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A Era de Ouro não será esquecida, mas é preciso aprender com ela,
sabendo adaptar suas estratégias ao público, contexto e ritmo do cinema atual.
Por isso, como sonhar faz parte da realidade humana, o cinema, enquanto
expressão artística de representação da realidade, continuará possibilitando que o
espectador vivencie, por alguns momentos em uma sala escura, a fantasia e
quem sabe até poderá sensibilizar sua experiência de vida, expandindo seu olhar.
Mesmo que se utilize o gênero musical enquanto instrumento de crítica e
reflexão das relações humanas, como em “Dançando no Escuro”, é a pluralidade
de abordagens e a experimentação de estratégias que fortalecem o gênero,
propondo um novo olhar sobre suas antigas estruturas. Talvez esteja aí a saída
para se romper com os velhos rótulos de gênero escapista e alienante. Cada novo
filme, cada nova abordagem do musical sugere um novo olhar que transcende as
barreiras do gênero, em direção a uma concepção técnica e estética diferenciada
– como em “Chicago”, por exemplo – ou a uma abordagem temática mais
consciente e integrada às estratégias de se narrar através da música e/ou da
dança, como na Trilogia de Carlos Saura e no filme de Solanas.
De qualquer maneira, esse gênero amado e muitas vezes subvalorizado
possui forte apelo popular e é através da utilização da arte da música e da dança
que propõe uma transformação. Através da dança, o musical sugere um tipo
diferente de relação do homem com o mundo, como explicita o filósofo francês
Roger Garaudy, em seu livro Dançar a Vida:
A dança, que nasceu e cresceu nas civilizações comunitárias e
que se estiolou nas civilizações individualistas, nos dias de hoje
pode contribuir significativamente para a realização da síntese
pela qual nossa época espera: a de uma sociedade aberta onde o
comunitário não se degradasse em totalitário, nem a expressão da
pessoa em individualismo, mas, ao contrário, o homem pudesse
conjugar sinfonicamente, como numa dança bem dançada, sua
dimensão social e sua criatividade em um sistema consciente de
sua relatividade e aberto para o futuro, para suas profecias e suas
utopias.
Não se trata de criar uma nova magia por meio de uma
gesticulação simbólica, alheia à vida e sem alcance sobre ela,
mas de dar ao homem a imagem de como sua vida poderia ser
um movimento harmonioso, livre e alegre, para nele despertar a
nostalgia do futuro e a vontade de tornar esse possível realidade.
(GARAUDY, 1980, p. 183, 184)