43
uma singularidade prodigiosamente improvável, uma coincidência impossível de
movimentos múltiplos, ao mesmo tempo, distintos e semelhantes: paradoxais (TARDE:
2003)
17
.
Gabriel Tarde (2003) supunha ser toda a realidade animada por uma diferenciação
imanente. O autor também sinalizava a existência de uma "diferença universal", como
princípio e fim de todos os movimentos. Tarde (2003, p. 77) antecipou a imagem desse
transbordamento de variações, em insensíveis transições que maquinam a realidade: "Há
por todos os lados uma exuberante riqueza de variações e de modulações inesperadas,
multidões num movimento turbilhonar, caótico, capaz de operar mudanças imprevisíveis
num sistema qualquer" (TARDE, 2003, p. 94). A tais forças ignotas, o autor chama de
"agentes do mundo": "...nascidos diversos, eles tendem a se diversificar; é sua natureza que
o exige". Logo depois, ele se pergunta: "como esse magnífico florescer de variedades
rejuvenescem o universo, a todo momento, nessa série de revoluções inesperadas que o
transfiguram?" (TARDE, 2003, p. 97). A diferenciação, para Tarde, trata-se de uma
mudança íntima, de um fator livre, incontrolado, imprevisível e, por isso mesmo, criativo.
Em sua expressão, "existir é diferir", querendo com isso dizer que a diferença é que funda
toda a existência
18
.
Apenas para relembrar o leitor: de acordo com o pensamento de Deleuze, o Tempo, tal
como um tear imanente, é a força que urde ritmos diferentes, movimentos diversos, numa
ubíqua diferenciação íntima das coisas. Uma indispensável articulação conceitual que
17
Van Gogh sintetiza: "...animada não sei por que comoção íntima..." (VAN GOGH, 2002, p. 60)
18
Deleuze distingue, neste ponto, dois modos do Tempo, de naturezas diferentes: o primeiro é o "Tempo de
Áion", tempo não-pulsado, livre, heterogêneo, múltiplo, sem sentido, a-histórico, não mensurável, que vibra
em vários ritmos. É a idéia do Tempo que, apesar de plástico, não tem imagens formadas. Ele flutua, cruza, se
choca, encontra, se perde, rodopia, espirala, enverga, estica, acelera, dispara, salta etc.. Aion abriga a imagem
de um tempo ilimitado, do devir que se divide, ao infinito, em passado e em futuro, que não pára de bifurcar,
paradoxal e simultaneamente, o instante, num já-aí e num ainda-não-aí, num tarde-demais e num cedo-
demais: o que acaba de passar e o que vai se passar, o ainda por vir e o já chegado. A este Tempo,
turbilhonado de velocidades e encontros os mais improváveis, Deleuze contrasta o tempo de Cronos, tempo
representado pelo relógio, pela percepção, tempo pulsado, estriado, submetido a figuras espacializadas, é
quantificado, extenso, metrificado, pelos usos e pelo sentido estável, coletivizado (DELEUZE, apud
ZOURABITCHVILI, 2004).