31
entre as pessoas – e, no caso aqui estudado, entre os casais
26
. E, para não correr o risco de
partir de questões que são elas mesmas respostas, procurarei expor, ao longo da dissertação,
os variados modos como as relações entre homens e mulheres se davam sem tomar a
diferença entre os sexos como um dado, um fato pré-social ou um atributo essencializado que
de antemão irá ditar um ordenamento das relações.
Não pretendo, portanto, lançar mão desse primado do domínio masculino que pairaria
sobre o mundo, sobre todas as coisas ou sobre todos os corpos, mas, de outra forma,
confrontar as relações estabelecidas nos bailes entre homens e mulheres, entre mulheres e
mulheres e entre homens e homens, sem me utilizar de uma categoria analítica de gênero que
parte de um a priori dicotômico e assimétrico entre os sexos
27
. Firmar de antemão o que é ser
homem ou mulher neste contexto, bem como fixar padrões de comportamento de gênero ou
de velhice (como veremos adiante), inviabiliza uma abordagem etnográfica figuracional em
que os atributos não-estanques se combinam, se transformam e são avaliados de diferentes
formas – pelos bailantes em conjunto ou por um bailante em particular – ao longo do tempo e
das relações estabelecidas.
Mesmo considerando que os pares do salão têm algo em comum com uma "estrutura
social mais abrangente", uma suposta relação de hierarquia não é de todo generalizável. Ou
seja, o que pode ser denominado como "dominação masculina" em um contexto doméstico,
por exemplo, não pode ser transposto para um outro contexto, como o da dança, sem se
avaliar a apreciação dos bailantes sobre a relação inter-sexo na figuração dos salões.
Conforme procurarei demonstrar, por mais que irremediavelmente o homem seja o condutor
na dança, ele não é hierarquicamente superior à mulher – a não ser que consideremos um
valor intrínseco ao conduzir que sobrepuje o valor de ser conduzida. Até porque, como
26
A idéia de dominação masculina universal associada ao conceito de gênero orientou grande parte dos estudos
antropológicos sobre a mulher, que principalmente na década de 70 manteve relações estreitas com as
motivações políticas feministas e com os estudos marxistas. Lasmar (1996) analisou os principais paradigmas
analíticos – utilizados pela chamada Antropologia Feminista – para pensar a questão do gênero durante as
décadas de 70 e 80. Ao elaborar alguns questionamentos a respeito da pertinência da dominação masculina como
uma categoria analítica universal, aplicável a todas as sociedades humanas, Lasmar sugere: "Ainda que com
algumas exceções, de uma maneira geral é possível afirmar que as antropólogas feministas da primeira fase [leia-
se anos 70] marcharam na direção das outras sociedades munidas de um arsenal teórico e conceitual forjado no
contexto de uma luta que lhes era própria e cara. O problema foi terem esquecido de perguntar às mulheres que
transformaram em objeto se a dominação masculina, que no Ocidente assumiu um estatuto de problema, era
problematizada por elas” (1996:29-30).
27
No esteio dessa divisão baseada em uma apreciação anatômica e fisiológica, o conceito de gênero surge como
um construto social e vai carregar consigo uma série de pressupostos que se tornam essenciais nas abordagens
sobre os papéis, as esferas ou domínios e as identidades elaborados culturalmente a partir de uma diferença
biológica entre os sexos. E a uma literatura clássica de gênero (Rosaldo & Lamphere, 1974; Ortner, 1976;
Rosaldo, 1974, 1980) que postula a divisão entre público e privado, cultura e natureza, produção e reprodução,
dominação e subordinação – atribuindo universalmente aos homens o primeiro pólo e às mulheres o segundo –,
que busco aqui contrapor meus dados de campo.