmo conteúdo em seu caderno
escolar para conferir se o havia redigido; a estes associaram-se rituais de
descontaminação, limpeza, ordenação
, e
simetria
. Esses comportamentos a mantinham
por várias horas limpando a louça de casa, colocando-a de um determinado modo no
aparador de pratos, e fazendo um percurso dentro de casa no qual evitava ladrilhos e
determinados espaços. Estes rituais se acentuaram por volta dos 29 anos quando
descobriu um nódulo (benigno) no seio, e passou a ter que evitar o pensamento de que
poderia morrer de câncer. Começou a desenvolver também rituais encobertos, de
verificação: repetia mentalmente frases ditas por outra pessoa para conferir seu sentido
correto. Os rituais se iniciavam pela manhã e se manifestavam inclusive nos sonhos,
enquanto dormia. O quadro evoluiu negativamente com incapacitação total da paciente,
apesar dos tratamentos apropriados: medicamentosos, terapia psicodinâmica e
cognitivo-comportamental (inclusive diariamente) e contínuos.
Caso 12: RQ
Paciente do sexo feminino, 27 anos, solteira, 2o grau completo, inativa. Até o
início dos sintomas era adolescente um pouco tímida, porém alegre, com amigos e boa
adaptação escolar e profissional. Os primeiros sinais de TOC apareceram aos 20 anos,
com pequenas manias de
limpeza
(limpar excessivamente os pés nos capachos antes
de entrar em casa), e, mais particularmente, quando sua mãe solicitou que limpasse
com a um cocô do cachorro em casa, e a paciente, embora desejasse, não se opôs
e executou a ordem. Desde então desenvolveram- se principalmente rituais de
limpeza,
descontaminação
(se saísse à rua e visse cocô, tinha que voltar para casa, tirar e lavar
com desinfetante a roupa do corpo) e
verificação
(sabia que o lixo estava fora de casa,
mas tinha que verificá-lo) que se intensificaram com o passar dos anos. Teve que
abandonar o trabalho e requerer afastamento por doença. Mantém atualmente contato
77
com alguns poucos amigos, os quais podem ser capazes de compreender sua doença.
Fez vários tratamentos medicamentosos e psicoterápicos desde o início da doença,
mas sem melhora importante.
Caso 13 RM
Sexo masculino, 27 anos, superior incompleto, estudante e professor de colégio.
Sintomas iniciaram-se aos 13 anos, quando assistiu a um episódio da rie
Spectramen
, no qual um menino é substituído por um alienígena que faz muito mal a
sua família. Desde então, passou a acreditar que o irmão teria sido substituído por um
“ser do mal” (
sic
) e por essa razão começou a evitar tocá-lo. Essa dificuldade aos
poucos se generalizou, de modo que não podia tocar nenhum objeto tocado pelo irmão.
Se este ligasse a TV, ele teria que desligar e ligar novamente. Desenvolveu vários
rituais de
limpeza
e
descontaminação
a partir daí, tendo que desinfetar toda sua roupa
e objetos pessoais quando saía de sua residência (não morava com os pais) e usava
transportes públicos, e particularmente quando visitava os pais. Aos 18 anos entrou na
universidade e começou a dar aulas em um colégio. Porém, ao longo do tempo
começou a ter preocupações no sentido de considerar que as pessoas do trabalho
“não eram de verdade, não eram pessoas deste planeta, mas de outra dimensão, do
mal, e que poderiam contaminar” A partir daí passou a ter que limpar-se com álcool
também quando retornava desse trabalho, em ritual de
descontaminação
. Refere que,
por meio da psicoterapia, associou o início de seus problemas com o fato de que aos
13 anos, quando brincava com seu irmão menor sob as cobertas na cama, foi flagrado
pela irmã, que fez comentários de cunho sexual sobre a situação: “Estávamos
brincando, meu irmão estava tocando lá, foram só uns toques”. Atualmente, quando
retorna à sua residência tem que desinfetar exaustivamente tudo que veste, usa ou
carregou consigo, de modo a evitar que sua residência seja contaminada. Ou ainda,
guarda todos os objetos que considera como contaminados em um saco, de modo a ter
tempo novamente para realizar o ritual adequado. Atualmente quase não há mais
espaço disponível onde mora. Tem rituais de
limpeza
das os, associado a
preocupações com
números
e
contagem
“lavo a mão 150 vezes, isso porque cada vez
que lavo tenho que lavar 4 vezes, se perder a conta tenho que começar tudo de novo -
mas não pode dar “6” porque 5 é o número da besta....”. Tratado com psicoterapia e
farmacoterapia, sem melhora do quadro.
Caso 14: VBS
Paciente do sexo masculino, 26 anos, solteiro, 2
º
grau incompleto, inativo.
Asmático desde pequeno, referiu ter poucos amigos e sempre ter sido uma criança
extremamente insegura e muito tímida. Os sintomas obsessivo-compulsivos iniciaram-
se aos 7 anos: tinha que observar os pais ao saírem de casa, sob risco de algo ruim
ocorrer. Houve piora do quadro após os doze anos, quando seu pai adoeceu: contava o
número de vezes em que este se movia para respirar. Iniciou rituais de reza, de
verificação
(inclusive encobertos) que adquiriram conteúdo religioso-filosófico, além de
colecionismo
. Partia de determinados temas que o incomodavam, e que poderiam ser
casualmente mencionados por outras pessoas, como trabalho, mulheres/sexo, política
e principalmente religião, e construía uma série de argumentos sobre essas questões,
com prós e contras, mas sempre com teor auto-recriminatório. Estes eram repetidos e
78
repassados inúmeras vezes, mentalmente, pelo paciente. Apresentava co-morbidade
com depressão. Realizou tratamentos medicamentosos e psicoterápicos apropriados e
contínuos, mas apesar disso não foi mais capaz de retomar a vida laborativa ou
acadêmica.
Caso 15: WC
Paciente do sexo masculino, 44 anos, solteiro, 2
o
grau incompleto, afastado do
trabalho por doença. Quando criança era agressivo, nervoso e não tinha amigos. Seus
primeiros sintomas de TOC apareceram aos 12 anos com medo de errar, levando a
rituais de
verificação
. Atualmente apresenta rituais de
limpeza
, relacionados à
evacuação: “Quando evacuo, o pijama fica sujo de fezes, tenho que tomar banho
para tirar a secreção de fezes que fica sobre mim, depois do banho passo a vassoura,
depois o rodo com pano”. Esses sintomas são acompanhados de
dúvidas patológicas
:
teve enorme dificuldade de decidir-se a assinar ou não o termo de compromisso desta
pesquisa, embora estivesse em tratamento no hospital longo tempo, conhecesse
os profissionais que o atenderam, e tendo afirmado que compreendera bem as
explicações que lhe foram fornecidas. Episódios de depressão e hipomania são
relatados. Fez vários tratamentos medicamentosos e psicoterápicos, inclusive em
abordagem cognitivo-comportamental, desde o início dos primeiros sintomas, sem
melhora importante ou persistente.
4.2 INSTRUMENTOS
Os prontuários médico-hospitalares, usados na seleção inicial, foram
consultados para a descrição de cada caso quanto ao início do quadro, história clínica,
sintomas, tratamento, evolução da doença e co-morbidade. Uma entrevista semidirigida
foi utilizada para estabelecimento do contato, esclarecimentos sobre a pesquisa e sobre
o termo de compromisso, bem como para complementação das informações obtidas a
partir dos prontuários.
O método das manchas de tintas de Rorschach será mais pormenorizado a
seguir.
79
4.2.1 O Método das Manchas de Tinta de Rorschach
Para finalidade desse trabalho, o método das machas de tinta de Rorschach foi
escolhido como instrumento devido ao fato de este permitir acesso à investigação de
aspectos cognitivo-afetivos e estilos ou traços de personalidade, assim como à análise
qualitativa do processo de resposta, sendo a tarefa proposta abordada como prova de
resolução de problemas, envolvendo diversas etapas.
Seu material consta de 10 pranchas, a serem aplicadas em uma ordem pré-
estabelecida, com borrões simétricos, com variações em termos de cor, textura e grau
de definição da mancha. O indivíduo deve dizer, em relação a cada uma delas, “com
que se parece”, ou o que poderia ser”. Após este procedimento inicial, denominado
“fase de associação”, segue-se uma segunda etapa, o “inquérito”, que é o momento em
que o examinador procura esclarecimentos sobre as respostas a fim de obter uma
posterior codificação de elementos das mesmas.
Este trabalho segue os padrões de classificação e interpretação propostos pelo
Sistema Compreensivo de Exner (1999 ; WEINER,2000), tendo em vista que este autor
sustenta seus pressupostos em ampla pesquisa teórica e prática.
A integração dos resultados dessa prova se ancora em um espectro de teorias
que vão desde aquelas sobre processos perceptuais-cognitivos até conceptualizações
psicanalíticas de psicologia do ego, impulso e defesa (WEINER,2000).
80
As normas para o preparo do paciente, condições de aplicação, administração
das instruções e categorização das respostas, bem como as tabelas para localização,
aferição da qualidade formal, nota “Z”, respostas populares e as estatísticas descritivas
sobre as variáveis do Rorschach serão as que constam no Manual de Classificação do
Rorschach, de Exner (1999).
Para aumentar o grau de precisão dos escores, o examinador randomicamente
escolheu 20 dos 30 protocolos, sendo 10 do grupo dos pacientes graves e 10 dos
leves. Os protocolos, digitados pela pesquisadora, foram enviados, em seqüência
aleatória, a dois examinadores independentes, com treino intensivo em critérios de
classificação e experiência em pesquisa normativa com a prova de Rorschach. Esses
juízes estavam cegos em relação ao grau de comprometimento dos pacientes e às
hipóteses do pesquisador. Um terceiro examinador, assistente-mestre da Faculdade de
Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora das
disciplinas de Rorschach que enfocam a classificação e interpretação dessa prova,
retomou as classificações para revisão final e minimização das incongruências, tendo
sido responsável pela transposição desses dados para o
Rorschach Interpretation
Assistance Program (
RIAP TM), versão 5.30.154 (EXNER, J.E e WEINER, I.B., 1995) .
Atendemos ao critério proposto por Exner (1999, p.17) de selecionar protocolos
de mais de 14 respostas. Mas não atendemos à sugestão de limitar o número de
respostas (op.cit. p 18) pensando que isso poderia enviesar o estudo e afetar índices
que pretendemos estudar em se tratando de pacientes com diagnóstico de TOC.
81
A classificação das respostas visa a responder a nove questões nas oito
categorias seguintes: 1. localização, 2. qualidade evolutiva, 3. determinantes, 4.
qualidade formal, 5. existência de par, 6. conteúdos, 7. popularidade, e 8. presença de
Códigos Especiais e das seguintes Categorias Especiais de Conteúdo: AB: conteúdo
abstrato; AG: movimento agressivo; COP: movimento cooperativo; MOR: conteúdo
mórbido; PER: respostas personalizadas; CP: projeção de cor
.
4.2.1.1 Variáveis selecionadas para este trabalho: Códigos Especiais
Segundo Exner (1999), os Códigos Especiais permitem a quantificação de
muitas das características de respostas que eram interpretadas qualitativamente nos
sistemas anteriores ao Sistema Compreensivo. Atualmente são descritos quatorze
Códigos Especiais: seis dizem respeito a verbalizações inusuais, dois são usados para
perseveração e falha na integração, quatro envolvem características especiais de
conteúdo, um deles codifica uma resposta é personalizada e um deles é atribuído
quando ocorre um fenômeno especial de cor.
Este estudo focaliza as denominadas
Verbalizações Inusuais,
descritas por
Exner (1999) como elementos importantes no estudo da atividade cognitiva e, mais
particularmente, das derrapadas cognitivas. Quando essa forma de desorganização
ocorre, seja momentânea ou prolongada, é freqüentemente manifestada verbalmente,
daí a importância de serem assinaladas em um protocolo.
Seis códigos especiais são usados para registrar a presença desse tipo de
desorganização nas respostas do Rorschach: dois para Verbalizações Desviantes: 1)
82
DV
e 2)
DR
; três para Combinações Inadequadas: 3)
INCOM
; 4)
FABCOM
; 5)
CONTAM
e um código, 6)
ALOG
, utilizado para Lógica Inadequada. Estes serão
especificados a seguir:
Dos Códigos Especiais para Verbalizações Desviantes, o primeiro,
DV-
refere-se
a palavras ou segmentos de resposta relacionados à resposta, e o segundo -
DR
- diz
respeito a uma frase mais extensa, em que o sujeito acaba por se desviar da tarefa em
questão.
1.
Verbalização Desviante:
o
DV
é assinalado às respostas cujas
características criam uma impressão de estranheza; geralmente, a palavra
inadequada destaca-se marcadamente na resposta. Envolvem os seguintes
fenômenos:
a. Neologismo: implica o uso de uma palavra incorreta ou
neologismo ao invés de uma palavra adequada à capacidade
verbal do sujeito. O Exemplo dado por Exner (1999) é: “Uma mosca
quicando
”.
b. Redundância: envolve o uso estranho da linguagem, que
não pode ser justificado em termos de um idioma subcultural ou
limitação de vocabulário, e no qual o sujeito identifica duas vezes a
natureza do (s) objeto (s) referidos. Exemplo de Exner (1999): “Um
minúsculo
pássaro pequeno”
2.
Resposta Desviante:
o
DR
é assinalado para uma resposta que tem
uma qualidade estranha ou peculiar, no sentido de que o sujeito utilizou
83
palavras que refletem uma tendência para se afastar da tarefa em pauta ou
distorcê-la. A
DR
não é necessariamente bizarra, mas a verbalização é
claramente inadequada ao contexto. Exner (1999) observa que algumas
respostas codificadas como
DR
podem conter um
DV
; neste caso, se
codifica a
DR
. Esse tipo de respostas se manifesta de duas formas:
a. Frases Inadequadas
:
são respostas que incluem frases irrelevantes
para a resposta ou para a tarefa em pauta. Essa codificação distingue-
se de comentários curtos como “Ah, essas são difíceis”, ou
“Finalmente temos cores”. Representam frases contidas na própria
resposta, ou relacionadas a elas. Ex: “Um pássaro,
mas eu esperava
ver uma borboleta
”.
b. Frases circunstanciais: envolvem respostas fluidas ou divagações
nas quais o sujeito torna-se inadequadamente elaborativo. o são
necessariamente longas, e deve-se tomar cuidado para não confundir
a DR circunstancial com uma resposta que é bem elaborada e
adequadamente detalhada. Na DR, o sujeito perde-se na tarefa, e
pode ter dificuldade em retornar ao objeto da resposta. Ex.
DR
no caso
11, grupo grave (G1): “Parece dois coelhinhos, por causa da orelha, do
rabinho que parece de coelho (....).
É um animal que parece coelho,
mas não é coelho, é um animal. É um animal que parece coelho, mas
não é coelho, é um animal. É um animal que parece coelho, mas não é
coelho, é um animal
.” Nesse caso, a paciente desvia-se da tarefa
executando um ritual de repetição.
84
Combinações Inadequadas são respostas combinatórias envolvem a
condensação inadequada de impressões e / ou idéias que violam a consideração da
realidade. Relações irreais são atribuídas entre imagens, objetos ou atividades. três
tipos:
3.
Combinação Incongruente:
o
INCOM
envolve a condensação de
detalhes da mancha ou imagem que são inadequamente combinadas em um
único objeto. Por exemplo, no caso 5 do grupo dos pacientes graves (G1)
encontramos a seguintes respostas
: “Um pênis com asas
(cartão VI); ou “Um
morcego com dois pintos na cabeça
” (cartão V)
4.
Combinação Fabulada: FABCOM
envolve uma relação implausível
que é postulada entre dois ou mais objetos identificados na mancha, portanto
devendo incluir sempre dois ou mais detalhes da mancha. Algumas FABCOMs
incluem respostas que, se fossem, identificadas como desenho animado, não
teriam esse código especial, enquanto outras violam a realidade de maneira mais
contundente. Estas últimas podem também aparecer em respostas envolvendo
transparências impossíveis. Ex. Caso 5, do grupo grave (G1): “Duas garras
...
me parecendo
duas aves, dois bichos, um com outro querendo se atracar, e
ainda por cima de uma bunda, buceta, ânus...
” (cartão I)
5.
Contaminação: CONTAM
é a mais bizarra das combinações
inadequadas. A
CONTAM
representa duas ou mais impressões que foram
fusionadas em uma única resposta. O processo de fusão causa prejuízo na
adequação de cada uma dos conteúdos, o que o aconteceria se esses se
85
referissem a respostas independentes. Esse código é atribuído quando o sujeito
usa uma única área da mancha para atribuir os conteúdos fusionados, e pode vir
acompanhado de neologismo. Ex. “
parece uma borboleta flor- uma borboflor
...”
6.
Lógica Inadequada
: o ALOG é utilizado sempre que o sujeito, sem ser
questionado, usa um raciocínio forçado para justificar sua resposta. A lógica
envolvida é claramente não-convenvional, e representa uma forma de
pensamento frouxa e simplista. O sujeito pode enfatizar elementos como o
colorido, tamanho, elementos espaciais ou outros aspectos para justificar sua
resposta. Esse digo não pode ser atribuído quando a resposta ocorrer
diretamente como conseqüência de uma pergunta do examinador na fase de
inquérito. Ex
.
Caso 4, grupo grave (G1): “Dois marcianos. Idênticos. Parece que
estão discutindo,
pela proximidade deles, apesar de terem a mesma feição”.
Exner (1999) também codifica o grau de comprometimento do indivíduo
diferenciando as respostas em temos de Nível: 1 ou 2. Assim, os dois digos usados
para Verbalizações Desviantes (DV e DR) e dois dos três códigos que identificam as
Combinações Inadequadas (INCOM E FABCOM) são também diferenciados quanto ao
grau de bizarria em Nível 1 ou Nível 2. Para fazer essas discriminações, Exner (1999)
recomenda que o classificador estime o grau em que o sujeito deconsidera a realidade
ao dar a resposta. Ou seja, se a desorganização cognitiva representa uma forma casual
de negligência ideacional, Nível 1, e se resulta de um pensamento desorganizado,
inadequado, que se distancia marcadamente de realidade, Nível 2. Reconhece que
pode haver certo subjetivismo ao se fazer essas discriminações, e que a questão da
86
inadequação imatura (nas derrapagens brandas) versus bizarria (nas mais sérias) deve
ser usada como bases para a distinção entre os Níveis 1 e 2.
O
DR
citado no caso 11, do grupo grave (G1) ilustra um exemplo de Nível 2.
Trata-se de uma repetição de resposta, resultante de uma desorganização cognitiva
associada à necessidade compulsiva de repetir o comentário sobre sua resposta. Outro
exemplo citado, também de Nível 2, são as respostas do caso 5 (G1), codificado
como
INCOM 2
devido à inadequada combinação: “
morcego
+ “
dois pintos”.
4.3. PROCEDIMENTO E ÉTICA
Após etapa inicial de seleção da casuística e registro das informações
preliminares, os pacientes, à medida que atingiam os critérios de inclusão, eram
encaminhados para a entrevista com o psicólogo responsável pela pesquisa e
esclarecidos a respeito dos objetivos da mesma, assim como dos aspectos éticos
envolvidos. O termo de compromisso foi lido e cuidadosamente explicado a cada um
dos participantes da pesquisa, que somente o assinava após compreenderem seus
vários itens e aceitarem as condições descritas.
Após esse procedimento, eram submetidos a entrevistas e à aplicação do
método das manchas de tintas de Rorschach, em horários previamente combinados e
convenientes. Ao término do estudo de caso, todos os pacientes receberam devolução
dos resultados por meio de uma ou mais entrevistas e sugestões relativas à
continuidade do tratamento quando necessário. Foram atendidos no hospital (IPQ-
87
HCFMUSP) e em consultórios particulares, em ambiente adequado para realização do
estudo e sem interferências externas .
O projeto de pesquisa foi aprovado e julgado pela Comissão de Ética para
Análise dos Projetos de Pesquisa CAPPesq da Diretoria Clínica do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo, como parte do
Protocolo de Pesquisa intitulado
Transtorno obsessivo-compulsivo resistente ao
tratamento clínico: fatores preditivos e seleção de pacientes para neurocirurgia
funcional e seguimento pós-cirúrgico
. Foi submetido e aprovado pela Comissão de
Ética do Programa de s Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
88
5 RESULTADOS
Os resultados a seguir serão apresentados seguinte forma: resultados
quantitativos relativos às variáveis em estudo e o estudo exploratório, seguidos da
análise qualitativa do processo de resposta de alguns casos selecionados para
ilustração, cujos dados de história clínica constam da seção 4.1.3.
5.1 Resultados quantitativos relativos às variáveis em estudo
Relembramos os objetivos desta pesquisa: estudar variáveis afetivo-cognitivas
em pacientes com diagnóstico com TOC em nível severo e incapacitante; mais
especificamente a presença dos Códigos Críticos Especiais, definidos segundo o
Sistema Compreensivo de Exner, e b) estudar comparativamente as variáveis cognitivo
afetivas entre pacientes com diagnóstico de TOC grave e TOC leve
Dentre os Códigos Críticos Especiais, focalizou-se as denominadas
Verbalizações Inusuais, incluindo-se sua soma (Sum6) e soma ponderada (WSum6).
Com relação a essas variáveis estudadas, observou-se diferença significativa de
médias entre o grupo de pacientes com TOC grave e leve nos seguintes índices:
WSum6 (p=0,021), Nível 2 (p=0,007) e DR2 p=0,01, conforme Tabela 5 abaixo.
89
Tabela 5 - Comparação entre médias de pacientes com TOC grave (G1) e
leve (G2)
quanto às variáveis: WSUM6, respostas de Nível 2 e DR2
TOC Grave
Média(DP)
TOC Leve
Média(DP)
t
p
< 0.05
WSum6
31,27(32,91)
8,73(9,05)
2,557
0,021
Nivel 2
3,93(4,37)
0,33(1,05)
2,557
0,007
DR2
2,73 (3,35)
0,13(0,52)
3,105
0,001
Tendo-se em vista a amplitude do desvio-padrão observada em relação às
médias do grupo
grave
, optou-se por analisar a distribuição desses índices caso a caso.
Utilizou-se a Tabela 6 a seguir como uma das fontes para se estabelecer critérios na
escolha de casos graves selecionados para ilustração de análise qualitativa.
Tabela 6 - Distribuição na amostra do número total de respostas (R) , WSUM6,
respostas de Nível 2 e DR 2 em pacientes com TOC grave (G1)
CASOS G1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Índices
Médias
R
M=26 20 20 17 46 42 30 54 22 17 14 33 18 28 15 17
Sum6
M=6,86 1 1 0 23 6 3 13 2 15 2 13 8 8 3 5
WSum6
M=31,27 3 3 0 114 27 11 66 6 67 6 60 36 39 7 24
Nível 2
M=3,93 0 0 0 14 5 0 10 0 6 1 9 5 5 1 3
DR2
M=2,73 0 0 0 9 1 0 8 0 4 0 8 5 3 0 3
Fonte: Criada pela autora
90
Primeiramente, destacamos a presença de índices WSum6 bastante
elevados
,
os quais se acompanham de resultados em Nível 2 e de DR 2 também acima da média
grupal nos casos: 4,9,7 e 11. Decidimos realizar a análise qualitativa desses quatro
casos graves, considerando a importância de se compreender a
forma de expressão
das respostas
mais comprometidas quanto aos aspectos cognitivo-afetivos aferidos por
esses índices
. Supostamente, esses podem
ilustrar com mais clareza as alterações
presentes e que puderam ser captadas por meio da prova das manchas de tinta.
Além disso, destacam-se na Tabela 6 seis
casos graves (G1) que apresentam
índices
abaixo
da média grupal, isto é, WSum6 variando de 0 a 7. Esses resultados se
associam a respostas de Nível 2 de zero a um, assim como à presença de DR2 = zero
nesse grupo de pacientes graves. Em ordem crescente quanto ao resultado nos índices
mencionados, os casos são: 3, 1, 2, 8, 10 e 14.
Dessa sub-amostra do grupo G1 abaixo da média grupal foram selecionados
para serem submetidos à análise qualitativa os casos 1 e 14 . O critério de escolha
deveu-se ao fato de que, embora não apresentassem alterações cognitivas - tal como
as aferem os códigos críticos expressavam alterações qualitativas em seu
funcionamento, as quais poderiam ser associadas à psicopatologia do TOC, merecendo
assim serem descritas. Finalmente, optamos por incluir na análise qualitativa dos TOC
grave o caso 15, mais próximo da média grupal.
O grupo de pacientes
leves
(G2) mostrou dia significativamente menor do que
o grupo G1, com amplitude menor de variação dos resultados nos índice WSum6, Nível
2 e DR2. Treze dos pacientes obtiveram índices WSum6 variando de zero a 12. Um
91
deles -caso 13- obtive resultados mais discrepantes, acima da média do próprio grupo
(G2) e do grupo dos graves(G1), sendo por essa razão escolhido para ilustração
qualitativa.A Tabela 7 abaixo permite verificar a distribuição dos escores nos casos de
TOC leve (G2).
Tabela 7: Distribuição na amostra do número total de respostas (R), WSUM6,
respostas de Nível 2 e DR2 em pacientes com TOC leve (G2)
CASOS G2
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Índices
Médias
R
M=31.93 40 22 32 41 25 22 32 18 42 60 30 25 38 36 16
Sum6
M=3,33 2 2 1 0 3 8 2 1 3 8 3 5 8 2 2
WSum6
M=8,73 5 4 3 0 7 3 5 3 11 24 10 12 34 4 6
Nível 2 M=0,33
0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 4 0 0 0
DR2 M=0,13
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0
Fonte: Criada pela autora
5.1.1 Estudo exploratório
Dentre as variáveis selecionadas para estudo exploratório, o código
MOR
mostrou diferença significativa entre as médias dos grupos grave e leve, conforme
ilustrado na Tabela 8 a seguir.
Tabela 8: Comparação entre pacientes comTOC grave (G1) e leve (G2) quanto
à variável MOR
TOC Grave
Média(DP)
TOC Leve
Média(DP)
t p
<0,05
MOR
2,60 (3,22)
0,73(0,96)
2,148
0,04
92
A Tabela 9 abaixo mostra a distribuição do índice MOR em cada um dos
pacientes do grupo grave e leve. A expressão qualitativa desse índice será comentada
na seção 5.2 nos
casos que o contém.
Tabela 9: Distribuição amostral do índice MOR em pacientes
com TOC grave (G1)e leve (G2)
CASOS
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
TOC Médias
Grave M=2,60
0
1
0
9
6
0
9
3
0
0 1 0 5 3 2
Leve M=0,73
0
0
0
0
0
0
3
1
1
0 0 1 2 1 2
Fonte: Criada pela autora
Finalizando a apresentação dos resultados quantitativos, a Tabela 10 a seguir
ilustra os resultados das diferenças estatisticamente
significativas
e
não-significativas
entre as médias dos grupos grave e leve.
Tabela 10 - Variáveis estatisticamente significativas* e não-significativas na
comparação entre grupos de pacientes com toc grave (g1) e leve (g2)
GRUPO
Média Desvio padrão
t p-
valor
R
grave 26,13 12,50 -1,325
0,196
leve 31,93 11,45
%F
grave 50,53 17,61 -0,129
0,898
leve 51,27 13,22
SUM6
grave 6,87 6,56 -0,647
0,523
leve 8,73 9,05
*WSUM6
grave 31,27 32,91 2,557
0,021
leve 8,73 9,05
*NIVEL 2
grave 3,93 4,37 3,105
0,007
leve ,33 1,05
DV1
grave ,20 ,41 0,475
0,638
leve ,13 ,35
INC1
grave 1,00 1,00 0,211
0,834
93
leve ,93 ,70
INC2
grave ,60 ,91 1,852
0,08
leve ,13 ,35
DR1
grave 1,13 1,30 0,148
0,883
leve 1,07 1,16
*DR2
grave 2,73 3,35 3,105
0,010
leve ,13 ,52
FABC1
grave ,33 ,72 -0,468
0,644
leve ,47 ,83
FABC2
grave ,60 1,18 1,706
0,108
leve 6,67E-02
,26
ALOG
grave ,27 ,59 1,740
0,104
leve ,00 ,00
PSV
grave ,40 1,30 0,568
0,577
leve ,20 ,41
*MOR
grave 2,60 3,22 2,148
0,047
leve ,73 ,96
PAR
grave 6,40 4,93 -1,639
0,115
leve 10,40 8,07
C0P
grave ,33 ,62 -0,323
0,749
leve ,40 ,51
Fonte: Criada pela autora
Obs: As variáveis DV2 e CONF não foram computadas porque o desvio-padrão de ambos os grupos = 0.
5.2.
Análise qualitativa do processo de elaboração da resposta dos
casos selecionados para ilustração
A parte a seguir apresenta um resumo dos principais pontos focalizados em cada
caso. Seguem-se os protocolos dos pacientes, com a transcrição da fala de cada
indivíduo na fase de associação, em itálico, acompanhada das palavras, frases ou
indagações por parte do examinador no inquérito relativo, visando a esclarecer pontos
relativos à classificação das respostas.
A análise qualitativa do processo de resposta encontra-se após ou intercalada
entre o inquérito, conforme se julgou mais didático.
94
Além disso, optou-se pela utilização da numeração dos detalhes e não a folha de
localização, a fim de facilitar a compreensão. Finalmente, as respostas não foram
classificadas de acordo com o Sistema Compreensivo, exceto com relação a alguns
códigos pertinentes ao foco deste estudo, assinalados em negrito, assim como
comentários dos pacientes significativos no contexto da análise do caso.
A seqüência de apresentação dos casos está na seguinte ordem: inicialmente, os
quatro casos de TOC grave cujos resultados nas variáveis relativas a este trabalho
estão discrepantes acima da média grupal. A seguir, dois pacientes com índices abaixo
da média, e um com índices mais próximos da média grupal. Um paciente do grupo leve
será comentado ao final.
O colorido e a peculiaridade dos fenômenos psicopatológicos descritos na seção
4.1.4. têm o papel de uma lente, por meio da qual procura-se alcançar uma
compreensão mais apurada sobre a qualidade das alterações cognitivo-afetivas dos
protocolos.
Nem sempre todas as pranchas serão sistematicamente analisadas, mas
somente quando se quiser ressaltar pontos relevantes ao trabalho.
Os nomes dos pacientes são fictícios e os casos são identificados por meio de
seu número respectivo e iniciais.
95
5.2.1
Quatro casos de TOC grave com índices acima da média grupal
Caso 04:
Insanidade abortiva: medo de perder o controle sobre as obsessões sexuais e perfeccionismo
Não sei porque, mas de repente passou pela minha cabeça
mulheres tomando banho. Não sei porque – foi descontrole ”
“Um monte de idéia passa pela minha cabeça!.”
Este foi escolhido como o primeiro caso a ser comentado pelo fato de obter os
maiores escores nas variáveis em estudo, associado a um mero elevado de
respostas, oferecendo assim a oportunidade de se observar a intensidade e as
peculiaridades com que essas alterações cognitivo-afetivas se manifestam no caso
desse paciente em particular.
A DR ocorrem quando se produzem verbalizações inadequadas, estranhas,
alheias à tarefa principal. No caso deste paciente, muitas são DR nível 2, que vêm
acompanhadas de conteúdos
sexuais
- tema importante de suas obsessões. Esses
conteúdos são expressos de maneira crítica, negativa ou bizarra (como nas pranchas I,
II, III, VII e VIII). A maioria dessas DR2 vem associadas a elementos
mórbid
os (MOR)
ou sentimento de tristeza (prancha I), indicando a presença de angústia e conflitos
diretamente associados ao conteúdo sexual.
O número elevado de respostas do índice MOR no protocolo (MOR=9), com
conteúdos indicando deformidade (pranchas II e III), anormalidade (prancha III e VIIII)
1), deterioração (pranchas V, VIII e X) e amputação (prancha VI) testemunha a
presença intensa de um humor depressivo, assim como de sentimentos de frustração,
aflição e temor frente à possibilidade de imperfeições ou erros do paciente. São
96
congruentes com sua história de depressão e de transtorno de personalidade
obsessivo-compulsivo.
Comentários sobre falta de controle nas repetições de resposta e sobre e
conteúdos obsessivos, principalmente de natureza sexual e agressiva, estão
destacados em negrito para melhor visualização.
Prancha I
S: Eu tenho que raciocinar, ou vou falando o que me vem?
Atualmente estou com tendência
a ver coisas de sexo. Antes, eu tinha de não ver
... Uma águia – exatamente, foi isso...
Borboleta pode ser. Besouro que eu nunca tinha visto. Geralmente besouro tem asas, mas a
gente com a asa fechada.
Quer que continue? Haveria tendência a dizer: órgão
sexual de mulher, se não... Só isso.
Inquérito
S: Águia – falei borboleta primeiro?
S: Teria forma de borboleta, de águia também. Borboleta pela simetria, forma das asas. Isto poderia
ser uma combinação de cores. Borboleta tem cores variadas Existem também borboletas escuras,
com manchas claras (W).
E: Voltando à águia?
S: Aqui (D7). O bico, as asas, a testa, cabeça... De um jeito impossível: voando de costas. Indo ao
céu – apesar da aparência dela não ser feliz! (
DR2
).
E: Besouro?
S: Essa parte (D4), sem o branco. Essa parte (D1) são as garras. O rabo, o formato não normal da
cabeça. A garra bem feita supre a deficiência da cabeça (
DR2
).
E: Haveria tendência ...
S: Aqui (Dd37) parecendo o lugar mais fácil de introduzir o pênis que dói menos na mulher...
Que a mulher sente mais prazer!
Tudo que tem rachadura, algo desse tipo, me
lembra!
(Dd27) (
DR2
)
O primeiro comentário de E. já demonstra sua preocupação básica frente à tarefa
proposta: ter que raciocinar, ou seja, esforçar-se, obrigar-se a manter o foco da atenção
concentrado no processo de resposta, e/ou liberar a tendência a ver respostas de
conteúdo sexual, que se impõem à consciência. Paradoxalmente, ele relata também
97
que passou pela obsessão de
não
ver coisas de sexo. Esse cenário de luta está
apenas começando. A cada novo estímulo apresentado, a cada resposta que elabora,
ele vai cair novamente nesse dilema. Ao final da associação, reafirma sua
preocupação com os conteúdos sexuais
:“Haveria tendência a dizer: órgão sexual de
mulher...”
No inquérito, E. inicialmente se preocupa com a ordem em que deu as
respostas:
Qual falei primeiro...?
.”
Ao longo deste, observa-se, entre outros, códigos DR2.
Um deles mostra uma demonstração de ironia: a águia está indo ao céu
supostamente algo positivo, agradável
-
“...apesar da aparência de não estar feliz.”
Ressaltam aqui elementos de seu humor depressivo, que vai se manifestar por meio de
vários códigos MOR, como esse DR2
: “garra bem feita supre a deficiência da cabeça”
. Outro
DR2 surge quando ele faz nova derrapada cognitiva ao tentar caracterizar sua
respostas sexual; descreve uma relação sexual particularizando o lugar
“mais fácil de
introduzir o pênis, que dói menos na mulher...que a mulher sente maior prazer
.” Sensações de dor
e prazer mesclam-se ao conteúdo sexual.
Finaliza o inquérito com novo comentário sobre a generalização que tende a
fazer, quando o estímulo tem alguma particularidade que pode lhe evocar o genital
feminino -
“Tudo que tem rachadura, algo desse tipo, me lembra!.”
.
Prancha II
S: Não vejo nada... Em cima tem dois cavalos. Embaixo, uma borboleta... Ânus...Borrão de tinta...
Inquérito
98
E: Borrão de tinta?
S: É um comentário. Falta de imaginação tudo é um borrão de tinta. Mas tem mais dois
cachorrinhos e um pulmão.
E: Dois cavalos?
S: Duas patas dianteiras, o formato da cabeça, o rabo, e as pernas para trás. O pescoço e a cabeça
não estão bem definidos, mas o corpo e pernas, sim. Para quem conhece cavalos e gosta, para se
perceber. Pernas para trás, como se estivesse dando um coice (D2) (
DR1
).
E: Borboleta?
S: Na parte vermelha. Uma borboleta sui-generis, por causa dessas duas pontas. Uma borboleta que
eu gostaria de ver (
DR
1). É bonita.
E: O que o levou...?
S: Exatamente o formato das asas prolongando-se para cima da cabeça. A parte central do corpo, e o
reflexo – talvez o reflexo nessas pontas lembrassem alguma coisa muito bonita de uma borboleta
E: Reflexo?
S: As pontas... São parte da borboleta. As duas pontas me impressionam bastante na beleza dela,
como também o perfeito formato. (Mostro folha de localização) Veria no cartão e nessa folha.
(D3) (
DR1
)
E: Ânus?
S: Não bem feito, não parece bem. Realmente, não tem função nenhuma. Nem ia poder chamar de
ânus, dado que os cachorros estão bem delineados, justamente pelo branco. Dado isso, é
deformidade. Seria apenas uma questão de ser um buraco. isso. Mas falei falado (DS5)
(DR2) (MOR).
Seu comentário na associação mostra dificuldade de iniciar o processo de
elaboração nessa prancha, que vai superando, embora no final não resista em fazer um
descrição da característica concreta do estímulo:
borrão de tinta
.”. Ou seja, percebe que
tem que interpretar, ou desambigϋizar, mas permite-se fazer tal comentário.
No inquérito, faz uma autocrítica:
...falta de imaginação-tudo é um borrão de tinta
”.
Algumas respostas DR testemunham sua necessidade de exibir seu conhecimento:“
para
quem conhece cavalos...
”, ou exprimir desejos:
“a borboleta que eu gostaria de ver...”
. Ao
responder a pergunta do examinador sobre resposta com conteúdo sexual, novamente
desvia-se das instruções, faz comentários bizarros. Inicialmente refere-se ao ânus-
99
resposta ao cartão como se fosse real, e não tendo qualquer função: “...
realmente, não tem
função nenhuma...
”. Em seguida, perde a capacidade de seletividade devido à atitude
perfeccionista:
nem podia chamar de ânus dado que os cachorros estão bem delineados
”,
aliada à
morbidez
“...
deformidade
”. Ao final reduz sua resposta a algo bem vago:
questão de ser um
buraco. Só isso.
”.
Apesar dessas idas e vindas, críticas e transformações da resposta,
mostra atitude de quem, apesar de tudo, aceita as regras do jogo: “
falei tá falado
.”
Prancha III
S: Duas pessoas tirando água dum poço. Dois cavalos marinhos ao contrário, de cabeça prá baixo
(inverte sua perspectiva, mas não muda a posição do cartão). Pulmão. As pessoas seriam irmãs,
teriam alguma semelhança nas feições faciais.
Inquérito
S: Duas pessoas apanhando água dum poço. O nariz é como se faz em desenho animando que a
gente chama cara de rato. certa deformidade
(MOR).
No internato, tinha dois amigos,
ratinho e ratão. Cara de rato, em geral, para as pessoas – para mim significa feições
desagradáveis. Rato representa ladrão. Representa pode não ser. No caso dos dois amigos, não
eram.
(DR2)
Geralmente, são pessoas com isso (aponta o próprio queixo) prolongado (D1).
E: Seriam irmãs, semelhança?
S: Idênticas. A simetria. Não me parecem pobres nem flageladas. Apenas tirando água para regar
planta. Como todas as outras simetrias. (D1) (água dum poço?) Ou tórax de uma pessoa, poderia
ser.
E: Cavalos marinhos?
S: Belíssimos, aqui.
E: Impressão?
S: Cabeça, parte do corpo. Apesar de isso não parecer tanto (D2).
E: Pulmão...?
S: Tá bem delineado .A forma perfeita –bem parecido (D3).
Aqui, consegue captar o elemento humano sugerido pela prancha criando uma
resposta de movimento de duas pessoas juntas, que ao final da associação tornam-se
“irmãs.”
A propósito dessa sua última interpretação, vale lembrar que um dos
100
componentes de suas obsessões o impulsos agressivos dirigidos ao
irmão,
e que
talvez a incorporação desse elemento pessoal na resposta faça sentido nesse contexto
clínico.
O inquérito acaba sendo oportunidade para um DR2 no qual projeta conflitos
envolvidos em sua percepção dos seres humanos. Estes são vistos com morbidez
(MOR) e crítica
:
cara de rato...deformidade...feições desagradáveis...ladrões
”, ou, em algumas
exceções, mais positivamente
“rato representa ladrão...no caso dos meus amigos, não eram
”. Na
continuidade, após observações sobre a simetria dos estímulos seguem-se comentários
envolvendo perfeccionismo:
“a forma perfeita- bem parecido.”
Prancha IV
ΛV >
S: Posso virar? V> Um cachorro - dois cachorros, um de um lado, outro de outro. Um dos meus
animais preferidos. Latindo para alguma coisa que poderia ser um ssaro, cobra... Dificilmente
seria uma cobra... V Essa parte (D1) poderia considerar um inseto saindo de algum casulo, de
alguma coisa... Duas galinhas, aqui em cima. Ou uma explosão da bomba atômica.
Inquérito
S: Um cachorro, dois cachorros – a boca, o focinho, o rabo (D6).
E: Latindo para alguma coisa – pássaro, dificilmente cobra...
S: Agora me parece... Não parece bicho, pássaro, e muito menos cobra. No máximo, uma ave (D4):
aqui tem cabeça, e um pequeno pedaço do pescoço (D6+D4).
E: Casulo?
S: Um casulo inseto saindo de dentro de um casulo ou de alguma coisa. Garras, partes normais de
um inseto. Inseto... Talvez lagarta, porque tem pernas. Como cigarra. Como cigarra saindo de
dentro da terra. Eu gostava de ver nascer, e pegar. Sai do casulo, e ele fica enterrado na terra. O
corpo é daqui prá fora. O resto ainda enterrado na terra (W).
E: Duas galinhas?
S: O próprio formato, e a simetria (Dd99).
E: Explosão...?
S: Poderia ser o cogumelo - se espalhando; também não é delineado. Seria a parte antes do cogumelo –
que tivesse a parte cilíndrica como que parada no ar, enquanto o cogumelo teria se dissolvido. Ela
101
mesma, cilíndrica. É um pouco mais essa parte (D), mas entra tudo. Não está bem representado
não. (W).
Nessa prancha vale mencionar suas idas e vindas no processo de elaboração
da resposta e seleção do conceito
“poderia serssaro, cobra...Dificilmente uma cobra”
aliadas à preocupação com exatidão
“não está bem representado não!”.
Introduz um
comentário que captura histórias de sua infância de um tom agradável, em meio à
tarefa, o qual é codificado como DR1: “
eu gostava de ver nascer, e pegar...”
Prancha V
S: Uma belíssima borboleta... Pernas de algum aleijado (
MOR
) duas a duas talvez fossem
braços... Duas pontas de seios. Pernas, pés pequenos esqueléticos. Assim mesmo, olhando,
parecendo feio, continua bonito...
Inquérito
E: Borboleta?
S: Outra borboleta, no total (W).
E: Em que parece...?
S: As asas, essa parte, o rabo, a forma (W).
E: Aleijado?
S: Pernas ou braços. Um normal e um anormal (
MOR
). O formato. (D10).
E: Duas pontas de seios?
S: Sim, apenas aqui. Não pertence à figura, como seio. Como qualquer outra coisa, poderia ser
citado. Apenas seio. Não é importante na figura. (Dd24). É mais importante a figura da
borboleta!
E: Pés pequenos, esqueléticos?
S: Aqui, sim, dois pés pequenos! De caveira pés já deteriorados (
MOR
). espichado, como que
dançando ballet (
FABCOM
). O próprio pé de caveira! (Dd26).
Novamente, assinala-se a presença de conteúdos mórbidos, um deles associado
ao código FABCOM: “
pés já deteriorados. Pé espichado, dançando ballet.”
Prancha VI
102
S: Um pênis cobrindo um gato (
FABCOM2
) parece a ponta do bigode. Em cima, retirando o
bigode de gato, poderia ser outra borboleta. Um besouro. Duas cabeças de pássaro pássaros
carnívoros, aparentemente.
Não sei por que, mas de repente
passou pela minha
cabeça mulheres tomando banho.
Não sei por que foi descontrole
. Poderia
considerar também órgão sexual feminino, muito mal feito. Pênis também tem, mas é mais bem
feito, desenhado – seria a palavra exata.
>V
Isso aqui é algum bicho em extinção que eu já vi... A
borboleta é bela, belíssima essa. me passa pela cabeça dois terríveis monstros, que vêm
correndo!
Um monte de idéia passa pela minha cabeça!
V
Uma espécie de dois
macacos, ou antepassados do homem, cortados ao meio (
MOR
), na altura da cintura (aponta
para a própria cintura).
Inquérito
E: Pênis cobrindo gato?
S: É, por trás dele, talvez um gato... Por trás, esse aqui são as barbas dele. Isto aqui poderia ser
parte do escroto, mas não está bem desenhado.
E: Barbas, gato?
S: Barbas apenas aparecendo. Não sei por que lembrou gato. Barbas representando um gato (D8).
E: Borboleta?
S: Aqui... Encoberta – o centro dela encoberto pelo pênis (
FABCOM2
) as asas, o corpo (Dd99).
E: Besouro?
S: Parece um inseto, cabeça de inseto. Não é o inseto que lhe falei? Realmente, parece mais besouro
por causa das garras (Dd99)
E: Duas cabeças de pássaros
S: Provavelmente carnívoros, por causa do bico . Apenas a cabeça (Dd21).
E: Mulheres tomando banho?
S: Poderia considerar o órgão sexual feminino (D1). É a impressão de escuro seriam pêlos e a
fenda é a linha que faz a simetria.
E: Pêlo?
S: Porque dá a impressão de que se está fotografando algo escuro – e também a parte mais clara.
E: Impressão de pêlo?
S: Nada que me a impressão de pêlo somente uma fenda em algo escuro que poderia ser
relacionado com órgão sexual feminino. Como não poderia... (D1).
E: Bicho em extinção?
S: Antepassados do homem macaco o formato da boca em si. A protuberância... Não, o
contrário a entrada. Se bem que a ave continua em cima, e não deveria. Não é o lugar dela,
nesse momento em que vejo homem ou macaco. Esse seria realmente homem não pensei em
mulher. Ou um macaco, sexo indefinido (
DR2
).
E: Macaco, homem?
S: Um gorila, provavelmente masculino. Tem aparência feroz, característica mais do homem...
E: Monstro?
103
S: Macaco ou monstro de mão aberta, pedindo alguma coisa. Ou reclamando. Não reclamando
pedindo, e explicando porque. Cortados ao meio, da cintura pra cima. (D1)
(FABCOM2
;
MOR
).
Nessa prancha, que estimula a evocação de conteúdos sexuais, seu conflito
entre dar e retirar esse tipo de conteúdo se intensifica; a ansiedade aumenta, e acaba
por compor duas combinações entre objetos inadequadas, codificadas com FABCOM2:
“um pênis cobrindo um gato
,
e
,
no inquérito:
borboleta...o centro dela encoberto pelo pênis”.
Sua angústia frente à iminência de se sentir à mercê das próprias idéias o leva a,
mesmo detectando a impertinência dessas, confessar:
Não sei por que, mas de repente
passou pela minha cabeça mulheres tomando banho. Não sei por que foi descontrole e “Um
monte de idéia passa pela minha cabeça!”
.
Vale aqui mencionar a forma como psiquiatra francês Henry Ey (1981) descreve
o que denomina de neurose obsessiva. Para esse autor, esta é definida pelo caráter
obrigatório dos sentimentos, idéias e condutas, que se impõem ao indivíduo e o
envolvem em uma luta infindável, mas na qual ele próprio considera esse parasitismo
incoercível como algo irrisório. Ey (1981) acrescenta ainda que um quê de
ambigϋidade em sua luta, pois a pessoa tem consciência da natureza obrigatória,
impositiva, porém ao mesmo tempo artificial, de suas obsessões.
Prancha VII
S: Pintura de Toulouse Lautrec duas mulheres.
Sempre, como em todas, tendo algo
parecido com órgão sexual feminino, que não seria bem, não representa
bem. Que não seria bem....
Aqui dois animais ferozes. Cabeça de dois animais ferozes.
Ou abobalhados. Ou ferozes e abobalhados.
V
Olhando assim seria - de cabeça pra baixo, nariz,
que representa figurativamente nariz de rato sendo bem feitos apenas os olhos. Uma perna só.
104
Ou duas - não sei se uma perna está atrás da outra. Pela lei da gravidade seria impossível. Lei da
gravidade não é... Pelo centro de gravidade do corpo a ser sustentado por uma perna desse jeito...
V
Em cima, outra borboleta.
Inquérito
S: Quer fumar? Trouxe cigarro, mais fraco desta vez. Procurei isqueiro verde - não encontrei.
Comprei preto ou branco... Pintura de Toulouse Lautrec. Duas mulheres. Caricaturesca.
Delineando formas... E as formas marcantes da pessoa em si (delineia em seu próprio ombro e
rosto). Sei lá, porra! Essa parte é, é mais característico (D2).
E: Órgão sexual feminino?
S: Poderia ser isso e isso. (D6). Ficava melhor se fechado. Essa é a representação mais banal que
existe, não diz nada como é; não mostram. Mostram como se a mulher tivesse raspado os pêlos.
Mas raspando os pêlos perde a graça. Aqui (parte superior do D6) mal feito; aqui (parte
superior do D6) tá mais bem feito. (D6)(
DR2
)
E: Cabeça de animais?
S: Ah, sim, tão aqui. Aparece dente, nariz, a ponta do nariz. O olho. Um feroz idiota. Tem toda
feição de idiota (D3).
E: Nariz de rato...?
S: Aqui o olhos. Nariz de rato (Dd21). Ratazanas. Mas maus. Em desenho, gostam e colocar o
nariz assim. Um aleijão (D5) uma pessoa não poderia estar em equilíbrio com essa postura
(
DR2
). Existem nuvens negras sobre a cabeça da pessoa (D4). O próprio Toulouse Lautrec era
uma pessoa deformada
(MOR).
Mas esta não parece tanto uma figura (refere-se a Toulouse
Lautrec.) Mas parece em certas coisas pela forma escrota da figura, um aleijão. A nuvem
contribui para uma personalidade como ele. Uma pessoa triste com a vida.
E: Nuvem?
S: Por estar próxima dele, ser escura, o formato lembra. É a própria deformação da pessoa que faz
com que lembre que é uma pessoa triste – daí a nuvem escura sobre ela (W).
E: Outra borboleta?
S: Não bem caracterizada. Não representa. Assim
V
parece mais. Sem parecer muito bem. O
formato das asas, o corpo (D4)
“Sempre, com em todas, tendo algo parecido com órgão sexual feminino, que o seria bem,
não representa bem. Que não seria bem...”.
Esse comentário mostra, além da pesistência no
fluxo mental de conteúdo sexual, sua preocupação perfeccionista: como se a mancha
pudesse representar com perfeição uma forma, um conceito que idealizou
.
No inquérito,
não resiste a novamente criticar a relação ideal – estímulo:”
Ficava melhor se fechado. Essa é
105
a representação mais banal que existe, não diz nada como é; não mostram. Mostram como se a
mulher tivesse raspado os pêlos”
e inserir uma opinião pessoal e irrelevante à tarefa (DR2):
Mas raspando os pêlos perde a graça.”.
Prossegue no inquérito com projeções de MOR
envolvendo indivíduo com defeito físico, que qualifica como
não-pessoa
e
correndo o
risco de desequilibrar-se
: “Um aleijão; uma pessoa não podia estar em equilíbrio com essa
postura”.
O clima depressivo vai tomando conta do contexto
“Existem nuvens negras sobre a
cabeça da pessoa
,
pessoa
essa
que
mesmo deformada pode ter seus talentos
“O próprio
Toulouse Lautrec era uma pessoa deformada”.
Resumindo sua resposta:
“Uma pessoa triste com
a vida
.
Prancha VIII
S: Cores bonitas! Dois lagartos. Estômago, tronco, parte do pescoço. Poder-se-ia dizer que tá
desenhada uma mão duas mãos é impossível, com a pessoa de frente
! Como em tudo, um
órgão sexual feminino
, olhando aqui. Talvez o desenho mais perfeito
a
pesar de ser
branco.>Deserto do Saara... Tanto os lagartos como as duas figuras talvez olhando assim não
seja, lagartos, talvez ratos... Essa parte lembra um tipo de erosão em Santa Catarina, Paraná.
Não sei bem mas é Brasil. Pedaços de terra que sofreram erosão. Estão acima do nível normal
do chão. Você sabe quais são esses a que estou me referindo!
Inquérito
E: Dois lagartos?
S: Aqui. O formato, as pernas, o rabo (D1).
E: Lagartos? Ratos...?
S: Rato - talvez mais iguana, nessa posição. Apesar da cabeça nada característica de iguana (em que
parece?) O formato. Quase as mesmas características do lagarto. Antepassado tem escamas (?)
o contorno. Mais brutos, de tempos remotos.
E: Estômago... Mão?
S: Partes de uma pessoa – estômago, órgão sexual (Dd23) . O tórax (D5), o ombro, o pescoço (D4).
Mãos pequenas, defeituosas, anormais (
MOR
). Pescoço (Dd30) também não bem feito, fino
demais.
E: Partes de uma pessoa, você disse?
106
S: É muito fácil de ver. Sempre coisa perigosa, fácil de adoecer – me ocorreu. Tórax forte, junto com a
parte superior do ombro – uma pessoa forte, provavelmente atleta, com mãos incompatíveis (
DR2
).
E: O que o levou...?
S: A forma. Não, talvez a divisão de cores. Mas se fosse negro, talvez também desse. Assim é mais
bonito... O estômago vermelho perigo! O tórax verde, forte. O ombro, cinza esverdeado, também
forte. Apesar das mãos (D6).
E: Órgão sexual feminino?
S: Bem mais caracterizado
E: Apesar de ser branco?
S: O contraste. Há uma – como chama? Algo de cor diferente – por contraste!(DS3).
E: Deserto do Saara?
S: Não lembra, mas as cores sim – amarelo, alaranjado. Vermelho lembra calor (D2).
E: Erosão?
S: Aqui, uma parte do que seria morro ou coisa erodida pelo vento, pela água. Os pequenos contrastes
entre as cores faz com que eu veja formas sombreadas (Dd99).
Apesar de o tom afetivo inicial ao receber a prancha ser positivo, vai novamente
demonstrando a presença dos aspectos obsidentes
Como em tudo, um órgão sexual
feminino”,
perfeccionismo: “
Talvez o desenho mais perfeito
a
pesar de ser branco”
e humor
depressivo (MOR)
”mãos pequenas, defeituosas, anormais”
.
Prancha IX
S: Dois bruxos ou bruxas brigando iguais - sempre divisão idêntica em todos. Mar verde todos
os desenhos têm as cores que mais gosto. Mas não sei por que tenho atração pelo verde e amarelo.
Desde pequeno sempre escolhi o verde para minhas coisas
.
Às vezes tenho raiva do verde
por
confusão de idéia começo a duvidar de tudo que sinto
. Apesar de hoje não vir com
tanta intensidade. Vêm com tanta intensidade as idéias obsessivas que fico confuso. Uma bailarina
e um bailarino, muito sutilmente desenhado. Aqui também poderia ser uma chaleira de barro, ou
alguma coisa com cabo de barro para segurar. Muito bonito!
Inquérito
E: Dois bruxos ou bruxas brigando?
S: Como disse duas bruxas, tenebrosas e maravilhosas. Os dedos compridos (Sorri). Roupa grande,
larga. Bruxas, não seriam bruxos. o lembro nada mais do que isso. Na parte amarela... Não
é a cor, mas o contraste, e o mais importante, o formato (D3)
E: Mar verde?
107
S: Não vejo mais mar. E, sim, muito mais terra com lago no meio. A parte esverdeada, a terra (D1)
e o lago no meio (DdS29) seria o lago.(D1+Dds29).
E: Bailarinos?
S: Não! Um bailarino, e uma bailarina. Namorei uma. Dançando. Ou pelo menos, tentando,
ensaiando, dançando. Aqui a perna (Dd33).
E: Chaleira de barro?
S: Cabo de barro e a chaleira. Ou pote de barro com alça. A cor, o aspecto artesanal (D4).
Aqui vale enfocar suas preocupações com a simetria
há divisão idêntica em todos
e sua ambivalência de sentimentos em relação ao conteúdo humanóide
Dois bruxos ou
bruxas brigando iguais... duas bruxas, tenebrosas e maravilhosas”,
os quais estende
animisticamente à cor verde, polarizados em amor e ódio:
Mar verde todos os desenhos
têm as cores que mais gosto...Mas não sei por que tenho atração pelo verde e amarelo. Desde pequeno
sempre escolhi o verde para minhas coisas... Às vezes tenho raiva do verde”.
Nessa luta contra a indecisão e indefinição, sua angústia vai
progressivamente aumentando, e a sensação de loucura, de fusão, con-fusão, sobre
esses sentimentos o levam a uma atitude de dúvida generalizada e sistemática –
cartesiana, poderíamos dizer - sobre a afetividade:
por confusão de idéia começo a duvidar
de tudo que sinto....
Prancha X
S: Caranguejos, em azul. Outra espécie de caranguejo que conheço como siri, em marrom. Dois seres –
marcianos, idênticos como sempre. Partes do corpo corpo grande, com pulmões. Grande, e
pequeno também. Em amarelo seriam dois cavalos dando coice prá trás, o que é evidente, não se
pode dar coice prá frente!Talvez, aqui, não sei bem se é isso mas poderia ser dois ovários de uma
mulher – ou ventre. Aqui – parte da galinha
morta
, que tem dois ossos – com bastante carne em
volta. Como é? ..
.Imediatamente quando penso órgão a parte da galinha que
108
se chama sobrecu
que achava gozado. Hoje não acho. A gente chamava de ganhador.
Parte muito gostosa da galinha, mais que o peito. Uma chave- mecânica. É isso.
Inquérito
E: Caranguejo?
S: Caranguejo, mal desenhado (?) as várias patas, e o centro arredondado(D1).
E: Siri?
S: Aqui, bem desenhado, um siri. O formato do corpo. A cor pode ajudar, mas pouco. (D7).
E: Dois seres...
S: Marcianos: perna, corpo, rabo, boca, olhos, antenas. Idênticos. Parece que um discutindo com
outro.Pela proximidade, apesar de os dois terem quase a mesma feição (D8)(
ALOG).
E: Partes do corpo?
S: Rim? Pulmão, pelo formato (D9). Definiria mais como pulmão. Pelo aspecto dele, a ligação entre
eles(aponta D6). Pulmão deteriorado. Parece que em processo de envelhecimento, cheio de
reentrâncias. Alguém que fume muito, alguém com câncer
(MOR)
. E a cor... Mais escura, menos
saudável.
E: Ligação...?
S: Coisa óssea, passa por trás (D6+D9).
E: Dois cavalos?
S: Cavalos, figuras mitológicas. A cabeça, o rabo, o pescoço. Patas, o corpo. Dando coice prá trás.
Mitológico de culturas antigas, de Creta. Lembra Minotauro. Li num livro que... Pelo estilo
(D2).
E: Dois ovários...?
S:
Ovário de mulher talvez porque tenha visto na TV algo sobre – implantação de... Óvulo. Óvulo
fecundado e aparece o desenho dos órgãos interiores da mulher. Se não me engano, a trompa.
Não sei se é trompa!(D5)
E: Ganhador?
S: Ganhador a parte mais gostosa da galinha. A forma, o destaque dado a ele, o fundo branco
(D3).
E: Chave-mecânica...?
S: Ferramenta chave de fenda. Não, talvez uma lima. Instrumento... A parte do cabo dele, a
aparência (D14).
E. novamente não consegue resistir ao impulso de comentário sobre a simetria
do cartão:
Dois seres marcianos, idênticos como sempre...
”. Em seguida, um elemento
mórbido (MOR) associa-se a um conteúdo animal
:
galinha morta,
que vai aos poucos
se transformando em alimento, trazendo a conotação de algo prazeroso:
galinha morta,
109
que tem dois ossos – com bastante carne em volta”.
Após essas variações na tonalidade afetiva
da resposta, seu trânsito associativo se interrompe com a intrusão de um conteúdo
sexual:
Como é? ...Imediatamente quando penso órgão – a parte da galinha que se chama sobrecu”.
Este o desvia da tarefa em curso (DR) para dar espaço a um comentário sobre essa
mistura de sensações e afetos:
que achava gozado. Hoje não acho. A gente chamava de
ganhador... Parte muito gostosa da galinha”.
Durante o inquérito, E. faz uso de um raciocínio arbitrário e inadequado para
fundamentar sua resposta sobre a discussão entre dois seres:
Marcianos...discutindo um
com outro - pela proximidade, apesar de os dois terem quase a mesma feição ”.
Ou seja, nem a
proximidade justifica logicamente estarem discutindo, nem o fato de terem a mesma
feição é argumento que contraria essa idéia. O elemento agressivo, presente em
vários outros momentos de seu protoloco, parece ser-lhe conflitivo, de modo que tem
que encontrar uma razão necessária (mas não suficiente nem adequada) para justificar
esse ato em um humano (ou humanóide, já que se trata de um marciano).
Ao final, tende a deprimir-se mais intensamente quando inclui conteúdo
anatômico humano, a ponto de acrescentar que o pulmão pertence a uma pessoa que
tem um cio (fumar), envelhece e tem doença mortal
Pulmão deteriorado. Parece que em
processo de envelhecimento, cheio de reentrâncias. Alguém que fume muito, alguém com câncer ”.
110
Caso 09:
Assim é ? (ou não é real ?) se lhe parece
“Meu cunhado fala muito sobre essas coisas... Acredito nas coisas que ele fala, ele é
muito vivido e esclarecido mentalmente. Às vezes pergunto aos médicos se é realidade
ou não...”
Parodiando o teatrólogo italiano Pirandello, vamos captar neste caso
principalmente os momentos em que aspectos psicopatológicos do TOC vão
adquirindo nuanças psicóticas. Alguns DR2 envolvem comentários alheios à
resposta, mas importantes para este paciente, pois revelam sensações subjetivas
ligadas ao equilíbrio extremamente instável que tenta manter ao tentar diferenciar a
realidade do irreal. Neste caso, nem sempre as coisas são o que parecem ser...
Algumas peculiaridades na forma de se comunicar são observadas, como se
tivesse dificuldade de captar com precisão a amplitude semântica de algumas
palavras. Aparentemente, trata-se de um problema na esfera da linguagem, que
dever ser posteriormente investigado.
Outros códigos críticos refletem também seu temor intenso frente à iminência
de perda desse equilíbrio, assim como a necessidade de buscar aflitivamente alguma
forma de imaginária ou magicamente compensar essa instabilidade: repetitivamente
insere um elemento de
apoio
e de
proteção
em diversas respostas. Ao longo do
protocolo estes se tornam mais freqüentes, e vai construindo respostas (FABCOM)
de relações inapropriadas e irreais entre objetos, atribuindo-lhes animisticamente os
papéis de protetor-protegido. Em sua história pessoal, vale lembrar que recebeu o
111
diagnóstico de esquizofrenia, compatível com esses deslizes de natureza psicótica
que comete no protocolo de Rorschach.
Prancha I
S: À primeira vista me parece um enorme morcego.
E: Mais alguma coisa?
S: Da segunda olhada, parece também com uma aranha, mas é mais com um morcego. É uma coisa
meio esquisita, porque o morcego é feio prá burro. Nunca vi ele de perto, mas tem uma carinha
feia. É um bichinho assustador. Meu cunhado vacinou um cavalo contra raiva porque tem muito
morcego lá, e, se não vacinar contra raiva não tem jeito. É muito bem feito o desenho, inclusive por
causa dessa reta no meio da figura, que representa – como uma divisão, como se fossem duas partes
vamos dizer de uma asa quem sabe até de uma folha? Às vezes olho para as árvores, a gente
olha longe, depois quando chega perto mesmo o que era... Pelas garras, parece mesmo um
morcego...
Inquérito
E: Morcego
S: Pelo contorno, e garras. Por aqui tem uma volta, que pode parecer umas certas anteninhas.
E: Cara feia, assustador?
S: Porque o rosto dele é... Parece os dentinhos, e o rosto.
E: O que o levou...?
S: Acho que foi a cor preta também apesar que ele é um pouco marrom mas escuro. À noite, se
iluminar, ele corre, porque detesta luz.
E: Aranha?
S: Nessas próprias voltas que tem – então poderia ser uma aranha, daquelas bem enormes.
E: O que o levou?
S: O tamanho. Acho que um pouco foi essas partes, ao lado, um pouco dissolvidas, me lembra um...
Representou que nem pelinhos (aponta detalhes externos).
E: Asa, folha...
S: Essa reta do desenho mas falei porque às vezes você vê alguma coisa longe, depois quando chega
perto vê mesmo o que é...
Uma rigidez inicial da percepção ou é morcego, ou aranha aparece na
associação. Mas ao longo do inquérito aparece uma fluidez, associada ao uso
impreciso de palavras:”
Nessas próprias voltas que tem... Acho que um pouco foi essas partes, ao
lado, um pouco dissolvidas”.
O inquérito traz à tona sua intenção e esforço em traduzir seu
112
pensamento, seu mundo, para o outro. Ao final, faz uma metáfora sobre o ser e o
parecer, que se fundem e confundem.
Às vezes olho para as árvores, a gente olha longe, depois
quando chega perto vê mesmo o que era...”
Prancha II
S: Aqui embaixo se parece com uma borboleta, essa parte vermelha e essa parte escura. Essas partes
(laterais) estão meio... Aqui em cima também... Aqui (
D
superior) parece uma espécie de nó
como se fossem cumes amarrados. a impressão de ponta de uma flecha. Agora as partes
escuras ao lado... um pouco difícil...Pode ser parecer também com um símbolo vamos dizer
assim – em geral um símbolo. Ao mesmo tempo, nesta parte branca pode se parecer com
espaçonave. E aqui poderia ser... Além dessa borboleta que achei aqui, poderia ser, ao lado e aqui,
no vermelho, uma espécie de proteção para essa espaçonave.
Inquérito
E: Borboleta?
S: Porque geralmente a borboleta, principalmente as coloridas, têm as asinhas certinhas, e têm essas
duas partezinhas...(D3).
E: Cumes amarrados?
S: Parecendo ponta de uma flecha duas pontas de flecha (D4), e aqui a união delas até por pedaços
de barbante... Aqui a parte onde se encaixaria o bambu, que se usa para a flecha (D4, parte
inferior).
E: Partes escuras pode parecer símbolo...
S: Símbolo... Poderia ser um símbolo de uma – do guardião, que tivesse guardando, por exemplo, essa
espaçonave (DS5). Não sei por que vejo muito desenho e filmes de ficção científica... Como se
estivesse guardando essa preciosidade, junto com as flechas (D4) e a espaçonave (DS5). Junto delas
a borboleta, que significa paz e amor – proteção para a espaçonave.
Constrói aos poucos um símbolo o do guardião, personagem que vai ter o
poder e assumir a responsabilidade de guardar, cuidar de todos os objetos que citou
anteriormente
: “a espaçonave...essa preciosidade, junto com as flechas e a espaçonave...junto delas a
borboleta, que significa paz e amor – proteção para a espaçonave”.
Prancha III
113
S:(Antes da apresentação do cartão) Ah – muitos anos
eu achava que não era desse
planeta
desse mundo (à vezes a gente se sente assim...). É um pouco estranho.
Tanta coisa
nova tenho visto, mudou tanta coisa, que a gente fica aachando estranho
no meio das pessoas. A gente disfarça e tenta parecer um pouco com elas,
senão a gente não sabe o que seja
...
S: (O cartão é apresentado) Aqui estou vendo duas pessoas. Estas pessoas estão ligadas e protegidas
de uma forma tanto interna quanto externa. Como se fosse duas pessoas que ainda estivessem
nascendo. Então estão recebendo
proteção
por dentro e por fora, através dessas ligações, que é
em volta delas e embaixo também. Só. Um pouco estranho.
Inquérito
E: Duas pessoas?
S: Aqui (Dd34). Como se estivessem nascendo (proteção por fora e por dentro)... As ligações em
vermelho (aponta D3), em preto (aponta D7) e as ligações externas (aponta D5). Recebendo
proteção através dessas ligações... As pessoas recebendo proteção através das ligações.
Uma explicação para a sensação de estranheza, de desrealização, em que as
coisas não parecem o que são, ou não são o que parecem, é achar que não é igual às
outras pessoas e que não vem deste planeta
a gente fica até achando estranho no meio das
pessoas. A gente disfarça e tenta parecer um pouco com elas, senão a gente não sabe o que seja.”
A
fragilidade, aflição e angústia fazem com que peça onipotentemente
“proteções”
e
as
receba por meio de
“ligações”
que vai estabelecendo entre objetos, coisas, ou pessoas.
Prancha IV
S: Ah, doutora, sinceramente, sabe o que penso dessa figura? Não faz muito tempo, assisti um filme
que tinha um gorila. Quando ele se levantou (Ri), parecia essa figura. que a cabeça dele deveria
ser um pouco maior, porque geralmente os gorilas são enormes, e têm uma força. É o que me
lembra mais. Essas partezinhas bem pequenas, mais claras, encurvadas, é como se fosse raiz de
uma árvore. É o que posso dizer.
Inquérito
E:
Gorila...
S: As mãos, os pés exagerados, mas é bem parecido. Como se estivesse na frente de uma árvore.
E: Explique melhor.
114
S: Atrás de uma árvore. Mais bicho... Geralmente as raízes das árvores vão se espalhando para o
lugar que a natureza manda. Seria uma árvore nova, com raízes pouco... Mais de apoio mesmo à
árvore. Porque ela estaria ainda se formando. Dependendo da árvore, tem algumas que não são tão
grossas, mas têm raízes firmes.
Novamente persiste na idéia do apoio, agora sob a forma das raízes firmes,
mas em uma árvore que ainda está em processo de formação.
Prancha V
S: Será que o morcego tá me perseguindo? Que esse parece mesmo, bem parecido. Quando ele a
avoada ele à noite... Realmente! Parece mesmo. Não sei se a senhora viu morcego de perto, mas
parece mesmo. Teve um tempo que saía com minha irmã de manhã taquei o holofote na cara
dele, e ele voou, que nem avião. O rosto dele é horrível, parece vampiro mesmo!
Inquérito
É: Morcego?
S: Parecidíssimo.
E: Mais alguma coisa que o levou...?
S: Aqui é como se fosse as pernas (D9).
Uma experiência pessoal, em cujo cenário inclui uma pessoa da família, atenua
a impressão de medo provocada pelo estímulo-que-se-tornou-morcego
:
“Teve um tempo
que saía com minha irmã de manhã taquei o holofote na cara dele, e ele voou, que nem avião. O
rosto dele é horrível, parece vampiro mesmo!”
Prancha VI
S: Esse daqui me lembrou uma coisa os pulmões. Protegidos por aquela camada. Apesar de que
não sei se o meu tá tão negro assim – fumo desde os doze anos. Pelas sensações que tenho na cabeça
(refere-se a conteúdo de obsessões), ficar muito tempo sem cigarro...Fico criança, não sei o que fazer.
Venho aqui de metrô; se me sentir mal desço, pego outro...Gostaria de nunca ter fumado na
vida. Drogas e bebidas - nunca!
Inquérito
E: Pulmão?
115
S: Por causa do desenho ser escuro, então me lembrou um pouco dos meus pulmões (localiza pulmão
em um recorte, de forma quadrada, que faz sobre o D1)
A sensação generalizada de necessidade de proteção se estende seus órgãos
internos, no caso o pulmão, deteriorado devido ao vício de fumar- este claramente
associado à ansiedade, temores e medos por que passou precocemente, e que ainda
sente e ressente.
Prancha VII
E: Estou vendo dois rostos, aqui e aqui. que é um rosto bem diabólico tem os olhos bem
saltados, bem para fora. Uma espécie de narinas um pouco pequenas e quase ligadas aos lábios, e o
queixo bem transformado, e uma garganta bem transformada, e um relevo no pescoço. Em cima,
na testa, vejo como se fosse um chifre. Vejo duas mulheres, também aqui em cima, duas... Como
fossem como vou dizer quando uma pessoa é enterrada, dizem que os olhos da pessoa é a
primeira coisa que é consumida. É o que me parece. Me parece que tem as duas têm que nem
o cabelo para cima, e com uma parte voltada totalmente para cima, e uma pequena curva. E
embaixo seria que nem uma espécie de
apoio
. Ao mesmo tempo que não consigo identificar o que
seria no meio entre um e outro.
Inquérito
E: Rosto?
S: Chifre, diabólico
E: Explique melhor...
S: Porque dá para parecer meio esquisito. Essa parte escura (parte lateral do
D3
) seriam os cabelos, e
são estranhos.
E: Narina, queixo, garganta?
S: Como se estivessem bem
ligados
um no outro: principalmente, as narinas aos lábios.
E: Duas mulheres?
S: Na parte de cima (D1). Estariam
ligadas
à própria cabeça dessas duas criaturas que estão
abaixo delas (D3). Meu cunhado fala muito sobre essas coisas. Ele veio de Pernambuco tem
passagens... Meu cunhado entrava dentro do cemitério.
E: Você associou os olhos...
S: Acredito nas coisas que ele fala, ele é muito vivido e esclarecido mentalmente.
Às vezes
pergunto aos médicos se é realidade ou não...
Existe uma parte branca (DS10)
não sei... Como se essas criaturas (D1 e D3) estivessem sendo esculpidas, e então estivessem sobre o
apoio de duas rochas (rochas) (aponta Dd23 +Dd23)...É que são bem idênticas e quando são
116
idênticas é
porque
alguém ou alguma coisa na natureza a colocou como apoio para essas
esculturas.
E: Esculturas?
S: Como esculturas seria bem difícil, mas não impossível...
ALOG: espontaneamente, ou compulsivamente, tem que dar uma explicação
para a simetria da mancha; pensamento frouxo, simplista, que começa com a
percepção da simetria, perplexidade e necessidade de dar alguma explicação lógica
para a existência desse fenômeno idênticas e do apoio. Em seu raciocínio, coisas
idênticas significa: necessitam apoio.
Efetivamente, faz tanto sentido para ele que os objetos e pessoas estejam
unidos, ligados, ou precisando de apoio, que para ele isso se transforma em uma
lógica consensual como se fosse verdadeira essa explicação para todos. Como se
fosse uma experiência compatilhável com todos, e não um significado pessoal e
singular que dá para o objeto que percebe.
Aqui fica latente uma falha no processo de atribuição de significado – tudo
necessita
proteção
, tudo tem que ser
ligado
, unido, com paz e amor. Vale lembrar que sua
idéia compulsiva é de que sua cabeça ou qualquer parte de seu corpo desaparece ou
desune-se do corpo quando pensa nela. Aspectos paranóides aparecem, sob forma de
perseguição, que ele atenua e coloca em tom de brincadeira
: esse morcego está me
perseguindo!”.
“Meu cunhado fala muito sobre essas coisas... Acredito nas coisas que ele fala, ele é muito
vivido e esclarecido mentalmente. Às vezes pergunto aos médicos se é realidade ou não...”.
A
117
sensação de uma estranheza, de não discriminar com precisão, ou de precisar ajuda
para perceber a diferença realidade – fantasia, ainda estão lhe incomodando.
Prancha VIII
S: (Ri) Tou vendo dois esquilinhos, esses dois vermelhinhos. Aqui pode ser um ramo de árvores – eles
estão tentando subir nessa árvore
o que não é difícil de conseguir. Tem uns esquilinhos lá em casa
que têm uns dentinhos. Aqui seria o rabinho deles, que tem o rabinho um pouco peladinho. É um
pouco complexa. Aqui, vejo que nem um cálice tipo... laranja. Agora, em cima dele, nessa parte
cor-de-rosa, vejo que nem um sininho amarelo que liga essa parte verde. fica... Existe o
brilho
do cálice em volta dele, mas só dos lados. É o que posso dizer.
Inquérito
S: Esquilinhos (D1) tentando subir numa árvore (D4) que parece como se fosse uma pequena
montanha
E: O que o fez lembrar montanha.?
S: Pelo pico – essas pontas, como se fosse pontas de galhos (Dd22).
E: Esquilo no vermelhinho?
S: Essas três patinhas, o rabinho espalhado...
E: Cálice, como se transmitisse luz...
S: Como se fosse um cálice encantado, e tivesse o poder de reluzir. (localiza o cálice no Dd23, e inclui
a área ao redor, que seria a luz)
E: Tipo laranja?
S: Porque se encontra na cor laranja... Só que quando reluz a luz ta um pouco fraca (cálice laranja) é
dessa cor – gosto muito dessa cor.
E: Sininho amarelo que
liga
parte verde?
S: Como se o verde (parte V do DdS29) estivesse segurando o sininho amarelo (parte laranja do
DdS29)
E: Sininho? O que o levou?
S: É que nem aqueles furinhos (S do DdS29) que põem a fita em volta.
“Dois esquilinho... Eles estão tentando subir nessa árvore
o que não é difícil de conseguir.
Tem uns esquilinhos lá em casa...”:
DR2 é o código atribuído a essa associação irrelevante,
mas subjetivamente importante. Como se J. se identificasse com o animal e projetasse
nele a idéia de que não será difícil conseguir subir na árvore. Como se estivesse, ele
próprio, dando um “apoio” emocional ao esquilo, oferecendo-lhe proteção e
118
reasseguramento. Um código INCOM é atribuído pela combinação inadequada entre
dois elementos: mistura “
árvore” e “montanha”.
Prancha IX
S: (Tem certa dificuldade de iniciar as associações nesse cartão) difícil... Não sei... Aqui poderia
ser uma espada, da parte marrom até onde seria o brilho dessa espada. Essa parte, como se fosse a
abertura para essa espada ter a liberdade dela. Tá muito difícil definir as outras cores... Aqui
parecem dois mapas, dois países razoavelmente pequenos, mais ou menos de um Amazonas... O
cor-de-rosa aqui embaixo – poderia ser um apoio
.
Acho que só.
Inquérito
E: Espada?
S: Primeiro por causa do marronzinho, me representa como o cabo da espada (Dd21). Depois a
lâmina, certinha (cabo e espada: D5)
E: Brilho?
S: Por causa dessa parte que rodeia (D8) mesmo que modifique a cor. Sempre pode haver
modificação.
E: Brilho?
S: Da cor amarela da espada, deixou... Transformar a partir de um ponto em outra cor, e seria azul
E: Abertura (DdS25)?
S: Aqui pequena ligação (Dd25), mas aqui a abertura (DdS32)– para a espada ter a liberdade
dela.
E: Dois mapas, dois países?
S: Pareceria com duas Amazônias (?) por causa do verde que existe.
E: Cor-de-rosa apoio?
S: Apoio por causa que o cabo da espada marrom, além de encostado está também ...Como se
estivesse colocado como se fosse
apoio
nessa pedra co-de-rosa (pedras cor-de-rosa) as pedras podem
ser modificadas...(Narra história pessoal)
O animismo prepondera quando vai atribuindo projetivamente sentimentos aos
objetos. A espada necessita abertura para ter liberdade. A cor rosa é um apoio. No
inquérito, o código FABCOM é atribuído também quando percebe o
verde segurando um
sininho”.
Prancha X
119
S: (Tempo de reação longo). Aqui vejo um pequeno rosto (D cinza superior). Existem pequenas flores
que saem desses ramos. Aqui nesse meio, entre esses dois pontos azuis, vejo que nem um vidrinho,
daqueles que em cima são mais finos, e quando chega em baixo são mais grossos.Talvez estejam
fornecendo alguma cosia para essas partes, ou estejam recebendo alguma coisa dessas partes que
rodeiam eles. Ao mesmo tempo, esses dois cor-de-rosa e vermelho, um pouco até escuro olhando de
lado parece um pouco com os países da Europa: Portugal, Espanha – apesar de ser brasileiro, sempre
cai um pouco na Europa, nos Estados Unidos.
Inquérito
E: Rosto
S: Aqui o rosto, corpinho e o pezinho...
E: Flores?
S: São esses pequenos ramos (Dd99)... Por quê florzinhas? Com um pouco de imaginação... Aqui
seria que nem uma espada (D14). Por dentro é meio verdinha... Por fora um azulzinho bem
clarinho, da forma do raminho da flor... Que nem espada - verdinha... Azulzinha, da forma do
raminho da flor...
E: Vidrinho?
S: Seria um vidrinho, dessa forma (aponta Dd34), mais fino em cima e grosso em baixo. Como se
estivesse transmitindo alguma coisa para essas duas partes (partes laterais ao redor do Dd34, que
formam o D6).
E: Países da Eurapa?
S: Espanha. Portugal. Não seria muito grande.
Seria um vidrinho, dessa forma ...como se estivesse transmitindo alguma coisa para essas duas
partes
”. Os objetos adquirem vida, têm autonomia, comunicam-se, transmitem
informações. Um mundo mágico?Real? Irreal? Perguntem aos médicos...
Caso 7
ET: ser um ser alienígena explica, mas não se resolve o problema.
Talvez lembre também o coração do ET, que brilhava em vermelho ... se for alienígena, pode ter um
coração diferente... Se existe alienígena, acredito que tenha sido de outro planeta – não deve ser
coração igual ao nosso. O ET tinha um coração que ocupava o peito inteiro...
Prancha I
S: Me lembra... Não sei, acho que uma máscara de carnaval de monstro (mostra a localização para o
examinador)... Ou morcego com quatro olhos. É isso que me lembra mesmo, é mais uma máscara.
Ou rosto de um monstro, com dois chifres, quatro olhos (aponta)... Morcego não seria... Qualquer
120
dia... Se tiver tempo, me fala como avalia a personalidade porque tenho interesse em entender isso...
Acho que é praticamente a mesma coisa, né? Uma máscara ou um rosto a cabeça de um
monstro. Mais para scara, porque não tem os olhos... Por isso lembra mais uma máscara...
Que tem um buraco para enxergar.
Inquérito
:
E: Você falou máscara de carnaval de monstro, depois morcego, máscara novamente. Depois achou
que não seria morcego, e ao final considera praticamente a mesma coisa: máscara, rosto ou cabeça
de monstro – mais para máscara – explique melhor!
S: Bom, aqui o formato da máscara (W), o orifício para respirar – (S) - máscara de monstro.
E: Máscara?
S: Porque aqui não tem olhos, pupilas é um buraco mesmo.
E: Rosto de monstro?
S: Não, mais para máscara, mesmo.
E: Monstro - dois chifres, quatro olhos, morcego...
S: Morcego. Não talvez essas partes (inclusas no W), mas... Não, muito diferente... Só as asas
parecem de morcego.
Este protocolo se caracteriza, basicamente, por um ritmo extremamente rápido e
vertiginoso de associações ao estímulo:
máscara de carnaval de monstro, rosto de monstro...”,
que, no entanto o são submetidas a todas as fases do processo de elaboração
descritos por Exner (1999). O paciente vai passando de idéia a idéia, e queima etapas,
que a fluência da evocação de conceitos se num ritmo o rápido que não se
adequou ao
timing
necessário para a realização de uma tarefa complexa como o é a
resolução de problema tal e qual proposta no Rorschach.
A dificuldade de se desvencilhar de uma associação à outra o leva a ir
modificando a resposta à medida que se reporta novamente à mesma, o que o conduz
a um processo sem fim, no qual as alternativas de possibilidade de definir a resposta
não se esgotam. Assim, o processo de resolução de problema fica todo entremeado por
121
essas dúvidas – representadas por associações alternativas que têm idas e vindas, que
são escolhidas, corrigidas, rejeitadas, e reescolhidas.
Na associação, a dificuldade inicial de abstrair os espaços brancos, elaborando,
por exemplo, uma resposta que sintetize “morcego” e, ao mesmo tempo, leve em conta
(ou abstraia) os espaços brancos fazem com que o paciente uma resposta
classificada como INCOM – de fusão, sobreposição de
morcego e quatro olhos.
No inquérito, que visa ao levantamento de informações para futuramente
classificar as respostas, o examinador fica em uma posição ambígua. Ao mesmo tempo
em que deve definir as unidades de resposta (monstro? morcego? scara de
monstro?), tem que se manter fiel à forma, ao processo em que o paciente formulou sua
resposta. Assim, seu cuidado foi o de
não
interferir no processo de resposta do
paciente.; em sua primeira questão no inquérito, o examinador repete literalmente todas
as respostas que fazem parte do percurso associativo do paciente, que ao final desses
ensaios parece ter tomado uma decisão
: “mais para máscara...” .
O examinador tem por função, no inquérito, definir as características da resposta
com a maior precisão possível, de modo a poder classificá-la. No caso de pacientes
prolixos como este, tem que ser especialmente cuidadoso para
não
intervir e tomar
decisões que o paciente não consegue tomar por si próprio ou seja, nesse caso,
decidir o que é unidade de “resposta” (
máscara e monstro
), se são duas ou mais
respostas, e se estão sendo vistas ou não como separadas conceitualmente.
122
Ironicamente, no caso deste e de outros pacientes com TOC, dadas as
alterações afetivo-cognitivas próprias do quadro clínico, o examinador pode cair em
uma armadilha. Por um lado, tem que captar o percepto formado durante a associação
o qual não tem os atributos concretos da mancha de tinta, e ao mesmo tempo não é
tão abstrato e geral como a palavra-conceito emitida como resposta. De outro, nesse
processo de idas e vindas e alternativas de resposta expressas pelo paciente, o
aplicador da prova também não pode se deixar levar pela ansiedade e precipitar-se
para definir o que constitui uma unidade de resposta. Pode, assim, incorrer no risco de
ele próprio, examinador, definir a amplitude de cada unidade de resposta, delimitando,
ao seu critério, onde começa uma e termina outra. Nesse caso, estaria projetando suas
próprias necessidades (de organização, elaboração e definição de cada resposta)
sobre
a resposta do paciente – e o respeitando seu tempo e modo prolixo de
elaboração. Atuando dessa forma precipitada pode, assim, perder essa importante
informação sobre o indivíduo que pretende conhecer.
Prancha II
S: Esse aqui me lembra o osso de uma bacia, talvez de uma mulher na hora do parto, por causa desse
negócio vermelho... Ou hemorragia não necessariamente uma mulher... Ou pode ser ovário, deu
hemorragia, os ovários desceram. A pontinha lembra o osso do cóccix é, parece o osso da bacia...
É prá interpretar só nessa posição?
E: Pode virar se quiser!
Inquérito:
E: Osso da bacia... Mulher na hora do parto, hemorragia, ovários... cóccix ...
S: O osso, por causa do contorno (D6), e o vão (DS5), e esse aqui (D4).
E: Parto, hemorragia, ovários...?
S: Mais hemorragia interna por causa disso (D4) – parece sangue pingado, escorrido.
E: Sangue?
S: A cor vermelha. O osso do fêmur, o contraste. Com a cor vermelha.
123
Nesse ambiente mais ansiógeno, em que a cor vermelha estimula a evocação de
aspectos mais primitivos e intensos da afetividade, a manipulação ideo-verbal de G. se
exacerba. Essa modalidade de funcionamento psíquico é descrita por Henry Ey como
pulsátil, com idas e voltas incessantes, desencadeada por um incidente mínimo, uma
recordação, um gesto anódino
”(op.cit. p.492).
Aqui podemos acompanhar com clareza as trans-formações que as “respostas”
do paciente vão sofrendo. Sua primeira fala é
: “Esse aqui me lembra o osso de uma bacia”.
Em seguida, a
bacia
passa a pertencer a uma
mulher na hora do parto
o estímulo da cor
vermelha nesse momento fica em primeiro plano, e o paciente responde a ele
inserindo-o na resposta
: “
Mulher na hora do parto por causa desse negócio vermelho”.
Por sua vez, a cor vermelha o arrasta para a associação com um conteúdo mais
intensa e diretamente determinado pela cor
uma hemorragia
.
Essa idéia passa ocupar o
primeiro plano, e G. tem nova reviravolta na construção de sua resposta
:
É hemorragia,
mas não necessariamente em uma mulher
”.
Mas a idéia de mulher retorna, sob a forma de sua
anatomia:
ovários”,
novamente sobrepostos à idéia
de
hemorragi
a,
que retoma sua
força. Finalmente, faz a volta completa do círculo vicioso que forma e trans-forma a
construção das respostas nesse cartão
: “
Parece o osso da bacia
”.
Prancha III
V
V
S: Me lembra tipo um... Monstro, inseto, monstro alienígena talvez com o peito transparente ou
aberto... O pulmão aqui no meio... Que tá com hemorragia, que tomou um tiro... Que nem o ET,
que brilhava o coração dele... Talvez lembre também o coração do ET, que brilhava em vermelho,
até, o coração dele... Ou que eleaberto, que teve hemorragia porque tomou um tiro... Ou que ele
124
tomou um tiro também – com hemorragia. Ou que tá aberto – passando uma borboleta no meio
dele, e engoliu uma borboleta... Ou talvez um coração se for alienígena, pode ter um coração
diferente. Mesmo caso - tomou um tiro... Ou talvez uma autópsia abriram para ver com é por
dentro, tiraram todos os órgãos, teria um pulmão ou coração duplo. Se existe alienígena, acredito
que tenha sido de outro planeta – não deve ser coração igual ao nosso. O ET tinha um coração que
ocupava o peito inteiro... (Continua observando o cartão)
S: De cabeça pra baixo (ou seja, na posição normal do cartão) lembra
também o osso da
bacia
, sem as pernas. E isso aqui me parece patas de um cavalo.
Inquérito
E: Monstro? (D1)
S: O formato bizarro, a cabeça, dois olhos, pernas, braços...
E: O formato (peito transparente, pulmão com hemorragia?
S: Coração. Duplo. Lembro que no filme do ET era assim: brilhava, ficava vermelho (D3).
E: Pulmão, hemorragia, tomou um tiro?
S: Porque é um pulmão de cor diferente, o que sei de nosso pulmão , que saiba, é cor-de-rosa, e não...
(aponta o vermelho)
E: Aberto, passando borboleta, engoliu?
S: Alienígena (D1), a borboleta (D3) Ou ele pode ter engolido ela, ou ele foi morto na autópsia...
E: Autópsia do alienígena?
S: É... É, sobrou um coração, ou um pulmão, ou os dois juntos (D3) que nem o alienígena que
mostrou no Fantástico. Será que é verdade essa história? Os mesmos componentes que formam a
Terra existem no Universo!
E: Osso da bacia, sem as pernas.
S: O formato, com um vão no meio. Osso de alienígena, que cortaram pedaço... Quebrado não...
Porque não... Ou...
Pode-se descrever o processo de resposta de G, tal como é constituído, como
representando a explicitação, ou a verbalização – forçada, pouco elaborada – de etapas
que deveriam, a rigor, ocorrer internamente. É como se todo o trajeto – desde a
associação, entrelaçamento de idéias e seleção final do material, até a resposta final
ser definida – ocorresse de forma externalizada, exposto cruamente em palavras, como
um material bruto, não-metabolizado internamente. É como se exteriorizar essas etapas
fosse um artifício (compulsivo) para se livrar delas, ou para temporariamente retirá-las
da consciência.
125
Descrevendo de outro ângulo, pode-se dizer que, assim como no prancha I, o
ritmo vertiginoso de associações se mantém, e o
timing
para elaboração mais completa
da resposta não é respeitado. O paciente vai ligando uma associação a outra, tecendo,
entrelaçando impulsiva e rapidamente relações frágeis, ilusórias, virtuais ou
implausíveis entre elas.
Nessa prancha, vai ficando evidente o modo em que as alterações, ou lacunas
nesse processo de elaboração passo a passo da resposta, repercutem na própria
classificação, com vários “códigos especiais críticos” sendo atribuídos.
O código FABCOM2 envolve uma combinação implausível entre dois ou mais
objetos identificados na mancha, e é atribuído à resposta: “...
Ou que ele
(
refere-se ao
ET
)
tá aberto – passando uma borboleta no meio dele, e engoliu uma borboleta”.
A sensação subjetiva do paciente de estar perdendo-se nesse trânsito entre
elementos do real e do imaginário é expressa em um comentário, considerado DR2, ou
seja, resposta desviante irrelevante e inadequada à tarefa em pauta mas bastante
significativa para esse paciente:
Que nem o alienígena que mostrou no Fantástico. Será que é
verdade essa história? Se existe alienígena, acredito que tenha sido de outro planeta não deve ser
coração igual ao nosso. O ET tinha um coração que ocupava o peito inteiro...”
Cabe mencionar que o tema repetitivo “ET” tem um significado especial para G.
No início de seu quadro de TOC, G. apresentava diversos tipos de medo; um deles,
mais intenso, era de que o ET (personagem de filme infantil) aparecesse subitamente à
sua frente. Aparentemente, a sensação de medo associada a esse conteúdo deve ter
126
atuado como pano de fundo emocional e/ou elo associativo para as suas respostas,
que reverberam em torno deste elemento:
Lembro que no filme do ET era assim: brilhava,
ficava vermelho.”
Esse tema recorrente aparece, também de forma repetitiva, em outros cartões.
Selecionamos as pranchas V e VIII para discutir mais alguns pontos deste protocolo.
Prancha V
S:
V
Me lembrou um morcego...
De cabeça pra baixo me lembra morcego...
V
Ou assim,
também, talvez um morcego, inseto, mariposa, coisa assim. Morcego também, porque morcego tem
aquelas... Mas seria um morcego diferente quem sabe até de outro planeta, modificado
geneticamente, ou cruzamento de mariposa com... Ou então cruzamento genético de morcego com
mariposa coisa assim, porque morcego tem mãozinhas nas asas, mas não nas pontas parece
mais é garras, mesmo. Isto seriam as antenas, ferrões, atrás poderia ser as patas. Mariposa, aqui
seriam as antenas, patas, órgão genital ou excretor, defecação, coisa assim.
Inquérito
E: Morcego, inseto, mariposa?
S: Morcego, mas seria morcego diferente – geneticamente diferente, de outro planeta (
DR2
).
E: Cruzamento genético...?
S: Mariposa e morcego morcego tem mãozinhas (?) nas asas, mas não nas pontas (D1) parece
mais garras (D1). Ferrões (D6) – e atrás, as patas.
E: Cruzamento genético de morcego e mariposa?
S: Mariposa pelas antenas (D6), patas, órgão genital ou excretor, de defecação - alguma coisa assim
(D9).
Ao se deparar com duas associações para uma mesma localização, acaba
inicialmente “tomando o caminho mais curto” para costurar essas relações, ou seja,
funde duas ou mais associações numa só resposta. Ao final da associação, elaborando
melhor seu pensamento, consegue resolver a questão da sobreposição com nova
estratégia: formula uma categoria mais ampla na qual inclui os dois conceitos
:
cruzamento genético de mariposa com morcego
para driblar o problema da fusão, criando
127
assim um conceito classificatório de ordem superior às subcategorias
morcego
+
mariposa.
Cartão VIII
S: Esse aqui
V
tá difícil! Me lembra obra de arte abstrata, expressionista – não entendo muito de
pintura, né? Ou um... o sei... Alienígena, talvez os órgãos internos de um alienígena, também,
que seriam... Depois de ter sido aberto para autópsia. Aqui poderiam ser os pulmões, não sei...
Aqui... Ou então o útero, trompas de falópio... Bacia, útero... Aqui poderia ser vagina, pênis
diferente também.
Inquérito:
E: Obra de arte abstrata?
S: Não tem... Um... Não é uma coisa definida!
E: (repito a resposta)
S: Aqui o útero (D5) É difícil de lembrar vagina, ou pênis (Dd23). Mais para vagina. Ou pênis
retraído. Mas aí não seria fêmea, não teria útero. Seria macho - ou hemafrodita.
Observamos que a temática do “alienígena” persiste repetitivamente também
nesse cartão assim como nos anteriores. Descreve seus órgãos internos, e quando
menciona a anatomia ligada à sexualidade, insere órgãos femininos juntamente com os
masculinos no mesmo ser
:“Não sei, alienígena, talvez os órgãos internos de um alienígena,
também, que seriam... Depois de ter sido aberto para autópsia. Aqui poderiam ser os pulmões, não
sei... Aqui... Ou então o útero, trompas de falópio... Bacia, útero... Aqui poderia ser vagina, pênis
diferente também
.”
Novamente, a velocidade com que passa de uma associação à outra não permite
sequer que se detenha em um espaço mental específico, nem distinga dois conceitos
independentes, ou mesmo opte por inserir na resposta os elementos sexuais de um
gênero ou outro.
128
No inquérito, ao explicar seu percepto, fica mais patente esta contradição
:“ É
difícil de lembrar vagina, ou pênis. Mais para vagina. Ou pênis retraído. Mas não seria fêmea,
não teria útero. Seria macho - ou hemafrodita”
Decide por
vagina
”, mas ainda fica persiste o conflito, porque a seguir percebe
novamente o estímulo como
pênis retraído
. Não supera o impasse ainda, e não é capaz
de inibir um dos conceitos, ou mesmo optar por um deles
“... Mas aí não seria fêmea, não
teria útero...”
Ao final, decide por um conceito que inclua as duas possibilidades de
interpretação: hemafrodita. Ou seja, vai levantando hipóteses sobre a melhor resposta,
tentando fazer uso de uma estratégia de síntese (vagina + pênis= macho?
hemafrodita). Finalmente, equaciona razoavelmente bem o problema de perceber tanto
uma vagina quanto um pênis em um ser - hemafrodita.
A apresentação desse caso termina enfatizando que esse recurso capacidade
de síntese e de hierarquização de conceitos é eficiente quando não entram em jogo
elementos mais ansiógenos e diretamente ligados aos conteúdos de seus medos e
obsessões, como o “ET”. Aqui, derrapagens cognitivas não são evitadas, e, no geral,
são contextos onde os códigos críticos especiais se inserem com maior freqüência.
CASO 11
Rituais e o processo de resolução de problemas no Rorschach
É um animal que parece coelho, mas não e’ um coelho, e’ um animal.
É um animal que parece coelho, mas não é coelho, é um animal.
É um animal que parece coelho, mas não é coelho, é um animal.
129
Prancha I
S: Morcego- mais.?
E: Pode ver mais, se quiser...
S: Uma abelha... Um filhote de um pássaro. Acho que só.
Inquérito
E: (W) Morcego?
S: Corpo (central), duas lanterninhas que acho que deve ter, a boca não tá... Parece... As asas.
E: O que levou a...?
S: O tipo de figura (W). Tava tentando descobrir mais coisa...
E: (W) Abelha?
S: Corpo, anteninhas, rabinho... Anteninhas da frente, asas...
E: Abelha...?
S: O tipo da figura (W)
E: (W) Filhote?
S: Tudo, porque a figura me representou um corpo com asas...
E: Filhote?
S: A impressão é porque tem asa, corpo, biquinho e tem rabinho (W).
A repetição temática é característica deste protocolo. Conceitos semelhantes,
pertencentes à mesma categoria conceitual, são oferecidos como respostas de maneira
compulsiva, no sentido de um atraírem ou ao outro, como que grudando e se
embaraçando entre si.
Prancha II
S: Um coração ferido... Mancha de sangue no asfalto... (muito sensível ao vermelho). Pedra pichada
na parede... Uma construção de uma residência, de um prédio... Só. (Observa, ainda, o cartão; ao
devolvê-lo retoma as associações.) Um túnel entre as pedras...
Inquérito
E: Coração...?
S: Apesar de o ter forma de um coração (?) é um coração... Por causa da cor. Essas manchas de
sangue (aponta dos 2 lados do D2) parecem uma lança entrando no coração...
Falei lança, né?
(confirma sua resposta).
E: Coração?
S: Mais por causa da mancha de sangue, que a figura não mostra um coração (dificuldade de
localizar) (
W
)...
por causa das manchas de sangue, que eu disse
.
A cor
130
vermelha. E disse só por causa das manchas de sangue?(
confirma sua resposta
RITUAL
DR2)
(D2).
E: Mancha de sangue no asfalto?
S: Pode ser a mancha vermelha ou a cor vermelha, tanto faz, né ?
E: Explique...
S: Asfalto seria a cor escura. A cor vermelha é a mancha de sangue.
E: Onde é?
S: Imagino que foi um acidente (W).
E: Pedra pichada numa parede?
S: É, dá a impressão de um muro de pedras – aquelas ardósia, pichado por tinta. Seria uma parte do
muro, uma das pedras.
E: Pichado?
S: A mancha escura- marrom, cinza, marrom com cinza e vermelho. E mancha... Assim, indefinido.
Vermelho indefinido. Tipo pincelada, jogada (W). Todas as figuras parece que tem isso aqui
(aponta D mesial) (impressão...) uma seta, uma coisa incompleta mas pode ser indefinido,
também..
E: Construção de residência, de um prédio...?
S: Porque a construção da residência também é construída a partir de pedras pode ser do muro, da
parede.
E: O que levou...?
S: Seria também: imaginei a pedra, só. A cor não tem nada a ver, a cor, a tinta vermelha...
E: Explique...
S: Como se fosse uma pedra, seria uma das pedras - essa mancha escura – e irregular (W).
E: Túnel entre as pedras?
S: Por causa desse vazio (S) branco no meio da mancha escura (gesto indicando profundidade). A
abertura como se fosse para entrar. Aprofundado... O túnel que eu disse é’ uma pedra, e um
buraco no meio da pedra (WS).
A aderência, a viscosidade com que associa uma resposta ou parte dela a outra
é muito nítida aqui. Não consegue se desembaraçar de uma categoria semântica. Usa
a estratégia de fazer pequenas modificações na descrição do conceito, talvez com
disfarce para a repetitividade evidente nas respostas.
A cor vermelha, em particular, estimuladora de elementos mais primitivos da
afetividade, em seu caso é geradora de ansiedade. Rituais de repetição “
Só por causa das
manchas de sangue, que eu disse.A cor vermelha. E disse por causa das manchas de sangue?
e
131
verificação
Falei lança, né?
.” ocorrem em meio ao inquérito, sem que oponha resistência
aos mesmos. Os rituais recebem o digo DR2, visto que são associações irrelevantes
e mesmo bizarras no contexto da prova.
A sensação de repetitividade novamente aparece projetada em seu comentário,
em que caracteriza o estímulo como facilitador da repetição:
Todas as figuras parece que
tem isso aqui ... uma seta, uma coisa incompleta – mas pode ser indefinido, também”.
Prancha III
S: Dois cachorrinhos brincando com um... Entre manchas de sangue... Duas aves (concentra-se na
elaboração; fisionomia seria.) Dois animais apoiados com as patas da frente apoiadas sobre uma
pedra ou objeto...(prosódia de como se estivesse ditando as palavras.) Dois animais brincando entre
no meio de tintas vermelhas.Tudo vermelho... Representa sangue, prá mim...
Inquérito
E: Dois cachorrinhos brincando?
S: Aqui, um de frente pro outro, brincando (entre manchas de sangue) porque e’ vermelho... (W)
E: Duas aves?
S: Não estou conseguindo pensar em aves...
E: Dois animais?
S: Pode ser também dois animais brincando entre no meio da tinta vermelha... (W).
E: Vermelho?
S: Todo vermelho... Sangue
Novamente, o conteúdo de uma resposta resvala em outra, e não consegue inibir
a idéia de
sangue
, que insere no contexto não agressivo de uma brincadeira.
Prancha IV
S: Um palhaço... Um monstro... Um animal como orelhas, pata, tronco, cabeça, mas desconheço...
Inquérito
E: Palhaço?
S: Os pés... (
D2
), aqui o corpo, mais ou menos... Poderia ser os braços (
D4
), ou parte da roupa.
Agora aqui (D3) não tem jeito de rosto não – mas poderia ser uma mascara.
132
E: Palhaço?
S: No todo eu vejo mais o sapato (sapato?) porque ele é grande, exagerado, e palhaço usa roupa
assim.
E: Roupa?
S: Seria um macacão largo; aqui seria a manga do braço... meio estranho, mas... Mas tem que
falar algo.
E: Máscara?
S: Tá com máscara de um... Parecendo mascara de um... Parecendo máscara de um bicho (máscara de
bicho?) de animal, com um bico aqui (D3)( W).
E: (?)
S: Monstro assim... Porque assisto TV, porque me prende mas quando olho para a TV a
impressão de uma cena assim, parecido (W) meio indefinido, não tanto forma de homem, de
pessoa (?) essa parte que o homem não tem (D1).
E: Monstro?
S: Tem as patas (D2) para andar, e seria aqui a continuação do tronco (D1) – e o homem não tem o
tronco desse comprido (não tem...) definhado, a cabeça não tem a forma de uma pessoa, de gente.
É
mais para animal, do que para homem deformado. E’ mais para animal, do
que para homem deformado
(
DR2
) (W)
E: Animal com orelhas?
S: As orelhas (D4), patas (D2), cabeça (D3), tronco (D5) e desconheço... (W).
Novamente, ritual de repetição de frase, assinalado com DR2.
Prancha V
S: Uma borboleta... E um morcego. Só.
Inquérito
S: Por causa das asas (D4), anteninhas da frente, dessa parte que não sei como se chama (?) a forma
da figura. (W)
E: Morcego?
S: Porque todo morcego tem asas (D2); as patinhas do morcego; a cabeça mais ou menos parecida com
a do morcego, porque morcego tem cabeça de rato e esse não muito parecido com a de rato. A
forma (?) a cor também, a cor escura, quase preto (W).
As características desse estímulo, bem mais definido, permite que MV se
organize melhor, porém atendo-se a uma resposta popular. Novos elementos
significativos aparecem na prancha VII.
133
Prancha VII
S: Parece água do rio – de um rio... Vejo duas aves, incompletas. Sob o céu...
Dois seres humanos,
também, incompletos... Dois animaizinhos, sobre uma pedra...
Inquérito
S: Água de um rio (aponta W) pela distribuição da mancha que parece água em movimento, que
seria a parte mais... Porque o rio tem partes mais escuras e claras, e esta (aponta a região mais
escura) seria a parte mais funda do rio.
E: (duas aves?)
S: Essas duas aves (D2). O céu seria essa parte baixa (D4). Por causa do rabinho. Acho que tava
meio por fora, não ta parecendo muito ave não... Aqui poderia ser uma orelha (D5)... acho que
elas tão voando, acho que só.
E: Céu?
S: Por causa do estilo da mancha, mesclado Nuvem escura por causa da chuva (W).
E: (Dois seres humanos incompletos?)
S: Eu falei incompletos por causa... Da cabeça. A cabeça parece um ser humano, e o resto não parece
nada (D1).
E: (Dois animaizinhos sobre uma pedra?)
S: Parece assim 2 coelhinhos (D2) por causa da orelha (D5), e do rabinho que parece coelho. vejo
a orelha e rabinho, o corpo não (sobre uma pedra?) eles estão parados, não estão em movimento
parados, e se comunicando da maneira que se comunicam.
É um animal que parece
coelho, mas o é um coelho, é um animal. E um animal que parece coelho,
mas não é coelho, mas um animal. E um animal que parece coelho, mas não
é coelho, é um animal
(
DR2
)( W).
Aqui, o ritual de repetição foi codificado como DR2.
Prancha VIII
S:
V
Os órgãos do ser humano...Dois animais parecidos leão - leão não, urso (passa o dedo pelo
cartão)...Subindo uma... Montanha de pedreira... 1234, 1234, 1234, 1234 (DR2).
Inquérito
E: Órgãos?
S: Por causa do colorido... Porque pulmão, acho que é de uma cor.... Esses fogem um pouco da
tonalidade, esses fogem um pouco, mas... Dois pulmões.. Dois pulmões (D5), ou rins, sei - tô
jogando, não sei onde fica o rim.
E: O que a levou... Rim?
134
S: Porque são dois rins. Dá a impressão também de uma coluna (Dd21) – coluna não é órgão, né?...
Eu eliminei essas duas figuras (D1) (D6).
E: Subindo uma montanha?
S: Seriam esse dois.(D1)...
E: Montanha?
S: Essa parte inferior, colorida...
E: Subindo...?
S: Porque estão assim na parte... Baixa do solo e
a gente vê as patinhas em movimento. A
gente vê as patinhas em movimento
(
DR2
). Eles estão inclinados, também, né?
E: Montanha?
S: Seria porque essas elevações, terreno irregular (aponta contorno) (W). Engraçado!
Todas as
figuras têm esse chifrinho, aqui, viu?
Aparentemente, a presença do estímulo cor aumenta a ansiedade e a freqüência
dos rituais – que ocorrem tanto na associação
(1234, 1234, 1234, 1234)
como no
inquérito
“a gente as patinhas em movimento. A gente as patinhas em movimento”
.
No
comentário a seguir, racionaliza sua tendência à repetição atribuindo-a a características
do estímulo:
“Todas as figuras têm esse chifrinho, aqui, viu?
Prancha IX
S: ^ V Manchas de tinta quando se esta pintando uma residência ou um prédio... Sujeira das tintas
espalhadas pelo chão né? Sujeira de tintas espalhadas no chão. Sujeira de tintas espalhadas no
chão. Sujeira de tintas espalhadas no chão. falei? (quer que eu confirme se falou a frase)...
(
DR2
). Trabalho pintado por uma criança – pichação de muro... Pichação – não sei se pichação é
só escrever, ou se pintura também engloba pichação...
Inquérito
E: Manchas de tinta?
S: Um pintor que não é caprichoso - respingos de tinta. Por causa das manchas que são coloridas.
Porque cada lata de tinta é de uma cor, então eles estão mexendo com várias latas ao mesmo
tempo... (W).
E: Trabalho pintado por criança?
S: O trabalho de uma criança do maternal... Que nem criança, ela pinta e fala: o que tou vendo
ai?”... (e ela mesma responde)- um coelho! Responde a criança. E parece mesmo um coelho, um
coelho pintado por uma criança... Não, dois coelhos: tipo focinho, orelha (
D3
), o corpo mais ou
menos (no D1). Um coelhinho de pé, um de frente para o outro, sobre uma base colorida (
D6
).
Pode pintar a base colorida de verde, sendo que poderia ser um chão marrom ou um gramado
135
verde... ela não entende, ai ela pinta do jeito que quer
(?)
porque não foi a cor certa porque
coelho e branco e preto...e depende da criança, do maternal, porque na fase final elas sabem
discriminar a cor e não pintaria dessa cor, pintaria da cor certa... (W).
Muito evidente é o DR2 codificado em ritual de repetição, como também a
tendência a não se descolar de um atributo do estímulo
(manchas de tinta e trabalho feito
por criança)
a que se atém, também tentando produzir artificialmente variações no tema...
Prancha X
S:
V
Trabalho feito por um artista... Manchas de tinta espalhadas pelo chão. Um quadro de
pintura... Uma tela, já. Só.
Inquérito
E: Trabalho?
S: Artista de um atelier...Pintor...Seria uma pintura assim...Criativa...Não sei dizer mais nada.
E: O que a levou...?
S: Porque não estou entendendo nada do que o desenho esta aqui. E, ao contrário, ele sendo um
artista, ele tá entendendo o que pintou. Eu fiz um pouco de pintura, mas eu lembro aqui algumas
técnicas, mas não lembro o nome... É uma pintura sem geometria... Sem formas definidas... Ele
também tinha tintas soltas, pinceladas (?) porque eu não vejo nada de...Os desenhos estão mais ou
menos formados: por exemplo, esses dois rosas (D9), esses dois que estão em verde aqui (D4), essas
duas manchas azuis são iguais (D1)...Parece que mais coordenada. Também por ser colorida
(W).
E: Manchas de tinta espalhadas?
S: Seria quase igual àquela da lata de tinta, o próprio pintor pintando na prancheta, usando as
tintas... Para usar o pincel para passar na tela... Às vezes faz mistura de tinta aqui, até chegar à
cor que ele quer. Também dá idéia de um pintor relaxado, a prancheta ta relaxada (W).
E: Quadro de pintura, uma tela já...?
S: Um quadro pronto, já... E uma tela pronta, já. Mas com... Que o desenho pintado... É definido
pela imaginação do pintor, não imagino o que poderia ser
(?)
pela configuração, primeiramente, e
pelo colorido, e só o pintor identifica (
W
).
“Porque não estou entendendo nada do que o desenho esta aqui... E, ao contrário, ele tá sendo
um artista, ele entendendo o que pintou”-
como estratégia para dar alguma interpretação
para as manchas de tinta, usa um recurso de intelectualização
(pintura
),
e cria um
136
personagem, uma espécie de alter-ego
(o pintor relaxado
)
que ser permite jogar cores
em sua tela como melhor lhe aprouver. A segunda resposta é um outro tempo dessa
mesma obra, finalizada pelo seu autor. A paciente então justifica logicamente que
não pode imaginar o que poderia ser esse estímulo (ou seja, interpretar o
estímulo,”desambigüisá-lo), mas seu alter ego, familiarizado com esse tipo de
funcionamento mais espontâneo
(
porém
relaxado
...), sim! Pois ele tem o poder de
imaginação, e é capaz de criar uma identidade, um nome, um título para aquele
estímulo que ela não compreende, e que não lhe faz nenhum sentido:
e o pintor
identifica”.
5.2.2 Dois casos de TOC grave com índices abaixo da média grupal
CASO 1
Cartesiano em busca da exatidão, precisão e verdade como resposta aos borrões de tinta
Isso aqui é uma coisa de arte... De arte, né? Sou melhor em matérias exatas – cálculo,
geometria, coisa de arte não gosto muito... É estranho, não dá pra definir direito.
Prancha I
S: Sei lá, morcego! (continua observando o cartão) (Pode ver o que quiser...)... Filme de ficção.
Esquisito pra decifrar direito...
E: Procure ver outras coisas!
S: Filme de ficção...Esquisito prá decifrar direito...
E: Procure ver outras coisas...
Inquérito:
E: (Repito a resposta).
S: Mas ai seria grande
(?)
na figura – sei lá...
E: Morcego?
S: Porque parece.
137
E: Em que?
S: As asas, que aqui meio errado! (aponta espaços brancos, interpretando como falhas no
estímulo em relação ao percepto que imaginou).
E: Filme de ficção?
S: Esses negócios (aponta D4)... Essa parte.
E: O que o levou a...
S: Parece nave... Robô...
E: Nave? Robô?
S: Não sei se pode ser as duas coisas...
E: Você falou robô - nave – não sabe se pode ser as duas coisas?
S: Robô! (consegue fazer a opção, após estímulo)
E: E o que no estímulo lhe levou à idéia de robô?
S: Ah... Isso aqui (Dd22) – parece um robô sem cabeça... D4
Neste protocolo, com número de resposta reduzido e um tempo de reação
bastante longo, o que mais chama a atenção é basicamente a dificuldade de
desambigϋizar
a situação como mencionam Exner (1999) e Goldberg (2001).
Observa-se, nesse cartão, que uma baixa flexibilidade mental transparece na rigidez
que o impede de imaginar duas imagens em relação ao mesmo estímulo o paciente
vê-se como estivesse frente ao enigma a ser decifrado.
No inquérito, fica preso as duas associações; robô ou nave. Este prossegue, e
contribui para que o paciente tente se desvencilhar da situação de impasse, e procure
optar pelas duas respostas, ou por uma só e qual.
Prancha II
S: Parece uma nave espacial... Não sei ... Isso aqui é uma coisa de arte... De arte, né? Sou melhor em
matérias exatas cálculo, geometria, coisa de arte não gosto muito... É estranho, não pra
definir direito
Inquérito
E: Você falou... Nave espacial?
138
S: Só pode ser nave espacial! (?) às vezes assisto filme de ficção, mas pouco, mais meu tio vê...
E: Descreva um pouco a nave...
S: (aponta D6, depois se detém no DS5.) Aqui – esquisito, tá vazio! (aponta DS5)...
E: Vazio?
S: Tá difícil...
E: O vazio parece algo...?
S: As partes da nave!
E:
Coisa de arte?
S: É, pintura, arte... Uma pintura que vi no metrô, e gostei... Uns quadro bonito, mas esse é muito
complicado. No metrô você olha, sabe o que é... Se eu for mostrar para alguém em casa, também
não vão saber...
E: O que levou à idéia de pintura, arte?
S: Bom – todos parecem arte, todos parece arte.
E: Em que este parece arte, pintura?
S: Essa coisa como mancha, meio misturado as cores (aqui aponta
D)
e aqui diferente(
D6
)
Após a primeira resposta, com conteúdo repetitivo em relação ao cartão anterior
(nave), fica com dificuldade de se desligar do conceito, superar a inércia e tomar a
iniciativa para novo processo de elaboração.
Novamente pouco confortável com situação de ambigüidade-desambigüidade,
em que tem que transformar a mancha em um percepto após processo de elaboração
mental específico, no qual não certo e errado, compara e contrasta a situação com
as ciências exatas, nas quais percebe-se mais à vontade, e mais produtivo.
pode ser
uma vez evocada uma associação, não consegue se desligar dela,
ou mesmo admitir que possam haver outras; “respostas certas” ou viáveis a serem
elaboradas em relação a esse determinado estímulo”; inclusive, repetiu o conceito
dado na resposta do cartão anterior. É a paradoxal se dizer que A.M. tenta
transformar a situação do Rorschach em um processo de tomada de decisão verídico
139
(GOLDBERG,2002). Ou seja, a todo custo tenta descobrir uma única resposta, que
possa receber o valor de certa – ou errada.
Esquisito, vazio
- novamente a perplexidade, preocupação, sensação de
estranheza e incômodo frente ao vazio de forma semelhante à manifestada frente ao
cartão I, em que o espaço branco era visto com algo “errado”.
Outro aspecto de rigidez, neste caso envolvendo a idéia de que uma forma
mais “certa” pela qual o estímulo se encaixa no conceito que associou a ele, ou no
percepto que está tentando construir. Aqui vemos A.M, guiado pela ansiedade e
perplexidade de não saber como se desincumbir de tão estranha tarefa, contrastar a
facilidade de interpretar uma situação ambígϋa, mas ainda com um nome cnico
pintura no met
” – com o estímulo do cartão – “interpretável”.
Incomoda-se com o não saber solucionar esse conflito e defende-se com uma
racionalização, uma justificativa lógica para essa dificuldade. Ou seja, tenta compensar
sua irritação ou frustração com uma tarefa tão “complicada” argumentando que outras
pessoas também teriam a mesma dificuldade que ele próprio. Em outras palavras, sua
racionalização funciona no sentido de generalizar, tornar “objetiva” e não “subjetiva,
pessoal” sua dificuldade em interpretar os estímulos do Rorschach.
Prancha III
S:
Pode ser um ET... Aqui... Uma perna...(aguardo que produza mais respostas, pois ainda está
observando o cartão.) Essas duas figuras parece igual, né? (refere-se a D9, que aponta de ambos os
lados.) Aqui também, parece que é igual, né? (aponta os dois D2)... Pulmão... Ou coração – tem
duas partes...
Inquérito
140
E: ET?
S: Extraterrestre!
E: O que o levou?
S: A cabeça...
E: Descreva melhor.
S: Aqui assim, parece (aponta o resto do contorno do Dd34)
E: ET?
S: Não sei – porque é uma figura meio esquisita (D34).
E: Perna?
S: Aqui, assim (aponta D5)... Parece... E aqui (Dd33) parece um sapato! (?) aqui, parece...
E: Coração... Pulmão?
S: Mais pulmão!
E: O que o levou a...
S: Porque tem duas partes (duas partes?) é, aqui - pulmão (aponta D3).
E: Você acha que parece coração, também?
S: É... Não sei se a cor tem a ver.
E: Se a cor tem a ver?
S: É, coração acho que é vermelho!
“Essas duas figuras parece igual, né?.Aqui também, parece que é igual, né”:
novamente a
preocupação com a simetria se instala; repete por duas vezes o comentário, como se
fosse absorvido por essa característica do estímulo; o consegue deixar de verbalizar
duas vezes, atuando de uma forma compulsiva.
Prancha IV
S: Parece aqueles monstros... Não sei se é monstro, ou roaqueles que passa em filme japonês,
lá...Acho que é só...
Inquérito
E: Monstros?
S: Monstro ou robô. Esses que a gente assiste às vezes... Aqui os pés.
E: Descreva um pouco mais...
S: E aqui o braço dele...
Robô
é um conteúdo que já evocou na prancha I, e que persiste ao longo da prova
.
141
Prancha V
S: Pode ser ave, sei pode ser a perna de algum animal, não sei (3min 30seg)... É um pouco difícil, é
que é pintura de arte...Sou bom em imaginação, mas é em matemática, eu tinha falado...Fazer
uma equação, função...Mas pintura assim...Meu campo é mais para coisa exata! (5 min)
Inquérito
E: Ave?
S: Difícil... (Aponta o
W
)
E: Ave?
S: Pode ser... Parece.
E: Perna de algum animal?
S: É.
E: Perna?
S: Perna de ave, de cachorro, de cavalo
(?)
pode parecer...
Relutantemente, dá respostas com conteúdo animal vago (
ave...perna de algum
animal
). Faz pausa longa, e novamente contrasta suas habilidades em raciocinar
linearmente, como em ciências exatas, com a de interpretar um estímulo do Rorschach.
Aqui, seu tom de voz já mostra mais claramente uma certa irritação e um certo
inconformismo de ter que se submeter a tal situação, e mesmo uma resistência e
oposição. Estes, associados aos aspectos de rigidez, se somam e fazem com que
efetivamente tenha maior dificuldade no processo de elaboração de resposta. Assim,
aspectos de personalidade mais imaturos, no sentido de não tolerar frustrações e atuar
persistentemente em oposição ao que percebe como imposto a si– ou seja, a própria
instrução e natureza do teste – vão transparecendo cada vez mais ao longo da prova.
Prancha VI
S. Difícil!...(Insisto, o paciente fica alguns minutos observando o cartão).
As figuras dá a impressão que é mais ou menos igual, umas coisas parecidas! Pode virar? V >
142
(5 minutos de elaboração da resposta até este ponto.). Pode parecer uma pessoa com cabeça, parece que
tem um nariz... Mais ou menos - seria meio ilusionismo, isso aqui! (aponta apenas a parte final do
Dd24,que é uma localização inusual para este conteúdo)
Inquérito
S.Pode parecer pessoa (aponta novamente as partes): a cabeça, a boca e no nariz aqui.Mais o menos.
Ilusionismo, mágica, algo muito intrigante para ele, que não faz sentido. Assim
com em outras pranchas, mostra um tempo extremamente longo de resposta. .
Prancha VII
S:
V Sei lá, fantasma, pessoa, é estranho (se detem em um pequeno detalhe, que observa bem de
perto, com a cabeça próxima à prancha). Como chama? Um animal, animais...ovelha, não sei. Mas
tirando esse (aponta um
Dd
). Parece que é mais ou menos igual essa parte. V Pode parecer mais
coisa, mas tá difícil...
Inquérito
E: Pessoa, fantasma?
S: É parecido.
E: Em quê?
S: Por aqui tem os olhos (parte interna do D9) e... Mais ou menos o formato!
E: Animais, ovelha?
S: Animal pode ser... Aqui e aqui... Porque tem o olho, parece... (aponta detalhe interno do D3)
E: O que o levou?
S: Foi... O formato mais geral.
Após um tempo de reação longo, consegue formular uma resposta
(fantasma
).
Depois, debruça-se em um pequeno detalhe e o examina detidamente. Será que está
efetivamente elaborando, refletindo, ou está só fazendo o papel de que está cumprindo
a instrução, mas na verdade passivamente se opondo a ela? Ou talvez preocupado
com algum aspecto da mancha que associa a algum elemento de suas obsessões?
Mesmo assim, conserva a prancha em sua mão e a observa. Após quase 5 minutos a
devolve, comentando que “
Pode parecer mais coisa, mas tá difícil
”.
143
Perfeccionista nos recortes que faz. Ao mesmo tempo, parece que em
determinado momento estes são analisados não mais em relação a partir da instrução
com que isto se parece
. De repente desvia-se dessa consigna e se analisando
esses estímulos sob
outros
critérios se são iguais, ou diferentes, entre si - e tenta
enquadrá- los dentro de categorias mais gerais, ou seja, se são iguais, ou o. Esse
tipo de critério é irrelevante à tarefa proposta, mas o paciente não consegue inibir,
desvencilhar-se dessa necessidade de comparar, verificar igualdades, semelhanças e
simetrias no cartão – compulsivamente.
Prancha VIII
S: Parece um animal, mas esqueci o nome... As duas patas...
Essa mais bonita, mais colorida!
Acho que é só...(5 min 45 seg)
Inquérito
E: Um animal?
S: Aqui a perna, as patas...Os olhos, a boca.
Após a primeira (e única) resposta, o paciente continua observando atentamente
o estímulo. Com o contato com a cor, parece animar-se um pouco, mostrando prazer e
até fazendo comentário sobre aspectos estéticos -“
essa mais bonita, mais colorida
- da
mancha – ou das pinturas, como o denomina.
Prancha IX
S: (Faz várias rotações com a prancha) Essa tá bem colorido, mas para decifrar alguma coisa...
(
após
5 minutos 45 segundos, e a despeito da estimulação da examinadora, entrega a prancha sem dar
nenhuma resposta
)
Inquérito
S: Esta não dá pra decifrar mesmo!
144
Na fase de associação, observa o cartão, sistematicamente, em todas as
posições, detendo-se em cada uma delas. Após 4 min 45s, verbaliza um comentário,
mas não consegue elaborar uma associação. É como se estivesse dividido entre uma
ação de analisar o cartão sob diversos ângulos - e ao mesmo tempo o desejo mágico
de que uma resposta pudesse surgir dessa manipulação.
Apresento novamente a prancha no inquérito, insisto em que tente dar alguma
resposta, mas desta vez ainda não o faz, dizendo em tom assertivo, e ao mesmo tempo
quase que de desculpa
“esta não pra decifrar mesmo
.
Parece que agora
decididamente se percebe frente a frente com a esfinge, que lhe propõe um enigma,
indecifrável, a despeito de seus esforços nesse sentido. A questão é que no mito, a
esfinge faz uma ameaça:
“decifra-me ou te devoro
”. Será que estar frente a frente com
estímulos ambígϋos e não ser capaz de “desambigϋizar” os estímulos, ou seja, tentar
adivinhar, presumir, interpretar – é tão ameaçador assim?
Como Goldberg (2001) diz, vivemos em um mundo ambíguo, de modo que as
escolhas que fazemos não são inerentes à situação, mas fruto de uma interação
complexa entre as propriedades dessa situação e as das nossas aspirações, dúvidas e
histórias. O indivíduo tem que ter a flexibilidade de adotar diferentes perspectivas diante
da mesma situação em ocasiões diferentes, deslocando-se entre elas à vontade.
Em suas obsessões e rituais de ordenação, números e exatidão, é como se o
paciente estivesse tentando transformar todo o seu quotidiano em situações em que
supõe haver uma verdade absoluta, matematizando a vida o que é absolutamente
145
inviável, desadaptativo, e causa enorme sofrimento. Nesse caso, parece que a ameaça
de ser devorado pela esfinge está onipresente em sua vida.
Prancha X
S:
V
... Tucano ou papagaio...
>V<
esse não sei se parece siri ou caranguejo... Aqui... Pode ser outra
ave, não sei...
Inquérito
E: Ave?
S: Já vi ave... Pode ser toda essa parte...
E: O que levou à impressão...?
S: As asas.
Aqui parece que, pelas características do estímulo, colorido e formando unidades
mais distintas entre si, o paciente mostra um pouco mais de facilidade em compor suas
respostas. Também o tempo de reação é significativamente menor do que nos cartões
anteriores provavelmente percebe o estímulo como menos “complicado”, ou mais
definido, inclusive conseguindo articular a cor com conceito que a inclui.
A presença de intensa ansiedade ao longo de todo o protocolo, tanto na
associação quanto no inquérito, e de seu tempo de resposta bastante lentificado,
levaria a pensar que, aparentemente, seu foco e seu tônus atencional não estavam
suficientemente adequados para que registrasse os conteúdos que evocou. Todavia,
observa-se aqui que foi capaz de reter na memória suas respostas (ou pelo menos
esta que mencionou), comentando que percebe inclusive que está repetindo
conteúdos.
146
CASO 14
A consciência ilumina, confunde e dói ao mesmo tempo.
“Parece...de vez em quando a pessoa sonha tem essas imagens...
Acho que deformada por...Quando a pessoa tá confusa,
não consegue compreender o sonho, como se tivesse tido um pesadelo”.
Prancha I
S:
(Não segura a prancha na mão.) Mais ou menos que aparece... Parece um morcego, só isso que
tem que falar?
E: Pode ver mais coisas, se quiser.
S: (Detém-se, observa o estímulo, ainda não toca na prancha.) Acho que só isso.
E: Pode virar a prancha se quiser.
Inquérito
E:
Morcego?
S: A pata, as asas, a cabeça; parte do corpo. Alguma semelhança – parecendo esse animal.
E: Em termos de quê?
S: A forma parece um pouco a perna, a cabeça, asas, o corpo...
E. Mais alguma coisa?
S:
Talvez pode ser até um caranguejo. As patas deformadas (Dd34), o corpo aqui... Com as partes
brancas parecendo que separa uma perna da outra (WS)
(MOR
).
Várias respostas MOR são codificadas no protocolo deste paciente cujo quadro
se iniciou com sintomas envolvendo o temor de que algo ruim pudesse acontecer a
seus pais. Rituais de contagem e de verificação marcam a presença de elementos
depressivos que o tonalidade mórbida, de temor à perda e à morte, às obsessões e
rituais. Auto-recriminação e escrúpulos, ligados à sexualidade e religião, também estão
presentes nos rituais cognitivos de
argumentação intermináveis
que se obrigava a
realizar. Vê-se um pouco desse processo em sua forma de responder a esta prova.
Prancha II
S: >
Parece a parte interna de um corpo humano. Aqui parece o genital...
147
(continua observando a Prancha
V
mas não elabora resposta). Só.
Inquérito
E: Parte interna... Do corpo... Genital?
S: O quadril (D6), e aqui talvez podia ser algum órgão do abdômen (D2). Só isso. Não sei se é rim
ou pulmão, não tenho certeza (D2). Essa parte preta parecia o osso do quadril (?) o formato.
E: Genital?
S: Esse vermelho diferenciado - deu semelhança com a parte externa genital feminina (vermelho)
diferencia os ossos – o preto mais ossos, o vermelho mais os órgãos. Rim é o que tem duas partes?
E: O que o levou a achar parecido com rim?
S: O formato e o vermelho, que diferencia o órgão e preto como osso.
E: Rim vermelho?
S: Não, só para diferenciação a figura.
E: Mesmo caso que genital?
S: É. Essa parte pontuda pode ser início da coluna (D6).
A preocupação com doença, e também com sexualidade, transparece em suas
respostas. Ocorre a repetição da resposta
quadril
, a qual adere e não consegue se
desprender mais durante a prova.
Prancha III
S: Semelhança de esqueleto... Parece duas figuras, a sombra delas a perna, semelhança de uma
perna. Aqui parte do corpo.Parece que tenho a impressão que estão... Acho que é uma pessoa, a
outra parte é reflexo. Essa mancha é uma borboleta (D3) Acho que só isso.
Inquérito
E: Esqueleto, duas figuras...?
S: Duas figuras, de animal parecido com ser humano. Todo o preto é o esqueleto.E parte dele se
parece com outras coisas: ser humano deformado
(MOR
), animal diferente.
E: Esqueleto?
S: Por parecer parte do corpo humano... As partes finas, outras mais grossas existe simetria entre
as duas partes. Talvez até pode parecer o quadril de novo , mas de outra posição.
E: Você falou que parte do esqueleto parece ser humano deformado ou animal diferente. Animal ou
ser humano deformado?
S: Parece um - parece que foi feita, parece que foi dada a impressão pela sombra dessa figura.
E: Explique melhor: impressão pela sombra?
S: Porque não tem definição clara dos aspectos do que é realmente, se é pessoa ou animal
E: O que deu a impressão de sombra?
148
S: Nada.
E: Você considera pessoa ou animal – como duas respostas, ou uma?
S: A mesma, que a outra parte (refere-se aqui à simetria da mancha) é reflexo. Pode ser reflexo
algo refletido dessa pessoa ou animal. Ela inteira parece borboleta. Ou, se aqui for mesmo o
quadril (D1) pode ser outro órgão do corpo.
E: (retomo à borboleta) (O que o levou à impressão de borboleta?)
S: A semelhança. A forma...
E: Mais alguma coisa?
S: Só a forma (D3)
E: Você falou que, se aqui for o quadril, pode ser outro órgão do corpo...
S: Aqui (W) Outro órgão – como rim, pâncreas.
E: O que o levou?
S: Não tenho certeza se o dois têm duas partes. É como se tivesse cortado a pessoa no meio, que é
de outro ângulo (
MOR
)
No inquérito, navega de um conceito ao outro, como se estes fossem variáveis
contínuas. Não consegue determinar e traçar ativamente o limite categorial entre as
noções.
Duas figuras de animal...parecido com ser humano”.
Difícil também para o examinador categorizar, classificar como uma resposta ou
duas. A necessidade de se tomar uma possível decisão fica como se fosse transferida
para o examinador já que este é seu papel no inquérito – levantar hipóteses e
subsídios para classificar os vários aspectos da resposta. Cabe-lhe assim perceber
essa dinâmica do funcionamento do paciente, e optar conscientemente por assumir ou
não um papel mais rígido ao tentar dar conta da tarefa de definir a unidade de resposta
para poder classificá-la. Idealmente, deve se esforçar para captar o fenômeno
qualitativo tal como acontece, ou seja, descrevendo a dificuldade de o paciente dar um
final e solucionar o conflito de “o que devo incluir na categoria A, e o que incluo na B”.
Dessa forma, o examinador pode abstriair-se de traçar ou definir, ele próprio - ao invés
do paciente - um limite entre esses dois conceitos e sua abrangência.
149
Tal como qualquer indivíduo que interage com uma pessoa com TOC, essa
situação novamente evidencia a “armadilha” em que o outro pode cair como no caso
de participar ou não de um ritual. Por um lado, quando esse indvíduo interage entrando
diretamente na cena do ritual (por exemplo, repetindo alguma frase solicitada pelo
paciente), estará complementando patologicamente a relação, já que fecha o circuito da
ansiedade com sua co-participação no ritual. Por outro lado, se se recusa a realizar
uma ação inerente ao ritual, o grau de ansiedade se eleva e a tensão entre os dois
indivíduos aumenta.
Mantendo esse paralelo, o papel do examinador na situação da prova de
Rorschach seria justamente o de evitar atuar complementarmente ao paciente. Ou seja,
se este não consegue definir o que para si é uma resposta, ou onde termina um
conceito
humano
e começa o outro
animal
, o examinador não deve participar da tomada
de decisão, nem finalizar a escolha que o paciente o conseguiu realizar. Portanto, a
armadilha que o examinador deve evitar é a de subordinar seu comportamento às
instruções mais estritas da prova pois, com isso, pode deixar de perceber o
funcionamento do paciente tal como acontece espontaneamente.
Parte dele se parece com outras
”: novamente, não se desprende do
esqueleto
- tanto
do conteúdo quanto da localização - e associa “sobre” essa resposta, ou sobre-põe a
ela outros conteúdos: ser humano deformado ou animal diferente. Também esses
novos conteúdos, sobrepostos a
esqueleto
”, não são submetidos a um processo de
escolha, de decisão, de opção, que parece não ter fim. Os elementos do estímulo não
são conjugados com os aspectos do conceito, de modo que o paciente possa abstrair
150
os pontos em comum (ou não) entre ambos, e, finalmente, selecionar o conceito mais
apropriado ao estímulo.
Se aqui for mesmo o quadril, pode ser outro órgão do corpo
”. Passa de
“corpo humano
para
quadril”
como se deslizasse no plano ideatório de um conceito a outro. Mas o
conteúdo
quadril,
que por sua vez se impõe, revela a presença da inércia nos
processos mentais, e “se apresentaao processo de construção de resposta quando
este ainda não está completado. Assim, desde que foi eliciado no cartão anterior o
conteúdo mantém-se presente no fluxo mental e o paciente tem dificuldade de inibi-lo,
colocá-lo em segundo plano, para depois eventualmente iniciar e completar novo
processo de elaboração de resposta envolvendo “
quadril
”.
Caberá ao examinador separar o que é
figura
(parte do corpo humano, a
resposta que desenvolvia) e
fundo
-
quadril
(conteúdo que “ligou” a essa resposta inicial
sem ter completado o processo mental de elaboração). Portanto, qual é o critério final
que acaba sendo determinante para a resposta desse paciente? Um argumento lógico,
pautado na proximidade de um estímulo com outro. Em ourtas palavras, seu raciocínio
seria: se aqui nessa localização for um
quadril
, então “tambémpode ser outro
órgão, já que está próximo daquela peça anatômica.
“Porque não tem definição clara dos aspectos do que é realmente, se é pessoa ou animal
”:
racionaliza. Segundo sua interpretação do processo de resposta, está no estímulo o
motivo de ele não poder selecionar entre duas categorias, pessoa ou animal. É como
se não coubesse a ele desenvolver por si, autonomamente, todo o processo de
151
resolução do problema e optar. É assim difícil a ele responder à questão do inquérito (o
que lhe deu a impressão de sombra?), já que não consegue justamente destacar
(porque não abstraiu) o elemento do estímulo que o levou a optar por “sombra”.
Prancha V
S: ΛSemelhança com um morcego, com um inseto. Acho que só isso.
Inquérito
E: Morcego?
S: Também parece morcego. Essas duas pontas, antenas...as pernas, o resto de lado e as asas.
E: Semelhança com um inseto?
S: Poderia ser um inseto.
E: O que o levou...?
S: Que vai parecer borboleta, lesma, por causa das antenas e parte da pata embaixo(W).
“...das antenas e parte da pata embaixo”:
repete a justificativa da resposta anterior,
como se reverberasse a explicação para o uso do determinante forma. Repete para não
ter que usar novamente novo esforço atencional e fazer uso de novas palavras.
Prancha VI
S: Parece peixe- aqueles peixes dissecados, como bacalhau...Ou parece que ...Esse peixe está sendo
secado, essa parte do meio parece aquelas estacas e peixe exposto ao sol para conservar. Talvez
não seja nem peixe, pode ser outro animal. Pode ser a pele de um boi. É isso.
Inquérito
E: Pele de um boi?
S: Essa pontas poderia ser as patas (Dd24), a parte traseira, frontal... Ah também aparece parte
das costelas – as linhas retas mais escuras parecem costelas (D1)
Secado e dissecado”
- reverberação ditada pelo som da palavra; como se
perseverasse foneticamente.
152
“Talvez não seja nem peixe, pode ser outro animal.”
Parece que as associações a uma
mesma localização tem que ser exclusivas. Não podem se “ajustar”, ambas,
flexivelmente, às propriedades do estímulo.
Prancha VII
S: Acho que parece uma criança brincando em frente ao espelho espelho deformado (MOR).Ela
se vendo no espelho, tá brincando com a imagem – com variações da imagem dela. Só isso.
Inquérito
E: Criança brincando em frente ao espelho?.
S: No todo. Uma parte o reflexo.
E: Você falou brincando com a imagem?
S: Pela forma deformada da figura (W)
(MOR
).Ou pode ser também um espelho normal, e essa
criança, pessoa ou animal, ter essa forma e se ver refletido como realmente é. Essa figura pessoa
– criança – tem esse formato e se vê.
E: Esse formato? Descreva um pouco mais...
S: Tem o rabo comprido, talvez um chifre na parte traseira da cabeça, a testa grande, o rabo.
E: E parece com?
S: Uma pessoa deformada
(
INCOM 2, MOR).
A criança com
chifre na parte traseira da cabeça, a testa grande, o rabo
(INCOM2) e
deformada
(MOR) é a definição final que para a formulação inicial da resposta, na
associação. Algo está deformado: o espelho ou a criança? O que é real ? Filosofa,
como em seus rituais. Ao longo do inquérito, decide projetar no humano esse elemento
mórbido. O real é o mórbido, o estranho. Acaba assim por retirar todo o componente
lúdico “
brincando com a imagem”
que aparecia no começo. A criança se vê como
realmente “é” – mórbida.
Prancha VIII
S:
31” Acho que é um bicho subindo em algum lugar- aqui ele tá passando por pedras e chegou a
uma árvore. Isso.
153
Inquérito
E: Bicho subindo em algum lugar?
S: Aqui dois bichos, um de cada lado. Talvez o bicho pode ser uma preguiça, alcançando a árvore.
Esse formato. (D4+ D5).
E: O que lhe deu a impressão de árvore?
S: A parte central (Dd21) pode ser o tronco.
E: Aqui passando por umas pedras?
S: Porque é meio arredondada (D2), tem algumas partes retas, parece que está uma sobre a outra.
Essas diferenças – uma cor mais alaranjada, outra mais um rosa…Uma sobre a outra...(W)
A centralização de seu foco de resposta em conteúdo e localização populares
parece ter facilitado sua tarefa de interpretação desta prancha.
Prancha IX
S: Parece...De vez em quando a pessoa sonha tem essas imagens. Acho que deformada por...Quando
a pessoa ta confusa, não consegue compreender o sonho, como se tivesse tido um pesadelo.
Inquérito
E.Você falou que de vez em quando a pessoa sonha e tem essas imagens. Explique um pouco melhor.
S: É tipo um pesadelo, que a pessoa não consegue definir realmente, fica aquela confusão de cores,
e de formas.
E: O que o levou à impressão de pesadelo?
S: Aquela vontade de querer saber o que está acontecendo e não estar claro, quando se está
sonhando(W)
Prancha X
S: Tem uma certa semelhança com o corpo humano internamente, com alguns órgãos do corpo
humano. E parece que também tá sendo invadido por micróbios, estes órgãos. É isso.
Inquérito
E: Semelhança com corpo humano?
S: O corpo humano – a parte rosa maior seria o pulmão (D9), as outras (aponta os detalhes na parte
interna dos dois D9) seria os outros órgãos internos. As figuras externas (outros D que formam o
W) seriam os micróbios invadindo o pulmão, e os outros órgãos também. Mas também pode ser
aquela parte do pesadelo, de confusão de imagem, forma e cor... E aqui, tava tomando alguma
definição!
E: Tomando alguma definição?
154
S: As cores, as imagens, as formas. A pessoa já tava entendendo o sonho dele – ou pesadelo.
E: Você falou sonho ou pesadelo?
S: Um outro estágio do pesadelo, esse (Compara com a resposta de pesadelo da prancha IX).
E: Você falou que aqui já está tomando uma definição – explique um pouco melhor...
S: Seria... A parte interna do corpo humano
(W)
.
Durante o inquérito vale ressaltar nas pranchas IX e X que, nesta última, a
necessidade de o examinador ser mais preciso e rigoroso em sua investigação dos
elementos determinantes da resposta de modo a captar melhor o conteúdo da
resposta do paciente - entra em conflito com a necessidade de este de se manter vago.
A resposta
pesadelo, sonho
pode encaixar-se em qualquer estímulo. Ademais,
envolve o uso do determinante cor na resposta, que neste caso tem uma carga afetiva
menos angustiante do que na resposta
sonho
do cartão anterior. Aqui,
a pessoa
entendendo o sonho dele”.
Entretanto, o prazer transitório de estar podendo “decifrar”, ou de
sentir que está decifrando o enigma proposto pelo sonho vai se perdendo quando o
inquérito prossegue.
O conteúdo transforma-se em
outro estágio do pesadelo
: a
nova intervenção do
examinador
(“você falou que aqui está tomando definição explique melhor”) pode
de alguma forma ter atuado como se fosse uma pressão ou pode ter sido percebida
como tal. Traz novamente à tona a angústia maior, a impotência de o paciente manter-
se organizando ativamente frente à atividade de resolução de problemas. Como
conseqüência dessa exigência, que ocorre passo a passo com uma certa fragilização
ou fadiga dos processos mentais, o paciente “apela” para a estratégia mágica de que se
serve quando necessita uma palavra para decifrar enigmas, ou seja, o uso do conteúdo
155
parte interna do corpo humano”.
Disponível no fluxo mental, aparecendo por diversas
vezes, é uma resposta dada “por inércia” quando novo esforço mental é requerido
com a pergunta do inquérito.
É interessante notar que o conteúdo
parte interna do corpo humano
”, não tomado
em seu sentido literal, pode significar a
“interioridade”, a “vida interior
”. De certa forma,
essa
parte interna do corpo humano
é tão interior quanto a resposta
sonho
”, inicialmente
dada ao cartão. Não obstante, é muito menos abstrata, mais concretizada e palpável.
5.2.3 Um caso de TOC grave com índices mais próximos da média grupal
CASO 15
Dúvida e impasse na divisão de uma pessoa ao meio: um caso para Salomão
“Duas pessoas disputando um corpo físico.
Essa pessoa quer... Uma quer parte do corpo da outra.
Queria, no caso, a pessoa no meio.
Essa pessoa queria essa parte; a outra pessoa queria essa (outra) parte”
Prancha I
S: (Após as instruções) Aqui parece uma pessoa com vestido e...(aponta com o dedo na prancha)
(pausa longa.) Inventar também não pode, doutora? Essas duas figuras, esse é esse, não sei o
que possam representar.
E: Você estava dizendo que são duas figuras...
S: São pranchas isso aqui...São duas pessoas disputando uma moça, no caso, mas a moça está sem a
cabeça.
Aqui não tem certo nem errado
, como a senhora falou para mim....Duas pessoas
disputando um corpo físico. Só.
Inquérito
E: Pessoa com vestido?
S: Essa sombra (D4) e pés (Dd31). Só sei que essa pessoa está sem a cabeça.
E: O que o levou à impressão de pessoa com vestido?
156
S: O desenho, doutora.
E: Duas pessoas disputando uma moça?
S: Duas pessoas disputando essa pessoa (D4).
E: Disputando um corpo físico?
S: Essa pessoa (D2), uma quer parte do corpo da outra. Queria no caso a pessoa no meio. Essa
pessoa (D2 lado direito) queria essa parte (um dos lados de D4) , essa pessoa (D2 lado esquerdo)
queria essa parte (lado oposto de D4).Ou são duas pessoas (D2) coladas na moça (D4)
E: Coladas? Disputando? Explique melhor.
S: Não...no caso seria uma disputa (W)
DR2
Interessa notar que na fase da associação, o paciente busca algum
reasseguramento de que pode ter liberdade de construir suas imagens
: aqui não tem
certo nem errado, como a senhora falou para mim
. Evoca a figura do examinador como
autoridade
que lhe permita ampliar seus critérios para escolher a resposta, sem avaliá-
la como certa ou errada, ou seja, de acordo com seus critérios mais rígidos.
No inquérito se desenha mais claramente uma questão de moral salomônica:
cada pessoa deseja para si e disputa com outra a figura que está entre elas. Então,
corta-se a pessoa desejada ao meio, como se essa possibilidade (divisão” igualitária”,
num raciocínio mais concreto) fosse viável.
Justiça pré-salomônica: não há um critério hierárquico de autoridade, ou de
ordem superior, moral, que permita a decisão. A situação fica presa nesse paradoxo:
os dois lados do conflito se fazem atuar com a mesma tensão. A questão é semelhante
àquela da criança disputada por duas mães, para a qual o rei Salomão propôs a
solução de dividir a criança ao meio, assim descobrindo quem era a verdadeira e.
Revelou-se a verdade quando o valor moral de uma das mulheres se impos: nessa
157
disputa, ficar sem o filho é menos importante do que poupar sua vida, uma vez que,
evidentemente, cortada ao meio a criança morreria.
O julgamento inicial do rei é feito na base da divisão mais concreta possível
(partir ao meio). Na descrição do paciente, o critério do simétrico, concreto, acaba
predominando por ser mais fácil de ser introduzido nesse problema - do que um
julgamento que repouse em valores morais. Fica o impasse, de qualquer forma.
Ninguém ganha nessa disputa. A tensão permanece. Salomão não intercede...
Prancha II
S:
(aponta) Me parece dois cavalinhos, esses vermelhinhos aqui assim... (pausa longa para
passar de uma associação à outra.) É um pouquinho difícil distinguir as pranchas.
E: Tente...
S: É...Deixa eu ver...Aqui parece como se fosse uma estrada (aponta) e aqui é floresta, esses dois
escuros.
Inquérito
E: Dois cavalinhos?(D2)
S: A pata (parte inferior), a cabeça (parte superior do D2). Como se estivesse
presos
na montanha
– floresta, no caso (D6) – um de cada lado. E aqui seria (DS5) a estrada.
E: O que o levou à impressão de dois cavalinhos?
S: As patinhas. Ou dois animaizinhos, o caso.
E: Cavalinhos? Animaizinhos?
S: Animaizinhos.
E: O que o levou à impressão de floresta?
S: Essa sombra escura. Parece que nem uma floresta – apesar que a floresta aqui é escura.
E: Floresta? Explique um pouco melhor...
S: Você vai na estrada, e tem aquele verde
do lado direito e esquerdo
(
D2 + D6+DS5).
Prancha III
S: Aqui esses escuros são pessoas (aponta na prancha e mostra para o examinador). Duas pessoas,
aqui e aqui (pausa longa na passagem de uma associação à outra)... Aqui seriam dois pulmões,
doutora? Esses vermelhos aqui? Não sei se pulmão é assim. Mas tá se assemelhando a pulmão.
Inquérito
158
E: Esses escuros são duas pessoas?
S: A perna, o braço... Só que a mão está muito grande. Deveria ser pequena.
E: Descreva um pouco mais...
S: A cabeça, o pescoço, o tronco... E pernas. Só que tá faltando uma perna, para ser a pessoa
E: Dois pulmões?
S: Ou então dois... É... Que nem dois pulmões... Ou dois...
E: O que o levou?
S: Porque localizado nas costas. Poderia tirar o pulmão e considerar só essas duas pessoas? Mas o
pulmão eu considero.
E: Por que não consideraria...
S: Apesar de que o pulmão
é
do ser humano! (D3)
(DR).
Em sua lógica, sua justificativa para re-considerar a resposta
pulmão
é o fato de
estar localizado nas costas
. Ou seja, não consegue realizar o processo todo de elaboração
da resposta, utilizando o critério de localização. Acaba aceitando a resposta
pulmão
apoiando-se no argumento lógico ‘
Apesar de que o pulmão
é
do ser humano!”
Prancha IV
S: Isso aqui parece um... Monstro, doutora... Ou papel incendiado... Queimado (gesto com o dedo,
como se estivesse segurando algo).
Inquérito
E: Podia ser um monstro ou um papel que queimou...
S: Aqui, acho melhor um papel que queimou.
E:
Você considera monstro, também?
S: O monstro seria pela cabeça (D3), as duas pernas (D6), rabo (D1) e dois pés . Considerei
também como se fosse um papel queimado
E: O que no estímulo o levou a... Papel queimado?
S: Essa voltas (aponta contornos externos) – esses cantos.
E: Impressão de queimado?
S: Essas voltas (novamente aponta contornos externos da mancha.). São duas figuras que reconheço,
monstro e papel queimado.
Prancha V
S: Uma...Borboleta... Como se fosse uma...Um passarinho. No caso, aberto assim, um passarinho.
159
Inquérito
S:
Ela aberta assim (vira o prancha na posição V). Por ela estar aberta. Aqui e aqui como se fossem
asas.(W)
E: Como se fosse um passarinho?
S: Borboleta não posso considerar bicho...(
DR)
Um passarinho... Borboleta...Aqui mais certo
passarinho – aberto, assim (?) pelas asas.(W)
Prancha VI
S: (tempo de reação mais longo) E agora, esse aqui ta um pouco difícil... Espera um pouco (vasculha
a parte superior da prancha com o olhar) Uma cobra, não pode ser! (aponta com o dedo o D5)
não pode ser. É, esse aqui um pouco difícil...Uma tartaruga...Não! Um jacaré...Também acho
que não... Uma cobra, mas não sei se o corpo poderia ser de uma cobra. É que cobra tem o
corpo comprido, e aqui... O corpo dessa coisa é corpo maior... Pela cabeça, poderia ser uma cobra.
Acho que vou considerar uma cobra.
Inquérito
E: Você comentou vários aspectos, e ao final disse que pela cabeça poderia ser uma cobra. É isso
mesmo?
S: Cobra... O corpo seria comprido... A não ser que, ao abrir o corpo com a faca aqui (aponta D1) o
corpo dela tornou-se maior. Porque o corpo dava pra ser de jacaré... Quem sabe pra ser um
jacaré? A cobra tem um corpo...Abrindo com a faca... Abrindo com a faca
não
é um corpo
maior... Porque aqui o corpo (D1) é maior, pela abertura... (W)
DR2
.
Na prancha VI explicita, por meio de suas verbalizações, seu processo mental
(DR2): um conceito, desfaz a resposta, vai transformando-a, dando explicações
tentando “moldar” um conteúdo mais adequado, a seu ver, ao cartão. Mas fica
reverberando, paralisado em torno da luta entre um ou mais conceitos que evocou, e as
características do estímulo
.
Pensa em conceitos alternativos (
tartaruga, jacaré
),
que
também não se encaixam no critério de parecer com o estímulo. Em um esforço de
concluir o processo de elaboração da resposta, tenta re-selecionar a resposta “
cobra
”.
Mesmo assim, percebe que cobra, como ele a concebe, não é resposta
adequada ao estímulo,”
porque tem o corpo comprido
.
Não lhe ocorre operar mais
160
flexivelmente com o conceito, ou com o estímulo de modo a, por exemplo, localizar a
“cobra” em apenas uma parte do cartão.
Fica, assim, preso a tentativas de resposta, que não o satisfazem, mesmo
porque não consegue efetivamente realizar
todo
o processo de elaboração. Move-se de
um conceito a outro, sem se deter na análise de se efetivamente há formas de modificar
o conceito dado (
cobra, tartaruga, jacaré
) ou seu modo de perceber
o estímulo (em partes,
por exemplo). Um jogo compulsivo que não tem fim.
Prancha VII
S: (Segura a prancha e a manuseia) Isso aqui se assemelha que nem papel que se queimou. Um
papel. Como tem isso aqui no meio, devia ser um... (D6)...Esse risco aqui no meio... Isso aqui
(volta a atenção para o D lateral e depois W) é como se fosse o corpo de uma pessoa. É que esse
desenho como um todo se assemelha ao corpo de uma pessoa. Só.
Inquérito
E: Que nem papel que se queimou?
S: Que nem a cinza de um papel é mais certo assim. Um papel em cinzas. Essa volta (contorno),
quase faltando um pedaço para ficar solta. Cinza é todo o desenho.
E: O que o levou...?
S:O aspecto do papel.
E: Explique um pouco melhor
S: Porque a cinza escurece o papel. (W).
E: Você falou que como tem isso no meio, um risco...
S: Aqui (D6)... (Hesita muito)... Seriam os órgãos internos de uma pessoa ou talvez nem fosse
nada (Nega a resposta, censura)
E: Órgãos internos? Explique um pouco melhor.
S: Órgão... Dentro do esqueleto... Não sei se devo considerar isto...
E: Você falou que isso aqui... Se assemelha ao corpo de uma pessoa...
S: Mas aqui considero mais um papel que se desfez pelo fogo.
E: Você pode ver várias coisas; no caso você está considerando também o corpo de uma pessoa?
S: Estou sim. Seriam as partes internas da pessoa.
E: Descreva um pouco mais “partes internas”
S: Nas costas, no caso... O físico. No caso aqui, na frente.
E: Na frente?
S: Acho que vou considerar as costas... (W) .
161
O conteúdo
papel queimado
, evocado na prancha IV, repete-se aqui
. Partes
internas...O físico…as costas
: o limite dos conceitos “
corpo de uma pessoa
”, com
“costas”,
frente”, ou órgãos internos
é muito tênue. Tem dificuldade em percorrer todo um processo
associativo e de seleção para optar com maior determinação para resolver o problema
proposto pela prova.
Além disso, o conceito
corpo de uma pessoa
tem uma qualidade de inércia, pois
foi dado em sua primeira resposta ao teste, num contexto bizarro (prancha I), e
novamente ocorre neste cartão, durante o inquérito.
Pode-se supor neste caso que à dificuldade de percorrer o processo envolvido
na resposta se some a inércia de conteúdos, e mais ainda a dificuldade de lidar com os
elementos sexuais despertados por esse estímulo. Esses fatores turvam ainda mais sua
percepção e dificultam as últimas fases de seleção dos elementos da resposta.
Prancha VIII
S: Aqui se assemelham dois bichos... Dois animaizinhos, esse (aponta
D1
) e esse (
D1
simétrico).
Aqui (aponta D6 mostrando a localização para o examinador) se assemelha... Como se fosse um
corpo humano, o esqueleto
Inquérito
E: Dois animais?
S: Aqui e aqui, pela patinha dele.
E: Aqui se assemelha como se fosse corpo humano?
S: Aqui (D6) As costas (explique um pouco melhor) porque nas costas tem o pulmão é como se
fosse o desenho de um esqueleto humano.
Prancha IX
162
S:
V
Isso aqui se assemelha a.V (pausa; tenta selecionar, elaborar, mas cede à inércia dos
processos mentais, e dá a resposta que já repetiu e está mais fácil de ser extereorizada, ou é mais
dificilmente submetida a proceso inibitório ou seletivo) V... A um corpo humano aliás, um
esqueleto humano. O pulmão, os órgãos internos do corpo.
Inquérito
E: Você falou que se assemelha a corpo humano, esqueleto, órgãos.
S: Não! Nessa eu falei um quadro de pintura...
E: Você mencionou um quadro de pintura, sim, mas na outra prancha. Você acha que se parece
agora com o que?
S: Esse agora não lembro bem a definição que dei!
E: Você tinha falado um corpo humano, esqueleto, pulmão, órgãos; você acha parecido? Ou não?
S: Tou achando, sim.
E: Está achando...?
S:De ser as partes internas do corpo humano.
E: O que, na prancha, o levou à idéia de partes internas do corpo humano?) è, as partes internas do
corpo humano (W)
Prancha X
S:
Assemelha a um quadro de pintura... Um quadrinho de pintura
Inquérito
E: Quadro de pintura?
S: Pelas figuras, a variação dessas cores. (W)
A inércia, provavelmente associada a uma fadigabilidade intrateste e às
características formais deste cartão em particular fazem com que novamente elabore
uma resposta na associação cujo traço não se estabiliza o suficiente para poder ser
reconhecido quando novamente confrontado com a resposta. É como se, a um certo
momento, os estímulos IX e X ficassem iguais, a ponto de ele confundir em qual deles
deu determinada resposta.
O esforço de elaboração de uma resposta, em todos os seus passos, fica cada
vem mais difícil para essa pessoa. Apega-se a um conteúdo mais firmemente
163
estabelecido (
corpo humano
) como uma fórmula mágica que possa dar conta do processo
de resolução de problemas. Ou usa outra
fórmula,
já que o cartão é colorido: usar a cor
como determinante, dando resposta vaga o suficiente para caber tanto no cartão X
(como efetivamente o fez) como no IX. Nesse momento, vê-se impotente para articular
uma resposta mais adequada, e, ao mesmo tempo, sente-se na obrigação de fornecer
alguma resposta.
5.2.4 Caso de TOC leve com índices acima da média grupal
Caso 13
Rei poderoso, forte, enfeitado com plumas e com órgãos genitais de fora? O rei está nu.
“...Um cara poderoso, forte - pode ser um rei...Usa uma máscara, quase de um carrasco...
Os órgãos genitais dele tão de fora, acho que tá sem roupa...
Mas são pequenos em relação à força dele... Olhando bem dá para ver que é um homem.
Parece mais frágil”.
A presença de códigos críticos neste protocolo situa-se acima da média do
grupo leve (G1), e próximo da média dos graves (G2). Verifica-se assim que alterações
no funcionamento cognitivo-afetivo tal como afere o Rorschach podem estar presentes
mesmo em um paciente caracterizado como leve nas escalas clínicas.
RG tem 30 anos, é do sexo masculino, tem superior incompleto e é casado
(informalmente separado da esposa). Descreve-se como uma pessoa com muita
dificuldade de lutar por seus objetivo, frágil nesse âmbito. Devido ao nascimento de seu
filho, teve que abandonar os estudos aos 26 anos para sustentar a família. Começou a
apresentar colecionismo no ambiente de trabalho e rituais de
ordem /
sequência
e
164
limpeza
nas atividades da vida diária (no vestir-se, na higiene). Entrava, por exemplo,
no banheiro, e permanecia por 2 ou 3 horas:
não conseguia mais sair, sentia como
se algo me prendesse
”. Além disso, tinha a sensação, para ele desesperadora, de
as
coisas não estarem certas
(
just right
).De acordo com dados em escalas clínicas,
obteve melhora nos sintomas, após tratamento psicoterápico e medicamentoso (vide
Tabela 4).
De modo geral, é possível captar-se a presença de conflitos associados a afetos
mais primitivos e intensos, ligados a sentimentos de frustração e à intensa angústia.
São simbolizados pelas respostas de sangue e mórbidas no cartão II
(rosto, escorrendo
sangue da boca; corpos disformes
).
A sensação subjetiva de repetição do conteúdo sexual
(
vou falar...vagina
!)
denota
preocupação compulsiva com o tema, que reflete conflitos sobre a questão do poder e
da masculinidade contemplados com o código DR2. Essa preocupação com
conteúdo sexual, em si, não foi por ele mencionada nas entrevista, nem detectada em
escala objetiva dos tipos obsessões e compulsões aplicadas no paciente.
Respostas desviantes incluem a presença de transparências inadequadas
(
besouro e coração
), assinaladas com FABCOM 2.
Prancha I
S: Aqui é uma dança, tem umas moças dançando. Agora - aqui parecem asas, mas não são anjos,
são umas moças. Essa aqui sem cabeça. (Pode ver quantas coisas quiser?) (Pode mudar a
posição?)
V
Aqui é uma máscara, mas de um ritual - da Malásia - como chama, Polinésia - um
pouco brava, mas não muito. Poderiam ser também pinheiros - árvores - lembra Natal.
Inquérito
165
E: Moças, asas...?
S: É aqui (D2, D4 e novamente D2). Parece um movimento. Essa aqui (D4) está sem a
cabeça...(W)
E: Máscara de ritual?
S: (aponta Dds29)... Aqui, eventualmente, podem ser olhos; aqui ... Nariz (Dds30)... Aqui (parte
remanescente do W), o resto da máscara (idéia de máscara.polinésia)...É uma coisa meio plana,
então parecia (brava) brava...Mas não muito(WS)
E Pinheiros... Lembra Natal?
S: Acho que essas formas triangulares (aponta D2 e DdS26) é essas aqui.(DdS26)
Prancha II
S: A primeira coisa que veio é que são dois ursos dando as mãos, não sei se tão brigando ou... Tem
uma imagem de um gato - um rosto - ou leão... Sangue, vejo sangue.
V
Um rosto, escorrendo
sangue da boca... Parece uma máscara, também, de uma feiticeira africana...
Aqui tem dois
rostos - mas o corpo, assim - seria... Um desenho porque o corpo é disforme, né?. Parece uma
coisa assim de um pintor - porque é bem expressivo, o rosto é bem expressivo e o corpo é bem
disforme
Vejo aqui um osso do esqueleto - é o sacro - esse osso aqui (aponta em si)
Vou falar -
parece que tem uma vagina!.
Inquérito
E: Ursos dando as mãos ou brigando?
S: Dando as mãos ou brigando. A cor, um pouco acinzentada (?) preta.(D1)
E: Gato, rosto, leão...
S: Imagem de gato – rosto.(localiza os olhos no centro do D2; o nariz é no D4, e a boca no Dd29 –
forma um círculo em torno desses detalhes, compondo uma imagem de gato- o rosto
dele(DdS99).
E: Sangue?
S: Vi muito vermelho - espalhado - tudo onde tá vermelho (aponta diversas áreas em vermelho no
Prancha) (Dd99)
E: Rosto?
S:O que forma o rosto é o sangue (aponta vermelhos), que descendo aqui, daí formei o rosto (W)
Mas o rosto não é muito definido... (máscara de feiticeira africana?) não vejo mais... Deixa o
rosto...
E: Rosto e corpo disforme?
S: Corpo meio disforme - com as mãos espalmadas, um com a mão no outro;o rosto, o olho,
sobrancelha, nariz, boca (Dd99)
E: Osso sacro?
S: Formato.
(
D3)
E: Vagina?
S: Também pelo formato (Dd24).
166
Neste cartão, R. mostrou-se bastante sensível às características da cor vermelha
do estímulo. Insere o conteúdo
sangue
em duas respostas com conteúdo dramático
bastante intenso:
Sangue, vejo sangue
e
Um rosto, tá escorrendo sangue da boca
...
Na
seqüência, provavelmente ainda sob efeito ansiógeno dessa situação, repete o conceito
máscara”,
dado no cartão I. Esse conteúdo se impõe no curso ideatório, sem que o
paciente possa percorrer todas as etapas necessárias à elaboração dessa resposta.
Finaliza a associação com elementos mórbidos (
corpo meio disforme
) e anatomias. Sob
condições de inquérito, critica a resposta
máscara
” e a desconsidera como tal.
Prancha III
S: Duas mulheres segurando uma bolsa cada uma, ou fazendo ginástica.
V
Um besouro gigante com
as garrinhas assim. Meio monstruoso, assim. Só.
Inquérito
E: Duas mulheres.?
S: Cabeça, tronco, perna, salto alto... Seios... Tão segurando com os braços... Uma bolsa - ou fazendo
ginástica(D1).
E:Besouro gigante?( D1+D3+Dds24)
S: As pernas (D5),garras (D8), e aqui uma mancha (D3)... Pode não ser uma mancha (no
besouro)...Pode ser coração (coração?) pelo formato, pela cor, coração meio dividido(Dds99).
A resposta
besouro gigante...pode ser o coração
envolveu uma combinação de
transparência e um conteúdo impossíveis (
besouro e coração
), de modo que foi atribuído o
código especial FABCOM.
Prancha IV
S: É uma coisa que lembra terror - tou vendo um gigante, olhando de baixo para cima. Ele tem um
porrete na o, que encosta no chão. Ele é forte, ameaçador, mas não chega a me provocar medo.
167
V
Do outro lado é um dragão, visto de cima, voando
.>
Um cavalo alado - visto de frente - com
uma coroa na cabeça. É isso.
Inquérito
E: Gigante...?
S: Gigante, segurando com duas mãos um porrete (D1) (Lembra terror...) Como se você tivesse
olhando de baixo...Gigante, lembra terror...(W)
E: Dragão...?
S: V Não inteiro. Eu to vendo de cima, ele tá olhando para baixo (voando) é, asas aqui... Mas
não tem o corpo inteiro. Esse negócio tá atrapalhando (Dd99)V .
E: Cavalo alado?
S: Tá de frente, aqui os dois olhos (detalhe interior do D1), cabeça, rosto. Tem asinhas (D6), mas só
que termina aqui também. Coroa na cabeça( aponta parte superior do D1) (Dd99).
Aqui, o temor ao poder da autoridade, representado por um gigante, fica
minimizada pela tentativa de negação do paciente
“ mas não chega a me provocar medo”
Prancha V
S:
Um inseto voador.
Borboleta com asas estreitas.
Uma mariposa.
Aqui é uma águia -
com a cabeça invisível. > Aqui é um rosto, com a boca aberta, e tem um inseto saindo da boca
dela. Ela parece que tá gritando... Parece uma pessoa da raça negra, uma mulher. Dando um grito
de liberdade... Uma mulher jovem...
<
Do outro lado a mesma coisa..... Só que ela tá olhando pro
outro lado. Só.
Inquérito
E:Inseto voador?
S: Antenas, asas (W).
E: V Borboleta?
S: Mariposa ou borboleta – o formato (W).
E: Águia?
S: O Formato – ta com as asas abertas, a cabeça invisível... (W).
E: Rosto, inseto saindo...Dando grito?
S: Tanto a cor quanto o formato. A testa, o olho,a boca, e aqui aqui um inseto (D6),
saindo da
boca... Gritando...
E: Inseto saindo da boca?
S: Achei estranho... - mas... (Ri da própria resposta ) (W)( do outro lado, a mesma coisa?) a mesma
coisa: rosto de pessoa de raça negra cor e formato; tem o mesmo queixo, mas está mais contida
E: Mais contida?
168
S: A expressão dela (refere-se à mulher, mencionada na resposta anterior). Como se o inseto (D9)
tivesse entrando, como se tivesse entrando. Ela vai ter que engolir o grito! UGH! (emite um som
de sensação desagradável frente a esse conteúdo da resposta) (W)
Frente ao temor a autoridade, minimizado e negado na prancha anterior, retoma
aqui o clima de medo, mas seguido de uma necessidade de rebelar-se:
dando um grito
de liberdade”, “gritando” e”um inseto saindo da boca”.
Sua aderência ao tema e a
necessidade de elaborá-lo, oscilando entre expressar alto e abertamente seus impulsos
ou reprimi-los transparece na necessidade de construir outra resposta, semelhante, na
face oposta da prancha
.
Num trocadilho, podemos dizer que ele mostra sua outra face,
mais contida, reprimindo suas emoções e necessidades mais intensas. Representa
esse conflito sob a forma da imagem
como se o inseto estivesse entrando...ela vai ter que
engolir”.
Sufoca o desejo, o
grito de liberdade, e engole sapos - como na metáfora
popular - aqui substituídos pelo inseto
.
Emite o som
UGH”
ao identificar-se com essa
situação percebendo na própria pele a aflição descrita na resposta.
Prancha VI
S:
>
A pele de um urso, pendurada numa cerca - arame - num fio. Parece uma coisa assim
indígena, ou então dos pioneiros - Daniel Boonie...
Aqui parece um dragão sem asas.
>V
Uma
pele de algum animal, pode ser um antílope, espalhada no chão de uma sala. A pele aberta,
como um tapete.
>
Parece um rei, que num - dentro de uma pele muito grande, de urso ou tigre,
e tá estendendo a mão, gritando. Tem uma lança na mão. Também segura umas plumas, acho que
enfeite de guerreiro. Aqui o rosto de duas bruxas, uma olhando para um lado, e a outra para o
outro. Tão meio bravas, mas não podem fazer nada - meio consternadas, contrariadas.
Inquérito
E: Pele de urso pendurada...?
169
S:Vendo de cima, pendurada - num fio (Impressão de dependurada?) Acho que por causa da
simetria - se você imagina um fio repartindo aqui (D12).
E. (pele de urso) parece de urso (pega a prancha, passa a mão no interior dela)
E: Coisa indígena) e que parecem penas (Dd22) parecem penas - essas coisas esvoaçantes, várias
penas presas - só balançando ao vento. (D1).
E: Dragão?
S: Sem asas. Não sei o que ... Acho que cabeça (D3) e corpo (aponta D1) - impressão de estar
aberto - alguma coisa aberta (W).
E: Pele...Antílope? A cabeça...
E: A cabeça... A pele pela textura, diferença de tonalidades(W).
E:
>
Rei dentro de pele?
S: Aqui o braço com lança na mão; estendendo a mão gritando. E também segura essas plumas
(plumas?) Essa coisa, assim está dentro disso (aponta vagamente o a parte remanescente do W)
(disso?) enfeite, plumas (Dd22) – e segura uma lança (W).
E: Rosto de duas bruxas?
S: Aqui o nariz (Dd24), queixo (partes externas ns pontas do D1- um de cada lado). Uma ta
olhando para um lado, e a outra pro outro lado (você falou bravas, mas...?.) estão com a expressão
consternada – ou melhor, contrariadas. (D1)
Nesta prancha, que suscita o elemento sexual, constrói um personagem
poderoso, armado, com enfeite de guerreiro, que grita, põe para fora, expele, seus
sentimentos reprimidos. Mas em seguida aparece a face impotente: projeta a sensação
de frustração no próximo personagem
“duas bruxas...Tão meio bravas, mas não podem fazer
nada - meio consternadas, contrariadas.”
As próximas pranchas de interesse para este trabalhos são as IX e X, nos quais
sua luta interna continua.
Prancha IX
S: Dois cavalos marinhos, um de frente para o outro - com algas em volta - no fundo do mar. Um...
Turco - mongol - da Mongólia, mesmo - pensando, pensativo. com a mão no queixo e
segura um espada. Tem um espelho que reflete a imagem dele.
Aqui uma pessoa, brava, posição
de desafio, ou brava mesmo. É uma mulher e ela tem uma cabeça de ... Lagosta - tem ferrões -
170
como chama - do lado da cabeça. Ela tá assim, numa posição de enfrentamento.
Tem uma coisa
que tou vendo – mas vi tantas vezes!... De novo, uma vagina!
Inquérito
E: Cavalos marinhos no fundo do mar?
S: Os cavalos marinhos pela cor e o formato deles (D3); (algas em volta?) a cor, também meio
esverdeado (D1); (no fundo do mar?) parece que é o mar porque é tudo meio esfumaçante - meio
quando tá no fundo do mar - meio... Correntes - Faz com que as algas fiquem flutuantes
E: Fundo do mar?
S: A imagem borrada. Aqui embaixo (D9) seriam pedras (pedras) o formato (W).
E: Turco mongol?
S: Aqui o chapéu, queixo, mão. Segura espada. Tá com a mão no queixo... e do outro lado (D1) tem
um espelho que reflete a imagem dele.
E: Pessoa brava?
S: No todo (mulher... cabeça de lagosta) é, tem ferrões como chama? Do lado da cabeça (D9). Ta
assim, mãos na cintura, coxa - posição de brava.(W).
E: Vagina.
S: Pelo formato... E pela cor (Dd30).
Na associação, novamente R. se repetindo o conteúdo sexual e se auto-
critica:
tem uma coisa que tou vendo mas vi tantas vezes
!”. Recebe um INCOM 2 para a
resposta em que indevidamente combina “
mulher
” e “
cabeça de lagosta...tem ferrões...em
posição de enfrentamento”.
O resultado é a concepção de um elemento do sexo feminino
com características agressivas e potentes.
Prancha X
S: Esse é um colorido meio macabro, assim. São dois animaizinhos azuis, muito bravos, maldosos.
Parece que tão em luta, ou tão em guarda.
V
... E no meio tem um cara poderoso, forte - pode ser
um rei. Ele usa uma máscara, quase de um carrasco. Tá com a mão na cintura, os órgãos genitais
dele tão de fora, acho que ele sem roupa. Mas são pequenos em relação à força dele. Os órgãos
genitais dele são meio esquisitos, não para identificar direito que sexo é, mas olhando bem
para ver que é um homem. Parece mais frágil.
Do outro lado parece uma máscara triangular - de
enfeite - mas com expressão nos olhos - é uma expressão alegre, mas um pouco contida - meio
enigmática - não dá para saber o que a pessoa está querendo dizer. Só.
171
Inquérito
E: Animaizinhos azuis?
S: É mistura de caranguejo e outras coisas... ( D1). Ele é azul, mas acho que bichinho azul dá...Em
luta, são bravos e maldoso (D1.)
E:
V
Cara poderoso, rei...?
S: Aqui a máscara (D1), aqui a mão na cintura, sutiã (D6)... Mas (o sutiã) fica meio fora do
contexto...
E: Órgãos genitais de fora?
S: Aqui (D5), e aqui as pernas dele (D4) (órgão genital e pernas (D10)... e aqui seria um manto do
rei (D9)... e órgãos genitais esquisitos (?) pequenos em relação à força dele. (DdS99).
E:
V
(máscara triangular...) (aponta D9).
E: Enfeite?
S: O colorido, a forma do rosto; os olhos,; o nariz; a boca (D3).
E: Expressão alegre?) ...é e não é alegre...Enigmática- não pra saber o que a pessoa querendo
dizer... (DdS22).
A sensação inicial provocada por esse cartão é de desagrado:
“um colorido meio
macabro”.
Projeta sentimentos humanos negativos em animais
muito bravos, maldosos” e
uma postura de cautela
tão em luta, ou o em guarda
”. Em seguida, ocorre a projeção de
sentimentos de poder, de força no personagem
no meio tem um cara poderoso, forte - pode
ser um rei
”, que de rei se transforma em carrasco:
ele usa uma máscara, quase de um
carrasco”.
A inclusão do componente sexual nesse personagem poderoso e agressivo
segue-se a uma nova transformação: o rei está nu, e seu poder desmistificado: “
os órgãos
genitais dele tão de fora, acho que ele tá sem roupa...são esquisitos, pequenos em relação à força dele”
.
Neste cartão, o elemento projetivo um colorido muito forte para as caracterizações
de seus personagens. Denota conflitos associados atitude de desconfiança e suspeita,
além de oscilação de sensações de potência–impotência e agressividade-submissão,
172
quando o conteúdo sexual entra em foco. Sua última resposta aqui mencionada recebe
o código DR2, denotando verbalizações inusuais com conteúdos irrelevantes à resposta
em si, que provavelmente tem importância em sua dinâmica pessoal, já que sua
construção é pouco adequada, embora muito peculiar e idiossincrática.
Como este estudo é transversal, não como determinar com os dados obtidos
se essas questões surgiram
a priori
ao TOC, se foram resultado dos problemas a ele
associados, ou ainda se se sobrepuseram à patologia. De qualquer forma, o
aparecimento dessas derrapagens cognitivo-afetivos mostra que, a despeito da melhora
observada nos demais instrumentos, o método de Rorschach permitiu trazer à tona
conflitos bastante significativos, que merecem ser abordados na continuidade de seu
tratamento.
173
5.2.5 Síntese dos aspectos qualitativos
Numa descrição sintética da qualidade do funcionamento cognitivo-afivo dos
pacientes com TOC grave, verifica-se como traço comum entre eles a diminuição ou
perda da flexibilidade mental relacionada à intrusão de elementos obsessivos
intrusivos, perturbando uma ou diversas etapas do processo de resolução de
problemas tal como propõe a instrução do Rorschach (Exner, 1999) .
Transitória ou mais constante, intensa ou leve, desorganizadora do raciocínio ou
configurando um verdadeiro ritual de TOC, essa dificuldade quanto à flexibilidade
mental toma proporções e formas de expresssão muito variadas.
Assim, em alguns casos, o descontrole sobre o processo de resolução de
problemas assume tal intensidade que a paciente se desliga, se desvia completamente
da atividade, repetindo frases, fazendo contagem, ou repetidamente confirmando algo
com a examinadora. Ou seja, a ansiedade se eleva a tal ponto que o paciente apela
para
comportamentos ritualizados
, absurdos e inadequados no contexto da aplicação
da prova e das instruções propostas. Esses rituais foram codificados como DR2, dada
sua absoluta irrelevância frente à proposta da instrução e à tarefa. Dentre os casos
selecionados para análise qualitativa, a presença desse fenômeno é mais nítida no
caso 11, nas pranchas IV, VI, VII, e IX (seção 5.2.1). As verbalizações expressando
comportamento ritualístico estão assinaladas em negrito para serem melhor
visualizadas.
Outra maneira de esse componente de inércia expressar-se, afetando a
flexibilidade do fluxo mental ideatório, é sob a forma de
comentários indicando
174
sensação subjetiva de uma repetitividade
de conteúdos como respostas aos
estímulos - os quais não o suscetíveis à inibição, sendo então compulsivamente
verbalizados. Pode-se denominar esses fenômenos de
“quase-respostas
pois o
paciente as formula no plano hipotético, apresentando-as sob a fórmula:
em todos os
cartões eu poderia ver....”; ou “todos tem”
.....
”. O caso 4 ilustra bem esse processo; os
comentários estão assinalados em negrito, para melhor visualização (seção 5.2.1).
Nesse caso, antes mesmo de o paciente iniciar a prova, revela ao interlocutor seu
problema:
“eu tenho que raciocinar, ou vou falando o que vem?
Atualmente estou com tendência a
ver coisas de sexo. Antes, tinha de não ver...
” Ou seja, o dilema de ter que ver
versus
impedir-
se de ver está onipresente em seu fluxo mental. No processo de resolução de
problemas proposto pela prova, o paciente está lutando o tempo todo, tentando driblar,
vencer essa tendência compulsiva que ao final toma força e acaba interpolando-se,
impondo-se, imiscuindo-se em cada tentativa de E. elaborar uma resposta e tomar
decisões quanto à seleção final do conteúdo a ser verbalizado.
Os deslizes cognitivo-afetivos também se expressam, em todos os casos graves
selecionados para análise, sob a forma de
repetições reiteradas de conteúdos e/ ou
localização da resposta
, ou de
parte do conteúdo
da mesma. Estes se misturam,
interpolam, combinam, mas com o mesmo tom semântico presente em todas as
pseudo-variações de resposta.
A seguir, são sintetizadas as repetições temáticas dos quatro pacientes com
códigos críticos acima da média grupal descritos na seção 5.2.1. No Caso 4, as
repetições temáticas envolvem conteúdo sexual, associado à morbidez e a críticas
175
sobre a forma imperfeita da resposta (pranchas I, II, III, VII, VIIII, X). No Caso 9, a
temática reverbera em torno da idéia de proteção (II,III, VI), apoio (VII) e ligação (VIII,IX,
X) entre objetos ou pessoas. Monstro (I), monstro alienígena e ET (III, VIIII) são
exemplos de conteúdos semelhantes repetidos ao longo dos protocolo no Caso 7. No
Caso 11, a reverberação temática gira em torno do conteúdo sangue (pranchas II e III)
e sujeira, ou algo mal feito (IX, X).
Mesmo nos dois protocolos com códigos críticos abaixo da média (seção 5.2.2)
o fenômeno da repetição temática aparece. No Caso 1, o paciente transita entre filme
de ficção, e robô (prancha I), nave espacial (II), ET (III), novamente robô ou monstro
(IV) e fantasma (VII). No Caso 14, o paciente fixa-se no conteúdo corpo: parte interna
de um corpo humano, o genital, quadril (prancha II); esqueleto e quadril (III) e corpo
humano (X).
No caso do paciente com códigos críticos próximos da média (seção 5.2.3) a
temática do corpo humano se repete. Este é visto como dividido ao meio e objeto de
disputa (prancha I), peça de anatomia (III), esqueleto (VIII), corpo que não consegue
definir (de cobra, tartaruga, jacaré – ou corpo aberto por uma faca?) e novamente corpo
humano – órgãos internos (IX).
Em outros casos, as dificuldades cognitivas são representadas por
representações
ou metáforas do problema tal como o vivencia o paciente. No Caso 15,
cujos rituais aparecem também sob a forma de dúvidas obsessivas, pode-se considerar
o conteúdo de sua associação à prancha I,
duas pessoas disputando um corpo....dividindo um
corpo ao meio
como imagem de uma situação de tomada de decisão na qual prevalece
176
a dúvida e o impasse sobre “com quem fica o corpo humano”. No caso, o critério é
concreto, matemático (dividir ao meio) e o hierarquicamente superior, como o de
Salomão...
Qualitativamente, também se observa que o caráter instrusivo das idéias
obsessivas é também representado sob a imagem metafórica de uma invasão ao corpo
humano de micro-organismos que podem consumir suas forças e recursos, invadindo
seus limites eu-outro e ameaçando dominá-lo. Assim se interpretou a resposta à
prancha X, do caso 14 (seção 5.2.2):
“tem uma semelhança com o corpo humano, internamente,
alguns órgãos do corpo. E parece também que está sendo invadido por micróbios....(?) (...) aqui as
figuras externas, invadindo o pulmão, e os outros órgãos também
...”. Essa sensação de ser
invadido por elementos de um “não-eu” (
micróbios
) é em seguida reformulada pelo
paciente como uma vivência sua, própria, mas nefasta
mas também pode ser parte de um
pesadelo
....” .
Em relação ao Caso 4, também é relevante apontar a elevada freqüência de
comentários de auto-crítica ou de crítica projetada ao objeto constituído como resposta
à prancha. Refletem a angústia e o extremo incômodo de o indivíduo constatar que sua
criação não corresponde a um “ideal de resposta”, ou à ”resposta perfeita”. Destarte,
deduz que o objeto (por ele construído) contém deformidade ou imperfeições. A
insegurança aqui se alia a uma atitude perfeccionista muito intensa e nefasta,
caracterizada pela presença de verbalizações com tonalidade negativa, difórica e
mórbida. Isso se ilustra na prancha II, quando, ao final do inquérito, solicitado a
complementar sua resposta “ânus”, o paciente responde:
não tá bem feito, não parece bem.
177
Realmente, não tem função nenhuma. Nem ia poder chamar de ânus, dado que os cachorros estão bem
delineados, justamente pelo branco...Dado isso, é deformidade...”
Importante ainda mencionar, no caso dos pacientes com TOC, que, dadas as
alterações afetivo-cognitivas próprias do quadro clínico, o examinador pode cair em
uma armadilha. Por um lado, tem que captar o percepto formado pelo sujeito durante a
associação o qual não tem os atributos concretos da mancha de tinta, e ao mesmo
tempo não é tão abstrato e geral como a palavra-conceito emitida como resposta. De
outro, temos um paciente que permeia o conteúdo de suas respostas com hesitações,
dúvidas, que não respeita o limite categorial entre conceitos, que oferece múltiplas
alternativas de resposta que giram em torno de um mesmo elemento semântico.
Assinala-se que o aplicador não pode se deixar levar pela ansiedade e definir o que
constitui para
ele
uma unidade de resposta. Nesse caso, estaria projetando suas
próprias necessidades
sobre
a resposta do paciente e não respeitando um tempo
muitas vezes longo e um modo prolixo de elaboração característico do indivíduo com
TOC. Atuando dessa forma precipitada pode, assim, perder essa importante informação
sobre a pessoa que pretende conhecer.
178
6 DISCUSSÃO
6.1 Características da amostra
Com relação aos aspectos sócio-demográficos, no grupo de pacientes graves
(G1) havia predominância de indivíduos do sexo masculinos ( 9 homens e 6 mulheres),
e o contrário se verificando nos leves (10 mulheres e 5 homens). Os dados da literatura
nesse âmbito são conflitantes. Ferrão (2004) e Shavitt et cols (2002) o encontraram
diferenças significativas entre os grupos experimental e de controle quanto à variável
sexo. Na discussão de seus resultados, Ferrão (2004) argumenta que a distribuição por
gênero tem sido relatada como diferente, mas mais particularmente na infância, com
uma prevalência maior para o sexo masculino, vindo a igualar-se na idade adulta.
A escolaridade dos casos graves envolve número médio de anos estudados (12
anos) comparável ao grupo leve (11 anos). Assim, especificamente quanto a este
aspecto, nossos dados são discrepantes de Ferrão (2004), cujos grupos de pacientes
refratários e responsivos diferiram significativamente quanto a à escolaridade, sendo
que os primeiros tiveram, em média 3 anos a menos de estudo do que os
respondedores.
179
Entretanto, o nível de educação não pode ser tomado como variável isolada.
Embora em nossa pesquisa o nível de escolaridade nos grupos leve e grave seja
semelhante, temos que levar em conta o fato de que a maior parte dos graves (11
indivíduos) estão inativos, ou (4 deles) exercem suas atividades profissionais com
restrições importantes. Também Ferrão (2004) verificou que os pacientes refratários,
no momento do estudo, mais freqüentemente estão desempregados.
Quanto às escalas clínicas, os pacientes graves mostraram no YBOCS
(GOODMAN; PRICE, 1990) uma média de 32 pontos indicando nível de intensidade
sintomatológica grave no que se refere ao tempo ocupado pelos pensamentos e rituais
ao grau de sofrimento impingido aos pacientes; nos pacientes leves, a média era de
6,93 pontos, indicando nível de intensidade sintomatológica leve quanto ao tempo
ocupado pelos pensamentos, rituais e grau de sofrimento dos pacientes. Esses dados
são comparáveis aos relatados por Ferrão (2004). Este verificou diferença
estatisticamente significativa (p < 0,001) quanto á intensidade dos sintomas aferido pela
YBOCS entre os grupos de pacientes refratários a tratamento (média: 27,82 e desvio
padrão de 6,09) e responsivo (média: 17,24 e desvio padrão de 7,74).
6.2 Os códigos críticos: aspectos quantitativos
Estatisticamente, pode-se observar pontos em comum intragrupo e diferenças
quantitativas quanto aos grupos de TOC grave e leve quanto aos códigos críticos
Wsum6 , DR2, Nível 2 e MOR. Usando o modelo cinco proposto por Foulds (1976) na
seção 3.5
,
que propõe possível sobreposição entre patologia e personalidade,
poderíamos fazer algumas especulações.
180
Este trabalho assume que os pacientes com doença crônica e mais severamente
comprometidos teriam uma área de sobreposição maior entre doença e personalidade.
A imagem é de que as características sintomatológicas, associadas à presença mais
significativa de co-morbidade e exacerbadas pelas dificuldades de adaptação pessoal
e social se tornem uma bola de neve que vai cada vez mais turvando a visão das
características afetivo-cognitivas mais básicas de funcionamento do paciente.
Continuando a metáfora, a presença mais acentuada de desvios cognitivo-afetivos no
grupo grave seria um correlato de uma influência maior desses aspectos
psicopatológicos e de adaptação social sobre o funcionamento afetivo-cognitivo desses
pacientes. Em outra perspectiva, diríamos que a patologia encobre virtualmente a
personalidade, de modo que os desvios afetivo-cognitivos se sobressaem e as
características mais essenciais do indivíduo passam para um segundo plano.
Exner (1994) aborda essa questão quando se refere a patologias crônicas
com é o caso do TOC - podendo deixar uma marca mais duradoura na estrutura básica
da personalidade: da mesma forma que interferem num âmbito variado de
comportamentos, também influenciam a seleção de respostas ao Rorschach.
Em contrapartida, observando-se por outro ângulo os achados, e analisando a
distribuição na amostra dos casos graves esses resultados, novos dados emergiram.
Em análise mais apurada dos resultados quantitativos, verificou-se que a amplitude de
variação desses índices nos pacientes graves é grande, e inclui casos com um número
de códigos críticos comparáveis aos normais, alguns casos aproximando-se de zero.
181
Analisando alguns estudos que focalizam a variável Wsum6 em pessoas
saudáveis, observamos resultados variando de 8,11 a 10,79 (Nascimento,2001) e 16,60
(Antunes,2004). A rigor, os protocolos de TOC grave com índices iguais ou ao redor
desse número poderiam ser considerados com falsos negativos. Ou seja, embora as
escalas clínicas apontem para comprometimento em termos sintomatológicos,
gravidade do quadro e funcionamento global (YBOCS, ACG e ICG), os achados
quantitativos do Rorschach não são necessariamente sensíveis a essas alterações
cognitivo-afetivas psicopatológicas levando-se em conta exclusivamente esse índice.
De outro lado, há protocolos leves com índices superiores à norma e à média grupal.
Tomando-se literalmente esses dados, poder-se ia dizer que os códigos críticos
não discriminam efetivamente entre pacientes com TOC grave e leve.
Sob uma perspectiva mais ampla do problema, temos que considerar que, de
fato, um único instrumento, e muito menos um índice isolado, tem o poder de gerar
hipóteses diagnósticas consistentes. Weiner (2000) é muito claro quando afirma que
estudos de caso adequados exigem informações detalhadas sobre os problemas
apresentados pelo indivíduo, histórico do desenvolvimento, antecedentes familiares e
contextos social e pessoal correntes.
Avaliações psicodiagnósticas amplas implicam a utilização de baterias de
instrumentos de avaliação selecionados em função das hipóteses de diagnóstico que
devem ser investigadas, envolvendo
tanto instrumentos estruturados quanto
relativamente não-estruturados, todos integralmente interpretados
(grifo nosso).
.
182
6.3 Análise qualitativa do processo de resposta
Especula-se inicialmente os possíveis elos entre os achados quantitativos e
qualitativos no Rorschach e aspectos psicopatológicos descritos no TOC. A seguir,
discutem-se particularidades da relação sujeito e examinador que se configura quando
se defronta com um paciente portador dessa patologia tão paradoxal em que
elementos bizarros, compulsivos, coabitam no mesmo ambiente mental que uma atitude
de autocrítica, vergonha e de medo de expor esses conflitos.
6.3.1 O processo de elaboração da resposta e aspectos psicopatológicos
Dentre os fenômenos observardos durante o processo de análise qualitativa está
a elevada freqüência de comentários de auto-crítica ou de crítica projetada ao objeto
constituído como resposta à prancha. Na literatura, Piotrowski (1965), havia
assinalado esse tipo de funcionamento caracterizando-o dentre os sinais de
obsessividade e rigidez.
Vale retomar aqui a questão da reiteração temática de uma resposta ou parte
dela, conforme observamos na seção 5.2.5. Esse modo de funcionamento reiterativo,
repetitivo, também foi mencionado por Piotrowski (1965) quando descreveu sinais de
“obsessividade muito forte”: o indivíduo dá respostas na mesma área, mas as considera
possibilidades remotas, dentre as quais o consegue optar; ou então elabora
meticulosamente o percepto, porém de forma pouco criativa, e sem acrescentar
detalhes novos.
183
Weiner (2000) faz uma leitura do fenômeno da repetição sob outro ângulo: no
contexto dos chamados temas preferenciais. Estes têm a particularidade de serem “os
mais recorrentes, os mais dramáticos, os mais originais e os mais espontâneos” (Op.cit.
p.183), complementando que “há considerável probabilidade de que os temas
recorrentes no protocolo de um determinado indivíduo digam mais a seu respeito do
que os temas ocasionais” (Op.cit.p.183). No caso dos pacientes com TOC grave, a
relação entre os elementos repetitivos temáticos nas respostas ao Rorschach e
conteúdos de seus sintomas obsessivos e compulsivos se revelou ao longo da análise
qualitativa dos casos (seção 5.2).
Para ampliar a discussão em outra direção, cita-se novamente Perry, que em sua
recente observação (2005) sobre o fenômeno da inflexibilidade cognitiva, desenvolveu
uma nova proposta de categorização nesse âmbito. Distingue basicamente três formas
de repetitividade de resposta. A primeira, a forma mais severa de déficit inibitório, é
denominada por ele de
estereotipia
, que no Sistema Compreensivo recebe o código
Perseveração (PSV). Neste trabalho observamos que esse índice não diferiu
significativamente entre pacientes graves e leves, conforme visto na Tabela 10. Sato
(2006), estudando o fenômeno da perseveração em pacientes com TOC leve, observa
presença pouco freqüente do índice PSV (um entre 10 casos), tal como o define Exner,
(1999) nesse grupo.
Um segundo tipo de fenômeno repetitivo seria a
perseveração
, definida pelo
autor a partir de critérios mais amplos que os de Exner (1999). Para Perry (2005), esta
reflete a dificulade de o indivíduo desligar-se de uma idéia ou tema evocados em um
primeiro momento, assim como sua inabilidade de acessar novos conteúdos.
184
O autor discrimina três tipos de perseveração:
semântica
, na qual ocorre a
repetição de conteúdos da resposta ou parte desta. Esse tipo de perseveração é
codificado somente na fase de associação. Aparece, por exemplo, no caso 14 (seção
5,2,2), em que os conteúdos
papel incendiado
(IV) e
papel queimado
(VI) se repetem entre
pranchas. Outro tipo é a perseveração
organizacional
, na qual o elemento repetitivo se
constitui de frases que qualificam, explicam ou animam um conteúdo de resposta. Um
exemplo desta poderia ser, no Caso 4 (seção 5.2.1.) o uso repetitivo do qualificativo
deformado,
que se associa ao índice MOR.
A terceira, mais difícil de ser identificada, é
denominada de
léxica
, e implica a repetição de um elemento derivado e foneticamente
semelhante à resposta original. Um exemplo desse tipo ocorreu também no Caso 14,
na prancha VI (seção 5.2.2) em que o paciente parece brincar com o som das
palavras “
seco e dissecado
”.
Finalmente, Perry (2005) descreve as
repetições associativas
, que se refletem
em respostas que se repetem e reverberam em torno de um tema particular. Para o
autor, esse fenômeno tem sido interpretado como refletindo preocupações, ruminações,
ou mesmo obsessões. Assim, faz sentido analisar em pacientes com patologia
obsessivo-compulsiva esse tipo de inflexibilidade mental que Perry classifica como
“repetições associativas”.
Este trabalho verificou a presença desse fenômeno denominado de repetição
associativa em todos os casos graves selecionados para análise qualitativa (seção 5.2),
tanto aqueles que quantitativamente tem resultados nos códigos críticos acima, quanto
os abaixo ou na média do grupo de pacientes com TOC grave.
Assim, esse achado foi
185
considerado relevante, embora com a ressalva de o ter sido pesquisado em todos os
elementos que compuseram a amostra dos pacientes graves.
O problema diminuição ou perda da flexibilidade mental, observada nesses
indivíduos portadores de TOC grave, se coaduna bem com a descrição do fenômeno
obsessivo-compulsivo descrita por Jaspers (1979, p.161), quando este menciona à
perda da capacidade de
escolha
do eu, que passa a
não ter influência sobre o objeto
que pretende torna conteúdo na consciência.
Este trabalho ainda acrescenta que, no
caso de pacientes com TOC em particular, que vive a iminência da perda da
capacidade de escolha do eu, (como coloca Jaspers (1979), a instrução da prova -
que requer justamente a geração de alternativas e possibilidades de interpretação a
estímulos com carcterísticas variadas - choca-se diretamente com suas limitações
psicopatológicas.
Ainda mais surreal parece ser a situação da prova de Rorschach para aqueles
indivíduos extremamente racionais, gidos, e obsessivamente apegados a números, à
precisão e exatidão. Para o paciente AM, ou caso 1 (seção 5.2.2), a idéia e o próprio
ato de construir a resposta a partir de um borrão de tinta é algo que não faz sentido,
beira ao absurdo. Interpretar é decifrar um enigma, algo sem significado, sem sentido
à prova de qualquer racínicio cartesiano linear. Ter que interpretar é enfrentar o temor
de ser engolido, devorado pela ansiedade – caso não decifre esse enigma.
Quando observamos os pacientes sob a mira da amplitude e heterogeneidade
das manifestações clínicas que vem a tona na leitura do processo de elaboração de
resposta às manchas de tinta, temos que nos remeter a Insell (1999). Sua análise sobre
186
a variabilidade de denominações que recebeu o TOC ao longo de sua história toma
forma, dá forma e repercute em nosso estudo.
Momentos de quase-insanidade, mergulho na psicose. Emergência inadequada
e irresistível de rituais entremeados entre respostas a manchas de tinta. Obsessões
sexuais associadas a elementos agressivos se introduzindo reverberativamente na
tarefa de interpretação. Desejo de exatidão e precisão paralisando o processo de
resposta aos estímulos ambíguos. Dúvida aprisionando o indivíduo em um labirinto de
manipulações ideo verbais. Perfeccionismo e rigidez. Morbidez. Estas foram algumas
dentre as inúmeras faces e dimensões psicopatológicas do TOC que captamos ao
longo do processo de análise qualitativa das respostas dos pacientes graves.
Ainda com relação aos aspectos psicopatológicos do TOC, este trabalho, na sua
introdução, menciona a elevada freqüência de
comorbidades
em pacientes com TOC
(seção 3.5). Sob essa perspectiva, podemos especular sobre a presença da variável
MOR significativamente maior em pacientes graves. Confrontando com os dados da
literatura, a presença elevada deste índice pode ser compatível com os achados de
Miranda (1999); ao avaliar 42 pacientes com TOC, comparativamente com um grupo
controle normal, verificou que o transtorno psiquiátrico mais frequente entre os casos
foi de depressão. Mas são discrepantes da pesquisa de Ferrão (2004), que comparou
indivíduos com TOC refratário e respondedores, e não verificou diferença significativa
quanto à presença de comorbidades entre os grupos, incluindo-se a depressão.
187
Deve-se fazer aqui a ressalva de que a interpretação da variável MOR não pode
ser tomada literalmente como associada ao quadro clínico de depressão maior, o qual
implica uma série de sintomas físicos e mentais que não são captados pelo Rorschach.
Também cabe mencionar que Antunes (2004), contrastantando pacientes com TOC e
normais, por meio do Rorschach, o encontrou diferença significativa quanto a este
índice. A explicação para tais discrepâncias supomos estar em problemas amostrais
referentes aos critérios para inclusão nos grupos controle-experimental nos diversos
estudos, assim como na diferença entre os sintomas de depressão e os fenômenos
mórbidos representados pelo índice MOR.
A importância da análise qualitativa do processo da resposta cabe também no
que tange a elementos psicopatológicos mais sutis no TOC que nem sempre são
acessíveis por outros todos de exame particularmente quando nos reportamos a
pacientes com TOC leve. Sendo capazes de perceber e criticar seus comportamentos
estranhos ou bizarros, porém não tão graves a a ponto de comprometer seu
funcionamento pessoal e social, podem tentar escondê-los de famíliares e mesmo do
próprio psiquiatra (Okasha, 2005).
Em trabalho de iniciação científica, Sato (2006), orientada por esta
pesquisadora, estudou qualitativa e quantitativamente em pacientes com TOC leve o
fenômeno da perseveração. Observa que, embora a maioria dos pacientes não receba
esse código tal como o define Exner (1999), à luz da análise qualitativa vem à tona
alterações cognitivo-afetivas importantes. Tais indivíduos apresentam em seus
protocolos repetições freqüentes do conteúdo da resposta, de partes desta ou de
frases de complementação que tem caráter repetitivo e reverberativo.
188
Detectar esses deslizes cognitivo-afetivos em pacientes com TOC, se possível
em fases mais precoces do processo de adoecimento, contribui para um diagnóstico e
tratamento mais efetivos da doença, evitando o desenvolvimento de quadros mais
graves, crônicos, e que desorganizam a vida profissional, pessoal e afetiva do portador
de TOC.
6
.3.2 Relação entre sujeito e examinador nas fases de associação e de inquérito
Em nossa análise do processo de resposta, pudemos observar a presença de
conflitos envolvendo o papel examinador que pode ocorrer particularmente na fase do
inquérito, cujas instruções implicam na necessidade de o paciente
mostre onde está
sua resposta, e o que tem na mancha faz que pareça isso, para que eu possa ver
também, tal como você viu
” (Exner, 1999, p.22). Tais informações são necessárias para
que o examinador possa “tomar as decisões relativas à classificação” (Exner, 1999;
p.23).
Ironicamente, essa instrução do inquérito acaba por colocar também o próprio
examinador frente a uma situação de definição de uma informação vaga ou ambígua –a
resposta composta pelo participante da prova e tomada de decisão sobre a melhor
forma de codificá-la. Ancora-se na anotação objetiva e literal das palavras do pacientes,
como rezam as instruções, mas o objetivo maior do inquérito repousa na frase:
“Para
que eu possa ver também, tal como você viu”
(Exner, 1999, p.19). Assim, observamos
aqui que as dificuldades inerentes a um processo de tomada de decisão e os conflitos a
189
ela associados, geralmente descritos para o indivíduo que faz o papel de
sujeito
, podem
também caber quando está sob nossa mira a tarefa do
examinador.
Ora, na descrição qualitativa dos casos 7, por exemplo, observamos que o
contexto da aplicação das manchas de tinta de Rorschach, em pacientes com TOC,
pode tornar-se uma armadilha para o examinador que assuma esse papel de um modo
mais rígido. Vimos que o grau de ansiedade, insegurança, indecisão e dúvida que
assolam o indivíduo com TOC em certos casos são de uma grandeza tal, que o
examinador fica em situação análoga ao do familiar, ou da pessoa que convive com o
paciente.
Ferrão (2004) discute esse aspecto afirmando que quando o familiar participa
diretamente do sintoma, dando condições para que o paciente realize a compulsão, ele
está, sem se dar conta, reforçando o sintoma do paciente. Dentro desse raciocínio,
cada vez que um paciente atende a uma compulsão ele” reforça “o TOC; cada vez que
ele desafia um sintoma e não o pratica, ele” enfraquece “o TOC. Acrescentamos que
essa forma de participação, “reforçando” ou “enfraquecendo” o TOC pode ser
reproduzida em uma entrevista clínica, por exemplo, e em particular observamos o
risco desse comportamento, por parte do examinador, no contexto da aplicação do
Rorschach.
Isso inclusive porque, em certos casos, a situação de ambigüidade frente à
atividade de interpretação das manchas de tinta se eleva a tal ponto a ansiedade o
paciente, que este acaba por efetivamente desviar-se totalmente da tarefa proposta
pelo examinador. O aparecimento de sintomas obsessivo-compulsivos, em pleno
190
processo de elaboração de resposta e do inquérito, ocorre, dentre os casos submetidos
à análise qualitativa, no protocolo número 11, em que a paciente efetua diversos rituais
envolvendo simetria, repetição e verificação durante as fases de associação e de
inquérito do Rorschach.
Sob outro ângulo teórico, em sua tese de doutorado (1986) e em livro versando
sobre a abordagem psicanalítica do Rorschach, Silva (1987) já mencionava que o tipo
de material obtido (ou a se obter) no contexto de uma aplicação deste método “depende
da forma como a relação se estrutura(SILVA, 1987, p.17). Acrescenta ainda que “a
interpretação do Rorschach torna-se mais frutífera quando se consideram as respostas
tendo em vista dinâmica da relação com o psicólogo” (op.cit. p17).
Montagna (2005) recoloca essa questão quando desenvolve sua tese sobre o
raciocínio clínico na Escala de Inteligência Wechsler Infantil. Também para esta autora
a análise qualitativa é fruto da relação entre examinador e paciente; possibilita que
ultrapasse os limites de uma mera correção impessoal das respostas dadas pelo
examinando abrindo-se espaço para articular sua produção com o conjunto mais amplo
de seus processos psíquicos. Fazemos nossas essas suas palavras.
6.3.3 Limitações do estudo
WOOD, J. M. et al (2000) partem de um estudo clássico de Garfield (1947) sobre
o valor diagnóstico do Rorschach como referência para desenvolver uma revisão
extensa e metodologicamente rigorosa sobre esse tema, na literatura disponível até o
momento.. Comentam limitações de estudos que focalizaram, dentre outras variáveis,
191
as verbalizações desviadas e as respostas de forma negativa, assim como índices
delas derivados. Concluem que poderia haver alguma relação entre essas variáveis e
esquizofrenia, desordem bipolar e, com menos confiabilidade, transtorno de
personalidade esquizotípico. Em contrapartida, defendem o ponto de vista de não haver
sustentação empírica para se estabelecer relações entre tais variáveis no Rorschach e
várias outras patologias, incluindo-se aqui desordens de ansiedade como o TOC
.
Acabam por estabelecer uma série de critérios que consideram como
importantes para se considerar como válida uma pesquisa científica utilizando-se essa
prova. Dentre eles está a necessidade de aplicador e avaliador utilizarem um mesmo
sistema de abordagem;; além disso, o aplicador do Rorschach não deve ser o mesmo
indivíduo que o codifica. Este deve estar cego para as hipóteses do pesquisador, assim
como para as características dos pacientes que fazem parte da amostra.
O estudo de Antunes (2004), que em estudo exploratório analisa a presença dos
códigos especiais críticos, com delineamento do estudo grupo com TOC e grupo-
controle, a nosso ver atende às exigências propostas por WOOD, J. M.et al (2000)
Dentre outros, Antunes (2004) teve o cuidado de avaliar a precisão do avaliador em
todos os índices que foram objeto de sua análise.
Torna-se importante assinalamos que, justamente os índices de precisão do
avaliador relativos aos códigos críticos - como o WSum6, por exemplo, que foi objeto de
nosso trabalho - apresentam índices de fidedignidade moderados ou baixos na
pesquisa de Antunes (2004). Resultado semelhante foi observado por Nascimento
(2000), quanto a esses mesmos códigos.
192
Em nossa pesquisa, cientes da relatividade do elemento quantitativo no que
concerne à elevada margem de erro na codificação desses índices, decidimos por
minimizar os efeitos dessas variações por meio de duas estratégias.
Primeiramente, enviando os protocolos para dois psicólogos com experiência
em pesquisa com o Rorschach para sua classificação. Em um segundo momento
solicitamos a professora dessa disciplina que revisasse cada uma das classificações e
desse seu “voto de Minerva” quando se verificasse discrepâncias. Consideramos que
esse recurso pelo menos permitiria reduzir o viés, na medida que os critérios de alguma
forma estariam mais homogeneizados.
Além disso, expusemos protocolos completos de diversos casos, a fim de que o
leitor pudesse avaliar de que forma foram codificados tais índices, assim como ter
acesso ao colorido e às peculiaridades que esses assumem especificamente em se
tratando de pacientes com TOC.
Perry (2001), de outro ângulo, mais clínico, discute a questão do valor do método
das manchas de tintas como um instrumento de investigação, em resposta a Dawes,
pesquisador que critica um índice desenvolvido por Perry (2001). Este defende-se com
o seguinte argumento:o Rorschach é uma ferramenta de avaliação, e assim como as
demais, tem forças e fraquezas associadas a seu uso. Por conseguinte, em estudos
futuros, a questão que deve ser proposta é: sob
quais condições
um determinado índice
do Rorschach pode ser mais útil ou valioso? (Perry, 2001).
Acrescenta ainda que todos os instrumentos são sujeitos a influências do
ambiente afetando suas qualidades psicométricas; destarte, é papel dos pesquisadores
193
da área fazer uso de uma metodologia mais específica, visando aferir sob quais
condições e quais medidas podem prover resultados válidos e significativos.
Neste trabalho, verificou-se a relatividade dos achados no que tange à
sensibilidade da prova das manchas de tinta para distinguir alterações cognitivo-
afetivas entre pacientes portadores de TOC grave e leve.
A diferença estatisticamente significativa encontrada entre os grupos grave e
leve quanto aos índices WSum6, Dr2 e MOR teve que ser submetida uma leitura mais
apurada observando-se sua distribuição na amostra dos pacientes. Com esse artifício,
detectou-se a presença de falsos negativos (pacientes diagnosticados como graves
pelo DSM-IV e escalas clínicas, mas com índices de alterações nessas variáveis muito
baixos ou mesmo zero), bem como de falsos positivos (pacientes diagnosticados com
leves, e mas com índices elevados nas variáveis em estudo).
Respondendo à questão colocada por Perry (2001), o valor clínico destes índices
depende não só de seu valor quantitativo, mas também de sua relativização frente a
outras formas, métodos e fontes de investigação.
Ainda como limites deste estudo temos a questão dos critérios clínicos para
inserir os pacientes no grupo grave ou leve. Ferrão (2004), comentando as limitações
de sua pesquisa quanto à conceituação dos critérios de inclusão nos grupos refratário
ou respondedor, lembra que estes se basearam na literatura e experiência clínica.
Ressalta que tais critérios não são absolutos, isto é, não impedem que, em outro
momento, um paciente respondedor possa, por algum motivo, tornar-se refratário. Por
194
outro lado, a possibilidade de um refratário vir a ser considerado como respondedor
seria menor, mas possível. Dependeria da utilização de tratamentos não previstos em
seus critérios de inclusão, ou seja, não convencionais.
Observando nosso trabalho sob essa perspectiva, analogamente temos que
levar em conta a relatividade dos critérios assumidos para inserção para TOC grave e
leve, de modo que, como coloca Ferrão (2004) a generalização dos resultados deve ser
feita com cuidado.
6.3.4 Sugestões para estudos futuros
Dar continuidade à análise dos elementos que tem caráter repetitivo, tal qual
pudemos observar por meio da análise qualitativa em pacientes com TOC grave e leve
é uma proposta que pode ter valor heurístico importante. Perry (1996, 2005) propôs
uma esquema qualitativo para aferição desses fenômenos envolvendo repetição de
resposta ou partes desta, ampliando o conceito de perseveração mais estrito definido
por Exner (1999). Abordar sistematicamente esse fenômeno no processo de resolução
de manchas de tinta, no sentido mais amplo desenvolvido por Perry (1996, 2005) pode
permitir o acesso a alterações neuropsicológicas mais sutis presentes em patologias
neuropsiquiátricas como é o caso do TOC.
O conceito neuropsicológico de funções executivas, estudado no contexto de
alterações neuropsiquiátricas de um espectro de pacientes que tem em comum
alterações nos gânglios da base aplica-se ao TOC. Permite que realize uma leitura dos
195
fenômenos psicopatológicos presentes nesses indivíduos à luz dos recentes achados
sobre a relação entre essas patologias e funções corticais (Royal, 2002).
Rosenthal et al. (2004), em um ensaio nessa direção, elaborou artigo visando
descrever
sistematicamente o processo de resposta ao Rorschach à luz do conceito de
Funções Executivas (FE), apoiando-se na revisão do termo realizada por Royal (2002).
Como exemplo de alteração nas funções executivas menciona o fenômeno da
perseveração e os DR. São situações nas quais distúrbios nos processos de inibição-
seletividade e de desalinhamento com o objetivo proposto nas instruções dessa prova
se expressam. Sob esse ângulo, a presença elevada desse tipo de código crítico,
dentre outros, observada em nosso trabalho, poderia ser interpretada como alteração
nas funções executivas nesses pacientes com TOC.
A tentativa de estabelecer pontos de contato entre as diferentes dimensões,
perspectivas e métodos por meio dos quais se podem alargar os conhecimentos sobre
o TOC é uma sugestão para próximos estudos.
196
7 CONCLUSÃO
A investigação realizada levou às seguintes conclusões:
A) O estudo comparativo dos resultados do Rorschach, aferido de acordo como
Sistema Compreensivo, entre pacientes com TOC grave e leve, revelaram as seguintes
características relacionadas à presença dos Códigos Especiais Críticos:
Pacientes com TOC grave diferem quantitativamente do grupo de pacientes
leves no que tange à média de dos digos críticos WSum6, DR2 e vel 2,
sugerindo a presença significativa de distorções afetivo-cognitivas nas quais o
indivíduo se desvia da tarefa em curso apresentando comentários irrelevantes
à mesma.
Valores significativamente elevados no índice MOR no grupo grave
envolveram a presença de comentários indicando morbidez, deformidade,
amputação ou perda, maior que no grupo de pacientes com TOC leve;
O estudo inter-casos mostrou variabilidade grande na amostra quanto aos
valores dos códigos críticos no grupo dos pacientes graves, e menor nos
leves. Isto supõe a possibilidade de o paciente não apresentar esse código,
mas, qualitativamente, apresentar desvios em seu funcionamento mental. O
oposto, mas menos freqüente, também é possível ocorrer no caso dos
pacientes leves: o paciente ser considerado como leve nas escalas objetivas,
e apresentar resultados elevados nos códigos críticos tal como aferidos pela
prova de Rorschach.
197
B) A análise qualitativa da forma específica de expressão desses índices nos sete
casos graves selecionados do grupo de TOC grave verificou como ponto em comum,
entre os casos graves, a diminuição ou perda da capacidade de flexibilidade mental,
devido à presença de idéias instrusivas permeando o fluxo mental, assumindo formas e
proporções variadas, dentre as quais:
freqüência elevada de reiterações de resposta e partes de resposta intra e inter-
pranchas, presente em todos os casos selecionados para análise qualitativa;
presença de rituais obsessivos que se inserem inadequadamente na atividade de
resposta às pranchas, levando o paciente a se desviar completamente da
instrução em curso;
aparecimento de quase-respostas, ou seja, de respostas formuladas sob forma
hipotética (como: aqui eu veria....) que deixam implícito um potencial de
respostas repetitivas e compulsivas;e
aparecimento de comentários em que o paciente se percebe criticamente como
impotente para refrear a tendência à repetitividade das respostas;
Além disto, esta pesquisa buscou relacionar os fenômenos observados por meio
do Rorschach com a variabilidade de denominações que o TOC recebeu ao longo de
sua história. Isso levou à captação e descrição de uma ampla uma gama de vivências,
tais como: momentos de quase-insanidade, mergulho na psicose, emergência
inadequada e irresistível de rituais entremeados em respostas às manchas de tinta,
obsessões sexuais associadas a elementos agressivos introduzindo-se
198
reverberativamente na tarefa de interpretação. Enfim, exatidão, precisão e dúvida
aprisionando o indivíduo em um labirinto de manipulações ideo verbais ao lado de
perfeccionismo e rigidez.
Um trabalho inútil e sem esperança: assim define Camus o castigo que os
deuses impuseram a Sísifo. Se esse mito é trágico, é porque Sísifo era um herói
consciente - assim como o o os pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, que
em vão lutam para obter algum alívio para seu sofrimento, realizando rituais que
temporariamente o atenuam, mas nunca o livram da enorme angústia com que se
apresentam.
Estes são também os Heróis do absurdo - de disporem do saber de que os
impulsos e representações que se repetem interminavelmente e os atormentam são
bizarros, inapropriados, indesejáveis - e paradoxalmente perceberem-se como
absolutamente impotentes para agir e re-agir em função desse conhecimento.
199
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. v. 59, p. 189-294, 1986.
210
TORRES, A. R.
Figura e fundo: um estudo da comorbidade do distúrbio
obsessivo-compulsivo e distúrbios de personalidade.
1994.
Tese.
(Doutorado em Psiquiatria e Psicologia Médica) - Escola Paulista de Medicina,
Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP. São Paulo, 1994.
VAUGHAN, S. C., SALZMAN, L. Antianxiety function of impulsivity and compulsivity. In:
Oldham, J.M., Hollander, E., Skodol, A.E. (Eds)
Impulsivity and compulsivity.
Washigton DC: American Psychiatric Press, Inc,. 1996.
VAZ, C. E.
O Rorschach: Teoria e desempenho
, 2. ed. São Paulo: Editora Manole
Ltda., p. 118-120, 1986.
WEINER, I. B.
Princípios da Interpretação do Rorschach
. Tradução Maria Cecília de
V.M.Silva.São Paulo: Casa do Psicólogo. 2000.
______. Current status of the Rorschach Inkblot Method.
Journal of Personality
Assessment
, 68 (1), p. 5-19, 1997.
______ .
Principles of Rorschach Interpretation
. Lawrence Erlblaum Associates.
Publishers New Jersey, 1998
WOOD, J. M.; LILIENFELD, S.O.;NEZWORSKI, M.T.
The Rorschach test in clinical
diagnosis: A critical review, with a backward look at Garfield (1947
). Journal of
Clinical Psychology,
56(3), p.395–430, 2000.
211
ANEXO
ANEXO 1
TERMO de CONSENTIMENTO
Ao assinar este papel, você estará concordando em se submeter a uma pesquisa
sobre personalidade e transtorno obsessivo-copulsivo (TOC). Por esse motivo, leia
atentamente o que se segue e esclareça todas suas dúvidas com a psicóloga responsável
por esta pesquisa.
O TOC é uma doença que se apresenta com alguma freqüência em nosso meio,
sendo capaz de causar grande sofrimento e comprometimento no convívio social e nas
atividades em geral da pessoa acometida por esse problema.
Apesar de os estudos nos últimos anos terem contribuído significativamente para
o conhecimento do TOC e seu tratamento, uma parcela importante dos pacientes pode
responder insatisfatoriamente aos tratamentos, enquanto que outra tem resposta mais
positiva.
Com o objetivo de melhor compreensão dos aspectos cognitivo-afetivos de
personalidade dos indivíduos com TOC, realizamos esse projeto. Neste, consultaremos
prontuários, faremos entrevistas, aplicaremos escalas objetivas e o teste projetivo de
Rorschach.
212
Como parte do estudo, é necessária sua presença no Hospital das Clínicas ou em
consultório particular, em horários marcados antecipadamente e convenientes para você
e os profissionais que tomarão parte na pesquisa.
Para a realização do estudo de personalidade, solicitamos sua autorização, caso
seja necessário entrar em contato com familiares para complementar alguns pontos.
Você não é obrigado a participar desse estudo e sua recusa não o(a) impedirá de
receber ou continuar recebendo atendimento e tratamento adequado no Instituto de
Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, ou nos consultórios dos médicos que o
(a) encaminharam para esta pesquisa.
Concordando em participar, você estará colaborando para aumentar nossas
possibilidades de compreender essa doença tão peculiar como é o TOC.
Todos os participantes da pesquisa receberão os resultados do estudo de caso
realizado, e receberão sugestões para continuidade do tratamento, quando for
necessário.
Declaro ter lido e compreendido o acima exposto, e, após esclarecimento da psicóloga
................, concordo em participar desta pesquisa.
Assinatura do paciente
:...........................................................
Pesquisador responsável
: Maria Cristina Petroucic Rosenthal
São Paulo, ....... de ...........de..................
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