Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
CLEIRY DE OLIVEIRA CARVALHO
ROMANCE DE MOCINHA & ROMANCE DE MOCINHO:
A LITERATURA NARRATIVA DE MASSA POR
UM CONVÍVIO DOS CONTRÁRIOS
MARINGÁ
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CLEIRY DE OLIVEIRA CARVALHO
ROMANCE DE MOCINHA & ROMANCE DE MOCINHO:
A LITERATURA NARRATIVA DE MASSA POR
UM CONVÍVIO DOS CONTRÁRIOS
Dissertação apresentada à Universidade Estadual
de Maringá, como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Letras, área de
concentração: Estudos Literários.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Helena Gomes
Wielewicki
Co-orientador: Prof. Dr. Arnaldo Franco Junior
(UNESP/SJRP)
Maringá
2007
ads:
TRIBUNAL DO JURI
Titulares
Profa. Dra. Vera Helena Gomes Wielewicki
(orientadora)
Prof. Dr. Lynn Mario Trindade Menezes de Souza
(membro convidado)
Profa. Dra. Mirian Hisae Yaegashi Zappone
(membro PLE)
Suplentes
Prof. Dr. Antonio Manoel dos Santos Silva
(membro convidado)
Prof. Dr. Aécio Flávio de Carvalho
(membro PLE)
Para Antonio Manoel: pelas audiências de serão;
Para Zacarias e Nilsa: pelos primeiros mandamentos;
Para Elayne, Raquel, Thanya, Andréa e Eduarda: porto de areia movediça.
Para Cássio: interlocutor de todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares e amigos: pela ausência que impus;
A Profa. Dra. Vera Helena Gomes Wielewicki, pela orientação honesta e tranqüila;
Ao Prof. Dr. Arnaldo Franco Junior, porque continuou o diálogo iniciado no TCC co-
orientando esse trabalho;
Aos "mocinhos" e "mocinhas" que não se furtaram em compactuar: 1) com a leitura do pré-
projeto: Ivan Marcos Ribeiro, Lincoln Gouvêa e Solange Lima; 2) com textos e explicações:
Ângela Caniato e Edson Carlos Romualdo; 3) com as questões logísticas: Alethéia Callado,
Ellen Mariany Dias e Leonardo Pacheco;
Ao Claudemir Camargo, pelos livros presenteados;
A Profa. Dra. Evely Vânia Libanori, por deixar à disposição sua biblioteca e por disponibilizar
a sala de aula para que eu aplicasse o projeto estágio de docência; e a todos os alunos do 3 ano
português-inglês, turma 31, disciplina 263: Literatura Brasileira I – B;
À secretária da Pós-Graduação do PLE/UEM, Andréa Regina Previati, pela competência
profissional e disponibilidade, e
A Deus, que fez de cada provação a bênção disfarçada de receber da CAPES/DS a concessão
de uma bolsa que permitiu menos agruras financeiras.
Resumo
Com uma perspectiva panorâmica e por meio de um recorte diacrônico, esse estudo
compreende a produção de romances traduzidos para a língua portuguesa e à venda em bancas
de jornal, sebos e sistema de assinatura; nesse trabalho, esses textos são nomeados romance de
mocinha e romance de mocinho. O objetivo geral consiste na comparação textual dos dois
gêneros romanesco e na verificação de um leitor ideal projetado por esses textos. O viés, ao
mesmo tempo crítico e teórico, supõe ser fundamento do trabalho crítico não só o contexto
cultural e social imediato de uma produção, mas também sua inscrição num processo maior,
que implica o ato de leitura e o consumo de tais romances. O percurso estrutural e morfológico
resultou em constatações abrangentes; assim, a necessidade da teoria como referência e suporte
de pesquisa desembocou em considerações imbricadas na teoria do romance e na indústria
cultural. Da teoria do romance faz-se uso de Bakhtin e Lukács; sobre a indústria cultural o
trabalho respalda-se em Adorno e Garcia Canclini. Desses cruzamentos teóricos foi possível
reconhecer, nas (in)variações e desvios da análise, a representatividade do corpus como
norteador do processo analítico. Por essa razão, o trabalho seguiu em duas direções: a de uma
análise descritiva e a de uma delimitação de possíveis usos do texto. Esse percurso permitiu
uma série de questões em direção a duas concepções: a primeira, genealógica; a segunda,
mercadológica. Dessa forma, a pesquisa partiu do corpus para uma compreensão de processos
que o contextualizam histórico, social e culturalmente; ou seja, da leitura dos romances, para a
sua origem, a problemática da indústria cultural e a da formação do leitor, com a proposta de
articular uma reflexão que abarcasse origem, circuitos e textos.
Palavras-chave: literatura narrativa de massa; produção e consumo; formação do leitor.
Abstract
From a general perspective and by means of a diachronic view, this study comprehends the
production of novels translated to Portuguese language and sold in newsstands, old-books
shops and subscription systems; in such work, these texts are called "good girl novels" and
"good guy novels". Its main objective is the textual comparison of both theoretical genres and
in the verification of an ideal reader projected by these texts. The view, at the same time
critical and theoretical, supposes not only the cultural and immediate social context being the
basis of a critical work, but also its insertion in a major process, which implies the act of
reading and the consumption of such novels. The structural and morphological course has
resulted in broad assertions; thus, the need for theory as reference and support for the research
has come into considerations based on the theory of the novel and on the cultural industry.
From the theory of the novel, of Bakhtin and Luckács are used; about the cultural industry this
work is based on Adorno and Garcia Canclini. From these theoretical crossings it was possible
to recognize the corpus representativity as a guide of the analytical process, in the
(in)variations and analysis deviations. For such reason this work has taken two paths: one of
descriptive analysis and another of possible uses of the text. This course has allowed a series of
questions towards two conceptions: the first being genealogic; the second, being market-
guided. Thus, the research set out from the corpus to a process understanding which
contextualize it historically, socially and culturally; that is, from the novel readings to their
origin, the problem of the cultural industry and reader formation, aiming to articulate a
reflection which would take origin, circuit and texts.
Keywords: mass-narrative literature; production and consumption; formation of the reader.
Orientando-se no universo espoliado da
locução cotidiana e expondo e esclarecendo
essa locução em têrmos dêsse universo
espoliado, a análise se abstrai do neg ativo,
daquilo que é alheio e antagônico e não pode
ser entendido em têrmos do uso estabelecido.
Classificando e distinguindo significados e
mantendo-os afastados, purga o pensamento e
a palavra de contradições, ilusões e
transgressões. Mas as transgressões não são
as da 'razão pura'. Não são transgressõ es
metafísicas além dos limites do conheci mento
possível, antes abrindo um campo de
conhecimento além do senso comum e da
lógica formal (Herbert Marcuse).
Autos
Acusação.................................................................................................................................................12
Capítulo I - Arrolamento: Das origens................................................................................................17
1.1 Aspectos da Epopéia, do Roma nce Gre g o e do Gêner o Romanesco .......................................................18
1.2 O vínculo com o jornal e o Romance Folhetim .......................................................................................22
Capítulo II - Deliberação: Dos circuitos de produção e consumo.....................................................30
2.1 Indústria cultural e literatura narrativa de massa .....................................................................................31
2.1.1 Mercadoria e marketing: escolha, fabricação e publicação ................................................................... 46
2.2 Identidade e imaginário: a relação texto-consumidor ..............................................................................52
2.3 A imagem e o texto: form atos de leituras ................................................................................................60
2.3.1 As cartinhas...........................................................................................................................................73
Capítulo III - Prova: Dos contextos e textos .......................................................................................79
3.1 A redução diegética e a ação romanesca (as buscas do herói ou da heroína)...........................................80
3.2 A importância de M. Delly ...................................................................................................................... 83
3.3 Romance de mocinha: coleções, características e autores .......................................................................95
3.3.1 Resumo-montagem do corpus ............................................................................................................ 115
3.3.2 Morfologia do corpus .........................................................................................................................161
3.4 Romance de mocinho: coleções, características e autores .....................................................................172
3.4.1 Resumo-montagem do corpus ............................................................................................................ 189
3.4.2 Morfologia do corpus .........................................................................................................................249
3.5 As (in)variantes comparativas ................................................................................................................253
Sentença ...............................................................................................................................................262
Bibliografia ..........................................................................................................................................265
Corpus: romance de mocinha ......................................................................................................................265
Corpus: romance de mocinho ......................................................................................................................265
Referências...........................................................................................................................................267
Textos consultados ..............................................................................................................................272
Anexos ..................................................................................................................................................273
Amostragem: romance de mocinha.............................................................................................................. 273
Amostragem: romance de mocinha ( brasileiro) ...........................................................................................279
Amostragem: romance de mocinho .............................................................................................................279
TEX – HQ ....................................................................................................................................................287
Outras literaturas narrativas de massa .......................................................................................................... 287
Lista de figuras
Figura 1A e figura 1B..................................................................................................................................... 67
Capas dos exemplares: romance de mocinha
Figura 2 - Mitsi................................................................................................................................................ 88
Figura 3 – Pacto de ódio............................................................................................................................... 116
Figura 4 – Pássaro de ouro........................................................................................................................... 120
Figura 5 – Amante indócil ............................................................................................................................ 124
Figura 6 – O rival.......................................................................................................................................... 139
Figura 7 – Encontro mágico......................................................................................................................... 143
Figura 8 – A sereia de Cowrie Island........................................................................................................... 149
Figura 9 – Sob o signo da paixão ................................................................................................................. 154
Capas dos exemplares: romance de mocinho
Figura 10 – O seqüestro................................................................................................................................ 191
Figura 11 – Golpe de Estado......................................................................................................................... 199
Figura 12 – Fios de esperança...................................................................................................................... 208
Figura 13 – Tudo pela Bélgica...................................................................................................................... 216
Figura 14 – Vidas truncadas......................................................................................................................... 221
Figura 15 – Covil do chacal.......................................................................................................................... 226
Figura 16 – Desejo louco.............................................................................................................................. 233
Figura 17 – A caminho da forca................................................................................................................... 243
Lista de tabelas
Romance de mocinha (RA)
RA – Tipos físicos das heroínas...............................................................................................161
RA – Características comportamentais das heroínas ..............................................................162
RA – Tipos físicos dos heróis .................................................................................................164
RA – Características comportamentais dos heróis ..................................................................165
RA – Tipos físicos das anti-heroínas .......................................................................................166
RA – Características comportamentais das anti-heroínas .......................................................166
RA – Tipos físicos dos anti-heróis ..........................................................................................168
RA – Características comportamentais dos anti-heróis ...........................................................169
Romance de mocinho (RO)
RO – Tipos físicos das heroínas ..............................................................................................249
RO – Características comportamentais das heroínas ..............................................................250
RO – Tipos físicos dos heróis .................................................................................................251
RO – Características comportamentais dos heróis ..................................................................251
Acusação
Citações em meu trabalho são como salteadores no
caminho, que irrompem armados e roubam do
passeante a convicção (Walter Benjamin).
A dissertação é um estudo do romance de mocinha e romance de mocinho
contemporâneo, inserido em um processo de publicação globalizante; é também um estudo
diacrônico e crítico do conteúdo do corpus
1
; uma reflexão acerca da produção de
entretenimento, de um lado e, do outro, dos efeitos que esse entretenimento pode provocar no
consumidor
2
. Com o objetivo duplo de uma crítica dos produtos e seus imbricamentos a
metodologia teórica implica, desde o Capítulo I, um trabalho em duas frentes — a
crítica/teórica e o percurso histórico. Na frente crítica o primeiro passo era a definição do
objeto. O propósito diacrônico pedia um corpus alargado e a própria intenção diacrônica pela
qual se exigia uma amostragem (Propp, 1983) e um corpus (Propp, 1983) se transformou num
problema da definição dos limites teóricos do estudo.
Ao considerar as (des)vantagens e a importância de investigar um produto pouco
estudado, escolhi um período de produção que dialogasse com pelo menos um exemplar de
romance (Mitsi) já estudado sobre o gênero. Isso porque, os estudos anteriormente
apresentados sobre material similar ao corpus se restringiam a um ou outro produto, mas não
de comparação dos objetos. Dos trabalhos estudados obtive a seguinte perspectiva: 1) a
pesquisa de Prado (1981) apresenta o perfil das personagens e enredos dos diversos
exemplares de romances dos autores M. Delly por um viés estruturalista; 2) Nogueira (1993)
persegue um trabalho arqueológico ao estudar três estratos de produção dos romances dellianos
e, 3) Cunha (1999) apresenta uma pesquisa ancorada na história de leituras das leitoras de M.
Delly. Esses estudos tratam, especificamente, do romance de mocinha de M. Delly. Um quarto
1O corpus de romance de mocinha é composto pelos seguintes romances: A sereia de Cowrie Island, Sob o
signo da paixão, O rival, Pássaro de ouro, Amante indócil, Mitsi, Pacto de ódio e Encontro mágico.
O corpus de romance de mocinho é compo sto pelos seguintes romances: Golpe de Estado, A caminho da forca,
Covil do chacal, O seqüestro, Fios de esperança, Tudo pela Bélgica, Desejo louco e Vidas truncadas.
2
Simone Meirelles (2002) trata por usuária e não por consumidora. Cito-a: "Como Fernandes, acredito que a
forma de relação entre as leitoras e os textos 'nos leva a considerar as leitoras dos romances da série Sabrinao
como consumidoras, no sentido de dominadas por uma mensagem ideológica, mas como usuárias, com muito
maior grau de consciência do que fazem e com muito maior julgamento crítico sobre o objeto que usam do que
comumente, ou preconceituosamente, se supõe'" (MEIRELLES, 2002: 140). A pesquisa de Fernandes, citada por
Meirelles, tem por título "Leitoras de Sabrina: usuárias ou consumidores? (Um estudo da prática leitora de
romances sentimentais de massa)", mas não foi estudada para este trabalho. A escolha de "consumidor" e não de
"usuário", será justificad a no Capítulo II.
13
trabalho, Meirelles (2002), apresenta um estudo dos romances de mocinha mais atuais, ou seja,
coleções como Bianca, Júlia e Sabrina. Tive acesso a um único artigo sobre o romance de
mocinho; neste artigo, Cabanhe (2004) preocupa-se com a leitura de farwest feitas por leitores
em Campo Grande/MS.
De posse desse material analisado em dissertações ou livros adotei como amostragem a
produção do final do século XX e início do século XXI. A escolha tem como vantagem os
trabalhos de Prado (1981), Nogueira (1993) e Cunha (1999) por permitirem apreciação dos
romances de M. Delly que, a meu ver, pode ser considerado precursor do romance de mocinha
encontrado no mercado atual. No entanto, esses facilitadores se tornaram elásticos em razão da
necessidade de comparar os romances de M. Delly com as demais coleções de romance de
mocinha (Bianca, Clássicos históricos, Júlia, Sabrina, Momentos íntimos e outros).
O perfil de análise do romance de mocinho segue o mesmo processo do romance de
mocinha. De posse dos estudos dos textos de M. Delly e das demais coleções produzidas para
o público do sexo feminino (a carta à leitora atesta), verifiquei como são produzidas as
coleções (Oeste Vermelho, Oeste Barra Pesada, Chumbo Mortal, Mulher & Colt e outras)
voltadas ao público masculino. Claro está que as cartas direcionadas aos leitores ou leitoras
não impedem que qualquer um possa ler; a carta pode até funcionar como apelação ao sexo
oposto; isso porque, pode despertar no outro aquilo que foi escrito para um outro.
Dada a importância do romance de mocinha para leitoras brasileiras, estudei 101
exemplares representativos de 28 coleções de romance para, a partir dessa leitura, escolher 8
romances significativos de 8 coleções do gênero. Esse itinerário permitiu indagar se todos os
aspectos da produção de M. Delly detectados por Prado (1981), em algum momento, figuraram
nos exemplares catalogados. Realço que M. Delly representa uma fôrma para todos exemplares
lidos, não afirmo, no entanto, que os autores das coleções mais atuais tenham se servido do
processo de escrita de M. Delly, mas sim que todos os autores dos exemplares apresentam
construção fabular similar, com poucas variáveis observadas.
Como se trata de um trabalho comparativo dei tratamento igual aos romances de
mocinho; isto é, elenquei 101 romances e deles escolhi 8 exemplares, também representativos
de 8 coleções. Esclareço que parti do objeto para uma compreensão de processos que o
contextualizam histórico, social e culturalmente; parti da leitura dos romances, estudei a
origem deles, a problemática da indústria cultural e a da formação do leitor e me propus uma
reflexão que dialogasse origem, circuitos e textos. Por essa razão, na frente teórica, o trabalho
inicial seguiu em duas direções: a de uma análise descritiva e a de uma delimitação de
possíveis usos do texto. Com isso acreditei viável uma compreensão mais rigorosa do
14
fenômeno de produção e consumo do objeto estudado. Esse percurso me pôs uma infinidade de
questões já no Capítulo I. Neste, parto de duas concepções: a primeira, genealógica; a segunda,
mercadológica. As duas amparam tanto o Capítulo II quanto o Capítulo III.
Se, primeiramente, vinculo o corpus numa totalidade mais significativa (o romance
grego, de aventura e folhetim) isso se dá exatamente para descobrir a origem do objeto de
estudo que é fundamental para a morfologia (Propp, 1983) descrita no Capítulo III. Se há
pouco me neguei a afirmar que as coleções de romances de mocinha são "fontes" dellianas,
agora afirmo: tanto romance de mocinha quanto romance de mocinho possuem matrizes
canônicas. Essa a razão do Capítulo I deste trabalho: estabelecer diálogos com os textos
"canônicos" e os textos "marginalizados", sendo estes apresentados no Capítulo III.
No Capítulo II, dialogo conceitos de orientação marxista com as condições de consumo
levantadas por Garcia Canclini (1997b); isso porque, a meu ver, o consumidor também exerce
uma influência sobre o produtor. Procuro, ainda, verificar os leitores (consumidores) e os
formatos de leitura possíveis aos textos do corpus. Estabeleço diversos fundamentos teórico-
metodológicos que me pareceram requisitados pelo próprio material estudado. E a seqüência
natural do trabalho, que pedia uma análise descritiva/morfologica do romance de mocinha e
romance de mocinho, foi efetuada no Capítulo III.
Uma das maneiras para compreender as coleções de romance de mocinha e romance de
mocinho é analisar o conteúdo (Kientz, 1973) desses textos. Assim, para a análise de conteúdo
o processo foi: ler, identificar as categorias e tipologias constantes (comuns) e, em seguida,
sistematizar os resultados sob a forma de tabelas descritivas das características mais
repetitivas. Na seqüência, investigo: Como se constituem as diegeses? Qual é a galeria das
personagens? Como é construída a personagem-herói/heroína? Como é construída a
personagem-vilão/vilã? A análise apresenta regras e etapas, sendo, a primeira: abordar o
conteúdo manifesto de maneira quantitativa; a segunda: definir os objetivos da pesquisa que
constituem o corpus. Assim, no Capítulo III, têm-se, primeiro, uma apresentação da redução
diegética embasada em Aristóteles e que dialoga com o Capítulo I, para, a partir dessa
retomada histórica ter acesso a descrição e morfologia do romance de mocinha. Este é seguido
da descrição e morfologia do romance de mocinho. Ainda no Capítulo III, procuro, com a
comparação do conteúdo dos dois tipos de romances, identificar se há diferenças/semelhanças
dos textos.
Apresentadas, grosso modo, algumas abordagens efetuadas nos capítulos do trabalho,
clarifico o objetivo geral consistir na verificação de elementos comuns que contribuiriam para
a afirmação de um leitor ideal dessas coleções de romance de mocinha e romance de mocinho.
15
Desse objetivo geral desencadearam-se os demais: 1) como entender a indústria cultural e a
literatura narrativa de massa?; 2) como se dá a escolha, a fabricação e a publicação desses
produtos?; 3) qual a possível identidade estabelecida na relação consumidor/leitor-texto?
Foram essas algumas das lucubrações pertinentes à escolha do objeto de estudo e ao
seu desenvolvimento acadêmico. Não sendo o objetivo desse a valoração estética do objeto,
recai então a necessidade de esclarecer a terminologia adotada para o fim de produção da
análise e compreensão do que se apresenta como literatura narrativa de massa. Não é intenção
partir unicamente de uma tipologia que considera a indústria cultural e a literatura narrativa de
massa como hegemônicas e monológicas, capazes de formar (e deformar) inteiramente o gosto
e os valores dos consumidores, ignorando a possibilidade de resistência e intervenção dos
produtores de leitores críticos.
Penso que a investigação dos textos das literaturas narrativas de massa visa a uma
redimensão do consumidor condicionado pelo capitalismo e pela cultura consumista que
pedagogiza modelos patriarcais
3
de comport amento soci al/educacional/ político, re petindo
formas e fórmulas de aliciamento que massificam a caracterização de um mesmo tipo de
homem e mulher (textualmente).
Cada um dos capítulos trata de ancorar o corpus e a junção dos três pode remeter a um
painel de recortes; neste sentido o cerne do trabalho deixa de ser o Capítulo III e passa a ser a
convergência das possibilidades desencadeadas a partir dele mas que foram desenvolvidas
anteriormente. Ressalto que a investigação pode ser chamada empírica, mas, a pesquisa lida
com dois tipos de textos e, dependendo do caso, poderá ser chamada análise comparativa e
descritiva. Ao final de cada capítulo pretendo sintetizar as indagações e se elas concretizaram
ou não.
Estabelecidas as perspectivas do trabalho reconheço o lugar do objeto de estudo na
crítica acadêmica; no entanto, se Adorno e Horkeimer (1985) permitem chamar o corpus de
lixo, proponho então que esse "lixo" seja reciclado. A meu ver, do ponto de vista da tradição
da alta cultura é lixo, mas, sobretudo, desde a segunda metade do século XX até hoje, a cultura
não é constituída apenas pelos objetos, valores e práticas da alta cultura e a escola, o professor
e os intelectuais não podem negligenciar possivéis usos do corpus sem reconhecer a
necessidade de enfrentamento do mundo real. Mesmo porque se não existe verdade nem
absoluta nem universal ou definitiva, significa que os discursos não devem ser amorfos para
3
Entendo patriarcal como ligado as sociedades agrárias (Aristóteles), ou seja, um termo burguês. No entanto, faço
uso do termo devido ao fato de esses romances constituírem uma ficcionalização que incorpora elementos da
aristocracia e da burguesia, sempre visando a ascensão social.
16
acomodar a verdade relativa de cada consumidor/leitor; nenhum relativismo será capaz de
abolir as disputas discursivas, razão pela qual, a não ser por condescendência hipócrita, um
pensamento coerente buscará sempre adeptos, e para isso precisa apurar a sua lógica interna, a
sua coerência, enfim, a sua racionalidade estrutural. Com essa intenção dispus a escrever o
trabalho.
Arrolamento: Das origens
18
1.1 Aspectos da Epopéia, do Romance Grego e do Gênero Romanesco
O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isso
se tornará a fazer; de modo que nada novo
debaixo do sol (Eclesiastes, 1: 9).
Para as afirmações pretendidas sobre a genealogia busc o a linha est ruturant e da prosa
romanesca que, segundo Mikhail Bakhtin (2002), tem a pré-história na Grécia Antiga e dá-se,
sobretudo, nos diálogos socráticos, nas sátiras menipéias e nos gêneros cômicos. Bakhtin
atribui à sátira menipéia uma das fontes de constituição do gênero romanesco e do romance-
folhetim como uma variante deste. As menipéias datam do século III a.C. e a estrutura e a
temática das sátiras menipéias aproximam-nas dos romances de aventura e de provas que são
constituintes dos romances-folhetins.
O romance como gênero, para Bakhtin, conflitua com os outros gêneros, pois os
integra, em uma atitude dialógica, revelando-os em seu caráter limitado, histórico. Trata-se de
discurso indireto à medida que combina outros discursos e gêneros, representando-os. Porém, à
proporção que os representa é também representado por eles, já que o romance não apenas traz
para dentro de si os outros gêneros do discurso como também representa-se a si mesmo em sua
limitação e relatividade. De acordo com Bakhtin, há dois momentos para o romance em sua
trajetória rumo ao romance polifônico: os romances de "primeira linha" e os de "segunda
linha". Os romances de "primeira linha" recuperam o plurilingüismo social e o internalizam.
Ocorre uma espécie de "literaturização" das falas que passam para o interior do romance.
Diante de diegeses (realidades ficcionais) que contemplam esse percurso afirmo que
não existe polifonia nos romance de mocinha e romance de mocinho. Os romances que
constituem o corpus não podem ser lidos, textualmente, como dialógicos, porque não
apresentam o embate de várias vozes, mas sim a prevalência da voz doutrinária do estado, da
igreja e dos meios de dominação cultural. Ou seja, quando se trata das coleções estudadas não
é possível estabelecer uma relação dialógica entre a personagem feminina e masculina, ou
entre outras personagens na narrativa. Ainda, quando as personagens possuem vozes diferentes
porque são de um contexto social, cultural e econômico diferentes, elas são uniformizadas na
construção de um discurso que arrebata o que se encontra em desvantagem (cultural, social e
financeiramente) para o contexto do que se encontra potencialmente no ápice. Não há um
diálogo das posições sociais e ideológicas diferentes, mas sim a inserção da personagem que se
encontra desfavoravelmente em outro patamar, dessa vez inseridos em um favorável.
19
Ao partir desse viés de dialogismo o corpus traduz o que Bakhtin denomina
"monofônico". Em alguns romances de mocinho, por exemplo, é somente a visão masculina
que prevalece. Mesmo em enredos que têm a mulher como heroína o narrador dá o enfoque
por um ângulo que possibilita a leitura de acordo com o que o leitor do sexo masculino deseja
ler. A voz e opinião das mulheres estão praticamente excluídas dos romances de mocinho.
Ainda que a mulher seja a heroína do romance de mocinho (Coleção Mulher & Colt, Coleção
ZZ7) ela terminará por reproduzir um comportamento desejado pelos homens ou que seja
pertinente a criar fantasias (erotizadas) masculinas. Nesse aspecto, essas coleções podem ser
lidas pelo mesmo viés do filme pornográfico, porque não estão abertas ao que Bakhtin chama
de "multilinguagem".
A prosa romanesca da "primeira linha" pode ser encontrada na própria fronteira da
linguagem exemplificada pelos romances de cavalaria. Nesses romances predomina uma
atitude monológica, pois os vários gêneros discursivos passam por um mascaramento a fim de
parecerem nobres. E os romances de "segunda linha" parodiam, ironizam e dessacralizam esse
estilo enobrecido. Assim, tem-se uma atitude dialógica que não unifica, mas estabelece o
conflito devido, em um mesmo enunciado, em que vigora o discurso nobre e o paródico,
esclarecendo-se mutuamente e inter-relacionando-se dialogicamente.
Para este trabalho interessa a variante de "primeira linha" que predomina como uma
orientação épica, monológica. Bakhtin vê na "primeira linha" um compromisso com a
totalidade unificada e sempre igual a si mesma:
O romance sofista deu início à primeira linha estilística do romance europeu
[...] encontrou no romance sofista uma expressão suficiente mente completa e
acabada que [...] determinou a sua história ulterior. Sua principal
característica é uma linguagem única e um estilo único (mais ou menos
severo e comedido); o plurilingüismo permanece fora do romance, mas o
determina como um fundo dialogizante, com o qual estão correlacionados de
maneira polêmica e apologética a linguagem e o mundo do romance.
[...] A primeira linha, tendo sofrido de modo mais forte a influência do
romance sofista, deixa (basicamente) o plurilingüismo do lado de fora, ou
seja, fora da linguagem do romance; esta linguagem é estilizada de modo
especificamente romanesco (2002: 171).
Estudo a produção que compõe o corpus a partir dessa categoria levantada por Bakhtin,
"romance de primeira linha"; entendo esses romances como uma narrativa de provas. Bakhtin,
ao investigar a pré-história do gênero romanesco, focaliza o romance grego de aventuras, na
20
Antigüidade, e classifica-o como romance de provas porque as personagens principais passam
por inúmeras aventuras e peripécias.
Um par de jovens em idade de casam
21
Sobre a concepção de Bakhtin, entendo que a modalidade narrativa das narrativas de
massa pode ser lida como "constante", isso porque até mesmo as variações encontradas por
Bakhtin na análise do romance de formação não são variáveis nos romance de mocinha e
romance de mocinho.
Bakhtin expressa sobre o romance de formação problemas que deixam de ser
problemas, nas narrativas de massa, para constituírem fórmulas. Sobre as personagens Bakhtin
expõe:
[...] de miserável ele se torna rico, de vagabundo sem linhagem se torna
nobre; o herói ora se afasta, ora se aproxima do seu objetivo da noiva, da
vitória, da riqueza, etc. Os acontecimentos mudam o seu destino, mudam a
sua posição na vida e na sociedade, mas ele continua imutável e igual a si
mesmo (2003: 218-219).
A assertiva de Bakhtin é, de fato, descrição que representa com fidelidade, as
caracterizações das personagens (masculinas ou femininas) das narrativas estudadas. Com base
em Bakhtin, essas coleções são constantes. As estruturas e personagens, lineares, são
atualizadas dentro de um contexto histórico e obedecem, por exemplo, os critérios adotados
por emissoras que veiculam telenovelas e intercalam, entre um horário e outro de exibição,
uma telenovela ambientada no século XIV e outra no século XXI, mas, na essência, elas têm
modificações e roupagens atualizadas para serem assimiladas por seus apreciadores. É
exatamente desse modo que as construções fabulares das narrativas de massa são veiculadas
pelo mercado de livros de entretenimento. Seus enredos não permitem perguntar porque viver,
são, quase sempre, ostentadores de soluções fáceis e felizes. Assim, as coleções são buscadas
por suas histórias felizes e não por qualquer possibilidade de compreensão ou questionamento
da "realidade".
22
1.2 O vínculo com o jornal e o Romance Folhetim
Dois escritores podem representar (exprimir) o
mesmo momento histórico-social, mas um pode ser
artista e o outro um simples untor (Antonio
Gramsci).
A progênie de entretenimento para a massa teve início nas publicações em rodapés de
jornais chamadas de 'Ensaio Familiar' e consideradas o berço da crônica ; surge na
Inglaterra com os periódicos semanais The Tattler (1709-1711), The Spectator (1711-1712) e
The Guardian (1713) com o objetivo principal de promover a venda desses jornais. No ano de
1714 a França traduz e atualiza o jornal inglês The Tattler, e em 1740, não há jornal francês
que não publique crônicas as quais, mais tarde, recebem o nome de feuilleton, pois ocupam
a parte inferior da primeira página do jornal e comentam as notícias que estão na parte superior
dessa mesma página.
Arnald Hauser realça que "até a Revolução de Fevereiro a vida política absorve tôdas as
fôrças intelectuais da época. Os jovens talentosos que são excluídos de qualquer carreira
política por falta de meios, dedicam-se ao jornalismo; agora é êste o ponto de partida e a forma
típica de uma carreira literária" (1973: 892). De acordo com Hauser, as relações da literatura
com a imprensa jornalística possibilitaram a competição entre os jornais e ainda permitiram
aos escritores da época escreverem e terem seus textos publicados a contento de um público
que desejava ter seus gostos literários atendidos. Sucede-se a aceitação do público leitor e da
competição entre os jornais vigentes, o fato de estes se verem "[...] obrigados a oferecer aos
seus leitores um alimento tão saboroso e variado quanto possível, para tornar os seus jornais
mais atraentes, tendo principalmente em vista o rendimento dos anúncios" (1973: 893).
Antonio Gramsci (1978) ensina que as derivações do romance-folhetim podem ser
"meramente mecânica" ou "lírica". Para ele o "povo" é leitor da primeira derivação, a de
intriga sensacional, porque esta provoca sensações "culturais" ou de "conteúdo". Na opinião de
Gramsci "conteúdo" e "forma" podem assumir aproximações e, de acordo com o autor,
"[q]uem insiste no 'conteúdo', na realidade, luta por uma certa cultura, por uma determinada
concepção do mundo contra outras culturas e concepções do mundo" (1978: 367). Os folhetins,
por esse raciocínio de Gramsci, tanto eram ferramentas dos autores para exporem suas crenças
quanto desejo dos leitores/ouvintes de saírem da passividade e identificarem-se com os heróis
folhetinescos. De acordo com a pesquisa de Gramsci:
23
[...] O romance-folhetim, segundo Moufflet, nasceu da necessidade de ilusão,
que experimentam infinitas existências mesquinhas, e talvez experimentem
ainda, como que para romper a miserável monotonia a que se vêem
condenados. Observação genérica: pode fazer-se para todos os romances e
não só para os romances-folhetins: é preciso analisar que particular ilusão
ao povo o romance-folhetim, e como muda esta ilusão com os períodos
histórico-políticos: existe o snobismo mas é um fundo de aspirações
democráticas que se refletem no romance-folhetim clássico. Romance
'tenebroso' à Radcliffe, romance de intrig a, de aventura, policial, de má vida,
etc. O snob vê-se no romance folhetim, que descreve a vida dos nobres ou das
classes altas em geral, mas isto agrada às mulheres e especialmente às moças,
cada uma das quais, aliás, pensa que a beleza pode fazê-la entrar na classe
superior (1978: 388 – destaque do autor).
A primeira questão importante do apontamento de Gramsci é a ilusão. Esta será tratada,
como imaginário, no Capítulo II. A segunda é o que o autor chama de "snobismo" e poderá ser
comprovado no Capítulo III quando forem elencadas as origens burguesas das personagens e
os métodos de ascensão social e econômica. Há, ainda, o fato de esses romances agradarem
especialmente às mulheres e moças e o fato de projetá-las como possíveis candidatas à classe
superior. Essa questão também será desenvolvida, grosso modo, no Capítulo II. O autor
esclarece:
Existem para Moufflet 'clássicos' do romance-folhetim; mas isto é entendido
num certo sentido; parece que o romance-folhetim clássico seja o
'democrático' com diversos matizes, desde Victor Hugo a Sue e Dumas.
Deve-se ler o artigo de Moufflet, mas é preciso ter presente que ele exa mina o
romance-folhetim como 'gênero literário', pelo estilo, etc., como expressão de
uma 'estética popular' o que é falso. O povo é 'contenutista', mas se o
conteúdo popular é expresso por grandes artistas, estes são preferidos (1978:
388).
Quem são os grandes autores? Se no princípio a literatura feita para a massa tinha
autores como Èugene Sue, Alexandre Dumas, Balzac, José de Alencar, Machado de Assis
(para citar brasileiros que escreviam romances com estrutura do folhetim e para o jornal), nas
últimas décadas, quando se trata dos textos, o que se têm no mercado de livros denominados
folhetinescos não apresenta a mesma qualidade estética. Porém, há no mercado de literatura
brasileira alguns remanescentes do "gênero" e ainda vendem. Mas, quando se trata dos best-
sellers à folhetim o que se tem é o contrário. São repetições extenuantes da fórmula e enredos
que se "atualizam" diante de qualquer contexto histórico. Na opinião de Hauser esse fenôm eno,
tão marcado no dia a dia, de que junto aos leitores cultos e com espírito crítico há um setor de
leitores regulares, interessados na literatura que permite distração fácil e passageira, não existia
24
antes da época vitoriana. Hauser assegura que os leitores, até então, liam assiduamente, porém
esse público com hábitos de ler se restringia à classe culta.
Michel Foucault (1997) permite entender que o público do romance folhetim está
ligado ao mesmo público que freqüentava as praças públicas nas ocasiões do cadafalso. O
autor defende:
De um certo ponto de vista, o folhetim e o canto do morto são a continuação
do processo: ou antes, eles continuam o mecanismo pelo qual o suplício fazia
passar a verdade secreta e escrita do processo para o corpo, para o gesto e as
palavras do criminoso. A justiça precisava desses apócrifos para se
fundamentar na verdade. Suas decisões eram assim cercadas de todas essas
'provas' póstumas. Acontecia também que eram publicadas narrativas de
crimes e de vidas infames, a título de pura propaganda, antes de qualquer
processo e para forçar a mão de uma justiça que se suspei tava de ser
excessivamente tolerante (1997: 59).
Esse público das praças "foge" ao perfil descrito por Hauser, aquele que se restringia à
classe culta. Porém, o antigo público que freqüentava as ocasiões de suplício dos condenados
parece ser o pré-público dos consumidores das narrativas nomeadas romance de mocinho nesse
estudo. Como será descrito no Capítulo III, as coleções de romance de mocinho apresentam
temáticas próximas às cenas de suplício apresentadas no estudo de Foucault e parecem
provocar a sensação de justiça presenciada nos julgamentos em praça pública do passado.
Aliás, não tão passado assim; afinal, em pleno século XXI, a praça pública ganha dimensão
mundial (internete) quando Saddan Hussein é executado tal qual os criminosos de outras
épocas. Diante da multidão que assistiu ao vídeo de execução o público ratifica o mesmo gosto
do passado pelo cadafalso.
Mas, como apresenta Hauser, na época de Dickens, como agora, já existiam dois
circuitos de produção e de interesse pela literatura. A diferença, no caso, consiste no fato de
entre aquela época e a atual, existir, na de hoje, uma indústria de best-sellers para
pouquíssimos exemplares de literaturas artísticas. Ou seja, se para Hauser "a literatura leve,
popular, daquela época abrangia ainda textos de um autor de categoria de Dickens, e havia
ainda muitas pessoas que sabiam apreciar as duas espécies de literatura" (1973: 1010), hoje a
"boa literatura" é impopular e a literatura popular (narrativa de massa) é insuportável para as
pessoas que apreciam a "boa literatura".
25
Walter Benjamin informa que "corria o boato de que Dumas empregava em seus porões
toda uma companhia de literatos pobres" (1989: 26). Opinião que Hauser corrobora quando
informa a existência de uma produção mecânica:
[...] Para ir ao encontro da enorme procura do momento, os autores populares
[Balzac, Eugène Sue, Alexandre Dumas] aliam-se com os escribas literários
que os auxiliam a produzir obras em série. Estabelecem-se fábricas completas
de literatura e produzem-se romances quase mecânicamente, como quaisquer
outros artigos de uso vulgar. Numa questão judicial prova-se que Dumas
publica com o seu nome de autor mais obras do que poderia escrever, mesmo
que escrevesse de dia e de noite sem interrupçã o. D0 TlDromite sea colDrop sua365es [1-7(res"73: 89rti4)m[(nica: )]TJ0 Tc 0 Tr 12 0 85.0.569.24-0.0m25 TD( )Tj0 -1.15 TD(1 Tc -0.0012 T7-0.000155 )Tj0 -18 0Ha Td(opusd[a stos 5(o)9(a prod(25 )Tj0.001 T670.10442.8819.805 0s poront ge lproduç)-430: "corbue Ha)Tj-0.0006 T7-0.105148 618.215 0 era8(as literm)9ausdam)Td(dre )8(o)-7( )]TJ0.0012 T790.1038 7.28.985 -1.725 'ver, rcrdooia'7(m na escdadeieraaica: )]TJ0 T791.1051484418.215 0 cepproduç)o exisr)-3(s; teca com)8( oem)prod989:
26
jornal e sejam impressas em papel jornal, possuem um público específico e não mais são lidos
por "todos".
Hauser (1973) informa que os primeiros jornais a publicar artigos em série foram os La
presse e o Siècle, porém a matriz de publicar um romance em folhetins não lhes pertence. O
autor afirma que "vem já desde Véron, que foi o primeiro a pô-la em prática na sua Revue de
Paris fundada em 1829. [...] Mas o feuilleton propriamente é anterior a estes periódicos, e
encontramo-lo já em 1800" (1973: 894).
De acordo com Benjamin "as alterações trazidas para a imprensa pela Revolução de
Julho se resumem na introdução do folhetim" (1989: 23). No entanto, o autor declara:
A satisfação com o estilo folhetinesco não foi tão rápida nem tão universal.
Em 1860 e em 1868 aparecem em Marselha e em Paris os dois volumes das
Revistas Parisienses, do barão Gaston de la Flotte. Tomaram para si a
incumbência de lutar contra a leviandade das informações históricas,
sobretudo as do folhetim da imprensa parisiense (1989: 24).
Qualquer análise que se proponha histórica dos "romances históricos" da editora Nova
Cultural
5
, por exemplo, concluirá uma ficção historicizada, não uma ficção baseada na história.
Quanto à satisfação pode se dizer que no Brasil alguns textos publicados primeiramente nos
jornais também não agradaram. Memórias póstumas de Brás Cuba é um possível exemplo dos
que não agradaram e A moreninha dos que devem ter agradado ao público brasileiro da época
folhetinesca via jornal.
Bakhtin destaca que o romance-folhetim, derivado do romance de aventuras, constrói-
se, sobretudo, a partir das várias provas por que passam os heróis. O romance folhetim
apreende como artefato literário simples, apresenta uma estrutura discursivo-ideológica que se
repete em qualquer texto denominado folhetim. Os componentes reiterados, majoritariamente,
são: o enredo é movimentado e inflacionado por inúmeras peripécias; as personagens são
elaboradas de modo maniqueísta; a realidade social é simplificada e não é capturada em suas
contradições; a mensagem é patriarcal, atende a um projeto ideológico da classe dominante; a
linguagem é menos sofisticada; a condição cronotópica não provoca modificação de ordem
biológica, social, psicológica nas personagens. Nos romances de aventura, os heróis não se
modificam, embora sofram as provas e a passagem do tempo. A relação com o cronotopo
ainda não está historicizada à medida que os heróis reforçam o mesmo caráter do início ao fim
5
A editora Nova Cultural (1978) originou-se da Abril Cu ltural, empresa fundada por Victor Civita, em 1966.
27
da narrativa. Essa relação cronotópica, porém, tende a se alterar no século XIX, período em
que uma visão historicista da existência emerge.
Com isso, a matriz do folhetim adotada na fabricação dessas coleções (o corte
sistemático que deve criar suspense; diálogos simples que prendem o leitor; simplificação na
caracterização das personagens maniqueístas (mocinho e bandido); o mocinho vingador ou
purificador; a jovem deflorada e, ainda, "pura"), ao apresentarem poucas variáveis, conquistam
um público de grande proporção.
Por ser o romance-folhetim a matriz das matrizes encontradas na comercialização
destas narrativas de massa, recorro a Marlyse Meyer para expor sobre o folhetim. Para Meyer
(1996), o fenômeno folhetim é bastante complexo, não sendo possível defini-lo como algo
homogêneo. O romance-folhetim é "poliédrico", manifestando-se diferenciadamente de acordo
com a época histórica e o contexto político-social em que é produzido ou transplantado.
A estudiosa estabelece uma cronologia, com início no período de 1836 a 1850 em que
Eugenio Sue e Alexandre Dumas definem o gênero; é a época gloriosa do romance-folhetim
romântico democrático, com o herói justiceiro dos humildes. A segunda fase situa-se entre
1851-1871, quando desponta e brilha o escritor Ponson du Terrail com seu anti-herói de
inúmeras faces, Rocambole. Nesse período, a autora estabelece uma analogia entre o texto de
Ponson e a realidade francesa imperial. Enfatiza a possibilidade de um paralelo entre Napoleão
III e Rocambole, formalizado por intermédio de uma perspectiva paródica e farsist a. No
entanto, o romance-folhetim não é uma forma a-histórica, desvinculada do contexto, mas sofre
filtragens nas mãos do escritor, obedece determinados propósitos literários e não-literários.
Para Meyer:
A fórmula tem outra conseqüência: uma nova conceituação do termo
folhetim, que passa então a designar também o que se torna o novo modo de
publicação de romance. Praticamente toda a ficção em prosa da época passa a
ser publicada em folhetim, para então, depois, conforme o sucesso obtido, sair
em volume. É um modo de publicação que será também o de Alencar,
Macedo, Machado, sem que, no entanto, tais romances sejam forçosamente
romances-folhetins. Confusão muitas vezes praticada. É evidente que tal
modo de publicação, com suas exigências próprias de cortes de capítulo, de
fragmentos que todavia não destruam a impressão de continuidade e
totalidade, haveria que influenciar a estrutura de todo romance a partir de
então (1996: 63).
Dado o exposto, entendo, por Folhetim, muito mais que uma fórmula de exposição
narrativa e comercialização de texto. Folhetim pode ser relacionado a condição mais acessível
de publicação daquele momento e, assim, penso que os formatos diferentes e a própria
28
definição de uma "fórmula" devem ser lidos como requisitos direcionados aos consumidores
do gênero da época vigente. É o retorno, a aceitação do conteúdo divulgado, muito mais que o
meio que o divulgava, que interessa, para as comparações previstas nessa dissertação, à leitura
da palavra Folhetim. Para a estudiosa:
De início, ou seja, começo do século XIX, le feuilleton designava um lugar
preciso do jornal: o rez-de-chaussée – rés-do-chão, rodapé –, geralmente o da
primeira página. Tinha uma finalidade precisa: era um espaço vazio destinado
ao entretenimento. E pode-se já antecipar, dizendo que tudo o que haverá de
constituir a matéria e o modo da crônica à brasileira já é, desde a origem, a
vocação primeira desse espaço geográfico do jornal, deliberadamente frívolo,
oferecido como chamariz aos leitores afugentados pela modorra cinza a que
obrigava a forte censura napoleônica (1996: 57).
Na opinião da autora, o folhetim foi amado por dar voz aos sentimentos fundamentais,
principalmente à emoção, presentes em "regiões muito escuras" do ser humano. Na tentativa de
vincular romance-folhetim, romance grego e o corpus dessa pesquisa, realço que Meyer utiliza
a definição usada por Bakhtin para explicar o enredo do romance-folhetim. Para Meyer as
bases do que seria o arquétipo da Cinderela têm suas origens no velho padrão do romance
grego.
De fato, o romance grego embasa a leitura dos enredos dos contos de fadas, e estes
embasam a leitura dos enredos dos romances de mocinha. As conexões são visíveis quando
tem-se em mente a construção fabular apresentada por Bakhtin, os contos de fadas mais
conhecidos (A Bela e a Fera, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela) e as
coleções de romances de mocinha. É claramente possível o elo entre romance grego, romance-
folhetim, contos de fadas (que não recebem tratamento específico neste trabalho) e as coleções
estudadas.
Para finalizar o Capítulo I posso afirmar todas as personagens dos exemplares
estudados serem épicas, isso porque elas não apresentam complexidade existencial e estão em
sintonia com o ambiente em que vivem. Elas têm alguns percalços mas esses não chegam a ser
conflitos, são resolvidos de maneira descomplicada no dois tipos de romances. As
personagens, ainda quando protagonistas, não vivenciam nenhum dilema que as leve a
questionamentos ou estados de fuga, elas são, como nos contos de fadas, ostentadoras de um
final feliz. Afirmo, ainda, que a adoção de textos canônicos e não-canônicos para o estudo do
29
texto não-canônico ocorre para reconhecer a possibilidade de utilizar o texto não-canônico
como instrumento para maximizar o interesse em dialogar outros textos com os textos
marginalizados. Esta fundamentação empírica de abstrações dos dois textos de literatura pode
ser expressa pela escolha do objeto de estudo e suas interconexões com textos teóricos e
literários. Quanto à questão mercadológica não se trata de uma problemática nova; nesse,
verificar o passado é uma lição para comparar e refletir, não apenas para mostrar que se repete.
Mas, vejamos como acontece nos dias atuais no próximo capítulo.
Deliberação: Dos circuitos de produção e consumo
31
2.1 Indústria cultural e literatura narrativa de massa
Hoje é preciso produzir os consumidores, é preciso
produzir a própria demanda, e essa produção é
infinitamente mais custosa do que a de mercadorias
(Jean Baudrillard).
A expressão "indústria cultural" foi cunhada pelos teóricos da escola de Frankfurt,
Theodor Adorno e Max Horkheimer. Trata-se de uma expressão genérica dada ao conjunto de
empresas e instituições cuja principal atividade econômica é a produção de cultura, com fins
mercantis. Interessa, nesse caso, a produção cultural que visa ao entretenimento, ou seja, as
coleções de que se ocupa a pesquisa e que são elaboradas de maneira a aumentar o consumo,
modificar ou criar hábitos, educar, seduzir. Para os autores, "[o] mundo inteiro é forçado a
passar pelo filtro da indústria cultural" (1985: 118). Destaco outro ponto levantado por Adorno
e Horkheimer:
O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito tempo
antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelado à altura dos tempos atuais. A
indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter
erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a
esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades
inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. Quanto mais total
ela se tornou, quanto mais impiedosamente forçou os outsiders seja a declarar
falência seja a entrar para o sindicato, mais fina e mais elevada ela se tornou,
para enfim desembocar na síntese de Beethoven e do Casino de Paris. [...] A
arte séria recusou-se àqueles para quem as nece ssidades e a pressão da vida
fizeram da seriedade um escárnio e que têm todos os motivos para ficarem
contentes quando podem usar como simples passatempo o tempo que não
passam junto às máquinas. A arte leve acompanhou a arte autônoma como
uma sombra. Ela é a má consciência social da arte séria. [...] (1985: 126-127).
Entretenimento é a palavra chave. O já existir antes, é fato. O que os autores afirmam
"ingenuidade" hoje pode ser lido como falta de informação; ser ingênuo no contexto histórico
presente é ser desinformado, ser acrítico. A literatura do passado, tanto quanto a de hoje,
permite diversos olhares. Pode-se ler Dafnis e Clóe ingenuamente, pode-se ler, mas, não se
pode afirmar que foi escrito para assim ser lido. Se, para Adorno, "[a] pior maneira de
reconciliar essa antítese é absorver a arte leve na arte séria ou vice-versa" (1985: 127), então, o
maior problema é, de fato, cultural e não industrial. O problema dos consumidores é cultural, o
não saber diferenciar arte séria de não-arte é de formação. O indivíduo é naturalmente capaz de
adquirir cultura se estiver exposto a ela.
32
Mas, se para os marxistas, "[...] a indústria cultural permanece a indústria da diversão"
(1985: 128), para Nestor García Canclini (1997a) o consumidor dos produtos de
entretenimento pode se defender do "despejo" de mercadorias da indústria cultural
conseguindo aproveitar o que é de interesse sem compactuar com o que não é. Na contramão
de Adorno, García Canclini questiona:
[...] Qual é a função das indústrias culturais que se ocupam não apenas de
homogeneizar mas também de trabalhar simplificadamente com as diferenças,
enquanto as comunicações eletrônicas, as migrações e a globalização dos
mercados complicam mais do que em qualquer outro tempo a coexistência
entre os povos? São suficientes estas perguntas para perceber que as
conexões múltiplas entre consumo e cidadania não são nada mecânicas
nem facilmente redutíveis à coerência dos paradigmas econômicos ou da
sociologia política (1997b: 41 – destaque acrescentado).
A definição de consumo de Garcia Canclini vem a contento: "o consumo é o conjunto
de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos" (1997b:
53); consumir é questão econômica, é produção e reprodução social, não apenas industrial.
Para Garcia Canclini o consumo:
[...] é o lugar em que se completa o processo iniciado com a geração de
produtos, onde se realiza a expansão do capital e se reproduz a força de
trabalho. Sob esse enfoque, não são as necessidades ou os gostos individuais
que determinam o que, como e quem consome. O modo como se planifica a
distribuição dos bens depende das grandes estruturas de administração do
capital. Ao se organizar para prover alimento, habitação, transporte e diversão
aos membros de uma sociedade, o sistema econômico 'pensa' como reproduzir
a força de trabalho e aumentar a lucratividade dos produtos (1997b: 53).
Quando se pensa no consumo de literatura, especificamente, a situação toma
proporções elitistas. Qual a necessidade de existirem duas ou mais literaturas? Qual a
necessidade de uma literatura "marginal" e uma literatura "central"? A literatura não ostenta a
bandeira de "universal"? Uma resposta prática tem que abarcar o gosto? O gosto é natural ou
cultural? E por aí afora. Responder? Eis a questão! As pessoas são diferentes tanto quanto os
produtos que elas optam por consumir. O problema não reside no que consomem, mas sim
quando, culturalmente, elas não possuem condições de escolher o que consumir. Outro
problema é o poder econômico do consumidor? O gosto é vigiado muito de perto pelo bolso?
Ressalto que em muitos lugares do Brasil é possível ter acesso a biblioteca vasta e ler sem
gastar nenhum centavo.
33
Quando considerar uma leitura de massa se o Brasil é um país de poucos leitores? De
qual massa se fala se o produto possui uma pirâmide invertida de construção e consumo? Se
poucos produzem para muitos, ainda que esse "muitos" sejam poucos, aparentemente está
descaracterizada a literatura narrativa de massa. E também a literatura para a massa. Agora, o
que não se descaracteriza é o fato de os conteúdos veiculados nos textos denominados
"literatura narrativas de massa" tratarem de minorias, e não maiorias, o que comumente se
entende por massa. Mas a massa dicionarizada que mais convém é a que afirma ser "massa"
um número considerável de pessoas que mantêm entre si uma certa coesão que abarca o perfil
social, cultural, econômico e etc.
Na concepção de Alfredo Bosi, há duas culturas:
A tradição da nossa Antropologia Cultural já fazia uma reparti ção do Brasil
em culturas aplicando-lhes um critério racial: cultura indígena, cultura negra,
cultura branca, culturas mestiças. Uma obra excelente, e ainda hoje útil como
informação e método, a Introdução à antropologia brasileira, de Arthur
Ramos, terminada em 1943, divide-se em capítulos sistemáticos sobre as
culturas não européias (culturas indígenas, culturas negras, tudo no plural) e
culturas européias (culturas portuguesa, italiana, alemã...), fechando-se pelo
exame dos contatos raciais e culturais. [... ]
Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos
compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar
em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema edu cacional (e
principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente
iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico,
sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo
assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna (on-line, 1992: 6-8
– destaque acrescentado).
No Brasil, não se trata apenas das culturas raciais; a desigualdade na divisão de renda
impossibilita a existência de uma sociedade de consumo consistente, mas permite que coleções
de narrativa de massa produzidas (ou sugeridas como produzidas fora do Brasil) em outros
países possam compor junto ao mercado de livros brasileiros um trânsito denso. Esse ponto, no
entanto, é discutível. Isso porque a desigualdade na divisão de renda (distribuição) incrementa
a sociedade de consumo ou torna consistente a sociedade de consumo, perversamente
consistente. Isso só não tem lógica em sociedade estáveis e mais desenvolvidas, mas, no Brasil,
a falta de lógica domina. Assim, com nomes de autores sugerindo uma produção internacional,
encontra-se em bancas de revistas uma diversidade de coleções escritas para propiciar ao
consumidor um pouco de sonho e fantasia. E, no caso dessas revistas, há uma grande
aceitabilidade, pois não mostram situações do dia-a-dia da população brasileira, por
34
conseguinte, têm ligação com a realidade da cultura comportamental, social, cultural e
econômica de outros países.
Ao inserir seus produtos no mercado, a indústria cultural pratica o reforço das normas
sociais, repetindo-as até a exaustão e sem nenhuma preocupação com possíveis discussões,
sejam elas, social, política ou econômica. Não que o produto resultante dessa indústria devesse
explorar os problemas do homem, mas, se o fizesse, ainda que em pequenas doses, a indústria
cultural de entretenimento deixaria de ser vista, basicamente, como promotora de conformismo
funcional. Claro está que a indústria fabrica seus produtos com a finalidade de trocá-los por
moeda, mas esse fato em si não é relevante porque toda a produção, industrial e artesanal, visa
a troca por moedas. A industrialização, no momento que simplifica ao máximo seus produtos
na ponta de uso, torna os produtos cada vez mais complexos na estrutura e simples na
aparência da manipulação e atraente no aspecto.
Tendo em vista o comportamento econômico é previsível, financeiramente, pressupor
um tipo de consumidor das coleções? Até que ponto pode-se afirmar que esses consumidores
são marginalizados também pelo custo das narrativas que compõem o corpus? Até que ponto
os consumidores de condições econômicas menos privilegiadas lêem por empréstimo e os mais
privilegiados lêem por compra no lançamento? Se existem dois tipos de consumidores, e há,
como entender o perfil desses consumidores? De fato não é possível afirmar um consumidor
pelo custo desse produto, por, pelo menos, duas razões: 1) devido à grande tiragem
6
mensal
das editoras; 2) devido à grande disponibilidade e rotatividade de produtos nos sebos e bancas
de jornal.
O primeiro tipo de consumidor compra o produto pelo preço da capa e tem duas
possibilidades: ou coleciona, ou revende para os sebos após ter sido o "primeiro leitor". O
segundo, compra nos sebos ou nas bancas o produto fora da embalagem da editora, ou seja, é o
segundo leitor. Esse leitor também pode colecionar ou revender o produto lido. Nas bancas é
comum a comercialização por troca. Ou seja, o consumidor apresenta dois exemplares
"usados" e adquire um outro exemplar "usado". É claramente detectável pelo número de
exemplares que constam na amostragem dos dois tipos de romances que são lidos e relidos.
Alguns exemplares apresentam até nomes de ex-donos, alguns chegam a ter três, quatro nomes
assinados.
6
Meirelles (2002) entrevistou Janice Flor ido, editora da Nova Cultural, e questionou: "Qual a tiragem atual dos
romances?". Janice Florido respondeu: "Tiragem média de 18 mil exemplares por edição, sendo que temos 13
edições por mês" (MEIRELLES, 2002: 51).
35
Umberto Eco (1993) apresenta visão menos negativa em relação à cultura de massa e
destaca a necessidade de uma política cultural em que os produtores de cultura saibam, sem
paternalismo e unidimensionalidade com vistas tão somente ao mercado e ao lucro, atender as
demandas de um público vasto e heterogêneo. Prega um ecletismo consciente em que vários
gêneros (o erudito, o popular, a cultura das classes médias etc) possam ser fruídos sem sujeição
a uma estandardização da cultura.
Para os fins desejados, conceitua-se como cultura de massa aquilo que afirma Eco:
[...] Embora o termo 'cultura de massa' represente um híbrido impreciso em
que não se sabe o que significa cultura e o que significa massa é claro, todavia
que nesse ponto já não se pode mais pensar em cultura como algo que se
articule segundo as imprescindíveis e incorruptas necessidades de um Espírito
que não esteja historicamente condicionado pela existência da cultura de
massa. [...]
'Cultura de massa' torna-se, então, uma definição de ordem
antropológica (do mesmo tipo de definições como 'cultura alorense' e 'cultura
banto'), válida para indicar um preciso contexto histórico (aquele em que
vivemos), onde todos os fenômenos comunicacionais desde as propostas
para o divertimento evasivo até os apelos à interiorização surgem
dialeticamente conexos, cada um deles recebendo do contexto uma
qualificação que não mais permite reduzi-los a fenômenos análogos
surgidos em outros períodos históricos (1993: 15-16 – destaque
acrescentado).
É possível que, no caso do corpus, o problema maior de "consumo" se dê pelo fato de
as coleções serem apelativamente vendidas como produtos importados. Preocupação que se
estende em outros âmbitos de exposição aos produtos simbólicos. De acordo com Boaventura
de Sousa Santos, com base em Portugal,
[...] os artefactos da cultura pós-moderna entram diariamente em nossas casas
por múltiplos canais de informação e até se dirá que a nossa capacidade para
gerir ou para atenuar a sua penetração é menor que a dos habitantes das
sociedades centrais por não termos as resistências mod ernas tão
desenvolvidas quanto eles. [...] condenado a imitar a discussão ou a importar
os produtos materiais e simbólicos que vão surgindo do seu desenrolar e fazê-
lo sem autenticidade, pois se pode importar os produtos não pode
importar o contexto social da sua produção? (1996: 85 – destaque
acrescentado).
Ainda que o Brasil seja exportador de telenovelas e literatura de Paulo Coelho, para
exemplificar com o senso comum, o Brasil tem recebido muito mais literatura narrativa de
massa do que exportado. Qualquer produção estadunidense de literatura que alcançou grande
36
número de venda é rapidamente encontrada nas prateleiras de livrarias brasileiras. O Brasil não
fica de fora quando o assunto é consumo de produção estrangeira. Se no começo do século XX
o Brasil era receptivo às folhetinescas literaturas francesas, no final do mesmo século é comum
encontrar best-sellers americanos nas bibliotecas públicas
7
e eles são retirados com grande
freqüência, chegam a ter lista de espera. Mas, usando dados de Renato Ortiz, vejamos o que
diz Garcia Canclini (on-line):
No Brasil, o avanço da massificação e industrialização da cultura não
implicou contrariamente ao que se costumava dizer, uma maior dependência
da produção estrangeira. As estatísticas revelam que nos últimos anos cresceu
sua cinematografia e a proporção de filmes nacionais nas telas: de 13,9% em
1971 a 35% em 1982. Os livros de autores brasileiros, que ocupavam 54% da
produção editorial em 1973, subiram para 70% em 1981. Também se escutam
mais discos e fitas nacionais, enquanto decaem os importados. Em 1972, 60%
da programação de televisão era estrangeira; em 1983, baixou para 30%. Ao
mesmo tempo que ocorre essa tendência à nacionalização e autonomia da
produção cultural, o Brasil se transforma em um agente muito ativo do
mercado latino-americano de bens simbólicos exportando telenovelas (1997:
66-67).
Considerado o período da pesquisa de Garcia Canclini e a situação atual de consumo e
produção cinematográfica, pode-se dizer que o crescimento ainda é real, mas, se comparada a
quantidade de livros que entram no Brasil e a quantidade que sai, fica claro que o Brasil é sim
dependente da produção estrangeira. São as produções estrangeiras que lotam as salas de
cinema (penso nos filmes existentes a partir de roteiros da literatura narrativa de massa), são os
livros de Dan Brown e similares que figuram nas listas dos mais vendidos. No entanto, a
indústria cultural no Brasil não possui homogeneidade, pois existe uma grande diferença entre
as classes sociais. Ainda que não se possa falar em homogeneidade de classes, pode se falar em
homogeneidade de consumo se observados os horários de transmissão de telenovelas. Ou seja,
o bem simbólico ofertado pelas telenovelas e narrativas de massa expressa um público fiel.
A existência de meios de comunicação capazes de repetirem uma mensagem ao alcance
de grande número de pessoas não é suficiente para caracterizar a existência de uma indústria
cultural e de uma cultura de massa. O próprio conceito de "massa" é discutível. Falar sobre
uma indústria cultural brasileira é um tanto precipitado. Ainda assim, o enfoque do trabalho
requer um posicionamento sobre indústria cultural e cultura de massa.
7
Com base no acesso as fichas de leituras (da biblioteca central de Maringá) dos produtos elencados como
"outras literaturas narrativas de massa" que constam no anexo dessa dissertação.
37
Ao pensar em uma "comunicação de/para massa" é necessário verificar algumas
definições. Primeiro, a que comporta qualquer emissão, recepção ou afluência de conteúdo
informativo, síncrona ou assíncrona, feita de um ou vários meios para diversos (mais de um)
receptores, de forma tal que torna inviável a avaliação pormenorizada do fenômeno, a não ser
com meios de ordem quantitativa (pesquisas) ou qualitativa (pesquisas de feedback). Segundo,
há várias interpretações e significados ao se referir às mensagens transmitidas para a massa
pelos meios midiáticos de informação e, ainda, por meio dos indivíduos que englobam essa
comunicação e a transformam em convivência social.
Assim, não se pode esquecer que há uma balança em García Canclini (1997b). É
possível ao consumidor de narrativa de massa ter uma postura crítica a respeito da
"massificação" da cultura ao fazer a leitura ressignificar; no entanto, é necessário verificar
como a autoria, a tradução e os circuitos de produção dialogam.
Com base em Garcia Canclini (1997a), apesar do seu exemplo não tratar,
especificamente, do leitor de literatura mas sim do leitor do mundo, afirmo que os
consumidores de romance de mocinha e romance de mocinho podem ser capazes de dialogar
com as informações e adaptá-las ao seu contexto social. Porém, é necessário verificar quais são
as condições que a indústria cultural voltada para o entretenimento possibilita ao leitor para
que ele tenha condições de refletir quanto ao que lê, não apenas consumir a infinidade de
repetições ofertadas por essa indústria. García Canclini deixa o significado por conta do
consumidor:
Como se estabeleceu há tempos nos estudos sobre efeitos da televisão, esses
novos recursos tecnológicos não são neutros, nem tampouco onipotentes. Sua
simples inovação formal implica mudanças culturais, mas o significado final
depende dos usos que lhes atribuem diversos agentes (on-line, 1997: 56).
O autor acredita na capacidade de o público se defender do "bombardeamento" de
informações da indústria cultural, aproveitando o que for do interesse e descartando o que não
for. Ciente de a indústria cultural ser fonte, também, de objetos não-estéticos, que atendem aos
requisitos exigidos pelo mercado de produção e consumo e formadora de um público
mantenedor, o objetivo aqui não é apresentar uma visão dogmatizada em que o consumidor da
indústria cultural não tem poder, resistência, e é facilmente manipulado. Entendo que, se esse
consumidor pode ser manipulado pela indústria (e em alguns casos essa manipulação pode ser
detectada na exposição dos próprios leitores de narrativas de massa) ele também pode ser
educado criticamente para ler o mesmo produto fora da destinação fechada que a literatura
38
narrativa de massa pressupõe. Basta tirá-la do contexto e expô-la em toda a sua estrutura
estereotipada para que o consumidor possa entender o aspecto textual e, a partir dele, abrir a
destinação fechada que a literatura narrativa de massa com porta.
No caso das narrativas que compõem o estudo, é preciso salientar o fato de as coleções
apresentarem atualizações que visam ao leitor do mercado vigente. Esse mercado de livros, ao
injetar tantos produtos nos consumidores, alcança, na opinião de Günter Kunert (1970), o
esgotamento da curiosidade. Necessário, ainda, dizer que o próprio processo de publicação
data a leitura. O papel jornal usado para impressão dessas coleções possibilita entender a
efemeridade do produto, porém é preciso ressaltar que a maior utilidade do papel jornal, no
caso dessas produções, é baratear custos. De qualquer forma, ao serem impressos em papel
jornal, muitas coleções se aproximam do jornal como informação; ou seja, dependendo do
período que o romance de mocinha ou romance de mocinho foi escrito, é necessário buscá-los
nos sebos, ou nas bancas de jornal, quase nunca na editora. Porém, também é preciso ficar
atento porque uma produção pode voltar como atual já que esses romances não costumam
apresentar o número de reedição. Assim eles não são, necessariamente, datados. Voltam como
"atuais". Essa questão será vista ao longo deste Capítulo.
E, a editora, ao "desovar" tantos exemplares por semana nas bancas de jornal — só a
Nova Cultural insere, por mês, 234.000 exemplares —, ou mesmo enviá-las aos leitores pelo
processo de assinatura mensal, mercantiliza uma multiplicação de cópias que transformam a
temática dessas coleções em simples repetições de enredos. Essa assertiva pode ser feita em
razão do estudo de uma quantidade razoável de coleções e nas quais se observam estruturas
lineares e facilitadas por estereótipos na construção fabular e na caracterização das
personagens. As técnicas de reprodução dessas coleções, no entanto, não são um fenômeno
novo. No processo diacrônico de análise estrutural desenvolvido no Capítulo III evidencia-se o
uso de uma fórmula na construção de todos os enredos. Sendo que esta não consiste apenas na
simplificação do processo fabular, mas também na repetição de situações maniqueístas. Porém,
se o leitor resolver que é preciso ler "tudo" que a indústria do entretenimento oferta,
dificilmente ele terá tempo (relógio) de focalizar um outro objeto de leitura e então esse leitor
não terá se defendido do "despejo".
Assim, é possível se defender do despejo, porém só é possível ao leitor que leia além da
indústria de entretenimento. Quando se diz além, não se diz apenas outras leituras, clássicas,
por exemplo, mas ler além do objeto lido. Se o leitor de literatura de entretenimento possuir
bom senso e entender os significados ficcionais e ressignificá-los, ele não será, efetivamente,
um leitor de "massa", ainda que só leia "massa". Resta saber se o texto narrativa de massa
39
permite ao leitor desenvolver o senso crítico. E se, ainda que o texto permita, o leitor busca no
texto narrativo condição para criticar ou se busca só a evasão.
Em uma perspectiva similar, Leyla Perrone-Moisés mostra-se pessimista com relação à
situação da literatura. Segundo ela, a cultura de massa tornou-se industrial em escala
planetária, havendo, com isso, a proliferação de produtos padronizados de acordo com uma
demanda de baixa qualidade estética que essa indústria cria e satisfaz. Perrone-Moisés, tendo
em mente o Ocidente europeu e americanos, assevera que
[...] os valores estético-literários são diária e progressivamente vencidos por
uma cultura de massa embrutecedora, ou transformados em mercadoria de
grife na indústria cultural. A alta cultura, a criação desinteressada, ou
interessada em ampliar o conhecimento e a experiência humanos, em aguçar
os meios de expressão, em despertar o senso crítico, em imaginar outra
realidade, tudo isso está ameaçado de extinção (1998: 206).
Tendo em vista tais aspectos, é necessário manifestar uma preocupação com a
"classificação" de literatura para o indivíduo e para a sociedade num momento que a indústria
cultural, com recursos visuais apelativos, parece criar alternativas para a necessidade humana
de fantasia e de conhecimento simbólico. Sempre tendo em mente que o leitor que "se diverte
pode também assimilar hábitos: diga-se mais: é claro que ele não pode efetuar determinadas
atribuições, num estado de distração, a não ser que elas se lhe tenham tornado habituais"
(BENJAMIN, 1978: 26-27).
Há, também na concepção de Benjamin, prelúdio da identidade por meio da repetição
de consumo. Entendo da posição defendida pelo autor a possibilidade de novas formas de
expressão e captação da arte. Mas, é importante realçar a opinião de Hauser quando o autor
defende:
Saber, porém, se a industrialização da literatura é uma conseqüência do
jornalismo, se a novela ligeira deve inteiramente o seu caráter estereotipado,
rígido, ao folhetim de jornal, continuará uma questão aberta; porque, como o
Império e a Restauração ainda provam, a convencionalização desta forma
literária já vinha a desenvolver-se desde há muito (1973: 893).
Também relevante é a opinião de Perrone-Moisés: "ler é dar sentido, sincronizar,
vivificar, escolher e apontar valores. A leitura ativa é construtiva porque ela pretende orientar
os rumos do futuro; e é destrutiva, porque ultrapassa e invalida as regras de medida vigentes"
(1998: 60). Porém, neste momento, ao pensar no universo das produções de massa, a perda da
40
aura da obra de arte é compensada, por reversão irônica, pela encenação da variável individual
da autoria, que postula como marca de distinção entre originalidade e estereotipia. Institui-se,
assim, uma certa lógica de exacerbação da uniformidade inerente aos produtos feitos em série.
Benjamin, ao tratar dos efeitos da mercadoria, afirma que "a massificação dos fregueses
que, com efeito, forma o mercado que transforma a mercadoria em mercadoria aumenta o
encanto desta para o comprador mediano" (1989: 53). No caso das coleções, pode-se entender
da seguinte maneira: o leitor, ao adquirir um exemplar de quaisquer uma das coleções
estudadas, encontrará, ao término da leitura, algo que remeta à próxima publicação que estará
na semana seguinte, ou na quinzena seguinte, nas bancas de jornal. Dificilmente o leitor desse
produto percebe que a própria mercadoria adquirida já instaura nele a necessidade de adquirir o
exemplar seguinte. Ele que ainda tem em seu poder a narrativa A, ainda que leia o resumo da
narrativa B (a ser lançada), não percebe que os produtos são exatamente iguais. Ou, se percebe,
fica ainda mais interessado em adquiri-lo devido ao fato de saber que havera comunhão entre o
escrito e o lido. Com isso a idéia de transitoriedade, a modernidade, apoiada no paradigma do
progresso, na exaltação do desenvolvimento técnico, promove o ocultamento da mercadoria e
ela é apresentada como novidade e os leitores a aceitam dessa maneira.
Ainda com base em Benjamin (1989), não se pode esquecer que a mercadoria é o
símbolo da modernidade capitalista. A mercadoria é, em essência, repetição; a repetição em
seu aspecto prostituído, sem alma e sem aura. A mercadoria em que o "igual" aparece como
novidade. E é dessa maneira "igual", mas com cara de novo, que as coleções são apresentadas
aos leitores. A repetição da mercadoria, porém, também é a repetição do consumo de
mercadoria. Ainda, é a repetição orientada pela psicanálise de Freud, como a "repetição
compulsiva do sofrimento". Essa repetição será tratada ao longo do capítulo, principalmente no
que tange à leitura dos romance de mocinha e romance de mocinho aproximarem-se dos
processos feitos por crianças de pouca idade diante dos pedidos incansáveis de uma mesma
história.
Benjamin, no ensaio "A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução",
apresenta teoria materialista da arte. O ponto central desse estudo encontra-se na análise das
causas e conseqüências da destruição da "aura" que envolve as obras de arte enquanto objetos
individualizados e únicos. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema,
a aura, dissolvendo-se nas várias reproduções do original, destituiria a obra de arte de seu
status de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluída da
atmosfera aristocrática e religiosa, que fazem dela uma obra para poucos e um objeto de culto,
a dissolução da aura atinge dimensões sociais. Essas dimensões seriam resultantes da estreita
41
relação existente entre as transformações técnicas da sociedade e as modificações da percepção
estética.
A perda da aura e as conseqüências sociais resultantes desse fato são particularmente
sensíveis na literatura narrativa de massa; a reprodução repetitiva da estrutura carrega consigo
a possibilidade de mudança qualitativa na relação das massas com a arte no momento em que a
massa adquire um produto paliativo e o trata como um substituto da obra de arte.
A perda da "aura" é um empobrecimento do "maravilhoso" e do distante que envolvia a
narração tradicional. Em suma, a análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução
das obras de arte, provocando a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional
da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo, na medida
em que possibilita um outro relacionamento das massas com a leitura, dotando-as de um
instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais. Trata-se de uma postura otimista, que
foi objeto de reflexão crítica por parte de Theodor Adorno, mas não será focado nesta
dissertação devido ao fato de a preocupação se dar muito mais quanto à reprodução exacerbada
de uma mesma fórmula que faz com que o seu leitor, ao ter sempre os mesmos modelos
narrativos, tenha uma perda da memória involuntária, já que a literatura narrativa de massa,
com sua repetição exaustiva, quebra o poder de criação da memória involuntária. O leitor
aciona o mesmo repertório devido às quantidades de leituras que este costuma fazer; foi criado
nele um desejo constante de ler sempre um "novo" produto; assim se sentirá mais satisfeito
com o produto e esse cada vez mais se faz adequado ao seu prazer.
Na concepção de Benjamin, "aura" é "a única aparição de uma realidade longínqua, por
mais que esteja" (1978: 9). Se o conceito de Benjamin serve adequadamente a uma imagem
nunca contemplada é a inserção do olhar o motivo corruptor da aura. "Despojar o objeto de seu
véu, destruir a sua aura, eis o que assinala de imediato a presença de uma percepção, tão atenta
àquilo que 'se repete identicamente pelo mundo', que graças à reprodução, consegue até
estandardizar aquilo que existe uma só vez" (1978: 9).
Num outro sentido, mas que se aplica a esse caso de leituras desenfreadas de literaturas
narrativas de massa, é possível fazer uso do que Benjamin afirma sobre a questão da imagem
8
e da fotografia. O autor afirma que "a constante disponibilidade da lembrança voluntária,
discursiva, favorecida pelas técnicas de reprodução, reduz o âmbito da imaginação" (1989:
138). Ao afirmar a redução da imaginação diante da imagem pronta, também pode se afirmar
8
Estudos matemáticos têm dado conta de eliminar os ruídos presentes nas imagens. É o que atestam as
dissertações dos matemáticos: Cassius Gomes de Oliveira, com o estudo: Um modelo de difusão de quarta ordem
para a eliminação de ruídos e segmentação de imagens e Karina Miranda D'ippólito, com a pesquisa: Estudo de
métodos numéricos para eliminação de ruídos em imagens digitais.
42
que as coleções estudadas para esse trabalho produzem o mesmo efeito observado por
Benjamin, isso porque esse é "o preço que é preciso pagar para adquirir a sensação do
moderno: a desintegração da aura na vivência do choque" (1989: 145).
Com essa reprodutibilidade industrializada, a literatura narrativa de massa, ao ser e não
somente possuir autores com processos de produções mecânicos, perde sua "aura", o valor de
uma presença única que a remete a uma autenticidade e passa a ser fonte de pastiche e resulta,
muitas vezes, em fragmentos ampliados e enredos relativizados e diluídos para que se torne
afável ao leitor. Nesse sentido, a literatura narrativa de massa possibilita uma comunhão com
o leitor, devido ao fato de, quanto mais os textos que compõem o estudo se fazem adequados à
respiração do leitor, mais o prazer é possível. Isto é, conforme Hebert Marcuse afirma, "a
produção e a distribuição em massa reivindicam o indivíduo inteiro e a psicologia industrial
deixou de há muito de limitar-se à fábrica" (1967: 31).
Vejamos: a empreitada difícil, senão impossível, demarca os contornos polêmicos que
separam algumas modalidades de literatura e não é intenção adentrar a esse território minado;
porém, não se diz com isso, que o fato de os autores das coleções estudadas lerem os clássicos
e beberem neles que suas narrativas possam permitir uma busca ou o entendimento do
"original". Isto porque toda e qualquer complexidade, angústia ou questionamento presentes
em um texto, como diz Roland Barthes, de "fruição", não atinge na literatura narrativa de
massa qualquer possibilidade de identificação com a fonte, a não ser que essa identificação se
dê por projeção ou introjeção. Assim, qualquer complexidade será diluída ao máximo e
apresentada, textualmente, ao consumidor, de forma assimilável e num contexto compreensível
à maioria.
Mas, as literaturas narrativas de massa, em algum momento, tentam trazer explicações
para justificarem as atitudes das personagens citando uma personagem que afirme conhecer
Shakespeare:
Milton Knight contemplou-o demoradamente antes de dizer:
— Um grande escritor inglês, certa vez, explicou que no mundo
acontecem certas coisas que a nossa filosofia não consegue explicar ou
entender.
Ele foi Willian Shakespeare. Este pensamento está em Hamlet e
foi dito por Horace, o melhor amigo do Príncipe da Dinamarca.
— Como é possível, um cavaleiro que aparece de repente, em uma
noite tumultuada... com aspecto de vaqueiro ou talvez até de...
— Por que não terminou o que pensava, senhor knight? Por que não
falou que minha aparência é de um verdadeiro pistoleiro?
— Não quis ofendê-lo, mas nunca poderia pensar que conhecesse
Shakespeare e muito menos o Horace de Hamlet.
43
— Não tenho grandes estudos, mas quando mais jovem fiz teatro e
interpretei o papel de Horace. Só por isso sei suas falas de cor.
— Então o senhor sabe o que eu quis dizer quando falei que nem tudo
que acontece na vida tem uma explicação lógica.
— Concordo mais [sic] não posso aceitar um monstro que sangra,
como um enviado do Além. Para mim, ele não é um fantasma e tampouco um
demônio (Covil do chacal, 1997: 63-64).
A conversa entre as duas personagens transformam em senso comum a complexidade
da assertiva "[h]á mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia",
afinal, nem é descrita como fantasmagórica a presença do "ser estranho". Não há nenhum
problema em partir do senso comum desde que seja para extrapolá-lo, não é isso que a
narrativa faz. Ela consegue dar o senso comum por "verdade".
As personagens questionam o feito de um ser estranho rondar a região onde moram,
conhecida como Quebrada do Chacal, e dizimar pessoas de comportamento não apreciável pela
igreja. O mistério consiste no fato de o pastor da igreja servir-se de uma roupa peluda e com
garras, para matar pessoas (pistoleiro/prostituta) com o intuito de conseguir amedrontar os fiéis
e ao mesmo tempo aumentar as doações para a igreja.
Se as personagens Jim Wade e Milton Knight conhecessem um pouco mais de literatura
universal eles teriam descoberto o que mais assombrava a Quebrada do Chacal. No entanto,
apesar de nessa narrativa não existir nenhuma menção ao romance de Longo, o recurso da pele
de lobo
9
é usado com alguma freqüência nas narrativas de massa. Principalmente por Donald
Curtis, autor do título Covil do Chacal. Donald Curtis já publicara pela coleção Oeste Beijo e
Bala o título Quebrada do Terror, isso em 1992, cinco anos antes de Covil do Chacal, da
coleção Lei do Revólver. Nos dois romances de mocinho o recurso é o mesmo: um homem
vestindo pele de urso põe em risco um vilarejo.
No entanto, Jim Wade, a personagem de Covil do chacal, que fez Horácio na tragédia
de Shakespeare, tem em comum com Hamlet o fato de ter chegado à Quebrada do Chacal
porque persegue o assassino de um grande amigo, do qual será culpado caso não prove sua
inocência. Porém, isso não está nas páginas narradas, apesar de permitir uma intertextualidade,
9 Dorcon [...] [t]endo notado que os dois jovens levavam seus animais para beber alternadamente [...] [p]ega a
pele de um grande lobo que, certo dia, fora estripado pela chifrada de um touro que defendia as vacas, reveste-se
inteiramente com ela até a extremidade das patas, envolvendo os braços com as da frente e as pernas com as de
trás, até o calcanhar, e fazendo de modo que as fauces abertas recubram sua cabeça, como um capacete de hopita.
Assim disfarçado, na medida do possível, em animal bravio, ele se aproxima da fonte onde as cabras e os
carneiros bebiam após o pastoreio. [...] Mesmo para um verdadeiro lobo, seria fácil se emboscar ali sem ser visto.
Foi lá que Dorcon se escondeu e aguardou o momento em que os animais vinham beber, esperando que esse
aspecto atemorizasse Cloé e que conseguisse tomá-la à força (LONGO, 1990: 19).
44
ainda que forçada. Para não antecipar a análise, afirmo que diversas narrativas de massa
apresentam situações iguais a essa. Ou seja, elas estão apenas demonstrando o conhecimento,
grosso modo, do autor da narrativa.
Dessa forma, é possível apontar que essas narrativas procuram construir personagens
possuidoras de algum conhecimento de literatura clássica, mas em nenhum momento, nas
narrativas estudadas, os textos clássicos são explorados ou dialogam com as narrativas de
massa. As referências ao clássico estão presentes como adorno e não como justificativa
comportamental ou como ponte para a leitura do clássico. Não há, nas coleções estudadas,
nenhuma referência dos textos lidos pelas personagens que explore ou dialogue as leituras para
aprofundarem a existência conflituosa (que tenta ser conflituosa) das personagens. Não se pode
pensar em uma personagem com a densidade emocional de Emma Bovary que "formou-se" de
acordo com suas leituras.
Também em situação com personagem considerada culta e conhecedora da arte em
geral virão para o texto narrativo informações que podem ser encontradas no senso comum.
Por exemplo, uma conversa entre duas personagens femininas, donas de uma livraria, a
respeito do sobrinho:
Em sua cozinha, Ruth Steele enxaguava pratos e os colocava no
aparador, falando sem parar:
— Não sei o que há com aquele nosso sobrinho. Sei que ele pediu um
tempo quando voltou, mas já devia ter telefonado a esta altura. Tem alguma
coisa errada, Tom está muito diferente. Arredio. Distante. Como aquele
personagem... Heathcliff.
Rachel Stleele ergueu o sobrolho vendo a irmã gêmea esfregar as
torneiras cromadas da pia.
— Calma, criatura, vai acabar arrancando o revestime nto. —Sentou-se
à mesa e folheou o jornal com a tesoura na mão. Ao ver algo interessante,
anunciou: — Saiu uma receita de creme de espinafre.
— Você está me ouvindo? — Ruth pendurou o pano de prato para
secar e encarou a irmã. — Ou não se importa com o menino?
(Destinos entrelaçados, 2001: 16)
Ruth, ao comparar o sobrinho Tom a Heathcliff, a personagem masculina de O morro
dos ventos uivantes, além de não fornecer os elementos que podem fazê-lo parecido com
Heathcliff, sequer menciona o nome do texto que dá existência a Heathcliff. Fato
compreensível, isso porque Heathcliff é considerada uma personagem convincente e as
personagens das narrativas de massa não o são.
A crítica de Beauvoir (1980) afirma a importância de Heathcliff e o papel das escritoras
perante os escritores:
45
[...] Elas [escritoras/jornalistas] sabem descrever at mosferas, personagens,
indicar relações sutis entre estes, fa zer-nos participar dos movimentos
secretos de suas almas: Willa Cath er, Edith Wharton, Doroty Parker,
Katherine Mansfiel evocaram de maneira aguda e matizada indivíduos, climas
e civilizações. É raro que consigam criar heróis masculinos tão
convincentes quanto Heathcliffe: no homem não apreendem, por assim
dizer, senão o macho; [...] (1980: 478-479 – destaque acrescentado).
Beauvoir não está descrevendo as autoras e autores dos romances que compõem o
corpus, no entanto, todas as personagens masculinas presentes no corpus nada mais são que
descrições físicas e comportamentais. Em nenhuma das coleções há qualquer complexidade
existencial na composição comportamental, todos os dados que constituem a personagem, e
pode-se afirmar tanto a feminina quanto a masculina, tanto a boa quanto a má, são meramente
descritivos, quase nunca psicológicos, ainda quando se propõem a ser. O que exclui
completamente a aproximação da personagem Tom com Heathcliff. Visto que em nenhum
momento a narrativa de massa aprofunda a complexidade existencial de Heathcliff, ela apenas
cita a comparação, sem sequer elencar a razão de ele ser visto, por ela, como parecido.
E, se o leitor é fiel à narrativa de massa não dará conta de entender a citação do texto,
ou mesmo a comparação com a personagem, isso porque a caracterização das personagens da
literatura narrativa de massa se dá por descrição do aspecto exterior e, quase nunca, por uma
possível complexidade interior, e, ainda quando se propõe a trazer a complexidade à discussão,
a narrativa não produz mais do que uma abordagem superficial. Para se ter uma idéia, no caso
do exemplo citado da narrativa que menciona Heathcliff e o compara à personagem herói do
romance de Emily Brontë, não é possível sequer entender porque a autora, Laura Abbot,
menciona Heathcliff, já que a sua personagem apresenta um perfil sem nenhuma
complexidade. Aliás, se o consumidor recorrer ao filme "baseado" no texto que dá origem a
Heathcliff é possível que o consumidor faça interconexões relacionadas à beleza física do autor
hollywoodiano, principalmente na versão
10
mais recente que traz Ralph Fiennes no papel de
Heathcliff. Se assim for, fisicamente é possível comparar o ator inglês à descrição da beleza de
Tom, mas que a comparação não se estenda ao existencialismo.
10
A versão de 1992 de O Morro dos Ventos Uivantes é a quarta de 4 adaptações cinematográficas do livro de
Emily Brontë. A primeira é de 1939 e tem Laurence Olivier no papel de Heathcliff.
46
2.1.1 Mercadoria e marketing: escolha, fabricação e publicação
Os valores da modernidade tais como a autonomia e
a subjetividade estão cada vez mais divorciados
tanto das práticas políticas, como do nosso
quotidiano, apesar de parecerem estar ao nosso
alcance infinitas escolhas (Boaventura de Sousa
Santos).
Em Sociologia da Literatura, Robert Escarpit (1969) dedica a terceira parte do texto à
distribuição de livros e a subdivide em estudo do ato de publicação e 4est.88 72 atsenvdasolviec[(taudo )]0005 Tc.6623- Tw 18..43 -1.15(hide e63 fa72 funlicaçdit1(adl ee em estrci circuit1sTD( )Tj0.000119Tw .765 0 atod[(distribuiç. O )-5(rTD( - Tf0.0001 Tc28.32349.81.675 0 T inivo e )9(so eta c estovez )tudo )]TJ080005 Tc.3.6623-29.457.43 -1.15 Ta afirtonoaibuiçãoque "ndasçstodeveudo )]TJ010005 Tc.390024 Tw11.675 0 Tcasnfundi-6( hide e63ivrr)-2om)9dno, c34dno,ilicação
47
tomarão o uso da auréola como presença do poeta. Quando isso acontecer o poeta verdadeiro
rirá daquele que tem a insígnia de poeta, mas só a insígnia. A aparência já precipita o produto.
A prostituição não acontece só com a publicação de um corpo, também com a encomenda e,
desde os mecenatos, os autores são incumbidos de escrever de acordo com o que se quer ler.
Diz-se com o publicare corpus de Plauto que nada há de novo, nem na literatura nem no modo
de viver dela. Natural dizer que o corpo não só é publicado, também é transformado em
imagem para "controle" da compreensão; ou, porque não dizer, para maior controle, ainda que
seja possível escapar ao imaginário de muitos o direcionado pela produção cinematográfica.
Portanto, é o fazer "estético" que pode transfigurar todo e qualquer texto por meio da palavra
ou da imagem em objeto.
Escarpit continua a exposição do fragmento citado com a defesa de que "[...] publicar
uma obra é também terminá-la pelo seu abandono a outrem. Para que uma obra exista
verdadeiramente enquanto fenômeno autônomo e livre [...]" (1969: 98). O autor recupera a
publicação de Pamela, de Richardson
12
para exemplificá-la como marca do capitalismo
aplicado à edição de livros. Ao discutir o processo da função editorial examina momentos
distintos, da seguinte maneira: 1) escolher (comitê literário); 2) fabricar (repartição de
fabricação) e 3) distribuir (departamento comercial).
Diante dos circuitos de distribuição Escarpit indaga: "[d]entro [de] que fronteiras tem
circulação o livro?" (1969: 121). Para ele, são duas fronteiras, a do "circuito letrado" e a do
"circuito popular". Com base no sociólogo, a categoria "letrados" origina-se da própria palavra
literatura e a categoria "popular" nasce em oposição àquela. Dá-se a palavra a Escarpit:
[...] Os letrados, que a princípio constituem uma casta fechada, não se
identificam hoje nem com uma classe, nem com uma ação social, n e m mesmo
com um grupo sócio-profissional. Poderíamos definir letrados como as
pessoas que receberam uma formação intelectual e uma educação estética
suficientemente aperfeiçoada para lhes permitir emitirem um juízo literário
pessoal, tendo tempo para ler e dispondo de recursos que permitam a compra
de livros. Convém todavia notar que se trata de uma definição potencial e não
real: muitos letrados não têm nenhuma opinião literária, nunca lêem e
nem sequer compram livros, mas poderiam fazê-lo (1969: 125 – destaque
acrescentado).
Essa formação intelectual referida por Escarpit é tão homogeneizada quanto a própria
literatura. Há fábricas de "intelectuais" tão produtivas quanto as fábricas de livros. Considero o
12
Essa questão recebe maior destaque em Folhetim – uma história, da pesquisadora Marlise Meyer. Ou em Dez
Lições – Sobre o romance inglês do século XVII I, de Sandra Vasconcelos .
48
fato de Escarpit focalizar anos anteriores a 1958, ainda o fato de não existir nem "uma casta
fechada" nem uma literatura "fechada". Até mesmo os exemplares do corpus — que recebem
uma destinação fechada — não são narrativas fechadas, são narrativas que seguem trilhas, as
mesmas, mas é possível sair delas; porém isso é papel do leitor, não da narrativa. No entanto, é
atual o que Escarpit diz: "[...] muitos letrados não têm nenhuma opinião literária, nunca lêem e
nem sequer compram livros, mas poderiam fazê-lo".
Posto o caso "escolha (comitê literário)", passo ao aspecto "fábrica (repartição de
fabricação)" e, na seqüência à "distribuição (departamento comercial)". Escarpit entende o
processo da seguinte maneira:
[...] a fabricação faz parte do jogo. Desde o começo dos estudos preliminares
à fabricação, é necessário "pensar no público". Conforme se trata de um livro
de luxo, destinado a algumas centenas de bibliófilos, ou de um livro popular
barato, a modificação é completa: o papel, o formato, os processo s
tipográficos (escolha dos tipos, justificação, densidade das páginas, etc.), a
ilustração, a encadernação e sobretudo o número de exemplares a tirar. Desde
esse momento, o editor deve calcular o 'golpe' que quer realizar. Com efeito,
ele até já os devia ter calculado no estado de selec ção: se o livro foi escolhido
por estas ou aquelas qualidades, dirigindo-se a este ou àquele público, [...]
(1969: 111).
Se o público salientado pertencer ao "circuito letrado", o tratamento será um, se ao
"circuito popular", outro. O primeiro passo é o contrato; este, quando se trata de produção de
romance de mocinha, se dá entre a Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited
de Toronto, Canadá (há outros casos) e a editora Nova Cultural, de São Paulo, Brasil. Essa se
encarregará de traduzir os exemplares enviados por aquela. Feita a tradução, verificam-se quais
títulos serão publicados imediatamente após e, assim, ao final da primeira história, insere-se
chamada para a próxima. Não há festa de lançamento, não há participação na feira de livros, há
propaganda em revista.
A Harlequin publica em 2005 a coleção Desejo e faz uso da revista Nova para divulgar
o título Amor em cena. A edição 393, de publicação (de acordo com a editora) cosmopolitan,
do mês junho de 2006 traz na capa a manchete: "grátis! um romance para ler e sonhar no verso
da revista". A chamada escrita em preto sobressai no fundo amarelo sobre capa branca. O
romance, da coleção Desejo, está na edição
13
5 e é intitulado Amor em cena. Na capa do
romance, a seguinte mensagem "De volta ao Brasil — O ORIGINAL — o Nº 1 em romance",
isso em um círculo onde o centro sobressai à borda com "O ORIGINAL", em caixa alta. O
13
A editora chama de "edição ". Porém, trata-se do qu into título publicado na coleção Desejo.
49
preço da revista surge em outro destaque "Apenas R$ 4,50". Necessário aclarar que, para
Adorno, o "mito do original já contém o aspecto da mentira que triunfa no caráter embusteiro
do fascismo e que esse imputa ao esclarecimento" (1985: 55).
Tendo em mente um leitor ideal projetado pelo corpus, é necessário entender a
importância das "traduções" dessas narrativas. O fato de essas coleções serem vendidas como
traduções de diferentes países gera no leitor ingênuo a falsa sensação de consumir produtos
valorizados em outros países, tão valorizados que o Brasil importou e colocou à disposição dos
brasileiros. Essas coleções não são vendidas com etiquetas "Made in China" (o que, mesmo
para o leitor desatento, pode remeter à mão-de-obra barata), elas são vendidas como
"universais". Não se trata, nesse momento, da tradução como fonte de renda como foi para
Clarice Lispector e Ryoki Inoue, para ficar em dois autores.
A tradução é, também, um aspecto do mercado de livros, de propagação de um texto e
pode ser benéfico se for apreciado como uma maneira de adentrar ao que a linguagem materna
não possibilita acesso. A tradução pode resultar em um estudo à parte que se ponha o porquê
de os livros traduzidos (ou vendidos como tradução) serem lidos com regularidade e do porquê
de livros brasileiros do mesmo estilo (penso na coleção Laços de Família – romance de
mocinha) serem "enfadonhos" e os estrangeiros "cativantes". As coleções que publicam
histórias estrangeiras são procuradas e atingem grande sucesso entre os consumidores porque
favorecem a imaginação do consumidor. Quando a leitura de um produto traduzido permite
sonhar pode-se inferir que o imaginar efetuado pelo consumidor do produto é introjetado por
uma cultura diferente da sua mas que na verdade serve para reafirmar a inferioridade do
consumidor. Essa inferioridade (de cultura e literatura) é marcada pela tradução de um produto
que despertará fantasias que substituem, temporariamente, as impossibilidades de concretizar
seus desejos.
O problema se dá quando essa tradução ganha pretensão de qualidade e não de produto
comercializado em grande escala, quando a tradução ganha rótulos de notoriedade, ganha
credibilidade pela quantidade de números publicados em outros países. O problema da
tradução do corpus é que ela cria a falsa sensação de universalizar, quando, na verdade, a
tradução torna-se inibidora da imaginação "real", mas potenciadora de imaginação "possível".
Se identidades são formadas pelo consumo de produtos, como defende Garcia Canclini:
As lutas de gerações a res peito do necessário e do desejável mostram outro
modo de estabelecer as identidades e construir a nossa diferença. Vamos nos
afastando da época em que as identidades se definiam por essências a-
históricas: atualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo que
50
se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir (1997b: 15 – destaque
acrescentado).
Então o valor simbólico de consumir um exemplar da coleção Barbara Cartland ou
qualquer outro com selo de qualidade afirmado pelo New York Times é sustentado quando se
adquire um produto brasileiro internacionalizado por meio de pseudônimos estrangeiros e
histórias ambientadas no Oeste americano. O consumo, então, está vinculado à formação de
identidade, mas não apenas isso, o consumo está gerando a manutenção de um status
inexistente. A coleção, quando ancora títulos "traduzidos", cria, falsamente, a sensação (no
consumidor) de ler um produto de prestígio (afinal mereceu ser traduzido para outros idiomas)
e, às vezes, até universaliza a identidade do leitor; ele poderá se sentir igual a outros leitores
devido ao fato de gostarem de um mesmo estilo, de um mesmo autor.
Por meio do imaginário alimentado por essas coleções cria-se a falsa consciência de
que se podem atingir as aspirações, os medos e as esperanças, adquirindo um novo produto.
Essas coleções, por meio do imaginário do leitor, esboçam possíveis identidades e objetivos,
detectam seus desejos e procuram satisfazê-los criando histórias que se expressam por
ideologias e utopias, e também por símbolos, alegorias, rituais e mitos.
A imaginação é um dos modos pelos quais a consciência (real) apreende a vida e a
elabora. E a consciência (possível) incentiva o consumidor a sair de si mesmo, a buscar
satisfações que ainda não encontrou e, então, um novo produto é vendido. O imaginário não é
apenas o possível, seu veio simbólico agencia sentidos por meio do ofertado nas imagens e
textos das coleções de forma expressiva. A imaginação liberta sim o leitor da tarefa laboral, do
presente extenuante. O que não pode acontecer é, exclusivamente, essa imaginação servir
apenas de estepe para um outro dia de problema. O leitor tem que ter o direito de ler e sentir-se
motivado a explorar possibilidades que existem e que devem ser realizadas. A leitura deve ter
alguma função (Candido, 1972) e o cotidiano, o real, não deve ser apenas um conjunto de fatos
que oprime e que leva o leitor a se esconder nas suas leituras.
No entanto, a marginalização endereçada àquele que consome a narrativa de massa e
àquele que a produz recai em um isolamento social do primeiro e crítico do segundo. Dessa
manifestação da indiferença cultural das camadas dominantes para as camadas populares, tem-
se como resultado um leitor praticamente à mercê do produtor, sem intermediação cultural por
parte da sociedade considerada formadora de leitor. Resulta-se desse abandono, a inserção do
leitor via outro leitor consumidor da narrativa de massa, quase nunca da escola ou da família.
51
Sozinho, o leitor adentra a narrativa de massa guiado pelo imaginário e a partir deste constrói
sua leitura.
A escola, sendo uma das maiores organizações que se propõe cultural, deveria preparar-
se para elevar os estratos da leitura em seu ambiente. É evidente que tal preparação não pode
dar-se arbitrariamente e rapidamente, mas se houver vontade construtiva, em todos os seus
graus, mesmo que sofra alguns percalços, é possível encontrar e manter argumentos
dialogando o gênero lido pela massa e o gênero eleito pela escola. É preciso que a escola tome
as rédeas para, do leitor do senso comum, chegar ao leitor de bom senso. Antes é preciso que a
universidade prepare professores de tal capacidade. A indústria cultural e a literatura narrativa
de massa precisam exprimir uma exigência que possa ser incorporada pela universidade, seja
ela subordinada ou vigiada, mas é preciso que essa realidade falaciosa tenha os rumos
alterados.
52
2.2 Identidade e imaginário: a relação texto-consumidor
O lúdico do consumo tomou progressivamente o
lugar do trágico da identidade (Jean Baudrillard).
O primeiro esclarecimento para essa abordagem é o uso do substantivo "consumidor".
Outros estudiosos optaram por "usuário", como já esclarecido na acusação dessa pesquisa.
Aqui, entre "usuário", "viciado" (adicto) e "consumidor" entendo o último mais coerente; no
entanto, tudo indica a existência de três leitores: "usuários", "viciados" (adictos) e
"consumidores". Como essa pesquisa visa ao texto e não à estética da recepção, é coerente
tratar por consumidor e não por "usuário" ou "viciado" (adicto). O respaldo maior para tratar
por "consumidor" tem base em Garcia Canclini:
Para vincular o consumo com a cidadania, e vice-versa, é preciso desconstruir
as concepções que julgam os comportamentos dos consumidores
predominantemente irracionais e as que so mente vêem os cidadãos atuando
em função da racionalidade dos princípios ideológicos. Com efeito costuma-
se imaginar o consumo como o lugar do suntuoso e do supérfluo, onde os
impulsos primários dos indivíduos poderiam alinhar-se com estudos de
mercado e táticas publicitárias (1997b: 21).
Convém o uso da citação para esclarecer que não há preconceito algum em tratar o
leitor por consumidor. Isso porque "o consumo é o conjunto de processos socioculturais em
que se realizam a apropriação e os usos de produtos" (1997b: 53). Garcia Canclini defende que
o consumo deve ser compreendido pela racionalidade econômica: "Estudos de diversas
correntes consideram o consumo como um momento do ciclo de produção e reprodução social:
é o lugar em que se completa o processo iniciado com a geração de produtos, onde se realiza a
expansão do capital e se reproduz a força de trabalho" (1997b: 53).
É proveitoso ainda esclarecer que "[o] consumo é um processo em que desejos se
transformam em demandas e em atos socialmente regulados" (1997b: 59). É nesse jogo entre
desejo e mercadoria que pretendo, com a investigação textual das narrativas estudadas,
perguntar que concepção de identidade e imaginário pode ser projetada pelos textos que
compõem o corpus.
A questão ocorre devido ao fato de diversas experiências de leituras de um mesmo tipo
de texto produzir imagens que podem ser modeladas de acordo com as vivências desse
consumidor. Este possui condições de fantasiar e abstrair, mas também pode introjetar e
53
projetar suas leituras provocando outras experiências a partir das leituras efetuadas. Se o
consumidor de fato produz e não apenas repete situações do repertório lido, então as narrativas
das coleções podem ser melhores que o textualmente presentificado pelas histórias analisadas
no Capítulo III. A questão, porém, não é tão simples. Para Gramsci "a imaginação não é
totalmente 'arbitrária' e por isso possui a faculdade de excitar a fantasia do leitor já
conquistado" (GRAMSCI, 1978: 382).
A identidade está sujeita a outras construções, influências e educação. Por ser a
identidade um processo, pode ser delineada nas relações cotidianas. Então a construção da
identidade é cultural singularizando-se no convívio cultural social, um processo de reconhecer-
se e ser reconhecido no contexto inserido. Ciente do processo de formação de identidade, a
indústria de entretenimento cria fórmulas narrativas e as repete continuamente, propiciando,
também, uma forma de identidade para os seus consum idores.
Nesse sentido, a narrativa de massa pode ser lida como um veículo que influencia, com
bastante rigor, a construção ou padronização da identidade de seus consumidores, mas não faz
apenas isso, permite, também, que esse mesmo sujeito, ao se identificar ou ao ter seus
momentos de evasão, encontre-se mais tolerante em relação a outras necessidades de
convivência. É possível que a identidade do consumidor de literaturas narrativas de massa seja,
sim, influenciada pelos contextos sociais e históricos presentes no corpus, no entanto, não se
afirma que essas leituras contribuam totalitariamente para formação da identidade desejada
pela minoria no poder. O sujeito tem a liberdade de dialogar suas leituras com outras leituras,
sempre.
Afirmar que a narrativa de massa permite a construção de uma identidade de
consumidor de narrativa de massa envolve fatores externos e internos ao indivíduo que adquire
o produto. Um fator interno pode ser o psicológico que, nesta concepção, explicaria a razão de
o leitor se identificar com determinada coleção por ser a propiciadora de suas fantasias e
realizações. Quanto a isso não dá para fugir se o consumidor se comportar como diz Adorno
"[...] Cada qual deve se comportar, como espontaneamente, em conformidade com seu level,
previamente caracterizado por certos sinais, e escolher a categoria dos produtos de massa
fabricados para seu tipo" (1985: 116)
Já por elemento externo pode-se pensar nos contextos sociais ou épocas diversas
tratados nos enredos, ou seja, as relações pessoais e sociais que as personagens possuem, os
bens materiais, a maneira como resolvem seus "conflitos" e assim sucessivamente. Nesse caso,
a construção de uma identidade com base nas incontáveis leituras de romance de mocinha e
54
romance de mocinho pode estar determinada ou influenciada por idéias étnicas e biológicas
que trazem à tona os sonhos e desejos já enraizados nos seus consumidores.
Ressalto que a identidade representada por condições materiais e de poder é, também,
estabelecida com base em comparações de outras identidades, ou seja, por meio de um
processo relacional com as personagens das coleções pode-se realçar as diferenças entre as
identidades do consumidor do produto e das configurações sociais, econômicas e emocionais
que transbordam nas narrativas ficcionais.
De acordo com Gilbert Durand, os românticos iniciam a revalorização do poder do
imaginário. Não se propõe com Durand dar conta de analisar as narrativas de massa com a
teoria crítica do imaginário, mas buscar condição para entender o uso do termo "imaginário".
Para o autor:
in concreto o simbolismo do imaginário será preciso enveredar resolutamente
pela via da antropologia, dando a esta palavra o seu sentido pleno atual — ou
seja: conjunto das ciências que estudam a e spécie homo sapiens — sem se pôr
limitações a priori [...] para estudar a s motivações si mbólicas e tentar dar u ma
classificação estrutural dos símbolos [...] (2001: 40).
[...] o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do
objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito
[...] (2001: 41).
No corpus, é possível que a construção do imaginário se dê por meio da introjeção e
projeção permitida pela leitura das narrativas. Essa leitura marca/demarca o processo de
formação da identidade do leitor/consumidor e cristaliza uma possível atitude crítica em
relação ao produto. Entendo que a construção do imaginário torna-se uma questão de
invenção/criação por parte do consumidor e este acrescenta ao objeto lido as inferências
necessárias para que o imaginário e o presente (textualmente não só o permitido pelo texto) na
narrativa fiquem em sintonia. Isso porque o leitor constrói processos de acumulações,
vivências e experiências de acordo com a quantidade de leituras que faz dessas narrativas.
A construção do imaginário se dá no entrecruzamento do que se lê e do que se imagina
e permite uma socialização na medida em que esse leitor se vê ligado a outro leitor por meio
das trocas e/ou sugestões de leitura dessas narrativas. No momento que o leitor faz as
inferências do mundo dele (vivido ou desejado) para captar a mensagem da narrativa que lê,
está, de alguma maneira, ativando mecanismos de projeção e introjeção de fantasias internas.
Julgo que esses mecanismos, estudados por Freud (para designar fases normais do
desenvolvimento do psiquismo e/ou mecanismos de defesa "patológicos") e retomados por
55
Melanie Klein (1965), marcam as primevas relações objetais, devido ao fato de a realidade do
leitor/consumidor ser invadida pelas fantasias que formam/deformam a experiência vivida, seja
transformando em ideal, seja destruindo-a quando o leitor/consumidor percebe que as
representações do ideal de homem e mulher presentes nas coleções de narrativas de massa
estão funcionando como ameaça à identidade do leitor/consumidor. Assim, o estudo de Klein
se faz adequado a essa busca de comp reensão da formação do leitor.
Entendo, com respaldo na análise efetuada por Klein, ser a identificação projetiva base
para ler as identificações que os consumidores de literatura narrativa de massa (e daí não só
eles e não só na literatura de massa) efetuam no momento em que lêem e caracterizam-se, com
falsas crenças, ainda que momentâneas, de que são/estão introjetados no espaço/tempo
encontrado na narrativa lida.
Ler, qualquer coisa, criticamente, não é o mesmo que introjetar, mas o fato de ser
freqüente, por parte de leitores de narrativa de massa, a afirmação de que lêem devido ao fato
de essa leitura projetá-los para longe dos problemas cotidianos, pode-se afirmar que a projeção
influencia a fantasia resultante. As finalidades da identificação projetiva podem ser muitas.
Desde esquecer o atribulado dia de trabalho, encontrar a aventura que gostaria de fazer, a
relação financeira/emocional que gostaria de ter, até a posse avara ou benéfica de situações
presentificadas no objeto lido.
Ainda assim, afirmar a construção da identidade do consumidor de narrativa de massa
envolve fatores externos e internos ao indivíduo que adquire o produto. Um elemento interno,
por exemplo, pode ser o fator psicológico que, nesta concepção, explicaria a razão de este
leitor se identificar com determinadas coleções (claro está que a produção dessas coleções
procura maximizar as "diferenças" do produto para que ao não se identificar com uma coleção
ele possa identificar-se com outra) por serem as propiciadoras de suas fantasias e realizações.
Isso porque, a busca e comunhão provocadas por esses textos geram partilha de identidades,
gera comunidades e organizações de leitores para "indicar" coleções ou para relembrar
algumas, ainda, para trocar e comentar determinadas passagens do texto lido.
Tendo em mente o leitor real dessas coleções, pode-se afirmar uma sintonia nos
quereres dos consumidores de narrativas de massa, sendo, de acordo com apreciação on-line,
no sítio Literatura de Mulherzinha
14
, o direito de lerem o que quiserem sem serem rotulados
14
Fonte: http://livroaguacomacucar.blogspot.com/2005_11_01_livroaguacomacucar_archive.html . Acesso em
1-11-2005. Há, neste espaço virtual, discussão e manifestação de leitoras de narrativas de massa e diálogo com
recorte da pesquisa de Lígia Dumont, da UFMG. O estudo O imaginário feminino e os romances publicados em
série, resulta de pesquisas na periferia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A pesquisadora entrevistou 15
mulheres, entre 20 e 45 anos, r eunindo 90 horas d e depoimentos gravados. As entrevistada s escolhidas eram
56
por pessoas que, segundo as manifestações ao repúdio que sofrem, nada lêem; mas é possível
ler que há rótulos e bandeiras de diferenças quando pedem igualdade de apreciação ao texto
narrativo que lêem.
Entendo que os leitores de literatura narrativa de massa não aceitam as afirmativas —
quase lugar comum — de que fazem essas leituras por não serem capazes de outras. No
entanto, quando esses mesmos leitores são indagados do objeto de leitura, muitos se escondem.
Há, sim, em certa medida, o próprio preconceito do leitor, talvez reflexo do preconceito que
sofre.
Reflexões sobre o imbricamento entre a leitura de romance, o lazer e os
desdobramentos oriundos dessa leitura recebem destaque no artigo "Lazer, leitura de romances
e imaginário", de Lígia Dumont. De acordo com a pesquisadora,
Um dos principais motivos para leitura de romances apontado por todos os
estudiosos e pesquisadores é a liberação do espírito que transcende para outro
contexto, num verdadeiro escape; a catarse para co mpensar as dificuldades e
frustrações do dia-a-dia. Portanto, falar sobre o lazer de populações carentes,
providas apenas com os recursos materiais mínimos para subsistência, tendo
como referencial o conceito de lazer, que deve ser composto de atividades
prazerosas, voluntárias e liberatórias, delineia um quadro bastante restritivo,
em virtude dos modelos sociais impostos à sociedade ocidental
contemporânea (2000: 121).
Ser a leitura o único lazer aponta para questões sociais que merecem atenção não só por
parte de pesquisas que as constatem, mas de participação, efetiva, do estado, escola e,
principalmente, da sociedade. É possível uma ação cultural que focalize da base para o ápice
da pirâmide social brasileira, mas não basta documentar as condições de leituras de
determinadas classes sociais, da falta de lazer; é preciso uma ação cultural que vise ao social.
freqüentadoras, há pelo menos três anos, do carro-biblioteca, atividade de extensão da Escola de Biblioteconomia
que visita semanalmente bairros da periferia de BH e algumas cidades da Região Metropolitan a, levando livros
para comunidades socio-econômica e culturalmente menos favorecidas. "Uma das leitoras andava 40 minutos
para chegar ao carro e pegar os livros", conta a professora. O principal objetivo da pesquisa era identificar o
motivo que levava à leitura dos romances em série e os prováveis efeitos dessa prática na vida das mulheres.
"Não foi fácil fazer as entrevistadas falarem sobre a real razão que as motiva à leitura", explica. Segundo Lígia
Dumont, o que realmente atrai as mulheres é o erotismo dos romances: "Não são situações pornográficas. É um
erotismo camuflado e eufêmico, que deixa a leitora em suspense e permite que sua imaginação entre em ação". A
professora conta que as admiradoras de Sabrina, Júlia e Bianca vivem em situações de grande repressão. "Passam
do mando do pai para o do marido e convivem com muitos tabus. O trato com o erotismo é complicado e
reprimido. Os romances permitem que elas se libertem de alguns tabus e convivam melhor com sua sexualidade".
A professora avaliou também a ligação feita entre a capa e o conteúdo dos livros. "Os romances são escolhidos
pela ilustração da capa, que sempre traz um casal apaixonado", revela a pesquisadora, lembrando que as imagens
são muito parecidas, mas as leitoras sabem distingui-las e fazem a escolha pelo toque de erotismo. "Constatei que
o prazer da leitura pode ser um escape para as leitoras, mas não é uma alienação. Elas sabem distinguir a
realidade da fantasia", conclui Lígia Dumont.
57
Essa ação cultural é viável a partir do objeto de leitura dessas classes menos privilegiadas. Não
só a literatura escolhida por determinadas classes sociais é marginalizada, também aquele que
a usufrui.
As considerações que concluem o artigo de Dumont reverberam para ir adiante ao
estudo do corpus:
Sabe-se que a leitura de romances est á intrinsecamente ligada a três pólos da
vida psíquica: o real, o simbólico e o imaginário. Desenvolvida pelo estímulo
de atividades lúdicas, a imaginação é tida hoje como um dos componentes
mais importantes da aprendizagem. Transpondo essa realidade para o
processo da leitura de romances, deduz-se que pode existir algum
aprendizado, pois trata-se de uma atividade prazerosa, que induz o espairecer,
o divagar. O processo se fecha sob a hipótese de que algum aprendizado pode
retornar à psique do sujeito, pelo estímulo de sua imaginação. Mesmo em se
tratando de ficção, os romances utilizam-se de critérios para que o discurso
seja o mais natural possível e a ficção seja entendida como uma ferramenta
que possibilita o esclarecimento da realidade. As situações retratada s
reproduzem sempre cenas que se encontra m nos limit es entre a fi cç ão e a vida
real e o seu leitor pode identificar fatos e heróis do seu cotidiano, ou do
imaginário de domínio público. Sem dúvida, há uma entropia do mundo real,
onde acontecem as experiências do sujeito com o da ficção, que, por sua vez,
baseia-se e busca inspiração no mundo real (2000: 122).
A apreciação exposta permite afirmar que o consumidor dessas coleções estudadas, em
algum momento tem sua existência alegrada e, ainda, retira desse texto lido situações que
possibilitam não apenas o sonho, mas a vivência cotidiana. Independente do perfil sócio-
econômico dos consumidores, as narrativas procuram abarcar histórias centradas em pessoas
fortes e que venceram quaisquer dificuldades, sejam elas amorosas ou profissionais,
emocionais ou racionais.
As narrativas podem ser lidas como estímulos àqueles que não vêem nenhuma razão
para seguir em frente, mas também podem fazer com que os consumidores sintam-se sempre
menos próximos dos exemplos lidos, isso porque as trajetórias das personagens não se
confundem com as trajetórias dos consumidores; aliás, a meu ver, os consumidores procuram,
nessas personagens, am paro para enfrentar a realidade que muitas vezes é hostil.
Mas, ciente de que todo e qualquer texto permite a elevação ou aniquilação da alma de
quem o lê, interpreto que o mercado de livros de entretenimento "substitui" o papel do estado
de formar cidadão crítico e "forma" cidadão consumista e, maioria das vezes, incapaz de ler
criticamente qualquer texto veiculado pelo próprio mercado que o criou. É dessa maneira que o
consumo de narrativas de massa se mantém e, diariamente, agrega novos consumidores. Isso
58
porque o mercado interage no meio popular/social e faz o papel de mediador com a sociedade.
Essa interação/mediação compreende a atividade/consumo, atinge as camadas populares por
meio da indústria cultural e transita com a construção do imaginário.
Posso afirmar que o estudo do texto permite inferir que a identidade, à medida que os
meios de significação e representação cultural multiplicam, confronta uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de outras identidades possíveis, nunca permanente. A identidade
representada por condições materiais e de poder é, também, estabelecida com base em
comparações de outras identidades, ou seja, por meio de um processo relacional com as
personagens das coleções. Para essa afirmação basta realçar as diferenças entre as identidades
do consumidor do produto e das configurações sociais, econômicas e emocionais que
transbordam nas narrativas ficcionais.
O corpus permite entender que o fato de os consumidores buscarem sempre os mesmo
tipos narrativos, instaura uma leitura das repetições dos processos efetuados por crianças
pequenas.
É evidente que as fantasias infantis que todos ainda acalentamos no
inconsciente surgem continuamente [...]. Isso nos ajuda, pois a mente sente-se
em casa com as imagens e parece lembrar-se de algo já conhecido. Mas essa
circunstância também se configura como obstrução, já que os sentimentos
terminam por se manter nos símbolos e resistem apaixonadamente a todo
esforço de ir além deles (CAMPBELL 1992: 166)
.
Envolto em textos que se repetem, a respeito dessa busca de sentir-se em casa, um
novo produto é adquirido; com isso reforça-se a possibilidade de esgotar todas as nuanças que
tais histórias podem ofertar. Assim, entendo que os textos estudados projetam nos seus
consumidores atitudes e comportamentos que, se introjetados ou se parcialmente assimilados,
manifestam o desejo de buscar leituras de textos iguais, na perspectiva de assimilar todos os
aspectos, ou, como se trata de adultos e não de crianças, de as fantasias permitidas por tais
leituras alcançarem proporções satisfatórias, apesar de essas leituras criarem, comumente, a
ansiedade de consumo do próximo produto.
Os textos ainda permitem entender que o leitor ideal projetado por essas coleções tem
suas condições de existência preteridas quando trata de realidades não condizente com os
contextos históricos, sociais e culturais dos leitores residentes no Brasil. Esses textos não dão
ao consumidor, em nenhum momento, o projetado por suas leituras. Devido ao fato de a
realidade do leitor/consumidor ser invadida pelas fantasias que formam/deformam a
experiência vivida, seja transformando-a em ideal, seja destruindo-a quando o
59
leitor/consumidor não percebe que as representações do ideal de homem e mulher presentes
nas coleções de narrativas de massa estão funcionando como modelos identificatórios.
O estudo do texto-consumidor desacredita afirmar a possibilidade de um leitor se tornar
crítico lendo somente esses textos. As histórias das coleções de literatura narrativa de massa
visam defender determinados interesses de consumo, sem maiores preocupações e submetem
seu consumidor a um bombardeiro de repetições a tal ponto que passam a criar a necessidade
de consumo no leitor/consumidor. No momento que o leitor faz as inferências do mundo dele
(vivido ou desejado) para captar a mensagem da narrativa que lê, está, de alguma maneira,
ativando mecanismos de projeção e introjeção de fantasias internas ou fantasias criadas pela
indústria de entretenimento. Assim, concluo este item afirmando que a "fusão atual da cultura e
do entretenimento não se realiza apenas como depravação da cultura, mas igualmente como
espiritualização forçada da diversão" (Adorno; Horkheimer: 1985: 134). Para que seja, de fato,
diversão, é necessário seguir por um outro caminho. Pretendo sugeri-lo ao final deste capítulo.
60
2.3 A imagem e o texto: formatos de leituras
À medida que o tempo passa, a tinta velha em uma
tela muitas vezes se torna transparente. Quando isso
acontece, é possível ver, em alguns quadros, as
linhas originais, uma criança dá lugar a um ca chorro
e um grande barco não está mais em mar aberto
(Lílian Hellman).
As capas (imagem) dos romance de mocinha e romance de mocinho mudam não
porque o autor se arrependeu e uma nova imagem cobre o "palimpsesto" da imagem, mas sim
porque os leitores mudam, os tempos mudam, e é necessário diversificar para atrair outros
olhares consumidores. Assim, as capas também recebem atualizações históricas. Se os
romances dellianos apresentavam capas educativas, os de hoje apresentam capas sedutoras. A
leitora de M. Delly ao olhar uma capa, notava, por exemplo, o modo como as donzelas
sentavam-se. Estas, com as pernas juntas e sem cruzá-las, trajavam-se com longos vestidos e
eram o mais singelas possíveis. As de hoje? As mulheres estão despidas das roupas e das
obrigações virginais, porém as atuais coleções também servem de modelo identificatório.
Ainda que para alguns autores as capas das coleções, se forem fotografias, possam ser
lidas por alguns como ícone e para outros como índice, adota-se para essa leitura o fato de
serem signos
15
e como tal pode produzir semelhança com a impressão física e causar,
concretizar ou remeter a situação imaginada. A capa das coleções é a primeira fonte para
evocar o desejo, a primeira representação do que se deverá ter na leitura da narrativa. Porém,
muitas capas são enganosas, não permitem uma simultaneidade entre o texto narrativo e o
texto imagético (capa).
A capa ilustrada (fotografia ou desenho) norteia a compra do produto como uma
qualidade representativa do texto a ser lido, a capa é uma direção que deveria articular uma
proposta de leitura. No entanto, a capa é uma sensação e não a percepção do texto narrativo, é
uma chave para atrair e não para confirmar o texto narrativo. A capa visa tocar o desejo de
adquirir o produto e não a satisfação da compra. Será pelo texto imagético que a indústria fará
ou não a venda do texto narrativo. Criado o desejo haverá a venda e assim os movimentos
internos de desejo do consumidor guiarão a leitura do texto narrativo pelo texto imagético.
Porém esse consumidor pode se sentir lesado. O aceite da imagem estampada na capa nem
sempre consolida com a imagem criada mentalmente diante da leitura, o cultivo do
15
Entendo signo como sinônimo de linguagem.
61
pensamento abstrato efetuado durante a leitura renega a capa como possibilidade de expressão
da linguagem textual.
A meu ver, é necessário investigar essas coleções (textos/imagens) e por essa razão
proponho uma possível maneira a partir do código icônico (Eco, 1993). O código icônico é
baseado nos processos de percepção visual. Ressalto usar o código icônico e não o código
lingüístico (Eco, 1993), para leitura, porque essas narrativas, ao repetirem perfis, criam
figurações imagéticas sólidas. Ou seja, o uso do código lingüístico não permitiria uma leitura
tal qual acredito serem as projetadas pela narrativa, haja vista que as conotações emotivas são
facilitadas pela própria escolha da linguagem escrita. Essas narrativas com suas capas e textos,
dão ao consumidor a possibilidade de criarem suas fantasias e movimentarem (tal como em
telenovelas e filmes) os conteúdos veiculados.
Creio o uso do código icônico apropriado porque a percepção do textos é direcionada
por uma imagem e essa desperta estímulos e interage com os textos, nem sempre
adequadamente, haja vista as imagens não darem conta, muitas vezes, de serem verossímeis.
Realço que, para Eco, um modelo de código é a língua. O uso de um subcódigo é,
normalmente, o processo de denotação transformado em conotação.
Na opinião de Eco, "[u]ma vez que o signo icônico possui muitas propriedades do
objeto denotado (no que difere do signo lingüístico, que é convencional), a comunicação por
imagens resulta mais eficaz e imediata do que a verbal, porque permite ao receptor uma
imediata referência ao referente ignorado" (1993: 376). Entendo que para um consumidor
costumeiro a imagem criada por ele é conducente para eficácia do verbal, essa a razão desse
código como possibilidade de leitura.
Para Eco (1993), interessam os sistemas de códigos e subcódigos. O autor compreende
o código icônico de acordo com a seguinte divisão: "a) subcódigo iconológico; b) subcódigo
estético; c) subcódigo erótico [seleção das imagens]; d) subcódigo da montagem [combinação
das imagens]" (1993: 374). Interessam à pesquisa os três primeiros níveis porque esses
definem as capas das coleções de romances de mocinha e mocinho. Por essa razão, tais
conceitos são aqui utilizados para leitura das capas, usando os sentidos estabelecidos pelo autor
ao ler as imagens televisivas. Por "código icônico", Eco entende o fato de este basear-se:
[...] nos processos de percepção visual (os quais ta mbém se desenvolvem co m
base num código, se a percepção for, como aqui admitimos, nã o o registro
fotográfico de uma suposta realidade preconfigurada, mas uma interação entre
os estímulos de um dado campo e os esquemas perceptivos, adquiridos por
aprendizagem e propostos pelo sujeito). [...] o código é sempre figurativo, ou
icônico: perceberei certas formas no vídeo como imagem de outras formas já
62
conhecidas, se as primeiras possuírem elementos estruturais homólogos às
segundas, em número suficiente para constituírem seu 'modelo reduzido'
(destaque do autor, 1993: 375)
A escolha do imaginário coletivo está ligada ao fato de o código alcançar o
inconsciente coletivo, por essa razão a busca de sentido no coletivo e não no individual porque
os estímulos produzidos por esses códigos chegam, para o bem ou para o mal, aos
consumidores das coleções e permitem uma série de identificações, projeções e introjeções. E,
principalmente, porque a literatura não visa ao individual, mas sim ao universal.
Os subcódigos elencados por Eco são exposto na seqüência. Por subcódigo iconológico
[...] incluem-se certas figuras que, por convenção, conotam alguma coisa,
com base, no entanto, em tendências incônscias que determinaram a escolha
iconológica: por ex., a imagem da água conota 'serenidade' por convenção,
mas no processo de conotação também intervém elementos incônscios que a
tradição iconológica tomou a si e legitimou a nível de cultura [...] (1993: 377)
Além do inconsciente, há a conotação e denotação prevista a qualquer leitura apurada.
A conotação, no sentido translato, ou subjacente, pode apresentar teor subjetivo ao fazer
relação com o visto, ainda que o simbolizado, o denotado, manifeste-se explicitamente. No
caso da figura, fotografia ou desenho pertencentes às capas dos textos narrativos que compõem
o corpus, distingo a escolha mais histórica do que contextual nas capas dos romances de
mocinha e, nos romances de mocinhos, o código é muito mais erótico e explícito do que nas
coleções de mocinha, ainda que as capas, na maioria, permitam leitura erótica velada ou
explícita nos dois casos.
A concepção de Eco para "subcódigo estético" recai no "[f]ruto da tradição do gosto.
Certa configuração é tradicionalmente 'bela'. Um 'tópico' ou 'topos' adquire certo significado
com base em convenções de gosto estético" (destaque do autor, 1993: 377). O subcódigo
estético também está presente nas capas das coleções estudadas. Penso na capa do romance
Mitsi, de M. Delly. No caso, à capa do volume estudado; porém tem-se a capa de edição
anterior e à qual não se pode dar a mesma leitura. A capa nominada figura 1B (será analisada
nas próximas páginas), neste trabalho, é o Retrato de uma dama em amarelo, têmpera sobre
madeira de Alesso Baldovinetti (1427 – 1499). Claro que a "Dama em amarelo" não condiz
com o "belo" de hoje mas sim com o considerado "feio" pela indústria da moda. Trata-se de
mulher nariguda, "gorda", testa gigante, sobrancelhas quase à Mona Lisa, levemente corcunda
63
e dona de uma brancura hospitalar. Porém, em sua época, era a expressão do belo. Hoje remete
à época vitoriana.
O último dos subcódigos pertinente à pesquisa é o erótico. As capas dos romances de
mocinhos são exemplos maiores do erótico, porém não são as únicas. A primeira focaliza
apelativamente; a segunda, sedutoramente. Para Eco
Brigitte Bardot afigura-se-nos bela e desejável. Uma mulher gorda não. Esses
dois tipos de avaliação fundam-se em convenções, isto é, num assentamento
histórico-sociológico, reconhecido pela coletividade do gosto. Esse subcódigo
confunde-se, sob vários aspectos, com o estético: um tipo de mulher é ridículo
se comensurado a uma tradição cômica. Um homem de pano preto no olho é
eroticamente interessante, se comensurado também ao subcódigo iconológico
que o conota como 'pirata', e a um subcódigo estético que conota o pirata
como 'romântico' (1993: 377).
Hoje, com 72 anos, Brigitte Bardot há muito não seduz nem encanta por sua beleza.
Aliás, pode causar um verdadeiro mal-estar comparar um olhar lançado a uma imagem dos
anos 60-70 do século XX e outro olhar a imagem do início do século XXI. Porém, não se faz
essa afirmação só para mostrar a validade dos mitos, mas sim para atentar ao fato de a beleza
do passado não ter sido de fato abandonada mas sim degradada na figura atual. Os vestígios do
passado ficam nítidos olhando o que é, no entanto o olhar recai na profunda degradação do ser
enquanto beleza, vitalidade, jovialidade. Brigitte Bardot pode ser lida à Victor Hugo, para
focalizar o sublime e o grotesco.
Esse confronto do sublime e do grotesco não simboliza o Ser de Camille Javal, mas o
externo, o desejado, copiado (clinicas de estética) e idealizado por gerações e gerações e ainda
recuperado para falar de beleza e sensualidade. Essa leitura feita para exposição tem, além da
obviedade, a ideologia de quem a lê. Porém, se dá para questionar o valor da beleza, questionar
a perenidade da aparência, não, necessariamente, para causar incomodo a quem valoriza o belo
ao útil. Para os incomodados, melhor respaldarem-se no Retrato de Dorian Gray, de Oscar
Wilde, pelo menos até algumas páginas finais se tem a beleza máxima da juventude.
Assim, um mesmo objeto pode receber outras leituras porque o motivo iconológico
acionado é respaldado pela ideologia.
Se a beleza de Brigitte Bardott já não serve de parâmetro para falar do belo, a beleza de
Brigitte Montfort serve; a protagonista das coleções ZZ7 tem beleza hereditária, filha de
Giselle, a espiã nua que abalou Paris, Monfort é criação
16
do brasileiro José Luiz Benicio
17
e
16
No sítio http://www.jlbenicio.co m.br/ tem-se outras capas feitas por Benício. Acesso 1 -11-2006.
64
figura no imaginário de homens e mulheres por representar beleza, inteligência e consciência
política. Brigitte Montfort é, na verdade, uma isca ao consumidor.
Qualquer tentativa de explicar as capas dos romances com os "antigos" cartazes de
cinema, deve pautar-se nos desenhos de Benício. Responsável pela capa de maioria dos
exemplares de romances de mocinho, também é [foi] autor de cartazes para divulgação de
filmes. Quanto às coleções de romance de mocinha há caso de diversas capas serem fotografias
e apresentarem seus fotógrafos, mas, em exemplares mais recentes, há predominância de
desenhos e assinados por muitos ilustradores.
Interessa, ainda, com relação às capas, o fato de a primeira mensagem enviada por
essas coleções abordar a leitura (consciente e inconsciente) da imagem; a capa pode atrair ou
repelir o leitor. Assim, o valor do signo-índice — um dos mais privilegiados pela narrativa
cinematográfica voltada para os gêneros policial, mistério e suspense — também está presente
nas capas estudadas.
Como a imagem produz sentido e condição de leitura, proponho, rapidamente, alguns
recursos para a leitura da capa das coleções. Tendo em mente que essas destinam-se à
contemplação e ao entretenimento, mas podem ser compreendidas em duas etapas: "1) o
momento de sua elaboração e, 2) o momento da apropriação/produção dos sentidos pelos
sujeito-leitor. O produto desses momentos pode ainda sofrer intervenções de acordo com o
suporte no qual circula" (TASSO, 2005: 133).
A capa de quaisquer um dos exemplares estudados requer uma interpretação e essa não
é facilmente efetuada se o consumidor em questão julgar que é equivalente à leitura. A imagem
(fotografia ou desenho) deve ser singular e apresentar aquilo que se concentra nas páginas
narradas, não deve ser apenas um chamariz. A imagem pode ser denunciante. Na opinião de
Tasso
[o] controle exercido pela Igreja sobre produções artísticas demonstra que ela
circunscreve a imagem de temas bíblicos a um campo discursivo,
considerando, portanto, que a imagem produzida sob tais condições é dotada
de enunciados opacos e transparentes, cujas regras de possibilidade podem
pôr em jogo não apenas o que está dito, mas podem ir além das relações de
similitudes (2005: 136).
As imagens presentificadas pelas capas das coleções colocam à disposição do
consumidor situações sedutoras, agressivas, apelativas e erotizadas. A função da imagem nas
17
Benicio - Um Perfil do Mestre das Pin-ups e dos Cartazes de Cinema (formato 16 x 23 cm, 240 páginas, sendo
16 coloridas, R$ R $ 49,90), do jornal is t a Gonçal o Ju ni o r, p ubl i cad o pelo CLUQ..
65
capas é a de atrair e fazer com que o consumidor identifique-se ou projete-se na imagem
vendida, que o consumidor recrie-se a partir dela por alguns momentos. E não é possível
controlar os diferentes sentidos que uma imagem pode provocar. Como todas as coleções
apresentam a primeira capa com alguma imagem, penso na necessidade de uma prática de
leitura não apenas textual, mas principalmente imagética. Sustento que o consumidor capaz de
ler a imagem criticamente é um leitor autônomo. Ciente de que os processos de leitura da capa
exigem observação, contemplação, descrição e interpretação, busco respaldo em Tasso:
A leitura de uma imagem, seja com o objetivo de descrevê-la, seja com o
objetivo de interpretá-la, sob a perspectiva de suas regras de for mação, é uma
atividade complexa, porque exige daquele que a executa não só
conhecimentos relativos às estratégias e aos recursos empregados em sua
composição como também os das relações com outros discursos. Esses
conhecimentos, em geral, são específicos às áre as de comunicação, artes e
letras e não se encontram à disposição do público leigo e interessado,
sujeitos-espectadores não pertencentes ao mundo artístico e no qual se
incluem os profissionais da área educacional. Isso tudo impõe tanto
limitações a toda e qualquer forma de investigação sobre o 'modo de ser' de
representações da natureza plástica e midiática como restringe o número de
pessoas que poderiam estar envolvidas com essa materi alidade visual no
ambiente escolar e fora dele (2005: 138).
Se a imagem restringe o número de leitores-agentes-críticos, como entender os
processos efetuados por consumidores das coleções em foque? A imagem tem função apenas
decorativa? Mas se assim for, como entender as compras efetuadas por conta das capas?
Vejamos.
Cunha (1999) pesquisou [ex]leitoras de M. Delly na cidade de Florianópolis e empresto
de uma de suas leitoras pesquisadas, protegida pela denominação "Sra. E", para recuperar,
desde as primeiras décadas do século XX, a importância da capa na escolha/compra de
exemplares. A recepção da "Sra. E" é significativa e a confissão diz o seguinte: "Eu gostava de
ler aqueles livros porque as capas já me atraíam, eram muito sedutoras. Às vezes, eu preferia
ficar sonhando olhando a capa, do que ler a estória ali contada" (1999: 53). A "Sra. E" não será
analisada, devido a informação ser ofertada a Cunha. Para esta pesquisadora:
O romance Mitsi, edição de 1956, é o volume de número 158 da
Coleção Verde e também bastante conhecido e lembrado pelas ex-leitoras.
Sua capa já encerra diferenças: sobre o mesmo fundo verde apresenta apenas
uma figura de mulher morena, de cabelos negros e curtos, usando grandes
brincos dourados e discreta maquilagem. Suas roupas em nada lembram as
clássicas heroínas de M. Delly. São roupas vistosas e de cores berrantes
66
(vermelho, verde, amarelo) que mostram as formas femininas: Mitsi tem seio,
por exemplo!
A representação de uma figura fe minina emoldurada que ocupa toda a
capa do livro dá idéia de independência e o seu olhar não me autoriza a
imaginá-la uma 'donzela'. Mas uma mulher decidida, dona de um 'olhar
calculado' o que mereceu, por sinal, de uma entrevistada, a seguinte opinião:
Mitsi era uma mulher de fibra, enfrentou muitas
dificuldades, mas acabou conseguindo sua
felicidade. (Sra. E., Ent. 3)
Essas observações confirmam-se, tanto pela capa como pelo
próprio texto do romance que apresenta[(trotagonvispa cu)-8(m)8(o)-2 rm
maindoa1 idéia
67
fomentadoras de comportamentos exemplares (ou tentativa de) é possível afirmar que as
funções exercidas pela capa produzem significação diversa.
Tasso considera que
[...] às especificidades da linguagemo-verbal, relativas aos gêneros verbo-
visuais pertencentes aos paradigmas da imagem: pré-fotográfico e
fotográfico, tenham demonstrado como e por que as fotografias, as histórias
em quadrinhos, as tiras de humor e as ilustrações, em articulações
intersemióticas e nas perspectiva lingüístico-discursiva produzem sentidos
(2005: 164).
A autora apresenta em "Linguagem não-verbal e produção de sentidos no cotidiano
escolar" algumas propostas de leituras imagéticas e reúne três níveis de leituras: 1) nível
icônico-sensorial; 2) nível noemático e, 3) nível do estudo da imagem fotográfica. Para esses
três níveis a autora propõe questões: 1) O que sinto diante desta imagem? De quais elementos
ela se constitui? O que ela parece dizer?; 2) Como o texto diz isso que aparenta dizer?; 3) Por
que esta imagem fotográfica diz o que diz? Elencadas essas indagações a autora apresenta
outros passos de leitura da imagem e defende que essas informações podem mudar a percepção
inicial do leitor.
De posse dos instrumentos de leitura da imagem e do texto verifico as capas do
exemplar Mitsi, de M. Delly. A primeira capa (fig 1A) corresponde ao exemplar estudado por
Cunha, a segunda (fig 1B), ao corpus dessa dissertação:
Figura 1A Figura 1B
68
A primeira imagem representa a capa da edição de 1956 e a segunda, da edição de
1987. Depois de olhar as duas imagens por alguns minutos dou-me conta de que qualquer
leitura que faça será perpassada por reivindicações reflexivas pautadas no texto lido. Não me é
mais outorgado o mesmo tipo de reconhecimento com que contava antes de conhecer o texto
narrativo que compõe Mitsi. Talvez a informação mais válida seja a de ter acreditado que a
heroína do romance homônimo era loira. Engano mantido nas primeiras páginas de leitura do
texto, haja vista que a narrativa inicia-se com a apresentação de Florine (loira) e não com Mitsi
(morena).
A confrontação das capas serve para afirmar a sua improdutividade para direcionar
leituras pertinentes do texto. De qualquer forma é claramente detectável que a figura 1A
valoriza a mulher sedutora e autônoma. O fundo da capa é análogo a ambientes profissionais e
a forma como se coloca a mulher dá a entender que se trata de um espaço denotativo da
autoridade feminina mesclada com a indiferença verificada no olhar. Aparenta uns 30 anos e
de forma alguma remete à descrição da heroína do romance. Mitsi nem sequer chega a tal
idade na narrativa, além do que faz uso de cores escuras (por exemplo, marrom) na fase pobre
e cores claras (por exemplo, lilás) e apagadas quando é reconhecida sua situação familiar e
financeira.
a figura 1B poderia ser associada à personagem Mitsi em alguns aspectos: cor da
roupa, nobreza e ingenuidade. O olhar para o horizonte pode ser lido como uma mulher
sonhadora e ingênua, mas dona de alguma vontade já que o olhar não está para baixo. A beleza
clássica remete a leitura a uma narrativa de princesa e os adornos e penteado reforçam a idéia
de que haverá uma princesa na história. Porém, o mais chamativo é a brancura da mulher. Essa
capa é tão enganosa quanto a primeira.
A descrição da personagem não faz evocar nenhuma das capas. A capa de Mitsi é um
texto e o texto de Mitsi é outro texto. Em tese eles não dialogam. Mitsi não é uma mulher de
fibra, mas sim uma vítima de maldades excessivas que são cabíveis nas histórias romanescas.
Mitsi é dona de uma sensualidade que leva o homem a querer tomá-la para si, primeiro como
amante, depois como esposa. Porém seria amante por diferenças financeiras e não por
vulgaridade, facilidade. Quando reconhecida sua "nobreza" ela galga de possível amante (ato
recusado) ao posto de esposa. Não é "alva" como a capa de 1987 e nem "sensual" como a capa
de 1956. É frágil e precisa do homem para salvar-se da morte, é incapaz de fugir das agruras,
requer cuidados o tempo todo; precisa ser protegida e "guardada" dos perigos representado
pelo assédio do patrão (que é primo em primeiro grau e depois vem a ser esposo).
69
Das duas vezes que tentou fugir caiu em malogro. A primeira indo para uma floresta e
tomando chuva (o próprio ato de ir para floresta já induz ao querer "perder-se" para ser
encontrada), a segunda, quando não é capaz de perceber as maldades do tutor e pede a ele para
ajudá-la.
Se para Cunha, Mitsi é "a idéia da 'mulher de fibra', [...] o imaginário de uma mulher
sensual, decidida, diferente das frágeis, alvas e cândidas heroínas freqüentemente retratadas
por M. Delly" (1999: 61), a meu ver, Mitsi é uma heroína morena com todas as demais
características das alvas. Mitsi é construída com auréola do fatalismo. É herdeira de uma
fortuna e não tem conhecimento, é linda e todas as outras mulheres tentam agredi-la de alguma
maneira, é inteligentíssima e possui uma voz maravilhosa e, no entanto, é coagida a ficar em
uma casa que ela não deseja. Resumindo: Mitsi é frágil (incapaz de efetivar uma fuga ou
enfrentar os problemas, provoca nos homens o desejo de protegê-la e não de domá-la), confusa
(fugiu duas vezes sem conseguesaopié éá-la)Mar5 Tc Olavoa0.0737 Tw -21.54 -18925 Td[(u3acterístisi ente dro não Tc (á-)h)6(e)5(roh)618412088 Tw 121.54 -19925 T17.741 induz aoddesdesda,tidde de um)0008 Tcla)n, nto, Tc 351 cap.1483 Tw 13.3253 Tw1.955 T17.741 rentar os prCris. anr-se retdadesna m dom demt(199aem)9usa
70
— lingüística, pois emprega um certo padrão expressivo, mais ou menos
coincidente com a norma gramatical privilegiada, o que decorre tanto de sua
educação, como do espaço social em que transita;
— literária, proveniente das leituras que fez, de suas preferências e da oferta
artística que a tradição, a atualidade e os meios de comunicação, incluindo-se
aí a própria escola, lhe concedem (1984: 103).
Há, além da leitura da imagem (capa), outros usos dos subcódigos apresentados por
Eco (1993). Disponho cinco situações dentre quatro das coleções presentes na amostragem,
para exemplificar outra maneira de a imagem (leitura) ser produzida. Ciente de que os
subcódigos são acionados no momento da leitura, apresento alguns trechos narrativos para
exemplificação:
Ela vestia uma calça estampada, boca de sino, e um sensacional bustier
quase tão diminuto como a peça superior de um biquíni, o que permitia ver
porções generosas de sua pele magnificamente dourada pelo sol. Os
ondulados cabelos negros e os estupendos olhos azuis completavam aquele
espetáculo de sua esplêndida beleza (A hora e a vez, 1979: 12).
Ela é Brigitte Monfort, a agente Baby, da CIA. A característica do excerto remete à
beleza "natural" da agente. Entretanto, poucas páginas depois, ela
[d]eteve o carro, recorreu à sua maletinha vermelha e a parte de sua bagagem,
e, dentro de seis minutos, a metamorfose tinha-se realizado: a linda jovem de
olhos azuis e cabelos pretos transformou-se em outra, também linda, mas
loura e de olhos verdes [...] (A hora e a vez, 1979: 26).
Os fragmentos acionam o que Eco (1993) chama de subcódigo estético, porém,
acionam, ao mesmo tempo, o subcódigo erótico haja vista a roupa usada por Brigitte Montfort.
A calça boca de sino não está nas vitrines de hoje; já esteve, no entanto, pelo menos por duas
vezes, em épocas diferentes. Ressalto, para explorar o subcódigo erótico, apesar de não
contemplado pelos trechos escolhidos, o fato de a agente ser exímia na utilização de uma
pistola e capaz de usar todo o arsenal bélico existente.
Na transcrição de Eco ficou evidenciado "o homem de pano preto no olho" (1993: 377)
e o fato de, para o autor, essa descrição ser possível de comparar ao h omem r omâ nt ico . Fa ço
uso do mesmo estilo de texto para focalizar, no entanto, o subcódigo iconológico, não o erótico
previsto no exemplo de Eco:
71
E tôdas as cabeças se voltaram bruscamente para o ponto de onde o
disparo partira, ficando imóveis naquela posição.
Um cavalheiro sorria, mas de modo ameaçador, de frente para a
multidão bestial, e com um revólver em cada mão. O sol arrancava reflexos
metálicos das suas armas. Mas não eram elas que faziam aquela gente
imobilizar-se, e sim o fato de já terem identificado o cavaleiro, cujo rosto
estava oculto por uma meia-máscara negra.
Um calafrio percorreu todos os corpos, enquanto alguns dos presentes
conseguiram sussurrar:
— O "Coyote"! ( O falso coyote, 1971: 24 - destaque acrescentado).
Neste caso, a máscara negra representa o poder e a Lei pela mão do homem. O fato de
todos os homens temerem a presença do "Coyote" demonstra a tradição conotada pela fama de
justiceiro do cavaleiro. O uso de dois revólveres denota o poder desse homem.
Um outro exemplo, dessa vez retirado de romance de mocinha visto os anteriores serem
de romance de mocinho, de subcódigo iconológico:
Elly, de quatro anos, ajoelhava-se em uma das cadeiras onde o tio a
colocara antes de ele e Simon irem ao chuveiro. Elly tinha uma tigela a sua
frente, e comia. Seus cabelos encaracolados, de u m louro avermelhado,
pareciam não ter sido penteados desde que chegara à cas a de tio Mac. Simon,
de um ano e meio, que também tinha cabelos crespos e avermelhados,
sentava-se sobre uma pilha de livros e estava amarrado na cadeira com u ma
gravata que passava por baixo de seus braços e era atada nas costas
(Aprendendo a ser pai, 2001: 9).
Pela tradição, a primeira observação conota o fato de essas crianças não serem bem
cuidadas, o fato de ser um homem o responsável por elas denota a incapacidade de fazê-lo
adequadamente. Por essa razão a necessidade de uma figura feminina, isso porque o homem,
nas narrativas de massa, é construído de forma a evidenciar a importância da mulher como
mantenedora do lar e da governabilidade educativa das crianças. Mas, além disso, a beleza das
crianças aciona outro subcódigo, o estético.
Para encerrar as apresentações dos subcódigos, tem-se outro exemplar de romance de
mocinha:
Beth deixara a cama com um sorriso e logo se despira totalmente,
revelando a pele branca como leite e os mamilos rosados nos seios firmes.
Começara então a usar dois dos frascos de sua coleção para lavar os
cabelos, e outro para o rosto, além de mais outro para o corpo, mergulhando
em água tépida (A lenda de um amor, 2005: 22).
72
Esse pequeno trecho serve para exemplificar diversas leituras acionadas por diferentes
leitores. A leitura depende da informação, do conhecimento de mundo do leitor, a leitura se
atualiza ou enriquece, ou enfraquece, de acordo com quem a faz. Se o leitor dessa passagem
for um homem, o primeiro subcódigo acionado pode ser o erótico desde que coadune com sua
ideologia. Se uma mulher, pode revelar apenas o ritual de muitas mulheres na atualidade (ou
pode incitar desejos homoerotizados).
A imagem representa a possibilididade de compreensão já para o leitor não-
alfabetizado, ou seja, creio que as capas dessas coleções ratificam a inferência de essas
coleções serem projetadas para consumidores/leitores que não sabem fazer uma leitura
iconografia crítica. Dessa forma, a leitura da imagem e do texto resulta na afirmação:
[...] a prática de leitura é exercida co m o objetivo de que o leitor iletrado
apreenda os sentidos circunscritos nessa representação simbólica, sob as
mesmas condições nas qu ais se encontra submetido o leitor que detém o
domínio do código verbal e da escrita. O comentário a respeito do perfil do
leitor [gente comum] a que se destina a obra [imagens] destaca as
propriedades atribuídas às linguagens verbal e imagética, ressaltando, na
segunda, a propriedade singular de presentificar aquilo que se encontra
representado em cena. Esses fatores for am relevantes para a Igrej a alcançar os
objetivos por ela propostos, bem como instituir e difundir a idéia de que a
imagem destina-se a ignorantes e iletrados (TASSO: 2005, 135).
Se o consumidor das coleções estudadas entrar no jogo mercadológico de guiar suas
compras pela capa das coleções, ele deverá ter em mente que essas, normalmente, apresentam
cenas não encontradas no processo fabular. Porém, seria interessante se esse consumidor
confrontasse a leitura da capa à leitura do texto e a partir dessas leituras efetuasse a
compreensão do universo de valores impostos como ideais pelo objeto lido; esse
posicionamento é possível; afinal, creio que a qualidade do leitor não depende da qualidade do
objeto que ele lê.
73
2.3.1 As cartinhas
É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer
deparar-se com aquele que se torna o "seu" livro
(Ítalo Calvino).
Vejamos como as editoras iniciam o diálogo com o consumidor. Vejamos, ainda, como
as cartinhas presentes nas coleções podem ser lidas por leitores com formação acadêmica
(graduação, mestrado). Por ser o romance de M. Delly a base desse estudo, apresento uma
carta retirada do estudo de Nogueira (1993) e faço uso da leitura de Nogueira a essa carta para
adentrar ao território projetado por cartas presente nos romances de mocinha. Na seqüência,
tomo emprestada uma análise efetuada por Cabanhe (2004) para expor carta retirada do
romance de mocinho.
Nogueira analisa, em sua dissertação, a carta do editor Antonio Figueirinhas no
prefácio de uma edição de M. Delly em novembro de 1924. A autora transcreve a carta do
editor como autoridade quanto à qualidade moral das narrativas de M. Delly. A carta:
Eu nunca li um romance que me desse tamanho prazer espiritual, um
encanto tão vivo como A exilada de Delly.
As outras obras da autora (sic) são fo rmosas, mas nenhuma me fez uma
impressão a um tempo tão terna e consoladora.
É que este livro é absolutamente casto, tocante, realista, leve e artístico.
A sua leitura deixa-nos sempre uma lição clara de bondade e saúde de alma.
Quer-me parecer que só um alto espírito de mulher (sic) poderia tecer, co m
aquella leveza e graça, páginas tão puras e deliciosas.
[...]
A figura esplendida de Myrtê é uma grande lição e um formoso retrato
uma estampa completa de virtudes. [...]
[...]
Ali não há sombras de respeitos humanos: há uma consciência ao serviço do
dever, sem uma ruga, sem um artifície.
É a grandeza na simplicidade.
[...]
A tradução foi feita com o carinho com que vae (sic) ser editada, e com o
enthusiasmo com que vae (sic) ser lida (destaque e supressão acre scentados,
1993: 15-16).
Nogueira considera que no começo do século XX M. Delly era levado a sério e o
testemunho pessoal do editor Figueirinhas é lido por ela como "surpreendente" (1993: 16). A
pesquisadora usa a carta do editor para ratificar a importância dos textos de M. Delly.
74
Cabanhe (2004), na revista Rabiscos de Primeira, assina o artigo "A Leitura popular
dos romances de farwest em Campo Grande: o texto e seu uso" e focaliza as práticas de
leituras de romance de farwest mediante uma análise semiótica. Empresto da leitura efetuada
por ele de uma carta ao leitor do romance de mocinho, constatações desejadas para o
consumidor crítico. A carta foi extraída do romance Escravos da Cobiça, de Tony Charles,
editora Publimaq. O pesquisador não divulgou o ano do exemplar. Cabanhe antecede a carta ao
leitor a afirmação de que a carta é apelativa. A carta:
Prezado leitor
Os livros de bolso também subiram de preço. E subiram muito. Todavia,
ainda continuam sendo vendidos a um preço inferior ao de um maço de
cigarros de custo médio. Editar livros de bolso há muito deixou de ser um
negócio regular; bom nunca foi, para ser a continuação de um costume, uma
devoção, quase uma paixão.
Enquanto tivermos fôlego para editá-los, nós os mandaremos para todos os
rincões do país, esperando que nossos amigos leitores continuem a nos
prestigiar com sua preferência (2004: 56).
Cabanhe assinala que a estratégia de manipulação do leitor é clara. O editor começa de
maneira formal com "prezado leitor" e logo após faz uso do "amigo". A leitura de Cabanhe é
crítica e aborda questões pertinentes ao uso do poder feito pelo editor. Empresto de Cabanhe,
ainda, a informação quanto aos leitores encontrados por ele:
O que nos parecia uma literatura masculina revelou-se, para nossa surpresa,
que o é, também, preferência do público feminino. Constatamos que essa
leitura é rotulada como cultura inútil, de pouco prestígio. Essa constatação se
deu quando os indivíduos leitores, procurados para esta pesquisa,
evitavam admitir o gosto por essa prática. Esse contingente de leitores é
composto por militares, aposentados, moto-táxistas (sic), cobradores de
ônibus, balconistas e alguns estudantes (2004: 57 – destaque acrescentado).
A meu ver, é menos comum encontrar um leitor do sexo masculino com um romance
de mocinha que o inverso; no entanto, a literatura estudada não pode, efetivamente, ser
afirmada como romance de mocinha ou romance de mocinho como condição de exclusividade
de leitura do gênero masculino ou do gênero feminino. Ou seja, o observado por Cabanhe se dá
para os dois exemplos de romances, ainda que Cabanhe tenha estudado o que se tem por
romance de mocinho.
75
Para encerrar as leituras analíticas, procuro expor como essas narrativas são lidas em
trabalhos acadêmicos. O título da dissertação de Nogueira (1993) afirma uma releitura do texto
delliano. Busco, assim, a conclusão da pesquisadora:
Delly foi, antes de tudo, Belle Époque: os seus textos mais antigos e
'exemplares' mostram bem isso. [...]
Assim não parece justo, nem apropriado, querer-se ler Delly com as
chaves de hoje. A sua leitura mais adequada deve ser sincrônica: vista no
contexto de uma época precisa e definitivamente ultrapassada. Devemos
procurar 'ouvi-lo', tanto quanto possível, como o ouviam nossas avós. Porque
os títulos que permaneceram no mercado, sofrendo contínuas reedições ao
longo do tempo (alguns mais, outros — não há dúvida — bem menos valiosos
e significativos), seguramente remetem a uma leitura que se perdeu.
Não estamos, porém, diante de antiguidades tais como uma bela estátua
mutilada ou um mosaico a que faltassem inúmeras peças, restos que tentamos
recompor às vezes pela imaginação. Est amos às voltas com textos modernos,
de no máximo oitenta anos (de ainda 'ontem'), de uma escritura conhecida.
[...]
É esse valor à margem que, para ser mais justos, devemos tentar
alcançar. Pois o que de mais importante restou de Delly é algo inefável: a sua
lição. Mas fique aqui registrado que vale a pena o esforço dessa tentativa de
acertar o 'tom' do texto delliano. Porque essa releitura é uma viagem, de
conhecimento e de reconhecimento (1993: 234-235).
Os argumentos usados por Nogueira permitem entender a leitura da pesquisadora como
uma leitura de reconhecimento. No passado, a pesquisadora leu M. Delly e o ato de reler
poderia permitir algumas decepções, fato comumente observado por leitores quando retomam
leituras com algum distanciamento no tempo. Contudo, a pesquisadora não se choca com o ato
de reler, não se desconforta com o lido no passado.
Finalizo o capítulo sintetizando alguns posicionamentos.
Dieter Wellershoff, ao estudar a literatura pelo viés do mercado de livros e da indústria
cultural acredita que "os leitores temem porventura uma turvação da fruição artística" (1970:
44). Creio, com base nesse autor, essa turvação se daria se a literatura que ambiciona só o
mercado (vender) deixasse de diluir a produção (pocketbook e best-seller) comercializada e
exigisse do seu leitor uma leitura critica, não apenas uma leitura de entretenimento.
76
Para Marcuse "[o] alcance da escolha aberta ao indivíduo não é o fator decisivo para a
determinação do grau de liberdade humana, mas o que pode ser escolhido e o que é escolhido
pelo indivíduo" (1967: 28). Nesse sentido, o leitor que só consegue escolher dentre os
produtos veiculados pela indústria de entretenimento – diga-se, os livros desta amostragem
tem seu grau de liberdade limitado. Marcuse defende que "[a] livre escolha entre ampla
variedade de mercadorias e serviços não significa liberdade se êsses serviços e mercadorias
sustêm os contrôles sociais sôbre uma vida de labuta e temor — isto é, se sustêm alienação"
(1967: 28).
A industrialização da mercadoria se estende ao consumidor. A Babel de possibilidades
requer da própria Babel uma direção para o que comprar. Essa direção é cambiada pelo poder
aquisitivo e cultural, mas não é desvinculada do poder social. Essa situação quando é
focalizada por meio dos produtos estudados nesse trabalho é bastante preocupante; é o lado
negativo das promessas não cumpridas que geram novas promessas e novos consumos. Esse
mercado reduz a resistência temporal da publicação já que segue a seguinte condição de
existência: "ontem impresso, hoje lido, amanhã esquecido" (KUNERT, 1970: 4).
A construção do discurso romanesco parte de pesquisas elaboradas pelas editoras e se
legitima pela compra desenfreada de produtos similares. A produção de narrativas de massa é
comandada pela estrutura do mercado e as condições de recepção antecipadas são parte das
condições de produção. Essa antecipação é um cálculo consciente, é resultado de uma relação
prolongada com as leis do mercado de livros e funciona como um sentido da aceitabilidade.
Por isso, as narrativas de massa funcionam nos mesmos padrões das telenovelas, porque
respondem a procuras "diferentes" no mesmo mercado de narrativa de massa. A indústria cria e
depois atende a uma demanda objetivada por si mesma. Essa demanda não é uma variável
independente e surge por uma série de condições econômicas, sociais e históricas, que
produzem tanto as mercadorias, quanto seus consumidores.
A necessidade de uma postura crítica em relação ao consumo de narrativas de massa
torna-se necessária, mas antes, é preciso entender que esses produtos não se vinculam com o
universo do leitor sempre de uma maneira superficial, mas, às vezes, utilizam estratégias
fabulares que parecem históricas em contraposição aos produtos canônicos e que dão conta de
aproximar o mundo do leitor ao universo narrado de maneira envolvente e fantasiosa. Assim, é
necessário um aparato teórico que não tome a narrativa de massa como um fantasma, mas que
procure responder a suas relações com o consumidor.
Ao entender que os interesses econômicos e ideológicos que cercam o segmento
popular constituem uma das faces do fenômeno consumista criado pela indústria
77
mercadológica preciso reconhecer que um produto desse meio não é uma mercadoria qualquer,
porque analisá-lo não é limitar-se ao controle econômico, social, cultural, político e
psicológico inerentes ao consumo dessas coleções estudadas.
As narrativas (romance de mocinha e romance de mocinho) caracterizam-se pela
exacerbação de formas e formatos que se reduzem aos arquétipos sociais e culturais já
sedimentados no imaginário. Apresentam enredos que valorizam a emoção em detrimento da
discussão social ou informativa; a exploração do romanesco; a valorização de conteúdo
amoroso-erótico; o desenvolvimento fundamentado no desnivelamento sócio-econômico-
cultural, mas conciliatório no papel e na representação das fantasias amorosa-eróticas.
Quanto ao conteúdo dos romances, creio que é preciso enfrentá-los. Penso que partir
deste tipo de literatura é, também, ajudar o leitor a compreender o universo de valores que ele
julga (foi levado a julgar) serem os ideais. Ao defender que este tipo de literatura é um
caminho válido para a Educação e a formação do leitor crítico, não reitero a posição da
indústria cultural, não defendo um gosto e uma classe social dominante; defendo a
possibilidade de, a partir do gosto, o professor intermediar outras leituras. Se essa é uma
posição iluminista, penso que é possível permitir ao consumidor desse produto que ele se
divirta lendo; afinal, "[...] divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola
do processo social em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável
de toda obra, mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo (Adorno;
Horkheimer: 1985: 135).
A contraposição Adorno/Horkheimer e Garcia Canclini já inserem minha descrença em
um posicionamento apocalíptico ou integrado. Diante do aqui apresentado não dá para eu me
designar apocalíptica ou integrada, penso que é necessário conviver com o mal-estar de ficar
na posição intermediária. A meu ver, os desafios da Educação, hoje, passam pelo
reconhecimento da necessidade de um enfrentamento da leitura dos produtos da indústria
cultural. Se porventura o professor disser que os alunos de hoje não lêem objetos como os
estudados, provoco: se não lêem, como explicar o fato de, só a editora Nova Cultural, publicar
38.000 exemplares de cada uma de suas coleções mensalmente? Talvez o aluno não leia hoje
mas, certamente, lerá amanhã, haja vista a não-formação do leitor crítico que passou pela
escola.
Reitero a necessidade de um diálogo entre literatura marginal e literatura canônica;
esses passos podem servir-se dos romances estudados desde que sejam utilizados por um
professor produtor, não por um repetidor de orelhas e resumos. A meu ver, essas coleções são
direcionadas a um leitor ideal e esse é aquele que não está preocupado com questões críticas ou
78
sociais, busca apenas o divertimento. Mas acredito que a melhor diversão é aquela que se sabe
do que se ri, ainda que o riso seja amargo.
Encerro o capítulo citando Jorge Luis Borges:
Acho a frase 'leitura obrigatória' um contra-senso. A leitura não deve ser
obrigatória. Devemos falar de prazer obrigatório? Por quê? O prazer não é
obrigatório, o prazer é algo buscado. Felicidade obrigatória! A felicidade, nós
também buscamos. Fui professor de literatura inglesa da Universidade de
Buenos Aires e sempre aconselhei a meus alunos: se um livro os aborrece,
larguem-no; não o leiam porque é famoso, não leiam um livro porque é
moderno, não leiam um livro porque é antigo. Se um livro for maçante para
vocês, larguem-no; mesmo que esse livro seja o Paraíso perdido — para mi m
não é maçante — ou o Quixote — que para mim também não é maçante. Mas,
se há um livro maçante para vocês, não o leiam: esse livro não foi escrito para
vocês. A leitura deve ser uma das fo rmas da felicidade, de modo que eu
aconselharia a esses possíveis leitores do meu testamento — que não penso
escrever —, eu lhes aco nselharia que lessem muito, que não deixassem
assustar pela reputação dos autores, que continuassem buscando uma
felicidade pessoal, um gozo pessoal. É o único modo de ler (Borges para
millones, entrevista feita na Biblioteca Nacional, em 1979).
O segredo é ler. Quanto mais se lê, menos livros são feitos para não serem lidos. Aliás,
é preciso entender que o fato de um livro não ser feito para A ou B também pode ser lido como
exclusão se A ou B não tiver condições cognitivas de entender tal livro. A questão do gosto
não é excludente, é classificatória. A questão do "não foi escrito para você" pode ser
eliminatória, mas não pelo gosto, sim pelo aspecto cognitivo. É necessário que todos os livros,
traduzidos ou não, da língua materna sejam feitos para A e que A escolha quais desses livros
ler. Não é necessário que A goste de livros técnicos ou quaisquer outros, mas que A tenha
condições de dizer a razão de não gostar. Se A não tiver competência lingüística para ler tal
livro, se A não tiver condições de apreciá-lo ou refutá-lo pelo que traz, A, sabidamente, não é
contemplado pelo exemplo de Borges.
Prova: Dos contextos e textos
80
3.1 A redução diegética e a ação romanesca (as buscas do herói ou da
heroína)
Ao princípio era a Ação! (Goethe).
A diegese é a realidade própria da narrativa (ficção), à parte da realidade externa de
quem lê. O tempo diegético e o espaço diegético são, dessa forma, o tempo e o espaço que
decorrem ou existem dentro da ação. Assim, entendo por redução diegética, nas literaturas
narrativas de massa, a falta de ênfase ou a falta total de descrições (ubi
19
), de explicações
filosóficas, sociológicas, psicológicas (cur
20
), de explanações historiográficas ou históricas
(quando
21
); ou seja, um texto exclusivamente ou quase exclusivamente centrado na ação e na
personagem.
Aristóteles descreve a tragédia como imitação de uma ação completa e elevada; sua
função é provocar por meio da paixão e do temor a expurgação ou purificação dos sentimentos
(catarse). As coleções estudadas, para se aproximarem da épica de Aristóteles, deveriam tratar
de situações bélicas grandiosas e, no entanto, os romances de mocinho, apesar do teor bélico,
apesar de alguns deles darem as ações das personagens masculinas como sinal do surgimento
de uma região ou até mesmo o progresso dela, apesar de os feitos das personagens serem
facilmente resolvidos quando a personagem masculina, às vezes as personagens femininas,
sacam de suas armas e matam os adversários antes mesmo que esses tenham tempo de levar a
mão ao Colt. Essa aproximação ainda é possível quanto à estrutura da narrativa, esta é
centralizada no narrador onisciente, com algumas focalizações nos diálogos das personagens.
De acordo com Aristóteles, "[s]endo a tragédia a imitação de homens melhores que nós,
convém proceder como os bons pintores de retratos, os quais, no intuito de reproduzir o
aspecto próprio dos modelos, embora mantendo semelhança, os pintam mais belos" (Arte
poética, capítulo XV).
Com todas as ressalvas permitidas ao gênero e também ciente da discrepância do objeto
modelo (tragédia) para o objeto copiado (corpus), essas coleções distanciam de tal maneira
suas representações humanas quanto as tragédias representavam seus heróis. Outro aspecto da
tragédia bastante utilizada nessas narrativas de massa é o reconhecimento. Esse é um recurso
presente no romance de mocinha e no romance de mocinho.
19
Ubi = onde.
20
Cur = por quê?
21
Quando (cuando) = quando = tempo.
81
No primeiro, é comum o reconhecimento ser a situação filial da personagem feminina a
recompensa em forma de uma herança. Mas há outros exemplos, como o fato de o pretendente
não estar interessado na fortuna da mocinha, já que o pai dela, cheio de dívidas, perdeu todos
os bens e só a mocinha não sabe que estão falidos. Cito esse para ficar no aspecto financeiro;
afinal, é costume nas narrativas de massa pessoas com situações financeiras elevadas. No
segundo, o reconhecimento também pode ser de ordem financeira, mas o mais usado é o fato
de reconhecerem na personagem masculina a honradez e a perícia no manejo do revólver.
Nesse aspecto, é freqüente as narrativas fixarem-se em qüiproquós que norteiam as
personagens para confusões que deverão ser reconhecidas e esclarecidas ao término da
narração. O desfecho quase sempre é carregado de simulações sociais com vista a desencadear,
de forma repetitiva, emoções no leitor ao longo do processo narrativo. A narrativa de massa
simplifica o enredo a tal ponto que se centraliza, normalmente, na ação ou na personagem, e
essas não desviam a atenção sobre si, mas permitem antes a percepção sobre o processo
fabular.
Como ensina Benjamin, "o herói é o verdadeiro objeto da modernidade. Isso significa
que, para viver a modernidade, é preciso uma constituição heróica" (1989: 73). Ainda que seja
possível encontrar heróis e heroínas "modernos", alguns traços que confirmariam a
"modernidade" não foram encontrados nas coleções estudadas. Entendo que, como apresenta
Benjamin, se, para Charles Baudelaire, desde As flores do mal, a lésbica é a heroína da
modernidade, para o público consumidor dessas coleções, essa heroína ainda não é realidade.
No entanto, o fato de a jovem Brandy, do romance de mocinha Encontro mágico, ser apontada
"lésbica" por levar uma vida intelectual e reclusa, acena para a inserção da homossexual
feminina.
A união homoerótica não está presente nas relações protagonistas, porém há indícios de
que ela vá chegar aos seus leitores. Em algumas histórias é possível encontrar um pouco de
"conflito" na construção da personagem masculina que se sente apaixonado por um rapazote;
porém, esse rapazote nada mais será que uma jovem belíssima disfarçada de homem para fugir
de alguma situação complicada a uma mulher. Assim, neste trabalho "[o] herói, por
conseguinte, é o homem ou a mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais
e locais e alcançou formas normalmente válidas, humanas" (CAMPBELL 1992: 28). E adoto
82
para o anti-herói/anti-heroína aquele que reforça as qualidades do herói/heroína. Dessa forma,
para estabelecer a morfologia, o herói é a personagem que sofre ou causa a ação, "a
personagem que aceita reparar a desgraça, ou responder à necessidade de outra personagem"
(PROPP, 1983: 93).
Ao traçar o perfil das personagens masculinas, tanto do romance de mocinha, quanto do
romance de mocinho, foi possível constatar que mesmo quando a narrativa quer dar a entender
que passaram por alguma transformação, não apresentam nenhuma configuração que permite
lê-las como pertencentes a um processo de crescimento dentro do desenvolvimento na
construção fabular. Algumas narrativas possuem personagens que permitem saber que o herói,
ou a heroína, vivenciaram algumas mudanças e essas são as razões que justificam
determinadas atitudes comportamentais adotadas no convívio com a sociedade ou a relação
com o sexo oposto, mas, pelo menos nas narrativas lidas para esse diagnóstico do perfil, não
foi possível encontrar sequer um exemplar que apresentasse a personagem sendo educada. Ao
contrário, as narrativas apresentam sempre a personagem já modificada, nunca em transição. E,
ainda quando o enredo se propõe a apresentar uma personagem em "modificação",
normalmente a fábula focará um "antes" e um "depois", com algumas passagens retomadas em
regressão do tempo "durante". Fabular sobre o "durante", que permitiria um olhar para a
formação da personagem, não é a modalidad e utilizada pelas coleções analisadas.
Quanto às personagens, apresentam-se prontas, acabadas. Neste sentido, o ensaio "O
problema do romance de educação" de Bakhtin, ao discutir a construção de um caráter e a
formação do homem, corrobora para afirmar sobre a classificação da personagem da narrativa
de massa seguir o mesmo "padrão" da maioria dos romances de formação estudados pelo autor.
A respeito das diegeses é necessário antecipar que é comum a união matrimonial de
homem e mulher em quaisquer das coleções. Elas reafirmam duas situações complementares
na tradição patriarcal: o lar é/deve ser a esfera de ação/preocupação da mulher; o espaço
público é/deve ser a esfera de ação/preocupação do homem. Ou seja, as narrativas incutem
uma divisão política tradicional, com um evidente alijamento das mulheres das discussões dos
aspectos políticos (da pólis) mais relevantes na sociedade e n a cultura.
A redução, no entanto, será mapeada nos resumos-montagens previstos para os itens
3.3.1 e 3.4.2.
83
3.2 A importância de M. Delly
A enorme família dos romances de Delly que
constituem, por si sós, um gênero literário e foram
os insuperáveis best-sellers de várias gerações
(Robert Escarpit).
Traduzido no Brasil entre 1935 e 1960, M. Delly foi um dos nomes que mais venderam
no gênero "romances para mocinha". Outras coleções, referentes ao período da coleção
Biblioteca das moças, também tiveram destaque. Afirmo, de empréstimo do estudo de Prado
(1981), que havia, em torno da década de 50, do século XX, alguma diversificação de
literatura narrativa de massa.
No estudo de Nogueira (1993) há uma apreciação das narrativas dellianas, uma defesa
do "preconceito" a M. Delly apenas por ser o texto assumidamente feminino. A autora
compara a popularidade de M. Delly a Alexandre Dumas e Eugène Sue ao comentar sua leitura
de Goldmann no Sociologia do romance. Ela entende, na exposição de Goldmann, "um
indisfarçável ranço preconceituoso" (1993: 6). Nogueira procura, a seu ver, desmistificar
alguns enganos sobre a narrativa de M. Delly como o fato de nem todo o romance de M. Delly
ser róseo, já que há romances que "cortejam o gênero noir e o policial, quando não ambos"
(1993: 9); nem todo o romance "sempre" acaba bem.
Das dezenas de romances de mocinha da amostragem (PROPP, 1983), nenhuma vez o
final, escancaradamente "feliz", foi substituído por outro. Não se despreza, no entanto, a
informação de Nogueira (1993); afinal, há sim romances com finais não felizes, mas são
minoria. Porém, a pesquisadora está ciente: "muitas são as faces de Delly, mas há um perfil
permanente" (1993: 14). Na concepção de Nogueira as produções de M. Delly possuem
matrizes mixadas:
Assim mesmo 'cansado' é possível que Delly, detentor de uma marca
consagrada, se tenha visto compelido pela própria dinâmica do processo de
sucesso a recorrer à mixage m de velhas matrizes ou talvez a permitir que
outros o fizessem para assegurar a sua presença no mercado. Pura
estratégia de marketing. Em certos momentos, a impressão que se tem é a de
que não é o Autor, 'ele mesmo', quem escreve. [...]
A propósito, ainda que tivesse havido alguma participação alheia na
produção desses romances, cabe lembrar que vários autores prolíficos
consagrados (Alexandre Dumas, por ex.) recorriam a auxiliares no preparo de
certos trechos de suas obras, mais ou menos como os grandes pintores
renascentistas dividiam o trabalho com seus aprendizes (1993: 57-58
destaque da autora).
84
O fordismo
22
atribuído à produção do corpus se caracteriza por ser um método de
produção em série. Mas, comparar a produção de M. Delly à produção de Alexandre Dumas é
usar medidas muito diferentes. No Renascimento, o mestre tem discípulos, mas detém o
controle da produção e o poder sobre o texto; na indústria cultural é a editora que detém o
controle e o autor não tem poder sobre o texto, pois deve se adequar aos limites estabelecidos a
priori pelas pesquisas de mercado. Essa é uma diferença significativa: a linha de montagem,
hoje, é industrial, e não artesanal. Por exemplo, Barbara Cartland
23
, bem como outros nomes
divulgados do gênero, é, pois, uma etiqueta, um rótulo que abriga um conjunto de funções
desempenhadas por outras pessoas, inclusive a função de escrever os romances que saíam,
depois de supervisionados por ela — ou não —, com a assinatura que vende no mercado.
Barbara Cartland é traduzida para mais de trinta países. No caso do corpus, a produção
orienta-se no sentido de colocar o produto no mercado de livros. É o consumo que orienta a
produção e não o contrário, como ocorre na produção de base fordista.
A respeito do aspecto levantado por Nogueira (1993) sobre a inocência e assimilação
das leitoras dellianas desses romances de mocinha, tem-se, rapidamente, Cunha (1999). Esta,
ao estudar as "armadilhas de sedução" nos romances dellianos, recupera a história de recepção
dessas traduções importadas da França via Portugal e que, nos anos de 1920, foram muito lidas
pelas jovens estudantes brasileiras ou pelas moças já escolarizadas. Cunha apresenta em seu
estudo que, no ano de 1926, o 1º Inquérito sobre leitura infantil demonstrou ser os romances
dellianos os preferidos de jovens. Essa preferência foi lastimada pela educadora Armanda
Álvaro Alberto, que organiza o inquérito e conclui, em 1928, na Revista Educação, que "as
péssimas traduções de romancistas franceses, alguns bem medíocres, são estimadíssimas"
(ALBERTO, apud CUNHA, 1999: 35).
Ainda, de acordo com a educadora e historiadora, baseada na pesquisa com ex-leitoras
da cidade de Florianópolis, esses romances "medíocres e estimadíssimos", ao fornecer
alimento para o imaginário da leitora, também formavam identidades porque as leitoras "eram
22
Na opinião de Gramsci, a introdução do fordismo encontra tantas resistências 'intelectuais' e 'morais' e dá-se em
formas particularmente brutais e insidiosas, através da coerção mais extrema. Para o exprimir em palavras
simples, a Europa quereria ter o tonel cheio e a mulher bêbada, todos os benefícios que o fordismo produz no
poder de concorrência, mantendo porém o seu exército de parasitas que, devorando massas enormes de mais-
valia, agravam os custos iniciais e deprimem o poder de concorrência sobre o mercado internacional. A reação
européia ao americanismo deve portanto examinar-se com atenção; da sua análise resultará mais do que um
elemento necessário para compreender a atual situação de uma série de Estados do velho continente e os
acontecimentos políticos do pós-guerra (GRAMSCI, 1978: 312).
23
Mary Barbara Hamilton Cartland, escritora inglesa, consagrada como autora de 723 romances (literatura
narrativa de massa), morre em 21-5-2000 , aos 98 anos, em Londres. No entanto, tem-se, no ano de 2004, título
assinado pela autora. Neste, Amor eterno (2004), não há menção de reedição ou publicação póstuma. Fatos como
esse, além da própria perenidade da literatura narrativa de massa, reforçam a produção em "equipe".
85
inevitavelmente 'educadas' e 'seduzidas' pela intensidade da fantasia que cintilava em cada
palavra" (CUNHA, 1999: 121). A autora salienta que, ao trabalhar sentimentos universais
como amor, felicidade, vergonha, contentamento, culpa e afeição, continuamente exaltados
nas histórias romanescas, vai se educando a sensibilidade das leitoras. Assim, "se no plano
real, as descrições, os cenários e os personagens pareciam remotos, no plano simbólico tudo
acabava fazendo sentido, porque, como nos contos de fada, a fantasia estava encarregada de
valores e sob a aparência de diversão veiculava muitos conteúdos" (1999: 121). Creio, em
desacordo com Cunha, que essas narrativas não apresentam, de fato, muitos conteúdos, mas
sim a repetição de um mesmo conteúdo, seja ele atualizado seja camuflado nessas coleções de
entretenimento.
Embora quando se fala em "formação" tendo por base as narrativas de massa, a
"formação" não possa ser lida pelos conceitos estabelecidos por Maas (1999), ela pode ser lida
por meio das experiências assumidas pelos leitores dessas coleções. É neste sentido possível
entender quando Cunha (1999) afirma que as narrativas de M. Delly foram responsáveis por
inculcar valores e formar identidades desejadas pelo poder patriarcal.
Esses conteúdos são sempre apresentados por meio de uma caracterização repetitiva
não só das personagens, como dos enredos. E, ainda que Cunha tenha estudado para a pesquisa
referida só os romances de M. Delly, reitero as mesmas constatações encontradas por ela: são
fórmulas que se repetem não só nas coleções de romances de mocinha, mas também nas de
mocinho.
Para Cunha:
Os testemunhos pessoais são um complemento para exemplificar os
diferentes discursos provenientes da leitura de um mesmo texto. São
depoimentos colhidos em Florianópolis e São Paulo com seis mulheres
professoras, brancas, de classe média e idades entre 48 e 66 anos. De modo
discreto ou mais explicitamente emocionadas, as leitoras foram abrindo as
velhas arcas, os velhos baús e foram p uxando de lá, diante dos meus olhos
estranhados, as lembranças sobre suas leituras de romances, feitas na
mocidade. As ondas sonoras que, aos borbotões, saíam de suas bocas,
cruzaram o meu espaço, propiciaram doces (às vezes, a margas) efusões,
evidenciaram que a leitura e, sobretudo, as lembranças dela, provoca m
sentimentos, têm ritmos e têm pausas. Por fim, desvelaram-me a figura de
uma leitora sentimental que, através da emoção e do enternecimento íntimo,
desejava partilhar seus livros e suas próprias leituras (1999: 19).
Antes de apresentar o resumo-montagem do romance Mitsi, esclareço o fato de Mitsi
ser classificado por Nogueira (1993) como pertencente ao primeiro estrato das produções de
86
M. Delly. Nogueira usa "D" para designar as for mas, tipos, tendências encontrados nos
romances analisados. Assim, na concepção da pesquisadora, os romances de M. Delly
apresentam três formas:
O D seria um texto em geral mais trabalhado, poético e por vezes
'precioso' (nos vários sentidos do termo), que privilegiaria questões
transcendentais. Nele aparentemente o Amor figura como o valor máximo
almejado, mas tão ampliado e idealizado que se reveste de um significado
maior e se confunde com o destino terreno / salvação espiritual (como faces
da mesma moeda) dos protagonistas (destaques da autora, 1993: 26).
O primeiro e mais profundo estrato, que terá por título 'vivendo o
sonho: la vien em mauve', caracteriza-se pela predominância do D e est á
ligado principalmente a Belle Époque, ainda que ultrapasse os limites
históricos do período. São os anos gloriosos, que se estendem de 1910 até
meados da década de 20 (destaque da autora, 1993: 29).
Aproveito para, embasada na pesquisa de Nogueira (1993), apresentar os três estratos
da narrativa de M. Delly, sendo, segundo a autora: 1) Vivendo o sonho; 2) A descida do
Olimpo e, 3) A sobrevida. Ao buscar identificar possíveis linhas fantasmáticas e moldes, a
pesquisadora tem a seguinte opinião:
A hipótese é que esse padrão existe. Que o conjunto da obra delliana, não
importa que concessões, com o tempo, tenham sido feitas ao público, guarda
uma fisionomia, um 'rosto' (traços particulares), uma alma em suma. Esta
espécie de 'traço unário', que distinguiria principalmente as produções de
Delly daquelas de outros autores do gênero, estaria em seu objetivo 'didático',
e mesmo sua intenção 'pedagógica'. De tal forma que muitos dos romances
nos dão, claramente, a impressão de querer nos ensinar uma lição. Lição que
não se assumindo como tal, é mais facilmente assimilada n uma leitura,
digamos, inocente. Que não se veja, aí, nenhuma suspeição de má-fé. Ao
contrário, acreditamos na sinceridade de Delly no caso. Bem menos que a voz
do establishment, o que captamos no texto delliano moralista ou 'exemplar' é
a marca de uma certa arte/um certo ideal de vida, sobretudo 'pessoal'
(particular, mas não forçosamente individualista), cristão e cortês (Nogueira,
1993, Introdução).
Passo, agora, ao resumo-montagem
24
do romance Mitsi que visa descrição e análise do
exemplar delliano. Prado (1981), ao propor um estudo dos romances de M. Delly, analisa 20
exemplares de romances dellianos, mas, dentre esses não consta o romance Mitsi. Nogueira
24
Para todos os casos de resumo-montagem, após o título do romance será inserido o ano do copyright e o ano da
publicação do exemplar estudado.
87
(1993) analisou 35 exemplares dellianos, sendo um desses Mitsi, que estava na terceira edição
em 1984. No livro de Cunha (1999), constam 32 exemplares dellianos, sendo um deles Mitsi,
do ano de 1956.
88
Figura 2 - Mitsi
Mitsi (1921-1987), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm [tradução], país de
origem: França, 204 páginas.
Em Mitsi, tem-se Mitsi, dona de "olhos extraordinariamente belos e vivos, de um
castanho dourado, rodeados de cílios longos e negros" (1987: 11). Possuidora de "uma voz
pura e aveludada [...] estatura um pouco acima da mediana, corpo delgado e flexível, rosto
89
pequenino e olhos castanhos dourados [...] alma pura como a de uma criança [...], moça
munida de uma excelente bagagem intelectual, de uma forte cultura moral, de uma grande
habilidade em confeccionar roupas brancas" (1987: 41). Ainda a caracterizam o fato de ser
"distinta, fina, perfeita física e moralmente" (1987: 42). Dona de um "rostinho fino, de tez
aveludada, daqueles olhos dourados sob arco sedoso dos cílios escuros" (1987: 63). "A alma
altiva, apaixonada e profundamente sensível de Mitsi revelava-se" (1987: 183). "O seu pescoço
esguio, de uma brancura baça, contornado por uma fita de veludo" (1987: 191 – destaque
acrescentado).
Toda a construção, física e emocional da personagem Mitsi é voltada para compor um
par perfeito com Cristiano. Sua "morenice", não comum nas personagens heroínas de então, é
seu atrativo no momento que a torna exótica aos olhos acostumados com peles alvas. A altivez
dará a ela a segurança necessária para ir contra as tentativas de Cristiano de fazê-la sua amante
e o seu comportamento maternal e prendado, junto a sua religiosidade e caridade, permitirá que
Cristiano seja regenerado de suas faltas morais e a compense com o casamento para,
finalmente, a constituição física, financeira e emocional dialogarem.
Para contrapor a Mitsi, tem-se Florine
25
, dez anos mais velha. "A amazona era jovem,
muito loura, de uma beleza incontestável. Os olhos de um azul intenso tinham muito brilho e a
frescura da tez podia sofrer qualquer confronto. Montava com garbo" (1987: 5) e lançava
"olhares inquietos e ardentes" (1987: 7) ao herói. Florine, "esbelta e flexível, era quase da
altura (sic) de Cristiano" (1987: 8). Dissimulada, Florine lança a Mitsi um "olhar inquieto"
[Mitsi está "muito" doente] e rapidamente é dona do "mais doce sorriso" ao ver entrar
Cristiano e esse distrai-se. "A beleza loura de sua companheira de infância, o seu sorriso
encantado, a sua toalete matutina, sabiamente escolhida, deixam-no indiferente..." (1987: 64).
Florine "exerce uma influência nefasta sobre ela [a matriarca]. E agora, com ciúmes, essa
miserável namoradeira deve tê-la instigado [a matriarca] contra Mitsi" (1987: 121), pensa
Cristiano.
Loura e linda, Florine tem várias propostas de casamento, dispensa todos por possuir
interesse apenas em Cristiano. Não percebe que o fato de estar sempre disponível e na
companhia do herói nas cavalgadas e eventos, apenas a distancia dele. Seus olhares de ódio
transmitem a sordidez e a condição de interesse em casar com um homem rico. Na constituição
25
Flora: latim: "deusa das flores, deusa da primavera". A apresentação dos significados dos nomes, nessa
narrativa, se dá devido ao fato de ser possível uma leitura das personagens com base nos nomes próprios. Certo é
que em Dialética do esclarecimento tem-se "[a] questão se os nomes próprios, como alguns afirmaram, eram
originariamente, ao mesmo tempo, nomes genéricos, não se pode mais decidir com certeza;" (1985: 36), no
entanto é possível notar uma preocupação na escolha dos nomes nesta narrativa, fato pouco observado em outros
exemplares. Haverá, porém, alguns casos em outras narrativas, menores, mas serão apontados.
90
física, Florine demonstra sua presença forte, artificialmente bela por conta dos ricos vestidos
custeados pela matriarca, avó de Cristiano. Há dois pontos não prezados para a composição de
formar um casal com Cristiano: Florine tem a mesma idade dele e praticamente a mesma
estatura; assim as chances de o herói protegê-la e ensiná-la, estão eliminadas, já que vivem em
igualdade. Aos olhos de Cristiano seu comportamento é invisível, apesar de toda a beleza
construída para atraí-lo e a série de artifícios usados.
Ao comparar Mitsi e Florine, percebe-se o discurso latente usado por M. Delly para
valorizar a moça comportada e preterir a moça "oferecida". Os contrastes naturais e artificiais
de beleza, cultura e o porte altivo; a bondade para com os pobres presentes em Mitsi,
rechaçada pela isenção de demonstração cristã ou caridosa em Florine. Na verdade, Florine é
muito parecida com Cristiano, mas a ele é dada a oportunidade de se regenerar pelo simples
fato de a presença de Mitsi fazê-lo censurar-se por seu comportamento. Já Florine tenta a todo
o custo eliminar Mitsi e chega a desejar-lhe a morte.
Outra personagem feminina, com características de vilã, é a matriarca da família,
Eugênia
26
Debrennes. Nutre por Florine, de quem é madrinha, um certo apego [manipulava
para que Cristiano casasse com Florine e pudesse manter-se no domínio da família] e a
presenteia sempre; no entanto é completamente maquiavélica para com Mitsi. "Uma senhora
idosa de feições duras" (1987: 7). "Que coração tinha sua avó para tratar de uma maneira tão
indigna essa menina encantadora [Mitsi]? É uma criatura fria e vaidosa [a matriarca], pensava
o Sr. De Tarlay [Cristiano]" (1987: 121). "[...] essa mulher vaidosa e arrogante que desprezava
os seus subalternos, adulava os seus iguais, e se inebriava na fruição do luxo, das honrarias que
lhe provinham da posição do neto, fazendo dele um ídolo [...] maneira pérfida e odiosa" (1987:
149).
Enfim o herói, "Cristiano
27
Debrennes, visconde de Tarlay, senhor não só das forjas de
Rivalles como também de grande parte da região e adjacências. [...] Cinco anos antes de 1870
alistara-se no exército e combatera com valentia. Terminada a guerra
28
, retomou os estudos
que completara brilhantemente, com inteligência e extrema facilidade" (1987: 5). "Adulado em
casa e fora, dispondo de uma fortuna quase ilimitada, [...] tornara-se o mais perfeito egoísta do
mundo, cuidando unicamente de satisfazer a sua vontade extravagante e os seus desejos
26
Eugênio: grego: "de bom nascimento, de estirpe ilustre". Feminino: Eugênia.
27
Cristiano: grego: "seguidor dos ensinamentos de Cristo, ungido do Senhor".
28
A história das guerr as atesta quatro guerras nesse p eríodo: 1) 1861 - 1865: Gu erra Civil Americana; 2) 1864:
Guerra contra Aguirre: 3) 1864 - 1870: Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai e 4)1870 - 1871:
Guerra franco-prussiana. No romance, não há menção de qual guerra seria, mas a informação torná-se ainda mais
irrelevante quando é possível verificar que dificilmente (ainda que na ficção) ele tenha participado da Guerra
Civil Americana, sendo ele cidadão francês. E assim de todas as demais guerras acontecidas "cinco anos antes de
1870".
91
caprichosos [aos 23 anos]" (1987: 6). "Ele olhou-a [Florine] de soslaio. [...] o fulgor daquelas
pupilas, onde a ironia errava constantemente. Aqueles olhos de um azul tão escuro, que em
certos momentos pareciam negros" (1987: 9). "Só Cristiano, pelo seu caráter independente,
voluntarioso e altivo" (1987: 13); "[c]aprichoso e mordaz que zombava de todas as mulheres"
(1987: 27).
Aos 28 anos, tem-se: "O senhor visconde pouco se incomoda com o filho, com pessoa
alguma, aliás. Só cuida dos divertimentos e do seu bem-estar. O resto nada vale para ele"
(1987: 54). "Cabelos negros e encaracolados" (1987: 59). "Cristiano inclinou-se para beijá-lo
[o filho pequeno], com um pouco mais de entusiasmo do que de costume" (1987: 69). "Apesar
de adulado e amimado desde a infância, Cristiano conservava uma alma leal, capaz de apreciar
a sinceridade, a nobreza de caráter dos outros [logo após levar um tapa de Mitsi] e de
reconhecer os próprios defeitos" (1987: 107). "O amor paterno tanto tempo adormecido nesse
homem idolatrado, despertava finalmente diante do pequeno enfermo [o filho]" (1987: 111).
"A morte do filho comovia-o, é certo, mas não podia sofrer profundamente, porque nunca
sentira um grande amor paterno. No seu coração o amor absorvia os outros sentimentos — o
amor por Mitsi, moribunda, de cuja enfermidade ele era culpado. E este pensamento fazia-o
estremecer de dor e de remorsos" (19 87: 120).
"O meu amigo [Cristiano] sabe que tem muito que se penitenciar... O seu
arrependimento é profundo: tem sofrido horrivelmente por causa dos males que lhe causou. Eu
[Olavo, também apaixonado por Mitsi], que o conheço intimamente, posso garantir a sua
sinceridade. Ele a ama [Mitsi] ardentemente, senhorita, e pede humildemente a sua mão"
(1987: 182). "Uma silhueta alta e elegante, um rosto altivo e belo, uns olhos ardentes que a
[Mitsi] fitavam apaixonadamente" (1987: 188). "Esse homem [Cristiano] que cometeu uma
falta tão grave [tentou seduzir Mitsi], é verdade, mas expiada com o arrependimento, o amor
sincero, a paciência tão dura para um temperamento como o dele?" (1987: 199).
Olavo
29
Svengred, "o melhor companheiro de infância do Sr. De Tarlay" (1987: 19).
Olavo inclinou-se "para beijar o menino [filho de Cristiano]. [...] os seus olhos azuis, doces e
sérios, pousaram na moça [Mitsi] com uma expressão onde o interesse e a admiração se
juntavam à piedade" (1987: 73). "O rosto do sueco cobriu-se de rubor — esse rosto
esbranquiçado, diáfano, que denunciava uma saúde apoucada" (1987: 77 – destaque
acrescentado). "A saúde precária inibe-me de pensar no casamento [após revelar a Cristiano
que também ama Mitsi]; [...] Tu possuis agudeza de espírito, sutilidade" (1987: 117).
29
Olavo: nórdico: "filho de Deus, sobrevivente dos ancestrais, descendentes antigos".
92
"Svengred tocou longamente. Mozart era o seu compositor preferido, compreendia-lhe
intimamente o pensamento. Além disso punha na interpretação toda a sua melancolia, toda a
ardência do seu amor por aquela mulher [Mitsi] que o ouvia ignorando a sua nobre afeição"
(1987: 199).
Não resta dúvida quanto ao bom caráter, presteza e refinamento cultural de Olavo. No
entanto, a personagem é caracterizada com uma aparência tão frágil quanto às das personagens
femininas de boa índole, é tão exemplar que ruboriza, como as moças. Em nenhum momento,
apesar de Mitsi simpatizar-se muito com ele, seria uma rival à altura de Cristiano. Aliás, além
de não figurar como oponente, o benévolo Olavo é o responsável pelas descobertas que
restituem a Mitsi seus direitos de herdeira de metade da fortuna de Cristiano Debrennes, o
reconhecimento de sua origem nobre e honesta. Também serve de cupido quando Mitsi se
recusa a receber Cristiano antes do casamento para explicar as descobertas feitas por Olavo;
ainda, após o casamento, ao perceber que o amigo está infeliz, conversa com Mitsi
questionando a caridade e o perdão dela, o que a faz ir ao encontro do marido e perdoá-lo.
Flaviano
30
Parceuil, "diretor das forjas" (1987: 5), "era uma espécie de confidente, era
um conselheiro de grande influência" (1987: 13). "Existem soluções que o primo Parceuil
negligenciou" (1987: 85). "Ancião rijo e bem conservado [...], olhar malévolo" (1987: 91).
"Tenho repugnância [opinião de Cristiano] por este homem, e vejo nele um inimigo [Parceuil]"
(1987: 92). E Parceuil, triunfante [sufocou a mãe de Mitsi, doente, até a morte para vingar-se
de, no passado, ter sido repelido ao cortejá-la], pôde colher os frutos do seu crime. Tinha o seu
apartamento no Palácio Douvres e em Rivalles, vivia circundado de luxo e era bem recebido
em toda a parte. Chegara pobre à casa de Jacques Douvres [tio-avô de Mitsi] e agora
acumulava grandes quantias que iam muito além dom caráter, prne04 Tlu. a tssto no rios anuai Doroub8(u)nretor das agora eelavat-4at(1987: )]TJ0.0002596 2.699662 6 -1815314.59 injud[o stá bdo ano
93
Meu avô, na sua honestidade, não agiria de outro modo. Foi por isso que
Parceuil mentiu (Mitsi, 1987: 158).
Todas as personagens, boas ou más, são relativamente bem construídas, não há
nenhuma maldade sem uma justificativa, ainda que torpe. As caracterizações das personagens
principais são repletas de detalhes que permitem delimitar o perfil de todas, e neste romance há
uma dezena deles, desde copeira, passadeira, dama de quarto até religiosas que ajudam Mitsi.
Todas elas possuem um nome e, devido à importância secundária, não apresentam sobrenome.
Também Florine, que consta na galeria das personagens principais, não tem sobrenome. Há
outras personagens, secundárias, que gratuitamente não gostam de Mitsi e procuram garantir a
infelicidade dela nos domínios residenciais de Debrennes. São alguns funcionários da família
que se incomodam com a beleza e educação de Mitsi, também com o fato de ela ser muito
prendada e culta, qualificações que eles não possuem.
Vejamos o final da história:
Ao ruído da porta, a moça descerrou as pálpebras. Estremeceu, corou e
levantou-se lentamente.
— Eu desejava... inteirar-me do acidente...
A voz tremia-lhe, mas os olhos belíssimos, onde brilhava a emoção
profunda que lhe agita o coração, fixavam dessa vez os de Cristiano.
[...]
Ele apertou-a nos braços, apaixonadamente, murmurando num beijo:
—Sempre vieste a mim, menina, querida e cruel! Conseguiste,
finalmente, perdoar! (Mitsi, 1987: 203-204).
Com base em algumas considerações sobre o romance Mitsi afirmo que o trabalho das
três pesquisadoras apresentadas demonstra a relevância dos romances de M. Delly, um dos
precursores do gênero romance de mocinha traduzido no Brasil. A afirmação tem validade
também devido ao fato de ter apreciado a lista de 154
31
títulos divulgados no encerramento da
31
Os demais títulos ficam assim distribuídos: 13 exemplares de Concórdia Merrel, 13 exemplares de Elinor
Glyn, 11 exemplares de Berta Ruck, 6 exemplares de May Christie, 5 exemplares de Charlotte M. Brame, 5
exemplares de Guy de Chantepleure, 4 exemplares de Myrtle Reed, 3 exemplares de Oliver Sandys, 2
exemplares de Eleanor H. Porter, 2 exemplares de Louisa May Alcott, e os demais são de: Cecil Adair, Guy
Wirta, Guy Fowler, Florence L. Barclay, W. Heimburg, Marie B. Lowndes, Henri Ardel, M. Forrester, Dyvonne,
T. Trilby, E. Southwoilh, A. Davies, Eveline Le Maire e outros.
94
história de Mitsi. Dessas seqüências de títulos, 24 são de M. Delly, o que evidencia sua
produção e as reedições de suas narrativas.
O fato de M. Delly ter sido objeto de estudo de três pesquisadoras demonstra o quanto a
leitura de M. Delly fez parte do universo de leitoras brasileiras. Mesmo sendo o trabalho delas
ancorado apenas nas narrativas dellianas, que visam um público feminino de meados do século
XX, foi possível perceber que as coleções mais atuais são fiéis seguidoras do processo fabular
maniqueísta e de suas estratégias de manutenção do modelo patriarcal. Por essa razão,
comparo sete exemplares de romances de mocinha retirados de coleções que se propõem
diferentes.
O trabalho de Prado (1981) é de suma importância para caracterizar as coleções que
compõem o corpus devido ao fato de a pesquisadora ter catalogado a estrutura do enredo, o
herói e a heroína e a construção dos modelos das personagens. O trabalho permite, a partir do
início dado por ela, verificar que as variações de intrigas/personagens encontradas nas
narrativas de M. Delly servem também a todas as outras coleções de romance de mocinha
focalizadas nessa análise.
95
3.3 Romance de mocinha: coleções, características e autores
A beleza não está sempre presente nas flores da
primavera / e a lua vermelha não brilha sempre a
mesma aparência (Horácio ).
O trabalho de Prado (1981) facilita o estudo do romance de mocinha comercializado no
Brasil no século XX. A pesquisa desenvolvida por ela apresenta algumas coleções que
vigoraram no início do século e que não alcançaram o público do século XXI. No entanto,
além das coleções estudadas por Prado objetivando o estudo dos romances dellianos, outras
coleções foram publicadas em meados do século XX e algumas delas não só resistiram à
passagem do século como ganharam roupagens novas para adentrar o século XXI.
No início da investigação, ou seja, no período do TCC, em um contato com a editora
Nova Cultural, obtive a informação
32
de que no ano de 2000 a editora comemorava 21 anos de
publicação dos romances Nova Cultural, a estréia da editora foi com a série Barbara Cartland,
em 1979. Em 2000, então com 21 anos, a editora apresenta 14 coleções, publica 360 livros por
ano. Aos 21 anos a editora já se preocupa em fornecer um livro por dia ao seu fiel consumidor.
Um livro dessa editora pode apresentar até três títulos publicados no mesmo volume.
Mas, em 2007, a editora, mais velha e sábia, consegue atrair o leitor com sua
propaganda. O sítio da editora permite acessar
33
informações atualizadas:
Com cerca de 400 títulos publicados anualmente, os Romances Nova
Cultural são um sucesso de venda e de público. Obras de grande apelo
popular, os Romances seduzem e entretêm um número cada vez maior de
leitoras, oferecendo histórias de paixão e encontros inesquecíveis, que
cumprem o seu objetivo: fazer sonhar.
A Editora Nova Cultural começou a publicar os Ro mances em 1978, com a
série Bárbara Cartland. Em seguida Sabrina.
Como obteve um estrondoso sucesso, numa época em que as fotonovelas
ainda lideravam o segmento de leitura de entretenimento, foram lançadas a
seguir a série Julia e depois Bianca.
Atualmente os Romances Nova Cultural contam com 7 séries regulares, que
são sucesso de público e venda. Com traduções primorosas e uma excelente
32
A propaganda da editora alega que "[a]o longo destes 21 anos conquistamos um público assíduo e fiel que
coleciona as séries, escreve dando opiniões e sugestões. Nossas principais séries são: Julia, Sabrina, Bianca,
Clássicos Históricos e Momentos Íntimos. O sucesso desses livros abriu caminho para outras séries com
periodicidade de lançamento variada (semanal, quinzenal, mensal, bimestral e anual). São elas: Clássicos
Históricos Especial; Sabrina Noivas; Sabrina Cegonha; Momentos Íntimos Extra; Julia Paixões Picantes;
Bianca Sonhos; Edição de Colecionador; Best Seller; As melhores Histórias de Clássicos Históricos além de
diversos especiais e minisséries. São lançados cerca de 30 novos livros por mês".
33
Informação coletada no sítio: http://www.novacultural.com.br/romances.asp Acesso em 11 de janeiro de 2007.
96
qualidade editorial, os Romances Nova Cultural são os preferidos das
leitoras brasileiras (on-line, destaque da editora Nova Cultural, 2007).
As informações sobre a estréia da coleção Bárbara Cartland são duas, uma de 1978 e
outra de 1979. Outra informação que mudou foi a de 30 livros por mês para 400 títulos por
ano. A primeira representa 360 livros, a segunda não precisa a quantidade de livros mas sim a
quantidade de títulos. A amostragem de romances de mocinha dessa pesquisa apresenta três
coleções que fazem uso de histórias duplas: Bianca, Momentos Íntimos (super) e Sabrina (–
Especial de Férias). Os quatrocentos títulos pode m ser facilmente distribuídos nos 360 livros.
Aparentemente parece muito 400 títulos por ano. Mas é possível questionar esse
"muito" diante da resposta de uma leitora de romance de mocinha à pesquisadora
MEIRELLES (2002). A leitora, com 24 anos, solteira, com Segundo Grau completo e
secretária na cidade de Londrina/PR, ao ser indagada por telefone (a pesquisadora é de Curitiba
e por isso a razão da entrevista ter acontecido por telefone): "Quantos romances sentimentais
costuma ler por mês?", responde: "Uns 40. Leio rápido. Sou secretária de uma psicóloga e fico
sozinha a maioria do tempo. Aproveito para ler no trabalho" (2002: 178). Essa leitora,
denominada T.A.S., iniciou suas leituras aos 12 anos e lê mais do que a Nova Cultural produz
por mês.
Faço, agora, a descrição das coleções com o objetivo de informar que a quantidade de
coleções é vista numericamente. Não se trata de contra-senso estudar a quantidade haja vista o
estudo visar o corpóreo dessas coleções; isto é, pretendo com a quantidade detectar a
mecanicidade dessas coleções, sempre ciente de que o "conceito de quantidade é integrado
pelo de qualidade, pela dialética da quantidade que se torna qualidade" (GRAMSCI: 1978, 82).
A quantidade visa atender a necessidade da indústria de entretenimento inserir um
produto no mercado de livros e a qualidade está vinculada a satisfação que esse determinado
produto deve gerar no consumidor. Neste caso, a dialética quantidade-qualidade
34
é
proporcional a produto-prazer; isto é, as leis da economia guiam o mercado de literatura. Por
conta disso tudo, os números aqui são bastante úteis para a comparação proposta entre as
coleções de mocinha e mocinho, mas não devem ser tomados como potência transcendente
ainda que as histórias presentificadas nas coleções alimentem, repetitivamente, o imaginário e
a identidade do consumidor.
34
"[N]ão convém dicotomizar entre quantidade e qualidade porque são apenas modos diferenciados de
manifestações, funcionamento e dinâmica. A intensidade é própria de fenômenos complexos que mesclam seus
componentes de modos ordenados e desordenados. São complexos não só porque estão dotados de componentes
múltiplos, mas sobretudo porque são ambíguos" (DEMO, 2001: 16 – destaque do autor)
97
Ao verificar 28 coleções (ver anexos), totalizando 101 títulos, constatei a repetição não
só do nome de algumas coleções (como Sabrina que apresenta três opções ou os Clássicos
Históricos, Momentos Íntimos e Bianca que também recebem nomenclaturas diferenciadas),
mas ainda o fato de algumas autoras escreverem para coleções diferentes. Assim, tanto a
quantidade de coleção como a autoria se dá conforme a necessidade de inserir outra história no
mercado de romances.
O domínio da editora Nova Cultural é evidente e parece óbvio a preocupação de liderar;
afinal, a editora apresenta, não se trata de redundância, uma "coleção" de coleções em "série":
Coleção Periodicidade páginas
Preço R$
(em 2000)
Best Seller
Mensal 320 7,90
Bianca Quinzenal 224 6,90
Clássicos Históricos Quinzenal 224 5,90
Clássicos Históricos Especial Quinzenal 320 7,00
Edição de Colecionador Bimestral 512 7,90
Julia Semanal 128 3,90
Julia Paixões Picantes Mensal 128 3,90
Momentos Íntimos Quinzenal 128 3,90
Momentos Íntimos Extra Mensal 448 8,50
Sabrina Semanal 128 3.90
Sabrina Cegonha Mensal 160 4,90
Sabrina Noivas Mensal 128 3,39
Além da diversidade é importante atentar para a freqüência que não deixa tempo ao
leitor para se preocupar com a leitura da próxima semana. O número de páginas, em algumas
revistas, oscila, mas a editora procura manter a proposta divulgada no quadro apresentado.
Quanto aos valores, aparentemente eles estão tabelados desde 2000; afinal, o valor dos
Clássicos Históricos, adquiridos em 2005 para essa pesquisa, é o mesmo e também os
exemplares de Julia e Sabrina adquiridos em 2002.
Dado o valor das coleções nas bancas de revistas a escolha do consumidor não é apenas
financeira, mas principalmente pelo gosto. Não se pode esquecer, no entanto, que a
publicidade faz manifestar o interesse do consumidor por determinado produto. O mercado
cria o produto e procura despertar gostos, seja por modismo, seja por status. O mercado
procura uniformizar o gosto, haja vista que "[o] gosto é 'individual' ou de pequenos grupos"
(GRAMSCI, 1978: 369).
Para Gramsci, trata-se de "grandes massas, e não pode tratar-se de cultura, de
fenômeno histórico, da existência de duas culturas: individual é o gosto 'sóbrio' e não o outro; a
98
ópera é um gosto nacional, isto é, cultura nacional" (1978: 369). Neste sentido é possível
afirmar que a telenovela, no Brasil, é um gosto nacional ainda que não seja um gosto "sóbrio".
E guardadas as proporções de alcance [a telenovela "não tem custos" para o telespectador] o
mesmo se aplica aos consumidores das coleções que compõem o corpus. De qualquer forma é
na tentativa de manter o consumidor satisfeito que as editoras ofertam produtos que devam
satisfazer gostos diversos. Mas, a respeito do aspecto comercial e do gosto Gramsci sinaliza: "
[...] Que o 'comércio' e um determinado 'gosto' do público se encontrem, não é casual, e tanto é
verdade que os folhetins escritos à volta de 1848 têm uma determinada direção político-social
que ainda hoje faz com que sejam procurados e lidos por um público que vive os mesmos
sentimentos de 1848" (1978: 389).
A afirmação de Gramsci pode ser transposta para relembrar alguns romances que no
século XX ganharam o formato filme e fizeram e provocaram identificações. Um dos
romances é o Conde de Monte Cristo, o outro Três Mosqueteiros, ambos de Dumas. Esses, no
contexto atual, ao receberem o formato filme não só provocaram idas ao cinema, mas também
permitiram a venda do romance também aos fazedores de bibliotecas de adorno.
Porém, quando se trata de literatura narrativa de massa atual, não é a reedição do
produto que o mantém provocando identificações, mas sim a oferta de produtos que procuram
provocar sensibilidade no consumidor do século XXI. A questão da periodicidade tem
importância comercial, visa à manutenção mercantil e a extensão do gosto.
O quadro anteriormente apresentado com base nas informações do ano de 2000 rebece
novo olhar. Tem-se, ao acessar o sítio
35
, em janeiro de 2007:
Coleção Periodicidade
N. de
páginas
Preço em
janeiro/2007
Best Seller
Mensal 320 10,50
Bianca Mensal 128 5,90
Clássicos Históricos – Século XIX Quinzenal 224 8,90
Especial Clássicos Históricos –
Século XVIII
Quinzenal 320 10,50
Julia Históricos Semanal 160 6,90
Sabrina Romances Preciosos Semanal 128 5,90
Sabrina Sensual – Romances Sensuais Mensal 224 8,50
Chamo a atenção para o preço da coleção Bianca. Nas informações fornecidas pela
Nova Cultural no ano de 2000, a coleção custava R$ 6,90, era quinzenal e tinha 224 páginas.
35
Endereço eletrônico : h ttp://www.romances.com.br/site3/lanca_1.asp Acesso em 10 de janeiro de 2007.
99
Em 2007 é possível observar o barateamento da coleção e a esticada no prazo de publicação.
No entanto, o mais atrativo é o fato de 224 páginas tornarem-se 128 páginas. A redução de 96
páginas, ou seja, de 43% do ofertado em 2000 não justifica o "desconto" de R$ 1.00.
Devido ao fato de a Nova Cultural apresentar o maior número de coleções focalizados
nesse trabalho, tomo emprestadas da editora as características defendidas por ela como
peculiares a cada coleção. Para a Nova Cultural "[t]odos os romances da linha têm em comum
a característica romântica, porém cada série tem uma identidade e um perfil específico".
Retiro, então, dessa informação ofertada pela Nova Cultural, em 2000, os perfis estabelecidos
por ela, de sete coleções:
1) BestSeller: Livros de livrarias lançados em bancas, com autoras consagradas como
Nora Roberts, Penny Jordan, Diana Palmer etc. Tramas elaboradas, que seduzem no primeiro
olhar. Apresentam acabamento diferenciado, tendo capa em papel cartão.
2) Bianca (Romances para fazer você sonhar): Histórias bem-humoradas, que tratam
dos acontecimentos do cotidiano de forma despretensiosa, positiva e com uma grande dose de
romantismo. Os relacionamentos amorosos são descritos de maneira sutil e poética. Nada é só
puro desejo.
3) Clássicos Históricos (Romance de época, cheio de aventuras, conquistas e paixões
avassaladoras): História de época, mais elaborada, com tramas interligadas. Apesar de ser mais
requintado, este romance, no fundo, é um grande best-seller de amor com final feliz. É um
livro que tem muita aventura. Em Clássicos Históricos, o passado e seus mistérios são o
cenário para a recriação de fatos, costumes, conquistas de épocas remotas. Paixões intensas
trazem até você tramas ricas e envolventes, repletas de aventura, tendo como pano de fundo
lugares exóticos e personagens inesquecíveis.
4) Julia (Um encontro de amor espera por você…): Aventuras românticas, excitantes,
audazes e impetuosas, que captam o cotidiano de um casal apaixonado e refletem os
sentimentos, desejos e sonhos que povoam a mente feminina. Os personagens possuem
defeitos / qualidades das pessoas comuns. As heroínas das histórias são mulheres modernas,
bem informadas, mas que nem por isso perdem seu lado sonhador.
5) Momentos Íntimos e Momentos Íntimos Extra (Sensuais, eletrizantes! O amor à
flor da pele…): Romances modernos, sensuais, mais apimentados. O herói e a heroína não se
limitam a beijos e carícias. Tendem a agradar as leitoras acima de 25 anos.
6) Sabrina (Aqui os sonhos se transformam em realidade!): Leitura moderna, leve e
gostosa. Romance com pretensão de fazer a leitora sonhar, não se aprofunda em temas mais
angustiantes que não o sofrimento por um grande amor. Nesta série o amor é mostrado pelo
100
lado mais belo, romântico e intenso. Os conflitos do dia-a-dia, gerados por mal-entendido,
ciúme e dificuldade de relacionamento são explorados de forma sensível, mostrando que é
preciso vencer desafios para chegar a um final feliz.
7) Sabrina Noivas: É um livro que trata do casamento como instituição social,
religiosa e familiar, além de enfocar todos os detalhes de um casamento, seja ele tradicional ou
não.
Ciente de as informações acima serem ofertadas pela editora Nova Cultural,
comecemos pelo fim: Sabrina Noivas.
O nome da coleção já trata de unir "Sabrina" e "Noivas" com um par de alianças
douradas. O próprio nome da coleção já desdiz o que a editora defende na apresentação da
coleção. Se o casamento pode ser ou não tradicional, qual a razão de escolher o substantivo
noiva? Se é uma coleção que trata do casamento como instituição, como ele pode não ser
tradicional? O exemplar estudado presente na amostragem, da autora Lucy Gordon, com o
título Finalmente tua! afirma o casamento como instituição, afirma a virgindade como pré-
requisito para subir ao altar. Vejamos esse exemplar. Na capa um casal vestido à moda vigente
e a noiva, está de branco e com tiara. O vestido tem "cintura", o que induz a leitura: a noiva
não está grávida.
A quarta capa da coleção Sabrina Noivas sintetiza a narrativa Finalmente Tua! da
seguinte maneira:
Um pedido de casamento romântico
O rico e charmoso Lorenzo Martelli pediu Helen em casamento diante de toda
sua família. Como ela poderia recusar uma proposta tão romântica? No
entanto, faltando poucos dias para a cerimônia, Helen descobriu um segredo
na vida de Lorenzo...
Ela precisava saber se era verdade, mas seu noivo era um siciliano de sangue
quente... Lorenzo desejava-a ardentemente, e sempre conseguia o que queria!
Como fazê-lo esperar até que ela estivesse pronta para se entregar? (Gordon,
2002).
Mas como entender teoricamente as sínteses das quartas capas das literaturas narrativas
de massa? Muitas delas são propagandas escancaradas, muitas outras são dúbias e fantasiosas,
algumas "guiam" o leitor desonestamente. Vejamos na prática.
É possível desconstruir essa síntese após ler o romance. Primeiro: não se trata de um
pedido de casamente romântico como é direcionado ao consumidor. Trata-se de vários pedidos
101
e, na maioria deles, feitos em tom de provocação. Ainda que o leitor escolha dentre esses
pedidos o que levou o casal a ser tratado como noivos, a narrativa deixa claro que o pedido
sequer foi aceito:
Helen ficou em silêncio, olhando os convidados da festa [do casamento
da mãe do noivo]. Subitamente, Lorenzo ajoelhou-se e segurou suas mãos.
Todos pararam para ver o que estava acontecendo.
— Elena [ele a chama assim por estarem na Itália], você quer se casar
comigo?
— Levante-se, por favor — pediu Helen, toda embaraçada.
— Só quando você aceitar o meu pedido de casamento.
— Então vai ficar ajoelhado para sempre.
Todos começaram a aplaudir, pois ele a levantara nos braços e a
beijava. Parecia que ela dissera sim. Não se lembrava de ter dito nada, mas
não podia rejeitar um homem que se ajoelhava diante dela e a pedia em
casamento diante de toda sua família (Finalmente Tua!, 2002: 83-84).
O excerto tem dois propósitos: 1) desacreditar o título da síntese, não há como o leitor
entender a resposta de Helen como um "sim", também não é crível que ela tenha "esquecido"
se disse ou não o "sim"; 2) toda a família (no caso a família de Lorenzo) entende a ação de
Lorenzo como um sim, e a própria Helen entra no jogo da família, mas, de fato, não houve o
"sim" e espera-se ou deveria-se esperar que nas páginas seguintes o leitor tenha outros
respaldos para entender que Helen de fato deseja se casar com Lorenzo. O que há são os
preparativos para o casamento. E logo depois tem-se o "segredo de Lorenzo", segredo que sem
ser questionado por Helen faz com que essa vá até a igreja para casar e lá abandone Lorenzo
no altar.
Volto ao que prega a definição da editora sobre as narrativas que compõem essa
coleção no perfil já apresentado. Nem tudo é "tradicional". A noiva consegue deixar o noivo no
altar após não dar conta de repetir o juramento de praxe, isso na página 93-94 e, na página 123,
esclarecida a razão que a fez abandonar Lorenzo — uma razão que em poucos minutos de
conversa teria evitado todo o "prejuízo" da elaboração da festa — tem-se, novamente, a noiva.
Dessa vez ela consegue ser inusitada: chega para o casamento em um "carro" especial: uma
carroça de porcos. Mas, apesar do meio de locomoção, o que importa é a união de duas ricas e
tradicionais famílias italianas, representados por Lorenzo e Helen, esta nascida em Nova
Iorque, ele na Sicília.
Finalmente Tua! representa a coleção Sabrina Noivas. As demais coleções Best Seller,
Bianca, Clássicos Históricos, Julia, Momentos Íntimos e Sabrina são representadas pelo
corpus e serão analisadas descritivamente logo adiante. Desde já pontuo que todas as coleções
102
apresentam um casal que durante a narrativa descobrirá a importância do amor conjugal e
fatalmente todos ficarão juntos. No entanto, como a proposta desse trabalho consiste na
verificação dos perfis de coleções e personagens, torna-se importante mostrar algumas
mudanças que a editora alega terem acontecido no padrão das coleções. Assim, se em 2000 a
editora defendia as abordagens apresentadas anteriormente, em janeiro de 2007 as abordagens
ganham coloração nova. Um pouco mais de tinta, mas o perfil, de fato, pouco foi alterado. As
novas colorações são assim descritas (em 2007) pela editora Nova Cultural:
1) BestSeller: Série mensal de romances especiais, de autoras consagradas, como Nora
Roberts, Penny Jordan, Diana Palmer e outras, que traz histórias de amor com tramas ricas,
envolventes, excitantes, com ingredientes de mistério, intriga, suspense, aventura e conflitos.
Juntando-se a estes a paixão intensa e avassaladora, a descoberta, a sedução e a conquista, os
livros da série Best Seller proporcionam uma leitura prazerosa para homens e mulheres. Best
Seller é romance, sonho e emoção, da primeira à últim a página!
2) Bianca: Publicação quinzenal com 2 histórias de amor divertidas, com trama leve.
As histórias da série Bianca tratam dos acontecimentos do cotidiano de forma despretensiosa,
positiva e bem-humorada, sempre com uma boa dose de romantismo. Os relacionamentos
amorosos são descritos de maneira sutil e poética, em meio a situações engraçadas, aventuras e
percalços que a heroína tem de superar para ser feliz para sempre ao lado do seu amado.
Romances água-com-açúcar, com tiradas espirituosas, em que os problemas são encarados de
forma positiva, com otimismo e humor.
(3) Clássicos Históricos e Clássicos Históricos Especiais: Romances de época, com
tramas envolventes, repletas de aventura, intriga e paixão, ambientadas nos Estados Unidos
dos séculos 18 e 19 ou na Inglaterra e França da Idade Média. Os heróis são homens fortes e
corajosos, as heroínas são mulheres de personalidade forte, batalhadoras, audaciosas e à frente
de seu tempo, mas muito românticas e sonhadoras. As cenas de amor são envoltas por uma
forte aura de sensualidade.
Romances de época, que trazem até o leitor tramas ricas - aventuras, guerras, segredos,
intrigas — tendo como pano de fundo lugares exóticos e personagens inesquecíveis. Pioneiros
do Velho Oeste, personagens da Guerra Civil americana, valentes guerreiros ou nobres
habitantes dos castelos medievais — homens e mulheres procuram seu destino em meio a
descobertas, conquistas e paixões intensas e avassaladoras.
4) Julia: Histórias modernas e realistas, em que a heroína é uma mulher bem-
informada e independente, dinâmica, batalhadora, mas que não perdeu seu lado sonhador. A
103
trama descreve situações do dia-a-dia, os protagonistas têm as qualidades e defeitos das
pessoas da vida real, e o relacionamento entre eles é intenso, excitante, impetuoso, com muita
paixão e romantismo. Os romances da série Julia descrevem os acertos e desacertos da vida
dos personagens centrais, bem como seus sonhos e anseios, ao longo de tramas realistas e
envolventes.
5) Momentos Íntimos e Momentos Íntimos Extra: Romances modernos, sensuais,
mais apimentados. O herói e a heroína não se limitam a beijos e carícias. Tendem a agradar as
leitoras acima de 25 anos.
6) Sabrina: Histórias românticas, que mostram o lado mais belo e sublime do amor.
Quase sempre a heroína é muito jovem, ingênua e inocente. Sonha com um grande amor, mas
tem pouca vivência para conseguir superar os problemas e as complicações que o amor traz.
Os conflitos do dia-a-dia, gerados por mal-entendido, ciúme e dificuldade de relacionamento,
são explorados de forma sensível, mostrando que é preciso vencer desafios para ser feliz. As
cenas de amor raramente são explícitas, a ênfase se concentra na descrição das emoções
intensas da heroína, em seus temores diante de um herói bem mais experiente, o que gera uma
tensão sexual que emana das páginas do livro diretamente para o coração das leitoras
românticas e sonhadoras.
Qual a diferença nas informações dos anos de 2000 e 2007? Existe, de fato? Ciente de
que todas elas possuem um enredo que envolve a união conjugal de um homem e uma mulher,
o que difere uma da outra? Aproveito a definição que a editora apresenta para a coleção Bianca
para responder essa pergunta: todas são "romances água-com-açúcar". Todas as histórias são
narradas apenas para unir um homem e uma mulher com laços matrimôniais. O aspecto
erótico-amoroso é um dos grandes atrativos, principalmente quando a protagonista é virgem.
Mas, quando a protagonista não é virgem o diferencial será o fato de, com o parceiro atual, ela
conseguir alcançar o ápice sexual. Isto é, se o casamento anterior ou o relacionamento anterior
não permite a inocência física da mulher, o fato de não ter alcançado a completude sexual com
o ex-relacionamento fará do relacionamento de agora [na história] o ideal.
Ao texto da coleção Júlia:
104
Tiffany despertou para uma feminilidade que nunca imaginou possuir:
uma sexualidade desconhecida trazia à tona necessidades e desejos que
estavam profundamente guardados. Seria possível reprimir tudo isso agora?
Com Alec [o falecido marido], ela nunca havia se sentido assim. Nem
mesmo no início do casamento, quando dividiram uma cama e um suposto
amor, ela sentiu o potencial desta feminilidade que era, com certeza, a base de
seu ser. Tinha aprendido a se adpatar à vida que levava com o marido,
aprendido a cumprir seu papel de esposa, a guardar suas frustações e anseios,
pois se assim não fosse, Alec não a perdoaria (O rival, 1983: 20-21).
Nele configura-se todo um discurso de sedução que legitima a dominação do homem
"sobre" a mulher. É dado ao homem "poder" que "desperta" a sexualidade da mulher.
Despertar da e não despertar na. Afinal, para que o homem seja o grande provedor é preciso
que ele encontre nela algo que ela não foi capaz de achar em si mesma. Todavia não é só. No
excerto a mulher é despertada para si no "primeiro beijo". A história deixa claro que a mulher
que não atinge o orgasmo é porque não foi devidamente "devorada" (SANT'A NNA, 1985).
É relevante pontuar que a virgindade ainda é constante nas narrativas de massa, mas ela
será "entregue" ao homem certo e a mulher atingirá o ápice sexual. No entanto, durante a
leitura da amostragem, foi possível perceber que existe um grande número de mulheres que
foram casadas ou são viúvas e que estão se envolvendo uma segunda vez. Sendo essa segunda
vez a narrada nas coleções, pode-se afirmar que no conjunto essas narrativas representam a
falsidade da relação passada, a impossibilidade de uma receita para o "felizes para sempre".
As coleções quando comparadas com um intervalo de vinte anos de escrita (histórias
que possam ser consideradas representativas da década da escrita e não histórias que foram
vendidas como históricas) dão a entender uma volta ao conto de fada (PROPP: 1983). É como
se fosse conferido um retorno ao pós-casamento de Branca de Neve ou quaisquer uma das
fábulas encerradas com final feliz. No plano da própria tessitura fabular as histórias
contextualizadas no século XXI retomam, sintomaticamente, um percurso "evolutivo" do papel
da mulher na sociedade vigente em todas as coleções estudadas. Mas essa "evolução" é
mascarada. Por exemplo, na busca de expor exemplo da rejeição da mulher no trabalho, Cunha
(1999) efetua a seguinte constatação:
O escritório descrito por M. Delly era um espaço privado tão
masculino, tão velado às mulheres, que chegar até ele era motivo de surpresa,
até de repressão.
Quando Cristiano abriu a porta [do seu gabinete de trabalho] pensou
que sonhava.
Mitsi (...) era Mitsi? No seu gabinete?
... Não é prudente Mitsi, eu devia repreender-te.
105
Como se pode perceber, os trabalhos masculinos estavam voltados para
a satisfação das vontades pessoais do herói — história da sua família,
literatura, arqueologia (1999: 92).
106
[...] Ao vê-la exclamou [Cristiano] surpreso e irritado:
— Tu? E o que vens fazer aqui?
Olhava para ela com arrogância. A pobre Mitsi aparecer a num dia em
que o idolatrado Senhor de Rivalles estava de mau humor. [...]
— Perdão, senhor... Vinha pedir-lhe o favor...
— Nada tens a pedir. E eu nada tenho contigo. Vai embora
imediatamente, pequena atrevida [Mitsi tinha 13 anos], e livra-te de vir outra
vez importunar-me, se não queres sentir a doçura dos dentes de Átila.
O cão pareceu compreender, porque começou a rosnar com força.
Mitsi saiu precipitadamente (Mitsi, 1987: 33-34).
A segunda:
— Não, vem cá um momento. Tenho algo a mostrar-te.
E como ela permanecesse imóvel, parecendo hesitar, o Sr. de Tarlay
repetiu num tom imperativo:
— Vem!
Lembrava-se nesse momento — e o to m o demonstrava — de que er a
o senhor e ela, mesmo sem o uniforme, não passava de uma criada.
[...]
— Aproxima-te, Mitsi. Receias que te devore? É verdade que outrora
recebia-te mal, neste mesmo recinto. Reconheço, de bom grado, que devo
perdir-lhe perdão.
[...]
— Nesse tempo, eu não passava de uma menina indiscreta e
irrefletida.
— Que eu ameacei fazer devorar por Átila. Mas hoje, quero adornar
uma mãozinha deliciosa que muito admirei nestes últimos tempos.
[...]
— Que carinha zangada está fazendo, Mitsi, minha prima Mitsi!
Porque, afinal de contas, és minha prima: posso muito bem oferecer-te esta
jóia.
— Mas não me reconhecerá por tal aos olhos do mundo, senhor!
[...]
— Não me escapas! Não te deixo sair, Mitsi, minha linda Mitsi!...
[...]
— Deixe-me! ... Deixe-me!...
[...]
Sentiu, naquele momento, os lábios de Cristiano pousarem-lhe na
face. [...] Instintivamente golpeou com a mão o rosto do Sr. de Tarlay [...]
saiu precipitadamente do pavilhão... (Mitsi, 1987: 98-100).
A leitura desse romance habilita afirmar que Cunha tem razão ao dizer que é vedado à
mulher uma condição de igualdade profissional nos romances dellianos, não apenas neles,
também nos mais atuais. Porém, é importante frisar um mascaramento do papel profissional da
mulher, ela é sim rejeitada na condição de igualdade e suas profissões são facilmente
abandonadas para que elas possam acompanhar o esposo; no entanto, é de maneira camuflada
107
essas constatações do lugar do homem e do lugar da mulher. No exemplo analisado por Cunha
(1999) existe uma outra situação muito mais relevante, trata-se do fato de a mulher ter ido ao
homem "perdoá-lo" quando a narrativa inteira apresenta a mulher como a agredida. Se ela é a
agredida, qual a razão de ser ela a submissa? Ir aos aposentos "restritos" ao esposo é ser
aceita? Os trechos apresentados já respondem a essa questão.
Cabe à mulher, ainda, ser conivente com o papel de esposa submissa. Queira ela ou
não, apresente-se ela ou não como mulher "moderna", o que se tem é uma "modernidade"
incoerente. Ela terá um trabalho para que se sinta independente mas o trabalho dela será
decorativo se comparado ao do marido, ela terá sua carreira profissional mas deixará qualquer
trabalho para "socorrer" o marido. O trabalho da mulher é secundário. Mesmo nos casos que a
mulher tem situação financeira superior a do homem, em nenhuma das coleções o homem
deixou de ser o provedor e mantenedor da riqueza da mulher.
Não é somente o retorno aos contos de fada; é também uma tentativa de reescrita deles.
Também é palpável o fato de as coleções atuais mostrarem que a virgindade como troféu ao
marido consolidou como os casamentos fracassados. A inexperiência da mulher e o desejo do
homem em ser o primeiro (e único) a envolver-se sexualmente com a mulher amada é retratada
no exemplar da coleção Júlia.
Tiffany começou devagar, hesitante, mas logo as palavras fluíam. Ela
tinha se calado por muito tempo, tempo demais. Era chegada a hora de falar.
Alec nunca me amou. Ele só quis casar comigo porque sabia que
era o único meio de me levar para a cama.
Wayne ficou calado enquanto ouvia a história de um casamento que
começou errado desde o princípio, Tiffany e Alec eram totalmente
incompatíveis. Ela havia se impressionado com o charme, a beleza e a
irreverência dele, ao passo que ele tinha sido conquistado pela inocência
dela.
— Alec... me desprezou praticamente desde o início. — A emoção
fazia as palavras saírem aos trancos.
— Por quê?
— Ele pensava que tinha caído numa armadilha.
— Mas ele conseguiu o que queria. — A expressão de Wayne era
indecifrável.
— Não, ele não conseguiu. — Ela corou enquanto prosseguia. — Após
um período muito breve, essa parte do casamento morreu (O rival, 1983: 110
– destaque acrescentado).
A troca da virgindade por um casamento nem sempre é vantajosa. Isto é, a história
publicada no Brasil em 1983 já permite ao consumidor entender que "a prova de amor" (senso
comum) é um ato tanto de "fisgar" marido quanto de ter um casamento mal-sucedido. Mas essa
108
leitura não é a primeira que se tem quando se lê o romance e sim a de que a mulher deve
entregar-se somente ao homem que a faça desejá-lo fisicamente. Todo o casamento é
construído, no exemplar acima, com base no relacionamento sexual. Em nenhum momento
Alec é responsável por nada, a vida dele funciona apenas sexualmente, é um jovem
irresponsável e hedonista que não se preocupa com Tiffany e com a manutenção do lar.
De certa maneira, apenas as duas coleções rapidamente apresentadas (Sabrina Noivas e
Júlia) já permitem vastas considerações. Outros elementos serão registrados para corroborar a
essa descrição ainda nesse Capítulo. E aqui cabe lembrar que Best-seller, Bianca, Clássicos
Históricos, Momentos Íntimos e Sabrina podem ser lidas como as coleções "carro chefe" da
editora; porém há outras coleções divulgadas pela Nova Cultural, tais como Cristine, Grandes
Romances Históricos, Julia Época, Sissi e, ainda, as coleções de romance de mocinha de
faroeste: Faroeste Clássico Histórico, Faroeste Clássico Histórico Especial e Faroeste
Clássico da Literatura Romântica.
Para que o consumidor não se canse, existem outras: Medieval Clássico Histórico,
Medieval Clássico Histórico Especial, Medieval Clássicos da Literatura Romântica e, se essas
coleções não estiverem a contento, é possível, ainda, ler essas: Regência Clássicos Históricos,
Regência Clássicos Históricos Especial, Regência Clássicos da Literatura Romântica, Júlia
Histórico, Bianca Histórico.
Além das coleções, a Nova Cultural publica trilogia. A editora manifesta a seguinte
justificativa para a produção: "As trilogias são compostas por Romances interligados por um
elemento comum — cada livro conta uma história — porém são histórias independentes, e não
uma única história dividida em volumes. Não é como uma novela, com continuação no livro
seguinte, mas sim um seriado, com um episódio diferente e completo em cada livro. Cada
história pode ser lida independentemente das outras, mas quem lê uma quer ler as demais
também! Quando estas coleções são compostas por mais de três livros, elas recebem o nome de
minissérie ou antologia".
As trilogias divulgadas atualmente são: Clã Macleen, Irmãos Murray, Joan Hohl,
Legado de Merlin, Os Vikings, Saga de Merlin e Shannon Drake.
Nos período de 1978 a 1985 a Abril publicou quatro coleções de romances e esses
tinham na capa, no alto do lado esquerdo, algumas flores. As coleções eram Bianca, Julia,
Sabrina e Supers. As coleções Supers eram divididas da seguinte maneira: Super Bianca,
Super Julia, Super Sabrina e Bianca Extra. Para se ter uma idéia, a coleção Bianca recebeu,
entre 1978 e 1985, mais de trezentos títulos; a coleção Julia e Sabrina também tiveram outros
tantos exemplares, somando assim aproximadamente mil exemplares de romances. Além
109
disso, havia as coleções Supers. Essas primeiras coleções tinham nas capas flores e corações,
como pode ser comprovado nos títulos: Era uma vez um verão [flores, coleção Julia]; Pacto de
ódio [flores, coleção Sabrina]; O rival [flores e coração, coleção Julia]; A sereia de Cowrie
Island [coração, coleção Bianca]; Príncipe dos mares d tNTc -se dos primia 347ão
110
de mocinha tem-se 28 coleções e 84 escritoras. Estudar essas autoras seria um trabalho
extenuante e infrutífero porque todas elas escrevem de maneira similar e sobre o mesmo tema.
Dada a quantidade de autoras, vejamos as coleções. A Harlequin Books divulga as
seguintes coleções: Desejo, Destinos, Grandes Autores, Grandes Romances Históricos,
Grandes Romances, Harlequin Romance, Jéssica e Paixão. De acordo com o endereço
eletrônico da Harlequin Books, os preços desses exemplares, respectivamente, são: R$ 8, 90;
R$ 10, 90; R$ 9,90; R$ 10,90; R$ 8,90; R$ 7,50 e R$ 7,50. A empresa está no Brasil desde o
ano de 2005 e possui, até o momento, oito coleções.
Como procuro apontar a industrialização do romance de mocinha, recorro às autoras
38
que escrevem para a Harlequin Books. Todas as autoras são apresentadas no sítio da Harlequin
e apontar-se-ão três casos, sendo o primeiro e o segundo devido ao fato de essas autoras
escreverem para muitas outras coleções e o terceiro caso para remeter aos irmãos que se
consagraram como M. Delly.
1) Nora Roberts é autora de maior destaque da lista de best-sellers do New
York Times e a primeira a ser escolhida para a G aleria da Fama dos Escritores
Jackie Stephens, Jacqueline Navin, Jacqueline Diamond, Jackie Manning, Jan Mc Kee, Janelle Taylor, Janet
Kendall, Jeanne Carmachael, Jeanne Savery, Jeanne Stephens, Jean Reece, Jennifer Malin, Jessica Trapp, Jillian
Hart, Jill Henry, Jo Beverly, Jo Goodman, Joanna Maitland, Joanna Makepeace, Joan Hohl, Jo Ann Ferguson,
Jocelyn Haley, Joy Reed, Judith A. Lan sdowne, Judith Laik, Judith McWillia ms, Judith Stacy, Judith Stafford,
Julia Justiss, Juliann e MacLean, Julia Parks, Julie Tetel, Karen Keast, Karen L. King, Kate Bridges, Kate
Kingsley, Kate Silver, Kate Rothwell, Kathleen Baldwin, Katleen Eagle, Kathryn Hockett, Kinley MacGregor,
Katy Cooper, Kit Gardner, Kristie Knight, Kristin James, Laura Paquet, Laurie Brown, Laurie Grant, Laurie
Paige, Laurel Ames, Linda Castle, Linda Fallon, Linda Madl, Linda Cook, Lindsay McKenna, Lisa Manuel, Lisa
Noele, Lisa Plumley, Liz Ireland, Lori Handeland, Lo ree Lough, Louisa Rawling s, Lucy Elliot, Lucy Gordon,
Lynn Collum, Lyn Stone, Lynna Banning, Lynne Hayworth, Lynda Trent, Madeline George, Madeline Harper,
Maria Greene, Marianne Willman, Margaret Moore, Margaret Westhaven, Margo Maguire, Martha Schroeder,
Mary Burton, Mary Brendan, Mary Dahein, Mary McBride, Mary Reed McCall, Mary Nichols, Maura Segger,
Maureen Bronson, Meagan McKinney, Melynda Beth Skinner, Merline Lovelace, Millie Criswell, Miranda
Jarrett, Mona Gedney, Muriel Jensen, Myretta Robens, Nan Ryan, Nicola Cornick, Nicole Foster, Nikki
Donovan, Nina Beaumont, Nita Abrams, Nora Roberts, Olga Daniels, Pamela Wallace, Patricia Bray, Patricia
Frances Rowell, Patricia Grasso, Patrícia Matthews, Patricia McLinn, Patrícia Potter, Patricia Waddell, Patricia
Wynn, Pat Tracy, Paula Hampton, Paula Marshall, Paula Reed, Phyllis T. Pianka, Quinn Taylor Ev ans, Rachel
Lee, Rae Muir, Regina Scoot, Rosemary Rogers, Ruth Langan, Sally Cheney, Sandra Chastain, Sandra Madden,
Sara Blayne, Selina MacPherson , Shannon OCork, Shan non Donnelly , Shannon Drak e, Shari Anton, Sharon
Harlow, Sharon Schulze, Shelley Bradley, Sherry DeBorde, Shirley Larson, Shirley Pare nteau, Stephanie
Laurens, Susan Amarillas, Susan John son, Susan Mallery, Susan Paul, Susan Schonberg, Susan Spencer Paul,
Susan Wiggs, Suzanne Barclay, Suzanne McMinn, Stacy Brown, Sydney Ann Clary, Sylvia Andrew, Sylvia
McDaniel, Taylor Ryan, Terri Brisbin, Theresa Michaels, Tina Donahue, To ri Phillips, Tracy Sumner, Tracy
Cozzens, Valerie King, Veronica Sattler, Victoria Bylin e Victoria Pade.
38
As autoras dessas coleções são: Alex Kava, Anne Gracie,B J Daniels, Blythe Gifford, Candace Camp, Carla
Neggers, Candace Camp, Carla Neggers, Carly Phillips, Carolyn Davidson, Charlote Vale Allen, Christiane
Heggan, Christine Rimmer, Deborah Simmons, Dixie Browning, Dorie Graham, Erica Spindler, Fern Michaels,
Heather Graham, Jasmine Cress Well, Jenn ifer Blake, Joanna Maitland, Julia Ju stiss, Justine Dairis, Karen
Templeton, Laura Van Wormer, Linda Howard, Lynd a Curn yn, Mar go Mag uire, Mary Alice Monr oe, Mary Lynn
Baxter, Melissa Senate, Nora Roberts, Paula Marshall, Penny Jordan, Ruth Lougan, Sandra Brown, Sarah
Mylowski, Sharon Sala, Stella Cameron, Sylvia Andrew , Taylor Smith,Terri Brisbin, Tori Carrington, Vicki
Lewis Thompson, Wendy Markham.
111
Românticos dos Estados Unidos. Nora já publicou mais de 160 romances,
traduzidos para 25 idiomas e editados em todo o mundo;
2) Penny Jordan escreve para a Harlequin há 30 anos e tem 150 títulos
publicados. Quando descobriu os romances Harlequin, Penny se apaixonou
imediatamente. No entanto, o sonho de se tornar escritora veio depois, e hoje,
Penny admite que "escrever não é minha carrei ra de escolha. É uma
necessidade básica, como respirar". A escritora vive em Chesire, no Reino
Unido; e
3) Tori Carrington. Marido e mulher, Lori e Tony Karayianni escrevem juntos
desde 1984, sob o pseudônimo de Tori Carrington. Após muitas cartas de
rejeição aos manuscritos, em 1998 os escritores publicaram seu primeiro
romance. Desde então contam com 33 títulos publicados, e vários prêmios
literários. O casal mora em Toledo, Ohio, com seus gatos (Aristotle, Spike e
Patch) (on-line
39
).
Esses casos, retirados como exemplo do sítio da editora, servem para ilustrar a
existência de longa data; o compromisso que a Harlequin tem com autoras consagradas e o
fato de a Harlequin permitir que autores merecedores de prêmios literários possam fazer parte
de sua equipe. A propaganda procura demonstrar a qualidade dos produtos disponibilizados no
mercado de livros e, ao mesmo tempo, ao mostrar um "pouco" da biografia de seus autores a
Harlequin produz mais um meio de identificação com o seu produto.
Porém, títulos, autores e coleções diversas, recebem, no momento, uma perspectiva que
precisa ser apresentada. Se a Nova Cultural alega publicar seus títulos desde 1978 e a
Harlequin Books alega que está no mercado brasileiro desde 2005, é necessário lembrar que a
Abril e a Nova Cultural são a mesma editora. Necessário lembrar que os exemplares do
corpus, Pacto de ódio (copyright 1969) e A sereia de Cowrie Island (copyright 1984) trazem
informação relevante. O copyright 1969 do primeiro título é atribuído a Harlequin Enterprises
B. V., e é publicado originalmente pela Mills & Boon. O segundo título informa apenas que é
publicado originalmente pela Mills & Boon.
Esses títulos permitem afirmar uma ligação da Harlequin com a Mills & Boon e uma
ligação da Harlequin com a Abril. Sendo esta a atual Nova Cultural torna-se curioso o fato de
a Harlequin alegar que está no Brasil desde 2005. Na verdade ela já estava, mas era
representada por contrato com a Abril. Assim, quando o título Amor em cena, da Harlequin, da
coleção Desejo, apresenta-se como "O ORIGINAL" e diz "de volta ao Brasil", significa que de
fato a Harlequin já esteve no mercado brasileiro. Esse exemplar apresenta informação de ter
sido "publicado sob acordo com Harlequin Enterprises II B. B." e foi "originalmente
39
Endereço eletrônico : h ttp://www.harlequinbooks.co m.br/catalog/home.php Acesso em 10 de janeiro de 2007.
112
publicado em 2003 por Silhouette Books" e, no Brasil, consta editora HR Ltda. HR nada mais é
que Harlequin Romances e possui oito coleções já apresentadas.
Ao comparar três títulos de coleções diferentes [Julia, Sabrina Noivas e Momentos
Íntimos] constato que a ligação dessas indústrias de romance de mocinha é significativa. Por
exemplo, o título Operação cupido, da coleção Julia, publicado no Brasil no ano de 2000,
apresenta, na capa, o logotipo da Harlequin. Porém, não fica só nisso, o título foi
"originalmente publicado em 2000 pela Silhouett Books, divisão da Harlequin Enterprises
Limited". Não bastasse, têm-se: "Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin
Enterpresis Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B. V.".
O segundo título, Contigo para sempre!, da coleção Sabrina Noivas também traz o
logotipo da Harlequin e as demais informações do contrato. Já o terceiro título, Ilha do desejo,
da coleção Momentos Íntimos, traz na capa o logotipo da Silhouette e a informação do contrato
são as mesmas encontradas na coleção Julia.
Tudo indica que, de fato, a Nova Cultural registrou as marcas Sabrina, Julia, Bianca e
tantas outras e, por isso, detém o poder dos nomes das coleções vendidas no mercado
brasileiro; mas que a Harlequin Books é a responsável pelas histórias traduzidas e então fica
determinado por contrato os títulos fornecidos para a Nova Cultural e os títulos fornecidos para
a editora HR. Também deduzo que a HR é uma concorrente da Nova Cultural, porém, não se
pode dizer com isso que o lucro adquirido por essas editoras não vão para o mesmo bolso. É
possível que a editora HR seja sim de outro grupo e não da Abril, como parece fazer crer a
empresa; porém, deve-se desconfiar se a HR não é uma segunda linha da Nova Cultural.
Afinal, é comum no mercado de quaisquer produtos a empresa A lançar produtos de primeira
linha e produtos de segunda linha.
Ao comparar o sítio da editora Nova Cultural e da Harlequin Books Brasil, percebo que
as editoras estão "preocupadas" com a opinião do consumidor e estão atentas aos desejos deles.
Para se ter idéia do grau de importância "dado" ao consumidor do produto, a Harlequin Books,
neste momento (jan/2007), faz uma pesquisa para lançar nome e capa da próxima coleção:
A nova série:
É cheia de expectativa e atração entre o herói e a heroína.
Possui uma heroína que é a personagem principal. Vive uma jornada em
busca de si mesma e do grande amor de sua vida. É u ma mulher com
ambições bem definidas, e que inspira respeito. Qualquer mulher gostaria de
ser como ela!
É uma montanha russa de emoções.
113
São histórias com príncipes e sheiks.
Possui cenários que podem ser nos Estados Unidos, na Europa ou na
Austrália.
Qual nome você sugere para essa nova série Harlequin Books?
Agora vote no lay-out de capa que mais lhe agrada: (clique nas i magens para
vê-las em tamanho maior) (on-line, 2007).
A editora sugere três nomes para a nova coleção: Harlequin Amanda, Harlequin Carol
e Harlequin Gaby.
Essa estratégia de venda é importante para dar a entender ao consumidor que o produto
é feito para ele e de acordo com o que ele deseja. O fato de a editora ofertar três nomes de
coleções e três possibilidades de capa não significa que ela está "delimitando" as
possibilidades; apenas que está facilitando o serviço de escolha do consumidor, jamais
direcionando a escolha. Jamais?
A manipulação é evidente. As editoras apresentam estratégias de marketing de todo o
peso para manter e conquistar consumidores. A Nova Cultural, por exemplo, apr esenta um
novo selo para as coleções ofertadas como lançamentos; o selo, confeccionado em amarelo e
escrito em preto, de formato circular e bordas picotadas, traz a seguinte informação: "The New
York TimeBest Sellers – as melhores autoras
40
", na página da editora uma explicação ao
selo: "Este selo identifica os romances escritos por autoras citadas na lista de bestsellers do
New York Times".
A apresentação até aqui delimita a importância (mercantil) das coleções de romance de
mocinha e a maneira descuidada de as editoras proporem novas coleções. Isto significa, em
40
A lista? A lista é longa: Anna Summer, Anne Laurence, Barbara Bretton, Barbara Freethy, Barbara Plum, Bess
Willingham, Beverly Barton, Candy Halliday, Cherie Claire, Christine Dorsey, Deanna Mascle, Debbie Raleigh,
Deborah Johns, Debor ah Shelley, Diana Morgan, Diann e Castell, Dinah Mccall, Elaine Fox, Elizabeth Turner,
Georgina Gentry, Gladys Posmik, Glenda Garlan d, Hannah Howell, Holly Chamberlin, Janelle Taylor, Janice
Maynard, Jeanne Savery, Jenna Petersen, Jill Henry, Jo Ann Ferguson, Jo Beverley, Jo Goodman, Joan Hoh l, Judi
Lind, Julia Park s, Karen Kay, K aren Whiddon, Kasey Adams, Kate Donovan, Kate Hanford, Kathleen Baldwin,
Kathleen Webb, Kathryn Hockett, Kay Hooper, Kim Whalen, Kimberly Logan, Kinley Macgregor, Laura
Drewry, Laurie Brown, Leslie Esdaile, Linda Francis Lee, Lisa Manuel, Lisa Noeli, Lisa Plumley, Lisa Valdez,
Lynn Emery, Lynne Hayworth, Marcia Evanick, Marge Smith, Margo Maguire, Maria Greene, Mary Reed
Mccall, Melinda Mckenzie, Melind a Skinner, Meredith Bond, P. C. Cast, Pamela Clare, Pamela Labud, Pat
Pritchard, Patricia De Groot, Patricia Waddell, Paula Reed, Quinn Taylor Evans, Regan Allen, Robyn Dehart,
Roxanne Countryman, Samantha Garver, Samantha Saxon, Sandra Brown, Sandy Blair, Sari Robins, Selina
Macpherson, Shannon Drake, Shelley Bradley, Sophia Kaplan, Stacy Brown, Susan Andersen, Susan Johnson,
Suzanne Enoch, Suzanne Macpherson, Sylvia Mcdaniel, Sylvie Kaye, Tiago Rebelo, Tina Donahue, Tracy
Cozzens, Trish Grav es, Valerie King, Victoria Hinshaw e Yarah St. John.
114
todo caso, que essas narrativas tem um valor devido ao sucesso de venda e ao fato de ser
possível determinar com o estudo diacrônico das coleções os comportamentos e as concepções
de vida projetadas em determinadas épocas. De M. Delly para as atuais coleções é visível o
caráter comercial mais ingênuo do primeiro ser transformado no sedutor nas últimas. O
ingênuo na coleção Biblioteca das moças chega ao sedutor em Momentos Íntimos e nos best-
sellers, dosado artificialmente para proporcionar sucesso imediato.
Observo da amostragem o fato de dois exemplares da primeiras metade do século XX
apresentarem, nas suas páginas finais, propagandas de outros romances. As coleções Seleção
de amor e Amour-Amour mesclam, nas publicidades de si mesma, outros textos. A primeira
avisa ter essas opções: "romances de famosos", "obras de José de Alencar", "poetas
brasileiros" e outros. A segunda apresenta os preços dos seguintes romances de José de
Alencar: A pata da gazela, O tronco do ipê, Iracema, Ubirajata, Diva, Lucíola, Senhora, O
guarani, A viuvinha e Cinco Minutos, esses por Cr$ 15,00; os romances da coleção (M. Delly e
outros) por Cr$ 12,00. Outros autores como Balzac, Dostoiewski, Flaubert, Dumas Filho,
Gauthier, Lamartine, Stevenson e outros, também por Cr$ 15,00.
A diferença dos preços de um exemplar de romance de mocinha para um exemplar de
romance brasileiro parece nunca ter sido a razão da escolha das consumidoras. Esses valores,
ainda hoje, não são os fatores que, a meu ver, direcionam os consumidores, isso porque os
preços apresentados são relativamente baixos, mas é possível adquirir um exemplar de
Dostoievski em um sebo por até R$ 10,00. Se no passado as coleções concorriam com
diferentes produtos, hoje as coleções só fazem publicidade dos seus próximos números ou de
coleções da mesma editora.
115
3.3.1 Resumo-montagem do corpus
Não se pode falar da origem de um fenômeno
qualquer que seja ele, antes de ter descrito esse
fenômeno (Vladimir Propp)
O objetivo da descrição e análise do corpus
41
é verificar se a construção dos tipos
romanescos é um conjunto de repetição de valores idealizados pela ideologia dominante e
constante na figurativização das personagens. Estas costumam receber caracterização direta,
isto é, tem-se acesso sobre o seu caráter ou qualidade física, por meio do narrador ou de algum
outro personagem. Possuem nome próprio, situações financeiras bem definidas e suas ações
são condutoras do processo fabular. A condição de "bom" ou "ruim" dá o tom moralizante das
narrativas. De antemão saliento que os romances recebem olhar voltado para o resumo-
montagem haja vista a necessidade de mostrar a maneira que os textos são construídos. Para
manter maior fidelidade ao produto disposto para os seus consumidores, dou início à
apresentação com as sínteses dos romances ofertadas pelas editoras. Relembro que após o
título do exemplar insiro o ano do copyright e o ano da publicação do produto estudado, logo
na seqüência, retirada da quarta-capa, a síntese do exemplar. Estabeleço um padrão para
apresentá-los, porém haverá um desvio dessa apresentação quando o romance Amante indócil
for explorado. Essa diferença é estabelecida pelo próprio desenrolar da narrativa.
41
O corpus romance de mocinha é composto dos seguintes romances: A sereia de Cowrie Island, Sob o signo da
paixão, O rival, Pássaro de ouro, Amante indócil, Mitsi, Pacto de ódio e Encontro mágico.
116
Figura 3 – Pacto de ódio
Pacto de ódio (1969-1982), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm [traduzido],
país de origem: Inglaterra, 120 páginas.
Síntese: Atenas e o Partenon, Delfos e o maravilhoso santuário de Apolo, as ilhas
encantadas do mar Egeu... Para viver na morada dos deuses, Marika precisava aceitar a
117
estranha e perigosa proposta de Nickolas Loukas. Era belo como uma estátua e frio como o
mármore! Vendida pela própria mãe, Marika vivia na mesma casa de Nickolas. Procurava
fugir de seu fascínio, tentava sempre voltar para seu lar, para junto das pessoas que amava.
Mas não sabia como se livrar de um homem acostumado a ser obedecido! Como resistir ao
calor daqueles beijos mentirosos, ao apelo sensual daquele corpo belo e forte como o de um
deus grego? Talvez só a morte pudesse separá-los...
Nessa narrativa, a heroína, Marika (virgem), ficou órfã de pai aos 12 anos e ainda não
tem 18 anos quando a mãe negocia sua partida com Nickolas [tem mais de 30 anos], em troca
da liquidez de muitas dívidas e da garantia de que terá [a mãe] uma ajuda financeira para que
seja possível manter um alto padrão de vida. Assim, os heróis se conhecem no início da
história por conta do desequilíbrio financeiro da família de Marika e ela se vê obrigada a
aceitar a chantagem de Nickolas [caso ela não deixe a Inglaterra para ir com ele à Grécia o
nome do falecido pai dela será exposto por conta das dívidas feitas pela mã e e pelas gêmeas
irmãs mais velhas]. A viagem à Grécia é o desequilíbrio da história e acontece logo nas
primeiras páginas, no entanto a mudança se dá quando Marika é apresentada ao quase
moribundo pai de Nickolas como a noiva deste. Trocam alguns beijos e logo Marika é levada a
casar-se com Nickolas e só o faz porque o ama [mesmo casados, nunca se conheceram
sexualmente], porém não confessa esse amor e descobre, no momento que consegue a
liberdade para voltar à Inglaterra que Nickolas não precisava se casar com ela para manter as
aparências diante do pai (que falece). Marika desiste da viagem de regresso e vai ao encontro
do marido.
Em Pacto de ódio, tem-se menor número de personagens se comparado a Mitsi.
Marika, jovem inglesa, predestinada [conforme o nome] a um futuro na Grécia, ainda não
possui nenhuma beleza estonteante, mas tem a vantagem de ser natural e agradar justamente
por não ser o tipo preocupado com aparência e modismos. A descrição de sua aparência é
mínima.
A falta de caracterização da jovem Marika não recai só no físico, também no
emocional. Trata-se de jovem de poucas regalias financeiras enquanto com a família e, após,
quando lhe é possível adquirir bens financeiros tem todo o seu vestuário escolhido e pago pelo
noivo. Desde que está na Grécia não estuda e não demonstra sentir necessidade de fazê-lo;
afinal, é tão aplicada que em um mês já sabe "tudo" sobre os deuses gregos e quase "tudo"
sobre a história da Grécia. "Depois das histórias contadas por Pitsa e pelo sr. Stephanos, além
dos livros [em inglês] que Sófula lhe emprestara, era impossível não saber tudo sobre os
deuses e a mitologia grega" (1982: 33). Ou seja, trata-se de uma jovem excepcional,
118
excepcionalmente inverossímil. Afinal, na página 37 tem-se que Marika está lendo Édipo Rei
no original, já na página seguinte, tem-se: "pegou o jornal, para ver se conhecia alguma
palavra, agora que já sabia o alfabeto" (1982: 38). O tempo todo a personagem feminina é
contra o papel submisso da mulher grega, mas ao mesmo tempo não tem o direito de cortar os
cabelos ou de usar a pulseira que deseja.
A personagem feminina que "concorre" com Marika é Hilary, uma jovem viúva,
inglesa e cunhada do "herói". De beleza "artificial" e apegada a modas, trabalha nos bens da
família e é respeitada profissionalmente. No entanto não é desejada na família Loukas e por
isso Marika está "passando" por noiva, esta possui o perfil de mulher que o pai do herói
aprova. Há, no entanto, outras mulheres na história. As primeiras são as duas irmãs de Marika
e a mãe, mulheres interesseiras e fúteis. Também Hilary tem o mesmo perfil das irmãs de
Marika. Depois tem-se o núcleo grego e então as mulheres são a avó do herói, sra. Sófula e a
prima dele, Pitsa. A primeira, aos 90 anos, sobrevive ao filho, Stephanos. De aguçada
inteligência, Sófula ampara Marika e faz com que ela entenda o amor do neto. Pitsa é uma
jovem apaixonada e rejeita os costumes gregos, tenta escapar do casamento arranjado mas
acaba por aceitar o pretendente que o primo apresent a a ela. São duas mulheres sob a
responsabilidade do herói e se dão por feliz com as resoluções efetuadas por ele.
Há quatro figuras masculinas. A primeira, o "namoradinho" de Marika antes de ela ir à
Grécia. Depois tem-se o herói, o pai dele e o pretendente de Pitsa. Há outros homens na função
de taxistas e funcionários, mas sem envolvimento com as personagens.
David, o jovem "namorado", sabe que o envolvimento com Marika é só passatempo e
torce para que ela vá à Grécia, a intenção é ir visitá-la depois, para conhecer a Grécia e não
gastar desnecessariamente com hospedagem. Não se amam e por fim ele até "ajuda" Marika,
fingindo enamorado por ela para que o "noivo" fique com ciúmes. Ou seja, não é rival, mas faz
o papel de sê-lo, só para que Marika não demonstre o amor que sente e pensa ser rejeitado pelo
"noivo".
Nickolas Loukas é a personagem melhor caracterizada, evidência da sua supremacia na
narrativa toda. É responsável por "todas as mulheres", tanto as de sua família quanto às de
Marika, será, interinamente, o provedor de todas elas. Tem-se então um homem másculo, de
aparência fria e ao mesmo tempo atraente:
O sr. Loukas estava de pé, diante da lareira. Marika só podia ver suas costas,
mas notou que era bem alto. Ele se vo ltou e ela percebeu seu queixo bem
marcado, os lábios firmes e uma expressão um pouco arrogante. Lembrava a
119
figura de um deus grego, frio e distante, mas mesmo assim impressionante
(
Pacto de ódio, 1982: 8).
Com todos esses atributos ele dará conta, sim, de resolver todas as questões que lhe
competem e, ainda, fazer com que Hilary e Marika desejem desposá-lo.
As últimas páginas do romance revelam:
— Se o oráculo não estivesse silencioso, se ele ainda pudesse
responder, sabe o que eu iria perguntar-lhe, Nickolas?
— O quê, minha querida?
— Iria perguntar-lhe por que Nickolas se casou co migo, se não era
mais necessário.
Os braços dele se fecharam mais em redor dela. Ela sorriu, feliz, e
resolveu continuar a brincaderia que havia começado.
— Por que não pergunta, Marika?
— Oráculo de Delfos, tenho uma pergunta importante para fazer: por
que Nickolas casou-se comigo, se já não havia necessidade disso?
— Nickolas casou-se com você porque ele a amava — ele falou com
muito amor, embora estivesse participando da brincadeira. — Ele a amava
naquela época, ama você agora e a amará para sempre. — E depois de uma
pausa, ele disse, sério: — Era isso o que o oráculo iria dizer. A pura verdade.
Abraçou-a de novo e no beijo que trocaram havia toda a verdade do
que tinham dito.
— Vamos para a nossa casa, Nickolas — ela murmurou ao ouvido
dele.
De braços dados, fizeram o caminho de volta. Passaram pelos
mesmos lugares onde já tinham estado juntos e, no entanto, parecia-lhes que
esta era a primeira vez. Sob o olhar dos eternos deuses gregos, uma nova e
maravilhosa história de amor começava... (Pacto de ódio, 1982: 119-120)
.
120
Figura 4 – Pássaro de ouro
Pássaro de ouro (1975-1988), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm
[traduzido], país de origem: Inglaterra, 128 páginas.
Síntese: Era primavera em paris. Flores e pássaros desabrochavam no romântico
aconchego do Bois de Boulogne. A poesia e a expressão sem limites do espiritualismo
121
alcançavam seu auge. Emmeline também desabrochou em Paris. Não era mais cativa de sua
milionária família, que a superprotegia roubando-lhe toda liberdade. Se apaixonou por Pierre
Valmont, poeta pobre, que mostrou-lhe um lado da vida que não conhecia. Mas Pierre
ignorava sua verdadeira identidade. A mentira ameaçava destruir o bem mais caro que
conquistara...
Em Pássaro de ouro, Emmeline "Vada" é uma jovem americana belíssima. Dona de
cabelos com "a tonalidade suave das espigas de milho apenas amadurecidas" (1988: 8) que
emolduravam um rosto "perfeitamente oval com dois olhos de um azul intenso e cílios muito
escuros" (1988: 8). Não bastassem "os dois olhos" a moça ainda é inteligente; conhecedora da
poesia de Verlaine, Jean Moréas, Leon Deschamps e da música de Wagner. Interessa-se por
arte e pelos pensamentos modernos, toca piano e aprendeu a atirar com o pai [falecido
recentemente]. Consta na narrativa que ela leu "acerca de todos os assuntos" (1988: 21). Ao
que parece, não "todos", afinal a jovem se convida para conhecer o atelier do acompanhante e
ao ser beijada e despida sente-se indecisa e encabulada: " Não... por favor... não! suplicou
Vada, mas ele parecia não ouvi-la. Pierre... não...eu..." (1988: 60). Ela não sabia que seu
comportamento era um convite à investida do jovem Pierre. Depois de um grito de "criança
indefesa" a moça conseguiu impor respeito.
As demais personagens femininas dessa narrativa são desprovidas de tinta. Há a
presença, no início da narrativa, da mãe de Vada, logo substituída por Miss Nancy Sparling.
Essa sofre um acidente e a heroína tem somente a companhia da jovem Charity. Por fim, tem-
se a duquesa, mãe de Peter.
O herói, Pierre Valmont, é cultíssimo, pintor, escreve poesias e freqüenta os mesmos
lugares que os simbolistas Verlaine, Jean Moréas, Leon Deschamps. Pierre "também" escreve
para La Plume, é um dos "editores". De compleição máscula, ombros largos, alto, de sorriso
sarcástico e incrédulo, dono de dedos "quentes, fortes e confortantes" (1988: 53). Um homem
imponente e oito anos mais velho que a heroína.
Pierre tem por rival o marquês de Stanilas de Guaita
42
. Homem atraente, mas se
comparado a Pierre perde o encanto, encanto estranho porque deixa Vada um pouc o
apreensiva, porém não o suficiente para rejeitar o convite para acompanhá-lo até o Moulin
Rouge. Amigo de Joseph Péladan
43
, Stanilas vê em Vada a inocência necessária para um culto
ocultista, a Rosa-Cruz.
42
Stanilas de Guaita (Marquês Marie Victor Stanilas de Guaita - 6 de abril de 1867 a 19 de dezembro de 1897),
personagem real que viveu na Paris "retratada" na narrativa de Barbara Cartland.
43
Viveu de 28 de março de 18 59 a 28 de j unho de 1918.
122
Pássaro de ouro é uma narrativa que mescla diversos fatos reais acerca da Paris do ano
1892. Há uma preocupação em apresentar a religiosidade negra de Stanilas e dialogar com as
poesias simbolistas; no entanto, ainda que a autora traga uma nota afirmando a veracidade dos
fatos, tal como ela relata/descreve, a História não passa de cenário, mal colocado/explorado,
para que as personagens protagonistas possam figurar com seu amor. Há, além disso, alguns
pecados com a própria maneira de descrever, isso porque a autora dá a Stanilas o
conhecimento histórico da época vivida:
Sabe que chamam este período que vivemos de La Belle Époque [pergunta
Stanilas a Vada]?
É como será conhecido na história. Aliás, quando desembarquei em
Cherbourg, senti que entrava numa página da história (
Pássaro de ouro,
1988: 67).
Pássaro de ouro, permeado de História tem a história em si concentrada no
envolvimento do casal Vada/Pierre e na crítica implícita aos papparazzi; figura um tanto
antecipada; afinal, trata-se do ano 1892. Claro está que não se discute a profissão de repórter
para a época, mas sim a conotação que a vida milionária de Vada recebe e a curiosidade que
desperta para a venda de uma "biografia" milionária.
Para não ser encontrada, Vada fica no hotel reservado para Nancy e passa a usar as
roupas de Charity nas suas incursões turísticas. Providência que acaba dando certo, já que em
uma das suas saídas, ao retornar, encontrar no quarto um repórter. Esse faz perguntas a respeito
de Emmeline, porém Vada está protegida pelas roupas de Charity. O jornalista se apresenta
como Pierre Valmont e dá-se uma discussão sobre períodos literários e a acusação de Pierre a
Emmeline [acusa-a de ser uma rica em busca de um título de nobreza]. Vada interessa-se pelos
conhecimentos culturais e literários de Pierre e este a ciceroneia por Paris.
Com atitudes vanguardistas, Vada, mesmo com os trajes sóbrios e sem glamour de
123
se apaixonado por Pierre. Sem se despedir de Pierre, Vada vai a Inglaterra e ao conhecer o
duque descobre que se não conhecesse Pierre se casaria com o duque e seria feliz.
Vada informa ao duque David que não poderá casar-se com ele porque está apaixonada
por um jovem francês e voltará a França para aceitar o pedido de casamento feito por ele. E
então Vada vê-se diante de Pierre, chamado Peter e irmão de David, este declara estar
tuberculoso e que passou todos os bens da família, também as dívidas, para Peter. Peter/Pierre,
preocupado em acusar Emmeline de abandoná-lo em Paris para casar-se com um duque a deixa
sair e depois a encontra aos prantos. Esclarecidas as razões, o casal se declara:
— Como pôde pensar, Pierre, que eu fosse assim tão falsa?
— Contava os minutos para revê-la. E então, achei que me traía.
— Mas sabia que eu amava você, não?
— Achava que sim. Contudo, quando a vi beijando meu irmão,
julguei que me enganara.
— Jamais poderia amar... outro homem!
— Você me perdoa? — pediu Pierre com humildade.
— Perdôo tudo, uma vez que se case comigo.
— Como todas as mulheres, tem uma idéia fixa. Todavia, por feliz
coincidência, desejo a mesma coisa. Vamos nos casar, e rápido. Nenhum de
nós dois quer esperar. Pertencemos um ao outro desde o começo dos tempos,
e isso é amor, meu tesouro, ma belle. É amor, esse sentimento mágico e
inexplicável que existe desde que o mundo é mundo. E você, minha querida,
que é parte de toda a beleza deste mundo, é minha, somente minha!
Eles se beijaram, e Vada reviveu toda a emoção daquele primeiro
beijo às margens do Sena, aos pés da Notre-Da me. Os dois eram uma só
pessoa, uniam-se para sempre. Não ignoravam que teriam de superar mil
dificuldades, mas nada importava desde que estivessem juntos.
"Eu amo você, eu adoro você", Vada quis dizer, mas os lábios de
Pierre junto aos seus impediram-na de falar.
Ma petite, minha querida — murmurou ele.
Vada sentiu uma chama crescendo dentro deles, chama que se
transformava em fogo intenso. Um fogo que destruiria tudo que fosse errado,
desagradável e mau, um fogo divino que os conduzia a um céu cheio de
estrelas, onde havia apenas a música e a poesia dedicadas ao amor (Pássaro
de ouro, 1988: 127-128).
124
Figura 5 – Amante indócil
Amante indócil, (1980-1986) impressão: papel jornal, capa dura, formato 19cmx12.5cm
[traduzido], país de origem: Estados Unidos, 271 páginas.
Síntese: UMA JOVEM RICA E VOLUNTARIOSA, FEROSMENTE ORGULHOSA E
IRRESISTÍVEL. UM HOMEM RUDE, IMPLACÁVEL, AO MESMO TEMPO TERNO E CARINHOSO
125
QUANDO APAIXONADO. E UM CAVALO. O GARANHÃO MARCHADOR BRANCO – CHAMADO
PELOS ÍNDIOS DE "CAVALO FANTASMA DAS PLANÍCIES".
DIANA SOMERS, rica e voluntariosa, consegue sempre o que deseja. Com a mesma facilidade,
abandona aquilo que tanto almejara. Seu casamento não foi uma exceção. Fadado ao fracasso desde o
início, os ciúmes doentios do marido acabam por destruí-lo. Diana volta depressa para casa, uma
estância do meio-oeste, onde pretende cuidar dos cavalos do pai. Aí ela encontra HOLT MALLORY,
que dirige a fazenda com mãos de ferro. Um fato acidental faz com que Diana e Holt se unam numa
aliança constrangedora: as valiosas éguas reprodutoras desaparecem inexplicavelmente da fazenda.
Diana e Holt saem pelos campos e descobrem o ladrão: um garanhão branco selvagem, que vivia
desgarrado de sua manada, roubando éguas para formar o seu harém. Descobrem também algo mais
selvagem nos próprios corações...
A história tem início com Diana Somers, então com 13 para 14 anos. Filha única de um
fazendeiro milionário, Diana tem todas suas vontades atendidas pelo pai, único homem que ela
não enfrenta. É órfã de mãe desde os 4 anos e circula pela fazenda como se fosse um garoto, na
tentativa de oferecer ao pai todos os serviços que um filho faria. "Esguia, vestida como um
rapazinho, Diana atravessou o quintal da estância com passadas longas, copiadas das do Major
[o pai]. Num gesto nervoso, mas essencialmente feminino, ergueu a mão para alisar um dos
lados do cabelo muito negro, cortado num estilo masculino" (1986: 9).
A jovem procura fazer todas as tarefas julgadas por ela como corretas a um filho:
dirigir trator, domar cavalos, participar das decisões do Major quanto à administração da
estância. Até que surge Holt Mallory e Diana passa a ter problemas com as atividades antes
desenvolvidas normalmente. A primeira demonstração da força de Holt [26 anos] acontece
quando Diana [14 anos] vai exercitar uns dos garanhões da fazenda. O novo empregado de seu
pai a impede e num gesto de extrema segurança Diana o enfrenta, mas é desafiada.
Diana perde o direito de exercitar os garanhões quando o Major chega e presencia a
demonstração de Holt. Esse ganha uma inimiga. A presença de Holt faz com que Diana
também não possa ir ao recolhimento do gado, tarefa que fazia desde os 8 anos.
Dessa proibição em diante Diana procurará ser uma "dama", como quer o pai:
Se era uma dama o que o pai queria que fosse, estava disp osta a
aquiescer. Daquela manhã em diante, Diana iniciou a transformação. Foi às
compras, adquiriu roupas novas que acentuavam sua feminilidade, sem
exagerar nos babados e laços. Começou a se inter essar pelo que acreditava
serem coisas de mulher, tais como cozinhar e costurar. Contudo, não foi a
extremos. Continuava a montar freqüentemente, e a executar tarefas menos
árduas na estância.
[...]
Era igualmente difícil para Diana compreender suas colegas de classe ,
na escola. A preocupação delas com cantores de música popular, garotos de
rosto espinhento e fofocas parecia uma tolice. Co mo sempre, Diana brilhava
como aluna e era a favorita da professora. A co mbinação de cabelos negros
126
lustrosos, olhos azuis brilhantes e um corpo esguio e cada vez mais atraente
tornava-a ainda mais popular com os garotos. Diana sentia-se mais à vontade
com eles, tendo sido criada num ambiente quase exclusivamente masculino,
porém eles lhe pareciam juvenis demais, quase sempre (Amante indócil, 1986:
23).
A narrativa possui 271 páginas e já nas primeiras páginas delineia-se o caminho a ser
percorrido quando insere Holt como o único homem, fora o pai dela, a desautorizá-la; mais que
isso, a fazer com que o próprio pai desautorize Diana a fazer os serviços costumeiros.
Holt, ao chamar a atenção do Major para as mudanças femininas do corpo de Diana,
desencadeia uma série de comportamentos provocativos de maneira "inocente". Se antes Diana
usava o laço para domesticar os garanhões depois usará o corpo para manter os homens tão
domesticados quantos os animais irracionais antes domados por ela.
Holt Mallory se casou aos 16 anos e o casamento não sobreviveu à fuga da esposa com
o filho pequeno. Quando recebe a notícia de que a esposa faleceu, Holt passa a cuidar do filho,
cujo paradeiro era ignorado antes. É com o filho recém-adquirido que Holt chega à fazenda.
Suas características são digna de se somarem às de Diana:
[...] Alto — cerca de um metro e oitenta —, esguio e rijo, tirou cortesmente o
chapéu de palha Stetson da cabeça. O cabelo castanho espesso e despenteado
fora queimado pelo sol até chegar ao tom do tabaco. As feições bronzeadas
eram talhadas em linhas implacáveis. Os olhos eram de um cinza duro e
metálico, como lascas de aço. Par eciam muito mais velhos do que deveriam
ser, pela sua idade cronológica, que não devia ultrapassar os 26 anos (Amante
indócil, 1986: 10).
Será o dono dos olhos "cinza duro e metálico" que salvará Diana de ser violentada aos
17 anos, quando se apaixona por um funcionário da estância e este decide ensinar-lhe mais que
um beijo na boca.
Antes que Diana pudesse adivinhar as suas intenç ões, já baixava a
cabeça e beijava os seios redondos e espremidos, lambendo e mordiscando os
mamilos. Desesperada, tentou empurrá-lo para longe de si. O medo começava
a penetrar na névoa de álcool que entorpecia sua mente. Mas uma parte de si
sentia certo estímulo sensual ante o gesto erótico.
— Curly, não quero que faça isso — sussurrou num pânico entremeado
com um pouco de raiva.
— Claro, boneca, claro.
Porém ignorou os protestos dela.
[...] De todas as pessoas que gostaria que viesse m salvá-la, Holt
Mallory era a última que teria escolhido.
127
[...] — Está despedido, Lathrop. Arrume suas coisas e suma daqui
dentro de uma hora.
— Não pode me despedir por causa dela. [...] Parecia uma cadela no
cio.
[...]
— Sua vaca mimada. — A expressão denotava profundo desprezo.
— Acabamos de perder o melhor treinador de cavalos do Estado, e você só
consegue pensar em sangue. Quer que o Major defenda publicamente a sua
honra, sabendo que andou atrás do Curly como uma piranha barata? Pouco
se lhe dá que o Major faça papel de palhaço diante de todos os seus amigos,
contanto que você consiga a sua vingança. Ele é um homem bom demais para
merecer uma filha como você.
O ataque exigia algum tipo de revide. [...] Diana estalou-lhe uma
bofetada na face. [...] Holt dobrou-a sobre o joelho, a saia lhe caindo à volta
do pescoço.
— Não! — berrou Diana, num protesto chocado, dando-se conta
subitamente das intenções dele.
Já era tarde demais, pois sua calcinha h avia sido parcial mente arriada,
e a primeira palmada forte fora aplicada na carne macia. [... ]
A surra pareceu durar uma eternidade, até que ele a fez levantar. Com
o rosto vermelho, os olhos marejados de lágrimas que não se permitia
derramar, Diana lançou-lhe um olhar orgulhoso e magoado, os joelhos
trêmulos, mas mantendo-a ereta (Amante indócil, 1986: 31-34 – destaque
acrescentado).
Os adjetivos marcados no texto e o próprio conteúdo em si revelam a natureza da
história que compõe a coleção Best-sellers. Essa coleção é produzida para agradar
consumidoras com mais de 25 anos, no entanto, o exemplar Amante indócil não apresenta
recomendação para qual idade é apropriado, o que permite inferir que, apesar de ser produzida
para agradar mulheres mais adultas, a coleção não é "censurada" à consumidoras mais jovens.
Também as revistarias e sebos não pedem documentação para vender/revender uma narrativa
do teor desta.
Aos 20 anos Diana cursa Ciência Política. Em uma conferência conhece seu futuro
marido:
[...] O orador convidado era um lobbyst profissional dos interesses de
mineração em Nevada. Chamava-se Rand Cummings. Alto, extremamente
bonito, como cabelos escuros crespos e olhos azuis, era encantador, eloqüente
e inteligente. Diana sentiu uma atração instantânea pelo homem, mas sua
experiência com Curly deixara-a cautelosa (Amante indócil, 1986: 39).
Diana casou-se de véu e grinalda e a festa foi impecável, a virgindade guardada para o
marido não garantiu o "felizes para sempre"; quatro anos depois Diana está de volta à fazenda
do pai, com um diploma superior, que não pretendia usar e uma certidão de divórcio na
128
bagagem. Um divórcio baseado em acusações de traição e que denegria a imagem dela, mas
ela afirma ser inocente. O retorno de Diana faz bem ao Major e a Guy, mas Holt a acusa de
ainda estar à caça:
— Pensou mesmo que as historinhas sórdidas sobre o seu casamento
não iam chegar até este lado do Estado? — Os músculos do maxilar
enrijeceram-se de desprezo. — Não foi a infidelidade que seu ex-marido usou
como motivo para pedir o divórcio?
[...]
Ah, Deus — gemeu Diana, virando-se. — Era tudo mentira. Nunca tive
caso com ninguém. Rand pensou que... Ele... — Voltou a olhar para Holt,
prendendo a respiração. — O Major... também ouviu as fofocas?
Os olhos de Holt fitavam-na, apertados vivamente cinzentos e
avaliadores.
— Suponho que sim. Nunca perguntei.
[...]
— Sei que tipo de filha você é... mimada e egocêntrica.
Diana espalmou a mão contra o rosto dele [...] Teve apenas um
segundo para saborear a sensação, antes que algo explodisse contra a sua face,
com uma força que jogou sua cabeça para o lado e trouxe-lhe lágrimas aos
olhos. Atordoada, cobriu a parte do rosto que ardia e olhou para o homem que
a esbofeteara.
— Agora, eu sei que tipo de homem você é. Gosta de bater, não é? —
falou, friamente. — Faz com que se sinta forte e poderoso?
— O que esperava que eu fizesse? Parei de virar a outra face há mu ito
tempo (Amante indócil, 1986: 55-56).
Esta é a segunda vez na narrativa que Diana esbofeteia Holt e a segunda vez que é
punida. Da primeira ele espalmou-a após ter baixado a calcinha dela, na segunda ela já
"agüenta uma bofetada", é adulta. Diana, no entanto, é persistente e ao esbofetear Holt pela
terceira vez, ganha outra punição:
— Qual é? Está com ciúmes porque achei que seu filho era mais
homem do que você?
[...]
— Não estou preocupado com a virgindade perdida dele. Teria
acontecido mais cedo ou mais tarde. Estou aqui para me certificar de que a
puta mimada que a tirou fique longe dele, no futuro.
O controle precário dela se desfez. Com a mão em arco estalou-lhe
uma bofetada na cara, com quantas forças tinha. Na última vez em que agira
assim, Holt revidara do mesmo modo, e agora Diana estava preparada para
fugir do golpe da sua mão.
Mas o alvo das suas mãos rapidíssimas não foi o rosto dela. Abaixou-
se em vão, quando ele a agarrou pelos ombros e puxou-a com força contra o
peito. O ar deixou os pulmões dela, num sopro atônito. Uma tira apertada de
aço envolveu-lhe a cintura, enquanto dedos rudes se enrolavam num punhado
de cabelo, para puxar-lhe violentamente a cabeça para trás.
129
Antes que Diana pudesse emitir um som, seus lábios estavam sendo
esmagados contra os dentes pela força impetuosa dos dele. A pressão dura,
punitiva, era humilhante, violando a sua boca, assim como um homem
encontra o prazer numa prostituta. Sentiu um zumbindo nos ouvidos, a
humilhação correndo pelas veias. Apenas a mão rude na nunca impedia o
pescoço de se quebrar, ante a violência do beijo dele (Amante indócil, 1986:
77-78).
De adiante a forma punitiva será vinculada ao envolvimento sexual.
Uma comitiva da fazenda resolve caçar o garanhão branco que está roubando as
melhores éguas da fazenda. Diana, Holt, Guy, Rube e outros montam acampamento nos áridos
e distantes pastos da fazenda. Holt e Diana evitam-se e se desafiam o tempo todo e Guy, o
filho de Holt, sempre apaixonado por Diana, faz de tudo para estar com ela. No entanto, Holt
procura deixar claro o quanto Diana é maléfica ao filho. Pai e filho chegam a se esmurrar em
um confronto e com a vitória do pai que primeiramente se recusou a bater no filho quando este
o esmurrou, o poder que o pai tem de despedir o filho do emprego na fazenda faz com que este
não leve em consideração o nocaute sofrido. Porém, Diana teve que interferir para que Guy
não fosse demitido do trabalho, situação que o jovem não gostaria que acontecesse mas agia de
forma a causar sua própria demissão. Holt, no entanto, continua acusando Diana de ter se
envolvido com Guy:
— Não foi o Guy quem a seduziu. Não teria ousado tocá-la, a não ser
que você convidasse. Poderia tê-lo detido a qualquer momento, com u ma só
palavra. Guy jamais teria forçado você. Por que não falou essa única palavra?
[...]
— Por que fez amor com ele? — perguntou Holt com veemência.
— Tive pena dele.
[...]
— Sua sacanazinha vingativa. — A voz era baixa e agourenta, como
o ruído da trovoada. — Guy pensa que você é uma deusa, e você é feita de
barro... barro sujo e pegajoso, que a mão de qualquer homem pode moldar.
[...] Acha que o Guy vai acreditar que fui eu que caí, dessa vez? —
perguntou, com ar de desafio.
Holt deu um passo ameaçador em sua direção, e Dian a girou sobre si
mesma, às cegas. [...]
[...]
Finalmente, Diana olhou para o rosto impassível do seu captor.
Exausta, e ainda ofegante, correu a ponta da língua pelo lábio superior, para
umedecê-lo. O olhar alerta de Holt notou o movimento, e voltou a atenção
para a boca da moça. As pupilas dele tornara m-se cinza-chumbo, ardentes e
intensas (Amante indócil, 1986: 105-106).
130
Após esse diálogo entrecortado, é claramente dedutível a ação seguinte; a agressão, no
entanto, se mantém quando, seguida a posse sexual Holt afirma que Guy não estava enganado,
ele a considera, sexualmente, "muito boa" (1986: 108).
Se quando Diana envolveu-se sexualmente com Guy o olhar de Holt testemunhou o
entrelaçamento, no momento que Diana se une ao pai o filho também testemunha o encontro.
O mais velho puniu Diana com um beijo, o mais novo angustia-se ao ver a mulher que ama
envolvida com o pai. O filho, porém, acusa o pai de ter estuprado Diana. Ao que o pai
responde: "Se você viu, então sabe que não foi estupro" (1986: 110). Na seqüência Guy aciona
o gatilho do rifle para matar o pai, Diana interfere e acompanha Guy, não sem antes lançar um
olhar a figura solitária de Holt.
Esse triângulo mantido por Holt, Guy e Diana pode ser considerado desigual na
proporção que as forças de Holt e de Diana são escalenas e a posição de Guy é irrelevante, se
bem que a causadora dos movimentos de Holt e Diana. Fica marcado pela construção fabular
que a chegada de Guy é um estorvo para que Diana e Holt continuem usufruindo um do outro
fisicamente; porém Guy, verdadeiramente apaixonado por Diana, confessa a ela, logo após
retirá-la dos braços do pai, que a ama e que quer protegê-la, quer adotá-la. Diana se esquiva
aos carinhos de Guy e após dizer que não pode passar dos braços de Holt para os de Guy,
retorna ao acampamento onde consumou o ato sexual com Holt. Se Diana foi julgada "boa"
para os dois homens, o mesmo não se deu para com ela. Razão para que Diana tenha novos
encontros sexuais com Holt, sempre nos ambientes áridos da fazenda, mas não com Guy.
Após quatro dias, a caçada ao garanhão se revela infrutífera e todos retornam a fazenda.
Diante dos visíveis estragos físicos, o Major indaga, logo após notar o ferimento de Holt, como
ficou o outro sujeito. Nesse momento Guy muda de posição e o Major nota a face machucada.
Porém, Rube, que esteve com eles, mas foi ignorado nas situações de encrencas, relata ao
patrão o que foi comunicado a ele:
— Passamos uns dias encrencados, Major — intrometeu-se Rube. —
O Guy sofre uma queda. O Holt dá de cara em alguma coisa. A Diana rasga a
blusa num arbusto. O garanhão branco tenta fazer nossos cavalos
debandarem, depois destroça nosso acampamento e destrói nossa comida.
Desde o meio-dia que não como.
O Major franzia a testa, enquanto Rube contava os feitos do mustang.
— Ligeiramente floreado — disse Holt.
— O que... — interrompeu-se. — As explicações podem esperar.
Sophia já botou a comida na mesa. Vamos comer (Amante indócil, 1986: 144-
145).
131
Guy foi nocauteado pelo pai após tê-lo agredido, Diana teve a blusa rasgada no
primeiro encontro sexual com Holt, a única "verdade" se revela nos feitos do garanhão
selvagem.
A contenda entre Diana e Holt tomará outras proporções. Diana pede ao pai para ajudar
na administração da fazenda, já que está divorciada e não pretende fazer uso do diploma. O pai
diz a ela que conversará com Holt e depois dará uma resposta. Este se recusa a ceder algumas
das suas funções e disponibiliza seu cargo afirmando que prefere se demitir da fazenda a
receber ordens de Diana. A moça, no entanto, ciente do fracasso do pedido feito ao pai,
procura Holt e expõe que é a filha e que tem sido negligenciada das suas ocupações desde que
Holt chegou para trabalhar na fazenda. Após chor ar afirmando que o pai não precisa mais dela
porque Holt existe é beijada por ele e chegam a uma conclusão: Diana cuidará de por os
cabrestos nos potrinhos novos e também dos livros, nada ma is.
Dias depois Guy convida Diana para ir a cidade, ela aceita. No caminho Diana volta a
se envolver com Guy, dessa vez com alguns beijos, após ele ter suplicado a ela que não o
rejeitasse novamente. Já na cidade Diana encontra Peggy e Alan, um casal amigo, de situação
financeira inferior, e faz julgamentos após observar que a amiga não pode sequer comprar um
vestido, também não pode aceitar como presente de Diana, o presente causaria um transtorno
entre Peggy e Alan.
Holt também vai a cidade e Diana já havia informado Guy que voltaria com Peggy e
Alan, mas Holt pede a ela para que aguarde a chegada de um novo gar anhão e volte com ele
para a fazenda.
Holt deixa com Diana uma chave e o mal tempo causa um atraso, fazendo com que
Holt e Diana se encontrem longe dos arbustos e gramíneas:
— Está chateado, é? — Diana estava tão zangada que chegava a
tremer. — Devo diverti-lo? O que quer que faça? Tire as roupas e pule pra
cama como uma puta qualquer? Tome a sua chave! — Arremessou-a em
cima dele. — Sabe o que pode fazer com ela. Eu vou embora.
A chave ricocheteou no peito dele e caiu no chão.
— Alan e Peggy já foram.
— E daí? Há mais um meio de voltar à estância. — Hesitou, sabendo
onde ele era vulnerável, e se aproveitando. — Tal como ligar para o Guy e
mandar que venha me buscar. — Uma chama ardente brilhou nos olhos dele,
antes que se estreitassem perigosamente. — Terá praz er em salvar-me de suas
garras.
Diana jogou mais lenha no fogo com satisfação maliciosa, e deu
meia-volta para sair.
Dera um passo quando Holt agarrou-lhe um punhado de cabelo da
nuca.
— Uma ova!
132
Puxou-a de volta, jogando-a em seus braços, tudo num único
movimento (Amante indócil, 1986: 184 – destaque acrescentado).
Todo comportamento de Diana é provocativo e Holt não se isenta de corresponder ao
apelo feito por ela. A carga física precisa ser consumada por eles e esse encontro no hotel
permite a comunhão dos corpos e a sintonia do casal. Holt troca os qualificativos ofensivos
[piranha, vaca e etc] por um carinhoso e Diana se deixa cumprir à ordem dada por ele: "—
Pronto, boneca. Durma" (1986: 186 – destaque acrescentado).
Se por um lado a narrativa explicita todo o erotismo do envolvimento sexual de Diana e
Holt, por outro lado mostra que apesar de toda a animalidade dos encontros sexuais do casal,
Diana não era conhecedora de todos os prazeres possíveis aos amantes. Divorciada após um
casamento de quatro anos, amada por Guy e por Holt, ainda assim Diana desconhecia o coito
bucal. Porém, cabe ao homem que de fato será seu, apresentar-lhe todo e qualquer prazer. Os
qualificativos usados por Holt para definir Diana então se alternam de um momento para o
outro. Se após o ato sexual ele a chama de "boneca", no momento que Diana acorda e quer
retomar o ato sexual, Holt a acusa: "— Você é uma cadela insaciável" (1986: 192 – destaque
acrescentado). Finalmente, "[q]ualquer pessoa que olhasse para ela saberia que havia feito
amor com alguém, integralmente, e que tinha adorado. Não havia um só vestígio de altivez ou
de orgulho arrogante. Diana soube, naquele momento, que estava muito, muito vulnerável"
(1986: 192).
Todos os fragmentos mostrados, que não são os únicos desse teor, mas que permitem a
leitura da mulher transformada e m objeto e subordinada ao homem, servem ao propósito de:
que prazer a leitura de um texto desse teor deixa latente nas suas manifestações? até que ponto
essa narrativa não induz o consumidor [no caso, a mulher] a procurar outros parceiros sexuais
para que alcance o exposto em narrativas como essa? qual o sentido real de uma mulher ser
agredida com palavras e sentir-se provocativamente atendida nos apelos de seu corpo?
O tratamento que Holt dispensa a Diana após ela se sentir vulnerável é:
— Quem sabe seja esta a solução... fazer amor com você até que
fique exausta demais para buscar sexo com outro homem qualquer...
especialmente Guy.
Diana virou o rosto, controlando as lágrimas. Sentia-se doente e
nauseada. Holt só faltara chamá-la de vagabunda, como já o fizera
anteriormente. Neste momento, Diana sentia-se co mo se o fosse. Os
quilômetros até a estância pareciam arrastar-se. Not ou que o caminhão fora
acelerado e imaginou que Holt compartilhava de seu desejo de chegar logo
em casa (Amante indócil, 1986: 195).
133
Janet Dailey, a autora, "transforma" toda a agressão provocada e sofrida pela mulher
em material de consumo que visa o prazer do corpo.
Mas, vamos a página 210 de Amante indócil. O garanhão ainda faz colheitas na estância
do Major e uma equipe se prepara para caçá-lo. Diana, após descobrir que seu cavalo não foi
selado para ir à caça, diz:
— Por que meu cavalo não está sendo selado? — Quando ele [Holt]
não lhe deu uma resposta imediata, e sim lançou-lhe um daqueles seus olhares
velados, ela teve uma explosão de mau gênio. — Se acha que vou ficar aqui
pelo acampamento feito uma mulher índia enquanto vocês vão procurar as
éguas, está redondamente enganado.
— Você...
— Não recebo ordens suas. — Nem lhe deu uma chance para
responder. — Don, sele o meu cavalo! — disse Diana ao empregado. — Vou
junto com vocês.
E voltou-se para Holt de novo, desafiando-o a cancelar a ordem dada
por ela.
— O pescoço é seu (Amante indócil, 1986: 210).
À caça ao garanhão continua. Holt e Guy voltam a brigar sendo Diana o motivo de
atrito. Rube é pisoteado pelo garanhão e morre duas horas depois. Um helicóptero busca o
corpo e Diana volta para a estância com Rube. À caçada está novamente suspensa; a morte de
Rube permite que Holt console Diana, ela ficara arrasada ao descobrir nos documentos de
Rube uma foto de quando ela estava com 8 anos. Surpreendida por Holt pede a ele que a
abrace. O choque da morte não é suficiente para que não se envolva m fisicamente. A tensão
causada pelo garanhão encadeia uma serie de sentimentos animalescos e os dois sucumbem ao
desejo.
Guy volta a procurar Diana e a acusar o pai de tê-la violentado, Diana defende Holt e
diz que o quis, que não foi violentada; Guy cisma que Diana quer protegê-lo, já que está
disposto a matar o pai e acredita que Diana também o odeia. Enquanto os preparativos para o
enterro de Rube continuam, Diana vai a fazenda [uma propriedade pequena se comparada a do
pai de Diana] de Alan e Peggy e fica soberbamente desnorteada ao ver como Peggy pode viver
uma vida cheia de problemas financeiros e com filhos chorando, bolo queimando e fogão com
forno ineficiente. Agride Peggy ao dizer:
— Como é que você agüenta isso? Como é que pode suportar tudo
isso? — Achava a situação de Peggy intolerável. — Não estou me referindo
apenas às crianças chorando, mas ao forno que não assa, à geladeira que não
gela, e a um marido que não levanta um dedo para ajudar, só a enche de
filhos. Você não pode nem comprar um vestido novo.
134
Tudo jorrou de sua boca antes que Diana pudesse parar para pensar
no que estava dizendo.
Peggy fitou-a por um momento, aparvalhada, depois explodiu:
— Como tem a coragem de insinuar que não tenho nada que valha a
pena na vida! Você tem uma bela cama de latão, mas, quando se enfia sob as
cobertas para dormir, ela está vazia. Quando eu vou para a cama, o Alan está
ali para me abraçar e me amar e partilhar comigo os seus sonhos. Você pode
comer filé todas as noites, enquanto nós comemos hambúrgueres. Sentados à
minha mesa estão meu marido e três lindos filhos. Quem está a sua? Esta casa
não é grande coisa, não é linda como a do Major, mas está cheia de amor. Eu
é que sou a rica, e você, a pobre, Diana. Se não dá pra você enxergar isso,
então sinto pena de você!
— Peggy, eu...
A raiva na voz da mãe fez o bebê começar a chorar pra valer. Peggy
abaixou-se e pegou-o no colo.
— Acho melhor que você se vá, Diana — disse, com olhar
orgulhoso.
Diana não sabia como desfazer o mal causado pela sua irreflexão.
Levantando-se da cadeira, saiu devagar até a porta, e se virou. O bebê tinha
enfiado os dedinhos na boca de Peggy. Diana ficou vendo Peggy retirá-los
enquanto o beijava na testa e o abraçava bem apertado. Diana sentiu um bolo
na garganta enquanto saía porta afora, fechando-a suavemente (Amante
indócil, 1986: 235-236 – destaque acrescentado).
Ao chegar a estância Diana houve o telefone tocando, ao atender é Peggy pedindo
desculpas por ter estourado e lembrando Diana que outra coisa que ela preza muito é a
amizade. Mas, vejamos. Se a história em si não dá conta de apresentar uma fábula sobre o tal
garanhão branco, aliás, se todo o processo fabular faz da busca ao garanhão branco a entrega
sexual de Diana a Holt ou ao Guy, a história ainda se presta a ser moralizante. Esse tom
misturado ao tom apelativamente sexual serve ao propósito de acalmar quem por ventura
queira questionar a vida que leva com filhos e marido que não contribui com os afazeres da
casa, que julga a mulher como única responsável pelo cargo doméstico. Cabe à mulher, a
preparação dos alimentos [em condições precárias], a compra dos produtos de consumo [não
tem condições de adquirir um vestido novo], a organização e execução de todo o trabalho
caseiro, para, quando o marido quiser compartilhar "os sonhos dele", ela estar disponível
também para a reprodução biológica.
Se com Diana e Holt há uma competição dos papéis da mulher e do homem, quando a
narrativa apresenta a vida de Alan e Peggy os papéis estão claramente delimitados: cabe à
mulher o cuidado com a casa e com os filhos, ao homem cabe ser o provedor, mas à mulher
ainda cabe não reclamar se esse provedor não provê todas as necessidades de um lar. A
felicidade mensurada por Peggy é claramente questionada por Diana, mas o inverso també m se
dá. Com qual razão? Mostrar que apesar de toda a ostentação financeira quem de fato é "feliz"
135
é a mulher voltada para o marido e os filhos, a mulher que deixa a profissão [Peggy era
professora] para atender as necessidades da família. Aliás, a própria profissão de Peggy é
altamente "feminina", enquanto Diana fez Ciências Sociais, mas não exerceu. O conhecimento
profissional adquirido é, para as duas mulheres, um requisito desnecessário para serem
autônomas. Peggy é dependente de Alan e os filhos dependem dela para terem seus choros e
soluços confortados. Diana não depende financeiramente de Holt, mas perde muito da
impertinência diante da presença física/sexual dele.
As duas mulheres são "domadas" por seus respectivos homens. Peggy vive sua vidinha
pobre e feliz, Diana vive suas turbulências e só será tão feliz quanto Peggy quando e se Holt
assumir o papel de marido. A felicidade é, dessa maneira, claramente vinculada ao marido,
sem um marido é "impossível" ser feliz. É interessante considerar que para os três filhos de
Peggy/Alan seja boa a presença da mãe e do pai da maneira que a autora insere na narrativa;
mas, não é intenção da autora discutir os papéis da mulher e do homem perante a criação de
filhos, apenas transmitir uma moralidade questionável e ao mesmo tempo apaziguadora. Quem
não se identifica com Diana pode, perfeitamente, identificar-se com Pe ggy, e assim o livro
alcança a posição de best-sellers.
Enfim Rube é sepultado. O Major esclarece a filha que não a trocaria por dez filhos
homens. Holt convoca a terceira equipe para ir à caça, desta vez com o objetivo de matar o
garanhão, capturá-lo não é suficiente. Após pedir ao Major que não permita que Holt vá, Diana
acaba se juntando, pela terceira vez, a eles. Diana conversa com Holt e expõe suas
inseguranças e medos, seu ciúme e esclarece a razão do primeiro ódio, depois substituído pelo
amor.
Guy, Don, Diana e Holt, conseguem capturar as éguas roubadas pelo garanhão
selvagem, mas Holt quer liquidar o garanhão e para isso precisa da colaboração de todos. Guy
é contra matar o cavalo e Diana está com medo de que o garanhão mate Holt, mas acaba
unindo-se a ele quando percebe que ele não desistirá. Nessa busca Diana sofre uma queda e
quase tem o mesmo fim de Rube.
Um dos momentos de clímax da história, talvez o mais provocativo porque Holt se dá
conta do significado da existência de Diana para ele quando a visão da mulher amada é
ameaçada pelo garanhão branco. Guy, ao encontrar o cavalo de Diana tem grande preocupação
e culpa Holt por ter persistido na idéia de matar o animal. E ao confrontar Diana sobre com
quem ela está, se com ele ou com o pai, ouve de forma retrucada e explosiva:
136
— Com ele! — A atitude possessiva de Guy tornara-se mais do que
podia agüentar, depois de tudo o que acontecera. — Eu o amo!
Ele recuou como se ela o tivesse esbofeteado, empalidecendo sobre o
bronzeado da pele.
— Está mentindo!
Diana lamentou imediatamente sua e xplosão. Sabia como ele se
sentia. Por que não lhe dera a notícia com mais suavidade, com um pouco da
compaixão que fora a responsável pela enrascada em que se metera com Guy?
A raiva sumiu do rosto dela, uma tristeza intensa escurecendo o azul de seus
olhos.
— Desculpe, Guy. Verdade, nunca quis magoar você.
— Está mentindo! — Negou de novo a afirmação dela, sem ligar para
seu pedido abjeto de desculpas. — Não pode estar apaixonada por ele! Meu
Deus, ele é meu pai! Não pode...
Pareceu sufocar na própria raiva as lágrimas que lhe subiam aos
olhos.
— Acha que não sei? Acha que não mudaria isso, se pudesse?
Diana ouvia a própria voz tremer. — Apaixonar-me por Holt não foi uma
coisa planejada. Era a última coisa que eu queria.
— Não acredito em você. — Sacudiu a cabeça, cerrando os dentes
enquanto ondas de dor perpassavam pelo seu rosto. — Não pode ser verdade.
Você sempre o odiou. Nem mesmo o Major... — Guy fitou-a. — O Major —
repetiu. — Então é isso. Você está dizendo isso porque é o que o Major
deseja. Sempre tratou Holt como um filho. Agora quer que você t orne a coisa
legal, não é?
— Não — negou. — O que o Major deseja não tem nada a ver com o
que sinto. Não desta vez.
— Está mentindo.
A verdade era dolorosa demais, e Guy a rejeitava.
— Para o seu bem, gostaria de estar.
Olhou-a com raiva por mais um minuto, depois largou o cavalo dela e
afastou o seu com violência. [...] (Amante indócil, 1986: 258).
De fato o gesto de "compaixão" de Diana ["transar" com Guy] desencadeou em Guy o
desejo de tê-la para si, mas há tantas demonstrações seqüenciais da falta de interesse de Diana
por ele que é extremamente pueril a não percepção dos acontecimentos entornos. Guy procura
sempre culpar Holt e desculpar Diana por qualquer ação dos dois, Guy ainda se recusa a
acreditar quando Diana diz que não foi violentada, que não ama Holt apenas para agradar ao
pai. O próprio fato de Guy chamar o pai pelo nome próprio e não por "pai" demonstra a
vontade de ser igual a ele. No entanto, Guy não é suficientemente parecido com o pai e então
Diana, ainda que diga lamentar ter-se apaixonado por Holt e não por Guy, soa falsa aos
ouvidos de Guy.
Diana, após confessar a Guy que ama Holt, também confessa a Holt o seu amor:
— Eu... disse a ele que estava apaixonada por você.
Tudo pareceu ficar muito quieto.
— E está?
137
— Estou — falou, com voz notavelmente firme.
— E Guy não acreditou em você?
— Não. Acusou-me de estar mentindo, de fingir gostar de você para
agradar ao Major. Mas não é verdade, Holt. Pela primeira vez na vida, não
estou ligando para o que o Major deseja, ou o que o faria feliz. Só sei que
amo você. — Diana hesitou. — Sei que apenas me deseja sexualmente, e ...
Ele enfiou os dedos cruelmente nos cabelos dela, forçando-a a virar-
se.
— Desejo-a sexualmente e de todo outro jeito possível — murmurou
Holt, correndo o olhar pelo rosto espantado de Diana. — Deus sabe que tentei
odiá-la. Até tentei fingir que o desejo que sentia era um modo de me vingar
de tudo que você havia feito. Mas não era simplesmente desejo, luxúria, sexo.
Eu a amo, Diana.
[...]
— Quero que a gente se case, Diana — falou, com voz rouca. —
Quando voltarmos, pediremos a bênção do Major e faremos uma cerimônia
singela.
— Sim — disse ela, beijando-lhe a pele da mão curtida pelo trabalho.
— Vai ter gente falando, você sabe disso — avisou Holt. — Um
diabo dum abelhudo e fofoqueiro qualquer vai dizer que casei com você para
botar as mãos na estância do Major. Vão dizer que casei com você por
dinheiro.
— É verdade, não é? — implicou, depois soltou um suspiro lânguido.
— Pouco se me dá o que digam. Pouco se me dá o que qualquer um diga. —
Porém, imediatamente, soube que isto não era verdade. Diana teve um
arrepio. — O que vamos fazer quanto ao Guy?
As feições dele ficaram sombrias.
— Não há muito que possamos fazer. O que acontecer vai depender
dele (Amante indócil, 1986: 261-262 – destaque da autora).
A posição financeira de Diana é superior a de Holt, mas em algum momento é
necessário que ela se submeta a ele. O fato de ser Diana a confessar, primeiramente, o amor
por Holt dá a ele o poder de dizer sim ou não. Diana não espera que Holt a ame e ainda assim
confessa amar mesmo pensando que o sentimento que Holt nutre por ela é apenas físico. É só
diante da confissão de Holt que Diana pede a ele para não matar o garanhão, isso para agradar
Guy, este não queria o animal morto. Holt concorda e no dia seguinte vão à caça do garanhão
branco, dessa vez para pegá-lo.
Guy tem a possibilidade de deixar o garanhão matar o pai, dos caçadores é o único com
um rifle em condições de atirar e Diana implora a ele que ajude Holt; diante da iminência da
morte do homem amado e da indecisão de Guy atirar ou não, Diana corre ao encontro de Holt,
nisto houve uma explosão:
O garanhão branco cambaleou feito bêbado nas quatro patas, mas,
com as mandíbulas abertas, partiu para cima de Holt. Um segundo tiro, e o
mustang desabou no chão.
138
Diana corria, o peito estourando de dor e medo. O muro de lágrimas
era tão grosso que mal enxergava onde pisava. Teve uma vaga imagem de
Holt se pondo de pé, e o alívio a inundou totalmente.
[...]
— Você está vivo! Graças a Deus, está vivo! — O sussurro de Diana
era uma prece [...]
— Quebrei o ombro, é só [...] — O garanhão está morto.
— Está. [...] — Guy o matou [...] — Ele salvou a sua vida, Holt.
Matou o garanhão para salvá-lo.
Holt olhou na direção do acampamento. Diana se virou e viu Guy de
pé, onde estivera, o rifle abaixado. Embora não pudesse ver o rosto dele,
Diana sabia que os estava observando. Vagarosamente, Guy se virou e foi até
as estacas. Enfiou o rifle na bainha, soltou o cavalo e montou. [...]
— Está indo embora. Não vai voltar.
Ante a afirmativa inexpressiva, Diana ergueu os olhos para o rosto de
Holt. Suas feições estavam esculpidas em pedra, sem revelar mais do que a
voz revelara, mas havia um brilho transparente de prata em seus olhos.
— Quem sabe ele volta... algum dia.
Ela fitou a nuvem de poeira que o cavalo levantava (Amante indócil,
1986: 269-271).
O selvagem garanhão branco, morto quando poderia ma tar mais um, morto quando a
sua existência faria, na concepção ligeira de Guy, que Diana fosse dele e não do pai, perde o
fascínio. A história do garanhão não é senão a história de uma amazona habilíssima que
"domou" três [ Rand, Guy e Holt] até decidir-se por Holt.
139
Figura 6 – O rival
O rival (1982-1983), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm [traduzido], país
de origem: Inglaterra, 120 páginas.
Síntese: A discussão de Alec e Tiffany durou apenas alguns minutos. Depois, ele saiu
batendo a porta. Horas mais tarde seria encontrado morto, vítima de um acidente
140
automobilístico. Tiffany jamais se perdoou pela morte do marido. E jurou que nunca mais se
envolveria com homem algum. Era culpada e não merecia ser feliz. Mas agora Wayne North
aparecia em sua vida, abalando todos os seus planos. Enquanto abotoava a blusa, Tiffany
corou de vergonha pensando em como havia permitido que Wayne fosse tão longe, quase
convencendo-a a fazer amor com ele no meio daqueles campos de milho da África. Mesmo que
seu coração sangrasse, precisava deixar aquele homem atrevido fora do seu caminho!
O rival focaliza a jovem Tiffany. Aos 17 anos, órfã de pai e mãe, aos 21 anos, viúva.
Inteligente, equilibrada, professora do jardim de infância e marcada, emocionalmente, pelas
agressões do falecido marido, com um ano de viuvez é surpreendida pela visita de um
representante dos sogros com um convite para visitá-los. Sente-se culpada pelo acidente que
vitimou o marido e recusa-se a se envolver novamente, rechaça o matrimônio porque seu
casamento foi infeliz. No entanto, ao conhecer Wayne North, tem sua estrutura física e
emocional abalada.
Estava ficando cada vez mais difícil evocar a imagem de Alec em sua
mente.
— Você sempre traz sexo para a conversa — ela respondeu, trêmula.
— Sexo? — Ele fingiu espanto. — Nós estávamos apenas falando de
cavalos! — Os dedos dele afundaram nos cabelos dela. — Aproveite o
passeio, Tiffany. Você precisa se divertir um pouco.
— Mas, Wayne...
— Olhe, o estábulo fica atrás daquelas árvores.
O garanhão de Wayne estava amarrado e Tiffany ficou observando-o
selar o cavalo destinado a ela. As mesmas mãos que haviam acariciado o
corpo dela, levando-a a sentir o que jamais sonhara, agora ajustavam a sela
com agilidade (O rival, 1983: 77).
Nenhuma personagem feminina se contrapõe a Tiffany. No entanto Wayne é
"paquerado" por Sally, recepcionista do hotel [durante a viagem para a casa dos sogros] e a
heroína se dá conta do ciúme sentido. Wayne não se interessa por Sally, mas a existência dessa
serve para Tiffany perceber seus sentimentos. A presença do sexo feminino fica por conta de
Mary, mãe do falecido esposo de Tiffany e de algumas fazendeiras da região.
A presença masculina é estrelada por Wayne North. Este possui "mãos fortes e bem-
feitas [...] traços atraentes do rosto" (1983: 5). "Alto e bonito, de expressão austera e educada"
(1983: 7). Fazendeiro bem sucedido e com outros negócios igualmente rendosos. Quando
comparado ao falecido esposo de Tiffany, por ela, sempre se destaca. Preocupa-se com os
vizinhos, sogros de Tiffany, e os ajuda sempre que possível.
141
Alec, o falecido esposo, é a figura que se contrapõe a Wayne. Isso porque Wayne
desconhece os fatos do casamento e supõe que Tiffany realmente amava Alec, afinal é o
motivo alegado por Tiffany a tentativa de não se envolver. Surge então Joshua, primo de Alec
e fisicamente parecidíssimo, tinha "o mesmo porte, cor de cabelo e barba. Parecia o irmão
gêmeo de Alec!" (1983: 97). Jim, o sogro de Tiffany, incentiva um relacionamento desta com
Joshua.
Ao saber que receberá a fazenda Pinevale, Tiffany recusa a herança. Mesmo sentindo-
se muito atraída por Wayne após terem se beijado, fica muito perturbada quando chega à
fazenda Joshua. Tanto Joshua quanto Wayne a pedem em casamento, ma s Tiffany não aceita o
pedido de nenhum dos dois pretendentes. Após a negativa de Tiffany, Wayne viaja para tratar
de negócios e Tiffany sente-se muito sozinha e a família do falecido alega que é muito jovem
para ficar solteira e que deveria tentar se casar novament e. Tiffany, acredita que os sogros
querem que se case com Joshua, desconversa e afirma o retorno para Joanesburgo nos
próximos dias. Então Wayne volta e sabe-se que a razão da viagem foi descobrir como Alec
morreu para que Tiffany não se responsabilize pela morte. Quando Wayne revela que Alec
morreu após ter deixado uma amante, Tiffany liberta-se da culpa e então Wayne diz que
entende que ela ainda ama Alec, mas que será possível fazê-la feliz. Tiffany confessa que
apanhava do marido, que apesar de terem sido casados por três anos odiava ser casada com
Alec porque ele só se casou com ela devido ao fato de ter sido o único jeito de possuí-la.
Resolvida a questão da culpa, vejamos o desfecho da história de Wayne e Tiffany:
— Como sabia onde me encontrar?
— Você esquece que sei muito sobre você, Tiffany? Não foi difícil
adivinhar que estaria num de seus lugares favoritos.
[...]
— Não tente sair correndo de novo. Uma queda não foi o bastante
para você? — E, então, sem lhe dar chance de responder, ele acrescentou num
tom mais afetuoso: — Quando vai parar de fugir de mim?
[...]
— Parece que você ficou contente — ela disse, confusa.
— Estou sim, muito. — Os lábios dele mostraram aquele sorriso que
Tiffany tanto adorava! Você é uma mulh er passional, minha Tiffany, e muito
inteligente e sensível. O que mais eu poderia querer numa esposa?
— Esposa?
— Sim, esposa — ele repetiu num tom de zombaria. — Por que a
surpresa? Você sempre soube que íamos nos casar.
[...]
— Se você não tivesse descoberto tudo isso [que ela não era a
responsável pelo acidente que vitimou o marido], ia me querer apesar de
tudo?
143
Figura 7 – Encontro mágico
Encontro mágico (1983-1984), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm
[traduzido], país de origem: Canadá, 192 páginas.
Síntese: Na direção de sua possante moto, Steven Winngate parecia ter saído de um
romance de Brandy Alexander: forte, belo, sensual como um herói... Quando Steven se
144
apoderou, com volúpia, da boca trêmula de Brandy, alucinação e realidade se fundiram num
redemoinho desvairado. Enfeitiçada e consumida pelo desejo, Brandy se entregou sem
reservas aos caprichos daquele corpo másculo! As carícias de Steven a enlouqueciam de
prazer, mas Brandy queria se libertar daquela prisão de delícias. Era por amor que ela mais
ansiava. Porém não sabia se Steven era capaz também de amar...
Em Encontro mágico, Katherine Alexander (Brandy) tem 30 anos, é virgem, bela,
inteligente, dinâmica, independente, realizada profissionalmente [é graduada em Literatura
inglesa e escritora consagrada] e órfã de pai e mãe. Loira de olhos verdes, com 1.70cm de
estatura, sabe cozinhar, cuidar do sítio e dos cavalos. Porém, apesar da coragem e vitórias em
todos os quesitos, a moça se vê amedrontada quando o carro e a imprudência a deixam em uma
situação de grande risco. E, diante da beleza artificial da cidade e dos habitantes [alta
sociedade] sente-se "uma garota do interior, tímida e desajeitada. Tanto luxo e sofisticação
chegavam a assustá-la" (1984: 78). Contraditória e enigmática, quando comparada a outras
mulheres, evidencia-se a sua natureza sedutora e frágil: "[...] Você é especial, diferente das
outras... É engraçado, mas você é complexa e ao mesmo tempo tão simples! É extrovertida e
reservada, frágil e forte. Você é uma grande contradição... [...] Quanto mais eu a conheço, mais
a vejo parecida com as suas heroínas" (1984: 95 – destaque acrescentado).
As dualidades frágil/forte, reservada/extrovertida, simples/complexa mesmo que
"complexidade" não seja, efetivamente, o antônimo de "simples" demarcam bem uma
mistura de características comportamentais presentes na heroína e na anti-heroína. A dosagem
"certa" dessas características faz de Brandy uma mulher interessante, mas se fosse apenas
frágil/reservada e simples estaria desprovida dos atrativos maiores de uma heroína e se
revelaria uma anti-heroína se forte/extrovertida e "complexa". Nessa narrativa, fica clara a
mudança da representação da mulher. Ela não é mais a virgem de 18 anos, mas sim a virgem
de 30 anos. Não é a mulher que precisa ser provida pelo homem, tem sua própria carreira e
fortuna equiparada à do homem, mas, ainda assim, necessita da proteção, segurança e amparo.
A anti-heroína de Encontro mágico é capaz de causar insegurança em Brandy; no
entanto, a artificialidade e os ardis daquela não são suficientes para "destronar" a beleza natural
de Brandy. Camille Blanchard, modelo internacional e aspirante a atriz, lindíssima e
sofisticada, conhecida por possuir "alma tão negra quanto os cabelos" (1984: 65); julgada, por
Brandy, capaz de tudo para ser notada, usa vestidos extravagantes, quase indecentes e lança
"olhares furiosos" (1984: 79) não suficientes para diminuir a presença naturalmente
esplendorosa de Brandy. Essa tem a seu favor não só a beleza, mas a inteligência. Assim, as
145
marcações qualificativas e comportamentais que enaltecem a presença de Brandy, quando em
Camille, são para desmerecê-la.
A existência de outras personagens femininas na narrativa serve para glorificar a beleza
ou a competência intelectual de Brandy. A primeira na presença das enfermeiras do hospital
que reconhecem em Brandy a beleza/pureza/gentileza máxi ma, a segunda, na figura da editora
Casey que reafirma a competência literária de Brandy repetindo o desejo das editoras em
publicar próximos livros e a indústria do cinema em levar à tela os best-sellers escritos por ela.
Steven Winngate ou Lance Reynolds, 37 anos, tem presença impactante. De estatura
alta impõe presença até mesmo para policiais armados. Seus "profundos olhos azuis" (1984:
38) causam arrepios nas mulheres. O homem é um "espetáculo" (1984: 27):
Era o homem mais magnífico que ela [Brandy] já vira em toda a sua
vida. Seus cabelos eram muito escuros e fartos e f aziam contraste com o a zul-
claro de seus olhos. A pele era bronzeada e os dentes, muito brancos. Vestia
uma camisa que não escondia seus músculos desenvolvidos e os pêlos pretos
que cresciam em abundância em seu peito. Os quadris eram estreitos e firmes,
revelados através de um jeans justíssimo. Certamente, ele seria um assíduo
praticante de esportes, tamanha era a perfeição de seu corpo. Nenhum atleta
poderia estar mais em forma! Aquele homem respirava charme, carisma e
sensualidade. Brandy fechou os olhos por um momento, imaginando-o nu.
Fosse lá quem fosse, aquele homem era bonito e charmoso demais para
um simples ser humano. Na verdade, era o herói de seus muitos romances,
era a imagem que povoara os sonhos de inúmeras mulheres, inclusive dela
mesma. Ele era o ponto máximo da masculinidade... (Encontro mágico, 1984:
38 – destaque acrescentado).
"Os olhos azuis de Steven pareciam tão turbulentos quanto o oceano antes de uma
violenta tempestade" (1984: 66). Ou:
Dentro daquele terno claro, ele mais parecia a imagem viva do
lengendário (sic) Cavaleiro Branco. Era estranho, mas Steven tinha um olhar
tão penetrante que era difícil encará-lo... e mais difícil ainda deixar de olhá-lo.
Aquele homem parecia um herói de romance e el a [Brandy] não sabia como
lidar com ele (Encontro mágico, 1984: 70).
Nessa narrativa surge, além de Steven, outros dois pretendentes à mão de Brandy. O
primeiro é o guarda rodoviário, homem que se intimida com a estatura física de Steven. O
segundo é um médico mal-afamado e índole interesseira. A má fama e a insignificância de
estatura são atributos que os excluem do perfil desejável para o matrimônio; no entanto, esses
dois são responsáveis por alguns estratagemas que resultam na separação, momentânea, das
146
personagens protagonistas. Para não fugir à atenção dada ao anti-herói, exponho a
caracterização de um e de outro.
O primeiro homem interessado em Brandy é o guarda rodoviário. Mesmo sem saber da
fortuna de Steven "O policial então sacou seu revólver, intimidado pela presença daquele
homem alto à sua frente" (1984: 22). Após esse encontro, o patrulheiro Conally passa a mentir
para Brandy na tentativa de ofuscar a presença de Steven.
O segundo, o médico:
Brandy esperou ansiosamente pela chegada do tal dr. Ross, seu médico
de agora em diante. Não teve que esperar muito. Ele fez uma entrad a triunfal
na pequena sala de emergência, como se fosse um artista famoso entrando na
sede de seu fã-clube. Sorriu abertamente para Brandy, que se limitou a dar um
sorrisinho em troca.
Adam Ross lhe fez mais algumas perguntas, com a voz arrogante dos
que pensam que são o máximo. Depois, sorriu-lhe novamente (Encontro
mágico, 1984: 30)
.
Na opinião das enfermeiras, Adam Ross era desagradável. Na opinião de Brandy ainda
era anti-profissional. Essa impressão foi criada devido ao fato de ele aproveit ar-se da profi ssão
para olhá-la nua. Para Brandy, o médico "se achava o máximo, tanto física quanto
profissionalmente" (1984: 32).
A terceira presença masculina é Nigel Davis, amigo "irmão" de Brandy, é cantor e
freqüentemente a visita no sítio. No entanto, apesar do relacionamento amigável com Brandy,
é o único que realmente incomoda Steven. Nigel é amigo de Brandy e também de Steven,
situação que faria dele "cupido" se o "destino" não tivesse colocado Brandy e Steven no
mesmo caminho.
Foi Nigel quem quebrou o silêncio:
— Só para deixar as coisas claras, Steven, fique sabendo que Brandy
e eu somos grandes amigos, nada mais. Sei que aquela história sobre ela é
falsa simplesmente porque a conheço bem, acredite. Brandy é como uma irmã
para mim, nós passamos muito tempo juntos. Mas nunca fomos amantes e
nunca seremos. No fundo, ela não passa de uma garota conservadora, lutando
para sobreviver num mundo moderno. Não tente colocá-la no lugar das suas
amiguinhas... Brandy é diferente, é única e especial. Se você ainda não
conseguiu enxergar isso, jamais irá conhecê-la ou compreendê-la. — Nigel
respirou fundo e continuou: — Vou lhe dar um conselho de amigo, Steven.
Não tente usá-la de modo algum. Brandy é muito inteligente, mas também é
inocente e ingênua. Conhecendo bem os dois, acho que você seria o homem
ideal para amá-la... ou para destruí-la. Não brinque com ela, Steven!
— Você acha que Brandy pode estar sentimentalmente interessada
em mim, Nigel?
147
— Acho. [...] (Encontro mágico, 1984: 135-136).
No sítio, em Kentucky, envoltos pela natureza e cientes do interesse sexual de um pelo
outro, Brandy e Steven se entregam fisicamente e são recompensados por um orgasmo
simultâneo. A paz, no entanto, é alterada quando Brandy recebe a incumbência de mudar um
capítulo do romance prestes a ser publicado. A autora então pede licença ao repórter [Stven] e
ao cantor [Nigel] e tranca-se no escritório para inserir a cena de sexo requerida pela editora em
um dos capítulos do livro. Brandy não consegue encontrar uma saída para o pedido da editora
e ao ter seu ambiente de trabalho invadido por Steven conta a ele a situação e a mudança
exigida pela editora. Então Steven faz com que ela perceba que é possível sim inserir a cena.
O casal dorme junto e, ao acordar, Brandy não encontra o bilhete deixado por Steven,
que voltou com urgência para Nova Iorque. O correio entrega, nessa manhã, a entrevista que
seria alterada por Steven. Brandy nota ser assunto da revista, mas sem a reescrita prometida
pelo dono da revista. Brandy recorre à amiga e editora Casey e ausenta-se dos círculos sociais
para não ser incomodada. Casey, no entanto, procura Steven e descobre, ao ver Steven
intrigado, ter ele regressado a Nova Iorque somente para comprar um anel de noivado; não foi
ele que autorizou a publicação da matéria escandalosa e Casey, convencida da inocência de
Steven, revela o paradeiro de Brandy. Steven ordena ao editor da revista a retirada de todos os
exemplares do mercado e fica clara a ação da bela modelo, Camille Blanchard, de separar o
casal. Resolvida a questão da publicação, Steven pega seu avião e vai ao encontro de Brandy:
— Como me achou aqui? — perguntou com voz trêmula, sentindo o
coração bater descompassadamente. — O que quer de mim? Por acaso veio
comemorar a sua vitória sobre uma mulher inocente? Não, não vou deixar que
se divirta comigo mais uma vez. — Brandy levantou-se rapidamente e
começou a correr. — Suma de minha vida, Winngate! Vá embora!
Ele a alcançou depressa e segurou-a pelo braço.
— Largue-me, seu idiota! Você é um canalha! Suma Daqui!
[...]
— Agora você vai me ouvir! Fique quieta e escute!
[...]
— Eu sei que pode parece inacreditável, mas eu te amo, Brandy!
— Você me ama? Não seja ridículo! Como pode me amar depois de
tudo que me fez? Eu confiei em você, Steven! Você morou na minha casa,
dormiu na minha cama, e em troca me destruiu! Como ousa vir até aqui?
[...]
— Perdi uma fortuna com essa brincadeira, Brandy, mas não importa.
[...] Deus do céu, Brandy, eu podia sacrificar toda a minha fortuna por você...
Não percebe que a minha vida não vale nada se você não estiver ao meu lado?
Não leu a carta?
148
— Que carta?
[...]
— É melhor irmos agora, Brandy. Ou então não conseguirei sair
daqui esta noite...
Ela sorriu e lhe deu um beijo no canto da boca.
— Pode ligar para o aeroporto, querido. Estarei pronta em dez
minutos.
— A viagem até Las Vegas deve durar umas cinco horas — disse
Steven, rindo. —Será que tem coragem de passar tanto tempo a sós comigo,
futura sra. Winngate?
— Eu confio em você — disse ela, rin do. — Só não confio em mim
mesma...
Eles se beijaram de novo. Steven a apertou com força, apagando com
aquele gesto todos os sofrimentos do passado. Brandy levantou os braços para
acariciar-lhe o pescoço e, nesse momento, os raios de sol do fim da tard e
bateram no enorme brilhante em seu dedo, fazendo-o reluzir tão intensamente
quanto o amor e a paixão que sentiam um pelo outro (Encontro mágico, 1984:
186-192).
149
Figura 8 – A sereia de Cowrie Island
A sereia de Cowrie Island (1984-1986), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5cm
[traduzido], país de origem: Inglaterra, 120 páginas.
Síntese: Com a graça de uma sereia, Denise deslizou entre os corais coloridos e
cardumes de peixes exóticos, indicando com um gesto que Hunter devia segui-la. A poucos
150
metros começava o abismo, a região escura e gelada onde se escondiam os espécimes mais
raros. Só um mergulhador experiente sairia dali... estava na hora de dar uma lição naquele
intrometido que viera acabar com a paz de Cowrie Island, ela pensou satisfeita. Hunter
Kincaid jamais seria dono da ilha!
A sereia de Cowrie Island apresenta as personagens femininas Denise, Violet e Pauline
Telfer. A primeira, Denise Matthews, como protagonista. Com 22 anos, está noiva e é virgem,
possui olhos verdes e curtos cabelos castanhos, é herdeira da ilha e por considerar sua
privacidade intocável se recusa a usar biquíni quando vai, sozinha, à isolada praia. Filha única,
Denise perde a mãe na ocasião do seu nascimento, foi criada por uma tia e pelo pai. Freqüenta
um colégio interno por alguns anos e depois volta para casa. Além do trabalho com a família,
Denise confecciona souvenirs para contribuir com a renda escassa. De natureza desconfiada e
bastante despojada, está sempre apta a defender seus objetivos e transforma-se em "verdadeira
fera quando está revoltada!" (1986: 47). Aprecia a natureza e usa de ardis para desqualificar a
ilha com a intenção de não colaborar com a venda do local. Vista como egoísta em alguns
momentos, ela é, no entanto, ingênua e amorosa com o pai e a tia. Apesar de noiva, entrega-se
aos beijos com outro.
Violet Matthews, a segunda mulher, é tia de Denise, aparece como "a irmã mais nova
de George" (1986: 7) para, no mesmo parágrafo, transformar-se na irmã da mãe de Denise.
Pelo sobrenome, no entanto, crê-se que Violet é irmã de George, apesar da escrita
desencontrada. É caracterizada pelo narrador como uma "solteirona resignada, que abandonara
o emprego de cozinheira (1986: 7)". O fato de ter abandonado o emprego para cuidar da
sobrinha não recebe nenhuma valoração na narrativa.
Pauline Telfer é personagem pouco freqüente na história; no entanto é dado a ela o
poder de confrontar a beleza e ingenuidade de Denise. Trata-se de uma morena alta, de corpo
perfeito e acentuado pelo traje sumário que usa. De olhos verdes, Pauline atrai os olhares
masculinos que estão na ilha e provoca ciúme em Denise ao manifestar seu interesse por
Hunter Kincaid. A artificialização de Pauline é clara, mas, devido à ambientação da narrativa,
as tintas são fracas. Se os trajes de Pauline são considerados sumários, nenhum comentário se
dá pela nudez total de Denise. Outra situação para desqualificar Pauline surge em um
churrasco na praia e a bebida de Pauline é champanha, a de Denise, refrigerante. A bebida
demonstra a diferença de atitude das duas, sendo favorável à que bebeu refrigerante. Em outras
palavras, Pauline é uma moça "fácil".
Hunter Kincaid é alto, loiro, olhos castanhos, peito largo e musculoso, tem
aproximadamente 30 anos. Os dentes são "brancos, muito brilhantes [...] a pele bronzeada"
151
(1986: 9). Dono de lábios atraentes e sorriso irônico. O fato de ser milionário é apenas
resultado do trabalho rigoroso e intenso, mas começou do zero, sozinho. Está na ilha porque
pretende adquiri-la. É, no entanto, um homem respeitado profissionalmente. Para que não fique
nenhuma dúvida do esforço dele, ou de que esse seja confundido com sorte, apresento uma
conversa de Denise com o pai, George, quando este diz:
Pelo que Royce me contou, não foi sorte, mas muito trabalho. Ele
me disse que Hunt trabalha desde os nove anos. Depois que saiu da escola,
arranjou um emprego diurno de empreiteiro e, à noite, começou um negócio
próprio, uma firma de limpeza industrial. Progrediu rapidamente porque
aceitava qualquer trabalho, mesmo os mais perigosos, que ninguém queria.
Mas conseguiu o primeiro milhão quando começou a usar sua habilidade
inata de reconhecer o potencial de regiões aparentemente sem valo r (
A sereia
de Cowrie Island, 1986: 89).
O trabalho infantil não é novidade na sociedade brasileira e o fato de figurar em um
romance ambientado na Austrália sugere que essa situação não é exclusividade dos países
subdesenvolvidos. No entanto, o fato de o protagonista ter começado a trabalhar aos 9 anos
não é mencionado para discutir o uso de mão-de-obra infantil, mas sim para justificar a razão
de este ter alcançado alto posto financeiro. O abandono "da escola" também demonstra que não
é necessário dar continuidade aos estudos quando se é esforçado e não se rejeita trabalho
difícil.
Tom [o fato de não ter sobrenome demonstra sua insipidez na narrativa], o noivo de
Denise, é contador do pai dela. Está na ilha em fér ias e em momento algum se prontifica a
ajudá-la. Trata-se de um homem sem iniciativa e com interesse voltado ao lucro que a venda
da ilha pode permitir. Conforme desenvolvimento da narrativa, é um oportunista com aversão
a atividades físicas, hostil aos hóspedes do hotel e troca a natureza e a companhia de Denise
pelos livros. Ansioso, nem um pouco cavalheiro e com aversão aos trabalhos domésticos, Tom
ainda consegue não demonstrar afetos sexuais ou mesmo carícias mais atrevidas. Aliás, Tom
fica literalmente incomodado se Denise resolve beijá-lo com um pouco mais de entusiasmo:
" Pelo amor de Deus, Denise, contenha-se! Eu só estive fora por dois dias. Não é um
comportamento para uma moça direita!" (1986: 100). Denise só queria descobrir se ele era
capaz de proporcionar a emoção provocada pelos beijos de Hunter. Mas descobriu que, com o
noivo, nunca haveria beijos apaixonados nem qualquer outra demonstração de carícias.
Não existe discussão a respeito dos interesses intelectuais de Tom, o noivo de Denise;
ele é tido por "preguiçoso" e anti-cavalheiro, isso porque não está disposto a fazer serviços
152
braçais. Todo o ímpeto que Hunter revela para tarefas administrativas ou mesmo braçais, é
realçado. Tom aproveita para ler os livros que gosta [está em férias da burocracia do trabalho
de um escritório] no tranqüilo clima da ilha e suas ações são apresentadas como falta de
interesse e incompetência para aproveitar a natureza da ilha. Mas ele aproveita para ler e na
construção fabular o "aproveitar" seria fazer passeios, nadar, tomar banho de mar. O que
poderia ser apreciado como qualidade em Tom, passa a ser falta. E as qualidades de Hunter são
realçadas todo o momento. Talvez porque Hunter Kincaid fez da falta de oportunidade do
mercado de trabalho, e da falta de educação escolarizada, escada para o seu sucesso.
George Matthews, o pai de Denise, é viúvo, tem 72 anos e seu maior desejo é fazer um
passeio pelo mundo em seu veleiro. Como o veleiro está em péssimas condições de uso, a filha
julga a viagem perigosa e faz o impossível para demovê-lo da idéia. No entanto, Hunter não só
incentiva como procura informá-lo dos veleiros atuais e da segurança nos meios de navegações
de última geração. A venda da ilha permitiria a George fazer o passeio e ainda daria segurança
a Denise e, possivelmente, aos filhos dela.
Royce Attwood é funcionário de alto escalão na empresa de Hunter e está na ilha para
verificar as condições de negociação enquanto Hunter verifica a estrutura da ilha. A presença
dele é mínima, mas é dele que se tem informação sobre a trajetória profissional de Hunter;
afinal, não compete ao "mocinho" relatar suas inúmeras qualidades.
Ainda assim, Denise, incumbida pelo pai de mostrar a ilha ao intruso, procura os
percursos mais difíceis e obriga Hunter a nadar em regiões perigosas, mas ele se sai bem e isso
irrita os planos de Denise. Porém, continua empenhada em afastá-lo da ilha, até que Hunter se
cansa das infantilidades dela e a coloca no colo e espalma as nádegas até ouvir o pedido de
desculpas da moça. Aborrecida por ter apanhado e confusa com a presença de Hunter, Denise
percebe o noivo cada vez menos interessante; no entanto demonstra estar loucamente
apaixonada, unicamente para provocar a ira de Hunter que demonstra gostar da presença dela.
Mesmo contra todas as argumentações de Denise, Hunter explicita a inviabilidade de o
pai dela manter a ilha, e então Denise não tem argumentos para cancelar a venda; afinal,
Hunter pensou em todos os habitantes e tem argumento respaldado na situação precária do
abastecimento de água, da falta de interesse do noivo de Denise em ajudá-la, nos interesses de
lazer do pai de Denise, ou seja, Hunter apresenta planos que inutilizam os argumentos da
heroína de boicotar as negociações. O Pacífico então surpreende Denise com um ciclone.
Sozinha na ilha após ter visto Hunter partir sem confessar a ele o seu amor, Denise testemunha
as condições precárias da ilha e percebe que por pouco a casa também não fora danificada.
Diante da destruição de parte da ilha, Denise nota a presença de um helicóptero que se
153
aproxima. O piloto, Hunter, é imediatamente acusado por Denise de ter voltado só porque se
preocupou com os prejuízos causados pelo ciclone ao novo empreendimento adquirido. Ele
confessa ter voltado porque a ama, então:
Vencendo a vergonha, ela assentiu.
— Ah, meu amor! Quero ser sua, quero que me ensine a fazer amor.
Você é o único homem que me fez despertar essa paixão desenfreada.
— Nesse caso, não me resta outra saída.
Sem mais uma palavra, atravessaram o gramado abraçados, de volta
para a casa.
Muito tempo depois, Denise levantou a cabeça que estava aninhada
no ombro musculoso e bronzeado de Hunter para fitar-lhe os olhos castanhos.
— Eu te amo, Hunter Kincaid.
Com um sorriso que a deixou tonta, Hunter envolveu-lhe a nuca com
uma das mãos e a puxou, roçando os lábios nos dela.
— Não mais do que eu a você, Denise Mattews. Você é tudo o que
um homem poderia desejar, e muito mais. Quero que seja minha esposa,
assim que for possível.
Era exatamente o que ela queria ouvir, mas ainda não estava
suficientemente segura.
— Pensei que você tinha dito que promessas de casa mento não
faziam seu gênero.
— Não faziam mesmo, até que uma sereiazinha tei mo sa e caprichosa
apareceu em minha vida como um sol de verão. Por isso, é bom ouvir com
muita atenção a minha primeira e última promessa. — Hunter se apoiou num
cotovelo e assumiu um ar solene: — Diante de Deus e dos homens prometo
amá-la, honrá-la e cuidar de você, na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, até o fim dos meus dias.
[...]
Ela abriu a boca para responder, mas Hunter não a deixou,
aproveitando para beijá-la com paixão. E logo que o calor do corpo dele se
espalhou pelo de Denise, ela não precisou mais de palavras para explicar que
o amava loucamente... (A sereia de Cowrie Island, 1986: 116-120).
154
Figura 9 – Sob o signo da paixão
Sob o signo da paixão (1993-1994), impressão: papel jornal, formato 19cmx12.5c m
[traduzido], país de origem: Canadá, 220 páginas.
Síntese: Em Londres, eram famosas as farras de lorde Richard Raines — veterano das
guerras napoleônicas e amante dos prazeres da carne. Porém, o desencantado nobre logo
155
descobriu que Jenner Page era mais sincera em sua paixão do que qualquer outra mulher que
ele conhecera. Com um disfarce de homem para ocultar seu passado e protegê-la no futuro,
Jenner Page desfrutava de mais liberdade do que qualquer mulher de sua época sonharia. E
suportava uma solidão a que poucos resistiriam. Até que, certa noite, o devasso lorde Raines
atraiu Jenner para uma vida pontilhada de escândalos e para um amor impossível.
Sob o signo da paixão inicia-se com a protagonista Jenner Page; órfã de pai e mãe, ela
mora com tios e aos 15 anos é vítima de um atentado sexual que resulta em gravidez. A perda
do bebê não é lamentada, mas torna-a infértil por conta de complicações na gravidez. A
situação apresentada corresponde ao prólogo. E a narrativa [re]começa com Jenner Page com
23 anos e a caminho de Londres; é escritora e precisa se apresentar como homem para não ter
seu texto recusado pelo editor. Jovem determinada e sem rompantes de hipocrisia, depois do
abuso sexual se envolve com um bandoleiro de quem houve histórias e depois as narra nos
livros. Sua caracterização é convincente e Richard Raines, o homem que a socorre de um
acidente a cavalo, intriga-se e se sente atraído pela compa nhia e atenção de Jenner. Richard
Raines "[...] Não podia negar que o garoto [Jenner] o divertia com sua insolência estudada.
Raines não acreditava que era maior de idade. Se por um lado enfrentava a situação com
presença de espírito, por outro, traía uma espécie de fragilidade muito sutil" (1994: 14-15). As
primeiras descrições físicas de Jenner são apresentadas de acordo com o olhar de Richard
Raines:
Os olhos de um verde límpido ostentavam um brilho eternamente maroto,
embora às vezes entremostrassem uma certa vulnerabilidade. O garoto tinha
rosto anguloso, emoldurado por cabelos cast anhos tão macios quanto a seda.
Aquele menino pesava como uma pluma, mas suas mãos traziam marcas de
trabalho árduo. Definitivamente, ele intrigava Raines (Sob o signo da paixão,
1994: 15).
A aparência física de Jenner e as habilidades dela para jogar xadrez e contar histórias
cativam Richard e este a convida para ser sua hóspede. Na sociedade londrina, é apresentada
como o escritor Page até que Richard:
Ficou sem ação ao deparar com uma mulher nua entrando na banheira. Estava
de costas para ele e, daquele ângulo, Raines pôde ver a suave curva de seu
dorso, a cintura esguia, as nádegas roliças e as pernas musculosas. [...] Ainda
assim, ele teve alguma dificuldade em conciliar a imagem daquela mulher
com a do rapazote atrevido que apanhara na estrada para Londres (Sob o
signo da paixão, 1994: 30).
156
O aspecto físico tido por Richard como apropriado para uma mulher precisa ser
disfarçado e, apesar dos seus1,60cm, Jenner foi com Richard ao alfaiate dele e desde então
passou a freqüentar a sociedade londrina e os mais impróprios lugares para uma "dama"
elegantemente vestida na moda masculina. Sua identidade só era sabida por Richard Raines e
pelo mordomo dele, senhor Collins. Durante toda a temporada londrina foi vista como "o
protegido" do Richard Raines e causou tumultos quando começaram a desconfiar que era mais
que "um protegido", era amante do barão.
Jenner tem múltiplos talent os: escritora, pianista, contadora de histórias, eximia
esgrimista, adestradora de cavalos, jóquei...
A presença "feminina" de Jenner acontece quando Richard Raines ouve passos e ao
virar-se depara com "uma linda moça usando um vestido azul e um rabo-de-cavalo que lhe
descia até o meio das costas" (1994: 217). O rabo-de-cavalo é resultado dos cabelos dela,
cortados quando ficou doente após ter sido violentada.
Há outras mulheres na narrativa. Primeiro as duas tias de Jenner: Milly e Bette. Depois
a irmã Caroline e a sobrinha Stella, de Richard. Nenhuma delas, no entanto, ofuscam a
presença de Jenner porque esta não se coloca como mulh er pa ra as duas últimas e as duas
primeiras não estão na temporada londrina. Há Elaina, ex-amante de Richard, mas em nenhum
momento Jenner corre o risco de ser por ela suplantada. Havia, porém, o medo de Stella se
interessar por Jenner, afinal Jenne r é um jovem de talento e queridíssimo.
A narrativa tem diversas presenças masculinas: Richard Raines, Collins [criado],
Edwards [criado], Dennis [sobrinho de Richard], Roberto Condez [o bandoleiro e ex-amante
de Jenner], Ashton Mowbray [o agressor sexual], lorde Gawlton [tio de Ashton], George
Marsh [pretendente de Stella], lorde Curtain, lorde Coyle [visconde], Lyme, Gros, Marlbeck,
Poulton e alguns nomes da sociedade londrina. Serão apresentados, por terem maior
participação na narrativa, apenas quatro deles: Richard, Dennis, Ashton e Roberto Condez.
Richard Raines é o barão de Kettering. Na hierarquia nobiliárquica é um título de
pouco prestígio, porém, atrativo para as mulheres interessadas em fazer parte da nobreza. O
título é, assim, um dos qualificativos do jovem de 33 anos, razão para ter uma seqüência de
três amantes. Serviu no exército por três anos e há algum tempo desvinculou-se. Foi
abandonado pelo pai e a mãe o castigou com lágrimas por conta do abandono. Para ele,
somente o sobrinho Dennis o amava. Também foi abandonado pelas três amantes. De acordo
com a percepção de Jenner, Richard Raines possui "[...] traços agradáveis [...] estatura mediana
e cabelos um pouco mais longos que o usual [...] uma mecha castanha caía-lhe sobre a fronte,
conferindo-lhe um ar pueril e roubando um pouco de sua autoridade" (1994: 10). De ar
157
pragmático e seguro de si tem o toque firme mas gentil [quando toca os braços de Jenner
crendo ser ela um garoto].
O envolvimento de Richard com Jenner antes de sabê-la mulher é um tanto ambíguo.
As afinidades são visíveis e, de alguma maneira, desconhecendo a identidade de Jenner,
Richard não se irrita com ela; há um entendimento não proferido entres ambos; Richard não só
não se incomoda com o olhar de ad miração de Jenner como fica envaidecido:
[...] Ela se perguntava qual seria a reação dele se descobrisse sua
verdadeira identidade... Mas era melhor não pensar muito nisso. Temia que já
houvesse se traído pelo menos em uma ocasião, quando Raines fl agrara em
seu rosto uma expressão de franca admiração. Então, Jenner tivera o bom
senso de não corar, e ele limitara-se a esboçar u m meio sorriso repleto de
satisfação (Sob o signo da paixão, 1994: 21).
Receei que ele [Richar d] fosse ter um acesso de cólera ao flag rar o
rapazinho [Jenner] tocando o piano da srta. Claridge [Elaina Claridge, uma
das amantes que abandonou Richard]. Mas tudo o que o patrão fez foi sentar-
se para ouvir a música. Edwards confidenciou a Collins.
Esse rapaz, Page, surgiu em boa hora. Parece ter encantado nosso
patrão. Nesses últimos sete anos, é a pri meira vez que vejo lorde Raines tão
bem-humorado.
Ah, mas não se pode dizer que a srta. Dawson [outra amante] o
desapontou! (Sob o signo da paixão, 1994: 29).
Rapaz estranho esse. É seu parente? Gross perguntou a Raines.
Não. Eu o atropelei na estrada e me senti na obrigação de trazê-lo à
cidade para comprar-lhe outra montaria.
Ouvi dizer que comprou-lhe um cavalo que vale uma pequena
fortuna Marlbeck observou com um sorriso enviesado.
[...]
Seu amigo é um garoto diferente dos rapazes de sua idade
Marlbeck observou.
[...]
Jenner me diverte bastante. Às ve zes esgota minha paciência, mas
nunca me aborrece Richard declarou com sinceridade (Sob o signo da
paixão, 1994: 61).
Os diálogos transcritos têm dois propósitos: primeiro "dar voz" às personagens que
expressam a hipocrisia da sociedade representada na narrativa; segundo para elucidar a
significação de Jenner para Richard e o fato de os amigos desconfiarem da acolhida no próprio
teto. Afinal, ser abandonado por três amantes e aparecer feliz na sociedade londrina quando
acompanhado de Jenner desperta a maledicência e a curiosidade dos londrinos.
Outra personagem masculina que tem relevância na narrativa é Dennis, sobrinho de
Richard e amigo de Jenner por saber ela um homem. É o primeiro a desconfiar do
158
relacionamento de Richard com Jenner e chega a desejar a morte dela para que não aconteça
um escândalo na família. A hipocrisia fica velada na reação dele ao ter certeza do amor do tio
pelo jovem hóspede quando surpreende os dois na cama.
Ashton Mowbray é recordado por Jenner como um bêbado que usava "uma colônia
adocicada que dava náuseas" (1996: 78). Reconhecido, pela voz, oito anos depois de ter
violentado Jenner, torna-se presença no meio londrino freqüentado por ela. Sentindo-se
ameaçado por Jenner saber ser ele o homem que violentou a prima dela [Jenner diz ser primo
de si mesma], começa a ameaçá-la até que a desafia ao vê-la preocupada com o ferimento que
fez em Roberto Condez na aula de esgrima:
Condez está temporariamente fora de combate. Não quer praticar
comigo, garoto? ele desafiou, os olhos luzindo sinistros.
Não! Rob interveio.
Jenner experimentou uma onda de desespero ao imaginar que Mowbray
havia descoberto o elo que a unia a Rob. Se assim fosse, Rob corria grande
perigo.
Por que não? Vim aqui justamente para praticar um pouco
declarou em tom ligeiro, simu lando uma calma que em absoluto não sentia.
[...]
[...] Como se atreve a a parecer aqui, agora que toda a cidade sa be de
seu infame caso com Raines?
Jenner deu-lhe uma estocada com toda fúria. Falhou por uma questão
de milímetros.
Esse caso só existe em sua i maginação pervertida, seu estuprador!
Sim, eu sei de tudo! Violentou minha prima quando ela era praticamente uma
menina!
[...]
Diga a todos que mentiu sobre mim e Raines. Vamos, uma vez na
vida, diga a verdade, cão imundo! Talvez seja sua última oportunidade!
Ela empurrou a lâmina. Um filete de sangue começou a escorrer do pescoço
de Mowbray. Ele estava suando em bicas, e mais pálido do que nunca.
Eu menti! murmurou.
Mais alto!
Eu menti. Não sei de nada que desabone a conduta de Raines (Sob o
signo da paixão, 1994: 206).
A citação evidencia a covardia de Mowbray e a má conduta dele em todos os tempos.
No entanto, o fato de Jenner fazer justiça com as mãos aproxima o comportamento dela aos
dos mocinhos dos romances de mocinho. A justiça não é feita pela Lei, ma s sim pelos
interessados nos casos de violação. Também em Mitsi a justiça foi feita pelas ações de
Cristiano. Tanto Mowbray quanto a avó de Cristiano e Flaviano Parceuil são "punidos" pela
indiferença e pelo corte de bens materiais, apesar de todos os três serem autores de ações que,
pela Lei, os levariam à forca ou à prisão. No entanto, apesar de todos os abusos que cometeram
159
contra Mitsi e a família dela, ou contra Jenner e sua saúde física e mental, recebem uma
punição meramente social.
Por fim, Roberto Condez, o bandoleiro retratado por Jenner nos livros, que apesar de
toda "experiência" de bandoleiro, é homem dócil e tolerante [soube esperar um ano até que
Jenner estivesse pronta para recebê-lo fisicamente]. Relacionaram-se por quatro anos e só
foram encontrar-se por acaso alguns anos depois de ele ter partido alegando que iria para a
América. Não foi, estava em Londres e Jenner, ao procurar uma academia de esgrima:
Senõr Condez, quero que conheça meu jovem amigo, o sr. Page. Ele
gostaria de ter algumas lições de esgrima.
Jenner e Rob olharam-se espantados. Vacilaram um momento antes de
apertaram-se as mãos.
Rob usava bigode agora, e seus cabelos começavam a mostrar algumas
mechas grisalhas. Sua aparência era, acima de tudo, distinta. Os olhos
expressivos ainda estreitavam-se, como se ele ri sse silenciosamente. Jenner
sentiu uma onda de afeição ao relembrar a época que haviam estado juntos.
Já estou prevendo que serei um osso duro de roer, senõr Condez.
Não pratico há mais de um ano ela disse.
Então vamos ver como se sai Rob replicou com um sorriso seco e
um sotaque tão carregado que Jenner chegou a duvidar que ele fosse o mesmo
bandoleiro que um dia havia encontrado na estrada (Sob o signo da paixão,
1994: 70).
Esclarecidas as razões que justificam a presença de Rob em Londres e comunicado o
casamento deste, Jenner é convidada a jantar com ele e a esposa, Merilee. O contato se manté m
por conta das aulas de esgrima e a relação é amigável e respeitosa.
Apesar de o relacionamento com o verdadeiro bandoleiro (Bob) ter durado quatro anos,
é com Richard que Jenner conhece os prazeres sexuais. Durante o tempo que Jenner mantém-
se hóspede na casa de Richard, ela continua com os trajes masculinos e freqüenta diversos
lugares com o amante, que se diverte ao levar Jenner a um alfaiate e aos lugares onde só é
permitida a presença de homens.
Richard e Jenner, cada vez mais apaixonados, não podem revelar a verdadeira
identidade dela. Então Jenner volta para a fazenda dos tios e algum tempo depois Richard vai
buscá-la, casa-se com ela.
Já nas terras de Richard, Jenner resolve que contará a família dele que Jenner Page
sempre foi ela, mas para a sociedade o comuni cado será que Richard casou-se com a prima do
escritor de O bandoleiro. Assim, mesmo que a família de Richard não perdoe Jenner:
160
[...] — Richard, não suportarei passar o resto da minha vida em meio a
mentiras. Pelo menos, deixe-me contar tudo a Caroline, Dennis e Stella!
— Se é o que quer...
— Sim, e o mais rápido possível. Como acha que eles reagirão?
— Isso não tem importância.
— Tem, sim... Richard, o que está fazendo?
Ele havia se aproximado e a suspendera do chão, tomando-a nos
braços fortes.
— Não podemos passar o dia inteiro discutindo neste campo. Hawes,
pode seguir com os cavalos. Nós iremos a pé.
— Está louco? Ponha-me no chão! — Jenner protestou, sem fazer
nenhum esforço para se esquivar dele.
— Minhas terras começam naquele córrego. Digamos que vou
carregá-la até cruzar a soleira da porta.
Jenner abraçou-o. Eles se beijaram, e seus últimos te mores se
dissiparam.
— Não se preocupe, Jen. Se eles ficarem muito furiosos, ainda
teremos uma ao outro.
E, assim, ele a levou ru mo ao futuro que os esperava (Sob o signo da
paixão, 1994: 220).
161
3.3.2 Morfologia do corpus
O método começa por esquematizar o enredo.
Reduz o número de personagens e de cenas,
afrouxando a densidade narrativa. Elimina toda a
complexidade psicológica dos heróis (Alfredo
Bosi).
No curso do desenvolvimento faço análise das (in)variantes observadas no estudo do
romance de mocinha. Para marcar as repetições presentes nas coleções uso tabela comparativa
para elencar as características manifestadas em, pelos menos, 2/8 das narrativas que compõem
o corpus. Assim, de oito coleções de romance de mocinha foram retiradas "qualidades" físicas
e comportamentais apresentadas nas construções das personagens. Apresento as protagonistas
femininas e passo, na seqüência, para a antagonista, quando houver. Será o mesmo critério
para as personagens masculinas.
Passo à apresentação da tabela. Esta reúne os títulos das coleções, as características
encontradas e a repetição das características. A razão de apresentar os tipos físicos das
personagens se dá por entender a forma do significado da "beleza" uma maneira articulada de
oposição maniqueísta. A narrativa, ao impor um padrão de beleza e um padrão de feiúra [ou de
beleza artificial] e associar esse padrão do belo ao bom e do feio ao ruim, recupera os contos
de fadas e se torna moralizante em toda a sua construção. Esse aspecto moral da narrativa de
massa é captado pelo leitor ainda que pelo inconsciente e então não se pode desprezar no
estudo de narrativa de massa o que aparentemente é banal: a repetição da beleza.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Tipos
físicos
das
heroínas
Mitsi.
P
acto de
ódio *
P
ássaro de
ouro
O Rival
Encontro
mágico
A sereia de
Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o signo
da paixão
Atraente
X X X X X X X
Bonita
X X X X
Cabelos
Castanhos
X X
Cabelos
louros
X X X
Cabelos
negros
X X
162
Lindíssim
a
X X X X
Olhos
azuis
X X X X
Olhos
verdes
X X X
O exemplar da coleção Sabrina, Pacto de ódio foi escolhido especificamente para mostrar a falta de
caracterização da personagem
.
O critério metodológico sobre o qual é preciso basear o próprio exame da tabela é o
seguinte: a supremacia da beleza manifesta-se socialmente como domínio em todos os
sentidos? A beleza é, nessas coleções, impreterivelmente, porta de acesso a qualquer meio
social. No entanto não se nasce sempre bela, mas torna-se após algum tempo. O "lindíssima" e
"bonita" qualificam outros atributos como bondade e nobreza. A relação entre bom e belo é
constituinte de toda a moça que se preza [nas narrativas], mas pode vir acompanhada de um
certo jeito indomável que acabará por ser outra fonte de beleza. Esta se tornou um aspecto que
pode e deve preceder a conta bancária estratosférica.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Características
comporta-
mentais das
heroínas
Mitsi.
Pacto de
ódio
Pássaro
de ouro
O rival
Encontro
mágico
A sereia
de Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o
signo da
paixão
Apanha (nas
nádegas)
X X
Boemia
(vida notur na)
X X
Ciumenta
X X X X
Decidida /
determinada
X X X X X X
Delicada
X X
Encantadora
X X
Esperta
X X
Frágil
X X
Furiosa
X X
Ingênua /
Inocente
X X X X X
Insegura
X X X
Inteligente
X X X X X X X X
Mimada
X X
Nível de
escolaridade
(3º grau)
X X
Órfã
X X X X X X X X
Prendada
X X X X X
Ruboriza
X X X X X X X X
Sensível
X X
163
Sexualmente
ativa
X X X
Teimosa
X X X X
Tímida
X X X X
Virgem
X X X X X
Vulnerável
X X X
É certo que as mulheres são inteligentes, determinadas e prendadas. Tão certo que o
fato de essas narrativas afirmarem essas características o tempo todo põe em dúvida a
inteligência não só das autoras (dos 101 títulos todos são assinados por mulheres) mas das
próprias consumidoras dos produtos. Qual a razão de afirmar aquilo que é? Se é, basta. Qual a
necessidade, então, da repetição dessas qualificações? Provavelmente convencer o que não se
é. Por que não pôr então a questão nos seus justos termos e contentar-se em escrever uma série
de histórias com mulheres 'razoáveis', e verossimilmente inteligente? Talvez porque
narrativizar problemas corriqueiros e dar as soluções como espontâneas e inteligentes eleve um
maior número de mulheres a se sentirem iguais as jovens das histórias. Existe um processo de
estandardização dos sentimentos e qualidades nesses qualificativos todos. Deve-se observar o
que causa nos consumidores esses padrões inatingíveis de mulheres. Quais os efeitos ofertados
por essas construções ideais de mulher?
Se a relação entre características físicas e comportamentais não refutasse o padrão de
mulheres — penso no Brasil — então a relação seria de repr esentação e não de exclusão. Se o
Brasil fosse, por exemplo, um país de mulheres escolarizadas, o fato de as protagonistas serem
"inteligentíssimas" não destoaria da vida real dos brasileiros. As imagens projetadas por essas
coleções podem entrar em conflito com a mediocridade cultural e financeira vigente no Brasil.
Gramsci explicita bem esse problema ao questionar o "super-homem" na literatura
popular, para ele:
[...] sobre o 'super-homem' na literatura popular e dos seus influxos na vida
real e nos costumes (a pequena burguesia e os pequenos intelectuais) são
particularmente influenciados por tais imagens romanescas, que são co mo que
o seu 'ópio', o seu 'par aíso artificial' contraste com a mesquinhez e a estreitez a
da sua vida real imediata: daqui o sucesso de alguns ditos tais como: 'é melhor
viver um dia como leão que cem anos como ovelha', êxito particularmente
grande junto aos que são precisa e irremediavelmente ovelha. Quantas dessas
'ovelhas' dizem: 'Quem me dera ter o poder nem que fosse por um só dia!'
(1978: 390).
164
E o "quem me dera" se estende infinitamente. A compra de um outro produto o mantém
ativado. A ovelha mantém seu desejo de ser leão consumindo mais e mais produtos. O "paraíso
artificial" apresenta uma periodicidade real e então a "ovelha" se sente melhor ao final de cada
dia.
É preciso se ocupar dos efeitos ofertados por essas narrativas; não dá para ignorar a
importância e a função que exercem na vida dos consumidores, deve-se notar como afluem a
exaltação dos padrões estereotipados por essas coleções. Em todo caso é preciso revelar que
para contrapor [e form ar par] a essa mulher-maravilha existe um homem unitário. Vejamos.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Tipos físicos
dos heróis
Mitsi.
Pacto de
ódio
Pássaro
de ouro
O rival
Encontro
mágico
A sereia
de Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o
signo da
paixão
Alto
X X X X X X X
Atraente
X X X
Bonito / belo
X X X
Bronzeado
X X X X
Cabelos
escuros
X X
Dentes brancos
X X
Esguio
X X
Forte
X X X X
Mãos fortes
X X X
Musculoso
X X X
Olhos azuis
X X
Olhos
castanhos
X X X
Ombros largos
X X
Viril
X X X
Essa tabela de qualificativos físicos comuns aos homens das coleções produzidas para o
público feminino, no que diz respeito às relações de identificação com as mulheres das
narrativas correspondentes, é fecunda ao fazer par apenas com os representantes máximo de
beleza e supremacia. Em certo sentido se pode dizer que o problema maior dessas
165
utopia estética e social. Os homens também são revestidos de características comportamentais
que os qualificam criteriosamente.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Caracterís-
ticas
comporta-
mentais dos
heróis
Mitsi.
Pacto de
ódio
Pássaro
de ouro
O rival
Encontro
mágico
A sereia
de Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o
signo da
paixão
Apaixonado
/ romântico
X X X
Arrogante X X X X
Austero X X X
Carinhoso X X
Confiante X X X
Determinad
o / objetivo
X X X X X X
Egoísta X X
Fascinante X X X
Franco X X
Frio X X
Gentil X X X X
Humano X X
Humorado /
divertido
X X X X X
Impassível /
indiferente
X X X
Imponente /
altivo
X X X X X
Inteligente X X
Irônico /
sarcástico
X X X X
Lógico /
objetivo
X X
Másculo X X X
Mordaz X X
Rude X X X X
Sensível X X
Terno X X X X
Voluntarios
o
X X
Zombeteiro X X X X
O homem "arrogante", o "egoísta" ou o "rude" ao término da narrativa será "divertido"
e "terno". Cabe a mulher despertar o lado bom do homem; ele é por natureza
"imponente/altivo".
166
A mesma qualificação se deve verificar no homem e na mulher que contrapõem o herói
e a heroína. Claro está que em alguns casos a passagem da utopia do belo e bom atinge a
utopia do belo e mau. Primeiro tem-se outras mulheres igualmente lindas, mas más. Estes são
os tipos físicos das anti-heroínas.
167
Insinuante X X
X X
X
Maliciosa X X
X
X
Olhares de
ódio
X
X
X
Perigosa X
X X
X
Roupas
extravagantes
X
X X
"Insinuante", "maliciosa" e "perigosa". Essas três características são as mais evidentes
na corporificação da mulher má. Esse "má" é bastante provisório haja vista que ser má nessas
narrativas é "lutar" pelo homem amado; detalhe, o homem que ama outra. Qualquer atitude que
a anti-heroína tem para sair da passividade é vista como negativa, isso na construção da anti-
heroína. Quando se trata da heroína o que era "oferecimento" na anti-heroína passa a ser
"atitude".
As "roupas extravagantes" são aquelas usadas para chamar a atenção do homem
desejado. Se em Pacto de ódio a anti-heroína (Hilary) usa "shorts e uma frente-única" (1982:
34) sua beleza é retratada como "calma e confiante" (1982: 34). Ou seja, na narrativa, trata-se
de uma mulher que sabe o poder que tem e o usa naturalmente para atrair os homens. No
entanto, quando a heroína (Marika) usa uma roupa curta simplesmente parece uma "filha".
Marika tomou um banho de chuveiro e depois tratou de escolher u m
vestido. [...]
Acabou pondo um vestido de algodão acetinado, sem mangas, muito
curto. Sabia que as saias curtas estavam em moda em Atenas, embora as
moças em Delfos ainda não estivessem usando roupas tão modernas. Se
Nickolas não gostasse de sua escola, ele a mandaria trocar de roupa, tinha
certeza.
— Pedi os vestidos por telefone e ainda não os tinha visto — disse ele,
ao chegar. — Todos são curtos assim?
— Não. Alguns são mais compridos. Prefere que eu troque?
Ele já estava pronto para dizer sim, mas lembrou-se de que el a tinha
tido sempre tão pouca coisa que resolveu deixá-la feliz.
— Não precisa mudar, Marika. É que você está parecendo minha filha!
(Pacto de ódio, 1982: 44).
A obediência notada em Marika é mesmo de filha. Talvez resida aí um dos ingredientes
que provocam a venda dessas histórias, o complexo de Electra. Nas narrativas, na maioria das
vezes, o homem será uns 10 anos mais velho que a mulher. Conseqüentemente ele terá mais
experiência, mais poder aquisitivo, ele será a salvação da mulher. E por isso a rivalidade entre
168
Hilary e Marika, por exemplo. É preciso realçar, no entanto, que Marika tem sim ciúmes de
Hilary; porém, se comporta como "coitadinha", como se nunca fosse receber o amor do
homem amado. Hilary percebe a paixão de Marika por Nickolas e demarca o território. Ainda
assim o "destino" já havia assegurado que Marika e Nickolas estavam "predestinados". Todo o
"perigo" que Hilary representa será ofuscado pela "pureza" de Marika e ela terá como prêmio o
homem amado.
Marika, movida pelo desejo de desviar a atenção de Nickolas [na verdade chamar à
atenção] pede a um amigo de infância que se passe por seu namorado. Ele será, evidentemente,
um fantoche que se prestará a ajudar a amiga; no entanto, o que importa é que Nickolas verá
nele um rival.
Os anti-heróis são não-heróis. Não são de fato maus nem bons, são simplesmente
inapropriados para fazerem "par" às heroínas.o na verdade apenas outros homens, às vezes
bons, outras vezes fracos, nunca comparáveis aos heróis.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Tipos físicos
dos
anti-heróis
Mitsi.
Pacto de
ódio
Pássaro
de ouro
O rival
Encontro
mágico
A sereia
de Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o
signo da
paixão
Alto
X X
X
Atraente
X X
Olhos azuis X
X
Rosto pálido X
X
Nos exemplares das coleções Barbara Cartland, Best-sellers e Momentos íntimos, há a
presença de dois anti-heróis. No quadro acima tem-se as características do anti-herói que teve
melhor desempenho e presença. Contudo, a coleção Momentos íntimos, com o romance
Encontro mágico, apesar de possuir dois anti-heróis, não caracteriza nenhum deles fisicamente.
Foram elencadas somente características comuns ao menos para dois personagens e,
por essa razão, não foi possível caracterizar o "anti-herói" de Pacto de ódio. Contudo, a
personagem masculina não se interessa pela heroína mas representa o interesse para que o
herói fique enciumado; necessariamente não se trata de um oponente. Suas características são
totalmente amigáveis. Tem-se alguns dos adjetivos usados pela heroína para defini-lo:
"criança", "garotão", "bobo", "amigo".
169
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHA
Caracterís-
ticas
comporta-
mentais dos
anti-heróis
Mitsi.
Pacto de
ódio
Pássaro
de ouro
O rival
Encontro
mágico
A sereia
de Cowrie
Island
Amante
indócil
Sob o
signo da
paixão
Ambicioso /
interesseiro
X X X X
Calmo X X
Covarde X X
Egoísta X X X X
Fidalgo X X
Hostil X X
Inteligente X X X
Irascível X X X
Odioso X X
Sádico X X
Saúde
precária
X X
Simpático X X
A presença desses qualificativos para os "anti-heróis" demonstra a fragilidade da
construção do homem de caráter ruim nas coleções estudadas. Eles não são, de fato, anti-
heróis, eles são apenas os "machos" que não foram escolhidos pelas mulheres. Porém, não é de
fato a mulher que escolhe, ela é escolhida pelo herói. E para que a mulher não tenha dúvida de
que o herói é o homem adequado surgem essas caracterizações do anti-herói para fortalecerem
a presença do outro. Na essência, nenhum deles são heróis ou anti-heróis, mas o uso da não-
qualidade de um (anti-herói) serve para dar valor à qualidade do outro (herói).
Para encerrar esse percurso chamo a atenção para "O clima de conto de fadas" (Prado:
1981) presente em todas as narrativas do corpus. Esse "clima" é explorado em Mitsi, Sob o
signo da paixão e Pássaro de ouro, com a presença de personagens da aristocracia. Nesses três
romances é comum a descrição de bailes e indumentárias que remetem as personagens e
situações conhecidas também por meio dos contos de fada. Em A sereia de Cowrie Island, O
rival e Pacto de ódio, ainda que se trate de personagens ambientadas no final do século XX, as
histórias remetem à de Cinderela. Ou seja, as mulheres dessas narrativas foram "encontradas"
porque o "destino" reservou a ela uma vida sem complicações financeiras e a promessa do
amor eterno. Os dois últimos romances, Amante indócil e Encontro mágico, a meu ver, só
podem ser associados aos contos de fadas se eu pensar na questão da protagonista órfã e na
presença do homem para salvá-las de uma vida rica e ao mesmo tempo infeliz. De qualquer
forma as personagens femininas, por conta de sua situação financeira vantajosa, levam uma
170
vida de "princesa", seja porque são tão lindas quanto as princesas dos contos, seja porque todas
as suas vontades costumam ser atendidas.
No que se refere à "Estrutura do enredo" (Prado: 1981) observei que todas as narrativas
foram produzidas visando à união matrimonial. Independente de os protagonistas terem sofrido
incompatibilidades no primeiro encontro (Amante indócil, A sereia de Cowrie Island, Mitsi, O
rival e Pacto de ódio) ou terem se apaixonado no primeiro encontro (Pássaro de ouro e
Encontro mágico), todos eles são pautados em um impasse que será levado à solução apenas
nas últimas páginas do romance.
Outra constante no enredo é o fato de o homem ser o financeiramente abastado. Essa
prerrogativa não acontece nos romances Amante indócil e Pássaro de ouro; nos demais as
mulheres possuem menos posses, elas podem até ser ricas (Encontro mágico), mas sua fortuna
não rivaliza com a do homem que lhe fará par. Elas também podem receber uma herança (O
rival) ou simplesmente ficarem ricas com o casamento (A sereia de Cowrie Island e Pacto de
ódio).
Por exemplo: em Pacto de ódio, Marika casa-se porque se sente no dever de salvar a
família de uma dívida provocada pela mãe quando o marido morreu. Esse casamento se dá no
meio da narrativa, mas o casal só chegará à união definitiva nas últimas páginas do romance;
aliás, será sugerido que assim ficaram ao término do processo fabular. A heroína não queria
casar-se, mas apaixona-se pelo marido e tem medo de não ser amada. O amor é sempre
correspondido, na verdade, Marika é uma mulher-criança (18 anos) e está sob a dependência
do herói.
Realço o fato de em nenhuma dessas narrativas os protagonistas se preocuparem com
questões financeiras [situação que também remete ao conto de fadas]. Mas, há sim variantes
nas coleções estudadas. No entanto, essas "variantes" não são variantes quando são adotadas
por toda a indústria de entretenimento presentificado pela amostragem. Não interessa, a meu
ver, se o casal se unirá em matrimônio logo nas primeiras páginas, se passará por alguns
conflitos até que finalmente assuma que "verdadeiramente" se ama; ou se só chegará ao
casamento nas últimas páginas da história [penso em um enredo linear, aliás, na maioria dos
casos é o percurso fabular adotado]. Interessa o fato de todos esses romances apresentarem
como "felicidade" a união matrimonial.
Também não interessa se a mulher desafia ou não o homem [Amante indócil e Mitsi],
interessa que essa mulher será submissa a ele ao final da narrativa. Não importa se o herói será
afastado da heroína por uma avó rancorosa [Mitsi], por uma mulher "leviana" [Encontro
mágico], importa que eles não ficarão separados. Ou seja, se o destino uniu, nenhum homem
171
separa. Constato que a estrutura do enredo é, basicamente, uma seqüência de ações e
personagens voltados para o encontro, (re)conhecimento e união definitiva dos pares
protagonistas.
172
3.4 Romance de mocinho: coleções, características e autores
A punição ideal será transparente ao crime que
sanciona; assim, para quem a contempla, ela será
infalivelmente o sinal do crime que castiga (Michel
Foucault).
A literatura é, ao mesmo tempo, passado e presente. Mas, no caso das narrativas que
compõem o corpus elas se tornam presente de maneira fragmentada. Não é a leitura do texto
do passado que chega ao leitor, mas sim uma "intertextualidade" ou mesmo "paródia" de um
clássico que é esmiuçado e fagocitado pela indústria de entretenimento. Para entender a
construção do romance de mocinho faço um perfil diacrônico permitido pelo romance de
aventura. Desta maneira, por exemplo, o leitor lerá episódios que podem remeter ao romance
O último dos Mohicanos, mas não saberá que é dele se ficar só nas leituras de narrativas de
massa.
De acordo com Mary A. Junqueira (on-line):
James Fenimore Cooper publicou o seu primeiro romance, The Precaution,
em 1820, inspirado nos trabalhos da romancista inglesa Jane Austin. Em
1821, o autor publicou The Spy, tratando da Independência norte-americana,
inspirado em Sir Walter Scott. Enquanto The Precaution não teve apelo junto
ao público, o livro The Spy – publicado nos Estados Unidos e na Europa –
trouxe fama a Cooper, que começava a ser considerado, a partir de então, 'o
primeiro autor norte-americano' (Wallace, 1986 e Daly, 1993). Os leitores do
jovem país, até então, liam ficção européia.
Junqueira conclui que os historiadores norte-americanos, em geral, afirmam que a lenda
do Oeste foi estruturada no século XIX, com a literatura. E, nesse processo de construção
cultural, destaca-se o nome de James Fenimore Cooper (1789-1851), considerado o primeiro
autor a estabelecer as bases da linguagem de símbolos e a forma narrativa que constituem as
bases do mito que seria (re)escrito constantemente. Segundo os especialistas no tema da
fronteira, a série conhecida como Leatherstocking Tales (Contos dos desbravadores), escrita
por Cooper, foi central para a construção do mito do Oeste no século XIX, embora inúmeros
autores tenham tratado do Oeste como lugar de aventura e ação. Nesse sentido, o autor de O
último dos Mohicanos tornou-se popular e respeitado como escritor e publicou uma série
composta por cinco exemplares: The Pioneers (Os pioneiros), de 1823; The Last of the
Mohicans (O último dos Mohicanos), de 1826; The Prairie (A pradaria), de 1827; The
Pathfinder (O desbravador), de 1840 e The Deerslayer (O caçador de veados), de 1841.
173
É de Cooper O último dos Mohicanos, mas outros autores (Zane Grey, Louis L'Amour
e Elmore Leonard), e o alemão Karl May (1842-1912), já escreviam histórias deste teor. Karl
May inspirou-se em Cooper, por exemplo, e depois foi influência determinante para o
emigrante alemão Carl Laemmle, que fundou a Universal Pictures. O "Faroeste" já existia,
portanto, antes do advento do cinema, consubstanciado num gênero distinto.
Dada a presença de algumas das marcas do texto de Cooper, também constantes nas
coleções de faroestes, transcrevo a recomendação do autor para o leitor, no prefácio do livro:
[...] aconselha a tôdas as môças cujas id éias nor malmente se circunscrevam às
quatro paredes de uma confortável sala de estar; a todos os cavalheiros
solteiros de certa idade que estejam sob a influência dos ventos, bem como a
todos os padres que tenham em mãos o livro com a intenção de lê-lo, que
abandonem tal propósito. O A. dá esse conselho a essas môças porque, depois
que tiverem lido, certamente o considerarão chocante; aos solteiros, porque
poderia perturbar-lhes o sono e aos reverendos porque poderiam bem ocupar-
se de melhores afazeres (1963: 12).
Para Junqueira (on-line), Cooper foi um autor muito lido na época. Assim, ou os
leitores esqueceram de ler o prefácio ou então este funcionou justamente como um desafio ao
leitor. A recomendação ao leitor é um dos requisitos adotados pelas coleções de narrativas de
massa.
Quanto à materialização do texto, os capítulos com títulos indicativos do que se
encontrará ao ler é também forma adotada por alguns dos autores estudados, mas, ao contrário
de Cooper que já no título do romance e de alguns dos capítulos apresenta a "conclusão" dos
temas, os exemplares lidos de romances de mocinho, nos títulos, indicam a situação ou incitam
a outras interpretações. Cooper fornece todos os indícios sobre o teor e na introdução antecipa
aquilo de que o leitor tomará conhecimento ao iniciar a leitura do romance. Ainda na
introdução, o autor enfatiza tratar-se de realidade e por isso alguns leitores não devem lê-lo.
Não se trata, porém, de meta-ficção historiográfica no sentido conceituado por Linda
Hutcheon. Cooper nomeia o 16º capítulo "A morte de Uncas", e antecipa o que acontecerá no
desenvolvimento da situação. Ao fazer a chamada para a morte o autor atrai o leitor, mas ao
mesmo tempo direciona a atenção de "se morrerá" para "como morrerá". Com a morte de
Uncas encerra-se a história e o leitor percebe que todo o tempo o índio foi um "herói
coadjuvante" e o homem branco foi sempre O herói, construído e sustentado na pele do
caçador amigo de Uncas e do pai dele. Toda a ação esteve centrada nas resoluções do homem
branco [Hókai] e foi a arma do branco que liquidou o problema existente. A luta de Uncas com
174
Magua e o fato de este ter fugido e sido atingido apenas pela carabina de Hókai, demonstra a
alcançabilidade do branco em relação às armas dos índios [machadinhas, flechas e etc.], os
índios foram os elos para a construção fabular, foram importantes quando representaram as
regiões habitadas por "selvagens" bons e "selvagens" ruins, mas é a amizade do branco ao
índio que sobreporá após a m o rte do último dos Mohicanos.
Neste sentido, os faroestes retratam uma sociedade onde o indivíduo é valorizado pela
luta que estabelece com o seu meio e os códigos de honra [não atirar pelas costas, não atirar
quando o rival está ferido...] se sobrepõem à lei e se estabelece uma hierarquia social assente
na reputação granjeada por meio de atos de violência ou da generosidade criadora de
dependência nas relações humanas. A cultura popular mundial, cada dia mais influenciada pela
cultura norte-americana, também em virtude da globalização, costuma preferir e valorizar a
cultura da honra, em oposição à cultura do direito e da lei.
Dado o exposto, dou início ao estudo das coleções, características e autores dos
romances de mocinho. É significativa a quantidade de exemplares de romance de mocinho
presentes nos sebos e bancas de jornal. No entanto, o acesso a esses exemplares, demonstrou
que no ano de 2006, na cidade de Maringá, os jornaleiros não receberam produtos impressos
direto da editora; porém, há produtos nas bancas para os leitores interessados, desde que esses
não se incomodem em adquirir exemplares de "segunda mão". A visada tem amparo no estudo
de 101 títulos de diferentes coleções de romance de mocinho para, a partir dessa leitura,
escolher 8 romances de mocinho representativos de 8 coleções do gênero.
Os 62 exemplares de coleções [ver anexo] de romances de mocinho dão acesso a outras
informações possíveis de serem coletadas nas quarta-capas dessas coleções devido ao fato de
não ter sido contactada nenhuma editora que publica esses romances atualmente. A Nova
Cultural não respondeu ao contato sobre ainda publicar a coleção FBI e Super Far West; o
acesso à Monterrey está indisponível há algum tempo; as demais editoras não foram
localizadas. Mas, de posse dessa abrangência de exemplares lidos, foi possível constatar que a
editora Bruguera/Bolsilivros tem 18 coleções: Ases do Oeste, Bravo Oeste, Califórnia,
Caravana, Desafio, Flama do Oeste, Fúria, Laço, Lei do Oeste, Oeste Bravio, Oeste Heróico,
Oeste Selvagem, Rancho, Rifle, Valentes, Vaqueiro, Vingadores e Winchester.
175
A Nova Leitura alega as "melhores histórias do Oeste em livro de bolso" e anuncia 16
coleções: Arkansas, Ases do Gatilho, Bandoleiro, Chaparral, Coldre, Dallas, Durango, Lei do
Chumbo, Montana, Oeste Aventura, Oeste Espetacular, Oregon, Paladino, Pistola, Rota do
Oeste e Terra Bruta.
A editora Disbra apresenta 4 opções de aventuras do oeste: Dallas, Dakota, Navajo e
Sioux.
Com 32 coleções a editora Cedibra oferta outras opções ao leitor de romance de
mocinho: Arizona, Bala de Fogo, Calibre, Califórnia, Caravana, Coldre, Colorados, Colt 45,
Corisco, Cowboy, Desafio, Estefania, Estefania Ouro, Forasteiro, Fúria, Gun Man, Kansas,
Kid Ben, Laço, Nebraska, Oeste Bravio, Oeste Legendário, Oeste Selvagem, Pradaria,
Ranger, Rifle, Rio Bravo, Terra Brava, Trigger, Valentes, Winschester e Xerife.
A exposição do nome das coleções demonstra uniformidade com o já visto sobre os
romances de mocinha. Relevante o fato de a coleção HH, por exemplo, ter quatro
nomenclaturas que permitem "diferenças" temáticas. Também é notável que a coleção ZZ7
receba variantes, assim como as coleções Chumbo Mortal, Oeste Beijo e Bala e Oeste Brutal,
recebam diferenciação em série por cor.
Nos aspectos abordados sobre o romance de mocinha, a editora Nova Cultural lidera o
mercado de coleções. A líder do romance de mocinho, de acordo com a amostragem, é a
Monterrey, mas a Nova Cultural se faz presente. As duas editoras defendem que suas
narrativas são traduções: 1) é da Nova Cultural o exemplar Vidas Truncadas, o "título original"
é Vidas truncadas e o "tradutor" é Heral A. Silva; o título integra a coleção FBI e o copyright
traz editorial Andina, S. A., Espanha; 2) da editora Monterrey o título A caminho da forca
como tradução de Um camino hacia la horca, o tradutor é Giasone Rebuá e distribuição de
Fernando Chinaglia. Também da editora Monterrey o título Tudo pela Bélgica, de autoria
atribuída a Bill Purse [pseudônimo de José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue], não apresenta
tradutor e compõe a coleção HH Epopéias de Guerra, distribuição de Fernando Chinaglia.
Além das traduções, os processos de (re)venda são iguais nos dois casos de romances,
isto é, adquire-se o produto por reembolso postal ou nas bancas de jornal. Para essa pesquisa,
contactei a editora Monterrey, pela internete, em 2003. Mas, ainda que o contato, na época,
tenha ocorrido bem, há algum tempo o acesso ao sítio é inviável. Apesar do interesse, não se
sabe se a editora Monterrey fechou as portas. Porém, em busca no Google Brasil
44
, a consulta à
editora Monterrey apresenta 294 ocorrências. O resultado da consulta à editora em 7 de
44
http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=%22editora+monterrey%22&btnG=Pesquisa+Google&meta=cr%3DcountryBR Acesso
em 13-10-2006.
176
novembro de 2003 [para confecção do pré-projeto] teve a resposta de Juan Alberto Fernandez
Nunes; essa consiste na informação de valor dos exemplares e tabela com 14 coleções e títulos
de números publicados e ainda não esgotados.
As coleções com 15 títulos no estoque foram: coleção Chumbo mortal, coleção Oeste
brutal, coleção Oeste carga dupla, coleção Oeste vermelho, coleção Lei do revólver e coleção
Reis do gatilho. Com 14 títulos: coleção Chumbo quente, coleção Oeste beijo e bala, coleção
Feras do oeste e coleção Tiroteio. Com 8 títulos, a coleção Mulher & Colt. Com 6 títulos, a
coleção Ases do oeste. Com 4 título, a coleção Oeste sensual e com 3 títulos, a coleção Astros
do gatilho.
Dada a efemeridade do produto, ressalto o fato de o título Diadema sangrento, da
coleção Oeste brutal, informado por Juan Nunes, compor a amostragem. De autoria atribuída a
Curtis Garland tem por título original Diadema de sangre e tradução de Izabel Xrisô Baroni; a
distribuição é de Fernando Chinaglia [maioria das coleções estudadas são] e a publicação no
Brasil apresenta o ano de 1996. Se em 2003, a editora disponibiliza exemplar de 1996, infere-
se que a editora costuma ter números antigos para atender ao público a qualquer época, ou o
número de exemplares tirados foi excedente ao cálculo "do golpe" (Escarpit, 1969). De
qualquer forma, se o produto fica parado por 7 anos, a editora tem prejuízo; se a editora tem
prejuízo a falência é certa.
É possível, porém, que o produto não fique estocado por 7 anos. Outra situação que me
parece mais significativa é o fato de a editora republicar números passados. Creio essa
possibilidade viável devido ao fato de ter observado a nu meração dos títulos da coleção
Mulher & Colt e constatado que houve reimpressão dos títulos. Porém, não foi acrescida a
informação de que se tratava de reedição. Explico.
Em 1981 a editora Monterrey publicou, pela coleção Mulher & Colt o título Falência
Criminosa, exemplar número 17. Nesse exemplar constam os 16 títulos/números publicados
anteriormente: Sensual vingança (1), Desejo louco (2), Armas do desejo (3), Raiva de mulher
(4), Te amarei no inferno (5), Ódio sem limites (6), Giovanna Cruel (7), Sangue corrupto (8),
Trindade diabólica (9), Forca de ouro (10), Ouro, bala e sangue (11), Consciência de
pistoleiro (12), Paga para matar (13), Diabo de saia (14), Bandido fujão (15) e Ódio do
passado (16).
Em 1999 o exemplar número 2, Desejo louco tem outra publicação.
Em 2002 o exemplar número 9, Trindade diabólica e, em 2004 o exemplar número 11,
Ouro, Bala e sangue, recebem nova publicação. Comparado ao exemplar de 1981 nota-se que
177
a figura que remete à heroína da coleção foi atualizada nas publicações posteriores. No de
1981 a heroína usa os cabelos crespos, nos atuais os cabelos estão alisados.
Outro recurso da editora Monterrey foi observado no estudo de exemplares das
coleções Chumbo Quente e Reis do Gatilho. Em 1988, a editora Monterrey publicou na
coleção Chumbo Quente o título Legado maldito, exemplar número 73 de autoria atribuída a
Peter Kapra, traduzido por Sebastião da Cunha e Castro Filho com o título original Duelo en la
sombra. Em 2004, a mesma editora publica pela coleção Reis do Gatilho o título O garanhão,
exemplar número 25, de autoria atribuída a Lilly Tillbit, sem constar o tradutor e com título
original Duelo en la sombra. As capas das coleções são de Benício e Perón Silva,
respectivamente. No primeiro título a narrativa começa assim:
O coice de um garanhão selvagem pôs fim à vida de um grande
criador, e plantou a semente do ódio entre várias centenas de pessoas, o que
produziria uma feroz e encarniçada luta em que o povoado seria arr asado até
seus alicerces.
Um coice talvez aplicado pelo próprio diabo!
O garanhão, casualmente, chamava-se Demon e o criador Ray Warner
(Legado maldito, 1988: 5 – destaque acrescentado).
No segundo,tem-se:
O coice de um cavalo selvagem matou um grande rancheiro e
semeou o ódio entre centenas de pessoas, o que provocaria uma batalha feroz
e um povoado seria totalmente destruído. Um coice dado, talvez, pelo
próprio diabo!
O cavalo, casualmente, chamava-se Demon, e o rancheiro, um veterano
das pradarias, Ray Warner (O garanhão, 2004: 5 – destaque acrescentado).
A mesma história, apresentada com título e autoria diferentes, sofre, textualmente,
alterações insignificantes.
De qualquer forma, existe um padrão que se caracteriza por sistemas de produção
verticalmente integrados, que alimentam crescentes pesquisas internas no sentido de descobrir
o que o público quer consumir. A produção, rígida, em concentrações industriais, resulta de
uma articulação em redes que agregam numerosos autores que se adaptam às mudanças
contextuais. Na organização da produção ocorre uma concentração dos meios de produção
(social e espacial) associada à produção em série para os mercados de massa (grande escala),
com redução de preços, sempre com a intenção de ampliar o mercado de consumo. Na
produção, a divisão entre o trabalho de inserir o produto no mercado e o trabalho de criação
178
está direcionado a dar conta do previsto pela concepção do produto (pesquisa-formato-
temática).
Para marcar a existência de um padrão fabular específico, procuro apresentar algumas
características observadas na leitura dos exemplares estudados. Se no estudo do romance de
mocinha explorei apenas 8 das 28 coleções estudadas, procuro aqui abarcar 21 coleções dos
romances de mocinho por não ter encontrado nenhum trabalho que me permitisse o estudo
apenas das 8 coleções que constam no corpus. Faço então, grosso modo, uma apresentação de
como essas coleções são ofertadas pela editora Monterrey. Após o nome da "coleção", a
exposição traz o "tema" e a "característica":
1) 77Z (Espionagem): o agente irresistível.
2) Ases do Oeste e Astros do Gatilho (Bangue-Bangue): os únicos exuberantemente
ilustrados com belíssimas gravuras desenhadas pelos melhores artistas, elaboradas
especialmente para nossos leitores. Experimente o incomparável prazer de ler as mais
eletrizantes aventuras, repletas de ação, emoção e tensão nas doses certas.
3) Chaparral (Bangue-Bangue): o bangue-bangue da televisão.
4) Chumbo Grosso (Bangue-Bangue): aventuras inéditas do oeste bravio.
5) Desirée (Romance): o amor nascendo do ódio.
6) FB7 (Policial): a melhor novela policial do mundo.
7) Gangs: histórias inéditas da máfia. Os sindicatos do crime. Tráfico de droga.
Assassinato. Impressionantes relatos do submundo organizado em verdadeiras GANGS de
marg ina is .
8) HH (Guerra): o episódio que não foi escrito.
9) K. O. Durban (Espionagem): espionagem em Bossa-Nova.
10) Mulher & Colt (Bangue-Bangue): Giovanna Mountain, agente nº 1 do Special
Security Service do governo americano. Bela e sensual repórter, impõe a lei no oeste entre
assassinos e ladrões de gado.
11) Oeste Beijo e Bala e Oeste Beijo e Bala – Série Vermelha (Bangue-Bangue): o
velho oeste com pólvora e sensualidade.
12) Oeste Brutal e Oeste Brutal – Série Magenta (Bangue-Bangue): um far-west
violento.
13) Oeste Carga Dupla – Série Amarela (Bangue-Bangue): um bangue-bangue
excepcional. Também como uma balada de incidentes perigosos no oeste.
179
14) Oeste Perigoso (Bangue-Bangue): violência, pólvora e heroísmo. Também como
emocionantes aventuras do velho oeste.
15) Oeste Pra Valer (Bangue-Bangue): um faroeste cheio de emoção do princípio ao
fim. Mercenários regiamente pagos trabalham ao amparo da justiça, usando a inteligência, os
punhos e os revólveres, no combate sem trégua aos fora-da-lei no velho oeste. Histórias
eletrizantes e violentas, bem ao gosto do leitor do gênero western.
16) Oeste Vermelho – Série Verde (Bangue-Bangue): um far-west mais pra frente.
17) Tiroteio (Bangue-Bangue): uma visão íntima dos cow-boys temerários.
18) ZZ7 (Espionagem): emoção do princípio ao fi m.
19) ZZ7 – Série Azul (Espionagem): Brigitte Montfort em ação.
20) E, para encerrar, a editora Cedibra apresenta a coleção O Coyote ("justiceiro")
como um heróico e indomável justiceiro.
Ressalto que as informações apresentadas foram retiradas das coleções. E esclareço
alguns engodos.
Na quarta-capa da coleção Tiroteio, título O dragão de ouro, constam as seguintes
informações: "As coleções Ases do Oeste e Astros do Gatilho [são] os únicos [bolsilivros]
exuberantemente ilustrados com belíssimas gravuras desenhadas pelos melhores artistas,
elaboradas especialmente para nossos leitores. Experimente o incomparável prazer de ler as
mais eletrizantes aventuras, repletas de ação, emoção e tensão nas doses certas". De fato essas
coleções apresentam ilustração no início de cada capítulo. As ilustrações são em preto e branco
e possuem dimensões variantes (3.7cm x 3.4cm; 4.3cm x 3.2cm). Essas ilustrações, porém,
não são exclusivas das coleções Ases do Oeste e Astros do Gatilho, fato verificável no
exemplar O dragão de ouro. As ilustrações também foram observadas nas coleções Oeste
Beijo e Bala, Reis do Gatilho, Oeste Vermelho, Lei do Revólver, Oeste Sensual, Feras do
Oeste e outras. Respectivamente, nos títulos: Amor selvagem, O pau comeu no Kansas, O filho
adotivo, Rurais do Texas, Pólvora e desejo e Trem da morte.
Sobre a ilustração interna, na página 61 do título O pau comeu no Kansas a ilustração é
a capa do título Punhos de aço (coleção Oeste Perigoso), a diferença é que na capa a ilustração
é colorida e na página interna do outro título usaram a imagem invertida e em preto e branco.
Essas ilustrações se repetem internamente. No título Rurais do Texas e no título Amor
selvagem, respectivamente nas páginas 63 e 75, a ilustração é a mesma; a única diferença
consiste na dimensão delas. A primeira é apresentada 2.7cm x 3.2cm e a segunda 3cm x
180
3.2cm. Ressalto que não observei os 101 títulos para ver quantas vezes esse recurso se repete,
creio que os casos apontados são suficientes.
O fato de a maioria das coleções tematizarem o "velho oeste" é significativo quando se
pensa na formação da identidade do consumidor brasileiro. Efetivamente essas histórias não
poderiam ser contextualizadas no Brasil, o que "justifica" a editora produzir somente histórias
situadas no oeste estadunidense. Situação que també m será "justificativa" para os pseudônimos
dos autores, como é o caso do brasileiro José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue.
A coleção K. O. Durban apresenta as aventuras de um (ex) espião de guerra, o herói
Keith Oliver Durban. O fato de essa coleção ser apresentada como "espionagem em Bossa-
Nova" talvez se justifique se o consumidor tiver conhecimento de o autor ser o português
Soveral. De qualquer forma, o exemplar a que tive acesso,
181
atenção do consumidor para dois outros exemplares publicados (O raio hidro (65) e Uma
brincadeira divertida (77)). Porém as histórias trazem aventuras diferentes nos demais títulos
lidos: A hora e a vez (182) e Golpe de Estado (250).
Mulher & Colt é outra coleção que possui heroína fixa. Giovanna Mountain figura nos
exemplares lidos como a justiceira de um território árido e tumultuado por bandidagem. Em
Desejo louco (2), Trindade diabólica (9), Ouro, bala e sangue (11) e Falência criminosa (17),
observei que a essa mulher foi "dado" o poder de resolver todas as ações criminosas que não
são resolvíveis pelos homens.
ZZ7 e Mulher & Colt são as duas coleções protagonizadas por mulher. No entanto essas
mulheres, apesar de desejadíssimas por todos os homens, são possuidoras de um amor único.
Independente de serem bajuladas por outros homens, são fiéis aos seus respectivos amados. O
inverso, por exemplo, é notado na coleção K. O. Durban. Nela, o protagonista Keith não só
possui uma noiva para cada dia da semana (úteis), como não dispensa a oportunidade de um
envolvimento sexual. No caso dele a "fidelidade" é a de voltar para as suas noivas.
Outro aspecto observado: a coleção Lei do Revólver, a coleção Chumbo Mortal e a
coleção Reis do Gatilho, defendem a mesma tematização (bangue-bangue). De fato todas são.
Porém, ao observar os respectivos títulos: O rodeio que não houve, Cidade dos diabos e O pau
comeu no Kansas, todos de autoria atribuída a Tadeu Romano e, sem especificação de
tradutores, deparei com a repetição de diversas personagens. Tadeu Romano aproveita a
caracterização de 5 ou 6 personagens e as usas em todas as três histórias. Não se trata então de
5 ou 6 personagens protagonizarem, repetidamente, os diversos títulos de uma coleção (como é
o caso em ZZ7, Mulher & Colt e O Coyote), mas de o autor repetir em coleções diferentes
histórias com as mesmas personagens. Esse fato remete a informação de Propp sobre os
contos, para ele "[o]s contos têm uma particularidade: as partes constitutivas de um conto
podem ser transportadas sem nenhuma mudança para outro conto" (1983: 43).
Postos esses apontamentos sobre as coleções, que não são os únicos possíveis mas os
que me pareceram mais relevantes, apresento a periodicidade [significativa] dessas
publicações. Vejamos.
Quinzenalmente o consumidor tem as seguintes coleções a disposição no mercado: F.
B. I. e Z. Z. 7.
De 20 / 20 dias tem a coleção H.H.
Mensalmente as opções são maiores: Chumbo Grosso, Chumbo Mortal, Chumbo
Quente, Mulher & Colt, Oeste Barra Pesada, Oeste Beijo e Bala, Oeste Brutal, Oeste Carga
182
Dupla, Oeste Perigoso, Oeste Pra Valer, Oeste Proibido, Oeste Vermelho, Oeste Vermelho,
Oeste Violento, Roleta da Vida e Tiroteio.
Como as coleções não especificam a tiragem, informo apenas que existe uma
regularidade de compra e troca observada nos sebos de Maringá. Essa periodicidade, porém, é
inferior à circulação do romance de mocinha nos mesmos sebos.
Quanto aos autores
45
das coleções de romance de mocinho informo apenas os
responsáveis pelos 101 títulos da amostragem. Trata-se de um número pequeno se comparado
aos autores de romances de mocinha apresent ados, mas equivalente se comparado aos autores
dos romances de mocinha que constituem a amostragem.
Estudar esses autores me parece trabalho desnecessário; afinal, eles são tão ficcionais
quanto os textos por eles apresentados. Essa lista, que parece "irrisória" se comparada as listas
das autoras dos romances de mocinha, ganha dimensão quando se considera os 39
pseudônimos
46
de José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue, um mé dico brasileiro que se consagrou
como autor de romance de mocinho.
Esse autor, figura, desde 1993, no International Guinness Book of Records, após provar
que publicou mais títulos que o espanhol Marcial Lafuente Estefania, até então recordista
mundial com 752 títulos. José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue, escritor de mais de 1.000 títulos,
sendo, na maioria deles, para coleções de estórias de faroeste, guerra, policial, espionagem,
amor e ficção científica, é responsável pelos pocketbooks publicados no Brasil pela editora
Monterrey e outras do gênero. Os 39 pseudônimos de Ryoki Inoue, exigência da editora assim
como os nomes das personagens e contextualização histórica, o fez conhecido pela quantidade
de produção e não há informações sobre o fato de ele possuir outros autores produzindo para
ele; afinal, se ele mesmo produz com outros nomes, parece desnecessário atribuir produções de
outros para si, mesmo porque, de acordo com a publicidade de Inoue, este chegou a produzir
três romances em um dia. Considerando que os romances possuem um número de páginas
45
Os 101 exemplares represen tam 59 autores, são eles: Albert Westsid e, Anthony Reys, Anthony W . Raver,
Barbara Bially, Bill Purse, Charles Castle, Charles Petit, Clark Carrados, Clay Duncan, Curtis Garland, D.
Ortusol, Dennis West, Donald Curtis, Fel Marty, Frank King, Frankie Spokane, Fred W illiamson, Gim West,
Glenn Perrish, Gordon Lumas, Graham Carson, Greg Lee, Henry Keystone, James Monroe, Joe Jinjoe, José
Mallorqui, Keith Luger, Keith Oliver Durban, Kent Davis, Kent Wilson, L. C. Carr, Leo Mason, Lilly Tillbit,
Lou Carrigan, Lou Garrigan , Louis G. Milk, Louis Rock, Luck y Marty, M. Saavdrovitch, Marcial Lafuente
Estefania, Mark A. Luke, Mccarthy, Michael O'clement, Morgan Franks, Mortimer Cody, O'brien, Penty Addo,
Peter Danger, Peter Kapra, René Martin, Robson Racnac, Ros M.Talbot, Scott Willia mson, Silver Kane, Sol
Harrison, Steve Mackenzie, T. Comby, Tadeu Romano e Tony Carson.
46
Alguns dos pseudônimos: A. Gapplace, Bill Purse, Dashiel Remington, Georges Fletcher, J. Nipplelicker, Jack
Holemeater, James Monroe, Jeff Taylor, Stepham McSucker, Steve Breeder, W. McDonald, W. Severson, W.
Sweetstick, etc. Não há problema algum no uso d e pseudônimo, melhor Pablo Neruda que Neftalí Ricardo Reyes
Basoalto. Mas, no caso, a exigência do pseudônimo é também a ausência de identidad e do autor, e não só u m
nome "artístico". É o engodo ao leitor que cria um outro e não o brasileiro como autor.
183
delimitado pela editora, e sendo Inoue de grande agilidade para escrever, não chega a ser um
acontecimento incomum.
Ao que parece, se a editora (Monterrey) encontra a falência, o autor pode sobreviver a
ela. Pelo menos é o caso do autor de Tudo pela Bélgica, o senhor Bill Purse ou senhor James
Monroe, em Encontro com a morte, ambos pseudônimos do mé dico-autor [Ryoki Inoue].
Diante de tantos pseudônimos, o brasileiro não deixou de escrever, também participou do
lançamento do livro Saga, pela editora Globo, no último 3 de outubro. A presença do romance
de Ryoki Inoue em lançamento, na Livraria da Vila, possibilita afirmar que os trâmites
percorridos pelo autor deram a ele lugar ao sol.
Hoje, Ryoki Inoue, é autor de contos, crônicas, ensaios, policiais, político-policiais,
pulp fiction [romance de mocinho], relatos e romances. Cito alguns dos romances seguido pela
editora e o número de páginas: Pastora de homens pela GKR, 194 páginas; Magia cigana pela
Ateniense, 182 páginas; Herança maldita pela Carthago & Forte, 304 páginas; Do Mago ao
louco pela Hemus, 148 páginas, O nome não importa pela editora Bridge, 220 páginas e, A
bruxa pela Maltese, 278 páginas. A diversidade na publicação se dá, de acordo com o autor,
por ser ele prolífico e por essa razão necessitar de tantas editoras à sua disposição.
O objetivo desta pesquisa não é verificar o valor estético da produção de José Carlos
Ryoki de Alpoim Inoue, mas sim afirmar que os circuitos de circulação de livros, de alguma
maneira, permitem mudanças na comercialização. Ryoki Inoue, ao ser inserido na livraria, tem
público diferenciado do público que freqüenta as bancas de jornal. Nesse sentido, muda-se a
comercialização, muda-se, para somar ou para excluir o leitor. O leitor da banca de jornal nem
sempre vai à livraria, ainda mais que muitas livrarias hoje estão semelhantes a lojas de
conveniências e então o leitor se "perde" entre discografia, filmografia, estantes de livros, café
e acesso à internete. Porém, o leitor de José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue, se consultar a
internete, saberá a razão de o autor usar 39 pseudônimos para assinar as histórias publicadas
pela editora Monterrey. Segundo ele, trata-se de determinação da editora, assim como a
escolha dos nomes das personagens e tipos de história também recebem orientação, para não
dizer determinação, da editora. Ryoki Inoue, hoje, assina o texto que escreve; antes, quem
vendia era a etiqueta dada pela editora Monterrey, não o autor das narrativas.
Conterrâneo de Marcial Lafuente Estefania, circula pela internete que Lou Garrigan, é
pseudônimo de Antonio Vera Ramírez
47
. Lou Garrigan é, também, autor da coleção ZZ7 que
traz a espiã Brigitte Montfort, conhecida como Baby, e colaborador de outras 120 coleções do
47
Conforme sítio: http://www.lou carrigan.com/ . Acesso em 20-8-2006.
184
gênero, sendo mais de quatrocentos e cinqüenta títulos com a personagem Brigitte Montfort
[coleção ZZ7] e outras centenas que tratam de temas como guerra, espionagem, policial,
aventuras, oeste e etc.
Outro autor que tem merecido créditos de autoria de romances de mocinho é o falecido
radialista português Hélio Soveral
48
, radicado no Brasil e naturalizado cidadão carioca em
dezembro de 1985, autor de 18 radionovelas da Rádio Nacional. Soveral é apontado como o
autor das aventuras de K. O. Durban
49
.
Creio ter apresentado um panorama propenso a outras investigações quando trato das
características, coleções e autores; faço então uma abordagem dos 8 títulos que compõem o
corpus
50
e são representativos de 8 coleções.
Por ser o romance de mocinho menos estudado que o romance de mocinha, antes dos
resumos-montagem, faço algumas considerações observadas na amostragem.
Algumas coleções (ZZ7, O Coyote e Mulher & Colt), ao apresentarem os me smos
protagonistas em todos os números publicados, somam, para o consumidor, um repertório de
informações sobre as personagens e nem sempre retomam suas descrições físicas ou
comportamentais. Ao adquirir um exemplar dessas coleções que mantém o protagonista em
diferentes histórias (pode ser comparado as novelas de cavalaria) o consumidor não é
claramente forçado a adquirir os exemplares seguintes; ou seja, uma história não está amarrada
a outra textualmente. Ao adquirir o exemplar número 30 não é necessário ter o 31 para dar
seqüência as ações antes desenvolvidas. No entanto, existe um outro meio de sedução. Na
narrativa 31 o autor insere algum aspecto, por exemplo, da narrativa 7 e aí, em not a de rodapé,
tem-se o esclarecimento direcionando o consumidor a procurar o episódio referido. Assim,
quanto mais histórias o consumidor tiver lido, melhor entenderá os próximos, isso porque essas
leituras ficam como lastros para o repertório daquele que segue as aventuras de uma
personagem que se repete em tantos números.
Quanto a estrutura do enredo existem algumas razões básicas:
48
Conforme síti o: http://paginas.terra.com.br/lazer/sintonia/personah.htm. Escritor e radialista, nascido na cidade
de Setúbal / PT, cujo nome completo é Hélio do Soveral Rodrigues de Oliveira Trigo. Chegou ainda jovem ao
Brasil e em 1936, após vencer um concurso de contos na revista "Carioca", foi contratado. Trabalhou em seguida
na Rádio Tupi, atuou em SP e voltou ao Rio em 1943 contratado pela Rádio Nacional. Em 1945 foi para a Rádio
Mauá, onde criou o Teatro experimental do trabalhador. Foi produtor do Programa "César de Alencar" na
Nacional. Foi também redator dos programas de Haroldo de Andrade nas Tvs Tupi, Globo e na Rádio Globo.
Acesso em 20-8-2006.
49
Alguns títulos: Traição no Vietnam (I e II), Desencontro em Moscou (I e II), Crime no teto do mundo (I e II), O
segredo dos ufos (I e II), Pânico em Berlim (I e II) e outros.
50
O corpus de romance de mocinho é composto dos seguintes romances: Golpe de Estado, A caminho da forca,
Covil do chacal, O seqüestro, Fios de esperança, Tudo pela Bélgica, Desejo louco e Vidas truncadas.
185
I) O mocinho persegue um criminoso em busca da recompensa; ao consegui-la vai
embora sem envolver-se com ninguém;
II) O mocinho é caçador de recompensa, mas ao encontrar um Amor, recebe
indulto e passa a viver em harmonia no vilarejo, sendo sempre respeitado pelo
seu passado;
III) O mocinho tornou-se caçador de recompensas (não se trata de assassinos, mas
sim de matadores de assassinos) porque teve uma desilusão amorosa e, ao
abandonar o passado, descobre que é necessário ter uma profissão e sem querer,
ele mata uma pessoa para se defender e passa a ser caçado, razão para ele ter
que sair da condição de caça e passar a caçador;
IV) A mocinha também protagoniza situações de perseguição para defender a honra
de sua família que foi dizimada;
V) Um forasteiro e jogador profissional (pôquer, baralho e etc) perambula pelo
Oeste até encontrar uma jovem e por ela se apaixonar, vindo a comprar um
rancho e casar;
VI) Índios costumam figurar em alguns exemplares, mas, ainda quando não são
apontados como "selvagens", suas culturas são preteridas pela cultura do
branco; esse será o "salvador" dos índios;
VII) e outras mais.
Os mocinhos são sempre altos, fortes, com alguma cicatriz que demonstra honradez e
coragem. "[...] Devia ter cerca de trinta anos, aspecto viril, cabelos castanhos claros e olhos
cinzentos. Media, pelo menos, um metro e noventa e seus braços eram fortes, musculosos,
assim como o tórax amplo [...]" (Dólares por um corpo, 1979: 8). A aparência é sempre
sedutora, máscula, ainda que marcada pelo sol escaldante e a vida difícil. Normal mente
possuem entre 20 e 39 anos, são solteiros (o único casado é o protagonista da coleção O
Coyote) e podem vir a casar ao termino da "missão". São os responsáveis pelo cumprimento da
Lei ainda quando não são a Lei (xerifes). Exímios atiradores, quase sempre usam dois
revólveres.
Existe uma tentativa de classificar a posição do cinturão como denunciadora da
condição do forasteiro:
186
— Caryl tem razão... Basta ver como é que ele está carregando os
revólveres! Ele os traz na cintura co m as coronhas viradas para a frente. Ora!
Todos nós sabemos que um saque cruzado é muito mais lento e ineficiente do
que o saque direto! (Encontro com a morte, 1990: 54-55)
Olhou para os Colts do rapaz.
Estavam colocados muito alto na cintura com a s coronhas voltadas
para a frente.
Com os revólveres naquela posição, seria impossível sacar em u m
saque cruzado, o famoso e ineficiente [?] cross sack.
[...]
Mike [o mocinho] não sacaria em u m cross sack... Não...
[...]
Mike sacaria usando o terrível, o dificílimo e eficientíssimo tipo de
saque que apenas os pistoleiros mais afamados usava m: o srew sack, ou saque
em parafuso!
Nessa modalidade de sacar as armas, o atirador levava as mãos as
coronhas dos revólveres com a palma voltada para fora, os polegares para trás
e os mínimos para a frente. A mão direita ia ao revólver da direita e a
esquerda ao da esquerda, sem a necessidade de se cruzar os braços à frente do
peito.
Um saque muito mais do que veloz...
E extremamente preciso! (Encontro com a morte, 1990: 68-69).
O uso do revólver é variável de exemplar para exemplar. Em um o uso de dois
revólveres pode significar a eficácia daquele que o usa, em outros o fato de usar apenas um
revólver demonstra que o atirador é mais eficiente que qualquer um que use dois revólveres. O
uso de arma branca demonstra a coragem do pistoleiro, mas apenas em um exemplar o
forasteiro não sabia atirar e usava a faca com eficiência. A faca pode ser usada por índios ou
como arma secundária em todos os outros casos.
Quanto as personagens femininas muitas são capacitadissimas no uso de armas: "—
Norma é o melhor vaqueiro do Rancho Shannon. Atira com as duas mãos e monta a cavalo
melhor que o mais antigo de seus homens. Dizem que não tem coração e age como homem [...]
ela o demitiu [Allan Dewey] marcando-lhe o rosto com um chicote" (Sede de sangue, 2004:
28).
A beleza da mulher é pontuada de diferentes maneiras: "[...] Tornou a olhar para ela
[Gertrudes], observando-a da cabeça aos pés. Achou-a bonita, sem efeites nem falsificações"
(Um pecado atual, s/d: 30). E a descrição quanto aos sinais emitidos por elas diante de um
homem que a elas interesse recebe colorações de arroubos carnais: "Ela me olhou e notei que
seus seios, firmes e eretos sob o uniforme branco, tremiam como palmeiras agitadas pela brisa
do entardecer" (Fui capitão do African Korps, s/d: 39).
187
Os sonhos e os padrões de comportamento para uma mulher também são apontados:
[...] A garota alimentara durante anos o sonho de um príncipe
encantado, de um homem especial que correspondesse a suas aspirações de
adolescente. Esse homem nunca apareceu em Grangeville e Margareth acabou
conformando-se com um destino igual ao de tantas outras jovens que casavam
com vaqueiros todos iguais, com as mesmas ambições, os mesmos sonhos, os
mesmos projetos.
[...]
A garota [...] aprendera com a mãe que o papel da mulher é submisso,
de aceitação ao que o destino e o marido determinam para ela. Rebelara-se
contra isso na adolescência, mas acabara aceitando resignadamente, perante a
impossibilidade de modificar as coisas (Herança amarga, 1980: 8-9).
Margareth terá por esposo um bom homem e ele será assassinado logo após dizer o
"sim" para o reverendo, antes de saírem da festa. No entanto, o 'detetive' responsável pela
investigação da morte do marido de Margareth correspondera ao príncipe encantado que ela
tanto sonhou na adolescência; assim: "[p]ara trás ficava um passado sem horizontes, semeado
de violências e dor. Pela frente abria-se todo um futuro brilhante, com suas incertezas e
dificuldades, mas consciente, apoiado nos sentimentos sinceros dos dois jovens" (1980: 125).
As narrativas costumam ter início com a chegada dos forasteiros (homens ou mulheres)
em algum vilarejo. Os moradores do lugar, em forma de agradecimento pelas "ações de
saneamento" feitas pelo "forasteiro", o convidam para ficar; já as forasteiras terminam o
serviço e vão embora (Baby e Giovanna) ou ficam no vilarejo e se casam.
Em Jenny mata-homens (1987), no segundo capítulo, chega a forasteira (Jenny) para
falar com o xerife. Ela possui uma lista de pistoleiros e os persegue até matá-los, em busca da
recompensa que doa a um orfanato. Ao falar com o xerife, ela o informa que no distrito de
responsabilidade dele há nove homens procurados no Arizona, Novo México e Arkansas e
pergunta o que ele fará. O xerife diz que eles não são procurados no Texas e que nada poderá
fazer. Jenny indaga se Malcom Farragut reside na região [este é pai da noiva do xerife] e
informa o xerife que está caçando homens para matá-los. Farragut violentara Jenner uns dez
anos antes e agora ela está preparada para vingar a morte de sua família e os abusos que sofreu.
Após cumprir sua tarefa, ela recebe ajuda do xerife que troca Elaine Farragut por Jenny, aceita
o pedido do xerife Clinton para ficar com ele.
Repetitiva nos exemplares estudados é a ausência da família do mocinho. Ele pode tê-la
perdido em algum assassinato e como único sobrevivente resolveu eliminar todos os que
dizimaram os seus. A família também pode ser completamente ignorada. Vejamos um caso:
188
"[...] Fui abandonado em uma missão franciscana dessa cidade. Nunca se soube quem eram
meus pais. Fui batizado como Juan Santa Fé, e um velho caçador chamado Yako foi meu
padrinho "(Condenado a viver: 1997: 20-21).
Também pode acontecer de o pai do herói falecer no início da narrativa, mas é mais
comum a família ter sido dizimada por algum pistoleiro e, assim, o "herói" está prestes a
recuperar a honra dos mortos.
São raros os casos de o mocinho ser atingido e correr risco de vida, mas acontece. Um
único "mocinho" foi morto em todos os 101 exemplares. Em Mulher fatal (1995), um
policial/investigador responsável pela prisão de uma belíssima chefe do crime organizado se
apaixona por ela e, na tentativa de salvá-la, é confudido com um bandido e tem sua vida
liquidada. A jovem, porém, vai presa.
Uma outra questão bastante marcada nas narrativas é a leitura. Alguns autores são
citados, tais como Victor Hugo, Willian Shaskepeare, mas nenhum autor brasileiro. E as
histórias também possuem personagens que estudam: "escolheu um livro na biblioteca,
pensando que no dia seguinte desfaria suas malas e apanharia cadernos e livros que trouxera
para trabalhar em sua tese" (Os eleitos da morte, 1995: 12).
Um último exemplo. O exemplar Estranha aventura (1994) apresenta três histórias com
o mesmo narrador, essas remetem a contos policiais, não podem ser "classificadas" como
romances.
Após esse panorama ancorado na amostragem, vejamos na tessitura do resumo-
montagem como são os exemplares que compõem o corpus.
189
3.4.1 Resumo-montagem do corpus
É preciso sem dúvida aproximar dessa literatura as
"emoções de cadafalso" onde se defrontavam
através do corpo supliciado o poder que condenava
e o povo que era testemunha, participante, a vítima
eventual e "eminente" daquela execução (Michel
Foucault).
A descrição e análise seguem o percurso adotado no item 3.3.1; procuro com os
resumos-montagem focalizar aspectos da escrita dos romances, por isso a inserção de
fragmentos dos textos e não apenas um resumo dos textos estudados.
O seqüestro é a trigésima segunda história da coleção O Coyote
51
. O exemplar O
seqüestro apresenta o título do próximo lançamento: Quando o Coyote avisa. E também os
títulos anteriores: O vingador (1), A lei das balas (2), Entrevista com a morte (3), O vale
maldito (4), A marca do Coyote (5), Terra inimiga (6), O falso Coyote (7), Sentença dupla (8),
Serra do ouro (9), O extermínio da caveira (10), A justiça do Coyote (11), A vitória do Coyote
(12), O filho do Coyote (13), A primeira aventura do Coyote (14), A marca do 'Cobra' (15),
Outra luta (16), O final da luta (17), O diadema das oito estrelas (18), O segredo da diligência
(19), A mão do Coyote (20), Por trás da máscara do Coyote (21), El diablo em Los Angeles
(22), A esposa de Don César (23), A fazenda trágica (24), Os jarrões do vice-rei (25), A
serviço do Coyote (26), O preço do Coyote (27), A lei dos vigilantes (28), Toda uma senhora
(29), O segredo de Maise Syer (30) e Velha Califórnia (31).
Antes de expor O seqüestro é necessário alguns esclarecimentos. O ato de informar os
títulos já publicados pela coleção que antecedem o título que será analisado na seqüência
explícita a participação do leitor na construção do sentido ao efetuar a leitura do exemplar
adquirido. Mas, a razão também é mostrar que a editora Cedibra, responsável pela publicação
do exemplar O seqüestro (1973), no ano de 1980 disponibiliza a segunda edição de O diadema
das oito estrelas com impressão em papel jornal e formato 15cmx10cm. O exemplar que na
51
Em novembro de 2003 constava na página on-line da editora Monterrey a seguinte informação: "A fundação da
editora Monterrey aconteceu em 1956 e a série de livros que inaugurou sua estréia no mercado foi in titulado O
Coyote. Com este lançamento nasceu o processo de publicação de livros de bolso (pocketbook, em inglês) no
Brasil, ou seja, livros em formato compacto, geralmente de dimensão 10cmx15m. Essa obra, que tratava de narrar
as aventuras de um herói lendário na época da colonização da Califórnia, chegou a contar duzentos números
publicados com a coleção completa a alcançar a cifra de quatro milhões de volumes vendidos. O sucesso
obtido por O Coyote fez com que esse mesmo personagem, todavia com no me diferente, fosse levado para as
telas de cinema de todo o mundo, representado por outro famoso herói de capa e espada O Zorro. Ambos foram
traduzidos para diversas línguas" (destaque acrescentado).
190
exposição acima foi o décimo oitavo título publicado, nesta reedição é o quinto título. Já o
sétimo título anteriormente apresentado pela Cedibra, O falso Coyote, já fora publicado em
1971 pela editora Bruguera com tradução cedida pela editora Monterrey.
Essas informações permitem afirmar que três editoras publicaram a coleção O Coyote:
Monterrey, Bruguera e Cedibra. Considerando que a editora Monterrey alegou que a coleção
recebeu 200 títulos e que esses alcançaram quatro milhões de exemplares vendidos é natural
outras editoras publicarem reedições dos títulos. Porém, não posso desconsiderar a informação
do Copyright presente nos três exemplares estudados. O título O seqüestro tem no Copyright o
ano 1968, O falso Coyote apresenta Copyright de 1971 e O diadema das oito estrelas também
tem Copyright no ano de 1971. Se desde 1956 a Monterrey publica a coleção e essa chegou a
ter duzentos títulos, possivelmente a ordem de títulos publicados pela editora Cedibra é a
ordem dos títulos adquiridos por ela, o que não quer dizer que sejam títulos seqüenciais.
A escolha de O seqüestro para a análise deu-se em razão de os outros títulos lidos
permitirem melhor entendimento da narrativa; isso porque a leitura de O falso Coyote e O
diadema das oito estrelas possibilitam melhor entendimento da construção das personagens e
suas ações. Por exemplo, em O falso Coyote tem-se acesso ao início da amizade de Ricardo
Yasares e Don César. Aquele, parecidíssimo com Don César, por isso passou por o Coyote em
algumas ações, a fim de proteger a identidade de Don César. Aliás, Don César é grafado Dom
César em O diadema das oito estrelas. Após essas informações, vamos ao exemplar O
seqüestro.
191
Figura 10 – O seqüestro
O seqüestro (1968-1973), impressão: papel jornal, formato 17cmx10.5cm [traduzido],
país de origem: não especificado, 128 páginas.
A narrativa de José Mallorqui tem início com um grupo de homens de negócios
interessados em explorar uma mina em uma região ocupada por agricultores; essa região, para
ser explorada, requer a construção de uma estrada de ferro e esta dimi nui os possíveis lucros da
exploração da mina. O grupo, interessado em liquidar as possibilidades de os agricultores
permanecerem na região aurífera, teme a presença de um homem: o Coyote. Este, se procurado
192
pelos agricultores, inviabilizaria a tomada da região; para tirar o Coyote de circulação o grupo
engendra o seqüestro da filha recém-nascida de Don César de Echagüe, homem de poder e que
requisitará os serviços do Coyote para recuperar a filha. O grupo espera com o seqüestro atrair
o Coyote e matá-lo. O Coyote, porém, é o próprio Don César. Este buscará não só descobrir o
paradeiro da filha mas também garantir a segurança dos agricultores da região.
Depois de todos os preparativos efetuados pelo grupo interessado na mina, tem-se o
seqüestro da criança e o início da ação de Don César:
'A Don César de Echagüe:
'Levamos o seu filho, bem como a enfermeira para cuidar dele. Por aí já pode
ver que nada lhe faltará, que a sua integridade não correrá o menor perigo.
Um dia destes receberá a visita de um mensageiro n osso. Ele lhe explicará
sob que condições lhe restituiremos a criança.
'Entrementes, não diga uma só palavra disto a ninguém. Abstenha-se de
solicitar qualquer auxílio, pois com isso só conseguiria prejudicar o seu filho.
Não fale com o Sr. Mateos. Nossas exigências não serão muito onerosas, mas
se nos virmos em apertos, por culpa sua, o senhor teria que pagar as
conseqüências, ou seja, não tornar a ver seu filho' (O seqüestro, 1973: 46).
Teodomiro Mateos, chefe da polícia, o homem que não deveria ser comunicado, estava
presente quando a carta foi entregue a Don César; Teodomiro Mateos, no entanto, não tem
conhecimento da identidade secreta de Don César. O primeiro a suspeitar que o rapto pode ter
alguma coisa com o Coyote é Ricardo Yasares, amigo de Don César e conhecedor da
identidade justiceira.
— Não lhe parece que esse rapto poderia ter alguma relação com o
Coyote? — perguntou de súbito Yasares, em voz baixa.
Don César levantou a cabeça, surpreso.
— Não tinha pensado nessa possibilidade — confessou. — Talvez...
Mas não... por que havia de ter? Logo se vê que foi um golpe planejado com
bastante antecipação... Os seqüestradores tomaram todas as suas medidas co m
qualquer auxílio, pois com isso só consegui- (sic) tempo suficiente... Repare
que, quando escreveram a carta, ainda não sabiam se nasceria um menino ou
uma menina. Quando se referem à criança é sem precisar o sexo... dizem "a
criança é sem precisar o sexo (sic)... dizem "a criança" ou "seu filho"...
Ademais, foi escrita à tinta. No quarto não havia pena nem tinteiro. E a tinta
da carta já estava seca (O seqüestro, 1973: 49).
O fragmento demonstra duas situações importantes: 1) a linguagem em si e, 2) a
referência temporal marcada pelo uso da pena e do tinteiro. A inserção do primeiro sic ocorre
para marcar que a frase ficou incompleta e o segundo para marcar a repetição do período. Um
outro elemento que permite situar a história narrada é a inserção do telégrafo: "Mateos
193
encarregou-se de telegrafar para São Francisco" (1973: 51). Ou seja, algumas marcas históricas
dão a entender que a história remete a meados do século XVIII, mas nesse exemplar não há
datas explícitas.
A narrativa prossegue quando Gordon Laforey, um dos homens do grupo que
efetuaram o seqüestro de Leonor, visita Don César para negociar a devolução da menina.
Ardiloso e protegido pela adoção de um menino que teve a mãe morta no parto, Don César
informa ao negociador que de fato a filha lhe fora roubada, mas que o Coyote já a encontrara e
devolvera, levando o negociador a pensar que o Coyote enganara Don César ao dar a ele uma
criança que ainda estava com os seqüestradores. Com essa atitude Don César confunde Gordon
Laforey, confusão reforçada pelo choro do bebê adotado.
Com a tranqüilidade de Don César, Laforey fica convencido de o Coyote já ter agido e
que resta a ele provar que o Coyote mentira para Don César. Ao se retirar da fazenda com
destino ao esconderijo, Laforey é seguido por Evélio Lugones, famoso por trabalhar para o
Coyote. Lugones, reconhecido por um dos bandidos que vigia o local do refúgio de Leonor,
está bastante ferido, mas sua presença significa a um dos bandidos protetor do cativeiro que o
Coyote está envolvido na solução do seqüestro:
— É que... dizem em Los Ângeles que... que os Lugones estão a
serviço do Coyote, e...
— E o que? — gritou Sealey.
— E nós não queremos saber de nada contra o Coyote! — declarou o
bandido. — Se ele anda metido neste negócio, nós caímos fora! Não é?
Pedia a concordância do companheiro, que sacudiu a cabeça com
energia, dizendo:
— Claro! O Coyote é um veneno para quem o enfrenta. Se nos
tivessem dito que era a ele que pretendiam caçar... nós nunca teríamos vindo,
por dinheiro nenhum! Vamo s embora agora mesmo!
Sem esperar o consentimento dos seus chefes, os dois homens
correram para a porta, escapando. Sealey quis puxar do revólver, mas Gordon
o impediu.
— Não co meta loucuras! — gritou. — Seria inútil. Deixe que se
vão. Já aconteceram muitas coisas ruins (O seqüestro, 1973: 66-67).
Laforey relata a Sealey a informação sobre o fato de Don César acreditar ter a filha de
volta e os dois bandidos fogem por conta da fama de justiceiro implacável do Coyote.
Enquanto isso, Lupita (Guadalupe), a esposa de Don César, tem nos braços um filho adotado
sem saber do seqüestro da filha. Lupita, no entanto, tem suas ações de mãe tosadas pelas
pessoas da casa para que não perceba a troca dos bebês.
194
Don César enfim entra em ação como Coyote. Ao tomar conhecimento da ausência de
Evélio Lugones segue as pistas por ele deixadas e chega ao local do esconderijo, a casa da Sra.
Bowden, parteira que foi substituída pela enfermeira que roubou a criança. Na casa, Evélio está
muito mal e é cuidado pela Sra. Bowden; está dá ao Coyote a direção tomada pelo grupo [São
Francisco] de seqüestradores e também informa terem eles falado na mina em Pedras
Vermelhas. Na manhã seguinte Don César avisa o chefe de polícia que vai a São Francisco
buscar o filho mais velho por recear que também ele sofra algum atentado. Com isso Don
César protege a identidade do Coyote e ao mesmo tempo pode agir sem despertar curiosidades
para o fato de os dois estarem na mesma cidade. Ou seja, de serem a mesma pessoa. Como um
clérigo Don César chega a São Francisco; ninguém poderá suspeitar dele, dirá associar Don
César ao Coyote.
Edmund Corbyn e Gordon Laforey estão em São Francisco e discutem compra e venda
de algumas ações do Sindicato Mineiro após as complicações do seqüestro de Leonor. Gordon
ainda crê que o Coyote irá procurá-lo, Corbyn está interessado nas ações do Sindicato e
consegue que Laforey combine a venda para o dia seguinte. Enquanto Corbyn faz plano
contando com a morte de Laforey, o Coyote se faz visível.
— Fica emocionado ao pensar nos seu filhos, Sr. Corbyn?
O financista virou-se, vendo-se diante do intruso. Um homem trajado
à mexicana, com o rosto oculto por uma máscara de seda negr a. Uma capa,
igualmente negra, pendia do seu braço esquerdo.
— Quem é o senhor? — perguntou Corbyn, embora mais do que
certo quanto à identidade do visitante.
— Entrei pela janela — esclareceu o mascarado. — Suponho que isso
seja o que mais lhe interessa saber, não?
— O senhor é o Coyote?
— Em pessoa, Sr. Corbyn. Agora que já sabe quem sou, podemos
conversar. Vejo-o muito embevecido na contemplação da fotografia desses
meninos. São seus filhos, não?
[...]
— E para isso raptaram uma criança recém-nascida? — perguntou o
Coyote.
— Pelo que Laforey me disse, Don César se sub metia a tudo para
resgatar a filha. E o preço seria a sua colaboração numa emboscada na qual o
senhor fatalmente cairia.
— E depois?
— Uma vez eliminado o Coyote, poderiam atacar o s camponeses, os
quais, por si sós, não representariam nenhum perigo (O seqüestro, 1973: 87-
90).
195
Após conseguir outras informações, sem sequer fazer uso de ameaça física, o Coyote se
despede de Corbyn/Redmill informando a ele que pague o valor das ações em espécie. Quando
Corbyn/Redmill e Laforey encontram-se no dia seguinte, este tem a sensação de ser seguido.
Entrando em casa, finalmente, fechou a porta à chave. [...] Se o
Coyote chegasse a atacá-lo ali, ele se veria numa situação das mais críticas.
A lembrança do famoso e temido mascarado não desaparecia da
mente. Havia um prêmio substancioso para quem o capturasse e entregasse à
justiça, vivo ou morto. E além dessa recompensa
52
, de uns trinta e cinco mil
dólares, havia outra vantagem: a de que, uma vez morto o Coyote, já não
existiriam entraves, praticamente, para que pudessem levar a termo não só o
negócio de Pedras Vermelhas como muitos outros.
[...]
Estava a ponto de virar-se quando ouviu dizer:
— Olá Sr, Laforey... Suponho que a minha visita lhe seja sumamente
desagradável, não?
Encarando o mascarado, Laforey conseguiu replicar com forçada
serenidade:
— O senhor é o Coyote?
— Sim. Como vê, finalmente nos encontramos... Tivemos que
percorrer um longo caminho, mas já estamos frente a frente (O seqüestro,
1973: 94-95 – destaque acrescentado).
Certamente a recompensa não será creditada na conta de Laforey. Por sinal, a visita a
ele exigiu do Coyote outros métodos de diálogos; foi necessário que o Coyote o atingisse na
orelha [marca deixado pelo Coyote] levando-o a perder parte dela, para que entregasse ao
Coyote o valor pago por Corbyn/Redmill e ainda informasse o paradeiro da filha de Don
César. De posse da informação e do valor pago pelas ações, o Coyote se retira em direção ao
esconderijo, no caminho percebe a presença de um pombo correio indo a direção do
esconderijo.
A chegada do pombo ao local revela aos seqüestradores que o Coyote está a caminho e
esses se preparam para recebê-lo. Sealey, Ickes e Osman, ao verem o cavaleiro que se
aproxima, reconhecem o chapéu me xicano e disparam contra o ginete. Ao se aproximarem do
corpo notam que o ginete usa uma mordaça e que está amarrado, notam ainda s er o ginete
morto o chefe deles. Quando Sealey percebe a emboscada preparada pelo Coyote trata de ir até
o local onde trancara Leonor e a enfermeira, é preciso deter o Coyote. Protegido pela menina
Sealey tenta fugir do local com Leonor como refé m, situação que deixa o Coyote angustiado.
52
Na história narrada em O falso Coyote (1971) tem-se outro valor para a recompensa: "O Coyote piscou esporas,
fazendo o cavalo girar nas patas traseiras, e partiu a galope, sem que ninguém em Palmdale fizesse um único
movimento com o intuito de ganhar o prêmio de dez mil dólares, oferecido a quem o entregasse às autoridades,
morto ou vivo" (1971: 34 – destaque acrescentado).
196
As ações de Sealey são percebidas pela enfermeira Emily Brown, esta, num átimo de
bondade e expiação, aproveita um descuido de Sealey e toma dele a menina. Essa ação dá
oportunidade ao Coyote para agir:
Quando se lançou contra Sealey, arrancando-lhe a menina dos braços,
foi na certeza de que o bandido ia matá-la. Por isso, assim que apanhou a
assustada criaturinha, virou-se de costas, para protegê-la com o próprio corpo,
e ao mesmo tempo apertou-lhe a cabecinha ao peito com a mão direita,
alimentando a esperança de assim protegê-la do golpe, quando ambas fossem
ao chão.
[...]
David Sealey, ao sentir que lhe arrebatavam a criança, ficara
momentaneamente desconcertado. Logo, quisera alvejar a mulher, mas o
movimento brusco do Coyote ao levantar-se mostrara-lhe onde estava o maior
perigo.
Então disparou visando o adversário, mas sem tempo para fazer
pontaria, e falhou no tiro. Quando quis repeti-lo, com mais cuidado, já era
demasiado tarde. Seu coração já estava alojando os dois projéteis disparados
pelo Coyote, que o empurravam para trás (O seqüestro, 1973: 109).
A atitude cristã de arrepender-se no último momento concede a enfermeira
seqüestradora não só o perdão do Coyote, mas um valor de sete mil e quinhentos dólares para
que entregue a criança aos pais dela. Receberá quantia igual quando entregar a criança e
poderá receber qualquer valor que por ventura Don César possa ofertar a ela. Essas são as
condições impostas pelo Coyote para que Emily Brown entregue Leonor. A enfermeira aceita
as condições e confessa ter arrependido do ato praticado; com a menina, embarca de São
Francisco a Los Ângeles em uma travessia por mar até entregar Leonor de Echagüe a Don
César.
Após encaminhar os passos da enfermeira, o Coyote faz uma nova visita a Corbyn e
entrega a ele um atestado de óbito da senhora Sara Redmill. Corbyn/Redmill não tem tempo de
agradecer o fato de ter sido libertado das chantagens de Laforey, o mascarado já havia se
retirado com a soma de cinqüenta mil dólares. O Coyote confere se Emily embarca no navio
Sirena e após certificar faz o percurso de São Francisco a Los Ângeles à cavalo. Graças a um
atraso do navio, consegue chegar antes o suficiente para receber Emily Brown.
— Trouxe a minha filha! — exclamou Don César, arrebatando-lhe a
criança.
— Sim, senhor. É uma história muito longa, e lhe contarei tudo...
197
— Não, não me conte coisa alguma! — interro mpeu o rancheiro. —
Nada do que me dissesse poderia me causar maior al egria do que isto! Espere
um pouco, que lhe darei uma recompensa...
— Não, não é preciso que me dê nada, senhor. Só o seu perdão e o da
sua esposa.
— Pois pode ficar sossegada, que tem o de ambos! — declarou Don
César, sorridente. — Boa sorte (O seqüestro, 1973:121).
A criança de volta, o perdão e a ausência de explicações, não causam estranhamento
algum nas pessoas envolvidas. Don César, quando leva Leonor para Guadalupe, fica sabendo
que há três dias Lupita despiu o bebê para vê-lo e descobriu que um menino estava no lugar de
sua filha. Lupita, primeiro angustiou-se achando que a filha havia morrido, depois pensou que
o marido não faria uma viagem se a filha tivesse falecido, então teve esperanças de ter a filha
de volta. Ao saber da substituição entendeu porque não a deixaram furar a orelha da criança
para colocar brincos, entendeu também que o marido não lhe ocultaria se a filha tivesse de fato
falecido. Aguardou que o marido voltasse de São Francisco, aguardou pela filha. Com a filha
nos braços ouviu a história do menino que ocupara o lugar da filha e pediu ao marido que
adotassem Eduardito Gómez Delamata.
A adoção gerou alguns comentários a respeito do futuro do menino, comentários que
ficaram como predestinação:
Yesares seguiu o médico até a mesa. Ia pensando noutra
possibilidade: talvez algum dia o Coyote revivesse naquele filho que não era
seu.
— Em que está pensando agora? — indagou o doutor.
— No menino. O que virá a ser?
— Oh, talvez venha a se transformar num novo Coyote... — sugeriu
Garcia Oviedo. — Qualquer coisa se pode esperar de um menino que se
arranjou para ocupar o posto de uma menina de família rica... Claro que, com
os exemplos desta casa, nunca pensará em vir a ser um Coyote, não é mesmo?
— Oh, não, claro que não! — replicou Ricardo, não muito
convencido.
Observou o semblante do médico para ver até onde ia a brincadeira e
onde começava a realidade.
Mas o doutor estava estalando a língua, saboreando o conhaque
centenário. Parecia a esta mpa de um velho bebedor pintada por algum artista
flamengo.
'Não, não sabe nada... — pensou Yasares. — Como iria suspeitar de
ter dito uma verdade?' (O seqüestro, 1973: 128).
A narrativa termina com a solução do seqüestro, com a punição dos culpados e a
absolvição dos "inocentes" ou "arrependidos"; ainda sugere a possibilidade de a ação de
198
Guadalupe de adotar o garoto possa ocasionar a existência de um futuro Coyote. Todas as
ações do Coyote foram protegidas pelo anonimato, o filho que alegara ir buscar em São
Francisco, aliás, filho do primeiro casamento
53
, sequer foi visitado e a explicação ao policial
foi a de ter recebido um recado do Coyote avisando-o da devolução da filha seqüestrada. A
narrativa mostra a ação do Coyote e pretere a ação da polícia que é meramente figurativa. Dito
de outra forma, a narrativa serve para afirmar a incompetência da polícia e a validade dos
valores cristãos. Na narrativa a violência do Coyote é justificada e não existe razão para que
ele seja procurado pela polícia; a não ser que a polícia queira eliminar aquele que conduz a Lei.
Porém, a recompensa ofertada para aquele que capturar o Coyote serve para valorar a agilidade
e competência dele, ao mesmo tempo para apontar a incompetência da polícia em capturá-lo.
53
Em O falso Coyote tem- se o filho: "O pequeno César de Echagüe, aos oito anos de idade, era um menino cheio
de vida e simpatia, extremamente parecido com o pai, e de uma inteligência impressionante"(1971: 57). Ainda
n'O falso Coyote o leitor tem conhecimento do amor de Guadalupe por Don César, mas este ainda sofre com a
morte da esposa. Ricardo e Serena também presente neste romance, se apaixonam na narrativa O falso Coyote.
Esses apontamentos permitem afirmar que a coleção O Coyote pode ser lida como uma novela de cavalaria na
medida em que seus episódios apresentam ações seqüênciais.
199
Figura 11 – Golpe de Estado
Golpe de Estado, (?
54
- 1976) o exemplar da coleção ZZ7
55
, é impresso em papel jornal,
formato 15cmx10cm [traduzido], país de origem: não especificado, com 124 páginas.
Publicado pela Monterrey é o exemplar de número 250 e tem a autoria atribuída a Lou
Carrigan
56
(pseudônimo usado por Antonio Vera Ramírez). Outros dois exemplares dessa
coleção com2x o estudo, são eles: Relaç2s públicas (95) e A hora e a vez (182), assinados
54
As coleç2s de romance de mocinho não apresentam a data do copyright, por isso o uso do ponto de
interrogação.
55
De acordo com a Monterrey "em 1964 foram publicadas em quatro volum2s as mem3rias de Giselle, a espiã
nua que abalou Paris, ainda nesse mesmo ano, o público conheceu Brigitte Montfort, a filha de Giselle, que
trabalhava como agente da CIA na coleção ZZ7, dando prosseguimento ao enorme sucesso obtido com as
mem3rias da mãe" (informação retirada da página da editora Monterrey, em novembro de 2003).
56
Também existe o pseudônimo Lou Garrigan, não foi possível precisar se são duas variaç2s ou se trata de
imitação para confudir o consumidor.
200
por Lou Carrigan. As três narrativas trazem à primeira página: "Todos os personagens desta
novela são imaginados pelo autor e não têm qualquer relação com nomes ou personalidades da
vida real. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência". A coleção ZZ7 apresenta, a meu
ver, semelhança com algumas filmografias: As Panteras (1976) e Tomb Raider (1995), por
exemplo. Mas, se ZZ7 nasceu em 1964, como a editora alega, não há como fugir de dizer que
se trata da versão feminina do filme 007.
Publicado no Brasil em 1976, Golpe de Estado ancora as atividades secretas da espiã da
CIA, Brigitte Montfort, conhecida como "Baby" e seu namorado, Ângelo Toma sini, conhecido
como "Número Um". O casal se encontra em férias quando um helicóptero sobrevoa a ilha e,
após se apresentar a Baby e ser autorizado por ela, deixa cair um pacote com infor mações
enviadas de Roma. Baby indaga Ângelo sobre queimar ou não o filme, para ela qualquer coisa
vem em segundo lugar quando o assunto é o namorado. Ângelo, sabendo que o amor de Baby
por ele é maior que qualquer coisa, resiste a idéia de deixá-la queimar o filme; isso porque
Ângelo sabe que Baby perderia o sono se fosse privada de auxiliar um caso que poderia
interferir na "marcha do mundo" (1976: 11).
Vejamos como a ação tem início:
Cinco minutos depois, estava tudo preparado. Acomo daram-se no sofá,
despidos, novamente, com a moviola em cima da mesinha, e prepararam-s e
para projetar o filme, Número Um movimentou o aparelho. A primeira
imagem a surgir na tela foi o rosto de Charles Pitzer, chefe do Setor da CIA
em Nova York, isto é, o 'tio Charles', o velho e querido amigo de Brigitte, o
homem que há muitos anos a introduzira na espionagem. Tio Charles estava
com uma expressão grave, preocupada.
— Brigitte querida, sinto muito — disse ele, no filme. — Quando está
aí, não devemos incomodá-la, bem sei, exceto se for um caso de grande
importância. Na minha opinião, é. Trata-se de um golpe de estado que se
prepara em Córdoba, um minúsculo país centro-americano, situado entre o
Panamá e a Colômbia. Segundo informações recebidas, o golpe terá lugar
daqui a duas semanas. Três, no máximo. Sabemos que os golpistas possuem
grande quantidade de armas e estão dispostos a tudo para alcançar o objetivo.
Em resumo: trata-se de u ma dessas guerrinhas que você tanto gosta de evitar.
Assim sendo, imagino que sua resposta seja SIM. Não pretendo pressioná-la,
caso a resposta seja NÃO. A CIA está resolvida a interferir, sej a como for,
para evitar esse golpe de estado. Os organizadores de tal brincadeira não
terão, como você, as mesmas considerações a respeito da escolha das ar mas.
Na minha opinião, você poderá evitar em Córdoba esse ato de violência,
como fez em outras ocasiõ es. Refiro-me à violência generalizada. A violência
para eliminar algumas pessoas é inevitável, naturalmente. Permita -me, agora,
apresentar nossos personagens.
A imagem de Charles Pitzer desapareceu. [...] (Golpe de Estado,
1976: 12-13).
201
Das três narrativas estudadas (Relações públicas (95) e A hora e a vez (182) e Golpe de
Estado (250)), esse exemplar é o único a apresentar Número Um e Baby trabalhando juntos.
Nos outros dois títulos têm referências que remetem a existência de Número Um como
namorado de Baby, mas apenas para demonstrar a fidelidade de Baby a ele. Já Charles Pitzer
de fato lembra Charles Townsend. Charles é o homem que manipula as ações da super mulher
Brigitte Montfort. Na seqüência do filme, Baby e Número Um tiveram acesso às informações
sobre as pessoas envolvidas na preparação do golpe e em seguida Baby resolve que Número
Um deverá ajudar na missão. Assim, a morena de olhos azuis da lugar a uma outra beldade:
A inspeção aduaneira em Córdoba era mera formalidade. [..] Sua
cabeleira negra, longa, levemente ondulada, formava moldura ideal para
o rostinho onde se destacavam a boca rósea e sensual e os olhos negros
mais brilhantes de todo o México, sem a menor dúvida! Era mexicana e
chamava-se Margarita Cienfuegos.
Nome muito apropriado, pois era linda como uma flor e, com toda a
certeza, ao passar acendia cem fogos nos corações masculinos. Trazia pouca
bagagem: uma mala com rótulos de hotéis de outros países e uma maletinha
vermelha contendo, naturalmente, as miudezas que todas as mulheres
carregam quando viajam: batom, rouge, sombras e perfumes. Continha, ainda,
um radinho transistorizado, um secador de cabelos, uma pequena
câmara fotográfica com tripé de alumínio, muito leve, um binóculo de
teatro, escovas...
Era jornalista (Golpe de Estado, 1976: 24 – destaque acrescentado).
Se o consumidor não havia entendido o nome usado por Baby, o narrador trata logo de
explicar. A parafernália presente na maletinha vermelha será suficiente para a agente da CIA,
assessorada por Número Um, desbaratar a "quadrilha" que deseja tomar o poder em Córdoba.
A primeira ação de Baby é abordar, no aeroporto, Luciano Martos, um dos homens apontados
no filme enviado por Charles Pitzer. A jovem, fazendo-se de "bela e burra", aborda Luciano e
pergunta se ele pode ajudá-la com a leitura de um mapa. Luciano, embevecido, faz as
explicações e assume os gastos do café solicitado por Baby. Ao sair, Baby "esquece" o mapa e
Luciano entende que a moça deseja vê-lo novamente. Caminha para o carro dele e é seguido
por um senhor que, com um estilete, o mata. Assim é eliminado o primeiro assassino de
Córdoba.
Já no hotel, Margarita Cienfuegos se desfaz da aparência:
[...] Despiu-se e contemplou-se um instante ao espelho, sorrindo satisfeit a
para o que estava vendo.
Depois retirou as lentes de contato que haviam ocultado até aquele
instante uns lindos olhos azuis. Retirou também das fossas nasais os dois aros
202
plásticos transparentes que lhe haviam modificado o formato do nariz e os
dois enchimentos de espuma de nylon que mantivera na boca e que serviam
para arredondar um pouco mais suas faces. A mudança foi espantosa.
Margarita Cienfuegos parecia outra mulher. Tão bela, porém, quanto a
morena de olhos negros que aparentara ser até alguns minutos atrás (Golpe de
Estado, 1976:34).
A importância da beleza de Baby é realçada todo o momento. Na verdade a beleza é o
instrumento que Baby usa para atrair suas vítimas. Nesse exemplar, no entanto, as mortes não
são efetuadas por ela, Baby funciona como "isca" e pesca todos os homens que desejam o
golpe em Córdoba. Os métodos da espiã são sempre pautados no efeito de sua aparência e na
necessidade dos homens de possuí-la. Porém, se Baby desperta o interesse de todos os homens,
Número Um desperta os mesmos interesses, nas mulheres. Também "fantasiado", Numerou
Um é hospede no hotel. Sem demonstrar que se conhecem ambos estão no terraço e aguardam
um grupo de senhores para liquidá-los.
[...] Alto, ombros largos, magro e rijo, usando calças brancas e uma
elegante camisa de malha, gola aberta, deixando à mostra dois centímetros de
peito cabeludo. O cabelo era da mesma cor da barba e dos bigodes: negros.
Usava óculos que lhe davam um ar levemente intelectual. Todas as mulheres
voltaram-se para ele, contemplando-o com olhares avaliadores e
cobiçosos, tendo a impressão de que um tigre silencioso acabava de
chegar (Golpe de Estado, 1976: 36-37 – destaque acrescentado).
A perfeição estética do casal é notável. No entanto, na narrativa, o "alto" reforça a id éia
do homem como provedor, como aquele que dará conta de proteger a mulher. Baby, protegida
pelo olhar do "tigre", aguarda três integrantes da operação que deverá ser dizimada. A espiã
usa o garçom para dizer a eles que ela o espera no terraço. Os três vão até Baby:
— Podemos sentar? — perguntou Hunter.
[...]
— E a senõrita o que é?
— Basicamente sou uma coisa: inteligente. E o senhor o que é, além
de mercenário?
— Perfeitamente — sorriu Rosse Hunter. — Vamos conversar. Que
aconteceu, afinal, com Martos?
[...]
— Tem homens às suas ordens?
— Alguns — sorriu Margarita.
— E a que se dedica o seu grupo?
— Depende. Fazemos de tudo: desde simples contrabando, até
guerrilhas, se nos pagarem bem. Se for necessário, inclusive, podemos apoiar
um golpe de estado, por exemplo.
203
Ono não teve a menor reação. Nem Hunter. Piowitz, porém,
estremeceu de leve. Hunter continuou encarando, cada vez com mais
interesse, a bela Margarita Cienfuegos, que, por sua vez, o contemplava com
ar de satisfação. Afinal, era um inglês atraente.
— Em troca de quê? — perguntou Hunter, em voz baixa (Golpe de
Estado, 1976: 39-41).
Baby, ao ver Número Um saindo do salão, informa que possui 250 homens aptos a
participarem da guerrilha e estipula o valor de três milhões de dólares para ajudar o grupo. A
quantia soa alta aos três e então Baby diz que deseja duzentos e cinqüenta mil dólares para
ficar de boca fechada. Despede-se dos mercenários dizendo o hotel e o período que aguardará a
remessa solicitada. Hunter providencia dois homens para segui-la e constata que realmente está
no hotel. Os dois, Cellini e Glensson, não percebem que estão sendo manipulados e continuam
seguindo Baby com a intenção de violentá-la e, na seqüência, matá-la. Os dois morrem sem ter
tempo de entender de onde surgiram os vultos mortíferos. O "serviço de saneamento" foi feito
por Johnny 1 e Johnny 2, assessorados por Número Um. Após as duas mortes os quatro
integrantes do "bem" tomam um uísque e organizam os próximos passos. Johnny 1 e Johnny 2
despedem-se do casal levando os corpos de Cellini e Glensson.
Angel Tomás [Número Um] continuou no mesmo lugar.
[...]
— Talvez tenha razão. Aceitei este caso para proteger Córdoba e
sua gente humilde e, ao mesmo tempo, para ajudar os Estados Unidos. Se
tudo der certo, teremos evitado um terrível massacre e colocaremos
Córdoba na órbita da prosperidade. Mas insisto: não estou fazendo nada
por você, meu amor.
Número Um retirou a taça da mão de Brigitte, pousou-a na mesinha
de cabeceira e, lentamente, inclinou-se, aproximando seus lábios dos lábios
sensuais da divina espiã. Deitou-se ao lado dela, afundando o rosto entre seus
seios rijos e delicados. Ouviu o gemido abafado que escapou da garganta de
Brigitte e notou o ritmo célere de seu coração. Sob aquela pele de seda, o
coração da espiã continuava batendo. Isso era importante. Que podia Brigitte
fazer por ele? Muito simples: não colocá-lo na dolorosa situação de pousar a
cabeça sobre aqueles seios e verificar que o coração havia parado (Golpe de
Estado, 1976: 60-62 – destaque acrescentado).
Essa cena do romance favorece a consumação sexual, no entanto o casal discute a
relevância da operação em Córdoba e, se a cena anuncia uma união corporal, finaliza por ficar
apenas na sugestão. Esse fragmento esclarece o fato de a espiã que se acha capaz de salvar
Córdoba e ajudar os Estados Unidos submete-se não só a Charlie Pitzer, mas também ao espião
Número Um. Nos outros exemplares da coleção ZZ7 Brigitte Montfort é igualmente ajudada
por Johnny(s), nessa história ela é a "cabeça" da operação, mas as ações de risco são efetuadas
204
por homens. O mérito de Brigitte será, afinal, o de pensar os caminhos para eliminar; os
mercenários, para isso ela faz uso da beleza e cont a com o fato de os mercenários não saberem
da existência de Número Um e dos Johnny(s).
A beleza é o cartão de visita e, assim, Baby será recebida pelo presidente de Córdoba,
Tadeo Padilha que concorre a reeleição. Para manter a entrevista com o presidente Brigitte
Montfort entrega a ele o que ela denomi na ser uma reportagem sobre o presidente e que requer
a opinião dele. O presidente, educadamente, lê a reportagem e sorri artificialmente. Acha-a
idiota e seu desejo é expulsá-la a qualquer preço, no entanto, contém-se até que Baby se retira.
Essa visita e os encontros anteriores são fotografados por Número Um e de posse
dessas fotografias Brigitte consegue [agora Glória Chamorro] ser atendida por Miguel Barrios,
o patrão dos três mercenários antes procurado por ela:
— Vejamos — disse Glória Chamorro, endurecendo a fisionomia. —
O senhor prepara-se para dar um golpe de estado, dentro de alguns dias. Para
esse fim, contratou Ross Hunter, Karl Piowitz e Noburo Ono, chefes de u m
grupo bem organizado de mercenários. Eles dirigirão os homens que o senhor
fornecerá. Mil e duzentos homens bem armados que aguardam, em Baía
Caliente, o momento decisivo. Expliquei bem? E, por favor, não me responda
com uma tolice qualquer! (Golpe de Estado, 1976: 73).
Após essa conversa esclarecedora, Baby consegue que Barrios aceite segui-la até o
local marcado por ela, a intenção de Baby é conseguir novas fotografias para incriminar toda a
organização. Para isso Baby se despe alegando que gosta de tomar banho de sol no campo e
Barrios fica sem ação diante do corpo da espiã.
— Agrado-lhe um pouquinho, senõr Barrios?
— Muito — sussurrou ele. — Mas o momento não me parece...
[...]
— Bem, querido, quero dizer, exatamente, que tudo quanto disse
antes é mentira. Ross Hunter não pensou em traí-lo, acredite. Mas precisava
servir-me de um estratagema para atr air você a este recanto maravilhoso e
oferecer muito mais do que Hunter lhe pode dar.
[...]
Miguel Barrios passou do espanto à meditação. Da meditação à fú ria.
[...]
— Desgraçada! — balbuciou. — Vou...!
O braço direito de Glória Chamorro passou por entre os braços de
Barrios e a palma da mão atingiu seu queixo. Um golpe seco, insignificante,
mas ele foi empurrado para trás, enquanto seus olhos pareciam expelir uma
infinidade de pontinhos de luz. [...]
— Vou matá-lo, porco! —gritou Glória, histérica.
[...]
205
A bala passou de raspão por sua cabeça (Golpe de Estado, 1976: 77-
80).
Toda a nudez de Baby na companhia de Miguel Barrios foi fotografada por Número
Um. Barrios não foi atingido apenas porque não era a intenção de Baby matá-lo, mas sim fazê-
lo avisar Hunter. Os mercenários passam a se preocupar com a bela mulher e receiam que ela
os denuncie, fato que não se efetiva mas também não serve de garantia de que ela nada fará
para prejudicá-los. Miguel Barrios chega a pensar em sair do país, mas é tranqüilizado pelos
três mercenários. Esses três são encurralados por ela, Número Um, os dois Johnny(s) com mais
dois companheiros da CIA e 18 agentes e o único a sobrar com vida é Noburo Ono, segundo
Baby o mais inteligente dos três.
A morte dos dois mercenários é a última prevista no plano de Baby. Já possuem todas
as fotos necessárias que serão apresentadas por Número Um na condição de agente da CIA, na
festa organizada pelo presidente Tadeu Padilha. Baby deve retornar a ilha e continuar em
férias, até que Número Um regresse para fazer companhia a ela.
— Que significa isso? — gritou Padilha, com sua voz aguda.
— Se eu lhe disser que sou da CIA, senhor Presidente — suspirou
Número Um — compreenderá o que isso significa?
— Claro que não!
— Neste caso, talvez o senhor Miguel Barrios saiba explicar melhor.
Minha atitude deve parecer reveladora para alguns dos presentes.
— De que está falando? Quem é você?
— Clark Coleman, da CIA, já disse.
— Cuidarei dele, senhor Presidente — exclamou Gilberto Haro, o
Secretário de Assuntos Exteriores, aproximando-se de Angel Tomás.
— A pasta — gritou o prisioneiro, de repente. — Não deixem Padilha
tornar a guardar essa pasta azul. Foi enviada por Miguel Barrios. Contém todo
o plano do que estavam preparando.
O assombro foi geral. Gilberto Haro encarou Miguel Barrios, que
estava pálido como um defunto, contemplando com os olhos arregalados a
pasta de plástico caída no tapete. Lembrou-se de tê-la visto nas mãos da
mexicana. A mesma recordação passou pela mente de Tadeo Padilla.
Lembrou-se da visita recebida pela manhã, junto à piscina. Lembrou-se de
Glória Chamorro, pedindo-lhe para examinar o artigo que escrevera sobre ele.
Os dois homens estavam petrificados. Gilberto Haro avançou para o
guarda que havia recolhido os papéis e tomou-lhe a pasta azul (Golpe de
Estado, 1976: 110-111).
Número Um consegue provar que Miguel e Tadeu conheciam a pasta azul apresentando
as fotos feitas por ele. Afirma que Margarita Cinfuegos, Ross Hunter, Karl Piowitz, Noburo
Ono, Miguel Barrios e Tadeo Padilha estavam preparando um golpe de estado para que Miguel
206
Barrios assumisse o poder e Tadeo Padilha pudesse continuar governando. Informa aos
presentes que Barrios seria um ditador e dividiria os lucros com Tadeu Padilha, esse golpe de
estado inviabilizaria a possibilidade de Feliciano Ruiz ser eleito. Diante de um silêncio pesado,
o general Nemesio Lobanilho murmura atordoado:
— Parece impossível, senhor Coleman [Número Um].
— Impossível? Temos em nosso poder o armamento e a
documentação fornecida por Margarida Cienfuegos, bem como a peruca loura
e outros objetos. Deixou tudo no hotel, ao fugir. Seus amigos, porém, não
conseguiram escapar. Ross Hunter e o polaco Piowitz estão mortos. O
japonês Noburo Ono acha-se prisioneiro numa cabana que usavam como
base. Perguntem a ele. E mais ainda: venham comigo à Baía Caliente e vejam
o que existe por lá. Temos setenta prisioneiros e as armas escondidas nas
grutas. E as fotos? Perguntemuca Hotel La Sal' onde obtivemos o material de
Galina Cherkova [nome dado a Margarida Cienfuegos para ligá-la ao grupo
de mercenários]. Ela falou pelo telefone comRoss Hunter. Interroguem o
recepcionista e ele lhes dirá. Que mais quere m ainda? Oh, sim. — Mais
provas desta conspiração entre Barrios Padilha e Hunter contra Feliciano Ruiz
e contra Córdoba, que assolariam com uma revolução sangrenta? Bem, temos
o japonês Ono e esta pasta. Não querem ler o que ela contém? Não querem
interrogar Noburo Ono? Não querem fazer investigações?
Novo silêncio abateu-se sobre todos os presentes. Miguel Barrios
estava a ponto de perder o juízo. Tadeo Padilha parecia uma estátua de gesso.
— Acho melhor lermos tudo — sugeriu Gilberto Haro (Golpe de
Estado, 1976: 119-120).
A idéia de Baby de ser fotografada com todos
207
— Oh, não fiz tudo sozinha, meu amor. Você me ajudou bastante.
Teve inclusive que terminar o serviço por lá, depois de minha participação ter
chegado ao fim. Voltei para cá e fiquei calmamente à sua e spera, apanhando
este solzinho gostoso.
— É sempre assim — balbuciou Número Um.
Ergueu Brigitte nos braços e encaminhou-se para a casa. Pelo trajeto,
ela rodeou-lhe o pescoço com os braços e fechou os olhos. Por sua vontade,
passaria o resto da vida assim, nos braços de Número Um, até o fim do
mundo (Golpe de Estado, 1976: 121-124 – destaque acrescentado).
Os dois primeiros destaques corroboram a idéia de uma mulher ser a salvadora de
questões políticas que envolvem os Estados Unidos. A última serve ao propósito de apresentar
o "final feliz" para o casal de espiões. Essa narrativa, ainda que procure ressaltar a importância
de Baby como espiã e responsável pela resolução do "golpe" (nesse caso específico, Baby
"planta" as sugestões que levam os mercenários a serem incriminados); é Número Um que
viabiliza a resolução do caso. Esclareço, no entanto, que as duas outras histórias da coleção
ZZ7 que compõem a amostragem desse trabalho foram "estreladas" unicamente por Baby que
conta sim com a ajuda dos seus amigos Johnny(s), mas as ações são finalizadas por ela. Nelas,
Baby é mais "forte" e tem resoluções e ações que exigem menos a presença de outros
"ajudantes". A presença de Número Um é acenada, mas apenas para induzir que após
determinado trabalho ela se encontrara com ele. Ou seja, Número Um é a recompensa das
vitórias alcançadas por Baby.
208
A editora Monterrey alega que a coleção Roleta da Vida é composta por temas
"diversos" e publicação mensal. O exemplar Fios de esperança é o número dois da coleção e
por essa razão só é possível o acesso a dois títulos da coleção. O número já publicado — Vá a
luta! — e o número a ser publicado: Doce despertar. Essas informações são insuficientes para
comprovar se de fato a coleção apresenta diversidade nos "temas", porém Fios de esperança
apresenta "diversidade" perante o corpus.
Figura 12 – Fios de esperança
Fios de esperança, (?-1986), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm [não
apresenta tradutor], país de origem: não especificado, 126 páginas.
Charles Petit, autor do exemplar, ambienta a narrativa em Paris e conta a história de
Adéle Millet, uma jovem dançarina que saiu de Marseille para tentar carreira em Paris e há
209
dois meses está desempregada. A jovem, receosa de voltar para a casa dos pais tenta uma
última entrevista no cabaré "[...] Rouge et Noir, uma espelunca de clientela variada: pequenos-
burgueses, inveterados malandros" (1986: 5). O dono do cabaré, senhor Gabriel Vernon, após
conversar com a entrevistada pede a ela que se dispa perante o olhar de todos os empregados.
Alega requisito primordial a beleza do corpo.
A jovem, entre receosa e atraída pelo emprego, atende ao pedido de Vernon e é
imediatamente contratada. Sua participação na equipe do cabaré ganha destaque e em três
meses Adéle é a "estrela" do evento. Desejada por todos e principalmente por Vernon, Adéle é
violentada quando se recusa a transar com o patrão. A cena de sexo corresponde à epígrafe do
capítulo do romance "Amor animal" (1986: 5). Adéle, usada por Vernon, é surpreendida com a
chegada da amante dele. Lorraine, ao encontrar Adéle quase nua, dá-lhe "um murro certeiro, na
nuca" (1986: 16) e a jovem não revida; envergonhada pela cena, deixa o local de trabalho sem
ouvir Vernon defendendo-se:
— Meu bem. Você está nervosa. Ponha a cabeça no lugar! — Eu não
tenho nada com essa moça! Falávamos sobre negócios!
— Negócios? Nua? Que patife! Arremes sou-lhe a garrafa de Black &
White, por sorte vazia!
Esgotada já, emudecida, Lorraine abandonou o campo de combate
(Fios de esperança, 1986: 17).
Lorraine, quando procurou Vernon no escritório e o encontrou com Adéle, havia
presenciado, segundos antes, uma negociação de drogas e estava disposta a denunciar Chadis,
o gerente do Rouge et Noir. A denúncia não chegou a ser feita. O gerente ateou fogo ao cabaré
e Lorraine morreu carbonizada. Todos os funcionários foram dispensados por três meses, até a
seguradora assumir o custo do incêndio. Para Vernon não ser acusado criminalmente do
incêndio, Chadis providenciou para que Adéle saísse da cidade para não ser interrogada.
Adéle tentou recusar a proposta, mas foi habilmente convencida por Chadis que
assumiu os custos para Adéle ir para um hotel próximo a Marseille. Neste hotel, dias depois,
Adéle recebe a visita do detetive da seguradora, o senhor Pierre Granville. Este, após ouvir
toda a história de Adéle, desde a sua contratação até o incêndio que vitimou Lorraine, entende
ser a jovem inocente e a convida para jantar em Provence. Antes do jantar Pierre é comunicado
pela seguradora que Chadis assumiu a responsabilidade do crime e já está preso.
Durante o jantar Adéle sente-se atraída por Pierre. Este acha-a fantástica e houve-a falar
da bebida solicitada:
210
— Adoro pernod — disse Adéle —, é uma bebida deliciosa, ao
contato com a água adquire um aspecto leitoso. É uma imitação esverdeada
do absinto. Tem gosto de licor...
[...]
Pierre Granville era um homem viril. Ela o sentia. Inspirava
segurança, um apoio másculo. Seria fácil e gostoso perder para ele. Uma
submissão gratificante.
[...]
— Pierre, eu te quero.
Eu também te quero (Fios de esperança, 1986: 31-33 – destaque
acrescentado).
Adéle de fato comporta-se como a "fêmea" que Pierre espera. Sabe o que quer e deixa
explícito o seu interesse. Não faz "joguinho", escancara. No entanto, apesar de toda a
disponibilidade ofertada, é possível ler que Adéle quer ser cuidada, protegida, deseja "perder"
para Pierre. É uma mulher sexualme nte segura e, ao mesmo tempo, deseja ser cativa, deseja
um "macho" para si, para sempre. O jantar segue com Adéle bebendo, ela confia em Pierre. Ao
mesmo temm64.0uia.ela con9-6(mm6io4e. 351lecon9-6(mm6io69(e)-5(7åogo2.ogoi87.c 08cisuma( é umpara 725o. O usierre. Ao )]TJ0- Ao )]TJTJ02497 Tw 8.175 -1.to o seu s)8(6i)1(re. o oi87ina Td[(gue com)8( passa51l )8( "d[(omedo))-5(. ).00042.95Tw -18.175 -(de toda a )Tj0.00 )]TJ 0.2514 Tw 10.98 0 0 10.9428.6.54 620344 0 TAo" )8(e)-87id[(nha Tespe esd[(a! Cost8(m4(itia! O.0u3)5(–2( ele8(ost8(s43o?2( edo))-5(003 Tw 0 -1.4 0 TNíciapar262( ele[(do V62( ele8(ost2(s?2( edo))-5(a )]TJ0.0011 Tc 0.0003 Tw 0 -1.153 Vou vd[(gumar! E(ciu passa51l )8( "d2(l!dead)-7(a )]TJ0.0014.0541153 Td[([)7(...)-5(])7( )5TJ0.00119Tc 0.0003 Tw 0 -1.[(Pi Gran)-e ut8( euu" paci4,a.eamm6ust8(m8( " )8(eho(esead)-7(a ))Tj0.0003 Tc 0.0541 Tw T*[(Adixiu o ba(z , nu9(em rospev347read)-7(a )J-0.0003TJ 0.6.08 Tw 13.3ect,)-3(turbs)-ia! As formas,1.15 TD( )Tj0.00 )5TJ 0.294975w -14.776 -1.aacreu ses pesveost2(rdqui)6(biquéni oi87inúscs)-3(um)8( asp)]TJ0.0se)]TJ 0.297 Tw -3.23 -1.153 E(cria )8(e)elho? Ad)-3(issunssiu o )5( eja e3(um)8( asp)5TJ0- Ao ) Tc 0.0541Ad)Melho. Pnto.)3(rdopera153 r(..a)3(-5(m)4(o. Dei )8(evexaer sex3(?.)-5(])7( ))Tj0.00 )5TJ 0.0541Ad)teress. Cost73(o rtiu(mm6dire[(gum6(z Ad)r1guau.desej)9(a)5( )]TJ0.0014.0541153 Td[([)7(...)-5(])7( ))Tj0.05259Tc 0.0541 5 0xile8(ou(mm6d 0 Td(q,(m)3 m6volv5ci 0 bra im) 0 nícintaco im) .Inspirava )]TJ0.00115Tc 0.0497 Tw -.776 -1.ATdebidu suavelícir2(ciss rett,)-3(fead)-7(a ))Tj0.00)]TJ 0.55535ogo2.ogdssex3( greg .IE,e. N8(la51l baix1guand[(h9(esd[(,a153sigiss o))-5(. ).8 Tw8TJ 0.255535Tw -3.23 -1.m Td[(m43o afir(m)3(a:.)-5(])7( )]TJ/6 0 Tw 14.776se)-fertal )5cie erd[(m! E(c)-fertal )5cie erm! [([)Prevo)1(dquast8( ead)-7(a )J-0.00 )]TJ 0.6 0 TTw -3.23 -1.no. Inre G( prnre Inrefegosisponi um.eal jria mm6d l. c1(re.atificante)]TJ/TT0 1 Tf0.0014Tc 060 Tw 9.596 0 T)7( )]TJ/da a )Tj0.00 )]TJ 0-.0553 TTw -3923 -1.153 Voco)1(dme [([)atrai Ad).72mm6l(esead)-ante)]TJ/TT0 )]TJ0.01262Tc 0.0007 Tw 0 -1.153 Voco)1(dtambfertoi87.cli.0uza Ad)faldu desbr1galm))-5(a51le Td[(gu o n)1(t94(o)92( ()]TJ/TT1 19TJ0.0126]TJ 025 060 Tw 9.593 0 Tdossíve)Tj0.TJTJ08.2950007 Tw 020.56ios de esperança,)Tj/TT0 ))Tj0.00 )5TJ 04(. )TTw 7.781 d[(5(9866-37(31-33)5( – )6(153 Tacres)-4(.do))-5(. ).0004]TJ0 Tc 12 0 0 120.01254 620.9603 Tm( )Tj0 -1.15 TD( ]TJ0.0s7w8TJ 0.0541 Tw T*[(pareceu o suios 1l a seuacum.ea51l reafir)8( "d[(al to o seu 5o. ia em)8( é u,ierre. Ao )]TJ0.0098 Tc 0.0.95Tw -18.175 -776nteress,te)-6u o si1l qui)6(recurct,))8( "d[(sa con9-6um8( " )m)9(ea" )])Tj0.00 ) Tc 0Tc 28 Tw 18.17muleta. Co confia em),ue com)8( 153 dumau o 51lecon9-6(mm6i07]TJ 0.Tc 28 T -18.175 -776n153 r 1l oie e25 Tdum)8( a.elaa)farria fegoz,6um8( " fegosis)m)9(ea" )]]TJ0.0s752Tc 0.31)w 18.17poni.elajria con9-6parec elda, é pl)8(6...casal, Tdom)8( asp)]TJ0.01884
211
opinião de Pierre em todas as questões: da preparação de um peixe ao contrato com o Rouge et
Noir. Pierre participa da vida cotidiana e com o tempo começa a atrasar para os compromissos,
a esquecer Adéle no cabaré. Em uma das vezes Adéle espera por Pierre e Michelin Bonneval, o
gerente novo do cabaré, faz companhia a ela e depois a leva para casa. Tomam café e
conversam animadamente, tornam-se amigos.
Adéle tinha o rosto molhado. Granville a descartara pela terceira vez
na semana. Não era o mesmo amoroso, aborrecia-o qualquer tolice. Discutia
à-toa. E ela, agarrava-se a coisas mínimas, um fiozinho de esperança.
Pressentindo o fim aproximar-se, tornava-se chata (Fios de esperança, 1986:
61).
As escapadelas de Pierre passam a ser constantes e Adéle vai ao apartamento dele e o
vê beijando uma outra. Retira-se sem ser notada. Quando Pierre vai ao apartamento dela, para
as costumeiras uniões carnais, Adéle informa ter ido ao apartamento e tê-lo visto com outra.
Pierre não diz nada e se retira. Adéle, apaixonada, toma remédios e é socorrida por Michelin
Bonneval. No hospital, Albert Vinci Fenelon, o médico, recém-graduado, especialista em
neurologia, atende Adéle e se apaixona por ela. Fenelon passa a entrar em contato; Adéle,
depois da decepção amorosa, torna-se esquiva, irônica e amarga. Sua tentativa de suicídio é
risível aos olhos dos colegas de trabalho:
Marguerritte divulgava o incidente à sua moda:
— Rabicho forte, menina. Rabicho! Morrer por homem? Mu ita
fraqueza. É o que mais tem! Tão bonitinha, tão bonitinha... está aí no que deu.
Mantinha o garanhão, quando ele enjoou dela. Puf! É louca! Precisa mesmo é
de um pouco de vergonha. Matar-se por causa de homem? Falta de porrete.
— E o namorado? — perguntou Celecine, a cantora.
— Fugiu com outra. Não mandou nem lembrança. Um vigarista!
Sempre desconfiei dele. Todo posudo... metido a valentão! Um valdevino é o
que é! E a boboca, aí!... se esgoelando toda. Falta de porrete!
— Não seja tão malvada Margueritte! Coitada — intercedeu
Celecine.
— Malvada o quê? Realista! Sou realista.
— Você é uma boa fofoqueira, isto sim — riu maliciosa (Fios de
esperança, 1986: 72-73).
Margueritte, ao lançar um olhar de fora, demonstra não exatamente "maldade" com os
seus comentários, mas a percepção de uma mulher vivida que não se deixa enganar com boas
maneiras e flores. De fato Pierre "acomodou-se" usufruindo das regalias ofertadas por Adéle,
212
mas é possível entender que esta cercou-o de ofertas que a ela pareciam essenciais para uma
vida conjugal. Adéle comportou-se razoavelmente forte, não aceitou ser mais uma mulher para
Pierre, não fez escândalo quando o viu com outra. Porém, não foi madura o suficiente para
aceitar que apostara todas as fichas em um homem que não valia o esforço e dedicação
ofertados. Recuperar-se do naufrágio dos seus planos parece mais complicado quando Adéle
aceita um convite do médico.
Fenelon tocou a campainha e aguardou. Logo despontou um belo tipo
de mulher, sob o vestido leve, verde-claro. Ela não o convida para entrar,
estão atrasados.
— Lindas flores! Obrigada. Vou arrumá-las aqui na mesa e saímos,
imediatamente.
Se não saíssem às pressas, perdiam a sessão.
[...]
Ele sorri, o rosto iluminado. Beija-a uma segunda vez, uma terceira e
uma quarta. Beija-a o resto da sessão — descuida-se da formação cultural —,
a calça explodindo no volume da excitação. É uma tortura! Adéle tinha show,
Fenelon deixou-a na portaria do prédio:
— É tarde, o Rouge et Noir me espera!
— Quando nos vemos?
— Telefono.
— Breve, hem?
Não se contendo de excitação e alegria, saiu correndo em estabanada
tonteira!
[...]
— ... está no papo! (Fios de esperança, 1986: 80-82).
O médico apaixonado já crê Adéle "no papo". Adéle compara-o com Pierre e aquele
fica em desvantagem. Encontram-se uma vez mais; "[e]la, usualmente desenvolta, contendo a
iniciativa. Ele, caracteristicamente tímido, acumulando coragem" (1986: 85). Fenelon e Adéle
se envolvem sexualmente e ele confessa seu amor; no entanto:
Para Fenelon, a noite que passaram juntos fora o acontecimento mais
importante de sua vida. Para Adéle, não. Mais calejada com as coisas do
amor, preferia considerá-lo um fato agradável, nada mais.
213
Adéle, ainda apaixonada por Pierre Granville, rompe com Fenelon. Enquanto isso as
investigações policiais são concluídas e apontam Michelin Bonneval como o substituto de
Chadis na rede de drogas. Michelin Bonneval, amigo de Adéle e também apaixonado por ela,
ainda sem saber que a polícia já está no seu encalço, procura o grande chefe, o senhor Hackael.
Adéle o acompanha a festa de Hackael e nos minutos que Michelin Bonneval aproveita para
conversar com Hackael Adéle recebe uma bebida adulterada e perde a consciência momentos
antes de quase ser violentada durante a festa.
Lê-se, no romance Fios de esperança:
Não havendo rigor no cumprimento das regras de etiqueta, um
pequeno grupo consumia, com avidez, a bebida generosa. Bebiam sonoros,
entre piadas forçadas e palavrões ocasionais, que es capuliam na euforia do
álcool. As mulheres do grupo tinham riso fácil e decotes avançados.
Quando Adéle e Michelin atravessaram o corredor, algumas mulheres
olharam a bailarina, com inveja. Os homens olharam também, o desejo
trinando.
No salão principal os garçons serviam convidados difíceis, apinhados
nos janelões e nos cantos nobres da casa.
— Não pensei que este l ugar fosse assim, tão luxuoso!
— O dono é rico. Muito freqüentado. Fez fortuna no Oriente.
[...]
O salão começou a esvaziar-se. Os convidados encostaram-se na
periferia deixando o centro livre, para uma espécie de show. Uma mulata
esguia, de nariz afilado e olhos esbugalhados, tomou conta do espaço.
Pareciam conhecê-la muito, pois todos gritavam e aplaudiam co m
entusiasmo:
— Vamos Monique! Mostre o que vale!
Encorajavam-na a uma espécie de dança solitária. Bonita, co m
trejeitos eróticos, balançava os quadris e derramava sobre os ho mens, olhares
lânguidos, promessas veladas. Libertou-se da roupa. Primeiro as alças leves
do longo vestido [,] os sapatos, a meia fina. Depois, a calcinha su mária.
Desceu-a com precisão. Lenta, sensual, medindo as reações provocadas co m
cada avanço. Uma vez nua, os aplausos retumbantes.
[...]
A conversa prolongou-se por mais de meia hora. Os pares dançantes
começavam a esfregar-se libidinosamente. Logo, o chão transformou-se num
imenso e improvisado sofá. Alguns sentaram-se entre beijos e abraços.
Outros, mais ousados deitavam-se e aliviavam-se das peças de roupa. Adéle
sentiu a barra pesando. Tentou levantar-se, mas as pernas não obedeceram. A
cabeça girava, via tudo colorido.
— Meu Deus! O que está se passando comigo?
O magro segurou-a a tempo, evitando que ela caísse.
— Calma, meu bem. Está tontinha, não? — em seguida, o mau-
caráter deitou-a no sofá grande, preparando-se para tirar proveito da situação.
Adéle não encontrou forças para resistir. Em torno distinguia vultos.
Apenas vultos. Sombras irreconhecíveis. Alguém a despia! Era o magro, mas
o que podia fazer? Estava numa enrascada. O homem a alisava [,] dizia
palavras incompreensíveis. Em cada palavra as sílabas se destacavam,
214
reproduziam-se num eco ensurdecedor. O eco roubava o sentido do conjunto.
O magro pusera alguma coisa na sua bebida. Cretino!
Adéle havia ficado completamente nua. O homem preparava-se pa ra
possuí-la, em meio à orgia generalizada. Neste instante, um grandalhão
musculoso com cara de estivador, veio por trás do mau-caráter:
— Sai daí magriça! Isso não é prato para você. Crie-se!
[...]
Livre do rival inconveniente, o cara de estivador preparava-se para
saborear o petisco, ali indefeso, à sua mercê.
— Filhinha, você é uma tetéia! Amorzinho do papai!
Com as calças na altura dos tornozelos, a baba escorrendo pela boca
voluptuosa, o monstro esta pronto para consu mar o crime. [...] (Fios de
esperança, 1986: 98-106).
Michelin Bonneval a leva para a casa dele e cuida para que Adéle fique boa. Após
ajeitá-la no quarto dele e sair para comprar o jantar, Michelin Bonneval prepara uma bandeja
apetitosa para recompensá-la da confusão que quase ficara pior. Adéle se emociona com a
atenção do rapaz e chora. Já Michelin não se arrisca a expor seus sentimentos e após deixá-la
só no quarto, vai para o sofá. Nenhum dos dois consegue dormir e Adéle chega a conclusão
que Michelin Bonneval é muito importante para ela. "— Michelin é o homem! Que tola
tenho sido — murmurou baixinho" (1986: 115 – destaque acrescentado). Após rever tudo que
o amigo fez por ela, conclui: "[p]rocuraria uma conjunção de forças reais, sem absurdos, sem
pretensões romanescas" (1986: 116 – destaque acrescentado).
Adéle levantou-se mecanicamente e andou até a sala, junto ao sofá
onde ele dormia. Agachou-se devagar. Observou durante muito tempo o seu
rosto inquieto. Como estivesse frio, pegou o cobertor do chão e cobriu-o. Não
se contendo, beijou-o na fronte.
— Adéle... você?
— Não diga nada, por favor — silenciou-o com a boca.
[...]
— Há muito tempo que estou esperando uma oportunidade para
dizer-lhe quanto a quero bem. Tem sido uma agonia dolorosa! Os tormentos
que tenho vivido retardaram a minha iniciativa. Esperava poder solucionar
alguns conflitos e, com o tempo, encontrar uma forma de ligar-me a você,
sem envolvê-la em qualquer maçada. Você já tem problemas demais.
— Eu também amo-o muito — respondia Adéle. — Não percebi isto
antes, por causa da confusão que tem sido a minha própria vida. Eu o tinha
como amigo, um bom companheiro, mas você é muito mais que isso. É pena
ter demorado tanto a descobrir.
[...]
Adéle voltou ao quarto, Michelin puxando-a pela mão. Voava!
Minutos depois, deitava-se encolhida, na cama que ficava menor com o corpo
dele. [...] (Fios de esperança, 1986: 116-117).
215
No dia seguinte Michelin é preso pela polícia. Adéle, mais uma vez, se sente traída.
Michelin tenta se explicar a ela, mas não tem chance. Gabriel Vernon acaba por entender a
situação de Michelin e procura contratar um novo gerente para o cabaré. Adéle pede demissão
e aceita a oferta dos pais para retornar para Marseille. Dois meses depois, grávida, Adéle visita
Michelin na cadeia. Confessam se amar e fazem planos para o futuro.
216
Figura 13 – Tudo pela Bélgica
Tudo pela Bélgica (?-1990), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm [não
apresenta tradutor], país de origem: não especificado, 126 páginas.
Esse exemplar foi escolhido por constar como um dos títulos assinados por Bill Purse,
pseudônimo do brasileiro José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. O médico-autor assina o título
que compõe a coleção HH
57
. Bill Purse dá início a narrativa com um viés da história da
Bélgica na Segunda Guerra. A questão histórica não receberá um olhar analítico haja vista ser
mero pano de fundo para inserir uma linda mulher disposta a se prostituir para salvar a
Bélgica.
57
De acordo com a Monterrey a coleção HH nasce em 1965 para narrar episódios de guerra.
217
Lilly Liège, teve a família dizimada e o noivo morto na guerra, por isso abandona "[...]
sua vida pacata de professora primária em Bruxelas" (1990: 29) para compor um grupo de
resistência aos alemães que estão ocupando a Bélgica. Da vida "pacata" a única coisa que pode
ser útil para ajudar o país a resistir aos nazistas é a beleza. Então a jovem se oferta na condição
de espiã disposta a ir para a cama com os "odiados" alemães na tentativa de conseguir
informações para a resistência. Inicialmente Lilly Liége não é levada a sério nem pelos colegas
da resistência, estes temem a fragilidade e a vida dela. Porém a jovem tem uma idéia para
salvar o símbolo da Bélgica; isso porque, "[t]odos sabiam que as jóias particulares de Leopoldo
I, não poderiam de maneira nenhuma cair nas mãos dos germânicos" (1990: 12). E para
proteger essas jóias durante a ocupação dos nazistas Lilly resolve seqüestrar um oficial nazista
e enviá-lo a Inglaterra, junto mandariam as jóias; afinal a Inglaterra não buscaria apenas as
jóias.
Entranhada no meio social belga, Lilly é apresentada a um oficial nazista e reconhecida
por ele como participante da resistência. O alemão que deveria ser usado por Lilly para prestar
as informações desejadas ao grupo de resistência da Bélgica, reconhece nela uma jovem de boa
índole e diz a ela que não será preciso se prostituir para conseguir as informações desejadas.
Assim o coronel Wilfrid Heinz Hertz passa a visitar Lilly e não só entrega os traidores da
própria equipe da Bélgica como salva uma série de símbolos representativos da cultura
Bélgica. Em nenhum momento, no entanto, o coronel assedia Lilly. As informações fornecidas
a ela são gratuitas e benéficas somente a Bélgica.
Lilly consegue, com a colaboração do coronel, fazer uma "limpeza" dos traidores e a
Bélgica ganha alguma força. Até que Wilfrid Heinz Hertz pergunta a ela o paradeiro das jóias e
Lilly crê que fora enganada o tempo todo. O esclarecimento se dá em seguida:
Passando a mão enorme sobre os cabelos de Lilly, ele falou:
— Sei o que está pensando, Lilly. E posso dizer que está
218
Além dos colegas da resistência que se preocupam com a segurança de Lilly, também o
oficial alemão a protege. Lilly, virgem e frágil, está na resistência por motivos emocionais e
não exatamente políticos, todas as informações que o coronel fornece a Lilly são de grande
valor para a resistência Bélgica, mas Lilly não pode confessar aos seus co mpatriotas a fonte da
informação, nem os métodos. Porém, os colegas entendem que a jovem de fato está usando o
corpo para conseguir as informações tão relevantes. A jovem, entre apaixonada pelo coronel e
dedicada ao país:
Queria poder acreditar em Hertz, em sua lealdade e dedicação para
com os princípios filosóficos que tão longamente tinham discutido.
[...]
Voltando a cabeça vivamente para Dinant, ela insistiu:
— Acho que a minha idéia de fazê-lo prisioneiro e enviá-lo para a
Inglaterra juntamente com as jóias, é o melhor caminho. Lá, pelo menos, os
ingleses vão cuidar desse tesouro e saber perfeit amente o que fazer de
Wilfrid!
[...]
— Está certo, Lilly. Va mos ver se é possível enviá-lo como nosso
prisioneiro para os ingleses. [...] Caso contrário, nós o mataremos,
compreende, Lilly? Mesmo que matando-o, nós sejamos obrigados a matá-la
também!
Um intenso frio percorreu a espinha da moça.
Ela sabia que Demer não estava brincando.
A Bélgica estava em guerra e nessas ocasiões, tudo era válido! (Tudo
pela Bélgica, 1990: 88-91 – destaque acrescentado).
A discussão filosófica não é textualizada. De fato a idéia inicial de Lilly era torná-lo
[Hertz] prisioneiro; porém, o alemão prestou informações relevantes a Bélgica e, no entanto,
passou a representar um "problema" no momento que inquiriu a respeito das jóias em poder da
resistência. A jovem, disposta a trocar a carreira de "professora primária" pela de espiã, é
surpreendida com os olhos vermelhos na seqüência da conversa com os dois colegas da
resistência Bélgica. Indagada por Hertz a razão do choro, a jovem sorri e declara: "[...] São
problemas normais de uma moça perdida no meio de uma guerra, com o coração dividido entre
a pátria e um homem" (1990: 92).
Ao confess ar a Hertz os seus problemas ele oferta a sua disponibilidade para ir para a
Inglaterra como prisioneiro, isso porque a Gestapo o colocou na lista dos traidores nazistas e
então é conveniente a ele sair da Bélgica. Também porque Hertz deseja proteger Lilly, se ele
for morto, ela também será vítima; com a diferença que daí sim Lilly terá a chance de ser
"prostituída", não para angariar informações, apenas para servir de "carne nova" aos alemães.
219
Lilly comunica os colegas da resistência o plano de fuga e esses comunicam a
Inglaterra. Acrescentam ao nome do coronel a palavra "caruncho", a pedido dele. Os ingleses
assim se manifestam diante do pedido da resistência:
Thompson sorriu.
— Mas são muito ingênuos esses belgas! Os franceses têm toda a
220
é: "— Estamos juntos, querido — falou Lilly. — E é isso o que importa!" (1990: 118). E o
leitor que pensou que o que importava era "salvar" a Bélgica? Há uma outra guerra:
Lilly franziu as sobrancelhas e indagou:
— Mas como? — O quê quer dizer com isso?
— Você começará uma nova batalha, meu amor... A guerra diária
de uma dona de casa na Inglaterra. Terá que cuidar de mim, cuidar de
nossos filhos e precisará fazer com que os vizinhos a apreciem.
— Não quero ter vizinhos — disse a moça. — Tolhem a liberdade,
metendo-se em assuntos que não os interessam!
Hertz sorriu.
Beijando carinhosamente os lábios de Lilly, falou:
— Nesse caso, que tal irmos para a Escócia? Tenho uma pequena
propriedade lá perto de Glasgow, não há vizinhos e você poderá ter uma
horta e algumas galinhas!
— Desde que eu tenha você... — murmurou Lilly começando a
desabotoar a camisa de Hertz. — E desde que diga de uma vez por todas
como é o seu nome verdadeiro...
Ele não falou nada...
Tampouco deixou que Lilly continuasse a perguntar coisas.
Naquele momento, o momento sublime da materialização do amor,
eles tinham outras coisas em que pensar além de nomes e sobrenomes...
(Tudo pela Bélgica, 1990: 124-125 – destaque acrescentado).
A narrativa finaliza-se na página 126 e tem-se a informação que Hertz nunca revelou o
nome anterior. Não há nenhuma menção ao estado da Bélgica após a saída do casal.
Cinco exemplares da coleção FBI
58
compõem a amostragem; desses, quatro foram
publicados pela editora Nova Cultural e um pela editora Monterrey. A diferença entre as
publicações da Monterrey e da Nova Cultural de maior relevância para o momento é a de a
Nova Cultural apresentar uma síntese da narrativa na quarta-capa; fato não observado nos
demais exemplares da Monterrey. Por essa peculiaridade, dou início a apresentação de Vidas
truncadas pela quarta-capa.
58
Conforme a Monterrey, "no início dos anos sessenta as publicações de livros de bolso se popularizaram de
forma gigantesca. Então, Monterrey – que sempre tem exposto seu produto nas bancas de jornal de todo o país –
começou a diversificar suas obras, passando a lançar no mercado os mais variados título s. Foi assim que, em
1961, surgiu a coleção do gênero policial intitulada FBI" (destaque acrescentado).
221
Figura 14 – Vidas truncadas
Vidas truncadas (?-1991), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm [traduzido],
país de origem: Espanha, 96 páginas.
Síntese: Quem matou Annie Grove? Esta é a pergunta que martela na cabeça do
agente Dick Gardiner, o homem que amanheceu ao lado do cadáver da famosa escritora.
Investigando o crime para provar sua inocência, Gardiner vai descobrindo a verdadeira
personalidade da vítima: uma mulher sem escrúpulos, arrogante e... chantagista! Para caçar
o assassino, o federal tem de montar um intrincado quebra-cabeças onde a última peça pode
significar seu fim!
Na capa, logo abaixo do título da narrativa, o leitor tem a seguinte entrada: "Muitos
suspeitos naquele crime. Até um federal!".
A narrativa tem início na cena do crime; Dick, após jantar com Annie e alguns amigos
dela, aceita o convite para um último drinque e acompanha a escritora até o seu apartamento.
222
Lá, acorda ao lado do corpo de Annie. Do final da página 6 a início da página 20 o narrador
apresenta a razão que levou Dick ao apartamento de Annie e só depois retorna a cena do crime,
iniciada na página 5. A prerrogativa da história é: "[s]ó por ele ser agente do FBI, alguém
acreditaria em sua inocência, se o encontrassem junto a uma mulher estrangulada? (1991: 20).
Dick faz um reconhecimento da área. Nota a ausência da garrafa de uísque e percebe a
presença de um lenço feminino no chão. Vasculha os bolsos de Annie para verificar se o lenço
feminino é dela e descobre não ser, os perfumes são diferentes. Resolve abandonar o local e,
com o lenço, retorna ao hotel sem ser notado, descansa o suficiente para deixar marcas de uso
do quarto, toma um banho e pede o desjejum. Após esses cuidados dá início a investigação
particular.
Começa pelo escritório de Annie e a secretaria [Betty Garth], ainda sem saber da morte
da patroa, manifesta a estranheza de algumas gavetas abertas. Dick finge aguardar Annie e
depois de algum tempo de espera pede a Betty que ligue para ela. Diante do fracasso da
ligação, Dick diz que vai procurá-la no apartamento e inferindo uma possível "doença",
consegue a companhia de Betty para retornar ao apartamento. Ao chegarem, Betty nota a porta
aberta. Vão entrando e Dick fica impressionado, o corpo já não está mais sobre o divã
conforme ele havia deixado algumas horas antes. Betty adentra a casa e descobre as roupas
tiradas na sala, a cama arruma da e por fim Betty encontra Annie dentro do armário.
Dick e Betty fazem uma inspeção pelo apartamento e esta nota o desaparecimento de
um envelope, comenta com Dick o fato de na gaveta aberta Annie guardar "os originais de seu
trabalho e alguns particulares..." (1991: 27). Depois de algumas perguntas impessoais, Dick
descobre que Betty também tentara o sucesso no mundo da literatura e só após o resultado
infrutífero pedira emprego a Annie. A polícia é acionada e Dick é interrogado por Simpson.
O interrogatório não é aprofundado. Betty e Dick são dispensados e, após ouvir que
Betty ira para casa e não para o escritório, Dick resolve continuar suas investigações. Ao
chegar ao escritório, encontra o agente literário, procurando, no lugar errado, uns originais que
deveriam estar no arquivo. Dick dá uma desculpa e volta ao hotel. Descobre que, apesar de não
existir vestígios, o tenente Simpson já passara por ali.
De posse do lenço Dick pesquisa o perfume. Após descobrir o aroma começa a visitar
os amigos de Betty que estavam no encontro na noite que antecedeu o crime. Visita Fanny
Hopkins, a moça usa o mesmo perfume sentido no lenço. Fala sobre a morte de Annie e Fanny
diz que Annie terminou como devia terminar. Não demonstra medo quando Dick fala do lenço
e afirma não ser dela. Depois Dick visita Hedley, o ex-marido de Annie e descobre que ele
223
vive em uma situação miserável, obrigado por ela a pagar metade do salário dele a ela,
religiosamente.
As investigações da polícia se misturam às investigações de Dick até que esse é
interrompido por dois visitantes estranhos que o levam fora do hotel por algum per íodo e o
soltam depois, sem causar-lhe danos físicos, apenas ameaças. Edwin Durkin, detetive
particular, visita Dick e este resolve questionar o detetive. As observações de Dick não são
suficientes e o chantagista alega que se Dick não pagar a ele mil dólares, denunciará o fato de
Dick ter passado a noite no apartamento de Annie.
As investigações de Dick o leva a uma reunião dos amigos de Annie e nessa reunião
Dick descobre que Annie Grove não era autora dos livros publicados com o nome dela, mas
sim Bill Hopkins, irmão de Fanny Hopkins; segundo ela seu "[...] irmão notou o
desaparecimento de três originais de sua autoria, que mantinha na gaveta de sua mesa de
trabalho. [...] Sabe como é, os editores só querem nomes badalados" (1991: 51).
Todas as pessoas presentes na reunião na noite da morte de Annie tinham alguma razão
para não querê-la viva. Dick descobre que Betty chegou a ver o envelope que sumiu e a casa
dela é revistada por alguém que não é a polícia, porque esta não sabe da existência do sumiço
do envelope com fotos e documentos particulares. Fanny o procura alegando que mentiu sobre
o lenço e informa:
[...] Bem... estive na casa de Annie, mais ou menos às 2 daquela madrugada.
Bati e, enquanto esperava ser atendida, percebi que a porta estava apenas
recostada. Então, entrei. Eu estava muito furiosa. Estava disposta a dizer a
Annie que se ela não consentisse no divórcio com Hedley, eu...
— Você, o quê?
— O que importa isso agora? — desabafou Fanny . — Eu não a matei,
porque ela já estava morta. No primeiro instante achei que você também
havia morrido, mas logo ouvi a sua respiração e fiquei mais tranqüila.
Apavorada, saí correndo de lá. Mas voltei logo de manhã. Pensei que, se
demorassem para descobrir o corpo, eu teria tempo de telegrafar a Bill para
perguntar-lhe o que faríamos a respeito de seus originais. Transportei o corpo,
vencendo meu medo e minha repugnância. Neste momento, devo ter perdido
meu lenço (Vidas truncadas, 1991: 66-67).
A informação de Fanny sobre ter perdido o lenço no momento que retornou ao local do
crime para esconder o corpo de Annie não procede, se o leitor der crédito ao texto. Isso porque
o texto apresenta, na página 20, ainda quando Dick estava no local do crime, que este, ao notar
o desaparecimento da garrafa de uísque, também notara a presença de um lenço feminino. O
224
agente do FBI não menciona o fato de o lenço ter sido guardado por ele ainda quando o corpo
de Annie estava no divã.
Uma outra morte surge para incrementar a narrativa. Edwin Dur kin, o detetive
chantagista, é encontrado por Dick quando vai ao apartamento dele para verificar a situação da
chantagem. No local do segundo crime o agente do FBI houve uma batida na porta, houve a
voz de Fanny Hopkins e pede a ela:
— Entre, Fanny. Sou eu, Gardiner.
Ouviu um pequeno grito, abafado e acrescentou:
— Não tenha medo, Fanny. Eu não sabia que era você, até que ouvi
sua voz. Espere um instante que vou acender a luz.
[...]
Ela olhou ao redor e perguntou:
— O sr. Durkin não está?
O agente ficou calado por algum tempo. Não sabia o que responder.
Por fim, decidiu-se:
— Sim, ele está aqui — disse, afastando-se para o lado. — Aqui está
ele. Tal e como encontrei há alguns minutos.
A princípio, a jovem não compreendeu o que ele queria dizer. Deu
uns passos em direção ao corpo, com as sobrancelh as arqueadas e o olhar
fixo. Por fim, se deu conta do que tinha acontecido e empalideceu.
Gardiner a segurou por um braço (Vidas truncadas, 1991: 71).
A razão da visita de Fanny é a mesma de Dick, eles foram chantageados por Durkin.
Daí Dick deduz que provavelmente quem eliminou Durkin também era por ele chantageado.
Saem os dois e Dick avisa a polícia, anonimamente, da morte de Durkin. Sem comentar a
morte do detetive, conversa com Ronald Clayton [o agente] e depois visita Richard Champman
[o editor]. Com este descobre que Annie o havia embebedado, deixado-o nu e providenciado
fotos dos dois, na cama. Com essas fotos, Annie o chantageava não só a publicá-la, mas
também ameaçava destruir o seu casamento.
Após a conversa com Champman, Dick visita Beth e descobre que ela está vivendo
modestamente por conta do desemprego. Num tom despreocupado diante da preocupação de
Betty em arrumar outro emprego, Di ck diz: "— Não se preocupe com isso, Betty. Quando isto
tudo terminar, coisa que deverá acontecer hoje mesmo, acho que tenho algo a lhe oferecer"
(1991: 82).
Betty, sem entender do que se trata, houve a proposta de Dick para ir trabalhar no
escritório de Annie até tarde da noite. Ele alega a moça suspeitar de alguém e se essa pessoa
for de fato responsável pela morte, irá até o local procurar novamente os documentos
225
desaparecidos. Betty se recusa a ir: "—Não vou. Não penso ir. Não seja idiota!" (1991: 85).
Porém, 15 minutos depois, após saber a profissão de Dick, ser beijada por ele e ficar ciente dos
propósitos dele em relação a ela, a moça aceita ir ao escritório às 16 horas. Fica "trabalhando",
sabe que Dick espera por ela, sem ser visto, até às 22horas. A moça, passado o desconforto
inicial da espera, começa a escrever cartas de amor para Dick e não percebe quando alguém
entra:
— Boa noite, Betty.
A inesperada saudação fez a jovem sentir um calafrio por todo o
corpo
— Você?! — exclamou, com voz trêmula.
— Sim, eu. O que tem demais? Já não me viu outras vezes aqui?
— Sim... claro... mas... na verdade é que hoje eu não o esperava...
[...]
— Fácil, Betty. Eu passava por aqui e, quando vi luz pela janela,
supus que estivesse trabalhando. Aí me ocorreu fazer-lhe uma visita e por isso
comprei, no bar ali da esquina, uns sanduíches e um pouco de café. E aqui
estou.
[...]
— Ponha uma folha na máquina e escreva! Rápido! — ordenou,
enquanto entrava no armário, deixando uma pequena abertura, por onde
continuava apontando o revólver para ela. — Faça com que vá embora, seja
quem for. Se tentar alguma coisa, eu disparo (Vidas truncadas, 1991: 91- 92)
.
Dick, que havia se ausentado da vigilância por poucos minutos, não entendeu o
entusiasmo de Betty pelo trabalho quando ela alegou que ficaria mais duas horas. Betty
aproveita que o visitante armado havia pedido a ela que escrevesse, e avisa Dick: "Cuidado.
Clayton está dentro do armário com uma arma" (1991: 94). Dick, rapidamente consegue
empurrar Betty da cadeira para o chão e dar um pontapé na porta do armário, fechando-o. Dois
disparos são efetuados por Clayton, e respondido por Dick, ferindo o outro, mas que não causa
o óbito. Após algemá-lo, Dick dirige-se a Betty:
— Ouça, secretária: seria muito ruim para você casar-se com u m
agente do FBI?
— Eu me casaria com você nem que fosse um bicho-papão —
respondeu Betty, atirando-se em seus braços.
Quando o federal conseguiu separar-se dos braços de Betty, o que lhe
custou mais trabalho que prender Clayton, aproximou-se do telefone e discou:
— Tenente Simpson? (Vidas Truncadas, 1991: 95).
O único pedido feito ao tenente foi para não constar seu nome nos laudos, isso porque,
no dia seguinte, teria coisa mais importante para fazer: ir ao próprio casamento.
226
Figura 15 – Covil do chacal
Covil do chacal (?-1997), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm [traduzido],
país de origem: não especificado, 126 páginas.
O romance tem por "título original" Quebrada del chacal, e inicia-se com a morte de
Abner Square, um famoso pistoleiro atacado por um estranho chacal. A morte de Abner Square
é posterior a morte de Daisie Forrest; esta também fora morta por um animal não identificado,
mas semelhante as descrições de um chacal. As duas mortes deixam um povoado inteiro em
alerta, mas o medo maior é causado pelas pregações do reverendo Shatner. O reverendo faz seu
sermão e provoca os fiéis da Quebrada do Chacal intentando doações para a igreja e para que
não morram tal como Abner Square [pistoleiro] e Daisie Forrest [profissional do sexo].
O local está povoado pelo medo quando surge Jim Wade. A chegada do rapaz se deu
após ter seguido um grupo de criminosos que assaltaram um banco em Grand Junction e
227
mataram seu melhor amigo e primo de sua noiva. Jim Wade teve o nome pronunciado por Bill,
nos momentos últimos de vida, promete a esse que vingará sua morte e sai da cidade após
terminar o noivado com Elen. O pai desta, o marshal McGregor, dois me ses depois da morte
de Bill, sem saber que Jim Wade saiu da cidade para caçar os criminosos, julga-o responsável
pelo crime e segue-o para vingar a morte do sobrinho. Nesse contexto, Jim Wade aproxima-se
da Quebrada do Chacal e percebe que os criminosos armaram uma cilada para matá-lo. Porém,
consegue se defender habilmente: "[a] luta havia terminado quando mal estava começando. Os
cinco homens que esperavam surpreendê-lo já não tinham condições de lutar. Quatro estavam
mortos, e o quinto, com a mão direita imprestável, naquele momento gemia de dor" (1997: 17).
O fato de Jim Wade ter se defendido tão bem não deve ser inverossímil. Mas, apesar de
ter defendido-se com maestria, o chefe do grupo, Shep Tyrone, fugira com o roubo e é preciso
encontrá-lo. Este, de acordo com o que ficara ferido, tinha por destino a Quebrada do Chacal e
seguia acompanhado de Neil Page, um homem que se transforma va em uma fera com um Colt
na mão. Após muitas perguntas enfim Jim Wade aproxima-se do lugarejo. O reverendo Lionel
Shatner, diante das mortes assustadoras, aproveita para pr egar:
— Vivam vidas retas porque o poder do diabo se aposa (sic) das
almas pecadoras! O poder do Mal quando subjuga a vontade de um homem
ou de uma mulher os aniquila para todo o sempre! Elevem seus pensamentos
às coisas divinas e supliquem pela mise ricórdia eterna! Se não se libertare m
dos hábitos pecaminosos, se transformarão em escravos do Mal, e é isso o que
o diabo mais desejava; ter todos vocês ao alcance de suas mãos! O que para
ele é uma vitória ou um triunfo, para vocês será amargor e derrota!
[...]
[...] Vocês, pecadores, acabarão sendo estraçalhados por uma fera
selvagem e assim pagarão pelos pecados que cometerem durante suas
vidas mortais! Com vocês vai se repetir o mesmo que aconteceu com
Abner e Daisie! Ambos eram escravos do diabo! [...] (Covil do chacal,
1997: 24-26 – destaque acrescentado).
O reverendo, com esse sermão, consegue arrecadar 32 dólares e oitenta centavos, o que
o faz proferir em monólogo, logo interrompido:
— O dia de hoje não foi produtivo — murmurou com cara
aborrecida. — [...] As contribuições estão baixando. Preciso ser mais enérgico
e assustá-los ainda mais. Nunca vi tanta gente avarent a. Meu próximo sermão
tratará do valor das doações terrenas para o progresso das prop riedades
divinas. O dinheiro foi feito para o engrandecimento da mansão celestial e
não para ser gasto com luxos e prazeres da carne. Talvez com este assunto
eles fiquem tocados e sejam mais generosos quando puserem seus donativos
em minha cesta.
228
[...]
— Shep Tyrone, você aqui? — abaixou a arma e agora parecia mais
confiante.
— Eu, em carne e ossos, reverendo Shatner — riu o outro. — Sou um
pobre pecador que carrega uma alma atormentada que necessita de seus
sábios conselhos... Ainda bem que os moradores da Quebrada do Chacal
desconhecem seus vícios e não sabem como você gosta de bebidas fortes e
como aprecia os carinhos de uma mulher... Se essa parte de sua
personalidade chegasse ao conhecimento de suas ovelhas, garanto que suas
prédicas não renderiam mais nenhum centavos (sic) (Covil do chacal, 1997:
28-29 – destaque acrescentado).
O passado do reverendo é conhecido apenas por Shep Tyrone. A visita de Tyrone e
Page não é bem vista por Shatner; mas ainda assim este oferece àqueles uma bebida. Tyrone
aproveita para lembrar o reverendo do seu sermão insípido.
Tyrone diz ao reverendo que precisa dele para encontrar um tesouro escondido em uma
árvore morta desde a Guerra Civil. O reverendo sabe a localização da árvore e promete ajudar
mediante a recompensa de cinqüenta mil dólares. A árvore está na propriedade de Milton
Knight e é impossível entrar lá sem ser fuzilado pelos home ns de Knight ou pela neta dela,
Abigail. Esta jovem usa um Winchester ou um Colt tão bem quanto os homens a serviço do
avô. Shatner convence Tyrone que seria útil usarem a idéia do "chacal" para assustar os
Knight. Logo após se programarem como roubar o ouro Jim Wade está prestes a ser atacado
por um "chacal".
Os Knight e alguns funcionários, ao ouvirem os gritos do chacal e os tiros, vão até o
local e encontram Jim Wade. Após darem voz para que Wade solte as armas, ouvem se u
argumento de que não invadiu nenhuma propriedade particular e que assim age como tiver
vontade. Milton Knight acaba por convidá-lo para hospedar em sua fazenda. Jim aceita.
Na seqüência tem-se Tyrone e Neil Page reclamando para o reverendo do insucesso de
liquidar "um tipo que estivesse fingindo ser uma fera selvagem" (1997: 56). Tyrone conta ter
adquirido a pele de um jaguar e que iria atacar um cavaleiro solitário quando este foi atacado
pelo "tipo" estranho. Tyrone e Page reconheceram Jim Wade e após o relato ao reverendo
ouvem deste que usará o fato de o "chacal" ter atacado próximo as terras de Milton Knight para
acusá-lo das forças do Mal.
Na fazenda dos Knight, Jim Wade é apresentado a Abigail, "[e]la notou o olhar
demorado dele, e suas faces repentinamente se tingiram de rosa" (1997: 59). Porém, logo após
ter sua beleza elogiada, Abigail informa: "Senhor Wade, eu não aprecio elogios" (1997:59).
Jim faz perguntas aos anfitriões sobre a possível presença de Tyrone e Neil Page na redondeza,
mas eles não sabem informar. Após saber de Abigail que há um pregador na Quebrada do
229
Chacal, Jim responde que não acredita no que os pregadores dizem porque "quem os conhece
um pouco melhor sabe que eles costumam fazer exatamente o que condenam quando falam
para uma assistência" (1997: 66).
Os jovens, ele com 27 e ela com 20 anos, estão interessados um no outro, mas
disfarçam seus sentimentos. Na mesma noite Jim percebe um vulto estranho na árvore seca e
logo em seguida ouve tiros. Um grupo de pessoas, reunidas pelo xerife Frank mas por sugestão
do reverendo, está na fazenda e atira em Rufus, um homem doente, vive jogado pelas
redondezas e vez em quando dorme na árvore. O pregador e o xerife dizem que foram caçar
nas terras de Knight o home m-chacal, porém Milton Knight diz que não há nenhum chacal e o
pregador o acusa de dar morada aos demônios. Jim conta ao xerife ter sido atacado pelo
"homem-chacal" e que o feriu; conta ainda que outros dois homens viram o "homem-chacal"
mas não fizeram nada para detê-lo. O xerife comunica o fato de os dois homens tê-lo
procurado e Jim tem certeza tratar-se de Tyrone e Neil.
Conforme o xerife pediu, no dia seguinte Jim Wade vai a Quebrado do Chacal para
conversarem. Nesta conversa Jim esclarece a razão de seguir Tyrone e Neil Page. Depois
comenta o perigo que o fanatismo do reverendo representa para a cidade haja vista o pregador
incutir na cabeça de seus fiéis que Milton Knight abriga o Mal em sua fazenda. Depois de
visitar o xerife, Jim Wade vai até o saloon de Vincent Cox. Lá, a bela Maisie está prestes a
confortar Wade em seus aposentos, ainda que este não tenha dinheiro para pagá-la, quando
adentram ao recinto os pistoleiros Tyrone e Page. Jim está desarmado e os dois já empunham
seus Colts, Maisie diz que se eles atirarem será assassinato e Tyrone responde que ela é muito
ingênua, que primeiro matam Wade e depois Maisie e o cantineiro, sem esquecer de colocar a
arma de Wade na mão dele e depois justificam terem matado Jim após este ter matado os dois.
A conversa, no entanto, é amistosa. Os pistoleiros saem e deixam Jim Wade refletindo sobre
sua ida para vingar-se do assassinato de Bill MacGregor, mas agora ele tem mais uma tarefa:
"proteger o velho Milton e sua neta" (1997: 97).
Com essa resolução Jim Wade proc ura Lionel Shatner e ouve o sermão do reverendo
que acusa os Knight. Após conversar com Shatner, Jim resolve esperar por Maisie. Nesse meio
tempo, enfim chega a Quebrada do Chacal o pai de Elen.
Jim Wade, que ficara na cidade para receber os agrados de Maisie, ao cansar de esperá-
la, dorme, mas logo é acordado por Vincente Cox e informado sobre a morte de Maisie e a ida
do povo da região para atacar a fazenda do velho Milton. Jim vai até o saloon e encontra o
corpo de Maisie em uma mesa fúnebre, o corp
230
o momento supremo para se exterminar o Mal que contamina Quebrada! Estou recebendo
ordens celestiais avisando que o dia determinado para sua destruição é hoje!" (1997: 105).
Os Knight, sozinhos na fazenda, ficam assustados quando Jim Wade chega e comunica
as ações do pregador; a preocupação de Milton aumenta por saber que todos os seus
empregados deixaram a fazenda após o reverendo ter afirmado que eles alimentavam o
demônio.
Jim, após se informar do material bélico, afirma que os fanáticos devem chegar dentro
de 15 minutos. O reverendo de fato chega com seus seguidores e todos estão preparados para
atear fogo nas benfeitorias da fazenda, quando são avisados por Jim de que o chão está forrado
de dinamite e que se esses não forem embora serão transformados em carne. Duas explosões
são suficientes para que o grupo disperse, não sem a ameaça de voltarem. Depois da dispersão
chega o xerife para prestar ajuda, mas o caso já fora resolvido por Jim Wade. Sem entender
qual o interesse do revendo nas terras dos Knight as perguntas vão ganhado consistência
quando Milton lembra que "durante a Guerra da Secessão alguém tinha roubado um
carregamento de ouro confederado e assassinado vários soldados. O ouro fora enterrado aqui
na Quebrada do Chacal, mas os lingotes e as barras do metal precioso jamais foram
encontrados" (1997: 115).
Defendido os Knight e ciente dos motivos que causam interesse no reverendo e nos
dois pistoleiros caçados por ele, Jim Wade vai a pior taberna da Quebrada e encontra Tyrone e
Page. Esses, como ensaiados, após ouvirem Jim acusar Tyrone do roubo do banco, da morte de
Bill e do roubo no pôquer, apontam suas armas para Jim.
Os dois pistoleiros já seguravam as armas quando Jim sacou. Os
projéteis se entrecruzaram no ar. Neil Page foi o primeiro que caiu, com a
cabeça e o rosto lavados de sangue. Depois, Jim sentiu a picada do chumbo
no ombro, mas mesmo ferido, contbro,!od Shepr Tyrone(cai, coo )]TJ0.0006 Tc 0.0018 Tw -208.58 -11480 Td[ umrom(bo t)-6(n)-2s peitu
231
chegarmos no Colorado você será julgado. Sei que seu final dev e ser a forca,
miserável.
Jim estava perdendo muito sangue. Apenas sorriu, soltou o Colt e
caiu de bruços no chão.
McGregor abaixou a arma e olhou para o cantineiro.
— Ajude-me a levar esse homem para a casa do médico! — ordenou.
— Ande depressa, que ele está tendo uma hemorragia (Covil do chacal, 1997:
119-121 – destaque acrescentado).
Os destaques serão questionados, mas antes Jim Wade é levado para a casa do médico e
fica aos cuidados deste e de Abigail. McGregor vigia o quarto para que Jim Wade não fuja, até
que o médico precisa se ausentar e Abigail e Jim fica m sós. Nisto, a moça nota pela janela, a
presença do homem-chacal prestes a atacá-la. Por medo fica sem voz e só consegue gritar
quando percebe que o homem chacal é um home m usando a cabeça e a garra de um chacal
real. Seu grito acorda Jim e este, ainda ferido, luta com o chacal e consegue tirar dele a
máscara. Jim está atormentado porque, "[...]Shatner, que vivia apregoando que sua mi ssão
terrena era eliminar todas as mulheres que viviam na terra, pois todas, sem exceção, eram
servas do Mal, também iria matar Abigail, a moça que agora ele tinha certeza de amar
profundamente" (1997: 124). Quando Jim Wade julga ter perdido a luta para Shatner, um tiro
salva a vida de Abigail. Jim agradece ao mashall e diz que está pronto para ser enforcado.
— Não me agradeça, Jim — disse McGregor. — Sou eu quem lhe
deve pedir perdão e desculpas, meu filho. Estive na cantina. Shep Tyrone
tinha arranjado uma briga, e alguém o baleou. Quando entrei, ele já estava
morrendo, mas pôde contar-me muitas coisas. Falou-me que o ouro
confederado está enterrado perto do sarmento morto, que continua em pé n a
fazendo dos Knight. Ele também me disse que matou Bill, obedecendo a
instruções que lhe foram dadas pelo banqueiro Hanworth. Tive uma das
maiores decepções de minha vida, porque sempre imaginei que o banqueiro
fosse um homem íntegro e digno. Até pensei que poderia ser um bom partido
para minha filha... Ele também disse que o dinheiro roubado do banco foi
dividido entre os dois. Não se preocupe, Jim, porque contarei tudo a Elen
(Covil do chacal, 1997: 125 – destaque acrescentado).
Não havia dois Shep Tyrone na história. Mas ele morreu "duas vezes". A primeira com
um "rombo no peito" (1997: 119) efetuado por Jim Wade. A segunda por esse "alguém"
apresentado por McGregor. Até aí, para o leitor atento, é aceitável, Shep Tyrone poderia ter
sobrevivido ao primeiro ataque, mas McGregor estava na primeira cena do crime quando
afirma não desejar confissão alguma; quer simplesmente prender Jim. Depois, sem razão
alguma (a não ser a qualidade da narrativa), surge McGregor com a solução do caso. Se a
morte de Shep Tyrone tivesse ocorrido pelas mãos de "alguém", Jim Vade não teria "honrado"
232
a morte do melhor amigo. Mas, é preciso que fique tudo bem; a história termina na página
seguinte, vejamos:
— Entendo tudo, e só posso desejar-lhe u m futuro venturoso, filho.
Agora, deite-se, que vou tratar desses ferimentos. Noivo não pode entrar na
igreja capengando e tem que estar com o ombro curado para poder abraçar a
noiva durante a lua-de-mel.
Jim sorriu. Estava pálido e fraco, mas mais uma vez olhou para a
jovem que continuava chorando e disse:
— McGregor, tenho certeza de que vou ser muito feliz aqui na
Quebrada do Chacal. Vim atrás do assassino de Bill e encontrei uma coisinha
linda que eu nem podia imaginar que existisse (Covil do chacal, 1997: 126).
Para finalizar explicito que Donald Curtis, autor de Covil do chacal, além desse, assina
mais dez exemplares de romances de mocinho estudados para este trabalho. Esses foram
publicados em nove tipos de coleções. Covil do chacal é o único exemplar da coleção Lei do
revólver assinado por ele. Há três outros exemplares da coleção na amostragem.
233
Figura 16 – Desejo louco
Desejo louco (?-1999), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm [não apresenta
tradutor], país de origem: não especificado, 125 páginas.
Desejo louco tem início com um prólogo. O capitão dos rurais, Lee Hall, ao saber da
disputa de terras entre dois potentados de Fork Mountain, vai até o local onde Giovanna é
treinada por Hayotto Sin e a nomeia, com a anuência de Hayotto, agente da SSS, Special
Security Service. Giovanna, com a carteirinha de agente SSS-1, recebe sua primeira
incumbência: ir até Fork Mountain e verificar a razão da briga de duas famílias e o paradeiro
de duas moças seqüestradas, sendo uma de cada família.
[...] Era a primeira credencial emitida por Washington para o recém-
criado Special Security Service, dando poderes extraordinários, no Texas
ou em qualquer outro estado da União e, até, no México, mediante um
234
acordo firmado entre Washington e o governo mexicano, desde que em
missão de perseguição de cidadãos americanos (Desejo louco, 1999: 12 –
destaque acrescentado).
Outorgados todos esse poderes, Giovana só deverá prestar contas aos "comandantes das
forças especiais, militares civis, governadores de Estado e presidentes da União" (1999: 13).
Lee Hall, após noticiá-la da missão, "atraiu-a para si e colou seus lábios na boca rosada" (1999:
14).
O primeiro capítulo tem a epígrafe "A bela intrometida". Giovana chega ao Fork
Mountain City após duas semanas de viagem e o cocheiro Murphy responde a curiosidade do
xerife Lancaster informando que "Miss Giovanna é repórter de um jornal de Austin. Está
viajando em busca de histórias interessantes" (1999: 21). O xerife resolve visitar Giovanna no
hotel e o faz surpreendendo-a no banho: "— Perdoe a intromissão, senhorita. Se soubesse que
estava tomando banho, teria deixado minha visita para mais tarde" (1999: 23).
Giovanna sabe o interesse do xerife ser justamente o banho, mas comporta-se como se
ele fosse um móvel do quarto e indaga a razão da visita. Lancaster a previne que é melhor não
se intrometer na questão entre os Sant'Anna e os Baldwyn e aconselha a repórter a não
escarafunchar o que se passa em Fork Mountain City, para não causar mais dissabores aos já
causados pelas mortes das reses e seqüestros das moças. Também para que Giovanna, por ser
mulher e sozinha, não sofra nenhum contratempo. Após perceber o interesse do xerife em
afastá-la da rixa, a moça informa que os habitantes do lugar seriam sempre amáveis e gentis;
afinal ela é, "uma mulher bonita e desconhecida" (1999: 24).
O segundo capítulo traz a epígrafe "Dois casmurros da pesada" e tem início com o
xerife avisando as duas famílias da vinda da repórter interessada em entrevistá-los para
descobrir os casos dos seqüestros e roubos para publicar em um jornal de Austin e outro da
Filadélfia. A atitude do xerife provoca intentos parecidos e dois representantes das famílias,
sem saber, vão para o hotel acusar Giovanna de ser "enviada" pela outra família.
O terceiro capítulo abre-se com "Um convite absurdamente aceito". Diego Sant'Anna e
Fred Baldwyn estão no hotel se acusando quando Giovanna os interrompe:
— Boa tarde, senhores — sorriu a garota. — Se bem entendi, estavam
falando de mim...
Os dois homens ficaram alguns instantes sem respiração, diante da
singular beleza da forasteira. O corpo esbelto metido no vestido muito justo
movia-se com a graciosidade de uma onça (Desejo louco, 1999:43).
235
Eles, após a chegada da repórter, voltam a se acusar e Douglas Sant'Anna agride o
jovem Fred Baldwyn; após o revide desse Giovanna interrompe a briga:
Alguma coisa segurou o pulso de Fred com firmeza, torcendo-o para
trás e obrigando o rapaz a dar uma volta sobre si mesmo. Imediatamente, Fred
se sentiu elevado nos ares, voando sobre a cabeça de Giovanna Mountain,
aterrisando com estrépito no chão duro da rua. Diego Sant'Anna assistiu à
impressionante demonstração com os olhos muito abertos. De repente, soltou
uma gargalhada que feriu os tímpanos de Fred como se fosse uma bofetada.
Porém, a gargalhada não chegou ao fim. Os dedos ágeis e elegantes de
Giovanna fecharam-se em torno do pulso do rancheiro, puxando-o para
diante. Sant'Anna abriu a boca para protestar. Porém, não teve tempo de
emitir qualquer som. Seu corpo girou nos calcanhares, impulsionado por uma
força estranha, e elevou-se da mesma forma que Fred Baldwyn. Por ironia do
destino, foi aterrissar justamente sobre o ainda caído Fred, que s e revolveu,
tentando libertar-se do peso do inimigo (Desejo louco, 1999: 45-46).
Supresos com a demonstração de Giovanna os dois sucumbem ao pedido dela e aceitam
jantar juntos.
O jantar é narrado no quarto capítulo: "Uma princesa na noite". Durante o jantar
Giovanna percebe o ódio nutrido pelas famílias e convencida de "alguma coisa mais tenebrosa
se escondia e que havia provocado o desaparecimento das duas mulheres" (1999: 51), resolve
seguir Fred Baldwyn; não se antes trocar suas roupas femininas por um traje negro e colado ao
corpo. A repórter "afivelou um cinturão com dois revólveres brilhantes e colocou na cabeça
um chapéu de copa baixa e abas largas"(1999: 51) e seguiu Fred até vê-lo encontrar-se com
Sarah Sant'Anna. Ao ver "as mãos nervosas de Fred percorre[rem] o corpo esbelto de Sarah,
livrando-a lentamente da blusa e da saia, até que a pele acetinada da bela mulher ficou
totalmente exposta aos raios de luar e os dois corpos se uniram num amplexo de prazer" (1999:
58), Giovanna desinteressa do casal e se afasta da estância.
No caminho encontra Henry e Jim, dois pistoleiros dispostos a violentá-la, e para se
defender, Giovanna é obrigada a matá-los:
A bela agente do SSS pulou agilmente [...] chocando brutalmente
com a base do pescoço de Jim [...] Giovanna acertou-lhe uma poderosa
joelhada no rosto, que atirou Jim para trás, caindo de costas, inconsciente.
Henry, com os olhos desorbitados, correu para Giovanna com o
punho em riste. [...] a agente SSS-1 esquivou o corpo [...]. De tal forma que
Henry, [...] passou como uma flecha [...] antes de se estatelar de rosto contra o
chão duro. [...] Quando o brutamontes aproximou-se, a garota arqueou
levemente o corpo [...] ela ergueu a mão direita e deixou-a cair, duramente, de
cutelo, na base da nuca de Henry. [...] quando atingiu o chão, estava morto.
[...]
236
Giovanna [...] ficou tensa de novo. Porque Jim tinha despertado e
estava sacando o revólver, com uma careta de ódio no rosto canalhesco
(Desejo louco, 1999: 61-62).
O capítulo é encerrado no clímax da reação de Giovanna.
O seguinte se abre com "uma mulher espantosa". Neste, Fred e Sarah são surpreendidos
por dois homens que surram Fred e, após atingirem Sarah na nuca para que desmaiasse,
retomam as agressões dirigidas a Fred. Ele é abandonado no lombo do cavalo que,
instintivamente, dirige-se para o rancho dos Baldwyn.
A narrativa volta para a cena de Giovanna e ela reage "com a velocidade de um raio"
(1999: 65) e se livra da bala com tempo para atirar em Jim e matá-lo. Ao afastar-se dos dois
mortos Giovanna encontra Fred quase morto e confessa a ele não acreditar que os Sant'Anna
tenham envenenado as reses, assim como não acredita na história de as famílias terem raptado
as filhas de uma e da outra. Comenta com Fred o encontro com os dois pistoleiros e o
convence a procurar o xerife e assumir as mortes. Também o convence a procurar Douglas
Sant'Anna e perguntar por Sarah.
No sexto capítulo tem-se a epígrafe "Um casmurro vencido". Neste Diogo Sant'Anna,
casado com "Mildred, a mãe de Sarah" (1999: 32) tem seus pensamentos destinados à jovem
repórter:
[...] Era tarde, mas surpreendentemente, não tinha sono. A imagem
escultural de Giovanna Mountain não saía de sua cabeça. Parecia estar vendo
o rosto angelical da jornalista, seu busto erguido e agressivo, o corpo perfeito
e elástico. Era uma mulher assim que estava precisando. Uma mulher que,
além de juventude, lhe desse o amor de que precisava. Não se considerava
ainda um homem velho, mantendo seu pleno vigor (Desejo louco, 1999: 72).
"O velho patriarca dos Sant'Anna" (1999: 31) é surpreendido pela chegada da jovem
que entorpece sua mente. Giovanna convenceu Fred a irem ao rancho e com essa intenção
descobrem que Sarah não esta. Fred avisa o pai de Sarah do espancamento sofrido e é acusado
por Douglas de ter seqüestrado mais uma filha dele. Giovanna consegue acalmar os ânimos do
pai de Sarah após atirar nos revólveres dos dois funcionários de Douglas que tentaram agredir
Fred. Fred e Giovanna saem da estância decididos a encontrar Sarah, não antes de Giovanna
avisar: "— [...] Fred Baldwyn está inocente do crime de que você o acusa. Ele e Sarah se
amam há muito tempo. [...] por causa da intransigência de dois teimosos [...], foram obrigados
a manter esse amor em segredo [...]" (1999: 77).
237
Fred, intrigado pelo comportamento da repórter em ajudá-lo, afirma que ela é uma
mulher estranha. Giovana responde que gosta de aventura, razão suficiente para abraçar a
profissão normalmente atribuída aos homens. Após combinar com Fred os procedimentos para
o dia seguinte Giovanna volta ao hotel.
O capítulo 7 acena uma solução: "Novidade na fronteira". Neste Fred entrega Jim e
Henry aos cuidados do xerife para sepultá-los e assume tê-los matado para se defender. Como
foi muito ferido por outros dois pistoleiros sua afirmação não desperta duvida. Giovanna, já
trajada de jornalista, vai até Lanca ster:
Tem novos hóspedes, xerife? Isso interessa para meu jornal. Posso
saber o que aconteceu?
— Vocês, jornalistas. São como abutres, não? Sempre querendo
notícias tenebrosas.
— Satisfazendo o gosto mórbido de vocês, nossos leitores — sorriu
ela, com ironia. — Como é, vai me contar o que aconteceu?
[...]
— Por que é que eu deveria conhecê-los?
— Bom, você é o xerife, não? Pensei que os xerifes dispunham de
pasquins com o retrato [...] (Desejo louco, 1999: 84).
A conversa com Giovanna deixou Lancaster sombrio e ela indagou se as mortes tinham
alguma ligação com o caso das duas famílias. O xerife sugeriu que sim. De volta ao hotel o
recepcionista informa a Giovanna que "Um deles [dos mortos] já andou por aqui, há uma
semana
59
, mais ou menos. Mas ninguém conhecia. [...] — Quando aquelas duas garotas
sumiram" (1999: 87 – destaque acrescentado). O recepcionista, ao ouvir Giovanna acusando os
Sant'Anna, defende Fred e informa à repórter que "Lancaster disse que deviam ser homens de
Diego Sant'Anna e ele [Fred] negou, dizendo que tinha certeza de que Sant'Anna nada tinha a
ver com o caso"(1999: 87).
Fred Baldwyn retorna a cidade e procura, primeiro, Giovanna. No hotel ele informa ter
deduzido que os pistoleiros não apagariam as pistas por terem julgado-o morto. Disposto a
avisar o xerife para procurar o paradeiro de Sarah ele diz:
— Voltei para cá. É preciso avisar o xerife! Esses canalhas têm que
ser apanhados!
[...]
— Então vamos logo. Mas ainda acho que devíamos avisar Lancaster.
59
Giovanna foi avisada do caso na página 15, ou seja, já fazia alguns dias os seqüestros. Ao ler a página 19 sabe-
se que levou duas semanas para chegar ao local. Na página 87 a referência temporal é marcada por uma semana e,
na página 94 tem-se "as outras duas que trouxeram na semana passada". Todas as marcações temporais buscam
situar o leitor, mas se este estiver atento não saberá quando, de fato, os seqüestro s tiveram início.
238
— O xerife nada pode fazer depois que atravessar a fronteira co m o
México. E não acredito que ele queira se arriscar a entrar em território
mexicano (Desejo louco, 1999: 90).
O capítulo é encerrado com o acordo dos jovens de seguirem as pistas levantadas por
Fred sem avisarem o xerife. Avisariam apenas Douglas Sant'Anna, para que esse soubesse das
medidas tomadas para encontrar Sarah.
O capítulo oitavo é guiado pela epígrafe "Além do Rio Grande" e a narração volta aos
pistoleiros que seqüestraram Sarah. Eles conversam comentando o bom gosto do patrão
(seqüestraram umas vinte jovens) e a possível fortuna com a venda das mulheres. No entanto
os seqüestradores não entendem porque substituíram as índias por jovens brancas, isso porque
era menos trabalhoso seqüestrar as índias. A troca é explicada: "— Sanchez [o comprador] não
é muito ligado em índias, você sabe. Diz que são muito pouco asseadas e não consegue m
entender uma palavra de mexicano" (1999: 93).
Com a chegada dos três [Sarah, Salton e Vaugham], o diálogo é elogioso:
— Ainda bem que você gostou da mercadoria, Sanchez.
— Gostei mesmo, Salton. Será para juntar co m as outras duas que
trouxeram na semana passada. As três constituirão o troféu para os meus
melhores homens na luta que travaremos dentro de três dias.
[...]
— Rapazes, levem a pombinha para junto das outras! Depois que
ensinarmos para elas o que é um mexicano, perderão a arrogância!
[...]
— E o chefe de você (sic)? Quando é que vem?
— Acho que não vai demorar. Ele tem dinheiro a receber, não?
O mexicano sorriu largamente.
— Vocês, os gringos, só pensam em dinheiro mesmo, hem?
— Cada um gosta daquilo que gosta, Sanchez — filosofou Vaugham,
com um sorriso imbecil (Desejo louco, 1999: 94-96 – destaque acrescentado).
Giovana e Fred cruzam o rio e buscam pelos seqüestradores nas montanhas quando são
surpreendidos: "— Fiquem onde estão, gringos! — gritou um dos mexicanos, atirando o
sombreiro para a nuca" (1999: 99).
O capítulo é encerrado com aproximadamente uma dúzia de mexicanos armados e esses
fazem os perseguidores reféns.
O nono capítulo é nomeado "O chefe cavalheiro" e abre-se com a gargalhada de
Sanchez ao julgar que poderá fazer de Giovanna mais uma recompensa aos muchachos; Fred
tenta defender Giovanna e aplica um violento murro no rosto de Sanchez. Sua morte é
239
decretada pelo agredido e Giovanna e Fred trocam fogo com o bando de mexicanos, até que
são encurralados e Giovanna indaga:
— O que vamos fazer, Fred? — perguntou ela.
O jovem Baldwyn olhou-a como se a visse pela primeira vez.
— Se não estivéssemos numa situação tão desesperada, eu soltaria
uma boa gargalhada, Giovanna! Você, a imperturbável, a fantástica e
perigosíssima Giovanna Mountain, me perguntando o que vamos fazer?
A bela agente do governo esboçou um sorriso tímido e, por um
momento, fechou os olhos. Todos os conselhos e lições de Hayotto Sin
vieram a sua mente. No entanto, estava muito difícil encontrar uma solução,
para um caso daqueles.
— Bom, acho que a solução é nos entregarmos, Fred.
— Nos entregarmos, nas mãos desses selvagens? Eles vão nos
trucidar!
— E se continuarmos resistindo, o que é que você acha que vai
acontecer?
— Teremos alguma chance?
— Um grande amigo meu, a quem eu devo a minha capacidade de
defesa, diria: 'Enquanto tiver asas, a águia pode voar'...
[...]
— Sanchez! — gritou o americano. — Mande seus homens cessarem
fogo! Nós no entregamos! (Desejo louco, 1999: 102-103).
Sanchez interrompe o tiroteio e Fred e Giovanna saem do esconderijo. Aquele
argumenta que eles não deveriam ter atacado o futuro presidente do México e os informa que o
crime será honrado com fuzilamento. Ao ser indagado se haverá um julgamento Sanchez
informa que sim, seus homens serão os juízes, e a sentença para Fred será de morte. O grupo
de mexicanos que aumentou consideravelmente após a primeira troca de tiros pega Fred e
Giovanna fará parte do seleto grupo de moças brancas que servirão de troféu aos muchachos
vencedores da disposta articulada por Miguel Sanchez. Giovanna aproveita para perguntar
quem é o responsável pelo "fornecimento de carne branca?" (1999: 105) e Sanchez informa
que o compatriota dela está para chegar. O capítulo encerra com Sanchez conduzindo
Giovanna cavalheirescamente até o esconderijo mantido para as três moças anteriormente
seqüestradas.
O décimo capítulo é antecipado por "Um líder assombrado". Giovanna, no cativeiro,
certifica-se de nenhum dos mexicanos terem tocado nas três jovens [Evelyn Sant'Anna (a
primeira), Simone Baldwyn (a segunda) e Sarah Sant'Anna (terceira)] e é informada de o grupo
de seqüestradores ser formado por quatro americanos, sendo dois deles ausentes na última
travessia. Giovanna afirma ter eliminado Jim e Henry, mas Salton e Vaugham tiveram tempo
de adentrar ao México antes de serem vistos por ela e Fred. Enquanto as quatro mulheres
240
conversam o acampamento é atacado e Giovanna, com a ajuda das três moças, chega ao teto do
cativeiro e iça as demais. Giovanna consegue pegar munição e com a ajuda de Sarah e Evelyn
[Simone não sabe atirar] começa a combater os mexicanos pela retranca. Ao perceberem fogo
dos dois lados os mexicanos se confundem e isso vitima a maioria deles. O outro fogo é
mantido por homens de Sant'Anna e Baldwyn que se uniram para seguir os passos de Fred e
Giovanna.
Alguns mexicanos são mortos e cabe a Miguel Sanchez enfrentar Giovanna. Ele
lamenta ter de matá-la e por uma questão de princípio usará uma faca, recusa o uso do revólver
contra uma mulher. Sua atitude é fadada pelos saltos defensivos de Giovanna e então Sanchez
esquece seus princípios e começa a sacar o revólver:
Giovanna pulou de novo, com uma agilidade espantosa, enquanto
sacava por sua vez. A bala que saiu de seu revólver direito atravessou o
estômago de Sanchez, que se revolveu no chão, espasmodicamente. [...]
— Você... é uma mulher... formidável... — balbuciou o moribundo.
— E você é um grande idiota, Sanchez. Por que tinha que sacar o
revólver?
— Você... é mais perigosa que... todos os gringos que...
[...]
— Miguel, como vencedora, tenho o direito de exigir o nome do
americano que vende as mulheres para os guerrilheiros.
[...]
Sanchez respirou, reunindo as últimas forças que lhe restavam.
Aquela mulher era a criatu ra mais espantosa que ele já vira. Linda como uma
deusa, sabia lutar como um bravo guerrilheiro e atirava melhor do que
qualquer homem que ele tivesse conhecido! Não podia recusar o pedido dela.
Tinha pena de não estar vivo para ver como o gringo das mulheres
americanas ia se sair com Giovanna Moutain. Com um sorriso mais amplo,
pronunciou as palavras finais, antes de sua cabeça tombar bruscamente.
Estava morto (Desejo louco, 1999: 114-116).
O capítulo é encerrado com a mor te de Sanchez. À volta de Giovanna ao tiroteio é
nomeada "Epílogo". Neste é informado que muitos dos guerrilheiros preferiram fugir e os
atacantes invadiram o acampamento. Os chefes das famílias abraçam as moças seqüestradas e
Sarah pergunta por Fred. Este não participou do tiroteio, estava trancado em um
compartimento sem nenhuma visibilidade. Os Sant'Anna e Baldwyn agradecem a presença de
Giovanna Mountain e informam que se não fosse ela os dois rancheiros passariam o resto das
vidas se acusando enquanto as mulheres eram seqüestradas e as reses mortas. Os patriarcas
finalizam afirmando ser uma pena não saber quem é o responsável pelos seqüestros, já que
todos os sobreviventes fugiram antes de serem interrogados. Giovanna os tranqüiliza dizendo
241
saber o nome e contar com a vantagem de o americano não saber que ela sabe. De volta à
cidade, conversa com John Lancaster:
— Ia a algum lugar especial, xerife? — perguntou ela com ironia.
— Soube que havia tiroteio forte, nas montanhas do outro lado da
fronteira, e que os Baldwyn e os Sant'Anna tinham ido para lá. Vou tentar
impedir uma carnificina. Se os dois bandos se encontram o san gue correrá
com abundância.
— Não precisa preocupar-se, xerife. Os Sant'Anna e os Baldwyn não
são mais inimigos. Recuperaram as garotas seqüestradas e dizimaram o bando
de mexicanos que se diziam guerrilheiros, chefiados por Miguel Sanches.
[...]
— Você está preso, Lancaster! Sou a agente SSS-1, do Special
Security Service. Pode ver, na credencial, as assinaturas do governador do
Estado e do presidente da União.
Lívido, o xerife deixou cair a credencial. Ao mesmo tempo, desceu a
mão para o revólver, com a velocidade de um relâmpaenciaeu.
242
Assinado por Anthony Reys, Desejo louco é o segundo título publicado da coleção
Mulher & Colt. Esse exemplar foi apresentado porque, neste, Giovanna foi nomeada agente
SSSI. Importante dizer que a coleção Mulher & Colt tem por heroína, em todos os exemplares
estudados, a srta. Giovanna Mountain.
243
Figura 17 – A caminho da forca
A caminho da forca (?-1999), impressão: papel jornal, formato 15cmx10cm
[traduzido], país de origem: não especificado, 125 páginas.
Como a narrativa anterior, o início é com um Prólogo. Nele, sabe-se que em San
Marcos existe um pequeno destacamento dos Rurais do Texas e o sargento é Austin Cumback.
Este, se recuperando de um acidente que o imobilizou do uso de um braço, recebe a notícia que
Oscar Tarbell está no sul, perto de Canyon City. Tad é incumbido por Austin de chamar Val
Forrest, o único rural que poderia ir à caça de Oscar Tarbell. Val, com 22 anos de idade, aos
olhos de Tad era impróprio para a missão, porém Austin determina que ele vá, mas o rural
volta para a fazenda da família, a mãe o recebe orgulhosa por ser ele um rural.
O capítulo um tem início com a chegada de quatro pistoleiros (Oscar, Dayton, Julius e
Phil) na fazenda de Val Forrest. Oscar Tarbell soube que o rural destinado a caçá-lo vivo ou
244
morto havia desertado é vai a busca dele. O jovem é insultado e não reage, assume que
desertou porque tem medo de Oscar Tarbell e este, não satisfeito com a confissão, o desafia
para um duelo. Val recusa e então Oscar ordena que os três pistoleiros segurem a mãe dele e a
surrem até que Val concorde em duelar. Val tenta defender a mãe e é golpeado por Oscar que
com um chicote prepara-se para açoitar a senhora Forrest. O filho pede que esperem e avisa
que vai buscar o revólver. Os pistoleiros soltam a mãe de Val e ela corre para abraçar o filho
dizendo:
— Por Deus, Val! Não! Não faça isso! Vão matar você, meu filho.
Não sei o que sentiu, não sei que medo é esse que tanto sente, que o faz
abandonar tudo, mas não me importo. Val, quero você vivo, entende? Val.
Tudo pode se ajeitar com algumas chicotadas: não importa que me batam.
— Não, mamãe. Não iria adiantar. São feras, você não vê? E vieram
para me matar (A caminho da forca, 199 9: 20).
A coragem da mãe não é suficiente para demover as intenções de Oscar. Os pistoleiros
separam mãe e filho e ele se prepara para o duelo. Oscar se posiciona primeiro, de costas para
o sol e Val fica com o pior lugar. Após este dar o sinal, sua mão direita que costumava ser
veloz, pesou como chumbo e um bala alojou-se em seu pescoço, morreu em pé. "A rigidez do
medo fora substituída pela rigidez definitiva da morte" (1999: 20). Oscar comenta que Val não
valia grande coisa, mas morreu como um valente. O quarteto deixa a fazenda e a senhora
Forrest chora o morto.
Austin Cumback é avisado por Tad da morte do rural desertor. Cu mback não se
sensibiliza e diz ter mandado um rural, podia não ser o melhor, mas era o único disponível.
Agora o único no destacamento é Austin e ele vai ao encontro do mais temido pistoleiro do
Texas mesmo com o braço ferido. Tad o avisa que é dar muita vantagem para Oscar, porém
Austin prepara o cinturão duplo e testa a mão direita; comprovando que está tudo bem com ela,
pede a Tad que lhe deseje sorte e mande o primeiro rural que voltar ao destacamento para
ajudá-lo.
Em Canyon City Oscar Tarbell é recebido por Virgil e Shanklyn, antigos conhecidos do
pistoleiro que o convidaram para efetuar um serviço no vilarejo. Porém, o fato de Oscar ter
matado um rural, ainda que desertor, provoca a ira de Virgil e Shanklyn e eles avisam Oscar
que os planos estão suspensos e o orientam a sair da cidade. Oscar alega que vai pensar, mas
245
Enquanto isso Austin Cumback é visto por Natalie e o avô; a moça vai até ele e o
convida para participar da reunião sem saber que Austin Cumback não é a pessoa esperada por
ela. Ao vê-lo de perto percebe a confusão, mas Austin já dera a ela a palavra de que iria a tal
reunião dos moradores da cidade. A reunião acontece e Austin não comparece, Natalie fica
decepcionada. Cumback encontrou um amigo, por isso não foi. Este é Grey, mandado por
Oscar para vigiar os moradores. Cumback interroga Grey e ele não diz nada sobre o paradeiro
de Oscar e dos demais. O rural o prende em uma gruta e volta para a cidade; após todos os
convidados para a reunião terem se cansado de esperar e ido embora, Cumback vai até a janela
do quarto de Natalie e a avisa ter atrasado porque encontrou um amigo.
A jovem o atende e informa os assuntos que seriam discutidos na reunião:
— Corremos o perigo de perdermos nossas casas; nós, meu avô e eu,
e mais os Medill, os Ballard, Butchers, Nolan e outros. São nossas casas,
senhor Austin. Sabemos quem são nossos inimigos. Um deles é Virgil Russel,
o dono dos bares; o outro se chama Shanklyn e é proprietário de um rancho.
Não agem sozinhos, é claro. Ameaçam-nos com seus pistoleiros. Dizem até
que Oscar Tarbell uniu-se a eles. Nós não temos forças para nos defendermos
sozinhos.
[...]
— Bem, não estou muito certa, mas parece que Vi rgil Russel tem
idéias próprias a respeito do que deve ser o divertimento num povoado.
Canyon City, na verdade, é um lugar sem muita vida. [...]
[...]
— Natalie, amanhã avise aos outros que recebeu aju da. Espere! Não
acredite que seus amigos confiem muito num homem sozinho e ainda por
cima ferido. Diga-lhes que os Rurais do Texas estão aqui para ajudá-los. Que
não desistam e se mostrem firmes, sem provocações. Uma resistência passiva.
Nós faremos o resto.
[...]
Natalie não se moveu. Nem o rural. Seus olhos se encontraram. Em
seguida, foi obra de uma força desconhecida. Não houve culpados, nem
pecadores, apenas um homem e uma mulher. Um homem e uma mulher
sentindo uma estranha vibração. Um pouco de assombro, um pouco de medo,
desejo, amor. Os lábios de Natalie tremiam, ainda sob a pressão da boca
máscula do rural. E seus olhos estavam mais luminosos que nunca. Ao se
separarem, ela murmurou apenas:
— Boa-noite, Austin.
E afastou-se correndo. Muito depois que a porta se fechou atrás dela,
Austin continuava com os olhos fixos. Decididamente, haveria de voltar numa
noite de lua cheia (A caminho da forca, 1999: 55-60).
Após a conversa com Natalie o rural visita Russel e o avisa que pode até transformar o
lugarejo no que quiser, mas desde que todos os procedimentos sejam feitos dentro da lei.
Oscar, no rancho de Shanklyn, encanta-se com Annie e a elogia. O rancheiro, após
pedir a Oscar que se vá, é interrompido por "uma batida na porta do escritório, que se abriu,
246
deixando ver o lindo rosto de Annie, a bonita e jovem ruiva de sorriso muito agradável" (1999:
69). Annie avisa o pai que Oscar fará companhia a ela nas compras no armazém de Butchers.
Este, sabendo da presença dos rurais no povoado, se recusa a vender a Annie e ela sai
chorando do armazém. Oscar a vê aos prantos e indaga a razão, a moça diz não saber, mas
Butchers não quis atendê-la. O pistoleiro alega a Annie um engano de memória e entra no
armazém com ela. Ao reconhecer Oscar o dono do armazém se prontifica a atender Annie e
pede muitas desculpas. Annie aceita e na hora de pagar a conta é interrompida por Oscar que
diz a jovem ter imenso prazer em pagar tudo. Annie sai do armazém e Oscar obriga Butchers a
assinar um documento transferindo sua propriedade para Russel, ele obedece; de posse do
documento, com uma navalha, Oscar atinge Butchers quatro vezes na barriga.
Austin volta a gruta e faz novas perguntas a Grey, a resistência do pistoleiro não é
muito grande e confessa o esconderijo do chefe. O rural então o leva para a cadeia. Depois de
saber da morte de Butchers conversa com Annie e avisa que voltará, mas antes é preciso
prender Oscar.
Annie é encontrada por dois vaqueiros do pai dela em estado de choque e com as
roupas rasgadas. Shanklyn, ao ver o estado da filha desespera-se e após tentar confortá-la alega
que Oscar pagará pelo que fez. Vai até o povoado e obriga Russel a dizer o paradeiro de Oscar;
este não sabe mas avisa que Oscar matou Butchers e que o rural prendeu Grey. Russel vai até a
cadeia e o avô de Natalie, Carroll, é guardião do preso. Ele dispersou todo o povo que queria
invadir a cadeia para matar Grey e sabendo que Shanklyn é o responsável pela presença dos
pistoleiros na cidade o ameaça com sua "mata-búfalos". Shanklyn diz a Carroll que precisa
encontrar Oscar pelo que ele fez a Annie. Carroll permite a entrada e Grey, ao vê-lo, pensa que
será salvo. Ao saber que todos querem matar Oscar ele diz o esconderijo a Shanklyn pensando
que ele vai avisá-lo para sair da cidade. De posse da informação Shanklyn desfere muitos
golpes em Grey, até que ele cai de boca no chão e é abandonada na cadeia. Shanklyn e Russel
vão ao local do esconderijo.
Julius e Dayton estão no esconderijo quando percebem Oscar aproximar-se sozinho. Os
dois conseguem convencer Oscar que a presença do rural na cidade inviabiliza os negócios
combinados com Russel e afirmam ao chefe ser o melhor partirem e voltarem depois. Oscar
aceita a proposta e combinam para a madrugada seguinte. Julius então sa i do esconderijo para
ir procurar Grey, ele não é homem de abandonar um amigo. Ao se dirigir até o cavalo Julius é
surpreendido por Austin e após perder o equilíbrio entre as patas dos animais. Tenta se
proteger, mas "os cascos dos cavalos apavorados, que lutavam para fugir do estábulo, em
poucos segundos destroçaram a cabeça do pistoleiro" (1999: 101).
247
Com o barulho dos cavalos fugindo, Dayton entra no estábulo e depara com o corpo de
Julius, quase é atingido por um golpe de revólver, mas reage a tempo de ter "a testa perfurada"
(1999: 102). A vela usada por Dayton dá início a queima das palhas secas do estábulo. O rural
corre do local e troca tiros com Oscar, mas este, encurralado pelo fogo, avisa Austin que está
saindo e logo após pede ao rural que resolvam a situação num duelo. Duelos não fazem parte
do regulamento dos rurais e Austin o avisa que vai morrer na forca. A situação está controlada
quando chega Shanklyn e Russel. Oscar pensa que foram defendê-lo e pede a eles que matem o
rural.
Russel tem o rural na mira e Shanklyn se aproxima de Oscar e, com um chicote, o surra
até julgá-lo morto. Depois acusa Russel ser o responsável por Annie ter-se transformado em
um fantasma, após a acusação o mata. Shanklyn está sem saber o que fazer com o rural quando
é atingido, pelas costas, com a navalha de Oscar. Levou alguns minutos para morrer e Austin
aproximou-se de Oscar: "— Sabe, Tarbell, de certo modo alegro-me com este final. Você é
uma coisa só: carne de forca. Acha que pode caminhar, ou cavalgar?" (1999: 117).
Austin leva Oscar para a cadeia e pede ao povo que providencie para que os cadáveres
sejam encaminhados para o cemitério. Grey avisa Oscar que não teve como não falar e este
pede àquele que cale a boca.
Enfim chega o rural mandado por Tad para ajudar Austin. Norman é incumbido da
documentação:
— [...] Estou exausto. Cuide das providências para levar Tarbell e
Grey a San Antonio, certo? Deixe-os presos lá, enquanto cuido dos papéis no
destacamento. Algum dia vou pedir demissão, sabe? Detesto papéis. Acho
também que é perda de tempo dar uma oportunidade a pessoas como Tarbell
de se defenderem diante de um tribunal de homens justos. O que acha você?
— Concordo, sargento.
[...]
— Bem. Quando vai ser a próxima lua cheia? (A caminho da forca,
1999: 120).
Após isso tem-se a visita do rural a casa de Carroll:
— Lua cheia! — interrompeu o ancião, olhando para o céu. — Velho
idiota!
E desapareceu dentro da casa.
Austin sorriu. Natalie encostou o rosto ao peito forte do rural.
— Eu amo você, Austin — murmurou
Austin pigarreou.
— Seu avô interrompeu uma coisa que...
— Ora, e daí, Austin? Podemos começar de novo, não é?
— Claro!
248
Começar de novo pode ser maravilhoso. E foi mesmo, sob a lua cheia
(A caminho da forca, 1999: 125).
249
3.4.2 Morfologia do corpus
A mulher era menor e mais fraca, entre ela e o
homem havia uma diferença que ela não podia
superar, uma diferença imposta pela natureza [...]
(Adorno; Horkheimer).
As tabelas que seguem foram concebidas tal qual o percurso adotado no item 3.3.2. e os
resultados são postos à confrontação. Há diferenças nos processos fabulares e nas tipificações
das personagens; isso já ficou claro com os resumos-montagens. A constatação rompe já pela
ausência de personagens marcadamente anti-heróis. Porém, não é só isso. A caracterização das
personagens nos romances de mocinho são praticamente desprovida de adjetivação
comportamental e física, elas se caracterizam mais pela ação que pela subjetividade veiculada
na escrita; ou seja, ficam nas entrelinhas do texto, quase nunca nas linhas. Ainda assim,
seguindo o processo de marcar somente as características elencadas nos textos e na proposição
2/8, identifico algumas repetições no que tange à heroína e ao herói.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHO
Tipos físicos
das heroínas
O
se
q
üestro
Golpe de
Estado
Fios de
esperança
Tudo pela
Bélgica
Vidas
truncadas
Covil do
chacal
Desejo
louco
A caminho
da forca
Bela/Bonita
X X X X
Cabelos negros
X X X
Lindíssima
X X X
Olhos azuis
X X
Em todos os exemplares existe a figura feminina para contrapor a figura masculina. Em
O seqüestro e Covil do chacal elas não aparecem adjetivadas, mas no primeiro o herói Don
César é casado com Lupita e no segundo Jim Wade se casará com Abigail Knight. Já em Golpe
de Estado a adjetivação é acentuada para dar conta das belezas e habilidades de Baby, essa é
tão fenomenal quanto Giovanna [Desejo louco], mas a segunda recebe menos tinta. Realço que
Baby e Giovanna são as protagonistas nessas coleções e os homens possuem suas ações em
segundo plano.
É possível encontrar belezas exemplares também no Oeste: "Natalie [...]: uma linda
moça. Belíssima. Cabelos negros e olhos de um azul muito intenso, boca rosada, pele branca
250
e macia. Seu corpo era bonito e delicado" (A caminho da forca, 1999: 35 – destaque
acrescentado).
A mulher é quase sempre bela, seja do mundo rural seja do mundo urbano; houve um
único caso na amostragem de a mulher não ser bela nem aos olhos do futuro marido, mas ela
era provida de muitas qualidades, dentre elas um rancho que precisava de um homem para ser
reerguido.
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHO
Características
comporta-
mentais das
heroínas
O
se
q
üestro
Golpe de
Estado
Fios de
esperança
Tudo pela
Bélgica
Vidas
truncadas
Covil do
chacal
Desejo
louco
A caminho
da forca
Armas de fogo
(sabem atirar)
X X X
Artes marciais
X X
Decidida /
determinada
X X X X X X
Diabólica
X X
Esperta
X X X
Frágil
X X X
Furiosa
X X
Inteligente
X X
Justiceira
X X
Órfã
X X X X
Perigosa
X X
Ruboriza
X X X
Sexualmente
ativa
X X X X
Virgem
X X X
As mocinhas dos romances de mocinho não são apenas as jovens dos saloons; a
presença das filhas dos rancheiros é constante. As camponesas sabem manejar uma arma de
fogo tão bem quanto os vaqueiros dos ranchos. A virgindade e o rubor são freqüentes e essas
donzelas são capazes de enfrentar os mais bravios pistoleiros, mas elas se casam quando
encontram homens corajosos e destemidos.
As duas narrativas protagonizadas por mulheres são as mais adjetivadas. Golpe de
Estado e Desejo louco realçam a beleza e a inteligência da mulher, porém as duas heroínas
estão subordinadas a um homem e cumprem ordens do Estado; ou seja, estão sujeitadas ao
poder patriarcal. Ainda que sejam apresentadas como "modernas" e autônomas, são fêmeas
emancipadas, produzidas para atender aos desejos do home m, seja na tessitura da narrativa seja
na leitura dela.
251
TÍTULOS DOS ROMANCES DE MOCINHO
252
sanguinário dos pistoleiros e voltarem invictos para suas amadas, são capazes, principalmente,
de deixar tudo para montar um rancho quando encontram a mulher ideal, seja ela dançarina em
um saloons, seja ela rancheira.
Se nos romances de mocinha foi possível pontuar melhor a presença de anti-herói e de
anti-heroína, aclaro o fato de, nesse corpus, ser menos palpável a presença dessas
figurativizações. Por exemplo, em Fios de esperança Adéle foi atingida por Lorraine ou
trocada por uma outra mulher, mas não se trata, necessariamente, de duas mulheres
competindo por um homem, e si m conjecturas ocasionais e não competitivas. Adéle nunca se
interessou pelo amante (Vernon) de Lorraine e Adéle rompeu o namoro quando encontrou o
namorado com outra, ou seja, nesse exemplar não há a presença de oponente. Nem para a
mulher nem para o homem; se Adéle se envolveu sexualmente com Vernon, Pierre Granville,
Albert Vinci Fenelon, o texto permite dizer que Michelin soube esperar a vez dele para
namorá-la e engravidá-la. É com este homem que ela tentará construir um lar. Mas nenhum
dos três homens anteriores a Michelin são opositores.
Outro exemplo de "anti-herói" comum nos romances de mocinho é aquele que será
morto. Nem sempre ele é descrito fisicamente ou tem seu comportamento revelado, mas em A
caminho da forca é possível apresentar como eles se dão:
Oscar Tarbell dirigiu um olhar irônico a Dayton e depois aos outros
dois pistoleiros. Um deles, Phil Grey, era muito alto e magro, bastante jovem:
tinha os olhos claros, muito juntos. Percebia-se à distância sua expressão d e
maldade. O outro, Julius, era mais forte, mais baixo. Era sujo, astuto, tão
malvado ou mais que Phil Grey e, pelo menos aparentemente, mais perigoso.
Dayton tinha melhor aspecto, mas era irascível e brutal. Apertava
continuamente a boca, quando algo o enfurecia. E cada um deles usava dois
revólveres, muito baixos.
De certa maneira, Oscar Tarbell era diferente. Mais refinado em sua
crueldade, em sua brutalidade, em seus assas sinatos. Mais refinado no vestir,
nos gestos, nas palavras. Era também mais atraente. As vezes, conseguia até
uma certa expressão, muito simpática , de menino mau. Os cabelos eram
louros, os olhos dourados, que podiam chegar a duas pedras negras. Usava
roupas pretas [...] (A caminho da forca, 1999: 14).
Obviamente esses quatros homens são liquidados por um homem convalescente. Ferido
no ombro esquerdo e dono de um sorriso que "parecia mais que nunca uma fresta num pedaço
de couro curtido" (1999: 43), o sargento dos Rurais do Texas consegue neutralizar o bando de
criminosos.
Pontuadas algumas repetições, passo agora às comparações finais.
253
3.5 As (in)variantes comparativas
Acontece: um
giro
e a forma brilha.
Espelhos do instante
filtram
a ordem pura cores forma
brilho
(e sem nenhuma
palavra).
Acontece: outro
giro
outra forma e o mesmo
brilho.
Ó espelho dos instantes
fragmentos
estruturados em reflexos
fúlgidos!
Acontece: novo
giro...
O caleidoscópio quebra-se (Orides Fontela).
Embora o caleidoscópio seja uma boa metáfora para descrever a redução diegética e a
ação romanesca, o intento não é apenas sugerir as repetições dos elementos; mas, a partir deles,
dialogar com as possibilidades por eles desencadeadas. As (in)variantes são caleidoscópicas
desde a capa até as relações que remetem aos textos canônicos. Ou seja, é possível ler tanto um
romance de mocinha quanto um romance de mocinho pelas diretrizes elencadas por Bakthin a
respeito do romance grego. Mas, vejamos como se mapeia as (in)variantes.
O cálculo comercial é notado desde a embalagem como forma de apelo nos dois tipos
de capa e quarta-capa. As correspondências entre os romances e os contos de fada são
facilmente identificadas na construção das personagens e suas ações. No romance de mocinha
o homem fará tudo para salvar uma mulher, a casa, ele é voltado para a presença do homem-
príncipe e da mulher-princesa que se encontram e constroem um lar feliz para sempre. Os
romances de mocinho também apontam para o mesmo final, no entanto o processo fabular da
ação do homem (ou da mulher quando ela protagoniza) é voltado para uma grande realização,
seja o salvamento de uma cidade seja o de um território agreste, mas o mais importante é
salvar uma nação para, depois, constituir uma família. A meu ver o romance de mocinho se
aproxima das realizações idealizadas nas epopéias e os romances de mocinha são próximos dos
254
contos de fadas, seja ele Branca de Neve, A gata borralheira, O patinho feio, Cinderela ou
qualquer outro.
No romance de mocinha é comum um "engano" (qüiproquó) dar origem a um
casamento e essa situação não é exclusiva do gênero, se bem que mais freqüente. Também o
romance de mocinho faz uso de tal artifício, mas nesse será menos "conflituoso" que no
anterior. Há casos de, no romance de mocinha, uma personagem ser tomada por outra pessoa e
o esclarecimento só será efetuado nas últimas páginas da narrativa; assim, uma jovem
procurando um endereço passa por enfermeira e tem as obrigações de enfermeira cobrada e
acaba executando as funções sem sabê-las simplesmente por não ser ouvida quando diz não ser
quem pensa que é. Essas situações acabam sempre em casamento, seja em um seja em outro
caso de romance. Ainda há casos de homens sentirem-se altamente atraídos por "jovenzinhos"
e na verdade são belas mulheres escondidas em vestes masculinas. Essas observações
acontecem para os dois tipos de romances.
Igualmente são as agressões físicas naturalizadas nas relações homem-mulher. A me u
ver, esses romances erotizam a hostilidade e os romances criam (ou satisfazem) uma fantasia
erótica tanto do homem quanto da mulher. Existe uma relação de humilhação e submissão
sexual que justifica entender textualmente um masoquismo feminino presentificado nos
envolvimento sexuais vistos, por exemplo, em Amante indócil e Fios de esperança. Nos
romances, as revelações das paixões sempre se dão nas últimas páginas, o que permite afirmar
que é melhor não declarar logo o amor, esperar o outro, ter certeza do pedido de casamento
para, depois, se entregar ao amado. Com essas precauções a mulher se faz interessante e
consegue conduzir o homem para aquilo que ela deseja: o casamento. E, ainda quando ela se
entrega antes da proposta de casamento, é preciso guardar uma grande revelação para o
momento do "sim". Nesses casos, a mulher revelará alguma qualidade do envolvimento atual
em detrimento do anterior, haverá algo compensatório para o ato de ter se entregado antes do
casamento; haverá, no mínimo, a reparação do "mau".
Os padrões de mulheres e homens são, basicamente, homem mais velho e
financeiramente estável para mulheres belas e órfãs, seja no romance de mocinha, seja no
romance de mocinho. Em nenhum dos 202 exemplares lidos foi possível constatar a presença
de uma mulher que assumisse as despesas da casa, que precisasse prover o lar, todas as
histórias terminadas com casamento foram tão abençoadas pelo destino que caberá a mulher
não se preocupar com questões financeiras, nem políticas! O homem fará tudo, ela terá apenas
que compartilhar dos bens comuns. Ainda quanto a idade, há caso de mulheres mais velhas que
o seu amado, mas isso não remete, por exemplo, a situação de Jocasta e Édipo.
255
Se dos 101 exemplares de romances de mocinhas todos eles finalizaram com um "casal
feliz", dos 101 romances de mocinho a estimativa é um pouco menor; há casos de o mocinho
terminar indo embora da cidade após ter atingido o seu objetivo da chegada; ou seja, ele pode
ter ido para matar um pistoleiro e feito isso termina a história com ele indo embora, mas o
objetivo que era apenas aumentar sua conta bancária foi alcançado. Nesses romances o herói
sempre escapa das mais infelizes situações, seja porque uma boiada estoura e o ajuda, seja
porque aparece um pistoleiro e toma partido de uma disputa injusta ajudando o herói.
A pureza da mulher já não é cobrada no corpo, mas no comportamento. Se há casos de
romances em que é possível dizer que a heroína troca (por amor, é claro) a virgindade por uma
relação financeiramente segura, também é possível dizer dos casos que a virgindade não é
sequer atributo, mas sim a "competência na cama". Mulheres como Adéle e outras que saíram
dos saloons direto para o altar são atraentes justamente por suas profissões; no entanto, tiradas
desses ambientes, elas serão mulheres igualmente honradas. Fica claro que a mulher só era
dançarina em saloons ou mesmo profissional do sexo porque nenhum home m se dignou lhe
dar oportunidade decente.
Há casos de estupros que mereciam (de acordo com a narrativa) à forca e a punição é
meramente social; o estuprador fica disponível na sociedade para repetir o ato quando lhe
convier; isso nos dois tipos de romances. Em nenhum deles a Lei é aplicada. Em, A caminho
da forca, o estuprador chega a ser preso, mas o sargento diz que ele poderá se defender no
tribunal. Em Sob o signo da paixão o estuprador é desafiado, pela jovem que fora estuprada e
ela o vence na esgrima, desmoralizando-o perante uma soci edade. Assim, ele sai de Londres,
mas poderá agir da mesma maneira em outro lugar. Outro romance, Pacto de ódio dá a
entender que discutirá o papel da mulher submissa na Grécia, mas Marika termina por aceitar o
grego por marido.
Não foi possível encontrar o desenvolvimento de nenhuma problemática social-
política-econômica. O tema pode ser o comérc io de "escrava branca", endometriose,
infertilidade masculina, abuso sexual, homossexualismo. Este pode constar de duas maneiras.
No romance de mocinha,
— Saiu da toca do leão, hein? — Erik também parecia satisfeito. —
Eu lhe daria uma carona até a casa de s eus pais, mas sei que eles não gostam
muito de mim. Depois me conte sobre sua viagem. Vá, querida. — Ele beijou
o rosto e sumiu para dentro do hotel.
— É seu namorado? — seu novo amigo perguntou cheio de
curiosidade.
256
— Mais ou menos. Outro dia, levei-o para jantar em casa e minha
mãe tentou sabotar qualquer tipo de relacionamento que tivéssemos. Ficou
contando histórias ridículas de quando eu era criança e alertando sobre meu
gênio latino. Erik nem se abalou e contou a ela que era descendente de viking
e que podia enfrentar qualquer italianinha brava. Mamma acabou ficando sem
jeito e parou de perturbá-lo. Mesmo assim, nunca mais o levei lá (Finalmente
tua!, 2002: 17-18).
Helen ficou preocupada. Erik certamente a pediria em casamento, por
isso escolhera levá-la a um restaurante tão caro. [...]
Na noite do jantar, Helen escolheu um vestido que lhe ficava muito
bem. [...] Erik chegou trazendo flores e, quando já estavam no restaurante,
entregou a ela uma caixinha preta, com a etiqueta Cartier pregada nela.
— Abra-a — ele pediu.
[...]
Ele segurou suas mãos, enquanto lhe fazia confidências.
— Gosto de você como amiga, mas sou gay. Ninguém sabe disso.
Gostaria de saber se esse fato atrapalhará nossa amiza d e.
Helen estava totalmente surpresa. Nunca desconfiara de nada.
— Os tempos mudaram, Erik. Fico feliz por você ter me contado a
verdade e estou orgulhosa de ser sua amiga — disse com sinceridade.
Erik respirou aliviado. Tinha tirado um peso das costas. Helen não
parecia estar sofrendo uma desilusão amorosa e, ao contrário, parecia feliz em
saber o seu segredo (Finalmente tua!, 2002: 51-52).
— Você tem saído com outros homens? E Erik não se importa?
[...]
— Naquele encontro, ele me deu essa corrente. — Ela lhe mostrou o
presente que Erik lhe havia dado.
— Deve ter custado um bom dinheiro — ele comentou meio irritado.
— Uns mil dólares, no mínimo.
— E você aceitou o presente e não ficaram noivos?
— O presente foi uma espécie de adeus e pedido de desculpas.
— Ele arranjou outra namorada? — Lorenzo estava surpreso.
— Ele sempre esteve en volvido com outra pessoa. Estava saindo
comigo, para que ninguém descobrisse que tinha um namorado e não uma
namorada.
— Não acredito!
— Ele me apresentou o namorado. Chama-se Paul e é um ótimo
sujeito. Erik resolveu assumir sua realidade. Gosta de homens, não de
mulheres. Somos só amigos, como você pode ver.
Lorenzo cobriu os olhos com u ma das mãos, tentando se controlar.
Não conseguiu e começou a rir sem acanhamento. Tivera tanto ciúme de Erik,
sem desconfiar que ele era gay.
Helen terminou rindo com ele, porque também pensara que o colega
estivesse apaixonado por ela. Por sua vez, Erik se preocupara em não
desiludir Helen. Agora estava tudo esclarecido (Finalmente tua!, 2002: 59-
60).
No romance de mocinho o homossexualismo também é marcado:
257
Entrou no corredor que ia dar nos camarins e Abel apareceu
imediatamente como se a estivesse esperando.
— Nathaly! Como pôde, Nathaly! — exclamou com a voz estridente
e gesticulando de forma exagerada. — Estou ficando desesperado!
— O que está acontecendo, Abel?
— O senhor Wood está muito aborrecido. Aborrecido mesmo!
— Por quê? — perguntou a jovem, en quanto subia a escada estreita
que ia dar nos camarins.
— Ele não gostou nada, nada, nada! Não gostou de ver como você
simpatizou com o forasteiro de cabelos vermelhos. Bom, eu pessoalmente
acho que ele é um estouro! Um homenzarrão, mas infelizmente nem todos
concordaram comigo!...
— Abel!
— Ora, Nathaly, não precisa fic ar tão escandalizada somente porque
falei o que estou pensando (Punhos de aço, 1990: 54).
Logo depois, Abel subiu no pequeno tablado. Apareceu, fazendo
reverências para cumprimentar todos os presentes, juntando as mãos ao peito
como se estivesse agradecendo alguma aclamação. Sorria de uma orelha à
outra e como estava sendo aplaudido e escutando certas expressões obscenas,
sentia-se feliz. O que poderia aborrecer um homem normal, causava
verdadeiro prazer ao efeminado.
— Amigos, rapazes e homens! — exclamou com sua voz esganiçada
e fanhosa. — Parem de gritar e se preparem para o maior es petáculo [...]
(Punhos de aço, 1990: 70)
Em nenhum exemplar foi comprovado o homossexualismo fe minino. Em Encontro
mágico Brandy é matéria de capa de revista que a afirma lésbica, mas apenas porque é virgem
aos 30 anos.
Um outro assunto: cores. As cores claras foram apontadas pelas estudiosas de M. Delly
na construção dos ambientes e trajes das personagens. Nos romances de mocinha ma is atuais
elas adotam qualquer cor para os seus vestuários. Nestes, o uso da cor vermelha não define
uma anti-heroína e nem o branco, a heroína. No entanto, desde o romance de M. Delly, a cor
malva merece atenção das pesquisadoras. Nogueira discorre: "[...] o malva era um matiz em
moda na Belle Époque. E, portanto, em que pesem as ilações simbólicas — é, além disso, uma
tonalidade indefinida —, mais um dado realista de nosso Autor [M. Delly]" (1993: 42 –
destaque da autora)
A cor malva não fica só para os ambientes das mocinhas dellianas. No romance de
mocinho tem-se:
A porta envidraçada abriu-se com força. No umbral, apareceu um
homem. Ficou olhando para a sala de refeições, de paredes cobertas com
papel brilhante de cor malva. Sua estrela de metal sobre o colete negro,
258
brilhou tanto quanto os lampiões de gás que salpicavam o amplo salão, acima
das mesas, cadeiras, colunas e vasos de plantas (Condenado a viver, 1997: 55
– destaque acrescentado).
Para finalizar essas considerações apresento seis aspectos detectados por Prado (1981)
no estudo do romance de M. Delly para afirmá-los ou refutá-los, quando necessário. A
pesquisadora detecta: 1) O clima de Conto de Fadas; 2) Estrutura do enredo; 3) O herói e a
heroína; 4) A construção dos modelos; 5) Pureza, amor e nobreza e 6) Quem quer ser anti-
heroína?
O clima de Conto de Fadas é observado em quase todos os exemplares da amostragem.
Alguns pela época da história narrada, outros pelo distanciamento da realidade que as fábulas
apresentam. Existe descrição de bailes, casamentos e caçadas que projetam imagens análogas
aos Contos de fadas. Para exemplificar com apenas um caso, uso do corpus o romance de
mocinha Pacto de ódio. Nele, Marika pode ser lida tal qual se lê O patinho feio. Marika é
textualmente apresentada como "o botão que um dia vai se transformar numa linda rosa"
(1982: 7). O repertório do leitor se guiará por essa afirmação, haja vista a narrativa mostrar-se
de tal forma elíptica que suprime detalhes descritivos sobre a heroína.
Outra narrativa, dessa vez catalogada romance de mocinho, é Tudo pela Bélgica. "Com
apenas trinta e dois anos de idade, o porte de um verdadeiro príncipe" (1990: 38): o herói
consegue proteger a espiã Lilly de ter que usar o corpo para conseguir as informações bélicas.
Essa narrativa tem uma atmosfera de guerra misturada aos bailes providenciados para agradar
os alemães que tomaram a Bélgica. Num desses bailes Lilly é apresentada ao coronel Wilfrid
Heinz Hertz que se passa por alemão mas é inglês e, dada a resolução do impedimento bélico
Lilly e Hertz vão para a Escócia concretizar o amor conjugal. E, claro, nesse momento a
narrativa termina.
Como terminam os Contos de fadas? Da mesma maneira que todos os 202 exemplares
lidos: com a união conjugal ou com a resolução do caso. Neste sentido, todos os exemplares
são estruturalmente similares aos Contos de fadas.
A estrutura do enredo foi descritivamente apresentada neste capítulo, porém faço
algumas considerações: o casamento é constante. Pode ser que a razão leve o casal a um
casamento de conveniência (Mitsi, Pacto de ódio e Pássaro de ouro); mas, antes da última
página eles terão se entendido e saberão serem feitos um para o outro. Nos dois primeiros
259
casos é a mulher que vai até o homem para que ele a aceite após ela dizer que não sabia ser
verdadeiramente amada. Já em Pássaro de ouro Vada pede o herói em casamento, mas isso
apenas para que não fique patente o interesse dele em usufruir da situação milionária que ela
possui. Vada, ao casar-se, ganha o título de duquesa e o poeta tem o dote dela para reerguer o
castelo. Mas a história termina antes de sabermos se haverá ou não desentendimento
financeiro, se a mulher dará todo o dinheiro ao homem ou, se após gastar tudo, ele procurará
uma outra que tenha tantas posses.
O herói e a heroína nos romances de mocinha são pessoas inteligentes, belas, boas e
exemplares. Já nos romances de mocinhos essas pessoas são de bem e belas; por alguma razão
podem ter enfrentado situações difíceis mas basta uma oportunidade para que se recomponha m
socialmente. Nos dois casos o herói é um homem íntegro, corajoso e dominador. A mulher
pode ser mais ou menos frágil, mas ela será, em todos os romances, protegida pelo homem. Os
anti-heróis serão o inverso dos heróis, ou seja, se mulher ela será leviana, interesseira, se
homem, ele poderá ser fraco ou simplesmente mau-caráter.
A construção dos modelos se dá com o uso de adjetivações nos dois casos dos
romances, seja para beneficiar, seja para desfavorecer. Vejamos:
Lee Hall, comandante dos rurais, tinha uma expressão enigmática no
rosto viril. Um meio sorriso bailava-lhe nos lábios finos, sob o bigode
perfeitamente aparado. Os olhos cinzentos e brilhantes moviam-se, inquieto,
enquanto os dedos da mão direita brincavam com umas das pontas do bigode.
Tinha trinta e sete anos e um aspecto enérgico, atraente, com uma expressão
por vezes ingênua, por vezes dura, no rosto simpático. Para isso contribuía
muito o cabelo cor de palha, bastante curto (Desejo louco, 1999: 7).
Ou,
Essa dama importante e orgulhosa, que detestava tudo quanto não
pertencia à alta sociedade, combatera t enazmente, nele, a tendência para a
piedade. Calculista fria, vira no casamento do filho com a filha de Jacques
Douvres, o opulento mestre de forjas, e de Joana de Tarlay, a única
descendente dessa nobre família normanda, a satisfação máxima da sua
ambição (Mitsi, 1987: 9)
O primeiro exemplo remete ao 'namorado' de Giovanna Mountain, o segundo, à avó de
Cristiano. Os dois servem para demonstrar os modelos de herói e vilã, também para
demonstrar a adjetivação.
260
Quanto aos modelos, Prado observa: "É interessante notar a ausência do pai do herói, já
falecido ou falecendo no início da história" (1981: 92). Essa ausência é constante nos dois tipos
de narrativas, mas nos romances de mocinho elas são ma is significativas.
Pureza, amor e nobreza ainda são figurantes nos exemplares lidos. No entanto, já não é
possível afirmar uma ideologia da castidade desde que a não casta seja nobre. A nobreza não é,
necessariamente, a fidalguia, mas sim o caráter. Se Prado elencou "casamento-amor-sexo"
(1981: 97), nas coleções estudadas já é possível afirmar a prevalência do amor-sexo-
casamento. Porém essa prevalência não exclui a afirmação de Prado observadas nos
exemplares dellianos. També m na amostragem foi detectado esse trinômio, mas já não se trata
de regra, elas são possivelmente invertidas. Outra observação de Prado interessante é o fato de
a heroína mostrar-se sempre "a ruborizar ou a corar" (1981: 97). Essa é uma constante nos
exemplares de romance de mocinha e nos romances de mocinho. Vejamos neste.
Não é só a mulher casta que cora, também as mulheres casadas: "Ruborizou-se ao
recordar que, então, desejara que Clint [o futuro marido] a beijasse, porque ele lhe transmitira
algo que superava qualquer sensação já experimentada ao lado de Parnell [o marido atual e
amigo de Clint]" (Pólvora e desejo, 2003: 52). Também as profissionais do sexo e, ainda, anti-
heróis e até os heróis têm de ruborizar-se: "E, ao ver Gardiner ruborizado como um rapazinho
pego em uma travessura (Vidas truncadas, 1991: 53).
Por fim, vejamos "Quem quer ser anti-heroína? (Prado, 1981)".
Se nos romances de M. Delly havia diferenças claramente marcadas, nos exemplares
estudados não se pode dizer que algumas atitudes sejam de moça má ou moç a boa. As
construções são maleáveis e o que definirá o comportamento como apreciável ou não é a
aceitação do homem/herói. Ou seja, se em um romance é mal-visto a mulher tomar a iniciativa
no envolvimento sexual, no outro a mesma atitude pode demonstrar segurança. Porém, todas
elas, a meu ver, ainda estão presas ao leito de Procusto. Nenhuma mulher é sexualmente
autônoma para escolher qualquer parceiro sexual sem desejar apenas um deles por marido. São
falsas pretensões de mulheres emancipadas, não importa que característica física ou
comportamental elas possam receber.
Com este capítulo retomei o Capítulo I e me parece que o diálogo iniciado com o
romance grego, o romance-folhetim e a epopéia foram corretos. Os demais aspectos levantados
por Prado concernentes aos romances dellianos propiciaram uma leitura comparativa dos dois
tipos de romances estudados. Este foi, no entanto, um percurso arriscado porque o texto de M.
Delly, apesar de uma das traduções pioneiras no Brasil, era sabidamente um romance de
261
mocinha e então ele servia apenas à metade do estudo, não ao todo. Mas, ciente do conteúdo,
adotei o percurso estrutural seguido por Prado e constatei que a comparação era pertinente.
Sentença
Ao que é fino, é verdade, não estão habituados,
Apenas muito leram, leram horrivelmente
(Goethe).
O efêmero reluz, seu brilho é passageiro.
O autêntico perdura, eterno, verdadeiro
(Goethe).
Prazeres? Todos querem, não convém negá-los
Todos devem gozá-los (Goethe).
Com este trabalho procurei comparar as coleções de romances de mocinha e romances
de mocinho comercializados em bancas de jornal e direcionadas ao entretenimento de homens
e mulheres. Como os romances apresentam materialidades diferenciadas (formato, espessura,
capa), elegi uma amostragem ampla e dela separei um número igual de textos para estudar. A
partir desse percurso estabeleci alguns fatores que pudessem marcar diferenças ou
semelhanças entre um e outro. Essas inquirições, no entanto, precisavam de um paradigma.
Devido o estudo ser comparativo, também foi necessário ver a veiculação dessa amostragem
para, então, compará-la. A publicação foi decisiva para afirmar a produção de M. Delly como
base para o estudo de todos os outros exemplares.
O material estudado tem grande relevância para os estudos literários e para isso foi
preciso encará-lo duplamente sem preconceito: 1) sem o preconceito elitista, que me levaria a
julgar que o meu trabalho seria o de demonstrar que o objeto estudado é sub-literário; e, 2),
sem o preconceito populista, que viria em duas versões: 1ª) a paternalista, que sacraliza a idéia
de uma cultura que se idealiza como "do povo" e julga elevá-la à condição de igualdade, e, 2ª),
a relativista, que está na moda e tem até método, na academia — um dos métodos é o
desconstrutivismo, que empenha até a própria razão no interesse de desqualificar os discursos
tidos como hegemônicos para com isso valorizar qualquer coisa. Por essas razões a minha
justificativa da escolha do material estudado foi a de verificar como as manifestações literárias
não canônicas suportariam uma análise crítica à luz de algumas interconexões com a literatura
e a teoria canônica. Assim, verifiquei os elementos comuns que contribuiriam para afirmação
de um leitor ideal projetados pelos dois tipos de romances. Para isso vali-me de uma reflexão
que partiu do corpus para uma compreensão de processos que o contextualizam histórica,
263
social e culturalmente; ou seja, da leitura dos romances, para a sua origem, a problemática da
indústria cultural e a da formação do leitor; tendo por base os estudos de Bakhtin e Lukács e,
também, textos de Adorno/Horkeimer e Garcia Canclini.
Com o estudo desse material foi possível entender o lugar do valor e da moral na
literatura narrativa de massa; esse reflete as relações sociais objetivas, pelas quais a alienação e
a reificação se expandiram textualmente até os últimos recessos da subjetividade. Isso quer
dizer que é necessária uma mediação que dê conta da relação entre a estrutura da vida
subjetiva e a estrutura da vida social. Arte e crítica não saíram do campo moral, criaram a
aparência de uma suspensão da moral — a moral, de que corremos porque é feia, é apenas o
boi de piranha necessário à criação dessa aparência. O que de fato ocorreu foi a penetração da
forma mercadoria até o fundo da consciência, e a decorrente perda de contato do sujeito
consigo mesmo (sintoma avançado da alienação), que destruiu nele qualquer referência de
valor que não seja (1) o valor de troca e (2) uma degenerescência narcisista do valor de uso,
que desconhece qualquer universalidade e não tem, pois, a possibilidade de generalizar
critérios. E dos dois, somente o primeiro constitui uma referência viável no plano
intersubjetivo.
Aliás, dizer que a arte e a crítica efetivamente lograram sair do "âmbito da moral" é
sintoma da alienação que rege o processo. A interdição da moral é uma falsificação porque
moraliza já enquanto interdição. E é uma falsificação ideológica porque escamoteia uma
inversão do real na aparência que configura: o que parece uma ampliação democrática de
horizonte da arte é na verdade uma redução de tudo ao mesmo: se, da literatura narrativa de
massa ao texto canônico, tudo, servindo à gratificação narcisista de alguém, tem ao menos esse
valor de uso e, através dele, valor de troca, então tudo se iguala enquanto mercadoria — as
diferenças refletem tão-somente diferentes demandas de consumo. Daí a importância material
de se suprimir o valor estético: com isso se absolutiza o valor que permanece — como
quantidade, o valor de troca, como qualidade, o gozo da própria imagem projetada no objeto
de cultura. São os critérios de valor que hierarquizam os conceitos. Esses critérios, no
isolamento prevalente nesta sociedade radicalmente atomizada, se reduzem ao critério único da
auto-gratificação; o objeto passa a existir somente como espelho do sujeito e, assim, deixa de
ser portador de qualidades próprias, independentes — o sujeito é tudo, a alteridade desaparece.
Vivemos, pois, numa sociedade em que a subjetividade se configura no isolamento
resultante da atomização. A fórmula "tudo tem valor" — "nada tem valor" traduz a situação de
uma crítica e de uma arte adaptadas ao pressuposto narcisista e por isso dispostas a ampliar ao
infinito o "campo de expressão" a fim de contemplar tantas quantas possíveis das inumeráveis
264
necessidades singulares da autogratificação narcisista de seu universo de consumidores, que
não têm, aliás, qualquer terreno comum.
Nesse contexto, não é que o critério, enquanto tal, no nível do sujeito, desapareça, mas
desaparece a possibilidade da vigência de critérios comuns, desaparece a possibilidade de
universalização. O único elemento comu m, última referência possível para a existência
comum passa a ser, então, a diferença e o gozo da diferença. O que reforça a atomização, que
reforça o isolamento, que estimula a busca do gozo narcisista, que reforça a atomização. Só
uma crise sistêmica significativa, parece, pode nos tirar dessa roda.
265
Bibliografia
Corpus: romance de mocinha
ALLYNE, Kerry. A sereia de Cowrie Island. Tradução Gladys Wiezel. São Paulo: Nova
Cultural, 1986, n.325, 120 p., (Coleção Bianca, n 325).
AMES, Laurel. Sob o signo da paixão. Tradução Nicole Anne Colet. São Paulo: Nova
Cultural, 1994, n. 28, 220 p., (Coleção Clássicos Históricos, n 28).
CARTER, Rosemary. O Rival. Tradução Sonia Yamamoto. São Paulo: Abril, 1983, n. 215,
120 p., (Coleção Julia, n 215).
CARTLAND, Barbara. Pássaro de Ouro. Tradução Carmita Andrade. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, 128 p., (Coleção Barbara Cartland, n 215).
DAILEY, Janet. Amante indócil. Tradução sob licença da distribuidora Record de Serviços de
Imprensa, São Paulo: Nova Cultural, 1986, 271 p. (Best-Sellers)
DELLY, M. Mitsi. Tradução Zara Pongetti. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1987, n. 158, 204 p., (© 1921 Coleção Biblioteca das Moças).
HAMPSON, Anne. Pacto de ódio. Tradução Lúcia de Barros. São Paulo: Abril, 1982, n. 197,
120 p., (Coleção Sabrina, n 197).
TAYLOR, Janelle. Encontro mágico. Tradução Vera C. P. Limong. São Paulo: Abril, 1984,
192 p., (Edição Especial – Coleção Momentos Íntimos).
Corpus: romance de mocinho
CARRIGAN, Lou. Golpe de Estado. Tradução Luiz Oswaldo Cunha. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1976, 124 p., (Coleção ZZ7, n 250).
CODY, Mortimer. A caminho da forca. Capa de Benicio. Tradução Giasone Rebuá. Rio de
Janeiro: Monterrey, 1999, 125 p., (Coleção Chumbo Mortal, n 124).
CURTIS, Donald. Covil do chacal. Capa de Benício. Tradução Darcy Simas. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1997, 126 p., (Coleção Lei do revólver, n 7).
MALLORQUI, José. O seqüestro. Tradução Maria Helena Terra. Rio de Janeiro: Cedibra,
1973, 128 p., (© 1968 Coleção O Coyote, n 32).
PETIT, Charles. Fios de esperança. Capa de Benício. Rio de Janeiro: Monterrey, 1986, 126 p.,
(Coleção Roleta da Vida, n 2).
266
PURSE, Bill. Tudo pela Bélgica. Capa de Benício. Rio de Janeiro: Monterrey, 1990, 126 p.,
(Coleção HH Heróis de Guerra, n 359).
REYS, Anthony. Desejo louco. Rio de Janeiro: Monterrey, 1999, 125 p., (Coleção Mulher &
Colt, n 2).
WILLIAMSON, Fred. Vidas truncadas. Tradução Heral A. Silva. São Paulo: Nova Cultural,
1991, p. 96, (Coleção FBI, n 67).
267
Referências
ADORNO, Theodor Wiesengrund; HORKEIMER, Max. Dialética do esclarecimento:
fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
ADORNO, Theodor Wiesengrund. "O fetichismo na música e a regressão da audição".
In: Textos escolhidos – Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, páginas 65-108.
ADORNO, Theodor Wiesengrund. "Introdução à controvérsia sobre o positivismo na
sociologia Alemã". In: Textos escolhidos – Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999,
páginas 109-189.
AMORIM, Lauro Maia. Tradução e adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no
país das maravilhas, de Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: Editora UNESP,
2005.
ARISTÓTELES. Arte retórica e Arte poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
Coleção Universidade de bolso. Rio de Janeiro: Ediouro.
BAKHTIN, Mikhail. "O Romance Polifônico de Dostoiévski e seu Enfoque na Crítica
Literária". In: Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:
Forense-Universtiária, 1981, paginas 1-37.
BAKHTIN, Mikhail. "Tipologia histórica do romance". In: Estética da criação verbal.
Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. "O problema do romance de educação". In.: Estética da criação verbal.
Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, páginas 217-224.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Tradução
Aurora Fornoni Bernardini et al. 5 ed. São Paulo: Hucitec Annablume, 2002.
BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. Tradução de Izidoro Blikstein. São Paulo:
Cultrix, 1971.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Tradução J. Guinsburg. 4 ed. São Paulo: Perspectiva,
1996.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo sexo: a experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1988.
BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução". In: Obras
escolhidas – Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (volume dedicado à Escola de
Frankfurt: Adorno/Habermas/Horkheimer/Benjami n).
BENJAMIN, Walter. "Experiência e pobreza". In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1985, p. 114-119.
268
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Tradução de José
Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. Volume III, Obras Escolhidas. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 60 ed. Rio de janeiro: Imprensa
Bíblica Brasileira, 1986.
BOSI, Alfredo. "Cultura brasileira e culturas brasileiras ". In.: Dialética da colonização. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992, páginas 308-345.
Disponível em http://www.ufrgs.br/cdrom/bosi/index.html Acesso em nov/2006.
BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. 9 ed. Petrópolis:
Vozes, 1996.
BOURNEUF, Roland; OUELLET, Réal. O Universo do romance. Tradução José Carlos
Seabra Pereira. Coimbra: Livraria Almedina, 1976.
CABANHE, Oldemar. "A Leitura popular dos romances de farwest em Campo Grande: o texto
e seu uso". Campo Grande: Revista Rabiscos de Primeira, v. 4, n. 4, páginas 49-58, março de
2004.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo:
Cultrix, 1992.
CAMPOS, Haroldo de. "Tradução e reconfiguração do imaginário: o tradutor como
transfingidor". In: Tradução: teoria e prática. Organizadores Malcoln Couthard e Carmem
Rosa Caldas Coulthard. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991, páginas 17-31.
CANDIDO, Antonio. "A literatura e a formação do homem". Conferência pronunciada na
XXIV Reunião Anual da SBPC, S. Paulo, julho de 1972. Revista Ciência e Cultura 24(9):
páginas 803-809, 1972.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1973.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In : Vários Escritos. 3ª ed, revista e ampliada.
Livraria Duas Cidades Ltda, 1995.
CANDIDO, Antonio. "Timidez do romance". In: A educação pela noite e outros ensaios. 3 ed.
São Paulo: Ática, 2000, páginas 82-99.
COOPER, James Fenimore. O último dos Mohicanos. Tradução e adaptação para juventude
por Hélcio de Oliveira Coelho. Clássicos da juventude. Belo Horizonte: Itatiaia, 1963.
CUNHA, Maria Teresa Santos. Armadilhas da sedução: os romances de M. Delly. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
DEMO, Pedro. Pesquisa e informação qualitativa: aportes metodológicos. São Paulo: Papirus,
2001.
269
DUMONT, Lígia Maria Moreira. "Lazer, leitura de rom ances e imaginário". Revista Perspect.
cienc. inf., Belo Horizonte, v. 5, n. 1, páginas 117 - 123, jan./jun. 2000
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia
geral. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo:
Martin Claret, 2001. Coleção "A obra prima de cada autor".
ECO, Umberto. Obra Aberta. Tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 1976.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 5 ed. Tradução Pérola de Carvalho. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
ESCARPIT, Robert. Sociologia da Literatura. Tradução Anabela Monteiro e Carlos Alberto
Nunes. Lisboa: Arcádia, 1969.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 15
ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. (on-line) “Culturas híbridas, poderes oblíquos”. In: Culturas
Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade . Tradução de Ana Regina Lessa e
Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997a, páginas 283-350: Comentário: Heloísa
Costa Milton (UNESP/Câmpus de Assis).
Disponível em http://www.ufrgs.br/cdrom/canclini/index.html Acesso em out/2006.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos; conflitos multiculturais da
globalização. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997b.
GOLDMANN, Lucien. "O conceito de estrutura significativa em história da cultura". In.
BASTIDE, R. (org). Usos e sentidos do têrmo "estrutura". Tradução Maria Heloiza Schabs
Cappellato. São Paulo: Herder, 1971.
GOLDMANN, Lucien. Crítica e dogmatismo na cultura moderna. Tradução de Reginaldo di
Piero e Célia E. A. di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973.
GOLDMANN, Lucien. Sociologia do romance. Tradução de Álvaro Cabral. 2 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976.
GRAMSCI, Antonio. Obras Escolhidas. Tradução Manuel Cruz. São Paulo: Martins Fontes,
1978.
HALL, Stuart. A identidade em questão. Tradução Tomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes
Louro. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HAUSER, Arnald. História social da literatura e da arte. Tomo II. Tradução Walter H.
Geenen. 2 ed., São Paulo: Mestre Jou, 1973.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: História, teoria, ficção. Tradução Ricardo
Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
270
JUNQUEIRA, M. A. James Fenimore Cooper e a Conquista do Oeste nos Estados Unidos na
primeira metade do século XIX. Último acesso em 29-3-2006:
http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol7_mesa1.htm.
KIENTZ, Albert. Comunicação de massa: análise de conteúdo. Tradução Álvaro Cabral. Rio
de Janeiro: Eldorado (Coleção Médium), 1973.
KLEIN, Melanie. "Sobre la identificación". In: Nuevas direcciones em psicoanalisis. Editado
por Melanie Klein, Paula Heimann e R. E. Money-Kyrle.Versión castellana de Samuel
Zysman, 1 ed., Buenos Aires: Paidós, 1965.
KLEIN, Melanie. Contribuições à psicanálise. Tradução Miguel Maillet. São Paulo: Mestre
Jou, 1970.
KUNERT, Günter. "A abolição da cultura pela civilização: A perda de importância da leitura e
da escrita". Sobre o papel da leitura. Humboldt, Hamburgo 22:4-5, 1970.
LAZARILHO DE TORMES / edição de Medina Del Campo, 1554; organização, edição do
texto em espanhol, notas e estudo crítico de Mario M. Gonzáles; tradução de Heloísa Costa
Milton e Antonio R. Esteves; revisão da tradução de Valeria de Marco. São Paulo: Ed. 34,
2005.
LONGO. Dáfnis e Cloé. Tradução Denise Bottmann.Campinas: Pontes, 1990.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da
grande épica. Tradução José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas cidades: Ed 34,
2000.
MAAS, Wilma Patrícia Marzari Dinardo. O cânone mínimo: O bildungsroman na história da
literatura. São Paulo: Unesp, 1999.
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. Tradução de
Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 1997.
MAFFESOLI, Michel. "O imaginário é uma realidade". Revista Famecos, n 15, Porto Alegre,
2001, páginas 74-81.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade indústrial. Tradução Giasone Rebuá. Rio de
Janeiro: Zahar, 1967.
MEIRELLES, Simone Regina Ferreira. Das bancas ao coração: Romances Sentimentais e
Leitura Hoje. Dissertação (Letras, Área de Estudos Literários, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2002.
MEYER, Marlise. Folhetim – uma história. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
NOGUEIRA, Maria de LoudesVieira. Delly revisitado: breve retorno à terra do "tendre": uma
proposta de releitura do texto delliano. Dissertação (Mestrado em Língua e Literatura
Francesa) – Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
271
PERRONE-MOISÉS, Leyla. "História literária e julgamento de valor". In: Altas literaturas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, páginas 19-60.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. "A modernidade em ruínas". In: Altas literaturas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, páginas 174-215.
PETRÔNIO. Satiricon. Introdução G. D. Leoni, Tradução de Miguel Ruas. Coleção
universitária. Ediouro, s/d.
PRADO, Rosane Manhães. "Um ideal de mulher – estudo dos romances de M. Delly". In:
Perspectivas antropológicas da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, v II, 1981.
PROPP, Vladimir. Morfologia do conto. 2 ed. Lisboa: Vega, 1983.
SANT'ANNA, Affonso Romano de. O canibalismo amoroso: o desejo e a interdição em nossa
cultura através da poesia. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
SANTOS, Boaventura de Sousa. "O social e o político na transição pós-moderna". In: Pela
mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5 ed. Porto: Afrontamento, 1996,
páginas 69-101.
TASSO, Ismara Eliane Vidal de Souza. "Linguagem não-verbal e produção de sentidos no
cotidiano escolar". In.: Concepções de linguagem e o ensino de língua portuguesa.
Organizadoras: Annie Rose dos Santos e Lílian Cristina Buzato Ritter, Maringá: EDUEM,
2005.
VASCONCELLOS, Muriel. "A tradução automática: a Babel conquistada?". In: Tradução:
teoria e prática. Organizadores Malcoln Couthard e Carmem Rosa Caldas Coulthard.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1991, páginas 55-78.
VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. Tradução Élcio Fernandes. São Paulo:
Editora UNESP, 1994.
ZILBERMAN, Regina. "Literatura infantil: Livro, leitura, leitor". In: Regina Zilberman
(Org.). A produção cultural para a criança. 4 ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
ZILBERMAN, Regina.; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Literatura e pedagogia: Ponto e
contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
WELLERSHOFF, Dieter. "Literatura, mercado e indústria cultural". Tradução Teresa Baltê.
Humboldt, Hamburgo 22:44-8, 1970.
272
Textos consultados
AVERBUCK, Lígia. (Org) et all. Literatura em tempo de Cultura de Massa. São Paulo: Nobel,
1984.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e de
Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
BENJAMIN, Walter. "O autor como produtor". In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1985, p. 120-136.
BENJAMIN, Walter. "O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov". In: Magia
e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 197-221.
COLOMER, Teresa. "La enseñanza de la literatura como construcción de sentido". Lectura y
vida. Revista Latinoamericana de Lectura, año 22, nº 1(marzo de 2001), p. 6-23.
COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Tradução
Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003.
COMPAGNON, Antoine. "A literatura". In: O demônio da teoria. Literatura e senso com um.
Belo Horizonte, UFMG, 2001, p.29-46.
BARROS, Diana L. P. de. "Dialogismo, Polifonia e Enunciação". In: BARROS; FIORIN
(org), Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade – Em torno de Bakhtin. São Paulo: EDUSP,
1994, páginas 1-10.
ECO, Umberto. O Super-homem de massa: retórica e ideologia no romance popular. Tradução:
Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1991.
KAPLAN, Abraham; LASSWELL Harold. Poder e sociedade. Tradução de Maria Lucy
Gurgel Valente de Seixas Corrêa. 2 ed. Brasília: Editora UnB, 1998.
LAJOLO Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 3
ed.2003.
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: Uma interpretação filosófica do pensamento de
Freud. Tradução Álvaro Cabral. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1986.
ZILBERMAN, Regina. "A leitura na Escola". In: Regina Zilberman (Org.). Leitura em crise
na escola: as alternativas do professor. 11 ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
273
Anexos
Amostragem: romance de mocinha
Apresento as coleções, a editora e a quantidade de exemplares estudados para compor a
AMOSTRAGEM do ROMANCE DE MOCINHA. Para melhor visualização, faço uso de
tabela e em seguida a bibliografia de cada exemplar.
COLEÇÃO N. LIDOS EDITORA
Amour-Amour – Azul (M. Delly) 1 Não consta
Barbara Cartland 3 Nova Cultural
Best Sellers
1 Nova Cultural
Bianca 3 Abril e Nova Cultural
Bianca (Super Bianca) 1 Abril
Bianca (2 Histórias) 13 Nova Cultural
Biblioteca das Moças (M. Delly) 1 Nacional
Clássicos Históricos 3 Nova Cultural
Clássicos Históricos - Especial 1 Nova Cultural
Clássicos Históricos – Especial Romances
até o século XVIII
2 Nova Cultural
Clássicos Históricos – Especial
Romances até o século XIX
2 Nova Cultural
Clássicos da Literatura Romântica 1 Nova Cultural
Clássicos Românticos 1 Nova Cultural
Corin Tellado 1 Nova Cultural
Desejo 1 Harlequin Romances
Julia 16 Abril e Nova Cultural
Laços de Família (brasileiro) 2 SR3/ Millenium
Momentos Íntimos 5 Nova Cultural
Momentos Íntimos (Extra) 3 Nova Cultural
Momentos Íntimos (Super) – 2 Histórias 2 Nova Cultural
Roleta da vida 2 Monterrey
Sabrina 5 Nova Cultural
Sabrina Cegonha 1 Nova Cultural
Sabrina Noivas 2 Nova Cultural
Sabrina – Especial de Férias – 2 Histórias 2 Nova Cultural
Sedução 1 Rio Gráfica
Série Ouro 1 Nova Cultural
Trevo - Amor - Série Azul – Corin
Tellado
1 Cedibra
ABBOT, Laura. Destinos entrelaçados. Tradução Ieda Moriya. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 142 p. (Coleção Bianca, n 752 – duas histórias).
274
ARMSTRONG, Lindsay. Separados pelo casamento. Tradução Nancy de Pieri Mielli. São
Paulo: Nova Cultural, 2002, 122p., (Coleção Sabrina).
ARMSTRONG, Lindsay. Casamento ou nada! Tradução Maria Luíza Felizardo. São Paulo:
Nova Cultural, 2001, p. 5-112, (Coleção Bianca – duas histórias).
BEVAN, Gloria. Era uma vez um verão. Tradução Sílvia Maria Pomanti. São Paulo: Abril,
1981, 119 p., (Coleção Julia, n 110).
BEVERLEY, Jô. Coração sofrido. Tradução Luís Fernando Esteves. São Paulo: Nova
Cultural, 2005, 314 p., (Coleção Clássicos Históricos – Especial).
BLAIR, Sandy. A lenda de um amor. Tradução Dorothea de Lorenzi. São Paulo: Nova
Cultural, 2005, 314 p., (Coleção Clássicos Históricos – Romances até o Século XVIII).
BROCKMANN, Suzanne. Amor em cena. 5 ed. Tradução Anna Zelma. Rio de Janeiro: HR,
2005, 94 p., (Coleção Desejo).
BROWN, Debra Lee. Vencido pelo amor. Tradução Cecília Rizzo. São Paulo: Nova Cultural,
2003, 218 p., (Coleção Clássicos Históricos).
BROWNING, Pamela. A ninfa das águas. Tradução Carmita Andrade. São Paulo: Nova
Cultural, 1996, 223 p., (Coleção Série Ouro, n 14).
CAIMI, Gina. A ilha do farol. Tradução Izabella Nagg. São Paulo: Nova Cultural, 2000, 129-
256 p., (Coleção Momentos Íntimos Extra, n 23 - duas histórias).
CARTLAND, Barbara. Feliz para sempre? Tradução Ercília Magalh ães Costa. São Paulo:
Nova Cultural, 2000, 123 p., (Coleção Barbara Cartland, n 484 – Últimas histórias)
CARTLAND, Barbara. Amor eterno. Tradução não discriminada. Romances com coração. São
Paulo: Nova Cultural, 2004, 128 p. (Coleção Barbara Cartland).
CLAIR, Daphne. Sedução de verão. Tradução Nancy de Pieri Mielli. São Paulo: Nova
Cultural, 1999, 128 p., (Coleção Bianca, n 715 – duas histórias).
COOK, Linda. Tudo tem seu preço. Tradução Nancy Alves. São Paulo: Nova Cultural, 2005,
218 p., (Coleção Clássicos Históricos).
CREIGHTON, Kathleen. Violino cigano. Tradução Verônica Pakrauskas Totis. São Paulo:
Nova Cultural, 2000, 192 p., (Coleção Momentos Íntimos, n 200).
DALE, Jennifer. Fogo sobre gelo. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Rio Gráfica, 1986,
143 p., (Coleção Sedução, n 2).
DALE, Ruth Jean. Solteiro disponível. Tradução Gabriela Machado. São Paulo: Nova Cultural,
1999, 103-219 p. (Coleção Bianca, n 699 – duas histórias).
DALTON, Emily. Perigosa conquista. Tradução Paula Dias de Andrade. São Paulo: Nova
Cultural, 1997, 221 p., (Coleção Momentos Íntimos – Extra).
275
DAYTON, Gail. Chama envolvente. Tradução Eliana Campos. São Paulo: Nova Cultural,
2002, 123 p., (Coleção Momentos Íntimos).
DELLY, M. Sonho de amor. Coleção Amour-Amour. Edição Segredo Nº F – 1. S/d.
DENTON, Jamie. Jogo perigoso. TraduçãoMárcia Gimenez. São Paulo: Nova Cultural, 2000,
123 p., (Coleção Julia).
DENTON, Jamie. O Homem certo. Tradução Débora da Silva Guimarães Isidoro. São Paulo:
Nova Cultural, 2001, 110 p., (Coleção Sabrina, n 40 – Especial de férias – duas histórias).
EARLY, Margot. A noiva enganada. Tradução Vera C. P. Limongi. São Paulo: Nova Cultural,
1996, 221 p., (Coleção Clássicos Românticos, n 87).
ELLIOTT, Robin. Amor de campeão. Tradução Verônica Pakrauskas Totis. São Paulo: Nova
Cultural, 1986, 138p., (Coleção Momentos Íntimos Super, n 11 - duas histórias).
EVANS, Laurel. Anjo dourado. Tradução Graziela Câmara. São Paulo: Nova Cultural, 1988,
121p., (Coleção Momentos Íntimos Extra, n 16 - duas histórias).
FERRARELLA, Marie. Sabor da paixão. Tradução Baby Abrão. São Paulo: Nova Cultural,
1999, 131-219 p. (Coleção Bianca, n 715 – duas histórias).
FIELD, Sandra. Casamento forjado. Tradução Vera Limongi. São Paulo: Nova Cultural, 2001,
145-219 p. (Coleção Bianca, n 752 – duas histórias).
FIELD, Sandra. Homem familiar. Tradução Debora Mesquita e Ligia Chabu. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 112 p. (Coleção Bianca, n 768 – duas histórias).
FIELDING, Liz. O marido perfeito. Tradução Carmita Andrade. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 116 p. (Coleção Bianca, n 753 – duas histórias).
FORSTER, Suzanne. Anjo sedutor. TraduçãoVera Caputo. São Paulo: N ova Cultural, 1987,
134 p., (Coleção Momentos Íntimos Super, n 20 - duas histórias).
FORSYTHE, Patricia. Princesa em fuga. Tradução Deborah Barros. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 115 p., (Coleção Bianca, n 756 – duas histórias).
GEORGE, Catherine. Amante por engano. Tradução Alberto Cabral Fusaro. São Paulo: Nova
Cultural, 2000, 122 p., (Coleção Julia).
GOODMAN, Jô. Intrépido coração. Tradução Clara A. Colotto. São Paulo: Nova Cultural,
2005, 314 p., (Coleção Clássicos Históricos – Especial – Romances até o Século XVIII).
(*)
60
GORDON, Liza. Ciúme cego. Rio de Janeiro: Monterrey, 1988, 126 p., (Coleção Roleta
da Vida, n 22).
60
(*) os três romances antecedidos por asterisco recebem materialidade de romance de mocinho, no entanto o
texto narrativo é voltado para o leitor do sexo feminino.
276
GORDON, Lucy. Paciente sedutor. Tradução Ercília Costa. São Paulo: Nova Cultural, 2001,
109-219 p. (Coleção Bianca, n 758 – duas histórias).
GORDON, Lucy. Finalmente tua! Tradução Elizabeth Bueno. São Paulo: Nova Cultural, 2002,
123 p., (Coleção Sabrina Noivas).
HANNAY, Barbara. Em boa companhia. Tradução Nancy de Pieri Mi elli. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 123 p., (Coleção Julia, n 1126).
HAMMOND, Rosemary. O pintor e a bailarina. Tradução Isabela Falcão. São Paulo: Nova
Cultural, 1991, 120 p., (Coleção Julia, n 613)
JACOBS, Holly. Esperando por você. Tradução Débora da Silva Guimarães Isidoro. São
Paulo: Nova Cultural, 2001, 111-219 p., (Coleção Sabrina, n 40 – Especial de férias – duas
histórias).
JAMES, Arlene. Só pode ser você. Tradução Dorothea de Lorenzi. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 122 p. (Coleção Bianca, n 748 – duas histórias).
JAMES, BJ. Rendendo-se ao amor. Tradução Cecília Galluci. São Paulo: Nova Cultural, 2002,
122 p., (Coleção Julia).
JORDAN, Penny. Amor de perdição. Tradução Maria Cecilia Zanlorenzi. São Paulo: Nova
Cultural, 1999, 100 p. (Coleção Bianca, n 699 – duas histórias).
JORDAN, Penny. Uma noite perfeita. Tradução J. Alexandre. São Paulo: Nova Cultural, 2001,
121 p., (Coleção Julia, n 1163)
JORDAN, Penny. Sedução perfeita? Tradução Elizabeth Bueno. São Paulo: Nova Cultural,
2002, 122 p., (Coleção Momentos Íntimos).
JORDAN, Penny. Romance na Grécia. Tradução Ieda Moriya. São Paulo: Nova Cultural,
2002, 123 p., (Coleção Julia).
(*) KANE, Silver. Meus dois amores. Tradução Sebastião da Cunha e Castro Filho. Rio de
Janeiro: Monterrey, 1988, 126 p., (Coleção Roleta da vida, n 21).
KAUFFMAN, Donna. Bela, sexy e fatal! Tradução Miguel Cohn. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 115-219 p. (Coleção Bianca, n 768 – duas histórias).
KENDRICK, Sharon. Doce recomeço. Tradução Andréa Scall. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 119-219 p. (Coleção Bianca, n 756 – duas histórias).
KNOLL, Patricia. Aprendendo a ser pai. Tradução Carmita Andrade. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 155 p., (Coleção Sabrina, n 76).
LAWRENCE, Kim. Desejos secretos. Tradução Andréa Scall. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 106 p. (Coleção Bianca, n 758 – duas histórias).
277
LEE, Amanda. Prova de ternura. Tradução Alexandra Fuchs de Araújo. São Paulo: N ova
Cultural, 2000, 126 p., (Coleção Momentos Íntimos Extra, n 23 - duas histórias).
LEE, Amanda. O segredo de Megan. Tradução Alexandra Fuchs de Araújo. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, 125-257 p., (Coleção Momentos Íntim os Extra, n 16 - duas histórias).
LEE, Lucy. Príncipe dos mares. Tradução Cristina Dinamarco. São Paulo: Abril, 1984, 193 p.,
(Coleção Super Bianca, n 20).
LEE, Miranda. Uma proposta ousada. Tradução Vera Limongi. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 125-219 p. (Coleção Bianca, n 748 – duas histórias).
LENOX, Marion. O noivo perfeito. Tradução Regina Fonseca Ferreira. São Paulo: Nova
Cultural, 1997, 146 p. (Coleção Bianca, n 640 – duas histórias).
LONDON, Cait. A voz do coração. Tradução Eliana Campos. São Paulo: Nova Cultural, 2001,
p. 115-219, (Coleção Bianca).
MACOMBER, Debbie. Amores indiscretos. Tradução Glady Wiezel. São Paulo: Nova
Cultural, 1987, 120 p., (Coleção Bianca, n 370).
MALIN, Jennifer. Preciosa conquista. Tradução Sulamita Pen. São Paulo: Nova Cultural,
2005, 218 p., (Coleção Clássicos Históricos – Romances do Século XIX).
MANSELL, Joanna. A herdeira de Sévignac. Tradução Lia Viana. São Paulo: Nova Cultural,
2000, 116 p., (Coleção Bianca, n 439 – duas histórias).
MATHER, Anne. Sedução diabólica. Tradução Sílvia Macedo. São Paulo: Abril, 1982, 120 p.,
(Coleção Julia, n 127).
MAYO, Margaret. Esposa seduzida. Tradução Ieda Moriya. São Paulo: Nova Cultural, 2001,
123-219 p. (Coleção Bianca, n 751 – duas histórias).
McALLISTER, Anne. Um caso de amor. Tradução Alexandre Paiva. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 119-219 p., (Coleção Bianca, n 753 – duas histórias).
McBRIDE, Jule. Ilha do desejo. Tradução Andréa Scall. São Paulo: Nova Cultural, 2003, 123
p., (Coleção Momentos Íntimos).
McBRIDE, Mary. Balada de amor. Tradução Carmita Andrade. São Paulo: Nova Cultural,
1997, 147-221 p. (Coleção Bianca, n 640 – duas histórias).
McNAUGHT, Judith. Whitney, meu amor! Tradução Vera Maria Marques Martins. São Paulo:
Editora Best Seller, 1999, 480 p. - Bestseller.
MICHAELS, Kasey. Para todo o sempre! Tradução Camillo Garcia. São Paulo: Nova
Cultural, 2002, 123 p., (Coleção Julia).
MIKELS, Jennifer. Duelo de emoções. Tradução Isis Schwery. São Paulo: Nova Cultural,
2000, 119-240 p., (Coleção Bianca, n 439 – duas histórias).
278
MORELAND, Peggy. Desafios da paixão. Tradução Lígia Chabu e Deborah Mesquita. São
Paulo: Nova Cultural, 2001, 106 p., (Coleção Bianca, n 765 – duas histórias).
MORTIMER, Carole. Para ficar noiva... Tradução Ieda Moriya. São Paulo: Nova Cultural,
2002, 123 p., (Coleção Sabrina).
MUIR, Rae. Garanhão selvagem. Tradução José Batista de Carvalho. São Paulo: Nova
Cultural, 1996, 319 p., (Coleção Especial Clássicos Históricos, n 15).
PALMER, Diana. Gesto de ternura. Tradução Bárbara Bruzzo. São Paulo: Nova Cultural,
1986, 141-257 p., (Coleção Momentos Íntimos Super, n 11 - duas histórias).
PALMER, Diana. Modelo de pecado. Tradução Luciana Toledo. São Paulo: Nova Cultural,
1987, 137-257 p., (Coleção Momentos Íntimos Super, n 20 - duas histórias).
PEMBERTON, Gwen. Operação cupido. Tradução Maria Cecília Zanlorenzi. São Paulo:
Nova Cultural, 2000, 123 p., (Coleção Julia).
PORTER, Jane. Um amor escondido. Tradução Hideo Arthur. São Paulo: Nova Cultural, 2002,
123 p., (Coleção Sabrina).
POWERS, Nora. Armadilha perigosa. Tradução de Silvia Garcia Giantaglia. São Paulo: Nova
Cultural, 1986.
RALEIGH, Debbie. Sonho de amor. Tradução Débora Guimarães. São Paulo: Nova Cultural,
2005, 218 p., (Coleção Clássicos Históricos – Romances do Século XIX).
ROBERTS, Alison. Feliz ano 2000! Tradução Adelídia Chiarelli. São Paulo: Nova Cultural,
2000, 117-218 p., (Coleção Sabrina, n 38 – Especial de férias – duas histórias).
ROSZEL, Renne. Lua-de-mel complicada. Tradução Nancy Alves. São Paulo: Nova Cultural,
2000, 122 p., (Coleção Julia).
SHALVIS, Jill. Quando menos se espera. Tradução Eliana Campos. São Paulo: Nova Cultural,
2001, 109-219 p. (Coleção Bianca, n 765 – duas histórias).
SOUTHWICK, Teresa. Vencidos por um beijo. Tradução Edite Sciulli. São Paulo: Nova
Cultural, 2002, 123 p., (Coleção Julia, n 1178).
(*) TELLADO, Corin. O amor dispensa palavras. Tradução Maria de Lourdes Albuquerque. 1
ed. Rio de Janeiro: Cedibra, 1979, p. 125 (Coleção Bolsilivro Trevo Amor, Série Azul, n 47).
TELLADO, Corin. O primeiro amor. Tradução Maria Cleusa Tavares Lopes. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, 96 p., (Coleção Os melhores romances de Corin Tellado, n 16).
ZANE, Carolyn. A herdeira rebelde. Tradução Ligia Chabu e Deborah Mesquita. São Paulo:
Nova Cultural, 2002, 123 p., (Coleção Julia, n 1188).
WALKER, Kate. Planos de sedução. Tradução Nancy de Pieri Mielli. São Paulo: Nova
Cultural, 2000, 116 p., (Coleção Sabrina, n 38 – Especial de férias – duas histórias).
279
WAY, Margaret. Romance tropical. Tradução Ercília Magalhães Costa. São Paulo: Nova
Cultural, 2002, 123 p., (Coleção Sabrina).
WESTON, Sophie. A filha do milionário. Tradução Gracinda Vasconcelos. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 123 p., (Coleção Julia, n 1158).
WILDE, Lori. Um papai Noel sexy. Tradução Nancy de Pieri Mielli. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 123 p., (Coleção Julia).
WILKINSON, Lee. Tudo por uma mulher. Tradução Hideo Artur. São Paulo: Nova Cultural,
2002, 123 p., (Coleção Julia, n 1176).
WINTERS, Rebecca. Contigo para sempre! Tradução Deborah Mesquita e Ligia Chabu. São
Paulo: Nova Cultural, 2002, 123 p., (Coleção Sabrina).
WILSON, Mary Anne. Momentos de revelação. Tradução Ieda Moriya. São Paulo: Nova
Cultural, 2001, 120 p. (Coleção Bianca, n 751 – duas histórias ).
WILLIAMS, Bronwyn. Mar de desejo. Tradução Flora Salles. São Paulo: Nova Cultural,
1993, 256p., (Coleção Clássicos da Literatura Romântica, n 130).
Amostragem: romance de mocinha (brasileiro)
MOHLER, Rita Sofia. A parceira ideal. São Paulo: SR3 / Millenium, s/d, 130 p., (Coleção
Laços de Família, n 2).
MOHLER, Rita Sofia. Nas malhas do desejo. São Paulo: Canaã / Millenium, s/d, 128 p.,
(Coleção Laços de Família, n 3).
Amostragem: romance de mocinho
Também apresento as coleções, a editora e a quantidade de exemplares estudados dos
romances de mocinho.
COLEÇÃO N. LIDOS EDITORA
77Z 1 Monterrey
Ases do Oeste 1 Monterrey
Astros do Gatil ho 1 Monterrey
Ataque 1 Bruguera
280
Bala de Fogo 1 Bolsilivros/Cedibra
Bala de Prata 1 Cedibra
Big 45 1 Nautilus
Caravana 1 Bruguera
Chaparral 1 Monterrey
Chumbo Gr oss o 1 Monterrey
Chumbo Mortal 3 Monterrey
Chumbo Mortal – Série Azul 1 Monterrey
Chumbo Quente 1 Monterrey
Colt 45 1 Cedibra
Corcel 1 Cedibra
Dallas 1 Nova Leitura
Desirée 1 Monterrey
Detetives 2 Cedibra
Durango Fall 1 Nova Sampa
Estefania Ouro 1 Cedibra
FB7 4 Monterrey
FBI 5 Monterrey/Nova Cultura
Feras do Oeste 3 Monterrey
Gangs 1 Monterrey
HH 2 Monterrey
HH – Heróis de Guerra 1 Monterrey
HH – 2ª Guerra Mundial 1 Monterrey
HH – Epopéias de Guerra 1 Monterrey
K. O. Durban 1 Monterrey
Kid Bem – Serie Amarela 1 Cedibra
Lei do Revólver 4 Monterrey
Linha de Fo go 1 Disbra
Mulher & Colt 4 Monterrey
Nebraska 1 Bolsilivros/Cedibra
O Coyote 3 Bruguera/Cedibra
Oeste Barra Pesada 1 Monterrey
Oeste Beijo e Bala 3 Monterrey
Oeste Beijo e Bala – Série Vermelha 1 Monterrey
Oeste Brutal 3 Monterrey
Oeste Brutal – Série Magenta 2 Monterrey
Oeste Carga Dupla – Série Amarela 1 Monterrey
Oeste Legendário/Estefania 2 FreeWay/Press
Oeste Perigoso 1 Monterrey
Oeste Pra Valer 2 Monterrey
Oeste Proibido 2 Monterrey
Oeste Rio Brav o – Série Vermelha 1 Cedibra
Oeste Sensual 4 Monterrey
Oeste Vermelho – Séri e Ver d e 2 Monterrey
Paladino 1
Nova Leitura
Pistola 1 Nova Leitura
Pocket Faroeste Bronze 1 Fittipaldi
Pocket Faroeste Prata 2 Fittipaldi
281
Pocket Policial Diamante 1 Fittipaldi
Pocket Policial Ouro 1 Fittipald i
Pocket Suspense Ou ro 1 Fittipaldi
Reis do Gatilho 4 Monterrey
Roleta da Vida 1 Monterrey
Science Fiction – Fantasia 1 Nautilus
Super Far West – 2 históri a s 1 Nova Cultural
Tiroteio 1 Monterrey
ZZ7 1 Monterrey
ZZ7 – Série Azul 2 Monterrey
ADDO, Penty. Dólares por um corpo. Tradução Penteado dos Reis. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1979, 126 p., (Coleção oeste Sensual, n. 8).
ADDO, Penty. Gosto de fêmea. Rio de Janeiro: Monterrey, 2002, 93 p., (Coleção Oeste
Sensual, n. 5).
BIALLY, Barbara. Os eleitos da morte. São Paulo: Fittipaldi, 1995, 128 p., (Coleção Pocket
Suspense Ouro, n. 2).
CARSON, Graham. Meu coração é cheyenne! Rio de Janeiro: Nova leitura, 1988, 96 p.,
(Coleção Pistola, n. 12).
CARSON, Tony. Mulher fatal. São Paulo: Fittipaldi, 1995, 128 p., (Coleção Pocket Policial
Diamante, n. 1).
CARR, L. C. Grupo especial. Tradução Luiz Osvaldo Cunha. Rio de Janeiro: Monterrey,
1979, 127 p., (Coleção FB7, n. 44).
CARRADOS, Clark. Destemor. Tradução Ronaldo Andrade Pestana. Rio de Janeiro: Disbra,
1970, 128 p., (Coleção Linha de fogo, n. 62).
CARRIGAN, Lou. Sangue sobre a neve. Tradução M. P. Gumarães Martins. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1981, 125 p., (Coleção HH 2ª Guerra Mundial, n.229).
CARRIGAN, Lou. A hora e a vez. Rio de Janeiro: Monterrey, 1979, 127 p., (Coleção ZZ7 -
Série Azul, n 182).
CARRIGAN, Lou. Jenny "mata-homens". Tradução Sonia Maria Rodrigues Oliveira. Rio de
Janeiro: Monterrey, 1987, 128 p., (Coleção Chumbo Grosso, n. 64).
CARRIGAN, Lou. Relações públicas. Rio de Janeiro: Monterrey, 1975, 124 p., (Coleção ZZ7
- Série Azul, n. 95).
CASTLE, Charles.
282
CURTIS, Donald. Trem da morte. Tradução Darcy Simas. Rio de Janeiro: Monterrey, 2002, 93
p., (Coleção Feras do Oeste – Série Vermelha, n. 1).
CURTIS, Donald. Pode vestir luto. Tradução Iracema de Barros. Rio de Janeiro: Monterrey,
1978, 124 p., (Coleção FB7, n. 411).
CURTIS, Donald. A lei e a vingança. Tradução Darcy Sim as. Rio de Janeiro: Monterrey, 2001,
93 p., (Coleção Oeste Beijo e Bala, n. 178).
CURTIS, Donald. O dragão de ouro. Tradução Darcy Simas. Rio de Janeiro: Monterrey, 2000,
128 p., (Coleção Tiroteio, n. 234).
CURTIS, Donald. Quebrada do terror. Tradução Juan Alberto Fernandez Nunes. Rio de
Janeiro: Monterrey, 1992, 128 p., (Coleção Oeste Beijo e Bala, n 44).
CURTIS, Donald. Vingador noturno. Tradução Luiz Orlando Lemos. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1995, 128 p., (Coleção Feras do Oeste, n 18).
CURTIS, Donald. Condenado a viver. Tradução Darcy Simas. Rio de Janeiro: Monterrey,
1997, 128 p., (Coleção Oeste Proibido, n 159).
CURTIS, Donald. Meu nome: Sacramento. Tradução Carla Rosane Romanelli. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1995, 126 p., (Coleção Oeste Pra Valer, n 133).
CURTIS, Donald. Perigo nos trópicos. (Revista em mal estado de conservação, impossível
outras informações bibliográficas). São Paulo: Nova Cultural, 96 p., (Coleção FBI, n. 20).
CURTIS, Donald. As amazonas de Bornéu. Rio de Janeiro: Monterrey 124 p., (Coleção HH, n.
60).
DANGER, Peter. Mulher pede ajuda. (Revista em mal estado de conservação, impossível
outras informações bibliográficas). Rio de Janeiro: Monterrey 124 p., (Coleção FBI, n. 288).
DAVIS, Kent. Caça ao lobo solitário. Tradução Izabel Xrisô Baroni. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1996, 126 p., (Coleção Reis do Gatilho, n. 6).
DUNCAN, Clay. Cava tua cova. Tradução Penteado Reis. Rio de Janeiro: Monterrey, 2003,
93 p., (Coleção Oeste Brutal – Série Magenta, n. 2).
DURBAN, Keith Oliver. Atentado em Pequim 2. Rio de Janeiro: Monterrey, s/d, 124 p.,
(Coleção K. O. Durban).
ESTEFANIA, Marcial Lafuente. A hora da justiça. Tradução Roney Bristol. Campinas:
Cedibra, 1988, 95 p., (Coleção Colt 45, n. 126).
ESTEFANIA, Marcial Lafuente. Ninho de serpentes. Tradução Roberto Mollica. Rio de
Janeiro: Cedibra, 1979, 124 p., (Coleção Kid Ben – Série Amarela, n. 167).
ESTEFANIA, Marcial Lafuente. Assassinos ferozes. Tradução de Yvonete Gomes Feitosa.
Campinas: Cedibra, 1990, (Coleção Estefania o u ro).
283
ESTEFANIA, Marcial Lafuente. Procura-se. Tradução Luciene A. R. Alencar. Osasco: Press,
s/d, 95 p., (Coleção Oeste Legendário, n 49 – Estefania).
ESTEFANIA, Marcial Lafuente. Condenados pelo passado. Tradução Luciene A. R. Alencar.
Freeway, s/d, 93 p. (Coleção Oeste – Oeste Legendário, n 32 – Estefania * não apresenta a
cidade da editora nem a data de publicação).
FRANKS, Morgan. Rurais do Texas. Rio de Janeiro: Monterrey, 2005, 94 p., (Coleção Lei do
Revólver, n. 23).
GARLAND, Curtis. Juiz e verdugo. Tradução Izabel Xrisô Baroni. Rio de Janeiro: Monterrey,
2001, 96 p., (Coleção Chumbo Mortal, n. 127).
GARLAND, Curtis. Dedos de ouro. Tradução Darcy Simas. Rio de Janeiro: Monterrey, 1999,
127p., (Coleção Oeste Brutal, n. 249).
GARLAND, Curtis. Diadema sangrento. Tradução Izabel Xrisô Baroni. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1996, 126 p., (Coleção Oeste Brutal, n. 239).
GARRIGAN, Lou. O túmulo do índio. Tradução Luiz Osvaldo Cunha. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1991, 126 p., (Coleção Oeste Proibido, n. 128).
HARRISON, Sol. Chacina no pântano. Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Monterrey,
1979, 127 p., (Coleção Gangs, n. 6).
JINJOE, Joe. Ainda existe coragem. Tradução Iracema de Barros. Rio de Janeiro: Mo nterrey,
1998, 126 p., (Coleção Chumbo Mortal, n. 118).
KANE, Silver. Seguro de enterro. Tradução Luísa Maria. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.
5-65, (Coleção Super FarWest – 2 Histórias emocionantes).
KANE, Silver. A marca de satã. Tradução Maria Alicia Gancedo Alvarez. São Paulo: Nova
Cultural, 1991, p. 69-128, (Coleção Super FarWest – 2 Histórias emocionantes).
KANE, Silver. A viúva de satanás. Tradução de Yvonete Gomes Feitosa. São Paulo: Cedibra,
1993, (Marcial Lafuente Estefania – Bala de Prata).
KAPRA, Peter. Amor selvagem. Tradução Carla Romanelli. Rio de Janeiro: Monterrey, 2004,
94 p., (Coleção Oeste Beijo e Bala – Série Vermelha, n. 2).
KAPRA, Peter. Legado maldito. Tradução Sebastião da Cunha e Castro Filho. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1998, 128 p., (Coleção Chumbo Quente, n. 73).
KAPRA, Peter. Herói sem rosto. Tradução Izabel Xrisô Baroni. Rio de Janeiro: Monterrey,
1995, (Coleção HH Epopéias de guerra).
KEYSTONE, Henry. Wyatt Earp. Tradução Luiz Osvaldo Cunha. Rio de Janeiro: Monterrey,
2001, 93 p., (Coleção Ases do Oeste, n. 5).
284
KEYSTONE, Henry. Gatilho erótico. Tradução Luiz Navarro. Rio de Janeiro: Monterrey,
2001, 96 p., (Coleção Oeste Sensual, n. 4).
KEYSTONE, Henry. A honra da namorada. Tradução Iracema de Barros. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1993, 128 p., (Coleção Oeste Barra Pesada, n. 145).
KEYSTONE, Henry. Os comissários. Tradução Izabel Baroni. Rio de Janeiro: Cedibra, 1983,
127 p., (Coleção Bala de Fogo, n. 22).
KING, Frank. Estranha aventura. São Paulo: Fittipaldi, 1994, p. 128, (Coleção Série Pocket
Policial Ouro, n. 1).
LEE, Greg. O filho adotivo. Tradução Penteado dos Reis. Rio de Janeiro: Monterrey, 2003, 93
p., (Coleção Oeste Vermelho – Série Verde, n. 1).
LUGER, Keith. Sangue na tarde. Tradução Celso Lima. Rio de Janeiro: Cedibra, 1981, 128 p.,
(Coleção Nebraska, n. 181).
LUKE, Mark A. Espião especial. Rio de Janeiro: Monterrey, 1983, 126 p., (Coleção 77Z, n.
151).
LUKE, Mark A. Uma arma contra todos. São Paulo: Fittipaldi, 1995, p. 128, (Coleção Série
Pocket Faroeste Bronze, n. 3).
LUKE, Mark A. Bando de chacais. São Paulo: Fittipaldi, 1995, p. 128., (Coleção Pocket
Faroeste Prata, n. 4).
LUKE, Mark A. Bela e indomável. São Paulo: Fittipaldi, 1996, p. 128, (Coleção Série Pocket
Faroeste Prata, n. 6).
LUMAS, Gordon. O homem que nunca voltou. Tradução Paulo Násser. Rio de Janeiro:
Cedibra, 1973, 128 p., (Coleção Corcel, n. 30).
MACKENZIE, Steve. Sede de sangue. Tradução Carla Roma nelli. Rio de Janeiro: Monterrey,
2004, 94 p., (Coleção Oeste Vermelho – Série Verde, n. 2).
MALLORQUI, José. O diadema das oito estrelas. 2 ed. Tradução de Reynaldo Jardim. Rio de
Janeiro: Cedibra, 1980, (Coleção O coyote).
MALLORQUI, José. O falso coyote. Tradução cedida pela Monterrey. Rio de Janeiro:
Bruguera, 1981, p. 128, (Coleção O Coyote, n. 7).
MARTIN, René. Apoie seu criminoso local. Tradução Roberto Bava. 1 ed. Rio de Janeiro:
Cedibra, 1975, p. 127, (Coleção Bolsilivro Detetives, n. 16).
MARTIN, René. Os hippies voam alto. Tradução Roberto Bava. 1 ed. Rio de Janeiro: Cedibra,
1975, p. 125, (Coleção Bolsilivro Detetives, n. 20).
MARTY, Fel. Fogo nas mãos. Tradução Heral A. Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.
96, (Coleção FBI, n. 26).
285
MARTY, Lucky. Os indômitos. Tradução Herminia Folchini. Rio de Janeiro: Bruguera, 1971,
128 p., (Coleção Caravana, n. 112).
MASON, Leo. Gosto de cinza. Tradução de Penteado dos Reis. Rio de Janeiro: Monterrey,
1978, 124 p., (Coleção FB7, n. 410).
McCARTHY. Cemitério de caçadores. Rio de Janeiro: Nova Leitura, 1994, p. 96, (Coleção
Paladino, n. 43).
MILK, Louis G. A destruição de Thoyadis. Tradução S. Michel. Rio de Janeiro: Nautilus,
1973, 128 p., (Coleção Science Fiction – Fantasia).
MOENCH, Louis. Sangue cigano ou sanguinários. Mirandópolis: Nova Sampa, s/d, 98 p.,
(Coleção Durango Fall)
MONROE, James. Encontro com a morte. Rio de Janeiro: Monterrey, 1990, 126 p., (Coleção
Oeste Brutal, n. 206).
O'BRIEN. Crime de mulher. Rio de Janeiro: Monterrey, 1996, 128 p., (Coleção Lei do
Revólver, n. 2).
O'CLEMENT, Michael. O cavaleiro negro. Tradução Roberto Mollica. Rio de Janeiro:
Cedibra, 1978, 125 p., (Coleção Oeste Rio Bravo – Série Vermelha, n. 2).
ORTUSOL, D. Um pecado atual. Rio de Janeiro: Monterrey, s/d, 124 p., (Coleção Desiré, n
1).
PERRISH, Glenn. Mergulho para a morte. Tradução Rogério Luz. Rio de Janeiro: Bruguera,
1965, 128 p., (Coleção Ataque, n. 17).
RACNAC, Robson. Enforquem o xerife! Rio de Janeiro: Monterrey, 2003, 93 p., (Coleção
Oeste Brutal – Série magenta, n. 1).
RACNAC, Robson. Morreu como um rato. Rio de Janeiro: Monterrey, 2003, 93 p., (Coleção
Oeste Carga Dupla – Série Amarela, n. 1).
RAVER, Anthony W. Cochise. Tradução Luiz Osvaldo Cunha. Rio de Janeiro: Monterrey,
2000, 128 p., (Coleção Astros do Gatilho, n. 2).
REYS, Anthony. Ouro, bala e sangue. Rio de Janeiro: Monterrey, 2004, 94 p., (Coleção
Mulher & Colt, n. 11).
REYS, Anthony. Trindade diabólica. Rio de Janeiro: Monterrey, 2002, 93 p., (Coleção Mulher
& Colt, n. 9).
REYS, Anthony. Falência criminosa. Rio de Janeiro: Monterrey, 1981, (Coleção Mulher &
Colt, n. 17).
ROCK, Louis. Sangue fluente. Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Monterrey, 1978, 125
p., (Coleção Chaparral, n. 63).
286
ROMANO, Tadeu. O pau comeu no Kansas. Rio de Janeiro: Monterrey, 2001, 93 p., (Coleção
Reis do Gatilho, n. 23).
ROMANO, Tadeu. O rodeio que não houve. Rio de Janeiro: Monterrey, 2003, 93 p., (Coleção
Lei do Revólver, n. 22).
ROMANO, Tadeu. Cidade dos diabos. Rio de Janeiro: Monterrey, 2004, 94 p., (Coleção
Chumbo Mortal – Série Azul, n. 3).
SAAVDROVITCH, M. Fui capitão do Afrika Korps. Rio de Janeiro: Monterrey, s/d, (Coleção
HH).
SPOKANE, Frankie. No tempo de um enterro. Tradução de Penteado dos Reis. Rio de Janeiro:
Monterrey, 1998, (Coleção Reis do Gatilho).
TALBOT, Ros M. Pólvora e desejo. Rio de Janeiro: Monterrey, 2003, 93 p., (Coleção Oeste
Sensual, n. 6).
TILLBIT, Lilly. O garanhão. Rio de Janeiro: Monterrey, 2004, 94 p., (Coleção Reis do
Gatilho, n. 25).
WEST, Dennis. Guerreiro do desespero. Rio de Janeiro: Nova Leitura, 1988, 96 p., (Coleção
Dallas, n. 10).
WEST, Gim. Punhos de aço. Rio de Janeiro: Monterrey, 1990, 128 p., (Coleção Oeste
Perigoso, n. 174).
WESTSIDE, Albert. Xerife na forca. Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Monterrey,
2002, 93 p., (Coleção Oeste Beijo e Bala, n. 179).
WILLIAMSON, Fred. Não fui eu. Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Monterrey, 1979,
124 p., (Coleção FB7, n. 429).
WILLIAMSON, Scott. A mão que agarra. Tradução Giasone Rebuá. Rio de Janeiro:
Monterrey, 2001, 93 p., (Coleção Feras do Oeste, n. 43).
WILSON, Kent. O segredo de "Tomahawk Jim". Tradução L. Ibañez. Rio de Janeiro: Nautilus,
1972, 128 p., (Coleção Big 45).
287
TEX – HQ
BONELLI, Gian Luigi. Fogo! Desenho de A. Galleppini. São Paulo: Globo, 1989 (Tex, n. 28 –
reedição).
BONELLI, Gian Luigi. Resistência heróica. Desenho de A. Galleppini. São Paulo: Mythos
(Tex, n. 190).
NIZZI, Claudio. Ataque na montanha sagrada. Desenho de Monti. São Paulo: Mythos (Tex, n.
398).
NIZZI, Claudio. Arame farpado. Desenho de Fusco. São Paulo: Mythos (Tex, n. 404).
Outras literaturas narrativas de massa
BROWN, Dan. O código da Vinci. Tradução Celina Cavalcante Falck – Cook. São Paulo:
Sextante, 2004.
CHRISTIE, Agatha. O caso dos dez negrinhos. Tradução Leonel Vallandro. São Paulo: Abril,
1971.
CHRISTIE, Agatha. Os elefantes não esquecem. Tradução Newton Goldman. 6 ed. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, © 1972.
COELHO, Paulo. O diário de um mago. 113 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1995, p., 246.
McCULLOUGH, Colleen. Pássaros feridos. Tradução Octavio Mendes Cajado. 9 ed. São
Paulo: DIFEL, 1983
ROBBINS, Harold. 79 Park Avenue. Tradução Nelson Rodrigues. São Paulo: Círculo do livro,
© 1955.
ROBBINS, Harold. A mulher só. Tradução Nelson Rodrigues. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, ©
1976.
ROBBINS, Harold. O garanhão. Tradução Nelson Rodrigues. São Paulo: Abril, 1985, 371 p.,
(Best-Sellers).
ROBBINS, Harold. Ninguém é de ninguém. Tradução Nelson Rodrigues. 8 ed. Rio de Janeiro:
Record, © 1954, 191 p., (Best-Sellers).
SEGAL, Erich. Love Story – Uma história de amor. Tradução Pinheiro de lemos. 17 ed. São
Paulo: Record, © 1970.
SHELDON, Sidney. A outra face. Tradução A. B. Pinheiro de Lemos. São Paulo: Nova
Cultural, 1985, p., 265.
288
SHELDON, Sidney. Lembranças da meia-noite. Tradução A. B. Pinheiro de Lemos. São
Paulo: Círculo do Livro, © 1990, p., 296.
SHELDON, Sidney. Se houver amanhã. Tradução A. B. Pinheiro de Lemos. 3 ed. Rio de
Janeiro: Record, © 1985, p., 402.
SHELDON, Sidney. Um estranho no espelho. Tradução Ana Lúcia Deiró Cardoso. São Paulo:
Círculo do livro, © 1976, p., 296.
SHELDON, Sidney. Nada dura para sempre. Tradução Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro:
Record, © 1994 (SuperSellers).
STEEL, Danielle. Segredo de uma promessa. Tradução Pinheiro de Lemos. São Paulo: Círculo
do livro, © 1978.
STEEL, Danielle. O anel de noivado. Tradução Isabel Paquet de Araripe. Rio de Janeiro:
Record, © 1980.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo