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não conversem à mesa nesses locais
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. Apesar de raro, porém, pode-se encontrar ali quem coma
sozinho, o que é inimaginável em qualquer outro tipo de local em Crotone. Portanto, mesmo
quando por algum motivo não se podia estar em casa à hora do almoço, essa refeição não
passava a ser vista como um momento de estar com os amigos à mesa, mas como uma situação
excepcional na qual se deveria comer fora de casa e sem a companhia familiar
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.
Por outro lado, convidar um amigo para almoçar em casa, embora não ocorresse sempre,
era um hábito usado, especialmente se era sabido que ele estaria sozinho à mesa por algum
motivo. Eu mesma fui convidada mais de uma vez nessa situação: quando as amigas com quem
dividia o apartamento saíam em viagem, meus amigos, colegas de trabalho e patrão
preocupavam-se em me convidar para o almoço, para que eu não passasse aquelas horas em
solidão. O acolhimento visava corrigir a situação excepcional (e marginal) que eu passava,
fazendo-me sentir incluída, dentro.
Havia ainda outros tipos de situações extraordinárias, interessantes também para pensar
a hora do almoço a partir das relações entre o lado de fora e o lado de dentro. A primeira a que
me remeto é a situação de viagem, de estar por alguns dias fora de Crotone. Nessa situação, não
só a hora do almoço passava a ser um momento privilegiado para se estar com os amigos à
mesa, como diversas vezes se saía da cidade especialmente para isso. Isso ocorria especialmente
em períodos próximos às férias de inverno, ou a aquelas de verão, mas também, embora
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É interessante observar que café tomado junto aos amigos, ainda que ocupe um tempo muito mais breve do
aquele de comer uma fatia de pizza, tem uma função de sociabilidade muito mais acentuada do que o que se vê nas
mesas das pizzarias “a taglio”. Ali, parece-me que a relação com a comida, em oposição ao papel que ela tem em
outras ocasiões é semelhante a que Ariés descreve no caso das modernas “cafeterias” em oposição aos “cafés”.
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Do mesmo modo que o almoço estava associado à casa e à família, o tempo que se pensava em dividir a mesa
com os amigos era normalmente reservado à hora do jantar. Se a pausa para o almoço em casa se alongava por três
horas, o jantar na rua tinha a mesma propriedade de esticar-se, compondo um tempo de lazer entre amigos. A
associação amigos/exterior e familiares/casa se complexifica se consideramos as vezes em que as refeições, almoço
e jantar, eram feitas à casa de outros: enquanto no almoço convidar alguém significava, na maior parte das vezes,
incluir o convidado na esfera familiar, no jantar eram as casas de solteiros ou jovens casais aquelas escolhidas para
o encontro entre amigos. Enquanto alguns cozinhavam e os outros conversavam, observava-se a configuração de
uma outra idéia de casa, como que uma abertura desse espaço à outras esferas que não a familiar. Jantar fora
significava, na maior parte das vezes, comer pizza. Ao contrário das pizzarias “a taglio”, jamais escolhidas para
essa programação (trata-se de uma programação entre amigos, e não de matar a fome), aquelas nas quais se ia à
hora do jantar eram valorizadas tanto por seu ambiente quanto, de modo especial, pelo sabor a ser apreciado. Cada
pessoa escolhia e comia uma pizza grande inteira (não existiam fatias ou pizzas pequenas), inevitavelmente
comentando muito atentamente o sabor, a qualidade e mantendo-se interessado pelos comentários dos outros. Ir à
uma pizzaria não era somente uma oportunidade de estar com amigos, mas de dividir com eles um espaço à mesa,
repleto de impressões e nuances gastronômicas. Era também comum sair da cidade para jantar, em busca de bons
restaurantes nas estradas e vilarejos das redondezas. O jantar fora (de casa) tinha uma grande importância dentre o
lazer de interiores, dividindo esse espaço com pubs, cinema e jogos de carta.