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Edson Lopes da Silva Junior
Política e segurança pública: uma vontade de sujeição.
Mestrado
Programa de Estudos Pós Graduados em Ciências Sociais
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo, 2007.
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Edson Lopes da Silva Junior
Política e segurança pública: uma vontade de sujeição.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Ciências Sociais, sob a orientação do
Prof. Doutor Edson Passetti.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo, 2007.
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Agradecimentos
à minha mãe, luzidia praia inicial da minha vida.
às minhas irmãs, pelo apoio de todo dia.
à prima Ana Paula Rochadel, ao primo Thiago Camelo e à Tatá, pela torcida.
a cada um da família Chiusoli. Lindos. à Tia Helena, maré cheia de generosidade.
à Dinalva Torres Nellessen, pela sensibilidade com que atiçou minhas
inquietações e por me apresentar Janis Joplin.
aos amigos, cada um ao seu modo especial, muitos planetas habitados. Alê
Siqueira, Emerson Basso, Thiago Benatti, Rafinha, Daiane Karina, Elisa Taemi,
Maria Rita (passarinho), Duda, Roberto Ambrosio, Facundo Guerra, Carol
Gargantiel, Domingos Noel, Ana Maria Destito e Ana Maria Marcondes.
aos amigos que por onde passam arrasam, Rafael Barba e Felipe Lemes. Luxo
só!
à Melissa Barretti cintilação de beleza, tão elegante sempre.
à Synthia Alves, Ajagunã.
às amadas Karina Fonseca e Érika Chiusoli, pelo apoio e pela força
incondicional. Duas dentro de mim que não podem ter fim.
à linda e pequena Sophia, estrela miúda.
à AnaMaria Salles, minha deusa urbana.
ao Juliano, meu repouso e oxigênio em ar rarefeito.
ao Tuco por me alucinar.
ao amigo amado Fábio Fernando, por cada dia que esteve ao meu lado.
à Eli, por todo apoio, por toda confiança e porque não me imagino sem ela.
ao amigo Bruno Vicente pelas aventuras desde moleque e pelo apoio de sempre.
à Maria e ao Márcio Ferreira, por não me deixarem na mão.
à Silvana Tótora e Salete Oliveira, pela leitura e pela contribuição à minha
pesquisa.
ao Edson Passetti, amigo intenso e orientador, pela paciência e pelo cuidado em
cada leitura, pela confiança e generosidade. Por muito que aprendi.
ao Acácio que amo. à Lili. ao Gui. à Natália. à Bia. ao Parafuso. ao Flufi. ao
André. aos amigos do nu-sol, intensos, multicores, fortes. Setas lançadas ao sol.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPQ
Resumo
Esta pesquisa aborda a convergência entre segurança pública e inovação
tecnológica de armazenamento e distribuição de bases de dados criminais em
rede, pleiteada nas décadas de 1990 e 2000 como condições de criação do
Sistema Único de Segurança Pública. Em torno desta criação se desdobra um
conjunto de saber e estratégias de poder e um inventário de métodos de gestão e
alianças visando redução da criminalidade. Esta dissertação, percorrendo
documentos como os Plano Nacional de Segurança Pública e Projeto Segurança
Pública para o Brasil pretende problematizar a cumplicidade entre sociedade e
polícia, uma difusa expropriação ou confinamento de vida e a importância do
racismo de Estado, que atravessam o inventário de métodos de gestão e alianças
como centros de lucro de controle do crime. As violências não cessam e planos,
relatórios e documentos referentes à secretarias e fóruns sobre segurança pública
incorporam o esboço geral de reformas e remetem a um constante fluxo de
adesão, avaliação e monitoramento ativado pelo controle externo de ONGs,
centros universitários de pesquisa, sociedade civil, técnicos e burocratas de
governo. Na democracia gestão de segurança exigem combates abertos aos
criminosos, à impunidade, declaram guerra para combater o mal na sociedade.
Convocam a sociedade a aderir como aliada das polícias. A periferia como
campo de concentração redesenha uma gestão que recentraliza o combate que
uma sociedade aplica sobre ela mesma em nome da sentença que seleciona
segmentos da população apartados e perigosos.
Abstract
This research approaches the convergence between public security and
technological innovation on storage and distribution of network-based criminal
databanks, pleaded during the decades of 1990 and 2000 as conditions for the
creation of the Integrated System of Public Security. Around this creation, a set
of knowledge and strategies of power are developed, and a collection of
management methods and connections aiming at the reduction of criminality.
This dissertation, examining documents such as the National Security Plan and
the project Public Security for Brazil, aims to discuss the complicity between
society and the police, a diffuse expropriation or confinement of life and the
importance of the Racism of State, which cut across the collection of
management methods and alliances as profit centers of crime control. Violences
never cease and plans, written reports and documents relating to bureaus and
forums on public security incorporate the general draft of reforms and refer to a
constant
flow of adherence, evaluation and monitoring activated by the external
control of NGOs, university research centers, civil society,, experts and
government bureaucrats.
Under democracy, security management requires open
battles against criminals and impunity; declare war in order to strive against the
evil in the society. Convokes society to adhere as police allies. The
periphery as
concentration camp re-shapes a management which re-centralizes the fight
imposed by a society upon itself on behalf of the sentence that selects segregated
and dangerous population segment.
Sumário
APRESENTAÇÃO
1.
I – SEGURANÇA, IMPUNIDADE E SOCIEDADE DE CONTROLE
19.
a segurança como princípio de cálculo
22.
segurança e impunidade
47.
II – CONFIANÇA E TECNOLOGIAS PRODUTORAS DE SUSPEITAS
82.
III – ALGUNS DESDOBRAMENTOS DA PREVENÇÃO GERAL
114.
as evidências sociais e a comunidade de vizinhos como empresa
139.
IV – SEGURANÇA PÚBLICA MUNICIPAL E PREVENÇÃO
145.
GESTOS ESTREPITOSOS DA INDIGNAÇÃO
189.
BIBLIOGRAFIA
195.
_________________________________________________________________
Apresentação
A convergência entre segurança pública e inovação tecnológica de
armazenamento e distribuição de bases de dados criminais em rede, pleiteada nas
décadas de 1990 e 2000 visava a criação do Sistema Único de Segurança Pública,
que embora até hoje se apresente inacabado, através de seus processos de
definição, forma um conjunto coerente de saber e de estratégias de poder, e um
inventário de métodos de gestão, de alianças, de produtos, de investimentos para
a produção de controle de taxas e centro de ‘lucros’ que visam a redução do
crime e que de maneira direta incidem em fluxos de punições e contingentes
controlados, confinamentos de vida.
O Plano Nacional de Segurança Pública (2000).17(de puO28 inac7in32rireta v-67de mac 0.0815 B1eO30ll0iuaud[ti0u0-6,Tc 0i33ção >>B7oial de Seg12(lET( c8e gestmndac8es8d3ecr.006de .ot03-ec 0i,i1ioSTc 0i33>>B7oiaoT3( )] 5 >>BD0 Td.o3.02 direta iArmrSegurança Pública )Tjam)4(entos de vida. )]TJETE0. )5 sm0a iArm0001 Tientes
Em nome da segurança dos cidadãos, sob a democracia representativa, a postura
punitiva não se reduz a uma política de Estado, mas perpassa as paixões de cada
um pelo poder, perpetua o teatro de denúncias e o lugar de cada um que de vítima
é transformado pelo sistema de justiça em testemunha de acusação. O
ressentimento não prescinde da solução moral da dor, do medo e da piedade. Há
dores caladas no consentimento. Todo sofredor busca uma causa para o seu
sofrimento, um agente culpado suscetível de sofrimento. Rasga as mais antigas
feridas, sangra por cicatriz há muito curada, quer exercer sua vontade de poder e
permanece escravo e fraco ao preservá-la. O criador afirma a potência do falso,
se interpõe na história como um acontecimento, diagnóstico que faz prosseguir a
análise por outros caminhos, soluções alheias ao castigo. Este é um modo
codificado de me aproximar do problema colocado pelo título desta dissertação.
A arquitetura do Sistema Único de Segurança Pública é formada por um
inventário de gestões, cujas regras aparecem em documentos anteriores à
instituição do PNSP, como efeitos de debates acerca de consórcios de municípios
e municipalização das políticas de segurança, imediatamente após os PNSP e
PSPB em relatórios de gestão da SENASP. Ditos e não ditos elementos do
dispositivo da segurança.
A partir das demarcações de Foucault, entendemos por dispositivo,
“um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares,
leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. (...) O dispositivo é a rede que se
pode estabelecer entre estes elementos. (...) Entre estes elementos,
discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de
posição, modificações de funções, que também podem ser muito
diferentes. (...) Entendo dispositivo como um tipo de formação que,
em um determinado momento histórico, teve como função principal
responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função
estratégica dominante.” (Foucault, 2000: 146-147).
Sob o pano de fundo da recente história política do Brasil, a tarefa de execução e
gerência de um Projeto Nacional de Segurança adotado em 2000 exigiu — o que
foi indicado em Relatório de Exercício do mesmo ano
1
— da Secretaria Nacional
de Segurança Pública
2
(SENASP), adaptação a novas rotinas, procedimentos,
responsabilidades e novos serviços para o cidadão. Definia-se em torno do
objetivo de “aperfeiçoar o sistema de segurança público brasileiro”
(“Introdução”: Brasil, Ministério da Justiça, 2001), através de 15 compromissos e
124 ações. Inaugurava a concepção de integração multisetorial e multidisciplinar,
no âmbito de políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, como
mais favoráveis à repressão, prevenção e redução da impunidade. Concepção que
pode ser observada na articulação de prefeituras em fóruns regionais tais como o
1
www.senasp.gov.br
2
Criada em 1997 no âmbito do Ministério da Justiça, reestruturando por sua vez a Secretaria de
Planejamento das Ações Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), criada em 1995.
Fórum Metropolitano de Segurança Pública de São Paulo
3
, e na Política Nacional
de Redução de Morbimortalidade por acidentes e violências lançada em 2002,
concretizando-se em 2003 pela adoção de uma nova política nacional de
segurança pública, o Projeto Segurança Pública para o Brasil.
Tendo como foco as condições de coleta estimuladas pela participação da
sociedade e o tratamento de informações pautados pelos projetos de segurança de
2000 e 2003 e pelo Plano Metropolitano de Prevenção à Violência acionado pelo
Fórum Metropolitano de Segurança Pública de São Paulo, o desenvolvimento
desta dissertação de mestrado pretende problematizar:
- a disponibilidade de volumes de dados sobre o crime, propriamente tratados e
sistematizados que pouco esclarecem sobre a eficácia do Sistema de Justiça, mas
incentivam a cumplicidade da sociedade — desde o registro de ocorrências ao
diagnóstico e avaliação de programas — com instituições públicas e
particularmente com a polícia.
- as condições de desenvolvimento de políticas e programas de prevenção que
embora não possuam indicadores e instrumentos de monitoramento capazes de
3
O Fórum Metropolitano de Segurança Pública foi fundado em março de 2001. Resultado de processo de
articulação, organização e mobilização de prefeitos iniciados em novembro de 2000, durante a realização
do seminário “São Paulo sem medo”, organizado pelo Instituto São Paulo Contra a Violência, o Núcleo
de Estudos da Violência (NEV-USP) e a TV Globo de São Paulo. É uma organização informal que
congrega prefeitos de 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, especialistas, representantes
da sociedade civil, do governo estadual e federal, para propor, discutir, avaliar e apoiar ações para
redução da violência na Região Metropolitana de São Paulo.
dar conta de demonstrar os resultados objetivos da redução do crime e da
violência, propagam-se em virtude do exemplo acionando uma difusa
expropriação ou confinamento da vida como modelo de administração
governamental das incivilidades, dissolvendo a grandiloqüência do tribunal.
- a importância vital do racismo de Estado na conversão do combate à
impunidade como equilíbrio dos medos e sentença implacável sobre o
‘construído’ indivíduo perigoso.
Na “Introdução” ao Plano Nacional de Segurança Pública de 2000, ressalta-se
que a ênfase em torno de alguns compromissos de segurança, não reduz a
importância de compromissos relativos a políticas sociais e ações comunitárias e
concluirá que em torno da importância destes três âmbitos é que se alcança um
novo patamar, uma nova definição de segurança pública.
No Projeto Segurança Pública para o Brasil a prevenção do crime e da violência,
a redução da impunidade e a melhoria da segurança pública compõem
responsabilidades dos estados e das organizações de segurança, da justiça
criminal e da administração penitenciária, do governo federal, dos governos
municipais e da sociedade civil. Este documento submete à apresentação pública
o Sistema Único de Segurança e a Arquitetura Institucional do Sistema Único de
Segurança Pública que se caracteriza entre outras coisas pela coordenação
unificada de políticas integradas, sistema educacional único das polícias
estaduais e federais, integração da atuação operacional das polícias com interface
com guardas municipais, integração de órgãos corregedores, integração sistêmica
de órgãos de perícia, integração de informação e inteligência policial e pelo
Observatório de Práticas de Prevenção à Violência e Criminalidade.
O substrato essencial desse sistema que se valida por vários procedimentos e
serviços integrados é o fluxo de informações, no sentido que informação
corretamente administrada é entendida como um recurso potencializador de
ações que lidam com a impunidade e a corrupção policial, bem como de
programas de prevenção do crime e da violência.
No Projeto Segurança Pública para o Brasil (2003) os problemas de segurança
são tratados como fatos complexos, móveis, dependentes de fatores sociais,
culturais e econômicos. Em ambos os Planos (2000 e 2003), o caráter de
complexidade, favoreceria propostas que integrassem políticas de segurança,
sociais e comunitárias (2000), assim como práticas que ultrapassassem a
fragmentação e o corporativismo policial, envolvendo setores do governo,
entidades da sociedade, movimentos sociais, organizações do terceiro setor e
universidades (2003). Integrações entendidas como exercícios democráticos em
torno de produções ou aprovações de políticas que levassem a reduzir taxas a
condições social e economicamente aceitáveis.
Segundo Foucault, no desdobramento contemporâneo, “não só da problemática,
da maneira como se pensa a penalidade, mas também da maneira como ela se
exerce, é indubitável (...) desde alguns anos, ao menos uma dezena, que a questão
se coloque essencialmente em termos de segurança” — e trata-se de uma
referência à aula de 11 de janeiro de 1978 —; “no fundo, a questão fundamental
é a economia e a relação econômica entre o custo da repressão e o custo da
delinqüência” (Foucault, 2005: 24).
Múltiplas e complexas causas que estão ligadas à violência e criminalidade
tornam fundamental a ampliação do conhecimento sobre características e fatores
dos crimes e violências na sociedade, e as possíveis soluções para estes
problemas, através de estudos, pesquisas e particularmente do monitoramento e
avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência
desenvolvidos em cada país, estado, cidade ou bairro. Em torno desta tarefa a
Organização das Nações Unidas recomenda aos governos, desde a década de
1970 que os Estados desenvolvam métodos, coletas e sistemas de informações
padronizáveis e estratégias que pautem o controle da criminalidade. Em setembro
de 1995, por decreto, foi criado no Brasil o Programa de Integração de
Informações Criminais, constituído pelos cadastros nacionais e estaduais de
informações criminais, de mandados de prisão, de população carcerária, de armas
de fogo, de condutores de veículos furtados e roubados, através de rede
informatizada em nível nacional. No entanto, o 15º compromisso do Plano
Nacional de Segurança Pública de 2000, introduziria um aprimoramento do
Programa de Integração de Informações Criminais, através do que chama de
“uma base de dados mais sólida”, o Sistema de Integração Nacional das
Informações de Justiça e Segurança Pública –Infoseg. Assim como introduziria a
criação do Observatório Nacional de Segurança Pública, e Observatório de
Práticas de Prevenção à Violência e Criminalidade para coleta e “avaliação de
programas desenvolvidos em todo o país na área de segurança pública,
identificação de experiências inovadoras e bem sucedidas para estímulo à sua
reprodução em outros locais, com a sua divulgação e assistência aos órgãos
interessados em adotá-las” (ação 119, 15º compromisso, PNSP, 2000).
O Relatório de Gestão, Exercício 2000, da SENASP – MJ, abordou o Sistema de
Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública como
estímulo à inovação tecnológica. Inovação esta que passou a ser reivindicada
como coleta padronizada, tratamento de informações e uso de softwares
adequados, tanto no âmbito nacional como local.
Desde 2000 passou a preponderar a concepção de que a qualidade de políticas e
programas de prevenção do crime e da violência, e da melhoria da segurança
pública dependeria, sobremaneira, da existência de uma base de informações e
dados sobre os principais crimes e violências que se deseja prevenir, bem como
sobre as características do meio ambiente físico e/ou social nos quais estes
crimes e violências acontecem, dos grupos em situações de risco e/ou
vulnerabilidade, e das pessoas que efetivamente praticam e/ou são vítimas de
crimes e violências. Esta nova necessidade leva à maximização da inovação
tecnológica e à inflação de fontes de dados, tais como censo penitenciário,
características operacionais das forças policiais brasileiras, pesquisa nacional e
regular de vitimização.
A análise proposta aborda documentos que se destacam pela importância no
desenvolvimento de políticas de segurança que estabelecem como prioridade a
construção de sistemas integrados de gestão do conhecimento no âmbito de
informações policiais e de prevenção ao crime e à violência, sugerindo histórico
de sistemas de estatísticas, arquiteturas e inovações para bases de dados e modos
de tratamento de informações. Ampliam-se processos inacabados, superações,
referências, acomodações e reformas. Os documentos utilizados na pesquisa são
os seguintes:
a) Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Plano
Nacional de Segurança Pública (Brasília, FF: Ministério da Justiça, Secretaria
nacional de Segurança Pública, 2001).
b) Instituto Cidadania, projeto segurança Pública para o Brasil (São Paulo:
Instituto Cidadania, 2002). Por apresentar diagnósticos, avaliação e princípios
que transformaram alguns dos compromissos do Plano Nacional de Segurança
Pública em eixos estratégicos, entre eles: gestão do conhecimento, reorganização
institucional, formação e valorização profissional, prevenção, estruturação da
perícia, controle externo e participação social e programas de redução da
violência.
c) Brasil, Ministério da Justiça, 2003. O papel dos Municípios no Sistema Único
de Segurança Pública: relatório do Grupo de Trabalho sobre Segurança Pública
do Comitê de Articulação Federativa. Brasília: Ministério da Justiça. Em 2003
foi criado no âmbito do Comitê de Articulação Federativa, instituído em abril de
2003, pela Subchefia de Assuntos Federativos da Casa Civil da Presidência da
República, pela Frente Nacional de Prefeitos, pela Confederação Nacional de
Municípios e pela Associação Brasileira de Municípios, o Grupo de Trabalho de
Segurança Municipal, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública
do Ministério da Justiça. Ele foi criado com o objetivo de se avançar na
consolidação de uma agenda prática de segurança municipal para o país.
d) Instituto São Paulo Contra a Violência, Fórum Metropolitano de Segurança
Pública, 2001-2004. Relatórios de Atividades, Resultados e Propostas. O Fórum
aborda e divide-se em quatro áreas estratégicas: informação sobre a
criminalidade e a violência, controle da criminalidade e da violência, prevenção
da criminalidade e da violência e comunicação social. Para cada área estratégica
corresponde um grupo de trabalho, para organização de estudos e
desenvolvimento de projetos em áreas específicas: Grupo de Trabalho de
Informações Criminais, Grupo de Trabalho das Guardas Municipal, Grupo de
Trabalho da Prevenção da Violência, Grupo de Trabalho de Comunicação
Social
4
.
e) Ministério da Justiça, 2000-2006. Relatório de Gestão da SENASP, Exercício
de 2000 e o Relatório de Atividades da Coordenação Geral de Pesquisa e
Análise da Informação da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2003 ao
primeiro semestre de 2006, de 30 de junho de 2006 (www.senasp.gov.br). Em
ambos a Senasp reconhece a prioridade de se iniciar a construção de um sistema
integrado de gestão do conhecimento e de informações policiais e lança um
diagnóstico do estado de arte e implementação desta gestão do conhecimento no
Brasil desde o Plano Nacional de Segurança Pública de 2000, que constitui um
dos pilares fundamentais para a implementação e conseqüente institucionalização
do Sistema Único de Segurança Pública em processo de implantação.
A maximização de fontes e tratamentos de dados nos leva a pensar junto com
Loïc Wacquant (2001) a possibilidade de existência de “tentáculos informáticos”
à medida em que crimes e violências se distribuem desigualmente nas cidades,
em meio ambientes físicos e sociais diferentes. O funcionamento dos tentáculos
informáticos não prescindem de máquinas cibernéticas e redes de computadores,
mas uma sociedade não se explica por seus recursos tecnológicos, por suas
máquinas; são os agenciamentos a que correspondem as máquinas que
4
Estes relatórios estavam disponíveis a consulta ou download em pdf no site www.forumsp.org.breddc3,
desatualizado desde 2004 e que a partir deste mesmo ano passou a apresentar erros para o acesso a área de
publicações e relatórios e ao banco de projetos de prevenção.
distinguem uma sociedade. Os tentáculos informáticos, para Wacquant,
aprimoram a produtividade da vigilância e constroem tipologias das populações
que permitem identificar zonas de forte concentração de crimes, delitos, e outras
inúmeras contravenções ou incivilidades urbanas. Essa tutela informática
segundo Wacquant vai pariar tanto arquivos policiais como arquivos sociais,
sobrepondo-se ao encarceramento. Da mesma forma que o sistema carcerário
presta serviços para os indesejáveis, o refugo, a tutela informática se sobrepõe
enquanto serviço visando o refugo.
Segundo Foucault (2004), os neoliberais abordam o problema do crime no
interior de um problema econômico, como um problema de cálculo e média
aceitável. Para Wacquant a verdadeira inovação articulada por William Bratton
— quando chefe da polícia municipal de Nova York —, não se deve à estratégia
policial ostensiva que escolheu apoiada pelo uso sistemático da informática; mas
às transformações na burocracia policial por meio de ‘teorias’ de administração
(re-enginering), achatamento do organograma policial, enxugamento de
funcionários. Desta forma, cada área da cidade compreendida pelo comissariado
se transformou num centro de ‘lucro’ que visava a redução do crime e a inflação
da punição. À visibilidade deste princípio de cálculo e eficácia, corresponde a
invisibilidade do problema da punição. Segundo Soares (2000) — coordenador
do PSPB — a expansão dos recursos que Nova York destinou e destina à
manutenção da ordem devem ser tomados como lição. Os PNSP e o PSPB,
apresentam cada um, uma novidade referente às definições de segurança pública,
apresentam uma retórica de engenharia, de administração dos cálculos da
criminalidade, dos índices de sucesso dos serviços de segurança, da necessidade
constante de avaliação, monitoramento e controle da sociedade atravessados pela
reivindicação de reformas humanitárias na polícia e do combate à impunidade.
Os problemas da criminalidade e da violência urbana figuram como peças
fundamentais do desenvolvimento de políticas e programas de prevenção. Neste
sentido a inserção dos municípios no Sistema Único de Segurança Pública
esboçado no PNSP de 2000 e elaborado em 2003 no Projeto Segurança Pública
para o Brasil aparece como decisiva. É localizada no âmbito do Comitê de
Articulação Federativa do Grupo de Trabalho de Segurança Municipal como que
uma vocação essencial dos municípios no campo de desenvolvimento de
estratégias específicas sob o paradigma de diagnósticos consistentes, para os
quais contribui a cooperação comunitária. O próprio sistema de segurança
aparece à mão de todos tanto quanto possibilidade de criar ou co-gerir programas
de prevenção, quanto na possibilidade de operar a repressão, ressentindo-se da
indignação, denúncia e delação. A dilatação dos canais de controle não se
dissociou de um processo de municipalização das políticas sociais que se operou
da década de 1970 ao início de 1990; assim como não se dissocia de processos
acionados por movimentos populares que passaram a reivindicar políticas sociais
e direitos no mesmo período. Ativando “uma multiplicidade de correlações de
forças imanentes aos domínios onde se exercem e constitutivas de uma
organização”, formando “estratégias em que se originam e cujo esboço ou
cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação de
leis, nas hegemonias sociais” (Foucault, 2001, p.89).
A sociedade civil, para Foucault, aparece como correlato da tecnologia liberal de
governo. É um engodo opor sociedade ao Estado, como se representasse um
princípio de limitação ao Estado, à medida que se constitui também como alvo de
uma intervenção governamental permanente que produz, multiplica e garante o
exercício reclamado de transferência da atividade governamental, liberdades,
direitos e decisões. A sociedade civil não é uma idéia filosófica, é um conceito
inerente à tecnologia governamental. O Estado tem ao seu cargo uma sociedade
civil e deve garantir sua gestão. Desta forma, podemos entender a participação, a
integração, como um controle dos vivos. “Vivos, na sociedade de controle, são
todos os que participam: produtivos, voluntários filantropos, formadores de
opinião, assujeitados. Até os que não fazem nada, a não ser permanecer
prostrados diante da televisão, participam ativamente, não são mais alienados.
Emitem opiniões, fazem naufragar os paradigmas” (Passetti, 2003c: 257).
Segundo Foucault, “o traço distintivo do poder é que alguns homens podem mais
ou menos determinar inteiramente a conduta de outros homens — mas nunca de
maneira exaustiva e coercitiva. Um homem acorrentado e espancado é submetido
à força que se exerce sobre ele. Não ao poder. Mas se se pode levá-lo a falar,
quando seu último recurso poderia ter sido o de segurar a língua, preferindo a
morte, é porque o impelimos a comportar-se de uma certa maneira. Sua liberdade
foi sujeitada ao poder. Ele foi Submetido ao governo” (Foucault, 2003, p.384). A
partir desta distinção analisamos a busca por um novo patamar de segurança
pública como a ativação de uma produtividade de poder em torno de coleção de
soluções que visando combater a impunidade, fortalecem vínculos de
cumplicidade junto à polícia ressaltados como exercícios democráticos e
consolidam novas práticas de confinamento e ampliação de eliminações,
deixando inalterada a seletividade e o investimento social e penal no jovem pobre
da periferia, como modelos de segurança para equilibrar medos e suprimir o
intempestivo.
O primeiro capítulo problematiza a ativação do racismo pela eliminação, pelo
confinamento e penalidade neoliberal de recrudecimento da punição e
criminalização da miséria. E apresentamos itinerário do tema da impunidade que
não aparece como uma questão principal no Plano Nacional de Segurança
Pública de 2000, ganhando força à medida que se intensifica a convicção de que
um sistema informatizado e integrado, a partir do máximo tratamento de dados, é
capaz de melhor prover diagnósticos das dinâmicas criminais, fatores de risco e
proteção, identificando prioridades e agendas. A impunidade aparece como
problemática central apenas no Projeto de Segurança Pública para o Brasil de
2003 e como conseqüência de deficiências operacionais a que reformas propostas
no texto pretendem sanar. No desenvolvimento dessa análise a impunidade
aparece como excepcionalidade, mas no sentido de uma aberração, de uma falha,
a que o impedimento do delito na prevenção, a pena e o controle da reincidência
devem evitar.
O segundo capítulo identifica e discute as condições de criação das áreas
integradas de segurança pública e monitoramento espacial da criminalidade em
ambiente urbano, que colocam em jogo a integração da atuação operacional das
polícias, superpondo esferas de responsabilidades e diagnósticos, chamando para
si a participação comunitária através de comissões civis e polícia comunitária.
Elementos incorporados ao Infoseg caracterizado como arma federal contra o
crime.
O terceiro e quarto capítulo problematizam o conceito de periferia como campo
de concentração e modelo de administração governamental que opera pela
prevenção como prática de integração de programas e políticas públicas, tendo
como alvo o pobre vulnerável dos bairros sensíveis, zonas de risco, bairros
perigosos, comunidades-problema. Nesta administração, fluxos punitivos e
preventivos convergem a um segmento especial, a prioridade do estado desde
1988, crianças e adolescentes. Sob influência das novas abordagens sobre
crianças e jovens e dos deslocamentos do conceito de envolvimento com o crime
para a vulnerabilidade juvenil, as políticas integradas, sugeridas nos planos
nacional de segurança pública e documentos correlatos, focam três domínios
fundamentais da vida social deste segmento: a casa, a rua — ou a comunidade e
o bairro — e a escola e seu desdobramento profissionalizate, o trabalho; marca
assim o investimento à adesão da identidade e da permanência na periferia..
“o que é de temer, o que tem efeito mais fatal que qualquer fatalidade, não é o grande
temor, mas o grande nojo ao homem; e também a grande compaixão pelo homem”
(Nietzsche, 2004: 111)
_____________________________Capítulo I___________________________
Segurança, impunidade e sociedade de controle.
A vida segura é um alvo, é a emblemática de uma caricatura da realidade que
temos assimilado, acompanhada da necessidade do banimento do sentimento de
fragilidade e da impotência diante da insegurança, intimamente associada ao
descontrole. A vida segura pretende suprimir o intempestivo.
O fato produtor de insegurança, diretamente associado ao criminalizável e
socialmente negativado, alimenta a moderna economia política da pena. Assim
sendo, determinadas ações individualizadas são construídas como ameaças à vida
social, perpetradoras de perigo e violências, e a insegurança que oferecem
cumulativamente constitui o conceito da criminalidade como uma regularidade
ou como uma dimensão exagerada da ação negativa.
A vida reta, regular, supõe uma educação com base na interiorização da ameaça e
do castigo, do impedimento do delito, da rejeição do criminoso e do controle e da
supressão da reincidência. Uma era institucionalmente fundada na vida
assegurada apela à correção política — ocultando tanto quanto possível a
extensão formidável e paradoxal do poder sobre a vida, que pode se exercer de
tal forma que é capaz de suprimi-la —, à obsessão por comportamentos e
discursos corretos. O previsível é o que pode ser corrigido, conformando uma
política tolerante e, sobretudo, democrática.
A administração da segurança pública, redimensionada como estímulo à
inovação tecnológica e ao campo eletrônico elege análises criminais relevantes e
confiáveis como base para estratégias de prevenção da criminalidade,
produtividade de vigilância e antídoto para a proclamada insegurança coletiva.
Baseia-se na recomendação da Organização das Nações Unidas, da década de
1970, que governos desenvolvessem métodos, coletas e sistemas de informações
padronizáveis e estratégias que pautassem o controle da criminalidade.
Por decreto de 26 de setembro de 1995 foi criado, no Brasil, o Programa de
Integração das Informações Criminais que deu origem ao Sistema Integrado
Nacional de Justiça e Segurança Pública, cujo objetivo é informatizar as áreas de
segurança pública, justiça, ministério público e judiciário dos estados, através de
cadastros nacionais e estaduais de informações criminais. Dar conta da
otimização desse Sistema é um dos compromissos que figuram no Plano
Nacional de Segurança Pública lançado pelo governo federal em 20 de junho de
2000, viabilizado pelas medidas provisórias n. 2.028 e 2.029 que instituíram o
crédito, o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Conselho Gestor do Fundo.
No plano, as atividades de segurança, redimensionadas ao campo eletrônico
supõem a “criação de uma base de dados mais sólida” (PNSP, 2000, cap. IV) e
duas circunstâncias importantes de sistematização de fluxos de informações,
através do Programa de Integração Nacional de Informações de Justiça e
Segurança Pública — Infoseg, e do Subsistema de Segurança Pública, ambos
partes de sistemas maiores, o Sistema Nacional de Segurança Pública e o Sistema
Brasileiro de Inteligência, respectivamente sob coordenação da SENASP e da
Agência Brasileira de Inteligência — ABIN. Ambos os sistemas são formados
por bases de dados de monitoramento das polícias, dos índices de violência e
identificação de ameaças à segurança pública, orientadores de ações de
prevenção e repressão.
O Plano Nacional de Segurança Pública de 2000 é considerado a primeira
política nacional e democrática de segurança, alude ao aperfeiçoamento do
sistema de segurança pública através da integração de políticas de segurança,
sociais e ações comunitárias, pela qual se pretende a definição de uma nova
segurança pública.
Em 2003 a Secretaria Nacional de Segurança Pública adotou uma segunda
política nacional de segurança, baseada no Projeto Segurança Pública para o
Brasil, mote da campanha eleitoral e programa de governo do candidato eleito
Luis Inácio Lula da Silva. Este projeto é apresentado igualmente como uma nova
concepção de segurança pública e uma possibilidade de aperfeiçoamento do
sistema de segurança. Identifica uma problemática central ausente no plano
anterior, a impunidade, o problema da impunidade, das suas conseqüências
deletérias; apresenta as estratégias necessárias para evitá-la, as regras que
pretendem a reversibilidade da impunidade por intermédio da prevenção do
crime, da violência e punição.
A segurança como princípio de cálculo.
Foucault anunciou que a sociedade disciplinar é o que estamos deixando para
trás. Deleuze incluiria, “é o que já não somos”. As disciplinas conhecem sua
crise em favor de novas forças que se instalam, ora levemente, para precipitar-se
após a Segunda Guerra Mundial. “A sociedade disciplinar convive, briga, afasta-
se e resiste à sociedade de controle, como duas séries antagônicas e
complementares” (Passetti, 2003: 44).
Entre 1945 e 1965, Foucault, no que diz respeito à Europa, dizia que havia certa
maneira de pensar, um estilo de discurso político, uma certa ética do intelectual.
“Era preciso ser íntimo de Marx, não deixar os sonhos vagarem longe demais de
Freud, e tratar os sistemas de signos – o significante – com o maior respeito. Tais
eram as três condições que tornavam aceitáveis esta singular ocupação que
consiste em escrever uma parte da verdade sobre si mesmo e sua época.”
(Foucault, 2003: 197). Este trecho antecede a afirmação de que O Antiédipo seria
o primeiro livro de ética que se escreveu na França em longo tempo. Deleuze,
remeteu-se a Vigiar e Punir como uma publicação teórica, a primeira povoada
por uma nova concepção de poder, que “buscávamos, mas não conseguíamos
encontrar nem enunciar” (Deleuze, 2005: 34). Deleuze se referia a uma série de
postulados, que Foucault abandonava e que marcavam a posição tradicional da
esquerda. Para Foucault, a questão do poder começava a se colocar em 1955,
contra o pano de fundo de heranças negras como o fascismo e o stalinismo,
questões como excesso de poder. Dispôs-se a fazer uma análise não-econômica
do poder. Pois o poder não se dá, nem se troca, nem se retoma, mas se exerce e
existe em ato: poder é uma relação de força. Então, “se o poder se exerce, o que é
esse exercício? Em que consiste? Qual sua mecânica?” (Foucault, 2002: 21). O
poder não é essencialmente o que reprime; o poder é a guerra continuada por
outros meios. “É preciso olhar de perto essas duas noções, “repressão” e
“guerra”, ou, se preferirem, olhar um pouco mais de perto a hipótese de que sob
o poder político, o que paira e o que funciona é essencialmente, e acima de tudo,
uma relação belicosa” (Idem).
Foucault desconfiava dessa noção de repressão e a propósito da genealogia do
poder mostrou que os mecanismos integrados na sociedade disciplinar eram
bastante diferentes da repressão, mas complementares.
“A condição de possibilidade do poder, em todo caso, o ponto de vista
que permite tornar seu exercício inteligível até em seus efeitos mais
“periféricos” e, também, enseja empregar seus mecanismos como
chave de inteligibilidade do campo social, não se deve ser procurada
na existência primeira de um ponto central, num foco único de
soberania de onde partiriam formas derivadas e descendentes; é o
suporte móvel das correlações de força que, devido a sua
desigualdade, induzem continuamente estados de poder, mas sempre
localizados e instáveis. Onipresença do poder: não porque tenha o
privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se
produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda
relação entre um ponto e outro. O poder está em toda parte; não
porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares. E “o”
poder, no que tem de permanente, de repetitivo, de inerte, de auto-
reprodutor, é apenas efeito de conjunto, esboçado a partir de todas
essas mobilidades, encadeamento que se apóia em cada uma delas e,
em troca, procura fixa-las. Sem dúvida, devemos ser nominalistas: o
poder não é uma instituição e nem um estrutura, não é uma certa
potencia de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação
estratégica complexa numa sociedade determinada” (Foucault, 2001:
88-89)
Para Foucault, o exercício do poder se pratica entre dois limites, um direito de
soberania e uma mecânica da disciplina, de procedimentos bem particulares,
instrumentos novos, aparelhagem diferente. Mas é este domínio que estamos
deixando para trás na sociedade de controle, adentrando um campo em que as
forças em relação, incitam, suscitam e combinam uma nova tecnologia, novos
agenciamentos, novos tipos de sanções, imediatamente mundial.
A passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle, é localizada
por Deleuze ora como um “regime”, mas sobretudo, por um “funcionamento”, do
controle contínuo e da comunicação instantânea.
Se a análise desta “situação” teve início em Burroughs e pôde ser observada a
partir da Segunda Guerra Mundial, Paul Virilio verifica na produção de bombas
as características do fim do século XX e da passagem para o XXI. Trata-se da
confirmação da bomba atômica e o aparecimento da bomba informática, uma
capaz de desintegrar a matéria e a outra capaz de atravessar a paz das nações pela
interatividade como uma das produções da comunicação. O controle contínuo
inerente à supervisibilidade da questão do crime evidenciada nas experiências
internacionais, segundo Wacquant (2001), amplia os impactos dos conjuntos de
práticas, instituições e discursos relacionados à pena, sobretudo à pena criminal,
mais sedutores e funestos quando voltados a “países ao mesmo tempo atingidos
por fortes desigualdades de condições e de oportunidade de vida e desprovidos
de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques
causados pela mutação do trabalho” (Wacquant, 2001: 7).
As Prisões da Miséria (Wacquant, 2001) aborda a irradiação e
internacionalização de uma vasta constelação discursiva de conceitos e teses —
atualizáveis como políticas públicas e redefinidores do objeto e missão do Estado
— provenientes dos Estados Unidos, sobre o crime, a violência, a justiça, a
responsabilidade, que foram recebidos no debate público da Europa ocidental,
América Latina e em grande número de países do antigo império soviético, “e
que devem o essencial de seu poder de persuasão à sua onipresença e ao prestígio
de seus pioneiros na cena internacional” (Idem: 17-18).
Wacquant refere-se a uma penalidade neoliberal que propagou
transnacionalmente a retórica militar da “guerra” ao crime e, consequentemente,
da “reconquista” do espaço público, caracterizando os delinqüentes à invasores
estrangeiros (2001: 30).
O autor refere-se à doutrina da “tolerância zero” como mote principal desta
penalidade neoliberal, que passou a propagar que a melhor forma de reduzir a
criminalidade é colocar os criminosos atrás das grades e punir com rigor
pequenos distúrbios cotidianos que povoam os espaços públicos. Essa penalogia
generalizou-se, embora fracassasse por toda parte, de fato, validada tão somente
pela virtude de sua própria difusão, como “dogmas da nova religião penal
fabricada nos EUA para melhor “educar” as frações da classe trabalhadora
refratárias à disciplina do trabalho assalariado precário e sub-remunerado”
(Wacquant, 2001: 58).
Trata-se de uma penalidade que pretende varrer a precariedade, incapacitada de
ocultar ou mesmo neutralizar a miséria, ativando desamparos sociais e
pauperizando os contingentes que seqüestra, suas famílias e “os bairros
submetidos ao seu tropismo” (Idem: 145). Ao nivelamento por baixo do Estado
Social, corresponde, segundo Wacquant, um nivelamento por cima do Estado
penal.
“De modo que o tratamento penal da miséria (re)produz sem cessar as
condições de sua própria extensão: quanto mais se encarceram pobres,
mais estes têm certeza, se não ocorrer nenhum imprevisto, de
permanecerem pobres por bastante tempo, e, por conseguinte, mais
oferecem um alvo cômodo à política de criminalização da miséria. A
gestão penal da insegurança social alimenta-se assim de seu próprio
fracasso programado” (Wacquant, 2001: 145).
Em ocasião de uma conferência na Heritage Foundation, Willian Bratton —
responsável pela segurança do metrô de Nova Iorque, promovido a chefe de
polícia municipal e reorganizador do trabalho policial da cidade — declarou que
em Nova Iorque — “vitrine mundial da doutrina de tolerância zero” (Idem: 25)
— sabia-se onde estava o inimigo, porque se sabia quais eram os símbolos da
decadência moral e social. A esta retórica, soma-se o deslocamento de
explicações demográficas, econômicas, culturais, sociológicas e químio-
medicamentosas, para responsabilização da origem do crime ao próprio
criminoso. O perigo está nele, na dinâmica do pequeno delito que alimenta os
fenômenos da criminalidade. Exorta-se punir o mínimo delito, uma guerra contra
bárbaros. Em torno do pobre, da sua presença no espaço público e da
regularidade cumulativa da delinqüência, impõe-se um certo nacionalismo
interno, à medida que “o medo do inimigo faz “amar” o exército, o medo dos
delinqüentes faz “amar” o poder policial” (Foucault, 2003: 157). Entre o medo
do delinqüente e o amor à polícia, delineiam-se ajustes de comportamentos,
tutorias morais inflexíveis, a disciplina do trabalho, remodelagens de “estilo de
vida.”
Foucault, ao empreender uma resposta à questão, “o que podemos entender por
segurança?” (2005: 15), utiliza-se de um exemplo modulado em três tempos.
Expõe um esquema histórico, cuja primeira modulação é relativa ao
economicamente ou de criticar em nome de uma lógica econômica o
funcionamento da justiça penal, o custo da delinqüência, o problema do custo da
prática judiciária e do funcionamento da instituição judiciária.
Para Foucault, o mecanismo da lei retornou ao fim do século XVIII como
princípio econômico. O homo penalis, o homem que é penalizável, o homem que
se expõe à lei e que pode ser punido pela lei, é ao mesmo tempo homo penalis e
homo economicus. Isto é o que, para Foucault, permite precisamente articular o
problema da penalidade sobre o problema da economia. O princípio da existência
da lei penal além da necessidade de punir, refere-se à graduação da punição, a
pena submete-se a uma medida.
Ao longo do século XIX, segundo Foucault, pode-se dizer que se derivou um
homo penalis a homo criminalis, com a constituição da criminologia no fim do
século XIX, um século após a reforma preconizada por Beccaria e esquematizada
por Benthan.
“O homo penalis é retomado assim através de toda uma
antropologia, toda uma antropologia do crime que substitue,
logicamente, a rigorosa e muito econômica mecânica da lei,
toda uma inflação: uma inflação de saber, uma inflação de
conhecimentos, uma inflação de discursos, uma multiplicação
de instâncias, das instituições, dos elementos de decisão e tudo
que interfere na sentença em nome da lei pelas medidas
individualistas em termos de norma”. (Foucault, 2004: 255,
tradução minha)
Foucault utiliza o texto “Crime and punition” de Gary Becker publicado em 1968
no Journal of Politcal Economy para analisar o problema do crime no interior de
um problema econômico, tal como abordado pelos neoliberais americanos. Neste
artigo Becker define crime como toda ação que faz um indivíduo correr o risco
de ser condenado a uma pena. Foucault compara à definição do código penal
francês em que o crime é definido como o que é punido pela lei. O código penal
não dá nenhuma definição substancial, nenhuma definição qualitativa, nenhuma
definição moral do crime. A diferença entre as duas definições, dá-se, segundo
Foucault, a partir do ponto de vista do ato.
“Vocês deverão considerar como crime todo ato que se
encontra punido pela lei. Definição objetiva, operatória, feita do
ponto de vista do juiz. Quando os neoliberais dizem: o crime é
toda ação que faz correr a um individuo o risco de ser
condenado a uma pena, vocês vêm simplesmente que a
definição é a mesma, mas o ponto de vista simplesmente
mudou. A gente se coloca do ponto de vista daquele que comete
o crime, ou que vai cometer o crime guardando o mesmo
conteúdo da definição. Nos perguntamos: o que é para ele, quer
dizer pro sujeito de uma ação, pro sujeito de uma conduta ou de
um comportamento, o que é o crime? É aquela coisa que faz
com que ele se arrisque a ser punido”. (Foucault, 2004: 257,
tradução minha)
Os neoliberais recuperaram o problema do crime do ponto de vista daquele que
toma a decisão de agir. Não se trata de uma abordagem antropológica, mas de
uma análise do comportamento econômico. Neste sentido o sistema penal se
ocupará de uma conduta, de uma série de condutas que produzem ações cujos
autores esperam proveito, um lucro, efeito de um risco especial que não é
simplesmente a perda econômica, mas o risco penal, ou ainda aquela perda
econômica inflingida por um sistema penal. Por conseguinte, o alvo do sistema
penal serão as pessoas que produzem este tipo de ação, irá reagir a uma oferta de
crime, através de um reforço da lei, que caracteriza uma demanda negativa.
“Esses instrumentos de reforço da lei, o que vão ser? Vão ser a
quantidade de punição prevista por cada um dos crimes, vão ser a
importância, a atividade, o zelo, a competência do aparelho
encarregado de detectar os crimes. Vão ser a importância, a qualidade
do aparelho encarregado de convencer os criminosos e de trazer as
provas de que efetivamente eles cometeram o crime. Vão ser mais ou
menos a rapidez dos juizes de julgar, mais ou menos a severidade dos
juizes nas margens que lhes são fixadas pela lei. Vão ser também,
mais ou menos a eficácia da punição, mais ou menos a firmeza da
pena estabelecida que a administração penitenciaria pode modificar,
atenuar ou eventualmente agravar”. (Foucault, 2004: 260, tradução
minha)
Este reforço da lei não será neutro e nem indefinidamente extendível por algumas
razões correlativas. Porque a oferta de crime não é indefinidamente e nem
uniformemente elástica, porque não responde da mesma forma e ao mesmo nível
a todas as demandas negativas e porque há custos relativos a investimentos e
inconvenientes sociais, políticos. Deste modo, uma política penal não terá como
objetivo ou por alvo o que era o ponto de vista ou o alvo dos reformadores do
século XVIII, “quando eles abordam sob o ponto de vista do sistema da
legalidade universal, a saber, o desaparecimento da totalidade do crime”
(Foucault, 2004: 261). A política penal deve renunciar a título de objetivo a esta
repressão, à anulação exaustiva do crime, à idéia do panóptico.
A política penal tem por princípio, segundo Foucault, regular uma simples
A sociedade não tem necessidade indefinida de conformidade.
A sociedade não tem qualquer necessidade de obedecer a um
sistema disciplinar exaustivo. Uma sociedade se encontra bem
com uma certa taxa de ilegalidade e ela se encontraria muito mal
em querer reduzir indefinidamente esta taxa de ilegalidade. O
que leva ainda a pôr como questão essencial à política penal,
não mais: como punir os crimes? Nem mesmo: quais são as
ações que se deve considerar como crime? Mas: o que deve ser
tolerado como crime? Ou ainda: o que será intolerável?”
(Foucault, 2004: 261)..
Quais são as conseqüências desta penalidade? O postulado de um elemento, de
uma dimensão, de um nível de comportamento que pode ser interpretado como
comportamento econômico e controlado a título de comportamento econômico.
A característica horrível, cruel, ou patológica do crime, não possui nenhuma
relevância; nesse caso qualquer distinção que se possa fazer entre criminosos
natos, de ocasião, perversos ou reincidentes, não importa. Assim, a ação penal
deve ter como alvo a relação de ganhos e perdas possíveis.
O controle do comportamento por meio da segurança faz funcionar as velhas
estruturas da lei e da disciplina, recorre a um conjunto de medidas legislativas,
decretos, regulamentos, circulares, uma inflação do código jurídico legal, bem
como a uma ativação das técnicas disciplinares que permitem introduzir e pôr em
funcionamento mecanismos de segurança cada vez mais gigantescos.
“Para permitir concretamente essa segurança, é necessário recorrer,
por exemplo — e é um só exemplo —, a toda uma série de técnicas de
vigilância, vigilância dos indivíduos, diagnóstico mental de sua
própria patologia, etc., todo um conjunto que prolifera sob os
mecanismos de segurança fazendo-os funcionar” (Foucault, 2005: 23).
Para Foucault, o neoliberalismo não vai mais colocar o problema do laissez-faire,
mas, ao contrário, o signo da vigilância de uma atividade, de uma intervenção
permanente. Ele se reporta, refere-se, projeta-se sobre uma arte geral de
governar, sobre os princípios formais de uma economia de mercado. O problema
para os neoliberais não será mais o de saber se existe coisas as quais se pode
tocar e outras que se tem o direito de tocar. O problema posto é saber como tocá-
las. É o problema da maneira de fazer, do estilo governamental. Se no
neoliberalismo não se pode esquecer o princípio de que o mercado é regulador
econômico e social geral, isso não quer dizer que ele seja um dado da natureza;
constitui, outrossim, um tipo de mecanismo que deve funcionar. Por
conseqüência, o principal e constante cuidado da intervenção governamental é
observar as condições de existência do mercado, o que os ordoliberais alemães
chamavam de “quadro”. População, técnicas, aprendizagem, educação, regime
jurídico, etc., são alguns elementos que não são diretamente econômicos, que não
tocam diretamente no mecanismo de mercado, mas que podem fazer a
agricultura, ou a segurança, funcionar como um mercado.
O processo neoliberal de regulação econômico-político é — e não poderia deixar
de ser — o mercado. Para Foucault, no neoliberalismo, quanto mais as
intervenções governamentais devem ser discretas ao nível dos processos
econômicos, tanto mais, ao contrário, é preciso que sejam massivas no momento
que se ocupam do conjunto de dados técnicos, científicos, jurídicos,
demográficos, de um modo geral sociais, que vão se tornar o objeto da ação
governamental.
A inflação dos mecanismos de intervenções sociais remete à operação de
deslocamento, que, segundo Foucault, o ocidente conheceu a partir da época
clássica. Transformações dos mecanismos de poder do direito soberano de causar
a morte ou de deixar viver às exigências de um poder que gera a vida e “se
ordena em função dessa própria geração” (Foucault, 2001: 128), que se exerce
positivamente sobre a vida. Ultrapassagem de um poder soberano de causar a
morte ou deixar viver por um poder de causar a vida ou devolver à morte, que se
desenvolveu em duas formas principais, apoiando-se no corpo como máquina e
no corpo-espécie, relativo ao âmbito da massa, do coletivo. “As disciplinas do
corpo e as regulações da população constituem os dois pólos em torno dos quais
se desenvolveu a organização do poder sobre a vida” (Idem:131), fazendo
funcionar a era do biopoder.
A descrição esquemática de que a soberania se exerce nos limites de um
território, a disciplina sobre o corpo dos indivíduos e a segurança sobre o
conjunto da população, parece simplista e insuficiente para Foucault, à medida
que colocam o problema das multiplicidades. O exercício da soberania implica a
multiplicidade dos súditos, da mesma maneira há disciplina por causa da
multiplicidade dos corpos dos indivíduos e um fim, um objetivo, um resultado a
obter a partir dessa multiplicidade. Por sua vez, a população incorpora
multiplicidades da espécie, objeto e sujeito dos mecanismos de segurança.
“Parece-me que um dos fenômenos fundamentais do século XIX foi, é
o que se poderia denominar a assunção da vida pelo poder; se vocês
preferirem, uma tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo,
uma espécie de estatização do biológico ou, pelo menos, uma certa
inclinação que conduz ao que se poderia chamar de estatização do
biológico” (Foucault, 2002: 286).
O poder de fazer viver é, segundo Foucault, contínuo, estatístico e científico;
nesse sentido, como e o quê esta estatização deixa morrer? O imperativo da
supressão, a eliminação, a morte, é admissível no biopoder se tende ao perigo da
ordem da sobrevivência. “A raça, o racismo, é a condição de aceitabilidade de
tirar a vida numa sociedade de normalização. (...) A função assassina do Estado
só pode ser assegurada, desde que o Estado funcione no modo do bio-poder, pelo
racismo” (Foucault, 2002b: p. 306). Daí a importância vital do racismo no
biopoder que marca a sociedade disciplinar e atravessa a sociedade de controle.
“Se, inversamente, um poder de soberania, ou seja, um poder que tem
o direito de vida e de morte, quer funcionar com os instrumentos,
com os mecanismos, com a tecnologia da normalização, ele também
tem de passar pelo racismo” (Idem).
Foucault faz reservas às expressões “racismo” e “discurso racista”, como algo
episódico, “particular” e “localizado”, no discurso da guerra ou da luta das raças.
Ele observa que embora a palavra “raça” tenha aparecido bem cedo no discurso
da guerra das raças, não possui um sentido biológico estável, ainda que não
absolutamente variável, designando uma clivagem histórico política ampla e
relativamente fixa. Nesse discurso há duas raças:
“quando se faz a história de dois grupos que não têm a mesma origem
local; dois grupos que não têm, pelo menos na origem, a mesma
língua e em geral a mesma religião; dois grupos que só formaram
uma unidade e um todo político à custa de guerras, de invasões, de
conquistas, de batalhas, de vitórias e de derrotas, em suma, de
violências; um vínculo que só se estabeleceu através da violência da
guerra. Enfim, dirão que há duas raças quando há dois grupos que,
apesar de sua coabitação, não se misturam por causa de diferenças, de
dissimetrias, de barragens devidas aos privilégios, aos costumes e aos
direitos, à distribuição das fortunas e ao modo de exercício do poder”
(Foucault, 2002: 90).
No final do século XIX o discurso da luta das raças foi retomado quando até
então funcionava como uma contra-história, contra o eixo genealógico da
antiguidade dos reinos, da memorização das ações e gestos do rei, da filosofia
jurídico política. Tratava-se de uma ruptura de grande poder de circulação,
dotada de uma “polivalência estratégica”, que a título de exemplo, segundo
Foucault, serviu ao pensamento radical inglês no século XVII, à reação
aristocrática francesa contra Luís XIV, vinculou-se de Mignet a Michelet ao
projeto pós-revolucionário e em alguns anos à colonização de sub-raças.
Compôs uma trama do discurso revolucionário que agitou a Europa desde o
século XVIII, formou-se, definiu-se e organizou-se em torno dos efeitos das
batalhas. O discurso da luta das raças deslocou-se, traduziu-se, no século XIX,
por sua vez, em luta de classes, que correspondeu a uma retomada da análise das
lutas e da guerra social na forma dialética. Naquele século e contemporâneo a
este deslocamento em sentido à luta de classes, operou-se um outro
deslocamento, que fez aparecer o racismo, ativou uma perspectiva biológico-
médica em relação às raças, um tema biológico, pós evolucionista, a luta pela
vida, a transformação de uma única raça em super-raça e sub-raça. Ambos os
deslocamentos operaram procedências de episódios históricos do racismo de
Estado, o paradoxo de “um racismo que uma sociedade vai exercer sobre ela
mesma, sobre os seus próprios elementos, sobre os seus próprios produtos; um
racismo interno, o da purificação permanente, que será uma das dimensões
fundamentais da normalização social” (Idem: p. 73). A existência em questão é
aquela de uma população, de um quadro, de um meio social.
Foucault chamou atenção ao fato de que o racismo que uma sociedade exerce
sobre ela mesma não é simplesmente o racismo marcado pelo desprezo e ódio de
uma raça contra a outra, ou como operação ideológica, pela qual o Estado, ou
uma classe, desviava para o adversário hostilidades.
“Eu creio que é muito mais profundo do que uma velha tradição,
muito mais profundo do que uma nova ideologia, é outra coisa. A
especificidade do racismo moderno, o que faz sua especificidade, não
está ligado a mentalidades, a ideologias, a mentiras do poder. Está
ligado à técnica do poder, à tecnologia do poder. Está ligado a isto
que nos coloca longe da guerra das raças e dessa inteligibilidade da
história, num mecanismo que permite ao biopoder exercer-se”
(Foucault, 2002: 309).
É a especificidade do racismo como um dispositivo, uma tecnologia de
segurança.
O limite do exercício do biopoder apresenta paradoxos, de maneira que o poder
pode se exercer de tal forma a suprimir a vida, mesmo como poder de assegurar a
vida. Foucault constatou que jamais as guerras foram tão sangrentas como a
partir do século XIX e nunca, “guardadas as proporções, os regimes haviam, até
então, praticado tais holocaustos em suas próprias população” (Foucault, 2001:
129). O poder de morte se exerce como complemento de um poder que majora a
vida. Para Foucault, os Estados mais assassinos são forçosamente os mais
racistas e “por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas
também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de
multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte
política, a expulsão, a rejeição, etc” (Foucault, 2002: 306).
O delito, o crime põe em questão o funcionamento da sociedade, “de maneira tão
fundamental que esquecemos tratar-se aqui de um problema social, que temos a
impressão de que é um problema moral e que isso concerne aos direitos dos
indivíduos” (Foucault, 2003c:145). Também coloca em questão o capital de
investimento. Foucault, em Vigiar e Punir, problematiza se tudo que concerne à
reintegração, não mascara a natureza profundamente política e eliminadora
desses indivíduos na sociedade. Os “dejetos”, os “elimináveis”, os “refugados”,
os “redundantes”, os “pobres”, expõem o total da normalização à possibilidade
do golpe moral, do golpe que vem de baixo, à contestação da sociedade. Não à
toa Foucault remete à expressão de Os Miseráveis em relação ao crime, como
“golpe de estado que vem de baixo”. Mas não nos entreguemos ingenuamente;
eles também amam a polícia, formam grande parte de seu contingente e
desfrutam de diversos nacionalismos internos; protegem-se outrossim, de outros
pobres, miseráveis, “vagabundos”, “sangue ruim”, “sem Deus”.
Se o crime põe em questão o funcionamento da sociedade, a modulação da
segurança introduz pela proeza científica, pelo domínio global da informação,
pela estatística, o problema da criminalidade como crime permanente que se
introduz sorrateiramente e atualiza forças que enfraquecem a população, a
sociedade. À permanência sorrateira do crime, complementam-se as forças
contínuas da economia da pena, do dispositivo biopolítico do assassínio.
A generalização da forma econômica do mercado, funciona como princípio de
inteligência, de decifração das conseqüências sociais e dos comportamentos
individuais. É possível fazer aparecer dentro de processos não econômicos,
dentro de relações não econômicas um certo número de relações inteligíveis, uma
série de análises econômica do não econômico. Tudo pode ser compreendido
como investimento mensurável, tempo, dinheiro, tecnologia, educação, etc.
“Trata-se de filtrar toda ação do Estado em termos de relação de
oferta e demanda, em termos de eficácia sobre os domínios deste
jogo, em termos de custo implicado por esta intervenção da
autoridade no campo do mercado. Trata-se em suma de constituir em
relação a governamentalidade efetivamente exercitada, uma critica
que não seja simplesmente política, e que não seja uma critica
simplesmente jurídica. É uma critica econômica, o cinismo de uma
crítica econômica oposta à autoridade do Estado”. (Foucault, 2004:
252).
A retórica militar da guerra ao crime, ativada segundo Wacquant pela penalidade
neoliberal — cujos expoentes são Charles Murray, Anthony Fischer, William
Casey, James Q. Wilson, David Dickins, Willian Bratton, George Kelling e
Catherine Colas — pretende efetuar uma reorganização que depende da
perseguição permanente dos pobres no espaço público, convivendo com a
democracia e o Estado de direito.
Foucault estanca fora de qualquer finalidade monótona diferentes cenas em que
os acontecimentos desempenham distintos papéis. Nesse sentido afirma “quase”
(Foucault, 2002:304) não haver funcionamento moderno do Estado que “em
certo momento, em certo limite e em certas condições, não passe pelo racismo”
(Idem). O racismo é um corte, um corte distintivo entre o que deve viver e o que
deve morrer. Essa cesura no interior do biológico, na sociedade, a que se dirige o
biopoder, é a primeira função do racismo.
Qual o corte operado pela penalidade neoliberal contemporânea apresentada por
Wacquant? A identificação da baixeza, da dependência dos pobres, da
incapacidade de trabalhar por incompetência, imperícia moral e intelectual, da
passividade dos pobres que deste modo impõem uma carga, um custo ao resto da
sociedade e ao Estado. Neste sentido, para Wacquant (2001), o rigor penal,
difunde-se como inelutável, urgente e benéfico.
Segundo Foucault, o neoliberalismo americano se apresenta com uma
radicalidade, completa e exaustiva de generalização da forma econômica do
mercado no corpo social inteiro; gerando um certo número de aspectos. Primeiro,
a generalização da forma econômica do mercado funciona como princípio de
inteligibilidade, de esclarecimento dos resultados sociais e dos comportamentos
individuais. A análise de oferta e demanda serve de esquema que se pode aplicar
aos domínios não econômicos, por exemplo, o problema do capital humano, da
transmissão e formação do capital humano. Segundo, as análises neoliberais
permitem testar a ação governamental, medir sua validade; permitem medir a
atividade da autoridade governamental, seus abusos, seus excessos, suas
inutilidades, suas despesas; permitem aplicar uma crítica permanente da ação
política e da ação governamental; permitem filtrar toda a ação da autoridade
pública em termos de oferta e de demanda, de eficácia sobre os domínios desse
jogo, em termos de custos implicados.
Lawrence Mead é abordado por Wacquant como o inspirador das políticas de
reforma social inerentes à penalidade neoliberal. Em Beyond Entitlement: the
social obligations of citizenship, de 1986, referiu-se ao fracasso do Estado-
providência americano em reabsorver a pobreza à permissividade, ao
comportamento dos beneficiários. O problema de então, do desemprego, era
menos de condição econômica, mas de funcionamento pessoal dos
desempregados e de seus custos. Para Mead o trabalho assalariado de miséria, o
trabalho precário, deve ser elevado a dever cívico, de perícia moral. Trata-se da
necessidade de uma linguagem política que faça da competência o objeto. É o
âmbito da criação de um quadro social para intervenção do Estado e das
conseqüências que os pobres tiram disso.
O comportamento é produzido e organizado; algo que se fabrica a cada instante,
cujo princípio de cálculo é a segurança, cujo contrapeso são as disciplinas, a
regulação da população e as funções do racismo. A segunda função do racismo
opera através do estabelecimento de uma relação entre a minha vida e a morte do
outro — sob a generalização do perigo, do pânico moral —, a condição para que
se exerça o deixar morrer. Trata-se de uma extrapolação biológica do inimigo
político: eu ou a raça ruim, o sangue ruim, o anormal, o dependente, o inferior;
trata-se do enfrentamento físico, única maneira de se pensar a razão de matar o
adversário, amar a polícia e sustentar um nacionalismo interno. O pânico moral é
capaz de marcar por sua virulência e amplitude os rumos das políticas estatais e
de “redesenhar duradouramente a fisionomia das sociedades por ele atingida”
(Wacquant, 2001: 17).
A seleção e a extrapolação do inimigo inerente à economia da pena, fazem
funcionar o que Wacquant chama de “ação afirmativa” (2001) em relação ao
controle social. A criminalização da miséria em As Prisões da Miséria (2001) é
formulada como um problema relativo a um posicionamento na encruzilhada,
tendo de um lado o controle policial e penal das populações desestabilizadas
pelas transformações no âmbito do trabalho assalariado e de outro, o
enfraquecimento da proteção social. É dessa escolha entre uma coisa ou outra,
entre um Estado penal ou um Estado social, que para Wacquant irá depender o
tipo de civilização que se vai oferecer aos cidadãos de um Estado.
Nietzsche e Foucault sugerem escutar a história em vez de crer na metafísica.
“Como se pode fazer um bipoder funcionar e ao mesmo tempo exercer os direitos
da guerra, os direitos do assassínio e da função da morte, senão passando pelo
racismo? Era esse o problema, e eu acho que continua a ser esse o problema”
(Foucault, 2002: 315). O problema criado pela genealogia da luta das raças, do
racismo justificado como poder moral, empreendido por Foucault nos cursos do
Collège de France de 1975 a 1976 e o problema da relação das diferentes artes de
governar que se apóiam, contestam-se e combatem umas as outras, e o “Post-
scritum sobre a sociedade de controle” de Gilles Deleuze, lança-nos para fora das
alternativas postas na encruzilhada de Wacquant.
Decerto, as desarticulações no âmbito do emprego — particularmente, segundo
Wacquant, a desarticulação do pacto fordista-keynesiano — e a fabricação de
miséria pelo capitalismo afetou e afeta os resultados políticos que se fazem
acompanhar “por um mar de mudanças nas maneiras como esta sociedade vê e
fala sobre o crime, punição e (i)moralidade” (Wacquant, 2004: 20), ressentindo-
se do poder do Estado de punir.
Para Deleuze, “o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três
quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o
confinamento” (Deleuze, 1998: 224), populações que povoam e ampliam guetos,
favelas, periferias e prisões. Diante deste movimento o poder se exerce sob o
cinismo de um controle ainda maior baseado na segurança como princípio de
cálculos probabilísticos de implicação econômica e moral. A possibilidade de
cada um se tornar uma vítima da violência e do crime ao mesmo tempo que
potencializa a onipresença invisível do perigo à sociedade, realizando a
possibilidade de se selecionar e relativizar o inimigo internamente, alojado na
sociedade, fundamenta a ação da moral do Estado, que pode intervir na sociedade
por dispositivos de extermínio calculado e outros dispositivos de controle pelos
quais se toma providências para que cidadãos permaneçam como vítimas,
assujeitados. Estanca-se, assim, a fragilidade do poder em cada ponto, nada
podendo suportar de sedicioso, de rebelde, de nômade, de indócil, operando por
intensidade centrífuga, contínua e ilimitada, acionando dispositivos de controle
que funcionam segundo princípios de modelação de comportamentos acionados
através do pluralismo e integração ao mecanismo da arte de governar pelo
exercício democrático da participação.
A sociedade de controle convive com um atuante racismo elevado a políticas
públicas pela função da guerra, do combate, haja visto a ‘guerra ao narcotráfico’,
‘guerra contra o terror’, ‘combate à impunidade’, ‘combate à imigração ilegal’,
que identificam inimigos reais, de carne e osso, contingentes do qual se precisa
de Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública como do
Subsistema de Segurança Pública. Portanto, tarefa que compete ao Ministério da
Justiça, por meio da SENASP, Ministério da Defesa, Congresso Nacional,
Secretaria Nacional de Justiça, Departamento de Polícia Federal, Departamento
Nacional de Trânsito, Departamento de Polícia Rodoviária Federal, Ministério da
Previdência e Assistência Social, Ministério Público, Fundação Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, governos estaduais,
secretarias estaduais de segurança e justiça, polícia militar, polícia civil,
universidades, institutos de pesquisas, organizações da sociedade civil
especializadas em pesquisas vitimológicas e coleta de dados. Inteligência são
processos objetivos de identificação de ameaças.
Análise criminal é uma modalidade de identificação de ameaças à
segurança, formada por um conjunto de processos sistemáticos que deve prover
informações objetivas sobre padrões do crime e suas tendências, fundamentando
áreas operacionais, administrativa, de planejamento e distribuição de recursos
visando a prevenção e supressão de atividades criminais. A informação é útil
para a polícia e para o cidadão.
O que está em jogo na análise criminal é a busca pelo padrão na
criminalidade, as características de um determinado delito e qual a variável desse
delito que se repete em outras ocorrências ao longo do tempo, área geográfica e
série histórica; é o campo da investigação técnico-científica que visa as
homogeneidades, significados que alcançam a maioria das pessoas, aquilo que
conforma padrões de estilos de vida.
Segundo George Felipe Lima Dantas e Nelson Gonçalves de Souza (2000)
modernamente, três dimensões devem fundamentar, a inteligência em segurança
pública:
1- Disponibilidade de grandes volumes de dados sobre o crime, propriamente
acumulados e sistematizados;
2- Existência de ferramentas de processamento e análise (manuais ou
automatizados);
3- Profissionalização técnica de agentes policiais, especialmente capacitados em
função de Inteligência policial e Análise Criminal.
Distingue-se três tipos de análises criminais de acordo com funções setoriais:
análise criminal tática, análise criminal estratégica e análise criminal
administrativa:
“A exemplo de análise criminal tática, os trabalhos analíticos que
identificam um padrão resultante das ações de um determinado
delinquente que comete uma série de crimes, do mesmo tipo penal, em
uma mesma localidade, e em um pequeno espaço de tempo. Já na
análise criminal estratégica, o analista estará voltado, por exemplo,
para a determinação de um padrão geral de delinqüência (a exemplo,
arrombamentos) e que produz uma série de vítimas tipicamente
pertencentes a um mesmo grupo de risco (a exemplo, os comerciantes
de uma determinada cidade). Um dos resultados típicos da análise
criminal estratégica é a formulação de programas preventivos. Já a
chamada análise criminal administrativa provê os gestores de
informações gerais de natureza econômica, social, geográfica, ou de
outra área qualquer do conhecimento com interface com a segurança
pública.” (Lima Dantas & Gonçalves de Souza, 2000)
A conversão de inteligência básica em algo útil envolve a avaliação,
análise e a disseminação do material resultante para unidades específicas de
identificação participantes. Para Lima Dantas e Gonçalves de Souza, não há
dúvidas que processos de Inteligência devem lançar mão do alinhamento da
Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação (de organização,
posicionamento e distribuição), modelo que deve ser adotado pela Gestão pública
de Segurança para o melhor controle do fenômeno do crime e da violência.
Em um primeiro plano, o que está em jogo é como produzir dados
criminais e identificação de ameaças relevantes e confiáveis. Tudo passa pelos
volumes de dados sobre o crime propriamente acumulados, portanto não podem
ser recolhidos e acumulados precariamente.
Pesquisadores como Julita Lemgruber (2000), Yolanda Catão (2000) e
Jacques Levin (2000) abordam a dificuldade de se lidar com dados de
criminalidade no Brasil, pela insuficiente informatização do Sistema de Justiça
Criminal e pela falta de pesquisas regulares de vitimização, o que torna
impossível determinar a quantidade de crimes cometidos no país e incógnitas
simples, como a “cifra negra”
6
, “taxa de atrito”
7
e “taxa de esclarecimento do
crime”
8
.
Essas dificuldades provêm da limitação dos registros oficiais: das polícias
(crimes identificados e registrados), da justiça (acusado/indicado) e do sistema
penal (condenado e preso). Na forma tradicional de registro o foco é o infrator,
ou, segundo Yolanda Catão (2000), o cliente do sistema jurídico-penal. Esses
registros estatísticos, enfim, distorcem a violência e a criminalidade e refletem,
segundo Catão, mais uma administração da justiça e a ação seletiva dos órgãos
oficiais de controle social.
A pesquisa sobre vitimização aponta para outra preocupação, a do
reconhecimento dos direitos e interesses das vítimas de crimes, não tendo mais
como foco o infrator. Os surveys de vitimização, difundidos cada vez mais, são
pesquisas domiciliares, feitas com base em amostras representativas da
população, sendo o entrevistado, a vítima, ou outra pessoa do domicílio,
6
Diferença entre o número de crimes cometidos e aqueles que chegam ao conhecimento da polícia.
7
Proporção das perdas que ocorre em cada instância do Sistema de Justiça Criminal a partir do número de
crimes cometidos e culminando no número de infratores que recebem a pena de prisão.
8
Também tendo o número de crimes registrados indica a quantidade de crimes em relação aos quais a
polícia é capaz de indicar ao judiciário um provável culpado.
dependendo da metodologia que se adote. Eles permitem conhecer o perfil das
vítimas, as circunstâncias em que ocorreram os fatos, a propensão das vítimas em
denunciar ou não a ocorrência delituosa, delinear grupos de risco (seus estilos de
vida e seus diferenciais de exposição ao crime), e identificar atitudes da
população em relação aos agentes encarregados da administração da justiça
(policiais, promotores e juízes).
Essas pesquisas são capazes de indicar se o respondente foi vítima de um
crime num determinado período, que tipos de crimes sofreu, em que
circunstâncias ocorreram, se foram notificados à polícia, quais os motivos da
notificação ou da não notificação, as características dos criminosos, se eram
familiares, conhecidos ou desconhecidos das vítimas e dados sobre a própria
vítima. Segundo Julita Lemgruber (2000), pesquisas de vitimização podem
sugerir cálculos aproximados dos crimes ocorridos no período de referência e a
comparação dessas informações com o número de crimes registrados
(notificados), registrados e esclarecidos
9
. Além disso, podem sugerir três
condições importantíssimas: dimensão, características e circunstâncias dos
crimes.
9
“A existência de uma cifra oculta de crimes não notificados às agências oficiais é conhecida desde o
trabalho do belga Adolph Quetelet, o fundador da estatística social, na década de 1830. Sua verdadeira
extensão era assunto de especulação até as primeiras pesquisas de vitmização de grande escala feitos nos
EUA a partir dos anos 1960”. (Jock Young. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e
diferença na modernidade recente. Rio de Janeiro, Revan, 2002, p.67)
De um lado, pesquisas de vitimização podem esclarecer incógnitas
capazes de indicar a eficácia do Sistema de Justiça, níveis de impunidade e da
eficácia do controle social e a confiança nesse Sistema de Justiça. De outro lado,
indica uma parte de dados confiáveis e necessários para se entender a natureza de
crimes e como prevê-los e evitá-los, interferir na gestão da segurança.
Yolanda Catão ainda chama atenção para os limites metodológicos da
pesquisa de vitimização enquanto fonte de dados sobre o crime, destacando a
subnotificação. A vítima pode deixar de relatar um crime, ou porque não deu
importância para o ocorrido, ou porque não quer falar sobre aquilo, ou porque se
trata de uma ofensa sexual e não quer tratar disso com o entrevistador, ou porque
não entende uma determinada ocorrência como delituosa, ou porque se trata de
uma ocorrência que envolve outros entes da família, etc.
Operar o pensamento na lógica do sistema penal nos impede de conceber
uma sociedade sem ele. A subnotificação, para Louk Hulsman, aponta para a
existência de uma esmagadora maioria de fatos e de mecanismos paralelos de
solução de conflitos e que o sistema penal não é indispensável. Ou seja, o sistema
se ocupa de uma ínfima parte das situações teoricamente criminalizáveis e é
incapaz de processar e sentenciar todos que lhe são destinados por lentidão e
incapacidade de responder a todas as infrações que lhe são encaminhadas. Para
Passetti, a sociedade sem penas já existe na experiência de pessoas que
envolvidas em uma situação-problema, dispensam mediações policial ou judicial
e encontram soluções conciliadoras, inventivas. Mas as pessoas pouco reparam
nessas soluções conciliadoras do dia-a-dia; e “diluem suas atividades
abolicionistas conciliadoras para com a situação-problema no elogio à esperteza
ou mesmo no júbilo pela sua capacidade de burlar a lei exercendo o direito pela
exceção” (Passetti, 2006: 91). O Sistema penal opera pelo dispositivo da
seletividade, cujos alvos circusntanciais se ampliam ou se concentram nas
populações pobres, nos que atentam contra a moral e nos rebeldes. Esta, sustenta
em parte, a discussão sobre a legitimidade da justiça criminal e sua perspectiva
abolicionista e nos coloca uma questão: “o que acontece com os problemas dos
quais o sistema penal não se ocupa, ainda que seja de sua
competência?”(Hulsman & Bernat de Celis, 2005: 255).
Sérgio Adorno apresenta uma dessas leituras que percebem que
“problemas relacionados à formulação e implementação de políticas
de segurança e justiça que afetam a eficiência das agências
encarregadas de conter a violência dentro dos marcos de legitimidade
democrática. A baixa eficiência dessas agências — especialmente das
polícias militar e civis em prevenir crimes e investigar ocorrências, e
de todo o segmento judicial (ministério público e tribunais de justiça)
em punir agressores —, associada aos tradicionais obstáculos
enfrentados pelo cidadão comum no acesso à justiça acabam
estimulando a adoção de soluções privadas para conflitos de ordem
social (como os linchamentos e as execuções sumárias) bem como
contribuindo para a exacerbação do sentimento de medo e insegurança
coletivos. À medida em que esse círculo vicioso é mais e mais
alimentado cresce a perda de confiança nessas instituições de justiça e
nos agentes responsáveis por sua distribuição e execução”. (Adorno,
1999)
Yolanda Catão afirmou, como vimos, que a subnotificação na captação
oficial e tradicional de dados sobre o crime reflete uma administração da justiça e
ação seletiva dos órgãos oficiais de controle social, bem como uma maneira que
a polícia é percebida pela sociedade. O sistema de justiça penal é em si seletivo e
se baseia na excepcionalidade de sua intervenção. Mas uma leitura que visa o
antídoto para a insegurança coletiva faz da excepcionalidade um quadro
aberrante, uma falha, que por sua vez reivindica o impedimento do delito na
prevenção, a pena e o controle da reincidência. O ciclo revesa a injustiça inerente
ao sistema penal de justiça.
Desde 1988, no Brasil, já foram realizadas algumas pesquisas domiciliares
de vitimização, abrangendo o território nacional em 1988 e posteriormente os
municípios do Rio de Janeiro, São Paulo, região metropolitana do Rio de Janeiro,
região metropolitana de São Paulo e municípios do estado com mais de 50.000
habitantes.
A primeira pesquisa de vitimização foi aplicada como um piloto na década
de 60 nos EUA e visava testar a metodologia de coleta sobre vítimas em
unidades domiciliares. O primeiro survey com abrangência nacional aconteceu
em 1966 aplicado pela President´s Commission on Law Enforcement and
Administration Justice dos EUA. A partir da década seguinte os surveys
passariam a ser aplicados anualmente, constituindo elemento indispensável para
o sistema de informação sobre crimes. Hoje, os EUA contam com a aplicação
anual de alguns desses surveys como: National Crime Victimization Survey, o
Bureau of Justice Statistics do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os
do Uniform Crime Reports do FBI, além das pesquisas de localidades, como
algumas cidades ou regiões.
No geral, essas pesquisas estadunidenses buscam informações detalhadas
sobre as vítimas, a conseqüência dos crimes, freqüência dos crimes, freqüência
com que os crimes são relatados à polícia, áreas geográficas em que os crimes
são realizados, período em que os crimes acontecem, probabilidade de
vitimização para segmentos da população (mulheres, idosos, crianças, jovens,
grupos racias, etc), características das agressões e do agressor, despesas que o
crime provocou, relação do ofensor com a vítima, uso de armas, álcool ou droga,
atitudes em relação à vizinhança, à cidade e à polícia, etc.
Segundo Passetti, “a segurança precisa de incerteza e de confiança
imediata” (2003c: 280). A gestão da insegurança transforma cada indivíduo
numa vítima potencial, circundada por fatores de risco ou fatores de proteção
10
que fazem flutuar as probabilidades da vitimização. A infração possui um
contexto, acontece num lugar, envolve pessoas; e dar conta da maior informação
10
Esses fatores são identificações de probabilidades de incidência ou de efeitos negativos de crimes ou
violências.
possível do contexto de uma infração e da regularidade com que infrações
semelhantes se repetem num ou noutro ponto da cidade, além de constituir
elementos de investigação para os registros tradicionais, viabiliza uma gestão que
visa minimizar as oportunidades criminais em prospectiva, controlando-se áreas
de insegurança e nichos de populações.
Comparações com informações censitárias, por exemplo, referentes às
populações de um estado, município, etc e características das vítimas, indiciados
e condenados, podem mostrar quais características da população que aumentam a
probabilidade das pessoas sofrerem ou não violências. Em torno dos fatores de
insegurança que são cotações flutuantes de acordo com um período histórico,
regula-se, principalmente, o agir nas cidades. No entanto, a probabilidade, na
gestão da insegurança, opera, pelo alerta potencial.
“Mais as pessoas são agrupadas em categorias e classificadas
pelos sistemas de vigilância, mais elas são ordenadas e subdividas em
grupos em cujo âmbito existem características comuns” (David Lyon:
apud Vaccaro: 2005, p.140, nota 15) recompondo em tal modo uma
identidade fragmentada através da identificação com esses sistemas de
controle que afirmam em dose positiva a ilusão da troca contratual
liberdade/segurança” (Vaccaro: 2005, p. 140, nota 15).
Modificações substantivas em metodologias ocorrem com freqüência,
objetivando melhorar a qualidade das coletas, das respostas e o nível de
confiança na pesquisa. Algumas dessas pesquisas podem ser realizadas até por
telefone (telephone interviewing) a partir de softwares ou por amostra domiciliar
(face to face) e em diferentes períodos do ano obtendo informações a partir do
último dia de aplicação dos questionários.
A primeira pesquisa internacional sobre tendências do crime e dos
sistemas de justiça criminal data de 1978, United Nations World Survey on
Crime Trends and Criminal Justice System. Porém, só em 1989 ocorreu a
primeira pesquisa internacional de vitimização aplicada pelo United Nations
International Crime and Justice Research Institute. Seu objetivo principal era
obter “informações comparativas confiáveis sobre o risco de vitimização, o
contexto do crime e atitudes e opiniões frente à polícia. Através de sua
implementação, procura-se sensibilizar pesquisadores, administradores da justiça
criminal e responsáveis pelas tomadas de decisão nesta área, para a importância
deste instrumento, seu significado, potencial e limites. Por outro lado, chama a
atenção para a necessidade de se atender às necessidades da vítima, seja através
do ressarcimento do dano, assistência psicológica, criação de centros de
atendimento ou outras” (Catão, 2001: p.6).
Em 1988, no Brasil, o questionário suplementar da Pesquisa Nacional de
Amostra de Domicílios (PNDA/IBGE), cujo tema era Participação Político-
Social, abordava sub-temas sobre justiça e vitimização. Segundo Catão (2000),
não se tratava exatamente de uma pesquisa de vitimização, mas incluía perguntas
sobre este tema. Posteriormente, os surveys de vitimização seriam aplicados a
partir do modelo do United Nationms International Crime and Justice Research
Institute.
O que é criticado pela maioria dos pesquisadores é a quase impossível
comparação dos dados das pesquisas de vitimização realizadas no Brasil, o que
prejudica o tratamento e o acúmulo dos dados. As comparações são importantes
quando podem acontecer, tal como entre o National Crime Victimization Survey
e o Uniform Crime Reports compilado pelo FBI, entre outros. Se bem Catão
aponte algumas comparações entre variáveis do PNAD1988 e PCV1998,
ISER/FGV1996 e PNAD 1998.
Além da necessidade da comparação de pesquisas nacionais e
internacionais, põe-se em cheque a aplicação regular dessas pesquisas para que
se possa estabelecer padrões e tendências ao longo do tempo. O Plano Nacional
de Segurança Pública de 2000 afinado ao paradigma de que uma sociedade
democrática não dispensa o sistema de informação, apresenta a necessidade e o
compromisso de se realizar anualmente uma pesquisa de vitmização
11
.
Dados que possam compor um sistema de informação útil ou para a
atividade policial ou para a justiça penal, podem provir ainda de outros
11
Consta do IV capítulo, 15 º compromisso, ação nº 124 do Plano Nacional de Segurança Pública de
2000. Não há referências à realização anual de pesquisa sobre vitimização no Projeto de Segurança
Pública para o Brasil de 2003, embora enfatize a importância de tarefas de inteligência.
databases, padronizáveis, comparáveis, ou não, tais como: pesquisas com
populações em áreas de risco, jovens em áreas de alta criminalidade e pesquisas
de criminais (nos pontos de detenção ou em prisões, com possível estudo de
grupos de controle), Sistema de informações sobre a Mortalidade, dados de
internações hospitalares, Sistema Nacional de Informações Tóxico-
farmacológicas, dados do Sistema de Resgate. Especificamente, o Plano
Nacional de Segurança Pública de 2000, refere-se ao Censo Penitenciário,
Pesquisa Nacional de Vitimização, registros de Ouvidorias de Polícia, Bancos de
dados sobre réus colaboradores e testemunhas dos programas de Proteção à
Testemunha e Vítimas de Crimes e Observatório Nacional de Segurança pública,
através da identificação em nível nacional de experiências de prevenção. Campo
diversificado de ação cuja criação é orientada pelo plano. Dados podem ser
utilizáveis em diversas direções, constituindo relevantes mosaicos, evidências
irrefutáveis de que nosso tempo almeja a transparência a partir da periculosidade
pública e o estancamento dos fluxos, a codificação, circunstância do controle
contínuo.
A sistematização de fluxos de informações de que depende a tarefa de segurança
pública, supõe a rede informacional, o diagrama característico da sociedade de
controle, a internet, cujo relevo compõe-se de redes de acesso restrito ou
exclusivo como intranets e extranets, compondo emaranhados dos quais se
servirão os operadores autorizados, tal como a SENASP responsável pela gestão
da política nacional de segurança ou a Agência Brasileira de Inteligência, ou
mesmo polícias em níveis locais.
As bases de dados de informações de saúde contém uma gama variada de
dados de grande utilidade para o estudo de acidentes e violências. O estado dos
padrões de mortalidade é padronizado para análise da situação de saúde da
população [causas de óbito são informações padronizadas segundo a Organização
Mundial de Saúde] e as bases nacionais de Mortalidade são facilmente
acessíveis, contendo todos os dados individualizados (não identificados). Isto
permite, cruzando-se variáveis coletadas, efetuar análises bastante diversificadas.
“Com a criação do SUS, a partir da Constituição de 1988, e com a
incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde, ampliou-se
consideravelmente a cobertura e abrangência das informações
hospitalares — entre elas as AIH (autorização de Internação
Hospitalar), as DO (Declarações de óbito) e informações de instâncias
ambulatoriais
12
— “principalmente pós passar a captar dados das
unidades públicas estaduais, municipais e universitárias.” (Jacques
Levin: 2000, p.5)
Para Maria Helena P. de Mello Jorge (2000), do ponto de vista da saúde,
embora se possa afirmar que esse setor não entra na gênese da violência, verifica-
se ser exatamente sobre ele que vai recair o maior ônus das conseqüências desta.
A violência que lesa e a violência que mata o fazem em números elevados e
12
Recolhidas em nível nacional desde julho de 1994.
crescentes e representam indicadores negativos para o setor saúde. Elevados
níveis de mortalidade, principalmente em idades jovens, roubam anos à vida
produtiva de seus habitantes e oneram, em valores absolutamente não
desprezíveis, os gastos com tratamentos.
Acresce, ainda, que, em muitos casos, embora não tirem a vida, são
responsáveis por seqüelas, às vezes, irreversíveis, deixadas em sua população.
“Em razão disso, é que é necessário conhecê-la, estudá-la e atendê-la para
verificar quem é vulnerável, em que grau e por quais motivos, pois somente a
partir deste cenário será possível montar ações e programas, bem como ter metas,
visando à reversão do quadro que ela hoje, delineia no Brasil”
13
.
Assim, bases de informações sobre saúde podem ser vistas por uma órbita
de gestão da unidade assistencial, de controle e avaliação dos serviços de
planejamento de ações, de economia em saúde, de epidemiologia e de avaliação
de violências, em diferentes níveis de agregação espacial.
13
Outros dois sistemas podem ser agregados na análise, mas ainda carecem de dados nacionalizados e
padronizados. O Sistema Nacional de Informações Tóxico-farmacológicas- SINTOX; instituído pelo
ministério da Saúde em 1980, capaz de fornecer nacionalmente dados precisos sobre os efeitos de
medicamentos e demais agentes tóxicos no país. Ele padece de sub-notificação causada pela não
obrigatoriedade de registro, inexistência de uniformidade e pequeno número de Centro de Controle de
Intoxicação no país. Já o Sistema de Resgate também não tem diretrizes nacionais que leva a diferentes
formas de coleta de informações. “Não há nenhum sistema de informação que congregue esses dados e
mesmo os boletins são preenchidos de modo, às vezes, inadequado e incompleto”. Maria Helena P. de
Mello Jorge. “Acidentes e violências no Brasil: breve análise de suas fontes de dados” in Fórum de
Debates Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil: uma discussão sobre as Bases de Dados
e questões Metodológicas. IPEA, Rio de Janeiro, julho de 2000.
Romeu Gomes (2000) aponta para a amplitude da agenda que a violência
coloca para a Saúde Pública, situa o debate sobre a violência para a saúde pública
orientando-se pelo conceito de saúde pública de Frenk, que aponta a confluência
de diferentes dimensões no campo da saúde. Os óbitos são tomados como o
indicador geral da violência, embora a violência cubra um espectro infinitamente
mais amplo de situações do que as mortes violentas.
Não se pode deixar de ressaltar que a intensidade nos diversos tipos de
violências guarda uma estreita relação com o número de mortes que origina. Um
dos mecanismos mais utilizados para designar esta relação é o Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM), dentro da classificação: causas externas de
morbidade e mortalidade, possíveis a partir do registro de óbito pelas categorias:
natureza da lesão e circunstâncias que a originaram; ainda que as informações do
sistema de registro de óbitos estejam sujeitas a uma série de limitações e críticas.
Até 1995, as causas de morte eram classificadas pelo SIM seguindo os
capítulos da nona revisão da Classificação Internacional das doenças (CID-9). A
partir daquela data, o Ministério da Saúde adotou a décima revisão (CID-10)
A atual classificação associa a localização da produção da violência com o
local da ocorrência para a localização espacial dos óbitos; o que resulta em erro e
em limitação. Porque a legislação determina que o registro do óbito seja sempre
feito no lugar do falecimento, no local em que se deu a morte.
“É o caso das situações em que o incidente causador do óbito
difere do local do falecimento. Pode ocorrer, por exemplo, no caso da
vítima de acidentes de transporte ou mesmo entre feridos a bala. Em
síntese, ocorre com todas as pessoas que são atendidas e vierem a
falecer, em hospitais localizados em qualquer outra cidade diferente
daquela em que ocorre o incidente causador da morte” (Gomes, 2000:
217).
Esse problema no formato atual da certidão de registro não tem solução,
favorecendo margens de erro. Mas a morte revela a violência levada a seu grau
extremo, tal como a virulência de uma epidemia.
Para Frenk (apud. Romeu Gomes, 2000), numa dimensão há as instâncias
do biológico e do social, em outra há o indivíduo e a comunidade, e ainda uma
terceira, há a política social e a econômica. Neste sentido, a saúde pública é um
meio de realização pessoal e coletiva que deve levar em conta os diferentes
prismas já citados no sentido de ampliar a agenda que a violência lhe coloca,
visando enfrentamentos, prevenções e evitações.
Na sua função de realização individual e social, o aumento da violência
provoca na área de saúde pública a adoção da visão epidemiológica sobre o tema
pela amplitude de seus efeitos, de tal forma que causa defeitos na capacidade do
escopo hospitalar dos municípios, nos gastos com saúde, no custo com a
mortalidade e na normalidade da própria sociedade.
Para Foucault (2005) a exclusão dos leprosos na Idade Média acontecia
mediante um conjunto jurídico de leis e regulamentos, um conjunto religioso, de
rituais, que introduziram uma participação do tipo binário entre quem era leproso
e quem não era. Os regulamentos da peste, entre os séculos XVI e XVII
suscitam, de outro modo, para Foucault, impressões e instrumentos diferentes. O
objeto do regulamento da peste é o esquadrinhamento das regiões, das cidades
dentro das quais há os empestados, com normas que indicam às pessoas quando
podem sair, como, a que horas, o que devem fazer em suas casas, etc. Neste caso,
pode-se dizer, segundo Foucault, que há um sistema disciplinar. A partir do
século XVIII as práticas de inoculação colocaram o problema fundamental do
número de pessoas vitimadas, a que idade, com que efeitos, qual a mortalidade,
quais lesões, quais seqüelas, que riscos se corre ao se inocular, qual a
probabilidade de um indivíduo morrer ou se contagiar; o problema dos efeitos
estatísticos sobre a população em geral. Dá-se o problema das epidemias e das
campanhas médicas, pelos quais se pretende erradicar os fenômenos epidêmicos
ou endêmicos. Logo, trata-se de segurança, do funcionamento e aplicação de
cálculos de custo, médias aceitáveis. Trata-se do surgimento de tecnologias de
segurança dentro de mecanismos que são efetivamente de controle social.
Ao longo de 2001 sob coordenação de Antonio Carlos Biscaia, Benedito
Domingos Mariano, Luis Eduardo Soares e Roberto Armando de Aguiar a ONG
Instituto Cidadania, então presidida por Luís Inácio Lula da Silva, desenvolvia o
Projeto Segurança Pública pa
Em campanha eleitoral lula declarava ter em mãos o “melhor plano de
segurança pública já feito nesse país”, e iniciou o mandato, conforme discurso de
posse com a firme decisão de colocar o governo federal unido com os governos
estaduais em uma política determinada pela segurança pública.
Implementado em 2003 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública,
frente ao empossamento de Lula e à secretaria de Luis Eduardo Soares, o Projeto
Segurança Pública para o Brasil apresenta uma avaliação da segurança no Brasil
e propostas de políticas públicas, incorporando e atualizando algumas ações do
PNSP de 2000.
Segundo o Projeto Segurança Pública para o Brasil (20003), “não se
“Qualquer que seja o diagnóstico local sobre a dinâmica da
criminalidade, será sempre indispensável reconhecer a multiplicidade
de dimensões envolvidas: desde a economia à saúde, da estrutura
familiar às escolas, do cenário urbano à disponibilidade de transporte,
das condições habitacionais ao acesso ao lazer, das oportunidades de
emprego às relações comunitárias,
criação de núcleos estaduais e municipais. Não há referência a quais são as ações
desses núcleos, quais são os esforços, mas se inclui ao compromisso de
capacitação profissional e reaparelhamento das polícias, que visa a qualificação e
valorização do profissional de segurança pública, aperfeiçoamento dos
equipamentos e conhecimentos policiais, e permanente proximidade com a
comunidade; condições que estão em jogo em capítulos relativos à reforma das
polícias no PSPB. O Projeto Segurança Pública para o Brasil prevê ações capazes
de transformar o quadro de impunidade, carência de informações e descrédito.
No texto do PSPB a impunidade aparece como resultado de questões
conjunturais ou por deficiências operacionais: não opera pela afirmação de que o
sistema penal não é capaz de dar conta de todos os crimes. Passa longe da
afirmação que o sistema penal se sustenta justamente por sua seletividade.
Remete a impunidade, a intensidade e a variedade das atividades criminosas à
promiscuidade da polícia, à cumplicidade de setores da polícia com o crime, à
corrupção, ao círculo vicioso que tem seus traços na falta de investigação, de
confiança e de informações:
“Qualquer intervenção política que vise a transformar esse quadro de
impunidade, carência e descrédito deve agir sobre três tópicos:
confiança (que depende de resultados e de esforços visíveis de
moralização institucional; coleta e processamento de informações que
exige tecnologia e a modernização do aparelho policial); e agilização
das investigações (que requer nova forma de gestão). (...) Mesmo os
dados mais elementares sobre comportamento criminal dependem de
registro das denúncias e, portanto, só existem se a população
considerar que vale a pena procurar a polícia, o que só acontecerá se a
confiança for estabelecida, com uma imagem de autoridade legítima
sendo restaurada” ( PSPB, 2003: 27-28).
O conceito de Segurança Pública diz respeito a uma atividade pertinente à
sociedade prevendo a proteção à cidadania. Portanto, a atividade de Segurança
Pública prevê a participação da sociedade e deve aplicar-se na vida de cada um
da comunidade. A regularidade da participação familiariza o indivíduo com o
exercício democrático e com a confiança nas instituições públicas. É pela
participação que se encontra sentido à prevenção.
“Não há política de segurança conseqüente sem participação e
transparência, sem confiança popular nas polícias e nas instituições
públicas (...). Além disso, uma política consistente precisa moldar-se
às peculiaridades variáveis dos contextos sociais e só pode ser eficaz
se enfrentar a insegurança pública como um problema
multidimensional — vale insistir — que supera o âmbito da
criminalidade” (PSPB, 2003: 19)
14
.
14
Trata-se da ampliação de um tema presente desde o projeto de 2000, cujo estreitamento da cooperação
com estados, municípios e sociedade civil definem princípios de interdisciplinaridade, pluralismo
organizacional e gerencial, descentralização e participação comunitária, lançando mão de instituições
como ouvidorias de polícia e outros mecanismos civis de controle externo das atividades da polícia,
incentivo a registros de ocorrência, conselhos, estratégias e canais permanentes de debate e programas
comunitários de combate à criminalidade.
A análise da gravidade dos problemas, deve mergulhar na vida de cada uma das
comunidades, aplicando-se a metodologia de mapeamento interativo e
participativo dos problemas e das prioridades. A comunidade ajuda a acumular
informações quando participa no planejamento, na fiscalização e na correção das
atividades de segurança.
“E isso deve ocorrer não aleatoriamente, mas em órgãos democrática e
racionalmente concebidos, em que participem cidadãos e responsáveis
locais, sem conotação político-partidária, nem aparelhamento por
grupos ou pessoas, a fim de possibilitar o detalhamento das medidas
para os locais e a articulação com os órgãos de prestação de serviços
de segurança pública”. (PNSP, 2000: 22)
Portanto, a segurança pública, assumindo um sentido democrático só poderá
operar articulada com a comunidade organizada (supra-partidária) em conselhos
democráticos ou qualquer outra forma de articulação legítima, tais como
comissões civis e ouvidorias. Segundo Debray (1994) trata-se de uma adesão
conquistada pela presença e não pela representação. Essa cooperação que visa
estabelecer vínculos de confiança através de exercícios democráticos é nomeada
segurança cidadã, cujo sentido “se traduz pela parceria dos órgãos de segurança
com as comunidades na análise, planejamento e controle das intervenções em
cada região” (PSPB, 2003: 25). Isto supõe o estabelecimento de políticas,
controle das atividades e participação nas decisões fundamentais, em que a
polícia deve estar próxima da população, pois
“o isolamento e a negação do trabalho conjunto levam as polícias a
desconhecer os destinatários de seus serviços e o contexto onde
vivem, além de ignorar a natureza das outras corporações do sistema
de segurança, o que inviabiliza o trabalho concatenado. Se não há essa
preocupação das polícias em conhecer o meio onde atuam, em
contrapartida a sociedade também tem receio de conhecê-las,
aceitando-as como um mal necessário, que pode agravar ainda mais os
problemas do cidadão” ( PSPB, 2003: 25)
A denúncia bem como a delação — por parte da vítima, testemunha e réu
colaborador — são incorporadas a esse exercício democrático. Inspirada nos
programas Crime Stop Press (primeiramente implantado na cidade de
Albuquerque nos EUA), a denúncia, estabelece canal aberto entre a polícia e a
população local (garantia de anonimato e recompensas por informações
importantes). Foi assim que “o programa Disque Denúncia teve sua origem,
entretanto, na articulação do empresariado carioca em meados da década de
1990. O cenário era o avanço da criminalidade, tendo como pano de fundo
principal os seqüestros que ocorriam quase diariamente no estado do Rio de
Janeiro.” (Caruso, 2003: 204).
A central no Rio de Janeiro, começou a operar vinculada ao Centro de
Inteligência da Segurança Pública, gerenciada pela Associação Rio Contra o
Crime, também responsável pela captação de recursos. O programa terminou se
difundindo com grande apoio midiático e ganhou status de política pública de
segurança. Para Caruso (2003) isso pressupõe “interação, colaboração, divisão de
responsabilidades e abertura dos meios de força ao diálogo e controle externos”
(Caruso, 2003: 211).
Segundo Haydé Caruso a “indignação” do cidadão veiculada na mídia na
década de 1990, foi o grande mote para o implemento do programa de denúncias
no Rio de Janeiro. E o sentimento de indignação reciclou-se durante toda esta
década publicitariamente festejado como reivindicação de política criminal e
atingindo proporções nacionais. A superexposição na mídia de manifestações e
verbalizações de ‘indignação’, após lastimáveis fatos ocorridos e problemáticos,
aumentaram espetacularmente as campanhas contra a impunidade, desfechadas a
partir do Rio de Janeiro e São Paulo.
Indignação é um sentimento de cólera, uma repulsa a uma ação
vergonhosa, injuriosa, injusta. Segundo Nilo Batista o desejo individual do revide
estrutura-se discursivamente como política criminal, programação criminalizante
ou roteiro político-criminal comum no jargão publicitário. Mas estrategicamente
os sentimentos de vingança, enquanto indignação, dissimulam-se na ideologia
legítima do poder punitivo, a justiça.
“A vingança que Nietzsche localizou na alma das tarântulas, é um
velho produto que o publicitários-criminólogos brasileiros estão
relançando no mercado, com novos rótulos, para ajudar a vender sua
irmã mais nova “chapa-branca”, a pena.” (Batista, 2004: 116).
Em Nietzsche, na alma da tarântula, abriga-se a vingança, como uma
crosta escura. Por detrás das palavras de justiça, como esconderijo, está lá a
vingança. As tarântulas falam entre si: “Justamente quando as tormentas da nossa
vingança enchem o mundo, é quando dizemos que haja justiça” (Nietzshe, 1977:
75). Exercem a vingança, contra todos que não são semelhantes a elas, os que
não são bons, homens de bem e justos, os “outros”, os inimigos.
“Eis aqui, contudo, o conselho que vos dou, meus amigos: desconfiais
de todos os que carregam consigo o instinto de castigar! São
indivíduos de má raça e de má casta; por eles surgem o policial e o
carrasco” (Nietzshe, 1977: 76).
Segundo Passetti (2003b), por Zaratustra, Nietzsche situa imediatamente a
crítica à moral da recompensa e do castigo, “da justa vingança”, “da difusão da
boa ação é a má ação desinteressada” (Passetti, 2003: 161). Nietzsche situa a
justiça como o estar vingado.
A impunidade, é caracterizada no Projeto Segurança Pública para o Brasil,
como parte de um ciclo vicioso. Portanto, a gestão criminalizante dá conta de
punir mais
15
, de informar mais, investigar mais e se confiar mais. O PSPB de
15
Nesse sentido estimula-se as penas alternativas para desafogar o sistema penitenciário, possibilitando o
que Passetti reconheceu como desdobramento das penas, tornando possível punir sem aprisionar,
ampliando-se as penas.
2003, enquanto projeto de segurança, “submetido à apreciação da sociedade”
16
é
a estampa do que estava por uma década atualizando estratégias de políticas
criminais, valendo-se de exemplos internacionais, como a política de tolerância
zero implementada em Nova York no período entre janeiro de 1994 e dezembro
de 2002, peça de criminalização das ilegalidades populares.
O Projeto Segurança Pública para o Brasil, apostando no encarceramento,
chama a si, à mídia, à comunidade, à sociedade civil organizada o estratégico
discurso do controle social penal. À par com as atualizações da tecnologia da
informação e instrumentos de comunicação como ferramentas indispensáveis à
segurança pública. Vê-se:
“O fato é que ninguém está livre da violência criminal. Esse caráter
universal ou difuso da insegurança é confirmado pelo fracasso das políticas
de segurança truculentas e praticadas nas últimas décadas na maioria dos
estados: políticas orientadas para a proteção exclusiva das elites não
funcionam; cercar as regiões nobres da cidade e lançar a polícia como cães
sobre a periferia não resolve. Essas políticas produzem o terror na periferia,
mas nem por isso conseguem garantir a defesa dos bairros privilegiados.
Todos acabam sendo prejudicados, até mesmo as elites a quem não
interessa uma polícia incompetente e cúmplice do crime. Esse descalabro
produziu uma sucessão de desastres e concorreu para a geração do quadro
de impunidade, irracionalidade, ineficiência e barbárie que herdamos, além
16
Segundo os Coordenadores do programa nacional de segurança de 2003, embora figurasse como pré
projeto em ocasião de candidatura de Lula, não teria caráter impositivo. O projeto estabelece diretrizes e
estimula estados e municípios a adotá-las.
de ter contribuído para degradar as instituições policiais, tornando-as mais
arbitrárias, violentas e corruptas, e aprofundando o fosso que as separa da
população”. (PSPB, 2003: 2)
A impunidade é combatida enquanto fator de proteção do infrator, do crime, das
ilegalidades e do crime organizado.
“A racionalidade do mercado do crime estruturado em torno do tráfico de
armas induz à expansão da intensidade e da variedade das atividades
criminosas, o que implica não apenas que a tendência seja o crescimento do
número de crimes, mas também que a tendência seja o aumento do grau de
risco e violência, porque mais comumente são utilizadas armas de fogo.
Essa lógica não se afirma em ambiente vazio de circunstâncias. Sua
aplicação depende da taxa de impunidade ou da taxa de risco com a qual se
opera o tráfico de armas e drogas, e se praticam as diversas modalidades de
crime, assim como é função do repertório de alternativas legais e ilegais,
isto é, das vantagens ou desvantagens relativas das estratégias de
sobrevivência, afirmação pessoal, acumulação econômica, exercício de
poder e acesso ao consumo” (PSPB, 2003: 7).
A base de dados virou a matéria prima da vida social contemporânea, um
dispositivo de segurança e, sobretudo, um método versátil e discreto de controle
social. A coleta e o tratamento de informações são os tradutores atuais dos estilos
de vida, das subjetividades capturadas. Dissolvidos enquanto informações
digitais os indivíduos tornam-se divíduos, dividuais, divisíveis; e as massas,
amostras (Passetti, 2003c).
Data-bases diferentes formam diversos “pedaços” de informações;
isoladamente pouco úteis, mas potencializados quando integrados, mais
abrangentes, multiplicadores do leque de cruzamento de variáveis .
Para Gláucio Ary Dillon Soares (2000) o máximo de informações
possíveis deveriam ser informatizadas — esta maximização é o âmbito de
economia geral que vem à tona com os PNSP e PSPB —, tais como derentes do
inquérito policial, informações sobre policiais, detetives, delegados, informações
do processo judicial, informações sobre promotor, advogado, defensores
públicos, juízes, júri. Alega que pesquisas realizadas no exterior demonstram que
essas variáveis interagem com variáveis semelhantes da vítima e do acusado,
com consequência para a probabilidade de condenação e severidade da pena.
Para o autor, não adianta manter “pedaços” de informações isolados sem
formar parte de um data-base integrado. A integração de data-base supõe
cruzamentos de informações, de variáveis; colocar variáveis sob uma mesma
equação. E para tanto, leva-se tempo para que todas as variáveis tenham utilidade
estatística.
Para George de Lima Dantas a “não integração dos bancos de dados dos
órgãos de segurança pública (intra e interinstitucionalmente), dificulta
sobremaneira o estabelecimento de um ‘retrato fiel’ da situação da criminalidade
com incidência em cada área metropolitana, ente federativo e no país como um
todo. As análises terão resultados tão mais confiáveis quanto mais inclusivas
forem as respectivas coleções de dados disponíveis e quanto mais “focadas nos
registros de categorias pontuais de dados sobre os crimes (dados de
materialidade, autoria e modus operandi) ou de informações genéricas (número
de delitos, índice ocorridos e respectivas taxas de resolução).” (Lima Dantas e
Gonçalves de Souza, 2000)
Segundo Mark Poster (apud. Vaccaro, 2005), os bancos de dados são a versão
ciberespacial atualizada do panóptico. Mathiesen (1998) aponta ao sinoptismo
complementar e análogo ao panopstismo, cujas características da mídia de massa
permitem observar. A sociedade de controle ativa, por sua vez, uma midiatização
do fluxo de informação do cotidiano. A versão ciberespacial atualizada do
panóptico, por sua vez, não está sozinha, funde-se à versão sinóptica na infovia,
na sociedade de controle. Milhares de informações utilizáveis podem ser
seqüestradas de cada um e situadas em banco de dados eletrônicos. De outra
maneira, acessar informação na sociedade de controle, tem como complemento
produzir informação. O fluxo informacional é controlado, quadriculado,
escandido e observado, gera informação ininterrupatmente.
Segundo Vaccaro (2005) a dilatação dos canais de controle, através de
mecanismos de bio-vigilância, biometria, vídeo-vigilância, geo-vigilância,
integra os indivíduos ativamente nesses mecanismos sob um pretexto moral de
naturalização da participação quando não se tem nada a temer quanto à
idoniedade, inocência e dignidade; bem como sob o pretexto da seguridade. O
fluxo informacional supõe o superlativo do escaneamento operado também sob a
sedução validada pelo: É para a sua segurança! Tal como a Debray o Estado
mostra-se sedutor por ser verdadeiro, ardoroso e chocante.
Willian Gibson (1999) na ficção científica, Idoru, faz de um de seus
personagens, um importante rastreador-analista de um futuro não tão distante,
segundo a concepção de que ao redor das pessoas se aglutinam incontáveis
fragmentos de dados. Mares de dados que são reflexos de uma vida registrada na
tecitura digital do mundo. Na vocação pan-database as pilhas de dados podem
parecer inicialmente, aparentemente, aleatórias, mas possuem dados cruciais.
Não estamos nada distante do cenário da ficção.
Ao dado crucial Gibson deu o nome de nodal, “Túnel” de informações que
poderiam ser seguidas até um outro tipo de verdade, outro modo de saber, bem
no fundo das minas de informações.
Segundo Negroponte (1995), tudo pode e deverá ingrenar na ordem
digital, mesmo elementos constitutivos da realidade material transformam-se em
bits. Vivemos sob a égide da transparência digitalizada de tudo, instantânea,
transmitida à distância, qualquer coisa no intermédio de um domínio eletro-ótico.
Se a vida segura é a emblemática de uma caricatura de nossa época, leva-
se num mar transparente, sob a base de estruturas elementares, em movimento,
feito em fluxos. Certamente, como afirmaria Virilio, “de fato, não se poderá
compreender nada da revolução da informação sem perceber que ela alimenta,
também, de maneira puramente cibernética, a evolução da delação generalizada”.
( Virilio, 1999: 64).
A evolução da delação generalizada, está para a ordem dos “vivos”, que
na sociedade de controle, segundo Passetti, “são todos os que participam:
produtivos, voluntários, filantropos, formadores de opinião, assujeitados. Até os
que não fazem nada, a não ser permanecer prostrados diante da televisão,
participam ativamente, não são mais os alienados. Emitem opiniões, fazem
naufragar os paradigmas.” (Passetti, 2003: 257) Está instantaneamente para a
ordem do ressentimento popular que exige que “a prisão faça da vingança uma
política pública.” (Passetti, 2004: p.25)
A Tecnologia da Informação leva a crer que os aplicativos de estatísticas
computadorizados e de sistemas de informação geográfica, sistemas de análise
criminal, tendo como objeto de análise coleções de bases nacionais de dados
agregados, como os modelos estadunidenses, Centro Nacional de Informação
Criminal (NCIC) e Sistema de relatórios Padronizados de Criminalidade (UCR),
constituem o atual tope de linha das ferramentas de controle que atuam a partir
da tradicional criminalização e controle social penal para quais os vivos são
terminais, constituintes de uma servidão maquínica.
_____________________________Capítulo II___________________________
Confiança e tecnologias produtoras de suspeitas
Na sociedade de controle nada é acabado. Passetti atribui a esta sociedade a
capacidade de gestar, programar e inventar um controle inacabado, que necessita
de reformas ou de uma retórica de reformas (Passetti, 2003c). O Plano Nacional
de Segurança Pública e o Projeto Segurança Pública para o Brasil cristalizam o
esboço geral de reformas.
Os PNSP e PSPB pretendem uma finalidade, no caso, o aperfeiçoamento da
segurança pública brasileira, fins políticos precisos. Em função da existência
dessa finalidade, de investimentos, de objetivos, dá-se sempre a possibilidade de
se introduzir um momento no qual parecerá oportuno algumas correções,
alterações, retificações, medidas alternativas. O PNSP e o PSPB incorporam em
seu próprio corpo de texto o esboço geral de reformas e remetem a novas
reformas. A validade de cada reforma opera pelo curto prazo, incitando à certeza
de que “novas reformas de prevenção geral necessitam ser refeitas” (Passetti,
2003: 45).
Julita Lemgruber
17
, referindo-se ao Plano Nacional de Segurança Pública de
2000, faz alguns apontamentos positivos, tratando-o como um plano promissor
para o governo federal assumir a responsabilidade de enfrentar o gravíssimo
quadro de violência urbana e rural no país; pois, permanecendo na órbita do
Ministério da Justiça, fica claro que o governo federal reconhece a segurança
pública como uma questão de caráter civil, radicalmente distinta dos assuntos de
segurança nacional. De outro lado, a autora refere-se a alguns pontos negativos,
como falta de prioridades, estabelecimento de metas, cronograma de desembolso,
critérios que definam a forma de financiamento dos projetos e o montante de
recursos alocados a cada um, e sugere alguns modelos, como o da distribuição
dos recursos utilizado pelo Departamento de Justiça norte-americano que
estabelece mecanismos associados a dispositivos legais que restringem a
discricionaridade, garantindo aplicação nos melhores projetos. Refere-se ao
critério de proporção anual que possa estabelecer que um percentual de recursos
seja aplicado em pesquisas criminológicas e na criação de base de dados
criminais. Nesse caso, “a face mais visível de informações qualificadas sobre
segurança pública traduz-se, justamente, na generalidade das metas e objetivos
do Plano”
18
. Lemgruber sugere que a alocação de recursos também poderia
17
Julita Lemgruber. “Como salvar o Plano?” in O Globo. Rio de Janeiro, 21/09/2000.
18
Idem.
acontecer por um critério de seleção de projetos e prioridades, ou pela urgência
da situação criminológica local
19
.
A sociedade de controle ao necessitar de reformas ou de uma retórica de
reformas, põe em jogo um constante fluxo de avaliação e monitoramento.
Imediatamente ao lançamento do Plano de 2000, diante da questão do
monitoramento das propostas e ações implantadas, propô-se o Fórum Permanente
contra a Violência, ativou-se o controle externo de ONGs, da mídia e da
sociedade, com base no atributo da experiência democrática.
A presença de avaliações, monitoramentos e discussões pautam correlações de
retóricas que não deixaram de se reforçar, contradizer, transformar, inverter,
afetar, aplicar. Movimentando e majorando o debate relativo à segurança pública,
através de prefeituras que se articularam em fóruns regionais — como o Fórum
Metropolitano de Segurança Pública
20
—, fóruns temáticos proporcionado por
19
A SENASP passou a elaborar a partir de 2003 índices de distribuição dos recursos do Fundo Nacional
de Segurança Pública, determinando o percentual de recursos direcionados a cada UF e municípios. Entre
2004 e 2005 os recursos foram distribuídos com base num índice constituído pela agregação de fatores
estatísticos, privilegiando as UF que estavam com melhor capacidade de tratamento e sistematização da
informação e que possuíam os maiores efetivos e incidência criminal. Uma nova composição do índice
foi utilizada em 2006, a partir da necessidade de avaliar também ações apreendidas pelas organizações de
segurança pública cujo objetivo fosse reduzir a violência e a criminalidade.
20
O Fórum Metropolitano de Segurança Pública foi fundado em março de 2001. Resultado de processo
de articulação, organização e mobilização de prefeitos iniciados em novembro de 2000, durante a
realização do seminário “São Paulo sem medo”, organizado pelo Instituto São Paulo Contra a Violência,
o Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e a TV Globo de São Paulo. É uma organização informal
que congrega prefeitos de 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, especialistas,
universidades, institutos e ONGs — como o Fórum Nacional contra a violência
—, conferências — como “Cidade Cidadã: as diversas formas de superação da
violência” realizada pela comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da
Câmara dos deputados — seminários — como o “Que política de segurança
queremos”, aonde foi criado o Movimento popular das favelas no Rio de Janeiro.
Em 2003, o PSPB veio incrementar reformas cuja temática não era nova, mas
atualizadas: a integração da polícia federal, estadual e municipal; troca de
informações e operações conjuntas; proposta de aproximação da Polícia Militar e
Civil (com unificação das áreas de atuação, das escolas de formação e de
equipamentos de comunicação); definidas a partir de seis eixos:
1. gestão unificada da informação
2. gestão do sistema de segurança
3. formação e aperfeiçoamento de policiais
4. valorização das perícias (ênfase na investigação dos
crimes)
5. prevenção
6. ouvidorias
21
independentes e corregedorias unificadas
representantes da sociedade civil, do governo estadual e federal, para propor, discutir, avaliar e apoiar
ações para redução da violência na Região Metropolitana de São Paulo.
21
A primeira ouvidoria de polícia foi instituída no Estado de São Paulo em 1995, a partir daí, instalou-se
em outros Estados como Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e
Paraná. Culminou posteriormente na criação do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, órgão
consultivo do Ministério da Justiça.
Todos os seis eixos convergem ao fluxo infomacional eletrônico. Em que,
“a implantação de um sistema único informatizado, o
desenvolvimento do geoprocessamento e a conseqüente racionalização
operacional e administrativa oriunda do uso competente desses
recursos são a forma pela qual a informação poderá ser corretamente
administrada. Na atualidade, rejeitar esses instrumentos é confessar
publicamente a abdicação dos objetivos das polícias e da segurança
pública, pois não se consegue controlar, previnir e atuar em um
universo sem seu conhecimento sistemático e dinâmico. Essa
resistência corporativa, que isola polícias, bombeiros, departamentos
de trânsito, defesa civil e sistemas penitenciários impede um trabalho
realmente útil para a cidadania” (PSPB, 2003: 23).
A afirmação de Bratton relativa à localização do inimigo em Nova York, baseou-
se, segundo Wacquant, na perseguição permanente dos pobres no espaço público
(ruas, parques, estações ferroviárias, ônibus, metrô, etc), através da aplicação
inflexível da lei sobre delitos menores, de meios complementares à polícia
ostensiva, e à expansão horizontal da rede penal pelo aparato do COMPSAT.
Este sistema estatístico informatizado “permite a cada comissário e a cada
patrulha distribuir suas atividades em função de uma informação precisa,
constantemente atualizada e geograficamente localizada, sobre o incidente e as
queixas em seu setor” (Wacquant, 2001: 27). O uso desse sistema implicava na
segmentação da cidade por comissariados que segundo Wacquant se
transformavam em “centros de lucros” (Idem: 27) sendo “o lucro em questão a
redução estatística do crime registrado” (Idem).
Wacquant associa a ampliação considerável do sistema penal à extensão
horizontal da rede penal caracterizada pela proliferação de bancos de dados
criminais e pela “decupilação dos meios e dos pontos de controle à distância que
estes permitem” (Wacquant, 2001: 84). A história dos bancos de dados
centralizados nos EUA remete à empreitada do Law Enforcement Administration
na década de 1970 e 1980, de implantação de bancos de dados pelas polícias,
tribunais e administrações penitenciárias. Ferramentas que hoje, segundo
Wacquant, “se proliferam em todas as direções” (Idem: 85), resultando de uma
ativa sinergia entre as funções de “captura” e de “observação” inerentes ao penal.
Há nos EUA bancos de “fichas criminais” (prontuários) disponibilizados via
Internet — em estados como Illinois, Flórida e Texas — a administrações
públicas e organismos privados. Para Wacquant a circulação desses dados
“coloca não apenas os criminosos e os simples suspeitos de delito na alça de mira
do aparelho policial e penal, mas também suas famílias, seus amigos, seus
vizinhos e seus bairros” (Idem).
A gestão unificada da informação apresentada pelo PSPB como estratégia para se
fazer cumprir os eixos e as propostas de segurança, define a necessidade de se
realizar um monitoramento extremo sobre a ação da segurança pública nos
estados, tendo como principal fonte a população, através de corregedoria das
polícias, conselhos consultivos, comissões civis, ouvidorias de polícias, com
atribuições de fiscalização e investigação
22
.
“Serão criados órgãos para receber as reclamações da população e
identificar possíveis abusos da ação policial. A corregedoria vai
fiscalizar os atos dos policiais civis e militares. O objetivo é realizar o
controle extremo sobre a ação da segurança pública nos estados”
(PSPB, 2003: 33).
A constituição de 1998, ao institucionalizar o princípio de participação direta na
gestão pública possibilitou que a fiscalização e gestão corporificassem esse
princípio de participação através das consultas populares, conselhos gestores de
políticas públicas, orçamento participativo e ouvidorias. A proposta de
ouvidorias autônomas e independentes consta do PSPB, como mecanismo
legítimo de exercício — mediante denúncia e registro — de defesa dos direitos
do cidadão que tenha sofrido algum tipo de violência policial.
Julita Legrumber (et al., 2003) afirma a necessidade das ouvidorias assumirem o
papel de denúncia, investigação e supressão dos desvios de conduta policial, bem
como a prevenção destes desvios, exercitando o papel de auditoria e fiscalização
22
Segundo o próprio plano, parte de um projeto de constituir uma polícia democrática, transparente e que
tenha atuação baseada na legalidade. “A criação de Ouvidorias de Polícias, a primeira das quais instituída
no Estado de São Paulo em 1995, representou a maior inovação na Segurança Pública no que tange à
fiscalização externa da atividade policial. A partir do Estado de São Paulo, a experiência de Ouvidorias de
Polícia atingiu outros Estados, como Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande
do Norte e Paraná, culminando com a criação do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, órgão
consultivo do Ministério da Justiça” (PSPB, 2003: 36).
das polícias, viável através do acesso a todas as informações policiais relevantes,
a banco de dados informatizados ou não, a cadastros, registros, processos, fichas
disciplinares e outras fontes sobre o comportamento policial. Demanda a
necessidade de triagem prévia das queixas, para reduzir o risco de falsas
denúncias e para evitar que os órgãos de correição sejam inundados por
denúncias sem substância.
A primeira corregedoria de polícia foi criada em 1995, com o objetivo de apurar
denúncias encaminhadas contra polícias civis e militares, constituindo junto às
ouvidorias o controle externo da polícia junto ao Ministério Público. Julita
Lemgruber afirmará, ainda, que a atuação das corregedorias limita-se pelo seu
corporativismo por designar um outro policial militar para apurar fatos que
envolvem policiais. Neste sentido recomenda que representantes da sociedade
civil atuem dentro da corregedoria acompanhando desde a entrada da denúncia
até o seu desfecho. Segundo os autores (Lemgruber et al., 2003), para que as
ouvidorias e corregedorias sejam legítimas é preciso que sejam autônomas, que
tenham seu titular escolhido por órgão independente do poder fiscalizado. A
ouvidoria de polícia do Estado de São Paulo constitui um modelo citado no
PNSP. Foi criada pela mobilização democrática e popular dos militantes de
direitos humanos, na década de 1990, sob apoio do então cardeal-arcebispo D.
Paulo Evaristo Arns. O primeiro ouvidor do Estado conseguiu que fosse votada a
lei hoje vigente que atribui a escolha do ouvidor ao conselho estadual da pessoa
humana e que as ações fossem definidas não apenas pelo titular do cargo, mas
por representantes da sociedade civil.
Os conselhos estaduais de segurança pública são, por sua vez, órgãos do governo
a que competem formular, deliberar e supervisionar a implementação das
políticas de segurança no estado. Devem realizar estudos técnicos sobre as
questões de sua competência e promover a integração dos órgãos que compõem o
sistema de justiça e de segurança, assim, incorporam a participação da sociedade
na formulação das políticas do setor.
Os PNSP e PSPB representam exemplos das tendências de integração e
participação da sociedade civil, cuja institucionalização seguiu e segue um
itinerário ativado pelos movimentos sócias, constituição de 1988 e instituição das
leis orgânicas municipais. Segundo Silvana Tótora este itinerário traduz “anseios
por inclusão na maioria (...). As inúmeras políticas de inclusão são traduzidas em
dispositivos jurídicos que conferem legalidade e legitimidade dos direitos”
(Tótora, 2006: 242) e inflam enunciados que se caracteriza pela identificação e
inclusão; forças de captura. “Problematizar a democracia participativa é situá-la
como um novo dispositivo de controle para conter os fluxos vivos que escapam,
ou que os procedimentos majoritários de representação não conseguem conter”
(Idem).
Problematizar a democracia participativa nos remete às observações de Foucault
(2004) relativas à sociedade civil. Ele situa a sociedade civil como
governamentalidade dos indivíduos que dentro do espaço de soberania são
sujeitos de direito e homo economicus. Novo conjunto característico da arte
liberal de governar que precisou de um campo de referência novo, para que
pudesse conservar características globais sobre o conjunto do espaço de
soberania, para que não fizesse do soberano um geômetra da economia, para que
essa arte de governar não tivesse que cindir em governar economicamente e
governar juridicamente. O novo campo de referência tornou-se a sociedade civil.
Para Foucault, a sociedade civil é uma tentativa de responder ao fato de se ter de
governar segundo regras de direito um espaço povoado por sujeitos econômicos.
Nesse sentido, não se trata de uma idéia filosófica, mas de uma tecnologia
governamental. Trata-se da autolimitação da arte de governar para que não se
transgrida nem a economia e nem os princípios de direito, para que não se
transgrida igualmente a exigência de generalidade governamental e nem a
necessidade de uma onipresença de governo.
É preciso ser muito prudente frente à associação da sociedade civil a um dado
histórico-natural, princípio de oposição ao estado ou às instituições políticas. Não
se trata do que escapa ao Estado, de uma realidade que escapa e que se insurge
contra o governo, ou ao aparelho de tecnologia governamental moderna.
Remanejo de uma rate de governar que pretendendo a regulagem do exercício do
poder segundo o cálculo da força, cálculo das relações, das riquezas e dos fatores
de potência, regra o governo pela racionalidade. Trata-se de regular o governo
sob a racionalidade desses que são governados, como sujeitos econômicos e de
interesse no sentido mais geral do termo. Os diferentes tipos de arte de governa
que recobrem uns aos outros constituem o debate político do século XIX. Do
debate das diferentes forças e enfrentamentos que as artes de governar suscitam é
que nasce, para Foucault, a política.
Esta análise de Foucault parece mais premente do que nunca quando analisamos
a modalidade participativa da democracia na passagem do século XX ao XXI. A
participação, estimulada, reforçada e imperativa faz crer e produzir, segundo
Passetti, um indivíduo que precisa mostrar que está vivo. “Se não estiver segundo
a produção — e nisto a sociedade de controle se diferencia da disciplinar — está
enquanto agente político de participação democrática” (Passetti, 2003c: 257).
No neoliberalismo os indivíduos são identificados, segundo Grahan Burchell
(1996), de um lado como objeto e alvo da ação governamental e de outro lado
como um modo necessários de parceria e cumplicidade de governar.
Para Passetti, incerteza, confiança e tolerância “são termos de um novo triângulo
que sustenta a segurança na sociedade de controle” (Passetti, 2003: 278).
Alocam-se no interior da sociedade civil, majorando-a.
No Projeto Segurança Pública para o Brasil a confiança é citada como criação de
vínculos entre o Estado, governo e sociedade civil. Segundo Foucault o ódio e
desconfiança em relação aos dispositivos de segurança e controle demonstram a
percepção de um ponto singular, de que o poder se exerce em detrimento do
povo.
Este controle externo exercido pela população a título de transparência,
fiscalização, participação e criação de vínculos, articula-se à determinação de
circunscrições, loteamentos, zoneamentos operacionais, chamados áreas
integradas de segurança pública (AISPs).
“Cada experiência será um piloto, cujo efeito-demosntração apontará
caminhos e despertará a convicção de que é possível mudar, desde que
se empregue a metodologia apropriada, desde que haja articulação
suficiente entre as instâncias governamentais mobilizadas e desde que
se leve realmente a sério a indispensável participação da sociedade
civil” (PSPB, 2003: 19)
As AISPS compõem as “Reformas Substantivas na esfera da União e do Estado”,
como elemento do Sistema Único de Segurança Pública, ao lado da unificação
progressiva das academias e escolas de formação. Partindo da integração
“progressiva”, “gradualista”, “paulatina e em médio prazo” das polícias estaduais
e federais, de suas estruturas, rotinas e procedimentos.
“Esse sistema de segurança pública unificado não se confunde com a
junção das funções institucionais, legais, das polícias. Pressupõe, isso
sim, a unificação da formação, da requalificação, das rotinas e das
áreas de atuação das polícias civis e militares. A formação unificada
das polícias é fator imprescindível para a integração coordenada,
profissional e ética do trabalho preventivo e investigativo, tendo
sempre como destinatário o cidadão, a sua defesa e a proteção de seus
direitos” (PSPB, 2003: 31).
As AISPs, são as áreas que integram a atuação, rotinas operacionais de ambas as
polícias, trabalho cooperativo cotidiano desde a análise atenta da dinâmica
criminal até a avaliação do desempenho policial.
“O planejamento e as ações policiais devem passar a ser
compartilhados, de forma descentralizada, estimulando-se as
iniciativas policiais locais, sem prejuízo da supervisão centralizada,
necessária para o nível local. A experiência cooperativa servirá para
derrubar tabus corporativistas e para demonstrar as virtudes da
integração entre as diversas etapas do ciclo policial” (PSPB, 2003:
32).
Através das AISPs sugere-se a divisão do estado em circunscrições territoriais,
pautada pela correspondência à área de atuação das delegacias distritais,
circunscrições dos batalhões da Polícia Militar e delimitações espaciais
correspondentes a bairros ou regiões administrativas, vinculação aos planos
diretores de desenvolvimento urbano dos municípios e respectivos estados,
respeitando variáveis demográficas, sociológicas, econômicas, urbanísticas,
geográficas e estatísticas.
As AIPS vinculam escaneamentos e esquadrinhamentos de dados, desde a coleta
até a difusão, sob o pretexto do acoplamento de regiões administrativas e da
tentativa de se evitar generalizações. A articulação de dados e avaliação por
localidades, segundo este princípio, torna-se mais criteriosa, detida, sensível a
variações de acordo com uma tipologia de crimes e territórios do estado, num
determinado intervalo de tempo. Espera-se que políticas possam ser pensadas
setorialmente.
O esquadriamento e setoriamento de dados lança mão de técnicas de análise
espacial para elaboração de diagnósticos da dinâmica da criminalidade que se
constituem como ferramenta fundamental para o desenho de políticas públicas e
estratégias de ação operacional nos níveis geográficos mais diferenciados: ruas,
bairros, municípios estados e Brasil como um todo.
Além da avaliação criminal, espera-se aplicar método criterioso de
avaliação policial, de eficiência cooperativa na luta contra o crime e o respeito
aos direitos humanos
23
.
23
Destaca-se que o PSPB supõe, com a integração das polícias e com uma formação baseada nos direitos
humanos, superar um modelo de polícia que toma o cidadão como inimigo interno e que remete à Lei de
Segurança Nacional e à Doutrina de Segurança Nacional.
A cada AISP sugere-se que corresponda uma Comissão Civil Comunitária
de Segurança, que por caráter consultivo, reunirá representantes das polícias
locais e representantes da sociedade civil. A intenção será a de discutir problemas
específicos da AISP, elaborar agenda para o trabalho policial e colocar o próprio
trabalho policial à apreciação pública. Entre as finalidades das comissões estão:
aproximar as instituições policiais da comunidade e ativar credibilidades,
confiança e sentimento de segurança; aprimorar o combate ao crime através do
apoio dos que convivem com os problemas no cotidiano; e elevar o grau de
consciência comunitária sobre a complexidade dos problemas relativos à
segurança pública. Estas finalidades visam laços de cooperação caracterizados
pelo Projeto Segurança Pública para o Brasil como “uma nova aliança” ou “uma
nova modalidade de pacto com a sociedade” (PSPB, 2003: 17).
“Não há política de segurança conseqüente sem participação e
transparência, sem confiança popular nas polícias e nas instituições
públicas — e todos sabem que, frequentemente, o policial
uniformizado na esquina é a face mais tangível do
Estado. Além disso,
uma política consistente precisa moldar-se às peculiaridades variáveis
dos contextos sociais e só pode ser eficaz se enfrentar a insegurança
pública como uma problemática multidimensional — vale insistir —,
que supera o âmbito exclusivo da criminalidade. Por isso, o comando
unificado sugerido acima, que reunirá várias secretarias de estado,
municipais ou ministérios, depois de selecionadas as áreas de
intervenção, a partir da análise da gravidade dos problemas, deverá
mergulhar na vida de cada uma das comunidades-alvo, aplicando a
metodologia de mapeamento interativo e participativo dos problemas
e das prioridades” (PSPB, 2003: 19).
A participação da sociedade civil é delineada como indispensável para
diagnosticar, selecionar prioridades e identificar de metas e processo de avaliação
dos projetos implementados. Cita-se também a importância da denúncia bem
como da delação premiada no âmbito do estímulo à verdade processual, apuração
e punição.
No sistema penal codificado brasileiro, tendo como fundamento o "estímulo à
verdade processual" (Exposição de Motivos da Lei n. 7.209/84), está prevista a
"confissão espontânea" (CP, art. 65, III, "d") como circunstância atenuante.
Doutrina que reclamou qualquer forma de garantia ou sistema de proteção da
segurança do próprio delator ou de sua família, que ficava jogado à própria sorte;
a doutrina reclamava a instituição de programa específico para proteção das
vítimas e testemunhas, pois o "código do silêncio" revelou-se ser uma das
principais dificuldades no combate à criminalidade, diante do temor das pessoas
em testemunhar fatos delituosos presenciados ou dos quais tenham sido vítima ou
deles participado.Com a publicação e vigência imediata da Lei n. 9.807, de
13.7.1999, foram estabelecidas "normas para a organização e a manutenção de
programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas", instituiu-
se "o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas" e
dispôs-se "sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham
voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao
processo criminal"
Ao denominar "réus colaboradores" os acusados ou indiciados que tenham
voluntariamente colaborado com a investigação e o processo criminal (art. 13),
utiliza-se de eufemismo para evitar termos como ‘delator’ ou mesmo ‘traidor’,
cabendo ressaltar, como enfatizou Damásio E. de Jesus ao referir-se à delação
premiada na Lei 9.034/95, que não é pedagógica, porque ensina que trair traz
benefícios; sendo eticamente reprovável (ou, no mínimo, muito discutível), deve
ser restringida ao máximo possível
24
.
Essa “nova aliança” com a sociedade favorece a metodologia de policiamento
denominada “comunitária”, de “proximidade” ou “interativa” e orientada a
problemas, resultado de uma inversão paradigmática, que se consolidou em
alguns países na segunda metade dos anos 1980, enfatizando a prevenção junto à
resposta ao crime, atribuindo prioridade à capacidade de controle e redução da
criminalidade, em que se recomenda o diálogo entre policiais e a população.
Deste modo, encara-se a implantação do policiamento comunitário como um
processo “lento, progressivo e perene” (Dias Neto, 2000).
As AISPs, operam uma ótica de observação dos dados sobre criminalidade, são
zonas de inscrições de dados desenhadas de modo a serem compatíveis com as
24
Cf. Damásio Evangelista de Jesus. Código penal anotado. São Paulo, Saraiva, 2004.
divisões administrativas das prefeituras, que são as referências imediatas dos
indicadores demográficos e sócio-econômicos, bem como a base sobre a qual se
organiza o planejamento e a oferta dos serviços municipais. Visam um território
em foco. Sobretudo, a AISP converge sobre si uma unidade de monitoramento,
de avaliação, de controle e supervisão. A potencialidade da delinqüência
funciona, segundo Foucault (2002d), como fomentadora de um observatório
político em que os estatísticos e os sociólogos se utilizam por sua vez bem depois
das polícias. Interessa que dados e informações possam ser produzidos sobre ela
e comparados com outras AISPs. Daí a importância do emprego do
geoprocessamento na aplicação de análise de dados e análise criminal. Dados
pertinentes devem ser aplicados na cartografia digital do território em foco. Desta
forma a análise pode ser acurada por regiões, definindo estratégias locais
concentradas.
A geração de informações sobre a distribuição temporal e espacial de
incidências de crime, é importante por fornecer matérias primas para um melhor
entendimento de causas e fatores de risco, importante para o planejamento
estratégico das atividades de combate ao crime e para gerar subsídios para o
aumento da eficiência operacional nessas atividades. Supõe o geoprocessamento
como uma ferramenta de apoio analítico indexada a softwares e dependente de
um fluxo informacional canalizado, integrado. Majora, por sua vez, o
afetar a melhoria nos índices de denúncia, de registro de ocorrência e na
qualidade das informações geradas pela polícia.
De acordo com o Plano de Segurança as finalidades das AISPs poderiam
ser assim sintetizadas: integrar polícias entre si e a comunidade com agências
públicas prestadoras de serviços; adequar as forças policiais às demandas
específicas; integrar as forças de segurança estaduais e municipais em sintonia
com a realidade de cada região; racionalizar os recursos de segurança pública,
incorporando os serviços públicos essenciais ao planejamento estratégico das
organizações policiais; possibilitar a participação da comunidade local na gestão
da segurança; avaliar e prestar contas regular e transparente dos serviços de
segurança; transferir a autonomia decisória e operacional para cada localidade e
para os agentes de ponta; articular as atividades das áreas ao conjunto de
diretrizes e programas que compõem a política de segurança do estado e formular
estratégias que transcendam os problemas da esfera local através da observação
comparada.
Segundo Relatório de Atividades da Coordenação Geral de Pesquisa e
Análise da Informação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (2006); os
eixos estratégicos do Plano Nacional de Segurança Pública e no Projeto
Segurança Pública para o Brasil, a SENASP estabeleceu como prioridade, desde
2000, iniciar a construção de um sistema integrado de gestão do conhecimento e
de informações policiais, que contasse com uma implantação em âmbito
nacional. A SENASP entendia que
“este projeto era um dos espaços fundamentais para renovar,
em bases participativas, o pacto federativo. Por esta razão, todas as
ações relacionadas à construção do sistema, desde o seu planejamento
até a sua implantação, contou, até o presente momento, com
representantes das 27 unidades federativas, assim como com policiais
e especialistas de todo o Brasil na área de segurança pública”
(SENASP, 2006: 3)
O sistema foi elaborado para que se dividisse em três módulos principais,
para que não se restringisse exatamente à coleta e disseminação de
conhecimentos restritos às informações estatísticas. Deveria, portanto, coletar e
disseminar monografias, experiências e práticas de prevenção, registro e análise
de informações de segurança pública e justiça criminal.
modelo de arquitetura
fonte: Relatório de Atividades. Coordenação Geral de Pesquisa e Análise da Informação.
SENASP, 2006.
Constata-se, neste relatório, um histórico da inadequação da coleta e
tratamento de informações no Brasil, apesar do compromisso de
desenvolvimento de um Sistema Nacional de Segurança Pública apresentado no
PNSP com a intenção de construir uma base de dados mais sólida.
“Nos últimos oito anos, tivemos a frente do Ministério da
Justiça dez titulares de pasta. As inúmeras mudanças no quadro de
dirigentes impossibilitaram a construção e institucionalização de uma
política nacional para a área de produção de estatísticas de segurança
pública. Este cenário levou à criação de uma estrutura artesanal de
levantamento de informações de segurança pública, caracterizada pela
falta de periodicidade no envio das informações para a SENASP, pela
falta de clareza nos conteúdos das estatísticas informadas e pela
informalidade no relacionamento entre a SENASP e os estados. Este
processo, que teve início em 2001, produziu um acúmulo de
informações não qualificadas remetidas pelos estados, que salvo
exceções, permaneciam “estocadas” na SENASP, sendo muito pouco
utilizadas” (SENASP, 2006: 4).
Durante o trabalho de diagnóstico identificou-se, ainda, que o processo de
sistematização dos dados realizado na SENASP nos anos anteriores, em razão de
limitações técnicas, tecnológicas e operacionais, “era acrítico e continha uma
série de erros de digitação dos dados contidos nos formulários emitidos pelos
estados e problemas no resgate das informações, gerando duplicidade na
totalização dos registros e, com isso, informações distorcidas acerca da
incidência criminal nos estados” (Idem: 5-6). Portanto, a SENASP, tal como
aparece no PNSP, passou a pautar uma reforma na política de tratamento das
informações criminais baseadas na confiabilidade, credibilidade e transparência
das informações que seria o norte para a proposta do Sistema Nacional de
Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal, cujo projeto, procura
atender as diretrizes:
“1-Promover a credibilidade, a integridade e a qualidade das
informações oficiais e, com isto, contribuir para reforçar a confiança
pública nos órgãos de segurança pública e justiça criminal;
2-Democratizar o acesso ás informações institucionais, administrativas
e operacionais dos órgãos de segurança e justiça criminal, de forma a
possibilitar o monitoramento e a participação responsável dos cidadãos;
3-Servir como uma instância de integração entre os órgãos de
segurança pública e justiça criminal, e destes com outros atores
governamentais e não governamentais e com a sociedade civil,
promovendo a gestão do conhecimento (produção, análise e utilização
das informações) como condição fundamental para a renovação e
modernização continuadas das organizações de segurança pública e
justiça criminal;
4-Atuar como um instrumento de gestão para o planejamento,
execução e avaliação de políticas de segurança pública nacionais,
regionais e locais, de forma a possibilitar o aperfeiçoamento das
políticas públicas de segurança e o seu monitoramento responsável e
qualificado pelos operadores e dirigentes dos órgãos de segurança
pública e justiça criminal;
5-Promover, por meio da difusão da cultura do uso operacional da
informação, a melhoria constante dos padrões de eficiência e
efetividade dos órgãos de segurança pública e justiça criminal, assim
como a inovação destes órgãos;
6-possibilitar a elaboração de diagnósticos qualificados e consistentes
buscando promover a excelência no campo das informações e ampliar
o universo do debate técnico nas temáticas da segurança pública; e
Incorporar outras fontes de informações para além das ocorrências
criminais da polícia judiciária (polícia civil), incorporando outros
produtores de dados que são fundamentais para a compreensão e
atuação sobre as dinâmicas da criminalidade e da ordem pública”
(Idem: 6-7).
No Plano Nacional de Segurança Pública há uma referência aos participantes da
construção do Sistema Nacional de Segurança Pública e Subsistema de
Inteligência de Segurança — atualizados no Projeto Segurança Pública para o
Brasil como Sistema Único de Segurança Pública —, mas não há referências a
quem são os produtores e usuários potenciais das informações — ao menos
quando se cita que ações de inteligência são úteis para polícia e para população.
Segundo Relatório de Atividades (SENASP, 2006) devem atuar as Secretarias e
departamentos do ministério da justiça, outros ministérios e outras secretarias,
secretarias estaduais de segurança pública, justiça e direitos humanos,
organizações policias e guardas municipais, ouvidorias e corregedorias,
universidades, institutos de pesquisa da área de segurança, sistema penitenciário,
poder judiciário, ministério público e sociedade civil. Devem coletar e fornecer
informações para acompanhamento das políticas criminais de segurança e justiça
criminal; de políticas públicas e acompanhamento de suas execuções; de
planejamento de políticas estaduais de segurança pública; para qualificação de
planejamento e implantação das ações policiais; para qualificação das iniciativas
de controle dos órgãos policias, para incrementar a prática de pesquisa, para
incrementar ações do sistema penitenciário; para monitoramento e avaliação do
fluxo de justiça criminal e para construção de indicadores da performance
criminal.
Esta produção e circulação de informações, lança mão de uma rede distribuída,
para qual a operacionalidade exige uma arquitetura de sistema, relatada desde o
Plano Nacional de Segurança Pública como um sistema e programa, o Infoseg,
para o qual
“Os softwares pertinentes devem ser desenvolvidos e um Centro de
Processamento de Dados, apto a interligar todas as delegacias de cada
estado, tem de ser imediatamente instalado. Será de grande
importância que as categorias criminais e o padrão de coleta das
informações sejam nacionalmente uniformizados. A informatização é
muito mais do que a troca de máquinas de escrever por computadores;
é a instauração de procedimentos ágeis de organização e
disponibilização de informações; é também a criação de mecanismos
rigorosos de acompanhamento e controle da própria ação policial.
Sobretudo, é a condição para o estabelecimento de comunicação
permanente entre as unidades policiais e os bancos de dados das
instituições pertinentes ao campo da segurança pública. Em outras
palavras, a informatização criativa e original das delegacias permitirá
que os gestores de segurança pública, da ponta operacional ao centro
supervisor, saibam exatamente quais crimes foram cometidos, onde,
quando e como, em todo o estado. O geoprocessamento, já
mencionado, oferece o mapa digitalizado dos estados como o
ambiente de inscrição de dados, de modo que se possa visualizar o
deslocamento das manchas criminais, as mudanças em suas
dinâmicas, as migrações e as metamorfoses que são as respostas dos
perpetradores ao combate repressivo” (PSPB, 2003: 34).
Investiu-se no desenvolvimento do primeiro software gratuito de análise espacial
voltado para a análise criminal, o TERRACRIME. A ação da SENASP alinha-se
à política adotada pelo governo federal de incentivar a construção e a
disseminação de softwares livres, “em detrimento aos altos custos dos softwares
comerciais que impõe, sobretudo, um aprisionamento tecnológico do seu usuário
no intercâmbio de dados e informações com plataformas de dados concorrentes,
dificultando a integração de dados e informações que são decisivas para o
sucesso de políticas e programas intersetoriais tão comuns na área de segurança
pública” (SENASP, 2006: 35).
O TERRACRIME foi concebido no âmbito do Departamento de Pesquisa,
Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública, a
partir da constatação de que as administrações anteriores da SENASP não
desenvolviam nenhuma atividade de análise espacial (geoanálise) com os dados
que estavam disponíveis nos anos anteriores. Avalia-se, segundo o relatório, que
nem mesmo se incentivava as instituições de segurança pública estaduais a
incorporar a variável espacial em seus diagnósticos e planejamentos
operacionais, embora já fosse recomendado pelo PNSP desde 2000.
“Esta situação se dava apesar do departamento possuir duas licenças
do softwear MapInfo e de grande parte da equipe ter recebido
treinamento na utilização do software. Este fato encontrava explicação
em dois pontos: baixa qualificação na capacidade de interpretar os
fenômenos da criminalidade e, sobretudo, em relação ao seu aspecto
espacial; e maior parte dos softwares possuem uma interface voltada
para o usuário com qualificação técnica em geoprocessamento. (...)
Estes fatores aliados a outros como, altos custos de aquisição e
implantação do sistema, a necessidade de bases de dados
sistematizadas e existência de base cartográfica, justificam o pouco
uso das ferramentas de análise espacial nas instituições policiais”
(SENASP, 2006: 36).
Há uma abordagem especial no Relatório de Atividades (SENASP, 2006)
referente ao monitoramento espacial da criminalidade em ambiente urbano.
Aonde a análise espacial é tida como uma possibilidade de se agregar novas
“oportunidades de compreensão da dinâmica criminal e violenta” (Idem, p.35),
instrumento também de políticas focalizadas, tal como entendia-se no PNSP e
PSPB.
Para Foucault, relações de poder nos remetem a formas de dominação às quais,
por sua vez, se referem noções como campo, posição, região, território. E em tais
noções vislumbra-se a guerra, a administração, a implantação da gestão de um
poder. “A descrição espacialista dos fatos de discursos abre para a análise dos
efeitos de poder que lhe estão ligados” (Foucault, 2003d: 182). O mapa é um fato
histórico e político interessante, tratando-se de uma obrigação e imposição até
que se atualiza como território e lugar. Sendo os trabalhos geográficos de
proveito considerável para os aparelhos de poder, já que a geografia é uma
disciplina que utiliza sistematicamente a inquirição, medida e exame,
presentificando constantemente o inventário ou o catálogo, pouco utilizáveis em
seu estado bruto e utilizáveis pelo poder, a medida que “o poder não tem
necessidade da ciência, mas sim de uma massa de informações que ele está, por
sua posição estratégica, em condições de explorar” ( Foucault, 2003d: 186).
Uma das referências para a SENASP de software livre no campo de geoanálise,
era a do Laboratório de Estatística espacial da UFMG, que já havia utilizado os
Sistemas de Informação Geográfica junto à Polícia Militar de Minas Gerais e o
Projeto Saudável da Divisão de Processamento de Imagens (DPI) do Instituto
nacional de pesquisa Espaciais (INPE), que desenvolve o programa
Geoinformação à Serviço da cidadania.
O projeto Saudável é uma parceria entre INPE, FIOCRUZ, UFMG, UFPR, e
PRODABEL cujo objetivo principal é desenvolver métodos, algorítimos,
softwares e ferramentas tecnológicas em geral, indispensáveis para construção de
sistemas de vigilância epidemiológica e de controle de endemias, a partir de
dados espaço-temporais do sistema de saúde. Mais uma vez estebalece-se aqui
uma relação entre os controles endêmicos e epidêmicos e os processos de
segurança.
Após desenvolvido, o TERRACRIME “foi implantado em caráter piloto no
estado do Rio Grande do Sul, mais propriamente na cidade de Porto Alegre, que
possui mapas cartográficos digitais e bases de dados adequadas para o
georeferenciamento. Esta avaliação piloto ocorreu entre outubro de 2003 e maio
de 2004, caracterizando-se como uma experiência que, avaliada e aperfeiçoada,
deverá ser gradualmente estendida a todos os estados” ( SENASP, 2003: 37).
A gradual extensão para os estados supõe a realização antecipada dos seguintes
produtos:
Administração de curso de Gestão de Segurança Pública em seis Regiões
Metropolitanas brasileiras caracteristicamente violentas. Envolvendo as
áreas temáticas: Sistemas geográficos de Informação, Bando de Dados —
Importação e Exportação de Dados, Visualização de Dados Geográficos,
Visualização e Apontamentos de Dados Tabulares, Manipulação de Dados
Tabulares e Técnicas Avançadas de Análise Espacial.
Administração de curso de Gestão de Segurança Pública por meio do
Sistema de Educação à Distância administrado pela SENASP
Elaboração do livro Gestão de Segurança Pública.
Tem-se como requisitos para extensão e implementação aos estados a existência
de base cartográfica digital (logradouros georeferenciados); existência de bases
de dados de registros policiais com endereços georefenciados, seja de vítimas, de
Embora o software TERRACRIME já estivesse desenvolvido em 2004, só em
2006 é que recursos financeiros suficiente foram disponibilizados para as
atividades de implantação em nível nacional. Desde 2004 a SENASP passou a
conceber o Infoseg como uma rede, considerada pelo ministro Thomas Bastos
uma arma federal contra o crime. Lançado oficialmente em 16/12/2004,
constitui-se como uma rede
privativa em âmbito nacional que possibilita a
consulta pela Internet, visando compatibilidade com o conceito de
governo eletrônico. V
ia Internet permite uma maior acessibilidade a agentes de
segurança pública, justiça ou de fiscalização.
Os acessos à rede são permitidos através de perfis e senhas criados
conforme a função exercida pelo usuário. Os perfis devem ser solicitados
por órgãos de segurança pública, justiça e fiscalização, para acesso
controlado de agentes públicos das esferas federal, estadual, poderes
executivo, legislativo e judiciário.
Cada usuário, além de identificado por perfil e senha é reconhecido através de
um certificado digital que pode ser definido como um documento eletrônico que
contém informações sobre o portador, como nome, data de nascimento e
endereço. Bem peculiarmente, possui um item singular, a chave pública do
titular, que estabelece um parâmetro técnico de segurança a uma informação, e
que permite que esse mesmo dado seja acessado quando necessário e desejado. O
certificado digital é usado para relacionar nomes, identidades, a uma "chave
criptográfica”, como um mecanismo de assinatura digital, que envolve tecnologia
e cálculos matemáticos para cifrar dados de maneira que, somente destinatários
autorizados possam decifrá-los.
Os dados são alimentados na base por uma solução de atualização
real time e à medida que a base de dados do estado é alimentada, gera
um registro atualizado no Índice Nacional do sistema Infoseg em tempo
real. Atualmente 25 estados tem acesso à atualização real time. A rede
Infoseg registrou até setembro de 2005 mais de 35.000 usuários
cadastrados em aproximadamente 150 órgãos estaduais e federais. No
mesmo ano foram realizadas 7.500,00 consultas.
Normas e procedimentos de segurança relativos ao Infoseg são
revisados conforme Política de Segurança da Informação, assim como a
rede passa por constantes revisões e avaliações de processo de
implantação, reestruturação e adoção de novas ferramentas e
arquiteturas, tais como as que possibilitam a difusão de acessos via
palm´s e celulares, coleta de padrões biométricos, integração de outros
sistemas de interesse do Exército Brasileiro, da Receita Federal (CPF e CNPJ) e
do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Federal.
Na passagem do século XX ao XXI, a vigilância não se ocupa só dos espaços
físicos, mas incide pelo fluxo informacional cujo acesso à Internet transforma
computadores, celulares, palm´s em terminais de controle, comunicação e
monitoramento. De forma que, segundo Vaccaro (2005), manifesta uma rotação
de produção de identidades — cede-se ou extrai-se dados pessoais,
arbitrariamente ou voluntariamente, em função de múltiplas utilizações —, mais
expostas e transparentes “aos olhos alheios que hoje, provavelmente liberados de
uma intencionalidade pedagógica, realiza o biopoder diretamente por meio de
dispositivos de ortopedia pública, cuja interiorização disciplinar é sustentada
desmedidamente pelos novos aparatos de vigilância” (Idem: 125). Interiorização
que opera costumes de integração ativa que segundo Vaccaro faz a dilatação dos
canais de controle acontecerem enquadrando a participação “sob a forma de uma
excusatio non petita, ou seja, pressupondo um pretenso mal oculto quando nos
negamos a tal participação” (Idem: 133). Os aparatos de vigilância coincidem
com a “reserva essencial e estratégica” da confiança, capaz de sustentar “um
dispositivo de modalidade empírica para produzir e interpretar ‘dados’ de modo a
fundar previsões e prescrições, operando sob a forma de tecnologia de
supervisão, monitoramento, suposta detenção e, enfim, controle”
25
. Assim,
desdobram-se metabolizações molares de condutas e estilos de vida que
alimentam puramente a identificação, o rastreamento, a estigmatização e a
delação generalizada.
25
Nancy D. Campbell. “Technologies of suspicion. Coercion and Compassion in Post-disciplinary
surveillance regimes” in Surveillance & Society, II, n. 1, apud. Salvo Vaccaro. “Vigiar e expelir: bio-
fronteiras da individuação e dispositivos de captura social” in Verve, vol. 8. São Paulo, Nu-sol, 2005, p.
130.
____________________________Capítulo III___________________________
Alguns desdobramentos da prevenção geral.
Na introdução do PSPB (2003) definiu-se a prevenção à violência e ao crime
como uma intervenção que busca alterar “condições propiciatórias diretamente
ligadas à prática da violência e do crime”, ou “dinâmicas imediatamente
geradoras da violência”. Dinâmicas ou condições observadas, monitoradas,
avaliadas por análises criminais, processos inteligíveis que filtram relações de
oferta e demanda, em “territórios limitados que concentram as práticas criminais,
que tendem à reiteração, conformando padrões e permitindo tanto a previsão
quanto a antecipação (PSPB, 2003: 13). A título ilustrativo o PSPB refere-se às
dinâmicas geradoras da violência a partir do seguinte exemplo:
“determinada área urbana é mal iluminada, não conta com
equipamentos e serviços públicos — ou eles são insuficientes —, é
cercada por terrenos baldios. Suponha-se que não haja acesso viário
fácil e que as ruas próximas ou vielas não tenham calçamento.
Adicionem-se alguns ingredientes explosivos: ausência de espaços
apropriados para esporte e lazer, nenhuma atividade cultural atraente,
alguns bares vendendo bebida alcoólica a noite toda. Não será difícil
concluir que, sobretudo nas madrugadas de sábado e domingo, as
chances de que surjam conflitos serão altas. Da mesma forma, será
fácil deduzir que haverá elevada probabilidade de que se realizem
enredos violentos, se houver armas acessíveis e um contexto de
rivalidades favoráveis, caso a comunidade não esteja organizada e não
intervenha, ocupando espaço com iniciativas gregárias dada a
ostensiva ausência das instituições públicas e a falta de iniciativa do
poder político” (Idem: 13).
Prevenções são modalidades administrativas, intervenções, “iniciativas tópicas”
cujo desempenho pretende interferir em territórios limitados, delineados,
mapeados, cartograficamente explorados; e nos “ingredientes explosivos”, os
fatores de risco ou fatores situacionais de risco. A prevenção visa contextos, com
a finalidade de definir e adequar objetivos, ações e recursos, identificar e planejar
efetivamente as ações de intervenção. Há gradações de modalidades
administrativas, que abrangem a maior diversidade de condições, dinâmicas,
cenários e comportamentos e que podem ser caracterizadas — segundo o objeto,
público ou foco da ação — como prevenção universal, prevenção localizada,
prevenção escolhida, prevenção indicada, prevenção compreensiva, prevenção
focalizada; prevenção primária, secundária e terciária, cada vez mais
desenvolvidas simultaneamente, em diversas áreas ou contextos institucionais
26
.
26
Estas gradações são encontradas e definidas no Relatório sobre Prevenção do Crime e da Violência e
Promoção da Segurança Pública. SENASP, 2004; e no documento produzido por Eduardo R.
Capobianco e Paulo Mesquita Neto. “O Fórum Metropolitano e o Papel dos Municípios na Segurança
Pública em São Paulo”. Instituto São Paulo Contra a Violência, novembro de 2001.
Segundo o Relatório Sobre a Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da
Segurança Pública (SENASP, 2004), os fatores de risco são necessariamente
determinantes de maior ou menor presença do crime e da violência, “afetam de
maneiras diversas os indivíduos em famílias e grupos diferentes e indivíduos em
diferentes fases do seu desenvolvimento — o que pode provocar uma
distribuição desigual dos crimes entre as famílias e grupos no interior da mesma
comunidade e fazer com que indivíduos na mesma família ou grupo sejam
expostos de forma diferente ao crime e à violência” (Idem: 56). De forma geral,
entende-se que estes fatores e “ingredientes explosivos” incidem na maior
probabilidade de crimes e violência numa comunidade, numa AISP, num
território limitado. O Relatório Sobre a Prevenção do Crime e da Violência e
Promoção da Segurança Pública (SENASP, 2004) compreende como fatores de
risco a desorganização social, comunitária e familiar; a desigualdade de
oportunidade nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança e justiça;
descriminação; marginalização e exclusão de grupos minoritários; a
disseminação de valores, normas e atitudes favoráveis ao crime e à violência; as
relações com familiares, amigos e conhecidos envolvidos com o crime e a
violência; a ausência ou fragilidade de políticas/programas de prevenção do
crime e da violência. Os fatores de risco se ramificam a fatores situacionais de
risco quando associados às estruturas das situações em que ocorrem os crimes
e/ou violências, como presença e concentração de pessoas pré-dispostas à prática
de crimes e violência; concentração de oportunidades para prática de crimes e
violências; situações, lugares, horários em que crimes e violências têm custo
baixo, risco baixo e benefício alto.
Por prevenção universal entende-se aquela voltada para a população,
independente de fatores de risco localizados. A prevenção localizada é formada
por estratégias direcionadas a uma parcela da população. Prevenção escolhida é
direcionada à população em situação de risco de envolvimento em crimes e
violências, na condição de autor ou vítima. Prevenção indicada é direcionada à
parcela da população que já se envolveu em crimes e violências, como autor ou
vítima. Prevenção Compreensiva, são múltiplas ações e programas direcionados
a múltiplos fatores de risco e de proteção. Prevenção Focalizada é baseada em
uma única ação ou programa e direcionado a um único fator de risco.
A prevenção primária volta-se para o meio ambiente físico e/ou social, aos
fatores ambientais que aumentam ou diminuem o risco de crimes e violências.
Como exemplos de prevenção primária, destacam-se: políticas de renda mínima,
políticas de emprego, políticas de inclusão social, de inclusão escolar, políticas
de saúde pública, políticas de revitalização de espaços públicos com atenção
prioritária para áreas de auto risco.
A prevenção secundária é formada por estratégias dirigidas a pessoas e/ou grupos
— agressores ou vítimas — mais suscetíveis de praticar crimes e violências em
condições de vulnerabilidade e/ou resiliência, é mais dirigida a adolescentes e a
membros de grupos vulneráveis e/ou em situação de risco da população.
“O que diferencia a prevenção secundária da prevenção primária é
principalmente o fato de que a secundária está mais direcionada a
pessoas e grupos, enquanto a primária está mais direcionada ao meio-
ambiente, áreas ou situações. Frequentemente, políticas e programas
de prevenção combinam ações de prevenção primária e secundária. É
o caso, por exemplo, de uma política de limitação e controle do uso de
armas de fogo, ou de ampliação das oportunidades de trabalho,
direcionada especificamente a adolescentes e jovens” (RPVPSP/
SENASP, 2004: 32).
A prevenção terciária é composta por ações dirigidas a pessoas que praticaram
crimes e violências, visam evitar a reincidência e promover o tratamento,
reabilitação e reintegração familiar, profissional e social. Esta prevenção também
é aplicada a pessoas que já foram vítimas de crimes e violências, com a
finalidade de evitar a repetição da vitimização e a promover seu tratamento,
reabilitação e reintegração familiar. Segundo o Relatório Sobre a Prevenção do
Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, o foco das ações de
prevenção terciária tem se deslocado dos adultos que praticaram crimes e dos
adolescentes que praticaram infrações para a estratégia de fortalecer os meios de
proteção como forma de aumentar a resiliência de indivíduos, famílias e
comunidades diante de crimes e violências. Segundo o relatório, os fatores de
proteção constituem o contrário dos fatores de risco, são: inclusão econômica,
social e cultural, particularmente dos jovens; valorização de atitudes e
comportamentos não-criminosos, não-violentos e não discriminatórios, a partir
dos primeiros anos de desenvolvimento da criança e do adolescente;
desenvolvimento urbano e social; presença de famílias, grupos e redes de
supervisão e apoio a crianças, adolescentes e jovens; limitação e controle do
acesso a drogas, álcool e armas de fogo. Assim, de maneira geral, quanto maior é
a presença de fatores de risco e menor é a presença dos fatores de proteção, maior
é a probabilidade de que ocorram crimes e violências numa área limitada.
A vitimização é um acontecimento de múltiplas procedências; de múltiplos
direcionamentos de ressentimentos e produtividade. Compaixão pelas vítimas,
sentimento advindo “no âmbito privado, pela punição ao infrator e, no público,
pela filantropia, a caridade aos necessitados, vítimas das condições gerais da
enfermidade social (Passetti, 2003c: 151). A punição é um redirecionamento da
vingança cujo efeito reverso vitimiza o criminoso na prisão, reforça as
desigualdades sociais e sustenta reformas. “Da vítima da infração ao prisioneiro
vítima da inutilidade da prisão, estabelece-se um circuito de desforras, no qual,
não cabendo espaços para compensações, cristaliza-se a continuidade do castigo”
(idem: 155). Castigo e filantropia operam através de uma mesma mecânica,
revezam-se pretendendo responder, dar conta dos efeitos das violências e
revezam-se na educação do cidadão para a obediência ou conforme Nietzsche
(2004), para o acréscimo do medo, a intensificação da prudência e o controle dos
desejos.
As intervenções preventivas desenvolvidas pelo governo federal, estadual e/ou
municipal são caracterizadas como políticas de prevenção do crime e da
violência; e as ações implementadas por organizações governamentais e/ou
organizações não governamentais são programas de prevenção do crime e da
violência, cuja integração à política nacional de segurança pública direciona a
aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, que cria
“condições mais favoráveis para o desenvolvimento de políticas de
prevenção do crime e da violência por parte dos estados, integrando
programas na área da segurança pública e programas de prevenção do
crime e da violência desenvolvidos em outras áreas, além da
participação dos municípios na prevenção do crime e da violência e na
melhoria da segurança pública. (Relatório de Atividades. Coord. Geral
de Pesquisa e Análise da Informação. SENASP, 200-2006).
A política de distribuição do fundo é acionada através das diretrizes da
arquitetura do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça
Criminal que prevê a política de tratamento de informações transparente e
regular, e aciona consequentemente, o sistema de intercâmbio de informações
entre a SENASP, os estados e os municípios fundamentais para o Sistema Único
de Segurança Pública. A distribuição do fundo visa também a realização regular
de pesquisas aplicadas em segurança pública e justiça criminal cujos resultados
envolvem a produção de software e sistema de indicadores para determinar a
distribuição de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, levantamento
de textos, relatórios e práticas de segurança que podem ser posteriormente
sistematizados e divulgados por todo o país.
Em 2004 e 2005 os procedimentos de distribuição dos recursos do Fundo
Nacional de Segurança Pública privilegiavam as unidades da federação que
tinham melhor capacidade de tratamento e sistematização da informação e que
possuíam os maiores efetivos e alta incidência criminal. A partir de 2005 a
SENASP priorizou a revisão e reforma de procedimentos de distribuição visando
evitar premiar as organizações de segurança pública que investiram no
aperfeiçoamento de seus sistemas de coleta e registro de informações e deixaram
de lado ações preventivas efetivas e não criminógenas. Assim, a distribuição do
fundo incorporou como critério seletivo a avaliação das ações que estavam sendo
empreendidas pelas organizações de segurança pública. O índice para percentuais
de recursos do fundo passou a ser construído por agregações quantitativas,
resultado de fatores relacionados mais diretamente à área de segurança pública e
seus respectivos pesos, por exemplo: peso 3 – homicídios dolosos, outros crimes
letais e intencionais; peso 2 – efetivo da polícia civil e militar e outros crimes
violentos, Produto Interno Bruto per capta e índice de Desenvolvimento
Humano; e peso 1– população, área (km²), concentração populacional em
grandes centros e delitos de trânsito. Assim, ¾ dos recursos do fundo passou a
ser distribuídos com base no indicadores quantitativos e ¼ através dos
indicadores qualitativos pautados no sentido e efeito de políticas e programas
alinhados ao PSPB.
A prevenção do crime e da violência introduz-se no labirinto infinito das relações
de saber do poder de punir que se impuseram através da imagem do medo da
prisão e do argumento da prevenção geral, como escolha de uma forma de
controle excludente, justificativa de uma reação punitiva e seu acesso à
humanidade, definida como uma função geral da sociedade, fundamentada na
defesa da sociedade e pelo suposto papel da aparelhagem de punir em
transformar os indivíduos. Pela prevenção geral pretende-se promover a
expressão simbólica oposta àquela representada pelo crime e a formação de
hábitos que repercutam naqueles que estão fora da prisão. A prevenção geral é a
função pela qual se pede à prisão que ela seja útil e neste sentido a privação de
liberdade, segundo Foucault, desde o século XIX teve que exercer um papel
técnico positivo, o de realizar transformações nos indivíduos, o de realizar uma
educação total que se impõe mais do que a própria detenção e apanha toda a
justiça penal e a penalidade — conjunto de práticas, instituições e discursos
relacionados à pena e, sobretudo, à pena criminal. A prevenção do crime e da
violência supõe a obviedade da justiça penal e da peça essencial — “detestável
solução, de que não se pode abrir mão” (Foucault, 2006: 196) — no conjunto das
punições, a prisão.
Segundo Passetti (2006), se na sociedade disciplinar o que está em jogo é o
“custo da punição para fortalecer a prevenção geral” (Passetti, 2006:88) —
imediatamente à constatação do fracasso da prisão —, na sociedade de controle
estão em jogo custos com prevenção, efeitos econômicos da prevenção.
Sociedade que perpetua os efeitos do medo, do contágio, da defesa social e os
efeitos sobre as existências provocados pelas prevenções — o peso de sua
educação e formação de condutas — como compensação à imagem do medo da
criminalidade que opera um aspecto relativamente duradouro, pelo costume —
pois nada é mais físico, mais material, do que o exercício do poder — e por um
aspecto fluído, o sentido, a finalidade, a expectativa ligada à realização de
procedimentos preventivos.
A dicotomia repressão/prevenção, segundo, o Relatório sobre Prevenção do
Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública (SENASP, 2004),
alinhado ao Projeto Segurança Pública para o Brasil (SENASP, 2003), limita
políticas e programas de prevenção à responsabilidade das organizações atuando
na área econômica, social e cultural; subtraindo esta responsabilidade de
organizações atuando nas áreas da segurança pública, justiça criminal e
administração penitenciária “às quais caberia principalmente a aplicação da lei,
mais especificamente a identificação, detenção, persecução, julgamento e
punição dos responsáveis pela prática dos crimes” (RPCVPSP/SENASP, 2004:
6). Segundo o documento, romper com esta concepção é favorecer uma
concepção alternativa que permitiria a melhor compreensão do fato de que tanto
ações punitivas (especialmente, mas não apenas na áreas de segurança pública,
justiça criminal e administração penitenciária) quanto ações não-punitivas
(especialmente, mas não apenas nas áreas econômica, social e cultural) podem
ser preventivas, na medida em que contribuem para reduzir a incidência e o
impacto de crimes e violências, ou alternativamente, podem ser criminógenas, à
medida em que contribuem para aumentar a incidência e o impacto de crimes e
violências” (Idem: 6). Esta concepção centra-se nos resultados e não no tipo das
ações desenvolvidas e nos efeitos da integração de programas e ações em
diversas esferas e áreas do governo e da sociedade civil. Esta compreensão faz
superar a dicotomia entre política e programas de prevenção e chama a atenção
para a “necessidade de monitorar e avaliar o impacto sobre o crime e a violência
de diversos tipos de políticas, programas e ações, afim de que se possa
identificar, em todas as áreas, aqueles que efetivamente contribuem para a
prevenção do crime e da violência e para a melhoria da segurança pública.”
(Idem: 7), sobretudo, as iniciativas tópicas focalizadas que “incidem de modo
adequado e eficiente sobre as condições e circunstâncias imediatamente ligada à
dinâmica criminal” (PSPB, 2003: 13).
Ações decorrentes de políticas tópicas como os programas de transferência de
renda, podem agregar diversos ministérios, governos estaduais e municipais em
diversas áreas, fazendo com que não se possa distinguir ações decorrentes de
política de desenvolvimento social, nem de educação e nem de saúde
isoladamente. Os primeiros programas de transferência de renda foram criados na
década de 1990 tendo como precursores José Roberto Magalhães Teixeira na
prefeitura de campinas, o governador Cristóvão Buarque do PT no distrito
federal; e o último governo FHC com a criação do Bolsa escola, Bolsa
Alimentação e Vale Gás. O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
fome em 2006 articulava 22 programas ampliados por 13 ministérios — em
alguns casos a articulação agregava Estados e municípios, como nom Bolsa
Família. Interagem como programas complementares aos de transferência de
renda — em nível federal —, programas de alfabetização e educação de jovens, a
cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Luz para Todos, do
Ministério das Minas e Energia e o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil. A integração condiciona a articulação das bases de dados sobre
beneficiados, tornando a implantação de um cadastro único estratégia
fundamental para essas políticas e programas. Até 2006 o Bolsa Família, por
exemplo, dispunha como dado universal, do número, nome de beneficiários e de
algumas informações sobre as condições que tornavam cada família apta a
receber o benefício. Para 2007 o Ministério do Desenvolvimento Social
encomendou um levantamento ao IBGE de todos os equipamentos sociais
existentes em cada cidade, públicos e não públicos (organizações não-
governamentais e entidades assistenciais), que pudessem adicionar, avaliar
impactos de programas integrados e direcionar ações que de uma outra forma
podem agregar novos entendimentos em termos econômicos de comportamentos
sociais tradicionalmente não econômicos.
Os projetos inerentes às campanhas de candidatos à disputa da presidência da
república em 2006 não dispensaram detalhes de novos programas de
transferência de renda mínima e novas condicionalidades para os beneficiários,
destrinchando novas demandas, atualizações de dados cadastrais, inscrições,
segmentações, acionadas como interferências positivas nos números da
criminalidade, funcionando como contrapesos do sufrágio universal e
argumentos eleitorais.
Políticas tópicas como a promoção da segurança alimentar, garantia das
condições básicas de saneamento, garantia de renda mínima, proteção à vítima,
redução da evasão escolar, oferta de cursos profissionalizantes, tratamentos para
dependentes realizam funções estratégicas nos custos gerais da segurança pública
e podem ser entendidos como dispositivos de segurança.
Ao questionar “o que podemos entender por segurança?”, Foucault (2005) serve-
se de três modulações, caracterizadas pelo código, pelos mecanismos
disciplinares e uma terceira — e atual — pelo dispositivo de segurança. Com o
termo dispositivo, Foucault refere-se a um conjunto heterogêneo de discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. O dispositivo também é a rede que se estabelece entre esses
elementos, sob um tipo de jogo, de mudança de posição e modificação de função.
O dispositivo caracteriza, ainda, um tipo de formação de um determinado
momento histórico. Em relação à terceira modulação da segurança os
dispositivos se organizam em torno dos cálculos de custo, dos preenchimentos
estratégicos das novas formas de penalidade neoliberais.
O objetivo e resultado da penalidade neoliberal, para Wacquant,
“não é mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinqüentes visando
o seu eventual retorno à sociedade uma vez sua pena cumprida, mas
isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais
disruptivos mediante uma série padronizada de comportamentos e
uma gestão aleatória dos riscos, que parecem mais com uma
investigação operacional ou reciclagem de “detritos sociais’ que com
trabalho social” (Wacquant, 2001:86).
Política social e política penal não se apartam, assim como o emaranhado
formado por mercado de trabalho, trabalho social, polícia e prisão. Produz-se,
assim, um “complexo comercial carcerário-assistencial” (idem:100), cuja
“missão consiste em vigiar e subjugar, e se precisar punir e netralizar,
as populações insubmissas à nova ordem econômica segundo uma
divisão sexuada do trabalho, seu componente carcerário ocupando-se
prioritariamente dos homens ao passo que seu componente assistencial
exerce tutela sobre (suas) mulheres e filhos” (idem).
Trata-se, de um conjunto institucional compósito caracterizado de um lado “pela
interpenetração dos setores público e privado e, por outro, pela fusão das funções
de fichamento, da recuperação moral e de repressão do estado” (idem). Tendo
como referência The politics of poverty: the nonworking poor in América de
Mead, Wacquant, destaca o que é construído como problema de questão social
para as sociedades avançadas, a dependência dos pobres em relação aos
investimentos sociais (privados ou públicos) e a constituição de uma política de
comportamento individual — de caráter diretivo e de tutoria moral —, capaz de
garantir que se viva de maneira construtiva. Para Bauman, à medida que o Estado
lava as mãos à vulnerabilidade e às incertezas provenientes do mercado livre, a
incapacidade de participar do mercado tende cada vez mais a ser criminalizada e
constituir um assunto de cunho privado
inflexão que também não dispensa o Estado tendo a cidadania, a integração
social, o emprego, o direito às transferências de bens e renda como pivô.
Bauman (2005) e Wacquant (2000) referem-se a circuitos que se fecham em
torno de uma mesma população constituindo um incisivo panoptismo
administrativo, baseado, sobretudo, no estreitamento da vigilância informatizada
das populações e, segundo Christie (2000), gestão de grupos rebeldes. A
penalidade neoliberal faz as populações pobres serem colocadas “sob uma
supervisão ainda mais rígida e meticulosa, na medida em que as diversas
burocracias, encorajadas de tratar a insegurança social no cotidiano (...)
sistematizam sua coleta de informações, colocam seus bancos de dados em rede e
coordenam suas intervenções” (Wacquant, 2000: 122). Neste sentido, a lógica
panóptica — que faz corresponder sistemas de informações, implantação de
regras mínimas para inclusão de dados, conexão e complementação de arquivos
sociais e policiais — e punitiva contaminam, ou tende a contaminar e redefinir os
objetivos e os dispositivos da ajuda social. Esta equivalência permite, por
exemplo, efeitos de sanções administrativas acopladas às penais para aqueles que
cadastrados, reincidem, cometem incivilidades, e por conseqüência têm
suspensão de subsídios familiares e para aqueles que identificados por
descumprir regras de adesão como freqüência escolar dos filhos também perdem
seus subsídios. Evoca-se maneiras plurais de vigiar moralmente condutas,
sondar testemunhas, identificar suspeitos. Procedimentos múltiplos de detecção,
identificação e penalização dos ‘assistidos’ que segundo Wacquant provocam um
achatamento policial das populações nos bairros pobres, beneficiadas pelas
ajudas sociais que as remetem às forças da ordem e tribunais. Wacquant aciona
em Os condenados da cidade (2001), a solução circunstancial da criação de
programas de transferência de renda, institucionalização dos direitos de
cidadania, ativa participação e a retomada do ciclo protetor do Estado-
providência como “bastilha do novo milênio” (2001: 41), mas com a advertência
para que aconteça fora da tutela do mercado. “Se isso não ocorrer, podemos
testemunhar não apenas contínua desordem urbana, violência e conflitos
etnoraciais no coração da sociedade avançada, como um prolongado processo de
fissão social e uma ramificação de desigualdades e inseguranças equivalente a
uma “brasilização” das metrópoles européias e norte-americanas” (Idem).
Um desdobramento do estreitamento entre dispositivos penais e de ajuda social,
pode desembocar também em articulação administrativa para reintegração,
ressocialização, ajuda à família, defesa de direitos, ampliação do poder do Estado
de punir. Nota-se, por exemplo, no Brasil, no âmbito da Justiça da Infância e da
Juventude, o caso da municipalização das medidas de Liberdade Assistida, uma
das sete medidas só-cio-educativas previstas pelo ECA.
A sucessão do Código de Menores de 1927, Código de Menores de 1979 e
aperfeiçoam as práticas jurídicas da Liberdade Vigiada e da Liberdade Assistida,
como práticas ressocializadoras norteadas por princípios como vigiar e tratar. Em
1990, com o ECA, a Liberdade Assistida passou a compor uma medida sócio-
educativa associada a um ato infracional — destaca-se no art. 103 que considera-
se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal —
norteada pela possibilidade de atendimento descentralizado por ONGS, pela
comunidade e prefeituras visando a orientação, acompanhamento e auxílio. Neste
caso constitui-se uma ‘rede intersecretarial’ de serviços municipais, co-
responsabilização técnico-financeira, parcerias entre Estado, município e
sociedade civil, na qual os adolescentes e as famílias estão inseridos. O histórico
desta integração remete à Pastoral da Juventude que na década de 1980 instaurou
a prática de acompanhamento como forma de desinstitucionalização, através do
processo de reintegração realizado por casais da comunidade que tinham
envolvimento com Pastoral. Inicialmente esta prática era nomeada de Liberdade
Assistida Comunitária, como diferenciação à realizada pelo Estado. Atualizou-se
como política de integração e de municipalização das medidas sócio-educativas
em meio aberto através da confecção de minutas de convênios entre a FEBEM e
ONGS inseridas em diversos ‘territórios limitados’, AISPs e comunidades
perpetuando a atenção para a eficácia das penas alternativas, as gradações
punitivas e eficiência da captura do infrator.
“Numa era de controle eletrônico das populações, estar dentro ou fora da prisão
deixa de ser um aspecto distintivo da seletividade penal” (Passetti, 2006: 94). A
sociedade de controle policia em fluxos, a céu aberto e pune mais, mas a prisão
“deixa de ser o lugar preferencial destinado ao infrator, em decorrência da
diversificação do direito penal”. Vitalizam-se as práticas punitivas, ampliam-se
as gradações de penas para dar conta de todo tipo de conduta criminalizada. As
penas se desdobram sem que representem redutores de prisão, ou, como sugere
Passetti (2006), a pluralidade de penas funciona como maneira de contornar o
aprisionamento deixando-os para os criminosos irrecuperáveis.
“A linha direta que havia entre infração e prisão agora é transformada
em um fluxo que absorve, expele, modifica e transforma. Se no
passado se acreditava no saber da prisão para solucionar anomias,
agora se lança mão da própria prisão para afirmar que seu saber é
incapaz de corrigir, socializar, educar, evitar reincidências, para
justificar a continuidade de uma prisão de segurança máxima, e que
abarca os sempre atualizados campos de concentração e extermínio, as
colônias penais em ilhas, a grande prisão no rochedo como Alcatraz,
até aquelas menorzinhas em qualquer cidade sobre o RDD — Regime
Disciplinar Diferenciado” (Passetti, 2006: 88).
“Estar dentro ou fora da prisão deixa de ser um aspecto distintivo da seletividade
penal” (idem), os muros das prisões se dilatam. Para Passetti, as políticas de
tolerância zero e as de penas alternativas e mínimas se combinam e são
contemporâneas a nova diagramação, ocupando e aplicando-se em espaços na
cidade, que o Estado localiza como “regiões-problema, áreas proibidas, circuitos
selvagens, territórios de abandono a serem evitados e temidos por se fazer crer
serem locais de vícios, violência, excesso de crime e desintegração social”
(Wacquant, 2001: 13). Trata-se de “uma nova diagramação da ocupação dos
espaços na cidade” (Passetti, 2006: 94), um “novo acontecimento
prisional”(Idem), contornado por políticas e programas integrados e gerenciados
como um lucro que opera por resultados não criminógenos, delineados nos PNSP
e PSPB através da arquitetura para o Sistema Único de Segurança Pública, que se
caracteriza pela coordenação unificada de políticas integradas, sistema
educacional único das polícias estaduais e federais, integração da atuação
operacional das polícias com interface com as guardas municipais, integração de
órgãos corregedores, integração de programas e sistemas de gerência de
inteligência policial, gestão integrada de informações criminais e práticas
preventivas.
Comumente, a periferia é abordada como conseqüência de um processo de
espoliações urbanas, espaços metropolitanos caracterizados por um gradiente
decrescente das condições de vida, inserção no mercado de trabalho e acesso à
renda do centro para as franjas da cidade ou da região metropolitana, que povoa a
cidade de bolsões, interstícios de condições de vida precárias — bairros
precários, cortiços, favelas
27
, ocupações, CDHUs, Coabs e Cingapuras —,
construída e reconstruída segundo processo múltiplos, através da ação
pulverizada dos produtores privados, desativação e migração de pólos industriais,
especulação imobiliária, desapropriações e destruição criminosa de favelas,
incursões policiais violentas e investimento governamental em projetos de
27
Em 2001 o Grupo Executivo de Desenvolvimento Urbano indicou a substituição do termo pejorativo
‘favela’, pelo termo ‘assentamento ou áreas subnormais’ no jogo protocolar dos projetos de lei para a
regularização de terras nas regiões metropolitanas. Adaptação politicamente correta para dar conta da
periferia de sempre.
urbanização e desdobramentos da indústria do turismo. Para Aguerre Hugues
(2004) as periferias são as geometrias em que a grande população miserável tem
que habitar, as franjas e interstícios urbanos mais precários, os espaço da
observação de contradições inerentes ao processo de urbanização caracterizadas
pela autoconstrução em favelas e loteamentos sem infra-estrutura. A espoliação
caracteriza a assimetria entre a localização e as condições sociais, incorporando
no ambiente construído a expressão das desigualdades sociais, com a permanente
pressão dos mais pobres em direção às piores localizações e constituindo uma
população cuja mobilização incipiente resultou na mudança do cálculo de
políticas redistributivas que pulverizou na periferia outros gradientes
decrescentes de condições de vida de controle policial e participação social, que
demonstra a necessidade de se constituir, segundo Gama Torres e César Marques
(2001) um novo quadro conceitual para analisar as condições de pobreza urbana
e metropolitana, que se baseie menos na presença ou ausência de equipamentos
sociais e serviços, na compreensão do fenômeno da segregação espacial, e mais
associada à qualidade, à freqüência e aos padrões de atendimento diferenciais
entre as diversas regiões, formadoras de um caleidoscópio da exclusão social
baseado em setores censitários e explorações cartográficas que demonstram
claramente a existência de uma periferia da periferia, um grande degrau urbano, a
hiperperiferia, caracterizada por condições praticamente nulas de mobilidade
social ascendente, que reitera o posicionamento dos autores de que o governo
tem muito o que realizar. Ao caleidoscópio da exclusão social — e propriamente
os estudos sobre as periferias e distribuição da pobreza propunham-se como
referências para a formulação de políticas públicas — corresponde acoplamentos
de explorações e intervenções na distribuição de políticas integradas e seus
homólogo criminal.
Ao afirmar que as periferias conformam e redesenham outras formas para os
campos de concentração, Passetti não lança mão de um conceito que trata da
redefinição das fronteiras da exclusão, um fora, mas de uma análise sobre
intervalos internos, distâncias intersticiais que permitem o funcionamento do
diagrama do controle. Nas periferias “as pessoas têm permissão para transitar
para o trabalho, desde que regressem rotineiramente, recebendo do Estado
escolas, equipamentos sociais e polícias comunitárias” (p.94). As periferias, as
pessoas que a povoam, seus modos de vida, funcionam como álibis contínuos
para o controle. A delinqüência dá medo e alimenta o medo da periculosidade —
associada muitas vezes à pobreza — por sua monstruosidade moral, é alvo da
exploração georeferenciada focada no pobre nas zonas censitárias e AISPs, que
direciona a distribuição das polícias, políticas e programas integrados, também
idealizados por suas populações. Segundo Foucault, para se tornar coletivamente
aceitável a relação de poder que é a lei, o ilegalismo da delinqüência também é
conservado com cuidado e organizado como um perigo permanentemente
insistente, projetado sob uma arte geral de governar. “Permanece, todavia,
inabalável a secular crença na associação pobreza-periculosidade, sem a qual o
sistema penal, no passado e no presente, não garante sua continuidade com
reformas institucionais, mais ou menos democráticas” (Passetti, 2006: 96),
estruturadas sob a existência do álibi e do suspeito. Neste sentido, importa
estancar algumas proveniências do conceito de campo de contração na sociedade
de controle, cuja matriz segundo Passetti (2006) é a prisão. A prisão “como local
para onde devia ir o imoral, o desordeiro, o repugnante, refazendo no cidadão
obediente e responsável a crença na justiça pelo modelo da prisão — local aonde
cabiam todos os ilegalismos e seu complemento, as rebeliões por liberdade e
demolição da prisão” (idem: 97). Anne Applebaum (2005) define o campo de
concentração, como campos construídos com a finalidade de “encarcerar pessoas
não pelo que elas fizeram, mas pelo que elas eram. Diferentemente dos campos
de criminosos condenados e dos campos de prisioneiros de guerra, os de
concentração foram criados para um tipo específico de prisioneiro civil não-
criminoso, membro de um grupo “inimigo” ou, pelo menos, de uma categoria de
pessoa que, pela raça ou suposta tendência política, era considerada perigosa ou
estranha à sociedade.” (p.35). Ou conforme Origens do Totalitarismo “os campos
de concentração do começo do regime totalitário eram usados para “suspeitos”
cujas ofensas não se podiam provar, e que não podiam ser condenados pelo
processo legal comum” (Arendt, 1989: 491).
Agamben aparta a análise do campo do que chama de “trilha aberta” pelos
trabalhos de Foucault, à medida que distingue topologicamente o campo como
espaço absoluto de exceção de “um simples espaço de reclusão” (p.27). Segundo
Deleuze, Paul Virilio, acreditava se opor à Foucault ao afirmar que o problema
das sociedades modernas, da polícia era um problema de velocidade ou de
aceleração e controle das velocidades, de enquadramento no espaço aberto;
quando Foucault não falava de outra coisa. Pode ser que tal como Virilio,
Agambem e Foucault, pensadores independentes, demonstrem encontros que
“ocorrem numa zona cega” (Deleuze, 2005: 51).
Deleuze ressalta que o Foucault do hospital geral, da história da loucura à prisão
de Vigiar e Punir não é o pensador do internamento, porque o internamento para
Foucault era um dado secundário derivado de uma função primária diferente no
hospital geral, ou no asilo que internam os loucos, no século XVII — sob modelo
do exílio — e para a prisão que interna os delinqüentes nos séculos XVIII e XIX
— sob o modelo do enquadramento.
“A prisão enquanto segmentaridade rígida (celular) remete a uma
função flexível e móvel, a uma circulação controlada, a toda uma rede
que atravessa também os meios livres e pode aprender a sobreviver
sem a prisão” (Deleuze, 2005: 101).
“No passado, a prisão era, para cada cidadão livre e responsável, a imagem do
terror. Hoje, são as periferias que assumem este lugar da imagem do terror”
(Passetti, 2006:97). Periferias são exploradas como territórios especiais, como
epicentros de periculosidades prenunciadas por séries probabilísticas que
prescrevem índices de riscos, e como meio social especial — principal e
constante objeto de cuidado da intervenção governamental —, ambos
modalidades de instrumentos de acusação pública. Os fluxos de intervenções
governamentais e não governamentais podem fazer com que a segurança pública
funcione em termos de oferta e demanda e eficácia sobre os domínios desse jogo,
nessas regiões que não são nem recalcitrantes e nem mal controladas, mas
condições do exercício real de uma economia eletrônica do controle que pretende
administrar níveis médios, ótimos, toleráveis, ou no limite do aceitável, de
pobreza, de criminalidade e liberalidades, como conquistas, como centros de
lucros.
“Para que a lei possa valer comodamente em sua violência secreta,
para que a ordem possa impor coações, é preciso que haja, não nas
fronteiras exteriores, mas no próprio centro do sistema, e como uma
espécie de jogo para todos as suas engrenagens, essas zonas de
“perigo” que são sistematicamente toleradas, e depois magnificadas
pela imprensa, pela literatura policial e pelo cinema” (Foucault, 2003g
:191).
Em “Cartografias da violência” (in 2003c) Passetti refere-se à periferia como
zonas vistas pelo Estado como conformadoras de acusação insuportáveis,
“elevadas à condição de extermínio por meio de confrontos internos
(entre cidadãos, polícias e seguranças segundo celebração de acordos
mútuos, rompimento de pactos, execuções sumárias, etc) e
recrutamento penal para o sistema prisional por meio da captura do
infrator. (...) Encontra-se no centro das atenções o narcotráfico, os
homicídios e as extravagâncias cometidas pelos aparatos policiais (...).
No seu interior a luta pela cidadania aparece como a tática mais
acabada. Contudo, pouco esclarece. Recoloca, por outras vias, a
divisão entre viciosos e virtuosos no interior da pobreza. O Estado
pretende corrigir desvios, alardeando aos quatro cantos que é capaz de
vigiar cada cidadão que não seguir a moral, como se a moral do direito
fosse sempre isenta de ilegalidades, ou a vigilância, antes de tudo, não
se instituísse na própria sociedade como uma de suas éticas” (Passetti,
2003c: 176).
As evidências sociais e a comunidade de vizinhos como forma empresa
À procura de uma nova definição do liberalismo — tendo como pano de fundo as
intervenções Keynesianas dos anos 30 e 60 como garantias contra o comunismo,
o socialismo, o nacional socialismo e o fascismo —, segundo Foucault (2004), os
neoliberais alemães visaram uma política de sociedade como ponto de fratura
com o modelo a grosso modo chamado keynesiano. É necessário neste ponto,
percorrer algumas análises de Foucault (idem) acerca das características do
neoliberalismo e do conceito de meio e de política de sociedade para se entender
os desdobramentos em efeitos como o tolerância zero, o fortalecimento dos
direitos, o policiamento preventivo e as periferias como campo de concentração.
O liberalismo, como nova arte de governo do século XVIII implica relação de
produção/destruição em relação à liberdade. Esta relação implica cálculo de custo
da fabricação da liberdade cujo princípio é a segurança. A arte liberal de
governar, segundo Foucault (idem), vai se encontrar impelida a determinar em
qual medida e até qual ponto o interesse individual, os diferentes interesses no
que têm de divergentes uns com os outros, opostos, eventualmente não
constituam um perigo para o interesse de todos. E neste sentido, o governo no
liberalismo se ocupa das coisas políticas e que constituem os jogos políticos, ou
seja, se ocupa dos fenômenos que são os interesses ou, “isso pelo qual tal
indivíduo, tal coisa, tal riqueza, etc, interessa aos outros indivíduos, ou à
coletividade” (idem, 2004: 47). O liberalismo vai armar sua política de um
conhecimento preciso, contínuo, claro, disso que se passa na sociedade, no
mercado, nos circuitos econômicos, “de sorte que a limitação de seu poder não
será dada pelo respeito à liberdade dos indivíduos, mas simplesmente pela
evidência da análise econômica que ele saberá respeitar” (idem: p.63, tradução
minha), portanto, se limita pela evidência.
À Bentham o panóptico corresponderia à forma do governo liberal. Para
Bentham o governo deve deixar lugar a tudo que pode ser a mecânica natural,
dos comportamentos e da produção e não deve ter sobre eles nenhuma outra
forma de intervenção, a não ser a da vigilância. Quando o governo conhece que
alguma coisa não se passa mais como o quer a mecânica global dos
comportamentos, dos mercados, da vida econômica, então terá que intervir.
Desta forma, Foucault demonstra como a arte liberal de governar corresponde a
uma formidável extensão dos procedimentos de controle, de pressão, de coerção
que vão constituir contrapesos das liberdades.
Uma das conseqüências do liberalismo — cujos exemplos citados por Foucault
(2004) são encontrados nos EUA e Inglaterra no curso do século XX, nos anos
1930 — é a aparição de mecanismos que tem por função produzir, insuflar,
majorar liberdades e, introduzir um acréscimo de controle e de intervenção. Não
se trata, como no panoptismo de vigilância, de um contraponto à liberdade, mas
de controle como princípio motor das liberdades fundamentais. A política do
welfare state colocada em funcionamento por Roosevelt, por exemplo, a partir de
1932, foi uma maneira de produzir em uma situação perigosa de desemprego,
liberdade de trabalho, liberdade de consumo, liberdade política, etc., o preço de
toda uma série de intervenções artificiais que foram a partir de 1946
caracterizadas como germes de um novo despotismo e equívoco liberal, “que
conduziram ao se poderia chamar uma crise do liberalismo manifesta num certo
número de reavaliações, reestruturações, novos projetos na arte de governar,
formulados na Alemanha antes da guerra e imediatamente após a guerra,
formulados na América” (idem: 85).
Estas reavaliações e reestruturações evidenciaram que o governo não tem mais
que reconhecer as evidências das leis econômicas, mas conhecer as evidências
sociais, o meio social e a dinâmica concorrencial neste meio. Não se trata nem do
homem do mercado e nem do consumidor, trata-se do homem da empresa e da
produção. Retoma-se um tipo de ética social da empresa da qual Weber, Sombart
e Schumpeter ensaiaram a história política, cultural e econômica. Esta ética
social da empresa, destrinchada e caracterizada por Foucault como objetivo da
ação governamental, tem seu fim último destacado no texto Orientação da
Política Alemã de Ropke, datado de 1950, e visava o acesso à propriedade
privada; a redução do gigantismo urbano através da substituição da política das
vilas médias por uma política das grandes periferias; substituição de uma política
e de uma economia das casas individuais por uma dos grandes conjuntos;
encorajamento das pequenas unidades de exploração no campo; desenvolvimento
das indústrias não proletárias (artesanato e comércio pequeno); descentralização
dos lugares de habitação, de produção e de gestão; correção dos efeitos da
divisão do trabalho; reconstrução organizada da sociedade a partir das
comunidades naturais, das famílias e dos vizinhos. Trata-se, segundo Foucault,
de uma organização, reforma e controle dos efeitos do meio que podem
produzidos ou pela co-habitação ou pelo desenvolvimento das empresas dos
centros de produção.
Trata-se, segundo Ropke de um deslocamento do centro da gravidade da ação
governamental para baixo. Trata-se de um texto, que segundo Foucault,
demonstra o que “constitui atualmente” (Idem) a temática da ação
governamental, a trama social, na qual as unidades de base “teriam precisamente
a forma de uma empresa” (Idem). Foucault questiona: “o que é a propriedade
privada senão uma empresa? O que é a gestão dessas pequenas comunidades de
vizinhança senão outras formas de empresa?” (Idem). Não se trata da
concentração das formas de empresa de escala nacional ou internacional, ou de
grandes empresas do tipo estatal. Trata-se de uma multiplicação da forma
empresa no interior do corpo social, que constitui, para Foucault, o jogo político
neoliberal. Trata-se de fazer do mercado, da concorrência e por conseqüência da
empresa, a potência informante da sociedade. Trata-se de obter uma sociedade
não mais sob a uniformidade do mercado, mas sob a multiplicidade, sob um
intervencionismo social, ativo, múltiplo, vigilante e onipresente.
Para Deleuze, a empresa, na sociedade de controle, é uma alma, um gás. “A
família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos
que convergem para um proprietário, estado ou potência privada, mas são agora
figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só
tem gerentes” ( Deleuze, 1992: 224). A temática da ação governamental, a forma
empresa, conhece e gere as evidências sociais, os fenômenos que são os
interesses no meio social, criam uma potência informante da sociedade civil, do
gregarismo. Neste sentido, Hardt (2000) refere-se à modernização política dos
países subdesenvolvidos ou dependentes como um processo cuja finalidade é
estabelecer um conjunto estável de instituições que constituam a espinha dorsal
de uma sociedade civil. O campo de referência dessa arte de governar é a
sociedade civil, a evidência de sua condição de existência, das intervenções
necessárias frente o Estado de Direito e o jogo econômico com seus efeitos
desiguais, da capacidade de comportar esses efeitos desiguais e dos efeitos do
jogo das médias e limites aceitáveis. Como afirma Hardt (idem), a sociedade de
controle está em todos os lugares na ordem do dia.
As periferias constituem também as figuras cifradas a que remete Deleuze,
modulações deformáveis e transformáveis do meio social, da comunidade de
vizinhos ondulatórios. “Os campos de concentração contemporâneos, formados
por trabalhadores do setor de serviços e em subempregos, ou ainda inseridos nas
redes do narcotráfico, familiarizam-se com os dispositivos dos direitos difusos,
que os esquadrinham por idade, sexo, acesso aos equipamentos sociais, cultura
própria, enfim, uma rede impalpável e multiculturalista que cria o sonho de se
estar participando no fluxo democrático” (Passetti, 2003c:215).
Estatísticas sobre criminalidade, pobreza, desenvolvimento humano, amostras de
populações, jamais descrevem o que acontece nas periferias, mas são
forçosamente o resultado dos cálculos, as evidências, que cifram e emitem a
senha para o direcionamento, para a entrada nos processos de planejamento,
implantação e monitoramento de prevenção, políticas integradas, do conjunto
tecnológico da prevenção geral, da rede impalpável multiculturalista, que
pleiteiam verbas de fundos privados e públicos, nacionais e internacionais e a
atuação conjunta de organizações governamentais e não governamentais.
Como um gás. A forma empresa, a otimização dos sistemas de diferença,
processos oscilatórios, tolerância em relação aos indivíduos e grupos
minoritários. A sociedade de controle precisa fazer crer que continua havendo
lugar de confinamento de vida (Passetti, 2003c), com o medo, os inimigos, a
defesa da sociedade, pesando muito sobre as pessoas, reacomodando o racismo e
os micro-fascismos.
____________________________Capítulo IV___________________________
Segurança pública municipal e prevenção.
Segundo o Relatório da Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da
Segurança Pública,
“as instituições atuantes na área da segurança pública, da justiça
criminal e da administração penitenciária têm um papel fundamental
na prevenção do crime e da violência. Mas esta prevenção exige que
se reoriente a atuação destas instituições, a fim de melhor
compatibilizar o objetivo de identificar, prender, processar, julgar e
punir os responsáveis pela prática de crimes e violências e o objetivo
de reduzir a incidência e o impacto de crimes e violências na
sociedade” (RPCVPSO/SENASP, 2004: 6).
A reorientação do papel da instituição de segurança e justiça criminal e
administração penitenciária, contemplados nos planos de segurança de 2000 e
2003, afina-se com o Programa Nacional de Direitos Humanos (1995) que
recomendava ao governo federal centrar-se na “reforma”, “aperfeiçoamento” e
“fortalecimento” das instituições policiais, judiciais e prisionais e de todo o
sistema de justiça criminal e ao campo diversificado de atividades que
recuperaram e reuniram as principais idéias e sugestões,
“debatidas em encontros promovidos pelo Ministério da Justiça com
os Secretários Estaduais de Segurança Pública, especialistas e
organizações não governamentais; pelos movimentos da sociedade
civil, como foi o fórum São Paulo Sem Medo, Rio Contra o Crime,
Sou da Paz, entre outros; pelo Grupo de Trabalho para Avaliação de
Direitos Humanos, pelos subsídios oferecidos pelo Programa Nacional
de Direitos Humanos e pelas valorosas contribuições do Gabinete de
Segurança Institucional e outros órgãos da presidência da República”
(PNSP, 2000, “Conclusão”)
28
O Fórum São Paulo Sem medo, por exemplo , realizou-se em dois momentos, em
março de 1997 e setembro de 2000. Através dele foram criados o Instituto São
Paulo Contra a Violência, o Disque Denúncia, a integração das áreas de atuação e
operação da polícia civil e militar e o Fórum Metropolitano de Segurança Pública
de São Paulo. Segundo relatório anual (1998/1999) do Instituto São Paulo Contra
a Violência, no fórum, foram debatidas as bases de um ‘movimento’, que
formalizou-se como instituto cujo objetivo seria criar projetos e ações de
28
Em Pernambuco, os prefeitos da Região metropolitana de Recife, juntamente com o governo do estado
e o governo federal, decidiram criar uma Câmara de Defesa Social no Conselho de Desenvolvimento da
região metropolitana de Recife e desenvolver um programa metropolitano de Segurança urbana e
Prevenção da Violência e da criminalidade em 2003.
‘combate’, ‘controle’ e ‘redução da violência’, atuando junto ao governo e
organismos policiais, fazendo funcionar uma ‘aliança’, entre os recursos públicos
e a sociedade civil. Este Instituto foi responsável pela criação e implementação
de projetos como o disque denúncia de São Paulo apresentado em fevereiro de
1999, uma semana após a posse do secretário de segurança pública do Estado de
São Paulo, Marcos Vinícius Pettreluzzi.
O Instituto SPCV é definido em relatório anual (1998/1999) como expoente de
setores da sociedade que encarando a impossibilidade de resolver isoladamente o
problema da violência, reconhecendo a importância de soluções
multidisciplinares, constitui alianças para viabilizar e lançar projetos e ações
particulares a políticas públicas. Detectamos estes expoentes da sociedade
representados entre os parceiros do Instituto SPCV e do Fórum São Paulo Sem
Medo designados no relatório anual de 1998/1999, são eles: Federação do
Comércio do Estado de São Paulo, Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, Fundação Roberto Marinho, Associação dos Bancos do Estado de São
Paulo, Federação das Empresas de Transporte de Carga no Estado de São Paulo,
Pensamento Nacional das Bases Empresariais, Associação das Bases
Empresariais, Associação Brasileira das Agências de Propaganda, Federação
Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, Federação Paulista
de Futebol, Associação Viva o Centro, Núcleo de Estudos da Violência da USP,
Faculdade de Saúde Pública/USP e Centro de Estudos do Terceiro Setor da
Fundação Getúlio Vargas.
Desde 2000 o Instituto São Paulo Contra a Violência, apostando no “efeito
positivo da reforma e do aperfeiçoamento da polícia, da participação da
sociedade civil e dos governos municipais na discussão dos problemas de
segurança pública e no desenvolvimento de ações de prevenção da violência.”
(relatório anual 2000) elenca três projetos prioritários, o Disque Denúncia, a
realização sistemática do Seminário São Paulo Sem Medo e o Fórum
Metropolitano de Segurança Pública.
O Seminário São Paulo Sem Medo realizado nos dias 23 a 25 de novembro de
2000, no Parlamento Latino Americano, organizado pelo Instituto São Paulo
Contra a Violência, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo e TV Globo de São Paulo, com a participação de especialistas e
representantes do governo, da polícia e da sociedade civil, apresenta os seguintes
objetivos:
9 “Avaliação das mudanças positivas ou negativas na área da segurança
pública, desde o seminário São Paulo Sem Medo de 1997,
identificando problemas que subsistem e apontando novas ações a
serem desenvolvidas pela sociedade em geral
9 Apresentação do Disque Denúncia, implantado em São Paulo em 25 de
outubro, como exemplo de parceria entre o governo e a sociedade civil
na área da segurança pública
9 Constituição do Fórum Metropolitano de Segurança Pública – São
Paulo, que terá como meta reunir prefeitos e representantes da
sociedade civil para discutir, planejar e avaliar ações de natureza
preventiva para redução da violência.” (programa- 2000)
Durante o evento constitui-se o FMSP que pretendia levar ao aperfeiçoamento da
atuação da polícia, do ministério público e do judiciário, e o aumento da
segurança no que passou a ser nomeado como comunidades de alto risco de
violência. O Fórum Metropolitano de Segurança Pública assumiu frente
prioritária no seminário como uma proposta para redução da violência,
constituindo uma organização informal sem fins lucrativos, apartidária,
congregando prefeitos de 39 municípios da região metropolitana de São Paulo,
com o objetivo de criar canais constantes de discussão, propostas, avaliação e
apoio a ações para redução da violência pautada pela
“necessidade de incentivos às ações de prevenção criminal,
particularmente através da mobilização da sociedade civil e dos
governos municipais e a necessidade de atenção especial aos graves
problemas do sistema penitenciário e das instituições responsáveis
pela aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente” (ISPV, 2000, p.12)
A atuação dos governos municipais que integram o FMSP, centrou-se no
desenvolvimento de políticas sociais e urbanas de prevenção, implantação de
monitoramento das ocorrências municipais e da ação das polícias,
mapeamentos/explorações cartográficas de áreas de risco através do programa
INfocrim (banco de dados compartilhado intermunicipalmente com informações
de ocorrências criminais), banco de dados de projetos e programas de prevenção
e guardas municipais.
O FMSP, reunindo 39 prefeituras da região metropolitana de São Paulo e
mobilizando integrantes do executivo, técnicos e representantes da sociedade
civil para participação dos grupos de trabalho (GT de Informações Criminais, GT
das Guardas Municipais, GT de Prevenção da Violência, GT de Comunicação
Social e GT de Legislação e Política Criminal e Penitenciária), exerceu
influência na reorientação da instituição de segurança ampliando a percepção da
importância do papel dos munipios na área de prevenção da violência, através
de medidas que passaram a alinhar políticas de saúde, educação, cultura, lazer,
promoção social e urbanização e desenvolvimento de políticas integradas (entre
os municípios) voltadas para redução da violência; mobilização da comunidade
para participar do diagnóstico dos problemas de violência e da formulação,
implementação, monitoramento e avaliação dos programas a ações de redução da
violência. Mas, o que pode ser entendido como comunidade?
Para Norbert Elias (et all., 2000: 165) a comunidade é a rede de relações entre
pessoas que se organizam como numa unidade residencial.
“As pessoas estabelecem relações quando negociam, trabalham, rezam
ou se divertem juntas e essas relações podem ou não ser altamente
especializadas e organizadas. Mas elas também estabelecem relações
quando ‘moram juntas num mesmo lugar’, quando constroem seus
lares num mesmo local. As interdependências que se estabelecem
entre elas como criadoras de lares, no quais dormem, comem e criam
suas famílias, são especificamente comunitárias” (Idem: 165).
Como unidades residenciais, as comunidades podem ser bairros urbanos,
vilarejos, aldeias, favelas, barracas de um acampamento e conjuntos
habitacionais, dotadas de um núcleo de famílias com seus lares e o
desenvolvimento de problemas sociológicos específicos. Esta concepção refuta
as abordagens sociológicas influenciadas pelo pressuposto implícito de que as
comunidades “estáveis” e “imóveis” são tipos normais e desejáveis de
comunidade.
“A palavra em si não tem muita importância. O que importa é
reconhecer que os tipos de interdependências, estruturas e funções
encontrados nos grupos residenciais de famílias que constroem lares
com um certo grau de permanência suscitam problemas próprios, e
que o esclarecimento desses problemas é central para a compreensão
do caráter específico da comunidade como comunidade — se é que
podemos continuar a usar esse termo num sentido especializado”
(Idem: 166).
Norbert Elias e John L. Scotson (2000) empreenderam uma pesquisa em uma
pequena comunidade industrial inglesa — de nome fictício, Winston Parva —
que tinha por núcleo um bairro relativamente antigo (zona 1, a aldeia) e ao redor,
duas povoações formadas em época mais recente, uma que se desdobrou a partir
da zona 1, compartilhando do mesmo status (zona 2) e outra de imigração recente
(zona 3). Embora os indicadores sociológicos correntes (renda, educação, tipo de
ocupação), indicassem a existência de uma comunidade relativamente
homogênea, e que “em termos de nacionalidade e classe mal chegavam a se
diferenciar” (Idem: 23), não o era na concepção dos que viviam ali e que
representavam a diferença e a desigualdade social como relações entre
estabelecidos — grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma ‘boa
sociedade’— e outsiders, os não membros da ‘boa sociedade’, conjunto difuso e
heterogêneo de pessoas unidas por laços sociais menos intensos, designados no
plural. Nessa pequena comunidade os moradores de uma área (aonde viviam as
famílias antigas instaladas na região há duas ou três gerações, zona 1)
consideravam-se humanamente superiores aos moradores da parte vizinha da
comunidade, de formação mais recente (recém-chegados). “Em suma, tratavam
todos os recém-chegados como pessoas que não se inseriam no grupo, como “os
de fora” (Idem:20). Ao conjunto outsiders o grupo de estabelecidos atribuía as
características de ‘ruins’, da pior porção da comunidade, de minoria anômica.
Portanto, se estabelece um equilíbrio instável de poder, tensões; precondições
para estigmatizações.
“O que se constatava em Winston Parva eram diferenças na posição
dos três bairros em si. “Elas se expressavam sob a forma de atritos,
que passaram a ocorrer tão logo os antigos residentes e os recém-
chegados começaram a se avaliar mutuamente” (Idem:63).
Para os autores, as tensões são o concomitante normal de um processo pelo qual
dois grupos antes independentes tornam-se interdependentes. Os antigos
residentes poderiam ter aceitado os recém-chegados, esperavam que os novatos
se adaptassem a suas normas e crenças, esperavam que se submetessem a suas
formas de controle social, à disposição do “se enquadrar”. Mas os recém-
chegados se portavam na nova cidade, como se conduziam antes, esperavam a
camaradagem mais descontraída “que costuma prevalecer nas camadas inferiores
e intermediárias dos grupos do proletariado urbano” (idem), com normas e
padrões menos rigorosos. Comparados com os residentes antigos eram um grupo
bastante aberto e não particularmente exclusivo e tinham relativamente, pouca
coesão. Mas não se tratava de um plano deliberado de ambas as partes. Também
não se tratava de inimizades pessoais e atritos constantes entre os grupos
vizinhos. “A estrutura da comunidade de Winston Parva ressaltava do encontro
entre esses dois grupos humanos e da mescla de interdependência e antagonismo
resultante dele” (Idem 67). Encontro — cujos efeitos atravessam gerações através
da transmissão — que os obrigou a conviverem como membros de uma mesma
comunidade. Segundo os autores o encontro desses grupos é um episódio
pequeno, “mas característico dos processos a longo prazo e em larga escala a que
costumamos referir-nos com termos como “industrialização”, “urbanização” ou
“desenvolvimento comunitário”.
“Processos dessa natureza ocorreram e continuam a ocorrer em
muitas comunidades do mundo inteiro. Vez após outra, no contexto do
desenvolvimento cada vez mais rápido dos países e das tensões,
sublevações e conflitos suscitados por ele, grupos de pessoas
abandonam semivoluntariamente sua terra natal em busca de ganha-
pão, impelidas por decisões governamentais ou, quem sabe, pela força
das armas, e vão instalar-se noutros lugares, amiúde à porta de grupos
mais antigos ou no seio deles” (Idem: 68).
Winston Parva, para os autores, é um paradigma em que operam o deslocamento
de problemas restritos para problemas teóricos mais amplos dos quais a
comunidade de Winston Parva constitui um exemplo, um modelo que indica “a
impotência com que as pessoas podem cair na cilada de situações de conflito por
força de desenvolvimentos específicos” (Idem: 69), como os aspectos
migratórios da mobilidade social, os desdobramentos dos fluxos econômicos e do
trabalho, os aspectos da formação da cidade, as políticas urbanas e urbanização
que cria, remove e realoca populações. As pessoas não se deslocam, não são
forçadas a se deslocarem e não são deslocadas apenas de um lugar para outro,
elas sempre se deslocam de um grupo social para outro, as tensões são
concomitantes normais, inconvenientes característicos, como o preconceito e
delinqüência.
No PSPB, atas de Grupos de Trabalho do FMSP, nos relatórios anuais do
Instituto SPCV, no Relatório e Diretrizes de Trabalho do Comitê de Articulação
Federativa do Grupo de Trabalho de Segurança Municipal e no Relatório Sobre
Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, as
unidades residenciais (AISPs, bairros-problema, periferias, favelas) tornam-se
foco de modalidades e investimentos administrativos e, desta forma, são
identificadas como comunidades-alvo, povoadas de conflitos, definidas pela
evidência social dos efeitos das estatísticas de criminalidade, em torno das quais
se cria condições para a negociação democrática de contratos locais de co-gestão
dos programas de segurança, para tanto os laços sociais, os diálogos, a
solidariedade e a aliança entre a comunidade e a polícia, ONGs e setores do
governo são elementos que corroboram para a coesão, que projetam unidades
residenciais a comunidades oficializadas e configurações cheias de tensões,
controladas e toleradas e cuja identidade é autorizada pelo Estado.
A identificação de problemas como “a emergência de conflitos na família, na
escola, no trabalho e na comunidade, a desordem social e urbana, a formação de
gangues de jovens, a ocorrência de brigas, agressões verbais e ameaças são
problemas que aumentam o risco de violência e podem se agravar
pogressivamente.”(FMSP: 8). Desde o evento São Paulo Sem Medo os
pronunciamentos a favor do FMSP enfatizam a importância dos governos
municipais devido a sua proximidade com as comunidades, artifício para
justificar a prevenção encontrado também no PNSP e PSPB.
No documento A Segurança Pública e os Municípios — Atualização do Debate
(SENASP, 2004), o aprofundamento das relações entre a SENASP e as
prefeituras aparece como um desafio, uma experiência recente em fase de
consolidação dados os limites, polêmicas e indefinições dos mecanismos de
cooperação intergovernamental e o número limitado de secretarias municipais
que possuem órgãos gestores específicos de segurança municipal. Segundo o
documento a SENASP vem ampliando seus esforços e investimentos em relação
ao Plano Nacional de Segurança Pública do governo federal, porém, “embora
visíveis os avanços, a consolidação de uma agenda prática de segurança
municipal para o país sustentada por modelos comuns mínimos, enraizada nas
estruturas institucionais das prefeituras e nas mentes de seus gestores,
harmonizada com Estados e União em termos de cooperação e divisão de
competências, e abrigada pelos marcos constitucionais e legais claros e bem
definidos, é ainda uma tarefa por ser feita” (idem: 2). O relatório A Segurança
Pública e os Municípios — Atualização do Debate (SENASP, 2004), explicita
que o número de prefeituras que contam com secretarias ou órgãos gestores da
segurança pública é restrito; os mandatos e identidades da guarda municipal são
objeto de incerteza jurídica e as cooperações intergovernamentais evidenciam
indefinições. Foram essas razões que em 2003 levaram à instituição do Grupo de
Trabalho de Segurança Municipal, pela Subchefia de Assuntos Federativos da
Casa Civil da Presidência da República, Frente Nacional de Prefeitos,
Confederação Nacional de Municípios e Associação Brasileira de Municípios do
Grupo de Trabalho de Segurança Municipal coordenado pela SENASP que
pretendia “enfrentar as questões acima e avançar na direção da criação das pautas
e consensos mínimos necessários para a afirmação de uma agenda de segurança
municipal para o Brasil, assentada sobre a sintonia entre os governos federal, os
estados e os municípios” (Idem: 2). O Grupo de Trabalho, de abril a junho de
2003 sintetizou os princípios que possibilitam a plena inserção dos municípios no
Sistema Único de Segurança Pública, através da criação de unidades gestoras
municipais de segurança urbana e prevenção à violência, constituição e/ou
aperfeiçoamento da guarda municipal; normatização e fiscalização de posturas
municipais e desenvolvimento de políticas sociais e urbanas preventivas
integradas, que constituem problemas prioritários que devem ser superados
porque combinam fenômenos gerais de violência e criminalidade com questões
de interesse e competência particular para a esfera municipal.
Segundo o Relatório e Diretrizes de Trabalho do Comitê de Articulação
Federativa do Grupo de Trabalho de Segurança Municipal (2003), aos
municípios é atribuído o papel central para o aperfeiçoamento da segurança
pública no Brasil. O PSPB enfatiza a importância do município para a
reorientação da segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária
através de estratégias preventivas que devem operar segundo diagnósticos locais
consistentes; implantação de guardas municipais segundo o modelo de
policiamento comunitário e da resolução de problemas, adoção de ações sociais e
urbanas preventivas focadas nas áreas, grupos e dinâmicas de maior incidência
da violência e criminalidade; e posturas municipais fiscalizadoras. A
consolidação destas atuações devem materializar a formulação e implementação
de Planos Municipais e Metropolitanos de Segurança Urbana e Prevenção à
Violência Criminal alinhados às diretrizes do PSPB como estruturação ou
fortalecimento da unidade gestora da política municipal de segurança urbana e
prevenção à violência e criminalidade; constituição ou aperfeiçoamento da
guarda municipal; normatização e fiscalização de posturas municipais e
desenvolvimento de políticas sociais e urbanas preventivas integradas.
As políticas sociais e urbanas preventivas integradas segundo o Relatório e
Diretrizes de Trabalho (2004) são caracterizadas como “eixos possíveis” e
“exemplos práticos” (Idem: 5), como a segurança comunitária, acesso à justiça
e a mecanismos de resolução pacífica de conflitos e reinserção social de
egressos dos sistemas penitenciários e sócio-educativos, programas para a
adolescência e suas famílias, mobilização social, associativismo e promoção de
cultura cidadã, planejamento urbano e enfrentamento de fatores e dinâmicas de
risco privilegiam funções/estratégias localizadas e situacionais, visando
menores prazos e custos possíveis. A importância do âmbito municipal recai no
enfoque dado à proximidade a regiões e públicos mais vulneráveis, através de
metodologias gerenciais. O Relatório de 2004 complementando o PSPB
recomenda que os municípios avancem na definição de unidades gestoras para
articulação das políticas de segurança urbana e de prevenção e destacam o
exemplo do FMSP.
O Relatório Sobre Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da
Segurança Pública (SENASP, 2004) trata da inserção dos municípios na gestão
da segurança, como uma nova realidade da segurança pública no Brasil
pertinente à criação e aplicação dos PNSP e PSPB. Até a década de 1980 os
municípios estavam afastados dos debates e das iniciativas na área de segurança
e a partir da década de 1990 começaram a assumir iniciativas e responsabilidades
tanto no que tange à formação das guardas municipais, como ao desenvolvimento
de programas municipais de segurança. Portanto, a partir da década de 1990,
segundo o mesmo documento, a segurança pública passou a ser compreendida
como algo a mais do que as polícias estaduais, redução da corrupção na polícia
pontuada por reformas na educação policial, por disciplinas humanitárias e de
direitos humanos.
A década de 1990 demonstrou, segundo Relatório e Diretrizes de Trabalho do
Comitê de Articulação Federativa do Grupo de Trabalho de Segurança
Municipal (2003), o êxito de experiências de consorciamento e integração de
municípios quanto à racionalidade, eficiência e eficácia de iniciativas de
enfrentamento conjunto e integrado de problemas e desafios comuns. No âmbito
da segurança pública, “este é um dos setores nos quais o imperativo da
integração para além das fronteias municipais coloca-se de forma mais clara, seja
pela sua reconhecida complexidade e multiplicidade de fatores, seja pela sua
concentração nos grandes centros urbanos.” (Idem: 12). Esta estrutura observada
a partir da década de 1990 como gestão metropolitana e intermunicipal se
traduziu empiricamente na criação de consórcios municipais, conselhos gestores
interinstitucionais e fóruns de prefeitos e municípios. Estas instâncias voltaram-
se à articulação, intercâmbio de experiências. Segundo o Relatório e Diretrizes de
Trabalho (2003), a importância residiu na construção de planos comuns de ações
entre diversos municípios, divisão clara de novas estruturas, eficientes,
democráticas e permanentes para a realização da tarefa de segurança pública. O
FMSP representa um exemplo bem sucedido de consórcio. É formado por quatro
áreas estratégias demarcadoras de ações: Informação Sobre a Criminalidade e
Violência; Controle da Criminalidade e da Violência; Prevenção da
Criminalidade e da Violência e Comunicação Social, com o objetivo de:
“— produzir e disseminar informação sobre o problema da violência
na região metropolitana de São Paulo e as políticas, programas e ações
capazes de solucionar o problema.
—Estimular a participação das prefeituras da região metropolitana de
São Paulo no debate e na implementação de soluções para o problema
da violência, seja através da incorporação da prevenção da violência
como uma das dimensões das políticas urbanas e sociais, seja através
da criação de uma secretaria ou coordenadoria para desenvolver
políticas municipais de segurança pública.
— Instensificar a colaboração entre governos municipais e destes com
a sociedade civil, a universidade e o setor privado, no
desenvolvimento e sustentação de estratégias preventivas de redução
da violência, tanto da natureza social como de natureza situacional.
—Promover a colaboração entre os governos municipais, o governo
estadual e o governo federal, no desenvolvimento e sustentação de
uma política de segurança pública para a região metropolitana.”
(Capobianco & Mesquita Neto, 2001)
Segundo o Fórum Metropolitano, sua atuação manifesta e contribui para o
crescimento do papel dos municípios nas áreas de segurança pública no estado de
São Paulo, particularmente, através da integração das ações dos governos
municipais e da articulação dos governos municipais com organizações da
sociedade civil, associações comunitárias, especialistas de segurança pública, e
profissionais de mídia. Aborda duas distinções como expressões de prevenção:
para o Estado e a União caberá a atuação eficaz na repressão criminal, para os
municípios caberá programas e ações de prevenção. Não se trata de uma
municipalização da segurança, mas da expansão da participação do município e
multiplicidade da função de prevenção.
“O Fórum Metropolitano manifesta e impulsiona uma mudança de
atitude por parte dos governos municipais em relação à segurança
pública, que está associada a um amplo processo de reestruturação do
sistema de segurança pública e de justiça criminal em curso desde a
transição para a democracia. Sem diminuir a importância das
estratégias repressivas para redução da violência, os governos
municipais e a sociedade civil investem cada vez mais no
desenvolvimento de estratégias preventivas para redução da
violência.” (idem:12)
A primeira ata de reunião do Grupo de Trabalho de Prevenção à violência do
FMSP apresenta o objetivo do grupo de realizar regularmente levantamento das
áreas de risco de violência na região metropolitana e disponibilizar dados
estatísticos e mapas de ocorrências criminais para as prefeituras através do
sistema InfoCrim. Sobrepõe-se a estes levantamentos o objetivo de debater e
apoiar o desenvolvimento de políticas e programas municipais de prevenção à
violência, particularmente direcionados às áreas e situações de risco de violência
na região metropolitana, demandando a estruturação de um banco de projetos e
programas de prevenção — pareado ao Infocrim —, criado em 2001 e ampliado
a partir de 2002 ao website do FMSP
29
. O balizamento de bancos de dados
criminais e sociais pretende identificar os fatores ou situações que aumentam o
risco de violência nestas áreas, assim como os programas e ações governamentais
e/ou da sociedade civil em desenvolvimento, com o objetivo de propor medidas
capazes de diminuir o risco de violência nestas mesmas áreas. A plenária do
Fórum Metropolitano do dia 28 de junho de 2001, associa tecnologia de análise
criminal de ocorrências através do Infocrim e mapeamentos à necessidade de
divulgação e avaliação de programas de prevenção e da eficácia que projeta sobre
áreas limitadas e suas comunidades.
Entre 2001 e 2002 o GT de Prevenção à Violência do FMSP realizou encontros
regionais para discutir a prevenção na região metropolitana, resultando em cartas
regionais com diretrizes e ações para prevenção à violência e que compuseram
em 2002 o Plano Metropolitano de Prevenção que define a necessidade de se
realizar a troca de experiências na prevenção à violência entre os municípios e
regiões, realizar mapeamento das experiências bem sucedidas de prevenção à
violência para difusão e intercâmbio intermunicipal e promoção de seminários
itinerantes — no âmbito municipal e intermunicipal — com a finalidade de
29
Desde 2003 o website do FMSP tem o seu conteúdo fora do ar, limitando o acesso à página principal.
As atas de reunião foram obtidas através do site do Instituto São Paulo Contra a Violência.
www.spcv.org.br.
aproximar as experiências das comunidades. O Plano Metropolitano de
Prevenção à violência de 2002, identifica áreas de intervenções — uso de álcool
e drogas, família, escola, infância e juventude, reestruturação urbana e trânsito —
em que os efeitos dos programas estão sempre por ser avaliados. Estas mesmas
áreas temáticas estão presentes no Relatório e Diretrizes de Trabalho do Comitê
de Articulação Federativa do Grupo de Trabalho de Segurança Municipal
(2003), o PSPB (2003) e no Relatório Sobre Prevenção do Crime e da Violência
e Promoção da Segurança Pública (2004), cada um deles reporta-se às crianças e
jovens como grupo social mais vulnerável. No PSB esta vulnerabilidade constitui
prioridade de Estado, remetendo-nos, assim, à constituição de 1988 em que os
direitos das crianças e dos adolescentes tornam-se prioridade. Perspectiva
bastante influenciada por princípios e recomendações normativas internacionais
de proteção à infância e à adolescência provenientes da década de 1980 que
recomendavam investimentos em recursos humanos especializados em pesquisa,
em avaliação de programas e políticas sociais, em atuações da sociedade civil
organizada e justiças especializadas. A prioridade da criança e do jovem
redimensiona o papel do Estado em relação às políticas sociais e em relação às
organizações da sociedade civil que se responsabilizam pelo atendimento a
carentes, abandonados e vítimas de violência, configurando uma administração
estatal que lançou mão de repasse de verbas, contratos de co-gestão, co-
elaboração, parcerias, repasse de gestão de programas sociais a organizações da
sociedade civil, centros e núcleos acadêmicos, facilitadas por leis de incentivos
fiscais com base em impostos sobre serviços e Imposto de Renda, federais,
estaduais e municipais e apoio privado de indivíduos doadores.
Consequentemente, inaugura uma forma de falar sobre jovens e crianças, sob a
sintaxe infância e adolescência, e uma gramática inerente à proteção, direitos
difusos e acusação dos infratores.
Um dos problemas considerados mais dramáticos na área de segurança é o
“genocídio a que vem sendo submetida a juventude brasileira” (PSPB, 2003: 5),
mais especificamente, a juventude pobre, do sexo masculino e jovens negros; que
para o Plano Metropolitano de Prevenção é o “grupo social mais vulnerável”, e
que segundo Relatório de Desenvolvimento Juvenil (Waiselfisz, 2003) é o “grupo
particularmente vulnerável”, dadas causas externas e violentas como, acidentes
de trânsito, homicídios e suicídios. Miriam Abramovay (et all, 2004) em
Guangues, galeras, chegados e Rappers constata que os jovens são os que mais
matam, mais morrem e compõem o maior contingente de pessoas presas. Alba
Zaluar refere-se à violência que atinge a juventude como uma questão nacional
que exige o cumprimento do plano nacional de segurança pública em que
proteger a juventude pobre constitui tarefa prioritária de política de segurança
pública. O PSPB identifica algumas dinâmicas geradoras das violências que
envolvem jovens como autores ou vítimas: falta de acolhimentos familiar,
comunitário e escolar; falta de perspectivas de integração social plena; ausência
do Estado nos territórios pauperizados; varejo de armas e de drogas nas
periferias, vilas e favelas que recrutam jovens para atividades ilegais;
desdobramento do tráfico em amplas variedades de acontecimentos criminais.
Segundo avaliação do PSPB essas condições seduzem ao tráfico e à organização
criminosa, “aí está o centro de uma de nossas maiores tragédias nacionais, o
nervo do processo autofágico e genocida” (PSPB, 2003: 7).
Dizer que os jovens são os que mais matam e morrem no Brasil hoje; suas
maiores vítimas e perpetradores da violência; que são vulneráveis; que cada vez
mais jovens cometem crimes; como insistem Zaluar, Abramoway e Waiselfisz
alinhados ao PSPB, é compor representações que informam o sistema de controle
social no Brasil, com base não só na utilização da estatística e da economia, mas
na capacidade de informar um imaginário social para as explicações da questão
da violência urbana pela visibilidade da articulação entre pobreza, certos bairros
e o pobre à violência e crime, que geram reviravoltas concretas na vida cotidiana
das crianças e jovens. Remetem ao circuito de lembranças de declarações,
compromissos, pactos, conferências e convenções, que programam a
regularidade — e que estabelecem a infância e juventude como itens de agenda
—, acionada sob a forma de educação, difusão, compromisso, responsabilidade,
conscientização, sensibilização, fomentação, proteção, consolidação e definição
de políticas. Este circuito vai do discurso sobre a tolerância, da reconstrução e
reconhecimento de categorias de identificação, das políticas multiculturais à
política de tolerância, à tolerância zero, à reiteração do direito somente como
forma de justiça de Estado.
Esses jovens acabam sendo vistos como a escória, o resto, os egressos da Febem,
são os que estão sob Liberdade Assistida, o menor, o abandonado, o indivíduo de
uma população em situação de risco, um infrator, uma vítima, o traficante. De
qualquer maneira, fazem parte das populações das periferias, sobre quem recai a
seletividade do sistema penal, aonde se recruta o policial e se clama por
segurança policial. Uns certamente morrem, outros se amontoam nas delegacias,
prisões e Febems. A pena de morte não é somente um dispositivo jurídico, é uma
prática diária que se realiza no desejo, nas ruas, nas periferias brasileiras, nas
favelas e nas prisões. Para esses jovens a dilatação dos muros das prisões, o
controle a céu aberto produz e dissemina ações afirmativas, penas alternativas,
CEUS, uma infinidade de políticas e programas integrados, infantilizações,
crueldades, cujos efeitos de governo pretendem que eles sejam impelidos a se
comportarem de uma certa maneira, e se identificando com a periferia,
reivindicando direitos, educação e punição.
Frente à constatação das mortes, dos genocídios, do processo autofágico e de
vitimização da juventude em relação ao crime e à violência, a idéia de
envolvimento juvenil com o crime das décadas de 1980-1990 deu lugar ao
conceito de vulnerabilidade juvenil. O termo vulnerabilidade provém da
constatação das limitações dos estudos sobre pobreza que se baseavam até a
década de 1980 em indicadores de renda, em carências das necessidades básicas
e produto per capta bruto. Com o desenvolvimento de análises de condições de
vida baseadas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) criado e aplicado
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU), a
partir de indicadores parciais (expectativa de vida, população com acesso a
serviços de saúde, população com acesso a água potável, população com acesso a
serviços de saúde, acesso a serviços de coleta de esgotos e detritos, escolaridade,
mortalidade infantil, produto bruto per capta ponderado pela distribuição de
renda) que se integram e dão origem a um indicador composto — o IDH —
capaz de dar conta de unidades sub-nacionais, regiões, estados, municípios ,
grupos ou segmentos da população, segundo atributos não necessariamente
geográficos, como gênero, etnia, situação urbana ou rural, levando-se em conta
variantes que contemplam particularidades desses segmentos de população e seus
modos de vida compreendidos através de acessos a bens e serviços. Os
desdobramentos dessa metodologia — como o Índice de Desenvolvimento
Juvenil — permitem uma visão da evolução dos diversos fatores que incidem
positiva ou negativamente no modo de vida e no acesso aos benefícios sociais,
possibilitando interpretações sobre os riscos da mobilidade sociais descendente e
desvantagens do acesso a bens e serviços, caracterizando a vulnerabilidade.
Para Moser, Kaztmam e Figueira (2001) a relação negativa entre a
disponibilidade dos recursos materiais e a disponibilidade de recursos simbólicos
resulta na vulnerabilidade que está associada à carência de ativos sociais e à
capacidade dos sujeitos para mobilizá-los. Entendem como ativos sociais os
recursos necessários para qualquer família enfrentar dificuldades e mudanças
externas relativas ao trabalho, capital humano (educação), moradia, relações
domésticas e capital social (normas e redes sociais que facilitam a ação coletiva).
Importa, sobretudo, para conformar condições de vulnerabilidade os desajustes
entre os ativos disponíveis (recursos materiais e simbólicos) e a estrutura de
oportunidades (educação, trabalho, saúde, lazer e cultura). “Nesse caso,
relaciona-se à capacidade dos atores sociais de melhorarem sua situação
(estratégias de integração social e mobilidade social vertical) e controlar as forças
que comprometem seu bem-estar ou seu futuro, através de recursos das pessoas,
recursos de direito, recursos em relações sociais”( Waiselfisz, 2003: 24). Assim,
as condições de vulnerabilidade remetem à disponibilidade de ativos (bolsas,
redistribuição de renda, ajudas de custos sociais, etc.) e às possibilidades de
acesso (programas de educação, programas de acesso a atividades culturais e
profissionais, atendimento a vítimas de violência, apoio á formação de
lideranças, etc.) que podem ser proporcionadas não somente pelo e Estado, mas
também pelo mercado e pela comunidade.
Aldrin (et. All, 2004) refere-se à “velha” exclusão social e “nova” exclusão em
que atua a vulnerabilidade. A velha como forma de marginalização dos frutos do
crescimento econômico e da cidadania é expressa pelos baixos níveis de renda e
escolaridade, incidindo mais freqüentemente sobre os migrantes, analfabetos,
mulheres, famílias numerosas e a população negra” (Idem: 43). A dinâmica dessa
velha exclusão perdurou ao longo dos últimos 40 anos do século XX.
Diferentemente, “entende-se por nova exclusão um fenômeno de ampliação de
parcelas significativas da população em situação de vulnerabilidade social, e
também as diferentes formas de manifestação da exclusão, incluindo as esferas
cultural, econômica e política” (Idem: 49). Para os autores os resultados da nova
exclusão se sobrepõem às velhas formas de manifestação da exclusão; o que
majora o desafio do poder público para eliminá-la. “O desemprego e a
precarização das formas de inserção do cidadão no mercado de trabalho são
fontes ‘modernas’ de geração da violência urbana e da vulnerabilidade juvenil,
acentuadas pela maior flexibilidade ocupacional e dos níveis de renda” (Idem:
49).
Da vila capital, segundo Foucault (2005), desdobram-se procedências do difusor
moral que é preciso impor aos pobres, organizar a circulação, fixar o que na
mobilidade era considerado perigoso, selvagem, exteriores à cidade, suspeitos, de
outra raça. Não há uma linha de legalidade que separa civilizados de marginais
selvagens, tampouco, desde o projeto da vila capital, uma carência de
dispositivos de integração. O capitalismo comporta produção material na
ilegalidade, democracia com expansão da miséria, medo de maioria contemplada
por difusão direitos para as minorias. A segurança total, supõe a dizimação
consentida. Estão todos incluídos, a sociedade de controle funciona pela
integração.
Dados sobre ativos, como educação, saúde, trabalho, são insumos básicos para se
entender os recursos materiais e simbólicos, as existências de debilidades no
acesso a esses bens, de diferentes segmentos da população, e as dificuldades em
acessar as estruturas de oportunidades, indicando os focos de reprodução de
situações de vulnerabilidade social. Cálculos e índices de desenvolvimento
humano — que refletem âmbitos básicos da vida cotidiana em áreas tais como:
expectativa de vida, população com acesso a serviços de saúde, população com
acesso a água potável, com acesso a serviços de coleta, de esgoto e detritos,
escolaridade, mortalidade infantil, produto bruto per capta por distribuição de
renda, etc — e de índices por segmentos como o índice de desenvolvimento
juvenil, índice de vulnerabilidade juvenil que remetem às próprias “necessidades
e direitos fundamentais insatisfeitos da condição de ser jovem” (Waiselfisz,
2004:184), a maioridade da demarcação teórica que representa a infância e a
juventude. Funcionam como indicadores sintáticos e destacados como
contribuições ímpar para a focalização do planejamento, da área de escolha de
intervenção e da execução de políticas sociais para segmentos da população,
acionando possibilidades de acesso, amplificação ou diversificação das
penalidades.
Para Waiselfisz (coord. et all, 2004), processos de vulnerabilidade têm uma
gênese basicamente econômica, mas a minimização dos graus de vulnerabilidade
não pode se dar só pela via econômica. Portanto, para o autor, analisar o
problema da vulnerabilidade sob o viés econômico nada acrescenta sobre a
necessidade não econômica, mas ética e de política da inclusão social. Em
oposição à especificidade do conceito de vulnerabilidade que correntemente
alude a risco, fragilidade ou possibilidade de dano, o autor privilegia uma
abordagem da vulnerabilidade que se “diferencia desse sentido comum pela
ênfase no seu contraponto: as potencialidades ou a capacidade de respostas dos
sujeitos frente às situações adversas” (idem: 23), frente recursos das pessoas,
recursos de direito, recursos em relações sociais, filantropias.
Riscos e vulnerabilidades são invisíveis, são traços de cálculos, traços
comparativos, deduções estatísticas, índices, fontes de tutelas informáticas, que
se colocam entre as pessoas e suas chances de viver tranquilamente, exigente de
grande dose de prevenção. A vulnerabilidade apresenta-se como perigo potencial,
situação alarmante, associada a comportamentos e fatores sociais que ameaçam a
consolidação da segurança, da democracia que pretende abarcar a totalidade da
vida e espera a adesão do cidadão às políticas de Estado, a uma ética fundada na
lei, à participação. A vulnerabilidade atualiza estigmas e a seletividade
imprescindível para o sistema penal. Direitos, inovações neoliberais da
penalidade, tutela informática, controle a céu aberto, não contém as
desigualdades que não cessam, mas certamente integram populações às
armadilhas da governamentalidade que gere o corriqueiro e se torna condição
hierárquica, seletiva e maior para a segurança da própria política, que em nome
da defesa de direitos, administra os graus de justiça de suas violações como
possibilidade de sua própria sobrevivência sob o respaldo da prevenção que
opera no confinamento de vida nas periferias.
A sociedade de controle, na ordem do dia, produz a democracia participativa
como seu meio e fim, produz vida à parte e a conformidade em se habitar um
confinamento de vida.
“O Estado destina-lhes o tratamento policial, identificando suas
eventuais inclusões à ilegalidade, ao mesmo tempo em que,
confinadas em suas territorialidade, separam-se e são repartidas,
ainda, como virtuosas e viciadas, pertencentes a famílias estruturadas
e desestruturadas, clamando mais segurança ao Estado penalizador.
De certa maneira tentam afirmar um certo ideal de nós, conforme
definiu Norbert Elias, concorde à ordem, diante da ausência de ideais
nas zonas de confinamento” (Passetti, 2003c).
O estudo micro-sociológico de Norbert Elias (et all. 2000) remete à
interdependência que numa comunidade prende dois grupos na armadilha de uma
configuração que produz tensões e conflitos entre eles. Os autores descreveram
pobres virtuosos e viciosos vivendo sob as mesmas condições espaciais que se
apartam sob título de condutas que poderiam inferir a uns as marcas da
inferioridade social, confirmando uma superioridade moral e de costumes a
outros. A periferia estratifica-se moralmente em periferia da periferia, outra parte
de si que caracterizada como problema, anômica, perigosa, espera-se que seja
ajustada por mais polícia, escolarização e direitos. Restaria um novo
redimensionamento do ‘ideal de nós’ a cargo do vaivém de novas mobilidades
sociais, de valor percebido somente para a própria periferia, frente o peso da
acusação da tolerância zero que cede estímulos às reformas em segurança pública
e justiça criminal.
Segundo o PSPB as políticas e programas integrados de segurança podem se
constituir em variáveis significativas, em estreita relação com as condições em
que se aplicam e do tipo de criminalidade a que buscam reduzir. Elenca também
alguns fatores que estimulam a prática da violência: pobreza relativa e moradia
inadequada; apoio familiar inconsistente; deficiência de aprendizado; exclusão da
escola; violência doméstica; poucas oportunidades de emprego e exclusão
econômica; cultura da violência; superlotação dos presídios; impunidade e
inexistência de uma adequada política de drogas. Destaca o que chama de síntese
de um diagnóstico criminal, que faz emergir interconexões relevantes para
compreensão da criminalidade, a articulação entre tráfico de drogas e armas
apontados como matriz da economia que orienta a delinqüência como prática
utilitária, dinâmicas de homicídios dolosos e de delitos como furtos, roubos,
seqüestros e latrocínios, financiamento e apropriação de armas, que por sua vez
constitui um fator estratégico decisivo na geração da criminalidade violenta. O
tráfico conta com uma demanda em expansão e ao mesmo tempo recruta jovens
que “constituem um número imenso de meninos e rapazes pobres, e algumas
meninas, fora da escola e sem emprego, sobretudo sem esperança, sem
expectativa de integração à sociedade de consumo, que é glamourosa, sedutora,
mas inclemente com os excluídos” (PSPB, 2003:12). Segundo o PSPB o tráfico
recruta jovens através de dois recursos complementares, dinheiro e arma.
“Arma é símbolo de poder, restaurador de visibilidade social perdida;
é instrumento da valorização da autoestima e do acolhimento. Um
jovem (o protagonista desta saga é quase sempre do sexo masculino)
pobre é quase um ser social invisível, sobretudo se lhe falta um lugar
afetivamente sólido e estável na família e na comunidade. Sem lugar,
sem identidade positiva para a sociedade, esse menino não é
reconhecido como pessoa humana singular, dotado de emoções,
carências, potencialidades e valor. Com a arma, graças à arma, ele é
visto, reconhecido, respeitado e passa a pertencer a um grupo, que lhe
dá funções importantes e lhe atribui responsabilidades. Graças à
imposição, sobre o outro, do medo provocado pela ostentação da
arma, o outro reconhece sua presença e lhe devolve a visibilidade
social, no jogo cruel e perigoso de uma dialética perversa. A ameaça
da destruição, de extinção do outro, de negação da presença alheia
pela mediação do ataque armado, promove a autoconstituição
subjetiva. Claro que o preço desse pacto é elevadíssimo e se abate
também sobre o próprio beneficiário desse exercício simbólico do
poder, o menino, condenando-o torna-se vítima futura da violência
que pratica.” (PSB:12)
“Pessoa Humana Singular” não é só um pleonasmo. Salete Oliveira (2006) expõe
uma perspectiva analítica que disseca um itinerário da origem do humano; da
falta do humano e da diversidade do humano a partir da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Segundo Oliveira o itinerário do humano parte do
conceito de natureza humana “cuja condição imperfeita justifica a necessidade de
uma mediação superior para atingir a verdadeira humanidade” (idem: 156) e
dignidade, compondo o humano reformado, a pessoa humana e a dignidade da
pessoa humana. A grandiloqüência da mediação superior, da lei, inflaciona os
dispositivos de segurança e se imiscui no discurso cotidiano confluindo
itinerários e contornos ao regime do castigo, da educação para a obediência e
para a tolerância. Da origem do humano se desdobra a falta no humano, o erro, a
fraqueza, o vício, os crimes e os desdobramentos da razão do julgamento e da
tolerância, “tanto para suprir a falta como para julgá-la” (idem: 159).
Adorno e Zaluar insistem na importância de estudos de caso, de perfis de carreira
e de histórias de vida de adolescentes socializados no crime, como possibilidade
para se identificar novas pistas, idéias, hipóteses que poderiam contribuir para se
conferir um outro tratamento às fontes documentais oficiais, estatísticas.
Eles pretendem localizar na história de vida a possibilidade que seja conclusiva
sobre os infratores e os adolescentes problemáticos, a infância e a adolescência,
sobre o ponto de inflexão da falta, do erro, da infração, afinal o exemplo é
necessário para que se identifique, o humano reformado, o vagabundo, o
traficante, o crime a ser cometido e dele retirar os argumentos que restituem a
condição de sujeito que tem direito de falar sobre sua vitimização, evocar os
direitos que lhe devem a sociedade e o Estado, acionando a necessidade do
aprimoramento de programas e políticas de prevenção e da aplicação da justiça
penal. A isto chamam panorama da cidadania. A estes estudos pretendem ver
incorporados estudos de vitimização, sobre razões pelas quais as pessoas não
cedem ao registro do crime, às queixas. Zaluar e Adorno são empreendedores da
reativação do ciclo de denúncias, da expressão da indignidade. E como tais são
também pesquisadores e consultores de governos, polícia, empresas e centros de
pesquisas.
O Núcleo de Estudos da Violência estabeleceu estreitas relações com o Instituto
São Paulo Contra a Violência na confecção e acompanhamento do Fórum São
Paulo Sem Medo e, posteriormente, no Fórum Metropolitano de Segurança
Pública, fomentadores de estilos de governar que influenciaram nos textos dos
PNSP e PSPB e na gerência executiva da SENASP. Zaluar permanece
apreciadora dos PNSP e PSPB, da possibilidade de confecção nacional e
comparativa de diagnósticos sobre criminalidade, da composição e integração de
bases de informações, de reformas e reengenharias da polícia, da polícia
comunitária, do estímulo à inovação tecnológica e das políticas e programas
focalizados. Ressente-se da criação do Sistema Único de Segurança Pública e da
execução por meio dos órgãos gestores do alinhamento às sugestões dos planos.
Mas reconhece os excessos da polícia, perpetradora de práticas que remetem aos
períodos de autoritarismo militar, e enfatiza ser preciso investir em polícia
investigativa e polícia comunitária, ambas inerentes à participação e ao apoio das
comunidades. Reconhece nessas alianças cooperação e controle democráticos na
criminalidade vitimizadora dos pobres. Estes precisam de proteção estatal e a
aprender organizar novos arranjos e práticas sociais à medida que as elevadas
taxas de criminalidade mantém relação com a ausência de polícia em áreas
limitadas e ausência de políticas sociais e acesso a equipamentos, como escolas,
postos de saúde e quadras de esportes. Zaluar e Adorno são parceiros no esforço
pela reforma e aperfeiçoamento do sistema de segurança público brasileiro e
compõem como corifeus no coro dos centros de pesquisa, Ongs, fóruns e
sociedade civil que exercem ativo controle externo sobre o fluxo de reformas de
políticas e programas sugeridos no PSPB.
Para ambos a polícia democrática e investigativa eficaz é um desafio. Evocam o
policiamento ostensivo que não se aparta da criminalização de comportamentos e
desta maneira, atualizam e justificam a criação de novas formas de campo de
concentração. Não há miséria e medo que possam ser solucionados pelo Estado,
são partes constitutivas do extermínio que o Estado opera.
Abromavay (et. All) na pesquisa Gangues, galeras, chegados e rappers” coleta
dados qualitativos e quantitativos como pistas para se compreender como os
jovens percebem e lidam com a violência. Na pesquisa realizada entre 1998 e
1999, aborda o espaço urbano do jovem, o grau de identificação com as cidades
em que moram, frente os problemas da infra-estrutura na periferia; a percepção
que os jovens têm acerca da pobreza, da riqueza, da estratificação social, da
violência que aparece como fragmentos da vida social. Frente aos estudos de
caso, Zaluar questiona: como sair do vitimismo? É preciso considerar as
capacidades de agir além dos constrangimentos que a estrutura social impõe.
Para ela, “não há razão para crer que nenhum desses personagens está sem saída,
que seu destino foi marcado inexoravelmente pela miséria de suas famílias, pela
ausência dos pais, pelo desamparo de demais protetores, pelo fracasso dos
serviços públicos. Mas não resta a menor dúvida de que é preciso fazer muito
mais para ajudar os que ficaram presos nas malhas do crime e da violência pela
violência”
30
.
Tomada pela compaixão. Zaluar angaria simpatias para a difusão do
voluntariado, do associativismo civil, para a atuação de ONGs que coordenam,
aplicam, avaliam prevenções e são respaldadas pelo Estado e por investidores. A
30
Alba Zaluar. “Ensaio sobre a cegueira” in Folha de São Paulo, 26/03/2006.
miséria gera muitos empregos úteis, de consultores a ongueiros, com ou sem
compaixão, mas por emprego. Defensores dos direitos dos adolescentes também
se empanturram nas, verbas e prêmios. Voluntários e jovens absolvidos pelas
ONGs nas periferias se destacam em suas comunidades, e são reconhecidos por
isto; saem, viajam, são homenageados e voltam. Zaluar reconhece e afirma que
os jovens precisam ser ganhos pela idéia. Os corpos e as mentes precisam estar
disponíveis para obedecer e permanecerem confinados na periferia. Zaluar, por
ajustes burocráticos pretende uma história das soluções. Parece só compaixão,
mas é punição.
Para Alba Zaluar, Adorno e Abromaway a violência sofrida e praticada por
jovens possui fortes vínculos com a condição de vulnerabilidade social em que
podem ser localizados. Para Zaluar, o recrutamento de jovens pelo tráfico se dá
porque se desmantelam mecanismos ditos tradicionais e redes de sociabilidade
locais — referindo-se aos moradores dos conjuntos habitacionais e das favelas
cariocas. O recrutamento se estabelece a partir de atrativos oferecidos pela
sociedade de consumo e pela possibilidade de afirmação de uma identidade
masculina viril, localização e inserção social limitada pelo cerceamento de
opções de escolha pessoal. Os meninos pobres valorizam os “bens como a arma e
o fumo, o dinheiro no bolso, as roupas bonitinhas e a disposição para matar”
(Zaluar, 1994:102) em detrimento da institucionalização de modos de
solidariedade. Esta é a condição da vulnerabilidade para Zaluar, elevada a
problema nacional que requer exercício do plano nacional pelo qual é necessário
“disputar menino a menino com o tráfico, competindo pelo
recrutamento de cada jovem vulnerável à cooptação criminosa,
oferecendo-lhe menos as mesmas vantagens, materiais e simbólico-
afetiva-psicológicas, que o crime oferece: por um lado, capacitação
para o mercado de trabalho, emprego, acesso aos bens de consumo;
por outro, acolhimento, experiências alternativas e de promoção da
autoestima, meios de restauração de sua visibilidade social
(indissociáveis de valores positivos, vinculados à cultura da paz e da
sociabilidade solidária)”(PSPB, 2003).
Abramovay (2004) atribui o recrutamento de jovens a uma integração perversa,
como saída para os jovens, como possível explicação para o fenômeno da
violência juvenil. “Em muitos casos os grupos excluídos lutam para administrar
sua própria identidade, interiorizando os estigmas com os quais são
desqualificados e transformando-os em um emblema ou mecanismo de
identificação” (idem: 20). A autora elenca hipóteses referentes à explicação da
“moderna eclosão dos diversos tipos de violência em meio à juventude”, como
abordagens que remetem às estruturas individuais, fatores biossociais,
modalidades do desenvolvimento econômico, e enfoca principalmente as ‘crises
de socialização’, a quebra dos laços de solidariedade e de “lealdade pública”, em
proveito das “lealdades privadas” e detrimento da tranqüilidade racional da
identidade e suas pluralidades que fazem funcionar consenso. Reitera-se o
componente central do espaço social “onde vivem e interagem os que se
envolvem em atividades violentas, criminosas ou simplesmente transgressoras”
(idem: 18). Para Abramovay, “a falta de alternativas, a ausência de instrumentos
para lidar com um contexto globalizado e fragmentado, no qual as mudanças são
constantes, levam os jovens a enfrentar situações em que faltam referências
norteadoras de condutas, com repercussões nos processos de construções
indentitárias” (idem: 186). Portanto, construção de um problema de formas
identitárias.
Não há como negar, como constatou Vera Malaguti (2003), que a consolidação
de um enorme mercado ilegal de drogas constitui uma problemática criminal
contemporânea que envolve milhares de jovens, um processo de criminalização
da juventude pobre.
A pesquisa Difícies Ganhos Fáceis (Malaguti, 2003) aborda um lado da vida do
pobre, como uma vida para acusação. Através da análise histórica e emblemática
de processos em que os adolescentes eram presos por problemas relacionados às
drogas, mostra a diferença do olhar moral do tratamento judiciário, a seletividade
pautada de acordo com a origem social, étnica e do local de moradia. Vera
conclui que a diferença não está relacionada à droga, mas aos meninos e meninas
pobres a quem convergem representações da juventude como suja, imoral, vadia
e perigosa, como estratégia de controle social e que informam o imaginário social
para as explicações da violência urbana.
“Trabalhando a transição democrática na saída da ditadura pude
analisar a combinação do fortalecimento do consumo de drogas ilegais
pela classe média e a contrapartida do recrutamento da mão-de-obra
das periferias atiradas aos difíceis ganhos fáceis da venda ilegal da
mercadoria. O olhar bélico sobre o problema e seus efeitos legais
propiciou um aumento progressivo da entrada de jovens no sistema
penal por atos infracionais relacionados à droga. O sistema penal, que
é sempre uma máquina seletiva, tratou de produzir sua estigmatização
dualista: para os meninos de classe média presos, o esteriótipo médico
e para os meninos pobres, o esteriótipo criminal” (idemp: 157).
Ao contrário do que se pensa, a guerra às drogas não constitui um fracasso pela
incapacidade de destruir o narcotráfico. Realiza de forma eficaz um efeito
contrário. Traficantes e usuários, respectivamente, ficaram à mercê das
iniciativas antidrogas e, na ilegalidade, atividades de produção, distribuição e
venda de psicoativos convocaram pobres para o trabalho. A guerra contra as
drogas elege alvos e torna a perseguição mais sofisticada e potente. Segundo
Thiago Rodrigues, “o caminho que busca banir o uso de drogas, ao se aproximar
do seu objetivo, alcança outras metas: indivíduos não-aproveitáveis na nova
lógica econômica global são enredados pelas ações antidrogas e, com isso,
colocados sob controle, em guetos, favelas, ou através das grades” (Rodrigues,
2003: 118). Trata-se de políticas que adiam indefinidamente seu fim
reabastecendo, segundo Malaguti, os especialistas do sistema penal (assistentes
sociais, psicólogos, pedagogos, etc) de argumentos sobre o novo inimigo, novas
questões criminais e da permanência da utilização do ECA como lei penal e
sinônimo da afirmação da crença da educação com base na pena para aqueles que
não foram reduzidos pela educação familiar ou pela escola. Na educação pelos
valores superiores “é comum ver hoje profissionais da educação atuando como
seguranças, policiais e comissários. É comum, hoje, policiais atuando como
profissionais da educação” (Corrêa, 2005: 185).
Os desdobramentos da concepção de que as violências sofridas e praticadas por
jovens possam ser vinculadas ás condições de vulnerabilidade aciona a ação
afirmativa do estado de disputar menino a menino com o tráfico. Segundo o
PSPB medidas preventivas para jovens devem implementar políticas integradas e
que focalizem domínios fundamentais da vida social “a casa, a rua — ou a
comunidade e o bairro — a escola e seu desdobramento profissionalizante, que
conduz ao trabalho. Intervenções como serviços para todas as idades, para todos
os momentos do dia a dia, para as atividades mais corriqueiras e ordinárias do
cotidiano, pois
“o problema do crime e da violência nas grandes cidades, objeto da
atenção das polícias e demais organizações do sistema de justiça
criminal, está associado a problemas na esfera da família, da escola,
do trabalho e da comunidade, que atingem crianças, adolescentes e
jovens adultos, aumentando as chances de sua exposição ao crime e à
violência , e do seu envolvimento com o crime e a violência.
Consequentemente, políticas e programas de prevenção do crime e da
violência desenvolvidos na esfera da polícia e da justiça têm alcance
limitado e dificilmente produzem resultados duradouros se não
estiverem associados a políticas e programas desenvolvidos na esfera
da família, da escola, do trabalho e da comunidade. Da mesma forma,
políticas e programas de prevenção do crime e da violência destinados
aos adultos têm alcance limitado e dificilmente produzem resultados
duradouros se não estiverem associados a políticas e programas
destinados aos jovens adultos, adolescentes e crianças. (RSPCVPSP,
2004:35).
Esta ação afirmativa preconiza a necessidade de criar, conhecer o histórico e
efeitos do processo de aplicação de políticas e programas de prevenção do crime
e da violência em desenvolvimento no Brasil e no exterior, seus princípios,
diretrizes, prioridades, suas capacidades de demonstrar resultados, fatores de
reforma, de adaptação a outras regiões, públicos e segmentos que os remetem às
políticas públicas uniformizadas, criar portas de entrada para experiências
internacionais via alastramento e multiplicação. Desta forma o Banco de Projetos
do FMSP, o banco de dados do Programa Gestão Pública e Cidadania da
Fundação Getúlio Vargas e do prêmio Sócioeducando, e a pesquisa “Cultivando
vida, desarmando a violência” realizada em 2001 pela Unesco no Brasil,
fundamentaram um mapeamento inicial em nível nacional de programas em
funcionamento no país nos últimos três anos, culminando no Observatório de
Práticas de Prevenção à Violência e Criminalidade (SENASP) e no Relatório
Sobre Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública
(SENASP, 2004), que atendem uma solicitação da SENASP — no contexto do
projeto Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública — para
a construção de uma amostragem de programas sob responsabilidade de
organizações governamentais, não governamentais e sob responsabilidade de
organizações da sociedade civil com finalidades preventivas não criminógenas.
O Relatório Sobre Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança
Pública (SENASP, 2004) apresenta um mapeamento de programas em
funcionamento no país nos últimos três anos que constatou entre 2003 e 2004
informações básicas de 109 programas e políticas desenvolvidos em 15 estados e
no Distrito Federal. O relatório ressalta que não se trata de uma amostra
‘representativa’ dos programas em desenvolvimento no país e nem de uma
amostra dos programas ‘bem sucedidos’; “O conjunto de programas apresentados
é uma amostra preliminar de programas em desenvolvimento no país, possível de
ser identificada no curto espaço de tempo disponível para realização do relatório,
que serve de base para uma análise/diagnóstico preliminar da situação da
prevenção do crime e da violência no Brasil — e que pode servir de base para
pesquisas mais profundas sobre o assunto” (idem: 4) e ainda “os membros do
grupo de trabalho esperam que organizações governamentais e da sociedade civil
possam usar o relatório para promover ações federais, estaduais e municipais
visando a desenvolver políticas e programas de prevenção do crime e da
violência e melhoria da segurança pública no Brasil” (p.5)
Como diagnóstico preliminar o relatório constatou que “de um modo geral, há
pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados de programas de
prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil. Os indicadores mais
freqüentes são os números de participantes e beneficiários, sendo que há poucos
registros sobre a evolução do trabalho realizado e sobre o reflexo desses
programas na prevenção do crime e da violência” (idem: 7). Trata-se de
programas na área da família, escola, trabalho, mídia, comunidade, polícia,
justiça e saúde orientados por princípio como: promoção da democracia e dos
direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, e da cooperação
internacional; responsabilidade do estado; participação da sociedade;
universalidade; equidade, integralidade; descentralização.
Os programas e políticas localizados pelo relatório, trabalham diretamente com o
atendimento a vítimas de violência doméstica, capacitação de profissionais para
identificar e lidar com problemas de violência familiar, treinamento de pais para
educação dos filhos, prevenção sobre as famílias focado na fase pré-natal, pós-
natal e primeira infância, programas de enfoque educativo do adolescente sobre
violência juvenil e desestímulo ao uso de substâncias psico-ativas, de estímulo à
comunicação na comunidade escolar e programas de envolvimento da família na
comunidade escolar; programas de educação ou capacitação profissional;
programas que visam aumentar as oportunidades de emprego na comunidade;
jornais e revistas comunitários; rádios comunitárias em escolas; atividades de
policiamento comunitário; programas de polícia comunitária; construção e
implantação de bases comunitárias de policiamento; e programas de
descentralização da justiça e aproximação da justiça da comunidade, por
exemplo, justiça restaurativa. A SENASP deu continuidade em 2004 à coleta de
práticas de prevenção incorporando ao objetivo inicial que era de levantar,
sistematizar e disseminar as experiências de programas de prevenção já
implementados, o objetivo de estruturar um sistema de difusão de conhecimento
em segurança pública e princípios padronizados de avaliação de resultado entre
os gestores das práticas divulgadas. Desde março de 2004 a SENASP
disponibilizou no site do Ministério da Justiça documentações sobre práticas de
prevenção à violência e criminalidade implementados (atualmente mais de 200)
constituindo o Observatório de Práticas de Prevenção à Violência e
Criminalidade.
“Entendemos ser relevante esta divulgação, mesmo antes da sua
avaliação, objetivando a transferência de conhecimento útil e o
fomento à construção de um conhecimento coletivo sobre políticas e
programas de prevenção da violência e criminalidade, multiplicando
marcos referenciais para serem incorporados no desenvolvimento de
políticas públicas de segurança. Entre as informações
disponibilizadas, estão as parecerias efetivadas, as dificuldades e
soluções encontradas, o público atendido, as ações implementadas, os
resultados alcançados e tantas outras informações úteis para uma troca
de experiências e construção do conhecimento coletivo proposto”
(Relatório de atividades. Coord. geral de pesquisa e análise da
informação/ SENASP 2003-2006: 52).
Onde há periferia há extermínio. Uma estrutura binária, uma frente de batalha
perpassa a sociedade inteira. Norbert Elias destacou a relação entre estabelecidos
e outsiders como uma representação do terror que os diversos grupos despertam
nos outros permanentemente e da redução e controle moral que exercitam para se
defender contra os outros, defender uma dominação contra a revolta dos outros
ou simplesmente, defender sua vitória e perenizá-la através da sujeição. Ou você
está conosco ou está contra nós. A governamentalidade do viver na insegurança,
naturaliza a periculosidade como fonte de criminalidade, deita as cartas do
mapeamento, levantamento e reconhecimento das anomias e profilaxias, numa
paisagem povoada de outros, formando setores de população visados de alguma
maneira, criminalizados, descartados e vivos enquanto participativos. O perigo
potencial, associado a comportamentos e situações, acena ao reconhecimento do
outro como objeto a ser situado entre a criminalização e a compaixão. Ambos
ressentem do poder do Estado. O fascismo não espreita numa superfície latente,
está na superfície da pele. É preciso uma educação ordinária para que a
grandiloqüência do aprendizado da lei e dos direitos subsista e sustente relações
assimétricas, para que se exerça o cinismo de silenciar ou achar impróprio falar
sobre o racismo de Estado que sendo tão evidente, amplia os muros da prisão. É
preciso uma política. Mais e mais pequenos hábitos repetitivos, paixões pelo
poder, compaixões, ressentimentos, indignações, simplicidade, vontade de
reformar, proporcionalidades, relativismo, ação afirmativa, participação, gestão,
educação, inculcação... que digam respeito ao convívio, saúde, à justiça, à
liberdade política, para que tudo afine no interior da sociedade. O que não
suspende de modo algum a importância vital que a morte, o racismo, o
isolamento, e os micro fascismos exercem no equacionamento dos medos.
O campo de concentração se anuncia como um modelo de administração
governamental (Passetti, 2006), que pretende gerir o mais corriqueiro, o mais
banal e ordinário comportamento do cotidiano, como um centro de lucro-
obediência oscilatório na batalha que perpassa a sociedade inteira — povoada
também de soluções conciliadoras —, mas que é recentralizada ao discurso de
um combate que uma sociedade aplica sobre ela mesma, em nome da sentença
que revela o indivíduo perigoso e protela a defesa da sociedade à prorrogação
indefinida.
Gestos estrepitosos da indignação
As disponibilidades de grandes volumes de dados sobre o crime, de diagnósticos
sobre criminalidade, de composição e integração de bases de informações, de
reformas e reengenharias da polícia, de seus valores fundamentais, de sua
identidade institucional, de sua cultura profissional e de seu padrão de
comportamento; e os estímulos à inovação tecnológica, apresentados nos Plano
Nacional de Segurança Pública (2000) e Projeto Segurança Pública para o Brasil
(2003), incorporam em seu próprio corpo de texto o esboço geral de reformas em
segurança pública e remetem a um constante fluxo de adesão, avaliação e
monitoramento das propostas e ações implantadas ativado pelo controle externo
de ONGs, centros universitários de pesquisa, sociedade civil, fóruns de técnicos e
burocratas de governo. As violências não cessam. Em maio de 2006, com a
repercussão na mídia das ações do Primeiro Comando da Capital identificadas
como terrorismo urbano, acopladas aos levantes nos presídios para adultos e
jovens, especialistas, técnicos e pesquisadores voltaram a enfatizar a necessidade
de uma atuação real e eficaz de um Sistema Único de Segurança Pública, polícias
preparadas e orientadas por um trabalho preciso de inteligência, baseado em
unificação das informações, ampliação do trabalho das polícias comunitárias e
reformas no sistema penitenciário. O ciclo de debates do período remetia ao
bloqueio da comunicação via celulares, aos desdobramentos prisionais do
Regime Disciplinar Máximo (RDMax) e Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD), à construção de prisões de segurança máxima para criminosos de alta
periculosidade e aos exemplos internacionais de New York e Bogotá.
Diante do fluxo em torno da discussão sobre o patamar etário da
responsabilidade penal e endurecimento da pena o fascismo não é só uma política
de Estado, é também uma maneira de viver, de identificar os inimigos e glorificar
o internamento e a morte. A adesão à participação é reivindicada tanto entre os
que pretendem a reavaliação de dispositivos legais na câmara e no senado quanto
entre os que reivindicam investimentos em prevenção, escolas e ONGs.
Complementaridades. Volta à baila o PSPB e seus modelos de gestão.
Os PNSP e PSPB são apresentados como novidades em segurança pública e
como projetos de governos interessados em aprofundar a democracia. Exigem
combates abertos aos criminosos, à impunidade. Declaram a guerra para
combater o mal dentro do corpo social. Convocam a população à mobilização, à
aliança com a polícia, a criar projetos, a avaliar, a denunciar. As ONGs, e os
equipamentos sociais viram parte da carceragem e cada cidadão polícia. A
carceragem e a polícia são sempre seletivas.
“Olhe-se o interior de cada família, de cada corporação, de cada
comunidade: em toda parte a luta dos enfermos contra os sãos — uma
luta quase sempre silenciosa, com pequenos venenos, com agulhadas,
com astuciosa mímica de mártir, por vezes também com esse
farisaísmo de doente de gestos estrepitosos, que ama mais que tudo
encenar a nobre indignação” (Nietzsche, 2004: 113).
O PSPB destaca que a juventude pobre vem sendo submetida ao genocídio.
Outras vozes reiteram esta constatação. Para tanto, é preciso identificar os
bairros-problemas, as comunidades-alvo e nelas disseminar controles eletrônicos,
coesões sociais, identidades sociais, penas alternativas acopladas à prisão e à
comunidade, ao controle dos egressos e prolongar os acessos a políticas e
programas integrados, situações e períodos de educação para crianças e jovens.
Mente vazia é oficina do diabo.
Numa era democrática a eficácia desta governamentalidade é ressaltada quando a
adesão opera por alta intensidade movimentando novas demandas, direitos a
serem respeitados e a cultura da periferia.
O genocídio não cessa e postula a legitimidade para as reivindicações da
punição. O campo de extermínio pode ser deslocado da periferia para a prisão e
vice versa. Esta, sempre fracassa. Onde há Estado há sempre extermínio. Para
Foucault o racismo vai irromper em certos números de pontos privilegiados.
Pontos em que necessariamente o direito à morte é requerido. Pontos em que a
monopolização da virtude é requerida. Pontos em que a acusação é requerida.
Pontos em que a posse à vida do outro é requerida. “Prender alguém, mantê-lo na
prisão, privá-lo de alimentação, de aquecimento, impedi-lo de sair, de fazer
amor, etc., é a manifestação de poder mais delirante que se possa imaginar”
(Deleuze, 2006: 268). Pueril, acrescentaria Foucault, pois de que outra maneira
as crianças são educadas que não como prisioneiros? Sofrendo uma
infantilização que não é a delas, repletas de castigos, ameaças e punições pelas
quais a covardia é tornada obediência. Crianças e jovens são os segmentos sob os
quais se experimenta preferencialmente reformas punitivas e programas de
prevenção; empregos e recursos a fundos governamentais e privados se fiam
nisso, geram informações, índices estatísticos, explorações cartográficas que
ampliam modalidades de vigilância a céu aberto e que são instadas a
apresentarem resultados e avaliações e compor bancos de dados, listas e perfis de
experiências que embora realizadas localmente, podem ampliar-se a grandes
áreas territoriais e populacionais. Frente aos critérios bem explícitos da
seletividade o que se percebe são medidas de contenção social, gestão de grupos
rebeldes, vulneráveis.
Sociedade de controle. Gás e céu aberto. Ar puro! Brada Nietzsche. É preciso se
defender “das duas mais terríveis pragas que podem estar reservadas para nós
precisamente — o grande nojo do homem e a grande compaixão pelo
homem!”(Nietzsche, 2004: 114). Os homens do ressentimento se enojam e se
compadecem. O ressentimento é fúria mordaz. É vingança. Os homens do
ressentimento possuem gestos e corpos estrepitosos, são fisiologicamente
desgraçados, carcomidos. Ladram roucamente. Tudo que freme são movimentos
subterrâneos de vingança inesgotável.
“Quando alcançariam realmente o seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da
vingança?” (idem: 114) Quando lograssem o debilitamento do sentimento, a
vingança, em outras consciências. Os doentios também são homens do
ressentimento, são o grande perigo do homem. São os desgraçados, vencidos,
destroçados. São os produtores dos teatros da denúncia. Os que envenenam e
questionam a confiança no homem, em nós. Monopolizam a virtude, rondam ao
nosso redor como advertências que nos são dirigidas. Os enfermos têm a vontade
de representar uma forma qualquer de superioridade. Vontade de poder dos mais
fracos. Porque é vontade de dominar, de dobrar, de espoliar, de vencer, de
expulsar, aniquilar. Querem espoliar os seus inimigos com sua virtude. Só se
elevam para rebaixar os demais ou tolera-los e torna-los peças de sua compaixão.
Zaratustra interpela os homens de virtude, situa a crítica à moral do prêmio, da
recompensa e do castigo. Zaratustra quer cansá-los das palavras ‘recompensa’,
‘represálias’, ‘castigo’ e ‘vingança na justiça’ que diz que uma ação é boa porque
desinteressada.
A vontade de sujeição aciona intensidades baixas, reativas. É uma emergência
que se perpetua pela ilusão e através dos costumes. Mesmo os fracos querem um
dia se tornar fortes, rebelião escrava que opera na moral e começa quando o
próprio ressentimento se torna criador e gera valores. É a moral do homem
comum, dominado, domesticado, covarde e prudente em que o percurso da
sujeição se iniciou em sua própria vontade, por uma paixão que fez concessão.
A vontade é criadora. A reviravolta depende de cada único, que recusa o perfil de
cidadão, que recusa o perfil de testemunha de acusação, e mantém o pathos da
distância dos tipos e dos estardalhaços do ressentimento.
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