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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
Violência e Tráfico: O indizível e o impronunciável
Cenas de Campinas, Rio de Janeiro e São Paulo
Carlos Alberto da Cunha Almendra
São Paulo
2007
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Carlos Alberto da Cunha Almendra
Violência e Tráfico: O indizível e o impronunciável
Cenas de Campinas, Rio de Janeiro e São Paulo
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do titulo de
DOUTOR em Ciências Sociais (Antropologia), sob
a orientação da Profª. Drª. Maria Helena Villas
Bôas Concone.
São Paulo
2007
ii
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Comissão julgadora
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São Paulo, ___ de __________________ de 2007
iii
Agradecimentos
Agradecimentos são processos inerentes a qualquer atividade de pesquisa: ninguém
pesquisa nada sozinho, muito menos conclui doutorado. Isso é um trabalho coletivo e de parcerias.
Em primeiro lugar, deixo expresso aqui o meu mais profundo agradecimento à Profª. Drª.
Márcia Regina da Costa, que me acolheu no programa mesmo conhecendo minhas limitações.
Orientadora segura, estimuladora e, principalmente, compreensiva, infelizmente teve que abandonar
a orientação logo no início do meu trabalho por motivo de doença. Saúde.
À Profª. Drª. Maria Helena Villas Bôas Concone, manifesto um agradecimento especial:
sem ela não teria terminado o doutorado. Recebeu-me como seu orientando com o máximo respeito
ao que eu tinha produzido: orientando naquilo que poderia ser melhorado e guardando para
referências futuras aquilo que não era pertinente ao tema no estágio que se encontrava meu trabalho.
Foi minha professora, responsável por me sentir motivado para a Antropologia Social. Seu bom
humor e seu inesgotável conhecimento antropológico foram de extraordinária valia. Obrigado.
Agradeço à Profª. Drª. Eliane Hojaij Gouveia, que me mostrou ser possível terminar meu
trabalho, em um momento de desânimo e desistência diante das dificuldades encontradas. Valeu.
Agradeço ao Prof. Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, por ter aceitado participar
desta banca. Esse gesto deu ao meu trabalho um valor que uma pessoa como ele poderia dar,
não pelo seu destaque acadêmico como cientista mas, principalmente, pelo exemplo de profundo
respeito que um professor-pesquisador tem que ter pelos seus alunos. Aprendi e agradeço. Abraços.
Dentre todos os que contribuíram para este trabalho acadêmico, ocupa um lugar especial
a Profª. Drª. Luzia Fátima Baierl, que me ensinou a ser pesquisador e teve atuação fundamental na
minha formação acadêmica. Tudo o que aprendi sobre o tema Violência, aprendi com ela. Além disso,
colocou à minha disposição as entrevistas que fizemos em Santo André de forma extremamente
generosa. O “bom” neste trabalho, devo a ela; o “questionável” é de minha autoria. Este trabalho é tão
meu quanto dela. Nunca vou esquecer isso nem vou conseguir retribuir. Afetos “espinosianos”.
Quero destacar, também, aos colegas professores da Faculdade de Administração da
PUC-Campinas, Prof. Dr. Paulo Antonio da Graça L. Zuccolotto (Diretor) e ao Prof. Dr. Ralph Santos
da Silva (Vice-Diretor), que possibilitaram minhas vindas para São Paulo.
Também é necessário ressaltar a prontidão com que os Profs. Dr. Jorge Américo Silva
Machado (USP), Dr. André Pires (Unicamp) e a pesquisadora Drª. Vera Freire, aceitaram participar
desta banca. Abração a todos.
Um agradecimento especial à Professora Isaura Isoldi de Mello Castanho e Oliveira, que
aceitou fazer uma revisão ortográfica deste trabalho, o que acrescentou méritos ao mesmo, visto ser
uma das maiores pesquisadora do tema violência. Agregou valores ao trabalho. Agradeço muito.
Finalmente, como não poderia deixar de ser, agradeço a paciência e compreensão de
todos da minha família, que sempre me incentivaram e permitiram que, nesta fase crepuscular da
minha vida, pudesse realizar este empreendimento. Em especial (não é agradecimento), quero deixar
aqui registrada a minha esperança de que minha filha Mariinha não desista de seu doutorado (nem do
magistério, paralelamente às suas atividades clínicas) que, tenho certeza, vai fazê-la muito feliz.
Carinhos para todos.
iv
Sumário
Preâmbulo .......................................................................................................................................... i - ix
Apresentação:
1. Justificativa ......................................................................................................................... 01
2. Definição e delimitação do objeto de estudo ................................................................... 01
3. Formulação dos objetivos deste trabalho ........................................................................ 02
4. Formulação das hipóteses de trabalho ............................................................................ 03
5. Metodologia ......................................................................................................................... 05
6. Arquitetura do tema: Refazendo caminhos ...................................................................... 09
7. Tipo de pesquisa ................................................................................................................. 18
8. Organização da Tese .......................................................................................................... 30
Capítulo 1 – Da universalidade (virtual) da lei à generalidade (real) da violência:
1. Introdução ............................................................................................................................
33
2. A identificação da violência ............................................................................................... 34
3. A crime: realidade cotidiana .............................................................................................. 48
Capítulo 2 - A violência e crime como fatos permanentes, estruturais e sistêmicos no Brasil 54
Capítulo 3 - O crime organizado: globalização do crime e o tráfico de drogas e armamentos:
1. O crime organizado ............................................................................................................. 66
2. O tráfico de drogas ilícitas ................................................................................................. 90
3. A sociedade brasileira e a confrontação com a violência:
3.1. Os fatos ......................................................................................................................... 93
3.2. Homicídios, roubos e furtos ........................................................................................ 94
3.3. O problema da violência e do tráfico .......................................................................... 100
Capítulo 4 – Os conceitos de Segurança Pública e Política de Segurança:
1. Segurança Pública e Política de Segurança ..................................................................... 106
2. Guerra, Conflito Armado ou Crime Organizado? ............................................................. 109
3. As polícias: a segurança pública estatal ......................................................................... 111
4. O tráfico e a segurança pública ....................................................................................... 123
5. A população e a segurança pública ................................................................................. 125
6. O sistema penal na Região Metropolitana de Campinas ................................................ 129
Capítulo 5 - A polícia, o tráfico e a população: a Região Metropolitana de Campinas (SP):
1. A Região Metropolitana de Campinas ............................................................................... 136
2. Características institucionais e territoriais: Região Metropolitana de Campinas ........ 139
3. A violência e a criminalidade na Região Metropolitana de Campinas:
3.1. O passado e o presente distante ................................................................................ 143
3.2. A violência e a criminalidade .......................................................................................
145
Capítulo 6 – Violência e tráfico: Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas – cenas e cotidianos:
1. Introdução e esclarecimentos ........................................................................................... 166
1.1. A violência e o crime “cosmopolitizado.................................................................. 168
1.2. Causas da violência e da criminalidade ..................................................................... 170
2. A polícia: um olhar sobre as cenas de seu cotidiano ..................................................... 177
3. O tráfico: um olhar sobre as cenas do cotidiano por ele estruturado:
3.1. A influência e a presença das drogas e do crime no cotidiano das pessoas ........ 188
3.2. Os tipos de violências e crimes mais comuns e a estruturação do tráfico ........... 196
3.3. A mitologia em torno do Crime Organizado e do tráfico ......................................... 214
3.4. O tráfico e o Estado ..................................................................................................... 224
4. A população: um olhar sobre as cenas de seu cotidiano:
4.1. As condições de vida da população em relação à violência e ao crime ................. 227
4.2. A população e a presença do Estado ......................................................................... 250
Conclusões ........................................................................................................................................ 258
Bibliografia ......................................................................................................................................... 264
Anexos:
Anexo 1 .................................................................................................................................... 280
Anexo 2 .................................................................................................................................... 282
Anexo 3 .................................................................................................................................... 283
Anexo 4 .................................................................................................................................... 285
v
Lista de figuras
01 – A violência opressiva e humilhante ....................................................................... 35
02 - Crianças de favela brincando de “polícia x traficante” .......................................... 52
03 - As facções do tráfico fora do eixo Rio-São Paulo ................................................. 62
04 – Trâmite burocrático ............................................................................................... 80
05 – A expansão do crack pelo Brasil ........................................................................... 92
06 – A segurança e a insegurança pelo olhar da população da periferia .................... 127
07 – Cartum sobre a preparação do policial ................................................................. 129
08 – A população carcerária da Região Metropolitana de Campinas (2002-2003) ...... 132
09 – Jovens cumprindo medida socioeducativa na Febem .......................................... 133
10 – Superlotação das Unidades da Febem, região de Campinas (março-2004) ........ 134
11 – Flagrante de execução (Execução ao vivo) .......................................................... 240
12 – Policial transportando corpo de adolescente em carrinho de mão ....................... 242
Lista de gráficos
01 – Comparação da taxa de homicídio por cem mil habitantes por país .................... 94
02 – Comparação da taxa de roubo por cem mil habitantes por pais ........................... 94
03 –
Percentual do número de homicídios registrados pelo Ministério da Saúde
nas aglomerações urbanas brasileiras no período de 1997 a 2000) ..................... 96
04 – Brasil – Participação da faixa etária de 15 a 24 anos no total de
mortes por homicídios (em %) .............................................................................. 97
05 – Brasil – Evolução da participação relativa do segmento juvenil
(15 a 24 anos) no total da população (em %) ...................................................... 98
06 – Faixas etárias das vítimas ..................................................................................... 99
07 – Faixas etárias dos agressores .............................................................................. 99
08 – Comparativo entre homicídios e guerras declaradas ............................................ 109
09 – Taxas de mortalidade bruta/mortalidade infantil na RMC ..................................... 149
10 – Como o campineiro vê a violência em sua cidade ................................................ 152
11 – Motivos da não reportagem do crime à polícia ..................................................... 165
12 – Razões para não freqüentar outras áreas ............................................................. 218
Lista de mapas
01 – Novas rotas do tráfico de armas no Brasil ............................................................ 82
02 – Delegacias Regionais de Polícia do Interior .......................................................... 113
03 – Localização da Região Metropolitana de Campinas ............................................. 136
04 – Região Metropolitana de Campinas e municípios vizinhos ................................... 138
05 – Potencial ampliado de Criminalidade Contra a Pessoa ........................................ 157
06 – Potencial ampliado de Criminalidade Contra o Patrimônio ................................... 158
07 – Homicídios nas diversas áreas do município de Campinas – .....
Centros de Saúde (2001) ..................................................................................... 164
08 – Homicídios nas diversas áreas do município de Campinas –
Local de residência das vítimas (2001) ................................................................ 164
09 – Distritos policiais e o mapa das favelas (1996) ..................................................... 165
vi
Lista de tabelas
01 – Causas de mortes entre jovens de idade entre 5 e 14 anos (Brasil) ........................... 50
02 – Brasil - Coeficiente de mortalidade por homicídio por 100 mil habitantes e
participação dos homicídios no total das mortes na faixa etária de
15 a 24 anos nos estados ........................................................................................... 95
03 – Distribuição dos registros de ocorrência das Polícias Civis por grupo penal .............. 96
04 – Brasil – Coeficiente de mortalidade por homicídio por 100 mil habitantes e
participação dos homicídios no total das mortes na faixa etária de 15 a 24 anos
nas regiões metropolitanas ......................................................................................... 97
05 – Gastos da Polícia Técno-Científica no Estado de São Paulo (1999-2002) ................. 109
06 – Funções da Polícia Militar e da Guarda Municipal ....................................................... 121
07 – Estrutura das Guardas Municipais da Região Metrop. de Campinas (2003) ............... 122
08 – A superpopulação da Unidade Jardim Amazonas (Febem) ........................................ 133
09 – Os crimes com maior registro na Febem em 2003 ...................................................... 134
10 – RMC: ano e dispositivo legal de criação dos municípios ............................................. 136
11 – Aumento da população e evolução do número de ocorrências policiais
segundo os municípios da Região Metropolitana de Campinas ................................. 146
12 – Taxa de mortalidade, subgrupos de causas externas, sexo e faixa etária (1980-2000) 147
13 – A violência e a criminalidade na RMC (2001-2002) ..................................................... 148
14 – Evolução da taxa de mortalidade, (causa, sexo e idade) na RMC (1980 – 2000) ....... 150
15 – RMC: Evolução do Número de Ocorrências Criminais Contra a Pessoa: 1997 .......... 153
16 – RMC: Evolução do Número de Ocorrências Criminais Contra a Pessoa: 2000 .......... 153
17 – RMC: Evolução do Número de Ocorrências Criminais Contra o Patrimônio (1997/2000)153
18 – Região Metropolitana de Campinas: Número de Ocorrências Criminais
Contra a Incolumidade Pública, segundo os Municípios (1997) ................................. 154
19 – Região Metropolitana de Campinas: Número de Ocorrências Criminais
Contra a Incolumidade Pública, segundo os Municípios (2000) ................................. 154
20 – Região Metropolitana de Campinas: Número de Ocorrências Policiais
por Natureza do Crime, segundo os Municípios (2000) ............................................. 155
21 – Ranking da violência .................................................................................................... 162
Lista de quadros
01 – Modalidades de delitos de homicídio na Legislação Penal Brasileira ......................... 14
02 – Classificação dos tipos de violência ............................................................................ 48
03 – As novas facções das cadeias paulistas ..................................................................... 71
04 – Características das dimensões das organizações criminosas –
As atividades: tráfico de drogas .................................................................................. 79
05 – Estimativa de consumo de drogas no mundo (década de 90) ..................................... 83
06 – Diferenças entre Regimes Disciplinares das Unidades Prisionais brasileiras ............. 130
07 – Lotação dos presídios do Complexo Prisional Campinas-Hortolândia ........................ 131
08 – RMC –Sinopse dos desmembramentos do municípios ............................................... 138
09 – O trabalho infantil em Campinas: maio de 2003 até maio de 2004 ............................. 147
10 – Sentimento de jovens que entraram para o tráfico após algum tempo de participação 209
11 – A maior queixa ............................................................................................................. 242
12 – Deinter 2 (Campinas): Taxa de delito por 100 mil habitantes ...................................... 243
13 – Atendimento na Ouvidoria: Crimes contra a pessoa (2004) DEINTER 2/CPI-2 .......... 243
14 – Atendimento na Ouvidoria: Crimes contra administração pública, patrimônio e
tráfico (2004) ............................................................................................................. 244
15 – Ouvidoria: Denúncias recebidas na Ouvidoria, por departamento,
Comparativo Polícias – Anual (2004) – DEINTER 2/CPI-2 ........................................ 245
16 – Policiais Militares Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na
Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 – 2003 ................................................................ 245
17 – Policiais Civis Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na
Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 – 2003 ............................................................. 246
18 – Tabela Geral de Denúncias por Departamento – Comparativo dos
Departamentos/Comandos – Capital e Interior – Anual 2004 .................................... 248
vii
Resumo
A angústia e insegurança geradas pela violência não podem ser solucionadas
exclusivamente pela presença policial, ou, pura e simplesmente, pela ação truculenta e
intimidatória do agente policial. Precisamos abandonar as práticas repressivas e punitivas,
consideradas ineficientes e pouco eficazes, em favor de práticas mais atuantes que
privilegiem o sistema distributivo de bens, oportunidades e poder. A impunidade dos delitos
precisa acabar.
Dentro dessa perspectiva, na Região Metropolitana de Campinas vamos
perceber um crescimento urbano completamente desordenado
___
particularmente nas
regiões periféricas e mais pobres, onde ocupações, loteamentos clandestinos e favelas
representam o formato mais comum
___
, desemprego de grande parcela da população mais
pobre e de menor nível de escolaridade, concentração exagerada da riqueza nas mãos de
uma parte pequena da população
___
gerando um contraste social extremamente
acentuado
___
, falta de infra-estrutura urbana e assistencial
___
que atinge grande parte da
população periférica mais pobre
___
, além da localização estratégica da cidade.
Na Região Metropolitana de Campinas, o Crime Organizado, particularmente
aquele ramo dedicado ao tráfico de drogas e armas, encontra um lócus extremamente
favorável, visto ser a região rica, entroncamentos de rodovias importantes ligando o interior
ao litoral e o Norte ao Sul do país, tendo vários complexos penitenciários, além de ser uma
área pioneira de atuação do PCC Primeiro Comando da Capital, que se apresenta
hegemônico em toda a sua área, dentro e fora dos presídios.
O mundo do tráfico na Região apresenta características mais próximas daquelas
encontradas em São Paulo que do Rio de Janeiro, graças à geografia local, ao tipo de
relação entre as facções do tráfico local, ao tipo de relação entre o tráfico e a população,
além da proximidade entre Campinas e a capital do estado.
De fato, a configuração geográfica, representada pelo relevo, oferece melhores
condições de trânsito nas áreas periféricas campineiras, facilita a fuga dos traficantes em
momentos de blitz. Na Região não encontramos rivalidades sérias entre facções, visto a
hegemonia ter sido conquistada pelo PCC, que age muito mais como empresa de franquia,
cobrando dos associados traficantes proteção e apoio logístico (fornecimento de armas,
veículos e proteção judicial), que como dona de áreas ou bocas de tráfico. Age dentro de
uma estrutura eminentemente empresarial, razão pela qual deveria ser mais bem estudada
pelos economistas dentro de uma Economia Criminal.
Não existe um assistencialismo claro por parte dos bandidos em relação à
população, sendo que a lei do silêncio é muito mais garantida pela violência que
propriamente por relações de cumplicidade, assistencialismo e proteção.
No que tange a todas as outras características, próprias da organização do
espaço pelo tráfico, vamos encontrá-las na Região Metropolitana de Campinas, visto ser
uma área de influência marcante da cidade de São Paulo, razão pela qual qualquer política
pública de combate e prevenção à violência e criminalidade deverá ser, antes de tudo,
integrada com políticas semelhantes para todas essas regiões.
Se não forem adotadas medidas urgentes para se tentar controlar a violência e a
criminalidade na Região, dentro de poucos anos teremos situações extremamente
complicadas para a sua qualidade de vida: o crack parece ser a droga que mais
proximamente vai ter um aumento assustador, particularmente com a presença do super-
crack”, muito mais barato e devastador.
Palavras chaves: Criminalidade, Medo social, Tráfico, Drogas, Armas, Violência.
viii
Abstracts
The agony and the insecurity generated by the violence can not be solved
exclusively by the police presence, or purely and simply for the truculent and
intimidated action of the police agent. We need to abandon repressive and punitive
practical considered inefficient and not capable, in favor of more effectiveness
actions that privilege the distributive system of properties, opportunities and power.
Impunity of the delicts needs to be finished.
According to this perspective, in Campinas Metropolitan Region we are
going to note an urban growth completely disordered (particularly in the peripheric
poor regions, where clandestine occupations, land divisions and slum quarters
represent the commoner format), unemployment of the poorest part of the population
and the smaller level of education, exaggerated concentration of the rich people in
the hands of a small part of the population (creating a social contrast extremely
accentuated), lack of assistencial and urban structure that reaches a great part of the
poorest peripheric population (point of convergence (meeting) of various highways),
complemented with a high acquisitive power (in terms of Brazil) of the population.
These factors, in its conjunct, become the Region an attraction center of violence and
criminality.
In Campinas Metropolitan Region, the Organized Crime, particularly that
dedicated branch to the traffic of drugs and weapons find a lucus extremely
favorable, because the region is rich and crossing point of important highways
connecting to the coast an the North to the South of the country, having penitentiary
complexes, besides being a pioneer area o PCC (First Command of The Capital)
actuations, presents hegemonic in all its area inside and outside of the penitentiaries.
The word of the Traffic in the Region presents similar characteristics of the
ones found in Sao Paulo than in Rio de Janeiro. The geographic configuration
represented by the relief, better transit condition in Campinas peripheral areas,
facilitates the escapement of the trafficker ant the blitz moments.
We don’t find in the Region serious rivalries among factionsbecause the
hegemony was conquered by the PCC, that acts much more as a franchise firm,
asking for the associated traffickers protection and logistic support (supplying
weapons, vehicles and judicial protection as the dono of areas or boca de trafico”.
They act inside an eminently enterprise structure, the reason why it will have to be
more studied by the economists inside a “Criminal Economy”.
It doesn’t exist a clear assistance by outlaws in relation to the population
because the Silent Lawis more guaranteed by the violence than by the relations of
complicity, assistance and protection.
About all the other characteristics, proper of the organization of the space
by the Traffic, we are going to find them in the Campinas Metropolitan Region, since
is an area of important influence of the city of Sao Paulo, the reason why any public
politics of combat and prevention to the violence and criminality will have to be,
before everything, integrated with similar politics for all there regions.
If urgent measures were not adopted to try to control the violence and the
criminality in the Region, in few year we will have situations extremely complicated
for life quality, crack seems to be the drug that is going to have terrify increase,
especially with the presence of the “super-crackcheaper and devastator.
Keywords: Criminality, social afraid, traffic, drugs, weapons, violence.
ix
Apresentação
1 – Justificativa
“Crime é o crime, não é o creme, ta ligado mano?”
(Athayde & MV Bill, 2006: 14).
No Brasil, o Estado não conseguiu
___
ou se omitiu
___
de uma das suas mais
importantes funções: garantir a segurança pública na organização da vida social.
Esse fato, independentemente das causas, acaba por permitir o aparecimento de
uma Sociedade Criminal
que, em determinadas regiões do país, tenta se instituir
como um mundo a parte, dentro do Estado Institucional.
Essa situação provoca um conflito entre os dois mundos: o Institucional,
formado pelos organismos estatais institucionalizados pelas Leis; e, o Criminal,
formado pelo Crime Organizado, especialmente aquele relacionado ao tráfico de
drogas e armas. Cada um busca, através da violência, definir e ocupar o seu
espaço. Esse embate provoca violência e medo na população, modificando seus
hábitos e interferindo fortemente no seu cotidiano.
A eficiência e a eficácia das ações das polícias, organismos do Estado, no
sentido de coibir, controlar ou impedir a ação criminosa por todos os meios ao seu
alcance, deixam muito a desejar criando, nos vários setores da sociedade, um
sentimento de desconfiança. De fato, as polícias são frequentemente percebidas por
parte da população como encarregadas da violência legal. Considerando perniciosa
ou nociva uma presença da polícia, os habitantes das periferias urbanas e favelas
preferem, frequentemente, resolver seus problemas diretamente com os criminosos,
nos quais, não raro, depositam mais confiança.
Esse estado de coisas (onde o mundo do crime e da violência
particularmente o ligado ao tráfico de drogas e armas), precisa ser mais bem
estudado e equacionado, para que as autoridades constituídas possam elaborar
políticas públicas que trabalhem com a violência e criminalidade o que, por si só, já
justificaria um trabalho deste tipo.
2 – Definição e delimitação do objeto de estudo
Percebemos, nos dias de hoje, uma mudança radical na atuação do
Estado na sociedade moderna. A noção tradicional de Estado
___
protetor e
1
assistencialista
___
está sendo contestada, considerada insuficiente e ineficaz,
principalmente graças à ação do Mundo da Criminalidade e da Contravenção.
Além disso a guerra urbana gerada pelo embate entre esses dois
mundos
___
um, representado pela criminalidade; outro, pelas polícias e sistemas
repressivos do Estado
___
, está criando, particularmente nas periferias metropolitanas,
um novo mundo. Este novo mundo aparece com hábitos e costumes próprios e
estruturas sociais diferenciadas, onde o cotidiano das pessoas aparece entrelaçado
e condicionado pelo embate “polícia versus traficante”.
Esse mundo, de extrema complexidade nos seus relacionamentos,
formado pelas polícias e policiais, pelo tráfico e traficantes
___
Crime Organizado ou
não
___
e pela população envolvida direta ou indiretamente no processo, constitui o
objeto de estudo deste trabalho, com destaque às Regiões Metropolitanas do Rio de
Janeiro, São Paulo e, especialmente, Campinas.
3 – Formulação dos objetivos deste trabalho
Este estudo tem como Objetivo Geral: observar/analisar/decifrar/relatar as
relações que envolvem o tráfico, a polícia e a população, na periferia das cidades da
Região Metropolitana de Campinas, compondo um panorama geral do cotidiano
configurado em torno do tráfico de drogas ilícitas e armas.
Para atingir essa finalidade, alguns Objetivos Específicos precisam ser
equacionados, quais sejam:
a - Caracterizar as articulações do mundo do tráfico campineiro com as outras
regiões brasileiras e mundiais; visto que o tráfico, em geral, não é um fenômeno
isolado, mas faz parte de uma rede maior que abrange, nas suas ramificações, todo
o território nacional e internacional.
b Identificar, na Região Metropolitana de Campinas e, além dela, sempre
que possível, nas Regiões Metropolitanas de Rio de Janeiro e São Paulo:
- as relações entre o tráfico e as polícias: o que parecem constituir, na
área estudada, um problema central, de difícil solução e que
compromete qualquer política pública;
- as relações entre o tráfico e a população: por existir, possivelmente em
muitos casos, uma relação de trocas entre eles: silêncio por um mínimo
de segurança pessoal, pelo menos nas áreas de moradia;
2
- as relações entre o tráfico, bandidos e os usuários: para se entender
como é que se realiza a distribuição e consumo das drogas;
c - Caracterizar as "mercadorias simbólicas" e materiais trocadas pela rede
formada pelo tráfico, policial e população. São essas mercadorias simbólicas
1
o
referencial de troca usado nas relações entre traficantes/policiais/população não
envolvendo necessariamente dinheiro, mas jogos de poder, favores, saberes,
ameaças, conivência, cumplicidade e sedução, efetuadas de formas ritualísticas,
místicas e cerimoniais, que nada mais são que o exercício do poder de cada um dos
protagonistas.
d - verificar como os cidadãos comuns entendem esse novo mundo de
criminalidade que, fundamentado sob novos valores sociais, econômicos e políticos,
instaura novas modalidades de violência e de medos, provoca comoção econômica
(pelas astronômicas despesas com a segurança patrimonial, coletiva e individual) e
social (pelo medo social gerado) nas maiores cidades brasileiras, destacando-se
aqui a Região Metropolitana de Campinas.
e - decifrar o mundo do traficante e do marginal, cujo olhar paira sobre
toda a área, observando tudo de forma atenta e aguçada
___
e por todos sendo
observado mas por ninguém sendo “reconhecido”.
f - expor a visão de todos os protagonistas envolvidos pelo Mundo do
Tráfico, a respeito do enorme e insuportável custo social e econômico
2
dessa
guerra” que a sociedade exercita para se proteger da criminalidade urbana.
4. Formulação das hipóteses de trabalho
Para atingir os objetivos propostos partimos da hipótese geral que existe
uma quase promiscuidade de interesses ou, pelo menos, de conivência, envolvendo
todos os protagonistas desses enredos de crime e violência (polícias, traficantes,
instituições e população em geral), em uma relação de custo/benefício que dificulta o
combate feito pelas autoridades. Compreendemos esse custo/beneficio não
apenas como o sucesso ou o insucesso na consecução dos objetivos buscados,
mas também a avaliação da possibilidade de não ser pego no ato delituoso; se
1
Diferente do conceito desenvolvido por Michel Misse (1999) de mercadorias políticas”, que
envolvem as propinas, chantagens, corrupção, proteção, etc.; preferimos chamar esses elementos
de mercadorias simbólicas”, visto apresentarem também elementos ritualizados, abstratos e
integrantes do mundo imaginário de cada um, como o sentimento de pertença à rede de proteção
do traficante e comunhão do seu circulo de conhecidos.
2
Custo tão alto que justificaria a proposição de uma nova modalidade de economia: a Economia
Criminal”, não para assessorar o crime, mas para conhecê-lo, evitá-lo e combatê-lo.
3
pego, não ser pronunciado; se pronunciado, não ser julgado; se julgado, cumprir
uma pena reduzida ou sair por bom comportamento muito antes do término do
tempo estipulado pelo juiz para a reclusão. Isso, sem falar da grande possibilidade
de fugas, devido a um sistema carcerário deficiente e obsoleto na maioria das
prisões. Essas, inclusive, foram as razões da escolha do título do trabalho,
justificado pela impossibilidade de alguém denunciar o criminoso para julgamento
(o indizível”, determinado pela lei do silêncio”) e, conseqüentemente, o
pronunciamento de uma sentença por um juiz (o impronunciável”, pois, não
existindo queixa ou denúncia, não processo nem sentença pronunciada por um
juiz).
Assim, este estudo pretende mostrar como hipótese primária que a
sobrevivência e expansão do tráfico estão ligadas a vários fatores, de difícil controle
social e repressão, pois envolvem elementos significativos da população
___
os quais
não estão interessados no seu fim
___
, além de estimularem extraordinários ganhos
econômicos para os envolvidos e gerarem fatos sociais marcantes.
Entre esses fatos, destacaríamos:
a o consumo de drogas, que tem aumentado muito nos últimos tempos,
estimulado pelo glamour que representa para a juventude, meio de fuga dos
problemas cotidianos e influência dos consumidores em relação aos que ainda
não consomem, o que trás compradores cada vez mais numerosos;
b - o tráfico, que existe para suprir uma demanda sempre crescente;
c a estrutura social do tráfico, que não é organizada de forma a produzir
uma verticalização absoluta, isto é, uma única organização (que constituiria a
Organização Criminal), mas, é composta por diversas redes independentes,
dominadas por facções às vezes concorrentes entre si, às vezes compondo-se (são
os primos”), mas sempre se dedicando a preservar, expandir e organizar o tráfico
das suas respectivas áreas de atuação; por isso tal estrutura é mais
apropriadamente chamada: Crime Organizado.
d a enorme lucratividade, que atrai jovens pobres ou da classe média
para um trabalho onde, apesar dos altíssimos riscos de prisão ou morte, o retorno e
a sensação de “aventura” e “heroísmo” são grandes (ganhos simbólicos e materiais);
e corrupção generalizada, visto o tráfico contar com uma parcela de
representantes do Estado (policiais, agentes carcerários, juízes e advogados) que
vendem” proteção, aumentando assim a possibilidade da impunidade;
4
f – quando nas prisões, os traficantes têm condições
___
pela corrupção dos
agentes penitenciários
___
, de continuar gerindo seus negócios eficientemente;
g setores políticos e econômicos que conseguem impedir, de uma forma
ou de outra, a destruição das principais rotas de tráfico de drogas e armas,
Por outro lado, não se pode esquecer que, do ponto de vista do tráfico, a
Região Metropolitana de Campinas ocupa um lugar estratégico no Estado de São
Paulo. Devemos, por isso, levar em conta questões tanto locais quanto nacionais na
formulação do problema em foco (o que aumenta sua complexidade).
De fato, a Região Metropolitana campineira encontra-se num ponto de
intersecção das grandes rotas de distribuição de drogas para o mundo globalizado.
Ela é um centro de passagem, de armazenamento e de distribuição de drogas
ilícitas para as restantes regiões brasileiras. Tais características parecem levar a
organização local a adotar uma configuração que reproduz a organização geral do
tráfico nas grandes capitais brasileiras (e no país), comprovadamente eficientes para
atingir seus objetivos, sem deixar de responder às condições locais (que envolvem
relevo, distribuição de favelas e áreas periféricas pobres, além do padrão de vida da
população local).
Finalmente, que se considerar que existe uma permeabilidade”, ou
seja, uma porosidade nas relações entre o tráfico, a polícia e a população. o
articulações que trazem benefícios suficientes a cada uma das partes, de tal forma
convenientes que elaboram uma rede de relações difícil de ser quebrada. Essa
permeabilidade refere-se à facilidade com que as mercadorias simbólicas e
materiais são trocadas entre os protagonistas do cotidiano que envolve o tráfico
(traficantes, policiais e populares). Essas relações acabam por redundar, direta ou
indiretamente, nos atos de agressões, corrupção, propinas, homicídios, etc., que
caracterizam a violência na Região Metropolitana de Campinas.
5. Metodologia
A metodologia desta pesquisa parte do princípio que, por ser um trabalho
de Ciências Humanas, cabe buscar os significados vivenciais expressos no cotidiano
das pessoas, ou seja, a elaboração de um trabalho interpretativo (Geertz, 1978: 15).
Por isso mesmo, dentro dessa perspectiva, evidenciaremos a cultura marginal que
aflora e se estrutura nas periferias dominadas pelo tráfico, dentro da ótica de Geertz
(1978: 24) quando se refere às manifestações culturais, qual seja: a cultura não é
um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente aos acontecimentos
5
sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo
dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível
___
isto é, descritos com
densidade”.
Os resultados desta pesquisa, ou melhor, o texto que dela resulta, será,
sem dúvida, produto de um tipo de experiência pessoal do pesquisador (Leach,
1959), que procura decodificar as ocorrências nas áreas dominadas pelo tráfico. Não
temos, entretanto, a pretensão de ver o mundo e interpretá-lo com uma visão livre
de preconceitos, que o vemos com o espírito condicionado por um conjunto
definido de costumes, e instituições, e modos de pensar” (Benedict, 1934: 9),
produto de uma vivência pessoal e de sua história de vida, entretanto não abrimos
mão da busca de uma objetividade científica necessária para a validação das
conclusões obtidas. Assim, este trabalho não pretende ser a descrição fiel da
realidade”, mas aproximar-se o mais possível do modo como essa comunidade
3
funciona, o que exigiu pesquisa de campo, para a qual os ensinamentos de
Malinowski foram de grande valia.
Assim, apesar de forte contribuição de Clifford Geertz
___
pois
consideramos que este trabalho é uma interpretação da realidade de segunda ou
terceira mão
___
, ele não pretende ser uma obra de ficção literária porque, mesmo
reconhecendo que ele não é a expressão exata do real, consideramos que está
ancorado (preso) a esse real e a ele se refere diretamente. Por isso, analisando os
símbolos com os quais os fatos sociais são representados pelos atores do estudo
interagindo (traficantes, policiais e população), pretendemos evocar uma
representação dessa sociedade da forma mais fiel possível, buscando uma
intersubjetividade entre os depoimentos dos seus protagonistas com as observações
do pesquisador.
Mesmo considerando-se que os textos elaborados são alegorias, ou seja,
representações e metáforas, como diria James Clifford (1998), eles reproduzem as
vozes dos entrevistados. Assim, permitem a construção de uma narrativa que
apresenta uma similitude com o real, que apresentam o somatório das múltiplas
histórias de vida. O resultante não é produto do relacionamento sujeito-pesquisador
versus sujeito-pesquisado, mas uma obra em co-autoria entre o sujeito-pesquisador
3
O termo comunidade está sendo usado aqui para designar áreas da periferia urbana, geralmente
formadas por favelas ou bairros pobres, que apresentam identidade própria, expressa na forma como
a população do local se refere a eles próprios. É nesse sentido que os narradores de desfiles
carnavalescos, no Rio de Janeiro, referem-se às favelas de onde as Escolas de Samba são
originárias: Comunidade da Rocinha, Comunidade da Mangueira, Comunidade de Vila Isabel, etc.
6
e seus informantes/sujeitos pesquisados (personagens entrevistados e obras
pesquisadas).
Não pretendemos uma guerre des mots et contrôle des frontières
remplacent ainsi trop souvent les vrais débats épistémologiques (Perrot & Soudiére,
1994: 10) isto é, não pretendemos fazer o discurso do óbvio rebuscado”, através de
uma fala “jargonada” mas, na linguagem comum, contar os fatos.
Legitimando a pesquisa procuramos restringir nosso foco de atenção
apenas àquela região de fronteiras nitidamente definidas (Lévi-Strauss, 1967: 20),
a área core do fato social, procurando não extrapolar as conclusões para
agrupamentos diferentes daqueles representados pelas comunidades envolvidas,
direta ou indiretamente, com o tráfico. Esta pesquisa, entretanto, não prescinde de
uma base histórico-temporal, sempre considerando que, para compreender a
história, não basta saber como são as coisas, mas como chegaram a ser o que são.
(Boas, 1920: 322).
No transcorrer desta pesquisa registrou-se, preferentemente, o agir da
coletividade no seu cotidiano, livre, descompromissado e inconsciente, pois o
dúvida alguma de que as razões inconscientes pelas quais se pratica um costume,
se partilha uma crença, estão bastante afastadas das razões que se invoca para
justificá-la. (...) Agimos e pensamos por hábito” (Lévi-Strauss, 1967: 34). depois
de registrado esse cotidiano, o confrontamos com as entrevistas e o resultado das
falas das pessoas quando instadas a se pronunciar a respeito de qualquer assunto.
Ainda, a partir de Lévi-Strauss, procuramos estabelecermodelos
4
___
que não sejam
modelos absolutos, gidos, universais e fechados
___
, para o entendimento das
comunidades relacionadas com o tráfico, estabelecendo os pontos em comum que
possam facilitar o entendimento da singularidade de cada uma qualitativamente.
Alguns desafios de ordem conceitual precisaram ser enfrentados. Desde o
início constatou-se um problema fundamental para delinear a metodologia a ser
empregada: como conceituar violência, criminalidade e delimitar o que deveria ser
considerado crime para efeito deste estudo.
Após consulta a inúmeros autores, procuramos construir uma noção
própria de crime como sendo um desvio comportamental em relação às normas
sociais, englobando todos os atos definidos como uma violação da lei. Isso permitiu
uma dinâmica bastante acentuada do conceito, deixando de estar unicamente
4
Para o entendimento da categoria modelo”, aqui utilizada, nos reportamos ainda a Lévi-Strauss
(1967: 316), Modelos (tais como os jogos), são construções teóricas que supõem uma definição
precisa, exaustiva e não demasiado complicada: devem ser também parecidos (grifo nosso) com a
realidade sob todas as relações que importam à pesquisa em curso”.
7
correlacionado
___
na sua formulação
___
às leis; ressaltando uma conotação muito
mais social, orgânica e variável, tanto no tempo como no espaço. Aliás, a presença
de ações criminosas
___
a criminalidade
___
, é uma constante na história da
humanidade, fazendo com que alguns autores considerem como normal a sua
presença e fazendo parte das características humanas. Isso vem desde Durkheim
(1995), que considerou o crime e a criminalidade como fatos sociais normais e
parte da natureza humana,que sempre existiu e se constitui característico próprio
de todas as classes sociais. Entretanto, as formas mudam e as ações qualificadas
como criminosas caracterizam os diversos tipos de sociedades e épocas,
constituindo-se num vasto campo de estudos para os antropólogos, sociólogos e
assistentes sociais, além, evidentemente, dos juristas. Essa discussão vem desde
os trabalhos de Lombroso. Césare Lombroso (s/data) iniciou os seus estudos da
antropologia do criminoso procurando estabelecer as bases científicas de uma
teoria que considerava que o criminoso nascia com essa tendência, herança de seus
ancestrais
___
também criminosos
___
, constituindo-se numa característica atávica que
se expressava nos seus traços físicos. Evidentemente, na nossa metodologia, não
consideramos a criminalidade como sendo um componente da personalidade
humana discernível fisicamente, como uma herança maldita, mas, sim, como
conseqüência de uma série de fatores, predominantemente sociais, econômicos e
estruturais, agindo conjuntamente, pois estão fora de nossa alçada questão de
ordem psíquica ou eventuais questões biológicas.
Outros tantos passos iniciais foram fundamentais. O trabalho propriamente
dito foi iniciado com uma avaliação da literatura especializada disponível. Logo foi
possível perceber que a criminalidade, o crime e a violência, nem sempre foram
contemplados com uma grande quantidade de estudos, se levarmos em
consideração a sua importância atual. Isso acontece mesmo naquelas áreas
___
Direito e Segurança
___
onde representam temas preferenciais.
Logo a seguir foram consideradas as informações trazidas pelas fontes
secundárias, particularmente um arquivo formado por artigos publicados em jornais
e revistas que tenham abordado a temática crime nos últimos seis anos,
constituído de aproximadamente 19.000 páginas, A
4
, espaço 1, fonte 12.
Em seguida, buscou-se uma aproximação com pessoas, lideranças e
referências sociais, que pudesse indicar outras pessoas ou entidades que
possibilitassem o acesso a outras fontes primárias de dados como relatórios,
8
levantamentos, orçamentos, teses ou monografias, que pudessem servir de
subsídios à compreensão do tema e à análise dos nossos próprios dados.
Evidentemente esse trabalho foi moroso, exaustivo e de persistência no
sentido de ganhar a confiança dos envolvidos na pesquisa e, particularmente, dos
entrevistados (15 entrevistas com sujeitos escolhidos pela sua representatividade no
segmento da área estudada, constituindo-se em fontes primárias de informações),
visto ser esse tema muito delicado envolvendo dados sigilosos (vendas de armas e
drogas, assassinatos, etc.) das autoridades e bandidos, ou envolvendo perigo de
vida (para os moradores das áreas de risco entrevistados e para o próprio
entrevistador). A eleição desses procedimentos metodológicos, fez com que a
análise do material produzido pelas entrevistas fosse muito mais complexa, pois,
além das transcrições dos depoimentos na sua totalidade, necessário se fazia anotar
as hesitações, os silêncios e as reticências. Isso era imprescindível para poder
remeter os fatos narrados aos seus contextos histórico-culturais para que fizessem
sentido no cotidiano das pessoas, cercando todas as relações detectadas nos
depoimentos, seja com os familiares, com a delinqüência ou com a polícia.
Por razões mais que óbvias, e não apenas para atender aos preceitos
éticos de qualquer pesquisa, o sigilo e o resguardo da identidade dos entrevistados
era fundamental. Nem sempre o artifício de um nome fantasia garante a não
identificação do entrevistado dentro do seu grupo de interesse. Por isso, com
freqüência apresentamos depoimentos de modo geral.
Este estudo privilegiará as favelas e as periferias empobrecidas das
cidades da região de Campinas, pois o crime aparece concentrado nessas áreas,
com reflexos por toda a estrutura urbana.
6. A arquitetura do tema: Refazendo caminhos
O chamado Crime Organizado, na Região Metropolitana de Campinas,
envolve tráfico de drogas e armas, roubo de cargas e carros, assaltos, roubos em
geral e homicídios. Destacaremos, entretanto, apenas os crimes ligados direta ou
indiretamente ao tráfico de drogas ilícitas e armas, que aparecem interligados,
configurando-se no grande problema do momento: a violência.
A abordagem proposta foge do tratamento usual da construção de taxas
de homicídio específicas para cada idade entre 15 e 40 anos. Procuramos
privilegiar, sem descurar das taxas usuais, aquelas que se referem às faixas etárias
9
compreendidas entre 10 e 25 anos, que pareceram mais significativas já que, tanto a
maioria das vítimas de crimes violentos como os agressores, na população
estudada, encontram-se nessa faixa etária. A partir dos 10 anos a probabilidade de
morte é crescente, atingindo o pico na faixa dos 20 aos 25 anos; a partir daí inverte-
se a tendência tornando-se decrescente com o aumento da idade.
Apesar de ter sido utilizado como referencial as taxas de criminalidade em
geral para cada grupo de 100.000 habitantes, fica claro que isso apresenta certos
problemas, como muito bem notaram Andrade & Lisboa (2000), identificando três
dificuldades: em primeiro lugar, a taxa de homicídio varia consideravelmente entre
as idades e os sexos. Geralmente as vítimas de homicídios são do sexo masculino,
crianças, jovens e homens, com idades entre 10 e 30 anos. Dessa forma, as taxas
de homicídios por 100.000 habitantes podem variar significativamente entre regiões
em decorrência apenas da diferença nas composições etária ou de sexo. Em
segundo lugar, a relação entre homicídio e variáveis econômicas também pode
variar. Um indivíduo que tenha exercido atividades ilegais em algum momento de
sua vida e que isso tenha sido registrado de alguma forma pode ter seu acesso ao
mercado legal de trabalho bastante comprometido. Em terceiro lugar, o acesso
diferenciado ao mercado de trabalho entre a população que participa do mercado
legal de trabalho e a que participa de atividades ilegais pode resultar em efeitos
geracionais sobre a taxa de homicídios (efeito inércia)” (Andrade & Lisboa, 2000:
777). Assim, se os indivíduos de certa geração acabam por se dedicar ao crime e
sendo seu pretenso retorno às atividades legais dificultado, a tendência é essa taxa
de criminalidade se manter nessa parcela ao longo de todo o seu ciclo de vida,
caracterizando o citado “efeito inércia”.
Os trabalhos sobre o custo econômico da violência também apresentam
dificuldades inerentes à confiabilidade dos dados, segundo Andrade & Lisboa (idem,
801), ou seja: 1) não existem medidas dos ganhos efetivamente ocorridos nas
diversas modalidades de crimes, que permitam separar e avaliar os efeitos do
aumento do rigor punitivo da lei e os efeitos da elevação da probabilidade de ser
punido; 2) a inexistência de medidas exatas quantificando as diversas modalidades
de crimes, como conseqüência do elevado número de sub-notificações, e 3) a quase
impossibilidade de se calcular a probabilidade de alguém ser punido por uma
determinada modalidade de crime,
Diante dessa necessidade de se perceber o vel de impunidade,
procuramos informações sobre a distribuição espacial de crimes e os contextos de
10
oportunidades para a ação criminosa. Para tanto, não foram consideradas de forma
absoluta as variáveis individuais de delinqüência, mas as características de cada
comunidade e dos espaços urbanos, tanto centrais como periféricos, onde os crimes
estão acontecendo preferencialmente. Ainda dentro dessa proposta, nas pesquisas
e entrevistas, verificou-se que determinadas comunidades, como algumas favelas e
bairros periféricos pobres, apresentam altas taxas de criminalidade, apesar de
mudanças importantes nas características sociais e culturais dos residentes,
aquinhoados com novos equipamentos urbanos
___
escolas, creches e postos de
saúde
___
ou habitacionais (conjuntos residenciais construídos pelo poder público),
quando essas melhorias não são acompanhadas por atividades sócio-educativas
que desenvolvam a noção de cidadania e esperança de melhores condições de vida.
Para melhor entender esse mecanismo, metodologicamente, foi necessário distinguir
a incidência de crimes das características sociais dos criminosos”, pois a
motivação para o crime deve ser vista como o resultado de um ambiente propício à
ação, onde a pessoa está orientada culturalmente para valorizar positivamente
determinadas ações criminais e existe disponibilidade de alvos para a ação
criminosa. Tem influência marcante a ausência ou fraca incidência de mecanismos
de controle e de vigilância, daí a importância metodológica da análise da distribuição
territorial dos delitos e o contexto sócio-cultural no qual eles ocorrem.
Para estabelecer na forma mais objetiva possível as taxas de
criminalidade, recorremos aos principais estudiosos do tema, como Fajnzylber,
Lederman e Loayza (1998 e 1999) e Fajnzylber (2000) que utilizam técnicas
econométricas explicitando os determinantes econômicos e sociais do crime. Assim:
“É pertinente notar que variáveis que medem o nível de desenvolvimento (o PIB
per capita e a escolaridade média da população, por exemplo) não se mostram
robustamente associadas às taxas de crime. Outras variáveis que se mostram
relevantes são: a probabilidade de captura e a severidade do sistema judicial (com
sinal negativo), a produção e o consumo de drogas no caso de homicídios (sinal
positivo), o grau de urbanização no caso de roubos, o grau de polarização na
distribuição de renda ou a ausência de uma classe média significativa (sinal
positivo) e o nível de capital social quando medido pelo grau de confiança nos
’World Value Surveys’” (Fajnzylber, 2000: 6).
No Brasil, poucos estudos econométricos sobre a criminalidade e,
particularmente, sobre os determinantes econômicos das taxas de crime. Destacam-
se entre eles os elaborados por Araújo Jr. e Fajnzylber (2001) onde foram estudadas
as causas da taxas de criminalidade nas microrregiões mineiras. Cotejando os
dados da Polícia Militar de Minas Gerais e do Ministério da Saúde (para homicídios)
percebeu-se que a educação e o nível de renda per capita encontram-se
11
negativamente associados à incidência de crimes contra a pessoa, mas
positivamente associados a crimes contra a propriedade. Os mesmos resultados
foram obtidos por Carneiro e Fajnzylber (2000), para as pesquisas de vitimização
nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, onde se verificou que os pobres estão
mais sujeitos a serem vítimas de crimes violentos (homicídios) do que crimes
econômicos (roubos e furtos), o que nos parece óbvio, visto serem eles desprovidos
de bens econômicos e financeiros podendo, portanto, perder apenas a única coisa
que ainda possuem: a própria vida.
A principal característica dos dados utilizados nas análises do
problema representado pela violência e criminalidade consiste na sua precariedade
e ausência de confiabilidade. Por essa razão, quando utilizamos algum dado, de
qualquer fonte que seja, eles servem apenas para mostrar direções ou tendências,
sem nenhuma intenção de quantificar exatamente o fenômeno.
Essas dificuldades, quando levadas em consideração no seu todo,
envolvendo as mais diversas regiões brasileiras tornam as possibilidades de
comparação territorial desses dados uma aventura de ficção literária, além da
desconfiança existente entre as próprias instituições policiais, os institutos de
pesquisas e os próprios pesquisadores (Zaluar, 1996
a
: 3).
Diante da necessidade de se estabelecer uma metodologia para a
captação dos dados a serem analisados, percebemos a presença de uma fonte de
dados de abrangência nacional, que poderia fornecer subsídios quantitativos e
metodológicos: o SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade, de
responsabilidade do Ministério da Saúde desde 1975 (Carvalho D.M., 1997: 9). O
SIM consolida os dados das Declarações de Óbitos (DO), que apresentam um único
modelo para todo o território nacional (permitindo a comparação dos dados), além
de serem de preenchimento obrigatório. Essa declaração é preenchida
obrigatoriamente por médicos e, posteriormente, conferida por especialistas e
lançada na estatística oficial. Foi esse rigor no preenchimento dos documentos, na
metodologia de levantamento dos dados e por constituir a maior rie histórica de
dados, que nos fez optar, preferentemente, pela utilização dos dados fornecidos
pelas instituições ligadas à saúde, tanto federal, estadual como municipal
__
e
trabalhos de pesquisas baseados nesses dados
___
, para servirem de sustentação às
nossas análises. Temos consciência, contudo, das limitações: o médico legista pode
colocar como sendo a causa da morte um simples traumatismo craniano no lugar
deassassinato por traumatismo craniano devido agressão por objeto contundente”.
12
Além disso, o SIM informa a mortalidade e a morbidade e, nas causas externas,
associa efeitos de lesões físicas a definições legais ou processuais sobre um
determinado fato ou evento (Minayo, 1994
a
).
Outro problema metodológico que teve que ser equacionado consistiu
em como entender os óbitos classificados como de causas ignoradas”, que
apareciam em alguns levantamentos. Optamos considerá-los como um subregistro
de homicídios que, geralmente, ocorrem por omissão do médico responsável
(Zaluar, 1996
a
; Zaluar et al., 1994), ou por um problema de codificação e
preenchimento inadequado da Declaração de Óbito (Minayo, 1994
a
; Souza E.R.,
1995).
Nas estatísticas sobre criminalidade vamos encontrar como fonte de
dados os Boletins de Ocorrência (BO) registrados pela Polícia Civil. Temos também
as estatísticas e números oferecidos pelo Ministério da Saúde. A prefeitura da
cidade de São Paulo possui um serviço de coleta de dados ligados à sua Secretaria
de Saúde, o PROAIM (Programa de Aprimoramento das Informações de
Mortalidade), assim como a prefeitura de Campinas. Todos utilizam esses dados
para calcular as taxas de óbitos por 100 mil habitantes.
Olhando os óbitos como fontes de informações percebemos através deles
que os homicídios se concentram nas cidades e nos bairros de mais elevado grau
de desigualdade social, particularmente nas favelas, cortiços e regiões mais pobres
da cidade. Esses registros, levantados para a cidade de São Paulo (Kahn, 2003
a
: 1)
podem, grosso modo, ser projetados para a Região Metropolitana de Campinas,
dado a sua proximidade e interação orgânica. Assim, metodologicamente,
consideramos as áreas mais pobres e com maiores e mais nítidas desigualdades
sociais como potencialmente mais suscetíveis aos homicídios violentos, o que foi
comprovado, depois, pelas pesquisas de campo.
Para o entendimento das motivações para a criminalidade,
particularmente nos bairros ou lugares onde ela se processa de forma mais visível e
acentuada, foi necessário buscar uma metodologia que fosse suficiente para explicar
esse fenômeno e possibilitasse uma análise mais adequada dos dados da Região
Metropolitana de Campinas. A literatura disponível aponta que a criminalidade teria
diversificadas motivações, tais como: inclinações pessoais, predisposição para a
violência, pressões devido a famílias desestruturadas, influência dos colegas e
amigos, a facilidade que o crime oferece para ganhos monetários rápidos, ocasião
propícia, etc. Entretanto, esses motivos, nem sozinhos nem em conjunto,
13
conseguiam explicar satisfatoriamente o aumento da criminalidade em todas as
partes da sociedade moderna. Por isso optamos por considerar, ao fazermos nossas
análises, no caso específico do Crime Organizado ligado ao tráfico de drogas e
armas, uma proposta (Reis Souza, 2002, p. 2) que parece atender melhor a esses
reclames metodológicos: Teoria da Escolha Racional, que parte de uma suposta
racionalidade dos criminosos, que pensam em termos de custos/benefícios e, por
isso mesmo, o objetivo da ação é fazer o crime compensar econômica e
socialmente. Considera, por isso mesmo, (a) os criminosos são motivados ou
atraídos para objetivos que podem oferecer mais lucratividade e implicam em
menores custos; (b) facilidades oferecidas pelas timas potenciais, que não
possuem segurança privada, cães, alarmes, carros blindados, etc. (c) facilidades
dadas pela própria arquitetura do território, com acessos dificultados ou facilitados,
locais ermos ou com rotas de fugas seguras. (d) rotina da vítima. Para essa teoria o
crime é premeditado, na imensa maioria das vezes. Ela considera os mecanismos
que levam a pessoa ao crime, a possibilidade de ficar impune e seguir uma “carreira
embasada numa progressão funcional. Para tanto, nas suas análises, levantam os
motivos imediatos e as intenções, os estados emocionais e intencionalidades, a
hierarquia de valores morais e suas conseqüências na ponderação que é feita antes
do ato em questão ser praticado e a percepção das oportunidades criminais mais
vantajosas.
A partir do Código Penal Brasileiro os atos criminosos foram reunidos em
seis grandes categorias de agressões que representam, em última análise, atos
criminosos que devem ser coibidos através de punições (quadro 1).
Quadro 1 – Modalidade de delito de HOMICÍDIO na Legislação Penal Brasileira
PREVISÃO LEGAL TIPO PENAL NORMA PENAL (Conteúdo) PENA
121. caput. Código Penal Homicídio doloso simples “Matar alguém” 6 a 20 anos, de reclusão.
121. § 1º. Código Penal Homicídio doloso privilegiado
Cometer o crime impelido por motivo de relevante valor
moral ou social, ou sob o domínio de violenta emoção,
logo após a injusta provocação da vítima.
Redução de 1/6 a 1/3, sobre a
pena imposta no caput do art.
121. § 2º. Código Penal Homicídio doloso qualificado
Cometer o crime: impelido por motivo torpe ou fútil; com
emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, de que possa resultar
perigo comum.
12 a 30 anos, de reclusão.
121. § 3º. Código Penal Homicídio culposo
Se o agente comete o crime por imprudência,
negligência ou imperícia.
1 a 5 anos de detenção
121. § 4º. Código Penal
Causa especial de aumento de
pena
(majorante)
No crime culposo, se o crime resulta de inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o
agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não
procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge
para evitar prisão em flagrante.
No crime doloso: se o crime é cometido contra pessoa
menor de 14 anos.
Aumento de 1/3 da pena,
cabível sobre qualquer uma das
figuras anteriores.
121. § 5º. Código Penal
Perdão judicial
Isenção de pena na hipótese de crime culposo, na qual
o juiz observe que as conseqüências da infração atinjam
de tal sorte o agente que a punição é desnecessária.
Causa extinta de punibilidade
14
Apesar de percebermos, em cada uma dessas categorias representadas
pelos diversos títulos, um grande potencial de geração e realização de violência e
atos violentos, para fins deste estudo escolhemos centralizar nosso interesse
naqueles que atingem, nos dias de hoje, mais diretamente a nossa sociedade:
1 Os crimes contra a pessoa, que qualificam os atos criminosos de
acordo com a forma em que ele se apresenta e seu grau de periculosidade social;
2 - Os crimes contra o patrimônio, separam os atos criminosos de acordo
com sua gravidade e forma.
Como “homicídio” é o crime mais violento entre os crimes contra a pessoa,
por ser irreparável, centralizamos nele a maioria das nossas preocupações,
procurando caracterizá-lo a partir da sua formulação legal.
As diversas leituras e dados levantados mostraram a necessidade
metodológica de estabelecer as relações que os atos de violência mantinham com a
sua espacialidade, vale dizer, com o território onde eles aconteciam. Para facilitar
essa nossa preocupação, encontramos a tese de doutoramento de Francisco Filho
(2004: 9), onde, através do processo do geoprocessamento o autor faz várias
inferências e estabelece relações entre variáveis e a territorialidade para a Região
Metropolitana de Campinas.
No levantamento dos dados para o censo, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) coleta os dados da realidade social em vários níveis,
agrupando as variáveis pelos seus componentes sócio-culturais, econômicos e
demográficos. Esses níveis de variáveis são agregados a unidades espaciais
denominadas Setores Censitários que representam um determinado espaço que um
recenseador pode percorrer. Para o censo nacional do ano de 2000 o IBGE
disponibilizou sua base de dados composta por quatro veis de variáveis
___
infra-
estrutura; educação; relações com o domicílio; situação econômica
___
e com os
dados agregados por setores censitários.
Para o município de Campinas, por exemplo, os dados estão em uma
base gráfica de 1.313 setores, representados numa estrutura vetorial, que acabou
servindo de base para as análises combinadas dos fatores sociais e a violência e
criminalidade (Francisco Filho, 2004: 83).
Com relação à medição dos custos da violência, por outro lado, tivemos
um problema metodológico bastante sério devido à dificuldade para colocar em
números grandezas qualitativas dificilmente quantificáveis. Entretanto verificamos
que, na literatura internacional, temos três metodologias principais para mensuração
15
dos custos da violência (Buvinic & Morrison, 1999). São elas: os modelos hedônicos,
o método de valoração contingente e a contagem.
Normalmente encontramos essas metodologias sendo empregadas em
conjunto, pois enquanto a Contagem procura contabilizar os prejuízos produzidos
pela violência, os modelos hedônicos e de valoração contingente fornecem trabalhos
interessantes que, de uma maneira geral, privilegiam a mensuração dos custos
indiretos da criminalidade e seus efeitos a partir da metodologia do Hedonic Price
Models (Buvinic & Morrison, 1999), que estima os preços dos bens para os quais
não existe um mercado direto como, por exemplo, a disposição de pagar pela
segurança individual e econômica contra a criminalidade.
Algumas entidades como, por exemplo, o ISER Instituto de Estudos da
Religião, do Rio de Janeiro, com grande atuação no campo dos estudos da
criminalidade, costuma classificar os custos do crime em cindo grandes categorias:
“(1) Custos de atenção à vítima, incluindo aqueles relacionados com os cuidados
prestados no lar, ambulatorial e hospitalar; (2) Custos considerados intangíveis,
associados ao sofrimento físico e emocional da vítima e de seus familiares e
amigos; (3) Custos econômicos relativos às perdas de produção e renda por parte
das vítimas; (4) Custos legais, judiciais e com o aparato da segurança; (5) Custos
das perdas materiais decorrentes da violência: veículos, infraestrutura etc...”
(Rondon & Andrade, 2002: 1). Outros autores falam em custos sociais e os custos
externos (Cohen, 2001). Consideram como custos sociais aqueles que interferem
diretamente na qualidade de vida da população em geral e se contrapõem aos
custos externos, que são aqueles que determinam perdas econômicas individuais.
Como os bens roubados continuam em circulação, não são considerados como uma
perda” ou um “custo” econômico e social.
O gasto com a saúde também é utilizado para calcular o custo de um ato
violento, e compreende a internação, o tratamento e remédios. as perdas da
produção podem ser calculadas a partir dos referenciais dados pelo mercado de
trabalho, considerando a vida média do trabalhador naquela profissão e naquele
local em relação à idade da morte da vítima da violência. Isso também se aplicaria
aos casos onde os lesionados receberiam aposentadorias devido às seqüelas que
impossibilitam para o trabalho. Seria uma espécie de lucros sociais cessantes”, ou
seja, o que a vitima poderia produzir e não mais vai fazê-lo.
Esse modelo econômico e metodológico é de fácil interpretação para
todos os crimes que envolvem uma motivação econômica direta, como roubos e
16
assaltos, mas também serve para os crimes contra a pessoa. Os homicídios
___
caracterizados como latrocínios”
___
, ocorrem geralmente como um acidente
indesejado durante um crime contra a propriedade onde o assaltante esteja armado
e a vítima reagiu. As mortes ocorrem devido a um envolvimento com o tráfico de
drogas (guerras para garantir pontos de tráfico de drogas, dívidas ou delação), e
principalmente devido a desavenças por motivos fúteis, considerados como
homicídios” simplesmente.
No que diz respeito às idades das vítimas ou dos criminosos, todas as
metodologias mostram que, tanto estes como aquelas, estão situados em faixas
bem jovens, que são os mais motivados para participar no tráfico de drogas
visando ganhar muito dinheiro, como muito bem percebeu Musumeci (1998). Isso é
uma ilusão, visto que Freeman (1999) comprova que somente para os criminosos
experientes a renda do crime supera a renda do trabalho legítimo. No caso
brasileiro, entretanto, Fajnzylber, Lederman e Loayza (1998) constaram que as altas
taxas de adesão à criminalidade devem-se em grande parte à atração que o tráfico
exerce devido à grande rentabilidade, particularmente para os chefes, o que explica,
também, o grande aumento de homicídios ocorridos nas constantes disputas pelo
melhores pontos de distribuição das drogas. Além disso, como “a criminalidade é um
fenômeno específico da população masculina, sobretudo mais jovem, a construção
de taxas de homicídios por 100.000 habitantes, como usualmente é realizado, pode
não captar os efeitos dos ciclos econômicos nos ciclos de violência” (Andrade et al.,
2003: 5).
O desemprego e a desigualdade de distribuição de renda representam
variáveis na grande maioria dos trabalhos que cuidam do custo econômico da
criminalidade, onde perspectivas sociológicas pressupõem uma relação estreita
entre desigualdade de renda e crime, isto é, os indivíduos mais pobres seriam
levados ao crime por se sentirem frustrados perante a injustiça social, a
prosperidade dos outros e a quase nula possibilidade de saírem da situação de
pobreza. Beato Filho & Reis (1999), analisando ocorrências de crimes violentos em
723 cidades de Minas Gerais, mostraram que o estilo de vida violento guarda
relação significativa com o tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio, estando
associados a variáveis demográficas. A criminalidade, segundo os autores citados, é
inversamente proporcional ao nível de escolaridade e apresenta uma incidência
maior nas cidades mais desenvolvidas, por serem as que apresentam maior
17
quantidade de riquezas disponíveis, os mecanismos de vigilância e repressão mais
enfraquecidos e um número maior de indivíduos motivados.
7. Tipo de pesquisa
Neste estudo consideraremos que o fenômeno violência e seu
sucedâneo criminalidade não aparecem isoladamente, mas, articulam-se com uma
infinidade de outros fatores e fenômenos sociais, razão pela qual se analisado
como componente de uma rede de articulações representada pelo Estado, pelos
indivíduos em pequenos e grandes grupos e, particularmente, pelas grandes
desigualdades sociais. Além disso, procuramos descrever os diferentes modos de
vida a partir das narrativas dos sujeitos envolvidos, complementando os dados
quantitativos (estatísticos) e os qualitativos (situações vivenciadas objetiva e
subjetivamente), visto que os dados quantitativos e qualitativos não se opõem, mas
constituem uma realidade dinâmica, cambiável e complexa.
As maneiras de olhar e entender a violência mudam de informante para
informante de tal modo que, para se poder chegar a uma informação que possa ser
considerada verossímil, teríamos que observar aquilo que é chamado de
consciência social compartilhada”, ou seja, trata-se de apreender o que de
comum entre as pessoas que exercem o papel de informantes (Spink & Gimenes,
1994: 156).
O crime, entretanto, é um fato objetivo
___
como demonstra a Lei
___
e
passível de ser mensurado
___
como mostram as estatísticas
___
, entretanto existe
muita coisa além daquilo que os números e a legislação podem demonstrar, ou seja,
existe um universo simbólico e lúdico por trás de um ato criminoso que a
objetividade não conta, razão pela qual a fala do criminoso e do criminado nas
entrevistas torna-se fundamental para desvelar o cotidiano da criminalidade.
Como não é possível analisarmos os fenômenos violência e crime sob
um único ponto de vista, procuramos não nos prender excessivamente a um único
referencial teórico, sem cair em um ecletismo inconseqüente, mas objetivando uma
pluralidade de procedimentos e pontos de vista, que a própria pluralidade é a
única indicação do politeísmo de valores, da polissemia do fato social investigado
(Maffesoli, 1987: 15).
A escolha dos bairros periféricos da Região Metropolitana de Campinas foi
proposital, visto que “na maior parte das regiões metropolitanas há uma coincidência
18
entre os lugares onde os pobres vivem a violência: ali a morte é principalmente
provocada por causas violentas(Pinheiro P.S., 1996: 23), ou seja, são as periferias
as áreas por excelência de exercício da maior parte da criminalidade na sua forma
de homicídios. Está claro que não pretendemos abarcar toda a realidade vivida
nessas regiões, mas apenas, uma parcela dela. Pode-se perceber, nitidamente,
nessa reconstituição subjetiva da realidade parcelar, que ela é feita a partir de dados
empíricos e dos dados fornecidos pelos diversos entrevistados, o que possibilitou
um confronto entre as diversas fontes, no sentido de buscar uma intersubjetividade.
Isso tudo sem deixar de desenvolver e solidificar o exercício da sensibilidade
(Adorno & Castro, 1994).
Nas entrevistas partimos de um roteiro de questões (anexo 1) que serviu
deelemento disparador das conversas ou da interlocução que se buscava sobre o
cotidiano do entrevistado, sempre adaptado às características do mesmo e tendo em
consideração que o roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo, portanto não
pode prever todas as situações e condições de trabalho de campo (Minayo, 1994
a
:
98 e 100). Isso foi complementado por fichas temáticas
5
abordando os principais
aspectos do cotidiano da periferia, para uma análise comparativa (Anexo 2 e 3).
Na interpretação das entrevistas procuramos comparar detalhes, colocar
em evidência as diferenças, incoerências, ambigüidades, perseguir todos os atalhos
para desse modo estabelecer uma interpretação (Caldeira T.P.R., 1982: 201). A
partir dessas comparações de detalhes, facilitadas pelas fichas temáticas, onde os
dados foram lançados, procuramos comparar o cotidiano das áreas freqüentadas
pelo tráfico, polícia e população comum, focado na Região Metropolitana de
Campinas e, sem perder de vista sua especificidade, procuramos relaciona-la com
outras regiões (Rio de Janeiro e São Paulo), ressaltando os pontos comuns. Para a
Região Metropolitana de Campinas, procuramos ressaltar o passado remoto (século
XIX), passado próximo (década de 90), relacionando-os com o momento atual.
As entrevistas realizadas tiveram como principal escopo identificar como
essas pessoas viviam, conviviam e sentiam essa sociedade diferente que constitui
a periferia metropolitana pobre, ou seja, parafraseando Geertz, tive como um dos
meus objetivos principais tentar identificar como as pessoas que vivem nessas
sociedades se definem como pessoas, ou seja, de que se compõe a idéia que elas
tem (mas, como disse acima, que não sabem totalmente que têm) do que é umeu’
5
As fichas temáticas são quadros que abordam um determinado assunto (tema), onde os dados
levantados em pesquisas bibliográficas e entrevistas são colocados lado a lado para facilitar a
análise e comparações entre os diversos lugares.
19
no estilo javanês, balinês ou marroquino” (Geertz, 2003: 89), e, no nosso caso, no
estilo da periferia campineira. Como diz Geertz: O que é importante é descobrir
que diabos eles acham que estão fazendo (Geertz, 2003: 89). Além disso, nessas
entrevistas procuramos, dentro do possível, não nos envolvermos afetivamente com
os entrevistados, que o truque é não se deixar envolver por nenhum tipo de
empatia espiritual interna com seus informantes (Geertz, 2003: 88), mesmo porque
não necessidade de ser um bandido ou traficante para ter uma visão mais
objetiva dos relacionamentos que ocorrem dentro do teatro de operações do tráfico,
aliás, não é necessário ser um deles para conhecer um (Geertz, 2003: 88).
Evidentemente, foi obedecida a norma de pesquisa onde o que não se entendeu
direito, cala-se”, ou seja, quando não somos capazes de falar, devemos ficar em
silêncio” (Geertz: 2003: 143).
Nas entrevistas estimulamos a memória que as pessoas tinham dos fatos
guardando, entretanto, certo cuidado para interpretar os seus relatos, razão pela
qual, nas fichas temáticas, comparamos as diversas falas dos entrevistados, visto
que a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado” (Pollak,
1992: 202). Entendendo que a relação entre um antropólogo e um informante
repousa sobre um conjunto de ficções parciais que são mais ou menos percebidas”
(Geertz, 2000: 30), tanto pelo pesquisador como pelo informante, procurou-se
detalhar todos os fatos mais importante, buscando detalhes que pudessem
esclarecer pontos mais obscuros da narrativa ou do entendimento do entrevistador,
sempre tendo em mente que o distanciamento não é um dom natural nem um
talento fabricado, mas uma conquista parcial laboriosamente alcançada e
precariamente mantida” (Geertz, 2000: 44).
Evidentemente qualquer história tem uma propensão a gerar outra
história na mente do seu leitor (ou ouvinte) [o grifo é nosso], a repetir e deslocar
alguma história anterior” (Clifford, 1998: 65), razão pela qual na interpretação da fala
(e das estórias) dos entrevistados procuramos nos ater essencialmente ao que foi
falado, evitando interpretações subjetivas do entrevistador. Novamente as fichas
temáticas foram um apoio fundamental
Tentamos entender a cultura do meio social do entrevistado
estabelecendo os pontos mais adequados a uma interpretação geral da cultura, sem
descurar da singularidade dos entrevistados, pois compreender a cultura de um
povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade (Geertz, 1978: 24).
Assim, o objetivo é tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas
20
densamente entrelaçados (Geertz, 1978: 38), sem, contudo, desejar uma
profundidade excessiva visto que a análise cultural é intrinsecamente incompleta e,
o que é pior, quanto mais profunda, menos completa(Geertz, 1978: 39).
Quando pesquisamos as áreas de favelas ou periferias pobres da
Região Metropolitana de Campinas ou da Grande São Paulo, encontramos uma
dificuldade grande para avaliar ou mesmo dar crédito às informações de nossos
entrevistados no que se refere à sua relação com traficantes. Sem dúvida, um dos
fenômenos mais interessantes que ocorrem nas relações entre essas pessoas
comuns e os traficantes é aquilo que podemos chamar deSíndrome de Estocolmo”,
que consiste no processo de afeiçoamento da pessoa com seu algoz traficante. Isso
acaba por deturpar a visão que o entrevistador vai ter da relação entre a
comunidade e o traficante, que acaba sendo visto como herói ou modelo de
cidadão”.
Relatada mais comumente como acontecendo entre um seqüestrado e
seu raptor, aSíndrome de Estocolmo” se reproduz nas relações entre os traficantes
e um número significativo de moradores que, mesmo sem ter qualquer envolvimento
com o Tráfico ou temer qualquer represália violenta por parte do mesmo, desenvolve
um sentimento deproteção e até mesmo de admiração em relação aos mesmos,
recusando-se a colaborar com as autoridades policiais ou dando guarida aos
fugitivos de operações policiais
6
.
Psicológica e antropologicamente podemos explicar essa aproximação
e identificação com o traficante de pessoa que nada tem com o tráfico como
conseqüência de um longo relacionamento de amor-ódio-medo, que vai
humanizando os traficantes que passam a ser vistos como pessoas comuns, mas
também como heróis”, por terem coragem de lutar contra tantas adversidades e
preconceitos existentes contra o favelado e o pobre (coisa que ele não tem coragem
de fazer). Chegam a acreditar que a posição do bandido é “justa”.
Além dos referenciais teóricos
___
comentados anteriormente
___
que
influenciaram a metodologia adotada neste trabalho para a análise dos fatos sociais
6
Esse fenômeno passou a ser mais estudado, particularmente por antropólogos e psicólogos,
quando, em 23 de agosto de 1973, o Banco Sveriges, de Estocolmo, na Suécia, foi invadido e quatro
dos empregados ficaram como reféns dos assaltantes por cinco dias. “Mais tarde, as entrevistas com
os quatro reféns manifestaram resultados surpreendentes -
___
resultados que foram confirmados em
diversos outros ‘episódios com reféns' nos anos que se seguiram. Até mesmo os próprios reféns não
conseguiram explicar como manifestavam uma estranha associação com seus captores,
identificando-se com eles ao mesmo tempo em que temiam aqueles que buscavam libertá-los de seu
cativeiro. Em alguns casos, mais tarde testemunham a favor ou levantaram dinheiro para a defesa
legal de seus captores’. Pelo fato de tal episódio ter-se dado na Suécia, mais precisamente em
Estocolmo, a esta ‘aberração mental’ deu-se o nome de ‘Síndrome de Estocolmo’" (Godoy Moreira,
2004: p. 15).
21
e antropológicos do cotidiano dos personagens envolvidos, foram consideradas as
contribuições de Agnes Heller, José Machado Pais, Richard Sennett, Leila Maria da
Silva Blass, Hannah Arendt, Arjun Appadurai e Michel Foucault.
Agnes Heller teve um especial interesse em analisar a Vida Cotidiana que,
para ela, era fundamental para se entender a maneira de viver das pessoas e das
comunidades, assim como conhecer o sistema dinâmico das categorias da
atividade e do pensamento cotidiano que movem o Mundo Contemporâneo, pois,
considera que a vida cotidiana é a vida de todo homem (Heller, 2000: 17), sendo
impossível ao homem desligar-se inteiramente da cotidianidade, na qual ele se
aplicava por inteiro. Para ela, a vida cotidiana é caracteristicamente heterogênea e
hierárquica, constituindo-se em torno da organização do trabalho
___
e a atividade
criminosa o deixa de ser uma forma de trabalho e, até mesmo, de emprego,
particularmente para o pessoal que atua no e para o tráfico
___
à qual se
subordinavam todas as demais formas de atividade. Essa prontidão para a
cotidianidade começa por grupos familiares, escola ou pequenas comunidades,
onde são estabelecidas mediações entre o indivíduo e os costumes, as normas e a
ética de outras interações maiores, para que ele possa viver autonomamente.
Assim, a entrada do garoto para o trabalho no tráfico se dá, em significativo número
de vezes, com o próprio consentimento ou incentivo da família, que nessa
atividade uma das poucas formas de sair da miséria que estão envolvidos.
Na vida cotidiana o indivíduo é, simultaneamente, ser particular e ser
genérico (Heller, 2000: 21) sem, contudo, perder sua unicidade e irrepetibilidade.
Isso provoca o aparecimento da consciência de nós’ nesses agrupamentos, isto é, a
consciência de fazer parte de uma coletividade que possui os mesmos sentimentos
e as mesmas aspirações, razão pela qual a chamamos de “comunidade”.
Para Agnes Heller o pensamento cotidiano orienta-se para a realização de
atividades cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de
pensamento e ação na cotidianidade, caracterizando uma unicidade entre teoria e
prática do cotidiano. Isso faz com que a problemática do correto e do verdadeiro
deixem de ter sentido, a não ser quando avaliada em função da possibilidade de nos
movermos num meio determinado e de movermos esse mesmo meio determinado.
Nesse sentido, o correto é verdade tão somente na medida em que, com sua ajuda,
pudermos prosseguir na cotidianidade com os menores atritos possíveis(idem: 32).
Isto poderá contribuir para evitarmos categorizar, maniqueisticamente, os atos das
pessoas envolvidas com o tráfico (policiais e outros, particularmente as crianças), e
22
possibilitar uma análise mais objetiva dos códigos morais que regem o mundo da
criminalidade. Não que isto justifique suas ações, mas, sem dúvida, explica a
maioria delas.
José Machado Pais, com sua sociologia retratista do cotidiano”, permite-
nos aprofundar as análises sociais a partir do estudo do cotidiano das comunidades,
visto que seus instantâneos sociais”, retratos do dia-a-dia das pessoas e grupos
sociais, serão ferramentas valiosas. Entretanto, também nos ensina que esses
instantâneos não podem se levados em consideração como verdades absolutas
visto serem, apenas, “insinuações” do social, pois “a posse do real é uma verdadeira
impossibilidade e a consciência epistemológica desta impossibilidade é uma
condição necessária para entendermos alguma coisa do que se passa no cotidiano
(Machado Pais, 2003: 28).
Essa perspectiva interfere metodologicamente no olhar sobre a
sociedade, que passa a ser um perambular vadio e bisbilhoteiro, tentando ver o
que nela se passa mesmo quando nada se passa”. É esse fluir terrestre feito de
pequenos solavancos, de distrações e recuperações, de suspeitas e indícios, que
encontramos em alguns dos mais significativos trabalhos sociológicos que seguem
as rotas do quotidiano (Simmel, Goffman, Certeau, etc.)” (idem: 34).
A grande dúvida surgida durante o processo de criação da metodologia
foi: até onde, em termos de detalhamento, seria necessário aprofundar a pesquisa e
delimitar o objeto de estudo? Mais uma vez Machado Pais veio em socorro quando
afirma: será satisfatório se conseguirmos delimitar grosseiramente o objeto da
sociologia da vida quotidiana sem levar ao extremo a pretensão
___
porventura
existente
___
de espartilhar excessivamente (idem: 71), mostrando que é necessário
adequar o método ao objeto a ser estudado, que a vida cotidiana não se constitui
um objeto a ser estudado, mas se constitui na própria realidade social que está
arraigada no próprio sentido da vida cotidiana. Considera ele, também, que uma
visão exclusivamente macroscópica do social não dá conta dos pequenos jogos
sociais que caracterizam a trama social vivida efetivamente pelas pessoas, seus
comportamentos individuais, procura, portanto, entrelaçar os planos do micro e do
macro social sociológico. Isso permite vincular a historicidade absoluta de um ato à
generalidade de uma estrutura social, fazendo ressaltar a imbricação de atos os
acontecimentos individuais e interacionais com estruturas sociais globais” (idem: 76).
Privilegia, portanto o universo das atividades de tipo relacional. Apesar da
espontaneidade que caracteriza a vida cotidiana, sob aparente pobreza e trivialidade
23
das rotinas, que esconde as regras e ritos que controlam as interações do dia-a-dia,
numa determinada época e lugar, ela se torna única quando se transforma numa
atividade irreflexiva dos próprios agentes. Assim, a constituição de uma sociologia
da vida quotidiana impõe que o seu objeto ultrapasse a ordem das trivialidades, de
tal forma que seja possível compreender a vida social nos seus múltiplos aspectos
(idem: 82). O presente é a própria materialização da História através de uma fusão
do espaço e tempo. O que tem importância não é o espaço em si, mas “as vivências
sociais que nele ocorrem e que o convertem de um vazio em algo com significado
(idem: 87), procurando o exótico, o acontecimento, o trivial, o banal e o repetitivo,
que são maneiras diferenciadas de olhar a mesma realidade: a da vida cotidiana.
Considera a conduta individual como um texto que deve ser lido dentro de um
determinado contexto. Dentro dessa perspectiva as normas aparecem como
diversas maneiras de agir
___
ou seja, condutas
___
consolidadas pelo uso e pelos
costumes, assumindo seu caráter imperativo. as condutas aparecem associadas
a códigos compartilhados, epistemologicamente referindo-se a coisas ocultas da
nossa “visão distraída” mas que aparecem bem às claras à nossa visão atenta.
Mesmo detalhando o dia-a-dia do trabalho, veremos a presença cada vez
mais intensa da mulher (a polícia desconfia e revista menos), particularmente as
muito novas ou muito velhas; da irresponsabilidade corajosa de um garoto que,
como soldado do tráfico, enfrenta policiais treinados; a arrogância dos que
conquistaram posições de destaque com o dono da área e vestem-se com grifes
da moda, constituindo
___
todos eles
___
, uma nova ética no trabalho. Isto, de certa
forma, foi previsto por Machado Pais quando afirma que, provavelmente no futuro,
teremos duas éticas do trabalho: de um lado, a ética tradicional do trabalho, que é
marcada pelo desejo de segurança (desire for security) e pelo desejo de
correspondência (desire for response); e de outro lado, a ética da aventura, que é
marcada pelo desejo de novas experiências (desire for new experience) e pelo
desejo de reconhecimento (desire for recognition) (Machado Pais, 2001: 21). Isso
nos leva a concordar com ele quando constatamos o fato de que a ética do
trabalho” está se tornando uma ética de “vida guiada pela aventura”, no tráfico.
Outro grande questionamento metodológico consiste em: como olhar a
atividade ligada ao tráfico? Pode ser considerada um trabalho”? Ou constitui-se
apenas numa atividade ilícita ligada ao mundo do não-trabalho”? Isso, de certa
forma, foi resolvido através do desenvolvimento das idéias sobre Sociologia do
Trabalho. Assim, passamos a considerar como um trabalho (tanto assalariado
24
como não-assalariado), as atividades ligadas ao tráfico, particularmente quando
produzem dinheiro, mesmo ilicitamente. Por isso, acreditamos que: ... o trabalho
recobre um campo mais amplo do que o do emprego ou do trabalho assalariado.
Trabalho constitui uma atividade social presente em todas as sociedades, apesar
das diferentes definições do que seja trabalho (Blass, 1994: 3). Isso se torna tanto
mais claro quanto mais percebemos a presença tanto do trabalho assalariado”,
como o não-remunerado”, informalmente colocado, mas, nem por isso, menos sério
e compromissado que aquele instituído por uma carteira assinada”. Assim, para
Blass é trabalho, por exemplo, o que é realizado na preparação e durante o desfile
de uma escola de samba, remunerado ou não, ilícito ou não, além de procurar
resgatar o sentido lúdico dessas atividades, onde o trabalho não está associado à
amargura, ao sofrimento (embora seja, fisicamente, muitas vezes pesadíssimo), mas
estreitamente ligado ao ato criativo, remunerado ou não. A concordância com esse
ponto de vista nos permite considerar comotrabalho todo ato criativo, nem sempre
remunerado, raramente empregado, que engloba todo ato criativo que seja individual
ou socialmente produzido, com finalidades humanas. E, acaso, existe finalidade
mais humana que a busca da felicidade? Mesmo que seja efêmera ou,
frequentemente, ligada à drogadição? Não são as atividades ligadas ao tráfico atos
criativos, onde o cotidiano é criado e recriado de acordo com as intervenções e
relacionamentos da criminalidade, polícia e população? Não é o tráfico uma
atividade social que envolve um grande contingente de pessoas, organizadas
segundo um objetivo, que apresenta uma grande significação social, particularmente
para a vida econômica e social das periferias pobres das grandes metrópoles
brasileiras?
7
Hannah Arendt permitiu entender melhor a força que impele um pai ou
uma mãe a encaminhar um filho para o trabalho no tráfico e, também, a corrupção
generalizada que se nota nas polícias. Isso foi importante para que não
precipitássemos julgamentos sobre esses atos emitindo juízos de valor partindo dos
nossos próprios valores sócioculturais e éticos. Ela nos permite entender melhor o
tráfico como uma atividade inserida numa sociedade de consumo, onde o labor e o
consumo são apenas dois estágios de um processo, imposto ao homem pelas
necessidades da vida. Isso ocorre porque “nenhuma violência exercida pelo homem,
exceto aquela empregada na tortura, pode igualar a força natural com que as
7
Independentemente de qualquer discussão da categorização de trabalho”, vamos utilizar a palavra
como uma categoria êmica, ou seja, como uma categoria de valor interno, próprio à sociedade e
grupo em estudo, e tomado segundo a lógica e coerência com que aí se apresenta.
25
necessidades da vida compelem o homem (Arendt, 1983: 141). Pode-se dizer,
aliás, que são essas mesmas forças que, aplicadas sobre aqueles que deveriam
garantir a segurança pública, acabam por corromper. Essa corrupção chega até os
dias de hoje como uma força extremamente poderosa inviabilizando, na maioria das
vezes, planos e estratégias bem intencionadas em direção a uma segurança pública
mais eficaz. Por isso o problema da corrupção policial transformou-se num dos
maiores problemas, transformando-se em um poder armado visto com alta
desconfiança pela população em geral. É fato que: talvez nada em nossa história
tenha durado tão pouco quanto a confiança no poder (Arendt, 1983: 217) e as
condições negativas de seu exercício tenham aparecido tão rapidamente, expressas
na frase característica da autora: O poder corrompe (idem: 217), ao que
acrescentaríamos: “e o poder total corrompe de forma total”.
Richard Sennett (1999)
8
analisa as mudanças que o próprio processo de
trabalho produtivo sofre no transcorrer do tempo enquanto busca eficiência e
produtividade. A busca da eficiência e rentabilidade produtiva tem feito com que os
costumes não sedimentem e a nossa sociedade seja caracterizada pela grande
diversidade e pouca duração das práticas, sempre substituídas por outras mais
eficientes e rentáveis, mais profissionais”. Aliás, é a busca desse profissionalismo
o que vai caracterizar o cotidiano moderno das pessoas. A eficiência e a objetividade
são fatores fundamentais no dia-a-dia das pessoas. Esta perspectiva nos permite
entender melhor determinados tipos de comportamento que estão começando a
aparecer nas áreas de tráfico mais modernas”, nas quais a preocupação com a
eficiência profissional no trabalho começa a despertar vivo interesse. Do nosso
ponto de vista, torna-se bastante coerente a ação de traficantes em busca de
modernização e eficiência de seutrabalho através de intercâmbios e contatos com
outros traficantes de áreas mais desenvolvidas, de onde trazem procedimentos e
processos mais eficientes de lavagem de dinheiro, aplicações do dinheiro obtido e
remessa de lucros para contas em paraísos fiscais”. Procuram a maior eficiência do
seu processo de trabalho com a contratação de pessoas com conhecimentos de
informática e de línguas
9
, particularmente o espanhol, língua por excelência usada
no tráfico internacional sul-americano.
Dentro dessa linha coerência também na declaração de um soldado
do tráfico quando afirma não se aborrecer em ter que matar alguém, mas ficar
8
Especialmente no capítulo Ilegível”, onde ele estuda o cotidiano de uma padaria e sua
transformação através dos tempos.
9
Até mesmo com a criação de escolas de informática e línguas nos morros ou periferias dominadas
pelo tráfico, além de financiarem curso superior para os membros mais eficientes.
26
extremamente insatisfeito quando não consegue fazê-lo com um único tiro, que o
trabalho dele o é fazer o desinfeliz sofrer”, mas, apenas, matá-lo com tal
eficiência que ele nem perceba que finou”. Tais atos e situações o, como
dissemos, coerentes com as exigências modernas de “eficiência e profissionalismo”
e dão sentido ao prazer que se sente em fazer um “trabalho” bem feito.
Na nossa proposta metodológica, Appadurai contribui com a noção de que
todas as forças sociais principais têm os seus precursores, precedentes, análogos e
fontes no passado (Appadurai, 2000: 196). Por isso os fatos presentemente
estudados não se originaram em um determinado momento, como atos e situações
locais e extemporâneas, mas, são frutos de um persistente movimento em direção
ao amadurecimento das condições históricas dadas do cotidiano vivido. Esse
amadurecimento foi catalisado pelos mass media, o que acelerou esse processo
universalizando situações vividas nos diversos cotidianos localmente situados e
dentro de um processo de objetivação coletiva de fatos subjetivos regionais. Por
isso, devido à forma rápida em que se atravessam a rotina do dia-a-dia, os media
eletrônicos proporcionam recursos para que cada um se conceba como um projeto
social cotidiano (Appadurai, 2000: 198), e passemos a considerar as
representações coletivas como fatos sociais
___
isto é, a vê-las como ultrapassando
a vontade individual, medidas com força de moralidade social e como realidades
sociais objetivas” (Appadurai, 2000: 199).
10
Na Região Metropolitana de Campinas a criminalidade, particularmente
aquela relacionada ao tráfico, importa valores e costumes de outras áreas onde o
domínio do território periférico urbano é mais antigo, não apenas pela influência
educativa universalizante dos media, mas também, como muito bem percebeu
Appadurai (2000: 206), pela influência que as levas diaspóricas de criminosos
cariocas e, principalmente, paulistanos, exerceram e exercem sobre os seus
congêneres da Região.
Esses fatos criam uma cultura criminosa local que, apesar de guardar
feições do lugar, incorpora feições importadas nas suas práticas e costumes, tais
como as regras da lei do silêncio”, digos morais de punições e recompensas.
Nisso percebemos a propriedade da afirmação: Se a genealogia das formas
culturais diz respeito à circulação entre regiões, a história destas formas diz respeito
à sua atual domesticação enquanto prática local (Appadurai, 2000: 214). Mas, é
uma relação biunívoca, isto é, na medida em que recebe influências externas,
10
Não obstante as representações coletivas serem necessariamente sociais, a formulação do autor
permite reafirmar a força e o poder de determinadas representação no universo em questão.
27
também transmite usos e costumes locais, pois, o que é necessário conhecer, caso
a tradição dos estudos regionais pretenda ser revitalizada, é que a própria
‘localidade’ é um produto histórico e que as histórias através das quais emergem as
‘localidades’ acabam por estar sujeitas às dinâmicas do global (Appadurai, 2000:
214). Por isso, as perspectivas antropológicas e dos estudos regionais tendem a nos
fazer considerar o cotidiano vivido.
Entretanto, ainda uma dúvida pairava: como convalidar um conhecimento,
tirado do cotidiano de uma comunidade, produto do exercício diário do senso
comum, como um produto de validade científica e verdadeira? Nestes aspectos
tivemos a contribuição profícua de Souza Martins (2002) que correlacionou o
cotidiano e o senso comum, considerando-os capazes de produzir, ao serem
estudados e observados atentamente, análises da vivência real e concreta de uma
comunidade. Partindo da desafiadora afirmação: os homens fazem sua própria
História, mas não a fazem como querem e sim sob as circunstâncias que
encontram, legadas e transmitidas pelo passado (Marx, 1961: 203), diz Souza
Martins que: “O senso comum é comum não porque seja banal ou mero e exterior
conhecimento. Mas, porque é conhecimento compartilhado entre os sujeitos da
relação social” (Souza Martins, 2002: 59).
Esse exercício diário do senso comum pela comunidade de pessoas vivas
e concretas acaba por produzir um cotidiano rico de significados, constantemente
reinventados e compartilhados por todos de um determinado tempo e lugar sem,
entretanto, restringir-se apenas a isso. Essa reinvenção do dia-a-dia vai muito além,
pois:
“O conhecimento cotidiano não é constituído apenas de significados. De fato, o que
caracteriza o experimento etnometodológico e a utilização de catástrofes
artificialmente produzidas como recurso para criar situações de anomia e destruir
os significados que sustenta a interação. (...) Portanto, mais do que uma coleção
de significados compartilhados, os senso comum decorre da partilha, entre atores,
de um mesmo método de produção de significados” (Souza Martins, 2002: 60 e
61).
O cotidiano vivido faz do homem criatura e criador de si mesmo, em uma
contradição exasperante, mas permitindo um olhar analítico sobre suas
intencionalidades e imaginário. É no fragmento do tempo do processo repetitivo
produzido pelo desenvolvimento capitalista, o tempo da rotina, da repetição e do
cotidiano, que essas contradições fazem saltar fora o momento da criação e de
anúncio da História
___
o tempo do possível. E que, justamente por se manifestar na
própria vida cotidiana, parece impossível. Esse anúncio revela ao homem comum,
28
na vida cotidiana, que é na prática que se instalam as condições de transformação
do impossível em possível” (Souza Martins, 2002: 63).
Resumindo esta abordagem preliminar, gostaríamos de retomar alguns
pontos em relação ao nosso trabalho:
A pesquisa feita constitui-se efetivamente da análise de:
a pesquisa documental constituída pelo exame rigoroso das notícias dos
principais jornais e revistas, dos últimos seis anos, perfazendo,
aproximadamente 19.500 páginas de folhas sulfite, espaço 1, já catalogadas
(fontes secundárias);
b entrevistas (quinze) realizadas com comandante da Polícia Militar,
moradores das periferias, traficantes, bandidos, prostitutas, psicólogos e
profissionais do serviço social (fontes primárias).
c documentos disponibilizados por órgãos governamentais e agências de
controle estatais.
Privilegiamos especialmente a análise de discurso, especialmente das
entrevistas com moradores nas periferias e favelas das cidades da Região
Metropolitana de Campinas. Trabalhamos também nessa linha com as declarações
de autoridades e empresários colhidas em jornais. Este conjunto forneceu um rico
material para análise qualitativa.
À análise de discurso somamos a organização de fichas (como
apontamos atrás) que permitiram uma visualização imediata e conjunta dos
diversos temas trabalhados.
Os dados sobre violência e criminalidade obtidos nos organismos
especializados (fontes secundárias) permitiram uma análise quantitativa. Foram
utilizadas as ferramentas metodológicas desenvolvidas pelos diversos núcleos de
estudos da violência urbana em o Paulo
11
, Campinas
12
, Rio de Janeiro
13
, Belo
11
Núcleo de Estudos da Violência, liderado por Paulo Sérgio Pinheiro, Sérgio Adorno e Nancy
Cárdia; Núcleo de Estudos da Mulher, liderado por Maria Angélica V.M.C. Soler e Heleieth B.
Saffioti; Instituto Latino-americano de Prevenção do Delito ILANUD, liderado por Oscar
Vilhena Vieira e Túlio Kahn; Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, liderado por José
Vicente da Silva Filho; Grupo de Estudos Segurança e Justiça, da Fundação Sistema Estadual
de Análise de Dados SEADE, liderado por Luiz Henrique Proença Soares; Núcleo Temático
Violência e Justiça, da Faculdade de Serviço Social da PUC-São Paulo, liderado por Drª. Luzia
Fátima Baierl, Graziela Acquaviva Pavez e Isaura Isoldi de Melo Castanho e Oliveira; Grupo de
Pesquisas de Políticas Públicas, da PUC-São Paulo, liderado por Marta Campos; Grupo de
Estudos de Vigilância Epidemiológica, da Faculdade de Saúde Pública da U.S.P..
12
PAGU Núcleo de Estudos de nero, da UNICAMP, liderado por Maria Margareth Lopes e
Adriana Piscitelli.
13
ISER Instituto de Estudos da Religião, liderado por Rubem sar Fernandes; CLAVES
Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da FIOCRUZ, liderado
por Maria Cecília de Souza Minayo e Edinilsa Ramos de Sousa; NUPEVI Núcleo de Pesquisa
29
Horizonte
14
e Porto Alegre
15
. Também foram considerados os referenciais teóricos
usados para estudos semelhantes sobre a criminalidade
___
independentemente da
base teórica que norteia esses trabalhos
___
, em Belo Horizonte
16
(base sociológica),
São Paulo
17
(base econômica), Rio de Janeiro
18
(base antropológica e econômica) e
Campinas
19
(base populacional e histórica).
Foi, sem dúvida, um trabalho demorado e difícil, envolvendo questões
teórico-metodológicas, coleta de dados secundários, leitura de uma enorme
quantidade de textos e pesquisa de campo. A parte mais sensível da pesquisa,
contudo, foi a última: a observação, as entrevistas e as conversas com o pessoal
direta ou indiretamente envolvido no tráfico na Região Metropolitana de Campinas,
que acabaram se constituindo em fontes primárias da pesquisa. Ela demandou
tempo, persistência, paciência e tato para conhecer e ganhar a confiança de todos
os envolvidos, o que implicou em alguns compromissos éticos com as exigências de
um trabalho acadêmico que envolve a segurança dos entrevistados e também do
entrevistador.
Talvez um dos nossos maiores desafios tenha sido manter um foco
específico, dado que o tema é vasto, complexo e passível de incontáveis
desdobramentos. Limitar o olhar, ou melhor, limitar a exposição de um dos aspectos
sem perder a complexidade foi um problema maior que o esperado.
Procuramos privilegiar, então, os recortes do cotidiano e do trabalho que
compõe o corpo propriamente dito desta Tese. Podemos dizer assim: as referencias
indiretas e quantitativas compõem o cenário maior no qual os nossos personagens
de carne e osso” se movem.
8. Organização da tese
das Violências, da UERJ, liderado por Alba Maria Zaluar e Michel Schiray; Instituto de Cidadania
e Segurança Pública, da Universidade Cândido Mendes, liderado por Julita Lemgruber.
14
Grupo de Estudos em Criminologia e Segurança Pública, da Universidade Federal de Minas
Gerais, liderado por Cláudio Chaves Beato Filho e Renato Martins Assunção.
15
Violência e cidadania, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, liderado por José Vicente
Tavares dos Santos e Juan Mario Fandino Marino.
16
Renato Sérgio de LIMA, s/data; Vinícius Velasco RONDON, 2003; Nancy Cardia (Coord.), 1998.
17
Túlio Kahn, 1998 e 2002; Samuel Kilsztajn, 2002.
18
Vinícius Velasco Rondon: 2003.
19
Tirza Aidar: 2002; Héctor Hernan Bruit: 2002.
30
A partir das constatações acima, o trabalho foi dividido e desenvolvido nas
seguintes partes:
Capítulo 1 Onde foi feita uma discussão da categoria violência como
condicionante socioeconômico do crime, constatando a violência como realidade
cotidiana, inserida de forma sensacionalista na mídia de massa.
Capítulo 2 - Analisou-se, também, a violência e o crime como fatos
permanentes, estruturais e sistêmicos no Brasil e no Estado de São Paulo, exercidos
das mais diversas formas, tanto por organismos institucionais ou não.
Capítulo 3 Foi estudado o Crime Organizado, distinguindo-o do crime
comum, procurando associá-lo, particularmente entre outros ilícitos, ao tráfico de
drogas ilícitas e armas. Este capítulo foi complementado com uma análise dos
conceitos de Segurança Pública e Política de Segurança e, também, do sistema
prisional existente na Região Metropolitana de Campinas.
Capítulo 4 Foi feito um levantamento das formas como os diversos
segmentos envolvidos com a violência e crime (Polícias, Tráfico e População) olham
a Segurança Pública. Foi constatado que esses seguimentos têm percepções da
Segurança Pública e da criminalidade muito próximas. Foi feito um levantamento
geral de como o tráfico e a população vêem a Segurança Pública e a criminalidade.
Capítulo 5 Este capítulo foi iniciado com uma compilação das condições
geoeconômicas e políticas da Região Metropolitana de Campinas, descrevendo
suas condições naturais de relevo e entroncamento de rotas de comunicação,
procurando mostrar seu potencial econômico e tecnológico. A seguir relacionamos
esse potencial econômico e tecnológico com o problema da violência e
criminalidade, procurando resgatar um pouco da história do crime na cidade de
Campinas. Pra isso aproveitamos um trabalho de pesquisa em um dos bairros mais
violentos (São Marcos inícios dos anos 90), procurando extrair informações que
permitissem comparações com o problema nos dias de hoje.
Capítulos 6 Neste capítulo procuramos mostrar que a criminalidade que
ocorre hoje na região de Campinas está ligada com a criminalidade nacional e
internacional visto que, a partir da presença do tráfico de drogas e armas, essa
criminalidade cosmopolitizou-se, pois, com a facilidade de comunicações e
informações que verificamos nos dias atuais, os criminosos tem acesso fácil às
novas tecnologias que são usadas com sucesso em outros locais e imitam. A seguir,
foi feita a descrição do cotidiano das polícias, do tráfico e da população, através dos
olhares que cada um desses segmentos lança sobre o outro, relacionando o
31
passado mais distante, o presente próximo e o hoje, especialmente na Região
Metropolitana de Campinas, visto representarem os atores que, no seu cotidiano,
protagonizam ali o drama da criminalidade. Para possibilitar um entendimento
melhor de como esse Mundo do Crime se articula e se estrutura na Região
Metropolitana de Campinas procuramos, sempre que possível, relacionar com os
mesmos fatos nas regiões Metropolitanas de Rio de Janeiro e São Paulo, no sentido
de evidenciar as semelhanças, entender as diferenças e conjecturar possíveis
desdobramentos para a Região.
E, por último, buscamos algumas conclusões
___
permeadas de novas
indagações
___
, que tentariam ajudar na compreensão dos diversos aspectos que
assume a criminalidade na Região Metropolitana de Campinas, sugerindo alguns
procedimentos (todos previstos em Leis e regulamentos) que poderiam minorar
esses problemas.
Capítulo 1 – Da universalidade (virtual) da lei
à generalidade (real) da violência
32
1. Introdução
A violência prejudica a qualidade de vida das pessoas que habitam as
grandes e médias cidades.
Tentando contornar esse problema muitos vivem em condomínios
fechados, murados, munidos de sistemas de segurança de última geração ou de
simples grades de ferro nas janelas e portas
___
uma nova modalidade de prisão
___
,
segregando os habitantes ao invés dos criminosos, impossibilitando o
relacionamento aberto entre as pessoas. A cidade deixa de ser o habitat natural do
homem moderno, para ser o lugar do medo.
É função precípua do Estado garantir o direito ao bem-estar para todos,
inclusive a integridade física e patrimonial do cidadão. Entretanto ele tem falhado
nessa missão, atraindo a descrença de sua população. “A autoridade do Estado
tombou, gravemente ferida, diante da própria inoperância e da inadmissível
leniência no trato da questão da segurança pública” (Carneiro & França, 2003: 86).
A polícia, detentora da ação violenta legítima, braço armado do Estado
para garantir esses direitos, tem sofrido um processo de deterioração técnica e,
principalmente, moral, o que obriga as pessoas mais diretamente ameaçadas a
procurarem resolver esse problema por conta própria.
A conseqüência imediata desse caos social e policial, dessa falência do
Estado comoprotetor da população e do patrimônio, é o aparecimento da próspera
"indústria da proteção", exercida em grande parte pelos próprios policiais, que
acabam por fazer, nas suas horas de folga, a função de segurança particular ou, até
mesmo, de “justiceiro”, complementando assim os seus reduzidos salários.
Como se não bastasse, o Estado tem que enfrentar um banditismo
excepcionalmente bem armado, tecnologicamente melhor aparelhado que as
próprias Polícias, prosperando facilmente com assaltos, seqüestros e estelionatos.
Tudo isso incentivado por uma sensação geral de impunidade, troca de interesses
entre marginais, autoridades e pessoas em geral, envolvendo “mercadorias políticas
(Misse, 1997), numa “relação simbiôntica(Baierl, 2003).
A generalização de atos criminosos leva os estudiosos a procurar as
causas desse fenômeno tão atual. Tenta-se explicar o como e o por que do
33
rompimento do Contrato Social que mantém a nossa sociedade, impedindo que
caiamos na barbárie.
Desenvolvendo mais este raciocínio, vemos existir uma necessidade de
vivermos sob o império das leis, que são por nós elaboradas e às quais nos
sujeitamos por dever. Essa idéia, baseada em Kant, considera que essa convivência
humana, mediada por uma lei universal, ou seja, aceita por todos, é o que nos iguala
em dignidade, direitos e deveres. Entretanto, os homens não são, efetivamente,
bons no convívio social, reagindo agressivamente apenas quando ameaçados de
injustiças, humilhações, agressões, mutilações e mortes que, de uma forma ou de
outra, a impunidade reforça e incentiva. Numa sociedade intrinsecamente injusta
como a nossa essas agressões e ameaças aparecem de forma explícita ou
mitigada, destruindo as normas de convívio social, adequando e perpetuando a
desigualdade, a violência e, particularmente, o medo, como muito bem percebeu
Kehl (1996: 5), quando afirma, ironicamente:
“... se existem marginais hoje no Brasil, talvez seja gente sem charme e sem
carisma. Como os professores da rede pública, que continuam ensinando coisas
com que ninguém mais se importa, a troco de salário nenhum. Como esses
homens que puxam pelas ruas carroças com jornal velho, num simulacro de
trabalho digno, com que, por algum motivo obscuro, eles preferem se identificar.
De marginais e trabalhadores, o Brasil ainda está cheio e eles vão... morrer
anônimos sem ter tido direito aos seus 15 minutos... de cidadania”.
Assim, o é de se estranhar encontrarmos um mundo caracterizado pela
violência e pelo medo da população diante de um Estado inoperante, funcional e
moralmente, além de uma sociedade desigual que coonesta esse tipo de coisa.
2. A identificação da violência
Etimologicamente, o termo violência vem do latino “violentia”, palavra
composta de vis que quer dizer força”, ou seja, é a aplicação de uma força sobre
algum objeto ou fato. Hoje corresponde a uma agressão física ou moral, direta ou
indireta, individual ou coletiva, contra a pessoa, atingindo-lhe bem jurídico de que é
titular, como a honra, a liberdade, a integridade física, a vida” (Valverde, 2000: 2).
Para Aristóteles (1973), a violência é tudo aquilo que se origina no exterior
da pessoa e conflita com o próprio desenvolvimento interior da Natureza Humana.
Evidentemente, ele se referia especificamente à violência física ou seja, alguém ser
obrigado, contra a sua vontade, a fazer alguma coisa, caracterizando uma quebra da
34
mais característica das qualidades humanas: a vontade livre. Assim, não considera
nem a violência simbólica nem a estrutural.
Caso pretendêssemos, difi-
cilmente conseguiríamos formular
uma definição inconteste de
violência”. O dicionário de Houaiss
procura conceituar como ação ou
efeito de violentar, de empregar
força física (contra alguém ou algo)
ou intimidação moral contra
(alguém); ato violento, crueldade,
força”. Juridicamente, ele define o
termo como “constrangimento físico
ou moral exercido sobre alguém,
para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
Para a OMS (Organização Mundial de Saúde), a violência é considerada
uma doença social”, entendida comoa imposição de um grau significativo de dor e
sofrimento evitáveis”. Gilberto Velho, por sua vez, procura conceituar a violência
como uma manifestação e exercício de um suposto ou efetivo poder”: Violência
não se limita ao uso da força física, mas a possibilidade ou ameaça de usá-la
constitui dimensão fundamental de sua natureza. Vê-se que, de início, associa-se a
uma idéia de poder, quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade,
desejo ou projeto de um ator sobre outro” (Velho, 1996: 10).
Nas línguas latinas, a palavra violência está estreitamente ligada ao uso
da força de forma exagerada, impetuosa, excessiva, assim como de um poder
___
domínio
___,
sobre outras pessoas ou coisas. No alemão, temos gewalt”, que tanto
pode significar poder como violência”, ou seja, também apresenta uma conotação
com agressão e uso desmesurado e descabido de um poder, constituído em
autoridade”. Assim, sempre vamos encontrar a palavra violência empregada para
designar o exercício de um poder ou autoridade sem legitimidade, mas
impossibilitando a resistência, o conflito ou a recusa.
De uma maneira geral observa-se uma tendência de considerar a
violência a partir de uma noção de violação de alguma norma, fato ou direito, ou
seja, ela é vista como transgressão de regras, normas e leis aceitas por uma
Figura 1 – A violência opressiva e humilhante
Fonte: Autor desconhecido
35
coletividade e das quais ela depende para continuar atuando” (Chauí, 1980: 16), ou
então,
“...como um ato enlouquecido que vem de baixo para cima da sociedade, quando,
na verdade, seria mais pertinente encará-la como um conjunto de mecanismos
visíveis e invisíveis que vem do alto para baixo da sociedade, unificando-a
verticalmente e espalhando-se pelo interior das relações sociais, numa existência
horizontal que vai da família à escola, dos locais de trabalho às instituições
públicas, retornando ao aparelho do Estado” (Chauí, 1980: 16).
Outra face da violência é aquela em que uma manifestação de fúria
explícita, onde a pessoa perde completamente seu equilíbrio emocional e comete
atos de extrema atrocidade. Muitas vezes esses atos são creditados a dificuldades
econômicas ou reações contra a miséria e o sofrimento mas acreditamos, como
Hannah Arendt (1969), que, quando acontece, é muito mais conseqüência de
injustiças e desesperanças em relação ao futuro imediato ou mais distante.
“A fúria não é de modo nenhum uma reação automática diante da miséria e do
sofrimento em si mesmos; ninguém se enfurece com uma doença incurável ou um
tremor de terra, ou com condições sociais que pareçam impossíveis de modificar. A
fúria irrompe somente quando boas razões para crer que tais condições
poderiam ser mudadas e não o são. Só manifestamos uma reação de fúria quando
nosso senso de justiça é injuriado; tal reação em absoluto não se produz por nos
sentirmos pessoalmente vítimas da injustiça, como prova toda a história das
revoluções, nas quais o movimento começou por iniciativa de membros das
classes superiores, conduzindo à revolta dos oprimidos e miseráveis." (Arendt,
1969: 63).
Na comunidade internacional de direitos humanos a violência é
compreendida como todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade,
liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser
votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança,
assistência social e lazer); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de
manter e manifestar sua própria cultura) (Serasa, 2002: 03).
Reconhecemos que, independentemente de nossos esforços, uma
definição de violência seria muito difícil de atingir a objetividade necessária e exigida
por um estudo como este pois, como as noções de caos, de desordem radical, de
transgressão, ela, com efeito, envolve a idéia de uma distância em relação às
normas e regras que governam as situações ditas naturais, normais ou legais, como
definir o que não tem regularidade nem estabilidade, um estado inconcebível no
qual tudo pode acontecer?” (Michaud, 1989: 12). O mesmo autor conclui: Há
violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de
maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias
pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade
36
moral, em suas posses, ou em participações simbólicas e culturais (Michaud, 1989:
11).
Ainda dentro da perspectiva de conceituação do fenômeno representado
pela violência, vamos encontrar em Engels, na sua obra Anti-Dühring, uma
conceituação da violência como o exercício do poder de uma classe social sobre a
outra, conseqüência de uma desigual distribuição da riqueza, que se materializa
numa sociedade de classes. A violência seria uma forma de manter esse estado de
coisas de forma institucionalizada e referendada pelo Estado, para garantir a
propriedade, a partir da ação de um poder armado sob seu controle. Entretanto, a
violência por parte do Estado em direção ao socialismo é entendida por Engels
como legitima, pois toda a transformação/revolução social exige violência (Engels,
1979). As organizações estatais, particularmente aquelas que foram criadas para
garantir os direitos básicos do cidadão, a sua segurança e liberdade, são
apropriadas por uma parcela privilegiada da população e utilizadas para reprimir e
conter as reivindicações dos segmentos sociais da população excluídos do acesso
um conjunto de bens, serviços e direitos, no sentido de garantir seus privilégios e
espaços conquistados pelo poder do dinheiro. Assim, do ponto de vista das elites, a
ênfase na necessidade de uma melhor segurança, geralmente privada, parece ser
uma resposta ao que elas sentem como sendo invasão indevida da cidade e do
espaço da cidadania pelas camadas populares e pelas minoras (Caldeira, T.P.R.
1991: 173).
Essa ligação estreita com o exercício do poder caracteriza, de certa forma,
as relações violentas. Hannah Arendt relacionou muito bem essas duas categorias
quando afirmou: “[...] nada, como veremos, é mais comum do que a combinação de
violência e poder, nada é menos freqüente do que encontrá-los em sua forma pura
e, portanto, extrema” (Arendt, 1994: 39).
Autores como Hannah Arendt procuram distinguir poder de violência”,
caracterizando o exercício da violência como um meio para se chegar ao poder e
não um fim em si mesmo. Este posicionamento é seguido por vários outros autores
que, de uma forma mais mitigada ou explícita, seguem pelo mesmo caminho: a
violência como o não reconhecimento do outro, a anulação ou a cisão do outro
(Adorno, 1993 e 1995; Oliveira, 1995; Paixão, 1991; Tavares dos Santos et al.,
1998; Zaluar, 1994); a violência como a negação da dignidade humana (Brant, 1989;
Caldeira T.P.R., 1991; Kowarick e Ant, 1981); a violência como a ausência de
compaixão (Zaluar, 1994); a violência como a palavra emparedada ou o excesso de
37
poder (Tavares dos Santos et al., 1998)” (Zaluar & Leal, 2001: 03). Em todos esses
posicionamentos fica ressaltada a presença física do opositor ou a arbitrariedade
dos poderosos
___
ou as duas
___
, como características da violência.
No Brasil, inclusive, tem sido Tavares dos Santos quem tem teorizado
sobre esses fatores, particularmente sob a influência de Foucault e Bourdieu,
definindo a violência como "excesso de poder que impede o reconhecimento do
outro pessoa, classe, gênero ou raça mediante o uso da força ou da coerção,
provocando algum tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da
sociedade democrática contemporânea" (Tavares dos Santos et al., 1998). Nessa
conceituação, desapareceria a fronteira entre a violência física, a qual oprime pelo
excesso da força corporal ou armada, e a simbólica, a qual exclui e domina por meio
da linguagem. Não haveria, portanto, um nicho especial para tratar da violência
como o uso de instrumentos da força bruta (Zaluar, 1995), desarticulada da violência
simbólica presente no institucional ou no Estado” (Zaluar & Leal, 2001: 03).
As dificuldades para definir, com clareza, violência”, são evidentes se
considerarmos a grande quantidade de trabalhos que procuraram tratar o tema.
Entre eles temos os trabalhos de Minayo (1990 e 1994
b
) que conseguiram produzir
um suporte bastante eficiente para balizar os estudos sobre violência, embora
abordando o tema sob a perspectiva da saúde. Assim, nesses trabalhos, a
pesquisadora estabelece em dois grandes agrupamentos as teorias que tentam
explicar o fenômeno “violência” em toda a sua abrangência:
De um lado estão os que sustentam que a violência resulta de necessidades
biológicas, psicológicas ou sociais, fundamentando-se na sociobiologia ou na
etologia, teorias que subordinam a questão social às determinações da natureza.
De outro, estão os que explicam a violência como fenômeno de causalidade
apenas social, provocada quer pela dissolução da ordem, quer pelavingança’ dos
oprimidos, quer ainda pela fraqueza do Estado” (Minayo & Souza, 1997/1998: 03).
O primeiro grupo considera a sociedade um teatro onde se desenrola uma
competição entre indivíduos, grupos e nações, seguindo abordagens a partir das
idéias de Hobbes, onde as pesquisas podem produzir padrões científicos de
comportamento, aplicáveis para explicar fenômenos de natureza violenta. Para eles
é possível encontrar uma explicação neutra, rigorosa e isenta de influências da
moralidade, apenas controlando os juízos de valor utilizados na descrição do
fenômeno violência”. Essas teorias partem da própria naturalização da violência,
considerando a agressividade humana como uma característica inata e, portanto, os
atos de violência são eternos e naturais, expressos de forma mais ou menos
evidente, de acordo com a época histórica vivida. Várias outras teorias, seguindo as
38
mesmas premissas anteriores, substituem o processo histórico e social pelo conceito
de agressão proveniente da biologia, etologia, genética e medicina (Minayo &
Souza, 1997/1998: 04), que consideram esta agressividade como parte do próprio
instinto de sobrevivência. Assim, de certa forma, subordinam o social ao biológico,
como enfatiza William Thorpe (1970: 40), quando declara: dificilmente existe algum
aspecto da conduta dos animais que não tenha referência nos problemas da
conduta humana”.
As descobertas da etologia social, particularmente a partir dos trabalhos
de Lorenz (1979: 25), levaram a re-qualificar a agressividade, percebendo-a como
um mecanismo instintivo que se manifesta automaticamente em determinadas
circunstâncias (perigo, sobrevivência e reprodução, principalmente) levando os
animais a atacarem outros da mesma espécie, sendo considerada pelo autor citado
e seus seguidores como necessária à própria preservação da espécie de forma
natural e irresistivelmente, reduzindo os condicionantes sócio-antropológicos aos
biopsicológicos.
Para outros autores, como Colin Wilson (1964/65: 27), a violência é a
conseqüência direta da miséria e da desigualdade econômica e social, que se
expressa por condutas pervertidas e violentas. Edward Morin (1970: 46-9),
considera que a violência que se expressa no cotidiano de nossa sociedade é
consequência da estimulação de atavismo arcaicos, passando a considerar que o
problema da violência não é de índole social, mas psicológica, o que possibilita dizer
que, qualquer transformação nas relações sociais será possível a partir de uma
modificação psicológica
___
e não social
___
na índole do ser humano.
Mesmo considerando que os estudos da biologia, psicologia, genética e
neurofisiologia são extremamente importantes para o entendimento do humano não
podemos deixar de considerar a violência como uma construção social, da própria
vida em sociedade, portanto historicamente situada. Concordamos com Minayo &
Souza, quando cita Marx e Engels, atribuindo a violência a um comportamento
humano estimulado fortemente pelo poder da sociedade:
“Aqui se argumenta em favor da relação dialética entre indivíduo e sociedade, e
não da prioridade do primeiro sobre a segunda. Marx e Engels (1971, p. 146)
exprimiram bem esse ponto de vista ao afirmarem que: ‘O homem desenvolverá
sua verdadeira natureza no seio da sociedade e somente ali; razão pela qual
devemos medir o poder de sua natureza não pelo poder do indivíduo concreto, mas
pelo poder da sociedade’ (Minayo & Souza, 1997/1998: 05).
Evidentemente não se pode ignorar que as análises psicológicas da
violência refletem:
39
o crescimento das tendências anti-sociais, o isolamento, o medo coletivo e
individual, o estado de intolerância, a alienação dos indivíduos e a
espetacularização dos dramas particulares. Seria incorreto negar o mundo
subjetivo em que se baseia toda a vida social e privada. É necessário enxergar no
processo de atividade vital não a supremacia de uma esfera sobre outra, mas a
singular unidade dialética do natural, do individual e do social, do hereditário e do
adquirido” (Minayo & Souza, 1997/1998: 05).
Outro grupo de autores trata a violência a partir da premissa que ela é
socialmente construída, produto direto das desigualdades sociais, onde condições
de extrema pobreza convivem com extrema riqueza e desperdício, provocando a
desesperança e a criminalidade. São frutos diretos da urbanização acelerada e sem
qualquer tipo de planejamento, conseqüência de um processo de industrialização
dependente e predatório. Esses fenômenos provocam correntes migratórias
importantes para as periferias das grandes metrópoles, em condições de grande
pobreza, desenvolvendo novos tipos de comportamentos e novas moralidades, o
que faz com que essas pessoas sejam presas fáceis do Crime Organizado e do
tráfico de drogas. Assim, as grandes cidades seriam os centros geradores de
delinqüência e criminalidade.
Tais idéias inspiram-se basicamente em Sorel (1970), o primeiro teórico da
explicação da violência como revolta dos despossuídos, e em Engels (1979), que
situa o fenômeno da delinqüência no início da industrialização da Inglaterra como
nível elementar da luta de classes. Pires (1986), Oliven (1982, 1993) e R.
Cerqueira (1987) são, entre nós, alguns dos representantes dessa corrente. Ela
retém uma visão exterior da violência, como força instrumental de reposição da
justiça, e deixa de lado outros aspectos da violência social e cultural que têm raízes
estruturais profundas e internalizadas nos sujeitos, e que atingem a todos nós,
independentemente de classe, cor, raça, sexo ou idade” (Minayo & Souza,
1997/1998: 07).
Foi Hegel (1969: 299-336) quem primeiro considerou a violência como
racional historicamente, como ligada à própria origem da consciência humana. A
partir daí Freud (1974: 311) e Habermas (1980: 100), desenvolvem mais essa teoria
considerando que o próprio processo civilizatório oferece meios para controlar essa
violência como manifestação humana.
Outros explicam a violência crescente como uma falha do próprio
organismo estatal, que não consegue controlar esse processo. Preconizam como
solução um Estado opressivo, autoritário e controlador, aparelhado de entidades
repressivas e punitivas de efeito exemplar, para que não haja reincidência nem
estímulo para o aparecimento de novas manifestações.
40
Hoje a violência e o medo provocado por ela são fenômenos tão
disseminados que poderíamos, tranqüilamente, falar em uma “epidemia de
violência”, que se constitui num problema de saúde pública.
“Se o fenômeno da violência, como diz Engels (1979, p. 27), é produto da história
—esta ‘é como a mais cruel das deusas que arrasta sua carroça triunfal sobre
montões de cadáveres’—, não se pode deixar de reconhecer que os processos
violentos inibem, modificam e enfraquecem tanto a qualidade como a capacidade
de vida. Vários estudiosos da atualidade observam que se torna cada vez mais
necessária uma epidemiologia da violência, inclusive uma epidemiologia dos
problemas psiquiátricos gerados por ela” (Minayo & Souza, 1997/1998: 09).
A violência também é entendida como uma rejeição do outro,
representado pelo favelado ou pelo pobre que pede dinheiro ou vende
quinquilharias, em uma sociedade de exclusão e xenofobia, a partir da constatação
que esses indivíduos são considerados diferentes, estranhos e estrangeiros”, como
muito bem lembrou Balandier (1997: 212). O medo do diferente”, daquele que não
se encaixa nos padrões da normalidade econômica e cultural, tem como
conseqüência principal o aumento da própria violência contra essas pessoas. Por
isso na sociedade, particularmente nas mais tradicionais, temos a presença
constante da violência e o clamor social de controlá-la a qualquer custo, dentro de
padrões e situações que não ameacem a ordem constituída e os segmentos sociais
economicamente mais significativos. É necessário domesticar a violência, confiná-
la nos recônditos do particular e da vida doméstica, ritualizá-la de forma a prevenir-
se contra sua ação de subversão ou perturbação (Balandier, 1997: 208). Esses
elementos, causadores da desordem
20
, ou seja, peças que não funcionam
harmoniosamente em relação ao todo social, precisam ser reprimidos, controlados e
imobilizados, razão pela qual o clamor de polícia presente e vigilante, agindo contra
qualquer tipo de anomalia social, aparente ou real.
Fazendo um balanço das colocações acima admitimos que a violência é
um fenômeno histórico-social, datado no tempo e localizado no espaço, onde se
20
Para Balandier (1997: 11), a desordem é um conceito importante para se compreender a
sociedade moderna, na qual predominam o movimento e a incerteza. O movimento se realiza em
múltiplas formas, vistas por muitos como armadilhas ou como máscaras da desordem. Considerando
que ordem e desordem são duas faces da mesma moeda e que se referem sempre à relação do todo
e das partes nos conjuntos de elementos e nas sociedades, o autor assim as define: ‘Existe `ordem'
quando os elementos não existem sem ligação, mas têm entre si um princípio de unidade que os faz
participar, ao mesmo tempo, de um conjunto único (...). Existe desordem quando os elementos de um
conjunto, fazendo parte desse todo, comportam-se como se não fizessem parte’ (p. 47). A desordem
é, geralmente, vista sob o aspecto do mal ou do inesperado, do incomum. Por isso, todas as
sociedades reservam um lugar para ela, mesmo temendo-a; por não terem a capacidade de eliminá-
la, precisam encontrar formas de compor-se com ela (p. 121). No entanto, a modernidade parece
atribuir-lhe uma capacidade de onipresença e de crescente virulência, transformando-a na principal
referência obsedante e fixadora de incompreensões, inquietudes e angústias (p. 194)” (Teixeira &
Porto, 1998: 66).
41
diferencia e se categoriza (Burke, 1995; Pinheiro, P.S., 1982). Ela revela a forma
como a sociedade se organiza, além das suas fragilidades e estrutura de classe,
etnia, faixa etária, gênero, etc. “A desvalorização da vida e das normas
convencionais, das instituições, dos valores morais e religiosos, o culto à força e ao
machismo, a busca do prazer e do consumo imediato estão hoje na base dos
códigos paralelos das gangues e ‘falanges' que amedrontam nossos centros
urbanos (Minayo & Souza, 1997/1998: 08). Esses fatos, para serem minimamente
entendidos, provocam a necessidade de se estabelecer redes entre os seus
diversos fenômenos e protagonistas como propõem Da Matta (1982), Domenech
(1981) e Boulding (1981). Além disso, aspectos culturais são fundamentais para
explicar determinados tipos de comportamento social que, eventualmente, podem
ser considerados violentos (Burke (1995); Cruz Neto & Minayo (1995); Oliven (1993)
e Chesnais (1981)).
Podemos afirmar que vivemos uma sociedade do espetáculo”, onde cada
um tem que ter os seus quinze minutos de exposição e glória e da cultura
narcísea do indivíduo, onde a auto-admiração e o culto da personalidade
prevalecem sobre qualquer outro impulso individual. Para se atingir esses objetivos,
tudo é particularmente válido, mesmo o crime. Assim, percebemos certa facilidade e
prazer em bandidos contando seus casos em entrevistas. É o prazer da exposição
da personalidade, ou seja, o prazer de ser reconhecido, mesmo que pela violência.
Os psicopatas, exemplo de pessoas violentas e sem consciência moral,
são: o que de mais temível e intrigante os descaminhos da mente humana podem
produzir. Eles são eloqüentes, charmosos, sedutores e capazes de impressionar e
de cativar rapidamente. Parece bom? Somem-se a essas características
insensibilidade, frieza, mentiras, uma brutal capacidade de manipulação e nenhum
sentimento de culpa ao fazer o mal (França, 2002: 36). São classificados pela
Organização Mundial de Saúde como portadores de um distúrbio de comportamento
anti-social, que incide em 5% da população mundial.
Segundo Flores (2002), a relação entre genética e criminalidade violenta e
sistemática aparece como um transtorno da personalidade que se manifesta de
forma crônica na segunda década de vida do agente violento, caracterizada pela
ausência de culpa, vergonha ou remorso, pobreza de relações afetivas,
incapacidade de aprender com a experiência e insensibilidade social. Ainda
identifica certas condições que agravam ainda mais o problema, quais sejam:
fragilidades biológicas causadas por problemas neurológicos, atraso no
42
desenvolvimento neuropsicomotor e complicações de parto, combinadas com um
ambiente familiar inadequado, especialmente no primeiro ano de vida.
Como se pode perceber na exposição anterior, no que tange à origem da
violência, existe grande controvérsia nos meios científicos. Biólogos e neurologistas
procuram encontrar indícios na anatomia e na fisiologia humana, pistas para definir
tendências genéticas de violência nos indivíduos. Sociólogos e antropólogos, assim
como os demais cientistas sociais, procuram definir condições sociais, culturais e
educacionais para o desencadeamento dos atos violentos.
Alguns estudos recentes, particularmente de pesquisadores ligados à
UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), estão se referindo a uma
semente de violência que todos os seres humanos possuem. Somos todos
violentos, uns mais, outros menos, segundo o biomédico da Unicamp, Renato
Sabbatini (Barata & Scholer, 2001: 01). Ele afirma que o homem é a espécie mais
violenta do planeta e que seu cérebro está relacionado com isso.
Também na PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de
Campinas) encontramos estudos que apontam nessa direção, como por exemplo:
Geraldo José Ballone, médico psiquiatra da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, chama a atenção para a importância do comportamento violento em
nossa espécie: ‘a agressividade, matriz psicofisiológica da agressão, faz parte de
nosso arsenal de comportamentos dirigidos à adaptação. O ser humano não
sobreviveria sem a agressividade’" (Barata & Scholer, 2001: 01). Por isso, as
explicações que fundamentam esse ponto de vista estão baseadas no
comportamento competitivo que o homem tem desde as mais remotas eras, quando
tinha que lutar pela sua sobrevivência e propagação do seu estoque genético.
Em alguns momentos, esses pesquisadores quase resgatam as teorias
lombrosianas de criminalidade: "’muitos estudos têm mostrado que assassinos
criminosos ultraviolentos tem anormalidades no globo frontal’, mas salienta que
‘existe razoável evidência que os sociopatas têm uma disfunção no cérebro frontal.
Por que e quando esta disfunção aparece ainda é totalmente desconhecido’” (Barata
& Scholer, 2001: 02).
Para Ferraz (1994) o estudo da violência inerente ao homem deve ser
realizado observando a natureza própria do homem e o seu ambiente. No primeiro
caso, teremos que averiguar a natureza instintiva do homem para a violência; no
segundo, a influência causada pelo meio em que está inserida: a cidade.
43
Alguns autores defendem a idéia de que o homem se torna violento
pela influência externa, ou seja, a violência é um estado imposto pelo ambiente, e
não inato. Outros autores, no entanto, defendem que a natureza violenta do homem
é instintiva, faz parte de sua genética, e que o ambiente apenas faz com que esse
comportamento instintivo aflore, em maior ou menor grau.
Se considerarmos, como Ferraz (1994), o homem como sendo uma
espécie violenta, que executa assassinatos em massa e grande maioria de sua
população com características de desajustamentos comportamentais, visão
corroborada por Fromm (1979),
___
que o considera portador de uma violência letal
___
,
temos que concluir ser o homem portador de um grande impulso para a destruição e
crueldade, sendo este, em contraste com a maioria dos mamíferos, é um autêntico
assassino” (Fromm, 1979).
Em experiências com animais onde foram estudados os efeitos da
superpopulação no comportamento de seus membros, provocando uma grande
densidade demográfica, percebeu-se um aumento pido da agressividade e
violência entre seus membros à medida que aumentava a relação população/espaço
(Hall, 1989). Essa diminuição do espaço individual de cada um, provoca uma
afetação no seu sentido de territorialidade”, isto é, espaço individual disponível.
Assim, a grande pergunta é: Isso ocorre também na espécie humana? Em que nível,
a educação e a cultura de cada um vai sublimar esses “instintos”, substituindo-os por
reações racionais? Enfim, a coabitação sem possibilidade de expansão real resulta
na selvageria individual (para evitar o controle social) e, conseqüentemente, na
agressividade”. (Castells, 1969, p. 103). “A diversificação das atividades e dos meios
urbanos provoca uma forte desorganização da personalidade, o que explica a
progressão do crime, do suicídio, da corrupção, da loucura, nas grandes
metrópoles... (Castells, Op. Cit. p. 104). Particularmente, preferimos investir na
crença de que a cultura e a educação podem “humanizar” o homem o suficiente para
ele poder controlar os seus possíveis instintos agressivos
___
se realmente
existirem
___
, e desenvolver um comportamento socialmente mais adequado para a
sua sobrevivência e de sua espécie.
Balandier (1997: 208) afirma que nas sociedades tradicionais a violência
está sempre presente, controlada por regras que coíbem ou sancionam (pena de
morte) o homicídio, as guerras (aceitável contra o estrangeiro, inimigo real ou
potencial), a violência formadora (educação e socialização das crianças e
adolescentes), permanecendo domesticada, ritualizada. Nas sociedades modernas a
44
violência, segundo o mesmo autor (ibidem: 211), aparece ampliada tanto na sua
visibilidade como na consciência de sua existência, portanto aparece monopolizada
pelo Estado, mas que não consegue reprimir suas manifestações na sociedade,
como atestam os aumentos gradativos da criminalidade e da insegurança urbana.
Ocorre, então, certa naturalização da violência, o que Geertz (1978) chamou de
cultura da violência”, entendida a cultura como sendo uma teia de significados,
tecida pelo homem e na qual ele se enreda atingindo, principalmente, o âmbito
privado: a própria vida doméstica.
De uma maneira geral concordamos com Barroso (1997: 40-41), quando
diz que a violência é um ato construído socialmente e assim avaliado, isto é, que
essa mesma sociedade precisa considerá-lo violento, instituído como fora da norma.
Como a principal conseqüência da violência é a notabilidade do
comportamento criminoso, isto é, a visibilidade que assume a violência e seu
agente, torna-se fundamental que se expliquem as razões desse tipo de
comportamento. Assim, no Brasil República o comportamento criminoso foi visto a
partir da ótica dos conceitos dico-psiquiátricos e higienistas europeus (Misse,
1998: 01), tendência que permanece até hoje. Esses conceitos foram reforçados
pelos positivistas radicais republicanos, que preferiram combater o crime na cidade
do Rio de Janeiro mandando para Fernando de Noronha os capoeiristas,
considerados criminosos na época. Essa tendência dominou toda a primeira
metade do século XX, quando as acusações mais comuns de vadiagem e desordem
deram lugar a uma classificação menos ambígua e mais criminal e os crimes
passionais (principalmente de honra ou vingança) continuavam a constituir a maioria
dos casos de lesões corporais e de homicídios intencionais” (Misse, 1998: 3).
que considerar ainda a violência estrutural, inerente à sociedade
capitalista, dentro de um quadro em que as pessoas competem entre si, tendo como
conseqüência o enriquecimento de alguns e a pauperização de muitos, isto é,
consiste em uma modalidade de violência que nasce no próprio sistema social,
criando as desigualdades e suas conseqüências, como a fome, o desemprego, e
todos os problemas sociais com que convive a classe trabalhadora” (Minayo, 1990:
290). Além disso, trata-se, portanto, de uma violência legitimada que, do ponto de
vista das classes expressa-se nas desigualdades e exclusão, que gera fome,
desemprego, abandono de crianças, bem como os demais problemas sociais em
que astimas são tratadas como responsáveis. [...] Este tipo de violência presente
nas instituições estabelece os limites culturalmente aceitos da violência aberta,
45
principalmente a física, numa sociedade” (Souza, E.R. 1991, p. 17). Foi a partir
destas constatações que Minayo & Assis (1992: 59) consideram que a violência
estrutural é a violência primordial, geradora e mantenedora de uma rede de
violências”, de certa forma concordando com as colocações de Engels em Anti-
Dühring, na qual o autor atribui às desigualdades sociais, corroboradas pelas
estruturas do Estado, as causas da violência (Engels, 1979).
A visibilidade contemporânea do comportamento criminoso coloca em
primeiro plano a discussão da violência e das razões que levam a ela. Entretanto,
outro aspecto importante, mas praticamente ignorado por grande parte dos
estudiosos, se refere ao que acontece depois com as pessoas vítimas da violência
ou que tiveram algum contato direto com ela. Consideramos que elas também
devem ser consideradas timas ocultas da violência, como apregoa Glauco
Soares, autor de uma pesquisa que tem como título: Vítimas Ocultas da Violência no
Município do Rio de Janeiro, realizada entre 2003 e 2004. Segundo ele, A violência
produz vítimas ocultas dos levantamentos estatísticos da criminalidade. Elas têm
seqüelas físicas e psíquicas em razão da morte de familiares ou amigos, apesar de
não terem envolvimento direto com o crime que nela resultou. São vítimas indiretas
da violência que atingiu alguém por quem tinham afeto (Monken, 2004
a
: C
4
). Mesmo
depois de muito tempo passado, após o evento, esses indivíduos que fizeram o
reconhecimento do corpo de um amigo ou familiar que sofreu morte violenta
geralmente passam a sofrer de constantes diarréias, enjôos, vômitos, dores de
cabeça ao lembrarem o fato, mesmo que tenham se passado vários anos. Esse
trauma, na grande maioria das vezes, sofre um processo de agravamento sob vários
aspectos nada, entretanto se iguala ao fato de muitos continuarem a conviver com
os assassinos, que moram nos mesmos ambientes, sem condições da saírem ou
se mudarem dessas áreas.
A Violência Urbana, uma nova categoria de violência, baseada no medo
social, apresenta inúmeras facetas
___
nem todas perceptíveis à primeira vista
___
, mas,
todas elas, intensamente vivenciadas por todos os habitantes das cidades, foram
estudadas por Almendra & Baierl (2002), que pesquisaram o que seria tolerável e o
que seria intolerável para uma qualidade mínima de vida.
Para as Regiões Metropolitanas em geral, temos que considerar que a
urbanização se comporta como uma forma de ressaltar as desigualdades sociais e
de renda, assumindo importante papel sobre as taxas de homicídio nas cidades e
enfatizando a problemática da pobreza urbana e das desigualdades sociais,
46
possíveis elementos deflagradores de violência. Parece ser, justamente, essa
combinação de fatores —urbanização rápida sem políticas públicas, pobreza, falta
de controle social e anonimato, desigualdade, falta de oportunidades para a
juventude etc.— o que provocaria, nas cidades, altos níveis de violência. Se a
desigualdade urbana está implícita na pobreza urbana, o índices para medi-la
com precisão. Assim é possível acreditar que as pessoas que habitam as áreas
metropolitanas, que estão circulando por todos os territórios, desde os mais ricos até
os mais pobres, tenham uma consciência política mais acentuada das
desigualdades sociais e comecem a vê-las como conseqüência de grande injustiça
social, o que pode deflagrar revoltas e vinganças através da criminalidade.
Frequentemente o aumento da violência é atribuído ao aumento do
desemprego e das dificuldades econômicas, mas esses fatores não agem
imediatamente sobre a violência e criminalidade, havendo um período de maturação
até que o desempregado ou o endividado possa vir a escolher o caminho do crime
como forma de subsistência, isto é, acabe delinqüindo levado pela necessidade,
mas, nem por isso, se constitua em uma regra geral. O elemento motivador da
criminalidade e violência é muito mais complexo do que poderíamos imaginar; por
isso, controlar a violência e diminuir a criminalidade não é apenas um trabalho para
a polícia, mas envolve estudos multidisciplinares. O próprio Michel Foucault (1997)
percebe essa complexidade colocando a violência e a criminalidade como uma
espécie de contra-poder social, obrigando as instituições a estarem sempre
defasadas e atrasadas, pois não conseguem, com o poder instituído, controlar
eficazmente a tendência criminosa ou, até mesmo, elaborar políticas preventivas
que dêem conta do problema.
Para tentar dar conta dos fenômenos sociais violência e criminalidade
desde muito tempo efetuam-se exaustivas pesquisas a respeito de vitimação”,
ou seja, sobre a violência e a criminalidade que foi expostaou “assumida” como tal
pela sociedade. Os resultados são bastante interessantes e podem dar pistas para
entendermos melhor esses fenômenos sociais.
Em Minas Gerais, 90% das vítimas (Beato Filho, 1998: 8) são do sexo
masculino, mais da metade delas concentram-se na faixa etária de 15 a 30 anos,
concentradas nos bairros periféricos e caracteristicamente de baixa renda.
Em São Paulo, ficou constatado que (Brant, 1986) mais da metade dos
prisioneiros trabalhava no momento da prisão, sendo que a criminalidade e a
violência dela decorrentes constituíam-se em atividade paralela, além da imensa
47
maioria dos criminosos terem nascido e sido criados em São Paulo, o que coloca por
terra a hipótese de que são os migrantes nordestinos os principais criminosos.
Na verdade, vemos a violência se apresentar tão intensamente para
nossas vidas que, muitas vezes, acabamos por confundir as suas diversas
categorias e suas manifestações. Para dar coesão ao discurso deste trabalho vamos
nos referir aos diversos tipos de violência a partir da classificação consagrada pelo
Banco Mundial nos trabalhos de Caroline Moser e Elizabeth Shrader, atendendo a
solicitações do próprio Banco, que reproduzimos a seguir (Quadro 2):
Procurando seguir sugestões de Minayo (1994
b
: 8) pretendemos, neste
trabalho, abordar a violência e a criminalidade a partir da noção de violência em
rede”, ou seja, da violência como uma manifestação múltipla e interligada
estreitamente aos seus diversos fatores, dentro de uma rede de relacionamentos,
não reduzindo seu estudo apenas à questão da delinqüência e criminalidade.
3. O crime: realidade cotidiana
Em termos brasileiros, alguns estudiosos percebem a violência e a
criminalidade como uma das características da vida social cotidiana desde os
tempos coloniais. Alguns exemplos, como o dos bandeirantes (tão cultuados nos
Quadro 2: Classificação dos tipos de violência
Categoria da
Violência
Definição Manifestação
Política A comissão de atos violentos por um
desejo, consciente ou inconsciente,
para obter ou manter o poder político
Conflitos de guerrilha; conflitos
paramilitares; assassinatos políticos e
conflitos armados entre partidos políticos
Econômica A comissão de atos violentos
motivados por um desejo, consciente
ou inconscientemente, para obter um
ganho econômico, ou obter, ou manter
um poder econômico.
Crimes de rua; roubos de carro; roubos e
assaltos; tráfico de drogas; trafico de
armas; seqüestro; violência coercitiva
cometidas durante crimes econômicos.
Social A comissão de atos violentos
motivados por um desejo, consciente
ou inconscientemente, para obter um
ganho social, ou para obter, ou manter
um ganho social.
Violência inter-pessoal, tais como abuso de
esposas e abusos de crianças; estupro de
mulheres e crianças; discussões que se
tornam fora de controle.
Fonte: Caroline Moser & Elizabeth Shrader, Criminalidade, violência e pobreza urbana na América Latina,
Banco Mundial, 1998.
48
livros escolares), são notórios, já que eram considerados, naquela época,
verdadeiros “demônios” pela brutalidade, nos relata César Carvalho (2003)
21
A violência parece ter sido um fato corriqueiro no dia-a-dia das pessoas no
Período Colonial brasileiro, não se restringindo apenas aos paulistas, mas a toda a
população e em todos os lugares, tendo influenciado, inclusive, a forma de
tratamento que foi dispensada aos escravos indígenas
___
que reagiam e, por isso
mesmo, eram dizimados com mais intensidade
___
e, posteriormente, aos negros.
A violência daquela época era substancialmente diferente da que vemos
no nosso tempo, o que determinava problemas também diferenciados, que a
violência não era tão combatida e criticada como hoje. Raramente alguém era preso
por isso e, quando acontecia, o autor tinha reincido várias vezes, que ocrime de
homicídio, por exemplo, era punido quando o autor atingia a sétima ou a oitava
vítima (César Carvalho, 2003: 6). Além disso, na época, havia o direito de couto,
que permitia que um criminoso de um lugar pudesse refugiar-se em outro sem ser
punido, constituindo São Paulo abrigo de criminosos da Bahia e Pernambuco.
O problema da criminalidade no Brasil somente começa a ganhar
contornos mais “civilizados quando a elite iluminista intelectual brasileira, no final do
século 19, começa a ficar incomodada com a explosão demográfica representada
pela vinda dos imigrantes que, escancarando o problema da promiscuidade e da
criminalidade, começa a aparecer em todas as camadas sociais de forma mais
notável. Procurando evitar a feiúra que o crime trazia para a cidade, procuram
resolver o problema confinando a criminalidade em grandes presídios (Carandiru é
um exemplo).
Até o segundo quartel do século XX a criminalidade era olhada de forma
romântica, sendo bastante comentados e divulgados pelos jornais os crimes de
sangue”, considerados relativamente raros.
Essa situação começa a apresentar contornos mais duros e diferenciados
com os crimes perpetrados pelo Estado
___
ou em nome dele
___
, notadamente na
ditadura Vargas e no período da Ditadura Militar, restringido aos porões do poder.
21
“A imagem demoníaca do paulista não era uma exceção no período colonial. O historiador Sérgio
Buarque de Holanda (1902-1982) relata em ‘Caminhos e Fronteiras’ a fama das gentes de São Paulo
pelo país afora. O capitão Juan Francisco Aguirre (1758-1811), comissário enviado pela Espanha
para demarcar as fronteiras com Portugal, anotou em seu diário que ‘o nome de paulista é
assombroso para os infiéis, que lhes cobraram um terror pânico’ (infiéis, no caso, eram os índios).
Rodrigo César de Menezes, governador de São Paulo entre 1721 e 1727, conta que os castelhanos
chamavam os paulistas de ‘feras’. Uma imagem em madeira de São Miguel, feita no período das
Missões (1682-1706) na cidade de São Gabriel (RS), traduz à perfeição a fama dos paulistas no
período colonial: em vez de ter o demônio sob seus pés, como na representação clássica, o arcanjo
pisoteia a figura de um bandeirante, o ícone mais persistente do desbravador de São Paulo” (p. 6)
49
Mas como o objetivo de nosso trabalho está mais diretamente ligado ao crime do
tráfico tipificado do Código Penal, não vamos nos deter neles.
Somente com a década de 80 e 90 o crime e a criminalidade ganham
contornos de epidemia nacional, repercutindo fortemente no dia-a-dia das pessoas.
Essa reviravolta é atribuída a um elemento novo, a droga, que vai definir novos,
mais violentos e visíveis padrões para uma criminalidade e violência, que já existiam
mitigados ou escondidos na sociedade brasileira, herdeira de um viver violento
desde a época colonial. Com a entrada do país na rota internacional do tráfico de
drogas e armas
___
que passa a comandar e dar o viés principal da criminalidade
___
,
essa criminalidade, que possuía um viés romântico e ético”, com o tempo foi
sendo substituída por uma outra criminalidade baseada em uma violência
exacerbada. Assim, nessas décadas, os criminosos eram conhecidos da população
e das autoridades e, constantemente, presos. Os grandes criminosos, geralmente
evitavam ou abominavam os crimes de sangue e eram caracterizados por um
comportamento cordial (Varela, 2003: 06).
O comportamento criminoso e violento, banalizando a vida e vulgarizando
a morte, tornou-se mais comum nas décadas que se seguiram aos anos 70 do
século passado, geralmente ligado ao Tráfico. Assim, aproveitando-se de uma vida
urbana caótica, a criminalidade, destacadamente aquela ligada ao tráfico de drogas,
acaba por se instalar nas áreas mais carentes, fazendo com que passem a figurar
nas estatísticas das áreas mais violentas e de maior número de crimes violentos
___
conseqüência de acerto de contas”, chacinas, e outras conseqüências de
disputas entre quadrilhas rivais de traficantes. Além disso, a pobreza e o
desemprego produzem elevado grau de ociosidade e desesperança nas pessoas,
que passam a ter seu cotidiano ligado às áreas de contato comunitário (bares,
biroscas, vielas, etc.) ou doméstico (familiar), onde vão extravasar suas frustrações
e falta de perspectivas na vida. A presença fácil e abundante de armas de fogo,
disponíveis a todos os segmentos da população, acaba por se constituir num dos
fatores que faz com que essas desavenças e estranhamentos acabem em
homicídios.
Nesse quadro começa a ter destaque a presença de jovens e crianças,
tanto como algozes como vítimas. Assim, a mortalidade de jovens no Brasil atingiu
patamares nunca antes imaginados, fatalizando especialmente os jovens entre 14 e
25 anos. Isso não quer dizer que, nas faixas etárias mais jovens, o fenômeno dos
assassinatos não esteja acontecendo de forma extraordinária. Na verdade, vemos
Tabela 01 – Causas das mortes entre jovens de idade entre 5 e 14 anos (Brasil)
Ranking das causas de morte de garotos, com % sobre o total de mortes na mesma faixa etária
Tipos de causas 1994-1998 Tipos de causas 1999-2003
1 - Acidentes em veículos
20,86%
1 - Homicídios
17,53%
2 - Outros acidentes/quedas
11,93%
2 - Neoplasias
13,81%
3 - Neoplasias
11,39%
3 - Acidentes de transporte
13,69%
4 - Homicídios
10,76%
4 - Doenças sistema nervoso
8,24%
Fonte: Penteado, Gilmar. Não quero meu filho baleado na esquina. Jornal: Folha de S.
Paulo, Caderno: Cotidiano, p. C
1
, de 14 de novembro de 2004
c
.
50
que, mesmo entre as crianças da faixa etária correspondente a 5 a 14 anos, os
homicídios estão aumentando fortemente, caracterizando faixas etárias de crianças
cada vez mais precocemente envolvidas com o crime (tabela 01).
Esse índice de
mortalidade infantil po-
de muito bem ser expli-
cado se levarmos em
consideração que, a ca-
da dia que passa, os traficantes estão utilizando e permitindo que cada vez mais
crianças entrem para o tráfico. Assim, o é novidade encontrarmos, no Rio de
Janeiro, crianças entre 7 a 9 anos participando intensamente dessas atividades. É
evidente que não existe uma relação de causa e efeito inexorável entre condições
socioeconômicas e criminalidade, particularmente aquela relacionada a roubos e
furtos, mas podemos perceber certa coincidência entre alguns tipos de crimes e a
falta de alternativas viáveis de sobrevivência(Cotes e outros, 2004: 94).
Assim, entre as pessoas que tiveram queda significativa da renda pessoal
ou desempregados “...o crime mais comum são pequenos furtos no local de trabalho
ou na rua. Eles costumam ser praticados por pessoas com menor propensão à
violência, vindas de ambientes sociais mais estruturados, ou por adultos, que não
querem correr o risco de ser pegos pela polícia” (Cotes e outros, 2004
a
: 94).
Alguns são pais de família que tentam roubar pela primeira vez e, dada
sua inexperiência e nervosismo, acabam sendo presos. “Nas delegacias, os policiais
lidam com um tipo de detento antes incomum. ‘Agora faço muitas ocorrências de
crimes pequenos, às vezes de natureza constrangedora’, diz Douglas Pagnard,
delegado da 40ª DP, na região de Campo Limpo, zona sul de São Paulo. ‘Já prendi
pai de família que rouba pela primeira vez porque está desempregado’, conta
(Cotes e outros, 2004: 95).
Apesar da freqüente ilação entre desemprego e criminalidade, as
pesquisas mostram, entretanto, que nem sempre essa relação existe e, se existe,
não guarda uma proporcionalidade efetiva.
Percebe-se, com freqüência, país que usam os filhos para auxiliar no
transporte e no armazenamento de drogas, concretizando uma participação mais
efetiva e precoce dos mesmos no mundo do crime, o que vai ter como conseqüência
o fato de, comumente, os filhos herdarem as bocas-de-fumo dos pais quando estes
51
se afastam dos negócios, por prisão ou por morte. Assim, é bastante comum
encontrarmos famílias inteiras envolvidas na criminalidade.
Indubitavelmente, um dos grandes incentivadores da criminalidade é a
impunidade. A impunidade atinge a imensa maioria dos criminosos, fazendo com
que o crime seja uma relação de custos x benefício imensamente favorável. Assim,
nos últimos cinco anos, dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias de
polícia na cidade de São Paulo, apenas uma pequena parcela redundou em pena de
reclusão do acusado.
Essa impunidade
22
acaba trazendo para os bandidos, particularmente nas
favelas e periferias pobres, uma aura de herói imortal e acima de qualquer punição
por seus atos que consequentemente, passam a ser considerados como justos e
corretos. Isso estimula a imaginação das crianças que começam a se interessar pelo
tráfico e, particularmen-
te, a desejar fazer parte
dessa vida de aventura
(figura 2).
A quantidade de cri-
ança, na fila para entrar
na criminalidade é gran-
de o suficiente para repor
rápidamente os que são
mortos, possibilitando o
aparecimento de um ver-
dadeiro exército que, em áreas de desemprego e pobreza, isso representa uma
condição mesma de sobrevivência.
“Uma comparação entre os salários pagos pelo governo e a remuneração do
Estado paralelo ajuda a explicar o crescimento vertiginoso desse Exército dos
morros. ‘O jovem começa no tráfico ganhando R$ 600 mensais, o dobro da renda
dos adultos trabalhadores das áreas carentes’, destaca o economista André Urani,
um dos coordenadores do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade, que
realizou a pesquisa para a OIT. Esses jovens têm um ‘plano de cargos’ que vai de
22
Isso porque, de um total de 338,6 mil crimes, violentos e não violentos, analisados no período,
apenas 21,8 mil foram objeto de inquérito policial. Estima-se com base em outros estudos que,
desses inquéritos, 40% venham a ser arquivados. Se essas estatísticas se confirmarem, apenas 13,1
mil crimes se traduzirão em denúncia encaminhada ao Ministério Público e acolhida pela autoridade
judiciária. ‘Alguns serão desqualificados por falta de provas, por exemplo, e possivelmente algo em
torno de 5% dos crimes analisados redundarão em pena’, diz Sérgio Adorno, coordenador do Centro
de Estudos da Violência, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados
pela FAPESP. ‘Na França, em 20 crimes violentos, 19 tendem a merecer pena’, compara” (...) “Outro
levantamento, sobre o assassinato de crianças e adolescentes, realizado em São Paulo entre 1991 e
1994 e já concluído, revelou taxa de conversão do crime em pena apenas 1,72%” (Izique, 2004
a
: 02).
Figura 2 – Crianças de favela brincando de “polícia x traficante”.
Fonte: Fenômeno cria “geração perdida”. Jornal: Folha de S. Paulo. Caderno:
Cotidiano, C
3
, do dia 04 de abril de 2004.
52
vigia a gerente-geral de uma boca de fumo, com rendimentos que podem chegar a
impressionantes R$ 15 mil por mês”. (Alves Filho & Pernambuco, 2002: 137)
Os meninos começam, geralmente, como olheiros e, pouco a pouco, vão
virando soldados, com ganhos semanais superiores a R$ 600 mensais, afirmam os
autores acima. Isso ocorre particularmente nas cidades médias e grandes do interior
do Estado de São Paulo e, em especial, em Regiões Metropolitanas como a de
Campinas, que apresenta riqueza e pujança econômica.
Observando esses fatos Túlio Kahn (2003
a
) nota um aumento da
criminalidade nas regiões mais distantes das Capitais e Regiões Metropolitanas.
Destaca que nem todos os tipos de crime cresceram igualmente no interior e alguns
___
como tentativa de homicídio e lesão corporal
___
, apresentaram mesmo tendência
de decréscimo, do ponto de vista de sua representação dentro das diferentes
regiões do Estado. O crescimento do tráfico pode ajudar a explicar o aumento da
participação do Interior no total de crimes ocorridos no Estado, pois o tráfico de
drogas traz consigo o crescimento de diversos outros crimes: furtos praticados por
usuários, homicídios praticados por traficantes contra outros traficantes ou usuários
devedores, etc. (Kahn, 2003
b
: 02).
Para entendermos esse fenômeno teremos que perceber ser o interior do
Estado de São Paulo formado por grandes metrópoles regionais, pujantes
economicamente, com freqüência apresentando economias próximas ou iguais,
proporcionalmente, à da Capital. O crescimento dessas cidades é rápido e
desordenado, possibilitando o aparecimento de favelas ou periferias extremamente
pobres, definindo contrastes gritantes entre os setores mais bem aquinhoados
economicamente e aqueles miseráveis. Cidades como Campinas, Ribeirão Preto,
São José dos Campos, Araraquara, Americana que não tinham vivenciado o
problema da sub-habitação como fato presente, começaram a ver ocupações,
invasões e movimento de trabalhadores e desempregados em busca de onde morar,
trabalhar e viver. Na grande maioria das vezes não encontram nada disso. Todos
esses fatores
___
particularmente a falta de oportunidades e esperanças para esse
segmento da população
___
, agindo concomitantemente, acabam por interferir e
estimular um aumento da criminalidade. Acrescente-se a isso a migração de
criminosos que vem da Capital em busca de um policiamento menos preparado
tecnologicamente e pessoas de melhor poder aquisitivo e teremos o quadro ideal
para o aumento da criminalidade nas grandes cidades do interior.
Assistimos muitas vezes indignados, mas quase sempre impassíveis, a
escalada dessa violência, particularmente deflagrada pelo narcotráfico, onde balas
53
perdidas e guerras entre gangues, produzem inúmeras vítimas inocentes.
Entretanto, percebemos muito poucos movimentos, quer por parte dos políticos,
quer por parte das organizações
___
mesmo as estatais
___
, no sentido de impedir ou
coibir o Crime Organizado. Provavelmente isso se deve ao fato desse setor, que
hoje é considerado, no Brasil, um setor econômico”, movimentar cerca de 400
bilhões de dólares, por alto, e envolver instituições econômicas de nível internacional
e de grande credibilidade no mercado, além de pessoas (políticos, comerciantes,
industriais, bandidos, etc.) de grande influência na sociedade (Azeredo Santos,
2002: 01).
Capítulo 2. A violência e o crime como fatos permanentes,
estruturais e sistêmicos no Brasil
“O Crime Organizado funciona no Brasil como uma empresa. Quadrilhas que
atuam em âmbito estadual estão agrupadas numa estrutura nacional, com
ramificações em pelo menos 15 Estados. O conglomerado do crime é
chamado por seus integrantes de ‘organização’. Possui colaboradores
infiltrados nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário” (DANTAS &
MICHAEL, 2003: C
8
).
Tradicionalmente considera-se o brasileiro como sendo um homem
cordial e avesso às manifestações de violência e criminalidade. As evidências,
entretanto, nos levam a acreditar no contrário: o brasileiro, como qualquer ser
humano, manifesta violência quando estimulado adequadamente. Assim, em todos
os períodos da História do Brasil, as injustiças sociais, as discriminações e os
processos de severa exclusão social acabaram por levá-lo, em diversas ocasiões, a
comportamentos violentos, tanto individual como socialmente.
Inicialmente, tivemos a ocupação do território baseada na exterminação
violenta de uma quantidade de culturas indígenas, não apenas pela pura e simples
assimilação por parte desses índios da cultura européia judaico-cristã, mas,
principalmente, de sua eliminação física, obra da colonização e ocupação territorial
feita pelo Estado Luso-brasileiro.
Garantida a ocupação de uma parcela do território, urgia torná-lo
economicamente rentável e produtivo, razão pela qual se instituiu outra forma de
violência: a escravidão. Inicialmente exercida sobre os índios acabou por atingir
grandes contingentes de negros africanos que para foram trazidos abarrotando
54
os porões infectos dos navios negreiros”, onde a maioria dos cativos acabava por
morrer de fome, doença e maus tratos. Os que, pelas mais diversas razões,
conseguiam sobreviver, eram vendidos como animais nos mercados de escravos, de
onde partiam para uma vida de trabalho exaustivo nas fazendas, o que lhes dava
uma vida útil de, aproximadamente, 11 a 12 anos. Depois disso, muito
frequentemente, eram descartados como mercadoria inservível, como
exaustivamente demonstraram os trabalhos clássicos de Gilberto Freyre (1933),
Sérgio Buarque de Holanda (1958) e Darcy Ribeiro (1995).
“Assim, a colonização mercantilista, o imperialismo, o coronelismo, o regime das
oligarquias antes e depois da independência, tudo isso somado a um Estado
marcado pelo autoritarismo burocrático, contribuiu decisivamente para a vertente
de violência que atravessa a história do país” (VELHO, 2001: 01).
Depois da independência em relação a Portugal, o caráter violento e
criminoso da sociedade brasileira só foi se acentuando, o que é muito bem expresso
nas revoltas populares que foram reprimidas com violência extremada (Guerra dos
Farrapos, a Balaiada, a Cabanagem, a Revolução Federalista, Canudos,
Contestado, os movimentos de 1924 e 1932).
Se, num determinado momento, a escravidão (por razões econômicas e
de produção) acaba sendo substituída pela imigração como fonte de mão-de-obra,
nem por isso a violência perde seu caráter ostensivo e marcante: a situação do
imigrante não diferia quase nada daquela do escravo.
No Brasil Republicano a situação o mudou. Temos, como exemplo, o
próprio Estado Novo, onde o poder despótico e antidemocrático dos governos
centralizados, institui a tortura como forma de coerção e intimidação. A Polícia
Política transforma-se no instrumento por excelência para o controle dos oprimidos e
excluídos da vida social através do exercício da violência legal.
Para completar esse quadro de violência e criminalidade instituído
socialmente vemos que as pessoas, inconformadas com a impunidade geral, tentam
soluções drásticas, tomando o poder nas próprias mãos, constituindo-se em polícia,
juiz e executor da sentença, procurando soluções baseadas em fazer justiça pelas
próprias mãos” nos linchamentos.
poucos anos vimos a violência e o crime se institucionalizar dentro do
próprio aparelho do Estado quando grupos armados, formados de policiais e
bandidos, agindo à margem da lei, praticam uma cultura da violência que teve como
conseqüência mais visível a invasão de domicílios sem mandado judicial e,
principalmente, tortura e assassinatos de mendigos e usuários de drogas.
55
Mesmo a forma violenta e criminosa
___
tortura
___
de se obter provas de
crimes ou como castigos a prisioneiros não é nova e está muito presente em nossa
cultura. Legado da Igreja Católica e da Santa Inquisição, ela nunca deixou de ser
aplicada em nenhum momento da história do Brasil.
A prática da tortura, desenvolvida de forma mais eficiente nos porões do
Estado Novo pela polícia política de Getúlio Vargas, acabou sendo herdada e
refinada nos porões dos órgãos de repressão e inteligência organizados durante os
governos ditatoriais nas formas do SNI (Serviço Nacional de Informações), DEOPSs
(antigo DOPSs - Departamento de Ordem Política e Social), DIs (Departamento de
Investigação), e DOI-CODIs (Destacamento de Operações de Informações e Centro
de Operações de Defesa Interna). Nestes casos, a violência se refina como aparelho
e prática do Estado através da tortura, que se transforma em prática
institucionalizada (mas velada) para se obter informações ou para liberação pura e
simplesmente de instintos sádicos dos agentes repressores. A própria sociedade
brasileira de certa forma contribuía para isso através da indiferença, desinformação
e frequentemente, pela aceitação da violência extrema, descabida e sem qualquer
controle, como um recurso legítimo do Estado.
Hoje, todas essas práticas continuam sendo executadas nas delegacias
de polícia, mas de forma a não transparecer, contra os supostos ou reais criminosos,
para obtenção de informações, ou nas Febems (Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor), como formas de castigos mais comuns.
As polícias, órgãos detentores legítimos da violência institucionalizada,
com a função constitucional precípua de garantia de proteção ao cidadão e
manutenção da ordem pública aparecem, hoje, como os principais transgressores da
integridade física das pessoas colocadas à sua guarda. Agindo com extrema
violência e desrespeito para com as pessoas com as quais se relacionam,
especialmente os pobres, encarnam nos dias de hoje a fase mais visível da violência
histórica do Estado brasileiro.
A função do policiamento nunca chegou a de ser proteger e servir o
cidadão através do Estado, mas sempre se constituiu em um organismo que tem
como objetivo principal defender o Estado do cidadão, impedindo o aparecimento de
uma sociedade insurreta, rebelde que, numa inversão (para eles) de valores, ao
invés de servir ao Estado quer colocar o Estado ao seu serviço.
“A idéia que se tinha, e que vigorou por um bom tempo, é que as organizações
policiais deveriam se proteger de uma sociedade insurreta, rebelde e isso poderia
contaminá-la ou poluí-la. Não foi apenas o processo de militarização recente da
56
segurança blica que afastou a polícia da comunidade, como se costuma dizer,
mas a disciplinarização da sociedade, o esforço de uma lógica liberal autoritária,
tanto em relação a ela, como em relação as organizações policiais. Isso se refletiu
na crise identitária das organizações policias hoje, no Brasil contemporâneo da
redemocratização. As organizações policiais, basicamente as ofensivas, foram por
força da lei abandonando o lugar de polícia, das atividades cotidianas e foram se
dedicar a atividade de força combatente (Jacqueline Muniz, in: Kanashiro, 2002:
01).
O que difere uma polícia de um exército consiste, exatamente, no fato
de que aquela existe para prestar serviços civis à sua população, enquanto que
este, presta serviços ao Estado, garantindo a sua soberania e integridade. Por isso,
no Brasil, a ação violenta dos órgãos policiais acaba por confundir essas funções.
Aqui, o policial, representante do Estado e de suas instituições, acaba exercendo a
violência, sem qualquer critério ou preparo, frequentemente dirigida para atender a
interesses particulares e pessoais: é a corrupção policial e desvio de função.
Foi a partir da década de 80, por todos conhecida como “Década Perdida”,
devido à grande estagnação econômica, que se percebeu mais visivelmente o
aumento da violência na sociedade brasileira expresso, especialmente, no grande
aumento verificado nos índices de mortalidade por causas externas, crimes violentos
e homicídios, além do aumento do contingente da população brasileira penalizada
pela exclusão social.
O que ocorreu, nesse período, ara que a violência crescesse de formao
intensa e rápida? As causas são variadas, entretanto, podemos destacar uma que,
raramente, é mencionada pelos estudiosos: as armas, distribuídas pelos traficantes
aos seus jovens soldados”, acabam se constituindo como o fator principal dos
homicídios ocorridos, tanto aqui como no exterior.
Agravando ainda mais esse quadro de violência que caracteriza a
sociedade brasileira, especialmente a partir desse momento, vamos perceber a
impunidade (Adorno, 1992), devido à morosidade e falibilidade do nosso sistema
penal e judiciário; a corrupção nas polícias e entidades ligadas ao controle da
criminalidade; à violência homicida das polícias (Pinheiro e outros, 1991), os
justiceiros”, as chacinas de todos os tipos
23
, os linchamentos, desentendimento
entre vizinhos, o papel da mídia divulgando, acriticamente, a criminalidade. Além
disso, o crime tornou-se uma atividade extremante estruturada e organizada,
23
De janeiro a novembro de 1995, registrou-se 163 homicídios em 48 chacinas; no mesmo período
em 1996 foram registrados 162 homicídios em 46 chacinas (Folha de S. Paulo, 30/11/1996). Este
jornal guarda a estatística de múltiplos assassinatos deste tipo. Estas chacinas são: Acari (RMRJ,
julho de 1990), Carandiru (Prisão de Carandiru, São Paulo, outubro de 1992), Candelária (Rio de
Janeiro, junho de 1993), Vigário Geral (RMRJ, agosto de 1993), índios Yanomâmis em Roraima
(agosto de 1993), Taquaril (Belo Horizonte, março de 1996) e Eldorado dos Carajás (Pará, abril de
1996).
57
constituindo-se em redes internacionais de criminosos, no que facilita a “lavagemde
dinheiro e faz recrudescer os conflitos entre eles. Isso modifica o tipo de homicídio
mais comum que, antes ligado a crimes passionais (Coelho, E.C. 1978 e 1988
a
),
hoje aparece ligado a conflitos entre gangues e disputas entre traficantes por pontos
de distribuição de drogas. Vale destacar o uso abusivo do álcool, a principal de
todas as drogas.
A violência policial tem uma contribuição marcante pois, quando não mata,
acaba por transformar crianças de rua em pessoas revoltadas contra as instituições
e investem sobre a sociedade em geral, que elas consideram injusta e exploradora.
São esses jovens, soldados do tráfico que, quando pegos pela polícia,
muito frequentemente são vítimas das torturas mais duras. São esses agentes do
Estado, policiais civis e militares, que se incumbem dessa tarefa com extraordinária
violência e sadismo. Isso não quer dizer que, pelo lado dos bandidos, tal coisa
também não se repita. Ambos os lados alimentam tal nível de raiva um do outro que,
dificilmente, quando um cai nas mãos do outro grupo, consegue escapar de uma
morte violenta, precedida sempre de tortura cruel.
Para se entender de forma mais adequada o avanço da criminalidade no
Brasil do século XXI, devemos investigar como a criminalidade acabou se instalando
e cresceu no Rio de Janeiro, constituindo o Crime Organizado, que acabou servindo
de exemplo e influência para todos os outros lugares.
Tudo começou nas décadas de 80 e 90, como conseqüência tardia da
mudança da Capital Federal quando, então, a cidade empobrecida e abandonada
pelas elites políticas, fundiu-se com o território fluminense, caiu nas mãos do
narcotráfico, do populismo, da ausência de investimentos e da crise geral que se
instalou na economia brasileira.
Nessa época, o Brasil passou a despertar um forte interesse do Crime
Organizado Internacional, organização que movimenta mais de 500 bilhões de
dólares por ano. Contribuíam para isso as imensas e desguarnecidas fronteiras
brasileira, a pobreza no interior (que possibilitava mão-de-obra abundante e barata,
além de fiel), população de milhões formando uma classe média que se constituía
em potenciais clientes, legislação de estrangeiros inócua e deficiente, fronteira
marítima de mais de oito mil quilômetros (impossível de ser guardada de forma
eficaz) e cheia de ilhotas que poderiam servir de esconderijos e depósitos de
estoques, grande miscigenação (inclusive com estrangeiros) que facilitava a
presença de pessoas de todas as procedências sem constrangimentos e,
58
finalmente, certo glamour que representava o consumo de drogas, considerado
chique (Rodríguez, 2001).
Aliás, o mesmo Rodríguez (2001) faz uma interessante divisão no tempo
das atividades de implantação e consolidação do Crime Organizado e do tráfico na
região do Rio de Janeiro. Ele identifica os seguintes momentos históricos:
O primeiro momento desse processo aconteceu entre 1950 e 1980,
quando predominava na criminalidade carioca, a presença dos contraventores
ligados ao jogo-do-bicho”, que se apresentavam de forma folclórica, tanto nas
páginas dos jornais, como na televisão, considerados como grandes benfeitores de
suas comunidades. A violência somente aumentou nas décadas seguintes, apoiada
na impunidade de que gozavam os bicheiros. Meliantes como Lúcio Flávio (nos anos
70) ou Escadinha (na década de 80) tornaram-se mais sofisticados e ameaçadores,
sem se distanciarem da admiração, proteção e aceitação de suas presenças nos
morros ou da benemerência, especialmente ligada às instituições que gravitavam
em torno das Escolas de Samba.
Um segundo momento ocorre entre 1980 e 1990, quando se tornam mais
poderosos, violentos e perigosos, particularmente pelo fato de agregarem à lucrativa
atividade de tráfico de drogas uma outra, também muito lucrativa: o tráfico de armas
pesadas e de alto poder de destruição
24
.
Escadinha seria o bandido representante desse período, com suas
sofisticadas fugas de presídios (helicóptero Presídio Cândido Mendes), ou com o
suposto auxílio de agentes penitenciários (três vezes), entre 1985 e 1991.
No terceiro momento, entre 1990 e 2000, os bicheiros começam a dar
uma organização empresarial aos seus negócios relativos ao tráfico de drogas e
armas, que passam a ser o seu principal empreendimento, intimidando a população
contra qualquer denúncia e cooptando a maioria da população das favelas através
de atividades de benemerência e assistencialismo. Passam a distribuir outros tipos
de tóxicos, além da tradicional maconha. Expandem suas atividades para outros
24
“A polícia deixa de subir o morro no primeiro governo Brizola. ‘A permissividade em relação à
criminalidade nos morros tidos como redutos eleitorais do PDT resultou em brigas de gangue e
balas perdidas, que intimidam turistas e investidores’, registrava, preocupado, Roberto Campos [‘O
Rio de Janeiro, o futuro e nós’, O Globo, 13/11/1994]. Consolida-se, de outro lado, o mercado de
tóxicos, na medida em que os cartéis colombianos começam a ser combatidos de forma sistemática
pelo governo desse país e pela DEA. O caudilho do socialismo moreno’, Leonel Brizola, um dos
responsáveis pela escalada da violência desencadeada pelos bicheiros no Rio de Janeiro, afirmou
cinicamente em novembro de 1986: ‘Não reprimimos o jogo de bicho porque temos coisas mais
importantes a fazer’. Ele próprio caracterizou o resultado do descaso oficial em novembro de 1991,
ao afirmar que ‘continua a matança de adolescentes e jovens no Rio (...). Sucedem-se aqui, para
escândalo do mundo, as chacinas de crianças’” (Rodríguez, 2001: 3).
59
Estados preparando os soldados do tráfico com treinamentos supervisionados por
militares bandeados para o seu lado, compra de munição e armas
25
.
Essa nova geração de bandidos produz seguidores mais violentos ainda,
como, por exemplo, Ernaldo Pinto Medeiros (Uê), que de dentro da prisão de
segurança máxima de Bangu I comandava o tráfico nos morros do Adeus e
Juramento, que herdou de Escadinha. Violento e destemido, até os outros
traficantes-empresários o temiam. Não bebia, não fumava nem consumia as drogas
que vendia.
A partir daí, os bairros vizinhos aos morros mais violentos passaram a
conviver cotidianamente com os estampidos de armas de fogo, balas perdidas e
outras manifestações de brigas entre quadrilhas.
Neste período, constata-se que um aspecto importante para o avanço do
Crime Organizado é a infiltração de soldados do narcotráfico entre as três forças
armadas, envolvendo desde patrocínio para formação de delegados e juizes até
roubo de munição. Tal convivência entre a legalidade e a criminalidade acabou
tendo conseqüências bastante interessantes: facilitação de lavagem de dólares
patrocinada por organizações de direitos humanos e filantrópicos
26
.
Foi nesse momento que a Justiça, procurando coibir o avanço do Crime
Organizado, aplicou alguns golpes na organização do tráfico. Foi o caso ocorrido em
maio de 1993, quando a juíza Denise Frossard, da 14ª Vara Criminal, condenou à
prisão a cúpula do bicho carioca integrada pelos contraventores Luizinho
Drummond, Anísio, Miro, Maninho, Turcão, Zinho, Capitão Guimarães e Paulinho
25
“A cidade do Rio é loteada entre os chefões do bicho. Castor de Andrade e Paulo Roberto de
Andrade comandam a contravenção em Marechal Hermes, Padre Miguel, Bangu, Santíssimo,
Senador Camará, Mangaratiba e Ibicuí; Aniz Abrahão David manda em Nilópolis e Baixada
Fluminense; José Caruzzo Scafura (Piruínha) é o senhor de Rocha Miranda e Pavuna; Luiz Pacheco
Drummond (Luizinho Drummond), é o chefão da Leopoldina; Raul Correia de Mello (Raul Capitão)
manda na Ilha do Governador e no Centro do Rio; José Petrus Kalil (Zinho) comanda o bicho também
no Centro da cidade; Waldemir Paes Garcia (Maninho), é dono do Andaraí, Tijuca, Vila Isabel e
outros pontos situados na Zona Sul; Haroldo Rodrigues Nunes (Haroldo da Saenz Pena) comanda na
Tijuca e na Zona Norte da cidade; Emil Pinheiro é o chefão da Barra da Tijuca e Jacarepaguá; Aílton
Guimarães Jorge (Capitão Guimarães) é o todo-poderoso de Niterói e da Região dos Lagos, ao
passo que Antônio Petrus Kalil (Turcão) é o capo de Alcântara, parte de Niterói e da Zona Portuária”
(Rodríguez, 2001: 5).
26
“Tamanha falta de ação do governo brasileiro terminou facilitando a ação dos bandidos do
narcotráfico, que passaram a exercer a sua ação corruptora mediante a lavagem de dólares em
ações patrocinadas por entidades humanitárias. O episódio mais conhecido na época foi o dos
‘dinheiros quentes’ recebidos pela ABIA, entidade coordenada pelo sociólogo Herbert de Souza, que
em 1991 recebeu da contravenção, com a intermediação do advogado Nilo Batista (que seria
posteriormente governador do Estado do Rio), soma equivalente a 58 mil dólares. Esse fato, aliás,
tinha-se tornado corriqueiro na Colômbia, onde os dinheiros ‘calientes’ do narcotráfico beneficiaram
instituições filantrópicas e até paróquias, ao longo dos anos 80. Nem o Poder Judiciário do Estado
ficou ileso diante de tantos avanços dos narcotraficantes. Segundo noticiava a imprensa em abril de
1994, o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado - composto pelos 25 desembargadores mais
antigos – abriu sindicância para apurar o envolvimento de juizes que estavam na lista de propinas da
contravenção [cf. ‘Justiça vai apurar envolvimento de juizes’, Globo, 14/04/94]” (Rodríguez, 2001: 5).
60
Andrade. Investigações conduzidas pelo Ministério Público demonstraram a clara
vinculação dos bicheiros com o narcotráfico, como agentes financeiros do mesmo.
Durante cinco meses a movimentação dos bicheiros, particularmente um
rastreamento financeiro de suas movimentações bancárias, foi acompanhada pelos
procuradores. Com essas ações em andamento a violência extremada foi a resposta
dos traficantes, com chacinas freqüentes e uma acirrada disputa pelos pontos de
drogas entre as quadrilhas.
Um quarto momento correspondeu ao período compreendido entre 2000 e
2003, com a organização de um comando único do eixo Rio-São Paulo, com
característica empresariais, vinculadas ao Crime Organizado internacional tendo em
Fernandinho Beira-Mar e Leonardo Dias Mendonça lideranças significativas
27
.
As atividades criminosas, longe de recrudescerem, acabaram se
acentuando e atingem, nos dias de hoje, patamares nunca imaginados. Este fato
não se restringe apenas ao Rio de Janeiro, mas ocorre também em o Paulo,
como no caso dos ataques recentes (meados de maio) feito pelos PCC (Primeiro
Comando da Capital) a bases militares, instituições bancárias e incêndio de ônibus.
Em fins do mesmo ano (2006) e começo do seguinte, as ações repetiram-se no Rio
de Janeiro e no Espírito Santo, sempre comandadas por traficantes presos.
Hoje o Crime Organizado e a violência espalham-se por todo o Brasil.
Podemos ver isso com a freqüência com que as siglas que identificam as suas
várias facções aparecem nos presídios. Os chefões dos bandidos continuam a
comandar seus comparsas de dentro mesmo dos presídios. “Os grupos são
parecidos com o PCC e o CV (Comando Vermelho), do Rio. Alguns têm estatuto,
além de organizar rebeliões e tráfico de drogas nas cadeias e comandar crimes fora
da prisão” (Monken, 2004
b
: C
5
).
É a partir dos presídios que os criminosos mais importantes controlam
suas áreas e seus asseclas, através da organização de diversas entidades
criminosas, que atuam particularmente no tráfico, estruturando-se em novas facções
27
“Fernandinho Beira-Mar e Leonardo Dias Mendonça, os dois mais importantes capos brasileiros,
organizam o ‘Suricartel’, uma multinacional do crime e do narcotráfico, que garante armas às FARC e
cocaína aos morros cariocas. Consolida-se a penetração da organização guerrilheira colombiana nas
favelas do Rio, ao ensejo do domínio que Fernandinho Beira-Mar passa a desempenhar sobre os
outros traficantes. Ao redor desse meliante unifica-se o comando do narcotráfico no eixo Rio - São
Paulo e começa a guerra declarada contra as instituições no Rio de Janeiro. Essa unificação de
comando se anunciava desde meados da década de 90, época em que, segundo Ricardo Hallack,
diretor da delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRACO), ‘traficantes de vários morros
passaram a agir em conjunto e adotaram estrutura semelhante à de uma empresa’ [O Globo,
Caderno Especial, 16/06/02]. Presos em 93, os bicheiros tradicionais foram preparando os seus
sucessores, a fim de que dessem continuidade à estrutura empresarial dos negócios [Jornal do
Brasil, 22/05/93]” (Rodríguez, 2001: 6).
61
pelos estados brasileiros, que agem por capilaridade e em rede de relacionamentos.
No Distrito Federal (Monken, 2004
b
: C
5
), atua o PLD (Paz, Liberdade e Direito),
organizado especialmente no presídio da Papuda, cujos estatutos dizem que todos
os que pertencem ao grupo tem que contribuir para um fundo que servirá para
financiar fugas, armas e drogas na prisão. Pretendia dar fuga a presos na Papuda e
em São Paulo, mas nada foi feitos, pois 15 dos seus principais integrantes estão em
isolamento na Papuda.
62
Dois grupos surgiram no Mato Grosso do Sul: o PCMS (Primeiro Comando
do Mato Grosso do Sul) e o PCL (Primeiro Comando da Liberdade). O PCL cobra
pedágio dos presos, assassinando os que não contribuem. Pretendia dar fuga a
adeptos que estariam na penitenciária central de Campo Grande. Dissidência do
PCMS, o PCL foi formado dois anos. Seu criador, Odair Moreira da Silva, o
General, foi expulso do PCMS por ter morto o maior produtor de maconha entre
Brasil e Paraguai (a mando do PCC). Para se proteger dos antigos companheiros,
fundou o PCL. Presos transferidos de São Paulo e Rio de Janeiro, particularmente
do PCC, fundaram no Paraná o PCP (Primeiro Comando do Paraná), que comandou
várias rebeliões nos últimos tempos, razão pela qual suas lideranças estão presas
sob o regime disciplinar diferenciado
28
. No Rio Grande do Norte, apareceu o PCN
28
– O Regime Disciplinar Diferenciado atinge o preso provisório que cometa crime doloso ou promova
a subversão da ordem ou da disciplina interna do estabelecimento penitenciário; o preso ou
condenado que apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade; ou o preso provirio ou condenado sobre o qual recaiam suspeitas fundadas de
envolvimento ou participão em organização criminosa;
– Duração máxima de 360 dias, prorrogáveis até o limite de um sexto da pena aplicada;
– Recolhimento em cela individual;
– Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com durão de duas horas;
Banho de sol de até duas horas por dia. (de acordo com o projeto de lei da Câmara Federal 12
de 2003).
Figura 3 – As facções do Tráfico fora do eixo Rio-São Paulo
Fonte: Jornal: Folha de S. Paulo, Caderno Campinas, p. C
5
, de 05de maio de 2004.
63
(Primeiro Comando de Natal); seus planos de fuga de presos em três presídios do
Estado foram debelados (figura 3).
A Polícia Federal e o Ministério Público iniciaram uma ampla investigação
das redes de relacionamentos que mantinham os atacadistas e varejistas do tráfico,
que constituem o Crime Organizado internacional e, como conseqüência desse
processo de investigação, conseguiu-se configurar uma grande rede de
criminalidade, que abrangia todos os estados do Brasil, indiciando, inclusive,
policiais e políticos. O próprio presidente da Assembléia Legislativa do Estado do
Espírito Santo, JoCarlos Gratz, foi preso como resultado dessas apurações sobre
o Crime Organizado capixaba.
Essa atuação pode acontecer devido ao fato de que, em junho de
2002, foi criada uma força-tarefa federal, que chegou até o bandido “JN”, antigo
membro da quadrilha do Comendador
29
. “JN” revelou que o Comendador seria
apenas
elo de uma corrente de facções criminosas em atuação no país. Os grupos teriam
se unido para facilitar a entrada, saída e distribuição de drogas e armas nos
Estados. Batizada de ‘Organização’, a união dos bandidos estaria presente em
pelo menos 15 Estados. Importaria cocaína e heroína da Colômbia, pasta para
refino de cocaína da Bolívia e maconha do Paraguai” (Dantas & Michael, 2003: C
8
).
Segundo o mesmo “JN”, grande parte dos homens de baixo da
organização
___
como ele declarou aos jorrnais
___
, seria recrutada entre pessoas
egressas das Forças Armadas. Ele próprio é ex-fuzileiro naval. Os atrativos desse
tipo de mão-de-obra seriam os conhecimentos em comunicações e informática, além
da habilidade com o manuseio de armamentos. JN citou o nome de deputados
federais, senadores, juízes e um governador. Manteriam, segundo ele, relações com
a organização’. Prestariam favores a criminosos em troca de dinheiro (Dantas &
Michael, 2003: C
8
).
De uma maneira geral podemos afirmar que o Estado de São Paulo
apresenta uma das mais altas taxas de mortalidade por agressões, que dão origem
a homicídios, se levarmos em consideração o que acontece nos outros Estados da
Federação. Mas, essas taxas de homicídios e agressões foram aumentando desde o
início da década de 80 até atingir o seu auge no final da década de 90 e início dos
anos 2000, quando, as taxas começaram a apresentar um tendência declinante,
tanto no que se refere a agressões às mulheres como, principalmente, aos homens.
29
João Arcanjo Ribeiro, conhecido como “Comendador” nas hostes do Crime Organizado do Brasil, é
um dos grandes traficantes de drogas e armas da América do Sul.
64
Uma pesquisa pioneira efetuada pela Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo (2001) serviu para esclarecer alguns mitos que tinham se arraigado no
imaginário popular como, por exemplo, que são os menores de idade os grandes
criminosos e responsáveis pela imensa maioria dos delitos.
Esse estudo mostra que os crimes cometidos por crianças e adolescentes
correspondem a apenas 2,7% do total de crimes registrados pela Polícia Civil
(Godoy, 2002
a
: C
1
), sendo que, desses crimes, destacamos: porte de drogas
(18,7%), porte de armas, especialmente de fogo (11,8%) e tráfico de drogas (9,6%).
Além disso são responsáveis por 4,2% do total de casos de estupros, 3,8% das
lesões corporais e 3,2% dos roubos seguidos de morte. Convém notar que, no caso
de estupro, as pesquisas mostram que 27% das pessoas que sofreram estupros não
consideram que tenham sofrido qualquer espécie de crime (Chagas, 2003: 01).
O Estado de São Paulo assumiu ultimamente a liderança nacional no
ranking de mortes violentas, particularmente entre homens entre 12 e 24 anos. De
acordo com os números, em 1990 São Paulo tinha a quarta colocação, com 64.47%
de mortes violentas entre o total de óbitos entre jovens do sexo masculino de 12 a
24 anos. Em 2000, a participação dessas mortes violentas no total saltou para
85,63% e o Estado assumiu a liderança que antes era do Rio de Janeiro. O Rio, que
detinha em 1990 o primeiro lugar, com 73,35%, caiu em 2000 para o terceiro lugar,
com 75,50% (Santos, C., 2002
a
: C
3
). Em segundo lugar ficou o Amapá, com
76,06%.
Tal situação levou o próprio ex-governador Geraldo Alckmin a declarar:
Em São Paulo, bandido tem dois destinos: prisão ou caixão (Correa & Silva, 2002:
C
6
). A onda de violência, entretanto, que ficou muito mais notável na década de 90
no Estado de São Paulo, leva as polícias a se envolverem mais diretamente com os
bandidos, em combates e tiroteios freqüentes, o que ocasionou um aumento
significativo de mortes, tanto de bandidos como de policiais.
A Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) desenvolveu
e passou a usar, a partir de 2002, uma metodologia para identificar as regiões mais
violentas da cidade de São Paulo, locais por excelência de arregimentação de
jovens para o crime. A partir daí surgiu o IVJ (Índice de Vulnerabilidade Juvenil), que
mede o “risco de contaminação” da população jovem pelo crime.
Pesquisas realizadas na cidade de São Paulo, em 2002, pelo Datafolha,
permitem-nos observar as áreas mais violentas da cidade de São Paulo, além de
mapear aquelas áreas onde isso acontece com mais intensidade, causando medo,
65
angustia e consternação ao cotidiano dos moradores. Essa situação, onde impera a
violência/criminalidade, é aquela que mais atrai a atenção das autoridades sem que,
com isso, sejam implementadas medidas eficazes de combate ou prevenção.
Nas áreas mais violentas os moradores evitam sair às ruas nos dias de
conflitos entre traficantes (prazo máximo para transitar pelas ruas: 21 horas), ou de
toque de recolher (os estabelecimentos comerciais devem fechar até as 22 horas, ou
menos, dependendo da ordem emanada do tráfico. Não qualquer esperança no
auxílio que a polícia poderia prestar, ou seja, teme-se mais a polícia que o próprio
traficante. E, agravando ainda mais essa situação, as polícias são caracterizadas
pela ausência quase completa em rondas que deveriam ser feitas no decorrer do
ano. Quando as rondas ocorrem a polícia mata com muito mais facilidade do que
prende ou previne.
Esse quadro se agrava particularmente quando percebemos que as
cidades mais violentas encontram-se localizadas em bolsões de pobreza e exclusão
social, situados na Grande São Paulo e seus derredores.
Assim, percebemos que a violência e a criminalidade, nas suas mais
diversas manifestações, sempre fizeram parte da realidade brasileira, paulista e
paulistana, apenas tornando-se mais visível pelo seu aumento exorbitante e falta de
cuidado de escondê-la, que a impunidade estimula sua visibilidade. O tráfico de
armas e de drogas, o comércio de seres humanos e de seus órgãos, além da
corrupção de políticos e de corporações, relaciona-se com o Crime Organizado, um
fenômeno crescente no mundo globalizado que cria uma apreensão de toda a
sociedade e uma preocupação crescente dos Estados nacionais.
66
Capítulo 3 – O Crime Organizado: globalização do crime, tráfico de
drogas ilícitas e armamentos
A globalização da atividade produtiva e das relações sociais do mundo
moderno faz com que os Estados tenham dificuldades para organizar o seu próprio
território, tanto no que se refere à sua vida política e econômica quanto no que se
refere à sua vida social “posto que os fluxos, as decisões, os mercados, a circulação
dos homens e dos capitais, das informações, efetuam-se em escala mundial, e aliás,
em parte sob formas ilegais que permitem falar de uma globalização do Crime
Organizado, principalmente no que concerne às drogas. Cada vez menos capaz de
controlar a economia, o Estado aparece, em numerosas situações, obrigado a
recuar frente às atividades informais” (Wieviorka, 1997: 18-19).
1. O Crime Organizado
Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e o Comitê de
Supervisão Bancária de Basiléia, o Crime Organizado é considerado o inimigo
número um deste começo de século. Isso pode ser facilmente explicado se
levarmos em consideração que cerca de US$ 2,85 trilhões são movimentados
clandestinamente no mundo (Freitas Jr., 2004: 10) sendo que, deste montante, o
Crime Organizado gerencia aproximadamente US$ 1,5 trilhão, atingindo de 2% a 5%
do PIB mundial.
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) calcula que o
narcotráfico tem um faturamento anual de US$ 400 bilhões, sempre crescente,
que temos um mercado em expansão de 200 milhões de consumidores de drogas
(Freitas Jr., 2004: 11).
Desde muito tempo a própria América Latina é área de atuação de
quadrilhas internacionais, como a máfia nigeriana que utiliza a sua conexão
paulistana para o envio de drogas principalmente para a Europa. Segundo Freitas Jr.
(2004: 12), a máfia russa domina o tráfico de crianças e de órgãos humanos, armas
e drogas. Já a máfia espanhola trafica mulheres para prostituição e bingos.
Como o ponto nevrálgico do Crime Organizado é a lavagem de dinheiro,
foi assinado, em 1988, por 31 países, entre os quais o Brasil, a Convenção de Viena
que se constituiu num acordo onde os países signatários se comprometiam em
67
criminalizar a lavagem de dinheiro, ou seja, a legitimação de recursos originários de
atividades criminosas.
No mundo todo e, particularmente, no território brasileiro, constitui-se
numa operação bastante delicada o rastreamento desses recursos, pois eles podem
estar ocultados em instituições legalizadas, mas de difícil controle, como os bingos,
os motéis e a remessa legal de dinheiro para o exterior. Além disso, para o setor
bancário, os prejuízos ainda não estão sendo considerados suficientes para causar
grandes prejuízos; entretanto, numa perspectiva para 2007, 56% dos bancos
acreditam que haverá algum prejuízo para a instituição. Em 1997, um ano antes de
a lei brasileira ser criada [Lei 9.613/1998, Lei da Lavagem de Dinheiro], apenas 30%
avaliavam que ter um correntista que lave dinheiro na instituição comprometia a
reputação do banco” (Freitas Jr., 2004: 13)
30
.
A partir do momento em que se constatou de forma cabal a presença do
tráfico, o governo federal criou um organismo oficial para o combate e a prevenção
das drogas em todo o território nacional: a SENAD - Secretaria Nacional Antidrogas
que, investida da competência de propor a política nacional antidrogas (art. II,
Lei nº. 2632/98) foi inserida no organograma da Casa Militar da Presidência da
República. O combate ao Crime Organizado relacionado ao tráfico de drogas
continuou sendo de competência da Polícia Federal.
A economia do Crime Organizado está estreitamente ligada à violência
urbana e constitui-se num dos setores mais dinâmicos da economia mundial e da
brasileira em especial. Atingindo todos os setores da sociedade, o tráfico de drogas
e armas
___
que se constitui na principal atividade do Crime Organizado
___
, implica
numa organização econômica altamente sofisticada em uma perfeita logística para o
funcionamento da cadeia de fornecedores e compradores, agindo em rede e
capilaridade. Assim:
O Crime Organizado funciona como uma empresa, com chefes e subordinados,
com divisão de tarefas e de áreas de atuação. Assim, um setor é especializado no
roubo e no furto de carros, outro em assaltos a cargas de caminhões, outro ainda
em contrabando de armas ou riquezas minerais, ou em tráfico de drogas. A mesma
30
Entretanto, parece que as instituições bancárias e de crédito, se tem algum pudor em participar
abertamente da lavagem do dinheiro, não tem o mesmo pudor quando o caso e a aplicação do
dinheiro lavado é aplicado em atividades legais, como compra de hotéis, locadoras, imobiliárias,
restaurantes, ou seja, atividades de difícil controle das receitas, que acabam, com o apoio dos
bancos, transformando-se em atividades legais de lavagem de maior quantidade de dinheiro. Na
Colômbia, por trás de muitos negócios certamente estão recursos originários do Mercado Negro de
Câmbio do Peso, considerado o mais vasto esquema de lavagem de dinheiro do hemisfério ocidental.
É um sistema, extremamente complexo, que permite fazer a lavagem de dinheiro proveniente do
tráfico de drogas nos EUA com a participação de contrabandistas de mercadorias levadas para a
Colômbia, freqüentemente através do Panamá, Aruba e Venezuela. Acredita-se que o sistema sirva à
lavagem de um total entre US$ 3 bilhões e US$6 bilhões por ano” (Freitas Jr., 2004: 14).
68
organização pode lidar com todas estas áreas ou se especializar, estabelecendo
relações com outras organizações criminosas para a circulação dos bens
adquiridos. Isto significa que os veículos roubados, por exemplo, podem servir
como moeda para a aquisição de drogas e armas (Cardia, Singer & Pedro, 1998:
59).
Complicando ainda mais o entendimento de como funciona essa rede de
influência precisamos observar que ela existe devido à conivência de parte dos
policiais, das instituições públicas encarregadas da segurança pública, governos,
funcionários públicos, juristas, promotores, etc. Assim, "o roubo e furto de carros
pressupõem organização econômica e um circuito de receptadores. Como o roubo
de cargas e bancos, eles são por excelência resultado do conluio entre policiais e o
Crime Organizado" (Godoy, 1994: C
2
). Isso também se torna bastante visível quando
observamos o processo de instalação de um centro de tráfico numa determinada
região: em primeiro lugar, existe uma preferência por locais que representem grande
mercado consumidor, porém não muito visado pela imprensa. Em seguida, observa-
se a facilidade de acesso representada por rodovias que facilitem uma eventual
fuga, proximidades com aeroclubes com predominância de movimento com
pequenas aeronaves, que servirão de veículos para o abastecimento e distribuição
das drogas vindas dos mais diversos países sul-americanos vizinhos. O controle
dessa imensa estrutura exige uma profissionalização e organização do crime, com
métodos empresariais, uma legião de funcionários, estrutura hierárquica de tomada
de decisões baseada na meritocracia e confiança mútua, previsão de lucros, capital
de giro e fundo de reserva, como uma grande organização econômica (Cardia,
Singer & Pedro, 1998: 61).
É esse conjunto de fatores, característicos do Crime Organizado,
envolvendo somas fabulosas e recursos
___
tantos humanos como tecnológicos nunca
antes imaginados
___
, que nos leva a propor uma nova modalidade de estudos: a
Economia Criminal. Aliás, para se ter uma idéia de como é antiga essa poderosa
estrutura do crime e da sua movimentação financeira, em 1998 encontramos o
seguinte texto, comentando o poderio econômico do crime:
“...como rota de passagem, as regiões mais afetadas pelo narcotráfico são o
Centro-Oeste e o Sul. Em Corumbá, Três Lagoas e Miranda (todas no Mato Grosso
do Sul) e em Esteio (no Rio Grande do Sul), a movimentação de dinheiro nas
agências bancárias e os sinais exteriores de riqueza contrastam com a decadência
da cidade e o alto índice de desemprego. Em dezembro de 1996, havia R$
31.048.548,00 depositados nos bancos de Corumbá, três vezes mais que a
arrecadação de ICMS. Em Três Lagoas, havia R$ 43,4 milhões emprestados pelos
bancos, ao passo que os depósitos somavam R$ 21,2 milhões. Na cidade de
Miranda, havia 2,8 milhões depositados e 13,9 milhões em operações de crédito -
este índice de empréstimos muito superior ao de depósitos é comum nas cidades
inseridas na rota do Crime Organizado. Em Esteio, na mesma época, havia R$ 53
69
milhões em depósitos, praticamente a mesma quantia que o ICMS. Além da
guarnição policial das fronteiras, a região beneficia o tráfico pelo trânsito livre de
pequenos aviões em cidades vizinhas” (Cardia, Singer & Pedro, 1998: 64).
O que foi citado refere-se, apenas, ao comércio da cocaína, sendo que o
da maconha apresenta base e distribuição preferentemente para o mercado interno.
Assim, no que diz respeito à produção de maconha, a região onde se concentra o
negócio é conhecida como o ‘Polígono da Maconha’, sobretudo em Pernambuco e
também no sertão da Bahia. Dali, a droga é distribuída para todo o restante do país,
por via terrestre, levada em caminhões de carga e ônibus e, mais recentemente,
também por via aérea, em pequenos aviões” (Cardia, Singer & Pedro, 1998: 65).
Muitas vezes creditamos ao narcotráfico
___
e traficantes de uma maneira
geral
___
, a grande e única responsabilidade pela existência da violência nas periferias
urbanas e favelas. Entretanto, não é o único:
O narcotráfico em si não é o responsável pela violência, mas, sim, a rede de
impunidade corrupção a ele ligada. Nesta rede se inserem moradores de periferia,
mas também a classe mais alta, os consumidores, além da própria polícia, tantas
vezes flagrada neste meio. A criminalidade aparece na cobrança de dívida de
tráfico, nos assaltos para cobrir a dívida ou aquisição de droga, como também na
luta pelo controle de pontos de distribuição de drogas. Neste sentido também pode
aparecer como forma de ameaça a certas instituições do Estado inseridas no
espaço de atuação destas organizações criminosas” (Barroso, 1997: 32).
É um mito pensar que o aumento da criminalidade, particularmente dos
homicídios, ocorre apenas sob efeito de drogas ilegais. Isso não é verdade. A maior
parte dos homicídios culposos ocorre através de pessoas que tinham ingerido álcool.
Os homicídios dolosos são cometidos geralmente por pessoas desligadas do tráfico,
à revelia deste, levadas por motivos fortuitos, desencadeados pela bebedeira e falta
de trabalho e lazer, que propicia muito tempo livre nas mesas dos bares e botecos
das favelas e periferias urbanas. No tráfico, entretanto, a criminalidade mais violenta
aumenta quando disputas entre traficantes por domínio de pontos de venda das
drogas, mas pouco se sabe da real quantidade de mortos que os cadáveres
geralmente somem, pois os traficantes não querem a polícia investigando nada nas
imediações de seus locais de trabalho.
Foi sobre a rede de distribuição de maconha
___
não tão lucrativa
___
que os
grandes atacadistas de cocaína montaram suas bases de distribuição da droga que,
devido ao baixo custo inicial, conseguiu uma expansão sem precedentes. Aliás,
esses grandes atacadistas tiveram seu capital inicial obtido através de assaltos a
bancos e grandes instituições financeiras, particularmente na década de 70 (Misse,
2003
a
: 03).
70
Na época, esses crimes foram considerados crimes contra a Segurança
Nacional”, enquadrados, portanto, na Lei de Segurança Nacional, o que igualava os
assaltantes de banco
___
bandidos comuns
___
aos terroristas e guerrilheiros,
envolvidos na contestação da legitimidade política do Estado vigente. Por essa
razão, foram trancafiados nas mesmas celas dos presídios, como prisioneiros
políticos”, o que permitiu uma troca bastante acentuada de informações entre eles
e, especialmente, táticas de guerrilhas e doutrinação política dos bandidos, vistos
pelos guerrilheiros e presos políticos, como um braço armado da sublevação
popular espontânea ou seja, um segmento da população que se armava e combatia
os opressores e exploradores da classe social dominante. Isso, inclusive, acabou
permitindo que os bandidos adquirissem conhecimento suficiente para se
organizarem, diminuir os conflitos entre os presos comuns dentro dos presídios,
aumentar a solidariedade entre eles e reivindicar melhorias no tratamento carcerário,
originando uma organização, instituída através de regras e objetivos bem claros,
chamada de Falange Vermelha”. Foi a primeira vez que presos comuns começaram
a justificar suas ações através de argumentos políticos e econômicos e a instituir-se
em organizações (Coelho E.C., 1988
a
e Coelho M.P., 1992).
Inicialmente restrita aos presídios a Falange Vermelha começou a atuar
também fora dos presídios, formando uma rede de criminosos que se auto-
protegiam e se ajudavam, tanto jurídica como financeiramente, com os recursos
obtidos através das contribuições de seus membros. Entretanto,
“...as dissensões entre os presos comuns deram origem a outros coletivos,
“Falange do Jacaré”, “Falange Zona Sul”, etc. Com base na compra de
“mercadorias políticas” (proteção, liberdade mediante fugas, armas reservadas às
forças armadas), muitos desses assaltantes deixaram, entre 1981 e 1986, os
presídios e aumentaram suas ações armadas na cidade, transitando agora do
roubo a bancos e carros-fortes (cada vez mais arriscado) ao tráfico de drogas (cuja
repressão era ainda menor)” (Misse, 2003
a
: 4).
Foi quando chegou, graças ao aperfeiçoamento tecnológico no sistema de
refino e fabricação, uma cocaína mais barata, no começo dos anos 80, o que
ocasionou a confirmação do varejo nas favelas, morros e áreas da periferia de baixa
renda da cidade, como a área por excelência para gerenciar e basear o tráfico de
drogas. Em meados dos anos 80 o tráfico a varejo se encontrava organizado em
duas grandes redes na cidade, uma originária da Falange Vermelha, a que a
imprensa nomeou de “Comando Vermelho” e outra, imediatamente posterior e
baseada na Falange do Jacaré, que foi denominada “Terceiro Comando” (Misse,
2003
a
: 5).
71
Os jornais logo consagraram a denominação Comando Vermelho para
esses criminosos que se organizaram num incipiente Sindicato do Crime”. Esse
processo todo teve um grande dinamismo a partir da popularização do consumo de
drogas ilícitas, quando os antigos lei de segurança passaram a comandar as
bocas. Entretanto, o negócio começou a fugir do seu controle quando a repressão
tornou-se mais efetiva e violenta e a concorrência e competição por melhores pontos
de venda atingiram seu máximo, particularmente com a entrada de novos
interessados, muito mais violentos. Esse mercado passou a ser conhecido como
movimento”.
Foi somente quando empresários brasileiros de pequeno e médio porte
adiantaram capitais, que os bandidos puderam expandir o tráfico e a distribuição da
cocaína em rede de contatos. Isso fez com que, a partir de então, as batidas
policiais nas favelas em busca de criminosos tornem-se um instrumento de combate
à criminalidade à medida que aumenta o número de favelas e cresce a população
das mesmas. A violência começa a ser relacionada com o aumento do consumo de
drogas.
Esse estado de coisas foi evoluindo até que a própria cidade do Rio de
Janeiro viu-se presa da criminalidade que acabou se transformando na sua
realidade cotidiana, isto é, o crime, as drogas, a violência acabaram por se
banalizar. O tráfico dominou a cidade, constituindo-se em um mercado com o seu
território bem demarcado pelas grandes facções do Crime Organizado.
Fora os tradicionais grupos ligados ao PCC (primeiro Comando da Capital)
e CV (Comando Vermelho), algumas outras facções começam a despontar nas
cadeias paulistas (quadro 3), conseguindo projeção pontual.
Quadro 3 – As novas facções das cadeias paulistas
Avaré São Paulo Presidente Bernardes Guarulhos
CDL
Comissão Democrática de
Liberdade
SS
Seita Satânica
CJVC
Comando Jovem Vermelho
da Criminalidade
CRBC
Comando Revolucionário
Brasileiro da Criminalidade
Surgiu: em 1996 Surgiu: década de 70. Surgiu: não há data precisa.
Surgiu: em 1999, como
dissidência do PCC
Como atua: os líderes
mantém disciplina com surras,
facadas e pedidos de
transferência (para unidade de
facções adversárias); há
extorsão de dinheiro de
familiares e tráfico de drogas.
Como atua: com violência e
ameaças de “magia negra”.
Surgiu a partir de um grupo de
presos que cultuava o
demônio.
Como atua: não há
informações.
Como atua: possui estatuto e
arrecada “mensalidade” de
seus integrantes, a exemplo
do PCC. Não aceita ex-
integrantes do PCC. A pena
para traição é a morte.
Onde atua: Atua na
Penitenciária 1 de Avaré, onde
a facção surgiu.
Onde atua: na Casa de
Detenção.
Onde atua: Penitenciária de
Presidente Bernardes.
Onde atua: Penitenciária de
Guarulhos.
Situação atual: pode estar
caminhando pra o fim em
razão das movimentações de
presos que foram feitas desde
a megarrebelião.
Situação atual: incerta, pois
seus membros foram
espalhados ap´[os uma briga
interna com o PCC, na Casa
de Detenção.
Situação atual: Não há
informações. Parece ainda
estar em fase de organização.
Situação atual: possui uma
atuação mais localizada, mas
estaria despontando como a
segunda maior força.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Queima de arquivo evidencia poder do PCC. Caderno: Cotidiano, p. A
3
, de 03 de fevereiro de 2002.
Adaptações e atualizações do Autor.
72
Divergências internas no (CV) Comando Vermelho produziram uma
defecção onde vários elementos acabaram se afastando e fundando um novo grupo:
o TC (Terceiro Comando), sob a liderança de Paulo César dos Santos (o Linho), que
se aliou ao ADA (Amigos dos Amigos) do Rio de Janeiro, criado nos anos 90 por Uê
e por Celsinho da Vila Vintém, para enfrentar o grupo de onde se originaram.
era odiado pelo CV porque era considerado uma espécie de traidor da facção. Em
1994, comandou a morte de Orlando Jogador, líder do tráfico no morro do Alemão e
um dos principais chefes do CV. Foi expulso do CV e criou a ADA (Monken, 2002
a
,
C
3
).
Atualmente a maioria dos grandes líderes das diversas facções está
presa, cumprindo pena, geralmente em presídios de segurança máxima, mas, nem
por isso deixa de gerir suas atividades nos morros e no tráfico. Isso é feito através
do pagamento de propinas aos agentes carcerários e guardas, para que permitam a
entrada de telefones celulares
___
veículos por excelência para manter as atividades
do tráfico a partir da própria prisão. Por isso, além de controlarem a vida das
pessoas e do tráfico, o Crime Organizado domina com mão de ferro também a vida
nas prisões através de suas diversas facções. Aliás, essa convivência nas cadeias
depende exclusivamente do apoio que cada preso obtém de uma das facções que
domina o cárcere, isto é, vai depender de sua facção estar bem posicionada e ter
muitos integrantes, para que possam dar proteção uns aos outros.
Ao contrário do que muita gente pensa, as facções criadas por presos e
que, de certa forma, acabam controlando a criminalidade, constituindo-se, em alguns
lugares, embriões do Crime Organizado, não ocorre apenas no eixo Rio-São Paulo.
Geralmente, fora do eixo Rio-São Paulo, as facções surgem nas
penitenciárias que recebem presos tanto paulistanos como cariocas. Por essa razão,
quando essas organizações existem são filiadas e, de certa forma, se organizam
como as facções nas quais se inspiraram: Comando Vermelho (do Rio de Janeiro)
ou PCC – Primeiro Comando Capital (de São Paulo).
Os grupos são parecidos com o PCC e o CV (Comando Vermelho), do
Rio. Alguns têm estatuto, além de organizar rebeliões e tráfico de drogas nas
cadeias e comandar crimes fora da prisão (Monken, 2004
b
: C
5
). Alguns grupos
paulistanos novos ainda não têm representatividade fora de sua base. Entre eles
destacamos: Além do PCC, atuam nos presídios de São Paulo outras quatro
facções criminosas: a Seita Satânica, o CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro
73
da Criminalidade), o CDL (Comando Democrático da Liberdade) e o CVJC
(Comando Vermelho Jovem da Criminalidade)” (Monken, 2004
c
: C
5
).
Em São Paulo os criminosos procuram se organizar no crime filiando-se a
organizações criminosas, das quais a mais tradicional e conhecida é o PCC
Primeiro Comando da Capital. Podemos notar vestígios de sua presença no prédio
desativado do Carandiru: Logo na entrada do primeiro andar um desenho com o
lema da facção criminosa (‘Paz, Justiça e Liberdade’), a inscrição PCC, os números
‘15.3.3’
___
que correspondem à ordem dessas letras no alfabeto
___
e, escrito em
vermelho, ‘CV’, de Comando Vermelho, a facção carioca que teria se associado ao
grupo paulista” (Silva, 2002
e
: C
4
). Foi no pavimento logo acima que morreram 78 dos
111 presos do massacre, onde lemos a mensagem: Somos representantes de um
comportamento carcerário diferente, onde irmão ajuda irmão, nunca deixando cair
sobre [eles] o peso da repressão. Nossa palavra é sinceridade, lealdade, verdade,
paz e liberdade" (Silva, 2002
f
: C
5
).
Essa filiação à organização criminosa rende dividendos nas mais diversas
situações, particularmente quando relacionadas ao crime.
Há pouco mais de um ano, antes de ser preso, esse rapaz de 25 anos teve o carro
roubado em um cruzamento da capital. ‘Avisei que era ladrão também. Disse que
estava armado e perguntei se ele ia levar mesmo assim’, afirmou. O assaltante
levou sua arma e o carro. ‘Liguei aqui para a Detenção, eles acionaram uns
camaradas nas favelas e recebi o carro em casa, no mesmo dia’, disse (Silva,
2002
f
: C5).
Por volta de 2001, o PCC (Primeiro Comando da Capital), começava a
completar sua estruturação na cidade de o Paulo e procurava se infiltrar nas
favelas maiores para melhor organizar o tráfico.
Eles normalmente não tem a posse das associações. O que pintando agora é a
questão do Primeiro Comando da Capital. Mas eu acho que eles estão .... (não
inteligível) a organização deles. Mas eles são organizados assim: tem uma
organização: tem um coordenador geral, que mora em outro lugar, não mora ali, e
aqui tem uma diretoria: tem o gerente, tem o vice presidente, tem o tesoureiro, tem
o secretario ( são uns 4 ou 5 que comanda cada um na sua área). O gerente é
responsável pelo grupo... por que nem sempre nem sempre o ponto forte deles é
na favela... aqui mesmo eles tinha um ponto forte aqui no bairro. E eles chegou a
deixar bem claro: olha Donato, s não queremos o povo pobre, nós queremos o
povo que tem dinheiro, nós queremos é classe alta... que o crédito... compra.. e
o pessoal bem sabe... que vê.. na Tamarutaca entra cada carrão, nem de classe
média é, é filho de tubarãozão mesmo que vem buscar. Não é o ponto mais forte
que eles tem... tem outros pontos na cidade. Quando você fala de ponto, você fala
que eles vai comprar, eles compra do outro ou toma na bala. Depende... Lá na Vila
Luzita, tem uma favelinha que a gente tem um trabalho, tem uma informação, que
foi cobrado 28 mil reais o ponto, do comando na região. é uma região que tem
vários pontos na cidade. Então isso é muito bem organizado. Como tem muito
dinheiro é fácil a organização. Então essa disputa dentro da área, é claro que na
favela tem sempre os que chamam “nóias”, que problema e que precisam ser
74
eliminados. Por que problema, é o que não tem dinheiro rouba coisinha barata,
aquele que leva a polícia dentro, é aquele que enche o saco... e por isso é
eliminado, e, chama atenção, por isso chama o nóia. Agora um dos problemas de
maior peso é essa questão do povo. Agora, cada comunidade pode ter uma ação,
as vezes pode ter um grupo mais organizado, de poder econômico mais alto, eles
tem uma visão diferente. Agora pode ter outros grupos, aqueles chamados de
chinelos, aqueles que não tem uma visão mais alta, eles atacam e são atacados
demais. Ali não tem poder aquisitivo para bancar uma coisa maior então eles saem
atacando... Mas perto..mais por perto... Sempre... aqui em Santo André, pelo que
eu sei, que se não tiver intervenção política eles nunca atrapalhou em nosso
trabalho social” (Liderança social, Santo André, Baierl & Almendra, 2002, em
entrevista não publicada).
No Brasil e, particularmente no Rio de Janeiro e São Paulo, o comércio
varejista de drogas não está subordinado a grandes grupos familiares, como as
máfias”, mas aparecem independentes dos grandes atacadistas organizados em
grandes facções criminosas. Essas facções, hierarquizadas em suas organizações,
apresentam uma estrutura instituída de forma gida e vertical de controle de seus
membros sem, entretanto, tolher a liberdade de ação de cada grupo. Assim,
somente quando a briga por pontos de venda das drogas começa a interferir nos
negócios em geral, os lideres se reúnem e estabelecem normas e formas para o
armistício. Caso isso não seja possível, é feito um tribunal onde os litigantes são
ouvidos e analisados em suas razões, tendo que se submeter às decisões finais das
lideranças, sob pena daquele que não aceitar ser eliminado sumariamente. Isso
evita guerras ou matanças que podem atrair a atenção da opinião pública e, por
conseqüência, da polícia para as suas atividades, o que é muito ruim para os
negócios.
“Em entrevista, membros do Comando Vermelho afirmam que sua facção tem se
esforçado para organizar-se melhor nos últimos anos, indicando um dono fora da
prisão na qualidade de ‘coordenador’ externo, ou ponto de referência’. Em razão
da natureza da estrutura das facções, isso não significa que tal personagem possa
ser vista como líder; como explica um traficante, não é questão de mandar... ele orienta.
Também é uma maneira de manter um vínculo direto entre os interesses da facção
dentro e fora da prisão. ‘Teve uma reunião quatro meses atrás, onde chamou
todos os donos de todas as áreas do Rio de Janeiro, do Comando Vermelho,
onde (o cara que é o ponto de referência) bateu o martelo e disse que amigo que é
amigo tem que se respeitar um ao outro... pára de brigar contigo que s somos
da mesma facção ... teve lá todo mundo, agora as coisas estão organizadas.
Hoje qualquer caô que tem na rua, qualquer brigalhada que tem, qualquer
guerra, assim, passa por ele, pra ele avaliar o que está certo e o que é errado,
para ele poder passar pro pessoal lá dentro (da cadeia) (Ex-traficante dos anos
90, citado em Dowdney, 2003: 38).
31
31
Esse nível de organização do Tráfico, ainda está em fase de instalação no Rio de Janeiro, pouco
tendo penetrado em São Paulo. Entretanto, para a Região Metropolitana de Campinas, vamos
perceber que ele existe, dirimindo questões e obrigando os membros a aceitarem as decisões
tomadas pelo representante do Tráfico na área, conforme entrevista concedida ao doutorando por
membro do PCC (Primeiro Comando da Capital).
75
Esse sistema está baseado em confiança entre os membros, pois a droga
é vendida no sistema de consignação, isto é, os grandes traficantes fornecem a
droga aos seus intermediários que, por sua vez, repassam para os distribuidores das
bocas, com a promessa de todos somente receberem o pagamento quando a
transação estiver terminada ou seja, a droga estiver vendida.
“O movimento de retorno do pagamento é baseado na noção de ‘dívida’ e deve ser
feito, impreterivelmente, dentro de um prazo mínimo. O não-pagamento é
interpretado como ‘banho’ (logro, furto ou falha) e o devedor na primeira
reincidência é morto num ritual público de crueldade. O sistema de consignação
articula-se, assim, a uma estrutura de ‘patrão/cliente’ e a uma hierarquia mortal de
‘credor/devedor’. A violência é a garantia de todas as transações (Zaluar, 1994)”
(Misse, 2003
a
: 06).
Notamos um fenômeno bastante interessante na imprensa brasileira
quando se refere ao tfico: uma tendência generalizada de exagerar sua
importância nas reges fora do Rio de Janeiro. Esse exagero é feito de uma
forma irrefletida procurando sensacionalizar a notícia e glamourizar os seus
personagens. Assim, evidenciam a presença do dono da boca na favela e em
pontos nos bairros pobres da periferia e nas favelas. Raramente, ou quase nunca,
tocam no fato de que esses personagens o de importância inferior dentro da
hierarquia do Crime Organizado e enfatizam que eles o apenas prepostos de
elementos muito mais poderosos que controlam o tráfico internacional e os
grandes centros de distribuão. Assim, um Fernandinho Beira-Mar é guindado à
condição de maior e mais importante importador e traficante brasileiro, desviando
a atenção da população daqueles que realmente comandam esse traficante. É
um evidente exagero considerar Beira-Mar tão importante, quando sabemos que
os grandes traficantes não ultrapassam cem pessoas (Nepad & Claves, 2000) e
certamente ele não se encontra entre essas pessoas. Isso pode ser facilmente
comprovado por depoimentos dados por antigos traficantes que conviveram com
Beira-Mar e participaram do tráfico ativamente:
“’...o que ele tem é o contato... tem pessoas por fora dele que é mais do que ele.
Ele é o testa... cinco anos atrás você via o Beira-Mar andando por aqui...
como uma pessoa normal. A mídia transformou ele no Fernandinho Beira-Mar’
o número um do país(entrevistado, ex-traficante do Comando Vermelho).
A satanização de Beira-Mar e sua prio, em seguida, significam que aqueles
que se situam acima dele provavelmente nunca serão procurados.
Esses atores que ascenderam ao estágio de atacadista são os primeiros ou,
talvez, únicos a serem capturados(NEPAD & CLAVES, 2000: 35).
76
O Brasil é basicamente um local de passagem, um corredor de
exportação, com as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e Vitória, como
portos de saída da droga.
Para o consumo interno esses grandes traficantes utilizam um
intermediário, geralmente chamado de matuto”, que está acima de qualquer disputa
entre quadrilhas ou facções do tráfico podendo fornecer droga para qualquer um,
com total desenvoltura de ação. Recebem proteção de todas as facções. “... a lei é
uma lei do crime, não está escrito, mas estabelece qual família que não se mexe... e
essa mesma lei diz que matuto o pode ser mexido, matuto tem que ficar fazendo
o trabalho dele. Então, na verdade, o matuto é o contato... como ele vai trazer as
drogas ninguém nem quer saber, então quem tem facção é favela, é morro
(Informante 1, citado em: Dowdney, 2003: 35).
É importante observarmos que as facções são estruturadas nas prisões e
pretendem estender essa estruturação de poder para fora, atingindo os morros e
periferias urbanas. Apesar de parecerem corporações altamente bem estruturadas,
na realidade não aparecem com tal coesão, constituídas por agrupamentos de
donos ligados frouxamente por interesses mútuos, que podem ser alterados sempre
que houver choques de interesses, ocasionando defecções e guerras no tráfico. Por
isso, os morros cariocas e, particularmente as periferias urbanas de São Paulo e
Campinas (eventualmente tomada como exceção), além de outras cidades
metropolitanas significativas, são formadas por comunidades de donos
independentes “...os morros são independentes, cada morro tem a sua realidade,
cada batalhão da polícia militar, por exemplo, tem o seu preço, cada guarnição do
patrão tem a sua relação. Então não para um determinado líder determinar
como vai ser a relação com cada batalhão, com cada região, com cada favela, que
são realidades que mudam a cada momento (Informante 1, Dowdney, 2003: 36).
Os principais donos estão presos, particularmente no Rio de Janeiro, onde
comandam seus domínios a partir da própria cadeia, através de celulares e outros
meios de comunicação que conseguem introduzir nas dependências do sistema
carcerário de forma clandestina ou, o que é mais freqüente, com a própria
participação dos agentes penitenciários. “...quem manda no Rio de Janeiro é a
cadeia” (Ex-traficante dos anos 90). “O maior poder do crime não está na rua,
está na cadeia” (Informante 1). Aliás, sempre foi assim. Na cadeia tem o
presidente e ali ele bate o martelo... tudo é desenrolado dentro da cadeia... ele bate
o martelo e passa para essa pessoa aqui fora... e tudo que acontece fora o pessoal
77
da cadeia sabendo” (Ex-traficante dos anos 90). Também, “O resultado é que o
poder do Comando Vermelho, como organização, de fato, reside no interior do
sistema penitenciário” (Informante 1) (todas as citações são de: Dowdney, 2003: 38).
Quando nos referimos ao Crime Organizado encontramos uma
dificuldade conceitual; por isso é importante definir ou, pelo menos, conceituar esse
tipo de organização criminosa, tanto na prática como juridicamente.
A grande dificuldade ao conceituar Crime Organizado é conseguir
estabelecer, de forma integrada e clara, as características econômicas,
institucionais, políticas e processuais que essas organizações devem ter para serem
consideradas como tal. Dentre essas características devem ser observados o
modus operandi dos atores na operacionalização dos atos criminosos, as estruturas
de sustentação e ramificações do grupo, as divisões de funções no interior do grupo
e o seu tempo de existência (Oliveira A., 2004: 01). As áreas de atuação dessas
organizações criminosas também devem ser levadas em conta, pois algumas atuam
apenas em nível local, sem apresentar conexões ou ligações estreitas e funcionais
com outras organizações de âmbito nacional ou internacional; outras assumem
características transnacionais, onde sua atuação se faz presente, de forma
concatenada em vários países e continentes, somando ao poderio intimidatório e
econômico, um poder político sem precedentes, visto possuírem elementos
infiltrados ou mesmo cooptados, em diversas instituições governamentais de
variados países.
“Os especialistas do Fundo Nacional Suíço de Pesquisa Científica afirmam que
existe Crime Organizado, especificamente o transnacional, quando uma
organização tem o seu funcionamento semelhante ao de uma empresa capitalista,
pratica uma divisão muito aprofundada de tarefas, busca interações com os atores
do Estado, dispõe de estruturas hermeticamente fechadas, concebidas de maneira
metódica e duradoura, e procura obter lucros elevados. Para as Nações Unidas,
organizações criminosas são àquelas que possuem vínculos hierárquicos, usam da
violência, da corrupção e lavam dinheiro. O Federal Bureau of Investigations (FBI)
define Crime Organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura
formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais.
Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Para a
Pennsylvania Crime Commision, as principais características das organizações
criminosas são a influência nas instituições do Estado, altos ganhos econômicos,
práticas fraudulentas e coercitivas” (Oliveira A., 2004: 001).
Especificamente no caso brasileiro, a Academia Nacional de Polícia
Federal do Brasil considera como Crime Organizado aquela organização que
apresente as seguintes características: 1) planejamento empresarial; 2)
antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus
78
integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação;
8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos (Oliveira A., 2004: 002).
Independentemente de qualquer interpretação que se queira dar ao
problema, salta aos olhos uma característica fundamental do Crime Organizado: seu
relacionamento com o Estado, constituído como uma promiscuidade no âmbito
institucional. Outra característica é sua integração com o próprio sistema capitalista,
que o ampara e permite uma maior e mais eficiente lucratividade, agindo nos
mercados financeiros a partir e durante a lavagem de dinheiro que proporciona a
legalização do mesmo. Além disso, apresenta um organograma bem definido das
funções e prerrogativas de cada elemento que participa da hierarquia da
organização, com projeções de responsabilidades e competências, seguidas de
contrapartidas salariais correspondentes.
Levando em consideração os fatos apontados podemos destacar o
entendimento de Oliveira (2004: 02), que expressa uma visão muito interessante do
problema :
Ao meu entender, Crime Organizado caracteriza-se por ser um grupo de
indivíduos que tem as suas atividades ilícitas sustentadas por atores estatais (por
meio do oferecimento de benesses ou atos de cooperação), onde os sujeitos
criminais desenvolvem ações que exigem a presença do mercado financeiro, para
que isso possibilite, às vezes, a lavagem de dinheiro, e conseqüentemente, a
lucratividade do crime. Por fim, são grupos que relativamente atuam por um
considerável período de tempo, tendo as suas funções estabelecidas, com
hierarquia, para cada membro” (Oliveira A., 2004: 02).
Essa interação e dependência entre as organizações criminosas que
podem ser consideradas como participantes do Crime Organizado com relação ao
Estado, é uma unanimidade entre os pesquisadores, que todos concordam que,
sem certa complacência ou cumplicidade do Estado ou de pessoas que o
representem, dificilmente as organizações criminosas poderiam sobreviver muito
tempo.
Dentro dessa qualificação do Crime Organizado mister se faz mostrar que
as organizações criminosas apresentam uma variedade muito grande de poder e
influência. Essa diversificação é levada em consideração quando se procura
qualificar uma determinada organização do crime. Um ex-traficante referiu-se à
estrutura interna do Comando Vermelho como sendo alguma coisa entre uma cooperativa de
trabalho e um poder de estado: É tipo assim um estado, o tem dono do estado, é o
presidente, o vice-presidente... é como uma rede que tem um secretário, tipo
assim, ele organiza, é tipo uma cooperativa (Ex-traficante dos anos 90, Dowdney,
2003: 38).
79
Por isso, consideramos como muito apropriada a contribuição dada por
Oliveira (2004: 12), para a sistematização do problema que leva em consideração os
diversos níveis de atuação e a amplitude territorial de suas influências, tanto
nacional como internacional (quadro 4).
A sociedade brasileira tem uma dificuldade cultural em assumir que o
Crime Organizado mudou não a criminalidade como também a economia e a
política no Brasil, o que quase inviabiliza um controle ou reversão do processo. Mas,
para que ele continue aumentando seu poder e controle sobre a sociedade é
necessário que ele conte com um celeiro de mão de obra barata e abundante, que
serviria para fazer o serviço sujo”, para matar ou morrer durante o seu processo de
consolidação nas áreas em que se encontra instalado ou ampliação de seu território.
Para isso ele encontra um fornecedor inigualável: a periferia pobre das grandes
cidade e metrópoles brasileiras, com sua população jovem, desempregada, excluída
e desesperançada de qualquer coisa de bom acontecer nas suas vidas. Esse
isolamento acético a que os jovens pobres foram relegados nas favelas e periferias
pobres das grandes cidades, deixou livre o caminho para o progressivo
desmantelamento nos bairros pobres do que havia de vida associativa. Deixou
espalhar-se, entre alguns jovens pobres, um etos guerreiro que os tornou
insensíveis ao sofrimento alheio e orgulhosos de infligirem violações ao corpo de
seus rivais negros, pardos e pobres como eles, agora vistos como inimigos mortais.
E, ao final, permitiu abalar a civilidade (Zaluar, 2003: A
3
).
O Crime Organizado acabou utilizando essa população como mão-de-
obra abundante, barata e facilmente descartável quando necessário; modifica e
Quadro 4 – Características das dimensões das organizações criminosas: As atividades: tráfico de drogas
Características Dimensão Macro Dimensão Meso Dimensão Micro
Território Relações com diversos países. Poder
global.
Relações em um mesmo país e com muitas
áreas em uma mesma região. Podem ocorrer
relações com outros países, mas não na
envergadura da dimensão macro.
Relações escassas. E quando ocorre,
se dar numa mesma região.
Atividades da
economia/Poder
econômico
Lavagem de dinheiro envolvendo grandes
somas de capital e empresas com sedes
em várias localidades do mundo.
Geralmente, o dinheiro é escondido em
paraísos fiscais.
Lavagem de dinheiro no âmbito nacional e até
no internacional. Caso ocorra o processo de
internacionalização financeira, este não é tão
acentuado como na dimensão macro.
Não existe o processo de lavagem de
dinheiro. O lucro obtido só serve para
comprar mais drogas.
Poder institucional Associação com atores institucionais
relevantes. Contam com o apoio destes
nos mais diversos países.
Associação com atores institucionais
nacionais e internacionais. No caso
internacional, são atores institucionais de
pouca expressão.
Geralmente contam com o apoio de
algum político da localidade. Como
prefeito, vereador ou líder comunitário.
Poder de ação Desenvolve as suas atividades nos mais
diferentes países. Não possui controle de
áreas específicas.
Podem estar associados a grupos
terroristas. Ou estarem praticando atos
terroristas.
Atua em nível nacional, e, às vezes,
internacionalmente. Exerce controle sobre
áreas. A organização criminosa pode estar
associada a grupos terroristas; ou estarem
praticando atos terroristas.
Exerce controle apenas da sua boca
de fumo.
Fonte: Adriano Oliveira. Crime Organizado: é possível definir? Revista Espaço Acadêmico, nº 34, Março/2004.
80
perverte todas as relações sociais e hábitos de amizade e parentesco existente
entre as pessoas vizinhas:
Pois, além do poder corruptor, como acolá, o Crime Organizado guarda muito
de sociedade secreta, com seus rituais iniciáticos. Por isso mesmo nega a cultura
generalizada, tradicional ou não; o iniciando torna-se novo ser, tábula rasa para
receber o conhecimento e a ordem do grupo. A "omertà" é um dos lados da moeda,
o outro lado é a subordinação à vontade da organização, ou seja, a "umiltà",
mesmo que para cometer os atos mais cruéis contra inimigos, vizinhos, parentes,
amigos de ontem” (Zaluar, 2003: A
3
).
O crime, nos dias atuais, é um negócio tão lucrativo que não pode mais
ficar nas mãos de bandidos autônomos, mas de criminosos organizados em grandes
empresas de exploração e organização do crime. O banditismo não é mais uma
atividade privada simples, mas uma razão de Estado”, quase de estados
paralelos”. As máfias”, com seu poderio econômico-financeiro, não estão mais
restritas a guetos, mas aparecem galgando posto de comando e administração da
sociedade e instituições (figura 4),
inclusive do Estado (Garzon, 2002: 71).
“Cerca de 1,5 trilhão de dólares de
dinheiro ‘suspeito’ circula pelo mundo com
a conivência de governos, banqueiros,
instituições internacionais, polícias e é
‘higienizado’ em lavanderias espalhadas
pelo mundo. Essa grana financia, entre
outras coisas, o narcotráfico e o terroris-
mo” (Soares, 2005: 01). A quase totalida-
de desse dinheiro é proveniente de
atividades criminosas ou ilegais, e que é lavado e legalizado nos paraísos
fiscais
32
.
Ainda segundo Soares (2005) os banqueiros americanos têm um
envolvimento direto no esquema, como o Citibank, que vem sendo investigado pelo
Senado americano por organizar a lavagem de dinheiro na América Latina. Através
32
“Existem cerca de sessenta paraísos fiscais no planeta, como Andorra, Antígua, Bahrein, Barbados,
Cingapura, Costa Rica, Ilhas Cayman, Ilhas Jersey, Ilhas Marshal, Ilha de Man, Panamá. Mas não
são ilhotas ou países do Terceiro Mundo. Alguns o muito mais bem localizados e conhecidos,
como Mônaco, Luxemburgo, Áustria, Reino Unido e Suíça. Sem mencionar os estados americanos
de Delaware, Nevada e Wioming. Aliás, um dos maiores exemplos de que dinheiro não precisa de
nome nem de endereço vem da Áustria. As contas sparbuch não precisam de nenhum tipo de
comprovação de identidade. Na internet, as vantagens de uma sparbuch são propagadas: nenhuma
exigência de documentos, nenhuma necessidade de comprovação de endereço e a possibilidade
(legítima) de utilizar pseudônimo na abertura. Mesmo no caso de uma investigação legal, o banco
garante o anonimato, pois não tem a menor idéia de quem é o cliente” (Soares, 2005: 01)
Figura 4 – Trâmite burocrático
Fonte: Folha de S. Paulo, data desconhecida.
81
de instituições argentinas de fachada lavou o dinheiro da corrupção político-
empresarial, do tráfico de drogas e contrabando de armas. “Desde 1991, cerca de
6,3 bilhões dólares teriam sido lavados por contas em Nova York. Envolvendo desde
o ex-presidente argentino Carlos Menem e alguns brasileiros, como Robeli Líbero,
ex-presidente da IBM para o Brasil e a América Latina. Há investigações ainda sobre
depósitos irregulares que executivos do Citi teriam aceitado provenientes de
corrupção política em países como Paquistão, Nigéria, Marrocos e Gabão (Soares,
2005: 02). Mas, sem dúvida, o grande motor dessa Economia Criminal é a cocaína.
Desde meados da década de 90 que Colômbia, Peru e Bolívia são os
países que lideram mundialmente a produção de cocaína. A produção atual desses
países chega a atingir 98% de toda a droga consumida no mundo.
Em apenas pouco mais de dois anos a Colômbia passou de importadora
da droga para a maior produtora de folha de coca, ou seja, com 79,5 mil hectares de
plantações consegue garantir uma produção anual de 564 toneladas (Luiz, 1999
a
:
01), com potencial para se transformar no maior produtor mundial de heroína e
maconha, droga também cultivada no Brasil, Guiana, Paraguai e Suriname. Até
1997 (Luiz, 1999
a
: 01) a Colômbia era um simples importador de pasta base do Peru
(maior produtor mundial na época, com 400 toneladas anuais), o qual lutava com
problemas de falta de tecnologia para o refino. Como praticamente toda a produção
peruana era controlada por traficantes colombianos, nada mais natural que estes
começassem a investir em tecnologia e transportes; em pouquíssimo tempo
assumiram a liderança mundial na produção de cocaína.
O Peru ainda ocupa a segunda posição como grande produtor, seguido da
Bolívia, o que permite um abastecimento do mercado americano e europeu,
utilizando o território brasileiro como área de trânsito, o que era feito com pequenos
aviões que executavam uma média de seis vôos diários, ou seja, cerca de 2.300
vôos anuais. Hoje, com a Leis de Abate
___
que permitem à Forca Aérea Brasileira
derrubar qualquer avião não identificado
___
, esse índice caiu drasticamente, fazendo
com que procurem alternativas de passagem pelo território brasileiro por terra,
utilizando a imensa linha de fronteiras que o Brasil possui. Preferem, por uma
questão de simples logística, o corredor de rodovias existentes ao longo do rio Tietê,
no estado de São Paulo, ligando a Cordilheira dos Andes, Paraguai e Mato Grosso,
que acabou se constituindo na rota por excelência de exportação das drogas para o
mercado europeu e norteamericano. Essa rota atravessa o Estado de São Paulo de
oeste para leste e liga as regiões andinas (as plantações colombianas situadas entre
82
os Rios Guaviare, Putumayo, Vaupés, Inirida, Yari, Arauca, Caquetá e Magdalena;
as peruanas de Marañon, Ucayali, Yavari e Putumayo; as bolivianas através dos
estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre e Rondônia) ao porto de Santos,
o que também facilita o tráfico da droga (Luiz, 1999
b
: 01).
Outra rota, constituindo-se no segundo corredor de droga mais importante
do país, ligando o Polígono da Maconha, no interior do Nordeste, ao sul, abastece o
mercado brasileiro desse produto pelo interior, evitando as estradas mais policiadas
do litoral.
Com a entrada em vigor da Lei do Abate, contrabandistas que atuam no
Brasil criaram pelo menos duas rotas alternativas para trazer armamentos para o
país (Monken 2005
c
: C
1
). Na primeira (mapa 01), os contrabandistas trazem armas
do Paraguai e da Bolívia em picapes ou veículos de pequeno porte. Esses veículos
aproveitam a fronteira seca dos Estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e
Rondônia e param em campos de pouso de grande movimentação de cidades
fronteiriças, como Ponta-Porã (MS), que teria representantes dos 20 maiores
produtores de armas do mundo. Dali usam aviões para levar a carga para o Rio e
São Paulo; assim ficam livres da fiscalização. Na segunda rota, o ponto de entrada
seria através da fronteira com o Suriname de onde partiriam de avião
acompanhando o litoral pelo oceano Atlântico (fora do espaço aéreo brasileiro) até o
Nordeste, a partir de onde entrariam no país. O Suriname não seria apenas porta de
Mapa 1 – Novas rotas do tráfico de armas no Brasil
Fonte: Lei do Abate muda rota do tráfico de armas. Jornal: Folha de São Paulo, Caderno: Cotidiano, p. C8, 05 de julho de 2005c.
83
entrada de contrabando de armamentos mas, também, porta de saída para serem
trocadas por drogas com os produtores colombianos.
Evidentemente que esse altíssimo consumo gera como conseqüência
fantásticos lucros, movimenta uma astronômica quantia em dinheiro (quadro 5).
Tabatinga e Letícia são duas cidades irmãs, separadas uma da outra por
um quebra-molas, na fronteira entre Brasil e Colômbia. Representam um portal
extremamente importante para entrada de drogas ilícitas no Brasil, que a
fiscalização é precaríssima. Tabatinga limita-se, também, com o Peru constituindo-
se um dos mais utilizados corredores de drogas do rio Solimões.
33
Esse envolvimento com o tráfico fronteiriço atinge até mesmo as
autoridades constituídas, que acabam se envolvendo com as drogas. A
proximidade do tráfico com a população fronteiriça envolve até as autoridades
locais. Em junho deste ano, o delegado Silvino Alves Filho, da Polícia Civil de
Alvorada d´Oeste, na fronteira de Rondônia com a Bolívia, foi preso com 15 quilos
de cocaína no carro da delegacia. Ele era o elo entre os traficantes e os vendedores
da droga no interior do Estado” (Luiz, 1999
a
: 02).
Essa situação vai bem além do que se pode imaginar, tanto é que,
Em Tabatinga, alguns meses, quase houve confronto entre policiais federais e
militares em um bar da cidade. Alertados por um telefonema anônimo, agentes da
PF descobriram que o traficante colombiano Sebastian Cruz Angulo, preso sob
responsabilidade da PM local, estava bebendo com os militares. Autorizados pelo
juiz a prender novamente o traficante, os federais foram impedidos pelos militares e
33
No Acre, apenas o Rio Acre separa Brasiléia de Cobija, a capital do Departamento (Estado) de
Pando, na Bolívia. O policiamento é insuficiente para evitar a entrada da droga. Lá, também, a
população vive bem próxima da ação do narcotráfico e longe da ação do governo. O mesmo ocorre
em Guajará-Mirim, em Rondônia, vizinha de Guayará-Mirín, na Bolívia. Os poucos policiais federais
não conseguem reduzir o volume do tráfico, que agora muda o caminho para Costa Marques e outras
cidades ao longo da fronteira. ‘São 1.400 quilômetros sem qualquer vigilância’, alerta o juiz da Vara
de Entorpecentes de Porto Velho, José Jorge Ribeiro da Luz. ‘Além disso, as polícias estão sem
condições de agir.’” (Luiz, 1999
a
: 2).
Quadro 5 – Estimativa de consumo de drogas no mundo (década de 90)
Cerca de
1,5 milhão US$1 trilhão 79,5 mil
de pessoas serão presas este ano nos
Estados Unidos por crimes
relacionados com drogas. Os Estados
Unidos devem gastar este ano mais de
é a estimativa de quanto o tráfico
movimenta no mundo por ano
hectares são utilizados no
plantio de coca na Colômbia
US$ 25 bilhões 6 bilhões R$ 700,00
em repressão e prevenção às drogas
de papelotes de cocaína são
consumidos por ano no mundo
é o preço do quilo da droga
pura no Polígono da Maconha
US$ 120 bilhões R$ 20 mil
é o valor estimado que o
consumo de cocaína rende ao
tráfico por ano
é quanto os traficantes
brasileiros lucram com cada
plantação de maconha
Fonte: Office of National Drug Control Policy (USA)
Jornal: O Estado de S. Paulo, Caderno Especial: Drogas, 1999.
84
o caso se resolveu dois dias depois, quando um oficial chegou à cidade” (Luiz,
1999
a
: 2).
A ação do tráfico aparece orquestrada por uma série de organismos
internacionais que acabam por desembocar nos pontos de vendas de drogas. Todo
o arcabouço do tráfico funciona como uma empresa.
Um mega traficante colombiano, no nível de Pablo Escobar, Hernán
Giraldo, por exemplo, tem um exército de 400 homens e movimenta cerca de 3
bilhões de dólares anualmente em cocaína para os Estados Unidos apenas
(Valente, 2001: 80). Fernandinho Beira-Mar é um bem sucedido intermediário,
conseguindo amealhar algo em torno de 4,5 milhões de reais, incluindo imóveis
registrados em seu nome e de laranjas (Valente, 2001: 80). Fernandinho Beira-Mar é
um notório intermediário, com conexões no exterior particularmente na Colômbia,
onde negocia drogas e armas com as Farcs.
O montante total desse dinheiro movimentado pelo tráfico de drogas no
Brasil é extremamente difícil de ser calculado. Para se que possa ter idéia desse
total, um dos advogados de Fernandinho Beira-Mar, Dr. Paulo Roberto Cuzzuol, foi
preso pela Polícia Federal, em 17 de janeiro de 2004, trafegando pela Rodovia
Presidente Dutra (Rio-São Paulo), na altura do município de Volta Redonda,
portando a quantia de US$ 320 mil. No dia 7 do mesmo mês, foi presa Lucimar
Gregório Lucena, na mesma Via Dutra, perto de Volta Redonda, viajando com US$
463 mil, que seria usado na compra de cocaína, num ônibus que ia do Rio para a
Bolívia. Segundo a polícia, os US$ 463 mil foram entregues a Lucena por Cuzzuol
(Folha de S. Paulo, 2004
a
: C
7
).
Esse dinheiro é usado, principalmente, para suborno e corrupção do
aparelho estatal. Para uma organização criminosa ter êxito é necessário que ela
tenha a conivência das autoridades policiais e jurídicas, principalmente. “’Não
organização criminosa que sobreviva sem a participação de funcionários públicos,
do Estado, porque elas precisam de facilidades’, afirma o promotor José Carlos Blat,
do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do
Ministério Público de São Paulo (Silva, 2002
a
: A
3
). Isso pode ser verificado
facilmente se notarmos que os promotores do Gaeco encontraram policiais, tanto
civis como militares, envolvidos em 70% dos 450 procedimentos instaurados desde
a sua criação, em 98 (Silva, 2002
a
: A
3
).
Com o passar do tempo, uma atividade que era considerada sem
importância para o tráfico, começou a ser olhada com outros olhos na medida em
que suas possibilidades de ganhos começaram a ser evidenciadas, fazendo com
85
que voltassem seus interesses, tal o montante monetário envolvido, também para o
próprio contrabando de mercadorias.
O Crime Organizado assumiu o controle do contrabando sacoleiro na fronteira
entre o Brasil e o Paraguai, que tem movimentação estimada em US$ 1,5 bilhão
(cerca de R$ 4,1 bilhões) por ano. A afirmação é do delegado da Receita Federal
em Foz do Iguaçu, José Carlos Araújo, 35, baseado em pesquisas do próprio
órgão, em dados da Polícia Federal e da ANTT (Agência Nacional de Transportes
Terrestres). ‘A substituição do tradicional contrabando sacoleiro começou dez
anos, mas se intensificou e hoje predomina o Crime Organizado, com o atacadista
substituindo o sacoleiro’, diz Araújo” (Maschio, 2004: B
13
).
Devido a isso as apreensões de maconha e outras drogas, raras a cinco
anos atrás, hoje representam uma das atividades mais freqüentes nessas áreas de
fronteiras. Além disso, conseqüência direta da ação do Crime Organizado no
contrabando, as apreensões de itens de informática cresceram, de 2003 para 2004,
108%, enquanto os eletrônicos cresceram 119%. O tradicional contrabando de
brinquedos e quinquilharias, tradicionais contrabandos dos sacoleiros, caiu 7% no
mesmo período (Maschio, 2004: B
13
), comprovando essa mudança no perfil do
contrabando.
O próprio combate ao contrabando nas grandes cidades, particularmente
São Paulo, começa a ter repercussões sérias na própria movimentação do comércio
de fronteiras, mostrando a dependência cada vez maior do mesmo em relação ao
Crime Organizado. ’Olha a incrível coincidência. Prenderam o Law em São Paulo e
nos três dias posteriores a fronteira quase parou, sem movimento’. O delegado se
refere a Law Kin Chung, 43, preso em de junho. Chinês naturalizado brasileiro,
ele é apontado como o maior contrabandista do país e como dono de 600 lojas em
três shoppings populares de São Paulo” (Maschio, 2004: B
13
).
Para se ter, pelo menos, uma pálida idéia do poderio econômico do Crime
Organizado no Brasil, tomemos o exemplo do doleiro Antônio Oliveira Claramunt, o
conhecido Toninho da Barcelona”. Consta, segundo CPI do Banestado (Banco do
Estado do Paraná), que ele sozinho movimentou entre 1996 e 2002, cerca de US$
500 milhões, documentados pela Operação Anaconda da Polícia Federal (Michael &
Dantas, 2003: A
7
). Suas operações financeiras foram feitas através de uma das
contas de uma empresa de fachada, a Beacon Hill, no banco Chase Manhattan, em
Nova York. A CPI do Banestado foi instalada em julho para apurar crimes de
evasão de divisas, principalmente utilizando operações do Banestado (PR) como
caminho para mandar o dinheiro para o exterior por meio de contas CC5 (para não-
residentes), conforme revelou investigação da PF. Na apuração, surgiu o poder da
Beacon Hill: movimentou US$ 10 bilhões até ser fechada, em fevereiro” (Michael &
86
Dantas, 2003: A
7
). A Justiça Federal de Washington (EUA) bloqueou, em fevereiro
de 2005, cerca de US$ 8,2 milhões, em contas mantidas por doleiros brasileiros. O
bloqueio em favor do governo brasileiro foi recuperação de parte de US$ 1,8 bilhão
(em cinco contas) nos Estados Unidos, conseqüência de movimentação de doleiros
brasileiros entre 1995 e 2000 (Maschio, 2004
a
: A
11
).
O Brasil tem acordos internacionais de cooperação com dezenas de
países para coibir a lavagem de dinheiro, congelar bens e buscar sua recuperação
em outros países. Falta estrutura e agilidade ao Ministério Público e à Polícia
Federal para, efetivamente, executarem essas operações e pouca vontade
política por parte das autoridades.
34
Quando se pretende averiguar a existência ou não de dinheiro ilícito ou
lavagem de dinheiro no exterior deve-se efetivar a quebra do sigilo bancário, que
pode ocorrer a partir de uma autorização do Poder Judiciário. Mesmo tendo esses
acordos, falta para o Brasil técnicos capacitados para identificar as contas suspeitas,
fazer os pedidos de forma adequada e de acordo com as leis e acordos
internacionais e acompanhar o andamento dos pedidos. Além disso, nosso país tem
uma estrutura funcional deficiente, tanto no que diz respeito às tramitações
burocráticas, como à própria vontade política de se fazer as investigações. Se as
autoridades nãoo atrás do dinheiro, não realizam o objetivo principal do combate
a esse tipo de crime que é impedir que o dinheiro sujo circule na economia mundial
e financie atividades ilícitas” (Dantas, 2005: B
1
).
Outros esquemas concorrem para aumentar ainda mais o montante de
dinheiro lavado no Brasil. No Rio de Janeiro, a lavagem de dinheiro do tráfico
internacional e do contrabando de armas se processa também através dos caça-
níqueis legalizados. As quadrilhas vivem em guerras para garantir os melhores
pontos e locais para colocação dos seus caça-níqueis. "Lavagem de dinheiro, tráfico
de drogas, tráfico de armas, contrabando. Tem muita coisa atrás desse negócio de
caça níqueis" (Torres, 2004: C
1
).
Outra das formas mais eficazes de lavagem de dinheiro pelo Crime
Organizado é o patrocínio de grandes shows e investimentos em esportes e
esportistas. Um exemplo bem característico disse pode ser encontrado nas relações
dentre o Esporte Clube Corinthians Paulista
35
e a MSI - Licenciamentos e
34
Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Brasil é criticado por lavagem de dinheiro. Caderno: Dinheiro,
p. B
1
, de 21 de junho de 2005.
35
“O Corinthians lidera o futebol brasileiro com o dinheiro russo e sujo de Boris Berezovski. Como o
Palmeiras e o Vasco comandaram o futebol sul-americano com o dinheiro da Parmalat e do Bank of
America. Ou o próprio Corinthians, que chegou ao título mundial e ao bicampeonato brasileiro com o
investimento da Hicks Muse. Ou o Cruzeiro, com a nunca bem explicada parceria com a Energil C.
87
Administração Ltda., uma empresa coberta de todo tipo de sigilo, a ponto de
ninguém saber exatamente quem ou quais as pessoas (ou instituições) que são os
seus proprietários. Praticamente todos os clubes de futebol se não estão utilizando
dinheiro de fontes ilícitas (lavagem) estão tentando isso.
A lavagem de dinheiro é feita com a compra e venda de jogadores, como
podemos ver: Um dia depois de investir US$ 1,3 milhão (cerca de R$ 3,5 milhões)
na MSI, a Devetia, empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, enviou US$ 1,2
milhão (cerca de R$ 3 milhões) para uma conta bancária do Corinthians. O dinheiro
veio para que o clube pague a compra do volante Marcelo Mattos, adquirido do São
Caetano em dezembro do ano passado” (Arruda & Perrone, 2005
a
: D
3
).
Esse investimento financeiro envolvendo o Corinthians e a offshore,
aumenta as suspeitas dos órgãos governamentais de que existem irregularidades e
haja uma tentativa de esconder a fonte verdadeira do dinheiro, pois essas empresas
com sede em paraísos fiscais têm como objetivo colocar dinheiro de corporações,
doleiros e do tráfico, em investimentos a salvo do qualquer tipo de controle dos
estados nacionais, que os nomes dos investidores não são revelados, mantendo
em sigilo a origem dos dólares da MSI investidos no Corinthians. “A própria MSI foi
aberta nas Ilhas Virgens Britânicas para firmar a parceria com o Corinthians. Após o
mal-estar causado entre conselheiros do clube, a empresa foi registrada em
Londres. Os negócios entre a MSI e a Devetia não são novidade. Foi a investidora
que injetou no clube, a título de empréstimo, os US$ 2 milhões (cerca de R$ 5,4
milhões) para saldar dívidas do time do Parque o Jorge em 28 de dezembro do
ano passado [2004]” (Arruda & Perrone, 2005
b
: D
2
).
As operações de lavagem de dinheiro movimentam uma quantia fabulosa
anualmente. A Força-Tarefa de Ação Financeira, organismo da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estima que seja lavado até
US$ 1,5 trilhão por ano no mundo. No Brasil, se projetada para o cenário nacional a
avaliação do Fundo Monetário Internacional de que até 5% do PIB de cada país tem
origem ilícita, chega-se ao montante de US$ 25 bilhões” (Weber, 2005: 22).
Como dificilmente poderemos fazer uma idéia exata da quantidade de
recursos envolvidos nos negócios do tráfico em território brasileiro, podemos ter uma
Com dinheiro é fácil. E sem dinheiro é impossível, a não ser por um desses acasos que fizeram os
dois raios como Pelé e Robinho caírem na mesma Vila Belmiro no espaço de 45 anos. A questão
está em como se traz o dinheiro, para que não acabe tudo como acabou no mesmo Corinthians
quando a Hicks saiu. Ou no Vasco, com a cassação de Eurico Miranda pelo voto depois que
espancou o investidor. Ou no Palmeiras, que foi à segunda divisão sem o dinheiro lavado da
Parmalat. Ou no eterno vaivém dos armazéns Perrellas em Minas. Agora, o Flamengo, que teve
muito dinheiro da ISL, procura a MSI, como revelou esta Folha na sexta-feira” (Kfouri, 2005: D
7
).
88
idéia mais aproximada da quantidade de dinheiro que os traficantes mais
conhecidos, particularmente os do Rio de Janeiro, movimentam, a partir das
gorjetas ou dispêndio de numerário envolvido em apostas ou brincadeiras para
passar o tempo.
Em 2001, no presídio de segurança máxima de Bangu 1, zona oeste do
Rio de Janeiro, dois times de traficantes ligados apenas ao Terceiro Comando,
disputaram o bicho de R$ 5.000 para cada um dos jogadores, além de um carro
zero quilômetro de R$ 80 mil para o líder da equipe vencedora (Silva, 2002
b
, C
1
).
Tais informações foram prestadas por Geleião (José Márcio Felício), na época uma
das principais lideranças da facção paulista do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Além disso, adiantou ele: “’Eles me deram um salarinho de R$ 70 mil por mês.
Dinheiro para eles não falta’, afirma Geleião, que por sete meses recebeu a
‘mesada’” (Silva, 2002
e
, C
1
). Aposta de carro zero quilômetro e importado era
bastante comum.
Uma grande quantidade de dinheiro é movimentada pelo tráfico no Rio de
Janeiro. Segundo o ex-líder do PCC, os pontos-de-venda de drogas mais
movimentados no Rio, controlados pelas facções, faturam cerca de R$ 200 mil por
semana. Por isso as facções disputam o controle de cada vez mais bases de
distribuição. ‘O morro é mais rico que o asfalto do Rio’, diz. Por telefone celular,
segundo Geleião, eram dadas ordens para pagamento das apostas (Silva, 2002
e
,
C
1
).
Uma coisa parece certa: quase todas essas rotas cruzam-se na região de
Campinas que, também, permite o acesso fácil à cidade e ao porto do Rio de
Janeiro através da Rodovia Presidente Dutra, o que torna essa área a chave da
logística do transporte, armazenamento e distribuição da droga para as regiões
meridionais da América do Sul, Brasil e para os Estados Unidos e Europa.
Esses fortíssimos indícios que o Crime Organizado utiliza a região de
Campinas como um corredor de passagem, distribuição e armazenamento de
drogas, tiveram uma comprovação quando a Deas (Delegacia Especializada Anti-
Seqüestro), conseguiu prender Manoel Alves da Silva, 31 anos, apelidado de
Sasquati, considerado um dos mais importantes membros do Crime Organizado,
pertencente à organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele agia
fora dos presídios como membro arrecadador de recursos em dinheiro para a
organização, razão pela qual foi preso com uma grande quantidade de pesos
89
colombianos e bolivianos, comprovando a ligação com o tráfico internacional de
drogas e armas (Pinheiro, 2003
a
: C
1
).
Na Região Metropolitana de Campinas, predomina o PCC tanto junto às
bocas de venda de drogas como nos Complexos Penitenciários agindo mais como
uma grife”, uma marca”, especificamente uma franquia”, que vende proteção e
autorização para os traficantes dos bairros exercerem seus negócios sem serem
incomodados. Por uma quantia paga mensalmente, além de uma participação nos
negócios, os traficantes têm a proteção da organização e certa estabilidade nos
trabalhos, visto que o próprio PCC fica encarregado de harmonizar as relações entre
eles. Tem um representante do PCC, conhecido como o Cara ou, também, como
Piloto”, que fica encarregado de dirimir desavenças entre traficantes. Sua decisão é
irrecorrível e deve ser obedecida integral e imediatamente, sob pena de morte por
qualquer desvio de conduta.
Tivemos oportunidade, depois de mais de oito meses de negociações e
conquista de confiança, de entrevistar um desses mediadores do PCC para a região
de Campinas, estudante universitário, aluno da PUC-Campinas, desaparecido
poucos meses depois da entrevista. Seu depoimento é interessantíssimo, por isso
vale a citação tão longa:
Quem é que resolve as questões e as brigas entre os donos... É o Comando...
Tudo tem um debate... Então tem uma pessoa que representa o Comando... Uma
pessoa só... Uma pessoa comanda toda a área... Ele sai para o debate.... Ele
chama as pessoas e faz a reunião... Vai conversar... Na rua resolve... Se a pessoa
não entrar em acordo, resolve, atira, fica na rua... Morre... Abraça o foguete...
Morre... Corre... atira... Eles levam [o corpo] para o Mão Branca, solta, joga no
Mão Branca... É um sitio que sai de Hortolândia e vai até o Itajaí... É um sitio, um
monte de chácaras, que emenda com Hortolândia, com o Itajaí, Nova Europa... E
jogam lá no meio do mato... E, morreram muitos já... Perdi a conta já... Muitos...
Muitos... Morre muitos... Por mês, uma média de 3 ou 4 morre... E nem sai no
jornal, né? (risos). É, inclusive fez uma lei lá no Rosolém, ali que tinha muita morte,
e tem quatro bairros, e cada bairro tem uma boca de fumo, embola tudo. Eles
fizerem o debate, chamaram os líderes de cada boca lá, fizeram uma reunião.
Falaram para não ter mais briga. bandido ta morrendo. É tudo bandido bom.
Não pode mais morrer nenhum. Então adotaram essa lei. Cada um faz o serviço
sem prejudicar ninguém. Se algum moleque andar armado, dar tiros nos outros lá,
eles cobram... O PCC domina. Não rebelião em cadeia nenhuma. Nem morte
tem . Nem morte, nada, nada, nada. Nada. Se eu matar a mãe de um cara e
entrar lá, ele não pode fazer nada comigo, se for ordenado. Sem ordenar,
nada... Tem que pedir ordem, a permissão para o chefe... Tem a participação. Tem
o General. O topo... Se aparece alguém do Comando Vermelho, ele entra na
área... Comando Vermelho, entra. Não nada, por que o PCC uma tem ligação
com o Comando Vermelho. Não nada... As duas facção tem... Amigos dos
Amigos... Não tem ligação com eles, tem ligação com o Comando Vermelho
(Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Esse mesmo estudante universitário informou que tinha um outro colega
dele fazendo faculdade ali perto: Economia. Além de vários em Direito e estudando
90
línguas. Tudo pago pelo PCC, que procurava suprir a falta de quadros qualificados
para vôos mais altos e internacionais, configurando-se como uma verdadeira fia
no mundo dos negócios do trafico internacional de drogas e armas.
Esse domínio do PCC (Primeiro Comando da Capital) parece ser absoluto,
particularmente a partir do momento em que fizeram um pacto e associação com o
CV (Comando Vermelho), fato reconhecido pelo próprio comandante da Guarda
Municipal de Hortolândia, quando afirma: Na verdade não é a que domina... mas
ela em Hortolândia... é o partido... PCC... É... Parece que houve ai uma
assembléia com o Comando Vermelho... Que o Comando Vermelho estaria
assumindo o PCC... Nós temos um presídio aqui de segurança máxima, que é o
RDE... Ali tem luta dentro do partido... Que a Polícia Civil é... jura de junto que o
PCC acabou... mas a gente sabe que não acabou...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda
Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005).
2. O tráfico de drogas ilícitas
O aparecimento do Comando Vermelho, no final da década de 70 e
começo dos anos 80, representou um marco divisor na organização do Tráfico no
Rio de Janeiro e, consequentemente, no Brasil, com já mencionado.
Originalmente restrito aos presídios, alastrou-se posteriormente,
aproveitando a estrutura montada pelos bicheiros para distribuição da maconha,
além de se dedicarem a roubos e assaltos como forma de obtenção de dinheiro para
financiar suas atividades. Foi com a cocaína, particularmente lucrativa, que os
bandidos começaram a estruturar um mercado baseado no aproveitamento das
lideranças e populares dos bairros periféricos mais pobres e das favelas incrustadas
nos morros cariocas, como locais seguros por excelência para a concentração das
bocas de distribuição e comércio da droga.
Para garantir a aceitação desse comércio por parte dos moradores,
instituíram-se programas e práticas assistenciais para cooptação da grande parte
dos moradores. Os que não aderiam eram calados por ameaças de violência física.
Assim, a obediência irrestrita à lei do silêncio”, que impedia qualquer tipo de
denúncia ou delação, era garantida pela manutenção que o tráfico fazia da ordem
social nas comunidades ou pela violência pura e simples aplicada aos moradores ou
visitantes que transgredissem a ordem estabelecida.
91
Se essas normas eram cobradas de forma mais suave durante o período
de predominância do comércio e consumo da maconha, tal processo inverteu-se e
aprofundou-se com a chegada da cocaína, potencialmente muito mais geradora de
lucros e, consequentemente, de violência.
Hoje, uma expansão sensível do consumo de crack e,
consequentemente, da violência, no Brasil. Antes restrito ao Estado de São Paulo,
que o introduziu no Brasil, hoje se espalhou pelo Brasil inteiro, particularmente no
Nordeste, onde temos um mercado de consumo em plena expansão. Assim sendo,
a Senad (Secretaria Nacional Anti-Drogas) fez uma pesquisa em 2001 que consistiu
em
um levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas nas 107 maiores
cidades do Brasil
___
acima de 200 mil habitantes e cuja população chega a 27,7%
do total do país, a Senad verificou que 0,4% da população experimentou pelo
menos uma vez o crack. A pesquisa revelou que o consumo não se restringiu ao
Sudeste (0,4% dos entrevistados), mas também atingiu também o Nordeste (0,4%),
o Norte (0,2%), o Sul (0,5%) e o Centro-Oeste (0,4%). A maioria dos usuários de
crack, segundo a Senad, é do sexo masculino e faixa etária de 25 a 34 ano
(Monken, 2005
a
: C
1
).
Dando prosseguimento a essas pesquisas, no ano passado, a Senad
apresentou um outro estudo que indicou a expansão da droga no país. Em cada
cidade pesquisada, foram entrevistadas 2.100 crianças e adolescentes que vivem
nas ruas. No Rio de Janeiro, 45,1% disseram ter usado crack, 23,9% em Brasília e
20,3% em Recife. (Monken, 2005
a
: C
1
). Aliás, essa expansão atinge todos os
setores da população, visto ser o crack uma droga muito potente e barata, ao
alcance de todos, até das crianças.
Inicialmente os traficantes cariocas não estimulavam a utilização do
crack pois, acreditavam eles, sendo uma droga extremamente forte, em pouco
tempo acabava por destruir o usuário e o traficante perdia um cliente. Com a
aproximação do PCC (Primeiro Comando da Capital) de São Paulo, com o CV
(Comando Vermelho), do Rio de Janeiro, a partir de 2001, a facção criminosa
paulista começou a fornecer a droga para os colegas do Rio. O principal motor
dessa mudança de procedimentos foi a fácil expansão do crack em relação às
outras drogas, estimulada pelo seu baixo preço comparativamente com a cocaína,
pois um quilo de crack custa entre R$ 4.500 a R$ 5.000, enquanto que a mesma
quantidade de cocaína acaba saindo por R$ 7.000 a R$ 8.000. Além disso, o crack
vicia o usuário de drogas com muito mais facilidade e rapidez, tem um efeito
devastador, mas passa seu efeito mais rapidamente, o que obriga o viciado a querer
comprar a droga novamente com muito maior freqüência. Com uma pedra de crack
92
cotada a R$ 5, é cerca de três vezes mais barata que um grama de cocaína que sai
a R$ 15 (Monken, 2005
b
: C
1
).
Uma das razões do tráfico carioca ter entrado para o comércio de crack
tão rapidamente parece estar no fato de que os donos de bocas atuais são,
geralmente, mais novos e jovens e não são muito conhecidos no negócio”, o que
determina uma falta de crédito e uma necessidade de, rapidamente, conseguir um
capital de giro. O crack permite isso
facilmente.
A origem do crack distribuído e
vendido em São Paulo, e, posterior-
mente, para o restante do Brasil é,
majoritariamente, Bolívia e Peru, en-
trando no Brasil por Mato Grosso
(Cáceres) (Monken, 2005
c
: C
1
). Hoje
está em franca expansão para o
restante do país (figura 5).
Novas drogas, sempre mais po-
tentes para atender as necessidades
dos viciados em estágios mais avançados do vício, estão constantemente
aparecendo no mercado. Foi detectado no Acre, nas fronteiras com o Peru e Bolívia
e a caminho para disseminação no restante dos estados brasileiros, uma droga
mais potente e devastadora ainda que o crack, derivada da cocaína, mas com
fórmula ainda desconhecida, chamada oxi ou oxidado.
Essa nova droga tem consistência parecida com uma pedra e apresenta
colorações variadas, indo do roxo, amarelo, branco até o preto. "O oxi é mais
devastador do que o crack. Tanto que os usuários de crack não usam o oxi porque
sabem que a fissura que a droga é muito forte" (Freire, 2005: C
4
). Entrando em
uso no Brasil, aparentemente, a partir do final de 2004, acredita-se que o oxi ou
oxidado é produzido no Peru, mas chega ao país pela Bolívia. O nome da droga é
uma gíria usada pelos traficantes para designar o produto resultante do processo de
oxidação da pasta base de cocaína” (Freire, 2005: C
4
).
3. A sociedade brasileira e a confrontação
com a violência
Figura 5 – A expansão do crack pelo Brasil
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Até a alma eu perdi um pouco. Jornal: Folha
de S. Paulo, caderno: Cotidiano, p. C
1
, 20 de janeiro de 2005.
93
As duas últimas décadas do século passado (80-90) foram marcadas, no
Brasil, por uma falta de perspectivas de futuro, particularmente a respeito de
trabalho. As taxas de desemprego, sempre crescentes, eram engrossadas por novas
exigências de qualificação de o-de-obra, que se sofisticava cada vez mais e
exigia muito maior escolaridade que até então.
Como maior escolaridade para a população pobre da periferia das
metrópoles brasileiras é coisa extremamente difícil de ser obtida, o que nós
encontramos no Brasil, muito mais que desemprego formal, é um imenso
desemprego estrutural, isto é, mesmo que apareçam postos de trabalho, a imensa
maioria dos desempregados não tem como ocupá-los, visto não possuírem a
escolaridade mínima necessária. Assim o desemprego é estrutural e uma realidade
inconteste, gerando uma legião de desocupados que ficam gastando o tempo nas
portas dos bares, praças, ruas e botecos das periferias e das favelas.
3.1. Os fatos
O crime, hoje em dia, está estreitamente ligado, em suas manifestações
mais agressivas, a uma territorialidade, às grandes concentrações urbanas,
especialmente aquelas onde as periferias e favelas abrigam a imensa maioria da
população pobre, desempregada e onde as desigualdades e exclusão social o
mais acentuadas.
Aproveitando-se disso, o tráfico de drogas e armas acaba se instalando
nessas áreas, aproveitando-se da ausência do Estado e das péssimas condições de
vida da população que, certo ou errado, acaba encontrando ou gerando expectativas
de melhoria de vida trabalhando para o tráfico.
Sendo a cidade o local por excelência para a convivência das diversas
classes sociais, comprimidas num espaço cada vez mais limitado, os choques e os
contrastes naturais entre elas acabam se agudizando, dando características
estruturais às formas espaciais existentes no organismo urbano. O espaço da
cidade é assim, e também, o cenário e o objeto das lutas sociais, pois estas visam,
afinal de contas, o direito à cidade, à cidadania plena e igual para todos (CORRÊA
R.L., 1999: 36), fazendo com que, nessa estrutura, desenvolvam-se todas as formas
de resolver os conflitos entre indivíduos e grupos. Esses conflitos vão se
avolumando à medida que as cidades sofrem um processo rápido deperiferização
populacional, onde o contingente populacional da periferia aumenta em proporções
muito maiores que os bairros e áreas consideradas mais nobres e com melhor
94
estrutura e equipamentos urbanos. Esses fatos foram muito bem estudados por
Abreu (1994), no exato momento em que se tornaram mais evidentes,
particularmente nos grandes centros metropolitanos nacionais.
O problema da periferização das grandes cidades é um fenômeno global,
e mais acentuado nos países pobres e emergentes”. O tipo de problema é o
mesmo dos demais países, mas a extensão não tem paralelo em todo o mundo’, diz
a urbanista Raquel Rolnik, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Secco
e Squeff, 2001: 37). Isso pode ser percebido ao analisarmos a evolução desse
processo de periferização das cidades em todo o mundo, ocorrido nos últimos
tempos.
Como conseqüência dessa periferização do grande contingente
populacional urbano pobre vamos encontrar bairros periféricos superpovoados e
completamente desassistidos em suas necessidades básicas, esquecidos pelas
autoridades públicas e pelo Estado.
Assim, essas áreas acabam se transformando no “lócus” privilegiado para
a instalação do tráfico e, como conseqüência, áreas de concentração de criminosos
e de criminalidade, o que torna o Brasil um dos lugares mais violentos do mundo,
particularmente no que se refere aos homicídios, roubos e furtos.
3.2. Homicídios, roubos e furtos
O Brasil, sem dúvida alguma, apresenta uma das mais altas taxas de
homicídios (p/ 100mil habitantes) do mundo, independentemente da faixa etária que
Gráfico 1 – Comparação da taxa de homicídio/cem mil hab/país
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública
Gráfico 2 – Comparação da taxa de roubo-furto/cem mil hab/ país
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública
95
ção brasileira em relação aos outros países do mundo continua trazendo enormes
dificuldades, pois apresenta um dos mais altos índices (gráfico 2).
Fazendo uma análise onde se considere apenas os Estados brasileiros,
verificamos que, no começo da década de 80, os que apresentavam mais altos
coeficientes de violência entre 1980 e 1999 foram: Rio de Janeiro (45,1; 67; 107,9),
São Paulo (23,9; 67,3; 88,9) e Pernambuco (25; 57,4; 104,6), que representavam as
principais áreas de consumo e produção de entorpecentes (maconha).
A evolução para maior desses coeficientes apresentou a seguinte
seqüência: São Paulo e Rio de Janeiro (continuaram altos até finais dos anos 90s.);
aparecendo o estado do Espírito Santo, durante todo o período, como um dos que
mais aumentaram os coeficientes. (16,2; 41,8; 96,1). Coincidentemente, foi nesse
período que vemos as taxas de violência e criminalidade (tabela 2) aumentarem de
forma acentuada, especialmente nas faixas etárias compreendidas entre 15 a 24
anos, e ascausas externaspassarem a representar a maior quantidade dos óbitos
em diversos estados brasileiros.
Comparando os diversos tipos de crimes acontecidos no Brasil no
intervalo de tempo referente a 2001 até 2003, vamos perceber que no último ano da
última década, por exemplo, 116.778 jovens foram mortos por causas o naturais.
Tabela 2: Brasil – Coeficiente de mortalidade por homicídio por 100 mil habitantes e participação dos homicídios no
total das mortes na faixa etária de 15 a 24 anos nos estados.
Estados
1980 1989 1999
Coeficiente % Classific. Coeficiente % Classific. Coeficiente % Classific.
Acre
14,7
9
11
44,4
27,7
6
12,1
10
23
Alagoas
18,4 13 6 41,4 32,6 8 34,0 28 12
Amapá
14,2 12 13 32,4 22,5 11 91,6 48 5
Amazonas
17,5 12 7 26,8 21,5 14 42,7 36 9
Bahia
4,2
4,5
23
16,3
16,8
19
12,2
12
22
Ceará
11,8 17 17 16 21,2 20 24,7 24 17
Distrito Federal
16,5 11 8 40,8 29,2 9 69,3 46 7
Espírito Santo
16,2 12 9 41,8 31,9 7 96,1 53 3
Goiás
12,5 10 15 28,1 20,1 13 27,4 21 16
2,02,12623,615,21543,4318
Maranhão
2,7 5,6 25 11,4 18,1 23 6,5 9,3 27
SulMato Grosso
16,1 11 10 28,7 20,1 12 42,5 30 10
Minas Gerais
10,4 7,8 19 11,3 9,7 24 15,6 14 21
Pará
14,5 11 12 19,3 20,0 17 15,7 15 20
Paraíba
14,1 13 14 19,3 19,9 18 19,7 20 18
Paraná
12,0 9 16 19,6 16,2 16 30,1 25 13
Pernambuco
25,0 17 2 58,4 35,8 4 104,6 57 2
Piauí
3,2
5,2
24
8,3
12,0
26
8,7
13
26
Rio de Janeiro
45,1 25 1 67 24,5 3 107,9 52 1
Rio G. do Norte
11,7 13 18 15,2 19,8 21 10,5 12 24
Rio Grande do Sul
10,0 8,1 20 33,6 23,1 10 29,5 25 15
Rondônia
23,4 11 4 51 22,9 5 40,4 31 11
Roraima
18,4 14 5 70,1 30,4 1 94,9 33 4
Santa Catarina
8,7 7,9 21 11 8,6 25 9,9 9,1 25
São Paulo
23,9
17
3
67,3
35,6
2
88,9
49
6
Sergipe
8,4 7,3 22 13,1 11,8 22 30,1 23 14
Tocantins
0,0 0 27 6,8 8,2 27 18,1 17 19
Fonte: SIM-MS (Elaboração SDTS/PMSP) – Prefeitura do Município de São Paulo – Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade.
96
Dez anos antes (1990), foram 25.264 e vinte anos atrás foram 16.908. Ou seja, em
vinte anos os números saltaram em 6,9 vezes (tabela 3).
Quando analisamos as taxas de homicídios comparando as maiores
cidades brasileiras e algumas regiões metropolitanas (gráfico 3), vamos perceber
uma diversidade muito grande dos dados, onde algumas cidades (São Paulo, Rio de
Janeiro, Recife e Vitória) destacam-se muito das demais, sendo que a Região
Metropolitana de Campinas aparece ocupando um sexto lugar no conjunto das áreas
de mais elevado percentual de homicídios. Como um grande complicador desse
quadro vemos que a faixa etária correspondente aos 15 a 24 anos acabou
Gráfico 3 –
Percentual de homicídios registrados pelo Ministério da Saúde nas aglomerações urbanas brasileiras no período de 1997 a 2000)
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo
Tabela 3 -
97
constituindo-se naquela mais atingida pelas mortes (gráfico 4), isto é, a adolescência
e pré-adolescência. Isso ocorreu de forma acentuada na década de 80. Eles
correspondem àqueles que mais estão expostos na estrutura do tráfico (“soldados”,
olheiros”, aviões”, fogueteiros”, etc.) (Souza, 2000) durante os combates com a
polícia e com as quadrilhas rivais, particularmente nas disputas pelos pontos de
tráfico.
No caso específico das Regiões Metropolitanas brasileiras, vemos
algumas coisas interessantes, caso acompanhemos a evolução dos homicídios
entre jovens no decorrer das décadas de 80 e 90 (tabela 4).
Tabela 4: Brasil - Coeficiente de mortalidade por homicídio por 100 mil habitantes e participação dos
homicídios no total das mortes na faixa etária de 15 a 24 anos nas regiões metropolitanas
Região Metropolitana
1980 1989 1999
Coeficiente % Classif. Coeficiente % Classif. Coeficiente % Classif.
Baixada Santista 18,8 11,7 9 42,0 22,9 7 136,5 48,8 3
Belém 21,7 12,8 8 30,4 25,8 14 22,2 17,5 14
Belo Horizonte 22,8 14,7 7 22,8 16,4 17 40,5 29,3 11
Campinas 13,3 11,4 13 32,2 22,1 13 98,2 51,9 6
Curitiba 9,1 6,6 17 23,1 16,5 16 43,0 32,2 10
Entorno de Brasília 15,9 10,8 11 38,0 26,4 9 59,7 40,3 7
Florianópolis 4,7 4,7 19 10,0 7,9 20 12,4 10,9 19
Fortaleza 23,3 19,5 6 32,3 31,3 12 36,1 29,5 13
Goiânia 12,4 8,1 14 38,2 25,0 8 38,7 27,1 12
Londrina 15,8 12,7 12 21,1 17,5 18 16,6 17,4 15
Maceió 26,2 19,4 3 74,0 44,2 3 55,3 37,7 8
Maringá 11,7 9,3 15 15,2 12,9 19 11,5 11,8 20
Natal 23,6 18,8 5 26,1 29,1 15 13,8 14,4 18
Porto Alegre 7,1 5,8 18 49,3 27,9 6 46,6 32,3 9
Recife 25,3 18,0 4 76,7 43,7 2 150,1 67,5 2
Rio de Janeiro 50,8 27,7 1 65,5 23,2 5 122,4 55,3 5
Salvador 2,5 1,8 20 35,5 22,0 10 16,0 10,5 16
São Luís 9,1 7,6 16 32,7 28,3 11 14,6 14,3 17
São Paulo 34,1 22,7 2 107,8 46,1 1 130,5 59,7 4
Vitória 18,2 13,7 10 66,3 39,7 4 168,6 67,1 1
Fonte: SIM-MS (Elaboração SDTS/PMSP) - PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO - SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E
SOLIDARIEDADE.
Em 1980, as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro
apresentavam os maiores índices. Em 1989, a Região Metropolitana São Paulo
aparecia suplantada pela de Recife sendo que, em 1999, vamos encontrar as
Regiões Metropolitanas de Vitória como a de maior índice, seguida pela de Recife e
Gráfico 4: Brasil – Participação da faixa etária de 15 a 24 anos no total de mortes/ homicídios (em %)
Fonte: SIM-MS (Elaboração SDTS/PMSP) - PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SECRETARIA DO
DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E SOLIDARIEDADE. (* Estimativa).
98
da Baixada Santista mas despontando, em uma ascensão, a Região Metropolitana
de Campinas. Merece especial destaque, também, a cidade de Campinas, que
passou do 13º lugar (1989), para 6º lugar (1999), num curto espaço de 10 anos. Isso
coincide com a ascensão econômica e tecnológica da região, que acabou por se
constituir num lo tecnológico-industrial-comercial muito rico (favorável para área
de consumo) como também uma região de passagem, tanto ligando o norte com o
sul do país, como o interior com o litoral (para exportação).
Analisando o próprio crescimento da população brasileira (gráfico 05),
vamos encontrar essa faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos, apresentando
estabilidade em torno de 20%, como participação no total da população o que torna
mais problemática esse aumento tão grande de homicídios nessa faixa, visto que
estão morrendo exatamente os jovens que deveriam repor a população
economicamente ativa que vai envelhecendo ou morrendo.
A delinqüência tem atingido, nos últimos tempos, patamares tão
avançados que apenas os homicídios não dão uma idéia real do que está
acontecendo. A corrupção e a delinqüência tem contado com seqüestros, jogo-do-
bicho, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, muitas vezes auxiliados pelos
próprios policiais, de tal forma que “...nos últimos grandes seqüestros e assassinatos
ligados ao jogo do bicho e ao tráfico de tóxicos, encontram-se, quase sempre,
indivíduos ou quadrilhas organizadas com a ajuda ou proteção de policiais ou ex-
policiais. Fica, assim, muito difícil distinguir a fronteira entre a polícia e o criminoso
(Oliven, 1982: 27).
No Brasil temos notado um fenômeno interessante: no início da década de
80, as mortes por causas externas representavam aproximadamente 9% do total dos
óbitos, elevando-se para 12,3% em 1990, com um crescimento de 43% em termos
absolutos. A taxa de mortalidade por causas externas elevou-se de 59,0 para 70,0
óbitos por 100 mil habitantes entre 1980 e 1990, passando a representar o segundo
maior grupo de causas de morte, apenas abaixo daquele constituído pelas doenças
do aparelho circulatório (Mello Jorge et al., 1997: 8), concentrando-se,
Gráfico 5 - Brasil – Evolução da participação relativa do segmento juvenil (15 a 24 anos) no total da população (em %)
Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Elaboração SDTS/PMSP - PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO -
SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E SOLIDARIEDADE.
99
particularmente, na faixa etária de 15 a 19 anos
___
com quase dois terços do total de
mortes
___
, com tendências a diminuir ainda mais a idade mais nova, como muito bem
detectou Mello Jorge e Latorre (1994).
Dentre os fatores que constituem risco para a adolescência, possibilitando
a morte prematura, destacamos: uso de drogas, presença próxima de algum tipo de
violência, falta de objetivos, depressão, abuso físico, gravidez não planejada,
infecção por HIV, isolamento social, problemas familiares tais como alcoolismo na
família. Tudo isso ocasiona violências contra si mesmo (suicídio e acidentes) ou
contra os outros (agressões e homicídios). Também tem, especialmente, uma
presença marcante o próprio ambiente familiar violento, o que desencadeia o abuso
físico (estupro, espancamento) ocasionando, frequentemente, a morte. Nas
violências atribuídas aos irmãos, pais e mães, consideradas normais pelas vítimas,
destacam: empurrar, bater ou jogar objetos, chutar, morder, dar murros, espancar,
ameaçar, torturar ou até mesmo usar facas ou armas. Freqüentemente são
protagonistas de assassinatos (Zaluar, 1997 e 1994).
O grupo mais vulnerável à violência, tanto como agressor como vítima
(Beato Filho, 2001: 1) é constituído por adolescentes, (gráficos 6 e 7).
Sem dúvida, no que diz respeito às taxas de mortalidade devido a causas
externas
___
o ponto mais visível da violência
___
, a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro está em primeiro lugar, atingindo o pico de 146,8 óbitos para cada grupo de
100.000 habitantes (Batitucci, 1998: 01).
O grande estimulador da violência é a impunidade. Nos últimos cinco anos
(Izique, 2004
a
: 2/4), dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias de
polícia na cidade de São Paulo, dos quais 338,6 mil crimes considerados violentos e
não-violentos analisados no período, apenas 21,8 mil foram objetos de inquérito
Gráfico 6 – Faixas etárias das vítimas
Fonte: CRISP – Cláudio C. Beato (dez. 2001)
Gráfico 7 – Faixas etárias dos agressores
Fonte: CRISP – Cláudio C. Beato (dez. 2001)
100
policial sendo que, desse total, 40% foram arquivados. Assim, apenas 13,1 mil
crimes se traduzirão em denúncia encaminhada ao Ministério blico e acolhida
pela autoridade judiciária. Vários serão desqualificados por faltas de provas e algo
em torno de 5% dos crimes analisados redundará em pena. Outro levantamento,
sobre o assassinato de crianças e adolescentes, realizado em São Paulo entre 1991
e 1994 e concluído, revelou taxa de conversão do crime em pena de apenas
1,72%. Na França, em 20 crimes violentos, 19 tendem a merecer pena" (Izique,
2004
a
: 03).
3.3. O problema da violência e do tráfico.
A violência é um fenômeno que sempre existiu de forma endêmica e,
eventualmente, epidêmica na sociedade brasileira. Nos dias de hoje essa violência
endêmica atingiu níveis generalizados de epidemia, com todas as características de
se impor (como comum) e se transformar em um fenômeno cotidiano (naturalização
da violência), particularmente a partir do momento em que o tráfico de drogas
conseguiu constituir-se como um fenômeno social contemporâneo.
O criminoso ligado ao tráfico de drogas e armas é um agente econômico
que trabalha em atividades ligadas aos vícios de seus clientes, utilizando da
corrupção e da violência como instrumentos de trabalho. Assim, essa criminalidade
ligada às drogas não se constitui em uma negação do capitalismo, como à primeira
vista poderia parecer, mas uma institucionalização econômica de atividades
marginais da economia institucionalizada. Essas atividades contribuem, de todas
as formas, para o desenvolvimento e implantação de uma economia legalizada,
extremamente lucrativa, de âmbito internacional, ligada à indústria de armamentos
(a serviço dos criminosos, das polícias estatais e privadas e, também das pessoas
amedrontadas com a violência), carros fortes ou blindados, segurança doméstica e
patrimonial. Além disso, permite o aparecimento e justificação de idéias e propostas
de um Estado Forte”, antidemocrático, para combater a criminalidade”, protegendo
a população amedrontada.
Dentro do sistema econômico do tráfico e do Crime Organizado, cabe aos
países periféricos a produção da maior parte das drogas, particularmente nos países
da América Latina, Ásia e África, de acordo com as vantagens comparativas que
cada região possa apresentar. Entretanto, como acontece na economia formal,
quem realmente tem lucros é o comerciante final. Assim, os países produtores,
101
geralmente pobres, não conseguem grandes quantias pelos seus produtos, restando
a eles o consolo de sobreviverem com aquilo que os países ricos concordam em
pagar pelo seu trabalho e pelas suas mercadorias. Assim, nos países da América do
Sul a produção é de maconha, cocaína e derivados e nos países asiáticos
destacam-se a produção de ópio e de seus derivados (morfina e heroína).
Entre as nações do Primeiro Mundo, grandes consumidoras de drogas,
destacam-se os Estados Unidos, que acumulam as funções de grandes refinadores
(processadores químicos), financiadores e distribuidores de drogas. Evidentemente,
é a localidade que mais lucra com essa atividade, já que: de cada 100 dólares
pagos por um consumidor norte-americano por cocaína, 92 dólares ficarão nos EUA,
4 ou 5 dólares irão para intermediário e 2 dólares serão revertidos ao produtor
(Lopes de Souza, 1998: 02). Para a legalização e financiamento das operações
temos os “paraísos fiscais” localizados na Suíça, as Ilhas Cayman, Hong Kong,
Tailândia e as grandes cidades dos países desenvolvidos.
Como ocorre em todas as demais atividades produtivas do mundo
globalizado moderno, quem industrializa a matéria prima tem o poder de controlar o
mercado e auferir os maiores lucros. Assim, enquanto a coca é vendida a 1,20 ou 3
dólares por quilo, a pasta de cocaína é vendida por 250 até 1500 dólares e a
cocaína no varejo, no mercado norte-americano onde a pureza é de cerca de 65%, é
vendida por 80.000 a 100.000 dólares o quilo (Lopes de Souza, 1998: 65, citando
Del Villar e Eduardo Crawley). Isso torna os Estados Unidos o principal gestor,
consumidor e beneficiário do comércio internacional de drogas e também o
propagador da falácia do combate ao tráfico com violência e imposições de tropas
militares, o que também gera enormes lucros para suas indústrias bélicas. Nos
países pobres, onde a droga, do ponto de vista econômico, se fundamenta na
agroindústria, como acontece com o complexo coca-cocaína (países andinos) e
papoula-ópio-morfina-heroína (Sudeste e Sudoeste asiático), o desenvolvimento é
extremamente precário ou inexistente.
As organizações criminais que exploram o mercado das drogas
(narcotráfico)
36
, são denominadas de acordo com a região onde estão situadas: na
América Latina são chamadas de Cartéis
37
, nos países Asiáticos são chamados
36
A utilização do termo narcotráfico”, comumente utilizado para se referir ao tráfico internacional de
drogas é indevida pois inclui um número grande de tipos de drogas como narcóticos (heroína, ópio),
estimulantes (cocaína), depressivos (álcool). Entretanto, por estar consagrado no nosso cotidiano e
em grande parte da literatura jornalísticas, decidimos mantê-lo.
37
Os cartéis de Medellín e Cali foram desmantelados. Entretanto, a atividade de beneficiamento e
refino continua, sendo executada de forma descentralizada por outros grupos criminosos.
102
Tríades e no Brasil, o os "Comandos" que controlam a venda de drogas nas
"bocas-de-fumo" (Comando Vermelho, PCC, Terceiro Comando. etc.).
O Brasil de hoje vive um processo de violência armada”, apesar de haver
exagero e inadequação afirmar que vive um estado de guerra”, como afirmou o
jornal britânico The Independentem uma extensa reportagem a respeito do Rio de
Janeiro, cidade chamada de: a cidade da cocaína e da carnificina (Folha de o
Paulo, Editorial, 2004
b
: A
2).
A Economia Criminal mostra que o tráfico é um negócio como qualquer
outro, sofrendo as mesmas leis econômicas e sobrevivendo ao marketing da venda,
além de apresentar uma logística operacional muito eficiente. Por essas razões não
pode afugentar os clientes. Por isso, a maioria dos traficantes, procura preservar
essas áreas, tanto da polícia como da bandidagem em geral, garantindo a
segurança dos usuários que vão comprar as drogas. O principal ponto do comércio
varejista no Rio, a Rocinha, pode ver desabar as previsões de um faturamento de
cerca de US$ 5 milhões durante o Carnaval, caso ocorram sucessivas incursões
policiais às suas bocas com seus inevitáveis tiroteios, que afastam uma parte
importante da freguesia da zona sul” (Misse, 2003
b
: A
3
). As ‘bocas’ de cocaína e
maconha da Rocinha são as mais rendosas do Rio. Movimentam por mês algo
em torno de R$ 50 milhões, segundo a Polícia Civil(Torres, 2004: C
1
).
A partir da década de 70 teve início no estado do Rio de Janeiro um
período de governos populistas e clientelistas, como Chagas Freitas, que foi
governador duas vezes. Ele deixava aos seus deputados a intermediação entre o
crime e as autoridades, especialmente nas favelas ainda em fase de consolidação e
aumento populacional. A seguir apareceu o governo de Leonel Brizola, também
governador por dois períodos, que instituiu a partir dos anos 80 uma política de
legalização da ocupação irregular dos morros e de distensão das operações policiais
em zonas de tráfico de drogas. Também ONGs passaram a receber dinheiro do
tráfico.
38
Essas políticas incrementadas por estes dois governadores, aproximavam o
poder público do mundo do crime.
"Iniciada a campanha eleitoral [1986], logo se verificou a polarização da disputa
entre as candidaturas de Darci Ribeiro e de Moreira Franco, que trocara o PDS
pelo PMDB e reunira em torno de seu nome uma ampla coligação partidária.
Moreira Franco centrou seu discurso de campanha no combate à violência e nas
críticas ao desempenho do governo Brizola na área de segurança pública,
acusando o PDT de ser conivente com o Crime Organizado. Tais acusações
38
“O episódio mais conhecido na época foi o dos ‘dinheiros quentes’ recebidos pela ABIA, entidade
coordenada pelo sociólogo Herbert de Souza, que em 1991 recebeu da contravenção, com a
intermediação do advogado Nilo Batista (que seria posteriormente governador do Estado do Rio),
soma equivalente a 58 mil dólares” (Rodríguez, 2001: 5).
103
ganharam maior dimensão quando, em 20 de outubro, reunidos numa churrascaria
do Rio, os chefes do jogo do bicho da cidade, na presença de Darci e do candidato
do PDT ao senado, Marcelo Alencar, celebraram um pacto para ajudar o candidato
pedetista a vencer as eleições. A adesão foi justificada por um dos chefes da
contravenção pelo fato de terem exercido suas atividades com tranqüilidade no
governo Brizola. Darci, por sua vez, nessa e em outras ocasiões, classificou o jogo
do bicho como uma legítima instituição da cultura carioca, ignorando as denúncias
que associavam seus dirigentes ao tráfico de armas e entorpecentes” (Fundação
Getúlio Vargas, s/data)
Apesar de todo esse discurso do PMDB contra o PDT, Moreira Franco é
fotografado depois de eleito, em 1990, com toda a cúpula do jogo do bicho em pleno
Palácio Guanabara, sede do Poder Executivo estadual.
O perfil dos traficantes de drogas tem mudado nos últimos tempos. De um
garoto favelado e pobre, temos visto o aparecimento de um novo tipo: o adolescente
ou jovem de classe média ou classe média alta, alguns com curso superior, que
passa a traficar para ganhar dinheiro fácil ou para sustentar o próprio vício. Isso
trás, também, uma mudança no próprio modus operandi na distribuição da droga
com o aparecimento de modalidades ainda não usadas pelo traficante do morro ou
das periferias urbanas pobres. É o caso do disque-drogas”, onde os pedidos são
feitos por telefone e a entrega é efetuada por moto-boys”. A droga era estocada e
embalada em apartamentos de Copacabana, de Botafogo (zona sul), da Tijuca
(zona norte) e do centro. Os pedidos eram feitos por telefones celulares (Free-
Lance, Folha de São Paulo, 2004
a
: C
1
).
Grande parte dos lucros do tráfico é revertida para pagamento das
propinas dos policiais corruptos, libertação de traficantes presos e investimentos em
atividades legais, como frota de táxis, comércio ou exploração de bares e
restaurantes, além, evidentemente, dos bingos. Essa idéia acaba tendo uma
correspondência na realidade: são comuns os facilmente corruptíveis
39
.
O poder do traficante permitiu o envolvimento de dois desembargadores
do TRF (Tribunal Regional Federal) da Região e um ministro do STJ (Supremo
Tribunal Federal) por suposto envolvimento com esquema de venda de habeas
corpus” para narcotraficantes. Nesse esquema estaria também envolvido o
deputado federal Pinheiro Landim (PMDB-CE) e “assessores de seu gabinete, como
39
“O secretário da Segurança do Rio, Josias Quintal, disse ontem em Bogotá ter ouvido do traficante
Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, nomes de empresários, policiais e políticos
envolvidos com o narcotráfico. ‘Ele disse que deu US$ 500 mil para a campanha de um político no
Rio’, afirmou Quintal, que se recusou a revelar nomes. Preso sábado, Beira-Mar confessou a
autoridades locais que pagava cerca de US$ 10 milhões por mês às Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc) pela cocaína produzida em território da guerrilha. O traficante falou com Quintal
durante cerca de uma hora, depois de ser interrogado por quatro horas pelas autoridades
colombianas. A iniciativa do encontro teria partido de Beira-Mar, para negociar a rendição de uma de
suas mulheres, Jaqueline Alcântara. Ele revelou a Quintal que teme voltar ao Rio. ‘Ele tem medo de
morrer assassinado’” (Fiúza de Melo, 2001
a
: C8).
104
o motorista José Antonio de Souza, também preso durante a operação (Silva,
2002
h
: C
5
). Agindo preferentemente em Goiás e no Pará, o grupo teria “ramificações
nos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas,
Rondônia, Roraima, Pará e Rio de Janeiro
___
por causa de Beira-Mar
___
, conforme
relatório do juiz José Godinho Filho, da Vara Federal de Goiás, que decretou as
prisões da Operação Diamante. Para o juiz, o grupo de Mendonça se assemelha à
máfia italiana em sua estrutura” (Silva, 2002
F
: C
5
).
Leonardo Dias Mendonça, um dos maiores traficantes brasileiro, foi preso
durante operações da Polícia Federal e flagrado com 327 kg de cocaína em 1999,
sendo condenado a 23 anos e 4 meses de prisão, por tráfico internacional de
drogas. Dias Mendonça ficou célebre quando a PF divulgou fitas gravadas nos
últimos três anos em que ele aparece conversando com o deputado federal eleito
Pinheiro Landim (PMDB), que renunciou ao mandato na semana passada. As
investigações foram batizadas de Operação Diamante (Folha de S. Paulo, 2003:
C
6
).
O esquema de lavagem de dinheiro do Crime Organizado brasileiro,
comandado por Dias Mendonça, além de envolver pessoas notórias, atinge também
doleiros (e suas casas de câmbio”) e instituições federais, como, por exemplo, a
própria Sudam. Segundo apurou a Polícia Federal (Simionato, 2002: C
5
), as
investigações sobre a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia,
extinta em 2001) tiveram início em 2001, calculando-se que foram efetuados
desvios de dinheiro público da ordem de R$ 1,6 bilhão. Esse esquema envolvia
políticos conhecidos nacionalmente, como ex-senador e deputado Jader Barbalho:
Em novembro de 2000, policiais federais apreenderam documentos e cheques no
local. veio a surpresa: seis dos cheques apreendidos, no total de R$ 2,47
milhões, eram da Sudam. Os cheques serviram como prova em uma denúncia da
Procuradoria da República contra o ex-senador e deputado eleito Jader Barbalho
(PMDB-PA). Os cheques estavam em um envelope destinado a Antônio José
Costa de Freitas Guimarães, descrito na denúncia como ‘principal assessor de
Jader’" (Simionato, 2002: C
5
).
A movimentação de recursos financeiros feitos pelo tráfico foi estimada,
para o ano de 2003, maior que a receita operacional da Fiat Automóveis, atingindo o
fantástico montante: R$ 1 bilhão no Rio de Janeiro, R$ 2 bilhões em São Paulo e
outros R$ 3 bilhões pelo restante do país, em uma estimativa do economista Ib
Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (Manha, 2004: A
5
).
Nos últimos anos estamos vendo uma aproximação entre os criminosos
do PCC e os do CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade). As
105
relações entre os irmãos e primos do PCC caíram nas mãos da polícia que está
investigando essa possibilidade. "Seria uma tolerância. Um não invade a área do
outro. É lógico que isso pode evoluir", afirma o promotor Márcio Sergio Christino, do
Serviço Auxiliar de Investigação do Ministério Público” (Athias & Silva, 2002: C
6
)
Caso isso se torne realidade teremos uma nova configuração para o crime
no Estado de São Paulo e nas penitenciárias, com novo jogo de poder.
Atualmente, calcula-se que o consumo anual de cocaína
___
para ficarmos
apenas nessa droga
___
, atinge um montante maior que US$ 120 bilhões de lares,
referentes a um consumo de 6 bilhões de papelotes, valor considerado baixo pela
maioria dos policiais que estudam o problema. No Brasil, “faltam informações oficiais
sobre os efeitos da venda de tóxicos na economia formal. Mas os cálculos da Polícia
Federal
___
com base na droga apreendida nos últimos dez anos
___
, indicam que
cerca de R$ 2 bilhões deixaram de circular na última década. ‘Esse valor se refere
à cocaína’, diz o delegado federal Mauro Spósito, um especialista no assunto.
‘Para a maconha, é difícil fazer estatísticas’” (Luiz, 1999
a
: C
1
). Se levarmos em
consideração que a Polícia Federal, nos últimos 10 anos, conseguiu apreender
cerca de 50 milhões de gramas de cocaína, sendo que a grama é vendida a R$ 10,
vamos ultrapassar essa estimativa, mormente se levarmos em conta que, nesse
montante, não está incluído as apreensões das polícias militares e civis dos
Estados, nem o apreendido pelas Forças Armadas.
106
Capítulo 4 – Os conceitos de Segurança Pública
e Política de Segurança
1. Segurança Pública e Política de Segurança
A visão que os protagonistas de atos de violência e criminalidade têm a
respeito da segurança blica é bastante confusa. Não existe clareza por parte da
população em geral
___
e dos queixosos em particular
___
, a respeito do que acabaram
de sofrer, quer seja da qualidade da ofensa recebida quer seja dos direitos que
possuem como cidadão de dar queixa e encontrar receptividade e prosseguimento
no processo investigatório e reparador.
Todos os cidadãos têm direito a segurança pública e individual, à saúde e
ao patrimônio (propriedade, objetos, bens em geral materiais e não-materiais). Para
garantir essa segurança, o Estado institui a polícia, objetivando garantir os direitos
individuais e a manter ou a restaurar a ordem pública
___
quando comprometida ou
ameaçada
___
, evitando ou apurando infrações penais, além de outras funções que
lhe competem. O Estado, em suas diversas instâncias (governo federal, estadual ou
municipal) procura instituir as leis e particularmente as ações que vão permitir que a
segurança seja garantida a todos os cidadãos. É o que chamamos de Política de
Segurança Pública.
A população, principal interessada nas políticas de segurança pública,
raramente é chamada para opinar, cabendo aos governantes elaborar as diretrizes
da segurança pública de forma significativamente autoritária.
A Pesquisa de Vitimização, feita pelo Ilanud (2002), procurou ouvir a
opinião das pessoas em diversas capitais. É interessante notar a forma como a
população a política de segurança blica de uma maneira geral: confundem a
política de segurança com as medidas que essa política deveria implementar. As
cidades consultadas foram São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória.
Os resultados mostraram que a população deseja uma Política Pública de
Segurança que coloque mais policiais nas ruas e sentenças mais longas para os
infratores da lei.
Tendo constatado o resultado anterior, a pesquisa quis saber mais, ou
seja, averiguar se a população tinha consciência de que as políticas de segurança
pública deveriam ir além das atividades repressivas, atingindo as causas sociais e
econômicas da criminalidade, efetuando uma prevenção mais efetiva através da
107
formulação de políticas sociais de inclusão das populações mais sujeitas à
criminalidade. Percebeu-se que a população apoiava tanto ou mais as ações
preventivas que as de caráter repressivo, que consideravam como complementares,
entretanto sem deixar de exigir mais recursos para a repressão, aumento das penas
para os criminosos e programas sociais para jovens, além de censura aos
programas violentos da TV. Os mais pobres são justamente aqueles que exigem
uma solução mais radical e tradicional, que engloba mais policiamento nas ruas,
sentenças mais longas para os criminosos, enquanto os mais ricos são mais
favoráveis às propostas preventivas; os níveis mais baixos de escolaridades
pretendiam soluções mais autoritárias e radicais, enquanto os níveis mais elevados,
ou superiores, solicitavam a adoção de ações preventivas a punitivas.
Procurando verificar os tipos de ações sociais que, estrategicamente,
poderiam ser incrementadas no sentido de evitar a violência, impedindo os jovens de
entrarem para a criminalidade, percebeu-se que as estratégias preventivas e
repressivas aparecem igualmente bem aquinhoadas, com uma ênfase bastante
acentuada em programas educacionais profissionalizantes proporcionados pelas
escolas e a integração polícia/comunidade. O elemento fundamental nessa
integração, o policiamento comunitário, não teve grande aceitação ou indicação,
provavelmente por terem tido experiências negativas na modalidade.
Com respeito às causas da criminalidade houve uma acentuada
unanimidade, quando todas as cidades consideraram o ócio entre os jovens,
secundado pela falta de emprego e renda, como as principais causas da
criminalidade.
Visando escolher o programa que mais se adaptasse aos reclamos da
população para a prevenção da criminalidade, notou-se certa homogeneidade de
pensamento entre as diversas cidades, considerando paz nas escolas como a
principal meta dos programas, seguido de erradicação do analfabetismo, bolsa
escola, esporte solidário e centro comunitário. Isso mostra que a educação, esporte
e lazer continuam sendo as grandes aspirações das populações em qualquer faixa
de renda.
Mesmo quando confundem Política de Segurança com Segurança
Pública, os agentes
___
oficiais ou não
___
, encarregados da segurança do público
sabem que sua função de servir e proteger é fundamental e imprescindível para
toda a população. Por essa razão valorizam sua atuação, de forma legal ou ilegal,
transacionando aquilo que se convencionou chamar (Misse, 1997: 01) de
108
mercadorias políticas
40
. São essas mercadorias políticas que os traficantes e
policiais utilizam como valor de troca entre si, transformadas em proteção, liberdade
ou propina para fazer vistas grossas durante uma fuga ou para a atividade de uma
boca-de-fumo que alimentam a corrupção policial. São elas que servem de valor de
troca entre a população da área e os traficantes, estes oferecendo proteção e
segurança aos moradores e recebendo em troca o sigilo, a lei do silêncio”. Essas
relações de troca de mercadorias políticas entre população, polícia e traficantes,
Baierl (2004: 200) caracterizou como identificação simbióca”
41
, mas entendemos
mais apropriado usar o termo relações simbiônticas por ser mais abrangente, visto
serem relações de trocas de benefícios/favores entre os participantes, em proveito
de todos.
O que resta ao traficante e à polícia, após uma troca de mercadorias
políticas, é o acordo de segredo e cumplicidade, feito em confiança, que sua
divulgação é prejudicial tanto para um lado como para o outro: essa é a principal
característica de uma mercadoria política”, ser conseqüência de um acordo
informal, que apresenta laços fortíssimos de cumplicidade entre as partes, onde
ninguém tem qualquer interesse de quebrar.
Observe-se que as atividades ligadas à saúde (agente comunitário de
saúde e o Programa Saúde da Família) não foram privilegiadas como prioritárias ou
que tivessem potencial elevado para desviar os jovens da criminalidade. Uma maior
atenção recebeu a educação escolar, particularmente aquela desenvolvendo
programas que estimulem a paz, erradicação do analfabetismo e incentivos às
atividades esportivas, além de centros de atividades de lazer para os horários de
folga. Tudo indica que a população, no exercício de sua cidadania, acredita ter
respostas para a onda de violência e criminalidade.
40
“Chamo de mercadorias políticas o conjunto de diferentes bens ou serviços compostos por
recursos políticos (não necessariamente bens ou serviços políticos públicos ou de base estatal) que
podem ser constituídos como objeto privado de apropriação para troca (livre ou compulsória, legal ou
ilegal, criminal ou não) por outras mercadorias, utilidades ou dinheiro. O que tradicionalmente se
chama de corrupção é um dos tipos principais de mercadoria política ilícita ou criminal. O
clientelismo é, por sua vez, uma forma de poder baseada na troca de diferentes mercadorias
(políticas e econômicas), geralmente legal ou tolerada, mas moralmente condenada por seu caráter
hierárquico e sua estrutura assimétrica. As fronteiras entre clientelismo e corrupção por serem
moralmente tênues, no Brasil, tendem a reforçar e ampliar o mercado informal político ilegal e
criminal” (MISSE, 1997: 01).
41
“Denominamos essa relação construída de identificação simbiótica’, a qual vai se criando pela
ausência de outros mecanismos de segurança (por parte do estado) ou de respostas coletivas (por
parte da comunidade), que permitam transformar o medo em esperança. Trata-se da reação possível
ao medo social, que é de uma entrega. (...) E, não se trata de uma entrega tão passiva assim, pois
essa relação de identificação simbiótica envolve benefício pra ambos em proporções bem
diferenciadas. O medo disseminado e alimentado cotidianamente pelo traficante é dissimulado por
intermédio do pseudo-acolhimento, pseuso-respeito e ajuda efetiva de forma paternalista que presta
aos moradores e profissionais, seja ela material ou simbólica” (Baierl, 2004: 200).
109
Houve uma tentativa de melhorar o orçamento e, particularmente, os
investimentos no Estado de São Paulo em informação e tecnologia científica para as
polícias. Aliás, dentro das cor-
porações policiais, esse au-
mento nem mesmo foi nota-
do, pois, dentro da verba total
destinada à Segurança Públi-
ca, a verba total de quatro
anos do setor de inteligência
da Segurança foi inferior ao gasto na compra de armas feitas pela Polícia Civil,
apenas no ano de 2001 (Sá, 2002
b
: C
6
). (tabela 05). Mas, apesar de toda a
propaganda feita em cima do evento, na realidade ele não representa grande coisa
diante da importância e das necessidades que o setor apresenta: sem tecnologia e
informação, não resultado. E, como os bandidos estão se aperfeiçoando e
comprando tecnologias cada vez mais sofisticadas (desbloqueadores de celulares,
armamentos inteligentes e investimentos em informática), fica cada vez mais difícil
as polícias realizarem um trabalho mais profissional e eficiente.
2. Guerra, Conflito Armado ou Crime Organizado?
A mídia impressa e televisiva tem se mostrado atenta aos conflitos
existentes nas áreas dominadas pelo crime organizado, particularmente pelo tráfico.
Relatam o cotidiano dessas áreas, destacando o aspecto espetaculoso dos conflitos
armados entre as facções, destas com as polícias e, especialmente, as violências
que sofrem os moradores bem no meio desse “fogo cruzado”.
Não uma uniformidade ou con-
senso na forma como descrevem esses
fatos, pois ainda não se decidiram se
devem chamar a situação toda de
guerra, conflito armado ou crime organi-
zado, razão pela qual todas essas cate-
gorias são usadas indistintamente.
Para nós, tal situação configura-se
como uma forma de conflito armado,
visto que o total de mortes direta ou
Gráfico 8 – Comparativo entre homicídios e guerras declaradas
Fonte: Revista Veja, Estado de calamidade, de 5 de março de 2003
Tabela 05 – Gastos da Polícia Tecno-científica no Estado de S.
Paulo (1999-2002) – Em R$ milhões
1999 2000 2001 2002*
Orçamento* 77,00 33,40 99,80 104,4
Investimento 1,80 0,45 1,80 8,00
% real investida 2,34 1,35 1,80 7,66
Notas: * Despesas com pessoal e custeio administrativo
** Previsão de gastos segundo Orçamento aprovado
Fontes: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Jornal Folha de S. Paulo. Polícia Técnica é ignorada pelo governo de SP.
Caderno: Campinas, p. C
6
, 18/02/2002
b
110
indiretamente ligadas ao tráfico, somente no Rio de Janeiro, supera as cifras
atingidas por guerras declaradas do mundo moderno (gráfico 8).
Desde que os conflitos nas favelas do Rio de Janeiro tomaram as páginas
dos jornais do país inteiro, eles passaram a ser designados como a Guerra do
Tráfico”, pois englobavam tanto os entreveros com a polícia como entre as diversas
facções do tráfico. Pelo fato de os órgãos de imprensa estarem se referindo como
guerra” à opinião pública, em geral, acredita-se que se deva chamar o exército para
combatê-la. Essa noção é reforçada pelas notícias que relatam que os traficantes
estão se organizando militarmente
___
inclusive com instrutores vindos das próprias
Forças Armadas
___
, utilizam armamentos pesados (granadas, bazucas, lança-
foguetes, fuzis de longo alcance, metralhadoras, etc.) e são treinados em táticas de
guerrilhas
42
.
Não acreditamos que possa ser chamado de guerra esse conflito
entre o crime organizado, o tráfico e as polícias, pois nem o tráfico nem o crime
organizado pretendem soberania legal sobre seu território, mas uma soberania de
fato, mesmo que compartilhada com o Estado institucionalizado, que seus
objetivos não são políticos ou militares, mas simplesmente econômicos: pretendem
ganhar dinheiro, muito dinheiro, com a menor quantidade possível de problemas.
No caso, parece, aplica-se mais apropriadamente a terminologia
conflito armado com o crime organizado. É conflito armado que os armamentos
pesados são utilizados em grande escala de parte a parte, produzindo uma grande
quantidade de mortes anuais de parte a parte, especialmente do tráfico. Crime
Organizado porque envolve um número elevado de pessoas, associadas de modo
contínuo e envolvidas em atividades ilegais, buscando lucros, independentemente
das fronteiras nacionais.
Nem mesmo poder paralelo poderia ser aplicado adequadamente,
pois as facções do tráfico esforçam-se para dominar uma área, manter poder sobre
ela, apenas dentro da esfera econômica, não pretendendo concorrer com o Estado
na sua soberania. Os conflitos ocorrem quando o Estado atrapalha as
atividades ilegais e reduzem a margem de lucratividade. Além disso, o sentimento
42
“As favelas do Rio estão se militarizando. Recém-saídos da caserna, ex-soldados e ex-cabos da
Brigada Pára-Quedista do Exército (PQDs) treinam traficantes em troca de aR$ 3 mil por aula ou
R$ 8 mil por mês. Alguns dos ex-militares chegam a ser "gerentes" das bocas-de-fumo. . (...) ...em
toda a cidade, pelo menos 15 ex-militares dão aulas a 265 bandidos, reunidos em turmas de até 20
alunos, sobre táticas de guerrilha urbana, sobrevivência na selva e manuseio de armas pesadas.
Usando fardas e granadas desviadas do Exército, os instrutores recebem pagamentos que podem
chegar a R$3 mil por aula ou R$8 mil por mês” (Araújo, 2002: 14).
111
de pertença
43
a uma determinada comunidade e o conseqüente desenvolvimento de
ódio contra as outras facções, representa apenas uma forma de proteção, de defesa
do território onde os negócios se processam.
3. As Polícias: a Segurança Pública estatal
As polícias, braço armado do Estado, detentor da violência legalizada e
institucionalizada, tem a função de garantir a Segurança Pública nacional.
Quando os Estados europeus foram formados, a tranqüilidade e a
segurança pública eram garantidas pelo soberano que protegia a população mas, ao
mesmo tempo, as pilhava em guerras contínuas. Com a consolidação dos governos
absolutistas, os instrumentos de controle e manutenção da ordem caracterizavam-se
por estarem vinculados aos interesses políticos e a serviço das classes dominantes
no poder, excluindo o povo de qualquer compromisso.
Com o domínio da violência oficial, constituída pelas guardas pessoais dos
soberanos e representantes da nobreza, a classe dominante podia programar
políticas de governo, coleta compulsória de impostos e recrutamento arbitrário de
jovens para o serviço militar. Esses jovens, partes constitutivas do Estado, tinham a
função de punir com a força física os elementos que transgrediam a ordem pública
ou contrariavam os interesses das classes dominantes. A função de garantir a paz é
uma noção mais recente e no século XIX é que se começou a pensar em uma
polícia mais adequada à nova era de progresso material.
Essa foi a sociedade que configurou, originalmente, o modelo de polícia
que vigora até agora, ou seja, um instrumento estatal e público, de caráter coercitivo.
É o monopólio da violência assumido pelo Estado.
No Brasil as polícias não se organizaram em âmbito nacional centralizado
___
como o modelo francês
___
, nem mesmo como força local
___
modelo inglês
___
, mas
em nível estadual dada a nossa estrutura de organização política territorial. Isso foi
herança da organização que a polícia recebeu no Brasil Colônia e que, de certa
forma, permaneceu até agora. Assim, no período colonial a polícia deveria proteger
os interesses das elites locais e também das elites metropolitanas, mas respeitando
minimamente os direitos mais fundamentais dos cidadãos.
Com a independência do país, a organização policial não sofreu grandes
43
No caso, poderíamos chamar de sentimento de pertença à ligação que é desenvolvido em cada
criança ou morador com a comunidade onde mora e conseqüente ódio ou prevenção contra grupos
rivais que porventura tentem adentrar seu território.
112
mudanças, sendo mantido o modelo até que a abdicação do imperador D. Pedro I,
em 1831 permite que as elites locais reformulem as polícias para atender às suas
necessidades (Rabelo Leite, 2002, 14).
A proclamação da República trouxe uma reforma policial, baseada no
cientificismo positivista, que procurou fazer com que as tropas policiais seguissem
uma hierarquia moldada nos militares, instituindo critérios de qualidade no trabalho,
seleção dos membros, treinamentos e promoção. Foi a partir de 1901 que a
alfabetização passou a ser considerada necessária para o bom desempenho da
função, assim como se começou a exigir um exame de qualificação para a
promoção no quadro e não apenas critérios de antiguidade e valentia” (Bretas, 1997:
45). O treinamento não era feito de forma formal e sistematizada, ocorrendo no
próprio cotidiano da atividade policial, quando o aprendiz tomava contato com os
problemas inerentes às suas novas atividades junto e sob a supervisão de um
policial mais antigo e experiente. Isso ocasionava um problema que persiste até
hoje, qual seja, os policiais, no seu cotidiano, tem que distinguir quem deve ser
protegido de quem deve ser vigiado. Nestes casos, os policiais passam a produzir as
leis, onde se relacionam com diferentes grupos sociais e definem, na chamada
prática profissional, os indivíduos e eventos que devem ser considerados criminosos
ou não.
O crescimento das cidades levou à formação dos cortiços, fazendo com
que a polícia passasse a se ocupar quase que integralmente com indivíduos sem
trabalho ou renda, considerados como a grande ameaça à ordem pública e moral da
sociedade. Isso obrigou, na tentativa de colocar controles para o comportamento
policial em relação a essa variada gama de situações, que se elaborasse um novo
Código Penal Republicano em 1890, onde vemos, pela primeira vez, um delito mais
leve que os crimes, as chamadas contravenções”, aparecendo a vadiagem,
desordens e brigas de bêbados, como as principais. Vadios eram considerados os
mendigos, os desocupados, os jogadores, os capoeiras, e todos aqueles que
exercessem atividades não reconhecidas oficialmente. Desordeiros eram os que
promoviam arruaças, brigavam coletivamente ou se comportavam de modo
inadequado em público. Em geral, estes se misturavam aos presos por embriaguez
(Zaluar, 1996
b
, 81). O papel da policia passou a separar os trabalhadores dos
vagabundos, fazendo com que a questão social se tornasse uma questão de polícia,
fazendo com que a carteira de trabalho se constituísse no passaporte para escapar
à prisão numa batida policial.
113
Na verdade, a grande reforma policial ocorreu por volta de 1967, com a
adoção de um modelo profissional de policiamento que implicou na extinção das
Guardas Civis, na centralização das atividades e na exclusividade das funções com
a separação das funções policiais militares das policiais civis, além do
estabelecimento com maior clareza do que era função militar e policiamento (Espírito
Santo, 1999).
A partir da década de 80 iniciou-se um processo de entrada de mulheres
para o exercício de atividades militares. A partir daí, o trabalho policial começou a
sofrer transformações para se adaptar a essa nova realidade. Novos valores foram
incorporados à instituição, tais como inteligência e capacidade de ter iniciativa,
calma e facilidade para a solução de conflitos, trabalho em equipe, constituindo-se
em uma alternativa para a violência dos homens para a população em geral.
Tentando melhorar o atendimento procurou a Secretaria de Segurança
Pública do Estado de São Paulo dividir o seu território em Delegacias, de acordo
com a sua população e principalmente, de acordo com o tipo de criminalidade
apresentado, acreditando que a especialização poderia trazer melhores recursos e
atendimento.
A Segurança Pública do Estado de São Paulo é garantida pela Polícia
Militar e pela Polícia Civil, divididas administrativamente em sete Delegacias do
Interior, uma Delegacia da Capital e uma Delegacia da Grande São Paulo (mapa 2).
Além dessa descentraliza-
ção administrativa e operacional,
a polícia no Estado de São Paulo
procurou desenvolver-se técnica
e organizacionalmente, adotando
uma concepção mais moderna de
policiamento.
Essa polícia mais moderna
procura se diferenciar dos pa-
drões antigos; tenta ganhar a confiança da população e manter a ordem pública
mostrando que a criminalidade, ou seja, a transgressão da lei não compensa. Ela
ainda é essencialmente um dos aparelhos repressivos do Estado, portador da
violência legítima, que tem por função de obrigar a população a seguir a lei. Esse
binômio: ordem e lei vai nortear toda a atuação policial, estando a polícia no
sistema de normas legais e morais, que se complementam na sua atividade.
Mapa 2 – Delegacias Regionais de Polícia do Interior
114
A imagem que a população faz do policial leva a um relacionamento
eivado de suspeitas e desconfianças, produzindo três formas diferentes de olhar a
atividade policial: a primeira, que considera a função policial uma atividade à
margem da lei”, razão pela qual deve ser evitado qualquer relacionamento, mesmo
por parte daqueles que nada devem temer, por serem respeitadores da lei. Baseia-
se no fato dos policiais serem detentores da violência legítima, mas que não a usam
de forma legalizada, mas arbitrariamente; a segunda leva em consideração a
natureza explicita da polícia, de entidade para combater o mal”, que é
essencialmente moral. Assim a moralidade policial, que nem sempre é a dos
cidadãos, acaba sendo o parâmetro da ação, o que não garante a legalidade do ato;
a terceira corresponde ao fato de a população em geral perceber o policial como
alguém que vai tratá-la muito mais pelo que ela aparenta ser, do que pelo que ela
realmente faz. Acredita-se que o policial, na sua ação, age muito mais fazendo
intervenções refletindo seus preconceitos sociais (prevenção contra minorias étnicas
e raciais, pobres, parias sociais, jovens em geral), classificando a todos como
cidadãos de primeira ou de segunda categoria, o que acaba originando tratamento
diferenciado para uns e outros.
Outro ponto de atrito e discussão reside onde começa e termina o
policiamento ostensivo e a atividade investigatória, atividades reservadas às policias
militares e civis, respectivamente. Isso vai propiciar dualidade de funções (mesmo
que de forma não explicita) e acaba fazendo com que um segmento policial não se
integre nem forneça informações para o outro. Vemos a militarização da função
policial militar e a advogadição da função policial civil (já que o cargo de delegado
é privativo de bacharéis em direito) separando, segregando, tornando incompatível a
harmonização dessas duas atividades. O próprio processo criminal acaba
obedecendo a trâmites que reforçam essa individualização das atividades, pois a
justiça criminal começa com uma ocorrência atendida pela Polícia Militar, que a
comunica à Polícia Civil, encarregada de registrá-la. Feito o registro, a Polícia Civil
início ao inquérito policial averiguando a materialidade do crime, indicação de
testemunhas, tomadas de depoimentos. Quanto termina a fase do inquérito policial
este é remetido ao Ministério Público, que o avaliará e preparará a denúncia que
será remetida à vara criminal para citação e demais providências. Por isso, toda
essa burocracia acaba por trazer problemas de instrução dos processos, o que
obriga que ele seja refeito ou, simplesmente, anula o processo por vício de
execução, soltando o preso. Cabe ao policial
___
início da cadeia de decisões
___
e não
115
ao juiz
___
árbitro presumível da decisão final
____
, se uma pessoa vai ao não passar
por todo o processo e for julgada no final.
Sem dúvida, o melhor modelo de polícia é aquele que considera a
população em geral como a principal destinatária de sua ação, uma presença
constante evitando o crime e ajudando a população em todas as suas necessidades.
A presença do policial inibe aqueles indivíduos (bêbados, prostitutas,
desocupados, etc.) que, de uma forma ou de outra quebram a ordem ambiental da
área, além de dificultar a ocupação de prédios abandonados, praças pouco
freqüentadas e outros logradouros que poderiam servir de esconderijos para
criminosos. Nesse embate entre forças sociais exógenas (cobranças da sociedade)
e forças endógenas (tradição de policiamento, desconhecimento e resistência à
mudanças), vivem os policiais. De uma maneira geral, em qualquer época, o policial
e suas atividades são percebidos de forma estereotipada pela população e a própria
ação acaba por reforçar essas idéias.
Isso se pode perceber facilmente entrevistando moradores de favelas ou
bairros mais pobres, que tenham sofrido maior vigilância e arbitrariedade policial.
Percebemos que, mesmo aí, não há um acordo com relação à imagem que fazem
da polícia, visto que encontramos pessoas que são diferenciadas pelos policiais
devido à sua posição de classe, cor, idade, gênero, status econômico, familiar. Para
alguns, a presença da polícia representa segurança contra os viciados em drogas,
traficantes, bandidos, homicidas, inibindo a possibilidade de corrupção de crianças e
adolescentes pelo mundo do crime e tráfico de drogas e armas. Por outro lado,
consideram que a presença policial coloca suas vidas em risco, que podem ser
atingidos por uma bala perdida resultante do confronto entre criminosos e policiais e
o uso descabido da força.
Assim, visualizamos sérias dificuldades para enfrentar a situação pois os
cidadãos são vistos como clientes e a segurança pública como um produto oferecido
pela Polícia Militar.
A Região Metropolitana de Campinas apresenta a Polícia Militar mais
violenta de todo o interior do Estado de São Paulo.
A Polícia Militar está estreitamente ligada à manutenção da Segurança
Pública, visto ser o setor da corporação policial encarregado do policiamento
ostensivo e preventivo. Assim, a própria Constituição Brasileira regulamenta dois
elementos constitutivos básicos daquilo que a gente poderia chamar de cidadania,
ou seja, a proteção dos direitos e liberdades individuais frente a qualquer tipo de
116
ameaça: a proteção da vida e das propriedades dos cidadãos ameaçados por
atividades criminosas e, em segundo lugar, reelabora o conceito de Segurança
Pública, que passa a ser identificada como um dever do Estado e direito e
responsabilidade de todos, exercidos para a preservação da ordem pública e a
incolumidade das pessoas e do patrimônio (Constituição Federal, art.144, capítulo.
III, Título V). Nesta perspectiva, a missão constitucional da Polícia Militar é o
monopólio do policiamento ostensivo, definido como aquele que o povo vê, enxerga
e sente, pois os seus agentes usam uniformes (ou fardas), equipamentos
dissuasórios à mostra (revólver, cassetete, algema etc.) e, via de regra, locomovem-
se a pé, a cavalo, de barco, de helicóptero, bicicleta ou utilizando-se de motocicletas
ou viaturas bem caracterizadas, tendo por dever a preservação da ordem social.
Isso significa que a missão da Polícia Militar é estendida, responsabilizando-se não
só pela repressão, mas pela prevenção de crimes.
A Polícia Militar da Região Metropolitana de Campinas segue os padrões
e os ordenamentos da Polícia Militar de todas as outras regiões do Estado,
subordinada que é à Secretaria de Segurança Pública Estadual. Seu contingente
policial é designado pelo comandante geral da Polícia Militar do Estado de São
Paulo, que tem autonomia operativa e funcional.
Dentro de sua função profissional, os policiais em-se envolvidos com
criminosos que revidam à abordagem policial de forma violenta e com tiroteios.
Quando mortes, verificamos que a grande maioria delas ocorre durante a
atividade policial mesma, seguida das mortes ocasionadas nos momentos de folga.
Também se deve mencionar os homicídios dolosos em serviços (difícil de
comprovar) e aqueles efetuados durante as folgas, geralmente trabalhando como
segurança particular (mais visíveis e dificilmente acobertado por colegas, já que
foram efetuados, na sua maioria, diante de um público não ligado à corporação).
O policial militar, encarregado direto da segurança através do policiamento
ostensivo, apresenta comportamentos diferenciados de acordo com a região onde
ele trabalha, moldando-se às expectativas dos moradores locais.
Frequentemente o policial entra nos barracos de forma truculenta, sem
mandato de busca, chutando as portas e exigindo dinheiro. Quando não consegue
dinheiro leva eletrodomésticos ou aparelhos eletrônicos do morador, que não pode
reclamar, nem reclama, de nada, por medo.
Inclusive teve um conhecido meu lá... invadiram a casa dele... aí, eles falaram
assim: quanto vocês tem para dar para a gente?... para a gente não levar vocês
preso!... Perguntaram quando que eles tinham para dar para eles para eles não
117
levar... Ai ele pegou e falou assim: olha eu não tenho nada. Mesmo que tivesse
não dava. Prefiro enterro a dar alguma coisa para vocês... Ai eles bateram muito
nele e ele faleceu... Mas, eles perguntavam no ato... Eles perguntavam... eles
gritavam para o apartamento ouvir... Quanto que vocês têm pra dar pra a gente...
E... Então, na minha opinião, tem... Eles gritavam em bom som para todos ouvir...
(Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2006).
Não sem razão existe, entre a população, essa noção de que o policial,
normalmente, é tão corrupto ou mais ainda que o traficante. Este, pelo menos, não o
rouba. É o caso relatado em entrevista onde um morador de um bairro periférico de
Campinas, comentando a ação de um policial que extorquia um pequeno traficante,
exigindo dinheiro constantemente, o que o obrigava a roubar. Quando não
conseguia mais tirar dinheiro o soldado o elimina, como em uma queima de
arquivos”:
Dentre todas as arbitrariedades evidentemente o assassinato de
moradores é o crime que mais coloca os moradores distanciados e temerosos da
polícia, mas também as invasões dos policiais representam uma agressão das mais
graves, na consideração dos moradores, pois entram na intimidade de suas casas.
A segurança pública é vista por toda a corporação policial militar como
algo de responsabilidade exclusiva dela. Considera-se a guardiã dos cidadãos,
constituindo a sua simples presença razão suficiente para evitar e controlar a
criminalidade. Interessantíssima a noção de sombra da autoridade constituída pelo
ex-Comandante da Polícia Militar para a Região Metropolitana de Campinas:
“Então... é... Nós temos uma base comunitária de segurança... É uma presença
normal da polícia, não é nada excepcional. Mas, ai cabe uma consideração. Na
questão da segurança. Que muitas vezes, não é percebida. A segurança... a
presença da polícia... nãonecessidade dela seja presencial... o que tem que ter
e a sociedade tem que sentir é a “sombra da autoridade”... Tem que pairar sobre a
sociedade... Aqui cabe uma análise dos jornais. Entrou em pânico a população...
As pessoas saiam às 6 horas do serviço e iam correndo embora para a cidade...
desespero... os bares fechados todos... Não tinha as outras polícias? Não tinha
também os tribunais? Não as guardas municipais? Não tinha o exército nas ruas?
Do que que a população tinha medo? (...) É a sombra da Polícia. Veja: uma
viaturinha nas ruas da cidade, com dois soldados, com um revolver 38 na cintura, e
a cidade funciona... Por que? Porque uma certeza da população que, com toda
deficiência que possa ter, que existe alguma coisa que faz ficar... se ela necessitar,
pode contar... Isso é interessante... Esse fenômeno que teria que ser analisado...
Estudado profundamente... Eu acho que este daqui... Essa questão da “sombra da
autoridade” é que permite essa normalidade... Vai ter assalto? Vai ter. Vai ter
tráfico? Vai ter tráfico... Vai ter não sei o que lá? Vai ter... Mas, a sociedade
funciona. O comércio está aberto. O serviço de transporte está funcionando... A
administração está funcionando... Tudo funciona... Por que? Porque paira sobre a
sociedade essa “sombra da autoridade”... Isso é importante... eu acho... O que não
pode o Estado nunca perde é isso. Entende? Tem que traduzir isso... Quem está
na chefia da Polícia Civil, militar, federal, guarda municipal tem que passar isso
para a população. Se a população não tiver isso, ela entra em pânico (Tenente-
Coronel Élson Roney Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia Militar na Região
Metropolitana de Campinas, 2006).
118
A Polícia Civil da Região Metropolitana de Campinas segue, assim como a
Polícia Militar, um comando centralizado, que controla e designa o contingente
policial para o Estado de São Paulo inteiro e, consequentemente, para a Região
Metropolitana de Campinas, que é representada, no organograma geral, pela
DEINTER2.
A Polícia Civil envolve-se diretamente nas investigações para instruir os
inquéritos policiais. Nessas atividades, assim como a Polícia Militar, acaba por entrar
em confrontos com criminosos.
A visão que a maioria dos delegados de polícia tem do combate à
criminalidade, segundo pesquisa do Idesp (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais
e Políticos de o Paulo), está baseada em um endurecimento contra o crime,
inclusive com mudanças na legislação no sentido de dar maiores prerrogativas de
ação como, por exemplo, permissão para fazer busca domiciliar sem mandado
judicial e a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos, além,
evidentemente, de que 77% dos delegados considera que a Constituição Federal de
1988 prejudicou bastante tolhendo a atuação da Polícia Civil (Vasconcelos, 2002:
C
4
). Considera, também, grande e inadequada a interferência política na cúpula da
Polícia Civil. Acham errado a pasta da Segurança Pública ser ocupada por pessoas
que não são da carreira, os “leigos”, como eles chamam.
A visão que os delegados têm a respeito de como são olhados pela
população em geral é bastante rigorosa com a própria categoria. " um
preconceito enorme, pois a imagem dos delegados é sempre negativa, associada à
violência" (Vasconcelos, 2002: C
4
).
Reconhecem, com clareza, que a corrupção é o
principal problema que a população na atuação deles. A maioria dos delegados
(77%) admite que a imagem negativa da Polícia Civil provém de acusações de
corrupção; 61% atribuem como principal fator a exploração sensacionalista dos
meios de comunicação’. Apenas 25% relacionam essa imagem negativa com
declarações de organizações de direitos humanos” (Vasconcelos, 2002: C
4
). Mesmo
assim, não acreditam que os direitos dos cidadãos devam ser arbitrariamente
desrespeitados, sendo que 76% deles concordam que não podemos voltar para o
prende-arrebenta dos períodos autoritários. Entretanto, pregam (91%) a abertura
de um plantão de 24 horas para o judiciário efetuar a busca domiciliar com
permissão, mas apenas uma minoria (33%) concorda com a unificação da polícias
Militar e a Civil. “Os conflitos de atuação com a PM e a interferência do Ministério
Público dividem a opinião dos delegados: 59% consideram um obstáculo ‘muito
119
importante’ a ‘invasão’ dos promotores na atividade policial. uma disputa para
garantir o monopólio da investigação: a quase totalidade (91%) não aceita que a
investigação seja dirigida pelo Ministério Público” (Vasconcelos, 2002: C
4
).
Sem dúvida as polícias, nos dias de hoje, transita por uma área fronteiriça
dentre o crime e a legalidade, em alguns momentos em um lado, em outros, no
outro. Por isso não têm a credibilidade por parte da população necessária ao bom
desempenho de suas funções, que a população relaciona a Polícia Civil a
diferentes formas de corrupção e a Polícia Militar à arbitrariedade, que tem suas
origens nas heranças deixadas pela ditadura militar. Trata-se de organizações que
não se democratizaram” (Baierl, 2004: 156).
A Polícia Civil e a Polícia Militar (em especial) são apontadas como
indesejáveis pela população, seja nos territórios de favelas, seja nos bairros de
classe média. Desqualificam até mesmo a presença ostensiva do policiamento como
elemento de segurança para todos, particularmente relacionando os policiais aos
traficantes, principalmente na conivência com o tráfico, quando agem como
cúmplices (na segurança) ou dolosamente (avisando das batidas e fazendo
barulho excessivo quando entram em algum lugar supostamente ocupado por
traficantes). Perguntado sobre a presença do policial como agente de segurança, as
respostas foram bem variadas, mas todas elas dentro de um mesmo enfoque: não
querem nem confiam na polícia por perto.
De uma maneira geral, podemos dizer que os delegados, talvez pelo fato
da carreira exigir curso superior, apresentam uma visão bastante crítica e realista da
profissão, e, frequentemente, apresentam disposição de mudar essa imagem.
A maioria é jovem e com menos de 20 anos de trabalho (83%),
ingressando no serviço após o processo de democratização, portanto um tanto
distante dos períodos de arbítrio e violência policial e institucional (Vasconcelos,
2002: C
4
), carregando valores mais democráticos.
Tentando melhorar o relacionamento polícia x população foi criada a
Polícia Metropolitana (Guarda Municipal): uma polícia voltada para os interesses de
uma comunidade urbana específica. A intenção era torná-la um dos grandes marcos
na organização e controle da sociedade urbana, pois possibilitaria que os cidadãos
se afastassem da obrigação ou necessidade de exercerem atividades policiais e
acabaria com a intervenção dos exércitos na solução de problemas de manutenção
da ordem social. Não foi o que aconteceu.
120
Alguns vêem na Polícia Metropolitana uma possibilidade de controle e
regulação das reivindicações populares em busca de melhores condições de vida ou
de justiça social, mas, principalmente, um agente de moralização do cotidiano
social“. Não seria nada mais do que uma forma, economicamente mais barata, de se
disciplinar as atividades do cotidiano da população, coibindo hábitos populares de se
cometer pequenos crimes, divertimentos populares contrários a leis vigentes, e
todos os tipos de desordens ocorridas no perímetro urbano, desde a violência de
grupos e quadrilhas a brigas em bares, campos de futebol e danos ao patrimônio
municipal ou particular. Foi uma forma de a polícia apoderar-se de todos os
espaços públicos, acompanhar mais de perto os acontecimentos nos bairros
operários e tentar impor um padrão realmente novo de disciplina urbana e de decoro
público. Ao desempenhar estas funções, a polícia tocava mais diretamente no
cotidiano daqueles membros das classes pobres que nunca cometeram atos
criminosos” (Storch, 1985:15).
Apesar dos grandes avanços existentes na integração das Guardas
Municipais ao conjunto das instituições que visam proteger a comunidade,
particularmente em direção a um trabalho integrado com as polícias Militar e Civil, o
que se percebe, particularmente entre os juristas, é uma discussão a respeito das
competências dos guardas municipais, após a Constituição Federal de 1988,
regulamentando as Guardas Municipais, expressa no artigo 144, § , que elas
deverão estar destinadas à proteção de seus bens [municipais], serviços e
instalações”. Também é quase senso comum entre eles que ter função de polícia e
ajudar na proteção da comunidade não vai contra esses princípios, aliás, poderá
contribuir positivamente com as demais polícias, pois tem como característica uma
identificação maior com a cidade, visto que o guarda não vem de fora, não vai ser
transferido para outra cidade e tem uma vivência anterior com as localidades que vai
policiar.
Assim sendo, abordar pessoas, perseguir meliantes e investigar crimes
são funções que competem às polícias Militar e Civil, respectivamente, de acordo
com o mesmo artigo 144. Mas, a realidade é que, na ausência das polícias Civil e
Militar, as guardas metropolitanas acabam assumindo as funções que são,
constitucionalmente, reservadas às polícias. Após obterem a autorização para
portarem armas, as guardas municipais da região de Campinas vão muito além do
que lhes compete, trazendo conflitos com o próprio comando da estadual (Civil e
Militar) da região. Apesar da intensa atividade, o que vemos é uma confusão de
121
competências de cada corporação, visto que: "As guardas querem um trabalho
similar ao nosso, quando deveria ser integrado. O que acontece é uma competição.
É uma regressão as guardas agirem dessa maneira, com repressão, disse o coronel
Reynaldo Pinheiro Silva, comandante do CPI-2 (Comando de Patrulhamento do
Interior) da PM, que abrange 90 municípios.” (Farias, 2003: C
1
).
As propostas que os prefeitos querem viabilizar (tabela 06) permitem às
Guardas Municipais fiscalizar bares, desmanches de veículos, reintegrações de
posse e outras atividades, até agora exclusivas da Polícia Militar.
Essas funções, para cujo exercício não estão devidamente treinados nem
preparados, fazem com que os guardas civis metropolitanos acabem por exacerbar
suas atitudes, sendo que o efeito logo aparece: neste ano [2003], são 168
inquéritos e outras 11 queixas contra a atuação dos 4.869 guardas civis da região. O
conflito de papéis de quem recebeu treinamento para vigiar prédios e praças acaba
sendo, invariavelmente, o motivo desses possíveis abusos(Farias, 2003: C
1
).
Entretanto, pela sua própria configuração, as guardas municipais têm
dificuldades para exercer essa função, já que foram criadas para exercerem uma
função bastante diferente, ou seja, para proteção do patrimônio público.
As guardas municipais, na Região Metropolitana de Campinas, têm
assumido um papel cada vez mais importante no sentido de garantir a segurança
pública e, particularmente, os bens patrimoniais municipais, que é a sua principal
finalidade. Por essa razão, sempre num processo de expansão e crescimento de
Tabela 06 – Funções da Polícia Militar e da Guarda Municipal
Polícia Militar Guarda Municipal
Atribuições: policiamento ostensivo e preservação da ordem pública.
Cada Estado pormenoriza detalhes da sua atuação.
Atribuições: fazer a segurança em escolas, prédios
públicos, parques e no trânsito (municípios menores)
Efetivo:
400 mil integrantes
Efetivo:
60 mil integrantes
Salário médio:
de R$ 650 (Pará)
a R$ 1.180 (São Paulo)
Salário Médio:
de R$ 700
a R$ 800
Armamento:
* revolver calibre 38
* metralhadora 9 mm
* Pistola .40
* carabinas .30
*fuzil 7.62
Armamento:
Revolver calibre 38
(as guarda municipais existem em 357 dos 5.561
municípios brasileiros)
Tempo de treinamento:
De 10 a 12 meses
Tempo de treinamento:
Em média quatro meses.
Atribuições propostas pelos prefeitos
Das Prefeituras Das Guardas Municipais
Reduzir homicídios Enfrentar camelôs.
Prevenir a violência racial, doméstica e o racismo e atender as vítimas. Fiscalizar bares e fechá-los, quando necessário
Prevenir o aliciamento de adolescentes por traficantes. Fiscalizar desmanches de veículos.
Preservar a ordem pública. Combater o transporte clandestino.
Medir crise e conflitos urbanos. Fiscalizar a atuação ilegal de “flanelinhas”
Prevenir e controlar a violência em escolas, praças e parques públicos. Atuar em reintegrações de posse
Fazer a segurança de turistas, do meio ambiente e de locais históricos.
Fontes: Comitê de Articulação Federativa/Grupo de Trabalho da Segurança Municipal, Conselho Nacional de
Comandantes Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, Polícia Militar do Estado de São
Paulo e Conselho Nacional das Guardas Municipais. Adaptação do Autor.
Jornal Folha de S. Paulo, Planalto quer fortalecer guarda municipal, caderno: Campinas, de 9 de dezembro9 de 2003.
122
suas atribuições, as guardas municipais têm ampliado bastante o seu contingente, a
ponto de apresentar, nos dias atuais, um efetivo bastante significativo (tabela 07).
Na verdade, o que vemos é formação de uma pequena força armada,
portadora de armas de grosso calibre, aparelhos de localização por satélite e até um
ultraleve (Limeira), elaboração de fichários com fotos de pessoas suspeitas (Itu).
A Guarda Civil Municipal de Campinas, algumas vezes confundindo seus
objetivos e áreas de atuação, acaba por exorbitar de suas funções. Isto trás
problemas operacionais e de competências, inclusive com a própria polícia. Em
algumas vezes em que assumiu condições de polícia, a guarda acaba por se
indispor com a própria população, como foi o caso ocorrido que envolveu um
estudante, onde houve tiros, detenção e ameaças: ’Fiquei constrangido e me senti
humilhado. No lugar de proteção eles me trataram com violência’, afirmou o
estudante” (Farias, 2003: C
1
).
De uma maneira geral, os municípios estão aumentando suas guardas
municipais, nem sempre com o devido e adequado provimento de recursos. É o
caso, por exemplo, da própria municipalidade de Campinas que foi obrigada a
elaborar e implementar um plano de racionamento de combustível dos 61 veículos
da Guarda, para o ano de 2004, tentando conter despesas. Isto corresponde a que
os veículos rodem 58% menos do que estavam rodando, para economizar R$ 36
mil. “Antes da medida
___
publicada no Diário Oficial do município no último sábado
___
,
cada veículo podia rodar no máximo 120 quilômetros. Agora, os carros menores
(Corsa) devem rodar até 90 quilômetros ou 50 quilômetros os maiores (Blazer e
Tabela 07 – Estrutura das Guardas Municipais da Região Metropolitana de Campinas (2003)
Campinas Jundiaí Piracicaba Hortolândia Indaiatuba Vinhedo Jaguariúna Atibaia
Fundação 1991 1949 1903 1993 1984 1981 2001 1999
Armada
desde a
fundação
desde a
fundação
desde 1942 desde a
fundação
desde a
fundação
desde a
fundação
Desde a
fundação
Efetivo
593 300 378 101 196 75 60 52
Locomoção
35 carros e
14 bicicletas
64 carros, 17
motos e um
helicóptero
20 carros e 30
motos
Nove carros 20 carros e
oito motos
18 carros 13 carros e
duas motos
Três carros e
cinco motos
Armamento
380
revólveres
calibre 38
Revólveres
calibre 35,
pistolas PT
380 e
carabinas
calibre 12*
262
revólveres
calibre 38
Revólveres
calibre 38,
carabinas e
pistolas PT
380*
173
revólveres
calibre 38 e
dez pistolas
PT 380
48 revólveres
calibre 38 e
três carabinas
Pistolas PT
380*
-
Salário
médio
R$ 1.200 R$ 1.300 R$ 1.250 não divulgado R$ 700 R$ 1.200 R$ 1.100 R$ 650
Orçamento
em 2002
R$ 14
milhões
RS 14
milhões
R$ 7,3
milhões
não divulgado R$ 4,2
milhões
R$ 3 milhões R$ 3 milhões o
divulgado
Período de
formação
Quatro meses Três meses Quatro meses Três meses Três meses Seis meses Quatro meses Três meses
Número de
tiros na
formação
dez tiros 250 tiros 120 tiros Não divulgado
50 tiros
200 tiros 200 tiros -
Reciclagem
20 a 30 tiros
por mês
45 tiros a
cada seis
meses
50 tiros a
cada seis
meses
Ainda não fez
Não faz há
um ano e
meio
50 tiros por
ano Ainda não fez
-
* Não divulgaram o número de armas por medida de segurança
Fontes: Guardas Municipais e Jornal Folha de S. Paulo, caderno Campinas, p. C
5
, de 23/maio/2003
Adaptações e complementações do Autor.
123
Kombi), uma redução de 25% e 58,33%,respectivamente, no percurso diário dos
carros. A medida também limita em 20 litros o abastecimento diário de cada carro
da Guarda” (Simionato, 2004: C
1
). Mesmo com essas dificuldades e limitações, o
que se percebe é a elaboração de planos no sentido de aumentar o contingente,
bastante grande. Acredita-se que essa economia não vai afetar o desempenho dos
guardas, visto estar implantando no município as chamadas bases descentralizadas
em diversas regiões, evitando o deslocamento das viaturas. Isso ocorre em quatro
bases na cidade, ou seja, Jardim Florence, Barão Geraldo, Pedra Branca e
Taquaral. Outras duas bases
___
Padre Manoel da Nóbrega e São Bernardo
___,
deverão ser implantadas nos próximos dois meses. “Até o final do ano, a secretaria
pretende ter 12 bases instaladas na cidade, uma delas na região central. A verba de
R$ l milhão para a construção da base no centro virá do Ministério da Justiça até o
final deste mês, segundo informou a secretária da Segurança Pública” (Simionato,
2004: C
1
).
Como percebemos, apesar do esforço no sentido de viabilizar a Guarda
Municipal como uma alternativa para suplementar e auxiliar as polícias Civil e Militar,
muita coisa ainda precisa ser feita, particularmente no sentido de integrar o trabalho
das três corporações de uma forma mais efetiva.
4. O tráfico e a segurança pública
Se a segurança pública para a população não envolvida com o tráfico é
difícil, particularmente pelo mau relacionamento com as autoridades policiais, para
aquele contingente da população que tem estreitas relações com os traficantes a
situação fica muitíssimo pior.
Para os criminosos a polícia participa com eles de uma conjuntura onde
a banalização e naturalização do uso da violência. Por essas razões, as marcas
dessa violência no próprio corpo, causadas pela repressão policial, constituem sinais
para diferenciá-los dos demais. Pelo próprio exercício de tal postura observa-se um
pacto do silêncio a respeito da violência que sofreram ou causaram a alguém. Na
verdade, não se fala de violência como uma ação que produz dores, injustiça ou
destruição, mas falam como acontecimentos.
As polícias aparecem nas falas das gangues como elementos que operam
dentro de um mesmo raio de ação, provocando embates, tensão, descargas de
adrenalina e aceleram o coração. Os embates têm como conseqüência a
124
identificação do grupo, classificado e registrado na sua individualidade, a partir das
marcas que ficam nos corpos dos seus integrantes.
É a ação policial que vai se interpor aos interesses dos criminosos no
domínio de um determinado território e acabam por constituir territórios que
precisam ser defendidos cotidianamente, tanto da ação policial como da ação de
outras quadrilhas. Por isso, quando os bandidos falam de suas ações e cicatrizes,
ouvem-se nessas falas um indiferenciamento entre as marcas provocadas pela ação
policial e aquelas provocadas pelo enfrentamento de outras quadrilhas.
As gírias empregadas pelos marginais espelham muito bem um imaginário
a respeito da polícia e da atividade policial interferindo no seu cotidiano:
“O ‘cana’ (o policial) quase sempre, na versão das gangues, ‘escarra’
(menospreza) seus integrantes e, quando se aproximam as mesmas sempre
assinalam: sujou’. Os ‘chapa’ (amigos) são ‘limpeza’, não ‘caguetam’ (entregar
alguém suspeito) e não fazem ‘cruzeta’ (cruzar territórios). É assim que ‘ganhar’,
numa forma de adaptação ao universo lógico das gangues, passa a ser um termo
correlato a roubar. Pode-se imaginar o seguinte discurso : Estava ‘colado’, a galera
saiu pra fazer uma ‘parada’, aproximou-se um ‘peludo’, ‘nos pano’, tinha um ‘bobo’
, mas na hora de ‘apatolar’ nós vimos que era ‘paia’ . Passou um ‘cambão’ e houve
um ‘vacilo’, com o ‘peludo’, ele tinha ‘fogo’. Subimos o ‘cambão’, tinha uma
‘mocréia’ com um ‘vinte’, ‘descolamos’ um. Logo pintou o ’rafael’ e ainda deu
vontade de ‘passar um fax’ e ‘tirar a água do joelho’, ligado ? Descemos e
cambão e a galera ‘deu um rolé’, encontramos o ‘cana’ que furou um ‘chapa’ e
fomos ‘cobrar o furo’, houve ‘vacilo’ e fomos todos para o ‘casarão’ com ‘pulseiras’
nos braço.
44
(Diógenes, 1998: 05).
O desprezo e o desrespeito pelas leis é a marca mais sensível do
cotidiano dos jovens em situação de risco e marginalidade. Os seus valores são
cunhados no dia-a-dia da exclusão e da desesperança: para o criminoso, a polícia é
essencialmente corrupta, noção reforçada pelo próprio convívio; propinas são
aceitas e o criminoso ser libertado por uma determinada quantia em dinheiro é um
fato tão corriqueiro dentro do cotidiano desses elementos que não mais uma
preocupação de disfarçar o ato de receber propina, ou mesmo, esperar que o
delinqüente ofereça. Geralmente as coisas ocorrem de uma forma bem naturalizada,
como se oferecer propina ao policial fosse do próprio jogo criminoso, Muito
frequentemente o adolescente não compra sua liberdade, mas a possibilidade de
não sofrer violência. Com o correr do tempo passa a ser natural e normal
___
racional
mesmo
___
, esse tipo de relacionamento entre a polícia e os criminosos e marginais a
tal ponto que começam a também considerar racional matar ou morrer dentro desse
44
Colado: havia inalado cola de sapateiro; parada: roubo; peludo: homem forte ou com dinheiro; nos
pano: bem vestido; bobo: relógio; apatolar: roubar; paia: sem valor; cambão: ônibus; vacilo: erro; fogo:
arma; mocreia: mulher feia; vinte: cigarro; rafael: fome; passar um fax: ir no banheiro; tirar a água do
joelho: urinar; dar um role: dar uma volta; casarão: presídio; pulseiras: algemas.
125
embate, a ponto de nem interromper uma refeição para sentir uma morte de parente
próximo.
A conjunção da violência e da razão vai gerar de forma ampliada uma
banalização da violência. Um traficante, membro de um grupo de hip hop, relata
como reagiu à morte de um seu primo através de policiais:
“Quando o rapaz me falou que mataram meu primo eu estava almoçando e fui ver
meu primo arquejando, abrindo a boca e cheio de sangue no chão. Eu voltei pra’
casa pra’ almoçar e tomar um caldo de feijão. Quer dizer, isso pra’ está normal.
Agora o que me revolta é quando vai e matam um velhinho... Isso me revolta
porque isso é uma covardia, porque era um velhinho indefeso” (Integrante do Hip
Hop do Morro Santa Terezinha) (Diógenes, 1998: 04).
Dentro dessa lógica de relacionamento o é necessário que o “outro”
___
seja policial ou bandido
___
tenha cometido algum ato infracional para que sejam
considerados culpados: “Todo marginal é bandido e todo policial é corrupto”. Parece
haver a presença marcante daquilo a que Girard se referiu como vítima sacrificial
em todo marginal, ou seja, “Qualquer comunidade às voltas com a violência, ou
oprimida com uma desgraça qualquer, irá se lançar, de bom grado, em uma caça
cega ao bode expiatório. Os homens querem se convencer de que todos os seus
males provêm de um único responsável, do qual será fácil livrar-se” (Girard, 1990:
104). Por isso, sempre existe a exploração da mídia sobre qualquer fato
escandaloso que envolva policiais corruptos ou criminosos notórios, fazendo com
que esses casos particulares sirvam para redimir toda uma comunidade, tanto
policial como marginal, em sacrifício. Na maioria das vezes, os exemplos são
justamente aqueles que não tem quase nenhum relacionamento com os fatos, os
pequenos infratores, mas que servem para redimir em sacrifício os grandes que
permanecem impunes.
5. A população e a segurança pública
A violência doméstica domina em todas as áreas periféricas das grandes
cidades, como é o caso de São Paulo e Campina. Isso não quer dizer que nas áreas
não-periféricas o mesmo não ocorra, mas apenas que essa violência não é tão
explícita, pois ocorrem dentro do isolamento da casa.
Geralmente começa a se manifestar a partir do momento que o
desemprego começa a se prolongar, constrangendo o homem da casa”. As
dificuldades econômicas acabam por levar o casal e os filhos a irem morar com os
pais de um dos elementos do casal. Isso acaba afetando a todos, pois, na medida
126
em que o relacionamento entre as pessoas vai ser tornando mais íntimo e as
formalidades vão sendo abandonadas, começam as cobranças no sentido de que
tanto o homem como a mulher saia para trabalhar, ocorrendo desentendimentos
entre eles todos. Agravado pelo tamanho diminuto dessas habitações, a privacidade
desaparece e todas as mazelas próprias de cada família começam a ser
compartilhadas entre todos, tomando um sentido de promiscuidade. Isso gera
violência pois cada um se acha no direito de cobrar atitudes e comportamentos do
outro, particularmente quando alcoolizados.
Os bares e os botecos transformam-se nos locais por excelência para
essas pessoas passarem o tempo. A absoluta falta de equipamentos de lazer na
periferia acaba transformando a bebida alcoólica no refúgio para o esquecimento de
situações comuns a um cotidiano insatisfatório.
Os momentos de separações conjugais são considerados de grande
apreensão, visto provocarem brigas violentas que envolvem todos os membros das
famílias, acabando em agressões físicas. Mesmo quando, por temor ou por
conveniência a mulher não tem a menor condição de sobreviver sozinha com os
filhos, a separação não acontece de imediato. As brigas e a violência se espalham
envolvendo os vizinhos, que acabam por tomar partido de um ou de outro lado,
agravando as ofensas ou as agressões físicas entre eles.
Dentro desse ambiente de conflito, os filhos são criados sem uma
continuidade educacional, alternando momentos de extrema permissividade com
grande repressão, sem imposição de limites claros, em qualquer uma dessas
situações. Desde logo as crianças estabelecem contatos com os traficantes e
pessoas envolvidas no tráfico, que comungam do mesmo espaço, onde vão
aprender as condições de sobrevivência e os costumes e comportamentos da
comunidade, visto que necessitam dessas adaptações para sobreviverem na
comunidade. Esse comportamento é seguido por quase todos, sendo os que os
desvios são corrigidos por surras aplicadas pelos personagens do submundo urbano
(vagabundos, delinqüentes e agenciadores do crime), obrigando as crianças que
sofrem agressões de terceiros e iniciarem a aprendizagem de condutas infratoras.
A agressão maior vem por parte dos pais e dos familiares, que acreditam
na pancada para educação dos filhos, quando o garoto acaba por se envolver com
os bandidos.
Geralmente a ação violenta dentro da relação doméstica e conjugal é
aceita como punitiva e educacional. A violência dos marginais, dentro das mesmas
127
situações, não tem o mesmo acolhimento (Machado e Noronha, 2002: 198),
extrapolando os limites daquilo que a comunidade considera como aceitável. Aí,
então, esses bandidos são considerados marginais àquela comunidade, passando a
ser respeitados proporcionalmente ao medo e terror que propagam com as suas
ações ou com a simples presença no local.
Além disso, percebemos que a própria população encontra-se despojada
de vontade política e de condições objetivas de reação contra esse estado de
coisas, visto não acreditar nos órgãos públicos encarregados de garantir a
segurança pública, não fazem queixas formais a respeito da violência sofrida visto
não serem bem recebidas pelos órgãos policiais, o que gera um sentimento
generalizado de insegurança pública e colocam a polícia como um dos serviços
públicos mais desacreditados (figura 06).
Figura 06 – A segurança e a insegurança pelo olhar da População da Periferia.
Fontes: Pesquisa de Vitimização, 2002, da Fund. Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA-USP). Gabinete de Seg. Insti. (GSI)
da Presidência da República e Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud).
128
Nas regiões periféricas conflagradas das grandes metrópoles a existência
dos chamados donos-da-rua e donos-das-bocas leva a população a procurar um
determinado tipo de relacionamento de boa vizinhança que sirva de intermediação
entre eles. Não podem aparentar hostilidade nem excessiva proximidade, razão pela
qual se cria um ritual que vai permitir uma troca de cumprimentos ou, até mesmo, a
aceitação de pequenas extorsões em dinheiro ou espécie.
Manter boas relações pessoais com o dono-da-boca é fundamental para
sua própria segurança, tanto pessoal como patrimonial, reparo de ofensas ocorridas,
retorno de bens roubados, ou mesmo para receber pessoas de outros bairros. Com
o tempo esse envolvimento acaba se tornando pessoal levando os moradores a
prestar pequenos serviços, receber bens roubados (que podem variar de alimentos,
eletrodomésticos ou veículos automotores) e dar proteção em suas casas a pessoas
indicadas pelos bandidos.
Essa situação ambígua de se equilibrar entre a marginalidade e a
honestidade, entre a polícia e os bandidos, acaba fazendo com que todas essas
ações se constituam em processos de sobrevivência naturalizados, considerados
indispensáveis e legítimos para sobreviver diante das duas grandes e reais ameaças
que pairam sobre a comunidade: os bandidos e a polícia. Essa naturalização não é
total nem ficam apaziguadas as consciências, razão pela qual da mesma forma que
não querem ter um filho policial, temem a cooptação dos mesmos pelos bandidos.
Essa concretização, nos marginais (bandidos), de todos os males
presentes ou potenciais, acaba por produzir uma contradição: precisam deles para
sobreviver, invejam e os tem como modelo de sucesso mas os consideram a
personificação do mal e das infelicidades que acontecem na região. Por isso, são
implacáveis contra os mesmos, desejando a eliminação física ou remoção imediata
deles (desde que ninguém fique sabendo desses desejos).
A insatisfação que verificamos da população em geral com as atividades
policiais expressam-se na queixas feitas à própria Ouvidoria da Polícia.
Evidentemente, a maioria dessas denúncias envolve policiais corruptos e mal
preparados para o exercício da sua função. Isso é um fato que precisa ser encarado
com seriedade visto perceber-se que o contingente de pessoas que procuram essa
atividade como meio de vida, na maioria das vezes não é levada por uma vocação
ou por terem alguma simpatia, ou mesmo empatia pela atividade policial profissional,
mas por uma absoluta falta de opções. Isso acaba permitindo o aparecimento de um
contingente policial mal preparado técnica e psicologicamente para o exercício da
129
profissão, o que dá origem a brincadeiras e piadas. Mesmo não se constituindo
como regra geral da preparação do policial, é o que passa para o povo (figura 7),
acentuando e generalizando uma situação particular e pontual.
A violência e a criminalidade consti-
tuem-se, nos dias de hoje, um dos maiores
___
senão o maior
___
referencial de qualidade de
vida de uma população. Cidades podem ser
qualificadas a partir do índice de criminalidade
e segurança pública que elas apresentam. Mais
ainda, se pensarmos em termos de Regiões
Metropolitanas.
Para a maioria da população, que con-
vive com a violência e o crime, essa proximida-
de tem levado a uma naturalização da violência
e banalização do crime. Evidentemente uma anomia não pode representar solução
nem mesmo condição de vida humana.
6. O sistema penal na Região Metropolitana de Campinas
Desde Foucault (1997) sabemos que o sistema penal é uma máquina de
fabricar loucos, baseada em um conjunto de ilegalidades, violência, desrespeito à
pessoa humana e escola do crime”, configurando uma população
predominantemente de jovens pobres e de baixa escolaridade.
Como a criminalidade tem aumentado no mundo inteiro, particularmente
nos Estados Unidos, como cá, vamos encontrar em Los Angeles, uma prisão
municipal considerada a maior do mundo, pois 250.000 almas entram no complexo
por ano, produzindo a mais dramática expansão carcerária registrada na história.
Com aproximadamente 1.000 entradas por dia, o empreendimento movimenta um
orçamento anual de US$1.1 bilhão! Todos sabemos bem quem é a clientela
seletivamente atendida pelo empreendimento bilionário: afro-americanos, porto-
riquenhos, colombianos, imigrantes
___
do mundo islâmico cada vez mais
___
e
cidadãos indesejáveis em geral.” (Malaguti Batista, 2003: 02).
O nosso sistema penal se originou no Período Colonial, trazendo todo o
seu ordenamento jurídico de Portugal. Aqui como a grande massa de
encarcerados era formada por pessoas pobres e indesejadas pelas classes sociais
Figura 7 – Cartum sobre a preparação do policial
Fonte: desconhecida
130
mais abastadas, uma espécie de limpeza étnica” das ruas. Por essa razão, nessa
época predominavam nas prisões brasileiras os negros escravos e pobres.
Atualmente, a situação parece mudada. Levantamento feito pela
Secretaria da Administração Penitenciária, de 1999, confirmou alguns dados
sabidos por levantamento semelhante feito em 1997, servindo para derrubar
algumas crenças arraigadas no imaginário popular sobre o preso brasileiro que,
ao contrário do que geralmente se pensa, é branco, solteiro e de baixa escolaridade.
Outra crença, derrubada recentemente, é de que uma cadeia terceirizada
como a de Bragança Paulista
___
a experiência modelo desse tipo
___
,
necessariamente torna o internamento e a recuperação do preso mais barato e
eficaz. Não é verdade. Isso nem sempre acontece. Tudo leva a crer que esse custo
depende diretamente da qualidade e eficiência dos gestores. Uma experiência
levada a efeito no Paraná, na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG),
apresenta um custo médio por preso muito superior a média nacional
(aproximadamente R$ 750), ou seja, atinge a quantia de R$ 2 mil por mês. Essa
importância é infinitamente superior aos R$ 225, gastos em média com cada preso
em Bragança Paulista (que apresenta uma reincidência baixíssima de 14%) (Godoy,
2003: C
1
).
O sistema prisional brasileiro é completamente diferente daquele dos
Estados Unidos, pois, além das cadeias e delegacias, vamos ter dois grandes tipos
de casas de detenção: o Regime Disciplinar Diferenciado e o Regime Disciplinar de
Segurança Máxima (quadro 06).
Mesmo nas chamadas prisões de segurança máxima não existe qualquer
garantia de um trabalho de recuperação ou, pelo menos, de vigilância bem feita. O
próprio Ministério Público descobriu que, em Bangu 1, de segurança máxima, os
Quadro 06 – Diferenças entre os Regimes Disciplinares das Unidades Prisionais brasileiras
Regime Disciplinar Diferenciado (1) Regime Disciplinar de Segurançaxima (2)
– Atinge o preso provisório que cometa crime doloso ou
promova a subversão da ordem ou da disciplina interna do
estabelecimento penitenciário; o preso ou condenado que
apresente alto risco para a ordem e a seguraa do
estabelecimento penal ou da sociedade; ou o preso
provisório ou condenado sobre o qual recaiam suspeitas
fundadas de envolvimento ou participão em organização
criminosa;
– Duração máxima de 360 dias, que podem ser
prorrogados a o limite de um sexto da pena aplicada;
– Recolhimento em cela individual;
– Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as
criaas, com durão de duas horas;
– Banho de sol de aduas horas por dia.
– Atinge o preso provisório ou condenado sobre o qual recaiam indícios
fundados de envolvimento com organizão criminosa;
– Duração máxima de 720 dias, que podem ser prorrogados;
– Recolhimento em cela individual;
– Visitas mensais, limitadas a, no máximo, dois familiares, separados por
vidro e com comunicação via interfone, com filmagem e gravação;
– Banho de sol de aduas horas por dia;
– Proibição de entrega de alimentos ou bebidas;
– Proibição de telefones, som, televisões e rádios;
– Proibição de comunicação com outros presos e com agentes
penitenciários nos banhos de sol;
– Monitoramento completo do preso;
– Contatos mensais com advogados;
– Prisão em estabelecimento penal localizado em estados distantes do
local de influência da respectiva organização criminosa.
(1) De acordo com o projeto de lei da Câmara n
o
12 de 2003.
(2) De acordo com o relatório do senador Tasso Jereissati aprovado pela CCJ.
Fonte: CALDEIRA, César. A política do cárcere duro – Bangu 1, São Paulo, São Paulo em Perspectiva, 18(1) 2004.
131
presos estavam planejando um baile funk, com a participação de menores de 18
anos. Segundo conversas gravadas entre presos e prepostos fora do complexo
penitenciário, os diretores das unidades prisionais sabiam do baile (Monken &
Figueiredo, 2002: C
6
). Foi descoberto, em Bangu 3, conversas de um preso com
uma mulher onde ela afirmava que um agente avisaria os presos quando das
batidas, para que tivessem tempo de esconder drogas, armas e celulares. Esse
agente, obviamente, não foi identificado pelas investigações nos presídios.
Na região de Campinas não penitenciárias de segurança máxima, mas
existe um conjunto de prédios que abriga uma população carcerária expressiva,
particularmente remanescentes do Carandiru, de onde foram remanejadas por
ocasião da sua desativação e implosão: é o Complexo Penitenciário
Campinas/Hortolândia.
Desde o final de 2003 o comando a Polícia Militar de Campinas está
tentando reforçar seu contingente de soldados, particularmente objetivando as bases
comunitárias. Esse esforço se prende ao fato de ter aumentado a presença de
elementos da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) na região, que
hoje apresenta uma supremacia ampla; desde 2003 existiam fortes suspeitas de que
elementos desse bando estariam atacando policiais.
As ações policiais, de uma maneira geral, desde aquela época, estão
concentradas nas imediações do Jardim São José, na periferia da cidade de
Campinas, e no entorno do Complexo Penitenciário Campinas/Hortolândia
45
, local
onde está concentrada a maioria dos presos pertencentes ao PCC.
Rapidamente passou a abrigar uma população carcerária que suplantou
5.000 detentos, particularmente depois de inaugurado CDP-2, no primeiro semestre
de 2002, sempre agravando a superlotação de suas dependências (quadro 07).
O crime organizado,
naquilo que se poderia
chamar de organização”,
aparece com clareza nas
organizações criminosas que se articulam no sistema prisional. Nos diversos
presídios, os criminosos são obrigados, mesmo contra a vontade e por uma
necessidade mesmo de sobrevivência naquele meio, a entrar para alguma facção.
A população carcerária da Região Metropolitana de Campinas cresce a
45
O Complexo Prisional Campinas-Hortolândia, situado nas proximidades da cidade do mesmo
nome, é formado por seis grandes unidades: as penitenciárias 1, 2 e 3, e os CDPs (Centro de
Detenção Provisória) 1 e 2, além do presídios semi-aberto Ataliba Nogueira.
Quadro 07 – Lotação dos presídios e setores do Complexo Prisional Campinas-Hortolândia
Presídio P-1 P-2 P-3 CDP-1 CDP-2 Cadeião
Capacidade 538 804 500 768 768 528
Lotação 925 984 922 809 813 657
Fonte: Jornal: Folha de S. Paulo, Complexo tem maior população carcerária. Caderno:
Campinas, p. C
1
, 7/agosto/2002. Adaptações do Autor.
132
cada ano. Se considerarmos a população carcerária do Estado de São Paulo todo
veremos que, na região de Campinas concentra-se 11,3% de toda a população
carcerária do Estado (figura 8).
De acordo com o vereador José Eduardo Cury (PMDB), de Hortolândia, os
familiares dos presos encarcerados no complexo, vieram para perto deles e moram
em áreas de assentamento ou irregulares. "Grande parte dessas famílias está em
situação irregular’, declarou Cury. Essas famílias estão em bairros no entorno do
CDP: Jardim Aline, Conceição e Santiago, Vila Guedes e Parques Peron e
Conquista(Tomaz, 2003: G
1
). Isso transfere problemas para a cidade que muitos
desses familiares são bandidos também ou, na melhor das hipóteses, vem aumentar
o cinturão de pobreza e miséria que gravita no entorno da cidade de Hortolândia.
No Brasil, no que diz respeito aos jovens infratores, nem o ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente) consegue dar condições mínimas de recuperação.
Geralmente superlotadas as unidades de recolhimento de crianças e adolescentes
geridas pela Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) são verdadeiras
escolas do crime.
Figura 8 – A população carcerária da Região Metropolitana de Campinas (2002-2003)
Fonte: Jornal: Folha de S. Paulo, População em presídios cresceu 19,3%, Caderno: Campinas, p. G
1
, 28 de dezembro de 2003.
133
Na Região Metropolitana de Campinas não encontramos uma situação
diferente. O que é diferente é a intervenção da própria sociedade que colocou duas
ações na Justiça através do Ministério Público. A primeira interpela o Poder Público
sobre a superlotação nas unidades do Jardim Amazonas (tabela 08) na periferia de
Campinas, fato comprovado (Rossi, 2004: C
1
), enquanto a outra solicita a constru-
ção de cinco novas unidades na re-
gião para tentar minorar a superlo-
tação das unidades existentes. O
Ministério Público está apurando
denúncia de maus tratos ocorridos.
Ultimamente estamos vendo um aumento substancial de meninas nas
unidades da Febem na Região, devido ao fato de serem as mulheres cada vez mais
usadas pelo tráfico, pois elas despertam menor atenção da vigilância policial. Além
disso, a participação das mulheres no tráfico não é mais tão secundária e aquela
figura da adolescente indefesa que entrou para a criminalidade por ter se
apaixonado por um bandido é bastante discutível. ’Esse mito tem de ser revisto.
Essa influência é uma idéia ultrapassada’, afirma Karyna Batista Sposato, diretora-
executiva do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção
do Delito e Tratamento do Delinqüente). Para ela, a garota também está sujeita às
tentações do consumo. ‘Assim como os meninos, as meninas também querem ter
determinados bens’" (Penteado, 2004
b
: C
1
). O acesso ao crime, particularmente ao
tráfico de drogas, representa uma porta aberta ao consumo em geral pelos
resultados econômicos obtidos com facilidade e rapidez. Isso faz com que aumente
o número de meninas sendo presas e encaminhas para o cumprimento de medidas
sócio educativas na Febem, acusadas de roubo qualificado, tráfico de drogas, roubo
simples e furto (figura 9) ultrapassando percentualmente os meninos ingressantes
na prisão (Penteado, 2004
c
: C
1
).
Tabela 08 – A superlotação da Unidade do Jardim Amazonas (Febem)
Raio-X da Febem Unidade Jardim
Amazonas
Adolescentes atendidos por
programas na região de Campinas
Capacidade 44 Internação Provisória 92
População 72 Internação 575
Fugitivos 29 Semiliberdade 23
Recapturados 20 Liberdade Assistida 1.656
Fontes: Febem – Fundação do Bem-Estar do Menor, Polícia Militar e Jornal: Folha de
S. Paulo. Febem enfrenta ações na Justiça. Cad.: Campinas, p. C3, 17/ abril/2004.
Figura 9 – Jovens cumprindo medida socioeducativa na Febem.
* Dados do ano inteiro. Incluem atendimento inicial, internação provisória, semiliberdade e internação. Não inclui liberdade assistida.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Jovens cumprindo medida socioeducativa na Febem. Caderno Cotidiano, 21 de março de 2004
f
, p. C
1
.
134
Temos a ponderar que apenas as características da personalidade femi-
nina e a sua luta por emancipação não seriam motivos suficientes para uma partici-
pação maior no Tráfico (tabela 09). Em
São Paulo a própria banalização do cri-
me e seu aspecto menos militarizado e
hierarquizado que do Rio de Janeiro,
que age sob o domínio de facções de
mentalidade machista, explica uma pos-
sibilidade maior de participação femini-
na, conseqüência da banalização do crime.
A banalização do crime em São Paulo ajuda a entender o papel das meninas,
segundo a pesquisadora Karyna Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud.
Segundo ela, o fato de a maioria das ações dos criminosos ser desordenada, sem
facções fortes nas ruas, e de os grupos serem formados de última hora faz com que
a hierarquia não seja tão rígida. No Rio, onde grande parte dos crimes são
coordenados por facções, essa hierarquia é mais forte e a mulher passa a ter papéis
mais subalternos’, diz Sposato. ‘O tráfico do Rio de Janeiro é mais militarizado e a
hierarquia entre os membros da quadrilha passa a ser maior’, diz” (Penteado, 2004
d
:
C
3
).
A situação dos adolescentes submetidos à medidas socioeducativas nas
unidades da Febem na Região Metropolitana de Campinas não difere muito
daquelas das outras unidades do Estado de São Paulo. Entretanto, em algumas
unidades, a situação se configura um pouco pior que em outras (figura 10). A UIP
(Unidade de Internação Provisória) da Febem de Campinas está com 70,45%
internos além de sua capacidade. Os adolescentes estão tendo de dividir colchões e
dormir em banheiros, além de não haver lençóis e toalhas para todos os internos.
Estão internados na UIP do Jardim Amazonas
___
periferia de Campinas
___
, que tem
44 vagas, 75 menores infratores (Free-Lance, 2004
a
, C
1
). Essa superlotação é a
situação comum mais vivida em todas as unidades da Região Metropolitana, que
Figura 10 – Superlotação das Unidades da Febem na região de Campinas (março-2004)
Fonte: Menor divide colchão na Febem de Campinas. Jornal: Folha de S. Paulo, Caderno: Cotidiano, p. C1, 21/março/2004.
Tabela 09 – Os crimes com maior registro na Febem em
2003 (em %)*
Crimes meninas meninos
Roubo qualificado 32,7 50,0
Tráfico de drogas 19,7 11,8
Roubo simples 15,8 8,9
Furto 5,0 6,2
Descumprimento de
medidas
4,8 6,1
Outros 2,2 1,7
* Percentual sobre o total do mesmo sexo.
Fontes: Febem – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor,
Jornal Folha de S. Paulo, Para especialista, dados servem de
alerta. Caderno: Cotidiano, p. C
1
, de 21 de março de 2004
g
.
135
abrigam não apenas adolescentes da região em processo de ressocialização, mas
também garotos vindos, indevidamente, de outras regiões do Estado.
Entre os adultos a violência é o cotidiano das prisões, seja por parte dos
guardas para conseguir informações sobre rebeliões, planos de fuga e renovação de
lideranças, seja por parte dos próprios presos castigando os que denunciaram
colegas: os cagüetas”. Esses fatos se repetem constantemente, em especial a
vigilância e o controle exercidos pelos presos, uns sobre os outros, para punir a
alcagüetagem, punição considerada normal e tolerada por todos, inclusive pela
própria carceragem que, freqüentemente, faz vistas grossas ao fato. Em uma
primeira visita ao 5
o
Distrito Policial de Campinas, na qual conversamos com
rios presos simultaneamente, o der de cela apontou para um que estava no
tio, com o corpo todo cortado por gilete, afirmando: ‘... aquele ali é cagüeta,
caetou na rua, o tem mole pra ele aqui não (preso do 5
o
DP) (Goifman:
2004: 38). Desta forma, freqüentes justiciamentos entre presos ocorrem devido às
dencias entre eles, como se depreende destes depoimentos feitos por presos
da Penitencria 1, de Hortondia. A reprelia à caetagem passa a ser
considerada normal e a violência plenamente justificada: Tinha safado, pilantra,
que ningm gosta de safado e pilantra que fica caetando os irmão, então saía
assim, vai morrer. E matava’ (preso da P1)” (Goifman: 2004: 38). Entretanto,
apesar de ser Lei respeitada por todos os detentos e carcereiros ou agentes
penitencrios, reconhecem que nem sempre os efeitos desejados são
alcaados, produzindo casos de injustiça: Os cara induziu ele, levou ele pro
barraco do cara. um cara falou, quem cagüetou foi ele, mataram o cara. Aí
depois de quase um ano foram descobrir que quem morreu era inocente e o cara
que acendeu pra matar era o cagüeta(preso da P1)(Goifman: 2004: 38).
As autoridades costumam dizer que corrupção em presídios o é coisa
que acontece apenas no Brasil, mas negam esses relatos dos familiares de presos.
Concordam, evidentemente, que as revistas íntimas são constrangedoras para as
mulheres, mas foi encontrada uma grande quantidade de celulares, drogas e
outros objetos, colocadas dentro das vaginas de esposas e parentes dos presos,
razão pela qual esse procedimento tem que continuar. Afirmam, também, que existe
um certo constrangimento entre as mulheres visto que, mesmo entre elas, existem
algumas que acabam tendo privilégios”, inclusive aceitos por todas as outras: As
mulheres dos líderes das facções, portam-se como primeiras-damas. Pegam a
136
senha sem passar pela fila, ou pagam para que outros durmam na fila por elas. São
conhecidas como ‘patroas’” (Lobato E., 2004, C
4
).
Capítulo 5 – A polícia, o tráfico e a população: olhares e cotidianos
na Região Metropolitana de Campinas (SP)
1. A Região Metropolitana de Campinas
No Brasil, pelo parágrafo 3 do artigo 25 da Constituição Federal, cabe aos
Estados instituir "Regiões Metropolitanas". A Região Metropolitana de Campinas é
uma região de destaque no cenário brasileiro e paulista. Localizada na parte centro-
norte do Estado de São Paulo (Mapa 3), constitui-se em uma das regiões mais
importantes do Estado, congregando 19 municípios.
É a principal conseqüência da interiorização do desenvolvimento paulista,
quando vários dos investimentos
estatais aproveitaram uma infra-
estrutura agrícola moderna, forte-
mente integrada com um setor
industrial sólido e uma excelente
base educacional, transformando
essa região em um dos maiores
centros tecnológicos do Brasil e no
segundo pólo industrial do Estado, além de criar uma rede urbana estruturada em
termos de integração espacial.
Esses municípios apresentam idades bastante diversificadas, mas, quase
todos, foram formados nos últimos 60 anos (tabela 10). Esses novos municípios fo-
Tabela 10 - Região Metropolitana de Campinas: Ano e Dispositivo
Legal de Criação dos Municípios.
Municípios Ano de Criação Dispositivo Legal (1)
Campinas 1797
Portaria de 04.11.1797 e Ordem
Régia de 16.11.1797
Itatiba 1857 Lei nº. 2 ou 553 de 20.02.1857
Indaiatuba
1859
Lei nº. 12 ou 651 de 24.03.1859
Sta. Bárbara d'Oeste
1869
Lei nº. 2 de 08.06.1869
Monte Mor
1871
Lei nº. 29 de 24.03.1871
Pedreira
1896
Lei nº. 450 de 31.10.1896
Americana 1924 Lei nº. 1.983 de 12.11.1924
Cosmópolis
1944
Decreto-Lei nº 14.334 de 31.11.1944
Artur Nogueira
1948
Lei nº. 233 de 24.12.1948
Vinhedo
1948
Lei nº. 233 de 24.12.1948
Jaguariúna
1953
Lei nº. 2.456 de 30.12.1953
Sto. Antônio de Posse 1953 Lei nº. 2.456 de 30.12.1953
Sumaré 1953 Lei nº. 2.456 de 30.12.1953
Valinhos 1953 Lei nº. 2.456 de 30.12.1953
Nova Odessa 1959 Lei nº. 5.285 de 18.02.1959
Paulínia 1964 Lei nº. 8.092 de 28.02.1964
Engenheiro Coelho 1991 Lei nº. 7.664 de 30.12.1991
Holambra 1991 Lei nº. 7.664 de 30.12.1991
Hortolândia 1991 Lei nº. 7.664 de 30.12.1991
Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico; municípios e distritos do Estado de S. Paulo.
Elaboração: Emplasa, 2002. Adaptações do Autor.
Nota: (1) Diplomas legais de criação dos municípios, considerando-se a data em que o
núcleo urbano e respectivo território passam a ter autonomia territorial e administrativa,
com a existência de Poder Público representado pela Prefeitura e Câmara dos Vereadores.
Mapa 3 – Localização da Região Metropolitana de Campinas
137
ram conseqüências naturais do próprio desenvolvimento econômico da região,
ocorrendo especialmente nas décadas de 40 e 50, quando a região começou a
perder seu caráter predominantemente agrícola e assumiu uma tendência
acentuada de industrialização. Alguns desses municípios são de formação bem
recente (Hortolândia, Holambra e Engenheiro Coelho). Assim, observamos que
apenas 6 municípios (Campinas, Itatiba, Indaiatuba, Santa rbara d’Oeste, Monte
Mor e Pedreira), apresentam mais do que cem anos de existência.
Campinas é o mais antigo de todos os municípios da região, tendo sido
criado no tempo do Império pela Portaria de 04 de novembro de 1797, confirmada
depois pela Ordem Régia de 16 de novembro do mesmo ano (Baeninger, 1992: 11).
Entretanto, como alguns autores divergem com relação à data da fundação da
cidade, o Legislativo campineiro, em 1971, baseado em estudos e pesquisas de uma
comissão, aprovou a lei nº. 2.984, promulgada pelo prefeito Orestes Quércia, em 15
de maio de 1971, considerou a data de 14 de julho de 1774. Hoje é o município
centralizador de todas as atividades econômicas e equipamentos urbanos mais
importantes da região.
Na verdade, a cidade de Campinas e sua importância, tanto para a região
como nacionalmente, foi razão de existir a Região Metropolitana, constituindo-se no
centro arregimentador de mão-de-obra e integrador de serviços nas cidades ao
derredor.
Assim, desde muito tempo, ela vem coordenando a organização do
espaço, inclusive contribuindo para a formação dos municípios vizinhos, tanto nos
aspectos econômicos, sociais, educacionais e culturais.
Sendo um dos municípios mais antigos da região
___
pólo regional
___
, teve
sua fase áurea no Período da Economia Cafeeira, com todo o desenvolvimento daí
advindo. Entretanto, posteriormente cai em decadência. Somente na primeira
metade do culo passado, nas cadas de 50 e 60, começou a esboçar uma
reação, particularmente com o desenvolvimento de indústrias de ponta, aproveitando
uma o-de-obra mais qualificada e, particularmente, o aparecimento de centros
tecnológicos que começaram a contribuir para o desenvolvimento de novos
produtos.
138
Todos os outros municípios foram formados por territórios desmembrados
dos mais antigos (quadro 08), sendo que alguns não fazem mais parte da Região
Administrativa de Campinas, apesar de terem originado municípios participantes
(Mogi - Mirim e Jundiaí).
A Região Metropolitana de Campinas se constitui como uma unidade
administrativa cujos municípios apresentam uma característica comum muito
importante: estão integrados econômica e socialmente numa relação de
interdependência funcional não apenas internamente, mas também com todos os
municípios ao derredor (Mapa 4), integrando-se ao restante do Estado por sua
importância econômica, cultural, tecnológica, educacional e política.
Quadro 08 - Região Metropolitana de Campinas: Sinopse dos Desmembramentos Ocorridos nos Municípios (1940-2002)
1940
(1)
1950
(1)
1960
(1)
1970
(1)
1980
(1)
1991
(1)
2002
(2)
Americana Americana Americana Americana Americana Americana Americana
Nova Odessa Nova Odessa Nova Odessa Nova Odessa Nova Odessa
Campinas Campinas Campinas Campinas Campinas Campinas Campinas
Paulínia Paulínia Paulínia Paulínia
Sumaré Sumaré Sumaré Sumaré Sumaré
Hortolândia
(3)
Hortolândia
(3)
Valinhos Valinhos Valinhos Valinhos Valinhos
Cosmópolis Cosmópolis Cosmópolis Cosmópolis Cosmópolis Cosmópolis
Itatiba Itatiba Itatiba Itatiba Itatiba Itatiba Itatiba
Indaiatuba Indaiatuba Indaiatuba Indaiatuba Indaiatuba Indaiatuba
Jundiaí Jundiaí Jundiaí Jundiaí Jundiaí Jundiaí Jundiaí
Vinhedo Vinhedo Vinhedo Vinhedo Vinhedo Vinhedo
Mogi-Mirim Mogi-Mirim Mogi-Mirim Mogi-Mirim Mogi-Mirim Mogi-Mirim Mogi-Mirim
Jaguariúna Jaguariúna Jaguariúna Jaguariúna Jaguariúna
Sto. Ant. de Posse Sto. Ant. de Posse Sto. Ant. de Posse Sto. Ant. de Posse Sto Antônio de Posse
Artur Nogueira Artur Nogueira Artur Nogueira Artur Nogueira Artur Nogueira Artur Nogueira
Eng. Coelho
(3)
Eng. Coelho
Holambra
(3)(*)
Holambra
Monte Mor Monte Mor Monte Mor Monte Mor Monte Mor Monte Mor Monte Mor
Pedreira Pedreira Pedreira Pedreira Pedreira Pedreira Pedreira
Sta. Bárbara d'Oeste Sta. Bárbara d'Oeste Sta. Bárbara d'Oeste Sta. Bárbara d'Oeste Santa Bárbara d'Oeste
Fonte: IBGE; Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de São Paulo, 1970, Quadro Territorial, Administrativo e Judiciário do Estado de São Paulo -
Várias edições, Machado Jr., Armando Marcondes - "Criação dos Municípios do Estado de São Paulo"- 1989. Elaboração: Emplasa, 2002.
Adaptações do Autor.
Notas: (1) Municípios existentes à data dos respectivos censos.
(2) Municípios atualmente existentes.
(3) Município criado em 31 de dezembro de 1991, data posterior à referência do Censo: 1º de agosto.
(*) Quando de sua criação, incorporou ainda parcelas dos municípios de Cosmópolis, Jaguariúna e Santo Antônio de Posse.
Os municípios de Jundiaí e Mogi-Mirim não integram a Região Metropolitana de Campinas.
139
2. Características institucionais e territoriais
da Região Metropolitana de Campinas
Os padrões de urbanização, o crescimento populacional e a própria
organização físico-espacial da Região Metropolitana de Campinas, são
conseqüências do próprio modelo de desenvolvimento econômico periférico e
excludente adotado pelo Brasil, particularmente dos anos de 50 a 80. Assim, nesse
período o crescimento elevado do PIB, resultado de um processo intenso de
industrialização, tivemos o aparecimento e crescimento de um mercado interno. Isso
gerou um deslocamento acelerado de populações dos mais diversos lugares do país
em direção às novas áreas urbanas, fazendo com que as cidades que integraram
esse processo tivessem um crescimento intenso e desordenado, mas que gerou
entre as diversas cidades uma rede urbana significativa e integrada.
Esgotadas as possibilidades do milagre econômico brasileiro esse
dinamismo entra em colapso, provocando desemprego, ampliação do setor informal
e deteriorização das relações de trabalho.
A partir da década de 80 tínhamos algumas grandes concentrações
espaciais da população, originando inchamentos urbanos
46
acentuados, o que
46
Consideramos inchamento urbano o fenômeno gerado pelo crescimento populacional da cidade
sem o correspondente e proporcional aumento dos equipamentos urbanos colocados à disposição da
população em geral.
Mapa 4 – Região Metropolitana de
Campinas e municípios vizinhos
140
provocou uma deteriorização da qualidade de vida, mesmo nas cidades mais ricas
(Campinas, por exemplo).
A própria legislação que regulamenta a expansão urbana e o uso do solo
metropolitano, quase sempre exageradamente detalhista, não foi suficiente para
coibir a expansão irresponsável das periferias urbanas. O próprio Poder Legislativo
concede anistia aos imóveis ilegais
___
desde que não sejam em áreas valorizadas,
de entidades ou pessoas proeminentes da sociedade quando, então, o processo de
desocupação é rápido e eficiente
___
, indiferentes à Lei Federal nº. 6766/79, que
apareceu para coibir e punir os autores de loteamentos irregulares. Notabilizou-se a
atuação do próprio poder público, construindo conjuntos de habitações populares
nas áreas periféricas desassistidas de infraestrutura básica.
As crises econômicas dos últimos 15 anos apenas agravaram a situação
precária dos mais pobres, obrigando-os a efetuarem uma favelização nos
grandes centros urbanos. Na própria Região Metropolitana de Campinas vamos
perceber esse problema, particularmente na própria cidade de Campinas, que é um
dos centros de favelização mais importantes do Estado de São Paulo.
Evidentemente, e isso é confirmado pelos dados, apesar de toda a riqueza
processada na Região Metropolitana de Campinas, encontramos um índice bastante
elevado de pessoas que não tem onde morar ou moram em subhabitações. 97
mil famílias na região metropolitana de Campinas (RMC) que não têm onde morar
ou que vivem em residências inadequadas. O número representa 14,3% do total de
676 mil famílias que moram nas 19 cidades da região” (Farias, 2004
b
: C
1
).
O processo que engendrou o capitalismo da Região Metropolitana, além
de uma população rica e educada, originou um grande contingente de pessoas
vítimas de uma grande desigualdade social, contraste notado particularmente nos
bairros formadores da periferia mais pobre, ou seja: Campo Belo, Outro Verde,
Jardim Campineiro, Vila (Rua) Moscou e Parque Oziel, que representam a face feia
e desconsiderada pelo grande desenvolvimento da Região, o que gera problemas na
distribuição superficial da população, concentrada nas áreas de baixo valor
econômico, em grandes bairros periféricos pobres, favelas em várzeas de rios e
córregos constantemente alagados por ocasião das épocas de chuvas.
O município de Campinas tem apresentado uma tendência, nos últimos 25
anos, de um crescimento populacional menor que as outras áreas da Região
Metropolitana. A partir da década de 80, com a migração de mão-de-obra não-
qualificada para outros municípios vizinhos, a participação relativa da população do
141
município sede cai de 47,22% no período anterior, para 41,28%, enquanto o
Município de Sumaré eleva a sua participação relativa de 7,24% para 11,14% do
total da região (Caiado, 1998: 467). Isto se prende ao fato de que, com a
especialização de Campinas em trabalhos de alta tecnologia, a mão de obra é
altamente selecionada e restritiva, privilegiando os profissionais de nível superior e
de sofisticada formação tecnológica.
Foi a partir da década de 70 que se iniciou o esvaziamento do centro da
cidade de Campinas com uma crescente tendência de horizontalização e
conseqüente periferização das áreas ocupadas pela população, além de um
crescente número de pessoas que optava por morar nas cidades limítrofes, graças a
uma melhoria crescente dos transportes urbanos, originando, em alguns casos,
verdadeiras conurbações. Assim:
Esse padrão de ocupação urbana consolidou-se principalmente no vetor sudoeste
de expansão da cidade, configurando as áreas situadas além da Rodovia
Anhanguera, na direção dos Municípios de Sumaré, Hortolândia, Monte-Mor e
Indaiatuba. No período 80/91 os Municípios de Sumaré (incluído Hortolândia) e
Monte-Mor apresentaram uma das maiores taxas de crescimento da região. O
então distrito de Hortolândia apresentou a densidade mais elevada da região, com
1646,37 hab/km2, seguido pelos Municípios de Americana, Campinas e Sumaré,
com respectivamente, 990,15, 950,66 e 943,72 hab/km
2
(Caiado, 1998: 467).
A Região Metropolitana de Campinas sofreu intensamente todos esses
processos, pelo fato de transformar-se rapidamente no terceiro parque industrial do
país, logo depois da Grande São Paulo e da Grande Rio de Janeiro.
Aproveitando incentivos governamentais das décadas de 70/80 as
indústrias se concentraram particularmente no eixo formado pelas grandes rodovias,
originando conurbações entre os municípios de Campinas, Valinhos, Vinhedo, Monte
Mor, Sumaré, Hortolândia, Indaiatuba, Paulínia, Nova Odessa, Santa Bárbara
d’Oeste e Americana, seguindo a Rodovia Anhangüera, que liga a Grande São
Paulo ao interior do estado, gênese da própria Região Metropolitana de Campinas.
É nesse período que destacamos o crescimento de cidades como
Sumaré, Nova Odessa e Santa Bárbara D’Oeste. “Na verdade o Município de
Sumaré, principalmente no que diz respeito ao então distrito de Hortolândia,
emancipado em 1991, apresenta características de periferia, abrigando a população
de mais baixa renda, que na sua grande maioria trabalha em Campinas. Nova
Odessa e Santa Bárbara D’Oeste por sua vez, assumem também o papel de
periferia de Americana, considerado o segundo centro da Região, apresentando,
como Sumaré, altas taxas de crescimento do saldo migratório” (Caiado: 1998: 466).
142
A partir da década de 90, devido à própria crise econômica brasileira, o
município de Campinas começa a sofrer uma descentralização industrial e
populacional em direção à periferia, provocando uma articulação bastante intensa
entre os setores produtivos de Campinas e os municípios conurbados vizinhos.
Mesmo a implantação do Distrito Industrial de Campinas, a abertura do Aeroporto de
Viracopos e o desenvolvimento de vários conjuntos habitacionais instalados pelas
COHABs em Campinas, não conseguiu provocar uma reversão dessa tendência,
determinando apenas uma estabilização do fluxo populacional.
A via Anhanguera constituiu-se no eixo principal de ocupação da região,
modificando completamente a vida e o cotidiano das populações por onde ele se
desloca, especialmente concentrando a população entre Vinhedo e Americana como
uma faixa quase contínua. Ele configura a economia e o mercado de trabalho na
região, especialmente concentrando a população mais pobre nas proximidades de
Hortolândia, Sumaré e Monte-Mor. As populações de melhor poder aquisitivo
acabam por se posicionar nas regiões mais valorizadas de Valinhos e Vinhedo, com
grandes condomínios fechados. os municípios de Americana, Santa Bárbara
d’Oeste e Nova Odessa, ainda no eixo Anhangüera, destacam-se como uma área
têxtil. Paulínia, Jaguariúna e Mogi-Mirim aparecem como áreas em franca
conurbação. “Os Municípios de Artur Nogueira, Engenheiro Coelho (emancipado de
Artur Nogueira em dezembro 1991), Santo Antônio de Posse, Pedreira e Jaguariúna,
apesar de manterem estreitas relações de interdependência com Campinas, não se
encontram conurbados, apresentando um processo de desenvolvimento econômico
diferenciado do eixo da Anhanguera” (Caiado: 1998: 469-470).
Como resultado desse processo de crescimento econômico e populacional
a região começa a apresentar um dinamismo comercial intenso, especialmente a
partir da abertura da Rodovia D. Pedro I, a implantação de vários estabelecimentos
comerciais de abrangência regional, (Makro, Carrefour, Shoppings Iguatemi e
Galeria, entre outros) a instalação da Universidade Estadual de Campinas
UNICAMP, do Campus I da PUC-Campinas, a instalação do Pólo de Alta Tecnologia
do CIATEC (Pólo I), da Refinaria do Planalto REPLAN e do Pólo Petroquímico a
ela associado, instalados no Município de Paulínia, provocando um extraordinário
crescimento da arrecadação dessas cidades, particularmente desta última.
É nesse processo que vamos perceber uma acentuação do inchamento
urbano das cidades sedes municipais, agravando os problemas sociais,
particularmente das populações que começam a se concentrar fortemente
143
desordenadas nas periferias urbanas, que o havia uma legislação específica
para organizar o parcelamento e ocupação do solo urbano. Isso acontecia mesmo
em cidades que se anteciparam à legislação federal sobre o tema, que viria
posteriormente, como é o caso de Campinas (a Lei de Parcelamento do Solo de
Campinas foi aprovada em 1959).
Hoje, a cidade de Campinas tem sua urbanização bem diversificada, com
grandes ocupações e favelas, mas destacam-se também áreas de urbanização
consolidada e adensada, onde despontam as atividades comerciais, de serviços e
institucionais, e o uso residencial de dio e alto padrão. Nas regiões dos distritos
de Sousa e Joaquim Egídio vamos encontrar ainda amplas áreas desocupadas,
produto de especulação imobiliária para instalação de condomínios de alto padrão.
3. A violência e a criminalidade na Região
Metropolitana de Campinas
Campinas é um centro tecnológico, educacional e industrial e, por isso
mesmo, uma região propícia à criminalidade e violência, visto que uma parcela
significativa da população é completamente excluída do acesso à melhor qualidade
de vida e tecnologia, enquanto outra parcela, bem menor, apresenta um nível de
vida semelhante aos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. É esse contraste
acentuado que alimenta os sentimentos de injustiça e de exclusão social das
populações mais pobres, particularmente aquelas das periferias urbanas ou de
áreas degradadas do centro velho da cidade.
Quando a VBTU
47
, maior permissionária do transporte urbano de
Campinas, no dia 11 de fevereiro de 2004, suspendeu por tempo indeterminado sua
linha de ônibus que servia a população do Parque Oziel, maior ocupação da
América Latina, pelo fato de um dos seus motoristas ter sido ameaçado de morte,
estava culminando uma situação que vinha se arrastando por várias semanas. Era
comum o motorista ter que deixar os passageiros saírem sem pagar a passagem,
ameaçado por bandidos, muitas vezes com armas apontadas para a sua cabeça.
A linha do Parque Oziel transporta cerca de 850 passageiros por dia,
servindo um bairro (ocupação) com uma população estimada em 35.000 pessoas.
Entrevistada, uma moradora desabafou: “Já temos uma série de problemas aqui.
Agora, fica tudo muito difícil sem ônibus. Moro no final do bairro e tenho que andar
47
VBTU Transporte Urbano de Campinas Ltda. Uma das seis empresas permissionárias dos
transportes urbanos em Campinas.
144
mais de 20 minutos a pé, durante a noite, até minha casa. É muito perigoso. Com o
ônibus, desço na rua de casa” (Rossi, 2004: c1).
A violência e a criminalidade são dois referenciais que se transformam no
tempo e se adaptam às condições locais do espaço geográfico. A Região
Metropolitana de Campinas, apesar de não ter uma históriao longa nesse sentido,
tem uma história bastante variada e vivida intensamente.
3.1. O passado e o presente distante
Na segunda metade do século XIX a região de Campinas era
caracterizada por possuir uma sociedade escravista, com a economia baseada no
cultivo do café. Por essa razão, na medida em que as leis que precederam a
abolição da escravatura avançavam, a quantidade de negros fugidos, alforriados e
mestiços livres, aumentava e se concentrava nos bairros periféricos da época ou em
cortiços que começaram aparecer nas áreas mais deterioradas do organismo
urbano.
A grande maioria vivia de pequenos trabalhos, esporádicos e mal
remunerados, de caridade, prostituição e de outros expedientes mais ou menos
lícitos. Esse ambiente promíscuo e, de certa forma devasso, produzia a
criminalidade da época, quando os habitantes reclamavam das autoridades
policiais providências no sentido de acabar com aquela imoralidade(Martins, 2003:
84). Essa era a Campinas na segunda metade do século XIX.
Não era apenas a prostituição que dava trabalho à polícia, mas a grande
quantidade de pessoas desocupadas que se concentravam nesses biombos
___
como eram chamados esses prostíbulos
___
, transformando-se em regiões
perigosas para o trânsito das pessoas, até mesmo durante o dia.
Quando essa situação começou a incomodar as famílias mais importantes
da cidade, houve um aumento do combate à vadiagem por parte da polícia e a
criação de entidades para o recolhimento de inválidos e mendigos. Dessa forma,
nas décadas finais do século XIX e início do XX, com a passagem do trabalho
escravo ao livre no Brasil, ocorreu em Campinas um processo de higienização e
controle social, no qual a polícia exerceu a função pedagógica de ‘educadora’, e as
classes populares, vistas como perigosas, o papel de educandos’ (Martins, 2003:
85). Dentro desse processo educativo a corporação policial passou a exercer esse
papel de “educadora” da população menos favorecida economicamente.
145
Nesses lugares perigosos e de criminalidade e imoralidade, não apenas
pessoas desonestas, vagabundos, criminosos ou prostitutas acabavam se reunindo,
mas também policiais
___
praças
___
instados pela população para colocar ordem no
lugar, que acabavam por esquecer a finalidade de sua presença ali, e acabavam por
se utilizar dos serviços oferecidos pelas prostitutas. Esses locais acabam por se
transformar em antros de jogatina e brigas,onde se juntam escravos e mulheres de
condição reles, juntamente com praças de linha e de permanentes que fazem motim
todos em parceria” (Diário de Campinas, 13/10/1880, p. 2; 20/5/1883, p. 2). (Martins,
2003: 86).
A população reclamava das autoridades constituídas sem receber
qualquer resposta no sentido de coibir a presença e a conivência dos policiais com
tais situações. Temos visto também, e não é raro, alguns mantenedores da ordem
entre a récua de vagabundos e de parceria com as Camélias sujas que ali se
reúnem para escândalo da moralidade pública (...), e depõem contra a civilização da
cidade’ (Diário de Campinas, 6/10/1880, p. 2)” (Martins, 2003: 87).
Como se pode perceber, pelo trecho acima, desde aquela época o
contingente policial já era considerado inadequado e insuficiente para manter a
ordem pública, além de corrupto e conivente com a criminalidade.
3.2. A violência e a criminalidade
Jurandir Fernandes, ex-secretário municipal de transportes de Campinas,
lembra que em 1993 a morte no trânsito era a principal causa das mortes violentas,
ou seja, 53% das mortes (354) por causas externas, enquanto que os 47% restantes
estavam distribuídos pelos homicídios, afogamentos, queimaduras, etc. Em 2002, as
relações já tinham se invertido, pois o trânsito campineiro ceifou 102 vidas, enquanto
a criminalidade atingia o patamar de 666 homicídios (Rosa, 2003: 08).
Em 1988, portanto antes da explosão do crime ligado ao tráfico de drogas,
se observava na cidade de Campinas, com relação ao tipo e quantidade dos
delitos cometidos, a presença de adolescentes e jovens ligados à criminalidade:
Dos 18 aos 21 anos foram 25 pessoas, ou seja, 30,12%; dos 22 aos 30 anos foram
39 pessoas, ou seja. 46.98%; de 31 a 40 anos foram 14 pessoas, ou seja, 16,86% e
de 41 a 50 anos foram 5 pessoas ou 6,02%. Não se registrou nenhum sujeito ativo
com idade superior a cinqüenta anos” (Dias da Silva, 1988: 41-43).
Com o advento do tráfico de drogas, rapidamente transformado em crime
organizado, essa situação se agrava aparecendo uma quantidade sempre crescente
146
de jovens e crianças envolvidas nessas atividades, com a anuência de parentes,
que: “Mais de 80% dos traficantes dizem que são pressionados pelas famílias dos
jovens das favelas para que aceitem seus filhos no tráfico. As famílias fazem isso
para que os adolescentes tenham segurança e dinheiro, além de status dentro da
comunidade.” (Manha, 2004: A
5
).
As reações a essa situação não tardam e são extremadas e radicais.
Defende-se abertamente, em alguns setores da sociedade campineira, a violência
para tentar conter os atos criminais violentos, inclusive considerando o recurso para
obter informações e confissões de criminosos.
A violência não é um fenômeno característico de determinado extrato da
sociedade, mas aparece de forma clara ou mitigada, em todos os lugares.
Percebemos, entretanto, que à medida que a população aumenta sua concentração
nas cidades, os índices de violência criminal aumentam exponencialmente.
Nos últimos trinta anos, especialmente após a década de 70, como
resquícios do Milagre Econômico Brasileiro a população da Região tem
apresentado um incremento substancial de habitantes e, coincidência ou não, um
aumento da criminalidade (tabela 11).
Levando-se em consideração a pesquisa do perfil do usuário de drogas e
do traficante elaborado pelo Departamento de Investigações sobre Narcóticos
(Denarc), a partir de 3.115 entrevistas com pessoas atendidas pela Divisão de
Prevenção e Educação e da prisão de 3.242 pessoas, vendendo ou usando drogas,
nos dois últimos anos, chegamos à conclusão que o problema do tráfico e uso de
Tabela 11 – Aumento da população e evolução do número de ocorrências políciais segundo os
municípios da Região Metropolitana de Campinas
147
drogas tende a agravar-se fortemente em o Paulo. O diretor do Denarc, Ivaney
Cayres de Souza, explicou que, dos 3.115 entrevistados, 89% dos homens e 11%
das mulheres são dependentes de algum tipo de droga. ‘O que chamou a atenção
na pesquisa foi o aumento, na faixa etária até 15 anos, com 23% de dependentes. O
número foi bem menor nos anos anteriores’” (Lombardi, 2004: 01).
Este contingente de jovens representa o estoque de reposição de mão-
de-obra do tráfico, isto é, um enorme exército de trabalhadores de reserva”. Como
se vê, é um estoque abundante e barato de alta rotatividade e que paga caro sua
opção de trabalho: está havendo um grande aumento da taxa de mortalidade por
causas externas verificada entre os jovens e adultos, particularmente entre os
primeiros a partir da década de 80, quando o tráfico e a criminalidade por ele gerada
começaram a assumir papel extremamente importante.
“Enquanto a população de Campinas cresce 27% entre 1980 e 1991 e 6% na
década de 90, o contingente populacional de 15 a 44 anos aumenta em 30% e
16,4% nos dois períodos, respectivamente. Por outro lado, as mortes por causas
externas da população nessa mesma faixa etária aumentam 81,7% entre 1980 e
1991 e 63% entre 1991 e 2000. Considerando somente os óbitos com causa
classificada como agressão, independente do conhecimento da intencionalidade, o
acréscimo é de 88,6%, nos anos 80, e de 198,5% nos anos 90, ou seja,
crescimento três e doze vezes maior do que o verificado para a população na
mesma faixa etária, respectivamente” (Aidar, 2002: 11).
Apesar de todo o desenvolvimento obtido pela Região Metropolitana de
Campinas, a Prefeitura de Campinas afirma existir aproximadamente 1.105 crianças
e adolescentes com menos de 16 anos, em estado de mendicância ou dentro do
mercado informal. Predomina (73,6%) crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos,
trabalhando como limpadores de vidros de carros nos semáforos, vendedores de
flores, balas e outros produtos (Bassette, 2004: C
1
), os demais vivem de esmolas.
Isso pode melhor ser visualizado no quadro a seguir (quadro 09).
Quadro 09 - O trabalho infantil em Campinas: maio de 2003 até maio de 2004
1.105 é o número de crianças e adolescentes até 15 anos trabalhando nas ruas em Campinas
73,6% (814) são crianças de 10 a 16 anos.
Dos 1.105 adolescentes, 28,32% (313) trabalham pedindo esmolas.
Os 71,67% (792) restantes atuam no trabalho informal ---limpando vidros, vendendo flores, balas, etc.
Do total, 17, 92% (198) são de outras cidades da região.
42,93% (85) são de Hortolândia.
30,30% (60) são de Sumaré.
15,6% (31) de Monte Mor.
Resultados:
- Do total de crianças e adolescentes das ruas, 8,14% (90) foram inseridos no programa Convivência e Cidadania, desenvolvido pela
Prefeitura de Campinas.
- Após trabalho com a família em parceria com Conselho Tutelar, 270 não votaram para as ruas.
Fonte: Campinas tem 1.105 menores nas ruas. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, p. C
1
, 13 de junho de 2004.
148
Mais facilmente isso será observado (tabela 12) quando percebemos que
a mortalidade por armas de fogo, no município de Campinas, passou de 13,4 por
100.000 habitantes em 1980, para 97,8 em 2.000. Entre as mulheres, esse índice
passou de 1,6 para 7,0 % (Aidar, 2002: 19).
Segundo a mesma autora, considerando apenas os óbitos relativos a
agressão, o acréscimo foi de 88,6% nos anos 80, e de 198,5% nos anos 90,
caracterizando um crescimento três e doze vezes maior do que o verificado para a
população na mesma faixa etária, respectivamente, caracterizando uma verdadeira
matança de jovens, entre 15 e 25 anos, para os quais as agressões representaram
82,7% das causas externas. Assim, dentro dessa perspectiva, calcula-se que o
tempo médio de vida perdido por homicídios na população através de arma de fogo,
na década de 80, cresceu numa velocidade de aproximadamente 7% ao ano entre
os homens, e de menos que 3% entre as mulheres. na segunda metade da
década de 90 esse crescimento era de 15% para a população masculina e 20% para
a feminina, segundo Aidar (2002: 15 e 24).
A partir do final da década de 90 e dos primeiros anos desta década, a
criminalidade na Região Metropolitana de Campinas, ligada particularmente aos
roubos, furtos, assaltos e homicídios, tem crescido gradativamente, mas tem tido
uma queda sensível na área urbana de Campinas (Tabela 13). Tudo indica que isso
se deve ao melhor preparo da polícia, tanto em armamentos como em tecnologia,
Tabela 12 – Taxa de mortalidade, por subgrupos de causas externas, sexo e faixa etária (1980-2000)
Fonte: AIDAR, Tirza. As causas externas e o perfil de mortalidade da população residente no município de Campinas entre
1980 e 2000. Campinas, UNICAMP/NEPO, 2002, p. 19.
149
enquanto que está havendo uma “migração” dos crimes para áreas de fora da região
urbana campineira, onde as riquezas aparecem menos concentradas, mas as
possibilidades de sucesso são maiores, visto não encontrar policiais tão bem
aparelhados e preparados como em Campinas.
Nesse quadro observa-se um aumento sensível da violência na região de
Hortolândia que, por seus índices de criminalidade é uma das cidades mais violentas
do Brasil. Em 2001, o comandante local da Polícia Militar propôs ao prefeito
municipal da época, Sr. Jair Padovani, que passassem a fiscalizar os bares
irregulares dos bairros mais violentos e obrigassem todos a fecharem suas portas
após as dez da noite. Os resultados apareceram imediatamente: de um assassinato
a cada dois dias, passaram 45 dias sem nenhum evento dessa natureza (Silva Filho,
2002: C
4
). A partir daí os crimes em geral caíram 70%.
Uma evolução positiva da qualidade de vida da população, maior
segurança nos transportes e uma medicina de tecnologia mais adiantada, acaba por
trazer ganhos nas taxas de mortalidade da população campineira, com acréscimos,
entre 1980 e 2000, de 3,1 anos para os homens e de 5,4 para as mulheres (Aidar,
2002: 23). Essa diferença entre os ganhos dos homens e das mulheres consiste no
fato de que os homens são aqueles que mais intensamente são eliminados pelas
Tabela 13 – A violência e a criminalidade na Região Metropolitana de Campinas (2001-2002)
Fonte: Jornal: Folha de S. Paulo, Crimes diminuem em Campinas, mas crescem na RMC. p. C
1
, 01/11/2002
a
.
150
guerras do tráfico. Se isso não acontecesse, ou seja, se as causas externas fossem
eliminadas, os homens teriam tido um acréscimo de cerca 7,4 anos na esperança de
vida, e as mulheres teriam mais 6,3 anos. Por essas razões, na Região
Metropolitana de Campinas (Aidar, 2002: 24), temos uma expectativa de vida de
78,2 anos para as mulheres e cerca de 67,7 para os homens.
Desde os anos 50 a taxa geral de mortalidade tem diminuído. Essa
redução vai sendo constante até chegarmos aos anos 90 onde essa tendência se
inverte, começando a apresentar um crescimento dos índices de morte,
comportamento discrepante em relação aos últimos 60 anos (gráfico 9).
O principal incremento nos índices de mortalidade está no grande
aumento das mortes por causas externas, situado nas faixas que correspondem à
população jovem e adulta, mais atingida pelas mortes violentas. Essa tendência
vai se acentuando com o tempo, sendo que esses índices implicam, principalmente,
em homicídios por armas de fogo.
Os homicídios foram a principal causa do aumento da mortalidade por
causas externas, acompanhados das agressões de uma maneira geral,
representando um incremento de 70% entre 1980 e 2000, e, atingindo
preferentemente a faixa etária entre 15 e 25 anos (tabela 14).
Gráfico 9 – Taxas de mortalidade bruta/mortalidade infantil na Região Metropolitana de Campinas
151
Nos primeiros anos da década atual o município de Campinas constituiu-
se num dos maiores focos de violência e criminalidade do Estado de São Paulo,
contribuindo para o aumento da criminalidade nos municípios vizinhos da Região
Metropolitana de Campinas, especialmente em Indaiatuba, Monte Mor, Valinhos e
Hortolândia. Em Indaiatuba, por exemplo, a criminalidade praticamente dobrou, a
ponto de ser formada a Asin (Associação de Segurança de Indaiatuba), visando
financiar a compra de material para modernizar e equipar as polícias da cidade. Em
Valinhos, os assassinatos praticamente triplicaram. Coisa parecida aconteceu com
Monte Mor e Hortolândia e Paulínia. Hoje, Sumaré lidera a região com um dos
maiores índices de homicídios dolosos entre municípios do Estado de São Paulo, ou
seja, 45,89 casos por grupo de 100 mil habitantes (Penteado, 2002: C
4
).
Entretanto, nos últimos anos, vemos algumas ações que parecem dar
bons resultados e têm como conseqüência a diminuição dos homicídios dolosos,
como é o caso de Hortolândia, que interrompeu um aumento crescente nessas taxas
e, posteriormente, conseguiu diminuir o nível de violência, fechando os bares
irregulares
___
os regulares, na periferia, passaram a fechar as 22 horas
___
, e uma
priorização nas apreensões e combate de drogas (Liza Júnior, 2002
b
: C3).
Essas políticas públicas de segurança tem tido grande apoio da própria
população que tem idéias bem definidas com relação ao aumento da criminalidade
na Região, creditando essa violência à impunidade que os menores de idade
gozam. Pesquisa feita pelo Instituto DataCorp aponta que 89% dos campineiros
entrevistados o favoráveis à redução da idade penal, estabelecida hoje em 18
anos, enquanto apenas 10% se posicionam de forma contrária à medida e 1% se
declara indiferente ao assunto”. A mesma pesquisa completa mais à frente para
Tabela 14 – Evolução da taxa de mortalidade, (causa, sexo e idade), na RMC (1980 – 2000)
152
48,50% dos que se defendem a idéia, os menores deveriam ser responsabilizados
legalmente pelos seus crimes a partir dos 16 anos. 29% defendem que a
maioridade seja reduzida para 14 anos e 22,5%, para 12 anos”. Além disso,
acreditam que Existe cerca de 20% de internos que não aceitam aulas, ameaçam
os professores e atrapalham o trabalho que o Estado está desenvolvendo
(Azevedo, 2003: 4). Essas mesmas pesquisas mostram que o Oziel é um dos
bairros mais perigoso de Campinas, onde os crimes acontecem com mais
freqüência.
O bairro mais perigoso de Campinas, onde acontecem mais crimes, é o Parque
Oziel, na opinião dos entrevistados pelo instituto de pesquisa DataCorp. Para
14,33% dos pesquisados, aquela área de ocupação lidera o ranking do perigo, que
vem seguido do Jardim São Marcos (9,67%), Vida Nova (8,89%), São Fernando
(7,22%) e Centro (5,89%). A população, no entanto, não o Jardim Monte Cristo,
a área de ocupação que integra o complexo Oziel, como violento. Apenas 1,89%
dos entrevistados citaram essa ocupação” (Teresa Costa, 2002: C
3
).
Para grande parte da população campineira (20,78%), a violência
constitui-se num problema sério em seus bairro, sendo que, para 13,67%, é
considerado muito sério, como mostraram as pesquisas.
A visão que o campineiro tem da violência em sua cidade e em seu bairro
vem da década passada. Ela é bem realista e foi mostrada em uma pesquisa
encomendada pela RAC (Rede Anhanguera de Comunicações) à DataCorp, em
outubro de 2001. Nessa pesquisa vemos que 43,33% dos campineiros consideram
que a solução para a violência e a criminalidade em sua cidade é aumentar o
policiamento nas ruas, porcentagem que vem apresentando uma variação constante
especialmente a partir de meados da década de 90, ou seja, em 1997 tínhamos
31,6%, em 2000 tínhamos 21,33%, em 2001 essa cifra subia para 55,08%.
Essa pesquisa apontou mais coisas interessantes, como apoio à pena de
morte (8,89%), educação (5,89%), exército nas ruas (1,11%), ou não sabem o que
deve ser feito (9,11%). Além disso, é clara a constatação do aumento da violência e
da criminalidade para a imensa maioria da população (83,89%), mas também
notamos uma incongruência na fala dos entrevistados, pois consideram que a
violência (gráfico 10) é um problema apenas sério no bairro (20,78%), médio
(32,44%) ou “não é grave” (32,56%). Existe uma naturalização da violência.
153
A degradação dos edifícios, praças e vias de trânsito nas áreas centrais e
da periferia de Campinas, tem contribuído decididamente para um processo de
depredação e ausência de respeito pela propriedade, pelo bem-estar das pessoas e,
principalmente, pela vida. Assim, pequenas infrações e ilegalidades tornam-se
freqüentes no dia-a-dia das pessoas que transitam por essas áreas e representam
os primeiros passos para que esses locais virem antros de alta criminalidade.
Os crimes contra a pessoa, facilmente identificáveis pelas marcas e
seqüelas que deixam
___
principalmente quando os corpos ficam expostos durante
muito tempo nas vias públicas e se referem a pessoa conhecida e de boa situação
econômica
___
, constituem-se numa modalidade que traz grande comoção social,
muita divulgação por todos os tipos de mídia provocando um medo exagerado e
irracional na população, que passa a evitar sair à rua para os atos mais comuns de
sua existência. Frequentemente evitam, até mesmo, ir ao supermercado fazer as
compras necessárias do cotidiano.
Analisando os dados da Região Metropolitana de Campinas, vamos notar
que as ocorrências criminais contra a pessoa, em 1997 (tabela 15), no que diz
respeito a homicídios/tentativas, aparecem especialmente nos municípios de Monte
Mor (10,3%), Sumaré (10,0%), Engenheiro Coelho (8,5%), Hortolândia (7,0%) e
Campinas (7,0%). Em 2000 (tabela 16), verificamos uma tendência de queda (Monte
Mor 9,1%; Sumaré 8,4%; Engenheiro Coelho 2,5%; Campinas 6,2%) na maioria dos
municípios, acompanhando uma tendência geral do Estado de São Paulo (tabelas
24 e 25). Entretanto, alguns municípios apresentaram uma alta (Hortolândia 9,5%;
Jaguariúna 6%; Santo Antonio de Posse 6,6%; Vinhedo 2,8%). A população ficou
particularmente sensível às mortes violentas quando até mesmo o prefeito municipal
Gráfico 10 – Como o campineiro vê a violência em sua cidade
Fonte: Jornal Correio Popular, Campinas, Caderno Cidades,07 de abril de 2002.
154
de Campinas (Toninho do PT) acabou como notícia de violento assassinato, por
sinal, até hoje, não perfeitamente esclarecido.
As lesões corporais, por serem crimes mais de ocasião, aparecem bem
mais igualmente distribuídas por todos os municípios, mas também em queda
percentual em todas as localidades, como se nota nas tabelas citadas, ocorrendo
um aumento nos outros tipos de crimes contra a pessoa.
Com relação aos crimes contra o patrimônio (tabela 17), observamos que
houve certa estabilidade seguida de pequeno decréscimo, entre 1999 e 2000, nos
furtos e tentativas (tanto de veículos quanto às outras modalidades), no entanto, en-
quanto ocorreu aumento dos roubos e tentativas de roubos, os estelionatos, crimes
baseados na ignorância e boa fé da população, caíram. Isso parece indicar uma
população melhor informada e escolarizada. Os outros tipos de crimes contra o
patrimônio apresentaram decréscimo.
A partir de 2002 aumentou significativamente os índices de violência na
Região Metropolitana de Campinas. Segundo Pinheiro (2004: C
1
), os crescimentos
mais significativos ocorreram no número de latrocínio (18%) e nas prisões
envolvendo tráfico de entorpecentes (21%), na comparação com 2002”.
A Secretaria de Estado da Segurança blica registrou que 9 de 12 tipos
Tabela 15 - Região Metropolitana de Campinas: Número
de Ocorrências Criminais Contra a Pessoa, segundo os
Municípios (1997)
Municípios
Homicídios/
Tentativas
Lesões
Corporais Outros Total
Nºs Abs. % Nºs Abs. % Nºs Abs. % Nºs Abs. %
Americana 89 3,5 1.787 70,4 662 26,1 2.538 100,0
Artur Nogueira 17 3,9 296 68,5 119 27,5 432 100,0
Campinas 947 7,0 7.728 57,5 4.762 35,4 13.437 100,0
Cosmópolis 19 5,5 229 66,0 99 28,5 347 100,0
Eng. Coelho 8 8,5 53 56,4 33 35,1 94 100,0
Holambra 2 3,4 47 79,7 10 16,9 59 100,0
Hortolândia 89 7,0 669 52,8 510 40,2 1.268 100,0
Indaiatuba 65 3,4 1.315 67,8 559 28,8 1.939 100,0
Itatiba 34 3,8 556 62,7 297 33,5 887 100,0
Jaguariúna 22 5,2 287 67,2 118 27,6 427 100,0
Monte Mor 41 10,3 234 58,8 123 30,9 398 100,0
Nova Odessa 27 3,5 475 61,8 266 34,6 768 100,0
Paulínia 46 5,4 573 67,2 234 27,4 853 100,0
Pedreira 7 1,2 412 69,7 172 29,1 591 100,0
S. B. d'Oeste 91 4,7 1.266 65,7 570 29,6 1.927 100,0
S. A. de Posse 13 6,4 115 56,4 76 37,3 204 100,0
Sumaré 197 10,0 1.360 69,1 411 20,9 1.968 100,0
Valinhos 29 3,8 554 72,8 178 23,4 761 100,0
Vinhedo 16 2,6 428 68,6 180 28,8 624 100,0
Reg. Metropolitana 1.759 6,0 18.384 62,3 9.379 31,8 29.522 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade. Elaboração: Emplasa, 2002.
Adaptações do Autor.
Tabela 16 - Região Metropolitana de Campinas: Número
de Ocorrências Criminais Contra a Pessoa, segundo os
Municípios (2000)
Municípios
Homicídios/
Tentativas
Lesões
Corporais Outros Total
Nºs Abs. % Nºs Abs. % Nºs Abs. % Nºs Abs. %
Americana 100 3,5 1.796 63,1 950 33,4 2.846 100,0
Artur Nogueira 19 3,4 371 66,6 167 30,0 557 100,0
Campinas 892 6,2 7.781 53,8 5.785 40,0 14.458 100,0
Cosmópolis 34 5,3 408 63,7 199 31,0 641 100,0
Eng. Coelho 4 2,5 75 46,9 81 50,6 160 100,0
Holambra 3 2,7 69 62,7 38 34,5 110 100,0
Hortolândia 171 9,5 872 48,3 762 42,2 1.805 100,0
Indaiatuba 76 3,0 1.487 58,2 992 38,8 2.555 100,0
Itatiba 31 2,7 658 58,1 444 39,2 1.133 100,0
Jaguariúna 28 6,0 225 48,3 213 45,7 466 100,0
Monte Mor 52 9,1 308 53,9 211 37,0 571 100,0
Nova Odessa 21 2,2 527 55,6 400 42,2 948 100,0
Paulínia 44 3,9 679 60,0 408 36,1 1.131 100,0
Pedreira 4 0,5 429 55,1 346 44,4 779 100,0
S.B. d'Oeste 95 4,0 1.326 56,3 936 39,7 2.357 100,0
S.A. de Posse 18 6,6 130 48,0 123 45,4 271 100,0
Sumaré 230 8,4 1.692 62,0 806 29,5 2.728 100,0
Valinhos 27 1,8 887 58,3 608 39,9 1.522 100,0
Vinhedo 22 2,8 473 59,2 304 38,0 799 100,0
Reg. Metropolitana 1.871 5,2 20.193 56,3 13.773 38,4 35.837 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade.
Elaboração: Emplasa, 2002. Adaptações do Autor.
Tabela 17 - RMC: Evolução do Número de Ocorrências Criminais Contra o Patrimônio (1997/2000)
Denominação da
Ocorrência
1997 1998 1999 2000
Nºs. Abs. % Nºs. Abs. % Nºs. Abs. % Nºs. Abs. %
Furtos/Tentativas 29.589 52,0 33.049 51,1 36.828 50,2 36.385 47,0
- Veículos 6.725 11,8 7.943 12,3 10.210 13,9 9.910 12,8
- Outros 22.864 40,1 25.106 38,8 26.618 36,2 26.475 34,2
Roubos/Tentativas 19.742 34,7 23.649 36,6 27.836 37,9 32.521 42,0
- Veículos 5.486 9,6 8.052 12,5 10.962 14,9 14.552 18,8
- Outros 14.256 25,0 15.597 24,1 16.874 23,0 17.969 23,2
Estelionatos 2.984 5,2 2.804 4,3 3.341 4,5 3.066 4,0
Outros 4.634 8,1 5.146 8,0 5.424 7,4 5.421 7,0
Total 56.949 100,0 64.648 100,0 73.429 100,0 77.393 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade. Elaboração: Emplasa, 2002.
Adaptações do Autor.
155
de crime apresentaram crescimento nas 90 cidades da área administrativa
centralizada em Campinas, contabilizando que o número de prisões ligadas ao
tráfico de entorpecentes saltou de 1.686 em 2001, para 1.891, em 2002, e, 2.287 em
2003.
Para os latrocínios, ou seja, roubos seguidos de morte, considerados dos
crimes mais torpes pelos especialistas, tivemos 84 casos em 2001, diminuindo para
67 em 2002 e atingindo 79 em 2003 (Pinheiro D., 2004: C
1
).
Nos crimes contra a incolumidade pública (tabelas 18 e 19), ou seja, os
crimes que envolvem entorpecentes, tanto no que se refere ao tráfico como ao uso,
Tabela 18 - Região Metropolitana de Campinas: Número de
Ocorrências Criminais Contra a Incolumidade Pública,
segundo os Municípios (1997).
Municípios
Entorpecentes,
Tráfico/Uso Outros Total
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Americana 126 82,4 27 17,6 153 100,0
A. Nogueira 24 70,6 10 29,4 34 100,0
Campinas 644 86,0 105 14,0 749 100,0
Cosmópolis 35 51,5 33 48,5 68 100,0
Eng. Coelho 1 16,7 5 83,3 6 100,0
Holambra 1 100,0 - - 1 100,0
Hortolândia 44 71,0 18 29,0 62 100,0
Indaiatuba 81 86,2 13 13,8 94 100,0
Itatiba 41 89,1 5 10,9 46 100,0
Jaguariúna 17 68,0 8 32,0 25 100,0
Monte Mor 8 38,1 13 61,9 21 100,0
Nova Odessa 12 21,8 43 78,2 55 100,0
Paulínia 39 70,9 16 29,1 55 100,0
Pedreira 14 70,0 6 30,0 20 100,0
S. B. d'Oeste 85 51,2 81 48,8 166 100,0
S. A. de Posse 9 64,3 5 35,7 14 100,0
Sumaré 41 73,2 15 26,8 56 100,0
Valinhos 25 80,6 6 19,4 31 100,0
Vinhedo 24 75,0 8 25,0 32 100,0
Reg. Metropol. 1.271 75,3 417 24,7 1.688 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade.
Elaboração: Emplasa, 2002. Adaptações do Autor.
Tabela 19 - Região Metropolitana de Campinas: Número de
Ocorrências Criminais Contra a Incolumidade Pública,
segundo os Municípios (2000)
Municípios
Entorpecentes,
Tráfico/Uso Outros Total
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Americana 208 37,7 344 62,3 552 100,0
Artur Nogueira 37 80,4 9 19,6 46 100,0
Campinas 750 84,1 142 15,9 892 100,0
Cosmópolis 31 63,3 18 36,7 49 100,0
Eng. Coelho 5 35,7 9 64,3 14 100,0
Holambra 8 100,0 - - 8 100,0
Hortolândia 97 70,3 41 29,7 138 100,0
Indaiatuba 52 64,2 29 35,8 81 100,0
Itatiba 56 83,6 11 16,4 67 100,0
Jaguariúna 35 67,3 17 32,7 52 100,0
Monte Mor 13 39,4 20 60,6 33 100,0
Nova Odessa 12 48,0 13 52,0 25 100,0
Paulínia 63 69,2 28 30,8 91 100,0
Pedreira 20 69,0 9 31,0 29 100,0
S.B. d'Oeste 72 64,9 39 35,1 111 100,0
S.A. de Posse 10 83,3 2 16,7 12 100,0
Sumaré 54 78,3 15 21,7 69 100,0
Valinhos 31 79,5 8 20,5 39 100,0
Vinhedo 59 80,8 14 19,2 73 100,0
Reg. Metropol. 1.613 67,7 768 32,3 2.381 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade.
Elaboração: Emplasa, 2002. Adaptações do Autor.
156
vamos ver que são modalidades criminosas que tem crescido destacadamente em
termos absolutos. Alguns municípios apresentaram um melhora, como Indaiatuba
(de 81 casos para 52), Santa Bárbara d’Oeste (de 85 casos para 72) e Cosmópolis
(de 35 casos para 31).
Para se ter uma idéia do que isso representa, nas ocorrências policiais
registradas por natureza do crime, de acordo com os diversos municípios que
compõem a Região Metropolitana de Campinas observamos que, no ano de 2000,
tivemos um total de 121.362 ocorrências (tabela 20), o que demanda, teoricamente,
grande número de profissionais, o que não ocorre na prática, razão pela qual a
imensa maioria das ocorrências acaba ficando no papel, sem mesmo qualquer tipo
de investigação.
Tabela 20 - Região Metropolitana de Campinas: Número de Ocorrências Policiais por
Natureza do Crime, segundo os Municípios (2000).
Municípios
Natureza do Crime
Contra a
Pessoa
Contra o
Patrimônio
Contra os
Costumes
Contra a
Incolumidade
Outros
Crimes Total Geral
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Nºs
Abs. %
Americana 2.846 30,0 5.677 59,8 61 0,6 552 5,8 363 3,8 9.499 100,0
Artur Nogueira 557 33,1 953 56,7 19 1,1 46 2,7 106 6,3 1.681 100,0
Campinas 14.458 23,1 44.792 71,6 462 0,7 892 1,4 1.975 3,2 62.579 100,0
Cosmópolis 641 31,3 1.232 60,1 22 1,1 49 2,4 105 5,1 2.049 100,0
Eng. Coelho 160 39,3 189 46,4 6 1,5 14 3,4 38 9,3 407 100,0
Holambra 110 38,1 156 54,0 3 1,0 8 2,8 12 4,2 289 100,0
Hortolândia 1.805 30,4 3.606 60,8 83 1,4 138 2,3 301 5,1 5.933 100,0
Indaiatuba 2.555 40,6 3.213 51,0 75 1,2 81 1,3 376 6,0 6.300 100,0
Itatiba 1.133 39,5 1.523 53,1 44 1,5 67 2,3 103 3,6 2.870 100,0
Jaguariúna 466 31,4 879 59,2 11 0,7 52 3,5 78 5,2 1.486 100,0
Monte Mor 571 42,0 683 50,2 19 1,4 33 2,4 55 4,0 1.361 100,0
Nova Odessa 948 38,6 1.411 57,5 19 0,8 25 1,0 53 2,2 2.456 100,0
Paulínia 1.131 33,2 1.730 50,9 48 1,4 91 2,7 402 11,8 3.402 100,0
Pedreira 779 52,2 635 42,6 16 1,1 29 1,9 32 2,1 1.491 100,0
S.B. d'Oeste 2.357 37,5 3.561 56,7 54 0,9 111 1,8 202 3,2 6.285 100,0
S.A. de Posse 271 43,3 277 44,2 5 0,8 12 1,9 61 9,7 626 100,0
Sumaré 2.728 38,3 3.999 56,1 102 1,4 69 1,0 227 3,2 7.125 100,0
Valinhos 1.522 40,6 2.050 54,7 43 1,1 39 1,0 93 2,5 3.747 100,0
Vinhedo 799 45,0 827 46,6 25 1,4 73 4,1 52 2,9 1.776 100,0
Reg. Metropolitana
35.837 29,5 77.393 63,8 1.117 0,9 2.381 2,0 4.634 3,8 121.362 100,0
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Fundação Seade.
Elaboração: Emplasa, 2002. Adaptações do Autor.
157
Essa tendência vai apresentando uma reversão a partir daí, acentuando-
se nos anos seguintes, quando os índices de homicídios começam a cair,
registrando 601 ocorrências em 2001, 571 em 2002 e 525 em 2003, em Campinas,
por exemplo. Isso corresponde a uma queda de 8%, bastante significativa: Na
comparação com 2001, o índice de homicídios na cidade caiu 12,6% (Azevedo,
2004: 04). Esse fato foi acompanhado por um melhor rendimento das equipes de
investigação, o que pode ser constatado com um levantamento dos números de
casos elucidados (33% em 2001, 58,7% em 2002 e cerca de 56% em 2003), o que
também representa um elemento inibidor da ação dos criminosos, particularmente
com o policiamento ostensivo nos locais de maior incidência de crimes, pois a
cidade em 2003 recebeu 102 novas viaturas e 300 novos policiais, o que
representou um aumento de 4,2% no efetivo.
A mesma situação, mas com resultados mais animadores, vamos verificar
no índice de seqüestros na Região, que apresenta uma queda muito significativa.
Os novos resultados começaram a aparecer a partir do final de 2001,
com a criação na cidade da delegacia especializada em crimes de seqüestro. Com
uma equipe de 18 policiais treinados especialmente para atender esse tipo de
ocorrência, os casos de seqüestros foram reduzindo. As quadrilhas mais importantes
(família Oliveira, do Admir Oliveira, do Andinho e do Célio Marcelo) foram
desmanteladas, seus membros mortos ou presos, permitindo essa queda o
significativa.
Da mesma forma que acontece nos grandes centros urbanos do país, na
Região Metropolitana de Campinas vamos encontrar uma predominância dos
homicídios como causa mortis entre a população que vai de 10 a 40 anos,
particularmente na faixa etária de 12 a 25 anos, tendo como principal instrumento as
armas de fogo. A incidência de homicídios em Campinas assemelha-se à de
regiões metropolitanas brasileiras como as do Rio de Janeiro e de São Paulo, e são
até mais de cem vezes superiores às observados em países como Japão e França”
(Hennigton et alii, 2004: 2).
Estamos habituados a considerar os territórios da periferia urbana
campineira, mais pobres em infra-estrutura e saneamento básico, além,
evidentemente, da baixa renda e do péssimo nível de educação, como sendo as
158
áreas permanentemente ligadas à criminalidade. Frequentemente fazemos uma
correlação entre criminalidade e pobreza, mas, para a região do entorno e centro de
Campinas, parece que tal referência não se constitui como uma verdade absoluta.
“A condição indutora da criminalidade, segundo preconiza a mídia, aponta para as
áreas periféricas. Diariamente somos bombardeados com informações que nos
dão conta de que os crimes ocorrem de forma rotineira nas áreas mais pobres das
cidades. No entanto, as assinaturas mostram que a pobreza, isoladamente, não se
caracteriza como um elemento indutor da violência e da criminalidade, mas os
fatores que agem em conjunto com o estado de pobreza, sim. Dentre estes, o nível
temático que mais apresentou correlação com a ocorrência de crimes contra a
pessoa foi a baixa escolaridade, notadamente nas áreas com presença elevada de
pessoas analfabetas ou com curso primário responsáveis pelos domicílios”
(Francisco Filho, 2004: 150).
Francisco Filho, ousadamente, explica essa incidência ligando o maior
potencial de agressividade que essas populações apresentam, ao baixo nível de
equipamentos urbanos dessas áreas, renda menor, estrutura espacial exígua, isso
porque: A redução física do espaço retira do animal funções vitais importantes de
movimento, de deslocamentos importantes. Daí, com o espaço roubado, pode vir a
sentir-se ameaçado por essa redução de suas funções vitais importantes e reagir
por meio de agressão”. (Francisco Filho, 2004: 152).
O próprio centro da cidade de Campinas, com policiamento mais
ostensivo, apresenta diferentes níveis de segurança no que diz respeito a crimes
contra a pessoa. Sem dúvida, a área melhor policiada (o centro comercial) apresenta
um índice mais elevado de segurança, declinando em direção às áreas mais
periféricas, onde a quantidade de policiais e a vigilância particular são menores.
Ampliando essa análise, atingindo um território maior, vamos perceber que
o processo se repete nos locais mais periféricos, onde a vigilância policial ostensiva
cai progressivamente. Evidentemente, dados como esses permitem que possamos
elaborar políticas públicas de segurança com muito maior eficiência e racionalidade,
deslocando maiores recursos, não só de policiais, mas também de educação, saúde,
assistência social e equipamentos urbanos
___
direitos fundamentais do cidadão
___
,
mas que contribuem para evitar e controlar a criminalidade, que a ausência deles
deixa a população em situação de vulnerabilidade social.
Justamente a partir destes dados foi que se elaborou um mapa síntese
(mapa 05) de potencial de criminalidade para a região da cidade de Campinas, mas
enfatizando o índice de segurança para crimes contra a pessoa.
Mapa 05
159
Concordamos plenamente com Francisco Filho, quando ele afirma serem
as rodovias Anhangüera e Bandeirantes os dois principais eixos estruturadores das
maiores aglomerações populacionais, originando concentrações de centros urbanos
significativos. Ali se concentram as invasões de terras, ocupações, favelas e,
particularmente os DICs (Distritos Industriais de Campinas), provenientes de um
planejamento para setorizar a área industrializada da cidade, na década de 70, onde
conjuntos habitacionais foram construídos para abrigar a população operária mais
pobre. Já:
No setor nordeste do município, o potencial médio se deve, basicamente, a áreas
sem nenhuma infra-estrutura, ligados à ocorrências de crimes justamente por
questões de isolamento, se caracterizando, em alguns casos, como áreas em que
são abandonadas vítimas de homicídio. Alguns pontos, como o cruzamento das
rodovias Santos Dumont e Bandeirantes, e desta última com a rodovia Dom Pedro,
são reconhecidos pela alta incidência de crimes” (Francisco Filho, 2004: 161).
Nas áreas centrais da cidade temos a incidência maior de crimes contra o
patrimônio (mapa 6), particularmente os furtos de automóveis, furto e roubo de
estabelecimentos comerciais e caixas eletrônicos. A área urbana apresenta maiores
Fonte: Lauro Luiz Francisco Filho. Distribuição espacial da violência em Campinas: uma análise por geoprocessamento.
2004.
Fonte: Lauro Luiz Francisco Filho. Distribuição espacial da violência em Campinas: uma análise por geoprocessamento. 2004.
160
potencialidades de ocorrência criminais, decrescendo ao se aproximar da periferia.
Isso é facilmente explicável, pois a criminalidade contra o patrimônio procura áreas
onde as pessoas apresentam maiores possibilidades de posses de bens.
Novamente notamos que a incidência dos maiores índices acontece justamente ao
longo dos eixos de maior densidade econômica e dos solos urbanos mais
valorizados, os quais abrigam os imóveis de populações de maior poder aquisitivo.
O que
notabiliza a Região Metropolitana de Campinas não é só a alta taxa de criminalidade
(tanto em roubos, furtos como em homicídios), mas também e principalmente, a
grande corrupção policial e as relações dos policiais com a criminalidade.
Infelizmente, a polícia de Campinas e região é considerada uma das mais
promíscuas com a criminalidade e com o mais alto grau de corrupção. Quem afirma
isso é o próprio relator do processo que apura a morte do ex-prefeito de Campinas,
o Toninho do PT, Dr. Roberto de Freitas, em entrevista dada ao Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil.
O relator na Ordem dos Advogados do Brasil do processo que apura a morte do
ex-prefeito de Campinas, Toninho do PT, o advogado piauiense Roberto de Freitas
Filho, afirmou hoje (07) que existe uma enorme promiscuidade entre a Polícia e a
criminalidade na cidade de Campinas. ‘O que se viu em termos de manejo de
autoridades policiais, de pessoas investidas de função de polícia e sua associação
a atos de delinqüência e práticas criminosas, é algo verdadeiramente assombroso’,
Fonte: Lauro Luiz Francisco Filho. Distribuição espacial da violência em Campinas: uma análise por geoprocessamento. 2004.
Mapa 06
Mapa 24 -
161
afirmou Roberto de Freitas. ‘Independentemente da solução deste processo, a
situação policial em Campinas merece um estudo e um cuidado todo especial por
parte das instituições públicas’ (Ordem dos Advogados do Brasil Conselho
Federal, 2004: 01).
O relator do processo, continua:
“Um exemplo do que estamos falando foi a informação de que delegados de
Polícia que foram afastados por envolvimento direto com atividades ilegais, alguns
inclusive exonerados pelo governo do Estado por terem sido apontados em CPIs
por atividades irregulares, que, mesmo assim, continuaram exercendo a chefia da
Delegacia encarregada do caso Toninho do PT” (Ordem dos Advogados do Brasil –
Conselho Federal, 2004: 01).
E, prossegue:
“A primeira constatação que é possível fazer é a de que os fatos iniciais desse
processo foram perturbados por uma investigação que consideramos desastrosa.
O inquérito policial deste caso é um verdadeiro descalabro. Nós temos uma
investigação conduzida e a condução desse processo cria a constatação
terrível de que existe uma grande promiscuidade entre o elemento policial e a
criminalidade na cidade de Campinas. O que se viu em termos de manejo de
autoridades policiais, de pessoas investidas de função de polícia e sua associação
a atos de delinqüência e práticas criminosas, é algo verdadeiramente assombroso.
Independentemente da solução deste processo, a situação policial em Campinas
merece um estudo e um cuidado todo especial por parte das instituições públicas.
Essa foi a primeira grande constatação. A segunda foi a de que, por força até
dessa atuação por parte da Polícia, ocorreu neste processo um sacrifício muito
grande de algumas conduções processuais e várias necessidades do inquérito não
puderam ser satisfeitas” (Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal,
2004: 01).
E, vai além:
“A atuação policial neste caso foi desastrosa. Um exemplo do que estamos falando
foi a informação de que delegados de policia que foram afastados por
envolvimento direto com atividades ilegais, alguns inclusive exonerados pelo
governo do Estado por terem sido apontados em CPIs por atividades irregulares,
que, mesmo assim, continuaram exercendo a chefia da Delegacia encarregada do
caso Toninho do PT. E essa Delegacia não estava apenas a cargo do inquérito
sobre a morte do ex-prefeito, era encarregada de pontos nevrálgicos como
investigações de setores extremamente atraentes para a atividade delinqüencial,
como o tráfico de drogas e o roubo de cargas. Essa situação é uma grande
interrogação que nos fazemos. Como é que pessoas que estavam sendo
acusadas, tendo sido inclusive expulsas do serviço público, exerciam posto de
comando nesse processo investigativo? É uma situação, no mínimo, curiosa, e
exige, qualquer que seja o resultado deste processo, que a sociedade investigue
todas essas implicações que estão ocorrendo em Campinas e que motivam essa
insegurança geral (Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2004:
01).
Apesar de toda essa situação, o nível de criminalidade
___
particularmente a
violenta
___
que estava em franca ascensão a partir de 1997, atingindo o seu patamar
máximo em 2000, está caindo a partir dessa data, em todas as modalidades
(Penteado, 2002: C
4
). Apesar desses números favoráveis, mesmo assim a
população não oferece um crescimento no nível de confiança à ação policial. Por
162
isso, é grande o apoio e a acolhida dos soldados do exército quando convocados
para fazer o patrulhamento nas ruas.
Para a Região Metropolitana de Campinas, após sete anos de
crescimento contínuo dos índices de criminalidade registrou-se, a partir de 2002,
uma queda na criminalidade especialmente em Campinas, Jundiaí e Piracicaba, que
tiveram uma redução ou manutenção do número de homicídios dolosos, enquanto
que outras cidades (Rio Claro, Limeira, Atibaia e Itupeva), tiveram um crescimento
nesses índices (Pinheiro, 2002, C
1
).
Nos dois primeiros anos (2000 a 2001) deste século, os crimes mais
violentos têm diminuído em Campinas, mas crescido nas cidades do seu entorno.
Esses resultados favoráveis não demoram a tomar um rumo diverso e começam a
crescer. Tudo leva a crer que esse aumento da criminalidade, particularmente na
cidade de Hortolândia, está estreitamente ligado à transferência de grande
quantidade de presos vindos da desativação do Carandiru, em São Paulo, e à maior
atividade policial na cidade de Campinas (Liza Júnior, 2002
b
: C
1
).
Desde a transferência dos presos do Carandiru, em São Paulo, para a
região de Hortolândia, famílias estão sendo obrigadas a mudar de residência,
pressionadas pela presença de parentes desses presos. Dezenas de famílias que
moram no condomínio Bartolomeu Bueno, no Jardim São José, em Campinas, estão
sendo obrigadas a deixar suas residências por determinação de integrantes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que age dentro e fora dos
presídios, segundo informações de policiais militares que estiveram na noite de
quinta-feira no local atendendo uma ocorrência” (Silva & Inselsperger, 2003: 07).
Os parentes dos presos que foram transferidos do Carandiru para o
Complexo Penitenciário Campinas/Hortolândia estão invadindo apartamentos,
expulsando moradores e transformando o condomínio em reduto do crime. Aliás,
também Hortolândia está sofrendo com essa onda de violência, especialmente com
os confrontos das facções criminosas rivais formadas pelo PCC (Primeiro Comando
da Capital) e o CDL (Comando Democrático da Liberdade), que dominam o
Complexo Penitenciário e lutam pela hegemonia da área.
Ao mesmo tempo em que as bombas explodiam na capital paulista, membros da
facção criminosa agitavam quatro presídios do Estado
___
dois na capital e dois no
interior. Neles, sete pessoas morreram
___
a maioria em confrontos do PCC com
uma facção inimiga, o CDL (Comando Democrático para a Liberdade). A agitação
sucedeu um final de semana igualmente tenso, quando a rixa entre o PCC e o CDL
havia deixado pelo menos seis presos mortos em Sorocaba e Hortolândia. Os
mortos em Hortolândia
___
decapitados
___
seriam do CDL. Em Sorocaba, do PCC”
(Corrêa e outros, 2002: C
4
).
163
Esse aumento da criminalidade na Região tem conseqüências imediatas
na própria natureza dos delitos cometidos pelos adolescentes, com um aumento de
internos nas Unidades de Internação Provisórias (UIP), onde os adolescentes
aguardam a decisão da Vara da Infância e da Juventude sobre as suas infrações,
quando o total de internações por roubo qualificado até outubro superava em
102% o registrado durante todo o ano passado
___
107, em 2003, contra 53, em
2002
___
, conforme a Febem (Pinheiro, 2003
a
: C
1
).
Os adolescentes infratores, para cometerem os seus crimes, utilizam,
geralmente, armas de fogo. Estas são adquiridas com facilidade nas proximidades
de suas próprias casas, na periferia das cidades, particularmente de Campinas, por
preços que variam de R$ 250 a R$ 300. Em entrevista, em finais de 2005, foi
oferecida ao Autor uma pistola 9 mm, na caixa, com 100 balas, por R$ 700. Isso nos
leva a acreditar, como causas desse aumento de criminalidade violenta entre
adolescentes: a facilidade de obtenção de armas de fogo, o tráfico de drogas
instalado solidamente na região e a curta permanência dos infratores nas unidades
da Febem, causando uma sensação de impunidade e de que o crime vale a pena.
Richard Pae Kim, juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas,
argumenta que o tempo médio que um adolescente fica no Internato Jequitibá
(Município de Campinas), é muito curto, mal chegando a um ano e meio, apesar de
o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prever uma pena máxima de três
anos, qualquer que seja infração que o menor tenha cometido (Pinheiro, 2003
a
: C
1
).
“’Os adolescentes são o grande objeto do crime organizado. A desigualdade social e
a falta de estrutura familiar contribuem para esse aumento’, disse Pae Kim”
(Pinheiro, 2003
a
: C1). Apesar de todos os cuidados tomados pela família,
geralmente os menores infratores acabam entrando para o crime levados por
amigos que já estão.
Comparativamente, no Estado de São Paulo, vamos encontrar na Região
Metropolitana de Campinas várias das mais violentas cidades do Estado (tabela 21).
164
Tabela 21 – O ranking da violência
Roubos
Posição/
ano:
1999 Média* 2000 Média* 2001 Média* 2002 Média*
1
o
Hortolândia 1565,74 Campinas 1136,65 Campinas 1103,84 São Paulo 1139,52
2
o
Santo André 1097,13 São Paulo 1046,44 São Paulo 1067,68 Santo André 929,18
3
o
São Paulo 1068,39 Santo André 929,76 Santo André 965,29 Campinas 863,74
4
o
Jacareí 932,32 Hortolândia 843,19 São Caetano do Sul 856,40 São Caetano do Sul 835,20
5
o
São Caetano do Sul 929,95 o Caetano do Sul 814,39 Hortolândia 844,78 Hortolândia 818,88
6
o
Campinas 890,68 Jacareí 775,60 São B. do Campo 766,98 Santos 789,25
7
o
São B. do Campo 787,71 o B. do Campo 756,49 Cotia 708,69 São B. do Campo 692,89
8
o
Osasco 736,67 Cotia 737,68 Diadema 704,69 Taboão da Serra 662,90
9
o
Diadema 736,05 Cubatão 717,51 Osasco 699,40 Diadema 653,05
10
o
Cotia 722,95 Osasco 713,22 Taboão da Serra 694,44 Cubatão 643,22
*
(100 mil hab.)
Homicídios
Posição/
ano:
1999 Média* 2000 Média* 2001 Média* 2002 Média*
1
o
Diadema 102,82 Santana de Parnaíba 76,78 Embu 92,46 Embu 73,60
2
o
Itapevi 91,45 Itapecerica da Serra 76,17 Itapecerica da Serra 76,99 Embu Guaçu 72,90
3
o
Itapecerica da Serra 87,32 Diadema 76,15 Itaquaquecetuba 73,29 Cubatão 70,47
4
o
Embu 79,15 Itaquaquecetuba 75,98 Itapevi 67,61 Itaquaquecetuba 65,02
5
o
Francisco Morato 71,73 Embu 73,70 Diadema 65,79 Itapevi 64,88
6
o
Itaquaquecetuba 70,60 Itapevi 70,46 Taboão da Serra 61,82 Hortolândia 57,13
7
o
Embu Guaçu 62,95 Ferraz Vasconcelos 60,81 Embu Guaçu 57,59 Diadema 54,12
8
o
Barueri 60,77 Sumaré 60,38 Hortolândia 55,90 Cotia 53,73
9
o
Jandira 60,29 Arujá 59,49 Carapicuíba 55,68 Osasco 53,61
10
o
Hortolândia 58,07 São B. do Campo 52,79 Campinas 55,25 Guarulhos 51,48
*
(100 mil hab.)
Furto e roubo de veículos
Posição/
ano:
1999 Média* 2000 Média* 2001 Média* 2002 dia*
1
o
São Caet. do Sul 2215,34 Santo André 2074,30 São Caet. Sul 1938,06 Santo André 1730,35
2
o
Santo André 1951,92 Campinas 1838,94 Santo André 1819,72 São Caetano. Sul 1603,60
3
o
Campinas 1571,12 o Caetano. do Sul 1573,16 Campinas 1439,36 Campinas 1042,70
4
o
São B. Campo 1297,10 São B. do Campo 1204,12 São B. do Campo 1112,07 São B. Campo 944,48
5
o
São Paulo 1108,17 São Paulo 1175,01 São Paulo 1035,47 São Paulo 909,21
6
o
Diadema 970,54 Diadema 976,21 Osasco 812,76 Ribeirão Pires 775,85
7
o
Taboão da Serra 754,36 Cotia 802,03 Diadema 810,03 Diadema 673,17
8
o
Osasco 741,05 Taboão da Serra 781,47 Cotia 770,21 Cotia 668,82
9
o
Guarulhos 709,01 Osasco 756,28 Americana 673,90 Mauá 640,31
10
o
Cotia 706,12 Americana 716,19 Jundiaí 668,09 Taboão da Serra 639,76
*
(100 mil hab.)
Fonte: Estatísticas da Secretaria da Segurança Pública/SP. Adaptações do Autor.
165
A facilidade para obtenção de armamentos, inclusive pesados e de uso
exclusivo das forças armadas, levou o adolescente W.F.S. a tentar roubo em uma
casa onde, acidentalmente
___
segundo ele
___
acabou matando uma pessoa. “’Eu
consegui comprar um revólver calibre 38, para roubar, por R$ 250. Fui com um
parceiro roubar uma casa e, quando eu estava amarrando as mãos da vitima, o
revólver disparou e o tiro atingiu o coração do rapaz. Eu não sou violento. Eu queria
roubar, não matar’, afirmou W.F.S., 16, que está na Febem desde fevereiro deste
ano” (Pinheiro, 2003
a
: C
1
).
É a certeza da impunidade, ou quase isso, que leva esses adolescente ao
crime. O incentivo maior é a consciência de que não permanecerão por muito
tempo na Febem. ‘Eu estou aqui dois meses. Faltam mais nove para eu sair’,
disse M.” (Pinheiro, 2003
a
, C
1
).
Além dos fatores agravantes citados a região de Campinas, desde
muito tempo, transformou-se num entreposto para as drogas que saem da Colômbia
e dirigirem para São Paulo e Rio de Janeiro e, posteriormente, para os Estados
Unidos, Europa e, mais recentemente, a África. A Nigéria também aparece como
centro consumidor da droga que vem de Cali, passa por Pedro Juan Caballero no
166
Paraguai e segue para o Brasil ‘desembocando’ no Interior paulista como, por
exemplo, Itu, Rio Claro, Sorocaba, Campinas e Jundiaí (Bargas Filho &
Inselsperger, 2003: 23). O Cartel de Cali aproveitava-se da infra-estrutura do interior
do Estado de São Paulo, particularmente da região de Campinas, por ser um
entroncamento rodo-ferroviário, colocando facilmente em contato o Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas e o Sul do país.
Para se ter uma idéia da importância desse entreposto campineiro no
conjunto da logística do tráfico, temos que não é apenas uma região de
armazenamento e distribuição mas, também, de refino e produção de drogas.
A descoberta do laboratório de refino de cocaína em Rio Claro, a 75 quilômetros de
Campinas, no último dia 7 de agosto, que tinha capacidade para produzir cerca de
300 quilos da droga por semana, é o exemplo da transformação do Interior paulista
em base do Cartel. Outra prova foram as prisões de quatro homens feitas na última
quarta-feira em Itu pelo Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (Denarc),
da Polícia Civil. Dois deles são do Cartel de Cali. A rota é responsável pelo envio de
2 a 3 toneladas de cocaína por mês para a Europa e África” (Bargas Filho &
Inselsperger, 2003: 06).
Além disso, roubos de aeronaves no Aeroclube dos Amarais, em
Campinas, e os 340 quilos de cocaína apreendidos em Itupeva e que foram
subtraídos do prédio do Instituto Médico Legal de Campinas
___
caso até hoje
insolúvel
___
, dá uma pálida idéia da importância da região de Campinas para o tráfico
internacional.
A maior apreensão de cocaína dos últimos anos foi feita em 2003 pela
Polícia Federal na região de Campinas. Foram 900 quilos, maior quantidade desde
1994, no Estado de São Paulo, configurando Campinas como um grande centro
receptor de droga e corredor de distribuição para o resto do Brasil e exterior. O
carregamento foi avaliado em US$ 40 milhões, superior à apreensão de 850 quilos
ocorrida em agosto do mesmo ano em Rio Claro (Toledo, 2003: C
5
).
No dia 22 de outubro de 2003, foram apreendidos 900 pacotes de cocaína
pura, o que representaria uma carga que varia de 700 kg a uma tonelada. O
entreposto de cocaína descoberto funcionava no prédio de uma pseudo empresa de
exportação, montada em um galpão no Jardim Santa Mônica (bairro de Campinas).
“Os pacotes de cocaína apreendidos em Campinas traziam um selo com a figura
de uma pérola negra e a frase ‘cualidad certificada’. Segundo Castilho [delegado da
Polícia Federal], esses seriam indícios da pureza da droga. Para Braga [chefe da
Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF], é possível que a escolha do local
se justifique pela proximidade com o aeroporto de Viracopos e com as vias que
ligam a cidade à capital e ao Rio, o que facilitaria o escoamento da droga” (Free-
Lance, 2003: C
1
).
167
A ligação estrutural da Região Metropolitana de Campinas com o tráfico,
acaba por produzir um cotidiano extremamente violento e perigoso para a
população, caracterizando um número significativo de homicídios. Existe uma
relação muito interessante entre os homicídios e os locais de moradia da vítima. A
grande maioria das pessoas que morrem assassinadas está próxima de seu local de
residência.
O maior número de ocorrências dos homicídios no município de Campinas
está concentrado, principalmente, na parte Sul, em seguida vem o Sudoeste, com
incidências um pouco menos significativas e, finalmente, a parte leste e central
(mapa 7). Percebe-se (mapa 8) que as áreas de incidência dos homicídios
coincidem, quase completamente, com os locais de residência das vítimas.
Esse fenômeno se repete, de uma maneira geral, em todas as metrópoles
brasileiras, assim como nas cidades mais populosas. Isso vem levantar mais um
dado para confirmar que as mortes violentas ocorrem particularmente devido a
causas fortuitas e brigas de bares e desavenças entre conhecidos, próximos aos
locais de residência.
Além disso, temos a
observar que, no município
de Campinas, os Distritos
Policiais não estavam
situados exatamente nas
Mapa 09 – Distritos políciais e o mapa das favelas (1996)
Fonte: Melgaço & Aparecida de Souza, Tecnologia da Informação, Violência e Uso
do Território, Unicamp, 2003.
Mapa 08 – Homicídios nas diversas áreas do município
de Campinas – Residência das vítimas (2001)
Fonte: Melgaço & Aparecida de Souza, Tecnologia da Informação,
Violência e Uso do Território, Unicamp, 2003: 238/239.
Mapa 07 – Homicídios nas diversas áreas do município de
Campinas - Centros de Saúde (2001)
Fonte: Melgaço & Aparecida de Souza, Tecnologia da Informação,
Violência e Uso do Território, Unicamp, 2003: 238/239.
168
áreas de maior concentração da violência (mapa 09), ou seja, nas áreas de maior
incidên-cia de homicídios.
Existe uma grande difi-culdade entre as pessoas que foram vítimas de violên-
cia para formular uma de-núncia, o que acaba determi-nado um grande sub-registro
nos organismos policiais e compromete essas estatís-ticas, dificultando a formula-
ção de políticas públicas de combate e prevenção à violência e criminalidade. Os
motivos são os mais varia-dos (GUTO, 2004: 13), des-tacando-se, entretanto, o
descrédito na Polícia, medo de que o autor do crime pro-cure vingança, além de
considerar que não vale a pena tanto trabalho para re-sultados pífios (descrédito na
Justiça) (gráfico 11).
6. As polícias, o tráfico e a população:
Rio de Janeiro,
São Paulo e Campinas – cenas e
cotidianos
1. Introdução e esclarecimentos
A vida cotidiana das populações periféricas das grandes cidades sempre
foi condicionada
___
mais ou menos
___
pela presença da violência. Assim, mesmo na
Campinas de meados do século XIX, vemos esse fato se repetir. Assim, o insalubre
Largo do Jurumbeval (atual área do Mercado Municipal atual), em Campinas,
constituiu durante a segunda metade do século XIX importante espaço de trabalho,
diversão e moradia popular. “(...) dizem-nos pessoas de todo o crédito que costuma
haver aglomeração de pretos, os quais, sem respeito ao decoro público e muito
menos às famílias, ali dão-se a cenas pouco edificantes e nada de acordo com a
boa moral, já pelas palavras obscenas e já pela algazarra desenfreada e outros atos
análogos”. (Gazeta de Campinas, 3/4/1873, p. 2, citado em: Martins, 2003: 01.)
Gráfico 11 – Motivos da não reportagem do crime à polícia
Fonte: Pesquisa de Vitimização 2004: um estudo do perfil e do comportamento das
vítimas. GUTO - Grupo de Pesquisa e Gestão Urbana de Trabalho Organizado - UNESP
Marília (SP),
169
Afinal, bastava "o estado físico daquele largo com seus imundos depósitos
de lixo, sem que os vizinhos e os transeuntes sejam também incomodados
moralmente". Dizia-se que o ajuntamento promíscuo entre escravos e livres não era
o que mais incomodava a vizinhança e sim o vocabulário por demais desinibido
utilizado naqueles encontros. Era preciso "educar" aqueles abusados impertinentes.
Para tanto, convocava-se a polícia, e até mesmo os inspetores de quarteirão, na
tentativa de controlar o mais rebelde órgão do corpo humano, a língua (O
Constitucional, 19/8/1874, p. 3. Diário de Campinas, 17/11/1876, p. 2, citado em
Martins, 2003: 01).
As condições de vida, nos dias atuais, nas favelas e periferias urbanas
pobres dominadas pelo tráfico, não mudou muito desde aquela época. Hoje, elas
são caracterizadas por um cotidiano dominado pelo medo e pela apreensão. Isso
ocorre em todas as cidades brasileiras, inclusive naquelas que compõem a Região
Metropolitana de Campinas, numa espécie de cosmopolitização do crime e da
bandidagem e de seus modos de vida.
O medo é tão presente que suplanta a angústia produzida por um eventual
desemprego ou falta de dinheiro para suprir as necessidades básicas de
sobrevivência. (Silêncio prolongado) A população... vivem assustados... com
medo...” (Coordenadora Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos,
Hortolândia, 2005).
Neste quadro, o medo que mais sobressai é aquele produzido, por
paradoxal que possa parecer à primeira vista, pela presença da própria polícia. Isto
porque, de uma forma ou de outra, as condições impostas pelos traficantes (Lei do
Silêncio e refúgio em caso de necessidade) são mais racionais e
compreensivelmente necessárias para uma vida mais harmoniosa na área, portanto
mais facilmente aceitas.
Bem, [o Tráfico] acho que nessa área central , acho que controla menos [a
população] , né?... Mas tem lugar que eles controla sim... A hora de entrar, a hora
de sair... Mas, por que eles controla? Por que eles estão no Tráfico e eles e
precisam, às vezes, sair correndo de polícia, troca bala... Respeitar isso [leis do
Tráfico] é mais seguro para quem... mora, entendeu?... Ficá na rua, não é bom...
Não correr o risco de ser atropelado... Não correr o risco de levar bala...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
Por outro lado, as condições impostas pela polícia, caracterizadas por
achaques, propinas e violências, são muito menos aceitáveis. Agravando ainda mais
esse relacionamento, os traficantes conhecem e respeitam os moradores da área,
enquanto os policiais, por desconhecê-los, consideram a todos como delinqüentes e
170
agem com desrespeito e extrema violência e letalidade, quando não com pura
maldade. “Acho que o trafico conhece bem quem é morador, quem trabalha na área,
quem é visitante, comprador ou não. Acho que o trafico se protege de situações não
esperadas, assim, como impõe regras para a comunidade seguir (Psicóloga, 30
anos, Ambulatório Municipal de Saúde Mental Infantil, Hortolândia, 2006). Isso sem
falar na presença policial como de alguém que rouba a comunidade, enquanto o
traficante, de uma forma ou de outra, protege e ajuda a todos aqueles que acatam e
obedecem as suas determinações.
Algumas das condições estabelecidas nesse relacionamento cotidiano são
angustiantes e extremamente complicadas para um convívio harmonioso,
especialmente aquelas ligadas diretamente aos assassinatos e à presença de
corpos abandonados que as autoridades policiais, propositadamente ou não,
demoram para recolher. Estava passando e pisei em cima de morto, também... É,
sem querer... Desci do carro e cai... Pisar em cima... Então, matam bastante,
mesmo... Mais do que nunca, né?...” (Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos,
2005). Isso acaba interferindo na própria decisão de continuar morando no local: Eu
conheço um amigo meu, que morou... Morava... Até mudou, foi para outro local...
Porque não agüentava ver pessoas mortas na frente da casa dele... Como tinha
uma filha... Falou: Não... Eu não quero isso... Minha filha vendo... Então ele
mudou...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia, Campinas, 2006)
Esse relacionamento é marcado por uma motivação econômica notável
___
pelo menos por parte do traficante
___
, a lucratividade é a meta, sem colocar
entraves morais cerceando o comportamento individual, a não ser as Leis do Tráfico.
Quem quiser cheirar, vai cheirar, quem quiser fumar, vai fumar. Isso é um negócio
pra arrumar um dinheiro, a gente não obriga ninguém a fumar ou cheirar (traficante,
Rio de Janeiro, citado em Athayde & MV Bill, 2006: 73).
Também o lazer e divertimento, nessas áreas, são condicionados por
essas relações, visto que o ir e vir é controlado pelo tráfico. Em alguns momentos,
não podiam [os moradores irem de um bairro a outro livremente]. Teve momento de
fazerem barreiras em pontes e cobrarem pedágio de quem passava (Psicóloga,
Hortolândia, Secretaria de Saúde Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33 anos,
2006).
1.1. A violência e o Crime “Cosmopolitizado
Na Região Metropolitana de Campinas temos algumas das cidades mais
171
violentas do país e do Estado de São Paulo: Hortolândia (Bairros: Jardim Amanda,
Boa Esperança, Jardim Estrela), Sumaré e Monte-Mór.
Na região, acho que as cidades de Hortolândia, Sumaré, Monte Mor são bastante
violentas até mesmo pelas historias de criação e desenvolvimento. A própria
cidade de Hortolândia era em torno de 14 anos atrás, era um bairro periférico da
cidade de Sumaré. Dizem que este bairro cresceu muito rápido, de forma
desorganizada e era muito violento, o que pode ter influenciado na emancipação,
para tornar cidade. É o que ouvi dizer, desde que vim trabalhar em Hortolândia
(Psicóloga, 30 anos, Ambulatório Municipal de Saúde Mental Infantil, Hortolândia,
2006).
...de Hortolândia; região do Amanda e Monte Mor, pelo que ouço dizer
(Psicóloga, 33 anos, Hortolândia, Secretaria de Saúde Municipal, Setor Infantil e
Adolescência, 2006).
Hortolândia: Jd. Amanda, Boa Esperança, Jd. Estrela. Outras cidades: Sumaré,
Monte-Mor etc...” (Psicóloga, 30 anos, Ambulatório Municipal de Saúde Mental
Infantil, Hortolândia, 2006).
No início da década de 1970
48
a criminalidade campineira esboçava
novos rumos e configurava diferentes situações pois, até então, estava relacionada
às transgressões dos costumes (roubo, furto, agressões), realizadas através de
pessoas conhecidas e do próprio bairro, passando a uma cosmopolitização de
suas atividades.
"... porque não tinha essa turma de fora aqui no São Marcos e os que tinham aqui
não viviam assaltando e fazendo isso e aquilo de hoje em dia todo, acho que aqui
no São Marcos a maior parte que faz isso é de fora" (Mulher, 38 anos, Bairro do
São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 129)
A própria população nota essa violência claramente, quando afirma "Tem
tanta gente morrendo por aí, é tiro para baixo e pra cima, é gente morrendo pra tudo
quanto é canto" (Mulher, moradora do São Marcos, Campinas, citada em Barroso,
1997: 146), atribuindo a mesma à pobreza e à discriminação social existente.
"Hoje eu percebo que assim, as mortes por assassinato talvez aumentou, eu acho
que pela própria situação que atravessa o país, eu acho que a pobreza, por ser um
bairro pobre, eu não sei se é o mais pobre de Campinas, mas nós estamos aí
como um dos mais pobres, a maior favela de Campinas..." (Homem, 43 anos,
morador-militante, São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 142).
Desde essa época, as áreas mais violentas da cidade se concentravam
em bairros da periferia pobre, notadamente São Marcos. "...O São Marcos sempre
foi falado, sempre foi desse jeito, sempre foi difícil viu, desde que chegamos aqui é
sempre matando, matando, a semana passada mataram um cara na estrada ali"
48
"Isso [a violência] começou acho que de 1972 pra cá, em 72 morou uma turma de ciganos que
você deve ter ouvido falar, eles eram moleques então era mais intriga entre a molecada... daí
esses caras se tornaram ladrão e enfrentaram a polícia, foram presos né, o T, foi morto num tiroteio
ali na rua 6, de madrugada" (Homem, 38 anos, morador 30 anos, Bairro do São Marcos,
Campinas, citada em Barroso, 1997: 128).
172
(Mulher, 64 anos, moradora há 13 anos do Bairro São Marcos, Campinas, citada em
Barroso, 1997: 128). Entretanto outros bairros se tornavam notórios: Ela [a
violência] concentra mais no São Marcos... porque a violência não é do São
Marcos, ela vem do Santa Mônica, do Barro Preto, do Jardim Campineiro e se
concentra mais no São Marcos, então parece a do São Marcos, a do Santa
Mônica não aparece porque tem uma rivalidade entre eles dois, eles brigam muito:
o bairro de não aceita o de e o de não aceita os de lá." (Homem, morador,
Bairro de São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 133-134).
Atualmente multiplicaram-se os bairros considerados violentos,
acentuando a presença do crime nos mais antigos. Assim vamos destacar, pela
violência e criminalidade existentes: São Marcos, São Fernando, Jardim Forense,
Jardim Londres, Parque Oziel, Vila Rica, Vila Moscou, Morro dos Macacos, etc.
Em Campinas tem: São Marcos... Vila Rica... Moscou...” (Coordenadora
Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
Campinas: São Marcos, São Fernando, Jd. Forense, Jd. Londres, Parque Oziel,
etc (Psicóloga, 30 anos, Ambulatório Municipal de Saúde Mental Infantil,
Hortolândia, 2006).
As áreas... é difícil definir uma área ....mas, uma área mais perigosa que eu... que
a gente tem medo de ir ao local... parte do Itatiaia, algumas partes do São
Fernando, parte do São Marcos... nos diques, a invasão que foi feita é perigosa. Na
outra parte que a gente... Dentro de Campinas, seria o Morro dos Macacos, que ali
até foi feito... cativeiro... foi feito... Pessoas no cativeiro ali... Seqüestro...
Então é a área mais... que a gente tem medo é essa área aí. Mas, existe outras
áreas, menos... Mas o local da venda da droga é o mais perigoso...” (Motoboy, 45
anos, morador do Jardim Aurélia, Campinas, 2006).
1.2. Causas da violência e da criminalidade
As causas que levam um jovem (ou adulto) a entrar para o tráfico variam
muito. A grande polêmica, entretanto, entre os estudiosos das manifestações de
violência continua sendo o quanto a pobreza influi na explosão dos atos violentos.
A Prefeitura de São Paulo elaborou uma pesquisa: "Pobreza e Violência
no Município de São Paulo", feito pela Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e
Solidariedade, que comparou dados de 1991 e 2000. A constatação foi a seguinte:
pobreza e violência estão sempre juntas, mesmo que não sejam causa ou
conseqüência uma da outra, ou seja, quanto maior a taxa de crescimento anual do
número de chefes de família pobres de um distrito, maior a chance de essa região
ter de conviver com aumento das mortes violentas. Situação oposta ocorre em áreas
onde houve arrefecimento da pobreza. Nelas predominam também decréscimo das
taxas de mortes violentas (Silva, 2002
e
: C
4
). E, para tornar o fato mais claro,
pesquisando as áreas onde houve um aumento de pobreza, ou seja, naqueles
173
distritos que apresentavam a maior média anual de taxa de crescimento de chefes
de famílias pobres, em cerca de oito a taxa média de aumento do mero de
homicídios e de mortes no trânsito também cresceu.
Por outro lado, a pesquisa também mostrou que pobreza e violência estão
diretamente associadas ao nível de industrialização de um distrito. Além disso esses
dados são congruentes com os níveis de escolaridade exigidos pela atividade
industrial: quanto mais sofisticada for a indústria, maior o nível de escolaridade
exigido, menor as taxas de violência, comprovando a ação conjunta de todos esses
fatores e não, apenas, a pobreza.
Os jovens das periferias urbanas comentam os fatores particulares que
estimulam o envolvimento deles com o tráfico como se falassem de outras pessoas
ou de fatos corriqueiros. Isso foi muito bem captado por Moreira (2000), razão pela
qual reproduzimos resumidamente os principais:
a - A necessidade de manter o vício e não possuindo recursos ou fontes
de recursos legais para tanto leva muitos dos jovens a passarem de consumidores a
distribuidores obtendo, assim, recursos para manter o vício. É como um círculo
vicioso: para continuar consumindo, precisam criar um mercado de consumidores.
b - A participação e influência dos jovens que estão no tráfico também
têm um peso significativo, pois legitima diante do grupo a entrada do novo
integrante:
c - O glamour, a importância e o poder que o tráfico confere aos seus
integrantes, nas regiões periféricas urbanas, além da notabilidade dada pelos jornais
aos mais destacados elementos, o poderosos fatores de atração para os jovens
que, normalmente, têm reservada para si uma vida de trabalho árduo, monótono,
anônimo e exaustivo. É a “aventuratornada fetiche e adição de “adrenalina na vida
de cada um, como acontece com os heróis da televisão e do cinema, buscada
como afirmação sexual e social. Para as meninas pobres das periferias urbanas e
favelas, o ideal de namorado/marido é alguém ligado ao tráfico, particularmente ao
PCC, que acaba dando respeito, admiração e status.
d - A falta de perspectivas no que diz respeito a oportunidades de
emprego e ganhos financeiros que permitam sair da vida de extrema pobreza
costuma ser um dos ingredientes que faz com que os jovens ingressem no tráfico. O
exemplo da mãe, consumida física, moral e psicologicamente no trabalho
pessimamente remunerado de empregada doméstica ou de prestação de pequenos
serviços para a comunidade pobre; o do pai, servente de pedreiro, encanador ou
174
trabalhador braçal sem qualificação, desempregado e passando fome em seu
barraco devido ao fato de ter se acidentado ou envelhecido e, como conseqüência,
não conseguir mais qualquer emprego, acabam por trazer ao jovem uma perspectiva
cruel e realista do futuro que o espera. Tudo isso acaba por impeli-lo em direção ao
tráfico que, pelo menos, oferece alguma expectativa de um futuro diferente.
Enfeixando a quase totalidade das motivações poderíamos citar o
resultado de uma entrevista onde um jovem as elenca, fazendo uma síntese
extraordinária das causas que o levaram
___
assim como aos seus amigos
___
ao
envolvimento com o tráfico:
“Alguns é falta de trabalho. Outros é porque quer comprar roupa de marca. Tem
uns que fala que se envolve que é para ajudar a família, mas na verdade nem
ajuda a família. O cara às vezes fica com medo de falar e gasta dinheiro na pouca
vergonha. Às vezes os que é viciado gasta em ou maconha. Outros ganha,
gasta em mulher, hotel. O tráfico... vamos supor: desde pequeno nós anda
junto. vo se envolve. eu ando contigo e tu passando. tu: ´pô, me
uma ajuda aí. passagem`. tu vai e ajuda, começa a se envolver. Vai
passando, passando. Depois outro que também anda contigo também acaba se
envolvendo, vai assim. Se você tiver trabalhando tu não vai se envolver. Agora
se tiver à toa...” (Traficante do Rio de Janeiro) (Moreira, 2000: 105-106).
Esse dinheiro tão almejado e buscado freneticamente não tem como
objetivo a acumulação, característica dos outros tipos de atividades ilícitas, mas o
simples consumo de bens, a inserção na sociedade de consumo. Pretendem
comprar objetos, freqüentar os lugares e adotar as atitudes que os meios de
comunicação de massa consideram como in”, por dentro”, legais”, desejáveis”,
modernos”, na onda”, ou seja, a última moda”. Poder-se-ia dizer, radicalizando de
forma contundente o raciocínio, que eles apenas querem ser aquilo que o padrão
social considera como adequado para a sociedade em que vivemos.
Aliás, essa necessidade consumista de participar efetivamente do
mercado de consumo, é própria de uma sociedade como a nossa ou, mesmo, de
qualquer sociedade capitalista, como muito bem notou Marx citado, com
propriedade, por Moreira:
Conforme elucida Marx (1987) as relações travadas na estrutura de uma
sociedade capitalista impelem os indivíduos a saciar suas necessidades no âmbito
do mercado, travestindo-os de consumidor. Ao mesmo tempo que as necessidades
são socialmente determinadas, esta mesma estrutura, através do processo de
acumulação de capital, concentra as oportunidades e meios de saciedade nas
mãos de uma parcela de consumidores, negando a outra ainda maior tais
possibilidades. No entanto o movimento vital do mercado é, tragicamente, de
expansão e por isso não pode se dar ao luxo de muito escolher quem irá participar
de suas transações. A única barreira que erige é a exigência do passaporte
dinheiro” (Moreira, 2000: 111).
175
Observamos assim, mais uma vez, a grande contradição de uma
sociedade de consumo que condena e priva da liberdade um adolescente que
comete um ato infracional, estimulado por ela própria para consumir, ao mesmo
tempo em que se torna cúmplice daqueles que ganham fortunas com esses atos e
não são detidos ou presos.
Se instarmos os adolescentes a proporem algum tipo de solução para o
problema representado pelo tráfico, as respostas não variam muito em relação às
causas citadas, ou seja, as propostas giram em torno da eliminação das causas e
de melhorias de qualidade de vida social e familiar.
Essa situação não poupa nem mesmo as meninas de se envolverem nas
atividades do Tráfico. Existe uma preferência por utilizá-las, principalmente nas
tarefas mais arriscadas, visto despertarem menos desconfiança e atenção das
polícias. Entretanto, nem por isso, são menos violentas e desempenham suas
funções de forma menos eficiente.
A frieza e determinação com que algumas meninas se dedicam ao crime,
inclusive ao homicídio, tem surpreendido muita gente:
“A ordem de morte estava dada e o executor, definido. Mas, para Ana (nome
fictício), 14, aquilo era uma questão de honra e ela não deixaria que ninguém
fizesse por ela. Pediu, chorou a que o ‘patrão’ -chefe do tráfico na região-
permitiu. Ela mesma mataria a garota, outra traficante também menor de idade,
que tinha furtado dois quilos de maconha mais uma quantia em dinheiro de sua
casa. Ana circulou de braços dados com a garota pelo centro de Monte Mor (120
km de SP), com outros traficantes, até uma área deserta. Ali, matou a rival com
golpes de facão. Os amigos ajudaram Ana a enterrar o corpo (Penteado, 2004
d
:
C
3
).
Algumas vezes, nem a motivação da pobreza ou de necessidades vitais
podem ser evocadas para justificar a entrada das meninas para o crime, pois seus
próprios depoimentos dão uma idéia bem diferente do que se supunha ser a
motivação para sua entrada para a criminalidade: Ana decidia os rumos de sua
vida desde os 12 anos, quando passou a vender maconha e cocaína em uma praça
da cidade. Chegava a lucrar R$ 200 por dia e gastava tudo em roupas e festas.
“‘Eu queria vida fácil, viver nas baladas’, diz a garota. Meu pai ganha bem, não
precisava roubar’, diz Dora (17), que parou de estudar na rie do ensino
fundamental. Ela morava no bairro Bela Vista (centro de SP) com o pai, que é
barman e ganha R$ 1.200 por mês. ‘Se eu falar que precisava roubar, vou mentir.
Tinha tudo em casa. Fazia pela adrenalina mesmo’, diz Dora, grávida de cinco
meses” (Penteado, 2004
d
: C
3
).
Outra detenta da Febem, Carla (17), tem depoimento diferente. Ela fugiu
de casa aos 11 anos para traficar em Cotia (Grande SP). Ganhava R$ 30 a cada R$
100 vendidos em cocaína. ‘Ganhava dinheiro como água. Foi tudo em festa, roupa,
176
sapato. Eu gostava de andar na moda’, diz. quatro meses na Febem, Carla
responsabiliza apenas a própria ambição. ‘Queria dinheiro para não trabalhar tanto
como minha mãe’, diz a garota. A mãe de Carla é costureira” (Penteado, 2004
d
: C
3
).
Os traficantes pegam os mais pobres, aqueles cujos pais não têm condições de
dar nada. Dão um tênis de presente. Mandam comprar cigarro e não pegam o troco
de volta. Eles conseguem envolver a molecada de tal forma que os meninos
acabam gostando deles (Fátima, líder comunitária, 47 anos, moradora da zona
leste de São Paulo) (Athias, 2002
a
: C
9
).
É comum os moradores de uma determinada área dominada pelo tráfico
elogiarem a eficiência com que os soldados do tráfico eliminam aqueles que foram
marcados para morrer, evitando que os moradores, que não tem nada a ver com a
situação, sejam sequer feridos. Entretanto as falhas acontecem. “[Seu filho foi morto
por dívida com traficante?] Não. Eu pagava as dívidas dele. Pagava R$ 70, R$ 100.
O Anderson foi assassinado numa festa perto de casa. Houve uma briga de grupos
rivais [ligados ao tráfico] e ele foi assassinado por engano (Fátima, líder
comunitária, 47 anos, moradora da zona leste de São Paulo) (Athias, 2002
a
: C
9
).
Os traficantes permitem campanhas contra a violência nas suas áreas
desde que isso não atrapalhe os negócios”. Fizemos uma caminhada da paz sem
incomodá-los, mostramos a paz na família, falamos dos jovens. O que incomoda são
denúncias que possam levar ao fechamento das bocadas (Fátima, líder
comunitária, 47 anos, moradora da zona leste de São Paulo) (Athias, 2002
a
: C
9
).
Levando-se em consideração as áreas estudadas na Região
Metropolitana de Campinas, percebemos que são aquelas que apresentam maiores
carências de equipamentos urbanos e distanciamento de oportunidades concretas
de melhoria nos padrões de vida as que mais se destacam nos homicídios. Esses
estudos, de uma maneira geral, mostram que aquelas áreas onde é maior a carência
de equipamentos urbanos e a superexposição de desvantagens sociais, os casos de
violência fatais são mais numerosos, pois “a desigualdade no acesso a direitos
alimenta a violência. As comunidades mais afetadas pela violência têm em comum
uma superposição de carências” (Cardia & Schiffer, 2002: 31).
Em Campinas, como na Região Metropolitana de São Paulo, diversas
manifestações de violência e criminalidade aparecem vinculadas ao mundo do
tráfico de armas e drogas, constituindo-se no condicionamento mais significativo do
dia-a-dia dessas pessoas, determinando a vida pessoal e profissional.
177
Desde a década de 1970 a região de Campinas já procurava uma
explicação para a violência e criminalidade sempre crescentes. Ligavam,
geralmente, esses problemas a dificuldades da estrutura social adequada:
"...a gente sabe que este bairro tem uma história de participação, de reivindicação,
que é conhecida dentro do município e isso é muito positivo... Então sem dúvida
que é um bairro com esse problema.mas a violência é um problema da sociedade
moderna. as pessoas do São Marcos estão mais expostas... um grande número de
pessoas vivem em condições difíceis e não é que todos sejam violentos, ela está
exposta, a grande maioria da população está exposta.” (Homem, 34 anos,
Profissional de Estatal, Bairro S. Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 92).
Além da falta de oportunidade para dar uma educação de qualidade para
os filhos, emprego e a ociosidade, também aparece a falta de programas sociais pra
crianças e adolescentes em situação de risco:
"... então eles (os jovens} saem da escola e ficam o resto do tempo na rua, se
você pegar os barracos, você não tem condição de fícar dentro de casa... a classe
média, por exemplo a criança tem um computador a tarde pra aprender, ela tem
videogames sofisticados pra segurar ela dentro de casa, curso de natação, ela vai
pro inglês, pra um curso de música, tem o tempo todo ocupado e aqui não tem
isso, a criança fica exposta na rua... A falta do trabalho... uma ocupação, se vo
circular pelo bairro você vai ver que a ociosidade é que faz, porque eles (os
jovens) começam a formar grupos e a parar em determinado local pra fazer bate-
papo, acho que não tem assim uma ocupação" (Mulher 41 anos, morador-militante,
Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 141).
Nos dias atuais, particularmente nos entornos de Campinas, vamos
encontrar a violência atingindo níveis insuportáveis, particularmente na região de
Hortolândia-Sumaré. Devemos frisar que, mesmo entre os que trabalham com a
violência e criminalidade, as compreensões das causas dessa violência variam
muito, tendo, inclusive, alguns com propostas radicais e, até mesmo, contraditórias:
São vários aspectos. Eu acho que um aspecto mais importante é a diferença
social entre os indivíduos... Eu ainda reluto um pouco em cima disso, mas a gente
sabe que é... Eu acredito na recuperação do ser humano. Mas, eu também sei que
tem alguns seres humanos que não tem jeito para recuperar mais. Eu acho que,
por mais que faça... se você pegar o exemplo do Xampinha, que fez aquela
atrocidade com o padre Linique em Franco da Rocha... Você pode cobrir ele de
ouro, mas ele vai aprontar... Sabe... Eu acho que o menor infrator, aquele que tá na
tenra idade, que está começando no delito... Se você incutir na cabeça dele para o
bem... Dá carinho para ele... atenção... escola... alimento... Ele vai
procurar o caminho do bem... Mas, se você largar nesse modelo que ta aí... Não
sei não...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005)
A Região Metropolitana de Campinas apresenta hoje uma situação que
não é diferente do restante das metrópoles brasileiras. A ausência dos pais durante
a infância, a pobreza e a falta de perspectivas de vida digna são, para a maioria dos
moradores da periferia, motivações suficientes para a delinqüência e para o grande
atrativo que o tráfico exerce sobre as crianças e alguns adultos.
178
Acho que tudo tem começado na infância, onde as crianças, ou por
necessidade dos pais de trabalharem ou por desconhecimento, acabam ficando na
rua. Uma cultura de rua de não ter o que fazer. Falta de atendimento em casa. A
casa não tem atrativo nenhum para ficar. Então a rua é melhor para ficar. E, vai se
envolvendo. Vai se envolvendo para uso de droga e depois para manter o vício
acabam entrando para o Tráfico. Grande parte deles (Psicóloga, Hortolândia,
Secretaria de Saúde Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33 anos, 2006).
O desemprego e a falta de estrutura familiar
___
além, evidentemente, da
pobreza
___
, também aparecem citados como causas importantes da violência e
criminalidade: Desemprego, pobreza, desestrutura familiar...” (Coordenadora
Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
As estruturas sociais criando uma sociedade excludente e voltada para o
consumismo, também aparecem como causadoras do crime:O desejo de consumo
constante e a fantasia do dinheiro fácil (Psicóloga, Hortolândia, Secretaria de Saúde
Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33 anos, 2006).
Interessante notar que a busca de poder e de importância como agente de
força, estimulada pela sociedade atual, parece impelir as pessoas ao crime: Em
busca do poder... Poder financeiro... Poder... Poder, enfim... Todo tipo de poder...
(Coordenadora Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
A própria dificuldade para manter o vício, também acaba levando os
campineiros ao crime: Então, o pessoal que mexe com droga entra para o crime...
Com certeza. Porque, uma hora ou outra, eles não vão ter mais como sustentar o
vício.” (Moradora, Campinas, Parque São Jorge, Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
Nota-se no depoimento de uma psicóloga de Hortolândia a colocação de
uma multiplicidade de fatores como o desencadeamento de uma aproximação do
jovem com o tráfico: Acho que muitos fatores: desemprego, pobreza, ‘vida fácil’,
dinheiro rápido, poder, medo entre outros. Acho que alguns devem ter alguma pré
disposição para a violência ou não, assim como para a dependência química, mas
acredito que isso são estudos e pesquisas em andamento e evolução neste
momento. Futuramente saberemos mais sobre esse assunto (Psicóloga, 30 anos,
Ambulatório Municipal de Saúde Mental Infantil, Hortolândia, 2006).
Interessantíssima a opinião de um policial militar, ex-comandante da Região de
Campinas, sobre os motivos e características da violência em criminalidade em
geral:
A violência, hoje, inclusive o geógrafo Borges Misse [Michel Misse?], considera e
eu concordo, a violência é uma revanche do território... Veja o caso do Rio de
Janeiro... A violência no Rio de Janeiro é uma questão de Segurançablica? Eu
creio que não... São Paulo, com as grandes favelas... Aqui em Campinas... É de
179
Segurança? Não... É um outro elemento da ordem pública que está atingindo a
criminalidade, que é a salubridade. É a falta de salubridade pública. O que que é a
salubridade pública? O povo deve colocar assim: é a absorção das coisas que
podem privar da saúde. Coisas que podem privar da saúde. Então, essa violência é
a revanche do território, de quem está lá... Olha para as favelas do Rio, são
cidades medievais. Nossas favelas são cidades medievais... São becos, não tem
iluminação, não tem ventilação, não tem qualquer gabarito de construção... Quer
dizer, tudo aquilo que a humanidade conseguiu para dar um conforto ao homem,
quer dizer, dar salubridade ao homem, dar saúde para ele... Isso é que está
fazendo com que esteja explodindo a violência (Tenente-Coronel Élson Roney
Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia Militar na Região Metropolitana de
Campinas, 2006).
Outro comandante, agora da Guarda Municipal de Hortolândia, uma
condição local, bem pontual, para explicar o aumento da violência e criminalidade na
Região Metropolitana de Campinas, especialmente nas proximidades de Hortolândia
e Sumaré, justamente onde se encontra o Complexo Prisional Hortolândia-Sumaré,
o “Carandiru Caipira”:
Eu acho que, com... com o presídio... muita gente ligada à esses presos tem vindo
para cá... Não. Fuga não... Fuga não... Rebelião pode ser que tenha... Mas, desde
que eu estou aqui, não teve nenhuma... Um absurdo [ampliar o Complexo
Prisonal]... Pior ainda [criar novas unidades da Febem no município]... Por que...
Na verdade, você... você vê, Febem é um modelo completamente equivocado...
É... Não tem jeito de a gente colocar... dentro de um complexo penitenciário, cinco
ou seis presídios... com a Febem... Febem, vira... estóra todo dia... Você imagina a
influência que poderia ter uma rebelião dentro de uma Febem dentro do presídio...
Isso poderia ter um efeito cascata... todo dia uma rebelião assola... Na verdade...
está havendo uma discussão... foi uma discussão ontem e hoje, “Febem Não”, aqui
em Hortolândia... É... Não vou lembrar o nome... Mas, é um senhor... do Sul...
Paulo Lins é o sobrenome dele... Eu acho que é isso... Tem uma senhora que está
no anfiteatro aí... Não me recordo o nome dela também... Mas, o prefeito diz o
seguinte: Nós... Hortolândia... produzimos... 17 menores infratores... Então, desses
dezessete a gente cuida... Por que ele está ao lado da casa dele... Vai ter uma
assistência da família... Vai ter toda essa ajuda... Se eu trouxer menores de São
Paulo, Pindamonhangaba, ou de onde quer que seja, não vai ter essa mesma
assistência... Eu acho que o modelo tem que ser realizável... existe um modelo
chamado Nalia, aí... Que eu acho que é... Pelo que a gente é dos melhores que
tem aí... Tem uma interligação, uma interface... é uma coisa que... acaba não
sendo um presídio, e sim uma escola... Na verdade, o pessoal acaba... vindo os
presos e migrando a família... Até pela comodidade de visitas... pela comodidade
de você... vim trazer o famoso jumbo, que são as comidas que a família trás pro
preso... então para ter essa... essa comodidade acabam mudando pra... prá
periferia... pro entorno do... dos presídios...” Porque junto com a família, acaba
vindo os parceiros... acaba vindo uma família desestruturada... que, o filho...
infelizmente, vai... vai debandar para o crime... (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda
Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005)
2. A polícia: Um olhar sobre as cenas de seu cotidiano
A presença da polícia nas comunidades é sempre causa de problemas
para os moradores e policiais, visto que os policiais não sabem distinguir quem é
traficante e quem é simples morador.
180
Ao adentrar uma favela
___
ou área da periferia
___
sabendo que não são
bem-vindos, os policiais tem plena consciência de que tomar uma favela é uma
coisa, permanecer nela ocupando é outra completamente diferente. Apesar disso, o
Estado é obrigado a colocar postos policiais permanentes, patrulhas de polícia
motorizada e, quando necessário, fazer blitz ou chamar alguma das unidades
especializadas em ações de choque e de alto risco: Batalhão de Choque (o
Choque”, como é conhecido), especializada em tratar de distúrbios grandes;
Batalhão de Operações Especiais (BOPE), unidade altamente treinada para
enfrentar conflitos em situações críticas, como guerra entre quadrilhas e
Grupamento Especial Tático-Móvel (Getam), o Tático-Móvel”, utilizado para
enfrentar confrontos armados de altíssima periculosidade e de grande intensidade.
Como no sistema brasileiro de policiamento a Polícia Civil também pode
entrar em uma favela à procura de um suspeito de algum crime que esteja sendo
objeto de uma investigação criminal, ela dispõe de uma unidade composta por uma
força especializada que tem a função de cuidar e investigar o tráfico de drogas, a
DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes), que procura reprimir o narcotráfico
no âmbito estadual.
As rondas motorizadas praticamente não existem em razão da falta de
ruas transitáveis na maioria das favelas localizadas em terrenos acidentados. Na
maioria das favelas o acesso só é possível a pé, já que suas ruas são vielas e becos
muito estreitos e íngremes, inviabilizando a ronda motorizada. Além disso
___
corrompidos pelos traficantes
___
, os policiais sempre aparecem com faróis altos e
com as sirenas ligadas, alertando os traficantes com bastante antecedência da vinda
da ronda policial, conforme depoimentos de moradores de favelas e periferias.
Assim, quando a polícia faz sua ronda e intervenção normal, fora das
épocas de grandes “blitzes”, isso só ocorre nas franjas mais urbanizadas das favelas
ou nas periferias mais acessíveis e com melhor condição de segurança para os
policiais e para os veículos, o que torna esse tipo de policiamento quase inexistente,
evitando uma exposição mais prolongada e perigosa. Por isso, normalmente, as
polícias não entram nas favelas e, quando entram, ficam pelo menor tempo possível.
De uma maneira geral, mesmo nas grandes blitzes”, os policiais sofrem
pressão psicológica grande que, logo ao chegarem, são recebidos por estouros
de foguetes avisando a todos a sua presença. É interessante notar que, mesmo
tendo sido avisados por celulares pelos olheiros”, os traficantes não dispensam os
rojões dos fogueteiros”, seja para avisar os que não estão com celulares ou, o que
181
é mais comum e instigante, pelo efeito psicológico que os estampidos dos rojões e
morteiros provocam nos policiais prenunciando, pela sua semelhança com o som de
tiros, o combate que está por vir.
As polícias invadem as favelas e periferias durante o dia, por ser mais
seguro, ainda que seja o momento com maior quantidade de pessoas nas ruas o
que provoca uma insegurança maior para a população. os traficantes o fazem
pela madrugada, frequentemente avisando a própria população (que além de ser
uma medida de preservação da segurança dos moradores, serve também como
uma forma de atrair a simpatia dos mesmos, pelo respeito demonstrado), como uma
demonstração de poderio e força intimidatória. Isso provoca uma forte antipatia e
aversão dos moradores com relação às polícias. Preferem, portanto, a paz e a
ordem garantida pelo tráfico àquela garantida pelas polícias.
Devido aos fatos relatados os policiais acreditam que, numa favela ou
periferia dominada pelo tráfico, todoso culpados (por participação ou conivência),
razão pela qual atiram primeiro, depois fazem perguntas”, criminalizando a
pobreza. Assim, mortes de moradores e traficantes são anunciadas como queima
de arquivos”, já que representam testemunhos vivos da corrupção policial.
Na verdade, sob a ótica policial, essas execuções acabam se tornando
rotina dada a grande impunidade com relação a esse tipo de crime, o que favorece o
aparecimento daqueles policiais bem-intencionadosque vêem na eliminação física
do bandido um benefício para a sociedade que, em pouco tempo, ele será solto
pelas falhas e dificuldades nos processos judiciários.
Os próprios policiais têm consciência dessa situação e, de certa forma,
justificam e consideram como um problema de difícil solução:
A morte dum bandido [por policial] de repente é a queima de arquivo que
eventualmente pode ser usado contra o próprio policial [...] Em alguns casos, a vida
do criminoso é muito cara para o policial. Ele não mata o criminoso, porque é fonte
permanente de renda [... ou] pode ser um bom policial, que mata porque ele o
acredita em outra situação [...]. Quando o sistema passa a sensação de
impunidade ao policial, muitos policiais, até, entre aspas, bem intencionados’,
tomam esse tipo de decisão drástica, que é matar uma pessoa que tinha cometido
um crime(Major Antônio Carlos Carballo Blanco, Polícia Militar, Rio de Janeiro, in:
Dowdney, 2003: 72).
Os policiais corruptos, com certo acobertamento ou conivência dos outros,
exercendo um corporativismo visto como necessário pela maioria deles como forma
de proteção, procuram arrancar dinheiro do tráfico nas situações em que as propinas
diárias ficam mais raras e difíceis, com rapto de adolescentes de uma determinada
facção para serem vendidos a outra, onde ele se torturado para relatar segredos
182
ou situação da facção rival, antes de ser morto. Comumente podem raptar
traficantes e exigir resgate de suas facções para soltá-los. Quando o resgate não é
pago, eles são presos e entregues à Justiça.
O comportamento inadequado do policial nas favelas e periferias
dominadas pelo tráfico, traficando drogas, vendendo armamentos, hostilizando
moradores, matando inocentes, executando extrajudicialmente traficantes e
informantes, acompanhado de altos índices de corrupção e impunidade, faz com que
a visão do policial em relação às áreas de favelas e periferias pobres, acabe se
transformando em um olhar de bandido, achacador e explorador, o que trás sérios
problemas para uma ação de moralização das polícias e das atividades policiais.
Nas favelas e áreas do tráfico qualquer tipo de ação mais violenta, com
tiroteios, é ruim para os negócios, pois afugenta compradores. Por isso, os
traficantes e seus comandados evitam ao máximo o confronto, sendo uma das
razões para essa menor letalidade para os policiais as ações realizadas nessas
áreas. Por outro lado, o medo e a desconfiança com que os policiais olham os
moradores da periferia pobre e das favelas faz com que o índice de letalidade de
suas ações nessas áreas seja duas vezes maior do que o das outras áreas, o que
indica uma intenção maior do policial de matar nas favelas e regiões mais pobres do
que nas outras regiões mais centrais e mais ricas das cidades (Cano, 1997: 64-65).
A desconfiança faz com que os policiais tenham muito pouca
consideração para com as populações periféricas
___
vistas normalmente como
potenciais inimigos ou inimigos declarados
___
, desencadeando processos de extrema
violência. Na verdade, o que vemos é o morador encurralado: de um lado a pocia
(repressiva, violenta e corrupta), do outro os traficantes (violentos, repressivos e
assistencialistas), com clara opção dos moradores pelos traficantes em
detrimentos dos policiais, pois são mais respeitados por aqueles do que por
estes, pois se o marginal quiser invadir a comunidade, ele invade à noite que tem
menos morador na rua. A polícia invade a qualquer hora, ela não respeita o
morador, que fica no meio do fogo-cruzado.
A Polícia Civil apresenta uma maior aceitação entre os moradores da
periferia ou favelas em relação à Polícia Militar. Isso se deve ao fato de que a Polícia
Militar está sempre envolvida em ações repressivas, invasões, assassinatos e
mortes durante as batidas, geralmente acobertadas pelos órgãos governamentais.
49
.
49
Nas duas últimas semanas, a "pax mafiosa" celebrada no curso do governo da família Garotinho
foi quebrada e a convivência espúria rompida. A reação do crime tem como causa o inquérito
presidido pelo delegado federal Alessandro Moretti. Aliás, uma apuração que deveria ter sido
realizada pelo governo da família Garotinho e cuja omissão beirou a prevaricação. O inquérito
183
Os PMs usam fardas, cortes de cabelo militar”, armamentos pesados, andam em
grandes grupos e se deslocam em carros oficiais, facilmente identificados pelas
sirenes ou pela própria pintura dos mesmos. A Polícia Civil tem uma outra
formatação, que tem uma relação mais estreita com os próprios moradores, utiliza
de informantes da comunidade (X9) muito frequentemente e, quando realizam
qualquer ação, geralmente vão encapuzados. Não usam fardas ou carros oficiais,
com freqüência nem armamentos pesados e tem cortes de cabelo comuns. Isso faz
com que sua identificação, tanto como pessoa como entidade, fique esgarçada e se
perca no turbilhão do dia-a-dia. Pressionados pela lei do silêncio (que preserva os
bandidos e a vida de quem sabe”), os moradores dão informações aos policiais
quando muito pressionados, tanto pelos bandidos como pela própria polícia. A
grande maioria das informações é fornecida pelos próprios bandidos, que delatam
(“xisnoveiam”) os próprios comparsas, pressionados, frequentemente, através de
tortura, ou, para tirar vantagens pessoais.
Outro problema sério são os grupos de extermínio e milícias formados
por policiais (sempre encapuzados), ex-policiais e moradores comuns, que por uma
soma em dinheiro vivo, poderiam eliminar qualquer tipo de desafeto, inclusive
bandidos, atendendo pedidos de comerciantes ou de qualquer outra pessoa.
A desconfiança com relação às polícias é reforçada quando os policiais
não cumprem minimamente seu compromisso de sigilo em relação aos
denunciantes, o que dificulta ainda mais a participação dos moradores na
preservação da ordem e do bem comum.
As ações policiais, de certa forma, concentram-se preferentemente na
população mais jovem, masculina, negra ou mulata, considerada como mais
perigosa e irresponsável, que é abordada, revistada, enquadrada, espancada, sendo
mantida por longo tempo apoiada nas paredes, com os braços e pernas abertos.
Como não podem
___
nem ousam
____
reagir contra o policial este aproveita de sua
autoridade para bater antes de perguntar.
apontou duas ilicitudes a revelar como o crime organizado se infiltrou no Estado. Nele, ficou
patenteada a cooptação de policiais militares por narcotraficantes. Essa banda podre da polícia militar
é conhecida, anos, por Comando Azul. Com a prisão de 78 policiais militares, a PF logrou
desfalcar o lucro dos narcotraficantes. Mais, ocasionou o recuo da sempre blindada "burguesia
mafiosa", empresários de "cara limpa" que financiam, à distância das bocas-de-fumo, a oferta de
drogas. O inquérito desnudou o sistema de proteção dada à rentável "indústria da jogatina
eletrônica", iniciada, no Rio e São Paulo, com a lavagem de dinheiro da cocaína dos cartéis
colombianos. Com a prisão do reciclador mafioso Lilo Lauricella, os bicheiros cariocas, seus
associados, tomaram conta do "negócio". Aí, passaram a contrabandear componentes eletrônicos
para montagem das máquinas de jogos de azar, jamais aferidas pelas autoridades. Pelo inquérito,
Rogério de Andrade e Fernando Ignácio, os maiores exploradores dos jogos eletrônicos de azar,
tinham cobertura do ex-chefe de polícia Álvaro Lins: o policial Lins elegeu-se deputado estadual pelo
PMDB com apoio da família Garotinho” (Maierovitch, 2006: C2).
184
Como a única maneira de sobreviver durante os confrontos entre policiais
e marginais é se identificar, de pronto, como moradores, estes procuram apresentar
boa aparência pessoal, não circular em horários ou lugares freqüentados por
bandidos ou áreas de confronto, apagar as luzes durante tiroteios entre policiais e
bandidos,
Mesmo recebendo freqüente proteção dos bandidos, a população aprova
a repressão violenta contra os mesmos por parte da polícia; contratam “milícias”
50
para exterminar os traficantes. Aquilo que eles não desejam para si preconizam para
os outros. Consideram ilegítima a violência cometida contra eles, pessoas
honestas e legitima aquela cometida contra os marginais. E, de certa forma,
também compreendem e aceitam a violência policial cometidas contra eles próprios
considerando, na maior parte das vezes, culpa da própria pessoa inocente, que
estava no lugar errado e na hora errada. Entendem a violência policial como um mal
necessário para a própria preservação da integridade do policial que, não
conhecendo direito os moradores, tem que se cuidar para não ser atingido por
alguém, confundido pelo mesmo com pessoas sérias e honestas.
Mesmo achando a violência policial como uma coisa indesejável, as
execuções sumárias que ocorrem nas batidas policiais e nos confrontos entre
policiais e bandidos o relevadas pela população e consideradas necessárias,
como punição para aqueles que são tidos como irrecuperáveis e sem remédio. Isso
ocorre porque a violência policial está estreitamente ligada ä violência dos
traficantes. Assim, por exemplo, após cada execução de bandido importante,
percebemos uma luta pelo poder entre os membros remanescentes de cada
quadrilha. Essa luta se torna aberta, incluindo até mesmo lideranças de outras
localidades a partir do momento em que o eliminado e antigo chefe não tinha
deixado um sucessor nomeado e para isso preparado. Essas brigas acirram os
ânimos dos marginais e aumentam a insegurança dos moradores da área. As
represálias dos sobreviventes ocorrem instantaneamente, com o fechamento do
50
Com sua existência ignorada oficialmente por autoridades do Estado, as milícias formadas por
policiais, bombeiros e ex-policiais têm se expandido rapidamente pelas favelas do Rio. Elas expulsam
traficantes, assumem a segurança, exploram serviços clandestinos, promovem o assistencialismo e
cobram taxas dos moradores -quem não paga, é ameaçado. O modelo clandestino de segurança
começou nos anos 70, na favela de Rio das Pedras, próxima à Barra da Tijuca, onde uma espécie de
polícia paralela se instalou para explorar a venda de lotes e material de construção. No último ano, as
comunidades ocupadas pelas milícias aumentaram rapidamente. especulações de que esse
número varie entre 30 e até mais de 90 favelas. A taxa de segurança cobrada pelos policiais
milicianos nas favelas ocupadas varia entre R$ 2,50 e R$ 10, geralmente os preços mais altos são
cobrados dos comerciantes locais. Quem não paga, é ameaçado, agredido, expulso ou até morto.
Depois de invadidas as comunidades, as milícias passam a explorar serviços de transporte
alternativo (vans, Kombis, mototáxis), o comércio de botijões de gás e até as ligações clandestinas de
TV a cabo” (Gomide & Torres, 2006: C5).
185
comércio e instituições da localidade; é o Toque de Recolher”, que todos
obedecem.
Freqüentemente os mortos ficam expostos ao sol por várias horas, o dia
inteiro, exalando mau cheiro e se decompondo, sem que as autoridades apareçam
para resgatar o corpo. Isso é encarado pela população como uma forma de servir de
exemplo para as gerações mais jovens que pretendem entrar para o tráfico e não
como uma violação do cadáver e um caso de saúde blica e falta de respeito à
dignidade humana.
“...em área pobre não tem pressa nenhuma de pegar o corpo, ainda mais
vagabundo ... vamos deixar lá para o pessoal tomar exemplo.
...todo mundo sabe que é um absurdo, por ser um lugar sujo [com lixo
acumulado e esgotos a céu aberto] e se chegar uma pessoa de fora vê, o mau
cheiro, o corpo no sol quente, a barriga perto de estourar (Pedro, 20 anos, pardo,
estudante, Rio de Janeiro) (Machado & Noronha, 2002: 194).
“...ah, morte de vagabundo fica mofando aí, quando vem apanhar [os órgãos
responsáveis] está até fedendo, todo mundo apóia a morte deles, morreu fica
(Osmar, 55 anos, pardo, trabalhador aposentado, Rio de Janeiro) (Machado &
Noronha, 2002: 194).
O máximo que pode acontecer, no caso de execução sumária de
bandidos, é o morador achar que, mesmo apoiando a matança, ela deveria ocorrer
em outra localidade, longe do olhar das crianças e jovens, que podem ficar
traumatizados com o espetáculo, banalizando a violência.
“...não deveriam matar os vagabundos no bairro, é muito feio... as crianças vêem...
fica como espelho e isso é ruim para a crianças... eles [os policiais] matam na
frente das pessoas mesmo ... eles deviam levar para outro lugar [e lá] a polícia
dava um jeito (Osmar, 55 anos, pardo, trabalhador aposentado, Rio de Janeiro)
(Machado & Noronha, 2002: 194).
Na Região Metropolitana de São Paulo, a situação não é muito diferente.
Entretanto os moradores lamentam o descaso com que a polícia trata as pessoas
pobres da periferia, o que dificulta a denúncia de abusos e fortalece a Lei do
Silêncio” só que, agora, em favor dos policiais.
Sem alternativas, os moradores acabam sendo cooptados pelo tráfico,
pelo menos com o sincio a respeito de suas atividades. o que com isso os
moradores apóiem ou aceitem prazerosamente a presença dos traficantes
(Zaluar, 1995), mas sim, levam em consideração que eles representam o mal
menor: “... ruim com eles [facções de droga], pior sem eles. Um casamento
infeliz, mas necesrio (Zaluar, 1985: 11).
Na Região Metropolitana de Campinas vemos uma paisagem semelhante,
se bem que menos divulgada. A violência policial é uma realidade que remonta ao
186
século passado, impedindo uma outra atividade que a população espera da polícia,
o papel de educador.
Desejava-se que a polícia da época cumprisse um papel educativo ao
ditar regras de convívio e coibir ações consideradas impróprias. Muitos dos
encontros entre policiais e populares eram marcados pela violência: era uma
verdadeira "pedagogia do cassetete". Por volta do meio-dia de 20 de abril de 1886, a
negra Cândida lavava roupa no chafariz do Largo do Jurumbeval quando foi
"provocada por uns moleques aos quais respondeu com palavras ofensivas da
moral pública". Por esse "crime" ou grande "falta de educação", acabou "presa por
algumas praças que a maltrataram com murros e pranchadas, deixando-a toda
ensangüentada" (Diário de Campinas, 21/4/1886, p. 2, citado em Martins, 2003: 2).
Mas a ação da polícia naquele lugar da cidade, como em outros, nem
sempre ocorria sem maiores resistências dos populares. Ao prenderem alguns
indivíduos por "terem se enganado na medida e andarem pela rua a dizer coisas
feias", os policiais enfrentaram o protesto de vários amigos dos presos que
entenderam ser a prisão um grande desaforo. Uma patrulha acabou dispersando o
grupo que se retirou "atirando contra as praças algumas pedras que não acertaram"
(Diário de Campinas, 21/11/1876, p. 2, citado em Martins, 2003: 2).).
Nos inícios da década de 1970 a situação não tinha mudado muito. A
violência policial continuava a constituir-se em problema sério, particularmente
quando envolvia pessoas que não tinham ligação com a criminalidade e acabavam,
por falta de preparo e truculência, envolvidas em agressões por parte das polícias.
"A gente escuta cada história e cada barbaridade, aqui mesmo, não é possível
que os caras sejam tão ignorantes a ponto de fazer isso, passam na rua e
porque é preto e pobre a polícia age com a maior desconsideração e falta de
humanidade. Sabe, eles trazem, vem vender aqui pegam as coisas roubadas e
trazem aqui, vem de helicóptero. .Tem uma mãe que ficou de perna engessada
estava andando na rua e a polícia fez o maior escândalo, a maior humilhação.
Entram nos barracos, humilham as mulheres, que vivem sozinhas com os filhos,
humilham as crianças, entram nos barracos apontando armas, é uma falta de
consideração, de educação. Em nome da lei e da segurança. Que lei? Que
segurança? Quem gera insegurança aqui é a própria polícia (Mulher, 44 anos,
profissional de ONG, Bairro S. Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 110).
Essa truculência policial é uma das mais freqüentes características da
ação da polícia. "O pior é que até os trabalhadores para a polícia não presta, até o
trabalhador leva a fama" (Homem, Morador, 22 anos, Bairro São Marcos, Campinas,
citado em Barroso, 1997: 148). Mesmo assim, instintivamente, a população parece
acreditar que a única saída para o problema é institucional e através da própria
187
polícia que, para ela, deveria ser mais atuante e presente, particularmente na
Região Metropolitana de Campinas.
Hoje, pouca coisa parece ter mudado quando se refere à violência com
que as policias tratam o problema:
Bom, eu vi muitas pessoas apanhando, sim... Mas, no meu caso eu nunca
apanhei, nem de meu pai nem de minha mãe... Se me bater eu conto ocorrência
sim, exponho... Em mim nunca bateram, porque bate em alguém é crime, né? Está
no Código Penal. É agressão, é lesão, é 129...” (Prostituta, Centro de Campinas, 37
anos, 2005).
Se ela [polícia] vende arma eu não sei, mas, geralmente, eles pegam arma... Eles
sempre tem uma arma fria... Sempre tem um cagoeta, sempre tem um chantagista
que eles têm que apagar, né?... Lógico [que a polícia mata]... Denúncia é um
tormento [para o policial]... Geralmente a polícia aborda alguém e toma a arma
dele, não é isso?... Então... As vezes ele mela o cara porque ele vai guardar para
ele, né?... Ele não faz ocorrência... Guarda para seu uso pessoal, né? Uso pessoal
é o que eu falo... Para ele matar alguém... Se ele precisar matar... Você acha que
um policial... Não tem um policial ali que faz um assalto... Não tem um policial...
Bandido existe em todos os lados...” (Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos,
205).
Ah, tem um caso. faz um bom tempo atrás. A polícia foi pegar um cara, que
roubava carro, dar uma geral nele. Mandaram ele deitar de bruços e a polícia
matou ele. Falaram que ele atirou... Um menino de 16 anos Roubava carro...
era bem conhecido pela polícia...A polícia é o seguinte... é que eles não gostam de
gente que trabalho para eles... É o seguinte... Eles sabem quem é tranqueira e
quem não é... Quem anda com tranqueira... Quem anda na ordem... Sabem de
tudo... Então, o menino que muito trabalho para a polícia, deixa rolar... Por que
ou mata ou leva preso... E esse moleque dava muito trabalho para a polícia...
Dava muito trabalho... Então pegou ele e matou... Tem outro moleque que foi na
semana retrasada no meu bairro lá... Ele, dava muito trabalho, estava muito
envolvido com tóxico, mexendo muito com roubo de carro... Faz tempo que estava
roubando aquilo... A gente não vai te matar não, a gente vai te levar preso
(Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Alguns policiais usam da violência para obter dinheiro, chantagear os
moradores.
“A polícia rouba por lá, tem muito roubo, rouba e agride... Roubar, não. É mais
dinheiro... É... Eles, pelo menos, assim... Que... quem ouviu falar, como muitos
falam... Chegam para mim e diz quanto de dinheiro tem para dar... Se não tem,
eles levam... Se tem, não levam ela...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas,
2005).
A própria polícia reconhece a prática da violência e tenta justificá-la,
primeiramente pelo fato de ela ser estimulada, em determinado momento, pela
própria população e, depois, por um problema psicológico que impediria o equilíbrio
do policial em situações de perigo. Assim, dentro dessa visão, a violência policial é
uma exceção, conseqüência de um posicionamento inadequado da sociedade e não
da própria função policial. Uma citação, mesmo que longa, mostra perfeitamente
como esse problema é tratado dentro da tropa.
188
“O crime... A vítima... Quem vê... Quem recebe aquela carga, é o polícia... Por isso
tem muitos problemas de droga... Bebida alcoólica... Muitos policiais que...
Consumo... Não... Veja lá... A polícia tem um hospital... a Primeira Enfermaria...
Que é... Droga lícita... Álcool... Muitos alcoólatras... A pessoa entra no alcoolismo,
porque recebe muita carga... Principalmente nos crimes violentos... As pessoas
saem muitas vezes... Uma coisa, por exemplo... muitos acham que o policial é um
ser humano que sai matando e não sente nada... Não é verdade... O policial se
desestrutura quando mata uma pessoa... Ele não é um ser insensível... Ele tem
religião... Aprendeu a não matar... Aprendeu todo aquele negócio... Quando, em
um tiroteio, ele mata uma pessoa, o policial não fica insensível como a turma acha
que fica... Entende?... Ele se desestrutura... É preciso que o comando tenha um
cuidado enorme... Porque, no primeiro momento, quando é uma ação até bonita,
elogiada pela sociedade, ele ainda tem aquele respaldo... A sociedade o
cumprimenta... Muito bem... Prestou serviço... E, tal... Mas, pouco a pouco, quando
isso passa... Perde apoio da sociedade. Passa a ser considerado um monstro...
Geralmente ele vai ser um alcoólatra... Ele não agüenta... Aí, destrói ele mais
ainda... Com todo aquele julgamento interno dele próprio mais o julgamento da
sociedade, nele um monstro... O que ele faz? Ele vira um monstro... Entende?
Se ver esses grandes bandidos que estão na mídia... Se você procurar num
matador... Elogiando, elogiando, elogiando... Daqui a pouco, no primeiro erro,
tornou ele um criminoso, e ele se desestrutura...” (Tenente-Coronel Élson Roney
Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia Militar na Região Metropolitana de
Campinas, 2006).
Para a população que se dedica ao tráfico na periferia das grandes
metrópoles o policial é perfeitamente corruptível e naturalmente violento. Entretanto,
o que mais chama a atenção no discurso dessa população é a facilidade como
esses policiais podem ser comprados sendo que, na maioria das vezes, nem
necessidade de oferecer propina visto que os próprios policiais o exigindo
dinheiro, ou seja, vão praticando uma extorsão declarada e explícita.
Para os donos de boca alguns policiais podem entrar até determinados
pontos na sua área pois estão cobrando suas propinas e isso representa algum grau
de tranqüilidade para todos os envolvidos no negócio de drogas. Para os moradores
a polícia é uma presença indesejável, visto não discriminar traficantes de pessoas
honestas e tratar a todos com truculência, se não pagarem a propina. Na maioria
das vezes quem não consegue pagar e sofre as conseqüências disso é o morador
pobre. O traficante, de alguma forma, sempre tem condições de pagar.
Muitas vezes, inclusive, certa leniência por parte da própria população
com relação à corrupção policial, justificada pela imagem do policial que ganha
pouco e tem que coibir qualquer tipo de ação ilegal, tem que combater bandidos
fortemente armado arriscando sua própria vida”.
Na Região Metropolitana de Campinas essa situação se repete dentro dos
mesmos parâmetros. A atuação da polícia é, segundo opinião da população, não
muito diferente daquela do traficante sendo que, em grande parte das vezes, são
confundidas e vistas indistintamente. Acreditam, com certeza, que os policiais
trabalham para o tráfico e, até mesmo, oferecem e vendem armas aos traficantes,
189
conforme relatos. O que mais me preocupa [na polícia] é o fato deles próprios
agirem como sendo os traficantes, e acabarem fazendo o meio de campo, entre
traficantes, armas, contrabando, pegam a droga e acabam passando para outras
pessoas” (Psicóloga, Hortolândia, 33 anos, 2006).
Essa opinião é seguida por inúmeras outras pessoas entrevistadas,
permitindo supor que a corrupção seja uma prática encontrada comumente nas
corporações.
Todas [as polícias são corruptas]. Sem distinção, todas” (Coordenadora
Pedagógica, Hortolândia, 2005).
Eu acho que na [Guarda] Municipal, essa nova aqui [tem mais corrupção de
agentes]... Eu acho que sim [pega mais dinheiro]... Pelo menos é a que mais
incomoda, né... (Silêncio)... Tem.... Tem sim... [policial que trabalha para o Tráfico]”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
[A Polícia Militar] É bem mais fácil [de ser comprada]. É a que mais trabalha na
rua, né?... A Polícia Civil não trabalha propriamente na rua. É mais quando
acontece alguma coisa... um assassinato... ai aparece... mas é mais a Militar...
A polícia vende armas... Eles têm o canal. Eles têm o canal. Tem um
lugarzinho... É barato, heim?!... Se quiser comprar lá... É... barato. A polícia mesmo
não vende. Eles o a dica de onde compra. Recebem dinheiro. Um policial, do
Rosolém, lá perto da minha casa, abriu o porta mala do carro dele, cheio de armas.
Escolhe o que quiser, falou para esse amigo meu. Escolhe a que você quiser. É
barato. Uma nove, uma nove milímetros... que custa, ou seja, mais de dois mil e
quinhentos, você paga oitocentos, setecentos... Comprou na caixa uma... Eles
tem... eles buscam no... tem um canal atrás da Feira do Rolo em São Paulo, no
meio ali... Além disso, tem aquele acordo com a polícia de um não encher o saco
do outro... Não tem não... O policial não pega no não...” (Membro do PCC,
estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
“Sim. Mesmo hoje, tendo policiamento nas ruas, tem... tem policias aí... que é
corrupto... Não é todos, mas tem... A corrupção das... das propinas, né?... As
drogas que são vendidas livremente e eles fazem vistas grossas, pois ganham em
cima disso... Ganham... é... Tem sempre uma mesada no final do mês... Como a
gente anda muito, a gente vê... local de venda de droga... E você que o policial
passa, sabe que tem, mas não... não dá uma geral... Acho que ambas [as polícias],
porque não tem... cada uma tem um local de... que possa exercer essa corrupção,
né?... Geralmente existe, por que... Você nunca ouviu falar que um policial... ou ele
se afasta... mas se afasta do setor, né?... vai para uma outra cidade... ou fica em
outro departamento... Depois outra... Na ativa novamente... Isso aí... Ele nunca
geralmente, fica preso... a não ser que ele... mata alguém... Procura sempre estar
na ativa... Nunca são afastados do cargo definitivamente, né?... (Motoboy, 45 anos,
morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
Existe [corrupção policial]... Inclusive teve um conhecido meu lá... invadiram a
casa dele... aí, eles falaram assim: quanto vocês tem para dar para a gente... para
a gente não levar vocês preso... Perguntaram quando que eles tinham para dar
para eles para eles não levar... Ai ele pegou e falou assim: olha eu não tenho nada.
Mesmo que tivesse não dava. Prefiro enterro a dar alguma coisa para vocês... Ai
eles bateram muito nele e ele faleceu... Mas, eles perguntavam no ato... Eles
perguntavam... eles gritavam para o apartamento ouvir... Quanto que vocês têm
para dar para a gente... E... Então, na minha opinião, tem... Eles gritavam em bom
som para todos ouvir...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Criança [a polícia] eu creio que não [mata], né, mas, pirralho que fica por aí...
fumando droga, roubando, fazendo arrombamento... Às vezes a polícia faz até o...
Compra, né?... Paga mais barato... Ou, pega.... Prende e manda eles embora...
Tipo assim: eles prendem os meninos e tomam as mercadorias, né?... Às vezes
190
tem os policiais que não estão na hora de trabalho e fazem a receptação...
Compram também... Roupas... Furtos... Furtos...” (Prostituta, Centro de Campinas,
37 anos, 2005).
A corrupção de grande parte do contingente policial, portanto, é um fato
encravado no âmago da própria corporação. Ela, em alguns casos, pode até mesmo
dificultar uma colaboração entre as polícias, incluindo as Guardas Municipais que,
presume-se, poderiam ser mais diretamente controladas pela população.
Apesar dos depoimentos em contrário existe uma indisposição para que
as polícias colaborem entre si. Em alguns casos ocorrem exceções
___
como em
Hortolândia
___
, onde essa colaboração existe entre a Guarda Municipal e a Polícia
Militar, o que não se reproduz em relação à Polícia Civil. É... Na verdade, com a
Polícia Militar a gente tem um convívio muito bom... Muito bom... Mas, com a Polícia
Civil não é... não é... Não é bom... [É] Muito mais complicado... (Dr. Marcelo, Diretor
da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005). Essa dificuldade de
convivência entre as diversas polícias, com justificativas de parte a parte, onde, até
mesmo, parece interferir suspeições de envolvimento com o crime, é conseqüência
de uma rivalidade e de certa confusão com relação às funções de cada uma delas.
“É muito complicado dizer... mas, é... ene motivos ai.. que a gente... que a gente
consegue... é... pautar... a gente conhece esses motivos... pode, a de... de
envolvimento com o crime... são coisas até... complicado... A gente conhece muito
bem... Se vocês são estudiosos em criminalidade... (risos sarcásticos)”. (Dr.
Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005)
A corrupção é reconhecida, inclusive, pelo alto comando da Polícia Militar,
acreditando ser ela impossível de ser extinta, embora controlável.
Então, a corrupção, ela vai sempre existir... O que que é possível fazer? É aquele
olhar de toda a cadeia... Desde a maior autoridade do Estado, até a última... Ela
tem que estar sob o olhar, principalmente do próprio Estado. Ter os órgão que
permita acompanhar essas pessoas, mas também a própria população...
Entendeu? E tem que ter, e a polícia tem, a parte de correição... A corregedoria é,
vamos dizer, a porta para o sucesso que vai acabar, tentar terminar... Terminar,
não vai, nunca... Mas, vai minimizar, deixar num nível aceitável, embora seja
inaceitável... Entende? Mas dar uma normalidade que não desacredite as
corporações, os órgãos do Estado... Essa normalidade... Embora seja um termo...
impreciso... Não é um... Até é um termo imoral... Imoral porque fala numa
normalidade num nível de corrupção... Mas, tem um limite, que a própria sociedade
a partir dali não aceita mais... Então... esses órgãos... a corregedoria... ela tem que
estar atenta e não permitir que extrapole... sob pena do próprio órgão do Estado vir
a ser desacreditado perante a população. tem que ser rápido. Uma coisa
importante que a polícia fez agora. É o processo praticamente sumaríssimo...
Pegou, comprovou... Tem o contraditório... expurga da corporação... Isso é
extremamente importante (Tenente-Coronel Élson Roney Servilha, 56 anos,
Comandante da Polícia Militar na Região Metropolitana de Campinas, 2006).
191
3. O Tráfico: um olhar sobre as cenas do cotidiano por ele estruturado
A partir do momento que as drogas transformaram-se em artigo de
consumo corrente, além de facilmente encontráveis, constituiu-se o Crime
Organizado baseado no tráfico de drogas e armas.
3.1. A influência e a presença das drogas e do crime
no cotidiano das pessoas
Com a transferência dos conhecimentos acumulados no Rio de Janeiro,
em todas as metrópoles e cidades médias do Brasil os traficantes começaram a
organizar o cotidiano das periferias escolhidas para sediar o tráfico de drogas.
Inicialmente tivemos verdadeiras guerras entre traficantes procurando delimitar suas
áreas de influência, hoje vemos uma situação mais bem organizada nesse sentido,
que quase não existem brigas entre traficantes individualmente
___
todos estão
filiados a facções e não brigam mais entre si
___
, as guerras passaram a ser entre
facções que procuram conquistar uma hegemonia dentro de uma área de influência
que se amplia cada vez mais. Assim, a população, além de ter que viver de forma
compatível com as necessidades e determinações das facções, acaba ficando no
fogo cruzado dessa luta entre as facções, adaptando seu cotidiano a esses
momentos. Isso gera insegurança, angústia e mudanças completas na rotina diária
da população, apesar de apresentarem um roteiro de procedimentos que devem ser
seguidos para garantir a sua segurança, apesar de toda a insegurança existente.
A insegurança como conseqüência do tráfico de drogas na Região
Metropolitana de Campinas começou a ser percebida com mais intensidade a
partir das décadas 1970/80, conseqüência do aumento de consumo na Região. Até
então, as drogas eram consumidas, particularmente a maconha, pelas camadas
menos privilegiadas economicamente da periferia das cidades e pelos bandidos.
"O tráfico de drogas não era um problema social no Brasil até o final dos anos 70,
quando a cocaína começa a ser negociada em larga escala no país, seguindo as
novas rotas escolhidas pelos cartéis colombianos e pela máfia ítalo-americana.
Inicialmente o mercado ilícito de drogas era quase exclusivamente de maconha,
uma droga associada a movimentos artísticos subterrâneos e à marginalidade dos
que não queriam fazer parte do sistema, Mas nunca teve importância econômica,
Hoje, entretanto, seu significado e o contexto social de seu uso estão mudados,
Associa-se a uma cultura de valorização do dinheiro, do poder, da violência e do
consumismo" (ZALUAR, 1996
c
:111-12),
As drogas começaram a se apresentar como um problema social
192
devido a dimensão que seu consumo estava tomando, na década seguinte. "... Foi
de 80 pra cá que começou mais ou menos, porque eu lembro que quando um rapaz
morreu aqui no campo é que começou por causa de droga, um cara matou ele
pelas costas, tudo por causa de droga, acho que foi 84, 85 mais ou menos"
(Mulher, 38 anos, moradora do São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997:
135).
A presença de outras drogas, mais sofisticadas, importadas e com alto
poder de viciar, acabou por transformar as periferias em lugares extremamente
perigosos, letais mesmo. Tinha né, as drogas... mas era a maconha e hoje é
mais o crack, e aí começou os tráficos, um matar o outro porque tinha as dívidas né,
e matavam por 10, 15 reais, eles matam mesmo" (Mulher 38 anos, moradora do São
Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 136).
"(...) a gente está vendo as mortes é tudo droga... porque o assim pessoas que
comprou, que pagou e não tem dinheiro pra perder. As mortes que saem aqui é
tudo entre eles, não tem pessoa boa... bom, eles também são bons, mas não é
pessoa trabalhadora não, não é, E quando vo vai pesquisar é tudo ligado à
droga(Mulher, 41 anos, Moradora-militante, Bairro São Marcos, Campinas, citada
em Barroso, 1997: 136-137).
“...as meninas se envolvem na droga quando começam a namorar, aí elas acabam
fumando junto com os namorados, fazendo parte das barraquinhas, eu não tenho
informação oficial, mas pelos relatos é ali que rola a droga, e nas escolas, muito..."
(Mulher, profissional de ONG, Bairro o Marcos, Campinas, citada em Barroso,
1997: 95)
Os moradores dos bairros periféricos não demonstram muito medo de
sofrer arbitrariedades por parte dos traficantes. Isto acontece pelo fato de existir
uma espécie de código de honra por parte do tráfico, respeitando os moradores
locais, evidentemente em troca do silêncio e apoio diante das invasões policiais
(pelos quais são tratados como parte das quadrilhas) ou de denúncias. Assim, de
alguma forma, a figura do traficante é respeitada e, frequentemente, admirada:
"...porque ele não mexe com ninguém, o problema dele é rixa entendeu? Se ele
tem rixa com uma pessoa ele vai atrás ele promete matar vai e mata mesmo, mas
para o cidadão comum, o trabalhador, a gente não tem o que temer dele" (Mulher,
moradora-militante, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 146).
Hoje a Região Metropolitana de Campinas transformou-se não em um
grande mercado para as drogas mas, principalmente, num dos eixos principais de
distribuição das drogas vindas da Colômbia, Venezuela, Bolívia e Peru, para o
abastecimento interno, como também para a exportação, tanto pelo porto de Santos
como do Rio de Janeiro. Essa posição estratégica provoca na Região uma atividade
intensa do Crime Organizado, acabando por provocar um aumento da criminalidade.
193
Estudos realizados no município de Campinas no ano de 1994 confirmam
a presença das drogas como grande motivo pelo aumento da criminalidade: "A
despeito do enorme esforço repressivo e das crescentes despesas com homens
predominantemente jovens e pobres mantidos nas prisões superlotadas e violentas,
o crime não diminuiu nessa cidade, muito pelo contrário, Campinas apresentou
crescimento impressionante nos crimes conectados à drogas" (ZALUAR, 1996
c
:
117). Esse fato foi perfeitamente notado pelos moradores e, principalmente,
profissionais que trabalham juntos a crianças e adolescentes: Acho que de oito a
dez anos para cá” (Psicóloga, 33 anos, Hortolândia, 2006).
Mesmo profissionais ligados à prevenção e combate ao crime colocam
claramente a importância das drogas como fator de criminalidade.
“Existem muitos... Como em todas as cidades... Eu vejo o tráfico de entorpecentes
aqui... bem... bem responsáveis pela... pelos índices de criminalidade... Até
descrever alguns, alguns... gostaria de ver alguns boletins de ocorrência ai... a
gente que a criminalidade ta muito ligada ao tráfico de entorpecente. Com o
traficante ou o usuário, mas a... em suma é em cima do tráfico... (Dr. Marcelo,
Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005).
“[Tem tráfico na sua área?] Possivelmente... [começou a ficar importante] De dez
anos para cá... (Coordenadora Pedagógica de Escola, 47 anos, Hortolândia,
2005).
A partir da constatação da necessidade de mútua convivência o tráfico e
os moradores da área concluíram um pacto não assinado, mas rigorosamente
observado, de ajuda mútua numa relação de custos/benefícios. Os moradores não
denunciam os traficantes e, até mesmo, os protegem durante incursões policiais e,
em troca, a comunidade seria protegida de violências e crimes além de,
eventualmente, receberem pequenos favores e compensações por serviços
prestados ao tráfico. Assim, constituíram um cotidiano onde todas as atividades
estavam voltadas para que o pacto seja respeitado rigorosamente. Foi a única
solução possível para garantir um cotidiano minimamente seguro.
(Silêncio muito prolongado)... Normal [convivência com os traficantes e a
população]... Desde que não interfiram na... Na ação deles...” (Coordenadora
Pedagógica de Escola, 47 anos, Hortolândia, 2005).
Bom... Como eu falei para você, nunca tive problemas [para entrar e sair do bairro
qualquer hora]... Pois ficava assim... Esse aqui é vizinho... Se você mora aqui...
Saiu para ir ali... Você tem que ser respeitada... É a sua casa...” (Prostituta, Centro
de Campinas, 37 anos, 2005).
Esse bem-estar e segurança são garantidos apenas aos moradores e
aqueles reconhecidos como pessoas de confiança, respeitadores das condições
impostas.
194
“Eu tive uma professora de faculdade que foi impedida de entrar no Bairro doo
Marcos (Campinas) por homens encapuzados e fortemente armados. Eles sabiam
muito sobre ela que iria fazer um trabalho sobre sexualidade e drogas em uma
escola de lá. Foi sutilmente avisada que daquele pedaço não poderia seguir, assim
como poderia trabalhar com a comunidade, mas não era permitido fazer o trabalho
com as drogas (prevenção). Ela foi embora e nunca mais voltou. Lembro-me que
ela contou essa historia em torno de 1998 (Psicóloga, 30 anos, Ambulatório
Municipal de Saúde, Hortolândia, 2006).
O próprio consumo das drogas incorporou-se ao dia-a-dia da periferia
como que naturalizado; não causa mais tanta apreensão ou deixa os moradores
mais ou menos preocupados. Eles sabem que, não interferindo, nada tem a temer,
razão pela qual organizam seus movimentos para depararem o menos possível com
gente vendendo ou consumindo drogas.
“As drogas assim, são vendidas abertamente... Visivelmente... E, são consumidas
assim.... Na boa... Em qualquer lugar... Uns pagam hotel, outros motel, outros vão
ao drive, em qualquer lugar...” (Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
Esse consumo é uma realidade tão presente na vida das pessoas que
está chegando até mesmo aos locais de trabalho, que podem se transformar em
locais de consumo individual ou coletivo de drogas pesadas.
Nunca mexi com isso [drogas] não... Mas tem alguém que eu saio assim, e vai
cheirando, cheirando, cheirando... Eu tomando cerveja. Cheirando, cheirando,
cheirando, tudo em baixo da mesa aí. Um amigo meu... Faz uns dez dias atrás...
Ele... Foi á firma... A firma que ele trabalha é uma metalúrgica. Toda a turma
cheira... Cheira... Eles buscam... Buscam na Boa Vista.... Na Boa Vista lá. A firma
inteira cheira. Um dia foi trabalhar lá, oito horas da manhã, entrou para trabalhar
um moleque chegou com o papel, tio vamos dar um cheiro aí... Oito horas da
manhã... Aí ele cheirou tanto, que chegou na casa dele no término que foi rápido, o
coração acelerou, foi para o médico. Mas, se ficasse na casa dele teria uma
overdose” (Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
A própria população parece conformada com o convívio diário com essa
situação e, frequentemente, atribui a responsabilidade, quando as coisas dão
erradas, à fatalidade e não ao fato de ter aceitado um cotidiano regulado por leis do
tráfico. É estar no lugar errado na hora errada: uma infelicidade, uma fatalidade.
“Olha... É... sabendo, como se diz... A gente tem que estar... Quando acontece
alguma coisa a gente está no local errado e na hora errada... Que é quando está
chegando a droga, ou tem alguém comprando... O pequeno consumir que não
tenha... ele vai comprar a droga... ele ... queima toda a sua droga no local... E sai
sem... nada... que dizer, sai alucinado... Ele quer mais droga... O que ele faz... se
tem alguém passando no local, ele que faz... se houver a facilidade.. é o que a
gente fala, vo está no local errado e na hora errada... é o que aconteceu
comigo...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
Nem mesmo os bairros residenciais mais abastados e de melhor
infraestrutura, portanto aparentemente livres do tráfico, podem apresentar
195
segurança. Como as regiões mais perigosas já estão demarcadas pela polícia e alvo
constante de blitz, fica mais tranqüila a endolação e armazenamento das drogas em
áreas até então insuspeitas de bairros de classe média.
É... No meu caso, teve algum tempo atrás... Até nós, da minha região ali, onde
convivo com o pessoal... Foi... O cara alugou um sobrado, onde comerciava armas,
jóias,lares, ouro, e, ninguém sabia... Droga também... E, ninguém sabia... Foi...
Era um pessoal que entrava e saia desse local e ninguém conhecia... Foi, foi...
Quando chegou, uma vez nos vimos no jornal no outro seguinte... Que a policia
deu uma batida naquele local e pegou esses caras... Com todo esse equipamento
dentro da... Foi uma surpresa para nós... Por que o bairro não tinhaAssim, não
tinha como a gente saber... Era uma coisa... Foi tão sigilosa... Os caras fizeram
uma coisa tão bem feita que ninguém desconfiou de nada... Até hoje não sei o que
aconteceu com o resto, se foram presos, se foram soltos... Mas, foi encontrada
muita munição, muitas armas e droga nesse local... Não sei se era um grande
distribuidor ou se estava apenas de passagem... Ou eles fazem uma... Tipo um
depósito em um local... Depois mudam... Depois fazem um depósito em outro
local... Para despistar a polícia... Foi aí que... Acho que a polícia teve... Já estavam
acompanhando eles de outro local e chegaram e prenderam os cara....” (Motoboy,
45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006).
Nos dias atuais vamos perceber a violência do bandido configurando o
cotidiano das pessoas em todos os lugares, de uma maneira mais ou menos
uniforme. Isso faz com que o comportamento do bandido no Rio de Janeiro acabe
por transformá-lo em centro gerador de influências e procedimentos. Teorias e
procedimentos criminosos são ali testados e, mostrando-se eficientes,
disponibilizados por todos os meios (particularmente pela mídia) para todas as
outras metrópoles brasileiras.
É muito importante conhecer a estruturação e a fisiologia da área cujo
cotidiano é organizado pelo tráfico, e, particularmente, observar o comportamento
dos antigos traficantes e a forma como eles eram vistos pelos moradores locais.
Eles respeitavam os moradores e os valores familiares mais do que hoje; as drogas
eram vendidas de forma velada e sigilosa, sendo seu acesso dificultado ou interdito
para a comunidade; não havia ninguém armado ostensivamente nas comunidades;
não era permitido o uso de drogas pelos consumidores na frente dos moradores;
não era permitida a presença ou utilização de drogas pelas crianças, muito menos o
porte de armas; não havia uma organização tão eficiente como agora; não vinha
traficante de fora da comunidade; os traficantes eram bem mais velhos e
educados”, não havia crianças e jovens capazes de extrema violência como agora.
"’Esses garotos não têm sonhos nem perspectivas. Quando pegam nas armas
ficam fora de controle, fazem qualquer coisa’, admite Simone Correa de Menezes,
presidente da Associação de Familiares e Amigos de Presos e mulher do
Professor, fundador do Comando Vermelho. ‘Os mais antigos, que estão em Bangu
I, andam preocupados’. ‘Esses garotos não pensam em aumentar o lucro com a
venda de maconha e cocaína. Querem barbarizar, formar bondes que descem para
196
o asfalto para trocar tiros com PMs’, afirma D.Os jovens são mais violentos, estão
fora do controle dos comandos.’” (Alves Filho & Pernambuco, 2002: 137).
São esses garotos, que ainda jogam futebol nas ruas poeirentas do bairro,
conhecidos por toda a comunidade, são os soldados do tráfico que vão defender a
área em nome do traficante e, frequentemente, morrer.
Em São Paulo, não é diferente. A violência é uma realidade na periferia e
envolve uma sensação de impotência na população e de impunidade no bandido.
Ele [o criminoso] está certo da impunidade. Vai fazer exatamente o que fizeram os
bicheiros aqui, no Rio, que disseram assim: barato. Vocês disseram em
Minas que esse empresário pode ser condenado a 30 anos por esse crime. Não é
verdade. A lei diz que pode chegar a 30 anos, mas ele é réu primário, tem bons
antecedentes Nenhum juiz vai dar mais que 19 anos, dos quais ele vai cumprir uns
cinco. Está barato para ele, você não acha, não? O crime acontece porque a lei é a
de custo e benefício. Mas é barato para o criminoso e muito caro para a sociedade.
E o bandido? Como percebe isso? Percebe que tem mais força. Então ele avança
e o cidadão recua.” (Denise Frossard, juíza, entrevista a Rodrigues, 2002
b
: 2).
Entretanto esse cotidiano de crime e violência é amenizado pelo respeito
que os bandidos mais velhos mantêm para com as pessoas da comunidade com a
qual eles se relacionam mais diretamente.
“Traficante X - No meu território, a ordem é ser violento apenas com quem ameaça
a comunidade. O sujeito que rouba a casa do trabalhador, que incomoda as
mulheres e as crianças. Esse a gente pega firme e faz a nossa justiça dentro do
território e ninguém vai falar nada, ninguém vai ver nada. Assim a gente é
respeitado pela comunidade. Mas, com o sujeito que ameaça o nosso negócio e
não incomoda a comunidade a coisa é diferente. Esse ai tem de ser corrigido fora
do território. Quem ameaça o negócio a gente nunca sabe direito quem é, então
não pode correr o risco de trazer a polícia para dentro da boca. Tem que fazer a
justiça fora”. (Lobato, 2002: 76).
Assim, vemos que o viver cotidiano da população não é sobressaltado
pelo traficante, que cumpre as disposições do pacto de convivência que ele
estabeleceu com a comunidade.
Como a vida no tráfico é curta, existe uma grande rotatividade no
comando local, o que possibilita o aparecimento de donoscada vez mais jovens e
mais violentos, o que acaba se constituindo em uma fonte de grande medo e tensão.
Pessoas da área vocalizam esse medo que está atingindo todos os
lugares, até mesmo salas de aulas, pois, um homem descreveu o medo que sentia
numa sala de alfabetização de adultos na região, onde adolescentes do tráfico
apareciam armados nas aulas, querendo aprender a fazer contas para ascender a
hierarquia do tráfico, comprovando uma meritocracia (Lobato, 2005: C
1
).
Na região de Campinas a mudança de rumo da criminalidade com o
advento do tráfico começa a ser incomodamente notada no começo dos anos 90,
197
quando atinge mais diretamente o cotidiano da população das periferias, devido às
disputas entre traficantes por um mercado que começava a se estruturar como algo
altamente lucrativo, provocando mortes violentas.
“...A gente ouve pelas crianças, os próprios funcionários que são do bairro
geralmente contam do traficante que matou o outro, final de semana sempre sai
alguma coisa e chega segunda-feira a gente ouve falar" (Mulher, 25 anos,
Profissional de ONG, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 90).
Não havia uma preocupação muito grande com a própria segurança pois
acreditavam estar livres da violência do bandido, visto considerarem essa violência
coisa interna do tráfico, sem qualquer ligação com quem não estivesse envolvido
diretamente
"A grande maioria da população está exposta pelo fato de ter o tráfico na região
...mas o grande número de mortes é devido ao tráfico (Homem, 34 anos,
Profissional de Estatal, Bairro S. Marcos, Campinas, citada Barroso, 1997: 100).
Isso interferia na organização do cotidiano, fazendo com que os horários
das pessoas passassem a ser regulados pelo medo.
As meninas estão com medo de ir na escola porque tem uma pessoa de alta
periculosidade que está ameaçando um monte de gente de morte, é um tipo
violência que gera uma paranóia mesmo...” (Mulher, profissional de ONG,
Campinas, citada em Barroso, 1997: 111)
"Eu digo que é perigoso porque no tempo que esse filho meu era pequeno (filho
com 22 anos) eu saia sozinha com ele nas costas qualquer hora da noite e
ninguém bolia comigo e hoje vai uma moça ou mesmo uma mulher casada andar
no meio da rua que é perigoso levar um tiro ou levar ela... porque é perigoso"
(Mulher, 64 anos, moradora 25 anos no bairro, citada em Barroso, Campinas,
1997: 126-127).
Hoje na Região Metropolitana de Campinas, esse controle da área através
do medo e da violência e, também, da troca de favores, aparece de forma bem nítida
na vida das pessoas e dos bairros, como se vê pelos depoimentos:
Quando alguém viola as leis do tráfico, o que acontece? Ah... Eles... Morre. Sim.
Eles fazem com as pessoas... a pessoa esquece... fez uma coisa errada hoje, hoje
mesmo corre até a pessoa... Ele deixa passar um, dois meses... chega a passar
anos... Mas, assim... quem fez esquece... mas quem levou, nunca esquece...
Então, ai... acabam fazendo alguma coisa... acaba matando...” (Estudante, 17
anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Tem muita morte por lá... Tem bastante. Agora, acalmou. Assim... Teve uma
época que teve muito... Agora acalmou um pouco... Mas, é assim... vira e mexe,
morre uma pessoa... Assim... Que nem... Quinta feira passada... É... Quinta feira
retrasada... Duas semanas atrás... Mataram um rapaz lá... que arrancaram a
cabeça dele, tudo mais... Na semana passada, mataram um menino... Assim,
mataram um rapaz também lá... E... Toda semana morria um monte... Agora morre
um em cada semana... vi... mas matar, assim... Mas, vi muitas coisas...
muitos corpos...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Cortar língua... Usar as próprias crianças para uso da droga... Espancamentos e
mortes...” (Psicóloga, Hortolândia, 33 anos, 2006).
198
Essa violência está se naturalizando na periferia campineira, onde as
mortes já não causam espanto e acabam por constituir seu dia-a-dia.
Teve uma morte lá... A morte de um cara novinho. Teve um rapaz que morreu
lá, porque bateu num rapaz lá... Os dois era pequenos, o moleque bateu no cara.
Depois de muito tempo, o cara casou, tudo, estava num bar de Hortolândia, esse
cara que apanhou virou bandido, depois de muito tempo, encontrou o cara, entrou
no bar, olha o cara que bateu em mim quando era pequeno alí, entrou no bar e
matou com oito tiros na cabeça... Foi uma discussão, um empurrou o outro, o cara
tirou a arma, deu na cabeça... Andam [armados], também... Mas, não o do Tráfico,
a molecada... A molecada anda... Faz o rolê... Levam para o pagode, alguma
coisa, tudo armado... Tudo armado. Na Praça Poderosa, no Rosolém, vão todos
armados... Molecadinha de 15 e 16 anos... Todos armados... Um amigo meu, deu
uma briga lá, ele correu, voltou com duas nove na cintura... Duas nove na cintura...
A molecada... E o sonho da molecada, eles falam, é arrumar um trampo e comprar
uma nove milímetros... . É o sonho né? O sonho com o tempo é comprar um carro,
mas antes uma nove... Quer a nove... É o sonho de todo mundo é ter uma nove
milímetros. A molecada quer arrumar um trampo para comprar uma nove... E a
polícia oferece... É... Tudo é canal... Tendo o canal, compra tudo... (Membro do
PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Para muitos a violência do bandido deve-se Ao fato do valor da vida, que
ele não aprendeu... Ao perceber que a vida dele nunca teve valor, ele passou a
desvalorizar a vida. Não foi cuidado o tempo inteiro, não aprendeu a cuidar também.
Não valoriza a vida de ninguém porque não pensa que a dele tenha valor...”
(Psicóloga, Hortolândia, 33 anos, 2006).
Nesse quadro de horror os criminosos mais jovens têm destaque
pronunciado, enfatizando uma tendência geral de crianças cada vez mais novas
ingressarem no crime. Elas são mais violentas que as mais velhas, talvez pelo fato
de ainda não terem visto a morte ou companheiros mortos de perto, razão pela qual
não têm qualquer constrangimento diante da possibilidade de morrer ou ser morta
de forma brutal.
Às vezes, os mais novos são mais violentos porque querem impor... Impor sua
presença... Tem os mais velhos... violentos, como também tem os novos...”
(Coordenadora Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
Eu acho que o mais jovem é mais violento. Até porque não tem nada a perder. E,
se for menor, pior ainda... E... (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de
Hortolândia, 40 anos, 2005).
Olha... O bandido mais novo, é que ele... Ele não tem... Se ele é de menor... Ele
matando, ele vai para a Febem... Então ele mata e... Fica por isso mesmo... Vai
para Febem... De ele foge... Agora, o bandido mais velho, ele vai pensar antes
de atirar... Ou, se tiver drogado... Ele não vai pensar... Ele vai atirar mesmo...
Porque... Ele não sabe se... Quem... Está agindo... Se o outro está com arma...
Então acontece de sair esse tipo de disparo...” (Motoboy, 45 anos, morador do
Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
199
Os armamentos mais sofisticados também aparecem como objeto de
desejo dos jovens criminosos e são facilmente obtidos na região de Campinas:
Tem armas fácil para vender, a polícia inclusive facilita... Facilita... Não 9 mm...
Ponto quarenta também...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos,
Hortolândia, 2005).
Alguns [traficantes] sim [andam armados]... É... de 380 para cima... Ninguém anda
com um trinta e oito... na cintura, não... de 380 para cima... Uma 45... ou uma HK-
47... É complicado...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40
anos, 2005).
3.2. Os tipos de violências e crimes mais comuns
e a estruturação do tráfico
Na área do tráfico vários tipos de violências e crimes são cometidos, com
requintes de crueldade impensáveis. Entretanto, tais ações visam ter mais um
caráter de aviso educativo de que uma manifestação de sadismo. Assim,
frequentemente, matam moradores de outras áreas por, inadvertidamente, ter
entrado numa área inimiga, onde ele era conhecido.
As punições por delitos de traição às leis do tráfico comumente acabam
em mortes exemplares. Esse procedimento ocorre com freqüência na Região
Metropolitana de Campinas, comumente ligado ao tráfico de drogas e armas: Morte
ou algum tipo de punição que seja evidente aos olhos da comunidade... Morte,
punição, surras, expulsão da área etc...” (Psicóloga, 30 anos, Hortolândia, 2006).
O descaso policial também se constitui em violência, exemplificado pelo
descaso e indiferença com que a polícia trata as pessoas envolvidas com o tráfico
que, por alguma razão, acabam se estranhando e mutuamente ferindo.
“É... Que nem... Semana passada, né... teve... teve um caso... Por que tem um bar
lá, né... que fica aberto até mais tarde... Aí, houve... Chegou um rapaz... Chegou
um cara que começou a dar tiros lá... e acertou um rapaz.... nisso chamaram o
resgate e chamaram a polícia...nenhum dos dois apareceu... Aí um menino teve
que pegar a moto do cara que estava baleado no chão e subiu lá no, né... no
Distrito... buscou o policial militar... a gente vai se registrar queixa... mas,
ligaram já e não apareceram... aí, foram ver... chegando lá, olhou, olhou... viu o
cara baleado no chão... Falou assim: isso é acerto de conta... vocês mesmos,
pegam ele ponham na viatura e vamos levar para o hospital para ver se dá tempo...
ele levou ele para o hospital... mas quando chegou no hospital não havia
mais, porque levou um tiro na cabeça e no peito... do cara... o cara morreu... e ele
precisou de uns rapazes que tavam na hora e prestar depoimento, no 9º...
para poder fazer o BO, boletim de ocorrência... e mais nada... ficou por isso
mesmo... não foram atrás, não quis saber... ninguém foi até hoje no bairro para
saber realmente a história... e ficou por isso mesmo... (Estudante, 17 anos, DIC-III,
Campinas, 2005).
Frequentemente os crimes cometidos em uma área não são relacionados
a ela. Isso ocorre para não chamar a atenção da polícia, visto isso atrapalhar os
200
negócios. Assim, muitos dos assassinatos cometidos em uma área acabam sendo
computados para outra, que foi o local de descoberta do corpo e não o local de
ocorrência do fato.
Não... O rapaz era do São Fernando... Pegaram ele no São Fernando... E
mataram lá... Por que disseram... Que foi do PCC... Então... realmente, foi do
PCC... Então eles estavam levando ele para lá... O São Fernando é sujo... Vai
sujar mais do bairro de lá, né?... Acaba sujando a nossa região, né?... Para não
provocar os... para que aqui não fique cheio de polícia, né?... Que nem, assim... O
bairro mais... O bairro mais falado, que tem mais violência, é o tem mais polícia,
né?... Então, como tem mais polícia no São Fernando, para atuar mais fácil, eles
levam para lá, nos DIC... fica mais sujo lá... matam mesmo... A única crueldade
que eu vi foi arrancar a cabeça... Porque jogaram o corpo num bairro e a cabeça
no outro bairro... do outro lado... Então... (risos)... Ele andou com a cabeça na
mão... Já pensou?... É crueldade...“ (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
De uma maneira geral, na Região Metropolitana de Campinas, não vamos
encontrar o tráfico tão bem estruturado como no Rio de Janeiro, ainda que vários
elementos que garantem o funcionamento eficiente da organização estejam
presentes. Isso faz com que, de uma maneira geral, toda a atividade gire em torno
da figura do dono da boca”, ou do seu substituto quando ele é preso. Assim,
quando um dono é preso, ele continua a interferir através de um preposto de sua
confiança que reserva uma parte dos lucros para o antigo dono preso. Mas, traições
mútuas podem deflagrar uma “guerra” por “pontos”, o que tem enfraquecido bastante
o poder dos traficantes presos. Hoje, os donos da área (que fornecem drogas para
várias bocas e tem rios donos de boca sob sua responsabilidade), estão
procurando conter as desavenças que por acaso ocorram entre eles, pois
consideram isso como “ruim para os negócios”.
Mas, na base de todo o processo, estão os jovens e as crianças que, de
uma maneira geral, exercem as mais variadas atividades ou funções dentro da
estrutura do tráfico. Isso está muito mais ligado ao amadurecimento da criança do
que propriamente à sua idade cronológica. A função de olheiro ou falcão” é uma
das primeiras que a criança ou jovem recém admitido no tráfico é chamada para
executar. Elas são colocadas em pontos estratégicos das entradas das favelas ou
dos bairros periféricos para avisar os traficantes quando da chegada da polícia ou de
um bonde inimigo. Dormir durante essa função é considerado falta tão grave que é
passível de pena de morte o que é compreensível visto que isso comprometeria
irremediavelmente a liberdade do traficante e seu domínio da área, ou mesmo sua
própria vida, caso um grupo rival conseguisse chegar até ele. Muitas vezes o olheiro
está munido de celulares para rápida comunicação com os traficantes mas também
podem aparecer munidos de foguetes, que são utilizados para alertar os traficantes,
201
com seus estampidos, que algo estranho está acontecendo na entrada do bairro ou
da favela. Neste caso, são chamados de fogueteiros”. Em algumas favelas do Rio
de Janeiro essas funções são chamadas de “contençãoou de “marcar esquina”.
Também um jovem pode ingressar no trabalho do tráfico como
endolador”, ou seja, aquele que separa os pacotinhos de maconha ou papelotes de
cocaína, sendo a função menos prestigiada na hierarquia do Crime Organizado.
Vapor ou aviãozinho é a função seguinte que é atribuída a um olheiro
ou fogueteiro depois de um período de provação. Isso não quer dizer que ele não
possa entrar diretamente como vapor”, pois existem casos em que isso aconteceu,
graças a excepcional confiança que ele inspirou no traficante. Essa função consiste
em receber determinadas partidas de drogas e revendê-las ou entregar a algum
comprador habitual. Aliás, se ele mostrar-se bom vendedor e de extrema confiança,
poderá ser promovido a gerente de boca”, quando vai administrar sua própria boca
e contratar gente para trabalhar para ele, reportando diretamente ao traficante o
resultado do seu trabalho. Esse processo todo não depende da idade, mas da
habilidade e da confiança que apresenta a pessoa, constituindo uma organização
eminentemente meritocrática.
A função de soldado ou de gerente de segurança (quando,
comprovadamente, é um ótimo soldado e de extrema confiança) é uma das mais
destacadas no mundo do tráfico. Têm a função de defender a área, a boca e os
traficantes de uma maneira geral. Permanecem sempre por perto do dono da boca
e nos locais de contenção prontos para entrarem em ação a qualquer sinal ou
movimento suspeito. Quando se dedica ä segurança pessoal do traficante, ele é
chamado de fiel ou braço direito do dono”. Quando concentrados em grande
número, formam o que se chama bonde”, o que ocorre geralmente quando há
tentativas de invasão ou alguma ação contra algum outro traficante rival.
Com o tempo e habilidade o soldado ou o fiel pode chegar a herdar o
ponto ou a boca, quando o traficante encarregado é morto ou vai preso. Neste caso,
a promoção é temporária (dura enquanto durar a prisão do titular, sendo devolvida
no momento do retorno dele), para o qual continua prestando contas, mesmo
enquanto ele estiver preso.
Os soldados do tráfico são contratados pelo gerente de soldados ou pelo
gerente de segurança. Trabalham em turnos e recebem de R$ 1.500 a R$ 2.500
mensais, mas devem estar prontos para defender a bocada em qualquer ocasião ou
horário. Geralmente tem entre 15 e 17 anos, assaltam fora da área onde trabalham.
202
Podem andar ou em bandos (até 50 soldados), os bondes”. Estão se
profissionalizando a partir do momento em que foi necessário trazer soldados de
fora da área para executarem tarefas que poderiam constranger algum soldado
originário do lugar. Abaixo, alguma falas de soldados explicitam muito bem a sua
função no tráfico (Dowdney, 2003: 124):
E – Você já matou? Em qual circunstância?
T Já, circunstância do tráfico, circunstância que porra o pode vacilar porque...
se eu vacilar também porra morro [...] a maioria das vezes dentro do tráfico é
essa, pessoa X9, às vezes o vapor mexeu na carga, então pô, tem certas
coisas que às vezes não pode passar a mão por cima porque se fazendo
várias vezes, uma vez, duas vezes aí é uma coisa, várias vezes [...] nós temos
uma regra, porra, de andar armado [...mas] nós temos que ter muito cuidado
pra não machucar alguém que... se ...porra, de repente a gente machucar
alguém, a gente vai pagar com a vida, com nossa vida mesmo. Machucar um
morador... porra, balear alguém, a gente paga com nossa vida mermo
(Gerente de maconha, 23 anos, Rio de Janeiro).
No Rio de Janeiro todas as funções de cada individuo dentro da estrutura
organizacional do tráfico e do Crime Organizado são bem delineadas. Isso ocorre
pelo fato da presença dos traficantes ser bem mais antiga que em todos os outros
lugares e, por uma questão de eficiência e experiência, chegou-se a um nível de
organização que melhor atende o nível de produtividade exigido para cada atividade.
Tem do avião até o rei. O rei é o dono da boca, tem gerente... É igual firma, moço!”
(Athayde & MV Bill, 2006, p. 154).
Nas outras grandes metrópoles brasileiras, mesmo a Região Metropolitana
de São Paulo e de Campinas, tal estrutura não se consolidou completamente ainda,
visto ser um mercado organizado nas duas últimas décadas. Por isso, esses lugares
se organizam a partir das informações que recebem do Rio de Janeiro (mais
experientes) e adaptam essas estruturas de funções e cargos dentro do tráfico às
condições locais. Assim, São Paulo e Campinas, apesar de seguirem mais ou
menos a mesma lógica organizacional do tráfico do Rio de Janeiro, algumas funções
podem não aparecer num lugar e reaparecer em outros, sempre procurando se
adaptar para obter o máximo de lucratividade e segurança. Podemos dizer que, em
geral, as funções que os indivíduos envolvidos com a atividade do tráfico
___
das
menos expressivas e iniciais até as mais expressivas e de alta responsabilidade na
organização
___
, são necessárias e bem especializadas, criando uma rede de funções
imprescindíveis para o negócio de drogas funcionar de forma adequada.
Na Grande o Paulo existe uma mentalidade mais empresarial para o
crime, com as especializações necessárias sendo buscadas em universidades ou
203
mesmo com quem conheça organização de empresas, para dar uma estrutura
profissional ao tráfico de drogas. Assim, as funções desempenhadas no tráfico do
Rio de Janeiro, nem sempre encontram correspondência em São Paulo, chegando
mesmo a desaparecerem em função do aparecimento de outras, que possam tornar
a atividade mais eficiente. Isso, entretanto, não quer dizer que as facções do tráfico
paulistanas não tenham a mesma organização que as do Rio de Janeiro, porque
elas também existem aqui, mas que são mais especializadas e eficientes.
Nós estamos virando o Rio de Janeiro. Se sente essa organização vindo. Hoje
aquele que era traficante, fez faculdade, mesmo que seja uma faculdade muito
babaca e particular. O menino vai assumir o que? O tráfico mais inteligente. Por
que eles cuidam das comunidades? Por eles são beneméritos? Por que eles amam
esse bando de pobres? E perfeitamente substituível... Por que o volume de
crianças que viram adolescentes em pouco tempo é enorme. Eles não são
bonzinhos. Eles estão se estruturando, eles estão estudando, eles tem
computador. Então eu falo isso para a polícia dez anos, ela não faz: cuidado,
nós estamos virando... é uma cidade inteligente Santo André. Se tem políticas
inteligentes, você acha que o povo vai ficar alijado disso? Você entrando lá, o
poder público dando aula de cidadania, dando aula de informática, dando aula de
não sei o que, que você acha que acontece? Ta ajudando estruturar isso
(Representante do Legislativo, Santo André, entrevista a Baierl & Almendra, 2002).
Na Região Metropolitana de Campinas, como os bairros se encontram em
terrenos planos e com inúmeras possibilidades de entradas e saídas através de
arruamentos, geralmente asfaltados ou em bom estado de conservação, os olheiros
são imprescindíveis, entretanto, não ficam em cima de casas com foguetes nas
mãos, nem são predominantemente crianças, já que esses olheiros ficam em pontos
estratégicos das entradas dos bairros, gastando tempo nas portas dos bares ou em
mesinhas nas calçadas, com celular nas mãos ou assemelhados, para mais rápida,
discreta e eficientemente avisar os interessados de qualquer movimentação
estranha na área.
Tem olheiros, fogueteiros, esse negócio todo... Ficam no bar. Ficam no bar. Por
que lá é fácil de entrar e sair... Têm 16 ou 17 anos... Um olheiro ganha 50 por dia...
Tem... Endolador é o que faz as trouxinhas... Tem as meninas... Põem meninas
que trabalham...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
Se você vai trabalhar no Tráfico, a sua primeira atividade é vender... Fica sentado
no bar lá, o cara vem, passa, pede, faz a volta no quarteirão e o cara ta na
esquina... a espera... Ganham Uns cem reais por semana... cada três dias,
seiscentos... Uma porcentagem do que vende... Quando vende muito...” (Membro
do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
A hierarquia de tomadas de decisões existe em Campinas, mas com uma
nomenclatura um tanto adaptada: Tem a classificação. Tem o... General... Até a
classificação deles vai... Quem é bandido, quem é limpo... quem é do Comando
Vermelho chama de primo... Tem o Primeiro General, o Segundo General, o
204
Terceiro General, tem o soldado...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27
anos, Hortolândia, 2005).
Os traficantes exercem um duro controle sobre toda a área destinada
ao tráfico. Esse controle é feito pelo terror, proteção, assistencialismo e outras
formas. Entretanto, para melhor exercer essa dominação foram criadas leis
extremamente rígidas e severas, que são aplicadas aos transgressores, geralmente
após um “julgamento” em um “tribunal”, onde os chefes do tráfico são os “juízes”.
As “leis” do tráfico devem ser obedecidas à risca, não se tolerando
qualquer desvio de conduta, por mais insignificante que seja. Isso pode ser atestado
por vários exemplos: uma família da favela da Carobinha (Campo Grande, zona
norte do Rio) teve que se mudar, pois foi ameaçada de morte por traficantes ligados
à facção ADA (Amigos dos Amigos), que domina o local. Aconteceu que uma
menina de 12 anos foi a um baile funk na favela do Barbante, dominada pelo CV
(Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando da Capital). Isso é proibido, e a
moça foi violentamente espancada (Monken, 2002
b
: C
4
). Como a família fez queixa
na polícia, foi expulsa da área pois quebrou duas regras importantes: o Código do
Silêncio e a freqüência a território inimigo. “Em duas semanas, é a terceira família
obrigada a deixar uma favela no Rio após ameaça do tráfico. Em 24 de julho, 11
pessoas de duas famílias saíram do morro dos Macacos (Vila Isabel, zona norte)
após ameaças dos criminosos. No sábado, outra família, de três pessoas, foi
expulsa da favela Beira-Mar, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), após se
recusar a ajudar os traficantes” (Monken, 2002
b
: C
4
).
Dívida, não importa a quantia, deve ser saldada imediatamente no dia e
hora combinados. A penalidade para quem não paga o combinado é a morte.
“Ser bom no tráfico é vender, não dar mole. Deve prestar conta. Tudo certinho! Pra
permanecer no tráfico é tu ir mostrando na prática: vender bem, prestar tudo
certo para os caras ir pegando confiança em tu. Pra sair é falar que não quer
mais, que quer trabalhar, que arrumou emprego. A não ser se você tiver devendo,
vai ter que ficar até pagar. A pessoa faz dívida dando mole, cheirando. fica
devendo, vai acumulando, acumulando, acumulando. Ou então perdendo alguma
coisa, e um revólver, uma pistola. tu vai ficando... dívida, dívida, dívida! Até uma
hora que eles falarem: Paga!... Tem uns que nem procura, já mata logo. Quando a
pessoa o se com eles, ainda mole, o cara mata logo. Em morro ainda
tortura antes de matar, em favela. Agora quando é assim muito asfalto, eles não
tortura não, mata logo.” (Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira, 2000: 128).
Uma reportagem (Lobato, 2005: C
1
) também ouviu relatos de assassinatos
de usuários de drogas porque deviam pequenas quantias, de R$ 5 ou R$ 10, a
traficantes da área. Mesmo revoltados, os moradores são obrigados a guardar
silêncio sobre esses fatos, pois a punição para a delação é a morte.
205
Trabalhar para o tráfico implica em estar sujeito a uma série de
procedimentos padronizados pelos traficantes que poderiam, pela sua rigidez e rigor,
ser considerados como “leis”: são as “Leis do Tráfico”.
Como toda lei, esse digo consuetudinário prevê punições para os
seus infratores, que são aplicadas rigorosamente pelos escalões inferiores da
hierarquia do tráfico. Constitui para o agente que vai aplicar a Lei uma espécie de
parte das provações de confiabilidade, condição essencial para a sua confiabilidade
e progressão funcional. Essas leis são aplicadas imediatamente após a transgressão
e comumente redunda na própria eliminação sica do infrator pois, além de punir a
penalidade tem a função de servir de elemento dissuasório a novas transgressões.
Isso deriva do princípio de que a ordem dada, tem que ser cumprida.
“E – Quantos chefes você tem?
T – Um só.
E – Aí, se ele te dá coisa pra fazer e tal...
T – Tem que fazer.
E – Se você não faz o que acontece?
T – Depende do que ele pedir[...] tipo assim, matar uma pessoa, vou ter que matar.
Se eu não matar é minha vida que vai em risco, certo?” (Soldado, 17 anos,
Rio de Janeiro, in: Dowdney, 2003: 124).
Essas regras partem do princípio que a lealdade com os chefes e o
correto manuseio da droga são elementos fundamentais para o funcionamento da
organização. Algumas são de consenso geral, como por exemplo: não praticar
roubos na área, não permitir brigas entre moradores, não permitir e punir
rigorosamente estupros, nunca fazer ou permitir assédio sexual a crianças, não
bater nem permitir que batam em mulher, não conversar com policiais em hipótese
alguma, não possuir armas que não sejam de conhecimento e permissão dos
traficantes, respeitar os moradores e, principalmente, toda droga vendida tem que
ser religiosamente paga no momento combinado.
As punições, em geral muito severas, podem variar bastante mas as
principais e mais comuns são: expulsão da comunidade, surras, mutilações e,
particularmente, execuções sumárias. É importante registrar que essas punições
independem da idade do infrator, mas são aplicadas proporcionalmente ä gravidade
do “crime” cometido.
“...se perturbaram a paz, por exemplo, se jogando ping-pong na rua e algum
morador reclamar, tem que parar de jogar. Se ninguém reclamar, pode continuar
jogando” (Criança que mora na favela, Rio de Janeiro, in: Dowdney, 2003: 55).
E Se uma pessoa pega uma carga e não der de volta o dinheiro, o que
acontece?
206
T – Ah, aí ele embuliu na carga, aí ele morre, toma um pau, depende do patrão. Se
o patrão fala que ele vai morrê, ele vai morrê, mano”
E – Prá morrer [depois de quebrar uma regrar] se é jovem, se é menino ou criança,
faz diferença?
T Não faz não” (Gerente de maconha, 22 anos, Rio de Janeiro, in: Dowdney,
2003: 124).
Algumas punições são bastante comuns e acabam sendo consideradas
como normais”: além da expulsão da comunidade, pode acontecer também a
raspagem da cabeça das mulheres, levar tiro na mão ou no (particularmente
quando o deslize corresponde a roubos ou furtos). Quando o crime cometido contra
o tráfico é considerado muito grave a execução pode ser precedida de tortura.
Assim, estupradores, antes de serem mortos, podem ser castrados. Também o
chamado “forno crematóriotem sido usado ultimamente para os crimes mais graves
cometidos contra o tráfico e consiste em colocar os infratores dentro de pneus,
colocar gasolina e atear fogo, depois de dar uma boa surra.
Essas regras valem tanto para os moradores como para os envolvidos no
tráfico. Assim, também eles serão punidos caso transgridam alguma dessas regras,
mesmo que nessa transgressão tenham punido um morador não envolvido nem
colaborador do tráfico sem a autorização do traficante dono da área.
Já foram relatados casos de traficantes que não respeitavam os
moradores da comunidade, razão pela qual fizeram abaixo assinado para o dono do
morro, que estava preso. Este pode remover ou punir o seu subordinado infrator,
pois isso é necessário para reforçar a estrutura de mando e confirmar o poder do
dono da área.
Algumas normas devem ser obedecidas sem questionamentos e de forma
radical. É o caso da “Lei do Silêncio” e o “Toque de Recolher”.
Pela Lei do Silêncio qualquer morador ou trabalhador do tráfico tem que
manter segredo (silêncio) a respeito de qualquer coisa que aconteça ou que ele
tenha presenciado na área. É uma concretização do adágio popular que prega ser
necessário para a sobrevivência nesses lugares ser cego, mudo e surdo. Não viu,
não falou nem ouviu nada sobre alguma coisa que tenha acontecido na área. Isso
evita informação que possam circular facilitando a entrada de quadrilhas rivais ou,
principalmente, a polícia, contribuindo para melhorar ainda mais a segurança desses
lugares.
Talvez, de todas as regras ou leis do tráfico é a Lei do Silêncio aquela que
aparece em todas as comunidades indistintamente. A Lei do Silêncio é um dos
cânones mais respeitados nas áreas dominadas pelos traficantes. Em troca de
207
proteção”, exigem dos moradores um silêncio total a respeito de suas atividades e
paradeiro. Eventualmente alguns moradores quebram essa lei e acabam contando
como funciona a violência e a criminalidade nessas regiões conflagradas. É o caso
da líder comunitária Maria de Fátima Rodrigues de Souza, 47 anos, que luta 18
anos para tornar mais tranqüila a periferia de São Paulo onde mora. Mas, esbarra no
maior de todos os problemas: o poder dos traficantes de drogas”. "’Eles têm o
domínio econômico da periferia’, diz ela, se referindo aos chefes de quadrilhas, ao
explicar como funciona o esquema de cooptação de jovens como ‘funcionários’ do
crime organizado” (Athias, 2002
a
: C
9
). Fátima teve um filho de 17 anos, usuário de
drogas, morto em 2001 numa briga de grupos disputando um ponto e, até hoje, não
se sabe nada do que aconteceu ou alguém foi punido por isso. Apesar disso e,
particularmente, das ameaças que tem recebido, não pretende desistir de trabalhar
para que seu bairro seja mais seguro. É melhor morrer lutando do que ajoelhada,
chorando" (Athias, 2002
a
: C
9
).
A maioria dos traficantes de uma determinada área é recrutada entre os
jovens da população local. Isso faz parte da própria aceitação dos mesmos como um
elemento da comunidade, que o conhecem desde criança, conhecem seus pais,
brincaram com seus filhos desde pequenos. Isso, frequentemente, altera a ordem
das relações entre traficantes e moradores, que passam de relações impessoais
para relações pessoais de amizade ou, no mínimo, de conhecimento, o que vai
facilitar o trabalho do traficante e sua proteção dentro da comunidade, visto que os
laços estabelecidos são muito fortes.
De uma maneira geral, mais até uns anos atrás, um pouco menos agora
(as gerações de traficantes estão mudando: saem os mais tolerantes e entram os
menos tolerantes), os trabalhos assistenciais e comunitários de ONGs e do próprio
Estado (quando aparecem), são respeitados pelos traficantes desde que todos
respeitem as regras impostas pelo tráfico. Sendo que uma das mais importantes é
pedir autorização e licença para entrar na área, o que deve ser feito ao traficante
dono do local. Esse contato, geralmente iniciado através de lideranças
comunitárias locais, acaba por colocar o interessado diretamente em contato com
um preposto do traficante que comanda toda a organização naquela região.
O próximo contato, muitas vezes, é feito diretamente com o traficante, que
solicita a presença dos interessados perante ele, para render homenagens e
prestar uma espécie decorvéia” ao “donodo lugar, representada pela aceitação da
Lei do Silêncio e não interferência nos seus negócios. Tudo isso envolvendo as
208
crianças do local que, muitas vezes, servem de guias para que essas pessoas,
autorizadas pelo traficante, entre nas favelas em segurança. As crianças
representam, para o tráfico, pessoas que merecem cuidados e são consideradas
como indicativos de “autorização” do “dono” da área quando servem de guias.
Mesmo na Região Metropolitana de Campinas, a presença da Lei do
Silêncio representa a mais importante das exigências dos traficantes em relação à
população. Todos, absolutamente todos, moradores ou não, devem respeitar essa
lei sob a possibilidade de, transgredida, representar a morte para o transgressor.
Na área em que eu trabalhei, não podia falar nada a respeit... Pelo que ouço dizer,
ele morre [quando denunciam o traficante]. Soube do caso de um adolescente que
cortaram a língua dele (Psicóloga, Hortolândia, Secretaria de Saúde Municipal,
Setor Infantil e Adolescência, 33 anos, 2006).
Apesar de todo o temor que os moradores da área do Tráfico demonstram,
algumas vezes tomam coragem e fazem denúncias, que nem sempre são
formalizadas em queixa crime. Isso leva, inclusiva, a tentativas de instalações de
‘disque denúncia’, onde as pessoas fazem as denúncias anonimamente. ‘Olha...
Temos... pequenas reclamações... Inclusive... com a vinda para esta nova sede,
estamos pensando aí... viabilizar o disque-denúncia e vai poder ter uma... idéia
melhor... vai estar mensurando isso aí...’” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal
de Hortolândia, 40 anos, 2005)
Bom... Denuncia é difícil você saber, né?... Geralmente eles fazem o pesadelo
de quem denuncia... Por que a partir do momento que você faz uma denuncia,
você liga o disque denúncia, sua vida é um pesadelo... Geralmente quem cagoeta
morre... A própria polícia mata... A polícia não gosta de cagoeta...” (Prostituta,
Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
Essa lei do silêncio deve ser obedecida cegamente, mesmo quando
implica em proteger assassinos ou transgressores da lei. É uma forma de resguardar
a sua própria integridade física quando o morador, ou criança, faz isso.
Teve um caso que aconteceu... Um adolescente... É... Ele foi morto no portão da
escola... A queima roupa... Esse caso eu me lembro... Que eu saiba foi
envolvimento com droga... Não o conhecia... Só ouvi comentário... Foi no portão da
Escola... Foi... Perto de todo mundo... Perto do horário de aula... Assim... Que os
alunos estão chegando... Não esconderam nada... Mas, também teve aquele
negócio, ninguém sabe quem foi... (Risos nervosos)... Ninguém fala nada... (risos)
Ninguém fala nada, ninguém viu... Foi na frente de todo mundo, mas ninguém viu...
(risos)... Mas, ninguém viu... (risos nervosos)... “Se eles soubessem que eu
denunciei, com certeza me matariam...” (Moradora, Campinas, Parque São Jorge,
Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
Impunidade é uma palavra que não existe no código de leis estabelecido
pelo tráfico, assim, todos reconhecem a inexorabilidade da aplicação da pena:
“[Quando] Um denuncia o outro... É morte... Morte... Não tem perdão... Mais dia ou
menos dia, vai ser eliminado, ...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia
em Campinas, 2006).
209
Outra Lei do Tráfico não escrita, mas rigorosamente obedecida, é o
chamado toque de recolher”. O Toque de Recolher pode ser entendido de duas
formas: não sair à rua em determinadas horas ou dias (aviso de tiroteio ou perigo
para os moradores), ou fechamento do comércio por motivo de luto com a morte de
algum chefe do tráfico local.
Qualquer tipo de comércio que queira se estabelecer nas proximidades de
uma favela ou de um bairro dominado pelo tráfico tem que receber autorização dos
traficantes para isso. Além disso, tem que se integrar aos costumes do local e
obedecer às ordens dos traficantes. Isso será possível, assim mesmo, se o
comerciante for pessoa conhecida no bairro, ter sido criado ali, e obedecer aos
toques de recolher definidos pelos bandidos. ‘‘Tem de ter bom relacionamento,
porque se não tiver eles vêm aqui fechar o estabelecimento’’ (comerciante Carlos,
nas proximidades de uma favela em São Paulo) (Silva: 2002
e
: C
4
). Pouco tempo
antes, um dos seus motoqueiros, que não era do bairro, errou o caminho e foi
barrado pelos seguranças do tráfico. Os caras estavam armados e o liberaram
depois de uma revista” (comerciante Carlos, nas proximidades de uma favela em
São Paulo, em: Silva: 2002
e
: C
4
).
São Paulo teve dois grandes períodos de toques de recolher, que ficaram
conhecidos pela sua duração e violência: um no complexo Heliópolis (o maior
aglomerado de barracos da capital, onde vivem cerca de 90 mil pessoas), com
duração de duas semanas, obrigando os comerciantes e cinco das sete escolas da
região a fechar mais cedo, às 21 horas, com medo dos traficantes. O segundo, na
Vila Prudente, devido ao conflito entre dois grupos rivais de traficantes, acabou
expulsando a maioria dos 450 habitantes da favela Sem Terra, sendo que cerca de
26 pessoas acabaram morrendo nos quatro meses de confrontos (Silva, 2002
e
: C
4
).
Na Região Metropolitana de Campinas vamos perceber a presença do
Toque de Recolher assumindo uma forma mais sutil, visto não apresentar o mesmo
significado daquele que acontece no Rio de Janeiro, além de o tráfico estar mais
bem organizado como empresa do que em outro lugar. Assim, cada dia com a “firma
fechada” é um dia de prejuízos para os negócios.
Houveram alguns... alguns buchichos... Ah... Vão fazer o toque de recolher...
em tal localidade... Aí, chegou ao nosso conhecimento... Entrei em contato
imediatamente com o capitão Arquimedes... que é o capitão responsável pela
companhia, comandante aqui. Naquela mesma noite nós intensificamos o
patrulhamento, colocamos todas as viaturas lá... entramos no local... e... não houve
toque de recolher...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40
anos, 2005)
210
No município de Hortolândia, desconheço... Campinas, eu sei que tem... Em
Hortolândia eu não sei se tem... Se tem alguns bairros que tem esse Toque de
Recolher... Mas, acredito que sim, porque são regiões bem pesadas... É possível
que tem... Eu desconheço... Mas é possível que tem...” (Coordenadora
Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
Tem... Vários lugares tem toque de recolher...” (Prostituta, Centro de Campinas,
37 anos, 2005).
Em Campinas, acho que sim... Sei que tem alguns lugares nos quais se pode
entrar (bairros), mas você fica todo tempo sendo vigiada e vista como intruso ou
visitante. Dizem que devido a isso e essa desconfiança é melhor nem ir lá,
principalmente durante a noite, pois é pouco policiado. Falam isso de bairros como
o Jardim Amanda (que são vários, I, II, III, entre outros), em Hortolândia. Em
Campinas, ouvi dizer que o Parque Oziel, que é uma invasão enorme, quase um
bairro, é bastante violento e não é qualquer pessoa que entra sem permissão na
área dependendo do local em que esta. Ouvi isso de uma pessoa que atua
eventualmente em um trabalho beneficente neste lugar” (Psicóloga, 30 anos,
Ambulatório Municipal de Saúde Mental Infantil, Hortolândia, 2006).
“...Mas teve, amigos meus, que... onde moram, tinham esse Toque de
Recolher... Depois de uma certa hora, não podiam mais voltar... Em Campinas, eu
nunca vi essa coisa... A não ser na região do São José, que aconteceu... Mas, aqui
em Campinas, é o único local que foi fechado... No caso alguns anos atrás... Mas,
também é um lugar perigoso, que a gente tem medo de entrar... Hoje em dia, o
Jardim São José, os apartamentos do São José... Que a turma diz que tem muitos
familiares do Carandiru, que veio para Campinas, que eles estão naquele local. Eu
estive naquela área, não vi fumando, mas vi o cheiro da maconha... Até mesmo
o pessoal lá fala que... Livremente eles usam... A gente não eles usando, mas,
discretamente, estão usando... (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em
Campinas, 2006)
“Teve uma época... Deixe-me ver quando... em 98, 99... que eu ainda era
pequena... eu ouvia muito falar de... Toque de Recolher que tinha... mas isso foi
coisa de um dia e meio... que teve esse toque de recolher, depois nunca mais teve
mais... nunca mais ninguém falou mais nada, acabou...” (Estudante, 17 anos, DIC-
III, Campinas, 2005).
Pelos esclarecimentos dos entrevistados percebe-se que o Toque de
Recolher aparece distintamente para a população em determinados lugares,
assim mesmo em momentos raros e pontuais, não se constituindo portanto uma
prática comum.
O tráfico representa hoje uma das mais categorizadas fonte de emprego e
trabalho para as comunidades carentes das periferias urbanas ou para as favelas.
Além do incentivo econômico
___
que é evidente
___
, o que motivaria uma criança ou
adolescente a entrar para o tráfico?
Como as crianças têm seus cotidianos intimamente relacionados ao do
traficante, acabam por estabelecer laços de relacionamentos, mesmo porque muitos
não são tão mais velhos que essas mesmas crianças. Esse convívio permite que o
traficante transfira para a criança alguns tipos de trabalhos menos arriscados e mais
simples, como levar recados, comprar coisas, etc. Demonstrando interesse e
confiabilidade, algumas tarefas mais sofisticadas passam a ser confiadas: levar
droga, guardar as armas, etc. Andar com os cara é o início do processo de
211
cooptação que vai culminar com a entrada formal da criança para trabalhar com o
traficante.
Praticamente não se conhece nenhum caso de criança ou adolescente
que tenha sido coagido a entrar para o tráfico, pois o recrutamento é voluntário e a
adesão ao traficante é um ato volitivo do adolescente que, depois de andar algum
tempo com o traficante, pede-lhe um lugar, um emprego na organização”. A própria
formação ou período de aprendizado do trabalho consiste nesse processo
educacional realizado durante o andar com os amigo”, imprescindível para ser
aceito pelo traficante.
Existem registros de traficantes que se recusaram a empregar pessoas
consideradas por ele como crianças”, que não são definidas como tal pela idade,
mas pelo nível de maturidade e desenvoltura que apresentam para desenvolver as
atividades do tráfico. São os considerados adultos e confiáveis
___
definidos por seu
comportamento no cotidiano do traficante e não pela idade
___
, que vão ser aceitos
para o trabalho junto com o traficante. Assim, independentemente da idade
cronológica é a idade de maturação para o traficante é que vai servir de critério
para separar as crianças dos adultos. A subjetividade no julgamento da maturidade
do candidato ao tráfico é um traço marcante desse tipo de recrutamento.
“T Ah, se a criança, ou algum menor quiser vir... a gente não deixa entrar no
tráfico. A gente não deixa. Por isso que ninguém pede prá entrar.
E Mas eu conversei com vários menores que trabalham no tráfico, que foram
deixado entrar.
T Menor sim... de certa idade... aqueles menor. A gente fala os... tá mais
adulto, é isso que eu quero dizer, os já mais adulto.
E – O que que é uma criança então prá você? Até que idade?
T – Poxa, até 14 anos.
E – Até 14 anos é uma criança.
T – 14 já tá... prá cima já sabe...
E – Já sabe o quê?
T – É, de 13, né... prá baixo ainda é criança.
E – Então, de 13 prá cima, é... já era, é adulto.
T É. Quem a gente considera o mais adulto.... a gente sente mais confiança...
os que já levam... a gente já sente mais firmeza na conversa, no papo.
E Você achava que quando você tinha 14 anos e você entrou no crime você era
criança?
T Não! Eu não me achava mais criança” (Gerente de preto, 23 anos, Rio de
Janeiro, in: Dowdney, 2003: 105).
Quanto tempo a ilusão de heroísmo”, poder e aceitação social e
admiração pela comunidade leva para se esvair? Quanto tempo leva o adolescente
que entrou para o tráfico para cair na real”? Quais as conseqüências dessa tomada
de consciência?
212
A Fiocruz, tentando responder a essas perguntas, pesquisou entre
adolescentes e construiu o seguinte quadro (quadro 10), bastante elucidativo para
que possamos perceber os sentimentos ocorridos após a euforia inicial do jovem
traficante.
A falta de um companheiro, de um amigo, parece ser a carência mais
verificada pelo adolescente no tráfico, cujo comportamento normal é essencialmente
grupal visto ser ainda uma criança. Ele sabe que não pode confiar em ninguém e
tem que estar sempre alerta contra as pessoas que o rodeiam. Esse sentimento de
desilusão e impotência diante da realidade tão sonhada, mas revelada como um
pesadelo, o medo de morrer a cada instante, acaba por levar os jovens para uma
outra direção: o consumo desenfreado de drogas cada vez mais pesadas.
O isolamento resultante desse processo faz acentuar a noção de
solidão e de impotência diante dos fatos cotidianos. O próprio medo que causavam
nas outras pessoas que, até certo momento era motivo de orgulho e poder, começa
a mostrar sua face mais cruel: o interesse e a intimidação, que resultam em um
isolamento maior ainda, pois são evitados a mesmo pelos antigos parceiros de
brincadeira. A própria família dos antigos colegas proíbe que seus jovens tenham
contato com aqueles que entraram para o tráfico, apesar de terem crescido juntos,
brincado juntos e terem sido amigos de infância.
A sensação de desconfiança vai se acentuando cada vez mais, atingindo
o ápice a partir do momento que o garoto acaba por entrar inteiramente nas
atividades ilícitas, o que provoca uma desconfiança contra os antigos companheiros
Quadro 10 – Sentimentos dos jovens que entram para o tráfico após algum tempo de participação
Como era sua vida antes de entrar para o Tráfico de Drogas?
Como ficou sua vida depois que entrou para o Tráfico de Drogas?
Antes Depois
Uma maravilha, mas eu não sabia. Uma porcaria
Era na moral, não era pichado, podia andar na rua tranqüilo Ficou sinistro, não parava em lugar nenhum, quando ta nesta vida,
não pode ficar no mesmo lugar não, senão o X9 dá pra polícia.
Normal, ia pro baile, depois fiquei um tempo sem ir, ai comecei a andar com uns
colegas, ai entrei para o tráfico.
Só vivia correndo da polícia
É bom. Não corria risco, não tinha inimigos. Saia para os bailes funks. Ia para a
praia, várias festas e discotecas, trabalhava, namorava. Eu só saia. Era careta, mas
nada me fazia mal
Ganhei muito dinheiro, não ia para casa, só de vez em quando. Saia
para roubar também, sempre que aparecia um negócio bom para a
gente. Meus amigos me chamavam para assaltar carro forte e
morreram
Muito boa. Eu morava num sítio lá em Rio do Outro. Gostava de brincar de carrinho
de rolimã com minha irã. Ia pegar lenha para minha mãe cozinhar. Pegava água. Eu
saia com ela, e ela me beijava. Ela me pergunta se eu tinha vergonha de beijar ela,
e eu disse que não, pois ela era minha mãe
Eu só andava escaldado. Mesmo quando estou dentro de casa acho
que vão me matar. Sonho com os vagabundos me espancando e eu
todo estourado, eles arrancando o meu pênis, os dedos, picada de
agulha até eu morrer
Ficava em casa, ia para a escola, e na noite ia para a rua brincar Ficou muito diferente porque não pude mais brincar
Era normal, comum, tinha tudo o que tenho agora que saí. Só que agora, de vez em
quando, tenho medo de encontrar alguém ou alguma polícia que não sabe que eu
saí. Eles podem querer se vingar
No começo foi bom porque tinha dinheiro só para mim. Não
dependia de ninguém e depois foi enjoando, po9rque a polícia me
conhecia, me prendia e eu tinha que dar dinheiro para me soltar
Tranqüila Ficou boa até o dia que fui preso
Tranqüilo, porque não devia nada a ninguém, dormia tranqüilo e andava na rua
tranqüilo.
Ficou ruim porque temia dos policiais e saia correndo, andava
sempre envolvido no tráfico e só isso.
Tranqüila Muito difícil, as pessoas discriminavam.
Lembreo que meu avô me colocava na escola, minha vida era normal, até os 8
anos
Ficou uma droga, não dormia direito, ficava com medo todas as
noites
Minha vida era normal, eu saia com minha namorada, só estava sem emprego e
com confusão familiar
Ficou tensa, não conseguia mais dormir, pois sonhava que estava
sendo preso, o que aconteceu logo
Era boa, trabalhava e não pensava em entrar nisso e estudava Ruim demais, desgracei minha vida, pixado de polícia me vê e me
bater, e querer dinheiro r eu não ter
Fonte: Adaptação de Instrumento de pesquisa Perfil dos Adolescentes. Equipe de Avaliação FIOCRUZ/ENSP/DCS. 1999
213
e, também, contra os atuais, trazendo o desejo de abandonar tudo, o que pode
acontecer com autorização do traficante. Essa dificuldade de sair do Tráfico existe
para aqueles que estão em débito com o patrão”, que vai permitir a saída após
quitação de todos os débitos. Aqueles que saem sem a autorização dada pelo
dono” acabam sendo punidos com tortura, frequentemente com a morte.
Somente aqueles que são do lugar”, do bairro ou da favela, que tenham
desenvolvido uma grande rede de contactos amistosos com os traficantes e são
conhecidos desde criança pelo dono do lugar é que tem permissão para sair,
desde que não tenham qualquer tipo de dívida para ser saldado. Por outro lado, é
comum acontecer de uma família inteira que, de alguma forma perdeu a confiança
dos traficantes, ter permissão para sair da região sem ter membros mortos. Isso
também acontece com as famílias conhecidas e moradoras do local de longa
data, caso contrário terão seus membros eliminados sumariamente.
Conquistada a confiança ou a cooptação da comunidade, os traficantes
tornam-se os grandes empregadores das crianças e adolescentes. Assim, se até
alguns anos atrás se evitava empregar crianças no tráfico, hoje a participação delas
é maior do que nunca. Isso ocorreu a partir da presença da cocaína no mercado,
possibilitando lucros enormes e grande rentabilidade, o que demandava um maior
número de mão-de-obra. Começou no Rio de Janeiro, particularmente em final dos
anos 80 e acentuando-se em meados e finais da década de 90, quando o consumo
de cocaína atingiu seu pico de expansão com maior aproveitamento de mão de obra
de jovens e crianças.
A partir da crise econômica e de emprego verificada a partir de meados da
década de 90, o Rio de Janeiro registrou o maior declínio da participação da faixa
etária entre 15-17 anos no mercado de trabalho formal, segundo a Organização
Internacional do Trabalho. Coincidentemente é o período de maior expansão do
tráfico de drogas. Parece que o desemprego aliado ao aumento da procura levou um
contingente expressivo de crianças e jovens para o trabalho do tráfico.
Além disso, o desaparecimento prematuro dos jovens do sexo masculino
(mas com filhos) e ligados ao tráfico, determina um grande número de famílias
chefiadas pela mãe (poderíamos chamá-las de monoparentais), o que dificulta a
busca do sustento e da educação dos filhos, pois elas precisam trabalhar. Isso vai
permitir que a criança cresça de certa forma solta”, longe da vigilância atenta das
mães, facilitando a sua entrada para o tráfico.
214
Como as crianças crescem envolvidas pelo tráfico (um irmão, um tio, o
próprio pai, trabalham nele), acabam por achar normal a atividade e sua própria
entrada como sendo uma conseqüência natural do desenrolar das coisas.
Essa identificação e a constatação na prática do status e do poder que os
traficantes efetivamente possuem, faz com que não seja aceito o trabalho do
tráfico, como também o transforme em uma coisa desejada, buscada ardentemente,
o que vai ser trabalhado por Chico Buarque em uma de suas composições, quando
a própriae, vendo o retrato do filho morto pela polícia estampado nos jornais, vai
fazer a apologia do mesmo e de seus feitos, pois ele se tornou “alguém”, terminando
por identificar: “Esse é o meu guri!”.
O recrutamento das crianças e adolescentes pelo tráfico é feito de forma
voluntária: elas e eles pedem para entrar, depois de um período probatório onde
mostraram consistentemente a sua maturidade para exercer alguma função junto
ao traficante.
Sistematicamente o tráfico recruta seus novos membros nas comunidades
mais pobres das periferias das grandes cidades ou nas favelas, o que é mais ou
menos lógico, visto que é ali que se encontram as principais bocas de drogas.
Considerando que a maioria dos adolescentes envolvidos com o tráfico tenha por
volta de 14 e 18 anos, o recrutamento começa entre 10 e 12 anos, quando a criança
começa a andar com os cara”, mas está se tornando comum encontrarmos
crianças entre 8 e 10 anos em fase inicial de aprendizado”, isto é, a idade de
recrutamento está se tornando cada vez menor, evidenciando a crescente
necessidade de mão-de-obra e a falta freqüente de escrúpulos dos traficantes.
Todas as crianças são pagas em dinheiro mas, quando soldados, podem
receber também uma parte nas pilhagens ou nos roubos que o grupo tenha
executado. Nesse recrutamento, como condição de subida na hierarquia do tráfico,
as crianças são constantemente testadas como seguranças armados, bondes,
invasão de territórios inimigos, lutam na frente de combate e, até mesmo, como
carrascos para execução de membros que violaram as regras do grupo ou mesmo
membros de quadrilhas rivais que foram capturados. Espera-se deles que defendam
as bocas”, a área e o traficante, além de combater a polícia. Para tanto, são
armadas com todos os tipos de armamentos, desde os leves até os pesados, muito
referenciados nas reportagens dos jornais que cobrem o tráfico: Kalashnikov AK-47,
Colt AR-15, K&K G3, Pistola Glock 9mm, Pistola automática Bereta .45, Revólver
Magnum .38., bazucas, R-18, metralhadoras calibre 762 e submetralhadoras Uzi.
215
Extemporaneamente as crianças podem sofrer violências por parte de
alguns traficantes, o que não constrange pais, mães ou avós (especialmente) para
procurarem colocação para os filhos ou netos junto ao traficante.
O que realmente caracteriza as funções e atividades no tráfico é a
possibilidade de progressão funcional a todos os empregados, desde que mostrem
empenho, sejam dignos de confiança e tenham habilidade nos negócios ou na
função que estejam exercendo (vendas). Tudo isso está ligado a uma meritocracia”,
onde os mais empenhados, inteligentes, dedicados e confiáveis são aproveitados,
gradativamente, nos escalões superiores do tráfico, sempre ungidos pelo traficante
após processos de avaliação constantes.
É por isso que todos os que entram para o tráfico sonham em um dia ser
dono, pois é uma possibilidade real, entretanto não é concreta que, devido a
grande mortalidade precoce, poucos chegam à idade de assumir um cargo elevado
dentro da hierarquia.
As atitudes tomadas pelo traficante na triagem dos novos empregados não
seguem uma lógica clara, mesmo porque o próprio traficante, na maioria das vezes,
é um pouco mais velho apenas que o candidato ao trabalho. Assim, a maioria
soluciona o problema fazendo uma seleção não pela idade mas pela competência
para o exercício da função e pela maturidade demonstrada na realização de
pequenos serviços preliminares que todos devem fazer, durante um período
probatório, para o tráfico. Mas, de uma maneira geral, consideram o estar
preparado” como referencial, subjetivo, é verdade, mas suficiente para o trabalho.
Essa diferenciação entre maior e menor, uma vez dentro do tráfico,
desaparece. Todos passam a ser considerados como maioresindependentemente
da idade, e, tratados como tal, em responsabilidades e atitudes. Algumas vezes a
mesmo são considerados, para determinados tipos de trabalho
___
como matar, por
exemplo
___
, muito mais eficientes que um adulto.
Apesar de considerar que criança não deve entrar para o Tráfico, muitas
vezes a liberdade de escolha é respeitada e levada em consideração como único
referencial para decidir se deve ser aceita ou não para trabalhar com o traficante.
Certos traficantes, entretanto, conseguem formar verdadeiros exércitos de
adolescentes
___
preferem em lugar das crianças
___
, dispostos a qualquer coisa para
proteger o dono da área.
Essa situação, descrita para o Rio de Janeiro, de forma menos intensa
repete-se em São Paulo, onde não é muito comum crianças no tráfico, mas elas
216
aparecem como elementos do próprio sistema de distribuição das drogas,
juntamente com mulheres de todas as idades. Isso acontece nas áreas onde os
acertos com os policiais para garantir uma liberdade maior para os negócios não são
concretizados ou são muito caros.
A sedução das crianças e adolescentes pelos traficantes ocorre a partir
do ponto mais fraco deles: a pobreza e a possibilidade de consumo.
Os traficantes pegam os mais pobres, aqueles cujos pais não têm condições de
dar nada. Dão um tênis de presente. Mandam comprar cigarro e não pegam o troco
de volta. Eles conseguem envolver a molecada de tal forma que os meninos
acabam gostando deles (Fátima, líder comunitária, 47 anos, moradora da zona
leste de São Paulo) (Athias, 2002
a
: C
9
).
Para a Região Metropolitana de Campinas as crianças aparecem de
forma menos significativa ainda que em São Paulo, sendo que a maioria dos
traficantes evita utilizá-las no seu trabalho, preferindo adolescentes.
Campinas, acho que é diferente de São Paulo... A violência é menor... São Paulo
tem mais ruas... É... Hortolândia é... É a segunda né?.. Sumaré... É, encostado...
tem muito seqüestro relâmpago, né?... A molecadinha... vai muito atrás de
seqüestro relâmpago... Ah, eles matam... Matam com medo da pessoa
reconhecer... Depois se forem presos e a pessoa reconhecer, falar que eles
roubou... Eles matam.. Mas, eles não fazem nem o seqüestro relâmpago na área
do Tráfico... Fora do bairro. No Tráfico, não... Às vezes eles saem lá de Hortolândia
e aqui, vem fazer aqui em Campinas.... Qual a idade média do pessoal? 18 e 19...
(Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Geralmente, nos bairros é onde mais empregam crianças... Geralmente são
molecadinha de 13 ou 14 anos, que estão dentro... Mas, estão ali desde
menininhos... Entendeu? Do bairro mesmo... É, cresceu ali no meio. viu o pai
fazendo, o irmão fazendo... É... Os amigos faz...” (Prostituta, Centro de Campinas,
37 anos, 2005).
Tem muita gente lá, que usa droga... Ultimamente tem muito jovem... Na faixa dos
16, 17 anos... As mães pensam que estão na escola, mas, na verdade...”
(Moradora, Campinas, Parque São Jorge, Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
Com relação à venda de drogas para crianças e adolescentes, existe certa
controvérsia entre os depoimentos visto que uns afirmam que os traficantes não
fazem distinção de idades entre seus clientes, outros afirmam que existe um certo
escrúpulo deles para fornecer drogas para crianças muito novas.
Eu acho assim... para meninos de 16 anos, sim... Para criança não... Por que...
Teve uma vez é... foram até a casa de uma mãe para falar que o filho de 8 anos
tinha ido para comprar, ai falou que se a mãe não desse um jeito eles iam
entregar no juizado de menores... A mãe até mudou de ...” (Estudante, 17 anos,
DIC-III, Campinas, 2005).
Vender para criança? Menino de rua? Basta ter dinheiro... Qualquer um tendo
dinheiro, né... Crianças, eles falam assim, acima de nove, dez anos, não
criancinhas de dois anos, três anos, não...Mas nove, dez anos... com o
cachimbo na mão... Se você não vende outro vai vendendo assim...” (Prostituta,
Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
217
Também é uma constante nos depoimentos considerarem os
adolescentes mais novos como mais violentos e cruéis, não vacilando quando
precisam tomar atitudes extremas durante a venda de droga ou envolvimento com
as polícias. Aliás, esta não hesita quando tem que atirar em um soldado do tráfico”
ou “aviãozinho armado”.
A molecada é mais violento no Tráfico... [Os mais velhos] mandam a molecada
tomar cuidado... Cuidado para não trazer a polícia lá, quer fazer sujeira, faz longe,
faz em outro lugar.. Faz longe...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27
anos, Hortolândia, 2005).
Eles [os adolescentes] são mais [violentos]... Parece que eles se sentem no plano
dos mais velhos... O mais novo se sente no plano do mais velho... Então, quando
tem alguém, assim... que quer por pânico em alguém, fala: Ah, vou chamar
fulano... Que fulano vai me defender, se fizer alguma coisa comigo... se for ver
mesmo, fulano nem sabe o que está acontecendo.. Então, eles são mais
folgados... os mais novos...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Como se depreende pelos depoimentos, se na região de Campinas as
crianças são preteridas pelo tráfico em favor dos adolescentes, isso não quer dizer
que não sejam utilizadas. Se não para traficar diretamente as drogas, fazem
pequenos favores
___
pelos quais recebem dinheiro em quantias superiores ao que os
próprios pais ganham trabalhando honestamente
___
, ouvem histórias aventurosas de
situações bem sucedidas que envolvem os traficantes, convivem, enfim, com o
universo das drogas desde cedo.
3.3. A mitologia em torno do Crime Organizado
e do tráfico
Algumas situações vividas dentro das áreas dominadas pelo tráfico
acabam se constituindo em verdades universais e insofismáveis, verdadeiras
mitologias. Entre elas, algumas se destacam pela freqüência com que são
mencionadas e consideradas regra geral, ou seja, procedimento normal do Tráfico
em todas as áreas em que ele se instala: o heroísmo do bandido (roubando do rico
para favorecer os pobres), o assistencialismo do tráfico (resolvendo problemas
financeiros e domésticos das famílias da área) e as garantias de segurança
(substituindo as policias) que o traficante oferece aos moradores
Apesar de muitos depoimentos em contrário, nem o tráfico ou o traficante
executa qualquer uma dessas funções (quando executa) por afeição, solidariedade
ou espírito humanitário, mas por uma garantia de segurança maior para ele e para
218
os negócios. Evidentemente, isso não exclui a possibilidade de contribuições
voluntárias para a comunidade onde nasceu ou tem amigos de infância, que acabam
servindo como exceções à regra.
Ainda dentro dessa linha de análise, certas verdades relacionadas ao
tráfico e ao comportamento dos traficantes, aparecem como inquestionáveis.
Frequentemente observamos entre as pessoas, a crença de que o traficante oferece
garantias de segurança nas áreas onde ele atua para a população residente.
Ainda neste caso, vemos uma troca de favores, uma relação de
custos/benefícios entre tráfico x população. Tal atitude de proteção configura-se
muito mais uma forma de proteção do traficante do que propriamente da população.
O traficante oferece garantias de ordem social e proteção contra crimes e conflitos
entre pessoas, apoio e segurança para o comércio local e financiamento de
atividades de lazer. Por outro lado, exige em troca: Lei do Silêncio (que os protege
da polícia e de inimigos ou rivais), um entreposto seguro para a venda de drogas e
obediência irrestrita à vontade do traficante.
Na verdade, não existe a opção colaborar ou não-colaborar com o
tráfico, pois aqueles que não aderirem por gratidão, medo ou interesse, vão ter que
aderir para não morrer, ou, na melhor das hipóteses, serem expulsos de suas casas
imediatamente. Você pode ser indiferente, não tomar partido do tráfico, mas não
pode ser contrário, pois as leis que regem as áreas dominadas pelos traficantes não
permitem isso.
As leis do tráfico vigoram, não estão escritas, pois se configuram mais
como um “Direito Consuetudinárioque propriamente um código legal objetivo, que a
comunidade conhece e sabe não permitir impunidade. Os juízes, júri, promotores,
defensores e executores da sentença são os próprios traficantes. Eles têm
autoridade suficiente, em suas áreas, para proferir as sentenças e aplicar as
punições que julgarem necessárias. Os traficantes julgam, condenam, dão a
sentença e a executam. Mas, quando os traficantes não querem executar
pessoalmente as pessoas condenadas à morte por esse tribunaleles trazem gente
de outras áreas para fazer o serviço, ou então, contratam ex-policiais (mineiras ou
milicianos) que viraram matadores de aluguel.
Em São Paulo e Campinas, esses tribunais existem mais informalmente,
pois essas prerrogativas são do representante do PCC, quando vai arbitrar
problemas entre donos de bocas”. Mas isso ocorre naqueles lugares onde a
facção conseguiu hegemonia, evidentemente.
219
Apesar de, à primeira vista, esse conjunto de leis dar a impressão de
substituir a Justiça e a Polícia garantindo o exercício da cidadania da população, o
que se pretende é manter a polícia fora da favela, longe das atividades das bocas e,
portanto, sem atrapalhar os negócios”. Assim, uma das mais rigorosas das leis do
trafico é que não é permitido fazer nada que atraia a atenção ou a presença das
polícias.
Evidentemente, essas leis vão variar no que diz respeito ao rigor com
que serão aplicadas, de área para área, pois vão depender do temperamento do
dono das bocas”, do domínio que ele tenha sobre os moradores e a
rentabilidade da boca visto que, quanto mais lucrativa maior se o prejuízo pela
suspeno das atividades por algum tempo devido à entrada da polícia. O que
prevalece, entretanto, é a necessidade da lei e resguardar sua aplicabilidade.
Mais rigorosas nas favelas do Rio de Janeiro, menos drásticas nas favelas
e periferias de São Paulo e Região Metropolitana de Campinas, as regras podem ser
resumidas nos seguintes códigos que são compartilhados por todos: é
expressamente proibido roubo na comunidade; é proibido briga entre moradores,
especialmente se chegam às vias de fato; o estupro é um dos crimes mais
execrados, culminando com a morte do estuprador, mas, antes,ele será torturado
em praça pública, castrado e morto; não é tolerado assédio sexual a crianças; é
proibido bater na mulher; é absolutamente proibido conversar ou manter amizade
com policiais; nunca possuir uma arma fora das vistas ou do conhecimento do
traficante.
Essas regras o conhecidas e obedecidas por todos e acabam por
fazer com que a própria comunidade procure estabelecer outras regras de
convivência para não chamar a atenção dos traficantes sobre uma determinada
pessoa, possibilitando uma interpretão errada das suas intenções e objetivos.
“...se perturbaram a paz, por exemplo, se jogando ping-pong na rua e algum
morador reclamar, tem que parar de jogar. Se ninguém reclamar, pode continuar
jogando (Criança que mora na favela, Rio de Janeiro, citado em Dowdney, 2003:
55). Essas regras não valem para fora da comunidade, sendo permitido que se
cometa pequenos delitos fora da favela, mas em locais autorizados pelos traficantes.
Os delitos mais graves precisam ter a anuência prévia dos traficantes.
Qualquer desvio de conduta dos moradores ou mesmo dos que trabalham
para o tráfico, é punido exemplarmente, muitas vezes com resquícios de crueldade,
necessária para intimidar e evitar a sua repetição. Evidentemente isso não ocorre
220
automaticamente: na primeira vez é emitido um aviso, na segundo as conseqüências
serão aplicadas exemplarmente. As penas criadas pelos bandidos variam de morro
para morro, mas alguns códigos comuns. Praticamente todos aqueles
considerados delatores ou estupradores são assassinados e em várias favelas os
ladrões têm a mão direita decepada” (Alves Filho & Pernambuco, 2002: 136).
Interessante observar que os executores das punições são sempre
elementos dos escalões inferiores do tráfico, o apenas como medida preventiva
para preservar as lideranças, como também para começar a testar e preparar
futuros líderes. Apesar de não haver um código penal escrito, as punições são de
conhecimento de todos e seguem um critério baseado na gravidade, para a
comunidade, de cada infração feita. Assim, estupro, assédio sexual de crianças ou
alcagüetagem para a polícia, a penalidade é a execução. Algumas punições por
delitos mais leves são facilmente transformadas em padrões imitados por quase
todas as favelas: bater na mulher: apanha do traficante; briga entre mulheres:
raspam as cabeças das duas; roubou na boca: tiro na mão (eventualmente pode ser
no pé); família perder a confiança do traficante: expulsa da favela.
Para infrações mais sérias a tortura pode ser aplicada antes da
execução, para servir de adverncia mais forte a possíveis infratores, como
acontece com os estupradores, culminando com a colocação dos mesmos dentro
de um túnelde pneus velhos, onde são queimados vivos.
Todo esse código moral foi resumido, magistralmente, por um vapor de
17 anos, explicando os procedimentos corretos a serem obedecidos na sua área:
T: ... nós é a comunidade... se tem tarado, nós mata esse cara por que ele é
vacilão... se tem roubo na favela é s que resolve, tem briga de família é
s que resolve, tudo aqui é nós que resolve mermo, os bagulhos da
comunidade é nós mermo.
Mas... Tem regras... o pode roubar na favela nem estuprar ninguém, nem
brigar, rios bagulhos, tudo s resolve. T: Depende do necio que ela
fazer, se estuprar uma criaa, é a morte. Se roubar na favela, é castigo ou
sair da favela.
E: Como você pensa disso?
T : Acho esses caras aí o maior vacilão; porra não sei o que dá na mente deles
de estuprar uma criança, de roubar um carro da favela mesmo, roubar a
casa dos outros, som e meter o , não sei o que dá na mente desses caras
o. Certo.
E: se você tem que punir alguém desse tipo, você faz.
T: Puno, tem que punir, é a regra do Comando Vermelho, se vacilar nós pega
mermo (Vapor, 17 anos, Rio de Janeiro, citado em Dowdney, 2003: 56-57).
Quando a pessoa a ser punida é muito conhecida e querida na
comunidade, os traficantes chamam um executor, da mesma facção, de outra favela
para fazer o serviço, preservando assim, a imagem de algum soldado do tráfico que
221
seja nascido, morado e tenha convivido com a vitima”. Essa prática, com o tempo e
o grande número de pessoas envolvidas, está gerando um “exército de mercenários
que acabam trabalhando em favelas diferentes daquelas em que nasceram e se
criaram, ou seja, acabam profissionalizando o ofício de “soldado do tráfico”.
As leis do tráfico são respeitadas inclusive pelos que as formularam, os
próprios traficantes. Em geral eles levam a sério os direitos dos moradores não-
envolvidos com o tráfico”.
Caso o traficante local ou dono da boca comece a hostilizar de maneira
muito acintosa a comunidade, esta pode fazer uma queixa ao dono da área que,
muitas vezes, pune o agressor com uma conversa mais séria, onde as regras são
colocadas e exigidas, ou mesmo, em casos mais graves, ele é banido ou transferido
para outra comunidade.
Entretanto, um sentido de territorialidade muito acentuado em cada
área dominada por um traficante, a tal ponto forte que, chegam a matar as pessoas
que venham, sem autorização do traficante ou acompanhado de um morador local
(que se responsabiliza por ele pessoalmente), adentrar na sua área.
Isso ocorre com tal força que 92% da população de uma comunidade não
se sente confortável para freqüentar outras áreas.
As causas podem ser as mais
variadas possíveis, indo desde impe-
dir que pessoas estranhas em di-
cas às facções rivais a respeito das
vendas e pontos vulneráveis daquela
área, até demonstração de poder e
força, instituindo uma necessária
prestação de vassalagem ao trafi-
cante por parte de qualquer pessoa
estranha à comunidade. Isso ocorre
com tal força que 92% da população de uma comunidade (gráfico 12) não se sente
confortável para freqüentar outras áreas.
No Rio de Janeiro, centro gerador e difusor de comportamentos, costumes
e atitudes para o tráfico, o heroísmo do bandido parece estar mais presente. O
carioca, não podendo ir diretamente contra as que o incomoda, acaba
transformando os out siders em heróis para serem cultuados num misto de
Gráfico 12 – Razões para não freqüentar outras áreas
outro
4%
baile funk
2%
o se sente
seguro
2%
"outras"
facções
92%
Fonte: Adaptação de DOWDNEY, Luke. Crianças do Tráfico, Rio de Janeiro, Sete
Letras, 2003.
222
admiração e temor. Mesmo em São Paulo, essa idéia do respeito ao herói
representado pelo bandido, é uma constante nos depoimentos.
Para tudo isso concorre ainda o fato de que as facções do tráfico
procuram colocar em seus estatutos regras para que o heroísmo seja cultuado
através de altos padrões de comportamento e de exigências de fidelidade a eles.
Isso não quer dizer que eles se concretizem na prática pois, sendo um negócio ilegal
por sua própria natureza, as regras valem apenas enquanto representam aumento
de produtividade ou lucratividade. Mas, de uma maneira geral, os estatutos das
facções reforçam essa idéia do heroísmo abnegado e desprendido.
Essa admiração dos moradores pelos bandidos é uma relação
extremamente ambígua pois, da mesma forma que invejam e admiram, quando os
mesmos caem em desgraça é essa mesma população que vai justificar a eliminação
sumária dos mesmos: O sentimento que passa entre os moradores é de que, enfim,
são bandidos, devem morrer mesmo” (Costa, Lippi e Oliveira, 1995: 112).
Em São Paulo, mesmo para os comerciantes da região, os traficantes
acabam por dar proteção”, evidentemente unindo o útil ao agradável: cobram pela
proteção e, ao mesmo tempo, conseguem evitar que chamem a polícia para a
região.
Acabei de saber que rapazes aqui de Guaianazes estão com um plano, que está
sendo chamado de ‘fórum de segurança’. Primeiro eles o matar moleques que
estão incomodando os comerciantes. Depois, vão garantir para os lojistas que
ninguém mais vai roubar a área. Eles vão cobrar pelo serviço de segurança e ainda
vão se livrar da polícia. Se os empresários não forem mais roubados e ainda
tiverem segurança, não vão mais ter motivo para chamar a polícia (Fátima, líder
comunitária, 47 anos, moradora da zona leste de São Paulo, citado em: Athias,
2002
b
: C
9
).
Na Região Metropolitana de Campinas vemos uma atitude semelhante de
ambigüidade nos depoimentos, que vem desde início da década de 1970, quando o
tráfico começou a entrar de forma mais decisiva nas periferias campineiras.
"Sei lá, mas desde que a pessoa matou mais de cinco policiais pra mim é herói
um cara desses? Apesar de que hoje em dia as pessoas dizem que até a polícia
são bandidos, a gente na televisão aí a polícia atacando inocentes, mas nem
por isso um bandido que matou cinco policiais é herói..." (Homem, 22 anos,
morador do Bairro de São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 144).
"...Porque por incrível que pareça o marginal ele é um ser humano também, sabe
muitos dos que são considerados marginais na sociedade... Eu falo que ninguém é
herói porque é claro que não é herói mas é uma pessoa com respeito, é um ser
humano e tem o mesmo sentimento que a gente... Eu penso que é gente igual a
nós, é gente, é gente! Gente que chora que tem sentimento, que fala quando vê as
coisas erradas e a gente tem que estar vendo issodireto" (Morador, militante no
Bairro de São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 145).
223
Atualmente, essa situação não apresenta mudanças nessa concepção do
traficante como herói. Ainda, pelos depoimentos, não se chegou a uma forma
consensual de olhar o bandido: se herói e admirado, ou alguém a quem podem
recorrer em uma relação custo/benefício, ou seja, de troca de favores, representado
pelo silêncio em troca de ajuda e que, portanto, não digno de confiança, deve ser
temido. Até existe certa ironia ao se analisar essa situação: O que mais rola é
status... A molecada rodeia ele... Tipo, para ser bem falado... Sou amigo dele... Olha
lá... Fui no bar com ele... Fui recebido por ele... Um herói... Para entrar... Fica
rodeando lá... Desde pequeno...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos,
Hortolândia, 2005).
Acho que vêem [os traficantes] como... não como heróis, mas como a
única forma de se manterem protegidos. Como o único meio a quem recorrer
(Psicóloga, Hortolândia, 30 anos, dezembro de 2005). Ao contrário, na mesma área,
em contraposição e inversão de valores sociais, a polícia é vista pela população
como igual aos bandidos Como bandidos. E como pessoas a quem não podem
recorrer. Até porque a polícia...” (Psicóloga, Hortolândia, 33 anos, 2006).
Talvez de todas as mitologias que envolvem o tráfico, o
assistencialismo do traficante e do bandido seja uma das mais presentes. Assim,
para as pessoas em geral, que usufruem ou não desse assistencialismo, isso é feito
como um desprendimento, uma bondade, um sentido de solidariedade com os mais
pobres ou exercício de um “espírito humanitário”.
“[Escadinha] Uma vez ele me contou que seqüestrou um proprietário de uma
granja, que levou o sujeito para um motel de conhecidos dele. Disse que não
amarrou a vítima e não ameaçou. A única coisa que pediu foi que ele mandasse
para o morro do Juramento um caminhão de frangos vivos. Ele me disse que não
queria dinheiro do homem nem queria a tortura psicológica dele. Disse que o cara
ligou para o trabalho e mandou descarregar dois caminhões de galinha e, logo que
a chegada dos caminhões foi confirmada, liberou o homem e pediu desculpas. Eu
sabia que era verdade porque quando gravei o CD do Escadinha Brazil 1,
Fazendo Justiça pelas Próprias Mãos - estive muitas vezes no morro para colher
depoimentos e tomei conhecimento de muitas histórias, inclusive dessa. E quem
contava eram as velhinhas. Histórias onde Escadinha era herói e vilão.” (Athayde
& MV Bill, 2006, p. 29).
Frequentemente ouve-se falar de roubos de cargas, cujas mercadorias
são distribuídas nas favelas. Isso acontece realmente, mas como uma forma de
reforçar o Pacto do Silêncio formalizado entre o tráfico e os moradores, ou seja,
nada mais é que a contrapartida dos traficantes pelo silêncio dos moradores, não
tendo nada a ver com solidariedade.
224
O roubo de cargas para distribuir aos favelados e pobres das periferias
das grandes metrópoles efetuados por traficantes ou a mando deles, está
acontecendo em vários lugares, especialmente no Rio de Janeiro, onde
representam grande parte das cargas roubadas. É interessante observar que, nestes
casos, os motoristas não sofrem qualquer tipo de agressão.
Em São Paulo e região, esse assistencialismo se repete praticamente nas
mesmas bases: contrapartida à Lei do Silêncio e proteção em caso de invasão
policial.
Para as populações pobres das periferias a presença do traficante acaba
por determinar uma relação de amor x ódio”. Se, por um lado, é visto e admirado
___
frequentemente invejado e imitado
___
devido à sua visibilidade e importância para
a comunidade, por outro, ele é odiado, pois representa a opressão, violência e
exemplo execrado nas outras áreas. Entretanto, apesar de considerarem uma figura
que deve ser evitada a qualquer custo nos relacionamentos pessoais, nem por isso
deixam de receber sua ajuda e usufruir do seu dinheiro, considerado sujo na sua
origem (tráfico), mas “limpo” no seu destino (ajuda à comunidade).
Mesmo reconhecendo a origem escusa do dinheiro do traficante, mas
aceitando o mesmo como um mal menor e não uma espécie de conivência com o
mesmo, a população procura ver nessa atitude valores superiores e que são
incentivados pela sociedade como, por exemplo, não dar dinheiro para bebidas.
Na Região Metropolitana de Campinas esse processo assistencialista não
aparece ocorrer de forma tão clara como em outros lugares. Tudo leva a crer que a
grande quantidade de vias de acesso aos bairros pobres, a maioria em bom estado
de conservação, torna desnecessária essa precaução no sentido de ter uma
correspondente proteção por parte dos moradores. A fuga dos traficantes, quando
de invasões ou blitz por parte das polícias, não apresenta as mesmas dificuldades
que existem no Rio de Janeiro ou alguns bairros de São Paulo. Assim, não podemos
colocar com regra geral esse tipo de assistencialismo, mas como uma troca de
favores que ocorre apenas e tão somente nos locais onde ela se mostra necessária.
Isso aparece bem claramente nos depoimentos:
Ajudam a comunidade e a comunidade protege eles...” (Motoboy, 45 anos,
morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
Não. .Acho que quando rola isso é quanto o traficante é dono de uma região
muito grande... Tem, sei lá, que comandar uma região muito grande. Ali são
pequenos empresários, estão começando agora...” (Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
225
Teve pessoas, assim, que protegeu, ajudou, algum que ficou doente e levaram
para o hospital... Assim, sim... Mas, não que faça uma coisa assim... que ajuda em
geral todos, né... não que faça alguma coisa, assim... em prol... da melhoria...
nunca ouvi falar” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Entretanto, para as pessoas que convivem mais diretamente com o mundo
do tráfico e do traficante a noção de que, mesmo essa ajuda é interesseira e
completamente desprovida de solidariedade e empatia social, está bem clara, ou
seja, o que o traficante quer é mesmo dinheiro.
“Eu já vi assim... Tem lugar que o traficante mora em bairro pobre, que fica com dó,
né... De umas pessoas e... As vezes eles trocam uma cesta básica... Uma ajuda...
Geralmente o traficante não tem espírito para ajudar as pessoas... O traficante quer
dinheiro... A convivência com o traficante é você chega e paga seu papel e sai... O
que o traficante quer que você plante, quando você tem dinheiro, ta bom, né?...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
A topografia do Rio de Janeiro obriga as favelas a se aninharem nos
morros, que são as áreas mais desvalorizadas da malha urbana. Assim, elas se
constituem na área perfeita para a instalação do tráfico e suas bases losticas,
visto serem áreas de difícil acesso para a polícia e de fácil defesa pelos
traficantes.
Em São Paulo a topografia plana dificulta muito a defesa, permitindo
que as favelas, ao contrário do Rio de Janeiro, tenham rias entradas. O mesmo
acontece na Região Metropolitana de Campinas o que obriga o Tfico dessas
áreas a contarem com a conincia ou, pelo menos, com a omiso da população
onde o Tráfico se instala. O respeito do traficante e seus comandados para com a
população local deve ser estimulado ao ximo, cooptando-a para suas causas.
Na Região Metropolitana de Campinas as relações de trocas de favores
entre traficantes e moradores remontam desde os anos 1970, quando o Tráfico
começou a se instalar de forma mais efetiva. Evidentemente as periferias da cidade
da Região Metropolitana de Campinas representavam lugares extremamente
perigosos, particularmente à noite e para pessoas estranhas, porque os moradores
não sentem medo nem se consideram em perigo ao transitar pelas ruas de seus
bairros, visto respeitarem as “regrasimpostas pelos traficantes, razão pela qual não
se sentem correndo riscos. O fato de a pessoa ser conhecida na comunidade, com
um trabalho que não interfere nas atividades do traficante, muitas vezes, depois de
um tempo, ela passa a ter livre acesso à maioria dos lugares, respeitada pelos
moradores e pelos traficantes.
Eu não tomo nenhuma precaução diferente aqui do que eu tomo em outro lugar, o
carro tem trava, tem alarme, eu tento estacionar em local próximo que seja visível
226
pra população, porque eu não sei se todo mundo conhece o meu carro e eu duvido
que alguém fazer alguma coisa me conhecendo, sabe eu sou respeitado de
alguma forma pelo trabalho, eu fiz muito trabalho naquela favela e não tive o
menor problema, então eu acho que a população não vai fazer, a não ser que seja
gente nova no bairro, mas tem um pessoal mais tradicional no bairro que conhece
a gente e respeita (Homem. Profissional de Estatal, Bairro São Marcos, Campinas,
citada em Barroso, 1997: 121)
"Eu não tenho medo, eu conheço todo mundo, me dou bem com todo mundo, meu
carro você pode olhar que está aberto, em qualquer lugar aqui eu deixo o carro
aberto (...) eu gosto do pessoal, tem muita gente ruim, mas tem muita gente boa
também, os ruins eu gosto também porque não fazem nada comigo, graças à
Deus, eles querem o meu bem e eu quero o bem à eles, eu quero bem de uma
maneira que é lógico que não vou ter uma amizade de sair com eles..." (Homem,
54 anos, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 157).
Hoje a situação da segurança parece ter piorado com relação ao acesso à
algumas áreas da Região Metropolitana de Campinas, que ficam restritas até
mesmo para os moradores, caso cheguem após uma modalidade de Toque de
Recolher que, usualmente, ocorre ali pelas 22 horas, quando começa a se
intensificar a atividade do tráfico. A partir desse horário quase ninguém se aventura
a andar pelas ruas de alguns bairros mais violentos na região de Campinas, sob
risco de vida ou de assalto. Exceção feita a alguns adolescentes, que voltam da
escola tarde da noite. Assim mesmo, é freqüente a solicitação que se identifiquem e
se eles não têm algum conhecido de infância no grupo dos soldados do Tráfico, as
coisas podem ficar complicadas.
Entretanto é bastante clara a relação de troca, de custo/benefícios e de
controle de tudo o que acontece na área e que a ação envolve:
Acho que sim [respeito do traficante}, caso a população siga as regras impostas.
ouvi historias, onde o dono/chefe/doutor (acho que nesta área eles são
chamados de doutor) foi na casa de uma pessoa da família de um jovem
assassinado, saber mais sobre o acontecido, uma vez que este foi morto no seu
bairro e sem que ele soubesse” (Psicóloga, 30 anos, Hortolândia, 2006).
Com relação à atividade policial na área, que tanta apreensão e medo traz
para os moradores, a mesma proteção que o traficante compra da polícia, a
população indiretamente acaba se beneficiando visto que, quando a polícia entra na
área, o faz com grande estardalhaço, permitindo que todos tenham tempo de se
abrigarem ou voltarem para suas casas.
Não tem uma pessoa, que fica vigiando para avisar se a polícia está chegando ou
não... Por que lá... a polícia é assim... Eles mostram que estão chegando... então
eles ligam a sirene nos ouvidos de todos... Bem de longe... Então... Então... eles
sabem que eles estão vindo... E... assim... Basta ouvir o barulho do carro deles... o
carro da polícia... o carro da polícia faz o maior barulhão... Então você sabe...
você pode falar... um barulho e um farol à noite... o farol alto... eles andam com o
farol alto, então você sabe que é eles... Por que... assim... o normal não é andar
227
com um farol tão alto como eles andam...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas,
2005).
Para os bandidos também é clara essa relação. Percebem corretamente
que ela não envolve nenhuma benemerência ou humanidade, mas é simplesmente
uma relação de troca de favores, de utilidade para ambos.
Por que quanto menos pessoa chamar a polícia para o bairro, para a região deles,
para resolver brigas, melhor é. Quanto menos tiver briga, menos a polícia vai
(Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Essa garantia não é, vamos dizer assim, universal. Ela está restrita
apenas aos moradores mais conhecidos e antigos do bairro, não sendo estendida a
outras pessoas de fora ou que exerçam profissões consideradas pelo puritanismo
religioso da periferia como não muito aceitáveis ou “morais”.
3.4. O tráfico e o Estado
Para o tráfico e para a bandidagem, o Estado e os seus representes, os
policiais, são perfeitamente corruptíveis e absolutamente violentos. Essa noção não
é gratuita, mas baseada em fatos reais e confirmada no dia-a-dia.
Os contraventores e criminosos tem uma visão bastante clara da polícia. E
relacionam essa visão com as atitudes e procedimentos observados durante o
relacionamento com os policiais. Para os criminosos a polícia participa com eles de
uma conjuntura onde a banalização e naturalização do uso da violência. Por
essas razões, as marcas dessa violência no próprio corpo, causadas pela repressão
policial, constituem marcações para diferenciá-los dos demais. Pelo próprio exercício
de tal postura observa-se um Pacto do Silêncio a respeito da violência que
sofreram ou causaram a alguém. Na verdade, não se fala de violência, como uma
ação que produz dores, injustiça ou destruição, mas falam como acontecimentos,
que esses atos de violência, por serem tão comuns, acabam por se naturalizarem.
As polícias aparecem nas falas dos traficantes como elementos que
operam dentro de um mesmo raio de ação, provocando embates, tensão, descargas
de adrenalina e aceleração do coração, que tem como conseqüência a identificação
do grupo como classificado e registrado na sua individualidade, a partir das marcas
que ficam nos corpos dos seus integrantes.
A ação policial vai se interpor aos interesses dos criminosos no domínio
de um determinado lugar constituindo territórios que precisam ser defendidos
cotidianamente, tanto da polícia como da ação de outras quadrilhas. Por isso,
228
quando os bandidos falam de suas ações e cicatrizes, ouvem-se nessas falas um
indiferenciamento entre as marcas provocadas pela ação policial e aquelas
provocadas pelo enfrentamento de outras quadrilhas.
As gírias empregadas pelos marginais espelham muito bem um imaginário
a respeito da polícia e da atividade policial interferindo no seu cotidiano:
A polícia bota a gente de cabeça pra’ baixo, bate, dá chute, amarra e manda andar
até a delegacia, e quanto mais eles batem, mais cresce a revolta. Um dia desses,
pegaram um colega nosso que era de menor, algemaram e botaram ele pra’ andar
no meio da rua. Foi mais de uma hora de peia, deram chute na bunda, no
estômago, em todo canto. Tapa na cara, não têm nem respeito com as pessoas
que estão passando no meio da rua. Esses policiais é uma gangue pior que a
gente. Eles tomam dinheiro, relógio, tudo que tiver com a gente fica pra’ eles. Eles
são uma gangue. O ‘cana’ (o policial) quase sempre, na versão das gangues,
‘escarra’ (menospreza) seus integrantes e, quando se aproximam as mesmas
sempre assinalam: ‘sujou’. Os ‘chapa’ (amigos) são limpeza’, não ‘caguetam’
(entregar alguém suspeito) e não fazem ‘cruzeta’ (cruzar territórios). É assim que
‘ganhar’, numa forma de adaptação ao universo lógico das gangues, passa a ser
um termo correlato a roubar. Pode-se imaginar o seguinte discurso : Estava
‘colado’ a galera saiu pra fazer uma ‘parada’, aproximou-se um ‘peludo’, ‘nos
pano’, tinha um ‘bobo’ , mas na hora de ‘apatolar’ nós vimos que era ‘paia’ . Passou
um ‘cambão’ e houve um ‘vacilo’, com o ‘peludo’, ele tinha ‘fogo’. Subimos o
‘cambão’, tinha uma ‘mocréia’ com um vinte’, ‘descolamos’ um. Logo pintou o
“’rafael’ e ainda deu vontade de ‘passar um fax’ e ‘tirar a água do joelho’, tá ligado ?
Descemos e cambão e a galera ‘deu um rolé’, encontramos ocana’ que furou um
‘chapa’ e fomos ‘cobrar o furo’, houve ‘vacilo’ e fomos todos para o ‘casarão’ com
‘pulseiras’ nos braço.
51
(Diógenes, 1998: 05).
Para o criminoso, a polícia é essencialmente corrupta. Isso é um fato tão
corriqueiro dentro do cotidiano desses elementos que não mais uma
preocupação de disfarçar o ato de receber propina, ou mesmo, esperar que o
delinqüente ofereça. Geralmente as coisas ocorrem de uma forma bem naturalizada:
“Então ele chegou e pediu para eu passar o dinheiro. Eu falei que passava se ele
me liberasse. Disfarçadamente, ele pegou os meus sessenta reais e falou para a
mulher que eu ia para o S.O. S. E não fez nada comigo. O cara queria agir com
violência. O cara rouba a carteira, eles pedem o dinheiro e se a gente não der eles
matam, mesmo a pessoa sendo de menor” (Pesquisa direta, Unidade de Recepção
Luiz Barros Montenegro). (Diógenes, 1998: 04).
No exemplo dado, o adolescente não estava comprando sua liberdade,
mas a possibilidade de não sofrer violência. Com o correr do tempo, passa a ser
natural, normal, racional mesmo, esse tipo de relacionamento entre a polícia e os
criminosos e marginais, a tal ponto que começam a considerar racional matar ou
morrer dentro desse embate, a ponto de nem interromper uma refeição para sentir
51
Colado: havia inalado cola de sapateiro; parada: roubo; peludo: homem forte ou com dinheiro; nos
pano: bem vestido; bobo: relógio; apatolar: roubar; paia: sem valor; cambão: ônibus; vacilo: erro;
fogo: arma; mocreia: mulher feia; vinte: cigarro; rafael: fome; passar um fax: ir no banheiro; tirar a
água do joelho: urinar; dar um role: dar uma volta; casarão: presídio; pulseiras: algemas.
229
uma morte de parente próximo. O mesmoo se aplica, entretanto, quando o morto
é uma pessoa estranha ao meio, desvinculada do relacionamento marginal x policial.
Dentro dessa lógica de relacionamento o é necessário que o “outro”
___
seja policial ou bandido
___
tenha cometido algum ato infracional para que sejam
considerados culpados. Todo marginal é bandido e todo policial é corrupto. Parece
haver a presença marcante daquilo a que Girard se referiu como vítima sacrificial
em todo marginal, ou seja, “Qualquer comunidade às voltas com a violência, ou
oprimida com uma desgraça qualquer, irá se lançar, de bom grado, em uma caça
cega ao bode expiatório. Os homens querem se convencer de que todos os seus
males provêm de um único responsável, do qual será fácil livrar-se” (Girard, 1990:
104). Por isso, sempre existe a exploração da mídia sobre qualquer fato
escandaloso que envolva policiais corruptos ou criminosos notórios, fazendo com
que esses casos particulares sirvam para redimir toda uma comunidade, tanto
policial como marginal, em sacrifício. Na maioria das vezes, os exemplos são
justamente aqueles que não tem quase nenhum relacionamento com os fatos, os
pequenos infratores, mas que servem para redimir em sacrifício os grandes que
permanecem impunes.
Normalmente, o Estado não é objeto específico de ataques por parte do
tráfico. Quando ocorre algum confronto é para advertência, defesa ou vingança da
morte de algum traficante importante, quando algum policial corrupto não cumpre
sua parte em algum trato feito com os traficantes, ou seja, quando há, de alguma
forma, algum prejuízo econômico. Normalmente, os traficantes evitam entrar em
conflito com as polícias. Assim, mesmos nos maiores conflitos, o que os traficantes
pretendem é a manutenção da dominação política da área, garantindo a
continuidade e lucratividade dos negócios, sem a interferência do Estado.
Esse confronto do Crime Organizado com o Estado consideramos como
sendo mais apropriadamente chamado de Violência Armada Organizada”, uma
nova categoria que define melhor os conflitos entre as facções da droga e destas
com as polícias. Evidentemente, essa categoria Violência Armada Organizada não
é suficiente para abranger as ações que vemos por todas as grandes cidades
brasileiras executadas pelo tráfico e pelas polícias mas, como ponto inicial de
debates, ela serve de elemento disparador para a necessária discussão sobre o
papel do Estado nas comunidades não envolvidas com o tráfico, nas blitz das
polícias contra os traficantes ou nas disputas internas por territórios que
caracterizam as relações entre as diversas facções.
230
4. A População: um olhar sobre as cenas do seu cotidiano
Na necessidade de conviver com o crime e a violência, os habitantes das
periferias e favelas desenvolveram sistemas de sobrevivência baseados na
presença dos traficantes, das polícias e do crime.
4.1. As condições de vida da população em
relação ä violência e ao crime
As condições de vida da População têm sido usadas para explicar a
justificar o comportamento violento que encontramos nas periferias e favelas das
grandes cidades brasileiras.
De uma maneira geral o tráfico de drogas e armas tem sido apontado
como o elemento desencadeador de uma desordem social que, em alguns lugares,
quase chegar a atingir limites de barbárie, situação completamente diferente daquela
de duas ou três décadas atrás.
A situação fica conturbada nas periferias e favelas quando existe disputa
de ponto”, ou seja, quando um traficante e seu bonde pretende (ou efetua) a
invasão do território de outro traficante. o momentos de grande terror para a
população, mormente porque são avisados com antecedência, para que não saiam
às ruas e não sejam alvejados por engano. A mesma coisa ocorre nos chamados
acertos de contas”, geralmente constituídos de cobrança final de dívidas, que a
pessoa visada não pagou determinada quantia em droga que pegou fiado”. Essa
situação é menos conflitante que a anterior visto que os traficantes e seus soldados
são profissionais e vão acertar apenas a pessoa buscada, não se constituindo em
perigo para os outros que nada tem com qualquer um dos lados.
Em determinados lugares o traficante está de tal forma inserido no
cotidiano das pessoas que passa a se constituir uma autoridade para solucionar
todo tipo de problema. Essa autoridade é exercida plenamente e reconhecida pelas
pessoas da região, que se apegam a ela para dar um mínimo de civilidade e
segurança nas relações sociais onde, até mesmo a polícia não entra. Isso faz com
que o traficante se transforme em benemérito da comunidade, o que a leva agir
contra a polícia quando o mesmo é detido, apesar de todos os esforços envidados
para protegê-lo.
Na Região Metropolitana de Campinas, por volta dos inícios da década de
1990, começou a presença marcante da violência e criminalidade, ligada ao início da
231
comercialização das drogas em larga escala, o que começa a causar espécie aos
moradores, que comparam a situação atual àquela de algum tempo atrás.
"... Eu nunca senti vergonha de falar que eu moro aqui, porque quando eu me
mudei pra isso aqui era muito bonito, não existia essa malandragem, quer dizer
nós demos sorte porque não tinha droga, não tinha ladrão, não tinha nada. Isso
aqui era um deserto..." (Homem, 38 anos, morador há 30 anos no bairro, Bairro de
São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 128).
encontramos uma situação de precariedade no que diz respeito à
Segurança Pública que um toque de recolher se esboçava: ninguém mais sai
de casa a partir de determinada hora da noite, devido ao perigo.
... aqui ninguém sai de noite... a minha neta que vai pra escola porque não
pode perder, é onde eu rezo, até dez horas não tem perigo, mais tarde é que
tem, ficam tudo fumando droga no meio da rua, passou das dez horas todo
mundo está dormindo aqui em casa (Mulher, 64 anos, moradora, Bairro São
Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 153).
"Eu não saio muito, às vezes fico em frente da minha casa nos finais de semana,
meus filhos ficam em frente de casa numa lanchonete e a minha preocupação é
essa, a gente fala cuidado, esses dias mesmo nós ouvimos um tiro bem ali na
esquina nós corremos e meus filhos estavam lá na lanchonete..." (Mulher, 38 anos,
moradora, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 154).
Notamos a própria população criando mecanismo de sobrevivência diante
dessa nova realidade, ou seja, criando canais de comunicação com o tráfico, para
engendrar um convívio menos angustiante.
Eu passo no meio da rua, é bom dia, boa tarde, eles também é bom dia, boa
tarde, como é que vai a senhora (...) sabendo tratar todo mundo, andando direito
com todo mundo, quer dizer que a gente vive em todo canto, minha filha" (Mulher,
64 anos, Moradora, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 155).
Hoje esta situação aparece agravada, muito mais complicada, pois a
violência generalizada, especialmente a do tráfico, acabou por tirar das pessoas
aquela vida comunitária que existia nos bairros, caracterizada pelo conhecimento
que todos tinham de todas as pessoas, fruto de um relacionamento diário e vida
comunitária. Agora, o espaço de convivência transferiu-se para os shopping
centers”, principalmente para a classe média, aonde os filhos e os pais o em
busca de lazer e distração. Dentro desse quadro de violência e criminalidade a
população sugere procedimentos que poderiam se não solucionar, pelo menos,
amenizar essa situação de desconforto e cerceamento da liberdade individual.
Interessante perceber a forma tranqüila e natural como encara a corrupção policial e
o alinhamento da polícia com o bandido:
232
Bom... A principio, não tem como acabar com a droga... O certo seria o
policiamento, que tem que ser feito... E acabar com a corrupção de policiamento...
Tem policial fixo... Convincente com o bandido... Se faz vistas grossas com o
bandido... Não digo que o todos os policiais, mas tem... Quando acabar com
essa corrupção de bandido com policial... Se tiver policial que combater esse
tráfico, vai diminuir tanto a violência como o trafico... E eliminando as entradas de
drogas no país... Não adianta combater hoje, e daqui... entra um outro governante,
que faz vistas grossas, vai continuar a mesma coisa...” (Motoboy, 45 anos, morador
do Jardim Aurélia, Campinas, 2006)
Geralmente os criminosos não querem ir além do que pretendem com o
crime. Um assassinato, pelo menos para aqueles que são profissionais
experientes”, é um acidente de trabalho, que deve ser evitado a qualquer custo. A
sua reação vai depender da reação da vítima. "Quem está fazendo o assalto
também está com medo de morrer. Qualquer coisa que a vítima faça pode levar o
assaltante achar que vai ser atacado. O assaltante atira por necessidade", disse.
(Tonocchi, 2002: C
3
).
O bandido tem uma visão bastante realista de sua situação, que ele
considera de forma efêmera e fatalista. Sabe que é um dos poucos caminhos que
restam para as populações periféricas para fugir da miséria. Ele tem a exata
dimensão das dificuldades que vai enfrentar, mas comporta-se como se estivesse
num beco sem saída, de altíssimos riscos, o que realmente acontece.
Outra forma de conquistar os moradores, muito usada pelo tráfico, é o
patrocínio e incentivo para as atividades de lazer: as escolas de samba, os times de
futebol e, particularmente, os bailes funk da periferia, que acabam se transformando
na grande festa da comunidade, especialmente dos jovens. São shows gratuitos e
destinados a grande quantidade de pessoas, que se divertem. Esses bailes servem
também para a venda de drogas que muita gente vem de fora para a festa e
aproveita para comprar e consumir drogas durante os bailes.
Estimulando a participação no tráfico das crianças e jovens que nasceram
e cresceram na favela ou periferia pobre, o traficante está conseguindo
trabalhadores que apresentam laços fortes de integração com o restante da
comunidade, geralmente formada por vizinhos que se freqüentam e se conhecem
desde crianças, o que dificulta bastante a delação para a polícia, mesmo por parte
daqueles que não tem envolvimento nem devem favores ao tráfico.
Os traficantes compreendem o distanciamento daqueles moradores que
não querem se envolver, mesmo tendo sido amigos de infância. Mesmo não se
envolvendo, entretanto, têm que aderir às leis locais e prestar lealdade e fidelidade
aos membros da facção que domina a área. Os moradores precisam fechar” com os
traficantes locais, mesmo distanciando-se das atividades do dia-a-dia deles.
233
A proteção aos traficantes e o consentimento da população para que
eles permaneçam na área, dura enquanto a troca de favores (“mercadorias
simbólicas”) beneficiar ambas as partes.
Os traficantes, atualmente, estão preferindo que as lideranças locais do
tráfico tenham tido origem na própria comunidade, o que vai propiciar uma maior
interação entre os traficantes e os moradores, permitindo uma vida mais tranqüila e
segura, livre de mal-entendidos que poderiam acabar em tragédias. Além disso,
garante uma maior fidelidade dos moradores ao tráfico.
De uma maneira geral, os envolvidos com o tráfico de armas e,
principalmente, com o tráfico de drogas, mantêm uma relação de conflito com as
populações das áreas onde acabam se instalando. Misse (2003
a
: 07) identifica
quatro padrões básicos de relacionamento, com pequenas modificações de lugar
para lugar, que nada mais são do que adaptações do padrão geral para as
características locais: 1 mandonismo: caracterizado por não ter uma aceitação
inconteste e de apoio à presença do dono do tráfico na área. Este é geralmente
herdeiro familiar do negócio, conhecido de grande parte da comunidade, que o
admira em flagrante contraste com o restante da comunidade, que o evita. 2 -
dominação não-legítima com pretensão de legitimidade local: ocorre quando o dono
e os seus gerentes, além de grande parte de seus contratados, são nascidos e
criados na comunidade, respeitam as famílias locais e tem a sua própria família na
área. Protege dos criminosos externos, segurança para a comunidade e,
geralmente, investem em benfeitorias e ajudam os necessitados, mas o obtém
apoio da totalidade da população local. 3) tirania centralizada: o faz a menor
questão de ser admirado pela população local, ou mesmo, ajuda a comunidade.
Domina pelo medo e se mantêm isolada da comunidade, com a qual se relaciona
profissionalmente através de contratados nascido e criados junto à população local.
Como é alguém que controlou o ponto a partir de uma invasão não tem apoio local.
4) tirania segmentada: ocorre quando existe umaguerrano tráfico para disputar os
pontos”. o elementos estranhos ao local, sem qualquer interesse pela
comunidade, a qual mantém dócil através da violência exacerbada.
O tráfico e os que trabalham para ele, de uma maneira geral, têm uma
visão crítica e ácida a respeito dos viciados que procuram os traficantes para
consumir drogas. É interessante notar que as pesquisas mostram que esses jovens
drogados e comprometidos com o tráfico dissociam o próprio consumo daqueles que
vão até as bocas em busca de drogas. Referem-se a eles com certo desprezo e
234
intolerância mesmo.
“’Estão destruindo a si próprio e da família’; ‘Quem usa? Pessoa perturbada. Ficam
lesadas. Não desenvolvem como tem que desenvolver’; ‘As pessoas que usam
drogas não se dão valor’; ‘Uma porcaria, porque tem pessoas viciadas que vendem
as coisas dentro de casa para comprar essas coisas’; ‘Estão se autodestruindo’;
‘Que são mané, que estão se matando’; ‘Eu acho maluquice porque está se
estragando’; ‘São todos malucos porque faz mal a saúde e fica com problema
quando se fica mais velho. Se gasta muito dinheiro quando se fuma muito’; Eu
acho que elas procurando a morte, porque as drogas depois que se viciam e
entram para o tráfico o caminho é o mesmo caminho da morte, vai e não tem volta’
(Traficante do Rio de Janeiro) (Moreira, 2000: 128).
Na região de São Paulo, a situação é a mesma. O Crime Organizado
tomou conta do dia-a-dia da periferia e condiciona todos os comportamentos e
atitudes da população. As autoridades e todos os moradores percebem a presença
do traficante organizando suas vidas, tirando a liberdade, entretanto, poucos não se
conformam com a situação e propõem combate ao Crime. Alguns até mesmo
usufruem dela.
Entrar em barracos e assassinar as pessoas que estão ali, não é encarado
como um fato inusitado, mas conseqüência de quebra das regras de
relacionamento, cuja punição é conhecida por todos. Isso caracteriza uma briga
entre eles”, ou seja, entre os traficantes, não definindo relações com os moradores,
apesar de o acontecimento ocorrer dentro de suas casas. A punição é considerada
justa” e “legítima”, visto que a lei é conhecida de todos.
Os pequenos ladrões e assaltantes de rua são abominados pelo mundo
do tráfico que trazem visibilidade para os seus negócios e atraem a polícia. Por
isso os traficantes evitam permitir a presença desses ladrões de pouca expressão,
os quais chamam de nóias como forma de proteção deles mesmos (evitando a
vinda da polícia) e da comunidade (impedindo roubos e violências), além de garantir
tranqüilidade para os negócios de venda de drogas nos “pontos”.
Aliás, isso é bem consciente para todos, particularmente enfatizando o
fato de que são as pessoas ricas (não as da favela e periferias pobres) que vão dar
lucros aos negócios, visto que os moradores raramente têm dinheiro suficiente para
comprar qualquer coisa. O tráfico evita a presença de pobres e nóias nos locais das
bocas mais procuradas, fazendo com que a área se torne segura e bonita.
Na Região Metropolitana de Campinas, década de 1990, a criminalidade
era olhada como coisa de gente de baixa estatura moral. Os moradores das áreas
conflagradas faziam questão de enfatizar que esses acontecimentos eram
exterioridades à vida deles, coisas de bandidos e de usuários de drogas. Alguns,
235
entretanto, tinham uma idéia mais aproximada da realidade em relação ao
problema e tomavam consciência das mudanças na organização da sociedade que
estavam se processando:
"Eles matavam ali a turma deles lá os comparsas, matavam assim entre eles lá por
causa de droga, essas coisas, porque o pessoal fala que ele falava que gente do
bairro não tem que assaltar gente do bairro, ficar matando, tem que roubar é dos
ricos ele falava, e os assaltos tinham diminuído bastante" (Mulher, 38 anos,
moradora, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso, 1997: 144).
“Que eu... Não... O Tráfico existe muitos anos... Quinze anos...” (Prostituta,
Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
Essa situação se agravou nos dias atuais. As próprias lideranças
populares, dentro das associações de moradores, estão compactuando com os
traficantes para sobreviverem, quando não acabam aderindo ao tráfico de drogas.
“A época mesmo em que ficou mais visível, foi de uns três anos para trás... Foi
uma época... Até mesmo na minha rua, tinha esse tipo de coisa... Tentaram montar
um ponto de drogas... Só que foram mortos... Eu não cheguei a ver, né?... Mas
foram mortos um ou dois... Mas isso foi por uma questão de não pagar a divida
com os traficantes... Dai, a polícia deu uma geral... E, aquietou... Se acabaram...
Praticamente não tem mais esse tipo de coisa... Isso foi uns cinco anos atrás,
que tinha esse tipo de coisa...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em
Campinas, 2006)
Pelo que eu soube [os traficantes da minha área], do Boa Esperança e do Jardim
Estrela, estão junto com as associações de bairros (Psicóloga, Hortolândia, 33
anos, 2006).
Até mesmo fora da periferia o tráfico de drogas conquista uma grande
quantidade de pessoas por suas atividades visto que, além de ser lucrativo, esse
comércio permite financiar o vício que, no mínimo, é caro.
Mesmo sendo composta por cidades bem novas, a Região Metropolitana
de Campinas apresenta um alto grau de comprometimento com o tráfico, não tendo
havido nenhuma política pública que evitasse a instalação das bocas e dos
traficantes na região.
“Olha, Hortolândia é uma cidade nova... Tem quatorze anos. Então acho que desde
o começo Hortolândia sofre com o tráfico de entorpecente...” (Dr. Marcelo, Diretor
da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005)
A população respeita o traficante e suas leis, mesmo porque não poderia
agir diferente, recebendo dos traficantes a mesma consideração: Eles respeitam
desde que não mexam com eles, né?... Avisam... com... ah... violência, né?...
Batem.... Se a pessoa continua, podem matar depois...” (Coordenadora Pedagógica,
Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
É nítida, entretanto, a consciência com que a população tem desse tipo de
236
relacionamento, ou seja, sabe que é uma relação de troca. Além disso, ter um
mínimo de respeito para com a população é uma questão de bom senso, visto ser
mais lucrativo para os negócios. Faz parte dos negócios proteger o pequeno
comércio local e a própria população, inclusive de bandidos vindos de fora, já que os
da região são conhecidos de todos e por todos são conhecidos.
Na maioria dos bairros periféricos o consumo e o tráfico de entorpecentes
acabou se transformando em uma coisa corriqueira na paisagem, com o traficante
nem tendo o cuidado de esconder a droga que comercia, nem o viciado em evitar o
consumo ostensivo, sempre perto, mas ao mesmo tempo longe da polícia, ou por
omissão ou por conveniência desta.
Com certeza [tem traficantes]. A gente vê nas esquinas, né. Isso eu acho que todo
bairro tem. Uma certa hora da noite, perto das escolas... A gente sempre eles...
Fumando maconha... Sem esconder muito... Quanto à polícia... Eu acho que eles
sabem esconder, né?... Porque... O caso que eu já vi lá, foi simplesmente fumar
maconha... E o policial não vê de longe... Realmente eles ficam em esquinas, perto
de Escolas, e tal... Eles vêem... a polícia de longe... Se eles... Se a polícia vier...
Eles vêem de longe... Devem ter algum tipo de informação... Mas, eu nunca vi mais
do que eles fumarem maconha... Ou outro tipo de droga, eu nunca vi...” (Moradora,
Campinas, Parque São Jorge, Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
“O Tráfico começou na região de 95 para cá... Começou a ficar a coisa feia por lá”
(Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
Um contingente numeroso de pessoas trabalha para o tráfico,
praticamente atingido todas as cidades da região.
Há, [em Hortolândia] na base de umas 50 pessoas [trabalham no Tráfico]... Entre
todas as bocas umas 50 pessoas” (Membro do PCC, estudante universitário, 27
anos, Hortolândia, 2005).
Esse Exército do Crime vive em uma equilibrada harmonia, entretanto
respeitando as áreas dos outros traficantes, o que o obriga a permanecer sempre na
sua área para não trazer problemas ou ser morto: é, enfim, um prisioneiro de si
mesmo.
“[Os traficantes] se dão bem, por causa do sistema, né? Cada um nem vai onde o
outro está. Cada um na sua... O morador pode... O traficante não, ele não sai... De
jeito nenhum... eles não gostam de sair... Eles são cabreiros... Tem que sair
para fora ...” (Membro do PCC, estudante universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
Os grandes chefes do tráfico vivem fora da favela, apesar de estarem por
lá constantemente, para controle do negócio.
Alguns, sim [moram na favela]... São daquela região... Dentro daquela região...
Mas, muitos tem as suas casas, porque tem muito dinheiro... Então não vão
237
conviver ficando nessas áreas... Eles têm mansões... Eu creio que sim... “(Motoboy,
45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
Para alguns policiais que moram nas periferias, a vida acaba sendo um
cotidiano de cuidados e precauções visto precisarem, mesmo na situação deles, de
preservar onde moram com suas famílias que, frequentemente, ficam a mercê dos
traficantes. O cooptação ou a simples omissão por parte deles é garantia de
permanência e segurança na área.
Ah... Eles permitem [a presença das bocas na periferia]... Por que... muitos... por
que é assim... lá... Muitos dos policiais que trabalha lá, moram lá... na minha
região... são os que moram ... muitos que trabalham no DP é que moram
nos DIC mesmo... Então eles sabem... Eles sabem onde tem... Assim... Onde
vende droga, onde tem um comércio... Por que você tem amizade lá... Eles tem
amizade... Mas eles não vão atrás... Eles não vão atrás, para prender, para autuar.
Eles não vão...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Em outras palavras, qualquer que seja a pessoa, independentemente de
suas atividades, não interferindo na vida do tráfico e obedecendo ao Código do
Silêncio”, a convivência vai ser harmoniosa nas periferias.
O tráfico controla, mas não interfere na vida das pessoas... Não... Ficam na deles.
Não interferem em nada. Os traficantes respeitam as pessoas da região...
Respeitam... Eles respeitam mais que os próprios policiais. Eles respeitam mais...
Ah... de sorte que... eles, assim... elesem a gente como eles, né... porque as
pessoas são muito humildes, né?... Lá, então... acho eles não vêem que... eles não
vão fazer mal a uma pessoa que é igual a eles, né... eles estão assim no crime por
uma opção deles, né... mas eles podiam ser igual a qualquer um dali... Então eles
não maltratam... também... tratam bem... Eles tratam assim normal... normal... não
tratam diferença...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Quando ocorre uma violação das regras do impostas pelo tráfico, a
impunidade é absoluta e o castigo sempre exemplar e persuasório e dado
conhecimento para toda a população. “Pelo que eu ouço dizer é morte,
amedrontamento, morte de parentes, invasão das casas (Psicóloga, Hortolândia, 33
anos, 2006).
A associação dos traficantes com a grande maioria das lideranças
comunitárias nas favelas e bairros periféricos mais pobres resulta numa relação
simbiôntica
___
onde ambos trocam favores
___
bastante lucrativa para os dois. O
traficante não é, necessariamente, aquele indivíduo que aparece para a população
em geral, mas aquele que comanda e tem poder em determinada áreas, seja uma
favela inteira ou parte dela. É designado comumente como o dono da área ou o
patrão”, com o qual aslideranças
52
entram em contato direto quando existe algum
52
Os profissionais, particularmente os técnicos, que trabalham na área representando as instituições
de assistência social, designam assim as pessoas que, com poder de liderança e decisão consentido
pelos traficantes, servem de intermediários entre estes e o restante da população.
238
problema mais sério afetando a comunidade, para que seja resolvido. Sem dúvida,
são pessoas do relacionamento mais direto com os traficantes e os donos de boca
de fumo, crack e cocaína local.
A respeito do impacto da violência nas formas de participação da
população, Zaluar afirma que: "quando a taxa de crimes, especialmente os
acompanhados de violência, chega a um patamar muito elevado, o medo da
população e a insegurança ameaçam a qual idade de vida conquistada a duras
penas em décadas de desenvolvimento econômico e de reivindicações sociais, As
pessoas trancadas em casa, seja na favela, seja no bairro popular, seja no bairro de
classe média, deixam de se organizar, participam pouco das decisões locais que
afetam suas vidas, convivem pouco entre si" (ZALUAR, 1996
b
:107).
"Dói muito dizer porque a gente sabe o tanto que essas pessoas daqui já sofreram
e essa situação gerou uma certa apatia, as pessoas não tem interesse em
participar de nada..." (Homem, morador, 35 anos, Bairro São Marcos, Campinas,
citada em Barroso, 1997: 131)
"O São Marcos não era assim, era um bairro participativo dos movimentos sociais"
(Mulher, 54 anos, moradora-militante, Bairro São Marcos, Campinas, citada em
Barroso, 1997: 131).
O tráfico e os traficantes conseguem sobreviver nas áreas escolhidas
para se estabelecerem através de ameaças, intimidações e agressões, não raro
fatais. Os traficantes, de uma maneira geral, respeitam as pessoas que estão
trabalhando nos centros comunitários de suas áreas, assim como a atividades dos
religiosos, permitindo que as pessoas ligadas ao tráfico saiam se assim o
desejarem, desde que os débitos tenham sido quitados.
Para evitar qualquer problema, os profissionais das prefeituras ou do
Estado, de certa forma acatam as leis do tráfico”, particularmente aquelas de
entrar em determinadas áreas com permissão. A melhor forma de se identificarem
quando entrar nessas áreas é se apresentar sempre com o mesmo carro,
preferentemente bem identificado e velho, sem vidros escuros. Se tiverem um
emblema qualquer que identifique a procedência, melhor ainda. Isso parece ser
acatado com naturalidade.
No meu atual trabalho minha equipe sempre realiza visitas domiciliares, assim
como apoio a algumas escolas dos diferentes bairros periféricos da cidade. Isso
sempre fazemos com a perua (transporte) do município, para sermos melhor
recebidas no bairro, assim como para chamar menos a atenção dos moradores.
Acreditamos que um carro particular e menos conhecido e por isso, mais percebido
e vigiado em alguns bairros” (Psicóloga, 30 anos, Hortolândia, 2006).
239
As ameaças, particularmente a pessoas de fora da área, são
extremamente freqüentes, e assumem um caráter dissuasório.
soube de casos em que as famílias foram morar em outro estado e largaram
tudo o que construíram para fugir dos traficantes. Soube de um caso, de um
menino, que fugiu do bairro, sem ser percebido pelo trafico, através do carro
funerário do local. Ele foi escondido dentro do caixão e levado para outra cidade”.
“Outro fato que me lembro, foi contado por uma amiga que também fazia estagio
de psicologia forense na época que fazíamos faculdade. Ela relatou que um dos
criminosos observados contava para todos que assassinou uma pessoa com uma
facada na barriga, subindo para cima em linha reta, até parar. Quando questionado
porque parou, ele respondeu simplesmente, porque cansou e não queria fazer
força”.
Também soube de casos onde, os irmãos das pessoas faleceram devido a dividas
com o trafico. Em um deles, houve morte (por vários tiros, na rua) devido a dividas
por drogas e brigas com o trafico. Em outro caso, a pessoa fugiu para outra cidade
e retornou meses após. Um dia depois de seu retorno, ele foi morto a facadas e
tiros. Isso é o que as outras pessoas disseram (Psicóloga, 30 anos, Hortolândia,
2006).
De uma maneira geral a população percebe as dificuldades que se
apresentam para uma pessoa que queira deixar as drogas, mas evitam um
envolvimento mais próximo com medo da reação do traficante, de alguma dívida que
a pessoa tenha contraído com o trafico e não tenha pagado
___
o que representaria a
morte dos dois
___
, um medo enorme de se envolver com a lei, advogados, etc.
Mesmo com todas essas precauções determinadas pelo medo e pela
necessidade de sobrevivência no mundo dominado pelos traficantes, nem sempre
as ações nesse sentido são bem sucedidas. Pode acontecer de ser assaltado por
um nóia principiante no crime e, com sua inexperiência, pode ficar nervoso e atirar
sem motivo, interpretando mal algum gesto da vítima.
“Um senhor que foi... com um caminhão de bebidas... foi entregar bebidas... Num
bairro próximo... Que o cara... Quando foram assaltar ele... Na hora que ele foi
desligar o caminhão... O cara pensou que ele foi puxar a arma... O matou o cara...
ele dentro do caminhão... Isso aconteceu... (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim
Aurélia em Campinas, 2006)
Para as populações das periferias a impunidade, tanto do bandido como
do policial, é tida como verdade absoluta, razão pela qual elas quase nunca
procuram ajuda das autoridades que devem coibir os abusos policiais ou prender os
bandidos. Não está claro apenas para elas, mas configura-se numa verdade que até
autoridades ligadas ao judiciário acabam encampando e propagando essa tese.
“Ele [o criminoso] está certo da impunidade. Vai fazer exatamente o que fizeram os
bicheiros aqui, no Rio, que disseram assim: barato. Vocês disseram aí em
Minas que esse empresário pode ser condenado a 30 anos por esse crime. Não é
verdade. A lei diz que pode chegar a 30 anos, mas ele é réu primário, tem bons
antecedentes Nenhum juiz vai dar mais que 19 anos, dos quais ele vai cumprir uns
240
cinco. Está barato para ele, você não acha, não? O crime acontece porque a lei é a
de custo e benefício. Mas é barato para o criminoso e muito caro para a sociedade.
E o bandido? Como percebe isso? Percebe que tem mais força. Então ele avança
e o cidadão recua.” (Denise Frossard, juíza, em depoimento-entrevista a Rodrigues,
2002: 2).
As soluções passam sempre por uma temporada maior na cadeia,
crescentes dificuldades para reduzir o tempo de pena cumprido em regime fechado
e, principalmente, com punições exemplares.
“O cidadão tem que saber qual é a pena do crime, porque tem que saber se custa
caro ou não cometer esse crime. O indivíduo não tem que cumprir 100 anos. A
pena máxima de 30 anos está boa mas, se ele for condenado, tem que cumprir os
30. Se ele for condenado a um, vai cumprir um. Ele tem que saber que não
expedientes, porque, aí, vai pensar dez vezes antes de cometer o crime. Isso
impactaria a criminalidade. Com isso, você reverteria as expectativas. Essa notícia
correria rápido entre os criminosos, que dirão: Não não, hein. Agora caro”
(Denize Frossard, juíza, em depoimento-entrevista a Rodrigues, 2002: C
1
).
Em comentários off records um traficante, no final de uma entrevista,
comentou que havia uma violência muito grande no “asfalto”, o que o fazia temer por
sua própria vida e de seus filhos fora da favela. Que a polícia e o judiciário
precisavam tomar providências enérgicas, pois esse estado de coisas era
inadmissível, e dava exemplo da segurança e da ordem que havia na sua área.
Percebendo estranhamento diante de tal colocação e respondendo à um
questionamento se ele era a favor da pena de morte, ele negou. Disse que
recorria à pena de morte na sua área, porque não havia outro expediente às suas
mãos. A sociedade não precisava matar ninguém, pois tinha recursos para dissuadir
completamente um criminoso comum: as prisões. Mas que o criminoso cumprisse
integralmente a pena, sem qualquer tipo de regalia ou redução de seu tempo de
confinamento. Diante do espanto que sua colocação causou, ele arrematou dizendo
que, se colocarem o criminoso durante todo o período de sua condenação em
regime de reclusão, ele ia pensar duas ou mais vezes antes de perpetuar um crime.
Além disso, concluiu rindo muito, que se o bandido ficasse junto a uns dois ou três
negões enormes, presos tempos e sem visita conjugal, veria o que era bom
para a tosse”. Por estranho que esse depoimento pareça, com palavras diferentes
ele reproduziu inteiramente a opinião da juíza Denise Frossard.
Mesmo não tendo tanta divulgação como em outras cidades, o tráfico em
Campinas e região apresentam uma dinâmica que afeta fortemente a vida e o
cotidiano das pessoas, particularmente porque ele é, de certa forma, visível, sem
muita preocupação dos envolvidos em esconder. Isso, entretanto, não se aplica,
como em todas as grandes cidades brasileiras e do mundo, aos traficantes
241
considerados como grandes donos e distribuidores de drogas para traficantes de
menor expressão que dominam bairros ou favelas das periferias urbanas.
A impunidade policial é sempre citada nas entrevistas, como a pior de
todas, maior ainda que aquela do bandido, visto este não ter a obrigação de proteger
ninguém nem de ser honesto e leal à população e às leis.
É difícil encontrar casos em que policiais foram punidos devidos aos atos ilícitos
ou crimes. Acredito que a maioria esta inserido em um esquema ou em ume
processo, com cuidados para dificilmente ser pego” (Psicóloga, Hortolândia, 30
anos, 2006).
A quantidade de criminosos que vai para a cadeia cumprir suas penas, é
muito baixa no Brasil.
Nos últimos cinco anos, dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias
de polícia na cidade de São Paulo, indicações de que uma pequena
percentagem poderá resultar em pena com reclusão do acusado. Isso porque, de
um total de 338,6 mil crimes, violentos e não violentos, analisados no período,
apenas 21,8 mil foram objeto de inquérito policial. Estima-se com base em outros
estudos que, desses inquéritos, 40% venham a ser arquivados. Se essas
estatísticas se confirmarem, apenas 13,1 mil crimes se traduzirão em denúncia
encaminhada ao Ministério Público e acolhida pela autoridade judiciária (Izique,
2004
a
: 2).
Na França, segundo Sérgio Adorno, coordenador do Centro de Estudos da
Violência, (um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids)
financiados pela FAPESP), de cada 20 crimes violentos, 19 tendem a merecer pena
(Izique, 2004
a
, 3).
São poucos os estudos existentes sobre a impunidade, razão pela qual os
poucos de qualidade que existem (Mesquita, 1998; Lopes, 2000) devem ser
bastante valorizados e objetos de analise mais aprofundada, particularmente porque
a maioria dos trabalhos tratar apenas da impunidade dos ricos e das polícias, sem
tocar na impunidade do pobre, como se ela não existisse ou fosse menos
significativa.
A impunidade está sofrendo um processo de saturação no imaginário
popular de tanto ser questionada e nada de efetivo estar sendo feito no sentido de
coibi-la. De tanto se perceber a sua existência ocorre um processo de naturalização
do próprio conceito, passando a ser uma verdade inquestionável que a impunidade é
a regra e a punição a exceção. Isso acaba até mesmo desgastando o próprio
significado da palavra, opinião compartilhada por outros pesquisadores: "o uso
indiscriminado da palavra impunidade parece estar sofrendo um desgaste em
relação ao seu significado". (Mesquita, 1998: 110). Assim, significar com exatidão o
242
que seria a impunidade torna-se necessário, razão pela qual ficamos com:
Impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de pena, por uma
determinada pessoa, apesar de haver cometido alguma ação passível de
penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento, seja qual
for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou algum delito.” (Cruz, 2002: 01).
Na realidade, o que percebemos é uma grande lentidão no processo
judicial, que pode levar quatro anos (Mesquita, 1998: 112) ou mesmo mais tempo.
Isso não quer dizer que todos os casos tenham essa duração, ou seja, temos
também casos de processo e julgamento em menos tempo.
Com relação ao processo criminal, o distanciamento do cidadão comum
em relação ao exercício da cidadania, considerando-se afetado pela violência que
atingiu um outro cidadão, é muito grande. Ele prefere não se envolver, pois isso
dará “dor de cabeça e aborrecimento, e nada de concreto vai acontecer”. Aliás, essa
concepção do processo criminal não está muito longe da realidade.
A noção de impunidade parece estar estreitamente ligada às classes
sociais, isto é, a população acredita que, quando mais elevada for a classe social do
criminoso, maiores as possibilidades de impunidade em relação aos crimes
cometidos. Os fatos parecem dar razão a essa parcela da população que pensa na
impunidade como um privilégio de classe apesar de, constantemente, lermos nos
jornais as notícias de prisões de pessoas de grandes fortunas. Sem dúvida, quem
tem dinheiro suficiente para comprar testemunhas, magistrados, policiais e outros
tipos de autoridade, terá muito maiores chances de ser libertado no final do processo
___
ou mesmo antes de começar.
“Myriam Mesquita (1998: 131), estudando homicídios de crianças e adolescentes,
traça o seguinte roteiro: ‘o promotor de justiça fez a denúncia de 27,5% dos
indiciados; o juiz fez a pronúncia de 9,31% dos réus; depois de quatro anos e meio
da ocorrência do delito, 6,06% foram a júri na primeira instância; destes, 3,3% dos
réus foram condenados e 2,76% absolvidos; entre os réus condenados, 2,75%
entraram com recurso; destes, em segunda instância, 1,03% foram absolvidos;
portanto, no final, houve a condenação de 1,72% dos réus’. José Reinaldo Lopes
registra esse tipo de filtração com dados sobre crimes financeiros e homicídios
contra crianças: ‘Dos crimes financeiros (previstos na Lei n. 7.492/86) inicialmente
descobertos pelo Banco Central do Brasil e encaminhados ao Ministério Público,
somente 3,9% chegam à condenação. Estudo feito pela Comissão Justiça e Paz de
São Paulo em 1993 mostrou que apenas 20% dos réus de homicídios contra
crianças eram condenados’. (Lopes, 2000: 77)” (Cruz, 2002: 02).
A maior parte desse quadro de impunidade abrange pequenos delitos e
pequenos delinqüentes que, devido à pouca gravidade dos atos infracionais e da
pequena monta dos prejuízos, são colocados de lado e ignorados pelo processo
judicial. Isso ocorre devido à grande quantidade de crimes mais graves cometidos
243
por delinqüentes muito mais perigosos que precisam ser julgados e não pessoal
suficiente. Entretanto, isso não pode servir de desculpas para as entidades de
representação profissional que tem a competência de julgar seus pares, como os
Conselhos de Medicina, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Engenheiros,
etc.
Disso tudo, algumas coisas podem ser tiradas como fatos concretos: a
sociedade brasileira é extremamente permissiva e tolerante com as faltas dos
outros, considerando os crimes mais graves como espertices do criminoso (desde
que não haja derramamento de sangue), e os mais leves como malandragem”,
jogo-de-cintura”, “saber se virar”, ou seja, motivos de admiração e inveja.
Os níveis de impunidade apesar de serem tão altos quanto propagam
os meios de comunicação de massa, apresentam um índice altíssimo se
comparados com outros países do mundo, tanto desenvolvidos como não
desenvolvidos. Além disso: “Os números que estão sendo revelados pela pesquisa
Identificação e Medida da Taxa de Impunidade Penal não chegam a surpreender.
Outro levantamento, sobre o assassinato de crianças e adolescentes, realizado em
São Paulo entre 1991 e 1994 e já concluído, revelou taxa de conversão do crime em
pena de apenas 1,72%” (Izique, 2004
b
: 48).
Um dos aspectos mais significativos da impunidade policial está ligado à
tortura que é realizada, como prática comum, nas delegacias particularmente e nos
presídios em geral.
Apesar de existir a Lei da Tortura (Lei Federal 9.455, de 7 de abril de
1997), nesses oito anos de vigência da lei, de todas as denúncias de tortura e maus
tratos efetuadas, apenas 349 redundaram em inquérito. Desse montante, apenas
191 casos foram apurados e concluídos, sendo que 158 estão ainda em andamento,
sem previsão para conclusão. Dos julgamentos efetuados, apenas cinco foram
concluídos com sentença condenatória, sendo que, apenas três envolviam policiais
militares, sendo um deles um oficial (tenente). Nenhum policial civil foi processado,
visto ser praticamente impossível concluir um inquérito contra eles, assim mesmo
quando a denúncia é acolhida. (Penteado, 2005
a
, C
1
).
A certeza da impunidade é tanta que a imensa maioria das torturas é
efetuada durante o dia (61,46% dos crimes de tortura aconteceram das 6h às 18
horas), nos primeiros dias da semana (20,32%, na segunda feira, e, 19,51% na terça
feira), acompanhando a própria movimentação dos presos, que é maior no começo
da semana (Penteado, 2005
c
: C1). Isso indica que, ao chegar ao novo local de
244
reclusão, o preso passa por uma sessão de educação e jogo de poder, para
mostrar “quem é quem” no novo local e o “lugarde cada um.
A violência policial praticada contra indivíduos (geralmente pobres) e
grupos (geralmente negros), conhecida como violência estatal ou fardada, é uma
prática antiga e freqüente na sociedade brasileira. Ela varia de acordo com o grau de
tolerância (ou incentivo) dos governos ou da população, o que faz uma violência
contra um grupo étnico ou econômico evocar debates e clamor popular em uns
lugares e completa indiferença em outros.
É interessante registrar que a mesma impunidade que estimula os
bandidos também dá cobertura para os policiais assassinos:
O que sustenta a matança no Brasil é a impunidade. ‘Esses policiais agem assim
porque a margem de êxito é enorme, que a vítima está morta e a única versão
que vale é a deles’, afirma o assessor de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral
de Justiça de São Paulo, Carlos Cardoso. Mesmo na Argentina as investigações
vão mais longe. Um estudo realizado pelo americano Daniel Brinks, da
Universidade Notre Dame, revela que, entre 1996 e 1998, 24% dos policiais
matadores em Buenos Aires terminaram condenados. Em São Paulo, foram
apenas 10%” (Cotes e outros, 2004: 97).
Essas mortes são simples execuções feitas por policiais, fato que se
repete em todo o país, com pequenas variações:A explicação para esses números
pode estar num levantamento feito pela Ouvidoria de São Paulo. No ano passado,
17% das vítimas da polícia tinham tiros nas costas e 25% na cabeça - dois indícios
geralmente associados a execuções sumárias. Mais da metade dos mortos não
tinha antecedentes criminais. De 607 casos analisados, quase 30% tinham profissão
declarada” (Cotes e outros, 2004: 02).
A impunidade é um conceito tão arraigado na atividade policial que,
frequentemente, nem sequer se procura esconder essa atitude, como aconteceu
recentemente quando o país se chocou quando a TV exibiu, em 1995, como um
bandido foi dominado, arrastado para trás de um carro e fuzilado com três tiros pela
polícia carioca, ao lado do shopping Rio Sul (figura 11).
A maior quantidade de queixas contra a polícia, na Grande São Paulo,
incide nos homicídios praticados por policiais (quadro 11). Além disso, a truculência
Figuras 11 – Flagrante de execução (Execução ao vivo)
Fonte: Mortos pelos homens da lei. Revista Época, Editora Globo, Edição 311, 03/05/2004, pp. 94 a 102.
Quadro 11 - A MAIOR QUEIXA: Um terço das
denúncias registradas na Ouvidoria paulista em 2003
é de agressão ou morte causada por policiais
Homicídio cometido por policial 23%
Agressões físicas 11%
Abuso de autoridade 6%
Outros 60%
Fonte: Secretaria Estadual da Segurança Pública de
São Paulo.
245
com que os policiais tratam as pessoas acaba
sendo uma das principais queixas em São
Paulo, aliada à sensação de impunidade e
abuso de poder, a extorquir a população e os
bandidos, além de aceitar o trabalho como
pistoleiro de aluguel. Mesmo quando a queixa é formulada e um inquérito é aberto
na Ouvidoria de Polícia de São Paulo, por exemplo, as chances de acontecer
alguma coisa com o policial agressor são mínimas. Assim, absolutamente nada
acontece aos polícias que matam, conforme,
estudo da Ouvidoria de Polícia de São Paulo, que pesquisou os antecedentes
criminais de 22 policiais envolvidos em algumas das ações suspeitas do extinto
Gradi (grupo de elite da polícia de São Paulo). Constatou que eles tinham
respondido, até agosto de 2002, a 162 inquéritos policiais militares por homicídio,
sendo que alguns deles estiveram envolvidos no Massacre do Carandiru. Um dos
policiais pesquisados respondeu a 32 inquéritos por homicídio entre 1998 e 2001,
desses 22 foram arquivados pela Justiça Militar” (Carvalho S., 2003: 8)
No que diz respeito à violência exercida pela própria corporação policial
vemos que muita coisa precisa ser feita, pois ela fugiu do controle dos
comandantes e, particularmente, da própria sociedade. Assim, vemos nos órgão de
comunicação de massa, a divulgação de imagens estarrecedoras, comprovando a
falta de controle, limitação e preparo dos policiais para o exercício da própria função.
É o caso da foto divulgada pelos
órgãos de comunicação onde apare-
ce um policial transportando, em um
carrinho de mão usado na
construção civil, pelas ruas mais
movimentadas da favela da Rocinha,
o corpo de um adolescente morto
pouco antes pela própria polícia
(figura 15).
Esses fatos levam as Ouvidorias
e as Corregedorias de Polícia a um
trabalho de investigação e instituição
de inquéritos policiais militares que,
nem sempre levam a uma conclusão onde os policiais envolvidos recebem qualquer
tipo de punição. É grande, entretanto, o número de policiais expulsos ou punidos.
Figura 15 Policial transportando o corpo de um adolescente
morto em batida no morro onde está a Favela da Rocinha.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, Caderno Campinas, p. C
6
,
de 17/abril/2004.
246
Na Região Metropolitana de Campinas e, particularmente, na cidade de
Campinas, os fatos representativos de extrema violência policial se repetem com a
mesma ou maior freqüência que em outros lugares do Brasil, sendo considerada
uma das polícias mais violentas e corruptas do Estado. Entretanto, pelas
estatísticas, vemos um aumento da eficiência no que diz respeito ao controle da
criminalidade (quadro 12). Isso não quer dizer que tenha sido a truculência que tem
aumentado esse desempenho positivo, mas uma melhoria de capacitação
tecnológica.
A truculência policial e o total desrespei-
to à população por parte de uma polícia mal
preparada e viciada, acaba se transformando
em dados oficiais, constituindo-se em grande
preocupação para a própria Ouvidoria de Poli-
cia, que tem que relatar as queixas e provi-
denciar uma apuração das responsabilidades
dos policiais envolvidos. Dados oficiais, parti-
cularmente da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, acabam por
demonstrar essa prática de desrespeito e violência na polícia da Região
Metropolitana se Campinas. Assim, percebemos, em relatório da própria Ouvidoria
de Polícia que, no ano de 2004 (quadro 13), os policiais da região
foram acusados, predominantemente, de homicídio (21,88%), ameaças (14,84%),
abusos (10,16%), abusos de autoridade com agressão (10,94%), abuso com
constrangimento ilegal (10,16%) e abordagem com excessos (11,72%),
configurando um quadro grave, ou seja, tivemos, em um ano (2004), cerca de 128
policiais denunciados pela população.
Além de violenta a polícia da Região Metropolitana de Campinas é
considerada pela população uma das mais corruptas, o que parece ter respaldo nas
Quadro 12 – Deinter 2 (Campinas):
Taxa de Delito por 100 mil Habitantes
Ano
Homicídio
Doloso
Furto Roubo
Furto e Roubo de
Veículo
1.999 22,47 1.183,69 454,59 552,59
2.000 22,38 1.198,00 468,36 612,35
2.001 24,08 1.286,91 461,88 527,42
2.002 23,04 1.277,33 424,87 435,75
2.003 22,74 1.503,43 477,15 433,21
2.004 19,19 1.448,68 432,68 421,30
Fonte: - Até 2000: Dados da Res SSP 150/95.
- 2001: Dados da Res SSP 160/01.
- Após 2000: População residente: Fundação SEADE
Quadro 13 – Atendimento na Ouvidoria: Crimes Contra a Pessoa (2004) - DEINTER 2 / CPI-2
NATUREZAS Denúncias % Vítimas %
Policiais
Denunciados
%
HOMICÍDIO 16 19,51 18 20,00 28 21,88
AMEAÇA 15 18,29 15 16,67 19 14,84
ABUSO (outros) 12 14,63 14 15,56 13 10,16
ABUSO (de autoridade agressão) 9 10,98 10 11,11 14 10,94
ABUSO (constrangimento ilegal) 8 9,76 9 10,00 13 10,16
ABUSO DE AUTORIDADE 7 8,54 7 7,78 10 7,81
ABORDAGEM COM EXCESSO 4 4,88 4 4,44 15 11,72
AGRESSÃO 4 4,88 4 4,44 5 3,91
ABUSO (invasão de domicílio) 2 2,44 2 2,22 4 3,13
ABUSO (prisão) 2 2,44 2 2,22 3 2,34
TORTURA 2 2,44 4 4,44 2 1,56
DISCRIMINAÇÃO 1 1,22 1 1,11 2 1,56
TOTAL 82 100,00 90 100,00 128 100,00
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública
247
estatísticas e nas pesquisas realizadas. Cotidianamente vemos nos jornais
denúncias de polícias que exigem dinheiro para liberar motoristas flagrados com
irregularidades em documentos, bandidos capturados que precisam pagar para
poderem ser soltos, invasão de domicílio para roubar, roubos de cargas,
assassinatos por encomenda, agressões a mando de terceiros. De todas essas
acusações, algumas são denunciadas pela população, o que provoca investigações
da Ouvidoria de Polícia e acabam se transformando em dados estatísticos.
Isso faz parte de uma espécie de cultura geral das polícias”, como bem
atesta o noticiário: Os bandidos e traficantes contam com a ajuda efetiva de uma
grande quantidade de policiais. As CPIs federal e estadual que investigaram a
violência apontaram uma tropa de pelo menos 1.600 policiais ligados a quadrilhas
de narcotraficantes e de roubo de cargas (Sá e Corrêa, 2002: C
1
). Além disso, tem
sido notável a própria participação policial no tráfico de drogas (6,76%), servindo
como proteção e segurança ao traficante, ou, traficando diretamente as drogas,
quando não roubando as próprias apreensões que estão depositadas nas
delegacias.
Entre esses dados, produzidos por denúncias, na Ouvidoria de Polícia,
vamos destacar os seguintes: corrupção passiva (33,78%), extorsões (24,32%),
concussão (17,57%) e, de uma maneira muito especial, as diversas formas de
roubos (peculatos, apropriações, estelionatos e roubo de cargas) que acabam por
perfazer 9,45% das ocorrências relatadas à Ouvidoria de Polícia (quadro 14).
As denúncias geram um inquérito onde as responsabilidades do policial
são apuradas e, constatando-se a veracidade das denúncias, eles são punidos.
Entretanto, o inquérito é trabalhoso e prolongado, envolvendo uma quantidade
enorme de pessoas, razão pela qual, poucos são concluídos normalmente.
Comparando a atuação da Polícia Militar e da Polícia Civil vamos perceber
que as dificuldades na atuação de cada uma delas, relatadas pela população à
própria Ouvidoria, mais ou menos se equivalem (quadro 15).
Quadro 14 – Atendimento na Ouvidoria: Crimes Contra a Administração Pública, Patrimônio e Tráfico (2004)
DEINTER 2 / CPI-2
NATUREZAS Denúncias % Policiais Denunciados %
CORRUPÇÃO PASSIVA 11 29,73 25 33,78
CONCUSSÃO 8 21,62 13 17,57
EXTORSÃO 4 10,81 18 24,32
PREVARICAÇÃO 4 10,81 6 8,11
PECULATO - desvio 3 8,11 3 4,05
TRÁFICO DE DROGAS (C/ envolvimento de policiais) 3 8,11 5 6,76
PECULATO - apropriação 2 5,41 2 2,70
PECULATO - estelionato 1 2,70 1 1,35
ROUBO DE CARGA COM PART. DE POLICIAL 1 2,70 1 1,35
TOTAL 37 100,00 74 100,00
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública.
248
No que diz respeito à oficialidade da Polícia Militar, percebemos uma
discrepância muito grande entre as denúncias feitas e a efetiva punição (quadro 16).
Esse coeficiente aumenta significativamente quando se trata dos não-oficiais,
configurando um quadro de impunidade geral.
Quadro 16 - Policiais Militares Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na
Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 - 2003
Patente
Denunciados
na Ouvidoria
Procedimentos
Instaurados
Policiais
Investigados
Punições (Indic., Proc.
Crime, Punição Adm.)
Policiais Punidos
Oficiais Superiores
Coronel 311 4 4 1 1
Tenente Coronel 163 18 18 9 8
Major 262 21 21 13 13
Quadro 15 – Ouvidoria: Denúncias Recebidas na Ouvidoria por Departamento Comparativo Polícias - Anual (2004)
- DEINTER 2/CPI - 2
Naturezas PC PM PM/PC TOTAL
MÁ QUALIDADE NO ATENDIMENTO 28 24 3 55
INFRAÇÃO DISCIPLINAR 22 24 1 47
HOMICÍDIO 2 14 0 16
AMEAÇA 4 11 0 15
SOLICITAÇÃO DE POLICIAMENTO 1 11 1 13
ABUSO (outros) 5 7 0 12
CORRUPÇÃO PASSIVA 9 2 0 11
ABUSO DE AUTORIDADE (agressão) 1 7 1 9
ABUSO (constrangimento ilegal) 1 5 2 8
CONCUSSÃO 6 2 0 8
SOLIC. DE INTERV. EM PONTO DE DROGAS 6 1 1 8
ABUSO DE AUTORIDADE 1 6 0 7
COMUNICAÇÃO DE CRIME 5 2 0 7
ABORDAGEM COM EXCESSO 0 3 1 4
AGRESSÃO 1 3 0 4
EXTORSÃO 3 1 0 4
FALTA DE POLICIAMENTO 0 3 1 4
NEGLIGENCIA 3 1 0 4
PREVARICAÇÃO 2 2 0 4
PECULATO - desvio 0 3 0 3
TRÁFICO DE DROGAS C/ envolvimento de policiais 2 1 0 3
ABUSO (invasão de domicílio) 1 1 0 2
TORTURA 2 0 0 2
DISCRIMINAÇÃO 0 1 0 1
PECULATO - estelionato 0 1 0 1
ROUBO DE CARGA COM PART. DE POLICIAL 1 0 0 1
OUTROS 23 18 1 42
TOTAL 130 157 12 299
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo
249
Sub totais 736 43 43 23 22
Oficiais Intermediários
Capitão 828 75 78 31 29
Tenente 1144 223 250 159 144
Aspirante 42 25 25 17 16
Sub totais 2014 323 353 207 189
Praças
Sub Tenente 67 21 21 12 10
Sargento 1818 475 545 414 368
Cabo 1122 386 447 356 322
Soldado 5332 1425 2461 1945 1733
Sub totais 8339 2307 3474 2727 2433
TOTAIS 11089 2673 3870 2957 2644
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública
No Rio de Janeiro vemos uma promiscuidade muito grande entre as
polícias e o tráfico, tanto no fornecimento de armas como da própria droga, que foi
tirada de outros traficantes em batidas policiais. ...a relação da força policial com o
tráfico de drogas no Rio de Janeiro tem se mostrado intimamente comprometida [...]
em quase todos os casos de apreensão de drogas e contrabando de armas [...]
existe envolvimento de membros dessas corporações(Nepad & Chaves, 1998: 27).
Assim, como Machado & Noronha (2002), acreditamos que a violência fardada está
ligada à violência estrutural ou à violência sistêmica, conseqüência mesmo da
própria organização de nossa sociedade, que tem dificuldades de estabelecer
controles, tanto externos como internos, nos organismos policiais, o que gera
abusos inadmissíveis. Muitas vezes essa violência é conseqüência de sua aceitação
pela própria população, ou por medo, ou por conivência com o policial.
Nos casos de violência policial o fato que mais chama a atenção é a
quantidade de tiros que a vítima recebe, demonstrando claramente que a intenção
era matar a pessoas e, em segundo lugar, mostra a falta de cuidado em esconder
essa intenção, sustentada numa certeza de impunidade. A maioria dessas mortes
ocorre nas chamadas operações especiais das polícias Militares e Civis, as
blitzes”, formadas por dezenas ou centenas de policiais, quando invadem as favelas
ou bairros periféricos pobres, raramente em ronda normal onde o policial está
acompanhado apenas de um seu colega ou poucos outros.
O mesmo tipo de problema
___
sensação de impunidade geral
___
, ocorre
quando analisamos as ocorrências com a Polícia Civil, onde vamos verificar que, na
medida em que os cargos e funções vão sendo menos significativos na carreira, as
punições, proporcionalmente, vão sendo mais numerosas (quadro 17).
250
Praticamente em todas as grandes metrópoles brasileiras a violência
policial está presente. É comum encontrarmos uma grande quantidade de
perfurações à bala em cada cadáver, mais da metade dos mortos com perfurações
de balas nas costas (caracterizando execução sumária), grande quantidade de
disparos na cabeça (para ter certeza da morte), sempre com poucas ou nenhuma
testemunha, e, finalmente, a imensa maioria dos executados são dados como
mortos nos hospital ou a caminho do atendimento hospitalar. Os registros policiais
costumam qualificar o fato em autos de resistência ou resistência seguida de
morte”, acobertando e dando uma defesa ao policial, caso ocorra a hipótese remota
de um inquérito policial militar.
Os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro têm uma cultura diferenciada,
de algum modo, na forma de tratar os policiais envolvidos em morte. O Estado de
São Paulo criou, em 1995, um programa chamado Proar (Programa de
Acompanhamento de Policiais Militares Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco),
que proporcionava aos policiais envolvidos em confrontos armados com resultado
de morte um período de seis meses de reciclagem, incluindo acompanhamento
psicológico, com o objetivo declarado de combater o estresse dessas situações e
desincentivar o uso de armas de fogo (Carvalho, 2003: 20). Esse programa, nos
primeiros anos, embora tenha contribuído para a diminuição do número de pessoas
vitimadas pelos policiais, a letalidade policial continuou alta, com uma pequena
diminuição do número de vítimas apenas. Sofrendo uma grande oposição dos
próprios policiais e de setores políticos da sociedade, foi gradativamente desativado
na prática. No Estado do Rio de Janeiro, a própria Secretaria de Segurança Pública
elaborou um programa de premiação por bravura”, entre 1995 e 1998, onde os
policiais recebiam dinheiro para matar os bandidos. Era um programa que premiava
Quadro 17 - Policiais Civis Denunciados e Punidos a Partir de Denúncias na
Ouvidoria da Polícia Resumo 1998 - 2003
Cargos
Denunciados
na Ouvidoria
Procedimentos
Instaurados
Policiais
Investigados
Punições (Indic.
Proces, Crime,
Punição Adm.)
Policiais Punidos
Delegado 2602 171 219 84 77
Médico Legista 7 5 5 1 1
Investigador 2407 397 582 354 310
Carcereiro 410 124 161 97 77
Escrivão 496 71 75 39 36
Agente Policial 129 108 124 80 65
Agente de Telecomun. 28 4 6 5 3
Chefe de Cartório 3 0 0 0 0
Dactilocopista 1 0 0 0 0
Fotógrafo Técnico Policial 4 1 2 0 0
Papiloscopista 8 4 5 4 3
Perito Criminal 22 13 19 9 6
Total 6117 898 1198 673 578
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado de São Paulo
251
preferencialmente policiais envolvidos em ocorrências com resultado de morte de
suspeito. Essas premiações incrementavam a remuneração do agente em 50%,
75% e até 150% sobre o salário original. Como era de se esperar, esta política
aumentou o número de mortes em intervenções policiais e agravou os indicadores
de uso excessivo da força A concessão dessas premiações foi cancelada pela
Assembléia Legislativa do Estado, em 1998, mas os policiais que tinham
recebido a premiação continuam a recebê-la até hoje por decisão judicial
(Carvalho, 2003: 20).
A corrupção policial atinge níveis extraordinários nos dias de hoje.
Grandes somas em dinheiro, ouro, dólares ou objetos (carros, motos, etc.) são
exigidos como propina ou pagamento de resgate de traficantes importantes presos
pela polícia. A corrupção policial que envolve negociar a liberdade de criminosos
comuns (...) é um exemplo da “mercadoria política” produzida pela desapropriação
do poder de Estado (neste caso, o poder de polícia), utilizando recursos políticos (a
autoridade concedida ao agente pelo Estado) para concretização de objetivos
privados” (Misse, 1999: 91).
No interior do Estado deo Paulo verificamos que Delegacias de Polícia
da Região de Campinas, são as mais violentas e corruptas de todo o Estado,
superando as outras em homicídios, ameaças e corrupção. (quadro 18),
252
Na Região Metropolitana de Campinas a violência policial ocorre tanto na
esfera da Polícia Militar, Civil ou Guarda Municipal. Apesar de ostentar em 2003
uma queda de 30% no número de homicídios cometidos por policiais em relação ao
ano anterior, a polícia da região continua sendo a mais violenta do interior do
Estado” (Folha de S. Paulo, 2004
c
: C
4
).
4.2. A População e a presença do Estado
Quadro 18 - Quadro Geral de Denúncias por Departamento
COMPARATIVO DOS DEPARTAMENTOS / COMANDOS - CAPITAL E INTERIOR - ANUAL 2004
Naturezas
DECAP
/ CPC
DEMACRO
/ CPM
DEINTER
1 / CPI-1
DEINTER
2 / CPI-2
DEINTER
3 / CPI-3
DEINTER
4 / CPI-4
DEINTER
5 / CPI-5
DEINTER
6 / CPI-6
DEINTER
7 / CPI-7
DEINTER
8 / CPI-8
Total % Total
MÁ QUALIDADE NO ATENDIMENTO
289 67 33 55 17 9 10 36 24 6 546 16,38
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
165 66 43 47 33 18 16 32 40 6 466 13,98
HOMICÍDIO
115 109 11 16 13 3 5 7 3 2 284 8,52
SOLIC. DE POLICIAMENTO
123 25 11 13 5 2 2 14 12 2 209 6,27
AMEAÇA
52 18 3 15 10 7 4 5 7 3 124 3,72
ABUSO AUTOR.. (agressão) 45 17 9 9 13 4 4 7 10 5 123 3,69
COMUNICAÇÃO DE CRIME
61 21 6 7 2 2 3 3 4 0 109 3,27
ABUSO (outros) 43 11 6 12 9 4 4 5 7 4 105 3,15
INTERV. PONTO DE DROGAS
50 13 9 8 1 1 5 7 0 0 94 2,82
ABUSO (constrang. ilegal) 56 9 1 8 3 2 1 5 6 1 92 2,76
ABUSO DE AUTORIDADE
33 21 5 7 5 1 2 2 5 1 82 2,46
CONCUSSÃO
29 19 12 8 1 2 0 5 5 1 82 2,46
CORRUPÇÃO PASSIVA
15 16 9 11 2 0 2 3 4 2 64 1,92
NEGLIGENCIA
36 11 3 4 2 1 0 2 2 2 63 1,89
TRÁFICO DE DROGAS C/
envolvimento de policiais
12 11 12 3 5 1 2 4 5 3 58 1,74
PREVARICAÇÃO
22 10 3 4 3 1 2 2 3 1 51 1,53
TORTURA
23 3 3 2 2 3 1 4 0 1 42 1,26
FALTA DE POLICIAMENTO
26 2 3 4 0 1 0 0 2 0 38 1,14
AGRESSÃO
14 7 1 4 4 1 1 1 2 1 36 1,08
ABUSO (invasão de domicílio) 12 7 0 2 5 2 1 3 1 2 35 1,05
ABORDAGEM COM EXCESSO
13 3 0 4 0 0 0 3 0 0 23 0,69
PECULATO - desvio 9 4 2 3 1 1 1 1 1 0 23 0,69
ABUSO (prisão) 11 4 2 2 2 0 0 0 0 0 21 0,63
DISCRIMINAÇÃO
9 2 1 1 0 1 0 0 0 1 15 0,45
TENTATIVA DE HOMICÍDIO
9 4 1 0 0 0 0 1 0 0 15 0,45
EXTORSÃO
3 2 0 4 4 1 0 0 0 0 14 0,42
ROUBO/FURTO
7 2 3 0 0 0 0 0 1 0 13 0,39
FACILITAÇÃO DE FUGA
8 1 0 0 0 1 0 0 0 0 10 0,30
PECULATO
5 1 0 0 2 0 0 0 1 0 9 0,27
LESÃO CORPORAL (fora do
exercício de polícia)
3 3 0 0 1 0 0 0 0 0 7 0,21
MAUS TRATOS
4 1 0 0 0 0 0 0 0 0 5 0,15
ROUBO DE CARGA COM PART. DE
POLICIAL
1 2 1 1 0 0 0 0 0 0 5 0,15
PECULATO - apropriação 2 0 0 2 0 0 0 0 0 0 4 0,12
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 3 0,09
PECULATO - estelionato 0 1 0 1 1 0 0 0 0 0 3 0,09
PECULATO - furto 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0,06
ASSÉDIO MORAL
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,03
FALTA DE RECURSOS MATERIAIS
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,03
MOROSIDADE NO ANDAMENTO DE
POLÍCIA JUDICIÁRIA
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,03
RECL. CONTRA SUP.HIERÁRQ.
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,03
OUTROS
223 69 15 42 24 21 11 22 21 7 455 13,65
TOTAL 1532 564 210 299 170 90 77 174 166 52 3334 100,00
Fonte: Secretaria Estadual de Segurança Pública
253
Na Região Metropolitana de Campinas o Estado, representado pelas
autoridades constituídas, é considerado como omisso e desinteressado pela
população das periferias. Esse desleixo atribuído ao Estado”, estende-se para
qualquer tipo de autoridade instituída, confundida pela população como sendo o
próprio Estado. Assim, um médico de posto de saúde que proporciona um mau
atendimento, esse atendimento é atribuído ao Estado e não à responsabilidade do
profissional que não executou seu trabalho adequadamente.
O Poder Executivo é confundido mais frequentemente com o Estado,
sendo olhado como governo”, começando a confundir o Governo com o Estado.
Assim, o prefeito corresponde à descrição mais fiel de um representante do Estado
que, como qualquer outro candidato a cargo eletivo, promete coisas, mas não faz
nada.
"O prefeito antes de ganhar falou eu vou fazer não sei o quê, embaixo no
Campineiro o mato está dessa altura e ele não fez nada, nunca falou mais nada,
só falou isso pra ganhar, pro povo votar nele, nunca mais falaram nada, parou né,"
(Homem, 68 anos, Morador, Bairro São Marcos, Campinas, citada em Barroso,
1997: 152).
A presença do Estado não é vista, nem solicitada, nas áreas onde o tráfico
acaba se instalando. Quando ocorre um fato mais grave que o Estado tem a
competência de providenciar procedimentos para garantir um mínimo de conforto e
segurança para a população, o ele não se faz presente ou, quando chega, passou
uma quantidade excessiva de tempo, tornando sua presença mais constrangedora
do que confortadora.
Demora muito tempo para eles recolherem... Ah, recolher demora... Que nem,
teve uma vez, que um rapaz... mataram um rapaz era 11 horas da noite... Daí...
Nós assistimos TV até meia noite... porque ninguém sai nessas horas... todo
mundo tem medo... então ninguém saiu... ninguém sabe se é polícia, quem é... Aí,
quando eu fui para a escola, que era 15 para as sete da manhã, eu saí para a rua...
vi a políciae um monte de gente, né? Nossa... eu fiquei... Um cara, um rapaz no
chão... E eram 7 horas da manhã e ele foi morto as 11 horas... E tavao morto...”
(Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Para as autoridades policiais, particularmente para o comandante da
Policia Militar da Região Metropolitana de Campinas, esse confusão entre a
presença do Estado e a presença de seus agentes, existe realmente. Entretanto, ele
não como a autoridade do Estado, representada pela polícia, possa ser deixada
de lado, pois ela é o elemento que resolve os problemas maiores de violência.
Na regulamentação da Constituição Federal... Se o me engano, naquele artigo
que vai falar dos préstimos... Se não me engano no artigo 244, que traria uma lei
ordinária que definiria competências... A lei não define competências... Ela define
competência federal... etc... mas quando chega para organizar os limites de cada
um, ela não tem... Essa brecha é que permitiu, a gente vê, a explosão do Crime
254
Organizado. Tem que rever aquele artigo... (...) Nós não podemos falar assim:
vamos criar uma nova polícia. Faz um pelotão de choque na Guarda Municipal de
Campinas... E põe para invadir um presídio... Por em ordem uma penitenciária...
Um levante de penitenciária... O que vai acontecer? A polícia quando chega, ela
chega com uma história... A sombra da autoridade... O choque quando chega num
presídio rebelado... O que é um presídio rebelado? Milhares de criminosos
concentrados num lugar... É a maior densidade de criminoso por metro quadrado...
Você tem aí... são criminosos... Então você tem que chegar para enfrentar isso...
Você não chega... Quando você chega, vo chega como dogma... Como
sombra... Você sabe que está chegando... Chegou o choque... O choque... O
choque vai por ordem... Porque em todo serviço que o choque fez, sem exceção,
ele põe em ordem... Então eles não tem dúvida que quando o choque chega, ele
vai por ordem... A conseqüência para por essa ordem eles também sabem... Que
pode chegar até onde pode chegar... Vamos chegar a um bom termo, porque... que
vai terminar, vai terminar... Não tenha dúvida disso... Eles não têm dúvida disso...
Que quem está lá, não está para brincar... Ele vai entrar e vai por... E, atrás
daquele pelotão de choque, que não é pouco. Atrás dele tem toda uma corporação
militar, que pede reforço, e que, se for insuficiente, chama o exército... Então, que
coloca em ordem qualquer coisa, coloca... Aquela autoridade do Estado, que
quando ela chega é para colocar ordem, ela vai por e vai por mesmo, mas com
técnica... Mas vai se estabelecer a ordem...” (Tenente-Coronel Élson Roney
Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia Militar na Região Metropolitana de
Campinas, 2006).
Nessa citação longa o policial mostra a sua concepção de segurança
pública e a forma como os organismos a ela vinculados deveriam tratar desse
problema. Isso ocorre porque acredita que a segurança pública é um problema
político, visto que cabe à sociedade a concepção de políticas de segurança e não
ao militar, que este deve se encarregar apenas da execução dessas políticas.
Cabe à sociedade (representada na fala dele como “políticos”) definir “o que fazere,
ao militar, como estrategista, conceber “como fazer”.
“Vamos... uma... uma coisa interessante... Nas polícias... Na polícia, está
assim: como que nos vamos resolver o problema da segurança pública? O que
fazer? Comandante, o que fazer para resolver o problema? Sempre devolvo a
resposta para eles, você diz o que fazer... Por que... Porque ‘o que faze’” é político.
Um polícia não é político, ele é um estrategista... Então, a política tem que dizer o
que fazer. Quero que acabe com a criminalidade... Quero que acabe com a
violência... Definido a política: ‘que acabe a violência, sem violência policial’...
Quero a criminalidade... Vamos... O político, ele tem que exigir para o militar ‘o que
faze’”. Ao militar, estrategista, cabe ‘como fazer’... Atender aquela exigência... Não
pode solicitar o que fazer... Não pode deixar aos militares a concepção política. Por
quê? Porque um militar não responde politicamente perante a sociedade. Esse que
eu vejo o grande erro que está acontecendo... Essa desorientação... A sociedade
parece que com uns olhos, uma sensação que não estão respondendo... Mas,
entre na instituição e o ver que estão todos trabalhando... Estão fazendo
corretamente... O que que está acontecendo? É uma... uma definição política... de
exigir dos comandantes o como fazer, para que viabilize tudo... Vamos ver: a
criminalidade e a violência... Trata-se, vemos nos jornais, vemos em todos os
lugares: aumentou o índice de criminalidade, aumentou o índice de violência...”
(Tenente-Coronel Élson Roney Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia Militar na
Região Metropolitana de Campinas, 2006).
Apesar de, teoricamente, quem tem a competência para investigar o
Crime Organizado e o tráfico internacional de drogas ser a Polícia Federal, a
255
Polícia Militar tem uma foa que tem a finalidade de reprimir e investigar o tráfico
de drogas icitas em âmbito estadual: o DRE (Delegacia de Repressão a
Entorpecente). Entretanto, nas blitz usadas para invadir as favelas e tomar
bairros da periferia, todos os departamentos da Polícia Militar o chamados,
assim como da Polícia Civil. É sempre uma operação de guerra”, como se
estivesse sendo tomada uma fortaleza do inimigo, mas considera sempre sua
presença como provisória e pontual.
Logo que os policiais chegam a uma favela para a invasão, são
recebidos pelos estouros dos foguetes, disparados pelos olheiros, avisando os
traficantes da presea da tropa de choque. Isso causa certo nervosismo, pois
parece que estão sendo atacados a tiros de armas de grosso calibre, o que faz
com que os menos experientes comecem a atirar de volta, tentando se defender.
Essa insegurança faz com que os policiais hostilizem e o confiem nos
moradores, frequentemente confundidos com traficantes e atacados pelos
policiais. o é raro um morador ser morto, confundido com bandido, pois o
policial acaba por atirar imaginando que está sendo vítima de um ataque. Isso faz
com que as comunidades o confiem na pocia (que não os conhece) e confie
mais nos bandidos (que os conhecem).
Na Região Metropolitana de Campinas, desde inícios da década de 1990,
vamos perceber que essa noção acaba sendo confirmada pela prática e pelos
costumes, visto que as polícias apresentam alto grau de desconfiança para a
população.
A maioria não confia na polícia, acho que 80% não confia, pode ser muita gente,
mas eu acho que é por aí. Então o quartel da polícia aqui é uma coisa muito difícil
sabe, quase a gente não e parece assim que essa ligação é difícil de explica
(Homem, 38 anos, Profissional de Estatal, Bairro São Marcos, Campinas, citada
em Barroso, 1997: 109-110).
Nos dias atuais essa impressão tem se acentuado e agravado, com a
população recorrendo à Polícia em último caso, preferindo, frequentemente, como
foi comentado, pedir a interferência do traficante, que atende com presteza e
eficiência.
De uma forma geral, todos os segmentos da população têm uma visão
parecida da autoridade e da presença policial como proteção e presença da lei.
“(Silêncio prolongado) [Os jovens vêem as polícias] Com insegurança, porque a
polícia não tem feito muita coisa...” (Coordenadora Pedagógica, 47 anos,
Hortolândia, 2005).
256
Bom... Eu vou dizer para você que o pessoal está assaltando aqui e eles [policiais]
estão passando do outro lado, né?!... Ah, eu não sei se é porque eles não prestam
atenção, se eles não vêem... Mas, no momento assim, eu acho que tem bastante
[policiais] assim... Diminuiu um pouco a violência na párea central... Diminuiu os
furtos, entendeu? Mas, voltou de novo... Muito roubo de carros... Muito... Violência
com revolver, né?” (Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
É confortante perceber, pelos testemunhos insuspeitos, que existe uma
parcela dos policiais que não se enquadra no estereótipo do profissional venal e
achacador, apresentando atitudes que fogem um pouco desse modelo:
Eu geralmente me preocupo [quando a polícia chega] com a minha “farinha”, que
eu vou cheirar, que a polícia já chega e pega o meu papel, né... Me livro mas não
tiram o dinheiro, não... pegam o papel... Mas. Às vezes, quando tem dois ou
três papel eles levam... Para ver se não é Tráfico de entorpecente... Ai, assina o 16
[porte de entorpecente] e é liberado... Bom... Eu não tenho nada contra,
entendeu?... Quer dizer, na minha casa, todo mundo é polícia... eu que não...
Entendeu?... Eu sou assim... Acho que tem que ouvir mais qualquer pessoa... Tem
que ser...“ (Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
Mas, como não podia deixar de ser, faz algumas ressalvas ao trabalho da
polícia quando tem que enfrentar bandidos, considerando-a omissa. Mas parece
haver uma unanimidade no que diz respeito à atuação da polícia, que consideram
melhor que tempos atrás, quando nem a presença física do policial acontecia no
lugar. Isso parece ter mudado e a população tem reconhecido isso, ou seja, uma
melhora no patrulhamento.
Tem... Agora... Atualmente, sempre tem passado alguns camburão... A poucos
tempo atrás, não... Agora, sim... Ta sendo... Há um ano... dois pra atrás... não tinha
esse tipo de... de policiamento, né?... uns dois anos... dois anos... dois anos e
meio para cá... Tem feito... Tem feito... um policiamento ostensivo mesmo... eu até,
praticamente.. fui parado por duas vezes por blitz na rua... Bem... Hoje eu vejo um
policiamento da polícia bem mais ostensivo, né?... Como antigamente não... Na
época... quatro anos atrás, no caso... era bem mais diferente... a violência era
muito mais... a gente sentia na pele a polícia... a polícia não agindo
corretamente.... (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas,
2006)
A gente nota... “[a presença da polícia] Mas, na hora que você mais precisa... não
tem... Não tem. Eles, como sempre, chegam assim na hora que acabou tudo. Na
hora que acabou... Se acontece um caso, na hora que você chama, demora.
Depois ela chega. para evitar que ela chegue lá, né? Ah... O que eu vejo... a
atuação deles... assim... tem horas que tem... assim... Se for coisas assim, que
mostram o serviço deles, eles estão lá... Eles aparecem, mas se for último caso
mesmo... Mesmo... (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
As autoridades policiais têm visões diferenciadas do posicionamento da
população. Um chefe de guarda municipal concorda que a vigilância policial tem
deficiências e o consegue atender adequadamente todas as ocorrências ou se
posicionar eficientemente em todos os lugares:
257
Aqui não identifica muito o poder... Por que o... a... o poder público está em todos
os lugares... A gente ta... É lógico que estamos um pouco menos aqui, um pouco
mais ali... Mas, o poder público procura estar em todos os locais. Então a gente
não vê a predominância do trafico de entorpecentes em determinado lugar. Então é
difícil dizer isso...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40
anos, 2005)
o comandante da Polícia Militar tem uma visão muito mais sofisticada
do processo policial e a relação deste com a População, que diferencia a polícia
da figura do Policial, considerando este como o elemento de repúdio enquanto
aquela é a instituição considerada como necessária e valorizada.
“Porque, geralmente, a população não percebe isso, mas faz uma distinção entre
polícia e policial. Ele não quer o policial, ele quer a polícia. É aquilo que você disse,
o poder de polícia, ela sabe que precisa e é importante, agora, ele tem restrição, às
vezes, ao policial. Como é que o policial isso, essa falta de confiança? Veja...
Os policiais quando entram na carreira policial, eles tem um grande espírito de
justiça... É interessante... Eu dei aula para a formação de soldados... Eles têm um
senso enorme de justiça... Ele é bem para tentar corrigir isso... Impor justiça...
Distribuir justiça... E, aos poucos, ele... Ele não consegue... Dentro do nível dele...
Ele tem um nível muito frouxo... Se pegar todos os polícias que foram para o crime,
conversar com eles, e tentar também tirar essa frustração dele... A polícia vai
trabalhar exatamente no limite da criminalidade e da justiça... Ele é o primeiro a
fazer justiça... O polícia é o primeiro a fazer justiça... É o primeiro a chegar na
ocorrência... Ele é que tem que distribuir justiça ali... E muitas vezes, se ele não faz
justiça...” (Tenente-Coronel Élson Roney Servilha, 56 anos, Comandante da Polícia
Militar na Região Metropolitana de Campinas, 2006).
Para os moradores da periferia a pobreza não é a causa imediata da
violência característica dessas áreas. Eles afirmam que essa violência e
conseqüentes assassinatos na região é produto da guerra pelo comando do tráfico e
da migração de criminosos de outros bairros e cidades. ’Quem morre aqui é
bandido’ é a frase mais ouvida nos loteamentos clandestinos(Silva, 2002
a
: C
3
).
Os moradores têm consciência que o desemprego e a falta de
perspectivas viáveis de se conseguir um acaba originando situações de violência,
leva as pessoas a ocupar seu tempo nos bares, bebendo, quando ocorre a maioria
dos crimes fatais.
Descrentes da justiça, os moradores das favelas e da periferia
metropolitana não esperam as instituições, tomam a justiça nas próprias mãos. Os
crimes cometidos nessas áreas são julgados e, se condenados os réus são
penalizados no próprio local. Apesar de não apresentarem uma unanimidade com
relação à penalidade a ser aplicada (geralmente, opta-se pelo linchamento), as
divergências não chegam a levar qualquer morador a contraditar as decisões mais
radicais tomadas.
Casos como o acontecido em 13 de fevereiro de 2002, em Lajeado (zona
leste de São Paulo), acabam em linchamento em plena rua. A vítima foi Ednaldo
258
Lima da Silva, 24, suspeito de ter estuprado uma mulher da mesma idade, morto
com diversas pedradas na cabeça após ser perseguido pelos moradores que teriam
ouvido os gritos da mulher e vindo ao seu socorro. (Essenfelder, 2002, C
3
).
Ouvidos pelos jornais, moradores da região mostraram dificuldade em
avaliar o ato de linchamento.Estamos no nosso direito. Se o bandido está na nossa
frente, por que perder tempo?”, (vizinha do local do crime e linchamento)
(Essenfelder, 2002: C
3
).
Por mais que apóiem os atos extremos, cometidos nos momentos de
irreflexão e revolta diante de um crime hediondo, os moradores têm consciência da
possibilidade de se cometer um erro ou mais uma injustiça mas pouco ou nada
fazem para evitar isso: ...não é certo fazer justiça com as próprias mãos. E se
pegam um inocente?” (morador de periferia paulistana, onde houve um linchamento)
(Essenfelder, 2002: C
3
).
Muitos dos moradores acreditam que seria mais correto chamar a polícia e
entregar o bandido-estuprador para a polícia, entretanto,o acreditando na rapidez
e eficiência da Justiça, especialmente em casos de estupros
___
considerados crimes
hediondos pela própria comunidade do tráfico
___,
preferem uma justiça imediata”,
apoiada e ajudada pelos próprios traficantes, feita no calor dos acontecimentos:
As Igrejas procuram entrar nesse vazio produzido pela ansiedade
resultante dessa insegurança e descrença no Estado como solução. Se as
instituições terrestres não dão conta do problema, voltam-se para o sobrenatural,
único em condições
___
segundo eles
___
de dar uma resposta positiva aos seus
anseios.
Na Região Metropolitana de Campinas, também a Igreja representa a
válvula de escape das tensões acumuladas no cotidiano permeado pelo medo e
desesperança. A atuação delas como elemento de importância na organização
popular é muito controvertida, fato espelhado pelas opiniões contraditórias emitidas
pelos moradores das periferias quando entrevistados:
“Sim [presença de Igreja]. Com envolvimento com jovens (Psicóloga, Hortolândia,
33 anos, 2006).
Não tenho visto assim... E olha que tenho entrado e o vejo nada de Igrejané...
Que eu tenha conhecimento, não sei dizer como é esse tipo de coisa com a igreja
ou outras religiões, né... Mas, geralmente, tem sempre, próximo ali, que tenta
ajudar, né... o traficante... Não o traficante, mas quem quer se recuperar das
drogas... E o traficante respeita essa atividade da Igreja... Ele respeita porque ele
tem o negócio dele... Ele tem que... É o local de venda... Então ele tem que ter
respeito para com essa entidade para que ela não denuncie... Quem comanda o
tráfico é o rico, não é o pobre... O pobre... Então... Esse vai estar sempre abaixo...
259
Então tem que se recuperar....” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em
Campinas, 2006)
Mas, o que acontece na realidade, é que as igrejas estão mais
preocupadas com a ajuda material à comunidade, não tendo qualquer pretensão de
organização comunitária para reivindicar seus direitos e exercício da cidadania.
Perguntada a respeito da ajuda dos traficantes às comunidades,
particularmente sobre se as igrejas aceitam ou não a ajuda dos traficantes, uma
adolescente registra não ver claramente a ajuda dos traficantes às igrejas mas, de
uma forma indireta, ela reconhece existir essa ajuda, que é feita através das mães
dos traficantes, tornando palatável aceitar esse dinheiro, além de dar às mães um
certo conforto, visto ser a atividade ilegal do filho útil para alguma coisa ligada a
Deus.
Ah... aceitar, eles [as Igrejas] aceitam... por que não são eles que entrega, mas
sim as mães... Por que é assim... As pessoas morrem, tem.... acho que... não tem
medo que os pais venham a fazer... então, para ajudar... assim... o pessoal vem a
casa dele e a mãe dele possa doar” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
Mas, nem mesmo as igrejas ou a religiosidade conseguem fazer com que
o medo não tenha um lugar significativo no cotidiano da comunidade. Isso porque o
maior medo de todas as famílias das comunidades não consiste em balas perdidas,
mas na possibilidade dos filhos se transformarem em dependentes de drogas.
Que os filhos se envolvam com o Tráfico e, devido ao Tráfico, aconteçam roubos e
assaltos a mão armada, e... Principalmente, isso. De uma maneira geral, entre os
medos que a população manifesta, não aparece aquele inspirado pelo bandido ou
traficante. O relacionamento com o Tráfico é tranqüilo, desde que se respeite as
regras de convivência impostas por ele. Assim, o relacionamento entre população e
traficantes, na maioria das vezes, “É tranqüilo... Numa área que trabalhei, era
sério, era forte, eles comandava tudo. Na área que vivo hoje, de residência é
tranqüilo, até porque a situação social e financeira é outra totalmente diferente
(Psicóloga, Hortolândia, 43 anos, 2006).
As invasões policiais durante as blitz representam o grande medo, muito
maior que as balas perdidas produzidas pelas guerras entre traficantes (cada vez
mais raras, na medida que o PCC conseguiu a hegemonia na região de Campinas e
começou a mediar os conflitos regionais dos traficantes).
Acho que a polícia agride ou rouba na favela, mas não generalizo todos os
policiais. trabalhei com adolescentes em uma clinica de recuperação para
dependentes químicos. A maioria deles estava em tratamento, porem
demonstravam ter receio da polícia, assim como do traficante. Medo de não sair
das regras impostas pelos traficantes e de ser punido por algo injustamente. Medo
de invasão da polícia ou de outros traficantes, medo de bala perdida, medo que o
filho entre no caminho do trafico, ou seja inicie nesta vida, enfim, acho que são
muitos os medos e receios (Psicóloga, 30 anos, Ambulatório Municipal de Saúde
Mental Infantil, Hortolândia, 2006).
260
Otoque de recolher”, a impossibilidade de voltar, mesmo sendo morador,
para sua casa após determinado horário da noite, imposto pelos traficantes, também
produz medo, visto que ninguém está livre de precisar sair e voltar, por uma
emergência de saúde, altas horas da noite ou pela madrugada. Frequentemente o
próprio traficante fornece a condução para a pessoa, que a utiliza mais como um
salvo-conduto que propriamente um transporte.
São esses relacionamentos que acabam por caracterizar o cotidiano dos
moradores na área do tráfico ou seja, um medo dos traficantes misturado com certo
grau de admiração e respeito; um grande medo da polícia.
Eles têm medo mais da polícia, né... Porque a polícia... Vem... Se a polícia vem
para agir, ela vai chegar atirando, né... Se tiver algum cativeiro, alguma coisa, ela
vai entrar para... detonar... Aí...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em
Campinas, 2006)
Medo todos tem, né.. Mas... Medo.. Medo... Acho que tem mais medo do
traficante, né? Por que, a polícia lá... eles sabem que não faz nada... Por que,
qualquer um... qualquer duzentos reais para cada um, se não der eles viram contra
nós... Então... Por que, assim... Não tem medo dos traficantes, mas, tipo... você
está ali conversando, chega a polícia e você acaba indo preso por uma coisa que
você não fez... Basta você ali junto, você vai preso, né?... Tem medo da
polícia...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, Campinas, 2005).
As Guardas Municipais, com profissionais selecionados preferentemente
dentro da região onde elas estão situadas, não têm qualquer garantia de um
comportamento diferenciado em relação às polícias estaduais. Isso faz com que os
próprios comandantes não tenham uma certeza absoluta em relação à aceitação por
parte dos moradores da presença dos policiais municipais.
Eu acredito que seja um relacionamento bom [com a população].
Porque... Muitos dos chamados, eles deixam de chamar a Polícia Militar para
chamar a Guarda...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia:
2005). Mas, apesar de todo o avanço conseguido, ainda não existe uma confiança
absoluta da população com relação à Guarda Municipal, fato reconhecido pelo
próprio comandante:
Não é a confiança que gostaria que tivesse. Por que houveram alguns excessos
no passado. Até por falta de um regulamento disciplinar, essas coisas... Mas, eu
acredito que vem melhorando, até porque um governo do PT prioriza muito isso, de
a população... de ser respeitada... Então eu acho que pra... Não é o que eu
gostaria que tivesse, mas está melhor... (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda
Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005).
Tentando garantir um cotidiano mais confortável ou, pelo menos, mais
distante do medo, algumas situações são criadas pelas prefeituras municipais com o
auxílio da Guarda Municipal, como é o caso da chamada Lei Seca ou Lei Fecha-
261
bar”, que está sendo considerada em vários municípios da região como uma forma
de diminuir a violência, prevenir e controlar a presença do Tráfico. Entretanto, nem
sempre os resultados são satisfatórios, particularmente por uma aparente falta de
vontade política” de fazer com que seja efetivamente implantada.
A Lei do Fecha-Bar aqui deve ser de 2003, se não me falha a memória... É... na
verdade é assim... É... Nos temos muita dificuldade aqui... Até porque existem
muitos bares ilegais... Aqui o pessoal acredita que...a das fontes de renda é abrir
bar... Então, até por uma... por um pedido do Prefeito... ele não quer simplesmente
que a gente e feche esses bar... ele quer que a gente trabalhe é... em
consonância com a Lei para que haja, é... os bares, mas que sejam legalizados... e
que esses bares, é... trazem problemas de... de... álcool, de tráfico de
entorpecentes... os problemas voltados com o crime... que a gente consiga é...
fechar esses bares às 22 horas... a Lei determina isso... Ela funciona aqui... No
governo passado ela estava meio que em stand by, que agora a gente ...
batendo em cima... Inclusive hoje vai ter uma operação fecha-bar... A gente faz
sempre...É... A gente não pode dizer que como a gente gostaria que estivesse
porque a gente... falta muitos recursos, mas está sempre batendo em cima
daquela tecla de fechar os bares, que a gente sabe que tem... A maioria dos bares
que a gente está indo fazer esse controle, são bares que existem denúncias contra
eles... Vamos ver se tem tráfico de entorpecentes, e outros motivos...“ (Dr.
Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos, 2005).
Conclusões
“Se o Estado e sua lei vigorassem na favela, a polícia poderia
entrar quando bem entendesse...” ... “o único império que
governa de fato a Rocinha
___
e não ela
___
é o Estado
Paralelo” (WOLTHERS, 2004: A
2
).
262
Para o tráfico essa polêmica a respeito da existência ou não de um
“Estado Paralelo” não faz sentido, pois não pretendem dominar juridicamente
qualquer espaço territorial. O objetivo dele, claramente definido por qualquer
traficante, é lucrar com a venda de drogas ilegais. O controle que exercem sobre as
comunidades é uma forma de garantir um mínimo de tranqüilidade para trabalhar
longe da polícia. As facções do Tráfico apenas ocupam espaços que o Estado não
se interessou ou fracassou em ocupar. Não podemos ver, a partir da ótica do
traficante, o tráfico como Estado Paralelo nem Poder Paralelo”, visto que não
pretendem substituir o Estado do ponto de vista político, social ou militar. Assim, o
tráfico não tem qualquer intenção, mesmo remota, de criar um Estado
Independente”.
O traficante ou dono de uma área está transformando o seu negócio e
gerenciando o comércio e distribuição das drogas de uma forma cada vez mais
profissional”. Isso começa a transformar sua presença em algo mais instituído e
organizado, sendo reconhecido como tal pela própria população, pelas lideranças
comunitárias. Assim sendo, as normas de relacionamento dos moradores com a
nova instituição também se processa dentro de um conjunto de troca de favores e,
particularmente, de mercadorias concretas ou simbólicas, caracterizando uma
relação de custos x benefícios. Entre estes, destacam-se sobremaneira a
segurança” e a certeza de que as “leis” serão cumpridas inexoravelmente por todos.
Isso legitima o traficante e seu negócio pela aparente necessidade e
conformidade das leis estabelecidas pelo Tráfico. É essa legitimidade que
possibilita que a estrutura organizacional e empresarial do Tráfico funcione
adequadamente nas periferias urbanas empobrecidas e desperte a confiança das
pessoas moradoras da área.
Existindo ou não um Estado Paralelo o fato objetivo é a angústia e
insegurança geradas pela violência. Essa violência não pode ser solucionada
exclusivamente pela presença da Policia e pela ação truculenta e intimidatória do
agente policial. Mesmo Foucault (1977), considerando a criminalidade um tipo de
contrapoder que reage contra a opressão da sociedade organizada sobre os menos
favorecidos, reconhece que ela está sempre em desvantagem nesse embate, que
não consegue elaborar formas de prevenir o ato criminoso e isolar o crime
eficientemente sem quebrar a sua própria estrutura de poder. Segundo ele, ela
precisa abandonar as práticas repressivas e punitivas, consideradas ineficientes e
263
pouco eficazes, em favor de práticas mais atuantes que privilegiem o sistema
distributivo de bens, oportunidades e poder.
O Crime Organizado não pretende tomar o lugar do Estado, nem declarar
guerra a ele. Aliás, existe mesmo uma relação de capilaridade entre ele e o Estado.
Seu objetivo é fazer “negócios” e ter o maior lucro possível, razão pela qual não quer
qualquer tipo de problema nas áreas onde ele atua para não chamar a atenção da
polícia, o braço armado do Estado. ataca quando provocado ou para se
defender. Quando muito, para tentar libertar algum líder da prisão. Por isso não
podemos dizer que exista uma guerra entre o Tráfico e o Estado, mas uma
violência armada organizada, produto da ação do Crime Organizado”, procurando
definir um espaço de atuação dentro do Estado. Assim a conceituação de violência
armada organizada” cabe melhor que “guerra”.
A sensação de impunidade que grassa nos meios criminais estimula muito
o próprio aumento da criminalidade. Sem diminuição da impunidade não
decréscimo da criminalidade, pois o crime tem por objetivo, geralmente, um saldo
econômico, sendo estimulada por uma legislação muitas vezes permissiva ou
equivocada, complementada por uma investigação quase sempre ineficaz.
A Região Metropolitana campineira encontra-se num ponto de intersecção
das grandes rotas de distribuição de drogas para o mundo globalizado. Ela é um
centro de passagem, de armazenamento e de distribuição de drogas ilícitas para as
restantes regiões brasileiras. Tais características parecem levar a organização local
a adotar uma configuração que reproduz a organização geral do Tráfico nas grandes
capitais brasileiras (e no país), comprovadamente eficientes para atingir seus
objetivos, sem deixar de responder às condições locais (que envolvem relevo,
distribuição de favelas e áreas periféricas pobres, além do padrão de vida da
população local).
Dentro dessa perspectiva, na Região Metropolitana de Campinas vamos
perceber um crescimento urbano completamente desordenado (particularmente nas
regiões periféricas e mais pobres, onde ocupações, loteamentos clandestinos e
favelas predominam), desemprego de grande parte da população mais pobre e de
menor nível de escolaridade, concentração exagerada da riqueza nas mãos de uma
parte pequena da população (gerando um contraste social extremamente
acentuado), falta de infra-estrutura urbana e políticas sociais (que atingem grande
parte da população periférica mais pobre), além da localização estratégica da
cidade (ponto de encontro de várias rodovias), complementado com uma
264
disparidade acentuado da população. São esses fatores que, no seu conjunto,
tornam a Região um centro de atração e geração de violência e criminalidade.
Um mapeamento do crime caracterizando e identificando os principais
tipos de violência que ocorre nas diversas regiões (além de sua intensidade),
representa uma das primeiras providências para o combate efetivo à criminalidade.
Assim, dever-se-ia reforçar os investimentos em inteligência e tecnologia policial
investigativa, além de concentrar esforços (tanto preventivos como coercitivos) nas
regiões que representembolsõesde violência das periferias das grandes e médias
cidades, onde se encontra a imensa maioria dos crimes.
Tanto o tráfico como a marginalidade prefere as áreas que apresentem
maior dificuldade de acesso, o que possibilita senão ficar livre do acesso policial,
pelo menos, dificultar esse acesso a tal ponto que permita ter tempo suficiente para
uma fuga. É por essa razão que uma preferência para que as áreas de favelas e
morros de difícil acesso para a localização das concentrações de bandidos e
traficantes.
Nos morros e favelas do Rio de Janeiro, o tráfico encontra o local ideal
para sua instalação: área de topografia íngreme, vielas estreitíssimas dificultando ou
impossibilitando a entrada de veículos e grande concentração populacional de gente
fragilizada socialmente falando, que fica à mercê de qualquer ameaça ou
intimidação mais efetiva. Isso garante, pelo terror ou assistencialismo (mais aquele
que este), o silêncio e uma quase cumplicidade entre todos. Além disso, como
uma concentração da população em pequenas áreas, os traficantes estão em
constante guerra pelos pontos de distribuição de drogas, que ficam muito próximos
uns dos outros. Nessa briga, de morro para morro, a cidade fica na baixada, no
fundo do vale, bem entre o fogo cruzado entre os bandidos.
Em São Paulo, com uma topografia mais plana e com as edificações mais
esparsas no espaço, ou seja, ocupando uma área territorial mais extensa, as favelas
não dão conta de impedir a entrada de veículos e grandes contingentes de pessoas,
razão pela qual a marginalidade se encontra muito mais dispersa que no Rio de
Janeiro, o que vai ter como conseqüência uma menor intensidade na disputa entre
os pontos de tráfico, visto se encontrarem muito mais distantes uns dos outros.
Campinas repete o padrão paulistano: topografia regular, sem grandes
variações de relevo, bairros distantes do centro, com ruas largas, mas intransitáveis
pela precariedade e conservação, fazendo com que os pontos de distribuição de
drogas estejam, também, distantes uns dos outros, o que dificulta e rarefaz os
265
conflitos de disputas por áreas de atuação. O que se observa pelos indicadores de
criminalidade, é o envolvimento cada vez maior de jovens com o crime, o que
determina ser essa faixa etária a que mais sofre com homicídios.
Caso não haja um investimento maciço em educação e preparo
profissional para os jovens, além de aumentar a auto-estima e nível de
oportunidades profissionais para os mesmos, vamos ter uma explosão da
delinqüência juvenil nas periferias urbanas, devido à ligação que os mesmos estão
tendo, cada vez mais, com o tráfico, particularmente o de drogas. O acesso fácil às
armas de fogo, apesar das leis restringindo e criminalizando o seu uso, além da
tradicional ineficácia e corrupção policial, vai fazer que essa explosão chegue a
níveis quase incontroláveis.
Como a violência e a criminalidade constituem-se, nos dias de hoje, um
dos maiores
___
senão o maior
___
referencial de qualidade de vida de uma população
as cidades podem ser qualificadas a partir do índice de criminalidade e segurança
pública que elas apresentam. Para uma parcela da população, viver em
condomínios fechados, super-protegidos, pode parecer uma solução. Entretanto, a
experiência nos tem mostrado que é um procedimento precário e de curtíssima
duração, já que os assaltos a condomínios têm se tornado cada vez mais freqüentes
e lucrativos. As cercas eletrificadas, cães treinados, segurança particular, fortalezas
particulares, carros blindados, sistemas eletrônicos sofisticados, câmeras de
vigilância, tem sido proposto como solução. Mas, até agora, não existiu nada que
comprovasse a sua eficácia e a sua eficiência.
Tentamos estabelecer vínculos e explicar esses vínculos, entre o crime e
aquela que tem a função precípua de evitá-lo e combate-lo: a polícia.
Procuramos encontrar, sem sucesso
___
o que nos leva a crer que eles não
existem
___
, vínculos de causa e efeito entre pobreza e criminalidade. O que
encontramos foram vínculos entre injustiça social e criminalidade.
O uso de técnicas modernas de mapeamento e análise de dados, como o
geoprocessamento, acaba por se revelar instrumentos insubstituíveis e de enorme
alcance para mapear e estabelecer políticas públicas, especialmente as de
segurança.
Não existem soluções em curto prazo para a criminalidade e a violência. A
violência se naturalizou de tal forma que começamos a olhá-la como inerente à
prática cotidiana e à natureza do homem. Entretanto, essa mesma criminalidade,
manifestando-se violentamente, acaba transformando-se em um fato
266
epidemiológico, atingindo todo o mundo globalizado. Mesmo tendo se
internacionalizado, a criminalidade continua tendo preferência pela periferia mais
pobre das grandes cidades, o que nos faz pensar em programas que atendam
preferencialmente as populações que habitam essas áreas, para que possam atingir
um nível mínimo de segurança e qualidade de vida; se não retira os criminosos das
ruas, certamente vai impedir a sedução que a criminalidade exerce sobre os mais
jovens.
Na tentativa de colaborar com o policiamento comunitário, a própria
prefeitura de Campinas, através do Plano Municipal de Segurança Pública, está
tentando uma regionalização da Guarda Municipal, no intuito de colocarem policiais
treinados e preparados para atuarem nas regiões da cidade de acordo com as suas
especificações locais (Margarido, 2002
b
: F2), tentando implantar e ampliar o
chamado conceito de guarda-cidadão”, ou seja, aquele elemento da Guarda
Municipal envolvido com a comunidade na qual atua.
Essa situação agrava-se ainda mais quando percebemos que os policiais
exercendo o chamado poder de polícia acabam exorbitando de suas funções,
quando não se transformando em meros tribunais, juízes e executores de sentenças
capitais, onde os bandidos são sumariamente eliminados, sem qualquer tipo de
controle efetivo por parte dos comandantes, quando não com a própria cumplicidade
dos mesmos. A própria corrupção policial acabou se transformando em uma prática
comum e, de certa forma, tolerada em níveis mínimos. Entretanto, para tentar uma
moralização da polícia, nem mesmo esse nível mínimo (por exemplo: propina para o
guarda não multar pelo estacionamento do carro em lugar indevido), não pode ser
tolerado.
Especificamente, para a Região Metropolitana de Campinas, vamos
notar que o Crime Organizado ligado ao tráfico de drogas e armas, encontra na
Região um lócus extremamente favorável, visto ser uma região rica, entroncamentos
de rodovias importantes ligando o interior ao litoral e o Norte ao Sul do país.
Encontra áreas ideais para fixar populações ligadas às lideranças presas, visto ter a
região vários complexos penitenciários, além de ser uma área pioneira de atuação
do PCC Primeiro Comando da Capital, que se apresenta quase hegemônico em
toda a sua área, dentro e fora dos presídios.
A lei do silêncio garante a segurança na maioria dos lugares e
situações. Aqueles momentos onde ela não é suficiente, a corrupção policial, através
267
de propinas e intimidações completa o esquema. A troca de mercadorias
simbólicas”, numa relação de custos/benefícios contribui para a impunidade na área.
A configuração geográfica, representada pelo relevo geralmente plano,
facilita a fuga dos traficantes em momentos de blitz. Normalmente, nem mesmo a
presença dos falcões vigiando as entradas dos bairros é necessária visto que,
como foi colocado em vários depoimentos, ou a policia não tem interesse em
prender ninguém, fazendo vistas grossas”, ou aparece com sirenes ligadas e faróis
altos, fazendo grande estardalhaço, avisando o tráfico da sua presença. Também a
presença de aviõezinhos e outros elementos da estrutura do tráfico no Rio de
Janeiro e São Paulo, aparece minimizada na Região, visto serem os bairros das
cidades mais facilmente vigiáveis e seguros, dispensado tantos intermediários, razão
pela qual não é comum a presença de crianças no tráfico.
Na Região não encontramos rivalidades sérias entre facções, visto a
quase total hegemonia conquistada pelo PCC, que age muito mais como empresa
de franquia, cobrando dos associados traficantes proteção e apoio logístico
(fornecimento de armas, veículos e proteção judicial), que ser dona de áreas ou
bocas de tráfico. Age dentro de uma estrutura eminentemente empresarial, razão
pela qual deveria ser estudada pelos economistas criando uma Economia Criminal.
Percebemos não existir claramente um assistencialismo por parte dos
bandidos em relação à população, sendo que a lei do silêncio é muito mais
garantida pelo medo e violência que propriamente por relações de cumplicidade.
Mas, é evidente que existe uma proteção da população contra a criminalidade feita
pelo traficante, muito mais em proveito próprio organizando sua área de forma mais
empresarial possível, que propriamente uma benesse concedida aos moradores.
E, finalizando, se não forem adotadas medidas urgentes para se tentar
controlar a violência e a criminalidade na Região, dentro de poucos anos teremos
situações extremamente complicadas para a sua qualidade de vida.
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Guia das perguntas para entrevistas
a – Qualificação pessoal:
1. Qual o seu nome, idade e local de moradia?
2. De onde veio (nascimento)?
3. Há quanto tempo mora em Campinas ou região?
Anexo 1
284
4. Profissão?
5. Onde trabalha? Cargo?
6. Qual a sua escolaridade?
7. Casado? Filhos?
b – A Polícia:
1. Existe presença da Policia na sua área?
2. Como você vê a atuação das Polícias?
3. Existe corrupção da Policia na sua área? Que tipo de corrupção?
4. Qual das Polícias é mais corruptível?
5. Você acha que existe uma impunidade para o Policial que comete crimes ou excessos?
6. Quais as atividades que as Polícias exercem na sua área?
7. Quais os recursos que a Polícia conta na sua área?
8. Quando a Polícia entra na área do Tráfico, o que mais a preocupa? O que sente?
9. Como a Polícia reage na área do Tráfico? Sem receber tiro e recebendo?
10. A Polícia rouba na favela? Agride?
11. A presença de “soldados do Tráfico” e bondes na periferia impede a entrada da Polícia?
12. Em sua opinião tem policial que trabalha para o Tráfico?
13. Em sua opinião tem policial que oferece e vende armas para o Tráfico?
14. A Polícia atira em crianças e adolescentes do Tráfico?
15. A Polícia agride muito? Tanto moradores como traficantes?
16. Qual a influencia da droga na criminalidade?
17. Os políticos ajudam a Polícia nos combate a criminalidade? Dão apoio?
18. Quais as áreas mais violentas da Região Metropolitana de Campinas?
19. Quais as facções do Tráfico que aparecem na Região Metropolitana de Campinas?
20. Quais as funções mais comuns exercidas no Tráfico?
21. Quem garante a segurança da população na região do Tráfico?
22. A população, principalmente os jovens, vê os traficantes como heróis?
23. Como esses mesmos jovens vêem a Polícia?
24. Existe “Lei do Silêncio” nas áreas de trafico em Campinas e região?
25. Existe “bondes” na Região Metropolitana de Campinas?
26. É fácil conseguir armas em Campinas e região? Quais?
27. Quais os principais medos da periferia e das favelas?
28. Em sua opinião, o trabalho das Polícias é satisfatório contra o Tráfico?
29. Tem muitos tiroteios e conflitos entre os próprios traficantes?
30. Tem “toque de recolher” na Região Metropolitana de Campinas?
c – A população:
1. Como o Tráfico controla a População da sua área?
2. O morador de uma área pode ir para outra área livremente? Mesmo que ela tenha outro “dono”?
3. Como é feito o controle da População pelo Tráfico na sua área?
4. Existe respeito dos traficantes para com a População da sua área? Por que?
5. O que acontece quando um morador trai ou denuncia o “dono”?
6. Algum órgão público tem atuação na sua área? Algum programa governamental atua na região atendendo a
população? Qual?
7. Existe corrupção e violência da Policia na sua área?
8. Existe a presença de alguma Igreja confrontando ou ajudando a População contra o Tráfico? Como?
9. O Tráfico ajuda a População?
10. As associações de moradores têm algum relacionamento com o Tráfico?
11. Existem regras de convivência entre as pessoas determinadas pelo Tráfico?
12. Quando há violação dessas regras, o que acontece?
13. Quais os castigos mais comuns para os que violam as regras do Tráfico?
14. Já acontece de alguém ser morto por engano? Ou, por bala perdida?
15. Existe impunidade para o Policial ou para o Traficante que comete crimes?
16. Como a Polícia vê a presença do Tráfico na periferia e favelas das cidades?
17. Os políticos ajudam a população da periferia contra o Tráfico?
18. Quais as condições de vida da população das Periferias e favelas com o Tráfico?
19. Quais as drogas mais usadas pelos consumidores na sua região?
20. Quem garante a segurança da população na região do Tráfico?
21. Quem depreda e rouba mais: a Polícia ou o Tráfico? Por que?
22. Existe discriminação em relação às pessoas que moram nas áreas do Tráfico?
23. Quais as formas mais comuns de violência que você presenciou?
24. Existe “bonde” na sua área?
25. Quem entra para o Tráfico, se quiser pode sair? Como?
26. O desemprego e a pobreza são fatores que levam a pessoa ao Tráfico (tanto como traficantes como consumidores)?
Enfim, o que leva a pessoa ao Tráfico?
27. Quais os principais medos das periferias e das favelas?
28. Quais os tipos de violência familiar mais comuns que você presenciou?
d – O Tráfico:
1. Tem Tráfico na sua área?
2. Quando o Tráfico começou a ser importante? Em que época?
3. Quais as drogas mais comuns?
4. As pessoas da sua área consomem droga, ou só vendem?
285
5. Vendem para crianças?
6. Os “donos” das bocas moram na área?
7. Como é a relação do Tráfico com os moradores?
8. Quais as causas da entrada de tanta gente para o Tráfico?
9. As drogas são vendidas abertamente? Consumidas abertamente?
10. As pessoas ligadas ao Tráfico andam armadas? Abertamente?
11. Quais as armas mais usadas?
12. O Tráfico emprega crianças e jovens na sua área?
13. Os traficantes são violentos na sua área? Mesmo contra os moradores?
14. De onde é o atacadista da área?
15. De onde vem a droga?
16. Qual o relacionamento do dono da sua área com os outros donos?
17. Qual e como é o poder do dono da sua área?
18. Quem resolve questões entre os donos? Como?
19. Na sua área tem:
* Dono.
* Gerente geral.
* Subgerente.
* Gerente do preto.
* Gerente do branco.
* Gerente dos soldados.
* Gerente da boca.
* Soldados.
* Fiel.
* Vapor.
* Olheiro/fogueteiro.
* endoladores.
20. Quantas pessoas, mais ou menos, trabalham para o Tráfico na sua área?
21. Onde e como o Tráfico obtém suas armas?
22. Os mais novos do Tráfico são mais ou menos violentos que os mais antigos? Por quê? Quem é mais respeitador em
relação à População?
23. Por que, em sua opinião, alguém entra para o Tráfico?
24. Qual a função de alguém que ingressa no trabalho do Tráfico? Como vai evoluindo?
25. Quais os cargos ou atividades mais comuns ligadas ao Tráfico da sua área? Quando ganha?
26. O Tráfico respeita as regras que ele impõe para a População?
27. Existe conflito entre os traficantes?
28. A que você atribui a violência do bandido?
29. Quais as ameaças e intimidações mais freqüentes feitas pelos traficantes?
30. Quais as áreas mais violentas da Região Metropolitana de Campinas?
31. Quais as causas da criminalidade na Região Metropolitana de Campinas?
32. Como se poderia prevenir e controlar a criminalidade?
33. Como se estruturam as famílias na região do Tráfico?
34. Tem “Toque de Recolher” na Região Metropolitana de Campinas?
35. Na sua opinião, como poderia ser resolvido o problema do Tráfico?
Anexo 2
286
Temas para Fichas Temáticas
1. A corrupção policial
2. A função das Igrejas.
3. A impunidade sob a ótica da periferia
4. A influência e a presença das drogas no crime
5. A presença da polícia na área
6. A presença do traficante na favela e na periferia
7. A presença e atuação dos políticos na área
8. A presença e facilidade de obtenção de armamentos
9. A presença e função do Estado na sua área
10.A utilização de crianças pelo tráfico
11.A violência do bandido
12.A violência e o crime
13.A violência policial na periferia e favelas
14.Ameaças e intimidações por parte dos traficantes
15.As áreas mais violentas da Região Metropolitana de Campinas
16.As condições de vida da população em relação à violência e ao crime
17.As drogas mais usadas no tráfico
18.As facções do tráfico
19.As funções no tráfico
20.As garantias de segurança na área
21.Assistencialismo do traficante e do bandido
22.As exigências do Tráfico em relação à população.
23.Associações de bairros e o crime
24.Causas da violência e da criminalidade
25.Como prevenir a violência
26.Composição das famílias
27.Quais as causas da entrada de tanta gente para o tráfico?
28.Condições de vida da população nas favelas e periferias urbanas pobres
29.Depredações dos traficantes e da polícia
30.Discriminação social devido a área de moradia (dentro e fora dela).
31.Formas de violência mais comuns
32.Heroísmo do bandido
33.Influência e presença das drogas e o crime no cotidiano das pessoas.
34.Lei do silêncio e o crime.
35.O desemprego como fator de violência e crime
36.O medo na periferia e favelas e suas causas
37.Os tipos de violência e crimes mais comuns
38.Tiroteios, conflitos entre os membros do Tráfico e suas causas.
39.Toque de recolher e o crime.
40.Violência familiar e o crime.
287
Ficha de análise do discurso
A Polícia, o Crime e a População: o indizível e o impronunciável – Violência e Crime na Região Metropolitana de Campinas (estudo comparativo)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Antropologia) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Doutorando: Carlos Alberto da Cunha Almendra
Categoria de análise: A violência do bandido.
Região Metropolitana de
Campinas (século XIX)
Região Metropolitana
de Campinas (1990)
Região Metropolitana de Campinas (2006) Grande São Paulo Rio de Janeiro
Se por um lado a polícia
promovia batidas e prisões nos
biombos para combater a
"vagabundagem" e promover a
"higienização da sociedade",
por outro, muitos de seus
membros eram habituais
freqüentadores daqueles
espaços quase que públicos.
Era comum encontrar policiais
naquelas casas porque, afinal,
elas estavam ou deveriam
estar sob sua constante
vigilância. A presença dos
policiais no Largo do
Jurumbeval, tantas vezes
solicitada por muitos
campineiros, acabou gerando
descontentamento e até
mesmo reclamações, já que os
homens da lei muitas vezes
não viam mal algum em unir o
útil ao agradável. O célebre
biombo de Antonio Galhardo
era um de seus pontos de
reunião preferidos, bem como
os biombos de Martins
Espanhol e do liberto Lúcio,
"onde se juntam escravos e
mulheres de condição reles,
juntamente com praças de
linha e de permanentes que
fazem motim todos em
parceria" (Diário de Campinas,
13/10/1880, p. 2; 20/5/1883, p.
2) (citado por Martins, 2003:
03).
“Quando os jornais não se
referiam ao permanente mau
estado sanitário do
Jurumbeval, quase sempre
estavam às voltas com outras
ocorrências no largo como
prisões, brigas, desordens,
espancamentos, algazarras,
imoralidades, agressão e,
“...A gente ouve pelas
crianças, os próprios
funcionários que são do
bairro geralmente contam
do traficante que matou o
outro, final de semana
sempre sai alguma coisa e
aí chega segunda-feira a
gente ouve falar" (Mulher,
25 anos, Profissional de
ONG, citada em Barroso,
1997: 90)
"A grande maioria da
população está exposta
pelo fato de ter o tráfico na
região ...mas o grande
número de mortes é devido
ao tráfico” (Homem, 34
anos, Profissional de
Estatal, citada em Barroso,
1997: 100)
“As meninas estão com
medo de ir na escola
porque tem uma pessoa de
alta periculosidade que
está ameaçando um monte
de gente de morte, é um
tipo violência que gera uma
paranóia mesmo...”
(Mulher, profissional de
ONG, citada em Barroso,
1997: 111)
"Eu digo que é perigoso
porque no tempo que esse
filho meu era pequeno
(filho com 22 anos) eu saia
sozinha com ele nas
costas qualquer hora da
noite e ninguém bolia
comigo e hoje vai uma
moça ou mesmo uma
mulher casada andar no
meio da rua que é perigoso
levar um tiro ou levar ela...
“Cortar língua... Usar as próprias crianças para uso da droga... Espancamentos e mortes...”
(Psicóloga, Hortolândia, Secretaria de Saúde Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33
anos, 2006).
“Eu acho que os mais novoso os mais violentos” (Psicóloga, Hortolândia, Secretaria de
Saúde Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33 anos, 2006).
Para a maioria da população, a violência do bandido deve-se “Ao fato de valor da vida, que
ele aprendeu não... Ao perceber que a vida dele nunca teve valor, ele passou a
desvalorizar a vida. Não foi cuidado o tempo inteiro, não aprendeu a cuidar também. Não
valoriza a vida de ninguém porque não pensa que a dele tenha valor...” (Psicóloga,
Hortolândia, Secretaria de Saúde Municipal, Setor Infantil e Adolescência, 33 anos, 2006).
Eu acho que o mais jovem é mais violento. Até porque não tem nada a perder. E, se for
menor, pior ainda... E...” (Dr. Marcelo, Diretor da Guarda Municipal de Hortolândia, 40 anos,
2005)
Às vezes, os mais novos são mais violentos porque querem impor... Impor sua presença...
Tem os mais velhos... violentos, como também tem os novos...” (Coordenadora
Pedagógica, Escola Pública Municipal, 47 anos, Hortolândia, 2005).
“Eu nunca tive problemas com traficantes assim, com violência... Eles são educados...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37 anos, 2005).
“Aí eu acho que eles vão fazer de tudo para poder pagar o que eles devem. Eu tive um
primo, que ele foi... É... Ele foi... Ele se envolveu com droga... Ele foi assassinado... Só que
não no meu bairro... Encontraram ele morto em outro bairro... No caso dele, não sei se
chegou a ser traficante... Porque ele usava muito pouca droga... Mas, ele conhecia muitas
pessoas... Então, ninguém sabe... Polícia, com certeza, não foi...” (Moradora, Campinas,
Parque São Jorge, Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
“Os poucos casos que acontecem no meu bairro, não acontece no bairro. Por isso muitas
vezes a gente não fica sabendo... A gente, as vezes, fica sabendo notícia que morreu tal
pessoa... Mas, fica sabendo da notícia... Não é no bairro... É fora do bairro... (Silêncio
prolongado)...” (Moradora, Campinas, Parque São Jorge, Portaria de Escola, 30 anos,
2006).
“Eu acredito que seja a droga também... Se no caso alguém ficar devendo, alguma coisa...
Eles vão cobrar, nem que seja para pagar com a vida” (Moradora, Campinas, Parque São
Jorge, Portaria de Escola, 30 anos, 2006).
Acho que os mais novos são mais violentos, pois acho que acreditam que maior
impunidade. A inexperiência deve ser uma desvantagem e demonstrar insegurança não
deve ser bom neste meio” (Psicóloga, 30 anos, Ambulatório Municipal de Saúde Mental
Infantil, Hortolândia, 2006).
É, se aborrece... Mata mesmo... Teve uma morte lá... A morte de um cara lá novinho. Teve
“Ele [o criminoso] está certo da
impunidade. Vai fazer exatamente o que
fizeram os bicheiros aqui, no Rio, que
disseram assim: barato. Vocês
disseram em Minas que esse
empresário pode ser condenado a 30
anos por esse crime. Não é verdade. A lei
diz que pode chegar a 30 anos, mas ele é
réu primário, tem bons antecedentes
Nenhum juiz vai dar mais que 19 anos,
dos quais ele vai cumprir uns cinco. Está
barato para ele, você não acha, não? O
crime acontece porque a lei é a de custo e
benefício. Mas é barato para o criminoso e
muito caro para a sociedade. E o
bandido? Como percebe isso? Percebe
que tem mais força. Então ele avança e o
cidadão recua.” (Denise Frossard, juíza,
em depoimento-entrevista a Rodrigues,
2002: 2).
“Traficante X - No meu território, a ordem
é ser violento apenas com quem ameaça
a comunidade. O sujeito que rouba a casa
do trabalhador, que incomoda as
mulheres e as crianças. Esse a gente
pega firme e faz a nossa justiça dentro do
território e ninguém vai falar nada,
ninguém vai ver nada. Assim a gente é
respeitado pela comunidade. Mas, com o
sujeito que ameaça o nosso negócio e
não incomoda a comunidade a coisa é
diferente. Esse ai tem de ser corrigido fora
do território. Quem ameaça o negócio a
gente nunca sabe direito quem é, então
não pode correr o risco de trazer a polícia
para dentro da boca. Tem que fazer a
justiça fora”. (Lobato, 2002: 76).
Mesmo após a expulsão dos traficantes,
persiste a tensão. Uma mulher teve de
esperar autorização de traficantes para
chamar atendimento médico para o
marido, que havia sido esfaqueado
(Lobato, 2005: C
1
).
Como a vida no Tráfico é bastante curta,
"’Esses garotos não têm sonhos nem
perspectivas. Quando pegam nas armas
ficam fora de controle, fazem qualquer
coisa’, admite Simone Correa de Menezes,
presidente da Associação de Familiares e
Amigos de Presos e mulher do Professor,
fundador do Comando Vermelho. ‘Os mais
antigos, que estão em Bangu I, andam
preocupados’. Na noite de quarta-feira 12,
ISTOÉ entrevistou D., 44 anos, traficante
que já foi líder de uma favela da zona norte
e hoje está arregimentando um grupo de
20 homens, prestes a entrar em guerra
para recuperar o morro de onde foi
destituído. Ele confirma que os jovens são
mais sanguinários. ‘Esses garotos não
pensam em aumentar o lucro com a venda
de maconha e cocaína. Querem
barbarizar, formar bondes que descem
para o asfalto para trocar tiros com PMs’,
afirma D. ‘Os jovens são mais violentos,
estão fora do controle dos comandos.’
(Alves Filho & Pernambuco, 2002: 137)
Aliás, a pesquisa de Dowdney (2003: 29-
32) é muito importante para nos permitir
conhecer a estruturação e a fisiologia da
área cujo cotidiano é organizado pelo
Tráfico, e, particularmente, para se
observar o comportamento dos antigos
traficantes e a forma como eles eram vistos
pelos moradores locais. Assim, os
traficantes respeitavam os moradores e os
valores familiares mais do que hoje; as
drogas eram vendidas de forma velada e
sigilosa, sendo seu acesso dificultado ou
interdito para a comunidade; não havia
ninguém armado ostensivamente nas
comunidades; não era permitido o uso de
drogas pelos consumidores nas frente dos
moradores; não era permitida a presença
ou utilização de drogas pelas crianças,
muito menos o porte de armas; não havia
uma organização tão eficiente como agora;
não vinha traficantes de fora da
comunidade; os traficantes eram bem mais
velhos e educados.
Anexo 3
27
muito raramente, assassinato”
(Martins, 2003: 02).
porque é perigoso"
(Mulher, 64 anos,
moradora 25 anos no
bairro, citada em Barroso,
1997: 126-127)
um rapaz que morreu lá, porque bateu num rapaz lá... Os dois era pequenos, o moleque
bateu no cara. Depois de muito tempo, o cara casou, tudo, estava num bar de Hortolândia,
esse cara que apanhou virou bandido, depois de muito tempo, encontrou o cara, entrou no
bar, olha o cara que bateu em mim quando era pequeno alí, entrou no bar e matou com oito
tiros na cabeça... Foi uma discussão, um empurrou o outro, o cara tirou a arma, deu na
cabeça... Andam [armados], também... Mas, não o do Tráfico, a molecada... A molecada
anda... Faz o rolê... Levam para o pagode, alguma coisa, tudo armado... Tudo armado. Na
Praça Poderosa, no Rosolém, vão todos armados... Molecadinha de 15 e 16 anos... Todos
armados... Um amigo meu, deu uma briga lá, ele correu, voltou com duas nove na cintura...
Duas nove na cintura... A molecada... E o sonho da molecada, eles falam, é arrumar um
trampo e comprar uma nove milímetros... . É o sonho né? O sonho com o tempo é comprar
um carro, mas antes uma nove... Quer a nove... É o sonho de todo mundo é ter uma
nove milímetros. A molecada quer arrumar um trampo para comprar uma nove... E a polícia
oferece... É... Tudo é canal... Tendo o canal, compra tudo...” (Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia, 2005).
“Agora, o cara que consumia, se ele não paga... Não é 50 reais, 100, 200 ou 300 reais...
Coisinha mínima... O cara não pagou, morre... Independente de quantidade... Quanto ele
deve... Nunca deveu, mas não pagou...” (Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em
Campinas, 2006)
“Se ele não ficou devendo nada... Eu tenho um amigo meu, que fazia esse tipo de coisa...
Ele trabalhou comigo... Ele fazia esse tipo de coisa... Entregava a droga... que ele saiu
desse serviço, não era consumidor... Ele fazia a entrega... Hoje, ele está bem, casou,
tem filho... Mas, nunca ninguém brigou com ele, ficou amigo dos cara e tudo...” (Motoboy,
45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
“Olha... O bandido mais novo, é que ele... Ele não tem... Se ele é de menor... Ele matando,
ele vai para a Febem... Então ele mata e... Fica por isso mesmo... Vai para Febem... De
ele foge... Agora, o bandido mais velho, ele vai pensar antes de atirar... Ou, se tiver
drogado... Ele não vai pensar... Ele vai atirar mesmo... Porque... Ele não sabe se... Quem...
Está agindo... Se o outro está com arma... Então acontece de sair esse tipo de disparo...”
(Motoboy, 45 anos, morador do Jardim Aurélia em Campinas, 2006)
“Quando alguém viola as leis do tráfico, o que acontece? Ah... Eles... Morre. Sim. Eles
fazem com as pessoas... a pessoa esquece... fez uma coisa errada hoje, hoje mesmo corre
até a pessoa... Ele deixa passar um, dois meses... chega a passar anos... Mas, assim...
quem fez esquece... mas quem levou, nunca esquece... Então, ai... acabam fazendo
alguma coisa... acaba matando...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, 2005).
“Tem muita morte por lá... Tem bastante. Agora, acalmou. Assim... Teve uma época que
teve muito... Agora acalmou um pouco... Mas, é assim... vira e mexe, morre uma pessoa...
Assim... Que nem... Quinta feira passada... É... Quinta feira retrasada... Duas semanas
atrás... Mataram um rapaz lá... que arrancaram a cabeça dele, tudo mais... Na semana
passada, mataram um menino... Assim, mataram um rapaz também lá... E... Toda
semana morria um monte... Agora morre um em cada semana... Já vi... mas matar, assim...
Mas, já vi muitas coisas... muitos corpos...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, 2005).
“Com os moradores não [são violentos]...
“A violência é entre eles... Assim... É... Tem muita... Tem muita briga por causa de ponto...
eles brigam demais... Porque é assim... Tem lugares assim... É uma rua... A rua de cima
tem um... na rua de baixo tem outro... Então... se, na rua de baixo está pegando movimento
da rua de cima, então dono da rua de cima fica bravo com o dono da rua de baixo... eles
brigam por isso... Chegaram a atirar e matar.” (Estudante, 17 anos, DIC-III, 2005).
“Eles tem... Eles tem... Eles não invade, mas... Se um atrapalhando o movimento do
outro... Assim... Eles tem que vender no mesmo preço... Se um abaixar o preço, tem que
avisar todos... Por que, se não avisar acaba tirando mais clientela pra ele que para o
outro... acabam brigando... Tem lei entre eles, né?...” (Estudante, 17 anos, DIC-III, 2005).
existe uma rotatividade bastante grande
no comando local, o que possibilita o
aparecimento de “donos” cada vez mais
jovens e mais violentos, o que acaba se
constituindo em uma fonte de grande
medo e tensão.
Pessoas da área vocalizam esse medo
que está atingindo todos os lugares, até
mesmo salas de aulas, pois, um homem
descreveu o medo que sentia numa sala
de alfabetização de adultos na região,
onde adolescentes do Tráfico apareciam
armados nas aulas, querendo aprender a
fazer contas para ascender hierarquia
do Tráfico, comprovando uma meritocracia
(Lobato, 2005: C
1
).
O Quitungo, área de conjuntos residenciais
do Rio de Janeiro que virou parte de um
complexo de favelas, com 50 mil
moradores, em Brás de Pina, em agosto de
2001, foi palco de uma violenta chacina,
com 13 pessoas assassinadas a tiros em
uma disputa entre facções rivais. Cinco
vítimas tinham menos de 18 anos e
comemoravam a ocupação da favela pelo
Comando Vermelho. Foram abatidas pela
facção ADA (Amigo dos Amigos). Os
moradores lembram que foram obrigados a
colocar os corpos em uma Kombi, recolher
restos de massa encefálica espalhados
pelo chão e lavar o sangue.
28
Ficha de análise do discurso
A Polícia, o Crime e a População: o indizível e o impronunciável – Violência e Crime na Região Metropolitana de Campinas (estudo comparativo)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Antropologia) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Doutorando: Carlos Alberto da Cunha Almendra
Categoria de análise: A violência policial nas periferias e favelas.
Região Metropolitana de
Campinas (século XIX)
Região Metropolitana de
Campinas (1990)
Região Metropolitana de
Campinas (2005)
Região Metropolitana de São Paulo/
Grande São Paulo
Região Metropolitana do
Rio de Janeiro
“A polícia deveria o
apenas cuidar do
patrimônio dos cidadãos e
manter a ordem, mas
exercer também um papel
educador da população
mais pobre. Assim como
ocorreu na Inglaterra
vitoriana, os policiais
passaram a reprimir
energicamente velhos
hábitos populares até então
tolerados, tentando impor
limites ao que seria aceito.
Como na Europa, esses
limites foram o resultado do
confronto entre o novo
padrão de conduta que se
constituía e antigas práticas
sociais ainda em voga na
sociedade (Storch, 1985
53
.
Citado em Martins, 2003:
2).
Desejava-se que a polícia
cumprisse um papel
educativo ao ditar regras de
convívio e coibir ações
consideradas impróprias.
Muitos dos encontros entre
policiais e populares eram
marcados pela violência:
era uma verdadeira
"pedagogia do cassetete".
Por volta do meio-dia de 20
de abril de 1886, a negra
Cândida lavava roupa no
chafariz do Largo do
Jurumbeval quando foi
"provocada por uns
moleques aos quais
respondeu com palavras
ofensivas da moral pública".
Por esse "crime" ou grande
"falta de educação",
acabou"presa por algumas
"A gente escuta cada história e
cada barbaridade, aqui
mesmo, não é possível que os
caras sejam tão ignorantes a
ponto de fazer isso, passam na
rua e porque é preto e pobre
a polícia age com a maior
desconsideração e falta de
humanidade. Sabe, eles trazem,
vem vender aqui pegam as
coisas roubadas e trazem aqui,
vem de helicóptero. .Tem uma
mãe que ficou de perna
engessada estava andando na
rua e a polícia fez o maior
escândalo, a maior humilhação.
Entram nos barracos, humilham
as mulheres, que vivem sozinhas
com os filhos, humilham as
crianças, entram nos barracos
apontando armas, é uma falta de
consideração, de educação. Em
nome da lei e da segurança. Que
lei? Que segurança? Quem gera
insegurança aqui é a própria
polícia” (Mulher, 44 anos,
profissional de ONG, citada em
Barroso, 1997: 110)
"... já aconteceu isso na frente da
minha casa, porque o menino é
moreno... o rapaz ia saindo do
portão da casa dele pra ir pra
escola, a polícia passou e viu
que o bolso dele estava
levantado, ele estava com a
carteira coitado, enfiaram a mão
no bolso dele pensando que
fosse revólver entende? Eles
não tem respeito...” (Mulher,
Moradora, 38 anos, citada em
Barroso, 1997: 147)
Essa truculência policial é uma
das mais freqüentes
Bom, eu já vi muitas pessoas
apanhando, sim... Mas, no meu caso
eu nunca apanhei, nem de meu pai
nem de minha mãe... Se me bater
eu conto ocorrência sim, exponho...
Em min nunca bateram, porque bate
em alguém é crime, né? Está no
Código Penal. É agressão, é lesão,
é 129...” (Prostituta, Centro de
Campinas, 37 anos, 2005).
Se ela vende [polícia] arma eu não
sei, mas, geralmente, eles pegam
arma... Eles sempre tem uma arma
fria... Sempre tem um cagoeta,
sempre tem um chantagista que eles
têm que apagar, né?... Lógico [que a
polícia mata]... Denúncia é um
tormento...” (Prostituta, Centro de
Campinas, 37 anos, 205).
Criança [a polícia] eu creio que não
[mata], né, mas, pirralho que fica por
aí... fumando droga, roubando,
fazendo arrombamento... Às vezes a
Polícia faz até o... Compra, né?...
Paga mais barato... Ou, pega....
Prende e manda eles embora... Tipo
assim: eles prendem os meninos e
tomam as mercadorias, né?... Às
vezes tem os policiais que não estão
na hora de trabalho e fazem a
receptação... Compram também...
Roupas... Furtos... Furtos...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37
anos, 2005).
“Geralmente a Polícia aborda
alguém e toma a arma dele, não é
isso?... Então... As vezes ele mela o
cara porque ele vai guardar para ele,
né?... Ele não faz ocorrência...
Guarda para seu uso pessoal, né?
Uso pessoal é o que eu falo... Para
ele matar alguém... Se ele precisar
A desconfiança da população paulista em relação à Polícia Militar e Civil, assim como em relação
à Guarda Metropolitana, é atestada em qualquer pesquisa, conversa ou levantamento de opinião.
Entretanto, nos últimos tempos, provavelmente conseqüência de uma depuração dos quadros,
quando os mais visivelmente corruptos foram extirpados das forças policiais, está havendo uma
recuperação da credibilidade como instituição. Isto nos permite dizer, e as pesquisas comprovam
isso, que o morador da cidade de São Paulo tem hoje mais confiança na Polícia Militar do que
quatro anos atrás, segundo pesquisa Datafolha, em dezembro último [2003], diante de um
policial militar, 41% dos paulistanos se sentem mais seguros do que com medo. Em 1999, essa
taxa era de 30%” (Redação, 2004: C
4
).
É evidente que, mesmo sendo de 41% o índice de aceitação da Polícia Militar, ele é
extremamente alto, visto que, a função precípua da atividade policial é proteger e servir e, se a
rejeição é tão grande, certamente a polícia não estão atuando da forma para a qual foi criada.
“Mesmo assim, a maioria (54%) tem mais receio do que confiança no corpo de segurança do
Estado. O índice é segundo menor desde 1995, quando o Datafolha iniciou esse tipo de consulta
ao paulistano. Outra característica importante desse medo: são, principalmente, os jovens (68%
dos que têm entre 16 e 25 anos) que o expressam.
Os próprios números da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo justificam o pavor. Em
2003, 756 civis foram mortos por PMs no Estado. Um crescimento de 39,74% em relação ao ano
anterior (541 casos). Na versão policial, as mortes foram supostamente em situação de
confronto” (Redação, 2004: C4).
Essa pesquisa do Datafolha permite-nos perceber que, na forma da Polícia Militar abordar as
pessoas, um componente racista e diferencial: a cor da pele justifica um tratamento
diferenciado. Quando se detalha essa informação pela cor auto-atribuída do entrevistado,
verifica-se que 86% dos homens que se consideram pretos já enfrentaram uma revista policial na
rua. Entre os brancos, 71% tiveram essa experiência. Entre os pardos, 82% (Redação, 2004:
C4).
Apesar da grande maioria dos moradores afirmar que nunca foi agredida fisicamente por um
policial (92%) ou verbalmente (80%), a mesma pesquisa mostra que, os relatos de agressões
físicas ou verbais aparecem mais fortemente entre aqueles que se dizem pretos. Os jovens
negros declararam que em média foram agredidos fisicamente 4,4 vezes. Os jovens brancos
têm uma média 50% menor -2,2 vezes” (Redação, 2004: C4).
Para a população periférica ou favelada de Salvador (BA), a força policial (tanto Civil como
Militar), é tão ou mais temida que os próprios bandidos. Estes, pelo menos, os conhecem e
agem quando alguém quebra as regras estabelecidas de relacionamento e, sempre, atingem
apenas a pessoa visada, já que todos conhecem todos. A situação em relação às polícias é
diferente. Ninguém conhece ninguém e, quando existe uma batida policial nessas regiões, os
policiais, por não conhecerem os moradores pessoalmente, acabam considerando todos como
bandidos
___
ou potencialmente bandidos
___
, atirando em todos indiscriminadamente. Além disso, a
descrença na “proteção” que, eventualmente, a polícia deveria proporcionar, é reforçada pela sua
quase completa ausência nos momentos em que necessidade para dirimir qualquer situação
delituosa. A presença de um maior número de policiais atenciosos e educados, constante nos
“Eram mais de 6 policiais e eu estava
sozinho” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Paulada, chute, pisam na cabeça,
tijolada, porrada na costela...”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Madeirada, chute na barriga, na
canela, paulada nas costas, chegava
a ficar inchado” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Espancamento nos órgãos genitais
e estômago” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Soco, chute, saco na cara, choque”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Paulada, arame na minha cabeça”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Fuzil na cara, tapa na cara. Cuspe
na cara, choque” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Me deram chute, porradas e
pegaram na pistola para me matar lá,
sorte que a minha arma era de
brinquedo” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Socos, chutes, bico, colocaram saco
na minha cabeça, me deram choque,
me empurraram de barranceira
arrastando, me viraram de cabeça
para baixo e enfiaram a cabeça num
balde” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Me levaram para a praia da luz em
53
STORCH, R. O policiamento cotidiano na cidade vitoriana. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 8/9, p. 7-33, 1985.
Anexo 4
29
praças que a maltrataram
com murros e pranchadas,
deixando-a toda
ensangüentada" (Diário de
Campinas,21/4/1886, p. 2.
Citado em Martins, 2003:
2).
Mas a ação da polícia
naquele lugar da cidade,
como em outros, nem
sempre ocorria sem
maiores resistências dos
populares. Ao prenderem
alguns indivíduos por
"terem se enganado na
medida e andarem pela rua
a dizer coisas feias", os
policiais enfrentaram o
protesto de vários amigos
dos presos que entenderam
ser a prisão um grande
desaforo. Uma patrulha
acabou dispersando o
grupo que se retirou
"atirando contra as praças
algumas pedras que não
acertaram" (Diário de
Campinas,21/11/1876, p. 2.
Citado em Martins, 2003:
2).).
Dessa forma, nas décadas
finais do século XIX e início
do XX, com a passagem do
trabalho escravo ao livre no
Brasil, ocorreu em
Campinas um processo de
higienização e controle
social, no qual a polícia
exerceu a função
pedagógica de "educadora",
e as classes populares,
vistas como perigosas, o
papel de "educandos".
Processo semelhante ao
que estava ocorrendo em
várias partes do território
nacional, na Europa e nos
Estados Unidos, com a
formação da classe
operária nas sociedades
industriais (Bretas, 1997
54
;
Chevalier, 1978; Jones,
1971
55
; Storch, 1985)
(citado por Marins, 2003:
02).
Em 12 de abril de 1888, o
subdelegado da Freguesia
de Nossa Senhora da
característica da ação da polícia.
"Em todo o Brasil, a polícia
militar continua a executar
sumariamente os suspeitos e os
criminosos. Em São Paulo, 18
pessoas são mortas pela polícia
por mês e no Rio a média é de
24. Muitas dessas vítimas vivem
nas periferias pobres e as
vítimas são dos grupos mais
vulneráveis: os pobres, os
negros e os sem-teto"
(PINHEIRO, 1997: 48-9) (148)
"O pior é que até os
trabalhadores para a polícia não
presta, até o trabalhador leva a
fama" (Homem, Morador, 22
anos, citada em Barroso, 1997:
148).
Entretanto, a grande contradição
ocorre quando, como último
recurso, a comunidade é
obrigada a solicitar a presença
da polícia, mormente quando o
traficante local está em guerra
com uma quadrilha vizinha e não
tem condições de garantir a
segurança e a tranqüilidade dos
moradores. Mesmo assim, a
presença da polícia é
considerada inócua visto
aparecerem quando o problema
se resolveu por si mesmo ou
quando a violência está
reduzida a níveis suportáveis no
cotidiano.
"A polícia vem aqui quando a
coisa preta, quando a coisa
marrom não vem não... Aqui
esse negócio não pra falar
assim pra você, mas é terrível a
polícia é o verdadeiro bandido.
Eu moro aqui mas não me
envolvo muito com isso, mas
depois a gente ouve a pessoa
falar, a polícia leva até uma certa
altura e diz vamos fazer um
acerto o que é que você tem aí?
Isso acontece e tem horas que a
gente revolta, chamam a gente
pra participar do seminário(de
municipalização da segurança} e
a gente vem embora porque
não tem futuro" (Moradora
matar... Você acha que um policial...
Não tem um policial ali que faz um
assalto... Não tem um policial...
Bandido existe em todos os lados...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37
anos, 2005).
Ah, tem um caso. faz um bom
tempo atrás. A Polícia foi pegar um
cara, que roubava carro, dar uma
geral nele. Mandaram ele deitar de
bruços e a Polícia matou ele.
Falaram que ele atirou... Um menino
de 16 anos Roubava carro...
era bem conhecido pela Polícia...”
(Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
A Polícia é o seguinte... é que eles
não gostam de gente que
trabalho para eles... É o seguinte...
Eles sabem quem é tranqueira e
quem não é... Quem anda com
tranqueira... Quem anda na ordem...
Sabem de tudo... Então, o menino
que dá muito trabalho para a polícia,
deixa rolar... Por que ou mata ou
leva preso... E esse moleque aí dava
muito trabalho para a Polícia... Dava
muito trabalho... Então pegou ele e
matou... Tem outro moleque que foi
na semana retrasada no meu bairro
lá... Ele, dava muito trabalho, estava
muito envolvido com tóxico,
mexendo muito com roubo de
carro... Faz tempo que estava
roubando aquilo... A gente não vai te
matar não, a gente vai te levar
preso” (Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
“Ah. Na véspera do carnaval, morreu
um amigo... Confundido. Com
traficante, confundido com... Até
hoje acho que é a polícia, porque
tinha um golzinho branco, quadrado,
parou um menino, que meia hora
antes parou um menino perto da
linha do trem, tavam atrás de um
menino com tatuagem no braço.
Revistaram os moleque e gritavam
assim: oh! aqui não é polícia, não,
aqui é bandido, não sei o que e
tal. Revistaram o moleque. Depois
de meia hora, meu amigo estava
subindo uma rua, estava de boné,
bairros mais ricos das cidades, é confrontada com a sua completa ausência
___
quando existe, são
aqueles momentos de conflagração e batidas
___
, ou em situações caracterizadas pela truculência,
desrespeito e falta de educação.
A Polícia Civil apresenta uma maior aceitação entre os moradores da periferia ou favelas em
relação à Polícia Militar. Isso se deve ao fato de que a Polícia Militar está sempre envolvida em
ações repressivas, invasões, assassinatos e mortes durante as batidas. Os PMs usam fardas,
cortes de cabelo militar”, armamentos pesados, andam em grandes grupos e se deslocam em
carros oficiais, facilmente identificados pelas sirenes ou pela própria pintura dos mesmos. A
Polícia Civil tem uma outra formatação, que tem uma relação mais estreita com os próprios
moradores, utiliza de informantes da comunidade muito frequentemente (X9 ou P2) e, quando
fazem qualquer ação, geralmente vão encapuzados. Não usam fardas ou carros oficiais, com
freqüência nem armamentos pesados e tem cortes de cabelo comuns. Isso faz com que sua
identificação, tanto como pessoa como entidade, fique esgarçada e se perca no turbilhão do dia-
a-dia.
Tanto uma polícia como a outro, acabam por receber e trabalhar com informações dos moradores
ou dos próprios bandidos. Pressionados pela lei do silêncio (que preserva os bandidos e a vida
de quem sabe”), os moradores dão informações aos policiais quando muito pressionados,
tanto pelos bandidos como pela própria polícia. A grande maioria das informações são fornecidas
pelos próprios bandidos, que delatam (“xisnoveiam”) os próprios comparsas, pressionados,
frequentemente, através de tortura, ou, para tirar vantagens pessoais. Assim, caracteriza-se o
pouco senso de solidariedade e hierarquia entre os membros das quadrilhas (Zaluar, 1994).
Independente das polícias, encontramos grupos de extermínio”, formados por policiais (sempre
encapuzados), ex-policiais e moradores comuns, que por uma soma
56
em dinheiro vivo, poderiam
eliminar qualquer tipo de desafeto, inclusive bandidos, atendendo pedidos de comerciantes ou
qualquer outra pessoa.
Essa polícia, no entender dessa população periférica ou favelada, é omissa, preconceituosa e
violenta, frequentemente compactuando com os bandidos. Isso contradiz a expectativa dos
moradores e gera mais insegurança e medo, atendendo as convocações de forma precária e
atrasada, diferente dos bairros mais ricos. Essa diferença está bem patente nos testemunhos da
população.
“A polícia aqui no bairro eu não sei o que anda fazendo (...) Tem um posto na frente... mas
estão resguardados lá... e o movimento como é que fica? Eu acho que era muito bom que a
polícia andasse nos lugares mais arriscados. Porque o nosso bairrozinho por causa do risco é
demais (...) É por isso que se dão as coisas e quando a polícia vem dar fé... passou o tempo!
Não nem mais tempo de dar jeito” (Doméstica, 72 anos, parda) (Machado & Noronha, 2002:
194).
“Os policiais deveriam fazer aqui como eles fazem em outros bairros. Eles dão segurança. Aqui
não, eles dão insegurança” (Professor primário, 22 anos, negro) (Machado & Noronha, 2002:
192).
A desconfiança com relação às polícias é reforçada quando os policiais não cumprem
minimamente seu compromisso de sigilo em relação aos denunciantes, o que dificulta ainda mais
a participação dos moradores na preservação da ordem e do bem comum.
“Outro dia uma mulher informou para a polícia onde a quadrilha estava fumando [maconha]... na
mesma hora a polícia chegou e disse: 'foi a mulher de toalha que falou'. ela ficou mal vista.
Eles não deviam ter dito isso. Quando não uma informação eles xingam, esculhambam... e
quando informa eles entregam. Como é que a gente vai ajudar a polícia? Não pode porque ela
não dá segurança nenhuma(...) E agora mesmo a gente nem pode falar, está se dando um caso
muito grave, eu tenho até medo de falar porque aqui se você não fala está seguro, se fala pode
levar um tiro... Agora tem aqui uma quadrilha que quem está ajudando é a própria polícia(...) E
não é esse caso não, tem vários e vários” (Professora primária, 38 anos, negra) (Machado &
Noronha, 2002: 196).
Ainda relacionado à falta de confiança na ação policial, vemos as suspeitas da população em
relação à conivência entre policiais e bandidos se concretizar nas falas dos próprios moradores,
São Gonçalo, me colocaram de
joelhos dentro do mato e apontaram
o fuzil para me matar. Botaram um
pneu e jogaram gasolina para eu
ficar com medo” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Paulada, soco na cabeça, no ouvido,
rosto, dentes, choque, tentaram me
enforcar com um saco plástico”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Porrada, chute, queimadura com
cigarro, esculacho...” (Tráfico no Rio
de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Espancamento, coronhada, chute,
perna de 3 (pau)” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Na primeira vez deram um tiro perto
do meu ouvido, chutes e tapa na
cara” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Soco na cabeça, pisão, apertar o
pescoço na porta, bico” (Tráfico no
Rio de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-
114).
“Apanhei de cabo de pistola. Tapa na
cara, chute na canela, torceu a
camisa” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Soco na cabeça, submarino
(algemam os braços para trás e
colocam a cabeça em um latão cheio
d’água), na delegacia” (Tráfico no Rio
de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Cuspiram dentro da minha boca”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Passaram o canivete no corpo,
bateram, enforcaram, enfiaram os
dois dedos no olho. Bater com o
punho fechado na nuca e no do
ouvido, martelada na cabeça”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Colocaram um saco na minha
cabeça (submarino), algemaram,
colocaram minha cabeça dentro de
um latão com água e tentaram me
54
BRETAS, M.L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
55
JONES, G.S. Outcast London: a study in the relationship between classes in Vitorian Society. Oxford: Oxford University, 1971.
56
Em 2002, girava em torno de R$ 1.000 reais, conforme Machado & Noronha, 2002: 192.
30
A força policial de
Campinas naqueles
tempos, além de "deixar a
desejar", na ótica de vários
de seus moradores, era
também considerada
insuficiente para atender a
uma cidade grande e com
importante população
escrava. Reiterados
pedidos de aumento do
contingente eram
encaminhados ao governo
provincial. Em 1882, criou-
se o Corpo de Urbanos,
uma polícia municipal que
veio somar-se com o Corpo
de Permanentes. Cf. Livro
de Correspondências
1881/1886, Arquivo da
Câmara Municipal de
Campinas, p. 22, 26 e 8”
(citado por Martins, 2003:
04).
conseqüências do crime. A
polícia tem que ser vista com
bons olhos e pra ser vista com
bons olhos ela tem que ter bons
olhos..." (Morador-militante, 43
anos, citada em Barroso, 1997:
149).
“Exatamente... Porque... O juiz, ele
vai receber tudo pronto ali... Mas o
calor da ocorrência... Aquele juízo
do fazer a ocorrência... Que vai estar
o calor... As testemunhas...
Extremamente ofendida... O crime...
A vítima... Quem vê... Quem recebe
aquela carga, é o polícia... Por isso
tem muitos problemas de droga...
Bebida alcoólica... Muitos policiais
que... Consumo... Não... Veja lá... A
polícia tem um hospital... a Primeira
Enfermaria... Que é... Droga lícita...
Álcool... Muitos alcoólatras... A
pessoa entra no alcoolismo, porque
recebe muita carga... Principalmente
nos crimes violentos... As pessoas
saem muitas vezes... Uma coisa, por
exemplo... muitos acham que o
policial é um ser humano que sai
matando e não sente nada... Não é
verdade... O policial se desestrutura
quando mata uma pessoa... Ele não
é um ser insensível... Ele tem
religião... Aprendeu a não matar...
Aprendeu todo aquele negócio...
Quando, em um tiroteio, ele mata
uma pessoa, o policial não fica
insensível como a turma acha que
fica... Entende?... Ele se
desestrutura... É preciso que o
comando tenha um cuidado
enorme... Porque, no primeiro
momento, quando é uma ação até
bonita, elogiada pela sociedade, ele
ainda tem aquele respaldo... A
sociedade o cumprimenta... Muito
bem... Prestou serviço... E, tal...
Mas, pouco a pouco, quando isso
passa... Geralmente ele vai ser um
alcoólatra... Ele não agüenta... Por
isso, o comando, muita vezes, retira
do policiamento... A pessoal foi para
uma assistência psicológica...
Porque precisa... Não porque...
Precisa, é uma ação correta... Tem
que ter uma assistência
psicológica... Porque a pessoa se
desestrutura... O policial se
desestrutura... Entende?... E se
deixar... Ele... Daqui a pouco, mais
outro... Daqui a pouco, mais outro...
O que que vai acontecer? Daqui a
pouco, a sociedade se volta contra
aquele policial... Aí, destrói ele mais
ainda... Com todo aquele julgamento
interno dele próprio mais o
julgamento da sociedade, nele
um monstro... O que ele faz? Ele
vira um monstro... Entende? Se ver
esses grandes bandidos que estão
na mídia... Se você procurar num
granfino... sapato tal... para não ser confundido com um ladrão. Você pode até não ser, mas se
tiver cara... eles oh! Agora a gente fica sem saber o que é cara de marginal [e] o que não é. É
uma situação muito insegura” (Cláudio, professor primário, 22 anos, negro) (Machado & Noronha,
2002: 192).
As ações policiais, de certa forma, concentram-se preferentemente na população mais jovem,
masculina, negra ou mulata, considerada como mais perigosa e irresponsável, que é abordada,
revistada, enquadrada, espancada e os jovens são mantida por longo tempo apoiados nas
paredes, com os braços e pernas abertos. Como não podem, nem devem, reagir contra o policial,
este aproveita de sua autoridade para bater antes de perguntar, instaurando o medo.
“A gente está aqui no bairro [e] chega um cara sem nenhuma formação de relações humanas,
dando tiros a torto e a direito. Então a gente não pode confiar na polícia porque [os policiais] são
violentos, são marginais, se aproveitam da farda até a paisana... eles pegam aqui os meninos de
Novos Alagados e batem, dão coronhada de revólver, dão murro, dão bicuda... e até pelo fato
deles serem polícia não vão revidar. A agressão da polícia aqui no bairro é muito freqüente”
(Paulo, 25 anos, branco, locutor de rádio, citado em Machado & Noronha, 2002: 192).
As ações policiais, de certa forma, concentram-se preferentemente na população mais jovem,
masculina, negra ou mulata, considerada como mais perigosa e irresponsável, que é abordada,
revistada, enquadrada, espancada e os jovens são mantida por longo tempo apoiados nas
paredes, com os braços e pernas abertos. Como não podem, nem devem, reagir contra o policial,
este aproveita de sua autoridade para bater antes de perguntar, instaurando o medo.
A polícia, dentro desse quadro geral, acaba por ter uma conceituação entre os moradores pior
que a dos marginais e bandidos.
“Quando chega quer que a gente dê conta, quer que fale, você não sabe mas é obrigado a falar e
dizer onde está... apanha... é xingado... eu acho que a polícia aqui faz mais medo do que os
marginais” (Luíza, 38 anos, negra, professora primária) (Machado & Noronha, 2002: 192).
Quando das batidas policiais e a região é transformada em praça de guerra, os policiais disparam
suas armas contra as casas sem se precaver de preservar os moradores das casas invadidas
pelos bandidos durante o confronto.
“Essa semana teve um assalto na barraca e os ladrões correram para cá. Na casa que eles
acharam aberta eles entraram. Então a polícia veio atrás, foi atirando sem saber quem estava na
frente. No ano passado teve um rapaz mesmo que morreu. Todo mundo aqui teve de ficar de
porta fechada porque a polícia foi atrás e acabou matando ele dentro da maré. Se tem uma
criança na frente passando... é capaz de tomar um tiro” (Sara, 22 anos, parda, estudante)
(Machado & Noronha, 2002: 192).
Como a única maneira de sobreviver durante os confrontos entre policiais e marginais é se
identificar, de pronto, como moradores, estes procuram apresentar boa aparência pessoal, não
circular em horários ou lugares freqüentados por bandidos ou áreas de confronto, apagar as
luzes durante tiroteios entre policiais e bandidos,
Mesmo recebendo freqüente proteção dos bandidos, a população aprova a repressão violenta
contra os mesmo por parte da polícia. Aquilo que eles não desejam para si preconizam para os
outros. Consideram ilegítima a violência cometida contra eles, pessoas honestas, e, legítima
aquela cometida contra os marginais. E, de certa forma, compreendem e aceitam a violência
policial cometidas contra eles, considerando, na maior parte das vezes, culpa da própria pessoa
inocente, que estava no lugar errado e na hora errada. Entende a violência policial como um mal
necessário para a própria preservação da integridade do policial que, não conhecendo direito os
moradores, tem que se cuidar para não ser atingido por alguém, confundido pelo mesmo com
pessoas sérias e honestas.
“Eu sempre me dei bem com a polícia. Porque é o seguinte, eu não faço nada a ela, ela não
pode fazer nada a mim. É como eu lhe disse também, as vezes as pessoas ficam em certos
lugares inconvenientes e as vezes elas são pegas pela polícia... são até espancadas(Joaquim,
56 anos, negro, pastor evangélico) (Machado & Noronha, 2002: 192).
“Ela [a polícia] vem fazer uma blitz, ela sempre, ela lida com tanta gente maliciosa, que ela
tem que quase ser, se tornar igual a pessoa, porque senão morre, você está entendendo onde eu
quero chegar, senão ela morre (...) Mas, a maneira como ela chega, ela faz assim como é que se
diz, ela acha que todo mundo é um [marginal] não é, então a maneira dela trabalhar é essa, mas
“... se o marginal quiser invadir a
comunidade, ele invade à noite que
tem menos morador na rua. E a
polícia invade a qualquer hora, ela
não respeita, e o morador fica no
mei (Morador de favela, Rio de
Janeiro)
“... o policial matou meu tio, meu
primo pequeno viu [...] quando ele
fez 17 anos ele entrou pra
bandidagem. Com 23 anos tava
morto” (Morador de favela, Rio de
Janeiro).
“A polícia o respeita ninguém que
mora no morro. Quem mora no
morro não presta. Para eles não
existe trabalhador” (Morador de
favela, Rio de Janeiro)
A violência policial é uma coisa
muito ria. Quando meu iro era
menor, se envolvia nisso [tráfico].
Ele tinha 12 anos. Não esqueço
uma vez que o policial entrou na
minha casa e meu iro o
estava. Ele virou para minha e e
falou assim:se eu pegar o seu filho
na pista eu vou matar seu filho, vou
encher a cara dele de tiro...’”
(Morador de favela, Rio de Janeiro).
A pocia vem dando tiro à tarde,
que é horário que criança tá
descendo pro colégio...” (Morador
de favela, Rio de Janeiro).
“Nosso medo é só esse, a polícia
chegar [...] porque a comunidade
sabe quem é morador e quem o
é, mas o policial não conhece”
(Morador de favela, Rio de Janeiro).
... se vier um policial ali, o próprio
morador que o é envolvido, não
trafica, trabalha, tem sua família, é
de bem, pode avisar, ‘ó, vindo a
polícia aí’” (Morador da favela, Rio
de Janeiro).
A polícia esculacha a
comunidade, eles esculacham nós
que é pobre. (Gerente de maconha,
22 anos, Rio de Janeiro).
A pocia arromba casa, rouba
casa, esculacha morador, a
comunidade não quer isso” (Vapor,
18 anos, Rio de Janeiro).
...se o marginal quiser invadir a
comunidade, ele invade à noite que
tem menos morador na rua. E a
polícia invade a qualquer hora, ela
31
matador... Elogiando, elogiando,
elogiando... Daqui a pouco, no
primeiro erro, tornou ele um
criminoso, e ele se desestrutura...
o comando... Eu fiz isso... É
importante... As pessoas... Não é
fácil a gente colocar ele de pé... Tem
que ter um acompanhamento
psicológico... O comando está
correto... Agora sim... Até 1974, até
1979, não tinha nada disso...
Quantos que a gente tinha que...
Segurar... Para a pessoa, não... Não
era fácil... “(Tenente-Coronel Élson
Roney Servilha, 56 anos,
Comandante da Polícia Militar na
Região Metropolitana de Campinas,
2006).
aí, eu não sou contra pelo seguinte: eu lhe pergunto, se não existisse a polícia, mesmo com as
falhas dela, o que seria da gente? Ela está aí, o camarada faz o que faz, e se ela não existisse?
(Joaquim, 56 anos, negro, pastor evangélico) (Machado & Noronha, 2002: 198).
“Muito violenta, ignorante. É polícia, por exemplo, a profissão deles eu sei, é para fazer
ignorância, mas não é com as pessoas, é com ladrão! E as vezes matam muitos inocentes, não
querem saber de nada, vão logo matando pessoas, eles agem com muita violência, são muito
violentos. Vão atirando não é, sei lá. Eu acho uma hora [que] eles estão certos porque ela [a
polícia] não quer morrer, se ela vir com mão abanando vai ter ladrão que vai meter bala nela.
eu não sei dizer” Jandira, 17 anos, parda, estudante) (Joaquim, 56 anos, negro, pastor
evangélico) (Machado & Noronha, 2002: 192).
A naturalização da violência ocorre a partir do momento em que ela é cometida em função da
necessidade de se pegar um bandido. Os estragos são sentidos, mas banalizados.
“Aconteceu uma morte aqui que até hoje não me sai da cabeça. Um cara marginal entrou na
casa de uma irmã quando a polícia chegou. Metralharam a casa da mulher toda, mataram todos
os filhotes de cachorro [por sinal muito numerosos no bairro], mataram a cadela, esburacaram a
televisão, geladeira... o que você imaginar... a sorte foi que não matou os filhos desta mulher
porque eles se esconderam debaixo da cama do quarto. Mas mataram o cara, metralharam de
toda a forma... assim que terminou amarraram um fio no cara e saíram arrastando do fim da
ponte até a frente da rua” (Cláudio, 22 anos, negro, professor primário) (Joaquim, 56 anos, negro,
pastor evangélico) (Machado & Noronha, 2002: 198).
Mesmo considerando a violência policial como uma coisa indesejável, as execuções sumárias
que ocorrem frequentemente nas batidas policiais e nos confrontos entre policiais e bandidos,
são relevadas pela população e consideradas necessárias, como punição para aqueles que são
tidos como irrecuperáveis e sem remédio.
“Eu acho certo porque se existe pessoas que se metem, que roubam, estupram, cometem crime,
são pessoas que devem ser eliminadas (...) prender ou dar fim mesmo, pronto, não mais
remédio. Eu sou totalmente contra a violência, mas nesse caso eu sou a favor (Maria, 49 anos,
branca, costureira) (Machado & Noronha, 2002: 200).
Após cada execução, percebemos uma luta pelo poder entre os membros remanescentes de
cada quadrilha. Essa luta se torna aberta, incluindo até mesmo lideranças de outras localidades,
a partir do momento em que o eliminado e antigo chefe não tinha deixado um sucessor
nomeadoe para isso preparado. Essas brigas acirram os ânimos dos marginais e aumentam a
insegurança dos moradores da área. As represálias dos sobreviventes ocorrem
instantaneamente, com o fechamento do comércio e instituições da localidade. É o toque de
recolher”, que todos obedecem.
Quando os bandidos mortos não usufruíam de posições de mando e chefia, são imediatamente
substituídos por outros jovens, sequiosos de participarem daquilo que, aos seus olhos, parece
uma atividade cheia de “glamour” e situações heróicas.
Freqüentemente os mortos ficam expostos ao sol por várias horas, o dia inteiro, exalando mau
cheiro e decompondo, sem que as autoridades apareçam para resgatar o corpo. Isso não é
encarado pela população como uma forma de servir de exemplo para as gerações mais jovens
que pretendem entrar para o tráfico e não como uma violação do cadáver e um caso de saúde
pública.
“...em área pobre não tem pressa nenhuma de pegar o corpo, ainda mais vagabundo ... vamos
deixar lá para o pessoal tomar exemplo.
“...todo mundo sabe que é um absurdo, por ser um lugar já sujo [com lixo acumulado e esgotos a
céu aberto] e se chegar uma pessoa de fora vê, o mau cheiro, o corpo no sol quente, a barriga
perto de estourar” (Pedro, 20 anos, pardo, estudante) (Machado & Noronha, 2002: 194).
“...ah, morte de vagabundo fica mofando aí, quando vem apanhar [os órgãos responsáveis] está
até fedendo, todo mundo apoia a morte deles, morreu fica (Osmar, 55 anos, pardo,
trabalhador aposentado) (Machado & Noronha, 2002: 194).
O máximo que pode acontecer, no caso de execução sumária de bandidos, é o morador achar
que, mesmo apoiando a matança, ela deveria ocorrer em outra localidade, longe do olhar das
crianças e jovens, que podem ficar traumatizados com o espetáculo.
não respeita, e o morador fica no
meio” (Morador de favela, Rio de
Janeiro).
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“...não deveriam matar os vagabundos no bairro, é muito feio... as crianças vêem... fica como
espelho e isso é ruim para a crianças... eles [os policiais] matam na frente das pessoas mesmo ...
eles deviam levar para outro lugar [e lá] a polícia dava um jeito (Osmar, 55 anos, pardo,
trabalhador aposentado) (Machado & Noronha, 2002: 194).
Os moradores lamentam o descaso com que a polícia trata as pessoas pobres da periferia, o que
dificulta a denúncia de abusos e fortalece a “lei do silêncio”, só que, agora, em favor dos policiais,
como se pode ver pelos relatos:
A presea do Estado nas áreas de favelas e periferias urbanas das grandes metrópoles
brasileiras concretiza-se nos centros de sde e nas escolas, assim mesmo de forma
preria e improvisada. O bro aramado do Estado, as Pocias, aparecem dentro de um
quadro truculento e repressivo, caracterizado pela invasão de resincias por parte dos
policiais e as invasões das grandes operações onde os habitantes das áreas visadas tem
que ficar em casa, escondidos, tal a violência empregada pela Polícia. Assim, configura-se
uma comunidade sem o menor amparo ou proteção dos óros blicos, rao pela qual,
comumente, essas comunidades se voltam para a assistência e protão que,
eventualmente, os traficantes podem oferecer. Sem alternativas, os moradores acabam
sendo cooptados pelo tfico, pelo menos, com o silêncio a respeito de suas atividades.
o que com isso os moradores apóiem ou aceitem prazerosamente a presença dos
traficantes, mas sim, levam em consideração que eles representam o mal menor: ... ruim
com eles [facções de droga], pior sem eles. Um casamento infeliz, mas necessário(Zaluar,
1983: 11; Zaluar, 1995).
Em relação à Polícia, vamos perceber uma repulsa total, sendo considerada corrupta e sem
moral: eles o defendem ninguém... Os policiais são todos corruptos e maltratam o morador.
Eles [a polícia] não tem moral na comunidade” (morador de favela, citado em Dowdney,
2003: 49). A auncia do Estado e o comportamento desabonador do seu representante, a
Polícia Militar, são detestados pela comunidade (Leeds, 1998: 243), mesmo não sendo
traficantes.
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