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SUZI GARCIA HANTKE
A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO
NA PESQUISA COMUNICACIONAL BRASILEIRA
ECA/USP
SÃO PAULO
2006
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SUZI GARCIA HANTKE
A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO
NA PESQUISA COMUNICACIONAL BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao
Departamento de Jornalismo e
Editoração da Escola de
Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo com
vistas à obtenção do título de
Mestre em Ciências da
Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. José Marques
de Melo.
ECA/USP
São Paulo
2006
2
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BANCA EXAMINADORA
1. ___________________________________________
2. ____________________________________________
3. ______________________________________________
3
Este trabalho é dedicado a meus pais,
que me permitiram conhecer o gosto de aprender.
4
AGRADECIMENTOS
Durante o desenvolvimento desta pesquisa, muitas pessoas deram suas
contribuições – pontuais ou contínuas – ajudando nos alicerces da presente
dissertação. A cada uma delas, mais que meu agradecimento, deixo o
reconhecimento de que sem suas participações o que hoje é concreto
continuaria apenas como intencional:
Ao prof. dr. José Marques de Melo, que me deu o orgulho de tê-lo como
orientador e esteve prontamente à disposição para tirar as dúvidas que
surgiram no encaminhamento deste trabalho;
Ao jornalista Gaudêncio Torquato, que encontrou brechas em sua rotina
para me atender e cuja solicitude é proporcional à sua notoriedade, e também
aos funcionários de sua empresa, em especial à secretária Gislene, que
gentilmente encaminhou minhas solicitações de entrevista;
Às profas. dras. Margarida Kunsch e Gisely Hime, pelos comentários
realizados durante o exame de qualificação e que me ajudaram a acertar o
rumo da pesquisa;
Ao Paulo Bontempi, da secretaria de pós-graduação do Departamento
de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, pela dedicação com que assume o
papel de servidor público;
A Claudinei Spirandelli, por sua paciência e carinho com que
acompanhou as hesitações desta pesquisadora iniciante;
E, em especial, a meus pais, por tudo.
5
O homem é, pura e simplesmente, o ser que procura.
(George Simmel)
6
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo retomar a trajetória de vida do jornalista
Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, com ênfase em sua biografia
intelectual. A pesquisa possibilitou destacar as contribuições teóricas desse
autor para o campo do pensamento comunicacional brasileiro, concentradas,
em especial, em sua pioneira tese de doutoramento sobre jornalismo
empresarial e em sua tese de livre-docência. Nesses trabalhos, foram
sistematizados, respectivamente, a conceituação da natureza jornalística das
publicações empresariais e um novo modelo sistêmico de comunicação para as
organizações. A metodologia utilizada incluiu a técnica da história oral e da
pesquisa documental e bibliográfica.
Palavras-chave: Jornalismo empresarial, memória do pensamento
comunicacional, comunicação empresarial, história de vida, história oral
7
ABSTRACT
This work will retake the lifeline of the journalist Francisco Gaudêncio Torquato
do Rego, with emphases in his intellectual biography. A research helped to
show up the theoretical contribution of this author for the brazilian’s
communicational thoughts, concentrated, in special, about the pioneer thesis of
company’s journalism (his pos graduation’s thesis) and the free-teaching thesis.
In these works, were organized, respectively, the journalistic definition of
company’s publication and a new systemic model of communication for this
institutions. Oral history and documental and bibliographic research were used
as methodology of this work.
Keys Words: company’s journalism, communicational thoughts memory,
institutions communication, lifeline, oral history
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................11
Memória do Pensamento Comunicacional....................................................... 13
Capítulo 1 - AS RAÍZES DA PRODUÇÃO INTELECTUAL
1.1 – Reminiscências da infância...................................................................... 23
1.2 – Ambiente político...................................................................................... 25
1.3 – Formação erudita..................................................................................... 30
1.4 – O despertar da vocação jornalística......................................................... 34
Capítulo 2 – O JORNALISTA
2.1 – O início no jornalismo: com a estrela na testa......................................... 38
2.2 – Ascensão profissional.............................................................................. 41
2.3 – O aprendizado na Universidade Católica de Pernambuco...................... 43
2.4 – A experiência na Folha de S. Paulo......................................................... 45
2.5 – Jornalismo empresarial: a descoberta de um campo em formação.........52
2.6 – Docência: a experiência na sala de aula..................................................63
Capítulo 3 - O ACADÊMICO
3.1 – A pioneira tese sobre jornalismo empresarial...........................................70
3.2 – A inovação terminológica..........................................................................75
3.3 – Cenário da comunicação empresarial dos anos 1970..............................78
3.4 – De volta ao mercado: a construção de um modelo
para publicações internas..................................................................................81
3.5 – O modelo sistêmico proposto na tese de livre-docência..........................84
9
3.6 – Os conceitos de sinergia e da Teoria Geral dos Sistemas.......................87
3.7 – A comunicação no campo político............................................................90
3. 8 – A repercussão do pesquisador Gaudêncio Torquato na academia.........91
Capítulo 4 – O ANALISTA POLÍTICO
4.1 – A sistematização de conceitos no marketing político..............................96
4.2 – Migração planejada ................................................................................101
4.3 – Marketing político eleitoral: um capítulo à parte.....................................105
4.4 – Ampliação de foco: atuação como analista político..............................110
CONCLUSÕES................................................................................................116
BIBLIOGRAFIA................................................................................................121
APÊNDICE.......................................................................................................127
ANEXOS..........................................................................................................200
10
INTRODUÇÃO
Para quem trabalha com comunicação empresarial, os livros do
jornalista Francisco Gaudêncio Torquato do Rego estão entre as referências
bibliográficas principais sobre o assunto. Mesmo com a proliferação de títulos
sobre comunicação organizacional – área que conquistou definitiva importância
para as empresas –, as obras do autor continuam como clássicos para quem
procura aprofundar-se no campo da comunicação institucional.
Assim como para outros tantos jornalistas, a opção pela comunicação
empresarial, em meu caso, construiu-se a partir de um misto de oportunidade
ocasional e pragmatismo. Com o tempo, descobri o vasto alcance dos veículos
empresariais – principalmente os direcionados ao público interno das
organizações. Quando já somava sete anos de experiência, constatei: o que
começou como um acaso havia se transformado em uma escolha sedimentada
pela vivência profissional em diversas empresas, tais como Banco Mercantil de
São Paulo Finasa, General Motors do Brasil, Gráfica Pancrom, Natura, Abbott
Laboratório e Petrobras.
Desde o início de minha atuação nesse segmento, as obras de
Gaudêncio Torquato foram a forma encontrada para suprir os conhecimentos
sobre comunicação empresarial, desprezados pela graduação em jornalismo,
que, na década de 1990, quando a cursei, focava quase exclusivamente o
trabalho na grande imprensa. O livro Jornalismo empresarial, teoria e prática
(TORQUATO, 1984) foi, por um bom tempo, a principal referência de estudo.
Na Introdução, o jornalista situa como surgiu a obra:
Os conceitos e situações expostos neste trabalho resultam de
experiências acadêmicas, na universidade e na atividade
profissional. Em 1972, com a nossa tese de doutoramento, na
Universidade de São Paulo, sobre Comunicação e Jornalismo
Empresarial, procuramos sistematizar o campo, esboçando
uma teoria jornalística aplicada às empresas e um modelo de
trabalho para o planejamento e a execução de projetos
jornalísticos institucionais. A esse agregado conceitual,
11
juntamos observações de caráter eminentemente prático,
extraídos de cursos intensivos e de assessoria empresarial que
ministramos e orientamos por mais de 15 anos. O trabalho que
aqui se apresenta, pois, caracteriza-se por certa dualidade. De
um lado, o conceito, a história, a visão jornalística; de outro,
normas práticas para o ato de fazer (TORQUATO, op. cit.: 13).
Meu crescente interesse pelo assunto culminou em um projeto de
pesquisa de mestrado, apresentado à Escola de Comunicações e Artes da
Universidade da São Paulo, que a princípio tinha a intenção de se limitar às
contribuições de Gaudêncio Torquato à comunicação empresarial. A partir das
observações de meu orientador, prof. dr. José Marques de Melo, o projeto
ampliou os contornos e ganhou a estrutura de uma história de vida, com ênfase
na biografia intelectual do jornalista.
A pesquisa revelou o extenso trabalho por trás das obras que se
tornaram referência. O já citado livro Jornalismo empresarial, teoria e prática,
clássico que os profissionais de comunicação empresarial utilizam desde a
década de 1980, é fruto de sua tese de doutoramento defendida na
Universidade de São Paulo em 1973. A obra é um marco nos estudos da
comunicação no Brasil, já que foi o primeiro trabalho acadêmico sobre
jornalismo empresarial desenvolvido em uma universidade brasileira. Acenando
sua intenção de manter uma ponte entre a academia e o mercado, ele inclui um
capítulo para a tentativa de construção de um modelo direcionado a veículos
internos de comunicação de empresa.
É justamente esse diálogo entre universidade e mercado de trabalho a
principal característica da trajetória do jornalista
1
, o que explica a opção pela
forma como esta dissertação foi estruturada. O fio condutor da presente
pesquisa é o encaminhamento que o jornalista deu à própria vida. No primeiro
capítulo estão suas reminiscências da infância vivida em seminários do
Nordeste, base de toda sua história posterior. No segundo capítulo, é retomado
1
Gaudêncio Torquato construiu, conforme será exposto ao longo desta dissertação, sua trajetória de modo
a manter um contínuo diálogo entre universidade e mercado de trabalho. Para ele, essa opção se deu pelos
benefícios recíprocos oferecidos pelos dois lados. O prefácio de José Marques de Melo à obra Jornalismo
empresarial: teoria e prática enfatiza essa opção: “Seu mérito principal é o de romper a barreira entre a
atuação universitária e a empresarial, reunindo-as, confrontando-as, integrando-as” (ibidem: 10).
12
o início no jornalismo, com destaque aos principais trabalhos jornalísticos e aos
primeiros estudos sobre comunicação empresarial. A pioneira tese de
doutoramento sobre jornalismo empresarial e a de livre-docência, defendida em
1983 também na Universidade de São Paulo, são abordadas no terceiro
capítulo, no qual está destacado o surgimento da vocação de pesquisador
acadêmico. Sua faceta mais recente, a de profissional de marketing político e
analista político, é foco do quarto capítulo. Essa seqüência respeita a
cronologia de sua produção intelectual e repete o encaminhamento dado por
ele à sua trajetória.
Memória do pensamento comunicacional
Esta pesquisa tem por objetivo reconstruir a trajetória intelectual de
Gaudêncio Torquato, retomando suas obras mais significativas – tanto as
acadêmicas como as publicadas na imprensa –, tendo como problemática
evidenciar de que modo suas contribuições teóricas comprovaram-se
relevantes para os estudos de comunicação institucional.
Ao sistematizar a recuperação de seus trabalhos, tanto os jornalísticos
como os acadêmicos, esta dissertação insere-se na Escola Latino-Americana
de Comunicação, delimitação teórica adotada por José Marques de Melo, cuja
principal característica é a mescla de influências teóricas forâneas e brasileiras.
O sincretismo metodológico
2
(HOHFELDT; GOBBI, 2004: 87) permite a
utilização de diversos métodos de observação adaptados ao objeto em estudo.
Marques de Melo diagnostica como traços característicos do
pensamento comunicacional latino-americano “o hibridismo teórico e a
superposição metodológica” (MARQUES DE MELO, 2003: 73). Apesar da
multiplicação de pesquisas acadêmicas, a Escola Latino-Americana de
Comunicação ainda não conseguiu se impor como modelo teórico adotado
2
Uma das contribuições teóricas de José Marques de Melo ao campo da pesquisa comunicacional é a
legitimação acadêmica da existência da Escola Latino-Americana de Comunicação. Essa tese tem o
respaldo da Unesco e do Ciespal – Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a
América Latina (MENDEZ, 1999: 21). A Escola Latino-Americana de Comunicação caracteriza-se pela
soma de diversas contribuições metodológicas, numa “miscigenação” teórica.
13
pelas escolas de comunicação da região. É fácil ratificar essa constatação. No
Brasil, as universidades reservam espaço muito maior às teorias americanas e
européias. A Escola de Frankfurt e a Escola de Toronto, por exemplo, são
referenciais teóricos conhecidos dos alunos de comunicação e dos acadêmicos
da área. Já os autores da Escola Latino-Americana de Comunicação – à
exceção de Martín-Barbero – permanecem desconhecidos da maioria dos
formandos em jornalismo.
Os pesquisadores comunicacionais latino-americanos, a partir da
década de 1960, passaram a buscar uma maior independência em relação às
escolas européias e norte-americanas, construindo um perfil pessoal para as
pesquisas, mas mantendo o rigor metodológico (MENDEZ, 1999: 23). A própria
produção intelectual de Gaudêncio Torquato retrata essa característica. Ao
mesmo tempo em que dialoga com diferentes escolas teóricas, como a Teoria
Geral dos Sistemas, formulada por Ludwig von Bertalanffy, e o funcionalismo
de Harold Lasso
campo do pensamento comunicacional, e pelas dissertações e teses
produzidas por seus orientandos, ligados à Universidade de São Paulo (USP) e
à Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Tais trabalhos compõem um
mosaico de informações que ajuda a vislumbrar o perfil dos pesquisadores de
comunicação e a construir um quadro com o que há de mais relevante no
pensamento comunicacional brasileiro.
A metodologia escolhida para esta dissertação, desenvolvida sob a
forma de uma história de vida, inclui as técnicas da moderna história oral
4
e da
pesquisa bibliográfica e documental.
A utilização da história oral teve como referência a obra de Sônia Maria
de Freitas, História oral: possibilidades e procedimentos
5
(2002). A historiadora
é especializada em História Oral pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha,
e respeitada na comunidade acadêmica por sua vasta experiência com fontes
orais. Segundo a autora, “a história oral tem como suporte as lembranças,
evidenciando uma memória coletiva” (FREITAS, op.cit.: 52). No caso deste
trabalho sobre a trajetória intelectual de Gaudêncio Torquato, a memória
coletiva pode ser entendida como um recorte histórico feito por dois prismas: o
do jornalismo brasileiro praticado entre as décadas de 1970 e 2000 e o da
pesquisa acadêmica sobre comunicação empresarial. A história de Gaudêncio
Torquato reflete, em certo sentido, os questionamentos e a realidade vividos
por essas duas áreas ao longo das últimas quatro décadas.
A adoção da história oral como técnica justifica-se pela forma como esta
pesquisa foi estruturada, já que inclui também a consulta bibliográfica e
4
“Denominamos de moderna história oral àquela cujo método consiste na realização de depoimentos
pessoais orais, por meio da técnica de entrevista que utiliza um gravador, além de estratégias, questões
práticas e éticas relacionadas ao uso desse método” (FREITAS, 2002: 27).
5
O livro de Sônia Maria de Freitas serve como uma rápida introdução à técnica da história oral. A
intenção da autora não é aprofundar-se sobre o assunto, mas selecionar os principais pontos que norteiam
a história oral. Para esta dissertação, a obra foi importante por ajudar a delimitar o alcance dessa técnica,
esclarecendo ainda questões como a legitimidade da oralidade no registro de fatos. A história oral
enfrentou o preconceito da tradicional historiografia, que considerava apenas como registros legítimos os
escritos e alegava falibilidade das fontes orais. “Esses integram uma tradição historiográfica centrada em
documentos oficiais ou congêneres” (FREITAS, op. cit.: 35). Foi emprestado ainda de um outro campo de
estudo, o da psicologia social, o clássico de Ecléa Bosi, Memória e sociedade: lembranças de velhos
(BOSI, 1994) como obra inspiradora. O livro carrega a essência da história oral e expõe como uma
entrevista bem conduzida pode recriar a complexidade da vida de uma pessoa. O relato oral possibilita um
recorte fiel da visão do personagem sobre sua própria vida e com sua própria voz. “Nosso interesse está
no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida”, esclarece Ecléa na
Introdução da obra. Esse jogo do lembrar e esquecer, da seleção entre o eleito para manter-se como
lembrança e o esquecido, expõe a sutileza da história oral.
15
documental – fundamental em um trabalho que pretende refazer a trajetória
intelectual de um personagem. Essa concepção encontra amparo em Meihy,
que detalha o entendimento da história oral como técnica afirmando que, nesse
caso, os testemunhos orais assumem um caráter dialógico em relação a outras
fontes (MEIHY, 2005: 49).
Certas peculiaridades na coleta das informações foram impostas pela
técnica da história oral. A primeira questão enfrentada foi disciplinar a trajetória
de toda uma vida em uma série de entrevistas. Fiz uma divisão básica, que
acabou sendo o alicerce do texto final da dissertação. As entrevistas foram
marcadas com Gaudêncio Torquato, que reservou espaço em sua agenda
atribulada, sem as quais não seria possível realizar este trabalho. O roteiro de
cada uma foi desenvolvido de modo a não ultrapassar mais do que uma hora e
meia de conversa gravada. Todas as entrevistas foram realizadas na empresa
de Gaudêncio Torquato, a GT Marketing, localizada no bairro paulistano de
Moema.
O roteiro das perguntas foi centrado em cinco grandes temas. A primeira
entrevista, realizada no final de janeiro de 2005, foi especificamente sobre a
infância e as raízes familiares, assunto sobre o qual o jornalista discorreu com
gosto, não poupando detalhes e exibindo memória prodigiosa ao recordar
nomes de professores e de padres dos seminários onde cursou os estudos
primário e secundário. A segunda entrevista, sobre o início no jornalismo,
aconteceu no final de fevereiro e foi um pouco atribulada, já que realizada em
um dia especialmente atarefado para ele. A terceira foi marcada no final de
abril e concentrou-se na experiência no jornalismo empresarial. As lembranças
das publicações empresariais renderam, para minha surpresa, a conversa mais
empolgada, percebida como reflexo do orgulho que Gaudêncio Torquato tem
do campo que não só ajudou a sistematizar academicamente, mas também a
profissionalizar no país. No início de julho, uma nova entrevista foi feita com
foco nas teses de doutoramento e livre-docência. Esse encontro coincidiu com
um momento problemático para a política nacional, com as denúncias
colecionadas pelo governo federal. O jornalista foi sintético nas respostas,
talvez pelos inúmeros pedidos de órgãos de imprensa que, naquele momento,
chegavam para que comentasse a crise política. Acabou sendo possível a
16
realização da quinta e sexta entrevistas apenas após a defesa deste trabalho,
que aconteceu em abril de 2006. No mês de maio de 2006, Gaudêncio
Torquato me recebeu mais uma vez em seu escritório para falar sobre a
migração para o marketing político eleitoral. Em julho, finalmente a série de
entrevistas foi concluída com a realização do sexto e último encontro, cujo foco
foi a atuação como analista político.
Como as entrevistas reuniram informações que se mostraram centrais
na reconstrução da história de vida, considerei pertinente incluí-las
integralmente no Apêndice deste trabalho, até para torná-las disponíveis a
outros pesquisadores que, por ventura, se interessem em aprofundar algum
tema específico.
A história oral possibilita, segundo palavras de Sônia Maria de Freitas, “o
registro dos fatos na voz dos próprios protagonistas” (FREITAS, 2002: 15).
Interessante destacar que, no caso de um depoente acostumado à seleção de
informações – matéria-prima do trabalho de um jornalista –, as entrevistas
ganham em clareza, mas também podem perder em espontaneidade. Muitos
dos temas tratados certamente já foram objeto de reflexão de Gaudêncio
Torquato e, portanto, chegaram até esta pesquisa bastante racionalizados.
Exemplo disso é que, em muitos momentos, ele se deteve com rigor às datas
mencionadas, chegando a interromper as conversas para buscar registros e
indicar datas com precisão.
Paralelamente às entrevistas, fiz uma pesquisa bibliográfica e
documental
6
. O ponto de partida foi a leitura da tese de doutoramento,
Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa
de elaboração de um modelo para as publicações internas, primeiro trabalho
acadêmico no país sobre o assunto. Na tese, Gaudêncio Torquato refaz o
caminho do jornalismo empresarial no Brasil desde seu início – registrado com
quase um século de atraso em relação às primeiras publicações empresariais
norte-americanas e européias. A partir da análise comparativa dos veículos de
6
A pesquisa foi realizada na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, no Arquivo do Estado de São Paulo,
no Banco de Dados do jornal Folha de S. Paulo, na biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da
USP e no Acervo da Cátedra Unesco/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional.
Alguns materiais vieram do arquivo pessoal do jornalista, como o DVD com a entrevista de sua mãe,
dona Chiquita, o livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do Alto Oeste e exemplares dos Cadernos de
Comunicação Proal.
17
empresa produzidos no início da década de 1970, foram diagnosticadas as
características mais comuns das publicações, como número de páginas, opção
entre revista, boletim ou jornal, periodicidade e público-alvo.
Na época, o jornalismo empresarial brasileiro apoiava-se fortemente em
jornais voltados ao público interno. Para o público externo, o jornalista
encontrou, como principais veículos, balanços, relatórios e folders – realidade
bem diferente da atual, em que muitas empresas passaram a priorizar
justamente esse público, investindo em publicações requintadas como
ferramenta de comunicação externa.
No texto, estão registradas dúvidas sobre jornalismo empresarial, que,
àquela altura, ainda não tinham resposta, por se tratar de um campo que
apenas começava a crescer. A retomada da vida e obra de Gaudêncio
Torquato também espelha a evolução do jornalismo empresarial no Brasil.
A tese representou um avanço teórico-metodológico ao adotar para o
estudo da comunicação empresarial os conceitos da teoria jornalística e da
Teoria Geral dos Sistemas
7
, formulada por Ludwig von Bertalanffy e a partir da
qual o jornalista formata o entendimento da empresa como um sistema aberto,
sujeito a constantes trocas com seu meio – no caso, a sociedade. Em seus
estudos posteriores, é possível identificar a Teoria Geral dos Sistemas como
fundamentadora de suas análises.
A tese de Gaudêncio Torquato foi importante também por esclarecer
uma questão de natureza conceitual que, de certa forma, alimentava a
desconfiança em relação à comunicação empresarial: poderiam revistas e
jornais de empresa ser considerados práticas do jornalismo? Para sustentar
sua posição afirmativa, o autor recorre à teoria formulada pelo alemão Otto
7
Na base da Teoria Geral dos Sistemas está a idéia da realidade formada por um mosaico de entidades
sobrepostas e inter-relacionadas. Simplificando o conceito, cada uma dessas entidades é um sistema, que
pode ser entendido circunscrito a si mesmo ou em relação com outros sistemas. Se um sistema não recebe
influências das entidades ao seu redor e nem as influencia é considerado um sistema fechado. Ao
contrário, um sistema dito aberto mantém um contínuo intercâmbio com outros sistemas, realimentando-
se e reformulando-se constantemente em função das influências externas. No capítulo 3 desta dissertação,
a Teoria Geral dos Sistemas está explicada com maior profundidade, já que foi um dos alicerces da tese
de Gaudêncio Torquato.
18
Groth
8
, que estabeleceu os atributos atualidade, periodicidade, universalidade
e difusão como caracterizadores do jornalismo.
As publicações empresariais não deixam de ser veículos de
massa. Mas são canais jornalísticos? A natureza jornalística é
definida pelas características já apresentadas. As publicações
empresariais, enquanto veículos jornalísticos, devem ter
periodicidade, isto é, devem aparecer em intervalos sucessivos
e regulares. Precisam abastecer-se de fatos da atualidade que
forma o presente da empresa. Para assumir seu atributo de
universalidade, as publicações devem, em princípio, apresentar
informações sobre quaisquer áreas ou programas de interesse
da empresa e da comunidade. Por último, necessitam chegar
ao público ao qual se destinam, devendo, assim, ser difundidas
(TORQUATO, 1984: 40).
Ao optar por fazer do jornalismo empresarial objeto de estudo
acadêmico, Gaudêncio Torquato enfrentou o preconceito com que, nos
ideológicos anos 1970, a comunicação empresarial era vista – questão
abordada no terceiro capítulo desta dissertação.
Após a leitura de sua pioneira tese de doutoramento, parti para seus
livros, seguindo a cronologia do lançamento, conforme organizado na Tabela 1.
Essas obras serviram como fonte para o entendimento sistêmico da produção
do jornalista, mas não foram objeto de um estudo mais detalhado, sendo
citados no corpo do texto conforme a pertinência do desenvolvimento da
dissertação.
TABELA 1
TÍTULO ANO EDITORA
Jornalismo empresarial, teoria e prática
1984 Summus Editorial
8
O teórico alemão Otto Groth direcionou seus estudos para legitimar a “ciência do jornalismo” como
uma ciência independente, cujo objeto de estudo é constituído pelos jornais e revistas. Esse objeto é
caracterizado por ele por quatro elementos: periodicidade, atualidade, universalidade e difusão (BUENO,
1972: 8).
19
Marketing político e governamental:
um roteiro para campanhas políticas
e estratégias de comunicação
1985 Summus Editorial
Comunicação empresarial, comunicação
institucional: conceitos, estratégias,
sistemas, estrutura, planejamento
e técnicas
1986 Summus Editorial
Cultura, poder, comunicação e imagem:
fundamentos da nova empresa
1992 Pioneira
A velha era do novo:
visão sociopolítica do Brasil
2002 G. Torquato
Tratado de comunicação organizacional
e política
2002 Pioneira Thomson
Learning
A última parte da pesquisa bibliográfica focou a tese de livre-docência,
defendida em 1983, também na ECA-USP: Comunicação e organização: o uso
de comunicação sinérgica para a obtenção de eficácia em organizações
utilitárias. No prefácio da versão em livro, o autor destaca que a obra
“representa o coroamento de minhas reflexões conceituais e o amadurecimento
de vivências profissionais, em campos diferenciados da comunicação a serviço
das organizações” (TORQUATO, 1986: 9).
A livre-docência rendeu outro trabalho pioneiro no estudo das
comunicações e foi alimentado pela experiência vasta que o jornalista, àquela
altura, já acumulava em comunicação organizacional. A atuação no Grupo
Bonfiglioli permitiu a ele redesenhar o modelo corporativo de comunicação,
resultando em uma estrutura que envolvia as diversas áreas da comunicação,
posicionadas como ferramenta estratégica para o alcance das metas
organizacionais. Esse projeto foi levado à academia sob a forma da livre-
docência de Gaudêncio Torquato.
Para a pesquisa documental, utilizada em grande parte no capítulo 2, fiz
uma seleção valendo-me, em primeiro lugar, da lógica da viabilidade. Apesar
de considerar importante a primeira fase do trabalho do jornalista em meados
dos anos 1960, ainda no Recife, na sucursal do Jornal do Brasil e no Jornal do
Commercio, tive de assumir as limitações de acesso aos registros desse
20
período. Optei por recuperar os suplementos especiais da Folha de S. Paulo,
que espelham uma época áurea do jornalismo interpretativo no Brasil. Também
selecionei trabalhos do início de sua atuação no jornalismo empresarial,
especialmente os publicados nos Cadernos Proal, periódico ligado à
Programação e Assessoria Editorial, empresa especializada em comunicação
empresarial da qual Gaudêncio Torquato foi sócio-fundador juntamente com
Manoel Carlos Chaparro, Luiz Carrion e Regina Célia Tassitano. Para registrar
essa fase que mescla a experiência na grande imprensa e no jornalismo
empresarial, separei ainda alguns artigos produzidos pelo jornalista para
publicações especializadas. Ainda que não represente, quantitativamente, uma
parcela significativa de sua produtiva carreira, essa tentativa de amostragem foi
adotada como forma de refletir o estilo do jornalista.
Ao incorporar as quatro entrevistas no texto final desta pesquisa, foi
possível experimentar a riqueza do diálogo entre as diversas fontes. Tanto os
depoimentos orais como a consulta bibliográfica e documental agregaram-se
complementarmente, trazendo informações inter-relacionadas. Muitos trechos
das entrevistas ajudaram a explicitar detalhes que embasam o entendimento
de como Gaudêncio Torquato desenvolveu suas contribuições ao pensamento
comunicacional. No capítulo 3, por exemplo, apenas a análise das teses de
doutoramento e de livre-docência seria suficiente para resgatar as
contribuições acadêmicas. Seu depoimento a respeito do assunto, no entanto,
possibilitou uma compreensão mais ampla dessas contribuições, já que foi
possível apreender o contexto no qual foram produzidas.
Ao iniciar esta dissertação, tentei encontrar uma maneira de evitar que a
pesquisa se reduzisse a uma simples hagiografia. Com um personagem cuja
obra é pioneira e cuja participação na comunicação brasileira é tão vasta, seria
tentador apenas enumerar seus feitos. Ainda que não tenha tido a pretensão
de produzir uma pesquisa analítica – que, no meu entendimento, fugiria aos
objetivos propostos –, procurei ao máximo ser fiel à trajetória do jornalista,
inclusive no que ela tem de aparentemente contraditório.
Outra informação que se faz necessária é que preferi, ao longo da
dissertação, usar Gaudêncio Torquato quando me refiro ao jornalista. Como
seu pai tinha praticamente o mesmo nome, optei por adotar Gaudêncio
21
Torquato do Rego nas referências paternas. Também, a despeito de suas
múltiplas atuações (jornalista, professor, pesquisador, analista político), escolhi
o termo “jornalista” para me referir a ele, profissão que, afinal, desencadeou
todas as outras.
22
CAPÍTULO 1: AS RAÍZES DA PRODUÇÃO INTELECTUAL
1.1 – Reminiscências da infância
Apenas retroceder ao início de Gaudêncio Torquato como profissional do
jornalismo ou como pesquisador acadêmico não permitiria uma visão completa
de sua trajetória intelectual. É preciso reconstruir suas origens familiares,
entendendo o contexto no qual nasceu e cresceu esse nordestino, que até
hoje, em seus textos, expõe a formação que teve na infância.
O jornalista que se notabilizou como Gaudêncio Torquato nasceu
Francisco Gaudêncio Torquato do Rego em 8 de abril de 1945, na pequena
Luís Gomes, cidade serrana do Rio Grande do Norte. Luís Gomes faz fronteira
com os Estados do Ceará e da Paraíba (FIGURA 1). Possui atualmente cerca
de 10 mil habitantes, mas, quando do nascimento do jornalista, pouco passava
de uma vila. Seu nome de batismo é a junção da variação do nome de sua
mãe, Francisca, e o de seu pai, Gaudêncio Torquato do Rego. Como mostrarei
adiante, a herança familiar vai muito além do nome e pode ser percebida
permeando toda sua atuação profissional.
Seu pai é personagem decisivo em sua trajetória. Na primeira entrevista
concedida para esta dissertação, Gaudêncio Torquato não poupou detalhes
para traduzir o papel que coube à figura paterna em sua formação.
Meu pai teve uma vida muito interessante porque praticamente
saiu do zero e construiu um grande patrimônio. Ele chegou a
Luís Gomes subindo a serra a cavalo, para ser assistente de
um grande comerciante da região. Ele simples, muito modesto,
era Rego, de uma família tradicional do Nordeste, e saiu de
Pau dos Ferros, cidade que dista 40 km de Luís Gomes. Meu
pai acabou comprando a parte desse comerciante e ficou
sendo dono de loja de cereais, depois de tecidos e começou a
construir um verdadeiro patrimônio, com fazendas de gado,
propriedades rurais, comércio, agricultura. Meu pai foi uma
pessoa, na época, realmente muito rica (TORQUATO, 2005a).
23
FIGURA 1
Era o ano de 1915 quando Gaudêncio Torquato do Rego, aos 20 anos,
deixa Pau dos Ferros para aceitar o convite de seu padrinho, Martiniano José
de Queirós, então o homem mais rico da região – latifundiário, pecuarista e
comerciante. Segundo descrito no livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do
Alto Oeste, de autoria de um compadre da família do jornalista, quando chega
a Luís Gomes, ele encontra uma modesta vila, com cerca de 90 moradias e
450 habitantes (FIGUEIREDO, 1981: 17). O tino comercial de Gaudêncio
Torquato do Rego logo o destaca. Em 1920, ele firma sociedade com o ex-
sócio de seu padrinho e 17 anos depois, em 1937, desfaz essa sociedade e
mantém sozinho o mesmo ritmo de progresso e dinamismo em suas atividades,
multiplicando capital (FIGUEIREDO, op. cit.: 19).
A riqueza gradativamente acumulada foi compartilhada por uma família
numerosa. Ao todo, seu pai teve 22 filhos
9
“legítimos”, como frisa Gaudêncio
9
Do primeiro casamento, com dona Nia, nasceram José Torquato de Figueiredo, Lindalva Torquato
Fernandes, Jader Torquato do Rego, Maria Nilce Torquato, Geraldo Torquato do Rego, Ivonildo Torquato
de Figueiredo, Maria Zélia Torquato Fontes, Luís Torquato de Figueiredo, Francisco Torquato do Rego,
Maria José Torquato do Rego e Raimundo Torquato de Figueiredo. Do segundo casamento, com dona
Chiquita, vieram Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, Ewerton Torquato do Rego, Ruth Nunes
24
Torquato, fruto de dois casamentos. Após a morte prematura da primeira
esposa, Nia, vítima de doença em 1942, Gaudêncio Torquato do Rego se
casou com a prima de Nia, Francisca, que se tornaria mãe do jornalista
Gaudêncio Torquato e de mais 10 filhos – que se somaram aos 11 já tidos no
primeiro casamento. Gaudêncio Torquato é o filho mais velho de Francisca, ou
dona Chiquita, como é mais conhecida.
O jornalista lembra que o pai era uma figura “emblemática” para a
região. No sertão do Nordeste, vestia paletó e gravata diariamente. A rigidez no
vestir espelhava a rigidez da conduta, exemplificada por costumes como o de
acordar os filhos diariamente às cinco da manhã para a ordenha do gado:
Os meninos ficavam no curral dos bezerros, ele ficava no curral
das vacas. Um frio danado, porque era serra... E ele exigia que
todos os dias fôssemos com ele. Meu pai era uma pessoa
muito rígida com horário. Às cinco da manhã tirava leite, depois
tomava café, ia trabalhar. Às onze, onze e meia, almoçava.
Diariamente tirava a soneca dele na espreguiçadeira durante
uma hora, ia pra a loja e à tarde voltava. Tudo regrado. Às seis
da tarde estava jantando e às sete, oito, estava dormindo.
Comia um prato de coalhada com rapadura por cima, costume
típico do interior. E nós tivemos essa aculturação (TORQUATO,
2005a).
1.2 – Ambiente político
Comerciante de destaque, além de proprietário de terras, Gaudêncio
Torquato do Rego não demorou a assumir atuação política – migração típica da
época, como atestado nos livros Coronelismo, enxada e voto: o município e o
regime representativo no Brasil (LEAL, 1975) e O mandonismo local na vida
política brasileira e outros ensaios (QUEIROZ, 1976). Referindo-se ao pai,
Torquato, Maria do Socorro Torquato Pinto, Enoé Nunes Torquato, Boanerges Nunes Torquato, Luciano
Nunes Torquato do Rego, Sara Nunes Torquato, Lázaro Nunes Torquato, Débora Nunes Torquato e
Eucária Nunes Torquato.
25
Gaudêncio Torquato não hesita em utilizar o termo “coronel”
10
, relembrando a
alcunha “coronel Gaudêncio”, pela qual era conhecido na região. O papel do
chamado coronel ia além da autoridade política. No referido clássico da
sociologia política brasileira, O mandonismo local na vida política brasileira e
outros ensaios, a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz concebe esse tipo
de liderança política como um “elemento socioeconômico polarizador”
(QUEIROZ, op. cit.: 164). No entendimento da autora, o coronel dividia os
indivíduos em grupos na estrutura social brasileira. Ser ligado a um
determinado mandatário definia, em grande parte, o papel que este agregado
poderia desempenhar:
Para o sitiante compadre do Coronel Fulano, estar o Coronel
Fulano em cima na política era estar o sitiante amparado e em
situação privilegiada, seus interesses se entrelaçavam por esse
lado com os do Coronel Fulano, embora ambos pertencessem
a camadas sociais diferentes (ibidem: 18).
A influência política dos Rego na região era antiga
11
e foi expandida a
cada geração. O pai chegou a ser prefeito de Luís Gomes e três irmãos do
jornalista, simultaneamente, tornaram-se deputados. A infância e a
adolescência de Gaudêncio Torquato foram marcadas pela vivência política,
numa época de relações radicais. A família era ligada à União Democrática
Nacional (UDN), partido que nasceu em 1945 da luta contra o Estado Novo de
Getúlio Vargas e aglutinava elementos aparentemente díspares. Na obra A
10
O termo “coronel” como designação de mandatário local é herança dos tempos da Guarda Nacional,
conforme destaca Barbosa Lima Sobrinho no prefácio do clássico Coronelismo, enxada e voto: o
município e o regime representativo no Brasil, de Victor Nunes Leal: “A Guarda Nacional, criada em
1831 para substituição das milícias e ordenanças do período colonial, estabelecera uma hierarquia, em
que a patente de Coronel correspondia a um comando municipal ou regional, por sua vez, dependente do
prestígio econômico ou social de seu titular, que raramente deixaria de figurar entre os proprietários
rurais”. Com o tempo, o termo “coronel”, que no início correspondia à patente militar, passou a nomear
quem se dispusesse a pagar o preço estipulado pelo poder público (LEAL, op. cit.: 13).
11
No livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do Alto Oeste, escrito sobre o pai do jornalista por um
compadre da família, está retomada a origem da ligação política dos Rego: “A influência política dos
Rego em Pau dos Ferros remonta aos tempos da Monarquia, pois os três primeiros nomes anteriormente
citados (Galdino Procópio do Rego, Teófilo Elpídio de Sousa Rego e Antonio Mariano da Costa Rego)
administraram naquela fase a referida comuna, como presidente da Câmara dos Vereadores, cumprindo
salientar que um deles, Galdino Procópio do Rego, foi também Deputado Provincial no regime
monárquico (Vigésima Legislatura – 1882/1883)” (FIGUEIREDO, 1981: 12).
26
UDN e udenismo: ambigüidades do liberalismo brasileiro (1981), a socióloga
Maria Victoria de Mesquita Benevides destaca cinco componentes que
moldaram o início do partido: as oligarquias destronadas pela Revolução de 30,
os antigos aliados de Getúlio Vargas que se viram marginalizados a partir dos
anos 1930, os participantes do Estado Novo afastados antes de 1945, grupos
liberais com forte identificação regional e representantes da esquerda de modo
geral.
(...) somente a conjuntura especial de fins de 1944 e começos
de 1945, fruto da galopante desagregação das forças
estadonovistas (e sob forte influência das mudanças na
situação internacional, em favor dos Aliados), poderia
proporcionar a união de elementos tão diversos, quando não
antagônicos (BENEVIDES, op. cit: 24).
Nas zonas urbanas, a UDN se firmou como um partido majoritariamente
de representantes da classe média, enquanto que, nas áreas rurais, o espaço
de liderança era ocupado pelos “coronéis conservados”. Essa preponderância
de coronéis nas zonas rurais acentuava a identificação conservadora
12
do
partido, que rivalizava na época com o Partido Social Democrático (PSD), de
linhagem igualmente conservadora e que aglutinava a maioria das forças
oligárquicas ligadas à economia rural-exportadora (MARANHÃO. In: FAUSTO,
1981).
Era uma época de debates virulentos e embates radicais. Gaudêncio
Torquato lembra que a casa de sua família foi, em muitas ocasiões, alvo de
bombas. “Vivemos muita política no sangue, na alma, na disputa, e isso me
trouxe uma vocação política, mas no conhecimento da política” (TORQUATO,
2005a). O pai, líder local, repetia o estilo clientelista característico da época. O
jornalista cresceu, portanto, em um ambiente no qual o clientelismo era a
moeda da liderança política. Essa concepção foi incorporada, anos mais tarde,
12
No ensaio O estado e a política “populista” no Brasil, de Ricardo Maranhão, publicado no livro
organizado por Boris Fausto, O Brasil republicano (1981), o discurso da UDN é descrito como
“conservador, reacionário ou de direita, embora empregue sistematicamente a estrutura do discurso
liberal”.
27
em seu livro Marketing político e governamental: um roteiro para campanhas
políticas (1985), focado nas campanhas em pequenas cidades do interior. Na
obra, Gaudêncio Torquato enumera, com crueza, o que considera
indispensável em uma campanha política:
(...) no interior está consagrada a lei da troca, do “toma lá, dá
cá”. Os votos são oferecidos na expectativa de um favor a ser
alcançado, podendo este contrato ser rompido quando uma
das partes não atende ao que foi estabelecido e, muitas vezes,
intermediado pelo cabo eleitoral. O atendimento significa, num
primeiro momento, ações no sentido de implementar o pedido,
mesmo que este não seja imediatamente atendido. Mas o
cumprimento da palavra dada é muito importante,
principalmente se o favorecido é um “grande eleitor”
(TORQUATO, op. cit.: 34).
O amparo que o coronel Gaudêncio oferecia a seus apadrinhados não
eram apenas as vendas “a fiado” – que recorrentes vezes não eram saldadas.
Seu papel de “elemento sociopolarizador”, para usar as palavras de Maria
Isaura Pereira de Queiroz (QUEIROZ, 1976), era exercitado em uma liderança
que ia além da política. Na cidade do polígono nordestino da seca, nos anos
1950, o alfabetizado coronel Gaudêncio servia de multiplicador das
informações publicadas nos jornais. Essa é uma das lembranças que fez o
jornalista se deter com mais atenção ao recordar sua infância: “Aos domingos,
meu pai reunia lá na loja dele o pessoal que vinha dos sítios. Ele passava a ler
o jornal em voz alta para as pessoas ouvirem. Ele era uma espécie de
intérprete da realidade política e social para os cidadãos dali” (TORQUATO,
2005a).
O interesse do pai por acompanhar a cena política nacional, mesmo
estando na Luís Gomes tão distante do centro dos acontecimentos, aplacava-
se com a leitura dos jornais vindos do Recife – invariavelmente atrasados. Era
o menino Gaudêncio Torquato quem ia até o correio da região buscar a pilha
de exemplares do Jornal do Commercio acumulados. A tarefa incluía ainda, em
casa, segurar a lamparina ao lado do pai para que ele lesse mesmo depois das
28
oito da noite, horário em que a energia da cidade era interrompida. A cena foi
escolhida por Gaudêncio Torquato para destacar sua relação com a
publicação, por ocasião dos 80 anos do Jornal do Commercio:
Meu pai, Gaudêncio Torquato (que utilizei como nome de
guerra – pois meu nome completo é Francisco Gaudêncio
Torquato do Rego), era assinante do velho jornal. Lá, em Luís
Gomes, cidadezinha do Rio Grande do Norte, na divisa com
Uiraúna (PB), de Luiza Erundina, e com o Ceará, o jornal
chegava pelo correio, sempre atrasado, em lombo de burro. E
lá ficava eu, criança de cinco, seis anos, segurando a
lamparina, quase dormindo, para meu pai ler uma montanha de
jornais atrasados. O pequeno motor que produzia a energia
estava sempre quebrado. Portanto, o contato com o JC
começou bem antes de escrever em suas páginas
(TORQUATO, 1999).
Em entrevista para esta dissertação, Gaudêncio Torquato disse acreditar
que sua vocação profissional nasceu do interesse do pai pelas informações
jornalísticas. O conhecimento de coronel Gaudêncio sobre política se nutria do
acompanhamento que fazia, mesmo a distância, da cena nacional.
Já o comerciante foi perdendo espaço. Em carta escrita para o livro de
Adolfo Paulino de Figueiredo, o jornalista lembra a decadência paulatina dos
negócios de seu pai:
Uma vez cheguei de férias e via-a (a loja) muito bem preparada
para as vendas de safra. Cheia, bonita. Vibrei. As secas, os
péssimos negócios, a sempiterna miséria do interior fizeram-na
morrer. Via-a, um dia, quase nua, prateleiras vazias, alguns
panos que eu sabia o velho nunca iria vender, pois eram
tecidos finos, de seda, restos de panos fora da moda, e quem
iria comprá-los? Poucos sabonetes na prateleira de miudezas,
claros por todos os cantos da loja. Nem mesmo aqueles panos
grosseiros, que eram chamados de arranca-toco (se não me
engano, uma mescla com esse nome), desfilavam mais pelo
29
canto direito do balcão. Eu sabia que a loja estava morrendo.
Eu senti também que as forças do velho começavam a
fraquejar por essa época. Ele e a loja eram uma simbiose, uma
ligação perfeita. A loja era o seu Quartel General, de onde
comandava as terras, o gado, os agricultores que trabalhavam
em suas terras. E onde, para distrair-se, fazia algumas vendas,
tecidos, cereais, rapaduras. Eu mesmo fiquei apavorado: que
seria dele sem a loja? Vendo-a em decadência, associei-a a
todo um desfecho de miséria que afastava o povo das lojas e
que foi o responsável, no final da década de 50 e nos anos 60,
pela morte das lojas de tecidos dos pequenos comerciantes do
interior do país (FIGUEIREDO, 1981: 50).
O entendimento completo do papel do pai em sua trajetória veio com a
maturidade. Gaudêncio Torquato lamenta que apenas pouco antes da morte
dele é que pôde começar a descobri-lo na totalidade. “Ele era muito fechado,
trancado. É um de meus arrependimentos não ter tido um contato mais estreito
com ele. Quando comecei a descobrir meu pai ele estava morrendo”, contou na
primeira entrevista a esta pesquisa. Em 22 de fevereiro de 1981, Gaudêncio
Torquato do Rego faleceu de infarto aos 86 anos.
1.3 – Formação erudita
Embora pareça que a liderança familiar tenha sido exercida unicamente
pelo pai, pelo espaço que as referências a ele ocupe nas lembranças do
jornalista, a mãe está longe de ter tido um papel apenas coadjuvante na vida
dos Torquato do Rego. Dona Chiquita era dona de casa – “a casa dos
políticos”, como destaca em depoimento gravado para a produção de um DVD
familiar em 20 de abril de 2004. Coube a ela, talvez, a decisão que mais tenha
deixado marcas na vida e na produção profissional e acadêmica de Gaudêncio
Torquato.
Católica fervorosa, dona Chiquita nutria a esperança de ter, entre seus
muitos filhos, um padre. Um dia, encontrou o pequeno Gaudêncio Torquato
30
brincando de missa, o que foi interpretado como um sinal, um milagre. A partir
daí, dona Chiquita escolhe um caminho diferente para a formação do menino: o
seminário. O pai concorda e investe na manutenção do filho no Seminário
Santa Terezinha, em Mossoró (RN), dirigido por padres holandeses e belgas.
Aos onze anos, em 1956, Gaudêncio Torquato deixa Luís Gomes, cidade na
qual não voltaria mais a morar.
Nesse seminário, o jornalista completou toda sua formação básica, do
quarto ano primário até os quatro anos do curso ginasial (correspondentes ao
atual ensino fundamental). O período entre 1956 e 1959 foi passado
praticamente todo dentro do internato. A família acompanhava a distância seu
crescimento, já que o estudante voltava para a casa dos pais, em Luís Gomes,
apenas nas férias. A formação cultural era rigorosa. Aos 11 anos, Gaudêncio
Torquato já começava a entrar em contato com grandes obras clássicas e com
os estudos de latim e grego. Essa formação erudita pode ser entendida como a
base que lhe permitiu uma produção jornalística e acadêmica diferenciada. A
familiaridade com os grandes pensadores é perceptível, mais claramente, em
seus artigos. Sua coluna semanalmente publicada no jornal O Estado de S.
Paulo, por exemplo, com freqüência traz a citação de algum filósofo ou escritor.
Abaixo, está selecionado um trecho, entre os muitos que poderiam exemplificar
como é exposta essa formação clássica:
Ó tempo! Ó costumes. Severino Cavalcanti, o novo presidente
da Câmara dos Deputados, promete a “alvorada de um novo
tempo”. Como o sábio Zaratustra, que anunciava, “entre uma
aurora e outra, uma nova verdade”. (...) A lembrança de Cícero,
na primeira Catilinária, vem a calhar: o tempora, o mores!
(TORQUATO, 2005: cad. 1 p. 2).
O seminário em Mossoró era o destino dos filhos de muitas famílias de
posse da região. Gaudêncio Torquato, ainda na primeira entrevista para esta
pesquisa, lembrou que todos os que freqüentaram o seminário saíram com
sólida formação religiosa e cultural.
31
Foi a melhor coisa que aconteceu, porque eu não queria ser
padre, mas lá tinha a melhor educação da região. (...) Foi uma
formação que eu diria fundamental hoje. Ela se reflete muito
em que eu escrevo. Escrevo um artigo semanal no Estadão,
que sai aos domingos, que tem muita coisa clássica, citações,
e tudo isso vem de lá. Meus escritos são cheios de historinhas,
filosofia, clássicos. Trago os pensadores da humanidade para
cá, para a modernidade. E tenho absoluta certeza de que isso
se deve a essa minha formação ginasial (TORQUATO, 2005a).
Aos 15 anos, para desgosto da mãe, conforme suas palavras,
Gaudêncio Torquato decide não prosseguir a carreira religiosa e se transfere
para um seminário menos rígido em João Pessoa, na Paraíba: o Colégio
Arquidiocesano Imaculada Conceição. Das recordações do ano em que passou
no seminário na capital paraibana, o jornalista guarda nítida a imagem da igreja
Nossa Senhora da Conceição de São Francisco, uma construção barroca. O
reitor, cujo nome é prontamente lembrado – Dom Luís Fernandes –, tinha, em
seus dizeres, “uma cultura mais moderna, mais progressista”.
O tempo em João Pessoa foi uma fase de transformações. Além das
próprias mudanças cronológicas – o menino já era na verdade um adolescente
–, o novo seminário permitiu uma maior integração com o mundo.
No ano seguinte, em 1961, Gaudêncio Torquato muda-se novamente,
dessa vez para o Recife, para cursar o segundo ano do colegial científico fora
de um seminário. O colégio escolhido é o Americano Batista. Recife era um
referencial conhecido para a família Torquato do Rego. Quatro de seus irmãos
haviam passado pela cidade para completar os estudos: José Torquato,
Ivonildo e Luís Torquato formaram-se em medicina no Recife, e Jairo, em
direito. Foi justamente o lugar do irmão Luís que foi ocupado na Casa do
Estudante.
A Casa do Estudante era um reduto da realidade bruta do
jovem. Todos os estudantes de todo o Nordeste ficavam na
Casa do Estudante. Era muito famosa e hospedou as melhores
32
figuras do Nordeste. Você pega essas figuras políticas, todas
passaram pela Casa do Estudante. Gente de diversos Estados.
Era uma casa de universitários. Eu peguei a vaga de meu
irmão. E convivi com muita gente que estudava medicina. Tinha
três, quatro pessoas no quarto (TORQUATO, op. cit.).
Os estudos deram uma formação erudita a Gaudêncio Torquato, mas
não criaram um abismo cultural entre ele e seus pais, como poderia ser, a
princípio, inferido. O pai é definido pelo jornalista como um autodidata.
(...) apesar da simplicidade, meu pai era uma pessoa que sabia
mais do que eu, muito mais, eu não sabia nada! (...) Meu pai
sempre teve perto dele os filhos todos formados, sempre
médicos perto dele, advogados. Viu os filhos crescerem e ele,
com uma autoridade, era uma pessoa que acompanhava tudo
na política. Ele sabia de coisas e passava para a gente os
conhecimentos da política. E nós todos tínhamos
evidentemente aquela formação mais específica, mas ele é
quem sabia (ibidem).
A opção pela educação dos filhos definiu a trajetória de toda a família. A
seqüência de estudos que Gaudêncio Torquato e seus irmãos viveram foi a
base de suas escolhas, de suas possibilidades. No livro de Adolfo Paulino de
Figueiredo, há uma passagem que reconstrói essa opção não pelo prisma dos
filhos, mas do contexto enfrentado por Gaudêncio Torquato do Rego:
Somente quem viveu naquelas paragens do Alto Oeste do
Estado, onde fica Luís Gomes, saberá compreender a
extensão do sacrifício que enfrentava um pai de família, em tão
priscas eras, na educação dos filhos. Não havia sequer um
ginásio na região. O mais próximo, ou pelo menos o mais
adequado, ficava em Mossoró, a 230 quilômetros de distância.
Para lá foi Gaudêncio encaminhando os primeiros filhos.
Depois, para os colégios e universidades de Recife, Maceió e
Natal. As estradas ficavam intransitáveis na época invernosa.
33
Muitas vezes os educandos tiveram de viajar em costas de
animais durante dois, três dias, até a parada de Muquém,
povoado de Mumbaça (atual cidade de Frutuoso Gomes);
outras vezes, até as cidades de Patu e Caraúbas, onde
apanhavam o trem para Mossoró, ou então via Sousa, na
Paraíba (FIGUEIREDO, 1981: 26).
Os estudos exigiram resignação de ambos os lados. A infância e
adolescência de Gaudêncio Torquato foram, como se viu, passadas distantes
dos pais e irmãos. Nos cinco anos em que esteve nos seminários, o contato
com a família era restrito ao período de férias escolares. Isso, no entanto, não
tornou mais frágeis os vínculos familiares. Ao contrário, ao falar de sua
infância, o jornalista dedicou longas lembranças à família: enalteceu em todos
os aspectos o pai, reservou à mãe uma visão menos completa, mas não menos
engrandecedora, fez questão de dizer o nome completo dos irmãos sempre
que algum pedaço de sua história os incluía.
O peso da distância da família, que carregou ainda criança, foi resumido
laconicamente durante a entrevista sobre sua infância: “Deu um certo trauma,
mas também me deu independência” (TORQUATO, 2005a). Talvez aí esteja a
verbalização do espírito do nordestino, que se recusa a esmorecer e que, ainda
hoje, é um dos traços mais característicos que Gaudêncio Torquato traz como
herança de sua primeira formação.
1.4 – O despertar da vocação jornalística
Durante toda a infância e adolescência, o pai do jornalista fazia questão
de que os filhos apenas se dedicassem ao estudo, sem trabalhar – à exceção
dos afazeres domésticos já relembrados, como a ordenha do gado. O dinheiro
era garantido pelo pai, que o enviava pelo Banco do Nordeste. Ao final da
adolescência, porém, o atraso no recebimento do dinheiro por problemas
bancários já não era mais tão facilmente relevado, nem a quantia, que
começava a ser insuficiente.
34
Nessa mesma fase, chega a hora de fazer a opção profissional. O pai o
estimula a seguir, como os irmãos, uma carreira tradicional, a engenharia. Mas
o jovem já havia sedimentado, gradativamente, uma ligação forte com as
humanidades. Ter estudado em seminários e tido uma formação voltada às
letras, às artes e à cultura clássica, segundo suas palavras, praticamente o
jogou dentro das ciências humanas. O segundo fator decisivo é lembrado pelo
próprio jornalista:
O fato de ter, como filho de Gaudêncio Torquato do Rego,
acesso a jornais desde pequeno, levando jornais para meu pai
ler, segurando jornais para ele ler, segurando a lamparina,
esse acesso físico, vamos dizer assim, aos jornais, de certa
forma tornou esse instrumento bastante próximo do meu dia-a-
dia. Meu pai queria que eu fizesse engenharia. (...) Eu quase
me rebelei. Vou fazer o que eu quero. Apesar de meu pai ter
me orientado a fazer engenharia, já que em casa tem três
médicos, advogados etc., eu disse não. Não é o que eu quero.
Vou fazer jornalismo e aí optei pelo vestibular na Universidade
Católica de Pernambuco (TORQUATO, 2005b).
A Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em meados dos anos
1960, já havia delimitado sua importância na história do ensino de
comunicação. O curso de jornalismo na Unicap foi instituído em 1961, o que lhe
conferiu o mérito de ser o primeiro das regiões Norte e Nordeste. Coube ao
jornalista Luiz Beltrão, primeiro doutor em comunicação no Brasil com a tese
defendida em 1967 na Universidade de Brasília sobre Folkcomunicação,
assumir a implantação e coordenação do referido curso. O convite a Beltrão
partiu do próprio reitor da universidade, padre Aloísio Mosca de Carvalho
(MARQUES DE MELO, 2003: 337). Padre Aloísio tinha uma ligação pessoal
Ao liderar a implantação do curso de jornalismo na Universidade
Católica de Pernambuco, Luiz Beltrão já somava trinta anos de experiência na
imprensa. Nesse tempo, moldou sua opinião favorável à formação superior em
jornalismo para quem quisesse exercer a profissão. Em sua visão, os jornais
apresentavam deficiências porque trabalhavam com mão-de-obra não
qualificada para a função. O curso superior ajudaria a suprir as carências com
as quais os jornalistas chegavam às redações.
Na sala de aula, Beltrão fez questão de unir teoria e prática, trazendo ao
país a experiência norte-americana da produção de um jornal laboratório. Para
ele, o curso deveria atender a três objetivos básicos: formar profissionais para
exercer, de modo amplo, a profissão; viabilizar a pesquisa sobre os processos
comunicacionais; e adotar laboratórios experimentais que tivessem o papel de
centros de renovação dos padrões jornalísticos.
O novo curso encontrou a mesma resistência dos veteranos das
redações verificada em outras escolas de comunicação que, àquela altura, já
estavam implantadas no país. A justificativa mais recorrente era de que o
jornalismo tinha de ser entendido como uma vocação, não podendo ser
ensinado tecnicamente.
Mesmo com essa resistência, Beltrão prosseguiu em seu intuito de
expandir a estruturação acadêmica da profissão. Em 1963, ele oficializou o
Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), entidade científica de sua
criação, em convênio com a Universidade Católica de Pernambuco
(MARQUES DE MELO, op. cit.: 158). O ICINFORM foi o primeiro centro de
estudo de mídia dentro de uma academia no país e reuniu estudiosos na área
de comunicação. Dois anos depois, em 1965, Beltrão deu mais um passo na
direção do aprofundamento do pensamento sobre comunicação e lançou a
primeira revista científica brasileira sobre temas comunicacionais, a
Comunicações & Problemas
13
.
13
A revista Comunicações & Problemas foi criada para ser um veículo de divulgação do ICINFORM
junto ao meio acadêmico. “Sua estrutura e o seu projeto gráfico foram inspirados na revista norte-
americana Journalism Quartely” (MARANINI, 1999). Além de trazer artigos sobre comunicação, a
Comunicações & Problemas publicava matérias sobre inovações tecnológicas da área e estudos
realizados no exterior. A revista teve 12 edições e deixou de circular em 1969.
36
É nesse ambiente de efervescência pedagógica, capitaneado por Beltrão
na Universidade Católica de Pernambuco, que Gaudêncio Torquato inicia sua
formação no jornalismo.
37
CAPÍTULO 2: O JORNALISTA
2.1 – O início no jornalismo: com a estrela na testa
Logo no primeiro ano do curso de jornalismo, em 1964, Gaudêncio
Torquato começa a se incomodar com as oscilações do rendimento garantido
por seu pai:
Meu pai me mandava um dinheirinho para o Recife pelo Banco
do Nordeste. Meu pai não queria que a gente trabalhasse
enquanto estudasse, mas eu passei a perceber com 17 anos
de idade que não dava para ficar esperando dinheiro porque às
vezes ele não chegava, ou porque ele não tinha suficiente para
mandar ou porque o Banco do Nordeste atrasava. E às vezes
ficava muito apertado, muito apertado mesmo. Vou ter que
trabalhar, me virar. E foi muito bom. Com 17 anos eu estava
ganhando meu dinheirinho. Com 17 anos eu estava fazendo
estágio (...) (TORQUATO, 2005a).
A entrada no jornalismo acontece no Diário de Pernambuco, onde o
jovem faz seu primeiro estágio. A experiência, contudo, não chega a empolgar.
Sua atividade restringia-se a traduzir telegramas e “copidescar” textos. Por isso
mesmo, ele credita à sucursal de Recife do Jornal do Brasil seu primeiro
trabalho efetivo. A estréia como jornalista na grande imprensa é relembrada
com detalhes que dão a dimensão da importância dessa passagem em sua
vida:
Um episódio muito interessante. Em 1964, por aí, eu cheguei
no Jornal do Brasil para fazer estágio, eu me lembro, para
conversar com uma pessoa lá, o chefe da sucursal, que se
chamava Paulo Rehder. Ele me viu e eu querendo saber como
seria o estágio. Ele imediatamente me disse: você vai pegar
38
essas laudas e vai para a Sudene perguntar para os
governadores do Nordeste se eles são favoráveis ou contra a
reforma agrária. Eu digo: onde é a Sudene? Eu não sabia de
nada. Era na praça. Cheguei lá em manga de camisa,
encabulado, 18 anos, um montão de lauda na mão. (...) Mas eu
vou ter acesso aos governadores do Nordeste? Era um troço
meio maluco, uma experiência muito arrojada para mim, mas
eu tinha que voltar para o jornal com a resposta, ou seja, eu
tinha que conversar com os governadores. Eu vi naquele
negócio a possibilidade de ter ou não ter sucesso. Eu fui com a
cara e a coragem (TORQUATO, 2005b).
Gaudêncio Torquato lembra ter conseguido, mesmo intimidado com a
situação, apresentar-se aos governadores e colher os depoimentos a que havia
sido designado. A primeira etapa da estréia na profissão estava cumprida.
Faltava a segunda parte:
Cheguei no jornal muito satisfeito e ele (Paulo Rehder) diz: faça
o lide da matéria. E eu digo: o que é lide? Lide é o primeiro
parágrafo com o quem, quê, como, quando, onde e por quê. Eu
fiz uma vez, não gostou, fiz a segunda, não gostou, a terceira
vez... Rasgou umas cinco ou seis vezes a matéria e na sétima
vez ele disse: pode passar o telegrama. (...) Isso foi em um
sábado. No dia seguinte, dez da manhã, estou na cidade.
Ainda morava na Casa do Estudante no Recife. Aí fui procurar
o jornal, quando eu vi a manchete do jornal “Governadores do
Nordeste apóiam a reforma agrária”. Estava assinada “sucursal
do Recife”. Minha primeira matéria em jornal! O Paulo Rehder
me disse: você entrou com o pé direito, a primeira matéria sua
virou manchete do jornal. Eu entrei no jornalismo com a estrela
na testa (TORQUATO, op. cit.).
O início profissional prenunciou, de certa forma, o caminho de rápida
ascensão que o jovem jornalista viveria nos anos seguintes. Após a experiência
39
no Jornal do Brasil, ele foi chamado para trabalhar no Correio da Manhã, onde
cobriu, principalmente, os movimentos rurais em Pernambuco. O jornal
dedicava grande espaço ao tema, com reportagens “quentes”, segundo a
definição de Gaudêncio Torquato. As matérias de Pernambuco eram bem
aceitas porque tratavam da questão do campo, e o Correio da Manhã, lembra o
jornalista, posicionava-se claramente contra a ditadura.
Era a época da formação dos sindicatos rurais, dos conflitos no campo.
E era também a época do início do regime ditatorial brasileiro. Gaudêncio
Torquato recorda que existia uma pressão para não se fazer as matérias
“quentes”. “Eu percebi que havia uma certa vigilância. Chegava-se a sentir
essa vigilância. (...) Eu tinha, de certa forma, um posicionamento bastante de
esquerda no jornalismo. E evidentemente esse posicionamento procurei
controlar para evitar confusão maior com a polícia” (ibidem).
Essa lembrança expressa como a censura, no período da ditadura,
introjetou-se na consciência das pessoas de tal forma que cada um carregava
potencialmente um autocensor, como na estrutura do Panóptico
14
idealizada
pelo pensador inglês Jeremy Bentham. De todas as recordações do jornalista
sobre seu trabalho na década de 1960 e início da década de 1970, essa foi a
única menção às dificuldades que ele, como jornalista, enfrentou na época da
ditadura. Vale destacar que essa questão não foi lembrada voluntariamente, e
sim proposta durante a segunda entrevista para esta dissertação.
O período no Correio da Manhã lhe valeu experiência na cobertura dos
conflitos rurais nordestinos. O jovem já tinha, àquela altura, uma meta bem
definida dentro da profissão. Seu sonho era trabalhar com Calazans
Fernandes
15
, “um jornalista vibrante do Nordeste” (ibidem).
14
“O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na
periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem
sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a
espessura da construção (...). Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um
louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (...) Tantas jaulas, tantos pequenos teatros
em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (...) Daí
o efeito importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade
que assegura o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 1989: 165).
15
Calazans Fernandes começou no jornalismo em 1948 e suas reportagens investigativas tornaram-no
conhecido especialmente no Nordeste. No jornal Diário de Pernambuco, pertencente ao grupo dos
40
2.2 – Ascensão profissional
Com o trabalho realizado no Correio da Manhã, Gaudêncio Torquato
começou a se tornar um nome conhecido no meio jornalístico da região e
acabou recebendo convites para atuar em outros veículos, como Jornal do
Commercio e na sucursal do Recife da Folha de S. Paulo. Naquela época, o
tempo de permanência diária nas redações era menor do que o atual,
permitindo que os jornalistas trabalhassem simultaneamente em diversos
jornais. Assim como seus colegas contemporâneos, ele chegou a trabalhar, em
1965, ao mesmo tempo no Correio da Manhã, no Jornal do Commercio e na
Folha de S. Paulo. Em cada veículo, experimentou diferentes possibilidades da
profissão. Se no Correio da Manhã sua cobertura concentrava-se nos conflitos
rurais, no Jornal do Commercio Gaudêncio Torquato pôde percorrer o Nordeste
para trazer o que a região tinha de mais característico. O jornalismo, no final
dos anos 1960, permitia extensas reportagens, fruto de apurações igualmente
longas.
Como repórter especial do Jornal do Commercio, o jornalista viajou pelo
Nordeste realizando matérias sobre a região, publicadas naquele mesmo jornal
que, quando criança, buscava no correio e via seu pai ler à luz da lamparina.
Ao relembrar esse trecho de sua história, Gaudêncio Torquato destaca, mais
uma vez, a figura do pai.
(...) quando meu pai viu minhas matérias em jornal, logo que
comecei, ele lia, adorava, ele reunia aquele grupo de amigos e
pessoas que iam visitá-lo ou fazer compras na loja. Ele pegava
e lia minhas matérias. Eu fui repórter especial do Jornal do
Commercio. Nessa época, eu viajava pelo Nordeste inteiro
fazendo matérias sobre a região, seca etc. Passei pela minha
região, fiz uma série de reportagens sobre a região.
Evidentemente essas reportagens tiveram uma repercussão
muito grande. Meu pai via aquelas reportagens mostrando as
Diários Associados, foi responsável pela coluna Alta Prioridade, na qual pôde desenvolver um jornalismo
analítico sobre a região nordestina.
41
figuras da região, a procissão. Então, de certa forma, foi uma
grande satisfação para ele me ver dentro do jornal que ele lia,
que era a paixão dele (ibidem).
O mesmo Jornal do Commercio que permitiu a Gaudêncio Torquato
esmiuçar a região onde havia nascido lhe deu a oportunidade de seu grande
salto profissional. Àquela altura, o jornalista já contava com um nome
consolidado na imprensa nordestina, a ponto de dispensar ser pautado,
esquematizando suas próprias matérias. Foi dessa maneira que começou uma
série de reportagens sobre esquistossomose, doença que tinha em
Pernambuco um dos maiores índices do mundo, segundo seu relato.
Em uma cidadezinha perto de Recife, São Lourenço da Mata,
praticamente 80% da população estava contaminada com
esquistossomose. Aquelas barrigas imensas. Os hospitais no
Recife tinham alas só para esquistossomose. Eu me interessei
em pesquisar esse fenômeno. (...) Eu percebi que havia uma
briga entre três pólos que cuidavam da doença: tinha os
clínicos, os patologistas e os cirurgiões. O clínico passa o
remédio, o remédio mata o bicho, mas o bicho encarna no
fígado. Aí os patologistas, quando iam verificar, verificavam que
o bicho estava encalhado no fígado e, quando esse encalhe
chegava a necrosar o tecido, a pessoa morria. (...) Entrevistei
patologistas de grandes universidades, clínicos e cirurgiões.
Então coloquei os médicos para brigarem entre si. Tem
reportagem dos patologistas, tem uma dos clínicos, dos
cirurgiões, tem uma reportagem dentro do hospital mostrando
como eles eram tratados, tem reportagem mostrando o ciclo do
esquistossoma. (...) Fui para a cidadezinha de São Lourenço
da Mata para mostrar a cidade toda doente (ibidem).
A série de reportagens sobre esquistossomose, publicada em 1966 no
Jornal do Commercio do Recife, foi merecedora do Prêmio Esso na categoria
Informação Científica. Adiante, será retomado o significado do Prêmio Esso na
42
trajetória de Gaudêncio Torquato. Nessa mesma época, ele desenvolveu um
trabalho de destaque também no jornal Folha de S. Paulo, integrando a equipe
que preparava os suplementos especiais – assunto abordado no item 2.4.
2.3 – O aprendizado na Universidade Católica de Pernambuco
Ao recordar seu início como jornalista, Gaudêncio Torquato detalhou
histórias como a primeira reportagem realizada ou a série vencedora do Prêmio
Esso (destacadas nos intertítulos anteriores), mas foi econômico nas
referências à faculdade de jornalismo. Na segunda entrevista realizada para
esta pesquisa, perguntado sobre sua escolha profissional, fez uma rápida
menção ao fato de ter entrado na Universidade Católica de Pernambuco:
Fiz o vestibular, passei e foi aí que conheci o Zé Marques, o
primeiro contato com ele foi lá, ele foi meu professor. Conheci o
Marques, o Luiz Beltrão por ocasião do meu curso de
jornalismo em Recife. Terminei em 1966, no ano do Prêmio
Esso (ibidem).
Depois dessa menção, durante boa parte da entrevista, sua memória
concentrou-se nas passagens profissionais, nas histórias das reportagens. A
segunda referência espontânea à vivência na faculdade de jornalismo se dá
após a recordação da primei
coube, por exemplo, numa das experiências com Luiz Beltrão,
entrevistar Dom Helder. Me lembro da faculdade, dos velhos
tempos, de alguns professores interessantes como Potiguar,
Amaro Quintas, Luiz Beltrão. José Marques de Melo estava
começando nessa época, era uma espécie de assistente de
Luiz Beltrão (ibidem).
Questionado sobre a vivência simultânea de aluno de jornalismo e
profissional da grande imprensa, Gaudêncio Torquato fez uma sucinta reflexão
do papel da faculdade na formação do jornalista. Para ele, a faculdade tem
importância muito maior no aspecto do embasamento cultural em comparação
ao aprendizado técnico.
Eu sempre achei interessante a faculdade do aspecto mais de
embasamento cultural. Porque a redação mesmo se aprende
na prática do jornal. Eu aprendi dentro do jornal, escrevendo. E
embasamento em história, filosofia, lógica, economia política,
acho que são cadeiras fundamentais. O embasamento técnico,
a faculdade realmente também ensina, dá o bê-á-bá no sentido
de lide, sublide, reportagem, jornalismo interpretativo, opinativo.
Depois fui professor de todas as disciplinas. Terminei a
faculdade. (...) Padre Aloísio Mosca de Carvalho, o nosso
reitor, era professor também. Da faculdade a experiência foi
essa (ibidem).
Esse curto resumo que Gaudêncio Torquato fez de sua experiência na
faculdade pode ser interpretado como reflexo do fato de ter, muito jovem,
destacado-se na carreira. A faculdade, não é difícil entender, ocupa um
segundo plano em sua memória, já que na época “competia”, por assim dizer,
com uma realidade mais dinâmica: a das primeiras reportagens, do convívio
com acontecimentos históricos, da atuação como testemunha ocular das
grandes questões nacionais.
44
Outro fator que deve ser considerado é a formação que o jornalista
obteve no seminário. Segundo seu relato, desde cedo ele entrou em contato
com autores clássicos de filosofia e literatura – uma base que pode ter se
sobreposto ao aprendizado na faculdade. Interessante destacar que, apesar de
enaltecer a linha prática adotada por Luiz Beltrão na Universidade Católica de
Pernambuco, Gaudêncio Torquato entende o embasamento cultural como o
papel a ser cumprido pelo curso de jornalismo.
Os três anos passados na faculdade dividiram, portanto, atenção com a
experiência cada vez mais ascendente na profissão. Tendo recebido o Prêmio
Esso no ano de sua formatura, ele ganhou “uma aura de competência”,
segundo suas palavras (ibidem). Nessa época, a função de repórter especial
no Jornal do Commercio era acumulada com a atuação na Folha de S. Paulo,
iniciada em 1965 nos suplementos especiais veiculados no Nordeste e dirigidos
por Calazans Fernandes – jornalista com o qual havia sonhado trabalhar e por
quem nutria forte admiração. Em 1967, com o sucesso dos suplementos
especiais que circulavam no Nordeste, o diretor da Folha de S. Paulo, Otávio
Frias de Oliveira, decide convidar Calazans Fernandes para fazer trabalho
semelhante em São Paulo – proposta prontamente aceita. Gaudêncio Torquato
é, então, chamado a integrar a equipe e se muda para a capital paulista.
2.4 – A experiência na Folha de S. Paulo
O trabalho nos suplementos especiais da Folha de S. Paulo é realizado
no auge do jornalismo interpretativo no país. Nas bancas era possível
encontrar títulos de alcance popular cujo principal apelo eram as grandes
reportagens. Os anos 1960 concentraram veículos que se tornaram marcos na
história do jornalismo brasileiro, como a revista Realidade, lançada com uma
edição piloto em 1965 pela Editora Abril. O primeiro número já experimentou o
sucesso que a publicação seria. Essa edição, cuja capa trouxe a imagem de
um Pelé sorridente e vestindo chapéu da guarda real britânica, esgotou-se em
três dias (LIMA, 2004: 223).
45
Na Folha de S. Paulo, Gaudêncio Torquato produziu reportagens
históricas, veiculadas sob a forma de suplementos especiais. A série Grande
São Paulo: o desafio do ano 2000 foi uma dessas grandes reportagens e
reuniu nove cadernos especiais publicados a partir de setembro de 1967. Tal
trabalho inaugurou a impressão off-set colorida no país, detalhe que contribuiu
para sua importância histórica. A série de reportagens mereceu uma
divulgação prévia do jornal, publicada na capa do dia 16 de setembro de 1967:
Amanhã São Paulo saberá quanto é grande. Com a edição
normal da Folha de S. Paulo circulará amanhã o primeiro
caderno do Suplemento Especial da Grande São Paulo. Esse
caderno com 32 páginas, impresso em off-set e em cores, será
distribuído gratuitamente aos assinantes, e entregue
normalmente nas bancas com o seu exemplar da Folha de S.
Paulo, sem qualquer acréscimo no preço. Durante a semana,
outros oito cadernos serão distribuídos com as edições diárias
deste jornal, completando as 432 páginas do Suplemento
Especial – a mais importante publicação já dedicada aos
problemas da maior área metropolitana do País (Folha de S.
Paulo, 16 set. 1967. 1 cad. p. 1).
Nos dias subseqüentes, foi possível acompanhar as dificuldades
técnicas que o trabalho enfrentou. A capa do dia 17 de setembro trouxe nova
chamada sobre o assunto:
(...) No caderno que hoje circula, o leitor encontrará algumas
deficiências gráficas, explicáveis pelo fato de ser esta a
primeira vez que, no Brasil, se utiliza, em jornal diário, o
processo de impressão a quatro cores, em rotativa off-set. O
leitor verá, entretanto, essas deficiências progressivamente
corrigidas nos cadernos seguintes (Folha de S. Paulo, 17 set.
1967. 1 cad. p. 1).
46
Na capa do dia 18 de setembro, nova mensagem:
(...) motivos de ordem técnica – dado ser esta a primeira vez
que, no Brasil, se utiliza, em jornal diário, o processo de
impressão em quatro cores, em rotativa off-set, cuja publicação
foi iniciada ontem com êxito invulgar (Folha de S. Paulo, 18 set.
1967. 1 cad. p. 1).
No mesmo dia 18 de setembro, o jornal repercutiu o lançamento da série
de reportagens com uma matéria que ocupou 2/3 da página 4 do primeiro
caderno. Com o título “Suplemento provoca corrida às bancas”, a matéria
resume a receptividade do projeto, informando que “em todas as bancas da
capital já há reservas da Folha para todo o resto da semana, quando sairão os
outros cadernos do suplemento” (Folha de S. Paulo, 18 set. 1967, 1. cad. p. 4).
Outro dado ressaltado é em relação à grande quantidade de crianças que
compraram o jornal para fazer trabalhos escolares. A matéria faz uma
amostragem da repercussão entrevistando jornaleiros de bairros paulistanos
(Sumaré, Vila Mariana e Perdizes) e também do interior do Estado (Piracicaba,
Pirassununga e Jundiaí). Para ilustrar, a página traz fotos de dois leitores com
o primeiro caderno do suplemento especial.
Os problemas gráficos surgidos são explicados ao leitor em mais uma
chamada de capa, publicada no dia 20 de setembro:
Vencendo os problemas de ordem técnica surgidos durante a
impressão dos primeiros cadernos do suplemento da Grande
São Paulo, estamos hoje em condições de reafirmar a
programação dos demais cadernos ontem anunciada. As
dificuldades ocorridas na fase inicial dos trabalhos de
impressão são perfeitamente naturais, posto ser esta a primeira
vez que se utiliza, no Brasil, em jornal diário de grande
circulação, o processo de impressão em quaro cores, em
rotativa off-set, e que foi adotado pela Folha de S. Paulo com a
47
finalidade exclusiva de melhor servir aos seus inúmeros leitores
e anunciantes (Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 1 cad. p 1).
Para a presente dissertação, foram utilizados como fonte o primeiro e o
último cadernos da série Grande São Paulo: o desafio do ano 2000. Essa
seleção pretendeu apreender o tipo de linguagem das reportagens, as pautas e
a diagramação adotada. A leitura das 432 páginas que compõem o trabalho foi
entendida como não obrigatória, face à concisa análise que pretendi incorporar
à pesquisa.
O primeiro caderno, composto de 32 páginas, traz na capa um mapa
estilizado da Grande São Paulo. Logo na página 2 é possível encontrar um
anúncio do Banco do Estado de São Paulo desenvolvido especialmente para a
publicação com os dizeres “Daqui do alto você pode ver longe. Já estamos
vendo São Paulo no ano 2000”. Nas páginas 3 e 4, o coordenador geral dos
suplementos especiais do jornal, Calazans Fernandes, assina uma matéria na
qual explica os propósitos do trabalho:
As 432 páginas dos 9 cadernos deste suplemento enfecham o
maior inventário de informação básica já realizado na imprensa
brasileira sobre um problema específico: a da principal área
metropolitana do país e da parte Sul do continente, a cidade de
São Paulo, com mais de 37 municípios periféricos, a que a
moderna denominação dos complexos urbanos chama de
Grande São Paulo, a exemplo da classificação de Grande
Londres, Grande Paris, Grande Tóquio e de outras grandes
concentrações humanas do mundo Os artigos, estudos e
pesquisas especiais, de autoria de técnicos e de escritório de
projetos, as reportagens produzidas por uma equipe
selecionada de jornalistas apresentam, como resultado de mais
de 3 meses de elaboração editorial: a – um diagnóstico do
Grande São Paulo; b – a grandeza da região, sob os aspectos
qualitativos e quantitativos; c – o debate sobre as soluções
projetadas para o futuro; d – uma antevisão do ano 2000 (...)
(Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 1 cad. p. 3).
48
No expediente, o nome de Gaudêncio Torquato é o primeiro entre os 12
repórteres citados. A página 5 foi reservada para anunciar os temas
desenvolvidos em cada um dos cadernos que integram a série de reportagens
especiais. As páginas 6 e 7 são tomadas por uma extensa bibliografia,
indicando os títulos utilizados para embasar o trabalho. Estão citados 124
títulos, entre livros, artigos e anuários, e figuram entre os autores nomes das
ciências humanas, como os de Jorge Wilheim, Octavio Ianni, Caio Prado Júnior
e Florestan Fernandes. Estão indicados ainda periódicos e revistas. A inclusão
de uma bibliografia no início do primeiro caderno expressa a preocupação em
diferenciar a publicação de reportagens comuns, associando uma conotação
de pesquisa aprofundada.
A primeira matéria começa na página 10 e discute os limites geográficos
da cidade. O caderno traz ainda um texto sobre a história de São Paulo,
remontando a 1555, um sobre as “raças que moldaram a civilização do Tietê” e
um assinado por Nestor Goulart de Reis Filho, professor da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O primeiro caderno é
fechado por uma reportagem de seis páginas sobre as indústrias de São Paulo,
composta de tabelas com informações numéricas, como a quantidade de
indústrias instaladas na Grande São Paulo e especificadas por setor de
atuação.
O outro caderno utilizado como fonte para esta dissertação, o de número
9 e, portanto, o último da série, traz na capa a chamada “Lebret, precursor do
Grande São Paulo”, sobre o padre francês Louis-Joseph Lebret.
Sociólogo de renome mundial e, acima de tudo, humanista na
linha direta do pensamento de São Tomás de Aquino, o padre
Lebret viera a São Paulo fazer o que nunca fora feito até então
– um estudo global da estrutura urbana da aglomeração da
capital paulista (Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 9 cad. p. 355).
49
A partir da página 375 e até a 386, está publicado um estudo do
engenheiro Rubens de Mattos Pereira, identificado como pertencente ao
Ministério do Planejamento e Coordenação Geral e membro do Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo. O texto foi estruturado com a forma que lembra, de
imediato, um artigo acadêmico. Com o título “Bases para a formulação de uma
política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um
sistema de planejamento local integrado”, o texto esmiúça a questão do
desenvolvimento urbano no Brasil.
Importante destacar a estranheza que um trabalho assim aprofundado
causa em um leitor de jornal acostumado à estrutura adotada hoje. Seria
impensável incluir, em um jornal de grande circulação, nove cadernos
totalizando mais de 400 páginas sobre um mesmo assunto.
No livro Páginas ampliadas (LIMA, 2004), a série de reportagens Grande
São Paulo: o desafio do ano 2000 é incluída entre os exemplos de experiências
diferenciadas no jornalismo brasileiro. Lima destaca que a intenção do núcleo
especial da Folha de S. Paulo era realizar trabalhos de interpretação sobre a
realidade brasileira.
A estratégia consiste em focalizar o país em suas diversas
regiões e a cada uma delas direcionar a bateria de esforços
para uma extensa radiografia que vai sendo publicada em
série, como suplementos especiais, nas edições de fim de
semana. São, em geral, quatro a cinco cadernos para cada
região. Noutro projeto, em que o núcleo focaliza a Grande São
Paulo e seus desafios para o ano 2000, a produção faz história:
são publicadas cerca de 500 páginas de matérias. E de tal
qualidade que os engenheiros responsáveis pela linha inicial do
metrô da cidade recorrem à Folha para obter dados técnicos
que a equipe de reportagem reunira, mas que eles próprios,
técnicos, não tinham conseguido (LIMA, op.cit.: 239).
No núcleo de reportagens especiais da Folha de S. Paulo, Gaudêncio
Torquato teve a oportunidade de realizar ainda outros trabalhos de fôlego,
50
como os suplementos regionais dedicados à Amazônia e ao Nordeste. Essa
fase foi lembrada na segunda entrevista realizada para esta dissertação:
Corremos o Brasil todinho para lançar esses suplementos. Foi
uma época heróica do jornalismo interpretativo, de grandes
matérias. Reuníamos sociólogos, psicólogos, arquitetos,
urbanistas, advogados, planejadores urbanos, em torno de
uma mesa. Debates, conferência, palestra, mergulhamos nos
livros, fizemos entrevistas em profundidade. Foi uma época
heróica do jornalismo porque realmente deixamos o factual
para fazer uma moldura mais sistêmica (TORQUATO, 2005b).
Os suplementos especiais da Folha de S. Paulo duraram três anos, até
terminar, em 1970, após desavenças entre os sócios do jornal, Otávio Frias de
Oliveira e Carlos Caldeira Filho. Este era contra os suplementos, enquanto que
Otávio Frias era favorável. Segundo Gaudêncio Torquato, o episódio de
extinção do núcleo de reportagens especiais foi “traumático”. A justificativa do
custo da estrutura, realmente muito alto, segundo o jornalista, pôde esconder
talvez a razão principal. “Ali houve, eu diria, uma crise de ciúme com a própria
redação da Folha. Deve ter tido algum problema de relacionamento. Saímos da
Folha e ficamos meio tontos no início” (TORQUATO, 2005c).
Toda a experiência na Folha de S. Paulo foi vivida em parceria com o
jornalista Manuel Carlos Chaparro
16
, português radicado no Brasil e que
Gaudêncio Torquato conhecera quando, ainda no Nordeste, cobria os assuntos
ligados à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),
entidade da qual Chaparro foi assessor de imprensa. Chaparro chegou ao
Brasil em 1961, pressionado pela ditadura salazarista que Portugal vivia na
época. Desde 1955, já trabalhava como repórter do jornal Juventude Operária,
de Lisboa, pertencente a movimento da Igreja Católica. Foi por essa ligação
que recebeu o convite de Dom Eugênio Sales, na época bispo de Natal, para
trabalhar no jornal A Ordem, da diocese.
16
Em 2004, Manuel Carlos Chaparro foi homenageado no 27º Congresso da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).
51
A Igreja Católica vivia um momento de abertura, priorizando pautas
sociais na chamada Teologia da Libertação. Sua passagem pelo A Ordem foi
marcada pela renovação, que permitiu incluir na publicação reportagens sobre
questões problemáticas do Nordeste. Em 1964, Chaparro assumiu novo papel:
o de assessor de imprensa da Sudene, iniciando na entidade uma experiência
mais profissionalizada de estrutura comunicacional, respeitando a natureza
jornalística da função. Três anos depois, em 1967, Chaparro voltou ao
jornalismo diário e coordenou a reforma editorial do Jornal do Commercio,
vivência seguida com a passagem pelo Diário de Pernambuco.
Por seu posicionamento como jornalista mais sensível às questões
sociais e a um tipo de apuração mais aprofundada, Chaparro integrou, ao lado
de Gaudêncio Torquato, a equipe da sucursal do Nordeste da Folha de S.
Paulo, na época sob direção de Calazans Fernandes, que havia iniciado uma
inovadora experiência de suplementos temáticos. Graças ao sucesso de tais
suplementos, o grupo responsável pelo trabalho – no qual estavam inseridos
Calazans, Chaparro e Gaudêncio Torquato – é convidado a assumir projeto
semelhante na capital paulista, para integrar o departamento de suplementos
especiais da Folha de S. Paulo, cujo desfecho, já descrito anteriormente, foi a
interrupção do projeto em 1970.
2.5 – Jornalismo empresarial: a descoberta de um campo em formação
Com o fim dos suplementos especiais da Folha de S. Paulo, Chaparro
propõe a Gaudêncio Torquato a fundação de uma empresa especializada em
jornalismo empresarial. A idéia surge em um contexto no qual o jornalismo
empresarial ganhava crescente mercado, impulsionado pela industrialização
vivida no país. À dupla juntou-se o publicitário Luiz Carrion, que havia sido o
responsável pela área de publicidade nos suplementos da Folha de S. Paulo, e
a especialista em pesquisa editorial, Regina Célia Tassitano. Assim nasce a
Proal – Programação e Assessoria Editorial.
52
A Proal foi o primeiro núcleo de jornalismo empresarial
organizado no Brasil. As experiências que até então se davam
na área de jornalismo empresarial eram muito dispersas, muito
esparsas, e aí nós criamos a Proal. Uma empresa pequena,
constituída por três sócios, Chaparro, Luiz Carrion e eu,
dedicada à produção de jornais e revistas de empresas. O
primeiro trabalho nosso foi um trabalho de sucesso, feito para a
Ultragás: o jornal chamado Ultragazeta. Era um jornal colorido,
papel muito bom, um jornal muito bem-feito, produzido
profissionalmente, portanto tínhamos que dar nossa
contribuição jornalística ao jornalismo empresarial e
começamos a fazer essa publicação (TORQUATO, op. cit.).
Ao recordar sua participação na Proal, Gaudêncio Torquato refere-se ao
trabalho com jornalismo empresarial, mas, naquele tempo, tal termo ainda não
estava legitimado. Coube ao próprio jornalista fomentar sua legitimação por
meio de pesquisas. Sua preocupação com a terminologia refletia o interesse
em sedimentar as delimitações da área.
Na verdade, eu estava preocupado com a terminologia. House-
organ! Por que não vamos chamar de jornalismo empresarial,
de empresas? E aí eu tentei argumentar no sentido de que
essa área deveria se chamar jornalismo empresarial. Tentei, de
certa forma, não de maneira xenófoba, não é o caso, mas eu
dizia que não é o caso de usar house-organ, até porque house-
organ, na expressão original americana, é o órgão da casa,
muito voltado para o público interno, quando o house-organ, no
Brasil, teve outra conotação, de veículo externo. Então, nessa
confusão, falei: vamos abolir esse negócio e usar jornalismo
empresarial (ibidem).
Por apenas um ano, a atuação da Proal circunscreveu-se à produção de
publicações empresariais. Aproveitando que, entre os sócios, havia um
publicitário (Carrion), um jornalista (Chaparro) e um professor (Gaudêncio
53
Torquato), a empresa adotou como diferencial o conceito de qualidade, de
excelência técnica. Para isso, não bastava apenas produzir, era preciso
conceituar, iniciar a teorização sobre jornalismo empresarial. “Tínhamos que
tirar dali um produto chamado teoria, conceito técnico, técnica e teoria. Com
isso nós embasamos a Proal de qualidade, de conceito. Não é só uma
empresa da ‘fazeção’. É uma empresa do pensamento” (ibidem).
Com essa intenção, a Proal lançou, em junho de 1971, o primeiro
número dos Cadernos Proal, publicação especializada em jornalismo
empresarial que marcou época dentro da área de comunicação. A edição
jornalismo especializado. O texto é formatado com clara intenção didática.
Questões como a linguagem a ser adotada pelos veículos empresariais e a
importância desses veículos são respondidas de forma simplificada, ainda
FIGURA 2
55
pouco embasadas por referenciais teóricos. A intenção didática fica explícita,
particularmente, na parte que o jornalista denomina “Mandamentos do
jornalismo empresarial”. Resumidamente, os “mandamentos” criados por
Gaudêncio Torquato para a primeira edição dos Cadernos Proal são:
1 – O veículo deve ter seus objetivos claramente definidos;
2 – As regras gerais do jornalismo adaptam-se perfeitamente ao
jornalismo empresarial;
3 – Para ter um tratamento profissional, o veículo deve ser entregue a
profissionais;
4 – Cada edição deve ser planejada para que a qualidade possa ser
previamente garantida;
5 – A qualidade gráfica do veículo pode vender uma boa imagem da
empresa;
6 – Para o veículo entrar nos hábitos do leitor deve ter periodicidade
regular;
7 – A distribuição do veículo garante também o seu sucesso;
8 – Veículo que não muda pode criar desinteresse (op. cit).
Essa primeira sistematização sobre jornalismo empresarial é um
parâmetro para identificar as questões que, no começo dos anos 1970, ainda
precisavam ser debatidas. O “mandamento” número 3, por exemplo, reflete
uma polêmica vivida na época pela área de comunicação: a discussão sobre
que profissional deveria assumir a responsabilidade pelos veículos internos de
uma empresa. Os relações-públicas tinham conquistado esse espaço,
seguindo uma tradição já consolidada nos países da Europa e nos Estados
Unidos. Gaudêncio Torquato, ao legitimar o termo “jornalismo empresarial”,
vincula esse campo profissional à atuação do jornalista. Ele indica os
problemas que uma orientação amadora poderia causar aos veículos
empresariais:
O amadorismo tem quase sempre horizontes curtos e, com a
melhor das intenções, comete pecados que empobrecem a
56
publicação, tais como: a) promoção exagerada e ingênua das
pessoas; b) redação rebuscada e prolixa, fruto da limitação ou
do excesso de imaginação não disciplinada pela técnica; c) o
artificialismo, quando não a pieguice, predominando o estilo,
sobrepondo-se à objetividade; d) a exaltação de detalhes sem
significado, em prejuízo do entendimento ou da informação
global do assunto; e) a utilização exagerada de uma
adjetivação pomposa e exuberante (ibidem: 10).
Os Cadernos Proal, com direcionamento específico para o jornalismo
empresarial, duram até 1977, quando a publicação abre-se para um espectro
maior de assuntos, posicionando-se como uma publicação especializada em
comunicação de massa, aí entendido não só o jornalismo, como também
publicidade, televisão, cinema, relações públicas, entre outros campos. A
publicação passa, então, a se chamar Cadernos de Comunicação Proal. A
primeira edição desta nova etapa traz um editorial comentando a mudança de
foco:
Em sua nova fase, Cadernos Proal deixa a vereda do
jornalismo empresarial para se embrenhar por caminhos mais
largos, campos mais densos. A proposta fundamental dos
Cadernos é a de abarcar a multiplicidade de linhas que tecem a
complexa área da comunicação, numa perspectiva de debate e
discussão aberta, com a finalidade de apresentar ao universo
de profissionais e estudantes de comunicação uma literatura de
apoio e orientação a suas atividades (...). Em sua
programação, poderão ser vistos trabalhos inéditos,
principalmente da área de pós-graduação, além de artigos
encomendados a especialistas do Brasil e do exterior
(CADERNOS DE COMUNICAÇÃO PROAL, jun. 1977: 2).
A edição número 1 dos Cadernos de Comunicação Proal tem como
primeira matéria um artigo assinado por Gaudêncio Torquato sobre o modelo
brasileiro de comunicação, definido como “uma miscelânea de pontos de vista
57
diferentes”. Essa definição é sustentada pelo entendimento de que “somos
demasiadamente liberais nas questões ligadas a crimes, catástrofes ou
escândalos do mundo das vedetes (...). Em algumas faixas de conteúdo,
procuramos seguir o princípio da responsabilidade social (...). E, em algumas
áreas, (...) aplicam-se os princípios do autoritarismo de Estado” (op. cit.: 28).
Há ainda uma matéria sobre as escolas de comunicação e uma sobre a criação
da figura do ombudsman na imprensa americana, uma crítica assinada pelo
jornalista Rubens Edwald Filho a respeito do filme Dona Flor e seus dois
maridos e um artigo técnico sobre a “narrativa do jornal de empresa”.
O que se verifica é que, no final da década de 1970, a experiência de
Gaudêncio Torquato com comunicação empresarial havia se expandido para
campos diferentes, mas complementares. Na Proal, o jornalista editava
publicações para empresas como General Motors do Brasil, Cosipa, Banco
Itaú, Pirelli, Deca etc
18
. “Chegamos a produzir simultaneamente 40
publicações” (TORQUATO, 2005b). Ao mesmo tempo, assumia o papel de
teórico ao escrever para os Cadernos Proal. Na academia, já era um nome
importante por ter inaugurado, com sua tese defendida em 1973 na ECA-USP,
o campo de estudo do jornalismo empresarial.
A migração da atuação na grande imprensa para o jornalismo
empresarial abriu uma etapa que direcionou suas escolhas profissionais
posteriores. Como repórter de veículos empresariais, Gaudêncio Torquato
pôde aprofundar o processo de profissionalização da área de comunicação nas
empresas e experimentar as possibilidades desse campo. Ao lembrar os
trabalhos mais marcantes produzidos pela Proal, durante entrevista para esta
pesquisa, o jornalista recordou com empolgação as contribuições que deu aos
veículos empresariais, bem como o aprendizado que essa vivência lhe
proporcionou.
18
No Memorial escrito por ocasião do concurso para professor titular da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, em 1987, o jornalista listou as empresas para as quais a Proal prestou
serviços: General Motors do Brasil, Organização Philips Brasileira, Pirelli, Hoechst, Eternit, Siemens,
Ultragás, Companhia Siderúrgica Paulista, Grupo Dedini, Governo do Estado de São Paulo,
Departamento de Edifícios e Obras Públicas, Departamento de Águas e Energia Elétrica, Companhia
Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico, Companhia de Saneamento Básico, Ericsson, Union
Carbide, Deca/Duratex, Chrysler, Firestone, Brastemp, Trevira e Grupo Continental.
58
Eu me lembro que, entre essas experiências da época, uma
experiência muito interessante era o jornal da Deca. Chamava-
se O Registro. (...) Porque esse Registro era um jornal muito
popular, era um jornal pobre, parecendo um panfleto, impresso
rusticamente numa dessas gráficas de fundo de quintal, numa
linguagem muito simples, mas era um jornal queridíssimo,
apreciadíssimo pela massa de leitores, que eram trabalhadores
da Deca, quase operários, eu diria, muito modestos, muito
humildes, muito pobres, com salários pequenos. E a Deca era
uma empresa muito artesanal. Eu me lembro que tinha uma
questão lá que era a questão da segurança, que era muito
grave. (...) E nós criamos uma figura do Tião Seguresa (...). Eu
fui verificar que a Deca, na época, era muito perto do
Palmeiras, ali na Barra Funda, e portanto tinha muito italiano
dentro daquela empresa. (...) Eu, que não sabia italiano, tive
que aprender a gíria italiana, comprei um dicionário de gíria
para poder banhar a linguagem dessa coluna de segurança,
para vender o peixe da segurança. E não é que tinha um efeito
extraordinário? O pessoal adorava essa coluna por causa da
linguagem, da brincadeira e tal. O jornal era planejado como?
O jornal era planejado no chão da fábrica. Eu ia para lá com
aqueles operários, todos com o macacão sujo de óleo, numa
bancada suja de óleo, sentava lá, dentro do chão da fábrica,
num dia de semana à tarde, para planejar o jornal. O
planejamento saía de baixo para cima e não de cima para
baixo. (...) E nós como Proal fazíamos o jornal de acordo com
os interesses dos leitores. Era um sucesso. Aí a Deca foi
absorvida pela Duratex. A Duratex, do grupo Itaú, maior,
passou então a querer um veículo que pudesse integrar a
comunidade Deca na comunidade geral Duratex. Aí esse jornal
foi abolido e fizemos uma revista, muito bonita,
sofisticadíssima, a cores, quer dizer, uma revista mais
sofisticada, mais bem escrita, mais cara, mas que não tinha o
sucesso do jornal. (...) Era interessante observar que esse
jornalismo de empresa não deve ser bonito. Deve ser o
jornalismo com a cara da pessoa que vai ler (TORQUATO,
2005c).
59
A experiência em jornalismo empresarial impôs questões diferenciadas
das do jornalismo na grande imprensa. Para Gaudêncio Torquato, um trabalho
extenso, como a série de reportagens que lhe valeu o Prêmio Esso, exigiu
muito mais um “esforço físico” do que propriamente soluções para estruturar as
matérias. Ao contrário, nos veículos empresariais, o desafio era encontrar uma
forma de levar um conteúdo às vezes hermético para um público-leitor de
diferentes padrões culturais. As tentativas de solucionar esse desafio renderam
ao jornalista experiências sobre as quais ele comentou enfaticamente e com
orgulho:
Eu sempre fui mais desafiado porque tinha que criar. Escuta: o
jornal diário é algo muito mais burro no sentido da linguagem.
Uma linguagem pobre: sujeito, verbo e complemento. Lide,
sublide, corpo de matéria, pirâmide invertida. (...) Agora no
jornal de empresa tem tudo isso e muito mais: como fazer com
que a linguagem técnica seja apropriada, compreendida,
internalizada pela cachola do leitor. (...) Como é que eu vou
explicar como nasce um carro? (...) Ninguém vai entender,
essa linguagem é hermética, fechada, eu tenho que
desembrulhar esse pacote técnico (TORQUATO, op. cit.).
A saída para levar os assuntos técnicos ao heterogêneo público-leitor
dos veículos empresariais foi a adoção de estruturas criativas para as matérias.
O jornalista destaca algumas, como a reportagem para o jornal interno da
General Motors que, para explicar a produção de um carro, usou como
analogia o corpo humano. Cada área da produção foi associada a uma parte
da anatomia humana. A mesma estrutura foi adotada em uma matéria
publicada no jornal interno da Cosipa, também sobre o processo de produção.
Outra característica relativa aos jornais e revistas de empresa era a
Era na verdade um jornalismo empresarial muito voltado para
os dirigentes, muito para mostrar a cara dos presidentes de
empresas, para mostrar a empresa como uma ilha de
felicidade. Eu combati muito nos meus textos esse tipo de
abordagem (ibidem).
Toda a experiência desenvolvida no jornalismo empresarial e,
posteriormente, na comunicação organizacional, pode ser entendida como uma
contribuição efetiva de Gaudêncio Torquato à sedimentação das duas áreas. A
preocupação em circunscrever teoricamente o jornalismo empresarial,
concretizada nos Cadernos Proal, foi simultânea às experimentações dos
limites desse campo, realizadas nos veículos empresariais produzidos pela
Proal. Teoria e prática andando paralelamente – característica que figura em
toda a trajetória do jornalista. A atuação na Proal permitiu ainda um duplo
exercício: de editor e de repórter das publicações empresariais. O mesmo
profissional que pensava os melhores caminhos para a estruturação de uma
matéria, que idealizava as publicações, assumia o papel de produzir as
reportagens.
Ao iniciar os trabalhos na Proal, foi possível viver uma outra vertente do
jornalismo. Para quem vinha das grandes reportagens produzidas no Jornal do
Commercio e na Folha de S. Paulo, a experiência em pequenas revistas
internas de empresas poderia ser vista como de menor importância. O
entendimento de Gaudêncio Torquato, porém, é outro:
Eu fiz um circuito completamente de curvas, não de uma reta.
A minha vida nunca foi uma reta. Foi cheia de curvas. Por
exemplo, como disse, comecei por cima, dando manchete. A
primeira matéria, manchete de oito colunas no Jornal do Brasil
de domingo: “Governadores do Nordeste apóiam reforma
agrária”. Então já comecei com o pé direito. Fiz o Jornal do
Commercio, Prêmio Esso. Depois disso tudo eu vou fazer
jornalzinho dentro de empresa, lá na fábrica. Mas por quê?
Primeiro porque era nosso meio de sobrevivência, o estômago
61
em primeiro lugar. Segundo porque o jornalista não deve ter
orgulho, deve ser simples, modesto. Ele deve conservar o valor
da modéstia, não deve ser arrogante, deve ser simples, deve
ser perseverante e acreditava que aquilo para mim era
novidade. Eu estava entrando numa linguagem técnica. (...) Foi
quando eu fui sentir a importância do jornal de empresa.
Jornalzinho... Jornalzinho, não! Jornalzão! Porque é o único
jornal às vezes que o operário lê. É o único da vida dele. Que
jornalzinho! É o jornal da vida dele! Foi quando eu fui sentir
como é que o operário dá, por exemplo, importância ao nome
de sua filha que aniversaria (ibidem).
Se a escolha pelo jornalismo empresarial enfrentou as dúvidas quanto à
importância desse tipo de atuação, a opção pelo mesmo campo como objeto
de estudo acadêmico trouxe reações mais virulentas. Nos anos 1970, o
jornalismo empresarial era indissociável de tendências ideológicas. “Na época,
dizer na universidade que você fazia jornalismo empresarial, meu Deus! Tive
que suportar. Era de direita! Vendido ao capitalismo internacional!” (ibidem). O
enfrentamento para legitimar esse campo de estudo resultou na consolidação
desse espaço dentro da academia.
A participação acadêmica do jornalista na academia já havia começado
em 1969, com seu início como docente da Faculdade de Comunicação Social
Cásper Líbero. Com o sucesso dos suplementos especiais da Folha de S.
Paulo, ele foi convidado para dar aulas da disciplina jornalismo interpretativo na
instituição. O convite parte de Marques de Melo, que estava, na época, criando
um centro de pesquisas em jornalismo na Faculdade de Comunicação Social
Cásper Líbero.
Minha primeira experiência como professor foi uma lástima! O
primeiro dia foi uma coisa lastimável! Lá vem eu com uns 20
anos de idade, com um sotaque carregadíssimo, que ainda
tenho, em uma sala de aula onde havia alunos mais velhos do
que eu, dois padres. E o Zé Marques me colocou nessa
experiência de professor de jornalismo informativo e
62
interpretativo. Minha primeira aula eu fiz sobre o início do
jornalismo. Fui buscar lá na Roma antiga as primeiras
experiências em jornalismo e tal. Decorei para caramba.
Chegou um momento lá que eu vi o pessoal rindo um pouco.
Era brincadeira de aluno e eu achava que era comigo. Aquilo
me destrambelhou. Fumei um cigarro atrás do outro, fiquei
meio encabulado, foi uma coisa meio desastrosa porque não
tinha a desinibição para dar aula. Eu estava ainda muito
agarrado em pessoas mais velhas que eu. Nunca tinha dado
aula. Fui jogado na sala de aula assim, de repente, sem um
preparo (ibidem).
O desconforto do início como docente foi superado com a descoberta da
vocação acadêmica e, no ano seguinte a seu início na Faculdade Cásper
Líbero, o jornalista entrou na Universidade de São Paulo. A admissão
aconteceu por concurso. É na USP que Gaudêncio Torquato dá suas
contribuições teóricas ao campo do jornalismo e comunicação empresariais, na
forma da tese de doutoramento, concluída em 1972, e da livre-docência,
defendida em 1983 – esmiuçadas no capítulo seguinte desta dissertação.
2.6 – Docência: a experiência na sala de aula
Por mais de 20 anos, Gaudêncio Torquato assumiu, simultaneamente, o
papel de jornalista, pesquisador acadêmico e professor. Na sala de aula, pelo
menos duas gerações de jornalistas o acompanharam nas disciplinas que
ministrou na ECA, Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e nas
Faculdades Integradas Alcântara Machado.
Nas Tabelas 3, 4 e 5, estão relacionadas as cadeiras dadas por ele na
graduação nas três faculdades, listadas no Memorial de 1987. No Anexo desta
dissertação, estão elencados os dezenove trabalhos de pós-graduação que
tiveram sua orientação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. Uma curiosidade vivida pelo jornalista na academia foi que, em
1983, passou a orientar os projetos de mestrado e doutorado de seu antigo
63
colega de profissão, Manuel Carlos Chaparro, com quem havia compartilhado
momentos importantes na carreira jornalística, tanto na grande imprensa como
na Proal. Chaparro graduou-se em jornalismo pela ECA-USP em 1982 e, no
ano seguinte, iniciou seu mestrado, defendido em 1987 com a apresentação,
na mesma instituição, da dissertação A notícia (bem) tratada na fonte: novo
conceito para uma nova prática de assessoria de imprensa. Em 1988, é
admitido no doutorado e desenvolve a tese Pragmática do jornalismo – buscas
práticas para uma teoria de texto, defendida em 1993.
As disciplinas ministradas por Gaudêncio Torquato indicam, ainda que
por inferência, seu desenvolvimento profissional. No início da atuação como
docente, nos primeiros anos da década de 1970, é possível identificar matérias
diversas e de conteúdo menos especializado, como Introdução ao Jornalismo,
Fundamentos Científicos da Comunicação e Técnica de Jornal e Periódico I.
Com o tempo, a experiência profissional é trazida para a sala de aula e o
jornalista passa a ministrar prioritariamente disciplinas que espelham sua
própria especialização, como Jornalismo Empresarial e Jornalismo
Interpretativo.
TABELA 3
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO DA
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
DISCIPLINA PERÍODO
Técnica de Jornal e Periódico I para o
curso de Jornalismo
1969
Introdução ao Jornalismo para o curso
de Teatro
1970
Jornalismo Informativo e Interpretativo
para o curso de Jornalismo
1970
Técnica em Comunicação de Massa
(Assessoria de Imprensa) para o curso
1970
64
de Relações Públicas
Jornalismo Especializado para o curso
de Jornalismo
1971
Redação e Edição no Jornalismo
Empresarial para o curso de Relações
Públicas
De 1971 a 1973
Redação e Edição no Jornalismo
Empresarial para o curso de
Publicidade e Propaganda
1972 e 1973
Redação e Edição no Jornalismo
Empresarial para o curso de
Jornalismo
1977, 1979 e 1981
Jornalismo Empresarial para o curso
de Relações Públicas
1978 e 1983
Veículos Especializados para o curso
de Jornalismo
1979 e 1980
Jornalismo Especializado para o curso
de Jornalismo
1980, 1985 e 1986
Redação e Edição no Jornalismo
Empresarial para o curso de Relações
Públicas
1980
Jornalismo Empresarial para o curso
de Jornalismo
De 1982 a 1984
Editoração de Publicações Sindicais e
Empresariais para o curso de
Editoração
1983
Curso “Por uma abordagem sinérgica
da comunicação organizacional”,
estruturado a partir do modelo
sistêmico desenvolvido na tese de
livre-docência
1985
65
TABELA 4
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO DA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CÁSPER LÍBERO
DISCIPLINA PERÍODO
Além das três instituições listadas nas tabelas 3, 4 e 5 (Universidade de
São Paulo, Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e Faculdades
Integradas Alcântara Machado), Gaudêncio Torquato esteve, entre os anos
1979 e 1985, ligado ao programa de pós-graduação do Instituto Metodista de
Ensino Superior, hoje chamado de Universidade Metodista de São Paulo
(UMESP). O programa foi criado em 1978 pelo professor José Marques de
Melo e sua estrutura respondia a um movimento, registrado a partir da década
de 1970, de abertura de novos espaços de pesquisa em comunicação social
nas universidades brasileiras (GOBBI, 2003: 60).
A princípio, duas grandes áreas de concentração eram oferecidas:
Metodologia da Comunicação, destinada a formar pesquisadores e docentes
para o magistério em comunicação social, e Comunicação Empresarial,
destinada a formar assessores ou gerentes de comunicação para grandes
empresas” (MARQUES DE MELO, 1979: 193). Gaudêncio Torquato integrou,
naturalmente, a segunda área de concentração. O grupo de pesquisadores da
primeira fase da pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo era
multidisciplinar
19
. Além do jornalista, faziam parte do programa nomes como os
de Cândido Teobaldo de Souza Andrade, acadêmico e profissional da área de
relações públicas; Fernando Perrone, ligado à sociologia; Egon Schaden,
antropólogo; e do teólogo Benedito de Paula Bittencourt. A formação diversa do
primeiro grupo de pesquisadores explica-se pela ausência, na época, de massa
crítica suficiente de profissionais oriundos da comunicação” (GONÇALVES,
2003: 112).
Durante os anos em que esteve ligado à Universidade Metodista de São
Paulo, Gaudêncio Torquato orientou apenas a pesquisa de mestrado de Daniel
dos Santos Galindo, defendida em 1985 com o título Aumento da eficácia do
projeto mercadológico do anunciante: reflexões metodológicas. A princípio, a
participação do jornalista no programa de pós-graduação parece pequena,
mas, comparando com o número de orientações dos outros pesquisadores,
19
Faziam parte do primeiro grupo de pesquisadores da Universidade Metodista de São Paulo, além de
Gaudêncio Torquato, os professores Benedito de Paula Bittencourt, Cândido Teobaldo de Souza Andrade,
Carlos Eduardo Lins da Silva, Ciro Marcondes Filho, Egon Schaden, Fernando Perrone, Fredric Litto,
Ismar de Oliveira Soares, Jaci Correa Marashin, Jerusa Pires Ferreira, Joel Camacho, José Manoel Morán
Costas, José Marques de Melo, Luiz Fernando Santoro, Luiz Roberto Alves, Neusa Meirelles, Onésimo
de Oliveira Cardoso, Örjan Olsén, Paulo José Krischke e Wilson da Costa Bueno (GONÇALVES, 2003:
112).
67
constata-se que esteve coerente com a produção do primeiro grupo da pós-
graduação da UMESP (TABELA 6).
A dissertação de Daniel dos Santos Galindo chegou a ser publicada na
versão em livro em 1986 com o título Comunicação mercadológica em tempos
de incertezas. Além da orientação dessa pesquisa, Gaudêncio Torquato,
durante o tempo em que esteve ligado à UMESP, participou do conselho
editorial da revista Comunicação e sociedade, publicada pela instituição.
TABELA 6
NÚMERO DE MESTRANDOS ORIENTADOS NO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO DO INSTITUTO METODISTA DE SÃO PAULO
ORIENTADOR 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 TOTAL
Cândido
Teobaldo
1 1
Carlos Eduardo
Lins da Silva
1 1 2
Gaudêncio
Torquato
1 1
Fredric Litto 1 1
Jaci Correa
Maraschin
1 1
Joel da Silva
Camacho
1 1
José Manoel
Morán Costas
1 1
José Marques
de Melo
1 2 2 6 2 2 15
Luiz Fernando
Santoro
2 2
Luiz Roberto
Alves
1 1 2 4
Onésimo de
Oliveira
Cardoso
2 2 2 1 7
68
Wilson da Costa
Bueno
1 3 2 3 7 16
Total 1 2 5 9 6 9 5 8 7 52
(GONÇALVES, op. cit.: 114).
69
CAPÍTULO 3: O ACADÊMICO
3.1 – A pioneira tese sobre jornalismo empresarial
As informações expostas nos capítulos anteriores sedimentam o
desenvolvimento intelectual de Gaudêncio Torquato. Tanto as peculiaridades
de sua infância, em especial os anos passados em seminários, quanto a
trajetória na grande imprensa e no jornalismo empresarial ajudam a entender
como surgiram as inquietações que resultaram em seus estudos acadêmicos.
Conforme dito anteriormente, um dos traços que melhor caracteriza o jornalista
é sua constante preocupação em viabilizar um diálogo entre academia e
mercado, ora transformando questões profissionais em estudos acadêmicos,
ora levando aprendizados teóricos para a vivência profissional.
A tese de doutoramento Comunicação na empresa e o jornalismo
empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as
publicações internas (TORQUATO, 1973), desenvolvida na Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, exemplifica essa postura
do jornalista. O trabalho foi concluído em 1972 sob orientação de Rolando
Morel Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da USP. A intenção de Gaudêncio Torquato com a tese foi delimitar o campo
do jornalismo empresarial, vinculando-o à prática jornalística – interesse que já
havia gerado, no início dos anos 1970, esboços de sistematização, como os
artigos publicados nos Cadernos Proal. Tais trabalhos, no entanto, não
seguiam as diretrizes acadêmicas.
Em entrevista para esta pesquisa, o jornalista destacou que seu
doutorado teve como pré-requisito um trabalho em nível dissertativo sobre
jornalismo empresarial. O autor produziu uma primeira classificação dividindo
os veículos (boletim, jornal e revista) de acordo com suas características. Na
tese é possível encontrar a citação a um levantamento no qual foram utilizadas
24 publicações empresariais
20
da época – provavelmente obtido dessa
20
As publicações utilizadas na tese de Gaudêncio Torquato estão identificadas no item 3.3 deste capítulo.
70
pesquisa anterior. Terminado, o trabalho foi apresentado à ECA e aprovado, o
que lhe permitiu iniciar o doutoramento.
O orientador da tese foi Rolando Morel Pinto, professor da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, cuja ligação com Gaudêncio
Torquato foi mediada pelo professor José Marques de Melo.
Era um professor ligado às Letras e, portanto, os primeiros
contatos com ele foram por intermédio de Zé Marques. Veio
dele a indicação e passamos a trabalhar juntos. Ele passou a
me dar uma orientação quanto à estrutura da tese, porque ele
não era um especialista nessa matéria, nem era do campo do
jornalismo, mas, experiente professor que era na Universidade
de São Paulo, titular e com forte ligação com a ECA. Ensinava
na ECA também o professor Dino Pretti, que era uma espécie
de assistente dele e que fez parte da minha banca depois.
Então o Morel fez uma boa orientação no sentido da
organização da tese, mas deixando, evidentemente, que eu
tivesse toda a liberdade para definir o escopo conceitual. Eu
me lembro que discutimos muito sobre o objeto da tese, como
cercar esse objeto. Na verdade, eu tinha nas mãos um vasto
cenário conceitual e eu queria partir de toda uma visão da
teoria da comunicação até chegar ao jornalismo empresarial e
às vezes eu me perdia. O Morel dizia: precisa limitar mais esse
corpo, não fique querendo abarcar o mundo. Aliás, um
conselho que todos nós, doutores, passamos a dar a nossos
orientandos. Eu me lembro que a preocupação fundamental
dele na época era esta: que eu restringisse o objeto para não
me perder naquele emaranhado conceitual (TORQUATO,
2005d).
O interesse em levar para a academia as preocupações sobre as
fronteiras do campo do jornalismo empresarial foi insuflado pelo contexto
político vivenciado pelas escolas de comunicação. Havia, na época, uma
71
necessidade premente de formar massa crítica qualificada a prosseguir com os
cursos de pós-graduação.
O Zé Marques sempre pensava estrategicamente. Ele queria
formar o primeiro grupo de doutores em jornalismo para poder
formar uma base conceitual forte na ECA em jornalismo, que
não havia. (...) Havia de se formar uma massa crítica, um
conjunto de mestres e doutores, e a USP é que começou esse
processo no Brasil: os primeiros doutores em comunicação, os
primeiros doutores em jornalismo, enfim, nos campos
especializados da comunicação. E essa massa crítica passou
inclusive a amparar os cursos de pós-graduação a partir da
ECA. (...) Passamos depois a ser consultores da própria
CAPES, a CAPES pedindo para essa primeira massa crítica
correr o país para examinar as condições das escolas, dos
cursos, para efeito de avaliação das condições estruturais,
laboratoriais dos cursos de jornalismo para também habilitá-los
a uma pós-graduação. E começou realmente a se consolidar, a
se expandir a pós-graduação no Brasil em comunicação
(TORQUATO, op. cit.).
Gaudêncio Torquato transformou, então, sua preocupação em demarcar
os limites da atuação do jornalismo empresarial em pesquisa acadêmica. Foi a
primeira vez que, no país, o assunto tornou-se objeto de estudo em uma
universidade. O pioneirismo trouxe consigo dificuldades inerentes. Além da
ausência de referências nacionais sobre o tema, o jornalista teve de enfrentar a
resistência dos docentes da instituição e dos profissionais de relações públicas.
Sua hipótese de que o jornalismo empresarial integrava o grande campo do
jornalismo abriu uma disputa conceitual com a área de relações públicas,
“particularmente com seu formulador principal na época, o professor Cândido
Teobaldo de Souza Andrade
21
” (ibidem).
21
O professor Cândido Teobaldo é considerado o principal sistematizador da área de relações públicas no
Brasil. Foi o primeiro a conquistar, na Universidade de São Paulo, o título de doutor em comunicação
(relações públicas) com a defesa, em 1973, da tese Relações públicas e o interesse público.
72
Na obra Para entender relações públicas (ANDRADE, 1965), a
formatação de veículos de comunicação com o objetivo de estimular o
interesse público em relação à organização é indicada como uma das fases do
desenvolvimento do processo de relações públicas. “Chega-se aqui a uma
função específica de relações públicas, pois só elas são responsáveis pelas
comunicações que devem haver dentro de uma organização, muito embora, às
vezes, somente atuem como supervisores” (ANDRADE, op. cit.: 122).
Paralelamente à disputa entre jornalismo e relações públicas, a escolha
do objeto de estudo da tese também revelou outra polêmica: a vinculação do
jornalismo empresarial como uma atividade subserviente ao sistema de
economia de mercado, ou capitalismo. Para compreender as razões desse
entendimento é preciso fazer um recorte histórico. A década de 1970 foi
marcada por forte maniqueísmo ideológico, alimentado pelos regimes
ditatoriais da América Latina. No Brasil, em particular, as universidades
assumiram um papel de resistência política ao regime militar, num embate
representado por duas opções opostas, o sistema de economia de mercado e o
socialista. As empresas simbolizavam, nesse contexto, a vinculação ao
primeiro. A ausência de pesquisas sobre comunicação organizacional é
explicada em grande parte por esse cenário. “Tocar nesse assunto significava,
nos meios acadêmicos, beneficiar o capitalismo empresarial. Por isso as
iniciativas foram pessoais e isoladas” (KUNSCH, 1998: 33).
Gaudêncio Torquato encontrou resistência de alunos e professores.
Para implantar a disciplina de jornalismo empresarial na ECA, precisou,
segundo suas palavras, lutar como um “kamikaze” (TORQUATO, 1995: 14). As
dificuldades encontradas pelo jornalista há mais de 30 anos refletem o abismo
que ainda hoje distancia cursos de comunicação do mercado de trabalho no
Brasil. Fora da universidade, o mercado da época registrava crescente
interesse pelas publicações empresariais, impulsionado pelo momento de
industrialização do país, o chamado milagre econômico. Dentro da academia,
entretanto, a realidade não encontrava eco. Essa disparidade era amparada
pela situação política de ditadura, que alimentava nas escolas de jornalismo
uma postura continuamente contrária ao mercado de trabalho, já que este era
associado ao sistema de economia capitalista, por sua vez, um dos pólos da
73
visão maniqueísta imperante. Tal dissenso foi se cristalizando também no nível
da pós-graduação. As tentativas de criação de mestrados profissionalizantes
encontram até hoje resistência nas universidades de vários países (MARQUES
DE MELO, 2003).
Na verdade, eu tive a coragem de trabalhar o conceito de
jornalismo empresarial quando as pessoas diziam: esse é o
jornalismo vendido ao capitalismo. Que idéia é essa? Como se
o jornalismo que se exercesse dentro do sistema capitalista
não fosse ele todo capitalista. Eu dizia na época aos alunos:
qual a diferença de trabalhar num jornal de empresa e num
grande jornal? Vocês vão pegar em armas num grande jornal?
O grande jornal é também um jornal que pertence a uma
empresa privada. Ele tem uma função de utilidade pública,
mas, na verdade, ele está servindo também ao grande sistema
econômico, político, está inserido nele. E foi assim que eu fui
quebrando as resistências, enfrentando grupos radicais
(TORQUATO, 2005d).
O contexto que Gaudêncio Torquato enfrentou sinaliza a importância de
seu pioneirismo. Na introdução da tese, está relatada a intenção do autor de
sistematizar conceitos sobre as publicações empresariais baseando-se na
teoria do jornalismo. Segundo ele, essas publicações não tinham a natureza
técnica consolidada. As teorias jornalística e da comunicação foram os
referenciais adotados para a sistematização pretendida.
Além da delimitação teórica da natureza das publicações empresariais, a
tese traz uma proposta adicional: gerar um modelo para ser utilizado na prática
pelas empresas. Gaudêncio Torquato fez um levantamento para identificar as
características das publicações empresariais brasileiras, o que lhe permitiu
apontar o grupo das publicações internas como o majoritário. A análise é
aprofundada para as publicações pertencentes a esse grupo. As questões
propostas pelo diagrama de Harold Lasswell (“quem diz o quê, em qual canal,
para quem, com que efeito”) serviram como diretrizes para o jornalista preparar
um diagnóstico dos fatores determinantes da qualidade e da eficácia das
publicações, que podem ser resumidos da seguinte forma:
QUEM – Indica o controle da publicação (qual departamento
dentro da empresa é o responsável pelas publicações);
O QUE – Diz respeito à análise de conteúdo;
PARA QUEM – Relacionado ao grupo atingido pela
comunicação (público interno, externo ou misto);
CANAL – Delimita a natureza da publicação (boletim, jornal ou
revista) e suas peculiaridades, como periodicidade e utilização
de gêneros jornalísticos;
EFEITOS – Permite a aferição do impacto da publicação.
A análise dos itens acima possibilitou ao autor identificar as
características dos jornais e revistas empresariais da época, amparando a
construção do modelo para as publicações internas.
3.2 – A inovação terminológica
Antes de partir para a delimitação da natureza técnica do jornalismo
empresarial, o jornalista faz, na tese, uma breve explanação sobre o
posicionamento da comunicação dentro de uma estrutura organizacional.
Gaudêncio Torquato fundamenta-se em uma bibliografia quase exclusivamente
internacional para identificar o papel da comunicação em uma empresa:
proporcionar condições para que sejam atingidas as metas organizacionais.
Cabe à comunicação, segundo ele, reunir as diversas partes que integram uma
corporação – entendimento que expressa a adoção da visão sistêmica.
Uma organização dialoga com três sistemas (WEISS):
A) Sistema ambiental = onde estão inseridos os padrões sociais, culturais,
políticos e econômicos – ambiente de atuação
75
B) Sistema competitivo = que agrupa a estrutura industrial do ambiente, o
relacionamento e os tipos de relação entre a produção e o consumo –
ambiente de competição
C) Sistema organizacional = que se refere às suas próprias estruturas
internas, com objetivos, programas e políticas – ambiente interno de
organização (TORQUATO, 1973: 6).
A comunicação permite que uma empresa receba informações dos três
sistemas e, simultaneamente, as dissemine entre eles. Para ampliar a
compreensão dessa função, o jornalista detalha como as informações podem
ser transmitidas, explicando a diferença entre canais formais (instrumentos
oficiais) e informais (expressões livres dos trabalhadores); fluxos de informação
(vertical, horizontal e lateral); métodos (visuais, auditivos e visual/auditivo); e
seus respectivos veículos.
A segunda parte da tese é reservada para a contextualização do
jornalismo empresarial. É retomado o surgimento das publicações de empresas
valendo-se de bibliografia que inclui autores como Berlo, Canfield, Weiss,
Chaumely, Cutlip e Center. Passados trinta anos, o jornalista avalia a seleção
bibliográfica como “muito genérica”, calcada em cinco grandes troncos:
relações públicas, jornalismo, administração, linguagem e sociologia industrial.
Apenas sete autores nacionais, entre os doze que aparecem nas referências
bibliográficas, têm papel de destaque como fonte: Whitaker Penteado, Cândido
Teobaldo, Martha Alves D´Azevedo, Roberto Paula Leite, Luiz Beltrão, Juarez
Bahia e Marques de Melo – expressão de mais uma limitação imposta pelo
pioneirismo da tese. Um entendimento recorrente entre os autores é a
vinculação das publicações de empresas – especialmente as externas – como
veículos de relações públicas (TORQUATO, op. cit.: 36).
A área de relações públicas era entendida como a responsável pelas
publicações empresariais voltadas ao público externo. Já as revistas e os
jornais de empresa dirigidos ao público interno eram disputados pelos
departamentos de relações industriais, de pessoal e de vendas. Gaudêncio
Torquato identifica que a divisão de responsabilidades e a multiplicação de
públicos alimentaram a imprecisão terminológica, permitindo a disseminação
76
de termos como “imprensa de empresa”, “imprensa industrial” e “periodismo
industrial”. Outra expressão muito em voga na época era house-organ
herança dos primeiros anos das publicações de empresa dos Estados Unidos e
criado inicialmente para designar publicações externas, ao contrário do que a
tradução literal e o uso consagrado poderiam indicar.
Para desvincular as publicações empresariais do campo até então
dominante – as relações públicas –, o jornalista estrutura a ligação com o
jornalismo:
No entanto, é preciso que as relações públicas considerem que
o processo de produção das publicações empresariais,
partindo dos seus objetivos, passando pela análise de
características técnicas e chegando até a etapa final da
distribuição e os conseqüentes efeitos que elas provocam,
comprova sua natureza jornalística. Estudadas sob o prisma do
jornalismo, também uma atividade de comunicação, as
publicações empresariais encontram sua definitiva
sistematização (ibidem: 72).
Na defesa de que as publicações empresariais são de natureza
jornalística são aplicados os seguintes argumentos:
- O jornalismo é uma atividade de comunicação de massa por se
dirigir a uma audiência ampla, anônima e heterogênea e ser
pública, rápida e efêmera. As publicações de empresa se
enquadram nesses parâmetros por possuir audiência
heterogênea (seus públicos apresentam variações em relação
ao nível cultural, de instrução e idade) e anônima em relação ao
comunicador.
- As matérias jornalísticas se enquadram em quatro grandes
gêneros jornalísticos: interpretativo, opinativo, informativo e de
entretenimento. Esses mesmos gêneros estão presentes nas
publicações empresariais.
77
- O jornalismo é definido por quatro características: periodicidade,
atualidade, difusão e universalidade (GROTH). Essas mesmas
características podem ser encontradas nas publicações de
empresa, que seguem uma periodicidade determinada,
apresentam assuntos da atualidade da empresa, escolhidos
para ser difundidos pela amplitude de interesses que despertam.
Ao identificar a paridade das características do jornalismo com as
encontradas em revistas e jornais de empresas, Gaudêncio Torquato destaca
que cada um dos itens (universalidade, periodicidade, atualidade e difusão)
assume, no jornalismo empresarial, significado específico. A periodicidade, por
exemplo, pode abarcar intervalos mais espaçados que os tradicionalmente
adotados no jornalismo, e a universalidade abrange os assuntos relevantes sob
o ponto de vista da empresa, excluindo os que não lhe são interessantes,
mesmo que importantes para o público-leitor (ibidem: 85). Toda essa
similaridade sustenta a terminologia defendida na tese para identificar o que se
pratica nos jornais e revistas empresariais: jornalismo empresarial.
3.3 – Cenário da comunicação empresarial dos anos 1970
O modelo para publicações internas, proposto por Gaudêncio Torquato
na última parte da tese, fundamentou-se na pesquisa preparada pelo jornalista
envolvendo 24 publicações empresariais. Os boletins, jornais e revistas
selecionados
22
foram por ele analisados quanto ao formato, tamanho, relação
22
Foram pesquisados os jornais Monograma (General Electric do Brasil, agosto/setembro de 1972),
Pãozinho (Supermercado Pão de Açúcar, setembro de 1972), Ligação (Superintendência de Água e
Esgotos da Capital, setembro de 1972), O Registro (Duratex/Deca, setembro de 1972), Ondas e Estrelas
(Organização Philips Brasileira, setembro de 1972), Sade-Sulando (Sade Sul Americana de Engenharia,
setembro de 1972), Fibras Unidas (Grupo Suzano Feiffer, setembro de 1972), Sanbrino (Sociedade
Algodoeira do Nordeste Brasileiro, setembro de 1972), Vig Jornal (Sonnervig, outubro de 1972),
Panorama (General Motors do Brasil, setembro de 1972), Informativo Souza Cruz (Companhia de
Cigarros Souza Cruz, setembro de 1972) e O Chapa (Companhia Siderúrgica Paulista, setembro de
1972); as
revistas Foto Notícias (Kodak Brasileira, setembro/outubro de 1972), O Telhadinho (Eternit
do Brasil, setembro/outubro de 1972), Notícias Pirelli (Pirelli S/A, setembro/outubro de 1972), NA-
Novidades Abril (Abril S/A Industrial e Cultural, agosto de 1972), Revista Nacional (Grupo Nacional,
outubro de 1972), Encontro (Companhias Gessy Lever e Mavibel, setembro de 1972), Alavanca
(Secretariado Nacional dos Cursinhos de Cristandade, setembro de 1972) e GLP-Revista do Gás
(Associação Brasileira dos Distribuidores de Gás, julho de 1972); e os
boletins Sudameris em Revista
(Grupo Sudameris, outubro de 1972), Informativo Aberje (Aberje, setembro/outubro de 1972),
78
entre texto e ilustração e freqüência de gêneros jornalísticos. Para a medição
do espaço físico utilizou-se a unidade cm/coluna, posteriormente transformada
em porcentagem. Os resultados (TABELA 7), revisitados hoje, dão idéia
bastante completa da situação da comunicação empresarial dos anos 1970.
Entre os três canais, os boletins apresentam,
proporcionalmente, mais texto e o seu conteúdo é
essencialmente informativo. As revistas dedicam mais espaço
às ilustrações e exercem com maior freqüência o jornalismo
interpretativo. Os jornais aparecem em segundo lugar no uso
da interpretação. As matérias de entretenimento (variedades,
horóscopos, palavras-cruzadas, quadrinhos) recebem um
tratamento proporcionalmente igual tanto em jornais quanto em
revistas, mas não aparecem nos boletins (ibidem: 92).
Dessas diferenças foram extraídas as principais características de cada
um dos veículos:
BOLETIM
Periodicidade – Intervalos menos espaçados entre as edições,
já que o seu produto básico é a notícia.
Atualidade – Mais apropriado para as informações imediatas
que precisam chegar com urgência junto ao público.
Universalidade
– Por seu reduzido número de páginas, o
boletim é o canal que apresenta menor variedade temática.
Difusão – Exige o mais rápido sistema de difusão.
JORNAL
Governadoria (Lions, julho de 1972) e Boletim Informativo do FESB (Fomento Estadual de Saneamento
Básico, setembro de 1972).
79
Periodicidade – A periodicidade do jornal de empresa deve
estar situada entre a periodicidade do boletim e a da revista.
Periodicidade média.
Atualidade
– A atualidade do seu conteúdo deve ser mantida
pela periodicidade. Os fatos devem ser tratados de forma a não
perder a atualidade durante o intervalo entre as edições.
Presta-se também ao jornalismo de interpretação, de opinião e
de entretenimento, gêneros que dão às matérias um caráter
atemporal.
Difusão
– O seu esquema de difusão deve completar-se entre a
etapa final de produção de uma edição e o início da
programação de outra edição.
REVISTA
Periodicidade – Por seu conteúdo essencialmente interpretativo
e por seu grande número de páginas, apresenta intervalos
mais espaçados entre as edições.
Atualidade
– Evita na medida do possível informações
urgentes, imediatas e apresenta sobretudo um conteúdo de
interesse permanente.
Universalidade
– O número de páginas amplia o universo de
conteúdo, sendo o veículo que oferece maior volume temático.
Difusão
– Por sua natureza técnica e por seu conteúdo
interpretativo, permite um esquema de difusão mais demorado.
(ibidem: 94)
TABELA 7
JORNAIS REVISTAS BOLETINS
1 – Formatos mais
freqüentes
A. 37cm x 27 cm
B. 32cm x 21 cm
C. 36cm x 26 cm
A. 28cm x 21 cm
B. 27,5 cm x 20,5
cm
A. 37cm x 27 cm
B. 37cm x 27 cm
C. 37cm x 27 cm
80
C. 29cm x 21,5 cm
2 – Tamanhos mais
freqüentes
A. 8 páginas
B. 12 páginas
C. 16 páginas
A. 20 páginas
B. 32 páginas
C. 40 páginas
A. 4 páginas
B. 8 páginas
C. -------------
3 – Proporções entre
textos/ilustração
mais freqüentes
A. 60% texto
40% ilustração
B. 70% texto
30% ilustração
C. 65% texto
35% ilustração
A. 50% texto
50% ilustração
B. 55% texto
45% ilustração
C. 45% texto
55% ilustração
A. 70% texto
30% ilustração
B. 65% texto
35% ilustração
C. 80% texto
20% ilustração
4 – Gêneros
jornalísticos
1. J. Inform. 40%
2. J. Interpr. 30%
3. J. Opin. 20%
4. Entret. 10%
1. J. Inform. 25%
2. J. Interpr. 45%
3. J. Opin. 20%
4. Entret. 10%
1. J. Inform. 70%
2. J. Interpr. 10%
3. J. Opin. 20%
4. Entret. 0%
(ibidem: 91)
3.4 – De volta ao mercado: a construção de um modelo para publicações
internas
Amparado pela definição da natureza jornalística das publicações
empresariais e pela pesquisa que indicou as características do jornalismo
empresarial da época, Gaudêncio Torquato dedicou o quinto capítulo da tese à
construção do modelo para publicações internas.
Dentro do sistema organizacional, a publicação interna assume
feições de um programa com poderosas repercussões junto ao
trinômio organização – decisão – comportamento. Permite um
fluxo de comunicações nos dois sentidos (vertical e horizontal),
retratando o sistema integral da empresa e ajudando a
organização interna; permite que a cúpula empresarial avalie
as capacidades e atitudes da comunidade, criando as
81
condições para que a direção tome decisões seguras em
relação a ela e ao próprio sistema; reflete os comportamentos
recíprocos assumidos pela empresa e pelos empregados
(ibidem: 234).
Resumidamente, o modelo proposto trata dos seguintes tópicos:
Porte da empresa – uma comunidade entre 2.500 a 3.000 pessoas já
justifica o investimento para a produção de uma publicação interna. O
jornalista ressalva, porém, que, mesmo em empresas cuja população
esteja entre mil e dois mil funcionários, veículos internos trazem efeitos
positivos.
Responsabilidade pela publicação – o responsável pela publicação deve
ser um jornalista profissional, que idealmente seria subordinado à
presidência da empresa.
Natureza do canal – o jornal interno é apontado como o canal mais
adequado por ser um veículo típico do gênero informativo e de
periodicidade média. O jornalista chega, inclusive, a estabelecer o
formato mais indicado: o tablóide (27 x 37 cm), justificado por sua
facilidade de manuseio e leitura.
Conteúdo – as informações estão, no modelo, divididas em duas
categorias: sobre a empresa e sobre os empregados. O índice indicado
é de 30 a 40% de matérias institucionais e de 60 a 70% de matérias de
interesse da comunidade.
Escolha dos assuntos – o jornalista sugere a realização de uma
pesquisa para conhecer as características do público-leitor: quantidade,
estado civil, sexo, formação escolar, entre outros pontos. Paralelamente
à pesquisa, o editor deve percorrer todas as áreas da empresa para
conhecer de perto o grupo. “Esse segundo tipo de pesquisa permite a
aferição direta do comportamento da comunidade” (ibidem: 249).
Gêneros jornalísticos – Gaudêncio Torquato indica a porcentagem mais
adequada de cada gênero jornalístico: 40% de matérias interpretativas,
82
30% do gênero opinativo, 20% do gênero informativo e 10% de matérias
de entretenimento. A predominância do gênero interpretativo é
justificada pela necessidade da “interpretação dos acontecimentos para
a comunidade. (...) A simples constatação de fatos (gênero informativo)
pode gerar o desinteresse” (ibidem: 255).
Captação de informações – no modelo proposto, os empregados devem
participar do planejamento da publicação. Alguns representantes do
corpo da empresa têm o papel de correspondentes, responsáveis por
levar informações ao editor. “O fluxo de comunicação assume, portanto,
características integradoras” (ibidem: 258).
Estrutura editorial – a proporção indicada é de 60 a 70% de texto e 30 a
40% de ilustrações e espaço branco.
O modelo sistematizado por Gaudêncio Torquato inclui ainda muitos
outros detalhes, como cronograma de produção, linguagem a ser
adotada e forma de distribuição.
Durante as entrevistas realizadas para esta dissertação, o jornalista não
conseguiu indicar com precisão o tempo de desenvolvimento da tese.
Eu quero dizer que foi bem menos tempo que uma tese normal,
até porque nós éramos premidos pelo tempo. Eu estava muito
por dentro do tema, um tema que eu sempre dominei, não era
Ribeiro, na Bela Vista, num apartamento, 10º andar, tinha lá
uma escritoriozinho. Era das 6 da manhã até as 24 horas. Eu
trabalhei diretamente 18 horas por dia. Eu me lembro que
passava um mês e meio mais ou menos escrevendo 18 horas a
ponto de um dia eu estar com uma dor terrível, foi preciso um
médico me socorrer. (...) Eu tive de passar uns dois dias
acamado até voltar. Atingiu todo o nervo ciático. Eu também
disse: só vou fazer essa tese se for de cabo a rabo. Aliás, é um
conselho que eu sempre dou: querem fazer uma tese? Se
afastem do dia-a-dia, se escondam no escritório, se não, não
anda (TORQUATO, 2005d).
A defesa foi realizada em 6 de julho de 1973 com banca formada pelos
professores Dino Pretti, José Marques de Melo e Cândido Teobaldo. Quase
dez anos depois, em 1984, a tese foi transformada em livro e publicada pela
Summus Editorial com o título Jornalismo empresarial: teoria e prática – obra
que se tornou referência dentro das escolas de jornalismo do país.
O resumo supracitado da fase de doutoramento de Gaudêncio Torquato
objetivou extrair as contribuições genuínas de sua pioneira pesquisa
acadêmica sobre jornalismo empresarial – o que possibilitou, adicionalmente,
vislumbrar parte do desenvolvimento da comunicação empresarial no Brasil.
Não foi pretendida uma exegese completa do texto, trabalho que fugiria da
proposta desta dissertação de dar uma visão panorâmica da trajetória
intelectual do jornalista.
3. 5 – O modelo sistêmico proposto na tese de livre-docência
Uma década após a conclusão de sua tese, Gaudêncio Torquato
transformou novamente uma questão apreendida por sua prática profissional
em objeto de estudo acadêmico. Àquela altura, ele já somava dez anos de
experiência em comunicação empresarial e seu nome estava consolidado
como uma referência em jornalismo empresarial no país. Em função de sua
84
notoriedade, o Grupo Bonfiglioli
23
, que concentrava 42 empresas nos setores
primário, secundário e terciário da economia, o convidou, no ano de 1980, a
assumir a gerência de comunicação e, posteriormente, a diretoria da área.
Essa nova experiência despertou a atenção para uma questão que só a
vivência interna em uma grande organização poderia revelar: a necessidade de
otimizar a comunicação fragmentada em modalidades (jornalismo, relações
públicas, publicidade, editoração, identidade visual e assessoria de imprensa)
introduzindo, em seu lugar, uma estrutura sistêmica. O modelo integrado de
comunicação organizacional, criado para o Grupo Bonfiglioli, norteou a tese de
livre-docência defendida na ECA-USP em 1983 e que levou, segundo
Gaudêncio Torquato, cerca de dois anos de desenvolvimento.
(...) já dentro do Grupo Bonfiglioli, eu fiz a experimentação na
área de modelo sistêmico de comunicação onde eu realmente
vi como funciona uma grande organização complexa por
dentro, senti necessidades, aprendi e apreendi questões
relacionadas à gestão organizacional, estudei muito gestão
organizacional. (...) O grupo tinha mais de 30 empresas
diferentes. (...) Tive condições de reformular e implantar o
modelo sistêmico de comunicação empresarial. (...) Fui
também o primeiro a falar em comunicação empresarial,
comunicação sistêmica e aí, nesse caso, passei a trabalhar
com as formas da comunicação nas organizações e pela
primeira vez falei em comunicação cultural, comunicação
gerencial e social. Fiz esta divisão. Engraçado, até hoje o
mercado confunde (...) (TORQUATO, op. cit.).
A intenção do jornalista, expressa na introdução da tese, foi realizar um
estudo que contribuísse para a formatação de um modelo de comunicação
sistêmico para organizações complexas utilitárias. O autor indica já no título da
23
O Grupo Bonfiglioli era uma organização privada nacional que reunia empresas nos segmentos
bancário, alimentício, de construção imobiliária, turístico, de comércio exterior e de serviços. De 1980 a
1984, o jornalista desenvolveu um modelo de comunicação que reunia as áreas de jornalismo, relações
públicas empresariais e governamentais, publicidade mercadológica e institucional, marketing cultural,
editoração, identidade visual e um sistema de informações qualitativas (TORQUATO, 1987: 94).
85
obra – Comunicação e organização: o uso de comunicação sinérgica para
obtenção de eficácia em organizações utilitárias (TORQUATO, 1983) – alguns
elementos que embasaram o trabalho. O primeiro deles é a utilização de
teorias da administração que tratam da questão do poder e do consentimento.
Tal escolha se justifica porque Gaudêncio Torquato parte da hipótese de que “o
uso sinérgico da comunicação amplia as bases do consentimento, legitimando,
na frente interna, o suporte de autoridade e, na frente externa, reforçando e
ampliando a margem de favorabilidade em torno do sistema organizacional”
(TORQUATO, op. cit.: 15).
São citados autores como Weber, e sua divisão clássica de tipos de
autoridade (legal, tradicional e carismática), e os da Escola de Relações
Humanas (Mayo), que conferiram aos padrões informais de relacionamento
dentro de uma organização a mesma importância dos formais. Os elementos
básicos utilizados na livre-docência são extraídos da teoria de Amitai Etzioni. É
dele a classificação de três tipos de poder dos quais valem-se as organizações
para fazer com que seus participantes concordem com os objetivos
organizacionais:
- Poder coercitivo: amparado na utilização de sanções físicas;
- Poder remunerativo: baseado em recompensas financeiras;
- Poder normativo: norteado por recompensas simbólicas.
A predominância de um dos tipos de poder mencionados acima
determina a classificação de Etzioni para as organizações.
- Organizações coercivas: a coerção é o principal instrumento
utilizado para obtenção do consentimento entre seus integrantes
(exemplo: prisões e hospitais de doenças mentais);
- Organizações normativas: o poder normativo se sobrepõe aos
outros como forma de controle (exemplo: instituições de ensino e
religiosas);
- Organizações utilitárias: a recompensa financeira é o meio de
controle prioritário (exemplo: indústrias e grandes grupos
econômicos).
86
Gaudêncio Torquato delimita seu campo a partir dessa classificação:
É neste cenário, da organização utilitária, que procuraremos
desenvolver o nosso modelo sinérgico de comunicação. Para
completar o mapa, apenas o acréscimo do termo “complexa”,
que identifica uma grande unidade, como o órgão
governamental e a indústria, entidades que apresentam um
conjunto de papéis, constituindo uma estrutura’. (...) Dentro da
organização utilitária complexa, escolhemos o grupo orientado
para a produção econômica, a unidade comercial-industrial
(ibidem: 50).
Demarcado o cenário, o autor parte para estudar o papel da
comunicação em uma organização com as características delimitadas por
Etzioni, proposta que é amparada por uma bibliografia na qual são incluídos
autores como Thayer, Lazarsfeld e Merton. Em resumo, seu entendimento da
comunicação em uma organização aponta para a seguinte tese: “Gerar
consentimento, eis aqui a meta finalista da comunicação organizacional”
(ibidem: 72). A esse papel, Gaudêncio Torquato dá o nome de “poder
expressivo”.
É em cima desta visão que projetamos o nosso quadro
reflexivo, considerando que a autoridade na organização se
legitima, freqüentemente, pela possibilidade técnica do uso
adequado e oportuno da linguagem. Identificamos, assim, um
conjunto de situações que convergem necessariamente para
os valores comportamentais e que vêm à tona em termos do
que poderíamos chamar de um “poder expressivo” (ibidem: 24).
3.6 – Os conceitos de sinergia e da Teoria Geral dos Sistemas
87
No modelo de Gaudêncio Torquato, o uso sinérgico das diversas
modalidades de comunicação é responsável por potencializar o poder
expressivo. O jornalista utiliza o conceito de Igor Ansoff, que explica o termo
sinergia como o desempenho combinado entre diferentes elementos superior à
simples soma desses elementos. Esse mesmo conceito gerou reflexões sobre
como o uso sinérgico da comunicação poderia ser vantajoso. A inferência mais
mensurável diz respeito à redução de custos obtida com a negociação conjunta
para a produção das diferentes modalidades da comunicação. “O efeito
sinérgico do uso dos meios de comunicação numa organização utilitária pode
ser, assim, dimensionado em termos de considerável redução de custos em
razão de planejamento e execução e tarefas conjuntas” (ibidem: 106). A
integração das modalidades da comunicação traz ainda outra diferença
igualmente vantajosa, ainda que menos facilmente mensurável: a convergência
das mensagens adotadas pela publicidade, relações públicas, jornalismo etc.
(...) a organização procura utilizar-se de seu poder expressivo
para, internamente, administrar a tensão e o comportamento
social da comunidade, ajustando-o aos objetivos da
administração, atenuando a controvérsia, e, externamente,
aumentar sua influência e seu trânsito junto aos poderes e aos
meios de comunicação, criando credibilidade e respeitabilidade
para expandir suas bases de consentimento (ibidem: 222).
Toda a construção da tese de livre-docência amparou-se na Teoria
Geral dos Sistemas. A adoção desse referencial teórico, como lembra Lima, já
havia sido experimentada no doutoramento do jornalista. “O professor doutor
Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, especialista em comunicação
empresarial e partidário da utilização da abordagem sistêmica na análise do
jornalismo, dá provas desta sua preferência na sua tese de doutoramento,
defendida” (LIMA, 1981: 17). Para Lima, o enfoque sistêmico é um instrumento
que permite a um pesquisador fazer a análise de seu objeto de estudo com
uma “perspectiva contextual” (LIMA, op. cit.: 18).
88
A Teoria Geral dos Sistemas surgiu dos estudos do biólogo austríaco
Ludwig von Bertallanfy que, a partir dos anos 1950, publicou os primeiros
artigos com a base desse arcabouço conceitual. Em resumo, “trata-se de uma
proposição que concebe a realidade constituída por diferentes entidades
organizadas, numa superposição de muitos níveis” (LIMA, 2004: 9). A idéia de
sistemas implica a adoção de duas possibilidades: a dos sistemas fechados
(que não aceitam trocas entre as diferentes entidades ao redor) e a dos abertos
(que, ao contrário, permitem a troca). Nesse sentido, a organização é colocada
por Gaudêncio Torquato como um sistema aberto, composto por partes que se
inter-relacionam. O jornalista faz uma analogia com os organismos biológicos,
comparando que um e outro recebem matéria-prima de seu exterior e a
processam. Em uma organização, a matéria-prima é a informação, processada
em forma de produtos ou serviços.
Em entrevista para esta dissertação, Gaudêncio Torquato enfaticamente
registrou sua admiração por esse referencial teórico:
Eu sou uma pessoa simplesmente fascinada pela Teoria Geral
dos Sistemas desde quando eu descobri que eu poderia
explicar muita coisa que acontece comigo pela Teoria dos
Sistemas, quando eu descobri o que é um sistema fechado e
um sistema aberto, quando eu descobri que, a cada dia, eu,
como uma planta, tenho que receber os raios solares, me
alimentar para crescer. E pela Teoria dos Sistemas eu consigo
me obrigar todo dia a caminhar um pouquinho adiante, a não
ficar conformado, a não me fechar em torno de mim mesmo, a
não ser um sistema fechado automático. (...) Se os sistemas
abertos têm essa capacidade de evolução, por que eu vou me
fechar? (...) Eu vi que os sistemas abertos são tão fortes que
começam a influenciar na área política os sistemas fechados.
(...) Então eu falei: puxa vida, eu vou usar a Teoria dos
Sistemas para a área de comunicação para poder mostrar que
se há esse respiro constante entre organização e comunicação
é porque a comunicação é um sistema aberto. Eu passei a
mostrar que, quando você cria uma empresa, na verdade, está
89
criando as relações de comunicação entre as partes dessa
empresa. (...) Percebi que mexendo no sistema da
comunicação você mexe no sistema organizacional para que o
sistema se amplie, se modifique, está interligado (TORQUATO,
2005d).
3.7 – A comunicação no campo político
A tese de livre-docência de Gaudêncio Torquato traz, em seu quarto
capítulo, uma análise do cenário brasileiro no qual as organizações utilitárias
estavam imersas. Um dos itens analisados é a “comunicação na esfera política”
(TORQUATO, 1983: 186), que pode ser considerado uma apreciação
embrionária sobre a comunicação governamental. O jornalista remonta ao
modelo criado na década de 1970 pela Assessoria Especial de Relações
Públicas da Presidência da República, fortemente ancorado em campanhas de
tom nacionalista.
O sistema de comunicação governamental, assumindo
objetivos congêneres ao sistema de comunicação
organizacional utilitário, procura respaldar-se na necessidade
do Governo em manter linhas e formas de comunicação para
com a sociedade, projetando sua imagem perante ela, ao
mesmo tempo em que procura auscultar anseios,
preocupações e direcionamento. (...) Criando fluxos de
comunicação do Governo para a sociedade e desta para o
Governo, como, aliás, já previa o Presidente Thomas Jefferson
há 180 anos, estabelece-se o equilíbrio sistêmico
(TORQUATO, op. cit.: 188).
Nos anos 1980, segundo análise do jornalista, o modelo de comunicação
governamental passou a incluir o conceito de marketing social, com
campanhas sobre poliomielite, economia de combustíveis e higiene doméstica
(ibidem: 189). A questão da comunicação na esfera política é tratada, na tese
90
de livre-docência, em seis páginas, e, apesar da forma enxuta como foi
abordada, já sinalizava a migração de Gaudêncio Torquato para o que viria a
ser seu próximo papel: o de analista político, antecedido pela experiência como
consultor de marketing político – assunto do próximo capítulo desta
dissertação.
Estiveram presentes à banca de defesa da livre-docência, realizada em
1° de dezembro de 1983, os profs. drs. Diva Benevides Pinho, Antonio de
Lorenzo Neto, Wladimir Pereira, Modesto Farina e Cândido Teobaldo de Souza
Andrade. Três anos depois, a tese foi publicada em livro pela Summus Editorial
com o título Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos,
estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas (TORQUATO, 1986).
3.8 – A repercussão do pesquisador Gaudêncio Torquato na academia
Um indicador para se aferir a importância de Gaudêncio Torquato na
pesquisa comunicacional brasileira é sua repercussão dentro da própria
academia. Ainda que a proposta de investigar como os pesquisadores de
comunicação utilizam os conceitos formulados pelo autor fosse por demais
ampla e, portanto, fugisse das possibilidades desta dissertação, entendi que o
assunto não deveria ser descartado. Optei então por centrar a questão nas
dissertações e teses defendidas sobre jornalismo empresarial ou comunicação
organizacional e produzidas apenas na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. Para realizar esse levantamento, utilizei a base de
dados eletrônica da biblioteca da ECA, usando como filtro de pesquisa as
expressões “jornalismo empresarial”, “comunicação empresarial” e
“comunicação organizacional”. Foram indicados, no total, 56 títulos, entre
pesquisas de mestrado e doutoramento. Como amostragem, fiz a consulta
aleatória a 20 desses títulos, procurando indicações se o pesquisador
Gaudêncio Torquato foi utilizado ou não como fonte bibliográfica. Foram
pesquisados os seguintes trabalhos:
91
MESTRADO
- ALMEIDA, Eliasar. A comunicação organizacional do exército
brasileiro: um estudo da eficácia da comunicação interna na
guarnição militar de Campinas. Orientador: Waldir Ferreira
(2000).
- BAR, Fernando Luis. Informação e comunicação organizacional
numa empresa de energia elétrica. Orientador: Fredric Litto
(1995).
- FRANÇA, Fábio. Comunicação institucional na era da qualidade
total. Orientadora: Sidinéia Gomes Freitas (1997).
- LAFRATTA, Sueli Regina. O jornalismo empresarial como
ferramenta da comunicação mercadológica. Orientador: Mitsuru
Yanaze (2002).
- LIMA, Maria Cristina Pavarini de.
- OLIVEIRA, Eliane Freire de. Discurso autoritário e reprodução
do cotidiano no jornalismo empresarial: o caso C. T. I. Jornal.
Orientadora: Alice Mitika Koshiyama (2003).
- PEREIRA, Maria do Perpétuo. Comunicação universitária:
padrões de comunicação entre alunos, professores e
funcionários na Universidade do Amazonas. Orientador: Fredric
Litto (1989).
- PIMENTEL, Regina de Abreu. Conceitos para a excelência de
periódicos empresariais. Orientador: Kardec Vallada (2003).
- PONTIN, José Afonso. Vídeo empresarial: uma mídia
institucional. Orientadora: Anna Balogh (1989).
- REIS, Devani de Moura. A questão da saúde pública: um
enfoque comunicacional. Orientadora: Heloiza Helena Gomes de
Matos (1999).
- SOBRINHO, Joaquim Ferreira. Jornalismo corporativo: uma
grande imprensa – abordagem sob a ótica da gestão da
comunicação em uma entidade de classe. Orientadora: Cristina
Costa (2003).
- TAVARES, Maria Lucinete. Jornalismo empresarial: estratégia
de marketing e de interação social. Orientador: Dirceu
Fernandes Lopes (1993).
DOUTORADO
- CARVALHO, Ary Ribeiro de. Comunicação e relacionamento no
processo de avaliação da capacidade gerencial. Orientador:
Modesto Farina (1985).
- CESCA, Cleusa Gimenes. Relações públicas e a comunicação
dirigida escrita na empresa. Orientador: Cândido Teobaldo de
Souza Andrade (1994).
93
- KRUEL, Inês Rosito. Comunicação institucional em saúde
pública: uma pesquisa conscientizadora. Orientador: Francisco
Assis Fernandes (1995).
- OLIVEIRA, Ione de. Mensuração de programas e projetos,
relações públicas e comunicação empresarial. Orientadora:
Sidinéia Gomes Freitas (1993).
Mesmo realizada de forma incipiente, a leitura dessas dissertações e
teses permitiu a aferição de algumas constatações interessantes. Três
trabalhos não incluem o nome de Gaudêncio Torquato entre as referências
bibliográficas: Informação e comunicação organizacional numa empresa de
energia elétrica, Comunicação e relacionamento no processo de avaliação da
capacidade gerencial e Comunicação institucional em saúde pública: uma
pesquisa conscientizadora. Todos os outros utilizam obras do autor.
A tese de doutoramento é fonte de cinco pesquisas (Lopes, Tavares,
Sobrinho, Mizuno e Pereira) e a de livre-docência é citada em duas delas
(Mizuno e Pereira). O livro Jornalismo empresarial: teoria e prática
(TORQUATO, 1984), versão de seu doutoramento, é utilizado por sete
pesquisadores (França, Tavares, Lafratta, Sobrinho, Pimentel, Cesca e Lima).
Já a obra Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos,
estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas, fruto de sua livre-
docência, aparece entre as referências bibliográficas em 11 pesquisas (França,
Tavares, Lafratta, Luduvig, Cesca, Oliveira, Pontin, Lima, Marchiori, Almeida e
Reis).
O que ficou patente foi a importância que a sistematização sobre
jornalismo empresarial e comunicação organizacional teve em boa parte dos
trabalhos consultados. Mesmo os que utilizam apenas os livros do jornalista
indiretamente valeram-se das contribuições acadêmicas de Gaudêncio
Torquato, já que as duas obras resultaram da tese e da livre-docência do autor.
A categorização dos veículos empresariais (boletim, jornal e revista) e a divisão
de fluxos da comunicação (horizontal, vertical e lateral) são algumas das
94
contribuições recorrentes do jornalista encontradas nas dissertações e teses
supracitadas.
O aprofundamento dessa análise provavelmente traria revelações ricas,
mas, por exceder as possibilidades da presente pesquisa, não pôde ser
concretizado, ficando apenas como sugestão para futuros pesquisadores.
95
CAPÍTULO 4: O ANALISTA POLÍTICO
4.1 – A sistematização de conceitos no marketing político
A década de 1980 marca um momento de ruptura no Brasil. A
redemocratização, ensaiada com as campanhas populares de 1984, é
efetivada com a eleição, embora ainda indireta, da chapa dos civis Tancredo
Neves/José Sarney para a presidência da República em 1985 – sufrágio que
representou o fim de 21 anos de governos militares.
Esse contexto refletiu-se na fase profissional vivida por Gaudêncio
Torquato. O interesse pelo movimento político foi, a princípio, filtrado pelo olhar
do comunicador. Não à toa, a primeira obra do jornalista com foco na política é
realizada pelo prisma do marketing. O livro Marketing político e governamental:
um roteiro para campanhas políticas (TORQUATO, 1985) surgiu antes da
experiência profissional na área, ao contrário dos dois livros célebres do
jornalista: Jornalismo empresarial: teoria e prática e Comunicação empresarial,
comunicação institucional: conceitos, estratégias, sistemas, estrutura,
planejamento e técnicas. A proposta da obra, conforme destacado no prefácio,
era oferecer uma sistematização das técnicas de marketing para o campo da
política com foco nas cidades do interior, “onde as peculiaridades e a cultura
rústica local exigem adaptação de conceitos” (TORQUATO, op. cit.: 10).
Reflexo de um país em plena redemocratização, o jornalista defende “uma
estrutura e uma estratégia para a comunicação governamental mais abertas,
profissionais e condizentes com uma sociedade que quer se fazer mais
participante” (ibidem).
Na primeira parte do livro, o autor oferece um roteiro básico de trabalho
“como forma de ajudar as agências de publicidade, assessorias de imprensa,
de relações públicas, assessores parlamentares, estrategistas em geral e,
evidentemente, os candidatos” (ibidem: 15). Em 24 tópicos, Gaudêncio
Torquato apresenta as principais questões que devem ser consideradas na
estruturação de um plano de marketing político. Cada uma delas é esgotada
em poucas palavras, sinalizando o caráter seminal da obra. Os temas
96
abordados, enunciados abaixo, dão a dimensão da abrangência dessa primeira
parte:
- Escolher uma estratégia de marketing adequada;
- Definir os segmentos-alvo e periféricos de eleitores;
- Saber ler o meio ambiente e identificar riscos e oportunidades;
- Desenvolver um conceito e uma identidade;
- Evitar situações, atos e discursos inadequados;
- Testar o conceito e a identidade antes do lançamento;
- Analisar os concorrentes e seu perfil político;
- Ganhar projeção em entidades representativas;
- Ganhar confiança do partido;
- Definir a estratégia de comunicação;
- Preparar um bom plano e eficiente cronograma;
- Conseguir um sólido esquema de financiamento;
- Arregimentar grupos para trabalhos voluntários;
- Formar uma ampla base de alianças;
- Escolher equipes profissionais de assessores;
- Ter disposição e método de trabalho;
- Conhecer as pesquisas de opinião, mas não se impressionar;
- Realizar periódicas avaliações de desempenho;
- Ter flexibilidade e exibir jogo de cintura;
- Desenvolver boa presença em comícios;
- Preparar-se para debates na mídia;
- Alcançar pontos de equilíbrio em todos os programas;
- Convergir os enfoques, apelos e materiais para um mesmo
ponto;
97
- Fazer uma boa comemoração ou preparar-se para a próxima
campanha.
Alguns itens, especificamente, são adaptados de conceitos do
marketing. O terceiro tópico, por exemplo, faz uso da análise SWOT, utilizada
para o estudo da competitividade de uma empresa com base nas variáveis
forças, fraquezas, oportunidades e riscos. Já no penúltimo item é possível
identificar um conceito explorado pelo próprio autor em sua livre-docência: a
unidade do discurso por meio da integração das diversas modalidades da
comunicação.
Encerrada, ainda que de modo bastante sucinto, a abordagem das
principais questões relacionadas à elaboração de um plano de marketing
político, o autor passa a direcionar o discurso para as cidades do interior na
segunda parte do livro. O capítulo deixa transparecer, em muitos momentos, a
herança familiar da vivência política de Gaudêncio Torquato, tema trabalhado
no início desta dissertação. A forma explícita com que o assunto “política no
interior do país” é tratado expressa o estágio em que se encontrava o
marketing político à época. O trecho a seguir demonstra a maneira adotada,
que dispensou quaisquer eufemismos:
No interior, está consagrada a lei da troca, do “toma lá, dá cá”.
Os votos são oferecidos na expectativa de um favor a ser
alcançado, podendo este contrato ser rompido quando uma
das partes não atende ao que foi estabelecido e, muitas vezes,
intermediado pelo cabo eleitoral. O atendimento significa, num
primeiro momento, ações no sentido de implementar o pedido,
mesmo que este não seja imediatamente atendido. Mas o
cumprimento da palavra dada é muito importante,
principalmente se o favorecido é um “grande eleitor” (ibidem:
34).
Também na segunda parte do livro, o jornalista adota a estrutura de
tópicos, mantendo o tom didático do primeiro capítulo. São abordados os
seguintes itens:
98
- Comportar-se como um vencedor;
- Identificar a força econômica da região/município;
- Identificar os novos coronéis e seu tipo de mando;
- Identificar as zonas, culturas e riquezas da região;
- Quantificar os votos dos chefes locais;
- Elaborar o perfil dos eleitores;
- Selecionar os melhores cabos eleitorais;
- Ter postura de flexibilidade;
- Ouvir com atenção os pedidos;
- Procurar atender aos compromissos;
- Cultivar as amizades e os laços pessoais;
- Aparentar força e poder, mas não perder a modéstia;
- Tentar fazer conciliações a pactos;
- Captar o clima da estrutura socioeconômica do poder;
- Ganhar a confiança dos grupos de pressão;
- Usar intensamente o rádio;
- Usar uma bateria de meios informais de comunicação;
- Preparar um bom programa de identidade visual;
- Organizar encenações de alto impacto;
- Escolher uma palavra ou uma frase de comando;
- Planejar muito bem as despesas;
- Ter cuidado com sinais externos de riqueza ;
- Marcar presença constantemente;
- Começar a identificar-se com o futuro.
Muitas das questões acima têm ligação direta com o conceito de
coronelismo. Gaudêncio Torquato não se limita às referências do marketing e
incorpora os estudos dos sociólogos Victor Nunes Leal e Maria Isaura Pereira
99
de Queiroz sobre o tema coronelismo, atualizando-os para a realidade dos
anos 1980. Ele reforça que, àquela altura, um novo tipo de coronel já havia
surgido, com poder menor e mais pulverizado. “A segmentação das chefias
políticas locais é um fenômeno em pleno processamento e crescimento. Disso
resultam, naturalmente, novos tipos de mandos, dos tradicionais, à base de
prestação de favores e ‘votos de cabresto’, aos mais modernos” (ibidem: 32).
Essa mudança deve orientar a escolha, na visão do jornalista, do plano de
marketing político de um candidato no interior do país.
Além dos tópicos relativos ao desenvolvimento de campanhas políticas,
o livro traz um relacionado à comunicação governamental. É retomada a
análise que o jornalista já havia ensaiado na tese de livre-docência, defendida
dois anos antes da publicação do livro, a partir dos modelos de comunicação
governamental adotados no país desde a década de 1970. Outra referência
aos estudos anteriores do autor é o detalhamento da estrutura que sustenta as
atividades de comunicação, indicando a atuação articulada das áreas de
imprensa, publicidade e propaganda, relações públicas, publicações e infra-
estrutura técnica. “Cremos ser necessária uma política emanada de cima para
interligar as partes do todo e integrar os setores de comunicação, dando
unicidade aos programas e projetos” (ibidem: 57). A forma sugerida, a respeito
desse tópico, segue a mesma linha defendida na livre-docência: a ligação
direta do departamento de comunicação com a presidência da República
garantiria instruções únicas a todas as modalidades da comunicação, evitando
a fragmentação da imagem e do discurso do governo.
Endossando o caráter didático do livro, na quarta e última parte está
publicado um glossário com 153 expressões e termos ligados ao marketing
político, alguns bastante ortodoxos, outros, bem heterodoxos, como
exemplificado na pequena amostragem selecionada a seguir:
Atendimento – Parte da agência que cuida de atender ao
candidato, acompanhando-o em suas necessidades e
promovendo os contatos entre ele e a agência.
100
Bagre ensaboado – Sujeito escorregadio, que não diz o que
quer nem para o que veio. Infiltrado, às vezes, pela corrente
adversária.
Boi de piranha – Candidato indicado e escolhido para ser
queimado e derrotado.
Briefing – Conjunto de diretrizes, idéias, normas, princípios
contendo as características fundamentais, atributos e valores
que deverão ser desenvolvidos na campanha. Deverá ser
passado para a agência ou o estúdio de publicidade.
Composto de comunicação – Integração dos canais de
comunicação para sinergização e aumento da eficácia da
campanha.
Compra de voto – Processo ainda muito usado para atrair
eleitores. Compra em espécie ou com presentes. É muito
conhecido no folclore político o chamado “caminhão de botas”.
Antes da eleição, o eleitor recebe uma bota. Depois,
dependendo do resultado, a outra.
Imagem – Percepção do candidato pelo eleitor. Enquanto a
identidade refere-se ao plano real, a imagem conota uma
representação da identidade. A imagem é a figuração mental
do candidato. É preciso tomar cuidado para que a identidade e
a imagem não entrem em conflito.
Pau mandado – Pau para toda obra; eleitor certo; capanga,
cupincha.
Voto de cabresto – Não se trata de um voto por imposição do
coronel, como pode-se supor. Mas um voto que significa uma
troca, de maneira que redunde em benefícios para o eleitor. Só
em um ou outro caso, o voto de cabresto é dado por ameaça
ou por medo de vingança (ibidem).
4.2 – Migração planejada
O livro comentado no item 4.1 não foi fruto de um interesse sazonal, e
sim de uma continuidade racionalizada de Gaudêncio Torquato em relação à
sua própria trajetória. No Memorial escrito por ocasião do concurso público
101
para professor titular da ECA-USP, em 1987, está relatada a migração para o
marketing político e a comunicação governamental – experiência que veio
completar o ciclo de especializações da comunicação institucional que ele tinha
por pretensão abarcar como profissional, professor e pesquisador
(TORQUATO, 1987: 97). Esses novos campos despontavam como uma
possibilidade de expandir os conhecimentos mantendo como principal trilho a
comunicação institucional.
A experiência no campo do jornalismo empresarial e a natural
evolução para a comunicação empresarial pareciam
incompletas para o meu universo de interesses. Faltavam-me,
entre as especialidades de comunicação institucional,
experiências no campo político e governamental. E foi o que
procurei implementar, após minhas atividades na comunicação
empresarial e depois de ter realizado o concurso de professor-
adjunto (TORQUATO, op. cit.: 97).
Na quinta entrevista realizada para este trabalho, o jornalista reforçou
que a passagem para essa nova fase profissional foi decorrência do mesmo
encaminhamento que, na etapa anterior, havia lhe aberto as portas do
jornalismo empresarial e da comunicação institucional. No caso do marketing
político, o início, na prática, deu-se pela via da comunicação governamental.
Aqui é preciso fazer uma ligação entre a comunicação
governamental e a comunicação política. Eu sempre trabalhei
com a idéia de que comunicação organizacional, e você vai
perceber o fio condutor de tudo isso aí, que a comunicação
organizacional (...) é uma comunicação que extrapola a própria
área empresarial e sindical para entrar na área política na
medida em que os partidos políticos são organizações, na
medida em que as instituições políticas, todas elas estão
portanto dentro desse conceito da organização (TORQUATO,
2006a).
102
Potencializando o encaminhamento para a nova área de atuação estava
sua própria história de vida. A íntima convivência, nos anos da infância e
juventude, com a política, conforme exposto no primeiro capítulo desta
dissertação, permitiu que ele tomasse ciência concretamente das questões da
prática política. Portanto, quando os primeiros trabalhos com comunicação
governamental e marketing político foram iniciados, é possível dizer que o
jornalista já contava com uma experiência indireta na área, resultado de seu
convívio com campanhas de familiares.
O primeiro trabalho com comunicação governamental foi na gestão do
presidente José Sarney, em 1986, quando Gaudêncio Torquato identificou uma
lacuna na qual poderia atuar. Partiu dele a iniciativa de despertar a atenção
para a comunicação governamental que, segundo suas palavras, carecia de
uma linguagem homogênea, de um ajustamento de mensagem. O jornalista
contatou o assessor Fernando César Mesquita e lhe indicou o que identificava
como incorreto na comunicação do governo.
Eu mandei para ele um clipping dizendo: “olha, o governo
precisa ter um quadro homogêneo. Eu estou sentindo, como
observador externo, que está faltando um ajustamento de
linguagem”. (...) Ele me convidou para ser o secretário
executivo daquele grupo de comunicação do Sarney. E aí
criamos um grupo de comunicação que, na minha visão, foi
considerado um dos mais densos, mais, eu diria, fortes da
comunicação do Brasil na medida em que reunia nomes muito
famosos, nomes de grandes personalidades da comunicação,
como Mauro Salles, Antonio Brito, Roberto D´Avila. (...)
Chegamos a nos reunir uma vez por mês em Brasília para
definir as linhas, e eu estruturei todo esse grupo, defini as
linhas de comunicação do governo, enfim... (TORQUATO, op.
cit.).
A experiência, inovadora para Gaudêncio Torquato, acabou com um
desfecho precipitado. A despeito da competência técnica do grupo, faltava algo
103
essencial: “(...) tinha ali um corpo muito qualificado de pessoas dando idéias
muito boas, mas o governo não operava aquilo. Porque o governo precisava
governar. Comunicação é como. Faltava o que comunicar. Se o que é ruim, o
como não vai fazer milagres” (ibidem). O grupo se dissolveu depois de cerca de
cinco meses e, apesar do final frustrante, a experiência na gestão Sarney
desencadeou uma série de outros trabalhos em comunicação governamental,
sedimentando o início dessa outra etapa da trajetória do jornalista.
A ampliação de foco profissional foi proporcional às dimensões desse
novo campo. Para quem estava acostumado a articular a comunicação em
grandes organizações, a vivência na comunicação governamental trouxe
possibilidades ainda mais amplas. “O fenômeno da opinião pública aparece de
maneira muito mais, eu diria, mais forte. (... ) Porque na empresa você sabe
previamente quem são os públicos, são mais seletivos. Na opinião pública você
tem públicos variados, tem que mexer com os diversos tipos de público, com as
linguagens, os instrumentos” (ibidem).
A passagem para o marketing governamental atendeu ao anseio de
ocupar espaços diversificados dentro da comunicação institucional e
representou mais um degrau do planejado amadurecimento profissional do
jornalista.
Eu acho que era uma fatia muito pequena para mim (sobre o
jornalismo empresarial). (...) Primeiro porque eu identifiquei
uma coisa, quer dizer, essa área foi muito pouco desenvolvida.
Eu estava trabalhando com o conceito do comunicador
empresarial ser um estrategista, nunca ser só um operador. E
as pessoas trabalhando em jornalzinho, faz revistinha. Ficava
no operacional, na fazeção. Eu vou trabalhar em uma área que
me exija mais como planejador, como estrategista. E essa área
da comunicação governamental e do marketing político, ela
exige mais o planejador e o estrategista
(ibidem).
Gaudêncio Torquato voltou a trabalhar na gestão Sarney desenvolvendo
planos de comunicação para uma série de Ministérios: da Administração, Minas
104
e Energia, Aeronáutica e Indústria e Comércio. A máquina burocrática estatal
com a qual teve contato, segundo análise incluída no Memorial de 1987,
representou, por sua vasta estrutura, um obstáculo para a implementação de
sistemas de comunicação.
Evidentemente eu procurava sempre ajustar a identidade do
ministério justamente para o conceito que ele quer passar para
a sociedade. Então procurava trabalhar sempre essa idéia do
marketing, o conceito, o que é identidade, depois a
comunicação, articulação com a sociedade organizada,
mobilização (...)
(ibidem).
4.3 – Marketing político eleitoral: um capítulo à parte
Paralelamente, começava a atuação em uma outra frente, a do
marketing eleitoral. A estréia efetiva como consultor de marketing político
aconteceu em 1986, com a participação no planejamento, coordenação e
operação das campanhas de Tasso Jereissati ao governo do Ceará, João
Faustino ao governo do Rio Grande do Norte e Freitas Nobre ao governo do
Piauí. “Foram quatro meses de árduo trabalho, possivelmente a campanha
política mais disputada da história republicana, onde os conhecimentos
técnicos da área de comunicação tiveram importância decisiva” (TORQUATO,
1987: 98).
As primeiras experiências em campanhas políticas permitiram a
Gaudêncio Torquato conviver não só com as práticas do marketing político,
mas também com bastidores que o olhar do jornalista apreendeu com deleite.
Em suas obras posteriores sobre o assunto, entre livros e artigos publicados
em jornais diversos, muitos “causos” colecionados nessa época servem como
matéria-prima para humanizar análises que poderiam contentar-se com o lado
técnico, como no exemplo a seguir:
105
O candidato e os assessores não devem desanimar com
pesquisas negativas. Há candidaturas que nascem do zero e
ganham campanhas. A propósito, aqui vai uma historinha,
ocorrida em 24 de junho de 1986, noite de São João, no Ceará.
Tasso Jereissati, convidado por um deputado estadual, dirige-
se a um clube de um bairro popular de Fortaleza. É a sua
primeira experiência no meio do povo. Candidato a governador
do Ceará, sua missão é presidir um júri que vai julgar fantasias
juninas. Está completamente deslocado, um peixe fora d´água.
Fica encabulado, não sabe o que fazer. Só era conhecido no
bairro de classe média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de
intenção de voto. Depois do evento junino, angustiado,
confessava a um grupo de amigos: “Estou fora. Se política for
isso, presidir desfile de festa junina, fazer demagogia, ir a
batizado, casamento, velório, não contem comigo”. Foi só um
desabafo de iniciante. Ganhou de três coronéis da política –
Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra. Com 600 mil
votos de diferença (TORQUATO, 2002: 196).
Em seu acervo pessoal, o jornalista mantém os planos de comunicação
que desenvolveu, inclusive uma campanha criada para o deputado João
Faustino em 1985. Interessante destacar que nesse caso, especificamente, a
campanha não objetivava à eleição a algum cargo, mas ao fortalecimento da
imagem de Faustino, que pretendia concorrer à eleição para o governo do Rio
Grande do Norte no ano seguinte. Com o título Plano estratégico de ação
política e comunicação, foi organizada uma campanha para capitalizar a
imagem de Faustino a partir das eleições para a prefeitura de Natal, em 1985.
A idéia era que o deputado utilizasse a máquina de comunicação da então
candidata Vilma, aproveitando para se projetar e ganhar espaço na mídia.
Entre os objetivos detalhados, dois merecem destaque por explicitar bem o teor
do projeto:
106
- Organizar adequadamente ações de natureza política e social
que possam ampliar seu espaço político na capital, mesmo não
sendo o personagem principal da campanha de 85. (...)
- Tirar proveito da máquina de comunicação posta a serviço da
candidata da coligação PFL-PDS, projetando-se e ganhando
espaço na veiculação (TORQUATO, 1985a, 5).
Para alcançar esses objetivos, o plano de Gaudêncio Torquato detalha
estratégias como obtenção de presença na mídia por meio da criação de fatos
político. Há ainda uma parte dedicada a sugestões de “comportamentos
táticos”, como “apresentar-se sempre com muita disposição, exibindo uma
imagem vitoriosa (...)” e “ter sempre na ponta da língua dados concretos,
estatísticas e informações precisas, objetivas, sobre o Estado e Natal, em
particular” (TORQUATO, op. cit., 8).
O plano de comunicação para Faustino incluía ainda um “capítulo” sobre
estrutura do discurso e um esquema estratégico para a campanha, no qual
estão sugeridas ações bem práticas, como o programa “Administrando o
bairro”, que previa a visita do deputado a bairros de Natal para anotar
sugestões e reclamações da população. Exemplos de outras ações
programadas estão reproduzidas abaixo:
Indicar os pontos centrais dos bairros, os pontos que
irradiam influência e multiplicam opinião, tais como: igreja,
praça central, farmácia, padaria, bar central, etc. (...)
Adotar sempre a estratégia “dentro para fora” (pontos
centrais para pontos periféricos), que aconselha atacar
núcleos de maior densidade eleitoral; estes, por sua vez,
fazem irradiar, centrifugamente, opinião, influenciando
áreas menores.
Criar eventos para cada bairro, como se o acontecimento
político fosse natural (verificar os eventos típicos dos
bairros, festas, bailes, reuniões comunitárias, igreja, etc.
(TORQUATO, op. cit., 21).
107
O trabalho de consultoria de marketing político foi desenvolvido por
Gaudêncio Torquato em campanhas de relevância, como:
- Para a prefeitura de Teresina (PI) em 1988;
- Para a presidência da República em 1989;
- Para os governos dos Estados do Piauí e de São Paulo em
1990;
- Para as prefeituras de Natal e São Paulo em 1992;
- Para o governo do Estado de Roraima em 1994;
- Para a prefeitura de Boa Vista em 1996;
- Para o governo do Estado de Roraima em 1998.
Além dessas, destacadas por ter maior representatividade na atuação
como consultor político, outras duas dezenas de campanhas para prefeituras
de cidades em diversos Estados e para eleição de deputados federais
contaram com sua participação.
A vultosa quantidade de planos de marketing eleitoral dá a dimensão da
experiência acumulada por Gaudêncio Torquato, que participou das primeiras
campanhas eleitorais desenvolvidas no país logo após a redemocratização –
período de um marketing político, segundo sua definição, “intuitivo”, com
pesquisas empíricas e estratégias improvisadas. Como sinais desse estágio,
são lembrados os materiais de campanha multiplicados sem linguagem
unificada, os assessores, que não se articulavam em uma só direção, e as
camisetas com diferentes slogans para um mesmo candidato. A receita do
jornalista era embasada pelo know-how na área de comunicação, adquirido por
quase 30 anos de atuação, e por fundamentos teóricos, obtidos da bibliografia
sobre marketing. Sua principal orientação nessa época incipiente: “Se você
quer multiplicar sua comunicação, ao invés de ter dez comunicações
diferentes, uma comunicação só”.
108
As fases seguintes na área do marketing político eleitoral foram
vivenciadas pelo jornalista, que acompanhou desde a época da improvisação
até a da priorização da forma em detrimento do conteúdo, capitaneada pelos
publicitários e razão de críticas de Gaudêncio Torquato ao marketing político.
Para ele, essa área foi contaminada pela “publicização”.
Esse marketing foi muito manipulado, muito repetido. O Duda
Mendonça, ele fazia uma campanha no Nordeste. A mesma
campanha ele fazia no Rio Grande do Sul, a mesma campanha
fazia em São Paulo, uma franquia. Eu não penso que deva ser
assim. Eu combati muito isso
(TORQUATO, 2006a).
A antítese dessa visão da padronização total é a opção, de acordo com
o jornalista, por priorizar o acompanhamento in loco das campanhas. “Não
adianta fazer marketing político de longe. Você tem que conhecer os bairros, as
regiões” (TORQUATO, op. cit.), acredita Gaudêncio Torquato, que coleciona
histórias dessa vivência durante as campanhas que organizou. Seu trabalho
ampara-se em um forte embasamento conceitual sobre marketing. O conteúdo
é desenhado a partir de pesquisas – ponto que merece sua enfática defesa por
compor um dos cinco eixos de orientação do marketing, ao lado de elaboração
do discurso, comunicação, articulação e mobilização. Para ele, só a partir de
pesquisas é possível determinar o caminho de uma campanha.
Na quinta entrevista realizada para esta pesquisa, o jornalista lembrou
algumas passagens que exemplificam o que significa, na prática a importância
de respeitar as características regionais. Em 1994, por exemplo, ele organizou
uma campanha em Roraima – a primeira dele nesse Estado.
Eu mandei criar uma campanha tudo no verde. Quando
cheguei lá, eu não vi muito impacto. Faço o pré-teste. Eu pego
as pessoas, coloco numa sala e faço o pré-teste para saber e o
pessoal não gostou muito. E não sabia por quê. Depois
descobri que a cor verde para a região amazônica era picolé
109
para Groenlândia. Há uma saturação. Some. Tudo some. E eu
percebi que tinha que quebrar o verde, jogar um vermelho
amarelo.(...) Aí percebi que cada região tem sua cor predileta,
tem sua cultura, tem sua linguagem, tem sua mania
(TORQUATO, ibidem).
Outra lembrança peculiar foi rememorada na mesma entrevista:
Eu sempre gosto de ver, sentir a cidade. (...) E percebi que na
frente das casas tinha sempre aquele verso, aquele Salmo: o
Senhor é meu pastor, nada me faltará. Acho que é o 51 (...). E
eu disse: a religiosidade aqui é muito alta. Percebendo isso, eu
vou fazer uma surpresa. O nosso programa de televisão caía
no dia 2 de novembro, dia dos mortos. E eu digo: não vou fazer
programa esse dia. Eu peguei uma Bíblia. Qual a Bíblia mais
respeitada aqui? É a dos evangélicos. Me dá o Salmo
direitinho. Peguei o Salmo direitinho, copiei o Salmo direitinho,
coloquei em GC na televisão, com uma música muito bonita, A
fuga dos escravos dos hebreus. Música bonita, peguei o sol
numa ponte lá de Boa Vista. Lindo, lindo. O GC em cima, uma
música bonita e entrou meu candidato, o Campos, todo de
preto. Demagógico, mas... Dentro do estúdio, começou a
recitar o Salmo, depois uma voz disse que em homenagem aos
mortos, nesse dia, a coligação tal, tal, não fará o programa. O
nosso adversário foi tomado de surpresa. O programa do
adversário vinha depois. Caiu de pau (...). Nós rezando e ele
atacando. Olha, fizemos uma pesquisa no dia seguinte e
demos de dez a zero
(TORQUATO, ibidem).
4.4 – Ampliação de foco: a atuação como analista político
No início dos anos 1990, Gaudêncio Torquato amplia novamente o foco
de sua atuação e parte para desbravar mais uma fronteira profissional: a
110
análise política. No prefácio do livro A velha era do novo: visão sociopolítica do
Brasil (TORQUATO, 2002), está descrito o âmago dessa nova tarefa:
“interpretar a vida institucional, a partir de observações sobre as organizações
políticas e governamentais e os atores nela envolvidos” (TORQUATO, op. cit.:
15). O jornalista ampara-se na sociologia política para conceber uma visão
sociopolítica do Brasil contemporâneo, expressa em artigos publicados em
cerca de 120
24
jornais do país.
A experiência começou de maneira bissexta nos anos 1980 quando ele
passou a publicar no jornal O Estado de S. Paulo artigos especializados, na
época, sobre comunicação empresarial. O vínculo com o jornal foi mantido e
ampliou-se quando o jornalista começou a atuar no marketing político.
Quando eu migrei para a área do marketing político, eu achava
que também deveria refinar essa atividade, apurar essa
atividade escrevendo em jornal, mas não sobre marketing
político, mas sobre política porque quem trabalha com
marketing político deve compreender a política. (...) Eu, como
consultor político, migrei sem abandonar o marketing político.
Apenas adicionei essa outra área que é a minha alma, a área
jornalística, gosto de escrever
(TORQUATO, ibidem).
Foi em O Estado de S. Paulo que Gaudêncio Torquato publicou seus
primeiros textos reflexivos sobre política, a princípio mensalmente. A
periodicidade transformou-se com o tempo em quinzenal e, em meados de
2003, consolidou-se como semanal sob a forma de um artigo publicado aos
domingos na página 2 do jornal.
A atividade somou-se às outras já acumuladas pelo jornalista e impôs
um ritmo específico, que exige, conforme sua análise, considerável tempo de
“reflexão, de leitura, de observação ambiental, de conversa política, de
contatos” (TORQUATO, ibidem).
24
Dado de 2006 informado por Gaudêncio Torquato na sexta entrevista para esta dissertação.
111
Toma muito tempo e evidentemente toma tempo também no
sentido da produção desses textos. Eu começo a pensar no
domingo. Quando sai o artigo, eu já começo a pensar: e agora,
qual vai ser o próximo? Fico aí vivendo num espaço cinzento,
numa zona cinzenta até terça-feira. Eu tenho que escrever na
quarta. Quarta é o dia em que eu tenho que escrever de
qualquer maneira e na quinta eu refino. Deixo dormindo o
artigo na quarta-feira. Na quinta eu dou uma refinadazinha de
manhã e mando na quinta próximo ao meio-dia
(TORQUATO,
ibidem).
A escolha do tema é um exercício que mescla questões sociais, políticas
e comportamentais e demanda pesquisa. O estilo foi sendo moldado pela soma
da experiência jornalística e do retorno que os leitores dão a seus textos. “Eu
passei a perceber que meus artigos mais comentados eram aqueles que
tinham historinhas. (...) Sempre o pessoal comenta as historinhas. Aí eu digo:
bom, eu tenho agora que contar sempre uma historinha em meu artigo
(TORQUATO, ibidem).”
Se o analista político Gaudêncio Torquato possui como aparente
desvantagem a ausência de uma formação ortodoxa de cientista social, por
outro lado tem a seu favor o domínio do texto, articulando a análise da
realidade brasileira de forma coloquial – esperada para tal tipo de trabalho, feito
para a imprensa e não para a academia. O vazio da formação em ciência
política foi preenchida, de acordo com ele, por muita leitura. “Eu não fiz
sociologia, mas eu me considero razoavelmente bem informado a respeito de
conceitos de sociologia, de opinião pública (TORQUATO, ibidem).”
Para identificar as características da análise política produzida pelo
jornalista, foi utilizada nesta pesquisa a seleção de artigos publicada no livro A
velha era do novo: visão sociopolítica do Brasil (2002), que, apesar de ser um
recorte feito pelo próprio autor, traz uma parcela representativa da produção
realizada entre 1990 e 2002 e publicada em jornais de 25 Estados brasileiros
25
.
25
Estão citados jornais dos seguintes Estados: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito
Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná,
112
Seus artigos compõem um mosaico de suas referências anteriores de
vida. As raízes políticas familiares são evocadas na familiaridade com que
associa recorrentemente temas como coronelismo à problemática nacional.
Os prefeitos acordaram. Depois de décadas de acomodação,
regadas a mandonismo, filhotismo e votos de cabresto, a
prefeitada recebeu a vacina da lei de responsabilidade fiscal,
aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e
exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais
eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo
paulatinamente substituído pela cooptação eleitoral ancorada
em ações substantivas, obras e projetos de interesse da
comunidade. (...) Parece paradoxal dizer que os prefeitos
continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata
daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem
descreveu em Coronelismo, enxada e voto, um clássico sobre
o mandonismo municipal. (...) Os coronéis morreram, mas
deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos
espalhados principalmente nas regiões Nordeste e Norte
(TORQUATO, op. cit.: 67).
O jornalista deixa-se revelar pela narrativa bem construída dos textos e
pela escolha de temas cotidianos como mote para analisar a conjuntura não
apenas política, mas também social do país.
A morte é fria e rápida e não tem nenhuma lógica.
Principalmente quando a morte pega de chofre um menino-
quase-rapaz numa região rica e movimentada como a avenida
Paulista. Principalmente quando a morte flagra momentos de
alegria e descontração de um são-paulino independente, numa
noite dominical de comemoração, após a vitória de seu time.
(...) A violência estúpida e irracional das metrópoles chega
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina,
Maranhão, São Paulo e Sergipe.
113
cada vez mais perto dos cidadãos e, por conta da intensa
freqüência com que bate à nossa porta, está se transformando
em algo corriqueiro, admissível, compreensível e sem impacto
(ibidem: 45).
Já o consultor de marketing empresta ao analista Gaudêncio Torquato
sua experiência prática para amparar a análise política com a vivência de quem
já esteve do lado de dentro de uma campanha.
A campanha eleitoral deste ano será a mais profissionalizada
de nossa história política. E a razão é simples: pela primeira
vez, teremos a possibilidade de reeleição. As campanhas
majoritárias, portanto, darão o tom maior. Os governadores que
são candidatos à reeleição farão tudo ou quase tudo para
continuarem nos cargos. O quase fica por conta de certas
limitações impostas pela legislação eleitoral, como participação
em inaugurações e uso explícito da máquina governamental
(ibidem: 115).
É a amálgama das próprias referências de vida que melhor caracteriza o
analista político Gaudêncio Torquato. Não por acaso, tal papel veio a ser
desempenhado apenas depois de cumprir as etapas profissionais anteriores de
jornalista, especialista em comunicação empresarial, acadêmico e consultor de
marketing político.
No prefácio da obra utilizada como parâmetro para a recuperação desse
trecho da vida do jornalista, José Nêumanne resume a trajetória que culminou
no papel de analista político:
Resulta, pois, dessa visão múltipla do menino sertanejo que se
fez homem na metrópole e do prático da política, da qual
conhece a transição do jugo do coronel rural à submissão ao
marketing deste mundo globalizado pelas antenas de tevê, seu
pensamento organizado, coerente, arguto e sensível.
Costurando idéias próprias com talento e escriba, aperfeiçoado
114
em aulas de latim no seminário e na prática do jornalismo
interpretativo (seu nome é uma grife que corre o Brasil inteiro
nos períodos eleitorais ou nas entressafras de votos), ele nos
traz agora esta coletânea de reflexões iluminadas pelo sol
bruto de Luís Gomes e matizadas pela penumbra do bas fond
político desta São Paulo de Piratininga (ibidem: 14).
115
CONCLUSÕES
Ao retomar, com esta dissertação, a trajetória de Gaudêncio Torquato,
pretendi sistematizar de modo panorâmico sua história de vida, resgatando,
com particular ênfase, as contribuições acadêmicas dadas por ele ao
pensamento comunicacional. O jornalista é hoje uma referência como consultor
de marketing eleitoral e analista político, mas, até chegar à posição atual,
desempenhou seqüencialmente diferentes papéis – todos de alguma forma
representando um passo adiante em um campo que provou ter trilhos largos: o
da comunicação institucional.
Nos anos 1970, o então promissor repórter que despontava na grande
imprensa começa a deslocar sua atenção para a comunicação institucional.
Depois de passagens por experiências inovadoras em grandes jornais, primeiro
em Pernambuco e depois em São Paulo, o jornalista migra para publicações
empresariais, território cuja natureza, na época, caracterizava-se pelo
hibridismo entre relações públicas e jornalismo. Coube a Gaudêncio Torquato
iniciar a definição de contornos teór
As diferentes atuações podem também ser interpretadas como um
capital social (no dizer do sociólogo francês Pierre Bourdieu) que o jornalista
adquire e do qual se vale para desenhar sua trajetória. Conforme os conceitos
de capital e de campo desse sociólogo, um “campo (nas ciências, nas artes) se
particulariza, pois, como um espaço onde se manifestam relações de poder, o
que implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um
quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa em
seu seio” (ORTIZ, 1983: 21). Esse quantum, Bourdieu chama de capital social,
que, no caso de Gaudêncio Torquato, é simbólico, já que diz respeito a
conhecimento – algo intangível.
Assim, o surgimento do analista político é avalizado pela experiência
anterior como consultor de marketing político, fundamentado, por sua vez, na
notoriedade de seu nome no meio da comunicação institucional, este
alimentado pela vivência como profissional da grande imprensa – todos papéis
ancorados também no de professor da Universidade de São Paulo, referência
que extrapola os muros da academia e que é interpretado pela sociedade como
sinônimo de capacitação técnica em uma área. Essa retroalimentação por um
capital simbólico construído por ele mesmo é, talvez, o que melhor caracteriza
a história de Gaudêncio Torquato.
Ao relembrar as contribuições acadêmicas do jornalista, é possível
encontrar uma sistematização de conceitos que sobreviveu ao tempo – prova
da importância de seu nome para o pensamento comunicacional brasileiro. A
maioria das teses e dissertações sobre comunicação e jornalismo empresarial
produzidas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
e consultadas sob forma de amostragem, comentadas no capítulo 3 deste
trabalho, utiliza as obras de Gaudêncio Torquato como referencial bibliográfico
– mesmo as desenvolvidas mais recentemente, datadas dos anos 2000.
Outra constatação ratificada pela presente pesquisa foi em relação à
proposta de efetivar uma ligação entre academia e mercado de trabalho. Cada
etapa profissional vivida pelo jornalista, com exceção da fase como analista
político, concretizou essa aproximação. A tese de doutoramento defendida em
1973 levou para a universidade a questão do jornalismo empresarial no pleno
momento em que esse tipo de atividade ganhava espaço no país, impulsionado
117
pela crescente industrialização. Na década de 1980, época em que as
empresas profissionalizavam seus departamentos de comunicação, o jornalista
assumiu a diretoria do Grupo Bonfiglioli, na qual pôde desenvolver uma
reestruturação departamental. No novo organograma, o departamento de
comunicação aparecia diretamente ligado à presidência da companhia. Esse
modelo, que introduziu ainda como novidade uma visão sistêmica da
comunicação, também foi levado à academia sob a forma da tese de livre-
docência em 1983. Na fase profissional seguinte, Gaudêncio Torquato mais
uma vez realizou essa ponte entre academia e mercado de trabalho ao
transformar sua experiência como consultor de marketing político em uma
disciplina de pós-graduação sobre o mesmo assunto na ECA-USP.
A recuperação da trajetória de Gaudêncio Torquato permitiu a
explicitação de suas múltiplas facetas, atendendo à proposta primeira desta
dissertação, que era retomar de forma panorâmica sua história de vida. É mais
uma pesquisa que se somou a um amplo projeto de recuperação da memória
do pensamento comunicacional criado pelo prof. dr. José Marques de Melo.
Por meio do trabalho de mestrandos e doutorandos da Universidade de São
Paulo e na Universidade Metodista de São Paulo, o projeto “Memória das
Ciências da Comunicação no Brasil” já estruturou a história de vida de
importantes personagens brasileiros pertencentes à área da comunicação,
como Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Rizzini, Luiz Beltrão e Walter Poyares. O
prioritário, nos estudos desenvolvidos para o projeto, não é produzir uma
biografia no sentido estrito, mas recuperar a trajetória de vida dos personagens
buscando as características que repercutiram na produção científica deles.
Essa foi também minha baliza ao mergulhar na história de Gaudêncio
Torquato. Para esmiuçar suas contribuições ao pensamento comunicacional
nacional, concentradas em especial na tese de doutoramento e na livre-
docência, procurei resgatar desde a infância, passada em seminários no
Nordeste de meados da década de 1950 ao início dos anos 1960. Para este
resgate, a técnica da história oral mostrou-se a mais adequada, por permitir a
recuperação de trechos da vida do jornalista que ainda não haviam sido
registrados por escrito. A memória de Gaudêncio Torquato refletiu, em muitos
momentos, a memória coletiva de uma época. Ao recordar as primeiras
118
reportagens na grande imprensa ou os cadernos especiais produzidos na Folha
de S. Paulo no final da década de 1970, foi possível identificar a fase dos
jornalistas desbravadores, que tinham a seu favor um mercado jornalístico
interessado em um olhar interpretativo para com a realidade brasileira. Já
quando ele relembra o início da experiência no jornalismo empresarial, o
próprio desenvolvimento dessa área no país pôde ser refletido, com seus
desafios e sua crescente profissionalização.
As quatro entrevistas com o jornalista realizadas para esta pesquisa
seguiram os preceitos da história oral, utilizando como referência bibliográfica a
obra da historiadora Sônia Maria de Freitas, História oral: possibilidades e
procedimentos (FREITAS, 2002). Cada uma delas seguiu um roteiro
preestabelecido, a partir de uma divisão da trajetória de vida de Gaudêncio
Torquato em cinco grandes etapas: infância e raízes familiares, início no
jornalismo, migração para o jornalismo empresarial, desenvolvimento das teses
de doutoramento e livre-docência e atuação no marketing político. Apenas o
último tema não pôde ser tratado em entrevista, ficando restrito à leitura de
livros e artigos.
À história oral somei uma pesquisa bibliográfica e documental,
desenvolvida em paralelo às entrevistas e sem a qual não seria possível, em
meu entender, resgatar o percurso intelectual do jornalista. Além da leitura da
tese e do trabalho de livre-docência, utilizei exemplares dos Cadernos Proal, de
reportagens especiais produzidas para a Folha de S. Paulo, de artigos
publicados em revistas especializadas e na grande imprensa, além de seus
seis livros.
O diálogo entre a pesquisa bibliográfica e os depoimentos obtidos com a
técnica da história oral possibilitou recuperar de forma mais completa a
trajetória de Gaudêncio Torquato. A proposta de construir uma história de vida
na qual as contribuições do jornalista ao pensamento comunicacional brasileiro
fossem ressaltadas e contextualizadas pôde, enfim, ser concretizada com a
estruturação da presente dissertação.
O balanço final deste trabalho, entretanto, não estaria completo sem
reconhecer algumas frustrações acumuladas ao longo do período da pesquisa,
como a dificuldade em recuperar certas passagens do jornalista, por exemplo,
119
a reportagem que recebeu o Prêmio Esso em 1967. Por não ter a data exata de
sua publicação, não consegui obtê-la. Outro ponto que merece destaque é que,
embora considere que os objetivos propostos no início da pesquisa foram
alcançados, o desenvolvimento do trabalho desvendou novas questões, que
surgiram como possibilidade de aprofundamento.
Espero que a trajetória que sistematizei possa ser utilizada por futuros
pesquisadores interessados em também debruçar-se sobre a obra de
Gaudêncio Torquato, e que os flancos de questionamentos abertos por esta
pesquisa tornem-se embriões para novos estudos. Só para exemplificar o que
poderia ser melhor pesquisado dentro da trajetória do jornalista, listo algumas
sugestões: verificar se o modelo para publicações empresariais internas,
proposto na tese de doutoramento de 1973, foi aproveitado no mercado e se,
ainda hoje, é válido; aprofundar a pesquisa relativa à repercussão dos
trabalhos acadêmicos do jornalista junto a posteriores pesquisadores de
comunicação; retomar sua produção como analista político identificando a
intersecção desse papel com o de consultor de marketing político. A amplitude
do que ainda há para ser descoberto na trajetória de Gaudêncio Torquato é um
parâmetro da importância deste personagem para a comunicação brasileira.
120
7 – BIBLIOGRAFIA
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126
APÊNDICE
Entrevista 1
Realizada em 28/01/2005. Roteiro centrado na infância e adolescência de
Gaudêncio Torquato e em suas raízes familiares.
Entrevistadora – Professor Gaudêncio, podemos começar este relato
retomando as origens de sua família.
Gaudêncio Torquato – Nasci no dia 8 de abril de 1945, por volta de 11 horas
da manhã, segundo minha mãe, num domingo, na cidade de Luís Gomes, no
Rio Grande do Norte. Luís Gomes é uma cidade encravada no alto polígono
das secas, é uma cidade serrana, a 800 metros de altura, dando limites para a
Paraíba e o Ceará. Você anda um pouco e está no Ceará, anda um pouco e
está na Paraíba. Faz fronteira realmente com os dois estados. A cidade mais
próxima, na Paraíba, embaixo da serra, é Uiraúna, onde nasceu Erundina,
Nêumanne. E eu nasci na serra.
Fiquei em Luís Gomes até uns 10 anos de idade, quando fui para o
seminário de padres Santa Terezinha, em Mossoró, que ainda é a maior cidade
na zona oeste do Estado. Mossoró é a porta do oeste do Estado. O seminário
Santa Terezinha era dirigido por padres holandeses e belgas. A minha
formação do preliminar, chamava-se preliminar na época, fiz no seminário o
último ano do primário, fiz os quatro anos de ginásio neste seminário, e o
primeiro ano do científico em outro seminário, em João Pessoa. Esse seminário
em João Pessoa já era seminário dirigido por padres brasileiros, mas o
seminário de Mossoró era dirigido por padres lazaristas. Minha formação foi
uma formação muito européia.
Entrevistadora – Antes de prosseguirmos, poderia contar um pouco de seus
pais? Eles também eram de Luís Gomes?
127
Gaudêncio Torquato – Meu pai tinha o nome de Gaudêncio Torquato do
Rego, de quem eu herdei o nome de Gaudêncio, e minha mãe é Francisca.
Meu nome é Francisco Gaudêncio Torquato do Rego. Francisco, minha mãe
tirou do nome dela. O meu pai teve uma vida muito interessante, porque
praticamente saiu do zero e construiu um verdadeiro patrimônio com os filhos.
Ele chegou em Luís Gomes subindo a serra a cavalo, para ser assistente de
um grande comerciante da região. Ele ia ser assistente do comerciante dessa
loja e ele, simples, muito modesto, era Rego, de uma família tradicional do
Nordeste, no Rio Grande do Norte. Saiu de Pau dos Ferros, que dista 40 km de
Luís Gomes, que foi onde ele nasceu e foi para lá para Luís Gomes ser
assistente desse comerciante. Aí ele passa a ser assistente desse comerciante
nessa loja de tecidos e com o tempo vai se desenvolvendo. A pessoa sai de
Luís Gomes para morar em outra cidade, viajava para o Rio de Janeiro. Meu
pai compra a parte dele, fica sendo dono da loja, de cereais, depois de tecidos,
e começa a construir um patrimônio, com fazendas, fazendas de gado,
propriedades rurais, comércio e agricultura, gado, pecuária. Meu pai foi uma
pessoa na época realmente muito rica.
A riqueza que ele construiu, de certa forma, ele distribuiu tudo na
educação de 22 filhos legítimos. São duas famílias: com a primeira família ele
teve 11 filhos, e a segunda família que ele construiu também teve 11 filhos. Eu
sou o mais velho da dona Francisca Chiquita, e meu pai casou-se com minha
mãe com a morte da primeira mulher. Ele casou com minha mãe, minha mãe,
prima da primeira mulher. Tudo em família. Ela teve que criar os pequenos
filhos que ele tinha da primeira família e criou a segunda família.
Era uma figura muito emblemática, muito autoritária. Meu pai era uma
pessoa que no sertão do Nordeste vestia paletó e gravata todos os dias.
Chapéu, aquele chapéu de... (esquece o nome da marca). Era de uma indústria
de São Paulo. Chapéu, gravata preta, todos os dias. Então ia para a loja com
esse terno. Muita autoridade. Meu pai lia jornais diariamente. Ele recebia
jornais de Recife atrasados uma semana. Quando chegavam, chegava aquela
pilha de seis, sete, e íamos buscar os jornais e eu tenho a impressão que
minha vocação jornalística deve ter começado aí: de ir buscar jornais para meu
pai lá nos correios. Porque só pode ter sido isso. Me lembro muito bem que ia
128
buscar os jornais e meu irmão mais velho do que eu, da primeira família, ele
com muita preguiça colocava os jornais. Papai, sentado em uma
espreguiçadeira, fazia com que lêssemos para ele com lamparina, porque a luz
da cidade se apagava às oito horas da noite. Aí não tinha mais luz e ele exigia
que nós lêssemos o jornal. Ele lia o jornal e nós tínhamos que segurar a
lamparina, o farol, para ele ler o jornal. Eu tinha seis, sete anos. E ele lendo o
jornal. Eu sei que era um exercício muito fatigante segurar o farol para ele ler o
jornal todos os dias à noite. Eu, meus irmãos. Todos passaram pelo exercício.
E ele gostava também de política.
Entrevistadora – Mas esse interesse pelo jornal era por quê?
Gaudêncio Torquato – Meu pai sempre gostou de política, ele era um chefe
político do interior. Ele foi prefeito da cidade, chamavam de coronel Gaudêncio.
Coronel era um título que se atribuía à época a figuras do Nordeste, mas ele
nunca teve essa patente. Chamava-se coronel quem tinha fazendas. Então,
coronel Gaudêncio Torquato. Era o coronelismo na região. Meu pai começava
a fazer política. Meu pai sempre foi político porque começou a apoiar um, a
apoiar outro... Depois ele foi vice-prefeito, foi prefeito, na própria cidade, e
meus irmãos começaram a fazer política. Para você ter uma idéia, da primeira
família, em um momento tínhamos três irmãos deputados ao mesmo tempo.
Uma irmã minha, Lindalva Fernandes; o outro, Jairo Torquato, que era
deputado de minha cidade, da região; e José Torquato, de outra cidade. Então
tínhamos Zé Torquato, mais velho, Lindalva, segunda, e Jairo, terceiro. Três
irmãos mais velhos, da região oeste do Estado. Então era um fato inédito na
história do Rio Grande do Norte. Três irmãos deputados ao mesmo tempo.
Ligados a PTN, UDN, partido udenista. Acompanhava bem a cena nacional,
história do Getúlio. Meu pai acompanhava as histórias dos presidentes da
república, ele lia os jornais todos. Aos domingos ele reunia, lá na loja dele, o
pessoal que vinha do sítio. Ele passava a ler o jornal em voz alta para as
pessoas ouvirem. Ele era uma espécie de intérprete da realidade política e
social para os cidadãos dali. Bom coração, as pessoas compravam dele fiado,
nunca pagavam, era uma figura interessante. Ele criou todos nós com muita
rigidez. Procurou colocar cada um na escola o quanto antes. Saímos de Luís
129
Gomes para Mossoró, de Mossoró para Recife. Sempre querendo investir na
educação dos filhos. Segundo ele, o maior patrimônio que uma família pode
deixar é a educação. Ele investiu muito na educação, muito (ênfase) na
educação. Ele não tinha coisa nenhuma (formação). Era autodidata. Meu pai
sabia de tudo, um pouco de veterinária, porque dava remédio para o gado, era
veterinário prático. Meu pai entendia de medicina. Enfim, ele aprendeu tudo
com ele mesmo. E acho que minha vocação para o jornalismo pode ter surgido
daí, do meu contato com os jornais, desde a infância, eu lendo com ele,
aprendendo a ler jornal, acompanhando os fatos. Tanto que eu cheguei a fazer
jornalismo em Recife e trabalhei no Jornal do Commercio, que era o jornal que
ele assinava, e quando ele viu o meu nome no jornal assinando matérias, para
ele era um orgulho, porque ele ia ler aquelas matérias, matérias especiais,
cheguei a fazer até matérias sobre Luís Gomes, a região, os costumes, a
cultura da região, os trovões da região, os poetas da região, enfim, até
interpretei isso e essas matérias evidentemente, quando saíam no jornal, ele lia
e lia para o povo e foi uma maneira de eu homenagear a minha própria região.
Ele educou esses 22 filhos, teve mais alguns filhos periféricos (risos),
além dos legítimos, uns quatro ou cinco a mais e ele sempre teve essa visão
muito voltada para a educação. Educou todos com muita rigidez, todos tinham
que acordar às cinco da manhã para tirar o leite do gado com ele. Os meninos
ficavam no curral dos bezerros, ele ficava no curral das vacas e a gente soltava
os bezerros. Um frio danado, porque era serra. E ele exigia que às cinco da
manhã fôssemos todos com ele. Ele era uma pessoa muito rígida de horário.
Cinco da manhã tirar leite do gado, tomava café, ia trabalhar. Meu pai onze,
onze e meia almoçava, diariamente tirava a soneca dela na espreguiçadeira
durante uma meia hora, ia para a loja e à tarde voltava. Mandava o pessoal
buscar o gado nas fazendas perto. Tudo regrado. Seis da noite estava
jantando, sete, oito e meia estava dormindo. Comia o seu prato de coalhada
todos os dias, coalhada com rapadura em cima, aquele costume típico do
interior. E todos nós tivemos essa aculturação. Para ter uma idéia, na época de
Senhora Santana, padroeira da cidade, em julho, na minha casa, na época do
papai vivo e tudo, o almoço era servido para 150, 200 pessoas, diversas mesas
130
passando, porque os filhos todos apareciam, mais os netos, os primos, os
sobrinhos.
Depois, conforme for, vou ver se consigo o livrinho com a história dele.
Entrevistadora – E qual era o papel de sua mãe nessa história familiar?
Gaudêncio Torquato – Minha mãe tem um papel muito forte também porque
minha mãe também dedicou a vida dela à criação dos filhos e netos. Posso te
emprestar um DVD (sai para buscar o DVD com a entrevista realizada com sua
mãe).
Ela é da família Rufino, que na verdade também tem uma importância
grande porque, por exemplo, o tronco Almeida e Nunes era muito importante
na região. A família Nunes é muito grande no Rio Grande do Norte. E ela conta
no DVD um pouco da vida dela.
Ela é viva ainda, fez operação com 80 anos de idade do coração. Ela
está na labuta ainda, tem 87, vai fazer 88 este ano (2005). Está lá, meu pai
morreu com 86 anos. Meu pai morreu faz mais de 20 anos.
Saímos de Mossoró e eu fui para João Pessoa passar um ano. Eu não
queria mais estudar em seminário. Minha mãe lutou muito para que eu
continuasse, querendo que eu fosse padre, porque ela era muito religiosa,
religiosíssima, e eu não, não, não... Então passei um ano em um seminário
mais aberto. Esse seminário em Mossoró foi uma formação espetacular. Eu li
praticamente toda a biblioteca do seminário de 10 aos 14 anos. Lia tudo. E
estudei latim e grego durante esses seis anos, desde o preliminar, quinto ano
primário, até o primeiro científico. Então minha formação foi muito forte nessa
área clássica. E de João Pessoa eu fui para Recife, onde estudei dois anos no
Colégio Americano Batista, um colégio evangélico da região. A gente ia para
Recife porque Recife era capital, vamos dizer, do Nordeste. E aí era uma
cidade mais desenvolvida e já tinha passado lá por Recife quatro irmãos meus:
José Torquato se formou em Recife em medicina. Ivonildo, que hoje vive ainda
no Rio de Janeiro, formou-se em medicina. Luis Torquato formou-se em
medicina em Recife e Jairo Torquato, direito em Recife. Então todos passaram
por lá. Zé Torquato voltou para o Rio Grande do Norte, Ivonildo voltou para o
131
Rio de Janeiro, Luis foi para Brasília e eu fiquei no lugar de Luis na casa do
estudante.
Seminário, só eu. O único que passou pelo seminário da família fui eu. A
escolha foi de minha mãe. Um dia ela me pegou brincando de missa e ela
achou que aquilo era um milagre e me jogou para lá. Foi a melhor coisa que
aconteceu, porque eu não queria ser padre, mas era a melhor educação da
região. Todos que colocaram o filho naquele seminário se saíram bem do ponto
de vista da formação religiosa, valores e a cultura básica fundamental. As
pessoas todas da região iam para esse seminário. Colocava batina, assistia à
missa todos os dias, rezava muito, jogava futebol. Era uma vida muito
saudável, e muita leitura e muito estudo. Só voltava nas férias, em julho e nas
férias de final de ano apenas um mês porque no outro mês a gente ia para a
praia, pelo seminário. Foi uma formação que eu diria fundamental hoje. Isso se
reflete muito em que eu escrevo. Escrevo um artigo semanal no Estadão, que
sai aos domingos, tem muita coisa clássica, citação, tudo isso vem de lá.
Porque eu recupero, mas tudo vem de lá. Tem uma influência fundamental no
que eu escrevo. Meus escritos são cheios de historinhas, filosofia, clássicos,
tem os filósofos, os pensadores da humanidade, trazendo para cá, para a
modernidade. E eu tenho absoluta certeza de que isso se deve a essa
formação ginasial...
Então minha família, na verdade, se expandiu muito. Cada um casou,
teve seus quatro, cinco filhos, a família é muito grande hoje. Juntando a
sobrinhada, os filhos, etc., umas 300 pessoas, uma coisa imensa.
Hoje a família tem um peso relativo. Meu primo carnal é presidente do
Tribunal de Contas pela quinta vez. O meu sobrinho é prefeito de cidade. Tive
sobrinho meu deputado estadual, outro sobrinho meu prefeito. Nós temos uma
influência no oeste do Estado e que está crescendo porque a meninada que
vem por aí com interesse político vem com mais força. Teve um certo vazio e
agora está recuperando novamente o poder político no Estado.
Quando todos se formaram, cada um foi fazer suas profissões fora e
ficou um vácuo e a meninada ficou muito pequena. Agora que a meninada está
maior... Entre a primeira geração e a terceira, criou-se um vácuo. A segunda
132
não se interessou muito. A segunda ficou muito na área periférica, e a terceira
está chegando aí com mais força.
Eu nunca pensei (em ser político). De política eu sempre gostei muito
porque vivi política na pele desde criança. UDN e PSD na minha cidade,
aquelas brigas e conflitos. Tenho um irmão, por exemplo, que foi deputado,
prefeito, perdeu a mão soltando uma bomba, comemorando a vitória dele. Até
marcas fortes familiares a gente tem de política. Vivemos muita política, no
sangue, na alma, na disputa e isso me trouxe uma vocação política, mas no
conhecimento da política. Não para fazer parte ativa como ator político de
frente, de vanguarda. Eu sou de retaguarda, no sentido do intérprete da
política, do analista, do jornalista, da pessoa que acompanha política. Eu
oriento políticos. Eu hoje dou orientação política, aconselhamento político, faço
marketing político, mas sempre na parte de suporte, de consultoria, não de
estilingue. Nunca gostei de ser estilingue.
Era uma política muito radical, era UDN contra PSD, então eram
discursos contundentes, comícios, bombas jogadas na casa do adversário,
bombas jogadas na minha casa. Vivenciamos isso. E a coisa chegou a ficar
incandescente em alguns momentos. Hoje todos estão mais unidos, a coisa é
mais civilizada. Mas os campos eram muito delimitados, as famílias não se
falavam na década de 50.
Papai tinha uma influência grande sobre um grupo. E é engraçado
porque hoje meus sobrinhos são casados com as pessoas dos nossos
adversários. Hoje as barreiras conceituais e familiares foram quebradas, houve
uma integração familiar muito interessante nos últimos tempos.
Minha mãe está em Natal, meus irmãos da segunda família, todos vivos,
alguns da primeira família morreram. Da primeira família restam cinco, acho.
Então, é uma família muito engraçada, cada um com suas manias, seus jeitos.
Tem um que é médico no Rio de Janeiro e tem 70 e poucos anos, é cirurgião.
Tem um que era médico em Brasília e morreu. Então, os meninos ficam em
Natal. Em Recife não tem mais ninguém. Aqui em São Paulo tem uma irmã
minha, e eu vou sempre lá, vou para prestigiar o Estado. Tenho muita ligação
com o Estado hoje, converso quase diariamente com pessoas de lá por
telefone. Não tenho muita ligação com a cidade onde nasci; tenho mais ligação
133
com alguns políticos do Estado, senadores do Estado que me ouvem, me
consultam. Meu artigo sai dominicalmente no principal jornal do Estado, que é
o Diário de Natal. Luís Gomes não tem jornal, é uma cidadezinha
pequenininha. Deve ter uns 15 mil habitantes. É uma cidade agradável, apesar
de, em outra cidade, meu sobrinho é prefeito e é mais importante que minha
cidade. Lá ainda vivem irmãs minhas e vez ou outra quando posso vou à Festa
de Senhora de Santana no mês de julho. Os laços continuam ainda firmes, não
tão fortes quanto no passado, mas a gente se lembra, época de julho o pessoal
se reúne, vêm os amigos. Luís Gomes deu muita gente importante para o
Estado: desembargadores, presidente do Tribunal de Contas, deu presidente
do Tribunal de Justiça, médicos famosos, uma cidade que parece que foi
abençoada por Deus no sentido de dar bons frutos. Todos com boa formação,
muitos foram seminaristas como eu.
Entrevistadora – Poderíamos, para terminar esta primeira entrevista, chegar
ao fim da adolescência.
Gaudêncio Torquato – Bom, eu saí de Mossoró depois de muita leitura, de
muito romance, de muita filosofia e fui para João Pessoa. O seminário era mais
aberto, aí já tinha os padres belgas e brasileiros. Foi uma formação mais
aberta, e eu já decidi realmente o que eu queria. Eu tomei a decisão de não
prosseguir a carreira religiosa, aí já tinha 15 anos, entre 15 e 16. Aí decidi sair.
Numa dessas férias aí comecei a fazer umas farrinhas, umas brincadeiras...
Acho que quero este outro lado de cá (risos). Aí, para desgosto de minha mãe,
que chorou muito. Minha mãe muito religiosa, ela achava que toda família
deveria ter um padre, como na Holanda. Os padres holandeses diziam que na
Holanda toda família tinha um padre. Aí, depois dessa formação muito boa,
ouvia música clássica todos os dias no seminário.
Entrevistadora – Essa formação de alguma maneira criou um choque de
convivência com seu pai?
Gaudêncio Torquato – Não porque meu pai lia muito, apesar da simplicidade,
meu pai era uma pessoa que sabia mais do que eu, muito mais! Eu não sabia
134
de nada! Meu pai até... Ele era muito fechado, trancado. Eu gostaria, e é um
dos meus arrependimentos, de não ter tido um contato mais estreito com ele.
Quando comecei a descobrir meu pai ele estava morrendo. Foi assim meio
rápido. Eu já jornalista... Mas apesar da simplicidade, meu pai sempre teve
perto dele os filhos todos formados, sempre médicos perto dele, advogados.
Viu os filhos crescerem e ele, com uma autoridade, era a pessoa que
acompanhava tudo na política. Ele sabia de coisas e passava para a gente os
conhecimentos da política. E nós todos tínhamos evidentemente aquela
formação mais específica, mas ele é que sabia. Ele acompanhou de perto
sobre o Lampião. Ele inclusive chegou a pegar armas contra o Lampião. Se
Lampião subisse a serra de Luís Gomes ele estava armado. Tem um episódio
famoso com meu pai e esse está na história do Brasil. Luis Carlos Prestes, o
gaúcho, quando fez a Coluna Prestes, passou em Luís Gomes. A Coluna
Prestes, ela saiu pelo Brasil todo, até o Nordeste, o Maranhão, e desceu e
terminou aqui na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Passou em Luís
Gomes. Subia a serra. O que aconteceu? Meu pai tinha uma loja de cereais, de
tecidos etc. e, em nome da revolução do Prestes, ele confiscou (risos) todos os
produtos da loja do meu pai. Confiscou, deu uma declaração, em nome da
revolução, confiscamos etc. O senhor será ressarcido quando a revolução for
vitoriosa, e deu o bilhete para o meu pai. O que eu persegui esse bilhetinho! Se
perdeu, é histórico. Luis Carlos Prestes passando para ele. E ele contava um
episódio também muito interessante: Cordeiro Faria, na época coronel Cordeiro
Faria, estava conversando com Prestes e mais Juarez. Estavam os três. E meu
pai muito curioso se aproximou para saber que conversa era aquela. Aí o
Prestes virou-se para ele e disse: o que o jovem deseja? Meu pai jovem... Meu
pai se identificou, sou daquela loja ali, e queria ouvir a história. Eles foram para
a loja e confiscaram aqueles produtos em nome da revolução. É um fato
histórico muito interessante a Coluna Prestes passando por Luís Gomes, no
Rio Grande do Norte. Os livros de história mostram isso e meu pai foi
personagem dessa história. É um fato interessantíssimo do ponto de vista de
registro histórico.
Então, voltando para o seminário, saindo de João Pessoa, onde passei
um ano dentro de um seminário muito bonito, cuja igreja era uma das igrejas
135
barrocas mais bonitas do Nordeste, Nossa Senhora da Conceição de São
Francisco, toda barroca, onde lá no púlpito o Padre Vieira discursava. Era uma
igreja muito bonita. Está ainda hoje lá. Era a igreja ligada ao seminário. Foi um
ano muito interessante. O reitor na época era o Dom Luis Fernandes, bispo.
Era uma cultura mais moderna, sem se prender muito, mais progressista,
vamos dizer assim. A igreja holandesa era mais tradicional, conservadora. Mas
de qualquer maneira foi uma integração com o mundo e foi minha passagem
para Recife. Eu cheguei em Recife em 1961. Fui para Mossoró em 1956,
passar o quinto ano primário, fiz mais quatro anos. Eu passei 56 em Mossoró,
57, 58, 59 e 60. Cinco anos em Mossoró. Um ano em João Pessoa. Em 61 fui
para João Pessoa. 62 em Recife. Eu fiz seis anos de seminário. 62 eu fui para
Recife fazer o segundo ano científico, aí já fora do seminário. Foi um choque
imenso, eu ficava boiando em muita matéria, era bom em outras. Nas matérias
clássicas, muito boas. Matemática, física, química. Era um colégio evangélico,
batista, grande, teve um choque. Lá eu morava na Casa do Estudante. A Casa
do Estudante era um reduto da realidade bruta do jovem. Todos os estudantes
de todo o Nordeste ficavam na Casa do Estudante. Era famosa, que hospedou
as melhores figuras do Nordeste. Você pega essas figuras políticas, todas
passaram no Nordeste pela Casa do Estudante. Diversos Estados. Era casa de
universitários. Eu peguei a vaga de meu irmão. Ele se formou, eu peguei a
vaga dele. E convivi com muita gente que estudava medicina, tinha três, quatro
pessoas no quarto.
Entrevistadora – Quer dizer, foi uma infância, uma adolescência bem distante
da família.
Gaudêncio Torquato – Foi. A família sempre distante. Só via a família em
época de férias. Sempre fui muito desgarrado. Deu aí um certo trauma, mas
você se acostuma, a família mais distante, mas também me deu
independência. Meu pai me mandava um dinheirinho para o Recife pelo Banco
do Nordeste. Meu pai não queria que a gente trabalhasse enquanto estudasse,
mas eu passei a perceber com 17 anos de idade que não dava para ficar
esperando dinheirinho porque às vezes ele não chegava, ou porque ele não
tinha suficiente para mandar ou porque o Banco do Nordeste atrasava. E às
136
vezes ficava muito apertado, muito apertado mesmo, e eu vou ter que
trabalhar, me virar. E foi muito bom. Com 17 anos eu estava ganhando meu
dinheirinho. Com 17 anos eu estava fazendo estágio em jornal, o Jornal do
Brasil. Entrei no Jornal do Brasil na sucursal do Nordeste, 17, 18 anos, para me
virar por aí.
Eu fazia o jornalzinho do seminário. Cheguei a fazer o jornalzinho do
seminário. Não do seminário. Eu fiz um jornalzinho do Colégio Americano
Batista. Eu fui presidente do diretório estudantil do Colégio Americano Batista,
em 62. 62, 63, ano da redentora, ano da revolução. 64, puxa vida, eu estava
trabalhando já em jornal. Eu trabalhava na sucursal do Correio da Manhã, na
sucursal do Jornal do Brasil. Em 65, eu entrei no Jornal do Commercio, em
Brasil. E eu sempre com um pé na universidade, já dava aula na Cásper Líbero
pelo José Marques. E aí Chaparro, a gente veio fazer aqueles artigos, passou
na USP, passou na Cásper. Foi aluno meu na pós-graduação. É uma história
Entrevistadora – Em casa, sua decisão foi bem recebida?
Gaudêncio Torquato – Foi, aliás, quando meu pai viu minhas matérias em
jornal logo que comecei, ele lia, adorava, ele reunia lá aquele grupo de amigos
Cheguei lá, a reunião já tinha começado e eu disse: eu sou do Jornal do
Brasil. Quando disse isso todo mundo me olhou estranho porque todo mundo
de paletó e gravata e eu de manga de camisa. Uma coisa estranha. Era uma
reunião oficial. Eu não tinha me preparado para isso. Me pegaram
desprevenido. A imprensa era daquele lado dali. Fui para aquele chiqueirinho lá
e as pessoas começaram a olhar para mim. Daqui a pouco a reunião vai
acabar e eu não vou conversar com esses governadores. Qual é o momento
em que eu vou conversar com esses governadores? Aí eu percebi... Perguntei
quem eram os governadores. Alguns eu conhecia, outros eu não conhecia.
Fiquei perguntando... Aí eu saí de dentro do chiqueirinho dos jornalistas para
conversar com os governadores. E eles estavam sentados em uma reunião,
uma mesa semicircular, e eu saí para conversar com cada um me ajoelhando:
governador, eu sou do Jornal do Brasil, eu tenho uma pergunta para fazer ao
senhor, o senhor é a favor ou contra a reforma agrária? Eles foram
respondendo e eu fui rapidamente escrevendo, não deu para conversar com
todos, mas peguei os outros no corredor, conversei com todos, graças a Deus.
Cheguei no jornal muito satisfeito e ele diz: faça o lide da matéria, e digo,
o que é o lide? Lide é o primeiro parágrafo com o quem, que, quando, como,
onde, por quê. Eu fiz uma vez, não gostou, fiz a segunda, não gostou, terceira
vez... Rasgou umas cinco ou seis vezes a matéria e na sétima vez ele disse:
pode passar o telegrama. Eu mesmo saí com esse telegrama. Ficava a uns
três quarteirões além da sucursal, no centro da cidade. Isso foi num sábado.
No dia seguinte, dez da manhã, eu estou na cidade, ainda morava na Casa do
Estudante no Recife. Aí vou procurar o jornal, quando eu vi a manchete do
jornal: Governadores do Nordeste apóiam a reforma agrária. Estava assinada
sucursal do Recife.
Minha primeira matéria em jornal... O Paulo Rehder disse: você entrou
com o pé direito, a primeira matéria sua virou manchete do jornal. Eu entrei no
jornalismo com a estrela na testa. Fiquei muito satisfeito e passei a me
desenvolver a partir daí. Essa foi minha primeira matéria no jornalismo.
Entrevistadora – Mas antes você não tinha feito estágio?
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Gaudêncio Torquato – O estágio era traduzir telegramas em espanhol, não
era de reportagem, não era de campo, era interno, copidescar texto, não gostei
muito da experiência, no Diário de Pernambuco, à noite. Depois eu disparei. A
partir daí consolidei no Jornal do Brasil, fui chamado no Correio da Manhã,
sucursal de Recife também. Mas o meu sonho era trabalhar com Calazans
Fernandes, na Folha de S. Paulo, que era um jornalista vibrante do Nordeste,
passou pelo Rio. Ele tem uma história muito bonita. Eu saí do Jornal do Brasil,
fiquei no Correio da Manhã e fui para a Folha de S. Paulo. Calazans me
convidou para lá, na Folha de S. Paulo em 65 e fiquei lá na sucursal da Folha
fazendo os suplementos especiais da Folha, trabalhando no dia-a-dia, cobrindo
os acontecimentos políticos e sociais na Folha de S. Paulo na sucursal de
Recife. Foi aí que cobri a Sudene, conheci o Chaparro que era o assessor de
imprensa da Sudene na época. Depois o Chaparro saiu da Sudene e foi
trabalhar na Folha de S. Paulo na sucursal e foi onde nós ficamos mais ligados.
E durante todo o tempo, faculdade à noite. Tive uma grande experiência
lá com Luiz Beltrão. Luiz Beltrão tinha um ensino prático muito grande, era um
grande jornalista. Ele fez um estudo interessantíssimo sobre imagem, foto, a
importância da imagem no jornalismo. Eu sei que tivemos uma grande
experiência com Luiz Beltrão, fazendo o jornal-laboratório. Me coube, por
exemplo, numa das experiências com Luiz Beltrão, entrevistar Dom Hélder.
Me lembro da faculdade, dos velhos tempos, de alguns professores
interessantes, como Potiguar, Amaro Quintas, de história, Luiz Beltrão. José
Marques de Melo estava começando nessa época, era uma espécie de
assistente do Luiz Beltrão.
Entrevistadora – E como era a comparação com o que era ensinado e o
trabalho, porque muita gente acha a formação do jornalista dispensável.
Gaudêncio Torquato – Eu sempre achei interessante a faculdade no aspecto
mais de embasamento cultural. Porque a redação mesmo se aprende na
prática do jornal. Eu aprendi dentro do jornal, escrevendo. E embasamento,
história, filosofia, lógica, economia política, acho que são cadeiras
fundamentais. O embasamento técnico, a faculdade realmente também ensina,
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dá o bêábá no sentido de lide, sublide, reportagem, jornalismo informativo,
interpretativo, opinativo. Depois fui professor de todas as disciplinas. Terminei
a faculdade. Eram três anos na época.
Na época eu me lembro que nosso patrono, paraninfo foi aquele
senador, que teve aquele famoso episódio com a Rede Globo, como é o nome
dele? Do Espírito Santo, jornalista famoso, escreveu um livro sobre a Rede
Globo denunciando o Time Life... Era um dos ícones do jornalismo na época.
Padre Aloísio Mosca de Carvalho, o nosso reitor, professor também. Da
faculdade a experiência foi essa.
Aí depois fiquei na Folha de S. Paulo, Jornal do Commercio e no Correio
da Manhã e ainda fazia alguns free-lances para a revista O Cruzeiro, que era
dirigida na época pelo Murilo Marroquim. Enquanto que o irmão dele era o
diretor de redação do Jornal do Commercio, o jornal onde eu ganhei o Esso
fazendo aquela série de reportagens em 1966: “Barriga d´água: a doença que
mata na cura”. Uma série de reportagens sobre esquistossomose.
Entrevistadora – Quais assuntos você cobria?
Gaudêncio Torquato – Eu fiz uma série de reportagens para o Correio da
Manhã sobre o campo. Aquelas greves no campo, os trabalhadores, padre
Crespo, padre Melo.
(Gaudêncio interrompe a conversa para atender ao telefone)
Os conflitos rurais na época eram muito fortes. Na época da formação
dos sindicatos, logo depois do Julião, e então o movimento sindical, o
movimento rural de Pernambuco, passou a ser liderado pelo padre Melo,
depois pelo padre Crespo e eu cobri muito esse setor. Era uma época muito
efervescente. Particularmente o Correio da Manhã se interessava por essas
temáticas. As matérias de Pernambuco eram muito bem aceitas pelo jornal
porque tratavam da questão do campo, o jornal era contra a ditadura, e eu
assinava as matérias, todas as matérias tinham o meu nome: Gaudêncio
Torquato, correspondente.
142
Aí comecei também a fazer a cobertura da análise política. Acompanhei
o Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura, que chegou no Nordeste.
Ele foi em caravana de ministros, foi até a barragem de Boa Esperança. Eu fui
cobrir esse evento no Maranhão, o desvio de um rio para se começar a
construir a barragem de Boa Esperança.
Entrevistadora – Por ser o período da ditadura, nunca sentiu nenhuma
dificuldade em abordar esses temas?
Gaudêncio Torquato – Eu sentia uma certa pressão no sentido de não fazer
matérias muito quentes. Até porque eu estava fazendo matérias muito quentes
no Correio da Manhã e aí eu percebi que havia uma certa vigilância. Chegava-
se a sentir essa vigilância. Eu tinha tido no segundo, terceiro ano colegial, eu
era presidente do diretório acadêmico, tinha uma diretoria toda de esquerda,
tinham alguns do partido comunista, foi até interessante porque o pastor,
diretor do colégio, chegou a fechar o diretório porque achava que o diretório
estava muito...
Eu era uma pessoa de esquerda, mas não estava filiado a partido
político. Mas tinha na minha diretoria Aníbal, que era o primeiro secretário e era
do partido comunista. Nós fazíamos uma movimentação muito forte, agitada.
Eu tinha, de certa forma, um posicionamento bastante de esquerda no
jornalismo. E evidentemente esse posicionamento procurei controlá-lo para
evitar confusão maior com a polícia.
Fiz esse trabalho em Recife no Jornal do Brasil, Correio da Manhã,
Folha de S. Paulo, Jornal do Commercio...
Entrevistadora – E era uma fase de reportagens bastante diferentes,
maiores...
Gaudêncio Torquato – Tinha, no Jornal do Commercio, reportagens de página
inteira. Eu saí pelo Nordeste, páginas inteiras. Eu fazia uma série de
reportagens, três, quatro, cinco. Ganhava um bom salário. Isso até 67 quando
143
nós viemos para São Paulo. Maio de 67. Recebi o Prêmio Esso no Rio de
Janeiro, um prêmio muito bonito.
Entrevistadora – E por que essa reportagem mereceu o Esso?
Gaudêncio Torquato – Eu era autor das minhas pautas, eu não era pautado,
eu fazia as minhas pautas e fazia as matérias. Eu percebi que a escola
pernambucana de esquistossomose era a mais importante da época no Brasil.
Tinha a escola paulista, a escola baiana. Pernambucana porque Pernambuco
era um estado na época que apresentava um dos maiores índices de
esquistossomose do mundo. Uma cidadezinha perto de Recife, São Lourenço
da Mata, cuja população, praticamente 80% da população, estava contaminada
de esquistossomose. Aquelas barrigas imensas. Os hospitais no Recife tinham
alas só para esquistossomose. Eu me interessei em pesquisar esse fenômeno.
Como era. Então eu percebi que havia uma briga entre três pólos que cuidam
dessa doença: tinha os clínicos, os patologistas e os cirurgiões.
O clínico passa o remédio, o remédio mata o bicho, mas o bicho encarna
no fígado. Aí os patologistas, quando iam verificar, verificavam que o bicho
estava encalhado no fígado e quando esse encalhe chegava a necrosar o
tecido a pessoa morria. Quando o cirurgião ia operar, a coisa não tinha mais
jeito e ele morria. Por isso é a doença que mata na cura. Quando se pensa que
está curando, está matando. Os clínicos brigando com os cirurgiões, cirurgião
dizendo que podia operar, os patologistas no meio dos dois. Entrevistei
patologistas de grandes universidades, clínicos e cirurgiões. Então coloquei os
médicos para brigarem entre si. Tem uma reportagem dos patologistas, tem
uma dos clínicos, tem reportagem dos cirurgiões, tem uma reportagem dentro
de um hospital mostrando como eles eram tratados, tem reportagem mostrando
o ciclo do esquistossomo, quando ele se hospeda no caranguejo, quando as
pessoas fazem necessidades fisiológicas na beira das lagoas e ali já depositam
o bicho. Dali se esconde no hospedeiro, a pessoa vai tomar banho no rio, o
bicho entre pelas vias mesentéricas e aí começa o ciclo todo. Eu expliquei todo
esse processo. Fui para a cidadezinha de São Lourenço da Mata para mostrar
a cidade toda doente. Isso deu uma série de reportagens com a fotografia de
Claudomir Bezerra, um fotógrafo que depois fez muito sucesso aqui em São
144
Paulo. Foi uma série interessante. Evidentemente esse prêmio me abriu
fronteiras, criou realmente uma aura de competência. Em função do sucesso
que também estavam tendo na época os suplementos especiais que
estávamos fazendo para a Folha de S. Paulo, o Frias chamou o Calazans
dizendo: você quer vir para São Paulo? Você tem 48 horas para decidir.
Chegando em São Paulo, ficamos na Folha até 1970, quando saímos
depois de uma briga muito grande que houve entre o Frias e o Caldeiras, que
era o sócio do Frias. Nessa briga, a Folha nos tirou dos suplementos, os
suplementos foram abolidos. A Folha fez um grande trabalho. Inauguramos o
off-set da Folha, foi uma época heróica do jornalismo em São Paulo.
Inauguramos, consolidamos a era do jornalismo interpretativo, a revista
Realidade. Fazíamos grandes reportagens na época. Fizemos um trabalho
sobre a grande São Paulo com 532 páginas sobre o desafio do ano 2000. A
grande São Paulo: o desafio do ano 2000. Depois desse trabalho, inaugurando
o off-set colorido da Folha, o primeiro trabalho a cores da Folha de S. Paulo foi
esse que nós fizemos. Setembro de 67 saiu, por aí, até o final do ano.
Depois fizemos suplementos regionais, na Amazônia, no Nordeste. Eu
mesmo voltei para o Nordeste, fiquei lá três meses produzindo o suplemento do
Nordeste, uma coleção de cinco suplementos. Voltei para São Paulo depois de
três meses com cinco cadernos semanais, cada semana saía um caderno.
Outro ia para região do Oeste, outro ia para o Sul. Corremos o Brasil todinho
para lançar esses suplementos. Foi uma época heróica do jornalismo
interpretativo, grandes matérias, reuníamos sociólogos, psicólogos, arquitetos,
urbanistas, advogados, planejadores urbanos em torno de uma mesa. Debates,
conferências, palestra, mergulhamos nos livros, fizemos entrevista em
profundidade. Foi uma época heróica do jornalismo porque realmente
deixamos o factual para fazer uma moldura mais sistêmica.
Entrevistadora – Aí sua formação humanística foi muito utilizada.
Gaudêncio Torquato – A minha formação humanística ajudou muito a
realmente fazer essas percepções, ligações entre as coisas. Foi uma época
145
muito boa para mim no jornalismo interpretativo, me deu uma bagagem enorme
para depois ensinar na faculdade as técnicas do jornalismo interpretativo.
Em 68 já comecei da dar aula na Cásper Líbero. Em 1968, convidado
pelo José Marques, fui para a Cásper Líbero para dar aulas lá. Comecei a dar
jornalismo interpretativo na Cásper Líbero. Depois jornalismo opinativo. Enfim,
dei diversas cadeiras lá. Diversas turmas. Passei lá 25 anos na Cásper Líbero.
Entrevistadora – E, aqui em São Paulo, começou o seu interesse pelo
jornalismo empresarial?
Gaudêncio Torquato – Em 1970, depois de sairmos da Folha, criamos a
Proal, Programação e Assessoria Editorial. O escritório ficava lá no centro da
cidade, lá no Vale do Anhangabaú. Ocupávamos o 25
o
andar do prédio, uma
salinha onde ficamos fazendo jornaizinhos de empresas. Aí começou a nossa
curiosidade em torno do jornalismo empresarial.
Entrevistadora – Quando o senhor saiu da Folha, não quis emendar com outro
trabalho na grande imprensa?
Gaudêncio Torquato – Não, foi uma idéia do Chaparro. O Chaparro me
convidou e eu convidei o Luis Carrion para formarmos uma agência, uma
consultoria chamada Proal. Fez muito sucesso também, começou com um
jornalzinho chamado UltraGazeta, que era o jornal da Ultragás. Aí nós fizemos
esse jornalzinho muito bem feitinho. Posteriormente chegamos a fazer 40
jornais ao mesmo tempo.
Aí eu comecei a estudar os problemas empresariais. Escrevo o primeiro
texto no Brasil sobre jornalismo empresarial, “Técnicas do jornalismo
empresarial”, um livrinho, não sei se você chegou a ver.
(Procura o livro)
146
Entrevista 3
Realizada em 26/04/2005 sobre o início da atuação com jornalismo empresarial
e a experiência de docente.
Entrevistadora – Podemos retomar do final da última entrevista, quando o
senhor contava sobre o fim dos suplementos especiais da Folha e a criação da
Proal.
Gaudêncio Torquato – Foi uma idéia do Chaparro, ele me convidou, a mim e
depois a Luiz Carrion, que era na época o encarregado da publicidade dos
suplementos. Eu era editor e o Chaparro, uma espécie de secretário de
redação, e nos convidou, depois que saímos da Folha. Saímos depois de um
evento muito traumático na época porque os suplementos foram dissolvidos a
partir de uma querela, de uma briga entre os dois sócios, na época o Otávio
Frias de Oliveira e o Caldeira Filho, que era o sócio do Frias. O Caldeira era
contra os suplementos e o Frias, a favor. Nessa briga, sobrou para os
suplementos. Eles decidiram extinguir. Era uma estrutura muito alta. Dava um
bom retorno. Sem dúvida que dava um bom retorno, mas ali houve, eu diria,
uma crise de ciúmes com a própria redação da Folha. Deve ter tido algum
problema, eu diria, de relacionamento, na área de relacionamento.
Aí saímos da Folha e ficamos meio tontos no início, Chaparro e eu.
Depois o Chaparro deu a idéia de nós criarmos a Proal. A Proal foi o primeiro
núcleo de jornalismo empresarial organizado no Brasil. As experiências que até
então se davam na área de jornalismo empresarial eram muito dispersas, muito
esparsas, e aí nós criamos a Proal – Programação e Assessoria Editorial. Uma
empresa pequena, constituída então por três sócios, Chaparro, Luiz Carrion e
eu, dedicada à produção de jornais e revistas de empresas.
O primeiro trabalho nosso foi um trabalho de sucesso, foi um trabalho
feito para a Ultragás: o jornal chamado Ultragazeta. Era um jornal colorido,
papel muito bom, um jornal muito bem-feito, produzido profissionalmente,
portanto tínhamos de dar nossa contribuição jornalística ao jornalismo
empresarial e começamos a fazer essa publicação.
Nessa época, começava a nascer a Aberje, Associação Brasileira de
Editores de Revistas e Jornais Empresariais. E então na segunda convenção
da Aberje... Nilo Luchetti, que morreu há pouco tempo, ele era da Pirelli e ele
147
me conhecia, era professor na Cásper Líbero, então ele me convidou para
fazer uma palestra de abertura na segunda convenção da Aberje. A primeira foi
para a criação, quando se criou a Aberje, e a segunda foi a convenção que
apresentava a Aberje do ponto de vista de eventos, na área do congresso, na
área de confraternização, do conhecimento, da primeira troca de experiências
no Brasil na área de jornalismo empresarial. E nessa segunda convenção eu fiz
a palestra de abertura dedicada ao tema: jornalismo empresarial: teoria e
técnica.
Fiz nessa palestra a primeira consideração de natureza teórica sobre
jornalismo empresarial e me lembro que escrevi essa palestra numa
maquinazinha Eletra 22, até pouco tempo atrás tinha até esse texto, deve estar
por aí, perdido... Era realmente um texto que depois eu coloquei esse texto no
meu livro Jornalismo empresarial: teoria e prática. E teve muito sucesso porque
foi o primeiro trabalho que ordenou o jornalismo empresarial.
Na verdade, eu preocupado com a terminologia: house-organ, as
houses, e por que não vamos chamar de jornalismo empresarial, de empresas?
E aí eu tentei argumentar no sentido de que essa área deveria se chamar
jornalismo empresarial. Tento de certa forma, não de maneira xenófoba, não é
o caso, mas eu dizia que não é o caso de usar house-organ. Até porque house-
organ, na expressão original americana, é o órgão da casa, muito voltado para
o público interno, quando o house-organ no Brasil teve outra conotação de
veículo externo. Então nessa confusão, falei: vamos abolir esse negócio e usar
jornalismo empresarial. Aí fiz a divisão jornalismo empresarial no campo de
jornais, revistas e boletins porque esses são os três veículos que assumem as
características jornalísticas de acordo com Luiz Beltrão: atualidade,
periodicidade, universalidade e difusão coletiva. Eu peguei as quatro
características que o Beltrão cita no livro dele Imprensa informativa, a partir de
Otto Groth, e a partir dessas características eu passei a identificar nesses três
canais jornalísticos (boletins, jornais e revistas) essas características e fiz a
diferenciação entre esses canais.
Entrevistadora – Isso já na palestra para a Aberje?
Gaudêncio Torquato Na palestra eu fiz uma coisa mais abrangente,
jornalismo econômico, jornalismo especializado, jornalismo empresarial.
148
(pausa para pegar os Cadernos Proal)
A Proal começou no vigésimo quinto andar do edifício, ali no
Anhangabaú, de onde nós ficávamos jogando aviãozinho quando não tinha o
que fazer. Eu, nesse trabalho, defini o jornalismo empresarial a partir do
econômico, científico, técnico-industrial, administrativo, esportivo, policial e eu
dizia que nenhum desses rótulos serve para caracterizar o jornalismo
empresarial, criando já uma nova categoria.
Eu falo um pouco da importância desse tipo de jornalismo do ponto de
vista de quais são os seus objetivos, o público e a técnica e tem um pouco os
mandamentos. (lê o texto...)
Os primeiros oito mandamentos do jornalismo empresarial no Brasil eu
fiz. Essa foi a primeira sistematização no Brasil. Tinha mais sobre RP. Essa foi
a primeira manifestação teórica do jornalismo empresarial no Brasil.
Esses cadernos tinham um sucesso! Eu era o editor dos Cadernos e
fizemos nessa fase antiga quatro, depois na fase nova, mais quatro. Recebidos
com grande sucesso isso aqui, porque não havia, e a Proal passou a ser um
centro de referência teórica. Nós levávamos para a Proal, já depois na Afonso
de Freitas, professores da USP para discutir jornalismo empresarial, levávamos
pessoas do mercado de jornalismo empresarial. Então foi uma coisa
interessante porque começamos a vestir essa área de profissionalismo.
Entrevistadora – Foi ocasional ou intencional que a Proal fosse centro de
referência teórica?
Gaudêncio Torquato – Como eu era professor, o Chaparro era profissional,
mas ele não tinha ainda nenhuma vestimenta acadêmica. Chaparro era
jornalista que veio de Portugal que nem tinha feito jornalismo ainda. Depois ele
fez jornalismo e tal... E como eu era um acadêmico, um professor, tinha que
sistematizar. E nós percebemos na época que o marketing da Proal deveria
estar atrelado a um conceito de qualidade, de excelência técnica. Luiz Carrion,
um publicitário, Chaparro, jornalista, e eu, jornalista e professor. Então
tínhamos de tirar daí um produto chamado teoria, conceito técnico, técnica e
teoria. Então com isso aí nós vamos embasar, vestir a Proal de qualidade, de
conceito. Não é só uma empresa da “fazeção”, é uma empresa do
149
pensamento, e foi assim que nós desenvolvemos a Proal também no sentido
de escola. A Proal realmente abriu o campo do jornalismo empresarial e depois
da comunicação empresarial, porque você sabe que eu saí do jornalismo
empresarial e também rotulei comunicação empresarial, também é um rótulo
meu. Foi depois desse rótulo de jornalismo empresarial que eu passei, já na
segunda fase dos Cadernos Proal, trabalhando com conceito de comunicação,
expandindo.
Para você ter uma idéia, na USP, já dando aula na USP, também eu
cheguei a publicar isso na USP. Cadernos que o Zé Marques depois editava.
Então esse estudo foi feito também na USP. Esse estudo (mostra publicação)
já foi na USP, na série de jornalismo, em 1971. Zé Marques era diretor da
faculdade. E aqui nós começamos a teorizar, levei esse conceito também para
a USP. Então é claro que eu aumentei o trabalho, o trabalho é mais amplo,
aqui eu fiz um estudo maior.
Depois, aqui já foi o quarto dos Cadernos Proal: Lições da
experiência. Até aqui era jornalismo empresarial, fazia um editorialzinho, o que
significava cinco anos de jornalismo empresarial. Eu começo a mostrar nesse
caderno a expansão do jornalismo empresarial no Brasil, eu comecei a buscar
os fundamentos históricos e aqui já tem uma idéia desse início todo (refere-se
aos primeiros Cadernos). Aí depois eu expandi o conceito para comunicação.
Entrevistadora – Para quem iam os Cadernos Proal?
Gaudêncio Torquato – Profissionais de comunicação das empresas, relações
públicas, tinha muita gente de relações públicas na época. Foi quando nós
começamos a trazer o campo para o jornalismo, porque esse campo era muito
dominado pelas relações públicas. Então nós passamos a trazer para o
jornalismo.
Entrevistadora – Foi uma transição complicada?
Gaudêncio Torquato – Complicadíssima! Muita briga com RPs na época, que
processavam jornalistas que trabalhavam com isso. Eu comecei a mostrar que
isso era uma atividade jornalística, não de relações públicas. Enfim... Depois
aceitamos os dois profissionais trabalhando na área, foi uma confusão dos
diabos. Eu conto isso na minha tese inclusive. Então depois nós partimos para
150
a fase da comunicação de uma maneira mais ampla. Aí na outra entrevista eu
vou falar sobre a minha tese.
Entrevistadora – Essa fase da comunicação mais ampla começa quanto
tempo depois da criação da Proal?
Gaudêncio Torquato – Cinco anos depois. A gente fez uns quatro cadernos
como jornalismo empresarial, nem lembro a periodicidade na época porque a
gente não tinha dinheiro para bancar... Para você ter uma idéia, minha
preocupação na época era trabalhar com jornalismo especializado. Eu fiz uma
palestra também nessa época, convidado pelos padres sobre jornalismo
católico no Brasil numa visão crítica. Foi o primeiro trabalho também sobre isso
em 1969. O pessoal aqui da Igreja me chamou, estavam muito preocupados
com a questão da comunicação e a opinião pública, e aí eu fui chamado. Na
época eu era professor da Cásper Líbero, não era nem da USP, para fazer
essa palestra sobre jornalismo católico no Brasil, uma visão crítica. Depois eu
fiquei por aqui. Fui chamado diversas vezes para falar sobre esse assunto, mas
não era minha especialidade, não quis.
Entrevistadora – O primeiro jornal da Proal, o da Ultragás, era um jornal que já
existia na empresa?
Gaudêncio Torquato – Era. Ele já existia, e nós aperfeiçoamos. Ele era muito
amadorístico. Nós demos um cunho profissional para ele.
Entrevistadora – Muitas dessas publicações eram ligadas ao RH.
Gaudêncio Torquato – RH, existia pessoal de relações públicas, tinha alguns
veículos na área de marketing, na área de vendas, mas a maior parte era
realmente feita por profissionais de relações públicas. E era um jornalismo
empresarial muito bajulativo. Era na verdade um jornalismo empresarial muito
voltado para os dirigentes, muito para mostrar a cara dos presidentes de
empresas, muito para mostrar a empresa como uma ilha de felicidade. Eu
combati nos meus textos esse tipo de abordagem porque mostrava que a
empresa era uma ilha segura, tranqüila, dentro de um mundo completamente
conturbado, cheio de problemas, como um oásis. Fiz até depois um trabalho
que foi publicado pela USP: “O mito da felicidade da comunicação
151
empresarial”, onde mostro essa abordagem, uma abordagem particularmente
desenvolvida pelos profissionais de relações públicas. Eu me lembro que
fizemos um trabalho na Cosipa num jornal chamado O Chapa e a abordagem
lá era muito voltada para o presidente da Cosipa na época. Saía a foto dele
sete, oito, dez vezes. Quando nós chegamos lá, lutamos tremendamente para
mudar essa abordagem. Foi muito difícil, e eu me lembro que eu era também
repórter dos jornais da Proal. Eu ia para os lugares fazer as entrevistas, ia para
a Cosipa lá embaixo, em Piassagüera-Guarujá, na usina da Cosipa, onde eu ia
entrevistar os operários. Me lembro que entre essas experiências interessantes
da época, uma experiência muito interessante era um jornal da Deca, depois
absorvida pela Duratex. Era O Registro. O jornal chamava-se O Registro. Uma
das experiências mais interessantes na minha vida de repórter de jornal de
empresa. Por quê? Porque esse Registro era um jornal muito popular, era um
jornal com cara de pobre, era um jornal pobre, parecendo um panfleto,
impresso rusticamente numa dessas gráficas de fundo de quintal, numa
linguagem muito simples, mas um jornal queridíssimo, apreciadíssimo pela
massa de leitores que eram trabalhadores da Deca, quase operários, eu diria,
muito modestos, muito humildes, muito pobres, com salários pequenos. E a
Deca era uma empresa muito artesanal. E eu me lembro que tinha uma
questão lá que era a questão da segurança, que era muito grave o problema de
segurança na empresa. E nós criamos uma figura do Tião Seguresa, eu fazia
essa coluna do Tião Seguresa. E eu fui verificar que a Deca na época era
muito perto do Palmeiras, ali na Barra Funda, e portanto tinha muito italiano
dentro daquela empresa. Eu me lembro que nós criamos a figura do Tião
Seguresa, uma cara do Tião Seguresa, uma cara de um sujeito parecido com o
operário comum, ilustrado, e o Tião Seguresa aparecia na ilustração dentro das
equipes de futebol, aparecia conversando. O próprio Tião era um texto muito
coloquial, cheio de palavras italianas. Eu que não sabia italiano tive que
aprender a gíria italiana, comprei um livro de gíria para poder banhar a
linguagem dessa coluna de segurança para vender o peixe de segurança. E
não é que tinha um efeito extraordinário? O pessoal adorava essa coluna por
causa da linguagem, da brincadeira e tal.
O jornal era planejado como? O jornal era planejado no chão de fábrica.
Ia para lá com aqueles operários todos com o macacão sujo de óleo, numa
152
bancada suja de óleo, sentava lá, dentro do chão de fábrica, num dia da
semana à tarde, para planejar o jornal. O planejamento saía de baixo para
cima, não de cima para baixo. Ia para lá e eles diziam: nós queremos isso, isso
e aquilo, e nós como Proal fazíamos o jornal de acordo com os interesses dos
leitores. Era um sucesso. Aí a Deca foi absorvida pela Duratex. A Duratex, do
grupo Itaú, maior, passou então a querer um veículo que pudesse integrar a
comunidade Deca na comunidade geral Duratex. Aí esse jornal foi abolido e
fizemos uma revista, muito bonita, sofisticadíssima, a cores, quer dizer, uma
revista mais sofisticada, mais bem escrita, mais cara, mas não tinha o sucesso
do jornal. O jornal tinha realmente efetividade, o jornal tinha leitura, era
aclamado, era lido, coisa simples, tinha a cara do operário, e a revista não tinha
a cara do operário. Era uma coisa como se não fosse dele. Era interessante
observar que esse jornalismo de empresa não deve ser bonito. Não. Deve ser
o jornalismo com a cara da pessoa que vai ler.
Aprendi muito, muito, muito nesse convívio com o operariado. A
linguagem do operário. Aprendi muito na Cosipa escrevendo... Uma das séries
de reportagens mais interessantes que eu cheguei a fazer na Cosipa foi
tentando mostrar o processo de produção como um corpo humano: pulmão,
sangue, cabeça, mãos, braços. E em cada número do jornal O Chapa saía a
reportagem número um, número dois... Também fizemos isso na General
Motors do Brasil. O jornal da General Motors, como se chamava mesmo o
jornal da General Motors? Onde eu cheguei a fazer uma série sobre o
automóvel, como nasce um automóvel, como nasce, desde a concepção até
ele ir para a rua. Uma série de reportagens no jornal da General Motors, que
planejava lá em São Caetano, na fábrica, depois tinha a fábrica de São José,
juntava as duas fábricas. E a gente ia, planejava lá e tal, e eu me lembro que
eu ia muito para a fábrica conversar com as pessoas. A cada número do jornal
ia para um setor diferente, geralmente uma reportagem abarcava dois ou três
setores: usinagem, mais isso e aquilo. Mostrava aquilo comparativamente com
o corpo humano porque, como a linguagem era uma linguagem muito técnica,
eu tinha que simplificar essa linguagem para os símbolos mais compreensíveis,
a média, e puxava esses textos mais técnicos para uma concepção criativa
envolvendo o corpo humano. Tinha que arranjar uma forma de estruturar o
texto.
153
Entrevistadora – Agora com o senhor contando esses casos eu estava
lembrando da outra entrevista, quando o senhor contou que entrevistava
governadores. Como foi essa transição? Porque a gente pensa a grande
imprensa com um glamour, uma áurea...
Gaudêncio Torquato – Engraçado. No desenvolvimento normal do jornalismo
você sai talvez da experiência, enfim, o normal seria que você fizesse o
jornalzinho escolar, empresa e depois fosse passar para o grande jornal, numa
hierarquia. Mas eu fiz tudo. Eu fiz um circuito completamente de curvas e não
de uma reta. A minha vida nunca foi uma reta. Foi cheia de curvas. Por
exemplo, como disse, comecei por cima dando manchete, a primeira matéria,
manchete de oito colunas no Jornal do Brasil de domingo: “Governadores do
Nordeste apóiam reforma agrária”. Então já comecei com o pé direito. Fiz o
Jornal do Commercio, Prêmio Esso. Depois de tudo isso eu vou fazer o
jornalzinho dentro de empresa, lá na fábrica, mas por quê? Primeiro que era
nosso meio de sobrevivência, o estômago em primeiro lugar. Segundo porque
o jornalista não deve ter orgulho do que faz, deve ser simples, modesto. Ele
deve conservar o valor da modéstia, não deve ser arrogante, ele deve ser
simples, deve ser modesto, deve ser perseverante e acreditava que aquilo para
mim era novidade. Eu estava entrando numa linguagem técnica.
Graças a Deus isso me deu um background tecnológico, científico,
técnico. Essa penetração que tive no espaço empresarial me colocou em
contato com o conceito de gestão, que eu não tinha, com o conceito de
planejamento estratégico, que eu não tinha, com o conceito de operação de
máquinas, que eu não tinha, com o conceito, enfim, dos processos
tecnológicos que eu não tinha.
A GT hoje, se você perceber, eu faço artigos para dirigentes de empresa
sobre sustentabilidade dos negócios, sobre planejamento estratégico, sobre
consultoria de gestão, sobre a gestão de riscos. Como você sabe disso, não
tem nada a ver com isso? Você nunca foi economista, engenheiro? Mas eu tive
que passar pela experiência empresarial. Eu acho que isso me ajudou, porque
experiências. Uma como repórter, redator
Entrevistadora – Mas aí foi uma visão sua, particularmente, porque outros
jornalistas na época também tinham contato com isso.
Gaudêncio Torquato – Tinham e ninguém escreveu sobre isso. Pode ver, no
Brasil ninguém escreveu. Você pode ver que meu livro, este da comunicação
organizacional, esse último aí classifica direitinho todas as coisas. Por quê?
Porque eu sentia necessidade. Espera aí: comunicação é um vasto mundo da
organização, uma parte apenas é jornalística, outra parte é administrativa,
outra parte é comunicação gerencial, que são os fluxos de comunicação,
verticais, horizontais, a feudalização da comunicação da empresa, a retenção
da informação pelos níveis intermediários. Enfim, tudo isso eu cheguei depois a
pesquisar. Por quê? Porque eu entrei nas organizações. Na experiência e na
minha vida também dentro da empresa. Eu fui diretor de comunicação do
Grupo Bonfiglioli. Como diretor de empresa, como gerente de comunicação, no
Grupo Bonfiglioli, que tinha umas 35, 40 empresas e que foi uma experiência
fundamental. Foi o que depois me deu o embasamento para a tese de livre-
docência. Depois a gente vai conversar sobre isso.
Então, voltando aí para o jornalismo empresarial, foi um banho de
realidade brasileira, foi um banho de cultura brasileira, foi um banho de
linguagem. Eu li uma tese sobre o peão do Grande ABC, feito por alguém, não
sei se da PUC, eu estava lendo aquele livro e isso eu conheço tudo, a
linguagem do peão, aquela coisa da rádio peão, rádio corredor, rádio fofoca, as
brigas empresariais. Só convivendo dentro da empresa. Então foi importante
demais para conviver, sentir os problemas, ouvir as queixas, as fofocas, as
brigas em torno do poder, quem tem mais poder. Isso me deu realmente uma
boa bagagem sobre a comunicação nas organizações.
Entrevistadora – Sua atuação como repórter nesses veículos de empresa
exigia uma postura diferente?
Gaudêncio Torquato – Você imagina, eu, professor de Universidade de São
Paulo, dando aula, com a cátedra, depois eu me vestia humildemente de
repórter para me enfiar dentro da realidade empresarial. Eram dois mundos. E
eu achava que isso fazia com competência porque eu tinha que fazer bem-
feito. Era sobrevivência sob dois aspectos: do lado empresarial, lado da
consultoria Proal, da assessoria Proal, e o lado da academia. Os dois me
156
mantinham vivo. Então tinha que combinar os tempos, dava aula de manhã, à
tarde na Proal, eu tinha que ter uma adequação de tempos.
Entrevistadora – Um repórter dentro de um veículo de comunicação
empresarial tem uma atuação diferenciada do que na grande imprensa?
Gaudêncio Torquato – Foi quando eu fui sentir a importância do jornal de
empresa. Jornalzinho... Jornalzinho, não. Jornalzão, porque é o único jornal às
vezes que o operário lê. É o único da vida dele. Que jornalzinho... É o jornal da
vida dele. Foi quando eu fui sentir como é que o operário dá, por exemplo,
importância ao nome de sua filha que aniversaria. Até a cara do morto. Eu
achava horrível... Tinha lá necrológico no jornal da General Motors. As pessoas
morriam e colocava a cara. Eu conheço fulano e tal. Porque tinha um aspecto
da identificação da pessoa.
Foi quando eu fui perceber que esse jornal ele era tão revolucionário
como uma Folha de S. Paulo, um Estado de S. Paulo. Por quê? Porque ele
cumpre uma missão social. Ele integra, ele informa. Ah, mas ele informa de
acordo com o estatuto da empresa. Muito bem. E o jornal Folha de S. Paulo
informa com o estatuto de quê? Com o padrão editorial da Folha e o padrão
social, liberal-econômico da sociedade, o padrão do governo. Na época, dizer
na universidade que você fazia jornalismo empresarial, meu Deus... Tive que
suportar. Era de direita! Vendido ao capitalismo internacional! Quando depois
eu cheguei a mostrar por A + B que é a mesma coisa. Esse jornal que diz que
faz a revolução, ele, de uma certa forma, faz o que os grandes grupos
econômicos querem, porque são os grandes grupos que financiam. Assim
como a empresa patrocina um jornal de empresa, os grandes grupos
econômicos patrocinam os jornais diários e as televisões. Então essa
independência é entre aspas. Eu fui mostrando devagarinho isso para os
alunos. Hoje não tem mais problema, mas naquela época era um problema
seriíssimo.
O grito ideológico estava na sociedade, esquerda e direita, o muro de
Berlim não havia sido ainda derrubado. Então as coisas estavam muito fortes
em torno da esquerda/direita, vendidos ao capitalismo e tal.
157
Entrevistadora – Mas, nesses veículos empresariais, o senhor nunca sentiu
uma limitação na atuação?
Gaudêncio Torquato – Ao contrário! (enfático) É ao contrário! Eu sempre fui
mais desafiado porque tinha que criar. Escuta: o jornal diário é algo muito burro
no sentido da linguagem. Uma linguagem pobre. Sujeito, verbo e complemento.
Lide, sublide, corpo de matéria. Pirâmide invertida. Você faz o jornal na
pirâmide invertida, onde tem o lide. O sublide, que é o parágrafo embaixo do
lide. O corpo da matéria com três ou quatro parágrafos. E disso daí tudo dá a
manchete. Isso é o jornal diário. Tem uma parte de artigos, que aí é a opinião
do autor. Tem o editorial que é a opinião do jornal. Muito bem. Agora, no jornal
de empresa, tem tudo isso e mais: como fazer com que a linguagem técnica
seja apropriada, compreendida, internalizada pela cachola do leitor. Como? Aí
é a criatividade. Eu tive desafios maiores de escrever jornal de empresa que
jornal diário. Eu tenho esse Prêmio Esso de reportagem sobre barriga d´água,
foi um esforço físico, de me locomover, de entrevistar e tal, não de arrumar a
bagagem de informações. Agora, como é que eu vou explicar como nasce um
carro? Se eu colocar na linguagem de engenheiros, vai ser uma merda,
desculpe... Mas ninguém vai entender, essa linguagem é hermética, fechada,
eu tenho que desembrulhar esse pacote técnico. E, na verdade, pode
realmente olhar na época, nós bolamos grandes coisas no jornalismo
empresarial, grandes títulos, grandes matérias. Chaparro deve se recordar
disso porque na General Motors, aquela coleção sobre nascimento do carro,
aquilo era para ter o Prêmio Esso de linguagem de criatividade. O desafio era
muito maior, muito maior.
Por isso é que eu fiquei satisfeito. Quem me deu a criatividade foi o
jornalismo empresarial, quem me deu o fôlego para bolar a simbologia,
metáfora, muita metáfora, corpo humano, frases, filosofia, se tinha mais
liberdade de criar. Só os burros que faziam jornalismo empresarial na época de
maneira malfeita, mas nós procurávamos fazer jornalismo vibrante, jornalismo
palpitante, entendeu?
Entrevistadora – Essa chegada de vocês com uma visão mais
profissionalizada também precisava na empresa de pessoas de cabeça aberta.
158
Gaudêncio Torquato – Mas nós tínhamos um outro papel que era de vender
nosso peixe. Você quer melhorar o padrão de integração, vamos fazer assim...
Tinha que vender, convencer o gerente de relações públicas, diretor de
recursos humanos, convencê-lo para ele aceitar que devia fazer uma coisa
mais imparcial, mais alegre, até polêmica. Em um outro jornal nós até
aconselhamos que houvesse pessoas indagando, questionando a empresa em
outro aspecto, para questionar, para suscitar o debate. Foi uma experiência
extraordinária, extraordinária, eu não me arrependo, ao contrário. Eu acho que
eu cresci mentalmente de maneira criativa na linguagem etc. a partir das
experiências no jornalismo empresarial.
Entrevistadora – Nessa época o sr. já era professor na Cásper?
Gaudêncio Torquato – Na Cásper e depois na USP. Em 69 já estava na USP.
Em 68, na Cásper. Minha primeira experiência como professor foi uma lástima!
O primeiro dia de aula foi uma coisa lastimável! Lá vem eu com uns 20 anos de
idade, com um sotaque carregadíssimo, que ainda tenho, em uma sala de aula
onde havia alunos mais velhos do que eu, dois padres, e Zé Marques me
colocou nessa experiência de professor de jornalismo informativo e
interpretativo. Minha primeira aula eu fiz sobre início do jornalismo, fui buscar lá
em Roma antiga as primeiras experiências em jornalismo e tal, decorei para
caramba. Chegou um momento lá que eu vi o pessoal rindo um pouco. Era
brincadeira de aluno e eu achava que era comigo. Aquilo me destrambelhou.
Fumei um cigarro atrás do outro, fiquei meio encabulado, foi uma coisa meio
desastrosa porque não tinha a desinibição para dar aula. Eu estava ainda muito
agarrado em pessoas mais velhas do que eu, nunca tinha dado aula, fui jogado
na sala de aula assim de repente, sem um preparo.
Entrevistadora – O senhor foi chamado justamente por conta de sua
participação na Folha?
Gaudêncio Torquato – Por minha participação na Folha. O Zé Marques
estava criando lá um centro de pesquisas em jornalismo na Cásper Líbero e eu
criei o Centro de Pesquisas em Jornalismo Empresarial na Proal. O Zé
Marques tinha um centro de pesquisa e convidou um grupo de professores
amigos dele, eu, o Morel, o Seixas Patriane, e eu fui lá nessa leva. Aceitei o
159
convite, fui aprovado pela congregação. Na USP depois fui fazer concurso. Um
ano depois. Aí fui jogado às feras. Foi uma experiência porque depois comecei
a me desinibir e dei aula até hoje.
Zé Marques criou lá um elenco de disciplinas técnicas, jornalismo
informativo, interpretativo. Eu sempre fui acho que muito bom, bom, e minha
área realmente mais forte era de interpretação, jornalismo interpretativo. Foi
minha cadeira central na Cásper Líbero. Dei aulas por quase 30 anos lá de
jornalismo interpretativo. Cheguei a dar informativo também, especializado,
mas era mais jornalismo interpretativo. Estudei muito essa área, do jornalismo
da grande reportagem. Jornalismo, eu diria, das reportagens romanceadas,
Tom Wolf, tinha espaço, Realidade na época. Jornal da Tarde e Realidade
eram os veículos que espelhavam esse jornalismo de interpretação. Eu era
amigo do pessoal de Realidade. Por quê? Porque nós fazíamos na Folha de S.
Paulo jornalismo interpretativo, as grandes reportagens dos cadernos dos
suplementos especiais. Tinha realmente um foco. Em função desse jornalismo
da Folha foi que Zé Marques me chamou para dar aula na Cásper Líbero. Um
sucesso esses suplementos especiais em São Paulo!
No ano seguinte eu entrei na USP, em 69, por concurso e tal, depois fiz
a carreira acadêmica lá, doutoramento. Mestrado, fiz um trabalho especial. Não
era simplesmente pular para o doutorado. Nós tivemos que fazer um trabalho,
eu fiz um trabalho de mestrado, inclusive uma pesquisa ampla sobre jornalismo
empresarial. Tive que submeter a pesquisa lá a uma banca. Não cheguei a
fazer formalmente o mestrado, mas tinha esse trabalho que substituía essa
dissertação, essa pesquisa que é essa equiparação ao mestrado. Depois nós
fizemos o doutorado.
Entrevistadora – Era uma época de muito trabalho...
Gaudêncio Torquato – Eu trabalhava na Cásper, dava aula na USP e tinha a
Proal. Na Proal fiquei até 1984, 85, por aí, quando eu fui convidado para ser o
gerente, depois diretor de comunicação do Grupo Bonfiglioli, com Airton
Barcelos Fernandes. Foi uma experiência magnífica porque eu criei, dentro da
empresa, o meu modelo sistêmico de comunicação organizacional. Tinha
jornalismo empresarial, agora jornalismo empresarial é uma fatia só. Aí tinha lá
relações públicas, a publicidade, tinha editoração, vídeos, livros, folheteria,
160
assessoria de imprensa. Estruturei toda essa área de maneira orgânica, de
maneira sistêmica. Do ponto de vista de modelo depois veio a Rodhia, com
Walter Nori, mas a experiência dele foi muito boa em assessoria de imprensa.
O meu modelo foi mais, digamos, sistêmic
e Letras. Era um professor ligado às Letras e, portanto, os primeiros contatos
com ele foi por intermédio de Zé Marques, veio dele a indicação. Passamos a
trabalhar juntos. Ele passou a me dar uma orientação quanto à estrutura da
tese porque ele não era um especialista da matéria, nem era do campo do
jornalismo, mas, experiente professor que era na Universidade de São Paulo,
titular e com uma ligação forte com a ECA, ensinava na ECA também o
professor Dino Pretti, que era uma espécie de assistente dele, que fez parte da
minha banca depois.
Então o Morel fez uma boa orientação no sentido da organização da
tese, mas deixando evidentemente que eu tivesse toda a liberdade para definir
o escopo conceitual. Eu me lembro que discutimos muito sobre o objeto da
tese, como cercar esse objeto. Na verdade, eu tinha nas minhas mãos um
vasto cenário conceitual e eu queria partir toda uma visão de teoria de
comunicação até chegar ao jornalismo empresarial e às vezes me perdia. O
Morel dizia: precisa limitar mais esse corpo, não fique querendo abarcar o
mundo. Aliás, um conselho que todos nós doutores passamos a dar a nossos
orientandos: a tentativa do aluno, do orientando de abarcar o mundo. Eu me
lembro que a preocupação fundamental dele na época era esta: que eu me
restringisse ao objeto para não me perder naquele emaranhado conceitual.
A minha tese era comunicação e jornalismo empresarial (busca a tese
na sala ao lado). É de 1972, agora não sei se ela foi defendida em 1972 ou 73
porque precisa ver exatamente isso. Ela foi apresentada em 1972, não sei se
foi defendida em 73. E eu trabalhava na Proal na época, fiz o agradecimento ao
Chaparro e ao Carrion, os meus sócios, e também ao Zé Marques, que me
incentivou muito a fazer a tese. O Zé Marques sempre funcionou como uma
espécie de motor, sempre acendia o meu pavio, cobrava, estava sempre me
futucando, me alertando, me cobrando para ir para a frente. Ele defendeu um
pouquinho antes, e eu, um pouquinho depois. Porque o Zé Marques sempre
pensava estrategicamente. Ele queria formar o primeiro grupo de doutores em
jornalismo para poder formar uma base conceitual forte na ECA em jornalismo,
que não havia. Esse mérito ele tem e jamais alguém poderá tirar esse mérito
dele. Foi de realmente ser uma espécie de iluminador de caminhos, de abridor
de horizontes, de estimulador de idéias, de forma que passei a fazer esse
trabalho com a orientação do Rolando. E eu escolhi uma idéia bastante
162
polêmica na época que era que o jornalismo empresarial passava a fazer parte
de um corpo próprio dentro de uma especialidade da comunicação na
empresa. Por quê? Porque na época tudo era relações públicas. E eu passei a
enfrentar, e enfrentei de maneira corajosa, uma querela, uma briga conceitual
como toda a vasta área de relações públicas do Brasil, particularmente com o
seu formular principal na época, o professor Cândido Teobaldo, que
considerava o jornalismo empresarial uma especialidade das relações públicas.
E eu me rebelei. Por muito tempo fui considerado pela área de relações
públicas como uma espécie de outsider, de um forasteiro, mas eu tinha tanta
firmeza na minha defesa, na minha argumentação, na minha visão, a partir dos
conceitos do Otto Groth que eu apliquei ao jornalismo empresarial. O teórico
alemão que apresenta uma base científica forte, para explicar o jornalismo,
essa parte depois foi desenvolvida pelo Beltrão. Eu passei a caracterizar as
formas do jornalismo empresarial, na segunda parte, na primeira parte eu fiz a
visão da comunicação na empresa, mostrando o processo de comunicação nas
organizações, comunicação vertical, ascendente, bilateral. Toda uma visão que
depois eu fui retomar porque eu tinha estudado isso de uma maneira muito
solta. Depois, na tese de livre-docência, é que eu fui amarrar no campo da
comunicação gerencial, administrativa, quando eu fiz uma classificação mais
sólida e definitiva entre comunicação administrativa, comunicação gerencial e
comunicação social. Esse foi um primeiro ensaio, uma primeira visão, uma
primeira perspectiva da comunicação nas organizações. Eu falei de fluxos,
métodos, veículos.
Entrevistadora – Grande parte da bibliografia é estrangeira. O senhor já tinha
conhecimento dela?
Gaudêncio Torquato – Eu fui absorvendo. É uma bibliografia muito genérica
com muita coisa de relações públicas. Eu tive de estudar relações públicas
para poder inclusive refutar. Eu tive que fazer um mergulho profundo no campo
das relações públicas para poder, com conhecimento de RP, puxar daí o
jornalismo empresarial mostrando as diferenças. Tem um tronco em relações
públicas, tem um tronco em jornalismo, tem um tronco em linguagem, tem um
tronco em administração e tem um certo tronco em psicologia, sociologia
industrial. São alguns campos que estão se apresentando como um pano de
163
fundo para balizar o meu ponto de vista, a minha tese. Ao lado evidentemente
de uma visão sobre a sociedade contemporânea, consumismo,
industrialização, para mostrar como esse jornalismo se desenvolve no
contexto.
Entrevistadora – Em um dos capítulos, o senhor utiliza uma comparação entre
as publicações. Seria essa a pesquisa do mestrado?
Gaudêncio Torquato – Eu utilizei um pouquinho da pesquisa que eu fiz
anteriormente, mas tinha que fazer uma coisa original. Eu não pude
simplesmente copiar, já que o trabalho tinha que ser inédito, era tese. Mas
evidentemente, do ponto de vista de modelo, para a maior parte da pesquisa
eu me amparei nesse estudo anterior para mostrar a divisão de gêneros no
jornalismo empresarial, a classificação dos tipos de matéria no jornalismo
empresarial. Realmente esse modelo teve essa inspiração anterior. Sem
dúvida nenhuma que me amparei nessa visão anterior. Só que naquela
pesquisa eu fiz uma coisa bem mais ampla. Na tese afunilei.
Entrevistadora – Boa parte das publicações utilizadas na pesquisa foram
produzidas pelo senhor.
Gaudêncio Torquato – Exatamente. Como eu estava muito por dentro do
assunto, até porque a Proal chegou a fazer na época 40 publicações
simultâneas, entre jornais, revistas e boletins. Muitas dessas publicações eram
publicações de meu conhecimento até porque eu fazia. Ficou mais fácil do
ponto de vista de trabalhar com o corpus da pesquisa: Pirelli, Vig Jornal, a
União. Algumas publicações realmente vieram da Proal. (Folheia a tese) Estou
matando as saudades. Jamais tinha olhado isso.
A tese foi o primeiro, eu acho, estudo em perspectiva latino-americana
sobre esse campo. Levantei o histórico também do jornalismo empresarial no
Brasil trabalhando conceito histórico, apresentando um modelo para as
publicações internas, como deveria ser esse modelo, como resultado desse
estudo. Como deveria ser essa comunicação interna do ponto de vista técnico
e conceitual.
164
Entrevistadora – E um item que mostra esse pioneirismo é que a maior parte
da bibliografia é estrangeira porque na época havia pouca bibliografia.
Gaudêncio Torquato – Exatamente. Não tinha. Nós fazíamos os Cadernos
Proal, Chaparro e eu, eu era o editor dos Cadernos Proal. O que tinha de
bibliografia nacional era de RP.
Entrevistadora – Mas existia um cenário nas faculdades impondo a titulação,
uma pressão do Ministério da Educação?
Gaudêncio Torquato – O pano de fundo mais político, vamos dizer assim, é
que as escolas de comunicação deveriam, evidentemente, se qualificar para
efeito de qualificar seus cursos de pós-graduação. Havia de se formar uma
massa crítica, um conjunto de mestres e doutores, e a USP é que começou
esse processo no Brasil. Os primeiros doutores em comunicação, os primeiros
doutores em jornalismo, enfim, nos campos especializados da comunicação. E
essa massa crítica passou inclusive a amparar os cursos de pós-graduação a
partir da ECA. Toda a fundamentação da pós-graduação, todo o arcabouço da
pós-graduação da ECA em jornalismo fomos nós que demos, já que tínhamos
o título de doutor. E passamos depois a ser consultores da própria CAPES, a
CAPES pedindo para essa primeira massa crítica correr o país para examinar
as condições das escolas, dos cursos para efeito de avaliação das condições
estruturais, laboratoriais, dos cursos de jornalismo para efeito também de
habilitá-los a uma pós-graduação. E começou realmente a se consolidar, a se
expandir a pós-graduação no Brasil em comunicação. Então a USP, além de
ter feito esse trabalho interno de formação, também esse trabalho passou a
gerar efeitos fora da universidade, trabalhando o conceito de Brasil e
capilarizando, estendendo, ampliando essa rede de pós-graduação em
comunicação no Brasil.
Entrevistadora – O senhor lembra quanto tempo demorou para desenvolver a
tese?
Gaudêncio Torquato – Eu quero dizer que foi bem menos tempo que uma
tese normal, até porque nós éramos premidos pelo tempo. Eu estava muito por
dentro do tema, um tema que eu sempre dominei, não era uma coisa nova, eu
fazia já, exercia e para mim como jornalista fica muito fácil escrever. Se tem
165
uma coisa que eu sempre tive muita facilidade foi de escrever. Eu escrevo
rápido, não tenho grandes problemas nessa área, de forma que juntei a minha
condição jornalística do fazer jornalístico, escrever jornalisticamente. A tese
tem até um texto bem jornalístico, com uma visão teórica, uma fundamentação
teórica. Tem a parte prática e a parte de pesquisa. Eu procurei aliar esses
eixos todos, costurar fazendo uma moldura sistêmica integrada com essas
partes todas. Em relação ao tempo eu não me recordo. Eu sei que eu trabalhei
nessa tese, eu me licenciei de tudo, não fui para a Proal. Aí tem uma
curiosidade. Eu morava na Barata Ribeiro, na Bela Vista, num apartamento,
10º andar, tinha lá uma escritoriozinho. Era das 6 da manhã até as 24 horas.
Eu trabalhei diretamente 18 horas por dia. Eu me lembro que eu passava um
mês e meio mais ou menos escrevendo 18 horas a ponto de um dia eu estar
com uma dor terrível, foi preciso um médico me socorrer. De passar o dia
inteiro sentado eu tive um problema terrível na coluna e tive que ser
hospitalizado e tomar aquele remédio... morfina, para a dor. Eu tive de passar
uns dois dias acamado até voltar. Atingiu todo o nervo ciático. Eu também
disse: só vou fazer essa tese se for de cabo a rabo. Aliás é um conselho que
eu sempre dou: querem fazer uma tese? Se afastem do dia a dia, se escondam
no escritório, se não, não anda.
Entrevistadora – E a repercussão dessa tese? Por que demorou a virar livro?
Gaudêncio Torquato – Eu acho que eu relaxei um pouco, era para ter saído
antes. Esse livro tornou-se referência nas escolas, passou a ser usado e
abusado, citado e tal. Tirei umas partes mais acadêmicas. Ele realmente
passou a ser a primeira obra em língua portuguesa sobre jornalismo
empresarial.
E alguns anos depois, em 1983, já dentro do Grupo Bonfiglioli, eu fiz a
experimentação na área de modelo sistêmico de comunicação onde eu
realmente vi como funciona uma grande organização complexa por dentro,
senti necessidades, aprendi e apreendi bem questões relacionadas à gestão
organizacional, estudei muito gestão organizacional, convivendo com
executivos do mercado financeiro de todas as áreas. O grupo tinha mais de 30
empresas diferentes. Tinha a holding. Fui convidado inicialmente para ser
gerente de comunicação e depois eu passei a diretor de comunicação do
166
grupo. Tive condições de formular e implantar o modelo sistêmico de
comunicação organizacional quando na verdade eu já estava deixando a parte
específica do jornalismo empresarial para falar em comunicação empresarial.
Fui também o primeiro a falar em comunicação empresarial, comunicação
sistêmica, e aí nesse caso passei a trabalhar com as formas da comunicação
nas organizações e pela primeira vez falei em comunicação cultural,
comunicação gerencial e social. Fiz essa divisão. Engraçado, até hoje o
mercado confunde, acha que comunicação é uma só. Na verdade existe a
comunicação social. Quando as pessoas querem falar em comunicação hoje
associam à comunicação social, quando na verdade a comunicação nas
organizações tem outras formas e alguns dos problemas da comunicação nas
organizações não dizem respeito à comunicação social, e sim à comunicação,
por exemplo, gerencial, que é a comunicação que mexe com os
comportamentos, com o modelo de gestão, que é a comunicação onde se
sedia, se localiza aquele problema que é o estrangulamento dos fluxos de
comunicação: comunicação descendente, ascendente, lateral, diagonal, todos
esses problemas se referem à comunicação gerencial. Enquanto existe uma
outra leva de problemas de natureza técnica sobre os canais que não são
periódicos, são canais da comunicação administrativa: boletins, memorandos,
cartas, aquela tonelada de veículos de comunicação que também atravancam,
estrangulam o processo comunicacional e que realmente atrapalha até os
outros fenômenos de comunicação. Tanto que depois eu vim retomar isso na
prática como consultor fazendo o trabalho no Banco Itaú, quando eu estudei
todos aqueles fenômenos em uma organização grande como o Itaú. De modo
que nessa tese de livre-docência eu fiz essa divisão de áreas e depois apliquei
o modelo de comunicação social com o jornalismo, as relações públicas,
propaganda, editoração, identidade visual, todos os campos estão lá situados.
Entrevistadora – Mas isso veio antes da experiência no Bonfiglioli?
Gaudêncio Torquato – Ao mesmo tempo eu era professor e era diretor de
comunicação. Eu fiz concomitantemente. Foi uma percepção prática, aliás, os
meus trabalhos sempre se caracterizaram por ter essa visão teórica e prática.
Prática e também com esse lastro teórico. Eu fiquei no Bonfiglioli de 80 a 84,
em torno de quatro anos. Esse trabalho eu fiz em dois anos mais ou menos.
167
Entrevistadora – E no Bonfiglioli não existia essa estrutura integrada?
Gaudêncio Torquato – Não existia nada. Eu implantei a estrutura e desenvolvi
a tese.
Entrevistadora – E deu para perceber na prática as diferenças desse modelo?
Gaudêncio Torquato – Deu para perceber. Era um modelo sistêmico,
integrado, uma ou outra empresa ensaiava isso, a Rhodia ensaiava isso, mas
de maneira muito ligeira, mais voltada à assessoria de imprensa. Quando na
verdade eu tinha tudo isso: jornalismo empresarial, assessoria de imprensa,
relações públicas, identidade visual, pesquisa, tudo na minha área. Porque
essas áreas geralmente, nas empresas, eram espalhadas, uma pertencia aqui,
outra acolá. Fiz convergir tudo isso para um centro formulador de emissor e
executor de políticas de comunicação social. E mais: até uma parte de
comunicação administrativa passava por lá porque memorandos, cartas, tentei
imprimir uma cara, uma unidade a essa comunicação administrativa, que é
uma coisa que ninguém dá valor, quando deveriam dar valor. Deveriam dar
valor, por exemplo, a essa questão da internet, das intranets que hoje
atravancam os processos de comunicação, milhares de e-mails por dia, poderia
ser mais seletiva essa informação, mais focada para o usuário. Há um conjunto
de problemas que diz respeito a internet e intranets.
Entrevistadora – E o desenvolvimento da tese de doutoramento gerou muita
polêmica na ECA (Gaudêncio interrompe a pergunta)...
Gaudêncio Torquato – Na verdade eu tive a coragem de trabalhar o conceito
de jornalismo empresarial quando as pessoas diziam: esse é o jornalismo
vendido ao capitalismo. Que idéia é essa? Como se o jornalismo que se
exercesse dentro do sistema capitalista não fosse ele todo capitalista. Eu dizia
na época aos alunos: qual a diferença entre trabalhar num jornal de empresa e
num grande jornal? Vocês vão pegar em armas num grande jornal? O grande
jornal é também um jornal que pertence a uma empresa privada. Ele tem uma
função de utilidade pública, mas na verdade ele está servindo também ao
grande sistema econômico, político, está inserido nele. E foi assim que eu fui
quebrando as resistências, enfrentando grupos radicais. Me lembro de uma
168
professora lá muito radical, das pessoas que olhavam atravessado. Depois
essas pessoas que combatiam na época foram ser assessoras de imprensa na
Entrevistadora – Na tese de livre-docência o senhor utiliza muitas teorias de
administração, além da Teoria Geral dos Sistemas. Esse conhecimento vinha
do doutoramento?
Gaudêncio Torquato – Na verdade essa tese aqui, até pela morfologia da
capa, ela tem um aspecto mais de administração. Eu quis dizer aqui: olha, eu
estou falando de comunicação e administração, comunicação e organização, e
isso foi um modelo que eu bolei. Depois eu pedi para uma pessoa colocar isso
nesse gráfico. Eu nunca fui desenhista, mas eu digo: eu vou colocar aqui
algumas áreas que vão entrar no meu modelo. Uma coisa sistêmica, integrada,
com ponto em comum, tem toda uma fisionomia. Eu não expliquei isso, na
verdade eu estou explicando isso pela primeira vez agora. E coloquei esses
termos por quê? Olha: o uso de comunicação sinérgica para obtenção de
eficácia nas organizações utilitárias. Eu parto de um montão de conceitos:
organizações utilitárias eu parto do conceito do Amitai Etzioni, ele fala em
organizações normativas, as coercitivas e as utilitárias. Eu fico com as
utilitárias. Uso o conceito de sinergia e uso o conceito de eficácia. Aqui tem
quatro conceitos: comunicação, sinergia, eficácia e organização utilitárias. Essa
é toda uma visão de processo administrativo também, que são termos-chave
da administração: eficácia, sinergia, são dois termos fortíssimos no modelo de
gestão e eu tive que realmente estudar bastante essa terminologia para poder
aplicar de maneira adequada.
Eu sempre estudei, eu nunca me conformei em ficar restrito ao
jornalismo, eu sempre quis ter uma visão mais ampla, mais abrangente. Eu
faço o estudo da comunicação enquanto poder, para compreender a tipologia
organizacional, modelo do Parsons, todos esses teóricos até o modelo de
pirâmide invertida. Sair do genérico, até chegar no modelo. Sempre eu gostei
de trabalhar com esse modelo de pirâmide invertida: uma base conceitual em
cima e vou afunilando até chegar ao topo da pirâmide invertida.
Na perspectiva da comunicação enquanto poder, e a originalidade aqui é
que eu adiciono ao modelo de Etzioni a perna do poder expressivo. Um termo
que eu cunhei. Evidentemente pode-se usar poder da expressão etc., mas com
o poder ao lado, dentro de uma classificação organizada, fui eu que usei.
Dentro de uma sistematização do processo de comunicação organizacional fui
eu que usei. Você pode usar poder da palavra, desde Jesus Cristo, mas o
170
poder expressivo dentro da organização, vai ver que Etzioni não tem isso. Isso
é a originalidade.
E ao trabalhar sobre a questão do retorno, da eficácia, eu parto de um
modelo de mapeamento. Aqui é uma área em que eu tive que pedir ajuda para
mostrar essa condição, os resultados que se pode obter com sinergia, com
comunicação.
E aí vem essa brincadeira – brincadeira, maneira de dizer – que é o
circuito sinérgico, onde eu dou para cada área um conceito de comunicação:
fluxos, níveis de comunicação, dimensões da comunicação, categorias das
mensagens Foi uma maneira criativa de apresentar isso, as pessoas saem
interessadas, acharam que é original.
A livre-docência depende muito da capacidade; o doutoramento você
fica na condição do orientador, com sua orientação, com sua visão. Na livre-
docência você se liberta e parte para fazer uma coisa mais criativa, mais
aberta, mais geral. E linhas básicas para construção de um modelo sistêmico
de comunicação.
Entrevistadora – E de onde surgiu o interesse pela Teoria Geral dos
Sistemas?
Gaudêncio Torquato – Eu sou uma pessoa simplesmente fascinada pela
Teoria Geral dos Sistemas quando eu descobri que eu poderia explicar muita
coisa que acontece comigo pela Teoria dos Sistemas. Quando eu descobri o
que é sistema fechado e sistema aberto. Quando eu descobri que, a cada dia,
eu, como uma planta, eu tenho que receber os raios solares, me alimentar para
crescer. E pela Teoria dos Sistemas eu consigo me obrigar todo dia a caminhar
um pouquinho adiante, a não ficar conformado, a não me fechar em torno de
mim mesmo, a não ser um sistema fechado automático. Pela Teoria dos
Sistemas, me exijo ler todo dia, acrescentar a cada dia um livro, um capítulo,
artigos, para poder me enriquecer. Porque se os sistemas abertos têm essa
capacidade de evolução, por que eu vou me fechar? Então eu passei a explicar
a evolução do pensamento, a evolução da vida, a dinâmica social e quando vi,
por exemplo, os sistemas estáticos, fechados, mortos, a partir dos sistemas
políticos. Eu fazia muitas críticas e eu vi que o sistema aberto é tão forte que
171
começa a influenciar na área da política os sistemas fechados. Veja-se a
China, os países fechados que já estão se abrindo dentro desse processo da
globalização. Tem uma hora que o próprio sistema não suporta.
Então eu falei: puxa vida, eu vou usar a Teoria dos Sistemas para a área
da comunicação para poder mostrar que se há esse respiro constante entre
organização e comunicação é porque a comunicação é um sistema aberto. Eu
passei a mostrar que quando você cria uma empresa na verdade você está
criando as relações de comunicação entre as partes dessa empresa. Os
quadradinhos da empresa são a relação de comunicação entre os setores e se
essa relação de comunicação é boa, se ela flui, se ela cresce, se expande, a
empresa também cresce e se expande. Percebi que mexendo no sistema da
comunicação você mexe no sistema organizacional para que o sistema se
amplie, se modifique, está interligado.
Entrevista 5
Realizada em 04/05/2006 sobre a experiência no marketing político.
Entrevistadora – Vamos começar relembrando como se deu a migração para
o marketing político.
Gaudêncio Torquato – Depois eu vou pedir para a Gislene tirar o que eu
tenho falado sobre marketing político porque eu dei muitas entrevistas sobre
marketing político, sobre comunicação política, enfim. Bom, como eu entrei
nessa área do marketing político? Eu vou começar... A janela de entrada para a
grande casa do marketing político foi a da comunicação governamental. Aqui é
preciso fazer uma ligação entre a comunicação governamental e a
comunicação política. Eu sempre trabalhei com a idéia de que comunicação
organizacional, aí você vai perceber o fio condutor de tudo isso aí, que a
comunicação organizacional, como o nome está indicando, é uma
comunicação que extrapola a própria área empresarial e sindical para entrar na
área política na medida em que os partidos políticos são organizações, na
medida em que as instituições políticas todas elas estão, portanto, dentro
desse conceito da organização. Eu considero comunicação organizacional um
termo bastante abrangente com uma área voltada para o mercado privado,
172
vamos dizer assim, e uma outra área voltada para o mercado público. Por isso
que dá para encaixar, dá para entender a minha entrada na área da
comunicação governamental e na área da comunicação política não como
coisas diferentes, mas dentro de uma trajetória muito harmônica. Eu sempre
defendi que o trabalho de comunicação sistêmica precisa se envolver com
todos os tipos de organizações, não apenas organizações privadas, mas
organizações públicas.
Entrevistadora – Então desde o seu começo o sr. já vislumbrava essa atuação
maior?
Gaudêncio Torquato – Já vislumbrava que depois eu vou entrar pela janela
pequenininha do jornalismo empresarial, passar pelo modelo de comunicação
sistêmica, na área empresarial, então vou agora abarcar o universo da área
pública. É uma meta. Vamos começar pelo mercado privado até chegar no
caminho público. Em 1986, bom antes eu tinha já... Como você sabe a minha
vida familiar foi muito banhada de política desde a infância em função da minha
família política, meu pai, enfim, então já tinha toda uma bagagem política no
meu sangue, já tinha todo esse DNA político. Acompanhei como jornalista as
campanhas políticas no Nordeste, mas meu envolvimento mais direto ele se dá
em 1986 quando Fernando César Mesquita me convidou para ser o secretário
executivo daquele grupo de comunicação criado pelo Sarney quando
presidente da república. O Sarney assume o lugar de Tancredo Neves, que
morreu, e o Sarney, preocupado em passar uma boa imagem para a opinião
pública, construiu um grupo de comunicação. Eu mandei para ele um clipping
dizendo: olha, o governo precisa ter um quadro homogêneo, eu estou sentindo
como observador externo que está faltando um ajustamento de linguagem, é
preciso que o governo tenha metas, objetivos, e ele me convidou, puxa, achou
muito interessante. Primeiro convidei-o a vir para São Paulo em um dos
seminários nossos na Intercom onde ele foi um dos palestrantes. Nessa
oportunidade fiz uma integração, uma relação muito boa com ele e a partir daí
ele me convidou para ser o secretário executivo daquele grupo de
comunicação do Sarney. E aí criamos um grupo de comunicação que na minha
visão foi considerado um dos mais densos, mais, eu diria, fortes da
comunicação no Brasil na medida em que reunia nomes muito famosos, nomes
173
de grandes personalidades da comunicação, como Mauro Salles, Antonio Brito,
Roberto D´ávila, Roberto Duailibi, enfim... Eu vou te dar a relação desses
nomes para você ver. Publicitários, jornalistas famosos, etc. e eu secretariava
esse grupo. Nós chegamos a nos reunir uma vez por mês em Brasília para
definir as linhas e eu estruturei todo esse grupo, defini as linhas de
comunicação do governo, enfim. O que nós estávamos percebendo é que o
muita dificuldade esse desfile, não sabia. Ficava encabulado. Eu vi o Tasso
constrangido. Depois nós saímos para um restaurante, tomamos um uísque e
disse: É Machado, se político for isso, esse negócio de presidir festa junina, eu
tô fora, não quero, absolutamente, não quero mesmo. E relutou. Calma, calma,
calma. Ele estava meio irritado com o desfile. Não quero isso não, tal. Eu saí
no dia seguinte e escrevi um plano lá para ele. Ele leu e gostou. Eu fui a
Brasília apresentar para uma agência de publicidade para a agência criar o
plano, a MPM lá em Brasília. Criaram a campanha a partir do briefing que eu
dei: a luta dos coronéis, coronel Adauto Bezerra, coronel (não compreensível).
Três coronéis. A modernidade contra o retrocesso, o atraso. Depois foi feito na
Propeg na Bahia. Ele não gostou muito da criação da MPM, passou para a
Propeg, enfim. Resumindo a história, foi uma campanha modernista e ele
ganhou a campanha com quase 600 mil votos. E ele só era conhecido no bairro
de Aldeota, em Fortaleza.
Nesse ínterim, eu também fazia a campanha do Piauí, a campanha do
Freitas Neto, que foi candidato do PFL lá no Piauí. Tasso do PMDB do Ceará e
dei uma ajuda também ao deputado João Faustino. Até almocei com ele hoje.
Foi candidato ao governo do Rio Grande do Norte. Então nesse ano específico
eu trabalhei em três campanhas: ao governo do Rio Grande do Norte, ao
governo do Ceará e ao governo do Piauí.
A partir daí eu passei a me entusiasmar com o marketing político,
comunicação política. O marketing já no sentido de abrigar pesquisa,
articulação, como você viu. Eu trabalhei com o conceito de marketing dos cinco
eixos: a pesquisa, a elaboração do discurso, a comunicação, a articulação e a
mobilização. Sempre trabalhei com esses cinco eixos e passei a fazer planos
de marketing para governos, e a partir daí eu abri todo um leque de situações
na área do marketing político.
A minha experiência na área de comunicação do governo Sarney deu
esse livro aqui (mostra livro) que eu inclusive fiz uma segunda parte ligada à
comunicação governamental, e a primeira parte que está aqui, marketing para
o interior do país, foi uma tentativa também de mostrar o ABC do marketing
político e o marketing do interior. Senti que havia uma necessidade muito
grande de orientação na área do marketing. E foi o primeiro livro que saiu no
Brasil na área do marketing governamental, um roteiro para campanhas
175
políticas. E eu sempre procurando abrir. Assim como fui o pioneiro na área de
comunicação empresarial, também na área da comunicação política, marketing
político governamental fui o pioneiro. Este livro é de 85, foi antes da campanha
mesmo.
Entrevistadora – É um livro bem didático, com o bêabá...
Gaudêncio Torquato – Beabá, bem de orientação. E ainda hoje é um livro de
muito sucesso porque as pessoas... Ainda hoje é um livro muito bem
procurado. Já está na sétima edição.
Entrevistadora – Essas informações primeiras o sr. foi obtendo de onde?
Gaudêncio Torquato – Isso foi o meu feeling e evidentemente eu peguei os
conceitos fundamentais do marketing. Evidente que eu tinha muita ligação com
o Kotler, Philip Kotler, de marketing. Eu peguei, conheço toda a bibliografia do
Kotler e adaptei. Peguei os conceitos básicos do Kotler para a área do
marketing político, entendeu? Além da minha experiência com política, meu
feeling político, minha família política, minhas experiências, eu também
coloquei um pouco do conceito da universidade.
Entrevistadora – E o sr, até como professor, colocou de um jeito didático.
Gaudêncio Torquato – Didático, de passar informação para que as pessoas
pudessem se orientar. O que eu faço? A, b, c... Porque eu sempre fiz palestras
assim: olha, vou dar os dez pontos disso aqui, vou dar os cinco pontos disso
aqui. A pergunta: como ganhar uma eleição? Vou dar dez respostas para
ganhar uma eleição. Então eu sempre me baseei muito na didática, no método
de apresentação, nessa didática de exposição de maneira concisa e clara,
ponto por ponto, de maneira seqüencial, para que as pessoas pudessem captar
de maneira mais tranqüila e mais rápida os ensinamentos.
Entrevistadora – E essa última parte do livro era resultado da experiência
prática.
Gaudêncio Torquato – No governo Sarney. Eu tinha sugerido lá e já tinha me
apropriado. Fui em quem fiz no próprio governo e depois trouxe para cá.
176
Entrevistadora – E aí a gente consegue notar o conceito da visão sistêmica da
comunicação, de fazer as várias modalidades.
Gaudêncio Torquato – As várias modalidades. Aqui (...) comunicação
governamental, segmentando por área e mostrando quais são todas as áreas
que estão dentro do marketing político e marketing governamental.
Entrevistadora – O sr. comentou que foi meio complicado e depois teve até a
dissolução do grupo. Por quê?
Gaudêncio Torquato – A dissolução do grupo foi porque nós achávamos que
tinha ali um corpo muito qualificado de pessoas dando idéias muito boas, mas
o governo não operava aquilo. Porque o governo precisava governar.
Comunicação é como. Faltava o quê. O que comunicar. Se o que é ruim, o
como não vai fazer milagres. Então o que o governo precisava era arranjar um
bom plano econômico, um bom plano, enfim, a gestão do governo é que
precisava melhorar e não comunicação. Quando a gestão é boa, quando o que
do governo é bom, a comunicação sai facilmente. Então eu propus essa
dissolução. Depois eu passei a fazer nesse mesmo governo, depois do grupo
extinto, eu passei a fazer a consultoria do governo. Fiz o plano de comunicação
do Ministério da Administração, o plano de comunicação do Ministério das
Minas e Energia, tenho tudo isso aí, o plano de comunicação para o Ministério
da Aeronáutica. Tudo isso... Ministério das Minas e Energia, Ministério da
Aeronáutica, fiz o Ministerio da Administração, ministro Aureliano Chaves,
Minas e Energia, o Ministério da Indústria e Comércio, com José Hugo Castelo
Branco, que depois morreu. Fui consultor dele também. Então passei a fazer
um pouco do planejamento de comunicação desses ministérios.
Entrevistadora – Nesse momento foi a primeira vez que o sr. usou o conceito
sistêmico para a área política?
Gaudêncio Torquato – Isso, para a área do marketing político e do marketing
governamental. O marketing político de campanhas, o marketing ligado a
campanhas, e o marketing político permanente, quer dizer, o marketing
governamental.
177
Entrevistadora – Mas a experiência no governo Sarney, comparando com a
experiência em empresas, fui mais grandiosa?
Gaudêncio Torquato – É porque você tem que mexer com a opinião pública
de maneira mais, diria, mais atenta. O fenômeno da opinião pública aparece de
maneira muito mais, eu diria, mais forte. Tendências, você vai analisar, você
vai mexer. Porque em empresa você sabe previamente quem são os públicos,
são mais seletivos. Na opinião pública você tem públicos variados, tem que
mexer com os diversos tipos de público, com as linguagens, os instrumentos,
quais são os instrumentos, qual é a mídia, para cada mídia a linguagem
apropriada.
Entrevistadora – Tudo isso foi experimentado nessas campanhas...
Gaudêncio Torquato – Nessas campanhas e na área do marketing
governamental. Evidentemente eu procurava sempre ajustar a identidade do
ministério justamente para o conceito que quer passar para a sociedade. Então
procurava trabalhar sempre essa idéia do marketing, o conceito, o que é
identidade, depois a comunicação, articulação com a sociedade organizada,
mobilização, parte de eventos, enfim, sempre procurando, do mesmo modelo
do marketing político e governamental, ajustar aqueles eixos: pesquisa, o que
nós somos, vamos fazer pesquisa. O que se quer, pesquisa. Depois o discurso,
comunicação, articulação. Procurei usar as mesmas ferramentas para o
marketing político, marketing governamental.
Entrevistadora – E nessas campanhas de 86, que foram as primeiras, qual era
a situação do marketing político na época?
Gaudêncio Torquato – O marketing político era muito intuitivo. Você fazia
aquilo de maneira muito improvisada. As pesquisas eram muito empíricas.
Você tinha, digamos assim, palpites de todos os lados. Chegava num Estado
tinha, vamos dizer assim, materiais diversos, as cores diferenciadas. Então
você via que faltava uma linguagem comum. Muitos assessores, cada um
entendendo de tudo. Não tinha um profissional de comunicação estrategista.
Eu tive que dar murro na mesa. Tinha candidato que distribuía camiseta de
todos os lados. Espera aí: vamos ajeitar aqui. Um tipo de camiseta só,
linguagem só com slogan, o slogan é esse. Eu tinha que explicar. Se você
178
quer, vamos dizer assim, multiplicar sua comunicação, ao invés de ter dez
comunicações diferentes, uma comunicação só. Vamos unificar a linguagem.
Aprendi muito também. Por exemplo, uma vez eu levei lá para Roraima, a
primeira campanha em Roraima em, eu acho que foi em 94, eu mandei criar
uma campanha tudo no verde. Quando eu cheguei lá, eu não vi muito impacto.
Faço o pré-teste. Eu pego pessoas, coloco numa sala e faço o pré-teste para
saber, o pessoal não gostou muito. E não sabia por quê. Depois descobri por
quê: a cor verde para a região amazônica era picolé para Groenlândia. Há uma
saturação, some, tudo some, e eu percebi que tinha que quebrar o verde, jogar
um vermelho, amarelo. A percepção foi pela experiência lá vendo. Eu não
sabia. Aí eu percebi que cada região tem sua cor predileta, cada região tem a
sua cultura, tem a sua linguagem, tem a sua mania, tem a sua música, passei a
perceber que a música de campanha deve se adaptar ao espírito da região, eu
passei a perceber que você não pode, por exemplo, levar uma cor aqui de São
Paulo. Tem que adaptar. Os partidos têm uma cor? Têm. Os tucanos têm o
azul, o amarelo, tal. Mas precisa fazer adaptaçãozinha nas regiões, tem que
fazer uma composição para evitar que essas cores sejam, também, para evitar
que sejam rejeitadas. Você tem que inco
Dentro do estúdio, começou a recitar o salmo, e depois uma voz disse que em
homenagem aos mortos, nesse dia a coligação tal, tal, tal, não fará o programa.
O nosso adversário foi tomado de surpresa. O programa do adversário vinha
depois. Caiu de pau, o empreiteiro, nós rezando lá, e eles atacando. Olha:
fizemos uma pesquisa no dia seguinte e demos de dez a zero. Enquanto eles
estavam odiando, com raiva, chamando meu candidato de empreiteiro.
Naquela época, empreiteiro era uma palavra muito mal-vista, muito condenada
e tal. Sinal de corrupção. E ele era empreiteiro. Então foi uma coisa assim
impactante porque, enquanto a gente estava homenageando os mortos,
estavam atacando a gente. Então esse tipo de coisa você só consegue fazer
sentindo a diversidade, etc. Então foi quando eu aprendi muita coisa.
Entrevistadora – E essa lição da proximidade é uma lição da comunicação de
modo geral, não é?
Gaudêncio Torquato – De modo geral. Exatamente. Você tem que adaptar às
culturas locais e tal. As músicas, a linguagem, os gestos. Tentei incorporar tudo
isso e escrevi depois. Esse livro aqui já tem todo...Você vai perceber nesse
livro, que é o Tratado de comunicação organizacional e política, que eu junto
aqui tudo. Aqui é realmente a síntese de meu pensamento. Você vai ver, por
– Dem0 alo3.D10.955 0Tw , que d52 vai ver6(oc4 0T.6403 Tm13.3itt)n-5(  8e2P( 12 85.08 470. tal. As músi06 Tc 0.1144 Tw l9u.25 Td(aet51.7N23.82 -tamente.)Tj0.002imjá t)nor)-7( )]TJ0 Tc 0.1472 To-8o adversw 14.01 0 Td( VocÚ6 Tw 6.realm5 -1.7]TJ0 s52 só c)-sn.0002 Tc 62ue .o,03 -1..002imjo7lt51.0.000cpcvar.00id
mercado de trabalho e academia. Esse livro tem, portanto, além de
pensamento acadêmico, tem planos apresentados para governos, para
prefeituras. A matéria-prima são os trabalhos concretos.
Entrevistadora – Nessa etapa do desenvolvimento das campanhas, o
jornalismo empresarial já estava sendo deixado de lado?
Gaudêncio Torquato – Eu acho que era uma fatia muito pequena para mim. O
empresarial e tal, fui deixando um pouco de lado porque acho que era...
Primeiro porque eu identifiquei uma coisa, quer dizer, essa área foi muito pouco
desenvolvida. As pessoas... Eu estava trabalhando com o conceito do
comunicador empresarial ser um estrategista, nunca ser só um operador. E as
pessoas trabalhando em jornalzinho, jornalzinho, faz revistinha. Ficava no
operacional, na fazeção. Eu vou trabalhar numa área que me exija mais como
planejador, como estrategista. E essa área da comunicação governamental e
do marketing político, ela exige mais o planejador e o estrategista.
Entrevistadora – E por que será que nas empresas a comunicação não
conseguiu conquistar esse status mais estrategista?
Gaudêncio Torquato – Eu acho que é porque, nas empresas, as pessoas
querem apresentar coisas muito concretas, factíveis, jornais, revistas, etc. E
essa área do intangível... Mas essa figura do assessor, do estrategista,
orientando o presidente, eu já fazia no grupo Bonfiglioli. Mas hoje tem pouca
gente fazendo isso. Mas é porque, primeiro, que eu acho que falta competência
para isso, gente qualificada. Segundo, é que as pessoas não têm uma idéia
sistêmica. Só tem uma idéia, se é relações públicas trabalha só com RP; se é
jornalista trabalha só com jornalismo. Falta unir tudo isso.
Entrevistadora – Mas essa idéia sistêmica talvez as próprias faculdades de
comunicação pudessem formar.
Gaudêncio Torquato – Mas elas também carecem. Elas também são falhas.
Muito estanques. Isso é um erro, é um erro. E eu quando dava, dava de
maneira abrangente. Procurava dar de maneira abrangente, nunca de maneira
segmentada. Eu avancei na área de RP. Eu dei aula pros RPs, pros jornalistas.
Então essa abrangência toda me permitiu chegar no mercado e dizer: olha,
181
quem tem competência se estabelece. Eu não vou entrar nessa briga se é RP,
se é jornalista. Continua a ter.
Então eu passei a fazer, de 86 para cá, campanhas a governos de
Estado, de prefeituras de capitais, passei a dar aconselhamento, passei a fazer
na área de comunicação governamental, política, depois que os políticos se
elegem eu passo a fazer consultoria para eles, faço pronunciamentos políticos
hoje para senadores, para deputados, faço palestras, digo o que devem dizer
para a imprensa, oriento a linguagem, diga isso, isso e aquilo, entendeu? Tento
traduzir pelos eixos. Você precisa amarrar sua identidade nas seguintes idéias:
pá, pá, pá. Até de projetos: seria interessante você defender projetos nessas
tais, tais, tais áreas para que ele possa construir sua identidade. Hoje dou
consultoria política pro parlamento, dou consultoria para governos, entendeu?
Hoje mesmo tem um governador chegando aí para conversar comigo amanhã,
para poder já preparar. Eu estou fazendo a comunicação governamental dele
nesse momento, com assessoria externa, uma agência que eu indiquei e tal.
Os inputs todos sou eu que dou e nesse interregno pré-campanha, a
comunicação governamental cresce, quando chega a campanha política ela já
está com a imagem lá em cima.
Entrevistadora – E durante a campanha política o sr. acompanha?
Gaudêncio Torquato – Aí a comunicação governamental há uma proibição. Aí
entra a comunicação política. Aí eu continuo na comunicação política, mas são
coisas diferentes. Uma coisa é campanha de governo, mostrar e tal. Outra
coisa, ele não vai poder mostrar porque há uma proibição eleitoral, aí entra
campanha política. Aí já é outra coisa, em estúdio e tal onde ele vai mostrar o
que fez, evidentemente, mas também vai defender novas propostas.
Entrevistadora – E dependendo do caso, se eleito, o sr. pode continuar.
Gaudêncio Torquato – Se eleito continuo dando consultoria governamental, aí
é marketing governamental, não é mais o marketing eleitoral. O marketing
político com finalidades eleitorais, o marketing eleitoral e o marketing político
permanente. O permanente é para continuidade, para manutenção dos
governos, executivos e também legislativos. Então o marketing político se
desenvolve na linha eleitoral de campanhas, para governos, para parlamentos,
182
e o marketing político permanente, que é de sustentação das imagens dos
governos e dos parlamentos.
Entrevistadora – E dessa experiência de 86 para cá, o que podemos dizer que
é diferenciador no marketing político?
Gaudêncio Torquato – Eu sempre acho que o marketing político no Brasil foi
envenenado, contaminado pela publicização exagerada. O que eu chamo de
mcdonaldização do marketing político. Esse marketing foi muito manipulado, foi
muito repetido. O Duda Mendonça, ele fazia uma campanha no Nordeste, a
mesma campanha que ele fazia no Rio Grande do Sul, a mesma campanha
que fazia em São Paulo, uma franquia. Eu não penso que deva ser assim. Eu
combati muito isso.
Entrevistadora – Mas não funciona?
Gaudêncio Torquato – Funciona, funciona porque as coisas são bem
feitinhas, bonitinhas, tal, mas hoje saturou. As pessoas querem ver uma
linguagem mais local. Então deu no que deu. As pessoas criticando, as
mesmas imagens, o mesmo cenário, o mesmo ambiente e tal. Eu me lembro
da campanha do Rio Grande do Norte, que eu acompanhei bem, era a mesma
campanha de Pernambuco. Então eu acho que os publicitários cometeram um
exagero de publicizar demais a forma, deram muita ênfase à forma em
detrimento do conteúdo. Quando eu sempre defendi, e essa é a minha visão,
que o conteúdo deve prevalecer sobre a forma. Enquanto eles defendem: o
meio é mensagem. Enquanto eu acho que é preciso realmente ficar ligado à
mensagem. E estou combatendo, já dei muitas entrevistas sobre isso, sobre
esse tipo de... (interrompe a entrevista para pegar programas de campanhas
antigas).
O compositor (não compreensível) mandou pegar e denunciou no ar
num dos programas de televisão do meu adversário, do Alberto Silva. Meu
programa estava todo lá. Foi mostrando e mostrando que houve contrato de
gente de fora e pá, pá, pá, e mostrando linha por linha meu nome. Você veja
como já estava preocupado com identidade. Eu vou te emprestar isso daqui,
depois você me devolve. Você dá uma olhadinha porque essa aqui é matéria-
prima de primeiríssima. Ela vai levar, mas vai devolver.
183
Olha aqui. Essa é campanha para prefeito de Teresina, Duarte. Olha como,
modéstia à parte, é uma aula sobre marketing político.
Entrevistadora – Nessas campanhas o sr. contava com uma equipe?
Gaudêncio Torquato – Tinha, tinha uma equipe grande. Eu organizava a
equipe de 30 pessoas, 40 pessoas.
Entrevistadora – Mas esse planejamento em si é do sr.?
Gaudêncio Torquato – Minha cabeça e depois aplicava. Outra campanha do
Freitas Neto. Governo da verdade. Olha como já é. É a segunda. Ele perdeu na
primeira, nessa aqui ganhou (folheia as campanhas). Você vê que tem coisa
para caramba que cheguei a escrever. Engraçado. Aqui também 1986. Isso foi
em... (folheia). É, foi para o governo do Estado. É porque eu amarrei aqui a
campanha. Aqui é para governo. Isso aqui foi em 1985. Eu estou sugerindo que
ele se engaje na campanha de 85 na prefeitura de Natal para se habilitar para
ser o candidato em 86. Olha aqui. Os valores, o conceito. Então tem coisa para
caramba (continua folheando os programas).
Entrevistadora – E isso tudo era aprovado direto com o candidato?
Gaudêncio Torquato – Com o candidato. Tem coisa para chuchu (continua
folheando). Aqui já é para governo. Ele foi candidato também a governador.
Entrevistadora – Nessas primeiras campanhas ainda não tinha GT Marketing?
Gaudêncio Torquato – Não, era eu. Aqui já é outra campanha, mas para
governo de Estado. Ele perdeu aqui para Governo do Estado. Meu Deus, tem
tanta coisa. Aqui é um trabalho sobre, um diagnóstico sobre a imagem do
governo do Sergipe. Aqui já é comunicação governamental (folheia mais
programas). Como fiz coisa, puxa vida. 98, aqui é governo do Sergipe. É a
mesma coisa? É, mesma coisa. Antes da campanha, eu fiz um, veja que
interessante, antes da campanha de um deputado eu fui lá para fazer um
diagnóstico do Estado para poder balizar a campanha, sempre fui muito
preocupado. Amir Lando, senador por Rondônia. Interessante, heim. Você vai
ver aqui como eu colocava as coisas.
184
Entrevistadora – Daí a partir do plano aprovado...
Gaudêncio Torquato – Tinha que executar. Montava a equipe para executar e
tal.
Entrevistadora – E os materiais de campanha passavam por sua supervisão?
Gaudêncio Torquato – Passavam. Chamava a agência para briefar a agência,
para eles criarem e tal. Tudo passava. Os programas de televisão e tal. Dava
orientação em tudo, em tudo.
Entrevistadora – Essa questão que o sr. estava comentando, de que os
publicitários ganharam um espaço que não tinham. Em que momento isso se
deu?
Gaudêncio Torquato – Eu acho que a partir de... Veja bem, o marketing
político ele se exacerbou muito com o Collor. O Collor fazia aquela ginástica
diária de correr, um montão de gente atrás dele. Ele entrou num avião, foi para
o Amazonas, passava dois dias na mata. Era uma coisa muito marketizada. E a
partir, vamos dizer, do primeiro governo Fernando Henrique, os marketeiros, os
publicitários exageraram na dose. Apelos cinematográficos. Então eu diria que
os jornalistas perderam muito, e os publicitários avançaram. É preciso
considerar a fase jornalística e a fase publicitária. Houve uma fase inicial que
foi a fase mista, vamos dizer assim. Eu juntava jornalista com publicitário. Onde
você tinha os jornalistas com publicitários colaborando, fazendo campanhas
juntas. Depois os publicitários tomaram conta e publicizaram demais as
campanhas e exageraram na dose, vamos dizer, emotiva. Fizeram programas
maravilhosos, mas eu diria que houve um certo exagero.
Entrevistadora – Essa questão do conteúdo mesmo ficou para fora.
Gaudêncio Torquato – E em função, até hoje, nós estamos com essa
publicização. E agora novamente, em função dessa crise todinha, volta o a[(osuma c41rio9 85.08estão 0.e 0 10inhci7b5 0/TT1 1 30]part4[eC1.9ETE0.0273 Tw /i000ETEMC /P <</MCIa752 1 Tc 0.0821 Tw -18i1jtiu todinha,)-72EMTdcETE0.02oae4 u082131 6a mata
Entrevistadora – Hoje a gente pode dizer que os candidatos estão
demandando um pouco isso?
Gaudêncio Torquato – Eu diria que, vamos dizer, há um pouco de receio dos
candidatos de contratarem os publicitários com essa visão meio capenga, eu
diria meio exagerada. Hoje os dinheiros estão menores. A preocupação hoje
em se fazer campanha mais enxuta, mais objetiva, mais voltada realmente para
proposta. O marketing se reajusta. Procura hoje, diria, se reorientar
particularmente tendo em vista inclusive a organicidade social. O Brasil, eu
sempre falo, a sociedade organizada é muito forte. As ONGs têm papel muito
ativo hoje na sociedade. E em função disso você precisa trabalhar muito com o
eixo articulação na sociedade. E eu penso comunicação. Os publicitários
erraram porque eles entendiam o marketing só como comunicação, e dentro de
comunicação só programa de televisão, nem rádio. Esse foi um erro. Quando
em minha visão, peraí, gente, o marketing é pesquisa, é discurso, organização
de discurso. Eles não queriam saber de discurso. Fala qualquer coisa aí, os
publicitários. É articulação, comunicação, mobilização.
Entrevistadora – Mas é um fato que em determinado momento essa outra
fórmula dava certo.
Gaudêncio Torquato – Tinha os programas bem feitinhos, uma certa
engabelação das massas, mistificação das massas com a propaganda bem
feita da televisão. Mas você não acredita muito mais. A Marta Suplicy criou aqui
aquele imenso daquele, daquela maquete da saúde, e não deu certo. As
pessoas já estão vacinadas. Com o mesmo Duda Mendonça que criou o fura-
fila do Pitta, o CEU Saúde da Marta, enfim. Exageravam. Aquela mesa imensa
do Lula com um montão de gente em redor dela na época da campanha em
2002. Trabalhando, mostrando. E muitas estão no governo hoje. Pois é,
manipularam muito.
Entrevistadora – E essa questão polêmica de financiamento de campanha,
como era nesse começo?
Gaudêncio Torquato – Sobre financiamento de campanha, sempre houve na
verdade esse famoso caixa dois. Os candidatos têm patrocinadores. Alguns
186
dão camisetas, outros dão gráficas, outros dão carros, tem colaboração em
matéria, em materiais, em recursos, tipo frotas de carro, tipo camisetas, tipo
brindes, tipo materiais gráficos, entendeu? O candidato mesmo ele gasta muito
pouco em dinheiro dele principalmente quando ele é candidato por cargos
majoritários, governador ou senador. O deputado já tem que arcar um pouco
mais com suas, com recursos próprios.
Entrevistadora – Mas, nesta eleição particularmente deste ano, o sr. diria que
vai ser mais complicado?
Gaudêncio Torquato – Vai ter muito mais controle em função da crise, em
função do refluxo do dinheiro, em função do medo, em função... Os próprios
patrocinadores estão se escondendo, já não querem dar mais dinheiro.
Entrevistadora – Necessariamente as campanhas vão ter que ter uma nova
cara.
Gaudêncio Torquato – Serão mais objetivas, mais voltadas para o discurso
(interrompe para atender ao telefone). Eu tenho uma visão crítica do marketing
político. Eu faço o marketing que eu acho que deve ser feito corretamente sem
enganação. Então eu digo isso inclusive aqui. Quais são os truques do
marketing, a artimanha, e eu vou criticando isso aqui. Então você vai pegar
como eu consigo me enquadrar fazendo marketing político e ao mesmo tempo
criticando marketing político.
Entrevistadora – Nessas campanhas...
Gaudêncio Torquato – (Pega o livro) Tem toda uma parte aqui na área de
marketing: o marketing político eleitoral.
Entrevistadora – Mas nessas campanhas é possível dizer que aqui não vamos
encontrar essas artimanhas usadas nessa fase mais publicitária?
Gaudêncio Torquato – Pode até existir uma firulazinha e tal, mas o eleitor
brasileiro está mais desconfiado. O eleitor está mais racional. O voto está cada
vez mais subindo do coração para a cabeça. Então você percebe um sentido
cívico maior hoje.
187
Entrevistadora – Uma coisa que o sr. falou, não adianta ter comunicação se
não tem o que comunicar.
Gaudêncio Torquato – O que comunicar.
Entrevistadora – Alguns candidatos têm exatamente isto: não tem o que
comunicar, aí o marketing tem que fazer um pouco esse papel.
Gaudêncio Torquato – Sim, mas o marketing vai dizer para eles, vai fazer a
pesquisa e a pesquisa vai extrair o que o pessoal está querendo e aí você
forma o discurso. Daí você forma o discurso. Aí entra Gaudêncio Torquato para
ajudar a fazer discurso, para escrever a linha de discurso, as propostas. Não
adianta chegar lá: vou fazer sobre o quê? Eu entro muito com a arma do
discurso. Minha especialidade é formar o discurso. Não sou especialista em
dizer como é que deve falar. Já chama outra pessoa para ajudar. O conteúdo,
essa é que é a essência do marketing. E ficam preocupados com a forma de
comunicar. Beijar criancinha, coisa e tal, vamos dizer o batom, o cabelo,
quando eu estou preocupado com o conteúdo.
Entrevistadora – E, nessa mudança para um marketing mais publicitário, o sr.
que diz ter uma linha diferente, o sr. percebeu menos trabalho, sendo menos
requisitado em função disso?
Gaudêncio Torquato – Eu senti que os candidatos estavam muito enfeitiçados
pela forma e os conteúdos nós ficamos numa situação mais distante. Os
publicitários muito festejados, os baianos: Nizan Guanais, Duda Mendonça. E
realmente quando hoje eles estão em baixa, quer dizer, eles estão sendo
criticados e tal em função dessa crise. Eles olharam muito pro dinheiro...
Porque a publicidade realmente é trabalhar com muita coisa intangível e aí eles
podem cobrar os tubos.
Entrevistadora Mas o sr. sentiu que houve uma oscilação em sua atuação?
Gaudêncio Torquato – Senti, senti, até porque também não forcei muito a
barra. Jamais vou mudar minha essência, então eu fico quietinho. Quando
passei a fazer análise política, daí as pessoas passaram a realmente a olhar,
passei a fazer a crítica daquilo ali. Aí eu passei, digamos, a posicionar minha
visão no mercado. As pessoas me chamam hoje só que sabem quem eu sou.
188
Eu não vou publicizar, eu vou organizar campanhas do ponto de vista de
conceito, identidade, comunicação, articulação com a sociedade, mobilização,
tudo isso tem que entrar no bojo.
Entrevistadora – Já teve algum candidato a quem o sr. se recusou a fazer a
campanha?
Gaudêncio Torquato – Tem, já disse: não quero. Tem inclusive, tem um de
Goiás, hoje estou... Coloco pessoas e estou mais na orientação, não estou
mais querendo ficar na operação, coordenação, dá muito desgaste.
Entrevista 6
Realizada em 20/06/2006 sobre o trabalho como analista político.
Entrevistadora – Vamos manter o esquema cronológico de recuperação de
sua trajetória. Como foi a migração para o papel de analista político?
Gaudêncio Torquato – Veja bem. Aí eu gostaria de situar que a alma
jornalística sempre esteve muito forte na minha atuação profissional, apesar de
ter feito trabalho na área de consultor político, consultor de marketing
institucional, nunca deixei de jogar uma aguazinha na semente, na árvore
jornalística que freqüenta a minha cabeça, o espírito jornalístico. E eu
desenvolvi essa atividade jornalística no próprio Estado de S. Paulo
inicialmente na área de comunicação empresarial. Eu fazia o caderno de
negócio, uns 20 anos atrás, 25 anos atrás. Eu fazia alguns artigos
especializados em comunicação empresarial. Tanto que alguns desses artigos
estão naquele livro Cultura, poder, comunicação e imagem. Você vai ver que ali
são artigos de jornais e particularmente artigos feitos para o Estado de S. Paulo
onde eu procurei, portanto, abordar a minha experiência no campo privado
como diretor de marketing e de comunicação no Grupo Bonfiglioli e (...).
Depois, quando eu migrei para a área do marketing político. Eu achava que
também deveria refinar essa atividade, apurar essa atividade escrevendo em
jornal, mas não sobre marketing político, mas sobre política porque quem
trabalha com marketing político deve compreender a política. E aí foi fácil fazer
essa passagem. Eu como consultor de marketing migrei, sem abandonar o
189
marketing político, apenas eu adicionei essa outra área que é minha alma, a
área jornalística, que realmente eu acho que a alma que me inspira, é a alma
jornalística. Sempre procurei conservar o espírito jornalístico. Eu sou jornalista,
gosto de ser jornalista, gosto de escrever. Portanto essa atividade ela foi a
primeira da minha vida e continuou sendo. Se existe um fio condutor em toda a
minha vida profissional, esse fio condutor foi o fio da análise, da reportagem e
da análise jornalística. Então eu passei a fazer essa análise política no Estado
de S. Paulo há mais ou menos aí uns, de maneira mais periódica, há 15 anos.
De lá para cá. Não com a freqüência que tem hoje. Era um artigo mensal de
análise política que depois veio se transformando em quinzenal e hoje é
semanal. Ele é semanal de uns dois, três anos para cá. Virou, teve essa
freqüência. Então eu passo a me exigir muito mais. Evidentemente que essa
atividade me consome muito do ponto de vista de pensamento, de análise, de
reflexão, de leitura, de observação ambiental, de conversa política, de contatos,
toma muito tempo e evidentemente toma tempo também no sentido da
produção desses textos. Eu começo a pensar no domingo, quando sai o artigo.
Eu já começo a pensar: e agora, qual vai ser o próximo? Fico aí vivendo num
espaço cinzento, numa zona cinzenta até terça-feira. Eu tenho que escrever na
quarta. Quarta-feira é o dia que eu tenho que escrever de qualquer maneira e
na quinta eu refino. Deixo dormindo o artigo na quarta-feira. Na quinta eu dou
uma refinadazinha de manhã e mando na quinta-feira próximo do meio-dia,
uma hora lá para o jornal. Se houver algum evento ainda muito... Se eu estiver
falando sobre alguma coisa factual que merece uma atualização ainda faço a
atualização na sexta-feira. Sempre um tema de macropolítica, política nacional,
envolvendo fenômeno político ou social. Geralmente eu procuro entremear o
fator social com o fator político e o fator comportamental. É um pouco da
sociologia política. Na verdade meus artigos são sobre sociologia política. Vez
ou outra eu faço um artigo mais voltado para a crítica do marketing político,
tenho sido muito crítico do marketing político. Eu retomo no sentido de mostrar
um pouco as contrafações, desvios, os viés, etc. Então eu faço esse artigo
semanal e esse artigo semanal depois ele é diminuído, em torno de mil
caracteres, ele é de seis mil caracteres, em torno de seis mil e passo a fazer
quatro mil e quinhentos a cinco mil para os jornais regionais. Sai em uma rede
de jornais.
190
Entrevistadora – Hoje o artigo é publicado em quantos jornais?
Gaudêncio Torquato – Uns 120 jornais no país. Jornais do interior de São
Paulo, jornais da capital, jornais do interior de alguns Estados. Portanto essa
atividade se tornou, vamos dizer assim, muito permanente e com um grupo de
leitores muito fiéis. Tenho sentido muita fidelidade. Quando, por exemplo, por
algum fator qualquer eu deixo de escrever, cadê? Um período e tal.
Geralmente nessa época agora de campanha política e tal, viagem. Eu fico
muito preocupado com viagem, o que eu vou fazer. Porque mesmo que eu
tenha condições de escrever esses artigos fora, uma coisa é você fazer o seu
artigo no seu ambiente, vendo ali os seus jornais, oito, nove jornais que eu leio
por dia. Eu começo a ler jornal às cinco e meia da manhã. Por mais que depois
eu ainda dê uma meia horinha de sono, mas eu leio às cinco e meia da manhã
dois jornais. Primeiro o Estado, segundo a Folha. Depois eu venho para cá, leio
mais uns outros, O Globo, o Jornal do Brasil, Valor Econômico, leio Diário de
São Paulo, leio DCI, Gazeta Mercantil. Para pegar o panorama, para poder
pegar os ganchos, os eixos dos meus artigos.
Entrevistadora – Nessa migração, de vinte anos, em que o Estadão é o mais
periódico...
Gaudêncio Torquato – O Estadão é um jornal... Eu até escrevi um tempo na
Folha, mas também assim como colaborador, muito aperiódico. Por isso eu
considero o Estadão o jornal de minha alma, um jornal que se identifica mais
comigo, com o qual eu mais me identifico, aliás, com o qual eu mais me
identifico. É um jornal que tem os cantinhos que eu já me acostumei a
freqüentar, o cantinho da política, os comentários, as colunas. Evidentemente
eu passo mais tempo na área de política, depois de economia e terceiro na
parte de cotidiano, metrópole, cidade e tal.
Entrevistadora – E tem uma linha de leitores muito bem definida, não é?
Gaudêncio Torquato – É, tem uma linha de leitores, geralmente meus leitores
são profissionais liberais, empresários, setores do comércio e da indústria, de
modo geral, muitos professores. Eu diria que é um público formador de opinião.
Eu leio aqui, pelos e-mails que recebo, são pessoas exigentes, se eu dou um
191
errinho... Muita citação em latim e se eu dou um errinho em latim, lá no final da
linha, corrigem: olha, essa frase não é bem assim e tal. E eu, quando eu tenho
razão, eu refuto e quando não... Eu respondo a todos. A não ser aqueles que
estão escrevendo sempre, sempre, sempre. Mas eu costumo responder a
todos. Um dia desse, um negócio interessante. Escrevendo sobre o mito do
narciso. Sempre utilizei muito mito, muita mitologia grega, muita mitologia
latina, entendeu? No caso do narciso eu queria mostrar aí o narciso
identificando o Lula como narcisista e tal, quer dizer, primeira vez, fiz tudo, o
Brasil quase foi descoberto por mim, enfim. Uma visão muito narcisista e
comecei a fazer uma crítica e mostrei a fábula do narciso. Ele se contemplou
na margem do lago e se encantou pela própria imagem, né, e se afogou, enfim,
mostrei toda... E ele, eu contei essa história e eu me lembro que eu usei, na
verdade... Mas eu contei como a própria mitologia. Não sei se foi o Ovídio, a
primeira citação do narciso. Eu preciso depois ver quem em um dos artigos. E
alguém escreveu refutando. Eu tive que encaminhar para essa pessoa o
original, e ela não respondeu de volta. Porque tem muitas interpretações. Você
sabe que na mitologia tem muitas histórias, tem muitas versões e tal. Eu gosto
de pegar a mais antiga delas. A original mesmo do mito de narciso. Eu preciso
até ver qual foi o artigo que eu escrevi sobre isso.
Entrevistadora – Todos os artigos então demandam uma pesquisa...
Gaudêncio Torquato – Esses artigos demandam uma pesquisa, geralmente
eu coloco uma historinha, eu coloco uma historinha no artigo, tem
personagens, não apenas, eu não fico apenas no achismo. Eu tenho que ter
fundamento, tenho que ter uma hipótese, desenvolvo essa hipótese, conto a
historinha para poder chamar a atenção, se possível ter um pitoresco, uma
coisa mais irônica também.
Entrevistadora – E esse estilo foi formatado pelo senhor, da historinha...
Gaudêncio Torquato – Eu passei a perceber que meus artigos mais
comentados eram aqueles que tinham historinhas. Aquela historinha, gostei
muito. Sempre o pessoal comenta as historinhas. Aí eu digo: bom, eu tenho
agora que contar sempre uma historinha em meu artigo. No artigo da semana
passada, de anteontem, eu tive que inventar uma historinha no final mostrando
192
como é que o fisiologismo começou no Brasil. Mostrei que Pedro Álvares
Cabral, no relato dele, quando eu cheguei ao belíssimo, à belíssima baía de
Porto Seguro, eu divisei vinte homens pardos, usando a linguagem, aquela
linguagem do descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, com suas vergonhas
descobertas correram e tal. Quando eu vi, eles ficaram olhando e tal. Eu estava
com meu penacho, meu peito cheio de medalhas, chapéu de penacho e tal. E
quando olharam para mim eu vi que o cacique e todos começaram a honrar...
Naquele momento ali começava a adesão. A adesão dos nativos em política. E
o fisiologismo que explica porque o Sarney... Aí eu trago para hoje, porque o
Sarney e o Renam correram para o Lula nem bem o PMDB matara a
candidatura a presidente da República. Eu procuro sempre fazer uma
brincadeira desse tipo para mostrar, para ilustrar os comentários com
historinhas, com explanações interessantes.
Entrevistadora – O sr. não tem uma formação ortodoxa como cientista político.
Gaudêncio Torquato – Esse é um vazio que eu procurei preencher com muita
leitura. Então, por exemplo, aqui atrás, você vai ver: aqui atrás tem os livros
que são fundamentais para entender o Brasil. “... e cidadania” sobre a realidade
brasileira e a política. Livro de moral, o homem medíocre (...) uma Bíblia. Você
vê aqui: Carlos Matos, Estratégias políticas para mostrar como chipanzé,
Maquiavel e Gandhi, para mostrar o estilo de cada um. Sociologia política do
José Iraque Rosenberg, (...) As grandes obras políticas, Pequeno tratado das
grandes virtudes, Política e Aristóteles, aqui tem Rui Barbosa. Esses livros aqui
estou sempre usando. Tem mais ou menos uns cinqüenta, sessenta livros que
estão sempre aqui atrás que me inspiram. Eu vou procurar às vezes um
conceito, uma historinha, às vezes me inspiro até no Borges. Então eu faço
assim uma... Às vezes eu, que eu vou escrever? E não tenho nem o tema.
Chego aqui e começo a ler uma coisa ou outra e começo a fazer associações.
Vou buscar pelo folclore político aqui no Sebastião Nery algumas historinhas,
vê se alguma cai na minha realidade, entendeu? Histórias de presidentes,
enfim, estou sempre lendo aqui. Tem um dicionário, três dicionários de citações
para tentar pegar um gancho e tal, entendeu? É isso aí.
193
Entrevistadora – Mas o sr. sente falta de ter uma formação clássica nisso ou
não?
Gaudêncio Torquato – Não, porque eu, sociologia eu li todo um repertório de
sociologia. Eu não fiz sociologia, mas hoje eu me considero razoavelmente
bem informado a respeito de conceitos de sociologia, de opinião pública.
Evidentemente estudei muito opinião pública na faculdade, e tal, e em meus
trabalhos de tese, mestrado e doutorado eu tive que ler muito sociologia. Então
eu tive uma vida acadêmica que me obrigou a ter uma carga de leitura forte
nessa área, da sociologia política principalmente, Teoria dos Sistemas. O
Norbert Bobbio é um dos meus gurus clássicos, aqui, com teoria geral da
política. Todos esses livros eu já conheço. Então eu tive que evidentemente, e
tenho ainda, que estudar. Eu todos os dias eu estudo. Todos os dias. Como se
faz isso? Eu pego aqui uma meia hora, uns quarenta minutos, às vezes mais
de uma hora, depende do dia, entendeu, dou uma olhada. Continuo buscando
enriquecimento se não eu acho que eu fico defasado. Eu não faço um artigo na
base do achismo, acho... Nada de achismo, não gosto do achismo.
Entrevistadora – Até porque não sobreviveria tanto tempo.
Gaudêncio Torquato – Não. Exatamente, exatamente.
Entrevistadora – Mas essa falta da formação, sentiu alguma diferença...
Gaudêncio Torquato – Não, eu me senti com mais liberdade e com mais
abertura de linguagem. Eu vejo que os cientistas políticos, quando eu leio, eu
leio texto deles, eu acho um texto muito hermético. Se eles fossem jornalistas,
não escreveriam de maneira mais fácil? Você veja, o grande sociólogo
brasileiro chamado Gilberto Freyre, do clássico Casa grande e senzala, ele
escrevia com uma clareza, ele é raro. Com uma clareza estupenda. E eu vi
palestras do Gilberto Freyre, mesmo na... Ele foi o meu paraninfo no colegial
em Recife. Impressionante como ele conseguia transmitir com palavras simples
conceitos complexos. Os sábios têm essa qualidade: eles conseguem falar fácil
sobre coisas difíceis. Os ignorantes é que na minha opinião procuram fazer,
falar as coisas claras, digamos, eles usam uma terminologia muito complexa,
muito hermética para coisas fáceis, conceitos fáceis, ao contrário. Não que eu
queira dizer que os cientistas sociais sejam complicados, mas alguns são muito
194
complicados do ponto de vista da abordagem, do ponto de vista da linguagem
hermética, entendeu? Então, o Fernando Henrique, por exemplo, é sociólogo.
Ele melhorou depois que ele se tornou político porque ele passou a ter uma
linguagem mais aberta. Se você for verificar os livros do Fernando Henrique,
você vai constatar que ele era muito hermético na época em que era o puro
schoolar. Era mais hermético. Então a visão jornalística, a linguagem
jornalística me ajudou muito a tratar de coisas complexas de maneira mais
fácil.
Entrevistadora – Os outros analistas políticos, o sr. acha que receberam bem
esse seu novo papel? Existe uma convivência com eles?
Gaudêncio Torquato – Eu vou para debates geralmente com eles. Eu, por
exemplo, amanhã mesmo eu não vou. Fui até convidado. Sou sempre
convidado para participar de programas de televisão. Amanhã mesmo. A
Cultura me ligou para que eu e mais um outro, que eu nem sei, um analista
político. E eu sempre digo: eu sou consultor político, não cientista político. Sou
consultor político. Eu quero fazer distinção: eu não sou cientista político. Sou
um consultor político ou analista político. Agora quando alguém diz cientista
político eu também não reclamo não. Eu não vou querer corrigir a pessoa no ar
na televisão. O João Dória, agora tive domingo no programa dele, o cientista
político e tal. João, sou consultor político, mas não vou dizer no ar. Eu quero
dizer que não tenho nada contra a ciência política, ao contrário, eu teria hoje o
maior prazer em ter feito doutoramento, um curso nessa área. Aproveitei toda
essa bagagem, né, como jornalista, lendo os livros de ciência política que eu
tenho atrás de mim.
Entrevistadora – Uma coisa que até já lhe perguntei em entrevistas anteriores,
manter um trabalho como consultor de marketing político e analista político em
nenhum momento foi contraditório?
Gaudêncio Torquato – Não, eu procuro separar sempre. Por exemplo, eu, na
política, eu não procuro fazer artigos que agradem aos meus clientes. Eu, por
exemplo, faço consultoria para um dirigente do PMBD, Michel Temer, mas você
vai ver meus artigos. Eu critico o PMDB, eu faço muitas críticas ao PMDB.
Esse último artigo mesmo. Claro, o PMDB é governista, mas o PMDB, estou
195
fazendo crítica e aos membros do PMDB. Mas, escuta, você não faz
consultoria para o PMDB? E eu digo: e daí? Eu separo as coisas. A minha
visão sobre a política como jornalista é uma, a minha visão como consultor é
outra. Às vezes, eu procuro, geralmente eu procuro dizer a verdade para os
meus consultados. Digo, olha, isso, isso e isso. Por isso que eu não tenho a
língua presa. Eu tenho a língua solta e digo aquilo que eu quero dizer. Eu sou
pago para dizer às pessoas o que eu sinto e não aquilo que elas querem ouvir.
Daí porque existe até uma facilidade muito grande, né, eu digo: olha, peraí,
está errado, não concordo com isso. E eu digo geralmente na área política o
que é certo e o que é errado. Por exemplo, domingo agora escrevi combatendo
a reforma eleitoral, que todo mundo acha que vai moralizar, quando eu digo
que vai é prejudicar os deputados de opinião, os mais conscientes. A proibição
de outdoor, de boné e camiseta vai facilitar as pessoas que estão com uma
malinha de dinheiro para comprar o voto, entendeu como é que é? Vamos
sempre precisar de comunicação. Então estou combatendo isso aí. Então, veja
bem, quando parece que eu, puxa vida, você está totalmente diferente do que
tem dito por aí, que vão moralizar. Não, não é bem assim. Agora que vai ter
maior corrupção, que a reforma eleitoral foi feita aí.
Entrevistadora – Agora essa sua posição não ser confundida pelo fato do sr.
ser consultor de marketing político e depender dessas ferramentas?
Gaudêncio Torquato – Não, eu almocei com um deputado que me passou
esse briefing. Ele disse: Olha, eu que sempre fiz isso, isso aqui, vou perder,
sou um deputado de opinião, vou perder para um cara que bota uma malinha lá
porque não vou poder colocar em outdoor para poder me ajudar dessa
maneira. Me convenci que estava certo. Não é... Ao contrário, eu estou,
digamos assim, combatendo os 50% do Congresso Nacional que são
operadores políticos, que operam com a política. Se você ler os artigos você
vai ver que eu digo que tem 15% de caciques, 50% de operadores, que fazem
da política uma profissão, e 35% de legisladores legítimos. Eu estou
defendendo nesse artigo os 35% de legisladores, contra os 15% de caciques e
contra os 50% de operadores políticos.
196
Entrevistadora – E fazendo, por exemplo, as críticas ao PMDB, os clientes
entendem?
Gaudêncio Torquato – Não, mas os clientes não... Primeiro que ninguém,
meus leitores acham, meus leitores não sabem que eu faço consultoria política
e eu, quem é do PMDB nunca chegou para mim disse: retifique. Respeitam,
respeitam tranqüilamente o campo.
Entrevistadora – Hoje o sr. diria que é mais consultor, mais analista? Como o
sr. divide o tempo hoje?
Gaudêncio Torquato – Eu divido as coisas. Eu acho que minha atividade
jornalística preenche a alma, o segredo da alma, a vontade da alma, a
vocação. E a consultoria política preenche a necessidade de sobrevivência
(risos).
Entrevistadora – A idéia era acompanhar cronologicamente sua trajetória e
acho que isso já preenchemos. Eu só queria retomar algumas questões
pontuais. Por exemplo, quando começou aqui a GT Marketing?
Gaudêncio Torquato – A GT começou acho que há uns doze anos. Mil
novecentos e oitenta e seis, oitenta e sete. Espera aí (liga para a secretária): a
GT tem quantos anos Gislene?
Gislene no viva-voz: Oitenta e cinco, vinte e um, né? Foi fundada em 85.
Gaudêncio Torquato – Ah, tá, tá bom. Quando eu saí do Grupo Bonfiglioli e
tal.
Entrevistadora – O acervo da Proal ainda existe com alguém?
Gaudêncio Torquato – O acervo, Chaparro acho que tem o acervo da Proal.
Eu tenho alguns cadernos Prol, número 1, 2, 3.
Entrevistadora – Mas o acervo dos jornaizinhos, isso não?
Gaudêncio Torquato – Não, não é não. Chaparro deve ter um ou outro
jornalzinho da Proal. Chegamos a fazer muitos jornais. O primeiro foi o
UltraGazeta, jornal da Ultragás, colorido, bonito. Me lembro do jornal Registro,
que era da Duratex, que depois foi para o Grupo Itaú.
197
Entrevistadora – Mas na época ninguém ficou com o acervo?
Gaudêncio Torquato – Eu saí, depois que eu fui para o Grupo Bonfiglioli. Eu
saí da empresa, defini minha parte e tal. Isso já foi acho que em 84. Pedi
licença para sair da Proal. Mas foi uma experiência pioneira a Proal no campo
do jornalismo empresarial no Brasil.
Entrevistadora – Seria um acervo bem interessante.
Gaudêncio Torquato – Seria, seria. Os primeiros jornais de empresa no Brasil,
hein, profissionalizados.
Entrevistadora – Toda a profissionalização começou daí.
Gaudêncio Torquato – Exatamente, exatamente.
Entrevistadora – E uma outra questão bem pontual que em algum momento
ficou faltando, quando o sr. deixou a docência? Isso foi por quê?
Gaudêncio Torquato – Pois é, você sabe que eu comecei a fazer consultoria,
tinha viagem e eu dava aula de manhã e à noite, e aquela obrigação de dar
aula naquele momento, pegando trânsito, e não dá para viajar... eu digo: vou
ter que me aposentar. Já tinha tempo para me aposentar. Aí me aposentei na
USP. Depois de trinta anos na USP me aposentei e na Cásper nem me
aposentei. Na verdade eu não tenho duas aposentadorias como as pessoas
pensam. Poderia ter até duas aposentadorias. Só tive da Universidade de São
Paulo. Peguei dois anos da Cásper Líbero e joguei para a USP e tal para
completar trinta anos.
Entrevistadora – E é um lado do qual o sr. sente falta?
Gaudêncio Torquato – Não, eu dou muita palestra, por exemplo, dou muita
palestra. Eu não sinto falta, não. Eu dou muita palestra. Eu até gosto uma vez
ou outra de dar uma aula inaugural, às vezes sou convidado. Hoje até soube,
um negócio que me surpreendeu aqui. Diz que tem até uma sala de aula na
ECA com meu nome, você sabia disso?
Entrevistadora – Não sabia, não.
198
Gaudêncio Torquato – Pois é, minha filha me mandou um negócio aqui,
Cristiane, aqui, ó: sala com seu nome (lê e-mail): pai, a sala que tem seu nome
é a sala 18 da GEST-CORP. Mandou porque uma amiga dela estuda lá na
USP, faz pós-graduação lá, diz que tem uma sala com meu nome. Digo, puxa,
quando você tem sala já começa a olhar para você... Puxa, já estou chegando
perto do cabo da boa esperança, não é possível. Mas eu gosto de aparecer na
USP, dar uma aula de pós-graduação. Acho que a última aula que eu dei foi
para esse curso que a TV Globo deu com a ECA, com a USP para formação de
jornalistas. Eu fui abrir o curso, a aula inaugural e tal. E vou sempre lá, vou
participar às vezes de bancas e tal.
Entrevistadora – Mas o dia-a-dia da aula...
Gaudêncio Torquato – Não, não, o dia-a-dia da aula eu não tenho mais
vontade, assim, a não ser, sei lá, um curso de pós-graduação que eu pudesse
atender os alunos aqui, talvez dar um curso lá, aí com essa flexibilidade.
Monitorando na área de mestrado, teses, dissertações etc., tudo bem. Mas a
obrigatoriedade de dar aula naquele espaço toda semana tal hora, tal, tal, tal,
eu acho complicado.
199
ANEXOS
1 – Capa do jornal Folha de S. Paulo de outubro de 1967, com destaque para o
início da série de suplementos especiais sobre São Paulo: O desafio do ano
2000
200
2 – Capa da edição nº 1 dos Cadernos Proal, de junho de 1971
201
3 – Capa da terceira edição dos Cadernos de Comunicação Proal, já na
segunda fase da publicação
202
4 – Capa da última edição dos Cadernos de Comunicação Proal, veiculada em
1978
203
5 – Relação de orientandos de Gaudêncio Torquato na Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
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205
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