Download PDF
ads:
REJANE APARECIDA RODRIGUES CANDADO
REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA ESCOLAS
INDÍGENAS: CULTURA E CONHECIMENTO NO ENSINO DE
HISTÓRIA.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande - MS
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
REJANE APARECIDA RODRIGUES CANDADO
REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA ESCOLAS
INDÍGENAS: CULTURA E CONHECIMENTO NO ENSINO DE
HISTÓRIA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Área de Concentração: Diversidade Cultural e
Educação Escolar Indígena
Orientador: Prof. Dr. Antônio Jacó Brand.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande
2006
ads:
REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA ESCOLAS
INDÍGENAS: CULTURA E CONHECIMENTO NO ENSINO DE
HISTÓRIA.
REJANE AP. RODRIGUES CANDADO
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
Prof. Dr.Antônio Jacó Brand
_________________________________________
Profª. Drª Adir Casaro Nascimento
_________________________________________
Profª. Drª. Rosa Helena da Silva Dias
DEDICATÓRIA
A todos educadores e educadoras indígenas que têm, nos últimos anos, exercido
papel fundamental na tarefa de construir escolas indígenas, capazes de envolver toda
comunidade e tornando-a um instrumento a mais na organização e fortalecimento dos seus
povos.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Católica Dom Bosco-UCDB, pela bolsa de estudos, o que
possibilitou a realização deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Antonio Brand, meu agradecimento e admiração, pela orientação e
principalmente pela forma carinhosa que me acompanhou, entendendo e respeitando minhas
angústias, o que me dava segurança para continuar.
Aos professores do Programa de Mestrado em Educação, que nos momentos de
encontros sempre estimularam o debate, estando sempre dispostos a mais questionamentos e
reflexões.
À Professora Drª. Adir Casaro Nascimento, presença marcante na minha vida
acadêmica, pela forma com que conduziu nossos encontros, pelo olhar único dedicado a cada
mestrando, pela paixão com que contribui com a educação.
Aos professores indígenas da Aldeia Te’yikue, às lideranças e aos alunos, por
oportunizarem participar um pouco de suas vidas e pela aprendizagem.
Aos funcionários dos “Programas Mestrado em Educação” e do “Programa
Kaiowá Guarani”, pela atenção a mim dispensada, agradeço a todos, em nome da Soninha e
da Evinha.
Aos meus pais e irmãos, por terem participado desse sonho e, apesar da minha
ausência, nunca me deixado sentir sozinha, mesmo tão longe.
Ao Hélio, companheiro solidário com quem dividi as inquietações e alegrias na
produção deste trabalho.
Aos meus amigos e amigas, dos quais é impossível nominar, que me incentivaram
e me ajudaram, inclusive me dispensando do trabalho para que eu pudesse estudar. Pela
solidariedade e companheirismo. Obrigado.
CANDADO, A.R. Rejane. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas:
Cultura e Conhecimento no Ensino de História. Campo Grande, 2006. 105p. Dissertação
Mestrado) Universidade Católica Dom Bosco/ UCDB.
RESUMO
O presente trabalho, que integra a linha 3 - Diversidade Cultural e Educação Indígena, do
Mestrado em Educação, centra-se nas políticas educacionais relativas aos povos indígenas, em
especial no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, do Ministério da
Educação - RCNEI/MEC. Tendo como referência a experiência das escolas da Terra Indígena
Te´yikue, de Caarapó, o trabalho tem como foco investigar como e até onde esses referenciais
orientam o ensino de história nas escolas indígenas kaiowá e guarani, de Mato Grosso do Sul,
tendo como palavras-chaves os conceitos de cultura e conhecimento tradicional, destacados
no RCNEI. A metodologia incluiu um apanhado histórico da herança colonial, que se traduziu
nos povos indígenas em sentimento de inferioridade, que repercute até os dias de hoje. A
seguir contextualizou o surgimento do RCNEI, resultado da política de descentralização,
criando mecanismos de participação dos atores envolvidos. Apoiou-se nos fundamentos da
escola indígena e em Rogger Chartier (História Cultural), tendo em vista o diálogo com a
antropologia, responsável por grande parte da produção historiográfica sobre os povos
indígenas e sobre os conceitos de cultura e conhecimento. Finalmente, o trabalho incluiu
pesquisa de campo, realizada nas escolas indígenas da comunidade Te’Yikue - Escola
Municipal de 1° grau Ñhandejara- Pólo, situada no município de Caarapó/MS, para averiguar
como o RCNEI foi, efetivamente, “recebido” e até que ponto serve de parâmetro para o
trabalho dos professores. Entre as conclusões, destaca-se o fato dos professores indígenas
dessas escolas, conhecerem, efetivamente, o RCNEI e o terem como referência nos seus
trabalhos. Os temas trabalhados, bem como os conceitos e a metodologia utilizada nas escolas
remetem diretamente para o RCNEI, especialmente no se refere à inclusão da cultura indígena
e do conhecimento tradicional.
PALAVRAS-CHAVE: Educação escolar indígena, Ensino de história, cultura e
conhecimento.
CANDADO,A.R. Rejane. National Curricular: Culture and knowledge in the History
teaching. Campo Grande, 2006. 105p ( Master’s Dissertation) Dom Bosco Catholic
University- UCDB.
ABSTRACT
The present work is situated in the context of the indigenous educational politics, especially
the National Curricular Referential for the Schools; document produced by the Ministry of
Education/MEC in 1998, with the objective of subsidizing the indigenous schools for the
construction of specific and differentiated schools, as it foresees the Federal Constitution of
1988, LDB 9394/1996. It focuses on the history education, from the concepts of culture and
traditional knowledge, contained in the RCNEI. For this, we will make a retrospect of the
European cultural inheritance, where it all infused to the indigenous peoples the place of the
inferiority, unchaining the past of oppression, and that has resonance until the present. We
will contextualize the process that culminated with the elaboration of the RCNEI, resulted
from the decentralization politics, creating mechanisms of participation of the involved actors.
After that, we will leave for the beddings of indigenous school and, the cultural history of
Rogger Chartier, mote for the dialogue with the anthropology, responsible for great part of the
historiography production on indigenous peoples and the concepts of culture and knowledge.
For the verification, we count on the contribution of the indigenous community Te'Yikue and
the Municipal Elementary School of Ñhandejara- Pólo, situated in the city of Caarapó/MS,
which is in the process of effectuation of the indigenous school education and had contact
with the RCNEI, since the period of elaboration. In the task of relating indigenous
knowledge and not indigenous, it is not a question locked up by the school community, which
is in permanent reflection.
KEY WORDS: Aboriginal School education, Culture, knowledge.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 O Campo Histórico........................................................................................
62
Quadro 2 A História Cultural........................................................................................
64
Quadro 3- Tabela 1- Município, Terra Indígena, etnia, área e densidade demográfica...
45
Mapa 1- Localização atual das terras Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul....................46
.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................
08
CAPÍTULO 1: A EMERGÊNCIA DA DIFERENÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA ANTES E PÓS 1988........................................................................................
......
19
INTRODUÇÃO
Atualmente são inúmeras as políticas públicas, em diversas áreas, para as
populações indígenas por todo território nacional. Tais políticas são resultado de um longo
processo de lutas e reivindicações, tanto das etnias indígenas, quanto de seus apoiadores, entre
eles organizações não governamentais e movimentos sociais, igrejas e outros. A luta pelo
reconhecimento dos direitos territoriais indígenas, na década de 1970, inicia um longo
processo de conscientização e emancipação dos povos indígenas e, poderíamos dizer, da
retomada da história pelas próprias mãos.
Este trabalho situa-se neste contexto de reivindicação de direitos sociais e
políticos, sendo, neste caso específico, a luta por escolas diferenciadas e específicas,
pleiteadas pelos movimentos de professores e lideranças indígenas de várias etnias do país.
Tem como marco histórico a Constituição Federal de 1988 e seus desdobramentos nas leis e
nos documentos oficiais que regulamentam a política de educação, como a Lei e Diretrizes de
Bases da Educação Brasileira - LDB, n° 9394/96, os Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCNs, Plano Nacional de Educação - PNE e o Referencial Curricular Nacional para Escolas
Indígenas - RCNEI, de 1998.
Após quase 20 anos da Constituição, 10 anos da LDB 9394 e quase uma década
da publicação do Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas, acreditamos ser
possível nas escolas em áreas indígenas e verificar como suas comunidades estão levando a
efeito a tarefa de construir escolas indígenas, autônomas, específicas e diferenciadas,
dialogando com seus assessores, apoiadores e o poder público. Como tem sido a tarefa de
relacionar conhecimentos, para não apenas substituir temas, enfoques e teorias metodológicas,
específicas de cada ciência oriunda da cultura ocidental. Neste caso, vamos abordar dois
conceitos importantes para as sociedades indígenas e fundamentais para as escolas indígenas,
que são os conceitos de “diferença” e de “cultura tradicional”, no RCNEI.
Para cercamento do problema, vamos analisar esses dois conceitos a partir do
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, em especial da parte do currículo
destinado ao Ensino de História.
Na educação brasileira, de herança européia, o ensino de História foi introduzido
para reproduzir um tipo de história “encomendada” pelos dirigentes políticos da sociedade
nacional. Esta história privilegiava os grandes acontecimentos, os heróis, os reis, etc.
Há apenas um século, a História rompe com essa concepção conhecida também
como história historicizante. Surgem, em diversos países, historiadores e outros pensadores
que se propõem a introduzir novos problemas ao estudo desta área do conhecimento, como a
Escola dos Annales, de 1929, na França e a Escola de Frankfurt, de 1923, na Alemanha, duas
correntes de pensamento distintas que influenciaram a produção historiográfica do século XX
e do início deste. No entanto, a História positivista ainda se faz presente em boa parte das
produções historiográficas, nos livros didáticos e nas demais ciências humanas e sociais.
Esses livros reproduzem a História, a cultura do homem branco, europeu e cristão, dotado de
capacidade intelectual para governar e desfrutar de seus domínios.
Esse tipo de História foi hegemônico nas escolas para índios, até meados dos anos
1980, conduzido pelos órgãos oficiais, como o Serviço de Proteção aos Índios SPI/1910 e,
posteriormente, pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI/1967. Esse modelo de educação
pretendia introduzir nessas populações os conceitos e valores da sociedade nacional.
Com a Constituição de 1988 e as demais leis para a sua regulamentação, as
comunidades indígenas conquistaram o direito a autonomia e, por sua vez, a grande tarefa de
fortalecer suas formas tradicionais de organização e escolher os mecanismos internos e
externos para tal empreendimento. Um desses mecanismos externos foi a escola, instituição
alheia à cultura indígena, introduzida em seus territórios, com o objetivo primeiro de
“civilizar” para, posteriormente, integrá-los à sociedade nacional.
O processo iniciado nos anos 1970, envolvendo lideranças indígenas e seus
apoiadores, propiciou um intenso debate sobre o papel que as escolas cumpriam e ao mesmo
tempo oportunizou aos índios dizer como deveriam ser as escolas indígenas, para atender às
suas necessidades. Esse movimento ganhou forças e culminou com a Constituição de 1988, e
hoje vivencia um momento intenso de transformação das escolas para índios em escolas
indígenas. Assim, é pertinente verificar como, neste processo, tem sido o papel do ensino de
História para atender aos fundamentos da escola indígena, específica e diferenciada, capaz de
fortalecer as identidades culturais e valorizar as diferenças, neste momento em que a
globalização busca a homogeneização.
A Constituição de 1988, Cap. VIII, Art. 231, dedicado aos índios, registra:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos
os seus bens.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) registra, no Capítulo II,
art. 32, Parágrafo 3º:
O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
Segue, nas Disposições Gerais, Art. 78, que
O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências
federais de fomento à cultura de assistência aos índios. Desenvolverá
programas integrados de ensino e pesquisas, para a oferta de
Educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os
seguintes objetivos: I- proporcionar aos índios, suas comunidades e
povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de
suas identidades étnicas; valorização de suas línguas e ciências[...]
O Plano Nacional de Educação (2001) é um documento fundamental para a
regulamentação da educação escolar no Brasil, requerido na LDB (1996), aprovado e
sancionado pelo governo federal. É um documento de caráter temporário que estabelece
diretrizes e metas para a educação para os próximos dez anos. Posteriormente, toda a
sociedade deverá avaliar este Plano e estabelecer novas metas para a educação brasileira.
Destacamos um ponto importante no texto referente às diretrizes pertinentes a esta reflexão
1
:
A educação bilíngüe, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes
grupos é mais bem atendida por professores índios. É preciso reconhecer
que a formação inicial e continuada dos professores índios, enquanto
professores de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitante a
sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os
professores para elaboração de currículos e programas específicos para as
escola indígenas: o ensino bilíngüe, no que se refere à metodologia e ensino
das segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico
das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico,
visando a sistematização e a incorporação dos conhecimentos e saberes
tradicionais das sociedades indígenas e a elaboração de materiais
pedagógicos, bilíngües ou não, para o uso nas escolas instaladas em suas
comunidades.
O Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas (1998) é publicado, a
partir das exigências da Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional e contempla a
diferenciação das escolas indígenas. É tido como um documento que demarca o avanço das
conquistas dos diversos segmentos e movimentos que, a partir da década de 1970,
reorganizam os povos indígenas de todos os cantos do país em defesa, primeiramente, da
demarcação de suas terras e, conseqüentemente, de todos os aspectos da vida dentro e fora das
comunidades. Foi produzido por um quadro qualificado, composto por profissionais de
diversas áreas e representantes de diversas etnias indígenas, através de um amplo processo de
encontros e seminários nacionais e regionais.
1
PNE - Plano Nacional de Educação, Lei n. 10172 de 09/01/2001.
O Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas pretende auxiliar no
debate e na reflexão dos significados da expressão uma escola indígena específica,
diferenciada e de qualidade” e descrever quais suas características, bem como oferecer
subsídios para “(...) a) elaboração e implementação de programas de educação escolar que
atendam aos anseios e interesses das comunidades indígenas; b) formação de educadores
capazes de assumir essas tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las”.
(RCNE/Indígena, p.13).
Com Tassinari (2001), reafirmamos a importância em reconhecer as escolas
indígenas como espaço de fronteira e de trânsito, pois são nelas que as negociações são feitas,
são nesses espaços que os direitos são transformados em políticas e práticas pedagógicas. Se
os documentos registram o acúmulo de um movimento maior dos povos indígenas, é no
espaço escolar que eles são ressignificados e adquirem sentidos.
Uma outra questão pertinente, neste contexto, é o conceito da diferença. Os
documentos acima citados referem-se ao direito de ser diferente. Mas em que consiste essa
diferença? Nascimento (2004), ao referir-se ao conceito de diferença, chama atenção para o
fato de que, muitas vezes,
[...] as instâncias político-ideológicas sempre insistiram na apropriação dos
discursos alternativos, transformando-os em soluções homogêneas,
facilmente aderentes aos rearranjos metodológicos que, reificados, podem
simular uma aparência de qualidade de ensino, mas não de presença da
diferença enquanto categoria do real. A diferença deve ser trabalhada não
como elemento de transição, mas como eixo curricular, cabendo às
comunidades indígenas como sociedades historicamente firmadas, cuja
diferença define sua singularidade, suas determinações específicas, que não
estão imersas, no entanto emergem para compor com outras
particularidades, pela inclusão, uma totalidade”. (Nascimento, 2004, p.22)
Ou seja, pensar uma educação diferenciada requer pensar as comunidades
envolvidas como sujeitos históricos, dotadas de capacidade intelectual para pensar e construir
uma sociedade, que lhes permita viver a partir de seus próprios valores culturais e sociais.
Concordamos com a afirmação de Semprini (1997, p. 11) quando diz que: “[...] A diferença é
antes de tudo uma realidade concreta, processo humano e social que os homens empregam em
suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico”.
Sendo o local da cultura um espaço dinâmico, entendemos que o conceito de
diferença é também dinâmico podendo adquirir novos significados. Por isso, mais importante
que estudar a diferença, é compreender os processos de sua produção
2
(Brand, 2004). Ter essa
compreensão é essencial para os estudiosos, e todos envolvidos na elaboração das políticas
públicas para comunidades indígenas, pois o conhecimento local é também dinâmico.
Cristalizar e homogeneizar os diversos aspectos de uma sociedade é retroceder no diálogo
intercultural, pois este pressupõe o respeito às diferenças.
Ainda nessa perspectiva, Débora Duprat
3
(2004) ressalta que, quando a
Constituição reconhece ao indígena o direito a uma existência diferenciada, dá a esses povos o
direito de dizer em que consiste essa diferença, encerrando uma prática secular equivocada,
chamada tutela, que pressupunha a inferioridade dos povos indígenas. Nesta perspectiva,
portanto, precisavam de quem pudesse decidir por eles. A partir da Constituição cabe às
comunidades indígenas forjar a sua história, alimentar sua cultura, defender seus interesses.
Dominique Gallóis
4
(2004), ao falar da diferença cultural, nos chama atenção para
um conceito fundamental ao trabalharmos com educação escolar em áreas indígenas, é o
conceito de tradução. A tradução cultural, para a referida professora, é a capacidade que têm
as comunidades tradicionais de ressignificarem, a partir dos contextos em que estão inseridos,
as relações sociais e os contextos de uso, ou seja, no encontro das representações e, ainda
2
Brand, Antonio. Texto digitado para subsidiar aula/ UCDB, 2005.
3
Anotações de aula ministrada pela Prof° Drª Débora Duprat, durante o Curso “Populações Indígenas”,
oferecido pelos Programas de Mestrado em educação e Desenvolvimento Local”da UCDB/MS em 20/08/2004.
4
Anotações de aula. Dominique Gallóis antropóloga em aula proferida durante o curso de capacitação
“Populações Indígenas: desenvolvimento local, etnodesenvolvimento e educação diferenciada”, organizado pelos
Programas Kaiowá/Guarani/NEPPI/UCDB, Mestrado em Educação e mestrado em Desenvolvimento Local/
UCDB,realizado em oito módulos temáticos, durante o ano de 2004.
assim, manterem a forma tradicional de transmissão de conhecimentos. É a partir desse
conceito que verificaremos como a escola indígena relaciona os valores e saberes da tradição
com os valores e saberes da sociedade.
As leis brasileiras, quando se referem à autonomia das comunidades indígenas
e à importância das mesmas na elaboração dos projetos pedagógicos, possibilitam a criação
de escolas indígenas, segundo suas formas de organização e seus processos próprios de
aprendizagem. Como e o quê poderá ser transitado no espaço escolar será decidido por
elas, segundo suas necessidades internas, instrumentalizando-as para a convivência com a
sociedade envolvente.
Assuntos como preparação para o mercado de trabalho, novas tecnologias,
vestibulares e outros, são demandas atuais nas comunidades indígenas e, maiores ainda, são
os problemas para transformar esses direitos em práticas escolares. Apesar de documentos
como o Plano Nacional de Educação (2001) privilegiarem o profissional indígena com
formação específica, ainda são inúmeros os professores não-índios que atuam junto às escolas
indígenas em Mato Grosso do Sul. Na comunidade indígena de Caarapó, em especial, 99%
dos professores que atuam da 5ª série ao Ensino Médio são professores não-índios, exceto a
professora que trabalha Língua kaiowá Guarani. Daí a importância em organizar espaços de
formação também para professores e técnicos não indígenas que formulam políticas e atuam
junto às comunidades, como dos profissionais da área da saúde, da educação entre outros.
A articulação entre conhecimento tradicional e o dito conhecimento universal,
principalmente pelos agentes envolvidos no espaço escolar é um grande desafio. Como
relacionar um e outro? A implementação de programas de educação escolar que atendam aos
anseios e interesses das comunidades indígenas pressupõe “oferecer formação de educadores
capazes de assumir essas tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las” (RCNEI,1998,
p.13).
Rosa Helena Dias (2004)
5
, ao fazer uma avaliação do Pano Nacional de Educação,
critica a forma como a União trata a questão da educação escolar indígena, muitas vezes
fazendo “uma brincadeira de passa anel”, ora delegando responsabilidades aos Estados e
Municípios, ora atribuindo a competência à União. Aponta para o fato de, numa mesma meta,
existir responsabilidades nas três instâncias, sem a clareza de quem, de fato, deve executar
determinada política.
Construir experiências pedagógicas que dêem conta de relacionar os
conhecimentos tradicionais e outros conhecimentos pertinentes à comunidade é extremamente
difícil, ainda mais com o jogo de responsabilidades por parte do Estado, na viabilização das
políticas. Existem muitas contradições. O Estado, que incorporou em seus documentos as
reivindicações indígenas, hoje não dá conta de absorver a concretização das suas escolas,
como a burocratização para o funcionamento das mesmas, registros de aulas, freqüência, entre
outros.
A educação escolar, assim como as outras políticas públicas para a sociedade
brasileira, também sofre as mazelas financeiras do neoliberalismo e da globalização,
fenômeno político, econômico social e cultural, como a mais nova roupagem do capitalismo
mundial. Para garantir a sua reprodução, prevê o Estado mínimo, cabendo a ele a realização
das políticas essenciais, de forma quase sempre assistencialista, além da divisão de
responsabilidades com outros setores da sociedade. Em relação à Educação, preconiza a
descentralização de responsabilidades, articuladas com a iniciativa privada, para que cada
família ou comunidade possa ter acesso a uma qualidade de ensino, adequada às suas
condições econômicas. E não é diferente nas comunidades indígenas que, muitas vezes, são
preteridas, principalmente quando o assunto é financiamento.
5
Texto do site da ANPED “www.anped.org.br/24/t0528827681841.doc
É importante fazer essa reflexão, pois, ao mesmo tempo em que os povos
indígenas conseguem ter direitos históricos, há um movimento internacional de perda de
direitos trabalhistas e do fortalecimento do Mercado. São inúmeras as formas de reprodução
de valores, como o individualismo, a competitividade, a tentativa da homogeneização de
consumidores, através dos meios de comunicação e, principalmente, da escola. Dominique
Gallóis(2004), ao falar da globalização e da identidade, afirma que a globalização não dá
conta da homogeneização. O âmbito local mantém seus poderes consolidados. Para dar conta
do mundo de fora, as sociedades colocam o tempo de suas comunidades em risco. No
confronto com pontos de vista, no entanto, não se perdem, ao contrário, afirmam-se.
Neste sentido, coloca-se, a importância que a escola possa tornar-se um espaço de
fortalecimento das formas de organização social e das identidades, através de currículos
culturais que se contraponham a dinâmica cultural e à política dominante no mundo
contemporâneo. (Vorraber, 2002). As escolas indígenas, nessa perspectiva, cumprem papel
importante, pois, ao construir os seus Planos Políticos Pedagógicos e compor seus currículos,
têm contribuído com muitas experiências diferenciadas de educação que subvertem o poder
cultural dominante e constróem escolas comunitárias.
Ao fazermos o levantamento das leis brasileiras que tratam da autonomia e da
educação escolar, percebemos o real avanço nos direitos e os inúmeros desafios em garantir
que tais direitos se efetivem. Acreditamos que só com a permanente mobilização, tanto das
comunidades indígenas, quanto dos movimentos, Organizações Não Governamentais - ONGs,
e entidades que apóiam a luta desses povos, os direitos por vezes longínquos, tornar-se-ão
realidade de fato. Sendo um espaço político, a escola indígena pode falsear avanços e
continuar reproduzindo a força integracionista, como um “fantasma” que persegue a
efetivação das políticas que tornem autônomas todas as formas de organizações étnicas.
E a nós, pesquisadores, assessores e parceiros, cabe o desafio do exercício de
deslocar-nos da visão eurocêntrica, para compreender, a partir de outras formas de
organização e conhecimentos, os desejos e as perspectivas das comunidades com as quais
trabalhamos.
Para a realização dessa experiência de análise da educação escolar indígena,
enfocando a cultura e o conhecimento no ensino de História inscrito no Referencial Curricular
Nacional para Escolas Indígenas, nos centramos em uma escola de uma comunidade Guarani-
Kaiowá, no município de Caarapó, em Mato Grosso do Sul.
O objetivo é a busca da verificação de como conceitos têm sido trabalhados no
currículo das escolas, verificando até onde houve avanços na formação de professores a partir
do Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas? A partir da publicação do
documento, houve reflexos na organização da escola? Como está acontecendo, na prática, a
transformação da escola para índios, para uma escola indígena? Qual tem sido a contribuição
da área de História para o projeto pedagógico das escolas?
Para coleta de informações sobre as questões citadas, fizemos várias visitas à
aldeia Te’Yikue e Escola Municipal Ñhandejara, desde 2004, onde tivemos oportunidade de
participar de eventos na comunidade, como Aty Guasu (assembléia indígena) e Fórum de
Educação Indígena. Nesses eventos participamos como ouvinte. Não houve dificuldades no
contato com a comunidade, pois já conhecíamos lideranças, professores e alunos, quando
tivemos a oportunidade de trabalhar em Caarapó, na Escola Municipal Candido Lemes dos
Santos (1995 a 1999), a qual recebia, na época, alunos vindos da Aldeia Te’Yikue, para
cursarem 5ª a 8ª séries. O fato de conhecer a ex-Secretária de Educação, Teresinha Aparecida
da Silva Batista, e a assessora Anari Felipe Nantes, que se tornou coordenadora pedagógica,
contribuiu enormemente para a realização das entrevistas com professores da comunidade, 06
indígenas e 02 não indígenas.
No primeiro capítulo, contextualizaremos o debate atual acerca do conceito de
cultura, bem como a opção metodológica que permeará a pesquisa. A seguir retomaremos o
processo de construção das identidades no Brasil, verificando como a diferença foi instituída,
para após analisar os papéis desempenhados pela educação neste processo.
Como referência teórica metodológica da pesquisa buscaremos os fundamentos da
história, da história indígena, da antropologia e da educação em autores como Burke, Chartier,
Cunha, Brand, Monteiro, Silva, Melliá, Vorraber, Candau, Tassinari, Macedo, entre outros.
Toda essa possibilidade de diálogo nos é permitida na perspectiva da interculturalidade, linha
defensora do debate sincero entre os campos do conhecimento para maior aproximação do
objeto da pesquisa.
No segundo capítulo apresentaremos a etnia Guarani-Kaiowá, a partir das
características da cultura tradicional, com ênfase nos conceitos de território, natureza,
religiosidade, papel da pedagogia tradicional, bem como a localização histórica e geográfica,
a situação atual da demarcação dos territórios tradicionais e a participação do movimento de
professores indígenas na luta pela escola indígena.
No terceiro capítulo abordaremos o Referencial Curricular Nacional para Escolas
Indígenas, seu conteúdo curricular, especialmente na área de História, observando os
conceitos de cultura e diferença. A partir da História Cultural, aqui representada por Roger
Chartier, buscaremos estabelecer o diálogo com a História Indígena, a pesquisa histórica e o
estudo da História nas escolas indígenas. Faremos a apresentação da Escola Municipal
Ñhandejara, seus aspectos organizacionais, dados quanto à formação de professores que
atuam nas escolas da Aldeia indígena Guarani- Kaiowá Te’Yikue, e em que o RCNEI faz
sentido para esta escola e tem sido utilizado para a prática pedagógica na escola.
Encerraremos relatando duas experiências da prática pedagógica no ensino de História.
CAPÍTULO I
I-A EMERGÊNCIA DA DIFERENÇA NA EDUCAÇÃO ANTES E DEPOIS DE 1988
[...] na construção da identidade étnica de cada povo, a diferença será
sempre uma categoria dinâmica, dialética e superadora. A diferença não
se constitui uma categoria natural ou definida pela oficialidade, mas
deve-se impor pela prática social, pela história de contato, como um
processo em constante movimento”(Nascimento, 2004, p.20)
1.1 A Cultura como eixo
Existe hoje uma perspectiva inclusiva do enfoque cultural e o respeito à diferença
na formulação de políticas públicas e privadas, podendo ser um reflexo dos debates teóricos
que vêm sendo travados no interior das universidades pela pauta reivindicatória apresentada e
tensionada pelos movimentos sociais e Ongs perante o Estado e a instituições privadas.
Muitas pesquisas têm passado pelo viés cultural, especialmente a partir da mudança da
concepção de cultura que considerava apenas a clássica e erudita, tendo como seus defensores
Mathew Arnold6 e Frank Raimond Levis. Porém, na metade do século passado, essa
concepção foi questionada por Raymond Willians (1921-1988), que posicionou contra o
etnocentrismo cultural que desvalorizava todas as manifestações culturais que não passassem
pela cultura letrada.
6
Mathew Arnold, cuja obra principal é Culture and Anarchy, influenciou a concepção de cultura no
período de 1860 a 1950.
A partir da nova perspectiva de compreender a cultura, houve conseqüência para
todas as ciências sociais e biológicas, especialmente a antropologia, história, sociologia. Não
cabe aqui esboçar o arcabouço de cada uma dessas ciências, mas vale dizer que as
experiências registradas nessas áreas hoje fazem parte da nova perspectiva na compreensão da
cultura.
E, principalmente, no estudo das diferenças, nos adverte Laraia (2003), a
dinamicidade do sistema cultural é fundamental para a compreensão das diferenças culturais
entre povos de culturas diferentes e é preciso entender as diferenças que ocorrem dentro do
mesmo sistema cultural.
O local da cultura foi descoberto como um espaço de poder e de negociação, onde
as identidades são constituídas, reafirmadas ou subjugadas. Daí a importância da manutenção
da seriedade nos princípios do diálogo intercultural quando da elaboração de políticas
públicas em todas as áreas onde existam demandas. Ou, nas palavras de Hall (1997):
É na cultura que se dá a luta pela significação, no qual os grupos
subordinados tentam resistir à imposição de significados que sustentam
os interesses dos grupos dominantes. (Hall, apud Vorraber 2002).
A cultura e a diferença têm sido espaço de diálogo entre os interessados em
compreender a interculturalidade das sociedades contemporâneas. Têm sido objeto de estudo
especialmente entre antropólogos e defensores da etnoconservação, da etnociência e da
etnobiologia, entre outros, para compreender como o conhecimento tradicional, organiza,
registra o conhecimento, especialmente os de ordem biológica e dos direitos intelectuais. Em
relação à educação escolar indígena, o estudo do conhecimento tradicional perpassa pela
compreensão da construção da identidade étnica e cultural dos povos, garantindo que, na
construção de currículos e métodos, permeie a ótica de cada grupo.
O referencial teórico da pesquisa que busca a compreensão das sociedades a partir
das suas concepções de mundo é conhecido como interculturalidade e parte do princípio do
diálogo entre as culturas, de forma oblíqua. O desafio para o pesquisador que assume esta
perspectiva é sobre o encontro das representações, ou seja, nas traduções culturais é
necessário fazer as perguntas e buscar as respostas no lugar em que o conhecimento é
produzido.
O Brasil, ao reconhecer a pluralidade cultural como patrimônio a ser preservado
pela sociedade
7
, reafirma a herança histórica aos povos presentes no continente americano,
antes do período colonial, estabelecendo prazos para a demarcação de seus territórios. No
entanto, para as populações tradicionais não-indígenas, o país adota a definição do Banco
Mundial, a Diretiva Operacional 4.20 de 1991, que substitui o termo povos tribais por povos
tradicionais, de acordo com os seguintes critérios para a sua definição:
Ligação intensa com os territórios ancestrais; auto-identificação e
reconhecimento pelos outros povos como grupos culturais distintos;
linguagem própria, muitas vezes diferente da oficial; presença de
instituições sociais e políticas próprias e tradicionais; sistemas de
produção voltados especialmente para a subsistência. (Diegues 2001)
O Brasil é também signatário da Convenção 169, da Organização Internacional do
Trabalho-OIT, sobre os povos indígenas e tribais em países independentes, conforme Decreto
Legislativo n° 143 de 20 de junho de 2002
8
. Esta Convenção estabelece que os principais
critérios para a identidade indígena são determinados pela consciência. “Nenhum Estado ou
grupo social tem o direito de negar a identidade de um povo indígena ou tribal que se
reconheça como tal”
9
.
A pesquisa, na perspectiva intercultural leva a uma tomada de atitude por parte
dos envolvidos. É preciso haver reciprocidade, pois várias formas de pensamento estarão
dialogando nesse local escorregadio, lugar de negociações onde as identidades se confrontam,
onde nasce a possibilidade do respeito às diferenças.
7
Constituição Federal de 1988, Capítulo I, seção III.
8
Publicado no D.C.N. de 27/08/1993. Esta convenção revisa e invalida, para o Brasil, a Convenção 107-
OIT de 1957.
9
Idem
A representação da diferença não deve ser lida apressadamente como
reflexo dos traços culturais ou étnicos preestabelecidos, inscritos na
lápide fixa da tradição. A articulação da diferença, da perspectiva da
minoria, é uma negociação complexa, em andamento, que procura
conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em
momentos de transformação histórica. (...) O reconhecimento que a
tradição outorga é uma forma parcial de identificação. Ao reencenar o
passado, este introduz novas temporalidades culturais incomensuráveis
na invenção da tradição.(Bhabha, 2003. P.21).
É na forma da transmissão do conhecimento que encontramos os elementos
formadores da identidade e, por sua vez, a diferença. Na relação com o entorno, nos conflitos
vivenciados, os valores culturais passam por um processo de tradução e adquirem novos
elementos que contribuem para a ressignificação. No entanto, a forma de transmissão
continua sendo tradicional e permite a reafirmação da identidade étnica.
As considerações acerca do conhecimento tradicional, neste momento,
possibilitam a compreensão do universo cultural que envolve a pesquisa, pois, ao privilegiar a
concepção que cada povo tem de conhecimento e de si mesmo, e das relações que constroem
com o entorno e suas negociações, os signos escolhidos transformar-se-ão nas fronteiras
culturais que possibilitarão manter as diferenças. (Barth, 2000).
Daí a importância de, em Barth (2000), estudar as diferenças culturais no espaço
das fronteiras étnicas, ou seja, compreender a diferença a partir de sua construção, ou o que
permanece nesse espaço de trânsito, que não é apenas territorial, mas também social. “Quando
um grupo étnico mantém sua identidade, quando seus membros interagem com outros, disso
decorre a existência de critérios para a determinação do pertencimento ou da exclusão”.
(Barth, 2000, P.34).
1.2 Herança Colonial
No caso latino-americano e, por sua vez, brasileiro, a diferença na construção da
identidade nacional é um processo longo e de difícil superação de valores eurocêntricos tão
reforçados ao longo de nossa história e historiografia. Souza Santos (2002), em “O fim das
descobertas imperiais”, nos leva a refletir sobre como foi construída nossa forma (branca) de
pensar e ter como verdade apenas aquilo que fomos levados a pensar e reproduzir essa lógica.
Afirma que toda descoberta tem algo de imperial, pois as descobertas são relações de saber e
poder, e a desigualdade de poder fará descobridores e descobertos. Coloca o Ocidente como a
maior descoberta, pois o descoberto tornou-se o Oriente, o selvagem e a natureza.
O primeiro reflexo da diferença, no segundo milênio, segundo Souza Santos
(2002), é a descoberta do Oriente, pois o Ocidente era tido como centro da história universal.
Segundo Said (1979, apud Souza Santos, p.26), “essa concepção assenta nos seguintes
dogmas: uma distinção total entre nós, os ocidentais, e “eles”, os orientais; o ocidente é
racional, desenvolvido, humano, superior, enquanto o Oriente é aberrante, subdesenvolvido e
inferior.” O Oriente seria o selvagem, o lugar da inferioridade: “o selvagem é incapaz de se
constituir como alteridade, não é outro porque nem sequer é plenamente humano”. E a última
descoberta, junto à do selvagem ameríndio, é a natureza. (...) “Se o selvagem é, por
excelência, o lugar da inferioridade; a natureza é, por excelência, o lugar da inferioridade”.
As descobertas imperiais, conclui Souza Santos, não reconhecem a igualdade, os
direitos, ou a dignidade ao descoberto; é uma relação contraditória e conflituosa e, portanto,
passível de ser superada.
As relações de superioridade e inferioridade, construídas no processo da conquista
da América, foram analisado por Todorov, no livro “A Questão do outro” (1999), no qual
questiona os atores sociais, por meio de documentos, trazendo à tona a experiência da
redescoberta do Outro, na visão tanto de Colombo como dos indígenas, localizando-o na
temporalidade cultural dos envolvidos. Colombo, ao vislumbrar a paisagem que encontrara,
descreve-a e aos indígenas como mais uma espécie na natureza: “Até então, ia cada vez
melhor naquilo que tinha descoberto, pelas terras como pelas florestas, plantas, frutos, flores e
gentes” (“Diário” 25.11.1942). O lugar posto aos indígenas é o lugar da inferioridade e o da
natureza é a dominação.
O lugar estabelecido aos indígenas negava a sua identidade. O sentimento de
superioridade dos colonizadores impossibilitava o diálogo, pois o diálogo só seria possível
entre iguais. No entanto, haveria uma forma de dominação e apropriação do novo mundo.
Todorov (1991) aponta a comunicação como elemento central para o processo de assimilação
e dominação, pois o diálogo estabelecido entre os diferentes pode levar ao reconhecimento ou
à submissão. Entretanto, diferencia a comunicação de duas formas: uma que os homens
buscar elementos que visualizem como foram construídas as relações de alteridade, e em que
consistia ser diferente em diversos tempos da história brasileira. A antropóloga Mariana
Kawall Ferreira (2001), ao historicizar a educação escolar no Brasil, sugere que esta passou
por quatro etapas e, através dessas, observa a forma como os povos indígenas eram vistos e
tratados e como, através da organização e do fortalecimento da identidade cultural, esses
povos têm avançado na luta por seus direitos à diferença.
A primeira e mais longa fase perpassa por todo o período colonial (1530-1822) e
está intimamente ligada à atuação do Estado, através da Igreja Católica que, por meio de
missionários, catequizou e alfabetizou em língua portuguesa, com o objetivo de transformá-
los em cristãos civilizados. Além disso, não media esforços para banir os rituais nativos,
como o xamanismo e os sistemas de parentesco, que fortaleciam culturalmente esses povos.
Parte das estratégias consistia em separar as crianças de seus pais, concentrando-as em
internatos, a fim de moldá-las a partir de valores da sociedade dominante. Investia-se,
também, na capacitação profissional como forma de criar mão-de-obra qualificada para
atender a população não-índia. Principalmente com a atuação dos missionários, foram
introduzidas nessas comunidades formas de organização social não-indígena, como a moradia
a partir de moldes cristãos, provocando transformações na forma como concebiam o mundo e
a si mesmos. “Aspectos das cosmologias indígenas foram substituídas pela moral católica. O
poder de lideranças tradicionais foi esvaziado”.(Ferreira, 2000, p.73) Porém, todos esses
mecanismos não conseguiram destruir os padrões de organização desses povos.
A segunda fase compreende o período da criação do Serviço de Proteção ao Índio
SPI - à Fundação Nacional do Índio FUNAI, em 1967. Além das considerações de Ferreira
(2001), buscaremos alguns elementos sobre esse período, em Souza Lima (1995) que, ao
estudar o SPI -1918, deparou-se com a quase ausência de produção acadêmica sobre este
período que corresponde ao início do século passado até meados de 1960, além de
documentos SPI, elaborou longo processo de seleção e registro em microfilmagem desses
documentos. Uma das principais literaturas do período foi a obra Os Índios e a Civilização, de
Darcy Ribeiro (1970), na época funcionário do Órgão, que até então estava vinculado ao
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, mais tarde, Chefe da Casa Civil do Governo
Goulart. Em suas impressões vangloriava a participação histórica do Tenente Coronel
Cândido Mariano da Silva Rondon como desbravador dos sertões, um dos mitos incontestes
da história oficial.
Ainda segundo Souza Lima (1995), o texto faz a defesa honrosa do aparelho
estatal que, com inúmeros limites, tentava proteger e defender os nativos.
Melhor dizendo, apesar do destaque de alguns limites do Serviço, o
texto contém uma incisiva da chamada proteção fraternal, e da tutela,
isto é a incapacidade civil relativa dos índios estabelecida pelo artigo 6º
do Código Civil Brasileiro, em vigência desde janeiro de 1917. (P.19)
Essa menção é para marcarmos as dificuldades encontradas na produção
historiográfica. Ao entrar nos meandros da máquina pública se desvelam os interesses
ideológicos de matriz positivista, até mesmo pessoal, e disputas locais, que permeavam as
intervenções estatais. O que é notório é a visão dominante legalmente instituída e que foi
alterada apenas em 1988, na qual o indígena era considerado relativamente incapaz,
precisando, portanto, de proteção do Estado, da boa vontade dos homens de bem, que
buscavam estabelecer a Ordem e o Progresso.
Outro elemento de análise do autor é o conceito de poder tutelar, entendido como
uma forma reelaborada de guerra, como um mecanismo oficial formal de relacionamento
entre “eu” e o “outro”, distanciados pela alteridade, perpassava pelas representações e pelo
poder econômico e político, como em toda conquista, se repetem e como em toda repetição é
diferenciada... Ao pesquisar a relação entre Estado e sociedade civil, Lima (1995) questiona
os projetos ditos nacionais que, para sua efetivação, lançaram mão dos mais variados
métodos, inclusive de guerra. (Lima, 1995).
E, para Ferreira (2001), na área da educação, os projetos para os povos indígenas
não fugiam aos ideais positivistas do período republicano. O governo brasileiro elaborou
políticas com uma certa preocupação com a diversidade lingüística e cultural. O peso
religioso, inclusive como para outras modalidades de ensino, tornou-se secundário,
substituído pelo trabalho agrícola e doméstico com o objetivo de integrar os índios à
sociedade nacional. O órgão público que coordenou esse processo foi o SPI (Serviço de
Proteção ao Índio) que, em 1953, elaborou um “programa de reestruturação das escolas, tendo
como objetivo adaptá-las às necessidades de cada grupo indígena”. (Ferreira, 2001, p.75).
Para atrair essas populações foram criados “Clubes agrícolas” e as escolas passaram a ser
chamadas de “casa do índio”. As oficinas de trabalho foram destruídas e os prédios escolares
foram modificados para parecerem suas casas. Não havia a prioridade em adequar as escolas
às especificidades de cada etnia e sim aproximar pelo grau de integração a sociedade nacional,
pois a diversidade existente impossibilitava o aparato estatal no período.
Ainda nesse período, a extinção do SPI e a criação da FUNAI, em 1967, trouxe
modificações, principalmente porque a instituição elegeu o ensino bilíngüe como forma de
“respeitar os valores tribais” que, juntamente com o Estatuto do Índio(1973), torna
obrigatório o ensino nas línguas nativas, investindo na formação de monitores indígenas para
atuarem em suas comunidades.
No entanto, chama atenção a contradição existente no ensino integracionista que,
por um lado, quer valorizar o patrimônio cultural das comunidades indígenas, conforme o art.
50, do Estatuto do Índio, por outro, adota mecanismos como a terceirização do ensino
bilíngüe, para o Summer Institute of Linguist (SIL), responsável pela descrição técnica e
sistematização das línguas indígenas. Ou seja, o ensino bilíngüe serviu como meio de repassar
valores e conceitos ocidentais e cristãos a fim de integrá-los à sociedade nacional. Esse
processo deixa claro o interesse do Estado que, ao “avançar” teoricamente nos projetos e leis,
como o Estatuto do Índio, mantém o conteúdo e as práticas integracionistas, nas quais os
povos indígenas seriam expectadores e produtos de um resultado que se esperava alcançar.
A terceira fase
10
(1960-1980) foi marcada pela presença de organizações não
governamentais junto a diversos povos, na luta pelos direitos indígenas. Além das ONGs e
universidades, foi notável a presença da Igreja Católica. A partir das reuniões de Medellín
(1968) e Puebla (1978), houve uma nova orientação para a Igreja, na qual destaca-se a opção
pelos pobres e minorias étnicas representada no Brasil, através do CIMI-Conselho Indigenista
Missionário (1972), que atuaria na assessoria das comunidades indígenas, na organização e
reivindicação da luta pela demarcação das terras tradicionais e, concomitante, atuaria na área
da educação escolar para índios.
A atuação entre movimentos e povos indígenas resultou na articulação e
organização de lideranças, como a UNI - União das Nações Indígenas, em 1980. Essa parceria
trouxe uma contribuição para a política e para a prática indigenista, era voltada para a defesa
dos territórios, a saúde e a educação escolar. O importante é que, a partir desse período,
experiências na área de educação escolar indígena tiveram, e ainda têm como princípio, o
compromisso político com a causa indígena, construindo políticas que garantam a
autodeterminação e as especificidades de cada povo.
O quarto momento refere-se aos principais encontros de professores indígenas no
Brasil, a partir da década de 1980, em diversas regiões do país, nos quais foram criadas
diversas organizações de professores, tendo por objetivo aprofundar o debate sobre a
educação escolar indígena questionar a educação para índios, em vigor naquele período. Este
10
As datas próximas às fases são apenas para situar o leitor no tempo, não existe uma data precisa, pois
trata-se de um processo.
período, marcado pela elaboração da Constituição de 1988 foi, também, de intenso debate
sobre o papel da educação em comunidades indígenas e de alternativas educacionais que
valorizassem os “processos tradicionais de socialização das sociedades indígenas e na
reinterpretação e criação de novas alternativas de ação”. (Ferreira, 2001, p.102)
O fato de existir uma escola para índios, imposta pelos não índios, através de
instituições religiosas e escolas formais estatais, não significava aprovação das comunidades
envolvidas. Era, então, necessário refletir como eram as formas de socialização das diversas
etnias, pois cada povo relaciona a educação tradicional com as dimensões da vida coletiva. O
aprendizado e valores necessários a um jovem indígena era tarefa de sua família e da
comunidade.
Diversas foram às reivindicações dos professores e comunidades nesse período,
que exteriorizavam o momento de luta e as pautas apresentadas às instâncias governamentais
e à sociedade civil e, principalmente, a mudança de relação com o outro. Ao lutar pelo direito
às formas de organização e aos direitos, como a demarcação de seus territórios tradicionais, a
saúde, a educação, entre outros, os índios inauguram uma nova fase, na qual a sociedade não
indígena é tencionada a olhá-los de maneira respeitosa, pois já não poderiam retroceder,
diante de um movimento que ganhava forças em nível nacional.
Para Brand (1997), é nesse período que a educação diferenciada surge no cenário
nacional e interrompe o processo de “quebra de silêncio histórico imposto aos povos
indígenas desde o período colonial”. Ressalta que esse processo só pode ser entendido a partir
do conceito de autonomia dos povos indígenas e da superação do ideal integracionista
predominante até então, e que foi garantido legalmente na Constituição de 1988.
1.3 Os desdobramentos de 1988
Com a Constituição de 1988, o Brasil reconhece que é um país pluriétnico,
sendo parte do patrimônio cultural nacional, garantindo todas as formas de manifestação
cultural, sua valorização e sua difusão, (cf. art. 215 e 216 da CF). A afirmação da
diversidade cultural brasileira é importante pois, até então, os povos indígenas eram
tutelados pelo Estado, não tendo autonomia sobre suas comunidades. Estavam à mercê dos
“benfeitores”, que produziam políticas para a assimilação desses à sociedade nacional.
Esta idéia estava embasada na concepção de mundo, ocidental e positivista, que visava
introduzir os valores e a moral cristã na cultura dos povos indígenas, possibilitando maior
integração.
No que se refere à educação escolar indígena, a Constituição contemplou as
reivindicações dos movimentos de professores e comunidades, entre eles o direito a uma
educação escolar específica, intercultural e bilíngüe (cf. art.210 § 2º da CF) devendo a
União, Estados e Municípios conduzir e garantir a efetivação dessa educação. A
regulamentação viria com a LDB 9394/96 e a Resolução 03/99, do Conselho Nacional de
Educação, que aponta elementos constituintes da escola indígena, bem como o seu
funcionamento, a formação de professores e a flexibilização do currículo.
Ao descentralizar as políticas educacionais, é retirada da FUNAI a atribuição
de atuar nesse campo e, em 1991, com a Reforma Administrativa, a Educação Escolar
Indígena passa à coordenação do MEC, Ministério da Educação e Cultura, no qual foi
criada a Coordenação Nacional de Educação Indígena, com o objetivo de coordenar,
avaliar e acompanhar as ações governamentais. Em 1992, foi criado o Comitê de Educação
Escolar Indígena, com caráter consultivo, normativo e supervisor dessa modalidade de
ensino, conforme Portaria n° 60 de 1992, e em 2001 foi substituído pela Comissão
Nacional de Professores Indígenas.
Nascimento (2004), ao falar da luta que vira lei, referindo-se aos direitos dos
índios na Constituição de 1988, faz algumas reflexões e aponta algumas contradições
importantes que interferem nesse novo período tão repleto de desafios. Uma delas refere-se
ao plural nos termos da Constituição, com diversas etnias, línguas, costumes, tirando o
índio da posição genérica e apontando a identidade de cada povo. Por outro lado, implica
na dificuldade em construir políticas a partir das concepções de cada tradição cultural e no
desconforto do Estado em não estar preparado para a emancipação pública e civil dos
índios, agora cidadãos dotados de direitos e protagonistas de sua história.
Outra contradição se refere ao avanço do ponto de vista antropológico e
epistemológico, afirmando a sua diferença, que não se enquadra mais em categorias
simples e complexas, de primitivas e civilizadas. A burocracia não acompanha,
concomitantemente, as transformações, o que muito emperra a prática em diversas áreas,
como se percebe, por exemplo, na dificuldade em convencer o servidor público, de que não
existe tutela e que as relações precisam ser alteradas.
Silva (1998) apresenta outras considerações que nos fazem compreender as
dificuldades e contradições em executar as novas orientações nacionais em relação aos
povos indígenas. No artigo 231 da CF, Capítulo VIII, específico aos direitos indígenas,
está o reconhecimento à sua organização social, costumes e línguas, crenças e tradições,
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União
demarcá-las, proteger e respeitar seus bens. Em seus bens, ressalta, esta autora estão
incluídas as riquezas materiais, patrimônio e integridade física e também, a educação
diferenciada e específica.
Ao reconhecer todos esses direitos, o Estado não estaria garantindo, na lei, a
concretização de processos próprios de aprendizagem nas escolas, segundo sistemas
educacionais específicos, conforme interesses e tradições de cada povo? Um dos grandes
conflitos e problemas enfrentados pelos povos indígenas na concretização de suas escolas é
o dilema: Autonomia versus Oficialização, pois, para a autora há um grande
distanciamento entre o discurso e a efetivação dessas políticas, como é o caso dos diários
de classe convencionais e as dificuldades em enquadrar o discurso da autonomia em
padrões das escolas convencionais.
Estava em curso o processo de construção dessas escolas diferenciadas e os
mecanismos de participação dos movimentos envolvidos tinham representação no Comitê
de Educação Escolar Indígena, composto por pesquisadores, universidades, movimentos de
professores indígenas, entidades, além de representantes de etnias. Sendo este comitê
responsável por produzir as Diretrizes para a Educação Escolar Indígena (1993). Tal
documento representou o acúmulo do debate travado por esses movimentos em relação à
efetivação da escola diferenciada e específica, com o ensino bilíngüe e o princípio da
interculturalidade como método para a construção dos currículos de cada escola.
Segundo Monte (2005), o processo de implantação administrativa da política
de educação escolar indígena, no MEC e suas Secretarias, através de decreto presidencial,
desencadeou um processo de debates em espaços políticos locais, junto às comunidades
indígenas e outras instituições. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas surge, nesse contexto, como uma das prioridades dos povos para o alinhamento
para a construção diversificada dos currículos das escolas em todo território nacional. A
perspectiva era a elaboração de um discurso comum diante da heterogeneidade e das
inúmeras orientações e posições defendidas pelos agentes e agências de educação escolar
indígena. (Monte, 2005, texto digitado)
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas indígenas propõe-se ser
um documento auxiliar nos debates e reflexões dos significados da expressão “uma escola
indígena específica, diferenciada e de qualidade” e descrever seus reais atributos, bem
como, oferecer subsídios para “a) elaboração e implementação de educação escolar que
atendam os anseios e interesses das comunidades indígenas, b) formação de educadores
capazes de assumir essas tarefas e técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las”. (RCNEI,
1998, p.13).
Cultura, conhecimento e diferença serão abordados com mais atenção no
capítulo III, por ser o centro da análise deste trabalho, em especial as indicações referentes
à disciplina de História, enquanto parte do currículo e as orientações propostas e como elas
estão sendo abordadas nas comunidades indígenas, para o fortalecimento da cultura
tradicional, nas relações com o entorno e na reafirmação da identidade étnica, numa
perspectiva intercultural.
1.4. A pertinência em debater a educação escolar indígena no contexto da
globalização
A conjuntura política e econômica mundial, pós-1988, influenciou de forma
significativa as análises sobre os diversos aspectos da vida dos diferentes povos espalhados
pelo mundo. Barraclough (1976), ao discorrer sobre os acontecimentos que marcaram
profundamente o século XX, afirma: “agora, são muitos os que são obrigados a reconhecer
que está em curso um intenso processo de globalização das coisas, gentes e idéias”.
(Barraclough,1976, apud Ianni,1996, p. 11,12) .
Não há como falar em educação, cultura e políticas públicas, fora do contexto
da globalização, pois esta provocou um descentramento no eixo do capital. O Estado, que
antes regulava a economia, administrava as políticas públicas, fortalecia a soberania
nacional, passa a ter um papel secundário. Os problemas políticos e sociais agora passam
por comitês internacionais e o mercado passou a ser o regulador do espaço global. Isso
significa que o capital transforma em mercadoria, inclusive, aspectos da cultura, como
artesanatos e vestimentas, sendo comuns, por exemplo, os pacotes turísticos para conhecer
o Pantanal e, principalmente, conhecer a vida do homem pantaneiro.
A pertinência em localizar a temática povos indígenas no contexto da
globalização, parte do debate em que alguns autores defendem a idéia de que o avanço, sem
fronteiras, da lógica de produção capitalista, poderia por em risco a sobrevivência de grupos
étnicos e culturas diferenciadas até o próximo milênio, referindo-se ao século XXI
(Montero,1992, apud Tassinari,2001).
Este debate é tratado por Tassinari (2001), ao discorrer sobre a situação atual de
contatos entre os povos, afirmando que existem três correntes divergentes. A primeira refere-
se à nova estratégia do capitalismo, ao dividir as regiões do globo, a partir de interesses do
mercado, invertendo a lógica anterior, na qual culturas diferenciadas se organizavam a partir
de suas necessidades e formas próprias e teriam que adequar sua produção às demandas do
mercado. A segunda corrente de análise é a que não acredita num único “sistema mundial”, no
qual convergiriam todas as populações e tradições, transformando-as, ou até mesmo
extinguindo-as. Ao contrário, “as etnografias apresentam inúmeros exemplos de tentativas
antropológicas de compreender os significados construídos localmente para dar conta de
situações, instituições ou eventos que transcendem a ordem local”.(Tassinari, 2001.p.53)
E a terceira afirma que existem muitos exemplos de populações indígenas que há
muito tempo estão em contato com outros povos, numa relação que vai muito além do
ambiente de suas aldeias, que não se homogeneizaram. Neste caso, o argumento é que as
diferenças existem justamente pelo contato e não apesar dele.
Para uma possível avaliação dos agentes envolvidos no processo educacional,
parece ser fundamental situar a educação escolar indígena, no Brasil, diante da conjuntura
mundial política, econômica, social e cultural. Também é preciso mostrar como tem sido essa
dinâmica em uma comunidade indígena Guarani-Kaiowá, no interior do Brasil, apontando as
estratégias utilizadas na escola para o fortalecimento da identidade cultural, das formas de
organizações internas e da mudança na correlação de forças com o entorno.
A partir das observações de Tassinari (2000), percebemos a relevância em
compreender como têm sido os processos de reafirmação ou tradução das identidades
culturais, inseridos em realidades complexas e contraditórias, nas quais a diferença é mantida
num exercício não menos complexo de relações pessoais e coletivas.
A sociedade global, como projeto de sociedade de consumo, na qual tornar-se
cidadão é participar do mercado de consumo, como vivenciamos hoje, vem sendo
implementada há mais de sessenta anos e já se mostrou ineficiente em sua proposta de ter
cidadãos planetários, capazes de transitar livremente despercebidos pelos países. O que vemos
diariamente são exemplos de países como a França que não consegue avançar nas políticas
para os povos negros oriundos de regiões da África, seus colonizadores. Vejamos também o
caso dos milhares de imigrantes que entram todos os dias nos Estados Unidos, vivem na
clandestinidade, sofrendo de toda sorte. A idéia de descaracterizar as diferenças culturais e
sociais está muito longe de acontecer. Não é por acaso que, quanto mais se forma uma casta
de cidadãos consumidores “planetários”, mais vemos surgir, reaparecer, manifestações
culturais, com uma infinita forma de relacionar-se com o mundo, resistindo, convivendo e até
mesmo ignorando a força devastadora do capital.
Coube ao Estado Brasileiro, até pouco tempo, o papel de estabelecer o lugar para
as alteridades. No caso indígena e negro, foi o lugar da inferioridade. Para tanto, contou com
os braços da Igreja e das instituições públicas, como o SPI e, posteriormente, a FUNAI e,
principalmente, com a Escola, instituição capaz de reproduzir ideologias e valores, moldar
pessoas e prepará-las para os interesses dominantes.
No entanto, todas as estratégias não deram conta de anular e homogeneizar as
diferenças culturais e, neste contexto, as escolas indígenas têm cumprido um papel importante
no sentido de construir novos lugares para as identidades. Tassinari nos fala da perspectiva
dessa escola:
Definir as escolas indígenas como espaços de fronteiras, entendidos
como espaços de trânsito, articulação e trocas de conhecimentos,
assim como espaços de incompreensões de redefinições identitárias
dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não índios. (Tassinari,
2001, p.50)
É com a reafirmação da perspectiva dessa escola fronteiriça, que adentraremos no
debate da escola como lugar em construção, capaz de cumprir os fundamentos da escola
diferenciada e específica, proclamada no Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas (1998):
1. Multietnicidade, pluralidade e diversidade
11
. Reconhecimento das
diferenças culturais como expressão do patrimônio cultural do Brasil.
2. Educação e conhecimentos indígenas. Esse fundamento implica,
necessariamente, pensar a escola a partir das concepções indígenas do mundo e
do homem e das formas de organização social, política, cultural, econômica e
religiosa desses povos.
3. Autodeterminação. As sociedades indígenas têm o direito de decidirem sobre
seu destino, fazendo suas escolhas, elaborando e administrando
autonomamente seus projetos de futuro.
4. Comunidade educativa indígena. Os momentos e atividades de ensino-
aprendizagem combinam com espaços e momentos formais e informais, com
concepções próprias do que deve ser aprendido, como, quando e por quem.
11
As explicações são fragmentos extraídos do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.
MEC/1998.
Também a comunidade possui sabedoria a ser comunicada, transmitida e
distribuída por seus membros; são valores e mecanismos da educação
tradicional dos povos indígenas.
5. Educação intercultural, comunitária, específica e diferenciada. A escola é
um dos lugares onde a relação entre os conhecimentos próprios e os
conhecimentos das demais culturas deve se articular, constituindo uma
possibilidade de informações e divulgação para a sociedade nacional de
saberes e valores importantes, até então desconhecidos. E só é possível a sua
concretização, com a participação de toda comunidade.
Como a Escola e a História, enquanto parte do currículo, têm dialogado com esses
fundamentos, na produção de uma história indígena, fazendo sentido e contribuindo para
alcançar seus objetivos de uma escola diferenciada e específica? O Referencial consegue, na
prática, dialogar com a comunidade? Como tem sido o diálogo dos não-índios com os
conhecimentos indígenas nesse processo? São questões centrais que aprofundaremos adiante.
Capítulo II - Os Guarani e Kaiowá e a sua Cultura
2.1. Histórico da presença no Brasil e MS
Os Guarani e Kaiowá ocuparam a região que compreendia parte do Brasil e áreas
limítrofes do Paraguai, Uruguai e Argentina. “(...) los guaranis no constituían um pueblo
único, o simplesmente una nación, sino una grã família compuesta de numerosas naciones,
que dominaban un território imenso y muy variado.”(Bertoni,9:59, apud Monteiro 2003)
Segundo Brand (2000), os “Kaiowá foram considerados descendentes dos Itatim,
que se situavam desde o rio Apa até o rio Miranda (Mbotetey-Gadelha,1980:251,n.º 14),
tendo a leste a serra de Amambai e a oeste o rio Paraguai.” Parte do Itatim teria sido
transformada em redução pelos padres jesuítas, com o argumento, junto aos índios, de que
lhes restava a opção da redução ou cair nas garras dos encomendeiros. No entanto, muitos
preferiram permanecer no mato.
No atual Estado de Mato Grosso do Sul, a presença dos Guarani e Kaiowá, foi
registrada por volta de 1767, data da criação do Forte Iguatemi, pois, desde a sua construção,
havia registros da presença de índios na região. Com a Independência, em 1822, houve uma
preocupação em efetivar o processo de colonização e demarcação das fronteiras, para melhor
controle do território. Em 1848, Joaquim Lopes foi responsável pela verificação de uma
possível comunicação com São Paulo, pelo baixo Paraguai, onde teve a oportunidade de
encontrar com aldeias Kaiowá, que relata a seguir:
Chegamos enfim ao aldeamento, impropriamente assim chamado,
porque as casas acham-se disseminadas e como por bairros. Entramos
em um rancho coberto de folhas de caeté, sendo outros cobertos por
folhas de jerivá. A alldea é colocada entre as suas roças ou lavouras
que abundam...
(...) os terrenos que habitam vão até o Iguatemi junto à Serra de
Maracajú, que tem d’aqui um caminho por terra que vai ao Paraná, ao
qual se deve seguir sempre pela terra firme e boa, desviando os
pântanos.
(Lopes,1850: apud Monteiro 2003)
Ainda, segundo Monteiro (2003), neste mesmo período havia uma preocupação
das autoridades em catequizar os Kaiowá, pois a forma em que viviam era prejudicial aos
demais moradores no interior da província.
Creio que o único meio de chamá-los a civilisação será o da persuação,
procurando se modificar seus hábitos por intermédios de missionários que
possuídos da verdadeira fé cristã, se internem nos sertões com o fim de
aldear e catechisar esses infelizes. (Relatório do Diretor Geral de Índios da
Província de Mato Grosso, 1848)
No entanto, nem sempre as tentativas de catequizar eram bem sucedidas. Além da
resistência dos índios, as investidas das bandeiras contribuía para a sua disperssão, que se
refugiavam nas matas, afastando-se cada vez mais do contato com a sociedade nacional.
Em 1863, o Pe. Ângelo, a pedido do Governo Imperial, foi enviado à Colônia
Militar de Dourados, com objetivo de atrair os índios daquela região a fim de estabelecer uma
missão. Isso foi feito, segundo os documentos, com aval das lideranças indígenas, com as
seguintes instruções para delimitar a área: deveria chamar-se Antonina e situar-se na
confluência com o rio Santa Maria e o Brilhante. No entanto, a Guerra do Paraguai, em 1865,
trouxe uma série de conseqüências para a sobrevivência dos povos indígenas na região de
fronteira, pois, para garantir a permanência da fronteira, era preciso transformar os índios em
soldados, no caso de um possível combate, e em mão de obra para fixação do homem branco
na região. Com a guerra, a missão de catequizar os índios foi prejudicada, pois com o clima
de tensão, o Padre Ângelo abandonou a missão e os índios dispersados.
Para estabelecer maior segurança nas áreas fronteiriças foram construídos postos
militares, surgindo, desta forma, Albuquerque, Coimbra e Miranda, localizadas na região que
faz divisa com a Bolívia e Colônias, como Dourados, situada próxima à fronteira com o
Paraguai. Juntamente com a ocupação política, também acontecia a expansão econômica,
como a exploração da erva-mate e o fim da guerra, o que possibilitou o surgimento de outras
cidades como Porto Murtinho, Bela Vista, Campanário, entre outras, que fazem fronteira com
o Paraguai. Esse processo de ocupação, pelos não-índios, do atual Estado de Mato Grosso do
Sul, tornou ainda mais difícil o isolamento dos indígenas, especialmente dos Kaiowá.
Aos Kaiowá sobrou a alternativa de trabalhar como mão-de-obra na Cia Mate
Laranjeira, empresa de extração de erva-mate, planta nativa abundante no sul de Mato Grosso,
especialmente em território Kaiowá. A exploração dos ervais foi possível graças à concessão
feita pelo governo federal, de 1882-1943, ao Sr. Thomas Laranjeira, que tinha relações
estreitas no campo político. O clima pós-guerra era propício para tal empreitada, havia
matéria-prima e mão-de-obra paraguaia e indígena que dominavam o cultivo e tinham o
controle do território.
A vida nos ervais não era fácil. A exploração dos trabalhadores se dava de várias
formas. Além de uma jornada pesada, ficavam presos à Companhia pelo endividamento,
prática onde os trabalhadores recebiam mantimentos e ferramentas que, anotadas numa
caderneta, tornavam impossíveis serem pagas pelo acúmulo dos valores em relação aos baixos
salários. A única forma de sair das garras da Companhia era a fuga, o que era arriscado, pois
havia uma milícia treinada para capturar os fugitivos. A Companhia contava, ainda, com o
apoio estatal, representada pelo SPI Serviço de Proteção aos Índios, que agia como
agenciador para a extração da ervamate, o que representa uma contradição, pois deveriam
cuidar da segurança deles e não levá-los à exploração. (RIBEIRO, 1993 apud GIROTTO,
2001, p.55)
O contato com os não-índios trouxe alterações na língua e dependência de bens de
consumo como o sal, ferramentas e outros. “O guarany puro, dialecto do tupy ou língua geral
do Brasil no tempo da descoberta, só existe entre os Cayuás, habitantes das cabeceiras do
Iguatimy, e outros afluentes do Paraná (...)” (Beaurepaire,1847, apud Monteiro 2003)
Em 1910, o governo federal criou o Serviço de Proteção aos Índios SPI,
subordinado ao Ministério da Agricultura, para atuar junto às comunidades indígenas, sendo
que uma das primeiras inspetorias foi instalada em Mato Grosso, com sede em Campo
Grande, conforme Monteiro (2003).
A idéia que orientava a atuação do SPI era a de transformar os índios em
trabalhadores nacionais e, para tanto, deveriam ser preparados. Daí a necessidade da tutela. O
Estado, através do SPI, prepararia os índios para este momento de transição. Inspirados no
ideal positivista, os índios deveriam estar preparados para o progresso. Uma das estratégias
utilizadas foi introduzir etnias com características organizacionais diferentes, aquelas que
consideravam mais adaptadas à sociedade nacional. Deveriam, portanto, ensinar elementos
“novos”, como formas de cultivo, como foi o caso dos Terena transferidos para a aldeia
Guarani-Kaiowá, em Dourados e nas aldeias Guarani do estado de São Paulo.
Sob a perspectiva dos Kaiowá, reflete Brand (1997), a Companhia Mate
Laranjeira, ao defender o monopólio na exploração dos ervais e a mão-de-obra indígena à
revelia, impedia a entrada de outros colonizadores, o que possibilitou a proteção do território
Kaiowá. O que lhes interessava era o monopólio na exploração da erva-mate e não a posse da
terra.
Paralelamente à exploração da erva-mate, o governo federal demarcava os
primeiros aldeamentos Kaiowá e Ñhandeva, na região da grande Dourados, entre 1915 e
1928, sendo eles: Benjamim Constant-Amambai, em 1915; Posto Indígena Francisco Horta-
Dourados, em 1917; e Tehy-Cuê- Caarapó, em 1924. Em 1928 foram criadas: Porto Sossoró-
Tacuru, Porto Lindo, em Iguatemi, onde prevalecem os Ñhandeva, Pirajuy, em Paranhos e
Takuapery, em Eldourado. (Schaden, 1974)
O Sul de Mato Grosso esteve pouco colonizado até as primeiras quatro décadas do
século passado, resultado de um confronto direto entre a Cia Mate Laranjeira e colonizadores.
Segundo Lenharo (1986), o Sul do estado parecia uma muralha de proteção à chegada dos
migrantes vindos do sul do país. Estes conseguiram chegar na região apenas com o fim das
concessões e o início da política dirigida pelo governo de Vargas, de ocupação dos “espaços
vazios”, a conhecida “Marcha para o Oeste”, política esta que consistia em convocar
trabalhadores para conquistar o interior e contribuir, com seu quinhão, para a edificação da
nacionalidade.
Segundo Brand (1997), a Cia Matte Laranjeira, no período que antecede às
colônias agrícolas, não estavam interessadas na propriedade da terra, mas mantinha controle
absoluto sobre a entrada de outros colonizadores na área arrendada, especialmente os
gaúchos. Isto confirma que a Cia Mate Laranjeira foi um elemento de proteção do território
Guarani Kaiowá, no sul de Mato Grosso do Sul.
Parte desse projeto, a Colônia Agrícola de Dourados, criada em 1943, possibilitou
a entrada dos migrantes do sul, que já haviam passado por um processo de colonização,
trazendo parte de seus bens para aplicar na propriedade e, principalmente, possuíam uma nova
mentalidade em relação ao trabalho, o que faria da produção uma atividade lucrativa, como
desejava o projeto federal desenvolvimentista.
Ao instalar as Colônias Agrícolas, o governo federal criou um projeto estatal
colonizador para a exploração das(OU: PELAS?) empresas privadas de colonização que,
privilegiando a especulação da terra em moldes capitalistas, introduziram o trabalho
assalariado.(Lenharo, 1986)
Os momentos desestabilizadores do povo Guarani-Kaiowá com a sociedade
nacional apontam para o momento da presença da Cia Mate Laranjeira em áreas indígenas, e
para os aldeamentos, cujo território não era suficiente para a reprodução do modo de vida
tradicional.
2.2 A situação atual das demarcações das terras indígenas dos Guarani e Kaiowá em
Mato Grosso do Sul
Atualmente os Guarani e Kaiowá vivem em aldeias situadas ao sul do Estado de
Mato Grosso do sul
12
e enfrentam inúmeras dificuldades, como o confinamento a que foram
submetidos no processo de aldeamento, pelo Serviço de Proteção aos Índios, nas primeiras
décadas do século passado. O objetivo era, como vimos anteriormente, preparar essas
populações para a integração na sociedade nacional, desconsiderando totalmente a
organização tradicional desses povos. Ainda que esse objetivo não tenha sido atingido, o
Estado Brasileiro, em relação aos Guarani e Kaiowá, não conseguiu alterar, na prática, a
concepção dos direitos aos territórios tradicionais, conforme prevê a Constituição Brasileira
de 1988.
12
Ver mapa modificado a partir de SMANIOTTO, R. Celso, (in) Projeto Criança Guarani Kaiowá em
Mato Grosso do Sul: A realidade na visão dos índios. Ed. UCDB/ CAPI/UNICEF, Campo Grande/ MS 2005.
São inúmeros os problemas vivenciados por esses povos, como a desnutrição, a
precariedade do atendimento à saúde, a falta de recursos para a educação, como a construção
de salas de aula, para um número crescente de crianças em idade escolar. Este é o caso do
Ensino Médio da aldeia Te’ýikue, que está funcionando no salão de reuniões da comunidade,
o qual ainda é dividido com duas salas do Ensino Fundamental.
Apesar de muitos avanços nas políticas públicas, a pauta dos anos 1980 continua
atual, pois o maior direito conquistado pelos povos indígenas no Brasil, ainda não foi
efetivado: “o direito à diferença”. Este, conforme a Constituição, não passa apenas pelo
reconhecimento da diferença, mas, fundamentalmente, pelo direito à reprodução física e
cultural, o que pode ser garantido apenas com a demarcação e homologação das terras
tradicionalmente indígenas, afetando diretamente a estrutura agrária do país, e que tem sido
protelada pelos governos.
Segundo a Constituição,
§ 1. ° São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos costumes e tradições
13
.
Podemos ver, no caso dos Guarani e Kaiowá, no quadro e no mapa abaixo, a
situação de confinamento a que estão submetidas essas comunidades, dado o crescimento
populacional e o descaso dos governos para a resolução do direito à existência, que se
encontra ameaçado.
13
Constituição Federal de 1988, Capítulo VIII, art. 321.
Tabela 1- Município, Terra Indígena, etnia, área e densidade demográfica
14
Município Terra Indígena Etnia
Área
(ha.)
Densidade
(hab/km)
Habitantes
Amambaí Amambaí Kaiowá e Guarani
2.429,54 196 4.764
Amambaí Limão Verde Kaiowá e Guarani
668,08 23 151
Amambai Jaquari Kaiowá e Guarani
404,70 28 113
Antônio João
Campestre Kaiowá 9,22 825 76
Antônio João Cerro
Marangatu
Kaiowá * * 296
Aral Moreira
Guassuti Kaiowá 958,80 23 217
Ponta Porá Kokue’i Kaiowá * * 104
Bela Vista Pirakuá Kaiowá 2.384,05 15 345
Caarapó Caarapó Kaiowá 3.594,41 72 2.566
Cel. Sapucaia
Takuaperi Kaiowá 1776,95 42 2.055
Douradina Panambi Kaiowá * * 743
Dourados Dourados Kaiowá e Guarani
3.539,00 270 9.533
Dourados Panambizinho Kaiowá 1.240,00 24 295
Eldorado Cerrito Kaiowá e Guarani
1.950,98 23 440
Japorã Porto Lindo Guarani 1.648,89 198 3.260
Juti Jarará Kaiowá 479,07 46 219
Laguna
Carapã
Guaimbé
Kaiowá 716,93 65 463
Laguna
Carapã
Rancho Jacaré
Kaiowá 777,53 43 333
Maracaju Sukuri’y Kaiowá 535,10 11 56
Paranhos Arroyo Cora Guarani * * 267
Paranhos Paraguassu Kaiowá 2.609,09 18 460
Paranhos Potrero Guassu Guarani * * 473
Paranhos Sete Cerros Guarani 8.584,72 05 413
Ponta Porá Jatayvary Kaiowá * * 209
Paranhos Pirajuí Guarani 2.118,23 60 1.258
Tacuru Jaquapiré Kaiowá 2.349,00 22 505
Tacuru Sassoró Kaiowá 1.922,64 75 1.428
14
Quadro modificado a partir de SMANIOTTO, R. Celso, (in) Projeto Criança Guarani Kaiowá em Mato
Grosso do Sul: A realidade na visão dos índios. Ed. UCDB/ CAPI/UNICEF, Campo Grande/ MS, 2005.
Fonte: FUNAI/FUNASA março 200415
* Área não demarcada
15
SMANIOTTO, R. Celso, (in) Projeto Criança Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul: A realidade na
visão dos índios. Ed. UCDB/ CAPI/UNICEF, Campo Grande/ MS, 2005.
Mapa 1 Localização atual das terras Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
2.3 Cultura Guarani-Kaiowá e a Escola.
Para situarmos, historicamente, o povo Guarani Kaiowá e compreendermos as
diferentes situações vivenciadas por eles, especialmente nas últimas três décadas, nos
apoiaremos na concepção de cultura, de Fr
manter as diferenças. O estudo das diferenças culturais centra-se, então, no espaço das
fronteiras étnicas.
Propomo-nos, então, a apresentar os Guarani e os Kaiowá a partir das suas
características culturais, localizando-os temporal e geograficamente, a partir dos elementos de
sua cultura, como a concepção de território, a relação com a natureza, com a espiritualidade e
a pedagogia.
O território é um elemento fundamental para a compreensão do universo dos
povos tradicionais, pois em muito divergem da construção do conceito de território que temos
acumulado. Desde o período colonial, com a economia baseada no mercantilismo e nos
valores liberais, a terra adquire valor regulado pelo mercado. O local de trabalho, de diversão,
de religião, etc, vão readequando os conceitos de espaço e território aos interesses da
reprodução do capital.
Com a globalização da economia tem-se uma nova dimensão para o território
mundial. As influências do mercado chegam a lugares antes impensáveis, através dos meios
de comunicação, da moda, além da diversidade de produtos importados, indo desde as
necessidades básicas até a tecnologia de ponta. O território na globalização é tido como
espaço de poderes e, por sua vez, de fragmentação. Ao influenciar o conteúdo do espaço, o
capital ignora valores e culturas locais.
16
(Brand, 2004).
Para as populações tradicionais, a relação com o território está ligada à noção de
natureza como espaço de reprodução das relações sociais, dos meios de subsistência, sendo
também o lócus das representações mentais e do imaginário mitológico dessas
comunidades.(Diegues, 2001.p.30).
16
Brand, 2004. Anotações de aulas.
O território para os Guarani e Kaiowá é denominado tekoha, espaço (aldeia), onde
vivem uma ou mais famílias extensas, liderados por um líder religioso. Explicado por Meliá,
o tekoha, é o lugar onde acontece a reprodução do sistema social guarani, incluindo aspectos
culturais e econômicos. (Meliá,1989.p.336)
Outro aspecto importante para as populações tradicionais é a relação com a
natureza. Neste caso, o tekoha, continha todas as condições para a sua reprodução, como
espaço para o plantio, rios, casas e locais para os rituais religiosos.
Shaden (1974) registra os principais aspectos observados por ele sobre a cultura
guarani, a partir de visitas que fizera pelas aldeias guarani, entre 1940 e 1950, em especial no
litoral paulistano, no sul de Mato Grosso e no Paraná. Destaca a diversidade cultural entre os
Guarani, a presença da religião em todos os aspectos da cultura, inclusive na economia, a
ponto de suas atividades econômicas aparecerem, não raro, como simples pretexto para as
cerimônias de contato com o sobrenatural.
Até mesmo o ciclo econômico anual a que Evans-Pritchard chama de
“ciclo ecológico” é antes de mais nada um ciclo da vida religiosa, um ano
eclesiástico, que acompanha as diversas atividades de subsistência, em
especial as diferentes fases do milho. (Schaden, 1974).
O Guarani considera o milho branco (avati morotï), conhecido também como
saboró, de caráter sagrado, pois seria uma dádiva dos seres míticos, responsável por boa parte
da alimentação e para o preparo da chicha, bebida fermentada, que encontrava adeptos fora da
aldeia (Schaden,1974).
Outra característica cultural, identificada por Schaden (1974), tem a ver com a
totalidade do saber, ou a desvalorização do conhecimento individual, inclusive quanto à
eficiência econômica do indivíduo. Isso se deve ao caráter coletivo da produção e do consumo
e pela orientação religiosa que permeia toda a vida do Guarani.
O contato com a sociedade nacional foi o responsável pelos diversos aspectos de
desagregação da cultura Guarani e Kaiowá, como as reduções missionárias, as Bandeiras, as
conseqüências da Guerra do Paraguai e as relações de trabalho a que foram submetidos pela
Companhia Mate Laranjeira, de 1882 a 1943. A visão estatal, com relação à alteridade
indígena, via-os como inferiores aos não-índios, sendo responsável pela elevação dos
indígenas ao nível dos trabalhadores nacionais e trouxe, como conseqüência, os aldeamentos e
projetos desenvolvidos pelas instituições governamentais, especialmente na área da educação,
como vimos no capítulo anterior.
O contexto histórico vivido, especialmente nos dois últimos séculos e,
principalmente, em tempos de globalização
17
, não deu conta de destruir a forma de
transmissão cultural e os valores de ser Guarani, ao contrário do que espera o Mercado, que
propaga a aculturação dos povos em todo o mundo.
Há uma contradição essencial nas teorias que postulam que culturas que se
organizavam de forma tradicional, segundo seus princípios e necessidades, passariam a
adequar suas produções a partir das necessidades do mercado, para sua sobrevivência na nova
ordem mundial. Caso contrário, as culturas diferenciadas acabariam se extinguindo. O que
tem ocorrido, segundo Tassinari (2001), é o fortalecimento de mercados locais e a capacidade
das culturas tradicionais inserirem seus próprios códigos em elementos antes desconhecidos.
A autora exemplifica a partir de uma experiência pertinente neste momento. Vejamos:
Não dispondo da mesma autonomia, vários rapazes guarani de Mato
Grosso do Sul, para obterem alguma reserva financeira, são levados a
trabalharem temporariamente em destilarias de cana-de-açúcar. Sua
mão-de-obra é explorada, e são submetidos a situações diversas de
violência, por vezes a própria escravidão, sendo esse fato considerado
por alguns pesquisadores como um dos fatores que contribuem para
aumentar as terríveis estatísticas de suicídio guarani. Com tudo isso,
17
Globalização ação de aspecto político, econômico e cultural, parte do projeto maior do neoliberalismo,
pretende esvaziar o poder do Estado, deixando que o Mercado regule a economia e, em conseqüência, a vida das
pessoas, utilizando para isso diversos mecanismos, como agências de comunicações e instituições da sociedade
civil.
no entanto, não se pode dizer que os Guarani estejam sendo
“formatados”segundo a lógica do mercado. Muitas vezes o que leva
os jovens a procurar o trabalho temporário é ter condições de alcançar
os ideais próprios de seu povo reservado aos jovens. ( Tassinari,
2001,p.53)
Ou, nas palavras de Meliá (1979), “o índio perpetua seu modo de ser, nos seus
costumes, na sua visão de mundo, nas relações com os outros, na sua religião”. Em relação à
educação, afirma: “Eles encontraram uma forma de continuarem sendo eles mesmos. Muitos
que tentaram fazer uma educação para índios, constatam que o índio não muda”.
(Meliá,1979.p.9)
A mudança da pedagogia tradicional não-indígena para uma pedagogia tradicional
indígena, tem sido um dos grandes desafios para as comunidades indígenas, pós-Constituição
Federal de 1988, no fazer pedagógico. Batista (2005)
18
, constata que a maior parte dos
educadores presentes em sala de aula, em 1997, na Escola Ñhandejara da Aldeia Indígena
Te’yikue, foram formados em escolas não-indígenas que, por sua vez, não estavam preparadas
para trabalhar a diversidade, encontrada em todas as escolas públicas no Brasil.
Batista (2005), ao pesquisar a luta por uma escola indígena, em Caarapó MS,
aldeia Te’yikue, torna-se mais uma fonte para os interessados em compreender a história que
vem sendo construída por esta comunidade. Esta observação é importante porque a referida
pesquisa registra a fala indígena, tão cara para a nossa perspectiva.
Vejamos a observação feita pelo professor Eliezer, em relação à escola não
indígena em que ele estudou.
Quando eu estudei na escola da cidade, o professor ensinava tudo em
Português os alunos entendiam logo o que ele tinha explicado, eu não
entendia, ele falava, falava e eu tinha dificuldade, porque eu não
18
Batista é pesquisadora na aldeia indígena Guarani-Kaiowá Te’yikue, localizada em Caarapó/MS,
mesmo local desta pesquisa.
entendia o Português, por isso, não conseguia tirar nota. (Eliezer,
2004, apud Batista, 2005)
Para a pedagogia Guarani-Kaiowá, a oralidade é a principal forma de transmissão
do saber, das histórias, mitos, valores, e tudo o que é necessário para ser um bom Guarani se
dá na família nuclear e na extensa. É o contrário da educação de herança européia, que tem
como um dos principais instrumentos de repasse do conhecimento, a escrita especialmente a
partir do ensino fundamental.
Essa é uma das grandes dificuldades da Escola da aldeia Te’yikue, segundo o
professor Kaiowá Eliel Benites, ao vivenciar, como docente, a tarefa de construir a escola
específica e diferenciada, conforme a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional -LDB n°. 9394/96 e o Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas, de 1998:
a língua quando eu falo, estou falando da oralidade(...) é a oralidade
que é trabalhada em sala de aula, mais a oralidade que a escrita,
porque é nossa comunicação. Porque na escrita a gente precisa
avançar ainda, pra gente vê nossa língua escrita no como no
Português. Eu acho necessária a escrita, porque hoje em dia o que tem
mais valor é a escrita é mesmo, é uma questão de futuro mesmo.
A escola pode ter a forma de trabalhar como antigamente eu vejo que
possível passar os valores da nossa cultura quando a escola
transformar num ambiente familiar Kaiowá-Guarani,(...) a
metodologia precisa avançar mais para gente colocar nossos
conhecimentos tradicionais dentro da escola.
O professor precisa ir se transformando para que essa escola se
transforma num ambiente tradicional.
A escola vai ter que demonstrar de que forma vai ser a escrita mais
gostosa para que o aluno de que jeito a escrita do Kaiowá Guarani vai
circular dentro da comunidade? O pontapé inicial vai partir da escola
sem prejudica a oralidade (...) esse é um processo, que falta ainda
reflexão: de que forma vai ser a escrita do Guarani dentro da escola e
fora na comunidade”. (Benites, apud Batista 2005)
Partiremos dos elementos acima citados para situarmos a participação da
comunidade indígena Te’yikue, no processo de construção da escola indígena específica e
diferenciada que buscam efetivar, bem como seguir os passos vivenciados por eles,
registrando as experiências e estratégias pedagógicas que têm contribuído para transformar a
escola num ambiente familiar kaiowá, como expressou o professor Eliel Benites.
A reivindicação dos Guarani e Kaiowá por uma educação diferenciada inicia,
como em todo país, em meados da década de 1980. Girotto (2001)
19
, afirma que, nesse
período, com apoio e coordenação do Conselho Indigenista Missionário-CIMI, foram
realizadas as primeiras reuniões com objetivo de pensar a educação escolar. O trabalho do
CIMI tinha como diretrizes “a subsistência, a terra e a organização”. Para o desenvolvimento
dos projetos, o CIMI contava com apoio de antropólogos e educadores.
Em entrevista, Rossato (2006) relata que, de 1985 até 1992, aproximadamente, o
CIMI realizava encontros e cursos de formação básica política e pedagógica para índios
Guarani e Kaiowá para serem alfabetizadores na língua materna indígena. Contava com o
apoio da CPT, de alguns pesquisadores da UFMS e de outros especialistas em lingüística e
antropologia do país, bem como de Bartomeu Meliá, notável pesquisador espanhol e autor de
várias obras sobre os Guarani e Kaiowá. A partir desta iniciativa foram “instaladas” escolas
alternativas e comunitárias em Caarapó, Juti, Rancho Jacaré, Amambai, Pirakuá, Jaguapiré e
Sassoró e, mais tarde, também em Jarará, Dourados, Panambizinho, Limão Verde, Porto
Lindo, Cerrito, Paraguassu, Pirajuí e Guaimbé. Essas experiências foram significativas para o
desenvolvimento da consciência crítica nas lideranças indígenas, sobre a educação escolar,
fomentando o Movimento de Professores Indígenas Guarani e Kaiowá. A partir de 1992, as
ações em educação escolar no contexto dos Guarani e Kaiowá passaram a contar, também,
com o apoio e financiamento da Secretaria de Estado de Educação.
19
GIROTTO, L. Renata. “Por uma nova textura histórica: O movimento de professores indígenas
Guarani kaiowá em Mato Grosso do Sul - 1988/2000l” Dissertação de mestrado, UFMS, Dourados, 2001.
A Constituição de 1988 legaliza as reivindicações indígenas, reconhecendo o
direito à autonomia das escolas indígenas. A partir desse momento houve maior mobilização
por parte das comunidades indígenas Guarani-Kaiowá, na tarefa de construir uma escola
diferenciada. Esse processo, segundo Girotto (2000), foi conflituoso, pois toda comunidade
deveria refletir sobre o projeto de escola que seria implantado nas comunidades e qual
atenderia seus interesses. Nem sempre a comunidade estava pronta para esse debate e, muitas
vezes, defendia a escola dos não índios, temendo pela “qualidade” do ensino, e que deveriam
aprender na escola aquilo que eles não sabiam.
A década de 1990 foi marcada por muitos encontros de professores para refletir
sobre a educação escolar indígena. Diversos cursos e palestras foram oferecidos aos
educadores, nos quais a valorização do professor indígena e a apropriação dos direitos para o
exercício da cidadania estavam sempre em pauta. Toda a formação serviu de estímulo para o
Movimento de Professores reivindicar, junto ao poder público, ações para viabilizar a
educação escolar indígena diferenciada, segundo as necessidades de cada comunidade,
conforme a legislação.
Em 1992 foi formada a Comissão de Professores Guarani e Kaiowá para
acompanhar e elaborar propostas de cursos de formação, planejamentos e encontros e
encaminharem junto à Secretaria Estadual de Educação, responsável pela implantação da
legislação vigente. É importante registrar o envolvimento de membros da Aty Guassu
20
e do
CIMI nas reuniões para debater a educação escolar indígena.
A relação entre a Secretaria de Estado de Educação/ SED e o Movimento de
Professores Indígenas, não foi fácil, pois nem sempre havia entendimento sobre os interesses.
Enquanto o Movimento buscava sua autonomia fazendo parcerias com prefeituras municipais
20
Aty Guassu, ou grande reunião, que reúne capitães, rezadores e outras lideranças e convidados não
índios das comunidades Guarani-Kaiowá.
e universidades, a SED desejava coordenar o processo, pois era sua tarefa implantar a
educação diferenciada.
21
A atuação do Movimento de Professores Guarani e Kaiowá continua sendo
importante no processo de implantação das escolas indígenas, bem como na sua
regulamentação, pois está sempre atento à autonomia de cada etnia e de cada comunidade,
enviando documentos às Secretarias Municipais de Educação e aos órgãos federal e estadual,
sempre questionando sobre formas e prazos como que estavam sendo conduzidos os
processos.
Um acontecimento importante para a efetivação das políticas na área da educação
escolar indígena, registrado por Girotto(2001), que foi a realização do 9° Encontro de
Professores e Lideranças Guarani-Kaiowá
22
, que aconteceu de 18 a 20 de julho de 1998 e
contou com a participação de 55 representantes indígenas (entre os quais a participação de
representantes da Aldeia Te’yikue, de Caarapó, participante desta pesquisa), prefeituras,
FUNAI/ Dourados, e o Colegiado de Apoio à Educação Escolar Indígena Guarani-Kaiowá
23
,
CIMI, UFMS e UCDB. Neste encontro foram produzidos três documentos com finalidades
diferentes. O primeiro endereçado à Aty Guasu e a todas as lideranças a fim de lembrá-los da
responsabilidade e da importância de suas participações em eventos dessa natureza.
O segundo documento, dirigido às prefeituras municipais e à SED, cobrava os
projetos para a implantação das escolas indígenas em seus municípios, as eventuais
dificuldades encontradas, qual deveria ser a escola indígena do ponto de vista de seus
21
Sobre a relação entre movimento de professores indígenas e a SED, ver GIROTTO, L. Renata. “Por
uma nova textura histórica: o Movimento de Professores Indígenas Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul -
1988/200l” Dissertação de mestrado, UFMS, Dourados, 2001.
22
Arquivo do CIMI/Dourados/MS 20.07.1998
23 Este Colegiado era formado pelo Programa Kaiowá/Guarani da Universidade Católica Dom Bosco -
UCDB, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS e Diocese de Dourados/CIMI, desde 1996,
cuja principal ação, junto com o Movimento de Professores Guarani e Kaiowá era bater à porta de Secretaria de
Estado de Educação, inúmeras vezes, para reivindicar o Magistério específico para os Guarani e Kaiowá.
(ROSSATO, 2006).
mantenedores e quais as condições dadas pelo Conselho Estadual de Educação e pela SED,
para subsidiar os municípios nessa tarefa.
O terceiro documento foi dirigido ao Presidente da República e ao Ministério da
Educação/MEC, cobrando parecer sobre o Referencial Curricular Nacional para Escolas
Indígenas. A resposta do MEC veio através da carta de n° 009/DEE/98, informando que o
RCNEI encontrava-se no MEC em fase de impressão gráfica.
Segundo Girotto (2001), algumas respostas enviadas ao Movimento de
Professores por parte das prefeituras quanto ao não-funcionamento das escolas indígenas
destaca que isso se deve ao fato de estarem esperando a publicação do Referencial Curricular
Nacional para as escolas indígenas, enquanto tramitava no Congresso Nacional, resposta
equivocada, pois, o RCNEI não passou pelo Congresso Nacional. Outras apontavam, como
principais dificuldades para a implantação da escola indígena, a falta de capacitação dos
professores para ministrar aulas nessas escolas, resultando em altos níveis de repetência e
evasão escolar, bem como a ausência de parâmetros curriculares e pessoal técnico com
conhecimento pedagógico e domínio da língua Guarani para assessorar o trabalho dos
professores.
A principal luta do Movimento de Professores e lideranças indígenas, a partir de
então, passa a ser voltada para a formação inicial e regular dos professores, no sentido de
habilitá-los oficialmente para o magistério indígena específico, voltado para suas
necessidades, com o objetivo de recuperar a história guarani e valorizar suas tradições e o seu
jeito de ser. Essa reivindicação estava em conformidade com os direitos conquistados, mas
não estava efetivada, assim como a busca da autonomia e a construção de projetos específicos
de educação.
Em julho de 1999 iniciou o Curso Normal em Nível Médio - Formação de
Professores Guarani Kaiowá - Projeto “Ára Verá”, implantado pela Secretaria de Estado de
Educação, como resultado da parceria entre o Colegiado de Apoio à Educação Escolar
Indígena (UCDB, UFMS) e a Agência Formadora, ligada à Secretaria de Estado de Educação.
O Ára Verá, como ficou conhecido o Magistério Específico, foi realizado na Casa
de Formação “Marçal de Souza”, pertencente à Igreja Católica, situada no Município de
Dourados/ MS, cuja primeira turma contou com a participação de 80 cursistas Kaiowá e
Nhandeva, vindos de 22 áreas indígenas de Mato Grosso do Sul.
Segundo Batista (2005), a proposta do Magistério Específico para os professores
Guarani e Kaiowá possui os mesmos pressupostos da educação escolar indígena, contidos na
Constituição Federal de 1988, nas Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar
Indígena, de 1993 e na Lei n° 9394/96. São fundamentados nos princípios do bilingüismo, da
interculturalidade, da especificidade e da diferenciação, tendo a pesquisa como base da
proposta pedagógica.
Os objetivos do Curso Normal em Nível Médio - Formação de Professores
Guarani e Kaiowá, segundo a autora, era “extremamente semelhante” aos colocados no
“Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas”, principalmente por conterem a
mesma ênfase: “necessidade que o ensino seja assumido por professores indígenas como um
requisito para que a educação possa ser considerada diferenciada. (Batista, 2005,p.42)
Estas semelhanças podem ser observadas ao comparar o conteúdo dos objetivos
do Curso de Magistério Específico com os do Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas/1998.
Daí a importância central da formação do “professor-pesquisador”. Ele deve
se tornar um interlocutor entre as aspirações da comunidade, as demais
sociedades e a escola, enquanto representante do apoio à transmissão e
criação cultural: incorpora e socializa a escrita e outros instrumentos,
recursos de expressão e comunicação cultural. Também é tarefa do
professor ser capaz de, com seus alunos e parentes, identificar e propor
algumas das respostas aos novos problemas gerados pelo contato mais
amplo, com o que se costuma chamar sociedade nacional em sua
diversidade. ( RCNEI/MEC1998b, p.43)
Dar aos professores cursistas condições de promover em suas comunidades
um processo educativo, que prepare os Guarani/Kaiowá para que saibam
conviver e apropriar-se criticamente de bens novos recursos tecnológicos,
valorizando antes de tudo, as práticas tradicionais no sentido de garantir
formas adequadas de subsistência e de saúde que assegurem, atualmente, às
comunidades a vida digna como povo culturalmente diferenciado.( Projeto
de formação de professores indígenas Guarani/Kaiowá. Objetivo n. 3, em
Programa Kaiowá/ Guarani,1998)
Em entrevista com Anarí Felipe Nantes, coordenadora da Escola Municipal Nhandejara e
colaboradora na formulação do Projeto Ára Verá, esta afirma que a proposta do Magistério Indígena
está em consonância com o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, que delineia a
política pedagógica para as escolas indígenas, inserida no debate maior do movimento indígena
brasileiro.
Nantes afirma que, em 1996 e 1997, “nós já fazíamos encontros com o
Movimento de Professores e assessoria, para construir a proposta do curso de magistério que
eles queriam, e aí tudo já estava fundamentado nos documentos, na legislação da Educação
Escolar Indígena, na Constituição Federal, na LDB, no Parecer 14, junto com a Resolução 03
do CNE de 1999 e no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.”
CAPÍTULO III O ENSINO DE HISTÓRIA, O RCNEI E A ESCOLA
ÑHANDEJARA
3.1 A História Cultural e História Indígena
A história contemporânea, diante da dinâmica do mundo globalizado, se depara
com difíceis caminhos a serem percorridos numa pesquisa. Com uma infinidade de fontes e
uma série de informações, quais as preocupações que rondam o historiador, quais escolhas
cabe lhe fazer? Geoffrey Barraclough (1976), ao falar do desafio de compreender essa
nova realidade, afirma (...) “O que devemos considerar como significativo são as
diferenças e não as semelhanças, elementos de descontinuidade e não os elementos de
continuidade... Se não mantivermos nossos olhos alertados para o que é novo e diferente
todos perderemos com maior facilidade, o que é essencial, a saber, o sentimento de viver
um novo período...”. (Barraclough,1976, apud Ianni,1996, p. 11)
Essa atenção da história contemporânea para as pesquisas é fundamental, pois
cabe ao historiador formular as questões e posicionar-se em relação aos dados coletados. Em
pesquisas e estudos envolvendo populações indígenas, assim como com os quilombolas,
registrar as diversas formas de relações internas, com o entorno e com os poderes
institucionalizados, é contribuir para a leitura do caleidoscópio, que insiste em mostrar apenas
os grandes acontecimentos. Ou seja, buscar compreensão dos acontecimentos através da
perspectiva dos sujeitos envolvidos.
Ao registrar as experiências de práticas educacionais vivenciadas pelas
comunidades indígenas, sendo elas de autoria indígena ou não, é que poderemos refletir sobre
os avanços da escola indígena, sob o ponto de vista de satisfazer suas demandas internas e
externas na relação com a sociedade envolvente, grande desafio registrado nos documentos
oficiais e nos discursos das lideranças indígenas e da comunidade.
Para que seja possível este diálogo envolvendo agentes não-indígenas neste
debate, retomamos a concepção de cultura. As concepções que perpassam a historiografia
vão desde as que consideram como cultura apenas a produções conhecidas como clássicas e
eruditas, àquelas que compreendem que toda a sociedade produz cultura nas relações entre si
e o entorno, num processo dinâmico.
Essa concepção de cultura encontra ressonância na História Cultural, que se
propõe a estudar os sujeitos e agências que produzem cultura, como também se ocupa em
compreender os meios em que são produzidos e transmitidos, ou seja, as práticas e os
processos de sua produção. (Chartier, 1990)
O estudo no campo da cultura requer atenção porque cada povo tem sua tradição e
suas definições para aquilo que classificam como parte de sua cultura, como danças, mitos e
tecnologias, etc. Principalmente porque, quando entramos em um universo cultural totalmente
distinto do nosso, trazemos consigo toda uma carga e valores culturais, que precisam ser
ponderados para que haja, de fato um experiência intercultural. Esse cuidado, adverte Laraia,
nos impede de deixar o etnocentrismo transferir a lógica de um sistema cultural para outro,
desconsiderando as demais. (Laraia, 2004, p.87)
A Cultura, afirma Pouillon (1991), “se caracteriza por seu modo de transmissão
designado como tradição. A tradição é definida como o que persiste de um passado no
presente em que ela é transmitida. Presente em que ela continua agindo e sendo aceita pelos
que a recebem e que, por sua vez, continuarão a transmití-la ao longo das gerações”.
(Pouillon, apud Warnier 2000, p.12)
Essas considerações em relação à cultura são importantes para reafirmar que a
análise sobre universos culturais distintos tem que levar em conta as lógicas de conhecimento
que lhes são próprias. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas é um
exemplo desse cuidado, pois, foi construído em várias mãos, indígenas e não-indígena
resultado do processo intenso de luta por escolas indígenas, que foi traduzido numa
linguagem comum, para a apropriação das diversas etnias indígenas, como também, pelos
demais segmentos da sociedade nacional.
As questões que envolvem a pesquisa, portanto, receberam influências tanto das
produções teóricas da Antropologia e da História, que passaram por processos de
reformulações teóricas, mas que permanecem localizadas na produção de conhecimento
ocidental.
A escolha da perspectiva da História Cultural
24
, para o diálogo com o RCNEI,
deve-se à proximidade da concepção de cultura proposta pela História Cultural, aqui expressa
na proposta metodológica do historiador francês Roger Chartier (1990), que se aproxima do
diálogo com a antropologia, como Cunha (1992), Gallóis (1994), Farage (1991), Barth (2000)
e Monteiro (1995), que fazem a interface com o Referencial.
Segundo Monteiro (1995), a historiografia brasileira, somente a cerca de 1930
passou a incorporar a presença dos diversos povos indígenas, até então ignorados ou
secundarizados nas produções históricas. A ausência dos povos indígenas na historiografia,
segundo o autor, está ligada à perspectiva predominante até então do desaparecimento total,
ou na melhor hipótese, a integração desses povos à sociedade nacional. Essa concepção foi
marcante na execução das políticas no Brasil, criando mecanismo de controle desses povos
24
A História Cultural aqui é entendida como toda a historiografia que tem como foco o estudo da cultura de uma
determinada sociedade, historicamente localizada.
nas áreas habitadas por não índios, forçando-os a novas formas de trabalho, desagregando
comunidades e levando-as a uma descaracterização étnica.
Para Monteiro (1995), essa perspectiva foi rompida pela organização política
desses povos, reivindicando e conquistando direitos. Buscaram apoio de vários parceiros,
como antropólogos, pesquisadores e organizações da sociedade civil que pudessem contribuir,
tais como o CIMI. A antropologia cumpriu um papel importante nesse período, pois além de
dar visibilidade à luta desses, revelou como esses povos se percebiam e compreendiam o
mundo, apontando para outras possibilidades de interpretação da conquista.
O envolvimento da história com novos enfoques e perspectivas, como a História
cultural, História das mentalidades, Micro-História, História social, História Demográfica,
entre outros enfoques, teve origem, segundo Burke (1992), nos primeiros anos do século
passado com a criação da Revista dos Annales (1929-1969), por Lucien Febvre e Mar Bloc,
uma revista que se propunha ao debate entre os historiadores e cientistas sociais, em geral,
com o objetivo de problematizar a produção da história tradicional ou a história dos
acontecimentos e buscar uma história total.
A presença dos Annales é registrada em três fases, em que determinadas posições
teóricas homogeneizaram a direção da revista. Dentre a produção dos Annales, a coleção de
Jacques Le Goff, "novos problemas", "novas abordagens" e "novos objetos", marcou a
chamada nova história, trazendo em cada edição a proposta teórico metológica, que rompia
com a história positivista. Evidente que para esta nova história atingir sua existência mais
completa sofreu influências de grandes pensadores, como Comte e Durkhein, que
influenciaram os Annales. Burke (1992) deixa claro que outros historiadores em tempos e
lugares diferentes produziram experiências que privilegiavam novos objetos.
Um salto registrado no campo das pesquisas foi o diálogo entre a Antropologia e a
História, que possibilitou o questionamento das abordagens estruturalistas e deterministas,
que ditavam o método para as pesquisas, que quase sempre viam os índios como
coadjuvantes. Junto com os novos enfoques, surgiram também a utilização de novas fontes
nas pesquisas, como mitos, narrativas orais, fotografias, filmes, etc.
Nos quadros abaixo, podemos observar as transformações ocorridas no Campo
Histórico, durante todo o século XX, e que hoje possibilitam ao historiador, trabalhar em
diversas perspectivas, ancorado em uma produção historiográfica vasta e diversa.
Quadro 1-Campo Histórico
Fonte: Quadro modificado a partir de BARROS, José D’Assunção, O Campo da História. Ed.
Vozes, 2005.
Na abordagem metodológica da História, Chartier (1990) afirma que os povos não
letrados produzem cultura através da oralidade e podem participar da cultura escrita através
das práticas culturais, como a leitura coletiva, ou ainda, como compreender os conhecimentos
tradicionais da cultura oral, que pode ser registrado pela escrita.
Barros (2004) sintetiza a compreensão de “práticas Culturais” em Chartier,
A Noção de prática cultural deve ser pensada não apenas em relação às
instâncias oficiais, de produção cultural, às instituições várias, às técnicas e
as realizações, mas também em relação aos usos e costumes que
caracterizam uma sociedade examinada pelo historiador. São práticas
culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma
modalidade de ensino, mas também os modos como, em uma dada
sociedade, os homens falam e se calam, e bebem, sentam-se e andam,
conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou
adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros. (Barros, 2004,
Fênix-Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 2, ano II, n° 04)
A partir das práticas culturais, da produção do projeto pedagógico, das
experiências vivenciadas pela Aldeia Indígena Te’Yikue, Escola Municipal Ñhandejara,
verificaremos como têm sido traduzidos pela comunidade escolar o conceito de diferença e de
cultura local, tem sido trabalhados no ensino de História, no sentido de avançar na
conscientização dos direitos e no fortalecimento da identidade Guarani-kaiowá, como prevê o
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.
A opção da História Cultural na perspectiva de Chartier (1990), possibilita ao
professor/ historiador dialogar com os alunos e com as diferentes formas de conhecimento,
situando e traduzindo saberes que consideram importantes. Neste caso, a escola Ñhandejara,
onde até o primeiro semestre de 2006, 99% dos professores de 5ª a 8ª série não são indígenas
e muitos não estão preparados para trabalhar com uma realidade cultural tão diversa. No
entanto, 99% dos professores que atuam de 1ª a 4ª série são índios da comunidade, muitos
fizeram o magistério indígena “Àra Verá” e alguns estão cursando. Nesse caso receberam
formação para o trabalho.
Fonte: Quadro modificado a partir de BARROS, José D’Assunção, O Campo da História.
Editora Vozes, 2005.
3.2 O Conhecimento Tradicional
Para transformar o conteúdo político e a concepção de educação propostos no
RCNEI em práticas pedagógicas é necessário à apropriação dos conceitos que fundamentam a
escola indígena diferenciada e específica, em primeiro lugar pelos professores e lideranças e,
posteriormente, por toda comunidade, pois estamos falando no processo de conscientização
que é construído no processo ensino-aprendizagem, envolvendo as aulas presenciais na escola
e a pesquisa com a participação dos membros da comunidade, além das festas e rituais do
cotidiano da cultura indígena.
Para a compreensão do conceito de “conhecimento tradicional”, nos apoiaremos
em Diegues (2001), Cunha (2001) e Gallóis (2004), os quais sinalizam diversas características
e elementos que compõem a cultura que podem ser reconhecidos por tradicional.
O conhecimento tradicional pode ser definido como o conjunto de
saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural,
transmitido oralmente de geração em geração. Para muitas dessas
sociedades, sobretudo para as indígenas, há uma interligação orgânica
entre o mundo natural e sobrenatural e a organização social. Para tais
comunidades, não há uma classificação dualista, uma linha divisória
rígida entre o natural e o social, mas sim um continuum entre ambos.
(Diegues, P.40, 2001)
E mais, o saber tradicional, (...) “é um modo de produzir inovações e transmitir
conhecimentos por meio de práticas específicas.” (...) “O que é tradicional no saber
tradicional não é a sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e usado” (Convenção
de Diversidade Biológica - CDB, apud, Cunha, 2001).
Para a antropóloga Dominique Gallóis (2004)
25
, o conhecimento tradicional
existe tanto em populações indígenas como nas não-indígenas. Não é reconhecido pelo
registro sistemático, mas por sua constante (re) elaboração. O conhecimento indígena é
local, produzido, utilizado e reproduzido no local e sua transmissão dá-se pela oralidade.
Só existe pelo engajamento, pois é colocado à prova na vida cotidiana. É na repetição que
as idéias são reforçadas e mantêm-se as tradições.
O conhecimento tradicional é constantemente transformado, descoberto quando
perdido, a perda é parte da negociação. Outra característica é sua totalidade, dado
25
Anotações de aula ministrada pela Profª Drª Dominique Gallóis, no Curso “Populações Indígenas”, promovido
pelos Mestrados em Educação e Desenvolvimento Local da UCDB/MS em 08/05/2004.
importante na pesquisa e na elaboração de projetos, pois ressalta a importância do coletivo.
Nesse conhecimento o saber não é “protegido” por uma pessoa, mas pela
complementaridade dos papéis que os indivíduos exercem. Portanto, entendidos a partir de
critérios funcionais (Gallóis, 2004).
De posse desses elementos, partiremos para o conteúdo do Referencial,
primeiro na parte introdutória, onde constam os fundamentos da escola diferenciada e
específica e, posteriormente, na área de historia, verificando quais sugestões e roteiros
indicados no documento contribuem para as experiências de práticas pedagógicas
atualmente em curso. O documento é utilizado como subsídio nas escolas indígenas? Se a
resposta for positiva, como se dá esse processo na Escola Municipal Ñhandejara? Caso seja
negativo, onde os professores buscam seus referenciais para atender as necessidades da
cultura local e outras originadas nas relações com o entorno?
3.3 A Escola Ñhandejara, o RCNEI e o Ensino de História
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Ñhandejara é a escola Pólo da Aldeia
Indígena Te’Yikue. Foi fundada pelo Decreto Municipal n° 13/03/82, a fim de atender as
crianças em idade escolar. Localiza-se na região central da aldeia, onde se encontram também
o viveiro de mudas, o Posto de Saúde, o Posto da Funai e o salão de reuniões e eventos. Com
o surgimento de novas demandas, foram criadas cinco salas de extensão: Saverá-1 e Saverá-
2, na região do Saverá, Loide Bonfim, na região da Missão e Mbokajá.
É importante registrar que a escola Ñhandejara não foi à primeira escola a existir
na aldeia. Segundo Barbosa (2002), a escola foi criada em 1965, pelo Serviço de Proteção ao
Índio-SPI e funcionava em uma sala construída pelo mesmo órgão. O objetivo era a
alfabetização, que era feita em língua portuguesa. Não existia nenhuma formalidade, ou
organização pedagógica. Os alunos dependiam dos horários disponíveis do chefe de posto ou
de sua esposa
26
.( Barbosa, apud Batista 2005,p.67)
Hoje a Escola Municipal Ñhandejara atende 985 alunos. Sendo que a escola
Ñhandejara Pólo atende 513 alunos de Pré-escola à 8ª série e 40 alunos no Ensino Médio, que
teve início em abril de 2006. As extensões, Saverá, Loide e Mbokajá, atendem um total de
432 alunos, nas séries iniciais.
O Ensino Médio diferenciado “Yvy Poty” é resultado de uma luta intensa da
comunidade da Aldeia de Caarapó, que a partir do Curso Normal em Nível Médio-Projeto
“Ára Verá”, despertou para a necessidade do funcionamento do Ensino Médio específico, que
atendesse aos interesses da comunidade. Dentre os motivos do Ensino Médio das escolas da
cidade não contemplarem as necessidades dos alunos indígenas, não estarem preparadas para
a educação intercultural, desconsiderando a cultura Guarani Kaiowá, o que interfere
diretamente na oralidade enquanto forma de transmissão do conhecimento, a Língua
Portuguesa oficial nas escolas, o preconceito existente nos professores e alunos frente ao jeito
de falar, vestir, as dificuldades financeiras, a postura unilateral da cultura não indígena aos
quais foram e são submetidos, foram os e são principais motivos de evasão escolar dos alunos
indígenas.
A administração da escola Ñhandejara acontece de forma colegiada. Existem
quatro coordenadores, sendo três responsáveis pelo acompanhamento pedagógico e uma
coordenadora administrativa, responsável pela parte burocrática da escola. Esta coordenação
reúne-se semanalmente para acompanhar o planejamento dos professores, ajudá-los em suas
dificuldades, bem como conversarem sobre os problemas da escola e da comunidade e a partir
daí, buscarem soluções para os problemas encontrados.
26
Para maior conhecimento, dos processos de implantação das escolas na aldeia Te’Yikue, ver: Batista, S. A
Teresinha, A Luta por uma Escola Indígena. Dissertação de Mestrado, UCDB/MS, 2005
Um acontecimento histórico para a Escola Ñhandejara e para toda comunidade,
foi a formação dos professores Guarani Kaiowá, através da participação no Curso Normal em
Nível Médio, Projeto “Ára Verá”, Magistério Indígena, que teve início em 1999 e em 2006
está na segunda turma. Até então os professores que atuavam na aldeia eram, em sua maioria,
não índios, vindos da cidade e alfabetizavam em língua portuguesa. Os poucos professores
índios eram formados no Magistério Regular da Rede Estadual de Ensino, ou através de
projetos como o LOGUS.
27
O contato da escola com o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, na aconteceu segundo a coordenadora Anari Felipe Nantes, que atua na
comunidade desde 1997 onde acompanha o planejamento e o processo de formacão dos
professores. Segundo ela, em 1997, as Secretarias Municipais de Educação que atendiam as
escolas indígenas receberam o documento preliminar do Referencial apostilado na época com
o título, “RCI- Referenciais Curriculares Indígenas”, com objetivo de estudo pelas
comunidades e propostas de alterações que deveriam ser encaminhados ao MEC. Reuniam-
se, semanalmente, para o estudo do documento e elaboracão , em turnos alternados para
atender os professores dos períodos matutino e vespertino. O texto resultado desses encontros
foi encaminhado ao MEC, e as anotacões da comunidade Te’ Yikue, onde continham as
emendas perderam-se, pois não existia a prática do arquivamento de documentos. E afirma:
28
A proposta do documento em si é rica, e permitia uma reflexão sobre
a nossa prática. Não que a gente aprendia lendo o material, mas você
lia o material e trazia para a prática quais as nossas necessidades,
como a gente podia estar construindo essa escola diferenciada,
específica, intercultural e comunitária.
Em 1998 receberam o Documento na versão final, num Kit, composto pelo
Referencial e outros livros com experiências de autoria indígena e contatos de assessores em
todo país, que atuam na área de Educação Escolar Indígena. Para maior domínio do conteúdo
27
LOGUS era um magistério por módulos semelhante ao supletivo.
28
Entrevista com Anari Felipe Nantes, maio de 2006.
do texto, o MEC ofereceu um encontro de formação para a região Centro-Oeste. Este
encontro aconteceu em Campo Grande/MS e contou com a presença de professores indígenas
de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Mato Grosso do Sul. Da Aldeia indígena Te’Ykue,
participaram três professores indígenas, a coordenadora pedagógica Anari Felipe Nantes, e a
Secretária Municipal de Educação, Teresinha Aparecida da Silva Batista, que naquele
momento, demonstrava sensibilidade para a efetivação dos direitos indígenas, em especial à
Educação Escolar Indígena.
Ainda, com objetivo de estudar o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, aconteceu em 2002, na cidade de Amambaí, em Mato Grosso do Sul, um grande
encontro dos professores Guarani Kaiowá, das diversas aldeias indígenas do Estado, contando
com assessoria de uma professora da Bahia, que desenvolve um trabalho com os Pataxós e a
professora Adir Casaro Nascimento, na época professora da UFMS. Anari Felipe Nantes
ressalta uma questão que considera importante em relação aos debates sobre o Documento.
Segundo ela, os participantes do curso puderam notar a diferença nas intervenções dos
professores que haviam participado do Ára Verá, pois as questões tratadas já haviam sido
trabalhadas no Magistério Indígena.
Com relação à utilização do Referencial pelos professores indígenas e não
indígenas, Anarí Nantes, afirma:
Eles sempre diziam, esse documento é a nossa bíblia. Hoje os
professores indígenas não têm tanto apego, pois, já contam com
outros materiais, outras coisas que eles usam para fazer leitura, mas
para os primeiros professores o Referencial era tudo.
O Curso Normal em Nível Médio - Formação de professores Guarani kaiowá -
Projeto “Árá Verá”, foi um marco na vida da escola e de toda comunidade, como foi relatado
por todos os professores indígenas entrevistados, determinando os rumos que a escola tomou
a partir de 1997. Como já dissemos, a proposta deste projeto foi adequada à legislação, no que
se refere aos direitos indígenas e, em especial, ao Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas, e seu conteúdo apropriado pelo movimento de professores, pelo Estado e
pelos parceiros. Esta referência se faz necessária, pois segundo os professores e coordenação
pedagógica, não há como pensar um ensino específico e diferenciado sem a formação de
professores no “Ára Verá”.
No início da pesquisa não estava previsto falar no “Àra Verá”, mas no decorrer
das visitas a escola, constatamos que a formacão no magistério específico é o momento em
que desenvolvem ainda mais o potencial reflexivo, e os instrumentos teórico-metodológicos
que permearão a luta diária para a efetivação da escola diferenciada e específica. Vejamos o
que falam os professores indígenas que concluíram o curso na primeira turma.
Professora Elizabete Fernandes: Lá também no Ára Verá fez a gente se
transformar de novo, porque eu me coloco assim, porque geralmente no passado eu tinha
vergonha de ser índio, e eu acho que a maioria dos cursistas falou isso. Hoje não, quem
passou pelo Ará verá se sente assim com orgulhoso, se sente à vontade quando vai falar na
língua em qualquer lugar. Mas se alguém falar, pra você, fala como é a cultura, gente se sente
orgulhoso, porque lá a gente conheceu isso. Lá a gente viu como é importante a gente
valorizar a nossa cultura”.
Professora Renata Castelão: (...) “da etnia Kaiowá, sou professora de Caarapó,
desde 1995. Vim pra cá e sou formada em magistério não-indígena que é Logus II então me
preparei nesse magistério, aí dois anos eu trabalhei a educação como se fosse na cidade, de
fato sou indígena mais só falava na língua em casa, isso em 95 e 96 explicava mais o
conteúdo tudo era escrito em português. Então desde que comecei a dar aula, não tinha muito
desenvolvimento das crianças porque era muita dificuldade para eles compreender, mas eu
também não tinha essa formação preparada para trabalhar com a minha comunidade por mais
que eu falasse a língua, a questão da preparação eu não tinha muito.(...) Essa mesma turma
que comecei a dar aula já está no Ensino Médio. Depois fui fazer o magistério “Àra Verá
então lá eu pude aprender muito mais ainda do que eu já tinha no Logos, mais eu aprendi com
muito mais qualidade de como ter uma visão diferente de como é indígena, como professor
indígena. Então uma visão diferente em toda a minha comunidade.
Professor Lídio Cavanha Ramires:Pra mim a questão da diferença mesmo, está
na forma de trabalho, porque quando a gente estuda no ensino regular, o não - índio ele ensina
nós, mas não ensina como a gente trabalhar com a nossa comunidade. Então no Ára Verá,
trabalha mais a questão do conhecimento de cada comunidade do Guarani Kaiowá, então teve
mais espaço para gente refletir o nosso dia a dia, de nossa comunidade, valorizar o nosso
conhecimento e também quando a gente trabalha na escola que a gente também valorize o
conhecimento que os alunos trazem de casa para a escola, enquanto o não índio não vê essa
parte, ele valoriza muito mais aquilo que ta no livro. Então lá gente via essa diferença, própria
a gente constrói através do nosso conhecimento, tem aquele espaço e aquele momento de
refletir, compartilhar a nossa experiência, que lá tem várias aldeias diferentes, então em cada
uma tem uma experiência diferente, conhecimento diferente, então à diferença pra mim é isso,
agente trabalha nosso dia-a-dia mesmo, não só lá no curso.
Edson Alencar: O Magistério Indígena me fez enxergar várias coisas, porque
minhas histórias muitos sabem, sou filho de não índio com mãe índia, desde pequeno quando
comecei a estudar não gostava de ser índio, eu mentia então para todos porque o que eu
aprendia na escola era que era tudo de ruim existia no índio, então como eu fazia parte e não
queria ser esse tipo de gente que eles pensavam então eu ficava negando, inclusive quando
comecei a fazer o magistério aos poucos eu fui descobrindo o valor da cultura indígena e o
valor que é realmente ser um índio, então eu aprendi de novo a ser índio, e comecei a gostar
de ser índio. Foi muito ruim quando eu estudava e ouvia os professores falar que não era
interessante estuda o Guarani, uma língua sem valor e sim o Português, isso tudo me fez
pensar que o índio não prestava para nada só servia para a aldeia e não tinha direito a nada. E
o magistério indígena me fez ver tudo ao contrário de tudo que me passaram, inclusive através
de pesquisas, onde se fazia trabalho exigia pesquisa junto aos mais velhos, com suas
experiências com relação aos seus trabalhos e isso me fez aprender muito. Então comecei a
trabalhar com esse pensamento na sala de aula, foi quando um professor me chamou pra ser
monitor de uma sala onde ele já trabalhava o Guarani, eu pensava que ele estava errado, que
aquilo não ia levar a lugar nenhum. E o Magistério me fez mudar muito porque antes eu usava
somente os livros didáticos, até mesmo as pesquisas eram em livros e trabalhava mais as
questões de fora que não tinha nada a ver com a realidade. Hoje já trabalho com a história
indígena, os contos(...)”.
Podemos observar nas falas desses professores indígenas que o Magistério
Específico foi o ponto de partida para o processo de construção de práticas pedagógicas
experienciadas hoje, que permitem valorizar a cultura e a identidade indígena Guarani
Kaiowá.
Em relação ao ensino de História na escola Ñhandejara, encontramos duas
realidades distintas, a primeira refere-se ao ensino de 1ª a 4ª série, onde 99% dos professores
são indígenas e, a segunda, onde de 5ª a 8ª séries 100% dos professores que atuam na
disciplina de história são não índios.
Apesar do Àra Verá ter sido influenciado diretamente pelo Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas, existe uma grande diferença entre eles, que pode ser
observada na metodologia utilizada pelos professores indígenas, que consiste em não
fragmentar as disciplinas, como acontece no Referencial e como é trabalhado pelos
professores não índios que atuam de 5ª a 8ª séries.
O Referencial está dividido em duas partes. A primeira - Para começo de
conversa, reúne os fundamentos históricos e antropológicos, políticos e legais, da proposta da
educação escolar indígena. E a segunda, Ajudando a Construir os Currículos das Escolas
Indígenas, fornece referências para professores índios e não-índios que atuam diretamente em
ações para a implementação e desenvolvimento dos projetos pedagógicos das escolas
indígenas (RCNEI, apresentação).
Na introdução do Referencial constam os Fundamentos Gerais da Escola
Indígena, que tem como pressuposto, o caráter comunitário, porque conduzida pela
comunidade indígena, de acordo com seus projetos, suas concepções e seus princípios. Isto se
refere tanto ao currículo quanto aos modos de administrá-las. Inclui liberdade de decisão
quanto ao calendário escolar, a pedagogia, aos objetivos, aos currículos, aos espaços e
momentos utilizados para a educação escolarizada (RCNEI,1998, p.24).
Nós aqui da aldeia somos muito livres, nós temos o nosso
planejamento, somos nós que preparamos. Aqui não vem uma lista
da secretaria, nós fazemos aqui na nossa atividade pedagógica, com
os professores, levantamos os temas, o conteúdo, como vamos
trabalhar as áreas de conhecimento, tudo isso nós trabalhamos então
nós aqui é um avanço muito grande, porque não ficamos dependente
da secretaria mandar a lista, então nós fazemos a lista e os conteúdos
que a gente vai trabalhar aqui. (Renata Castelão)
Na parte específica da disciplina de História, para construir essas escolas
específicas e diferenciadas, o RCNEI aponta algumas questões comuns à história não-
indígena, e outras específicas às escolas indígenas e que deverão ser debatidas entre a
comunidade indígena e conduzidos por professores, bem como, sugere conteúdos e temas que
poderão ser contemplados no ensino de história nas escolas indígenas.
Os trechos a seguir, sintetizam as orientações dos RCNEI (1998) e que orientam o
diálogo entre os professores da Escola Municipal Ñhandejara, Aldeia Indígena Te’Yikue,
Caarapó, Mato Grosso do Sul, e onde buscaremos trazer à tona o que pensam sobre
conhecimento e cultura.
Porque estudar história nas escolas indígenas? O que é história? Quais as relações
entre o conhecimento produzido por estudiosos e o ensino de história? Porque a História faz
parte do currículo escolar? Qual a importância de sua aprendizagem na formação do aluno?
Qual o papel do estudo da História na relação que os alunos estabelecem com a sua sociedade
e com os outros povos do presente e do passado?
Algumas finalidades do estudo da história só podem ser definidas na convivência
com os alunos em sala de aula, no contexto da realidade escolar, nas vivências sociais de cada
comunidade e a partir das concepções de história daquela sociedade e cultura. Na sociedade
ocidental, o que se convencionou chamar de História tem sido entendido basicamente como:
(1) tudo o que realmente aconteceu, envolvendo a ação humana e (2) um campo de produção
do conhecimento.
Essas questões são motivos de constantes reflexões entre os coordenadores e
professores, que utilizam às horas de planejamento semanal para pensar os problemas da
escola e refletirem sua prática, bem como trocar experiências.
Para os professores Guarani Kaiowá, a história exerce um papel fundamental para
a reprodução cultural, o que se dá através da oralidade, durante todo o processo de formação
educacional na família extensa, como afirma o professor Lídio Cavanha Ramires;
A história é muito importante para os Guarani Kaiowá. A história pra nós, é a
educação Guarani Kaiowá, é bem através da história, dos mitos, também a educação dos
filhos já vem através daí(...)”.
Os professores indígenas trazem para a escola a valorização da história Guarani
Kaiowá, e toda motivação inicial para um determinado tema gerador, parte da vida na
comunidade, ou seja, no universo cultural no qual estão inseridos, posteriormente buscam
elementos culturais “externos” e, só então acontece o diálogo intercultural que possibilita a
efetivação de um ensino diferenciado.
“(...) Então, a gente valoriza essa parte da história na escola, e porque
a história se faz presente em todas as disciplinas. Quando a gente
trabalha um assunto, um tema com os alunos, agente trabalha através
da história, então a gente se encontra com ela em todas as disciplinas.
Então pra mim é muito importante trabalhar na escola indígena”.
(Lídio C. Ramires)
O fato dos conteúdos serem trabalhados de forma interdisciplinar e intercultural
com as séries iniciais deve-se ao fato, como dissemos anteriormente que a maioria dos
professores são indígena e passaram por uma formação diferenciada e continuada. O mesmo
não acontece de 5 a 8 série, onde as áreas do conhecimento são divididas em disciplinas,
como nas escolas não indígenas. Embora, os professores que trabalharam a disciplina de
história tenham nível superior, sendo dois nos últimos cinco anos. O primeiro tinha
habilitação em Geografia e a segunda e atual tem formação em História, ambos fizeram o
ensino superior na UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, reconhecem que a
Universidade não prepara profissionais para atuar com a diversidade cultural.
Na prática de 5ª 8 séries, o processo de ensino aprendizagem acontece oposto ao
das séries iniciais, pois os professores culturalmente passaram por uma formação acadêmica,
em que a concepção ocidentalizada de mundo prepondera. O que não quer dizer que os
professores não tenham passado por algum tipo de curso e estudos sobre diferença cultural.
Como é o caso do professor que participou inclusive de cursos e grupo de estudo sobre o
RCNEI e os pressupostos de uma escola diferenciada. Já a professora, não teve oportunidade
de participar de estudos sobre o RCNEI, e nenhum curso que aprofundasse o caráter de uma
escola diferenciada e específica.
Essas condições fazem com que a escola Ñhandejara esteja um pouco distante de
promover um ensino diferenciado e específico no seu conjunto, não apenas porque todos os
professores da escola não são indígenas, mas porque também falta um processo contínuo de
formação para professores indígenas ou não indígenas, que contribua para a efetivação de
mais experiências interculturais e não apenas interdisciplinares como vem ocorrendo.
No entanto, os professores indígenas sabem da importância do ensino de história,
e da história indígena para a formação das crianças Guarani Kaiowá. Tomamos como
exemplo a professora Renata Castelão:
Acredito na maneira como nós estamos trabalhando, que essas
crianças que elas assim, tenham um futuro diferente, através de nós,
valorizando a cultura, que essas crianças que hoje são pequenas,
tendo esses conhecimentos, do passado, sempre vai ser um Guarani
Kayowá bom no futuro, tendo responsabilidade, gostando do seu
povo de ser índio, valorizando o que é. (Renata Castelão)
O Estudo do tempo na história
O estudo dos modos de vida no tempo e de suas transformações orienta o
historiador na identificação das durações e dos ritmos das mudanças que acontecem uma
realidade social. Identificar essas durações possibilita a organização do que vem a ser
períodos históricos, em que os historiadores escolhem certos acontecimentos considerados
significativos para caracterizar um modo de vida específico de uma época e para salientar as
mudanças e/ ou as permanências nesse modo de viver. Na construção desses períodos
históricos, algumas vezes são valorizados acontecimentos, econômicos, sociais ou confronto
entre os povos.
Planejamento das aulas e fontes utilizadas
Os historiadores utilizam hoje diferentes documentos em suas pesquisas: relatos
orais, construções, objetos, desenhos, imagens, textos e músicas. Os documentos também não
mais entendidos como registros de verdades absolutas. É sempre bom identificar quem os
produziu, em que circunstâncias, com que propósito, e analisar as informações que podem ser
relevantes para cada pesquisa.
Um aspecto importante para a Escola Ñhandejara refere-se à opção metodológica
que permeia toda a prática pedagógica, e que tem como princípio para a escolha dos
conteúdos a serem trabalhados na escola, o Tema Gerador inspirado, na proposta de
alfabetização do educador Paulo Freire
29
. Como explica o Professor Edson Alencar;
Nos reunimos nos dias de atividades pedagógicas para ver as
necessidades da gente trabalhar dentro da aldeia, por exemplo agora
29
Paulo Freire 1921-1997, defende uma pedagogia política centrada na liberdade e na autonomia do ser, ou
seja, a politização da educação. Para tanto desenvolve uma metodologia de ensino que tem como base a
realidade dos educandos. Daí o tema gerador desencadeia inúmeras possibilidades de aprendizagem.
nesse período tem vários temas para ser discutidos, como a questão
do fogo e do desmatamento, escolhemos um tema em conjunto todos
os professores. Daí é feito o planejamento bimestral onde cada
professor faz o planejamento semanal individual de cada um, o que
vou trabalhar nessa semana. A essa altura já decidimos qual o tema
que vamos trabalhar; nesse planejamento bimestral já são definidos o
vai ser trabalhado na matemática, português, ciências, guarani e
geografia, então cada professor faz sua programação semanal para
trabalha dentro da sala de aula de acordo com as series que trabalha.
Para o planejamento e desenvolvimento das aulas os professores indígenas
buscam apoiar-se em todos os recursos teórico-metodológicos vivenciados por eles no “Àra
Verá” enquanto eram alunos do magistério e concomitantemente professores da escola
indígena da comunidade. Sendo que o principal recurso é a pesquisa, envolvendo sempre
membros da comunidade, especialmente os mais velhos.
Os professores Renata Castelão e Lídio Cavanha relatam como fazem e onde
buscam inspiração para as aulas:
Magistério Ára Verá, tudo o que nós aprendemos, sempre
trabalhamos na sala de aula também. E desde o pré já começa a
entender o que é pesquisa, ir para o campo, fazer entrevistas com os
de mais idade, e vê o que não é ficar preso no livro didático. (
Renata castelão)
É interessante também que o curso ele valoriza também os
rezadores, em cada semana um rezador diferente de uma aldeia
diferente, fica lá junto e quando a gente precisa de alguma
informação dos mais velho, ele já ta ali com nóis, o rezador.( Lídio
Cavanha Ramires)
A história na escola
O estudo da história na escola incorpora problemáticas do conhecimento histórico
e também questões próprias ao saber pedagógico, às tradições escolares, à realidade cultural
de professores e alunos ao anseio da comunidade. (RCNEI, p.196)
Atualmente, dependendo do contexto de cada escola, é preciso repensar que
tipo(s) de identidade(s) está sendo formada através do currículo escolar, e qual sua
importância para cada realidade social. (RCNEI, p.197)
Para os professores Guarani kaiowá, da escola Ñhandejara Pólo, está claro o papel
da escola e do ensino de história e da língua materna, para o fortalecimento da identidade,
pois a medida que conhecem sua cultura, se reafirmam enquanto povo culturalmente distinto,
o que contribui para as relações amistosas e de enfrentamento com a sociedade envolvente.
O professor Eliel Benites, sobre este assunto afirma:
O objetivo da gente se fortalecer como povo, para não mais perder
nossos valores, nossa identidade e língua o mais importante é a gente
valorizar os conhecimentos tradicionais, para que aja um
fortalecimento nos modos de viver dentro da comunidade e isso não
impede conhecer os outros conhecimentos que são conhecimentos
universais.
E complementa o professor Edson Alencar:
O que eu não abro mão hoje é realmente trocar a minha identidade,
que a escola que eu estudei de não índio ensinou uma coisa assim, ter
vergonha de ser índio, a não gostar do meu povo, vergonha de ver
um índio na cidade. Então o que eu não abro mão hoje é de sair da
comunidade, largar a minha comunidade e deixar de ser índio. Acho
que é uma coisa muito importante pra mim hoje, que eu descobri e
hoje eu gosto muito, eu gosto de ser índio e não abro mão disso e
vou morres sendo índio mesmo. Reserva Indígena Te’yi kue de
Caarapó 27/06/03
A história nas escolas indígenas
(...) É importante considerar, também, que cada sociedade organiza suas narrativas
de forma diferente, compreende a História de modo diverso e constrói concepções de tempo
que precisam ser respeitadas. Bem como, as diferentes formas de registrar a história, tendo os
indígenas como sujeitos. (RCNEI, 1998)
As versões indígenas da História
Depois de muito tempo de confronto com a sociedade nacional, essas sociedades
necessitam da escola para dominarem instrumentos de luta e de resistência política e social,
e conhecimentos que consolidem a autonomia diante da sociedade brasileira. Assim, entre
os diferentes objetivos e conteúdos do ensino de História definidos em cada contexto,
podem existir aqueles que contribuem para a consolidação da história e das lutas políticas
dos povos nativos pela reivindicação do direito à diversidade étnica e cultural e à cidadania
na sociedade brasileira.
Apesar de pouco tempo da construção, a experiência de uma educação
diferenciada, já existem exemplos concretos de como a escola tem conseguido retomar
alguns valores que estavam distanciados nas últimas décadas e que voltam a fazer parte do
calendário tradicional que foi estimulado pela escola e absorvido pela comunidade. A
professora Renata Castelão, narra uma dessas experiências.
Antigamente a gente não valorizava os feriados tradicionais, hoje é
colocado no calendário, como exemplo o dia 03 de maio o Kurussuá,
( dia da cruz) a escola toda parou, e dia 24 junho temos a época do
plantio. Então aos poucos nós vamos conseguindo conquistar nosso
espaço no nosso calendário e em todos os aspectos e não trabalhamos
apenas o livro didático, trabalhamos através de pesquisa,
pesquisando os mais velhos, em vários tipos de conhecimento, como
é repassado o conhecimento de antigamente.(...) kurussu á - é o dia
da cruz, antigamente ninguém comemorava isso na aldeia e hoje,
desde que começou a escola indígena na aldeia de Caarapó, se
comemora. Então a própria comunidade começou a valorizar de
novo. Um dia antes faz o Guaxire, faz a dança e no dia vai trocar a
roupa da cruz, vai limpara cruz e antigamente não era assim e hoje
muitas pessoas voltaram a respeitar novamente, é o dia 03 de maio.
Por exemplo, dia 24 de junho é o dia do plantio, que nós prepara a
terra, daí todo mundo vai fazer mutirão para plantações e quando
tudo estiver preparado, faz um mutirão de gente para trabalhar
comemorando aquele dia pra ser plantado. Daí prepara a semente
para plantar. Então a escola incorporou assim, e isso é uma
conquista, daí não fica muito preso ao livro didático.
Há quase uma década de esforço coletivo para a efetivação de uma escola
indígena, diferenciada e específica na aldeia indígena Te’Yikue, embora o caráter dessa
escola venha sendo construída cotidianamente, quanto ao projeto político pedagógico, não
há um consenso por parte dos professores indígenas sobre quais elementos da cultura levar
para o ambiente escolar e transformá-los em conteúdo, se os conhecimentos tradicionais
devem ou não ser levados para o espaço escolar. O fato é que a escola, instituição não
indígena, foi apropriada pelos Guarani Kaiowá como instrumento de luta para o
fortalecimento da identidade indígena, e para garantia de direitos conquistados, para facilitar
as relações com a sociedade envolvente, indo desde a preparação para o mercado de
trabalho, até a sobrevivência na aldeia. Segundo os professores entrevistados, a escola
tornou-se o eixo principal na vida da comunidade e os professores mediadores e respeitados
por toda comunidade.
A seguir algumas intervenções em defesa da escola indígena Guarani kaiowá:
Eu como professor índio, acredito mais na educação escolar
indígena, que vai definir o destino do meu povo, então ai esta o papel
da escola, a escola é um mecanismo que vai levar para o futuro desde
que a comunidade defina o que ela quer da escola, a escola indígena
esta aí e a gente acredita nela porque ela é diferente das escolas dos
não índios não é porque ela é diferente que ela é menor, mas ela é
igual a dos outros, talvez até mais, porque a gente acredita nela,
porque ela tem dois momentos de vida, onde tem dois conhecimentos
e o aluno que sai dali tem que conhecer dois momentos de vida e de
conhecimento.
A gente acredita na escola e não abre mão dela, de trabalhar de
forma diferente, a escola indígena não pode trabalhar como nas
outras escolas, tem que ser diferente, a gente não abre mão dela,
porque se não trabalhar de forma diferente, não é uma escola
indígena eu não abro mão de trabalhar diferente. Reserva Indígena
Te’yi kue de Caarapó 27/06/03
Acho que não é só a escola, mas quem está dentro da escola que são
os professores indígenas, então hoje a escola indígena serve como
referência para comunidade. Então é a escola que puxa outras coisas,
como a questão da liderança, a questão de saúde, educação, então a
gente ta junto porque quem ta mais envolvido é o professor indígena.
Se a escola quem tiver dentro é o branco ele não vai se preocupar
com o que acontece aqui dentro. Mas como a gente se preocupa só
com o nosso horário de trabalho, se preocupa com questões que
acontece dentro da aldeia. Então a gente é um professor, mas
também é um líder dentro da aldeia. A escola é a esperança da
comunidade (...).( Lídio Cavanha Ramires)
(...) isso é muito importante, hoje todas as decisões que parte daqui
da escola, junta com as lideranças, agente de saúde, os professores,
então sempre parte daqui da escola. Então é um papel fundamental
aqui na escola é como se fosse o eixo principal. Tudo que acontece
daqui as idéias do grupo de professores daí vai, para o espaço das
lideranças, pro agente de saúde, depois vai mais amplo pra
comunidade. (Renata Castelão)
3.4 Experiências de práticas pedagógicas no ensino de história
Traremos a seguir três relatos de experiências de práticas pedagógicas, no ensino
de história, trabalhados na perspectiva da cultura Guarani-kaiowá e de elementos das
sociedades não indígenas, sendo que o primeiro é de um professor índio e os outros são dos
professores não índios que atuam na disciplina de história.
1- Relato de experiência:
O relato a seguir, foi solicitado ao professor Edson Alencar, após conversarmos
sobre a experiência dele como professor indígena no planejamento e no desenvolvimento das
aulas, as dificuldades encontradas na escolha dos temas e principalmente na seleção dos
conteúdos a serem trabalhados. Em seguida, pedimos que fizesse um relato de uma
experiência que considerasse interessante, na perspectiva das questões acima e caso tivesse
alguma forma de registro, que nos fosse entregue, alguns dias depois.
Por ser uma etnia em que a oralidade é a principal forma de transmissão da
cultura, não é prática comum o registro das atividades desenvolvidas em sala de aula, falam
de muitas experiências, no entanto existe dificuldades de terem algum tipo de registro
aquivado.
Escola Municipal Indígena Ñhandejara Pólo - 4ª Série- 2006
Professor Edson Alencar- Kaiowá
Tema: Meios de Comunicação:
Comecei esse trabalho fazendo um planejamento de como eu iria trabalhar com
meus alunos. O primeiro assunto foi sobre o meio de comunicação usado pelos não-índios,
como celular, carta, rádio, televisão etc... Fizemos uma comparação de como os nossos
patrícios se comunicam hoje e como a tecnologia esta entrando na aldeia e fazendo parte do
dia da comunidade indígena, como o celular, rádio e televisão. Durante essa reflexão surgiram
curiosidades, escrevemos as dúvidas de cada aluno inclusive nós fomos procurar os mais
idosos. Após a pesquisa cada aluno apresentou o seu trabalho falando de como foi e o que
descobriu, através da pesquisa descobrimos que os meios de comunicação usados por eles era
fumaça, símbolo nas pedras, galhos de arvore e uma criança obediente para entregar recados
com idade de mais ou menos 09 a 12 anos. A fumaça branca era um sinal de que as coisas
estava tudo bem, a fumaça preta era sinal de perigo, durante a caça eles usavam galhos de
arvore pequenas e quebravam em direção que estavam indo para não se perder, se o
companheiro se perdesse no meio da mata, eles começavam a imitar a perdiz, não podia gritar
pois o grito espantaria os bichos e atrairia a onça.Se a caça fosse grande, ao chegar em casa,
jogavam a unha do animal no fogo para que os vizinhos viessem compartilhar a caça. As
marcações eram feitas em pedra, onde eram anotadas tudo o que eles não podiam esquecer e
também escreviam recados que era representado por símbolo.Eles usavam muito o sol e a lua
para medir o tempo, planejar caça, pesca e outras coisas na família, sempre tinha um menino
que era obediente, ele ouvia o recado e o cacique rezava para tirar os perigos da sua estrada e
ele ia e voltava sem nenhum problema, após a pesquisa cada aluno levou o seu trabalho e
mostrou a quem eles tinham entrevistado. Essa pesquisa nos levou a entender um pouco da
nossa historia, tenho certeza que os alunos gostaram muito dessa aula, assim trabalhamos a
nossa própria historia para que cada aluno valorize ainda mais a cultura e tenha orgulho de ser
Guarani Kaiowá, pois nos podemos mudar de hábito, mas nunca a nossa natureza.
2- Relato de experiência
O relato a seguir fora solicitado ao Professor Valdinei Marques Mendonça, em
2005, quando soube do teor da pesquisa e logo de pronto se dispôs a colaborar com o
trabalho, respondendo algumas questões que foram gravadas, e em seguida apresentando o
relato e os trabalhos dos alunos, sendo que o relato foi devolvido pelo fato de estar muito
resumido, pedimos que fosse mais detalhado, o que mais uma vez foi atendido.
O Professor Valdinei Marques Mendonça, é não índio, tem formação superior em
Geografia e trabalha na escola Ñhandejara desde 2002, onde trabalhou as disciplinas de
história e geografia até 2005. Em 2006 assumiu a Direção do Ensino Médio diferenciado.
Escola Municipal Indígena Ñhandejara Pólo
6ª série - 2004
Tema: Grandes Navegações e Colonização do Brasil
O trabalho realizado se deu a partir do tema “Grandes Navegações, Colonização
do Brasil e as Conseqüências para as Comunidades indígenas”.
Primeiramente discutimos em sala de aula algumas questões relacionadas aos
problemas existentes na comunidade e sobre o cotidiano deles. Os problemas levantados
foram: o alcoolismo, as drogas, violência, falta de roça, problemas na saúde. Na oportunidade
questionamos os alunos e instigamo-los a questionar os mais velhos a respeito a vida da
comunidade à tempos anteriores para fazermos um paralelo.
Para melhorar o entendimento do processo histórico, passamos para o segundo
momento, buscando bibliografias que contribuíssem para a discussão. Desta forma passamos
a ler alguns capítulos do livro didático adotado pela escola, intitulado “Nova História Crítica”
de Mário Shimidt, temas como a Expansão Marítima, A América antes dos europeus, A
conquista da América, O início da colonização e o Sistema Colonial.
Após as leituras, comentamos e fizemos discussão do livro “Esta Terra tinha
Dono”, para confrontarmos alguns temas que não eram aprofundados no livro didático. Após
fizemos a leitura do livro “A Confederação dos Tamoios: a união que nasceu do sofrimento”,
publicado pelo CIMI. Esta bibliografia foi muito útil por ter uma linguagem didática e
retratar muito bem o período colonial no Brasil, principalmente entre os anos de 1554 à 1567,
contando com ilustrações e relatos dos índios Tapirapé.
Terminada as leituras e discussões, os alunos assistiram os filmes “1942 a
Conquista do Paraíso e Pocahontas”. Através das informações recebidas foram discutidas
em sala de aula as principais idéias e, através disto, a sala foi dividido em vários grupos onde
tudo foi retratado através da visão do aluno como ocorreu o processo de invasões em seus
territórios.
Este trabalho foi muito gratificante para mim como professor, pois os grupos se
empenharam na realização destes, pesquisando, questionando, procurando da melhor forma
possível retratar os acontecimentos históricos, de acordo com suas visões.
Esta foi uma experiência muito interessante, pois os objetivos foram atingidos em
grande parte, que eram: contribuir para a compreensão da realidade dos Guarani kaiowá, com
base em um processo histórico totalmente adverso às comunidades indígenas. Além do
conhecimento dos fatos, outro ponto importante é que durante os trabalhos refletimos muito
sobre a questão das terras, o processo de criação das reservas e todas as conseqüências que tal
política trouxe aos povos indígenas.
Trabalho produzidos pelos alunos da 6ª série:
3. Relato de experiência
A Professora Sandra Balbueno de Oliveira, é não índio, tem habilitação em
História e começou a trabalhar na escola Ñhandejara, em 2005, ministrando as aulas de
história.
Escola Municipal Indígena Ñhandejara Pólo
5ª a 8ª série
Durante o primeiro semestre de 2006, estivemos realizando um trabalho em
conjunto com todos os professores de 5ª a 8ª séries, intitulado “Etnias Indígenas do Brasil”, a
proposta foi a de que os alunos pudessem conhecer culturas indígenas de todo país e que
soubessem como eram essas culturas e que infelizmente algumas já não existem. Neste
trabalho foram realizados gráficos contendo o número das populações, seus territórios suas
línguas, foram pesquisados lendas e histórias de vidas dessas comunidades, ao final desse
trabalho, cada sala de aula ficou responsável por duas etnias e deveriam se caracterizar com
roupas típicas dessa etnia e falar um pequeno histórico dessa etnia. O resultado foi
maravilhoso, professores até sem dormir, alunos ansiosos com o projeto, coordenadores
ajudando e a comunidade curiosa em conhecer como vivem ou viveram os índios de outras
partes do Brasil. Coordenar esse trabalho foi para mim uma honra, mas alcançar o objetivo foi
melhor ainda. Dessa forma eles puderam sentir o orgulho em ser índio, até os alunos mais
tímidos, se soltaram, todos dançamos o guaxiré, dança típica dos Guarani kaiowá.
CONCLUSÃO
Vemos este trabalho como uma pausa para refletirmos sobre a Educação Escolar
Indígena no Brasil, após 500 anos de resistência dos povos indígenas ao processo de constante
colonização e as vitórias recentes desses povos traduzidos em direitos, como a Constituição
Federal de 1988 e demais leis que regulamentam tais direitos. Neste caso tratamos de um
documento que delineia políticas públicas para a construção de escolas indígenas, específicas
e diferenciadas. Estamos nos referindo ao Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, publicado pelo MEC- Ministério da Educação Esporte e Cultura, em 1998, que
sugere roteiro para o debate sobre que escolas indígenas estão sendo construídas ou impostas
pela sociedade envolvente.
Na primeira parte do Referencial está contido o resultado de anos de debate do
movimento indígena brasileiro que fundamenta e proclama o carater da escola indígena, sendo
ela multiétnica, plural e diversa, reconhecendo as diferenças culturais. O conhecimento
indígena, o eixo para se pensar a escola indígena. Toda sociedade indígena tem o direito de
decidir como será seu destino. A educação escolar é de caráter intercultural, sendo mais um
espaço de relacionar conhecimentos, deve ser comunitária pensada e vivida, só a comunidade
pode decidir o que deve ser aprendido, quando, como e por quem.
A segunda parte do Referencial destinado às disciplinas específicas. Neste caso o
ensino de História apresenta um roteiro para a prática pedagógica. Seu embasamento teórico
tem suporte mais na Antropologia do que na História, como pode ser notado na bibliografia
onde a maioria é resultado de pesquisas antropológicas. Um dado interessante é que boa parte
da bibliografia é produção de indígenas. E, a menor parte tem referência na produção
Histórica. O conteúdo é genérico, não tem citação, ou seja, ninguém assume o que o
documento aponta. Por outro lado, existem várias falas de professores e membros de
comunidades indígenas de etnias diferentes, que dialogam com o documento. A questão
apenas é, se o documento está dividido em disciplinas, há uma visão fragmentada do
conhecimento, assim como acontece nos currículos das escolas não indígenas, resultado de
uma herança européia, diferente da concepção indígena de conhecimento que tem na
totalidade a sua maior forma de expressão.
A participação da Escola Municipal Ñhandejara da aldeia indígena Guarani
kaiowá -Te’Yikue no município de Caarapó/MS, serve como demonstração de como o
RCNEI tem dialogado com uma comunidade indígena, que está no processo de construção a
quase 10 anos, da sua escola específica e diferenciada. E, como o ensino de História pode
contribuir para o fortalecimento da identidade cultural Guarani Kaiowá.
Para dialogarmos com o RCNEI, na perpectiva da História Cultural, buscamos em
Chartier (1990), que analisa as práticas culturais de uma sociedade para compreendê-la, em
inúmeras possibilidades, neste caso, a prática cultural analisada são as práticas pedagógicas
no ensino de História, de todo o Ensino Fundamental.
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas é conhecido por
todos os professores indígenas, o que não significa que todos passaram por um processo de
estudo sistemático. Apenas os professores que cursaram o magistério indígena “Àra Verá”
entre 1999 e 2002. Os professores não indígenas que atuam de 5ª a 8ª, apenas tem
conhecimento aprofundado do Documento. Ganham um exemplar quando assumem as aulas,
mas não tiveram momentos de estudo para estudá-lo. Outro motivo do não conhecimento do
RCNEI é a rotatividade de professores não indígenas nas áreas específicas do conhecimento,
por diversos motivos, não adaptar-se a cultura diferenciada, o distanciamento da escola, por
preconceitos, etc.
Segundo, a formação do professor-pesquisador é imprescindível para a educação
diferenciada, pois ele é o interlocutor entre as aspirações da comunidade, as demais
sociedades e a escola, enquanto representante do apoio à transmissão e criação cultural:
incorpora e socializa a escrita e outros instrumentos, recursos de expressão cultural. Também
é tarefa do professor ser capaz de, com seus alunos e parentes, identificar e propor algumas
respostas aos problemas gerados pelo contato mais amplo. (RCNEI/MEC, 1998)
A valorização da cultura no currículo acontece de forma interdisciplinar e com
atenção para interculturalidade, onde da pré-escola à 4ª série, há apenas um professor indígena
por sala, responsável em desenvolver a temática escolhida no planejamento bimestral e
adequada ao planejamento semana, momento de troca de experiência e estudo. Hoje todas as
crianças são alfabetizadas na língua materna, e só a partir da 3ª série, aprendem a escrever em
Português, sendo que de 5ª a 8ª série, continuam tendo aula de Guarani, com um professor
indígena, o que contribui para o domínio da língua indígena, e do conhecimento da cultura
que eles trazem. O ensino de história perpassa necessariamente a temática escolhida a ser
trabalhada.
Todo o processo ensino aprendizagem nas séries iniciais é feito na lógica Guarani
Kaiowá, o que garante a escola indígena específica e diferenciada. O ensino de história
perpassa necessariamente pelo tema gerador escolhido e pelo método da pesquisa que busca a
compreensão de todos os aspectos do conteúdo proposto.
De 5ª a 8ª série a proposta pedagógica tem como pressuposto a
interdisciplinaridade, ou seja, o diálogo e a aproximação das diversas áreas do conhecimento.
Neste caso, o estudo da história acontece num momento específico, com um professor da área.
A interdisciplinaridade é garantida nos projetos e temáticas escolhidos para serem trabalhados
bimestralmente. No entanto, a interdisciplinaridade não dá conta da interculturalidade que vai
além do diálogo entre as culturas, mas a partir de suas lógicas. Como vimos instituições de
Ensino Superior não estão preparando profissionais para atuar e conviver com culturas
distintas.
Os professores indígenas têm consciência do protagonismo da comunidade na
construção da escola específica e diferenciada, assim como os limites impostos pela
conjuntura social, política, econômica e cultural que estão vivenciando, das contradições que
envolvem na tarefa de relacionar conhecimentos, e de avançar paulatinamente no processo de
conquistas de seus direitos.
REFÊRENCIAS
BARROS, J. D’. A. O Campo da História - Especialidades e Abordagens. Editora Vozes,
Petrópolis, Rio de Janeiro, 2004.
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. (org) Tomke Lask
Contra Capa, Rio de Janeiro, 2000.
BHABHA, B.K. O Local da Cultura. Tradução - Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2003.
BRAND, Antônio. Autonomia e globalização, temas fundamentais no debate sobre
Educação Escolar Indígena no Contexto do Mercosul (in) - Série Estudos, n. º 7, Campo
Grande, abril de 1999.
BRAND, A. O impacto da perda da terra sobre a tradição Guarani Kaiowá: Os difíceis
caminhos da palavra. Dissertação de Mestrado, PUC/RS,1997.
BRAND, A.J. A Questão dos territórios: concepções culturalmente distintas de território:
transformações no território, desterritorialização e reterritorialização sob a ótica indígena.
Campo Grande, 2004. (anotações para uso em sala de aula - texto digitado).
BRAND, A.J. Aula proferida durante o Curso de capacitação “Populações indígenas:
desenvolvimento local, etnodesenvolvimento e educação diferenciada”, organizado pelos
programas kaiowá/Guarani/NEPPI/UCDB, Mestrado em Educação e Mestrado em
Desenvolvimento Local/UCDB, realizado durante o ano de 2004.
______, A. Educação Escolar Indígena: o desafio da interculturalidade e da eqüidade. In:
Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n
o
12, 2001.
______, A. Quando chegou esses que são nossos contrários: A ocupação espacial e o
processo de confinamento dos Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul. In: Multitemas, nº
12 Campo Grande, UCDB, 1998.
______, A. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá Guarani: os difíceis
caminhos da palavra. Tese de doutorado em História da PUC/RS. Porto Alegre,1997.
BATISTA, T.A.S. A luta por uma Escola Indígena. Dissertação de Mestrado, UCDB,
Campo Grande, 2005.
BURKE, Peter (org). A escrita da História. Ed. Unesp. São Paulo, 1992.
Caderno de Educação Escolar Indígena. CNTE - Conferência Nacional dos Trabalhadores em
Educação. Ano V.nº 14. 1ª edição, outubro de 2000.
CANDAU, V. M. Sociedade, Educação e Culturas: questões e propostas nas teias da
globalização - cultura e educação. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2002.
CUNHA, Manuela Carneiro. Saber Tradicional. Artigo publicado, originalmente, no Jornal
Folha de São Paulo de dezembro de 2001.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Memória e
Sociedade. Ed.Bertrand Brasil S.A. Rio de Janeiro, RJ, 1990.
CUNHA, Manuela Carneiro, e ALMEIDA, Mauro. Populações tradicionais e conservação.
Texto digitado, apresentado no Seminário de Consulta - Macapá-21 a 25 de setembro de
1999.
COSTA, M. V. Poder, discurso e política cultural: contribuições dos estudos culturais ao
campo do currículo. In: LOPES, Alice Cassimiro e MACEDO, Elizabeth. (org). Currículo:
debates contemporâneos. São Paulo. Ed. Cortez, 2002.
DIEGUES, C. A (org) Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Ministério do Meio
Ambiente. Brasília, 2001.
EMIRI, L e MONSERRAT, R. Encontros de educação: a conquista da escrita. OPAN
Operação Anchieta. São Paulo: Iluminuras, 1989.
FERREIRA, M. K. L. Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre
povos indígenas e educação escolar no Brasil. Dissertação, Mestrado em Antropologia
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1992.
FERREIRA, M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no
Brasil. In SILVA, A. L. FERREIRA, M. K. L. (Org) Antropologia, história e educação A
questão indígena na escola. Ed. 2ª. São Paulo: Ed. Global, 2001.
FREIRE, Pedagogia do Oprimido: Saberes necessários à prática educativa. Coleção Leitura.
Paz e Terra, 1996.
GALLÓIS, Dominique T. Aula proferida durante o Curso de capacitação “Populações
indígenas: desenvolvimento local, etnodesenvolvimento e educação diferenciada”, organizado
pelos programas kaiowá/Guarani/NEPPI/UCDB, Mestrado em Educação e Mestrado em
Desenvolvimento Local/UCDB, realizado durante o ano de 2004.
GIROTTO, L. R. Por uma nova textura histórica: O movimento de professores indígenas
Guarani kaiowá em Mato Grosso do Sul - 1988/2000l, Dissertação de mestrado, UFMS,
Dourados, 2001.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução - Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. Ed. 7ª. Rio de Janeiro: DP&, 2003.
IANNI, Octávio. A era do globalismo. Civilização brasileira. Rio de Janeiro, 1996.
PROFESSORES INDÍGENAS DO ACRE. Índios no Acre. História e Organização. Rio
Branco, Acre, 2002.
LARAIA, R.B. Cultura: um conceito antropológico, Jorge Zahar Editor. Rio de janeiro,
2004.
LIMA, A, C. S. Um grande Cerco de Paz. Poder tutelar, indianidade e formação do Estado
no Brasil. ED. Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1995.
LENHARO, A. A terra para quem nela não trabalha.(in) Terra e Poder: Revista Brasileira
de História. N.12, março/agosto. ANPUH, Marco Zero, São Paulo, 1986.
LOPES, M. M, e SILVA, R.F.V. Formação de pesquisadores índios e método histórico:
Uma experiência em Icatu, (in) Práticas Pedagógicas na Escola Indígena. Silva, Aracy Lopes
e Leal Ferreira, Mariana Kawall(orgs) São Paulo, Global e Mari, 2001, p.185-207.
MACEDO, A.V.L.S, e FARAGE, Nádia. Construção de Histórias, no ensino de história:
algumas propostas. (in) Práticas Pedagógicas na Escola Indígena. Silva, Aracy Lopes e Leal
Ferreira, Mariana Kawall(orgs) São Paulo, Global e Mari, 2001, p.185-207.
MELIÁ, B. Educação indígena e alfabetização. São Paulo: Ed. Loyola, 1979.
______, B. Educação indígena na escola. (in) Cadernos de Pesquisa, n.49, dezembro de
1999. Endereço eletrônico: www.scielo.br/pdf/ccedes/v19n49/902v1949.pdf.
MONTE, L.N. Políticas Curriculares e povos indígenas no Brasil recente. Texto digitado-
2005.
MONTEIRO, J.M. O desafio da história indígena no Brasil. (in) A Temática Indígena na
Escola; Novos subsídios para professores de 1 e 2 graus. UNESCO/MARI/MEC, Brasília,
1995.
MONTEIRO, M. E. B. Levantamento histórico sobre os índios Guarani Kaiowá. Rio de
Janeiro: Museu do índio, 2003.
NASCIMENTO, A.C. Escola indígena: palco das diferenças. Coleção teses e dissertações em
educação. Volume 2. Campo Grande, MS: UCDB, 2004.
_____________, A.C. A educação escolar como fator de sobrevivência dos povos
indígenas: Política, Eqüidade e Qualidade. Texto digitado, DED/ Campus de Dourados/
UFMS.
Programa Parâmetros em Ação Educação Escolar Indígena. Brasília, Ministério da
Educação: Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
Projeto Criança kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul - A Realidade na Visão dos
Índios. Nascimento, Adir Casaro Nascimento, Suzana Gonçalves Batista e Suzi Maggi Kras
(orgs), Campo Grande, UCDB, 2005
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Ministério da Educação,
Secretaria de Educação fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2002.
ROSSATO, V. L. A luta pela educação Escolar Diferenciada Entre os Kaiowá/Guarani
de Mato Grosso do Sul. In: Multitemas, nº 12. Campo Grande: Ed. UCDB, 1998.
________, V., L. Os resultados da escolarização entre os Kaiowá e Guarani em Mato
Grosso do Sul. Será Letrao ainda um dos nossos? Dissertação de Mestrado. Campo Grande.
UCDB, 2002.
SANTOS, B. S. O fim das descobertas. In: OLIVEIRA, I, B. SGARD, P. (Org). Redes
culturais, diversidades e educação. Rio de Janeiro. DP&A, 2002.
SHADEN, E. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. São Paulo: Pedagógica/USP,
1974.
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Curso normal em nível médio, formação
de professores Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Campo Grande, 1999.
SILVA, A L. FERREIRA, M. K. L. (org) Práticas metodológicas na escola indígena. São
Paulo Global 2.1 (série antropologia e educação), 2001.
SILVA, D.H, Rosa. A autonomia como valor e a articulação das possibilidades: um estudo
do movimento de professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, a partir de seus
encontros anuais. Instituto de Antropologia Aplicada- Edições Abya-Yala, Quito Equador,
1998.
___________,Rosa. O Estado Brasileiro e a Educação Escolar indígena: Um olhar sobre o
Plano Nacional de Educação. (in) site da Associação Nacional de Pesquisa em Educação
ANPED, endereço eletrônico: www.anped.org.br/24/t0528827681841.doc.(2004).
SILVA, D.H, Rosa. Escolas em movimento: trajetória de uma política em educação (in)
Cadernos de Pesquisa, n. 111, dezembro de 2000. Endereço eletrônico:
www.scielo.br/pdf/cp/n111/n111a02.pdf.
SMITH, R C. Um tapiz tejido a partir de las vicisitudes de la história, el lugar y la vida
cotidiana. Imaginando los Desafios para los pueblos Indígenas de América Latina em el
Nueve Milênio. Instituto Del Bien Común, Lima, Peru. s/a.
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: Novos Horizontes Teóricos, Novas Fronteiras de
Educação. In: SILVA, A. L; LEAL. FERREIRA, M. K. ( Orgs.). Antropologia, História e
Educação. São Paulo: Global/Mari, 2001.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. 3º edição, São Paulo
Martins Fontes. 1991.
TREICHLER, N. C. P. A. Estudos Culturais: Uma Introdução. In: SILVA, T. T. (Org).
Alienígena na sala de aula: Uma introdução aos Estudos Culturais em educação. Petrópolis,
RJ: Ed. Vozes. 1995.
VALADÃO, V. M; AZANHA, G. Senhores destas terras. Os povos indígenas no Brasil: da
colônia aos nossos dias. Col. História em documentos. Ed. 9ª. São Paulo: Atual Editora,
1991.
VIEIRA, R. Histórias de vida e identidades. Porto. Biblioteca das Ciências do Homem:
Afrontamento, 1996.
COSTA, M.V. Poder, discurso e política cultural: contribuições dos Estudos Culturais ao
campo do currículo. In: Currículo: debates contemporâneos, (org.) LOPES, C. A, MACEDO,
E., série: Cultura, Currículo e Memória. Editora Cortez.São Paulo, 2002.
WILLIANS. R. Cultura. Paz e Terra, TRAD. OLIVEIRA, L.L, Rio de janeiro, 1992.
WARNIER, J.P. A mundialização da cultura. TRAD. RIBEIRO, V., Ed. EDUSC, Bauru,
SP, 2000.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo