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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA
As Ultime lettere di Jacopo Ortis, de Ugo Foscolo
Análise acompanhada de tradução comentada e anotada
Maria Tereza Buonafina
São Paulo
2006
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA
As Ultime lettere di Jacopo Ortis, de Ugo Foscolo
Análise acompanhada de tradução comentada e anotada
Maria Tereza Buonafina
Orientador: Profª Drª Roberta Barni
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Língua e Literatura
Italiana, do Departamento de Letras
Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo para a obtenção do título de Mestre em
Letras.
São Paulo
2006
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3
Em memória de minha mãe
Rosa Maria
4
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª. Lucia Wataghin, minha primeira orientadora;
Ao Prof. Dr. Pedro Garcez Ghirardi, quem primeiro me apresentou Foscolo;
À Profª. Drª. Roberta Barni, pela orientação e pelas revisões;
À Profª. Drª. Marzia Terenzi Vicentini, pelo apoio bibliográfico;
A Afonso Teixeira Filho, tradutor e companheiro, pelo estímulo e ajuda na tradução dos
versos;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES, pela ajuda
financeira.
5
Libertà va cercando ch’è sì cara
Come sa chi per lei vita rifiuta.
Dante
6
RESUMO
Ugo Foscolo (1778-1827), poeta neoclássico italiano, é considerado uma figura de
relevo na Literatura Italiana e universal. Apesar disso, é muito pouco conhecido dos
leitores de língua portuguesa. Foi precursor da prosa moderna italiana com um romance
epistolar de caráter pré-romântico, Ultime lettere di Jacopo Ortis, nunca traduzido para
o português. O intuito desta dissertação é apresentar o autor ao público brasileiro, por
meio desse romance. O trabalho conta com uma análise da obra, acompanhada de uma
seleção de cartas traduzidas, comentadas e anotadas, levando em conta os aspectos
históricos, literários, estilísticos e temáticos. No capítulo 1, tratamos da vida e obra do
autor; em seguida, das Ultime lettere: seu conteúdo e crítica; no capítulo 2, das
características do romance epistolar, do seu aspecto formal, dos temas que aparecem no
romance, das obras e autores que o influenciaram, e que nele são mencionados; no
capítulo 3, do trabalho e das idéias de Foscolo a respeito de tradução; dos critérios
adotados nesta dissertação para a escolha e tradução das cartas que se encontram no
final do volume. O critério para a tradução das cartas levou em conta idéias sugeridas
pelo próprio Foscolo e discutidas no capítulo 3; recorreu-se também a várias edições da
obra em italiano, a traduções para o inglês e espanhol, a dicionários especializados e à
leitura de autores brasileiros e portugueses contemporâneos de Foscolo, com o objetivo
de se produzir um texto que refletisse a linguagem da época. A tradução vem
acompanhada de notas que visam esclarecer ao leitor alusões históricas e literárias e
problemas textuais do romance.
Palavras-chave: Ugo Foscolo; Literatura Italiana; teoria do romance; teoria da tradução;
pré-romantismo.
7
ABSTRACT
Ugo Foscolo (1778-1827), Italian classical poet, is considered to be an important name
in both Italian and universal literature. Nevertheless he is almost unknown to the readers
in Portuguese language. He was the precursor of modern Italian prose due to his
epistolary novel Ultime lettere di Jacopo Ortis (Last Letters of Jacopo Ortis), a Pre-
Romantic work never translated into Portuguese. The aim of this dissertation is to
present, through this novel, the author to the Brazilian reader. It includes an analysis of
the novel, followed by a selection of commented and annotated translated letters,
considering their historical, literary, stylistics and thematic aspects. In the first chapter
we discuss first the author’s life and work, and then Last Letters: its contents and the
critics about it. In the second chapter we discuss the characteristic of the epistolary
novel, its formal aspects, the themes inside the novel, the works and the authors that
influenced it and are mentioned in it. In the third chapter, we discuss Foscolo’s works
and ideas on translation, the criterion adopted here to chose and translate the letters in
the end of the volume. Our translation criterion is based on Foscolo’s ideas discussed in
the third chapter. We also consulted several editions of the work in Italian, its English
and Spanish translations and specialized dictionaries. We have read several Brazilian
and Portuguese writers who lived in the same time as Foscolo with the aim of producing
a text reflecting the language of Foscolo’s time. Following the translation there are
notes explaining historical and literary allusions or textual difficulties of the novel.
Keywords: Ugo Foscolo; Italian Literature; Theory of the Novel; Translation Studies;
Pre-Romantism.
8
9
SUMÁRIO
1.
1.1
1.2
1.3
1.4
2
2.1
2.11
2.2
2.3
3
3.1
3.2
3.3
INTRODUÇÃO
UGO FOSCOLO E AS ULTIME LETTERE DI JACOPO ORTIS............
Foscolo: de Zante a Florença.....................................................................
A história das
10
Di se stesso
Non son chi fui; perì di noi gran parte:
questo che avvanza è sol languore e pianto.
E secco è il mirto, e son le foglie sparte
del lauro, speme al giovenil mio canto.
Perché dal dì ch'empia licenza e Marte
vestivan me del lor sanguineo manto,
cieca e la mente e guasto il core, ed arte
la fame d'oro, arte e in me fatta, e vanto.
Che se pur sorge di morir consiglio,
a mia fiera ragion chiudon le porte
furor di gloria, e carità di figlio.
Tal di me schiavo, e d'altri, e della sorte,
conosco il meglio ed al peggior mi appiglio,
e so invocare e non darmi la morte.
Ugo Foscolo
11
INTRODUÇÃO
O período que vai de 1789 a 1848 na Europa é uma época revolucionária na qual
ocorreram transformações nos diversos ramos da vida social, provocando um grande
florescimento e expansão das artes, principalmente na literatura, com a difusão do
romance. Os pensadores dessa época, movidos por um sentimento nacionalista,
inspiravam-se em assuntos públicos, militavam na política e chegavam a tomar parte
nas guerras de independência. A consciência patriótica e os movimentos de libertação
ou de unificação nacional estavam se desenvolvendo. Seu reflexo nas artes foi o
Romantismo.
Tempos de transição e de crise, agitados pela Revolução Francesa e por
Napoleão, ocasionaram na Europa uma vaga revolucionária que se traduziu não apenas
em guerras e insurreições populares, mas também em revoltas íntimas. Muitos artistas e
intelectuais que viam Napoleão como libertador logo se decepcionaram. Foi o que
aconteceu com Ugo Foscolo (Zante, 1778 – Londres, 1827), em uma Itália que esperaria
mais alguns anos pela unificação.
Foscolo destacou-se por sua participação ativa em muitas áreas. Além de poeta,
foi pensador, professor, crítico, jornalista, tradutor e soldado. De espírito aberto, desde
muito jovem interessou-se pelas novidades da cultura européia: Rousseau, Goethe, os
poetas e prosadores ingleses, e também os autores clássicos gregos e latinos e os
italianos. Viveu o período de irradiação das idéias iluministas, a época da Revolução
Francesa, das guerras napoleônicas e da Restauração; e, com elas, a decadência da
aristocracia e a ascensão da burguesia.
A esperança de uma Europa livre, republicana, produto de uma revolução,
mostrou-se decepcionante, a ponto de fraquejar diante dos acordos de bastidores. O
sonho de liberdade para a Itália desvaneceu-se com o Tratado de Campofórmio, uma
jogada diplomática na qual Napoleão cedia Veneza aos austríacos. Para os venezianos,
foi uma capitulação.
A assinatura do Tratado abre o romance epistolar Ultime lettere di Jacopo Ortis.
Esse romance, publicado inicialmente em 1798, passou por rias edições, até a
definitiva de 1817, e é considerado um precursor da prosa moderna italiana.
Dele trataram os críticos mais eminentes; o Ortis e seu autor influenciaram o
romantismo italiano e até mesmo o Risorgimento, movimento pela unificação e
12
libertação da Itália, no século XIX; a obra de Foscolo exerceu influência também fora
da Itália e continua a ser lida e traduzida até os dias de hoje. No entanto, até onde
sabemos, não há tradução em português das Ultime lettere.
O intuito deste trabalho é, portanto, o de tornar Foscolo mais conhecido para o
leitor de língua portuguesa por intermédio das Ultime lettere. O trabalho contará com
uma análise da obra, acompanhada de uma seleção de cartas traduzidas, comentadas e
anotadas, levando em conta os aspectos históricos, literários, estilísticos e temáticos.
A tradução amparou-se na leitura atenta da obra e de sua crítica, na análise
textual e nas edições anotadas. Foi dada atenção às características do romance epistolar,
ao vocabulário da época e à linguagem foscoliana, que nesse romance é um misto de
prosa e poesia.
* * *
A importância das Ultime lettere di Jacopo Ortis pode ser percebida por meio
das várias traduções modernas: Além da tradução inglesa de J. G. Nichols (The Last
Letters of Jacopo Ortis), e da espanhola de Angelica Valentinetti (Las últimas cartas de
Jacopo Ortis)
1
, usadas neste trabalho, também a alemã de Hans-Timotheus Kröber
(Die letzten Briefe Von Jacopo Ortis), a norueguesa de Tommy Watz (Zacopo Ortis’
siste brev) e a polonesa de Bárbara Sieroszewska (Ostatnie listy Jacopa Orta). Na
Rússia o romance recebeu o título de Posliédnie pismá Jácopo Órtissa; na Finlândia, de
Jacopo Ortisin viimeiset kirjeet; e na Hungria, de Jacopo Ortis utolsó levelei (tradução
de Berczeli Anzelm Károly). Há também uma tradução para o catalão por Xavier
Bonillo (Lês darreres cartes de Jacopo Ortis) e uma outra para o francês, por Auguste
Trognon (Dernières lettres de Jacopo Ortis).
A primeira tradução de uma obra de Foscolo, no Brasil, de que tivemos notícia,
data de 1842
2
, feita por um intelectual italiano que viveu no Rio de Janeiro. Nela consta
a tradução do poema Dei Sepolcri, de Foscolo, junto com a de outros poemas sobre o
mesmo tema: de Ippolito Pindemonte (1733-1828) e de Giovanni Torti (1774-1852), e
1
Existem, pelo menos, mais duas traduções para o espanhol: a de A. González-Blanco (1919) e a de C.
Rivas Cherif (1920).
2
Luiz Vicente de Simoni, Gemidos Poéticos sobre os túmulos, ou Carme epistolare de Hugo Foscolo.
Rio de Janeiro: s.c.p., 1842. Antonio Candido menciona esse livro na Formação da literatura Brasileira
(p. 405). Existe um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade (São Paulo).
13
um poema da própria autoria do tradutor, também sobre os túmulos. A época em que se
publicou esse livro coincide com a segunda geração romântica, na qual despontavam
temas fúnebres e melancólicos. Talvez venha daí a escolha do tradutor. O mesmo
poema foi traduzido em Portugal com o título Dos túmulos
3
.
No Brasil, em 1944 foi elaborada uma pequena antologia de poemas de Foscolo
em tradução
4
. Mais recentemente, 1992, foi defendida uma tese
5
sobre o autor. Este
último trabalho em Foscolo um protagonista ativo dos acontecimentos de sua época,
um escritor que valorizava a função dos intelectuais e das letras e um defensor da língua
italiana. A autora procura, entre outras coisas, mostrar a intensa vitalidade teórica dos
escritos de Foscolo, o que, segundo ela, aponta para a modernidade do escritor.
Em relação às Ultime lettere a autora escreveu: “Campoformio diventerà il
simbolo della servitù d’Italia nel romanzo giovanile del Foscolo, Ultime lettere di
Jacopo Ortis, che sarà l’opera più letta tra i giovani patrioti italiani.”
6
Essas poucas linhas resumem o tema maior do romance, a posição de servidão
em que a Itália se encontrava diante dos acontecimentos políticos do final do século
XVIII. Um desses acontecimentos, o Tratado de Campofórmio, de 17 de outubro de
1797, marcou a vida e a obra de Foscolo. O romance trata desse tema na primeira
carta:
Il sacrificio della patria nostra è consumato: tutto è perduto; e la vita, seppure ne verrà
concessa, non ci resterà che per piangere le nostre sciagure, e la nostra infamia. Il mio
nome è nella lista di proscrizione, lo so: ma vuoi tu ch’io per salvarmi da chi m’opprime
mi commetta a chi mi ha tradito?
7
3
Ugo Foscolo, Dos túmulos. Tradução de Humberto de Souza Reis, Lisboa, s.c.p., 1954.
4
Idem, A lírica. Tradução e comentário estético de Giulio Davide Leoni. São Paulo, Sonora, 1944.
5
Marzia Terenzi Vicentini, Foscolo e le discussioni linguistiche del settecento. Curitiba: Universidade
Federal do Paraná, 1992. Tese para o Concurso de Professor Titular na área de Literatura Italiana.
6
“Campofórmio se tornará o símbolo da servidão da Itália no romance juvenil de Foscolo, Ultime lettere
di Jacopo Ortis, que será a obra mais lida entre os jovens patriotas italianos.” Idem, ibidem, p. 64. (As
traduções de citações são minhas, exceto quando expresso o contrário.)
7
“O sacrifício de nossa pátria está consumado: tudo está perdido; e se, por acaso, a vida nos for
concedida, será apenas para chorarmos nossas desgraças e nossa desonra. Eu sei que o meu nome está
na lista dos proscritos, mas queres tu que eu, para libertar-me de quem me oprime, una-me a quem me
traiu?”
14
Mas, não foi apenas esse romance que repercutiu entre os jovens; foi também
toda a obra de Foscolo e as atitudes dele perante a situação política da Itália, somadas à
luta pela formação da consciência nacional. Uma dessas atitudes foi a que ele tomou
após a queda de Napoleão, em 1815, preferindo o exílio a submeter-se ao governo
austríaco; algo semelhante ao trecho da carta acima.
8
* * *
A obra de Foscolo passou a ser estudada e valorizada por Silvio Pellico (1789-
1854) e Giuseppe Mazzini (1805-1872), escritores participantes do Risorgimento. Após
a consolidação da unificação italiana, em 1871, os restos mortais de Foscolo foram
levados de Londres onde o autor morrera e estava sepultado [FIGURA 4] a
Florença, para serem depositados na igreja de Santa Croce [FIGURA 5], a mesma igreja
celebrada no poema Dei Sepolcri. Era o reconhecimento dos nacionalistas italianos a
um grande poeta, finalmente sepultado ao lado de Michelangelo, Maquiavel, Alfieri e
outros grandes nomes da Itália.
* * *
O crítico contemporâneo Mario Fubini, ao pesquisar sobre Foscolo, escreveu:
Anche mi è parsr8397( )-61(a).66129( )-66.9399(r)-0.332636(i)-0.688397vheenr8397( )-( )-66.9399eè cr8397( )-(r)-0.332636(r)-0.332636eèr8397( )-ghenr8397( )-( )-66.9399q esi s
15
A complexidade da obra de Foscolo, sua aparente dispersão de assuntos e os
múltiplos aspectos neles envolvidos deram origem a muita polêmica, ocasionando,
muitas vezes, dificuldades para os críticos. Nas Ultime lettere encontramos tudo isso.
Mas esse problema se resolveu pela escolha de um gênero apropriado à diversidade: o
gênero epistolar, um gênero novo e, portanto, moderno.
O crítico italiano Benedetto Croce nos fala dessa grande complexidade: “Il
Foscolo pensò vivi e fecondi pensieri sull’uomo, sull’arte, sulla politica, sulla morale,
sulla storia, sulla religione”.
10
Uma característica importante das Ultime lettere, portanto, é o fato de apresentar
diversidade temática e de estilo. O histórico do romance também é conturbado: passou
por várias edições ao longo de quase vinte anos, e foi sofrendo modificações e
acréscimos de acordo com os acontecimentos vividos pelo autor. Foi considerado pelos
críticos um romance autobiográfico, o que o próprio Foscolo confirma na Notizia
bibliografica que acompanhava a edição de 1817.
De acordo com o crítico Walter Binni: “L’Ortis è un libro che si presenta come
composto a strati, abbozzato, scritto e riscritto in epoche diverse: da ciò derivano in
parte anche certi suoi sbalzi di tono”.
11
O fato de Foscolo ter escrito e reescrito o romance em épocas diferentes,
sobrepondo uma versão à outra, como se estivesse escrevendo em camadas, poderia
explicar a variedade de estilos e temas. Mas essa variedade é também própria do gênero
epistolar, como veremos no capítulo 2.1. Esse tipo de romance proporcionava a
Foscolo, poeta, manifestar de imediato sentimentos e lirismo, e com uma liberdade que
a métrica da poesia não lhe permitia. Como não havia tradição narrativa na Itália,
recorreu à técnica narrativa européia para criar o romance italiano.
O romance foi a prosa do século XVIII na Inglaterra. A literatura narrativa, antes
dele, restringia-se às epopéias escritas em versos e aos contos, fábulas e outros gêneros
curtos. Apesar de existir o romance de cavalaria na Inglaterra, na Espanha, em
Portugal e na Alemanha, por exemplo, o gênero pouco se difundiu na Itália. Quando o
romance propriamente dito começa a ser publicado e se torna uma literatura comercial,
10
16
ele tem a forma de um epistolário. O iniciador deste gênero na literatura italiana foi Ugo
Foscolo.
* * *
Para este trabalho adotamos a edição definitiva de 1817. Faremos referência às
outras edições quando necessário.
O romance está estruturado do seguinte modo: é uma coleção de cartas, todas
elas do punho de Jacopo Ortis, um estudante de Veneza, que depois do Tratado de
Campofórmio se refugia nas Colinas Eugâneas [FIGURA 2], na região do Vêneto. Lá,
conhece Teresa, uma moça pela qual se apaixona. Ela, apesar de corresponder ao amor
de Jacopo, tinha sido prometida em casamento, por conveniência, a outro homem. Duas
grandes desilusões tomam conta de Jacopo: o problema político relacionado à liberdade
da pátria e o amor impossível por Teresa. As cartas são endereçadas a um amigo,
Lorenzo Alderani, que depois da morte de Ortis, as reunirá e publicará.
O romance divide-se em duas partes: a primeira, desenvolve-se em torno do
amor de Ortis por Teresa; a segunda, trata da peregrinação de Ortis pela Itália. No
decorrer da viagem, o pessimismo que sentia em relação aos problemas políticos e em
relação a Teresa vai tomando conta dele.
Apesar da semelhança com Os sofrimentos do jovem Werther, de J. W. Goethe
(1749-1832), quer no conteúdo, quer no gênero (romance epistolar), os sofrimentos de
Jacopo Ortis assemelham-se mais aos de Foscolo. O Ortis está mais relacionado à vida
de Foscolo do que o Werther à de Goethe. E as questões apresentadas nas Últimas
cartas são mais políticas do que pessoais, estando elas atreladas aos problemas da Itália.
Nisso reside boa parte da originalidade do autor. Mas o Werther não é a única fonte de
inspiração do romance. Foscolo inspirou-se também em Vittorio Alfieri (1749-1803), na
vida de Catão de Útica (95-46 a. C.), nos poemas em prosa de James Macpherson
(1736-1796), atribuídos a Ossian, e em outros autores aos quais se refere de maneira
direta (explicitamente) ou indireta (por meio de paráfrases).
* * *
Acompanhando Fubini “attraverso la selva delle questioni foscoliane”, ou seja,
pela gama de possibilidades que Foscolo nos oferece, vamos nos deter nos temas
17
principais das Ultime lettere. As questões acima apresentadas serão mais detalhadas nos
seus respectivos capítulos.
No capítulo 1, discutiremos a trajetória do poeta e de sua obra, a história das
Ultime lettere, bem como a trama, o estilo e a linguagem do romance; no capítulo 2, a
análise do romance segundo as influências que Foscolo recebeu, e os temas dos quais
ele trata; e, no capítulo 3, os critérios utilizados para a tradução e para a seleção das
cartas que serão apresentadas em seguida, comentadas e anotadas.
18
1. FOSCOLO E AS ULTIME LETTERE DI JACOPO ORTIS
1.1. Foscolo: de Zante a Florença
“Né più mai toccherò le sacre sponde
Ove il mio corpo fanciulletto giacque,
Zacinto mia, che te specchi nell’onde
Del greco mar da cui vergine nacque”
12
(Foscolo, A Zacinto, 1802-3)
Niccolò Ugo Foscolo nasceu no dia 6 de fevereiro de 1778, em Zante (Zacinto),
uma ilha grega que à época pertencia a Veneza. O pai, Andrea Foscolo, era um médico
veneziano e a mãe, Diamantina Spathis, era grega. Foscolo foi o primeiro dos quatro
filhos: tinha uma ire dois irmãos. Após a morte precoce do pai, em 1788, a mãe
mudou-se para Veneza, para onde Foscolo seguiu com seus irmãos em 1792, ali
permanecendo até 1797.
O ambiente cultural de Veneza foi propício para a formação de Foscolo, pois
naquela cidade havia uma intensa vida cultural e literária, e grande circulação de livros
italianos e traduções. Lá, podiam-se encontrar os romances epistolares de Samuel
Richardson (1689-1761) e o Werther de Goethe.
Mais tarde, ainda em Veneza, Foscolo conheceu Isabella Teotocchi Albrizzi, o
primeiro de uma longa série de amores, e, ao freqüentar o salão dela, conheceu
importantes literatos, dentre eles Aurelio De’ Giorgi Bertola
13
(1753-1798), Ippolito
Pindemonte e Melchiorre Cesarotti (1730-1808)
14
.
Na Universidade de Pádua, freqüentou algumas aulas de Cesarotti, mas, como
autodidata, havia elaborado um Piano di studi, e de acordo com o plano começou a
escrever um romance, Laura, lettere, que viria a ser o esboço das Ultime lettere; em
1796, então com 18 anos, escreveu o soneto A Venezia, e as odes A Bonaparte
12
“Nunca mais tocarei as sagradas margens / Onde o meu corpo jovenzinho se deitou, / Minha Zacinto,
que te espelhas nas ondas / do grego mar do qual a virgem nasceu.”
13
É lembrado nas Ultime lettere, na carta de Rimini de 5 de março de 1799.
14
Poeta e tradutor italiano. Suas traduções de Homero e Ossian contribuíram para introduzir na Itália as
primeiras formas da sensibilidade pré-romântica. Cf. A. Giudice e G. Bruni, Problemi e scrittori della
letterratura italiana, v. 2, Torino: Paravia, 1987, p. 350.
19
liberatore e Ai novelli repubblicani. Em 1797, com a chegada das tropas napoleônicas,
escreveu a tragédia Tieste, com forte influência de Alfieri e com idéias revolucionárias.
Essa tragédia tornou o autor conhecido, e “confermò la sua aspirazione a diventar poeta
sociale e civile”.
15
A atividade política de Foscolo existia: era chamado “il giacobino italiano”.
Mas, seu jacobinismo passou por uma grande desilusão em 17 de outubro desse mesmo
ano, quando se firmou o Tratado de Campofórmio: uma desilusão para Foscolo e para
outros revolucionários que acreditavam nos ideais da Revolução Francesa, e em
Napoleão como libertador.
Após o Tratado, deixou Veneza (diferentemente de Jacopo, que foi para as
Colinas Eugâneas e não continuou a lutar como Foscolo) e seguiu para Milão, capital da
República Cisalpina, onde conheceu os escritores Giuseppe Parini (1729-1799)
16
e
Vincenzo Monti (1754-1828)
17
.
Foscolo orientou sua atividade política para os jornais: passou a escrever para o
Monitore Italiano, até que a censura de Napoleão fechou o jornal. Mudou-se para
Bolonha e, lá, abriu o jornal Genio Democratico juntamente com o irmão; colaborou em
o Monitore Bolognese, do editor Jacopo Marsigli, a quem confiou seu romance
incompleto Ultime lettere di Jacopo Ortis (que reunia as experiências amorosas e
políticas do autor). No entanto, Foscolo abandonou a obra para combater na Guarda
Nacional de Bolonha, diante da chegada das tropas austro-russas.
Enquanto Foscolo lutava em Gênova, o editor Marsigli publicava, em 1799, uma
edição adulterada das Ultime lettere. Foscolo, nessa mesma época, escreveu o Discorso
sull’ Italia, a ode A Luigia Pallavicini caduta da cavallo e reeditou a ode A Bonaparte
com uma carta, na qual desaprovava o Tratado de Campofórmio e advertia Bonaparte
para que não se tornasse um tirano. Após a batalha de Marengo (14 de junho de 1800),
Foscolo, como capitão adjunto do Estado-Maior, realizou várias missões na Lombardia,
na Emília e na Toscana, e foi ferido duas vezes. Em Florença (então capital do Reino da
Etrúria), no final de 1800, conheceu e se apaixonou por Isabella Roncioni. Foi nessa
15
“Confirmou sua aspiração a poeta social e civil.” G. Marzot, Ugo Foscolo. Letteratura Italiana. I
maggiori. Milano: Marzorati, 1975, p. 758.
16
Que será lembrado nas Ultime lettere (carta de 4 de dezembro de 1798), nos Sepolcri e nas aulas de
eloqüência em Pavia.
17
Foscolo escreveu Esame su l’accuse contro V. Monti, em defesa do amigo, por cuja mulher, Teresa
Pikler, acabou se apaixonando. Mais tarde, romperam por causa de desavenças literárias e políticas.
20
época que ficou sabendo da edição adulterada de suas Ultime lettere, o que o fez
retomar o romance e modificá-lo.
De volta a Milão, viveu um período de intensa atividade política e intelectual.
Apaixonou-se pela condessa Antonietta Fagnani Arese, a quem dedicou a ode All’amica
risanata, e quem traduziu para ele o Werther. Em outubro de 1802, o Ortis reescrito por
Foscolo foi publicado em Milão. Nessa época, andou escrevendo ainda o Sesto Tomo
dell’io, uma autobiografia que permaneceu incompleta.
Em 1803, publicou uma obra poética contendo duas odes e doze sonetos,
dedicados a Gian Battista Niccolini (1782-1861), um amigo
18
, a quem dedicará também
a tradução da Chioma di Berenice, de Calímaco a qual Foscolo traduziu da versão
latina de Catulo acompanhada por uma introdução e uma crítica aos acadêmicos
pedantes e bajuladores de Napoleão.
Um ano depois, devido à difícil situação em que se encontrava, solicitou
reincorporação ao exército, e foi enviado para o norte da França, onde tomaria parte da
divisão italiana do exército com o qual Napoleão pensava invadir a Inglaterra, mas que
depois foi suspensa. Durante os dois anos que permaneceu na França, Foscolo
envolveu-se com uma jovem inglesa, e com ela teve uma filha, Floriana, a quem
encontrará depois, no exílio, em Londres.
Traduziu A Sentimental Journey (Viaggio sentimentale) de Laurence Sterne
(1713-1768) e escreveu a Notizia intorno a Didimo Chierico. Didimo Chierico seria o
suposto tradutor do romance de Sterne: um novo personagem autobiográfico de
Foscolo, lúcido e irônico, bem diferente de Jacopo, pessimista e trágico. Foscolo inova
ao escolher um romance moderno para traduzir e ao criar uma personagem, por meio da
qual discutirá o trabalho do tradutor.
Em princípios de 1806, de volta à Itália, encontrou Pindemonte, o qual havia
começado a compor o poema Cimiteri; e Monti, que lhe mostrou Il Bardo della Selva
Nera. Esses encontros reacenderam em Foscolo a inspiração poética: escreveu Inno alla
nave delle Muse, o poema Alceo, Sermone, Epistola sui sepolcri, que mais tarde se
transformaria no poema Dei Sepolcri, publicado em 1807. Neste poema, Foscolo refere-
se à situação política do seu tempo, lembrando os monumentos dos grandes italianos
sepultados em Santa Croce: uma exaltação à Itália livre e independente. Publicou o
18
Gian Battista seria também o Lorenzo Alderani das Cartas.
21
Esperimento di traduzione dell’Illiada (que começara a traduzir na França) e passou a
ilustrar a obra de um capitão italiano, Raimondo Montecuccoli, com o objetivo de
despertar nos italianos o espírito militar.
Quando Foscolo obteve, em março de 1808, a cátedra de eloqüência na
Universidade de Pávia, viu uma oportunidade para fixar residência, mas, poucos meses
depois todas as cátedras das universidades do Reino Itálico foram suprimidas por
Napoleão. Mesmo assim, chegou a dar algumas aulas, entre elas, a aula inaugural
Dell’origine e dell’ufficio della letteratura. Durante as aulas, às quais confluía um
grande número de interessados, Foscolo recusava fazer elogios a Napoleão, um hábito
da época, pois para ele o imperador era um empecilho à liberdade das letras. Ainda
nesse período, em Milão, colaborou para os Annali di scienze e lettere, em que publicou
um artigo sobre a tradução da Odisséia, e lançou uma crítica sutil a Monti, o que
provocaria a ruptura da amizade entre eles Foscolo criticava-o por colaborar com o
governo de Napoleão.
Em 9 de dezembro de 1811, no teatro Alla Scala foi encenada a segunda tragédia
de Foscolo, Ajace, em que a figura de Agamênon é identificada a Napoleão, e a de
outras personagens a membros do governo; por causa disso, as apresentações acabaram
sendo suspensas.
Foscolo partiu então para Florença, e lá, graças à amizade com a condessa Luisa
d’Albany, conheceu vários literatos florentinos. Reencontrou Isabella Roncioni e
conheceu Quirina Mocenni, a quem chamaria de Donna Gentile, que tanta ajuda lhe
prestaria no futuro.
Em seguida, terminou a tradução de A Sentimental Journey, que seria publicada
em Pisa, em 1813, junto com a mencionada Notizia intorno a Didimo Chierico;
escreveu sua terceira tragédia, Ricciarda, de argumento medieval e totalmente
desvinculada dos modelos clássicos, e que será encenada em Bolonha; começou
também a escrever Le grazie, poema que revelava um amadurecimento das idéias de
Foscolo, e que deixará incompleto, mas será o “culmine di quell’aspirazione ad una
armonia non solo estetica con cui il Foscolo intendeva vincere il dramma personale-
22
storico-esistenziale delle passioni irruenti e ferine che in quel periodo si
configuravano”
19
.
Enquanto tudo isso acontecia, anunciava-se a queda definitiva de Napoleão, e,
na Itália, o desmoronamento do Reino Itálico. O marechal austríaco Bellegarde ofereceu
a Foscolo um cargo de capitão e lhe confiou a direção de um periódico com fins
aparentemente literários: a revista Biblioteca italiana. Foscolo aceitou inicialmente, mas
para não ter de prestar o juramento de fidelidade à Áustria, em 30 de março de 1815
fugiu de Milão e refugiou-se na Suíça. A escolha pelo caminho do exílio será imitada
depois por muitos patriotas do Risorgimento.
Em 1816, em Zurique, publicou uma nova edição das Ultime lettere, na qual
aparece pela primeira vez a carta contra Napoleão
20
, e escreveu alguns discursos, entre
os quais estão os Discorsi sulla servitù d’Italia, publicados após a morte do autor.
Publicou também o Ipercalisse, uma sátira em latim contra seus adversários políticos e
contra os literatos da Itália napoleônica.
Apesar de a Áustria persistir na extradição, Foscolo conseguiu, junto ao
embaixador inglês em Berna, um passaporte como cidadão das ilhas jônicas, que
haviam passado a ser, em 1815, um protetorado do Império Britânico. Assim, em 11 de
setembro de 1816 chega a Londres. Em 1817 edita a última edição das Ultime lettere.
Na capital inglesa, ele intensificará sua atividade de crítico literário, escrevendo para
importantes revistas inglesas como a Edinburgh Review. Escreveu Lettere scritte
dall’Inghilterra, que seriam publicadas postumamente com o título de Gazzettino del
Bel Mondo, e que fizeram dele “Il maggior critico italiano fino al De Sanctis”
21
;
escreveu também outros artigos e ensaios considerados obras-primas: Saggi sul
Petrarca, Discorso sul testo della Divina Commedia, Della nuova scuola drammatica in
Italia, sendo este último uma análise do Romantismo italiano. Segundo Binni:
[...] dal grande poeta era nato un grande critico e che con questa sua ultima
estrinsecazione la personalità foscoliana si completa e si presenta come quella che
19
“Ápice daquela aspiração a uma harmonia, que não era apenas estética, com a qual Foscolo pretendia
vencer o drama pessoal-histórico-existencial das paixões impetuosas e ferinas que naquele período
tomavam forma.” W. Binni, “Introduzione”. In: U. Foscolo, 1992, p. 14.
20
Carta de 17 de outubro de 1799.
21
“O maior crítico italiano antes de De Sanctis.” W. Binni, op. cit., p. 17.
23
domina l’epoca fra neoclassicismo e romanticismo e ne media originalmente le
tendenze più profonde [...]
22
Foscolo não abandonou o debate político, e escreveu em defesa das ilhas jônicas
e da fortaleza de Parga
23
. Continuou a desenvolver suas idéias políticas nas Lettere
apologetiche, publicadas postumamente por Mazzini, durante o Risorgimento.
John Cam Hobhouse, amigo do poeta inglês Lord Byron (1788-1824),
encomendou a Foscolo um ensaio sobre a literatura italiana da época, a qual, graças ao
próprio Foscolo, começava a entrar em voga. Mas, Hobhouse acabou perdendo dinheiro
e não pagou as 50 libras que haviam sido prometidas. Nesses anos Foscolo havia
reencontrado a filha, Floriana, a quem a avó materna deixara certa quantia em dinheiro.
Foscolo construiu uma casa, mas se endividou, e, para se manter, passou a anunciar nos
jornais suas aulas de língua e de literatura italianas.
Os últimos anos foram de extrema dificuldade para ele: teve de mudar de nome
para fugir aos credores. Em dezembro de 1826, estabeleceu-se em Turnham Green,
subúrbio de Londres, e em 10 de setembro de 1827 faleceu. Foi sepultado no cemitério
de Chiswick, em Londres; em 1871, seus restos mortais foram levados para Florença, e
depositados com muita solenidade na igreja de Santa Croce.
1.2. A história das Ultime lettere di Jacopo Ortis
Do primeiro esboço das Ultime lettere di Jacopo Ortis, de 1796, até a última
edição, de 1817, passaram-se 21 anos, e Foscolo, nesse meio tempo, modificou o
romance de acordo com os acontecimentos pessoais e políticos pelos quais passou. Por
isso, percebemos no romance diferentes camadas, como observaram Binni e De Sanctis:
22
“[...] do grande poeta, tinha nascido um grande crítico, e com esta sua última manifestação, a
personalidade foscoliana se completa e se apresenta como aquela que domina a época entre o
neoclassicismo e o romantismo e interpõe-se de forma original às tendências mais profundas [...].” W.
Binni, “Introduzione”. In: U. Foscolo, 1992, p. 17.
23
Muralha que protege a cidade de Parga, na Grécia. Essa cidade pertencia a Veneza desde 1401 e foi
anexada à França pelo Tratado de Compofórmio. Em 1819, foi vendida pelos britânicos para Ali Paxá
que a incorporou ao Império Otomano. No dia da ocupação, os habitantes desenterraram e cremaram
seus mortos, deixando a cidade com seus ícones sagrados e as cinzas de seus antepassados.
24
Sotto a quel nome Foscolo scriveva se stesso, a frammenti, secondo le impressioni e gli
accidenti: poi a mente tranqüilla fissò un disegno, stabilì le proporzioni e venne fuori un
romanzo, dove si sentono come diversi strati di formazione, mal dissimulati dal lavoro
posteriore?
24
No esboço inicial, prevalecia um romance epistolar mais sentimental, tendo
como temas centrais o amor infeliz por uma jovem e o suicídio – uma referência à morte
de um estudante da Universidade de Pádua.
25
Porém, em 1798, os acontecimentos de
Campofórmio e a primeira desilusão amorosa do autor se fazem notar no romance,
modificando-o em relação ao esboço, ainda que o livro contasse apenas com a primeira
parte.
Com a partida de Foscolo de Bolonha, o editor Jacopo Marsigli encomendou a
continuação da história ao escritor Angelo Sassoli, que escreveu mais vinte cartas para
completar o livro. O resultado saiu com o título Vera storia di due amanti infelici ossia
Ultime lettere di Jacopo Ortis, e com autoria de Foscolo; vinha ainda acompanhado de
algumas notas que reforçavam o lado sentimental do romance, o que tinha o intuito de
acomodar-se à censura austríaca.
Quando Foscolo tomou conhecimento dessa edição, denunciou-a em um artigo
na Gazzetta universale de Florença, e retomou a escritura do romance, publicando-o
depois em Milão, em 1801, junto ao editor Mainardi. Nessa ocasião, Foscolo enviou um
exemplar a Goethe.
No ano seguinte, saiu a primeira edição completa (editor Genio Tipografico),
com várias modificações: Lorenzo F. passou a ser Lorenzo A. (em 1817, passará a
Lorenzo Alderani); o número de cartas passou de 45 a quase 70; o período de tempo
coberto pela narrativa aumentou: antes era de 3 de setembro de 1797 a maio de 1798, e
passou a ser de 11 de outubro de 1797 (às vésperas do Tratado de Campofórmio) a 25
de março de 1799 (invasão austro-russa), período, portanto, bem marcado por uma fase
de desilusões políticas.
24
“Debaixo daquele nome, Foscolo escrevia sobre si mesmo, em fragmentos, segundo as impressões e os
incidentes: depois, com a mente tranqüila, fixava um desenho, estabelecia as proporções e o romance
surgia, onde se pode sentir como que diferentes extratos de formação, mal dissimulados pelo trabalho
posterior.” F. de Sanctis, Scelta di Scritti critici. Torino: Unione tipografico, 1949, p. 287.
25
Um jovem chamado Girolamo Ortis havia realmente se suicidado em março de 1796, em Pádua, mas
Foscolo não o conhecera.
25
Com as mudanças, a narrativa tornou-se mais dramática, reforçando, logo no
início, o tom de protesto e de desespero, e o tema principal do romance passou a ser a
política. Essa edição mostra a influência de Alfieri, com a idéia da morte como
liberdade, e do ódio à tirania, temáticas muito recorrentes nesse autor.
Houve mudanças significativas nas personagens: antes, Teresa era viúva, e tinha
uma filha pequena (retratava a paixão de Foscolo por Teresa Pikler, esposa de Monti);
sentia-se atraída por Jacopo, mas estava ligada a Odoardo, um pintor; nessa primeira
edição, era bem maior a influência do Werther. Com as modificações, Teresa passou a
ser uma jovem (lembrando a paixão por Isabella Roncioni) que tinha uma irmã pequena.
O noivo de Teresa, Odoardo, passou a ser um marquês, homem frio, calculista,
mesquinho, bem ao contrário de Jacopo, portanto.
No exílio, em Zurique, lançou uma nova edição (editor Orell Füssli) em 1816,
mas, por motivos de segurança, constava ter sido publicada em Londres, em 1814
[FIGURA 1]. Nela, Foscolo acrescentou a carta de 17 de março de 1798, na qual
aparecem trechos do discurso Della servitù dell’Italia, que teve publicação póstuma.
Nessa carta, expõe os danos que Napoleão causou à Itália. Acrescentou também a carta
de 4 de dezembro de 1798, um diálogo com Parini, que ressalta a importância da
literatura como testemunho.
Acompanhava ainda essa edição uma longa análise, a Notizia bibliografica,
escrita em terceira pessoa, em que Foscolo trata das críticas que o romance vinha
recebendo, questões referentes às semelhanças com o Werther, às traduções das Ultime
lettere, etc.
A edição definitiva de 1817, de Londres (editor John Murray), foi dividida em
dois volumes, e incluía alguns capítulos da tradução que levou o título de Viaggio
sentimentale de Yorick e uma versão reduzida da Notizia bibliografica. Foscolo fez uma
revisão da linguagem e do estilo, mas manteve o tom explosivo, ardente, exatamente
como na edição de 1802.
Fubini, ao comentar o crítico Vittorio Rossi, escreveu:
Perciò se Vittorio Rossi ha riconosciuto nelle lettere due diversi protagonisti,
l’adolescente melancolico e sentimentale della Laura e il disperato amante senza patria
26
dell’Ortis del 1802, converrà nel romanzo rilevare anche la presenza di questo Ortis più
maturo, più virile, più profondo.
26
O romance também é chamado de opera aperta pelos críticos, justamente pela
flexibilidade que tinha de ser alterado ao longo do tempo, mostrando momentos
diferentes do pensamento do autor.
Nota-se, portanto, duas características da obra e do autor: a primeira, o fato de a
própria história das edições ser conturbada, devido ao período de crise política e censura
em que se deu; e, a segunda, como vimos no capítulo anterior, a biografia de Foscolo,
que reflete também esse período com tantos deslocamentos pela Itália, e fora dela, para
fugir à repressão política.
1.3. Ultime lettere: tensão entre o amor à vida e a atração pela morte
Foscolo escreve na Notizia Bibliografica:
Il suo stile piglia improvvisamente vari colori dalla molteplicità degli oggetti, i suoi
pensieri sono disordinati; e nondimeno lo stile ha sempre uno stesso tenore, mantenuto
dal carattere dell’individuo, e il disordine forma un tutto che si direbbe composto
armonicamente di dissonanze.
27
Uma marca do estilo desordenado das Ultime lettere é o desespero. Jacopo
escreve a primeira carta ao amigo Lorenzo porque teve de se refugiar nas Colinas
Eugâneas, para fugir de Veneza. Ele inicia o romance com um protesto contra a traição
de Napoleão, que vendera Veneza aos austríacos; inicia desiludido das esperanças de
patriota e revolucionário.
Na primeira parte do romance, ao mesmo tempo em que se sente infeliz, medita
em meio à natureza e à paisagem das Colinas, ao lado de homens simples, ainda
26
“Por isso, se Vittorio Rossi reconheceu nas cartas dois diferentes protagonistas, o adolescente
melancólico e sentimental da Laura e o amante desesperado sem pátria do Ortis de 1802, convém no
romance ressaltar também a presença deste Ortis, mais maduro, mais viril e mais profundo.” M. Fubini,
1963, p. 252.
27
“O seu estilo apreende, de súbito, várias cores da multiplicidade dos objetos; os seus pensamentos são
desordenados; não obstante, o estilo tem sempre o mesmo teor, mantido pelo caráter do indivíduo; e a
desordem forma um todo, que se diria composto harmonicamente de dissonâncias.” “Notizia
Bibliografica”. In: U. Foscolo Prose. Bari: Laterza, 1913, p. 121.
27
“incontaminados”
28
pela civilização. Ele passa os dias entre as cartas que escreve ao
amigo e à leitura de Plutarco
29
, das vidas de Licurgo e Timoleão
30
, e lê aos camponeses:
Domenica mi s’erano affollati intorno tutti i contadini, che quantunque non
comprendessero affatto, stavano ascoltandomi a bocca aperta. Credo che il desiderio di
sapere e ridire la storia
31
de’ tempi andati sia figlio del nostro amor proprio che vorrebbe
illudersi e prolungare la vita unendoci agli uomini ed alle cose che non sono più.
32
Depois que conhece Teresa, sente de novo a vida dentro de si, e a idéia do
suicídio, que está presente desde o começo do romance, é adiada:
Io tornava a casa col cuore in festa. Che? lo spettacolo della bellezza basta forse ad
addormentare in noi tristi mortali tutti i dolori? vedi per me una sorgente di vita: unica
certo, e chi sa! fatale. Ma se io sono predestinato ad avere l’anima perpetuamente in
tempesta, non è tutt’uno?
33
O que percebemos também pela carta de 17 de março de 1798:
28
Adjetivo muito usado por Jacopo, ou seja, fiel até o fim, que não traiu os seus ideais, uma crítica
evidente a Napoleão, e a alguns literatos.
29
Assim como Alfieri e os poetas do Stürm und Drang, que se inspiraram nas Vidas paralelas de Plutarco
(45-120?).
30
Licurgo, legislador de Esparta; Timoleão, libertador de Siracusa. Ambos são exemplos de conduta
moral.
31
Alusão ao pensamento de Giambattista Vico (1668-1744) sobre a revalorização da história, idéia que
Foscolo usará em outras obras.
32
“Domingo, os camponeses se juntaram todos à minha volta, e, apesar de nada compreenderem, ficavam
me escutando boquiabertos. Creio que o desejo de saber e de repetir a história dos tempos idos seja
filho do nosso amor-próprio, o qual gostaria de iludir-se e prolongar a vida unindo-nos a homens e
coisas que não mais existem.” Carta de 18 de outubro de 1797.
33
“Eu voltei para casa com o coração em festa. Como? será que o espetáculo da beleza basta para
entorpecer em nós, tristes mortais, todas as dores? E seria para mim uma fonte de vida: certamente
única e, quem sabe, fatal. Mas se fui predestinado a ter a alma em eterna tempestade, não no
mesmo?” Carta de 26 de outubro de 1797.
28
L’amore in un’anima esulcerata, e dove le altre passioni sono disperate, riesce
onnipotente – e io lo provo; ma che riesca funesto, t’inganni: senza Teresa, io sarei forse
oggi sotterra.
34
A situação na qual Teresa está envolvida, isto é, prometida em casamento a um
homem que ela não ama, mas obrigada a se casar por imposição do pai (o que fez com
que a mãe de Teresa se afastasse da família), aumenta o desespero de Jacopo, porque
não vê saída às intransigências e ao poder, em todos os aspectos: o político, o amoroso e
o existencial.
Quando, na segunda parte do romance, ele inicia uma peregrinação pela Itália,
percorre lugares pelos quais o próprio Foscolo havia passado: Bolonha, Florença e
Milão; a região da Ligúria até Ventimiglia; depois, a região da Romanha, incluindo a
cidade de Ravena, onde está enterrado Dante. O objetivo desse percurso é mostrar
regiões significativas da Itália do ponto de vista político, histórico, artístico e natural,
com o propósito de acentuar a identidade de um Estado ainda não formado. À medida
que a viagem prossegue, aumentam o pessimismo e o ritmo dramático do romance.
A natureza e a paisagem modificam-se de acordo com o estado de alma de
Jacopo. Paisagens idílicas, em meio às Colinas Eugâneas, dão lugar a precipícios e
tempestades.
E ao voltar às Colinas Eugâneas, desiludido por ter visto a Itália dividida e
prostituída, como escreveu na segunda carta do romance, depara-se com o casamento de
Teresa e Odoardo. Tais acontecimentos levam então Jacopo a suicidar-se na noite de 25
de março de 1799, com um golpe de punhal, imitando o gesto de Catão e das
personagens trágicas de Alfieri: diferentemente de Werther, que se matou com um tiro
de espingarda.
A relação entre a Itália e a personagem de Teresa é evidente. De Sanctis,
relaciona Teresa a Veneza:
Questa sua Teresa finita sotto i baci di Odoardo è come la Venezia della sua mente
finita in braccio dell’Austria, o l’Italia “prostituita, premio sempre della vittoria”, nelle
braccia del pforte [...]. Ma, come Venezia e come l’Italia, così Teresa non ha virtù di
34
“Em uma alma exacerbada e onde outras paixões não encontram esperança, o amor sobressai-se
onipotente – eu mesmo o comprovo, mas que seja funesto este amor, te enganas: sem Teresa, talvez, eu
estivesse hoje debaixo da terra.”
29
resistenza e si rassegna gemendo, e innanzi al cadavere di Jacopo cade tramortita tra le
braccia di Odoardo.
35
Vemos assim, a paixão política que se inter-relaciona com a paixão amorosa. A
desilusão causada pelas duas paixões leva Jacopo ao suicídio. O fracasso da paixão
política evidencia, de um lado, as relações negativas com o poder e, de outro, o desejo
de uma Itália que poderia ter sido unificada à luz das idéias difundidas pela Revolução
Francesa e pelo entusiasmo suscitado por Napoleão. A paixão amorosa, por sua vez,
evidencia as relações negativas do indivíduo com os usos e costumes que querem a
mulher como objeto do pai ou do marido, e privada de uma vontade autônoma.
O suicídio é o único “rimedio di certi tempi”
36
, diz Foscolo na sua Notizia
Bibliografica; e na carta a Teresa, antes de se matar, Jacopo escreve: “Ma io moro
incontaminato, e padrone di me stesso, e pieno di te, e certo del tuo pianto”
37
, Jacopo
escolhe a morte como libertação, uma lição de Alfieri; em tempos difíceis, permanece
fiel aos seus ideais, e por isso incontaminado.
O suicídio de Jacopo, portanto, aparece como ato de denúncia contra os usos e
costumes da época e de protesto político. Jacopo Ortis representa a crise das esperanças
revolucionárias. É um herói romântico que luta inutilmente contra as convenções rígidas
de sua época.
Em relação às críticas que o romance recebeu no início de sua publicação, de
que os dois temas, o político e o amoroso, estavam mal coligados, Foscolo escreveu:
Notisi dunque che nell’Ortis il vero contrasto sta tra la “disperazione delle passioni” e
“l’ingenito amor della vita”; e che gli affetti, eccitati in lui dalla giovane ch’ei desidera e
che non può mai possedere, e dalla patria che ha perduto e ch’egli inutilmente anela di
35
“Essa sua Teresa que acabou sob os beijos de Odoardo é como a Veneza de sua mente, que acabou nos
braços da Áustria, ó Itália ‘prostituída, eterno espólio de vitória’, nos braços do mais forte [...]. Mas,
como Veneza e como a Itália, assim Teresa não tem mais coragem de resistir e resigna-se sofrendo; e
diante do cadáver de Jacopo, cai desmaiada nos braços de Odoardo.” F. de Sanctis, 1949, p. 290.
36
“Remédio de certas épocas.” “Notizia Bibliografica”. In: U. Foscolo, 1913, p. 112.
37
“Mas, morro incontaminado, e dono de mim mesmo, e pleno de ti, e certo do teu pranto!” Carta de 25
de março de 1799.
30
vendicare, somministrano appunto nuove armi alla disperazione contro il naturale orror
della morte.
38
Segundo Binni, o tema principal do romance é o político, e o suicídio justifica-se
pelo trauma das desesperanças políticas, por isso, na frase de Jacopo, o suicídio como
“rimedio di certi tempi”. O tema político contém, por sua vez, outros temas e reflexões.
O amor representa algo divino em uma realidade mesquinha e enganadora, e torna-se
um elemento moderador do suicídio.
Portanto, como escreveu Foscolo, a desordem e a inquietação fazem parte do
romance. O tom é dissonante: é esse o estilo do romance. Para entendê-lo é necessário
analisá-lo à luz da crise e do desespero histórico, político e existencial. Por isso a
presença constante do contraste, do choque entre a razão e a paixão, em uma profusão
de temas e problemas.
As personagens também se apresentam contrastantes, como nas tragédias de
Alfieri. De um lado, personagens movidas pelo sentimento e pela paixão: Jacopo e
Teresa, o fiel Michele, Lorenzo, a mãe de Jacopo, a mãe de Teresa; e de outro,
personagens racionais e mesquinhas, como Odoardo, e o pai de Teresa, que procura no
casamento da filha, a salvação econômica para a família, mesmo à custa da felicidade da
filha.
Foscolo, muito atento a esses problemas, escreveu:
La scena è in Italia, e la fanciulla è italiana. Molte delle donzelle nobili in Italia amano
quanto Teresa, e con pari virtù, e vanno vittime silenziose al sacrifizio; e se pur tentano
di deviare la loro imminente sciagura, i loro tentativi riescono sempre vani e ignoti. Alla
tirannide paterna che irritò le loro anime, a’ vizi de’ mariti che le corrompono, [...]
all’esempio delle loro madri guastate dalle stesse cause.
39
38
“Nota-se, portanto, que no Ortis o verdadeiro contraste está entre o ‘desespero das paixões’ e o ‘amor
inato pela vida’; e que os afetos, excitados nele pela jovem que ele deseja, e que nunca poderá possuir,
e pela pátria que perdeu, e que inutilmente deseja vingar, fornecem justamente novas armas ao
desespero contra o natural horror da morte.” “Notizia Bibliografica”. In: U. Foscolo, 1913, p. 124.
39
“A cena é na Itália, e a moça é italiana. Muitas das donzelas nobres na Itália amam como Teresa, e com
a mesma virtude, e, vítimas silenciosas, vão para o sacrifício; e se também tentam desviar suas
desgraças iminentes, suas tentativas resultam sempre vãs e desconhecidas. À tirania paterna que irritou
suas almas, aos vícios dos maridos que as corrompem, [...] ao exemplo de suas mães, arruinadas pelos
mesmos motivos.” Idem, ibidem, p. 129.
31
Tanto o estilo, como as personagens nos revelam o propósito deliberado do
escritor em nos mostrar as injustiças. Foscolo procurou fazer do romance uma denúncia
daqueles tempos, e procurou seguir a lição de Parini de escrever como militante,
cumprindo, dessa forma, a missão do literato.
1.4. A crítica às Ultime lettere
A fortuna crítica das Ultime lettere di Jacopo Ortis começa a ser construída
praticamente com o próprio Foscolo. Na edição de 1816, na Notizia Bibliografica,
Foscolo rebateu muitas das críticas que seu romance vinha recebendo. Escreveu também
ensaios, nos quais fala da literatura do seu tempo, sobre ele mesmo na terceira pessoa e
sobre as Utime lettere.
40
Quando a primeira edição completa foi lançada, em 1802, causou, ao mesmo
tempo, admiração e hostilidade entre os literatos mais velhos e uma reação de
entusiasmo por parte dos mais jovens. A difusão do romance deu-se rapidamente na
Itália, e em outros países da Europa, com traduções para o alemão, inglês, francês e para
o grego.
A crítica sobre as Ultime lettere e sobre Foscolo, inicialmente mal
compreendidos, foi se construindo e se aprimorando ao longo dos anos. Assim, no
período do Risorgimento, ela se dividia em dois planos opostos: uma corrente católica
reacionária, que contava com a participação de Manzoni (1785-1873), e outra, laica e
democrata-nacionalista, tendo Mazzini como representante. Nesse período, as Lettere
tornaram-se um livro de educação patriótica, valorizado também pelo romantismo,
repercutindo em autores como Leopardi (1798-1837) e, posteriormente, nos pós-
românticos, como Nievo (1831-1861) e Carducci (1835-1905), e até em autores realistas
do final do século XIX.
41
A partir do Risorgimento, a crítica deixou de lado aquela oposição dualista de
exaltação ou execração, e passou a analisar a obra em profundidade. Dessa forma, a
compreensão e a avaliação melhoraram e se completaram. Para citar apenas alguns
exemplos, a crítica passou por De Sanctis (1871), Donadoni (1910), Croce (1922), Flora
40
Esses ensaios estão reunidos no livro U. Foscolo, Storia della letteratura italiana per saggi (org. Mario
Alighiero Manacorda). Turim: Einaudi, 1979.
41
Segundo W. Binni, “Introduzione”. In: U. Foscolo, 1992, p. 39.
32
(1940), e muitos outros críticos de renome. Poderíamos destacar Fubini, o qual
organizou a Edizione Nazionale delle Opere di Ugo Foscolo até 1977, ano em que
morreu. O trabalho de Fubini foi retomado por Walter Binni, que deu continuidade à
Edizione. Boa parte da crítica recente é tributária do que fizeram esses dois últimos.
Para muitos desses críticos mencionados acima, o romance pode ser considerado
uma obra-prima da juventude de Foscolo, no qual aparecem muitos temas da poesia
foscoliana posterior. Mas a crítica atual procura recuperar a obr
33
2. AS CARTAS: INFLUÊNCIAS E TEMAS
2.1. O Romance Epistolar
A ascensão da burguesia ao poder na Inglaterra, a partir do final do século XVII,
marca o início de um período que levará ao desenvolvimento de novos meios de
produção e a uma renovação geral na cultura. As obras intelectuais, sobretudo as
artísticas, passarão a ser feitas não mais para um mecenato aristocrático, mas para um
público consumidor. Ocorre assim a difusão de gêneros literários, como a notícia de
jornal, o ensaio e o romance, adaptados para esse público. A literatura favorita do
público da época, na Inglaterra, era o romance epistolar, principalmente os romances de
Richardson, entre eles Pamela (1740) e Clarissa (1748).
Esses romances tiveram grande sucesso e logo se difundiram por toda a Europa.
Não é uma invenção inglesa; à Inglaterra é devida a grande adaptação do gênero ao
gosto do público, ou seja, a adaptação da literatura ao consumo.
A publicação de uma correspondência pessoal na França, em 1669, aguçou a
curiosidade pública, sempre atenta aos escândalos, e talvez tenha sido isso a dar ânimo
ao gênero epistolar. Tratava-se de umas cartas de amor escritas por uma freira
portuguesa
42
para um nobre francês. Essas cartas foram publicadas por Lavergne de
Guilleraggues, um escritor da corte de Luís XIV, e tiveram certo sucesso. Mas o gênero
firma-se definitivamente em 1721 com as Cartas Persas de Montesquieu (1689-1755).
Montesquieu ressaltava, na introdução às Cartas persas, que esse gênero
permitia ao escritor uma enorme mobilidade temática e de estilo. E, sobretudo, falar dos
sentimentos, não para que o leitor refletisse sobre eles, mas para que os sentisse
também:
[...] ces sortes de romans réussissent ordinairement, parce que l’on rend compte soi-
même de sa situation actuelle; ce qui fait plus les passions que tous récits qu’on pourrait
42
Hoje em dia se discute a autoria dessas cartas que teriam sido escritas por uma religiosa portuguesa do
Convento da Conceição em Beja, Portugal, sóror Mariana Alcoforado (1640-1723). Apaixonada por
um cavaleiro francês, dirigiu a ele cartas de amor que mais tarde foram traduzidas para o francês e
publicadas em 1669 com o título de Lettres d'amour d'une religieuse portugaise. (Projeto Vercial:
http://web.ipn.pt/literatura/alcofora.htm)
34
faire. Et c’est une des causes du succès de quelques ouvrages charmants qui ont paru
depuis les Lettres persanes.
43
Mas quando o gênero se difundiu pela Inglaterra, não era apenas nos sentimentos
que o público estava interessado, mas na intimidade das personagens, na vida, no
comportamento delas, no mobiliário das casas, nas roupas que usavam, etc. Enfim,
despertava a atenção do público também a informação. Esse tipo de literatura logo
começou a se tornar enfadonho. No entanto, em 1761 foi publicado Júlia, ou a Nova
Heloísa de Rousseau, um romance epistolar no qual predominava o aspecto sentimental,
e essa publicação deu novo alento ao gênero. Além disso, ela exercerá uma forte
influência sobre os autores românticos e também sobre o Foscolo das Ultime lettere di
Jacopo Ortis.
Talvez o maior sucesso alcançado pelo gênero tenha sido Os sofrimentos do
jovem Werther (1774) de Goethe. Esse romance será a grande inspiração das Últimas
cartas.
Com elas, seu autor introduz na Itália o romance epistolar. Foi um precursor,
muitas vezes acusado de ter escrito um romance confuso, desordenado, sem clareza. No
entanto, a falta de coesão é característica importante desse tipo de romance. Não era
relevante a ordem das cartas, produto da razão, mas sim a espontaneidade, o impulso e a
paixão, produtos da alma. Henry Peyer, em seu livro sobre o romantismo, fala do
gênero:
Essas epístolas desconexas, palpitantes, impulsivas e apaixonadas de Diderot, de
Rousseau e de um dos mais loucamente enamorados dos franceses de então, o volúvel e
insolente Mirabeau, é todo homem que se derrama com os seus mil interesses, as suas
febres, os seus devaneios e talvez as suas múltiplas e sucessivas sinceridades.
44
43
“Esses tipos de romance fazem normalmente muito sucesso, pois tratam de situações ainda atuais; isso
causa um efeito mais forte do que a simples observação, e é uma das causas do sucesso de certas obras
que apareceram depois da publicação das cartas persas.” Montesquieu, Lettres persannes,
www.ebooksfrance.com
44
H. Peyer, Introdução ao Romantismo. Sintra: Europa-América, 1971, p. 34.
35
No romance epistolar predomina mais o sentimento do que a ação, e vários
temas podem ser apresentados, como os conflitos de classe, os elementos
autobiográficos, as confissões, e temas do tipo filosófico, didático e moral.
A carta possibilita ao autor expressar sentimentos pessoais à medida que os fatos
ocorrem, como se fossem esses sentimentos reflexões instantâneas; daí a possibilidade
de estados contraditórios e conflituosos. Para que o leitor sinta as paixões, em vez de
refletir sobre elas, para que viva o tempo interior das personagens em simultaneidade
com elas, é necessário que o narrador recorra à primeira pessoa no tempo presente.
Segundo Ian Watt, em A ascensão do romance, vantagens e desvantagens
nesses recursos. As desvantagens são: “a repetição e a prolixidade que o método impõe;
[...] mas a principal vantagem consiste no fato de as cartas serem a prova material mais
direta da vida interior de seus autores.”
45
O autor da carta, ainda que fictício, era para o leitor uma figura viva, real; com o
leitor se identificava, para o leitor confidenciava. Isso dava ao romance um aspecto
realista. Ainda que as cartas fossem de fato uma forma de seus autores verdadeiros
expressarem a si próprios, eles tudo faziam para se ocultarem. Assim, Montesquieu se
apresenta ao leitor com o tradutor das Cartas persas; Goethe, como compilador; e
Foscolo como editor, ainda que escondido sob a máscara de Lorenzo Alderani. Esses
artifícios procuram dar autenticidade às cartas, e veracidade às personagens. E uma
outra forma de acentuar o realismo do romance é dar às cartas uma desordem aparente,
a mesma desordem que teriam numa correspondência real.
Pelo fato de, nas Ultime lettere, a correspondência ser dirigida a apenas um
destinatário, um amigo, o autor poderia utilizar uma linguagem mais íntima, mais
coloquial e, portanto, mais próxima da linguagem falada, e, com isso, mostrar ao leitor
espontaneidade e sinceridade, como neste trecho:
[...] tu, mio Lorenzo, ti stancherai di leggere queste carte ch’io senza vanità, senza
studio e senza rossore ti ho sempre scritto ne’ sommi piaceri e ne’ sommi dolori
dell’anima mia.
46
45
I. Watt, A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 166.
46
“[...] nem tu, meu Lorenzo, te cansarás de ler estas folhas que eu, sem vaidade, sem disfarces e sem
pudor, sempre te escrevi nos maiores prazeres e nas maiores dores de minh’alma.” Carta de 04 de
dezembro de 1798.
36
Foscolo pôde exercer nesse gênero a liberdade proporcionada pela narrativa, mas
permeada de poesia, como o afirma De Sanctis:
Che ci ha ora a fare il Werther? Questo é tutta la vita di Foscolo dopo la caduta di
Venezia, è il riflesso e lo sviluppo di quella tragedia nella sua anima. [...] Di che potea
uscire un racconto di Byron o un canto di Leopardi, non una prosa, e tanto meno un
modello de prosa naturale e semplice, com’era l’intenzione.
47
As Ultime lettere são escritas com um vocabulário bastante variado, que ora é
lírico, ora grandiloqüente, ora macabro, taciturno, pessimista, melancólico. Em algumas
passagens predomina o tema da morte, da noite, dos sepulcros e do suicídio. Passagens
essas que refletem temas de sua época, e lembram autores como Edward Young (1683-
1765) e James (Ossian) Macpherson.
Além disso, muitas citações, diretas e indiretas, de autores como Alfieri,
Parini, Dante, Petrarca, Wieland, Montaigne, Virgilio, Monti, Maquiavel, Rousseau,
Sterne, Lucrécio, etc. passagens do Werther e da Bíblia; referências históricas e
mitológicas; e, até ao próprio Foscolo.
O recurso às citações é muito marcante nas Ultime lettere e também na poesia de
Foscolo. Foi chamado de “gioco citazionista” por Paolo Mattei
48
. O crítico Fubini
também observa de modo interessante o uso que Foscolo fez de obras que leu, e que de
algum modo inseriu nos seus escritos:
[...] alla lettura di opere altrui, il poeta scopre situazioni simili alle sue e ripete le parole
di altri poeti con l’accento di personale convinzione, con cui ripetiamo parole di
estranei, che prendono nel nostro cuore un valore più intenso e nuovo.
49
47
“O que tem que ver agora o Werther [com o Ortis]? Este é toda a vida de Foscolo depois da queda de
Veneza, é o reflexo e o desenvolvimento daquela tragédia na sua alma. [...] Dali podia nascer um conto
de Byron ou uma canção de Leopardi, não uma prosa, e muito menos um modelo de prosa natural e
simples, como era a intenção.” F. de Sanctis, 1949, p. 289.
48
P. Mattei, in: U. Foscolo, Ultime lettere di Jacopo Ortis. Roma: Newton, 1998, p. 134.
49
“[...] ao ler obras alheias, o poeta descobre situações semelhantes às suas e repete as palavras de outros
poetas com o acento da convicção pessoal, com o qual repetimos palavras de estranhos, palavras que
têm em nosso coração um valor mais intenso e novo.” M. Fubini, Ugo Foscolo - Saggio critico.
Firenze: La Nuova Italia, 1931, p. 183.
37
Nas Ultime lettere, há idéias, sentimentos e reflexões, tomados de diversos
autores, que Foscolo ali enxerta quase como uma colagem, utilizando-se de paráfrases e
decalques. Por exemplo, o “Frammento della Storia di Lauretta”, un “micro-romance”
no romance, que teria tido como modelo um capítulo chamado “Maria”, do romance
Viagem sentimental à França e à Inglaterra, de Sterne, e a carta em que descreve o
diálogo com Parini, no qual ressalta a importância da literatura como testemunho dos
tempos. Para o crítico Guido Davico Bonino, nesse tipo de narrativa o autor chega a
“metamorfosizzare” escritos de outros autores e de si mesmo:
[...] storia di una solidarietà tra infelici, [...] qual è la storia di Lauretta, sia il veridico
incontro col “maestro” Parini [...], non sono che due esempi dell’ambizione totalizzante
di questo grande romanzo-saggio [...], che tutto incanala nel suo possente alveo, che
tutto traduce in “letteratura sulla e dalla letteratura” [...]
50
Misturam-se nesse romance vida e literatura. Além de fatos vividos e sofridos
pelo autor, nas Lettere uma indiscutível atenção dada à literatura, que se revela
também nas referências a outras obras e autores. Foscolo utiliza seu romance como
terreno para a defesa de suas idéias políticas e literárias. Demonstra que um dos
objetivos da literatura era refletir sobre literatura. E, nesse sentido, mais do que o infeliz
autor das cartas é o autor do romance quem sobressai, fazendo dessas cartas um
instrumento de militância.
2.1.1. Rousseau e Goethe
O crítico Francesco Flora ressaltou que os autores que mais se aproximavam de
Foscolo não eram os italianos: “I grandi vicini del Foscolo non sono il Pindemonte e il
50
“[...] história imaginária de dois infelizes que se solidarizam, como é a historia de Lauretta, e o
encontro verídico com o ‘mestre’ Parini [...] não são mais do que dois exemplos da ambição totalizante
deste grande romance-ensaio [...], que tudo canaliza no seu poderoso leito, que tudo traduz na
‘literatura sobre e pela literatura’.” G. D. Bonino, in U. Foscolo, Ultime lettere di Jacopo Ortis.
Milano: Mondadori, 1986, p. 13.
38
Monti, ma coloro che rappresentano la più alta coscienza dell’Europa, per esempio
Goethe e Rousseau”.
51
Isso combina com o espírito universal de Foscolo. Interessado por tudo o que
acontecia na Europa, estava a par das novas tendências filosóficas e literárias. Ainda
que fosse um clássico, buscou novas formas de arte que ainda não se haviam
desenvolvido na Itália.
O romance epistolar é um exemplo dessas novas formas de arte, e Rousseau e
Goethe estão entre seus representantes mais ilustres.
O pensamento de Rousseau, que influenciou e inspirou a Revolução Francesa e
os séculos posteriores com suas idéias sobre a democracia e o povo, se faz notar nas
Ultime lettere: a aspiração à pátria, à república, por exemplo. O valor dado por
Rousseau à paixão e ao sentimento em detrimento da razão, à Natureza e ao homem
primitivo em detrimento da civilização, e sobretudo à liberdade, deixou marcas não
apenas no romance de Foscolo, mas em todo o movimento romântico que aparecerá em
seguida. Mas a característica mais marcante do romance de Rousseau no Ortis será o
acentuado tom de confidência, de diário íntimo, que diferenciou o romance epistolar de
Rousseau daqueles de Richardson, mais descritivos do que introspectivos. E se a
influência de Rousseau se faz notar até na escolha do nome do protagonista das Cartas
(Jacopo, foi tomado do Jacques, de Jean-Jacques Rousseau
52
), mostrando como foi
grande, grandes também são as diferenças entre A Nova Heloísa e as Ultime lettere.
No aspecto formal, por exemplo, a Nova Heloísa é uma correspondência entre
Júlia e várias pessoas; no livro, aparecem não as cartas que Júlia envia, mas as que
recebe também. No Ortis, todas as cartas o de Jacopo, todas enviadas a uma única
pessoa. No esboço inicial das Ultime lettere, o protagonista tinha mais de um
destinatário. Mas Foscolo, ao ler o Werther, teve a idéia de dirigir a correspondência de
Ortis a um único destinatário. Muito mais semelhante ao Ortis são Os sofrimentos do
jovem Werther, de Goethe.
A semelhança é tal que nos leva a pensar se as Ultime lettere não seriam uma
simples imitação do Werther. Na Notizia Bibliografica, Foscolo explica que os críticos
51
“Os mais próximos de Foscolo não são Pindemonte ou Monti, mas aqueles que representam a mais alta
consciência da Europa, como Goethe e Rousseau.” F. Flora, Storia della Letteratura Italiana, v. IV.
Milano: Mondadori, 1972, p. 230.
52
Como lembram G. D. Bonino, (in Foscolo, 1986, p. 14) e P. Mattei (in Foscolo, 1988, p. 18).
39
se preocuparam com as semelhanças e não perceberam que “siano dissimili in alcuni
parti più essenziali”
53
, e faz várias comparações entre os dois romances. Segundo
Foscolo, quando leu Werther havia escrito as Ultime lettere e, ao perceber as
semelhanças em relação à forma, pensou em não publicar mais o livro; mas, devido às
“miserie della sua patria”, que continuavam a irritá-lo, mudou de idéia.
Entre os motivos que levaram Goethe a escrever o Werther estão a paixão do
autor por Charlotte Buff, comprometida com outro homem, e que no romance vai se
chamar Lotte, e o suicídio do amigo Karl Wilhem Jerusalem.
54
Foscolo retrata em
Teresa o amor que sentia por Teresa Pikler; e o suicídio de Jacopo é também lembrança
de um suicídio real
55
. No entanto, o amor no Ortis, diferentemente do Werther, é
também um tema político: o amor e a luta por Teresa representam o amor e a luta pela
Itália. Foscolo escreve na Notizia Bibliografica: “Ma l’autore tedesco non ebbe l’intento
dell’italiano, scriveva in epoca di violenti commozioni politiche, quando gli uomini,
per poter fortemente agire, son necessitati a deliberarsi a morire”.
56
É certo que os dois romances terminam com o suicídio do protagonista, mas o
que antecede o clímax e o que antecede a morte são diferentes em cada um deles:
Werther in una notte burrascosa di verno arrampica su per le rupi, e il luogo dove fu
trovato il suo cappello lascia congetturare ch’ei cercasse morte più crudele e più presta
fra que’ precipizi. La mattina lo veggono boccheggiante nella sua camera, con le
cervella sparpagliate [...]. L’altro, in una notte serena di primavera, va per le campagne,
che gli erano state si care, e da que’ luoghi raccoglie le rimembranze dell’amor suo; e
tornasi a casa pcerto che sarà caro a Teresa anche sotterra [...], lascia che per pore
gli scorra il sangue dalla ferita.
57
53
“Sejam diferentes em algumas partes mais essenciais.” U. Foscolo, “Notizia Bibliografica”, p. 132.
54
Entreclássicos, nº 5, Goethe. São Paulo: Ediouro/Segmento-Duetto, 2006, p. 56.
55
Cf. Nota 25.
56
“Mas o autor alemão não teve o mesmo intento do italiano, nem escrevia em época de violentas
comoções políticas, quando os homens, para poderem agir com vigor, precisam decidir-se a morrer.”
U. Foscolo, op. cit., p. 134.
57
“Werther, numa noite tempestuosa de inverno sobe pelos penhascos, e o lugar onde foi encontrado o
seu chapéu faz com que se pense que ele buscava morte mais cruel e mais rápida entre aqueles
precipícios. De manhã, o vêem agonizante em seu quarto, com os miolos esparramados [...]. O outro,
em uma noite serena de primavera, vai pelos campos, que lhe tinham sido tão queridos, e daqueles
lugares recolhe as lembranças do seu amor; e ao voltar para casa, certo de que será querido por Teresa
40
O suicídio de Ortis imita a atitude de Catão e a do Saul de Alfieri, que se
mataram com uma espada, e tiveram uma morte lenta, de prolongada agonia. Não foi
assim com Werther que se matou com um tiro de espingarda na cabeça.
Contudo, a leitura dos dois romances não deixa dúvida de que o Werther tenha
influenciado Foscolo: são tão parecidos em algumas passagens que às vezes chegamos a
pensar mesmo que o de Foscolo seja uma imitação do de Goethe. Todavia, o Werther é
uma, entre as tantas fontes de inspiração que deram vida às Ultime lettere. Nisso, o
romance de Goethe também não é diferente do de Foscolo: há no Werther, por exemplo,
passagens dos poemas de Ossian, traduzidas literalmente e preenchendo várias páginas.
Goethe, um dos deres do movimento literário Stürm und Drang (Tempestade e
Ímpeto), por meio do Werther havia influenciado muitos jovens com os temas do amor,
da morte, e com as poesias de Ossian. Esse movimento, em oposição ao racionalismo
iluminista, exaltando a paixão e o sentimento, opondo-se às convenções sociais, tinha
a influência das idéias de Rousseau, que, por sua vez, chegaram a Alfieri e a Foscolo.
2.2. Alfieri, Ossian e outras influências.
Como vimos, a influência de Alfieri sobre as Ultime lettere é mais acentuada a
partir da edição de 1801. A linguagem desse romance é predominantemente dramática,
alfieriana, apresentando os mesmos contrastes manipulados por Alfieri em suas
tragédias: uma tensão permanente entre a vida e a morte, entre o amor à liberdade e a
aceitação de que a força é a única lei. O protagonista das Lettere é um herói que, diante
da impossibilidade de agir, busca o refúgio e o suicídio como forma de libertação, uma
atitude estóica, inspirada talvez em Plutarco. Recita versos de Alfieri, e repete palavras
de Saul, personagem da tragédia homônima de Alfieri: “Veggo la meta: ho già tutto
fermo da gran tempo nel cuore.”
58
O suicídio de Ortis não é um gesto de desespero, mas de equilíbrio, perpetrado
para conservar-se “incontaminado”, segundo suas próprias palavras. É um gesto de
também debaixo da terra [...], deixa que por mais horas lhe escorra o sangue da ferida.” U. Foscolo,
“Notizia Bibliografica”, p. 155.
58
“Vejo a meta: tudo está, há muito, resolvido em meu coração.” (Carta de Rímini, de 5 de março.) Saul,
ato V, cena IV. U. Foscolo, 1998, p. 128.
41
virtude, praticado longe dos olhares do mundo, portanto, de uma virtude desconhecida.
A mesma virtude desconhecida que título ao diálogo de Alfieri.
59
Esse diálogo, um
panegírico dedicado a um amigo que havia morrido, mostra que a virtude pode ser
conservada mesmo nas épocas mais viciosas, desde que praticada no íntimo, longe dos
olhos do mundo, como atos de abnegação. A menção ao diálogo é feita logo na abertura
do romance, quando Lorenzo Alderani afirma que a publicação das cartas era um
monumento àquela virtude: “Pubblicando queste lettere, io tento di erigere un
monumento alla virtù sconosciuta.”
60
.
O modelo de virtude para Ortis são os ideais de heróis gregos e latinos (como
Licurgo, Timoleão e Catão) de que Plutarco fala nas Vidas paralelas, o amor à pátria e o
ódio à tirania, a insistência em uma afirmação da consciência nacional e a missão social
e civil do literato. São ideais alfierianos, os quais Foscolo viveu na juventude.
Entre as fontes das Ultime lettere, portanto, Alfieri ocupa lugar de relevo. Fubini
comenta que “nessuno alfiereggiò quanto lui [Foscolo]”
61
, e com esse romance teria
popularizado o drama alfieriano. Mas, se Foscolo se inspirou em Alfieri, também o
criticou pelo isolamento e pelo silêncio político, pois não bastava apenas a inspiração
heróica de Alfieri, eram necessários a ação e o empenho civil e político que tanto
motivavam o autor do Ortis.
Quando Foscolo era jovem, Alfieri e Parini já haviam escrito suas obras.
Colocados nesta ordem, Parini, Alfieri e Foscolo formaram uma tríade de pais
espirituais
62
que promoveram a consciência ética, civil e política da Itália, o que fez com
que fossem revalorizados pelo Risorgimento. No entanto, mais do que Parini e Alfieri,
foi Foscolo o promotor dessa consciência por ter-se formado em uma época de
mudanças e contradições e ter vivido seus acontecimentos e atuado neles.
* * *
Na carta de 7 de setembro, que Ortis escreve de Florença, está:
59
Della virtù sconosciuta (1786).
60
“Ao publicar estas cartas, tento erigir um monumento à virtude desconhecida.”
61
“Ninguém ‘alfierejou’ tanto quanto ele.” M. Fubini, 1931, p. 387.
62
A. Giudice e G. Bruni, 1988, v. 3, p. 61.
42
[...] mentre il mondo era addormentato, io sedeva intento al lontano fragore delle acque,
e al rombare dell’aria quando i venti ammassavano quasi su la mia testa le nuvole, e le
spingevano a funestare la Luna che tramontando, ad ora ad ora illuminava nella pianura
coi suoi pallidi raggi le croci conficcate su i tumuli del cimitero; e allora il villano dei
vicini tuguri, per le mie grida destandosi sbigottito, s’affacciava alla porta, e m’udiva in
quel silenzio solenne mandare le mie preci, e piangere, e ululare, e guatare dall’alto le
sepolture, e invocare la morte.
63
A cena lembra a poesia sepulcral dos autores ingleses e escoceses do pré-
romantismo, com seus temas relativos à noite, à morte e aos túmulos, acompanhados de
um vocabulário pessimista e melancólico. Temos nessa passagem uma paródia da
tradução que Cesarotti fez da Elegy written in a country church-yard (1750), de Thomas
Gray (1716-1771); mas a passagem nos remete também ao poema The Nights
(1742/45), de Edward Young (1683-1765), que são meditações em versos sobre a vida e
a morte, exaltando a noite e a contemplação dos sepulcros, escritas numa atmosfera
crepuscular e melancólica, celebrando as almas humildes.
Mas de toda a poesia insular, a que mais se reflete no Ortis e também em toda
a literatura européia da época o os poemas de Ossian, que haviam influenciado o
Werther de Goethe.
Os Poems of Ossian (1765) tiveram origem na tradução de alguns fragmentos de
poesias populares celtas realizada pelo escocês James MacPherson. O sucesso foi tão
grande que ele resolveu inventar outros poemas e atribuí-los a Ossian, um bardo do
século III d. C. Publicou-os como autêntica poesia antiga escocesa, e assim fizeram
sucesso. Esses poemas tratavam das guerras heróicas dos antigos celtas; apresentavam
paisagens tenebrosas e tristes, exaltavam a glória, o sepulcro e a lembrança dos mortos,
63
“[...] enquanto o mundo estava adormecido, eu me sentava atento ao distante fragor das águas, e ao
sussurro do ar, quando os ventos juntavam as nuvens quase na minha cabeça, e as empurravam a
fustigar a Lua que ao se pôr, a cada hora iluminava na planície com os seus pálidos raios as cruzes
pregadas sobre os túmulos do cemitério; e então, o camponês dos casebres vizinhos despertava
aterrorizado por causa de meus gritos, e aparecia à porta e me ouvia naquele silêncio solene enviar as
minhas preces, e chorar, e gritar, e olhar do alto as sepulturas, e invocar a morte.” Mario Puppo nota
que esta cena é um dos melhores exemplos de cenografia pré-romântica da Literatura Italiana. Apud P.
Mattei, in U. Foscolo, 1998, p. 102, nota 21.
43
bem ao gosto dos poetas da época. Ossian tornou-se uma figura cultuada em toda a
Europa e chegou a ser comparado, em grandeza, a Homero.
64
Cesarotti traduziu os poemas de Gray e de Macpherson
65
e, por meio deles,
introduziu na Itália as primeiras manifestações pré-românticas, que se desenvolveriam
nas tragédias de Alfieri, na obra de Alessandro Verri (1741-1816) e, também, nas
Ultime lettere e nos Dei Sepolcri, de Foscolo.
Cabe aqui ressaltar a importância do filósofo italiano Giambattista Vico que, por
meio de Johann Gottfried Herder (1744-1803), influenciou os pré-românticos alemães.
Vico revalorizou a história, dando importância às sepulturas, aos ritos e à poesia dos
poetas primitivos, como partest, c, es d prrmeirmcporâ, 987(m) (c)-110 d3((i)3.0013(l)-1.99-1.9987(r)-1.9987(a)-1( )-125(dos) )-310(c)-2( )(, )-20(l7(a)-1( )-125(dos) )-a do.8 0 T2.8[(e)-1(m)85()-1(s)-1(, -1.9987(ou )-85(n2(o)5(rou )-85por)11l)3(l)-1.9987(r)-1.9987(a)-1( )-14(dos)
44
Ortis relata a visita que fez à Igreja de Santa Croce, em Florença, onde estão
sepultadas grandes figuras da história italiana. Esse local será o tema do poema Dei
Sepolcri, que exorta os italianos a venerarem os sepulcros de seus antepassados ilustres,
inspirando-lhes o amor à pátria, valorizando-lhes a história.
Curiosamente, Dante Alighieri (1265-1321) não está entre os sepultados em
Santa Croce. Da mesma maneira que Foscolo, Dante morreu no exílio; mais
precisamente em Ravena, que foi o último local da peregrinação de Ortis, narrada na
segunda parte do romance. Lorenzo não recebeu nenhuma carta de Ravena, mas
encontrou o seguinte fragmento, o que o fez supor que Ortis lá estivera:
Sull'urna tua, Padre Dante! Abbracciandola, mi sono prefisso ancor più nel mio
consiglio. M'hai tu veduto? m'hai tu forse, Padre, ispirato tanta fortezza di senno e di
cuore, mentr'io genuflusso, con la fronte appoggiata a' tuoi marmi, meditava e l'alto
animo tuo, e il tuo amore, e l'ingrata tua patria, e l'esilio, e la povertà, e la tua mente
divina? e mi sono scompagnato dall'ombra tua più deliberato e più lieto.
69
Ao visitar o túmulo de Dante, Ortis já havia decidido tirar a própria vida,
conforme o relata numa carta escrita antes desse fragmento. Após a visita, retorna às
Colinas Eugâneas onde encontrará o fim. Dante parece representar para ele uma
inspiração ao “exílio-suicídio” definitivo.
No exílio, Foscolo exerceu, acima de tudo, a atividade de crítico. Aqui
reaparecem as idéias de Vico: o valor do poeta primitivo, de Homero e de Dante, cujas
poesias eram movidas pelas grandes paixões e pelos grandes sentimentos. O obra crítica
de Foscolo também trata de Dante e faz daquele “il primo potente iniziatore dei moderni
studi e interpretazioni dantesche”
70
.
69
“Sobre o teu túmulo, Pai Dante, abraçando-o, firmei-me ainda mais na minha decisão. Tu me viste?
Foste tu, Pai, quem me inspirou tanta firmeza de juízo e de temperamento, quando eu, de joelhos, com
a fronte apoiada no mármore de teus monumentos, meditava sobre o teu elevado espírito, o teu amor, a
ingratidão de tua pátria, o exílio, a miséria, e a tua mente divina? E me afastei de tua sombra mais
resoluto e mais feliz.”
70
“O primeiro grande promotor dos modernos estudos e interpretações de Dante.” A. Marpicati, Il
dramma politico di Ugo Foscolo. Bologna: Nicola Zanichelli, 1934, p. 136.
45
Mas foi justamente no exílio que Foscolo “trovò la sua patria in Dante”
71
, e
escreveu que Dante “mi è maestro non solo di lingua e poesia, ma di amore di patria
senza adularla; di fortezza nell’esilio perpetuo [...]”.
72
A influência de Dante sobre as Cartas pode ser percebida pelas vezes em que
nelas é parafraseado ou citado abertamente:
Libertà va cercando ch’è sì cara
Come sa chi per lei vita rifiuta
73
São significativos esses versos sobre a liberdade e a morte e que se referem a
Catão. Eram a epígrafe da edição de 1816 das Ultime lettere e passaram a fazer parte da
carta do dia 20 de março de 1799, escrita cinco dias antes de Ortis imitar o gesto do
próprio Catão. Porém, depois, Foscolo mudou a epígrafe para “Naturae clamat ab ipso
vox tumulo” (“Geme la Natura perfin nella tomba”), um verso da Elegia de Gray
74
.
Esse verso aparece também na carta de 25 de maio de 1798:
Eppur mi conforto nella speranza di essere compianto. Su l'aurora della vita io cercherò
forse invano il resto della mia età che mi verrà rapito dalle mie passioni e dalle mie
sventure; ma la mia sepoltura sarà bagnata dalle tue lagrime, dalle lagrime di quella
fanciulla celeste. [...] Le persone a noi care che ci sopravvivono, sono parte di noi. I
46
A esperança que resta aqui é a de que ele seja lembrado depois de morto: esse é
seu único consolo, o que faz com que a morte lhe seja menos dolorosa. É o consolo da
lágrima que cai e do peito que geme pelo ente querido, como aparece no poema de
Gray; é a mesma esperança que está no Ossian
76
.
O mito da morte e do sepulcro, no caso de Foscolo, é o desejo de que os italianos
não se esqueçam de seus grandes homens, que os cultuem, e que, apegados a essas
figuras nacionais, possam vir a transformar a sua nação em um Estado emancipado.
A filosofia racionalista e iluminista do século XVIII, obra da razão, resulta nas
lutas políticas e apaixonadas dos movimentos de emancipação que ocorrerão no final do
período. E também na desilusão que virá logo em seguida. E desta mesma forma,
apaixonadas, expressam-se nas palavras de Ortis. Veremos, em seguida, como elas
aparecem nas Ultime lettere.
O trauma e as desilusões em relação aos fatos políticos se manifestam nas
Cartas. Ortis se pergunta, na segunda carta, de 13 de outubro: “E perché farci vedere e
sentire la libertà, e poi ritorcela per sempre? e infamemente!
77
Mais adiante, na carta de 18 de outubro de 1797, aparece um Ortis cético e
pessimista:
Michele mi ha recato il Plutarco, e te ne ringrazio. Mi disse che con altra occasione
m'invierai qualche altro libro; per ora basta. Col divino Plutarco potrò consolarmi de'
delitti e delle sciagure dell'umanità volgendo gli occhi ai pochi illustri che quasi primati
dell'umano genere sovrastano a tanti secoli e a tante genti. Temo per altro che
spogliandoli della magnificenza storica e della riverenza per l'antichità, non avrò assai
da lodarmi né degli antichi, né de' moderni, né di me stesso – umana razza!
78
divina. [...] As pessoas a nós queridas, que nos sobrevivem, são parte de nós. Os nossos olhos
morrendo pedem aos outros alguma gota de pranto, e o nosso coração almeja que o recente cadáver
seja sustentado por braços carinhosos, e procura um peito onde transfundir o último suspiro. Geme a
Natureza até mesmo na tumba, e o seu gemido vence o silêncio e a escuridão da morte.”
76
“Minhas lágrimas, ó Ryno, são pelos mortos [...].As colinas te esquecerão [...]. Pequena é a tua morada,
obscura a tua solidão! Com três passadas eu meço o teu túmulo, ó tu, outrora tão grande! [...] mas
nossos cantos perpetuarão teu nome; os séculos vindouros ouvirão falar de ti [...].” J. W. Goethe,
Fausto e Werther, São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 420-1.
77
“E para que nos fazem ver e sentir a liberdade? Para depois no-la tirar de novo e para sempre? E
infamemente.”
78
“Michele me trouxe o Plutarco, eu te agradeço por isso. Ele me disse que em outra ocasião me enviarás
outro livro; por ora basta. Com o sublime Plutarco poderei consolar-me dos delitos e dos infortúnios da
47
Os exemplos de moral e de costumes dados nas Vidas de Plutarco chegam a ser
questionados no trecho acima por Ortis que não acredita no homem. Suas reflexões,
mais emocionais do que racionais, e pouco organizadas, abrangem questões morais,
políticas, sociais e filosóficas, como o tema da liberdade e do papel do Estado.
Por meio de seu protagonista, Foscolo questiona os problemas da época e da
Itália. Interessa-se pelo papel do Estado, indo, desordenadamente do liberal John Locke
(1621-1704) ao absolutista Thomas Hobbes (1588-1675), vislumbrando a possibilidade
do Estado como organizador da sociedade corrompida. Para Hobbes, todo homem nasce
corrupto (“umana razza”), ao contrário do que pensava Rousseau, para quem o homem
nasce bom (ainda que a civilização o degenere e o corrompa mais tarde). Nas próprias
palavras de Ortis podemos notar como algumas idéias de Rousseau, como a do mito do
bom selvagem, são ironizadas: “La Terra è una foresta di belve.”
79
Não é uma ironia
a Rousseau, mas também uma afirmação a Hobbes.
No entanto, ainda que Foscolo enxergasse uma sociedade cheia de vícios, que
precisasse de um Estado para organizá-la, não defende o absolutismo, como Hobbes, o
Estado despótico, pois professava a liberdade acima de qualquer coisa.
Esses conceitos, que permeiam as Ultime lettere não vão constituir um conjunto
sistemático. Em suas análises, tanto Croce quanto Fubini ressaltaram que Foscolo,
apesar de se interessar por assuntos diversos, era poeta por excelência e era na poesia
que ele fundia as contradições do seu espírito.
2.3. Do neoclassicismo ao romantismo
O romance epistolar serviu como gênero de oposição ao ideal clássico das
formas perfeitas. Estabeleceu-se no período pré-romântico, e teve na Nova Heloísa, no
Werther e nas Ultime lettere seus melhores exemplos. Era utilizado como uma forma de
protesto dos sentimentos contra as convenções da sociedade de um período
humanidade, volvendo o olhar àqueles poucos ilustres, representantes quase supremos do gênero
humano, sobreviventes de tantos séculos e de tanta gente. Por outro lado, temo que despojando-os da
magnificência histórica e da reverência pela antigüidade, não terei muito para vangloriar-me nem dos
antigos, nem dos modernos e nem de mim mesmo – raça humana!”
79
“A Terra é uma floresta de bestas.” Carta de Ventimiglia, de 19 e 20 de fevereiro.
48
caracterizado por “uma mentalidade que oscila entre tristeza melancólica e protesto
revolucionário”
80
.
O fato de ter sido Foscolo autor de um romance epistolar não basta para
caracterizá-lo como um escritor pré-romântico: mesmo tendo ele vivido e escrito
naquela fase de transição entre o século XVIII e o XIX; mesmo apresentando suas obras
algumas características românticas. Foscolo foi um pré-romântico nas Ultime lettere;
um neoclássico na poesia; e um romântico em sua obra crítica do final da vida.
Introduziu na literatura italiana a crítica histórica, interpretando Dante. Foi um teórico
nacionalista e, portanto, romântico.
Foscolo nasceu numa época em que o Classicismo predominava na Europa; além
disso, nasceu na Grécia, palco da tradição clássica. E manteve o espírito de um clássico
até que rebentou a Revolução na França. A partir desse momento, tomado pelas idéias
de Rousseau, não será mais a frieza do raciocínio e a exatidão das formas, mas o ímpeto
e a paixão, que tomarão conta de seu espírito. A desilusão revolucionária pela qual
Foscolo passou, fez com que ele se desiludisse também de Rousseau. Não abdicou,
contudo, do espírito revolucionário; reformou-o; fê-lo evoluir de um ímpeto juvenil para
um humanismo maduro.
O grande entusiasmo revolucionário, o exaltado amor à tria e à natureza que
no Ortis revelam sentimentos que oscilam do pessimismo para a melancolia, nos
quais predomina uma atração obsessiva pela morte. São sentimentos contraditórios
como esses que mostram a insatisfação e a inadequação social do protagonista das
Lettere, que prenunciam o Romantismo e que aparecem, por exemplo, em Goethe e
John Keats (1795-1821).
Esses poetas viveram num período em que Classicismo e Romantismo
coexistiam, um período em que a arte ora celebrava a harmonia e a beleza ideal, ora
enaltecia sentimentos sombrios e tristes.
Quanto a Foscolo, irá desenvolver um espírito mais sereno, mais próximo dos
clássicos, na sua poesia, como nas odes e no poema Le Grazie; mas, nas Ultime lettere,
veremos um Ortis, que após meditar sobre a opressão e a infelicidade, temas
predominantes da época, cogita um mundo mais harmônico. Na poesia e nas Ultime
lettere, Foscolo utiliza um conceito de Beleza concebido na forma clássica, como aquela
80
O. M. Carpeaux, História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985, p. 914.
49
beleza que consola o homem e aplaca suas dores. Dessa forma, a Beleza seria uma
espécie de remédio para a infelicidade humana.
Na análise de Fubini, Foscolo procura substituir o pessimismo de influência
alfieriana por um pessimismo mais racional, mantendo a na virtude (seja essa virtude
a estóica, seja a alfieriana “virtude desconhecida”) diante das desilusões proporcionadas
por uma época brutal; em razão disso, acaba fazendo com que Ortis se volte, não apenas
num sentido estético, mas filosófico, para um mundo mais harmônico e humano. Trata-
se de uma ilusão filosófica sem a qual ele (Ortis ou Foscolo) acabaria sucumbindo
diante da dor ou da indolência. A essa reação, Fubini chama de “teoria das ilusões”.
Mas é uma reação sustentada apenas pela fé na virtude: não numa virtude qualquer, mas
na única virtude verdadeira, a compaixão
81
, uma virtude que une as almas dos
indivíduos, divididas pela fria razão e pelos instintos prepotentes.
82
É o artista diante do dilema da época. Por exemplo, na carta de 15 de maio de
1798 continuação da carta em que conta ter beijado Teresa –, abandona-se à
felicidade, à beleza e à poesia. Mas, depois, ele se pergunta se tudo isso não passa de
ilusão:
[...] io delirando deliziosamente mi veggo dianzi le ninfe ignude [...] e invoco in lor
compagnia le Muse e l’Amore; e fuor dei rivi [...], vedo uscir [...] le Najadi [...].
Illusioni! Grida il filosofo. Or non è tutto illusione? tutto! Beati gli antichi che si
credeano degni dei baci delle immortali dive del cielo; che sacrificavano alla Bellezza e
alle Grazie; che diffondeano lo splendore della divinità su le imperfezioni dell’uomo, e
che trovavano il BELLO ed il VERO
83
accarezzando gli idoli della lor fantasia!
Illusioni! ma intanto senza di esse io non sentirei la vita che nel dolore, o (che mi
spaventa ancor più) nella rigida e nojosa indolenza: e se questo cuore non vorrà più
sentire, io me lo strapperò dal petto con le mie mani, e lo caccerò come un servo
infedele.
84
81
Cf. Carta de Ventimiglia, de 19 e 20 de fevereiro.
82
M. Fubini, 1931, p. 38.
83
“Beauty is truth, truth beauty, that is all.” (“Beleza é verdade; verdade, beleza; isso é tudo”), John
Keats, “On a Grecian Urn”, v. 49.
84
“[...] eu delirando deliciosamente vejo diante de mim as ninfas nuas [...] e invoco na companhia delas
as Musas e o Amor; e dos regatos [...] vejo sair [...] as Naiades [...]. Ilusões! Grita o filósofo. – Ora, não
é tudo ilusão? Tudo! Abençoados os antigos que se acreditavam dignos dos beijos das imortais divas
do céu; que sacrificavam à Beleza e às Graças; que difundiam o esplendor da divindade sobre as
50
Usando imagens mitológicas, Ortis pode sentir a felicidade, e a natureza se lhe
mostra mais amena. Mas, ao dizer “Ilusões! Grita o filósofo”, parece despertar para uma
realidade atroz. O que Foscolo está mostrando é o contraste entre a filosofia das luzes
do século XVIII, que concebia a realidade de maneira racional, e a nova tendência que
estava surgindo, a qual valorizava os sentimentos. Ortis conclui, assim, que as ilusões,
apesar de serem ilusões, são necessárias para que se possa suportar a existência. A
antítese entre o belo e o verdadeiro (“il bello e il vero”), tirada de um verso de Keats, é
também a antítese entre a paixão e a razão, entre o romântico e o clássico.
Para o inglês Keats, o papel do poeta é evocar o sentido da beleza. Esse mesmo
motivo encontramos, por exemplo, no poema Le Grazie, de Foscolo; em Keats o tema
neoclássico da contemplação e idealização da Hélade como pátria eterna da beleza
torna-se sonho ardente, fuga da realidade. O verso acima está na ode “On a Grecian
Urn”, e expressa o que o poeta sente ao ver a cena de um beijo entalhada numa urna
grega. Essa cena ficaria gravada pela eternidade. A arte, apenas, consegue dar uma
dimensão eterna àquilo que na realidade é fugaz e perecível.
85
imperfeições do homem, e que encontravam o BELO e VERDADEIRO acariciando os ídolos da
fantasia deles! Ilusões! Mas, enquanto isso, sem elas, não sentirei a vida senão na dor, ou (o que me
assusta ainda mais) na rígida e entediante indolência: e se este coração não quiser mais sentir, eu o
arrebatarei do peito com as minhas mãos, e o expulsarei como um criado infiel.”
85
Cf. A. Giudice e G. Bruni, 1988, pp. 895-7.
51
3. TRADUÇÃO COMENTADA E ANOTADA
3.1. Foscolo e a tradução
Foscolo, dentre suas inúmeras atividades, também se dedicou à tradução e à
crítica da tradução, como apontamos no capítulo 1.1. Não deixou uma teoria
sistematizada e acabada, mas a experiência dele nesse campo, e seu trabalho de tradutor
e crítico, mostram que ele tinha plena consciência e percepção dos problemas
envolvidos no processo de tradução.
Em sua Notizia Bibliografica¸ Foscolo comentou as traduções das Ultime lettere
que existiam. Observou que as traduções para o alemão e para o inglês eram muito
literais, o que, segundo ele, poderia enriquecer a língua para a qual se traduz, e manter a
essência do original, mas deixaria o texto estranho e frio: seria, conforme afirma em
outro artigo, uma tradução “cadavérica”
86
. A tradução para o francês, por outro lado,
modificava muito o original, devido à exigência tipicamente francesa de um texto claro
e preciso;
87
por essa razão, seria impossível, de acordo com ele, traduzir as Ultime
lettere para o francês, pois justamente o que não há nesse romance é clareza:
Lo scrittore accena, più che non esprime a parole [...]; si cura che siano fuor di uso,
anzi la dicitura ha [un] non so che [di] ruggine proveniente dalla lettura dei più antichi
scrittori italiani [...]; s’ode l’oratore o il narratore, bensì l’uomo giovane che parla
impetuosamente e lascia discernere i vari colori della sua voce e i mutamenti della sua
fisionomia.
88
86
U. Foscolo, “Artigo crítico sobre a tradução dos dois primeiros cantos da Odisséia”. Tradução de M. T.
Vicentini. In: Clássicos da teoria da tradução, v. III. Florianópolis: UFSC, Núcleo de tradução, 2005,
p. 145.
87
Na França, durante os séculos XVII e XVIII, as traduções eram “melhoradas”, segundo os tradutores,
que faziam acréscimos e alterações no original para tornar o texto mais claro e aceitável para a cultura
francesa. Esse tipo de tradução era chamado de “Belles infidèles”, ou seja, “belas infiéis.” Cf. J.
Milton. O poder da tradução, São Paulo: Ars Poetica, 1993, p. 49.
88
“O escritor mais indica do que exprime com palavras [...]; não se importa que estejam fora de uso; pelo
contrário, a escritura tem uma certa ferrugem, proveniente da leitura dos escritores italianos mais
antigos [...]; não se ouve o orador nem o narrador, mas sim o jovem que fala impetuosamente e deixa
discernir as várias cores da sua voz e as mudanças da sua fisionomia.” U. Foscolo, 1913, p. 108.
52
Como teórico da tradução, Foscolo adotou algumas das idéias de Locke contidas
no Ensaio acerca do entendimento humano, principalmente sobre o significado das
palavras.
[...] le minime idee concomitanti d’ogni parola e che sole in tutte le lingue danno tinte e
movimento al significato primitivo, si sono smarrite per noi posteri con l’educazione e
la metafisica di popoli quasi obbliati: i dizionari non ne mostrano che il vocabolo
esanime. Onde io inerendo sempre ao significato mi studio di dar vita alle mie parole
con le idee accessorie e con l’armonia che mi verranno trasfuse nella mente
dall’originale.
89
Essas idéias respaldam-se em Locke:
[...] não duvido que, se pudéssemos investigá-las [as palavras] até suas fontes,
descobriríamos, em todas as linguagens, que os nomes que significam coisas e não se
encontram sob nossos sentidos derivaram inicialmente de idéias sensíveis.
90
As palavras perderam a relação que tinham imediatamente com aquilo que
representavam, ou seja, com as idéias sensíveis. Essa relação existia nos primórdios da
língua, mas se perdeu. Uma forma de recuperá-la se dá por meio do estilo: determinados
sons, por exemplo, que nos trazem à mente a imagem criada pelas palavras; a harmonia
do texto, que pode empolgar ou acalmar o leitor; a descrição, que ajuda a formar a
imagem representada no texto, etc.
Segundo o crítico Mario Fubini, nenhum escritor italiano, com a exceção de
Vico, se ateve tanto à riqueza contida nas palavras quanto Foscolo. Portanto,
acreditamos que uma tradução de uma obra de Foscolo, deveria prestar atenção também
a essa riqueza: pesquisando sinônimos, etimologias, imagens, sons, etc. Para Fubini, foi,
89
“As mínimas idéias acessórias que acompanham cada palavra e que, em todas as línguas, são as
únicas responsáveis pela cor e pelo movimento do significado originário perdem-se para nós
pósteros, juntamente com a educação e a crença daqueles povos quase esquecidos. Os dicionários
mostram apenas vocábulos exânimes, de sorte que, ao traduzir, procuro, atendo-me sempre ao
significado originário, dar vida às palavras mediante as idéias acessórias e a harmonia que o original
me sugere.” U. Foscolo, “Experimento de tradução da Ilíada de Homero”. Tradução de Marzia T.
Vicentini. In: M. T. Vicentini, 2005, p. 107.
90
J. Locke, Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 199, p. 144.
53
acima de tudo, a própria experiência de Foscolo como poeta e tradutor (e não tanto a
influência de Locke ou de Vico) a contar para a clara consciência que tinha da
linguagem.
91
Foscolo fundamenta suas idéias sobre tradução numa definição de poesia que
leva em conta as imagens, o estilo e a paixão, as quais o tradutor deve manter:
Le immagine, lo stile e la passione sono gli elementi d’ogni poesia. [...] il traduttore,
mutando parole, metro e collocazione, dee pur racquistare nella sua lingua questa dote
essenziale dell’eloquenza poetica [...].
92
Foscolo preocupa-se, em sua poesia, em seu romance e em suas traduções com a
harmonia, o movimento e o colorido do texto; enfim, com o estilo. A harmonia depende
do som e da colocação da palavra, e do metro; o movimento depende dos verbos; e o
colorido depende dos epítetos e/ou dos adjetivos. Essas características representam a
essência poética e não podem ser deixadas de lado na tradução.
Para ele, em um romance que expressa afetos e não fatos, o encanto está no
estilo, e esse estilo é algo difícil de ser mantido em uma tradução, continua na Notizia
Bibliografica. As Ultime lettere apresentam “um estilo todo próprio”
93
, é um estilo
apaixonado, escrito “com fogo”
94
e “com sangue”
95
.
Benedetto Croce, ao tratar do estilo das Ultime lettere, expõe uma idéia
parecida: que essas cartas expressam idéias e sentimentos com tons estridentes de forma
enfática ou oratória
96
.
A experiência de Foscolo como tradutor de prosa, por outro lado, mostrou-se
muito inovadora, a começar pela escolha que fez: o romance de viagem de Sterne,
91
M. Fubini, 1931, p. 349.
92
“As imagens, o estilo e a paixão são os elementos de toda poesia [...] o tradutor, mudando palavra,
metro e posição, deve também reproduzir na sua língua este dom essencial da eloqüência poética [...]”
U. Foscolo, “Sulla traduzione de’ due primi canti dell’ Odissea di Ippolito Pindemonte”, apud Mattioli,
“La teoria della traduzione in Italia fra settecento e ottocento: Le linee guida.” In: G. Catalano e F.
Scotto, La nascita del concetto moderno di traduzione. Roma: Armando Editore, 2001, p. 96.
93
U. Foscolo, 1913, p. 108.
94
Idem, ibidem, p. 109.
95
U. Foscolo, Epistolario. Firenze: Le Monier, 1979, p. 31, apud Paolo Mattei, in Foscolo, 1998, p. 7.
96
B. Croce, 1946, p. 76.
54
Viagem sentimental de Yorick, uma obra que diferia muito do cânone da época e que foi
precursora da narrativa moderna.
97
Foi uma tradução que passou por um longo e trabalhoso percurso que vai de
1805 a 1813. Em uma carta Foscolo diz:
“Faccio ora stampare a Pisa il Viaggio Sentimentale ch’io aveva già tradotto per me; ma
ora dovendolo tradurre per gli altri, l’ho ritradotto, e mille volte rifatto, e lambiccato e
corretto e ricorretto.”
98
Foscolo escreveu e reescreveu várias vezes o texto e, com isso, foi formulando
suas idéias. Inicialmente, ao fazer uma tradução muito literal, não ficou satisfeito e
percebeu que o tradutor precisaria interpretar o original e recriá-lo na língua de chegada,
procurando manter forma, conteúdo e estilo. Essa análise foi feita por Paolo Proietti,
que acrescenta:
In questo il Foscolo rivela la propria modernità rispetto all’attività del tradurre,
cercando di consegnare un testo tradotto che fosse letterariamente bello e
linguisticamente fedele, pur andando oltre l’ossequio letterale al testo d’origine.
99
Todas essas idéias de Foscolo a respeito de estilo e de tradução teriam de ser
levadas em conta ao se traduzir o mesmo Foscolo. No próximo capítulo, veremos como
essas idéias foram empregadas. Para terminar, ressaltemos estas palavras de Foscolo,
sobre a tradução que fez da Ilíada, de Homero: “né io scrivo verso senza prima
imbevermi a mio potere delle dottrine di tanti scrittori intorno ad Omero.”
100
Veremos
97
Uma escolha semelhante foi feita por Venuti, ao traduzir Tarchetti. Cf. capítulo seguinte, p. 56.
98
“Agora mando imprimir, em Pisa, o Viagem Sentimental, que eu havia já traduzido para mim; mas
agora, tendo que traduzi-lo para os outros, traduzi-o de novo, e mil vezes o refiz, e quebrei a cabeça,
corrigi e tornei a corrigir.” Apud P. Proietti, “Un singolari binomio: Foscolo e Sterne”. In: G. Catalano
e F. Scotto, 2001, p. 339.
99
“Nisso Foscolo revela a própria modernidade em relação à atividade tradutória, procurando apresentar
um texto traduzido que fosse literariamente belo e lingüisticamente fiel, mesmo indo além do respeito
literal devido ao texto de origem.” Idem, ibidem, p. 343.
100
“Eu também não traduzo verso algum sem ter antes procurado assimilar em profundidade os
ensinamentos dos muitos estudiosos que escreveram sobre Homero.” (Tradução de Marzia T.
Vicentini.) M. T. Vicentini, 2005, p. 105.
55
como isso foi assimilado. Essas palavras, representaram o ponto de partida para a nossa
tradução das Ultime lettere.
3.2. Considerações sobre a tradução
A tradução que será apresentada nas páginas seguintes fez uso de muitas das
idéias de Foscolo, como já se disse. Para ele, era importante “impregnar-se” da literatura
sobre a época do texto original; adornar a tradução de arcaísmos e expressões que
deixassem transparecer a idade em que o original fora escrito.
E para que a tradução das Ultime lettere ficasse impregnada da literatura da
época, foi necessário que lêssemos os autores de língua portuguesa da época de Foscolo.
Passou-se a pesquisar e a fazer uma seleção dos autores que deveriam ser lidos. Logo se
percebeu que os nossos árcades e os de Portugal não bastavam, pois o Foscolo das
Ultime lettere era mais um pré-romântico do que o Foscolo neoclássico da poesia e que
muito de sua linguagem, muitas de suas expressões e sua grandiloqüência encontravam-
se também nos nossos românticos. A seleção de autores a serem lidos foi, por causa
disso, ampliada.
Além da leitura desses autores, que influenciou o vocabulário e a maneira de
desenvolver o texto da tradução, um outro procedimento foscoliano foi usado: o das
citações. Algumas vezes foram enxertadas no texto palavras e frases dos autores lidos. E
onde isso foi feito, aparece a menção.
O primeiro autor pesquisado foi Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), por
causa da semelhança ideológica
101
com Foscolo e pelo fato de, sendo seu
contemporâneo, ter sido também poeta e autor de prosa. No entanto, se a sintaxe e o
vocabulário de Gonzaga serviam, percebeu-se logo que não bastavam. Seu bucolismo
não combinava com a grandiloqüência de Foscolo; mais parecido com ele, nesse sentido
estava um autor mais distante no tempo, Castro Alves (1847-1871), por exemplo. Mas
aqui e ali, nas cartas, encontram-se passagens parecidas com as de Álvares de Azevedo
(1831-1852), o macabro e o sepulcral; de Gonçalves Dias (1823-1864), o exílio e o
amor à pátria; de Bocage (1765-1805), devido à transição do neoclássico ao romântico;
de Garret (1799-1854), o exílio, a pátria, as paisagens.
101
Por exemplo: ambos lutaram pelos ideais da revolução Francesa. Foscolo como soldado, Gonzaga
como inconfidente.
56
Esse impregnar-se contribuiu para a criação de uma linguagem intermediária
entre a do autor e a do leitor, um procedimento semelhante ao que o tradutor e teórico
da tradução Lawrence Venuti utilizou para traduzir o escritor italiano Ugo Tarchetti
(1839-1869) para o inglês.
102
Venuti fez uso de arcaísmos e pesquisou modelos de épocas análogos na
literatura britânica e norte-americana para indicar a distância temporal entre o leitor e o
autor. No entanto, procurou fazer usos de expressões contemporâneas suas do inglês
padrão, o que resultou um texto situado em uma época imaginária entre a do autor e a
do leitor.
O que se pretendeu fazer aqui, nesta tradução das Ultime lettere de Jacopo Ortis,
foi algo semelhante: aproximar o leitor de hoje da época e da linguagem dos autores do
final do século XVIII e início do XIX.
Buscou-se então uma linguagem intermediária entre o texto original e a
tradução. Esse critério foi adotado por François-René de Chateaubriand (1768-1848) ao
traduzir o Paradise Lost de John Milton (1608-1674). As passagens bíblicas citadas no
poema original tinham como referência a Bíblia anglicana, cuja tradução não havia
ainda em francês. Chateaubriand, para suprir essa falta, recorreu a leituras do latim,
considerando-o como uma língua mediadora entre o inglês e o francês, uma terceira
língua.
103
Outro exemplo, mostrado por outro teórico da tradução, Antoine Berman
104
, é
a tradução da Eneida feita pelo poeta francês Pierre Klossowski (1905-2001), o qual se
valeu do alemão como língua intermediária. Klossovski amparou-se na tradução de
Voss
105
, que acabou influenciando a sua; além disso, o alemão era sua segunda língua e
acabou marcando o seu texto em francês.
A linguagem intermediária, no nosso caso, não se deu entre uma língua e outra,
mas entre uma época e outra. Mais ou menos o que fez Venuti. Para que a linguagem da
tradução ficasse mais próxima à linguagem da época de Foscolo, foram feitas duas
coisas: primeiro, a leitura de vários autores da época, como se mencionou acima;
segundo, uma pesquisa lingüística em dicionários especializados, com o propósito
102
L. Venuti, Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Bauru: EDUSC, 2002, pp. 21-63.
103
A. Berman, “Chateaubriand traducteur de Milton”. In: A. Berman (org.) Le tours de Babel. Mauvezin:
Trans-Europ-Repress, 1985, p. 124.
104
Idem, ibidem, p. 152.
105
Johann Heinrich Voss (1751-1826), poeta e tradutor alemão do Stürm und Drang.
57
principal de ver a datação de termos e expressões, optando-se, sempre que possível pelo
uso de termos da época pré-romântica e romântica. Entre eles, destacamos os seguintes:
Dicionários da língua portuguesa
1. Dicionário Aurélio eletrônico Século XXI, v. 3.0:
Esse dicionário possui um sistema de busca às palavras que permite localizar
morfemas, ou partes da palavra, o que é muito útil quando se procura um termo, não
pelo significado, mas pela sonoridade. Por exemplo, ao procurar uma palavra que
fizesse ecoar o nome de “Laura”, pôde-se pesquisar por “*lau*, encontrando várias
palavras, entre elas “láudano”, “claustro”, “aplauso”, etc. Esse sistema funciona também
como dicionário de rimas.
2. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, v. 1.0:
A maioria dos verbetes desse dicionário mostra a datação mais antiga do termo
e, entre outras coisas, seus sinônimos e antônimos. Quando se procurou traduzir a
expressão “bionda e ricciuta” (carta de de novembro de 1797), literalmente, loira e
de cabelos encaracolados”, pesquisou-se o termo “encaracolados” e o dicionário
apontou a datação em 1858. Como a tradução pretende situar o vocabulário o mais
próximo possível da época de Foscolo, buscou-se um sinônimo, “cacheados”, com
datação de 1836. Acabou-se optando por “enrolados” cujo primeiro registro por escrito,
de acordo com o dicionário, é de 1563. Mais tarde, encontrou-se, na leitura de textos da
época, a palavra “anelados”, pela qual se optou. Verificou-se também que ela datava de
1645. Esse dicionário é também um dicionário etimológico.
3. Dicionário eletrônico Luft:
O Dicionário eletrônico Luft não é apenas um dicionário de palavras, mas
também de regência verbal e nominal. Em muitos dos verbetes, é possível descobrir
quando determinada expressão começou a ser usada, se é usada no Brasil, em Portugal
ou em outros países de língua portuguesa, ou quando essa mesma expressão passou a ter
um significado diferente do que tinha na origem.
4. Dicionário AOL de sinônimos e contextos da língua portuguesa, v. 1.0:
Embora não contenha muitas acepções, e não mostre antônimos, por ser um
dicionário eletrônico, facilita bastante a pesquisa. Mostrou-se bastante útil quando
usado junto com outros dicionários. Por exemplo, no dicionário de italiano Garzanti
(ver abaixo) procurou-se o termo briccone e encontrou-se algumas acepções que
58
correspondem ao português “vil”, “infame”, “abjeto”. No dicionário de sinônimos,
encontrou-se “biltre”, que, por sua vez, aparece no dicionário do Aurélio com um
exemplo de utilização desta palavra por Machado de Assis.
Dicionário da língua italiana
5. Dizionario Garzanti di Italiano (eletrônico), v. 2.0:
Foi o dicionário italiano mais utilizado no trabalho: pela facilidade, pelos
recursos e por ser também um dicionário etimológico. Nele, encontramos, por exemplo,
para a palavra larva (carta de Bolonha, 12 de agosto) o sentido literário de “espectro” ou
“fantasma”, e com um exemplo tirado da própria poesia do Foscolo, nos Sepolcri, 206-
7: vedea larve guerriere / cercar la pugna. Um outro exemplo: famigliari, que aparece
pela primeira vez na narração de “Lorenzo, ao leitor” em “fu spesso sorpresa dai
famigliari con le lagrime agli occhi”, foi traduzido por “familiares”, o que parecia fazer
sentido. Mas na segunda vez, nas últimas três linhas do romance, em finché venne il
parroco e subito dopo il chirurgo, i quali con alcuni famigliari ci strapparono a forza”,
“familares” não fazia sentido, pois Jacopo morava longe da família. A pesquisa feita
neste dicionário revelou então que o termo era de uso antigo e significava, “criado”,
“doméstico”.
Dicionário italiano-português
6. Dicionário de italiano-português, Porto Editora:
É a versão portuguesa do Zanichelli. Um dicionário bastante amplo, com muitos
verbetes. Foi o dicionário bilíngüe mais consultado.
7. DIC - Dicionário eletrônico Michaelis, seis idiomas, v. 3.00:
Dicionário pequeno; equivale à edição do Dicionário Michaelis italiano-
português, português-italiano de bolso. Muito útil, no entanto, por ser eletrônico e
conter outras línguas. Como foram consultadas as traduções em inglês e espanhol do
livro de Foscolo, esse dicionário foi muito útil.
8. Babylon (dicionário eletrônico multilíngüe), v. 6.00 (r20):
É o dicionário mais difundido pela Internet e o mais fácil de ser usado.
Sobretudo quando se tem o texto original no formato eletrônico, pois mostra o
significado da palavra na tela do computador, bastando clicar sobre ela. Contudo, suas
59
acepções para cada verbete são muito poucas, mas como ele as apresenta em várias
línguas simultaneamente, amplia a gama de significados.
Outros recursos lingüísticos
Por fim, consultou-se as traduções para o inglês de J. G. Nichols e para o
castelhano de Angélica Valentinetti. São traduções bastante fiéis ao texto original. No
entanto, cabe ressaltar aqui, que alteram bastante a pontuação do original, o que, de
certa forma, faz perder o ritmo imposto ao romance pelo autor. Em nossa tradução,
procurou-se respeitar esse ritmo e, quando a pontuação foi mudada, tentou-se preservar
o ritmo que ela determinava.
A tradução espanhola contém muitas notas de auxílio à leitura; muitas dessas
notas, no entanto, constavam de outras edições, mas foram bastante úteis e, algumas
delas, reproduzidas nesta tradução para o português.
Recorreu-se também a várias edições do texto original, que serviram para
esclarecer, com suas notas, questões históricas, semânticas, lingüísticas e biográficas.
Elas contêm, também, notas do próprio Foscolo (aparecem nas notas como [N. F.]) e
notas de atualização do italiano. Indispensáveis à realização deste trabalho.
Das quase 70 cartas do romance, entremeadas por fragmentos de cartas e pelas
intervenções de Lorenzo Alderani, selecionou-se 21 exemplos, por meio dos quais se
procurou mostrar as características da obra e o seu estilo (Capítulo 1) e as influências de
Foscolo (Capítulo 2). As cartas escolhidas para essa antologia são, em grande parte, as
mais comentadas pelos críticos. Além dessas, escolheu-se também algumas que dessem
encadeamento à trama, abrangendo o começo, meio e fim do romance, e outras que
serviram de apoio para o material teórico desenvolvido nesta dissertação.
Acompanham a tradução notas e comentários que dizem respeito, sobretudo, a
problemas de semântica, de tradução e a dados históricos, biográficos e literários, para
situar a leitura.
60
1
O romance começa com uma dedicatória ao leitor, feita por Lorenzo Alderani, o
correspondente de Jacopo Ortis, que depois da morte do amigo resolve reunir as cartas e
transformá-las em livro. Lorenzo é o editor imaginário, por trás do qual se esconde o
próprio autor, Ugo Foscolo.
61
Al lettore
Pubblicando queste lettere, io tento di erigere un monumento alla virtù
sconosciuta; e di consecrare alla memoria del solo amico mio quelle lagrime, che ora mi
si vieta di spargere su la sua sepoltura. E tu, o Lettore, se uno non sei di coloro che
esigono dagli altri quell'eroismo di cui non sono eglino stessi capaci, darai, spero, la tua
compassione al giovine infelice dal quale potrai forse trarre esempio e conforto.
Lorenzo Alderani
62
Ao leitor
Ao publicar estas cartas, tento erigir um monumento à virtude desconhecida
106
e
consagrar à memória de meu único amigo
107
as lágrimas, que agora me proíbem
derramar sobre sua sepultura. E tu, ó Leitor, se não és daqueles que exigem do outro um
heroísmo que ele próprio não tem, terás, espero, compaixão pelo jovem infeliz que
talvez te sirva de exemplo e te conforte.
Lorenzo Alderani
108
106
No diálogo Della virtù sconosciuta (1786), Vittorio Alfieri escreve: “A virtude pode existir também
nos tempos de servidão, e nos governos mais corruptos.” Apud P. Mattei, in Foscolo, 1998, p.30.
107
Trata-se de Jacopo Ortis. O prenome Jacopo seria uma homenagem ao Jacques de Jean-Jacques
Rousseau; Ortis, a um estudante da Universidade de Pádua que se suicidara em 1796, Girolamo Ortis.
108
Há uma hipótese de que esse Lorenzo seria um amigo de Foscolo, o tragediógrafo Giambattista
Niccolini (1782-1861), ou, ainda, supostamente uma alusão a Lawrence Sterne, pois Alderani (do gr.
algheròs, “doloroso”) lembraria o termo inglês sterne. Cf. E. Botasso, in U. Foscolo, 1948, p. 269. O
nome alude também ao Lorenzo dos Night Thoughts de Young, ao qual são endereçadas as reflexões
fúnebres. Cf. M. Fubini, 1931, p. 16.
63
2
Primeira Parte
109
Na primeira carta do romance, após os últimos acontecimentos políticos, Jacopo
não segue o caminho de outros companheiros, e rejeita o exílio: foge de Veneza, mas
permanece em território vêneto. Desiludido, prefere morrer e ser sepultado na terra de
seus antepassados, onde poderá ser lembrado, do que morrer em terra estrangeira. O
tema da morte, que será recorrente no romance, aparece nesta carta, em que podemos
notar o uso constante de um vocabulário sepulcral (“tudo está perdido”, “espero
tranqüilamente a prisão e a morte”, etc.). A carta termina com um dos motivos que
Foscolo desenvolverá em sua poesia: o consolo de um sepulcro confortado por lágrimas.
109
A divisão em duas partes aparece a partir da edição de 1816.
64
Da' colli Euganei, 11 Ottobre 1797
Il sacrificio della patria nostra è consumato: tutto è perduto; e la vita, seppure ne
verrà concessa, non ci resterà che per piangere le nostre sciagure, e la nostra infamia. Il
mio nome è nella lista di proscrizione, lo so: ma vuoi tu ch'io per salvarmi da chi
m'opprime mi commetta a chi mi ha tradito? Consola mia madre: vinto dalle sue
lagrime le ho obbedito, e ho lasciato Venezia per evitare le prime persecuzioni, e le più
feroci. Or dovrò io abbandonare anche questa mia solitudine antica, dove, senza perdere
dagli occhi il mio sciagurato paese, posso ancora sperare qualche giorno di pace? Tu mi
fai raccapricciare, Lorenzo; quanti sono dunque gli sventurati? E noi, purtroppo, noi
stessi italiani ci laviamo le mani nel sangue degl'italiani. Per me segua che può. Poiché
ho disperato e della mia patria e di me, aspetto tranquillamente la prigione e la morte. Il
mio cadavere almeno non cadrà fra le braccia straniere; il mio nome sarà
sommessamente compianto da' pochi uomini, compagni delle nostre miserie; e le mie
ossa poseranno su la terra de' miei padri.
65
Colinas Eugâneas
110
, 11 de outubro de 1797.
O sacrifício de nossa pátria está consumado
111
: tudo está perdido; e se, por
acaso, a vida nos for concedida, será apenas para chorarmos nossas desgraças e nossa
desonra. Eu sei que o meu nome está na lista dos proscritos, mas queres tu que eu, para
libertar-me de quem me oprime, una-me a quem me traiu?
112
Consola a minha mãe:
vencido por suas lágrimas, atendi-a, e deixei Veneza para evitar as primeiras
perseguições, e as mais cruéis. Ora deverei eu abandonar também este meu refúgio
113
antigo, no qual, sem perder de vista minha terra infeliz, posso ainda esperar algum dia
de paz? Tu me fazes sentir calafrios, Lorenzo: e os desafortunados então, quantos não
há? E nós, infelizmente, nós próprios italianos, lavamos as mãos no sangue de
italianos
114
. Quanto a mim, seja como for. que não tenho mais esperanças na pátria e
nem em mim próprio, aguardo tranqüilamente a prisão e a morte. Pelo menos o meu
cadáver não cairá em mãos estrangeiras; o meu nome será suspirado
115
por poucos
homens bons, companheiros das nossas misérias; e os meus ossos
116
descansarão na
terra dos meus antepassados.
110
Localiza-se na Planície Vêneta, a sudoeste de Pádua.
111
Tratado de Campofórmio (17.10.1799) pelo qual Napoleão cedeu Veneza à Áustria. A data da carta
refere-se ao dia em que as negociações começaram.
112
Quem me oprime (os austríacos), me una a quem me traiu (os franceses).
113
“Refúgio” não traduz, exatamente solitudine, “solidão”. No entanto, no contexto, o termo “solidão” se
refere a um lugar ermo.
114
A repetição de “italianos” reflete o caráter nacionalista da obra, e é também uma alusão às lutas
intestinas da Itália.
115
Literalmente, no original, “chorado em voz baixa” (sommessamente compianto); optou-se por um
termo único, que encerra em si os dois significados anteriormente apontados: “suspirar”, com o
significado de “murmurar”, “sussurrar”, “lamentar”.
116
“Ossos”, e os termos “cruéis” e “cadáver” que aparecem antes, denotam certo gosto pelo macabro, que
se tornaria típico no romantismo.
66
3
Nesta segunda carta do romance, Jacopo não vê mais saída: pergunta-se se vale a
pena viver com desonra e no exílio, submetido ora aos franceses, ora aos austríacos.
Aparece aqui a primeira referência ao suicídio, motivado pela desilusão política.
O uso freqüente de exclamações e interrogações é um recurso da oratória que
reflete o desespero e o inconformismo de Jacopo diante da situação de seu país. Esse
desespero aparece também no vocabulário, nas expressões macabras e obsessivas como
“sepultados vivos”, “trevas e esqueletos”, “blasfêmia” e “fome”.
67
13 Ottobre
Ti scongiuro, Lorenzo; non ribattere più. Ho deliberato di non allontanarmi da
questi colli. È vero ch'io aveva promesso a mia madre di rifuggirmi in qualche altro
paese; ma non mi è bastato il cuore: e mi perdonerà, spero. Merita poi questa vita di
essere conservata con la viltà, e con l'esilio? Oh quanti de' nostri concittadini gemeranno
pentiti, lontani dalle loro case! perché, e che potremmo aspettarci noi se non se
indigenza e disprezzo; o al più, breve e sterile compassione, solo conforto che le nazioni
incivilite offrono al profugo straniero? Ma dove cercherò asilo? in Italia? terra
prostituita premio sempre della vittoria. Potrò io vedermi dinanzi agli occhi coloro che
ci hanno spogliati, derisi, venduti, e non piangere d'ira? Devastatori de' popoli, si
servono della libertà come i Papi si servivano delle crociate. Ahi! sovente disperando di
vendicarmi mi caccerei un coltello nel cuore per versare tutto il mio sangue fra le ultime
strida della mia patria.
E questi altri? hanno comperato la nostra schiavitù, racquistando con l'oro
quello che stolidamente e vilmente hanno perduto con le armi. – Davvero ch'io somiglio
un di que' malavventurati che spacciati morti furono sepolti vivi, e che poi rinvenuti, si
sono trovati nel sepolcro fra le tenebre e gli scheletri, certi di vivere, ma disperati del
dolce lume della vita, e costretti a morire fra le bestemmie e la fame. E perché farci
vedere e sentire la libertà, e poi ritorcerla per sempre? e infamemente!
68
13 de outubro
Eu te suplico, Lorenzo, não insistas mais. Decidi não me afastar destas colinas. É
verdade que eu havia prometido a minha mãe refugiar-me em qualquer outra parte, mas
faltou-me a coragem: e ela me perdoará, assim o espero. Ademais, merece a vida ser
conservada com a cobardia
117
e com o exílio? Oh! Quantos de nossos compatriotas
lamentar-se-ão arrependidos, longe de suas casas! Por quê? E o que poderíamos esperar
senão indigência e desprezo; ou, se tanto, breve e estéril compaixão, único conforto que
as nações civilizadas oferecem ao refugiado estrangeiro? Mas onde buscarei exílio? Na
Itália? Terra prostituída, eterno espólio
118
de vitória!
119
Poderei ter diante dos olhos
aqueles que nos saquearam, nos ridicularizaram e nos venderam
120
, e não chorar de ira?
Devastadores de povos, servem-se da liberdade como os Papas serviam-se das cruzadas.
Ai! Quantas vezes, sem esperança de vingar-me, não tive vontade de cravar uma faca no
coração
121
para derramar todo o meu sangue entre os últimos estridores
122
de minha
pátria?
E esses outros?
123
Compraram a nossa escravidão, reconquistando com ouro
aquilo que estúpida e cobardemente perderam com as armas. Pareço mesmo um
daqueles infelizes que, dados por mortos, foram sepultados vivos, e que depois, ao
recobrar os sentidos, acharam-se na sepultura entre trevas e esqueletos, certos de que
viviam, mas cegos do doce lume desta vida
124
, e obrigados a morrer entre as blasfêmias
e a fome. E para que nos fazem ver e sentir a liberdade? Para depois no-la tirar de novo
e para sempre? E infamemente.
117
Forma mais utilizada em português na mesma época de Foscolo.
118
Preferiu-se o termo “espólio” a “prêmio”, por referir-se aquele aos despojos do campo de batalha.
119
Cf. Dante, “Purgatório”, VI, 76-78.
120
Governo francês. Ortis acusa diretamente os franceses de serem aqueles que roubaram e exploraram os
italianos. Os refugiados e exilados das repúblicas podiam encontrar refúgio na França ou nos territórios
por ela administrados.
121
Primeira alusão ao suicídio.
122
O som da palavra strida foi reproduzido na tradução. Em vez de se usar “gritos”, usou-se “estridores”.
123
Governo austríaco.
124
“Non fiere li occhi suoi il dolce lume?” Dante, “Inferno”, X, 69.
69
4
Jacopo, depois de alguns dias nas colinas Eugâneas, por sugestão de Lorenzo,
vai visitar o senhor T***, e conhece a filha dele, por quem fica encantado. É a primeira
menção a Tereza, nas Cartas. Mas, ao sentir um momento de felicidade, prenuncia nisso
uma desgraça.
70
26 Ottobre
La ho veduta, o Lorenzo, la divina fanciulla; e te ne ringrazio. La trovai seduta
miniando il proprio ritratto. Si rizzò salutandomi come s'ella mi conoscesse, e ordinò a
un servitore che andasse a cercar di suo padre. Egli non si sperava, mi diss'ella, che voi
sareste venuto; sarà per la campagna; starà molto a tornare. Una ragazzina le corse
fra le ginocchia dicendole non so che all'orecchio. È un amico di Lorenzo, le rispose
Teresa, è quello che il babbo andò a trovare l'altr'jeri. Torfrattanto il signor T***:
m'accoglieva famigliarmente, ringraziandomi che io mi fossi sovvenuto di lui. Teresa
intanto, prendendo per mano la sua sorellina, partiva. Vedete, mi diss'egli, additandomi
le sue figliuole che uscivano dalla stanza; eccoci tutti. Proferì, parmi, queste parole
come se volesse farmi sentire che gli mancava sua moglie. Non la nominò. Si ciarlò
lunga pezza. Mentr'io stava per congedarmi, tornò Teresa: Non siamo tanto lontani, mi
disse; venite qualche sera a veglia con noi.
Io tornava a casa col cuore in festa. Che? lo spettacolo della bellezza basta
forse ad addormentare in noi tristi mortali tutti i dolori? vedi per me una sorgente di
vita: unica certo, e chi sa! fatale. Ma se io sono predestinato ad avere l'anima
perpetuamente in tempesta, non è tutt'uno?
71
26 de outubro
Eu a vi, Lorenzo: aquela moça divina e te agradeço. Encontrei-a sentada a pintar
o próprio retrato. Levantou-se e saudou-me como se me conhecesse, e deu ordem a um
serviçal para que fosse procurar o pai.
Ele não sabia, disse-me ela, que o senhor estava vindo; deve estar no campo;
não demora a voltar.
Uma garotinha correu até ao pé da moça e lhe disse não sei quê ao ouvido.
É um amigo de Lorenzo, respondeu-lhe Teresa
125
, é aquele a quem o papai
foi visitar anteontem.
Entretanto, voltava o senhor T***: acolheu-me familiarmente, e agradeceu-me
por eu ter-me lembrado dele. Enquanto isso, Teresa tomou a irmãzinha pela mão e saiu.
Veja, disse-me ele, apontando-me as filhas que saíam da sala; aqui estamos
todos.
Pareceu-me proferir essas palavras como se quisesse fazer-me notar que sentia a
falta da mulher
126
. Sequer a mencionou. Conversamos durante muito tempo. Quando eu
ia despedir-me, Teresa voltou:
— Não moramos muito longe, disse-me. Venha uma noite dessas para o serão.
Eu voltei para casa com o coração em festa. Como? será que o espetáculo da
beleza basta para entorpecer em nós, tristes mortais, todas as dores
127
? E seria para mim
uma fonte de vida: certamente única e, quem sabe, fatal
128
. Mas se fui predestinado a ter
a alma em eterna tempestade, não dá no mesmo?
125
Essa personagem foi inspirada em Teresa Pinkler, esposa de V. Monti, e em outros amores de Foscolo,
como Isabella Roncioni e Antonietta Fagnani-Arese.
126
A esposa mora em Pádua, porque é contrária ao casamento da filha com Odoardo.
127
É muito usado por Foscolo o conceito da beleza que aplaca as dores e consola o homem. Fubini, 1931,
p. 38. Cf. p. 48, aqui.
128
Pressentimento da infelicidade e da morte.
72
5
Por alguns dias, Jacopo se esquece dos seus males, e vive em meio à natureza.
Nesta carta, com forte influência de Rousseau, traça a felicidade do homem junto à
natureza e às crianças, e faz um retrato do noivo de Teresa: um homem calculista e
insensível.
73
1 Novembre
Io sto bene, bene per ora come un infermo che dorme e non sente i dolori; e mi
passano gl'interi giorni in casa del signore T*** che mi ama come figliuolo: mi lascio
illudere, e l'apparente felicità di quella famiglia mi sembra reale, e mi sembra anche
mia. Se nondimeno non vi fosse quello sposo, perché davvero io non odio persona del
mondo, ma vi sono cert'uomini ch'io ho bisogno di vedere soltanto da lontano. Suo
suocero me n'andava tessendo jer sera un lungo elogio in forma di commendatizia:
buono esatto paziente! e niente altro? possedesse queste doti con angelica
perfezione, s'egli avrà il cuore sempre così morto, e quella faccia magistrale non
animata mai dal sorriso dell'allegria, dal dolce silenzio della pietà, sarà per me un
di que' rosaj senza fiori che mi fanno temere le spine. Cos'è l'uomo se tu lo abbandoni
alla sola ragione fredda, calcolatrice? scellerato, e scellerato bassamente. Del resto,
Odoardo sa di musica; giuoca bene a scacchi; mangia, legge, dorme, passeggia, e tutto
con l'oriuolo alla mano; e non parla con enfasi se non per magnificare tuttavia la sua
ricca e scelta biblioteca. Ma quando egli mi va ripetendo con quella sua voce
cattedratica, ricca e scelta, io sto per dargli una solenne smentita. Se le umane
frenesie che col nome di scienze e di dottrine si sono iscritte e stampate in tutti i secoli,
e da tutte le genti, si riducessero a un migliajo di volumi al più, e' mi pare che la
presunzione de' mortali non avrebbe da lagnarsi – e via sempre con queste dissertazioni.
Frattanto ho preso a educare la sorellina di Teresa: le insegno a leggere e a
scrivere. Quand'io sto con lei, la mia fisonomia si va rasserenando, il mio cuore è più
gajo che mai, ed io fo mille ragazzate. Non so perché, tutti i fanciulli mi vogliono bene.
E quella ragazzetta è pur cara! bionda e ricciuta, occhi azzurri, guance pari alle rose,
fresca, candida, paffutella, pare una Grazia di quattr'anni. Se tu la vedessi corrermi
incontro, aggrapparmisi alle ginocchia, fuggirmi perch'io la siegua, negarmi un bacio e
poi improvvisamente attaccarmi que' suoi labbruzzi alla bocca! Oggi io mi stava su la
cima di un albero a cogliere le frutta: quella creaturina tendeva le braccia, e balbettando
pregavami che per carità non cascassi. Che bell'autunno! addio Plutarco! sta sempre
chiuso sotto il mio braccio. Sono tre giorni ch'io perdo la mattina a colmare un canestro
d'uva e di pesche, ch'io copro di foglie, avviandomi poi lungo il fiumicello, e giunto alla
villa, desto una famiglia cantando la canzonetta della vendemmia.
74
1º de novembro
Eu estou bem... bem por enquanto, como um enfermo que dorme e não sente as
dores; e passo os dias todos na casa do senhor T***
129
que me ama como um filho:
deixo-me iludir, e a aparente felicidade daquela família parece-me real, e minha
também. Se pelo menos aquele noivo não existisse... porque eu de fato não odeio
ninguém no mundo, mas há certos homens que eu preciso ver apenas de longe. O sogro,
ontem à noite, fazia para mim um elogio do genro, tão extenso que mais parecia uma
carta de recomendação: bom, correto, ponderado! E mais nada? Mesmo possuindo ele
esses dotes, com perfeição angelical, tendo ele um coração sempre insensível, e um
semblante austero nunca animado, nem pelo sorriso da alegria, nem pelo silêncio doce
da piedade, parecerá para mim uma daquelas roseiras sem flor, cujos espinhos eu temo.
O que é o homem se abandonado apenas à razão, fria, calculista? Celerado, e celerado
no sentido mais baixo. De resto, Odoardo conhece música, joga bem o xadrez, come,
lê, dorme, passeia, e tudo com o relógio à mão; e não fala com ênfase senão para exaltar
a sua rica e seleta biblioteca. Mas quando me repete com aquela voz catedrática, rica e
seleta, pouco me falta para uma solene desmentida. Se as alucinações humanas, que
com o nome de ciências e doutrinas foram inscritas e impressas séculos afora, e por
toda gente, se reduzissem no mais a mil volumes, creio que a presunção dos mortais não
teria de que se lamentar – e acabava sempre com esse discurso.
Entretanto comecei a educar a irmãzinha de Teresa: ensino-a a ler e a escrever.
Quando estou com ela, minha fisionomia se torna serena; meu coração, mais alegre que
nunca; e faço mil travessuras.
130
Não sei por que todas as crianças gostam de mim. E
aquela garotinha é mesmo adorável! Cabelos loiros anelados
131
, olhos azuis, bochechas
parecidas com rosas; menina viçosa, inocente, gordinha
132
, parece uma Graça de quatro
anos. Se tu a visses correr até mim, agarrar-me pelos joelhos, fugir para que eu a siga,
129
O pai de Teresa arranjara o casamento da filha por conveniência financeira.
130
A influência de Rousseau se faz notar na proximidade de Jacopo com as crianças (para Rousseau as
crianças ainda não estariam contaminadas pela civilização). O mesmo ocorre no Werther, de Goethe:
Lotte, a moça por quem Werther se apaixona, cuida dos irmãozinhos, e Werther sempre brinca com
eles.
131
Preferiu-se “anelados” (termo datado de 1645) a “encaracolado” ou “cacheado” (de datação posterior:
1858 e 1836 respectivamente).
132
Optou-se por “Gordinha” (s. XIV) em vez de “Gorduchinha” (termo de datação tardia: 1881).
75
negar-me um beijo para depois colar subitamente aqueles labiozinhos à minha boca!
Hoje eu estava no alto de uma árvore colhendo frutas: aquela criaturinha estendia-me os
braços e, balbuciando, rogava-me que pelo amor de Deus eu não caísse. Que lindo
outono! Adeus, Plutarco
133
! Ele está sempre fechado sob o meu braço. Faz três dias que
perco a manhã a encher um cesto com uvas e pêssegos, que cubro de folhas; ponho-me
rumo ao riacho, e, ao alcançar a aldeia, desperto toda a família
134
cantando a cançoneta
da colheita.
133
Jacopo, que nos primeiros dias do seu refúgio lia as vidas ilustres e exemplares do livro de Plutarco
(Vidas paralelas), estava descrente da raça humana e da sociedade, e preferia isolar-se na natureza, à
maneira de Rousseau.
134
Na edição eletrônica e em Foscolo, 1998, p. 37, está: “una famiglia” em vez de “tutta la famiglia”,
como nas demais edições consultadas.
76
6
Carta que descreve a visita à casa onde Petrarca viveu, em Arquá. Jacopo faz
uma censura aos italianos, ao encontrar o lugar abandonado. (Ele visitará outros
monumentos italianos: por exemplo, em Florença, visitará a Igreja de Santa Croce e, em
Ravenna, o túmulo de Dante). Jacopo chama de “peregrinação” a ida à casa de Petrarca,
reverenciando o poeta. Encontramos aqui citações a Petrarca e a outros poetas italianos,
como forma de exaltar a poesia italiana.
Jacopo descreve o percurso do passeio, pois nele haverá uma aproximação com
Teresa, que lhe revela a infelicidade que sente, e o que acontecera com a mãe.
77
20 Novembre
Più volte incominciai questa lettera: ma la faccenda andava assai per le lunghe; e
la bella giornata, la promessa di trovarmi alla villa per tempo, e la solitudine ridi?
L'altr'jeri, e jeri mi svegliava proponendo di scriverti; e senza accorgermi, mi trovava
fuori di casa.
Piove, grandina, fulmina: penso di rassegnarmi alla necessità, e di giovarmi di
questa giornata d'inferno, scrivendoti. Sei o sette giorni addietro s'è iti in
pellegrinaggio. Io ho veduto la Natura più bella che mai. Teresa, suo padre, Odoardo, la
piccola Isabellina, ed io siamo andati a visitare la casa del Petrarca in Arquà. Arquà è
discosto, come tu sai, quattro miglia dalla mia casa; ma per più accorciare il cammino
prendemmo la via dell'erta. S'apriva appena il più bel giorno d'autunno. Parea che Notte
seguìta dalle tenebre e dalle stelle fuggisse dal Sole, che uscia nel suo immenso
splendore dalle nubi d'oriente, quasi dominatore dell'universo; e l'universo sorridea. Le
nuvole dorate e dipinte a mille colori salivano su la volta dei cielo che tutto sereno
mostrava quasi di schiudersi per diffondere sovra i mortali le cure della Divinità. Io
salutava a ogni passo la famiglia de' fiori e dell'erbe che a poco a poco alzavano il capo
chinato dalla brina. Gli alberi susurrando soavemente, faceano tremolare contro la luce
le gocce trasparenti della rugiada; mentre i venti dell'aurora rasciugavano il soverchio
umore alle piante. Avresti udito una solenne armonia spandersi confusamente fra le
selve, gli augelli, gli armenti, i fiumi, e le fatiche degli uomini: e intanto spirava l'aria
profumata delle esalazioni che la terra esultante di piacere mandava dalle valli e da'
monti al Sole, ministro maggiore della Natura. Io compiango lo sciagurato che può
destarsi muto, freddo e guardare tanti beneficj senza sentirsi gli occhi bagnati dalle
lagrime della riconoscenza. Allora ho veduto Teresa nel più bell'apparato delle sue
grazie. Il suo aspetto per lo più sparso di una dolce malinconia, si andava animando di
una gioja schietta, viva, che le usciva dal cuore; la sua voce era soffocata; i suoi grandi
occhi neri aperti prima nell'estasi, si inumidivano poscia a poco a poco: tutte le sue
potenze parevano invase dalla sacra beltà della campagna. In tanta piena di affetti le
anime si schiudono per versarli nell'altrui petto: ed ella si volgeva a Odoardo. Eterno
Iddio! parea ch'egli andasse tentone fra le tenebre della notte, o ne' deserti abbandonati
dalla benedizione della Natura. Lo lasciò tutto a un tratto, e s'appoggiò al mio braccio,
dicendomi ma, Lorenzo! per quanto mi studi di continuare, conviene pur ch'io mi
taccia. Se potessi dipingerti la sua pronunzia, i suoi gesti, la melodia della sua voce, la
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sua celeste fisonomia, o ricopiar non foss'altro le sue parole senza cangiarne o
traslocarne sillaba, certo che tu mi sapresti grado; diversamente, rincresco persino a me
stesso. Che giova copiare imperfettamente un inimitabile quadro, la cui fama soltanto
lascia più senso che la sua misera copia? E non ti pare ch'io somigli i poeti traduttori
d'Omero? Giacché tu vedi ch'io non mi affatico, che per annacquare il sentimento che
m'infiamma e stemprarlo in un languido fraseggiamento.
Lorenzo, ne sono stanco; il rimanente del mio racconto, domani: il vento
imperversa; tuttavolta vo' tentare il cammino; saluterò Teresa in tuo nome.
Per dio! e' m'è forza di proseguire la lettera: su l'uscio della casa ci è un pantano
d'acqua che mi contrasta il passo: potrei varcarlo d'un salto; e poi? la pioggia non cessa:
mezzogiorno è passato, e mancano poche ore alla notte che minaccia la fine del mondo.
Per oggi, giorno perduto, o Teresa. –
Non sono felice! mi disse Teresa; e con questa parola mi strappò il cuore. Io
camminava al suo fianco in un profondo silenzio. Odoardo raggiunse il padre di Teresa;
e ci precedevano chiacchierando. La lsabellina ci tenea dietro in braccio all'ortolano.
Non sono felice! io aveva concepito tutto il terribile significato di queste parole, e
gemeva dentro l'anima, veggendomi innanzi la vittima che doveva sacrificarsi a'
pregiudizi ed all'interesse. Teresa, avvedutasi della mia taciturnità, cambiò voce, e tentò
di sorridere: Qualche cara memoria, mi diss'ella ma chinò subito gli occhi Io non
m'attentai di rispondere.
Eravamo già presso ad Arquà, e scendendo per l'erboso pendio, andavano
sfumando e perdendosi all'occhio i paeselli che dianzi si vedeano dispersi per le valli
soggette. Ci siamo finalmente trovati a un viale cinto da un lato di pioppi che
tremolando lasciavano cadere sul nostro capo le foglie più giallicce, e adombrato
dall'altra parte d'altissime querce, che con la loro opacità silenziosa faceano
contrapposto a quell'ameno verde de' pioppi. Tratto tratto le due file d'alberi opposti
erano congiunte da varij rami di vite selvatica, i quali incurvandosi formavano altrettanti
festoni mollemente agitati dal vento del mattino. Teresa allora soffermandosi e
guardando d'intorno: Oh quante volte, proruppe, mi sono adagiata su queste erbe e sotto
l'ombra freschissima di queste querce! io ci veniva sovente la state passata con mia
madre. Tacque e si rivoltò addietro dicendo di volere aspettare la Isabellina che si era un
po' dilungata da noi; ma io sospettai ch'ella m'avesse lasciato per nascondere le lagrime
che le innondavano gli occhi, e che forse non poteva più rattenere. Ma, e perché, le
diss'io, perché mai non è qui vostra madre? Da più settimane vive in Padova con sua
79
sorella; vive divisa da noi e forse per sempre! Mio padre l'amava: ma da ch'ei s'è pur
ostinato a volermi dare un marito ch'io non posso amare, la concordia è sparita dalla
nostra famiglia. La povera madre mia dopo d'avere contraddetto invano a questo
matrimonio, s'è allontanata per non aver parte alla mia necessaria infelicità. Io intanto
sono abbandonata da tutti! ho promesso a mio padre, e non voglio disubbidirlo ma e
mi duole ancor più, che per mia cagione la nostra famiglia sia così disunita per me,
pazienza! E a questa parola, le lagrime le piovevano dagli occhi. Perdonate,
soggiunse, io aveva bisogno di sfogare questo mio cuore angosciato. Non posso
scrivere a mia madre avere sue lettere mai. Mio padre fiero e assoluto nelle sue
risoluzioni non vuole sentirsela nominare; egli mi va tuttavia replicando, che la è la sua
e la mia peggiore nemica. Pur sento che non amo, non amerò mai questo sposo col
quale è già decretato immagina, o Lorenzo, in quel momento il mio stato. Io non
sapeva confortarla, risponderle, consigliarla. Per carità, ripigliò, non
v'affliggete, ve ne scongiuro: io mi sono fidata di voi: il bisogno di trovare chi sia
capace di compiangermi una simpatia – non ho che voi solo. O angelo! sì sì! potessi
io piangere per sempre, e rasciugare così le tue lagrime! questa mia misera vita è tua,
tutta: io te la consacro; e la consacro alla tua felicità!
Quanti guai, mio Lorenzo, in una sola famiglia! Vedi ostinazione nel signore
T*** che d'altronde è un ottimo galantuomo. Ama svisceratamente sua figlia; spesso la
loda e la guarda con compiacenza; e intanto le tiene la mannaja sul collo. Teresa
qualche giorno dopo mi raccontò, com'ei dotato d'un'anima ardente visse sempre
consumato da passioni infelici; sbilanciato nella sua domestica economia per troppa
magnificenza; perseguitato da quegli uomini che nelle rivoluzioni piantano la propria
fortuna su l'altrui rovina, e tremante pe' suoi figliuoli, crede di provvedere allo stato di
casa sua imparentandosi a un uomo di senno, ricco, e in aspettativa di una eredità
ragguardevole – forse, o Lorenzo, anche per certo fumo; ed io vorrei scommettere cento
contr'uno ch'ei non lascierebbe in isposa la sua figliuola a chi mancasse mezzo quarto di
nobiltà: chi nasce patrizio muore patrizio. Tanto più che egli considera l'opposizione di
sua moglie come una lesione alla propria autorità, e questo sentimento tirannesco lo
rende ancor più inflessibile. E nondimeno è di ottimo cuore; e quella sua aria sincera, e
quell'accarezzare sempre la sua figliuola e alcuna volta compiangerla sommessamente,
mostrano ch'ei vede gemendo la dolorosa rassegnazione di quella povera fanciulla, ma
E per questo quand'io veggo come gli uomini cercano per una certa fatalità le sciagure
con la lanterna, e come vegliano, sudano, piangono per fabbricarsele dolorosissime,
80
eterne; io mi sparpaglierei le cervella temendo che non mi si cacciasse per capo una
simile tentazione.
Ti lascio, o Lorenzo; Michele mi chiama a desinare: tornerò a scriverti, s'altro
non posso, a momenti.
Il mal tempo s'è diradato, e fa il più bel dopo pranzo del mondo. Il Sole squarcia
finalmente le nubi, e consola la mesta Natura, diffondendo su la faccia di lei un suo
raggio. Ti scrivo di rimpetto al balcone donde miro la eterna luce che si va a poco a
poco perdendo nell'estremo orizzonte tutto raggiante di fuoco. L'aria torna tranquilla; e
la campagna, benché allagata, e coronata soltanto d'alberi già sfrondati e cospersa di
piante atterrate pare più allegra che la non era prima della tempesta. Così, o Lorenzo, lo
sfortunato si scuote dalle funeste sue cure al solo barlume della speranza, e inganna la
sua trista ventura, con que' piaceri a' quali era affatto insensibile in grembo alla cieca
prosperità. Frattanto il m'abbandona: odo la campana della sera; eccomi dunque a
dar fine una volta alla mia narrazione.
Noi proseguimmo il nostro breve pellegrinaggio fino a che ci apparve
biancheggiar dalla lunga la casetta che un tempo accoglieva
Quel Grande alla cui fama è angusto il mondo,
Per cui Laura ebbe in terra onor celesti.
Io mi vi sono appressato come se andassi a prostrarmi su le sepolture de' miei
padri, e come uno di que' sacerdoti che taciti e riverenti s'aggiravano per li boschi abitati
dagl'Iddii. La sacra casa di quel sommo italiano sta crollando per la irreligione di chi
possiede un tanto tesoro. Il viaggiatore verrà invano di lontana terra a cercare con
meraviglia divota la stanza armoniosa ancora dei canti celesti del Petrarca. Piangerà
invece sopra un mucchio di ruine coperto di ortiche e di erbe selvatiche fra le quali la
volpe solitaria avrà fatto il suo covile. Italia! placa l'ombre de' tuoi grandi. Oh! io mi
risovvengo col gemito nell'anima, delle estreme parole di Torquato Tasso. Dopo
d'essere vissuto quaranta sette anni in mezzo a' dileggi de' cortigiani, le noje de'
saccenti, e l'orgoglio de' principi, or carcerato ed or vagabondo, e tuttavia melancolico,
infermo, indigente; giacque finalmente nel letto della morte e scriveva esalando l'eterno
sospiro: Io non mi voglio dolere della malignità della fortuna, per non dire della
ingratitudine degli uomini, la quale ha pur voluto aver la vittoria di condurmi alla
81
sepoltura mendico. O mio Lorenzo, mi suonano queste parole sempre nel cuore! e' mi
par di conoscere chi forse un giorno morrà ripetendole.
Frattanto io recitava sommessamente con l'anima tutta amore e armonia la
canzone: Chiare, fresche, dolci acque; e l'altra: Di pensier in pensier, di monte in
monte; e il sonetto: Stiamo, Amore, a veder la gloria nostra; e quanti altri di que'
sovrumani versi la mia memoria agitata seppe allora suggerire al mio cuore.
Teresa e suo padre se n'erano iti con Odoardo il quale andava a rivedere i conti
al fattore d'una tenuta ch'egli ha in que' dintorni. Ho poi saputo ch'e' sta sulle mosse per
Roma, stante la morte di un suo cugino; si sbrigherà così in fretta, perché essendosi
gli altri parenti impadroniti de' beni del morto, l'affare si ridurrà a' tribunali.
Come tornarono, quella famigliuola d'agricoltori ci allestì da colazione, dopo di
che ci siamo avviati verso casa. Addio, addio. Avrei a narrarti delle altre cose; ma, a
dirti il vero, ti scrivo svogliatamente. Appunto: mi dimenticava di dirti che,
ritornando, Odoardo accompagnò a passo a passo Teresa e le parlò lungamente quasi
importunandola e con un'aria di volto autorevole. Da alcune poche parole che mi venne
fatto d'intendere, sospetto ch'egli la torturasse per sapere a ogni patto di che abbiamo
parlato. Onde tu vedi ch'io devo diradar le mie visite – almeno finch'ei si parta.
Buona notte, Lorenzo. Serbati questa lettera: quando Odoardo si porterà seco la
felicità, ed io non vedrò più Teresa, più scherzerà su queste ginocchia la sua ingenua
sorellina, in que' giorni di noja ne' quali ci è caro perfino il dolore, rileggeremo queste
memorie sdrajati su l'erba che guarda la solitudine d'Arquà, nell'ora che il va
mancando. La rimembranza che Teresa fu nostra amica rasciugherà il nostro pianto.
Facciamo tesoro di sentimenti cari e soavi i quali ci ridestino per tutti gli anni, che
ancora tristi e perseguitati ci avanzano, la memoria che non siamo sempre vissuti nel
dolore.
82
20 de novembro
Comecei a escrever esta carta diversas vezes, mas a tarefa se prolongava: o dia
estava bonito, e havia a possibilidade de ir-me até à aldeia, e a solidão... Ris? Ontem e
anteontem eu acordei disposto a te escrever; mas quase sem notar, já me encontrava fora
de casa.
Cai a chuva, o granizo e o relâmpago: creio que devo resignar-me à necessidade
e aproveitar esse dia infernal para escrever-te. seis ou sete dias saímos em
peregrinação. Pude ver a Natureza mais bela do que nunca. Teresa, o pai, Odoardo, a
pequena Isabellina e eu fomos visitar a casa de Petrarca em Arquá
135
. Como sabes,
Arquá fica a quatro milhas
136
de minha casa, mas para encurtar ainda mais o percurso
tomamos um caminho íngreme. Acabava de nascer o dia mais bonito do outono. Parecia
que a Noite, perseguida pelas trevas e pelas estrelas, fugia do Sol, que com seu imenso
esplendor despontava das nuvens do nascente, quase senhor do universo; e o universo
sorria. As nuvens douradas e tingidas de mil cores ascendiam para a abóbada do céu
que, todo sereno, se entreabria para derramar sobre os mortais a diligência
137
da
Divindade. Eu saudava a cada passo a família das flores e das ervas
138
que aos poucos
levantavam a fronte dobrada pela geada. As árvores murmuravam suavemente, e faziam
tremular na contraluz as gotas transparentes do orvalho, enquanto os ventos da aurora
esgotavam a profusão de humor das plantas. Terias ouvido uma solene harmonia
expandir-se desordenadamente entre as selvas, os pássaros, os rebanhos, os rios e a lida
dos homens; e a terra, exultante de prazer, soprava dos vales e das montanhas suas
fragrâncias para o Sol, ministro maior da Natureza
139
. Compadeço-me do infeliz que
consegue despertar mudo e frio, e olhar tantas dádivas sem sentir os olhos banhados em
135
Petrarca, nos últimos anos de sua vida, morou em Arquá, onde morreu em 19.7.1474.
136
Normalmente, convertem-se, nas traduções, milhas em quilômetros; no entanto, o termo “quilômetro”
é de datação tardia (1858).
137
Usou-se “diligência” em vez de “cuidado”, por exemplo, para aludir ao mito da carruagem do sol.
138
Versos de Petrarca: Canzoniere, CCCX, 1-2 (“e i fiori e l’ erbe, sua dolce famiglia). Famiglia tem aqui
o sentido de companhia. Esses versos aparecerão também nos Sepolcri, v. 5 (“Bella d’ erbe famiglia e
d’ animali”). Aqui, Foscolo parafraseia também a si mesmo.
139
Ministro maggiore della Natura”, Dante, Paraíso, X, 28. Nessa passagem, também versos do
poema Prometeo de V. Monti, publicado em 1797 (apenas o Canto I; os outros dois cantos saíram em
1821). Ultime lettere, Garzanti,1981, p. 17.
83
lágrimas de gratidão. Foi então que eu vi Teresa no mais belo aparato de sua graça. Seu
aspecto, no geral, docemente melancólico, começava a animar-se com uma alegria
singela, viva, que lhe saía do coração; tinha a voz sufocada, os olhos, grandes e negros,
que antes se abriam de êxtase, foram aos poucos se umedecendo: todo seu vigor parecia
invadido pela beldade sagrada do campo. Cheias de afeto, as almas se entreabrem para
verter no peito de outrem o afeto que tinham: e ela se voltava para Odoardo. Deus do
céu! Parecia caminhar às cegas por entre as trevas da noite, ou por desertos
abandonados pela bênção da Natureza. De repente, deixou-o para apoiar-se em meu
braço, dizendo-me... Mas, Lorenzo! por mais que eu tente prosseguir, convém calar-me.
Se me fosse possível descrever-lhe a pronúncia, os gestos, a melodia da voz, a
fisionomia celestial, ou reproduzir-lhe as palavras sem mudar nem inverter nenhuma
sílaba, certamente tu me serias grato. Mas, como não consigo, até a mim eu desagrado.
De que vale copiar de maneira imperfeita um quadro que não pode ser imitado, do qual
a simples fama causa uma impressão maior do que sua mísera cópia? Acaso não te
pareço com os poetas que traduziram Homero? Bem vês que não esmoreço, a não ser
para diluir o sentimento que me inflama e atenuá-lo num lânguido fraseado.
Lorenzo, estou cansado; o restante da minha história, saberás amanhã: o vento se
enfurece; mesmo assim, vou tentar o caminho; cumprimentarei Teresa em teu nome.
Por Deus! Sou forçado a prosseguir com esta carta: na porta de casa um
lodaçal que me impede o passo; poderia transpô-lo de um salto; mas, e depois? A chuva
não pára: meio-dia passou, e faltam poucas horas para a noite que ameaça com o fim
do mundo. Hoje, dia perdido, ó Teresa.
— Não sou feliz! disse-me Teresa.
E com essas palavras arrebatou-me o coração. Eu caminhava a seu lado em
profundo silêncio. Eduardo havia alcançado o pai de Tereza, e seguiam à nossa frente
conversando. Isabellina vinha atrás no colo do hortelão. Não sou feliz!Eu havia
percebido todo o terrível significado dessas palavras; e gemia dentro da alma, ao ver,
diante de mim, a vítima a ser sacrificada aos preconceitos e ao interesse. Teresa, ao
perceber-me taciturno, mudou de voz e procurou sorrir:
— Uma cara lembrança qualquer? disse-me ela; mas logo abaixou os olhos.
Não me atrevi a responder-lhe.
Aproximávamo-nos de Arquá, e ao descer pela relva da encosta iam-se
desvanecendo e se perdendo diante de nossos olhos os vilarejos, dispersos pelos vales,
que havíamos visto antes. Enfim demos numa avenida cingida, de um lado, por choupos
84
que ao tremular, deixavam cair em nossas cabeças as folhas mais amareladas, e, de
outro, ensombrada por altíssimos carvalhos, cuja silenciosa opacidade contrastava com
o verde ameno dos choupos. Aqui e ali, as duas fileiras opostas de árvores enleavam-se
sob ramos de videira silvestre, os quais se encurvavam para formar festões que
balançavam preguiçosamente ao vento da manhã. Teresa, então, detendo-se, olhou ao
redor:
Oh, quantas vezes, irrompeu, deitei-me nestas relvas e sob a sombra
refrescante destes carvalhos! Eu vinha aqui muitas vezes no verão passado com minha
mãe.
Calou-se e virou-se, dizendo esperar Isabellina que se havia afastado de nós; mas
suspeitei que me evitava para esconder as lágrimas que lhe inundavam os olhos e quiçá
não pudesse mais conter.
— Mas, disse-lhe eu, por que sua mãe nunca está aqui conosco?
140
semanas vive em Pádua com a irmã; separou-se de nós e talvez para
sempre! Meu pai a amava: mas desde que se aferrou à idéia de me dar um marido que
85
Meu anjo! Sim, sim! Pudesse eu chorar para sempre, e assim enxugar as tuas
lágrimas! Esta mísera vida minha é tua, toda tua: eu a consagro a ti... e à tua felicidade!
Quantos aborrecimentos, caro Lorenzo, em uma família! Bem vês a
obstinação no senhor T***, que por outro lado é um excelente cavalheiro
141
. Ama
profundamente a filha, amiúde a elogia e olha-a com complacência; apesar disso, cuida
em manter-lhe a lâmina sobre a cabeça. Teresa, alguns dias depois, contou-me que ele,
impetuoso, deixava-se sempre consumir por paixões infelizes; era descontrolado nas
finanças domésticas por ser demasiadamente pródigo; foi perseguido por aqueles que
nas revoluções plantam a própria fortuna na ruína dos outros, e temeroso pelos filhos,
acredita que poderá prover a casa tornando-se parente de um homem de juízo, rico, e à
espera de uma herança considerável. Mas talvez, Lorenzo, haja também uma certa
quimera nisso; e aposto cem contra um que ele não deixaria a filha casar-se com alguém
a quem faltasse um pouco que fosse de nobreza: quem nasce patrício, morre patrício.
Ainda mais que a oposição da mulher é uma ofensa à autoridadedele, e esse sentimento
tirânico o torna ainda mais inflexível. Mas, apesar de tudo, ele tem um bom coração; sua
aparência sincera e o fato de acariciar a filha e compadecer-se dela em segredo,
mostram que ele sofre com a dolorosa resignação daquela pobre moça; que seja! Por
isso, quando vejo os homens, movidos por certa fatalidade, buscarem, com a lanterna
nas mãos, suas desgraças; e quando os vejo velar, suar e chorar para fazerem de tais
desgraças dores eternas, tenho vontade de estourar os miolos para não ter na cabeça uma
tentação como essas.
Deixo-te, Lorenzo; Michele
142
me chama para o almoço: voltarei a escrever-te
logo, se puder.
O mau tempo dissipou-se e temos a tarde mais linda do mundo. O Sol finalmente
rasgou as nuvens para consolar a Natureza tristonha, sobre cuja face difunde o seu raio.
Escrevo-te de fronte à sacada; daqui posso fitar a luz eterna que se extingue aos poucos
no fogo radiante do horizonte extremo. O ar retoma a serenidade e o campo, apesar do
alagamento, rodeado apenas de árvores sem folhas e forrado de plantas abatidas,
parece mais alegre do que antes da tempestade. Assim, Lorenzo, o desventurado, ao
141
Pai de Teresa. Ele vacila entre seus sentimentos e os padrões sociais; Jacopo, na primeira vez que o vê,
assim o descreve (carta de 23.10.1797): “Ele tem um trato cortês, um caráter sincero e fala com o
coração.”
142
Michele é o fiel criado de Jacopo.
86
menor vislumbre de esperança, afasta as preocupações funestas, enganando seu destino
perverso com prazeres que nunca desdenhou no regaço da cega prosperidade.
Entrementes o dia me abandona: ouço as campanas da noite; eis então que termino
minha narrativa.
Continuamos nossa breve peregrinação até que nos surgiu, branca, ao longe, a
casinha que outrora acolhia
O Ilustre cuja fama excede o mundo
Glória do céu na terra cede
143
a Laura
144
.
Eu me acerquei como se quisesse prostrar-me sobre o sepulcro de meus pais,
como se fosse eu um daqueles sacerdotes reverentes a vagar em silêncio pelos bosques
que serviam de morada para os Deuses. A sagrada habitação daquele italiano supremo
está ruindo pela irreverência dos que possuem tamanho tesouro. O viandante virá, em
vão, de sua terra longínqua buscar, com devoto enlevo o aposento inda harmonioso dos
cantos celestiais de Petrarca. Mas, em vez disso, chorará sobre ruínas cobertas de urtigas
e de mato, que servem de covil à raposa solitária. Itália! Aplaca a sombra dos teus
grandes. Oh, eu me recordo, com frêmito n’alma, das derradeiras palavras de Torquato
Tasso. Depois de ter vivido 47 anos em meio ao escárnio dos cortesãos, ao enfado dos
pedantes e ao orgulho dos príncipes, ora no cárcere, ora errando, e todavia melancólico,
enfermo, indigente, jazia finalmente no leito de morte e, antes de exalar o eterno
suspiro, escreveu: o quero lamentar-me da sorte mesquinha, para não dizer da
ingratidão dos homens, que chegou mesmo a desejar que eu fosse, mendigo, à
sepultura.”
145
Oh, caro Lourenço, essas palavras me ressoam sempre no coração! E me
parece conhecer quem um dia, talvez, as repita ao morrer.
Entretanto, eu recitava em voz baixa com a alma repleta de amor e harmonia,
estas canções: Claras, frescas, doces águas”, De pensar em pensar, de monte em
143
O trocadilho “alla cui per cui” do original foi substituído pelo trocadilho “excede cede” na
tradução.
144
Versos de Vittorio Alfieri quando também esteve em Arquá. Soneto: O cameretta, che g in te
chiudesti (Rime, LVIII, vv. 2 e 4)
145
Refere-se a uma carta que o poeta Torquato Tasso escreveu quando estava morrendo, em 1595. Mas
Foscolo mudou “ingratidão do mundo” em “ingratidão dos homens”.
87
monte”; o soneto: Estamos vendo, Amor, a nossa glória
146
; e tantos outros versos
sobre-humanos, quanto a minha memória agitada soube segredar ao meu coração.
Odoardo teve de sair para verificar, junto ao feitor, as contas de uma quinta que
tem nas proximidades
147
; Tereza e o pai foram com ele. Eu soube, depois, que Odoardo
terá de ir a Roma, por causa da morte de um primo; não se apressará em voltar, porque
os outros parentes se assenhoraram dos bens do morto, e o caso acabará nos tribunais.
Assim que eles voltaram, aquela pequena família de lavradores preparou o
almoço para nós, e depois fomos para casa. Adeus, adeus. Eu teria outras coisas para
contar, mas para dizer a verdade, escrevo-te sem ânimo. A propósito: esquecia-me de
dizer-te que Odoardo, quando voltava, ia ao lado de Teresa e lhe falou longamente,
quase a incomodando com ares de importante. De algumas poucas palavras que pude
entender, suspeito que a atormentasse para saber a todo custo de que havíamos falado eu
e ela. Já vês que devo diminuir as minhas visitas – pelo menos até que ele parta.
Boa noite, Lorenzo. Conserva esta carta: quando Odoardo levar a felicidade
consigo, quando eu não mais vir Teresa, e quando a inocente irmãzinha não brincar
mais nos meus joelhos, naqueles dias de tédio em que até mesmo a dor nos é cara,
leremos de novo estas memórias deitados na relva que vigia a solidão de Arquá, na hora
em que se esvai o dia. A lembrança de que Teresa foi nossa amiga nos enxugará o
pranto. É preciso ter um grande apreço pelos sentimentos diletos e suaves que
despertarão, pelos anos tristes e tormentosos que ainda nos restam, a lembrança de que
nem sempre vivemos em meio à dor.
146
Três citações do Canzoniere de Petrarca: respectivamente CXXVI, CXXIX, CXXCII.
147
Essa passagem descreve bem a personalidade de Odoardo, que, prefere cuidar das finanças a se deter
na casa de Petrarca.
88
7
Esta carta apareceu pela primeira vez na edição de 1816. Contém partes dos
Discorsi della servitù d’Italia, escritos em um momento difícil para o autor, pois havia
deixado a Itália e encontrava-se em exílio na Suíça. Não pôde publicar os Discorsi, pois
teria sido imprudente, que estava sendo procurado pelo governo austríaco; mesmo a
publicação das Ultime lettere, por precaução, saiu com dados falsos: 1814, Londres.
nela dois amores impossíveis: pela pátria e por Teresa; que se distribuem em
partes praticamente iguais ao longo da carta. Na primeira, Jacopo faz duras críticas a
Napoleão, valendo-se de Petrarca, Maquiavel e Dante; na segunda, passando do amor
infeliz pela pátria ao amor silencioso e impossível por Teresa. Na relação entre esses
dois amores, e diante dos fatos, Jacopo prenuncia um destino fatal, usando a metáfora
do herói-ator que faz descer o pano do próprio drama.
Segundo o crítico Fubini
148
, com esta carta, Foscolo parece responder àquelas
críticas que afirmavam ter o romance “due anime” mal relacionadas, e tenta combinar o
motivo político e o amoroso.
Um dos temas principais das primeiras edições é o suicídio, o que reflete a
juventude alfieriana do autor. Nesta edição, esse tema deixa de ser predominante, pois
nela encontramos um Foscolo mais maduro.
148
M. Fubini, 1963, p. 239.
89
17 Marzo
Da due mesi non ti do segno di vita, e tu ti se' sgomentato; e temi ch'io sia vinto
oggimai dall'amore da dimenticarmi di te e della patria. Fratel mio Lorenzo, tu conosci pur
poco me e il cuore umano ed il tuo, se presumi che il desiderio di patria possa temperarsi mai,
non che spegnersi; se credi che ceda ad altre passioni ben irrita le altre passioni, e n'è p
irritato; ed è pur vero, e in questo hai detto pur bene! L'amore in un'anima esulcerata, e dove
le altre passioni sono disperate, riesce onnipotente e io lo provo; ma che riesca funesto,
t'inganni: senza Teresa, io sarei forse oggi sotterra.
La Natura crea di propria autori tali ingegni da non poter essere se non generosi;
venti anni addietro fatti ingegni si rimanevano inerti ed assiderati nel sopore universale
d'Italia: ma i tempi d'oggi hanno ridestato in essi le virili e natie loro passioni; ed hanno
acquistato tal tempra, che spezzarli puoi, piegarli non mai. E non è sentenza metafisia questa:
la è verità che splende nella vita di molti antichi mortali gloriosamente infelici: verità di cui mi
sono accertato convivendo fra molti nostri concittadini: e li compiango insieme e gli ammiro;
da che, se Dio non ha pie dell'Italia, dovranno chiudere nel loro secreto il desiderio di patria
funestissimo! perché o strugge, o addolora tutta la vita; e nondimeno anzic abbandonarlo,
avranno cari i pericoli, e quell'angoscia, e la morte. Ed io mi sono uno di questi; e tu, mio
Lorenzo.
Ma s'io scrivessi intorno a quello ch'io vidi, e so delle cose nostre, farei cosa
superflua e crudele ridestando in voi tutti il furore che vorrei pur sopire dentro di me:
piango, credimi, la patria – la piango secretamente, e desidero,
Che le lagrime mie si spargan sole.
Un'altra specie d'amatori d'Italia si quereli ad altissima voce a sua posta. Esclamano
d'essere stati venduti e traditi: ma se si fossero armati sarebbero stati vinti forse, non mai
traditi; e se si fossero difesi sino all'ultimo sangue, i vincitori avrebbero potuto venderli, né
i vinti si sarebbero attentati di comperarli. Se non che moltissimi de' nostri presumono che la
liber si possa comperare a danaro; presumono che le nazioni straniere vengano per amore
dell'equità a trucidarsi scambievolmente su' nostri campi onde liberare l'Italia! Ma i francesi
che hanno fatto parere esecrabile la divina teoria della pubblica libertà, faranno da Timoleoni
in pro nostro? Moltissimi intanto si fidano nel Giovine Eroe nato di sangue italiano; nato
dove si parla il nostro idioma. Io da un animo basso e crudele, non m'aspetterò mai cosa utile
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ed alta per noi. Che importa ch'abbia il vigore e il fremito del leone, se ha la mente volpina, e
se ne compiace?; basso e crudele – né gli epiteti sono esagerati. A che non ha egli venduto
Venezia con aperta e generosa ferocia? Selim I che fece scannare sul Nilo trenta mila guerrieri
Circassi arresisi alla sua fede, e Nadir Schah che nel nostro secolo trucidò trecento mila
Indiani, sono più atroci, bensì meno spregevoli. Vidi con gli occhi miei una costituzione
democratica postillata dal Giovine Eroe, postillata di mano sua, e mandata da Passeriano a
Venezia perché s'accettasse; e il trattato di Campo Formio era già da più giorni firmato e
Venezia era trafficata; e la fiducia che l'Eroe nutriva in noi tutti ha riempito l'Italia di
proscrizioni, d'emigrazioni, e d'esilii. Non accuso la ragione di stato che vende come branchi
di pecore le nazioni: così fu sempre, e co sarà: piango la patria mia,
Che mi fu tolta, e il modo ancor m'offende.
Nasce italiano, e soccorrerà un giorno alla patria: altri sel creda; io risposi, e
risponderò sempre: La Natura lo ha creato tiranno: e il tiranno non guarda a patria; e
non l'ha.
Alcuni altri de' nostri, veggendo le piaghe d'Italia, vanno pur predicando doversi
sanarle co' rimedi estremi necessari alla liber. Ben è vero, l'Italia ha preti e frati; non g
sacerdoti: perché dove la religione non è inviscerata nelle leggi e ne' costumi d'un popolo,
l'amministrazione del culto è bottega. L'Italia ha de' titolati quanti ne vuoi; ma non ha
propriamente patrizj: da che i patrizj difendono con una mano la repubblica in guerra, e con
l'altra la governano in pace; e in Italia sommo fasto de' nobili è il non fare e il non sapere mai
nulla. Finalmente abbiamo plebe; non già cittadini; o pochissimi. I medici, gli avvocati, i
professori d'universi, i letterati, i ricchi mercatanti, l'innumerabile schiera degl'impiegati
fanno arti gentili essi dicono, e cittadinesche; non però hanno nerbo e diritto cittadinesco.
Chiunque si guadagna sia pane, sia gemme con l'industria sua personale, e non è padrone di
terre, non è se non parte di plebe; meno misera, non già meno serva. Terra senza abitatori può
stare; popolo senza terra, non mai: quindi i pochi signori delle terre in Italia, saranno pur
sempre dominatori invisibili ed arbitri della nazione. Or di preti e frati facciamo de' sacerdoti;
convertiamo i titolati in patrizj; i popolani tutti, o molti almeno, in cittadini abbienti, e
possessori di terre ma badiamo! senza carnificine; senza riforme sacrileghe di religione;
senza fazioni; senza proscrizioni esilii; senza ajuto e sangue e depredazioni d'armi
straniere; senza divisione di terre; leggi agrarie; rapine di proprietà famigliari da che se
mai (a quanto intesi ed intendo) se mai questi rimedi necessitassero a liberarne dal nostro
91
infame perpetuo servaggio, io per me non so cosa mi piglierei infamia, servi: ma
neppur essere esecutore di sì crudeli e spesso inefficaci rimedi se non che all'individuo
restano molte vie di salute; non fosse altro il sepolcro: ma una nazione non si può sotterrar
tuttaquanta. E pe, se scrivessi, esorterei l'Italia a pigliarsi in pace il suo stato presente, e a
lasciare alla Francia la obbrobriosa sciagura di avere svenato tante vittime umane alla Liber
su le quali la tirannide de' Cinque, o de' Cinquecento, o di Un solo – torna tutt'uno – hanno
piantato e pianteranno i lor troni; e vacillanti di minuto in minuto, come tutti i troni che hanno
per fondamenta i cadaveri.
Il lungo tempo da che non ti scrivo non è corso perduto per me; credo invece d'avere
guadagnato anche troppo ma guadagni fatali! Il signore T*** ha moltissimi libri di filosofia
politica, e i migliori storici del mondo moderno: e tra per non volermi trovare assai spesso vicino a
Teresa, tra per noja e per curiosità, due vigili istigatrici del genere umano mi son fatto mandare
que' libri; e parte n'ho letto, parte ne ho scartabellato, e mi furono tristi compagni di questa vernata.
Certo che più amabile compagnia mi parvero gli uccelletti i quali cacciati per disperazione dal
freddo a cercarsi alimento vicino alle abitazioni degli uomini loro nemici, si posavano a famiglie e
a tribù sul mio balcone dov'io apparecchiava loro da desinare e da cena ma forse ora che va
cessando il loro bisogno non mi visiteranno mai più. Intanto dalle mie lunghe letture ho raccolto:
Che il non conoscere gli uomini è pur cosa pericolosa; ma il conoscerli quando non s'ha cuore da
volerli ingannare è pur cosa funesta! Ho raccolto: Che le molte opinioni de' molti libri, e le
contraddizioni storiche, t'inducono al pirronismo e ti fanno errare nella confusione, e nel caos, e
nel nulla: ond'io, a chi mi stringesse o di sempre leggere, o di non leggere mai, mi torrei di non
leggere mai; e così forse farò. Ho raccolto: Che abbiamo tutti passioni vane com'è appunto la
vanità della vita; e che nondimeno sì fatta vanità è la sorgente de' nostri errori, del nostro pianto, e
de' nostri delitti.
Pur nondimeno io mi sento rinsanguinare più sempre all'anima questo furore di
patria: e quando penso a Teresa e se spero rientro in un subito in me assai più
costernato di prima; e ridico: Quand'anche l'amica mia fosse madre de' miei figliuoli, i
miei figliuoli non avrebbero patria; e la cara campagna della mia vita se n'accorgerebbe
gemendo. Pur troppo! alle altre passioni che fanno alle giovinette sentire sull'aurora
del loro giorno fuggitivo i dolori, e più assai alle giovinette italiane, s'è aggiunto questo
infelice amore di patria. Ho sviato il signore T*** da' discorsi di politica, de' quali si
appassiona – sua figlia non apriva mai bocca: ma io pur m'avvedeva come le angosce di
suo padre e le mie si rovesciavano nelle viscere di quella fanciulla. Tu sai che non è
femminetta volgare: e prescindendo anche da' suoi interessi da che in altri tempi
92
avrebbero potuto eleggersi altro marito è dotata d'animo altero, e di signorili pensieri.
E vede quanto m'è grave quest'ozio di oscuro e freddo egoista in cui logoro tutti i miei
giorni – davvero, Lorenzo; anche tacendo, io paleso che sono misero e vile dinanzi a me
stesso. La volontà forte e la nullità di potere in chi sente una passione politica lo fanno
sciaguratissimo dentro di sé: e se non tace, lo fanno parere ridicolo al mondo; si fa la
figura di paladino da romanzo e d'innamorato impotente della propria città. Quando
Catone s'uccise, un povero patrizio, chiamato Cozio, lo imitò: l'uno fu ammirato perché
aveva prima tentato ogni via a non servire; l'altro fu deriso perché per amore della
libertà non seppe far altro che uccidersi.
Ma qui stando, non foss'altro co' miei pensieri, presso a Teresa perch'io regno
ancor tanto sopra di me, ch'io lascio passare tre e quattro giorni senza vederla – pur il solo
ricordarmene mi fa provare un foco soave, un lume, una consolazione di vita breve
forse, ma divina dolcezza – e così mi preservo per ora dalla assoluta disperazione.
E quando sto seco ad altri forse nol crederesti, o Lorenzo, a me allora non
le parlo d'amore. È mezz'anno oramai da che l'anima sua s'è affratellata alla mia, e non
ha mai inteso uscire fuor delle mie labbra la certezza ch'io l'amo. Ma e come non p
esserne certa? Suo padre giuoca meco a scacchi le intere serate: essa lavora seduta
accanto a quel tavolino, silenziosissima, se non quanto parlano gli occhi suoi; ma di
rado: e chinandosi a un tratto non mi domandano che pietà. E qual altra pietà posso
mai darle, da questa in fuori di tenerle, quanto avrò forza, tenerle occulte come più potrò
tutte le mie passioni? io vivo se non per lei sola: e quando anche questo mio nuovo
sogno soave terminerà, io calerò volentieri il sipario. La gloria, il sapere, la gioventù, le
ricchezze, la patria, tutti fantasmi che hanno fino ad or recitato nella mia commedia, non
fanno più per me. Calerò il sipario; e lascierò che gli altri mortali s'affannino per
accrescere i piaceri e menomare i dolori d'una vita che ad ogni minuto s'accorcia, e che
pure que' meschini se la vorrebbero persuadere immortale.
Eccoti con l'usato disordine, ma con insolita pacatezza risposto alla tua lunga
affettuosissima lettera: tu sai dire assai meglio le tue ragioni: – io le mie le sento troppo;
però pajo ostinato. Ma s'io ascoltassi più gli altri che me, rincrescerei forse a me
stesso: e nel non rincrescere a sé, sta quel po' di felicità che l'uomo può sperar su la
terra.
93
17 de março
149
dois meses não te dou sinal de vida e te assustei; temes que eu, enfim
vencido de amor, pudesse esquecer-me de ti e da pátria. Lorenzo, meu irmão, conheces
pouco a mim, ao coração humano e ao teu próprio também se julgas que a aspiração à
pátria pode porventura diminuir, e até mesmo extinguir-se, e supões que ceda a outras
paixões. Mas é esse desejo pela pátria que faz as outras paixões incendiarem... para
depois ser por elas inflamado. Uma coisa contudo é verdade, e o disseste bem: Em uma
alma exacerbada e onde outras paixões não encontram esperança, o amor sobressai-se
onipotente eu mesmo o comprovo, mas que seja funesto este amor, te enganas: sem
Teresa, talvez, eu estivesse hoje debaixo da terra.
A Natureza cria, de vontade própria, engenhos que não o outra coisa que
generosos; vinte anos
150
eles permanecem inertes e enregelados no torpor geral da
Itália: mas os tempos de hoje despertaram nesses espíritos paixões viris e inatas. Eles
adquiriram tal têmpera, que se pode quebrá-los, mas dobrá-los jamais. Isso não é uma
máxima da metafísica, mas a verdade que resplandece na vida de muitos antigos
mortais, gloriosamente infelizes: verdade que constatei ao conviver com muitos de
nossos compatriotas, por quem me compadeço e ao mesmo tempo admiro. Admiro-os
porque se Deus não tiver piedade da Itália, deverão manter em segredo a aspiração à
pátria
151
– um anseio funesto, que destrói ou atormenta a vida por inteiro; e, não
obstante, em vez de abandoná-lo, abraçarão os perigos, a angústia e a morte. E eu sou
um deles
152
, Lorenzo, e tu também.
149
“Carta omitida em todas as edições posteriores à primeira, a única em que aparece” [Nota de Foscolo.
Doravante grafaremos N. F.]. Apesar dessa afirmação de Foscolo, a carta é posterior à queda de
Napoleão (1815). Na Notizia Bibliografica, Foscolo explica que aquela primeira edição (Veneza,
1802) havia sido “clandestina”, mas, na realidade, ela não existiu: foi uma invenção de Foscolo para
justificar a introdução no romance desta carta repleta de críticas. Cf. M. Fubini, Ortis e Didimo, 1963,
pp. 223-52.
150
Essa declaração, que se refere aos anos 1815-16, contradiz a afirmação de Foscolo sobre uma suposta
edição clandestina publicada em Veneza em 1802, pois é uma alusão evidente aos vinte anos em que a
Itália ficou submetida à invasão francesa; época que coincide com a do início do romance (1797), e
vai até a queda de Napoleão (1815), que se conclui com a dominação austríaca.
151
Aspiração à pátria, isto é, à liberdade e à independência (inspiração de Alfieri).
152
Cf. U. Foscolo, “Della Servitù dell’Italia”. In: Prose politiche litterarie.Firenze: Le Monnier, 1993. V.
VIII, p. 236. Apud A. Valentinetti, in U. Foscolo, 1993, p. 96.
94
Mas se eu escrevesse sobre o que vi, e o que sei das nossas coisas, estaria
fazendo algo inútil e cruel despertando em todos o furor que gostaria de aplacar dentro
de mim: acredita, choro pela pátria – choro em segredo, e desejo,
Que se derrame só o pranto meu
153
.
Uma outra espécie
154
de amantes da Itália lamenta-se aos gritos. Exclamam que
foram vendidos e traídos: se tivessem lutado, talvez fossem vencidos, mas nunca
traídos; e se tivessem se defendido até à última gota de sangue, nem os vencedores
teriam podido vendê-los, nem os vencidos teriam ousado comprá-los
155
. Quantos dos
nossos não julgam que a liberdade pode ser comprada com dinheiro e que as nações
estrangeiras viriam, por amor à igualdade, trucidarem-se mutuamente em nossos
campos para libertarem a Itália!
156
Mas os franceses, que fizeram parecer execrável a
teoria divina da liberdade dos homens, agiriam como Timoleão
157
a nosso favor?
158
Entretanto, muitos confiam no Jovem Herói
159
nascido de sangue italiano; nascido onde
se fala o nosso idioma. Dessa alma vil e cruel, não espero nada de proveitoso e elevado
para nós. Que importa que tenha a força e o rugido do leão, se tem a mente de raposa
160
,
e disso se compraz? Sim, vil e cruel os epítetos não exageram. Por que ao vender
Veneza não mostrou ele uma crueldade aberta e franca? Selim I
161
, que mandou degolar
no Nilo trinta mil guerreiros Circassianos que haviam se rendido à sua fé, e o
153
Petrarca, Canzoniere, XVIII. [N. F.]
154
Refere-se àqueles que, apesar de terem se oposto à entrega de Veneza a Áustria, não combateram.
Alude também ao momento da queda de Napoleão, e às ilusões de 1814, cessadas com o retorno dos
austríacos.
155
Nova alusão ao intercâmbio de Veneza entre franceses e austríacos, adquirida pela Áustria em troca da
Bélgica.
156
“Della servitù dell’Italia”. In U. Foscolo, 1993, p. 96.
157
Isto é, como libertador (herói grego que libertou Siracusa da tirania e depois renunciou
espontaneamente ao poder dando a liberdade a seu povo; foi retratado por Plutarco nas Vidas
paralelas).
158
“Della servitù dell’ Italia”. Op. cit., p. 96.
159
Napoleão, que era filho de pais italianos, mas havia nascido na Córsega.
160
Leão, símbolo de força e coragem; raposa, símbolo da astúcia. Imagens usadas por Maquiavel (O
Príncipe, cap. XVIII) como características úteis na política.
161
Sultão Otomano (1467-1520) que conquistou a Pérsia, a Síria e o Egito.
95
Nadir
162
, que no nosso século trucidou trezentos mil indianos, são mais atrozes, embora
menos desprezíveis. Eu mesmo vi uma constituição democrática comentada pelo Jovem
Herói, de punho próprio, e mandada de Passeriano
163
a Veneza para que fosse aceita.
Mas o tratado de Campofórmio já havia sido assinado e Veneza fora vendida. A
confiança que o Herói inspirava em todos nós resultou em degredos, emigrações e
exílios de italianos. Não me queixo da razão de Estado que vende as nações como
rebanhos de ovelhas, porque isso sempre foi assim e sempre será: choro pela minha
pátria,
de forma hostil, de mim arrebatada.
164
Nasce italiano, e socorrerá um dia a pátria: outros assim acreditam; eu respondi
e responderei sempre: A Natureza o fez tirano
165
: e o tirano não olha para a pátria e
não a tem
166
.
Outros dos nossos, vendo as chagas da Itália, afirmam que se deve saná-las com
remédios extremos necessários à liberdade. Decerto, a Itália tem padres e frades, não
sacerdotes: porque onde a religião não é entranhada nas leis e nos costumes de um povo,
a administração do culto é um comércio. A Itália tem muitos nobres titulados, mas
poucos de nascimento, porque é este que, com uma das mãos, defende a república na
guerra, e com a outra a governa na paz; e na Itália, o maior orgulho dos nobres é nada
fazer e de nada saber, jamais. Por fim temos plebe, mas não cidadãos, ou pouquíssimos.
Os médicos, os advogados, os professores de universidade, os literatos, os ricos
mercadores, a inumerável fileira dos funcionários que obram tarefas nobres e civis,
dizem eles, mas não m o nervo nem o direito do cidadão. Todo aquele que ganha o
indispensável e o supérfluo com o talento pessoal, e não é dono de terras, não faz senão
parte da plebe; menos miserável, mas não menos servil. Terra sem habitantes pode ser;
162
Xá da Pérsia que, em 1738, saiu vitorioso em uma sangrenta incursão pela Índia.
163
Passeriano: local próximo de Campofórmio. Ali, Napoleão morou durante as negociações do Tratado.
164
Dante (“Inferno”, Canto V, 102). [N. F.]
165
Termo recorrente no período. Rodrigues Lapa, em Obras completas de Tomás Antônio Gonzaga (Rio
de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1942, p. 64), ressalta o emprego insistente do adjetivo
“tirano”, devido às concepções políticas de liberdade.
166
Conceito de pátria e de liberdade afirmado por Alfieri.
96
povo sem terra, nunca: portanto, os poucos senhores de terras na Itália, continuarão a ser
os dominadores invisíveis e os árbitros da nação
167
. Portanto, de padres e frades
façamos sacerdotes; convertamos os nobres titulados em nobres de nascimento; todos os
plebeus, ou pelo menos muitos deles, em abastados cidadãos e donos de terras. Mas,
cuidado! sem carnificinas, sem reformas sacrílegas de religião, sem facções, sem
degredos nem exílios; sem a ajuda, o sangue ou a depredação de exércitos estrangeiros;
sem divisão de terras, sem leis agrárias e sem o roubo de propriedades familiares se
porventura (como acredito e sempre acreditei) esses remédios forem necessários para
nos libertar da nossa infame
168
e perpétua servidão, não saberia escolher entre a infâmia
e a subserviência: e nem ao menos ser executor desses remédios tão cruéis e tão
ineficazes ao indivíduo restam muitas vias de salvação; e além delas, o sepulcro: mas
uma nação inteira não se pode sepultar. Portanto, se eu escrevesse, exortaria a Itália a
aceitar o seu estado atual
169
, e a deixar para a França a oprobriosa desgraça de ter
cortado as veias de tantas vidas em nome da Liberdade; e sobre essas vidas, a tirania de
Cinco, de Quinhentos, ou de apenas Um
170
(o que é a mesma coisa) ergueu e continuará
a erguer seus tronos; tronos que vacilarão a cada momento, como todos os que têm
cadáveres por alicerce.
O longo período em que não lhe escrevi não passou em vão para mim: ao
contrário, creio que ganhei demais mas lucro fatal! O senhor T*** tem muitíssimos
livros de Filosofia Política, e os melhores historiadores do mundo moderno: e, em parte
porque eu não queria encontrar-me sempre perto de Teresa, em parte por tédio ou por
curiosidade (dois atentos instigadores do gênero humano), pedi para que me mandassem
esses livros; alguns eu li, outros folheei, e foram meus tristes companheiros de
invernada. É verdade que companhia mais agradável pareceram-me os passarinhos, os
quais, obrigados pelo desespero do frio a procurarem alimento perto das casas dos
homens, seus inimigos, alinhavam-se em famílias e tribos na minha varanda, onde eu
lhes preparava o desjejum e o jantar mas, agora que as necessidades deles começam a
167
“Della servitù”, p. 98.
168
O termo “infame” é também recorrente na literatura da época (também do Brasil e de Portugal). H.
Peyer, no seu Introdução ao Romantismo, 1971, p. 53, fala de um período monopolizado pela “guerra
contra o Infame”, quer dizer, Napoleão.
169
“Della servitù”, p. 99.
170
Do Diretório (constituído de 5 membros), da Assembléia e do Cônsul: constituição promulgada pela
Convenção francesa em 1795.
97
desaparecer, talvez não me visitem mais. Enquanto isso, das minhas longas leituras
apreendi que não conhecer os homens é perigoso, mas conhecê-los quando não se tem
coragem de enganá-los, é fatal! Aprendi também que as diversas opiniões dos livros e as
contradições históricas induzem-nos ao pirronismo
171
e nos fazem errar no engano, no
caos e no nada: portanto, se eu fosse obrigado a escolher entre ler o tempo todo, ou
nunca ler, decidiria por não ler... e talvez assim o faça. Aprendi também que todos nós
alimentamos paixões tão vãs quanto a vaidade da vida, e que, no entanto, esse vazio,
essa vaidade é a fonte de nossos erros, de nossas lágrimas e de nossos delitos.
Não obstante, sinto que em minh’alma se revigora o furor da pátria: e quando
penso em Teresa e alimento esperanças volto a mim de repente, muito mais
consternado do que antes, e torno a dizer: mesmo que minha amiga fosse a mãe dos
meus filhos, meus filhos não teriam pátria; e a querida companheira da minha vida
perceberia isso sofrendo. Que infortúnio! Às outras paixões que fazem as jovens
sentirem as dores na aurora do seu tempo fugidio, sobretudo as jovens italianas,
acrescentou-se esse amor infeliz pela pátria. Desviei o senhor T*** das conversas sobre
política, pelas quais é apaixonado sua filha não mais abria a boca: mas eu também
percebi como as angústias de seu pai e as minhas reviravam as entranhas dessa moça.
Sabes que ela não é uma mulherzinha vulgar: e renunciando também aos interesses
próprios, que em outros tempos permitiriam a ela escolher para si outro marido, é
dotada de alma altiva e de pensamentos nobres. E quanto me pesa este ócio, de
egoísta lúgubre e frio, no qual consumo todos os meus dias. É verdade, Lorenzo, mesmo
calado, revelo a minha miséria e a minha vileza para mim mesmo. Uma vontade forte e
a falta de poder em quem sente uma paixão política fazem dele um miserável dentro de
si: e se não cala, fazem-no parecer ridículo ao mundo; representando o paladino de
romance e o amante impotente da própria terra. Quando Catão
172
se matou, um pobre
patrício chamado Cócio
173
, imitou-o
174
: um foi admirado porque havia antes tentado
171
Pirronismo: ceticismo do filósofo grego Pirron de Elis (360-275 a. C.), defensor da acatalepsia, ou
impossibilidade de perceber ou entender as coisas.
172
Catão, opondo-se à ascensão de Júlio César, suicidou-se em 46 a. C., em Útica.
173
Ignora-se quem teria sido essa personagem.
174
O Foscolo maduro, de 1816, não acredita mais no entusiasmo de vinte anos atrás. É o inverno da vida,
por isso teria escrito esta carta em pleno inverno, para expressar o seu novo estado de ânimo. Cf. E.
Bottasso, in U. Foscolo, 1943, p. 310.
98
todos os meios para não se submeter; o outro foi ridicularizado, porque pelo amor da
liberdade não soube fazer outra coisa senão tirar a própria vida.
Mas aqui ficando, ao menos em pensamento, junto a Teresa porque ainda
consigo me dominar, deixo passar três ou quatro dias sem vê-la; e a simples lembrança
dela me faz sentir um fogo suave, um lume, um consolo de vida, breve talvez, mas
doçura divina – consigo, por ora, preservar-me do desespero absoluto.
E, quando estou com ela talvez não acredites nos outros, Lorenzo, mas em
mim acreditarás não lhe falo de amor. Enfim, faz seis meses que sua alma e a minha
se irmanaram, e os lábios meus nunca procuraram dar a ela a certeza do meu amor. Mas,
como não teria ela certeza? O pai joga xadrez comigo tardes inteiras: ela trabalha
sentada junto à mesinha, muito silenciosa, a não ser quando falam os olhos seus; mas é
raro: logo se abaixam, e não me pedem mais que piedade. – E que outra piedade poderia
eu dar a ela, a não ser esta de manter ocultas o mais que puder todas as minhas paixões?
Não vivo para ela? E quando este meu sonho, jovem e suave, também se acabar,
deixarei cair com prazer o pano. A glória, o saber, a juventude, as riquezas, a pátria,
todos os fantasmas que até agora representaram em minha comédia, não servirão mais
para mim. Deixarei cair o pano; e deixarei que os outros mortais se esforcem para
aumentar os prazeres e diminuir as dores de uma vida que a cada minuto se consome,
175
a mesma vida que esses mesquinhos gostariam de acreditar ser imortal.
Com a minha desordem habitual, mas com rara serenidade respondo a tua longa
e afetuosíssima carta: sabes expor muito melhor as tuas razões: as minhas, eu as sinto
demais; porém pareço obstinado. Mas, se eu escutasse mais os outros do que eu,
desagradaria talvez a mim mesmo: e é no fato de não desagradar a si próprio que reside
a pouca felicidade que o homem pode esperar na terra.
175
Este parágrafo, com ligeiras modificações, corresponde à carta dirigida a Teresa, que estava na edição
de 1802.
99
8
Em uma carta escrita três dias antes desta, Jacopo sentia uma rara felicidade e a
retratava em comparação com a natureza. Mas, pergunta-se ele nesta carta de 6 de abril,
tal felicidade não seria o fruto da fantasia, uma ilusão, não estaria destinada a
desaparecer?
Passou-se um período em que Odoardo esteve ausente, e por isso Jacopo
alimentou algumas esperanças em relação a Teresa. Podemos notar aqui o uso
exagerado de interrogações. O autor usa a pontuação, tanto aqui como em outras cartas,
como recurso para dramatizar os sentimentos.
100
6 Aprile
È vero; troppo! - questa mia fantasia mi dipinge così realmente la felicità ch'io
desidero, e me la pone davanti agli occhi, e sto lì lì per toccarla con mano, e mi
mancano ancor pochi passi - e poi? il tristo mio cuore se la vede svanire e piange quasi
perdesse un bene posseduto da lungo tempo. Tuttavia - ei le scrive che la cabala forense
gli fu da prima cagione d'indugio, e che poi la rivoluzione ha interrotto per qualche
giorno il corso dei tribunali: aggiungi che dove predomina l'interesse, le altre passioni si
tacciono; un nuovo amore forse - ma tu dirai: E tutto ciò cosa importa? Nulla, caro
Lorenzo: a Dio non piaccia ch'io mi prevalga della freddezza d'Odoardo - ma non so
come si possa starle lontano un solo giorno di più! - Andrò dunque ognor più
lusingandomi per tracannarmi poscia la mortale bevanda che mi sarò io medesimo
preparata?
101
6 de abril
É verdade mesmo! – Esta minha fantasia pinta com tal realidade a felicidade que
desejo, que ma põe diante dos olhos; estou quase a tocá-la com a mão... faltam-me ainda
poucos passos... e depois? O meu coração entristecido a desaparecer, e chora como
se tivesse perdido um bem que possuía muito tempo. No entanto, ele
176
lhe escreve
dizendo que o motivo de seu atraso foi, primeiro, as maquinações legais; e que depois a
revolução
177
interrompeu por alguns dias o curso dos tribunais: acrescenta tu que onde
predomina o interesse, as outras paixões se calam; um novo amor talvez – mas dirás: “E
tudo isso, o que importa?” Nada, caro Lorenzo: a Deus não agrada que eu me valha da
frieza de Odoardo – mas não sei como ficar um único dia mais longe de Teresa!
Continuarei então me iludindo para depois tragar a bebida mortal que eu mesmo
preparei?
176
Refere-se a Odoardo, que está em Roma para resolver alguns negócios.
177
São as manifestações republicanas que haviam começado em dezembro de 1797 e que desembocaram,
em fevereiro de 1798, na ocupação de Roma pelo exército franco-cisalpino e na proclamação da
República Romana.
102
9
Se compararmos com as duas cartas anteriores (a de 6 de abril, precedentemente
comentada, e a de 3 de abril), nas quais Jacopo duvidava da felicidade, temos aqui uma
carta de acentuado simbolismo, representado pelo contraste entre o azul profundo do
céu sereno, a tempestade que se aproxima e os tenros arbustos que se encontram em seu
caminho.
Em seguida, Jacopo e Teresa lêem juntos um trecho de um livro. Essa passagem,
de certa forma, reproduz o episódio do Canto V do “Inferno” de Dante, no qual Paolo e
Francesca deixam-se arrebatar pela leitura de um livro. Segundo o crítico Walter
Binni
178
, a passagem apresentada nesta carta é uma adaptação do parágrafo 22 do
Socrate delirante de Wieland
179
.
Foscolo deve ter-se inspirado, também, no Werther, de Goethe, no qual o
protagonista para Carlota uma tradução que ele próprio havia feito do Ossian, e que
termina com estas palavras: “Uma torrente de lágrimas, escapando-se dos olhos de
Carlota e aliviando seu coração opresso interrompe a leitura de Werther, que abandona
o manuscrito, toma-lhe a mão e também derrama lágrimas amargas.”
180
178
U. Foscolo, 1981, p. 54.
179
Christoph Martin Wieland (1733 –1813), escritor alemão.
180
J. W. Goethe, Fausto e Werther. Tradução de Galeão Coutinho. São Paulo: Victor Civita, 1983, p.
424.
103
11 Aprile
Ella sedeva sopra un sofà di rincontro alla finestra delle colline, osservando le
nuvole che passeggiavano per la ampiezza del cielo. Vedete, mi disse, quel l'azzurro
profondo! Io le stava accanto muto muto, con gli occhi fissi su la sua mano che tenea
socchiuso un libricciuolo. – Io non so come – ma non mi avvidi che la tempesta
cominciava a muggire dal settentrione, e atterrava le piante più giovani. Poveri
arbuscelli! esclamò Teresa. Mi scossi. Si addensavano le tenebre della notte che i lampi
rendeano più negre. Diluviava, tuonava poco dopo vidi le finestre chiuse, e i lumi
nella stanza. Il ragazzo per far ciò ch'ei soleva fare tutte le sere e temendo del mal
tempo, venne a rapirci lo spettacolo della Natura adirata; e Teresa che stava sopra
pensiero, non se ne accorse e lo lasciò fare.
Le tolsi di mano il libro e aprendolo a caso, lessi:
“La tenera Gliceria lasciò su queste mie labbra l'estremo sospiro. Con Gliceria
ho perduto tutto quello ch'io poteva mai perdere. La sua fossa è il solo palmo di terra
ch'io degni di chiamar mio. Niuno, fuori di me, ne sa il luogo. L'ho coperta di folti rosaj
i quali fioriscono come un giorno fioriva il suo volto, e diffondono la fragranza soave
che spirava il suo seno. Ogni anno nel mese delle rose io visito il sacro boschetto. Siedo
su quel cumulo di terra che serba le sue ossa; colgo una rosa, e sto meditando: Tal tu
fiorivi un dì! E sfoglio quella rosa, e la sparpaglio – e mi rammento quel dolce sogno de'
nostri amori. O mia Gliceria, ove sei tu? una lagrima cade su l'erba che spunta su la
sepoltura, e appaga l'ombra amorosa”.
Tacqui. Perchè non leggete? diss'ella sospirando e guardandomi. Io rileggeva:
e tornando a proferire nuovamente: Tal tu fiorivi un dì! la mia voce fu soffocata; una
lagrima di Teresa grondò su la mia mano che stringeva la sua.
104
11 de abril
Ela estava sentada em um sofá diante da janela de onde se viam as colinas, e
observava as nuvens que passeavam pela amplidão do céu.
— Olhe, disse-me, que azul profundo!
Eu fiquei a seu lado, mudo, com os olhos fixos na sua mão que segurava um
livrinho entreaberto. Não sei como, mas não percebi que a tempestade começava a rugir
fortemente do norte, e derrubava as plantas mais tenras.
— Pobres arvorezinhas! exclamou Teresa.
Sobressaltei-me. As trevas da noite se adensavam e os raios as tornavam mais
negras. Chovia torrencialmente, trovejava pouco depois vi as janelas fechadas, e o
lume na sala. O rapaz, para fazer o que costumava fazer todas as noites, e temendo o
mau tempo, veio arrancar-nos o espetáculo da Natureza encolerizada; e Teresa que
estava pensativa, não percebeu e deixou-o continuar.
Tirei de sua mão o livro e abrindo-o ao acaso, li:
“A terna Glicéria deixou nesses meus lábios o derradeiro suspiro. Com Glicéria
perdi tudo aquilo que eu não nunca poderia perder. A sua cova é o único palmo de terra
que posso chamar de meu. Ninguém, além de mim, sabe do lugar. Cobri-a de cheios
rosais, que florescem como um dia florescia o seu rosto, e exalam a fragrância suave
que o seu peito exalava. A cada ano no mês das rosas, eu visito aquele pequeno bosque
sagrado. Sento-me no monte de terra que guarda os seus ossos; colho uma rosa, e
reflito: Assim um dia florescias tu! E desfolho aquela rosa, e a espalho e recordo
aquele doce sonho dos nossos amores. Oh minha Glicéria, onde estás? Uma lágrima cai
na relva que desponta sobre a sepultura, e aplaca a sombra amorosa
181
”.
Calei-me.
— Por que não lê? disse-me ela suspirando e olhando-me.
Eu relia: e voltava a proferir: Assim um dia florescias tu! a minha voz sufocou-
se; uma lágrima de Teresa escorreu sobre a minha mão que apertava a sua.
181
Em Álvares de Azevedo, “Idéias íntimas”, IX, 12, in Lira dos Vinte anos. “Um nome de mulher... e
vejo lânguida / No véu suave de amorosas sombras.”
105
10
Junto com a carta do dia 29 de abril de 1798, Jacopo escreve o “Fragmento da
história de Lauretta”. Essa história identifica-se, parte com o romance Laura, lettere,
que Foscolo mencionara no seu Plano de estudos, de 1796, parte com a história de
Maria (capítulos 63-65), da Viagem Sentimental de Yorich, de Laurence Sterne, que
Foscolo havia começado a traduzir em 1805, na França.
Jacopo, na Carta de 29 e abril, explica a Lorenzo que havia lido um conto num
livro inglês que lhe parecia com a história de Lauretta. Explica também que gostaria de
ter mostrado a Teresa o fragmento que escrevera, mas não lhe parecia aconselhável que
ela lesse uma história de amor tão infeliz. Jacopo conclui a carta dizendo que traduziu e
modificou o conto, mas que no fundo narrava seus próprios sentimentos.
na terceira carta (16.10.1797), Jacopo perguntava a Lorenzo como estava a
pobre Lauretta, que havia ficado só com a mãe, pois o pai e os irmãos haviam fugido da
pátria e o namorado, morrido. Ele escreve como se o pai de Lauretta estivesse vivo, mas
no fragmento aqui traduzido dirá que está morto. Essas contradições, na verdade,
poderiam não ser involuntárias, mas sim um artifício literário, para mostrar o estado
emotivo e confuso do protagonista.
182
Este fragmento retrata um dos temas que aparecem nas Ultime lettere: mostra a
história de pessoas infelizes, com as quais Jacopo mostra-se solidário e de quem se
compadece, e revela a repulsa que sente pelos favorecidos.
182
Cf. P. Mattei, in U. Foscolo, 1998, p. 32-3.
106
Frammento della Storia di Lauretta
“Non so se il cielo badi alla terra. Pur se ci ha qualche volta badato (o almeno il
primo giorno che la umana razza ha incominciato a formicolare) io credo che il Destino
abbia scritto negli eterni libri:
L'uomo sarà infelice
oso appellarmi di questa sentenza, perché non saprei forse a che tribunale,
tanto più che mi giova crederla utile alle tante altre razze viventi ne' mondi
innumerabili. Ringrazio nondimeno quella Mente che mescendosi all'universo degli
enti, li fa sempre rivivere distruggendoli; perché con le miserie, ci ha dato almeno il
dono del pianto, ed ha punito coloro che con una insolente filosofia si vogliono ribellare
dalla umana sorte, negando loro gl'inesausti piaceri della compassione Se vedi alcuno
addolorato e piangente non piangere. Stoico! or non sai tu che le lagrime di un uomo
compassionevole sono per l'infelice più dolci della rugiada su l'erbe appassite?
O Lauretta! io piansi con te sulla bara del tuo povero amante, e mi ricordo che la
mia compassione disacerbava l'amarezza del tuo dolore. T'abbandonavi sovra il mio
seno, e i tuoi biondi capelli mi coprivano il volto, e il tuo pianto bagnava le mie guance;
poi col tuo fazzoletto mi rasciugavi, e rasciugavi le tue lagrime che tornavano a
sgorgarti dagli occhi e scorrerti sulle labbra. Abbandonata da tutti! ma io no; non ti
ho abbandonata mai.
Quando tu erravi fuor di te stessa per le romite spiagge del mare, io seguiva
furtivamente i tuoi passi per poterti salvare dalla disperazione del tuo dolore. Poi ti
chiamava a nome, e tu mi stendevi la mano, e sedevi al mio fianco. Saliva in cielo la
Luna, e tu guardandola cantavi pietosamente taluno avrebbe osato deriderti: ma il
Consolatore de' disgraziati che guarda con un occhio stesso e la pazzia e la saviezza
degli uomini, e che compiange e i loro delitti e le loro virtù udiva forse le tue meste
voci, e ti spirava qualche conforto: le preci del mio cuore t'accompagnavano: e a Dio
sono accetti i voti e i sacrificj delle anime addolorate. I flutti gemeano con flebile
fiotto, e i venti che gl'increspavano gli spingeano a lambir quasi la riva dove noi
stavamo seduti. E tu alzandoti appoggiata al mio braccio t'indirizzavi a quel sasso ove
parevati di vedere ancora il tuo Eugenio, e sentir la sua voce, e la sua mano, e i suoi
107
baci. Or che mi resta? esclamavi; la guerra mi allontana i fratelli, e la morte mi ha
rapito il padre e l'amante; abbandonata da tutti!
O Bellezza, genio benefico della natura! Ove mostri l'amabile tuo sorriso scherza
la gioja, e si diffonde la voluttà per eternare la vita dell'universo: chi non ti conosce e
non ti sente incresca al mondo e a se stesso. Ma quando la virtù ti rende più cara, e le
sventure, togliendoti la baldanza e la invidia della felicità, ti mostrano ai mortali co'
crini sparsi e privi delle allegre ghirlande chi è colui che può passarti davanti e non
altro offerirti che un'inutile occhiata di compassione?
Ma io t'offeriva, o Lauretta, le mie lagrime, e questo mio romitorio dove tu
avresti mangiato del mio pane, e bevuto nella mia tazza, e ti saresti addormentata sovra
il mio petto
9
. Tutto quello ch'io aveva! e meco forse la tua vita sebbene non lieta,
sarebbe stata libera almeno e pacifica. Il cuore nella solitudine e nella pace va a poco a
poco obbliando i suoi affanni; perché la pace e la libertà si compiacciono della semplice
e solitaria natura.
Una sera d'autunno la Luna appena si mostrava alla terra rifrangendo i suoi raggi
su le nuvole trasparenti, che accompagnandola l'andavano ad ora ad ora coprendo, e che
sparse per l'ampiezza del cielo rapivano al mondo le stelle. Noi stavamo intenti a'
lontani fuochi dei pescatori, e al canto del gondoliere che col suo remo rompea il
silenzio e la calma dell'oscura laguna. Ma Lauretta volgendosi cercò con gli occhi
intorno il suo innamorato; e si rizzò, e ramingò un pezzo chiamandolo; poi stanca tornò
dov'io sedeva, e s'assise quasi spaventata della sua solitudine. Guardandomi parea che
volesse dirmi: Io sarò abbandonata anche da te! – e chiamò il suo cagnuolino.
Io? Chi l'avrebbe mai detto che quella dovesse essere l'ultima sera ch'io la
vedeva! Era vestita di bianco; un nastro cilestro raccogliea le sue chiome, e tre
mammole appassite spuntavano in mezzo al lino che velava il suo seno. – Io l'ho
accompagnata fino all'uscio della sua casa; e sua madre che venne ad aprirci mi
ringraziava della cura ch'io mi prendeva per la sua disgraziata figliuola. Quando fui solo
m'accorsi che m'era rimasto fra le mani il suo fazzoletto: – gliel ridarò domani, diss'io.
I suoi mali incominciavano già a mitigarsi, ed io forse è vero; io non poteva
darti il tuo Eugenio; ma ti sarei stato sposo, padre, fratello. I miei concittadini
persecutori, giovandosi de' manigoldi stranieri, proscrissero improvvisamente il mio
nome; né ho potuto, o Lauretta, lasciarti neppure l'ultimo addio.
Quand'io penso all'avvenire e mi chiudo gli occhi per non conoscerlo e tremo e
108
alberi di queste valli, e mi ricordo le sponde del mare, e i fuochi lontani, e il canto del
gondoliere. M'appoggio ad un tronco sto pensando il cielo me l'avea conceduta; ma
l'avversa fortuna me l'ha rapita! traggo il suo fazzoIetto infelice chi ama per
ambizione! ma il tuo cuore, o Lauretta, è fatto per la schietta natura: m'ascugo gli
occhi, e torno sul far della notte alla mia casa.
Che fai tu frattanto? torni errando lungo le spiagge e mandando preghiere e
lagrime a Dio? Vieni! tu corrai le frutta del mio giardino; tu berrai nella mia tazza, tu
mangerai del mio pane, e ti poserai sovra il mio seno e sentirai come batte, come oggi
batte assai diversamente il mio cuore. Quando si risveglierà il tuo martirio, e lo spirito
sarà vinto dalla passione, io ti verrò dietro per sostenerti in mezzo al cammino, e per
guidarti, se ti smarrissi, alla mia casa; ma ti verrò dietro tacitamente per lasciarti libero
almeno il conforto del pianto. Io ti sarò padre, fratello – ma, il mio cuore – se tu vedessi
il mio cuore! – una lagrima bagna la carta e cancella ciò che vado scrivendo.
Io la ho veduta tutta fiorita di gioventù e di bellezza; e poi impazzita, raminga,
orfana; e la ho veduta baciare le labbra morenti del suo unico consolatore e poscia
inginocchiarsi con pietosa superstizione davanti a sua madre lagrimando e pregandola
acciocché ritirasse la maledizione che quella madre infelice aveva fulminata contro la
sua figliuola. Così la povera Lauretta mi lasciò nel cuore per sempre la compassione
delle sue sventure. Preziosa eredità ch'io vorrei pur dividere con voi tutti a' quali non
resta altro conforto che di amare la vire di compiangerla. Voi non mi conoscete; ma
noi, chiunque voi siate, noi siamo amici. Non odiate gli uomini prosperi; solamente
fuggiteli.”
109
Fragmento da história de Lauretta
“Não sei se o céu assiste a terra. Mas se alguma vez a assistiu (ainda que fosse
apenas no primeiro dia em que a raça humana começou a proliferar), creio que o
Destino tenha escrito nos livros eternos:
O homem será infeliz
Não ouso recorrer dessa sentença: porque talvez não soubesse a qual tribunal
dirigir-me; e também porque me agrada pensar que ela seja útil a tantas outras raças que
vivem nos incontáveis mundos. Agradeço, todavia, àquela Mente que, misturando-se ao
universo dos entes, sempre os revive ao destruí-los; porque, com as misérias, deu-nos ao
menos o dom do pranto, e puniu aqueles que com uma filosofia insolente quiseram se
rebelar contra a sorte humana, negando-lhes os prazeres inesgotáveis da compaixão.
Se vires alguém triste e chorando, não chores
183
. Estóico! Ora, não sabes que as
lágrimas de um homem compadecido são, para o infeliz, mais doces do que o orvalho
sobre a relva ressequida?
Oh Lauretta! Eu chorei contigo sobre a campa de teu pobre amante, e me lembro
que minha compaixão suavizava a amargura de tua dor. Tu te abandonavas sobre o meu
peito, e os teus cabelos loiros cobriam-me o rosto, e o teu pranto banhava-me a face;
depois, com teu lenço enxugavas as minhas lágrimas, e enxugavas as que os olhos teus
volviam a verter, escorrendo-te nos lábios. Abandonada por todos! mas eu não;
nunca te abandonei.
Quando, fora de ti, erravas pelas ermas praias, eu seguia-te os passos furtivamente
para poder salvar-te do desespero da tua dor. Depois, eu te chamava pelo nome, e tu me
estendias a mão, e sentavas ao meu lado. Subia no céu a Lua, e tu, olhando-a cantavas
piedosamente. Alguém teria ousado zombar de ti, mas o Consolador dos desgraçados – que
olha com um mesmo olhar a loucura e a sabedoria dos homens, que se compadece dos seus
delitos e das suas virtudes – talvez ouvisse a tua triste voz, e te inspirava algum conforto. As
preces do meu coração te acompanhavam: e a Deus são aceitos os votos e os sacricios das
183
“Epiteto, Manual, XXII.” (N. F.) Filósofo estóico que ensinou a fraternidade e o fortalecimento da
vontade como formas de vida.
110
almas magoadas. As vagas fremiam num fraco lamento
184
, e os ventos que as encrespavam,
empurravam-nas quase a tocar a margem onde nos sent
111
casa; e a mãe, que veio abrir a porta, agradeceu-me pela dedicação que eu votava a sua
desventurada filha. Quando fiquei só, percebi que eu ainda tinha nas mãos o lenço dela:
– Amanhã lho darei, disse eu.
Seus tormentos começavam a mitigar, e eu talvez é verdade... eu não podia
dar-te o teu Eugênio, mas eu seria para ti esposo, pai, irmão. Os meus concidadãos
112
11
Terceira e última carta de um dia especial para Jacopo. Ele conta para Lorenzo o
que aconteceu na noite anterior: um encontro com Teresa, que confessa seu amor por
Jacopo, e o primeiro beijo. Esse encontro inicia-se com o aparecimento de Vênus
(descrito na primeira carta), astro da noite e do amor, e termina com a despedida de
Teresa, e o desaparecimento de Vênus.
Foscolo parafraseia, nesta carta, versos seus e de Dante, e utiliza as palavras de
Júlia, personagem da Nova Heloísa, de Rousseau. A partir desta carta, e com o retorno
iminente de Odoardo, aumenta o sofrimento de Jacopo.
113
14 Maggio, a sera
O quante volte ho ripigliato la penna, e non ho potuto continuare: mi sento un
po' calmato e torno a scriverti. Teresa giacea sotto il gelso ma e che posso dirti che
non sia tutto racchiuso in queste parole? Vi amo. A queste parole tutto ciò ch'io vedeva
mi sembrava un riso dell'universo: io mirava con occhi di riconoscenza il cielo, e mi
parea ch'egli si spalancasse per accoglierci! deh! a che non venne la morte? e l'ho
invocata. Sì; ho baciato Teresa; i fiori e le piante esalavano in quel momento un odore
soave; le aure erano tutte armonia; i rivi risuonavano da lontano; e tutte le cose
s'abbellivano allo splendore della Luna che era tutta piena della luce infinita della
Divinità. Gli elementi e gli esseri esultavano nella gioja di due cuori ebbri di amore – ho
baciata e ribaciata quella mano e Teresa mi abbracciava tutta tremante, e trasfondea i
suoi sospiri nella mia bocca, e il suo cuore palpitava su questo petto: mirandomi co' suoi
grandi occhi languenti, mi baciava, e le sue labbra umide, socchiuse mormoravano su le
mie ahi! che ad un tratto mi si è staccata dal seno quasi atterrita: chiamò sua sorella e
s'alzò correndole incontro. Io me le sono prostrato, e tendeva le braccia come per
afferrar le sue vesti – ma non ho ardito di rattenerla, né richiamarla. La sua virtù – e non
tanto la sua virtù, quanto la sua passione, mi sgomentava: sentiva e sento rimorso di
averla io primo eccitata nel suo cuore innocente. Ed è rimorso rimorso di tradimento!
Ahi mio cuore codardo! Me le sono accostato tremando. Non posso essere vostra
mai! e pronunciò queste parole dal cuore profondo e con una occhiata con cui parea
rimproverarsi e compiangermi. Accompagnandola lungo la via, non mi guardò più;
io avea più cuore di dirle parola. Giunta alla ferriata del giardino mi prese di mano la
Isabellina e lasciandomi: Addio, diss'ella; e rivolgendosi dopo pochi passi, – addio.
Io rimasi estatico: avrei baciate l'orme de' suoi piedi: pendeva un suo braccio, e i
suoi capelli rilucenti al raggio della Luna svolazzavano mollemente: ma poi, appena
appena il lungo viale e la fosca ombra degli alberi mi concedevano di travedere le
ondeggianti sue vesti che da lontano ancor biancheggiavano; e poiché l'ebbi perduta,
tendeva l'orecchio sperando di udir la sua voce. E partendo, mi volsi con le braccia
aperte, quasi per consolarmi, all'astro di Venere: era anch'esso sparito.
114
14 de maio, à noite
Oh quantas vezes retomei a pena, e não pude continuar: sinto-me um pouco mais
calmo agora e volto a escrever-te. Teresa estava deitada sob a amoreira... Que mais te
posso dizer que não esteja contido nestas palavras? Amo-o. Diante dessas palavras, tudo
o que eu via parecia-me um riso do universo
189
: eu mirava o céu com olhos de gratidão,
e parecia que ele descancarava-se para nos acolher! Deus! Por que a morte não vem
190
se eu a invoquei? Sim, beijei Teresa. As flores e as plantas exalavam naquele instante
uma suave fragrância; a aura soprava harmoniosa; os riachos ressoavam ao longe; e
todas as coisas eram mais belas com o resplendor da Lua que se enchia da luz infinda da
Divindade. Os elementos e os seres exultavam na alegria de dois corações ébrios de
amor. Beijei e tornei a beijar aquela mão... e Teresa me abraçava trêmula, infundindo
seus suspiros em minha boca; e, o coração dela palpitava sobre o meu peito
191
.
Olhando-me com seus grandes olhos lânguidos, beijava-me, e seus lábios úmidos,
entreabertos, murmuravam nos meus ai! de repente apartou-se do meu peito, quase
aterrorizada: chamou a irmã e levantou-se, correndo ao seu encontro. Prostrei-me diante
dela, estendia os braços como para agarrar-lhe o vestido. Mas não me atrevi a detê-la,
nem a chamá-la. A sua virtude não tanto a virtude, mas a paixão me perturbava: eu
sentia, e sinto ainda, o remorso de ter sido o primeiro a excitar seu coração inocente. E é
remorso... remorso de traição! Ah o meu coração cobarde! Acheguei-me a ela tremendo.
Não posso jamais ser sua!
192
pronunciou essas palavras do fundo do coração,
com um olhar que parecia censurar-se e compadecer-se de mim. Eu a acompanhei ao
longo do caminho, e ela não mais me olhou; nem eu tinha ânimo de proferir palavra. Ao
chegarmos à cerca do jardim, pegou Isabellina, que segurava a minha mão, e, deixando-
me:
– Adeus! disse, e voltando-se depois de poucos passos: Adeus!
Fiquei imóvel. Eu teria beijado as pegadas de seus pés; pendia um braço seu, e
os cabelos, que reluziam ao luar, esvoaçavam suavemente; mas depois, a alameda
189
Versos de Dante (“Paraíso”, XXVII, 4-5) já usados por Foscolo na ode Le Rimembranze, 55-6.
190
Le Rimembranze, 58.
191
Le Rimembranze, 52-4.
192
Júlia, personagem da Nova Heloísa, de Rousseau, escreve em uma carta: “Je ne serai jamais à vous.”
115
comprida e a sombra opaca das árvores mal deixavam-me entrever o seu vestido
ondulante, que de longe ainda branquejava; e quando a perdi de vista, apurei o ouvido
esperando ouvir-lhe a voz. Ao partir, voltei-me com os braços abertos, como para
consolar-me com Vênus: mas Vênus também havia desaparecido.
116
12
Esta carta, que aparece pela primeira vez na edição de 1802, mostra como se
acentuam o estado de inquietação e o sofrimento de Jacopo. A partir daqui, ele revelará
um estado de alma tempestuoso, que se reflete nas paisagens íngremes por onde ele
passa.
117
2 Giugno
Ecco tutto ne' suoi veri sembianti. Ahi! non sapeva che in me s'annidasse questa
furia che m'investe, m'arde, mi annienta, eppur non mi uccide. Dov'è la Natura? Dov'è la
sua immensa bellezza? Dov'è l'intreccio pittoresco de' colli ch'io contemplava dalla
pianura inalzandomi con l'immaginazione nelle regioni dei cieli? mi sembrano rupi nude
e non veggo che precipizj. Le loro falde coperte di ombre ospitali mi sono fatte nojose:
io vi passeggiava un tempo fra le ingannevoli meditazioni della nostra debole filosofia.
A qual pro se ci fanno conoscere le infermità nostre, né porgono i rimedj da risanarle? –
Oggi io sentiva gemere la foresta ai colpi delle scuri: i contadini atterravano i roveri di
duecento anni: – tutto père quaggiù!
Guardo le piante ch'una volta scansava di calpestare, e mi soffermo sovr'esse e le
strappo, e le sfioro gittandole fra la polvere rapita dai venti. Gemesse con me l'universo!
Sono uscito assai prima del Sole e correndo attraverso de' solchi, cercava nella
stanchezza del corpo qualche sopore a quest'anima tempestosa. La mia fronte era tutta
sudore, e il mio petto ansava con difficile anelito. Soffia il vento della notte e mi
scompiglia le chiome ed agghiaccia il sudore che grondavami dalle guance. Oh! da
quell'ora mi sento per tutte le membra un brivido, le mani fredde, le labbra livide, e gli
occhi erranti fra le nuvole della morte.
Almeno costei non mi perseguitasse con la sua immagine, ovunque io mi vada, a
piantarmisi faccia a faccia: perch'ella, o Lorenzo perch'ella mi move qui dentro un
terrore, una disperazione, una rabbia, una gran guerra e medito talor di rapirla e di
strascinarla con me nei deserti lungi dalla prepotenza degli uomini. – Ahi sciagurato! mi
percuoto la fronte e bestemmio – partirò.
118
2 de junho
Agora tudo está claro. Ai! não sabia que em mim se abrigava esta fúria que me
agride, me inflama, aniquila, e que, todavia, não me destrói. Onde está a Natureza?
Onde está sua imensa beleza? Onde está o pitoresco encontro das colinas que eu, ao
contemplá-lo da planície, elevava-me com a imaginação às regiões celestes? Parecem-
me agora calvos penhascos e não vejo senão precipícios. Suas faldas cobertas de
sombras hospitaleiras tornaram-se entediantes: outrora, eu passeava por ali entre as
enganosas meditações de nossa débil filosofia. Para que nos revelam nossas
enfermidades, se não nos mostram os remédios para curá-las? – Hoje eu ouvia a floresta
gemer aos golpes dos machados: os camponeses punham por terra carvalhos de
duzentos anos: tudo perece cá embaixo!
193
Olho as plantas que outrora evitava pisar, e paro sobre elas e as arranco, e as
destruo jogando-as ao pó arrastado pelos ventos. Geme comigo o universo!
Saí muito antes do Sol e correndo pelas valetas, buscava no cansaço do corpo
algum sopor para esta alma tempestuosa. Minha testa estava banhada de suor, e meu
peito arfava com difícil alento. O vento da noite sopra, desarranjando-me os cabelos e
regelando o suor que escorria de minhas faces. Oh! desde então, passei a sentir calafrios
por todos os membros, as mãos geladas, os lábios lívidos, e os olhos errantes entre as
nuvens da morte.
Se ao menos sua imagem o me perseguisse! Onde quer que eu vá, vejo-a na
minha frente: porque ela, Lorenzo... porque ela me causa terror, desespero, raiva e um
grande conflito. Às vezes penso em raptá-la e arrastá-la comigo pelos desertos, longe da
prepotência dos homens. – Ai, infeliz! Bato na fronte e blasfemo: partirei.
193
Verso de V. Monti (Pensieri d’amore, X, 1).
119
13
Depois da carta do dia 2 de junho (traduzida anteriormente), inicia-se a
intervenção do amigo Lorenzo. Assim, Foscolo passa a se envolver nos acontecimentos,
emitindo opiniões por meio de uma terceira pessoa, Lorenzo, testemunha indireta do
que será narrado a partir desta carta.
Num momento de extremo desespero para Jacopo, Foscolo cita uma cena do
Saul, de Alfieri. Nessa tragédia, a personagem central, sofre sem remédio e acaba sendo
levada ao suicídio. Seu estado, portanto, assemelha-se muito ao de Jacopo. Foscolo,
mais uma vez, utiliza um paralelo literário, muito bem escolhido, para ilustrar aquilo
que está acontecendo.
194
194
Cf. G. D. Bonino, in Foscolo, 1986, p. 166.
120
Lorenzo
A chi legge
Tu forse, o Lettore, ti se' fatto amico di Jacopo, e brami di sapere la storia della
sua passione; onde io per narrartela andrò quindi innanzi interrompendo la serie delle
sue lettere.
La morte di Lauretta esacerbò la sua malinconia fatta ancora più nera per
l'imminente ritorno di Odoardo. Diradò le sue visite in casa T***, e non parlava con
anima nata. Dimagrato, sparuto, con gli occhi incavati, ma spalancati e pensosi, la
voce cupa, i passi tardi, andava per lo più inferrajuolato, senza cappello, e con le
chiome giù per la faccia; vegliava le notti intere girando per le campagne, e il giorno fu
spesso veduto dormire sotta qualche albero.
In questa, tornò Odoardo in compagnia di un giovine pittore che ripatriava da
Roma. Quel giorno stesso incontrarono Jacopo. Odoardo gli si fe' incontro
abbracciandolo; Jacopo quasi sbigottito si arretrò. Il pittore gli disse che avendo udito
a parlare di lui e dell'ingegno suo, da gran tempo bramava di conoscerlo di persona.
Ei lo interruppe: Io? io, signor mio, non ho mai potuto conoscere me medesimo negli
altri mortali; però non credo che gli altri possano mai conoscere se medesimi in me. Gli
domandarono interpretazione di ambigue parole; ed ei per tutta risposta si ravvolse
nel suo tabarro, si cacciò fra gli alberi; e sparì. Odoardo si dolse di questo contegno
col padre di Teresa, il quale già incominciava a temere della passione di Jacopo.
Teresa dotata di una indole meno risentita, ma passionata ed ingenua; propensa
a una affettuosa malinconia, priva nella solitudine d'ogni altro amico di cuore, nell'età
in cui parla in noi la dolce necessità di amare e di essere riamati, incominciò a
confidare a Jacopo tutta l'anima sua, e a poco a poco se ne innamorò; ma non ardiva
confessarlo a se stessa: e dopo la sera di quel bacio viveva assai riservata, sfuggendo
l'amante, e tremando alla presenza del padre. Allontanata da sua madre, senza
consiglio e senza conforto, atterrita dal suo stato futuro, e dalla virtù e dall'amore,
diventò solitaria, non parlava quasi mai, leggeva sempre, trascurava e il disegno, e la
sua arpa, e il suo abbigliamento, e fu spesso sorpresa dai famigliari con le lagrime agli
occhi. Scansava la compagnia delle giovinette sue amiche che a primavera
villeggiavano a' colli Euganei; e dileguandosi a tutti e alla sua sorellina, sedeva molte
ore ne' luoghi più appartati del suo giardino. Regnava quindi in quella casa un silenzio
e una certa diffidenza che turbarono lo sposo trafitto anche da' modi sdegnosi di
121
Jacopo incapace di simulazione. Naturalmente parlava con enfasi; e sebbene
conversando fosse taciturno, fra' suoi amici era loquace, pronto al riso, e ad una
allegria schietta, eccessiva. Ma in que' giorni le sue parole ed ogni suo atto erano
veementi e amari come l'anima sua. Istigato una sera da Odoardo che giustificava il
trattato di Campo Formio, si diede a disputare, a gridare come un invasato, a
minacciare, a percuotersi la testa, e a piangere d'ira. Avea sempre un'aria assoluta; ma
il signore T*** mi raccontava che allora o stava sepolto ne' suoi pensieri, o se
discorreva, s'infiammava d'improvviso; i suoi occhi metteano paura, e talvolta fra il
discorso gli abbassava inondati di pianto. Odoardo si fe' più circospetto, e sospettò del
cangiamento di Jacopo.
Così passò tutto Giugno. Il misero giovine diveniva ogni più tetro ed infermo;
scriveva più alla sua famiglia, rispondeva alle mie lettere. Spesso fu veduto da'
contadini cavalcare a briglia sciolta per luoghi scoscesi, e in mezzo alle fratte e a
traverso de' fossi, ed è maraviglia com'ei non sia pericolato. Una mattina il pittore
stando a ritrarre la prospettiva de' monti, udì la sua voce fra il bosco: gli si accostò di
soppiatto, e intese ch'ei declamava una scena del Saule. Allora gli riuscì di disegnare il
ritratto dell'Ortis, che sta in fronte a questa edizione, appunto quand'ei si soffermava
pensoso dopo avere proferito que' versi dell'atto I, scena I.
... Precipitoso
Già mi sarei fra gl'inimici ferri
Scagliato io da gran tempo; avrei già tronca
Così la vita orribile ch'io vivo.
Poi lo vide arrampicarsi sino alla cima della montagna, guardare all'ingiù
risolutamente con le braccia aperte, e tutto ad un tratto arretrarsi esclamando: O
madre mia!
Una domenica rimase a desinare in casa T***. Pregò Teresa perché suonasse, e
le porse l'arpa egli stesso. Mentr'ella incominciava, entrò suo padre e le s'assise da
canto. Jacopo pareva inondato da una dolce mestizia e il suo aspetto si andava
rianimando; ma a poco a poco chinò la testa, e ricadde in una malinconia più
compassionevole di prima. Teresa lo sogguardava e sforzavasi di reprimere il pianto:
Jacopo se n'avvide, potendosi contenere, s'alzò e partì. Il padre intenerito si voltò a
Teresa dicendole: O figlia mia, tu vuoi dunque precipitare teco noi tutti? A queste
122
parole le sgorgarono d'improvviso le lagrime; si gittò fra le braccia di suo padre, e gli
confessò. In questa entrava Odoardo; e la subita partenza di Jacopo, e l'atteggiamento
di Teresa, e il turbamento del signore T*** lo raffermarono ne' suoi dubbj. Queste cose
le ho udite dalla bocca di Teresa.
Il seguente, che fu la mattina de' 7 luglio, Jacopo andò da Teresa, e vi trovò
lo sposo, e il pittore che le faceva il ritratto nuziale. Teresa confusa e tremante uscì in
fretta come per badare a qualche cosa di cui si era dimenticata; ma passando davanti a
Jacopo gli disse ansiosamente sottovoce: Mio padre sa tutto. Ei non fe' motto né cambiò
viso; passeggiò tre o quattro volte su e giù per la stanza, ed uscì. Per tutto quel giorno
non si lasciò vedere ad uomo vivente. Michele che lo aspettava a desinare, ne cercò
invano. Non si ridusse a casa che a mezzanotte suonata. Si sdrajò vestito sul letto, e
mandò a dormire il ragazzo. Poco dopo s'alzò e scrisse.
123
Lorenzo
Ao leitor
Talvez, Leitor, tenhas te tornado amigo de Jacopo, e desejes saber a história
de sua paixão; por isso, para narrá-la, interromperei, de agora em diante, a seqüência
das cartas.
A morte de Lauretta
195
aumentou a melancolia de Jacopo; uma melancolia
ainda mais enegrecida pelo iminente retorno de Odoardo. Ele diminuiu as visitas à
casa do Senhor T***, e não falava com vivalma. Emagrecido, definhando, com os
olhos fundos, mas arregalados e pensativos, a voz cavernosa, os passos lentos,
costumava andar encapotado, sem chapéu, e com os cabelos cdos sobre o rosto;
velava as noites
196
inteiras vagando pelos campos, e de dia fora visto várias vezes
dormindo debaixo de alguma árvore.
Entretanto Odoardo voltou em companhia de um jovem pintor que
regressava de Roma. Naquele mesmo dia encontraram Jacopo. Odoardo foi ao seu
encontro e o abrou; Jacopo, quase desconcertado, recuou. O pintor disse-lhe que
tendo ouvido falar dele e de seu engenho, havia muito tempo desejava conhe-lo
pessoalmente.
Ele o interrompeu:
Eu? Eu, meu senhor, nunca pude reconhecer-me nos outros mortais; porém,
não creio que os outros possam se reconhecer em mim.
Perguntaram-lhe a interpretação de palavras tão ambíguas; e sua única
resposta foi envolver-se no capote, e desaparecer entre as árvores. Odoardo se queixou
dessa atitude com o pai de Teresa, o qual começava a desconfiar da paixão de
Jacopo.
Teresa, dotada de uma índole menos ressentida mas apaixonada e ingênua,
propensa a uma afetuosa melancolia, privada na solidão de qualquer amigo íntimo, na
idade em que fala dentro de nós a doce necessidade de amar e de ser amado –, passou
a confiar toda sua alma a Jacopo. E, pouco a pouco, apaixonou-se; mas não ousava
confessá-lo a si mesma: e, depois da tarde daquele beijo, passou a ficar muito
195
Cf. carta de 25 de maio de 1798.
196
Álvares de Azevedo, “Lembrança de morrer”, V: “Que eu sentia velar nas noites minhas”.
124
reservada, evitando o amado, e tremendo à presença do pai. Afastada da mãe, sem
conselho e sem conforto, aterrorizada pelo futuro, pela virtude e pelo amor, tornou-se
solitária; falava pouco, lia constantemente; descuidou-se do desenho, da harpa, das
roupas, e era freqüentemente surpreendida pelos criados com lágrimas nos olhos.
Evitava a companhia das jovenzinhas que, na primavera, passavam as férias nas
colinas Eugâneas; e sumindo da presença de todos e da irmãzinha, sentava muitas
horas nos lugares mais ermos do jardim. Reinava, então, naquela casa um silêncio e
uma certa desconfiança que perturbaram o noivo, ofendido também pelos modos
desdenhosos de Jacopo, incapaz de simular. Era naturalmente enfático; e apesar de ser
taciturno nas conversas, entre os amigos era loquaz, pronto ao riso, e para uma alegria
franca e excessiva. Mas, naqueles dias, suas palavras e todos os seus atos eram
veementes e amargos como sua alma. Instigado uma noite por Odoardo, que justificava
o tratado de Campofórmio
197
, deu-se a discutir, a gritar como um possuído, a fazer
ameaças, a bater na cabeça, e a chorar de raiva. Tinha sempre um ar autoritário, mas
o senhor T*** contou-me que, ou ficava enterrado nos seus pensamentos, ou, se
discorria, inflamava-se de repente; seus olhos davam medo, e, às vezes, enquanto
falava, abaixava-os inundados de lágrimas. Odoardo tornou-se mais circunspecto, e
suspeitou da transformação de Jacopo.
Assim passou o mês de junho. O mísero jovem tornava-se cada vez mais tétrico e
enfermo; não escrevia mais para a família, nem respondia às minhas cartas. Era visto
com freqüência pelos camponeses a cavalgar com a rédea solta por lugares
íngremes
198
, em meio às escarpas e através de fossos; é um milagre que não tenha
despencado. Certa manhã, o pintor estava a retratar a perspectiva dos montes, e ouviu
a voz de Jacopo que vinha do bosque: aproximou-se às escondidas, e ouviu-o declamar
uma cena de Saul
199
. Foi então que conseguiu pintar o retrato de Ortis estampado nesta
edição [FIGURA 3]
200
, justamente quando ele hesitava pensativo depois de ter
declamado aqueles versos do ato II, cena I
201
.
197
É característica de Jacopo discutir política ou outros assuntos sobre a sociedade num tom exasperado.
198
Nas paisagens mais íngremes, Jacopo vazão às suas paixões. Isso aparecerá com freqüência nas
cartas seguintes.
199
Foscolo cita Alfieri também em outras cartas, e nos Sepolcri.
200
O retrato de Foscolo é o que aparece estampado nas edições das Lettere.
201
Na versão eletrônica e na Edição Newton está “ato I”. O certo é “ato II”.
125
... Precipitado,
Há muito tempo, às armas inimigas
Ter-me-ia arremessado, interrompendo
A horrível existência que carrego
202
.
Depois o viu subir até ao cume da montanha, olhar para baixo resolutamente com os
braços abertos, e, de repente, recuar exclamando: “Oh, minha mãe!”
Certo domingo, ficou para almoçar na casa do Senhor T***. Rogou a Teresa
que tocasse a harpa, que ele mesmo lhe estendeu. Enquanto ela começava, o pai entrou
e sentou-se ao lado dela. Jacopo parecia inundado por uma doce tristeza e seu aspecto
ia se animando; mas, aos poucos foi baixando a cabeça, e recaiu numa melancolia
mais condoída do que antes. Teresa o olhava de soslaio e esforçava-se para reprimir o
pranto. Jacopo, ao perceber, não podendo conter-se, levantou-se e partiu. O pai,
enternecido, voltou-se para Teresa e lhe disse:
— Oh, minha filha, queres, então, arrastar-nos a todos para a desgraça?
Diante dessas palavras, brotavam-lhe repentinamente as lágrimas; atirou-se aos
braços do pai, e confessou-lhe. Nesse momento, entrava Odoardo: a súbita partida de
Jacopo, o comportamento de Teresa, e a perturbação do senhor T*** confirmaram as
dúvidas que ele alimentava. Essas coisas, ouvi da boca de Teresa.
No dia seguinte, na manhã de 7 de julho, Jacopo foi à casa de Teresa, e, lá,
encontrou o noivo dela junto ao pintor que lhe fazia o retrato nupcial. Teresa, confusa e
trêmula, saiu apressada como se tivera de cuidar de alguma coisa da qual se
esquecera; mas ao passar por Jacopo, disse-lhe ansiosamente em voz baixa:
Meu pai sabe de tudo.
Ele não se moveu nem mudou o semblante; deu três ou quatro voltas pela sala, e
saiu. Durante todo aquele dia, não se deixou ver por ninguém. Michele, que o esperava
para almoçar, procurou por ele em vão. voltou para casa depois de soar a meia-
noite. Deitou-se no leito, vestido, e mandou o moço dormir. Pouco depois, levantou-se e
escreveu.
202
V. Alfieri, Saul, II, I, 31-34.
126
14
Jacopo tornava-se cada vez mais triste, e acabou adoecendo. O pai de Teresa foi
visitá-lo, e quis convencê-lo a se afastar das Colinas. Poucos dias depois, Jacopo partiu.
Devido sobretudo a esse afastamento, e também ao que foi narrado no final da
carta de 2 junho, o adeus de Teresa, ele dá-se conta de que não mais poderá tê-la. Resta
nele o sentimento de perda: constatação de um vazio definitivo e irremediável.
A partir desta carta até o fim da primeira parte do romance, a correspondência
segue em fragmentos. Essa fragmentação, cheia de lacunas, de vazios, reflete o próprio
vazio que ele estava sentindo.
127
Rovigo, 20 Luglio
Io la mirava e diceva a me stesso: Che sarebbe di me se non potessi vederla più?
e correva a piangere meco di consolazione sapendo ch'io le era vicino - e adesso?
Cos'è più l'universo? qual parte mai della terra potrà sostenermi senza Teresa? e
mi pare di esserle lontano sognando. Ho avuto io tanta costanza? e m'è bastato il cuore
di partire così - senza vederla? né un bacio, né un unico addio! A minuto a minuto credo
di trovarmi alla porta della sua casa, e di leggere nella mestizia del suo volto, che
m'ama. Fuggo; e con che velocità ogni minuto mi porta ognor più lontano da lei. E
intanto? quante care illusioni! ma io l'ho perduta. Non so più obbedire alla mia
volontà, alla mia ragione, al mio cuore sbalordito: mi lascierò strascinare dal
braccio prepotente del mio destino. Addio.
128
Rovigo, 20 de julho
Eu a observava e dizia a mim mesmo: o que seria de mim se não pudesse mais
vê-la? E corria a chorar, mas me consolava saber que estava perto dela. Mas, e agora?
O que é o universo ainda? Que parte da terra poderá manter-me sem Teresa? E
me parece que estou longe dela, sonhando. E eu, que tanta constância tive, como pude
partir assim sem vê-la? sem um beijo? sem um único adeus? A cada minuto creio
encontrar-me à porta de sua casa, e ler na tristeza de seu rosto, que me ama. Fujo, e com
que velocidade cada minuto me leva para mais longe dela! E enquanto isso? quanta
ilusão me afagava! mas, eu... fui eu que a perdi. Não sei mais obedecer nem à minha
vontade, nem à minha razão, nem ao meu coração aturdido: deixar-me-ei arrastar pelo
braço prepotente do meu destino. Adeus.
203
203
Note-se a semelhança desta passagem com os versos do poema “Ainda uma vez – Adeus!” de
Gonçalves Dias: “Tantos encantos me tinham / Tanta ilusão me afagava / De noite, quando acordava,
/ De dia em sonhos talvez! (XI) [...] / Pensar eu que o teu destino / Ligado ao meu, outro fora, [...] /
Pensar que a tua ventura / Deus ab eterno a fizera / No meu caminho a pusera... / e eu! Fui eu que a
não quis! (XIV).” E o restante da carta se parece com estes versos: “Pensar eu que o teu destino /
ligado ao meu outro fora (XIV) [...] / Adeus qu’eu parto, senhora (XVII).”
129
15
Segunda Parte
Depois que Jacopo deixou as Colinas Eugâneas, viajou para outras cidades. Essa
viagem corresponde aos deslocamentos do próprio Foscolo, feitos durante os anos
tumultuados das sucessivas edições das Ultime lettere. No entanto, no romance essa
peregrinação torna-se uma viagem sem rumo para o protagonista.
Nesta terceira carta da segunda parte, Jacopo encontra-se em Bolonha, cidade na
qual Foscolo viveu e combateu contra os austríacos, de novembro de 1798 a abril de
1799, época da primeira edição parcial das Ultimas lettere. Depois disso, Foscolo, assim
como Jacopo, partirá para Florença.
Jacopo sente-se mal em Bolonha, em meio aos muitos indigentes que encontra
por lá. Aproveita-se disso para criticar a justiça da época.
130
Bologna, 12 Agosto
Oramai sono passati diciotto giorni da che Michele è ripartito per le poste,
torna ancora: e non veggo tue lettere. Tu pure mi lasci? Per Dio, scrivimi almeno:
aspetterò sino a lunedì, e poi prenderò la volta di Firenze. Qui tutto il giorno sto in casa
perché non posso vedermi impacciato fra tanta gente; e la notte vo baloccone per città
come larva, e mi sento sbranare le viscere da tanti indigenti che giacciono per le strade,
e gridano pane; non so se per loro colpa, o d'altri so che domandano pane. Oggi
tornandomi dalla posta mi sono abbattuto in due sciagurati menati al patibolo: ne ho
chiesto a quei che mi si affollavano addosso; e mi è stato risposto, che uno avea rubato
una mula, e l'altro cinquantasei lire per fame. Ahi Società! E se non vi fossero leggi
protettrici di coloro che per arricchire col sudore e col pianto de' proprj concittadini li
sospingo al bisogno e al delitto, sarebbero poi necessarie le prigioni e i carnefici? Io
non sono matto da presumere di riordinare i mortali; ma perché mi si contenderà di
fremere su le loro miserie e più di tutto su la lor cecità? E mi vien detto che non v'ha
settimana senza carneficina; e il popolo vi accorre come a solennità. I delitti intanto
crescono co' supplizj. No, no; non voglio più respirare quest'aria fumante sempre del
sangue de' miseri. – E dove?
131
Bolonha, 12 de agosto
Já faz dezoito dias que Michele saiu para a posta
204
, e ainda não voltou. Por isso,
não vejo tuas cartas. Tu também me deixas? Por Deus, escreva-me ao menos: esperarei
até segunda, e depois partirei para Florença. Aqui, durante o dia fico em casa, porque
não posso ver-me constrangido em meio a tanta gente; à noite, vou vagando pela cidade
como um espectro
205
, e me dilacera as vísceras ver tantos indigentes que jazem pelas
ruas clamando pelo pão; não sei se por culpa deles, ou de outros – sei apenas que pedem
pão. Hoje, ao voltar da posta, deparei-me com dois miseráveis sendo conduzidos ao
patíbulo: perguntei àqueles que se aglomeravam em volta de mim, e me foi respondido
que um havia roubado uma mula, e o outro, cinqüenta e seis liras para comprar algo de
comer
206
. Ai, Sociedade! Se não houvesse leis para proteger os que se enriquecem com
o suor e o pranto dos concidadãos, impelindo-os à necessidade e ao delito, seriam
necessárias as prisões e os carrascos? Não sou louco o bastante para pretender reordenar
os mortais; mas porque me censuram se estremeço diante de suas misérias e, sobretudo,
diante de sua cegueira? E dizem-me que não há semana sem carnificina; e o povo acorre
como para uma solenidade. Enquanto isso, com os suplícios os delitos aumentam.
Não, não; não quero mais respirar este ar que exala continuamente o sangue dos
miseráveis. Mas aonde ir?
204
Postano original, homônimo em português. Estações das estradas para a troca de cavalo, ou o
correio.
205
Larvano original. Termo antigo, também existente em português, que tem o sentido aproximado de
“alma penada”. Foscolo, Sepolcri, 206 (larve guerriere, “fantasmas dos heróis”).
206
“No início, esta narração parecia-me exagerada pela imaginação consternada de Jacopo; mas depois vi
que no Estado Cisalpino não havia leis criminais. Julgava-se com as leis dos governos caídos; e em
Bolonha com os decretos férreos dos Cardeais, que ameaçavam de morte todo furto qualificado acima
de cinqüenta e duas liras. Mas os Cardeais mitigavam quase sempre a pena; o que não pode ser
concedido a tribunais da República, executores necessariamente inflexíveis das leis: assim, muitas
vezes, a Justiça impassível é mais funesta do que a Eqüidade arbitrária.” [N. F.]
132
16
Termina aqui a narrativa da viagem de Jacopo pela Toscana. Em carta anterior
(27 de agosto) ele descreve a visita à igreja de Santa Croce e o desejo de conhecer
Alfieri, que residia na cidade desde 1792. Essas cartas também refletem as experiências
de Foscolo na Toscana, onde combateu como soldado, entre julho e novembro de 1800.
Nesta carta de 25 de setembro, Foscolo trata do problema nacional, mostrando
duas pátrias em contraste: a Toscana, idealizada, de quatro séculos antes: terra
abençoada pelas Musas e pelas Letras; e a terra sem pátria, na qual Jacopo “errante pela
Itália morta, já pronto para o suicídio, se alegra ao ver a Toscana”
207
.
207
M. Fubini, 1931, p. 72.
133
Firenze, 25 Settembre
In queste terre beate si ridestarono dalla barbarie le sacre Muse e le lettere.
Dovunque io mi volga, trovo le case ove nacquero, e le pie zolle dove riposano que'
primi grandi Toscani: ad ogni passo ho timore di calpestare le loro reliquie. La Toscana
è tuttaquanta una città continuata, e un giardino; il popolo naturalmente gentile; il cielo
sereno; e l'aria piena di vita e di salute. Ma l'amico tuo non trova requie: spero sempre –
domani, nel paese vicino e il domani viene, ed eccomi di città in c
134
minacciosa e spaventata. E mi parea che salissero e scendessero dalle vie dirupate della
montagna le ombre di tutti que' Toscani che si erano uccisi; con le spade e le vesti
insanguinate; guatarsi biechi, e fremere tempestosamente, e azzuffarsi e lacerarsi le
antiche ferite. O! per chi quel sangue? il figliuolo tronca il capo al padre e lo squassa
per le chiome – e per chi tanta scellerata carnificina? I re per cui vi trucidate si stringono
nel bollor della zuffa le destre e pacificamente si dividono le vostre vesti e il vostro
terreno. – Urlando io fuggiva precipitosamente guatandomi dietro. E quelle orride
fantasie mi seguitavano sempre e ancora quando io mi trovo solo di notte mi sento
attorno quegli spettri, e con essi uno spettro più tremendo di tutti, e ch'io solo conosco. –
E perché io debbo dunque, o mia patria, accusarti sempre e compiangerti, senza niuna
speranza di poterti emendare o di soccorrerti mai?
135
Florença, 25 de setembro
Nestas terras abençoadas, despertaram da barbárie as sagradas Musas e as letras.
Para onde quer que eu me dirija, encontro as casas onde nasceram e a pia terra onde
repousam aqueles primeiros ilustres Toscanos: a cada passo temo pisar as suas relíquias.
Toda a Toscana é uma cidade
208
contínua, e um jardim; o povo naturalmente gentil; o
céu sereno; e o ar pleno de vida e de saúde
209
. Mas o teu amigo não encontra paz: espero
sempre amanhã, na cidade vizinha e o amanhã chega, e aqui estou, de cidade em
cidade, sentindo cada vez mais o peso deste estado de exílio e de solidão. Nem ao
menos me permitem seguir viagem: tinha decidido ir a Roma, para me prostrar diante
das relíquias de nossa grandeza. Negam-me o passaporte
210
; aquele enviado por minha
mãe é para Milão: e aqui, como se eu tivesse vindo para conspirar, rodearam-me com
mil perguntas; não estarão errados, mas minha resposta será minha partida, amanhã.
Assim nós italianos somos todos foragidos e estrangeiros na própria Itália; e mal nos
distanciamos de nosso pequeno território, nem o engenho, nem a fama, nem os nossos
ilibados costumes nos servem de escudo: e pobre daquele que tentar mostrar um
pouco
211
sequer de sublime coragem! Banidos de nossas portas, não encontramos quem
nos recolha. Espoliados por uns, ridicularizados por outros, traídos sempre por todos,
abandonados por nossos próprios concidadãos, que, em vez de se compadecerem da
calamidade mútua e de se socorrerem uns aos outros, vêem como bárbaro todo Italiano
que não seja da província deles, e em cujos membros não soam as mesmas correntes.
Responda-me, Lorenzo, qual refúgio nos resta? Nossas messes enriqueceram nossos
dominadores; mas nossas terras não fornecem nem teto, nem pão aos tantos italianos
que a revolução arremessou para longe da terra natal; e que, definhados pela fome e
pelo cansaço, dão ouvidos ao único e supremo conselheiro do homem abandonado
pela natureza inteira: o delito! Para nós, então, qual refúgio nos resta, a não ser o deserto
e a tumba? e a vileza! E o que mais se avilta, talvez seja o que viva melhor; mas,
208
Dei Sepolcri, 165-172.
209
L’aria piena di vita e di salute”, verso do poeta Galeazzo di Tarsia (c. 1520 – 1553) [N. F.].
210
Passaporte necessário para passar do Grão-ducado da Toscana aos Estados Pontifícios.
211
No original Una dramma”, equivale a uma medida de peso grega, que corresponde a pouco mais de
dois gramas. Foscolo, 1981, p. 124.
136
envergonhado de si mesmo, e escarnecido pelos mesmos tiranos a quem se vende, e
pelos quais será um dia vendido.
Percorri toda a Toscana. Todos os montes e todos os campos são célebres pelas
batalhas entre irmãos de quatro séculos atrás. Entretanto, os cadáveres de incontáveis
italianos que se mataram entre si formaram os alicerces dos tronos dos Imperadores e
dos Papas. Subi a Monteaperto onde é ainda infame a memória da derrota dos
guelfos
212
. Mal surgira o crepúsculo da manhã, e naquele triste silêncio, naquela fria
escuridão, com a alma possuída por todas as antigas e cruéis desventuras que dilaceram
nossa pátria, ó, meu Lorenzo, senti calafrios e arrepiar os cabelos; do alto, eu gritava
com a voz cheia de ameaças e de tremores. E me parecia que subiam e desciam da
montanha, por caminhos íngremes, as sombras de todos aqueles Toscanos mortos entre
si; tinham as espadas e as roupas ensangüentadas; olhavam-se de través, e fremiam
tempestuosamente, a bater-se e a lacerar as antigas feridas
213
. Oh, para quem aquele
sangue? O filho corta a cabeça do pai e a agita segurando pelos cabelos. Para quem
aquela celerada carnificina? Os reis, por quem vos trucidais, no fervor da batalha
apertam-se as mãos e pacificamente dividem entre si as vossas roupas e a vossa terra.
Eu fugi precipitadamente, gritando e olhando para trás. Aquelas hórridas fantasias me
perseguiam sempre e ainda hoje, quando me encontro sozinho à noite, sinto aqueles
espectros em torno de mim. Mas com eles, encontra-se um espectro mais terrível ainda:
um que eu conheço
214
. Por que devo então, ó minha pátria, acusar-te sempre e
sempre compadecer-me de ti, se não tenho eu esperança alguma de corrigir-te nem
socorrer-te?
212
“Dante alude a essa batalha no Canto X do Inferno [vv. 85-87]. Talvez esses versos tenham dado a
Ortis a idéia de visitar Monteaperto. Porém, o leitor pode encontrar dados mais concretos nas
Crônicas de G. Villani, livro IV, 83.” [N. F.] [Trata-se, na verdade, do Livro VI, 79.]
213
Dei Sepolcri, 201-212.
214
Refere-se a uma pessoa que morreu atropelada por ele. Esse acontecimento será narrado na carta de 14
de março de 1799.
137
17
Dentre as cartas enviadas de Milão, nas quais Jacopo discute principalmente a
situação política da época, a carta do dia 4 de dezembro de 1798 é marcada sobretudo
pelo diálogo com o poeta Parini (já idoso e que morrerá em 1799). Esta carta foi
acrescentada ao romance na edição de 1816.
Jacopo, indignado, começa descrevendo a situação da pátria, liberta do domínio
austríaco mas submetida ao jugo francês. Sentindo-se um estrangeiro em seu próprio
país, começa a refletir sobre a morte, a que chama de “pátria de todos”, e sobre a Glória
terrena.
Depois, ocorre o encontro com Parini, que estimula o jovem a escrever em nome
da verdade: é um dos momentos mais altos do romance, uma exortação à literatura
como testemunho e empenho civil.
138
Milano, 4 dicembre 1798
Siati questa l'unica risposta a' tuoi consiglj. In tutti i paesi ho veduto gli uomini
sempre di tre sorta: i pochi che comandano; l'universalità che serve; e i molti che
brigano. Noi non possiam comandare, forse siam tanto scaltri; noi non siam ciechi,
vogliamo ubbidire; noi non ci degniamo di brigare. E il meglio è vivere come que'
cani senza padrone a' quali non toccano tozzi percosse. Che vuoi tu ch'io accatti
protezioni ed impieghi in uno Stato ov'io sono reputato straniero, e donde il capriccio di
ogni spia può farmi sfrattare? Tu mi esalti sempre il mio ingegno; sai tu quanto io
vaglio? più meno di ciò che vale la mia entrata: se per altro io non facessi il
letterato di corte, rintuzzando quel nobile ardire che irrita i potenti, e dissimulando la
virtù e la scienza, per non rimproverarli della loro ignoranza, e delle loro scelleraggini.
Letterati! O! tu dirai, così da per tutto. E sia così: lascio il mondo com'è; ma s'io
dovessi impacciarmente vorrei o che gli uomini mutassero modo, o che mi facessero
mozzare il capo sul palco; e questo mi pare più facile. Non che i tirannetti non si
avveggano delle brighe; ma gli uomini balzati da' trivj al trono hanno d'uopo di faziosi
che poi non possono contenere. Gonfj del presente, spensierati dell'avvenire, poveri di
fama, di coraggio e d'ingegno, si armano di adulatori e di satelliti, da' quali, quantunque
spesso traditi e derisi, non sanno più svilupparsi: perpetua ruota di servitù, di licenza e
di tirannia. Per essere padroni e ladri del popolo conviene prima lasciarsi opprimere,
depredare, e conviene leccare la spada grondante del tuo sangue. Così potrei forse
procacciarmi una carica, qualche migliajo di scudi ogni anno di più, rimorsi, ed infamia.
Odilo un'altra volta: Non reciterò mai la parte del piccolo briccone.
Tanto e tanto so di essere calpestato; ma almen fra la turba immensa de' miei
conservi, simile a quegli insetti che sono sbadatamente schiacciati da chi passeggia.
Non mi glorio come tanti altri della servitù; i miei tiranni si pasceranno del mio
avvilimento. Serbino ad altri le loro ingiurie e i lor beneficj; e' vi son tanti che pur vi
agognano! Io fuggirò il vituperio morendo ignoto. E quando io fossi costretto ad uscire
dalla mia oscurità anziché mostrarmi fortunato stromento della licenza o della
tirannide, torrei d'essere vittima deplorata.
Che se mi mancasse il pane e il fuoco, e questa che tu mi additi fosse l'unica
sorgente di vita cessi il cielo ch'io insulti alla necessità di tanti altri che non
potrebbero imitarmi davvero, Lorenzo, io me n'andrei alla patria di tutti, dove non vi
sono né delatori, né conquistatori, né letterati di corte, né principi; dove le ricchezze non
139
coronano il delitto; dove il misero non è giustiziato non per altro se non perché è
misero; dove un o l'altro verranno tutti ad abitare con me e a rimescolarsi nella
materia, sotterra.
Aggrappandomi sul dirupo della vita, sieguo alle volte un lume ch'io scorgo da
lontano e che non posso raggiungere mai. Anzi mi pare che s'io fossi con tutto il corpo
dentro la fossa, e che rimanessi sopra terra solamente col capo, mi vedrei sempre quel
lume sfolgorare sugli occhi. O Gloria! tu mi corri sempre dinanzi, e così mi lusinghi a
un viaggio a cui le mie piante non reggono più. Ma dal giorno che tu più non sei la mia
sola e prima passione, il tuo risplendente fantasma comincia a spegnersi e a barcollare
cade e si risolve in un mucchio d'ossa e di ceneri fra le quali io veggio sfavillar tratto
tratto alcuni languidi raggi; ma ben presto io passerò camminando sopra il tuo scheletro,
sorridendo della mia delusa ambizione. Quante volte vergognando di morire ignoto al
mio secolo ho accarezzato io medesimo le mie angosce mentre mi sentiva tutto il
bisogno e il coraggio di terminarle! avrei forse sopravvissuto alla mia patria, se non
mi avesse rattenuto il folle timore, che la pietra posta sopra il mio cadavere non
seppellisse ad un tempo il mio nome. Lo confesso; sovente ho guardato con una specie
di compiacenza le miserie d'Italia, poiché mi parea che la fortuna e il mio ardire
riserbassero forse anche a me il merito di liberarla. Io lo diceva jer sera al Parini
addio: ecco il messo del banchiere che viene a pigliar questa lettera; e il foglio tutto
pieno mi dice di finire. Pur ho a dirti ancora assai cose: protrarrò di spedirtela sino a
sabbato; e continuerò a scriverti. Dopo tanti anni di sì affettuosa e leale amicizia, eccoci,
e forse eternamente, disgiunti. A me non resta altro conforto che di gemere teco
scrivendoti; e così mi libero alquanto da' miei pensieri; e la mia solitudine diventa assai
meno spaventosa. Sai quante notti io mi risveglio, e m'alzo, e aggirandomi lentamente
per le stanze t'invoco! siedo e ti scrivo; e quelle carte sono tutte macchiate di pianto e
piene de' miei pietosi delirj e de' miei feroci proponimenti. Ma non mi il cuore
d'inviartele. Ne serbo taluna, e molte ne brucio. Quando poi il Cielo mi manda questi
momenti di calma, io ti scrivo con quanto più di fermezza mi è possibile per non
contristarti del mio immenso dolore. mi stancherò di scriverti; tutt'altro conforto è
perduto; tu, mio Lorenzo, ti stancherai di leggere queste carte ch'io senza vanità,
senza studio e senza rossore ti ho sempre scritto ne' sommi piaceri e ne' sommi dolori
dell'anima mia. Serbale. Presento che un ti saranno necessarie per vivere, almeno
come potrai, col tuo Jacopo.
140
Jer sera dunque io passeggiava con quel vecchio venerando nel sobborgo
orientale della città sotto un boschetto di tigli. Egli si sosteneva da una parte sul mio
braccio, dall'altra sul suo bastone: e talora guardava gli storpj suoi piedi, e poi senza dire
parola volgevasi a me, quasi si dolesse di quella sua infermità, e mi ringraziasse della
pazienza con la quale io lo accompagnava. S'assise sopra uno di que' sedili ed io con lui:
il suo servo ci stava poco discosto. Il Parini è il personaggio più dignitoso e più
eloquente ch'io m'abbia mai conosciuto; e d'altronde un profondo, generoso, meditato
dolore a chi non somma eloquenza? Mi parlò a lungo della sua patria, e fremeva e
per le antiche tirannidi e per la nuova licenza. Le lettere prostituite; tutte le passioni
languenti e degenerate in una indolente vilissima corruzione: non più la sacra ospitalità,
non la benevolenza, non più l'amore figliale e poi mi tesseva gli annali recenti, e i
delitti di tanti uomiciattoli ch'io degnerei di nominare, se le loro scelleraggini
mostrassero il vigore d'animo, non dirò di Silla e di Catilina, ma di quegli animosi
masnadieri che affrontano il misfatto quantunque e' si vedano presso il patibolo ma
ladroncelli, tremanti, saccenti più onesto insomma è tacerne. A quelle parole io
m'infiammava di un sovrumano furore, e sorgeva gridando: Ché non si tenta? morremo?
ma frutterà dal nostro sangue il vendicatore. Egli mi guarattonito: gli occhi miei in
quel dubbio chiarore scintillavano spaventosi, e il mio dimesso e pallido aspetto si
rialzò con aria minaccevole io taceva, ma si sentiva ancora un fremito rumoreggiare
cupamente dentro il mio petto. E ripresi: Non avremo salute mai? ah se gli uomini si
conducessero sempre al fianco la morte, non servirebbero vilmente. Il Parini non
apria bocca; ma stringendomi il braccio, mi guardava ogni ora più fisso. Poi mi trasse,
come accennandomi perch'io tornassi a sedermi: E pensi, tu, proruppe, che s'io
discernessi un barlume di libertà, mi perderei ad onta della mia inferma vecchiaja in
questi vani lamenti? o giovine degno di patria più grata! se non puoi spegnere quel tuo
ardore fatale, ché non lo volgi ad altre passioni?
Allora io guardai nel passato allora io mi voltava avidamente al futuro, ma io
errava sempre nel vano e le mie braccia tornavano deluse senza pur mai stringere nulla;
e conobbi tutta tutta la disperazione del mio stato. Narrai a quel generoso Italiano la
storia delle mie passioni, e gli dipinsi Teresa come uno di que' genj celesti i quali par
che discendano a illuminare la stanza tenebrosa di questa vita. E alle mie parole e al mio
pianto, il vecchio pietoso più volte sospirò dal cuore profondo. No, io gli dissi, non
veggo più che il sepolcro: sono figlio di madre affettuosa e benefica; spesse volte mi
sembrò di vederla calcare tremando le mie pedate e seguirmi fino a sommo il monte,
141
donde io stava per diruparmi, e mentre era quasi con tutto il corpo abbandonato nell'aria
– essa afferravami per la falda delle vesti, e mi ritraeva, ed io volgendomi non udiva più
che il suo pianto. Pure s'ella – spiasse tutti gli occulti miei guai, implorerebbe ella stessa
142
tiranno; e per pochi anni di possanza e di tremore, avresti perduta la tua pace, e confuso
il tuo nome fra la immensa turba dei despoti. – Ti avanza ancora un seggio fra' capitani;
il quale si afferra per mezzo di un ardire feroce, di una avidità che rapisce per
profondere, e spesso di una viltà per cui si lambe la mano che t'aita a salire. Ma o
figliuolo! l'umanità geme al nascere di un conquistatore; e non ha per conforto se non la
speranza di sorridere su la sua bara. –
Tacque ed io dopo lunghissimo silenzio esclamai: O Cocceo Nerva! tu almeno
sapevi morire incontaminato. Il vecchio mi guardò Se tu speri, temi fuori di
questo mondo e mi stringeva la mano ma io! Alzò gli occhi al Cielo, e quella
severa sua fisionomia si raddolciva di soave conforto, come s'ei lassù contemplasse tutte
le tue speranze. Intesi un calpestio che s'avanzava verso di noi; e poi travidi gente fra'
tiglj; ci rizzammo; e l'accompagnai sino alle sue stanze.
Ah s'io non mi sentissi oramai spento quel fuoco celeste che nel tempo della
fresca mia gioventù spargeva raggi su tutte le cose che mi stavano intorno, mentre oggi
vo brancolando in una vota oscurità! s'io potessi avere un tetto ove dormire sicuro; se
non mi fosse conteso di rinselvarmi fra le ombre del mio romitorio; se un amore
disperato che la mia ragione combatte sempre, e che non può vincere mai questo
amore ch'io celo a me stesso, ma che riarde ogni giorno e che s'è fatto onnipotente,
immortale ahi! la Natura ci ha dotati di questa passione che è indomabile in noi forse
più dell'istinto fatale della vita – se io potessi insomma impetrare un anno solo di calma,
il tuo povero amico vorrebbe sciogliere ancora un voto e poi morire. Io odo la mia patria
che grida: – SCRIVI CIÒ CHE VEDESTI. MANDERO LA MIA VOCE DALLE ROVINE, E TI
DETTERÒ LA MIA STORIA. PIANGERANNO I SECOLI SU LA MIA SOLITUDINE; E LE GENTI SI
AMMAESTRERANNO NELLE MIE DISAVVENTURE. IL TEMPO ABBATTE IL FORTE: E I DELITTI
DI SANGUE SONO LAVATI NEL SANGUE. E tu lo sai, Lorenzo, avrei coraggio di scrivere;
ma l'ingegno va morendo con le mie forze, e vedo che fra pochi mesi avrò fornito
questo mio angoscioso pellegrinaggio.
Ma voi pochi sublimi animi che solitarj o perseguitati, su le antiche sciagure
della nostra patria fremete, se i cieli vi contendono di lottare contro la forza, perché
almeno non raccontate alla posterità i nostri mali? Alzate la voce in nome di tutti, e dite
al mondo: Che siamo sfortunati, ma ciechi vili; che non ci manca il coraggio, ma
la possanza. Se avete braccia in catene, perché inceppate da voi stessi anche il vostro
intelletto di cui i tiranni la fortuna, arbitri d'ogni cosa, possono essere arbitri mai?
Scrivete. Abbiate bensì compassione a' vostri concittadini, e non istigate vanamente le
143
lor passioni politiche; ma sprezzate l'universalità de' vostri contemporanei: il genere
umano d'oggi ha le frenesie e la debolezza della decrepitezza; ma l'umano genere,
appunto quand'è prossimo a morte, rinasce vigorosissimo. Scrivete a quei che verranno,
e che soli saranno degni d'udirvi, e forti da vendicarvi. Perseguitate con la verità i vostri
persecutori. E poi che non potete opprimerli, mentre vivono, co' pugnali, opprimeteli
almeno con l'obbrobrio per tutti i secoli futuri. Se ad alcuni di voi è rapita la patria, la
tranquillità, e le sostanze; se niuno osa divenire marito; se tutti paventano il dolce nome
di padre, per non procreare nell'esilio e nel dolore nuovi schiavi e nuovi infelici, perché
mai accarezzate così vilmente la vita ignuda di tutti i piaceri? Perché non la consecrate
all'unico fantasma ch'è duce degli uomini generosi, la gloria? Giudicherete l'Europa
vivente, e la vostra sentenza illuminerà le genti avvenire. L'umana viltà vi mostra terrori
e pericoli; ma voi siete forse immortali? fra l'avvilimento delle carceri e de' supplicj
v'innalzerete sovra il potente, e il suo futuro contro di voi accrescerà il suo vituperio e la
vostra fama.
144
Milão, 4 de dezembro de 1798
Que seja esta a única resposta a teus conselhos. Em todos os países vi sempre
três tipos de homens: os poucos que mandam, a grande maioria que serve, e os muitos
que tramam
215
. Nós não podemos mandar; nem sequer somos espertos para isso; mas
não somos cegos, e não queremos obedecer, nem tramar. Melhor seria viver como os
cães sem donos, que, se não recebem pão, tampouco recebem paulada. – Que queres tu?
que eu mendigue a proteção e o emprego de um Estado
216
onde sou considerado
estrangeiro, e onde o capricho de qualquer espião pode me levar a ser banido? Tu
exaltas sempre o meu engenho; sabes quanto eu valho? nem mais nem menos do que
vale o que eu ganho. A não ser que eu me tornasse um literato de corte, rebatendo
aquela nobre ousadia que irrita os poderosos, e dissimulando a virtude e a ciência, para
não jogar-lhes na cara a sua ignorância e as suas maldades. Literatos! Ó! Tu dirás, é
assim em todos os lugares. – Que seja assim! Deixo o mundo como é. Mas, se eu tivesse
de me intrometer, gostaria, que os homens mudassem os modos, ou que mandassem
cortar minha cabeça no patíbulo, o que me parece mais fácil. Não que os tiranozinhos
ignorem as tramóias; mas, os homens, que saltaram do trivial para o trono, necessitam
de sectários que depois não podem controlar. Enfatuados do presente, desinteressados
pelo futuro, pobres de fama, coragem e engenho, armam-se de aduladores e de satélites,
dos quais não conseguem desvencilhar-se, apesar de serem sempre por eles traídos e
ridicularizados: perpétua roda de servidão, licença e tirania. Para ser senhor e ladrão do
povo, convêm antes deixar-se oprimir, espoliar, e lamber a espada banhada no próprio
sangue. Assim, poderia talvez obter um cargo, alguns milhares de escudos a cada ano, e
remorsos e infâmia. Ouve outra vez: Jamais representarei o papel do pequeno biltre.
Eu sei que tantas vezes sou pisoteado, mas, ao menos, que eu o seja entre a turba
imensa dos meus companheiros de servidão
217
, como insetos esmagados por quem
passeia desatento. Não me vanglorio, como tantos outros, da servidão; os meus tiranos
não se nutrirão da minha dor. Que reservem a outros suas injúrias e seus benefícios!
Ainda muitos que os cobiçam! Eu me esquivarei do vitupério morrendo
215
A primeira parte da carta apresenta idéias de V. Alfieri, Del principe e delle lettere.
216
Estado: República Cisalpina.
217
Conservo” no original, “companheiros de desventura e servidão”: Dante, Purgatório, XIX, 134.
145
desconhecido. E se eu fosse obrigado a deixar minha obscuridade, em vez de mostrar-
me um afortunado instrumento da licença e da tirania, preferiria ser uma vítima
lastimada.
Se me faltassem o pão e o lar
218
, e me restasse apenas isso que me propões como
fonte de vida não queira o céu que eu insulte a necessidade de todos aqueles que não
poderiam imitar-me é verdade, Lorenzo, eu iria à pátria de todos
219
, onde não existem
nem delatores, nem conquistadores, nem literatos de corte e nem príncipes; onde as
riquezas não coroam o delito; onde o pobre não é justiçado apenas por ser pobre
220
;
onde, um dia ou outro, virão todos morar comigo e a misturar-se novamente na matéria
debaixo da terra.
Agarrando-me ao precipício da vida, sigo às vezes um lume que avisto de longe
e que nunca posso alcançar. Ou melhor, parece-me que, se eu enterrasse o corpo todo
dentro de uma fossa, e ficasse apenas com a cabeça de fora, eu veria sempre brilhar
aquele lume nos olhos. Ó Glória! Tu sempre corres à minha frente, e assim me iludes a
uma viagem que os meus pés não mais agüentam. Mas, desde o dia em que deixaste de
ser minha única e principal paixão
221
, o teu espectro radiante começa a se extinguir e
vacilar cai e se dissolve em um monte de ossos e de cinzas, entre as quais eu vejo
cintilar de vez em quando uns raios lânguidos; mas, logo passarei caminhando sobre o
teu esqueleto, sorrindo de minha desiludida ambição. Quantas vezes, sentindo
vergonha de morrer desconhecido no meu século, acalentava as minhas próprias
angústias, enquanto sentia a necessidade e a coragem de acabar com elas! Nem teria
talvez sobrevivido à minha pátria, se não me tivesse detido o louco temor de que a pedra
colocada sobre o meu cadáver sepultasse também o meu nome
222
. Confesso-o: muitas
vezes olhei com uma espécie de complacência as misérias da Itália, já que me parecia
218
No original fuoco”, palavra antiga para “casa, família, lar”. O termo focolare”, “lareira”, de mesma
origem, também tem o significado de “lar”.
219
“Pátria de todos”: a morte.
220
Referência à carta de Bolonha, 12 de agosto.
221
Do soneto: Non son chi fui, 9-11, de Foscolo.
222
Foscolo expressa as mesmas idéias no “Sesto tomo dell’io” (Prose varie d’ arte, Firenze: Le Monnier,
1951, p. 5) romance autobiográfico: “Il solo pensiero che il mio nome sarebbe sepolto col mio
cadavere [...].” (“Só de pensar que o meu nome seria sepultado com o meu cadáver [...].” Apud A.
Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 167.
146
que o destino e a minha ousadia reservassem, talvez, também para mim o mérito de
libertá-la. Dizia eu, ontem à tarde, a Parini ...
Adeus: eis que chega o portador do banqueiro para pegar esta carta
223
; e a folha
cheia me diz para parar. Mas, como tenho mais coisas a dizer-te, expedirei outra até
sábado; e continuarei a te escrever. Depois de tantos anos de tão afetuosa e leal
amizade, aqui estamos nós; e, quem sabe, separados para sempre. o me resta outro
conforto a não ser lamentar-me contigo, escrevendo-te; e assim me livro um pouco dos
pensamentos; e a minha solidão torna-se muito menos assustadora. Quantas noites
desperto, e me levanto, e, dando voltas lentamente pelos aposentos, te invoco! e sento e
te escrevo. E esses papéis estão todos manchados de pranto e cheios dos meus piedosos
delírios e dos meus ferozes propósitos. Mas, não tenho ânimo de enviá-los a ti. Alguns
eu guardo, e muitos eu queimo. Quando, depois, o Céu me manda estes momentos de
calma, eu te escrevo com tanta firmeza quanto me é possível, para não entristecer-te
com a minha dor imensa. Não me cansarei de te escrever; nem me resta outro conforto;
nem tu, meu Lorenzo, te cansarás de ler estas folhas que eu, sem vaidade, sem disfarces
e sem pudor, sempre te escrevi nos maiores prazeres e nas maiores dores de minh’alma.
Guarda-as. Pressinto que um dia te serão necessárias para viver, ao menos como
puderes, com o teu Jacopo.
Então, ontem à tarde, eu passeava com aquele velho
224
venerando no subúrbio
oriental da cidade, debaixo de um pequeno bosque de tílias
225
. Ele se apoiava, de um
lado, no meu braço, e do outro, na bengala: às vezes, olhava para os pés disformes; e,
em seguida, sem dizer uma palavra, voltava-se para mim, como se lamentasse sua
enfermidade
226
, e me agradecesse a paciência com a qual eu o acompanhava. Sentou-se
em um banco, e eu com ele; o criado dele ficou pouco distante. Parini é a pessoa mais
digna e mais eloqüente que eu conheci; no entanto, a quem uma dor profunda,
generosa e meditada não dá eloqüência? Falou-me por muito tempo de sua pátria,
223
Jacopo envia as cartas por um intermediário, para evitar que sejam abertas (na carta de 27 de outubro,
ele se refere a isso).
224
Foscolo conheceu Parini e foi seu amigo. Apud A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, 168.
225
São os jardins da Porta Oriental, em Milão, que também estão nos versos 63-69 do Dei Sepolcri, que
se referem a Parini.
226
Parini sofria desde a juventude de uma doença nos ossos.
147
fremindo por causa das velhas tiranias
227
e da nova vileza
228
. As letras, prostituídas
229
;
todas as paixões, esmaecidas e degeneradas em indolente e vil corrupção: não mais
havia a sagrada hospitalidade, a benevolência, o amor filial. Em seguida, falou-me dos
anais
230
recentes, e dos delitos de tantos homens pequenos aos quais eu me dignaria
nomear, se as suas maldades revelassem um vigor de ânimo: não direi de Sila
231
ou de
Catilina
232
, mas daqueles bandidos intrépidos que enfrentam o delito mesmo quando se
acham junto ao patíbulo; mas como não passam de ladrõezinhos, medrosos e sabichões
é melhor que eu me cale. Eu me inflamava de um furor sobre-humano ao ouvir as
palavras dele, e me levantei gritando:
Por que não se faz nada? Morremos, então? Mas, do nosso sangue nascerá o
vingador
233
.
Ele me olhou atônito: meus olhos, na tênue claridade, cintilavam de espanto, e o
meu modesto e pálido aspecto elevou-se com ar ameaçador calei-me, mas, sentia
ainda um frêmito rumorejar profundamente dentro do meu peito. E retomei:
Não teremos nunca salvação? Ah, se os homens andassem sempre ao lado da
morte, não serviriam de forma tão covarde.
Parini o abria a boca; mas apertando-me o braço, olhava-me cada vez mais
fixamente. Depois me puxou, como se me dissesse para que eu voltasse a sentar:
E pensas tu, irrompeu, que se eu notasse um indício de liberdade, continuaria
perdido, a despeito de minha enferma velhice, nestes lamentos vãos? Oh, jovem digno
de uma pátria mais agradecida! Se não podes apagar este teu ardor fatal, por que não o
volta para outras paixões?
227
Domínio espanhol no século XVII, e domínio austríaco no século XVIII.
228
Domínio francês.
229
Referência aos escritos encomiásticos a Napoleão.
230
Anais: memórias históricas.
231
Ditador da República Romana (84 a 79 a. C.).
232
Catilina, conspirou contra a República, em nome do proletariado romano. Foi denunciado por Cícero e
executado. Sila e Catilina (séc. I a. C.) apesar de cruéis, demonstraram coragem e grandeza de
princípios.
233
Virgílio, Eneida, VI, 625. A partir daqui até o final da carta repetem-se idéias expressas no Sesto
tomo dell’io”.
148
Então, olhei para o passado então me voltei avidamente para o futuro; mas
errava sempre em vão, e os meus braços volviam, desiludidos, sem segurar nada, e,
então, percebi todo o desespero do meu estado. Narrei àquele generoso italiano a
história das minhas paixões, e lhe retratei Teresa como um daqueles gênios celestes, que
parecem surgir para iluminar a morada tenebrosa desta vida. E, às minhas palavras e ao
meu pranto, o velho piedoso muitas vezes suspirava do fundo da alma.
Não, disse-lhe eu, nada vejo a não ser a tumba: tenho uma mãe afável e
bondosa; várias vezes pareceu-me que seguia meus passos tremendo até ao alto da
montanha, de onde eu estava para me precipitar; e, enquanto eu estava com quase
todo o corpo largado no ar, ela me agarrava pela aba das roupas, e me puxava; e eu,
virando-me para ela, ouvia-lhe apenas o pranto. Mas, se ela enxergasse todos os
sofrimentos que trago ocultos em mim, ela mesma imploraria aos Céus o fim dos meus
dias ansiosos. Mas, a única chama de vida que anima ainda este corpo atormentado é a
esperança de alcançar a liberdade da pátria.
Ele sorriu tristemente, e, quando percebeu que a minha voz amainava, e os meus
olhos fitavam, imóveis, o chão, prosseguiu:
Talvez este teu furor de glória venha a pôr-te numa situação difícil; mas,
acredita, a fama dos heróis deve-se um quarto à audácia, dois quartos à sorte, e outro
quarto aos seus crimes
234
. Mesmo se te considerares bastante afortunado e cruel para
aspirar a esta glória, acreditas que os tempos te oferecem os meios? Os gemidos de
todas as idades, e este jugo de nossa pátria não te ensinaram também que não se deve
esperar liberdade do estrangeiro? Qualquer um que se misture nos negócios de um país
conquistado não consegue senão o mal de todos e a própria infâmia. Quando os deveres
e os direitos estão na ponta da espada, o forte escreve as leis com sangue e exige o
sacrifício da virtude. E então? Terás tu a fama e o valor de Aníbal, que refugiado
procurava pelo mundo um inimigo para o povo Romano? Nem te serás permitido ser
justo impunemente. Um jovem justo e de coração ardente, mas pobre de riquezas, e
incauto de engenho como tu, será sempre o instrumento do sectário, ou a vítima do
poderoso. E se nas coisas públicas puderes preservar-te incontaminado da torpeza
comum, oh! tu serás altamente louvado; mas morto em seguida pelo punhal soturno da
calúnia; a teu cárcere não incorrerão os amigos, e o teu sepulcro será honrado apenas
234
Conceito de Maquiavel, (O Príncipe, cap. xxv: “Quanto pode a sorte nas coisas humanas e como é
possível fazer-lhe frente.”
149
por um secreto suspiro. Mas, suponhamos que tu, superando a prepotência dos
estrangeiros e a maldade dos teus concidadãos e a corrupção dos tempos, pudesse
aspirar ao teu intento que dizes? –, derramarias todo o sangue com o qual convém
nutrir uma república que nasce? Queimarias tuas casas com as chamas da guerra civil?
Unirias os partidos pelo terror? Extinguirias as opiniões com a morte? Repartirias as
riquezas com carnificina? Mas, se caíres no meio da rua, serás execrado por uns como
demagogo e por outros como tirano. Os amores da multidão são breves e funestos; ela
julga, mais do que pela intenção, pela sorte; chama virtude o delito útil, e maldade a
honra que lhe parece prejudicial; e, para receber os aplausos da multidão, convém
aterrorizá-la ou engordá-la, mas enganá-la sempre. Que seja assim. Poderás, tu, então,
envaidecido pela sorte ilimitada reprimir em ti a cobiça do supremo poder que te será
fomentada, e do sentimento de superioridade, e do conhecimento da humilhação
comum? Os mortais são naturalmente escravos, naturalmente tiranos, naturalmente
cegos. Com o propósito, então, de firmar o trono, de filósofo passarias a tirano; e por
poucos anos de poder e de tremor, terias perdido a tua paz, e confundido o teu nome
entre a imensa turba dos déspotas. Resta-te ainda um posto entre os capitães, o qual se
conquista por meio de uma ousadia feroz, de uma avidez desmedida, e não raro de uma
vileza capaz de lamber a mão que te ajuda a subir. Mas, oh filho! a humanidade geme
quando nasce um conquistador; e não tem por conforto senão a esperança de sorrir sobre
o seu caixão.
Calou-se – e eu depois de longo silêncio exclamei:
— Ó Coceio Nerva
235
! Ao menos soubeste morrer incontaminado.
O velho olhou para mim:
Se nada esperas, nem temes nada fora deste mundo... E me apertava a mão:
— mas eu!
Ergueu os olhos para o Céu, e sua fisionomia grave serenou-se de um doce
conforto, como se ele, em cima depositasse todas as suas esperanças. Escutei uns
235
Marco Coceio Nerva. Historiador romano da época de Tibério, que se suicidou para não testemunhar
as tiranias imperiais e a servidão dos patrícios romanos. “Esta exclamação de Ortis parece referir-se a
uma passagem de Tácito: ‘Coceio Nerva, assíduo do Príncipe, douto em todo conhecimento humano e
divino, dotado de fortuna e vida, queria morrer. Tibério o soube e procurou dissuadi-lo, questionando-
o e rogando-lhe, a ponto de confessar que sentiria remorso e mágoa se o seu amigo tão próximo tirasse
a vida sem razão. Nerva desdenhou a conversa, e se absteve de todo alimento. Quem o conhecia, dizia
que Nerva, conhecendo de perto os males da república, por ira e suspeita, quis morrer honestamente,
enquanto ainda era ilibado e sem experiência.” Anais, VI, 26. [N. F.]
150
passos que se aproximavam; depois, entrevi umas pessoas em meio às tílias; erguemo-
nos, e o acompanhei até aos seus aposentos.
Ah, se eu o sentisse, enfim, apagado em mim aquele fogo celeste que no
tempo de minha fresca juventude espalhava raios sobre todas as coisas à minha volta,
enquanto hoje ando às cegas em uma vasta escuridão! Se eu pudesse ter um teto para
dormir seguro; se não me fosse proibido embrenhar-me entre as sombras do meu
eremitério; se um amor desesperado que a minha razão combate sempre, e que não pode
vencer nunca esse amor que eu escondo de mim mesmo, mas que torna a arder a cada
dia e se fez onipotente, imortal – ai! a Natureza nos dotou desta paixão que é indomável
em nós, talvez mais do que o instinto fatal da vida se eu pudesse em suma obter um
ano de calma que fosse, o teu pobre amigo gostaria de cumprir um voto mais e depois
morrer. Eu ouço a minha tria que grita: ESCREVE O QUE VISTE. MANDAREI A MINHA
VOZ DAS RUÍNAS, E DITAREI PARA TI A MINHA HISTÓRIA. CHORARÃO OS SÉCULOS SOBRE A
MINHA SOLIDÃO, E AS MINHAS DESVENTURAS EDUCARÃO AS PESSOAS. O TEMPO ABATE O
FORTE: E OS DELITOS DE SANGUE O LAVADOS NO SANGUE. Tu sabes, Lorenzo, que
não me faltaria coragem para escrever; mas o engenho esmorece junto com as minhas
forças, e percebo que em poucos meses terei terminado esta minha angustiante
peregrinação.
Mas vós, poucas almas sublimes, que, solitárias ou perseguidas, estremeceis
pelas velhas desgraças de nossa tria: se os céus vos proíbem de lutar contra a força,
por que, ao menos, não revelais à posteridade os nossos males? Levantai a voz em nome
de todos, e dizei ao mundo que somos desventurados, mas que não somos cegos nem
cobardes; que não nos falta a coragem, mas a pujança. Se tendes os braços
acorrentados, por que vós mesmos algemais também o vosso intelecto, do qual nem os
tiranos nem a sorte, árbitros de todas as coisas, podem ser árbitros? Escrevei. Tende, ao
contrário, compaixão pelos vossos concidadãos, e não instigai em vão as suas paixões
políticas; mas, desprezai a maioria dos vossos contemporâneos: o gênero humano de
hoje tem os delírios e a debilidade da decrepitude; mas o gênero humano, justamente
diante da proximidade da morte, renasce com mais vigor. Escrevei àqueles que virão, e
que sozinhos serão dignos de vos ouvir, fortes para vos vingar. Persegui com a verdade
os vossos perseguidores. E, visto que não podeis oprimi-los com punhais, enquanto
vivem, oprimi-os, ao menos, com a desonra por todos os séculos vindouros. Se a algum
151
de vós lhe foi arrebatada a pátria, a tranqüilidade, e os bens; se ninguém ousa tornar-se
marido; se todos receiam o doce nome de pai, para não procriar no exílio
236
e na dor
novos escravos, novos infelizes, por que então desejais tão abjetamente a vida despojada
de prazeres? Por que não a consagrais àquele único espectro, o condutor dos homens
generosos, que é a glória? Julgareis a Europa do presente, e a vossa sentença iluminará
as pessoas do futuro
237
. A baixeza humana vos mostra perigos e terrores; mas acaso sois
vós imortais? Entre o aviltamento dos cárceres e dos suplícios, sobrelevareis os
poderosos, e o furor
238
deles contra vós aumentará a sua vergonha e a vossa fama.
236
Idéias de Alfieri. Della tirania, I, 14.
237
“Esta página, que quase chega a ser o ápice oratório de todo o livro, é também o testamento literário
confiado às Ultime lettere: o projeto de uma literatura como juízo do mundo.” A. Jacomuzzi, “Il
monologo tragico di Jacopo Ortis”. In: Foscolo, 1993, p. 174.
238
A palavra italiana “futuro”, aqui, não faz sentido, apesar de constar em U. Foscolo, 1998, p. 113 e na
edição eletrônica. As outras edições consultadas (ver Bibliografia), usaram o termo “furore”, o qual se
adotou na tradução.
152
18
Uma das cartas mais longas do romance, escrita de Ventimiglia, cidade italiana
localizada na região da Ligúria, próxima à fronteira com a França. O lugar, nos confins
da Itália e no alto dos Alpes, proporciona-lhe inspiração para meditar.
Jacopo reflete sobre o distanciamento entre os homens e a sociedade; em
seguida, sugestionado pela natureza inóspita dos Alpes, descreve alguns fatos ocorridos
em diversas nações, para dar exemplos de tirania, demonstrando um forte pessimismo
histórico. Nas últimas linhas, volta o pensamento para a sua Jacinto. A idéia do suicídio
é o tema de fundo de todas essas reflexões.
Esta carta faz referências a Alfieri, Rousseau e Hobbes, e contém passagens que
irão influenciar o poeta Leopardi.
153
Ventimiglia, 19 e 20 Febbraro
Tu sei disperatamente infelice; tu vivi fra le agonie della morte, e non hai la sua
tranquillità: ma tu dèi tollerarle per gli altri. Così la Filosofia domanda agli uomini un
eroismo da cui la Natura rifugge. Chi odia la propria vita può egli amare il minimo bene
che è incerto di recare alla Società e sacrificare a questa lusinga molti anni di pianto? e
come potrà sperare per gli altri colui che non ha desiderj, speranze per sé; e che
abbandonato da tutto, abbandona se stesso? Non sei misero tu solo. Pur troppo! ma
questa consolazione non è anzi argomento dell'invidia secreta che ogni uomo cova
dell'altrui prosperità? La miseria degli altri non iscema la mia. Chi è tanto generoso da
addossarsi le mie infermità? e chi anco volendo, il potrebbe? avrebbe forse più coraggio
da comportarle; ma cos'è il coraggio voto di forza? Non è vile quell'uomo che è travolto
dal corso irresistibile di una fiumana; bensì chi ha forze da salvarsi e non le adopra. Ora
dov'è il sapiente che possa costituirsi giudice delle nostre intime forze? chi può dare
norma agli effetti delle passioni nelle varie tempre degli uomini e delle incalcolabili
circostanze onde decidere: Questi è un vile, perché soggiace; quegli che sopporta, è un
eroe? mentre l'amore della vita è così imperioso che più battaglia avrà fatto il primo per
non cedere, che il secondo per sopportare.
Ma i debiti i quali tu hai verso la Società? Debiti? forse perché mi ha tratto dal
libero grembo della Natura, quand'io non aveva la ragione, l'arbitrio di
acconsentirvi, la forza di oppormivi, e mi educò fra' suoi bisogni e fra' suoi
pregiudizj? Lorenzo, perdona s'io calco troppo su questo discorso tanto da noi
disputato. Non voglio smoverti dalla tua opinione avversa alla mia; vo' bensì
dileguare ogni dubbio da me. Saresti convinto al pari di me, se ti sentissi le piaghe mie;
il Cielo te le risparmi! Ho io contratto questi debiti spontaneamente? e la mia vita
dovrà pagare, come uno schiavo, i mali che la Società mi procaccia, solo perché gli
intitola beneficj? e sieno beneficj: ne godo e li ricompenso fino che vivo; e se nel
sepolcro non le sono io di vantaggio, qual bene ritraggo io da lei nel sepolcro? O amico
mio! ciascun individuo è nemico nato della Società, perché la Società è necessaria
nemica degli individui. Poni che tutti i mortali avessero interesse di abbandonare la vita,
credi tu che la sosterrebbero per me solo? e s'io commetto un'azione dannosa a' più, io
sono punito; mentre non mi verrà fatto mai di vendicarmi delle loro azioni, quantunque
ridondino in sommo mio danno. Possono ben essi pretendere ch'io sia figliuolo della
grande famiglia; ma io rinunziando e a' beni e a' doveri comuni posso dire: Io sono un
154
mondo in me stesso: e intendo d'emanciparmi percmi manca la felicità che mi avete
promesso. Che s'io dividendomi non trovo la mia porzione di libertà; se gli uomini me
l'hanno invasa perché sono più forti; se mi puniscono perché la ridomando non gli
sciolgo io dalle loro bugiarde promesse e dalle mie impotenti querele cercando scampo
sotterra? Ah! que' filosofi che hanno evangelizzato le umane virtù, la probità naturale, la
reciproca benevolenza sono inavvedutamente apostoli degli astuti, ed adescano quelle
poche anime ingenue e bollenti le quali amando schiettamente gli uomini per l'ardore di
essere riamate, saranno sempre vittime tardi pentite della loro leale credulità. –
Eppur quante volte tutti questi argomenti della ragione hanno trovato chiusa la
porta del mio cuore, perch'io tuttavia mi sperava di consecrare i miei tormenti all'altrui
felicità! Ma! per il nome d'Iddio, ascolta e rispondimi. A che vivo? di che pro ti son
io, io fuggitivo fra queste cavernose montagne? di che onore a me stesso, alla mia
patria, a' miei cari? V'ha egli diversità da queste solitudini alla tomba? La mia morte
sarebbe per me la meta de' guai, e per voi tutti la fine delle vostre ansietà sul mio stato.
Invece di tante ambasce continue, io vi darei un solo dolore tremendo, ma ultimo: e
sareste certi della eterna mia pace. I mali non ricomprano la vita.
E penso ogni giorno al dispendio di cui da più mesi sono causa a mia madre;
so come ella possa far tanto. S'io mi tornassi, troverei casa nostra vedova del suo
splendore. E incominciava già ad oscurarsi, molto innanzi ch'io mi partissi, per le
pubbliche e private estorsioni le quali non restano di percuoterci. però quella madre
benefattrice cessa dalle sue cure: trovai dell'altro denaro a Milano; ma queste affettuose
liberalità le scemeranno certamente quegli agi fra' quali nacque. Pur troppo fu moglie
mal avventurata! le sue sostanze sostengono la mia casa che rovinava per le prodigalità
di mio padre; e l'età di lei mi fa ancora più amari questi pensieri. Se sapesse! tutto è
vano per lo sfortunato suo figliuolo. E s'ella vedesse qui dentro – se vedesse le tenebre e
la consunzione dell'anima mia! deh! non gliene parlare, o Lorenzo: ma vita è questa?
Ah sì! io vivo ancora; e l'unico spirito de' miei giorni è una sorda speranza che li
rianima sempre, e che pure tento di non ascoltare: non posso e s'io voglio
disingannarla, la si converte in disperazione infernale. Il tuo giuramento, o Teresa,
proferirà ad un tempo la mia sentenza ma finché tu se' libera; e il nostro amore è
tuttavia nell'arbitrio delle circostanze dell'incerto avvenire e della morte, tu sarai
sempre mia. Io ti parlo, e ti guardo, e ti abbraccio: e mi pare che così da lontano tu senta
l'impressioni de' miei baci e delle mie lagrime. Ma quando tu sarai offerita dal padre tuo
come olocausto di riconciliazione su l'altare di Dio quando il tuo pianto avrà ridata la
155
pace alla tua famiglia allora non io ma la disperazione sola, e da sé, annienterà
l'uomo e le sue passioni. E come può spegnersi, mentre vivo, il mio amore? e come non
ti sedurranno sempre nel tuo secreto le sue dolci lusinghe? ma allora più non saranno
sante e innocenti. Io non amerò, quando sarà d'altri, la donna che fu mia – amo
immensamente Teresa; ma non la moglie d'Odoardo ohimè! tu forse mentre scrivo sei
nel suo letto! Lorenzo! Ahi Lorenzo! eccolo quel demonio mio persecutore; torna a
incalzarmi, a premermi, a investirmi, e m'accieca l'intelletto, e mi ferma perfino le
palpitazioni del cuore, e mi fa tutto ferocia, e vorrebbe il mondo finito con me. –
Piangete tutti e perché mi caccia fra le mani un pugnale, e mi precede, e si volge
guardando se io lo sieguo, e mi addita dov'io devo ferire? Vieni tu dall'altissima
vendetta del Cielo? E così nel mio furore e nelle mie superstizioni io mi prostendo su
la polvere a scongiurare orrendamente un Dio che non conosco, che altre volte ho
candidamente adorato, ch'io non offesi, di cui dubito sempre e poi tremo, e l'adoro.
Dov'io cerco ajuto? non in me, non negli uomini: la Terra io la ho insanguinata, e il Sole
è negro.
Alfine eccomi in pace! Che pace? stanchezza, sopore di sepoltura. Ho vagato
per queste montagne. Non v'è albero, non tugurio, non erba. Tutto è bronchi; aspri e
lividi macigni; e qua e molte croci che segnano il sito de' viandanti assassinati.
giù è il Roja, un torrente che quando si disfanno i ghiacci precipita dalle viscere delle
Alpi, e per gran tratto ha spaccato in due questa immensa montagna. V'è un ponte
presso alla marina che ricongiunge il sentiero. Mi sono fermato su quel ponte, e ho
spinto gli occhi sin dove può giungere la vista; e percorrendo due argini di altissime rupi
e di burroni cavernosi, appena si vedono imposte su le cervici dell'Alpi altre Alpi di
neve che s'immergono nel Cielo e tutto biancheggia e si confonde – da quelle spalancate
Alpi cala e passeggia ondeggiando la tramontana, e per quelle fauci invade il
Mediterraneo. La Natura siede qui solitaria e minacciosa, e caccia da questo suo regno
tutti i viventi.
I tuoi confini, o Italia, son questi! ma sono tutto sormontati d'ogni parte dalla
pertinace avarizia delle nazioni. Ove sono dunque i tuoi figli? Nulla ti manca se non la
forza della concordia. Allora io spenderei gloriosamente la mia vita infelice per te: ma
che può fare il solo mio braccio e la nuda mia voce? Ov'è l'antico terrore della tua
gloria? Miseri! noi andiamo ogni memorando la libertà e la gloria degli avi, le quali
quanto più splendono tanto più scoprono la nostra abbietta schiavitù. Mentre
invochiamo quelle ombre magnanime, i nostri nemici calpestano i loro sepolcri. E verrà
156
forse giorno che noi perdendo e le sostanze, e l'intelletto, e la voce, sarem fatti simili
agli schiavi domestici degli antichi, o trafficati come i miseri Negri, e vedremo i nostri
padroni schiudere le tombe e disseppellire, e disperdere al vento le ceneri di que' Grandi
per annientarne le ignude memorie: poiché oggi i nostri fasti ci sono cagione di
superbia, ma non eccitamento dell'antico letargo.
Così grido quand'io mi sento insuperbire nel petto il nome Italiano, e
rivolgendomi intorno io cerco, trovo più la mia patria. Ma poi dico: Pare che gli
uomini sieno fabbri delle proprie sciagure; ma le sciagure derivano dall'ordine
universale, e il genere umano serve orgogliosamente e ciecamente a' destini. Noi
argomentiamo su gli eventi di pochi secoli: che sono eglino nell'immenso spazio del
tempo? Pari alle stagioni della nostra vita normale, pajono talvolta gravi di straordinarie
vicende, le quali pur sono comuni e necessarj effetti del tutto. L'universo si
controbilancia. Le nazioni si divorano perché una non potrebbe sussistere senza i
cadaveri dell'altra. Io guardando da queste Alpi l'Italia piango e fremo, e invoco contro
agl'invasori vendetta; ma la mia voce si perde tra il fremito ancora vivo di tanti popoli
trapassati, quando i Romani rapivano il mondo, cercavano oltre a' mari e a' deserti nuovi
imperi da devastare, manomettevano gl'Iddii de' vinti, incatenevano principi e popoli
liberissimi, finché non trovando più dove insanguinare i lor ferri, li ritorceano contro le
proprie viscere. Così gli Israeliti trucidavano i pacifici abitatori di Canaan, e i
Babilonesi poi strascinarono nella schiavitù i sacerdoti, le madri, e i figliuoli del popolo
di Giuda. Così Alessandro rovesciò l'impero di Babilonia, e dopo avere passando arsa
gran parte della terra, si corrucciava che non vi fosse un altro universo. Così gli Spartani
tre volte smantellarono Messene e tre volte cacciarono dalla Grecia i Messeni che pur
Greci erano della stessa religione e nipoti de' medesimi antenati. Così sbranavansi gli
antichi Italiani finché furono ingojati dalla fortuna di Roma. Ma in pochissimi secoli la
regina del mondo divenne preda de' Cesari, de' Neroni, de' Costantini, de' Vandali, e de'
Papi. Oh quanto fumo di umani roghi ingombrò il Cielo della America, oh quanto
sangue d'innumerabili popoli che timore invidia recavano agli Europei, fu
dall'Oceano portato a contaminare d'infamia le nostre spiagge! ma quel sangue sarà un
vendicato e si rovescierà su i figli degli Europei! Tutte le nazioni hanno le loro età.
Oggi sono tiranne per maturare la propria schiavitù di domani: e quei che pagavano
dianzi vilmente il tributo, lo imporranno un giorno col ferro e col fuoco. La Terra è una
foresta di belve. La fame, i diluvj, e la peste sono ne' provvedimenti della Natura come
157
la sterilità di un campo che prepara l'abbondanza per l'anno vegnente: e chi sa?
fors'anche le sciagure di questo globo apparecchiano la prosperità di un altro.
Frattanto noi chiamiamo pomposamente virtù tutte quelle azioni che giovano
alla sicurezza di chi comanda e alla paura di chi serve. I governi impongono giustizia:
ma potrebbero eglino imporla se per regnare non l'avessero prima violata? Chi ha
derubato per ambizione le intere province, manda solennemente alle forche chi per fame
invola del pane. Onde quando la forza ha rotti tutti gli altrui diritti, per serbarli poscia a
se stessa inganna i mortali con le apparenze del giusto, finché un'altra forza non la
distrugga. Eccoti il mondo, e gli uomini. Sorgono frattanto d'ora in ora alcuni più arditi
mortali; prima derisi come frenetici, e sovente come malfattori, decapitati: che se poi
vengono patrocinati dalla fortuna ch'essi credono lor propria, ma che in somma non è
che il moto prepotente delle cose, allora sono obbediti e temuti, e dopo morte deificati.
Questa è la razza degli eroi, de' capisette, e de' fondatori delle nazioni i quali dal loro
orgoglio e dalla stupidità de' volghi si stimano saliti tant'alto per proprio valore; e sono
cieche ruote dell'oriuolo. Quando una rivoluzione nel globo è matura, necessariamente
vi sono gli uomini che la incominciano, e che fanno de' loro teschj sgabello al trono di
chi la compie. E perché l'umana schiatta non trova felicità giustizia sopra la terra,
crea gli Dei protettori della debolezza e cerca premj futuri del pianto presente. Ma gli
Dei si vestirono in tutti i secoli delle armi de' conquistatori: e opprimono le genti con le
passioni, i furori, e le astuzie di chi vuole regnare.
Lorenzo, sai tu dove vive ancora la vera virtù? in noi pochi deboli e sventurati;
in noi, che dopo avere sperimentati tutti gli errori, e sentiti tutti i guai della vita,
sappiamo compiangerli e soccorrerli. Tu o Compassione, sei la sola virtù! tutte le altre
sono virtù usuraje.
Ma mentre io guardo dall'alto le follie e le fatali sciagure della umanità, non mi
sento forse tutte le passioni e la debolezza ed il pianto, soli elementi dell'uomo? Non
sospiro ogni la mia patria? Non dico a me lagrimando: Tu hai una madre e un amico
tu ami te aspetta una turba di miseri, a cui se' caro, e che forse sperano in te dove
fuggi? anche nelle terre straniere ti perseguiranno la perfidia degli uomini e i dolori e la
morte: qui cadrai forse, e niuno avrà compassione di te; e tu senti pure nel tuo misero
petto il piacere di essere compianto. Abbandonato da tutti, non chiedi tu ajuto dal Cielo?
non t'ascolta; eppure nelle tue afflizioni il tuo cuore torna involontario a lui va,
prostrati; ma all'are domestiche.
158
O natura! hai tu forse bisogno di noi sciagurati, e ci consideri come i vermi e
gl'insetti che vediamo brulicare e moltiplicarsi senza sapere a che vivano? Ma se tu ci
hai dotati del funesto istinto della vita che il mortale non cada sotto la soma delle tue
infermità ed ubbidisca irrepugnabilmente a tutte le tue leggi, perché poi darci questo
dono ancor più funesto della ragione? Noi tocchiamo con mano tutte le nostre calamità
ignorando sempre il modo di ristorarle.
Perché dunque io fuggo? e in quali lontane contrade io vado a perdermi? dove
mai troverò gli uomini diversi dagli uomini? O non presento io forse i disastri, le
infermità, e la indigenza che fuori della mia patria mi aspettano? Ah no! Io tornerò a
voi, o sacre terre, che prime udiste i miei vagiti, dove tante volte ho riposato queste mie
membra affaticate, dove ho trovato nella oscurità e nella pace i miei pochi diletti, dove
nel dolore ho confidato i miei pianti. Poiché tutto è vestito di tristezza per me, se
null'altro posso ancora sperare che il sonno eterno della morte voi sole, o mie selve,
udirete il mio ultimo lamento, e voi sole coprirete con le vostre ombre pacifiche il mio
freddo cadavere. Mi piangeranno quegli infelici che sono compagni delle mie disgrazie
e se le passioni vivono dopo il sepolcro, il mio spirito doloroso sarà confortato da'
sospiri di quella celeste fanciulla ch'io credeva nata per me, ma che gl'interessi degli
uomini e il mio destino feroce mi hanno strappata dal petto.
159
Ventimiglia, 19 e 20 de fevereiro
Tu és desesperadamente infeliz, vives entre as agonias da morte, e não tens sua
tranqüilidade; no entanto, deves suportá-las para outros. Da mesma forma, a Filosofia
pede aos homens um heroísmo que a Natureza mesma rejeita. Como pode, alguém que
odeia a própria vida, amar minimamente bem algo que talvez nem alcance a sociedade,
e sacrificar a essa ilusão vários anos de lágrimas? E como poderá dar esperança a outros
aquele que carece de desejos e de esperanças para si, e que, que tudo o abandona,
abandona a si próprio? Não és sero apenas tu. Desafortunadamente! Mas não
seria esse consolo, ao contrário, justificativa para a inveja da prosperidade alheia que
todo homem alimenta em segredo? A miséria de outro não diminui a minha. Quem é tão
generoso a ponto de tomar para si as minhas chagas? E quem, mesmo se quisesse
160
hostil aos indivíduos
240
. Suponhas que todos os mortais quisessem deixar a vida,
acreditas tu que a manteriam apenas para mim? Se eu cometer uma ação deletéria para a
maioria, serei punido; mas nunca me vingarei das ações deles, ainda que me causem
elas grande dano. Podem muito bem pretender que eu seja filho da grande família; mas
eu, renunciando aos bens e aos deveres comuns, posso dizer: “Eu sou um mundo em
mim mesmo
241
, e pretendo emancipar-me, porque me falta a felicidade que me
prometeram. Pois se eu, dividindo-me, não encontro a minha porção de liberdade; se os
homens ma usurparam porque são mais fortes; se me punem porque a reivindico não
os desobrigo eu de suas mentirosas promessas e de minhas impotentes querelas,
procurando refúgio debaixo da terra? Ah! aqueles filósofos
242
que evangelizaram as
virtudes humanas, a probidade natural, a recíproca benevolência são, sem o saber,
apóstolos dos astutos, sedutores das poucas almas ingênuas e fervorosas, que, por amar
sinceramente os homens pelo ardor de serem amadas de volta, serão sempre timas,
tardiamente arrependidas de sua leal credulidade.
Contudo, quantas vezes todos esses argumentos da razão encontraram fechada a
porta do meu coração, porque eu, todavia, esperava consagrar os meus tormentos à
felicidade alheia! Mas – em nome de Deus, escuta e me responde –, para que vivo? Que
serventia tenho para ti, eu, fugitivo entre estas fragas cavernosas
243
? Que honra dar a
mim mesmo, à minha pátria, aos meus entes queridos? Haverá diferença entre este
refúgio e a tumba? A morte seria, para mim, o termo dos meus tormentos, e para vós, o
término das vossas ansiedades acerca do meu estado. Em vez de tantos e tão constantes
240
Sentença que resume a concepção negativa de sociedade de Thomas Hobbes. Nesta carta transparece
que “mais hobbesiana do que viquiana é a concepção que Foscolo tem da vida social e política, não
vendo nela senão o resultado de um instinto natural de conservação dos indivíduos, ou melhor, do
instinto de usurpação, que para ele cada indivíduo é naturalmente usurpador e obrigado, para
conservar a si mesmo, a usurpar os outros”. M. Fubini, 1931, p. 89.
241
Referência ao Fragmento 16 de Novalis (1772-1801): “O universo não está dentro de nós? Não
conhecemos as profundidades de nosso espírito. Os caminhos do mistério apontam para dentro. Em
nós, e em nenhum outro lugar, encontra-se a eternidade com seus mundos, o passado e o futuro.”
Apud A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 185.
242
Crítica a Rousseau: a Natureza e o homem não são tão bons como Rousseau havia demonstrado. Cf. P.
Mattei, “Introduzione”. In: Foscolo, 1993, p. 186.
243
Cf. o soneto “Sobre estas duras cavernosas fragas”, de Bocage. Substituiu-se aqui o termo montagne,
“montanhas” mais comum, por “fragas” (penhascos), mais rebuscado, porque o vocabulário de toda a
carta assemelha-se ao usado por Bocage nesse soneto: “cavernosas”, “furor”, “paixões”, “fervor”, etc.
Além disso, o soneto contrapõe a razão à paixão, o que está de acordo com que vem dito pouco antes
na carta. Bocage, Obras, 1968, p. 212.
161
afãs, eu lhes daria apenas uma dor – terrível, mas última: e vós estaríeis certos da minha
paz eterna. Os males não resgatam compram a vida.
Todos os dias penso no dispêndio que meses causo a minha mãe; nem sei
como ela pode tanto. Se eu voltasse, encontraria nossa casa desprovida do seu
esplendor. Muito antes que eu partisse, começava a declinar devido às extorsões
públicas e privadas, que nunca deixaram de nos afligir. Nem assim essa mãe bondosa
cessa seus cuidados: encontrei mais dinheiro em Milão; mas essa afetuosa generosidade
certamente de reduzir o conforto no qual ela nasceu. Por infelicidade foi uma esposa
desaventurada! Seus bens sustentam uma casa arruinada pela prodigalidade de meu
pai
244
; e a idade dela torna esses pensamentos ainda mais amargos. Se ela soubesse!
Tudo é vão para seu desventurado filho. Se ela enxergasse dentro de mim se visse as
trevas e a consumição de minh’alma! Oh! Não lhe diga estas coisas, Lorenzo: mas isso é
vida? Ah sim! eu ainda vivo; e a única inspiração
245
para os meus dias é uma surda
esperança que os reanima sempre, e à qual ainda assim procuro não ouvir: não posso, e
se tento desenganar-me dela, ela se converte num desespero dos infernos. Teu
juramento, Teresa, logo decretará a minha sentença, mas, enquanto estiveres livre e
nosso amor estiver à mercê das circunstâncias, do incerto porvir e da morte tu serás
sempre minha. Eu te falo, te olho e te abraço: e me parece que, assim de longe, tens a
sensação dos meus beijos e das minhas lágrimas. Mas, quando fores imolada por teu pai
em sacrifício de reconciliação no altar de Deus, quando teu pranto tiver devolvido a paz
a tua família, então, não eu, mas apenas o desespero, e sozinho, aniquilará o homem e
suas paixões. Mas, enquanto vivo, como poderia extinguir-se o meu amor? Como não te
poderiam seduzir sempre no teu íntimo as doces promessas desse mesmo amor? Mas, se
for assim, não mais serão elas sagradas e inocentes. não amarei, quando de outro, a
mulher que foi minha amo Teresa imensamente; mas não a mulher de Odoardo. Ai de
mim! Enquanto escrevo talvez tu estejas no leito dele! Lorenzo! Eis aquele demônio
que me persegue
246
; volta a oprimir-me, a pressionar-me, a acossar-me; cega-me o
244
Única alusão, em todo o romance, ao pai de Jacopo que, assim como o pai de Foscolo, tinha morrido.
245
Spiritono sentido de inspiração. Cf. Foscolo, Dei sepolcri, v. 10-11: “né più nel cor mi parlerà lo
spirto / delle vergini Muse e dell’amore.” A citação e a acepção estão no Dizionario Garzanti.
246
Alusão a V. Alfieri, Saul, V, III, apud E. Botasso, in Foscolo, 1948, p. 396. “Ombra adirata, e
tremenda,deh! cessa: lasciami, deh!... Vedi: a' tuoi piè mi prostro... Ahi! dove fuggo?....-ove mi
ascondo? [...]Da chi fuggir? niun ti persegue...” (“Sombra furiosa, e terrível, ah! para, deixa-me, ah!...
Vede, a teus pés me prostro... Ai! aonde fujo? onde me escondo? [...] De quem fugir? ninguém te
persegue...”)
162
intelecto, e detém até mesmo as batidas do meu peito; torna-me feroz, e quer que o
mundo se acabe comigo. Chorai todos vós
247
! e por que me põe nas mãos um punhal?
por que me conduz, e me olha para ver se o sigo, e me aponta onde devo ferir? És tu um
instrumento da altíssima vingança celestial? – Assim, no meu furor e nas minhas
superstições, eu me prostro sobre o a suplicar terrivelmente a um Deus que não
conheço, que outras vezes adorei candidamente, que nunca ofendi, do qual duvido
sempre e depois tremo, e o adoro. Onde procurar ajuda? Não em mim, nem nos
homens: esta Terra ensangüentei
248
, e o Sol enegreceu-se
249
.
Enfim, aqui estou em paz! Paz? Cansaço, sopor de sepultura. Vaguei por estas
montanhas. Não árvore, nem cabana, nem erva. Apenas ramos; ásperos e lívidos
penedos; e aqui e ali muitas cruzes a marcarem o local onde viajantes foram mortos.
embaixo está a Roja, uma torrente que quando os gelos derretem, precipita-se das
entranhas dos Alpes e por um bom trecho, separa em duas esta imensa montanha. Junto
à marina, uma ponte que torna a unir o caminho. Parei nessa ponte, e aventurei os
olhos até onde podia alcançar a vista: e percorrendo duas barreiras
163
Os teus confins, ó Itália, o esses! Mas sempre cruzados, por todos os lados,
pela obstinada avidez das nações. Onde estão teus filhos?
253
Nada te falta senão a força
da concórdia. Eu consumiria gloriosamente por ti a minha vida infeliz: mas o que
podem fazer meu único braço e minha simples voz? Onde se encontra o antigo terror da
tua glória? Míseros! Nós vamos todos os dias recordando a liberdade e a glória de
nossos ancestrais, as quais, quanto mais resplandecem, mais ressaltam a nossa abjeta
escravidão. Enquanto invocamos essas sombras magnânimas, nossos inimigos lhes
pisoteiam os sepulcros. Quem sabe não chegará o dia em que perderemos o cabedal, o
intelecto e a voz
254
, e seremos feitos como os escravos domésticos dos antigos, ou
vendidos como míseros negros, e veremos nossos donos abrirem os túmulos,
desenterrar, e espalhar ao vento as cinzas daqueles Grandes
255
homens, para aniquilar
suas nuas memórias? Hoje, os nossos faustos são para nós motivo de soberba, mas não
nos incitam a deixar essa longa letargia.
Assim eu grito quando sinto que o meu peito se enche de orgulho ao nome
italiano; mas, ao olhar em volta, procuro mas o encontro mais a minha pátria. Então,
eu digo: parece que os homens são os artífices das próprias desgraças
256
; mas as
desgraças derivam da ordem universal, e o gênero humano, em seu orgulho e em sua
cegueira, é servil ao destino. Discutimos os eventos de poucos séculos: que o eles no
imenso espaço do tempo? Assim como as estações de nossa vida normal, às vezes,
parecem carregadas de acontecimentos extraordinários, os quais também são efeitos,
comuns e necessários, do todo. O universo se equilibra. As nações se devoram porque
uma não poderia subsistir sem os cadáveres da outra. Eu, olhando a Itália destes
Alpes
257
, choro e tremo, e invoco vingança contra os invasores. Mas, a minha voz se
perde no gemido ainda presente de tantos povos do passado. Povos de um tempo em
que os romanos pilhavam o mundo, e buscaram além dos mares e dos desertos novos
impérios para devastar, profanando os Deuses dos vencidos, acorrentando príncipes e
253
Leopardi retomará essa expressão no All’Italia, 41. e no Zibaldone: “Para uma ode lamentável sobre a
Itália pode servir aquele pensamento de Foscolo no Ortis...” Cf. E. Botasso, in Foscolo, 1948, p. 398.
254
Este trecho lembra os versos 184-5 de Dei Sepolcri. Cf. A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 189.
255
Um dos temas centrais dos Sepolcri é o valor que os sepulcros dos grandes homens infunde nos vivos.
256
Adaptação do aforisma latino “Faber est suae quisque fortunae” (“Cada um é artífice da própria
sorte”), atribuído a Apio Claudio Cieco. http://it.wikipedia.org/wiki/Faber_est_suae_quisque_fortunae
257
Os Alpes marítimos.
164
povos livres, até que, não encontrando mais sangue em que banhar seus ferros,
voltaram-nos contra as próprias vísceras
258
. Assim os israelitas trucidaram os pacíficos
habitantes de Canãa
259
, e os babilônios arrastaram para a escravidão os sacerdotes, as
mães e os filhos do povo de Judá
260
. Assim Alexandre derrubou o império da
Babilônia
261
, e, depois de passar e reduzir a terra a cinzas, lamentava-se de que não
houvesse outro universo. Assim os espartanos, por três vezes, devastaram Micenas
262
, e
por três vezes expulsaram da Grécia os micênios, que no entanto eram gregos,
adoravam os mesmos deuses e descendiam dos mesmos ancestrais. Assim dilaceravam-
se os antigos italianos, até serem devorados pela sorte de Roma. Mas, em pouquíssimos
séculos, a rainha do mundo tornou-se presa dos césares, dos neros, dos constantinos, dos
vândalos e dos papas. Oh, quanta fumaça de labareda humana estorvou o Céu da
América!
263
Oh, quanto sangue de inumeráveis povos, que nem temor nem inveja
causavam aos europeus, foi pelo oceano levado a contaminar de infâmia as nossas
praias! Mas esse sangue será um dia vingado e se derramará sobre os filhos dos
europeus! Todas as nações têm a sua idade. As tiranias de hoje fermentam a própria
escravidão de amanhã: e aquele que pagava ainda pouco, o tributo vil, um dia, com
ferro e fogo, o cobrará. A Terra é uma floresta de bestas
264
. A fome, os dilúvios e a
peste são providências da Natureza, como a esterilidade de um campo que prepara a
abundância para o ano que virá. E, quem sabe se as desgraças deste mundo não
preparam a prosperidade de um outro?
Entretanto, chamamos pomposamente de virtude todas as ações que favorecem a
segurança de quem comanda e ao medo de quem serve. Os governos impõem justiça,
mas poderiam eles impô-la se para reinar não a tivessem antes transgredido? Quem
258
Alusão às guerras civis romanas do século I a. C. A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 190.
259
Os hebreus, ao voltarem do Egito, invadem o território filistino e exterminam os cananeus, povo
semita que habitava a região. O episódio é narrado no Livro de Josué.
260
Em 586 a. C., Nabucodonosor destruiu Jerusalém, capital do reino de Judá, e deportou os hebreus para
a Babilônia.
261
Alexandre Magno derrota os persas, que haviam submetido os babilônios, no ano 332 a. C.
262
Durante as guerras do século VIII, finais do século VII, e no ano de 464 a. C.
263
Alusão às matanças cometidas pelos conquistadores espanhóis e portugueses.
264
Vemos aqui o reflexo da influência da filosofia de Hobbes: “Homo homini lupus” (“O homem é o lobo
do homem”).
165
roubou por ambição províncias inteiras, manda solenemente para a forca quem por fome
furtou o pão. Assim, quando uma força transgride todos os direitos alheios, para mantê-
los em seguida para si mesma enganará os mortais com as aparências do justo, até o
dia em que outra força a destruir. Esse é o mundo; esses são os homens. A cada hora,
surgem mortais mais audaciosos; antes, ridicularizados como loucos, eram amiúde
decapitados como malfeitores; depois, se favorecidos pela sorte – que acreditam ser sua,
mas que nada mais é que o movimento prepotente das coisas –, são obedecidos e
temidos; e depois de mortos, deificados. Esta é a raça dos heróis, dos cabecilhas
265
e dos
fundadores das nações, os quais, munidos do orgulho pessoal e da estupidez da plebe,
acreditam que chegaram tão alto por valor próprio, mas não passam de engrenagens
cegas de relógio. Quando uma revolução em qualquer parte do globo amadurece,
necessariamente os que a iniciam, e que fazem dos próprios crânios banquetas para o
trono dos que a completam. E porque a estirpe humana não encontra nem felicidade
nem justiça sobre a terra, cria os Deuses protetores da fraqueza e procura recompensas
futuras para as lágrimas do presente
266
. Mas os Deuses vestiram-se em todos os séculos
com as armas dos conquistadores: e oprimem as pessoas com as paixões, os furores, e as
astúcias de quem quer reinar.
Lorenzo, sabes onde ainda vive a verdadeira virtude? Em nós, poucos, fracos e
desventurados; em nós, que depois de termos experimentado todos os erros, e sentido
todas as adversidades da vida, sabemos nos compadecer deles e socorrê-los. Tu, ó
Compaixão
267
, és a única virtude! Todas as outras são virtudes usurárias.
Mas, ao contemplar do alto os desvarios e os fatais infortúnios da humanidade,
não sinto porventura todas as paixões e a fraqueza e o pranto, os únicos elementos do
homem? Não suspiro a cada dia a minha pátria? Não digo a mim mesmo deitando
lágrimas: Tens uma mãe e um amigo tu amas – e espera-te uma turba de miseráveis, à
qual és caro, e que talvez se fiem em ti para onde foges? Também em terras
estrangeiras te perseguirão a perfídia dos homens e as dores e a morte; aqui, quem sabe,
venhas a cair, e ninguém terá compaixão de ti; e sentes no teu mísero peito o prazer de
ser compadecido. Abandonado por todos, não pedes tu ajuda aos Céus? Eles não te
265
Optou-se por traduzir capisette (“chefes de seitas ou partidos”) por uma palavra só, como no original.
266
Crítica ao cristianismo; a religião vista também como instrumento de poder.
267
Tema da compaixão, recorrente no romance: a única virtude é o amor pelo próximo, fraco e sofredor;
as outras se fundamentam em razões puramente egoístas. A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 191.
166
escutam, e, todavia, nas tuas aflições teu coração se volta involuntariamente para eles;
vai, prostra-te, mas diante dos altares domésticos.
Oh, natureza! Porventura tens necessidade de nós, desventurados, e nos
consideras como os vermes e os insetos que vemos fervilhar e multiplicar-se sem que
saibamos sequer para que vivem? Mas, se dotaste a nós do funesto instinto da vida, para
que o mortal não caia sob o peso das próprias enfermidades
268
e obedeça cegamente a
todas as leis, por que afinal nos dar o dom ainda mais funesto da razão? Tocamos todas
as nossas calamidades ignorando sempre o modo de remediá-las.
Por que fujo então? Em que plaga distante hei de me perder? Onde poderei
encontrar homens diferentes dos homens? Acaso não pressinto eu os desastres, as
enfermidades e a indigência que fora de minha pátria me esperam? – Ah não! Voltarei a
vós, ó sagrada terra, a primeira a ouvir meu choro, onde tantas vezes repousei estes
meus membros fatigados, onde encontrei na escuridão e na paz os meus poucos diletos,
onde na dor confiei o meu pranto. que tudo se recobre de tristeza para mim, se nada
mais posso ainda esperar além do sono eterno da morte, apenas vós, meus bosques,
ouvireis meu último lamento, e vós apenas cobrireis com vossas sombras pacíficas o
meu cadáver frio. Chorarão por mim aqueles infelizes, companheiros de minhas
desgraças e se as paixões vivem depois do sepulcro, o meu espírito doloroso será
reconfortado pelos suspiros daquela moça celestial que eu acreditava ter nascido para
mim, mas que os interesses dos homens e o meu destino feroz me arrancaram do peito.
268
Algumas edições trazem “delle tue infermità” (Foscolo, 1998, p, 127 e a eletrônica), em vez de “delle
sue infermità”, como nas demais edições consultadas.
167
19
A morte do poeta Bertola, de Rímini, parece piorar o estado espiritual de Jacopo.
No mesmo dia, em outra carta, ele dá outra notícia fatal: o casamento de Teresa. A idéia
do suicídio torna-se, então, decisiva para ele. Jacopo visita o túmulo de Dante em
Ravenna, completando assim a visita que vinha fazendo aos túmulos e monumentos dos
italianos ilustres: em Arquá havia visitado a casa de Petrarca, e em Florença, a igreja de
Santa Croce.
168
Rimino, 5 Marzo
Tutto mi si dilegua. Io veniva a rivedere ansiosamente il Bertola; da gran tempo
io non aveva sue lettere – È morto.
Ore 11 della sera
Lo seppi: Teresa è maritata. Tu taci per non darmi la vera ferita ma l'infermo
geme quando la morte il combatte, non quando lo ha vinto. Meglio così, da che tutto è
deciso: ed ora anch'io sono tranquillo, incredibilmente tranquillo. Addio. Roma mi sta
sempre sul cuore.
Dal frammento seguente che ha la data della sera stessa, apparisce che Jacopo
decretò in quel di morire. Parecchi altri frammenti, raccolti come questo dalle sue
carte, paiono gli ultimi pensieri che lo raffermarono nel suo proponimento; e però li
andrò frammentendo secondo le loro date.
“Veggo la meta: ho già tutto fermo da gran tempo nel cuore – il modo, il luogo –
né il giorno è lontano.
Cos'è la vita per me? il tempo mi divorò i momenti felici: io non la conosco se
non nel sentimento del dolore: ed or anche l'illusione mi abbandona – medito sul
passato; m'affiso su i che verranno; e non veggo che nulla. Questi anni che appena
giungono a segnare la mia giovinezza, come passarono lenti fra i timori, le speranze, i
desideri, gl'inganni, la noja! e s'io cerco la eredità che mi hanno lasciato, non mi trovo
che la rimembranza di pochi piaceri che non sono più, e un mare di sciagure che
atterrano il mio coraggio, perché me ne fanno paventar di peggiori. Che se nella vita è il
dolore, in che più sperare? nel nulla; o in un'altra vita diversa sempre da questa. Ho
dunque deliberato; non odio disperatamente me stesso; non odio i viventi. Cerco da
molto tempo la pace; e la ragione mi addita sempre la tomba. Quante volte sommerso
nella meditazione delle mie sventure io cominciava a disperare di me! L'idea della
morte dileguava la mia tristezza, ed io sorrideva per la speranza di non vivere più.
Sono tranquillo, tranquillo imperturbabilmente. Le illusioni sono svanite; i desiderj son
morti: le speranze e i timori mi hanno lasciato libero l'intelletto. Non più mille fantasmi
169
ora giocondi ora tristi confondono e traviano la mia immaginazione: non più vani
argomenti adulano la mia ragione; tutto è calma. Pentimenti sul passato, noja del
presente, e timor del futuro; ecco la vita. La sola morte, a cui è commesso il sacro
cangiamento delle cose, promette pace.”
Da Ravenna non mi scrisse; ma da quest'altro squarcio si vede ch'ei vi andò in
quella settimana.
“Non temerariamente, ma con animo consigliato e sicuro. Quante tempeste pria
che la Morte potesse parlare così pacatamente con me – ed io così pacato con lei!
Sull'urna tua, Padre Dante! Abbracciandola, mi sono prefisso ancor più nel mio
consiglio. M'hai tu veduto? m'hai tu forse, Padre, ispirato tanta fortezza di senno e di
cuore, mentr'io genuflusso, con la fronte appoggiata a' tuoi marmi, meditava e l'alto
animo tuo, e il tuo amore, e l'ingrata tua patria, e l'esilio, e la povertà, e la tua mente
divina? e mi sono scompagnato dall'ombra tua più deliberato e più lieto.”
170
Rímini, 5 de março
Tudo se dissipa para mim. Vim ansiosamente para com o propósito de rever
Bertola
269
; há muito tempo não recebo cartas suas – morreu.
11 horas da noite
Eu soube: Teresa está casada. Tu te calas para não agravar minha ferida mas o
enfermo geme quando a morte o combate, o quando o venceu. Melhor assim, que
tudo está decidido: e eu também agora me sinto tranqüilo, incrivelmente tranqüilo.
Adeus. Roma está sempre no meu coração.
Do fragmento seguinte, que leva a data da mesma noite, deduz-se que Jacopo
decretou morrer naquele dia. Muitos outros fragmentos, recolhidos, como este, dos seus
papéis, parecem ser os últimos pensamentos que lhe confirmaram seu propósito;
porém, vou dispô-los segundo as datas.
“Vejo a meta: tudo está, muito, resolvido em meu coração
270
o modo, o
lugar – nem o dia está distante.
O que é a vida para mim? O tempo devorou-me os momentos felizes: a
conheço no sentimento da dor; agora, a ilusão também me abandona medito sobre o
passado, fixo-me nos dias que virão, e só vejo o nada. Esses anos que acabam de marcar
a minha juventude, como passaram lentos entre os temores, as esperanças, os desejos, os
enganos, o tédio! E se procuro a herança que me deixaram, nada encontro além da
recordação de poucos prazeres que não mais existem, e de uma avalanche
271
de
desgraças que aterram a minha coragem, porque me fazem temer dias piores. Pois se na
vida o que existe é dor, em que mais posso ter esperança? No nada? Em uma outra vida
269
“Autor de poesia campestre” [N. F.]. Aurelio de’ Giorgi Bertola (1753-98), ao qual Foscolo dedica a
ode La campagna em 1794.
270
Alfieri, Saul, V, IV: “Io da gran tempo/nel cuor già ho tutto fermo.”
271
Usou-se “avalanche” em vez de “mar”, para traduzir mare, por causa da imagem suscitada pelo
termo “aterra” que vem em seguida.
171
que difere cabalmente desta? Tomei a decisão. Não odeio desesperadamente a mim
mesmo, nem odeio os vivos. Procuro há muito tempo a paz; e a razão me aponta sempre
a sepultura. Quantas vezes, submerso na meditação de minhas desventuras eu começava
a perder a esperança em mim mesmo! A idéia da morte dissipava a minha tristeza, e eu
sorria com a esperança de não viver mais. Estou tranqüilo, imperturbavelmente
tranqüilo. As ilusões desapareceram, os desejos estão mortos: as esperanças e os
temores deixaram o meu intelecto livre. Não mais mil fantasmas, ora alegres ora tristes,
confundem e desviam minha imaginação: não mais vãos argumentos adulam a minha
razão; tudo é calma. – Arrependimentos quanto ao passado, tédio do presente e temor do
futuro: eis a vida. Apenas a morte, à qual está entregue a sagrada transformação das
coisas, promete paz.”
De Ravena não me escreveu; mas deste outro trecho percebe-se
272
que esteve
naquela semana.
“Não temerariamente, mas com ânimo ponderado e seguro. Quantas tempestades
antes que a Morte pudesse falar assim pacatamente comigo – e eu assim pacato com ela!
Sobre o teu túmulo, Pai Dante! Abraçando-o, aferrei-me ainda mais à minha
determinação. Tu me vistes? Porventura foste tu, Pai, a inspirar-me tanta firmeza de
juízo e de temperamento, quando eu, de joelhos, com a fronte apoiada nos teus
mármores, meditava sobre a tua alma elevada, o teu amor, a ingratidão de tua pátria, o
exílio, a miséria, e a tua mente divina? E me afastei de tua sombra mais resoluto e mais
satisfeito.”
272
Devido à visita ao túmulo de Dante.
172
20
Dois fragmentos sobre a morte. No primeiro, ela é encarada como algo natural,
inevitável; no segundo, como necessidade, para evitar “o perigo de viver um dia mais”.
várias alusões nesses fragmentos: às Noites do poeta inglês Edward Young,
ao poema Alla sera, do próprio Foscolo e ainda ao Macbeth de Shakespeare.
173
Seguono due frammenti scritti forse in quella notte; e pajono gli ultimi.
“Strappiamo la maschera a questa larva che vuole atterrirci. Ho veduto
fanciulli raccapricciare e nascondersi all'aspetto travisato della loro nutrice. O Morte! io
ti guardo e t'interrogo non le cose ma le loro apparenze ci turbano: infiniti uomini che
non s'arrischiano di chiamarti, ti affrontano nondimeno intrepidamente! Tu pure sei
necessario elemento della Natura per me oggimai tutto l'orror tuo si dilegua, e mi
rassembri simile al sonno della sera, quiete dell'opre.
Ecco le spalle di quella sterile rupe che frodano le sottoposte valli del raggio
fecondatore dell'anno. A che mi sto? Se devo cooperare all'altrui felicità, io invece la
turbo: s'io devo consumare la parte di calamità assegnata ad ogni uomo, io già in
ventiquattro anni ho vuotato il calice che avria potuto bastarmi per una lunghissima vita.
E la speranza? Che monta? conosco io forse l'avvenire per fidargli i miei giorni? Ahi
che appunto questa fatale ignoranza accarezza le nostre passioni, ed alimenta l'umana
infelicità.
Il tempo vola; e col tempo ho perduto nel dolore quella parte di vita che due
mesi addietro lusingavasi di conforto. Questa piaga invecchiata è ormai divenuta natura:
io la sento nel mio cuore, nel mio cervello, in tutto me stesso; gronda sangue, e sospira
come se fosse aperta di fresco. Or basta, Teresa, basta: non ti par di vedere in me un
infermo strascinato a lenti passi alla tomba fra la disperazione e i tormenti, e non sa
prevenire con un sol colpo gli strazj del suo destino inevitabile?”
“Tento la punta di questo pugnale: io lo stringo, e sorrido: qui; in mezzo a questo
cuor palpitante e sarà tutto compiuto. Ma questo ferro mi sta sempre davanti! chi chi
osa amarti, o Teresa? Chi osò rapirti? – Fuggimi dunque; non mi ti accostare, Odoardo!
O! mi vado strofinando le mani per lavare la macchia del tuo sangue le fiuto
come se fumassero di delitto. Frattanto eccole immacolate, e in tempo di togliermi in un
tratto dal pericolo di vivere un giorno di più – un giorno solo; un momento – sciagurato!
sarei vissuto troppo.”
174
Seguem dois fragmentos, escritos talvez naquela noite
273
, e que parecem ser os
últimos.
“Arranquemos a máscara deste espectro
274
que quer nos aterrorizar
275
. – Vi
meninos horrorizados se esconderem do aspecto deformado de sua ama-de-leite. Oh
Morte! olho-te e interrogo não são as coisas, mas as aparências que nos perturbam:
inumeráveis homens, que não se arriscam em chamar-te, enfrentam-te, apesar de tudo,
intrepidamente! Tu também és um elemento necessário da Natureza para mim, enfim,
todo o teu horror se dissipa, e me pareces igual ao sono da noite
276
, ao descanso depois
do trabalho.
Eis o dorso daquele rochedo estéril, ocultando os vales sobestantes do raio
fecundante do ano. Que espero? Se devo cooperar com a felicidade alheia, eu, ao
contrário, a perturbo: se devo consumir a parte de calamidade destinada a cada homem,
eu, com 24 anos, já esvaziei o cálice que poderia ter-me bastado por uma longa vida. E a
esperança? De que adianta? Conheço, talvez, o porvir para confiar-lhe os meus dias?
Ai, é precisamente essa ignorância fatal o que afaga as nossas paixões, e alimenta a
infelicidade humana.
O tempo voa, e com o tempo eu perdi na dor aquela parte da vida que dois meses
atrás se iludia pelo consolo. Esta chaga envelhecida tornou-se, enfim, natureza: eu a
sinto no coração, no cérebro, em todo o meu ser; goteja sangue, e geme como se
estivesse aberta pouco. Agora basta, Teresa, basta: não te pareço um enfermo que
se arrasta a passos lentos para a tumba, entre o desespero e os tormentos, e que não
consegue evitar com um só golpe, as agonias de seu destino inevitável?”
273
Refere-se ao dia 19 de março.
274
Larva”, no original. Cf. nota 205.
275
Referência às Noites, de Young: “L’uomo, che è formato di coraggio, strappa alla calamità quella
maschera spaventevole, con cui essa ci atterrisce.” (Tradução de Francesco Alberti.) [“O homem, que
é formado de coragem, arranca à calamidade aquela máscara assustadora, com a qual nos aterroriza.”].
A. Valentinetti, in U. Foscolo, 1993, p. 205.
276
“Forse perché della fatal quïete / Tu sei l’immago a me sì cara vieni / O sera!” [“Talvez porque da fatal
quietude / Tu sejas a imagem que a mim tão cara vem. / Ó noite!”] Soneto de Foscolo, Alla Sera, 1-3.
175
“Toco a ponta deste punhal: e o aperto, e sorrio: aqui, no meio deste coração
palpitante e tudo estará acabado. Este ferro está sempre diante de mim! quem ousa
amar-te, ó Teresa? Quem te ousou raptar? – Afasta-te de mim, não te aproximes,
Odoardo!
Oh! Esfrego as mãos para lavar a mancha do teu sangue – sinto como se
cheirassem a crime.
277
Entretanto, estão ainda imaculadas, e prontas para afastar de vez
de mim o perigo de viver um dia mais. Um dia apenas! Um momento! Desventurado!
Teria vivido demais.”
277
Referência a Lady Macbeth, que procurava lavar a mancha de sangue dos crimes que ordenara: “Aqui,
sempre uma mancha de sangue. [...] Como! Estas mãos nunca ficarão limpas? [...] Há aqui sempre um
cheiro de sangue.” W. Shakespeare, Macbeth, in Shakespeare Tragédias, Tradução de F. Carlos de
Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pp. 179-80.
176
21
Na próxima passagem, continuação da carta do dia 20 de março, Lorenzo narra a
ida de Jacopo a Veneza, e o seu encontro. Trata da visita que Jacopo fez à mãe, e de
outras que fez como forma de despedida.
Nota-se, como aponta Bonino
278
, a intensidade expressiva nas palavras e nos
gestos de Jacopo: Jacopo apertou-lhe a mão e a olhava como se quisesse contar-lhe
um segredo [...]. Ao chegar ao final da rua, voltou-se, acenou para nós, e nos olhou
com tristeza.
referências nessas passagens à primeira parte do romance, como se o autor
quisesse unir duas partes da vida da personagem: os momentos de esperança do começo
do livro com o desespero do final.
278
In U. Foscolo, 1986, p. 183.
177
A mezzanotte suonata si partì per le poste da' colli Euganei: e arrivato su la
marina alle 8 del giorno, si fe' traghettare da una gondola a Venezia sino alla sua casa.
Quand'io vi giunsi lo trovai addormentato sopra un sofà e di un sonno tranquillo. Come
fu desto, mi pregò perché io spicciassi alcune sue faccende, e saldassi un suo debito a
certo librajo. Non posso, mi diss'egli, trattenermi qui che tutt'oggi.
Benché fossero quasi due anni ch'io nol vedeva, la sua fisionomia non mi parve
tanto alterata quant'io m'aspettava; ma poi m'accorsi che andava lento e come
strascinandosi; la sua voce, un tempo pronta e maschia, usciva a fatica e dal petto
profondo. Sforzavasi nondimeno di discorrere; e rispondendo a sua madre intorno al
suo viaggio, sorridea spesso di un mesto sorriso tutto suo: ma avea un'aria circospetta,
insolita in lui. Avendogli io detto che certi suoi amici sarebbero venuti quel dì a
salutarlo, rispose, che non vorrebbe rivedere anima nata; anzi scese egli stesso ad
avvertire alla porta perché si dicesse ch'ei non accoglierebbe visite. E risalendo mi
disse; Spesso ho pensato di non dare a te a mia madre tanto dolore; ma io avevo
pur obbligo e anche bisogno di rivedervi e questo, credimi, è l'esperimento più forte
del mio coraggio.
Poche ore prima di sera, si alzò, come per partire; ma non gli sofferiva il cuore
di dirlo. Sua madre gli si approssimò, e mentr'ei rizzandosi dalla seggiola andavale
incontro con le braccia aperte, essa con volto rassegnato gli disse: Hai dunque risoluto,
mio caro figliuolo?
Sì, sì; le rispose abbracciandola e frenando a stento le lagrime.
Chi sa se potrò più rivederti? io sono oramai vecchia e stanca. –
Ci rivedremo, forse – mia cara madre, consolatevi, ci rivedremo – per non
lasciarci mai più; ma adesso: – ne può far fede Lorenzo.
Ella si volse impaurita verso di me, ed io, Pur troppo! le dissi. E le narrai come
le persecuzioni tornavano a incrudelire per la guerra imminente; e che il pericolo
sovrastava a me pure, massime dopo quelle lettere che ci furono intercette: (e non
erano falsi sospetti; perché dopo pochi mesi fui costretto ad abbandonare la patria
mia). Ed essa allora esclamò: Vivi mio figliuolo, benché lontano da me. Dopo la morte
di tuo padre non ho più avuto un'ora di bene; sperava di consolare teco la mia
vecchiezza! – ma sia fatta la volontà del Signore. Vivi! io scelgo di piangere senza di te,
piuttosto che vederti – imprigionato – morto. I singhiozzi le soffocavano la parola.
Jacopo strinse la mano e la guardava come se volesse affidarle un secreto; ma
ben tosto si ricompose, e le chiese la sua benedizione.
178
Ed ella alzando le palme: Ti benedico Ti benedico; e piaccia anche a Dio
Onnipotente di benedirti.
Avvicinatisi alla scala s'abbracciarono. Quella donna sconsolata appoggiò la
testa sul petto del suo figliuolo.
Scesero, ed io con loro; la madre come giunsero all'uscio di casa, e vide l'aria
aperta, sollevò gli occhi, e li tenne fissi al cielo per due o tre minuti, e parea che
pregasse mentalmente con tutto il fervore dell'anima sua; e che quell'atto le avesse
ridato la prima rassegnazione. E senza versare più lagrima, benedisse di nuovo con
voce sicura il figliuolo; ed ei le ribaciò la mano, e la baciò in volto.
Io stava piangente: dopo avermi abbracciato, mi promise di scrivermi, e mosse
il passo, dicendomi: Presso alla madre mia ti sovverrai santamente della nostra amicizia.
E rivoltosi alla madre, la guardò un pezzo senza far motto; e partì. Giunto in fondo alla
strada, si rivolse, e ci salutò con la mano e ci mirò mestamente, come se volesse dirci
che quello era l'ultimo sguardo.
La povera madre ristette su la porta quasi sperando ch'ei tornasse a risalutarla.
Ma togliendo gli occhi lagrimosi dal luogo dond'ei se l'era dileguato, s'appoggiò al mio
braccio e risaliva dicendomi: Caro Lorenzo, mi dice il cuore che non lo rivedremo mai
più.
Un vecchio sacerdote di assidua famigliarità nella casa dell'Ortis, e che gli era
stato maestro di greco, venne quella sera e ci narrò, come Jacopo era andato alla
chiesa dove Lauretta fu sotterrata. Trovatola chiusa, voleva farsi aprire a ogni patto
dal campanaro; e regalò un fanciullo del vicinato perché andasse a cercare del
sagrestano che aveva le chiavi. S'assise, aspettando, sopra un sasso nel cortile. Poi si
levò e s'appoggiò con la testa su la porta della chiesa. Era quasi sera; quando
accorgendosi di gente nel cortile, senza più aspettare, si dileguò. Il vecchio sacerdote
aveva risaputo queste cose dal campanaro. Seppi alcuni giorni dopo, che Jacopo sul
fare della notte era andato a visitare la madre di Lauretta. Era, mi diss'ella, assai tristo;
non mi parlò mai della mia povera figliuola, io l'ho nominata mai per non accorarlo
di più: scendendo le scale, mi disse: Andate, quando potrete, a consolare mia madre.
E intanto la madre di lui fu in quella sera atterrita di più fiero presentimento. Io
nell'autunno scorso, trovandomi a' colli Euganei, aveva letto in casa del signore T***
parte d'una lettera nella quale Jacopo tornava con tutti i pensieri alla sua solitudine
paterna. E allora Teresa rappresentò a chiaroscuro la prospettiva del laghetto de'
cinque fonti, e accennò sul pendio d'un poggetto l'amico suo che sdrajato su l'erba
179
contempla il tramontare del Sole. Richiese d'alcun verso per iscrizione il padre suo, e le
fu da lui suggerito questo di Dante:
Libertà va cercando ch'è sì cara
Mandò poscia in dono il quadretto alla madre di Jacopo, raccomandandosi che
non gli dicesse mai donde veniva; infatti egli non l'avea mai risaputo: ma quel giorno
ch'ei fu in Venezia s'accorse del quadretto appeso, e di chi lo aveva fatto; non ne fe'
motto: bensì rimastosi nella camera tutto solo, smosse il cristallo, e sotto al verso:
Libertà va cercando ch'è sì cara
scrisse l'altro che gli vien dietro:
Come sa chi per lei vita rifiuta.
E fra il cristallo e la scannellatura di dentro della cornice trovò una lunga
treccia di capelli che Teresa, alcuni giorni prima delle sue nozze, s'era tagliati senza
che veruno il sapesse, e ripostili nella cornice in guisa che non trasparissero ad occhio
vivente. L'Ortis a que' capelli congiunse, quando li vide, una ciocca de' suoi e gli
annodò insieme col nastro nero che portava attaccato all'oriuolo; e rimise il quadretto
a suo posto. Poche ore dopo, la madre sua vide il verso aggiunto, s'avvide anche della
treccia, e della ciocca e del nodo nero ch'ei forse disavvedutamente o per fretta non
aveva potuto rimpiattare che non paresse. Il seguente me ne parlò; ed io vidi come
questo accidente le aveva prostrato il coraggio con che dianzi essa avea sostenuta la
partenza del suo figliuolo.
Onde per acquetarla mi deliberai di accompagnarlo sino ad Ancona; e promisi
che le scriverei giornalmente. Esso frattanto tornavasi a Padova, e smontò in casa del
professore C***, dove riposò il resto della notte. La mattina accomiatandosi, gli furono
dal professore esibite lettere per alcuni gentiluomini delle isole già Venete i quali nel
tempo addietro gli erano stati discepoli. Jacopo le accettò, le rifiutò. Tornò a
piedi a' colli Euganei, e ricominciò a scrivere.
180
Pouco depois de meia-noite, partiu com a posta das colinas Eugâneas. Chegou
às oito da manhã à marina de Veneza, e fez com que o levassem de gôndola até a sua
casa. Quando ali cheguei, vi-o dormindo em um sofá, um sono tranqüilo. Assim que
despertou, pediu-me para que resolvesse alguns assuntos para ele, e que saldasse uma
dívida sua com um livreiro.
Só posso me demorar aqui hoje, disse-me ele.
Embora não o visse havia quase dois anos, sua aparência não me pareceu tão
alterada quanto eu imaginava; mas, depois, percebi que se movia lentamente, como se
arrastando; sua voz, outrora viva e viril, custava a sair, e do fundo do peito. Esforçava-
se, contudo, para falar, e ao contar para sua mãe sobre a viagem, sorria sempre um
sorriso triste que era todo seu: mas ele tinha um ar circunspecto, insólito nele. Quando
lhe disse que certos amigos seus viriam cumprimentá-lo naquele dia, respondeu que
não queria rever viv’alma; e mais, ele mesmo desceu para advertir os criados à porta
que dissessem que ele não receberia visitas. E ao subir de volta, disse-me:
Sempre cuidei em não causar, nem a ti, nem à minha mãe, tanta dor; mas
ainda tinha obrigação e também necessidade de rever-vos e isso, crê, é a prova mais
valorosa da minha coragem.
Poucas horas antes do anoitecer, levantou-se, como se fosse partir, mas o
coração não lhe permitiu dizê-lo. Sua mãe se aproximou, e enquanto ele se levantava
da cadeira e ia-lhe ao encontro de braços abertos, ela, com expressão resignada, lhe
dizia:
Decidiste, então, meu filho querido?
Sim, sim! respondeu-lhe, abraçando-a e contendo as lágrimas com
dificuldade.
Quem sabe se ainda te poderei rever? Já estou velha e cansada.
Talvez nos vejamos de novo para nunca mais nos afastarmos, minha querida
mãe. Consola-te, haveremos de nos reencontrar; mas agora... Lorenzo é testemunha.
Ela voltou-se assustada para mim, e eu:
Infelizmente! disse-lhe.
E lhe contei como as perseguições voltavam a encrudescer pela guerra
iminente; que o perigo pairava também sobre mim, principalmente depois daquelas
181
cartas que foram interceptadas
279
(e não eram falsas suspeitas; porque depois de
poucos meses fui obrigado a abandonar a minha pátria). E ela então exclamou:
— Vive meu filho, mesmo longe de mim. Depois da morte de teu pai nunca mais
tive um momento feliz; esperava que tu consolasses a minha velhice! Mas seja feita a
vontade do Senhor. Vive! Prefiro chorar sem ti, do que te ver prisioneiro ou morto.
Os soluços lhe sufocavam as palavras. Jacopo apertou-lhe a mão e a olhava
como se quisesse confiar-lhe um segredo; mas, rapidamente, se recompôs, e lhe pediu a
benção.
E ela, levantando as palmas:
— Abençôo-te – abençôo-te; e queira Deus Onipotente abençoar-te também.
Aproximaram-se da escada e se abraçaram. Aquela mulher, desolada, apoiou a
cabeça no peito do filho.
Desceram, e eu os segui; a mãe, assim que chegou à porta, aberta, levantou
os olhos, e os manteve fixos no céu por dois ou três minutos. Parecia rogar em silêncio
com todo o fervor de sua alma; e que aquele ato lhe tinha devolvido sua primeira
resignação. E sem derramar mais lágrimas, abençoou de novo com voz segura o filho;
e ele tornou a beijar-lhe a mão, e a beijou no rosto.
Eu estava chorando: depois de me ter abraçado, prometeu-me escrever; pôs-se
a andar, dizendo-me:
— Junto a minha mãe, te lembrarás santamente da amizade entre mim e ti.
E voltou-se para ela; olhou-a por muito tempo sem proferir palavra, e partiu.
Ao chegar ao final da rua, voltou-se, acenou para nós, e nos olhou com tristeza, como
se quisesse dizer-nos que aquele era o último olhar.
A pobre mãe ficou à porta, como a esperar que ele voltasse para cumprimentá-
la. Mas, desviando os olhos marejados do lugar de onde ele desaparecera, apoiou-se
em meu braço e subiu de novo, dizendo-me:
Caro Lorenzo, diz-me o coração que não o veremos nunca mais.
Um velho sacerdote de assídua familiaridade na casa de Ortis, e que lhe tinha
sido professor de grego, veio aquela noite e nos contou que Jacopo tinha ido à igreja
onde Lauretta fora enterrada. Encontrando-a fechada, queria de qualquer modo que o
sineiro a abrisse; e presenteou um menino da vizinhança para que fosse procurar o
279
Referência à carta de 27 de outubro de 1798.
182
sacristão que tinha as chaves. Ficou a esperar, sentado em uma pedra, no pátio. Depois
se levantou e apoiou a cabeça na porta da igreja. Era quase noite quando, ao perceber
gente no pátio, sem esperar mais, desapareceu. O velho sacerdote soube dessas coisas
pelo sineiro. Eu soube, alguns dias depois, que Jacopo, ao anoitecer, tinha ido visitar a
mãe de Lauretta.
Estava, disse-me ela, assaz triste; não falou de minha pobre filha, nem eu falei
dela para não amargurá-lo mais; ao descer as escadas, me disse: “Vá, quando puder,
consolar a minha mãe.”
Entretanto, naquela noite, a mãe dele foi aterrorizada pelo mais cruel
pressentimento. No outono passado, encontrando-me nas colinas Eugâneas, tinha lido
na casa do senhor T*** parte de uma carta
280
na qual Jacopo retomava seus
pensamentos sobre sua solidão paterna
281
. Então, Teresa representou em claro-escuro
a perspectiva do laguinho das cinco fontes, e apontou no declive de uma colinazinha o
seu amigo, que deitado sobre o prado contemplava o pôr-do-sol. Pediu ao pai um verso
para servir de epígrafe, e ele lhe sugeriu este de Dante:
Tão cara liberdade vai buscando
282
Mandou, em seguida, o quadrinho de presente para a mãe de Jacopo,
recomendando a ela que nunca dissesse ao filho a origem; de fato, ele nunca soube:
mas, aquele dia em foi a Veneza percebeu o quadrinho pendurado, e quem o havia
feito; não deu sinal, mas ao ficar sozinho no quarto, tirou o cristal, e debaixo do verso
Tão cara liberdade vai buscando
escreveu o outro que o segue:
Quem por ela enjeitou a própria vida
283
280
“Carta de Florença, 7 de setembro, tomo 2, p. 7” [N. F.]
281
A expressão “solidão paterna” é duvidosa: “paterna” referir-se-ia à “terra dos pais” e não,
propriamente, ao pai de Jacopo; uma analogia com a “solidão antiga” da primeira carta do
romance. Cf. A. Valeninetti, in Foscolo, 1993, p. 214.
282
Dante, “Purgatório”, I, 71.
183
Entre o cristal e a canelura interna da moldura encontrou uma longa trança dos
cabelos de Teresa, que ela tinha cortado sem que ninguém soubesse alguns dias antes
das suas núpcias, e colocado ali de modo que não transparecesse aos olhos de
ninguém. Ortis, quando os viu, uniu àqueles cabelos um cacho dos seus e atou os dois
com uma fita
284
preta que levava amarrada ao relógio. E colocou o quadrinho de volta.
Poucas horas depois, a mãe dele viu o verso acrescentado: percebeu também a trança,
o cacho e o nó preto, que ele talvez, por descuido ou pressa, não tinha podido esconder
de forma que não aparecesse. Ela mo contou no dia seguinte; e eu percebi como esse
incidente lhe havia esmorecido a coragem com que antes suportara a partida do filho.
Assim, para acalmá-la me prontifiquei a acompanhá-lo até Ancona; e prometi
que escreveria a ela todos os dias. Entretanto, ele voltava a Pádua, e chegou à casa do
professor C***
285
, onde repousou pelo resto da noite. Despedindo-se pela manhã, o
professor mostrou-lhe cartas para alguns cavalheiros das antigas ilhas Vênetas, que
tempos atrás tinham sido seus discípulos. Jacopo nem as aceitou, nem as rejeitou.
Voltou a pé para as Colinas Eugâneas, e recomeçou a escrever.
283
Dante, “Purgatório”, I, 72. Esse verso e o anterior formavam a epígrafe da edição de 1816 das Ultime
lettere.
284
Alusão ao Werther: o protagonista morre tendo ao bolso uma fita que Carlota lhe havia dado.
285
Referência a Melchiorre Cesarotti (1730-1808), professor na Universidade de Pádua e tradutor: havia
sido professor de Foscolo.
184
22
Nos instantes finais da narração de Lorenzo, Jacopo lhe faz os últimos pedidos.
Em seguida, lemos a terceira e última parte da carta que Jacopo escreve a Teresa, na
qual recorda os momentos e os lugares onde estiveram juntos.
No final, a cena do suicídio é descrita por meio do testemunho do criado
Michele, do pai de Teresa e do próprio Lorenzo. Essa descrição e todas as atitudes de
Jacopo, bem como a roupa por ele usada e o lugar em que deseja ser enterrado,
assemelham-se a um ritual, como se fosse uma pintura da época
286
[FIGURA 6].
286
Cf. nota 296.
185
Allora sotto la lettera che la mattina avea apparecchiata per me, aggiunse questo
proscritto:
Poiché non ho potuto risparmiarti il cordoglio di prestarmi gli ufficj supremi - e
già m'era, prima che tu venissi, risolto di scriverne al parroco - aggiungi anche questa
ultima pietà ai tanti tuoi beneficj. Fa ch'io sia sepolto, così come sarò trovato, in un sito
abbandonato, di notte senza esequie, senza lapide, sotto i pini del colle che guarda la
chiesa. Il ritratto di Teresa sia sotterrato col mio cadavere.
25 Marzo, 1799
L'amico tuo,
JACOPO ORTIS
Uscì nuovamente: e trovandosi alle ore 11 appiè di un monte due miglia
discosto dalla sua casa, bussò alla porta di un contadino, e lo destò domandandogli
dell'acqua, e ne bevve molta.
Ritornato a casa dopo la mezzanotte, uscì tosto di stanza, e porse al ragazzo una
lettera sigillata per me, raccomandandogli di consegnarla a me solo. E stringendogli la
mano: Addio Michele! amami; e lo mirava affettuosamente - poi lasciatolo a un tratto,
rientrò, serrandosi dietro la porta. Continuò la lettera per Teresa.
Ore 1
Ho visitato le mie montagne, ho visitato il lago de' cinque fonti, ho salutato per
sempre le selve, i campi, il cielo. O mie solitudini! o rivo, che mi hai la prima volta
insegnato la casa di quella fanciulla celeste! quante volte ho sparpagliato i fiori su le tue
acque che passavano sotto le sue finestre! quante volte ho passeggiato con Teresa per le
tue sponde, mentr'io inebbriandomi della voluttà di adorarla, vuotava a gran sorsi il
calice della morte.
Sacro gelso! ti ho pure adorato; ti ho pure lasciati gli ultimi gemiti, e gli ultimi
ringraziamenti. Mi sono prostrato, o mia Teresa, presso a quel tronco; e quell'erba ha
dianzi bevute le più dolci lagrime ch'io abbia versato mai; mi pareva ancora calda
186
dell'orma del tuo corpo divino; mi pareva ancora odorosa. Beata sera! come tu sei
stampata nel mio petto! - io stava seduto al tuo fianco, o Teresa, e il raggio della luna
penetrando fra i rami illuminava il tuo angelico viso! io vidi scorrere su le tue guance
una lagrima; e la ho succhiata, e le nostre labbra, e i nostri respiri, si sono confusi, e
l'anima mia si trasfondea nel tuo petto. Era la sera de' 13 Maggio era giorno di giovedì.
Da indi in qua non è passato momento ch'io non mi sia confortato con la ricordanza di
quella sera: mi sono reputato persona sacra, e non ho degnata più alcuna donna di un
guardo credendola immeritevole di me - di me che ho sentita tutta la beatitudine di un
tuo bacio.
T'amai dunque t'amai, e t'amo ancor di un amore che non si può concepire che da
me solo. È poco prezzo, o mio angelo, la morte per chi ha potuto udir che tu l'ami, e
sentirsi scorrere in tutta l'anima la voluttà del tuo bacio, e piangere teco - io sto col piè
nella fossa; eppure tu anche in questo frangente ritorni, come solevi, davanti a questi
occhi che morendo si fissano in te, in te che sacra risplendi di tutta la tua bellezza. E fra
poco! Tutto è apparecchiato; la notte è già troppo avvanzata - addio - fra poco saremo
disgiunti dal nulla, o dalla incomprensibile eternità. Nel nulla? Sì. - Sì, sì; poiché sarò
senza di te, io prego il sommo Iddio, se non ci riserba alcun luogo ov'io possa riunirmi
teco per sempre, le prego dalle viscere dell'anima mia, e in questa tremenda ora della
morte, perché egli m'abbandoni soltanto nel nulla. Ma io moro incontaminato, e padrone
di me stesso, e pieno di te, e certo del tuo pianto! Perdonami, Teresa, se mai - ah
consolati, e vivi per la felicità de' nostri miseri genitori; la tua morte farebbe maledire le
mie ceneri.
Che se taluno ardisse incolparti del mio infelice destino, confondilo con questo
mio giuramento solenne ch'io pronunzio gittandomi nella notte della morte: Teresa è
innocente. - Ora tu accogli l'anima mia.
Il ragazzo, che dormiva nella camera contigua all'appartamento di Jacopo, fu
scosso come da un lungo gemito: tese l'orecchio per sincerarsi s'ei lo chiamava; aprì la
finestra sospettando ch'io avessi gridato all'uscio, da che stava avvertito ch'io sarei
tornato sul far del dì; ma chiaritosi che tutto era quiete e la notte ancor fitta, tornò a
coricarsi e si addormentò. Mi disse poi che quel gemito gli aveva fatto paura: ma che
non vi badò più che tanto perché il suo padrone soleva alle volte smaniare fra il sonno.
La mattina, Michele dopo aver bussato e chiamato un pezzo alla porta,
sconficcò il chiavistello; e non udendosi rispondere nella prima camera, s'innoltrò
187
perplesso; e al chiarore della lucerna che ardeva tuttavia, gli si affacciò Jacopo
agonizzante nel proprio sangue. Spalancò le finestre chiamando gente, e perché
nessuno accorreva, s'affrettò a casa del chirurgo, ma non lo trovò perché assisteva a un
moribondo; corse al parroco, ed anch'esso era fuori per lo stesso motivo. Entrò ansante
nel giardino di casa T*** mentre Teresa scendeva per uscire di casa con suo marito, il
quale appunto dicevale come dianzi avea risaputo che in quella notte Jacopo non era
altrimenti partito; ed ella sperò di potergli dire addio un'altra volta: e scorgendo il
servo da lontano voltò il viso verso il cancello donde Jacopo soleva sempre venire, e
con una mano si sgombrò il velo che cadevale sulla fronte, e rimirava intentamente,
costretta da dolorosa impazienza di accertarsi s'ei pur veniva: e le si accostò a un tratto
Michele domandando aiuto, perché il suo padrone s'era ferito, e che non gli parea
ancora morto: ed essa ascoltavalo immobile con le pupille fitte sempre verso il
cancello: poi senza mandare lagrima parola, cascò tramortita fra le braccia di
Odoardo.
Il signore T*** accorse sperando di salvare la vita del suo misero amico. Lo
trovò steso sopra un sofà con tutta quasi la faccia nascosta fra' cuscini: immobile, se
non che ad ora ad ora anelava. S'era piantato un puguale sotto la mammella sinistra
ma se l'era cavato dalla ferita, e gli era caduto a terra. Il suo abito nero e il fazzoletto
da collo stavano gittati sopra una sedia vicina. Era vestito del gilè, de' calzoni lunghi e
188
come se pentitosi della prima lettera ne avesse incominciata un'altra che non gli bastò
il cuore di continuare.
Appena io giunsi da Padova ove m'era convenuto indugiare più ch'io non
voleva, fui sopraffatto dalla calca de' contadini che s'affollavano muti sotto i portici del
cortile; ed altri mi guardavano attoniti, e taluno mi pregava che non salissi. Balzai
tremando nella stanza, e mi s'appresentò il padre di Teresa gettato disperatamente
sopra il cadavere; e Michele ginocchione con la faccia per terra. Non so come ebbi
tanta forza d'avvicinarmi e di porgli una mano sul cuore presso la ferita; era morto,
freddo. Mi mancava il pianto e la voce; ed io stava guardando stupidamente quel
sangue: finché venne il parroco e subito dopo il chirurgo, i quali con alcuni famigliari
ci strapparono a forza dal fiero spettacolo. Teresa visse in tutti que' giorni fra il lutto
de' suoi in un mortale silenzio. - La notte mi strascinai dietro al cadavere che da tre
lavoratori fu sotterrato sul monte de' pini.
189
Então, ao final da carta que pela manhã havia preparado para mim, acrescentou
este pós-escrito
287
.
que não pude poupar-te da dor profunda de prestar-me os ofícios extremos
antes que viesses, já havia decidido escrever ao pároco –, acrescenta esta última piedade
aos teus tantos benefícios. Faças com que eu seja sepultado, da maneira que me
encontrarem, num lugar ermo, à noite, sem exéquias, sem lápide, debaixo dos pinheiros
da colina que mira a igreja. Que o retrato de Teresa seja enterrado com o meu cadáver.
25 de março de 1799.
Teu amigo,
JACOPO ORTIS
Ele saiu novamente: e encontrando-se às 11 horas aos pés de um monte duas
milhas distante de sua casa, bateu à porta de um camponês, e o acordou pedindo-lhe
água, e bebeu muita
288
.
De regresso à casa, depois de meia-noite, logo saiu do aposento e entregou ao
moço uma carta selada para que ma enviasse, recomendando-lhe entregá-la apenas a
mim. E apertando-lhe a mão:
Adeus Michele! Não deixes de querer-me bem, e o olhava carinhosamente.
Depois, deixando-o de repente, voltou a entrar, e trancou a porta atrás de si.
Continuou a carta para Teresa.
1 hora
Voltei a ver minhas montanhas e o lago das cinco fontes
289
, saudei pela última
vez as matas, os campos, o céu. Oh minha solidão! Oh regato, que pela primeira vez me
287
Em U. Foscolo, 1998, p. 148 e na edição eletrônica, está “proscritto”. Trata-se de um evidente erro
tipográfico. As outras edições consultadas grafaram “poscritto”.
288
Beber muita água”, naquela hora da noite, poderia significar uma espécie de purificação antes do
suicídio. Há um contraste aqui entre a água, como fonte de vida, e a noite como símbolo da morte. Cf.
G. D. Bonino, in Foscolo, 1986, p. 185.
190
mostraste o caminho para a casa daquela moça celestial! Quantas vezes esparramei
flores sobre tuas águas que passavam debaixo das janelas dela! Quantas vezes passeei
com Teresa pelas tuas margens, enquanto eu, enebriando-me da volúpia de adorá-la,
esvaziava com sofreguidão o cálice da morte.
Sagrada amoreira!
290
Eu te adorei, deixei para ti os últimos gemidos e os últimos
agradecimentos. Prostrei-me, ó minha Teresa, junto àquele tronco; e esse prado
pouco, bebeu as mais doces lágrimas que já derramei; parecia-me ainda quente da marca
do teu corpo divino; e ainda perfumado. Bendita noite
291
! Como ficaste impressa em
meu peito! Estava eu sentado ao teu lado, Teresa; e o luar, penetrando por entre os
ramos, iluminava o teu rosto angelical! Eu vi escorrer pelas tuas faces uma lágrima,
sorvi-a, e os nossos lábios e os nossos suspiros se confundiram, e minh’alma se
transfundia no teu peito. Era a noite de 13 de maio, era uma quinta-feira. Desde então
não houve um momento em que eu não me tenha consolado com a recordação
daquela noite: passei a considerar-me santo, e não mais voltei o meu olhar para qualquer
outra mulher; olhei outras mulheres, por julgar que não eram merecedoras de mim, de
mim que senti toda a benção de um beijo teu.
Amei-te, então; amei-te, e amo-te ainda com um amor que não pode ser
concebido, a não ser por mim mesmo. O preço, meu anjo, é pouco: a morte, para quem
ouviu de teus lábios que o amas, e pôde sentir escorrer pela alma a volúpia do teu beijo,
e chorar contigo. Tenho um pé na cova, e todavia, nesta hora extrema
292
, te voltas, como
costumavas, diante destes olhos meus, que morrendo se cravam em ti, em ti, que
sagrada resplandeces em toda a tua beleza. E dentro em pouco! Tudo está pronto; é
noite alta adeus dentro em pouco estaremos afastados pelo nada, ou pela
incompreensível eternidade
293
. Pelo nada? Sim. Sim, sim; que estarei sem ti, rogo
ao Deus supremo que, se não guardar um lugar onde eu posso reunir-me contigo para
todo o sempre, rogo-Lhe das entranhas de minh’alma, e nesta hora terrível da morte,
289
Lugar em que Jacopo e Teresa estiveram, e que foi retratado por ela.
290
Referência à carta de 14 de maio de 1798. O lugar do primeiro e único beijo.
291
Ainda referência à carta mencionada na nota anterior.
292
Usou-se aqui um verso de Gonçalves Dias: “Negou-me nesta hora extrema, / Por extrema despedida”.
“Ainda uma vez, Adeus!”, XVII. No original, “frangente”, “momento difícil”.
293
Todo esse parágrafo remete ao soneto de Foscolo Alla sera. Como acontece com freqüência, Foscolo
cita e parafraseia a si próprio.
191
para que me abandone no vazio simplesmente. Mas morro incontaminado
294
, e dono de
mim mesmo, e pleno de ti, e certo do teu pranto! Perdoa-me, Teresa, se acaso ... ah!
consola-te, e vive pela felicidade de nossos míseros pais; tua morte seria a maldição
para as minhas cinzas.
Se alguém ousar culpar-te da minha sorte infeliz, contesta-o com este juramento
solene, que pronuncio, ao lançar-me na noite da morte: Teresa é inocente
295
. Agora,
acolhe minh’alma.
O moço, que dormia no quarto contíguo ao de Jacopo, foi sacudido como se
ouvisse um prolongado gemido: apurou o ouvido para certificar-se de que ele não o
chamava; abriu a janela suspeitando que eu tivesse gritado da porta, pois sabia que eu
voltaria ao amanhecer; mas, certificando-se de que estava tudo quieto e a noite ainda
escura, voltou a deitar-se e adormeceu. Disse-me depois que aquele gemido o havia
assustado, mas que não tinha dado muita atenção a isso, porque seu patrão costumava,
às vezes, agitar-se durante o sono.
De manhã, Michele, depois de ter batido e chamado por muito tempo à porta,
arrombou o ferrolho; e não obtendo resposta na antecâmara, adentrou perplexo; e à
claridade da candeia que contudo continuava a arder, apareceu-lhe Jacopo agonizando
no próprio sangue. Escancarou as janelas chamando gente, e que ninguém acorria,
apressou-se à casa do cirurgião, mas não o encontrou porque assistia um moribundo;
correu ao pároco, e este também estava fora pelo mesmo motivo. Entrou ofegante no
jardim da casa T*** enquanto Teresa descia para sair de casa com o marido, que
precisamente lhe dizia saber que Jacopo não partira ainda, e ela esperou poder-lhe
dizer mais uma vez adeus: e ao avistar de longe o criado, voltou o rosto para o portão
por onde Jacopo costumava vir; com a mão, afastou o véu que lhe caía na testa, e
observava atentamente, forçada por uma dolorosa impaciência a certificar-se se ele
vinha mesmo. Mas, de repente, Michele se aproximou pedindo ajuda, porque o patrão
havia se ferido, e não lhe parecia ainda morto. Ela o escutava imóvel com as retinas
294
Incontaminado: adjetivo muito usado por Jacopo, com osignificado de “fiel a seus ideais até o fim”.
Cf. P. Mattei, in Foscolo, 1998, p. 149.
295
O suicídio, no caso de Ortis, não se apenas por razões de amor, mas sim, como um gesto de reação
contra uma sociedade opressora. Por isso Teresa é inocente. Cf. A. Valentinetti, in Foscolo, 1998, p.
149.
192
sempre voltadas para o portão; depois, sem nenhuma lágrima, sem nenhuma palavra,
caiu desfalecida nos braços de Odoardo.
O senhor T*** acudiu esperando salvar a vida de seu infeliz amigo. Encontrou-
o deitado em um sofá
296
, com o rosto quase todo escondido entre os travesseiros;
imóvel, a não ser quando ofegava de quando em quando. Havia cravado um punhal no
lado esquerdo do peito, mas o arrancara da ferida e este caíra ao chão. Suas vestes
pretas e o lenço de colo estavam jogados numa cadeira ao lado. Vestia colete, calças
compridas e botas, e tinha uma faixa muito larga de seda na cintura, cuja ponta pendia
ensangüentada, porque, talvez, ao morrer tentara tirá-la do corpo. O senhor T***
levantou-lhe a camisa com cuidado, pois ensopada de sangue havia grudado na ferida.
Jacopo ressentiu-se, e ergueu o rosto voltando-o para o senhor T***; fitando-o com os
olhos mergulhados na morte, estendeu um braço, como se quisesse detê-lo, e, com o
outro, tentava apertar-lhe a mão
297
mas tornou a cair-lhe a cabeça no travesseiro;
ergueu os olhos para o céu e expirou.
A ferida era muito larga e profunda e, embora não lhe tivesse atingido o
coração, ele apressou a própria morte deixando o sangue correr como um rio pelo
quarto. Pendia-lhe do pescoço o retrato de Teresa, negro de sangue, a não ser pelo
meio, que estava limpo; e os lábios ensangüentados de Jacopo davam a entender que
ele, na agonia, havia beijado a imagem de sua amiga. Sobre o escritório, havia uma
Bíblia fechada, e sobre ela o relógio; ao lado, várias folhas brancas; numa delas estava
escrito: “Minha querida mãe”: das poucas linhas riscadas, podia-se apenas perceber
“expiação”; e, mais abaixo: “de pranto eterno”. Em outra folha, lia-se apenas o
endereço da mãe, como se, arrependido da primeira carta, houvesse começado outra
que não teve coragem de continuar.
Assim que cheguei de Pádua, onde me entretivera mais do que queria, fui
dominado pela multidão de camponeses que se acotovelavam mudos debaixo dos
pórticos do pátio; outros me olhavam atônitos, e alguns me rogavam para que eu não
subisse. Lancei-me tremendo no quarto, e apareceu-me o pai de Teresa, desesperado,
296
Cena que lembra o quadro de Henry Wallis, A morte de Chatterton (1856). Thomas Chatterton (1752-
1770) foi um poeta que, a exemplo de MacPherson, forjou poemas medievais. Sua vida e a morte pelo
suicídio fez dele um dos ícones do Romantismo. Matou-se quatro anos antes da publicação do
Werther.
297
“[...] a morte não foi imediata [...] mas Catão, reavendo a consciência, afastou-o [o médico], [...]
lacerou de novo a ferida e espirou.” Plutarco, Vita di Catone ucitense, LXX, p. 157.
193
sobre o cadáver; e Michele, de joelhos, com o rosto no chão. Não sei como tive tanta
força para me aproximar e pôr-lhe a mão no peito, ao lado da ferida: estava morto,
frio. Faltavam-me o pranto e a voz; olhava atônito aquele sangue, até que chegaram o
pároco e logo depois o cirurgião, que, com alguns criados
298
, arrancaram-nos à força
do cruel espetáculo. Teresa viveu todos aqueles dias entre o luto dos seus num silêncio
sepulcral. À noite, me arrastei atrás do cadáver que, levado por três camponeses, fora
sepultado no monte dos pinheiros.
298
Em italiano, “famigliari”, na forma antiga refere-se a “famiglio”, “empregado”, “criado”.
194
CONCLUSÃO
Na Itália, onde se concentra a maior parte dos estudos sobre Foscolo, um
grande número de trabalhos que tratam de assuntos específicos. Para mencionar apenas
o caso das Ultime lettere di Jacopo Ortis, pode-se encontrar temas como: Foscolo e
Rousseau, Foscolo e a Inglaterra, a influência de Alfieri sobre Foscolo, Ortis e Werther,
a prosa do Ortis, Foscolo e o neoclassicismo, etc. Como no Brasil quase nada existe
sobre o autor, preferiu-se realizar um trabalho genérico de apresentação, para o qual foi
escolhido o romance mencionado acima.
Essa escolha deveu-se, sobretudo, ao fato de uma obra tão importante quanto
essa não ter sido traduzida ainda para o português: uma obra cuja importância não está
apenas no fato de ser um marco para literatura italiana, como precursora da narrativa
moderna daquele país; no seu teor revolucionário, que a levou a ser exaltada pelos
autores do risorgimento; mas também pelo seu valor literário e humano.
Fubini, talvez o crítico que mais se dedicou à obra de Foscolo, ao revisar um
trabalho seu, viu que esse trabalho se apresentava mais homogêneo do que antes lhe
parecera, porque naquilo que ele chama de “selva das questões foscolianas” suas
pesquisas começavam a se integrar umas às outras. E isso se devia à coerência do
espírito aparentemente disperso do próprio Foscolo.
Foi com essa mesma dispersão aparente que nos deparamos ao pesquisar para
este trabalho. Encontramo-la na biografia do autor, no processo de publicação de seu
romance e no caráter conturbado da época em que viveu. Mas, assim como aconteceu
com Fubini, tudo isso acabou se mostrando coerente. Ao fazermos o percurso da vida e
obra de Foscolo, demos especial atenção aos conflitos ideológicos, políticos e
existenciais vividos pelo autor. A história da criação e edição das Ultime lettere refletem
esses mesmos conflitos. Mas não é só: os conflitos se traduzem também na relação entre
as características das personagens e a própria cultura e história da Itália. Por esse
motivo, não se pôde deixar de lado temas específicos como pormenores biográficos e
editoriais, análise de estrutura e conteúdo, Foscolo como teórico da tradução, etc. E
também porque esses temas servem de fundamento para a segunda parte desta
dissertação que é a tradução das Ultime lettere di Jacopo Ortis.
195
Melhor do que falar sobre um autor, sua obra e sua vida, seria mostrar o que ele
de fato escreveu. Dessa forma, procuramos apresentar Foscolo ao leitor brasileiro por
meio de uma tradução.
No decorrer do trabalho descobrimos que o próprio Foscolo esboçara um
conceito de tradução, do qual acabamos nos valendo, um conceito que transparecia
em nossa tradução inicialmente. Procurou-se então apresentar um texto traduzido com
as mesmas características do original, dando ao leitor a impressão de estar lendo uma
obra antiga, sem contudo lhe causar muita estranheza.
No mais, foi a obra mesma a indicar os critérios para a sua tradução.
Acompanhou-se a idéia de Foscolo de uma tradução que não fosse muito literal
(semântica) e que, ao mesmo tempo não modificasse o original (paráfrase), uma
tradução que vertesse para português o as palavras, mas as imagens, as cores e a
época.
196
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203
ILUSTRAÇÕES
Figura 1a
Estampa da edição de 1816, com a data
falsa de 1814
Figura 1b
Manuscritos de Foscolo
Figura 2a
Colinas Eugâneas
204
Figura 2b
Colinas Eugâneas
Figura 3
Retrato de Ugo Foscolo, por François- Xavier-Pascal Fabre
205
Figura 4
Túmulo de Foscolo no Cemitério de Chiswick, Londres
Figura 5
Monumento Fúnebre de Foscolo na igreja de Santa Croce, em Florença.
206
Figura 6
“A morte de Chatterton” por Henry Wallis