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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
RICARDO DA MOTA LEITE
O EXERCÍCIO DE CIDADANIA NO PENSAMENTO DE
MARTINHO LUTERO
SÃO PAULO
2006
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
RICARDO DA MOTA LEITE
O EXERCÍCIO DE CIDADANIA NO PENSAMENTO DE
MARTINHO LUTERO
SÃO PAULO
2006
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu
em Ciências da Religião, da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.
Orientadora: Drª Márcia Mello Costa De
Liberal
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
RICARDO DA MOTA LEITE
O EXERCÍCIO DE CIDADANIA NO PENSAMENTO DE
MARTINHO LUTERO
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Márcia Mello Costa De Liberal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. José Rubens Damas Garlipp
Universidade Federal de Uberlândia
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto-
Sensu em Ciências da Religião, da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Ciências da Religião.
4
Dedico este trabalho à comunidade evangélica do Brasil que, por questão
histórica e sob a instrumentalidade de Deus, poderia dar uma contribuição mais
efetiva na conquista de mudanças sociais que beneficiariam muitos seres
humanos, dando-lhes muito mais que uma identidade religiosa institucionalizada,
mas, sobretudo, uma cidadania responsável possibilitando dias mais amenos com
menos desigualdade e injustiça evidenciando os valores do Reino de Deus,
ensinados exaustivamente por Jesus, o Cristo.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me dado a oportunidade e disposição em chegar ao final de
mais este projeto na vida. Entendo que tal proeza soma às muitas outras bênçãos
que tenho recebido decorrentes do relacionamento com Ele. Sendo assim, a Ele,
toda a glória;
À professora rcia De Liberal, que desde o primeiro dia de aula, revelou
ser uma verdadeira amiga e colaboradora. Mesmo com tantas responsabilidades,
aceitou o desafio e me orientou na elaboração deste trabalho;
Ao amigo professor Valdemar Ribeiro Filho que sempre se mostrou
paciente em ouvir-me e ler meus escritos;
Agradeço à minha amiga e fiel esposa Gislane, ao meu primogênito Tércio
e à minha filha Talita pela motivação em ocasiões tão propícias.
À Igreja Presbiteriana Central de Uberlândia, instituição que tenho a honra
de servir, pelo apoio e compreensão demonstrados no meu período acadêmico.
6
“Quando uma sociedade não pode ensinar, é que esta sociedade não
pode ensinar-se, é que ela tem vergonha, tem medo de ensinar a si
mesma; para toda a humanidade, ensinar, no fundo, é ensinar-se; uma
sociedade que não ensina é uma sociedade que não se ama, que não se
estima; e este é precisamente o caso da sociedade moderna”.
Charles Péguy
7
RESUMO
O presente trabalho é resultado de pesquisa que propõe estudar a Reforma
Protestante em busca de um significado além do que, comumente se entende, um
movimento religioso. Martinho Lutero embora cresse em um mundo espiritual, um
reino espiritual, também cria na possibilidade de se viver no mundo terreno de
forma mais digna. Qualquer pessoa que sonha com isso e se movimenta em
direção a este ideal, pensando no bem comum, revela ser um cidadão que ama a
ética e sua prática, a cidadania.
Palavras-chave: Martinho Lutero, Cidadania e bem comum.
8
ABSTRACT
The present work is the result of research with the aim of studying the Protestant
Reform seeking meaning beyond what is commonly understood by religious
movements. Although Martin Luther believed in a spiritual world, a spiritual
kingdom, he also believed in the possibility of living in a more worthy secular world.
Any person who dreams as of this ideal and moves himself in this direction, is
pursuing a common goal for everyone, and reveals himself to be a citizen who
loves ethics and its practice, citizenship.
Key Words: Martin Luther, citizenship and common goal.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE CIDADANIA 21
REFORMA, CIDADANIA E HUMANISMO 44
REFORMA, CIDADANIA E ECONOMIA 59
REFORMA, CIDADANIA E MUDANÇA SOCIAL 69
REFORMA, CIDADANIA E EDUCAÇÃO 85
CONCLUSÃO 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 106
10
INTRODUÇÃO
Este projeto de pesquisa pretende mostrar no pensamento de Lutero, o
exercício de cidadania, revelado em algumas atitudes do reformador,
especialmente no que se refere à liberdade de consciência. A busca de tal ideal
poderia ter sido o grande motivador para que o saber fosse buscado por todos e a
atividade profissional vista também como uma vocação mesmo não sendo
religiosa. A universalidade do “saber”, como direito do povo em aprender para
escolher seus líderes, sua religião e atividade profissional sem sentimento de
culpa.
A tentativa de desassociar o saber da tutela teológica poderia ter
causado desenvolvimento e fortalecimento de um e outro.
Se assim é, o movimento da Reforma não pode ser visto apenas como um
movimento religioso institucionalizado sem implicações sociais. Entende-se que a
Reforma Protestante é um princípio que deve ser preservado como conquista
sócio-religiosa cujos princípios devem nortear o pensamento de todos aqueles que
visam o bem comum.
É verdade que, entre os historiadores, o mais comum é dar conotações
religiosas ao movimento protestante do séc. XVI na Alemanha. Mas, a questão é:
a Reforma Protestante não foi também um movimento nacionalista alemão? Não
teria sido basicamente uma questão política? A Reforma não teria sido por
questões econômicas, considerando uma alta inflação e taxas abusivas exigidas
pela igreja, a somatória de todos esses fatos? Uma economia manipulada não
11
daria à Reforma uma razão muito mais social do que religiosa? A Reforma
Protestante foi, sem dúvida, um fator importante para provocar mudanças sociais
na Alemanha e em toda a Europa. A ruptura com o catolicismo, estabelecendo
uma nova ética, afetaria todo o mundo que já estava entrando em uma nova era, a
era moderna.
Pode-se afirmar que a Reforma Protestante do século XVI girou,
predominantemente, sobre o eixo religioso daquela época. Todavia, é óbvio que
movimentos tão amplos assim, nunca estão desassociados de muitos outros
fatores. Em uma época singular socialmente falando, o movimento reformista
encontrou forças. Como veremos, o cenário estava montado, com notória
contribuição do movimento humanista coroado com a possibilidade de
comunicação ampla pela descoberta da imprensa. Enquanto alguns simpatizantes
do movimento estavam enfatizando a presença das imagens e pinturas nos
templos, as vestimentas dos padres, o celibato do clero, e outros exercícios
religiosos, Lutero enfatizava questões mais profundas como a “justificação
somente pela fé” e o “sacerdócio universal dos crentes”. Esses eram assuntos que
não poderiam ser ignorados. Para Lutero se a Bíblia não proibia determinada
atividade e se não depunha contra o bom senso, não havia nenhuma razão para
interrompê-la. Mas, as implicações sociais produzidas pela Reforma iriam se
revelar à medida que os assuntos começassem a ser questionados. Lutero teria
que, com muita rapidez, formular um tipo de código de ética e cidadania usando a
imprensa como a grande aliada. Se os monastérios começaram a ter
ensinamentos rejeitados, pois conferiam salvação automática conforme as obras
realizadas, uma nova educação deveria surgir para que os jovens não fossem
12
mais enganados e nem os pais ludibriados. Um novo modelo de educação deveria
então ser formulado, onde os jovens poderiam estudar outras matérias além da
teologia e sua vocação não seria tão somente religiosa. Ver um filho jurista,
médico, professor ou exercendo qualquer outra função, deveria ser algo desejado
pelos pais dos jovens alemães. Lutero ensinava que todo trabalho tinha o mesmo
valor aos olhos de Deus. Este conceito de “vocação” teria implicações sócio-
econômicas que ninguém poderia prever naquela época. O mundo moderno
testemunharia as reais implicações deste conceito reformado de vocação.
Alguns historiadores podem ver muitas outras implicações políticas e
sociais da Reforma, como Nelson e Cláudio Piletti enumeram:
A expansão marítima e comercial fortaleceu a burguesia européia,
interessada na reforma religiosa que lhe desse mais liberdade de
ação; para os protestantes, os homens não se justificavam pelas
obras controladas externamente pelo clero -, mas pela fé, que é
íntima e individual. A partir do protestantismo os lucros deixaram de
ser condenados e passaram a ser vistos como expressão da vontade
de Deus e prova de sucesso na vocação escolhida pelo indivíduo, o
que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Com a queda do
feudalismo e o surgimento dos Estados centralizados, o poder real
entrou em conflito com a Igreja. Em sua luta contra os obstáculos por
ela criados com relação ao fortalecimento do poder dos reis, estes se
viram apoiados pelos reformadores protestantes. O renascimento
cultural desenvolveu uma cultura centralizada no homem, e não mais
em Deus, e favoreceu o surgimento do espírito crítico e do
individualismo, aspectos ligados às idéias protestantes. Alguns
aspectos internos da Igreja contribuíram para a divisão e o
surgimento do protestantismo. Os protestantes insurgiram-se contra
13
a venda de indulgências e de cargos feitos pela igreja de Roma, fatos
que lhe davam características mercantilistas: salvava-se quem tinha
dinheiro para comprar indulgências.
1
Faz-se necessário delimitar o tema por alguns motivos óbvios. Primeiro, os
conceitos de Direitos Humanos e Cidadania não existiam. A estratégia será buscar
resquícios ou sinais dos conceitos na história, sinalizando a evolução dos
conceitos e, ainda mais, a junção deles. Ao realizar tal tarefa, o tema vai se
afunilando chegando até o Humanismo. Segundo, dentre muitos fatos e
personagens, o trabalho enfatizará a Alemanha daquela época, com especial
cuidado com assuntos periféricos como ordem social e economia, mas, tendo na
educação a atenção maior. Assim Lutero constitui-se o grande colaborador ou
motivador para rever valores e buscar conceitos obscurecidos por conta de
interesses manipuladores de uma minoria detentora do poder e do saber. Por isso
a insistência na pergunta: será que o pensamento reformado cuja origem oficial se
na Reforma Protestante do século XVI foi meramente um movimento religioso?
Qual a contribuição de Lutero para uma reflexão sobre cidadania ainda que tal
conceito não tivesse sido ainda formulado oficialmente?
Nesse sentido, o reformador merece destaque, tido por alguns como o
maior dos reformadores, como acredita Dreher:
Lutero merece, daqui em diante, ser reconhecido como o maior dos
reformadores, não só religiosos, como educacionais.
2
1
PILETTI, Nelson e Claudino. História da Educação, São Paulo: Àtica, 2002, pág. 74.
2
DREHER, Martins N. (org.) Reflexões em Torno de Lutero vol. II, pág.94
14
Se considerarmos o exercício da cidadania, tendo como maior expressão a
“liberdade de consciência” que leva ao direito do saber, pode-se enfocar o
pensamento de Lutero como teólogo e educador, espiritual e social, como
contribuidor, em um período escuro da história, para tal façanha. O cidadão não
teria apenas deveres, mas, também direitos. Em sua “Carta aos prefeitos e
conselheiros das cidades alemãs”, Lutero encaminhou um apelo às autoridades
municipais para que organizassem e mantivessem escolas cristãs. Comentando
sobre este assunto Gerhard Ebeling afirma:
A figura de Martinho Lutero motivo especial de refletir sobre a
Universidade com lugar primordial de sua existência. Entre as muitas
imagens que se faz da sua pessoa: do monge que fora, do pregador,
do escritor, do reformador da igreja, do líder intelectual de um
movimento popular de dimensão continental, facilmente se esquece
que ele era, também, um professor universitário. Todas as suas
funções e atividades estavam intimamente ligadas ao seu mandato
na Universidade, mandato esse que expressava seu caráter
compromissivo no título de doutor , raro na época, e que nem todos
os professores acadêmicos obtinham.
3
Pode-se dizer que o princípio da Reforma Protestante foi uma questão de
Cidadania. Martinho Lutero transcendeu em muito as interpretações e os conflitos
teológicos. Ele aspirou à realização da liberdade. O legado do protestantismo
possibilita uma nova consciência ética e cidadã bem como a busca da
espiritualidade sem manipulação de autoridades humanas travestidas de
3
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero. São Leopoldo:Sinodal,1986 p.11.
15
religiosidade. O exercício da cidadania no pensamento de Lutero aponta para a
educação, trabalho, economia e política. “Ele não realizou somente a tradução da
Bíblia para o alemão. Devido ao seu conhecimento de línguas, que foi
demonstrado através desse feito e ao qual todas as fontes fazem referência, ele
também fundou a base da moderna língua alemã e, assim, algumas
características fundamentais do espírito alemão.”
4
. Ao pregar as noventa e cinco
teses contra as indulgências na porta do templo na pequena cidade de Wittenberg,
na Saxônia, contrastava frontalmente contra as decisões anti-cidadãs do papa
Leão X, que enviara à Alemanha, João Teztel, frade dominicano, com o fim de
colher dinheiro para o serviço da igreja. Caso o dinheiro fosse para ajudar a pagar
as despesas da guerra com os turcos, como se dizia ou para angariar fundos para
serem despendidos pelo papa em quadros e outras obras de arte para a suntuosa
igreja de São Pedro, em Roma, causariam indignação e forte desejo de
mudanças. O dinheiro era obtido por troca de uma espécie de recibos, em que se
declarava que o comprador havia recebido perdão da perpetração dos pecados
que mencionara e pago a respectiva importância. Lutero, nas suas teses e no seu
sermão, declarou que os fatos íntimos, espirituais, experimentados pelo homem
eram de um infinito valor, comparado com a expressão desses fatos mediante
fórmulas estereotipadas que a Igreja reconhecia; e tornou, bem claro, que no
tocante a um tão solene assunto como é o perdão dos pecados, o homem podia ir
ter diretamente com Deus, sem qualquer mediação humana. Dizendo isto, fez
4
Dr. Ulrich Günther. O Federalismo Alemão e Martinho Lutero. Lutero e a Reforma: 480 anos depois das 95
teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos, filosóficos, políticos, sociais e econômicos. Editora
Mackenzie, 2000.
16
muito mais do que atacar as indulgências; protestou contra as mais enraizadas
noções da Igreja Medieval.
Pesquisar sobre o pensamento de Lutero é falar de direitos humanos, da
ética e da expressão de uma cidadania responsável. A Reforma Protestante, não
aponta para mudanças religiosas, mas também desperta para o bem comum,
independentemente da religião. O direito do cidadão é, dentre outros, o poder
pensar livremente e tomar suas próprias decisões. Esta não era a realidade no
período pré Reforma.
O pesquisador, de formação reformada, tem interesse de ver fortalecido os
princípios que nortearam a vida de Lutero, entendendo que a “luta” por uma
sociedade melhor, não era apenas privilégio daquele monge, mas uma vocação
para todos aqueles que posteriormente receberiam a visão. A Reforma
Protestante não pode ser vista como algo estático historicamente falando. A maior
expressão do direito humano, é sua consciência. Para felicidade ou infelicidade
eterna, o ser humano deve agir com liberdade de consciência e responder por
isso.
Cidadania é um fenômeno bem complexo, essencialmente político, porém
condicionado por circunstâncias diversas. A busca de relações sociais mais iguais
traduz a motivação do verdadeiro cidadão. Assim sendo, cidadania pode ser
definida como um conjunto de qualidades e implicações necessárias ao indivíduo
que pertence à sociedade. É um status conferido àqueles que são membros e a
pleno direito de uma comunidade. É Compromisso social pautado em direitos e
deveres que buscam o bem comum, a unidade social reforçando a identidade
nacional.
17
Historicamente pode-se verificar a “cidadania” ou a busca para alcançá-la.
A relevância de tal ideal traz efeitos imediatos à sociedade, mas, principalmente,
forma uma nova geração que louvará as lutas do passado e tomará como modelo
para a perpetuação do direito.
Acredita-se que a Reforma foi uma ação divina na história humana; foi o
instrumento sócio-religioso que apontaria para as futuras gerações, ensinado-as
sobre as possibilidades de mudanças. Bases para uma educação universal e
pública tiveram sua base na reforma como afirma a professora universitária
Antonieta Nunes ao dizer:
Com a Reforma Protestante, Lutero defendeu a educação universal e
pública, capaz de tornar cada pessoa apta a ter e interpretar por si
mesma a Bíblia. Depois, no século XVII, esta perspectiva se
deslocou do campo da religiosidade para o terreno volvido pelas
idéias dos iluministas, que ressaltavam a razão como o grande
instrumento de apreensão e interpretação do mundo. E a escola
passou a ser defendida com caráter leigo e livre, ao encargo do
Estado, devendo se tornar um bem de caráter universal, obrigatório e
gratuito.
5
Foi efetivamente um exercício de cidadania, conquanto deu ao povo alemão
e posteriormente a muitos outros, a expressão de um conjunto de direitos que
daria às pessoas a possibilidade de participarem ativamente da vida e do governo
de seu povo.
18
Para uma participação adequada, o cidadão precisa de educação. Na
Reforma, o espírito humano ganhou forças sob as “letras”, que foram, certamente,
as maiores auxiliadoras para as mudanças sociais provocadas pelo movimento
reformista. A união das letras com a fé formou uma das características da reforma
e a distinguiu de outros movimentos na história.
A Reforma começou simplesmente como uma tentativa de dar o culto a
Deus de uma maneira mais simples, segundo os ditames da consciência e os
impulsos da vida interior, da vida espiritual; mas, não podia ficar por ai; significou
por fim uma revolução nas condições da sociedade e uma grande mudança na
situação política da Europa.
Segundo as noções medievais, a sociedade estava dividida em Igreja e
Estado. O poder eclesiástico estava todo centralizado na pessoa do papa, que era
o sacerdote universal; e o poder civil estava todo centralizado na pessoa do
imperador, que era o soberano universal. Um era o sacerdote dos sacerdotes, e o
outro era o rei dos reis. Um homem pertenceria à Igreja se estivesse sob a
jurisdição do papa; seria membro da sociedade civil se estivesse sob o domínio do
imperador. Uma espécie de dois Estados. Tanto um como o outro com poderes
ilimitados sobre os cidadãos. Havia deveres, mas não direitos. O império
apresentava um estranho dualismo. Tinha um chefe civil e outro espiritual, César e
o papa. Quando um homem recusava obedecer ao papa no que dizia respeito às
matérias espirituais, rebelava-se contra a sociedade, pois esta se baseava na
idéia de que o papa e o imperador eram os senhores supremos. O protestantismo
quebrou esta união dos dois elementos.
19
A Reforma Protestante não foi um movimento individualista, mas
proporcionou aos homens a possibilidade de associação e de manterem entre si,
uma espécie de unidade espiritual.
Com o afã de reproduzir, cada dia mais, o “espírito da Reforma”, tal
pesquisa visa mostrar tantos aos “protestantes” como a qualquer cidadão, a
verdade que se deve buscar, para o bem comum, o exercício de direitos e deveres
revelados nos valores éticos, sociais, educacionais, os quais poderão ser
chamados de “cidadania”.
Espera-se mostrar pela pesquisa que a Reforma provou a todos que
poderia haver vida social e comunhão religiosa sem aquela pressão exterior, sem
que as idéias de ordem e associação andassem ligadas à idéia de um império e
uma igreja institucionalizada universalmente. A noção reformista era a de uma
fraternidade de povos.
A pesquisa deverá ser bibliográfica. Tendo como fundamento teórico os
escritos históricos de diversos autores, especialmente os trabalhos desenvolvidos
pelo próprio reformador Lutero. Todavia, é necessário buscar junto a autores da
área de direito e sociologia. Quanto aos primeiros, considerando que “Direitos
Humanos” e “Cidadania” são expressões relativamente novas, a evolução de tais
conceitos será buscado na história apesar de não terem sido esboçados e tão
definidos como temos hoje. No que se refere à sociologia, o referencial teórico
obrigatoriamente encontra em Max Weber a maior expressão, considerando que o
autor ressalta a nova definição de vocação dada por Lutero como um ponto
importante na construção de uma nova mentalidade econômica européia e,
posteriormente mundial. A definição do termo “cidadania”, ainda que moderna,
20
revela-se em exercícios práticos em prol dos direitos humanos desde às
comunidades bem antigas.
Por meio das cartas de Lutero, e do farto material que trata de seus ideais
reformistas, pretende-se através da pesquisa bibliográfica, destacar seu
pensamento voltado não apenas para uma mudança na religião dominante, mas,
social que possa devolver ao indivíduo o direito de liberdade. Liberdade de
consciência, liberdade de escolha.
Também há disponível o grande acervo produzido em língua portuguesa,
pela Editora Sinodal, com sede na cidade de São Leopoldo, bem como a grande
quantidade de material existente na biblioteca da Universidade Presbiteriana
Mackenzie à disposição dos alunos.
21
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE CIDADANIA
Faz-se necessário estabelecer inicialmente o ponto de partida histórico,
uma espécie de corte no tempo, para se falar sobre Cidadania
6
. Se bem que, na
verdade, podemos apenas buscar inspiração ou resquícios do que hoje
chamamos de cidadania. A cidadania como realidade social tal como a vemos
hoje, é um fenômeno único que se concretizou na história de forma dinâmica.
Diríamos que o conceito de cidadania foi um tipo de fenômeno progressivo.
A intenção deste primeiro capítulo é buscar, a partir da “pré-história” as
bases da cidadania ou o exercício dela, ainda que não definida historicamente,
acompanhando seu desenvolvimento até o pensamento humanista.
Inicialmente voltemos os olhos ao passado até os hebreus
7
que cultuavam
um único Deus o qual ensinou e exigiu que o seu povo pensasse uns nos outros o
que, para o contexto da época, parecia ser inadequado. na época do rei Davi,
fica clara a idéia de submissão do governo aos princípios de autoridade superior.
A própria lei mosaica previa uma série de direitos aos cidadãos, até mesmo o
6
No sentido moderno, cidadania é um conceito derivado da Revolução Francesa (1789) para designar o
conjunto de membros da sociedade que têm direitos e decidem o destino do Estado (Pedro Paulo Funari. A
Cidadania entre os Romanos, in: História da Cidadania, São Paulo: Contexto, 2003, pág. 49). Todavia, a
presente dissertação procurará buscar na história resquícios que contribuíram para tal conceito, trazendo luz
para a hipótese de que o movimento da Reforma do século XVI além de religioso, mostrou ser um exercício
de cidadania.
7
Hebreus Do epônimo Éber (Gênesis 10.21 e segs.; 11.14 e segs.) veio o gentílico ‘ibhrï, hebreu”, usado
na Bíblia como patronímico para Abraão e seus descendentes. No Antigo Testamento, ‘ibhrï se confina à
narrativa sobre os filhos de Israel no Egito (Gênesis 39; Êxodo 10), a legislação concernente à alforria de
servos hebreus. ‘ibhrï aparece pela primeira vez como nome étnico a respeito de Abraão (Gênesis 14.13). A
sugestão que ‘ibhrï é termo alternativo para israelita, nas situações em que o indivíduo assim chamado não é
um cidadão livre em solo livre. (O Novo Dicionário da Bíblia de J. D. Douglas (coord.), Vol. I, São Paulo:
Vida Nova, 1984.
22
acolhimento do estrangeiro, mas estes direitos apenas previam a regulação social
entre os indivíduos. Princípios como a vida, a liberdade de expressão, a
valorização do ser humano ainda eram coisas a serem aprimoradas, entretanto
não deixam de ser um começo ou como denominamos aqui, uma evolução.
Jaime Pinsky, falando sobre o período posterior ao reinado de Davi, no
tempo em que os profetas exerciam uma função exortativa junto aos reis,
relaciona-os ao fenômeno cidadania. Em “Os Profetas Sociais e o Deus da
Cidadania”, Pinsky expressou da seguinte maneira sobre o assunto:
Uma concepção tão revolucionária de deus não acontece por acaso,
do nada: ela se desenvolve dentro de condições históricas
específicas, de uma realidade social única. Se, durante muito tempo,
os hebreus cultuavam um deus que não se distanciava tanto do de
seus vizinhos, o que os levou a conceber esse deus tão desprendido
a ponto de exigir que as pessoas pensassem umas nas outras antes
de pensar nele, o próprio deus? Um deus que, se não fosse
anacronismo, diríamos preocupados com a cidadania.
8
A “pré-história da cidadania”
9
nos remete aos escritos vetero testamentários
quando os profetas se mostravam preocupados com as questões sociais e
comportamentais do seu povo. Os profetas eram pessoas que exerciam o ofício
de falar da parte de Deus aos homens. Para muitos, uma espécie de gente não
muito confiável que previa o futuro. Dois profetas, Isaías e Amós se destacam
8
Jaime Pinsky. História da Cidadania, Editora Contexto, São Paulo S.P., 2003. pg. 16.
9
Entende-se como pré-história da cidadania, o estabelecimento do monoteísmo ético, que é, por sua vez, a
base das grandes religiões ocidentais (cristianismo e islamismo, além do judaísmo) e que se constitui na
primeira expressão documentada e politicamente relevante por suas conseqüências históricas (Pinsky, p.17).
23
como sendo “profetas sociais”. O primeiro, exerceu sua atividade profética na
Judéia a partir do ano 738 a.C., provavelmente ao início do séc. VII a.C. Isaías
dedicou grande parte da sua mensagem aos políticos e militares de Judá,
especialmente àqueles que confiavam em salvar o país mediante pactos e
acordos com outras nações. Isaías um dos “profetas maiores”
10
, tinha origem
social elevada, era de família nobre; porém, em nome do seu Deus, fez pesadas
críticas à práticas sociais e rituais vigentes. “A conclusão do discurso de Isaías é
de uma atualidade surpreendente. No limite ele parece querer que as pessoas se
reencontrem, voltem a construir uma comunidade que, em algum momento, foi
desfeita” (Pinsky, p.22). O outro profeta tido como social foi Amós, tido também
como grande profeta do século VIII a.C., embora ele mesmo preferisse ver a si
mesmo como um homem simples, do campo, dedicado aos seus afazeres rurais.
Amós era de uma pequena cidade chamada Tecoa, distante uns 10 Km ao sul de
Belém, próximo do mar Morto, como que suspensa entre as montanhas de Judá.
A mensagem central de Amós representa uma crítica contra a sociedade israelita
da época. O profeta ataca a in JA àBàVBªaáéAFààVx;ªdáEàEEª áéBEAªAáAFhhBªmáéÀFVhxsocial reinan
24
A origem humilde de Amós, uma forte negação de qualquer tipo de
ritualismo, linguagem agressiva e desabusada e, mais do que tudo,
um sentimento agudo e intransigente de justiça, essas são as
características mais evidentes dos nove capítulos do chamado
“profeta pastor”. Deixa claro, desde logo, que não fala em seu nome,
mas no de Deus e que este anda zangado com o povo que elegeu.
11
Amós contrapõe templo e justiça, ritual e vida social, aparência e conteúdo,
hipocrisia e solidariedade. Ele, em nome do seu Deus, escreveu:
Eu aborreço e desprezo as vossas festas; e vossas assembléias
solenes o me dão prazer. Se vós me oferecerdes holocaustos e
presentes, não os aceitarei; e não porei os olhos nas vítimas que
ofertares, em cumprimento de vossos atos. Aparta de mim o ruído
dos teus cânticos; eu não ouvirei as melodias de tua lira. Antes corra
o juízo como as águas e a justiça como ribeirão perene.
12
Nesse sentido é possível resgatar o conceito pré-histórico de cidadania
relacionando-o com os direitos civis, políticos e sociais. Direitos que se relacionam
entre si em busca da vida, da liberdade, da propriedade, das crenças e outros
significados múltiplos que se completam. Ao falar sobre evolução histórica de
cidadania, pretende-se mostrar que o conceito é dinâmico e que foi se
desenvolvendo no tempo e no espaço. É sabido que, originalmente, a Cidadania e
os Direitos Humanos têm conceituações distintas, mas, com o passar dos tempos,
11
Jaime Pinsky. História da Cidadania, São Paulo: Contexto, 2003, p.23.
12
Bíblia, São Paulo: Loyola, 1994.
25
houve cada vez mais uma aproximação. Houve uma evolução do conceito de
cidadania e ampliação do conceito de Direitos Humanos.
É prudente ainda ressaltar que não se pode entender o mundo antigo como
sendo o mesmo mundo contemporâneo, todavia, ao se tratar de cidadania
podemos, cautelosamente, aproximar os mundos diferentes tendo o indivíduo
como agente ativo no processo. Não se pode falar sobre cidadania sem
inicialmente abordar sobre Direitos Humanos como dito acima. Isto porque, ainda
que a concepção teórica dos Direitos Humanos e de Cidadania começou a ser
elaborada no culo XVIII
13
é possível identificar uma pré-história e mesmo a
evolução de tais conceitos que, no decorrer dos anos, vão assumindo
similaridades marcantes na sociedade. Ainda que possa parecer lógico para
muitas pessoas, os direitos do homem enquanto ser social, não surgiram desde o
início de sua existência. A história mostra que muitos séculos se passaram para
que o ser humano reconhecesse a mesma importância que seu próximo possui,
pelo simples fato de também ser uma pessoa.
É realmente intrigante tal questão, afinal, para a maioria das pessoas num
contexto do século XXI, é impossível o reconhecimento legal de desigualdades
expressas entre dois seres humanos, ou imaginar uma situação em que o
indivíduo o possua qualquer poder sobre si mesmo sem que isto contrarie os
direitos fundamentais de uma Constituição qualquer. Certamente isso é assim,
porque o cidadão do século XXI cresceu dentro de um ambiente de valorização
13
De acordo com Aryeh Neier, os Direitos Humanos começaram a ser definidos sistematicamente no século
XVIII, eram relacionados com a cidadania de um determinado Estado, sendo este obrigado a respeitar tais
direitos. Ver em Guia da Cidadania de Osvaldo Agripino de Castro Jr, Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro,
1998, pg.11.
26
da pessoa humana e está acostumado com o princípio de que acima do Estado
existe a liberdade individual.
Os Direitos Humanos
14
, se existiram desde sempre, nunca foram
reconhecidos plenamente, no que diz respeito à Antiguidade Clássica até o
advento da Revolução Francesa, tendo apenas alguns momentos de grande
expressão como na origem do Cristianismo em Roma e na Reforma Protestante.
O homem, em sua essência, é o mesmo desde a criação, porém, a igualdade
entre eles só foi reconhecida e positivada em forma de lei, muitos anos mais tarde.
O emérito professor Sampaio Dória fornece uma definição contemporânea para os
direitos humanos:
...é o direito inerente à personalidade humana, é a ausência de
constrangimento para qual o se conserve nem se aperfeiçoe o
homem. Os direitos fundamentais os homens os têm, só por serem
homens.
15
Pensar em direitos humanos hodiernos é pensar em limitação do poder do
Estado
16
, o que não corresponde à Antiguidade. Isto é fundamental para que
14
Deve-se esclarecer no início desta dissertação, que Direitos Humanos será usado no sentido amplo, ou
seja, equivale tão somente ao princípio de igualdade dos indivíduos. Entende-se que existem outros direitos
tão importantes quanto ao de igualdade, porém, há uma razão para esta equivalência: ao nosso ver, a plenitude
dos Direitos Humanos é obtida a partir do momento em que se reconhece os mesmo direitos para todo
aquele que constitui uma pessoa, uma vez que se observa, ao longo da história, muitos instantes em que certos
direitos fundamentais são reconhecidos, mas nem por isso aplicados a todo povo. Entendemos que só
podemos falar em direitos humanos em sentido estrito quando pensarmos na universalização deles. Também
para um esclarecimento técnico, entende-se por Direitos Fundamentais os direitos humanos positivados numa
Constituição ou em tratados reconhecidos pelas autoridades, uma vez que embora pareçam sinônimos, na
idéia de direitos fundamentais o valor jurídico.
15
A. de Sampaio Dória, “Os direitos do homem”, Companhia Editora Nacional, 1942, pág. 574.
16
Sobre o poder do Estado, visão contemporânea, o constitucionalista Alexandre de Moraes escreve: “Essas
idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação dos princípios e controle
dos abusos de poder do próprio Estado e se suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios
27
possamos ir construindo o raciocínio no que se refere à evolução histórica de
cidadania que, passando por diversos momentos, construirá um ambiente
humanista possibilitando ou favorecendo a Reforma do século XVI, ponto central
da presente dissertação no qual, notadamente, verificou-se um exercício de
cidadania no pensamento do reformador Martinho Lutero. Período aquele em que
o Estado
17
se confundia com a religião institucionalizada e tinha poder ilimitado
sobre a sociedade onde o indivíduo era ignorado. Mas, sobre isto trataremos
posteriormente.
Desde já, então, esclarecemos que, por direitos humanos, podemos
entender todas as garantias dadas ao ser humano para que este possa ter
direitos, ou seja, uma proteção ao indivíduo perante um poder abusivo tanto de um
Estado quanto de um outro indivíduo. Dentro dessa moldura, temos liberdade para
vagarmos na história em busca de momentos em que encaixem aqui, mesmo que
de forma incompleta. Embora na Antiguidade não se conhecia o conceito de
humanidade
18
se enxergava uma tentativa de defesa dos direitos do homem,
uma tentativa que, embora feita muito mais por necessidade política do que por
um sentimento de compaixão ao próximo, com certeza serviria para a formatação
básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo” in: Direitos
Humanos Fundamentais, Editora Atlas, 5ª ed. Pág.19.
17
O Estado da Antiguidade, o possuía uma finalidade para o bem comum como requisito indispensável a
sua existência, conforme o conceito de Estado Moderno. Segundo o professor de Teoria Geral do Estado, da
Faculdade de Direito da USP, Dalmo de Abreu Dallari, em sua explicação para a existência de uma entidade
chamada genericamente de Estado, justifica-a na medida em que o Estado Moderno “como sociedade política,
tem um fim geral, constituindo-se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus
respectivos fins particulares ... ou seja, o conjunto de todas as condições da vida social que consintam e
favoreçam o desenvolvimento da personalidade humana”. (Elementos de Teoria Geral do Estado, 24ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 28). É justamente esta concepção de bem comum que o Estado da Antiguidade
não possuía.
18
O professor e filósofo Miguel Reale afirma: “O conceito de humanidade, escreve o pensador peninsular
(Beneditto Croce), só foi atingido pelos filósofos antigos em lucubrações abstratas, jamais aptas a apossar-se
de toda alma, como se dá com os pensamentos profundamente pensados e com o Cristianismo” (Horizontes
do Direito e da História, Saraiva, 2ª ed., pág.40).
28
do conceito moderno. O Estado, superior em poder e importância, e não as
pessoas individualmente consideradas, é que deveria ser protegido. Não havia a
preocupação da defesa do cidadão perante um ente mais forte do que ele, nem
tão pouco a idéia de que o Direito deve ser ampliado indistintamente a todos, sem
exceção.
Parece estar claro que não houve direitos humanos, num sentido estrito, na
Antiguidade (período este considerado desde a não existência da escrita até o
advento do Cristianismo durante o Império Romano), mas houve importantes
resquícios deles para s na medida que sua evolução acarretará na formulação
concreta da teoria dos Direitos da Pessoa Humana. Considerando isto, passemos
então para as fases seguintes, que irão consistir basicamente na importância do
conceito de cidadania para a formulação dos direitos humanos e como se deu a
evolução desses dois conceitos durante a história.
Busquemos encontrar o fundamento para o Estado antigo, que não era o
bem comum. Conforme o professor Dalmo de Abreu disse:
A família, a religião, o Estado, a organização econômica formavam
um conjunto confuso, sem diferenciação aparente. Em conseqüência
não se distingue o pensamento político da religião, da moral, da
filosofia ou das doutrinas econômicas
19
.
Todavia, para um estudo um pouco mais profundo, nos remetemos à
famosa dissertação de Fostel de Coulanges sobre a sociedade antiga, na obra “A
19
Dalmo de Abreu Dellari in: Elementos de Teoria Geral do Estado” ed. Saraiva, pág. 62.
29
Cidade Antiga”
20
. Embora o intuito da obra de Coulanges se restrinja na análise
das sociedades grega e romana, estas características o eram muito diferentes
nos demais povos. O Estado é visto em dois momentos. No primeiro, o Estado
pode ser resumido à fusão do regime patriarcal com a supremacia da religião. A
religião era a única razão para a existência do ente político, e tinha por
característica a adoração a deuses grandes e pequenos espalhados por toda
parte, facilmente irritáveis e malévolos; tinham-se na casa o templo e no túmulo o
altar; e viam-se nos ancestrais seres divinos dignos de culto e sacrifícios. Um
paralelo com o misticismo da Idade Média é inevitável.
Percebe-se que nesta religião não espaço para o ser humano, e em
decorrência disto, jamais o Estado poderia ser o instrumento garantidor dos
direitos humanos, pelo contrário, era tão somente o garantidor dos cumprimentos
de preceitos religiosos. Isto trazia uma conseqüência muito grave para os
chamados estrangeiros, uma vez que era restrito aos cidadãos a proteção de
alguma individualidade, para eles nenhum direito era reservado e por isso
considerado como qualquer coisa diferente de um ser humano. Vale lembrar que é
aqui que podemos fazer um relacionamento entre o conceito de cidadania e
direitos humanos, porque se sabemos que ambos não se confundem, na
Antiguidade, era imprescindível falar em “ser cidadãopara o reconhecimento de
alguma igualdade de aplicação do Direito, e o principal resquício dos direitos
humanos, que será visto mais a frente, quando tratarmos da expansão da
cidadania romana para os estrangeiros, será justamente o avanço do
reconhecimento de que os bárbaros também deveriam ter reconhecidos seus
20
Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga, São Paulo: Ed. RT, 2003.
30
direitos. Qual era a importância de se valorizar o ser humano pelo simples fato de
ser uma pessoa? Nenhuma, porque o Estado visava a proteção da religião local.
Apenas a partir da ênfase dada à distinção entre aquele que é cidadão e aquele
que não é pelo simples fato de não ter nascido no mesmo ambiente, no mesmo
Estado (na realidade, num mesmo contexto menor, que era a cidade-estado)
21
se observa a confusão da vida política com a essência do ser humano, visto que
esta não é relevada, somente a relação da pessoa com o Estado.
No segundo momento histórico, no qual a ênfase à religião muda, dando
lugar a valorização da lei escrita em detrimento aos costumes e tradições orais, se
não há mais tamanha rejeição à pessoa do estrangeiro por motivos religiosos, e se
não mais uma opressão ao povo no cumprimento de ordens eclesiásticas, a
onipotência do Estado cresce. Na antiguidade não se conhecia o poder limitado do
Estado. As leis o atribuíam direitos aos indivíduos frente ao poder do Estado. O
próprio corpo do cidadão estava submetido ao Estado, já que a utilidade do
elemento material era para a defesa do Estado. Todavia, podemos constatar
resquício remoto dos direitos humanos, qual é, o da relevância em se positivar
direitos em lei para que o Estado aja em seu cumprimento.
Consideramos, para o objetivo do trabalho, que esta situação ocorreu
durante todo o período da Antigüidade Clássica, embora saibamos que cada
21
“O mundo greco-romano não se estruturava como os Estados-nacionais contemporâneos, mas de modo bem
distinto, como cidades-estado. Aqui, defrontamos-nos com um problema: é tão difícil oferecer uma definição
cabal de cidade-estado como o é, sabem-nos os historiadores contemporâneos, definir Estado-nacional. As
cidades-estado, que conhecemos pela tradição escrita, pela epigrafia ou pelas fontes arqueológicas, eram
muito diferentes entre si: nas dimensões territoriais, riquezas, em suas histórias particulares e nas diferentes
soluções obtidas, ao longo dos séculos, para os conflitos de interesses entre seus componentes. A maioria
delas nunca ultrapassou a dimensão de pequena unidade territorial, abrigando alguns milhares de habitantes
não mais que cinco mil, quase todos envolvidos com o meio rural.” (Norberto Luiz Guarinello.Cidades-
Estado na Antigïdade Clássica in: História da Cidadania, São Paulo: Contexto, 2003 pág. 30.
31
sociedade teve em seus Estados características particulares. Todavia, de modo
geral essa foi a tônica da época, tanto que apenas existiram fragmentos de
direitos humanos nelas, o que seobjetivo de estudo no tópico seguinte. Diante
dessa generalização, concordamos com a afirmação de Fustel de Coulanges ao
dizer:
Os antigos não conheciam, pois, nem a liberdade de vida, nem a
liberdade de educação, nem a liberdade religiosa. A pessoa humana
representava pouquíssimo ante essa autoridade santa quase divina,
que se chama pátria ou Estado.
22
Em sentido amplificado, identificamos um resquício dos direitos
humanos: a necessidade de se ter em leis escritas o reconhecimento dos direitos
da pessoa humana. Mas, vale ressaltar novamente que o propósito é buscar nas
sociedades antigas o reconhecimento de direitos que possam se confundir com
direitos humanos. Uma vez preenchida nossa moldura lato senso, no decorrer da
história, os fragmentos se unificam, formando um todo orgânico culminando como
direitos humanos em sentido estrito no século XVIII, período que não pretendemos
tratar nesse trabalho. Nosso limite de estudo é o século XVI, com a Reforma
Protestante.
Analisaremos agora a cidadania como forma de aquisição de direitos. A
concepção de cidadão era extremamente relevante quando se pensa em ser
alguém na sociedade, e isso se confirma com uma frase de Aristóteles, o qual diz
que “... um homem sem cidade, sem cidadania, não é propriamente um homem,
22
Fuestel de Coulanges, A Cidade Antiga, Ed, RT, 2003, São Paulo, pág. 208.
32
mas um deus ou um animal, ou uma coisa animada, tal como é o escravo”
23
.
Elucida de forma inegável o valor da cidadania. Como pensar em direitos do
homem, se um homem não era considerado como tal caso não fosse cidadão?
Impensável porque, de acordo com Michelangelo Bovero, filósofo italiano, a
respeito da cidadania da Antigüidade:
Os direitos humanos (novamente aqui considerados em seu aspecto
amplo) são reais apenas dentro dos limites do Estado-nação... a
cidadania e a lei são inseparáveis e a única lei que conhecemos é a
nacional.
24
Aqui não mais dúvidas da íntima relação entre ser cidadão e ser sujeito
de direito. O método usado para se saber quem poderia ser cidadão, em primeiro
lugar, era a nacionalidade, mas filósofos como Aristóteles (384-322 A.C) iam além,
tentando definir o que seria um cidadão. Bovero nos explica a idéia do pai da
lógica:
Para Aristóteles, como se sabe, aprende a comandar aquele que
obedece: portanto, todo homem livre, dotado da plenitude do logos,
que seja submetido à arché, ao poder político, por isso mesmo
aprende a exercê-lo, tornando-se assim capaz de participar do poder
político, e por isso deveria ser cidadão.
25
23
Michelangelo Bovero, “Contra o governo dos piores – Uma gramática da democracia”, ed. Campus, 2002,
Rio de Janeiro, pág. 124.
24
Ibdem., pág. 128.
25
Idbem, pág. 121
33
O significado do conceito de cidadania estava diretamente ligado ao homem
da polis, da cidade
26
. Percebe-se isso pela própria etimologia da palavra cidadão,
que se referia apenas aos habitantes da cidade. O conceito ampliado de cidadania
como sinônimo de direitos e deveres na vida cotidiana de todos os indivíduos se
efetivaria bem mais tarde com mudanças sociais profundas. No sentido amplo,
repetidamente reforçado anteriormente, vai se moldando a cidadania amolgando-
se aos direitos humanos podendo chegar ao ponto de se afirmar que a “a
cidadania é a mais avançada conquista dos direitos humanos e que se realiza na
vida cotidiana”
27
.
Tratemos da Democracia Grega.
28
A primeira idéia de democracia deve ser
aquela que coloque o Estado sob domínio do povo, na qual todos os cidadãos têm
direitos de votos e participação política. Na realidade, os gregos atendiam todos
estes requisitos. Todavia, nem sempre foi assim. Fustel de Coulanges explica que
a Grécia nunca possuiu um Estado Unificado, a o ser é claro durante o domínio
macedônio com Alexandre Magno. Cada cidade era um micro-sistema auto
suficiente, que reproduzia todas as características de um Estado-Nação. Sendo
assim, quando falamos em democracia grega, devemos nos remeter a cidade de
Atenas, pois foi a mais importante cidade da época, e de saíram as maiores
26
Do latim civitas, a cidade é uma comunidade política organizada, que possui um nimo de autonomia.
Aristóteles mostra por um lado que, sendo o homem por natureza um animal político, a cidade é um fato de
natureza e por outro que, tendo alcançado seu desenvolvimento ximo, realiza sua independência
econômica e permite desse modo “viver bem”. O cidadão é aquele que usufrui os direitos e cumpre os deveres
definidos pelas leis e costumes da cidade: a cidadania é, antes de mais nada, o resultado de uma integração
social, de modo que “civilizar” significa em primeiro lugar “tornar cidadão” (Gerard Durozoi, Dicionário de
Filosofia, 2ª edição, Papirus, Campinas, S.P., 1996 pg. 79.
27
LERNER,Júlio (coord.). Cidadania Verso e Reverso, São Paulo: Imprensa Oficial, 1997/1998.
28
A palavra democracia foi usada pela primeira vez na peça “As suplicantes” de Ésquilo (468 a.C) em que
“demos” (povo) e Kratos” (poder) são conjugadas para demonstrar a decisão de uma assembléia ateniense.
(Bierrenbach, Flávio. Quem tem medo da Constituição, São Paulo, Paz e Terra, 1986, p.34) citação feita por
Clovis Pinto de Castro in: Por uma Fé Cidadã, São Paulo, Loyola, 2000, pág.22).
34
contribuições culturais e humanísticas através da filosofia. A preocupação não era
com a essência humana, mas com a vida política e o gerenciamento da máquina
estatal. Mas, mesmo assim, pode-se verificar resquícios de direitos humanos em
sentido amplo caracterizando, a evolução de pensamentos mais humanitários.
Num contexto onde Alexandre Magno começa suas conquistas até a Índia,
fusionando culturas e incorporando nações. Os estóicos
29
vão pregar uma
cidadanihu
35
cidadania como mola propulsora na Antigüidade para a formação de um conceito
de humanidade. Entre os romanos os patrícios (detentores da “nobreza de
sangue”) agrupavam-se em grandes famílias, e mantinham o monopólio dos
cargos blicos e mesmo dos religiosos. Eram, assim, os únicos cidadãos de
pleno direito. O restante da população romana era formada por subalternos
excluídos da cidadania. Pouco a pouco, foram adquirindo um nome próprio, “povo”
(populus). A história seria marcada por tentativas de conquistas dos direitos
sociais e pela cidadania. Possuíam direitos de cidadania apenas os proprietários
rurais. No processo histórico de luta contra os privilégios dos patrícios surge a
noção de plebe”, palavra ligada a idéia de massa, multidão. Seria apenas uma
questão de tempo e os plebeus se uniriam contra o patriciado na luta pela
cidadania. Sobre o espaço conquistado pelos plebeus, salienta Pedro Paulo
Punari:
Os plebeus puderam criar suas próprias reuniões, os ‘concílios da
plebe’, assim como adotar resoluções, os plebiscitos. Outro grande
avanço da cidadania deu-se quando os plebeus conseguiram que
todos os romanos fossem divididos em tribos geográficas, e não mais
hereditárias. No início eram quatro tribos urbanas e 16 rurais... Nos
séculos seguintes, as conquistas da cidadania romana ligaram-se à
expansão militar, causa de modificações profundas e duradouras
para a sociedade.
33
33
FUNARI, Pedro Paulo. A Cidadania Entre os Romanos, in: História da Cidadania, São Paulo:Contexto,
2003, pág. 53.
36
Todas essas medidas significaram grande avanço para os direitos
humanos, revelando uma evolução ainda mais evidente da cidadania. Outro sinal
evidente da evolução histórica da cidadania pode ser identificada na abolição da
servidão por dívida. Acrescenta Pedro Funari:
Outra medida de igual ou talvez até maior importância social foi a
abolição da servidão por dívida, determinada pela Lei Poetélia
Papíria, de 326 a.C. Até então, os cidadãos pobres não tinham direito
de manter a própria liberdade.
34
As eleições, em Roma, constituem outro grande tesouro da cidadania. O
voto secreto foi introduzido ao final da República e, para isso, adotou-se o voto por
escrito (per tabellam, “em uma cédula”).
35
Se os antigos não conheciam, pois, a liberdade de vida, nem a liberdade de
educação, nem a liberdade religiosa
36
, os romanos mostrariam o conceito de
“humanidade (humanitas), que tinha conotações que ultrapassavam a
“urbanidade(urbanitas). Mais por necessidade política do que por um sentimento
humanitário, a cidadania deveria abranger mais pessoas além dos naturais de
Roma. Desta forma, desde os fins da república, a tendência de Roma é no sentido
de estender, paulatinamente, a cidadania romana a todos os súditos do Império.
34
Ibdem., pág. 54. A última grande conquista plebéia foi a aprovação da Lex Hortência. “Por obra da Lex
Hortência, de 286 a.C., os plebiscitos (leis votadas pela plebe) foram equiparados às leis e obrigações tanto a
patrícios quanto a plebeus. Alexandre Correa e Gaetano Sciascia, “Manual de Direito Romano”, São Paulo:
Saraiva, 1953, pág. 24. A Lex Hortência, foi o resultado de uma série de agitações e secessões. A lei permitia
que os plebiscitos tivessem força de lei mesmo sem a aprovação final do Senado.
“A princípio, pois, os plebiscitos aplicavam-se tão somente a plebe, mas a partir da Lei Hortência (286 a.C.),
adquirem valor de lei, passando a serem designados pelo nome de lex”. José Cretella Júnior, “Curso de
Direito Romano”, Rio de Janeiro, 2000, pág. 30.
35
Ibdem., pág. 63
36
Fuestel de Coulanges. A Cidade Antiga, Ed., RT, 200, pág. 208.
37
De início, os habitantes da região ao redor de Roma são os primeiros
privilegiados, com a Lex Julia
37
; posteriormente aos aliados de Roma também
estendida a cidadania romana, com a Lex Plautia
38
; também o são os habitantes
da Gália, em 49 a.C com a Lex Roscia
39
. Por fim, isto no Império, finalmente
a última evolução de cidadania, pois esta é estendida a todos os que estavam sob
domínio de Roma, com o Edito de Caracala.
40
Como afirmamos, a princípio, esta expansão da cidadania tinha como
motivo muito mais as circunstâncias políticas da época do que razões de natureza
humanitária, tanto é assim que José Cretella Júnior, grande romanista brasileiro,
generaliza:
O fundamento da determinação de Caracala em conceder cidadania
a todos os habitantes do império, exceto aos dedíticios, é de
natureza marcadamente econômica porque contribuiu para aumentar
a receita do tesouro romano, exaurido por sucessivas guerras e
alimentado quase que apenas pelo tributo lançado sobre o povo.
41
Em sentido amplo, podemos dizer que são evidentes os resquícios que
culminariam e davam sinal de evolução da cidadania. Impulsionada pela
necessidade econômica a cidadania é repassada a outros povos, uma vez que
37
Lex Julia (90 a.C.): estendeu a cidadania para os habitantes do Lácio (latium), ou seja, para a região da
península itálica, na qual seus habitantes eram denominados latinos.
38
Lex Plautia Papiria (89 a.C.): estendeu a cidadania romana para os aliados de Roma.
39
Lex Roscia (49.a.C.): estendeu a cidadania romana para os habitantes da Gália Transpadana.
40
Edito de Caracala: feito em 212 a.C., pelo imperador Marco Aurélio Antonino Bassanus, pelo qual se
concede o “direito de cidade” (ius civitatis) a todos os habitantes do império exceto aos peregrinos deditícios
(habitantes das cidades que resistiam aos romanos, lutando até o fim e que acabaram firmando tratados de
aliança com os vencedores). “Descobriu-se mais tarde no Egito um papiro restabelecendo os justos limites da
Constituição Antoniniana, ou seja, que os peregrinos deditícios ficaram excluídos do benefício imperial”. José
Cretella Jr. “Curso de Direito Romano” 24ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 2000, pág. 76
41
JÚNIOR, José Cretella. Curso de Direito Romano, 29ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, pág. 76.
38
existia toda uma base teórico-filosófica, dada desde os estóicos gregos e
principalmente pelo ius gentium, para que houvesse a expansão de direitos a
quem, no início, nem sujeito de direito (nem pessoa) era considerado. Este é o
sentido que nos permite concluir que, a partir da fusão dos conceitos de “direito
civil romano” e “direitos das gentes”, a distinção entre seres humanos legalizada
se enfraqueceu, estabelecendo-se assim, na nossa opinião, o maior resquício de
direitos humanos no tocante a igualdade de direitos. Não se defendia ainda o
cidadão dos abusos do Estado contra sua pessoa, todavia, com o advento do
cristianismo, dentro de um campo onde indícios de igualdade, e com a soma
dos outros fragmentos recolhidos, tivemos consolidada a base concreta pra que
séculos mais tarde se formassem os direitos humanos no sentido que temos
atualmente.
Finalmente nossa análise dos direitos humanos nas épocas pré-
reformistas e pré-revolucionárias, com ênfase na Antigüidade Clássica,
entendemos que a melhor maneira era dedicar um espaço resumido, mas
exclusivo, para o valor que o cristianismo teve, em sua origem, para os direitos
humanos. A rápida expansão do movimento cristão no seio da mega sociedade
romana, foi surpreendente. Eduardo Hoornaert, escrevendo sobre as
comunidades cristãs dos primeiros séculos ressaltou:
A minúscula sinagoga dissidente, iniciada na Galiléia com Jesus de
Nazaré e abrigada no casulo do judaísmo rabínico por 150 anos,
multiplicou-se em tempo recorde. O movimento alcançou, no
século I, a Síria litorânea, partindo de Antioquia; penetrou na Ásia
Menor, com centro em Éfeso; espalhou-se no delta do rio Nilo, com
39
centro em Alexandria; e finalmente no Mediterrâneo ocidental, na
Grécia e na Itália. No decorrer do século II atravessou a Síria oriental
e formou base em Edessa, na margem direita do rio Eufrates; a partir
de suas base na Ásia Menor chegou às regiões da Capadócia e
Armênia; atravessou igualmente a África do Norte, com base em
Cartago; subiu ao interior do Egito para além da sexta catarata do rio
Nilo; e subindo do outro lado do mundo o rio Ródano, alcançou a
Gália e a Espanha. Tudo isso é impressionante e suscita a pergunta:
de onde provém tão extraordinário desenvolvimento em tão pouco
tempo? Qual o segredo?
42
Até agora obtivemos importantes resquícios para demonstrarmos que, de
algum jeito, os antigos tiveram certo contato ou certa preocupação com direitos
humanos em sentido amplo. Entretanto só com o Cristianismo foi que o amálgama
da nossa moldura se liga aos outros fragmentos, porque para juntar resquícios
como importância da lei escrita, submissão ao governo estatal, revolução filosófica
dos estóicos, humanidade na pessoa do escravo, e abrangência da cidadania
romana, precisávamos de uma substância um tanto quanto densa e potente capaz
de amontoar tudo isso e criar uma doutrina, a doutrina da valorização do homem.
Deve-se lembrar que quando o Cristianismo surgiu o mundo era dominado
pelos romanos. A expansão do Cristianismo nos três primeiros séculos da era
cristã, estava vinculada diretamente ao domínio do Império Romano. Segundo
Robert Nichols, ao escrever sobre a história do Cristianismo, os romanos foram
instrumentos de Deus. Afirma:
42
HOORNAERT , Eduardo. As Comunidades Cristãs dos Primeiros Séculos in: História da Cidadania, São
Paulo: Contexto, 2003 pág. 81.
40
Com o império, os romanos se tornaram os mais úteis instrumentos
de Deus no preparo do mundo para o advento do Cristianismo. Esse
império, que incluía grande parte do gênero humano, foi uma lição
objetiva que provava ser a humanidade uma só... Além disso, o
poder de Roma trouxe uma paz universal, a Pax Romana. As guerras
entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide desse
poderoso império. Esta paz entre os povos favoreceu
extraordinariamente a disseminação, entre as nações, da religião que
pretendia um domínio espiritual universal
43
Ainda de forma mais evidente, se perceberá resquícios dos direitos
humanos e cidadania no Cristianismo, não simplesmente por ter se tornado
religião oficial de Roma, mas, esta religião, por não se comportar como mera
religião, foi o maior de todos os expoentes de direitos humanos em sentido amplo.
Qual o motivo de tanta euforia por nossa parte? Se não houve direitos humanos
em sentido estrito nem com o Cristianismo, por que valorizá-lo tanto? Certamente
pelo fato de que o Cristianismo surgiu num contexto do Império Romano. O poder
do Estado foi diminuído com a doutrina de Jesus Cristo. Como explica John
Gilissen:
De outro lado, se o Estado foi mais soberano em certas coisas, sua
ação tornou-se também mais limitada. Metade do homem lhe
escapou. O cristianismo ensinava que o homem não pertencia mais à
43
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã, ed., São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988,
pág. 6. Nichols fala também da influência grega na expansão do Cristianismo, principalmente por causa de
uma vida intelectual mais vigorosa, levando outros povos a pensar e, ainda, por empalharem universalmente a
língua grega.
41
sociedade senão por uma parte de si, que estava ligado a ela por
interesse material.
44
Logicamente, se de fato estes ensinamentos, para uma maior eficácia em
seu cumprimento, fossem legislados pelo Estado, e forçados a serem cumpridos,
o que se pregava se concretizaria, o que não ocorreu sempre. Tanto que a Idade
Média possuiu a Igreja Cristã como base, e nem por isso pode falar na
continuidade desses pensamentos do cristianismo primitivo.
O conceito de humanidade foi quase atingido por completo, a começar com
os ensinamentos de apóstolo Paulo, em sua Carta aos Gálatas 3.28, quando fala
que não mais judeus ou gregos, iniciando a noção de igualdade da essência
humana.
45
Temos consciência que os Estados e a própria população cristã nem
sempre se propuseram a aplicar na realidade este mandamento, porém, ao
contrário dos tempos anteriores, a noção de humanidade estava fixada e aceita, e
se não cumprida, existia e incomodava mais ardentemente, coisa que não ocorreu
na Antigüidade. Havia uma base filosófica concreta, idéias discriminatórias não
eram mais tão indiferentes como antes, pois “o Cristianismo distinguiu as virtudes
das virtudes públicas. Rebaixando estas, exaltou aquelas, colocando Deus,
família, pessoa humana acima da pátria e o próximo acima do concidadão”
46
44
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito, 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbemkian, pág.
355.
45
A Epístola aos Gálatas é uma preciosa fonte de informação sobre os primeiros passos do evangelho na
Galácia. Naquele tempo a Galácia era povoada pelos descendentes de antigas tribos celtas (ou galas, de onde
procede o nome do país) que três séculos antes haviam emigrado do centro da Europa. Algumas delas
chegaram até a Ásia Menor, estabeleceram-se e, aos poucos, logo se espalharam pelos amplos territórios
compreendidos nos limites da atual Turquia (Bíblia de Estudo Almeida, Barueri S.P.: Sociedade Bíblia do
Brasil, pág. 271.
46
John Gilissen, pág. 358.
42
Um exemplo da força com que essa valorização do ser humano trouxe, nos
é contado por José Cretella Júnior, a respeito da evolução no tratamento dos
escravos romanos:
Nessa época, por influência do Cristianismo, o direito romano
humaniza-se: é proibido abandonar escravos velhos, doentes e
recém nascidos sob pena de perderem a domina potestas: é proibido
também atirar os escravos às feras, a não ser com autorização do
magistrado; é proibido ainda maltratar o escravo, bem como matá-lo
sem motivo; não mais se atiram escravos aos tangues para serem
devorados por moréias.
47
Por fim, com o monoteísmo de volta ao topo principal das religiões, finda-se
a legitimidade das discriminações de qualquer espécie. Isso não se concretizou na
prática na mesma intensidade como o Evangelho ordena, e por isso surgiu a
necessidade de se formular, séculos mais tarde, uma renovação cristã para a
revalorização de elementos que, neste período, e com todas as precauções
tomadas, se tornariam os direitos humanos como direito inerente à personalidade
humana e a ausência de constrangimento para qual não se conserve nem se
aperfeiçoe o homem. De acordo com o professor João Batista Herkenhoff,
o traço de união indissociável entre Cristianismo e Direitos Humanos
resulta de que o valor do homem diante de Deus, não está nem na
cor de sua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem
47
JÚNIOR, José Cretella. Curso de Direito Romano, 29ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004,
pág.68.
43
muito menos na sua riqueza, mas no fato de que em Cristo ele é
aceito como filho de um mesmo Deus.
48
Compreende-se que o Cristianismo prestou relevantes serviços no campo
social e humanitário. Posteriormente tal apoio se traduziria em avanços jurídicos e
políticos. o pode soar de forma estranha atribuir a vitória do cristianismo por
sua atuação persistente e corajosa na base do edifício social e político da
sociedade. O que não significa descrer da ação soberana de Deus e nem mesmo
da forma destemida dos apóstolos na pregação do evangelho e testemunho dos
mártires. Todavia, como a intenção é mostrar a evolução dos direitos humanos e
conseqüentemente da cidadania na história, devemos ressaltar tais proposições.
A seguir, ainda peregrinando pela história no rastro da evolução de
cidadania, chega-se ao movimento humanista. Merece destaque de um capítulo
específico nesse trabalho por servir de prelúdio imediato ao movimento reformista
do século XVI. O Humanismo contribuiu efetivamente na construção do conceito
de cidadania, motivando o renascimento de valores esquecidos ou camuflados na
história. Com especial ênfase, a religião desfrutaria dos efeitos do movimento e,
por determinado período, andariam lado a lado. Se até aqui pode-se falar de
resquícios de cidadania, eles ficarão mais nítidos a partir de agora.
48
HERKENHOFF, João Batista. Curso de Direitos Humanos, vol. I, São Paulo: Editora Acadêmica, 1994,
pág. 50.
44
CAPÍTULO II
REFORMA, CIDADANIA E HUMANISMO
Se a ética
49
é a teorização dos valores morais tendo a cidadania como sua
prática, o conceito abstrato se historifica ao ser experimentado e, no caso de
cidadania, vivenciado no cotidiano. Como foi dito no capítulo anterior, a cidadania
como conceito pode ser entendida à medida que a história humana e social se
evolui. Os Direitos Humanos, no sentido amplo, e cidadania foram se unificando
historicamente. A valorização do homem e sua liberdade foram se traduzindo em
movimentos reformistas em busca de mudanças sociais. Assim, acompanhando o
que temos chamado até aqui de evolução histórica da cidadania, chegamos ao
século XIV e XV. Guardando as devidas proporções, pode-se dizer que o
movimento Humanista
50
que floresceu na Idade Média, foi uma reação em busca
da cidadania que, se existente anteriormente, estava ofuscada pelo misticismo
“teocêntrico”.
Com a valorização do homem em sua totalidade e a tentativa de
compreendê-lo em seu mundo, o poder dominador da religião se viu ameaçado. O
Humanismo além de enfatizar o homem em sua totalidade alma e corpo, também
49
O termo ética proveniente do vocábulo grego ethos significa costume, maneira habitual de agir, índole.
Sentido semelhante é atribuído à expressão latina mos, moris, da qual deriva a palavra moral. Sem entrar na
discussão semântica que levaria a diferenças inexpressiva, em ambos os casos a ética pode ser entendida
como a ciência voltada para o estudo filosófico da ação e conduta humana. Aqui ética e moral serão tratadas
com um mesmo sentido substancialmente idêntico como ciência prática que tende a preocupar pura e
simplesmente com o bem do homem. Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade dos atos humanos,
quanto livres e ordenados a seu fim último. Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade do agir
humano quer dizer considera os atos humanos enquanto são bons ou maus (RODRIGUES Luno, Angel Ética,
Pamplona: Ediciones Uni versidad de Navarra S.A 1982 p.;17).
50
Entende-se como movimento humanista, o “movimento literário e filosófico que nasceu na Itália na
segunda metade do séc.XIV, difundindo-se para os demais países da Europa e constituindo a origem da
cultura moderna” (Dicionário de Filosofia, p.518, 3ª ed. Martins Fontes, 1998).
45
reconhecia sua historicidade. O redescobrimento dos textos antigos e a busca de
autênticos significados da verdade filosófica e religiosa não eram, até então,
interesses da Idade Média. Tal busca ou redescobrimento ressaltaria o valor
humano. A desmistificação do homem e o seu reconhecimento natural não seriam
mais vistos como pecado, mas, até certo ponto, uma motivação para a reforma
religiosa alguns anos depois.
Reconhecimento da naturalidade do homem, do fato de o homem ser
um ser natural, para o qual o conhecimento da natureza não é uma
distração imperdoável ou um pecado, mas um elemento
indispensável de vida e de sucesso. O reflorescimento do
aristotelismo, da magia e das especulações naturalistas constituem o
prelúdio da ciência moderna.
51
Dentre outros aspectos do Humanismo, destaca-se o interesse pela
literatura. O humanismo renascentista
52
tinha seus olhos voltados para a
educação, o interesse pelos escritos originais. Exatamente aqui que, conforme
entendemos, vai se construindo o cenário para o exercício da cidadania revelado
no pensamento de Martinho Lutero. Ele buscaria nas línguas originais da Bíblia,
hebraico e grego, a confirmação ou não dos ensinos da igreja. A ênfase na
51
Ibidem., p. 519.
52
Renascimento é o termo dado para o movimento literário, artístico e filosófico que começa no fim do
séc.XVI e vai até o fim do c. XVI, difundindo-se da Itália para os outros países da Europa. O termo tem
origem religiosa, apontando para um segundo nascimento ou novo nascimento espiritual de que falam o
Evangelho de São João e as Epóstolas de São Paulo. Durante toda a Idade Média, tanto o conceito quanto a
palavra designavam o retorno do homem a Deus, sua restituição à vida perdida com a queda de Adão. A partir
do séc. XV, porém, essa palavra passa a ser empregada para designar a renovação moral, intelectual e política
decorrente do retorno aos valores da civilização em que, supostamente, o homem teria obtido suas melhores
realizações: a greco-romana.” (Ibdem., p.852).
46
educação pautaria o ritmo de toda formulação reformista. Conforme enfatizado por
Paul kristeller:
O humanismo renascentista não foi tanto uma tendência ou um
sistema filosófico quanto, pelo contrário, um programa cultural e
pedagógico que valorizava e desenvolvia um importante, mas
limitado, setor dos estudos. Este setor teve como centro um grupo de
matérias que não concerniam essencialmente aos estudos clássicos
ou à filosofia, mas ao que grosso modo se pode designar de
literatura.
53
O interesse pela literatura, busca pelo conhecimento original, teria
importância fundamental para o movimento protestante que, em determinado
tempo, emplacaria definitivamente no contexto alemão e posteriormente em toda a
Europa do séc. XVI. A proposta protestante de liberdade de consciência,
defendida por Martinho Lutero, reporta aos caracteres humanistas da livre
pesquisa científica. A impressão de livros foi de fundamental importância para o
Humanismo-Renascentista e posteriormente para a Reforma Protestante. Como
havia uma grande sede de conhecimento, avidez pela leitura, a impressão de
livros saciaria tal sede e avidez pelo saber.
Os humanistas encontrariam na imprensa a autonomia necessária para
avançarem em busca do conhecimento, da liberdade. Sim, liberdade da
dominação e monopólio intelectual imposto pelo clero. O conhecimento
anteriormente apreendido apenas pela transmissão oral, característica da Idade
Média, daria lugar ao livre exame. A democracia cultural, a universalidade do
53
Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Ed. 70, Lisboa, p. 17, 1995.
47
saber e a liberdade de consciência seriam sinônimos de uma nova era,
denominada posteriormente como sendo “A Era Moderna”. Evidentemente todo
movimento reformista tem uma dívida com a imprensa. o é novidade afirmar
que os movimentos pré reformistas não vingaram como poderia ter acontecido,
devido a o descoberta da imprensa. Sendo assim, o Humanismo e
posteriormente a Reforma Protestante, historicamente falando, se justificam por
meio da imprensa. certa unanimidade quanto a tal afirmação. Ruy Afonso da
Costa Nunes ressalta o valor da imprensa na difusão do movimento humanismo e
reformado de forma enfática ao dizer:
Pode afirmar-se que o fator decisivo na difusão do humanismo e na
propagação dos livros, que renovaram o ensino com o novo saber,
foi a imprensa. A importância da arte de imprimir livros merece ser
devidamente salientada, pois essa arte promoveu a maior revolução
educacional da história humana, ao possibilitar a multiplicação e o
barateamento dos livros, assim como a transformação e a melhoria
dos todos didáticos. A imprensa foi o fator fundamental para a
promoção da democracia na área cultural.
54
Sem o livro imprenso não teria acontecido a revolução humanista, sem a
possibilidade de colocar os escritos de Lutero na mão da população, não teria
havido a Reforma Protestante. Seria esta uma conclusão gica? Acredita-se que
sim. Houve revolta no sentido de que os humanistas queriam as provas de todas
aquelas crenças de que a vida neste mundo era vista como penalidade a ser
cumprida pelos pecadores antes da entrada no céu. Abordagem assim,
54
Ruy Afonso da Costa Nunes, in: História da Educação no Renascimento, Editora da Universidade de São
Paulo. P. 21.
48
obviamente, não eram bem recebidas pela Igreja, que reivindicava obediência sem
nenhum tipo de contestação. Nesse sentido, faziam coro tanto os humanistas
como a reformadores. O “Renascimento” buscava na literatura clássica um novo
referencial. A Reforma, por sua vez, buscava nos originais bíblicos, a verdade
sobre os diversos assuntos teológicos e éticos. Ambos movimentos podem ser
vistos como uma renovação no saber. A intenção explícita de se fazer uma
relação entre Reforma, Humanismo e Cidadania, se pelo fato de que o
Humanismo renascentista apontava para a liberdade do saber, buscando no
conhecimento não apenas religioso, uma nova pedagogia com a concepção do
homem e da vida, tendo nova visão de mundo. Os conceitos de cidadania e
direitos humanos tão ofuscados na Antigüidade como vimos no capítulo anterior,
começavam a ser mais evidentes e a se jungirem. A escola com disciplinas
formativas e métodos educacionais dariam ou provocariam um renascimento. Este
ideal humanista influenciaria o movimento da Reforma protestante na Alemanha,
considerando que a ênfase seria também a universalidade do saber com forte
oposição ao sistema tradicional da educação, abrindo um novo ideal de formação.
Provavelmente seja muito mais fácil entender o momento histórico em que
aconteceu a Reforma do que responder “por que aconteceu a Reforma?”. Isto
porque, anteriormente a Lutero se questionava a autoridade da Igreja. Pode-se
mencionar os chamados precursores de Lutero ou pré-reformadores como John
Wycliffe (1320?-1384) e John Huss (1368-1415)
55
. se sentia a necessidade de
55
Wycliffe na Inglaterra e Huss na Boêmia levantaram a voz em oposição aos abusos na estrutura e
organização da Igreja e contra seus ensinamentos, que pareciam ir contra as intenções de Deus reveladas na
Bíblia. Eles atraíram muitos partidários, preparados até para morrer em defesa de sua nova fé. Wycliffe
traduziu a Bíblia para a língua inglesa.
49
“liberdadepara o conhecimento da verdade de Deus, agora questionada devido
ao declínio religioso notório. Provavelmente a Reforma não aconteceu
anteriormente por dois fatos sicos: primeiro, como mencionamos acima, a
imprensa não havia sido “descoberta”, segundo porque o movimento humanista
não estava formatado como aconteceria em breve. Ao ser feito, contribuiria muito
ao pensamento reformado, pelo menos, no seu nascedouro. Durante toda a Idade
Média, a educação foi controlada pelo catolicismo, com finalidade explícita de
formar o indivíduo para servi-la. Para Martinho Lutero, a educação deveria se
libertar das amarras que a prendiam à Igreja. Estudar, segundo o pensamento
luterano, era direito do cidadão e o dever do Estado seria patrocinar tal
empreendimento. Também neste particular, é necessário lembrar que até então, o
cidadão teria sentido se estivesse a serviço do Estado. No século XVI, na
Alemanha, o cidadão começaria a se entender como um ser livre inclusive
economicamente falando, assunto que prenderá nossa atenção no próximo
capítulo quando também abordaremos as conseqüências sociais desse pensar
cidadão. Todavia, deve-se adiantar que, assim como o Humanismo, o pensamento
de Lutero se prendia no fato de que o indivíduo tivesse acesso ao aprendizado de
matérias que não fossem apenas teológicas como a lógica, matemática, ciências,
história, música e ginástica. O estudo das línguas, preponderantemente grego e
latim, deveria ser valorizado pelas escolas.
50
Falar sobre Humanismo renascentista reporta-nos à Desiderius Erasmus
56
.
Ele procurou conjugar os dois movimentos, Humanismo e Reforma Protestante.
Por meio da divulgação literária da antiguidade cristã e clássica, Erasmo cria em
um “renascimento”. O seu maior instrumento era a educação, ponto de vista
também defendido pelo reformador Martinho Lutero. A reputação de Desiderius
Erasmus como pensador e pesquisador era inigualável. Estudioso do Novo
Testamento e revelando o espírito humanista crítico, não tinha na versão Vulgata
(tradução dos textos originais para o latim) como objeto fora de questionamentos.
Com respeito a isso, Erasmo apontava ensinamentos equivocados da Igreja,
baseados nas traduções feitas por São Jerônimo, o autor da Vulgata. Sendo
assim, em 1516, ele publicou uma versão do Novo Testamento direta do grego, a
qual outros letrados iriam usar para traduções futuras em seus próprios idiomas.
Portanto, não é estranho afirmar que a Reforma ocorrida na Alemanha, tendo
Lutero como o grande protagonista, teve influências marcantes do Humanismo
devidamente representado em Erasmo e sua versão neo-testamentária. No futuro
não distante, Lutero faria a versão na língua alemã, que até hoje é vista como um
instrumento fundamental para a formatação da linguagem daquela nação. Um fato
leva ao outro. Voltando a destacar a imprensa no processo reformista, mais uma
vez ela apareceria como instrumento valioso, uma vez que, divulgaria a versão
bíblica alemã, apensar do alto índice de analfabetismo da época. Mas a motivação
56
Erasmos (1466?-1536), holandês, filho de Gerhard, nono filho de uma família que o escolheu como aquele
que devia seguir a carreira eclesiástica. Ele vivia com Margaret, filha de um médico, tendo em vista casar com
ela. A família tanto o importunou que abandonou Margaret que estava grávida e foi para Roma, aí ganhando a
sua subsistência copiando manuscritos, visto ser um homem culto. A família mandou-lhe recado de que
Margaret tinha morrido. Desgostoso, fez se eclesiástico. Ao regressar à Pátria, descobriu o engano, mas
manteve-se fiel aos seus votos e não voltou para Margaret embora a ajudasse no sustento da criança. Esta é
uma história em que Charles Reade baseou o seu romance O Claustro e a Lareira in: Erasmo da Cristandade
de Roland H. Bainton, pg.6.
51
em querer saber, atacaria de frente tal deficiência intelectual. Não é exagero
reafirmar mais uma vez que a grande ferramenta para a transformação social via
educação foi, definitivamente, a imprensa. O desafio estava lançado,
considerando como dito acima, o alto índice de analfabetismo. Mas, ainda sobre
Erasmo e sua predisposição para reformas, comenta Roland Bainton:
Nenhum homem sintetizou tão bem esta reforma nos seus ltiplos
aspectos como Erasmo de Roterdã. A sua campanha para a
purificação da Igreja instigou ataques ao pensamento e práticas do
tempo. Ele tinha três grandes aversões. A primeira era ao
obscurantismo. Atacou muitos dos escolásticos do seu tempo,
porque não eram receptivos ao estudo dos clássicos pagãos nem ao
espírito da investigação crítica. A segunda aversão era ao
paganismo. Alguns eruditos contemporâneos estavam tão viciados
nos clássicos que ignoravam a herança essencial do Cristianismo. À
terceira chamou judaísmo, ou então Farisaísmo, ou ainda legalismo,
quer dizer, o esforço de assegurar a salvação através do
cumprimento meticuloso de regras exteriores quanto a comida,
vestuário, vigílias e coisas semelhantes. Nesse ponto, os monges
eram o alvo especial, embora não exclusivo (ou indiscriminado), do
seu ataque.
57
Se o grande gesto de cidadania relacionado com a Reforma Protestante do
séc. XVI se deu pela educação, como veremos de forma mais detalhada
posteriormente, deve-se entender que os proponentes de tal reforma pela
educação naqueles tempos, tinham em Erasmo um referencial.
57
BAINTON, H. Roland. Eramos da Cristandade. Fundação Calouste Gulbernkian,p. 4.
52
O cenário para a Reforma estava sendo construído. “Erasmo pôs o ovo e
Lutero o chocou”. Todavia, se a Reforma recebeu algum tipo de auxílio, o que
parece ser evidente, não significa que os movimentos caminharam de mãos
dadas. Erasmo não se uniu a Lutero, preferindo ficar com a Igreja e lutar por sua
mudança interior. Ele teria botado um ovo de galinha e Lutero chocado um ovo de
um pássaro bem diferente. Segundo Randell Keith, Éramos teria dito:
A corrupção da Corte Romana talvez necessite reforma ampla e
imediata, mas eu e meus pares não fomos convidados a nos
encarregarmos de um trabalho desse tipo. Eu preferiria que as coisas
fossem deixadas como estão, em vez de ver uma revolução que
ninguém sabe aonde levará. Outros podem ser mártires, se
gostarem. Não aspiro a tal honra. Algumas pessoas me detestam por
ser luterano, outras por não ser luterano. Podeis assegurar-vos de
que Erasmus foi e sempre será um fiel súdito da Sé Romana.
58
Por sua vez, Lutero informaria posteriormente sua opinião sobre Erasmo.
Em linguagem bem mais agressiva Lutero mostraria que de admiração passou a
ter “ódio” de Erasmo. Se a Reforma contou com o auxilio do pensamento
humanista no início, no nascedouro como dito anteriormente, assim não
permaneceu. É prudente e suficiente apenas afirmar que o Humanismo contribuiu
na confecção de um cenário social e intelectual favorecendo os movimentos
reformistas na Alemanha e posteriormente em toda a Europa. O despertar
intelectual causado pelo Humanismo ajudou a criar um clima favorável para que o
pensamento luterano achasse, com mais facilidade, a aceitação mínima
58
Randell Keith in: Lutero e a Reforma Alemã. O autor transcreve as palavras d Erasmos escritas em 1520 ao
Legado Papal. (ed. Ática, 1995, p.22).
53
necessária para o progresso do movimento. O ponto comum e forte entre o
Humanismo e a Reforma repousava no fato de que, ambos estavam preocupados
com a educação. Para o Humanismo a literatura, a arte e a eloqüência eram
fatores mais importantes do que a Filosofia, a Moral ou a Religião. Outra vez
destacamos, nesta relação entre Humanismo e Reforma, o elo estabelecido na
educação pelo uso da imprensa. Sua importância histórica faz com que
retomemos mais uma vez o assunto. Talvez o Humanismo não tenha sido tão
dependente da imprensa como aconteceu com a Reforma, todavia, a imprensa
exerceu seu papel substancial para que se proporcionasse um ambiente propício
diante de uma nova perspectiva histórica da humanidade. Autores como Pierre
Chaunu são mais contundentes quanto a este assunto, afirmando
categoricamente que não existiria movimento humanista sem a instrumentalidade
da imprensa. Assim ele definiu a época:
E, no entanto, sem o livro impresso não existe revolução humanista.
O Humanismo do século XV perderia a força, tal como o dos culos
VIII e IX, ou ainda o do século XII, porque, sem ele, o trabalho
humanista é um trabalho de Penélope. A impressão é o multiplicador
e, muito mais fundamentalmente, o fixador, uma técnica que impede
que os textos se desfaçam de cópia para cópia, que desloca, em
tempo igual, o investimento do trabalho humano da simples
reprodução para o confronto entre o modelo e a pia, através do
jogo da correção das provas.
59
59
Pierre Chaunu in: O Tempo das Reformas (1250-1550), Edições 70, S.Paulo, p. 29.
54
É necessário compreender o impacto causado pela imprensa,
disponibilizando o livro impresso em uma cultura onde a comunicação oral era
predominante. A impressão não multiplicou o campo do pensamento humanista
como aumentou seu público. Se o conceito de cidadania pode ser entendido como
uma conquista do cidadão também no que se refere ao conhecimento, o
humanismo iria mostrar isso na prática, colocando nas mãos dos cidadãos, o
instrumento do saber, o livro impresso.
Assim, entre 1450 e 1500, estima-se que foram feitas 35 a 40 mil
edições na Europa, representando 15 a 20 milhões de exemplares.
Neste período, registro de 1125 estabelecimentos impressores,
em 259 cidades européias. Destas obras impressas, 77% eram em
latim, 10% em italiano, 6% em alemão, 5% em francês, 2% em inglês
e 1% em holandês e espanhol. Os livros religiosos alcançaram o total
de 40-45%; as obras clássicas 30%, as de Direito 10%, e as de
Ciências 10%. Outros dados apontam para o fato de que entre 1445
e 1520, 75% da obras impressas eram religiosas.
60
Nada seria como antes. A luta luterana para que o cidadão tivesse a Bíblia
em sua própria língua, traria indubitavelmente a liberdade tão sonhada, a
“liberdade de consciência”, um direito de todos. Humanismo e imprensa se
mostrariam fortes aliados na construção do cenário reformista também na área
religiosa como destacou Pierre Chaunu:
60
COSTA, Herminsten. Raízes da Teologia Contemporânea, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, 2004, p.55.
55
Humanismo e imprensa representam, antes de mais nada, uma
multiplicação por dez, pelo menos durante alguns anos, da difusão
da Bíblia, com uma leitura muito mais simples porque mais vasta e
também muito mais individual, sem qualquer termo comparativo com
a leitura douta e coletiva da Igreja. Ora, a leitura dos humanistas, a
interpretação gramatical histórica a nível de textos, está próxima da
leitura primitiva, elementar, não guiada.
61
Portanto, a imprensa seria um fator fundamental para a promoção e
transição de um ensino oral do saber, para uma universalização ou democracia
cultural. A imprensa estabeleceu uma linha divisória entre a tecnologia medieval e
a moderna.
A imprensa e o movimento humanista, obviamente, não constituíram, por si
só, na revolução religiosa do culo XVI, mas, foram fatores importantes.
Especificamente quanto ao Humanismo, sua importância se deu à medida que
introduzia na igreja um despertamento para a leitura mais intensa da Bíblia e dos
comentários das Escrituras Sagradas feitos pelos chamados “pais da igreja”. A
partir de tal consulta os dogmas e pressupostos religiosos estariam expostos aos
questionamentos. Com o livro impresso, os convencidos de que havia
necessidade de reformas, se viam com provas suficientes em mãos. Quanto a
este detalhe Lucien Febvre, abordando sobre o aparecimento do livro,
destacando:
Um livro talvez nunca tenha convencido alguém. Mas se ele não
convence, o livro é em todo caso a prova tangível da convicção, que
ele materializa por sua posse; ele também fornece argumentos
61
Pierre Chaunu in: O Tempo das Reformas (1250-1550), Edições 70, S.Paulo, p. 58.
56
àqueles que já estão convencidos, permite-lhes aprofundar e precisar
sua dá-lhes os elementos que ajudarão a triunfar nas discussões,
a reunir os hesitantes. É sem dúvida por todas essas razões que
desempenha um papel essencial no culo XVI, no desenvolvimento
do protestantismo.
62
Não há dúvida de que o Humanismo trouxe a valorização do homem,
dando-lhe oportunidade de repassar seus valores. Mas, o que teria distanciado o
Humanismo e a Reforma Protestante se postularam de forma tão parecida no
início? Provavelmente a uma questão de princípio bíblico-doutrinário. A
supervalorização ou o antropocentrismo pregado pelo Humanismo o distanciaria
da Reforma Protestante. Mas, no início da ruptura com o sistema medieval, ambos
somariam forças em busca de libertação. O trio Humanismo-Imprensa-Reforma se
auto-ajudaria. Se nos anos anteriores se percebia apenas resquícios de
Cidadania, seus sinais vão ficando mais evidentes à medida que os direitos
humanos do cidadão se destacam. O exercício da cidadania, poderia ser
identificado basicamente na busca pelo saber, com todas as implicações que isso
levaria. A consciência seria o árbitro. Na origem de cada episódio promovido pela
Reforma, haveria um panfleto impresso. Tanto é fato que o ato que marcou a
Reforma foi um edital fixado na porta da Capela de Wittenberg, no dia 31 de
outubro de 1517. As chamadas “teses” escritas em língua alemã contra a venda
de indulgências se espalhariam por toda Alemanha. Em quinze dias, elas
veiculavam por toda parte, conforme lembra Lucien Febvre:
62
FEBVRE, Lucien. O Aparecimento do Livro, Ed. Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 1992.p, 409.
57
Entre essas obras, os livros de Lutero são particularmente
numerosos; pôde-se estimar que eles representam no total mais de
um terço dos escritos alemães vendidos entre 1518 e 1525. Alguns
deles conhecem um enorme sucesso. O Sermão Von Ablasz und
Gnade é reimpresso mais de vinte vezes entre 1518 e 1520. Do
Sermão Von der Betrachtung Heiligen Leidens Christi (1519)
conhecem-se umas vinte edições. O famoso panfleto À nobreza
cristã da nação alemã, publicado em 18 de agosto de 1520, precisou
ser reimpresso no dia 25. Em três semanas, 4.000 exemplares
deles haviam sido distribuídos: em dois anos teve treze edições. Do
trabalho Da liberdade pode-se enumerar 18 edições anteriores a
1526. Os números relativos às três obras célebres de Lutero
publicadas no ano de 1522 mostram ainda com que prontidão se
procurava o que saía da sua pena.
63
Os humanistas foram elementos importantes para que se multiplicasse a
impressão das traduções antigas, não deixando de fora os textos sagrados, para
felicidade dos reformadores. Enquanto as obras dos humanistas e dos poetas
italianos exerciam influência em toda a Europa, crescia também a tradução de
obras para as línguas nacionais. Lutero traduziu o Novo Testamento para a língua
alemã em 1521 e o Antigo Testamento em 1534, consolidando não a Reforma
Protestante, mas, também, a própria língua nacional. Embora se acredita que
havia traduções da Bíblia para a língua alemã
64
, a qualidade da tradução feita por
Lutero suplantava todas as anteriores. Pelo contexto histórico e circunstancial, a
63
Ibdem., pg. 413.
64
Conforme informações no site www.melodia.com.br, texto do professor Jaime Nunes Mendes, em 1534 foi
o ano em que Martinho Lutero traduziu a Bíblia para a ngua alee que circulava no mundo cerca de 15
traduções. Em 1800 esse número aumentou pra 75. Em 1900 subiu para 567 traduções. Atualmente, a Bíblia
completa ou em partes, está traduzida para mais de 2000 línguas e dialetos.
58
tradução da Bíblia para a língua ale feita por Lutero, foi um ato de
desobediência e um pilar da sistematização do que viria a ser a língua alemã, até
então vista como uma língua inferior, dos ignorantes, plebeus. Lutero não tinha
aversão ao latim, pois, ele mesmo, publicou uma edição revisada da tradução
latina da Bíblia (Vulgata). Lutero tanto escrevia em latim como em alemão.
A medida que o Humanismo se centraliza no homem, numa espécie de
antropocentrismo, o movimento religioso firmava-se, como deveria se esperar, no
teocentrismo, porém, não ignorando a liberdade humana e seu direito de
conhecimento. A caminhada do Humanismo e Reforma Protestante, até certo
ponto, marcou importantes conquistas na história dos cidadãos. Como vimos até
agora, o impulso para a concretização da Reforma Protestante, não se limitou
apenas ao campo religioso. Isto porque, ao buscar a “liberdade de consciência”, o
movimento daria oportunidade ou se somaria às inquietações de ordem social e
econômica que havia no século XVI. Abordaremos sobre este assunto no próximo
capítulo, entendendo que o tema “Economia” não terá o sentido aprofundado
como uma ciência, conforme é hoje conhecido. Economia no sentido mais amplo,
enfocando questões de compra e venda com princípios éticos que fazia a atenção
do reformador se voltar para o assunto à medida que o povo se via necessitado de
um posicionamento bíblico sobre questões fora do âmbito monástico, mas, reais e
urgentes.
59
CAPÍTULO III
REFORMA, CIDADANIA E ECONOMIA
Como afirmado no capítulo anterior, a Reforma Protestante, juntamente
com outros fatores, pode ter contribuído na mudança social ocorrida naquele
momento histórico onde os valores humanos passavam por avaliações ou, como
dito, por um renascimento no mais amplo sentido da palavra. Especulações
sociais e mutações econômicas empolgavam a pregação de uma nova ordem
social. Havia um “espírito” favorável às mudanças. Sobre isso David S. Schaff
escreveu:
Foram favoráveis ao alastramento da Reforma, também o espírito
moderno de comércio e exploração. Não foi por simples coincidência
que a investigação religiosa e as descobertas geográficas tivessem
seu ponto de partida na mesma época. Novos mundos se
desenhavam no horizonte.
65
Os “novos mundos” que se desenhavam tinham a Reforma Protestante
como uma das protagonistas. Colocar a Reforma Protestante envolta no cenário
onde aconteciam diversos fatos históricos que marcavam o início de uma nova
era, a valoriza sobremaneira e leva-nos a pensar em Reforma Protestante para
além dos limites religiosos.
65
SCHAFF, David S. Nossa Crença e a de Nossos Pais – Traduzido por Nicodemus Nunes, 2ª edição, São
Paulo: Imprensa Metodista, 1964.
60
À medida que o pensamento reformado se posiciona política e
economicamente, ela se fundamenta como um movimento que transcende tais
limites e ideais meramente religiosos como se poderia pensar ou esperar.
Protagonista política à medida que na Alemanha, no tempo da Reforma, não tinha
uma unidade política. Estava nominalmente unida sob o Império, e era governada
pela Dieta; mas o poder, tanto do imperador como da Dieta era, praticamente,
fraquíssimo. Entre o imperador e o povo estava a Dieta, que era o grande
conselho do Império. A Alemanha estava tão dividida que cada um dos príncipes
independentes podia fazer o que quisesse. Protagonista no cenário econômico por
trazer um “espírito” que contribuísse em uma nova ética. A pobreza deixaria de ser
uma virtude espiritual e, passaria a ser vista como uma das formas de
manipulação do poder religioso ou político. O protestantismo receberia apoio à
medida que se contextualizava. Vale se reportar ao que escreveu o economista
Max Weber ao relacionar o protestantismo com aquele novo momento, ele disse:
Uma das realizações específicas do protestantismo consiste em
haver colocado a ciência a serviço da técnica e da economia.
66
Sim, o próprio contexto histórico vivido por Martinho Lutero contribuiria de
forma exigente, para que se formulasse um pensamento não apenas teológico,
mas, também, social, político e econômico. A necessidade urgente de se
responder às diferentes questões de ética e cidadania palpitantes da época
contribuiu para que Lutero usasse seu conhecimento intelectual e espiritual para
66
Max Weber, A História Geral da Economia, Editora Mestre Jou, São Paulo: 1968, pág. 321
61
oficializar conceitos que dariam abertura para um desenvolvimento de inúmeras
teses. O desenvolvimento do pensamento religioso de Lutero sobre questões
sociais e econômicas naquele período representou uma transição histórica
singular. As teorias medievais iriam contrastar com conceitos que pautariam e
definiriam mudanças, até certo ponto, radicais.
Pode-se dizer que as mudanças da sociedade moderna tiveram suas raízes
nas chamadas convulsões sociais que se fizeram acontecer na expansão
econômica da era renascentista, na qual, a Reforma Protestante do século XVI
estava inserida.
Segundo o pensamento luterano tendo como foco principal a Alemanha,
berço da Reforma Protestante, havia necessidade de uma ética clara, no jogo das
relações humanas. Princípios que pudessem arbitrar entre o poder do Estado e o
da Igreja; entre os direitos e os deveres dos cidadãos e, finalmente, entre a e a
liberdade sob a ótica cristã no temor de Deus. Com tais postulações novas bases
ou nova ética emergiram. A relação econômica e social absorveria características
de tal pensamento e movimento reformista determinando os rumos de uma nova
época. Laços seriam estreitados quase que simultaneamente entre a
agropecuária, a mineração, a manufatura e o comércio.
Toda a movimentação econômica daquela época não era assunto estranho
aos envolvidos no processo de reforma dentro da mais forte instituição, a religiosa.
No ano de 1520, mostrando interesse e compreensão daquele fenômeno
sócio-econômico, Lutero escreveu diversos sermões onde tratava os assuntos
econômicos com interpretações éticas encontradas nos princípios bíblicos como
veremos ainda neste capítulo.
62
Pensando assim, vincular o exercício de cidadania ao pensamento de
Lutero é uma atividade não tão trabalhosa, à medida que se considera as
questões éticas e econômicas, vinculadas à mudança da ordem social.
Lembrando que tais mudanças deveriam ter como cerne a educação, tese
principal no discurso do reformador. A “liberdade de consciência” era o tema
principal que mostrava ser a grande responsável pelas invisíveis redes do
cotidiano tanto na vida pessoal quanto nas relações sociais. Sobre isto, Walter
Altmann ressalta:
A “liberdade de consciência” defendida por Lutero, paradoxalmente,
remeteria o indivíduo a uma submissão ética e cidadã. Ele disse:
“Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a
63
apresentado nas Escrituras. Para ele, qualquer atividade que fosse contrária ao
ensinamento bíblico deveria ser interrompida.
Com base no Evangelho, que para o reformador era a “luz que expõe todo
tipo de obras das trevas”, poderia se estabelecer a forma correta de relação
existente entre as negociações. Lutero via uma mudança plural para sua época. A
mudança seria do feudalismo para o capitalismo mercantil. O sistema social do
feudalismo, ordenado de cima para baixo, estava legitimado pelo direito divino, o
qual era representado pela igreja, o que não duraria muito tempo. Sobre isto
destaca ainda Walter Altmann:
as cruzadas haviam aberto caminho para uma nova ordem.
Começara a desenvolver-se um incipiente comércio, para o qual o
regime de trocas de mercadorias não satisfazia nem era
adequado. As vias de transporte precisavam ser protegidas e sua
abertura não poderia mais ficar à mercê da boa vontade dos
senhores feudais através de cujos feudos o transporte se realizasse.
Cresciam as cidades, em que surgiram novas profissões, em
especial as de artesãos, para a produção de novos artigos, a serem
inseridos no fluxo comercial. A vida em cidade criou novas
necessidades a serem atendidas. Fizeram-se necessários novos
aparelhos políticos, mais centralizados.
68
Uma série de alterações econômicas, financeiras e sociais aconteciam
simultaneamente e Lutero, como foco teológico, precisaria dar sua contribuição.
Na tentativa de contextualizar o ensinamento bíblico ofuscado por muito tempo
68
Walter Altmann, Lutero e Libertação, Ed. Sinodal, p.37.
64
pela igreja institucionalizada, Lutero, diferente do que alguns poderiam pensar,
não via na política, na economia ou na ordem social, assuntos desvinculados à
responsabilidade cristã. Percebe-se ao estudar sobre o reformador Lutero que não
era seu perfil o omitir-se diante de questão confrontadoras. Exemplo disso foi com
respeito ao comércio, onde havia diversos malefícios e truques financeiros
perigosos que, conforme o pensamento reformado, comprometiam a cristã. A
grande questão era: será possível ser, ao mesmo tempo, um cristão e
comerciante? A ganância deveria ser combatida, pois esta “obra da carne”
69
produzia as ações espúrias no mundo econômico. Lutero afirmava que:
Provavelmente, é assim que ainda entre os comerciantes bem
como entre outras pessoas alguns que pertencem a Cristo. Estes
prefeririam ser pobres com Deus a ricos com o diabo, como diz o
[Salmo 37.16: Mais vale o pouco do justo do que o muito dos ímpios].
Por amor a estes precisamos falar.
70
Considerando a possibilidade de que alguns comerciantes eram tementes a
Deus, fazia-se necessário tratar do assunto de tal forma a estabelecer uma ética
econômica para um mundo em transição. O despertar de um novo mundo social,
econômico e religioso que estava emergindo precisava ter a interpretação
consciente e coerente tendo como pano de fundo a liberdade. Atividades
fundamentais economicamente falando como comprar e vender poderiam e
69
Expressão usada pelo Apóstolo Paulo na Carta que escreveu aos Gálatas 5.19-22.
70
Martinho Lutero em Economia e Ética, justificando a necessidade de tratar do assunto à luz das Escrituras.
65
deveriam ser praticadas de forma cristã, especialmente em relação às coisas
necessárias e honrosas.
Conforme Lutero, o pecado no comércio se evidenciava pelo abuso nos
preços das mercadorias. Na fixação dos preços, os comerciantes se viam tentados
pela ganância. O taxar os preços o quanto queriam, revelava a falta de temor a
Deus e a falta de amor ao próximo. A opinião religiosa era fundamental na
revolução econômica que acompanhava aquele momento histórico renascentista.
Nas palavras de Tawney:
Pensadores mercantilistas reafirmaram uma velha arma econômica
para o arsenal dos príncipes. A análise econômica objetiva, ainda em
sua infância, recebeu novo ímpeto das controvérsias dos homens
práticos sobre a elevação de preços, a moeda e o câmbio externo. A
questão da atitude que a opinião religiosa assumiria em face das
novas forças era momentosa. Poderia aclamar o surto do
empreendimento econômico como instrumento de riqueza e luxo...
71
A necessidade do próximo não deveria motivar, pelo menos os
comerciantes cristãos, o querer tirar vantagem da situação. Agir assim seria,
conforme Lutero, um preceder não cristão e desumano. que o comércio é uma
atividade praticada em favor do próximo, ela precisaria obedecer a leis conforme a
consciência. Bom, qual seria então o preço? As mercadorias não são todas iguais,
vêem de diferentes lugares, enfrentam o custo do transporte, condições do tempo,
e outros fatores. Sendo assim, o justo e correto é que um comerciante lucrasse o
71
R.H.Tawney. A Religião e o Surgimento do Capitalismo, p. 91. São debates que tratam da evolução do
pensamento religioso com respeito aos problemas sociais e econômicos no período que presenciou a transição
das teorias medievais de organização social para as modernas.
66
bastante com sua mercadoria para cobrir seus custos e seu esforço. Trabalho e
risco devem ser recompensados. Todavia, Lutero responsabilizava as autoridades
do governo para que nomeassem pessoas sensatas e honestas para funcionarem
como avaliadores das mercadorias. A partir daí, deveriam fixar o preço ximo
que as mercadorias deveriam custar, para que os comerciantes pudessem ter o
justo sustento. Lutero afirma:
Portanto, como não se pode ter esperanças de que essa
regulamentação seja implantada, a melhor recomendação é deixar
que o mercado comum fixe os preços de compra e venda, ou de
acordo com a prática comum de vender e comprar na região.
72
A luta era a ganância, não abusando do próximo e tendo o sustento
merecido. Lutero se preocupou em falar aos comerciantes que, conforme dizia,
eram pessoas de bom coração e tementes a Deus que não fariam injustiça
voluntariamente. A operação simples deveria ser a soma do tempo, do trabalho e
do risco para que se chegasse ao preço justo.
A questão econômica é ampla. Todavia, Lutero não se olvidou dos assuntos
mais polêmicos dando a cada um deles um enfoque bíblico. A fiança, conforme o
reformador, que para muitos pode parecer uma virtude de amor é, na verdade, a
causa de ruína para muitas pessoas. Tendo como fundamentação vários textos da
Bíblia, Lutero ensinou que tal prática é proibida. Ninguém deve ser fiador de outras
pessoas, a não ser que tenha condições e concorde em assumir a dívida e pagar.
Assumir fiança seria um ato que ultrapassa as limitações do ser humano. Quem se
72
Martinho Lutero, Economia e Ética. Série Lutero Hoje, Sinodal, p.13.
67
torna fiador confia numa pessoa e coloca seu corpo e seus bens em perigo, sobre
alicerces falsos e incertos.
73
O texto bíblico de Mateus 5.40-42 é o principal texto usado por Lutero para
se estabelecer princípios no modo cristão de negociar. Sofrer o dano, dar a quem
pedir, emprestar sem esperar devolução, comprar e vender a vista, caracterizam
os princípios bíblicos para as relações financeiras a serem vividas pelos cristãos.
Se não houvesse a fiança no mundo e fosse comum emprestar
evangelicamente, negociando apenas em moeda corrente ou com
mercadoria disponível então os maiores e mais perigosos riscos, as
falhas e problemas do comércio estariam eliminados.
74
Conforme o pensamento luterano, vender tão caro o quanto quer, pedir
empréstimo e financiar são as três fontes de onde brota todo tipo de crimes,
injustiças, fraudes e espertezas por toda a parte. As três fontes citadas constituem
em janelas à ganância e à natureza maligna, esperta e egoísta. A especulação,
fixar preços exorbitantes por saber que o próximo necessita e fatalmente terá que
adquirir caracteriza um pecado gravíssimo contra a Palavra de Deus.
Simultaneamente Lutero via a profissão do indivíduo como uma missão
75
a ser
desenvolvida. Assim foi que em Lutero o conceito de vocação profissional seria
vista como um desígnio divino.
73
Lutero menciona vários textos bíblicos como: Provérbios 6.1-5; 20,16; 22.26; 27.13;Gênesis 43.9), para
ensinar que não se deve ser fiador, a menos que esteja disposto a sofrer o dano se necessário
74
Martinho Lutero, Economia e Ética. Série Lutero Hoje, Sinodal, p.27.
75
Conforme Max Weber, “A vocação é aquilo que o ser humano tem de aceitar como designio divino, ao qual
tem de “se dobrar” essa nuance eclipsa a outra idéia também presente de que o trabalho profissional seria
uma missão, ou melhor, a missão dada por Deus. E o desenvolvimento do luteranismo ortodoxo sublinhou
esse traço ainda mais” (Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo: Contexto, 2004, pg. 77).
68
Max Weber ao abordar sobre economia daquela época expressou da
seguinte forma ao referir-se ao pensamento protestante:
... o homem é apenas administrador dos bens que Deus lhe haja
conferido; censurava o prazer, mas não se admitia a fugir do mundo,
pois considerava como missão religiosa de cada um a colaboração
no domínio racional do Universo. Deste critério deriva a nossa atual
palavra “profissão” (no sentido de “vocação”), que conhecem os
idiomas influídos pela tradução protestante da Bíblia.
76
Tal conceito seria um dos integrantes históricos importantes para mudança
da ordem social. A Reforma Protestante daria uma nova interpretação à função
do homem relacionado com o trabalho e a riqueza. O ser humano é visto como
administrador dos bens dados por Deus. Assim entendendo, evidentemente, um
pensar econômico visando tal ética daria força a um novo sistema e forma de lidar
com o capital. Sobre a nova interpretação do trabalho abordaremos no próximo
capítulo entendendo que se amplia ainda mais a idéia de que a Reforma
Protestante não teria tido implicações apenas no campo religioso. O exercício da
cidadania no pensamento de Martinho Lutero se perceberia de forma mais
concreta ao voltar-se para o homem como um ser “vocacionadopor Deus para
exercer funções no mundo secular. E mais, um ser com direito de saber para fazer
suas escolhas. São assuntos que prenderão nossa atenção a seguir.
76
Max Weber, História Geral da Economia, tradução Calógeras A. Pajuaba, 1ª ed. São Paulo: Editora Mestre
Jou, 1968, pág. 319.
69
CAPÍTULO IV
REFORMA, CIDADANIA E MUDANÇA SOCIAL
Ao se tratar do pensamento de Lutero referente à ordem social, é
fundamentalmente necessário ressaltar a distinção feita pelo reformador entre
mundo secular e reino de Cristo, embora, como deixava claro, Deus domina sobre
ambos. As funções referentes ao “ministério espiritual” são superiores àquelas
relacionadas com o “mundo secular”. Neste último, as funções são temporais e
passageiras. Todavia, as funções relacionadas à ordem social são importantes
para que haja preservação e honra do corpo, da família, dos bens e das demais
coisas necessárias para esta vida. Explicava o reformador:
Pois o governo secular é uma imagem, sombra e figura do governo
de Cristo. Pois o ministério da pregação (onde ele existe como Deus
o ordenou) acarreta e proporciona justiça eterna, paz eterna e vida
eterna, como S.Paulo o enaltece em 2 Co 4.1ss. O regime secular,
todavia, mantém paz, justiça e vida temporal e passageira.
77
Sendo assim, Lutero via o erudito honesto e o jurista piedoso como
verdadeiros profetas, sacerdotes, ou anjos do Senhor. Assim também, no reino de
Cristo, um herege ou falso pregador era visto como o próprio diabo, ladrão,
assassino e blasfemador. O inverso também seria verdade, um erudito ou jurista
77
Uma prédica para que se mandem os filhos à escola, escrita por Lutero em 1530. Obras Selecionadas,
Sinodal, Vol. 5, pg. 346.
70
desonesto era um diabo de todo o reino. A visão de dois mundos o ajudaria
resolver questões éticas para muitos, contraditórias. Por exemplo, ao mesmo
tempo em que Lutero defendia os direitos dos cidadãos, ele os ensinava a
necessidade de submissão às autoridades mesmo que fossem tiranas.
Contradição provavelmente não fundamentada à medida que se entende que,
para o reformador, a busca da cidadania poderia apresentar-se como
contraposição do Estado e ao poder religioso, mas, pela força da palavra o
somente.
Na visão do reformador, o povo teria inúmeros benefícios se especialistas
em direito, imperadores, príncipes, senhores, e outros eruditos vissem em suas
funções, a “obra e ordem de Deus”. Através de leis edigos manteriam e
promoveriam, por ordem divina, todo o regime no mundo secular com suas
cidades e campos. Com tal tese, Lutero incentivava os pais a levarem de volta
seus filhos à escola. Isto porque, com o enfraquecimento do poder religioso, houve
um desencantamento total na área de educação por parte dos pais. Mais adiante
ao abordarmos sobre o tema Reforma e Cidadania na Educação, trataremos com
mais propriedade sobre o assunto. Lutero defendia que para ser um sacerdote,
não era necessário ser um padre ou monge. Assim sendo, o sacerdócio é
universal. Para ele, o “sacerdócio de todos os crentes”, destaca a
responsabilidade e privilégio dos cristãos. A unidade e igualdade em Cristo
deveriam ser demonstradas pelo amor tuo e pelo cuidado de uns para com os
outros.
71
Quando desejar fazer alguma coisa pelos santos, volte sua atenção
para os vivos, não para os mortos. O santo vivo é seu próximo, o nu,
o faminto, o sedento, o pobre que tem esposa e filhos e sofre
humilhações. Dirija sua ajuda a eles, comece seu trabalho aqui.
78
Mas, seria o conceito de trabalho como vocação que mudaria a ordem
social da Alemanha e posteriormente de quase toda a Europa. Certamente
repousa aqui, a gênesis de uma nova ética, de um novo espírito cuja força de faria
sentir em todo o mundo. Lutero estava convicto de que a responsabilidade do
homem era cumprir sua vocação
79
através do trabalho. Mais uma vez o
movimento reformista induz-nos à reflexão que desde o início permeia a presente
pesquisa. O exercício da cidadania no pensamento de Martinho Lutero por meio
da “liberdade de consciência”, fundamentalmente, o se restringiria ao campo
religioso. O movimento religioso-sócio-político provocaria mudanças sociais a
perpetuar como matéria no estudo da sociedade como hoje se vê. Do templo ou
mosteiro para as ruas, para os campos ou cidades. Da oferta ou indulgência para
o uso e administração do ganho. Da vida regrada e domesticada pelo ensino
religioso para a possibilidade de ganho sem sentimento de culpa. o é de se
admirar que ao consolidar o movimento reformista um dos primeiros incentivos e
apoio brotou dos comerciantes conhecidos como burgueses.
Uma mudança social, começando na Europa e posteriormente em muitos
outros lugares do mundo teria na Reforma, como dito no capítulo anterior, uma
78
Lutero em Teologia dos Reformadores por Timothy George, Vida Nova, pg. 97.
79
Lutero empregou a palavra alemã “beruf” para trabalho cujo significado estava relacionado mais com
vocação ou chamado de Deus do que com as atividades propriamente ditas que alguém poderia exercer. Neste
caso a palavra usada era “arbeit”.
72
protagonista. Com implicações profundas na vida do cidadão a Reforma
Protestante seria vista como promotora de uma “idéia nova” conforme enfatizou
Max Weber.
E assim como o significado da palavra, assim também como é
amplamente sabido a idéia nova, e é um produto da Reforma. Não
que certos traços dessa valorização do trabalho cotidiano no mundo,
inerente a esse conceito de Beruf, não estivessem presentes na
Idade Média ou mesmo na Antigüidade.
80
A vocação deixando de ser interpretada apenas como um exercício
religioso abriria, definitivamente, um novo “espírito” social. O cumprimento dos
deveres no exercício das profissões tidas como mundanas, sem culpa, traria a
auto-realização moral para muitos inseridos na sociedade em crise. Com o novo
conceito de “Beruf”, cairia o dogma católico de que a única maneira de agradar a
Deus seria suplantar a moralidade intramundana através da vida monástica. O
pensamento reformista sinalizaria para a possibilidade de se agradar a Deus
cumprindo os deveres intramundanos por meio também da vocação, mas, uma
“vocação profissional”. Tal conceito é um dos feitos inquestionáveis da Reforma
conforme acentuou Max Weber:
Que essa qualificação moral da vida profissional mundana fosse um
dos feitos da Reforma, e, portanto de Lutero, mais pesados de
conseqüências é fato fora de dúvida, uma espécie de lugar comum.
81
80
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2004,
p.72.
81
Ibdem., pg. 73.
73
Evidentemente não se deve atribuir ao protestantismo a criação de um
sistema econômico. Mas claramente, não de pode atribuir a criação do sistema
capitalista como temos hoje, à Reforma Protestante, nem levando em
consideração seu início e nem posteriormente quando outros personagens
aderiram e romperam com a religião dominante e sua forma de governo. Não se
pode atribuir a Lutero intimidade com o “espírito capitalista”. Todavia, o seria
também exagero pensar no protestantismo como um dos fatores que contribuíram
para o desenvolvimento de tal sistema. Max Weber esclarece o assunto ao
destacar os “influxos religiosos” como um dos fatores que contribuíram para o
“espírito capitalista”. Vejamos:
Mas, por outro lado, não se deve de forma alguma defender uma
tese tão disparatadamente doutrinária que afirmasse por exemplo:
que o espírito capitalista (sempre no sentido provisório dado ao
termo aqui) pôde surgir somente como resultado de determinados
influxos da Reforma (ou até mesmo: que o capitalismo enquanto
sistema econômico é um produto da Reforma). o fato de certas
formas importantes de negócio capitalista serem notoriamente mais
antigas que a Reforma impede definitivamente uma visão como essa.
Trata-se apenas de averiguar se, e aque ponto, influxos religiosos
contribuíram para a cunhagem qualitativa e a expansão quantitativa
desse “espírito” mundo afora, e quais são os aspectos concretos da
cultura assentada em bases capitalistas que remontam àqueles
influxos. Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre
as bases materiais, as forma de organização social e política e o
conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma, procederemos
tão só de modo a examinar de perto se, e em quais pontos, podemos
74
reconhecer determinadas “afinidades eletivas” entre formas da fé
religiosa e certas formas da ética profissional.
82
Assim sendo, a Reforma não pretendeu ser em primeiro lugar uma
mudança do sistema econômico ou social da época, mas, ao tentar restaurar
princípios religiosos, por meio do estudo dos originais das Escrituras, e do
conhecimento do ser humano com toda sua complexidade, mostrando uma
perspectiva nova política, econômica e socialmente falando, transformaria a
condição humana com relação às concepções até então dominantes na Idade
Média. A afirmação protestante de que o evangelho responsabiliza o indivíduo, e
que o mesmo não sendo um monge é, por chamado divino, um sacerdote, daria
uma nova perspectiva ao indivíduo tanto no que se refere ao seu comportamento
espiritual quanto moral e cívica. A sociedade devia organizar-se de forma nova,
em harmonia com o evangelho. Neste sentido, a Reforma Protestante pode ser
vista como agente motivador de mudanças sociais significativas que pautariam a
vida moderna.
Dentre muitos fatos que permeavam a Alemanha e, de certa forma a
Europa daquela época, destacam-se os camponeses que, na verdade, viviam
situações lamentáveis. Houve tempo em que cultivavam as suas terras, mas, os
senhores feudais foram, pouco a pouco, restringindo seus direitos. Chegando a
ponto de lhes proibirem, por exemplo, a entrada em determinadas áreas, mesmo
que baldias, não lhes permitindo o abastecimento de lenha ou pesca nos rios. Não
tinham a quem pedir proteção e não podiam contar com as leis. A sua única
82
Ibdem., pg. 83.
75
esperança estava na revolução, e sentiam um desejo ardente de imitar os suíços,
isto é, de se libertarem, de acabarem com o feudalismo, de se tornarem
proprietários.
Buscando aquilo que os princípios do evangelho ensinava, reforçado pelo
movimento da Reforma, sonhavam com mudanças importantes. Lamentavelmente
muitas mudanças sociais envolvem o confronto físico. Lutero não apoiou a revolta
quando se transformou em confronto armado. Este foi um dos fatos que, como
abordamos anteriormente, fizeram com que Lutero parecesse contraditório.
Liberdade, cidadania, sem contraposição ao Estado ou ao poder dominante da
religião. Procurando manter o foco deste capítulo que trata da Reforma, cidadania
e mudança social, necessário se faz retratar o cenário histórico ainda que
resumidamente.
Sabe-se que o imperador Maximiliano havia morrido em 12 de janeiro de
1519, depois de seis meses de tensas negociações foi eleito para sucedê-lo, seu
neto, Carlos V. O jovem imperador convocou em Worms uma Dieta
83
para a qual
Lutero foi chamado. Em 17 de abril de 1521 foi exigido que Lutero retratasse o
que tinha manifestado em seus livros. Quando numa segunda audiência Lutero foi
advertido a se retratar, respondeu:
No puedo ni quiero retractarme a menos que se me pruebe, por el
testimonio de la Escritura o por medio de la razón, que estoy
equivocado; no puedo confiar ni en las descisiones de los Concilios
ni en las de los Papas, porque está bien claro que ellos no sólo se
83
DIETA Reunião ou Assembléia religiosa e ou política onde se discute o interesse de diversos
seguimentos.
76
han equivocado sino que se han contradicho entre sí. Mi conciencia
está sujeta a la Palavra de Dios, y no es honrado ni seguro obrar en
contra de la propia conciencia. Que Dios me ayude! Amém.
84
Como abordados anteriormente os pressupostos reformistas o se
limitariam ao campo religioso. Ao abordar ou tratar dos assuntos religiosos
contextualizando-os às necessidades emergentes, o movimento traria implicações
para toda uma sociedade envolvendo seus assuntos cotidianos como a questão
econômica vista anteriormente. E, ainda a questão educacional que setratada
adiante. Do indivíduo para o geral, aconteceriam mudanças.
A influência luterana era percebida paulatinamente. Enquanto isto, o poder
religioso se movimentava contra as idéias e atitudes do reformador. Ainda que não
seja o objetivo aqui, precisamos entender o que acontecia no âmbito religioso para
depois concluirmos mostrando e justificando a mudança social ocorrida como
pensamento reformista. A revolta dos camponeses lembrada aqui elucida o que o
pensamento luterano causava na sociedade. Lutero havia sido condenado pelo
poder religioso dominante pelo edito de Worms. Alguns dos príncipes alemães
eram a favor de que o edito. O imperador tinha se retirado para Espanha,
deixando em seu lugar um Conselho Regente, cujos membros conheciam bem o
estado da Alemanha e os sentimentos do povo, e não se sentiam inclinados a
desposar a causa do papa.
Foi assim que, quando a Dieta se reuniu em Nurenberg, em 1522 e 1524,
percebeu-se que os príncipes alemães não eram de modo algum favoráveis à
84
CERNI, Ricardo. Historia Del Protestantismo. Impreso en Romanyà/Valls, S.A.nValdaguer, 1 08786
Capellades (Barcelona), 1ª ed. 1992. p.40.
77
proposta de que Lutero sofresse a pena de morte. Surpreendentemente, nomeou-
se a Junta Geral da Igreja, a fim de que certos abusos fossem abolidos e se
esclarecessem certos pontos duvidosos da doutrina. A Reforma havia se
espalhado também para além da Alemanha, e em 1524 havia discípulos de
Lutero na França, na Dinamarca e nos Países Baixos.
Lutero foi o primeiro a bater-se por lançar luz sobre as condições da
salvação individual, a propósito da qual havia ele descoberto, após
muito sofrimento pessoal, que ela é oferecida gratuitamente a cada
indivíduo, sem que faça preciso adquiri-la pelo acúmulo de ritos.
Sem subestimar a importância dessa redescoberta primordial, seus
sucessores puseram em evidência as repercussões que tal
descoberta devia ter na vida da cidade. A sociedade devia organizar-
se de forma nova, em harmonia com a nova maneira de viver o
Evangelho.
85
Este apanhado histórico com enfoque religioso nos revela que, de fato, não
era eclesiasticamente que a Alemanha precisava ser reorganizada. Os
camponeses viviam pela maior parte, cruelmente escravizada e preparava-se em
segredo para uma revolução. Contavam com a Reforma como um poderoso
auxílio. Havia também insatisfação por parte dos nobres, que também
protestavam contra os cinco pretensos sacramentos.
86
Os tempos corriam mal; tinha-se visto a inutilidade dos velhos
sistemas, e todos proclamavam abertamente a necessidade de uma
85
BIÉLER, André. A Força Oculta dos Protestantes. Editora Cultura Cristã, São Paulo, pág. 55.
86
As indulgências, a confissão auricular, o culto dos santos e das relíquias, o celibato do clero, a negação do
cálice aos leigos, o sacrifício da missa, a usurpação episcopal e a supremacia do papa.
78
mudança radical; não deveriam aproveita-se d”este estado geral de
descontentamento? As duas classes desgostosas assim o
entenderam, e, porque assim o entendessem, entraram no caminho
da revolta.
87
A Reforma Protestante serviria como auxílio para o movimento rural em
busca de seus direitos. Ainda mais, o movimento luterano abriria caminhos para
rebeliões políticas e sociais. E, finalmente, em 1524 eclodiu a Revolta dos
Camponeses. Embora sustentando a idéia de liberdade cristã, Lutero submetia-se
as autoridades legítimas, recusando-se a apoiar os revoltosos sem considerar as
reais motivações do conflito. A origem da revolta foi a miséria profunda na qual
viviam as pessoas do campo. Conforme disse Lindsay:
O sofrimento dessa gente não podia ser maior, e havia chegado a tal
ponto que a morte não lhes metia medo algum. Todas as tentativas
anteriores foram sufocadas, sem que fossem concedidas as
almejadas reformas, de modo que as causas da rebelião
continuavam ainda inalteráveis. Os camponeses viviam do que as
terras que traziam arrendadas produziam e o preço pago não estava
em harmonia com o valor do terreno. Além disso, deveriam prestar
serviços sem receberem nenhuma remuneração. Eram proibidos sob
pena de castigo caçar ou pescar e nem podiam cortar lenha nos
bosques. Quando um rendeiro falecia, o dono da propriedade tinha o
direito de arrebatar do poder da viúva e dos órfãos qualquer coisa
que lhe agradasse, como por exemplo, uma vaca, ovelha, ou até a
própria cama.
88
87
LINDSAY, T.M. A Reforma. p.22.
88
Ibdem., pg. 23
79
A igreja também tinha as suas imposições. Reivindicava os dízimos: uma
décima parte da colheita, que era chamada o grande dízimo; e uma décima parte
do produto dos animais, que era chamada o pequeno dízimo. O velho código
romano havia substituído gradualmente a legislação alemã e, segundo o império
romano, os camponeses o eram homens livres. A revolta dos camponeses em
1524 foi uma legítima sucessora das tentativas anteriores. O exemplo evocado
para ilustrar a mudança social tendo o movimento reformista mais uma vez como
protagonista, expressão usada quando tratamos da questão política e
econômica, agora se mostra como agente de tentativas em busca de mudanças
sociais. A revolta dos camponeses contaria com o Evangelho pregado por Lutero
na esperança de que pudesse proporcionar bom êxito.
A princípio, o movimento não usou armas. A idéia era convocar grandes
comícios onde fossem expostas as suas reclamações, pois julgavam que por esse
meio viriam conseguir tudo. Os camponeses começaram por dizer que pediam
aquilo que os princípios do Evangelho os autorizavam a pedir, e que não
desejavam entrar em luta porque o Evangelho os mandava viver em paz e amor.
Os camponeses formularam, com base nos ensinos bíblicos, alguns
pressupostos que fundamentariam suas reivindicações. São eles, conforme o
historiador Lindsay:
1.A congregação deve ter poder para eleger o seu ministro, e para o
demitir no caso do seu procedimento ser censurável; e o ministro
deve pregar o Evangelho puro, sem lhe acrescentar mais nada.
2.Prometem pagar o dízimo do trigo para a sustentação dos
ministros, contanto que o que ficar, depois de pagos os respectivos
80
estipêndios, seja aplicado no socorro dos pobres; mas recusam
pagar o pequeno dízimo, isto é, o dos porcos, dos ovos, etc, porque
dizem eles, Deus criou os animais para uso do homem.
3.A servidão deve ser abolida. A Escritura declara que os homens
são livres.
4.Deve haver inteira liberdade para caçar e para pescar, pois que
Deus criou as aves e os peixes para uso de todos.
5.As florestas que não pertençam a alguém por direito de compra
devem ser restituídas à comuna, ou município; e todos os habitantes
devem ter liberdade para cortar madeira de que necessitarem para
combustível ou para trabalhos de carpintaria, devendo haver
guardas, pagos pela comuna, que impeçam qualquer ato de
vandalismo.
6.Os serviços obrigatórios devem ficar restritos ao que era permitido
pelos antigos costumes.
7.Tudo o mais que se fizer deve ser condignamente pago.
8.As rendas estão muito elevadas; as terras devem ser avaliadas de
novo, e pagar-se pelo seu aluguel uma quantia razoável.
9.A lei deve determinar as penas que correspondem aos diversos
crimes, ficando defeso a quem quer que seja a aplicação de um
castigo arbitrário.
10.Os campos de pastagem e outros baldios de que os proprietários
se têm apoderado devem ser restituídos ao logradouro público.
11.Deve ser abolido o direito de morte (A facultada que tem o
senhorio de levar qualquer objeto da casa do rendeiro falecido).
12.Todas estas proposições devem passar pelo cadinho da Escritura,
e serão retiradas as que forem susceptíveis de refutação.”
89
89
“Estes artigos foram, quase todos, incluídos na legislação alemã”. LINDSAY, T.M. A Reforma.
81
As reivindicações dos camponeses o foram recebidas como esperado.
Ao se sentirem traídos eles pegaram em armas. Os camponeses se revoltaram
em junho de 1524, depois de mais uma medida extrema do governo que lhes
impediu de colher o que plantaram. O movimento se espalhou rapidamente. Na
primavera do ano seguinte tinha se espalhado por toda a
Alemanha. Recorreram a Lutero, filho de camponês, que conhecia a realidades
daquela gente. Percebe-se que Lutero envolveu-se efetivamente naquela questão
social. Ele escreveu aos proprietários e também aos camponeses. Neste
momento, podemos perceber que os princípios protestantes atuariam como um
agente de mudança social. Os direitos humanos são defendidos sem deixar de
responsabilizar os reivindicadores. Se os direitos humanos e a cidadania se
percebiam palidamente como vimos no início desta pesquisa, agora não mais.
Lutero escreveu tanto aos proprietários quanto aos camponeses; aos primeiros ele
exortou quanto à justiça social sob o temor de Deus, aos subversivos, ele
ressaltou o princípio da não-violência com ênfase ao ensinamento bíblico de
submissão às autoridades. Nas próprias palavras de Lutero:
Posso agora fazer causa comum com os camponeses, porque vós
atribuis esta insurreição ao Evangelho e ao meu ensino, quando a
verdade é que nunca cessei de intimar obediência à autoridade,
mesmo quando ela seja tão tirânica e tão intolerável como a vossa.
Não quero, porém, envenenar a ferida; e, portanto, meus senhores,
quer me sejais benévolos quer me sejais hostis, o desprezeis os
conselhos de um pobre homem como eu, e o tenhais em pouca
conta esta sedição; não quero dizer com isto que temais os
insurgentes, mas que temais a Deus, que está irritado contra vós....
82
Aos camponeses que, conforme Lutero, deixaram a “palavra” como arma e
partiram para o confronto, Lutero exortou:
Agora, com respeito a vós, meus queridos amigos camponeses.
Quereis que vos seja garantida a livre pregação do Evangelho. Deus
de defender a vossa causa, se procederdes sempre com justiça e
retidão. Se o fizerdes, haveis de triunfar por fim, Aqueles de entre
vós que sucumbirem na luta serão salvos. Se, porém, o vosso modo
de preceder for outro, não podereis salvar nem a alma nem o corpo,
ainda mesmo que sejais bem sucedidos e derroteis os príncipes e os
senhores. Não acrediteis nos falsos profetas que se têm introduzido
no meio de vós, ainda mesmo que eles invoquem o santo nome do
Evangelho. Pode ser que eles me chamem hipócrita, mas isso pouco
se me dá. O que eu quero é salvar os que entre vós forem fieis e
honrados, Temo a Deus e a ninguém mais, Temei-O vós também, e
não useis o Seu nome em vão, para que Ele vos não castigue. Não
diz a Palavra de Deus: “Aquele que lançar mão da espada à espada
morrerá” e “todos se submetam aos poderes superiores? ...não
deveis fazer justiça com as próprias mãos; seria isso obedecer a um
outro ditame da lei natural. Não vedes que vos fica mal a rebelião? O
governo tira-vos parte do que vos pertence, mas destruindo os
princípios estabelecidos tirais aos outros tudo o que lhes pertence.
90
...Será uma guerra de pagãos, a que, porventura, vier a lograr ,
porque os cristãos fazem uso de outras armas: o General sofreu a
cruz, e o triunfo deles é a humildade. Suplico-vos, queridos amigos,
que vos detenhais, e que considereis antes de dardes outro passo. O
que citastes da Bíblia não é aplicável ao vosso caso.
87
90
Ibidem, p.27.
83
Os camponeses sofreram uma verdadeira chacina. Calcula-se que
chegasse a cinqüenta mil o número dos massacrados. Obviamente esta
espantosa catástrofe prejudicou imensamente a Reforma Protestante. Alguns
nobres atribuíram a Lutero tudo quanto tinha acontecido e construíram contra ele
uma feroz oposição. A Reforma perdeu a influência que tinha sobre as classes
pobres, sob a idéia de que Lutero as havia abandonado. Como dito, a figura de
Lutero sempre esteve ligada a um tom de contradição. A Reforma Protestante
sofreria, como o próprio conceito de cidadania, uma evolução. Outros
personagens surgiriam no cenário sócio-religioso. Como o reformador Ulrico
Zwinglio.
91
O fato que se reafirma após o exemplo histórico supracitado é que a
Reforma Protestante, quase que obrigatoriamente, devido ao contexto histórico e
geográfico, estaria associada aos direitos humanos e a busca da liberdade para
uma cidadania que resultasse em mudanças sociais significativas.
A questão educacional foi o verdadeiro instrumento ou a bandeira da
“liberdade proposta pelo reformador Martinho Lutero. Mais do que a questão
econômica e, certamente, mais duradoura do que as manifestações sociais em
busca de mudanças. A educação como o verdadeiro instrumento para a
“liberdade foi a sustentadora do movimento reformista. Como enfatizado, o
movimento humanista renascentista alimentaria a Reforma Protestante por meio
da avidez pelo saber. A educação apontaria para a verdadeira cidadania que,
finalmente, já não era apenas um resquício. A cidadania também renasceria ou se
evidenciaria de forma mais clara. O próprio conceito estava a poucos anos de se
91
Reformador da Suíça, nascido em 01 de janeiro de 1484..
84
transformar em algo comum, fato que aconteceu alguns anos após no período da
Revolução Francesa, que não é campo de pesquisa neste trabalho. Com os olhos
fitos na questão educacional a ser abordada no próximo capítulo poderá se
concluir sem muito esforço que trata-se da alma da presente dissertação, vamos a
ela.
85
CAPÍTULO V
REFORMA, CIDADANIA E EDUCAÇÃO
Ao falarmos de educação falamos quase que automaticamente de
cidadania. Educação para a cidadania. A própria cidadania não pode ser
entendida como algo estático ou acabada. Cidadania é um processo que, de
forma dinâmica, se desenvolve individual e coletivamente como vimos até aqui.
Neste último e conclusivo capítulo parecerá óbvia tal declaração. Nesse processo
a educação é fundamental para a formação do cidadão, capacitando-o para o
exercício da cidadania através de decisões a serem tomadas na vida.
Tal pensamento não era diferente daquele que incomodava o reformador
Lutero já que era a “liberdade de consciência” a oportunidade para se tomar
decisões e fazer escolhas em todos os níveis, inclusive religiosas com todas as
implicações decorrentes delas. O saber proporcionaria a liberdade. Estamos
assim, nos referindo diretamente ao ensino, o qual era centrado na questão
religiosa, visava uma forma de manutenção da instituição religiosa e que,
conforme Lutero, era uma forma de dominação do clero. O reformador se dirigindo
aos pais enfatizou que os mesmos deveriam enviar seus filhos à escola, não
apenas para alimentarem a sistema religioso com a formação de monges e
padres, mas, as crianças deveriam aprender outras disciplinas a fim de ocuparem
cargos no mundo secular visando o bem comum. Não era apenas a igreja que
necessitava de pessoas capacitadas, mas, também, a sociedade precisa de
homens e mulheres que contribuíssem para o engrandecimento do país. Segundo
86
o reformador, era necessário que os filhos buscassem uma formação adequada
para governantes. Assim ele expressava:
O mundo precisa de homens e mulheres excelentes e aptos para
manter seu estado secular exteriormente para que então os homens
governem o povo e o país, e as mulheres possam governar bem a
casa e educar bem os filhos e a criadagem.
92
O grande prejuízo sócio-político de uma nação seria, conforme Lutero, o
não educar. Mereceu destaque de João Amós Coménio o posicionalmente do
reformador:
Lutero, de santa memória, exortando as cidades da Alemanha a
erigir escolas, escreveu com razão: Quando, para edificar cidades,
fortalezas, monumentos e arsenais, se gasta uma moeda de oito,
devem gastar-se cem para educar bem um jovem, para que este,
quando homem feito, possa guiar os outros pelos caminhos da
honestidade. Efetivamente, o homem bom e sábio é o mais preciosos
tesouro de todo o Estado, pois nele, mais que nos esplêndidos
palácios, mais do que nos montes de ouro e de prata, mais que nas
portas de bronze e nos ferrolhos de ferro, está...
93
92
Lutero escrevendo aos Conselho de Todas as Cidades. Obras Selecionadas, vol. 5, pg. 318.
93
João Amós Coménio, nasceu na Moravia, em 28 de março de 1592, com 24 anos foi ordenado sacerdote. A
partir de 1627, dedicou-se com ardor e entusiasmo à obra de reforma pedagógica João Amós Comênio (1592-
1670) pastor e bispo dos morávios, foi sem dúvida o mais importante pensador educacional do século XVII.
Escreveu mais de cem tratados e livros educacionais, sobre os mais diversos assuntos e sua maior influência
ocorreu no campo do ensino de línguas, em que propôs um método mais cientifico. Em seu livro Porta Aberta
das Línguas, Comenius adotou um plano simples e natural: partindo de palavras simples e familiares da língua
latina, organizava-as em sentenças começando das mais simples e chegando progressivamente às mais
complexas. E cada página Comenius colocava a sentença latina e a equivalente em vernáculo, em colunas
paralelas. As principais idéias educacionais de Comenius estão contidas em sua obra DIDACTICA MAGNA,
completada em 1632 em ngua tcheca, traduzida para o latim e publicada em 1657. O comentário descrito
acima encontra-se na referida Didáctica Magna, pág. 476.
87
Se o trabalho, como vocação, não deveria se limitar mais apenas ao
exercício religioso, a educação igualmente. Educação não apenas para nutrir a
religião, mas, para produção de um país mais forte e justo. Lutero via na
educação, o mais rico progresso social. Quanto mais homens instruídos, muitos e
melhores cidadãos honestos se verificariam. Conforme o reformador, o exemplo
de Roma deveria ser seguido na Alemanha. Os romanos educavam seus meninos
de tal maneira que dentro de quinze, dezoito ou vinte anos dominavam
perfeitamente o latim, o grego e toda sorte de artes liberais.
94
D passavam
diretamente para o serviço militar e para o serviço público; disto resultaram
homens sensatos, ajuizados e excelentes, munidos de toda sorte de
conhecimentos e experiência. A Alemanha também deveria educar o apenas
para funções religiosas, mas, também para governar.
Lutero lançou as bases para um ensino público e obrigatório. Ao escrever
aos Conselhos das cidades da Alemanha, o reformador os responsabilizou pela
questão educacional no país. Poderia se ver grande valor na escola e em outras
instituições de ensino, onde crianças poderiam estudar com prazer.
Ora, a juventude tem que dançar e pular e está sempre à procura de
algo que cause prazer. Nisto não se pode impedi-la e nem seria bom
proibir tudo. Por que então não criar para elas escolas dente tipo e
oferecer-lhe estas disciplinas? Visto que, pela graça de Deus, está
tudo preparado para que as crianças possam estudar línguas, outras
disciplinas e História com prazer e brincando. Pois as escolas de
94
Artes liberais, com essa expressão se designava, na Idade Média, o conjunto das sete disciplinas que
constituíam pré-requisitos para a afirmação específica. Ao lado do estudo das línguas, que compreendia
Gramática, Dialégica e Retórica, se exigiam Aritmética, Música, Geometria e Astronomia. Nota explicativa
de número 11, Obras Selecionadas, Sinodal. Pg. 309
88
hoje não são mais o inferno e purgatório de nossas escolas, nas
quais éramos torturados com declinações e conjugações, e de tantos
açoites, tremor, pavor e sofrimento não aprendemos simplesmente
nada.
95
A ênfase de Lutero à Educação como princípio social satisfatório, é
decorrente de sua formação teológica, assim como aconteceu ao tratar das
questões econômicas, abordadas em capítulos anteriores. A educação era
vista como requisito fundamental tanto no reino de Deus como no mundo secular,
ou reino temporal, conforme distinguia Lutero. O senso de cidadania responsável
se verificaria efetivamente no processo educacional de um país. Enfatizava Lutero:
Em minha opinião, porém, também as autoridades têm o dever de
obrigar os súditos a mandarem seus filhos à escola, especialmente
aqueles aos quais me referi acima. Pois na verdade é dever dela
preservar os ofícios e estados supramencionados, para que no futuro
possamos ter pregadores, juristas, pastores, escritores, médicos,
professores e outros, pois não podemos prescindir deles. Se podem
obrigar os ditos capazes de carregar lanças e arcabuzes, escalar
os muros e outras coisas mais que devem ser feitas em caso de
guerra, quanto mais podem e devem obrigar os súditos a mandarem
os filhos à escola. Porque aqui se trata de uma guerra pios, a guerra
contra o enfadonho diabo, cujo propósito é sugar solapadamente
cidades e principados, esvaziando-os das pessoas capacitadas, até
retirar o cerne, deixando apenas uma casca vazia de pessoas
inúteis, as quais pode manipular e suar a seu bel-prazer.
96
95
Ibidem., p. 319.
96
Uma prédica para que se mandem os filhos à Escola, escrita em 1530. Obras Selecionadas, Vol. 5. pg 362.
89
Em uma época em que as mudanças sociais eram extremamente lentas e
causadas geralmente por guerras e crises econômicas, Lutero apresentou
proposta de mudanças sociais pelo exercício da liberdade de consciência e
crescimento integral pelo saber. A então, a liberdade e o poder estavam
relacionados intimamente com o possuir terras. Fator que fazia com que a Religião
e o Estado detivessem, egoisticamente, o poder e a liberdade.
Com respeito à primeira, a Religião, se mostrava poderosa, pois,
paradoxalmente condenava as riquezas sendo ela a detentora da maior parte
delas.
Conforme Lutero, a Igreja como instituição religiosa não poderia, por si só,
dar uma qualidade de vida melhor à sociedade. O livre acesso às Escrituras
Sagradas associadas às disciplinas atenderiam de forma muito mais justas as
necessidades humanas e espirituais da população. O conhecimento das
Escrituras, neste caso, a educação cristã, deveria ser ministrada não para
manipulação mas para libertação. A liberdade de consciência resultaria em paz
social. Como disse:
A paz temporal, que é o maior bem na terra que encerra todos os
demais bens temporais, é, no fundo, um fruto do ministério da
pregação, pois onde esse é exercido, certamente acabam guerra,
conflitos e derramamento de sangue. Onde, porém, não é exercido
corretamente, não é de se admirar que haja guerra ou então
90
intranqüilidade constante, desejo e disposição para guerrear e
derramar sangue.
97
Além do mais, disse:
Não te deverias sentir lisonjeado e considerar grande honra vendo
que teu filho é um anjo no reino e um apóstolo do imperador, além
disso, uma pedra fundamental e alicerce da paz temporal na terra? E
tudo isso na certeza de que o próprio Deus o vê assim e que assim é
de fato? Se bem que ninguém se torna justo ou bem-aventurado
perante Deus por meio dessas obras, ainda assim é um alegre
consolo saber que tais obras agradam tanto a Deus. Ainda mais
quando um homem assim também é crente e pertence ao reino de
Cristo. Pois com isso se lhe agradece por seu benefício e se oferece
o mais belo sacrifício de gratidão, o supremo culto a Deus.
98
Lutero escreveu aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha,
exortando-os quanto a criarem e manterem escolas cristãs. Embora condenado ao
silêncio desde 25 de junho de 1520, Lutero se levantou usando a poderosa arma,
a Palavra de Deus. Afirma Nestor L.J. Beck:
É considerada um clássico da história da educação. Abriu caminho
para a disseminação do ginásio humanista cristão em toda a
Europa.
99
97
Ibdem., pg.339.
98
Ibidem.., pág. 350.
99
Nestor L. J. Beck. Introdução da carta de Lutero escrita aos Conselhos.
91
Claros motivos deixariam Lutero preocupado com a educação em seu país.
Primeiro seria o abandono das escolas. Como professor, Lutero sofreu ao ver o
ensino na Alemanha ficar abandonado. O ensino visava tão somente a carreira
religiosa. Com o desencantamento pela religião, ninguém queria mais
proporcionar ensino e estudo aos filhos. Porque haveria de estudar se não
poderiam tornar-se padres, monges ou freiras? Para Lutero, a atitude dos pais era
condenável. Ao contrário, segundo escreveu Lutero, os pais deveriam dizer:
Se for verdade que este estado é perigoso para nossos filhos
conforme ensina o Evangelho, por favor, ensinai-nos outra maneira
que seja agradável a Deus e que seja salutar para nossos filhos.
Pois, na verdade não queremos apenas preocupar-nos com o
sustento de nossos filhos, mas também com sua alma.
100
Para o reformador, o prejuízo na obra de educar, era uma ação do próprio
diabo, convencendo os corações mundanos a negligenciarem os filhos e a
juventude. Para o reformador, o diabo em um primeiro momento interveio e lançou
suas redes, constituindo conventos, escolas e estados, de modo que um menino
poderia escapar-lhe somente por um especial milagre de Deus. Agora, o Estado
vendo-se desarmado, tentava fazer com que se caísse em outro extremo, a não
educação. Conforme o pensamento de Lutero, o Estado deveria financiar o
estudo para os jovens pobres e, também, sustentar professores competentes.
Dizia:
100
Carta de Lutero “Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas
cristãs”, em 1524. Obras Selecionadas, Sinodal, pg. 304.
92
Cada cidadão deveria pensar o seguinte: Até agora gastou-se
inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências, missas, vigílias,
doações, espólios testamentários, missas anuais pelo falecimento,
ordens mendicantes, fraternidades, peregrinações e toda a confusão
de outras tantas práticas deste tipo; estando agora livre dessa
ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que doravante
doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte disso para a
escola para educar as pobres crianças, onde será empregado tão
bem.
101
O segundo motivo de preocupação do reformador seria o recebimento da
graça de Deus em vão. Ou seja, o tempo era aquele. Não se poderia deixar
passar desapercebido o tempo “bem-aventurado”. O tempo de mudança havia
chegado. No pensamento de Lutero, muito tempo já se havia perdido com o
ensino ideológico nos conventos. Ele afirmava veementemente:
Afinal, que se aprendeu até agora nas universidades e conventos a
não ser tornar-se burro, tosco e estúpido?
102
A saída não era abandonar os estudos, mas, mudar os métodos de ensino.
Lutero apelou ao povo alemão que não perdesse “tempo”, o momento ideal para
mudanças havia chegado. Conforme o reformador, Deus estava dando à nação
alemã, a mesma oportunidade que, em outros tempos, foi dada aos judeus,
gregos e romanos. Era chegada a vez da Alemanha. Era preciso saber que, a
101
Ibdem, pg. 305.
102
Carta de Lutero aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha, escrito em 1524 – Obras Selecionadas,
Sinodal p. 306.
93
“Palavra de Deus e sua graça o como a chuva de verão, que não retorna ao
lugar por onde passou”.
O terceiro motivo de preocupação que ocupava o pensamento de Lutero
dizia respeito aos pais. Eles deveriam entender que era o seu dever educar os
filhos. A tarefa primeira dos pais não poderia ser outra a não ser, educar seus
filhos. Com forte ênfase nos textos bíblicos de Salmo 78.5; Deuteronômio 32.7 e
outros, Lutero “ameaçou os pais”
103
quanto ao enviarem seus filhos para a escola.
Aliás, para que vivemos nós velhos senão para cuidar da juventude,
ensinar e educá-la?. A própria natureza ensina o valor do ensino. Os
animais irracionais cuidam de seus filhotes e não os abandonam.
104
Um pecado seria cometido contra as crianças caso as mesmas não fossem
conduzidas à escola. O não educar as crianças deveria ser visto como algo terrível
e provocativo para o reino de Deus. Tão grave quanto uma agressão sexual.
Negligenciar um estudante não é crime menor do que violentar uma
virgem.
105
Sem isentar os pais, o Conselho e as autoridades deveriam se dedicar com
maior cuidado à juventude. A educação como política social traria progresso e
103
Que achas? Acaso não cairão sobre ti, de repente, não apenas gotas, mas verdadeiros aguaceiros de
pecado, que agora desprezas e andas muito seguro, como se estivesse agindo corretamente ao não
encaminhares teu filho ao estudo? Naquele dia, porém, hás de confessar que foste condenado ao abismo do
inferno com justiça como uma das pessoas mais malvadas e perniciosas que viveram na terra.” (Prédica Para
que se mandem os filhos à escola) Obras Selecionadas, Sinodal, pág. 341.
104
Segundo Lutero a avestruz é uma exceção, pois deixa abandonados seus ovos conforme Jó 31
105
Lutero repete o ditado que, segundo ele, era conhecido em sua mocidade nas escolas.Non minus est
negligere scholarem quam corrumpere virginem”.
94
melhoramento às cidades. Na linguagem atual, se diria que a educação produziria
cidadania. Não é segredo que a educação deve ser vista como a riqueza de um
país, de uma cidade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade
é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados,
honestos e bem educados. Estes então também podem acumular, preservar e
usar corretamente riqueza e todo tipo de bens.
É significativo para a presente dissertação verificar que, para Lutero, a
educação estava diretamente ligada à vida do cidadão. Todos deveriam ter o
direito do saber.
Lutero defendia uma educação integral. Uma educação não só com o
objetivo religioso, já dito repetidas vezes. O conhecimento das línguas e das
ciências da humanidade formaria pessoas capazes não só para exercerem o
ministério da palavra, mas também, para governarem com mais justiça a nação. A
falta de conhecimento traz descrédito à . Lutero insistia no fato de que a fé não
deveria ter medo da ciência. Ela, a fé, seria ainda mais valorizada mediante o
aprendizado. Percebe-se aqui, a forte influência que Lutero recebeu no movimento
humanista, conforme destacamos no segundo capítulo. O conhecimento de outras
línguas dando acesso aos originais bíblicos. Ele enfatizou dizendo:
Não é isso uma vergonha e zombaria para os cristãos entre os
opositores que têm conhecimentos lingüísticos? Eles se endurecem
ainda mais em seu erro e, com uma aparência de direito, consideram
nossa fé um sonho humano. Onde, porém, conhecimento das
línguas, aí as coisas se desenvolvem com vigor, e a Escritura é
95
trabalhada; aí, a se encontra sempre de forma nova por meio de
outras e mais outras palavras e obras.
106
Nesse ponto, Lutero retoma as duas esferas atuantes sobre a vida dos
homens. Uma sendo o “mundo secular” e a outra o “mundo espiritual”. A
educação não pode ser apenas para se exercer a função clerical. O “mundo
secular” precisa de homens e mulheres excelentes e aptos. A educação deve ser
para todos, inclusive para a criadagem. Para tanto, na formação educacional do
indivíduo devem existir disciplinas de diferentes categorias sociais. Pessoas
estudadas são necessárias na medicina e em outras áreas das ciências. O grande
valor da educação é que pregadores, advogados, médicos e outros poderão
prestar um agradável serviço a Deus, à família e à sociedade em geral.
107
Bibliotecas de qualidade, mestres competentes mesmo que não sendo
religiosos, apoio dos pregadores junto às famílias, cidadãos que exerçam a
pressão junto aos líderes no visando instalações de escolas e contribuição
financeira da sociedade fariam com que a educação se concretizasse como a
verdadeira expressão de cidadania e forte esperança e instrumento nas mudanças
sociais. A ênfase reformista repousaria no fato de que a falta de educação traria
prejuízos em todos os sentidos a um povo que padecia tanto. Como era
característica de Lutero abordar assuntos diversos com enfoque teológico,
também com respeito à educação ela não foi exceção. Ele atribuiu a ação contra a
106
Lutero critica os valdenses que, apesar de vida piedosa, demonstravam desprezo pela erudição das
pesquisas lingüísticas no campo da Sagrada Escritura.
107
Na época Lutero tinha um filho chamado João (nasc.1526), que tornou-se jurista. Outro filho foi Martin
(nasc.1531) estudou teologia, mas não ocupou púlpito e Paulo (nasc.1533) que veio a ser um destacado
médico.
96
educação como sendo uma artimanha do diabo contra seu povo. Nas palavras de
Lutero, a educação seria a base para o reino secular e também para o espiritual,
mantendo assim, a visão dicotômica ao abordar assuntos teológicos e sociais.
No reino secular, os juristas e eruditos são as pessoas que
preservam o direito e, através dele, o reino secular. E do mesmo
modo como no reino de Cristo um teólogo piedoso e um pregador
honesto é chamado de anjo de Deus, salvador, profeta, servidor e
mestre, assim também se pode, no reino secular do imperador,
perfeitamente chamar um jurista piedoso e um erudito honesto de
profeta, sacerdote, anjo e salvador. Por outro lado, assim como no
reino de cristo um herege ou falso pregador é um diabo, ladrão,
assassino e blasfemador, assim, um jurista falso e desonesto na
casa do imperador é um ladrão, velhaco, traidor, malvado e um diabo
de todo o reino.
108
Se o não educar era visto como uma ação estratégica do diabo, com
respeito ao mundo espiritual, o não investirem nos filhos com respeito à educação
seria, por parte dos pais, um crime contra a nação. Eles estariam se submetendo
ao diabo e, ao mesmo tempo, prejudicando o país. Seria considerados culpados
pela perda da proteção e paz nacional.
108
Uma Prédica para que se mandem os filhos à escola, 1530 - Obras Selecionadas, Vol. 5, pág. 349
97
CONCLUSÂO
Certamente ainda se espera algo mais daquilo que sinalizou o movimento
do século XVI principalmente, em países onde não se efetivou a ideologia
reformista. Nutre-se a expectativa de que os efeitos sociais da reforma
protestante, como foi em sua origem, não se limitem apenas em potencial eleitoral,
mas, sobretudo, evidencie os princípios de ética e cidadania.
Aquela compulsão reformista faz-se necessária nos dias atuais para
98
Direito é a ordenação bilateral atribuída das relações sociais, na
medida do bem comum”
109
. a cidadania descreve os direitos e as
obrigações associadas à pertença a uma unidade social, e em
particular à nacionalidade.
110
Sendo assim, o ser humano é um ser histórico. Instituições, valores, usos e
costumes apenas podem ser estudados e praticados no cerne da historicidade
humana.
Para pensar no humano em termos sociais, é necessário entender a
complexidade das sociedades humanas. Isto porque, os membros da sociedade
se atraem ou se repelem em função de seus interesses. Para se construir e
entender-se, o humano precisa pertencer. Essa pertinência passa por diversos
departamentos como a línguajFj;AªcáéàFàj;VVjªoáxFVhhc jFjéAFãâ8àhéBxjéBBFÀxVBªdáéAFàE’Vxcpp gso
99
É preciso encarar o exercício da cidadania e, conseqüentemente, “mudança
social” não apenas como fenômenos sociológicos, mas, também, como um direito
humano a ser conquistado. A busca de tais direitos não implica necessariamente
em conflitos que possam derramar sangue, caracterizando a irracionalidade e a
inversão de valores absolutos da existência humana. Tais conceitos, segundo
nossa perspectiva, podem ser pontuados no período da Reforma Protestante. Os
direitos e as obrigações deveriam caracterizar e legitimar a cidadania daqueles
que se viam oprimidos e discriminados
.
A história assevera que o pensamento e a ideologia protestantes fustigados
por opiniões diferenciadas e elucidações teológicas e racionais motivaram
mudanças sociais, tendo na educação sua principal bandeira. Além de motivação,
lançou-se um protótipo para se sonhar e buscar constantemente reformas
.
Mudança é um direito. Não se pode confundir o direito com lei. o direito
que surge das lutas, reivindicações pessoais dos que se organizam para ter seus
direitos consignados.
O movimento da reformista abordado nesta pesquisa pode ser tomado
como exemplo de motivação para mudanças sociais, tendo como pano de fundo
os direitos humanos reivindicados de forma obstinada. Diretos humanos definidos
como a liberdade de consciência, o direito de também conhecer, tendo acesso aos
instrumentos necessários para tal ideal.
Se a ênfase desta pesquisa tivesse sido feita como a intenção de super
valorização de um personagem, como geralmente se faz, no caso, unicamente na
pessoa do reformador Lutero, concluiríamos igualmente que tal personagem
poderia ser bem contraditória à medida que se pregava uma liberdade sem
100
contraposição ao sistema dominante. Todavia, a ênfase nas atitudes do
reformador voltada para o aspecto ético-social à presente dissertação uma
certa singularidade, evitando a mensagem unívoca com respeito ao personagem
principal da pesquisa. A capacidade do reformador em formular rapidamente
pensamentos que respondiam as questões de seu tempo, não pode transparecer
uma veneração, atitude que seria condenada pelo próprio Lutero.
Cercado por amigos e inimigos, amado e odiado, Lutero era um homem de
lutas em todos os sentidos. Na linguagem de Heiko Obernan, Lutero era um
homem entre Deus e o Diabo.
111
Quase sempre a Reforma Protestante é abordada levando em conta a
defesa de posições teológicas. Dependendo da interpretação, favorece uma ou
outra instituição religiosa. O próprio Lutero favoreceria a possibilidade de um saber
livre, onde libertos da tutela teológica, os indivíduos pudessem argumentar. Uma
zona de risco para o poder dominante da igreja naquela época, mas
extremamente necessário para a sobrevivência da própria teologia. O
conhecimento não poderia ser uma ameaça à fé que a mesma se apresentava
como sendo inabalável.
Notoriamente a Idade Média, período com duração aproximadamente de mil
anos, provocou uma lacuna e obscuridade para uma grande parte da humanidade.
O domínio religioso, denominado “teocentrismo” monopolizando o saber,
fatalmente deixaria marcas profundas que o tempo não seria capaz de apagar tão
111
OBERMAN, Heiko A. Lutero, un hombre entre Dios y el diablo. Ed. Cast.: Alinza Editorial, S.A. Madrid,
1992.
101
rapidamente. Nas palavras de Adolf Bertole, pode-se definir a Idade média de
seguinte maneira:
A Idade Média não pensa; não tem senão um único sentimento
predominante, o de além-mundo, que a preocupa, a absorve, a
aterroriza e a inebria. Daqui toda aquela literatura teológica ascética,
lendária, a qual não tem outro valor senão o de documento
histórico.
112
Muitos poderiam pensar que as mudanças sociais só aconteceriam por
meio de guerras ou catástrofes. Provavelmente a Reforma Protestante
113
, seja um
dos exemplos históricos sinalizadores de mudança social, tendo como arma a
palavra. Obviamente a igreja enquanto instituição religiosa não pode reivindicar
para si tal atributo, já que ela foi a mais severa dominadora e opositora aos
movimentos reformistas e deixando na história marcas de sangue e sofrimento.
Não é prudente negar o auxílio ou, em determinado momento, a
dependência que a Reforma Protestante esboçou com respeito aos movimentos
também reformistas que aconteciam simultaneamente. O sucesso relativo ou não
do movimento reformista como legítimo exercício de cidadania contaria com
diversos fatores, conforme abordados anteriormente. Movimentos que se
misturam historicamente com o renascentista já no final do século XIV, envolvendo
112
Adolfo Bertoli, Os Precursores do Renascimento, são Paulo, Editora Parma, Ltda, 1983 pg. 18. Apud
Hermisten Maia Pereira da Costa, O Humanismo e o Renascimento, obra não publicada.
113
Considerando que não foi dito anteriormente, é bom esclarecer que esta expressão “Reforma Protestante”
originou-se do protesto em que se punha como coisa inadiável a liberdade de consciência assinado por João
da Saxônia, Jorge de Brandenburgo e outros, na Alemanha em 1529
102
e promovendo as grandes motivações para mudanças que iriam se fazer sentir em
diversos setores da vida social, política, econômica e cultural de toda Europa.
Se o exercício de cidadania pode ser mencionado como latente no
pensamento reformista, com ênfase em Martinho Lutero, deve-se atribuir ao
movimento humanista especial ideal. Isto porque, ambos tinha a preocupação
primeira voltada para a Educação. Na segunda metade do século XIV na Itália, até
o século XVI, o seu resplendor humanista se fez sentir e, indubitavelmente, traria
influencia para qualquer movimento que sonhasse com liberdade e desejo de
conhecimento. O pensamento luterano não seria diferente. A invenção da
imprensa viabilizaria com eficácia a expansão do pensamento humanista e
conseqüentemente o pensamento reformado de Lutero. Em 1460, a imprensa
difundia-se com rapidez alcançando a Alemanha, que dispunha de uma
Universidade desde 1388. A Reforma Protestante, ainda que originalmente tenha
sido um movimento religioso, recebeu implicações pluralistas, ponto de vista claro
para o autor da presente dissertação. As mudanças causadas pelo Humanismo
Renascentista contribuíram para que a Reforma achasse guarida na história. Os
humanistas cristãos se despertaram para o retorno às fontes primárias, ou seja, o
estudo dos originais da Bíblia. Logo se percebeu a diferença entre o que
ensinavam as Escrituras daquilo defendido pela Igreja Romana. Pode-se dizer
que, em certo sentido, o Humanismo e a Reforma caminharam até o momento em
que as definições filosóficas ou as ideologias fossem finalmente definidas. Se para
o movimento humanista, o “homem era a medida de todas as coisas”, para os
reformadores, ex-humanista, Lutero, Zuinglio e Calvino a “palavra de Deus”
ocupava tal espaço.
103
Conclui-se que a Reforma não foi um movimento exclusivamente religioso,
não tinha como ser. As circunstâncias sociais, políticas e, também religiosas,
exigiam uma visão mais alargada. Hoje, com o testemunho da história, se pode
afirmar que a Reforma Protestante foi também um movimento de alcance cultural,
social e político. Inicialmente na Europa e depois em todo o mundo ocidental.
Lutero foi líder de uma revolução intelectual que abalaria o mundo todo. Ao
traduzir a Bíblia para a língua alemã
114
, Lutero abriu a oportunidade para o “livre
exame”, tendo como princípio a “liberdade de consciência”. O grande inimigo, o
analfabetismo, precisaria ser combatido. Daí as diversas solicitações de Lutero
aos Conselhos que criassem e mantivessem escolas, investissem no bom preparo
dos professores, em bibliotecas e modernização dos métodos de educação. Ele
Insistiu escrevendo:
Em minha opinião, nenhum pecado merece maior castigo do que
justamente o pecado que cometemos contra as crianças, quando não
as educamos (...). Para ensinar e educar bem as crianças precisa-se
de gente especializada.
115
A liberdade seria resultante da justificação pela fé. Isso contraporia todo o
legalismo eclesiástico. A liberdade cristã é proveniente de Deus e não resultado
de um ativismo religioso. Ao escrever o tratado “Da liberdade cristão reformador
enfatizou:
114
Lutero concluiu o trabalho de tradução da Bíblia para o alemão em 1534. A tradução é considerada o
marco inicial da literatura alemã. Nas palavras de Lucien Febvre, o trabalho de Lutero consistiu “numa
assombrosa ressurreição da Palavra”. Apud. Hermisten Maia Pereira da Costa, O conceito da “Fé Explícita”,
obra não publicada, São Paulo, 2004.
115
Aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha paa que criem e mantenham escolas cristãs. Obras
Selecionadas, São Leopoldo, Sinodal, 1995, vol. 5. pág. 303.
104
Não obstante, visto que a sozinha basta para a salvação, não
tenho necessidade de coisa alguma, a não ser que a fé exerça nela o
poder e o império de sua liberdade. Eis aqui o inestimável poder e
liberdade dos cristãos. E não somos apenas os mais livres reis, mas
também sacerdotes em eternidade, o que é bem mais excelente do
que ser rei, porque por meio do sacerdócio somos dignos de
comparecer perante Deus, orar por outros e ensinar-nos mutuamente
sobre as coisas de Deus.
116
A relevância na tentativa de interpretar ou identificar o exercício de
cidadania no pensamento de Martinho Lutero poderia gerar uma revitalização no
sistema religioso tão explorado atualmente. Qual a contribuição significativa para o
bem comum se percebe na religiosidade atual. Pensar que religião não deva ser
considerada como importância social não é prudente, pois, os maiores conflitos
sociais se dão nesta área. A liberdade de consciência não pode deixar de ser o
alvo para se alcançar o equilíbrio social.
Hoje não se apenas resquícios de cidadania. Ela é amplamente definida
e defendida. Mas, o exercício de tal não pode se limitar apenas no que se refere à
eleição dos representantes para as funções políticas. Exige-se manifestações
expressas pelos diversos meios de que se dispõe, principalmente pela aliada e
patrocinadora histórica, a imprensa.
A imprensa tem sido o grande instrumento na busca de uma cidadania
responsável. Ela tem servido como instrumento valioso na denúncia contra o
116
Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Cristã, Obras Selecionadas, São Leopoldo, Sinodal, vol. 2.
pg 445.
105
abuso e a corrupção no mundo todo. Opiniões devem ser expressas, com
liberdade de consciência. O certo e o errado, o justo e o injusto, o oportuno ou o
inconveniente nos laços das relações públicas devem ser expostos.
106
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