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RODRIGO GURGEL CHERUBINO RIBEIRO
CARACTERÍSTICAS DA OFERTA DE MICROCRÉDITO A PARTIR DE
ESTUDOS DE CASOS DE MINAS GERAIS:
EVOLUÇÃO EM DIREÇÃO À ATUAÇÃO SEGUNDO A LÓGICA DO
SISTEMA BANCÁRIO
Uberlândia, MG
IE
UFU
2005
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ii
RODRIGO GURGEL CHERUBINO RIBEIRO
CARACTERÍSTICAS DA OFERTA DE MICROCRÉDITO A PARTIR DE
ESTUDOS DE CASOS DE MINAS GERAIS:
E
VOLUÇÃO EM DIREÇÃO À ATUAÇÃO SEGUNDO A LÓGICA DO
SISTEMA BANCÁRIO
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do
Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do Título
de Mestre em Desenvolvimento Econômico.
Uberlândia, MG
IE
UFU
2005
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iii
BANCA EXAMINADORA
________________________________
SILVIO ANTÔNIO FERRAZ CARIO
________________________________
VANESSA PETRELLI CORRÊA
________________________________
MARISA DOS REIS AZEVEDO BOTELHO
Uberlândia, 30 de Setembro de 2005.
iv
SUMÁRIO
Lista de Tabelas .......................................................................................................................... vii
Lista de Gráficos.......................................................................................................................... ix
Resumo............................................................................................................................................x
Abstract..........................................................................................................................................xi
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................7
1. A EVOLUÇÃO RECENTE DO CRÉDITO BANCÁRIO NO BRASIL.............................................4
1.1 A Estabilização dos Preços no Plano Real e as Instituições Bancárias Brasileiras.........6
1.1.1 O Processo de Ajuste pela Redução do Número das Dependências Bancárias...................8
1.1.2 O Processo de Ajuste Através da Expansão do Crédito ....................................................14
1.2 A Dinâmica de Entrada das Instituições Bancárias Estrangeiras no Sistema
Financeiro Brasileiro e sua Implicação sobre o Crédito ..........................................................19
1.3 A Estagnação do Crédito no Brasil na Década de 1990 ..................................................23
1.3.1 O Acordo da Basiléia.........................................................................................................25
1.3.2 A Adesão do Brasil ao Acordo da Basiléia........................................................................28
1.3.3 Evidências Empíricas Acerca da Evolução do Crédito no Brasil......................................33
1.4 Conclusões ...........................................................................................................................35
2. DEFINIÇÃO DE MICROCRÉDITO, CARACTERÍSTICAS OPERACIONAIS DAS INSTITUIÇÕES DE
MICROFINANÇAS, TAXA DE PENETRAÇÃO DA INDÚSTRIA E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS...............38
2.1 O Paradigma da Economia da Informação: as Imperfeições em Mercados de
Empréstimos e o Conseqüente Racionamento do Crédito.......................................................40
2.2 Definições que Envolvem o Termo Microcrédito.............................................................46
2.2.1 Microcrédito.......................................................................................................................46
2.2.2 Microcrédito: para consumo ou para investimento............................................................47
2.2.3 Microfinanças ....................................................................................................................50
2.3 Características das Operações de Microfinanças............................................................52
2.4 Características Operacionais das Instituições de Microfinanças e o Debate Acerca da
Viabilidade Financeira Institucional..........................................................................................55
v
2.5 Estimativa da Taxa de Penetração da Indústria de Microfinanças no Brasil............63
2.5.1 A Estimativa da Demanda por Nichter et alli (2002) ........................................................63
2.5.2 A estimativa OIT-CEF.......................................................................................................66
2.5.3 A estimativa de Prota (2003) .............................................................................................67
2.5.4 Outros Aspectos que Evidenciam a Elevada Demanda por Microcrédito no Brasil .........69
2.6 Evidências Empíricas Relativas às Instituições de Microfinanças Brasileiras..............71
2.7 Conclusões ...........................................................................................................................73
3. ANÁLISE DE SETE INSTITUIÇÕES DE MICROFINANÇAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS....77
3.1 Banco Popular de Ipatinga.................................................................................................81
3.1.1 Características da Instituição de Microfinanças ................................................................81
3.1.2 Os Serviços Microfinanceiros............................................................................................88
3.1.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças ...........................................90
3.2 Banco do Povo de Juiz de Fora..........................................................................................92
3.2.1 Características da Instituição de Microfinanças ................................................................92
3.2.2 Os Serviços Microfinanceiros............................................................................................96
3.2.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças ...........................................97
3.3 Associação Objetivo e Trabalho (AOT)............................................................................99
3.3.1 Características da Instituição de Microfinanças ................................................................99
3.3.2 Os Serviços Microfinanceiros............................................................................................99
3.3.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças .........................................100
3.4 Contacred – Instituição Mineira de Microcrédito.........................................................100
3.4.1 Características da Instituição de Microfinanças ..............................................................100
3.4.2 Os Serviços Microfinanceiros..........................................................................................101
3.4.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças .........................................103
3.5 Sociedade de Crédito ao Microempreendedor FIDÚCIA Ltda....................................103
3.5.1 Características da Instituição de Microfinanças ..............................................................103
3.5.2 Os Serviços Microfinanceiros..........................................................................................105
3.5.3 Característica da Demanda da Instituição de Microfinanças...........................................106
3.6 Instituição Comunitária de Crédito do Município de Uberlândia – Banco do Povo..107
3.6.1 Características da Instituição de Microfinanças ..............................................................107
3.6.2 Os Serviços Microfinanceiros..........................................................................................109
vi
3.6.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças .........................................111
3.7 Rótula S/A Sociedade de Crédito ao Microempreendedor...........................................111
3.7.1 Características da Instituição de Microfinanças ..............................................................111
3.7.2 Os Serviços Microfinanceiros..........................................................................................116
3.7.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças .........................................117
3.8 Conclusões .........................................................................................................................117
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................120
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................125
vii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 –
Crédito Bancário ao Setor Privado como Proporção do PIB para Alguns Países
Selecionados (2003)...................................................................................................5
Tabela 2 Evolução das Receitas Inflacionárias no Brasil (1990-1994)....................................8
Tabela 3 Evolução da Abrangência das Dependências Bancárias no Brasil...........................10
Tabela 4 Evolução dos Indicadores de Qualidade dos Ativos dos Bancos Múltiplos e
Comerciais do Sistema Financeiro Nacional (jun/1994 – dez/1998).......................17
Tabela 5 Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Governo Federal como Proporção do
Total do Crédito Bancário Doméstico (1990-2004).................................................33
Tabela 6 Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Setor Privado como Proporção do
Total do Crédito Bancário Doméstico (1990-2004).................................................34
Tabela 7 Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Setor Privado como Proporção do PIB
(1990-2003)..............................................................................................................35
Tabela 8 Evolução do Número de Microempreendimentos no Brasil (1998-2002)...............64
Tabela 9 Taxa de Penetração da Indústria de Microfinanças em Países Selecionados...........65
Tabela 10 Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pelo
Banco Popular de Ipatinga (1998-2004)..................................................................82
Tabela 11 Evolução do Valor do Empréstimo Médio Concedido pelo Banco Popular de
Ipatinga (1998-2004)...............................................................................................83
Tabela 12 Fontes de Recursos do Banco Popular de Ipatinga..................................................83
Tabela 13 Evolução do Patrimônio Líquido do Banco Popular de Ipatinga (1998-2004)........84
Tabela 14 Evolução da Carteira Ativa de Microcréditos do Banco Popular de Ipatinga (1998-
2004).........................................................................................................................85
Tabela 15 Evolução da Taxa de Inadimplência da Carteira de Microcréditos do Banco Popular
de Ipatinga (1999-2004)...........................................................................................86
Tabela 16 Receitas Totais, Despesas Totais e Resultados Mensais do Banco Popular de
Ipatinga – valores em reais (2004)...........................................................................86
Tabela 17 Resultados Operacionais Mensais e Resultados Não-Operacionais Mensais do
viii
Banco Popular de Ipatinga – valores em reais (2004).............................................87
Tabela 18 Evolução do Ativo Circulante Não-Operacional do Banco do Povo de Juiz de Fora
– valores em reais (2001-2004)................................................................................93
Tabela 19 Evolução do Valor das Operações de Crédito do Banco do Povo de Juiz de Fora –
valores em reais (2001-2004)...................................................................................94
Tabela 20 Evolução do Patrimônio Líquido do Banco do Povo de Juiz de Fora – valores em
reais (2001-2004).....................................................................................................94
Tabela 21 Evolução da Razão Ativo Circulante Não-Operacional/ Valor das Operações de
Crédito do Banco do Povo de Juiz de Fora – valores em reais (2001-2004)...........95
Tabela 22 Evolução da Razão Ativo Circulante Não-Operacional/ Patrimônio Líquido do
Banco do Povo de Juiz de Fora – valores em reais (2001-2004).............................95
Tabela 23 Percentual de Operações por Faixa de Valor dos Créditos do Banco do Povo de Juiz
de Fora......................................................................................................................98
Tabela 24 Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pela
FIDÚCIA (2001-2005)...........................................................................................104
Tabela 25 Evolução do Empréstimo Médio Concedido pela FIDÚCIA (2001-2005)............104
Tabela 26 Proporção da Utilização dos Tipos de Garantias Substitutas às Garantias Reais
(2001-2005)............................................................................................................107
Tabela 27 Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pelo
Banco do Povo de Uberlândia (2003-2005)...........................................................108
Tabela 28 Evolução do Patrimônio Líquido do Banco do Povo de Uberlândia (2002-2004).109
Tabela 29 Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pela
Rótula S/A (1999-2004).........................................................................................112
Tabela 30 Evolução do Empréstimo Médio Concedido pela Rótula S/A (1999-2004)..........113
Tabela 31 Evolução do Patrimônio Líquido da Rótula S/A. (1999-2004)..............................113
Tabela 32 Evolução da Carteira Ativa de Microcréditos da Rótula S.A. (1999-2004)...........114
Tabela 33 Evolução da Taxa de Inadimplência da Carteira de Microcréditos da Rótula S.A.
(1999-2004)............................................................................................................114
Tabela 34 Receitas Totais, Despesas Totais e Resultados Anuais da Rótula S.A. – valores em
reais (1999-2004)....................................................................................................115
ix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução Trimestral do PIB no Brasil (1993-1996)..................................................14
Gráfico 2 – Evolução do Porcentual de Cheques Devolvidos no Brasil (1993-1997)..................16
Gráfico 3 – Evolução da Taxa Básica de Juros no Brasil (jul/1994 – dez/1995)..........................17
Gráfico 4 – Mercado de Empréstimos sob a Teoria Neoclássica e sob a Situação de Informação
Assimétrica.....................................................................................................................................42
x
RESUMO
Existe uma divergência entre o objetivo das instituições bancárias de racionar crédito por
conta de seu comportamento racional diante de problemas informacionais existentes no mercado
de crédito e a intenção dos formuladores de política econômica de disponibilizar crédito a todos
os agentes da economia como meio de se alavancar o crescimento econômico. Diante disso, a
expansão do crédito pode ser observada a partir de um serviço financeiro alternativo ao
disponibilizado pelo setor bancário tradicional: o microcrédito. Todavia, a metodologia de
concessão do microcrédito no Brasil tem se assemelhado à própria metodologia empregada pelo
setor bancário tradicional, limitando, dessa forma, a disponibilização de serviços financeiros aos
agentes de mais baixa renda e aos empreendimentos do setor informal da economia. Informações
obtidas em sete instituições de microfinanças do estado de Minas Gerais indicaram a cobrança de
taxas de juros relativamente altas, a existência de solicitações burocráticas que elevam custos de
transações dos clientes, a diminuta utilização do aval solidário como garantia substitutiva, bem
como a forte influência das taxas básicas de juros da economia sobre a composição da estrutura
patrimonial das instituições de microfinanças.
xi
ABSTRACT
There is a divergence between the objective of the banking institutions to ration credit –
because its rational behavior to face difficulties of get informations about the market –, and the
intention of the economic policy makers to offer credit to all the agents of the economy as an
instrument to leverage the development. Looking up it, the expansion of the credit can be
observed through from an alternative financial service in despite of the other offered by the
traditional banking sector: the microcredit. However, the concession methodology of the
microcredit in Brazil has seemed the methodology used for the traditional banking sector,
limiting, of this form, the offered of financial services to the agents of lower income and to the
informal enterprises sector of the economy. Information from seven institutions of microfinances
of the state of Minas Gerais indicated the collection of relatively high interest rates, the existence
of bureaucratic requests that raise costs of customers transactions, the useless of solidary
endorsement as substitute guarantee, as well as the strong influence of the interest rate of the
economy on the composition of the patrimonial structure of the microfinances institutions.
1
INTRODUÇÃO
Pode-se afirmar que a Microeconomia, um dos ramos das Ciências Econômicas, estuda o
comportamento de quaisquer indivíduos ou entidades que interagem em uma economia. O
crédito, definido como um serviço financeiro que disponibiliza certo montante de recursos com a
finalidade de se efetuar uma alteração no gasto intertemporal de indivíduos ou entidades de uma
economia, é de extrema importância para o desenvolvimento econômico. Isso ocorre pelo fato de
que inovadores empreendimentos produtivos podem não ser concretizados pela simples
inexistência de crédito. Alguns indivíduos e empresas não proporcionarão a geração de emprego
e de renda caso não tenham acesso ao crédito necessário para o desenvolvimento das atividades
produtivas das quais esperam obter ganhos.
Diante disso, é possível supor que os formuladores de políticas econômicas almejem o
amplo acesso ao crédito a consumidores, trabalhadores, proprietários de terras e empresas.
Todavia, a disponibilização de crédito envolve a atuação de entidades – as instituições bancárias
– que, por serem empresas capitalistas, têm por objetivo a maximização do lucro ou, em uma
análise dinâmica, a maximização da riqueza de seus proprietários. Portanto, o objetivo da atuação
das instituições bancárias pode não coincidir com a intenção de expandir o crédito a todos os
agentes da economia. E é isso o que de fato ocorre.
O que se observa, na realidade, é que a atuação das instituições bancárias cria uma
situação de racionamento do crédito, caracterizada pelo fato de que nem todos os demandantes de
crédito serão atendidos pela oferta de crédito que as instituições bancárias estão dispostas a
oferecer. Resumidamente, a atuação das instituições bancárias se deve a dois raciocínios.
Em primeiro lugar, como é muito difícil ou impossível conhecer as reais possibilidades de
pagamento dos tomadores de empréstimos, as instituições bancárias elevam as taxas de juros dos
empréstimos para todos os demandantes como forma de serem compensadas pelas possíveis
perdas proporcionadas pelos empreendimentos mais arriscados. Dessa forma, os demandantes por
financiamentos que possuem os empreendimentos menos arriscados, dos quais se espera um
menor retorno, não terão como pagar as elevadas taxas de juros cobradas pelas instituições de
microfinanças. Sendo assim, o comportamento racional das instituições bancárias é proporcionar
2
o racionamento do crédito, tendo-se como conseqüência o amplo acesso ao crédito tornar-se um
problema para os formuladores de políticas econômicas. O segundo raciocínio formulado pelas
instituições bancárias deriva do seguinte: diante da elevação nas taxas de juros, há o incentivo de
que surjam demandantes com empreendimentos ainda mais arriscados, já que o retorno esperado
guarda uma relação direta com o risco. Novamente, o comportamento racional das instituições
bancárias seria racionar o crédito.
Existiria, então, a divergência entre a conseqüência do objetivo das instituições bancárias
e o próprio objetivo dos formuladores de políticas econômicas em tornar o crédito amplo como
forma de proporcionar desenvolvimento econômico. Diante de tal divergência torna-se
interessante analisar metodologias de concessão de crédito que sejam capazes de proporcionar o
amplo acesso dos agentes da economia ao crédito. Observando-se a metodologia de concessão
utilizada pelo setor bancário tradicional, nota-se um considerável requerimento de cumprimento
de procedimentos e apresentação de documentações a indivíduos e empresas como forma de se
ter acesso efetivamente a uma linha de crédito. Além disso, deve-se relevar que comprovações de
renda e de receitas são normalmente requeridas, assim como a alienação fiduciária de bens.
Portanto, pode-se supor que, diante de tal metodologia, é de se esperar que o racionamento do
crédito empreendido pelas instituições bancárias tradicionais afete os agentes de mais baixa renda
e os empreendimentos informais da economia.
Uma alternativa que se apresenta ao racionamento do crédito é o microcrédito. Esse tipo
de serviço financeiro pode ser definido a partir da atuação excludente das instituições bancárias
tradicionais: o microcrédito é um serviço financeiro que pretende atingir os agentes de baixa
renda e os empreendimentos informais da economia através de uma metodologia alternativa de
concessão de créditos. Uma dessas metodologias seria o emprego do aval solidário como forma
de se eliminar a necessidade de oferecimento de garantias reais como contrapartida aos créditos
disponibilizados. No aval solidário, os componentes de um grupo de tomadores de crédito se
tornam responsáveis mutuamente pela inadimplência dos demais componentes.
O objetivo da presente dissertação se resume em analisar as possibilidades de ampliação
do crédito no Brasil através da atuação das instituições de microfinanças, que são, em tese, as
entidades responsáveis pela disponibilização do microcrédito e de outros serviços
microfinanceiros. A hipótese que auxiliou a busca do objetivo acima consiste no pressuposto de
3
que as instituições de microfinanças brasileiras não apresentariam distinções relevantes em
relação à atuação das instituições bancárias tradicionais, principalmente quanto às metodologias
de concessão de créditos
1
. Portanto, o microcrédito no Brasil não teria certas características
importantes, fazendo com que se parecesse com o crédito bancário tradicional. Diante disso, a
comprovação de tal hipótese evidenciaria a impossibilidade de ampliação do crédito por parte das
instituições de microfinanças, já que sua atuação ocorreria semelhantemente ao funcionamento
excludente das instituições bancárias tradicionais.
Para julgamento de tal hipótese, a presente dissertação será desenvolvida em três
capítulos. No primeiro capítulo, uma explicitação do comportamento do crédito oferecido pelas
instituições bancárias tradicionais brasileiras na década de 1990 será efetuada. Essa explicitação
se torna interessante por dois motivos. Em primeiro lugar, por apresentar, mesmo que
superficialmente, a racionalidade econômica às quais estão submetidas as instituições bancárias
diante das decisões de conceder crédito. Em segundo lugar, será possível identificar os setores da
sociedade brasileira que se são excluídos da abrangência bancária. No segundo capítulo, o
microcrédito será introduzido. Aspectos relacionados ao assunto serão abordados. Aroca (2002:8)
indica que
4
CAPÍTULO I
A E
VOLUÇÃO RECENTE DO CRÉDITO BANCÁRIO NO BRASIL
Este capítulo pretenderá demonstrar que o crédito bancário não se expandiu na década de
1990 e nos primeiros anos do século atual no Brasil – contrariamente ao que se esperava como
conseqüência da estabilidade dos preços alcançada com o Plano Real e da dinâmica de entrada de
bancos estrangeiros no sistema financeiro nacional –, mas apresentou declínio após o Plano Real,
mantendo-se estabilizado em um determinado nível até os dias de hoje.
A situação atual do crédito no Brasil pode ser explicitada pela relação entre o crédito e a
produção no país, que, comparada à de outros países, evidencia a necessidade de que sejam
estudadas alternativas de expansão do crédito ao setor produtivo.
O valor médio da relação entre o volume de crédito ao setor privado e o produto interno
bruto (PIB) foi de 35% no Brasil no período de 1999 a 2002. A comparação dessa proporção com
a de outros países desenvolvidos demonstra o evidente constrangimento ao crédito no país. Nos
Estados Unidos, a relação crédito/ PIB foi de 144%, em média, no período de 1999 a 2002,
enquanto para o Japão tal relação foi de 194%, em média, no período de 1999 a 2001. Por outro
lado, existem países latino-americanos em desenvolvimento que recentemente observaram
valores médios para essa relação que são menores que o observado no Brasil: Argentina, 21%;
Colômbia, 28%; Peru, 25%; México, 13%. Entretanto, outros países em desenvolvimento
apresentaram valores maiores que o observado no Brasil no período. O Chile apresentou
proporção crédito/ PIB de 64%; a Coréia do Sul, o valor de 94%, Cingapura, de 110%, Tailândia,
de 110%, Malásia, de 146%, sendo todos os valores referentes ao mesmo período de 1999 a 2002
(IEDI, 2004).
A restrição ao crédito na economia brasileira também pode ser evidenciada por dados
disponibilizados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI, 2005). Utilizando-se a definição de
crédito bancário ao setor privado como proporção do PIB, obtiveram-se dados para os mesmos
países explicitados anteriormente. Tais dados podem ser visualizados na tabela 1. Assim como
5
nos dados apresentados pelo IEDI (2004), as informações do FMI indicam que o Brasil se
encontra em uma situação intermediária, com uma proporção crédito bancário ao setor privado/
PIB superior à de países latino-americanos como Argentina, Colômbia, Peru e México, mas
inferior às proporções apresentadas pelo Chile, por outros países em desenvolvimento – como
Coréia do Sul, Cingapura, Tailândia e Malásia –, e por países desenvolvidos como Estados
Unidos e Japão.
Tabela 1
Crédito Bancário ao Setor Privado como Proporção do PIB para Alguns Países
Selecionados (2003)
Crédito Bancário ao Setor Privado/PIB (%)
Brasil
35
Argentina
11
Colômbia
23
Peru
19*
México
16
Chile
64
Coréia do Sul
117
Cingapura
112
Tailândia
103
Malásia
85*
Estados Unidos
185*
Japão
194**
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes nas Estatísticas
Financeiras Internacionais do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2005).
(*) Dados referentes a 2004.
(**) Dado referente a 2002.
Três características da estrutura bancária brasileira, no início da década de 1990, indicadas
pelo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese
(1999), eram definidas como inibidoras à expansão do crédito fornecido pelo setor bancário no
6
Ocorreram dois fatos na década de 1990 que indicavam para a expansão do crédito no
país: a eliminação do ambiente inflacionário e a dinâmica de entrada de instituições bancárias
estrangeiras. Todavia, a expansão do crédito não ocorreu, ao contrário do que muitos estudos
demonstram, mas o que se observou realmente foi o fim de um processo de crescimento do
crédito com a implantação do Plano Real em julho de 1994 (SOARES, 2001). Fatores como as
elevadas taxas de juros internas, a elevada inadimplência – como resultado da própria inabilidade
das instituições bancárias em observar os riscos envolvidos na concessão dos créditos –, e a
adesão estritamente rígida ao Acordo da Basiléia pelo Brasil são tratados como interruptores do
processo de expansão do crédito.
Esse capítulo será estruturado em mais quatro seções. A próxima seção tratará do
processo de ajuste das instituições bancárias diante do novo ambiente macroeconômico pós-Plano
Real que eliminou as receitas de floating. A segunda seção demonstrará brevemente os fatores
que influenciaram a dinâmica de entrada das instituições bancárias estrangeiras na estrutura
financeira nacional. A terceira seção demonstrará, de acordo com a análise de Soares (2001), que
o crédito não se expandiu na década de 1990 – mesmo com as alterações decorridas na década –,
em virtude da rígida aderência do Brasil ao Acordo da Basiléia e de uma inadequação em relação
ao tratamento do risco concedido aos títulos públicos federais. Na terceira seção, serão ainda
expostos dados para evidenciar empiricamente as proposições de Soares (2001). Por fim, a última
seção pretenderá construir uma breve conclusão sobre a evolução do crédito durante a década de
1990 e nos primeiros anos do presente século no Brasil.
1.1 A Estabilização dos Preços no Plano Real e as Instituições Bancárias Brasileiras
Uma das características mais relevantes da estrutura bancária brasileira, no início da
década de 1990, era sua extrema dependência de um tipo de receita de captação resultante de
ambientes inflacionários: as receitas de floating. Esse termo – que pode também ser denotado
simplesmente por float – significa o montante de receita bancária auferida “pela perda do valor
real dos depósitos à vista e/ou (...) pela correção dos depósitos bancários em valores abaixo da
inflação” (Barros & Almeida Jr., 1997). Note-se que a capacidade de obtenção de receitas de
7
floating está diretamente relacionada à taxa de crescimento dos preços. O spread
2
bancário
resultante de aplicações baseadas em depósitos à vista é tanto maior quanto maior for a taxa de
inflação, se supormos como constante a taxa de juros real de aplicação dos recursos.
As receitas de floating podem ser medidas através das transferências do setor não-
bancário para o setor bancário. As transferências anuais do setor não-bancário para o setor
bancário, no Brasil, permaneceram em torno de 2% do PIB, no intervalo que se inicia na década
de 1940 e se finda com o começo da década de 1990. No período entre 1990 a 1993, no qual foi
bastante elevada a inflação, a média das receitas inflacionárias auferidas pelos bancos cresceu
consideravelmente, chegando a 4% do PIB (Barros & Almeida Jr., 1997:4).
O elevado montante de receitas de floating que poderiam ser obtidas sob o ambiente
hiperinflacionário do início da década de 1990 induziu a ampliação da rede de dependências
bancárias. Os bancos criaram então uma eficiente estrutura de captação de depósitos à vista, que
serviu para elevar suas receitas de floating. Além disso, um movimento de crescimento de
pequenos novos bancos ocorreu ao final da década de 1980 e início da década de 1990, devido à
alteração na regulação de funcionamento de instituições financeiras: deixou de ser necessária a
concessão da carta-patente e passou a prevalecer o aval do Banco Central baseado no quesito
capital mínimo necessário para a constituição da instituição bancária
3
. Portanto, à dinâmica de
ampliação do número de dependências bancárias por parte dos bancos estabelecidos, causada pela
necessidade de se captar depósitos à vista, foi adicionado o movimento de criação de novas
matrizes bancárias, e, conseqüentemente, de novas dependências bancárias.
Implantado em julho de 1994, o Plano Real logrou a estabilidade do nível de preços,
tendo como principal conseqüência sobre o setor bancário a imediata redução ou quase supressão
das receitas dos bancos com floating. Após o Plano Real, as receitas de floating retornaram ao
seu patamar histórico de 2%. Barros & Almeida Jr. (1997:4) indicam que os bancos perderam em
torno de R$ 19 bilhões de receitas após a estabilidade dos preços na economia brasileira.
2
Spread é a diferença entre a taxa de juros que o intermediador financeiro paga pelos recursos captados junto aos
clientes superavitários e a taxa de juros cobrada pelo mesmo intermediador aos empréstimos concedidos aos clientes
deficitários.
3
De acordo com a Resolução 1.524 do Banco Central do Brasil.
8
A tabela 2 apresenta a evolução das receitas inflacionárias em relação ao valor produzido
pelas instituições bancárias e em relação ao PIB. Como se pode observar, a estabilização dos
preços em 1994 foi de extremo impacto sobre as receitas inflacionárias das instituições bancárias.
O ano de 1994 indica a volta ao índice histórico de receita inflacionária/ PIB de 2%, nível que se
manteve estável nos anos subseqüentes.
Tabela 2
Evolução das Receitas Inflacionárias no Brasil (1990-1994)
1990 1991 1992 1993 1994
Receita Inflacionária/ PIB (%) 4 3,9 4 4,2 2
Receita Inflacionária/ Valor da Produção das
Instituições Bancárias (%)
35,7 41,3 41,9 35,3 20,4
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes em Barros & Almeida Jr. (1997).
Essa drástica redução das receitas bancárias apontava para a necessidade de um ajuste na
estrutura bancária brasileira. Dois processos de ajuste serão tratados a seguir. Um deles – que se
apresentou como solução imediata – foi a eliminação das dependências bancárias menos
rentáveis. Em um segundo momento, diante da expansão da demanda agregada, os bancos
observaram a oportunidade de obterem maiores receitas através das operações de aplicação de
recursos, ou seja, através da expansão do crédito. Esse fato foi observado apenas
momentaneamente, devido à elevação na inadimplência.
1.1.1 O Processo de Ajuste pela Redução do Número das Dependências Bancárias
Antes do Plano Real de julho de 1994, uma ampla rede de agências havia sido montada
com a finalidade de captar depósitos à vista. O que se seguiu após a estabilização dos preços
proporcionada pelo Plano foi a eliminação das dependências bancárias que apresentavam menor
escala de atendimento e, portanto, maiores custos médios. Esse fato ocorreu com todas as
instituições bancárias, mas, principalmente, com aquelas que haviam surgido no sistema
financeiro após a alteração legal que regia o funcionamento de instituições bancárias, a qual era
baseada no capital mínimo necessário.
Resumidamente, a redução na rentabilidade dos bancos provocada pela quase eliminação
das receitas com floating indicava para um ajuste imediato, que poderia ser efetuado pela
supressão das dependências bancárias de menor escala, as quais não mais serviam para
9
potencializar os ganhos de floating e apresentavam maiores custos médios de operacionalização.
Portanto, o processo inicial de ajuste do sistema bancário indicava para o encerramento das
atividades das dependências bancárias que se tornaram economicamente inviáveis após a redução
das receitas do floating.
Barros & Almeida Jr. (1997:4) afirmam que, na verdade, o processo inicial de ajuste não
foi observado, pelo menos no primeiro ano do Plano Real. Segundo esses autores, em dezembro
de 1994, o número de dependências bancárias era de 17.939, passando para 17.865, em dezembro
de 1995, o que evidencia uma pequena redução, mas que não indicava um processo de ajuste
relevante.
Contrariando a afirmação presente no parágrafo acima, o estudo do Dieese (1999) –
efetuado para um período de tempo mais abrangente após o Plano Real – aponta precisamente
para um processo de ajuste do sistema bancário que se deu através da redução da abrangência do
atendimento bancário, principalmente nas regiões brasileiras de menor renda. A análise da
dinâmica de redução do número de dependências bancárias pode, de acordo com o trabalho do
Dieese (1999), ser abordada sob o ponto de vista da rentabilidade microeconômica das
dependências bancárias. As regiões brasileiras de menor renda são, na maioria das vezes,
caracterizadas por uma baixa densidade demográfica. Nessas regiões, a implantação de
dependências bancárias é caracterizada por uma captação de depósitos relativamente baixa e por
um custo médio de operacionalização elevado devido ao pequeno número de clientes. Por causa
disso, a eliminação do ambiente inflacionário diminuiu drasticamente a receita de dependências
bancárias de regiões de reduzida densidade demográfica, o que teve por conseqüência a
eliminação dessas dependências da rede de atendimento bancária.
O trabalho do Dieese (1999) efetua, então, uma análise da oferta de serviços e crédito
bancário nas regiões menos atrativas sob o enfoque da rentabilidade microeconômica das
dependências bancárias.
Segundo tal estudo, 161, dentre as 208 sedes de instituições bancárias, encontravam-se na
região sudeste, em maio de 1999. Esses, porém, não são os dados mais relevantes do estudo. Em
relação à abrangência das dependências bancárias, o estudo indica que a taxa de crescimento do
número de municípios sem dependências bancárias foi de 49,6% entre dezembro de 1994 e maio
10
de 1999. Os municípios sem dependências bancárias eram 1.137 no começo do período,
chegando a 1.701, em maio de 1999. No fim do período, em torno de 30% dos municípios
brasileiros não possuíam dependência bancária em sua delimitação geográfica.
Há um argumento que indica que a taxa de crescimento do número de municípios no
Brasil também tenha sido elevada, devido às alterações constantes na Constituição de 1998 que
tratam da criação de novos municípios, e que grande parte desses novos municípios eram
localidades que não possuíam dependências bancárias. Os dados mostram, porém, que a taxa de
crescimento do número de municípios no Brasil foi de 11,9% no período: em dezembro de 1994,
o país possuía 5.011 municípios, enquanto, em maio de 1999, esse número havia se elevado para
5.605. Essa comparação serve para elucidar que essa última taxa não foi tão elevada como a taxa
de crescimento do número de municípios sem dependências bancárias, evidenciando, portanto,
que a diminuição da abrangência do sistema bancário se deveu à própria estratégia adotada pelo
setor.
O estudo do Dieese (1999) também apresenta outros dados para a evolução da
abrangência bancária no Brasil. Além da taxa de crescimento de 49,6% para o número de
municípios sem dependências bancárias no Brasil entre dezembro de 1994 e maio de 1999, o
estudo indica ainda que o número de municípios com apenas uma dependência bancária
aumentou no mesmo período, passando de 1.733 para 2.041. Observou-se, portanto, uma taxa de
crescimento de 17,8%, a qual apresentaria – em uma primeira análise – uma evolução favorável à
expansão do crédito sob o enfoque das localidades sem atendimento bancário. A tabela 3 indica a
evolução da abrangência das dependências bancárias no Brasil.
Tabela 3
Evolução da Abrangência das Dependências Bancárias no Brasil
1994 1999
Municípios sem dependências bancárias
1.137 1.701
Municípios com uma dependência bancária
1.733 2.041
Municípios com mais de uma dependência bancária
2.141 1.863
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes no estudo Dieese (1999).
Todavia, é preciso fazer uma análise mais aprofundada dessas informações. Deve-se
destacar que o estudo do Dieese (1999) criou três subdivisões para os dados acerca dos
municípios com apenas uma dependência bancária: efetuou-se uma classificação quanto ao fato
11
de a dependência bancária ser uma agência bancária, ou ser um posto de atendimento bancário
(PAB), ou, ainda, ser um ponto de atendimento avançado (PAA).
Deve-se destacar que essa taxonomia apresenta uma ordem decrescente da capacidade da
dependência bancária em oferecer serviços e produtos financeiros aos seus clientes. A agência
bancária pode ser definida como a maior unidade da estrutura de atendimento bancário, sendo a
dependência bancária que apresenta toda a gama de produtos e serviços financeiros oferecidos
pela instituição bancária aos seus clientes. O posto de atendimento bancário (PAB), por sua vez, é
uma dependência bancária que apresenta reduzido número de funcionários. Na maioria das vezes,
o PAB apresenta apenas um funcionário, o qual exerce a função de caixa bancário, efetuando as
solicitações de pagamentos e de saques dos clientes, e conseguindo, às vezes, atender algumas
necessidades financeiras de seus clientes, como a contratação de seguros, empréstimos, planos de
previdência privada etc. As agências e os PABs são também constituídos por pontos de
atendimento avançado (PAA) – denominados vulgarmente por terminais de auto-atendimento –,
os quais são utilizados para as transações mais corriqueiras dos clientes. O PAA é definido como
a menor unidade da estrutura de atendimento bancário, devido à sua limitação no oferecimento de
produtos e serviços financeiros.
Durante o período de dezembro de 1994 a maio de 1999, manteve-se praticamente
inalterado no Brasil o número de municípios que apresentavam uma agência bancária como a
única dependência bancária. No início do período, era de 1.402 o número de municípios cuja
única dependência bancária era uma agência bancária, passando para 1.400 ao final do período de
análise. Por outro lado, diminuiu-se o número de municípios cuja única dependência bancária era
um PAB: os municípios que apresentavam um PAB como sua única dependência bancária eram
331, no início do período, passando para 217, ao final do período de análise, o que indica uma
taxa de crescimento negativa de 34,4%. Finalmente, elevou-se sobremaneira o número de
municípios que apresentavam um PAA como sua única dependência bancária: em dezembro de
1994, nenhum município brasileiro apresentava um PAA como sua única dependência bancária,
enquanto em maio de 1999 esse número se elevara para 424.
Pode-se inferir, então, que, após o Plano Real, a elevação do número de municípios sem
dependências bancárias e a diminuição do número de municípios que são atendidos por apenas
uma dependência bancária, que seja uma agência ou um PAB, tenha ocorrido nas regiões menos
12
atraentes sob a ótica da rentabilidade microeconômica das dependências bancárias. O que se
pretende demonstrar em tal estudo é que a estratégia de abrangência do sistema bancário
brasileiro, após o Plano Real, restringiu o atendimento, e, por conseguinte, o crédito, às regiões
menos atrativas no que se refere à rentabilidade das dependências bancárias. Se supusermos uma
correlação positiva entre a atratividade proporcionada pela rentabilidade de uma dependência
bancária e o nível de renda de uma região, poderemos inferir que a estratégia de abrangência
bancária após o Plano Real ocorreu em detrimento do atendimento das regiões de mais baixa
renda, o que indicaria para prováveis reduções do atendimento bancário e do fornecimento de
crédito para essas regiões.
O próprio trabalho do Dieese (1999:8) questiona ao mesmo tempo em que justifica sua
análise: “Como pensar a dinâmica econômica – produção e circulação de mercadorias e
serviços – num território sem dependência bancária?” O estudo aponta para uma tendência de
transferência e concentração das atividades econômicas das localidades sem dependências
bancárias em direção à “cidade-pólo” que possua atendimento bancário. Cita-se o exemplo de
localidades sem dependências bancárias em que a renda das famílias dependa, em grande parte,
de benefícios e pensões do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Nesses casos, pode-se
presumir que grande parte dos gastos dos beneficiários e pensionistas do INSS deverá ser feita
fora do município de residência. Isso proporcionaria uma involução sócio-econômica das
localidades sem dependência bancária. O trabalho do Dieese (1999:8) resume a evolução
bancária pós-Real:
“(...) se não bastassem a estagnação da oferta de crédito e a crescente
seletividade no acesso aos produtos e serviços bancários, acrescente-
se a ausência física dos bancos para se perceber a notória
regressividade deste processo de reestruturação do setor bancário
brasileiro, do ponto de vista da equalização do desenvolvimento sócio-
econômico e da distribuição de renda e riqueza entre as regiões do
país”. (DIEESE, 1999:8).
Deve-se relevar que a redução no atendimento bancário às regiões de menor produto e
renda, conjugada ao baixo nível médio de instrução da população brasileira nessas regiões,
potencializaria ainda mais a involução sócio-econômica. Isso se justifica pela aceitação da
13
suposição de que os indivíduos de menor escolaridade e instrução dependem consideravelmente
do atendimento direto dos funcionários das instituições bancárias para a satisfação de suas
necessidades através de produtos e serviços financeiros.
Por fim, os dados do Dieese (1999) para o número de municípios com mais de uma
dependência bancária indicam uma taxa de crescimento negativo de 13% no período analisado:
eram 2.141 municípios nessa condição em maio de 1994, passando para 1.863, ao final do
período. Essa redução pode ser explicada de uma maneira na qual a abrangência aos clientes não
tenha sido reduzida: os municípios do grupo que apresentam grande número de dependências
bancárias são os médios e grandes centros urbanos, nos quais canais alternativos de atendimento
bancário, como a internet, estão à disposição de boa parcela da população.
Para evidenciar a restrita abrangência bancária nas regiões de menor produto e renda no
Brasil, o trabalho do Dieese (1999) ainda indica alguns dados regionais, os quais apontam para a
concentração da estrutura bancária na região centro-sul. Em maio de 1999, 70% dos municípios
dos estados do Acre, Amapá, Paraíba e Rio Grande do Norte não possuíam dependências
bancárias, enquanto em estados como Piauí e Roraima essa porcentagem chegava a 80%, e a 82%
no estado do Tocantins. Portanto, comparativamente à média nacional de 30% de municípios não
atendidos pelo setor bancário, é notável a disparidade da abrangência bancária das regiões Norte
e Nordeste em relação à média nacional.
A tendência indicada por estudiosos do setor bancário é a de que o número de agências
bancárias diminua ainda mais. O trabalho de Goldmark et alli (2000:19) indica que uma maior
produtividade no setor bancário será alcançada através de algumas mudanças estruturais, como a
redução do pessoal vinculado a atividades bancárias de apoio, a redução do número de agências
bancárias e a elevação das transações via caixa automático. Todavia, esses pressupostos para a
criação de um “banco do futuro” que pretenda atender uma parcela maior da população brasileira
não levam em conta os aspectos culturais e educacionais das camadas de mais baixa renda.
Portanto, não é de se esperar que a ampliação do crédito às populações de mais baixa renda
ocorra pela atuação direta do sistema bancário tradicional.
Diante dessa situação, canais alternativos de acesso dos clientes ao sistema bancário
tradicional têm sido empregados e avaliados por bancos comerciais, como a utilização das
14
agências dos Correios, redes de supermercados e padarias, para possibilitar acesso aos agentes
atualmente marginalizados. Como já indicava Papageorgiou (1992)
4
, citado por Puga (1999:13),
anteriormente a todo o processo descrito acima, “nos municípios de baixa renda, onde a
colocação de agências bancárias não é rentável, a captação de poupança e os pagamentos em
outras praças poderiam ser feitos nos postos dos Correios”.
1.1.2 O Processo de Ajuste Através da Expansão do Crédito
Como visto anteriormente, em um primeiro momento, a estabilidade de preços teve por
conseqüência uma tendência de eliminação das dependências bancárias menos atrativas sob a
ótica de sua rentabilidade microeconômica. Em um segundo momento, a estabilidade no nível de
preços proporcionou a elevação na demanda agregada, que, por sua vez, causou um certo
crescimento na renda dos agentes e no produto nacional. O gráfico 1 demonstra a alteração no
padrão de crescimento do PIB brasileiro a partir do Plano Real. Todavia, essa alteração persistiu
apenas nos dois últimos trimestres de 1994.
Gráfico 1
Evolução Trimestral do PIB no Brasil (1993-1996)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes no banco de dados IPEADATA.
4
PAPAGEORGIOU, D. Bancos estaduais: experiências e perspectivas. Anais do Congresso sobre Bancos Estaduais.
Rio de Janeiro: Banco Central, 1992.
15
Como se pode observar, a partir do terceiro trimestre de 1994, ocorre uma elevação
abrupta do PIB brasileiro. Observando a expansão na demanda agregada e na renda dos agentes,
os bancos consideraram a oportunidade de compensarem a redução das receitas de floating
através da elevação de outras receitas: as oriundas das aplicações de recursos (PUGA, 1999:9).
Como afirmam Freitas & Prates (2001:84), esse período evidencia a constatação de Minsky
(1982) de comportamento inerentemente pró-cíclico dos empréstimos bancários. Em uma análise
semelhante, Barros & Almeida Jr. (1997:4) indicam que “uma das formas para compensar a
perda da receita inflacionária (...) foi expandir as operações de crédito, lastreadas pelo
crescimento abrupto dos depósitos bancários trazidos com o Plano Real”.
Um problema surge, como apontado por Freitas & Prates (2001:60), do fato de que, em
situações de expansão da atividade econômica, as instituições bancárias ampliam suas atividades
como conseqüência de pressões competitivas e da preocupação com a rentabilidade, sendo
desconsiderada a assunção excessiva de riscos.
Além disso, a expansão do crédito não foi acompanhada por uma atualização dos
procedimentos bancários de análise de crédito dos demandantes (CYSNE & COSTA, 1996,
citados por ADATI, 2002:9), já que, durante um longo período de tempo, o treinamento e a
experiência dos funcionários das instituições bancárias foram orientados apenas para as
operações de captação de recursos. A inabilidade com a concessão de créditos e a conseqüente
elevação na inadimplência são fatores explicativos da contenção da expansão posterior do
crédito. O gráfico 2 explicita a evolução da inadimplência no período, através do porcentual de
cheques devolvidos nos bancos comerciais.
16
Gráfico 2
Evolução do Porcentual de Cheques Devolvidos no Brasil (1993-1997)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes no banco de dados IPEADATA.
Observa-se, no gráfico acima, que, ao final do ano de 1994, ocorre a interrupção da
estabilidade do nível do porcentual de cheques devolvidos nos bancos comerciais. A partir de
então tal porcentual se eleva de pouco mais de 1%, para se estabilizar em um nível próximo dos
4%. No começo de 1997, uma nova tendência de ascensão passa a ser observada.
Cerqueira (1998) aponta o crescimento da inadimplência bancária no ano de 1995. Puga
(1999:442) relata que “dados mostram forte crescimento da inadimplência no segundo semestre
de 1995, após os aumentos dos juros e a queda do nível de atividade que se seguiram à crise
mexicana, em todos os tipos de banco estudados”. A tabela 4 sumariza a evolução de dois
indicadores de qualidade dos ativos dos bancos múltiplos e comercias do sistema financeiro
nacional.
17
Tabela 4
Evolução dos Indicadores de Qualidade dos Ativos dos Bancos Múltiplos e Comerciais do
Sistema Financeiro Nacional (jun/1994 – dez/1998)
Semestres
Créditos em Atraso e em
Liquidação/Créditos Totais
Provisão sobre Créditos em Atraso e em
Liquidação/Créditos em Atraso e em
Liquidação
Jun/1994
3,8 50,9
Dez/1994
4,3 61,2
Jun/1995
6,6 73,1
Dez/1995
10,3 95,3
Jun/1996
11,5 109,3
Dez/1996
7,1 108,6
Jun/1997
6,4 126,0
Dez/1997
7,6 137,6
Jun/1998
8,7 136,1
Dez/1998
10,3 117,4
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes em Puga (1999).
A crise do México, ocorrida ao final do ano de 1994, desencadeou uma fase de
instabilidade econômica sobre os “países emergentes” da América Latina, dentre eles o Brasil.
Diante dessa situação, a política adotada foi de elevação nas taxas de juros da economia
brasileira. A alteração no padrão de inadimplência pode ser explicada por essa elevação nas taxas
de juros da economia.
Gráfico 3
Evolução da Taxa Básica de Juros no Brasil (jul/1994 – dez/1995)
Fonte:Elaboração própria a partir de dados presentes no banco de dados IPEADATA.
18
As alterações nas taxas de juros no período podem ser visualizadas no gráfico acima. O
gráfico demonstra que, em fevereiro de 1995, ocorreu a interrupção de uma tendência de
decréscimo nas taxas de juros que se observava desde a implementação do Plano Real. A
elevação nos juros, no início de 1995, foi uma resposta à fuga de capitais observada após a crise
do México do final de 1994.
Além da elevação nas taxas de juros, Barros & Almeida Jr. (1997:5) apontam outro fator
referente à falta de qualidade nas análises de crédito no setor bancário: os bancos não tiveram a
percepção de considerar que o excesso de liquidez dos demandantes se devia à transitória
expansão da demanda agregada oriunda da estabilidade do nível de preços. Em outras palavras,
em uma situação na qual a expectativa seja de momentâneo excesso de liquidez, a análise de
crédito das instituições bancárias deve considerar a repentina reversão do ciclo e a conseqüente
redução na liquidez dos agentes, e, a partir disso, restringir o crédito. Todavia, esse procedimento
de análise de crédito parece não ter sido observado e a quantidade de empréstimos de liquidação
duvidosa se elevou.
A reversão do ciclo de crescimento econômico já no começo de 1995 – como pode ser
visualizado no gráfico 1 – e a elevação das taxas de juros internas tiveram como resultado uma
enorme elevação dos créditos em atraso e em liquidação (Barros & Almeida Jr., 1997:5).
O que se observou, portanto, foi a estagnação da oferta de crédito após o Plano Real. A
efêmera euforia proporcionada pela elevação na demanda agregada não foi capaz de impulsionar
a expansão do crédito. Como se verá em seção subseqüente, a qual trata precisamente de estudos
que procuram mensurar a evolução do crédito no Brasil, alguns estudos apontam para a evolução
do crédito no período. Contrariamente a esse ponto vista, Souza (2001) – através de um estudo
baseado em uma metodologia diferente da adotada pelos outros estudos – aponta para um
rompimento da tendência de elevação do crédito com a implantação do Plano Real.
O rompimento dessa tendência pode ser explicado pela atuação das autoridades
monetárias, devido à sua nítida intenção em controlar a desenfreada expansão no crédito. Logo
após o Plano Real, defronte à expectativa de crescimento do crédito e diante de uma provável
tendência à elevação nos índices de preços, as autoridades monetárias adotaram medidas visando
19
conter a expansão do crédito. Uma dessas medidas foi a expansão dos depósitos compulsórios: “o
recolhimento compulsório sobre depósitos à vista passou de 48% para 100%, sobre os depósitos
de poupança passou de 10% para 30%, e foi instituído um recolhimento de 30% sobre o saldo
dos depósitos a prazo”. (Barros & Almeida Jr., 1997:7).
Provavelmente, a expansão do crédito tenha sido limitada tanto pela atuação da autoridade
monetária através do recolhimento de compulsórios, quanto pela observação do crescimento da
inadimplência por parte dos bancos. Todavia, como indicada na introdução desse capítulo, a
adesão ao Acordo da Basiléia parece ter sido forte fator de inibição à expansão ao crédito no
Brasil, durante a década de 1990, o que será visto na seção subseqüente à que trata da dinâmica
de entrada das instituições bancárias estrangeiras.
1.2 A Dinâmica de Entrada das Instituições Bancárias Estrangeiras no Sistema
Financeiro Brasileiro e sua Implicação sobre o Crédito
Akiüz (1993), citado por Aldrighi (1997:125), salienta que o aparato regulatório que
prevalece sobre uma estrutura bancária não deve coibir a concorrência entre as instituições
bancárias, devendo, porém, impedir que a concorrência se aprofunde, o que diminuiria, através de
comportamentos que envolvem risco moral, a eficiência produtiva das instituições bancárias.
Por detrás da dinâmica de entrada de instituições bancárias estrangeiras no sistema
financeiro nacional, havia tanto os interesses do governo e das autoridades monetárias brasileiras
quanto os das próprias instituições bancárias internacionais. Os interesses de que as instituições
bancárias internacionais adentrassem o mercado bancário brasileiro devem ser visualizados sob a
ótica da evolução do sistema financeiro internacional. Como indica Adati (2002:22) as
“transformações do setor bancário brasileiro que convergem para a desnacionalização bancária
estão inseridas num contexto mais amplo de reestruturação do setor em nível mundial”.
Os interesses das instituições bancárias em aumentar sua dimensão através da
internacionalização proporcionada por fusões e aquisições são sumarizados por Aronovich
(1999), citado por Adati (2002:22). São sete os incentivos à consolidação financeira no âmbito
internacional através de fusões e aquisições no setor bancário.
20
O primeiro incentivo indica que o aumento da dimensão da instituição bancária pretende
maximizar seu próprio valor, de maneira que se eleve sua solidez no sistema financeiro, tendo por
conseqüência aumentar a demanda por suas ações no mercado de capitais e diminuir seu custo
financeiro médio. Além disso, pode-se imaginar que, devido à elevada participação da instituição
bancária no mercado, seja facilitado o acesso a linhas de auxílio governamental em situações de
elevada probabilidade de risco sistêmico
5
.
O segundo incentivo deriva da possível existência de outros tipos de maximização que
não seja a do próprio valor da instituição bancária. Por exemplo, executivos e gerentes podem
acreditar que o crescimento da dimensão da instituição bancária potencialize seus próprios
salários e gratificações. Além disso, o governo pode acreditar que a existência de instituições
bancárias maiores e, potencialmente mais sólidas financeiramente, possa minimizar custos
oriundos da proteção do sistema bancário, a qual é provável de emanar das autoridades
monetárias se há considerável probabilidade de risco sistêmico.
O terceiro incentivo, proveniente de fusões e aquisições, indica que as instituições
bancárias podem usufruir elevados ganhos de escala na utilização de novas tecnologias baseadas
em telecomunicações e informática. Como indica Adati (2002:24), “o progresso tecnológico
pode propiciar importantes reduções de custos operacionais, aumentar o volume de serviços (...)
agilizar a execução de transferências e pagamentos financeiros”, além de contribuir para “a
criação de serviços financeiros intensivos em tecnologia, tais como os derivativos e a engenharia
financeira”. Portanto, os ganhos de escala proporcionados pelas novas tecnologias induziriam as
instituições bancárias a buscarem o aumento de sua dimensão.
Como quarto incentivo, tem-se que o aumento da dimensão da instituição bancária
poderia proporcionar o oferecimento de novos serviços financeiros, fazendo com que as outras
instituições bancárias concorrentes operassem em escala ineficiente ou oferecessem serviços
financeiros que não fossem mais adequados ao mercado.
5
O risco sistêmico tem sua origem na incapacidade de pagamento de um ou mais participantes do sistema financeiro.
De acordo com SOUZA (2001:6), o risco sistêmico é o risco de que a falha de uma participante no cumprimento
de sua obrigação, na data devida, possa ocasionar a incapacidade de outros participantes cumprirem suas
obrigações”. Se acontecer dessa forma, poderá ocorrer que um processo generalizado de incapacidade de
pagamentos e em cadeia afete outros participantes do sistema, proporcionando uma situação de instabilidade de todo
o sistema de pagamentos, a qual é conhecida como crise sistêmica.
21
Como quinto fator, a própria tendência à redução das barreiras regulatórias incentiva a
dinâmica de fusões e aquisições no sistema financeiro internacional. Nos Estados Unidos, por
exemplo, foram reduzidos os limites à expansão geográfica de instituições bancárias, assim como
foram parcialmente abolidas restrições a fusões entre bancos comerciais e de investimento. Como
indica Aronovich (1999:204-205), citado por Adati (2002: 25), “a elevada correlação entre o
intenso movimento recente de fusões e aquisições de empresas do setor financeiro e o calendário
das medidas de desregulamentação são absolutamente claros”. Na União Européia, a
desregulamentação proporcionou que qualquer banco pertencente a um dos quinze países
membros pudesse atuar livremente dentro de todo o limite geográfico da região.
Além disso, a onda de privatizações de instituições bancárias estatais, justificadas pela
necessidade de saneamento fiscal dos respectivos estados controladores, é o sexto incentivo à
consolidação financeira no âmbito internacional através de fusões e aquisições no setor bancário.
E, finalmente, o sétimo incentivo indica que o novo ambiente concorrencial na União
Européia proporcionou um processo inicial de internacionalização das instituições bancárias em
direção a outras regiões, como a América Latina, por exemplo. Isso ocorreu devido à busca por
parte das instituições bancárias européias de regiões que apresentassem similitudes de idioma e
de cultura, mas, principalmente, devido a algumas especificidades próprias de cada sistema
regulatório dos países membros da comunidade européia.
Por outro lado, vários eram os benefícios apontados por governo e autoridades monetárias
brasileiras que decorreriam da entrada de instituições bancárias estrangeiras na estrutura
financeira nacional. Um dos benefícios citados se encontrava no fato de que instituições
bancárias mais sólidas teriam o papel de fortalecer a estrutura bancária nacional contra choques
macroeconômicos. Um outro benefício resultaria da elevação da concorrência entre as
instituições bancárias, o que proporcionaria reduções nos spreads e nas taxas dos serviços
bancários. A redução dos spreads teria como conseqüência principal sobre a atividade econômica
a expansão do crédito e dos investimentos. Um terceiro benefício se daria quando as instituições
bancárias estrangeiras adquirissem ativos de instituições nacionais em liquidação por estarem
com crônicos desequilíbrios patrimoniais. Esse terceiro benefício teria por conseqüência auxiliar
na reestruturação do sistema bancário brasileiro (Barros & Almeida Jr., 1997:18).
22
Retornando ao objetivo desse capítulo, de análise da evolução do crédito no Brasil, pode-
se dizer que dois dos incentivos à consolidação bancária internacional fortalecem a hipótese de
elevação do crédito no Brasil a partir da entrada das instituições financeiras estrangeiras: os
ganhos de escala proporcionados pelas novas tecnologias da informação induziriam as
instituições entrantes a expandirem suas atividades bancárias no Brasil, de maneira que, por
conseguinte, o crédito também fosse elevado; além disso, com a intenção de que as instituições
bancárias nacionais operassem em escala ineficiente ou oferecessem serviços financeiros que não
fossem mais adequados ao mercado, o aumento da dimensão das instituições bancárias entrantes
poderia proporcionar o oferecimento de novos serviços financeiros, expandindo a oferta de
crédito no Brasil.
Esses incentivos aos bancos internacionais entram em conformidade com um dos
benefícios indicados pelo governo e autoridades monetárias brasileiras, o qual resultaria da
entrada dos bancos estrangeiros: a elevação da concorrência entre as instituições bancárias
proporcionando reduções nos spreads e nas taxas de serviços bancários; a redução dos spreads
teria como conseqüências a expansão do crédito, dos investimentos e da atividade econômica.
Todavia, no Brasil, o processo de internacionalização recente se caracterizou
simplesmente pelo fato de instituições bancárias internacionais se lançarem em fusões ou
aquisições de instituições bancárias nacionais e na instalação de filiais à medida que as barreiras à
entrada de instituições financeiras estrangeiras eram reduzidas. Como dito acima, acreditava-se
que, no momento em que ingressassem no país, as instituições bancárias oriundas de países
caracterizados por elevadas relações crédito/ PIB reproduzissem internamente a mesma
operacionalização de empréstimos adotada nos países onde se situavam as matrizes de tais
instituições, o que teria por conseqüência expandir a oferta de crédito no sistema financeiro
nacional, o que de fato não ocorreu, como se verá na seção seguinte. Um estudo que conclui em
um sentido muito próximo a esse é o de Freitas & Prates (2001:87), o qual relata que
“(...) estudos recentes têm demonstrado que, ao contrário dos
argumentos propalados pelas instituições multilaterais, governos e
analistas de mercado em defesa da abertura dos sistemas bancários
periféricos ao ingresso de bancos estrangeiros, o aumento da
participação desses bancos não alterou a dinâmica dos mercados de
23
crédito domésticos, no sentido de ampliação dos prazos, redução dos
custos e da seletividade” (FREITAS & PRATES, 2001:87).
A hipótese presente em Adati (2002) indica que, apesar de terem ocorrido certas
transformações institucionais no sistema financeiro nacional na década de 1990 – como a
eliminação do ambiente inflacionário e a crescente participação de instituições bancárias
estrangeiras –, a continuidade de algumas características constitutivas do sistema financeiro
nacional não permitiu a expansão do crédito. A autora cita – como algumas das características do
sistema bancário que permaneceram inalteradas –, a continuidade da dependência do sistema em
relação a recursos externos, a preferência quanto às operações de curto prazo e a obtenção de
ganhos especulativos baseados em taxas de juros reais elevadas. A manutenção dessas
características – ou talvez o aprofundamento delas –, teria por conseqüência a interrupção da
expansão da oferta de empréstimos no Brasil.
Como se verá na exposição do trabalho de Soares (2001), além da política de elevação no
recolhimento compulsório e de manutenção de altas taxas de juros internas, a expansão ao crédito
no Brasil também foi limitada pelos desdobramentos provocados pela adesão ao Acordo da
Basiléia.
1.3 A Estagnação do Crédito no Brasil na Década de 1990
Além de analisar os trabalhos de Puga (1999) e de Barros & Almeida Jr. (1997), Soares
(2001) discorre sobre vários outros autores que apontaram para o crescimento do crédito após o
Plano Real. Este autor indica que a conclusiva unanimidade daqueles trabalhos quanto ao
crescimento do crédito não parece satisfatória, devido a vários descuidos no tratamento dos dados
e à utilização de metodologias diferenciadas que não permitem a comparação entre os trabalhos.
Por exemplo, enquanto alguns trabalhos utilizam o montante do crédito total (IBGE, 1997,
PUGA, 1999, e PAULA et alli, 1999), outros utilizam montantes relacionados a créditos
setoriais. Mesmo os estudos que utilizam o montante de crédito total apresentam divergências
metodológicas. O estudo do IBGE efetua uma análise qualitativa, enquanto os outros dois
efetuam análises quantitativas, porém diferenciadas quanto aos dados utilizados: “o estudo de
Puga utiliza dados do setor bancário convertidos em dólar enquanto o de Paula utiliza dados de
dez grandes bancos privados deflacionados pelo IGP-DI” (Soares, 2001:11). Além da
24
impossibilidade de comparação entre os três estudos que utilizam o crédito total, Soares (2001)
indica que os estudos quantitativos de Barros & Almeida Jr. (1997) e de Troster (1998) não
esclarecem se os dados foram dolarizados, ou se estão a preços correntes ou a preços constantes,
de maneira que a comparação entre estes também não pode ser feita. Finalmente, Soares (2001)
indica que os estudos se baseiam em períodos diversos, além de se preocuparem apenas com a
taxa de crescimento do crédito entre os pontos extremos do período, deixando de observar se eles
seriam pontos normais em termos do padrão da série. Todos os estudos expostos pelo autor
apresentaram crescimento do crédito no Brasil, mas sem apresentarem convergência quanto ao
valor da taxa de crescimento devido à escolha do período analisado e à forma de medir o
crescimento entre dois pontos.
Soares (2001) desenvolve, então, um estudo que procura criar uma série temporal para os
dados sobre o crédito concedido pelas instituições bancárias, os quais foram extraídos do
Suplemento Estatístico do Banco Central. Utilizaram-se dados para o período de janeiro de 1989
a agosto de 1999, os quais foram transformados a preços correntes em preços constantes, através
do IGP-DI, e convertidos devido às alterações no padrão monetário introduzidas em agosto de
1993 e com o Plano Real de julho de 1994
6
. O autor indica que, para que o crédito tenha se
elevado após o Plano Real – como demonstram os estudos citados anteriormente –, seria preciso
que sua taxa de crescimento fosse substancialmente maior que no período pré-Plano Real. O que
os dados demonstram, todavia, é que a taxa de crescimento do volume de crédito concedido era
positiva antes do Plano Real, passando a ter uma média nula depois disso, o que indica uma
tendência de estabilidade. A conclusão a que o estudo chega é de que “no período anterior ao
Plano Real, o crédito total apresentava tendência de crescimento e que após o Plano deixou de
apresentá-la” (SOARES, 2001:16). Portanto, a expectativa de que a estabilidade do nível de
preços e a entrada de bancos estrangeiros proporcionassem a expansão do crédito não é
corroborada por esse estudo, que explicita a série temporal acerca da evolução do crédito no
Brasil. Na verdade, observou-se que, à época da introdução do Plano Real, ocorreu uma
interrupção de uma tendência de crescimento do crédito que se verificava anteriormente. Além
6
Para que valores correntes de um período anterior a uma alteração no padrão monetário possam ser comparados a
valores correntes do período posterior, é necessária a conversão dos dados nominais. No caso da alteração do padrão
monetário de agosto de 1993, basta dividir os valores correntes por 1.000. No caso do Plano Real, de julho de 1994,
basta dividir os valores correntes por 2.750, o qual era o valor de uma URV (Unidade Referencial de Valor) em
Cruzeiros Reais. Note-se que para a transformação direta de valores correntes anteriores a agosto de 1993 para
valores correntes para o período após o Plano Real, basta dividir aqueles valores por 2.750.000.
25
disso, a dinâmica de entrada dos bancos estrangeiros no sistema financeiro brasileiro também não
foi capaz de proporcionar uma expansão no volume de crédito no país. Portanto, algum fato
ocorrido durante o período parece ter anulado os efeitos expansionistas da estabilidade dos preços
e da entrada dos bancos estrangeiros sobre o volume de crédito concedido no país.
A hipótese com a qual Soares (2001) passa a trabalhar é a de que a adesão do Brasil ao
Acordo da Basiléia, à época do Plano Real, criou um limite à concessão de crédito por parte dos
bancos e alterou o padrão de aplicações nos diversos ativos existentes, fazendo com que o crédito
bancário não se expandisse, mesmo diante da estabilização dos preços e da abertura do mercado
proporcionada pela entrada das instituições bancárias estrangeiras. Essa abordagem remete a
análise àquela terceira característica da estrutura bancária brasileira no início da década de 1990,
a qual foi citada na introdução desse capítulo: a importância dos ganhos proporcionados pelos
títulos públicos federais para as receitas das instituições bancárias.
1.3.1 O Acordo da Basiléia
Akiüz (1993), citado por Aldrighi (1997:125), descreve que intervenções governamentais
têm sido efetuadas em vários países com a intenção de contornar as ineficiências de mercados
financeiros. Segundo o autor, tais intervenções devem ocorrer através de regulamentações
prudenciais que: a) impeçam a concessão de crédito bancário a poucas empresas; b) impeçam que
os bancos possuam especulativamente propriedades imobiliárias, ações ou outros ativos de risco;
c) requeiram índices mínimos de capitalização das instituições bancárias e provisões para créditos
de liquidação duvidosa; d) e constituam mecanismos de supervisão dos bancos, com a finalidade
de reduzir riscos e impedir a especulação.
Nesse sentido, o Acordo da Basiléia foi um documento formulado pelo Bank of
International Settlements (BIS) em 1988, sendo, a princípio, aprovado pelos Bancos Centrais dos
países do G10
7
. Posteriormente, outros países vieram a aderir ao documento. Em suma, o Acordo
da Basiléia busca indicar um limite padrão máximo de ativos que uma instituição bancária pode
alavancar a partir de uma certa quantia de capital próprio. Essa preocupação com a padronização
teve dois objetivos principais. Primeiramente, pretendeu-se reduzir a competição desigual entre
os bancos no âmbito internacional, que resultava das distintas disposições às quais as instituições
7
O G10 é formado pela Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Reino Unido, Estados
Unidos e Luxemburgo.
26
bancárias se submetiam em seus países de origem. Além disso, almejou-se reduzir riscos
relacionados à atividade bancária, e, com isso, garantir a solvência e a liquidez do sistema
bancário internacional.
A atividade bancária – assim como todo o sistema financeiro – é caracterizada pela
existência de vários tipos de riscos, como o risco de crédito, o risco de mercado e o risco de
liquidez. A preocupação quanto a esses riscos é considerável pelo fato de que a adoção de uma
postura bastante arriscada por parte de uma única instituição bancária pode engendrar a
probabilidade de ocorrência de risco sistêmico.
O risco de crédito pode ser definido como “o risco de a contraparte devedora dos
recursos financeiros não cumprir com sua obrigação pelo valor total, na data do vencimento, ou
mesmo posteriormente” (SOUZA, 2001:5). Por sua vez, o risco de mercado se refere ao risco
envolvido nas variações dos valores dos recursos financeiros como resultado de oscilações em
taxas, preços ou índices. O terceiro tipo de risco, o risco de liquidez, pode resultar da ocorrência
dos dois tipos de risco descritos acima, e, por isso, apresenta uma definição mais dinâmica. O
risco de liquidez pode ser definido como o risco envolvido na ocorrência de um descasamento
temporal entre os recebimentos que a instituição bancária deva perceber a partir dos seus ativos e
os pagamentos que deva efetuar em relação a seus passivos exigíveis (FORTUNA, 2002:544).
Portanto, o risco de liquidez pode resultar de uma indevida administração dos fluxos monetários
resultantes dos ativos e dos passivos da instituição bancária, mas também pode provir de fatores
exógenos à administração, e engendrar a elevação dos riscos de crédito e de mercado. Todavia, a
principal preocupação quanto a riscos se refere ao risco sistêmico, o qual deriva dos outros tipos
de riscos descritos acima. O risco sistêmico pode ser definido como a probabilidade de ocorrência
de uma situação na qual uma instituição bancária, ou qualquer outro participante do sistema
financeiro, apresente incapacidade em honrar seus compromissos e pagamentos, de maneira que
os demais agentes do sistema tenham sua própria capacidade de pagamentos afetada por um
processo em cadeia, proporcionando uma situação de instabilidade de todo o sistema de
pagamentos, o que se denomina por crise sistêmica (FARIA, 2003:18).
O Acordo da Basiléia tem como objetivos definir padrões internacionais com fins de
reduzir tanto os riscos que envolvam a atividade bancária quanto a competição desigual entre as
instituições bancárias. O Acordo busca, então, padronizar a forma de se mensurar o capital e os
27
ativos das instituições bancárias, e indicar o limite máximo para a alavancagem de ativos
financeiros a partir de uma certa quantidade de capital próprio.
Em relação ao capital das instituições bancárias, o acordo introduz o conceito de
Patrimônio Líquido Ajustado (PLA), que é formado pela soma dos valores integrais de certas
contas do balanço patrimonial da instituição bancária – como as contas de capital social, reservas
de capital, reservas de lucros livres de compromissos –, e por uma parcela da soma dos valores de
outras contas como reservas de reavaliação, reservas de contingências, reservas especiais de
lucros não distribuídos, entre outras.
Padronizada a forma de se mensurar o capital a partir do PLA, o Acordo estipula o cálculo
do Patrimônio Líquido Exigível (PLE), o qual é calculado a partir dos ativos em posse da
instituição bancária, e que indicará um limite mínimo ao qual o PLA não pode ser inferior. Para o
cálculo do PLE, o Acordo utiliza ponderações relacionadas aos riscos de crédito e de mercado
dos ativos, e uma proporção entre capital e ativos. Matematicamente, o cálculo do PLE pode ser
expresso por:
)(
ii
trPLE Σ=
α
,
em que
α
é a razão capital-ativo, a qual é o inverso da alavancagem a, ou seja,
α
=
a
1
;
ii
trΣ é a soma de todos ativos da instituição bancária ponderados por seus respectivos riscos;
i
r é
o risco envolvido na posse do ativo i, e
i
t é o valor do ativo i.
Para a conclusão do cálculo do PLE, o Acordo da Basiléia indica certos valores de
α
e
quais as ponderações r para cada tipo de ativo t.
Como dito, a razão capital-ativo
α
é calculada como o inverso da alavancagem, ou seja,
a
1
. O Acordo padronizou o índice de alavancagem a em 12,5, resultado obtido em estudos feitos
nos 50 maiores bancos dos Estados Unidos, os quais apresentaram uma média de alavancagem
próxima a esse valor. Algebricamente, uma alavancagem de 12,5 indica uma razão capital-ativo
de 0,08. Isso pressupõe que para cada 100 unidades monetárias em ativos ponderados por seus
respectivos riscos, uma instituição bancária precisa manter 8 (oito) unidades monetárias de
28
capital. A adoção de uma postura mais arriscada por parte de uma instituição bancária presumiria
uma maior necessidade de capital própria que uma posição alternativa mais conservadora.
Explicitado o valor padronizado do parâmetro razão capital-ativo, é preciso indicar a
padronização proposta pelo Acordo que está relacionada aos diversos riscos envolvidos na posse
dos diferentes ativos das instituições bancárias. São indicadas cinco categorias de riscos para os
ativos a partir da qualidade do devedor: disponibilidades, títulos públicos federais, aplicações em
ouro, títulos dos governos estaduais e municipais, e créditos, com as ponderações de risco de 0%,
10%, 20%, 50% e 100%, respectivamente. Como se pode observar, ao elevar a posse de
disponibilidades como um de seus ativos, uma instituição bancária não sofre alterações no
cálculo de seu Patrimônio Líquido Exigível, pelo fato de este ativo apresentar fator de
ponderação de risco igual a 0%. Sendo assim, a elevação de disponibilidades não aumenta o
Patrimônio Líquido Exigível para a instituição bancária em questão, e, portanto, não requer
elevações no Patrimônio Líquido Ajustado. Ao contrário, os demais tipos de ativos explicitados
pelo Acordo da Basiléia apresentam coeficientes de ponderação de risco positivos, o que indica
que qualquer elevação na quantidade de tais ativos em posse da instituição bancária aumentaria o
valor do Patrimônio Líquido Exigível, o que poderia requerer uma elevação no Patrimônio
Líquido Ajustado.
Resumidamente, o Acordo da Basiléia estabelece as contas do balanço patrimonial da
instituição bancária que devem ser somadas para se calcular o Patrimônio Líquido Ajustado, o
qual deve ser superior ao Patrimônio Líquido Exigível, sendo este último calculado como uma
proporção
α
– expressa pela razão capital-ativo, ou o inverso da alavancagem a – do somatório
dos ativos da instituição ponderados por seus respectivos riscos associados à qualidade dos
devedores.
1.3.2 A Adesão do Brasil ao Acordo da Basiléia
As medidas expedidas pela autoridade monetária brasileira em consonância ao Acordo da
Basiléia foram caracterizadas por um rigor maior que o presente nos parâmetros indicados no
próprio documento do BIS. Além de impor limites à expansão do crédito, as resoluções e
circulares expedidas pelo Banco Central criaram nas instituições bancárias a expectativa de uma
rigidez subseqüente ainda maior, o que incentivava a manutenção do Patrimônio Líquido
29
Ajustado bem acima do Patrimônio Líquido Exigido que vigia anteriormente, como forma de se
obter uma maior flexibilidade para ajustes posteriores. A conseqüência foi a redução do montante
de empréstimos concedidos em favor da aquisição de títulos públicos federais.
Em 1994, a resolução 2.099 do Banco Central estabeleceu a prática de cálculo do PLE
para as instituições bancárias brasileiras em função do risco dos ativos. Porém, o procedimento
de cálculo do PLA definido pelo Acordo da Basiléia somente passou a ser adotado no Brasil a
partir de agosto de 1998, através da Resolução 2.543. Durante esse intervalo de tempo, utilizou-
se o Patrimônio Líquido como aproximação do PLA.
Todavia, não parece ter sido essa inadequação ao Acordo que limitou a expansão do
crédito no Brasil. Um outro aspecto presente na resolução 2.099 e nas regulamentações
posteriormente emanadas da autoridade monetária brasileira é que parecem ter criado um limite
para a expansão do crédito no Brasil. A imposição de um elevado nível de capital mínimo para a
formação de uma instituição bancária e a indicação de um coeficiente de risco igual a zero para
os títulos públicos federais – ambas medidas presentes na resolução 2.099 –, as reiteradas
reduções no índice de alavancagem das instituições bancárias e as repentinas inclusões de outros
tipos de ativos no cálculo do PLE é que podem explicar, em conjunto, a estagnação do volume de
crédito concedido no Brasil após o ano de 1994.
Como afirma Troster (1998:7)
8
, citado por Souza (2001:30), a indicação de um elevado
limite mínimo de capital para a formação de uma instituição bancária, sem a adoção de critérios
conhecidos e de uma maneira súbita, restringiu a concorrência no setor, o que pode ter aumentado
o poder de monopólio das instituições bancárias e a restrição da oferta de crédito. De acordo com
Guerrero (2000), a indicação de valores mínimos de capital para a criação de uma instituição
bancária deve levar em conta dois fatores. Em primeiro lugar, o limite não pode ser bastante
elevado, pois pode inibir a entrada de novas instituições bancárias e, dessa forma, favorecer a
monopolização do mercado. Por outro lado, a definição de um limite muito baixo pode incentivar
a entrada de instituições frágeis, elevando o risco sistêmico da estrutura bancária.
Além da imposição do elevado limite mínimo de capital, a resolução 2.099 indicava o
modo de se calcular o PLE. Seguindo o proposto no documento da Basiléia, adotou-se um índice
8
TROSTER, Roberto L. Overbanking no Brasil. São Paulo: Makron Books, 1998.
30
de 12,5 para a alavancagem das instituições bancárias, resultando na relação capital-ativo de 0,08.
A equação de cálculo do PLE seria:
)(08,0
ii
trPLE Σ=
Todavia, diferentemente do padronizado pelo Acordo, os ativos das instituições bancárias
foram divididos em quatro grupos, cada um com o seu coeficiente de ponderação de risco: foram
considerados como de risco nulo os recursos em caixa, as reservas em moeda nacional e
estrangeira no Banco Central, e os títulos públicos federais, devendo ser ponderados pelo fator de
risco igual a 0%; depósitos bancários mantidos em outros bancos, aplicações em ouro,
disponibilidades em moeda estrangeira e créditos tributários perceberiam um fator de ponderação
de risco de 20%; títulos estaduais e municipais, financiamentos habitacionais e aplicações no
interbancário deveriam ser ponderados pelo fator de ponderação de risco de 50%; finalmente,
operações de empréstimos e financiamentos, aplicações em ações, debêntures, obrigações da
Eletrobrás, títulos da dívida agrária, operações vinculadas a bolsas de valores, de mercadorias e
de futuros deveriam ser ponderados pelo fator de risco de 100%. A equação a seguir demonstra o
cálculo do PLE ao designarmos a relação capital-ativo e os respectivos coeficientes de risco dos
ativos das instituições bancárias brasileiras.
()( )( )( )
[]
4321
00,150,020,0008,0 TTTTPLE +++= ,
sendo, respectivamente,
321
,, TTT e
4
T os valores dos grupos de ativos explicitados
acima.
A divergência da Resolução 2.099 em relação à padronização da ponderação de riscos dos
ativos proposta pelo Acordo da Basiléia ocorre no coeficiente de ponderação do risco conferido
aos títulos públicos federais, incluídos na equação acima no subgrupo
1
T . O fator de risco de 0%
conferido aos títulos públicos federais indica que qualquer elevação no volume desses ativos em
posse de uma instituição bancária não requererá o aumento no Patrimônio Líquido Exigível de tal
banco. Como afirma Souza (2001:31), “a limitação de os bancos comprarem títulos do governo
federal passa a ser sua capacidade de captar recursos a um custo inferior ao rendimento desses
títulos”. Exemplificando, diante de uma redução no limite de alavancagem dos ativos das
instituições bancárias, de modo que se reduzisse também a relação lucro-capital da instituição,
31
mesmo que se apresentasse uma súbita melhoria na relação lucro-ativos, a recomposição da
relação lucro-capital poderia ocorrer através da aquisição de títulos públicos federais, até o ponto
em que o custo de se captar recursos junto ao público fosse ligeiramente inferior à receita
auferida pela posse dos títulos públicos federais. Sendo assim, é importante considerar a
possibilidade de se adquirir títulos da dívida pública federal, sem impacto no Patrimônio Líquido
Exigível, diante de certas alterações posteriores à resolução 2.099 e da necessidade das
instituições bancárias manterem sua lucratividade em relação ao patrimônio líquido.
Deve ser levado em conta que essas alterações posteriores à resolução 2.099 ocorreram
durante o período no qual o volume de crédito permaneceu estagnado no Brasil – como
demonstram dados do FMI –, as quais modificaram principalmente o índice de alavancagem do
capital e o nível de risco dos ativos.
A resolução 2.139 do Banco Central, de dezembro de 1994, incluiu as operações ativas de
swap no cálculo do Patrimônio Líquido Exigível. Não foi designado um coeficiente de risco para
esse ativo, mas uma razão capital-ativo específica de 0,15, o que indicava uma alavancagem de
6,66 para tal ativo. O resultado dessa resolução foi a elevação do PLE de todas as instituições
bancárias que possuíam operações ativas de swap. A equação a seguir expressa matematicamente
o efeito da resolução 2.139 sobre a fórmula de cálculo do PLE das instituições bancárias que
possuíam operações de swap:
()( )( )( )
[]
()
++++= STTTTPLE 15,000,150,020,0008,0
4321
As operações de swap na equação acima estão incluídas no último termo, sendo
designadas pela variável S, e apresentando sua respectiva relação capital-ativo de 0,15.
Diante de tal alteração, o ajuste das instituições bancárias poderia ocorrer de dois modos.
Em um deles, poderia ser elevado o PLA através de injeções de capital ou a partir de fusões com
instituições bancárias que apresentassem um PLA mais elevado que o próprio PLE da primeira
instituição, de modo que o PLA da instituição bancária consolidada fosse superior que o PLE
consolidado. A relação lucro-capital da instituição bancária seria reduzida, o que poderia ser
contornado pela aquisição de títulos de dívida pública federal, sem elevações no PLE, até que a
antiga relação lucro-capital fosse alcançada.
32
Um segundo modo de se adequar à nova situação se daria pela redução no PLE, através da
diminuição das operações ativas de swap e de outros ativos ponderados positivamente. Nesse
caso, a relação lucro-capital também se reduziria, devido à redução nos lucros, e a aquisição de
títulos públicos federais, também sem impacto no cálculo do PLE, seria a alternativa de
recomposição da rentabilidade da instituição bancária. A única diferença na segunda alternativa
seria que alguns ativos de maior fator de ponderação de risco, como os empréstimos, teriam sua
posição relativa no total de ativos diminuída.
Resumidamente, as duas alternativas de ajuste teriam como conseqüências a elevação dos
títulos públicos federais como proporção da carteira de ativos das instituições bancárias, e a
redução da proporção dos ativos de maior coeficiente de ponderação de risco, como os
empréstimos. Outras medidas promulgadas posteriormente pela autoridade monetária brasileira
requereram ajustes que tiveram as mesmas conseqüências, como se verá a seguir.
O Banco Central expediu a resolução 2.399, em junho de 1997, e a circular 2.784, em
novembro do mesmo ano, elevando a razão capital-ativo específica das operações ativas de swap
para 0,16 e 0,20, respectivamente. Essas alterações tornaram a elevar o PLE das instituições
bancárias que negociavam tais ativos. Novamente, as alternativas de ajuste seriam pela elevação
do PLA ou através da redução do PLE, tendo por conseqüência a redução na relação lucro-ativo
que poderia se recomposta por uma maior quantidade relativa de títulos públicos federais e uma
menor quantidade de empréstimos como proporção da carteira de ativos das instituições
bancárias. Além de tais alterações, a resolução 2.399 e a circular 2.784 elevaram também a razão
capital-ativo dos demais ativos, passando de 0,08 para 0,10 e 0,11, respectivamente.
Algebricamente, essas alterações reduziram a capacidade de alavancagem das instituições
bancárias para ativos como os empréstimos. Mais uma vez, os ajustes descritos no parágrafo
anterior foram adotados. A equação para o cálculo do PLE passou a ser a seguinte, após a circular
2.784:
()( )( )( )
[]
()
++++= STTTTPLE 20,000,150,020,0011,0
4321
Posteriormente, em agosto de 1999, a circular 2.916 do Banco Central elevou a
ponderação de risco do crédito tributário de 20% para 300%. Essa medida fez com que tais ativos
fossem os de maior risco dentre os ativos bancários brasileiros, e a alternativa de recomposição
33
da relação lucro-capital, nesse caso, ocorreria diretamente pela redução da quantidade desses
ativos como proporção da carteira das instituições bancárias e pela maior aquisição de títulos
públicos federais.
1.3.3 Evidências Empíricas Acerca da Evolução do Crédito no Brasil
O trabalho de Souza (2001) afirma que a quantidade de títulos públicos federais como
proporção dos ativos totais das instituições bancárias brasileiras se elevou durante a década de
1990. Além disso, esse trabalho indica que a proporção de empréstimos, em relação aos ativos
totais dos bancos, foi reduzida no mesmo período.
Analisando dados do FMI sobre a oferta bancária de crédito no Brasil, observa-se que a
participação do governo federal no total do crédito doméstico concedido pelo setor bancário se
elevou, após o Plano Real. Essa afirmação pode ser visualizada na tabela 5.
A participação do governo federal no crédito bancário doméstico foi mais baixa no ano de
1994, quando apresentou uma participação negativa de 0,01. Isso se explica pelo fato de a série
do FMI para o crédito ao governo central apresentar a posição líquida durante o ano. Antes de
1994, a participação do governo federal decaía a cada ano. A partir de 1994, a participação do
governo federal no crédito bancário doméstico passou a crescer, até alcançar um nível pouco
superior a 0,50 no ano de 2001, e se estabelecer nesse patamar.
Tabela 5
Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Governo Federal como Proporção do Total do
Crédito Bancário Doméstico (1990-2004)
Anos Participação do Crédito Bancário Concedido ao
Governo Federal como Proporção do Crédito
Bancário Doméstico
1990
0,38
1991
0,37
1992
0,33
1993
0,25
1994
– 0,01
1995
0,05
1996
0,07
1997
0,20
1998
0,39
1999
0,47
34
2000
0,49
2001
0,52
2002
0,54
2003
0,56
2004
0,55
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes nas Estatísticas Financeiras
Internacionais do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2005).
Esses dados evidenciam a afirmação de Souza (2001) de que a participação de títulos
públicos federais se elevou após a implementação do Plano Real.
A proporção do crédito bancário doméstico destinado ao setor privado pode ser
visualizada na tabela 6.
Como era de se esperar, devido à menor participação do governo federal no crédito total
no ano de 1994, esse ano apresenta a maior participação do crédito concedido pelo setor bancário
ao setor privado na série de dados, com uma proporção de 84% do total do crédito concedido. A
partir de 1994, a participação do setor privado no total do crédito doméstico bancário se reduz até
se estabelecer em um nível pouco superior a 40% do total.
Tabela 6
Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Setor Privado como Proporção do Total do
Crédito Bancário Doméstico (1990-2004)
Anos
Participação do Crédito Bancário Concedido ao Governo
Federal como Proporção do Crédito Bancário Dostico
1990
0,43
1991
0,45
1992
0,52
1993
0,61
1994
0,84
1995
0,79
1996
0,71
1997
0,68
1998
0,50
1999
0,47
2000
0,49
2001
0,45
2002
0,44
2003
0,42
2004
0,44
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes nas Estatísticas Financeiras
Internacionais do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2005).
35
É importante, ainda, observar a evolução do crédito bancário doméstico como proporção
do PIB durante o período analisado. A tabela 7 expõe esses dados.
Tabela 7
Evolução do Crédito Bancário Concedido ao Setor Privado como Proporção do PIB (1990-
2003)
Anos Crédito Bancário Concedido ao Setor Privado como
Proporção do PIB
1990
0,39
1991
0,43
1992
0,67
1993
0,96
1994
0,58
1995
0,37
1996
0,32
1997
0,33
1998
0,35
1999
0,35
2000
0,36
2001
0,35
2002
0,36
2003
0,35
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes nas Estatísticas Financeiras
Internacionais do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2005).
Como se pode observar, a proporção crédito bancário concedido ao setor privado em
relação ao PIB apresentou elevação até o ano de 1993, quando atingiu seu maior valor, de 96%.
A partir desse ano, tal proporção foi reduzida até se estabelecer em um patamar próximo dos
35%. Essa série de dados confirma a proposição de Soares (2001) de que se interrompe realmente
o fim de um processo de crescimento do crédito durante a época de implantação do Plano Real,
em julho de 1994.
1.4 Conclusões
Após o Plano Real e a conseqüente redução das receitas de floating dos bancos, dois
ajustes ocorreram no sistema bancário brasileiro. Um deles se deu através da eliminação das
dependências bancárias caracterizadas por elevados custos médios, devido ao fato de não
apresentarem uma escala suficientemente considerável. Pode-se definir as dependências com
escala insuficiente aquelas com menores números de transações financeiras e de clientes,
36
apresentando, por isso, maiores custos operacionais médios. Além disso, outro processo de ajuste
indicou que as dependências bancárias remanescentes deveriam expandir crédito diante do
momento de crescimento macroeconômico, para elevar as receitas de aplicação de recursos,
compensando, dessa forma, a redução nas receitas oriundas do floating.
O processo de entrada de instituições bancárias estrangeiras no sistema financeiro
nacional durante a década de 1990 não alterou a dinâmica do mercado de crédito bancário
tradicional, nem ao menos ampliou prazos ou reduziu os custos e a seletividade, ao contrário do
que era esperado pelo governo e por analistas de mercado.
O trabalho de Mendonça de Barros & Almeida Jr. (1997) aponta que o crédito se
expandiu e o número de dependêndncias bêndá(e)-7.8(r)9dnciên90 nãd1(e)-7.ciorênceuos r
37
um período no qual a estabilização nos preços e a entrada de instituições bancárias estrangeiras
indicavam para uma evolução no volume do crédito concedido no país.
Os dados disponibilizados pelo FMI demonstram que a proporção do crédito bancário
concedido ao governo federal em relação ao crédito bancário doméstico se elevou a partir do ano
de 1994, enquanto a participação do setor privado decaiu. Além disso, observa-se, no meio da
década de 1990, o rompimento de uma tendência crescente da participação do crédito bancário
concedido ao setor privado como proporção do PIB, um posterior declínio e a manutenção em um
baixo nível nos anos recentes.
Diante do ambiente de racionamento do crédito no Brasil, torna-se interessante abordar o
tema microcrédito. O microcrédito é um serviço financeiro que pretende disponibilizar recursos
aos excluídos do crédito bancário tradicional. Ele seria, portanto, uma alternativa interessante
para a expansão do crédito no Brasil e para o conseqüente desenvolvimento econômico. O
capítulo a seguir pretenderá abordar o tema microcrédito. Relembrando a hipótese adotada pelo
presente trabalho, o microcrédito no Brasil não apresentaria certas características importantes,
fazendo com que se assemelhasse ao crédito bancário tradicional. Dessa forma, o microcrédito
não teria a capacidade de proporcionar a expansão potencial que seria observada caso
apresentasse suas características inerentes.
38
CAPÍTULO 2
D
EFINIÇÃO DE MICROCRÉDITO, CARACTERÍSTICAS OPERACIONAIS DAS
INSTITUIÇÕES DE MICROFINANÇAS, TAXA DE PENETRAÇÃO DA INDÚSTRIA E
EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS
O presente capítulo pretenderá abordar o tema microcrédito. A ênfase que se procurará
dar ao tratamento do assunto é direcionada pela tentativa de se julgar a hipótese adotada por esse
trabalho: de que o microcrédito no Brasil não apresenta algumas características que deveria
possuir, assemelhando-se, por isso, ao crédito bancário tradicional. Diante disso, é preciso definir
o termo microcrédito e apresentar algumas das características operacionais das instituições de
microfinanças, as quais disponibilizam ao público os microcréditos.
É interessante, todavia, introduzir o tema microcrédito após demonstrar o tratamento dado
pelo Paradigma da Economia da Informação às imperfeições de informações em mercados
financeiros. De acordo com esse paradigma, o mercado tradicional de empréstimos tem a
característica de não atender à demanda por crédito da economia devido às assimetrias de
39
debate acerca de seus objetivos –, esse capítulo procurará demonstrar a reduzida taxa de
penetração da indústria de microfinanças no Brasil. Os dados obtidos em pesquisa de campo
junto a instituições de microfinanças do estado de Minas Gerais têm demonstrado elevação do
montante de microcrédito concedido. Todavia, a baixa taxa de penetração da indústria
microfinanceira requer uma análise aprofundada de aspectos relacionados à oferta de serviços
microfinanceiros.
A partir da reduzida oferta defronte à extensa demanda por microcrédito, a expansão do
setor poderia estar condicionada a fatores microeconômicos relacionados à própria oferta, os
quais seriam influenciados por aspectos macroeconômicos característicos do ambiente no qual as
instituições de microfinanças se situam, ou, ainda, pelo marco regulatório do setor. Algumas
evidências empíricas sobre a oferta de microcrédito no Brasil demonstrarão dois fatores de
extrema importância para a discussão da possibilidade de expansão do microcrédito. Um deles se
refere, como presente em Nichter et alli (2002), à elevada participação de títulos de dívida
pública como proporção dos ativos das instituições de microfinanças. Essa constatação indicaria
uma similitude das instituições de microfinanças brasileiras em relação às instituições bancárias
brasileiras. Como visto no capítulo anterior, as instituições bancárias tradicionais apresentam
grande proporção de seus ativos alocados em títulos de dívida pública do governo federal
brasileiro. O outro fato, também demonstrado por Nichter et alli (2002), indica elevada taxa de
inadimplência das carteiras de microcrédito das instituições de microfinanças brasileiras. Uma
das explicações para isso seria o desvirtuamento das metodologias de concessão de microcrédito,
ao não serem empregados métodos característicos de concessão como o aval solidário.
O capítulo se conformará em mais cinco seções. Na primeira, o Paradigma da Economia
da Informação será brevemente explicitado, dando enfoque aos problemas que geram o
racionamento de crédito por parte das instituições bancárias tradicionais. A segunda seção
procurará definir o termo microcrédito e apresentar algumas de suas características operacionais.
Na terceira seção será demonstrada a baixa taxa de penetração da indústria de microfinanças no
Brasil, apontando para a necessidade de se avaliar aspectos relacionados à oferta dos serviços de
microfinanças. A quarta seção relatará algumas evidências empíricas sobre a indústria
microfinanceira no Brasil. Finalmente, na última seção será construída uma breve conclusão.
40
2.1 O Paradigma da Economia da Informação: as Imperfeições em Mercados de
Empréstimos e o Conseqüente Racionamento do Crédito
Essa seção se baseia no abrangente trabalho de Aldrighi (1997), o qual explicita diversas
teorias que buscaram tratar a influência dos fatores financeiros sobre o desenvolvimento
econômico.
As teorias mainstream em relação aos mercados financeiros pressupõem que eles são
perfeitos, no sentido de as taxas de retorno dos diversos ativos existentes se ajustarem através dos
seus respectivos riscos, de tal maneira que todas as taxas de retorno dos ativos sejam
equivalentes. Conseqüentemente, haveria uma tendência em direção a um equilíbrio, em que não
haveria escassez de recursos financeiros a serem disponibilizados aos demandantes.
Várias linhas de pensamento têm criticado a visão acima. Todas essas linhas de
pensamento abordam principalmente os mercados financeiros formais. Uma delas, surgida na
década de 1970 e denominada de Paradigma da Economia da Informação, ao criticar a visão de
mercados financeiros perfeitos, torna-se interessante para o desenvolvimento do presente
capítulo, pois permite que seja definido precisamente como o microcrédito deve ser
operacionalizado além de indicar sua área de atuação. O Paradigma da Economia da Informação
resulta da inobservância empírica da hipótese neoclássica de que “os participantes dos mercados
[dispõem] das mesmas informações a respeito das variáveis econômicas(Aldrighi, 1997:67).
De acordo com a teoria neoclássica, se essa hipótese não é observada, não há alocação ótima dos
recursos e não se alcança o equilíbrio competitivo. Essa noção, presente no Paradigma da
Economia da Informação, pode ser estendida também aos mercados financeiros.
Os preceitos presentes no Paradigma da Economia da Informação podem, portanto,
apresentar uma explicação para a incapacidade de as instituições bancárias tradicionais
atenderem a existente demanda por crédito. Segundo o paradigma, essa incapacidade é
conseqüência da “heterogeneidade no grau de risco dos que demandam crédito e da dificuldade
e dos custos com que se defrontam aqueles fornecedores para diferenciar entre os solicitantes de
crédito” (Aldrighi, 1997:68). A ineficiência dos mercados financeiros se conforma, portanto, nas
interações, sob assimetria de informações, entre ofertantes e demandantes de crédito.
41
Há dois tipos principais de problemas resultantes da informação assimétrica, conhecidos
como seleção adversa e risco moral. A situação de seleção adversa ocorre quando uma das partes
envolvidas detém informação privada sobre suas próprias características (hidden information). A
42
papel na alocação dos recursos, cabendo a ela apenas limitar as perdas derivadas dos
comportamentos de seleção adversa e de risco moral. Como explicitado por Lima (2004:22),
“(...) a taxa de juros funcionaria como um sinalizador para os bancos
da qualidade dos tomadores (screening device), na medida em que os
bons tomadores não estarão dispostos a pagar uma alta taxa de juros
tendo em vista uma alta probabilidade de inadimplência, ao contrário
dos maus tomadores, que estarão dispostos a pagar taxas de juros
mais altas pelos mesmos motivos” (LIMA, 2004:22).
Gráfico 4
Mercado de Empréstimos sob a Teoria Neoclássica e sob a Situação de Informação
Assimétrica
Fonte: Elaboração própria a partir da exposição presente em
Aldrighi (1997)
O gráfico acima busca explicitar como a racionalidade dos emprestadores mantém a taxa
de juros cobrada pelos empréstimos que disponibilizam abaixo da taxa que os demandantes
aceitariam se o crédito fosse expandido, tendo como conseqüência o racionamento do crédito. O
gráfico indica que o equilíbrio definido pela teoria neoclássica se daria nos cruzamentos das
curvas de oferta (
O) e de demanda (D) por crédito, pressupondo que os agentes possuem as
mesmas informações sobre as variáveis econômicas. Nesse ponto, a taxa de juros cobrada pelos
empréstimos seria
r*, e o montante emprestado seria de M*. Entretanto, devido à existência dos
problemas de seleção adversa e de risco moral, a operação do mercado de crédito ocorre no
cruzamento da curva de oferta (
O) com uma outra curva de demanda que se situa abaixo e à
43
esquerda daquela que expressa a demanda real por empréstimos na economia (D). Essa nova
curva de demanda é indicada pela cor mais clara no gráfico acima. O cruzamento dessa curva de
demanda com a curva de oferta de empréstimos (O) é caracterizada por taxa de juros e montante
de recursos emprestados )
OO
Me(r menores que os valores de equilíbrio indicados pela teoria
neoclássica
9
. Esta exposição gráfica serve para elucidar a situação na qual os emprestadores se
negam a ofertar a quantidade de crédito demandada pela economia.
Pode-se supor que a expansão do crédito poderia se dar através da eliminação dos
problemas de seleção adversa e risco moral no âmbito do próprio crédito bancário. Várias são as
modificações na metodologia de concessão do crédito bancário que pretendem eliminar esses
problemas do setor bancário tradicional e resolver o conseqüente racionamento do crédito. A
seguir, encontram-se quatro dessas alterações na concessão do crédito bancário tradicional que
pretendem solucionar os problemas resultantes da assimetria de informações.
Em primeiro lugar, pode-se exigir colaterais ou requerer um montante mínimo de
autofinanciamento dos projetos, como maneira de se eliminar os demandantes que possam agir de
maneira displicente na condução dos projetos (risco moral) e os demandantes de pior qualidade
de pagamento (seleção adversa). Entretanto, Stiglitz & Weiss (1981), citados por Aldrighi
(1997:70), argumentam que à medida que se elevam as exigências de garantias por parte dos
credores, elevam-se também as pressões dos demandantes, o que tende a diminuir os retornos dos
empréstimos, e, conseqüentemente, a motivação de se disponibilizar tais empréstimos, o criaria
uma tendência de retorno da oferta ao patamar que era observado antes da tentativa de eliminação
dos problemas com tal solução.
Em segundo lugar, pode-se propor que sejam redigidos contratos mais completos com a
intenção de coibir atitudes caracterizadas por riscos exagerados por parte de tomadores de
empréstimos. Todavia, esses contratos “são custosos e pressupõem a existência de uma
infraestrutura jurídica desenvolvida que assegure seu cumprimento” (Aldrighi, 1997:70).
Portanto, da mesma forma que no caso anterior, os retornos dos empréstimos seriam reduzidos
devido à elevação nos custos causada pela estrutura burocrática criada, de maneira que não
existam incentivos à expansão da oferta.
9
Uma taxa de juros mais alta significaria a inclusão deliberada do financiamento dos empreendimentos mais
arriscados.
44
Em terceiro lugar, a superação da situação de risco moral poderia ocorrer através da
inclusão de cláusulas contratuais que procurassem beneficiar os credores quando se observasse a
atuação dos demandantes no sentido de elevar os riscos dos empreendimentos. Isso dependeria,
evidentemente, da capacidade de os credores efetivamente conseguirem monitorar os projetos
desenvolvidos pelos devedores. A crítica que se pode desferir a essa proposição se encontra na
dificuldade de se monitorar os demandantes.
Finalmente, o Paradigma da Economia da Informação indica uma possibilidade de os
intermediários financeiros superarem os problemas de natureza informacional, tentando elevar as
economias de escopo
10
relacionadas ao maior acesso às informações, o que resultaria em menores
custos das transações financeiras e alocação mais eficiente da poupança. Isso teria a propriedade
de diminuir o risco de default, o que faria com que se concentrasse a poupança nas instituições
financeiras, produzindo um efeito de aumento da acumulação de capital. A crítica que se faz é
conformada na necessidade de se obter as informações a baixo custo.
Torna-se, então, interessante discutir as modificações na metodologia de concessão do
crédito bancário descritas acima sob a luz do microcrédito. Antes, porém, deve-se destacar que o
microcrédito pretende atender as parcelas da população que não são atendidas pelo setor bancário
tradicional através de metodologias de concessão de crédito alternativas.
A primeira modificação na metodologia de concessão do crédito tradicional – de
contornar as assimetrias de informação pela exigência de colaterais ou requerimento de um
montante mínimo de autofinanciamento dos projetos – também se torna ineficaz para o caso do
microcrédito, pois esse tipo de crédito se destina justamente às camadas de baixa renda, cujos
componentes não possuem, na maioria das vezes, bens que possam ser designados como
garantias nem recursos a serem destinados aos projetos como montante mínimo de
autofinanciamento. Não se quer dizer, todavia, que não possam ser financiados indivíduos,
excluídos do setor bancário tradicional, que consigam oferecer tais garantias ou participar do
10
Economias de escopo decorrem de vantagens de produção ou de custo decorrentes da produção de dois ou mais
produtos sob a mesma unidade produtiva ou empresa. No setor de serviços bancários, as economias de escopo podem
derivar da redução de custos proporcionada pela oferta de vários serviços financeiros em uma mesma agência
bancária; ou ainda, no âmbito da empresa, o compartilhamento de uma mesma administração para as diversas
agências bancárias resulta em economias de escopo (PINDYCK & RUBENFIELD, 1994:285-289). Na análise de
Stiglitz, as economias de escopo derivam do maior acesso às informações que os bancos possuem, o que reduz os
custos da intermediação financeira e melhora a alocação eficiente dos recursos, podendo ter como conseqüência a
concentração da poupança nos bancos.
45
financiamento dos projetos através de recursos próprios. Como se verá em uma seção posterior,
essa não é a metodologia característica do microcrédito.
Em relação à segunda modificação, de serem redigidos contratos mais completos com a
intenção de coibir atitudes caracterizadas por riscos exagerados por parte de tomadores de
empréstimos, a negação de seu emprego pelo microcrédito pode ser efetuada pela mesma
justificativa indicada para o caso do crédito tradicional: esses contratos “são custosos e
pressupõem a existência de uma infraestrutura jurídica desenvolvida que assegure seu
cumprimento” (Aldrighi, 1997:70). O emprego dessa modificação pelo microcrédito teria como
conseqüência elevar os custos das instituições que oferecem os serviços financeiros,
impossibilitando o acesso de amplas camadas não atendidas pelo setor bancário tradicional
devido à necessidade de elevação nas taxas de juros para proporcionar receitas mais elevadas.
Quanto à terceira modificação – de que a superação da situação de risco moral poderia
ocorrer através da inclusão de cláusulas contratuais que procurassem beneficiar os credores
quando se observasse a atuação dos demandantes no sentido de elevar os riscos dos
empreendimentos, e que os credores pudessem efetivamente monitorar os projetos desenvolvidos
pelos devedores –, observa-se uma profunda convergência com as características do microcrédito.
O aval solidário é uma metodologia de concessão do microcrédito no qual se forma um grupo de
solicitantes de crédito em que os tomadores ficam comprometidos ao cumprimento do pagamento
das parcelas do financiamento dos componentes do grupo que se tornarem inadimplentes. Isso
tem a capacidade de beneficiar o emprestador por eliminar a possibilidade de risco moral e de
seleção adversa. Essa noção de aval solidário será aprofundada mais adiante.
Finalmente, a quarta modificação, de elevação das economias de escopo para a obtenção
de informações relacionadas aos demandantes, enfrentaria a mesma crítica efetuada sob a luz do
crédito bancário: o custo de obtenção das informações pode inviabilizar essa modificação na
metodologia de concessão de créditos.
De uma maneira conclusiva, o Paradigma da Economia da Informação trata dos
problemas que criam o racionamento da oferta de crédito por parte do setor bancário tradicional.
Como indica Lima (2003:22), “esse modelo se baseia na hipótese de que a existência de
informações imperfeitas no mercado financeiro impede que os bancos diferenciem os bons e os
46
maus pagadores, isto é, aqueles que têm maior probabilidade de saldar sua dívida e os que não
têm”. A partir disso, surgem modificações na metodologia de concessão do crédito bancário que
não se apresentam muito eficazes. Todavia, à luz do microcrédito, pode-se observar uma
possibilidade de disponibilização de recursos financeiros através de uma metodologia de
concessão de pequenos empréstimos que reduz a seleção adversa e o risco moral: o aval solidário.
O aval solidário é um método substitutivo à solicitação de garantias aos demandantes.
Uma seção posterior apresentará a maneira de se conceder crédito através do aval solidário e a
sua capacidade de reduzir a seleção adversa e o risco moral. Antes, porém, pretender-se-á definir
o termo microcrédito.
2.2 Definições que Envolvem o Termo Microcrédito
Uma precisa definição do termo microcrédito é interessante para que se possa separar os
desvirtuamentos legítimos do termo daquelas mutações que fariam com que o microcrédito se
assemelhasse ao crédito tradicional. Será conceituado o termo microcrédito, cuja definição é
englobada por um termo mais abrangente: microfinanças. Além disso, é preciso considerar a
destinação dos recursos oferecidos sob a rubrica do microcrédito: para investimento ou para
consumo. Todas essas “variações” do microcrédito – para investimento, para consumo,
microfinanças - são legítimas pois pretendem atender ao público excluído do setor bancário
tradicional.
2.2.1 Microcrédito
O termo microcrédito se refere à oferta de recursos financeiros de baixos valores que se
destinam a atender à necessidade de liquidez de pequenas unidades produtivas ou comerciais
caracterizadas em sua maioria pela informalidade, baixa produtividade e escassez de capital. Em
uma outra definição, seriam elegíveis ao microcrédito as pequenas unidades produtivas informais
sem acesso ao setor bancário formal por não apresentarem garantias como contraprestação aos
inadimplementos dos contratos de empréstimos (BARONE et alli, 2002:11).
Pode-se, portanto, resumir que o microcrédito é destinado a pequenas unidades produtivas
caracterizadas pela baixa produtividade, informalidade, escassez de capital, incapacidade de
oferecer garantias e inacessibilidade ao setor bancário tradicional.
47
Observa-se uma certa causalidade entre as características dos empreendimentos citadas
acima, de modo que se crie uma “armadilha” dos empreendimentos assim caracterizados, que
continuamente impediria o acesso ao crédito fornecido pelo setor bancário tradicional.
Inicialmente, a baixa produtividade e a escassez de capital teriam uma ligação de causa mútua: a
baixa produtividade causaria a escassez de capital, também ocorrendo o inverso. Além disso, a
baixa produtividade tem ainda sua causalidade em direção à informalidade, pois, diante de uma
situação de baixa produtividade, os requerimentos legais tornam-se secundários. A escassez de
capital proporcionaria também a incapacidade de se oferecer garantias ao setor bancário
tradicional. Essa última característica, conjugada com a informalidade, induziria à
inacessibilidade ao setor bancário tradicional. Finalmente, a incapacidade de se financiar pelo
setor bancário tradicional impossibilitaria a injeção de capital no empreendimento e, portanto,
impediria a elevação da produtividade e do montante de capital, fechando-se, dessa forma, o ciclo
no qual estão submetidos os empreendimentos assim caracterizados. Essas relações causais
demonstram as dificuldades sob as quais se situam os empreendimentos com as características
citadas.
As pequenas unidades produtivas com essas cinco características seriam, então, inaptas a
receber crédito do setor bancário tradicional. É no âmbito das pequenas unidades produtivas com
tais características que o microcrédito deve pretender atuar, a partir de uma atuação diferente do
setor bancário tradicional. O setor bancário tradicional, em sua operacionalização normal de
fornecimento de créditos, exige cumprimentos formais por parte do empreendimento e a
concessão de garantias para a liberação de créditos. A elaboração do serviço microfinanceiro
consubstanciado no microcrédito deve, portanto, levar em conta a flexibilização dessas
solicitações. Além disso, deve-se também considerar a baixa produtividade e a escassez de capital
na seleção dos demandantes a serem atendidos.
2.2.2 Microcrédito: para Consumo ou para Investimento
Na literatura especializada, o microcrédito tem sido definido para fins estritamente
produtivos por duas razões. A primeira razão se refere à limitação legal imposta a algumas
instituições de microfinanças – como as sociedades de crédito ao microempreendedor (SCM), por
exemplo –, de emprestarem apenas para empreendimentos com finalidades produtivas. A segunda
razão se refere ao fato de que o risco de crédito seja menor no microcrédito produtivo do que no
48
microcrédito para consumo, devido ao fato de que o microempreendimento alvo do crédito
produtivo ter maior capacidade de gerar uma renda que assegure o pagamento da obrigação
contratada, o que reduz o risco do crédito (PEREIRA, 2004:1). A continuação da definição
presente em Barone et alli (2002) confirma essa preocupação e a conseqüente restrição do
microcrédito à destinação produtiva. Segundo esses autores, o microcrédito é “um crédito
destinado à produção (capital de giro e investimento) e é utilizado com o uso de metodologia
específica”. Todavia, a definição do termo tem se expandido legitimamente para além do
explicitado acima.
O termo microcrédito tem sido usado também para designar o crédito de baixos valores
destinados ao consumo de toda a população marginalizada do sistema bancário tradicional. Não
se pode indicar, por isso, um desvio do termo – pelo simples fato de inexistir um vocábulo
próprio para que ocorra a distinção entre dois tipos de microcrédito: para consumo e para
investimento – nem ao menos que isso se refira a uma desvirtuação ilegítima do microcrédito.
O tratamento de Brusky & Fortuna (2002:8) em relação aos microempreendimentos é
relativamente amplo, pois esses autores consideram que tais unidades produtivas são
normalmente sediadas no conjunto doméstico familiar. Como afirmam tais autores,
“(...) os microempreendimentos não operam em vácuos que separem
seus negócios de seus lares. Os orçamentos da casa normalmente se
misturam com os da empresa, e as emergências e pressões financeiras
que desregulam os fluxos de receita e despesa ou que obrigam a
realocação de recursos em um dos lados fatalmente terão efeitos no
outro lado” (BRUSKY & FORTUNA, 2002:8).
Há, então, a possibilidade de um microcrédito para consumo ser requisitado para o
financiamento do consumo do lar de um microempreendedor. Portanto, a ampla utilização do
termo microcrédito impõe que seja feita uma diferenciação quanto à destinação dos recursos
financeiros: para a aplicação como investimento ou capital de giro no microempreendimento, ou
para a aquisição de bens de consumo pelas camadas de mais baixa renda da população.
Essa distinção é interessante por dois motivos, dada a existência de demanda por
microfinanciamentos para satisfazer necessidades de consumo – e não apenas para investimento –
49
no lar no qual está inserido o microempreendimento. A primeira motivação à expansão do
microcrédito para consumo está relacionada à instituição de microfinanças. Os microcréditos para
consumo podem proporcionar economias de escopo às instituições de microfinanças, o que
poderia ocasionar reduções em seus custos. Se isso ocorrer, a conseqüência seria uma maior
capacidade da instituição de microfinanças em alcançar sua viabilidade financeira.
A instituição de microfinanças deve considerar que o microcrédito para consumo requisita
algumas informações relacionadas aos demandantes necessárias para a redução do risco de
crédito e que podem ser obtidas a custos relativamente baixos. Se a renda esperada resultante do
investimento proporcionado pelo microcrédito para investimento não for superior aos custos
oriundos do microfinanciamento, é de se supor que o agente não efetivará sua demanda. Então,
também se pode supor que parte dos agentes que tomaram microcréditos para investimento – e
que não estão inadimplentes – tenham uma elevação em sua renda que proporcionará um
aumento no consumo do lar no qual está inserido o microempreendimento. Diante disso, a
observação de que o agente tomou um microcrédito para investimento indicaria um potencial
aumento em sua renda, o que eliminaria parte do risco de crédito desse agente tomar um
microcrédito para consumo, devido à elevação em sua capacidade de pagamento. Deve-se,
todavia, considerar alguns fatores para a liberação de microcréditos para consumo, como
existência de capacidade de pagamento residual, limites a serem liberados, prazos de liberação
após a contratação do microcrédito para investimento, constatação do pagamento das parcelas do
microcrédito para investimento nos prazos estipulados, dentre outros. A atuação da instituição de
microfinanças junto aos agentes e a obtenção de informações em relação aos tomadores pode
possibilitar o oferecimento desse serviço financeiro a baixos custos e elevar as economias de
escopo e as receitas da instituição.
A segunda motivação para a ampliação do microcrédito de consumo decorre de os agentes
de mais baixa renda poderem ampliar seu leque de possibilidades de consumo e gasto
intertemporal. Brusky & Fortuna (2002) destacam o oferecimento de serviços de microfinanças
para trabalhadores do setor informal e para estudantes de baixa renda. Os trabalhadores do setor
informal são os próprios empregados nos microempreendimentos alvos do microcrédito para
investimento. O microcrédito para consumo pode ser destinado com baixo risco de crédito se for
constatado junto ao empregador responsável pelo microempreendimento, o qual tenha sido
50
anteriormente financiado por um microcrédito para investimento, se efetivamente o agente
demandante de crédito percebe remuneração de seu trabalho. Nesse caso, economias de escala e
novas receitas são proporcionadas à instituição de microfinanças, ao mesmo tempo em que se
passa a abranger uma maior parcela das camadas de mais baixa renda da população. Quanto aos
estudantes de baixa renda, é clara a demanda por serviços e produtos financeiros, mas, nesse
caso, o oferecimento dependeria do desenvolvimento de ferramentas de análise de crédito
capazes de reduzir os riscos envolvidos.
Como visto, é legítimo o surgimento do microcrédito para consumo, devido à
possibilidade de se ampliar a oferta de crédito de maneira que se atenda camadas da população
excluídas do setor bancário tradicional, ao mesmo tempo em que cria a possibilidade de uma
atuação mais sólida das instituições de microfinanças.
2.2.3 Microfinanças
O termo microfinanças, por sua vez, é mais abrangente e sua definição engloba o termo
microcrédito, podendo ser definido como qualquer tipo de serviço ou produto microfinanceiro
destinado ao mesmo público alvo que se pretende atender através do microcrédito. Brusky &
Fortuna (2002:7), através de uma conceituação menos específica, definem microfinanças “como
serviços financeiros – crédito, poupança ou seguros – de pequeno porte”. Nichter et alli
(2002:11) definem as microfinanças como “serviços financeiros para pessoas de baixa renda”,
incluindo o crédito ao consumidor e factoring. O termo microfinanças englobaria, então, todos os
serviços e produtos financeiros de pequeno porte aos microempreendimentos informais e aos
agentes de mais baixa renda da sociedade, notadamente os excluídos da abrangência do setor
bancário tradicional.
Resumidamente, o termo microcrédito se refere à concessão de créditos, enquanto o termo
microfinanças se refere – além da concessão de empréstimos –, à captação de poupança,
contratação de seguros, dentre outros serviços ou produtos financeiros, aos mesmos
microempreendimentos informais e aos agentes de mais baixa renda da sociedade. Os serviços
microfinanceiros, que não sejam o microcrédito, prestam-se a atender necessidades financeiras
dos excluídos do setor bancário tradicional, não ocorrendo, portanto, nenhum desvirtuamento
ilegítimo das microfinanças.
51
Da mesma forma que a definição do termo microcrédito não se restringe ao investimento,
a definição do termo microfinanças também deve ser expandido para atender qualquer
necessidade financeira dos excluídos do setor bancário tradicional. Brusky & Fortuna (2002)
enfatizam que a definição do termo microfinanças também deve incluir o atendimento a
assalariados informais e estudantes de baixa renda. A ampliação dos serviços disponibilizados
pelas instituições de microfinanças – de maneira que seguros, poupanças e outros serviços
financeiros sejam ofertados –, faz com que sejam elevadas suas economias de escopo, ao mesmo
tempo em que o leque de oportunidades de consumo e investimento intertemporal dos atendidos
pode ser expandido. Além disso, a captação de poupança por parte das instituições de
microfinanças teria como conseqüência a expansão dos recursos necessários para a conformação
do funding do microcrédito.
Brusky & Fortuna (2002) acreditam que os serviços microfinanceiros distintos do
microcrédito são tão importantes para as instituições em seu intuito de se tornarem suficientes
financeiramente, quanto para as classes excluídas do atendimento oferecido pelo setor bancário
tradicional. Além de aumentarem o acesso dos excluídos do sistema bancário tradicional a
serviços financeiros, os demais serviços e produtos de microfinanças também proporcionam
meios para a diversificação das instituições de microfinanças. Ainda em relação aos
demandantes, os serviços ou produtos microfinanceiros alternativos – como poupanças e seguros,
por exemplo –, podem ser formas de os indivíduos de mais baixa renda e os
microempreendedores evitarem endividamentos acima de suas capacidades de pagamentos em
situações imprevistas e nos contratempos dos negócios. A presença de uma ampla gama de
serviços e produtos microfinanceiros tem a capacidade de aumentar as opções de investimento e
de consumo das populações de mais baixa renda. De acordo com Rashid & Townsend (1993),
citados por Christen et alli (1995:11), as microfinanças têm a capacidade de suavizar o consumo
dos agentes que a elas possuem acesso, possibilitando que o consumo seja pouco restringido em
períodos de renda inadequada através do microcrédito, e fazendo com que, nos períodos de
expansão da renda, parte dos recursos seja mantida para consumos posteriores através de
poupanças e seguros.
Ledgerwood (1998) indica que muitas pessoas pobres têm atualmente demandado créditos
produtivos e que elas podem absorvê-lo e usá-lo. Mas, como o campo das microfinanças tem
52
evoluído, pesquisas têm cada vez mais apoiado que, em muitas situações, pessoas pobres têm
demandado poupanças, seguros e créditos para consumo tanto quanto créditos produtivos. As
instituições de microfinanças têm começado a responder a essa demanda através do oferecimento
de poupanças voluntárias e outros tipos de crédito (BRUSKY & FORTUNA, 2002).
2.3 Características das Operações de Microfinanças
De acordo com Ledgerwood (1998), as microfinanças, às vezes, imitam o sistema
bancário tradicional. As instituições de microfinanças oferecem os mesmos serviços por maneiras
similares, mas com grande flexibilidade, com um preço mais favorável aos microempreendedores
e através de uma base mais sustentável. Essa flexibilidade à qual a autora se refere está
relacionada à maneira à qual as instituições de microfinanças operam a concessão do crédito,
diferenciando-se dos bancos tradicionais principalmente pelo fato de as microfinanças apreciarem
informalmente os demandantes e os investimentos e utilizarem garantias substitutas às garantias
reais.
Ledgerwood (1998) apresenta algumas características dos serviços microfinanceiros. Essa
autora afirma que, normalmente, os serviços de microfinanças envolvem: a) empréstimos de
pequenos valores; b) taxas de juros mais baixas que as presentes no setor bancário tradicional; c)
apreciação informal dos demandantes e dos investimentos financiados; d) existência de garantias
substitutas como aval solidário ou poupanças compulsórias; e) acesso a empréstimos repetidos e
de valores mais elevados, levando-se em conta a performance do tomador; f) delineamento e
monitoramento dos desembolsos dos empréstimos.
A primeira característica dos serviços microfinanceiros, da disponibilização de serviços
de pequenos valores, é conseqüência do requerimento de adequação às necessidades do público
alvo e da redução da possibilidade de perdas por parte das instituições de microfinanças.
A segunda característica, de necessidade de cobrança de uma taxa de juros mais baixa que
a taxa de juros do setor bancário tradicional, justifica-se por se ter que fazer com que os serviços
microfinanceiros sejam interessantes ao público que se deseja atender.
A conjugação dessas duas características cria uma situação na qual há um incentivo para
que a instituição de microfinanças não atenda aos mais pobres dentre os excluídos do setor
53
bancário tradicional. Como os empréstimos são de baixo valor, a receita recebida pela instituição
de microfinanças – referente à taxa pelo serviço e à taxa de juros do financiamento – deve
também ser de montante reduzido. Pode-se indicar, portanto, que o lucro de se conceder
empréstimos é maior em créditos de valor elevado do que em créditos de baixo valor, supondo-se
como iguais os custos operacionais e não-operacionais que envolvem o oferecimento do serviço
financeiro. Portanto, no caso de créditos de baixo valor é possível imaginar situações nas quais a
receita auferida não seja capaz de cobrir os custos envolvidos na disponibilização do empréstimo.
Observa-se, então, um problema que envolve a concessão de créditos de valores reduzidos: o
trade-off entre a viabilidade financeira da instituição de microfinanças e o alcance aos mais
pobres, o que será tratado mais profundamente em uma subseção seguinte.
A terceira característica dos serviços microfinanceiros, de apreciação informal dos
demandantes e dos investimentos financiados, deriva da necessidade de os demandantes de
serviços microfinanceiros minimizarem seus custos de transação. Na maioria das vezes, os
responsáveis pelos pequenos empreendimentos são também força de trabalho envolvida nas
atividades produtivas. Portanto, a flexibilização de requerimentos burocráticos deve ser levada
em conta pelas instituições de microfinanças como forma de não se excluir potenciais
demandantes.
A quarta característica diz respeito à existência de garantias substitutas como aval
solidário, poupanças compulsórias ou avalista/fiador.
O aval solidário é a conformação de um grupo de demandantes de créditos que se
responsabilizam mutuamente pelo pagamento das parcelas dos financiamentos dos componentes
do grupo que se tornarem inadimplentes. Essa metodologia tem se mostrado adequada
especialmente entre clientes com dificuldades em oferecer garantias reais ou avalista/fiador, ou
seja, o segmento mais pobre (SEBRAE, 2000). Normalmente, os grupos devem ser formados por
indivíduos que se conheçam e atuem em uma mesma região. O aval solidário tem a capacidade de
reduzir o risco moral e a seleção adversa. O risco moral é reduzido a partir do momento em que
os próprios componentes dos grupos monitoram as atividades produtivas dos demais, devido ao
receio de terem que assumir o inadimplemento daqueles que não honrarem suas parcelas. A
seleção adversa é minimizada durante a formação do grupo, pelo fato de os indivíduos não
aceitarem outros que possuam capacidade de pagamento duvidosa. Todavia, a formação de
54
grupos de aval solidário apresenta algumas dificuldades devido à necessidade de interação entre
os componentes, mas têm demonstrado redução da inadimplência em programas de
microfinanças internacionais (YUNUS, 2000).
A poupança compulsória, como garantia substitutiva, diz respeito ao requerimento de que
uma parte da quantidade emprestada seja depositada com o emprestador como poupança forçada
ou saldo de compensação. Todavia, deve-se desvincular esse tipo de garantia substitutiva do
termo poupança diante dos demandantes, pois, como apontam Christen et alli (1995:11), “saving
services provide exactly the kind of flexibility to respond to circumstances that the ongoing
financial management process requires”.
Um terceiro tipo de garantia substitutiva indicado por Lima (2004:30) é a apresentação, de
forma individual, de avalista/fiador por parte do tomador do crédito. Esse tipo de garantia
substitutiva gera dois problemas. Por um lado, ela eleva os custos de transação do tomador,
devido à elevação nos requerimentos burocráticos. Por outro lado, eleva os custos da instituição
de microfinanças devido à necessidade de se criar uma estrutura jurídica capaz de fazer valer os
contratos. Além disso, deve-se considerar, como afirmado anteriormente, que esse tipo de
garantia não se apresenta viável para as camadas mais pobres da população.
A quinta característica dos serviços microfinanceiros, de acesso a empréstimos repetidos e
de valores mais elevados levando-se em conta a performance do tomador, também proporciona a
minimização do risco moral e da seleção adversa. Isso ocorre através do incentivo dado aos
demandantes, o qual está presente no fato de que o cumprimento do pagamento das parcelas
proporcionará o acesso a outros financiamentos de valor mais elevado.
Finalmente, a sexta característica dos serviços microfinanceiros apontada por Ledgerwood
(1998), de delineamento e monitoramento dos desembolsos dos empréstimos, tem dois objetivos
importantes. Em primeiro lugar, o delineamento dos desembolsos pode ocorrer de uma maneira
mais flexível, adequando-se às necessidades dos demandantes. Além disso, o monitoramento dos
desembolsos por parte dos agentes de crédito tem a capacidade de reduzir o risco moral.
55
2.4 Características Operacionais das Instituições de Microfinanças e o Debate Acerca da
Viabilidade Financeira Institucional
Ledgerwood (1998) indica que, devido às grandes perdas dos empréstimos e das
recorrentes necessidades de recapitalização para a continuidade de sua operacionalização, os
modelos de crédito subsidiado passaram a ser criticados em meados da década de 1980,
evidenciando que eram requisitadas soluções baseadas em princípios de mercado. Isso conduziu a
uma nova abordagem que considerou as microfinanças como uma parte integrante de todo o
sistema financeiro. A partir de então, doadores têm procurado incentivar atividades de
microfinanças focando instituições de microfinanças comprometidas em obter substancial alcance
e sustentabilidade financeira. O foco recente é fornecer apenas serviços financeiros, enquanto os
anos da década de 1970 e de parte da década de 1980 foram caracterizados pela disponibilização
de pacotes integrados de crédito e treinamento, os quais requeriam subsídios. Mais recentemente,
as ONGs microfinanceiras – como BancoSol, K–REP e ADEMI – têm sido transformadas em
instituições financeiras formais que reconhecem a necessidade de oferecer serviços de poupança
a seus clientes e o seu próprio acesso a fontes de fundos de mercado, mesmo confiando em
fundos de doadores. Esse reconhecimento da necessidade de alcançar sustentabilidade financeira
tem conduzido as microfinanças à corrente de abordagem de “financial systems”.
Essa abordagem é caracterizada pelos seguintes pontos: a) o crédito subsidiado mina o
desenvolvimento; b) as pessoas pobres podem pagar taxas de juros elevadas a ponto de cobrirem
os custos de transação e as conseqüências do mercado resultantes de informação imperfeita sob
as quais os emprestadores operam; c) a meta de sustentabilidade (recuperação de custos e
eventualmente lucros) é a chave não somente para a permanência institucional na concessão de
empréstimos, mas também fazer com que a instituição seja mais focada e eficiente; d) devido ao
fato de os empréstimos aos mais pobres serem de tamanho pequeno, as instituições de
microfinanças precisam alcançar escalas consideráveis para se tornarem sustentáveis
Por outro lado, a meta das instituições de microfinanças como organizações de
desenvolvimento é suprir as necessidades financeiras de parcelas do mercado não atendidas ou
sub-atendidas, a fim de reunir objetivos de desenvolvimento. Esses objetivos de
desenvolvimento, como exposto por Ledgerwood (1998), geralmente incluem um ou mais dos
56
que se seguem: a) reduzir a pobreza; b) fortalecer as mulheres ou outros grupos desfavorecidos;
c) criar empregos; d) ajudar os negócios existentes a se desenvolverem ou diversificarem suas
atividades; e) incentivar o surgimento de novos negócios.
Como se pode observar, existem objetivos financeiros que as instituições de
microfinanças devem tentar almejar, e objetivos sociais que são seus objetivos principais.
As duas primeiras características dos serviços microfinanceiros apontadas na seção
anterior – baixos valores dos empréstimos e baixas taxas de juros – ao analisadas conjunta e
profundamente, proporcionam um trade-off no campo das microfinanças. Como visto, o
empréstimo de pequenos valores a baixas taxas de juros pode criar uma situação em que os custos
de oferecer o empréstimo não sejam superados pelas receitas decorrentes. Dessa forma, não
haveria viabilidade financeira e a perpetuação da instituição. É a partir dessa visão que se defende
a cobrança de taxas de juros positivas dos mais pobres, as quais sejam capazes de proporcionar a
cobertura dos custos de disponibilização dos empréstimos e das conseqüências do mercado
resultantes de informações imperfeitas.
Vários trabalhos se alinham a essa visão, como os de Rosemberg (1996), Rhyne (1998),
Gibbons & Meehan (2000), e Christen et alli (1995). Outros trabalhos – como Gonzáles Vega et
al (1996), Cermeño & Schreiner (1998), e Yaron, Benjamin & Charitone (1998), citados por
Pereira (2004:16) –, têm também defendido a necessidade de se alcançar a viabilidade financeira
institucional. Os autores que aderem a essa linha de pensamento, denominados de
institucionalistas por Pereira (2004:16), defendem que, na verdade, a única maneira de se
expandir os serviços microfinanceiros em direção aos mais pobres seria através da auto-
suficiência financeira institucional. De acordo com esses autores, a viabilidade financeira teria a
capacidade de possibilitar o acesso das instituições de microfinanças a fundos comerciais, o que
expandiria o funding das instituições e os créditos concedidos, reduzindo os custos unitários e
possibilitando o acesso dos mais pobres que anteriormente não poderiam ser atendidos de
maneira contínua.
Conning (1998:2), citado por Gibbons & Meehan (2000:4), indica dois resultados
benéficos que a auto-suficiência financeira institucional possibilitaria ao reduzir a dependência de
recursos baseados em taxas de juros subsidiadas e em doações. Segundo a visão desse autor,
57
quando a instituição de microfinanças diminui sua dependência em relação a recursos subsidiados
e doações, cria-se um incentivo ao aparecimento de inovações operacionais que possibilitam
reduções de custos e que apontam para ganhos de escala no oferecimento de crédito. A redução
de custos poderia resultar na ampliação da oferta de crédito, pois seria possível abranger
gradualmente as camadas de mais baixa renda a partir da mesma estrutura, à medida que o custo
médio de disponibilização dos créditos se reduz. Além disso, as inovações operacionais que
tivessem como conseqüências reduções de custos proporcionariam uma maior rentabilidade à
instituição de microfinanças. Isso facilitaria o acesso das instituições de microfinanças a grandes
fundos de recursos provenientes de capitais privados. Portanto, a obtenção de grandes escalas de
atuação e o acesso a recursos financeiros que não sejam apenas os resultantes de doações e
empréstimos subsidiados poderiam promover a ampliação da abrangência de atuação das
instituições de microfinanças, logrando reduzir efetivamente a pobreza em grande escala.
A indicação de que se deva pretender a auto-suficiência financeira institucional se baseia
no raciocínio de que uma instituição de microcrédito conseguirá atuar junto ao máximo possível
de agentes de mais baixa renda se tiver acesso a recursos financeiros disponibilizados pelo setor
formal do sistema bancário, o que ocorreria somente se a instituição de microfinanças atuasse de
maneira comercial, almejando auferir lucros, o que justifica, portanto, a busca de sua auto-
suficiência financeira, mesmo que obtida inicialmente pela exclusão das camadas mais pobres da
população. Sendo assim, de acordo com essa visão, não existiria realmente um trade-off entre o
objetivo de aumentar o atendimento aos agentes de mais baixa renda e o objetivo de se alcançar a
auto-suficiência financeira institucional. De acordo com essa corrente, a instituição de
microfinanças deveria pretender alcançar ambos os objetivos concomitantemente, sendo a única
forma de proporcionar crédito em larga escala aos agentes de mais baixa renda.
Várias críticas podem ser efetuadas à visão institucionalista de expansão do atendimento
aos mais pobres como conseqüência da viabilidade financeira institucional. De acordo com a
metodologia de concessão de microcréditos presente em Yunus (2000), a observação de certas
características na seleção dos tomadores dentre os mais pobres da população pode proporcionar
baixos índices de inadimplência e viabilidade financeira institucional. Portanto, a causalidade
proposta por Yunus (2000) é inversa à causalidade institucionalista. Para Yunus (2000), o
atendimento aos mais pobres gera por si só a viabilidade financeira institucional. Uma instituição
58
de microfinanças que atenda a agentes que não se situam na camada mais desfavorecida dentre os
pobres foge da concepção metodológica do microcrédito presente no trabalho de Yunus (2000).
Portanto, a viabilidade financeira deve ser obtida diretamente a partir da atuação junto às
camadas de mais baixa renda.
Uma das instituições analisadas no trabalho de Christen et alli (1995), o Grameen Bank,
de Bangladesh, é fruto de um projeto pioneiro de microcrédito iniciado no sul da Ásia, em 1976,
pelo economista Mohamed Yunus. A metodologia empregada inicialmente no projeto Grameen
indicava que os agentes de crédito deveriam selecionar indivíduos dentre os mais pobres, os quais
fossem capazes de desenvolver uma atividade produtiva a partir de um pequeno financiamento.
Essa metodologia resultou em um baixo índice de inadimplência e na viabilidade financeira
institucional, mesmo pagando-se aos agentes de crédito salários acima da média da região.
A baixa inadimplência entre os mais pobres dentre a população seria resultado de fatores
psicológicos e sociais, os quais motivariam o pagamento dos empréstimos contratados. Yunus
(2000) indica que os indivíduos excluídos de serviços sociais, como saúde e educação, e em
situação de extrema pobreza apresentam considerável motivação diante de um crédito que
proporcione o desenvolvimento de uma atividade produtiva, o que resultaria no pagamento
“religioso” das parcelas. Yunus (1997), citado por Aroca (2002:9), indica ainda que “uno de los
elementos claves para que un programa de microcrédito llegue a los más pobres, es aprovechar
el capital social que ellos tienen como garantía de los microcréditos, ya que no cuentan con la
riqueza necesaria como para dar garantías reales”.
A proposição de Yunus (2000) não contradiz a noção de correlação positiva entre
capacidade de pagamento e renda. A capacidade de substituição de consumo por dispêndios
referentes à amortização de financiamentos é menor entre indivíduos de baixa renda
comparativamente a indivíduos de renda mais elevada. Todavia, a aceitação dessa noção não
indicaria para uma maior inadimplência entre os indivíduos de mais baixa renda, como procura
demonstrar Yunus (2000). Segundo ele, a seleção dos tomadores dos microcréditos deve ocorrer
entre os agentes de baixa renda que apresentem a possibilidade de desenvolver uma atividade
produtiva. Tal metodologia seria capaz de engendrar baixa inadimplência e proporcionar a
viabilidade financeira institucional.
59
A partir da utilização da metodologia de análise de crédito e seleção dos tomadores de
Yunus (2000), pode-se presumir que a relação entre renda e inadimplência não pode ser
representada por uma curva linear. É importante ressaltar que o projeto Grameen identificou que
a principal característica dos clientes capaz de eliminar consideravelmente o risco de crédito era o
fato de o demandante ser do sexo feminino. A baixa inadimplência entre as mulheres de
Bangladesh pode ser resultado de aspectos religiosos e culturais desse país. O islamismo, religião
predominante, não impede que as mulheres desenvolvam atividades produtivas. Entretanto, essa
religião propugna uma extrema subordinação das mulheres a seus maridos, os quais, na maioria
das vezes, impõem restrições ao desenvolvimento profissional e econômico delas. Dessa forma, o
acesso dessas mulheres a uma oportunidade de desenvolvimento sócio-econômico geraria um
incentivo que proporcionaria baixa inadimplência.
Yunus (2000) conseguiu demonstrar que o microcrédito era uma poderosa ferramenta
para possibilitar que as mulheres de seu país superassem as barreiras impostas por seus maridos,
e conseguissem elevar consideravelmente a renda de sua família, além de proporcionarem uma
baixa taxa de inadimplência ao projeto Grameen.
O que se busca incorporar da exposição de Yunus (2000) é que as populações de países e
regiões específicas apresentam certas características que, se observadas durante a seleção dos
tomadores dos microcréditos, podem proporcionar baixa taxa de inadimplência para a instituição
de microfinanças.
O trabalho de Christen et alli (1995) pressupõe que instituições de microfinanças que não
atendam aos indivíduos de mais baixa renda possam alcançar a viabilidade financeira
institucional, desviando-se da noção de Yunus (2000). Não se pretende criticar essa constatação,
mas o que se busca indicar aqui é que a existência de uma instituição de microfinanças que não
atenda aos mais pobres da população se desvia da própria metodologia pioneira do microcrédito
presente em Yunus (2000). Não se pretende indicar, evidentemente, que instituições de
microfinanças com a característica de não atendimento aos extremamente pobres devam ser
abolidas. Mas que a obtenção da auto-suficiência financeira institucional por parte de tais
instituições de microfinanças difere da viabilidade financeira obtida por instituições de
microfinanças que focalizam os mais pobres. As instituições de microfinanças que não atendem
aos mais pobres e são viáveis financeiramente utilizam a maior capacidade de pagamento dos
60
demandantes para apresentar baixa inadimplência, diferentemente de instituições de
microfinanças que focam os mais pobres, como o caso do projeto Grameen, que a partir da
seleção de demandantes proposta por Yunus (2000) conseguem baixos níveis de inadimplência e
viabilidade financeira.
Seria interessante, por exemplo, observar se a renda média dos clientes atendidos por
instituições de microfinanças que não abrangem os mais pobres se situaria no intervalo de renda
dos clientes atendidos pelo setor bancário tradicional. Se isso for observado, uma explicação para
esse fato poderia derivar de limitações impostas pela autoridade monetária sobre o setor bancário
tradicional, impedindo a expansão de crédito em direção aos clientes potencialmente elegíveis
aos serviços financeiros oferecidos pelos bancos tradicionais.
Isso decorreria da existência de uma parcela de demandantes de crédito que é excluída do
setor bancário tradicional, mas que não se situa na camada de mais baixa renda da população.
Esses excluídos que não se situam dentre os mais pobres não obteriam acesso ao crédito no setor
bancário tradicional devido à incapacidade desse setor expandir a oferta de crédito.
Vários trabalhos – como Yaron, Benjamim & Charitone (1998), Schreiner (2001), Daley-
Harris (2002), citados por Pereira (2004:16) –, indicam que o microcrédito operacionalizado nos
moldes de independência financeira pode ser entendido como uma ferramenta de redução ou
mesmo eliminação da pobreza mundial. Todavia, outros trabalhos – como Hulme & Mosley
(1996), Bhatt & Tang (1998, 1999), e Morduch (2000), citados por Pereira (2004:16) –,
apresentam evidências empíricas que têm constatado um tímido poder de penetração junto às
camadas de mais baixa renda por parte das instituições de microfinanças preocupadas com a
viabilidade financeira. Os trabalhos de Barone et alli (2002) e Nichter et alli (2002), além do
próprio estudo de Pereira (2004), têm demonstrado que a indústria de microfinanças no Brasil
não foge à regra acima.
A linha de pensamento contrária à institucionalista é denominada de welfarist. Alguns
trabalhos – como Woller, Dunford & Woodworth (1999), Morduch (2000), Toscano (2001),
Nissanke (2002) e Woller (2002), citados por Pereira (2004:16) –, podem ser definidos como de
linha welfarist. Essa linha adota que populações de mais baixa renda são intrinsecamente mais
vulneráveis a choques externos. Diante disso, a probabilidade de default dos mais pobres é mais
61
elevada, o que desestimula as instituições de microfinanças voltadas para a viabilidade financeira
a atuarem junto aos mais pobres. Teme-se, portanto, que instituições de microfinanças que visem
lucros ignorem os clientes mais pobres. Os welfarists acreditam que a probabilidade de os mais
pobres sofrerem cronicamente com a fome é muito maior que a probabilidade de o mesmo fato
ocorrer com os moderadamente pobres, sendo justificada, por isso, a concessão de maiores pesos
para o atendimento aos mais pobres da sociedade. Uma segunda razão de uma maior preocupação
com os mais pobres é política. Indica-se que, secularmente, os ligeiramente mais favorecidos
desviam recursos para si mesmos em detrimento dos mais pobres. Sendo assim, os welfarists
confiariam o futuro das microfinanças a governos e doadores, negando que não existe a
causalidade da eficiência financeira em direção ao maior combate à pobreza.
Os institucionalistas, por sua vez, confirmam a necessidade da viabilidade financeira
como meio de se eliminar a pobreza, alegando não ser provável que governos e doadores
continuem indefinidamente subsidiando as microfinanças, principalmente diante da necessidade
de se expandirem as escalas da indústria. Em relação ao papel dos governos, os institucionalistas
destacam a possível ocorrência de ciclos econômico-eleitorais, que fariam com que o volume de
fundos disponibilizados pelos governos às instituições de microfinanças também obedecesse a
ciclos, sendo diminuído o montante disponibilizado em períodos posteriores às eleições,
notavelmente, momentos de maior recessão econômica. A dependência apenas em relação aos
doadores não poderia ser única, pois eles não conseguiriam fornecer a totalidade dos fundos
necessários para a expansão das microfinanças. Dessa forma, os institucionalistas acreditam que
o acesso aos mais pobres somente pode ocorrer se o setor privado descobrir ser lucrativo oferecer
serviços microfinanceiros.
Uma outra crítica welfarist feita à necessidade de viabilidade financeira institucional se
baseia na afirmação de que importantes objetivos sociais não podem ser alcançados no curto
prazo se a instituição de microfinanças se preocupar com sua sustentabilidade financeira.
Em resposta, os institucionalistas afirmam que a mensuração dos fundos necessários para
se efetuar os empréstimos a todos os potenciais demandantes de mais baixa renda superariam os
recursos disponibilizados através de empréstimos subsidiados e de doações. Tomando o exemplo
presente em Gibbons & Meehan (2000), a meta de atuar junto a 500.000 demandantes, com um
empréstimo médio de US$ 150, requereria um montante de recursos de US$ 75 milhões, sem
62
serem contabilizados os custos operacionais e as perdas para créditos de liquidação duvidosa.
Não se poderia, portanto, supor que esse elevado montante de recursos fosse disponibilizado
somente através de doações e recursos subsidiados, principalmente, presumindo-se uma demanda
de uma ordem ainda maior.
Essa mensuração, todavia, é simplória no seguinte aspecto: a simples obtenção dos
recursos financeiros necessários para suprir toda a demanda por microcrédito não teria a
capacidade de, por si somente, eliminar a pobreza dos agentes envolvidos. O microcrédito deve
ser imaginado em conjunto com a elevação da produtividade, e isso não depende da simples
injeção de capital em um pequeno empreendimento, mas também do oferecimento de capacitação
técnica e suporte à comercialização dos produtos, por exemplo, confirmando a necessidade da
presença do Estado (LIMA, 2004:28).
Pretende-se criticar, no presente trabalho, a noção de que a expansão da oferta de
microcrédito esteja exclusivamente vinculada à necessidade de se alcançar a auto-suficiência
financeira institucional. O fato de as instituições de microfinanças operarem estritamente a partir
de preceitos de mercado, como único meio de se alcançar a viabilidade financeira e o acesso a
fundos comerciais, resultaria em ganhos de escala e redução de custos médios, tendo por
conseqüência a oligopolização do setor. As instituições de microfinanças remanescentes do
processo de oligopolização poderiam usufruir seu poder de monopólio, restringindo a oferta de
microcrédito e elevando o preço cobrado pela disponibilização dos serviços microfinanceiros.
Uma alternativa para minimizar essa possibilidade seria a criação de um agente regulador.
Todavia, essa alternativa romperia com o próprio pressuposto de atuação das instituições de
microfinanças a partir de preceitos estritamente de mercado, o que barraria, de certa forma, o
processo de expansão daqueles que defendem a viabilidade financeira institucional.
Assim como o trabalho de Pereira (2004), o presente trabalho não pretende desconsiderar
a importância de projetos de microfinanças auto-suficientes financeiramente, da mesma maneira
que fazem também os próprios autores welfarists. O que se pretende, ao explicitar toda essa
discussão, consiste na tentativa de diferenciar as instituições que atuam a partir de diferentes
lógicas de funcionamento com o objetivo de atender os excluídos do setor bancário tradicional.
63
2.5 Estimativa da Taxa de Penetração da Indústria de Microfinanças no Brasil
Essa seção se conforma a partir da necessidade de se observar a oferta de serviços de
microfinanças no Brasil e contrapô-la à demanda pelos mesmos serviços, de maneira que se
obtenha a taxa de penetração da indústria de microfinanças no país.
Nichter et alli (2002:30) utilizam uma taxa de penetração da indústria de microfinanças
baseada na relação entre o número de clientes ativos atendidos pela indústria e o número de
microempreendimentos que seriam demandantes. Para a construção dessa taxa, é preciso
anteriormente estimar a demanda. Além do estudo de Nichter et alli (2002), outros dois estudos
procuraram estimar a demanda por microcrédito no Brasil.
2.5.1 A Estimativa da Demanda por Nichter et alli (2002)
A primeira estimação da demanda a ser explicitada é a presente no estudo de Nichter et
alli (2002:28-32), que utiliza uma metodologia que pretende, primeiramente, mensurar o número
de microempreendimentos no Brasil, utilizando dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), para, posteriormente, estimar a proporção desses
microempreendimentos que seriam demandantes de microcréditos.
Para tanto, como primeiro passo na metodologia empregada, foram definidos como
microempreendimentos as empresas formais com até quatro empregados e todas as empresas
informais. O número de empresas formais com até quatro empregados foi estimado através do
Cadastro Geral do IBGE dos anos de 1996 a 1999.
Para a obtenção do número de empresas informais, foi feita uma estimação que dividiu
essas empresas entre empresas informais urbanas e fazendas rurais de menos de 10 hectares.
A estimação das empresas informais urbanas obteve inicialmente a proporção de
empreendimentos informais urbanos utilizando os dados presentes na Pesquisa da Economia
Informal (ECINF), efetuada em 1997, pelo IBGE. Essa proporção foi utilizada sobre a população
economicamente ativa (PEA) disponibilizada pela Pesquisa Nacional por Amostragem
Domiciliar (PNAD) efetuada pelo IBGE entre 1996 e 1999, sendo encontrado o número de
empresas informais urbanas nesses anos.
64
A estimação das fazendas rurais de menos de 10 hectares utiliza um procedimento
metodológico semelhante ao anterior. Com base no censo Agropecuário de 1995, foi calculada a
proporção de fazendas com menos de 10 hectares em relação à população economicamente ativa
de cada região, proporção que foi posteriormente aplicada à população economicamente ativa
disponibilizada pelo PNAD dos anos de 1996 a 1999, sendo obtida, finalmente, a estimação do
número de fazendas menores que 10 hectares por região nos anos informados.
O somatório das estimativas das empresas formais com até quatro empregados, das
empresas informais urbanas e das fazendas menores que 10 hectares indicou a estimação do
número total de microempreendimentos brasileiros, sendo obtido o número de 16,4 milhões na
economia brasileira, dos quais 12,5 milhões fazem parte do setor informal. A tendência de
crescimento no período analisado, que pode ser observada na tabela 9, indicou uma taxa de
crescimento anual de 3,7% no número de microempreendimentos. A partir dessa taxa, foram
estimados os valores para os anos de 2000 a 2002.
Tabela 8
Evolução do Número de Microempreendimentos no Brasil (1998-2002)
Anos
Número de Microempreendimentos
1998 1999 2000* 2001* 2002*
Formais
3,1 3,2 3,4 3,6 3,9
Informais
11,1 11,4 11,8 12,2 12,5
Total
14,2 14,6 15,2 15,8 16,4
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes em Nichter et alli (2002).
* Estimativas: a partir dos dados obtidos para o período 1996-1999, foram projetados os valores para 2000-
2002 através da utilização das taxas compostas anuais.
Considerando-se a estimativa de Christen
11
– a qual assume que 50% dos
microempreendimentos existentes demandam serviços microfinanceiros –, Nichter et alli (2002)
indicam que existiam 8,2 milhões de microempreendimentos demandantes de crédito no Brasil
em 2002.
A partir do número de 158.654 clientes ativos na carteira total das instituições de
microcrédito brasileiras em 2001, é possível obter um índice para a taxa de penetração da
indústria de microfinanças para tal ano. Estima-se, portanto, que apenas aproximadamente 2% da
11
CHRISTEN, Robert Peck. “Commercialization and Mission Drift: The Transformation of Microfinance in Latin
America”, 2001.
65
demanda de microcrédito da economia brasileira tenha sido atendida no ano de 2001. A tabela 10
mostra as taxas de penetração da indústria de microfinanças calculadas para alguns países latino-
americanos.
Tabela 9
Taxa de Penetração da Indústria de Microfinanças em Países Selecionados
Países Demanda Clientes Ativos Taxa de Penetração
Bolívia
232.353 379.117 163%
Nicarágua
116.375 84.285 72%
El Salvador
136.311 93.808 69%
Paraguai
82.894 30.203 36%
Peru
618.288 185.431 30%
Chile
307.832 82.825 27%
Brasil
7.875.570 158.654 2,0%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados presentes em Nichter et alli (2002:32). Os dados para o Brasil se
referem ao ano de 2001, sendo que para os demais países os dados utilizados são de 1999.
Nota-se a grande desproporção dos dados dos demais países em relação ao Brasil. Quanto
à taxa de penetração da indústria de microfinanças na Bolívia, que apresentou um valor superior a
100%, pode-se indicar duas possibilidades não excludentes: a indústria microfinanceira deste país
consegue atender a clientes que não são precisamente elegíveis ao microcrédito, e/ou os clientes
elegíveis conseguem créditos em várias instituições de microfinanças ao mesmo tempo. No caso
da Bolívia, é importante indicar que apenas uma instituição de microfinanças, a BancoSol, é
capaz de cobrir 10% do mercado com seus empréstimos, apresentando uma taxa de penetração
que é maior que a observada para toda a indústria microfinanceira brasileira (CHRISTEN et alli,
1995:32).
Cabe ainda ressaltar que dados relativos à taxa de penetração da indústria de
microfinanças em outros países não foram incluídos na tabela acima por não serem comparáveis
devido à utilização de uma metodologia diversa da anterior na efetuação dos cálculos. Essa
metodologia alternativa foi desenvolvida por Westley (2001)
12
, citada por Nichter et alli
(2002:32), e indica que as taxas de penetração da indústria de microfinanças foram de 0,3% na
Argentina, 0,5% no Uruguai, 0,7% no México, sendo utilizados dados de 1998, e de 0,1% na
Venezuela, para dados de 1999.
12
WESTLEY. Can Financial Market Policies Reduce Income Inequality, 2001.
66
Nichter et alli (2002:7) atentam, ainda, para o fato de outras modalidades de crédito
disponibilizadas pelo setor bancário tradicional – como crédito direto ao consumidor, cartões de
crédito, entre outras ferramentas de crédito – serem atualmente de mais fácil acesso aos
microempreendedores, atuando como serviços microfinanceiros substitutos. Esse fato testifica a
existência de significativa demanda por serviços microfinanceiros no país, o que se explica pela
utilização, por parte dos microempreendedores, de serviços microfinanceiros alternativos
ofertados por bancos comerciais e outros ofertantes do setor informal, devido à incapacidade de
oferta das instituições de microfinanças.
2.5.2 A estimativa OIT-CEF
O segundo estudo a ser explicitado que procurou estimar a demanda por microcrédito no
Brasil foi realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em um trabalho realizado
em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF). A explicitação desse segundo estudo foi
extraída de Prota (2003:18-20). Utiliza-se aqui uma metodologia de estimação diferente da
empregada no estudo explicitado anteriormente. Algumas diferenças metodológicas em relação
ao estudo anterior são relevantes.
Inicialmente, o estudo OIT-CEF define que os microempreendimentos são as unidades
produtivas cujo chefe é um trabalhador por conta própria ou empregador que tem até cinco
trabalhadores, conceito que é aplicado sobre os dados disponibilizados pela PNAD de 1999
efetuada pelo IBGE. O segundo passo seria estimar, a partir do número de
microempreendimentos obtido no passo metodológico inicial, a proporção de
microempreendimentos demandante de microcréditos.
Para tanto, obtém-se a proporção que não teria acesso ao crédito disponibilizado pelo
setor bancário formal de uma amostra extraída dos dados presentes na Pesquisa da Economia
Informal Urbana (ECINF), efetuada em 1997, pelo IBGE. Essa proporção é, então, empregada
sobre o número de microempreendimentos obtidos pela utilização da PNAD de 1999.
Finalmente, obtém-se o número de microempreendimentos que não seriam atendidos pelo setor
bancário formal no Brasil.
Cabe, todavia, ainda considerar que parte desses microempreendimentos poderia ser
atendida pelo próprio setor bancário formal – através de formas de financiamentos
67
disponibilizadas às pessoas físicas relacionadas aos microempreendimentos, ou seja, aos
trabalhadores por conta própria e aos empregadores dos estabelecimentos de até cinco
empregados –, e pelo setor informal, através de serviços microfinanceiros ofertados por agiotas,
por exemplo. Além disso, parcela do número estimado de microempreendimentos não exerceria
demanda por crédito por apresentarem uma considerável capacidade de auto-investimento.
Constrói-se, então, para as diversas faixas de rendimentos dos microempreendimentos, uma
distribuição das probabilidades considerando-se dois eventos: o acesso a serviços
microfinanceiros alternativos no setor bancário formal e informal, e o fato de os
microempreendimentos demandarem efetivamente microcrédito. Finalmente, é obtida a
estimativa da demanda por microcrédito no país.
O estudo OIT-CEF encontrou o número de 13,5 milhões de microempreendimentos no
Brasil, e uma demanda de 6,8 milhões. Se utilizarmos a demanda estimada pelo estudo OIT-CEF
no cálculo da taxa de penetração da indústria de microfinanças proposto por Nichter et alli
(2002), será encontrado o valor de 2,3%, o que demonstra uma taxa de penetração ligeiramente
superior que a apresentada anteriormente.
2.5.3 A estimativa de Prota (2003)
Prota (2003:21) indica alguns motivos para que não sejam aplicadas as metodologias
descritas anteriormente e propõe um método alternativo de estimação da demanda de
microcrédito que tem como inovação a possibilidade de se efetuar uma análise desagregada por
município ou por região.
O primeiro motivo alegado por Prota (2003) para não serem empregadas as metodologias
anteriores se deve ao fato de serem utilizados dados presentes na ECINF de 1997, a qual se
encontra defasada para a estimação dos dados. Deve-se destacar que a pesquisa ECINF é
qüinqüenal, mas ainda não havia sido disponibilizada até o final do ano de 2003. Como segundo
motivo, esse autor considera que as duas metodologias utilizaram, para a definição dos
microempreendimentos, um corte alto quanto ao número de trabalhadores empregados. Segundo
ele, a maior parte dos microempreendimentos possui um ou nenhum funcionário, e que isso deve
ser considerado quando se pretende focar os demandantes mais carentes. Como terceiro motivo,
alega-se que muitos profissionais liberais são trabalhadores por conta própria, e, como alguns não
68
são elegíveis a receberem serviços microfinanceiros por terem elevado grau de escolaridade, deve
ser considerada que sua inclusão no cálculo é causadora de um viés na estimação da demanda.
A metodologia proposta por Prota (2003:22-24) possibilita também uma maior
flexibilidade espacial no tratamento dos dados, permitindo estimativas municipais ou regionais.
Essa metodologia se baseia em filtros aplicados em variáveis descritivas, como sexo e idade,
variáveis relativas ao emprego – como ocupação, posição na ocupação, número de trabalhadores
empregados, rendimento do trabalho, rendimento total, ramo de atividade –, e variáveis relativas
à educação, sendo usados basicamente os anos de estudo. Todos esses dados podem ser extraídos
da Pesquisa por Amostragem do Censo Demográfico (IBGE, 2000), além de poderem ser
também desagregados por municípios e unidades federativas.
O primeiro passo empregado nessa metodologia alternativa consiste em observar a
variável posição na ocupação, sendo selecionado o total de indivíduos que se declararam como
trabalhadores por conta própria ou empregadores. A partir desse número inicial, vários filtros
podem ser criados, a partir dos quais é possível proporcionar certa flexibilidade que torna essa
metodologia adaptável às circunstâncias com as quais o pesquisador trabalha, o que não se
observa nas outras duas metodologias.
O primeiro filtro que o autor aplica ao número de demandantes inicialmente obtido é um
filtro de “renda”, com a intenção de se tentar excluir principalmente os profissionais liberais com
terceiro grau completo, dos quais se espera possuir um maior nível de renda e, por isso, não
serem elegíveis a receberem os serviços de microfinanças. O segundo filtro aplicado se refere ao
número de trabalhadores empregados. Observe-se que esse filtro pode possibilitar grande
flexibilidade na estimação: nas outras duas metodologias, foram utilizados limites de 4 e de 5
trabalhadores empregados nos microempreendimentos que seriam demandantes de microcrédito.
O autor utilizou o número de três empregados. Para demonstrar empiricamente o baixo número
de empregados dentre os microempreendimentos demandantes de microcrédito, pode-se observar
o trabalho de SOUZA (2001), o qual indicou que a maior parte dos microempreendimentos
demandantes de microcrédito no norte e nordeste de Minas Gerais possuía um ou nenhum
trabalhador empregado.
69
O número obtido após os dois filtros empregados é uma estimação do número de
microempreendimentos elegíveis ao microcrédito na amostra, que deve ser expandida para a
população em questão. Para se obter a demanda, coeficientes relacionados ao sexo e ao nível de
escolaridade dos demandantes devem ser aplicados. Esses coeficientes são obtidos pela
ocorrência desses mesmos atributos na amostra. Como nas palavras do próprio autor, “para
chegar na demanda efetiva, o coeficiente de cada atributo será multiplicado pelo número de
ocorrências do mesmo atributo” (PROTA, 2003:23).
Os dados obtidos por Prota (2003:25) indicam a existência de 15,5 milhões de pessoas
elegíveis ao microcrédito, e uma demanda de 3,38 milhões. A taxa de penetração da indústria de
microcrédito obtida a partir dessa metodologia seria de quase 5%.
2.5.4 Outros Aspectos que Evidenciam a Elevada Demanda por Microcrédito no Brasil
Além das estimações quantitativas da demanda, é importante considerar o estudo de
Brusky & Fortuna (2002), que explicita uma análise qualitativa da demanda por microcrédito no
Brasil. A demanda é tomada em uma noção mais ampliada, incluindo o conjunto doméstico-
familiar das pessoas de baixa renda. Consideram-se as necessidades financeiras a partir de uma
delimitação mais ampla, quais sejam, os lares, os quais incluem os microempreendimentos. Essa
ampliação conceitual passa a abranger, além dos lares que incluem os indivíduos que
administram os pequenos empreendimentos, também os que trabalham nos
microempreendimentos.
Para Brusky & Fortuna (2002:50), os serviços microfinanceiros à disposição no Brasil
satisfazem a apenas algumas necessidades de uma parcela dos demandantes. De acordo com os
dois autores, “os microempreendedores expressaram a necessidade de crédito produtivo em um
formato muito aproximado ao dos produtos que atualmente são oferecidos ao mercado: crédito
de R$500,00 – R$3.000,00, taxas de juros entre 3% e 5% ao mês, prazos de 8 a 36 meses, com
carência de 30 a 60 dias”. Além disso, o trabalho constatou que trabalhadores por conta própria,
assalariados e desempregados tinham necessidades de ferramentas financeiras diversas das
apresentadas pelos microempreendedores. Sendo assim, sob um aspecto mais amplo dos
microempreendimentos que inclui, segundo Brusky & Fortuna (2002), o conjunto doméstico-
familiar, temos que a demanda seria ainda maior que a mensurada pelas estimativas quantitativas.
70
Após a constatação de estimações que encontraram uma elevada demanda por serviços
microfinanceiros no Brasil, é possível observar os dados sobre o volume de crédito concedido e a
abrangência do sistema bancário brasileiro, e fazer uma inferência que atesta a elevada demanda
por microcrédito no país.
Como visto na introdução do capítulo inicial desse trabalho, o valor médio da relação
entre o crédito ao setor privado e o PIB foi de 35% no Brasil, no período de 1999 a 2002, sendo
bastante inferior à média de 144% observada no mesmo período nos EUA e à média de 194%
observada no Japão, entre 1999 e 2001. Alguns países em desenvolvimento observaram, no
mesmo período, valores também superiores ao brasileiro: Chile, 64%; Coréia do Sul, 94%;
Cingapura, 110%; Tailândia, 110%; Malásia, 146%; sendo todos os valores referentes ao mesmo
período de 1999 a 2002 (IEDI, 2004).
Além dos dados sobre o volume de crédito concedido no país, é importante observar os
dados sobre a abrangência do setor bancário brasileiro para se inferir que algumas regiões do país
devam enfrentar uma ainda maior restrição ao crédito. Como também expresso no primeiro
capítulo desta dissertação, 30% dos municípios brasileiros não eram atendidos pelo setor bancário
em 1999, chegando-se a dados extremos na região norte e nordeste, onde 70% dos municípios de
estados como Acre, Amapá, Paraíba e Rio Grande do Norte não possuíam dependências
bancárias, e em estados como o Piauí e o Tocantins, que apresentavam a proporção de 80 e 82%,
respectivamente, de municípios não atendidos pelo setor bancário. Aldrighi (1997:38)
13
indica
que os sistemas bancários tradicionais dos países em desenvolvimento atendem “apenas a um
segmento restrito dos demandantes de empréstimos (em geral, grandes empresas, indústrias
protegidas e empresas públicas), sendo as necessidades de financiamento externo dos excluídos
supridas precariamente pelo mercado informal”.
Resumidamente, diante do restrito volume de crédito como proporção ao PIB no Brasil, e
diante da estrutura de atendimento do setor bancário tradicional que reduziu sua abrangência nas
regiões de mais baixa renda, é possível inferir que a demanda por microcrédito seja bastante
elevada no Brasil, principalmente em regiões de menor produto e renda.
13
Deve-se salientar que esse autor define financiamento externo como a recorrência das empresas a formas de
financiamento que não sejam proporcionadas por suas próprias receitas.
71
Dados obtidos pela McKinsey and Company, citados por Goldmark et alli (2000:6),
indicam que 70% dos brasileiros são excluídos do sistema bancário, não possuindo qualquer tipo
de conta bancária. Ao se somar a essa proporção a quantidade relativa de pessoas que possuem
apenas uma conta de poupança, a qual não oferece nenhum tipo de crédito a seus possuidores,
obtém-se que 85% da população brasileira não possuem acesso ao crédito através do sistema
bancário tradicional. Como evidência à pequena proporção de agentes com acesso ao crédito,
62,7% dos microempreendimentos brasileiros utilizam os lucros de seus negócios como forma de
financiamento (BARONE et alli, 2002:7).
2.6 Evidências Empíricas Relativas às Instituições de Microfinanças Brasileiras
A partir da constatação de uma reduzida oferta diante de uma elevada demanda por
serviços financeiros no Brasil, torna-se importante observar algumas evidências empíricas
relativas à oferta de serviços microfinanceiros no país. Nichter et alli (2002:26) fizeram um
estudo comparativo entre uma amostra de instituições de microfinanças brasileiras e uma amostra
de instituições de microfinanças latino-americanas de alto desempenho. As duas amostras são
comparadas entre si e com alguns parâmetros definidos como aceitáveis pelo Banco Inter-
Americano de Desenvolvimento (BID).
Uma importante constatação foi a baixa relação carteira de empréstimos/ ativos para as
instituições de microfinanças brasileiras. Na amostra brasileira, essa relação foi de 63%, enquanto
na amostra de instituições de microfinanças latino-americanas de alto desempenho o valor dessa
relação foi de 86%. Deve-se relevar que o estudo do BID indicava como aceitável se tal relação
estivesse no intervalo entre 70-90%. Nichter et alli (2002:26) indicaram que as instituições de
microfinanças brasileiras tendem a aplicar grande quantidade de recursos no sistema financeiro, o
que explica o baixo valor referente à carteira de empréstimos das instituições em relação a seus
ativos. Pode-se indicar que esse comportamento das instituições de microfinanças brasileiras
resulta das elevadas taxas de juros básicas da economia, que induzem o direcionamento de
recursos para o financiamento do setor público.
O intervalo indicado como aceitável pelo estudo do BID quanto ao índice de rendimento
dos ativos totais das instituições de microfinanças é de 4 a 8%. Na amostra de instituições de
microfinanças latino-americanas de alto desempenho, o valor desse índice foi de 7,3%. Na
72
amostra brasileira, esse índice foi de 6,6%, ficando também dentro do intervalo aceitável para o
BID. Todavia, quando os rendimentos dos ativos totais são ajustados, considerando-se provisões
para perdas por inadimplência e custos de oportunidade dos recursos financeiros, o índice
brasileiro se torna negativo, sendo reduzido a –4,3%, enquanto o índice para a amostra latino-
americana se eleva para 8,2%. O intervalo considerado como aceitável pelo BID é de 2 a 5% para
os rendimentos dos ativos totais ajustados. O índice negativo para o rendimento ajustado dos
ativos totais das instituições de microfinanças brasileiras aponta para dois fatores. Em primeiro
lugar, a metodologia de análise de crédito utilizada pelas instituições de microfinanças pode não
estar seguindo um preceito presente em Yunus (2000): a seleção dos tomadores dos
financiamentos dentre as camadas de mais baixa renda, que, como visto em seção anterior,
proporcionaria baixas taxas de inadimplência. Em segundo lugar, o elevado ajuste efetuado nos
rendimentos dos ativos das instituições de microfinanças brasileiras que resulta dos custos de
oportunidade dos recursos financeiros decorreria da existência de alternativas de investimento
com taxas de retorno relativamente altas e baixos riscos de crédito envolvidos. O fato de as
alternativas de investimento apresentarem retornos altos, em comparação com a carteira de
empréstimos das instituições de microfinanças, pode resultar tanto de ineficiências na
administração da carteira, o que resultaria um retorno que deveria ser maior, como da existência
de ativos alternativos na economia caracterizados por altas taxas de juros e baixo risco. Pode-se
supor, portanto, que a observação de uma baixa performance financeira das instituições de
microfinanças brasileiras em relação ao intervalo aceitável pelo BID após a efetuação de ajustes
para as perdas por inadimplência e para os custos de oportunidade dos recursos financeiros seria
resultado da política econômica de manutenção de elevadas taxas de juros básicas no país e da
exclusão do oferecimento dos microcréditos aos agentes de mais baixa renda.
Prosseguindo nas evidências empíricas, Nichter et alli (2002:26) indicam que o índice da
carteira em risco pode ser calculado pela razão entre os créditos com inadimplência superior a 30
dias e o valor da carteira de empréstimos. Tanto a amostra brasileira como a latino-americana de
alto desempenho resultaram em índices superiores ao intervalo aceitável estabelecido pelo BID –
que é de 1 a 3% –, apresentando os valores de 7,5 e 4,6%, respectivamente. Nesse caso, assim
como no anterior, a elevada quantidade de crédito com inadimplência superior a 30 dias pode
estar resultando da adoção de liberação de créditos que não leva em conta metodologias de
concessão de crédito como o aval solidário. Portanto, a partir da constatação de elevada
73
inadimplência nas instituições de microfinanças brasileiras, e à luz da teoria de Yunus (2000) que
indica uma baixa inadimplência na camada de mais baixa renda da sociedade, poder-se-ia supor
que as instituições de microfinanças brasileiras não estejam empregando metodologia de
concessão de crédito adequada e que não estejam atendendo aos agentes de mais baixa renda da
sociedade.
Um outro indicador comparado foi a produtividade média dos agentes de crédito. No caso
da amostra brasileira, eram 191 clientes por agente, enquanto na amostra latino-americana se
constataram 312 clientes por agente de crédito, estando esse número dentro do estabelecido como
aceitável pelo BID, o qual indica que o número médio de clientes por agente de crédito deva ser
superior a 300.
Prota (2003:14) apresenta alguns dados recentes quanto à oferta de microcrédito no
Brasil, os quais serão aqui apresentados de maneira concisa. Indica-se o crescimento do número
de instituições de microfinanças no Brasil. No ano de 1992, existiam 9 instituições de
microfinanças atuando no país, enquanto, no ano de 2002, esse número já havia chegado a 56.
Quanto ao volume de crédito disponibilizado pela indústria de microfinanças no Brasil, também
tem sido observado crescimento nos últimos anos. Foi emprestado um volume total de R$ 159
milhões, no ano de 1999, o qual se elevou para R$ 211 milhões, em 2000, e para R$ 316 milhões,
em 2001. O número de operações realizadas dobrou em pouco tempo: foram 180.546 operações,
em 1999, e 360.101, em 2001. Como a taxa de crescimento do volume de crédito concedido foi
inferior à taxa de crescimento do número de operações realizadas, o valor médio do crédito
concedido decresceu, passando de R$ 1.756,00, em 1999, para R$ 1.601,00, em 2001. Essa
última observação aponta para uma certa democratização do crédito no país. O prazo médio de
pagamento dos empréstimos se manteve praticamente constante, mas apresentando uma leve
tendência à redução: era de 7,45 meses, em 1999, e passou para 7,24 meses, em 2001. A taxa de
juros média cobrada pelos empréstimos se apresentou praticamente constante, mas com certa
tendência à elevação: era de 3,74%, em 1999, passando para 3,81%, em 2001.
2.7 Conclusões
A construção desse capítulo pretendeu apresentar as características mais importantes do
microcrédito, bem como identificar a taxa de penetração da indústria de microfinanças no Brasil
74
que indicou para a existência de problemas no âmbito da oferta. Isso guiou o estudo para a
análise de evidências empíricas da indústria.
Como visto, a definição das características do microcrédito pode ocorrer a partir do
Paradigma da Economia da Informação, o qual indica que o setor bancário tradicional não é
capaz de oferecer crédito a todos os demandantes devido a problemas resultantes de assimetrias
de informações entre ofertantes e demandantes. Essa abordagem é interessante para a análise do
microcrédito devido ao pressuposto desse serviço financeiro pretender atender aos excluídos do
setor bancário tradicional. Além disso, observando-se algumas modificações na metodologia de
concessão do crédito tradicional – que se mostram incapazes de expandir o crédito –, nota-se que
uma delas se adequa perfeitamente à metodologia do aval solidário, que é uma forma substitutiva
de concessão de garantias, a qual tem sido empregada com grande sucesso em programas de
microcrédito bem sucedidos em outros países (YUNUS, 2000).
Sendo assim, o microcrédito deveria atender aos excluídos do setor bancário tradicional,
ao empregar metodologias de concessão de crédito capazes de eliminar ou minimizar os
problemas informacionais que impedem a expansão do volume de crédito sob a atuação do setor
bancário tradicional. Uma dessas metodologias seria o aval solidário. Além das metodologias
capazes de “contornar” os problemas informacionais, o microcrédito precisa apresentar outras
características como, por exemplo, a cobrança de taxas de juros abaixo das praticadas pelo setor
bancário tradicional com a intenção de tornar os serviços microfinanceiros atraentes aos
excluídos e a redução de requerimentos burocráticos a um mínimo necessário como forma de
reduzir os custos de transação e não excluir demandantes potenciais das camadas de mais baixa
renda.
Não se deve, todavia, imaginar que o microcrédito – operacionalizado a partir das
características que proporcionaram expansão do crédito e conseqüente desenvolvimento
econômico em outros países – seja a panacéia para a redução da pobreza. Como visto, os
institucionalistas defendem que a viabilidade financeira das instituições de microfinanças seja a
melhor forma de se disponibilizar crédito a todos os excluídos do setor bancário tradicional,
possibilitando a inclusão das camadas de mais baixa renda aos serviços financeiros e a
conseqüente redução da pobreza. É importante mencionar um aspecto capaz de criticar essa visão
75
institucionalista. Antes, porém, é preciso deixar clara a importância de projetos financeiramente
viáveis como forma de perpetuação do atendimento.
O aspecto a ser observado diz respeito à incapacidade de todos os agentes de mais baixa
renda desempenharem atividades produtivas de maneira autônoma. Não se deve esperar que
todos os agentes de baixa renda sejam potenciais empreendedores. Portanto, a simples
disponibilização do microcrédito a toda população excluída do crédito bancário tradicional não
seria capaz de engendrar os efeitos esperados sobre a eliminação da pobreza. Além disso, cumpre
destacar que os potenciais empreendedores existentes nas camadas de mais baixa renda precisam
não apenas do crédito para que o efeito de eliminação da pobreza não seja efêmero. A elevação
dos níveis de educação e de saúde dos tomadores e dos demais agentes excluídos precisa
acompanhar a expansão da abrangência do microcrédito. Não se quer dizer que isso deva ser
preocupação das instituições de microcrédito, mas que é possível que elas desempenhem junto
aos tomadores um papel nesse sentido sem elevar seus custos. Yunus (2000) indica que – no
âmbito da instituição de microfinanças – a disponibilização de informações relacionadas à
prevenção de doenças e controle do número de filhos é capaz de melhorar as condições de vida
dos tomadores. Por outro lado, a capacitação técnica dos tomadores deve também ser
considerada.
De uma maneira breve, a eliminação da pobreza que um programa de microcrédito pode
possibilitar pode ser reforçado pela ligação a outros programas de saúde, educação e de
capacitação técnica.
O capítulo seguinte explicitará informações de sete instituições de microfinanças do
estado de Minas Gerais. Ele foi construído à luz das evidências empíricas relacionadas à indústria
de microfinanças brasileira apresentadas por Nichter et alli (2002). Foram solicitadas
informações relativas às próprias instituições de microfinanças, aos serviços financeiros
concedidos e a aspectos envolvidos aos demandantes. Todavia, é importante observar o capítulo
seguinte sob o enfoque de quatro aspectos importantes, sendo três deles relacionados às
características do microcrédito, e um deles vinculado às próprias características das instituições
de microfinanças. Como visto anteriormente, uma das características do microcrédito é cobrar
uma taxa de juros abaixo da praticada no setor bancário tradicional. Outra característica seria a
adoção de solicitações burocráticas que não elevem consideravelmente os custos de transação. A
76
terceira característica estaria relacionada ao emprego de garantias substitutivas às garantias reais.
Finalmente, um aspecto que se deve atentar é referente à composição da estrutura patrimonial dos
ativos das instituições de microfinanças. As evidências empíricas da indústria microfinanceira
expostas por Nichter et alli (2002) indicam que as instituições de microfinanças brasileiras
apresentam elevada proporção de aplicações financeiras no setor bancário tradicional na estrutura
de seus respectivos ativos.
77
CAPÍTULO 3
A
NÁLISE DAS INSTITUIÇÕES DE MICROFINANÇAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Esse capítulo pretenderá explicitar informações obtidas junto a sete instituições de
microfinanças do estado de Minas Gerais, com o objetivo de julgar, pelo menos no âmbito desse
estado, a hipótese de que o microcrédito no Brasil não possui certas características que deveria
apresentar. A inobservância de certas características do microcrédito faria com que as instituições
de microfinanças brasileiras se assemelhassem às instituições bancárias tradicionais, conforme
Aroca (2002).
Efetuaram-se visitas a onze instituições de microfinanças do estado de Minas Gerais. Em
algumas, as quais não serão citadas, não foram obtidos dados pelo simples fato de tais instituições
atuarem com poucos funcionários, os quais, por esse motivo, encontravam-se sobrecarregados e
impossibilitados de atender às solicitações do pesquisador. Nesses casos, ficou combinada a
disponibilização de dados posteriormente, através de correio eletrônico, o que não ocorreu por
falta de respostas às solicitações do pesquisador. Em uma das instituições de microfinanças
visitadas, a pesquisa não foi bem recebida e os dados repassados não possuíam caráter científico,
de modo que os dados não foram incluídos nesse capítulo.
Seis instituições de microfinanças visitadas cederam informações relevantes para a
pesquisa. Nesses casos, parte dos dados foi posteriormente disponibilizada através de correio
eletrônico e pelo acesso do pesquisador aos respectivos sites na internet. Essas seis instituições de
microfinanças são: o Banco Popular de Ipatinga, o Banco do Povo de Juiz de Fora, a Associação
Objetivo e Trabalho (AOT), a Sociedade de Crédito ao Microempreendedor FIDÚCIA Ltda., a
CONTACRED Instituição Mineira de Microcrédito, e o Banco do Povo de Uberlândia. Além
dessas seis instituições visitadas, foram obtidas informações da Rótula S.A. Sociedade de Crédito
ao Microempreendedor através de correio eletrônico.
78
Procurou-se observar a situação do microcrédito nas instituições de microfinanças sob três
aspectos distintos: as características das instituições de microfinanças, as características dos
serviços financeiros concedidos, e as características dos demandantes atendidos.
Em relação às características das instituições de microfinanças, procurou-se obter
informações acerca da estrutura patrimonial de cada instituição. Como visto no segundo capítulo,
Nichter et alli (2002) observaram uma elevada proporção de aplicações financeiras na
composição dos ativos das instituições de microfinanças brasileiras. Na pesquisa de campo
efetuada, algumas instituições de microfinanças visitadas informaram que as disponibilidades de
recursos ociosos eram direcionadas a aplicações nos bancos tradicionais. Na discussão teórica
acerca do microcrédito, os que defendem a auto-suficiência financeira institucional –
denominados de institucionalistas – afirmam que as instituições de microfinanças precisam
cobrar taxas de juros que sejam capazes de cobrir seus custos. A viabilidade financeira resultante
proporcionaria um acesso mais fácil a linhas de crédito disponibilizadas pelo setor bancário
tradicional, o que teria por conseqüência expandir o microcrédito. Todavia, a comprovação de
que as instituições de microfinanças têm elevada proporção de ativos alocados em aplicações nos
bancos tradicionais não embasaria a teoria defendida pelos institucionalistas, indicando, na
verdade, que a limitação da expansão da oferta de microcrédito não estaria relacionada à escassez
de recursos. Inversamente ao proposto pelos institucionalistas, existiria um sentido de alocação
de recursos que iria das instituições de microfinanças brasileiras em direção ao setor bancário
tradicional. Em vez de as instituições de microfinanças captarem recursos junto aos bancos
tradicionais, como deveria resultar da viabilidade financeira institucional, observar-se-ia uma
alocação dos recursos das instituições de microfinanças em aplicações nos bancos tradicionais.
Não se pretende aqui diminuir qualquer valor científico presente na teoria que defende a
auto-suficiência financeira institucional, principalmente no que se refere à necessidade de
perpetuação das instituições de microfinanças a partir da sustentabilidade financeira. O que se
pretende expor é que a existência de alternativas de aplicação rentáveis e de baixo risco para os
recursos das instituições de microfinanças esteja limitando o volume de recursos alocados na
carteira de microcréditos. Algumas instituições de microfinanças analisadas afirmaram aplicar
79
suas disponibilidades ociosas em fundos de investimentos
14
nos bancos tradicionais. Os recursos
depositados nesses fundos são usados para adquirir outros papéis, sendo os títulos públicos
federais aqueles que compõem a maior proporção das aplicações devido ao baixo risco e retorno
considerável. A observação desse fato indicaria para uma semelhança entre as instituições de
microfinanças e o setor bancário tradicional no Brasil: a elevada proporção de títulos de dívida
pública federal na composição da carteira de ativos, mesmo que indiretamente no caso das
instituições de microfinanças através dos fundos de investimentos.
Ainda em relação ao primeiro aspecto do microcrédito que se pretende explicitar, o qual
se refere às características das instituições de microfinanças, buscou-se obter informações
relacionadas ao funding
80
de baixa renda. Portanto, as solicitações de garantias e de documentação têm que ser reduzidas a
fim de abranger tais clientes. Além disso, a descrição das taxas de juros e prazos é interessante
para efeito de comparação com outros serviços financeiros alternativos existentes, os quais
Barone et alli (2002) afirmam serem substitutos do microcrédito. Em relação às garantias, tentou-
se mensurar a participação do aval solidário como colateral dos valores disponibilizados.
O terceiro aspecto sobre o qual se procurou obter informações junto às instituições de
microfinanças está relacionado às características dos demandantes. A observação do fato do
microcrédito poder ser capaz de gerar uma elevação na renda dos indivíduos é um tema
interessante, mas não é objetivo desse trabalho. Não se desenvolveu tal procedimento
metodológico devido à necessidade de se ter que lidar com uma amostra de clientes de cada
instituição de microfinanças, o que seria um trabalho com uma dimensão maior que um
pesquisador suportaria. Além disso, é difícil a obtenção de informações precisas relacionadas à
renda dos tomadores quando requerem o primeiro microcrédito, o que impossibilita a mensuração
dos efeitos do microcrédito sobre a renda dos tomadores. As informações que se buscaram foram
idade, sexo e escolaridade dos clientes. Em princípio, indivíduos com curso superior não
deveriam ser elegíveis ao microcrédito. Portanto, a observação de uma elevada proporção de
clientes com curso superior na carteira de clientes de uma instituição de microfinanças estaria
demonstrando um desvio do microcrédito. Além disso, deve-se relevar que o microcrédito deve
procurar atuar junto aos clientes de menores faixas etárias, pois, conforme Aroca (2002), pode-se
supor que a disponibilidade de garantias reais por parte dos mais jovens é mais custosa que para
clientes de faixas de idade superiores.
Esse capítulo será organizado em mais sete seções, sendo que cada uma explicitará as
informações de cada instituição de microfinanças pesquisada. Uma instituição de microfinanças
pode se organizar sob a forma de organização não-governamental (ONG), sob a forma de
organização da sociedade civil para o interesse público (OSCIP), ou sob a forma de sociedade de
crédito ao microempreendedor (SCM). Como se observará, das sete instituições de microfinanças
analisadas, duas são ONGs, três são OSCIPs, e duas são SCMs. A ordem de exposição das
informações das instituições de microfinanças não guarda nenhum critério.
Cada seção será subdividida em três subseções que pretenderão explicitar,
respectivamente, as características da instituição de microfinanças, as características dos serviços
81
microfinanceiros oferecidos, e um breve perfil da demanda por seus serviços microfinanceiros. A
intenção principal não é comparar as instituições de microfinanças entre si. Por esse motivo e por
causa das diferenças quanto à forma na qual os dados são processados em cada instituição, as
seções podem apresentar diferentes formatos de apresentação dos dados. Em cada subseção,
preferiu-se abordar, inicialmente, as características da instituição de microfinanças, para,
posteriormente, expor as características dos serviços microfinanceiros oferecidos e dos clientes
atendidos.
3.1 Banco Popular de Ipatinga
3.1.1 Características da Instituição de Microfinanças
O Banco Popular de Ipatinga – Associação Comunitária de Crédito do Vale do Aço – é
uma OSCIP que iniciou suas operações em junho de 1998, no município de Ipatinga, região leste
do estado de Minas Gerais. Atualmente, o Banco Popular de Ipatinga atende a vários municípios
da região. Dez municípios possuem filiais dessa instituição, enquanto outros 38 municípios são
abrangidos através das visitas regulares dos agentes de crédito.
Desde sua fundação, o Banco Popular de Ipatinga tem demonstrado crescimento anual do
número de operações e do valor liberado em microcréditos corrigido pelo deflator do PIB. As
taxas de crescimento do número de operações e do valor liberado em microcréditos corrigido
pelo deflator do PIB apresentaram oscilações durante o período analisado, mas não foram
negativas em nenhum ano. As taxas de crescimento médias do número de operações e do valor
deflacionado liberado no período foram de 42% e 45%, respectivamente. A tabela 10 explicita
essas informações.
82
Tabela 10
Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pelo Banco
Popular de Ipatinga (1998-2004)
Número de Operações Montante Liberado em Microcréditos
Ano
Valores
Absolutos
Taxa de
Crescimento
Anual
Valores
Liberados em
reais
Valores, em
reais, ajustados
pelo Deflator do
PIB (2000=100)
Taxa de
Crescimento
Anual dos
Valores
Ajustados
1998
303 – 406.525 465.504
1999
538 77% 956.265 1.036.152 123%
2000
800 49% 1.464.218 1.464.218 41%
2001
1.043 30% 1.863.160 1.734.140 18%
2002
1.276 22% 2.141.717 1.809.494 4%
2003
2.085 63% 3.406.060 2.537.102 40%
2004
2.336 12% 3.968.557
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
O valor do empréstimo médio tem também se elevado. O valor médio dos microcréditos
concedidos pela instituição de microfinanças apresentou elevação em todos os anos do período
1998/2000. Posteriormente, ocorreram reduções em todos os anos, do período 2001/2003, para
que, finalmente, certa elevação ocorresse no ano de 2004, sendo de R$ 1.698,87 o valor médio do
microcrédito concedido pela instituição, para dados acumulados. Contudo, o valor do empréstimo
médio deflacionado tem sido reduzido com o passar dos anos. Apenas em 1999 se observou uma
elevação do valor do empréstimo médio deflacionado. A tabela 11 sintetiza essas informações:
83
Tabela 11
Evolução do Empréstimo Médio Concedido pelo Banco Popular de Ipatinga (1998-2004)
Anos
Valores Médios dos
Microcréditos, em reais
Valores Médios dos Microcréditos Ajustados
Pelo Deflator do PIB (2000=100)
1998
1.342 1.536
1999
1.777 1.926
2000
1.830 1.830
2001
1.786 1.663
2002
1.678 1.418
2003
1.634 1.217
2004
1.699 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Obtiveram-se informações acerca da origem dos recursos acessados pela instituição de
microfinanças para compor o funding necessário à concessão de seus serviços microfinanceiros.
Na tabela 12 são demonstrados as fontes de recursos, os valores e as condições de cessão e de
financiamentos de tais recursos.
Tabela 12
Fontes de Recursos do Banco Popular de Ipatinga
Instituições Valores, em reais Condição Status Atual
Pref. Mun. de Ipatinga
120.000,00 Doação
Pref. Mun. de Coronel Fabriciano
42.119,31 Doação
Pref. Mun. de Timóteo
46.018,00 Doação
Pref. Mun. de Santana do Paraíso
11.700,00 Doação
Pref. Mun. de Belo Oriente
12.571,75 Doação
Pref. Mun. de Governador
Valadares
180.000,00 Doação
Pref. Mun. de Caratinga
30.000,00 Doação
Pref. Mun. de Manhuaçu
30.000,00 Doação
Pref. Mun. de Teófilo Otoni
83.000,00 Doação
Repasse em
negociação
BDMG 1
410.000,00 Empréstimo Amortizado totalmente
BDMG 2
500.000,00 Empréstimo 60% amortizado
BDMG 3
900.000,00 Empréstimo Sem amortização
AVSI
100.000,00 Doação
BNDES
700.000,00 Empréstimo 12% amortizado
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
84
O empréstimo do BDMG foi concedido à taxa de juros de longo prazo (TJLP), com
carência de 12 meses, prazo de pagamento de 72 meses e amortizações trimestrais. Em relação ao
empréstimo disponibilizado pelo BNDES, a única diferença em relação às características
descritas acima para o empréstimo do BDMG foi a incidência de correção monetária sobre o
valor não amortizado.
Deve-se ainda citar o apoio financeiro oriundo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE) para apoiar filiais específicas (Coronel Fabriciano, Timóteo, Belo
Oriente, Santana do Paraíso e Governador Valadares). Foram disponibilizados R$ 22.000,00 para
investimento e R$ 240.000,00 para custeio, com período de amortização nos anos de 2003 e
2004.
A evolução do patrimônio líquido da instituição pode ser visualizada na tabela 13:
Tabela 13
Evolução do Patrimônio Líquido do Banco Popular de Ipatinga (1998-2004)
Patrimônio Líquido
Ano
Valores Absolutos,
em reais
Valores Absolutos,
em reais, ajustados
pelo Deflator no PIB
(2000=100)
Taxa de Crescimento Anual do
Patrimônio Líquido Ajustado
1998
120.000,00 137.409,80
1999
129.649,91 140.481,00 2%
2000
232.911,72 232.911,72 66%
2001
439.845,96 409.387,50 76%
2002
1.014.050,30 856.750,80 109%
2003
834.204,07 621.381,10 –27%
2004
925.673,83 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
ção ão atmmônio líq(did observadlan )-200. –
85
A tabela 14 mostra a evolução da carteira ativa de microcréditos do Banco Popular de
Ipatinga:
Tabela 14
Evolução da Carteira Ativa de Microcréditos do Banco Popular de Ipatinga (1998-2004)
Carteira Ativa
Ano
Valores Absolutos,
em reais
Valores Absolutos, em reais,
ajustados pelo Deflator do PIB
(2000=100)
Taxa de Crescimento
Anual da Carteira Ativa
Ajustada
1998
310.166,66 355.166,22
1999
477.972,94 517.903,28 46%
2000
718.900,13 718.900,13 39%
2001
880.483,90 819.512,19 14%
2002
1.141.637,04 964.546,33 18%
2003
1.862.145,51 1.387.073,01 44%
2004
2.005.506,00 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Em valores a preços do ano de 2000, a carteira ativa de microcréditos ajustada apresentou
taxa de crescimento positiva durante todo o período explicitado. Deve-se relevar que os valores
de cada ano não se referem a uma média entre os meses do ano, mas ao valor observado na
carteira no último mês do ano. Como se vê, houve crescimento do montante de recursos
oferecidos sob a rubrica dos serviços microfinanceiros por parte da instituição de microfinanças.
Todavia, o SEBRAE (2000) indica que o padrão da taxa de crescimento da carteira bruta deve ser
menor que 30%. Essa restrição a um crescimento mais acelerado se deve à preocupação com a
qualidade dos ativos e com a atenção que se deve conferir ao atendimento dos clientes de baixa
renda.
A taxa de inadimplência de uma carteira de créditos é indicada pela razão entre os valores
de empréstimos em atraso maior que 30 dias e o valor da carteira ativa total. A taxa de
inadimplência informada pelo Banco Popular de Ipatinga foi de 3,02%, para a carteira ativa de
dezembro de 2004. Deve-se relevar que, para esse cálculo, a instituição de microfinanças utilizou
a soma dos valores em atraso sem acordo, os quais somavam R$ 60.652,49. Todavia, existiam R$
56.022,18 em valores atrasados mas já negociados com os clientes. Se somarmos os dois valores
de empréstimos em atraso, teríamos uma taxa de inadimplência de 5,8%. É importante deixar
claro que a validade do cálculo da taxa de inadimplência que utiliza apenas os valores em atraso
86
sem acordo está vinculada à apresentação da uma taxa de recuperação de atrasados renegociados.
Essa última taxa é obtida pela razão entre os pagamentos recebidos de empréstimos atrasados
mas renegociados e o total da carteira ativa
15
(SEBRAE, 2000).
Na tabela 15 é possível observar a evolução da inadimplência média anual da carteira
ativa do Banco Popular de Ipatinga. Não foram disponibilizadas informações acerca da taxa de
recuperação de atrasados.
Tabela 15
Evolução da Taxa de Inadimplência Média da Carteira de Microcréditos do Banco Popular
de Ipatinga (1999-2004)
Anos 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Taxa de Inadimplência Média
2,31% 2,00% 1,85% 2,37% 2,52% 3,44%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
O Banco Popular de Ipatinga disponibilizou informações sobre a evolução das receitas
totais e das despesas totais da instituição durante os meses de 2004. Esses dados são importantes
para se analisar a viabilidade financeira da instituição.
A tabela 16 explicita os valores para receitas e despesas totais, bem como o resultado de
cada mês do ano de 2004.
Tabela 16
Receitas Totais, Despesas Totais e Resultados Mensais do Banco Popular de Ipatinga –
valores em reais (2004)
Meses/ Ano Receitas Totais Despesas Totais Resultado Total
jan/2004
73.667,22 64.178,32 9.488,90
fev/2004
64.490,54 78.096,69 (13.606,15)
mar/2004
84.760,16 77.364,03 7.396,13
abr/2004
80.060,41 81.652,51 (1.592,10)
mai/2004
128.907,85 84.725,39 44.182,46
jun/2004
98.423,02 85.921,18 12.501,84
jul/2004
84.609,96 81.125,16 3.484,80
ago/2004
80.660,15 81.577,94 (917,79)
set/2004
80.638,50 72.967,27 7.671,23
out/2004
79.564,13 78.630,90 933,23
15
ativacarteir
a
datotal
100 período no atraso em recebidos pagamentos
atrasados de orecuperaçã de Taxa
×
=
87
nov/2004
82.621,00 81.058,22 1.562,78
dez/2004
81.544,57 80.171,10 1.373,47
Total
1.019.947,51 947.468,71 72.478,80
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
O Banco Popular de Ipatinga apresentou resultado negativo em três meses durante o ano
de 2004: fevereiro, abril e agosto. O resultado total do ano de 2004 foi positivo, de R$ 72.419,16.
Deve-se ressaltar que a tabela foi construída a partir de dados de receitas totais, que incluíram
repasses de doações e empréstimos. No mês de maio, houve um aporte de R$ 21.292,67,
referente a convênio com o SEBRAE. A partir das receitas e despesas totais, o Banco Popular de
Ipatinga apresenta um índice de auto-suficiência institucional de 107,6%, dado que é obtido pela
razão entre receitas totais e despesas totais.
É interessante, todavia, desmembrar as receitas, as despesas e o resultado no aspecto
operacional e não-operacional. Esses dados são expostos na tabela 17.
Tabela 17
Resultados Operacionais Mensais e Resultados Não-Operacionais Mensais do Banco
Popular de Ipatinga – valores em reais (2004)
Operacional Não-Operacional
Período
Receita Despesa Resultado Receita Despesa Resultado
jan/2004
65.349 61.597 3.752 8.318 2.581 5.737
fev/2004
60.312 76.699 (16.387) 4.179 1.398 2.781
mar/2004
75.043 75.961 (918) 9.717 1.439 8.279
abr/2004
72.060 79.487 (7.427) 8.000 2.165 5.835
mai/2004
75.245 81.329 (6.084) 53.662 3.396 50.266
jun/2004
72.702 81.274 (8.573) 25.721 4.647 21.074
jul/2004
75.836 78.556 (2.720) 8.774 2.569 6.115
ago/2004
72.650 78.303 (5.653) 8.011 3.275 4.736
set/2004
73.305 71.326 1.978 7.334 1.641 5.693
out/2004
72.480 76.274 (3.794) 7.084 2.674 4.410
nov/2004
74.838 75.031 (193) 7.783 6.027 1.756
dez/2004
75.220 73.942 1.278 6.325 6.229 96
Total
865.040 909.779 (44.741) 154.908 38.131 116.778
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Como se pode observar, a instituição obteve resultado operacional negativo durante o ano
de 2004, apontando para a incapacidade de as receitas oriundas da operacionalização de
88
microcréditos superarem os respectivos custos de disponibilização dos serviços microfinanceiros.
Por outro lado, o resultado não-operacional no mesmo ano foi positivo e cobriu o resultado
operacional negativo. Isso indica que a participação dos ativos não-operacionais proporcionou o
resultado total positivo da instituição de microfinanças em 2004, guiando a análise para a
observação dos ativos não-operacionais da instituição de microfinanças.
O Banco Popular de Ipatinga apresentou, em janeiro de 2005, um valor de R$ 444.033,02
aplicados em fundos de investimentos de instituição bancária tradicional. É possível criar dois
tipos de índices para mensurar a participação dessas aplicações no balanço patrimonial da
instituição. O primeiro índice é expresso pela razão entre o valor das aplicações e o valor do
patrimônio líquido da instituição. Esse índice apresentou um valor de 48%. O segundo índice
pode ser obtido pelo mesmo numerador do índice anterior dividido pelo valor da carteira ativa da
instituição de microfinanças. Para esse último índice, o valor encontrado foi de 22%. As
disponibilidades somadas às aplicações financeiras da instituição perfaziam R$ 635.138,00 em
dezembro de 2004.
Em seus sete anos de atuação, o Banco Popular de Ipatinga apresenta 8.381 operações
realizadas e valor liberado em microcréditos igual a R$ 14.206.502,00. Dados disponibilizados
pela instituição informam que, durante esse período, foram criados 1.443 empregos a partir de
sua atuação, sendo mantidos outros 7.958 postos de trabalho.
O Banco Popular de Ipatinga opera com 25 funcionários, sendo 3 gerentes, 2
coordenadores, 14 agentes de crédito, 5 estagiários e 1 auxiliar de serviços gerais.
3.1.2 Os Serviços Microfinanceiros
A taxa de juros cobrada pelo Banco Popular de Ipatinga é de 3,6% ao mês para os três
tipos de serviços microfinanceiros que oferece. Além da taxa de juros, é cobrada uma taxa de
abertura de crédito de 0,5% sobre o principal.
O primeiro serviço microfinanceiro é um microcrédito para financiamento de capital de
giro, tem limites de crédito mínimo e máximo de R$ 300,00 e R$ 3.000,00, respectivamente,
sendo o prazo máximo de pagamento de 9 meses, com prestações fixas e iguais, em relação às
89
quais o cliente pode escolher a data de pagamento. Dentro do limite para capital de giro, o cliente
pode descontar cheques pré-datados, sendo os prazos máximos definidos em contrato.
O segundo serviço microfinanceiro é um microcrédito para financiamento de capital fixo
que tem limites mínimo e máximo de R$ 500,00 e R$ 5.000,00, respectivamente, sendo o prazo
máximo de pagamento de 12 meses, com prestações fixas e iguais, em relação às quais o cliente
pode escolher a data de pagamento.
Finalmente, o terceiro serviço microfinanceiro oferecido aos clientes resulta da união das
características dos outros dois serviços. É uma linha de crédito de capital misto – tanto para
financiamento de capital de giro quanto para capital fixo –, tendo limites mínimo e máximo de
R$ 300,00 e R$ 5.000,00, respectivamente, sendo o prazo máximo de pagamento de 12 meses, e
com prestações fixas e iguais, em relação às quais o cliente pode escolher a data de pagamento.
O processo de liberação de crédito envolve preenchimento de cadastro, visita do agente de
crédito ao local do empreendimento, e análise do comitê de crédito.
Para preenchimento do cadastro do cliente são solicitados documentos como Carteira de
Identidade (CI), Certificado de Pessoa Física (CPF) e comprovante de endereço, com data
anterior a seis meses. Os solicitantes devem ainda apresentar cópias da CI e do CPF dos seus
cônjuges ou companheiros (as). Além disso, o cliente não pode apresentar restrições em três
cadastros de proteção ao crédito: Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), SERASA e cartórios de
protestos de títulos.
Três metodologias de garantias são disponibilizadas aos clientes: aval solidário, avalista/
fiador, ou alienação de máquinas e/ou equipamentos. A metodologia do aval solidário segue o
descrito no capítulo anterior. Para o caso de garantias prestadas através de avalista/ fiador
16
, o
cliente deve apresentar documentos como CI, CPF, comprovante de endereço e de renda do
avalista/ fiador. Devem ser, também, apresentadas cópias do CPF, da CI e dos comprovantes de
renda dos cônjuges ou companheiros (as) dos avalistas/ fiadores. Para o caso de concessão de
garantias reais, é preciso apresentar original e cópia da Nota Fiscal do bem a ser alienado em
nome da instituição de microfinanças. No caso de concessão de garantias efetuadas através de
16
A diferença entre o aval e a fiança consiste no fato de que, no caso do aval, apenas o indivíduo avalizador assina a
nota promissória do microcrédito, enquanto, no caso da fiança, o indivíduo avalizador e seu cônjuge ou companheiro
(a) assinam o termo de garantia.
90
veículos, deve-se apresentar apólice do seguro com endosso para a instituição de microfinanças.
No caso de financiamento de bens e equipamentos, os solicitantes devem apresentar três
orçamentos de fornecedores e três orçamentos de mão-de-obra.
A visita do agente de crédito tem duas finalidades básicas. Em primeiro lugar, comprovar
a existência do empreendimento no endereço indicado pelo cliente solicitante. Em segundo lugar,
o agente de crédito busca verificar na vizinhança do empreendimento informações relacionadas à
idoneidade do cliente solicitante e ao período no qual ele atua em seu próprio empreendimento. É
importante que seja comprovado que o cliente solicitante atue há pelo menos seis meses em seu
próprio empreendimento.
Por fim, o último procedimento para liberação do crédito consiste na análise do comitê de
crédito, o qual é formado pelos gerentes da instituição de microfinanças. Em alguns casos de
indeferimento, é solicitada aos clientes a indicação de mais um ou dois avalistas/ fiadores, de
maneira que a soma da capacidade de pagamento dos avalistas/ fiadores seja superior ao valor das
parcelas assumidas pelo cliente solicitante. Há situações nas quais veículos, máquinas e
equipamentos pré-existentes aos financiamentos são indicados como garantias pelos clientes.
Nessas situações, o valor indicado como garantia pode superar o valor financiado no
microcrédito.
Após a liberação do microcrédito, surgem novos procedimentos, os quais são relacionados
ao pós-venda. É preciso verificar efetivamente a ocorrência do investimento, acompanhar o
pagamento das parcelas do financiamento, e renovar o crédito em caso de solicitação de novo
empréstimo.
3.1.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças
A demanda pelos serviços microfinanceiros oferecidos pelo Banco Popular de Ipatinga se
concentra na satisfação da necessidade de capital de giro. Dados acumulados para todo o período
de atuação da instituição apontam que 82,5% das operações se destinaram ao financiamento de
capital de giro, 12,5%, ao financiamento de capital fixo, e o restante, de 5%, para as duas
finalidades conjuntamente.
91
A instituição possui dados acumulados relativos aos valores dos créditos concedidos. Três
intervalos de valores foram criados para expor essa informação. A proporção do número de
créditos com valores até R$ 1.000,00, em relação ao total de créditos, é de 41%, sendo que 54%
dos créditos totais foram incluídos no intervalo de R$ 1.001,00 a R$ 3.000,00, e os restantes 5%
incluídos no intervalo R$ 3.001,00 a R$ 5.000,00.
Uma outra análise toma o valor total de recursos emprestados em cada faixa de crédito
indicada acima dividido pelo total de recursos emprestados pela instituição. Mesmo apresentando
a menor razão entre o número de créditos por faixa e o número total de créditos, a última faixa de
crédito (R$ 3.001,00 a R$ 5.000,00) apresentou razão entre valor de crédito concedido na faixa e
o total de recursos emprestados superior à razão da faixa de crédito mais baixa: 23% contra 22%.
Isso indica uma maior concentração relativa de recursos nos créditos de maior valor. A faixa
intermediária de créditos, que engloba valores de R$ 1.000,00 a R$ 3.000,00, apresentou a
proporção de 55% de direcionamento dos recursos emprestados pela instituição.
Os demandantes do Banco Popular de Ipatinga se concentram em atividades de comércio,
somando 55% da destinação dos recursos, contra 25% das atividades de serviço, e 20% das
atividades de produção.
No que se refere ao caráter de informalidade dos empreendimentos atendidos, 76% das
operações foram direcionadas a empreendimentos informais e o restante, de 24%, para
empreendimentos formais. Quanto ao gênero dos demandantes, 58% das operações são
destinadas a mulheres e 42%, aos homens.
Em relação à concessão de garantias, 99,5% das operações contratadas utilizam o aval,
sendo que 0,5% das operações é baseada em garantias reais. Como se vê, os clientes da
instituição de microfinanças não utilizam a metodologia de aval solidário na obtenção dos
microcréditos.
92
3.2 Banco do Povo de Juiz de Fora
3.2.1 Características da Instituição de Microfinanças
O Banco do Povo de Juiz de Fora é uma ONG criada no ano de 1997 a partir de um
aporte, a fundo perdido, de recursos de R$ 250.000,00 da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora.
Vários outros aportes foram efetuados por empresas da região: dois aportes de R$ 50.000,00 da
Belgo Mineira Participações; um aporte de R$ 2.000,00 da empresa Café Toko destinado à
cobertura de gastos com materiais; a cobertura do custo de dois agentes de crédito pelo período
de um ano pelas empresas Unimed de Juiz de Fora e Consórcio União; a cobertura de um
coordenador de crédito pela Cesama, disponibilizando R$ 1.612,23 mensais durante um ano; o
aporte de R$ 10.000,00 pela Paraibuna Metais; e a doação de dois microcomputadores pelas
empresas Becton Dickinson e Supermercado Bahamas. Para a expansão do funding necessário à
concessão dos microcréditos, a instituição acessou linhas de financiamentos disponibilizadas
pelos BNDES e BDMG.
A instituição de microfinanças atende grande parte da região sul e sudeste do estado de
Minas Gerais, além de uma pequena parte do estado do Rio de Janeiro. O local da sede dessa
instituição de microfinanças em Juiz de Fora é cedido pela Caixa Econômica Federal. Várias
filiais estão estabelecidas na região: onze situadas em municípios mineiros e duas situadas em
municípios fluminenses próximos à divisa com Minas Gerais.
No período de agosto de 1997 a junho de 2005, a instituição de microfinanças apresentou
11.062 operações de microcrédito e um montante concedido de créditos de R$ 22.432.872,00,
resultando em um empréstimo médio de R$ 1.945,00. Não foram oferecidos dados desagregados
anualmente, de maneira que não foi possível construir a série para os valores médios dos
microcréditos ajustados pelo deflator do PIB.
A instituição de microfinanças não forneceu certas informações patrimoniais. A
alternativa metodológica empregada pelo pesquisador foi a análise das demonstrações contábeis
publicadas no site da instituição de microfinanças na internet
17
. A estrutura do passivo contém
dois grupos básicos de contas: um de empréstimos de curto e de longo prazos, oriundos do
17
www.bancodopovo.org.br
93
BDMG e BNDES, e outro grupo referente ao patrimônio líquido da instituição de microfinanças.
Esses dois grandes grupos de contas perfaziam 99% do total do passivo da instituição de
microfinanças, evidenciando um passivo oneroso a baixos custos financeiros.
Surgiu uma impossibilidade analítica em relação ao ativo circulante da instituição de
microfinanças. Os ativos circulantes não-operacionais dos balanços patrimoniais dos anos de
2003 e de 2004 apresentam duas contas – disponibilidades, títulos e valores mobiliários – e dos
anos de 2001 e de 2002 apresentam três contas – caixa, depósitos bancários e aplicações de
liquidez imediata. Na primeira situação, é possível que, na conta disponibilidades, estejam
incluídas as subcontas caixa e depósitos bancários. Devido ao baixo valor da conta caixa nos
balanços patrimoniais de 2001 e de 2002 – de R$ 1.236,28 e de R$ 936,28, respectivamente –,
supôs-se que a conta caixa era igual a zero nos balanços patrimoniais de 2003 e de 2004 para a
construção da tabela 18. Essa tabela demonstra a evolução do ativo circulante não-operacional,
ou seja, que inclui caixa e aplicações em outros ativos financeiros alternativos à concessão do
microcrédito.
Tabela 18
Evolução do Ativo Circulante Não-Operacional do Banco do Povo de Juiz de Fora – valores
em reais (2001-2004)
Anos Ativo Circulante Não-Operacional
2001
919.939
2002
483.340
2003
750.427
2004
444.413
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de
desempenho cedidos pela instituição de
microfinanças
.
Observando-se ainda o ativo circulante, a tabela 19 foi construída com a intenção de
demonstrar a evolução do valor das operações de crédito da instituição de microfinanças.
94
Tabela 19
Evolução do Valor das Operações de Crédito do Banco do Povo de Juiz de Fora – valores
em reais (2001-2004)
Anos Valor das Operações de Crédito
2001
1.486.548
2002
2.397.305
2003
2.480.857
2004
3.237.705
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de
desempenho cedidos pela instituição de
microfinanças
.
A tabela 20 demonstra a evolução do patrimônio líquido da instituição de microfinanças.
Tabela 20
Evolução do Patrimônio Líquido do Banco do Povo de Juiz de Fora – valores em reais
(2001-2004)
Anos Patrimônio Líquido
2001
934.484
2002
1.193.865
2003
1.162.629
2004
1.053.302
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de
desempenho cedidos pela instituição de
microfinanças
.
Os valores presentes nas três últimas tabelas não foram deflacionados como ocorreu na
exposição do Banco Popular de Ipatinga, pois se pretende observar a evolução das razões ativo
circulante não-operacional/ valor das operações de crédito e ativo circulante não-operacional/
patrimônio líquido, o que pode ser observado nas tabela 21 e 22.
95
Tabela 21
Evolução da Razão Ativo Circulante Não-Operacional/ Valor das Operações de Crédito do
Banco do Povo de Juiz de Fora – valores em reais (2001-2004)
Anos
Razão Ativo Circulante
Não-Operacional/
Valor das Operações de Crédito
2001
62%
2002
20%
2003
30%
2004
14%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de
desempenho cedidos pela instituição de
microfinanças
.
Tabela 22
Evolução da Razão Ativo Circulante Não-Operacional/ Patrimônio Líquido do Banco do
Povo de Juiz de Fora – valores em reais (2001-2004)
Anos
Razão Ativo Circulante
Não-Operacional/Patrimônio Líquido
2001
98%
2002
40%
2003
65%
2004
42%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de
desempenho cedidos pela instituição de microfinanças
.
A construção das tabelas 20 e 21 pretendeu observar empiricamente se ocorre, com o
decorrer dos anos, uma tendência de redução da participação de ativos alternativos à concessão
de microcréditos tanto em relação ao valor das operações de crédito quanto em relação ao
patrimônio líquido. A análise de uma série temporal mais ampla para essas razões poderia ajudar
a avaliar se a grande proporção de aplicações financeiras por parte das instituições de
microfinanças, como explicitado por Nichter et alli (2002), poderia ser conferida, pelo menos
parcialmente, ao recente surgimento das instituições de microfinanças. Em uma análise precoce,
levando-se em conta a elevada razão ativo circulante não-operacional/ patrimônio líquido do
Banco do Povo de Juiz de Fora, em 2004, pode-se afirmar que a limitação à expansão do
microcrédito no âmbito dessa instituição não se deve à ausência de recursos.
96
A instituição de microfinanças apresentou resultado líquido positivo nos últimos quatro
anos. A taxa de inadimplência da carteira ativa do Banco do Povo de Juiz de Fora foi de 3,29%,
em dezembro de 2004. A instituição de microfinanças possui, ao todo, 27 funcionários, 9
estagiários e 7 prestadores de serviços.
3.2.2 Os Serviços Microfinanceiros
A taxa de juros dos serviços microfinanceiros oferecidos pelo Banco do Povo de Juiz de
Fora é de 3,9%. A taxa referente à abertura de crédito é de 1% sobre o principal. Os serviços
microfinanceiros oferecidos pelo Banco do Povo de Juiz de Fora são três.
O empréstimo para capital de giro disponibiliza valores mínimos e máximos de R$ 200,00
e R$ 5.000,00, respectivamente, com prazos de amortização de um mês a seis meses, não
havendo prazos de carência. Como no caso do Banco Popular de Ipatinga, o Banco do Povo de
Juiz de Fora oferece o serviço microfinanceiro de troca de cheques pré-datados para seus clientes.
A utilização desse serviço impacta em um limite determinado na análise de crédito do cliente.
O segundo serviço microfinanceiro, o empréstimo para capital fixo, disponibiliza valores
mínimo e máximo de R$ 200,00 e R$ 10.000,00, respectivamente, com prazos de amortização de
um mês a doze meses, e prazo de carência de até três meses, nos quais são cobrados juros
mensalmente sobre o principal. Nesses dois primeiros serviços microfinanceiros, as prestações
são iguais e a data de pagamento pode ser escolhida pelo cliente.
O terceiro e último serviço microfinanceiro disponibilizado é um crédito de até R$
500,00, o qual possui como oferecimento de garantia do empréstimo um cheque do próprio
cliente ou de terceiros.
O processo de liberação do microcrédito envolve os mesmos procedimentos básicos
observados na instituição de microfinanças anterior: preenchimento de cadastro, visita do agente
de crédito e análise do comitê de crédito.
No procedimento de preenchimento de cadastro, aos casos de empreendimentos formais
são solicitados o contrato social e últimas alterações contratuais, Certificado Nacional de Pessoa
Jurídica (CNPJ)/ Inscrição Estadual, CPF e CI dos sócios e os respectivos comprovantes de
residência. Aos empreendimentos informais, autônomos e profissionais liberais, são solicitados
97
CPF, CI e comprovante de residência. Deve-se relevar que o comprovante de residência deve
demonstrar a comprovação de residência de, pelo menos, dois anos no município.
Os dois primeiros serviços microfinanceiros disponibilizados pelo Banco do Povo de Juiz
de Fora requerem outros tipos de garantias como contrapartida ao inadimplemento do capital.
Nesses serviços, a concessão de garantias pode ocorrer de três formas. Uma delas se dá através de
avalista capaz de comprovar a renda mensal de seu trabalho, podendo ser o próprio companheiro
do demandante. Outra forma ocorre pela concessão de garantias reais. Finalmente, a terceira
forma de concessão de garantias ocorre pela formação de um grupo de aval solidário, composto
por três a sete empreendedores com atividades econômicas independentes, os quais ficam
mutuamente responsáveis pelo inadimplemento de um componente qualquer.
As constatações da existência do empreendimento e de sua operacionalização por um
prazo mínimo de 6 meses são verificados pela visita do agente de crédito ao endereço informado
pelo cliente solicitante. Essa última informação, assim como informações relacionadas à
98
A instituição disponibilizou dados acumulados relativos aos valores dos créditos
concedidos. Cinco intervalos de valores foram criados para expor essa informação. A tabela 23
expõe as faixas de valores dos créditos e o percentual de operações de crédito realizadas em cada
faixa.
Tabela 23
Percentual de Operações por Faixa de Valor dos Créditos
Faixas de Valor Percentual de Operações por Faixa de Valor
Até R$ 1.000,00
30,45%
de R$ 1.001,00 a R$ 3.000,00
46,42%
de R$ 3.001,00 a R$ 5.000,00
13,72%
de R$ 5.001,00 a R$ 7.000,00
6,94%
acima de R$ 7.001,00
2,47%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela
instituição de microfinanças
.
Como se pode observar, a maior parte das operações de crédito se concentra na faixa de
valores entre R$ 1.001,00 e R$ 3.000,00 (46,42%). A primeira faixa de valores, que compreende
os créditos até R$ 1.000,00, apresentou percentual considerável dentre o número total de
operações, perfazendo 30,45%.
A maior parte das operações de crédito destina-se a atividades de comércio. A esse ramo
de atividade foram concedidos 57% do número total de operações de crédito, sendo que 31% das
operações foram realizadas com o setor de serviços, e os 12% das operações restantes foram
contratadas com atividades industriais.
Em relação à concessão de garantias, 50,64% das operações utilizam o aval, sendo que
17,55% das operações são baseadas em garantias reais, e 31,81% utilizam esquemas mistos de
concessão de garantias. Não há, portanto, o emprego do aval solidário como garantia substitutiva.
No que se refere ao caráter de informalidade dos empreendimentos atendidos, 70% das
operações foram direcionadas a empreendimentos informais, e o restante, de 30%, para
empreendimentos formais. Quanto ao gênero dos demandantes, 48% das operações são
destinadas a mulheres e 52%, aos homens.
99
3.3 Associação Objetivo e Trabalho (AOT)
3.3.1 Características da Instituição de Microfinanças
A Associação Objetivo e Trabalho (AOT) é uma ONG situada em Belo Horizonte, capital
do estado de Minas Gerais, e foi fundada em outubro de 2002. O capital necessário para a
efetuação da concessão de microcréditos originou-se de um único aporte oriundo da AVIS (União
Européia) a fundo perdido. O total de crédito concedido pela AOT foi de R$ 390.000,00, até
dezembro de 2004. A taxa de inadimplência informada para a carteira ativa de microcréditos era
de 3% para o mesmo mês. A instituição de microfinanças possui dois agentes de crédito, um
gerente de crédito e três gerentes administrativos. A AOT apresentou um valor médio de
empréstimos de R$ 1.500,00.
3.3.2 Os Serviços Microfinanceiros
A AOT oferece três tipos de serviços microfinanceiros. O empréstimo de capital de giro
tem limites mínimo e máximo de R$ 200,00 a R$ 1.500,00, respectivamente, sendo o prazo de
pagamento de quatro a nove meses. O empréstimo para capital fixo tem limites mínimo e
máximo de R$ 200,00 e R$ 3.000,00, respectivamente, sendo o prazo de pagamento de quatro a
doze meses. Finalmente, o terceiro serviço microfinanceiro deriva dos outros dois serviços. É um
empréstimo misto, para financiamento de capital de giro e fixo. Os limites e os prazos são iguais
ao empréstimo para capital fixo. A taxa de juros cobrada é de 3,49% ao mês para qualquer um
dos três serviços microfinanceiros. A taxa referente à abertura de crédito é de R$ 60,00, para
qualquer serviço, sem importar o valor da operação. Essa taxa é distribuída nas parcelas, sem
incidir capitalização de juros sobre ela.
O processo de liberação dos microcréditos envolve preenchimento de cadastro, visita do
agente de crédito e análise do comitê de crédito. Os clientes solicitantes precisam apresentar
documentos como CPF, CI e comprovante de endereço. É efetuada consulta ao Serviço de
Proteção ao Crédito (SPC). Dois tipos de garantias pelos valores financiados são aceitos:
garantias reais ou avalista/ fiador. No segundo caso, é solicitada a apresentação de CPF, CI, e
comprovantes de endereço e de renda do avalista(s)/ fiador(es). Também é efetuada a consulta ao
SPC.
100
As visitas do agente de crédito têm a mesma função das outras instituições de
microfinanças já descritas: observar a real existência do empreendimento, informar o prazo de
atuação do empreendimento, e obter informações relacionadas à idoneidade do cliente solicitante.
Finalmente, o processo de liberação do crédito é submetido ao comitê de crédito da
instituição. O pós-venda inclui o acompanhamento do investimento e do pagamento das parcelas,
e renovação do crédito em caso de solicitação de novo empréstimo.
3.3.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças
Em relação ao número de operações, 88% das concessões de crédito são efetuadas ao
setor informal, enquanto os outros 12% se destinam ao setor formal da economia. 55% dos
clientes da AOT estão situados no comércio, 30% na prestação de serviços, e 15% na indústria.
Os clientes atendidos pela instituição de microfinanças podem ser divididos em três faixas
etárias: de 18 até 30 anos, compreendendo 40% dos clientes; 31 a 50 anos, abrangendo 43% dos
clientes; e acima de 51 anos, cobrindo os restantes 17% dos clientes da AOT. Em relação ao
gênero, 51% dos clientes são do sexo feminino, e 49% são do sexo masculino.
3.4 Contacred – Instituição Mineira de Microcrédito
3.4.1 Características da Instituição de Microfinanças
101
Entre a data de sua fundação e janeiro de 2005, a Contacred disponibilizou um total de 69
microcréditos, e um montante total de empréstimos de R$ 102.489,80. Portanto, o valor do
empréstimo médio concedido foi de R$ 1.485,36, valor que se situa abaixo do valor do
empréstimo médio concedido pelo Banco do Povo de Ipatinga, que foi de R$ 1.699,00, em 2004.
O valor informado em relação ao patrimônio líquido da instituição de microfinanças foi
de R$ 96.506,99. O valor informado da carteira ativa foi de R$ 57.070,04.
O porcentual de inadimplência informado foi de 5%.
A instituição disponibilizou também informações relativas a receitas, despesas e
resultado. As receitas somaram um total de R$ 24.417,52, enquanto as despesas totalizaram R$
75.958,89, obtendo-se um resultado negativo de R$ 51.541,37.
A Contacred informou que R$ 168.003,80 estavam aplicados em fundos de investimentos
no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, em junho de 2005. A razão aplicação em
fundos de investimento/ patrimônio líquido foi de 174%, enquanto que a razão aplicações em
fundos de investimento/ carteira de ativos foi de 294%. Esses se mostraram bastante elevados, se
comparados aos de outras instituições. Uma explicação para esse fato seria o curto período de
atuação. Acredita-se que, com o desenvolvimento da atuação da instituição e a evolução do
montante de recursos emprestados, ocorra uma recomposição do ativo através da elevação do
valor da carteira de ativos e a redução da quantidade de recursos mantida nos fundos de
investimentos da instituição. Conseqüentemente, o resultado será a diminuição dos dois índices
calculados.
É importante indicar que a Contacred atua com apenas três funcionários, sendo um
gerente e dois agentes de crédito.
3.4.2 Os Serviços Microfinanceiros
A Contacred oferece três serviços microfinanceiros. Os empréstimos para capital de giro
têm limites mínimo e máximo de R$ 300,00 e R$ 1.500,00, respectivamente, sendo o prazo de
pagamento de 2 a 6 meses. O empréstimo para financiamento de capital fixo tem prazos mínimo
e máximo de R$ 300,00 e R$ 3.000,00, respectivamente, sendo o prazo de pagamento de 2 a 10
meses. Finalmente, o terceiro serviço microfinanceiro deriva dos outros dois serviços. É um
102
empréstimo misto, destinado a financiamento de capital de giro e capital fixo. Os limites e os
prazos são iguais ao empréstimo para capital fixo. Para os três serviços microfinanceiros não há
prazos de carências. A taxa de juros cobrada é de 3,9% ao mês para qualquer um dos três serviços
microfinanceiros. A taxa referente à abertura de crédito é de 3% sobre o principal, valor que é
distribuído nas parcelas sem incidir capitalização de juros.
O processo de liberação dos microcréditos envolve preenchimento de cadastro, visita do
agente de crédito e análise do comitê de crédito. Para empresas formais, são solicitados o contrato
social e as últimas alterações contratuais, CNPJ, e CPF, CI e comprovante de residência dos
sócios. Para empreendimentos informais, são requeridos CPF, CI e comprovante de residência ao
tomador.
Dois tipos de garantias são aceitos: avalista ou aval solidário. A Contacred não atua com
garantias reais. O avalista individual deve apresentar CPF, CI, comprovante de endereço e
comprovante de renda de no mínimo R$ 500,00, além do fato de essa renda ter que ser de 3 vezes
o valor da parcela do financiamento assumida pelo solicitante. Além disso, o avalista não pode ter
ligações produtivas com o empreendimento. Quando ocorre a compra de máquinas e
equipamentos, mesmo havendo aval ou aval solidário, busca-se deixar os bens alienados à
instituição de microfinanças. Quando o cliente possui cheques, também no caso de já haver aval
ou aval solidário, pede-se cheques nos valores das parcelas como garantias. A cobrança das
parcelas é feita através de boleto bancário.
As visitas do agente de crédito têm a mesma função das outras instituições de
microfinanças já descritas: observar a real existência do empreendimento, informar o prazo de
atuação do empreendimento, e obter informações relacionadas à idoneidade do cliente solicitante.
Devido ao restrito número de funcionários, a Contacred submete as solicitações de
microcrédito à gerente de crédito, a qual deferirá ou não a liberação do financiamento a partir da
análise das informações obtidas pelo agente de crédito. O pós-venda inclui o acompanhamento do
investimento e do pagamento das parcelas, e renovação do crédito em caso de solicitação de novo
empréstimo.
103
3.4.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças
Dados relativos a escolaridade dos clientes, idade média e gênero foram cedidos pela
Contacred. Os clientes com ensino fundamental incompleto perfaziam 24% do total de clientes.
Os clientes com ensino fundamental incompleto e os cientes com ensino médio incompleto
apresentaram a mesma proporção em relação ao total, sendo de 13%. Os clientes com ensino
médio completo atingiram a maior proporção, sendo de 42% em relação ao total de clientes.
Finalmente, os clientes com ensino superior incompleto e completo tiveram uma proporção em
relação ao total de clientes de 3% e 5%, respectivamente.
Quanto à distribuição etária, a faixa de 18 a 25 anos acumulou 8,89% dos clientes da
Contacred. As faixas etárias subseqüentes, de 26 a 35 anos, de 36 a 50 anos, de 51 a 70 anos, e
acima de 70 anos, apresentaram, respectivamente, as proporções de 31,11%, 43,33%, 15,56% e
1,11%. Como se pode observar, a maior proporção dos clientes da Contacred se situa na faixa
etária de 36 a 50 anos.
Em relação ao gênero, a proporção de mulheres atendidas é bem superior à de homens:
67% mulheres e 33% homens.
3.5 Sociedade de Crédito ao Microempreendedor FIDÚCIA Ltda.
3.5.1 Características da Instituição de Microfinanças
A Fidúcia é uma instituição de microfinanças estruturada sob a forma de uma SCM, foi
fundada em abril de 2001, e está situada no município de Belo Horizonte, Minas Gerais. Em sua
criação houve uma integralização de R$ 100.000,00, originário dos sócios da instituição de
microfinanças. Em 2002, o capital social foi integralizado a R$ 300.000,00, como requerimento
da liberação de linha de crédito do BNDES. Até junho de 2005, a instituição de microfinanças
não havia acessado nenhuma forma de empréstimos para composição do funding destinado à
carteira de microcréditos.
A tabela 24 explicita a evolução do número de operações efetuadas e do montante
liberado em microcréditos pela instituição de microfinanças. Em 2003, o número de operações
efetuadas apresentou redução, sendo que em 2004 não se conseguiu atingir o maior número de
104
operações efetuadas que ocorreu em 2002. Em relação ao montante liberado em microcrédito,
uma tendência semelhante se observa.
Tabela 24
Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pela
FIDÚCIA (2001-2005)
Número de Operações Montante Liberado em Microcréditos
Ano
Valores
Absolutos
Taxa de
Crescimento
Anual
Valores
Liberados em
reais
Valores, em
reais, ajustados
pelo Deflator do
PIB (2000=100)
Taxa de
Crescimento
Anual dos
Valores
Ajustados
2001
85 – 133.000 123.790
2002
96 13% 181.000 152.923 24%
2003
60 -38% 104.000 77.467 -49%
2004
72 20% 162.000
2005*
35 – 95.000
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
(*) Dados computados até 31 de maio de 2005. Por esse motivo não foram calculadas taxas de crescimento para esse
ano.
A tabela 25 demonstra a evolução dos valores dos empréstimos médios concedidos pela
instituição de microfinanças.
Tabela 25
Evolução do Empréstimo Médio Concedido pela FIDÚCIA (2001-2005)
Anos
Valores Médios dos
Microcréditos, em reais
Valores Médios dos Microcréditos Ajustados
Pelo Deflator do PIB (2000=100)
2001
1.564,71 1.456,35
2002
1.885,42 1.592,95
2003
1.733,33 1.291,13
2004
2.250,00 –
2005*
2.714,29 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
(*) Dados computados até 31 de maio de 2005.
Pode-se observar uma elevação no valor do empréstimo médio deflacionado em 2002 e
uma substancial redução no ano seguinte. Todavia, pela observação da evolução do valor médio
não deflacionado para os anos de 2004 e de 2005, pode-se inferir uma elevação do valor do
empréstimo médio deflacionado, contrariando a tendência anterior.
105
O patrimônio líquido da instituição de microfinanças era de R$ 346.000,00 ao final de
2004 e equivalia a R$ 349.000,00 em junho de 2005. A carteira ativa de microcréditos era de R$
149.000,00 em 2004 e equivalia a R$ 174.000,00 em junho de 2005.
A instituição de microfinanças não disponibilizou dados precisos em relação à taxa de
inadimplência, mas afirmou que no começo de sua operacionalização a taxa de inadimplência era
praticamente nula, se elevando posteriormente para um patamar de 5%, e atingindo atualmente
um nível próximo de 6%.
A Fidúcia informou que mantém parte dos recursos ociosos em aplicações financeiras nos
bancos tradicionais. Em junho de 2005 o valor aplicado era de aproximadamente R$ 180.000,00,
não sendo informado o tipo de aplicação e o banco. Calculando-se a razão aplicações em
instituição bancária tradicional/ patrimônio líquido, obtém-se o valor de 52%, enquanto a razão
aplicações em instituição bancária tradicional/ carteira ativa de microcréditos é de 103%.
A Fidúcia atua com 4 funcionários, sendo 2 agentes de crédito, e 2 sócios gerentes.
3.5.2 Os Serviços Microfinanceiros
A Fidúcia disponibiliza serviços microfinanceiros que têm limites de valores mínimo e
máximo de R$ 500,00 e R$ 5.000,00, respectivamente, sendo o prazo máximo de pagamento de
12 meses. A taxa de juros cobrada é de 3,9% ao mês, mais Imposto sobre Operação Financeira,
que é de 1,5% ao ano. Além desses encargos, o cliente arca com a despesa bancária de R$ 1,90
por cada boleta bancária necessária ao pagamento das parcelas do financiamento.
O processo de liberação dos microcréditos envolve preenchimento de cadastro, visita do
agente de crédito e análise do comitê de crédito. Para empresas formais, são solicitados o contrato
social e as últimas alterações contratuais, CNPJ, e CPF, CI e comprovante de residência
atualizado dos sócios. Além disso, são solicitados os três últimos balanços/ balancetes
patrimoniais. Para empreendimentos informais, são solicitados CPF, CI e comprovante de
residência atualizado.
Dois tipos de garantias são aceitos: avalista ou aval solidário. A Fidúcia não atua com
garantias reais. O avalista individual deve apresentar CPF, CI, comprovante de endereço
atualizado e três últimos comprovantes de renda, que devem ser de 3 vezes o valor da parcela do
106
financiamento assumida pelo solicitante. Além disso, o avalista não pode ter ligações produtivas
com o empreendimento. O aval solidário depende da formação de grupos de 4 ou mais pessoas,
com atividades independentes. Os integrantes do grupo avalizam uns aos outros e todos são
responsáveis pelo pagamento das parcelas dos clientes inadimplentes do grupo.
Finalizando a seção que explicita os serviços microfinanceiros, deve-se relatar que junto à
documentação entregue pelo solicitante é preciso apresentar um orçamento do investimento,
especificando como os recursos serão utilizados.
3.5.3 Característica da Demanda da Instituição de Microfinanças
A instituição de microfinanças afirmou que inicialmente a maioria dos clientes possuía
apenas o ensino fundamental, sendo que após a veiculação de propaganda da instituição em rádio
local ao final de 2004 a proporção de clientes com ensino médio e superior se elevou.
Em relação à destinação das operações por ramo de atividade, a instituição indicou que
durante todo o seu período de atuação 95% das operações eram destinadas ao comércio e 5% ao
setor de serviços. Nos primeiros três anos havia uma proporção de 95% das operações sendo
destinadas ao setor informal, proporção que se reduziu a 90% em 2004 e no primeiro semestre de
2005. Quanto à destinação das operações de microcrédito por gênero, 70% das operações
destinavam-se a mulheres em 2001 e 2002, proporção que se reduziu para em 60% em 2003, se
elevou para 70% em 2004 e tornou a ser reduzida para 50% no primeiro semestre de 2005.
A tabela 26 indica a proporção de créditos que utilizou cada tipo de garantia substituta às
garantias reais aceita pela instituição de microfinanças.
107
Tabela 26
Proporção da Utilização dos Tipos de Garantias Substitutas às Garantias Reais
(2001-2005)
Anos Proporção de Clientes que Utilizou Aval
Solidário como Garantia
Proporção de Clientes que Utilizou
Avalista Como Garantia
2001
100% 0%
2002
99% 1%
2003
70% 30%
2004
25% 75%
2005
0% 100%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Observa-se que o aval solidário era o único tipo de garantia que foi empregada em 2001,
fato que se reverteu totalmente, sendo que no primeiro semestre de 2005 nenhum microcrédito foi
liberado baseando-se em grupos solidários.
3.6 Instituição Comunitária de Crédito do Município de Uberlândia – Banco do Povo
3.6.1 Características da Instituição de Microfinanças
A Instituição Comunitária de Crédito do Município de Uberlândia – também denominada
por Banco do Povo de Uberlândia – é uma instituição de microfinanças estruturada sob a forma
de uma OSCIP, foi fundada em março de 2003, e está situada no município de Uberlândia, região
do Triângulo Mineiro, no estado de Minas Gerais. A atuação da instituição de microfinanças
abrange todo o município de Uberlândia.
A Prefeitura Municipal de Uberlândia cedeu à instituição o valor de R$ 479.000,00, a
fundo perdido. Com esse capital o Banco do Povo constituiu sua agência única (com
aproximadamente R$ 79.000,00) e iniciou sua atividade creditória (com o restante, em torno de
R$ 400.000,00). Esses fatos ocorreram no início de 2003.
O BDMG disponibilizou para a instituição uma linha de crédito de R$ 2.000.000,00. Foi
realizado apenas um saque de R$ 500.000,00. Para realizar outro saque, o Banco do Povo deve
apresentar uma carteira ativa de R$ 1.200.000,00. Entretanto, a carteira ativa hoje está em torno
de R$ 950.000,00. O primeiro saque ocorreu em outubro de 2004.
108
A Archer Daniels Midland Company (ADM), uma empresa processadora e exportadora
de soja brasileira, disponibilizou dois empréstimos à instituição de microcrédito, sendo um de R$
100.000,00 e outro de R$ 150.000,00. Incidiram juros de 6% ao ano e pagamento um ano após
assinatura do contrato, em uma só vez.
Além desses, o Banco do Povo tomou empréstimos de R$ 100.000,00 com a Sadia S/A, a
Imobiliária Tubal Vilela e o Banco Bonsucesso, sendo que em todos os três casos a taxa de juros
era de 6% ao ano, e o pagamento deveria ser feito em uma única parcela ao final de um ano. No
caso do empréstimo do Banco Bonsucesso foi exigido emprestar ao tomador final com juros de
2% ao mês e dez meses para amortização. Esse critério foi utilizado por causa da exigibilidade
dos bancos de depósito concederem microcrédito a essa taxa de juros.
A tabela 27 explicita o número de operações e o montante emprestado pela instituição de
microfinanças durante o período de sua atuação. Para o caso do Banco do Povo de Uberlândia, os
valores emprestados não foram deflacionados.
Tabela 27
Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pelo Banco
do Povo de Uberlândia (2003-2005*)
Número de Operações Montante Liberado em Microcréditos
Ano
Valores
Absolutos
Taxa de
Crescimento
Anual
Valores
Liberados em
reais
Valores, em reais, ajustados
pelo Deflator do PIB para o
ano base 2003
Taxa de Crescimento Anual
dos Valores Ajustados
2003
481 – 711.980
2004
786 63% 1.502.154 111%
2005*
183 ** 406.035
Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
(*) Estão incluídos dados dos três primeiros meses do ano.
(**) Não foi calculada a taxa de crescimento pelo fato de os dados não serem comparáveis.
O valor do empréstimo médio concedido durante todo o período de atuação da instituição
de microfinanças é de R$ 1.807,00.
A evolução do patrimônio líquido do Banco do Povo de Uberlândia pode ser visualizada
na tabela 28.
109
Tabela 28
Evolução do Patrimônio Líquido do Banco do Povo de Uberlândia* (2002-2004)
Patrimônio Líquido
Ano
Valores Absolutos, em reais
Taxa de Crescimento Anual do Patrimônio
Líquido
2002
75.325,29 –
2003
617.089,60 **
2004
738.551,68 20%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
(*) Os dados não foram deflacionados nesse caso pelo fato de não se possuir uma série temporal considerável.
(**) Não foi explicitada a taxa de crescimento do patrimônio líquido em 2003 por conta do baixo nível de
comparação do ano anterior.
Em maio de 2005, o Banco do Povo de Uberlândia apresentava uma carteira ativa no
valor de R$ 964.178,16, enquanto a razão montante de empréstimos em atraso/ carteira ativa foi
de 4%, e a razão montante de empréstimos em inadimplência/ carteira ativa foi de 6%. O
entrevistado da instituição de microfinanças informou que a taxa de inadimplência da carteira
ativa praticamente dobrou entre o período de janeiro a maio de 2005.
Parte das disponibilidades da instituição de microfinanças é aplicada em um fundo de
renda fixa da Caixa Econômica Federal, o qual não foi especificado. O montante de recursos
nessa aplicação era de R$ 464.089,69 em dezembro de 2004. A razão aplicação em fundos de
investimento em instituição bancária tradicional/ valor do patrimônio líquido é de 63%, enquanto
a razão aplicação em fundos de investimento em instituição bancária tradicional/ valor da carteira
ativa é de 48%.
Uma informação interessante é que o saldo de recursos destinados a financiamentos que
utilizavam aval solidário era de apenas R$ 3.692,25 em dezembro de 2004.
O Banco do Povo de Uberlândia atua com 7 funcionários: 1 gerente operacional, 3
agentes de crédito, e 3 auxiliares administrativos.
3.6.2 Os Serviços Microfinanceiros
O Banco do Povo de Uberlândia oferece dois serviços microfinanceiros, ambos com
limites mínimo e máximo de R$ 100,00 a R$ 5.000,00, respectivamente, sendo o prazo máximo
de pagamento de 12 meses. Um dos serviços microfinanceiros se destina ao financiamento de
capital de giro e o outro ao financiamento de capital fixo. A taxa de juros cobrada é de 2,5% ao
110
mês. A taxa de abertura de crédito é de 3,38% e incide sobre o principal. Sobre esse montante
também incidem os juros de 2,5% ao mês. Além disso, o solicitante do microcrédito precisa
pagar uma taxa de R$ 30,00, referente à matrícula no curso “Aprender a Empreender”,
promovido pelo SEBRAE em parceria com a Fundação Roberto Marinho, que tem carga horária
de 24 horas.
O processo de liberação dos microcréditos envolve preenchimento de cadastro, visita do
agente de crédito e análise do comitê de crédito. Como concessão de garantias no financiamento
de capital de giro, o Banco do Povo de Uberlândia requer um avalista, que deve apresentar CPF,
CI, título de eleitor, comprovante de residência e comprovante de renda que seja de pelo menos
duas o valor da prestação assumida pelo solicitante do microcrédito. Como concessão de
garantias no financiamento de capital fixo, garantias reais são designadas em nome da instituição
de microfinanças. Em ambos os financiamentos, o solicitante do microcrédito precisa apresentar
CPF, CI, título de eleitor e comprovante de residência. Além disso, o solicitante não deve
apresentar restrições no SPC.
As visitas do agente de crédito têm a mesma função das outras instituições de
microfinanças já descritas: observar a real existência do empreendimento, informar o prazo de
atuação do empreendimento, e obter informações relacionadas à idoneidade do cliente solicitante.
A única diferença observada em relação às outras instituições é que o agente de crédito do Banco
do Povo de Uberlândia precisa confirmar que o solicitante do microcrédito resida no município a
pelo menos 2 anos.
Finalmente, o microcrédito é aprovado se o projeto a ser financiado for considerado viável
pelo comitê de crédito.
O prazo médio de pagamento dos microcréditos é de 10,49 parcelas. O Banco do Povo de
Uberlândia demonstrou que a meta da instituição é reduzir o prazo médio de pagamento dos
microcréditos, alegando-se a necessidade de fazer o capital da instituição girar mais rapidamente,
o que tem como resultado proporcionar um maior retorno a partir do mesmo capital. Por outro
lado, entretanto, a intenção de reduzir o prazo médio de pagamento dos microcréditos eleva o
valor médio das parcelas, o que pode ocasionar elevação da taxa de inadimplência.
111
3.6.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças
A instituição de microfinanças informou que houve uma inversão do gênero dos
beneficiários após o financiamento do BDMG. Antes, a maioria era composta por mulheres (em
torno de 54%). Atualmente, a maioria dos clientes é composta por homens, em torno de 54%.
Isso aconteceu porque para liquidar os R$ 500.000,00 do primeiro saque junto ao BDMG, o
Banco do Povo atuou intensivamente na Central de Abastecimento (CEASA) do município,
emprestando para agricultores, horticultores e feirantes que são, em sua maioria, homens.
Em relação à destinação de recursos, 23,45% das operações de crédito são destinadas ao
setor formal da economia, enquanto o restante das operações é direcionado ao setor informal.
Quanto ao ramo de atividade, 25,47% das operações são destinadas ao setor produtivo, 46,74%
ao comércio, e 27,79% ao setor de serviços. Em relação à finalidade do investimento, 22,32% das
operações são designadas ao financiamento de capital fixo, 71,51% ao financiamento de capital
de giro, enquanto que 4,61% e 1,56% das operações são destinadas, respectivamente, a
financiamentos mistos e à troca de cheques.
A média de idade das pessoas atendidas foi de 37 anos para as mulheres e de 38 anos para
os homens.
3.7 Rótula S/A Sociedade de Crédito ao Microempreendedor
3.7.1 Características da Instituição de Microfinanças
A Rótula S/A iniciou sua atuação em 1º de outubro de 1999, sendo a primeira sociedade
de crédito ao microempreendedor autorizada pelo Banco Central a atuar oferecendo serviços
microfinanceiros. Sua sede se encontra no município de Leopoldina, região da zona da mata
mineira.
A tabela 24 explicita a evolução do número de operações e do montante liberado em
microcréditos pela Rótula S/A. Não foram explicitadas as taxas de crescimento anuais para o
segundo ano de operações, já que em 1999 – primeiro ano de atuação da instituição de
microfinanças – observou-se apenas três meses de atuação. O número de operações da instituição
de microfinanças se elevou somente em 2001, sendo que nos anos seguintes o número de
112
operações foi sempre inferior que no ano anterior. O montante de recursos também observou a
mesma evolução. A taxa de crescimento anual dos valores emprestados ajustados pelo deflator do
PIB observou elevação apenas em 2001. Após 2001, assim como no caso do número de
operações, a cada ano o montante liberado corrigido pelo deflator do PIB sempre foi menor que
no ano anterior. Essas informações são explicitadas na tabela 29:
Tabela 29
Evolução do Número de Operações e do Montante Liberado em Microcréditos pela Rótula
S/A (1999-2004)
Número de Operações Montante Liberado em Microcréditos
Ano
Valores
Absolutos
Taxa de
Crescimento
Anual
Valores
Liberados em
reais
Valores, em
reais, Ajustados
pelo Deflator do
PIB (2000=100)
Taxa de
Crescimento
Anual dos
Valores
Ajustados
1999
11 – 18.481 20.025
2000
2.504 – 3.307.563 3.307.563
2001
3.669 47% 5.192.688 4.833.105 46%
2002
3.158 -14% 4.924.136 4.160.304 -14%
2003
2.184 -31% 3.955.264 2.946.193 -29%
2004
1.584 -29% 3.419.726
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
O valor do empréstimo médio concedido pela Rótula S.A., com o ajuste do deflator do
PIB, apresentou redução no ano de 2000 e manteve-se, a partir de então, em um nível pouco
superior a R$ 1.300,00. Esse valor, para efeito de comparação, se aproxima do valor apresentado
pelo Banco Popular de Ipatinga, que em 2003 apresentou valor médio dos microcréditos
concedidos ajustados pelo deflator do PIB igual a R$ 1.217,00 em 2003. Essas informações
podem ser visualizadas na tabela 30.
113
Tabela 30
Evolução do Empréstimo Médio Concedido pela Rótula S/A (1999-2004)
Anos
Valor Médio dos
Microcréditos, em reais
Valor Médio dos Microcréditos Ajustados Pelo
Deflator do PIB (2000=100)
1999
1.680 1.821
2000
1.320 1.321
2001
1.415 1.317
2002
1.559 1.317
2003
1.811 1.349
2004
2.209 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Em junho de 2005, a composição do passivo da instituição de microfinanças tinha 62% de
capital próprio e 38% referente a empréstimo concedido pelo BNDES, o qual tem seu valor
reajustado mensalmente pela TJLP. O pagamento desse empréstimo é feito trimestralmente,
sendo a última parcela prevista para 15 de março de 2009.
A evolução do patrimônio líquido da instituição pode ser visualizada na tabela 31:
Tabela 31
Evolução do Patrimônio Líquido da Rótula S/A. (1999-2004)
Patrimônio Líquido
Ano
Valores Absolutos,
em reais
Valores Absolutos,
em reais, ajustados
pelo Deflator no PIB
(2000=100)
Taxa de Crescimento Anual do
Patrimônio Líquido Corrigido
1999
198.942,58 215.562,44
2000
708.719,18 708.719,18 228%
2001
747.560,65 695.793,61 -2%
2002
750.147,79 633.784,89 -9%
2003
1.165.533,42 868.181,32 37%
2004
1.093.721,73 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
Pode-se observar que o patrimônio líquido com ajuste do deflator do PIB apresentou taxa
de crescimento negativa nos anos de 2001 e 2002. No ano de 2003, apresentou-se crescimento
considerável de 37% para a mesma variável. Todavia, pode-se presumir que no ano de 2004 a
114
taxa de crescimento tenha sido negativa, já que o valor absoluto, sem ajuste para inflação,
apresentou pequena redução.
A tabela 32 explicita a evolução da carteira ativa de microcréditos da instituição de
microfinanças. Em 2003, a taxa de crescimento da carteira ativa ajustada apresentou taxa de
crescimento negativa (-15%), após dois anos de crescimento considerável (90% e 35%).
Tabela 32
Evolução da Carteira Ativa de Microcréditos da Rótula S.A. (1999-2004)
Carteira Ativa
Ano
Valores Absolutos
(em reais)
Valores Absolutos, em reais,
ajustados pelo Deflator do PIB
(2000=100)
Taxa de Crescimento
Anual da Carteira Ativa
Ajustada
1999
15.524,17 16.821,07
2000
555.715,68 555.715,68
2001
1.134.186,68 1.055.646,57 90%
2002
1.681.385,91 1.420.569,37 35%
2003
1.624.246,72 1.209.867,20 -15%
2004
1.689.026,85 –
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
A carteira ativa de microcréditos apresentou taxa de crescimento positiva durante todo o
período. Deve-se relevar que os valores de cada ano não se referem a uma média entre os meses
do ano, mas ao valor observado na carteira no último mês do ano.
A taxa de inadimplência informada pela Rótula S.A. foi de 2,94% para a carteira ativa de
dezembro de 2004. A seguir é possível observar a tabela 33 que indica a evolução da
inadimplência média anual da carteira ativa da Rótula S.A.
Tabela 33
Evolução da Taxa de Inadimplência da Carteira de Microcréditos da Rótula S.A. (1999-
2004)
Anos 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Taxa de Inadimplência
0% 0,05% 0,58% 1,53% 2,35% 2,94%
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
A Rótula S.A. disponibilizou informações relacionadas às receitas, despesas e resultado
da instituição para todos os anos de sua atuação. No primeiro ano de atuação e em 2003 e 2004, a
instituição apresentou resultado total negativo. Esses dados podem ser visualizados na tabela 34.
115
Tabela 34
Receitas Totais, Despesas Totais e Resultados Anuais da Rótula S.A. – valores em reais
(1999-2004)
Anos Receitas Totais Despesas Totais Resultado Total
1999
4.634,95 5.692,37 (1.057,42)
2000
176.079,53 166.302,93 9.776,60
2001
526.667,22 487.825,75 38.841,47
2002
712.314,38 709.727,24 2.587,14
2003
849.883,35 941.941,26 (92.057,91)
2004
700.317,48 810.240,54 (109.923,06)
Fonte: Elaboração própria a partir de indicadores de desempenho cedidos pela instituição de microfinanças.
É interessante, todavia, desmembrar as receitas e despesas totais em receitas e despesas
operacionais e em receitas e despesas não-operacionais. Para esse tipo de informação, a Rótula
S.A. disponibilizou apenas dados referentes ao mês de maio de 2005. Segundo as informações
repassadas, a instituição de microfinanças apresentou receitas operacionais de um total de R$
44.844,56 e despesas operacionais de R$ 33.008,39 no mês de maio de 2005. Isso indica um
resultado operacional positivo de R$ 11.836,17. Em relação às receitas não-operacionais, a
instituição indicou um valor de R$ 11.101,09 no mês de maio de 2005. Pelo fato de não ter
apresentado despesas não-operacionais durante o mês de maior de 2005, o resultado não-
operacional foi positivo e de montante igual às receitas não-operacionais.
A instituição de microfinanças informou que parte das disponibilidades ociosas é
direcionada à aplicação em Certificados de Depósitos Bancários (CDB) de instituições bancárias
tradicionais. Segundo informações de junho de 2005, estavam aplicados R$ 324.478,29 em CDBs
junto ao Banco Cédula, R$ 160.371,33 em CDBs junto ao Banco Bradesco, e R$ 37.362,38 em
CDBs junto à Caixa Econômica Federal. Portanto, a soma de recursos direcionados a esse tipo de
aplicação por parte da instituição de microfinanças era de R$ 522.212,00 em junho de 2005.
No caso do Banco Popular de Ipatinga, parte das disponibilidades era direcionada a um
fundo de investimentos de instituição bancária tradicional. Calcularam-se, nesse caso, duas
razões para mensurar a participação dessas aplicações no balanço patrimonial da instituição: a
primeira razão é o valor aplicado em fundos de investimentos dividido pelo valor do patrimônio
líquido da instituição, e a segunda pode ser obtida pelo mesmo numerador da razão anterior
dividido pelo valor da carteira ativa da instituição de microfinanças.
116
Para o caso da Rótula S.A. construíram-se duas razões análogas, utilizando-se no
numerador o valor aplicado em CDBs nas instituições bancárias tradicionais. Para a razão
aplicações em instituição bancária tradicional/ patrimônio líquido obteve-se o valor de 48%,
curiosamente idêntico ao apresentado pelo Banco Popular de Ipatinga. A razão aplicações em
instituição bancária tradicional/ carteira ativa de microcréditos foi de 31%.
A Rótula S.A. atua com cinco funcionários, sendo um gerente, um agente de crédito, um
auxiliar de escritório, um office-boy e um auxiliar de serviços gerais.
3.7.2 Os Serviços Microfinanceiros
A taxa de juros cobrada pela Rótula S.A. é de 3,5% ao mês, devendo ser acrescidos IOF e
tarifas administrativas. Não há limite mínimo para concessão de empréstimos, sendo o limite
máximo de R$ 10.000,00. Os clientes pagam as parcelas através de boletos bancários, sendo
cobrado o valor de R$ 5,00 por cada boleto. Às vezes, cheques substituem os boletos, os quais
são depositados nas datas de vencimento das parcelas.
O procedimento de liberação do crédito envolve visita do agente de crédito ao
microempreendimento, sendo preenchido cadastro do cliente e dos avalistas. Para
microempreendimentos formais são solicitados cópias de contrato social e alterações,
comprovantes de endereço, cartão CNPJ e inscrição estadual, declaração de Imposto de Renda de
Pessoa Jurídica, relação de faturamento dos últimos 12 meses, CI e CPF de sócios e avalistas,
junto com os respectivos comprovantes de endereço e declarações de Imposto de Renda Pessoas
Física. A partir da elaboração do cadastro e da posse dos documentos, é efetuada pesquisa no
SERASA e um comitê de crédito formado pelo agente de crédito, do gerente e de um diretor
define o limite operacional do cliente. Implantado o limite o cliente já está apto a iniciar as
operações.
Em relação à concessão de garantias, a instituição de microfinanças não apresentou
informações precisas. Afirmou-se que a grande maioria dos microcréditos é liberada a partir da
indicação de avalista, sendo utilizada a concessão de garantias reais em um número menor de
casos, pois a utilização dessas garantias depende do tipo de atividade do cliente. Normalmente,
são indicados maquinário da atividade produtiva, computadores e veículos como garantias reais.
117
3.7.3 Características da Demanda da Instituição de Microfinanças
A instituição de microfinanças não possui dados precisos relacionados ao grau de
escolaridade e idade. Acredita-se que a maior parte dos clientes se situa na faixa de idade entre 25
e 45 anos. Além disso, avalia-se que boa parte dos clientes é profissional liberal. A maior parte
dos clientes possui ensino médio e fundamental, sendo que esse grupo representa a maior
proporção. Finalmente, 48% dos clientes são incluídos no setor formal e o restante (52%) no setor
informal.
3.8 Conclusões
Pode-se afirmar que para todas as instituições de microfinanças que disponibilizaram
séries temporais acerca da evolução do valor médio do microcrédito se observa a tendência
explicitada por Prota (2003) de democratização do crédito no Brasil. Entretanto, é questionável o
argumento de que a diminuição dos valores médios dos empréstimos concedidos signifique
democratização do acesso ao crédito. Deve-se levar em conta que o valor médio do microcrédito
encontra-se bem acima dos valores mínimos que são disponibilizados pelas instituições de
microfinanças, fato que embasa a democratização do crédito mas não indica a abrangência dos
demandantes de mais baixa renda da sociedade. Portanto, a redução do valor médio do
microcrédito é um dos aspectos que caracterizam uma possível democratização, não sendo,
porém, o aspecto principal.
Uma constatação importante é a de que todas as instituições de microfinanças
investigadas e que não são SCMs receberam consideráveis volumes de doações. Além disso,
cinco das instituições de microfinanças analisadas acessaram linhas de crédito de bancos de
desenvolvimento estatais a baixas taxas de juros e com prazos de carência consideráveis.
Outra constatação importante foi a observação de uma taxa de inadimplência média de
4,58%, valor que se situa acima do intervalo de 1% a 3% considerado como aceitável conforme
presente em Nichter et alli (2002).
Em relação à viabilidade financeira institucional, pouco se pode depreender dos dados
explicitados já que apenas três instituições cederam informações precisas. Duas instituições de
microfinanças apresentaram viabilidade financeira institucional em todos os anos de sua
118
existência, enquanto uma instituição apresentou resultado negativo em três anos, os quais foram
de montante superior ao resultado positivo de outros três anos. Os resultados líquidos positivos
de uma das instituições de microfinanças que se apresentou viável financeiramente são obtidos a
partir de resultados não-operacionais positivos que compensam os resultados operacionais
negativos.
Quatro das instituições de microfinanças afirmaram manter considerável montante
aplicado em fundos de investimento nos bancos tradicionais. Duas instituições de microfinanças
mantêm boa parte de seus recursos ociosos em aplicações bancárias como CDBs e fundos DI.
Em relação ao serviço microfinanceiro, três constatações podem ser descritas. Em
primeiro lugar, apenas três instituições empregam o aval solidário como garantia substitutiva. Em
uma delas, o saldo dos recursos liberados que empregou esse tipo de garantia era de apenas R$
3.692,25. Em outra são também solicitados garantias reais e a disponibilização de cheques dos
clientes como garantia e forma de se cobrar as parcelas. Uma terceira instituição de
microfinanças empregava o método até o ano de 2004, sendo que, atualmente, utiliza-se apenas o
avalista como concessão de garantia. Em segundo lugar, pode-se observar uma considerável
exigência de documentações e de procedimentos aos clientes, o que eleva os custos de transação
e pode prejudicar o acesso dos clientes de mais baixa renda. Finalmente, o preço do crédito,
expresso pela taxa de juros cobrada e por outras taxas, tem se demonstrado elevado. A média da
taxa de juros cobrada pelas instituições de microfinanças analisadas foi de 3,53% ao mês, o que
equivale a uma taxa de juros anual um pouco superior a 50%. Além da taxa de juros, existe na
maioria dos casos a cobrança de uma taxa de abertura de crédito, que variou de 0,5% a 3,38%.
Outro custo que normalmente incide sobre os clientes é o da boleta bancária necessária à
cobrança das parcelas dos financiamentos. Esse tipo de custo pode induzir o tomador a escolher
um financiamento com menos parcelas e provocar a elevação da taxa de inadimplência.
Analisando a hipótese do presente trabalho – de que o microcrédito no Brasil se
assemelharia ao crédito disponibilizado pelo setor bancário tradicional – a partir do explicitado
nas seções anteriores, pode-se fazer duas conclusões. Em relação ao serviço disponibilizado, há
uma estreita semelhança entre os dois tipos de crédito devido ao fato de as instituições de
microfinanças requisitarem documentos e procedimentos que aumentam consideravelmente os
custos de transação dos tomadores, além de não utilizarem metodologias de concessão de
119
garantias capazes de eliminar o risco moral e a seleção adversa presentes no crédito tradicional, e
pelo fato de cobrarem taxas de juros relativamente altas sem considerarem que o seu funding é,
na maioria das vezes, composto por doações e linhas de crédito subsidiadas. Em relação à grande
presença de aplicações em instituições bancárias na composição do ativo das instituições de
microfinanças, deve-se relevar que a manutenção da política econômica de elevadas taxas de
juros é maléfica à expansão do microcrédito, já que grande parte dos recursos das instituições de
microfinanças é destinada a aplicações nos bancos tradicionais lastreadas por títulos de dívida
pública federal.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe uma divergência entre o objetivo das instituições bancárias tradicionais e o
interesse dos formuladores de políticas econômicas quanto ao atendimento da demanda por
crédito em uma economia: aquelas racionam crédito como conseqüência de seu comportamento
racional enquanto estes almejam a expansão do crédito como forma de propiciar o
desenvolvimento econômico. Devido à metodologia de concessão do crédito bancário tradicional,
os agentes de mais baixa renda e as empresas informais são excluídos do acesso ao crédito
disponibilizado pelas instituições bancárias tradicionais.
Uma tendência em direção a essa exclusão pode ser claramente observada a partir da
análise do comportamento do mercado de crédito bancário brasileiro durante a década de 1990.
Após o Plano Real, o comportamento racional das instituições bancárias tradicionais foi eliminar
as dependências bancárias caracterizadas por elevados custos médios – situadas em sua maioria
em regiões de mais baixa renda – e expandir o crédito, mesmo que de maneira efêmera, nas
dependências bancárias remanescentes. Sob uma análise mais ampla do sistema financeiro
nacional, observou-se que a entrada de instituições bancárias estrangeiras não alterou a dinâmica
de funcionamento do mercado de crédito bancário, sem ampliar prazos ou reduzir os custos e a
seletividade.
Diante de tal racionamento, as possibilidades de expansão do crédito podem ser
examinadas sob o enfoque de uma metodologia de concessão de financiamentos alternativa à
empregada pelas instituições bancárias tradicionais: o microcrédito. O objetivo dessa dissertação
foi construído nesse sentido: analisar as possibilidades de ampliação do crédito no Brasil através
da atuação das instituições de microfinanças, que são, em tese, as entidades responsáveis pela
disponibilização do microcrédito e de outros serviços microfinanceiros. A hipótese que delineou
a busca de tal objetivo consiste no pressuposto de que as instituições de microfinanças brasileiras
não apresentariam distinções relevantes em relação à atuação das instituições bancárias
tradicionais, principalmente quanto às metodologias de concessão de créditos.
É preciso, finalmente, julgar a hipótese adotada. O crédito bancário tradicional é
caracterizado por requerimentos a indivíduos e empresas – como comprovações de renda e de
121
receitas, alienação fiduciária de bens, dentre outros – como forma de se ter acesso efetivamente a
uma linha de crédito. O microcrédito, por sua vez, deve possuir características que o permitam
atender aos excluídos do setor bancário tradicional, ao empregar metodologias de concessão de
crédito capazes de eliminar ou minimizar os problemas informacionais que impedem a expansão
do volume de crédito sob a atuação do setor bancário tradicional. Uma dessas metodologias seria
o oferecimento de garantias pelos créditos através do aval solidário, que consiste em imputar aos
membros de um grupo de tomadores a responsabilidade pelo pagamento das parcelas em atraso
de um componente qualquer do mesmo grupo. Além disso, duas características do microcrédito
que devem ser destacadas são: a cobrança de uma taxa de juros inferior à praticada no mercado
de crédito bancário tradicional e a minimização de solicitações burocráticas. A primeira se deve
ao fato de o microcrédito ter que ser atraente aos excluídos do setor bancário tradicional enquanto
a segunda precisa ser observada para que não se eleve o custo de transação de obtenção dos
financiamentos.
Como observado na explicitação das informações obtidas junto a instituições de
microfinanças situadas no estado de Minas Gerais, há similitudes entre a operacionalização dos
serviços microfinanceiros oferecidos pelas instituições de microfinanças e a operacionalização
dos serviços financeiros oferecidos pelas instituições bancárias tradicionais.
Foi explicitada uma taxa média de juros relativamente alta: 3,53% ao mês, o que equivale
a uma taxa de juros anual um pouco superior a 50%. Dois apontamentos podem ser efetuados em
relação a essa taxa de juros. Em primeiro lugar, constatou-se que, na maioria das vezes, o funding
das instituições de microfinanças é composto por doações e pelo acesso a linhas de crédito
disponibilizadas por bancos de desenvolvimento estatais. Na amostra, apenas as Sociedades de
Crédito ao Microempreendedor não receberam doações devido ao seu caráter estritamente
privado, sendo que uma delas acessou linha de crédito de banco de desenvolvimento estatal.
Portanto, em grande parte dos casos a cobrança de uma taxa de juros elevada não pode ser
justificada pela formação de funding a partir do passivo oneroso. Em segundo lugar, uma taxa de
juros ao nível que se está sendo cobrado pelo microcrédito se aproxima, por exemplo, à taxa de
juros do Crédito Direto ao Consumidor que é oferecido pelas instituições bancárias tradicionais.
Não se pode supor que microempreendimentos caracterizados por baixa produtividade sejam
capazes de assumir financiamentos a taxas de juros superiores a 50% ao ano. Isso poderia ser
122
uma das explicações para a observação de uma elevada taxa de inadimplência das carteiras de
microcrédito das instituições de microfinanças analisadas.
Uma outra observação na amostra foi a constatação de muitos requerimentos burocráticos
no processo de concessão do microcrédito. As solicitações de procedimentos, como, por
exemplo, consultas a vários cadastros de inadimplentes, e a utilização na maioria das vezes de
avalista/ fiador ou garantias reais como metodologia de concessão de garantias, fazem o
microcrédito se aproximar da metodologia de concessão de crédito das instituições bancárias
tradicionais. Três instituições de microfinanças indicaram a utilização do aval solidário.
Entretanto, uma delas empregava alternativamente o pagamento das parcelas através de cheques e
o uso de alienação fiduciária dos bens, outra apresentou baixíssimo volume de recursos
disponibilizados através dessa metodologia, e a terceira demonstrou ter empregado tal
metodologia no começo de sua atuação, utilizando-se atualmente apenas de avalistas/ fiadores
como meio de se conceder garantias. Deve-se considerar que a utilização de avalistas/ fiadores ou
de garantias reais como meio de se conceder garantias requer um amplo aparato jurídico
necessário à efetiva recuperação dos valores em inadimplemento, o que tem por conseqüência
elevar sobremaneira os custos das instituições de microfinanças e desvirtuar o serviço financeiro
oferecido. Diante da similitude entre os dois créditos, provavelmente o demandante que deveria
ser alvo dos serviços de microfinanças continue sendo marginalizado do acesso a serviços
financeiros.
Além das semelhanças quanto aos serviços financeiros disponibilizados, há um certo
paralelo das instituições bancárias tradicionais e as instituições de microfinanças no que se refere
à conformação da estruturação de seus respectivos ativos: a considerável participação de títulos
de dívida pública federal no caso das instituições bancárias tradicionais e a importante
participação de aplicações financeiras das instituições de microfinanças junto às próprias
instituições bancárias tradicionais, aplicações que são na maioria das vezes lastreadas por títulos
públicos federais.
Pode-se, portanto, aceitar a hipótese adotada, de similitudes entre o crédito bancário
tradicional e o microcrédito. Diante disso, cabe avaliar quais as alternativas despontam para que
se criem melhores perspectivas de ampliação do volume de crédito no Brasil.
123
Devido ao problema comum observado no âmbito da atuação das instituições de
microfinanças e das instituições bancárias tradicionais, referente à grande atratividade dos títulos
de dívida pública brasileira, duas propostas podem ser conformadas. Quanto às instituições de
microfinanças, poderiam ser estudadas regras que limitassem gradualmente a participação de
aplicações financeiras nos ativos das instituições de microfinanças, como forma de se incentivar
as aplicações dos recursos na carteira de microcréditos. Quanto às instituições bancárias
tradicionais, seria necessária uma reformulação no tratamento dado ao risco conferido aos títulos
públicos federais no cálculo do Patrimônio Líquido Ajustado.
Analisando as possibilidades de expansão do crédito sob a rubrica do microcrédito, é
preciso que sejam reformuladas as metodologias empregadas na concessão dos créditos. Algumas
instituições de microfinanças têm optado por um maior crescimento da carteira de microcrédito.
Diante de tal opção, a minimização da inadimplência ocorre pela adoção de metodologias de
concessão de crédito que fogem da concepção original o microcrédito. Como visto, o aval
solidário não tem sido utilizado, sendo os financiamentos garantidos de maneira semelhante à
observada nas instituições bancárias tradicionais. Além disso, as taxas de juros precisam ser
diminuídas por dois motivos. Primeiramente, pelo fato de o funding das instituições de
microfinanças serem na maioria das vezes formado por doações e créditos subsidiados pelos
bancos de desenvolvimento estatais. Em segundo lugar, pelo fato de a taxa de juros ter que ser
atraente aos tomadores de mais baixa renda, os quais, de acordo com o proposto por Yunus
(2000), não teriam impacto na elevação da taxa de inadimplência se forem empregadas
metodologias corretas de concessão dos microcréditos. Uma outra preocupação que se deve
apregoar nas instituições de microfinanças se refere à redução dos requerimentos de documentos
e de procedimentos como requisito ao acesso aos créditos, o que também teria como
conseqüência a elevação da atratividade do serviço microfinanceiro às camadas de mais baixa
renda.
De uma maneira resumida, é clara a noção de que o microcrédito deve ser destinado aos
excluídos do sistema bancário tradicional. Para atender a essa definição é preciso que se observe
a metodologia empregada pelas instituições bancárias tradicionais e criar alternativas para que
seja disponibilizado crédito de maneira ampla. Todavia, deve-se levar em conta também outras
políticas, como treinamento profissionalizante, educação e saúde, que, se não conjugadas aos
124
programas de microcrédito, não se alcançará o efeito desejado sobre o desenvolvimento
econômico, como demonstrado pela experiência de Yunus (2000).
125
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