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hostil aos indivíduos
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. Suponhas que todos os mortais quisessem deixar a vida,
acreditas tu que a manteriam apenas para mim? Se eu cometer uma ação deletéria para a
maioria, serei punido; mas nunca me vingarei das ações deles, ainda que me causem
elas grande dano. Podem muito bem pretender que eu seja filho da grande família; mas
eu, renunciando aos bens e aos deveres comuns, posso dizer: “Eu sou um mundo em
mim mesmo
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, e pretendo emancipar-me, porque me falta a felicidade que me
prometeram. Pois se eu, dividindo-me, não encontro a minha porção de liberdade; se os
homens ma usurparam porque são mais fortes; se me punem porque a reivindico – não
os desobrigo eu de suas mentirosas promessas e de minhas impotentes querelas,
procurando refúgio debaixo da terra? Ah! aqueles filósofos
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que evangelizaram as
virtudes humanas, a probidade natural, a recíproca benevolência – são, sem o saber,
apóstolos dos astutos, sedutores das poucas almas ingênuas e fervorosas, que, por amar
sinceramente os homens pelo ardor de serem amadas de volta, serão sempre vítimas,
tardiamente arrependidas de sua leal credulidade.
Contudo, quantas vezes todos esses argumentos da razão encontraram fechada a
porta do meu coração, porque eu, todavia, esperava consagrar os meus tormentos à
felicidade alheia! Mas – em nome de Deus, escuta e me responde –, para que vivo? Que
serventia tenho para ti, eu, fugitivo entre estas fragas cavernosas
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? Que honra dar a
mim mesmo, à minha pátria, aos meus entes queridos? Haverá diferença entre este
refúgio e a tumba? A morte seria, para mim, o termo dos meus tormentos, e para vós, o
término das vossas ansiedades acerca do meu estado. Em vez de tantos e tão constantes
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Sentença que resume a concepção negativa de sociedade de Thomas Hobbes. Nesta carta transparece
que “mais hobbesiana do que viquiana é a concepção que Foscolo tem da vida social e política, não
vendo nela senão o resultado de um instinto natural de conservação dos indivíduos, ou melhor, do
instinto de usurpação, já que para ele cada indivíduo é naturalmente usurpador e obrigado, para
conservar a si mesmo, a usurpar os outros”. M. Fubini, 1931, p. 89.
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Referência ao Fragmento 16 de Novalis (1772-1801): “O universo não está dentro de nós? Não
conhecemos as profundidades de nosso espírito. Os caminhos do mistério apontam para dentro. Em
nós, e em nenhum outro lugar, encontra-se a eternidade com seus mundos, o passado e o futuro.”
Apud A. Valentinetti, in Foscolo, 1993, p. 185.
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Crítica a Rousseau: a Natureza e o homem não são tão bons como Rousseau havia demonstrado. Cf. P.
Mattei, “Introduzione”. In: Foscolo, 1993, p. 186.
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Cf. o soneto “Sobre estas duras cavernosas fragas”, de Bocage. Substituiu-se aqui o termo montagne,
“montanhas” mais comum, por “fragas” (penhascos), mais rebuscado, porque o vocabulário de toda a
carta assemelha-se ao usado por Bocage nesse soneto: “cavernosas”, “furor”, “paixões”, “fervor”, etc.
Além disso, o soneto contrapõe a razão à paixão, o que está de acordo com que vem dito pouco antes
na carta. Bocage, Obras, 1968, p. 212.