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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
A MÃO E O NÃO:COMPROMISSOS E OBSTÁCULOS
NA ESCOLA PÚBLICA EM UMA COMUNIDADE POPULAR
(UM ESTUDO DE CASO NA COMUNIDADE DA MANGUEIRA)
Por
JUDITE HELENA RAMALHO GIOLITO
agosto/2005
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A MÃO E O NÃO:COMPROMISSOS E OBSTÁCULOS
NA ESCOLA PÚBLICA EM UMA COMUNIDADE POPULAR
(UM ESTUDO DE CASO NA COMUNIDADE DA MANGUEIRA)
Por
JUDITE HELENA RAMALHO GIOLITO
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de
Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pelo
Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Helena Maria Bousquet Bomeny
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A MÃO E O NÃO:COMPROMISSOS E OBSTÁCULOS
NA ESCOLA PÚBLICA EM UMA COMUNIDADE POPULAR
(UM ESTUDO DE CASO NA COMUNIDADE DA MANGUEIRA)
Autora: Judite Helena Ramalho Giolito
Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de mestre.
Aprovada por:
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Helena Maria Bousquet Bomeny (Orientadora)
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marly da Silva Motta
_______________________________________________
Profª. Drª. Deborah Moraes Zouain
Rio de Janeiro
2005
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu saudoso Lon, que
muito me incentivou a realizá-lo, mas que
infelizmente não pode vê-lo concluído.
v
AGRADECIMENTOS
Chego ao final desta dissertação com um sentimento de “dever cumprido”. No
entanto, não poderia deixar de reconhecer e agradecer todo o apoio que recebi da minha
família, dos meus professores e dos meus amigos durante a realização deste trabalho.
Primeiramente agradeço o carinho, o incentivo e a paciência do meu filho Rodrigo,
da minha mãe, do Estevam, da Bruna, da Regina e dos meus irmãos Osvaldo e Claudio. Ao
Osvaldo, além do carinho de irmão , agradeço o apoio de colega de curso que nas horas
difíceis desta jornada sempre esteve ao meu lado, me incentivando a não desistir.
Lembro-me com muita ternura dos meus colegas de turma, especialmente da
Nilcemar, Nalva, Sheila, Goretti, Regina, Rita, Fábio, Lílian e da Ana, cunhada e amiga. Os
nossos momentos de angústias, sacrifícios e alegrias nos uniram e consolidaram uma
amizade que desejo que se perpetue por toda a vida. A Nilcemar, um obrigada especial por
ter me apresentado a comunidade da Mangueira. Comunidade essa que me encantou por
sua diversidade cultural e pelo espírito coletivo de seus moradores.
Agradeço aos professores que ajudaram na minha formação e ao CPDOC da
Fundação Getulio Vargas, que me concedeu uma bolsa de estudos e, dessa forma,
contribuiu para a realização da conquista de um antigo sonho. Agradeço especialmente aos
professores Elon Lages Lima e Ralph Teixeira, que apoiaram integralmente a minha
iniciativa de ingressar no Mestrado e me deram condições para que eu pudesse concluí-lo,
contribuindo dentro da medida do possível, com a redução da minha jornada de trabalho.
Não poderia deixar de agradecer as palavras de incentivo da minha grande amiga
Leslie nos momentos em que o cansaço e o desânimo estiveram mais presentes. Agradeço
aos meus colegas de trabalho Sonia, Kátia, Felipe, Leonardo, Claudia , Custódio, Fernanda,
Paulo, Joarez,, Jorge e Vânia, que direta ou indiretamente contribuíram para que eu pudesse
participar e concluir este curso. Destaco a dedicação e o empenho da bibliotecária Vera
vi
Lucia Queiroz que não mediu esforços para me auxiliar em conseguir a bibliografia
necessária para o desenvolvimento da pesquisa.
Agradeço ao meu grande e querido amigo professor Leonardo Teixeira, que, sempre
de forma carinhosa e tranqüila, vibrava com as minhas idéias e, por meio de suas aulas de
redação, me ajudou a compreender a linguagem acadêmica.
Agradeço o acolhimento e a receptividade das diretoras, das coordenadoras, do
corpo docente, dos alunos e pais das escolas pesquisadas.Um agradecimento especial à
professora Adair da Silva Machado que por meio de sua história de vida pude perceber que
era possível realizar a minha pesquisa.
Agradeço a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, ao Centro Cultural
Cartola e a Vila Olímpica da Mangueira , instituições fundamentais à realização desse
estudo.
Agradeço as professoras Deborah Moraes Zouain e Marly da Silva Motta por terem
aceitado compor a banca examinadora.
Não chegaria ao final deste trabalho se não pudesse dividir todas as minhas dúvidas,
anseios e inquietações com a professora e orientadora Helena Bomeny, que de maneira
compreensiva e paciente me apontou caminhos, que nortearam o fio condutor da minha
pesquisa. Sem a sua orientação e a sua cumplicidade seria difícil prosseguir.
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................... 1
CAPÍTULO 1: Mangueira: alinhavos de memória e história.......................... 4
1.1 - Um pouco da história e memória da Mangueira ........................................................ 4
1.2 - O surgimento da Escola de Samba ............................................................................. 9
1.3 - A política e o samba .................................................................................................11
1.4 - A organização social da Mangueira .........................................................................13
1.5 - Morro, Favela e Comunidade denominações entrelaçadas...................................14
1.6. A escola de samba e a comunidade ...........................................................................17
1.7 - O programa social da Mangueira .............................................................................19
1.8 - A força das mulheres da Mangue ira.........................................................................23
1.9 - A Mangueira hoje - sua composição física ..............................................................26
CAPÍTULO 2: A Escola: Memória e Etnometodologia................................34 CAP3: AsTULO 2:sma social da Mangu0 ..................................
....................34
1.5 - wsky Tw (199e) Tj157.5 02348 0 TD 0 Tc 0 Tw (................................) Tj93 2125 0 TD 0 Tc (............................2..) Tj89.25 0 TD 0.1475 Tc (23) Tj11.25 0 TD 0 Tc 0.0938 Tw 0Tj-416.25 -19.1 TD 0.-(23)62c -0.33.1.1 Tw (255 ) Tj16.5 0 TD -0.1211 Tc 0 Tw (-) Tj3.75 05 TD 0.2.482 Tc 0.06Breve histcola: cabrde s52 fundA organiza eseu patrono Tw (240s) Tj132.75 0 TD 0 Tc 0 Tw (................................) Tj93 0 TD 0.0188 Tc (. 0 Tw0..) Tj27.75 0 TD 0.1475 Tc (23) Tj11.25 0 TD 0 Tc 0.0938 Tw 0Tj-416.25 -20.21 TD 0.-(23)62c -0.33.1.2 Tw (255 ) Tj16.5 0 TD -0.1211 Tc 0 Tw (-) Tj3.75 1407D -0.16734 Tc 0.81metruturA fow (1.6.......2..) Tj89.25 0 TD 0 Tc 0 Tw (................................) TjTc 0 Tw (................................) Tj93 0625 0 TD 0 Tc (..........................6..) Tj89.25 0 TD 0.1455 Tc (23) Tj11.25 0 TD 0 Tc 0.0938 Tw 0Tj-416.25 -19.1 TD 0.-(23)62c -0.33.1.3 Tw (255 ) Tj16.5 0 TD -0.1211 Tc 0 Tw (-) Tj3.75 171TD -0.1575 Tc 0.0632 erfiama sequipe A edir5 Tc (7) Tj3.75 05 f-0.2064 Tc 0.2e organiza edos2 Tfessodasfísi5 (-) Tj3.75 0348 0 TD 0 Tc 0 Tw (................................) Tj93 4695 0 TD 0 Tc (............48..) Tj27.75 0 TD 0.1475 Tc (26) Tj11.25 0 TD 0 Tc 0.0938 Tw 0Tj-416.25 -20.21 TD 0.-(23)62c -0.33.1.4 Tw (255 ) Tj16.5 0 TD -0.1211 Tc 0 Tw (-) Tj3.75 04Tf-0.205689Tc 0.0632 rnguto pol47t ca......55 ...........................................................................17
viii
CAPÍTULO 4: As Escolas e os diferenciais.................................................66
4.1. A primeira entrevista: uma história de vida ligada à educação e ao amor à
comunidade.......................................................................................................................69
4.2. Memória e história da escola e da comunidade .........................................................73
4.3. O professor, sua formação, escolha e envolvimento .................................................80
4.4.O envolvimento das escolas com o programa social da Mangueira...........................85
4.5- A Escola como perspectiva de um futuro melhor ou de sobrevivência ....................88
4.6-A convivência com o tráfico de drogas e a violência.................................................94
CONCLUSÃO:..........................................................................................99
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................102
ANEXO 1 - Roteiro das entrevistas...........................................................107
1. História de vida de Adair da Silva Machado. ............................................................. 107
2. Roteiro das entrevistas realizadas com as diretoras.................................................... 108
3. Roteiro das entrevistas realizadas com as coordenadoras pedagógicas...................... 109
4. Roteiro das entrevistas realizadas com os professores............................................... 110
5. Roteiro das entrevistas realizadas com os alunos ....................................................... 111
6. Roteiro das entrevistas realizadas com os pais ou responsáveis pelos alunos............ 112
ANEXO 2- Entrevistas .............................................................................113
Entrevista 1..................................................................................................................... 113
Entrevista 2..................................................................................................................... 141
Entrevista 3..................................................................................................................... 145
ix
RESUMO
Esta dissertação apresenta um retrato de duas escolas públicas municipais da
comunidade da Mangueira.A partir de entrevistas realizadas utilizando a metodologia de
história oral com diretoras, coordenadoras, professores, pais e alunos e com base nos
estudos de etnometodologia, pretendeu-se analisar nesse estudo de caso como os atores
envolvidos vêem a instituição escola, seu entorno, seu cotidiano e como sua memória atua
na comunidade.
x
ABSTRACT
This dissertation presents a general image of two municipal public schools from the
Mangueira community. The work started from interviews of principals, coordinators,
teachers, parents and students, where the oral history methodology was used, based on
ethno-methodology studies. The main purpose, in this case study, was to analyze how the
actors involved see the school institution, its surroundings, its daily life, and how their
memory acts in the community.
xi
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 16
Foto 2 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 32
Foto 3 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 64
Foto 4 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 32
Foto 5 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 128
Foto 6 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho (início do livro)
Foto 7 - Extraída do livro Na passarela de sua vida: biografia de Dona Zica da Mangueira
de Odacy de Brito Silva ,p.101
Fotos 8 e 9 Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 68
Foto 10 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 73
Fotos 11 e 12 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p.
150, 151
Foto 13 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 158
Foto 14 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 155
Fotos 15 e 16- Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 156
Foto 17 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 148
Foto 18 e 19 - Extraída do livro Na passarela de sua vida: biografia de Dona Zica da
Mangueira de Odacy de Brito Silva, p. 189
Foto 20 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 148
Foto 21 - Extraída do livro CAMP Mangueira de Lurdinha Castro, p. 20
xii
Foto 22 - Extraída do livro CAMP Mangueira de Lurdinha Castro, p. 24
Foto 23 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 155
Foto 25 - Disponível em: <http://www.imagenlatina.com/brasil_br0234.htm> Acesso em ;05
agos 2005
Foto 28 - Extraída do livro Mangueira: a nação verde-e-rosa de Sergio Cabral, p. 84
Foto 29 - Extraída do livro Fala Mangueira de MaríliaT. Barbosa, Carlos Cachaça e Athur
L. de Oliveira Filho, p. 128
Fotos 24, 26,27,30, 31, 32, 33, 34,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44 e 45 - Acervo da
mestranda.
1
INTRODUÇÃO
A Educação no Brasil, quanto mais é alvo de críticas em toda a sua abrangência de
modelos e projetos, mais é objeto de estudo em seminários, congressos, e, obviamente,
estudos acadêmicos. Analisar modelos, paradigmas e parâmetros, submetê-los a teorias
pedagógicas, buscar resultados de aplicação dessas teorias e propor novos modelos,
substitutivos ou complementares, vem sendo a tônica do olhar acadêmico sobre um dos
direitos fundamentais do cidadão garantido pela Constituição. Entretanto, esse não é o viés
do presente trabalho. Aqui não se pretende trabalhar com o olhar prospectivo das teorias de
Educação, mesmo que esteja embebido por um olhar constante de educadora, mas sim
buscar, no cenário da Escola, o diálogo que mantém ou que seus atores mantêm com o
mundo ao seu redor. Longe de introduzir um olhar que limite a escola aos seus muros que
por vezes são mais simbólicos do que de argamassa ou concreto , o caminho aqui proposto
se faz pelo registro vivo da fala de quem vê, dos dois lados do muro, uma realidade ansiosa
por um futuro envolvido de grandes interrogações. Não para eliminá-las, mas para tomá-las
como ponto de partida, um dos objetivos assim se constrói.
Este trabalho busca entender a for ma de atuação dos professores das escolas
públicas de uma região desfavorecida economicamente, além de verificar como a educação
é percebida pelos diversos atores da comunidade escolardiretores, professores, pais e
alunos e qual o grau de envolvimento da escola com os programas sociais desenvolvidos
pela comunidade. A relevância desse estudo deriva da minha preocupação com as práticas
educacionais desenvolvidas na educação de base e de um olhar voltado para a visão de
educação como um dos instrumentos para a construção da cidadania e inclusão social.
Escolhi como centro da minha pesquisa a comunidade da Mangueira, localizada na
Zona Norte do Município do Rio de Janeiro, tomando como referencial duas escolas
públicas que atendem a alunos da comunidade da Educação Infantil a quarta série do
Ensino Fundamental: Escola Municipal Marechal Trompowsky e Escola Municipal Mestre
Waldemiro.
2
A minha opção pela Mangueira se deu por ser uma comunidade detentora de um
programa social com reconhecimento internacional e pela magia de seu universo popular,
que proporciona vivências intuitivas, imaginativas e de muita riqueza cultural que, se forem
consideradas, talvez possam ser grandes aliados da escola. Visitando a comunidade,
olhando mais de perto o que pretendia como objeto de estudo, voltando para a escrivaninha,
para os livros e para o computador, refletia sobre como abordar melhor o espaço social e o
tema que havia escolhido, antes de voltar lá mais uma vez e aplicar novo olhar, à luz do que
vinha pesquisando, lendo e estudando, sem deixar de lado confesso o que minha
intuição também orientava a fazer. A abordagem se tornava cada vez mais fácil, e a
comunidade aos poucos foi se tornando familiar a mim, mesmo sabendo que muitas
revelações ali ainda seriam feitas. Como há um longo caminho da familiaridade à
intimidade, percebi que, somente me incorporando ao cotidiano daquele espaço, teria como
desenvolver uma interpretação coerente do que a mim começava a se descortinar,
obviamente guardando nas devidas proporções o papel de pesquisadora e o relativo
distanciamento necessário a conclusões concretas e destituídas do olhar emotivo que
normalmente se nos impõe ao lidarmos com a esfera do humano.
Para dar conta dessa pesquisa, utilizei a metodologia de História Oral para a
realização das entrevistas com diversos atores sociais envolvidos na comunidade escolar e
parti para o campo durante três meses, no intuito de observar as atividades desenvolvidas
por cada escola. Como resultado da convivência, das entrevistas e pesquisas, estruturei esta
dissertação, buscando oferecer ao leitor um panorama dessa empreitada.
No capítulo 1, apresento inicialmente um histórico da comunidade da Mangueira,
procurando verificar como ela foi organizada socialmente.Tracei um paralelo desde a época
da sua constituição até os dias de hoje. Destaquei a importância do surgimento da escola de
samba na construção de laços de identidades que fortaleceram a sua relação com a
comunidade e a força da política aliada ao samba, o que resultou em várias ações
originárias da criação de um programa social que trouxesse benefícios aos moradores da
região.
3
Percorrido esse trajeto, o capítulo 2 foi composto pelo referencial teórico que deu
suporte à elaboração dos roteiros das entrevistas realizadas e promoveu a base para as
interpretações desse estudo. Além da metodologia de História Oral, fixei-me em estudos
preocupados com o cotidiano e a memória da Escola e com a etnometodologia, que
bastante se enquadrou no objetivo fixado de perceber o cotidiano da Escola e do seu
entorno por meio da participação dos atores sociais ali envolvidos.
O capítulo 3 descreve as duas escolas desde quando foram fundadas e apresenta,
com base em dados estatísticos, suas principais semelhanças e diferenças. Os dados
representam o quadro geral das escolas até o final de 2004. Para 2005, os dados oficiais
ainda não estavam disponíveis até o momento da composição deste texto.
O capítulo 4 confirma a importância do emprego da metodologia selecionada e
apresenta a análise das entrevistas realizadas, divididas em temáticas que orientaram a
constituição do presente estudo. Vale destacar, mesmo que antecipadamente, que, nesse
capítulo, dedico um espaço especial à entrevistada que me abriu as portas da comunidade e
que fez os contatos para que eu pudesse livremente atuar na minha pesquisa e nas
entrevistas. Além dessa importância, tal entrevista revelou-se ainda um depoimento de
história de vida de um membro da comunidade com uma estreita ligação com uma de suas
maiores personalidades. Trata-se de Adair, neta de D. Neuma, a quem devo em grande
parte a possibilidade de interagir com as escolas e com a comunidade.
No último capítulo, à guisa de conclusão do trabalho, mas ponto de partida para a
ação social a que me proponho a partir de agora, apresento uma visão geral dos resultados
das entrevistas, comentários finais e a proposta da ação efetiva que justifica o aspecto
profissional deste Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais do CPDOC da FGV.
Como anexos, incluí os roteiros utilizados nas entrevistas com as diretoras,
coordenadoras, professores, pais e alunos, além de reproduzir na íntegra as entrevistas,
devidamente autorizadas, das duas diretoras e o depoimento de história de vida de Adair da
Silva Machado.
4
CAPÍTULO 1: Mangueira: alinhavos de memória e história
1.1 - Um pouco da história e memória da Mangueira
Quando D. João VI veio para o Brasil, em 1808, foi morar no bairro de São
Cristóvão, mais precisamente na Quinta da Boa Vista, que se tornou a residência oficial da
família real. O fato deu ao bairro um ar aristocrático no Rio de Janeiro da época colonial.
Entretanto, a cidade recebe grande modernização na área central e portuária. Da chegada
da família real ao fim do reinado de D. Pedro II, o Rio de Janeiro sofreu profundas
mudanças, principalmente no alargamento de seu contorno. Com a República, e a
conseqüente democratização das moradias, por causa da extinção da classe nobre e o
loteamento das enormes chácaras e sítios, a cidade, ao mesmo tempo que redistribui sua
população, também acaba por gerar "cabeças de porco" e "cortiços" em edificações menos
valorizadas. Paralelo a isso, consolida-se a delimitação das áreas suburbanas, com franco
crescimento e afluxo populacional, continuamente, também no século XX.
Nesse cenário, nos fundos da Quinta da Boa Vista, elevava-se o grande Morro da
Mangueira. No tempo do Império, alguns fatos pontuaram sua ocupação. Em 1852, foram
erguidos os postes das linhas telegráficas, inaugurando, no Brasil, o telégrafo; o local passa
a ser conhecido como Morro do Telégrafo. Em 16 de maio de 1861, estabeleceu-se o
Serviço de Transporte Público no Rio de Janeiro, e, em 1889, já na transição para a
República, foi inaugurada a Estação Ferroviária da Mangueira, entre a Estação de São
Cristóvão e a Estação de São Francisco Xavier.
5
Foto 1 - O grupo de elegantes casas fronteiro à estação
Os portugueses foram os fundadores das primeiras indústrias e dos primeiros
estabelecimentos comerciais da área dedicados à venda de gêneros de primeira necessidade.
As primeiras indústrias surgiram na primeira década do século XX: a Fábrica de Tijolos
Olaria do Gama (1900), a Cerâmica Brasileira, a Fábrica de Calçados Tupã e a Fábrica de
Chapéus Mangueira (1907).
Com o século XX trazendo progresso e crescimento para a cidade pela ação de
Pereira Passos, Oswaldo Cruz e Francisco Bicalho, que deram ares de modernização à
então capital da República, o Rio de Janeiro sofre paralelamente uma nova redistribuição
populacional pelo espaço geográfico. Apesar de não receber melhorias diretamente pelo
plano traçado para a cidade, o Morro da Mangueira começa a ser visto como localidade
"futurosa", chegando a receber o codinome de "Petrópolis dos Pobres", como confirma
artigo da Revista da Semana, de 1909.
É uma localidade em princípio, mas que promete e terá razões
cabíveis para prosperar. Localizada em frente de um dos mais
afamados arrebaldes cariocas, em posição muito próxima do centro
da Capital, servida por dois ramais da Estrada de Ferro Central do
Brasil e ainda pelos elétricos da Light, Mangueira, dentro em
pouco tempo, poderá estar com o seu casario espalhado pelo morro
ou pela baixada que vai dar em uma parte do arrebalde de São
Cristóvão.
6
Como ponto salubre, dizem os entendidos que não há em toda a
zona de subúrbios lugar algum que se lhe compare. E vem dessa
fama naturalmente o título que lhe dão de Petrópolis dos Pobres.
Não é, porém, a pequena estação suburbana tratada à altura de sua
importância. Esteve sempre atirada a um abandono que contrasta,
pelo extremo a que chegou.
[...] Está também, na futurosa localidade, instalado um dos mais
importantes estabelecimentos fabris deste Rio de Janeiro.
Referimo-nos à Fábrica de Chapéus Mangueira, cujos produtos
lograram não pequenas recompensas premiativas em duas
exposições recentes: a de S. Luís e a Nacional de 1908.
[...].As autoridades municipais do Distrito, é justo que se diga,
ultimamente têm feito muito por aquela zona e daí é lógico que se
poderão esperar alguns melhoramentos para a Petrópolis dos
Pobres, concorrendo para aumentar a sua importância, já pelos
salubérrimos títulos, já pela sua proximidade com o centro da
Capital. (Revista da Semana, 1909, apud Silva; Cachaça; Oliveira
Filho, 1980:17)
Foto 2 - Fábrica de Chapéus Mangueira
Após as transformações urbanísticas do prefeito Pereira Passos (1903-1906), os
morros em geral foram sendo ocupados pelos setores mais pobres da população, à exceção
daqueles que foram desocupados pelo plano de modernização. Em 1908, o prefeito
Serzedelo Correia resolveu urbanizar a Quinta da Boa Vista, que, após a Proclamação da
República e a conseqüente mudança da família real , ficou destinada ao abandono e a
um possível reduto de marginais. Lá se localizava também o 9º Regimento de Cavalaria do
Exército, e, em seu entorno, havia casas ocupadas por soldados e civis. As casas tiveram de
ser demolidas, e o material da demolição foi dado aos soldados. Com autorização dos
7
militares, algumas famílias ocuparam o antigo Morro dos Telégrafos. Em 1916, ocorreu um
incêndio no Morro do Santo Antônio, localizado no centro da cidade, que destruiu vários
casebres. Boa parte da população desse morro foi morar na Mangueira. Vários barracos
foram surgindo, e, de forma desordenada, a paisagem do morro foi sendo reconstituída.
Foto 3- Barraco-padrão no morro
Dessa forma, surgia no Morro da Mangueira uma população pobre,
predominantemente negra, composta por ex-escravos e seus descendentes, portugueses e
imigrantes de outros estados, inteiramente identificada por suas manifestações culturais e
religiosas. Os católicos construíram uma capela em devoção a Nossa Senhora da Glória,
que passou a ser a padroeira do morro. O misticismo de seus habitantes gerou a criação de
terreiros, que fortaleciam a religião de ancestrais. Como o candomblé e a umbanda tinham
muita força, por conta da forte presença de negros, vários terreiros foram construídos no
morro. Um dos templos mais famosos foi o terreiro Omolocô, da Tia Fé (Benedita de
Oliveira), uma mulher que se trajava sempre de baiana, e em cuja casa se realizavam as
grandes festas da Mangueira.
As indústrias no local absorveram a mão-de-obra que morava na localidade e, com a
formação de um comércio local que abastecia as necessidades básicas, o Morro da
Mangueira tinha uma certa autonomia do centro da cidade. O morro já começava a virar
outra cidade.
8
Foto 4 - Armazém do Zé do Castro - anos 1910
Apesar de sua ocupação ter sido iniciada no final do século XIX, a partir de 1930,
houve um avanço populacional, favorecido pelo estado de recessão do país por causa da
crise mundial de 1929. A geografia do morro contribuiu para uma ocupação irregular e
fragmentada em sua superfície. A Mangueira cresceu com uma população desfavorecida
social e economicamente dividida em quatro comunidades básicas: Telégrafo, Mangueira,
Chalé e Candelária. Cada localidade gerou espaços com vida própria, até os dias de hoje.
Pela questão cultural, o Buraco Quente é considerado o mais famoso bairro da Mangueira.
Foto 5 - Vista do Chalé anos 20 (parte intensa)
9
Foto 6 - Buraco Quente anos 30 o mais famoso dos “bairros” da Mangueira
1.2 - O surgimento da Escola de Samba
O futebol e a música já estavam presentes na localidade. Quando o samba ainda não
era valorizado, a Mangueira já apontava como pioneira dos carnavais cariocas com seus
famosos cordões na década de 1920: Guerreiros de Montanha e Triunfos da Mangueira,
que deram origem ao bloco dos Arengueiros em 1925.
Em 1928, na travessa Saião Lobato, 21, foi fundada a Escola de Samba da
Mangueira, originária do bloco dos Arengueiros. São sete os seus fundadores oficiais:
Euclides Roberto dos Santos, Saturnino Gonçalves, Marcelino José Claudino (Maçu),
Angenor de Oliveira (Mestre Cartola), José Gomes da Costa (Zé Espinguela), Pedro Caim
(Pedro Paquetá) e Carlos Moreira de Castro (Carlos Cachaça).
10
Foto 7 - Mestre Cartola
Eu resolvi chamar de Estação Primeira, porque era a primeira
estação de trem a partir da Central do Brasil, onde havia samba. As
cores verde e rosa foram uma homenagem ao rancho em que meu
pai, Sebastião de Oliveira, saía, lá em Laranjeiras, o Arrepiados.
Era um rancho formado pelos funcionários da Fábrica Aliança. Na
mesma fábrica havia outro rancho, um clube de portugueses. Era o
União da Aliança, que era branco, verde e encarnado. O pessoal
costuma dizer que as cores são por causa do rancho que existiu na
Mangueira, o Príncipe das Matas, que também era verde e rosa.
Mas isso eu só vim a saber depois. Quando escolhi as cores da
Estação Primeira eu nem sabia das cores deste Rancho, que já tinha
desaparecido há muito tempo e era coisa lá do pessoal do Santo
Antônio. (Silva, Cachaça, Oliveira Filho, 1980:.34)
O samba tornou-se, nas décadas de 1920/1930, na esfera da cultura, um símbolo de
identidade nacional, principalmente por se desenvolver na capital da República. Em várias
composições do período, o sentimento de exaltação do Morro da Mangueira recebe ares de
ufanismo, em que os problemas sociais e as condições de vida são transformados em
matéria poética:
Mangueira, teu cenário é uma beleza / Que a natureza criou / O
morro com seus barracões de zinco / Quando amanhece / Que
esplendor / Todo mundo te conhece ao longe / Pelo som de teus
tamborins e o rufar de teu tambor / Chegou ô, ô, ô, a Mangueira
chegou, ô, ô. ("Exaltação à Mangueira", de Enéas Silva e Aluisio
Costa)
Em de 25 de março de 1935, surge como porta-voz da comunidade mangueirense o
jornal A Voz do Morro, que reforça a importância da Mangueira no cenário do samba. Seu
A expressão “Estação Primeira” e as cores verde e
rosa foram estabelecidas por um dos seus fundadores, o
Mestre Cartola. Existem várias versões que apontam
razões para a escolha das cores da Escola, mas Cartola
sempre foi firme em relação à sua inspiração para a
escolha:
11
primeiro editorial retrata já a visão da supremacia do morro sobre o asfalto durante o
Carnaval. É interessante notar que a existência de um jornal estruturado, atendendo aos
interesses do morro, constitui um aspecto de comunidade organizada e com identidade
própria, o que, no caso da Mangueira, em comparação com outras favelas do Rio de
Janeiro, se deu em função da unidade gerada pela escola de samba. Vale conferir:
Nascido do samba, para o samba e pelo samba, aqui está o nosso
jornal. Simples, sem requintes de literatura, despido de adornos
graphicos elle surge na hora H do Carnaval. [...] É no carnaval dos
morros, onde a gente pobre e afeita às agruras da vida recreia o
espírito que traz atormentado, que vimos servir.
A cidade na sua feérie de luz, com a elegância dos que nella
imperam, vae quedar extasiada quando o nosso jornalsinho lhe
surgir aos olhos acostumados aos magazines de luxo e jornaes
gritantes e dominadores.
Há de lhe causar duvida que estas páginas hajam descido os
caminhos íngremes do morro de Mangueira ao lado dos sambas
que ella canta enthusiasta e folgazã na Avenida repleta,
glorificando o deus da galhofa.
Mas, a sua identidade se estabelecerá de prompto, pois que ellas
não lhe falarão dos sambas dedilhados em planos caros, mas só, só
e unicamente, do samba pobre e espontâneo que echôa no barracão
como um hymno fácil.
E aqui está, trazida pela “Estação Primeira”, a escola campeã, a
imprensa do morro. Não entrará nos salões dos mandarinos. Não
será acolhida nos clubes onde a champagne espouca...
Não veio de casaca, não envergou um “smoking”. Veio de camisa
listrada, e trouxe debaixo do braço um pandeiro.
1
1.3 - A política e o samba
O prefeito Pedro Ernesto se aproximou das escolas de samba. Na sua gestão, a partir
de 1932, os desfiles das escolas passaram a disputar concursos e foram integrados ao
calendário oficial da prefeitura. Em 1934, foi fundada a União das Escolas de Samba
(UES), que promovia a legalização das escolas e o recebimento de subvenções do governo,
oficializadas, posteriormente, em 1935. Vários vínculos entre os integrantes das escolas de
samba e o governo foram se estreitando. Em 1935, herdeiros do Visconde de Niterói
1
In: Cabral, 1998: 64
12
tentaram retirar os moradores do morro, reivindicando direitos de propriedade, mas o
prefeito Pedro Ernesto impediu que isso acontecesse. Pedro Ernesto foi o político do
passado mais respeitado pelos fundadores das escolas de samba, pois, além de sua
preocupação com a oficialização do samba, também buscou regulamentações trabalhistas
que visassem a melhorias nas áreas de educação, saúde e controle social.
Em uma de suas visitas ao Morro da Mangueira, Pedro Ernesto atendeu à
reivindicação dos moradores para a construção de uma escola pública na localidade. Por
sugestão da comunidade, a escola receberia o nome de Saturnino Gonçalves, em
homenagem ao primeiro presidente da Escola de Samba Estação Primeira, que morreu
prematuramente de tuberculose. No entanto, ao ser inaugurada em 1936, recebeu o nome de
Escola Municipal Humberto de Campos, em homenagem a um escritor que pertencia à elite
cultural carioca. Essa foi a primeira escola pública do Rio de Janeiro construída em uma
favela.
Fotos 8 e 9- Inauguração da primeira escola pública em uma favela, pelo prefeito Pedro Ernesto (1936)
Apesar do fim da repressão policial ao samba, da oficialização dos desfiles de
escolas de samba no calendário oficial da cidade e do apoio de autoridades políticas, a dura
realidade dos moradores do morro não sofreu uma mudança significativa. O morro
continuava sendo palco de ações pontuais, principalmente com interesses eleitoreiros, como
até hoje acontece.
13
1.4 - A organização social da Mangueira
A organização social da Mangueira partiu da música, da poesia, da arte e do brilho
de personalidades locais como Cartola e Carlos Cachaça, que se tornaram expoentes do
samba fora do morro e atraíram diversos músicos, como Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim,
Noel Rosa, Francisco Alves, entre outros. Tal fato tornou ora “o morro”, ora “a favela”, e
mais recentemente “a comunidade” da Mangueira mundialmente conhecida. Berço de
poetas e compositores da música popular brasileira, a partir do viés da arte, se transforma
em palco para o diálogo com diversos setores da sociedade.
Foto 10 - Heitor Villa-Lobos na Mangueira
A Mangueira despontou no mundo do samba, e a sua sede estabeleceu um veículo
de comunicação entre o morro e a cidade. A partir daí, criou-se um espaço de integração
entre os moradores da Mangueira em torno do carnaval e em especial do samba ,
construindo fortes laços de identidade e solidariedade que amenizavam os efeitos das
dificuldades oriundas do baixo poder econômico do local. A presença cada vez mais
constante na Mangueira de pessoas de destaque no cenário cultural do país confirmava que
lá havia o que se buscar em termos de valor cultural, gerando em sua população um certo
"orgulho", capaz de reforçar os laços que uniam os diferentes "bairros" do morro e
estabelecer uma identidade também social, calcada em torno da escola de samba.
14
1.5 - Morro, Favela e Comunidade denominações entrelaçadas
Os diferentes tratamentos dados à Mangueira, desde o seu surgimento, apontam
denominações que, na maioria das vezes, se confundem e ratificam a diferença entre a vida
urbana das classes média e alta e a das populações menos favorecidas.
Desde o Brasil Colônia, o morro surgiu como um refúgio para negros escravizados e
local de moradia para a população pobre. Na história da Mangueira, sua ocupação confirma
esse dado, pois seus primeiros habitantes eram ex-escravos e seus descendentes. Tal
constituição social funda igualmente o estigma da exclusão, pondo por água abaixo as
expectativas de localidade "futurosa", na visão do articulista de 1909. A realidade não faz
perdurar a imagem de "Petrópolis dos Pobres". Se há beleza, é no samba que ela se
solidifica, muito embora nele também se expresse, em diversos momentos, o cenário dessa
contradição. Além das composições de exaltação, o morro levou inúmeros poetas e
sambistas a apontarem em suas criações a dualidade entre a inspiração e a desigualdade
social.
Os termos "morro", "favela" e, mais recentemente, "comunidade", ambos excluídos
por um longo tempo dos mapas oficiais da cidade, confundem-se entre si. Não há dados
oficiais que apontem seu uso em determinado período nem que indiquem que constituam
uma mudança de tratamento, como numa escala evolutiva, pois são entrelaçados, coexistem
no seio desses espaços sui generis de habitação. Pelo olhar exterior, o uso corrente do
termo "favela" revela tal singularidade, seja pela impossibilidade de traduzi-lo para outras
línguas, seja por acabar denominando qualquer espaço urbano com crescimento
desordenado, sem condições básicas de saneamento, marcado pela pobreza e
marginalidade.
rias versões são dadas em relação à origem do termo favela. Uma das mais
conhecidas é associada ao sertão baiano, onde os seguidores de Antônio Conselheiro se
concentravam, e, no Rio de Janeiro, a partir da ocupação do Morro da Providência,
15
chamado posteriormente de Morro da Favela pelos soldados que voltaram da campanha de
Canudos.
Terminara a luta na Bahia. Regressavam as tropas. (...) Muitos
soldados vieram acompanhados de suas "cabrochas". Eles tiveram
que arranjar moradas. (...) As cabrochas eram naturais de uma serra
chamada Favela, no município de Monte Santo, naquele estado.
Falavam muito da sua Bahia, do seu morro. E ficou a Favela nos
morros cariocas. Primeiro, na aba da Providência, morro em que já
morava uma numerosa população; depois foi subindo, virou para o
outro lado, para o Livramento. Nascera a Favela, 1897. (Cabral
1996, p. 30, apud Zaluar; Alvito, 2004 :64)
Sempre perseguidas pelas autoridades, as favelas foram representadas como um dos
grandes problemas do imaginário urbano. Sujeitas a preconceitos, foram-lhe atribuídas
responsabilidades por inúmeros focos de doenças, espaço para o reduto de marginalidade e
um local de grande promiscuidade.
Talvez por isso o Rio de Janeiro tenha sido palco de diversas
tentativas épicas de resolução do assim chamado "problema de
favelas". Façamos uma viagem até 1948. Naquele ano, pela
primeira vez foi realizado um censo das favelas do Rio de Janeiro,
por iniciativa da prefeitura do então Distrito Federal. O texto que
precede as tabelas estatísticas surpreende, ainda mais por se tratar
de documento oficial e público, decerto distribuído às diversas
instâncias governamentais e de larga circulação. Segundo o texto,
os pretos e pardos prevaleciam nas favelas por serem
"hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição e mal
ajustados às existências sociais modernas, e mais: o preto, por
exemplo, via de regra não soube ou não poude [sic] aproveitar a
liberdade adquirida e a melhoria econômica que lhe proporcionou
o novo ambiente para conquistar bens de consumo capazes de lhe
garantirem nível decente de vida. Renasceu-lhe a preguiça atávica,
retornou a estagnação que estiola [...] como ele todos os indivíduos
de necessidades primitivas, sem amor próprio e sem respeito à
própria dignidade. priva-se do essencial, à manutenção de um nível
de vida decente, mas investe somas relativamente elevadas em
indumentária exótica, na gafieira e nos cordões carnavalescos
.(Zaluar, Alvito, 2004:13)
16
Contrapondo ao estigma de "favelados", termo com carga pejorativa abraçando a
noção de marginalidade, pobreza e inferioridade, os moradores das favelas foram se
organizando por meio de representações contra a política remocionista da década de 1960,
reedição do olhar de Pereira Passos. A força das associações de moradores, marca bem
definida na década de 1970, cumpriu o papel de instituição representante e articuladora das
necessidades dos habitantes das favelas, desenvolveu um ethos, rico em experiências
associativas, que colabora para o enfrentamento das dificuldades do dia-a-dia da
comunidade.
[...] Havia também a crença na força do povo, das camadas
populares, quando organizadas para realizarem mudanças
históricas que outros grupos sociais não tinham conseguido realizar
no passado. Os moradores das periferias, das favelas, cortiços e
outros submundos saem da penumbra e das páginas policiais para
se tornarem os depositários das esperanças de ser novos atores
históricos, sujeitos de processos de libertação e de transformação
social. (Gohn, 1995 : 111- 112)
Com o processo de redemocratização no país na década de 1980, o primeiro
Governo Brizola no Rio de Janeiro buscou uma aproximação com as favelas, sendo fiel ao
público que de forma significativa o elegeu. O termo comunidade, considerado como
“politicamente correto” pelo governador , ganhou força em seu governo e foi utilizado para
combater o preconceito em relação aos favelados, simplesmente moradores da favela.
[...] ao longo dos últimos 20 anos, com marca inicial no primeiro
governo de Leonel Brizola (1983-86), mudanças significativas se
verificaram nas favelas, já anunciada pelo movimento associativo
dos anos 70. Às associações de moradores e às ações das igrejas
veio acrescentar-se a presença do Estado e das organizações não-
governamentais. Uma multiplicidade de iniciativas, às vezes em
cooperação, às vezes em competição, às vezes em conflito, veio
conferir às comunidades faveladas uma vida social e política muito
rica. (Carvalho, José Murilo de. In Pandolfi, Grynszpan, 2003:8)
Vários representantes de associações de moradores passaram a ter
representatividade em seu governo. Com isso, uma forte vinculação político-partidária foi
17
estabelecida. Nesse mesmo período, o tráfico de drogas foi ganhando espaço em toda a
cidade, vindo a constituir um poder paralelo que intensificou a violência nas favelas,
ameaçando o futuro de crianças e jovens pobres.
Na década de 90, foi se ampliando à ligação entre esse tipo de
dirigente e o tráfico de drogas, na perspectiva, dentre outras, de se
suprimir a alternância de poder. Sustentadas nesse poder paralelo e
em parcerias estabelecidas com os poderes estatais, as associações
deixaram de realizar eleições, foram perdendo legitimidade e,
atualmente, funcionam como mais uma organização local
prestadora de serviços sociais. Passaram a funcionar, assim, como
uma organização não governamental tradicional, competindo,
inclusive, com elas. (Silva, 2003)
Em pesquisa recente, Dulce Pandolfi e Mario Grynszpan (2003) vêm registrando a
movimentação das comunidades populares no sentido de recuperar positivamente o termo
“favela” como referência de espaço moradia. A proliferação dos centros de memória, tônica
desse movimento recente, tem provocado tal re-significação, sinalizando a positividade de
cunhar o nome original.
1.6. A escola de samba e a comunidade
Fica quase impossível falar da memória da Mangueira, uma das favelas mais antigas
da cidade, sem correlacioná-la com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira,
pois elas se entrelaçam, formando um conjunto indissociável. Os acontecimentos que
marcaram a história da comunidade e da escola de samba foram contribuindo para
fortalecer as relações entre elas.
Na década de 1980, quando a cúpula do jogo de bicho assumiu a liderança das
escolas de samba, a Mangueira não aderiu a essa prática e passou por uma séria crise
financeira, por não instituir a figura do “patrono”, que financiava carnavais milionários.
Com o apoio da comunidade, de personalidades locais e de artistas que fizeram inúmeras
apresentações em casas de shows para arrecadação de fundos, a escola foi se organizando e
começou a criar idéias capazes de gerar recursos necessários à sua sustentabilidade. Dessa
18
forma, sendo fiel à sua tradição, a Mangueira continuava ganhando prestígio e admiração
popular.
A Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é uma das mais antigas e mais
populares. É difícil explicar o sentimento afetivo pela Mangueira, retratado não só pelos
poetas do passado e presente em seus versos e músicas, como também o orgulho e
pertencimento estampado no rosto de seus admiradores. Uma escola de samba que
ultrapassou os limites do município, alcançou o país e, de certa maneira, o mundo. Criou
um perímetro que ultrapassa as fronteiras e cria a linha imaginária que delimita uma nação
a Nação Mangueirense.
Por ser pensada como ‘nação’
2
, a escola pode ser interpretada
como uma ‘comunidade imaginada’. Assim sendo, seus integrantes
constroem um passado mítico associado ao samba. A valorização
dessa tradição transforma a escola na ‘mais tradicional e mais
querida da população’. Parece que essa ‘tradição inventada’
3
, além
de manter o grupo unido, serve de garantia de contrapartida para a
obtenção de recursos humanos e/ ou materiais para o
desenvolvimento de projetos sociais. (Gonçalves, 2003: 117-118)
Em 1996, a diretoria da Escola de Samba realizou uma pesquisa de opinião para
avaliar a sua popularidade. O resultado atendeu às expectativas e confirmou a fama de ser a
mais querida no gosto popular, por sua tradição e sua forma de valorizar a cultura popular.
Outro dado importante foi relacionado às empresas, que a procuravam para oferecer
patrocínio e investimentos em projetos sociais que resultassem em benefícios para a
comunidade da Mangueira. As empresas, dessa forma, ganham maior visibilidade,
melhoram sua imagem e aumentam em muitos casos as suas vendas, sem contar com a
possibilidade de dedução de impostos com as leis que entraram em vigor na última década.
2
Segundo ANDERSON (1989, p. 14), dentro de um espírito antropológico é proposta a seguinte definição para nação: ela
é uma comunidade política imaginada e imaginada como implicitamente limitada e soberana, [existe um compromisso
com a coesão] . Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de
seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem
de sua comunhão.
3
Segundo HOBSBAWN (1997, p. 9), por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam a inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação
ao passado.
19
É possível inferir que vários projetos voltados para a própria comunidade partiram
da escola de samba, que, com sua projeção internacional, capta inúmeros recursos para a
implantação de programas que beneficiem a localidade.
1.7 - O programa social da Mangueira
Nos meados da década de 1980, várias formas alternativas de participação surgiram
com a preocupação de aumentar a perspectiva de futuro de jovens pobres, diminuindo o seu
grau de vulnerabilidade. Por não possuírem escolarização adequada e, dessa forma, tendo
poucas oportunidades de serem absorvidos pelo mercado de trabalho, esses jovens acabam
ficando suscetíveis à violência e à sedução do crime organizado.
Em 1986, o então presidente da escola de samba Carlos Dória chamou o professor
de Educação Física Francisco de Carvalho, conhecido como Chiquinho da Mangueira, que
já desenvolvia junto com Tia Alice, campeã sul-americana de atletismo, um trabalho com
as crianças da comunidade para idealizar um grande programa social para a Mangueira.
Com o apoio de Tia Alice e outros, em 1987, começaram a desenvolver um projeto
olímpico na comunidade. Inicialmente, as aulas eram dadas na rua, embaixo do viaduto, e
na quadra da escola de samba e a única condição para os atletas fazerem parte do projeto
era estarem freqüentando a escola.
A empresa Xerox do Brasil se envolveu com a proposta e, já no primeiro ano de sua
realização, resolveu patrocinar o projeto para a construção da Vila Olímpica. O Governo
Estadual cedeu o terreno, que até então pertencia à Rede Ferroviária Federal, e o prédio
onde hoje funciona o Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro - CAMP Mangueira. Com
o apoio da Xerox, o projeto prosperou.
20
O G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira foi pioneiro na
proposição de uma vila olímpica como alternativa de inclusão dos
jovens moradores da favela e bairros populares. O projeto é
considerado um projeto social modelo pelo poder público e pela
sociedade civil, principalmente por estar voltado para a população
infanto-juvenil. Essa experiência tem-se difundido em outras
escolas de samba e comunidades do Rio de Janeiro. [...] A
iniciativa recebeu prêmios internacionais, dois da BBC de Londres
e outro da Unesco, sempre como um projeto social recomendável
para a América Latina e para o Terceiro Mundo. (Gonçalves, 2003:
47)
Fotos 11 e 12 - Atividades desenvolvidas na Vila Olímpica da Mangueira
Outras propostas foram surgindo, como o Posto de Saúde, o Grêmio .Recreativo
.Escola de .Samba (G.R.E.S) Mangueira do Amanhã, , o Projeto de resgate e preservação
da memória da Mangueira , o Clube Escolar Mangueira dentre vários outros.
Foto 13 - Aulas de capoeira Foto 14 - Projeto Saúde
21
Com o objetivo de garantir a educação para as crianças e jovens da comunidade, o
Programa Social da Mangueira buscou inúmeras parcerias para ampliar as possibilidades
dos moradores. Além das escolas municipais e estaduais próximas ao Complexo da
Mangueira, em 1993, o Governo do Estado implantou no complexo olímpico o Centro
Integrado de Educação Pública - CIEP Nação Mangueirense, uma escola-modelo, que
atende à alunos da quinta-série do ensino fundamental ao ensino médio. No ano de 2001,
o Programa Social da Mangueira estabeleceu convênio com a Universidade da Cidade -
UniverCidade, e, os cursos de Pedagogia e Informática foram oferecidos nas instalações do
CIEP. Nesse mesmo ano o Centro Educacional Santa Mônica construiu a Escola Tia
Neuma para atender alunos da classe de alfabetização a quarta-série do ensino fundamental.
Ambos os cursos são oferecidos gratuitamente.
Em entrevista exclusiva ao Portal da Escola Pública em 10 de agosto de 2004, o
professor Francisco de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira, confirma a preocupação do
Programa Social com a Educação.
Tínhamos como objetivo principal fazer um grande projeto de
educação: as crianças começariam conosco na creche temos
quatro creches na comunidade , de lá iriam para o CA até a quarta
série, depois para o CIEP, onde ficariam até o ensino médio. E
fomos à busca de uma parceria para trazer um ensino universitário
para o PSM. A UniverCidade quis ser nossa parceira e projetamos
uma faculdade que já funciona há três anos. A UniverCidade tem
uma unidade no CIEP e oferece cursos de Pedagogia e Informática,
ambos cursos gratuitos. Aliás, tudo é gratuito aqui. Ninguém paga
absolutamente nada. Um percentual das vagas da faculdade é para
quem mora na Mangueira, outro é para quem estuda no CIEP e não
mora na Mangueira, mas também há um percentual para quem não
estuda no CIEP, nem mora na Mangueira. Só podem participar
dessa seleção pessoas que comprovem que são oriundas de
comunidade de baixa renda e que não têm condições de pagar uma
faculdade. Com isso, criamos um grande programa social, cujo
atrativo é o esporte, mas o objetivo principal é a educação.
4
4
Entrevista extraída do site www.educacaopublica.rj.gov.br acessado em 08 de abril de 2005
22
Fotos 15 e 16 - CIEP Nação Mangueirense
Personalidades nacionais e internacionais apoiaram a iniciativa da Mangueira. Em
1997, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o Ministro Extraordinário
dos Esportes Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, apontaram o projeto como um exemplo
para o país a ser aplicado em comunidades pobres. Nesse mesmo ano, o Presidente norte-
americano Bill Clinton, em uma visita ao Brasil, foi conhecer a Vila Olímpica da
Mangueira e, em entrevista ao Jornal do Brasil publicada em 16
de outubro de 1997,
declarou ao deixar a escola: "Não sei o que esperava, mas não esperava tanto. De hoje em
diante, eu sou Mangueira."
Foto 17 - Presidente Bill Clinton em visita à Vila Olímpica em 1997
O Programa Social da Mangueira ao longo dos anos , sem prejudicar a memória e a
cultura local , despertou o interesse da comunidade - antes voltado exclusivamente para o
desfile de carnaval realizado uma vez por ano - para um universo mais amplo de
possibilidades.
23
1.8 - A força das mulheres da Mangueira
As mulheres também tiveram presença marcante na construção da memória da
comunidade. Atuaram como lideranças expressivas, servindo de alicerces para
determinados grupos. Personalidades conhecidas na comunidade, como Euzébia da Silva, a
Dona Zica, companheira do compositor Cartola, e Dona Neuma, filha de Saturnino
Gonçalves, formaram o grupo das eternas “damas da Mangueira”.
D. Zica, famosa por seu grande amor à Mangueira e musa inspiradora do
compositor Cartola, transformou-se em uma mulher que conquistou espaço por sua
simpatia, sua figura maternal na comunidade, seu bom senso, sua excelente culinária e
principalmente por seu grande poder de articulação política em diversos setores da
sociedade. A preocupação com o futuro das crianças da Mangueira sempre esteve presente
na comunidade. Dona Neuma, apesar de ter apenas as primeiras séries do Ensino
Fundamental, procurava ajudar as crianças da comunidade em seus estudos. Chegou a
desenvolver um método próprio de alfabetização, utilizava muitas vezes palavrões e, a
partir daquela linguagem tão comum no dia-a-dia das crianças, ela conseguia que fossem
alfabetizadas.
O prestígio das eternas “damas da Mangueira” levava a força da comunidade aos
palanques de políticos, que, muitas vezes, disputavam suas preferências. Sempre recebidas
por prefeitos, governadores e, até mesmo, presidentes, buscavam benefícios que
melhorassem as condições de vida e gerassem oportunidades para os moradores da
comunidade. O fato de serem incluídas nos palanques sinaliza o reconhecimento pelo
público externo à comunidade - candidatos e políticos - da capacidade de influência que
poderiam ter sobre o eleitorado da comunidade. Pelo lado dessas mulheres, tal oportunidade
poderia abrir canal de negociação para obtenção de benefícios diversos.
24
Foto 18 - Com o Prefeito Marcelo Alencar Foto 19 - Com o Ministro das Comunicações
AntoniCARLOS
Foto 20 - Com o Presidente Fernando Henrique Cardoso
Além das “damas da Mangueira”, não podemos deixar de destacar nomes como Tia
Alice, em meados de 1960, chegou à Mangueira para dar assistência aos desabrigados de
uma enchente que afetou drasticamente a cidade. Desde então, ficou evidenciada sua
paixão pela comunidade. Atleta e enfermeira, cria o Departamento Esportivo da Escola, que
gerou oportunidades a inúmeras crianças e adolescentes desenvolverem suas habilidades
esportivas, além do futebol. Seu trabalho também contribuiu para seduzir parcerias com o
Estado e empresas privadas. É considerada a idealizadora do CAMP Mangueira, que
integra o Projeto da Vila Olímpica e tem como objetivo preparar o jovem para o mercado
de trabalho.
25
Fotos 21 e 22 - Tia Alice e o seu entusiasmo com os jovens no CAMP Mangueira
Outra presença feminina de destaque é a cantora maranhense Alcione, que com
grande envolvimento pessoal, inclusive financeiro , se dedicou a criação das escolas de
samba mirins. Com o apoio da diretoria da Mangueira , Alcione fundou em 12 de agosto de
1987, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Mangueira do Amanhã , um projeto que visa
a reunir crianças e adolescentes de sete a dezessete anos da comunidade em torno do
samba e do carnaval , fortalecendo laços de identidade com suas raízes e tradições. Para
que as crianças possam participar desse projeto é preciso que estejam matriculadas e
freqüentando a escola. Dessa forma o projeto ajuda o pequeno sambista a manter o
interesse por sua formação escolar.
Foto 23 - Alcione e as crianças do projeto “Mangueira do Amanhã”
26
Além das mulheres que, por sua força política conquistada pela projeção da escola
de samba no meio da música, da arte e do esporte, é preciso completar o quadro com as
inúmeras mulheres anônimas que despontam como chefes de família e procuram, por meio
de trabalhos simples, garantir o sustento de seus filhos e uma melhor perspectiva de futuro
para eles.
Foto 24- Mãe de alunos da Escola Municipal Mestre Waldemiro
1.9 - A Mangueira hoje - sua composição física
A Mangueira cresceu, não é mais aquela comunidade em formação do início do
século XX. Hoje, o Complexo da Mangueira, como toda comunidade pobre, necessita de
infra-estrutura básica, como saneamento, policiamento e serviços essenciais. Em algumas
áreas, as moradias são precárias, muitas ainda com alto risco geológico. O contraste é bem
evidenciado entre os diversos atalhos, ruelas, vias pavimentadas, escadarias e trilhas. O
programa favela-bairro, implantado na metade da década de 1990 pela Prefeitura do Rio de
Janeiro com o objetivo de mudar a idéia de que as favelas não fazem parte da arquitetura da
cidade, começou a ser desenvolvido no bairro da Candelária, mas ainda há muito o que
fazer para melhorar as condições de moradia dos habitantes da Mangueira.
27
Foto 25 Vista da Mangueira
O Complexo da Mangueira é composto por diferentes “bairros” - o termo “bairro” é
cunhado pelos próprios moradores como forma de identificação do local de moradia no
Complexo da Mangueira
·
. Cada um deles possui uma história com alguém, ou algo, ligado
à comunidade. Costuma-se dizer que a expressão Morro da Mangueira só é usada por quem
não mora lá. Um verdadeiro mangueirense faz questão de identificar onde mora pelo nome
do próprio bairro.
[...] Vista aqui de baixo, é a Mangueira uma elevação de terra que
tem seu lado mais conhecido (à frente) limitado pela Visconde de
Niterói. O lado esquerdo, margeado pela Rua Ana Néri, que
termina no Largo do Pedregulho. Ali começa a São Luís Gonzaga,
limite dos fundos. À direita fica a Quinta da Boa Vista. A
Mangueira fica perto do Maracanã, de Vila Isabel, de São
Cristóvão, do Jacaré. Tem marginal, tem crioulo, tem desocupado,
tem samba. Mas “vista assim do alto”, aquilo é Buraco Quente, é
Faria, é Candelária, é Olaria, Pindura-Saia, Capelinha, Joaquina.
Tem uma comunidade solidária, que se ajuda como pode. Tem
Nilcemar, a neta do Cartola, que estuda Nutrição na UNIRIO.
Tem o operário Vitor, cuja filha mulata se prepara com afinco para
prestar exame no Instituto Rio Branco. Tem D. Carmem, que
vendeu cachaça atrás de um balcão e formou três filhos
universitários. Tem D. Pequetita, também dona da tendinha, mas
cuja filha Guezinha fez curso de enfermagem e diz que ainda quer
ser médica. Tem a Neuma, que dá comida a toda criança que chega
28
com fome. Tem marginal sim, mas a Zona Sul tem água, esgoto,
escola, doutores, dinheiro e também os produz. E tem o Grêmio
Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira,
orgulho desta cidade nos dias de carnaval. Orgulho de todos nós,
do lado de cá. Mas que nasceu do lado de lá, de uma comunidade
formada por pessoas negras na maioria, de baixa renda, baixíssima
escolaridade, pouquíssima oportunidade de ir para frente, mesmo
depois de 1888. (Silva, Cachaça, Oliveira Filho, 1980 : 9)
Observa -se que a citação acima é considerada, em diversas ocasiões, parte de um
discurso emblemático da comunidade mangueirense.
Mangueira hoje
Fonte:www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/index.htm
O mapa acima retrata a atual configuração da Mangueira dentro da VII RA.
29
De acordo com os dados do Censo 2000 do IBGE, o Complexo da Mangueira
apresenta a seguinte configuração:
Tabela 1 - Configuração da Mangueira
Bairro: Mangueira
Total da População (2000): 13.594
Total de Domicílios (2000): 3.738
RA VII - São Cristóvão
Bairros da RA: Benfica, Mangueira, São Cristóvão, Vasco da Gama
Fonte:IBGE
Tabela 2 - Domicílios
Espécie de Domicílios
Particular Permanente
3730
Particular Improvisado
7
Coletivo
1
Total
3738
Particular Permanente por Tipo
Casas
3330
Apartamentos
328
Cômodos
72
Particular Permanente por Condição de Ocupação
Próprio Quitado
3295
Próprio em Aquisição
21
Alugado
316
Cedido pela Empresa
18
Cedido por Outra Forma
48
Outra Condição
32
Particular Permanente por número de moradores
1 morador
386
2 moradores
663
3 moradores
887
4 moradores
806
5 moradores
494
6 moradores
245
7 moradores
122
8 moradores
50
9 moradores
33
10 moradores e mais
44
Responsáveis pelos Domicílios Particulares por sexo
Masculino
2226
Feminino
1504
Fonte: IBGE
30
Os dados apontados na tabela 2 permitem observar que, na comunidade da
Mangueira, os domicílios são predominantemente compostos de casas próprias. Seu
número de habitantes por moradia é bastante diversificado, mas a maior parte com um
número que não ultrapassa a cinco moradores embora se considere a hipótese de que
moradias não registradas nem são computadas. Apesar de os homens em maior número
serem apontados como os responsáveis pelo domicílio, as mulheres já aparecem com uma
presença bastante significativa.
Tabela 3 - População
Pessoas Residentes
Total da População 13.594
Sexo Masculino 6.440
Sexo Feminino 7.154
Pessoas Residentes por Grupos de Idade
0 a 4 anos 1.440
5 a 9 anos 1.359
10 a 14 anos 1.258
15 a 19 anos 1.409
20 a 24 anos 1.260
25 a 29 anos 1.095
30 a 34 anos 1.074
35 a 39 anos 967
40 a 44 anos 922
45 a 49 anos 729
50 a 54 anos 587
55 a 59 anos 396
60 a 64 anos 368
65 a 69 anos 312
70 a 74 anos 196
75 a 79 anos 115
80 anos e mais 107
Fonte: IBGE
Vale observar a predominância de crianças e jovens na população mangueirense.
31
Tabela 4 - Escolaridade
Pessoas Residentes Alfabetizadas por Sexo
Alfabetizadas Não Alfabetizadas Total
Homens 4993
712
5705
Mulheres 5633
816
6449
Pessoas Residentes Alfabetizadas por Grupos de Idade
Alfabetizadas Não Alfabetizadas Total
5 a 9 anos 674
685
1359
10 a 14 anos 1197
61
1258
15 a 19 anos 1368
41
1409
20 a 24 anos 1214
46
1260
25 a 29 anos 1048
47
1095
30 a 34 anos 1022
52
1074
35 a 39 anos 914
53
967
40 a 44 anos 856
66
922
45 a 49 anos 674
55
729
50 a 54 anos 518
69
587
55 a 59 anos 347
49
396
60 a 64 anos 285
83
368
65 a 69 anos 231
81
312
70 a 74 anos 129
67
196
75 a 79 anos 74
41
115
80 anos e mais 75
32
107
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes por Grupo de Idade
Alfabetizadas Não Alfabetizadas Total
10 a 19 anos 42
4
46
20 a 29 anos 514
26
540
30 a 39 anos 872
45
917
40 a 49 anos 841
67
908
50 a 59 anos 542
62
604
60 a 69 anos 335
106
441
70 a 79 anos 139
79
218
80 anos e mais 39
17
56
32
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes Alfabetizadas por Sexo
Alfabetizadas Não Alfabetizadas Total
Homens 2033
193
2226
Mulheres 1291
213
1504
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes segundo o curso mais elevado que
freqüentaram
Alfabetização 45
Primário 1012
Ginásio 236
Clássico 58
1o Grau 1302
2o Grau 587
Superior 149
Mestrado 2
Nenhum Curso 339
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes por anos de estudo
Sem instrução 339
1 ano 176
2 anos 210
3 anos 307
4 anos 859
5 anos 266
6 anos 124
7 anos 201
8 anos 474
9 anos 79
10 anos 108
11 anos 424
12 anos 13
13 anos 12
14 anos 19
15 anos 42
16 anos 20
17 anos 45
Não determinado 12
Fonte:IBGE
33
Os dados apresentados na tabela 4 permitem observar que segundo os estudos de
Helena Bomeny (2003) o baixo número de analfabetos na Mangueira, confirma os
resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica- SAEB de 2001 que aponta a
Região Sudeste com taxa de analfabetismo no ano de 2000 de 8,1% para a população na
faixa de 15 anos ou mais e de 1,9% para a faixa de 15 a 19 anos. O Rio de Janeiro, ainda
continua sendo uma referência de combate ao analfabetismo Podemos observar, também,
que o nível de escolaridade dos responsáveis pelos domicílios concentra-se em maior
número no primeiro grau.
Tabela 5 - Renda mensal
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes
Total 3.730
Total com Renda 3.326
Responsáveis pelos Domicílios Particulares Permanentes segundo a Renda Nominal Média em
Salários Mínimos
Até ½ 18
de 1/2 a 1 670
de 1 a 2 931
de 2 a 3 589
de 3 a 5 609
de 5 a 10 422
de 10 a 15 55
de 15 a 20 23
acima de 20 9
Fonte: IBGE
Os dados acima retratam que a comunidade da Mangueira possui um baixo índice
de famílias sem renda. Com todos os investimentos realizados, ainda podemos observar que
as condições de moradia são precárias, embora a renda das famílias não constitua fator de
extrema pobreza.
Hoje, como a maioria das comunidades do Rio de Janeiro, a Mangueira, que há
alguns anos se vangloriava de não sofrer tantos problemas com a violência e o abuso
advindos do tráfico de drogas, se rende e reconhece a sua presença marcante na
comunidade. Entretanto, mesmo com essas dificuldades, a Mangueira não está entre as
áreas mais violentas da cidade.
34
CAPÍTULO 2: A Escola: Memória e Etnometodologia
A Educação, tema de relevância mundial, fator de desenvolvimento para os países,
constitui o eixo condutor da análise das duas escolas-objeto da pesquisa. Partindo dessas
escolas, será possível observar, dentro de uma realidade de escola de comunidade, o esforço
e a atenção dos diretores, o envolvimento das famílias, a opinião dos professores e alunos, a
fim de superar as inúmeras dificuldades encontradas no convívio com a presença do tráfico
de drogas e todos os apelos externos que constantemente causam o abandono social a que
ficam sujeitas inúmeras crianças e jovens. Para tal, é necessário entender o histórico da
comunidade em análise e o perfil das duas escolas escolhidas.
Nos países em desenvolvimento, um grande desafio que se impõe reside na questão
da inclusão social. A escola é visualizada como o alicerce desse processo de transformação,
visando à preparação dessas crianças e jovens para o exercício consciente da cidadania, e
tem a sua importância fundamental no combate à violência e a pobreza, reforçando a luta
pela diminuição das desigualdades sociais.
Sem dúvida, um forte indicador para a redução do grau de pobreza pode ser obtido a
partir do investimento na elevação do índice de escolaridade da população. Na medida em
que o aumento da escolaridade facilita a inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho
e eleva sua remuneração e sua inserção social, isso comprova a necessidade de um maior
investimento na educação de base e no combate ao abandono escolar.
Boas iniciativas têm acontecido no campo educacional brasileiro, com o objetivo de
proporcionar uma educação de qualidade e em conformidade com a realidade social e
econômica de nosso país. Muito temos ainda que caminhar para erradicar do nosso cenário
educacional a situação de exclusão e reprodução das diferenças que muito contribuem para
restringir o acesso à educação a poucos privilegiados.
É preciso verificar o preparo do professor que chega para dar aulas em escolas de
comunidade popular, se eles têm apenas o conhecimento adquirido nos bancos das
universidades ou das escolas normais, mas também a vivência, as condições favoráveis de
35
trabalho, o desejo e a construção de um novo olhar que o liberte de versões preconcebidas
e que receba, dos programas implantados pelo sistema de ensino vigente, incentivo para
prosseguir no combate ao abandono escolar e ao reconhecimento do seu papel na
sociedade.
Para alcançar uma análise precisa dessa realidade peculiar, utilizarei os estudos
sobre etnometodologia e educação, tomando a obra de Alain Coulon (1995) como base para
as interpretações.
A etnometodologia surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 1960 e
provocou uma reviravolta na sociologia tradicional, pois além da construção social, ataca
exatamente a maneira como os dados são recolhidos e tratados e gerou inúmeros debates
nas universidades americanas e européias O termo foi cunhado por Harold Garfinkel,
fundador da corrente etnometodológica, e pode ser definida como o estudo dos
“procedimentos que constituem o raciocínio sociológico prático”
5
. No início da década de
1970, segundo Coulon, a etnometodologia chegou na França pelas publicações de textos
que foram traduzidos em algumas revistas e apenas na metade da década de 1980, ela foi
ensinada nas universidades francesas. Na década de 1990, pesquisadores franceses da
sociologia da educação desenvolveram alguns trabalhos baseados nessa teoria e sua
propagação foi consolidada. No Brasil duas obras de Alain Coulon, foram traduzidas e no
campo da sociologia , a etnometodologia ainda é pouco desenvolvida.
A etnometodologia tem como projeto científico analisar os métodos ou
procedimentos que os indivíduos utilizam para realizar suas ações cotidianas, sem se
restringir apenas a métodos quantitativos que levam a resultados estatísticos. É uma análise
das maneiras habituais de ação dos atores sociais. Para os etnometodólogos a sociologia é o
estudo das atividades do cotidiano e o fato social não é um objeto estável, mas o produto da
atividade contínua dos homens.
5
Garfinkel, apud Coulon, 1995.
36
[...] Se os atores sociais comuns produzem também objetivação,
isso implica que o modo de conhecimento erudito não detém o
monopólio da objetivação.Portanto, a etnometodologia vai
defender que a atividade científica, sendo elaborada a partir de
operações idênticas àquelas utilizadas pelos atores comuns, é o
produto de um modo de conhecimento prático que, por si só, tem a
possibilidade de tornar um objeto de pesquisa para a sociologia e
ser, por seu turno, questionado cientificamente.[...] Para os
etnometodólogos, a sociologia será, portanto, o estudo dessas
atividades de todos os dias, quer sejam triviais ou eruditas,
considerando que a própria sociologia deve ser apreciada como
uma atividade cotidiana habitual.”( Coulon, 1995:17)
A etnometodologia da educação, tem como o seu principal objetivo descrever as
práticas pelos quais os atores do sistema educacional estão envolvidos e pretende apontar
as desigualdades em vias de construção, contrapondo a sociologia da reprodução que
defende a idéia que a desigualdade já está definida , comprovada estatísticamente e por
esse motivo são reproduzidas.
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelos representantes da corrente de
pensamento, dentre eles Bourdieu e Passeron, que apontavam a escola como um sistema
que perpetuava a divisão da sociedade em classes sociais, reforçando a desigualdade.
Coulon (1995) chama atenção para o fato de que embora a desigualdade social seja
considerada como o efeito produzido e reproduzido pelo sistema escolar, fica em aberto a
questão de saber qual é o processo social da construção dessa desigualdade. A
etnometodologia abre o olhar para os métodos que nenhuma disciplina faz e dialoga com
Bourdieu e Passeron sobre a reprodução e o habitus, que tem como ponto chave a
inculcação pedagógica da escola que exerce sua “violência simbólica”, enquanto
instrumento de transmissão da cultura das classes dominantes, que tende a reproduzir a
classificação social existente.
37
[...] Com efeito, para praticar a etnometodologia, devemos adotar
um certo estado de espírito, deixarmo-nos penetrar pelo
estranhamento das coisas e acontecimentos que nos rodeiam, tentar
subtrairmo-nos à força da “atitude natural” que apresentava uma
tendência constante para levar a melhor.[...] Então o olhar se
modifica, as situações e acontecimentos que pareciam evidentes
tornam-se estranhos, porque revelam, ao mesmo tempo que se
apresentam ou se desenrolam diante de nós, seu caráter
socialmente construído e seus pressupostos de códigos negociados.
(Coulon,1995:76)
O etnometodólogo deve transitar nos mundos da cultura empírica e da cultura
erudita. Seus mecanismos de pesquisa no campo da educação para a coleta de dados são
variados e a utilização de técnicas de entrevistas, observação participante, estudos de
relatórios escolares e o diálogo com os diversos atores envolvidos no contexto escolar,
viabilizam a descrição de tarefas realizadas pelos membros de um grupo. Dessa forma
diminui-se o espaço para a generalização de resultados. A utilização da técnica de
“espionagem” é institucionalizada para se compartilhar uma linguagem comum com os
membros do grupo pesquisado, a fim de evitar os erros de interpretação. Uma outra
característica importante para a prática de etnometodologia é a descrição das atividades
rotineiras, dos acontecimentos repetitivos e padronizados realizados pelos membros de uma
atividade social .O pesquisador deve fazer um esforço para tentar entender essa prática
sobre a ótica dos membros envolvidos.
[...] Captar o ponto de vista dos membros não consiste
simplesmente em ouvir o que dizem, nem pedir-lhes para
explicitarem o que estão fazendo. Isso implica situar tais
descrições no respectivo contexto e considerar as descrições dos
membros como instruções de pesquisa.[...] Deve -se descrever os
acontecimentos repetitivos e as atividades que constituem as
rotinas do grupo que está sendo estudado, o que pressupõe a
adoção de uma dupla posição: estar em posição exterior para ouvir
e ser participante das conversações naturais através das quais
emergem as significações de rotinas.[...] o segredo do mundo
social desvenda-se pela análise dos etnométodos, isto é, dos
procedimentos que os membros de uma força social utilizam para
produzir e reconhecer seu mundo, para o tornar familiar ao mesmo
tempo que o vão construindo.(Coulon,1995:112,113)
38
Hoje, como o professor tem diante de si uma enorme diversidade de crianças, com
as mais diferentes capacidades crianças saudáveis; outras portadoras de vários tipos de
carência, da alimentar à afetiva; algumas com uma participação mais efetiva dos familiares
que valorizam a escola como a grande possibilidade de mudança de vida; outras de famílias
que tentam apenas sobreviver sem muita perspectiva de futuro , é necessário que se
observe sua prática pedagógica em relação a essas diferenças, e aí se justifica o uso da
etnometodologia.
Além disso, a escola pode ser vista como um centro de recuperação da memória e
da cultura local, além de ser projetada como um lugar de preservação e socialização de
traços culturais, ou seja, sua prática educativa atua como um espaço plural de memória e
narração. Para dar conta dessa análise, ao lado da etnometodologia, vamos tomar como
base o livro Escola e Memória, de Maria Cecília Cortez Christiano de Souza (2000) que
elabora um profundo estudo sobre a relação entre os bancos escolares e a necessidade de
observação e análise da memória da escola. Objeto de “experimentalismos”, a Escola
sofreu um processo de ver o futuro como o único objetivo de sua existência. Dessa forma,
ela deixou de olhar para o passado.
[...] a aceitação sem críticas daquilo que o moderno conduziu à
idéia de que o olhar para o passado, é no mínimo, inútil, porque se
refere ao ultrapassado e, no máximo pernicioso, porque, apesar de
toda a pregação e crença cega nos benefícios da modernização,
sobre a escola sempre pesou a suspeita de ser anacrônica. Para
além de todas as polêmicas, existe em educação um consenso: a
negatividade daquilo que é passado. Práticas tradicionais foram
assim rotuladas de “atrasadas”, experiências consagradas
liminarmente tidas como rotineiras e, principalmente histórias de
vida e de formação escolar, apenas pitorescas. As descobertas ditas
“científicas” atropelaram a experiência de escolas, a história de
alunos e de professores. (Souza, 2000:44)
Souza (2000) aponta os rituais das formaturas escolares como um ponto que reforça
a autoridade escolar com discursos carregados de encorajamento e palavras desgastadas
pelo tempo. A premiação por mérito relacionada a livros e instrumentos que estimulam a
cultura erudita sempre esteve presente na memória da escola tradicional. Define a
39
disposição física de uma sala de aula, comparando-a com as oficinas dos primeiros tempos
da Revolução Industrial. O aviso de silêncio da biblioteca, a arquitetura do pátio, os
corredores de circulação guardavam a memória dos séculos passados em uma arquitetura
que ratifica as significações disciplinares. A autora chama a atenção para a semelhança das
escolas com as instituições panópticas de Foucault, comparando-as aos hospícios, hospitais
e prisões.
A disposição das salas de aulas que manteve o professor como o eixo do saber, e os
alunos classificados pelo lugar que se sentavam na sala diferenciava os bons dos maus
alunos. Apesar de todos os conflitos que essa segregação poderia gerar, ainda hoje fazem
parte da estrutura escolar e de um certo modo, reforça o papel da entrada no mundo escolar
como um primeiro passo para a entrada no mundo do trabalho. A alegria do primeiro dia de
aula, do uniforme novo, do material intacto, da pasta pesada demonstra a expectativa da
transformação da criança em aluno. A memória fortalece a construção de uma identidade
social e reforça o sentimento de um passado comum.
Pontuando as lembranças, a camaradagem que se desenvolvia entre
os colegas de turma antecipou, na lembrança de cada um, a
camaradagem do trabalho, do partido, do sindicato ou da caserna:
ela permanecia na memória como uma espécie de coleção de
anedotas, personagens e virtudes inusitadas. Antes que o mercado
separasse cada um como competidor do outro, havia tempo de
aproximar a classe de certa solidariedade, pronta para arruaças,
mas criadora do espaço necessário para o surgimento de talentos,
nem todos ensinados pela escola, alguns não apreciados pelos
mestres: a pontaria de um comentário, a força de um golpe de mão,
a inteligência rápida das situações. Nem sempre e nem todos os
professores foram justos, e foi importante não o serem - permitiu
que os alunos não se constituíssem no espelho de seu
olhar.(Souza,2000:9,10)
A aproximação da Educação com o tempo da máquina e as metas da sociedade,
conforme assinalado por Mateucci
6
, levou-a a buscar quantificar e qualificar todos os seus
mecanismos, dando as costas ao seu passado e promovendo uma ação obsessiva em direção
6
MATEUCCI, Alberto. Il Giocco dell’Io. Milão: Ed. Saggi /Feltrinelli, 1992, apud SOUZA, 2000.
40
ao futuro, sempre em busca de resultados, por essa ótica, que se afinem com o sentimento
de progresso da visão positivista.
A idéia positivista reforça que o único tempo que conta em uma boa pedagogia, é o
futuro. “Um futuro previsível, cuja face os interesses dominantes, dizendo-se científicos, já
desenharam, serve de sustentação à violência inscrita na intervenção pedagógica, que só se
justifica se a modificação visada se apresenta como científica, logo positiva e
inovadora”(Souza,2000:45).
Não obstante sirva de instrumento político à sociedade, a inserção da escola e da
Educação nos modelos cientificistas somente a levou a relegar-se a um microuniverso
cujas portas permanecem fechadas à memória individual e à experiência coletiva de sua
comunidade. Como “justificativa” política, a escola, assim, se “destaca” da sociedade,
recebendo desta menor atenção do que devia. Por conseguinte, a Educação confina-se ao
seu próprio fazer, como ciência isolada, e menos é compreendida como pilar fundamental
da sociedade.
Souza (2000) aponta que o modelo da escola pública brasileira foi pautado no
sistema de ensino francês e segundo os autores Dubet e Martucelli
7
o modelo da escola
republicana francesa aglutinou durante décadas três funções principais e fizeram da escola
pública, gratuita e universal uma grande produtora de esperanças sociais.
De várias formas, tanto aqui como na França, com todas as
ressalvas cabíveis, essas funções tornavam a fórmula escolar tensa
e paradoxal: desenvolver ao mesmo tempo que disciplinar o
indivíduo, profissionalizar ao mesmo tempo que abrir horizontes,
responder às demandas do presente imediato e fornecer uma
educação voltada para um futuro. Principalmente quando se tratava
das camadas populares, esses objetivos eram reduzidos a opções
mutuamente excludentes.Tanto aqui como na França, quase
sempre se preferiu profissionalizar em vez de abrir horizontes,
disciplinar em vez de desenvolver, deixar de lado o futuro e educar
para o presente, expresso pelas necessidades do mercado de
7
DUBET, François et MARTUCELLI, Danilo. Sociologie de l’experience Scolaire. CADIS (CNRS, EHES,
Université de Bourdeaux II) Paris: Ed.Du Seuil,1995, p.15 em diante. Apud SOUZA, 2000.
41
trabalho e pela imposição da ideologia do trabalho livre. (Souza,
2000:27)
Por atender a diferentes demandas a Escola passou a formar indivíduos ao invés de
instruí-los e dessa forma ficou mais vulnerável ao fracasso. A cultura escolar tornou-se
isolada se distanciando da grande cultura, dos diversos campos de conhecimento.No
entanto, o aspecto perverso apontado pela dualidade entre o ensino público e o ensino
particular foi sendo reforçado no imaginário social brasileiro. O ensino público para os
advindos de camadas populares, setor e alvo de experimentalismos e o ensino particular que
tornou-se o herdeiro da tradição, objeto de demanda da classe média e setores da elite que
podem pagar por uma “boa escola”.O esvaziamento cultural das escolas deixou várias
gerações entregues a si mesmas e ao acaso, aos apelos do consumo, aos poucos, que podem
conquistá-los. Formou-se gerações pobres de opções culturais.
Não ter o sentimento de estar em mobilidade ascendente, não ter a
expectativa de, pela escolarização, poder chegar a um status
superior, social ou culturalmente, significa dizer que o sucesso
escolar promete pouco, mas o fracasso escolar continua a ser
esmagador.(Souza, 2000:36)
Entretanto, nesse cenário, a Educação vem tentando, ao longo de décadas,
transformar esse papel de isolamento em que foi constituída e incentivar o envolvimento
entre a comunidade e as escolas, valorizando a autonomia e a realidade do cotidiano de seus
alunos. Atuando como força de resistência em diferentes momentos, a Educação e a escola
propiciam aos segmentos marginalizados da sociedade uma via da possibilidade, num
cenário que se nega na conquista do dia-a-dia a comprovar-se desolador.
O estudo da memória da escola revela um ponto importante que auxilia a
compreensão da forma que se constituiu o papel do professor no ensino público, sua
origem e formação. Vários estudos atribuíram ao silenciamento da memória escolar ao fato
da feminilização do magistério. Pelo expressivo número de mulheres na profissão docente e
a submissão que esse público ficou sujeito, contribuiu e muito para a desvalorização da
profissão.”Educadas para serem submissas - era natural que o saber sobre o que faziam
42
emanasse do topo da pirâmide acadêmica ou administrativa, e, não de suas próprias
cabeças”.(Souza,2000:116).
Outro dado que merece destaque na formação da memória da escola foi o fato da
Escola Normal primária que, historicamente, foi constituída para se opor à formação
intelectual. Fazia-se a leitura de que o ensino primário era inicial, elementar e simplista.
Obedecia-se a esquematização do saber incutido, pois reproduzia-se a transmissão de
conhecimentos de forma fragmentada e infantilizada. No imaginário social as professoras
43
CAPÍTULO 3: As Escolas da Mangueira
Pretendo neste capítulo, fazer uma descrição das Escolas Municipais Marechal
Trompowsky e Mestre Waldemiro com base em dados estatísticos e promover uma análise
comparativa entre elas. A escolha das escolas ocorreu em função de ambas atenderem
crianças da Mangueira da Educação Infantil à quarta série do Ensino Fundamental. Os
dados utilizados para tal análise foram obtidos nas próprias escolas e na Secretaria
Municipal de Educação, constituindo, portanto, números oficiais. Entretanto, para que a
análise e a apresentação das escolas se desse de forma coerente, foi necessário visitá-las e
conhecê-las no dia-a-dia, o que possibilitou a observação de como as escolas estão inseridas
na comunidade.
As escolas selecionadas pertencem à 1ª Coordenadoria Regional de Ensino (CRE),
órgão da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, localizado na Praça Mauá,
que tem como objetivo supervisionar 81 escolas nos bairros de São Cristóvão, Benfica,
Mangueira, Centro, Rio Comprido, Cidade Nova, Caju, Saúde, Bairro de Fátima e Santo
Cristo.
3.1 - Escola Municipal Marechal Trompowsky
3.1.1 - Breve histórico sobre a sua fundação e seu patrono
A Escola Municipal Marechal Trompowsky foi inaugurada no dia 25 de outubro de
1965 pelo Governador Carlos Lacerda, quando o Município do Rio de Janeiro era o Estado
da Guanabara.Seu nome teve como objetivo home nagear o Marechal Roberto Trompowsky
Leitão de Almeida, nascido em 8 de fevereiro de 1853, na cidade de Florianópolis, no
Estado de Santa Catarina. Aos dezesseis anos de idade era um jovem exemplar e excelente
aluno da antiga Escola Militar da Corte. Em 1889, assumiu o cargo de catedrático de
Geometria Analítica e Cálculo na Escola Militar e dois anos mais tarde, passou a exercer a
direção da escola como Comandante do Colégio Militar do Rio de Janeiro.
44
Além de lecionar, Marechal Trompowsky representou nosso país em 1906 na
Convenção Internacional da Cruz Vermelha em Genebra e, em 1907, na Conferência da
Paz, em Haia. Faleceu em 1926, no Rio de Janeiro, e foi sepultado com as honras de
Marechal do Exército.Sua história é lembrada todos os anos em atividades cívicas na data
do aniversário da escola.
Localizada na Rua Bartolomeu de Gusmão, 1.100, fundos, a escola tem como
endereço postal São Cristóvão, mas fica na Candelária, sub-região do Morro da
Mangueira.As moradias hoje melhoraram com a intervenção do Programa Favela-Bairro,
da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, mas ainda se vêem esgoto correndo a céu
aberto e algumas casas de madeira.
Foto 26- Portão de acesso à Escola Mal. Trompowsky Foto 27- Rua da Escola Mal.Trompowsky
Nas fotos acima, vê-se a Rua Bartolomeu de Gusmão, onde se localiza a Escola
Marechal Trompowsky. É interessante observar a urbanização da área, que eliminou o
aspecto tradicional de "favela", tanto na parte de acesso, com a via pavimentada, quanto na
parte alta, em que a arquitetura dos chamados "predinhos" distingue o conjunto, com suas
cores verde e rosa. Entretanto, essa panorâmica não se estende ao restante do Morro da
Mangueira. Na foto 26, vê-se do lado direito do observador o portão da escola em rua
urbanizada. A foto 27 é do mesmo local, com ampliação da composição do fundo para se
poder distinguir o conjunto arquitetônico dos “predinhos”.
45
No entorno da escola, encontra-se o presídio Evaristo de Moraes, o Centro de
Suprimento de Manutenção do Corpo de Bombeiros e o Instituto de Medicina Veterinária
Jorge Veitsman . O transporte é precário, contando apenas com uma linha rodoviária nº
284, Praça Seca -Tiradentes. Próximo, há um pequeno comércio, três bares, duas pequenas
lojas de miudezas e uma pequena padaria na Candelária.
3.1.2 - Estrutura da escola
Desde a sua fundação, a escola funciona em dois turnos e atende a crianças de
Ensino Fundamental da comunidade. Na sua terceira geração de alunos, a escola recebe
crianças e adolescentes na faixa etária de 4 a 16 anos de acordo com os dados oficiais de
2004 - ano que foi realizada a pesquisa.
Abaixo, observa-se a distribuição das turmas nessa escola.
Distribuição de turmas por faixa etária e turnos de funcionamento
Séries Manhã
Tarde
Faixa etária dos alunos
Educação Infantil 2 2 4 a 5 anos
1º ciclo de formação inicial 2 - 6 a 7 anos
2º ciclo de formação intermediária - 2 7 a 8 anos
3º ciclo de formação final 1 1 8 a 9 anos
3ª série 1 1 10 a 15 anos
4ª série 1 - 10 a 16 anos
Classe de Progressão - 1 9 a 15 alunos
Educação Especial 1 - 9 a 14 alunos
Total Geral 8 7 -
46
A escola conta com a seguinte estrutura física e recursos materiais:
Estrutura Física e Recursos Materiais
A escola encontra-se em obras há dois anos, sem previsão de término. Está sendo
construído um anexo que contará com uma biblioteca, sala de informática e um
miniauditório.
3.1.3 - O perfil da equipe de direção e dos professores
A escola passou por inúmeras direções desde a sua fundação. A atual diretora foi
indicada pela 1ª CRE em regime emergencial no ano de 2002, após a antiga direção ter
sofrido uma intervenção da Secretaria Municipal de Educação devido a problemas
administrativos.Em 2003, foi realizada uma eleição, e a diretora compôs uma chapa, tendo
como adjunta uma professora moradora da comunidade. Foi eleita com um expressivo
número de votos. No ano de 2004, a equipe de direção foi composta por uma diretora, uma
diretora-adjunta , uma coordenadora pedagógica.- indicada pela direção no início do ano
letivo. Seu corpo docente constituído por 11 professoras do núcleo comum, sendo que 4
em regime de dupla regência, e 3 professores de Educação Física.
Instalações Quantidade
Equipamentos Quantidade
Salas de aula 9 Computadores 3
Secretaria / Direção 1 Máquina xerox 1
Sala de Coordenadora Pedagógica 1 Linha telefônica 2
Sala de professores 1 FAX 1
Cozinha 1 Mimeógrafos a álcool 5
Refeitório 1 Aparelho de TV 3
Banheiro de alunos 4 Rádio gravador 4
Banheiro de prof. / funcionários 2 Videocassete 1
47
Situação funcional de professores
Total de professores: 14
Núcleo Comum Ed. Física Total geral
Efetivos 2 3 5
Cedidos 9 - 9
Dupla regência 4 - 4
Percentual dos efetivos 14,28% 100% 35,71%
A escola enfrenta problemas com a alta rotatividade dos docentes, em função da
quantidade de professores cedidos que atuam no núcleo comum da Educação Infantil à
quarta série do Ensino Fundamental. A escola se ressente do excessivo número de faltas
dos professores. A coordenadora pedagógica deixou o cargo no mês de dezembro de
2004, saindo da escola para atuar na 1ª CRE. A sucessiva ausência dos professores e a
alta rotatividade prejudicam o funcionamento da escola.
Como suporte ao trabalho administrativo, a escola conta com os seguintes
funcionários de apoio: 1 servente moradora, 4 merendeiras e 2 funcionários de limpeza da
Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) .
3.1.4 - O projeto político-pedagógico
A proposta pedagógica da escola foi reestruturada em 2004 pela equipe de direção
em conjunto com o corpo docente e tem como marco filosófico a leitura do mundo no
espaço escolar, pautada na pedagogia do educador Paulo Freire, comprometida com a
melhoria das condições de existência das populações oprimidas. A educação como prática
da liberdade exige a dialogicidade, a concepção do ser humano, da realidade, de
educação, de educador, de educando e de conhecimento. O espírito de estimular a leitura
de mundo busca a não-conformação com a realidade imposta por ele e a construção de
um mundo com mais oportunidades para todos.
A proposta pedagógica da escola vincula a construção do conhecimento à realidade
local e global em que vivem os educandos, revendo o papel da escola com vistas à melhor
48
compreensão da realidade para uma possível intervenção nessa realidade. Para tal, é
necessário mergulhar criticamente no cotidiano da escola e da comunidade, conhecendo
seus problemas, dúvidas, anseios e necessidades. Os caminhos escolhidos pela proposta
pedagógica desenvolvida na escola primam pela construção, de uma proposta coletiva,
inclusiva, solidária, usando o contexto social como definidor do processo de forma
participativa com toda a comunidade escolar.
A equipe de direção se reúne quinzenalmente com os professores para a realização
de Centros de Estudos. Nesse encontro, são discutidas as principais dificuldades
enfrentadas pelos professores em suas turmas. Para que essa reunião possa acontecer, as
aulas são suspensas, e os alunos, liberados duas horas mais cedo do seu horário habitual.
A cada dois meses, as aulas são suspensas, e os professores avaliam as turmas de um
modo geral. Esse procedimento é padrão para todas as escolas da rede municipal do Rio
de Janeiro.
3.1.5 - Quadro de matrículas dos anos de 2002, 2003 e 2004
2002 2003 2004
Séries Total Turmas Total Turmas Total Turmas
Educação Infantil 113 5 101 5 96 4
1º ciclo de Formação Inicial 81 2 67 2 53 2
2º ciclo de Formação Intermediário 63 2 52 2 53 2
3º ciclo de Formação Final 48 2 46 2 44 2
3ª série 33 1 63 2 67 2
4ª série 64 2 34 1 42 1
Classe de Progressão 51 2 54 2 33 1
Educação Especial 8 1 8 1 7 1
Total de matriculados 461 17 425 17 395 15
A partir de 2003, o número de alunos matriculados na terceira série aumentou em
função da escola receber alunos transferidos da Escola Municipal José Moreira da Silva
que só funciona até o terceiro ciclo de formação .
49
Alunos matriculados em 2002 -2003 - 2004
E. M. Marechal Trompowsky
113
81
63
48
33
64
51
8
461
101
67
52
46
63
34
54
8
425
96
53 53
44
67
42
33
7
395
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
Educação
Infantil
1º ciclo de
Formação
Inicial
2º ciclo de
Formação
Intermediário
3ºciclo de
Formação
Final
3ª série 4ªsérie Classe de
Progressão
Educação
Especial
Total de
matriculados
Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004
Percentual de evasão dos anos de 2002 -2003 - 2004
E. M. Marechal Trompovisky
42%
24%
4%
0%
8%
0%
27%
0%
15%
22%
15%
33%
13%
4%
5%
11%
10%
6%
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
0,35
0,4
0,45
1º ciclo de
Formação Inicial
2º ciclo de
Formação
Intermediário
3ºciclo de
Formação Final
3ª série 4ªsérie Classe de
Progressão
Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004
50
A escola apresentou nos anos de 2002 e 2003 um percentual de evasão elevado em
determinadas séries, sendo que em 2004 percebe-se uma considerável melhora em relação
aos anos anteriores. Os dados de evasão na Educação Infantil e na Educação Especial não
constam nos relatórios oficiais apresentados pela escola.
3.1.6- O sistema de avaliação da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro
O sistema de avaliação das escolas da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro é
pautado no processo de promoção automática durante os períodos de seriação por ciclos.
Nos ciclos os alunos são classificados por idade e promovidos automaticamente para os
ciclos subseqüentes, ficando retidos apenas pela freqüência. A faixa de idade dos alunos
matriculados nos ciclos é a seguinte: primeiro ciclo de formação inicial- alunos de 6 a 7
anos ; segundo ciclo de formação intermediária- alunos de 7 e 8 anos e terceiro ciclo de
formação final- alunos de 8 e 9 anos. Os alunos considerados aptos no terceiro ciclo são
encaminhados para a terceira série e os que apresentam algum tipo de defasagem de
conteúdo passam a freqüentar a Classe de Progressão. A reprovação ou retenção na série -
denominação usada pelo município - passa a vigorar para os alunos da Classe de
Progressão, terceira e quarta séries.
A Classe de Progressão desenvolve um trabalho diversificado e não há limite de
idade para a permanência dos alunos. Eles só são promovidos quando alcançam os
conteúdos mínimos exigidos para o ingresso na terceira série.
O controle de freqüência é bastante exigido das escolas pela rede municipal. As
diretoras precisam comprovar os mecanismos utilizados para o combate da evasão escolar.
51
3.1.7- Quadro de rendimento dos alunos dos anos de 2002- 2003 - 2004
E. M. Marechal Trompowsky
2002 2003 2004
Séries C. P. C. P. C.P.
Aprovados 50% 74% 97%
54% 73%
97% 81% 77% 100%
Reprovados 50% 26% 3% 46% 27%
3% 19% 23% 0%
Em relação ao aproveitamento das turmas, nota-se que em 2002 e 2003 houve um
elevado índice de reprovação na Classe de Progressão, Em 2004 observa-se uma melhora
significativa.
3.2 - Escola Municipal Mestre Waldemiro
3.2.1 - Breve histórico sobre a sua fundação e seu patrono
Em 10 de outubro de 1983, a escola foi inaugurada pelo prefeito Marcelo Alencar,
inicialmente como Centro Comunitário de São Cristóvão, constituindo-se anos depois como
um “embrião” dos CIEPs, sendo a primeira escola a funcionar em horário integral. Em 10
de agosto de 1988, passou a ser reconhecida como escola municipal, recebendo o nome de
Escola Municipal Mestre Waldemiro, sugerido pela comunidade da Mangueira na
prefeitura de Roberto Saturnino Braga.
A homenagem dos moradores da Mangueira a Waldemiro Tomé Pimenta, primeiro
diretor de bateria da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, que esteve à frente
da bateria por cinqüenta anos ajudando a escola a conquistar inúmeros campeonatos, foi
uma prova de reconhecimento da importância do samba para a comunidade, fortalecendo a
cultura popular local.
52
Fotos 28 e 29 - Mestre Waldemiro - figura querida pela comunidade da Mangueira
Mestre Waldemiro faleceu em 12 de junho de 1983, e ainda hoje é uma referência
para os moradores da comunidade.
Localizada na Rua Bartolomeu de Gusmão, 850, fundos, tem como endereço postal
São Cristóvão, próximo ao Parque Público da Quinta da Boa Vista. O prédio, cedido pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro à Prefeitura, garante o funcionamento da escola.
Possui duas entradas de acesso: o corredor, que leva à Avenida Bartolomeu de Gusmão, e
um portão lateral, que dá acesso ao Parque Público da Quinta da Boa Vista, facilitando a
comunidade que vem da Cancela.
Foto 30-Entrada do corredor de acesso à Escola Foto 31- Vista do Portão lateral de acesso
Foto 32- Entrada e pátio da Escola
53
Convivendo numa mesma área externa, encontram-se duas gráficas pertencentes ao
Governo do Estado, o que ocasiona uma grande preocupação para a direção da escola, que
redobra a vigilância nos portões de entrada, devido à entrada de pessoas e veículos
estranhos ao convívio escolar. Nos fundos da escola, encontra-se o presídio Evaristo de
Moraes, e, em seu entorno, o Centro de Suprimento de Manutenção do Corpo de
Bombeiros e o Parque Público da Quinta da Boa Vista.
Embora convivendo em um espaço privilegiado pela importância histórica e cultural
do bairro, o transporte é precário, contando apenas com uma linha rodoviária, a de nº 284,
Praça Seca - Tiradentes. O comércio praticamente inexistente, a presença da prostituição e
da violência nas ruas proveniente de disputas pelo tráfico de drogas e a falta de manutenção
e recuperação da área de lazer e bens culturais são fatos concretos que apontam as
dificuldades ao seu redor.
3.2.2 - Estrutura da escola
Desde a sua fundação, a escola funciona em regime de horário integral e atende a
crianças da Educação Infantil à quarta série do Ensino Fundamental da comunidade,
oferecendo apenas o horário da manhã aos alunos de Educação Especial. A escola em 2004
atendeu 275 crianças e adolescentes na faixa etária de 4 a 22 anos.
Número de turmas por turno de funcionamento em 2004
Séries Integral
Manhã
Faixa etária dos alunos Nº de alunos
Educação Infantil 3 - 4 a 5 anos 49
1º ciclo de formação inicial 2 - 6 a 7 anos 47
2º ciclo de formação intermediária 2 - 7 a 8 anos 40
3º ciclo de formação final 2 - 8 a 9 anos 35
3ª série 1 - 10 a 15 anos 37
4ª série 1 - 10 a 16 anos 28
Classe de Progressão 1 - 9 a 15 alunos 22
Educação Especial - 2 9 a 22 alunos 17
Total Geral 12 2 - 275
54
A escola conta com a seguinte estrutura física e recursos materiais:
Estrutura Física
Instalações Quantidades
Salas de aula 14
Sala de leitura 1
Sala de grêmio 1
Auditório 1
Secretaria / Direção 1
Sala de Coordenadora Pedagógica 1
Sala de professores 1
Cozinha 1
Refeitório 1
Banheiro de alunos 4
Banheiro de prof. / funcionários 2
Recursos Materiais
Equipamentos Quantidades
Computadores 2
Máquina xerox 1
Linha telefônica 2
FAX -
Mimeógrafos a álcool 6
Aparelho de TV 2
Rádio gravador 6
Videocassete 1
3.2.3 - O perfil da equipe de direção e dos professores
A escola possui uma equipe de direção que trabalha em conjunto há 6 anos,
composta por uma diretora, duas diretoras- adjuntas e uma coordenadora pedagógica. A
diretora está na função há 10 anos e entrou na escola como professora desde a sua
fundação. As diretoras adjuntas e a coordenadora pedagógica também atuavam como
professoras desde a fundação da escola . Como suporte ao trabalho administrativo, a escola
conta com os seguintes funcionários de apoio: um auxiliar de secretaria, quatro merendeiras
e cinco serventes.
55
O corpo docente é formado por 18 professoras de Núcleo Comum, sendo que 8
trabalham com dupla regência, 3 professores de Educação Física e 1 professora de Artes.
Situação funcional de professores
Total de professores: 22
Núcleo Comum Ed. Física Artes Total
Efetivos 10 2 1 13
Cedidos 8 1 - 9
Dupla regência 10 - - 10
Percentual dos efetivos
55 % 75% 100% 63%
A escola não enfrenta problemas de rotatividade de professores, e aparentemente
percebe-se um bom clima de entrosamento entre o corpo docente. A equipe de direção
promove inúmeros projetos que visam a fortalecer o entrosamento entre o grupo.
3.2.4 - O projeto político-pedagógico
A proposta pedagógica da escola foi construída em 1993 pela atual direção em
conjunto com a equipe de professores, visando a um projeto de auto-educação dos alunos
tendo em vista que muitos andam a qualquer hora do dia e noite pela comunidade, expostos
cotidianamente a todos os tipos de experiências. Foi feito um trabalho intenso, com projetos
gradativos, despertando o interesse da família em acompanhar a vida escolar de seus filhos
e um trabalho junto aos alunos que priorizasse a cidadania, o resgate da auto-estima e a
construção de valores, tais como: respeito, união, solidariedade, amizade e amor. Hoje já se
percebe um resultado gradativo desse esforço concentrado de toda a equipe na implantação
do projeto.
A proposta pedagógica implantada visa a proporcionar um ambiente prazeroso e de
qualidade, propiciando aos alunos atividades que permitam a construção do conhecimento,
a valorização da cultura local e da memória da escola e dos profissionais que dela fazem
parte.A escola desenvolve os projetos “Trocando Idéias...Através da Correspondência” e
“Vai e Volta” que incentivam as atividades que promovam o hábito de leitura e escrita,
despertando a consciência e importância do código escrito na sociedade.
56
O Projeto “Trocando Idéias... Através da Correspondência”, desenvolvido desde
1996 em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, de acordo com o
programa apresentado pela Empresa de Multimeios do Rio de Janeiro Multirio - estimula
a troca de correspondência na escola. Ele é desenvolvido durante todo o ano letivo e os
alunos passam por diversas atividades na sala de leitura:
Conversa informal sobre correspondência
Trabalho com as histórias: ‘Correspondências”, ‘O correio”, ‘Histórias de uma
carta” e “Pomba Colomba”
Vídeos e músicas relacionados a comunicação.
A escola foi minuciosamente mapeada e seus corredores receberam nomes de ruas,
avenidas e becos com numeração e código de endereçamento postal (CEP). Nomes como,
Rua da União, Avenida da Amizade , Beco da Paz e Beco do Amor fazem parte da
paisagem interna da escola. A cada ano a escola promove um concurso de desenho entre as
turmas para a confecção do selo que será utilizado durante o período letivo. Os finalistas
por turma são expostos em um mural no corredor da escola e para a escolha do selo anual.é
realizada uma grande votação com toda a comunidade escolar .
Os alunos confeccionam os envelopes, papéis de carta e cartões e os professores
trabalham a leitura e a escrita. As cartas produzidas pelos alunos são depositadas na caixa
coletora doada pela empresa de correios, devidamente envelopadas e seladas com
destinatário, endereço, código de endereçamento postal e remetente. Uma vez por semana
uma equipe de carteiros composta por cinco alunos de uma das turmas orientados pela
professora da sala de leitura retiram a correspondência da caixa coletora, fazem a separação
por endereços, realizam a contagem e conferência do selo oficial, registram no livro de ata
dos correios e distribuem a correspondência aos destinatários.
57
Foto 33-Caixa coletora das cartas na Av da Amizade Foto 34- A coordenadora Andréia no Beco da Paz
[...] o sucesso de uma coisa que deu certo e dá certo até hoje, foi o
Projeto Correspondência.É um projeto que vingou, criou raízes e
as crianças adoram. O nosso objetivo foi totalmente alcançado e a
leitura e escrita são trabalhadas de forma mais prazerosa através da
comunicação e das cartas . Eles entregam carta para merendeira,
para professor, para colega, carta anônima, tudo que é carta que
você possa imaginar. De uma forma lúdica, o professor estimula e
trabalha em cima da criatividade deles e os incentiva a escrever.
Todo início do ano eles esperam ansiosos por esse
projeto.(Coordenadora Pedagógica: Escola Municipal Mestre
Waldemiro)
A equipe de direção e os professores da escola constataram que a partir da
implantação desse projeto os alunos tornaram-se mais participativos, solidários, dinâmicos
e interessados na produção de textos.
Além desse projeto, foi implantado no ano 2000, o Projeto”Vai e Volta” , que
consiste em uma biblioteca volante que estimula a leitura e promove a troca de livros entre
as turmas. Todos os meses, cada turma recebe uma caixa com quinze livros e os alunos são
incentivados a preservarem os livros para que todos possam ter a oportunidade de ler todos
os títulos do projeto. Ao final de cada mês os livros são trocados entre as turmas e a
professora aplica uma pesquisa entre os alunos para avaliar o interesse de cada um pelo
projeto.Este projeto complementa o projeto da Correspondência e os alunos a cada bimestre
produzem um informativo com as notícias de toda a escola.
58
Informativo produzido pelos alunos
8
Com o objetivo de promover a integração das turmas, a socialização dos alunos e o
desenvolvimento do espírito de equipe em torno do esporte, a escola promove, desde 1995,
o Projeto Olimpíadas Mestre Waldemiro.Além disso a escola valoriza no seu planejamento
anual, a participação dos alunos em atividades culturais, tais como:idas a museus, teatros,
cinemas, circos entre outros. É da diretora a seguinte observação:
Participo de todos os eventos da CRE com as minhas crianças.
Busco o tempo todo, inseri-los nas atividades culturais que são
promovidas na cidade e oferecidas às escolas municipais.Tudo que
possa contribuir para o desenvolvimento deles e poder abrir um
pouco mais suas perspectivas de que é possível construir um futuro
que não seja só esse que eles presenciam diáriamente, eu corro
atrás. Não faço isso sozinha , envolvo os professores, as famílias e
a comunidade local. Nessa hora corro atrás do quartel, do corpo de
bombeiros, da Quinta da Boa Vista, da escola de samba, dos
projetos sociais, enfim de todo mundo. Envolvimento é a grande
filosofia da nossa escola, não abro mão disso.( Diretora- Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
8
Exemplar do informativo de novembro de 2004 dos alunos da Escola Municipal Mestre Waldemiro
59
Todos os projetos desenvolvidos na escola são comprometidos com os Parâmetros
Curriculares Nacionais da nova Lei de Diretrizes e Bases e com o Núcleo Curricular Básico
da Multieducação (projeto implantado pelas escolas do município do Rio de Janeiro).
3.2.5 - Quadros de matrículas dos anos de 2002, 2003 e 2004
2002 2003 2004
Séries Total Turmas Total Turmas Total Turmas
Educação Infantil 80 3 75 3 68 3
1º ciclo de Formação Inicial 46 2 45 2 49 2
2º ciclo de Formação Intermediário 30 1 44 2 42 2
3ºciclo de Formação Final 24 1 24 1 42 2
3ª série 34 1 32 1 39 1
4ªsérie 36 1 30 1 28 1
Classe de Progressão 52 2 33 1 24 1
Educação Especial 21 3 20 3 17 2
Total de matriculados 323 14 303 14 309 14
Alunos matriculados em 2002- 2003 - 2004
E. M. Mestre Waldemiro
80
46
30
24
34
36
52
21
323
75
45
44
24
32 30
33
20
303
68
49
42 42
39
28
24
17
309
0
50
100
150
200
250
300
350
Total de matriculados
Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004
60
0bserva-se que os maiores percentuais de evasão escolar ocorreram na Classe de
Progressão e na quarta série nos anos de 2002 e 2003. Em 2004 a reversão desse quadro
nessas séries foi bastante significativa , mas nas turmas do primeiro e terceiro ciclo de
formação o índice de evasão foi maior do que nos anos anteriores. Os dados de evasão na
Educação Infantil e na Educação Especial não constam nos relatórios oficiais apresentados
pela escola.
3.2.6 - Quadro de rendimento dos alunos dos anos de 2002- 2003 - 2004
E. M. Mestre Waldemiro
2002 2003 2004
Séries C. P. C. P. C.P.
Aprovados 68% 83% 75% 60% 77% 96%
78% 85%
93%
Reprovados 32% 17% 25% 40% 23% 4% 22% 15%
7%
Em relação ao aproveitamento das turmas, nota-se que ocorreram sensíveis
melhoras no ano de 2004.
Percentual de evasão dos anos de 2002- 2003 - 2004
E. M. Mestre Waldemiro
7% 7%
8%
12%
23%
18%
5%
0%
8%
3%
20%
10%
12%
2%
12%
0% 0%
4%
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
1º ciclo de
Formação Inicial
2º ciclo de
Formação
Intermediário
3ºciclo de
Formação Final
3ª série 4ªsérie Classe de
Progressão
Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004
61
3.3 - Análise comparativa entre as duas escolas
A descrição das duas escolas possibilitou comparar estruturas que foram fundadas
em momentos históricos diferentes para atender à mesma clientela e suas necessidades
sociais Apesar de semelhanças entre elas, cada escola tem a sua singularidade e procura
promover a integração entre escola e comunidade, visando a uma proposta pedagógica que
melhor se adapte à realidade das camadas populares.
Ambas convivem com a violência e o impacto do tráfico de drogas existentes em
seu entorno. Apesar de a comunidade da Mangueira possuir um programa social
considerado modelo e de reconhecimento internacional, as duas escolas sentem falta de
uma parceria mais efetiva entre os serviços oferecidos pelo programa e as necessidades dos
alunos.
As tabelas abaixo mostram que, apesar de não existirem grandes diferenças entre os
recursos materiais, elas são consideráveis nos recursos físicos e humanos.
Comparativo dos Recursos Físicos das duas escolas
E. M. Marechal Trompowsky E. M. Mestre Waldemiro
Instalações
Instalações
Salas de aula 9 Salas de aula 14
Sala de leitura - Sala de leitura 1
Sala de grêmio - Sala de grêmio 1
Auditório - Auditório 1
Secretaria / Direção 1 Secretaria / Direção 1
Sala de Coordenadora Pedagógica 1 Sala de Coordenadora Pedagógica 1
Sala de professores 1 Sala de professores 1
Cozinha 1 Cozinha 1
Refeitório 1 Refeitório 1
Banheiro de alunos 4 Banheiro de alunos 4
Banheiro de prof. / funcionários 2 Banheiro de prof. / funcionários 2
Pode-se observar que itens de qualidade são maiores nos recursos físicos da Escola
Municipal Mestre Waldemiro - sala de leitura, sala de grêmio e auditório.
62
Comparativo dos Recursos Materiais das duas escolas
E. M. Marechal Trompowsky E. M. Mestre Waldemiro
Equipamentos
Equipamentos
Computadores 3 Computadores 2
Máquina xerox 1 Máquina xerox 1
Linha telefônica 2 Linha telefônica 2
FAX 1 FAX -
Mimeógrafos a álcool 5 Mimeógrafos a álcool 6
Aparelho de TV 3 Aparelho de TV 2
Rádio gravador 4 Rádio gravador 6
Videocassete 1 Videocassete 1
Comparativo do tempo de atuação da equipe de direção das duas escolas
E. M. Marechal Trompowsky E. M. Mestre Waldemiro
Comparativo da situação funcional dos professores das duas escolas
E. M. Marechal Trompowsky E. M. Mestre Waldemiro
Núcleo
Comum
Ed. Física Artes Total Núcleo
Comum
Ed. Física Artes Total
Efetivos 2 3 - 5 10 2 1 13
Cedidos 9 - - 9 8 1 - 9
Dupla regência 4 - - 4 10 - - 10
Percentual efetivos 14% 100% 0% 35% 55% 75% 100% 63%
63
A análise comparativa em relação ao desenvolvimento dos projetos pedagógicos
desenvolvidos nas escolas também aponta que a continuidade da equipe de direção e da
equipe de professores favorece a implantação e manutenção do trabalho.Apesar de a Escola
Municipal Mestre Waldemiro também contar com professores cedidos, eles já atuam na
escola no mínimo há dois anos, diferentemente dos professores da Escola Municipal
Marechal Trompowsky, que modificam a cada ano.
Pelos quadros comparativos de matrículas dos últimos três anos, o número de
matrículas na Escola Marechal Trompowsky vem sendo menor nos últimos três anos.Já a
Mestre Waldemiro vem mantendo uma certa coerência. Um fato que podemos considerar
positivo é um certo equilíbrio nas duas escolas em relação a manutenção das matrículas na
Educação Infantil; esse dado contribui para uma melhoria na formação dos alunos.
Em relação ao percentual de evasão escolar as duas escolas tiveram em 2004 uma
expressiva redução em suas taxas. O mesmo resultado positivo podemos considerar para o
rendimento das turmas.
Pelos depoimentos das diretoras e dos professores, a evasão dos alunos ocorre em
função da miséria e da violência na comunidade, onde muitas famílias são destituídas e às
vezes obrigadas pelo tráfico de drogas a largar suas casas e residir em outra localidade.
3.4- Considerações :
O reflexo do contexto político do momento da fundação foi relevante para a análise
comparativa entre elas. A Escola Municipal Marechal Trompowsky foi criada na década de
1960, quando o modelo tecnicista e burocrático era privilegiado e a escola pública
apresentava um ensino formal para a a Tis1lendoa,as vos d, qcalida sarasm fagrnciaN na décado
64
estigmatizada, foi se constituindo a idéia de que para os alunos pobres, a escola deveria ser
especial, integrada e diferenciada. Atribuía-se o insucesso do sistema escolar às condições
econômicas dos alunos, a desnutrição e a desestruturação das famílias e por meio desse
discurso, a escola foi inocentada do fracasso do sistema.
Já a Mestre Waldemiro surgiu pautada em um novo modelo que surgia com toda
força nos anos 1980 a escola de horário integral , voltada para os interesses das classes
populares. Baseada no modelo dos CIEPs, que tentou resgatar o ensino de qualidade da
escola pública e resolver de uma só vez o problema causado pelo despreparo do professor e
as falhas do sistema escolar.A proposta carregava a bandeira da igualdade e garantiria aos
alunos das camadas populares benefícios usufruídos pela classe média.
No cenário atual, as duas escolas se vêem integradas ao projeto de educação do
município do Rio de Janeiro, que, de forma unificadora, estabelece os padrões de avaliação
e diretrizes de funcionamento. Entretanto, na pesquisa de campo, foi possível perceber
essenciais diferenças na forma de relacionamento das crianças e dos pais com as escolas. A
afetividade, dado não mensurável, parece marcar a grande diferença entre as duas escolas.
Como o projeto pedagógico das duas escolas marca a necessidade de trabalhar valores
como respeito e amor, pelos dados apresentados e pelas entrevistas realizadas, é possível
afirmar que a infra-estrutura sólida se apresenta como causa e efeito da presença do fator
subjetivo afetividade.
Assim, na tentativa de abordar esse fator subjetivo e sua relação com a memória da
escola, considera-se como indicadores, para cada escola, o perfil da direção e dos
professores, seu tempo de permanência na escola, envolvimento com a comunidade em
questão e a organização e continuidade do trabalho pedagógico desenvolvido.Tais
indicadores me pareceram significativos como expressão do envolvimento dos atores da
comunidade escolar - alunos, professores, direção e pais - com a dinâmica da escola.
Pesquisas recentes em educação difundidas por agências internacionais como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento- BID e Banco Mundial, organismos internacionais
como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -
65
UNESCO - e especialistas em educação (educadores e cientistas sociais) vêm reforçando a
tese de que o comprometimento e o envolvimento dos atores da comunidade escolar com a
rotina de trabalho educativo tem influenciado positivamente sobre o trabalho desenvolvido
pela escola. Tais elementos serão aprofundados a partir das entrevistas analisadas no
capítulo 4.
66
CAPÍTULO 4: As Escolas e os diferenciais
A mola mestra para o desenvolvimento deste trabalho se deu a partir do depoimento
da história de vida da professora Adair da Silva Machado, moradora da comunidade, vice-
diretora da Escola Municipal Marechal Trompowsky e neta de Dona Neuma, a sempre
referida eterna primeira dama da Mangueira, o que revelou um importante dado de história
de vida ligada à comunidade. A riqueza das informações obtidas na entrevista da professora
Adair Machado resultou na seleção das escolas já mencionadas no capítulo anterior e na
definição das temáticas das demais entrevistas, sem perder a especificidade da metodologia
de História Oral, em que o pesquisador deve operar no processo dialógico de construção
desse discurso na tentativa de efetivamente construir fontes que contribuam para o objetivo
final da pesquisa.
Para dar conta desse método de investigação foram elaborados roteiros de
entrevistas que permitiam abordar diversos temas comuns com a constante preocupação de
não induzir o entrevistado a uma resposta. Além das entrevistas realizadas, outro método
utilizado para a coleta de dados foi à observação direta das atividades desenvolvidas por
cada escola.
De posse dos roteiros elaborados, depois de passar por todos os trâmites legais para
ter acesso as escolas, parti para o campo com o objetivo de observar e vivenciar ações do
cotidiano de cada escola e suas especificidades. Munida de gravador, fita K7, máquina
fotográfica, caderno de campo e muitas idéias que fervilhavam em minha cabeça, dei início
ao meu trabalho nas duas escolas.
67
Durante três meses no ano de 2004 tive a oportunidade de colher 89 depoimentos de
diversos atores envolvidos com as escolas, conforme quadro abaixo:
Entrevistados E.M.Marechal Trompowsky E.M.Mestre Waldemiro
Diretora 1 1
Vice-Diretora
9
1 0
Coordenadora Pedagógica 1 1
Professores 8 10
Alunos 21 20
Pais ou responsáveis 12 13
Total Geral 44 45
A escolha dos alunos e pais entrevistados se deu aleatoriamente, pela
disponibilidade dos que estavam presentes nos dias em que visitei as escolas.
Vale ressaltar que na Escola Municipal Marechal Trompowsky, das entrevistas
realizadas com a equipe de direção, coordenação pedagógica e o corpo docente, apenas a
vice-diretora é moradora da comunidade da Mangueira.
Com as professoras foram realizadas 8 entrevistas e 100% são regentes de turmas de
Educação Infantil à 4ª. Série . 62% atuam na escola há um ano, 33% há dois anos e 5% há
doze anos. 50% tem formação superior, 38% apenas o curso Normal e 12% tem pós-
graduação.
Dos 21 alunos entrevistados, a faixa etária variava entre 7 e 15 anos (38% com
idade entre 7 e 9 anos, 43% entre 10 e 12 anos e 19% tem idade entre 14 e 15 anos. 61% do
sexo feminino e 39% do sexo masculino. 95% moram na Mangueira, e apenas 5% residem
em bairros próximos e dependem de ônibus para ir à escola e as razões apontadas pelos
alunos para a escolha da escola estão relacionadas aos pais, a proximidade da residência e a
existência de vagas. Ao serem perguntados se gostariam de mudar de escola, 62%
mencionaram que quando passarem para a quinta série querem estudar no CIEP Nação
Mangueirense , por causa das suas instalações esportivas, principalmente pela piscina.
9
Entrevista de história de vida da professora Adair da Silva Machado, vice-diretora da Escola Municipal
Marechal Trompowsky e moradora da comunidade.
68
Quanto a estrutura familiar, 59% dos alunos pertencem a famílias chefiadas pela mãe, 25%
chefiadas pelos pais e 16% por parentes (avós ou tias), 64% mencionaram que residem em
casas com até 5 familiares, 36% com 6 familiares ou mais.
Com os pais ou responsáveis foram realizadas 12 entrevistas, 100% são mulheres,
sendo que 85% são mães e 15% são avós. Em relação ao grau de escolaridade, 75% estudou
de quinta à oitava série do ensino fundamental, 16% até a quarta série e 9% se
consideraram analfabetas. A renda familiar mensal de até R$ 500,00 foi apontada por 75%
dos entrevistados, 17% declararam renda de R$ 700,00 a R$ 1. 000,00 e 8% estão
desempregados. 50% residem em casas com até 4 familiares e 50% com 5 ou mais
familiares. 100% dos entrevistados moram na Mangueira (90% há mais de 20 anos e 10%
estão na comunidade entre 3 e 16 anos).
Na Escola Municipal Mestre Waldemiro foram realizadas entrevistas com a diretora
e a coordenadora pedagógica. A diretora além da formação em Pedagogia pos sui também
formação em Serviço Social. Da equipe de direção , coordenação e do corpo docente,
apenas uma professora é moradora da comunidade da Mangueira.
Com os professores foram realizadas 10 entrevistas e 80% são regentes de turmas de
Educação Infantil à quarta. série , 10% atuam com Educação Física e 10% atuam com
Artes. 80% lecionam na escola entre 3 a 9 anos e 20% entre 18 e 19 anos (desde quando a
escola em questão funcionava apenas como Centro Comunitário). 45% têm formação
superior, 45% apenas com o curso Normal e 10% com pós-graduação.
Das entrevistas realizadas com os 20 alunos , a faixa etária variava entre 7 a 14 anos
(45% com idade entre 7 e 9 anos, 35% entre 10 e 11 anos e 20% tem idade entre 13 e 14
anos). 65% do sexo masculino e 35% do sexo feminino. 70% moram na Mangueira, 35%
moram em bairros bem próximos e 5% moram na Baixada Fluminense. Apenas 25% dos
entrevistados dependem de ônibus para ir à escola e as razões apontadas pelos alunos para a
escolha da escola estão relacionadas aos pais, a proximidade da residência e a existência de
vagas. Ao serem perguntados se gostariam de mudar de escola, 88% mencionaram que
69
gostariam de permanecer na escola até a oitava série. 54% dos alunos pertencem a
famílias chefiadas pelo pai, 32% chefiadas pelas mães e 14% por parentes (avós ou irmãs).
62% mencionaram que residem em casas com até 5 familiares, 38% com 6 familiares ou
mais.
Com os pais ou responsáveis foram realizadas 13 entrevistas, 77% são mulheres
(47% são mães , 24% são avós e 6% são irmãs.) e 23% são pais. Em relação ao grau de
escolaridade, 39% estudaram até a quinta série do ensino fundamental, 31% estudaram até
a terceira série , 15% são analfabetos e 15% concluíram o Ensino Médio. A renda familiar
mensal de até R$ 400,00 foi apontada por 54% dos entrevistados, 38% declararam renda
entre R$ 1.600,00 a R$ 3 000,00 e 8% estão desempregados. 69% entrevistados residem
em casas com 5 ou mais familiares e 31% com até 4 familiares. 70% são moradores da
Mangueira há mais de 20 anos, 23% moram em bairros próximos e 7 % residem na
Baixada Fluminense, mas trabalham na Mangueira.
Vários indicadores apontam diferenças entre as duas escolas e o emprego da
metodologia de História Oral viabilizou um encadeamento de informações, resultantes em
fontes que buscaram, a partir de diferentes versões dos depoentes, construir um horizonte
de possibilidades. Assim foi possível aprofundar os tópicos que farão parte desse capítulo.
4.1. A primeira entrevista: uma história de vida ligada à educação e ao amor à
comunidade
Em diversos trechos de sua entrevista, a professora Adair da Silva Machado, vice-
diretora da Escola Municipal Marechal Trompowsky e neta de Dona Neuma, relata o seu
método de ensinar que prioriza o trabalho tendo como base a realidade e o cotidiano dos
seus alunos. Pode-se perceber fortemente a ligação entre a vontade de ser professora da
Dona Neuma, seu método singular de ajudar as crianças da comunidade a ler e a prática
pedagógica aplicada pela Adair. Há, entre as duas, fortes laços de semelhança.
Adair em seu relato comenta a experiência da avó e relaciona com a metodologia que
utilizou em uma das suas turmas de primeira série para resgatar a aluna Dandara que não
70
estava conseguindo ser alfabetizada e, de repente, Dandara foi surpreendida escrevendo
palavrões. A partir dessa descoberta, Adair conseguiu chegar até Dandara, que, além de se
alfabetizar, tornou-se excelente aluna até a quarta série.
Vale observar alguns trechos da entrevista que confirmam a alegria, o exemplo e a
influência de Dona Neuma no método de ensino aplicado por sua neta Adair e na relação
com os seus alunos:
Da minha avó, ela dizia sempre isso para nós, que queria muito ter
sido professora, mas não teve condições, depois desejava que a
filha mais velha fosse, mas era a época do militarismo e professora
casava com militar e só podia ser professora a classe média alta.
Ela então não conseguiu. Quando eu passei para o Instituto, foi a
glória!
[...] tinha o caso da aluna Dandara, a casa dela tinha caído em um
temporal que ocorreu por aqui em fevereiro e ela veio morar aqui
com a mãe, então a Dandara era minha, da minha família, ela fazia
parte daquela turma 104 e eu não ia passá-la de ano, ela tinha um
“fogo”, eu não podia sair da sala que ela aprontava, ela não estava
conseguindo ler e nem escrever nada e já estávamos no terceiro
bimestre. Estava construindo uma casinha aqui do lado de casa,
minha irmã me chamou e disse que a Dandara estava escrevendo
no muro. O homem que morava aqui do lado se chamava Pê, e a
Dandara estava escrevendo “Pê caga na latinha”. Minha irmã jogou
um giz para ela e mandou que escrevesse uma porção de palavrão
para ele no muro e a Dandara escreveu um monte e eu fiquei
realizada. No dia seguinte cheguei na escola, e falei: ‘Dandara
você escreve “. Ela me respondeu:” tia só umas coisinhas “. Tudo
que eu colocava ela escrevia, mas só que a Dandara escrevia
palavrão, ou seja, só o que interessava a ela. Eu mostrei a Dandara
escrevendo, a supervisora na época brigou comigo, achando que eu
estava ensinando palavrão para a menina. [...] nessa hora eu me
lembrei da minha avó que fazia muito isso, fiquei muito
emocionada e fui contar para a minha avó. [emoção] A Dandara
passou de ano e depois se tornou uma das melhores alunas na
segunda, terceira. e quarta séries .[emoção]
71
Uma vez eu recebi uma turma de progressão, essa turma já é
marginalizada, eles passam por uma peneira, e já ganham o rótulo de
futuros marginais, eles não tem regras, limites, ninguém agüenta.[...]
para eles as regras eram só as do morro” [emoção]. O método
progressão veio de São Paulo, é um método para se trabalhar com
projetos, a idéia era boa, porém mais uma vez esquecem da
realidade do aluno. Em uma comunidade como a Mangueira, por
exemplo, eles gostam de Funk, Hip-Hop, porque não trabalhar em
cima disso e retirar o melhor, mais aí vem à crítica e a coisa não dá
certo[...]. Se a escola quiser, pode aproveitar essa realidade.[...] A
minha avó fazia isso, alfabetizava os alunos partindo da realidade. A
própria Dandara foi assim.
Adair aponta em seu depoimento as dificuldades do sistema de ensino padronizado
pelas secretarias de Educação, os modismos da pedagogia implantados a cada mudança de
governo, independente da realidade das escolas públicas das comunidades populares.
Relata, também, o despreparo do professor para conviver com as dificuldades dos alunos, a
ausência da família, a banalização dos valores e a falta de perspectiva de futuro. Defende
que os órgãos públicos deveriam promover cursos que preparassem professores para
trabalharem com classes populares, relata a diferença do professor que vem dessas
comunidades para os que pertencem a outras regiões. Revela a política e o jogo do poder
interno dentro das escolas, a importância do compromisso das direções para combater o
preconceito contra os alunos e entre os próprios professores que procuram fazer um
trabalho diferenciado. Hoje, como vice-diretora da Escola Municipal Marechal
Trompowsky, ela se vê diante de um grande desafio. Lamenta a importância das estatísticas
para a Secretaria de Educação que mascara resultados e a ausência de planejamentos de
ensino eficazes que atendam à necessidade desses alunos e possam efetivamente diminuir o
abandono escolar. Mostra-se preocupada, também, com a mudança da postura da escola e
do professor frente à passagem de quarta para quinta série.
A entrevistada demonstra um grande carinho e amor às crianças da comunidade da
Mangueira, um certo desconforto com o excesso de teoria e valorização da prática
trabalhada dentro da realidade do aluno.
72
Foto 35 - Adair e as crianças da Escola Marechal Trompowsky
Seu relato confirma a continuidade do legado deixado por Dona Neuma; Adair, com
seu estilo próprio, foi desenvolvendo uma prática pedagógica pautada na vivência e na
realidade de seus alunos e tentando ao máximo apresentar-lhes uma perspectiva de futuro,
mostrando por meio do seu exemplo e de sua história de vida que existem outros caminhos
que podem ser seguidos.
Adair alia à sua prática pedagógica o registro de sua vida, uma forma de deixar,
como legado a seus alunos, a importância de não se perder a autodeterminação. Aqui cabe
um comentário: a prática pedagógica de Adair, manifestada em sua entrevista, inclui a
necessidade de narrar suas histórias, de extrair delas exemplos e conceitos e, acima de tudo,
manifestar intensa emoção com que abraçou o papel de educadora. A disposição da
professora Adair, uma jovem educadora, inteiramente inserida nessa comunidade,
preocupada em abrir perspectivas para os seus alunos, nos apontam que o envolvimento dos
professores e a eficácia das metodologias pedagógicas são indicações importantes a serem
consideradas nas discussões voltadas à melhoria da qualidade do ensino no país.
73
4.2. Memória e história da escola e da comunidade
Escola é.../ o lugar onde se faz amigos/ não se trata só de prédios,
salas, quadros, programas, horários, conceitos... /Escola é,
sobretudo, gente,/ gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se
conhece, se estima./ O diretor é gente,/ O coordenador é gente
/professor é gente /o aluno é gente,/cada funcionário é gente./ E a
escola será cada vez melhor / na medida em que cada um/ se
comporte como colega, amigo, irmão./ Nada de ilha cercada de
gente por todos os lados./ Nada de conviver com as pessoas e
depois descobrir/ que não tem amizade a ninguém/ nada de ser
como o tijolo que forma a parede / indiferente, frio, só./
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,/ é
também criar laços de amizade,/ é criar ambiente de
camaradagem,/ é conviver, é se ‘amarrar nela’! /Ora, é lógico.../
numa escola assim vai ser fácil/ estudar, trabalhar, crescer,/ fazer
amigos, educar-se,/ ser feliz.(A Escola- Poema de Paulo Freire)
Tomando o poema “A Escola” de Paulo Freire como estímulo, é possível interpretar
e relacioná -lo ao nosso contexto escolar. Pode-se considerar a escola como um grande
espaço de socialização que não deve estar preso ao cumprimento de modelos e programas,
mas sim como um lugar onde se prepara a criança acima de tudo para ser feliz.
Com isso, não estou querendo criticar a visão de Freire e de muitos educadores
brasileiros, mas a escola não deve ser vista como redentora e nem a educação como solução
de todos os problemas sociais. Por outro lado, não posso deixar de reconhecer a sua
importância no imaginário de cada um de nós. A importância dessa instituição, com o
passar do tempo, constitui um lugar de memória e gera independentemente da origem
social de quem a freqüentou um sentimento de pertencimento a uma determinada época,
que marca gerações e transmite representações no período da infância e adolescência que
transcendem a sua finalidade específica . Ela funciona como o primeiro contato da criança
com a aprendizagem do mundo exterior e contribui para a construção de uma identidade
singular e ao mesmo tempo coletiva.
A lembrança da escola remete à memória de tudo o que representaram a infância e
as primeiras descobertas, assim como a comunidade onde se mora, o seu entorno, as
74
professoras, a sala de aula, o primeiro contato com a leitura, o compromisso com o dever de
casa, o recreio, as brincadeiras, as brigas, o castigo e as etapas vencidas. O universo
simbólico que a escola inspira mantém-se via afetividade na memória do adulto.
[...] Na década de oitenta, retomou-se o fio da meditação sobre a
memória [...] Revalorizou-se, sob o conceito de experiência, a
memória e a sua relação com a vida prática, mas principalmente se
demonstrou a relação entre o trabalho da memória e a emergência
e constituição de um sentimento de identidade. Halbwacks havia
chamado a atenção para a função da memória coletiva de reforçar
ou constituir um sentimento de pertinência a um grupo, classe ou
categoria que participa de um passado comum. Essa pertinência
específica a um passado compartilhado serve de baliza para definir
uma diferença não mais colocada na categoria do real (raça, cor,
etnia ou gênero), mas no campo simbólico, uma vez que a
memória cria um imaginário histórico, definido pela apropriação
pessoal e pela doação de um sentido peculiar a uma determinada
trajetória de contato e de construção de um patrimônio cultural
comum. Conforme assinalou Habermas, identidade liga-se à
memória porque o que nos torna diferentes é a nossa própria
história e o que nos iguala é o nosso esquecimento.(Souza
,2000,P.14 e 15)
Baseado no discurso de resgate da memória e para que a escola possa efetivamente
construir um projeto político pedagógico que tenha um comprometimento coletivo ela
precisa olhar para si, reafirmar sua identidade e compreender a sua história e decidir para
onde ela quer ir.
“A escola é um lugar de memória. Quando o olhar pode atravessar
a espessura do tempo, distingue vestígios reconhecíveis de sua
história “.(Souza, 2000,p.7).
A visão contaminada de que o Brasil é um país do futuro, deixou marcas profundas
na educação brasileira que por meio de inúmeros projetos experimentais promoveram um
certo desequilíbrio ao verdadeiro papel da escola. Dessa forma, várias contradições
surgiram relacionadas à preocupação de valorizar o passado, para que efetivamente se
pudesse entender o presente e planejar o futuro de seus alunos.
75
Nas duas escolas pesquisadas é possível perceber a presença da memória e a história
da escola e da comunidade no imaginário dos diversos atores envolvidos As escolas estão
situadas em uma região desfavorecida economicamente que evidencia várias características
da sua comunidade e como elas estão presentes no dia-a-dia dessas crianças. A diretora da
Escola Municipal Mestre Waldemiro procura resgatar com os alunos a importância da
comunidade da Mangueira na cultura popular brasileira por meio da sua origem, do samba
e de sua organização social. O símbolo verde e rosa está presente em todos os eventos da
escola.
A foto abaixo apresenta um painel montado em formato de bloco que busca , dentro de
uma linguagem bastante accessível aos alunos, reviver a história do Mestre Waldemiro-
patrono da escola. Sua história é contada e recontada em diversos momentos no ano letivo.
Foto 36 - Painel que conta a história de Mestre Waldemiro apresentado pela Diretora
Na festa de encerramento do ano de 2004, a presença da minipassista e a decoração
da festa com bolas coloridas nas cores verde e rosa também demonstram esse
comprometimento com a tradição da comunidade.
76
Foto 37 - Encenação dos alunos em homenagem ao samba da GRES.Mangueira
Os depoimentos abaixo podem comprovar a influência e o valor da Escola de
Samba para a comunidade:
[... Hoje posso te dizer que sou apaixonada por essa comunidade,
tudo meu é Mangueira, vivo em função da Mangueira, só não moro
aqui. Pelo meu marido a gente comprava um barraquinho nesse
lugar, pois ele não quer sair da Mangueira. [...] É claro que o
encantamento do samba ajuda e muito, pois a comunidade se
orgulha disso. Acho que a escola de samba ajuda a todos, inclusive
as crianças, a terem um certo orgulho de pertencer a essa
comunidade. Ela desperta a solidariedade, o espírito coletivo,
talvez o senso de comunidade. Apesar de todas as dificuldades que
eles enfrentam como: a miséria, a violência, e as drogas, parece
que a escola de samba provoca um certo alento e aponta
perspectivas de melhoras.Muita coisa essa comunidade conquistou
com a ajuda da escola de samba e da organização dos
moradores.(Diretora , Escola Municipal Mestre Waldemiro)
[...] Eu tenho ritmista e passista em casa. Meus filhos participam
da Escola de Samba, já dão até autógrafos. Tenho muito orgulho
de morar nessa comunidade.(Mãe de três alunos, Escola Municipal
Mestre Waldemiro)
77
[...] Tenho muito orgulho de pertencer a essa comunidade e de ser
neta da Dona Neuma, um exemplo a ser seguido por todos, por sua
dedicação e amor as crianças da Mangueira.(Vice-diretora, Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
[...] Moro desde que nasci, já tenho 31 anos. Eu gosto muito daqui,
participei muito do samba e a minha filha já é passista da
Mangueira. Isso aqui é muito bom, é um lugar de gente pobre, mas
muito animada. Eu saio na escola desde pequena, participo de
todas as atividades sociais promovidas na quadra e tenho muito
orgulho de ser mangueirense. A minha filha esse ano vai disputar
na quadra o título de rainha mirim. Estou organizando uma torcida
enorme para ela..(Mãe de aluna, Escola Municipal Marechal
Trompowsky)
A presença da diretora da Mestre Waldemiro teve uma grande inf luência no
fortalecimento da memória da escola. Um dado que merece ser destacado foi a sua
preocupação ao assumir a direção e recuperar a imagem da escola frente à comunidade.
Logo nos primeiros anos após a sua fundação, a escola era malvista pela postura liberal
exercida aos seus alunos e a grande rotatividade de professores. A diretora ao assumir o
cargo, formou uma equipe , montou um projeto político pedagógico que resgatasse alguns
valores perdidos e saiu em campo para apresentá-los às creches vizinhas para o
encaminhamento de novos alunos.
Vale apresentar um trecho do depoimento da diretora que comprova a sua
dedicação e empenho em resgatar a imagem da escola frente à comunidade:
Quando eu cheguei aqui essa escola tinha criado um estigma de
bagunça,pois como ela antes de ter se tornado uma escola ela foi
uma espécie de centro recreativo, recebia alunos já rotulados, que
não tinham limites e o processo de indisciplina era incontrolável.
Nós não éramos muito bem-vistos na comunidade, a elite da
Mangueira não colocava os filhos aqui. Nessa época eu era
professora daqui e a falta de auto estima dos alunos e a indisciplina
dificultavam muito o nosso trabalho. A rotatividade de professores
era muito grande, todo ano havia troca e não tinha continuidade do
trabalho desenvolvido. Quando assumi a direção, reuni o grupo
que estava e procuramos investir em um trabalho de socialização
78
entre os alunos. Implantamos vários projetos com esse objetivo, o
trabalho foi árduo. Na época da matrícula eu ia buscar alunos em
creches, mostrando o nosso trabalho, pois éramos muitos
desacreditados. Hoje me orgulho quando abro as matrículas e não
tenho mais vagas. Não estou dizendo que sou milagrosa e consegui
tudo isso sozinha, mas foi preciso haver um grande envolvimento
não só meu, mas dos professores que abraçaram o projeto e dos
pais que acreditaram em nós. O nosso principal objetivo era
socializar,estabelecer limites, mostrar essas crianças que é possível
ser pobre e vencer. Hoje ainda enfrento sérios problemas , mas já
possuímos uma identidade e procuramos trabalhar temas de acordo
com as necessidades deles. (Diretora, Escola Municipal Mestre
Waldemiro)
Representações e símbolos como murais nos corredores e nas salas de aulas estão
presentes no cenário escolar. O ambiente escolar tradicional é evidenciado nas duas
escolas, assim como sua arquitetura remete à instituição-padrão. Entretanto, o espaço é
humanizado e personalizado por completo na Escola Mestre Waldemiro, que preserva em
cada sala de aula e em todos os seus corredores murais informativos elucidando mensagens
que contribuam para os projetos da escola. Já a Escola Marechal Trompowsky nos últimos
anos vem sendo bastante prejudicada em função de obras de conservação. Seus corredores
não possuem murais e as professoras usam a criatividade e tentam improvisar nas salas de
aulas uma ambientação que favoreça o aprendizado dos alunos.
Fotos 38 e 39 Sala de aula da Mal Trompowsky e um dos corredores da Mestre Waldemiro
79
As duas escolas procuram preservar as tradições do sistema escolar. Uma vez por
semana os alunos são formados na hora da entrada no pátio interno das escolas e cantam o
hino nacional brasileiro. As datas cívicas são trabalhadas por todas as séries , adaptando-se
a faixa etária dos alunos e a criatividade de cada professor. O trabalho realizado considera
que o grau de inculcação das rotinas disciplinares incorporadas pelos alunos na escola
contribui para sua inserção na sociedade.
As formaturas e os rituais que as compõem são mantidos como forma de sinalizar
uma etapa vencida na vida dos estudantes. A Escola Marechal Trompowsky ofereceu aos
seus alunos uma formatura tradicional na quadra da escola de samba da Mangueira com
entrega de diplomas, paraninfo, orador e envolvimento dos pais, alunos e professores. Já a
Mestre Waldemiro optou por uma formatura na própria escola seguindo todos os rituais de
uma colação de grau e contou com colaboração efetiva de pais e professores na
organização do evento.
Fotos 40 e 41 - Formaturas da 4ª série da Mal Trompowsky e Mestre Waldemiro
Os alunos da 4
a
. série sentem-se motivados por estarem vencendo
essa etapa. É uma série animada, com bastante expectativa. Muitos
ficam tristes pela escola não ter a 5
a
. série, mas também estão
motivados pelo novo. (Professora, Escola Municipal Marechal
Trompowsky)
80
Para fechar o ano letivo, no dia seguinte da formatura , a Mestre Waldemiro
realizou uma festa com apresentações de todas as turmas da escola e teve como ponto
máximo a chegada de Papai Noel ,representado por uma professora no carro do
Corpo de Bombeiros .
Foto 42 - Auto de Natal Foto 43 - Apresentação de dança
Foto 44 -Chegada de Papai Noel Foto 45 - Confraternização com as famílias
A história de cada escola ao longo dos anos foi construindo condições singulares
de existência.
4.3. O professor, sua formação, escolha e envolvimento
Dos professores entrevistados nas duas escolas foi possível perceber o dilema em
que se encontram os profissionais de educação atualmente. Percebe-se que a escolha da
profissão, para muitas, foi fruto da imposição das famílias e pela falta de opção no mercado
81
de trabalho para as mulheres , fatores extremamentes marcantes nas décadas anteriores.A
visão da escola como extensão da família e complemento de renda para as esposas de
classe média e a busca de uma profissão que gerasse um certo status para as classes menos
favorecidas, influenciaram no processo de escolha.
Não há como desconsiderar a forte imagem do sacerdócio e do lado afetivo que é
apontado para a profissão do professor. Nas escolas de Educação Infantil até a quarta série,
essa imagem faz parte de um discurso emblemático que associa vocação, dedicação e
comprometimento à figura de um bom professor. A presença feminina mais maciça nesse
segmento, comprova o estigma de “segunda mãe” tão questionado pelos educadores, mas
perpetuado no senso comum, que enxerga o assistencialismo como a melhor forma para se
trabalhar com o aluno pobre. Como a expectativa pela profissão acontece para os
professores quase que na mesma proporção que a sociedade cobra a sua atuação, o discurso
ligado ao ofício do professor gira em torno de um ciclo vicioso que muitas vezes os impede
de perceber seu verdadeiro papel .
Durante várias décadas a falta de investimento da escola pública no trabalho do
professor foi bastante evidenciado. A baixa remuneração da profissão contribuiu muito
para o fortalecimento desse discurso. Hoje, com a mudança desse cenário, já se pode
constatar que o número de professoras entrevistadas que buscaram aperfeiçoamento na
profissão foi expressivo. O esforço da Secretaria Municipal de Educação nesses últimos
anos em promover seminários, palestras e vários cursos de capacitação e aperfeiçoamento
vem sendo reconhecido pelos professores. No entanto, apesar dos vários investimentos ,
ora por parte do professor, ora por parte da educação pública, o desânimo e o cansaço estão
bastante freqüentes no discurso dos professores entrevistados. Para algumas das
professoras, expressões como: “faz parte da minha vida” e ”a escolha foi feita pela minha
mãe”, também estiveram presentes nos depoimentos colhidos e de uma certa forma
confirmam a dualidade que se perpetua no exercício da profissão de professor.
82
Fui meio que induzida pela minha mãe, porque quando eu terminei
a 8ª. Série eu fiz prova para a Escola Técnica e para o Normal,
passei nas duas e optei pelo Normal porque a Escola Técnica os
alunos eram muito mais velhos. Depois que eu entrei no Normal
me apaixonei pela profissão.(Professora,Escola Municipal
Marechal Trompowsky)
Na realidade no início a escolha foi feita pela minha mãe, porque
era uma profissão muito bonita. Eu tenho 54 anos e naquela época
“moça decente” escolhia essa profissão e acabei sendo professora
por uma escolha dos meus pais.(Coordenadora Pedagógica, Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Sempre gostei de ser professora. Eu tive um professor que me
incentivou bastante e foi um espelho para mim, por isso resolvi
seguir essa carreira. Se pudesse voltar atrás pensando na situação
do professor hoje, eu não seguiria essa carreira,mas o meu grau de
satisfação é bom, mas hoje tudo é mais complicado. (Diretora,
Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Desde pequenininha, sempre quis ser professora, às vezes fico
cansada, penso em desistir, mas eu gosto, e acho que, se faz aquilo
que gosta, consegue superar.(Coordenadora Pedagógica, Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
Ser professora faz parte da minha vida, eu sempre quis, desde
pequena brincava de escolinha em casa, eu adoro estar junto com
as crianças. Tudo isso faz parte da minha vida, não consigo me ver
em outra profissão, mesmo com todas as dificuldades que a
profissão apresenta. (Diretora, Escola Municipal Mestre
Waldemiro)
No discurso dos professores das duas escolas, a preocupação com a ausência da
família, a aprovação automática promovida pelo município e a violência contida na
comunidade são apontados como fatores que dificultam o trabalho a ser realizado pela
escola. Muitos enxergam a ausência da família como uma questão cultural e a sua
desestrutura se reflete na postura e no aproveitamento do aluno. A indisciplina apontada
pelos professores está associada à falta de limites dos alunos e ao clima de violência que
predomina na comunidade e dentro de casa. É comum no cotidiano dos alunos, o baixo
palavreado, o insulto, o espancamento e a falta de diálogo. Uma dificuldade à realização de
83
um trabalho que os professores definem como o esforço de combinar diálogo com
autoridade.
A aprovação automática implantada pelo Município nos últimos anos melhorou o
quadro de permanência.cola, mas nem cn trpartrid georou(umaprblemao queacrab( ) Tj0 -19.5 TD -0.9468 Tc1.47413 Tw refletindro dn tro da or3pri.cola, cridro peloo) Tj7287.5 0 TD -009738 Tc1.84113 Tw or3prio sistema:u o“analfabeto fu2nconal”.( ) Tj-7287.5 -20.25 TD -003858 Tc1.81973 Tw Oos luanoss7ãoaprmovidoes deacordgo co ridad para as vmris ntrpaes go iceloe muitoes
84
Alguns trechos das entrevistas realizadas comprovam esse envolvimento:
[...] Procuramos despertar a criatividade neles. É uma comunidade
que rende muito pela arte. O teatro e a música são estratégias que
dão muito certo aqui e exploramos bastante isso. Uma outra
estratégia bastante interessante com eles são os livros que contam
histórias do cotidiano. Temos alguns alunos já envolvidos em
pequenos delitos, sexo, drogas e buscamos com essa literatura,
obviamente adaptadas para as faixas etárias, levantar debates
importantes. (Coordenadora Pedagógica, Escola Municipal
Marechal Trompowsky)
No ano passado peguei uma terceira série com alunos que vieram
da Classe de Progressão, ou seja, com crianças que sabiam ler e
outras não, de idades entre doze e quinze anos, eu tive que dividir a
turma e trabalhar de forma diversificada. Com os mais fracos
desenvolvi um método de alfabetização relâmpago para que
pudesse pelo menos dar o mínimo de condições para que eles
pudessem enfrentar uma quarta série e graças a Deus obtive muito
sucesso e foi muito gratificante ver a felicidade deles de terem
evoluído comigo naquele ano, foi excelente. Me senti a mola
mestra da vida deles naquele momento,eles ficaram mais
confiantes, elevaram a auto-estima e gostaram muito. (Professora,
Escola Municipal Marechal Trompowsky)
[...]. Nós tínhamos lá atrás, onde o Estado trabalha hoje, canteiros
plantados com milho, alface, coentro e tomate. Tudo isso era
utilizado na cozinha da escola . Plantávamos aipim, couve e tudo o
que você pudesse imaginar que existia em uma horta.[...]. Eu fazia
junto com eles, ficava toda suja de lama e explicava como deveria
ser feito. O nível de responsabilidade e envolvimento dos alunos
aumentou muito nesse período. (Professora de Artes, Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
[...] Nós fizemos uma bateria e inclusive ganhamos um concurso
do Município de Música. Era um festival e a Mestre Waldemiro
ganhou com um samba enredo feito com as crianças. Fizemos um
desfile no Zoológico e o nosso tema foi ligado a preservação da
natureza. Montamos alas mostrando várias espécies de animais.
Esse projeto durou uns três anos, foi um grande sucesso. Todo
mundo participou, tínhamos carros alegóricos, tudo trabalhado
dentro da nossa limitação, mas foi ótimo. Cada turma com seu
professor formou uma ala e foi trabalhado em sala o tema dessa
aula. Foi uma coisa fantástica, eu gostei muito de ter feito alguma
coisa por esses alunos e no próximo ano estou pensando em
retomar o projeto , porque o envolvimento foi geral .(Professora de
Artes, Escola Municipal Mestre Waldemiro)
85
O trabalho de campo e as entrevistas reforçaram para mim a importância da
instituição escola e do papel do professor na formação daquelas crianças. Nos depoimentos
das diretoras pude perceber diferenças significativas.
10
Em muitos momentos vi justificados
o esforço e o empenho de cada um daqueles atores para apontar alguns caminhos que
possam efetivamente contribuir para o trabalho desenvolvido em uma comunidade tão
marcada pelas contradições sociais.
4.4.O envolvimento das escolas com o programa social da Mangueira.
As escolas se ressentem da falta de entrosamento entre o trabalho exercido por elas
e o programa social oferecido na comunidade. Na concepção das diretoras e das
professoras várias ações poderiam ser implementadas em parceria com as escolas públicas
da comunidade que beneficiassem os alunos e suas famílias. Ações mais efetivas seriam
realizadas para diminuir as causas que levam inúmeras crianças e adolescentes a
abandonarem o estudo e partirem para atividades nem sempre legais.
Ações pontuais não garantem um bom resultado a longo prazo. A criação de
serviços de apoio às escolas desenvolvidos por profissionais especializados capazes de
auxiliar o trabalho dos professores talvez gerasse um resultado mais positivo e produtivo
para todos. Preparar os professores para o desafio de ensinar alunos efetivamente pobres e
desconstruir a visão estereotipada de que os professores da escola pública são formados
apenas para conviver com o “tipo ideal” de aluno e realizar um trabalho que atenda apenas
aos interesses da classe média.
Um maior entrosamento entre as escolas públicas e os programas sociais de uma
comunidade popular podem se constituir em um conjunto de ações realizadas nas próprias
escolas com o objetivo de atingir um público maior, pois o deslocamento físico na maioria
das vezes dificulta aos pais e alunos na participação nos programas. Palestras de orientação
aos alunos e pais pautadas em temas freqüentes abordando dificuldades encontradas no
10
Vide Anexo 2, que apresenta na íntegra o depoimento das duas diretoras.
86
dia-a-dia da comunidade, serviços de fonoaudiologia e de psicologia, reforço escolar e
algumas oficinas podem ser instrumentos eficazes que favoreçam a formação dessas
crianças . Nas entrevistas foi possível perceber que a despeito da aprovação dos trabalhos
desenvolvidos na Vila Olímpica, o rendimento poderia ser potencializado, caso as ações
fossem mais integradas com a comunidade escolar. Na visão das professoras 100%
aprovam o Programa Social da Mangueira. 75% acham que ajudariam mais se estivessem
ligados à escola e 25% não fizeram menção sobre a escola.
Os projetos ajudam muitas crianças, alguns alunos da minha turma
participam e eles necessitam bastante, pois de vez em quando a
onda de violência aumenta na comunidade e eles ficam muito
desorientados. É uma pena que esses projetos não podem atuar
mais diretamente com as escolas, porque ao meu ver isso ajudaria e
muito. Aqui se encaminha para um acompanhamento psicológico
ou para uma fonoaudióloga é um problema. Se os projetos fossem
mais integrados com a escola esse problema diminuiria bastante.
Podíamos também trabalhar com diversas oficinas, seria um
paraíso. (Professora, Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Tenho vários alunos envolvidos com esportes lá na Mangueira e
isso ajuda muito . Se o projeto pudesse atender a todos, o nosso
trabalho seria muito melhor. A disciplina e o respeito, ficam mais
enraizados neles. É muito bom, talvez seja o grande caminho para
as escolas da comunidade. .(Professora, Escola Municipal Mestre
Waldemiro)
Por eles serem pequenos, o acesso aos projetos fica mais restrito
aos pais levarem e como a maioria trabalha, acaba dificultando
muito. Agora, acho muito importante que esses projetos existam,
porque a Mangueira é enorme e as crianças precisam muito da
ajuda dos profissionais que lá atuam. É importante para o trabalho
da escola. (Professora, Escola Municipal Mestre Waldemiro)
Na opinião dos pais entrevistados,80% aprovam os projetos sociais oferecidos na
comunidade e 20 % consideram que são projetos de” fachada “. Dentro dos que aprovam,
60% consideram que seriam mais eficazes se pudessem estar ligados ao trabalho da escola .
87
Os projetos são bons.Eu acho que as crianças ficam ocupadas e
dessa forma ajuda não irem para o outro caminho.(Avó de aluno,
Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Acho bom. Os meus filhos participam de uma porção, porque isso
ajuda a ocupar a cabeça deles e cria responsabilidade e vontade de
vencer na vida. Lá tem vários cursos, eles podem aprender um
bocado de profissão.O meu filho mais velho já está no CAMP
Mangueira. Acho que tinha que ter uma oficina para ensinar muitas
coisas de profissão também para as crianças mais novas, dentro da
própria escola, porque às vezes acaba sendo tarde demais para
alguns. Agora se as crianças só saírem da escola e ficarem soltos,
aí vem à vagabundagem e levam eles. Isso é muito chato. (Mãe de
aluno, Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Só “vitrine”, só para aparecer na televisão. Quando o Chiquinho
queria entrar na política ele prometia muita coisa para a
Mangueira, agora, ninguém lembra mais da gente. Acho tudo isso
um grande circo.Quando eu era pequena tinha uns projetinhos mais
simples, mas todo mundo participava, agora, se não tiver
conhecimento não se consegue colocar os filhos na Vila Olímpica
.(Mãe de aluno, Escola Municipal Marechal Trompowsky)
É uma benção. As crianças aprendem. No meu tempo não tinha
isso para gente, Só é muito longe e às vezes é muito difícil ter
vaga. Eu acho que a Prefeitura poderia fazer um convênio com os
projetos e oferecer dentro das escolas. (Pai de aluno, Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
Sinceramente, esses projetos atendem apenas a uma minoria,
muitos são só de “fachada”. Não é tão fácil conseguir uma vaga
neles. Muitos começam na época de eleição para eleger um
vereador e depois não há continuidade.(Pai de aluno, Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
Um dado importante a ser levantado é que esse modelo não poderá transformar a
união das escolas com os programas sociais em mais uma proposta assistencialista, e sim
em uma proposta que viabilize um projeto de educação integrada que deverá além de
contribuir para as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas , dar condições de fato
aos pais , professores e alunos de adquirirem conhecimentos necessários que facilitem o
processo de crescimento da criança.Os depoimentos são importantes porque dão pistas para
uma avaliação distanciada sobre a eficácia das intervenções na comunidade, confirmando
88
os resultados da pesquisa de Maria Cecília Prates Rodrigues (2004) sobre o investimento
social. Prates desenvolveu uma metodologia de avaliação do investimento social privado e
teve na Mangueira o foco de sua investigação. Os depoimentos aqui transcritos reforçam as
conclusões dessa pesquisa.
4.5- A Escola como perspectiva de um futuro melhor ou de sobrevivência
A valorização da escola como um espaço positivo para conquistar um futuro
melhor, ficou evidenciada em todas as entrevistas realizadas. Para os pais e alunos, quando
foram perguntados como vêem a escola e a importância de estudar, as respostas foram
praticamente as mesmas. As diversas falas nos ajudam a perceber por que o movimento em
direção ao futuro enfatizado na obra Escola e Memória de Maria Cecília Souza (2000)
mantém-se como referência forte na comunidade escolar. Senão, vejamos:
Pais
Ela é muito importante para a criança pelo ensinamento, educação
e várias coisas que a escola promove para o futuro deles. O meu
sonho é que meus filhos alcancem uma faculdade e se Deus quiser
eu vou correr atrás para conseguir isso. (Mãe de aluno, Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Muito importante, porque hoje em dia para quem tem estudo é
difícil, imagina para quem não tem. A escola é fundamental na
vida da criança. (Mãe de aluno, Escola Municipal Mestre
Waldemiro)
O estudo é tudo. Aqui se você não estudar e tentar ter uma boa
profissão vai virar bandido. E bandido sabe como é, não dura
muito. (Mãe de aluno, Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Eu acho importante a escola, porque para quem vive em um lugar
como esse se não estudar a coisa fica mais feia ainda. (Mãe de
aluno, Escola Municipal Mestre Waldemiro)
89
A importância do estudo é tudo, pois sem ele não se cresce na vida.
Tenho muito medo de meus filhos seguirem o caminho errado,
agora mesmo estou tendo problemas com um nesse sentido e a
escola está me ajudando muito. Ele está se envolvendo com quem
não deve, já fala besteira, pensa em largar os estudos, mas eu sento
com ele e tento convencer que esse caminho não tem volta e nem
futuro. Minha irmã, se envolveu com o tráfico e morreu no início
do ano, de uma forma que é melhor nem falar. Eu e o pai
procuramos dar muito exemplo para eles, mas o tráfico é uma coisa
horrível, ele leva o jovem para a morte. (Mãe de aluno, Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Alunos:
Porque ela pode me dar uma profissão. (11 anos- 4ª série - Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Porque a gente aprende a ler e escrever. ( 9 anos- 3º ciclo - Escola
Municipal Mestre Waldemiro)
Porque a gente aprende e pode ser alguém na vida. (8 anos-
ciclo - Escola Municipal Mestre Waldemiro)
Ás vezes eu acho que ela é muito chata, é só para criancinha. Já
estou cansado de estudar. (14 anos- 4ª série - Escola Municipal
Marechal Trompowsky)
Só se eu não fosse pobre que estudar ia ser importante. A gente
que é pobre não tem muita oportunidade, no ano que vem eu não
vou estudar mais. (Progressão-14 anos - Escola Municipal
Marechal Trompowsky)
Percebe-se que no depoimento dos pais a importância de estudar como forma de
garantir um futuro melhor foi unânime, o poder da escola para combater a violência, a
miséria e o tráfico de drogas fica bem evidenciado. No depoimento dos alunos, a
importância de aprender a ler e conseguir uma profissão foi expressiva e confirma o
objetivo dos pais. O desestímulo dos alunos mais velhos em relação a escola foi apontado
no depoimento dos dois últimos alunos citados. Quando lhes foi perguntado o que eles
esperavam do futuro se parassem de estudar, as respostas foram expressivas:
90
Eu quero ser professor de Português, mas não sei ainda se vou
conseguir, acho que não sou inteligente e não aprendo direito. ( 14
anos- 4ª série - Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Eu queria ser modelo para poder ganhar mulher bonita e ficar rico,
mas eu acho que eu não vou viver muito, mas às vezes eu penso se
não é melhor viver menos e ter dinheiro no bolso e mulher bonita
ou acabar que nem a minha avó com sessenta anos lavando roupa
para rico e ganhando salário mínimo. (14 anos-Progressão - Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Respostas como estas remetem a um questionamento antigo no meio educacional e
na história do movimento social. Se a escola é tão importante para combater os fatores que
levam a desigualdade, o que será que leva inúmeros adolescentes pobres a abandoná -las e
desistirem tão cedo de que por meio dela eles possam construir um futuro melhor? Pude
constatar na ocasião do meu trabalho de campo que muitos alunos mais velhos da Classe
de Progressão ficavam me observando nas entrevistas, e na maioria das vezes me
acompanhavam o tempo todo, mas quando eu perguntava se queriam participar das
entrevistas, eles se negavam. O que será que tinham a me dizer? Enfim... tive que
prosseguir o meu trabalho sem ouvi-los.
Para as famílias , também percebe-se que a escola é vista como uma instituição que
tem a função de formar cidadãos críticos e capazes de construir um país melhor. Mas,
sobretudo, dois aspectos são realçados: não se abalou com esses depoimentos a clássica
relação que se estabeleceu nas ciências sociais entre educação e mobilidade social. Do
ponto de vista dos atores essa é uma referência que parece ainda render frutos analíticos. E,
um segundo aspecto: é possível observar que as gerações percebem de formas distintas a
correlação acima exposta. A ênfase dos pais e avós não se compara à dos estudantes com
defasagem de séries.
Interessante observar a importância dada a formação escolar por esses atores
sociais. Apesar de o interesse em acompanhar o estudo dos filhos na escola ter sido
relatado em todas as entrevistas realizadas com os pais , o professor e a direção encaram o
91
compromisso da família com uma visão bastante diferenciada .Abaixo pode-se observar
alguns trechos dos depoimentos das duas diretoras e de algumas professoras:
Eu não posso dizer que essa família é presente, e isso prejudica
bastante a nossa situação. Nós temos a convicção de que
precisamos trabalhar junto com a família, pois ficamos com os
alunos durante quatro horas e meia, e o restante do dia eles ficam
com a família. A Escola acaba tendo que dar conta desse problema
social,pois os alunos se sentem abandonados e sem auto estima
.(Diretora, E.M.Marechal Trompowsky)
A família é muito desestruturada, ela também precisava ser
trabalhada, a ignorância, a pobreza, o assistencialismo são fatores
muito presentes nessa comunidade. O professor fica
sobrecarregado, tem que dar conta de fatos que ele também não
está preparado. Existem muitas trocas de parceiros dentro das
famílias. Eu tenho aluno que tem vários irmãos e às vezes um de
cada pai.Fica difícil. Alguns pais trabalham o dia inteiro e eles
ficam soltos por aí, convivendo com gente que seduz para um
mundo que não tem volta. A morte está muito presente na vida
deles, eu tenho alunos que quando falam que um irmão morreu,
isso é encarado como uma coisa comum, não há raízes, os vínculos
não são estabelecidos, isso é passado de geração a geração. É
preciso criar perspectivas para os adolescentes, porque acabam
aderindo à filosofia de que é melhor viver pouco mais viver bem.
(Professora, E.M.Marechal Trompowsky)
A família já foi mais ausente, agora ela tem estado mais presente,
ainda não chegamos ao ideal, porque também precisamos
considerar o quadro que elas estão inseridas, mas em relação ao
passado já avançamos muito. Eu procurei também envolvê-los
mais nas festividades, todos trabalham em ritmo de mutirão, e o
retorno é bem mais significativo. Quando fazemos festas, tudo que
arrecadamos volta para os próprios alunos por meio de passeios e
outras atividades. [...] È uma estratégia também que leva a família
a participar mais.(Diretora, E.M.Mestre Waldemiro)
Observa -se que a estratégia adotada em relação a família é bastante diferenciada
nas duas escolas.A direção da Marechal Trompowsky busca uma integração com as
famílias dentro de um modelo mais tradicional, limitando-as às reuniões e a algumas
atividades escolares. Em contrapartida, a direção da Mestre Waldemiro procura realizar
ações que estimulem o envolvimento dos pais no cotidiano da escola .Nas entrevistas, o
92
reflexo desse trabalho surgiu de forma bastante expressiva na fala dos pais. A diretora da
escola foi citada por muitos como a grande responsável por esse entrosamento. Tais dados
podem ser observados nos depoimentos abaixo :
O meu filho mais velho veio transferido da Trompowsky e lá ele
apresentava muitas dificuldades. Aqui é mais puxado e ele está
começando a recuperar. A metodologia daqui é muito melhor A
existe cobrança, um acompanhamento, lá não existia isso. A
diretora Ângela é muito presente; ela acompanha mesmo os alunos
e passa uma segurança para nós. Existe um entrosamento entre
professores e a Direção, isso eu não via na outra escola.(Pai, E. M.
Mestre Waldemiro)
Eu adoro isso aqui, se pudesse ficava aqui o dia todo ajudando a Dª
Ângela e as professoras. A Dª Ângela é 100% amiga das crianças
da Mangueira.(mãe, E. M. .Mestre Waldemiro)
A diretora como figura presente que realiza um acompanhamento efetivo nos
diversos setores da escola é algo que contribuiu para a imagem da escola crescer
socialmente.
Dos doze pais ou responsáveis entrevistados na Escola Marechal Trompowsky
,58% estudaram na escola e muitos lembram com um certo “saudosismo” do ensino
oferecido em sua época. Na Mestre Waldemiro dos treze pais ou responsáveis
entrevistados apenas 15% são ex-alunos. Ao lado da avaliação de que a escola no passado
era melhor do que no presente, aparece o dado de afetividade pelo tempo ocupados na
infância. Ou seja, o discurso crítico é carregado pelas referências de memória.
Dos elementos que remetem a preocupação dos pais com o atual sistema de ensino
foram apontados alguns, tais como: a alta rotatividade dos professores da Escola Marechal
Trompowsky, a ausência de uma cobrança mais efetiva dos conteúdos dados em sala de
aula nos deveres de casa passados para os alunos e o critério de aprovação do Município,
pois muitos ficam admirados de como seus filhos chegam à quarta série com dificuldades
básicas ligadas à leitura.
93
Eu acho que o ensinamento daqui é muito atrasado. Troca muito de
professora, elas faltam muito, às vezes eles ficam uma semana sem
aula e não tem nenhuma professora substituta para ficar com eles e
com isso a gente não vê que eles não aprendem.Essa escola era
para ser ótima, o meu marido e os meus cunhados estudaram aqui e
era muito diferente, o ensino era ótimo.(Mãe de aluno,
E.M.Marechal Trompowsky)
A falta de investimentos da Prefeitura nas escolas também foi bastante questionado
pelos pais, pois consideram que a demora das obras e a escassez de recursos acabam
prejudicando o trabalho desenvolvido pelas escolas.
Uma outra preocupação apontada por 60% dos pais entrevistados na Marechal
Trompowsky , foi a ausência do segmento de quinta à oitava série..Eles alegam que, em
uma escola de favela, onde os alunos já enfrentam tantas dificuldades para permanecerem
na escola, a mudança a partir da quinta série acaba prejudicando a continuidade dos
estudos para muitos alunos. Levando-se em consideração que ao lado da escola tem um
colégio de Ensino Médio , a existência do ensino a partir da quinta-série facilitaria a vida
dos alunos . Na Mestre Waldemiro esse tipo de preocupação não apareceu nas entrevistas
realizadas com os pais.
[...] E porque essa escola não vai até a oitava série? Ajudaria todo
mundo que mora perto. Aqui do lado existe um Colégio que tem o
segundo grau e seria ótimo se eles pudessem ficar aqui até a oitava.
Série e depois serem transferidos para lá, mas infelizmente não é
assim. Ás vezes eu acho que só porque somos pobres ninguém
acha importante que os nossos filhos estudem.Agora as crianças
saem daqui na quinta. série e vão para outra escola que tem
crianças de outras favelas que às vezes são inimigas e acabam
abandonando tudo. Quando está na época da eleição está tudo bem,
tudo anda bem, quando acaba ninguém lembra mais da gente.(Mãe,
E.M.Marechal Trompowsky)
Eu gostaria muito que ali tivesse até a oitava série, seria uma
benção, porque as crianças não precisariam trocar de escola e tudo
ficaria mais fácil. Teve uma vez que até fizeram uma pesquisa para
ver se a gente concordava em ter a quinta série, mas para que isso
acontecesse eles iam diminuir as vagas para os pequenos, aí não ia
adiantar nada, porque ia resolver um problema, mas ia criar um
outro. O ideal seria que a prefeitura olhasse mais para essa
necessidade de escola até a oitava série aqui na comunidade.(Mãe,
E.M.Marechal Trompowsky)
94
Relatado pela diretora da Marechal Trompowsky ,em 2003, por iniciativa da 1ª
CRE, a escola constituiu um plebiscito para ouvir a comunidade sobre a inserção desse
segundo segmento. A proposta foi apresentada da seguinte forma: para que a escola
pudesse iniciar com turmas a partir da quinta série teria que diminuir o número de vagas
para as turmas da Educação Infantil e do Ciclo Inicial. Na votação os pais optaram em não
reduzir o número de vagas nas séries iniciais, pois julgaram que o problema se tornaria
maior, em decorrência da baixa idade dos alunos.
4.6-A convivência com o tráfico de drogas e a violência.
A vivência diária e os noticiários constantemente apontam que a Mangueira, assim
como várias comunidades populares das grandes capitais brasileiras, enfrentam a presença
do poder constituído com base no tráfico de drogas e controlado pelos “quartéis-generais”
nos morros. Os que vivem nessa realidade, por falta de opção, assistem ao tráfico de
drogas aliciando crianças cada vez mais jovens para a sua estrutura. Se, pela Lei e pelo bom
senso, “lugar de criança é na escola”, tal realidade expõe a grande ameaça a qualquer
projeto educacional que tenha como objetivo maior a boa inserção do futuro adulto no
mercado de trabalho e sua formação intelectual satisfatória.
A preocupação com o tráfico de drogas e com a violência esteve presente em todas
as entrevistas realizadas. Para os diretores e professores a escola, apesar de todas as
contradições de nosso sistema de ensino, busca apontar caminhos para que os seus alunos
possam ver na importância de estudar uma forma de se conquistar uma vida melhor. Como
já foi dito anteriormente os pais e alunos reconhecem a importância da escola. Isso
evidencia a responsabilidade e o isolamento dos professores e da escola em uma tarefa
muito maior do que a capacidade e possibilidade de corresponder aos anseios imediatos dos
alunos e pais.
Diante dessa realidade, a escola passa a ser, na esfera das comunidades ameaçadas
por esse poder paralelo, um espaço de inclusão social, que deve criar perspectivas de futuro
95
e afastar seus alunos da ambição e da força daqueles que, no passado, foram alijados do
processo educacional e hoje repetem o papel de aliciadores.
É válido ilustrar essa realidade com os depoimentos de duas professoras que são
moradoras da comunidade e convivem com esses problemas de perto.
[...] Há dois anos eu perdi o Adriano [emoção] [...] ele já tinha
vulgo e tudo, ele era o Teteu, e ele dizia para mim: “Tia, meu pai
morreu, minha mãe também e eu moro com a minha avó que já
está velhinha, quando a minha avó morrer eu vou ficar sozinho, eu
tenho minhas tias, mas não é a mesma coisa, eu vou ficar sozinho”.
E a avó dele morreu, uma das tias pegou o Teteu para criar, [...]um
dia a tia falou para mim que ele estava escondendo maconha, pó e
armas na casa dela, e ela tinha medo de prenderem o marido dela,
pois ele era menor, e nós conversamos muito com ele, mas ele não
conseguiu ficar na quinta série e sabe o que aconteceu? No
primeiro tiroteio que teve no morro ele morreu, porque não tinha
malícia, todo mundo correu, os maiores se escondem, tem a
maneira deles, mas ele era um menino e morreu acabado [emoção]
.(Vice-diretora da E.M.Marechal Trompowsky e moradora da
comunidade)
[...] Outro dia eu vi um deles que tocava na bateria que eu fiz com
eles, tinha tudo para crescer, era doido pelo que fazia e hoje está lá,
um homem feito, envolvido na bandidagem e a sua única
perspectiva é morrer, e isso é muito triste, porque tudo que a gente
fez não deu em nada. É uma coisa muito, mas muito triste, uma
sensação de grande impotência. Já vi aluno chegar na minha porta
baleado e quando eu lembro tudo que a gente fez junto, é
desesperador. E para ajudá -lo a não entrar nessa vida, o
investimento tem que ser aqui. Recuperar no meio do caminho, não
adianta mais. Tem que pegar enquanto eles são pequenos, o
grandão não tem mais jeito. Tem uma porcentagem pequena mas
que consegue viver de um trabalho simples, mas digno, e essa
pequena porcentagem nos dá força para que a gente continue
fazendo algo por eles. Apesar do desanimo, temos que continuar
achando que é possível, por isso que eu ainda estou
aqui.(Professora de Artes, E.M.Mestre Waldemiro, moradora da
comunidade)
Para a maioria dos pais moradores da comunidade, o conflito entre a satisfação em
morar na Mangueira, uma comunidade de gente simples, mas com boas condições de
96
moradia, e a violência ocasionada pela presença do tráfico de drogas gera um sentimento
de impotência e frustração e já faz parte do cotidiano dos moradores da favela. Eles
acreditam que o diálogo com os filhos e uma boa escola ajuda as crianças a não se
envolverem com as drogas e que o preconceito contra o favelado deveria ser revisto pelas
autoridades, pois na favela não existem só” bandidos”. Relatam que a violência também
está presente no “asfalto”, nas classes média e alta que sustentam o mercado de drogas e
na maioria dos governantes que desconsideram as necessidades do pobre. Os depoimentos
abaixo comprovam essa preocupação:
Moro há dezesseis anos aqui e sinceramente eu acho horrível, mas
meu sonho mesmo é cair fora . Isso aqui não é ambiente para as
minhas crianças. Eles convivem com caras fumando drogas,
armados andando para baixo e para cima. Às vezes tem tiroteio e
eu não posso trazê-los na escola, temos que ficar presos em casa,
isso não é ambiente para eles dois de jeito nenhum.[...] O meu filho
de sete anos já canta essas músicas de funk que fala das drogas, já
não quer mais estudar e isso me preocupa muito. (Mãe de aluno,
Escola Municipal Marechal Trompowsky)
O risco que eu corro aqui com eles também ia correr se morasse na
“pista”, porque só se envolve com droga quem quer.Tem muito
garoto bacana que tem muito estudo e sobe aqui para comprar
droga. Todo mundo pensa que só favelado que é viciado, mas que
nada, quem sustenta o tráfico são os poderosos. Pobre não tem
dinheiro nem para comprar maconha. (Mãe de aluno, Escola
Municipal Marechal Trompowsky)
Quem mora em favela vive sempre entre a cruz e a espada, porque
por um lado a gente tem que conviver com o medo das drogas e
por outro com a violência da polícia que também não é muito
fácil.Eu não sei nem o que responder, eu fiz de tudo pelos meus
filhos e não tive muito sucesso. Com esses já sou mais velha, vou
tentar não cometer os mesmos erros e tentar de todas as maneiras
convencê-los que não devem parar de estudar. (Mãe de aluno,
Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Eu e meus filhos fomos vítimas do tráfico e pagamos por uma
coisa que não fomos responsáveis. Eu tenho uma irmã que se
envolveu com porcaria e nós fomos expulsos da nossa casa pelos
traficantes e depois de muito tempo é que a gente pode voltar para
cá. Eu tenho muito medo de tudo isso, mas é a vida que eu posso
97
ter no momento, é preciso recomeçar de cabeça erguida. . (Mãe de
aluno, Escola Municipal Marechal Trompowsky)
Acho que o grande problema do tráfico é quem sustenta ele e, com
certeza, não são os pobres. A quantidade de carrões que entram
aqui é impressionante. Acho que o problema de segurança não é
local, é nacional e o tráfico está cada vez mais se organizando e
crescendo. É claro que todos nós pais ficamos preocupados com
isso, mas precisamos ficar bem perto dos nossos filhos e incentivá-
los sempre.(Pai de aluno, E.M.Mestre Waldemiro)
Se o pai e a mãe largar os filhos de mão, aí não tem jeito, fica
difícil, e as crianças acabam entrando nas drogas. As crianças
pobres acabam pensando que é uma forma de ganhar dinheiro, mas
isso é a perdição. (Mãe de aluno, E.M.Mestre Waldemiro)
Eu converso muito com os meus filhos. Falo para eles que não
podem ficar muito na rua e não escondo para eles o perigo do
tráfico. Eles são pequenos, mas já entendem. Eu falo que eles têm
que ser crianças boas, estudar para vencer na vida e morar em um
lugar melhor. Não é porque a gente mora na favela que ele não vai
ser alguém na vida. Tem muita gente que vive na favela e é doutor
hoje em dia. Todo mundo tem que estudar para ter dignidade e ser
uma pessoa decente. Todo mundo pensa que favelado é bandido,
eu mesmo morei aqui a vida inteira, e sou uma pessoa decente,
meu marido não usa drogas, não bebe, não fuma , é uma pessoa
decente. (Mãe aluno, E.M.Mestre Waldemiro)
O meu filho, que é o pai deles, vivia nas drogas, foi preso, eu
consegui as crianças pelo juizado de menores. A mãe também vive
nessa vida, e se eles tivessem convívio com o pai e a mãe, já
seriam aviãozinho do tráfico de drogas. (Avó de aluno,
E.M.Mestre Waldemiro)
O tráfico está cada vez mais presente na vida do pobre. É
importante que a gente converse muito com eles para que não se
envolvam. Tenho seis filhos, nenhum deles se meteu com isso, eles
não fumam, não bebem, são todos pessoas de bem. Procuro passar
a mesma coisa para os meus netos. (Avó de aluno, E.M.Mestre
Waldemiro)
98
Observa -se que o discurso desses pais reflete a necessidade de se construir um outro
olhar para as famílias que residem em comunidades populares.Ele permitiria identificar
que os moradores das favelas desenvolvem formas ativas e contrastantes para enfrentarem
suas dificuldades do dia-a-dia, de acordo com as características pessoais e coletivas da
comunidade que estão inseridos.Os depoimentos confirmam outros resultados de
pesquisas: importância do envolvimento dos pais nas atividades escolares e relação entre
estrutura familiar e comportamento infanto-juvenil.
É necessário que as instituições governamentais, a sociedade civil, as religiões
possam atuar com maior eficiência na resolução desse problema tão grave que é uma
ameaça para as gerações presente e futura.
99
CONCLUSÃO:
Nas duas escolas pesquisadas, a importância dada à formação escolar ficou bastante
evidenciada no discurso dos diversos atores sociais envolvidos. A escola aparece como a
saída possível para o combate à marginalidade. A presença do fator subjetivo afetividade na
análise das entrevistas revelou sensíveis diferenças nos trabalhos desenvolvidos pelas duas
escolas.
Em relação ao descontentamento apontado por alguns professores na escolha da
profissão, no isolamento em que o seu trabalho é constituído, nas suas precárias condições
de trabalho, na violência da comunidade e nas dificuldades surgidas com a implantação do
sistema de aprovação automática no município, é possível verificar o esforço desenvolvido
por cada um deles em elevar o nível de aprendizagem de seus alunos.
A baixa rotatividade da equipe de direção e do corpo docente é um determinante que
favorece o trabalho desenvolvido na Escola Municipal Mestre Waldemiro, que apesar de
todas as dificuldades existentes no sistema educacional brasileiro, reforça a teoria de que é
possível realizar um trabalho que promova o comprometimento e o envolvimento dos
diversos atores da comunidade escolar. O esforço da diretora em buscar caminhos mais
próximos à realidade de seus alunos e por meio deles construir um projeto pedagógico que
possa, ao mesmo tempo, valorizar a origem da comunidade, garantir o acesso a outras
formas de cultura presentes na sociedade e ampliar o horizonte de possibilidades em
relação ao futuro de seus alunos constitui forte argumento em favor de certas orientações de
ação na comunidade escolar.
A participação da comunidade escolar no projeto da Escola Municipal Mestre
Waldemiro contribui para fortalecer laços de identidade e aumentar a motivação necessária
dos diversos atores envolvidos com os projetos da escola e dessa forma garantindo, muitas
vezes, o aumento da qualidade do trabalho e conseqüentemente melhor funcionamento da
escola e maior rendimento na aprendizagem.
100
O tráfico de drogas e a violência revelam a principal preocupação dos moradores da
Mangueira em relação ao futuro de seus filhos. Várias pesquisas demonstram que a média
de idade das crianças que ingressam no tráfico de drogas está cada vez menor e um dos
condicionantes que auxiliam nessa trajetória é a baixa escolaridade ocasionada pelo
abandono escolar. Ele também foi apontado pelas escolas como um dos responsáveis pelo
aumento da evasão escolar, pois várias famílias são destituídas e às vezes obrigadas pelo
poder do tráfico de drogas a largar suas casas e residir em outra localidade.
Os projetos sociais existentes na Mangueira também foram apontados como ações
significativas que contribuem para a mudança de um cenário que reforça as diferenças
sociais. A Mangueira foi a pioneira na implantação de programas sociais. Hoje, possui um
programa reconhecido internacionalmente e considerado modelo pelo poder público e pela
sociedade civil. A despeito das considerações críticas a integração da escola pública com os
programas sociais desenvolvidos na comunidade aparece ainda como possibilidade de
ampliação de perspectivas de futuro para inúmeras crianças e jovens residentes em áreas
marcadas pela violência e pelo poder exercido pelo tráfico de drogas.
Cheguei ao final convencida de que é possível apostar. É essa crença no produto-
resultado da ação cotidiana que faz a escola concreta, não a escola “de concreto” que serve
de fachada para campanhas políticas. Apesar das campanhas políticas, é possível acreditar
na permanência da memória da escola, que resiste aos modismos nocivos e sabe atualizar-
se na medida possível e do possibilitado pela oferta tecnológica e de treinamento.
Acreditar na escola afetiva e norteadora, a escola que orienta e instrumentaliza o indivíduo-
cidadão a uma existência sempre resistente, por mais que a realidade se lhes imponha a
oferta de caminhos extramuros sociais.
Mobilizada que sou pela ação social voluntária, vi com a pesquisa reforçada a teoria
de que é sempre possível fazer mais um pouco. Meu propósito é continuar a transformar.
Transformar não só este estudo em uma ação prática, mas sustentar a crença de que, em
essência, é o indivíduo o objeto de ação da escola. Ao lado de seu direito de ser cidadão,
101
também um indivíduo-agente transformador, de si mesmo, da comunidade em que vive, e
principalmente da escola que construirá para os próximos mangueirenses.
102
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107
ANEXO 1 - Roteiro das entrevistas
1. História de vida de Adair da Silva Machado.
1- Que relações familiares importantes você tem com a comunidade da Mangueira?
2- Quando você nasceu?
3- Que histórias contam sobre o seu nascimento?
4- Como foi sua infância?
5- Onde estudou, desde a alfabetização?
6- Houve interferência de alguém, familiar ou não, em sua escolha profissional?
7- Qual foi a reação da sua família quando você ingressa no curso de Formação de
Professores?
8- Você começou a trabalhar quando terminou o curso de Formação de Professores?
9- Em que época você prestou concurso para a rede de escolas municipais do Rio de
Janeiro e por que motivo?
10- Como foi sua inserção em uma escola municipal e a prática pedagógica que você
adotava com os seus alunos?
11- Como foi a sua opção por Pedagogia?
12- Como você avalia suas expectativas em relação à Universidade e o que você de fato
encontrou?
13- Como você avalia todos esses anos de formada?
14- Como você avalia o preparo do professor frente às necessidades dos alunos de classes
populares?
15- Qual a sua opinião em relação ao ensino ministrado até a 4ª série e a escola a partir da
5ª série?
16- Em algum momento do seu exercício em sala de aula você teve influência da prática
pedagógica de sua avó aplicada a crianças na Mangueira no passado?
17- O que foi Dona Neuma para você?
18- O que a Mangueira representa na sua vida?
19- E a Educação, o que ela representa de fato para você?
108
2. Roteiro das entrevistas realizadas com as diretoras
1) Qual a sua formação e tempo de magistério?
2) Como foi a escolha da profissão?
3) Qual o grau de satisfação com a escolha da profissão?
4) Há quanto tempo atua na escola em questão?
5) Existe envolvimento com a comunidade da Mangueira e em que nível?
6) Qual a prática pedagógica que norteia os projetos da escola?
7) Como se dá o acompanhamento dos professores na aplicação de sua prática
pedagógica?
8) Existe algum incentivo por parte da Escola e do Município ao aprimoramento da
formação do professor?
9) A família de um modo geral participa das atividades da escola?
10) Na sua visão, como a família vê a escola e o nível de expectativa que deposita em
relação a ela?
11) Como se dá o convívio com a ameaça do tráfico de drogas?
12) Quais as principais dificuldades encontradas?
13) Como se dá a transferência dos alunos da 5ª série e qual a sua maior preocupação em
relação a essa transferência?
14) O que pensa sobre os projetos sociais oferecidos na comunidade da Mangueira?
15) Qual a experiência de maior e menor sucesso vivenciada pela Escola envolvendo a
comunidade?
109
3. Roteiro das entrevistas realizadas com as coordenadoras pedagógicas
1) Qual a sua formação e tempo de magistério?
2) Como foi a escolha da profissão?
3) Qual o grau de satisfação com a escolha da profissão?
4) Há quanto tempo atua na escola em questão?
5) Existe envolvimento com a comunidade da Mangueira e em que nível?
6) Qual a prática pedagógica que norteia os projetos da escola?
7) Como se dá o acompanhamento dos professores na aplicação de sua prática pedagógica?
8) Existe algum incentivo por parte da Escola e do Município ao aprimoramento da
formação do professor?
9) A família de um modo geral participa das atividades da escola?
10) Na sua visão, como a família vê a escola e o nível de expectativa que deposita em
relação a ela?
11) Como se dá o convívio com a ameaça do tráfico de drogas?
12) Quais as principais dificuldades encontradas?
13) Como se dá a transferência dos alunos da 5ª série e qual a sua maior preocupação em
relação a essa transferência?
14) O que pensa sobre os projetos sociais oferecidos na comunidade da Mangueira?
15) Qual a experiência de maior e menor sucesso vivenciada pela Escola envolvendo a
comunidade?
110
4. Roteiro das entrevistas realizadas com os professores
1) Qual a sua formação e tempo de magistério?
2) Como foi a escolha da profissão?
3) Qual o grau de satisfação com a escolha da profissão?
4) Há quanto tempo atua na escola em questão?
5) Em que série trabalha atualmente?
6) Você tem algum envolvimento com a comunidade da Mangueira? Qual o grau de
envolvimento?
7) Qual prática pedagógica você desenvolve?
8) Como você enfrenta problemas de disciplina? Que estratégia utiliza para minimizá-las?
9) Na sua opinião, a indisciplina está relacionada a quais fatores?
10) Como lida com as famílias dos alunos? Existe acompanhamento por parte delas?
11) Quais as principais dificuldades encontradas no desenvolvimento do seu trabalho?
12) Possui alunos envolvidos em Projetos Sociais na Comunidade? Qual sua opinião sobre
esses projetos?
13) Qual experiência de maior e menor sucesso vivenciada pela Escola envolvendo a
comunidade?
111
5. Roteiro das entrevistas realizadas com os alunos
1) Qual o seu nome? E sua idade?
2) Qual a sua série?
3) Onde você mora?
4) Quais as pessoas que moram com você?
5) Estuda na Escola desde que série?
6) Você acha que a Escola é importante para a sua vida? Por quê?
7) O que você quer ser quando crescer?
8) O que na escola é mais interessante? Por quê?
9) Do que você menos gosta da Escola? Por quê?
10) Você estuda em casa? Sozinho ou recebe ajuda de alguém?
11) Além de estudar, o que mais você gosta de fazer?
12) O que você pensa sobre morar na Mangueira?
13) Você participa de algum projeto social na comunidade?
14) Qual sua experiência de maior ou menor sucesso na Escola?
112
6. Roteiro das entrevistas realizadas com os pais ou responsáveis pelos alunos.
1) Como é composta a sua família? Quantas pessoas moram com você?
2) Quem são essas pessoas?
3) Qual é sua renda familiar?
4) Qual o nível de escolaridade?
5) Como acompanha a educação dos filhos? Você participa das atividades promovidas
pela escola?
6) O que pensa sobre morar na Mangueira?
7) Como é a relação do tráfico com a comunidade? Você tem medo de que sua família se
envolva?
8) Que preocupações você tem em relação ao futuro dos seus filhos?
9) Como você vê os projetos sociais existentes na comunidade?
10) Como você vê os programas oferecidos pelo governo, tais como: bolsa-escola, bolsa-
família e cheques-cidadão?
11) Qual sua experiência de maior e menor sucesso vivenciada na escola?
113
ANEXO 2- Entrevistas
Entrevista 1
Na transcrição a seguir, foram inseridos subtítulos como forma de ordenamento de
assuntos ao longo da entrevista.
Ficha da entrevista
Entrevistada: Adair da Silva Machado
Local da entrevista: Em sua residência, na comunidade de Mangueira
Realizada em 4.8.2004
Entrevistadora: Judite Helena Ramalho Giolito
Transcritora: Judite Helena Ramalho Giolito
Relações familiares, infância e sua adaptação à comunidade da Mangueira
JG Que relações familiares importantes você tem com a comunidade da Mangueira?
AM Sou neta da Dona Neuma da Mangueira e filha da Dona Guezinha.
JG Quando você nasceu?
AM 17 de janeiro de 1972.
JG Que histórias contam sobre o seu nascimento?
AM Só lembram mesmo que eu era muito feia! Só lembram mesmo disso, falavam tanto
que ficou marcado. Coisa de mãe e de família, eu era feia, eu era chata, enjoada, chorava
muito.
JG O que você mais lembra da sua infância?
AM Eu lembro que eu não morava aqui, morava em Del Castilho num apartamento,
brincava muito, tinha muitos colegas e espaço para brincar. Aos 11 anos, eu vim morar na
Mangueira por motivo financeiro. Quando viemos morar aqui, foi muito difícil para mim.
114
Foi difícil, porque eu lembro de coisas do tipo: na minha casa era panela pequenininha,
uma coisa boba, mas eu lembro bem, minha mãe fazia arroz, feijão, tudo pequenininho. Na
casa da minha avó, comia muita gente, morava muita gente, eu lembro bem, marcou bem a
minha vida, aquela panela grandona. Outra marca foi: o pé no chão, as crianças brincavam
descalças, eu não conseguia brincar. Aquela areia no chão me incomodava muito e eu não
tinha colegas, a bicicleta me faltou. Em Del Castilho eu tinha bicicleta, foi até a minha
madrinha Nilcemar que me deu. Aqui eu não podia mais andar porque não tinha espaço, eu
tive que dar. Assim que veio a mudança, o rapaz que ajudou levou a bicicleta, eu fiquei
arrasada. Além disso, eu quase não tinha colegas, porque eu tinha 11 anos, estava na 7ª
série e gostava muito de estudar e não tinha colegas que gostavam da mesma maneira. E
aqui não havia biblioteca, não tinha como pesquisar nada, não existiam colegas para estudar
em grupo, foi muito difícil, acho que nem demonstrei, mas ficou muito gravado.
JG Você veio morar na Mangueira na casa da sua avó?
AM Sim. Ela tinha medo da solidão, então começou a construir a casa já pensando em
toda a família morar junto e, como nós estávamos com problemas financeiros, viemos
morar aqui. Quando nós mudamos para essa casa, ela ainda estava no cimento, eu lembro
que tinha pulga.
JG Então seu primeiro momento na Mangueira teve um impacto na sua infância?
AM Teve, porque eu vinha todo final de semana, mas era uma diferente. Hoje não tem
mais diferença, mas, na época, eu me sentia um peixe fora d’água.
A importância da escola e dos livros
JG Pelo que pude perceber em seu depoimento, você sentia falta de livros e biblioteca?
AM Sentia muita falta, e também de mais alguém para estudar comigo. Eu tinha 11 anos
e já estava na 7ª série. Fui alfabetizada numa creche da LBA
11
, eu lembro até que o método
era fônico, o método da abelhinha. Eu tinha 5 anos e já sabia ler, quando fui para a Escola
Municipal Manoel Bonfim, perto de casa. Quando cheguei lá, já sabia ler, eu era a
11
Legião Brasileira de Assistência
115
pequenininha do Jardim e a professora disse: “Tem alguma coisa errada, ela já sabe ler.
Então, me mandaram para a CA. Eu lembro que lá era a Casinha Feliz, um método que
também era fônico que eu tirava de letra e a professora me achou adiantada e me mandou
para a 1ª série. Com 6 anos, fiz a 2ª série, com 7 a 3ª, com 8 anos estava na 4ª série. A
diretora resolveu me voltar para a 3ª, porque eu não tinha maturidade para ir para a 5ª série.
JG E como foi que você encarou esse fato?
AM Fiquei também arrasada, porque na época a diretora conversou com a minha mãe que
não tinha condição de me deixar na 4ª série, apesar do meu conceito bom. Eu era muito
inteligente, tinha boas notas e conceitos para passar para a 5ª série, mas a diretora dizia que
eu não tinha maturidade para isso. A minha mãe conversou com as minhas madrinhas e
com todo mundo, e a minha madrinha disse: “Eu vou tirar você dessa escola, vou te mandar
para o Colégio Brasileiro, lá em São Cristóvão, porque lá é muito bom e você vai
acompanhar.” Eu já sabia que ia ficar reprovada na escola por causa do problema com a
diretora e fui para o Colégio Brasileiro. Mais uma decepção. Cheguei no Colégio
Brasileiro, tive de ser avaliada. Eu sabia ler muito bem, escrever muito bem, mas lá tinha
História, Geografia, Educação Moral e Cívica, matérias que nem conhecia. Eu tive de
voltar para a 3ª série do mesmo jeito, mas fiquei no Colégio Brasileiro.
JG E qual foi a sua reação?
AM Mais uma vez fiquei muito triste, mas voltei para a 3ª série e fiquei lá até a 8ª série.
O que me deixou mais arrasada, porque éramos duas, com o mesmo caso na 4ª série, eu e
minha colega Martinha. Eu lembro dela. A Martinha ficou na 4ª série na Escola Manoel
Bonfim, e, no final do ano, a secretaria resolveu que ela ia para a 5ª série. Então, ela foi
para a 5ª série e eu fiquei na 4ª série no Colégio Brasileiro. Minha madrinha dizia: “Você
está aprendendo muito mais aqui”, mas isso para mim não significava nada. Eu não queria
saber se eu estava aprendendo mais, eu queria saber é que eu estava repetindo um ano.
JG Quem é essa madrinha que você está falando?
AM A Glorinha. Ela era professora também.
116
JG Então ela teve uma importância para você?
AM Ela me deu um presente. Nós não tínhamos condições financeiras e ela que pagou a
escola para mim até a 8ª série.
JG Com todas essas diferenças, como foi a sua adaptação na comunidade?
AM Foi ficando mais difícil ainda, porque eu ganhei uma bolsa da Cultura Inglesa. Minha
avó pediu para o Roberto Marinho e eu já estava estudando no Colégio Brasileiro e tinha
dificuldades, porque ninguém quer participar de trabalho em grupo com quem mora na
Mangueira, mesmo sendo em São Cristóvão que pegam crianças da Barreira do Vasco, do
Caju, mas ninguém fazia um trabalho com quem mora na Mangueira. Eu gostava muito de
estudar, e olha que hoje eu lembro que eu tinha muita coisa, eu tinha canetinhas, minha
prima mais velha me dava as que ela não usava mais. A minha tia tinha condições melhores
e tudo o que sobrava dela eu ganhava. Eu lembro que queria ter um Pilot de 12 cores, era
um sonho de consumo e ela tinha um Pilot de 12 cores e uma caixa de lápis de cor que não
era a minha de doze, a dela era dupla, mas ela não gostava muito de estudar e passou a
caixa para mim. Eu fiquei toda boba, levei para o Colégio Brasileiro e sumiu. Levaram o
meu jogo de lápis no Colégio Brasileiro, no lugar onde ninguém queria estudar na minha
casa. Levaram meu joguinho, fiquei arrasada, como é que eu ia explicar para a minha
prima? Com tudo isso, fui para o curso de Inglês, com uma bolsa que a minha avó
conseguiu com o Roberto Marinho, pediu diretamente para ele, o curso era o melhor. Eu
lembro também que nos trabalhos em grupo a situação piorou, porque o curso era na
Almirante Cochrane, na Tijuca, classe média que para mim era altíssima. Eu pegava o
ônibus 629, com 12 anos, que era assaltado todo dia. Quando saía do curso, eu andava até a
Saens Peña e as mães que iam buscar meus colegas de turma passavam pela Saens Peña,
mas ninguém me dava uma carona. Eu me lembro que no curso existia um critério: se você
fosse para os Estados Unidos e ficasse um tempo, podia fazer um teste e, se passasse,
acelerava um nível. Depois das férias, eu chegava na minha turminha, elas falavam: “Eu
viajei, passei um tempo na Disney, fui não sei para onde”, mas como eu aprendi a falar e
melhorei o vocabulário, passei um nível também. Outra questão também era o lance da
bolsa. Hoje, eu entendo bem a discriminação. O meu carnê vinha zerado, os professores
olhavam e falavam: “Carnê zerado." Eu falava: “Eu tenho bolsa", coisa que não precisava
117
falar, eu não me ligava; hoje, sei que é constrangimento. Eu fazia o curso e ninguém podia
fazer trabalho comigo. No curso nós fazíamos as provas escritas, orais e ainda tinha aquela
que a gente fazia o diálogo e você ia marcando as respostas e ficava ouvindo. Antes da
prova oral, a professora falou: “Preciso fazer uma avaliação com vocês para ver se estão
preparados para a prova de amanhã.” Tudo bem, eu estava preparada, pois estudava
sozinha, mas estudava. Ela começou e pediu, eu lembro como se fosse hoje, para que cada
um soletrasse o nome. Pensei: “Adair da Silva Machado.” Quando chegou a minha vez,
falei rapidinho. Ela disse “excelente!”. O trabalho na hora da avaliação oral era em grupo
de três, um ia ajudando o outro; por causa da minha resposta, todo mundo queria ser do
meu grupo.
JG Como você ficou com essa nova situação?
AM Eu pensei: “Vou chegar depois.” Eles moravam pertinho, eu chegava mesmo depois,
eu não quis fazer com ninguém. A professora percebeu, mas não falou nada. Quando passei
para o Normal, como era o dia inteiro por causa do estágio, não dava mais tempo.
JG O que você acha dessa postura do professor da Cultura Inglesa diante do aluno
bolsista?
AM Hoje, se ele faz isso comigo, eu o coloco na justiça. Tinha um outro também do
Colégio Brasileiro que entregava bilhetes após o dia do pagamento. Eu me lembro que
estava todo mundo sentadinho, e ele chamava pelo nome. Os colegas falavam: "Aí, não
pagou a escola." Isso nunca aconteceu comigo, mas os colegas já sabiam que quem estava
recebendo o bilhetinho devia à escola. Isso era muito difícil.
JG E você, que hoje está atuando como vice-diretora de uma escola municipal,
convivendo com professores de diversas localidades, você acha que ainda existe essa
postura do professor frente ao aluno de baixa renda?
AM Existe. No ano passado eu fui chamada de Madre Teresa de Calcutá, porque eu
defendi as crianças, e a diretora falou: “Você é Madre Teresa de Calcutá.” Eu disse: “Ainda
não sou não, mas quem dera que fosse.” Ela já esqueceu, mas eu ainda não esqueci. Eu
estava defendendo as crianças, eles têm direitos, tem um montão de direitos! Não custa
nada, porque está sem uniforme, eu vou mandar embora? Se ele tem dinheiro só porque a
118
mãe vem toda arrumada, isso é uma questão de valor, a criança não tem culpa, não é? O
tênis dele é de marca, a mãe comprou, mas o preto da escola, ela não pode comprar, mas
não é problema dele, é mais importante para ela que ele tenha o Nike vermelho e ele vai
pagar por isso? Fala-se tanto de inclusão, o que é inclusão? É só colocar o “especial”?
Não, inclusão é para todo mundo. [emoção]
JG Você não acha importante também um trabalho com as famílias para poder entender
essa questão de valores?
AM Acho, e essa é a solução, não tem jeito, mas não é mandando a criança para casa que
resolvemos o problema.
A opção pelo curso de Formação de Professores
JG Em que época da sua vida você optou pela profissão de professora? E o que ou quem
influenciou a sua escolha?
AM Quando eu terminei a 8ª série, eu não sabia o que queria ser, me atrapalhei no
vestibular, porque eu não tinha realmente quem me ajudasse, tanto que eu nem fiz
vestibular da primeira vez. Quando terminei a 8ª série, eu fiz o concurso para a Escola
Técnica, Ence
12
e para a Formação de Professores, mas eu não passei para nenhuma das
duas escolas técnicas e passei para o Instituto de Educação. Quando eu cheguei em casa
com o resultado, minha avó ficou toda boba: “O Instituto, eu queria que ela estudasse no
Instituto, era o meu sonho, eu queria estudar, queria ser professora”. Para mim estava
bom, passei para algum lugar, mas mesmo assim foi uma decepção. Eu era uma das
melhores alunas da 8ª série, ganhava medalha de ouro com média 80 e 90, fiquei arrasada,
por não conseguir passar para a Escola Técnica. Quando eu cheguei no Instituto, era à noite
e eu tinha só 12 anos, começaria o ano com 13. Eu não ia sair daqui para estudar à noite no
Instituto sozinha e também não queria que minha mãe fosse me levar. Pedi transferência e
eles me mandaram para o João Alfredo, mas eu era acostumada com os moldes de educação
tradicional, a gente levantava quando o professor chegava, tinha tablado, tinha argüição, era
mesmo o método tradicional. O João Alfredo era totalmente liberal, eu não estava
12
Escola Nacional de Ciências Estatísticas
119
preparada para isso, fiquei lá uns três dias, passei mal, fui para casa, disse que não queria
mais estudar, não queria mais ser professora. Uma amiga da minha mãe, que era
promotora dela da Avon, disse que a filha estudava no Julia Kubitscheck. Você quer ir lá
conversar com a diretora? Minha mãe foi lá com ela e contou para a diretora que nós
morávamos na Mangueira, que não queria que eu ficasse sem estudar, a situação estava
difícil. Ela disse para minha mãe que eu podia começar no dia seguinte. O colégio era o que
eu estava querendo: era tradicional, tinha uma diretora na época que era tudo que eu estava
precisando, era rígido. Mesmo eu estando no 2º grau, tinha que ligar para casa para liberar
mais cedo, saia até o joelho, sapatinho de homem, para mim, isso era tudo. No 1º ano, já
me destaquei, gostava muito de estudar. No 2º ano, já pertencia ao grupo folclórico da
escola, dançava maculelê, dança gaúcha, o que eles queriam, eu fazia parte. Quando
descobriram que eu era a neta da Dona Neuma, todo mundo me tratava muito bem. A
professora de Educação Física conhecia minha avó, já tinha vindo aqui fazer um trabalho e
disse que devia muito a ela. Terminei o terceiro ano, e, para mim, a escola foi tudo. Não sei
se foi a minha mãe que passou isso para mim, mas eu nunca estudei para a minha família,
eu estudava para mim, me dedicava muito, mas não tinha ninguém que me falasse: “Olha,
quando você terminar o 2º grau, vai para a faculdade”, eu não tinha noção, minhas colegas
se inscreveram para a Uerj
13
e para outras e eu não sabia nada sobre o vestibular. Hoje, eu
penso como fui boba, mas eu não tinha noção mesmo. [riso]
JG Você não tinha essa orientação da sua família em relação ao acesso à universidade?
AM Não tinha mesmo.
JG Pelo que pude perceber, até a própria escolha do curso Normal, do ser professor, não
partiu de você, na realidade partiu de quem?
AM Da minha avó, ela dizia sempre isso para nós, que queria muito ter sido professora,
mas não teve condições, depois desejava que a filha mais velha fosse, mas era a época do
militarismo e professora casava com militar e só podia ser professora a classe média alta.
Ela então não conseguiu. Quando eu passei para o Instituto, foi a glória. Quando pensei na
Escola Técnica, foi porque diziam que era o que dava dinheiro, apesar de não querer nada
13
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
120
daquilo; mesmo assim, tentei. Hoje, eu não me imagino na área técnica e, quando vejo
meninas querendo fazer o Normal, eu as incentivo muito, porque eu gostei mesmo. Apesar
de ter gostado muito, quando terminei a Formação de Professores eu saí com a idéia de
fazer Odontologia.
[FINAL DA FITA 1-A]
Pensando no curso universitário
JG Quando surgiu essa idéia da Odontologia?
AM Desde a minha infância, era o que eu queria. Eu fiz um pré-vestibular, minha avó
mais uma vez ganhou uma bolsa para mim no Curso Martins, mas o curso era uma revisão
e, para mim, tudo era novidade, eu tinha feito Normal. Nunca fiz nenhum simulado, eu
tinha medo. Toda vez que tinha simulado, eu simulava uma dor de cabeça ou cólica. Os
professores sentiam minha insegurança, mas respeitavam. Gostavam muito de mim. Depois
de um ano de curso vestibular, eu fiz para a Uerj, passei na primeira fase, mas não consegui
na segunda. Fiz também para a Gama Filho e, na semana seguinte, chegou carta da
faculdade, dizendo que eu tinha sido aprovada. Não acreditei; então, fui lá com a minha
e, e tínhamos que fazer a matrícula até a semana seguinte, um valor que a minha mãe
nem imaginava ter. Minha mãe ficou arrasada, porque ela não tinha como pagar esse valor
para mim, e desistimos do curso. Na volta da Gama Filho, passamos pela porta da Celso
Lisboa. Nós fomos lá para ver, tinha Psicologia, Pedagogia e outras coisas. Pedimos
orientação e uma professora que lá se encontrava conversou conosco e sugeriu que, já que
eu era professora, a Pedagogia seria a melhor opção, pois já estava na área, tinha
habilitação em Administração Escolar e Supervisão e era ligada a Educação. Tudo bem, eu
queria fazer faculdade.
A opção pela Pedagogia, a dúvida pela escolha e o primeiro emprego
JG Fazer uma faculdade para você era importante, mesmo que não fosse em Odontologia
que era sua primeira idéia?
121
AM Era muito importante, eu não queria ficar parada à toa e ainda teve um orgulho, eu
era a primeira da minha família a chegar em uma faculdade e terminar um curso superior.
Fiz vestibular, passei e comecei a estudar à noite, era uma outra situação, faculdade
particular à noite, é o pessoal que mais precisa, está todo mundo pagando no maior sufoco,
o pessoal trabalha o dia inteiro. Morar na Mangueira não era mais problema como na minha
infância; pelo contrário, tinha sempre uma pessoa que dizia que eu era a neta da Dona
Neuma. Eu conheci a professora Terezinha Vlasman, que o sonho dela era sair na ala das
baianas da Mangueira, ela me perguntou se podia ir a minha casa. Quando eu trouxe a
professora aqui, ela se tornou parte da minha família, passou a me ajudar, e dizia: “No seu
primeiro salário, você paga a sua faculdade e compra um livro para ler.” Ela também me
dava muitos livros com dedicatória de presente. Ela me dava Paulo Freire e outros.
JG Você começou a trabalhar quando passou para a faculdade?
AM Consegui um trabalho na Creche da Fundação Leão XIII na época. O governador
Moreira Franco formou um “trem da alegria”, fui contratada e passei a estatutária como
recreadora, sem concurso; na época, entrou um montão de gente, foi o meu primeiro
emprego e ganhava na época cinco salários, eu tinha dezessete anos, era muita coisa, era a
idéia de melhorar tudo, comprar muita roupa, fogão, geladeira e outras coisas. No meu
primeiro pagamento, comprei o quê? Um tênis Nike e um vestido da Equatore, [riso] até
hoje eu me lembro do meu vestido. Trabalhei dois anos na Creche da Fundação Leão XIII,
aqui na Mangueira, quando teve mudança de governo e entrou o Brizola e começaram a
mexer, mandar todo mundo embora, porque não era ninguém concursado. Fui para a
Creche da Cidade de Deus, lá fiquei um ano, a mesma realidade, só muda o nome, Cidade
de Deus, Mangueira, a situação é a mesma. Fui muito bem recebida, todos tinham muito
carinho.
JG A solidariedade entre as comunidades é muito grande?
AM Muito. Sempre tinha uma casa para almoçar, caso faltasse comida na creche. Se por
acaso chegasse atrasada, porque da Mangueira para a Cidade de Deus era chão, as mães já
sabiam, ninguém arrumava confusão por nada, eu não faltava, era tudo direitinho. No meu
segundo ano de faculdade, começou o Projeto Social da Mangueira, aí veio o Chiquinho e
122
todo mundo. Ele sabia que eu estava fazendo faculdade e perguntou à minha mãe onde eu
estudava, minha mãe falou e ele me colocou no projeto e pediu uma ajuda do projeto para
mim. Eles pagaram 50% da minha faculdade por três meses, depois gostaram do meu
trabalho, e pagaram integralmente pelos dois últimos anos. Então, veio aquele
arrependimento. Se eu tivesse feito Odontologia, eles teriam pagado para mim do mesmo
jeito. A minha mãe disse que não, pois não tínhamos dinheiro para fazer a matrícula.
JG Então mesmo contente com o que estava fazendo, o pensamento na Odontologia ainda
continuava, embora você estivesse em uma faculdade à noite, onde a discriminação tão
falada, lá no início do seu depoimento contra a comunidade da Mangueira, tinha mudado e
virado motivo de orgulho por parte dos seus colegas, por estarem estudando com a neta da
Dona C5343075 -20t91 Tceu tcerandcpoime Ped noite,17w (–) Tj -085 0 TD 067249 Tcgto naTw (Ennten(Dona C5ão t17w ( Tw ( ) Tj0 -2036 0 TD 0.187nteogi?noite,6cula.) Tj393 0 TD 0 Tc 0.0938 6dado e ) TjTD0 0 0 rg /F0 -2115 TD -0667234 TcAM 0.093.02G ) Tj15.75 0 TD 0.1875 Tc 0 6gado
123
Rocinha, e dava aulas na faculdade, ela era Doutora em Educação, me mostrava os livros
com suas teses, eu achava o máximo. A casa da Terezinha era no Rio Comprido, na casa
dela tinha muitos livros, a estante de livros era a principal decoração da casa dela, e o
marido, Sr. Petrus, era um holandês, professor da Cândido Mendes.
JG A professora Terezinha Vlasman para você foi um referencial de educação?
AM Depois que eu a conheci, eu realmente incorporei, sou professora, sou educadora.
Ela me dava carona, me mostrou computador, me ensinou como organizava seus trabalhos,
imprimia suas provas. Uma coisa que me marcou muito eram os livros que faziam parte da
decoração de sua casa. A Terezinha então me orientou para fazer o concurso e dizia que só
poderia me ajudar se eu passasse na primeira fase da prova, que era de Português,
Matemática, Estudos Sociais e Ciências. Eu tinha que conseguir 60% para fazer a Didática.
Eu tirei 66; com uma questão que foi anulada, fui para 68. Passei raspando, e mais uma vez
eu não tinha noção, eu sabia que estava fazendo um concurso público e todo mundo aqui
em casa dizia: “Se passar está ótimo, se não passar, faz um outro depois.” Terezinha, como
lia muito, pediu para mim: “Me passa a bibliografia do concurso”, e ela me perguntou:
“Você fez o que eu falei, foi comprando um livro de cada autor durante o curso?” Eu
respondi: “Não fiz, eu queria com o meu salário era comprar roupa”, e então ela disse que
tinha, inclusive o mais famoso, me emprestou os livros e me deu doze frases para que eu
fizesse uma dissertação de cada uma delas. Eu peguei os livros, li todos e fiz as doze
dissertações e entreguei para ela, que me orientou sobre as idéias de cada autor, disse para
que eu não ficasse preocupada. Fui para a prova, valia 100 pontos, tirei 98. Fiz a prova com
segurança, escrevia muito, o limite era pouco para mim. Quando saiu no Diário Oficial a
classificação, eu fui uma das primeiras, tirei 98 [traços de emoção], aí tive o direito de
escolher a CRE
14
.
JG Como é que foi a reação da sua família?
AM Foi uma festa, minha avó recebia aqui muitos estudantes. Essa casa aqui, agora que
tem um portão, ela era aberta a todos. Todos que chegavam aqui, ela me chamava e dizia:
“Essa é a minha neta Adair, ela é professora, está fazendo faculdade de Pedagogia”, e eu
14
Conselho Regional de Educação
124
pensava: “Caramba, tem gente que nem liga, não é nada, e eu era a doutora, me sentia.”
Como eu fui uma das primeiras colocadas, na faculdade tive que ouvir do grupo que
estudou com o professor: “Também ela tinha que passar, neta da Dona Neuma, vocês
acham que não teve um pedido?” Eu fiquei arrasada e aí a Terezinha mais uma vez disse
pra mim: “Sua consciência não está tranqüila, esquece isso.” Hoje ela é falecida e sua morte
foi por causa de um câncer de garganta. Devo muito a ela.
JG Você também teve que conviver com essas posturas das pessoas frente à sua condição
de neta da Dona Neuma?
AM Com certeza. Se conseguisse sucesso, acontecia por eu ser neta da Dona Neuma e
houve um pedido. Na minha faculdade, só passaram duas, e o professor que preparou as
colegas para o concurso premiou a nós duas com uma caneta no auditório e falou em seu
discurso: “Uma eu já esperava, a outra foi uma surpresa.” A que ele esperava era a que
estava no curso dele, e eu era a surpresa. Eu fui lá com muito orgulho, recebi a caneta e
também não discuti, ele já era um senhor, não ia discutir, tinha que mostrar para ele que eu
era capaz, pois só tirava notas boas nele. Fui escolher a CRE para tomar posse no
município, e o concurso foi para escola de 40 horas, não podia ser escola de horário parcial,
eu ia ficar o dia todo na escola. Na hora de escolher, eu escolhi a 1ª CRE, porque era a mais
próxima da minha casa e eu fui para a Escola Edmundo Bittencourt, tinha a Mestre
Valdomiro que atendia a comunidade da Mangueira, e a Edmundo Bittencourt atendia
poucos da Mangueira e a maioria da comunidade do Tuiuti, mas nessa escola tinha uma
diretora D. Lea, já falecida, aprendi muito com ela trabalhar com projetos. Na época, ela
trabalhava com um projeto, não me lembro bem se era Tom Jobim, mas era um projeto que
envolvia minha avó. A escola era bonita, tinha piscina, minha avó então foi lá, e o projeto
era muito bom, ia Ataulfo, esse pessoal todo ia lá e então minha avó falou: “Essa escola é
boa”, eu escolhi essa escola por causa da minha avó. Só que então aconteceu um problema,
eu escolhi essa escola, ela era de 40 horas, eu larguei a Fundação Leão XIII, pedi
exoneração, porque, se alguém tivesse dito para mim: “Não pede exoneração, tenta colocar
à noite, tenta alguma coisa”, mas eu não queria fazer isso, minha mãe também não queria
nada de “trambique”, que fizesse pedido para eu ficar recebendo, nós não queríamos, minha
avó não admitia pedido, ela até podia pedir para o Prefeito para deixar eu ficar aqui ou ali,
125
mas ela falava: “Não quero cargo político, porque cargo político, você ganha, perde e acaba
ganhando inimizade, eu quero que vocês consigam tudo pelo esforço de vocês, se você tiver
que ser uma grande professora, você vai ser, mas sem eu te ajudar, sem ninguém ter que
pedir nada para você.” Isso no início, para mim, dava um ódio, mas tudo bem, para mim foi
bom, eu fui para essa escola e fiquei durante cinco anos. Vou te explicar o porquê de eu ter
aprendido muito com essa diretora. Ela era muito tradicional, mas tinha um monopólio, eu
não sabia que podia fazer cursos, pedir remoção para outra escola, eu não sabia uma porção
de coisas, eu estava ali para obedecê-la. Em reuniões ela separava uma professora da outra
para não conversarmos; quando ela falava, as crianças ficavam desesperadas e nós também.
Eu tinha uma amiga Adriana, ela entrou tinha dezessete anos, eu já tinha vinte e dois anos,
a mãe dela tinha depressão pós-parto e Adriana era a chefe da família. No dia da posse, ela
foi sozinha, minha mãe tinha ido comigo e disse para ela: “Você vai ficar na mesma escola
da minha filha.” Nos tornamos amigas, trabalhamos por cinco anos, passando o mesmo
sufoco, chorávamos juntas e aí foi a gota d’água, Adriana passou para UFF
15
para fazer
Letras, ela também era de comunidade igual a mim, ela morava no Tuiuti, então a gente do
morro, a Adriana ainda tinha um problema, eu morava na Visconde de Niterói, mas
Adriana morava no Beco do Veado, o endereço era esse, e aí era um problema, porque ela
precisava sair quinze minutos mais cedo para poder chegar à faculdade, e a diretora não
deixou. Adriana chorou muito e teve que pedir licença para poder estudar. Eu fiquei mais
sozinha ainda, e a diretora começou a implicar porque eu morava na Mangueira e era
novinha. Na época eu não perdia um baile da Mangueira, no funk, não perdia um samba, e
as crianças achavam o máximo, a tia que vai para o baile do Arará.
A relação com os alunos e a prática pedagógica exercida
JG Você aproveitava esses fatos de que eles tanto gostavam para trabalhar em sala de
aula, fazendo uma relação com o conteúdo ensinado?
AM Trabalhava. Eles eram meus amigos. Eu conseguia fazer associação dos fatos com o
conteúdo, e aí eu comecei a incomodar.
15
Universidade Federal Fluminense
126
JG Você nessa época trabalhava com que série?
AM Eu trabalhava com 3ª, mas ela piorou ainda mais a situação, me dando uma 3ª de
adolescentes.
JG Você conseguia fazer a associação do conteúdo com a realidade deles e aproveitar a
admiração que sentiam da sua participação de coisas tão próximas ao cotidiano de cada
um. Como foi essa experiência e que resultados você conseguiu obter?
AM Eles eram meus amigos, me respeitavam muito, eu conseguia tudo com eles. No ano
seguinte eles foram para a 4ª e quiseram ficar comigo, a diretora me deu a série. Os alunos
adoravam a mim e a Adriana, nós éramos da comunidade. Adriana era quietinha, pois era
catequista, mas eu era do samba, eles achavam o máximo. Eu acho que, com isso, passei a
incomodar porque eu tinha a formação de Pedagogia e ainda era colega deles, ou seja, os
meus alunos me viam como um modelo, fiquei lá quatro anos e meio e ela implicando
comigo. Uma vez, conversando com o meu pai, ele disse: “Ela deve estar pensando que
você vai pegar o lugar dela” e nem para isso eu tinha essa noção, eu não sabia que com
cinco anos eu podia me candidatar a diretora, não era essa a minha intenção. Porque se eu
soubesse e quisesse me candidatar, eu a colocaria para fora, porque as crianças não iam me
tirar dali.
JG Pelo que pude perceber, você não pensava no poder. A sua questão era a relação que
você estabelecia com os alunos. Que faixa de idade eles tinham?
AM Eu gostava muito, a faixa de idade ia de 9 a 14 anos, ganhei muitos afilhados,
inclusive filhos dos meus próprios alunos e o trabalho que desenvolvia com eles era muito
bom, mas eu não estava mais agüentando ficar lá.
JG A pressão era muito grande?
AM A pressão por parte dela foi aumentando, eu já não agüentava mais, e disse para
minha mãe que eu não queria mais trabalhar lá, ela implicava com as minhas roupas e com
tudo que eu fazia, passei a ser uma ameaça, e isso era muito ruim. Um dia, em um samba da
Mangueira, Regina de Assis estava lá, ela era a secretária de Educação na ocasião, meu tio
me disse para ir lá falar com ela, mas eu estava com um short curtinho, como é que eu ia
127
falar com a secretária vestida daquele jeito? [risos] Tomei coragem e fui com o meu tio
falar com ela, que meio no embalo do samba me perguntou aonde eu queria trabalhar, eu
disse que queria trabalhar na Escola Uruguai com a D. Celeste, que era considerada um
exemplo. Ela disse: “Na segunda-feira, você vai à sua CRE que eu vou ligar para lá e diga
que, por minha ordem, você vai trabalhar na Escola Uruguai, mesmo se não houver vaga
fala para a Celeste que você vai ficar lá até o final do ano. Olha, segunda-feira, quando eu
cheguei lá, a moça da 1ª CRE que nem tinha me recebido quando fui saber sobre a
possibilidade de remoção, porque elas não recebem qualquer um, e ainda ironizavam,
quando eu e a Adriana falamos que não tínhamos mais clima para trabalhar na escola,
escutamos o seguinte: “Clima? A escola é tão arejada, como não existe clima?” Nós
tínhamos que nos calar nessa situação, porque afinal de contas a CRE era tudo. Existia um
processo de avaliação nas escolas que, quando sua turma não atingia uma determinada
porcentagem, sua turma ia ser avaliada pela CRE. Você participava de uma reunião com as
professoras da CRE, que não levavam em consideração todo o trabalho que havia sido
realizado com a turma, o importante para elas era o resultado. Eu e a Adriana ficávamos
possessas e não aceitávamos essa interferência, pois, afinal de contas, quem conhecia os
alunos e suas capacidades éramos nós. A diretora ficava com ódio, aí quando chegou no
final do ano, no Conselho de Classe eu resolvi aprovar todo mundo. Não era isso que ela
queria para a escola dela? Eu fui chamada de irônica. Com essa ajuda da Regina de Assis
eu fiquei queimada na 1ª CRE, pois afinal de contas eu tinha passado por cima de todo
mundo e falado direto com a Secretária de Educação.
JG Surgiu a questão política, que sua avó já havia falado, e quais foram as
conseqüências que você teve que enfrentar?
AM Olha só a dimensão do problema que eu acabei entrando sem saber. “Adair, neta da
Dona Neuma da Mangueira, que é formada em Pedagogia, em Administração Escolar, que
pode dirigir escola, em um samba, pede à Secretária de Educação para trocar de escola e
consegue, passando por cima da coordenadora da 1ª CRE.” Eu, sem querer, não sabia que
estava me metendo nesse bolo. O clima piorou para mim, eu fiquei até o final do ano, meu
tio ligou para a Regina de Assis e disse que eu ficaria por causa das crianças, mas na
realidade eu não estava indo naquele momento pela questão política. A diretora me disse
128
que eu havia errado, mas disse que, se fosse preciso, eu ia até o prefeito, porque sei que ele
recebe, a moça da CRE não recebe. Ela ficou com mais ódio de mim, mas fui até o final do
ano e voltei à 1ª CRE para trocar de escola, apesar de já estar superqueimada naquele
ambiente. Quando cheguei, me perguntaram que escola eu queria, e eu pedi a Uruguai, só
que tem vários critérios para a escolha, classificação por número de pontos e eu só tinha
cinco anos de Município e aquela porção de gente também estava querendo. A professora
que estava na minha frente escolheu a Uruguai e eu fiquei arrasada, mas não tinha mais
jeito, eu já tinha perdido a minha vaga na Edmundo e não podia mais ir para a Uruguai.
Quando chegou a minha vez, eu escolhi a Marechal Trompowsky, que era mais próxima,
não era uma escola muito falada, não era nada. Quando eu escolhi, elas me deram, mas me
tratando como se eu fosse a pior dali, porque eu era a Adair, e o pessoal da CRE, todo
mundo sabia do acontecido. Até hoje, aquele ranço que ainda existe na 1ª CRE, sabe do
ocorrido, acabei ganhando o rótulo de “peixe”.
Sua atuação em uma escola 100% Mangueira e o seu método de ensinar a partir da
realidade da turma
JG Não tinha como apagar o que aconteceu, e você tinha mais uma vez que vencer esse
desafio. Como foi essa sua chegada na Marechal Trompowsky?
AM Fui para a Marechal e me apresentei para a diretora e fui mal recebida por todo
mundo. Quando eu entrei, falaram: Esse pessoal lá de baixo é muito metido”, e ainda
sabiam da história, foi muito difícil, lá era outra parte do morro chamada Candelária e aqui
era o Buraco Quente. No primeiro dia a diretora não estava, eu fui embora e voltei no dia
seguinte. Eu morava pertinho e era solteira, não tinha filhos, ia sempre trabalhar
arrumadinha, acho que isso no início também incomodava. Quando eu a encontrei, ela na
hora me chamou para perguntar por que eu tinha saído da Edmundo. Eu disse a ela que
havia saído porque eu queria ficar perto da minha casa, mas, se você quiser saber detalhes,
liga para a diretora de lá, pois ela já deve ter falado sobre mim. As diretoras são todas
amigas. Se você quiser saber a minha versão, não vim para cá para falar mal de ninguém.
Posso começar quando? Já comecei nessas condições, me deram a pior turma da escola, a
104 é uma primeira série, alunos grandes, que não eram alfabetizados, tinham baixa auto-
129
estima, mas era a minha comunidade, ali era 100% Mangueira. Comecei e disse para eles
o que eu falava para todas as minhas turmas. Vocês estão estudando para vocês mesmo, não
é para o pai, mãe e nem para ninguém, eu sou igual a vocês, também falo com bandido,
também são meus amigos, eu já perdi um montão de colegas que foram para esse lado.
[FINAL DA FITA 1-B]
JG Você começou a mostrar para eles que era possível vencer?
AM Essa turma já tinha passado por todos os professores, inúmeros processos e uma
professora que era comadre da diretora me propôs tentar o método fônico com eles. Eu
fiquei bem satisfeita, porque eu havia sido alfabetizada por ele, na minha casa a minha mãe
tinha guardado tudo da casinha feliz, eu tinha tudo em casa, ela disse que também tinha e
resolvemos tentar. A diretora falou: “Você tenta com ela se quiser, ninguém deu entrada
para ela.” Eu quero, vou tentar, e começamos a trabalhar. Usamos a letra da A, da música
Ah! Eu tô maluco! Fizemos um pagode da letra E, o baile funk com a letra O, com as
vogais, fizemos teatrinho e às vezes eu achava que eles não iam gostar, porque já eram
grandes, mas eles estavam gostando, terminamos o ano e a maioria estava alfabetizada.
Sabiam ler e escrever direitinho. Foram para a 2ª comigo novamente e já estavam
acostumados, para mim eles já eram meus. Na 3ª série, eles queriam que eu os
acompanhasse novamente, mas a diretora achou que não seria bom para eles. Eu fiquei
grávida, me afastei aos sete meses de gravidez, mas eles foram direitinhos até a 4ª série.
Nessa turma tinha o caso da aluna Dandara, a casa dela tinha caído em um temporal que
ocorreu por aqui em fevereiro e ela veio morar aqui com a mãe, então a Dandara era minha,
da minha família, ela fazia parte daquela turma 104 e eu não ia passá-la de ano, ela tinha
um “fogo”, eu não podia sair da sala que ela aprontava, ela não estava conseguindo ler e
nem escrever nada e já estávamos no 3º bimestre. Estava construindo uma casinha aqui do
lado de casa, minha irmã me chamou e disse que a Dandara estava escrevendo no muro. O
homem que morava aqui do lado se chamava Pê, e a Dandara estava escrevendo “Pê caga
na latinha.” Minha irmã jogou um giz para ela e mandou que escrevesse uma porção de
palavrão para ele no muro e a Dandara escreveu um monte e eu fiquei realizada. No dia
seguinte cheguei na escola e falei: “Dandara, você escreve.” Ela me respondeu: “Tia, só
130
umas coisinhas.” Tudo o que eu colocava ela escrevia, mas só que a Dandara escrevia
palavrão, ou seja, só o que interessava a ela. Eu mostrei a Dandara escrevendo, a
supervisora na época brigou comigo, achando que nós estávamos ensinando palavrão para a
menina. Eu disse que conhecia a mãe dela e tinha certeza que ela não ficaria zangada se a
gente fizesse isso e nessa hora eu me lembrei da minha avó que fazia muito isso, eu fiquei
muito emocionada e fui contar para a minha avó.[emoção] A Dandara passou de ano e
depois se tornou uma das melhores alunas na 2ª,3ª e 4ª séries, mas eu fiquei muito triste,
porque perdi a Dandara na 5ª série, porque as escolas a partir da 5ª série não cuidam mais
do aluno. [emoção]
A ausência da família, a mudança da metodologia a partir da 5ª série e a preocupação
com a evasão escolar
JG Em seu ponto de vista, se a família não exerce o seu papel é dever da escola ocupar
esse espaço em benefício dos seus alunos?
AM Eu sei que não pode ser assim, a escola não pode ocupar um espaço que não é dela,
mas na maioria das vezes eles só tem a Escola. Se o professor não quiser, não ocupar esse
espaço, ele não faz a sua parte, não tem jeito. No caso da Dandara, ela foi estudar em um
CIEP
16
na 5ª série e nós a perdemos, porque ela não tinha televisão em casa, e faltava às
aulas para ir para casa de uma colega assistir televisão. Até a 4ª série, a escola se preocupa,
procura saber o que está acontecendo com o aluno, a professora é mãe, tia, tem a
preocupação de saber o que está acontecendo. A partir da 5ª isso não acontece, o aluno
passa a ter sete ou oito professores e, no caso da Dandara, como da maioria, eles param de
estudar. No início do ano ela foi lá na escola para apanhar o documento dizendo que ia
fazer a 5ª série à noite, mas eu acho que ela não está mais estudando, está solta, não tem
pai, fico muito triste com essa situação, morri de pena, pois sei que pelo menos fiz a minha
parte, ela está alfabetizada, interpreta muito bem, é esperta, mas com certeza largou a
escola por essa falta de acompanhamento.
16
Centro Integrado de Educação Pública
131
JG Essa dicotomia que existe da 4ª para 5ª série, na sua opinião, é um fator que agrava
a evasão escolar?
AM Não tem jeito, se você não fizer a parte que cabe à família, eles saem da escola. Eu
sei que não é o papel do professor, mas não tem jeito, nós temos que fazer alguma coisa por
eles, senão o trabalho não sai. Se o professor vai para a escola apenas preocupado em
ensinar paroxítona, polissílaba, ser apenas um educador frio, ele não vai obter sucesso. Não
que eu ache que os alunos não precisam aprender o conteúdo das séries, sei que é
necessário, eles têm os mesmos direitos dos alunos das escolas particulares, mas, se nós não
ocuparmos esse espaço, é melhor nem começar. O sistema não ajuda muito, mas parte da
culpa também vem do professor, meus colegas não gostam quando eu falo isso, mas parte
da culpa é do professor sim, não tem jeito. Se você não está preparado para trabalhar com
um certo tipo de clientela, você não trabalha.
A postura do professor, da direção da escola e dos órgãos competentes diante da
realidade da comunidade
JG E você Adair, acha que existe o quê, por parte do professor?
AM Preconceito. Nós temos hoje, por exemplo, duas terceiras séries lá na escola, a 301 é
dos alunos que têm 9 e 10 anos e a 302 que são alunos mais velhos, que vieram da
progressão, alguns sabem ler algumas sílabas, outros não, eles 13, 14 e 15 anos. A
professora da 301 trabalha em uma escola particular e ela está tentando implantar o mesmo
ritmo para os alunos da turma dela, ela diz que eles vão ficar iguais aos da escola particular
e serão alunos dela ano que vem na 4ª e terão condições para enfrentar uma prova para o
Pedro II, ela dá provinha para eles, e diz: “Vou dar prova sim, a vida é assim, eles vão
passar por isso no futuro, vão ter dor de barriga hoje, mas vão ter que passar por isso, não é
qualquer um que vai para o exército e eles vão conseguir.” Ela já está sofrendo preconceito
dos próprios colegas que passam isso para as crianças e começa todo mundo a não gostar
dela. O sistema também não ajuda; se você colocar que está todo mundo com conceito MB
(Muito Bom) ninguém quer saber o que você está fazendo, está tudo certo, mas, se colocar
que está todo mundo I (Insuficiente) aí vem alguém para falar com a gente. Essa avaliação
132
do SAEB
17
, a minha 4ª série foi avaliada, ficou lá embaixo, ninguém procurou saber as
minhas condições de trabalho. Nós professores nem tivemos acesso a essa prova que seria
aplicada. As moças da CRE mesmo, que diziam que eu e a Adriana não entendiam qual era
o sistema... Outro dia peguei uma com o filhinho dela de uniforme do Colégio Marista São
José, aí então eu arrasei com ela: “Ué, seu filho estuda lá, não estou entendendo, sua escola
não é tão boa?”, ela ficou com ódio de mim. Depois ela foi lá em uma reunião na escola e
disse: “Quem é que coloca o filho na escola pública?” Eu disse: “Eu coloco, a filha que a
minha avó cria, a pequenininha, estuda lá comigo, foi alfabetizada junto com todo mundo e
você pensa que é porque a gente não tem condição de pagar uma escola particular, não, é
para dar o exemplo.” Como é que eu trabalho na escola e meu filho não pode estudar lá?
JG Por tudo o que você já relatou em seu depoimento, a sua preocupação sempre foi
entender a realidade dos seus alunos e a partir desse contexto realizar o seu trabalho,
mesmo tendo que vencer velhos paradigmas da educação. Você considera que esse seu
envolvimento foi o diferencial na sua trajetória de educadora?
AM Com certeza, e a experiência cada vez mais ia me mostrando que eu estava no
caminho certo. Quando voltei da minha gravidez, eu não tinha mais turma e nessa ocasião
eu já havia prestado outro concurso e adquirido a minha segunda matrícula. Na minha
escola eu peguei uma turma de 2ª série e na segunda matrícula eu fui para a Escola José
Moreira, lá em cima no Morro, bem em frente à boca de fumo. Fiquei na Escola José
Moreira durante um ano. Quando terminou o ano, eu pedi para passar a minha segunda
matrícula para a Marechal Trompowsky, e a diretora da Escola José Moreira não queria me
ceder, porque a escola precisava de professor, mas eu não conseguia me sentir bem, pois
achava que não estava sendo bom para os meus alunos, pois o pessoal da boca eram meus
amigos, fomos criados juntos, falavam comigo, hoje não, porque eu já tenho 32 anos e a
maioria acaba não vivendo tanto, mas naquela época eu estava dando aula e eles passavam
e falavam comigo e as crianças ficavam com aqueles “olhinhos arregalados” para mim. Isso
não era bom para eles. Eu fui na CRE, contei essa situação e pedi para sair de lá.
17
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
133
JG Você considera o professor como espelho para o aluno?
AM Nós somos o grande referencial deles. Quando eu assumi a turma de 2ª série na
Marechal, os alunos e as mães já me conheciam e ficaram muito felizes, pois a professora
que estava antes de mim era muito brava, colocava os alunos de castigo em pé e fumava
muito em sala de aula. As mães não gostavam, pois, se eles imitam a gente em tudo, não
podemos dar exemplos ruins. Eles reparam na nossa postura, na maneira que nos vestimos,
no nosso cabelo, nas nossas unhas, em tudo o que a gente faz. Eles ficaram três anos
comigo. Quando chegaram na 4ª série, fizemos uma formatura para eles na quadra,
emocionante, teve choradeira, foi a turma dos meus sonhos e, mais uma vez por causa desse
trabalho em benefício das crianças, eu comecei a incomodar a diretora.
JG Em seu ponto de vista, qual era a principal causa desse “incômodo”?
AM Questões políticas. Como as mães gostavam muito de mim e os alunos também, a
diretora se sentia ameaçada por mim e foi nesse período que aconteceu um desvio de verba
na escola. Quando você está em sala de aula, não se tem noção do que é FUNDEF
18
, você
realmente não sabe de nada; eu, por exemplo, tinha três folgas no mês, ela concedia, eu
nem tirava porque se também falassem na escola “hoje não tem aula para a tia Adair porque
o filho dela está com febre”, eles não iam à escola e vinham tudo aqui para casa me visitar,
perguntavam se eu não queria que eles fossem ao médico comigo, então eu não podia
mentir para tirar as minhas três folgas, não podia fazer isso com eles. Eu ia trabalhar de
qualquer maneira, levava até o meu filho quando não tinha com quem deixar, e as mães se
ofereciam para olhar ele enquanto eu estava na escola. Eu não podia decepcioná-los, era
uma tranqüilidade. Quando houve o desvio, eu era a professora do CEC
19
, e para a escola
receber a verba tinha que ter um representante da comunidade que comprovasse a
existência do CEC dentro da escola. Quando eu entrei para o CEC, me perguntaram se eu
não teria alguém da comunidade que pudesse assinar para comprovar que temos o CEC, eu
respondi: “Tenho sim, a minha avó assina”, e a minha avó assinou como líder comunitária,
a assinatura dela valeu e o CEC tem segmentos: o professor, o funcionário, o responsável, e
o presidente nato do órgão é a diretora da escola. Na época da eleição do CEC, ela colocou
18
Fundo do Ensino Fundamental
19
Conselho de Escola e Comunidade
134
como segmento responsável um funcionário da escola que tinha filho estudando lá, no
segmento funcionário uma pessoa que era amiga dela, e eu como segmento professor,
porque fui eleita, e ela dizia que era bom porque eu representava a comunidade e ela não
gostava muito da comunidade dentro da escola, ela dizia: “Não gosto de pedir nada à
Associação, não gosto de pedir nada a ninguém, quanto mais distância tivermos deles
melhor.”
JG A diretora era da comunidade?
AM Não. Ela veio para cá por um acaso, caiu aqui, mas todo mundo respeitava, isso
também nunca me incomodou, e eu não sabia que a escola recebia tanto dinheiro assim, eu
fazia parte do segmento professor, mas, quando eu perguntava para ela o que era ser do
CEC, ela sempre respondia: “Nada, vai ter reunião, não é nada não, só tem que constar”, aí
tudo bem, mas a escola estava cada vez pior, não tinha bebedouro, as crianças bebiam água
no banheiro, a escola estava feia, faltava tudo e ela do jeito dela comprava as professoras
dando três dias para folgar no mês. Se ficasse doente, ela deixava não pegar licença, até que
um dia alguém resolveu denunciar, uma pessoa da direção mesmo disse para nós: “Vocês
são muito espertas, mas ficam assinando notas frias, eu já vi vocês assinando notas de
coisas que não foram compradas.” Caramba, aí essa pessoa que era da direção tirou xerox e
mostrou para a minha colega que ficou desesperada, então nós tivemos acesso, todo mundo
viu direitinho, só que as compras foram aprovadas pela CRE, porque você compra, um
professor atesta atrás que aquilo foi comprado e a CRE aprova. Quando nós vimos tudo
aquilo, ficamos arrasadas, e aí nós achamos que estávamos fazendo o certo, mas eu disse
para elas: “A gente está errado, a gente tem que ir na comunidade, entregar isso para o
presidente da Associação de Moradores e acabou, não é problema nosso, entrega para ele e
a gente lava as nossas mãos, a gente não tem nada com isso.” E aí uma colega mais idosa
disse: “Não, a Associação de Moradores envolve bandido, envolve tráfico, se a gente
entregar eles vão querer fazer alguma coisa de errado, vão querer tomar a atitude deles que
de uma certa forma é o dinheiro das crianças que está indo embora e então eles vão querer
se meter, vamos na CRE, pois a CRE é o órgão responsável pela escola, vamos lá e vamos
denunciar, vamos pelo certo.” Quando chegamos na CRE, eu era a responsável por ser a
líder; resumindo, não deu em nada, a CRE foi na escola, brigou com todo mundo, disse que
135
a diretora realmente estava errada, só que nós atestamos atrás; desde o momento que você
atesta, você errou junto, nós fomos coniventes e tinha uma amiga nossa que tinha atestado
atrás sobre uma compra na livraria, ela não viu nem o que foi feito, mas assinou atrás da
nota e como é que uma professora assina atrás de uma nota sem ler, e com isso nós
perdermos a razão, fomos para a CRE e foi um sufoco tão grande que eu fui chamada na
CRE pela coordenadora. Quando eu cheguei lá, ela chamou os assessores e me arrasou,
dizendo que eu havia dito dentro da escola que não ia acontecer nada com a diretora porque
elas também roubavam dentro da CRE. Eu não tinha falado nada e disse para elas: “Na
minha comunidade um abaixo-assinado só é válido, quando a gente coloca a identidade do
lado, então não seria melhor a senhora falar quem foi que falou e conversávamos todos
juntos, não adianta dizer me falaram, porque isso é um sujeito indeterminado.” Ela me
arrasou e saí de lá passando mal sem ter condições de chegar em casa. Peguei um táxi,
quando cheguei em casa, meu pai estava me esperando, chorei muito, porque na frente dela
não chorei. Contei para minha mãe, e a minha mãe tudo entra, e disse que já não era mais a
questão da escola e sim pessoal e agora eles estavam mexendo com a filha dela, com a
nossa família. Minha mãe ligou para as minhas tias, a gente briga à beça aqui dentro, mas
na hora que mexe com um a família inteira defende.
A chegada à vice-direção da escola e seus ideais de educadora consolidados
JG E o nome da sua avó também estava envolvido, de um certo modo, pois quando o
órgão foi criado na escola ela assinou como representante da comunidade. Esse fato
também contribuiu para a interferência da sua mãe nessa defesa do nome da família?
AM Nessa ocasião minha avó já tinha morrido. Na segunda-feira eu liguei para a CRE e
disse que minha mãe queria ir lá conversar e elas não quiseram nem marcar, mandaram
minha mãe ir na hora. Elas trataram minha mãe tão bem, falaram que sabiam da
representatividade que minha mãe tinha na comunidade, que a escola estava me usando, ou
seja, ela falou lá do jeito dela e minha mãe adorou a conversa com o pessoal da CRE. Eu
voltei para escola, o clima estava horrível, a diretora tinha sido afastada, veio uma moça da
CRE para assumir a escola junto com a diretora adjunta até o final do ano. Essa moça
depois de dois meses na escola me convidou para participar da chapa de direção com ela
136
como diretora adjunta, disse que via que eu queria muito que a escola fosse boa. Eu falei
para ela que eu não queria porque as minhas amigas estavam me indicando para a direção
da escola, e todas iam votar em mim, e ela me disse que, para eu ser diretora, eu teria que
fazer um projeto que seria subordinado à coordenadora da CRE, e disse que a coordenadora
não ia aprovar naquele momento a minha indicação. Eu disse que gostaria de tentar, pois já
tinha marcado para conversar com uma professora amiga, para compormos uma chapa e as
colegas querem que eu seja a diretora. Ela disse que eu ia trabalhar com conchavo e isso
não seria bom. Os professores, eles queriam trabalhar comigo, porque eu era amiga deles,
pediu que eu pensasse direitinho e que ela gostaria muito que eu fosse a sua diretora
adjunta, sei que você tem formação para isso, eu já estou dispensando as antigas adjuntas,
que inclusive vai votar na gente, eu já contei os votos direitinhos e conseguiremos mais de
50%. Eu saí de lá arrasada, fui conversar com as minhas amigas que falaram que não
votariam em mim dessa forma, pois ela não estava sendo democrática. Eu falei para elas
que a CRE naquele momento não aprovaria o meu projeto, e nós íamos perder de qualquer
maneira. Elas não aceitaram e entraram com o pedido de remoção, ficaram até o final do
ano. Chegou a época da eleição, conversei com a minha mãe, que disse: “Adair, agora está
na hora de você ser esperta, aceita o convite dela, porque você precisa da experiência e ela
precisa do morro, é preciso juntar as duas coisas, ela só vai ser eleita se você estiver junto
com ela e você precisa da experiência, pede desculpas às suas amigas e diz que você tem
um filho para criar, a gratificação de trezentos reais vai te ajudar bastante.” Eu conversei
com as minhas amigas, elas ficaram de mal comigo, disseram que eu não ia agüentar, que
ela ia me sufocar, que ela ia me usar e eu falei que também ia aprender muito com a
experiência dela. Eu fui eleita com uma massa de votos da comunidade.
JG Você foi aprendendo e crescendo na sua profissão, por sua garra, determinação, seu
envolvimento com o trabalho e a vontade de melhorar as perspectivas de vida de seus
alunos. De toda a sua formação acadêmica, o que você mais aplicou na sua prática
educativa?
AM A faculdade para mim foi uma decepção, o que a gente aprende lá está muito distante
do trabalho que realizamos. A Psicopedagogia também não me serviu muito, às vezes eu
tenho até vergonha de dizer que fiz. A Formação de Professores, esse então está mais
137
distante ainda. Antes de ser eleita, fui fazer uma prova na CRE e a faculdade de
Administração e Supervisão não me serviu para nada, fiquei desesperada, porque me
perguntavam uma porção de coisa do tipo: a diferença do ofício para o memorando; o
artigo tal da lei tal. Eu não usava isso. Não aprendi isso, eu sabia porque uma criança não
conseguia aprender se era porque estava com fome, se o pai tinha morrido, isso eu sabia
bem, agora esses detalhes, que hoje eu sei, tive que aprender na prática. Acho que eles
tinham que fazer alguma coisa por esse professor que trabalha em classe popular, porque
não é qualquer pessoa que pode trabalhar nessas escolas de comunidade. Isso não é
preconceito, não, mas não é qualquer um que agüenta o pique.
JG Você acha que para agüentar o pique esse professor tem que acima de tudo conhecer
a comunidade e a realidade do aluno que ele vai trabalhar?.
AM Tem sim, senão não consegue, mas muitas vezes dependendo da direção da escola,
se é uma diretora que tem medo, o professor que quer saber muito sobre os alunos, acaba
incomodando. Ano passado mesmo nós tínhamos uma professora que chegou e queria saber
tudo dos alunos, perguntava para eles onde moravam, queria ir lá conhecer, e a diretora
acabou convidando ela para sair da escola. Infelizmente tem isso, tem um bando de gente
que morre de medo de voltar para sala de aula para não perder cargo e outras coisas mais.
JG Em seus dezesseis anos de formada como professora, você sempre revelou sua
preocupação com o bem dos seus alunos e da sua comunidade, ou seja, você agüentou o
pique. Você se considera vitoriosa e realizada na sua profissão?
AM Acho que sim, às vezes eu pensava, porque para mim tudo era mais difícil, eu nunca
peguei uma turma boa, sempre me davam aquela com a maior dificuldade e acho que por
causa desse meu jeito eu ia ajudando os alunos a melhorarem. Sempre no início do ano eu
perguntava para as minhas turmas: “Quem está aqui porque a mãe mandou? Quem gostaria
de estar em outro lugar?” Eu perguntava isso todo mês e no final do ano todos levantavam
o braço dizendo que queriam estar na escola. Eu falei para eles que estavam falando isso só
para me agradar, eles respondiam que não, que eles gostavam de estar na escola. Isso é uma
vitória, eu ficava muito feliz. Outra coisa boa que sempre percebi foi que as minhas turmas
não faltavam, eu era uma das poucas professoras que os alunos não faltavam.
138
[FINAL DA FITA 2-A]
JG Você conseguiu por meio do seu talento, do seu carisma, da sua vontade de fazer
alguma coisa por eles, criar uma prática pedagógica que atendesse aos interesses daquele
grupo de alunos. Essa sua prática teve um pouco a influência da sua avó?
AM Uma vez eu recebi uma turma de progressão, essa turma já é marginalizada, eles
passam por uma peneira, e já ganham o rótulo de futuros marginais, eles não têm regras,
limites, ninguém agüenta. A diretora dizia que a mim eles respeitariam. Eu chorava junto
com eles, e fiquei arrasada, e no final do ano eu disse para a consultoria: “Eu não consegui
alfabetizar todo mundo não, mas pode entrar lá hoje que eles estão sentadinhos e vão para a
escola, hoje eles já sabem quem eles são e quem pegar ano que vem vai ver que eles já
possuem regras, porque não tinham; para eles, as regras eram só as do morro.” [emoção] O
método progressão veio de São Paulo, é um método para se trabalhar com projetos, a idéia
era boa, porém mais uma vez esquecem da realidade do aluno. Em uma comunidade como
a Mangueira, por exemplo, eles gostam de funk, hip-hop, porque não trabalhar em cima
disso e retirar o melhor, mas aí vem a crítica e a coisa não dá certo. Eu sei que o funk de
hoje fala muito de sexo, mas por que não conversar com os alunos o porquê de eles
cantarem isso? Se a escola quiser, pode aproveitar essa realidade. Minha avó também dizia
que os sambistas eram considerados antigamente como marginais. Só sambava quem era
pobre, bandido, malandro da época. A minha avó fazia isso, alfabetizava os alunos partindo
da realidade. a própria Dandara foi assim. Eu quero o melhor para os meus alunos, também
tenho filho, não vou fazer com os filhos dos outros o que eu não gostaria que fizessem com
o meu. Eu fico pensando no que vai acontecer, a Dandara é menina, mas e os outros colegas
que também estão na mesma situação da Dandara, fazem a 5ª série, a primeira vez, a
segunda, na terceira eles saem da escola e o que vai ser deles? Vão arranjar emprego
aonde? Lembra do concurso da Comlurb
20
, aquilo ali mostrou para eles o desespero do
povo. O que essa criança vai fazer, ele tem que comer, você acha que alguém vai dar
emprego? Fica muito fácil falar, é por isso que eu falo para as minhas colegas para tratá-los
bem, conversar com eles direitinho, dar carinho, amparar, mostrar caminhos, falar de
futuro, não passá-los de ano se não tiverem condições. Vocês depois vão embora, porque
20
Companhia de Limpeza Urbana
139
não são daqui, eu já perdi um montão. Há dois anos eu perdi o Adriano [emoção] que era da
turma da Dandara, ele já tinha vulgo e tudo, ele era o Teteu, e ele dizia para mim: “Tia,
meu pai morreu, minha mãe também e eu moro com a minha avó que já está velhinha,
quando a minha avó morrer eu vou ficar sozinho, eu tenho minhas tias, mas não é a mesma
coisa, eu vou ficar sozinho.” E a avó dele morreu, uma das tias pegou o Teteu para criar, ele
tinha um apartamento daquele verde-e-rosa que a avó dele ganhou e a tia falou que ia
alugar para ajudar na criação dele e um dia a tia falou para mim que ele estava escondendo
maconha, pó e armas na casa dela, e ela tinha medo de prenderem o marido dela, pois ele
era menor, e nós conversamos muito com ele, mas ele não conseguiu ficar na 5ª série e sabe
o que aconteceu?, no primeiro tiroteio que teve ele morreu, porque não tinha malícia, todo
mundo correu, os maiores se escondem, tem a maneira deles, mas ele era um menino e
morreu acabado. [emoção]
JG Fechando esse nosso encontro, o que foi Dona Neuma para você?
AM Ela foi tudo para mim, um grande exemplo. [emoção] Tudo de bom e até o
preconceito do povo lá contra mim eu devo a ela e, como a minha tia disse quando ela
morreu, que a nossa responsabilidade agora aumentou porque hoje ela não está mais
conosco, mas carregamos um nome, uma história. E não tem jeito, o que estivermos
fazendo de certo ou errado, seremos sempre as netas da Dona Neuma da Mangueira, e é
muita responsabilidade. E a minha profissão, não mudo e nem largo mais, em respeito aos
meus alunos e a ela também, eu não sei onde ela está agora, [emoção], mas acho que está
satisfeita pelo que eu estou fazendo pelas crianças.Tenho muito orgulho de pertencer a essa
comunidade e de ser neta da Dona Neuma, um exemplo a ser seguido por todos, por sua
dedicação e amor as crianças da Mangueira
JG Fala um pouco do que a Mangueira representa na sua vida.
AM A minha avó nos ensinava a gostar da Mangueira, não sei bem se ela ensinava ou
está no sangue, acho que é quase uma religião.
JG E a Educação depois de todos esses anos marcados por alegrias e tristezas, o que ela
representa para você?
140
AM Não vou dizer que é um processo, ela está no sangue também. Hoje não consigo
pensar em fazer outra coisa, quero fazer Mestrado porque eu não posso parar, na hora que
eu tiver que discutir e brigar, preciso conhecer, mesmo que não concorde com Piaget e
todos eles, mas preciso estar preparada para discutir. Uma vez eu disse que ia a um centro
de mesa chamar todos eles para conversar e perguntar se temos que ficar seguindo tudo o
que eles falam conforme cada novo prefeito manda. Não dá para pensarmos só na teoria,
ela pode ser importante, mas a prática é tudo.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
141
Entrevista 2
Ficha da entrevista
Entrevistada: Norma Mendes Nascimento
Local da entrevista: Escola Municipal Marechal Trompowsky, na comunidade de
Mangueira
Realizada em 18.11.2004
Entrevistadora: Judite Helena Ramalho Giolito
Transcritor: Rodrigo Ramalho Giolito Ferreira
JG: Qual é o seu nome?
NN: Norma Mendes Nascimento
JG: Qual a sua formação e tempo de magistério?
NN: Minha formação é Pedagogia com Habilitação em Administração e Supervisão
escolar. No magistério Normal tenho 30 anos.
JG:Como foi a escolha da profissão?
NN:Sempre gostei de ser professora. Eu tive u professor que me incentivou bastante e foi
um espelho para mim, por isso resolvi seguir essa carreira.
JG: Qual o grau de satisfação com a escolha da profissão?
NN: Seu pudesse voltar atrás pensando na situação do professor hoje, eu não seguiria essa
carreira, mas o meu grau de satisfação é bom, mas hoje tudo é mais complicado.
JG:Há quanto tempo atua nessa escola?
NN: Dois anos e meio.
142
JG: Existe envolvimento com a Comunidade da Mangueira?
NN:Não, eu vim indicada peã CR para assumir a escola ,pois a diretora estava se
aposentando.Depois entrei pelo processo de eleição. Não temos envolvimento nem com os
Projetos Sociais da Comunidade.
JG: Qual a prática pedagógica que norteia os projetos da escola?
NN: A prática pedagógica é baseada nas diretrizes enviadas pela Secretaria Municipal de
Educação, e nós procuramos desenvolvê-la de acordo com a nossa clientela,priorizando o
que é mais viável para nós.Enfrentamos problemas em relação a alta rotatividade de
professores, pois só temos um professor com matrícula efetiva na escola, os demais são
cedidos.Ao final do ano alguns retornam a sua origem, outros se transferem e isso não é
bom, compromete o trabalho.
JG: Como se dá o acompanhamento dos professores na aplicação de sua prática
pedagógica diante dessa rotatividade?
NN: É muito difícil , pois o professor quando entra até incorporar o trabalho, o ano acaba e
ele já está saindo.
Hoje eu tenho uma coordenadora pedagógica que esse ano começou a montar um projeto
político pedagógico junto com os professores, mas ela está licenciada e deixará a escola no
final do ano. Fica muito difícil.
Temos os centros de estudos parciais, já previstos pela secretaria e nós aproveitamos esse
espaço para discutirmos o nosso projeto pedagógico e avaliarmos o nosso trabalho.
JG: Existe algum incentivo por parte da Escola e do Município ao aprimoramento da
formação do professor?
NN:Existe. Hoje a gente tem a SME bastante preocupada com a formação do professor.
Eles sempre oferecem capacitação e os aproveitam como podem. A aceitação do professor
é muito boa, eles gostam de participar e acaba diminuindo bastante os anseios deles,
trocando experiências com professores da mesma série.
143
JG: A família de um modo geral participa das atividades da escola?
NN: Eu não posso dizer que essa família é presente, e isso prejudica bastante a nossa
situação. Nós temos a convicção de que precisamos trabalhar junto com a família, pois
ficamos com os alunos durante quatro horas e meia, e o restante do dia eles ficam com a
família. A Escola acaba tendo que dar conta desse problema social,pois os alunos se sentem
abandonados e sem auto estima.
JG:Na sua visão, como a família vê a escola e o nível de expectativa que deposita em
relação a ela ?
NN: Eu tenho observado que alguns e acho que acaba sendo a maioria, eles acreditam que a
escola pode melhorar a vida dos filhos, agora tem outros que não sabem direito nem porque
matriculam os filhos, a não ser pela preocupação com o Ministério Público e o Conselho
Tutelar, e não efetivamente com o ganho que essa criança possa ter com a escola.
Nessa comunidade acaba sendo também meio complicado para esses pais darem conta
disso. Eu tenho alguns alunos que somem e não tem condições de avisar a escola e nós
acabamos ficando sem saber se eles continuam estudando ou não. A saída repentina da
comunidade muitas vezes se dá por problemas de violência.
Quando eu cheguei aqui a evasão era enorme, hoje já está diminuindo , mais em função do
nosso controle. Minha diretora adjunta é da Comunidade e conhece tudo, e isso facilita
chegarmos a esses alunos. É um trabalho de esforço coletivo.
JG: Como se dá o convívio com a ameaça do tráfico de drogas?
NN: Não, o tráfico não interfere aqui. Isso é muito bom para a escola. Sabemos que ele
existe, mas ele não nos incomoda.
JG: Como se dá a transferência dos alunos da 5
a
. série e qual a sua maior preocupação
em relação a essa transferência?
NN: Dentro da nossa rede nós encaminhamos para as escolas pólo. Os alunos sempre
querem o C.I.E.P nação Mangueirense, mas infelizmente ele pertence ao Estado e não
temos como modificar esse quadro. Muitos conseguem pois a matrícula é feita pelo 0800,
144
agora eles só aceitam praticamente os que estão dentro da idade, com isso os mais velhos
vão para as escolas pólo.
Nós preparamos durante o ano todo esses alunos para essa troca de escola e segmento. Eles
se sentem orgulhosos por terem vencido essa primeira etapa. Os mais velhos já não
possuem tanta empolgação, muitos acham que não vão melhorar muito de vida
estudando.[emoção]
JG: O que pensa sobre os projetos sociais oferecidos na comunidade da Mangueira?
NN: Eu acho extremamente interessante, os alunos e as famílias precisam de muito apoio e
orientação.Várias crianças participam, pena que não existe um entrosamento com o projeto
da escola. A união de esforços poderia diminuir as dificuldades do nosso dia-a-dia.
JG: Qual a experiência de maior e menor sucesso vivenciado pela Escola envolvendo a
Comunidade?
NN: A de maior sucesso é que apesar de todas as dificuldades os responsáveis participam
mais na escola. Outro sucesso é quando conseguimos resgatar alunos agressivos de grande
indisciplina. Isso também é bastante importante para todos nós.
O insucesso é quando perdemos o aluno e ele se envolve em coisas ruins. Isso é o que
considero de mais triste na nossa profissão.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
145
Entrevista 3
Ficha da entrevista
Entrevistada: Ângela Maria da Silva
Local da entrevista: Escola Municipal Mestre Waldemiro, na comunidade de Mangueira
Realizada em 18.11.2004
Entrevistadora: Judite Helena Ramalho Giolito
Transcritor: Rodrigo Ramalho Giolito Ferreira
JG: Qual é o seu nome?
AS: Ângela Maria da Silva
JG: Qual a sua formação e tempo de magistério?
A: Eu tenho de Magistério 25 anos. Sou Assistente Social, cursei Geografia, mas abandonei
no 4º período e atualmente faço Pedagogia,Supervisão e Administração Escolar, dentro de
um projeto da Mangueira em convênio com a Vila Olímpica e a UniverCidade.
JG: Como foi a sua escolha pela profissão?E o seu grau de satisfação com a escolha?
AS: Ser professora faz parte da minha vida , eu sempre quis, desde pequena brincava de
escolinha em casa, eu adoro estar junto com as crianças. Tudo isso faz parte da minha vida,
não consigo me ver em outra profissão, mesmo com todas as dificuldades que a profissão
apresenta.
Tudo que eu sonhei conquistei sendo professora, estou construindo minha casa de praia,
viajo todas as férias, sou feliz fazendo o que gosto.
JG: Há quanto tempo atua nessa escola?
AS: Na direção já estou há dez anos, antes de me candidatar a direção dei aulas por 4 anos.
JG:Qual o grau de envolvimento com a comunidade da Mangueira?
AS: Passou a ser muito maior depois que comecei a freqüentar a quadra da escola de
samba, porque aí você conhece e entende a realidade do aluno do lado de fora. Pequenos
146
detalhes em relação a eles passam a ser mais percebidos. Quando uma criança chega aqui às
vezes querendo dormir , você consegue entender o contexto que ela vive, pois se no
domingo o samba acaba às 4 horas da manhã e você sai da quadra e encontra eles na porta,
fica impossível em uma segunda feira que ela produza bem na escola. Dessa forma, você
confirma um pouco um certo descaso da parte da família deles.Depois que eu passei a
freqüentar a quadra, desfilar na escola com o meu marido, eu comecei a conhecer e
entender mais o universo dos meus alunos que é muito diferente do nosso.
Hoje posso te dizer que sou apaixonada por essa comunidade, tudo meu é Mangueira, vivo
em função da Mangueira, só não moro aqui. Pelo meu marido a gente comprava um
barraquinho aqui, pois ele não quer sair da Mangueira.
JG: E essa paixão se deve mais ao samba, a comunidade,enfim a que você atribui esse seu
brilho nos olhos quando se fala na Mangueira?
AS: A tudo. E claro que o encantamento do samba ajuda e muito, pois a comunidade se
orgulha disso. Acho que a escola de samba ajuda a todos, inclusive as crianças, a terem um
certo orgulho de pertencer a essa comunidade. Ela desperta a solidariedade, o espírito
coletivo, talvez o senso de comunidade. Apesar de todas as dificuldades que lês enfrentam
como: a miséria, a violência, e as drogas, parece que a escola de samba provoca um certo
alento e aponta perspectivas de melhoras.
Muita coisa essa comunidade conquistou com a ajuda da escola de samba e da organização
dos moradores. Posso te dizer que a minha vida adquiriu outro sentido, após o meu
convívio de 15 anos na Mangueira. Hoje já sou conhecida pelos meus alunos.
JG: Qual a prática pedagógica que norteia os projetos da escola?
AS: Quando eu cheguei aqui essa escola tinha criado um estigma de bagunça,pois como ela
antes de ter se tornado uma escola ela foi uma espécie de Centro recreativo, recebia alunos
já rotulados, que não tinham limites e o processo de indisciplina era incontrolável. Nós não
éramos muito bem vistos na comunidade, a elite da Mangueira não colocava os filhos aqui.
Quando ela se tornou uma escola municipal, a diretora , na época, professora Terezinha,
consultou a comunidade e elegeu o nome do Mestre Waldemiro, que foi o primeiro mestre
de bateria da Mangueira para ser homenageado recebendo o nome da escola. Eu fui
147
professora aqui depois disso e a baixa auto estima dos alunos e a indisciplina dificultavam
muito o nosso trabalho. A rotatividade de professores era muito grande, todo ano havia
troca e não tinha continuidade do trabalho desenvolvido. Quando assumi a direção, reuni o
grupo que estava e procuramos investir em um trabalho de socialização entre os alunos.
Implantamos vários projetos com esse objetivo, o trabalho foi árduo. Na época da matrícula
eu ia buscar alunos em creches, mostrando o nosso trabalho, pois éramos muitos
desacreditados. Hoje me orgulho quando abro as matrículas e não tenho mais vagas. Não
estou dizendo que sou milagrosa e consegui tudo isso sozinha, mas teve que haver um
grande envolvimento não só meu, mas dos professores que abraçaram o projeto e dos pais
que acreditaram em nós. O nosso principal objetivo era socializa,estabelecer limites,
mostrar essas crianças que é possível ser pobre e vencer.
Hoje ainda enfrento sérios problemas , mas já possuímos uma identidade e procuramos
trabalhar temas de acordo com as necessidades deles. Me orgulho muito do projeto das
cartas que desenvolvemos em parceria com o correio, o projeto vai e volta dos brinquedos e
livros, as olimpíadas, o teatro, a música, enfim tudo que realizamos até hoje. É claro que
nos respaldamos nas propostas do Município, enviadas pela S.M.E, Secretaria Municipal
de Educação, como a Multieducação, os Parâmetros Curriculares Nacionais, os temas
transversais, mas procuramos sempre adequá-las a essa realidade.
JG: Como se dá o acompanhamento dos professores na aplicação dessa prática
pedagógica?
AS: Eu tenho a minha coordenadora e ela utiliza uma prática bem legal que eu aprovo.
Todos os projetos são discutidos com os professores e são bem amarrados por ela. Cada
bimestre já sabemos o que será trabalhado, e na sala de professores existe uma caixa de
sugestões para que o professor possa desenvolver aquele tema. Nessa caixa tem sugestões
como: fitas de vídeo, textos, blocão e outras coisas. Em uma outra caixa existem livros que
todo mundo pode recorrer para conhecer mais o tema que deverá ser trabalhado além disso
temos uma outra pasta onde o professor apresenta um planejamento semanal.
Uma outra preocupação que nós temos é que quando o professor dobra o turno, nunca
permitimos que ele o faça na mesma série, pois nos preocupamos que se por acaso ele
entrar de licença ou apresentar alguma dificuldade naquela turma, os alunos não serão
148
prejudicados e com isso o professor que trabalha de manhã tem que estar bem sintonizado
com o da tarde. Costumo dizer que tem que ser um casamento perfeito. É claro que nem
tudo é um mar de rosas, mas procuramos estar sempre acompanhando essa parceria e
contribui para que essa integração entre eles dê certo. Procuramos oferecer tudo aos
professores, mas eles têm que fazer a parte deles.
Eu também circulo muito pela escola, procuro estar presente em todas as situações. Não
fico sentada na minha mesa só propondo coisa, me envolvo com tudo.
Participo de todos os eventos da CRE com as minhas crianças, busco o tempo todo, inseri-
los nas atividades culturais que são promovidas na cidade e oferecidas às escolas
municipais.Tudo que possa contribuir para o desenvolvimento deles e poder abrir um pouco
mais suas perspectivas de que é possível construir um futuro que não seja só esse que eles
presenciam diáriamente, eu corro atrás. Não faço isso sozinha , envolvo os professores, as
famílias e a comunidade local. Nessa hora corro atrás do quartel, do corpo de bombeiros, da
Quinta da Boa Vista, da escola de samba, dos projetos sociais, enfim de todo mundo.
Envolvimento é a grande filosofia da nossa escola, não abro mão disso.
JG: Então dessa forma você garante um incentivo ao aprimoramento do trabalho do
professor. E o Município também promove esses incentivos ?
AS: Promove sim, principalmente para a turma de Progressão, que é uma turma que não é
qualquer professor que trabalha, pois é preciso trabalhar diversificado, senão eles não
caminham.
A SME e a CRE promovem oficinas , consultorias para esses professores. Posso dizer que
atualmente são os professores que recebem mais investimentos.
[FINAL DA FITA 1-A]
JG: E os professores aceitam bem esses investimentos?
AS: Os meus professores tem que aceitar, senão , como eu já disse antes, a coisa não
funciona, mas ás vezes dependendo do encontro e de quem organiza, eles têm uma certa
rejeição. Mesmo com alguns pontos negativos apontados nessa proposta, eu incentivo
muito os meus professores e eles têm que participar, não dou escolha.
149
JG:Como é que você sente a participação da família nas atividades promovidas pela
Escola?
AS: A família já foi mais ausente, agora ela tem estado mais presente, ainda não chegamos
ao ideal, porque também precisamos considerar o quadro que elas estão inseridas, mas em
relação ao passado já avançamos muito.
Eu procurei também envolvê -los mais nas festividades, todos trabalham em ritmo de
mutirão, e o retorno é bem mais significativo. Quando fazemos festas, tudo que
arrecadamos volta para os próprios alunos por meio de passeios e outras atividades. Ano
passado promovemos um café da manhã para os alunos na escola, convidamos os pais, e
organizamos bem chique, colocamos música clássica, toalha rendada,alugamos copos e
xícaras. Os alunos ficaram tão felizes com esse evento que se comportaram como gente
grande,foram educadíssimos, se sentiram importantes. Já fizemos também festival de
sorvete, tudo vem incrementado e elegante. Eles adoram e a família acaba colaborando e
participando também. È uma estratégia também que leva a família a participar mais.
JG: Como você acha que a família vê a escola e o nível de expectativa em relação a ela?
AS: Eu acho que tem de tudo. Quando elaboramos o nosso projeto político pedagógico,
enviamos um questionário para casa e tivemos pouquíssimo retorno e nós percebemos que
era muito fácil escrever aquele questionário, responder aquelas perguntas, mas para eles
não, eles não tinham entendido o que queríamos. Aproveitamos o momento que foi feito
um cadastramento para os programas de bolsa do governo aqui na escola e apresentamos o
questionário a eles e os ajudamos a responder, aí tudo ficou mais fácil.
Eu pude perceber que existe uma boa parte de pais que acreditam que a escola pode
melhorar a vida dos filhos e não deixá-los enveredar para o caminho do tráfico e da
violência, mas também existe uma parte que vê apenas como depósito de crianças, um local
onde o filho come, toma banho, e brinca, para essas pessoas a sensação que tenho é que o
estudo é o menos importante. Tipo, toma que o filho é teu, a escola tem que cuidar,castigar,
educar, enfim, fazer o que a família não faz. E os alunos que mais dão problema aqui na
escola, são exatamente os que a família não está nem aí para eles. As crianças de 13 e 14
anos ficam soltas pela comunidade até de madrugada,convivendo com tudo que a gente
sabe que existe em um lugar como este, onde a miséria impera.
150
Mais que já estou aqui há muitos anos, posso dizer que muito lentamente, isso já está se
modificando aqui na escola. Hoje já tenho uns pais mais comprometidos. Isso já é um
grande avanço.
JG: Como se dá o convívio com a ameaça do tráfico de drogas?
AS: Eles não interferem aqui, respeitam a nossa escola. Nunca tive esse problema deles
entrarem aqui dentro, acho que a escola acaba de uma certa forma respeitada por eles.
Infelizmente hoje tenho ex-alunos que estão nessa vida, muitos até já morreram, mas
quando encontro com eles por aí, ainda recebo o carinho deles, quando me chamam de tia
Ângela.
JG: Que dificuldades além das que já falamos anteriormente, você também enfrenta para
dar continuidade do projeto da Escola?
AS: A dificuldade maior que enfrento é por estarmos em um prédio do Estado cedido para
o Município e com isso temos que compartilhar com um funcionamento de uma gráfica
aqui dentro, um entra e sai de gente desconhecida. Além disso, esse prédio é muito grande e
o mínimo que a gente faz para a sua conservação, que para nós já é muito, não aparece. A
conservação desse prédio torna-se muito difícil. A maioria das escolas da 1
a
. CRE é
tombada pelo Patrimônio e para essas escolas o recurso chega primeiro e para uma escola
como a nossa a verba custa muito a chegar. Quando eu consegui arrumar um espaço
apropriado para a Educação Física, veio o Estado e colocou um almoxarifado no lugar.
JG:Como se dá a transferência dos alunos da 5
a
. série, e qual a sua maior preocupação
em relação a essa transferência?
AS: Preparar para a troca a gente não prepara muito não, mas existe uma quebra muito
grande em relação ao trabalho que desenvolvemos aqui.
Para o aluno que passa todos esses anos conosco aqui, a troca de escola muitas vezes o
desestrutura. Tanto é que eles voltam muito, reclamam das diferenças, dizem que aqui deve
ter a 5
a
. série . Apesar das dificuldades eu ainda tento acompanhá-los de um certo modo,
fico vigiando para ver se eles não abandonam a escola, mas o controle fica difícil. O bom
seria se pudéssemos levá -los até a 8
a
.série , aí nosso trabalho ficaria mais completo. Na
151
formatura é um “xororô”, danado e já tive alunos que muitas vezes não queriam passar
passa de ano para não irem embora. Já que eles não ficam aqui, eles sonham pelo menos
com o C.I.E.P.
JG: O que pensa sobre os projetos sociais oferecidos na comunidade da Mangueira?
AS: Eu acho excelente.Tudo que possa ser feito para apontar caminhos para que essas
crianças não enveredem para o mundo do tráfico é muito bom. Procuro sempre dentro da
medida possível buscar parcerias com os projetos, mas é muito difícil,tudo é muito
fragmentado e nessa divisão, as crianças perdem muito.
JG: Qual a experiência de maior e menor sucesso vivenciado pela Escola envolvendo a
Comunidade?
AS: A maior experiência é sem dúvida quando eles saem daqui e continuam os estudos e
depois voltam para nos visitar, muitos com famílias já constituídas e com seus empregos.
Essa felicidade não tem preço. A menor com certeza é quando perdemos algum para a
marginalidade. Nessa hora que eu paro e penso que poderíamos ter feito mais por ele. É
muito triste, é como se todo o nosso esforço tivesse sido em vão.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
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