praças que a maltrataram
com murros e pranchadas,
deixando-a toda
ensangüentada" (Diário de
Campinas,21/4/1886, p. 2.
Citado em Martins, 2003:
2).
Mas a ação da polícia
naquele lugar da cidade,
como em outros, nem
sempre ocorria sem
maiores resistências dos
populares. Ao prenderem
alguns indivíduos por
"terem se enganado na
medida e andarem pela rua
a dizer coisas feias", os
policiais enfrentaram o
protesto de vários amigos
dos presos que entenderam
ser a prisão um grande
desaforo. Uma patrulha
acabou dispersando o
grupo que se retirou
"atirando contra as praças
algumas pedras que não
acertaram" (Diário de
Campinas,21/11/1876, p. 2.
Citado em Martins, 2003:
2).).
Dessa forma, nas décadas
finais do século XIX e início
do XX, com a passagem do
trabalho escravo ao livre no
Brasil, ocorreu em
Campinas um processo de
higienização e controle
social, no qual a polícia
exerceu a função
pedagógica de "educadora",
e as classes populares,
vistas como perigosas, o
papel de "educandos".
Processo semelhante ao
que estava ocorrendo em
várias partes do território
nacional, na Europa e nos
Estados Unidos, com a
formação da classe
operária nas sociedades
industriais (Bretas, 1997
54
;
Chevalier, 1978; Jones,
1971
55
; Storch, 1985)
(citado por Marins, 2003:
02).
Em 12 de abril de 1888, o
subdelegado da Freguesia
de Nossa Senhora da
característica da ação da polícia.
"Em todo o Brasil, a polícia
militar continua a executar
sumariamente os suspeitos e os
criminosos. Em São Paulo, 18
pessoas são mortas pela polícia
por mês e no Rio a média é de
24. Muitas dessas vítimas vivem
nas periferias pobres e as
vítimas são dos grupos mais
vulneráveis: os pobres, os
negros e os sem-teto"
(PINHEIRO, 1997: 48-9) (148)
"O pior é que até os
trabalhadores para a polícia não
presta, até o trabalhador leva a
fama" (Homem, Morador, 22
anos, citada em Barroso, 1997:
148).
Entretanto, a grande contradição
ocorre quando, como último
recurso, a comunidade é
obrigada a solicitar a presença
da polícia, mormente quando o
traficante local está em guerra
com uma quadrilha vizinha e não
tem condições de garantir a
segurança e a tranqüilidade dos
moradores. Mesmo assim, a
presença da polícia é
considerada inócua visto só
aparecerem quando o problema
já se resolveu por si mesmo ou
quando a violência já está
reduzida a níveis suportáveis no
cotidiano.
"A polícia só vem aqui quando a
coisa tá preta, quando a coisa tá
marrom não vem não... Aqui
esse negócio não dá pra falar
assim pra você, mas é terrível a
polícia é o verdadeiro bandido.
Eu moro aqui mas não me
envolvo muito com isso, mas
depois a gente ouve a pessoa
falar, a polícia leva até uma certa
altura e diz vamos fazer um
acerto o que é que você tem aí?
Isso acontece e tem horas que a
gente revolta, chamam a gente
pra participar do seminário(de
municipalização da segurança} e
aí a gente vem embora porque
não tem futuro" (Moradora
matar... Você acha que um policial...
Não tem um policial ali que faz um
assalto... Não tem um policial...
Bandido existe em todos os lados...”
(Prostituta, Centro de Campinas, 37
anos, 2005).
“Ah, tem um caso. Já faz um bom
tempo atrás. A Polícia foi pegar um
cara, que roubava carro, dar uma
geral nele. Mandaram ele deitar de
bruços e a Polícia matou ele.
Falaram que ele atirou... Um menino
de 16 anos Roubava carro... Aí já
era bem conhecido pela Polícia...”
(Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
“A Polícia é o seguinte... é que eles
não gostam de gente que dá
trabalho para eles... É o seguinte...
Eles sabem quem é tranqueira e
quem não é... Quem só anda com
tranqueira... Quem anda na ordem...
Sabem de tudo... Então, o menino
que dá muito trabalho para a polícia,
deixa rolar... Por que ou mata ou
leva preso... E esse moleque aí dava
muito trabalho para a Polícia... Dava
muito trabalho... Então pegou ele e
matou... Tem outro moleque que foi
na semana retrasada no meu bairro
lá... Ele, dava muito trabalho, estava
muito envolvido com tóxico,
mexendo muito com roubo de
carro... Faz tempo que estava
roubando aquilo... A gente não vai te
matar não, a gente vai te levar
preso” (Membro do PCC, estudante
universitário, 27 anos, Hortolândia,
2005).
“Ah. Na véspera do carnaval, morreu
um amigo... Confundido. Com
traficante, confundido com... Até
hoje acho que é a polícia, porque
tinha um golzinho branco, quadrado,
parou um menino, que meia hora
antes parou um menino perto da
linha do trem, tavam atrás de um
menino com tatuagem no braço.
Revistaram os moleque e gritavam
assim: oh! aqui não é polícia, não,
aqui é bandido, não sei o que lá e
tal. Revistaram o moleque. Depois
de meia hora, meu amigo estava
subindo uma rua, estava de boné,
bairros mais ricos das cidades, é confrontada com a sua completa ausência
___
quando existe, são
aqueles momentos de conflagração e batidas
___
, ou em situações caracterizadas pela truculência,
desrespeito e falta de educação.
A Polícia Civil apresenta uma maior aceitação entre os moradores da periferia ou favelas em
relação à Polícia Militar. Isso se deve ao fato de que a Polícia Militar está sempre envolvida em
ações repressivas, invasões, assassinatos e mortes durante as batidas. Os PMs usam fardas,
cortes de cabelo “militar”, armamentos pesados, andam em grandes grupos e se deslocam em
carros oficiais, facilmente identificados pelas sirenes ou pela própria pintura dos mesmos. A
Polícia Civil tem uma outra formatação, já que tem uma relação mais estreita com os próprios
moradores, utiliza de informantes da comunidade muito frequentemente (X9 ou P2) e, quando
fazem qualquer ação, geralmente vão encapuzados. Não usam fardas ou carros oficiais, com
freqüência nem armamentos pesados e tem cortes de cabelo comuns. Isso faz com que sua
identificação, tanto como pessoa como entidade, fique esgarçada e se perca no turbilhão do dia-
a-dia.
Tanto uma polícia como a outro, acabam por receber e trabalhar com informações dos moradores
ou dos próprios bandidos. Pressionados pela “lei do silêncio” (que preserva os bandidos e a vida
de “quem sabe”), os moradores só dão informações aos policiais quando muito pressionados,
tanto pelos bandidos como pela própria polícia. A grande maioria das informações são fornecidas
pelos próprios bandidos, que delatam (“xisnoveiam”) os próprios comparsas, pressionados,
frequentemente, através de tortura, ou, para tirar vantagens pessoais. Assim, caracteriza-se o
pouco senso de solidariedade e hierarquia entre os membros das quadrilhas (Zaluar, 1994).
Independente das polícias, encontramos “grupos de extermínio”, formados por policiais (sempre
encapuzados), ex-policiais e moradores comuns, que por uma soma
56
em dinheiro vivo, poderiam
eliminar qualquer tipo de desafeto, inclusive bandidos, atendendo pedidos de comerciantes ou
qualquer outra pessoa.
Essa polícia, no entender dessa população periférica ou favelada, é omissa, preconceituosa e
violenta, frequentemente compactuando com os bandidos. Isso contradiz a expectativa dos
moradores e gera mais insegurança e medo, atendendo as convocações de forma precária e
atrasada, diferente dos bairros mais ricos. Essa diferença está bem patente nos testemunhos da
população.
“A polícia aqui no bairro eu não sei o que anda fazendo (...) Tem um posto lá na frente... mas
estão resguardados lá... e cá o movimento como é que fica? Eu acho que era muito bom que a
polícia andasse nos lugares mais arriscados. Porque o nosso bairrozinho por causa do risco é
demais (...) É por isso que se dão as coisas e quando a polícia vem dar fé... já passou o tempo!
Não dá nem mais tempo de dar jeito” (Doméstica, 72 anos, parda) (Machado & Noronha, 2002:
194).
“Os policiais deveriam fazer aqui como eles fazem em outros bairros. Eles dão segurança. Aqui
não, eles dão insegurança” (Professor primário, 22 anos, negro) (Machado & Noronha, 2002:
192).
A desconfiança com relação às polícias é reforçada quando os policiais não cumprem
minimamente seu compromisso de sigilo em relação aos denunciantes, o que dificulta ainda mais
a participação dos moradores na preservação da ordem e do bem comum.
“Outro dia uma mulher informou para a polícia onde a quadrilha estava fumando [maconha]... na
mesma hora a polícia chegou e disse: 'foi a mulher de toalha que falou'. Aí ela ficou mal vista.
Eles não deviam ter dito isso. Quando não dá uma informação eles xingam, esculhambam... e
quando informa eles entregam. Como é que a gente vai ajudar a polícia? Não pode porque ela
não dá segurança nenhuma(...) E agora mesmo a gente nem pode falar, está se dando um caso
muito grave, eu tenho até medo de falar porque aqui se você não fala está seguro, se fala pode
levar um tiro... Agora tem aqui uma quadrilha que quem está ajudando é a própria polícia(...) E
não é só esse caso não, tem vários e vários” (Professora primária, 38 anos, negra) (Machado &
Noronha, 2002: 196).
Ainda relacionado à falta de confiança na ação policial, vemos as suspeitas da população em
relação à conivência entre policiais e bandidos se concretizar nas falas dos próprios moradores,
São Gonçalo, me colocaram de
joelhos dentro do mato e apontaram
o fuzil para me matar. Botaram um
pneu e jogaram gasolina para eu
ficar com medo” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Paulada, soco na cabeça, no ouvido,
rosto, dentes, choque, tentaram me
enforcar com um saco plástico”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Porrada, chute, queimadura com
cigarro, esculacho...” (Tráfico no Rio
de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Espancamento, coronhada, chute,
perna de 3 (pau)” (Tráfico no Rio de
Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Na primeira vez deram um tiro perto
do meu ouvido, chutes e tapa na
cara” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Soco na cabeça, pisão, apertar o
pescoço na porta, bico” (Tráfico no
Rio de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-
114).
“Apanhei de cabo de pistola. Tapa na
cara, chute na canela, torceu a
camisa” (Tráfico no Rio de Janeiro)
(Moreira, 2000: 113-114).
“Soco na cabeça, submarino
(algemam os braços para trás e
colocam a cabeça em um latão cheio
d’água), na delegacia” (Tráfico no Rio
de Janeiro) (Moreira, 2000: 113-114).
“Cuspiram dentro da minha boca”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Passaram o canivete no corpo,
bateram, enforcaram, enfiaram os
dois dedos no olho. Bater com o
punho fechado na nuca e no pé do
ouvido, martelada na cabeça”
(Tráfico no Rio de Janeiro) (Moreira,
2000: 113-114).
“Colocaram um saco na minha
cabeça (submarino), algemaram,
colocaram minha cabeça dentro de
um latão com água e tentaram me
54
BRETAS, M.L. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
55
JONES, G.S. Outcast London: a study in the relationship between classes in Vitorian Society. Oxford: Oxford University, 1971.
56
Em 2002, girava em torno de R$ 1.000 reais, conforme Machado & Noronha, 2002: 192.
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