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Rodrigo França
AYRTON SENNA E O JORNALISMO ESPORTIVO
Dissertação de Mestrado
São Paulo
2006
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Rodrigo França
AYRTON SENNA E A MÍDIA ESPORTIVA
Dissertação apresentada à Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em
Ciências da Comunicação. Área de
Concentração: Jornalismo
Comparado.
Orientador: Prof. Dr. Luiz
Fernando Santoro
São Paulo
2006
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Autorização para reprodução
Autorizo:
[ ] divulgação do texto completo em bases de
dados especializadas.
[ ] reprodução total ou parcial, por processos
fotocopiadores, exclusivamente para fins acadêmicos e
científicos.
Assinatura: ___________________________________________
Data: ___________________
FOLHA DE APROVAÇÃO
Nome do Autor: Rodrigo França
Título da Dissertação: AYRTON SENNA E A MÍDIA ESPORTIVA
Presidente da Banca: Prof. Dr. ______________________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ___________________________________________________
Instituição:_____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________
Instituição:_____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________
Instituição:_____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________
Instituição:_____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________
Instituição:_____________________________
Data de aprovação:
_____/_____/______
À Branca França e Nilton Alves da Cunha, mãe, pai e
incentivadores.
Agradecimentos
À Escola de Comunicações e Artes, na figura dos professores
tanto da graduação quanto da pós, e a seus funcionários, em
especial Tânia e Paulo, no Departamento de Jornalismo.
Ao CEPEUSP, Centro de Práticas Esportivas da Universidade de
São Paulo, que me proporcionou o primeiro emprego, como
estagiário da assessoria de imprensa ainda estudante do
primeiro ano de jornalismo. Em especial aos professores
Pascoal Tambucci e Emilio Teixeira, e ao jornalista Délcio
Teixeira, sempre dispostos a ensinar.
Ao Professor Luiz Fernando Santoro, pela valiosa orientação
neste mestrado.
À Professora Gisela Ortriwano, que me apoiou no início deste
trabalho e que certamente estaria feliz em ver o resultado
final desta dissertação.
Aos professores Doutores que constituíram a Banca do Exame de
Qualificação, Pascoal Tambucci, Kardec Pinto e José Coelho
Sobrinho, pelas pertinentes sugestões ao trabalho.
Aos amigos do Jornal da Tarde, minha primeira chance no
jornalismo diário, onde aprendi muito sobre a profissão que
exerço hoje, em especial a Denise Mirás, Castilho de Andrade,
José Eduardo de Carvalho, Luis Augusto Mônaco, Denis de
Almeida, Vinicius Mesquita e Carlos Ferreira.
Aos amigos da Folha de S. Paulo, em que pude realizar o sonho
de escrever sobre automobilismo e que me projetou para que
conseguisse fundar minha empresa, a RF1.
Aos vários pilotos ouvidos para esta dissertação, em especial
a Emerson Fittipaldi, que, afinal de contas, foi quem
escancarou esta paixão do esporte a motor no país.
Aos jornalistas especializados Luiz Alberto Pandini,
Reginaldo Leme, Alex Ruffo, Ricardo Porto, Livio Oricchio,
Alexandre Kacelnik e Flavio Gomes, pelos enriquecedores
depoimentos coletados para este trabalho.
Aos colegas de profissão nas revistas especializadas e aos
companheiros do Anuário Automotor Esporte, como Tiago
Mendonça, Luis Fernando Ramos, Luiz Vicente, Miguel Costa Jr,
Roberto Miranda, Dinho Leme, Leonardo Murgel e toda a turma
da RLeme
À toda minha família, que sempre me apoiou na realização dos
sonhos: Nilton, Branca, Christiano, Helena, Thales, Oswaldo,
Walkíria, Viviane, Daniele, enfim, todos meus familiares em
São Paulo, Pinda, Taubaté, Piracicaba e até Espanha (Urbano
Junior).
À Daniela, pela paciência nesta reta final de trabalho.
Aos clientes da RF1, como a RM-Volkswagen, Petrobras-Action
Power, Giorgi Racing e Neoforma, que contribuíram para que
este trabalho pudesse ter andamento contínuo ao longo destes
anos.
À Flávia, pelo apoio dado desde a graduação.
Aos amigos da FIAk, pela diversão nas pistas, e seus maiores
incentivadores, Paulo e Binho Carcasci.
Resumo
FRANÇA, Rodrigo. Ayrton Senna e a Mídia Esportiva . São Paulo,
2006.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo.
O estudo trata sobre o funcionamento do jornalismo esportivo,
uma área da mídia que tende a ser pouco valorizada dentro das
próprias redações, mas que se mostra de fundamental
importância em uma sociedade cada vez mais globalizada.
Eventos como a Copa do Mundo de futebol, os Jogos Olímpicos e
a Fórmula-1 mostram que em todo o mundo é valorizada a paixão
pelo esporte. No Brasil, não é diferente e inclusive houve um
período em que o futebol deixou de ser o alvo freqüente da
busca pelo ídolo, graças à ascensão do automobilismo. A
cobertura que a mídia deu a campeões como Emerson Fittipaldi,
Nelson Piquet e, sobretudo, Ayrton Senna, é o tema deste
trabalho, mostrando como o esporte a motor, pela ação da
mídia, deixou de ser esporte de elite para ser uma competição
de gosto popular nos quatro cantos do Brasil.
E a cobertura jornalística da carreira de Ayrton Senna é o
caso mais exemplar desta estreita relação entre a mídia
esportiva e sua necessidade de heróis. Esta relação é o
principal enfoque desta dissertação, que busca também
entender como a imprensa e a sociedade lidam com a trajetória
e a perda de seu herói esportivo, que no caso do piloto de F-
1 foi de tal forma abrupta que ganhou contornos de comoção
nacional. Além da bibliografia sobre o tema, a pesquisa
também levou em consideração consulta a jornais, revistas,
programas de rádio e TV da época de auge de Senna e dos anos
seguintes, destacando-se ainda os depoimentos dados ao autor
de diversos jornalistas, empresários e profissionais que
atuam nesta área.
Palavras-chave: jornalismo esportivo, esporte, automobilismo,
ídolos, Ayrton Senna, Fórmula-1
Abstract
(resumo traduzido para o inglês)
FRANÇA, Rodrigo. Ayrton Senna e a Mídia Esportiva . São Paulo,
2006.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo
The study reflects on the mechanisms of the sportive journalism, an area of the media that
tends to be underrated by the journalists, but that has great importance in our global society
nowadays.
Events like the World Cup (soccer), the Olimpics Games and Formula-1 show that the
world is getting more global each day, mainly when it deals with the passion for the sport.
In Brazil, there was a period when soccer wasn’t the main sport to discover new idols. The
search was in another equally global sport: F-1, where Brazilians could show their values
such as patriotism and faith. Champions like Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet and Ayrton
Senna had changed motor racing _from a elite sport to a competition of popular taste in all
parts of Brazil. The media coverage of Ayrton Senna’s career is the best example of this
relation between the sportive media and its necessity of heroes.
The study tries to understand how press and society deals with the loss of its hero. In
Senna’s case, it was at such abrupt form that he gained national commotion
After a lot of interviews with professional journalists and an intense academic research on
the subject and also consulting periodicals, magazines, newspapers, radio and TV
programs, this work traces an analysis of this journalistic coverage of motor racing and
Ayrton Senna.
Palavras-chave: jornalism, sports coverage, motor racing,
heroes, Ayrton Senna, Formula-1
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I – JORNALISMO ESPORTIVO
1.1 Breve histórico da cobertura esportiva na mídia
brasileira
1.2 Jornalismo esportivo automobilístico
CAPÍTULO II - O ESPORTISTA E ÍDOLO AYRTON SENNA
40
2. O surgimento no Brasil da paixão pelo esporte a
motor
40
2.1 O início no kart
42
2.2 A estréia na F-1
48
2.3 Os anos de poles e vitórias na Lótus
52
2.4 A fase de glória na McLaren
56
CAPÍTULO III A IMPRENSA E AYRTON SENNA
68
3.1 Crescimento dos veículos com novos ídolos
3.2 Relacionamento dos jornalistas com os pilotos
72
3.2.1 TV Globo
79
3.2.2 Como a mídia cobriu a morte de Senna
84
CAPÍTULO IV A NECESSIDADE DO HERÓI NO E
S
PORTE
VISTO PELO JORNALISMO
95
4.1 A perda do herói
95
4.2 A cobertura jornalística dez anos depois e o
legado social de Senna
105
4.3 A cobertura do automobilismo depois da morte de
Senna
114
4 . 4 A aposta em Barrichello
116
4.5 Necessidade do ídolo na cobertura esportiva
125
Conclusão
Bibliografia
Apêndices
INTRODUÇÃO
Na manhã de domingo, 1
o
de maio de 1994, o Brasil
acordava mais cedo, como estava acostumado a fazer por vários
e vários anos. Só que aquele Dia do Trabalhador seria marcado
para toda uma nação como o fatídico dia em que um de seus
maiores ídolos, Ayrton Senna, finalizava sua história de
conquistas e glórias na Fórmula-1, com um trágico e fatal
acidente na Curva Tamburello, durante o GP de San Marino.
O trágico final da vida de Ayrton Senna provocou a maior comoção
pública da história recente brasileira embalada pelo poder do impacto
da televisão. Durante todo o episódio, a instantaneidade das
transmissões, a força dramática das imagens, a cobertura intensiva das
emissoras ajudaram a formar um intricado oceano coletivo de emoções...
(EDVALDO PEREIRA LIMA, 1995)
A morte ao vivo, para milhares de lares não
apenas no Brasil, mas em todo mundo, comoveu o planeta. E
ajudou a transformar o tricampeão da categoria em um mito,
uma lenda do esporte. No país, Senna teve um funeral digno de
Chefe de Estado, levando verdadeiras multidões às ruas para
se despedirem daquele ídolo de quem pareciam ser tão
familiares. E a mídia acompanhou tudo vorazmente.
Entre 2 e 6 de maio de 2004, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo,
O Globo, Jornal do Brasil, O Povo, de Fortaleza, e Diário Catarinense,
de Santa Catarina, ocuparam 340 páginas sobre o assunto (Ayrton Senna)
e publicaram 208 cartas de seus leitores sobre o piloto. Entre
crônicas, artigos, colunas e comentários assinados, os seis jornais
abriram 26 páginas e meia para colaboradores e jornalistas opinarem
sobre a tragédia. Senna foi assunto de 924 textos, 826 fotos e 67
ilustrações. Em menos de uma semana, chegaram às bancas 2,3 milhões de
exemplares de revistas extras, que totalizaram mais 432 páginas
dedicadas a Senna. A maior parte das edições se esgotou. E o
faturamento bruto das editoras totalizou 6,2 milhões de dólares.
(PAULO SCARDUELLI, 1995
1
)
1
Estes números impressionantes da cobertura jornalística da morte de Ayrton
Senna também são citados, com a mesma fonte, no livro “Herói Revelado”, de
Ernesto Rodrigues, lançado em 2004.
O Brasil, claro, nunca mais foi o mesmo. Houve um
legado, bastante positivo, de valores que Ayrton Senna levava
para a pista junto com suas conquistas. Estas manifestações
certamente se tornaram referências para outros atletas de
vários esportes, que viram no exemplo do piloto paulistano a
chance de exaltar sentimentos como patriotismo, esperança e
até mesmo preocupações com questões sociais, iniciadas pelo
projeto do Instituto Ayrton Senna e que hoje se tornaram
freqüentes entre astros do esporte brasileiro e mundial,
sobretudo no futebol.
Ainda que tantas mudanças positivas tenham sido
possíveis apenas devido à comoção que tomou conta de todos
com o triste episódio, que também fez em parte muitos
esquecerem de todos os defeitos e fraquezas que Senna, como
qualquer ser humano, possuía, o acidente em Ímola trouxe uma
nova missão para os jornalistas esportivos: manter a
cobertura do automobilismo mesmo sem a presença do ídolo.
A questão, certamente bastante delicada, é o
ponto de partida para este trabalho de mestrado. Vale
ressaltar que esta dissertação é fruto de um trabalho que usa
prioritariamente as fontes jornalísticas, buscando
interpretar os fatos e a grande quantidade de informação
coletada sob luz da bibliografia que traz dados interessantes
sobre mídia, automobilismo, marketing esportivo, jornalismo,
TV, psicologia, a questão do mito, entre outros. Esta
característica do trabalho mostra a tentativa de trazer o
máximo de análise possível em torno da questão mídia-Ayrton
Senna, não tendo como meta principal a busca pela erudição
científica.
A proposta é verificar até onde a existência do
ídolo nesta área justificava a sua preocupação com a
cobertura jornalística do esporte a motor, que,
diferentemente do futebol, começou a cair no gosto popular
justamente com os primeiros relatos das conquistas de Émerson
Fittipaldi na Europa, nos anos 70, na Fórmula-1. Um passado
relativamente recente que teve uma sucessão de trono logo no
final dos anos 70 e início dos anos 80, com o surgimento de
outra estrela deste esporte nascida no Brasil, Nelson Piquet.
Este legado continuou se perpetuando com a chegada de mais e
mais pilotos brasileiros à principal categoria do
automobilismo mundial e se acentuou mais do que nunca na fase
de ouro de Ayrton Senna na categoria. Com a conquista dos
títulos de 1988, 1990 e 1991, o Brasil viveu seu auge na
Fórmula-1, e possivelmente se possa dizer o mesmo do esporte,
que esteve no topo das preferências nacionais nesta época de
glórias, fazendo com que os jornalistas tivessem que se
especializar cada vez mais neste esporte.
O auge do sucesso brasileiro na Fórmula-1
coincidiu com uma era em que o grande esporte popular, o
futebol, estava bastante decadente, com a Seleção Brasileira
ainda amargando uma série de fracassos nos campeonatos, em
especial na Copa do Mundo, onde o Brasil se vangloriava de
ser o melhor do planeta, mas que desde 1970, com a conquista
do tricampeonato no México, com o brilhante time de Pelé,
Rivelino, entre outros, não trazia nenhum grande título para
o País.
Fase que, por sinal, parece viver o automobilismo
agora, passada mais de uma década após a morte de Ayrton
Senna. Por isso, o foco deste trabalho será justamente
entender o que motiva tantas mudanças de tratamento pela
mídia a um ou outro esporte, é bastante claro que basta haver
um ídolo para que haja cobertura suficiente nas páginas de
jornais, revistas, nos noticiários da televisão, do rádio e,
recentemente, da Internet.
Surgimentos de fenômenos de modismo, como o tênis,
sobretudo após a conquista de Gustavo Kuerten do importante
torneio de Roland Garros
2
, na França, mostram que o gosto do
público e o chamado “fato jornalístico” crescem na medida do
sucesso de um brasileiro no exterior, o que explica a frase
de muitos torcedores de Senna que deixaram de acompanhar o
esporte depois de sua morte simplesmente porque não veriam
mais o sucesso de seu representante nos circuitos do mundo.
Simplesmente, o “Brasil que dava certo” deixava de existir,
pelo menos neste esporte. Também analisaremos a questão da
perda do ídolo, a dor causada pela morte de Senna e o
processo de luto que a própria mitologia e a psicologia
moderna abordam.
Assim, o trabalho busca compreender melhor esta
dinâmica do jornalismo esportivo, onde sua atuação se faz tão
presente no cotidiano das pessoas, a ponto de modificar
hábitos, como acordar ou não cedo no domingo, mas que também
pode se tornar um poderoso instrumento de negócio e de
interesse quando se especializa apenas em divulgar heróis e
utilizar o lazer do público como um verdadeiro “business”.
Uma área da mídia que nem sempre é tratada com a
devida importância nas redações ou mesmo nos ambientes
acadêmicos, mas, sem dúvida, constitui uma das editorias
jornalísticas de maior interesse dos grupos de mídia não
apenas do Brasil, como no mundo, principalmente se lembrarmos
da importância do esporte na atual sociedade globalizada.
Não há dúvidas que se mostra, portanto,
extremamente importante tentar compreender os mecanismos de
seu funcionamento, por meio de um caso bastante
representativo, como o acontecido com a cobertura
automobilística em nosso país nos últimos anos, e de que
forma ela foi afetada com a morte de Ayrton Senna e,
2
Um dos principais torneios do circuito mundial de tênis, Roland Garros faz
parte do chamado Grand Slam, onde uma vitória consagra o esportista de forma
global.
conseqüentemente, a perda de seu maior ídolo e personagem
construtor de manchetes.
Nesta área tão específica do jornalismo, este
trabalho permitirá observar quais as características
peculiares do esporte transformam a rotina do profissional
que atua neste segmento, bem como a necessidade perante a
criação de heróis difere da prática exercida em outras
editorias.
No caso brasileiro, a análise do esporte pode ir
ainda mais além, já que é por meio dele em que muitos dos
valores nacionais podem ser analisados em larga escala, como
a auto-estima de seus cidadãos, o patriotismo e o
relacionamento externo com outras nações do planeta.
O objeto desta pesquisa é a cobertura
jornalística de um esporte que faz sucesso há um tempo
relativamente curto no país: o automobilismo, esporte que não
possuía tradições no país _na América do Sul, era a Argentina
que vivenciava o esporte a motor, ainda nos anos 50, com
lendário Juan Manuel Fangio. O esporte, no entanto, caiu nas
graças da mídia a partir do sucesso do jovem Emerson
Fittipaldi na Fórmula-1, e os jornalistas tiveram que
rapidamente começar a entender toda aquele linguajar técnico
típico de um box da Fórmula-1: pneus slicks, grids de largada,
pitstops, safety cars etc. Não por acaso, o Brasil,
diferentemente de Portugal
3
, adota em seu cotidiano
jornalístico o uso de diversas expressões no original em
inglês. Com o sucesso de Nelson Piquet e logo em seguida de
Ayrton Senna, o país assistiu a um verdadeiro “boom” pelo
interesse do esporte a motor, mas principalmente a Fórmula-1,
principal e mais glamourosa competição do mundo, onde o país
conquistava títulos e mais títulos, todos regados ao
3
Os livros portugueses como “Ayrton Senna: Saudades”, de Francisco Santos,
trazem expressões como “grelha” de largada em vez do nosso usual “grid”.
posteriormente célebre “Tema da Vitória”, entoado nas
transmissões da TV Globo.
Mas o que fez todo este aparato desenvolvido em
pouco mais de 20 anos com o baque da perda de sua principal
referência, e ainda por cima de forma tão trágica? Como os
jornalistas que cobriam a área conseguiram lidar com a perda
de seu principal “produto” e fonte, que parecia até então
receita inesgotável de preenchimento de páginas e mais
páginas ou de horas e horas de transmissões em mídia
eletrônica?
O desinteresse do público pelo automobilismo nos
dias, semanas, meses e anos seguintes teria sido fruto
justamente de perda do ídolo? Ou simplesmente teria sido uma
constatação de que o interesse, na verdade, nunca havia sido
criado em torno do esporte, que teria sido facilmente reposto
por um outro, como o tênis, por exemplo, caso surgisse um
ídolo nacional capaz de levantar a bandeira brasileira no
topo do mundo com a mesma freqüência que Ayrton Senna o fazia
a cada 15 dias? Perguntas como estas, que, sem dúvida, se
desdobrarão em outras várias questões, serão analisadas neste
trabalho, buscando, desta forma, elucidá-las da melhor
maneira possível.
A pesquisa para tentar compreender o jornalismo
esportivo inicia-se, antes de mais nada, com minha
convivência diária com o tema, já que trabalho nesta área
desde 1996, ainda como estudante de jornalismo por meio de
uma bolsa de estágio entre a ECA (Escola de Comunicações e
Artes) e o CEPEUSP (Centro de Práticas Esportivas da USP).
Para este trabalho, no entanto, foi intensificada, na
primeira fase desta pesquisa, a coleta de informações e
notícias referentes à área em questão, ou seja, a cobertura
jornalística do automobilismo nos últimos anos. O trabalho de
busca de matérias em arquivos de grandes jornais, como a
Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, entre outros. A
varrição de acervos contendo transmissões esportivas e
reportagens em televisões e rádios também serviu como ponto
de partida para a comparação de como é feito o trabalho de
acompanhamento do automobilismo, sobretudo da Fórmula-1, na
época de Ayrton Senna, e nos anos seguintes à sua morte, em
1994.
Ainda nesta questão, faz-se essencial a busca por
informações e matérias nos periódicos atuais, para a análise
do surgimento de outros esportivas, como Rubens Barrichello e
Felipe Massa, ou mesmo de outros esportes. Destaque também
para a coleta de material no ano de 2004, quando se
completaram dez anos sem o esportista e que muitas
publicações aproveitaram o “gancho” da data para lançar
matérias exclusivas, coletâneas, livros, DVDs, revistas
especiais
4
e outros produtos relacionados a Ayrton Senna. O
mesmo pode ser dito de programas de rádio e televisão, onde
se destaca o farto material apresentado em programas da TV
Globo, como Jornal Nacional, Globo Repórter e Fantástico.
Depois de analisar o cotidiano e a forma de
trabalho do jornalista esportivo, a parte mais intensiva da
pesquisa começa com a busca de informações e dados que possam
ilustrar a dissertação, tais como índices de audiência da
Fórmula-1 na época de Senna e, atualmente, tiragem de
revistas especializadas. Outra fase fundamental foi a de
entrevistas com profissionais que atuam na cobertura
jornalística de automobilismo, sobretudo aquelas que
conviveram na época de Senna e que ainda hoje se mantêm
relacionados à área. Nesta parte da pesquisa, destaque para
conversas com jornalistas como Galvão Bueno e Reginaldo Leme
(TV Globo), Lívio Oricchio (O Estado de São Paulo), Flávio
4
Mais de dez títulos poderiam ser comprados nas bancas de jornal, em maio de
2004, com revistas tendo Ayrton Senna como reportagem principal, incluindo a
revista “Veja”.
Gomes (Rádio Bandeirantes), Castilho de Andrade (Jornal da
Tarde), Luiz Alberto Pandini (Revista Grid), entre outros.
Estes profissionais vivenciaram este processo de
transformação do jornalismo esportivo automobilístico e cuja
experiência será de grande valia nas conclusões deste
trabalho.
A dissertação terá por base a análise do
jornalismo esportivo, e logo de cara uma das principais
dificuldades encontradas para o trabalho nesta área de
atuação foi justamente a quantidade pouco satisfatória de
livros a respeito do estudo deste campo do jornalismo. Uma
das bases para o estudo foi o recém-lançado “Jornalismo
Esportivo”, de Paulo Vinícius Coelho, que trata em sua obra
justamente a pouca importância que é dada a esta segmentação
tanto no mercado quanto no meio acadêmico. Talvez esta pouca
quantidade de material ocorra pelo próprio fato do jornalismo
esportivo não ser encarado como uma cobertura séria até
meados dos anos 60, quando finalmente ganhou contornos de
assunto sério e passou inclusive a ter tratamento
diferenciado dentro das redações, com a cobertura feita por
profissionais especializados e seções e páginas exclusivas
(até que se formaram os primeiros cadernos de Esporte). A
explicação deste fenômeno é inclusive um dos pontos altos do
livro “Jornalismo Esportivo”, embora ainda pese contra o fato
dele ter o seu foco voltado, sobretudo, para o estudo da
cobertura de futebol.
Ainda assim, há destaque para trabalhos
acadêmicos que focam a área de esportes, como os
desenvolvidos pelo professor José Coelho Sobrinho, do
Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes
(ECA), da Universidade de São Paulo (USP), José Guilmar Mariz
de Oliveira e o também professor Pascoal Luiz Tambucci, da
EEFEUSP (Escola de Educação Física da USP), que logo no
primeiro capítulo da obra coloca muito bem a estreita ligação
entre esporte e comunicação, sobretudo na fase econômica
atual, em que o mercado global viu um negócio lucrativo e,
que, portanto deve ser propagado em massa para bilhões de
pessoas, em eventos como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos
e a Fórmula-1. Tambucci também contribuiu muito para o
trabalho com sua obra “O Funcionamento do Discurso do
Marketing Esportivo em Campanhas Publicitárias e Matérias
Jornalísticas”, em tese de mestrado na USP. Também desta
universidade, destaque Edvaldo Pereira de Lima, com o livro
“Ayrton Senna, Guerreiro de Aquário”, que faz um belo retrato
da simbologia envolvida na perda de um dos maiores heróis
nacionais, cuja morte em transmissão ao vivo pela TV causou
comoção digna de grandiosos funerais de Chefes de Estado. Na
área de esporte, há ainda os trabalhos de Mauro Betti, em
“Esporte e Sociologia” e Eliane Jany Barbanti (“Esporte e
Psicologia”).
Esta análise de psicologia, por sinal, é uma área
onde esta dissertação também procurará algumas respostas,
ainda mais analisando a importância e o surgimento do ídolo
na esfera do esporte e seu papel em uma sociedade como a
nossa. A análise do significado dos mitos vai desde livros
mais recentes, como em obra elaborada por Liz Greene e Juliet
Sharman-Burke, como nos mais clássicos do tema, como os que
enfocam a mitologia, como Kátia Rúbio, em “O imaginário
esportivo – o atleta contemporâneo e o mito do herói”, tese
de doutorado na USP, além de Joseph Campbell, em “O Poder do
Mito”.
Outros autores serão fundamentais para tornar
mais profundo o estudo sobre o fenômeno Ayrton Senna nas
pistas do automobilismo mundial, este sim um tema com várias
obras existentes, bem como retratando o esporte em geral,
especialmente a Fórmula-1. São autores como Lemyr Martins,
que publicou dois livros sobre o tema, “Os Arquivos da F-1” e
“Uma Estrela Chamada Senna”. Este último relata de forma
precisa cada corrida que o piloto disputou em sua carreira na
Europa, e também traz o depoimento de pessoas importantes
ligadas a Senna, sobretudo aquelas pouco dadas às declarações
na mídia, como a mãe e o pai de Ayrton.
Ainda na área de análise de Ayrton Senna, e seu
papel de herói brasileiro intensificado pela mídia, há também
as obras de Eduardo Correa, Paulo Scarduelli, Daniel Piza,
escritor e jornalista de “O Estado de São Paulo”, Reginaldo
Leme, comentarista da TV Globo e que acompanhou a carreira de
Senna desde a F3 Inglesa, Alex Dias Ribeiro, e, mais
recentemente, Ernesto Rodrigues, que lançou a bibliografia do
tricampeão em 2004. Esta é a obra mais recente enfocando o
piloto, entitulada “O Herói Revelado”, e causou bastante
polêmica na época de sua divulgação, até porque esmiúça
bastante a vida particular de Senna, desde suas brigas com
outros pilotos até mesmo questões de problemas familiares e
de sua namorada na fase final de sua vida (Adriane Galisteu).
Ainda assim, o livro traz capítulos onde o contato de Senna
com a mídia é destrinchado de forma interessante, com relatos
bastante precisos dos correspondentes de F-1 dos principais
jornais do país.
Outros livros focando o esporte a motor também
serão analisados, com nomes como Sid Watkins, médico oficial
da Federação Internacional de Automobilismo e que acompanha o
esporte há décadas, o jornalista português Francisco Santos,
o inglês Nigel Roebuck, e do piloto Gerhard Berger,
companheiro de equipe de Senna de 1990 a 1992 na McLaren.
Além dos autores acima citados, a dissertação também incluirá
a pesquisa de escritores e jornalistas especializados na área
do jornalismo esportivo automobilístico, como os colunistas
Celso Itiberê, Odinei Edson, Nilson Cesar, Alex Ruffo, Celso
Miranda, José Henrique Mariante, entre outros.
É a partir do depoimento destes profissionais e
das leituras existentes sobre o jornalismo esportivo e Ayrton
Senna que partem os dois primeiros capítulos. No primeiro,
“Jornalismo esportivo”, começamos com um breve histórico da
cobertura esportiva na mídia brasileira, remetendo a
importância do esporte na história do homem até chegarmos aos
dias de hoje, com sua relevância acentuando-se sobretudo no
século XX, com a chegada de novos meios de comunicação e
revistas e jornais especializados _destacando o surgimento do
automobilismo e sua imprensa segmentada. Depois, no capítulo
II, é a vez de conhecermos a trajetória de Ayrton Senna, e
entender por que o piloto brasileiro é considerado um dos
maiores esportistas do mundo. Escreveremos sobre o começo no
kart e a importância do sucesso de seus antecessores, Emerson
Fittipaldi e Nelson Piquet, que ajudam a explicar porque o
Brasil prestou tanta atenção em suas façanhas, algumas delas
memoráveis e que serão retratadas nesta parte da dissertação,
como as atuações no GP Brasil de 1991 ou no da Europa de 1993.
A parte seguinte do trabalho busca mostrar, no
capítulo III, o relacionamento de Senna com a mídia, de sua
exposição nas páginas esportivas, como um típico herói.
Também tentamos entender sua importância para a imprensa, com
o aumento de vendas e números de audiência, e o estreito caso
de ligação entre o piloto e a TV Globo e as imagens em que
ele carregava para o alto do pódio a bandeira nacional. Além
disso, veremos como a mídia, do Brasil e do exterior, cobriu
a morte de seu grande ídolo e, a partir deste ponto, migramos
para o capítulo final, o IV, em que abordamos a dificuldade
do homem em aceitar a perda de seu herói. Verificamos também
o comportamento dos torcedores, que além de sofrer com a
morte de Senna, também buscaram suprir esta necessidade em
outros esportes, às vezes sem sucesso, como no caso de
Barrichello, mesmo em sua ida para a Ferrari, em 2000. Esta
parte do trabalho irá abordar ainda a memória do piloto dez
anos depois de sua morte, mostrando o trabalho da mídia em
manter viva a memória do piloto, com publicações especiais e
enaltecendo o trabalho do Instituto Ayrton Senna.
O capítulo final também analisa a mudança na cobertura
do automobilismo pela imprensa, e sua tentativa fracassada em
achar um herói compatível com Senna, seja em Barrichello,
seja em outros brasileiros que foram para a F-1, seja em
outros esportes. Para finalizar, a dissertação conclui com
referência a diversos autores a necessidade da sociedade, e
por conseguinte, da imprensa, sobretudo a esportiva, de
oferecer modelos e heróis ao seu público, inclusive para
poder lhe reforçar sentimentos como a sua auto-estima e
patriotismo.
CAPÍTULO I – JORNALISMO ESPORTIVO
1.1 Breve histórico da cobertura esportiva na mídia
brasileira
Antes mesmo de estudarmos a importância e relevância da
cobertura jornalística esportiva, vale ressaltar a origem do
esporte propriamente dito, que remete às mais remotas
memórias do ser humano.
Se em determinados momentos históricos a prática esportiva esteve
associada ao tempo livre, ao lazer e à profissionalização, sua
origem remete à sobrevivência, ao culto dos deuses, e ao
cumprimento de rituais, visto a valorização de que desfrutavam as
proezas corporais, na forma de danças, ginástica e jogos. A prática
do exercício físico foi fator preponderante para o contexto
econômico dos povos primitivos, na medida em que suas atividades de
caça, pesca e o desenvolvimento de técnicas rudimentares de cultivo,
além de envolver a atividade física necessária para o desempenho
destas funções, garantia a sobrevivência do grupo. (KÁTIA RUBIO,
2001, P. 125)
Se teve origem ainda em tempos pré-históricos onde os
sentidos e seus instintos ainda guiavam o homem para sua
sobrevivência, nota-se que a evolução do esporte se deu de
forma tão avassaladora quanto o progresso da humanidade desde
então. Mas, se agora o esporte não está tão intimamente
ligado à luta pela manutenção de sua própria existência, é a
vez desta atividade encontrar-se extremamente relacionada à
sociedade e seu constante progresso.
O esporte é considerado um fenômeno sócio-cultural, de dimensão
incontestável e, através dos meios de comunicação, pode-se
constatar que o esporte tem ocupado, mundialmente, uma posição
bastante destacada (...), o que torna o esporte cada vez mais
atraente para investimentos. (TAMBUCI, MARIZ DE OLIVEIRA E COELHO
SOBRINHO, 1997, p.11)
A ligação do esporte com a nossa atual sociedade é bastante
estudada, conforme o próprio pesquisador francês Joffre
Dumazedier sentencia. Ele afirma que “a sociedade de consumo
aproveita o tempo livre para impor hábitos, como o esporte”
5
.
Não é de se estranhar, portanto, que o noticiário esportivo
logo aparecesse nos meios de comunicação na medida em que
estes últimos iriam ganhando cada vez mais espaço na vida do
homem. Ocorre, todavia, que o esporte não recebia o mesmo
destaque que hoje podemos verificar em todas as páginas de
revistas, TVs, rádios, jornais e, mais recentemente, sites da
Internet.
A grande dificuldade da mídia em abrir espaço de
seus relatos para o esporte estava justamente ligada a
ausência de status social que a atividade possuía. Conforme
atesta Fonseca no livro “Esporte & Jornalismo”, até o final
do século 19 era assim. Foi graças, portanto, às duas novas
formas de mídia que iriam revolucionar o século seguinte, o
rádio e a TV, que impulsionaram a presença do esporte nos
meios de comunicação em geral, pois “deram nova dimensão ao
fato esportivo com suas características de instantaneidade,
imagem e cor”.
Por isso, pode-se afirmar que o fenômeno do
jornalismo esportivo é relativamente recente, já que antes
desta massificação das mídias eletrônicas, suas notícias se
encontravam misturadas à cobertura jornalística de outras
editorias. Esta breve história talvez explique o porquê de
poucas obras tratarem de um assunto que hoje parece com tanto
destaque em nosso cotidiano, mas os autores estudiosos desta
área são unânimes em afirmar que o preconceito com o
jornalismo esportivo marcou o início do desenvolvimento desta
área.
Durante todo o século passado, dirigir redação esportiva queria
dizer tourear a realidade. Lutar contra o preconceito de que só os
de menor poder aquisitivo
poderiam se tornar leitores deste tipo de
5
Citação extraída do artigo “Esporte e Crônica Esportiva”, de autoria de Ouhydes
Fonseca, professor da Faculdade de Comunicação Social da Unisantos.
diário. O preconceito não era infundado, o que tornava a luta ainda
mais inglória. De fato, menor poder aquisitivo significava também
menor poder cultural e conseqüentemente ler não constava de nenhuma
lista de prioridades. (COELHO, 2004, p. 9)
É interessante notar que outro autor estudioso do
tema, Ouhydes Fonseca, também utiliza não apenas o termo
preconceito, mas também destaca o jornalismo esportivo como
uma espécie de “filho bastardo”, não sendo, no entanto, ele o
único a estar nesta marginalidade da notícia, já que o
jornalismo policial também se encontrava em situação bastante
semelhante. Em meio a tanto preconceito e com uma história de
vida tão curta, o crescimento do jornalismo esportivo nos
últimos anos de fato é significativo.
Segundo o pesquisador Edouard Seidler
6
, a
história desta cobertura esportiva é bastante recente, muito
embora, como ele próprio ressalva, algumas obras clássicas da
literatura mundial também enfocam em suas páginas o que hoje
conhecemos por jornalismo esportivo, citando inclusive o caso
de Homero, que teria sido o primeiro “cronista” desta área ao
narrar a corrida em que Ulisses venceu Ajax, na Ilíada. De
forma mais oficial e forma, no entanto, o estudioso acredita
que esta área específica de mídia tem origem creditada ao
periódico Lo Sport, em 1854.
Engana-se, no entanto, que os grandes esportes de
massa que conhecemos hoje em dia já apareciam nas páginas do
jornal francês. O noticiário era composto principalmente por
crônicas de temas que hoje pouco aparecem na mídia, como caça,
pesca, bilhar e outros esportes que, embora ainda hoje
recebam tratamento no jornalismo diário, têm espaço bastante
escasso e publicação proporcional apenas em épocas de jogos
Olímpicos, como natação, canoagem, boxe e turfe.
A diferença é facilmente explicada já que o
noticiário focava justamente os esportes em voga a sociedade
6
Tema apresentado no livro “Esporte e Jornalismo”, de Pascoal Luiz Tambucci,
José Guilmar Mariz de Oliveira José Coelho Sobrinho, de 1997.
daqueles meados de século XIX. Vale lembrar que duas das
principais competições globais que reúnem bilhões de
espectadores hoje em dia (a Copa do Mundo e a Fórmula-1) eram
inimagináveis naquela época: o primeiro torneio de futebol
mundial organizado pela FIFA aconteceu em 1930, no Uruguai,
ao passo que as corridas de automóveis só se tornaram popular
depois da Segunda Guerra Mundial, em especial depois de 1950,
quando foi criada a Fórmula-1.
Por isso mesmo, o maior destaque inicial da
cobertura esportiva começou mesmo com o hipismo nos veículos
impressos da França, que, como vimos anteriormente, é a
pioneira neste tipo de cobertura e que até hoje possui papel
de destaque, já que um dos maiores periódicos esportivos da
atualidade é justamente o “L’Equipe”, que influenciou o
surgimento de vários outros jornais segmentados nesta área
pelo mundo, em destaque o “Gazzeta dello Sport”, na Itália, e
mesmo revistas especializadas, como a hoje célebre “Sports
Ilustratted” esta contaminação logo chegará ao Brasil, como
veremos adiante.
Embora o surgimento do primeiro periódico
especializado tenha se dado em 1985, apenas duas décadas
depois é que os jornais da grande imprensa começaram a abrir
espaço para o esporte, que, como já foi citado, era
considerado “um tema inferior” e por demais relacionado às
classes baixas da sociedade. Por isso, como aponta Ouhydes
Fonseca, foi necessário que o patrocínio das elites fizesse
com que o tema chegasse ao grande público, despindo-se um
pouco do preconceito que ele ainda embutia. Neste contexto, o
destaque é para o Barão Pierre de Coubertin, membro da
aristocracia francesa e que daria um novo impulso à sociedade
moderna com o seu neo-olimpianismo, trazendo da Grécia Antiga
uma nova valorização do esporte e da competição
7
. Foi com a
fundação de sua publicação “Revue Athletique” que o barão
abriu a porta da imprensa para os esportes.
Também é interessante notar que o próprio
Coubertin também deu origem a um processo que hoje marca a
rotina do jornalismo esportivo e também da relação dos
esportes com a sociedade moderna: o elo entre a competição e
o patrocínio e uso da imagem do esportista, conforme destaca
Pascoal Tambucci.
Já no ano de 1896, tem-se notícia de um acontecimento que, embora
embrionariamente, estabeleceu a relação de patrocínio e imagem. Em
Atenas, quando o Barão Pierre de Coubertin encontrava dificuldades
financeiras para organizar os primeiros Jogos Olímpicos da era
moderna, contou com Georgeous Averoff, arquiteto renomado e
enriquecido que, através de seus próprios recursos, garantiu a
realização das competições. Houve a participação de 311 atletas e
público estimado de 280 mil pessoas. Representou uma oportunidade
para centralizar a atenção da sociedade para o grande feito,
revivendo “o espírito da Olimpíada Grega que, além do caráter
competitivo, possuía significado religioso”
8
. (TAMBUCCI, 1997, p.11)
Com o início do apoio da aristocracia francesa à
cobertura esportiva na grande imprensa e, no final do século,
do resgate à tradição grega dos Jogos Olímpicos, o esporte
aos poucos se difundiu na mídia, tendo, num primeiro momento,
um caráter bastante didático, conforme aponta o estudo de
Fonseca. A aposta inicial destes periódicos era oferecer
informação e ao mesmo tempo conseguir explicar sobre como
praticar os mais variados esportes.
Por isso, esta área específica do jornalismo
começou a ganhar mais autonomia a partir da década de 1920,
embora, como se veria mais tarde no período da Segunda Guerra
Mundial (de 1939 a 1945), as tiragens e circulações fossem
reduzidas como um todo. Foi justamente depois deste tenso
período que o jornalismo esportivo ganhou linguagem própria,
7
Vale lembrar que o próprio Barão Pierre de Coubertin, além de trazer de volta
os Jogos Olímpicos, também é creditado à autoria de um dos lemas mais utilizados
pelo esporte mundial, o de que “o importante é competir”.
8
(Olimpíada, 1996), nota do autor, Pascoal Luiz Tambucci.
recebendo novo status, sobretudo na França, onde os autores
mais reconhecidos da literatura do país começavam a produzir
os primeiros livros sobre o assunto. Em “Journalism Sportif”,
o autor Pierra Descaves comentava, na ocasião: “as trocas
constantes entre essa literatura e a imprensa esportiva
trouxeram para esta última a força que ela necessitava no
plano intelectual. A imprensa esportiva na França é a imagem
da lenta tomada de consciência das massas sobre o valor do
esporte. Numa sociedade onde o esporte tomou importância tão
grande, é normal que, pouco a pouco, as colunas esportivas
sejam uma fonte de documentos para a glória do esporte. O que
importa também não é a quantidade, mas a qualidade. Para os
historiadores do futuro, o esporte só tomará seu verdadeiro
lugar em nosso tempo na medida em que ele inspirar obras
dignas de serem recolhidas e admiradas”.
Como se vê, a essência do jornalismo esportivo em
seu início de vida estava essencialmente ligada à literatura
e não por acaso foi o formato da crônica que marcou os
primeiros anos de sua existência. Como mostram dados do
artigo de Fonseca, o primeiro órgão esportivo que faria um
jornalismo de cobertura de eventos, e não apenas
excessivamente crônico, seria a “Bell’s Life”, de origem
inglesa - que passaria a ser chamado posteriormente de
Sporting Life. O jornalismo esportivo começava a expandir
suas fronteiras e, ao começar a ganhar destaque não apenas na
língua francesa, mas também em inglês, como mostra a Bell’s
desta área começava a ganhar páginas no jornal “Fanfulla”.
Como no fenômeno que se viu anteriormente acontecia em todo o
mundo, o início do jornalismo esportivo brasileiro também se
deu voltado às classes sociais menos favorecidas, já que o
jornal citado não era voltado às elites, mas sim a um público
que se tornava cada vez mais numeroso na São Paulo que
naquela época saia de seu provincianismo do século passado
para se tornar uma metrópole industrializada: os italianos.
Curioso citar, inclusive, que são destas páginas esportivas
do “Fanfulla” que é atribuída a fundação do clube de futebol
Palestra Itália, que se tornaria o Palmeiras
9
décadas mais
tarde.
No entanto, mesmo com esta íntima relação com o
esporte que viria a se tornar o mais popular do país _e
também do planeta, a cobertura esportiva ainda era visto com
desconfiança em seus primeiros anos de existência no Brasil,
inclusive de pessoas renomados ligados ao jornalismo e a
literatura.
Futebol não pega, tenho certeza; estrangeirices não entram
facilmente na terra do espinho”. Provavelmente nenhum palpite de
comentarista da Copa do Mundo de 2002 foi tão furado quanto o do
escritor Graciliano Ramos, no início do século XX. Graciliano
parecia convencido de que o jogos dos ingleses não conquistaria
adeptos no Brasil. Talvez o maior engano da história do esporte
brasileiro. (COELHO, 2004, p. 7)
No livro “Jornalismo & Esporte”, outros autores
também reforçam esta dificuldade inicial vivida pela área de
cobertura esportiva no país. Como no restante do mundo, a
elite também teve papel importante para que este quadro se
revertesse no Brasil e, com seu interesse pelo tema, fez com
que escritores e jornalistas mais respeitados se dedicassem a
trabalhar sobre o assunto. Outro fator importante neste
período foi a popularização do rádio, a partir de 1933, e com
9
A mudança do nome ocorreu no meio da Segunda Guerra Mundial.
isso as notícias de esporte passaram a ser mais difundidas.
Com exceção de O Estado de S. Paulo, que só se rendeu à
novidade posteriormente, os outros jornais começaram a
valorizar mais o assunto a partir do final dos anos 1920 e
início dos anos 1930, com especial destaque ao jornal “A
Gazeta”, que, de forma pioneira, começou a publicar uma
edição esportiva todas as segundas-feiras desde 1928. O
estudioso também ressalta que o futebol e sua rápida
popularização contribuíram muito para que o jornalismo
esportivo se difundisse rapidamente no Brasil, além também do
aparecimento da televisão, na década de 1950, que obrigou os
jornais a abordar de forma melhor o tema, e não ser
simplesmente uma “ata dos acontecimentos esportivos”
justamente por ter a concorrência da nova mídia eletrônica -
em que o rádio também exercia papel fundamental.
Paulo Vinícius Coelho também enfatiza esta
análise, acrescentando que foi justamente no Rio de Janeiro,
cidade capital não apenas administrativa, mas também
econômica nas primeiras décadas do século XX, onde se começou
a ganhar um jornalismo esportivo de maior conteúdo, com a
popularização dos clubes de futebol carioca. Não por acaso,
foi nesta cidade que surgiu, nos anos 1930, o primeiro diário
dedicado exclusivamente aos esportes no país, o “Jornal dos
Sports”, cujas notícias e projeto gráfico até hoje são
inspirados em sua primeira fonte, o italiano Gazzeta dello
Sport. Revistas e jornais de esporte foram surgindo e
desaparecendo com o passar dos anos, com destaque também para
o carioca “Revista do Esporte”, já no final da década de 1950
e início dos anos 1960. Apesar da certa instabilidade de
alguns periódicos, o jornalismo esportivo começou a se
solidificar bastante também na mídia impressa diária.
Só no fim da década de 1960, os grandes cadernos de esportes
cadernos de esporte tomaram conta dos jornais. Ou melhor, em São
Paulo, surgiu o Caderno de Esportes, que originou o Jornal da Tarde,
uma das mais importantes experiências de grandes reportagens do
jornalismo esportivo. (COELHO, 2004, p.10)
Este processo de invasão do esporte aos jornais
diários também é descrito na obra “Esporte & Jornalismo”,
mostrando que os grandes periódicos investiram em espaço,
pessoal e viagens para grandes coberturas. O autor explica
que isso “inibiu os jornais especializados, mas favoreceu o
nascimento de revistas especializadas para públicos
específicos”. Embora conquistasse seu espaço, o jornalismo
esportivo ainda encontrou barreiras em um outro preconceito -
este que muitos autores consideram presentes até hoje em
parte da mídia brasileira. Fonseca lembra que, passada a
primeira fase (da literatura), a área enfrentava agora a
marginalização decorrente da entrada de profissionais sem
nenhuma experiência, os chamados “focas”
10
, para trabalhar na
cobertura esportiva, sob o argumento de que qualquer um
poderia escrever algumas linhas sobre esporte, em especial o
futebol.
A maior liberdade de ação do repórter esportivo, mais concedida do
que propriamente conquistada, se levado em conta o sistema social
brasileiro, levou-o a ser considerado como um alienado, que não
saberia fazer a ligação entre sua área de ação e o contexto geral
da sociedade. (FONSECA, 1997, p. 128).
Depois de superar dois grandes preconceitos -
inicialmente, no começo do século, quando a prática esportiva
era considerada socialmente inferior, e depois, com a
marginalização de seu profissional, o jornalismo esportivo se
consolidou a partir da década de 1970, quando também se data
a regulamentação profissional da área. Paulo Vinícius Coelho
também destaca que hoje a “noção de realidade que o
jornalismo esportivo carrega nos tempos atuais torna a
10
Nome como são conhecidos os novos jornalistas que chegam nas redações, gíria
utilizada para demonstrar rótulo de quem se impressiona facilmente, como uma foca.
cobertura esportiva tão brilhante como a de qualquer outra no
jornalismo”. Inclusive, para reforçar seu pensamento, o autor
cita casos de “celebridades” na profissão que tiveram a
carreira intimamente ligada com a atuação na cobertura
esportiva, caso de Joelmir Beting, Alberico Souza Cruz e
Armando Nogueira, todos com posição de destaque na história
do jornalismo brasileiro, com atuações de destaque como o
cargo de editor-chefe do Jornal Nacional, da TV Globo - caso
de Nogueira.
1.2 Jornalismo esportivo automobilístico
A história da consolidação do esporte, no final
do século XIX, com sua popularização tomando rumos cada vez
maiores graças em boa parte a iniciativa de aristocratas como
Pierre de Coubertin em torná-los mais populares, também
coincide com o surgimento do automóvel. De modo que, conforme
o esporte ia se popularizando, praticamente em igual
proporção os veículos que aos poucos ia substituindo os de
tração animal também iam ganhando seu espaço. E sua história,
da mesma forma, é intimamente ligado ao automobilismo, o
esporte a motor de competição.
A primeira prova de superioridade, como meio de transporte, que o
automóvel teve de dar foi sobre os veículos movidos a tração animal.
A bem da verdade, os primeiros automóveis perdiam para as
carruagens em tudo - eram menos confortáveis, mais barulhentos,
muito menos confiáveis e seguros. Porém, contavam com um potencial
mágico de desenvolvimento. Uma magia evidente que aguçava o desafio
de fazer acontecer. Sim, no começo o automóvel servia mais como
brinquedo do que propriamente meio de transporte. Para brincar,
nada melhor que o jogo, a competição. Daí as corridas datarem,
precisamente, do momento em que o segundo automóvel funcionou. O
amor ao automóvel, a paixão pela velocidade e o desejo de competir
são as matérias-primas utilizadas para a existência das corridas. O
amor e a paixão são os principais elementos que têm levado o homem
ao desenvolvimento e ao progresso, em tudo. Os inventores, depois
os construtores e os empresários passaram mais de um século
justificando a participação naquele que é o grande momento do
automóvel - as corridas. (STEINBRUCH, 2005, p. 347).
Assim, no começo do século XX, os veículos de
tração animal já eram coisa do passado e o automóvel, uma
realidade. Por conseqüência, as corridas também começavam a
pipocar pelo mundo, e no Brasil não foi diferente, conforme
atesta Paulo Scali, em sua obra “Autódromo de Interlagos”:
As corridas automobilísticas começaram a fazer parte da cidade de
São Paulo a partir de 1902, quando os motores roncaram no Hipódromo
da Mooca, no primeiro ensaio de competição de automóveis de que se
tem notícia no Brasil. O automobilismo da época tinha em Antonio
Prado Jr., primeiro presidente do Automóvel Clube do Brasil,
fundado em 27 de maio de 1908, um dos seus maiores entusiastas.
Dois meses depois da fundação do novo clube, realizava-se o
Circuito de Itapecirica, que tinha início no Parque Antártica,
estendia-se até o centro de Itapecirica da Serra e voltava,
terminando no Parque Antártica. Aproximadamente 10 mil espectadores
vibraram com o desempenho dos quinze pilotos inscritos, que, em
intervalos de um minuto, deram a largada para percorrer os 75
quilômetros de percurso da competição. Sylvio Álvares Penteado,
cunhado de Prado Junior, com velocidade média de 55 km/h, pilotando
um Fiat de 40 cavalos e motor de 4 cilindros, cruzou em primeiro
lugar a linha de chegada com o tempo de 1h30m55s, tornando-se o
primeiro vencedor de uma corrida oficial de automóveis do Brasil”.
(SCALI, 2004, p.13)
Com este começo tão promissor, o automobilismo
foi se consolidando rapidamente no país. Tanto que, já na
década de 1930, o Brasil entrava no circuito internacional
das competições, com a realização do Primeiro Grande Prêmio
Cidade do Rio de Janeiro, disputado no dia 8 de outubro de
1933, no Circuito da Gávea, também conhecido como “Trampolim
do Diabo”
11
. Argentinos, italianos, portugueses e franceses
formavam o contingente estrangeiro que invadia o país nas
competições e o país também fazia o caminho inverso, com o
pioneiro Chico Landi buscando um lugar na Europa como piloto
profissional - e ele, inclusive, o primeiro brasileiro a
competir na Fórmula-1, que foi fundada em 1950. Também nesta
época, o apoio maciço das montadoras no esporte a motor
ganhava contornos cada vez mais importantes. O pesado
investimento destas grandes indústrias era para lá de
11
O circuito mencionado não existe mais, sendo que parte do traçado original era
onde hoje está instalada a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
justificado, como relata Steinbruch. O autor de “Alguns
Aspectos da História do Automóvel” escreve que graças às
corridas os carros daqueles meados de século se tornavam um
meio de transporte mais eficiente, rápido, seguro e
confortável, além de fascinante, contribuindo para a sua
rápida popularização: “Todo o progresso do automóvel, todas
as melhorias introduzidas no decorrer de sua história, e que
um dia tornaram-se comercialmente viáveis, nasceram nas
pistas” (STEINBRUCH, 2005, p. 348).
Uma das histórias mais emblemáticas desta íntima
ligação entre indústria automobilística e corridas é a
invenção dos freios a disco, que foram introduzidos pela
primeira vez em uma prova nos anos 50, com a Jaguar vencendo
a tradicional 24 Horas de Le Mans, migrou para os carros
esportivos mais sofisticados na década seguinte e, nos anos
70, tornaram-se item tão comum quanto um volante em
absolutamente todos os carros de série. Em meio a tanta
popularização e importância na sociedade, é claro que também
cresceu a cobertura jornalística do esporte a motor.
STEINBRUCH (2005) aponta que, no início, todos os feitos
automobilísticos logo se transformavam em notícia de primeira
página em todos os jornais. Inclusive nos primórdios, nem a
competição por assim dizer ocorria, o simples fato de
percorrer uma distância (Milão a Roma, por exemplo) em um
curto espaço de tempo já era digno de divulgação - depois, a
nova notícia seria de um novo recorde, uma nova marca, em
tempo obviamente menor, surgia para a mesma distância. Por
isso, não tardaram em surgir revistas especializadas sobre o
tema, como na França e Inglaterra no início do século, com
destaque para a “Motorsport”, fundada em 1924 e ainda hoje em
circulação.
e foi nela que as fábricas passaram a apostar alto, para que
suas marcas tivessem ainda mais valor e popularidade - o que
certamente influenciaria diretamente nas vendas. Um dos
slogans mais conhecidos da indústria automobilística, por
sinal, é o “Race on Sunday, Sale on Monday” (algo como “corra
no domingo e venda na segunda”) discurso que é utilizado até
hoje em investimentos que muitas vezes superam cifras de US$
200 milhões
12
. De carona na entrada das fábricas, as próprias
nações começaram a se envolver no esporte a motor, onde cada
equipe representaria um país, caso da Ferrari com a Itália, a
Jaguar com a Inglaterra e o mais emblemático, da Auto Union e
Mercedes-Benz, da Alemanha, que também foram utilizados na
propaganda nazista de superioridade alemã. A tradição de
honra da pátria também trouxe para as pistas as cores de cada
nação, de modo que os franceses competiam de azul, a
Inglaterra, com o “racing green”, a Alemanha com o prateado e
a Itália, com o vermelho, todos símbolos em suas nações.
O Brasil também entrava nesta paixão mundial e, se antes da
década de 1950 o esporte via muita influência da corrida das
carreteras (carros que na verdade eram a mistura de diversos
automóveis que, após longo trabalho em oficinas, se
transformavam em carros de competição), nos anos 1960 o
esporte decolou, pegando carona na ascensão da indústria
automobilística no país. É neste contexto que surgem os
primeiros ídolos do esporte a motor no país, tais como Camilo
Christofaro, Mario Andreatta, Christian Heins, Bird Clemente,
Mario César de Camargo Filho, Luiz Pereira Bueno, Marivaldo
Fernandes e Wilson Fittipaldi. O irmão daquele que
posteriormente abriria um caminho ainda mais brilhante para o
Brasil, com os títulos no Campeonato Mundial de Fórmula-1
mostra como aos poucos o surgimento de ídolos permitiu que os
12
Orçamento estimado pela Revista Autosport (Inglaterra) para a equipe Ferrari de
Fórmula-1 em 2005, para competir com dois pilotos, Rubens Barrichello e Michael
Schumacher. A maior parte dos investimentos veio da FIAT, a multinacional
italiana dona da marca Ferrari.
representantes do país pudessem competir de igual para igual
com os pilotos do exterior, e sem dúvida a meteórica ascensão
de Emerson Fittipaldi na Fórmula-1 foi o fator culminante da
criação de mais novas e novas gerações de pilotos, como
Nelson Piquet e Ayrton Senna, os outros dois brasileiros
também campeões da F-1.
Com a efervescência nas pistas, criação de
autódromos, elaboração de corridas, surgimento de ídolos e
consolidação da industria automobilística nacional, não
demorou muito para que surgisse a mídia especializada nesta
cobertura. Embora os jornais diários já dessem espaço para os
feitos automobilísticos nas décadas anteriores, foi em 1960
um dos marcos nesta cobertura jornalística do esporte a motor,
com o surgimento da Revista Quadro Rodas, da Editora Abril,
publicação que, ainda que falasse sobretudo dos automóveis,
não deixava se acompanhar com particular interesse as
competições (e para isso destacava profissionais
especializados). Foi outra publicação que também deu ainda
mais foco ao automobilismo, a Auto Esporte, atualmente na
Editora Globo, que buscou inicialmente dar como enfoque
principal o que se passava nas pistas.
Segundo o jornalista Reginaldo Leme, que há mais
de três décadas é comentarista de F-1 na TV Globo, este
processo teve mesmo uma explosão de crescimento justamente na
medida em que o Brasil, após ter assimilado o gosto pelas
corridas nas décadas de 1950 e 1960, via seus representantes
se darem bem no exterior, em especial Emerson Fittipaldi.
Nos primeiros anos de Salão do Automóvel, ainda no Ibirapuera, ver
novos lançamentos não passava de pretexto (imaginem as novidades
que a indústria brasileira poderia oferecer naquela época). No
fundo mesmo, eu ia lá só para cruzar com estes pilotos, que
freqüentavam o salão pela mesma paixão a tudo que era ligado ao
automóvel. Não existia esse negócio de obrigação contratual, o
profissionalismo ainda não havia chegado até eles. Bird Clemente
foi o primeiro a propor para uma fábrica, a DKW Vemag, que ele e
Marinho, pilotos oficiais da marca, recebessem, pelo menos, um
carro emprestado por ano. Era uma ousadia sem tamanho. Marinho
tentou convencer o amigo de que aquilo era uma loucura. Mas Bird
foi lá e arrancou um carro para cada um. Começava aí o
profissionalismo. O tempo passou. A minha vida pessoal, por sorte,
se encaixou com a profissional. Deu certo. Eu fui parar diante de
uma máquina de escrever, justamente o que eu mais gostava de fazer
na vida, e _coincidência ou destino _”. para trabalhar com corridas
de automóveis. Eu, que não podia ouvir um ronco de motor sem me
emocionar, percebi que estava diante daquilo com olhos
profissionais. Mas sem perder a paixão. Comecei com uma “500
Quilômetros de Interlagos” e consegui enfiar oito linhas da corrida
no Estadão. É isso mesmo. Foram oito linhas, mas era muito. Foi a
primeira vez, em décadas, que o Estadão aceitou publicar alguma
coisa de automobilismo. E nunca mais parou. (LEME, 2005, p. 1)
Vencida a resistência do Estadão, o mais
conservador quando se tratava de abrir espaço ao noticiário
esportivo, o esporte a motor já não tinha mais barreiras
intransponíveis. E, quando Emerson Fittipaldi venceu o
primeiro título mundial de pilotos, em 1972, o Brasil também
começava a se apaixonar pelas corridas com intensidade tão
eufórica quanto ao futebol. Outros jornalistas especializados
relembram deste momento como um dos grandes auges da
cobertura jornalística do automobilismo, com o surgimento de
vários veículos especializados, como o Automotor Esporte, de
autoria do próprio Reginaldo Leme - a publicação é hoje um
anuário que reúne o resumo do ano automobilístico pelo mundo
e é considerada uma das principais do mundo em seu gênero.
Segundo Luiz Alberto Pandini
13
, foi nesta época em que a
profissão de jornalista esportivo especializado em
automobilismo, começava a falar com grande apelo, já que,
além do próprio Reginaldo Leme, outros nomes estavam se
tornando reconhecidos por seu trabalho nesta área, como Lito
Cavalcanti, Marcus Zamponi (na Auto Esporte) e Cecílio
Favoretto. “O sucesso brasileiro nas pistas era diretamente
proporcional ao aumento da cobertura jornalística neste
período”, relembra o jornalista, que experimentou na pela
outra febre surgida neste esporte anos depois, com os ótimos
resultados de outro brasileiro nas pistas, com Nelson Piquet,
13
Entrevista concedida ao autor em São Paulo, no dia 12 de janeiro de 2005.
já nos anos 1980, permitindo a criação da revista “Grid”, na
qual Pandini trabalhou.
Nem tudo foi tão fácil nestes anos depois que
Emerson Fittipaldi conquistou o mundo no início da década de
1970. Embora os jornais diários passassem a dar bastante
destaque ao automobilismo em suas páginas esportivas, houve
um período tenso no qual muitos profissionais, inclusive os
mais renomados, temeram pela continuidade do trabalho
especializado no jornalismo de esporte a motor.
Apesar do sucesso lá fora (...), o automobilismo nacional ia
perdendo o encanto. A monomarca (corridas com só uma marca de
automóvel competindo) tomou conta do cenário, e a falta de
interesse da maioria do público aos poucos foi levando o
automobilismo local para um desempenho muito amador e de pouca
projeção. Era difícil torcer por um piloto desconhecido que corria
com o carro exatamente igual ao de outro desconhecido. Para piorar
a situação, em 1976, foi anunciado que no ano seguinte as corridas
de automóvel estariam proibidas, em nome da economia do petróleo!
(STEINBRUCH, 2005, p. 351)
O cenário desolador no automobilismo nacional,
que, se escapou da proibição meses depois com a permissão as
corridas desde que os carros usassem álcool como combustível,
demorou décadas para recuperar o fôlego de antigamente, no
exterior as coisas também começavam a se encaminhar para um
cenário pouco animador. Depois de conquistar o bicampeonato
do mundo na F-1, em 1972 e 1974, Emerson Fittipaldi fundou
sua própria equipe, a Copersucar, e os resultados nunca mais
foram os mesmos. Conseqüentemente, o espaço do automobilismo
também foi minguando na mesma proporção em que os pódios de
Fittipaldi se tornavam lembrança do passado. Coincidência ou
não, também era comum naquela época a mídia ironizar o
trabalho da equipe brasileira com piadas jocosas da mesma
forma em que no noticiário de hoje, em especial humorísticos,
se vê o tratamento dispensado ao piloto Rubens Barrichello.
Como o time brasileiro não ia para frente e o
outro piloto promissor do país, José Carlos Pacce, teve morte
trágica em 1977, em uma queda de helicóptero, o final da
década de 1970 foi melancólico para o jornalismo esportivo de
automobilismo no Brasil, até porque o próprio esporte no país
enfrentava grave crise, relacionado ao problema do petróleo,
conforme citamos anteriormente.
Eu tenho viva a recordação de uma reportagem que fiz ao Jornal
Nacional naquela época, dando o noticiário do encerramento da
temporada e, naquele momento, senti também que era o encerramento
de uma era, a de minha carreira como jornalista especializado, já
que a equipe brasileira tinha tudo para fechar as portas e não
havia a possibilidade imediata de um brasileiro ser campeão do
mundo tão rapidamente como Emerson Fittipaldi fizera no início dos
anos 1970, relembra Reginaldo Leme
14
.
Mas o que poucos imaginavam acabaria acontecendo
em 1979. Um carioca radicado em Brasília - e que corria nos
finais de semana com seu sobrenome menos conhecido, para
evitar briga com o pai, político no Distrito Federal - era
novamente outro brasileiro que fazia carreira meteórica na
F-1. Ao contrário de outros que passaram pela categoria, mas
que não conseguiram seu espaço, como Ingo Hoffmann, Alex Dias
Ribeiro e Chico Serra, Piquet reuniu o misto de dose certa de
sorte com talento e estar no lugar certo na hora certa para
seguir a história de conquistas do país no automobilismo
mundial. Este último, por sinal, foi seu grande rival na F-3
Inglesa, o último passo antes da F-1. Ficou célebre no meio
jornalístico os títulos de grandes jornais de São Paulo,
inclusive a Folha de S. Paulo: “Chico Serra chega em
terceiro” (com a linha fina dizendo Piquet vence a prova),
mostrando um certo bairrismo da mídia especializada e gerando
uma mágoa no piloto carioca que talvez tenha sido utilizada
de pretexto em seu mau atendimento aos jornalistas quando de
seu auge na carreira.
Mágoas à parte, o fato é que a primeira vitória
de Piquet aconteceu pouco mais de um ano depois de sua
14
Entrevista concedida ao autor em São Paulo, em 28 de novembro de 2005.
estréia na F-1. Mais rapidamente ainda veio o primeiro título,
em 1981, um curto período de tempo se lembrado que sua
primeira temporada completa na categoria ocorreu dois anos
antes. Com isso, o Brasil voltou a ter no automobilismo
internacional uma de suas paixões, e a mídia esportiva também
pegava carona neste sucesso. Como se não bastassem as
seqüências seguidas de Piquet, que em 1983 também abocanhou
um título, no ano seguinte estréia na F-1 aquele piloto que
consolidaria de vez o esporte a motor na história do país:
Ayrton Senna.
CAPÍTULO II - O ESPORTISTA E ÍDOLO AYRTON SENNA
2. O surgimento no Brasil da paixão pelo esporte a motor
Quando Santos Dumont trouxe o primeiro carro para o Brasil, no
final do século passado, não poderia imaginar que o automóvel
mudaria o perfil do país, cortando-o de norte a sul por estradas
asfaltadas e incorporando novas tecnologias. Muito menos que,
depois de pouco mais de um século, o automobilismo esportivo fosse
entrar no sangue e na alma dos brasileiros, e fazer do brasileiro
Ayrton Senna um dos homens mais famosos do século, junto com o
próprio Santos Dumont.(LEME, 2000, p.3)
A história de sucesso do automobilismo brasileiro
no exterior, coincidentemente, se relaciona também com o
princípio do jornalismo esportivo no País. O Barão Fittipaldi
era um dos locutores de prestígio ainda no início do esporte
a motor no Brasil, na década de 50, quando a época das
“carreteras” marcava as competições que aconteciam no recém-
construído circuito de Interlagos ou então nas tradicionais
provas de ruas, como as disputadas nas cidades do Rio de
Janeiro e de Petrópolis.
Pois foi justamente o filho do Barão, Emerson
Fittipaldi, quem deu início a consagradora saga do Brasil que
faz sucesso nas pistas do mundo afora. O jovem paulista,
depois de vencer os principais torneios do automobilismo
nacional, resolveu encarar o desafio de tentar uma carreira
no exterior, visando à conquista de um cobiçado cockpit na
Fórmula-1. O primeiro passo foi justamente se mudar para a
Inglaterra e freqüentar os campeonatos locais, onde obteve
sucesso imediato, culminando com a conquista do campeonato de
Fórmula 3, que o credenciaria para uma vaga na F-1 no ano
seguinte. A primeira vitória veio apenas em sua quarta
corrida, ainda em 1970, e não demoraria muito para que
Emerson Fittipaldi se tornasse um vencedor constante na
principal categoria do automobilismo mundial, que na época já
se tornava um esporte de massa, com a presença de grandes
patrocinadores e salários milionários pagos a seus
protagonistas, como Jackie Stewart, o primeiro a alcançar a
cifra de US$ 1 milhão em ganhos com o esporte.
A conquista dos títulos mundiais de 1972 e 1974
fez de Fittipaldi um nome internacionalmente conhecido, e
dele um ídolo no Brasil, que assistiu ao surgimento da
cobertura esportiva especializada, iniciada com as
transmissões das provas pela Rede Globo de televisão, além da
cobertura diária nas rádios e jornais, que começaram a
dedicar suas páginas de Esporte à F-1, e não mais as dos
cadernos de Automóveis.
Nem mesmo a experiência frustrante com a
tentativa de lançar sua equipe própria, a Copersucar
Fittipaldi, fez do automobilismo um esporte decadente no país.
Pelo contrário, cada vez mais jovens sonhavam em alcançar o
prestígio e sucesso mundial conquistado por Emerson, e nesta
trilha chegaram vários outros nomes à F-1, como Chico Serra,
Ingo Hoffmann, Alex Dias Ribeiro etc. Mas quem daria mesmo
seqüência aos títulos e vitórias do Brasil seria Nelson
Piquet, estreante na F-1 em 1978 e que também alcançaria sua
vitória ainda de forma prematura em sua carreira. Em seguida,
o piloto conquistou dois títulos, em 1981 e 1983, aumentando
assim o interesse do público e dos jornalistas pelo esporte a
motor. Piquet ainda conquistaria o título de 1987, quando as
pistas do mundo ainda viam a ascensão de outra estrela vinda
do Brasil: Ayrton Senna.
A chegada do novo piloto acentua um clima de
rivalidade entre os dois heróis nacionais, e a mídia passa a
explorar isso de forma constante. Como relata Ernesto
Rodrigues, os jornalistas que cobriam a Fórmula-1 no auge da
carreira de Nelson Piquet, em meados dos anos 80, ansiavam
por uma nova força brasileira na Fórmula-1, já que o carioca
era pouco avesso às entrevistas, quando não era mesmo um
tanto grosso com os profissionais com os quais lidava quase
que diariamente.
Nas manchetes da imprensa brasileira, como escreveu, no Jornal do
Brasil, o repórter Sergio Rodrigues, outro futuro correspondente de
Fórmula-1, Ayrton tornara-se a menina dos olhos de todos os que
acompanhavam o automobilismo: as atenções, cansadas do mau humor de
Nelson Piquet, estavam voltadas em peso para o garoto-prodígio.
(RODRIGUES, 2004, p.128)
Este anseio dos jornalistas esportivos que
cobriam a área de automobilismo nesta fase que marcou o
início da “era de ouro” dos pilotos brasileiros na Fórmula-1
acabou incendiando a fogueira de vaidades entre os dois
rivais das pistas, e propiciou inclusive no surgimento de uma
famosa inimizade de Senna e Piquet. Dali em diante, a
carreira de ambos foi marcada por questões polêmicas quando o
assunto era opinar sobre o rival, como no célebre caso em que
o carioca questionou publicamente a sexualidade de Ayrton
Senna, que respondeu, em entrevista à Playboy, para a
jornalista Mônica Bérgamo, que havia conhecido a esposa de
Piquet “como mulher”.
2.1 O início no kart
Como boa parte dos pilotos que chegam à Formula-1,
Ayrton Senna começou sua carreira nas corridas de kart. Sua
obstinação em vencer era uma das principais características
de sua personalidade, conforme relatos dos pais ao se lembrar
daquela época.
Nem pai nem filho esqueceram a primeira aventura, aos 8 anos,
quando Ayrton Senna se meteu a competir com meninos maiores que
ele. Milton Silva ficou preocupado quando viu que os outros
concorrentes tinham de 15 a 18 anos. Mas o magrinho Ayrton nem
ligou. E começou com sorte. Como era o mais jovem foi o primeiro a
tirar o papelzinho do capacete para determinar por sorteio as
posições do grid de largada. Tirou o número um e deu a primeira
largada da vida na pole position. (MARTINS, 2001, p. 127)
Se a carreira de Senna já começou com o pé direito, ao
ser sorteado para ser o pole position logo em sua primeira
corrida (o que se torna ainda mais curioso quando lembramos
que seu recorde de pole positions na Fórmula-1 perdura até
hoje, mesmo com Michael Schumacher batendo todos os recordes),
há que se ressaltar que nem tudo foram boas recordações para
o piloto em seu início de carreira. Um fato que também parece
irônico quando se observa o sucesso do esportista no topo do
automobilismo mundial é que Senna era um péssimo piloto na
chuva durante suas primeiras corridas de kart. Segundo relato
de sua irmã Viviane, dado em entrevista ao “Globo Repórter”,
especial feito em maio de 2004 relembrando os dez anos da
perda do ídolo, o mau rendimento sob piso molhado fez com que
um obstinado Ayrton Senna seguisse todas as vezes para o
kartódromo de Interlagos ao menor sinal de chuva. Tudo que
ele queria era justamente que caísse bastante água na pista
para que pudesse treinar horas e horas nestas condições a fim
de se tornar o melhor piloto neste tipo de corrida. A
obstinação e o desejo de ser sempre o número um, marcas
registradas de Senna na Fórmula-1, já o acompanhavam,
portanto, desde os primórdios de sua carreira.
Por isso ele acabou, anos mais tarde, se tornando
o “Rei da Chuva” na categoria, dando célebres demonstrações
deste imenso talento (aliado a um rigoroso treinamento em sua
“infância de piloto”) em provas como o GP Brasil de F-1 de
1991, no GP da Europa de 1993, e mesmo quando ainda era uma
futura estrela do esporte, como em sua quinta corrida na
categoria, no GP de Mônaco de 1984, quando conquistou o
segundo lugar com a modesta equipe Toleman-Hart, ou mesmo em
sua primeira vitória na F-1, ocorrida sob intensa chuva no GP
de Portugal, realizada em Estoril, no dia 21 de abril de 1985,
prova que teve o maior índice de acidentes daquela temporada,
de acordo com o levantamento realizado por Jacques Deschanaux,
em Grand Prix Guide.
Com tamanha destreza e vontade de vencer no kart,
não demorou muito para que Senna conquistasse os principais
títulos do Brasil. Embora só pudesse competir a partir dos 13
anos de idade, norma que hoje em dia não existe mais em
nenhum país de tradição no automobilismo (ao contrário, há
categorias onde as crianças têm até seis anos de idade), o
paulista foi logo abocanhando vitórias, pole positions e
títulos, como um dos principais deles, o Sul Americano de
Kart, em 1977.
Foi nas competições do “Mundial de Kart”, no
entanto, que o mito de Ayrton Senna nas pistas começou a ser
desenhado de forma mais clara. Em 1978, no circuito de Le
Mans, na França, Senna teve sua primeira experiência européia,
e mesmo sem contar com alguma experiência anterior, seu nome
já começava a ser marcado pela extrema velocidade que
mostrava logo de cara:
Sob a supervisão dos irmãos Parilla, proprietários e preparadores
do célebre motor DAP, Senna partiu para o primeiro teste europeu no
circuito de Param Pancrazio, na Itália. Deu algumas voltas com sua
habitual curiosidade pelas novidades, parou no boxe, pediu acertos
mínimos e voltou para acelerar forte. Achille e Angello Parilla não
queriam acreditar no cronômetro no final dos testes: Ayrton
simplesmente tinha igualado seu tempo ao recorde daquela pista que
era de Tierry Fulleron, o irlandês campeão do mundo em 1973 e
piloto oficial da DAP. (MARTINS, 2001, p. 128)
Nesse mundial de kart de 1978, Senna chegou perto
do título, mas sua inexperiência ainda foi mais forte e ele
ficou sem a taça ao bater na bateria final. De consolação,
ficou o troféu de Piloto Revelação do Torneio. O infortúnio
na sua primeira participação que reúne os principais
kartistas do planeta foi o primeiro de uma série, já que o
brasileiro jamais conseguiu se tornar campeão mundial de kart,
embora tenha acumulado três vice-campeonatos, e tenha tentado
atingi-lo até 1981, quando já era um piloto de fórmula (e
três anos mais tarde estaria na F-1). Para Martin Brundle,
ex-piloto e atual comentarista de automobilismo da TV inglesa,
de Londres, esta seqüência de falta de títulos talvez tenha
aumentado ainda mais a sede de Senna ao chegar nos
campeonatos top de fórmula na Inglaterra, e, conseqüentemente,
mais tarde na F-1. Para ele, “não seria de duvidar que a
história e trajetória da carreira automobilística de Ayrton
Senna poderiam ter sido totalmente alteradas caso ele tivesse
vencido seu primeiro campeonato mundial de kart”
15
.
Independente da hipótese formulada pelo ex-piloto
e jornalista inglês que, por sinal, foi um dos maiores rivais
de Senna em sua trajetória na Inglaterra, o fato é que o
talento do brasileiro acabou sendo evidenciado em outros
campeonatos europeus fora do kart. Em 1981, ele foi o campeão
inglês de Formula Ford, acumulando recorde de vitórias. Foram
11 ao todo: três em Mallory Park, três em Oulton Park, duas
em Snetterton, uma em Thruxton, uma em Brands Hatch (válida
também para o Campeonato Europeu) e uma em Donington Park.
Desta forma, Senna seguiu adiante com sua
carreira na Europa, sempre encantando seus mecânicos e chefes
de equipe por onde passava por seu alto grau de
profissionalismo, dedicação e, sobretudo, enorme talento para
a condução de um bólido. O próximo passo foi na Fórmula 2000,
onde ele conquistou novamente o campeonato de forma impecável,
com impressionantes 16 vitórias na temporada, feito jamais
alcançado por outro piloto. Com isso, ele conquistou o título
do Campeonato Inglês e também do Europeu da categoria.
A forma como o piloto arrasava adversários,
recordes de pista e abocanhava vitórias com certa facilidade
a esta altura já despertava a atenção de nomes importantes do
automobilismo mundial. Para assinar contrato para a Fórmula 3
Inglesa no ano seguinte, em 1983, não faltaram convites a
15
Entrevista cedida à revista inglesa “F1 Racing”, de maio de 2004.
Senna, que sabia que o campeonato de F3 seria seu último
passo antes de chegar à F-1, já que naquela época não havia
outros campeonatos de acesso como hoje em dia, seja Fórmula
3000, Super Nissan, entre outras.
Com as credenciais dos títulos de Fórmula Ford em
1981 e Formula 2000 em 1982, Senna pode escolher entre vários
cockpits a sua vaga na F-3 Inglesa, e ele o fez da maneira
mais perspicaz possível, assinando contrato com a equipe do
experiente Dick Bennets, um dos mais famosos chefes de equipe
do automobilismo britânico. Em relato ao jornalista português
Francisco Santos, no livro “Ayrton Senna: Saudades”, o dono
de equipe de F-3 Inglesa relembra como Senna marcou época no
contato com seu time:
“Senna era como um computador (...). O nosso carro de 1983 não
tinha radiador de óleo, apenas uma abertura para ventilação e
arrefecimento. Para a prova final do campeonato, o Ayrton teve a
idéia no teste anterior de colocar um adesivo tampando essa
abertura nas primeiras voltas, para que a temperatura do óleo
subisse mais depressa para os níveis ideais. A corrida foi em
Thruxton, onde se atingia velocidade máxima de uns 240 km/h,
enquanto em Snetterton, onde havia sido o teste, não se passava dos
210 km/h. Tínhamos combinado que após duas voltas ele teria de
puxar a ponta do adesivo para deixar o ar entrar pela abertura da
refrigeração. No entanto, com a maior velocidade, ele não
conseguia. Teve que desapertar os cintos de segurança e tentar na
chicane. Quase saiu da pista e bateu. Mas acabou conseguindo
esticar-se todo e tirar a fita adesiva e ganhar a corrida e o
campeonato. No final, foi a risada habitual. Foi uma de suas idéias
geniais e capacidade de resolver um problema enquanto pilotava a
240 km/h”. (SANTOS, 1999, p. 89)
A alegria na Fórmula-3 Inglesa contrastava com a
angústia de Senna alguns meses antes. Afinal, o piloto esteve
pressionado pela família na temporada de 1982 a abandonar o
projeto de correr no automobilismo europeu. Os pais dele,
Milton e Neide, gostariam de ter o filho no Brasil, ajudando
a resolver os problemas da empresa familiar, e a falta de
patrocínios para financiar a carreira do piloto no exterior
eram os argumentos colocados a ele para justificar sua vinda
para um trabalho comum em um escritório em seu país natal. O
trauma da separação com sua primeira mulher, Lilian
Vasconcellos, com que esteve casado por pouco mais de um ano
morando na Inglaterra, também pesou na decisão de tentar
abandonar o automobilismo. E de fato Senna veio trabalhar com
seu pai, no ramo de comércio de material de construção, o que
tornava o piloto uma pessoa cada vez mais deprimida e
angustiada, segundo relato de Nuno Cobra em seu livro
“Semente da Vitória”.
Mas a experiência de jovem empresário durou pouco.
Logo Senna conseguiu viabilizar sua carreira no exterior,
graças em parte ao seu ótimo desempenho nos campeonatos de
base da Inglaterra, onde já era considerado uma futura
estrela do esporte a motor. Não demorou muito para que todo
este talento também fosse demonstrado no último campeonato em
que os pilotos tinham chance de convencer os chefes de equipe
da Fórmula-1 a apostar em suas carreiras: a Fórmula-3 Inglesa,
que para o Brasil já havia se tornado excelente porta para o
topo do esporte, pois Emerson Fittipaldi, em 1969, e Nelson
Piquet, em 1978, conquistaram justamente este título antes de
trilharem para suas conquistas na F-1 (Emerson com o
bicampeonato, em 1972 e 1974 e Piquet, com o tri, em 1981,
1983 e 1987).
Senna acumulou 12 vitórias logo em seu primeiro
ano da F-3 Inglesa, e conquistou assim o mais prestigiado
título do automobilismo europeu depois da F-1. A
impressionante marca ainda teve uma curiosidade: o piloto foi
simplesmente perfeito em Silverstone, o berço das corridas na
Inglaterra, que anualmente também recebia a F-1. Ele venceu
as seis provas disputadas neste circuito naquela temporada, o
que rendeu um célebre trocadilho na imprensa inglesa, que se
referia à tradicional pista inglesa como “Silvastone”, em
homenagem ao último sobrenome de Senna, o Silva, pouco
utilizado por ele por aqui no Brasil, mas de peso nas
competições mundiais por ser este seu último nome.
Com tanto destaque, logo surgiu o primeiro
convite para testar um Fórmula-1. E a estréia seria com
destaque: a Williams, que tradicionalmente reservava ao
campeão da F3 Inglesa a oportunidade de andar com o bólido
mais rápido do mundo. A equipe havia sido campeã da F-1 no
ano anterior, com Keke Rosberg, a estrutura de time grande
não deixou Ayrton Senna intimidado, conforme relata o
jornalista Reginaldo Leme, que acompanhou o teste a pedido da
própria TV Globo, que já via em Senna um potencial campeão.
Diante da responsabilidade, Senna, que para as câmeras de TV
pronunciou um profético “é hoje!” diante da Williams, não
hesitou. Foi para a pista de Donington Park e virou mais
rápido que o próprio piloto da equipe inglesa, Rosberg,
conquistando, assim, de cara seu espaço na F-1. O contrato
com a Williams ainda não seria assinado desta vez, mas
marcaria um capítulo na história de Senna: foi com os carros
de Frank Williams que o piloto andou pela primeira e pela
última vez na F-1.
2.2 A estréia na F-1
Apesar de todo o destaque obtido nos campeonatos
europeus, sobretudo o da Fórmula 3 Inglesa, Ayrton Senna teve
que se contentar com um lugar na F-1 em 1984 na modesta
equipe Toleman-Hart. Conforme mostra a classificação do
campeonato do ano anterior, apontada no “Grand Prix Guide”,
de Jacques Deschanaux, o time no qual o brasileiro faria sua
estréia havia feito apenas 10 pontos em todo o ano de 1983
(naquela época marcavam pontos apenas os seis primeiros
colocados de cada grande prêmio). Isso rendeu a Toleman
apenas a nona colocação no Campeonato Mundial de Contrutores,
ficando atrás de Ferrari, Renault, Brabham, Williams, McLaren,
Alfa Romeo, Tyrrell e Lotus.
Assim, não havia muita expectativa para a estréia
de Senna na F-1, que aconteceria justamente no GP Brasil,
disputado aquela época no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de
Janeiro. Em 25 de março de 1984, o piloto participava de sua
primeira prova na categoria que o consagraria nos anos
seguintes. A corrida inaugural, no entanto, não foi o que se
pode chamar de estréia dos sonhos. Conforme relato publicado
na revista RACING, “após oito voltas, a estréia de Senna foi
interrompida pela quebra do turbocompressor. O carro número
19 dele estava em 13
o
lugar. O jovem piloto levou o carro aos
boxes, saiu do cockpit e tirou o capacete e a balaclava, sem
esconder a decepção”.
A tristeza por não haver completado a prova
inaugural no Brasil logo daria lugar à felicidade na prova
seguinte, na África do Sul, no circuito de Kyalami. Com uma
corrida bastante agressiva, o piloto chegou ao sexto lugar, e
com isso marcou seu primeiro ponto na história da F-1. Ao
todo, foram 614 em sua carreira na categoria, de 1984 a 1994.
Porém, aquele ponto inicial foi conquistado com muito suor,
literalmente. O piloto saiu exausto do carro, e iniciou
depois deste episódio a sua preparação física intensa para
suportar as dores e exigências de guiar um carro de Fórmula-1,
que naquela época do turbo tinha mais de 1.200 cavalos de
potência e atingia velocidades acima de 350 km/h. Senna
procurou Nuno Cobra, seu preparador físico e também mentor,
para que começasse uma série de exercícios que o deixassem em
melhores condições de disputa durante as corridas de F-1,
como explica o próprio Cobra em seu livro “A Semente da
Vitória”.
Fruto deste trabalho, o piloto brasileiro estava
mais confortável dentro do carro nas corridas seguintes, e
dois meses depois da conquista de seu primeiro ponto na F-1,
atingiria o ponto mais alto de sua carreira até ali,
justamente nas famosas curvas do circuito de Montecarlo, em
Mônaco, onde faria história nos anos posteriores com seis
conquistas, que lhe renderam inclusive o apelido de “Mr.
Mônaco”, já que, mesmo hoje com Michael Schumacher
estraçalhando todos os recordes da categoria, ainda perdura a
conquista de Senna como o piloto que mais venceu no
tradicional circuito localizado ao sul da França. Estas
vitórias poderiam começar em 1984. Era apenas a sexta prova
do piloto na F-1, mas ele alcançaria naquele GP de Mônaco um
resultado digno de nota até hoje.
Antes da largada, começa uma chuva torrencial. Comissários de pista
postados na reta que separa a Chicane e a curva Tabac já estão com
água pelos calcanhares. É dada a largada, e logo na primeira curva,
três carros batem. Senna escapa da confusão e completa a primeira
volta em nono lugar. Sem temores, vai ultrapassando pilotos
consagrados: René Arnoux, Elio de Angelis, Michelli Alboreto, Keke
Rosberg. Nigel Mansell, que liderava, perde o controle ao passar
sobre uma faixa pintada no asfalto e bate. Senna está em terceiro
lugar e se aproxima rapidamente de Niki Lauda, o segundo colocado.
Alain Prost, o líder, tem enorme vantagem. Já alvo de todas as
atenções, Senna ultrapassa Lauda e começa a se aproximar de Prost.
A chuva fica mais forte. Prost diminui o ritmo. Acidentes sem
gravidade vão acontecendo. Ao completar a 31
a
volta, Senna está
sete segundos atrás de Prost, e vinha tirando a cada volta uma
diferença superior a cinco segundos. Fica claro que a ultrapassagem
é iminente, mas na 32
a
passagem, a corrida é interrompida. Prost
pára seu McLaren junto a um comissário que mostra a bandeira
vermelha de interrupção. Senna, porém, continua acelerando forte e,
metros adiante, cruza a linha de chegada em primeiro lugar,
inclusive recebendo a bandeirada. O brasileiro imagina ter vencido
a prova, mas o regulamento era claro: em caso de interrupção com
bandeira vermelha, vale a classificação da volta anterior. Senna é
confirmado em segundo lugar, atrás de Prost. (PANDINI, 2004, in
www.gptotal.com.br).
Muita polêmica ainda foi criada em torno deste GP
de Mônaco de 1984, onde Senna brilhou pela primeira vez.
Houve até quem creditasse a interrupção da prova a uma
armação de Jacky Ickx, ex-piloto que estava na direção de
prova naquele dia, para garantir a vitória de Prost e de sua
McLaren, que tinha motores Porsche, cuja fábrica também era
defendida por Ickx no Mundial de Protótipos. O que poucos
imaginavam naquela altura é que, armação contra Senna ou não,
a interrupção da corrida acabou sendo uma espécie de primeiro
golpe do brasileiro contra o francês. Isso porque Prost
acabou perdendo o campeonato daquele ano de 1984 por apenas
meio ponto. Como a prova foi interrompida antes de chegar a
sua metade, os pilotos receberam a pontuação dividida por
dois. Assim, o piloto da McLaren levou 4,5 e não os 9 usuais
por uma vitória. Ironicamente, mesmo que Prost fosse o
segundo colocado numa eventual vitória de Senna, caso a
corrida não fosse interrompida naquele momento, ele teria
acumulado seis pontos pelo segundo lugar, o que já seria
suficiente para ultrapassar seu companheiro de equipe Niki
Lauda e garantir o título de 1984.
Polêmicas à parte, o fato é que Senna havia
marcado sua entrada definitiva no mundo seleto dos melhores
pilotos da F-1. A habilidade demonstrada em condições tão
precárias, com uma chuva torrencial justamente num circuito
que é considerado o mais travado e mais difícil,
principalmente para os estreantes, tudo isso conquistado a
bordo de uma máquina pouco capaz e apenas em sua sexta prova
na categoria, fez com que Senna fosse procurado por outras
equipes para correr já no ano seguinte disputando vitórias
com regularidade. Houve até uma tentativa de acordo com a
Brabham, que tinha como principal piloto o também brasileiro
Nelson Piquet, mas segundo o próprio Bernie Ecclestone, então
dono da equipe e hoje presidente da Fórmula One Management,
que controla todos os negócios envolvendo a F-1, revelou
neste ano, em entrevista ao jornal britânico “The Daily
Mirror”, que Piquet teria vetado a contratação de Senna para
1985 na Brabham, pois não queria dividir as atenções do time
com seu conterrâneo. Com isso, dentre as melhores opções que
foram apresentadas ao jovem piloto, ele acabou assinando
contrato com a Lotus, time que terminou em terceiro lugar a
temporada de 1984, com 47 pontos conquistados por seu pilotos
Nigel Mansell e Elio de Angelis, ficando apenas atrás de
Ferrari e da campeã, a McLaren. Senna ainda se despediu da
modesta Toleman-Hart com um ótimo terceiro lugar na GP de
Portugal, realizado em Estoril, onde ele voltaria a sentir
fortes emoções no ano seguinte.
2.3 Os anos de poles e vitórias na Lotus
A estréia por uma equipe competitiva em uma
corrida onde estaria andando diante de sua torcida, no Brasil,
não foi novamente das melhores para Senna. Ele estava na
quarta posição quando teve de abandonar a prova disputada em
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, por conta de uma falha
elétrica. Mas na prova seguinte, em Portugal, veio a tão
esperada primeira vitória. Assim como na sua exibição de gala
em Mônaco, a chuva foi novamente aliada do piloto brasileiro.
No dia anterior, ele já havia entrado para o seleto hall de
esportistas que conseguiram largar na frente de um grid da
F-1. A primeira pole position, conquistada no circuito de
Estoril, daria início à incrível seqüência de pole positions
de Senna na categoria, culminando com o recorde de 65 poles,
que perdura até hoje nas estatísticas do esporte. A obsessão
de Ayrton por largar na frente explicava-se porque, entre os
próprios pilotos, o treino de classificação para o grid de
largada era considerada a competição mais pura de velocidade,
onde todos davam o melhor de si em apenas uma única volta.
Nesta condição, Senna fazia questão de mostrar aos
adversários que era imbatível.
O brasileiro também era quase impossível de ser
superado em piso molhado, e a chuva veio forte logo em sua
primeira corrida em que partia para a pole. Resultado: Senna
liderou de ponta a ponta, estabelecendo de quebra a melhor
volta da corrida. A vitória foi tão absoluta que não houve
adversários para o piloto da Lotus durante toda a prova, e
ainda assim ele fazia questão de manter o ritmo. Tanto que
chegou ao final com mais de um minuto de vantagem, uma
eternidade em se tratando de um esporte a motor, em relação
ao segundo colocado, o italiano Michelle Alboreto, da Ferrari,
e com uma volta de vantagem para o terceiro, Patrick Tambay,
da Renault. Nem se poderia elaborar uma hipótese de que seu
carro teria um rendimento acima do comum, já que seu
companheiro de equipe tivera desempenho mediano: Elio de
Angelis, também com Lotus, foi apenas o quarto colocado,
quase duas voltas atrás de Senna
16
.
O talento natural do brasileiro continuou se
evidenciando, agora em um carro que lhe permitia brigar por
vitórias e pole positions com boa freqüência, que foram ao
todo sete na temporada de 1985 (Portugal, San Marino, Mônaco,
Detroit, Monza, Brands Hatch e Austrália) que, no entanto, só
se converteram em duas vitórias, já que a Lotus-Renault de
Senna não apresentava o mesmo rendimento nas corridas, além
da inexperiência do brasileiro provocar alguns abandonos
prematuros. Além da conquista em Estoril, o piloto venceu no
GP da Bélgica, disputado no desafiador e tradicional circuito
de Spa Francorchamps. Assim, terminou em quarto lugar no
campeonato daquele ano, tendo conquistado 38 pontos, ficando
atrás apenas de Alain Prost, Michelle Alboreto e Keke Rosberg.
No ano seguinte, Senna permaneceu na Lotus, e,
como na temporada anterior, seguiu estabelecendo vitórias e,
principalmente, pole positions. Desta vez, Senna colecionou
uma a mais do que no seu ano de estréia na equipe inglesa:
foram oito vezes em que alinhou seu carro preto no topo do
grid. Em relação às vitórias, foram novamente duas, mas ambas
16
Dados oficiais da cronometragem da F-1, publicados no livro “Grand Prix Guide”,
de Jacques Deschanaux.
motores apenas para a Williams, mas que em 87 passaria também
a atender a Lotus de Senna, que agora teria como companheiro
de equipe Satoru Nakajima, piloto que ficou mais célebre por
suas barbeiragens do que por um desempenho digno nos
circuitos pelo mundo.
A ambição do piloto brasileiro e seu método de
trabalho, que incluía horas e horas de intensa reunião com
engenheiros, a fim de detectar qualquer melhora nos carros em
todos os treinos, ainda que fosse por alguns milésimos de
segundo, fez com que Senna logo caísse no gosto da cúpula da
montadora japonesa, que na época dava à Williams o melhor
motor do grid da F-1.
Por isso, não foi surpresa quando, no final da
temporada, a Honda anunciou que deixaria a Williams para
atender a McLaren. E, para a nova equipe, traria um piloto
que já tinha experiência com seus motores: o jovem Ayrton
Senna, então com 27 anos de idade. O piloto seria companheiro
do então bicampeão Alain Prost. A montadora japonesa, bem
como a McLaren dirigida por Ron Dennis, esperavam que a
combinação de um jovem, porém veloz piloto, com um mais
experiente e consagrado seria a formação de um time dos
sonhos, que o tornaria imbatível no Mundial de 1988. Senna
vinha embalado com mais uma sólida temporada na Fórmula-1: em
1987, subiu uma posição no campeonato, terminando em terceiro
lugar, com 57 pontos, apenas quatro atrás do vice-campeão
Nigel Mansell, que perdeu o título justamente para seu
companheiro de equipe, o brasileiro Nelson Piquet.
A temporada de 1987 ainda seria marcada por uma
vitória memorável de Senna. Ele vencera em Detroit, e também
em Mônaco, onde conseguiu o primeiro de seis triunfos no
circuito mais glamouroso do calendário da categoria. Senna
venceria ainda as provas de 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993,
tornando-se o recordista de vitórias
17
neste circuito, e
rendendo-lhe o apelido de “Mister Mônaco”.
2.4 A fase de glória na McLaren
Apesar de Nelson Piquet ter conquistado o título
do ano anterior, a torcida brasileira sabia que o piloto a
levar as cores da bandeira brasileira seria mesmo a estrela
ascendente Ayrton Senna. Nos testes de inverno, a McLaren
confirmou o favoritismo e foi sempre a mais rápida. Também
pudera: o time havia conquistado três dos quatro últimos
campeonatos até então, e de quebra teria em 1988 os motores
Honda, que foram os campeões do ano anterior com a Williams.
Sabendo que teria possivelmente o melhor carro da temporada,
o grande desafio de Senna, então, seria um inimigo que
dividia o mesmo teto que ele: o francês Alain Prost, seu
companheiro de equipe na McLaren.
Aquela primeira temporada foi marcada por uma
convivência ainda pacífica entre os dois. Não que eles fossem
grandes amigos, mas não havia o intenso clima de rivalidade
que se veria nos anos seguintes. Isso, no entanto, não
significa que o ambiente na McLaren não fosse marcado por uma
acirrada competitividade. Pelo contrário, a temporada de 1988
seria a última da era dos motores turbo na F-1, e muitos
times já buscavam trabalhar em seus equipamentos para o ano
seguinte, já com propulsores aspirados. Decorrência disso ou
não, o fato é que a decisão do título do Mundial de Pilotos
daquele ano foi uma briga particular entre Ayrton Senna e
Alain Prost. Os pilotos da McLaren terminaram o ano
acumulando 199 pontos, contra apenas 65 da equipe vice-campeã,
a Ferrari. Além disso, os dois venceram 15 das 16 etapas
disputadas, só deixando escapar a vitória no GP da Itália, em
17
Em 2003, Michael Schumacher igualou esta marca, mas deixou escapar a chance de
superá-la no ano de 2004, na prova vencida pelo italiano Jarno Trulli, da Renault.
Monza, por conta de uma falha mecânica no carro de Prost e de
um acidente de Senna com um retardatário enquanto liderava a
prova.
Senna era o piloto que, embora tivesse mostrado
seu talento desde que estreou na F-1, em 1984, jamais tinha
tido em mãos um carro que lhe desse condições de brigar pelo
título. Já Prost era o homem a ser batido na F-1. Afinal,
ainda que Nelson Piquet fosse quem mais tivesse títulos no
grid daquele ano (três contra dois do francês), era o piloto
da McLaren quem estava em fase ainda ascendente, já que o
carioca passaria a correr por equipes que não estavam em
condições de brigar pela taça de campeão. Por isso, a pressão
estava em cima dos dois pilotos da McLaren: Senna teria que
provar ser um profissional capaz de suportar a pressão de ter
o melhor carro e correr ao lado do melhor piloto de então
para derrotá-lo e conquistar seu primeiro campeonato. Prost,
por sua vez, teria que defender sua hegemonia, evitando a
ascensão da jovem estrela brasileira.
Em termos de velocidade pura, Senna superou o
rival francês com certa facilidade. O brasileiro conquistou
13 das 16 pole positions disputadas naquele ano. Só não foi o
primeiro do grid na França (onde foi o segundo colocado), na
Inglaterra (onde foi o terceiro) e em Portugal (onde foi o
segundo). Só que nas corridas a situação foi mais equilibrada,
com a balança pendendo para o francês até boa parte do
campeonato. Na metade da temporada, Prost liderava com 54
pontos, contra 48 de Senna, com quatro vitórias para o
brasileiro (ele foi o melhor em San Marino, México, Canadá e
Estados Unidos), e três para o francês, que faturou as provas
do Brasil, Mônaco e França. Prost, no entanto, tinha ao seu
lado a regularidade. Prova disso foi a péssima experiência do
brasileiro em Monte Carlo. Ele tinha quase um minuto de
vantagem sobre seu rival da McLaren, mas cometeu um erro
infantil a poucas voltas do final, deixando assim escapar
importantes pontos no campeonato. Muitos, no entanto,
consideram que aquele teria sido o ponto da virada na disputa
pelo título, pois Senna teria aumentado ainda mais sua
motivação em esquecer a humilhante derrota.
Depois de perder em Paul Ricard para Prost, o
brasileiro reagiu no campeonato, e venceu quatro provas
seguidas, na Inglaterra, Alemanha, Hungria e Bélgica. Mas
resultados decepcionantes na Itália, Portugal e Espanha
fizeram com que o campeonato chegasse embolado na penúltima
etapa do ano, no Japão. Naquela época, apenas os 11 melhores
resultados da temporada eram válidos para a classificação do
campeonato. Com isso, tanto Senna quanto Prost chegaram a
Suzuka com condições de sair das terras japonesas com o
título de 1988 nas mãos: bastaria chegar em primeiro, mesmo
com o rival em segundo. Senna venceu o primeiro round desta
luta ao fazer a pole position, mas Prost estava logo ao seu
lado, na segunda posição. Logo na largada, no entanto, a
situação se reverteu. Senna saiu lentamente, com o motor
falhando, e com isso caiu para o meio do pelotão. A partir
daí, o piloto faz uma excelente prova de recuperação,
ultrapassando vários adversários até chegar em Prost, que
diminuíra o ritmo quando uma chuva fina começa a cair na
pista japonesa. Com isso, Senna se aproxima, ultrapassa sem
dificuldades o francês e vence a corrida e também seu
primeiro título mundial. Ainda dentro do carro, Senna não
contém as lágrimas e chora com sua conquista inédita.
Começava, assim, a fase de ouro do piloto na F-1.
O título de 1988 trouxe para Senna a consagração como um dos
melhores pilotos da categoria, e iniciou também o processo de
mitificação de sua imagem, sendo já na época o piloto mais
popular da categoria, seja no Brasil ou em outros países, e,
claro, se tornando um dos esportistas mais bem pagos do mundo.
Mas a temporada seguinte, em 1989, marcaria o ponto mais
forte da rivalidade com Alain Prost.
(O duelo Senna-Prost) foi uma disputa mais cerebral do que física.
Os pilotos da McLaren Honda, Ayrton Senna e Alain Prost, lutavam
pelos pontos no campeonato e freqüentemente induziam ao melhor um
do outro, mas raras eram as ocasiões em que realmente disputavam na
pista, não como Jackie Stewart e Jochen Rindt ou Nigel Mansell e
Nelson Piquet, que trocavam esbarrões. (WINDSOR, 2003, p.78)
Este duelo cerebral, no entanto, ganhou contornos
de guerra fria depois que Ayrton Senna e Alain Prost se
desentenderam sobre um suposto pacto de não-agressão nas
corridas. Os dois companheiros de equipe na McLaren
concordavam que era desnecessário correr riscos demasiados na
largada, quando todos os carros partem da inércia para chegar
a 300 km/h em poucos segundos. Por isso, concordaram que não
se atacariam logo no início da prova. O problema é que Senna
ultrapassou Prost ainda na primeira volta no Gp de San Marino
daquele ano. O francês alegou quebra de acordo, mas o
brasileiro argumentava que o pacto valia apenas para a
primeira curva - a ultrapassagem fora na terceira curva. Era
impossível definir quem tinha a razão e o time literalmente
se dividiu em dois, com Senna e “seus aliados” lutando contra
Prost e seus “aliados”. Com isso, a inimizade entre os dois
deu o tom daquele campeonato, em que a McLaren, mesmo agora
na era dos motores aspirados, continuava exercendo domínio,
embora nem tão avassalador quanto na temporada anterior.
Novamente com uma temporada mais regular, Prost
chegou ao final do ano com vantagem nos pontos: tinha 76
contra 60 de Senna quando o campeonato chegou a Suzuka, no
Japão. Senna precisaria vencer as duas corridas que faltavam,
e partiu disposto a atingir este objetivo no treino
classificatório, conquistando novamente a pole position.
Prost, no entanto, largou melhor, e assumiu a liderança,
resultado que lhe daria o tricampeonato. O brasileiro
continua seguindo de perto o francês, até que tenta
ultrapassá-lo ao retardar a freada na chicane antes da
entrada dos boxes. Prost fecha a trajetória de Senna e joga o
carro para cima de seu companheiro de equipe. Os dois batem e
saem da pista. O brasileiro sabe que o abandono dos dois
daria o campeonato ao francês, e com isso volta à pista.
Mesmo com o carro avariado, consegue voltar para a corrida,
trocar o bico de seu McLaren, e ultrapassar os rivais,
incluindo Alessandro Nanini, na mesma chicane onde tentara
passar Prost. Senna vence a prova, mas não chega a subir no
pódio para comemorar: minutos após a bandeirada, a direção de
prova decide desclassificar o brasileiro, por ter voltado na
pista sendo empurrado pelos fiscais e por ter cortado a
chicane. Assim, o título ficou mesmo com Prost.
O brasileiro ainda acusou a FIA e seu presidente,
o também francês Jean Marie Balestre, notório amigo de Prost,
de terem manipulado o resultado. Várias apelações, incluindo
algumas partindo da própria McLaren, foram para a justiça,
mas Senna não conseguiu revalidar sua primeira colocação.
Pelo contrário: foi punido por Balestre, que ameaçou cassar a
super-licença
18
do piloto caso não viesse a público pedir
desculpas pela acusação. O embróglio durou toda a pré-
temporada de 1990, até que uma carta da McLaren pôs fim à
discussão. A rivalidade também continuava intensa com Prost,
mas agora Senna enfrentaria o francês não mais em sua equipe.
O brasileiro permaneceria na McLaren, com Prost defendendo
agora a Ferrari, que tentava sair de um jejum sem títulos no
Mundial de Pilotos desde 1979, quando o sul-africano Jody
Scheckter faturou a conquista do campeonato guiando um dos
carros vermelhos.
O campeonato de 1990 começava com clima de
polêmica e intensa inimizade entre suas principais estrelas,
18
Como é chamada a “carteira de habilitação” necessária para guiar um carro da
Fórmula-1
Senna e Prost. E terminaria da mesma forma. O brasileiro fez
uma excelente temporada, colecionando vitórias nos Estados
Unidos, Mônaco, Canadá, Alemanha, Bélgica e Itália. Prost, no
entanto, havia transformado a Ferrari em uma equipe de ponta,
e também colecionou vitórias em 1990: México, França,
Inglaterra, Espanha e Brasil, onde impôs vitória em cima de
Senna diante de sua torcida e em sua terra natal, já que
Interlagos, em São Paulo, voltava a receber a Fórmula-1
depois de dez anos. Senna liderava a prova com tranqüilidade
até um acidente com Satoro Nakajima, que não viu que o
brasileiro estava lhe dando uma volta e acabou fechando o
caminho do piloto da McLaren.
Mas o acidente mais discutido daquele ano
aconteceria mesmo em Suzuka, Japão, que assistiria mais uma
vez à final antecipada do campeonato. Em pontos válidos,
Senna chegava à corrida no Oriente com vantagem numérica,
diferentemente dos anos anteriores: ele tinha 78 pontos,
contra 67 de Prost. Na classificação, novamente o brasileiro
foi o mais rápido. O piloto da McLaren pede para a direção de
prova trocar a posição do pole position na reta dos boxes,
por acreditar que a parte onde largaria (a externa) não seria
tão vantajosa por estar do lado de fora da primeira curva,
que é feita para a direita. Senna não é atendido, e parte
para a largada disposto a dar o troco no francês, que o tirou
da disputa do título do ano anterior naquela mesma pista. Na
largada, Prost saiu melhor, mas Senna não cede o lugar
facilmente e provoca o choque contra seu rival francês no
final da reta dos boxes. Como no ano passado, os dois saem da
pista, só que desta vez quem fica com o título é o brasileiro,
que considerou a manobra como um “troco” pela forma como
havia sido prejudicado em 1989. Embora polêmica, a manobra
não manchou a conquista do bicampeonato de Ayrton Senna, que
continuou sua escalada rumo à construção da imagem de um dos
maiores mitos do esporte a motor e um dos principais ídolos
de seu país.
A temporada de 1991 foi a consolidação da imagem
de campeão de Senna na F-1. Seu maior rival, Alain Prost,
sofria já com uma certa decadência de sua equipe, a Ferrari.
Tanto que não chegou a disputar o título, sendo o francês
inclusive demitido antes mesmo da última corrida, na
Austrália, por ter feito críticas ao carro italiano. O maior
rival de Senna naquele ano foi o inglês Nigel Mansell, da
Williams, que se tornaria o carro imbatível nos anos
seguintes. O brasileiro começou bem a temporada, incluindo
uma histórica vitória em Interlagos, a primeira de Senna no
Brasil. O primeiro lugar foi conquistado de forma suada,
depois que a McLaren do piloto começou a apresentar problemas
de câmbio. Nas voltas finais, ele ficou apenas com a sexta
marcha, mas mesmo assim conseguiu levar seu carro para
haviam vencido três vezes o Mundial até então: Alain Prost,
Niki Lauda, Nelson Piquet, Jack Brabham e Jackie Stewart.
Acima deles, apenas o lendário Juan Manuel Fangio, com cinco
títulos.
Após a consagração com a conquista do
tricampeonato na F-1, com os títulos de 1988, 1990 e 1991,
Ayrton Senna já não tinha mais nada a provar no esporte. Sua
corrida agora era para se tornar o melhor de todos os tempos,
título que até então poderia ser atribuído a Juan Manuel
Fangio ou a Jim Clark. Mas o fato é que as temporadas de 1992
e 1993 não trouxeram para o piloto brasileiro aquilo que ele
esperava: muitas poles, vitórias e títulos. A McLaren entrou
numa fase de decadência, e a Williams era quem dava as cartas
agora, com seu potente motor Renault. Com isso, Senna
terminou num modesto quarto lugar no campeonato de 92, com 50
pontos, conseguindo apenas um primeiro lugar no grid, no
Canadá, e três vitórias, na Hungria, Mônaco e Itália.
Da mesma forma, a temporada seguinte continuou
sendo marcada pela franca decadência da McLaren. Senna tentou
negociar sua ida para a Williams, mas Alain Prost havia sido
“o mais rápido” nas negociações e fechou contrato com a
equipe em 1993, com a imposição de vetar a contratação do
brasileiro para a outra vaga do time, pois não queria reviver
os anos tensos de quando eram companheiros de equipe na
McLaren. Desta forma, Senna não teve alternativa a não ser
permanecer na decadente equipe. Mesmo assim, fez em 1993 o
que muitos consideram como sua melhor exibição na F-1, pois,
mesmo com um carro inferior, conseguiu impor vitórias
massacrantes sobre seu maior rival, Prost. Uma delas foi
novamente em Interlagos, onde a chuva castigou o francês e
consagrou Senna diante de sua torcida, que literalmente
carregou Senna nos ombros depois da vitória. Mas a mais
magistral das apresentações, inclusive na opinião de pessoas
influentes como Bernie Ecclestone, o chefão que comanda todos
os negócios envolvendo a F-1, aconteceu no GP da Europa
daquele ano, disputado no circuito inglês de Donnington Park.
Frank Richardson, comissário de pista, era um dos muitos
funcionários do autódromo de Donnington Park que estavam magoados
com as críticas publicadas na imprensa inglesa contra a escolha do
circuito como palco do GP da Europa de 1993. Um dos principais
argumentos dos críticos era que Donnington, uma pista tradicional
das provas de motos e que também fazia parte do calendário de
categorias menores do automobilismo britânico, não tinha pontos de
ultrapassagem. Dez anos depois daquele histórico GP da Europa, o
terceiro da temporada de 1993, Richardson e outros colegas ainda
guardavam no rosto o sorriso genuíno do orgulho, ao lembrar que
Senna precisou de apenas uma volta de corrida, a primeira, para
saltar da quarta posição do grid para a liderança e demonstrar, aos
críticos, que o circuito tinha sim, não apenas um, mas pelo menos
quatro pontos de ultrapassagem. Dependia, é claro, de quem
estivesse ao volante. (RODRIGUES, 2004, p.464)
Senna fez a “melhor volta” da história da F-1 na
largada para o GP da Europa, ao ultrapassar Michael
Schumacher, da Benetton, Karl Wedlingler, da Sauber, e ainda
os pilotos da Williams, Damon Hill e Alain Prost, em apenas
uma volta do circuito. A pista estava úmida, e serviu para
diferenciar o talento de Senna dos demais. A corrida ainda
foi marcada por uma série de complicações, com a volta da
chuva de forma intensa em algumas vezes, e com a pista
secando em outras ocasiões. Com isso, os pilotos foram aos
boxes de forma inusitadamente freqüente: Prost entrou sete
vezes. Senna, no entanto, permanecia na chuva om o carro com
pneus de pista seca, e assim ampliava sua vantagem. Com isso,
chegou a mais de 1m20s em relação ao segundo colocado, Damon
Hill, e uma volta à frente de Alain Prost. Uma imagem que
serviu para tornar ainda mais antológica aquela prova, que
marcaria não apenas a temporada de 1993, mas a história da
F-1.
Depois das magistrais apresentações em 1993,
Senna queria voltar a conquistar títulos em 1994. Afinal,
mesmo com as corridas memoráveis, ele ficara com o vice-
campeonato, com 73 pontos, contra 99 de Prost. Só que no ano
seguinte, quem estava a bordo da Williams era Ayrton Senna. O
piloto fechara contrato com a equipe que vencera os dois
últimos Mundiais e tinha a expectativa de novamente
colecionar recordes e campeonatos, ainda mais que seu maior
rival, Alain Prost, sem lugar na Williams, havia anunciado
sua aposentadoria na categoria.
Mas o que era para ser uma temporada de sonhos
para o brasileiro começou como um pesadelo. Visando dar mais
equilíbrio ao campeonato, a FIA alterou o regulamento para
aquele ano, proibindo os dispositivos eletrônicos que
tornaram a Williams um “carro de outro planeta”, segundo as
palavras do próprio Senna quando ele competia ainda na
McLaren. Com isso, o brasileiro viu a concorrência diminuir
seu atraso em relação à sua nova equipe, e, pior, o carro sem
os novos aparatos teria de ser desenvolvido do zero, e o
projeto nasceu de forma equivocada. Com isso, Senna começou a
temporada com um carro instável. Mesmo assim, conseguiu a
pole position na abertura do ano, no GP do Brasil. Mas o
menor consumo de gasolina do motor Ford de Michael Schumacher
fez com que ele ficasse menos tempo no pit stop de
reabastecimento, outra novidade daquela temporada, e Senna
perdeu o primeiro lugar. Na tentativa de recuperar a
liderança, Senna rodou e frustrou toda a torcida presente em
Interlagos. Na corrida seguinte, o brasileiro sai na pole,
mas não consegue completar a primeira curva, após ser
atingido pela Ferrari de Nicola Larini. Nas duas ocasiões,
Schumacher venceu, disparando assim na liderança do
campeonato.
Bastante pressionado, Senna desembarcou em San
Marino disposto a encerrar a má fase com sua nova equipe, a
Williams. Pediu a alteração na barra de direção, que tornaria
seu carro mais confortável para dirigir e mais estável. Nos
treinos de sexta-feira, Rubens Barrichello bateu forte e teve
que ficar de fora da prova. No sábado, outra notícia que
abala Senna: a morte do austríaco Roland Ratzenberger, que
corria pela estreante equipe Simtek. O acidente com o piloto
trazia a morte para as pistas pela primeira vez em oito anos,
já que a última havia sido em 1986, com Elio de Angelis, em
testes privados na pista de Paul Ricard. No domingo, Senna
sai na pole position para aquela que seria a última corrida
da sua vida.
E o GP de San Marino já começou com problemas. Logo na largada, a
Benetton de JJ Lehto não saiu do lugar e foi atingida pela Lotus de
Pedro Lamy. A corrida foi interrompida e os carros, liderados por
Senna, andaram em comboio atrás do safety car
19
. No reinício da
prova, o brasileiro mantinha-se à frente de Schumacher. Na entrada
da curva Tamburello, a Williams número 2 passou direto e foi de
encontro ao muro a cerca de 220 km/h. Senna foi atingido pela roda,
na qual estava preso o braço da suspensão direita, que perfurou seu
capacete na região próxima à viseira. Pela TV, era visível o sangue
no chão. Após o primeiro atendimento, o piloto foi encaminhado de
helicóptero para o Hospital Maggiore, em Bolonha, onde foi
declarado morto poucas horas depois. De forma lacônica, a médica
Maria Teresa Fiandri limitou-se a anunciar: Senna è morto. Não
havia muito mais a dizer. E esta foi a manchete de jornais e
revistas ao redor do mundo.” (CICCONE, 2004, p. ).
Em São Paulo, o piloto teve funeral acompanhado
por mais de dois milhões de pessoas, parando a principal
cidade da América Latina, e contando com a presença de
grandes nomes do automobilismo, como Emerson Fittipaldi,
Jackie Stewart e o próprio Alain Prost, que declarou na
ocasião que parte dele também havia sido sepultado junto com
Senna naquele dia.
A morte em Ímola encerrou de forma prematura a
carreira de Senna na Fórmula-1. Mesmo assim, seu nome
continua figurando como um dos maiores do esporte, e muitos o
consideram o melhor, ainda que Michael Schumacher detenha
19
A introdução do safety car, comum nas corridas americanas da Fórmula Indy, foi
outra novidade na temporada de 1994, e o fato de a F-1 estar pouco habituada a
esta situação é considerado um dos fatores para a causa do acidente de Senna,
conforme será abordado no capítulo IV deste trabalho.
quase todos os recordes atuais da categoria. O fato é que sua
morte trágica ajudou a tornar ainda mais antológica sua
carreira, bem como o tratamento de herói dado pela mídia após
o acidente em Ímola. O piloto que era já um ídolo se tornou
um mito.
Capítulo III A imprensa e Ayrton Senna
3.1 Crescimento dos veículos com novos ídolos
A fase de ouro do automobilismo nacional na F-1 é
de forma praticamente unânime apontada pelos jornalistas
especializados e estudiosos do tema justamente de meados dos
anos 1980 para início dos anos 1990. Esta observação é
facilmente explicada pelas conquistas de dois pilotos que
entraram para a história do esporte a motor mundial por sua
atuação as pistas: Nelson Piquet e Ayrton Senna. Quando foi
para a Lotus, em 1985, Senna começou a vencer corridas e o
Brasil já possuía um bicampeão na F-1, que era justamente
Piquet. Ou seja, enquanto um jovem despontava como nato
campeão, o país ainda vibrava com as conquistas de outro
gênio do esporte - a esta altura já consagrado. Um fenômeno
ainda hoje de difícil realização para qualquer nação do
planeta.
Consultando as estatísticas da Fórmula-1
compiladas por Deschenaux em seu “Grand Prix Guide”, nota-se
que mesmo países com grande tradição automobilística jamais
atingiram metas como esta conquistada pelo Brasil. A França,
por exemplo, de longa tradição no esporte e inclusive sede de
diversas grandes montadoras (Renault, Peugeot, Citroen etc.)
só consagrou seu primeiro campeão do mundo em 1985, quando
Alain Prost, o principal rival de Senna nas pistas, venceu
seu primeiro campeonato. A situação francesa é hoje ainda
pior. Além de só ter consagrado um único piloto campeão, a
nação sequer tem pilotos alinhando para o grid na temporada
realizada em 2005. Com a aposentadoria de Olivier Panis, o
hino francês só toca na F-1 graças às vitórias da equipe
Renault - mas pelas mãos de um piloto espanhol, Fernando
Alonso. Outro caso bastante emblemático é o da Alemanha, que
também só teve seu primeiro campeão mundial de forma tardia,
apesar dos suntuosos investimentos feitos por suas companhias
de patrocínio e mesmo montadoras, como BMW, Mercedes, Porsche,
entre outras. Quem quebrou o tabu foi Michael Schumacher,
hoje o maior recordista de todos na F-1.
Se naquela época, na transição entre os anos 80 e
90, a França tinha apenas um campeão do mundo e a Alemanha
sequer vislumbrava qualquer possibilidade (Schumacher só fez
sua primeira temporada completa em 1992), o Brasil podia se
orgulhar de ter três campeões mundiais em sua história, sendo
que, a partir de 1988, dois deles estavam na pista. Com o
mundo da velocidade “rendido” aos domínios nacionais nesta
época, foi natural que a mídia brasileira visse no
automobilismo um excelente produto, não apenas para negócios
e sim para despertar grande interesse dos torcedores.
Luiz Alberto Pandini, repórter da revista “Grid”, a principal
especializada em automobilismo nos anos 90, relembra que, em
sua primeira cobertura no GP Brasil de F-1 de 1991, ainda
pela Agência Estado, o evento era uma das grandes coberturas
jornalísticas do ano _e não apenas da editoria de esportes.
Para citar de exemplo, o “Jornal da Tarde” colocava nada
menos que 12 profissionais trabalhando intensivamente nesta
cobertura, que se iniciava uma semana antes da realização da
prova em si _um fato pouco comum para o tratamento da notícia
em jornais diários. Quando os carros entravam na pista, a
segmentação da produção era ainda mais evidente, com quatro
jornalistas trabalhando na captação de informações fora do
autódromo (esquema de trânsito, relatos das arquibancadas
etc.) e oito se dedicando aos boxes, sendo um para cada
piloto brasileiro (na ocasião, Ayrton Senna na McLaren,
Nelson Piquet na Benetton e Mauricio Gugelmin na Leyton
House), um na Ferrari, o próprio correspondente do jornal em
todas as provas, um para as celebridades, entre outros
destaques dignos de uma cobertura que produziria um caderno
especial na segunda seguinte à corrida, muitas vezes
superando as oito páginas - um feito equiparável apenas à
Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos. A descrição deste
esquema era verificada em todos os outros principais jornais
diários do país.
Além da cobertura exaustiva do GP do Brasil de
F-1, a mídia brasileira investia na contratação de
correspondentes para a cobertura das outras 15 corridas pelo
mundo afora, na Europa, Oceania, América do Norte e Ásia. Os
grandes jornais impressos tinham correspondentes exclusivos -
Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo (que trabalhava em
esquema de pool com o Jornal da Tarde), O Globo e Jornal do
Brasil. Além deles, alguns outros de grande circulação em
outros estados que não São Paulo e Rio de Janeiro também
tiveram seus representantes em pelo menos uma temporada no
final dos anos 80 e início dos anos 90, como os casos do Zero
Hora, do Rio Grande do Sul, e o Estado de Minas, de Minas
Gerais. As rádios também não perdiam terreno e estavam
representadas sempre pela Bandeirantes, Jovem Pan e Globo,
além de eventuais participações de algumas regionais, como a
RBS (do Sul do país).
Na televisão, a grande cobertura é mesmo a da TV
Globo, até porque seus direitos de transmissão àquela época
já se apresentavam como empecilho para qualquer empresa,
mesmo as de grande porte - cerca de US$ 10 milhões. No
entanto, o lucro vinha de forma praticamente garantida, já
que naquela época, como ainda hoje acontece, havia fila de
anunciantes para comprar o pacote de transmissão, que
englobava não apenas a aparição durante as horas de corrida,
mas, quiçá ainda mais valioso, nos telejornais da emissora
que reproduziam a noticiário da F-1 - e dos ídolos, Nelson
Piquet, e, em especial, Ayrton Senna.
Mas curioso era o caso do SBT. A emissora rival
da TV Globo, justamente por não adquirir os direitos de
transmissão da F-1, era impedida de entrar no autódromo pelas
regras da FIA, que regulamenta esta área na categoria, mas
ainda assim enviava um repórter para que ele fizesse matérias
fora das pistas e ainda assim garantia boas histórias na
visão do telejornalismo da emissora de Silvio Santos, em um
claro indício de como a febre “automobilismo” havia
contagiado a mídia e o país naquela época. O profissional
destacado para esta função um tanto inusitada, já que tinha
que encontrar os pilotos e entrevistá-los em locais
diferentes (como hotel, aeroporto ou mesmo na entrada da
pista) era Roberto Cabrini, que acabou sendo contratado pela
TV Globo anos depois - foi ele quem inclusive entrou ao vivo
pela emissora para declarar a morte oficial de Ayrton Senna
em 1º de maio de 1994, direto do Hospital Maggione, em
Bolonha, na Itália.
Outro tipo de mídia que aproveitava o embalo do
interesse do país pelo automobilismo eram as revistas
especializadas. Nesta época, Quatro Rodas e Auto Esporte já
haviam se direcionado ao público e noticiário de automóveis,
mas também dedicavam várias páginas sobre competição -
Ayrton Senna inclusive era colunista da Quatro Rodas (seus
textos foram republicados na íntegra em edição especial da
Editora Abril em 2004). Outros títulos menores também
surgiram neste período, como SuperAuto (1987), Ação (1990) e,
como maior destaque, a “Grid”, lançada em 1986 como edição
especial da “Placar” (que naquela época não cobria apenas
futebol, mas sim todos os esportes) e que, depois de passar
duas temporadas como revista-pôster, tornou-se um título em
1989 - migrando para a editora Azul em 1992. O sucesso das
revistas, no entanto, não dependia apenas do bom desempenho
dos pilotos brasileiros na pista e, mesmo naquela época de
bom desempenho em termos de resultados, elas sumiam e
apareciam das bancas com uma velocidade digna de um F-1 -
possivelmente por maiores problemas na área de vendagem de
anúncio do que de conteúdo editorial propriamente dito, já
que o departamento publicitário dos jornais diários, TVs e
rádios citados anteriormente tinham êxito na venda das
coberturas da F-1, bastante dispendiosa por exigir muitas
viagens internacionais ao longo do ano.
3.2 Relacionamento dos jornalistas com os pilotos
Com tanto interesse despertado por automobilismo
pela mídia, é natural esperar que uma relação bastante
estreita entre jornalista e piloto tenha se criado nesta
época. O que não era propriamente uma novidade, já que a
ligação destas duas profissões muitas vezes beirava a
cumplicidade, haja vista que a própria história do
automobilismo internacional de conquistas do Brasil, com o
título inicial de Emerson Fittipaldi de 1972, teve muito da
influência de um repórter, seu pai, o “Barão de Fittipaldi”,
que trabalhava na rádio Panamericana.
Só que nem sempre esta relação é tão familiar
como no caso do precursor dos títulos na F-1. Em seu livro
“Jornalismo Esportivo”, Paulo Vinícius Coelho ressalta que
“talvez não haja área do jornalismo quanto a jornalismo
esportivo” e que, neste segmento, “outros jornalistas recebem
pressão ainda maior: como os que cobrem o circo da F-1”. A
explicação dada pelo autor para tal análise encontra
fundamento nas dificuldades de projeção nesta área e também
porque os pilotos de F-1 “exigem nível de conhecimento” bem
maior do que o mostrado em outras áreas.
De fato, o profissional que cobre o esporte a
motor, sobretudo em sua nata, como no caso da F-1, precisa
estar preparado para entender o significado de expressões
típicas que muitos outros profissionais não conseguiriam
“traduzir” para seu público. No entanto, com a grande
popularização do automobilismo nos anos 80, era natural que
chegassem ao autódromo profissionais que não dominavam os
temas, causando bastante ruído na comunicação com os pilotos
e, conseqüentemente, culminando em relações desastrosas entre
as duas classes.
Este é o fator apontado por muitos jornalistas e
autores do tema sobre a diferença de tratamento da imprensa
entre Nelson Piquet e Ayrton Senna. Segundo Reginaldo Leme, o
carioca era tido como mau-humorado pelos colegas jornalistas
(vencedor de vários “troféus-limão”, pelo temperamento azedo),
mas isso só acontecia com aqueles que o próprio piloto
identificava que não tinha conhecimento prévio do assunto
automobilismo
20
. Piquet mesmo, em depoimento à jornalista
Nice Ribeiro, autora do livro “Fórmula-1, O Circo e O Sonho”,
conta que não suportava os profissionais que tinham “que
escrever umas linhas a meu respeito mas que não conhecem o
assunto (...) e chegar com cara de sabichão ou sabichona e
fazer as perguntas mais cretinas...” Na mesma obra, a autora
cita outros pilotos, mesmo de países diferentes, que também
definiam a F-1 como um mundo “complicado, cheio de meandros
relacionados com política interna, patrocinadores e
jornalistas, que nos atrapalham muito, mas que, ao mesmo
tempo, precisamos deles”.
O fato é que, mesmo tendo uma carreira repleta de
conquistas, Nelson Piquet jamais teve o mesmo tratamento de
herói dado a Ayrton Senna pela imprensa esportiva, nem ao
menos no auge de sua carreira, com a conquista de dois
títulos mundiais (1981 e 1983) no curto espaço de duas
temporadas, segundo conta o editor do “Jornal da Tarde”,
20
Entrevista concedida ao autor em 28 de outubro de 2005.
Castilho de Andrade
21
. Piquet era definido como um personagem
de interesse relativamente pequeno para a mídia, já que
celebrava suas vitórias como algo de conquista pessoal -
algo bastante comum em esportes individuais, como tênis e
automobilismo. Seu interesse pela F-1 era sobretudo uma forma
que gostava de trabalhar e ganhar muito dinheiro, mas não era
dominado pela preocupação de se tornar um ídolo. Um
comportamento que parece pautar também os atuais
profissionais deste esporte, como o mais recente deles, o
espanhol Fernando Alonso, campeão mundial de 2005. Conforme
reportagem publicada na Folha de S. Paulo, o piloto tem um
perfil considerado arrogante pela imprensa mundial, inclusive
a de seu próprio país natal, e dedicou sua conquista a “três
ou quatro amigos de verdade”, mostrando ressentimento com boa
parte do país, que esperava demonstrações de patriotismo, em
especial depois que a nação mergulhou em uma febre de
interesse súbito pelo automobilismo chamada de
“Alonsomania”
22
.
O caso de Ayrton Senna, entretanto, era diferente.
Os jornalistas especializados que vivenciaram o dia-a-dia da
cobertura da F-1 na época da passagem do piloto brasileiro
pela categoria costumam citar com freqüência a preocupação
constante de Senna com sua imagem, “sobretudo quando as
câmeras de TV, em especial da TV Globo, estavam lhe filmando”,
conforme aponta Luiz Alberto Pandini. Mas além da preocupação
televisiva, o jornalista ressalta que o tratamento dispensado
aos jornalistas, embora nem sempre pudesse ser classificado
de ideal, era cordial a ponto de evitar desavenças - uma das
raras e mais públicas aconteceu com Reginaldo Leme, no relato
da biografia “Ayrton Senna – O Herói Revelado”, de Ernesto
Rodrigues. Quem também relata um pouco de sua convivência com
21
Entrevista condedida ao autor em 16 de Janeiro de 2006.
22
Reportagem publicada na página D3 do caderno de Esportes da Folha de S. Paulo
de 23 de julho de 2005.
Ayrton Senna como bastante profissional é Flavio Gomes, o
correspondente da Folha de S. Paulo nos anos 1990 - e que
fez a cobertura da morte do piloto em 1994, em seu livro “O
Boto do Reno”:
Não fui o primeiro a dizer que Senna seria um campeão, nem o
segundo, nem o terceiro, nem nada. (...) Não fiz nenhuma entrevista
memorável com ele, não privei de sua amizade, nunca sentamos à mesa
num restaurante. (...). Nada do que escrevi nestes anos todos, e
foi bastante coisa, o levou a vir falar comigo. Conversávamos o
essencial, quase sempre em entrevistas junto com outros colegas.
Depois vim a saber que sim, ele sabia o que eu escrevia, mas não
era privilégio nenhum, sabia o que escreviam todos os que cobriam
F-1 na época. E o fato de nunca ter me cobrado nada, algo que fazia
por terceiros ou pessoalmente, sempre me deu a impressão de que
havia certo respeito, porque nunca o tive na conta de ídolo
inatacável e, por isso, de vez em quando, lançava certas críticas e
opiniões que iam contra a corrente em vigor. Não me lembro de
ninguém ter defendido Nakajima
23
tão apaixonadamente quanto eu, no
GP Brasil de 1990. Ou de alguém mais irônico do que eu quando
Ayrton se ofereceu para correr de graça na Williams
24
. ‘Ele se
escalou para o cockpit sem perguntar ao time e à Renault se o
querem lá’, escrevi do alto de meus 28 anos de insolência (GOMES, p.
70, 2005).
Pelo relato do correspondente de Fórmula-1 da
Folha de S. Paulo naquela ocasião, nota-se claramente a
preocupação de Ayrton Senna com sua imagem na mídia. E isso
se dava não apenas na sua fase de glória na F-1. Jornalistas
especializados, como Luiz Alberto Pandini e Castilho de
Andrade, lembram que Senna já possuía esquema de divulgação,
com assessoria de imprensa abastecendo as redações com
notícias constantes, mesmo no início dos anos 1980, quando a
prática era pouco comum na área esportiva. Além disso, a
própria TV Globo acompanhava com bastante interesse a
carreira do jovem piloto desde que despontou com sucesso na
23
O piloto japonês Satoru Nakajima não viu que o líder da corrida, Ayrton Senna,
estava lhe ultrapassando para colocar uma volta de vantagem (os retardatários são
obrigados a abrir passagem por regulamento) e, ao contonar a curva “Bico de Pato”,
arrancou o aerofólio dianteiro do brasileiro, que teve de entrar nos boxes para
reparar o carro. Com isso, Senna caiu para a terceira colocação e perdeu a chance
de vencer pela primeira vez no Brasil, na corrida que marcava a reestréia de
Interlagos no calendário.
24
Durante os anos de 1992 e 1993, a superioridade tecnológica do carro da equipe
Williams era tamanha que Ayrton Senna proferiu esta célebre frase, dando a
entender que abriria mão do salário milionário que ganhava na McLaren desde que
corresse por um time competitivo.
Inglaterra. Reginaldo Leme relembra que uma das primeiras
transmissões de corrida internacional que não F-1 aconteceu
justamente no Campeonato Inglês de F-3 de 1983, quando Senna
lutava para se sagrar campeão daquele certame - o que de fato
conseguiu, derrotando o rival Martin Brundle. Além disso, o
próprio jornalista esteve presente na cobertura do primeiro
teste de F-1 do piloto na categoria, com um Williams, também
em 1983, produzindo reportagem de extenso conteúdo que foi
utilizado no “Jornal Nacional”.
Se a preocupação com a mídia já era um dos
pilares da construção da carreira de Ayrton Senna no exterior,
ela aumentou de forma ainda mais significativa conforme a
carreira do piloto deslanchava com vitórias e títulos na F-1.
Além do próprio controle pessoal do piloto, uma equipe
liderada por seus empresários (Armando Botelho no início de
carreira) e assessores de imprensa (Betise Assumpção) faziam
de tudo para que nada escapasse do fino crivo que a imagem de
Senna deveria passar. Os jornalistas que cobriam o esporte
nesta época, como Pandini, Gomes, Andrade, entre outros,
lembram-se de que o piloto só falava com a mídia em
concorridas e muitas vezes tumultuadas coletivas de imprensa.
Gomes inclusive expõe em seu livro “O Boto do Reno” que um
procedimento padrão na sua fase na F-1 era marcar uma única
entrevista exclusiva por ano entre os principais jornais do
país - que teriam sua “vez” sorteada em uma data decidida
pelo piloto e seu staff, numa demonstração de quão rígida
chegava a ser a organização em torno do piloto. Além de
rotina de praxe nas corridas, onde também contava com o apoio
de sua equipe, a McLaren, para impedir entrevistas fora de
hora ou mesmo maior exposição à sua intimidade, Senna impunha
métodos rigorosos no período fora de temporada, quando não há
corridas de F-1, em geral de novembro a março do ano seguinte.
Pandini recorda-se de seu tempo no “Jornal da Tarde” em que
era necessário ir ao aeroporto internacional de Guarulhos
para tirar algumas frases de Senna quando ele vinha ou
voltava da Europa nesta transição entre temporadas - durante
o calendário das corridas, o piloto tendia a permanecer na
Europa, já que os GPs são disputados a cada 15 dias. As
entrevistas eram extremamente concorridas, mas as perguntas
raramente rendiam bom material, segundo apontam os
jornalistas setoristas da época. Ainda assim, os editores
privilegiavam grandes espaços da cobertura, mesmo quando
“Senna não havia dito nada”, conforme relembra Pandini,
demonstrando a nítida necessidade da mídia em produzir
conteúdo que desse comentário sobre o ídolo nacional no dia
seguinte. Isso sem contar que o jornalista iria escrever a
matéria baseado em uma frase sem nenhuma novidade, muitas
vezes resultado de uma coleta de má qualidade, efetuada
através de um gravador colocado a mais de metro de distância
do entrevistado, tamanha a dificuldade para se chegar junto a
Ayrton Senna.
Mesmo com tanto controle, o piloto sofria com a
constante invasão de sua privacidade - neste caso, no entanto,
o “privilégio” não lhe era exclusivo na mídia, muito embora
fosse o esportista que de longe era o mais visado por
paparazzi no Brasil e no mundo devido à sua fama
internacional. Sua vida fora das pistas foi bastante
retratada pela imprensa, não apenas de fofoca e celebridades
em geral (que naquela época começavam a deslanchar), mas
também pela grande imprensa - não era raro ler matérias de
jornais publicadas por repórteres que ficavam de plantão em
frente ao condomínio da casa do piloto em Angra dos Reis, no
litoral carioca, ou em sua fazenda em Tatuí, no interior de
São Paulo. Também ficaram célebres as reportagens sobre sua
vida pessoal, desde o envolvimento com a apresentadora de
televisão Xuxa, a quem muitos alfinetavam dizendo haver
acordos de interesse mútuo por conta da TV Globo, e outras
namoradas, como Adriane Galisteu, com quem o piloto
relacionava-se em 1994; uma das edições da revista Caras
trazia a história do casal no mesmo final de semana da
tragédia em Ímola. A polêmica em torno da sexualidade de
Senna, levantada após um bate-boca via imprensa travado às
vésperas do GP Brasil de F-1 de 1988 com Nelson Piquet,
também permearam por vezes as colunas de fofoca, como bem
retrata a biografia de Ernesto Rodrigues sobre o ídolo
brasileiro. Esta obra, por sinal, revela o quanto ainda hoje
é vivo o interesse pela vida do piloto Ayrton Senna já que,
da época de seu lançamento, em 2004, dez anos após a morte do
esportista, a obra teve grande repercussão, inclusive sendo a
capa da revista semanal “Veja” daquela semana, com extensa
reportagem de 12 páginas levantando os pontos mais polêmicos
do livro, entre eles, o da própria briga com Nelson Piquet
via imprensa em 1988.
Estas exaustivas rotinas de cobertura midiática
só vêm reforçar o perfil de herói que vai se contornando em
Ayrton Senna, já que este conflito é típico do “herói
arquetípico”, conforme aponta Kátia Rubio, em sua obra “O
imaginário esportivo: o atleta contemporâneo e o mito do
herói”.
Se por um lado sua condição de atleta diferenciou-o de uma grande
parcela da população, permitindo que goze de privilégios reservados
a poucos, por outro essa mesma condição o faz amargar o isolamento
e distanciamento de situações vividas por seus semelhantes. E essa
é uma das condições vividas pelo herói arquetípico. (...),
submetido a uma rotina desgastante de treinos e jogos, o atleta se
vê envolvido por questões como a ausência de seu contato com a
família, superexposição na mídia e a impossibilidade de admitir,
para si e para o público, suas fragilidades, angústias e incertezas,
posto que ainda que uma figura mítica, nosso herói contemporâneo
não habita o Olimpo nem bebe da ambrósia com os deuses, mas
estabelece relações afetivas e sofre com os transtornos que cercam
a vida de um atleta que também é cidadão (RUBIO, 2001, p. 113)
3.2.1 TV Globo
Com tamanha exposição na mídia, era natural que
os lucros em cima da venda da imagem de Ayrton Senna fossem
igualmente grandes; não era à toa que seu salário anual na
McLaren já orbitava na casa dos US$ 10 milhões por ano em
1990. Entre todos os veículos de mídia, no entanto, sem
dúvida a que mais capitalizou em cima da imagem de Ayrton
Senna foi a TV Globo, conforme atestaram diversas publicações
sobre o piloto nos dez anos depois de sua morte, em 2004,
como a “Uma década sem Ayrton Senna”, da Editora Pankron.
A reportagem, no entanto, deixa claro que, ao
contrário do que muitos pensam, o piloto brasileiro não foi
“fabricado” pela maior TV do país. Pelo contrário, os
jornalistas especializados e outros profissionais ligados ao
automobilismo são unânimes em dizer que Senna seria um grande
ídolo esportivo independente de seu país ou de qualquer
emissora que tivesse o direito de transmissão das imagens da
F-1 no Brasil. Isso porque seus feitos na pista são dignos de
nota em todo o mundo - e não por acaso Senna já era apontado
como um dos melhores da história do esporte a motor mesmo
antes de sua morte, uma análise inclusive embutida no
respeitado livro “Campeões da Fórmula-1”, do inglês Alan
Henry.
O que é mais preciso se afirmar é que Senna, sim,
soube trabalhar com seus feitos para construir sua imagem de
esportista e ídolo, algo que rivais como Piquet, por exemplo,
não fizeram, utilizando para isso um excelente veículo de
massa que atinge praticamente 100% da extensão territorial do
país, a TV Globo. Por sua vez, esta relação também era
benéfica para a emissora com sede no Rio de Janeiro, que
também pôde aumentar sensivelmente sua audiência ao retratar
o herói brasileiro nas pistas em um momento em que o cenário
político, econômico e esportivo do país tinha um verdadeiro
vácuo de exemplos a serem seguidos. Basta ver que, dos
costumeiros 20 a 30 pontos de Ibope
25
que a Fórmula-1
costumava render no início dos anos 1980, quando Nelson
Piquet vencia os campeonatos mundiais, o salto era gigantesco
se comparado com os 40 que existiam no auge de Senna - ainda
mais com a exploração de uma rivalidade com o próprio Piquet,
quando na época os torcedores brasileiros costumavam se
dividir entre “sennistas” e “piquetistas” (em geral, com um
ódio um pelo outro digno das rivalidades mais históricas do
futebol brasileiro, como Flamengo X Fluminense ou Corinthians
X Palmeiras). Conforme relembra Castilho de Andrade, editor
do Jornal da Tarde, esta troca de farpas entre os dois ídolos
“era um prato cheio para a imprensa de qualquer canto do
planeta, e certamente ajudava em muito a alavancar o
interesse da mídia para a F-1, mesmo a não especializada em
cobertura esportiva”.
Com os índices de audiência crescendo cada vez
mais, a relação entre Senna e TV Globo foi ficando cada vez
íntima. Não por acaso, o principal rosto e voz da transmissão,
Galvão Bueno, acabou se tornando um dos maiores amigos do
tricampeão de F-1 em sua carreira. Em depoimento ao jornal “O
Estado de S. Paulo”
26
, o locutor afirma que “não fui amigo de
Senna, sou amigo. Ele continua presente para todos nós como
exemplo. Tivemos uma relação especial, que misturou o
profissional, amizade e admiração. Foram 12 anos”.
Uma das reportagens mais emblemáticas desta
relação foi no final de 1988, quando a emissora dedicou uma
reportagem inteira de “Globo Repórter”, na sexta-feira à
noite, em horário nobre, a um perfil do novo campeão da F-1,
Ayrton Senna. Em seus momentos de intimidade, destaque para
“brincadeiras” entre ele e Galvão Bueno a bordo do iate do
25
Na época, cada ponto de Ibope equivalia a 40 mil lares na Grande São Paulo.
26
Edição de capa do suplemento “Telejornal” de 13 de outubro de 2002.
piloto no litoral. Além do espaço jornalístico, também era
marcante a vibração do locutor - uma marca que seria depois
registrada em outros esportes - nas vitórias do brasileiro,
que “lavavam a alma do país, especialmente em uma época de
tempos magros no futebol (que não era campeão do mundo desde
1970), na política (anos de Sarney e Collor) e na economia
(às voltas com a inflação)”, conforme depoimentos de
jornalistas especializados, como Pandini, Andrade e Leme.
Bordões como “Acelera, Ayrton!” ou “Ayrton
Senna... do Brasil” caíram no gosto do povo, assim como o
ritual de celebrar a vitória com uma música (que ficou
conhecida como o Tema da Vitória) de fundo e com Senna
carregando a bandeira do Brasil. Acerca deste último episódio,
é curioso notar que este gesto foi criado pelo piloto
justamente no GP dos Estados Unidos de 1986, em Detroit.
Naquele final de semana, o Brasil amargava outra decepção do
futebol, desta vez com a eliminação nas quartas-de-final da
Copa do Mundo em derrota nos pênaltis contra a França. Pois
Senna corria por uma equipe cheia de integrantes franceses
(em boa parte devido aos motores Renault que equipavam sua
Lotus) e viu na sua vitória uma forma de vingar os
brasileiros pela derrota imposta pelos franceses nos gramados.
Um gesto simbólico que mostrou o quão apegado à imagem de
patriotismo Senna ficou e que também mostra exatamente o
espaço que as vitórias do piloto ocupavam no imaginário do
povo brasileiro que, acostumado à alegria de seu futebol nos
anos 1950, 1960 e 1970 com o Rei Pelé, via-se órfão nas
páginas esportivas.
Quanto à música escolhida para celebrar as
vitórias, uma coincidência também marca a história da relação
entre TV Globo e Senna. Conforme aponta o jornalista Ricardo
Porto
27
, que trabalha na emissora carioca como editor de
27
Entrevista concedida ao autor em 23 de janeiro de 2005.
automobilismo, a melodia em questão foi criada pelo
departamento de esportes da emissora para celebrar vitórias
do país em várias modalidades e inclusive fora utilizada na
F-1 para marcar conquistas de Nelson Piquet. Mas foram as
vitórias de Ayrton Senna que a deixaram marcante, o que
mostra também o quão diferentes eram as conquistas dele em
relação aos demais pilotos, e também a ausência de fatos
merecedores de “música de celebração” naquele período
particular em que Senna abocanhava várias vitórias na F-1. O
“Tema da Vitória” ficou de tal forma marcado com o brasileiro
que foi utilizado em acordes fúnebres durante a transmissão
do funeral de Ayrton Senna em São Paulo, em 1994, além de
gerar protestos com sua utilização recentemente com as
vitórias de Rubens Barrichello na F-1 - muitos torcedores,
relatam funcionários da TV Globo, reclamam do uso da música
“que era do Senna” para retratar outras vitórias, como se
fosse uma heresia tocá-las para as conquistas de um novo
brasileiro na F-1.
O tratamento de herói nas transmissões e sua
íntima relação com a TV Globo, exposta inclusive por meio de
seu locutor, também permitiram que Senna fosse tratado em
várias reportagens dos jornalísticos “Globo Esporte” e
“Esporte Espetacular” como o “Super Senna”, um herói de
história em quadrinhos que derrotava os “vilões” Professor
(Alain Prost, francês) e o Leão (Nigel Mansell, inglês),
sobretudo em reportagens em 1992 e 1993 quando Senna, por ter
um equipamento menos competitivo, tinha que mostrar seus
‘superpoderes’ para conseguir vencer os rivais com
‘supermáquinas’. Esta idolatria serviu para manter sempre os
índices de audiência elevados, mesmo em uma época em que
Senna não tinha perspectivas de se tornar mais uma vez
campeão, culpa do fraco pacote aerodinâmico-técnico e de
motor de sua McLaren. Algumas atuações das mais magistrais da
carreira do piloto, como em Donnigton em 1993 e em Interlagos
no mesmo ano, também ajudaram a manter firme o interesse. A
análise de alguns especialistas, no entanto, aponta que a
cobertura jornalística da TV Globo era excessivamente
centrada na figura heróica de Senna, o que, se no curto prazo
parecia rentável, poderia acabar com a galinha dos ovos de
ouro a médio e longo prazo, já que, mesmo se não tivesse um
desfecho trágico e inesperado, a carreira de Ayrton Senna um
dia chegaria ao fim na F-1 e era preciso que o público
mantivesse o interesse na categoria depois disso, algo que os
índices de audiência já revelavam naquela época que seria um
problema, já que eram clássicos os exemplos de queda superior
a 15 pontos de Ibope no instante exato em que Senna
abandonava a corrida, mesmo quando um outro brasileiro ainda
participava da prova. Cenas como esta também eram comuns no
Autódromo de Interlagos, onde mais da metade do público de 80
mil pessoas deixava as dependências do circuito quando Ayrton
Senna saía da corrida, mesmo tendo pago mais de US$ 100 pelo
bilhete mais barato, mesmo o evento ser realizado apenas uma
vez por ano no Brasil e mesmo quando um piloto tem chance de
obter seu melhor resultado na carreira (caso do jovem Rubens
Barrichello, que chegou em quarto em São Paulo em 1994, mas
que poucos viram porque Senna abandonara a corrida na metade).
A preocupação em formar um público apreciador de
automobilismo e não apenas sedento de um herói para redimi-lo,
no entanto, não permeou a imprensa naquela época e,
conseqüentemente, o choque foi inevitável no dia 1º de maio
de 1994, quando o que parecia virtualmente impossível
aconteceu, de forma trágica e ao vivo para milhões de
espectadores: o super-herói Ayrton Senna morreu em um
acidente durante o GP de San Marino.
3.2.2 Como a mídia cobriu a morte de Senna
Diferentemente do atleta da Antiguidade, que tinha sua preparação
física e atlética como um elemento na educação e da sua formação
enquanto cidadão, cujos desdobramentos eram a preparação para a
guerra e a proteção da polis, associando os papéis de esportista e
guardião, o atleta de alto rendimento na atualidade tem sua imagem
vinculada ao espetáculo e ao lazer. Seus feitos são capazes de
levar multidões a estádios e ginásios, em momentos de espetáculo,
ou causar dor e comoção coletiva em caso de acidente ou morte.
(RUBIO, 2001, p. 113)
A cobertura da morte de Ayrton Senna foi um dos
momentos mais marcantes da história do jornalismo brasileiro,
a conferir pela suas dimensões, repercussão na sociedade,
números e mesmo opinião de estudiosos e editores. No texto
“Uma década sem Ayrton Senna”, Mário Ciccone destaca que,
para os jornalistas que estavam na Itália, aquela foi a
cobertura de suas vidas. Flavio Gomes, que cobria a F-1 para
a Folha de S. Paulo e para a rádio Jovem Pan, afirma que “foi
tudo muito difícil, com muita tensão e consciência de que
aquilo era algo singular, único, e que jamais se repetiria”.
Além de extensa cobertura jornalística durante transmissão ao
vivo pela TV Globo _que entrou no ar no momento exato em que
o piloto foi declarado morto pela equipe médica do Hospital
Maggiore, em Bolonha (Itália) - os programas jornalísticos da
emissora trataram do assunto no decorrer da programação, em
especial no “Fantástico”, na noite daquele domingo 1º de maio
de 1994. Sobre este programa, Reginaldo Leme, em depoimento a
revista Pancron, relembra que ficaram na porta do Hospital
Maggiore com entradas ao vivo das 20h às 23h (que eram 3h da
manhã no horário local), fazendo com que sua jornada de
trabalho naquele dia superasse 24 horas seguidas.
Mesmo não sendo detentoras dos direitos de
transmissão da F-1, outras TVs também entraram com
programação especial, como TV Record, Band e SBT.
O piloto entra em coma profundo e, às 13h42, morre. Terminava assim
a carreira vitoriosa daquele que é considerado um dos maiores
pilotos da história da Fórmula-1. No Brasil, porém, começa um
processo de comoção nacional que vai influenciar integralmente a
programação dos meios de comunicação. Emissoras de TV e rádio
alteram suas atividades normais. O SBT, por exemplo, suspende por
uma semana a estréia da novela Éramos Seis. O noticiário A Voz do
Brasil, de segunda-feira, não abre com a tradicional execução de O
Guarani, de Villa-Lobos, mas com o Tema da Vitória, de Eduardo
Souto Neto, com que a TV Globo festejava as vitórias de Senna.
Jornais cederam grande espaço à tragédia de Ímola, enquanto as
revistas, naquela semana, lançaram mais de dois milhões de
exemplares extras, dedicados exclusivamente ao piloto. (SCARDUELLI,
1995, p. 17).
A instantaneidade das informações era privilégio
das rádios que cobriam normalmente às corridas, como a Joven
Pan, Globo e Bandeirantes, aproveitando-se ainda da vantagem
de não concorrer em informação rápida com a Internet, que
naquela época ainda engatinhava para se tornar comercialmente
viável no Brasil dois anos depois, em 1996.
A grande repercussão do evento, no entanto, pode
ser vista nitidamente na mídia impressa, com todos os grandes
jornais diários do país dedicando dezenas de páginas sobre o
assunto em suas edições seguintes. “Folha de S. Paulo”, “O
Globo”, “Jornal do Brasil”, O Estado de S. Paulo” e “Jornal
da Tarde” carregaram em títulos usados apenas em edições
históricas, e o assunto tomou mais de 50% do espaço da
primeira página em todos os jornais acima citado. Destaque
para os principais títulos na grande imprensa brasileira
naquele 2 de maio:
- “Acidente mata Ayrton Senna”(Folha de S. Paulo);
- “Morte de Senna abala País e causa indignação com segurança
na F-1” (O Estado de S. Paulo);
- “Ele não queria correr” (Jornal da Tarde);
- “Brasil chora a morte de um herói” (Jornal do Brasil);
- “Senna – 1960 -1994” (capa de página inteira do especial
sobre o piloto em “O Globo”)
As edições especiais também marcaram o tema na
edição de segunda-feira - dia 2 de maio de 1994 - dos grandes
jornais diários do país, com destaque para a cobertura mais
extensiva de todos em quantidade de matérias, a do jornal “O
Globo”, que fez um dos maiores cadernos especiais de sua
história: ao todo, foram 22 páginas editoriais tratando do
tema, incluindo algumas das seguintes manchetes:
- “Nos boxes, um Senna diferente”
- “Na conversa com a namorada, o mau pressentimento”
- “Uma pista com histórias trágicas”
- “Se resistisse, piloto teria vida vegetativa”
- “Brasil fica sem campeão nas pistas”
- “Xuxa se isola ao saber de acidente”
- “Com as mudanças (na F-1), as tragédias”
- “Galvão vive a angústia de narrar a prova sem notícias”
- “Prost, o rival, chora e culpa FOCA E FIA”
- “A morte espreita os campeões”
- “O caçador de recordes”
- “Um tricampeão na garra e no braço”
- “Precoce paixão pelo perigo e pela velocidade”
- “O destino na mão de Deus”
Em uma edição concluída às 23h30, a Folha de S.
Paulo também trouxe uma de suas coberturas mais elaboradas da
história - a capa deste dia é encontrada até hoje em galerias
expostas na redação na sede do jornal, em São Paulo. O
didatismo marcou os textos, como na própria primeira página,
em que o acidente é mostrado em três momentos, com um relógio
apontando os intervalos: 9h12 (com Senna liderando a prova),
9h13 (com a imagem da batida) e 9h17 (a equipe médica no
resgate). Em texto assinado na capa por “Flavio Gomes,
enviado especial a Imola”, o jornal já destaca que “Ayrton
Senna da Silva foi o maior esportista brasileiro desde Pelé”
e citou a nota oficial do presidente Itamar Franco, que “se
solidarizou com os pais do piloto nesta hora em que todos nós
perdemos um ídolo e eles perdem o filho”.
No caderno especial de 12 páginas, a Folha de S. Paulo
destacou as seguintes reportagens:
- “Morre aos 34 anos Ayrton Senna, tricampeão mundial de F1”
(explicando como aconteceu o acidente, as tentativas de
socorro ao piloto e os acidentes anteriores do final de
semana em Ímola, com a morte do piloto Roland Ratzemberger no
dia anterior e o grave acidente de Rubens Barrichello nos
treinos de sexta).
- “Médico critica demora no socorro” (com entrevista ao chefe
da equipe médica da F-1 no Brasil e um quadro, “o atendimento
passo a passo”, relatando, com precisão de segundos, todas as
tentativas de impedir a morte de Senna feitas na Itália;
também há infográficos mostrando como funciona o cérebro e a
necessidade da traqueostomia, procedimento que foi tentado em
emergência para melhorar a respiração de Senna ainda na
pista).
- “Falha na suspensão é possível causa” (com infográfico
mostrando as possíveis causas do acidentes, os outros
acidentes da carreira de Senna, os perigos da curva
Tamburello, contornada a 300 km/h, da mudança no regulamento
que tornava os carros mais “nervosos”, conforme depoimento de
Michael Schumacher, que vinha logo atrás do brasileiro no
momento do acidente, sobre a Williams de Senna retratada
nesta mesma página).
- Família evita falar sobre morte (além de sub retrancas com
“Senna não queria correr”, em depoimento de Adriane Galisteu,
e “Nuno Cobra culpa pista”, em depoimento do treinador do
piloto).
- “Barrichello lamenta perda do ídolo (com sub “presidente
decreta luto” e entrevista de Nelson Piquet criticando o
circuito de Ímola, onde ele também se acidentou em 1987)
- “Prost culpa dirigentes por pesadelo” (com o rival de Senna
falando sobre os perigos crescentes do automobilismo, a
preocupação dos dirigentes apenas com os lucros e seu descaso
com a segurança), além de repercussão com outros campeões
mundiais, como Juan Manuel Fangio, aquela altura o recordista
maior, com cinco títulos, e Emerson Fittipaldi.
- “FIA ignora defeitos de Imola” (falando dos antigos
acidentes na pista, como os de Piquet em 1987 e Gerhard
Berger em 1989)
- “Williams silencia sobre acidente” (sobre a equipe de Senna
no acidente)
- “Piloto vivia auge como empresário” (citando os negócios do
piloto fora das pistas, entre eles revista em quadrinhos
Senninha, voltado para o público infantil e que começou a
circular em março com 150 mil exemplares);
- “Tricampeão da F-1 foi garoto trapalhão” (citando passagens
de sua infância narrado pelos pais, Neide e Milton, e também
a trajetória na F-1, incluindo as partes mais polêmicas de
brigas contra o presidente da FISA (Jean Marie Balestre) e
Nelson Piquet, além de citar o bom momento da vida do piloto
fora das pistas, com seu namoro com Adriane Galisteu e sua
fortuna pessoal aumentando
28
).
- Também há ao longo da edição um pôster de uma página do
piloto algumas séries: “Retratos”, com fotos de vários
momentos do tricampeão (como a de Senna dando o pontapé de um
amistoso entre Brasil e França, em Paris, dez dias antes de
morrer
29
, ou de seu treinamento físico no Cepeusp ou ainda
28
A reportagem da Folha de S. Paulo cita a revista “Forbes” que retrata, em
dezembro de 1993, que Senna era o terceiro esportista mais bem pago do mundo, ao
receber US$ 18,5 milhões, só em salário. A liderança deste ranking era o ídolo do
basquete americano, Michael Jordan.
29
Curiosamente, o título desta foto legenda na Folha de S. Paulo é “País da F-1”
andando em um caça da aeronáutica), “Números“ (como o que
destaca que os acidentes fatais na F-1 foram 19 no anos 50,
26 nos 60, 19 nos 70, 4 nos 80 e apenas os 2 daquele final de
semana nos anos 90) e “frases marcantes” (como sua
expectativa para a temporada de 1994, agora na Williams).
Outro grande destaque da cobertura da morte de
Ayrton Senna foi o caderno especial de “O Estado de S. Paulo”,
com 12 páginas, mesmo número do suplemento do “Jornal da
Tarde” dedicado ao tema, com espaço também para a lamentação
dos fãs - uma delas, no JT, conta da dificuldade em acreditar
na história, pois achava “Senna imortal”. As reportagens
destes dois veículos, com menos didatismo que as da Folha e
mais incisivas no conteúdo editorial de revolta contra a
tragédia, permearam os dois cadernos com alguns destes
destaques:
- “Pais de Senna viram acidente pela TV na fazenda de Tatuí”;
- “Nuno Cobra, sedado, passa o dia chorando”;
- “Ninguém da Williams foi ao hospital”;
- “Senna encontra a morte numa curva de Ímola”;
- “Pista assassina” (citando que Senna foi o 10º piloto a
morrer em Imola)
- “Senna havia criticado circuito de Ímola em março”;
- “Um artista em busca de limites para superar”
- “Grandes acidentes” (que destaca os perigos da F-1,
apontando um importante dado, que, embora tenha sido o 48º
piloto da categoria a morrer em um acidente, foi o primeiro
campeão mundial que faleceu em uma corrida válida pelo
campeonato em toda a história).
- “Morte foi causada por traumatismo craniano”
- “Em artigo, Senna previu perigos” (reprodução do texto
escrito pelo piloto em março e publicado no jornal, citando
Além da extensiva cobertura jornalística dos
fatos que envolveram a morte de Ayrton Senna em cadernos
especiais, os jornais diários também apostaram em editorias
falando do tema e alguns cronistas para dar suas impressões
sobre o assunto que tomou conta do país, como o caso do
escritor João Ubaldo Ribeiro, que escreveu em “O Globo” o
texto “A morte e a morte de Ayrton Senna”. Também marcaram as
edições especiais diversos anúncios de agradecimento de
grandes patrocinadores, como “Banco Nacional” e Marlboro -
esta publicidade inclusive cresceu com o passar dos dias, já
que a cobertura continuou grande nestes veículos naquela
semana.
Na quarta-feira, O Estado de S. Paulo tinha como
manchete de primeira página “São Paulo homenageia seu ídolo”,
descrevendo a chegada do corpo à cidade. No dia seguinte, o
título era “Mais de um milhão dão adeus a Senna”, com caderno
especial, com dez páginas, reunindo várias imagens da
carreata que parou a cidade e do velório, que “reuniu mais de
250 mil admiradores”
30
. As reportagens descreviam o cortejo
como digno de chefe de estado, descrevendo que “muita gente
empunhava bandeiras brasileiras. Muitos choravam timidamente,
alguns choravam compulsivamente”. Também revelou que “gente
simples ou não, jovens e idosos, enfrentaram até 12 horas de
espera para um gesto de 30 segundos (para se despedir de
Senna na Assembléia Legislativa). O tempo não importava,
importava a missão – a de Ayrton, já estava cumprida”. O
jornal ainda destacou frase do irmão do piloto, dizendo que a
própria família não “sabia que o povo brasileiro amava tanto
Senna”. Na sexta-feira, 6 de maio, o assunto voltava o ocupar
a manchete principal de “O Estado de S. Paulo”, com “Pilotos
se revoltam no enterro de Senna”. Neste mesmo dia, a “Folha
30
Título de O Estado de S. Paulo no caderno especial, página 3, de 5 de maio de
1994.
de S. Paulo” destacou em sua maior manchete, que “Senna tem
honras de presidente no enterro”, ocupando meia primeira
página, junto da foto com os pilotos carregando o caixão no
enterro em São Paulo.
A semana também foi marcada pelo surgimento de
várias edições especiais de revistas que muitas vezes só
tratavam de automobilismo para o noticiário de celebridade.
Destaque para Caras (“Brasil de luto na despedida de Ayrton”
e “Os pais dizem que o filho pertence ao mundo”), Contigo
(“Xuxa e Adriane Galisteu choram no adeus final, enquanto
milhares de pessoas, emocionadas, prestaram homenagem ao
ídolo que tantas alegrias deu ao Brasil”), Gente Fatos e
Fotos (com álbum da história do “gênio das pistas e suas
muitas faces”), Manchete Histórica (“Na dor e na revolta da
despedida, os gigantes das pistas uniram-se enquanto um
verdadeiro formigueiro humano canonizava o ídolo”) e também a
semanal Veja, que acabou circulando em edição extra sobre a
morte de Senna (“O Brasil foi acordado com a notícia do
acidente do piloto. Aos poucos, uma corrente de emoção e dor
tomou conta do país. Nos estádios de futebol, as torcidas e
os atletas homenagearam o piloto”).
As revistas especializadas também agiram rápido e
soltaram especiais, como a Auto Esporte (“Vencer sempre foi
pouco”, em perfil traçado pelos jornalistas Wagner Gonzales e
Marcus Zamponi, que acompanhavam a carreira do piloto) e, em
um caso mais emblemático, a Grid. Os números, conforme
depoimento do repórter da época, Luiz Alberto Pandini,
ilustram bem a dimensão do fenômeno Ayrton Senna na mídia
naquela semana. Em 1993, mesmo com o auge da carreira do
piloto na F-1, a revista especializada vendia em média de 4 a
5 mil exemplares por edição. Mas a revista especial com a
cobertura da morte de Senna vendeu 70 mil exemplares e o
especial sobre o piloto esgotou os 120 mil colocados nas
bancas - e depois a nova tiragem, de 50 mil. Para o repórter,
uma comoção como esta só teve paralelo na história do país
com a morte de Getúlio Vargas, possivelmente também por seu
desfecho trágico e inesperado - algo que não aconteceu na
morte de Tancredo Neves, que, hospitalizado há vários dias,
acabou falecendo e também causando comoção nacional.
Com títulos fortes na capa, “Como a F1 Matou
Senna” e “O GP da Morte”, a Grid tentou trazer todos os
detalhes sobre o ocorrido naquele primeiro de maio de 1994 em
Imola, além de imagens de toda a carreira do piloto não
apenas na F-1, mas também antes de chegar na categoria, nas
categorias de base como F-3 e kart. Descreve ainda com
riqueza de depoimentos todos os acontecimentos daquela final
de semana, inclusive com os outros acidentes ocorridos antes
de Senna, além de esmiuçar todas as hipóteses levantadas na
ocasião para explicar o acidente. A revista também destacou
de forma quase literária a tragédia na Itália:
Veio o choque, terrível, insuportável, cruel - e o super homem da
velocidade estava vencido, com a cabeça explodida num muro de
concreto. Destruído dentro de seu carro, parecia um menino frágil
diante da violência da vida. O grande Ayrton Senna estava morto.
Ninguém mais iria ultrapassá-lo. Ele saiu da vida em primeiro lugar
e agora vive para sempre como um mito. (in “Grid”, p. 31, 1994)
Não foi apenas no Brasil que a cobertura
jornalística da morte de Ayrton Senna tomou conta de dezenas
de programas de TV, rádio e páginas de jornais e revistas. A
repercussão internacional foi suntuosa, conforme aponta o
livro “Ayrton Senna do Brasil”, escrito pelo jornalista
português Francisco Santos. Em sua terra natal, destaque para
as coberturas de “A Bola” (Senna, a morte em primeiro lugar)
e Correio da Manhã (“num grande prêmio malfadado, Ayrton
Senna caiu no cemitério de Imola”).
Na Alemanha, o “Die Welt” destacou que a F-1 teve
em Imola o seu final de semana mais negro em 44 anos de
existência. Na Espanha, as manchetes dominaram os principais
jornais, como “El País” e “El Mundo Deportivo” (“Desaparece
um piloto superdotado. Senna não era só um número popular e
espetacular; era, aos 34 anos, quase um herói, como foram
antes Fangio, Lauda, Clark, Nuvolari e outros poucos mais. O
impacto de Imola converteu-o num mito”). Os jornais franceses
destacaram o perfil perfeccionista de Senna, com suas
conquistas (o rei de Mônaco, como definiu o periódico
esportivo L’Equipe). Já o Liberation ressaltou que o acidente
evidenciou os riscos do esporte a motor - mesma linha do “Le
Figaro”, que chegou a escrever que “A Formula 1 é cruel. Os
jogos do circo sempre foram cruéis”. A revista especializada
francesa Sport Auto fez um especial de 40 páginas com o
piloto, mesma linha adotada por outras conceituadas revistas,
como a inglesa Autosport e a Autosprint italiana (com a
histórica capa “É morto”). Também na Itália um dos destaques
foi a cobertura de um dos jornais esportivos mais
tradicionais do mundo, o “Gazzeta dello Sport”, que estampou
“Com Senna muore questa Formula 1” (com Senna morre esta F-1),
dedicando mais de um terço de suas 30 páginas para o tema
(algumas bem ácidas, como “a tragédia no mar de hipocrisia).
Até nos Estados Unidos, onde a F-1 é acompanhada
com pouco interesse, em especial naquela época (em que o país
sequer participava do calendário da categoria), a notícia foi
destaque, como retrataram os de maior circulação e prestígio,
The New York Times (“um esporte entristecido perde um gigante
com a morte de Senna”) e USA Today (“Senna era o maior ídolo
do esporte brasileiro desde Pelé”). Além disso, vários
programas de TV foram dedicados ao tema nas TVs
internacionais, como um dos programas mais respeitados do
meio científico na TV, o “Últimos Segundos”
31
, retratou a
batida de Ayrton Senna em especial no ano 2000, mostrando que
31
A série é exibida no Brasil pelo canal a cabo Discovery Channel
as causas do acidente que provocou a morte do piloto ainda
hoje povoando o imaginário do Brasil e do mundo, fato que se
veria com ainda mais força em 2004, quando se completaram dez
anos da morte de Senna.
CAPÍTULO IV A NECESSIDADE DO HERÓI NO ESPORTE VISTO PELO
JORNALISMO
4.1 A perda do herói
Em texto publicado no dia 2 de maio de 1994 no
jornal “O Estado de São Paulo” na cobertura da morte de
Ayrton Senna, o piloto brasileiro expunha seus medos diante
de acidentes graves na F-1, como o do irlandês Martin
Donnelly na pista espanhola de Jerez de la Frontera.
“Uma batida como esta desperta coisas dentro da gente que
normalmente não existem. É uma batalha interior, uma verdadeira
guerra psicológica, uma situação que mexe com a razão da gente
mesmo quando se quer controlar a cabeça e os instintos. Acidentes
mostram como somos frágeis e um erro, um simples problema mecânico,
pode nos deixar mentalmente, fisicamente debilitado ou até mesmo
nos tirar a vida” (AYRTON SENNA, in O Estado de S. Paulo, 1994, p.
X5)
A existência do risco no esporte a motor faz
parte do imaginário do público que acompanha os eventos e,
como se vê nesta declaração de Ayrton Senna para O Estado de
S. Paulo, também habita a mente dos pilotos, ainda que de
forma tímida. As credenciais de acesso aos autódromos em todo
o mundo, inclusive as distribuídas ao público e aos
jornalistas, portam o aviso de certo ponto sinistro:
‘motorsport is dangerous’ (esporte a motor é perigoso). Mais
do que uma preocupação com eventuais processos em caso de
acidente, a frase parece estar ali para dar ainda mais
importância àquela corrida. Não é de se estranhar que a vida
de um piloto, desafiador das leis da física, amante da
velocidade e que enfrenta a morte, seja um personagem de
admiração em todo o mundo _um herói propriamente dito,
lembrando que “quando se torna modelo para a vida dos outros,
a pessoa se move para uma esfera tal que se torna passível de
ser mitologizada” (CAMPBELL, 2005).
A existência de Senna se contrapõe a da maioria
dos cidadãos, que a miram como exemplo, mesmo havendo o risco
de se perder tudo em uma batida fatal, como ocorreu com o
piloto brasileiro, que, enquanto mito ajudava o povo
brasileiro “a colocar sua mente em contato com essa
experiência de estar vivo” (Campbell, 2005). A própria morte
de Senna pode ser vista como um final redentor já que, como
escreve Sigmund Freud, “do que nos vale uma vida longa se ela
se revela difícil e estéril em alegrias, e tão cheia de
desgraças de que só a morte é recebida por nós como
libertação?”(FREUD, 2000, p. 40)
32
. No caso do piloto
brasileiro, a morte pode ser um ingrediente a mais para uma
consagração gloriosa, pulando o personagem em questão do
rótulo de herói para o de mito.
O mesmo Freud, que fala da dificuldade do homem
em aceitar a perda, foi citado em diversos artigos que
tentaram explicar o fenômeno de comoção causado pelo acidente
no dia 1º de maio de 1994. Não é por acaso que muitas
manchetes exploraram justamente esta lacuna deixada na
sociedade brasileira por conta da morte de Senna, talvez a
mais emblemática delas com o Jornal do Brasil do dia seguinte
ao acidente na Itália: “Brasil chora a morte de um herói”,
seguida do seguinte texto de abertura:
A morte de Ayrton Senna deixou o país consternado. O Brasil ficou
órfão de ídolos, disse em São Paulo o advogado Adilson Carvalho,
chefe da Torcida Ayrton Senna (TAS), sem esconder o pranto”. (IN
Jornal do Brasil, 2 de maio de 1994, capa)
A crônica de Raul Drewnick, publicado em O Estado
de S. Paulo, também no dia seguinte da morte de Senna,
ressalta bem a dificuldade de aceitação da perda do ídolo
nacional e do porque de tanto sofrimento da população, com o
interessante título de “Cada um de nós morreu um pouco”:
32
Análise apresentada no X Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, em Porto
Alegre, de 4 a setembro de 2005.
Você era a nossa esperança. Quando você punha o capacete, púnhamos
o capacete com você. Quando você entrava no carro, entravamos no
carro com você. Quando você acelerava, acelerávamos no carro com
você. E a nossa pequenez, e a nossa insignificância, e a nossa
incontornável incapacidade, e o nosso irremediável destino de
obscuros coadjuvantes eram esquecidos enquanto perseguíamos com
você, em cada reta, em cada freada, em cada curva traiçoeira, em
cada manobra arriscada, a glória da liderança, o posto supremo do
pódio, os braços erguidos, a taça ostentada. (...). Você era nosso
orgulho, a nossa alegria, a nossa cachaça, a nossa consolação.
(...). Se um de nós vence como esse, se um de nós é respeitado como
este, por que não havemos de lutar, por que não havemos de vencer,
por que não havemos de ser respeitados um dia? (...). Você morreu,
Ayrton. Morremos também, um pouco. Como morrem os coadjuvantes.
(Raul Drewnick, in O Estado de S. Paulo, 2 de maio de 2004)
Tambucci também analisa esta questão importante
sobre a perda do herói, acrescentando que “ao falar sobre a
vida particular do ídolo, esse discurso (da mídia) permite
que seus interlocutores estabeleçam uma relação mais estreita
com ele (ídolo), a ponto de percebê-los como um amigo ou
parente”. O autor ainda destaca depoimentos de autoridades,
como o governador do Estado de São Paulo na ocasião, Luiz
Eduardo Fleury, de que “parece que perdemos alguém da
família”, ou de Paulo Maluf, o prefeito da cidade onde Senna
nasceu e foi sepultado, São Paulo, “dá a impressão que a
gente está perdendo um ente querido”, para estabelecer um
interessante paralelo da cobertura da mídia e a dificuldade
em aceitar a perda, algo que é natural ao ser humano.
Quando a mídia focalizou e acompanhou detalhadamente os fatos sobre
a morte de Ayrton Senna da Silva, do acidente ao sepultamento,
foram televisionadas e, até mesmo, publicadas algumas entrevistas
realizadas com representantes dos mais diversos segmentos da
sociedade. Pôde-se observar, a partir destes depoimentos
33
, o
quanto o esportista havia se tornado próximo às famílias
brasileiras, ultrapassando as fronteiras que, geralmente, separam
as pessoas comuns. (TAMBUCCI, 2000, p. 67)
Esta estreita relação entre o poder da mídia e a
conseqüente massificação da entrada do ídolo no cotidiano e a
33
Depoimentos analisados no artigo de Cibele M. Dugaich, A construção do herói-mito de Ayrton Senna na
mídia, apresentado no IV Compôs, na Universidade Federal de Brasília, agosto de 1995. Nota do autor.
vida do cidadão comum, explicitadas de forma suntuosa no caso
de Ayrton Senna, é apontada por Antônio Álvares Soares Zuin
(1998, p. 128), que, também baseado no pensamento freudiano,
ressalta a “identificação proveniente do reconhecimento
coletivo de identidade de consumidores, identidade essa
legitimada e incentivada cotidianamente pelos meios de
comunicação de massa”. Mas, da mesma forma que a mídia nos
faz vibrar com as conquistas do herói, ela também nos faz
sofrer com a perda em igual ou até mesmo em maior proporção,
como se pode observar pela análise dos autores citados acima.
Só que esta dificuldade de aceitar a separação com algo ou
alguém que tanto prezamos não vem de hoje e, pelo contrário,
pode ser explicada desde os tempos mais remotos da sociedade
humana, constituindo assim farto material para que o caso em
questão, o de Senna, fosse analisado com base mitológica ou
até mesmo com base nos estudos dos nomes mais consagrados da
psicologia moderna.
A separação e perda são experiências humanas arquetípicas, e é
improvável que alguém passe pela vida sem este tipo de sofrimento.
As doutrinas religiosas estabelecidas sempre procuraram fornecer
respostas para o mistério do sofrimento, especialmente quando este
sofrimento parece injusto ou imerecido (GREENE, 1999, p. 166)
Esta análise enquadra-se bem quando se observa o
discurso da imprensa na cobertura da morte de Ayrton Senna,
que por diversas vezes tentou achar algum culpado pela morte
do piloto, com manchetes que exploraram o “ganancioso” circo
da Fórmula-1, que foi taxado de mesquinho e de egoísta não
apenas pelos jornalistas brasileiros, mas inclusive por
pessoas que vivem do esporte, inclusive no exterior. Um caso
interessante é citado pelo médico da categoria, o Dr. Sid
Watkins, que em seu livro “Viver nos Limites”, conta que
chegou a expressar o ponto de vista de que a “Fórmula-1
estivesse chegando ao fim de sua existência como nós, os mais
velhos, conhecíamos”, acrescentando que o “velho panache da
categoria estava perto de não ser mais aceitável”. E de fato
não foi apenas Watkins que teve esta observação naquele
momento. Vários campeões mundiais, inclusive os que estiveram
presentes no enterro de Senna dias depois, em São Paulo, não
pouparam críticas à F-1, em especial o rival do piloto
brasileiro, Alain Prost. Mostrando nitidamente a dificuldade
de aceitação da perda, os jornais trataram de colocar em
grandes manchetes cada frase mais ácida dos pilotos sobre a
categoria, como numa tentativa de encontrar uma justificativa
para a perda do ídolo, considerada por demais injusta. “A F-1
matou Senna” chegou a ser manchete literal em diversos
veículos, inclusive na mídia especializada. A Grid, por
exemplo, estampou em sua edição especial (nas bancas na mesma
semana da morte do piloto) que Senna “foi vítima de overdose
de ganância dos organizadores do grande prêmio, da
insensibilidade dos cartolas da F-1, da estupidez dos
responsáveis pela ‘segurança’
34
do circuito de Ímola e da
irresponsabilidade dos diretores de prova”. Nos dias
seguintes da morte de Senna, foi muito tratado o assunto
polêmico sobre de o piloto brasileiro havia morrido de fato
no Hospital Maggiore, em Bolonha, às 13h42, ou se teria já
perdido sua vida ainda na pista - o que, por regulamento da
própria F-1, deveria impedir o reinício da corrida de 1º de
maio de 1994 no circuito de Ímola. Até mesmo uma polêmica
envolvendo o principal dirigente do espetáculo, Bernie
Ecclestone, presidente da FOM (Formula One Managment), esteve
presente no noticiário. Logo depois do acidente, o irmão do
piloto, Leonardo Senna, teria procurado o inglês para saber o
real estado do brasileiro, e teria sido informado de que ele
estava morto. No entanto, Ecclestone jamais admitiu esta
34
As aspas foram colocadas pelo editor da revista, sugerindo a ironia sobre o
circuito, cuja falta de área de escape decente em curvas velozes como a
Tamburello foi severamente criticada pela imprensa. Logo no ano seguinte, a pista
italiana foi remodelada e chicanes foram acrescentadas antes das curvas onde
Senna morreu (Tamburello) e também no local do acidente de Roland Ratzemberger
(na “Villeneuve”).
hipótese, acrescentando que a falha de comunicação partiu do
momento em que o irmão de Senna não compreendeu a palavra em
inglês que ele teria dito (o dirigente afirmou que Senna
tinha grave ferimento na cabeça, head, o que Leonardo
interpretou como dead, morto). Problemas de tradução ou não,
o fato é que Ecclestone foi barrado pela família no dia do
enterro, e o problema definitivo sobre o horário da morte de
Senna só foi esclarecido dias depois, quando a autópsia
afirmou com todas as palavras de que Senna ainda tinha vida
quando chegou ao hospital - ainda que seu estado de saúde
fosse gravíssimo.
A busca por uma explicação decente sobre o que
afinal de contas aconteceu para provocar o acidente, no
entanto, seguiram na mídia por mais de semanas: mesmo anos
depois, como em 1997, quando o caso foi reaberto na Justiça
Italiana, a imprensa mundial, e em especial a brasileira,
tratou de abrir espaço para o tema. Na Itália, inclusive, o
chefe da equipe Williams e outros integrantes do time
chegaram a ter o pedido de prisão expedido por promotores
locais, mas o caso acabou sendo arquivado anos mais tarde.
Estes episódios, no entanto, ilustram a intensa necessidade
de como a sociedade, após o grande sofrimento com a perda,
busca encontrar respostas para explicar a tragédia.
E essas respostas, apesar de freqüentemente serem insatisfatórias
para a mente inquisitiva, têm fornecido algum consolo, ao longo dos
séculos, aos que buscam alívio para a sua dor. A mitologia,
entretanto, ao contrário do dogma religioso, nunca ofereceu
respostas para por que sofremos tanto ou sobre a maneira de
enfrentarmos o sofrimento, ou sobre o que Deus nos dará como
recompensa. Por outro lado, o efeito transformador do sofrimento
pode ser vislumbrado em muitos mitos, sugerindo que há um propósito
ou uma função mais profundos nas experiências que mais dor causam.
(GREENE, 2001, p. 166)
De fato, vários autores conseguiram identificar
na morte de Ayrton Senna um processo que iniciou uma
transformação social no país, e que ajudaram a mídia
esportiva a ganhar um âmbito de maior importância que a mera
cobertura jornalísticas de eventos supostamente de menor
relevância, que poderiam desviar o foco da atenção da
população a eventos de economia e política. Conforme lembra
Castilho de Andrade, ao citar a cobertura do grupo Estado
(que edita os jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde),
sua chefia no caderno especial sobre Ayrton Senna comandava
um grupo de mais de 40 profissionais, “algo jamais visto em
toda a história do jornal até então”, nas palavras de Andrade.
Para Edvaldo Pereira Lima, toda esta preocupação da mídia em
explicar cada detalhe sobre Ayrton Senna e o que afinal de
contas estava acontecendo com a sociedade brasileira naqueles
dias de 1994 era plenamente justificada. Em sua obra “Ayrton
Senna – Guerreiro de Aquário”, o jornalista relembra que “o
trágico final da vida de Ayrton Senna provocou a maior
comoção pública da história recente brasileira, embalada pelo
poder do impacto da televisão” (LIMA, 1995, p. 12). A forma
como se deu o acidente, de forma abrupta, a mais de 300 km/h
e captado ao vivo para milhões de telespectadores em todo o
mundo também ajudaram fazer com que as pessoas, “estremecidas
pelo choque que as pegou na contramão daquele domingo de
primeiro de maio, as pessoas se igualavam socialmente pela
dor comum” (LIMA, 1995, p. 17). Vale lembrar ainda que nunca
ocorrera de um campeão morrer nestas circunstâncias na
história do automobilismo mundial, mesmo em se tratando a F-1
de um esporte de risco e de ampla cobertura da mídia desde os
anos 70. Isso explica também o grande impacto da notícia no
jornalismo esportivo e o conseqüente transbordamento para
outras áreas da sociedade, sobretudo pela importância de
Senna e ineditismo da situação. Liz Greene, em seu “Uma
viagem através dos Mitos – O Significado dos Mitos Como um
Guia para a Vida”, aborda um tema que se encaixa exatamente
nesta análise de que, como retratou Lima, a dor pela perda de
Senna de certa forma unificou a toda a sociedade brasileira.
O efeito transformador do sofrimento pode ser vislumbrado em muitos
mitos, sugerindo que há um propósito ou uma função mais profundos
nas experiências que mais dor nos causam. Há uma curiosa qualidade
terapêutica nos mitos que nos contam histórias de separação e perda,
pois neles podemos descobrir um espelho de nossas próprias
situações e perceber que não estamos sozinhos. É possível, se
consideramos com suficiente profundidade a perspectiva oferecida
pela mitologia, que a única cura verdadeira para o sofrimento
humano provenha do compartilhamento e da compaixão humanos, e não
das respostas enganosas e simplistas que dizem explicar um dos
maiores enigmas da vida (GREENE, 1999, p. 166)
O elo entre a vida de Ayrton Senna e elementos
básicos da mitologia também foi amplamente abordada pela
mídia esportiva, sobretudo nos dias seguintes na cobertura da
morte do piloto. Em artigo “Senna passa de herói a mártir”,
João Batista Natali explica que o piloto, além de ser “um
herói para seus admiradores”, depois de sua morte ampliava “o
espaço ocupado por sua imagem na mitologia do cotidiano
moderno para se tornar bem mais que isso”, sendo agora “um
mártir”. O autor ainda destaca que “o herói é aquele que se
arrisca sem ter um inimigo concreto” e que sua morte em
torneio é sempre acidental, “trágica porque inesperada no
interior da mitologia que o sustenta”.
Outro cronista convocado a escrever sobre o que a
perda de Ayrton Senna representava para a sociedade
brasileira foi João Ubaldo Ribeiro. Em artigo publicado no
jornal “O Globo” na segunda-feira seguinte ao acidente em
Ímola, o escritor também utilizou a mitologia grega para
tentar explicar o momento de comoção nacional:
Ayrton Senna, como Aquiles, teve uma vida gloriosa, porém curta.
Talvez ele mesmo a haja escolhido, como fez Aquiles. Só sei que
perdemos mais de nossos poucos heróis. Ele não está morto, um herói,
na verdade, nunca morre. Mas nós estamos de luto. (João Ubaldo
Ribeiro, 1994, in “O Globo”).
Ribeiro não sabia na época em que escreveu seu
artigo, mas já acertara um prognóstico de que tomaria conta
do país o sentimento de luto e imenso vazio na sociedade
brasileira, verificado dias seguintes no velório e funeral do
piloto em São Paulo, como também aponta Livio Oricchio,
repórter que cobria as corridas para o Grupo Estado no
calendário da Fórmula-1. Ele também acompanhou a repercussão
internacional do evento e, segundo o jornalista, o fato de
Senna ter simplesmente “parado uma nação com cerca de 180
milhões de habitantes é um fato jornalístico de relevância
para qualquer mídia do planeta”, relembrando que o piloto,
“além de um herói nacional, também é considerado até hoje o
esportista mais carismático da história da F-1”
35
.
Outro jornalista do grupo Estado, não da área
esportiva, mas sim da cultural, Daniel Piza, dá ainda mais
ênfase às análises de Andrade, Lima e Oricchio. Autor do
livro “Ayrton Senna – o Eleito”, Piza aponta, na ocasião do
décimo ano da morte do piloto, que seus feitos não foram tão
brevemente esquecidos pela população como muitos apontavam
que aconteceria em 1994. Para o estudioso, a morte trágica e
a preocupação de Senna em se tornar um ídolo nacional não
explicam a dimensão do fenômeno no Brasil e no mundo e também
a comoção causada com a perda deste ídolo.
Senna criou um tipo de ídolo esportivo que o Brasil desconhecia.
Entre 1984, ano de sua primeira corrida, e 1994, ano de sua morte
em Ímola, o país vivia uma relativa carência de histórias de
sucesso no esporte, a começar pelo favorito futebol. A brilhante
geração de Zico, Sócrates e companhia tinha falhado nas Copas de
1982 e 1986. Além disso, o Brasil vivia momentos mistos na política
e economia. A reabertura democrática margeava o precipício
econômico, entre idas e vindas de planos milagrosos e malogros
contundentes. O que Senna representou para o país naquele período
foi um modelo de determinação e modernidade que não tinha igual
(PIZA, 2004, in O Estado de S. Paulo).
35
Depoimento dado ao autor em 21 de Janeiro de 2006.
Outro artigo publicado em 2004, quando o assunto
Ayrton Senna voltou a ganhar mais páginas e páginas de
revistas e jornais e horas de audiência em TV e rádio,
destaca os momentos nacionais de comoção - e coloca a morte
de Ayrton Senna como certamente um dos maiores. Marcos
Caetano aponta que “poucos dias foram tão tristes quanto
aquele 1º de maio de 1994”
36
, citando que apenas as mortes de
Tancredo Neves e Getúlio Vargas e a derrota na Copa de 1950
(no Maracanã, contra o Uruguai) causaram semelhante comoção.
Assim como Piza, Caetano deixa de fora desta lista a
igualmente dolorosa eliminação na Copa de 1982 (que ficou
célebre no Brasil como “a tragédia do Sarriá”, em referência
ao nome do estádio espanhol onde o Brasil perdeu da Itália
por 3x2) e a não-aprovação da emenda da Diretas-Já, em 1984.
Com o sugestivo título de “no vácuo de um ídolo” (a
comparação com o uso recorrente do termo vácuo na F-1 foi
também uma marca da cobertura sobre a perda de Senna),
Caetano aponta que, “mesmo que fosse brasileiro, Schumacher
não seria um mito”, apesar de todos os recordes da F-1
pertencerem ao piloto alemão - restando apenas o de pole
position, que a imprensa brasileira acompanha com particular
interesse, já que é o único que ainda pertence a Ayrton Senna
(até o início da temporada de 2006 da F-1).
Os elementos da mitologia utilizados para
explicar o fenômeno de comoção causado no país com a perda de
Senna também permearam as páginas de esporte em 2004. Um
claro indício que o jornalismo esportivo precisava encontrar
fora de suas fontes, em geral escassas de referências
culturais, outro tipo de embasamento para tentar explicar o
fato sem dúvida dos mais relevantes de sua história no Brasil,
ainda mais se levarmos em conta os depoimentos de jornalistas
como Andrade, Leme, Oricchio e Pandini, que apontavam o
36
Publicado em O Estado de S. Paulo, em 3 de maio de 2004, na página E2
automobilismo como “disparado o esporte de segunda maior
relevância de mídia naqueles anos 90”, atrás apenas do
futebol e que, ainda assim, parecia ameaçar esta hegemonia em
alguns momentos devido ao fraco histórico recente de
conquistas do esporte de Pelé.
A mitologia grega diz que os heróis estão entre os deuses e os
homens. Não são nem um nem outro, ficam no meio do caminho. A
mitologia de nossos tempos, se é que existe uma, simplifica bem o
processo. Na falta de deuses e diante de uma massa ignara e sedenta,
pinça meia dúzia que merecerá os louros e o olimpo através de
diferentes processos lucrativos. Mas como disse certa vez Martina
Navratilova
37
, a diferença entre o artista e esportista é que um
atua e o outro tem de fazer de verdade. Exatamente por isso, por
fazer de verdade o que poucos conseguem fazer, acabam sendo
chamados de heróis. Faz sentido, portanto, chamar Senna de herói
(MARIANTE, 2004, in Folha de S. Paulo).
Com opiniões praticamente unânimes entre toda a
mídia esportiva, não era de se estranhar que, em 2004, quando
se completaram dez anos sem Ayrton Senna, o jornalismo
esportivo mais uma vez recheasse suas páginas e horas de
mídia eletrônica com farto material sobre o piloto brasileiro.
Uma cobertura extensa que mostra o quanto o fenômeno ainda
está enraizado na sociedade brasileira e como a imprensa
especializada ainda buscava um herói nesta área do
automobilismo.
4.2 A cobertura jornalística dez anos depois e o legado
social de Senna
O noticiário do jornalismo esportivo e, mais do
que isso, toda a mídia em geral destacou Ayrton Senna em 2004
quase de maneira tão intensa quanto na época de sua morte,
dez anos antes. Não por coincidência, as mesmas editoras que
lançaram títulos especiais na ocasião da cobertura da
tragédia no circuito de Ímola, em 1994, voltaram às bancas
37
Esportista com maior número de conquistas na modalidade feminina do tênis
profissional no mundo
com revistas trazendo mais e mais dados, fotos, notícias e
análises sobre Ayrton Senna. Foi difícil encontrar algum
veículo de mídia que tenha se ausentado do tema, e mesmo as
revistas semanais de maior circulação, em geral avessas às
manchetes relacionadas ao esporte em detrimento da política e
economia, não pouparam espaço para se dedicar, mais uma vez,
ao automobilismo, esporte que naqueles dias de maio de 2004
parecia novamente rivalizar com o futebol pelo espaço
jornalístico, exatamente como em seus tempos áureos dos anos
1990.
As duas principais semanais do país, Veja e Isto
É, publicaram reportagem de capa sobre tema referente ao
ídolo esportivo. No caso da revista editada pela Abril, a
manchete foi “Os Segredos da vida de Ayrton Senna”, tratando
da biografia escrita por Ernesto Rodrigues (Herói Revelado,
em que ouviu 213 pessoas em sete países) que “esclarece os
mistérios de sua vida amorosa e disseca a genialidade deste
herói brasileiro”. O tom da cobertura mostrou bem o lado da
imprensa não-esportiva apreciava no piloto: o de celebridade
e mito, trazendo desta forma títulos que retratavam esta
análise.
- Os segredos de Senna
- O boato ferino (sobre a briga com Piquet questionando sua
sexualidade)
- Papai Noel em Nova York (sobre uma passagem no romance com
a apresentadora Xuxa)
- Acidente premeditado (sobre o troco dado em Prost em um
acidente no GP do Japão em 1990)
- Namorada virgem (sobre Adriane Yamin, namorada de Senna em
1986)
- O telefonema grampeado (sobre uma suposta traição de
Galisteu captada em conversa telefônica pelo irmão, Leonardo
Senna)
- A razão da morte (com depoimentos de Frank Williams e
Bernie Ecclestone culpando o carro pelo acidente)
- Largando para a morte
- Ídolo santificado (“morte trágica dez dele um mito com uma
certa aura de santo”)
Com títulos chamativos, a Veja também não poupou
exaltações sobre a imagem de Ayrton Senna, mesmo dez anos
depois de sua morte, comparando o culto ao piloto no Brasil
com o da Argentina com Evita Perón ou Carlos Gardel. Desta
forma, aproveitou deste argumento para justificar o apelo
jornalístico de qualquer detalhe de sua vida pessoal, ponto
com o qual a biografia escrita por Rodrigues pretendia
esclarecer, já que as obras até então exploravam apenas os
lados de gênio (“ninguém pilotava como ele”), fanático (“por
sua dedicação quase integral ao esporte”), vítima (“golpes
baixos que sofreu de seus rivais Alain Prost e Nelson Piquet”)
e mártir (“por ter morrido num momento em que lutava para
melhorar as condições de segurança do automobilismo”).
Já a revista Isto É preferiu colocar Senna junto
com outras imagens de ídolos, como Che Guevara, Renato Russo
e Elis Regina, com a manchete “Nossos ídolos ainda são os
mesmos”, apontando as razões para esta exaltação se manter
até hoje a principal delas, porque o país é incapaz de formar
novos heróis. A publicação, de autoria dos jornalistas Chico
Silva e Sara Duarte, aponta que “o desaparecimento precoce do
piloto, aos 34 anos, provocou um vazio na alma dos
brasileiros”. A reportagem ainda faz mais uso de simbologias,
ressaltando que Senna, “um Silva, simbólica e tragicamente
morreu em um Dia do Trabalho”, sendo “o último grande
catalisador coletivo de emoção nacional”. Também, como a Veja,
mostra que a morte no auge e em sua plena juventude foi
ingrediente “essencial na construção do mito, que causou
comoção que o elevou a condição de semideus”. O texto
destaca ainda a importância do piloto na sociedade da época,
sendo “o derradeiro herói de um povo que, aos domingos,
pulava da cama cedo, atrás de uma dose de esperança para a
dura batalha semanal”.
Por fim, a revista Isto É também aponta que, em
2004, uma série de eventos celebrariam a memória do piloto
morto dez anos antes, e que por trás disso estaria o
importante legado social de Senna através do Instituto Ayrton
Senna (IAS).
De fato, o trabalho assistencial, comandado pela
irmã do piloto, Viviane Senna, teve fundamental destaque para
que a imagem do esportista permanecesse em alta na mídia e na
memória do povo brasileiro. Entre os jornalistas
especializados, todos destacaram a importância deste trabalho
desempenhado pelo IAS, sobretudo de acordo com os depoimentos
de Oricchio e Andrade.
Autores sobre Ayrton Senna também destacaram este
papel, como Francisco Santos e Lemyr Martins, e até mesmo
artistas plásticos, como Paulo Solaris, colocaram em suas
obras o mérito do legado que, iniciado pelo piloto justamente
meses antes de falecer, teve o trabalho mantido em seqüência
e de forma inédita no país pelos seus familiares.
Ayrton Senna levantou vôo e foi em busca de sua glória, que, uma
vez atingida, tornou-se um forte instrumento de paz. Já ao
entardecer de sua vida, percebeu que ela de nada serviria se não
pudesse ser revertida por uma causa maior. (SOLARIS, 2004, p. 11).
Os números de atendimento na área social
promovidos pelo Instituto Ayrton Senna marcaram a cobertura
jornalística dez anos após a morte do piloto. Os dados são
impressionantes
38
: suas ações já atingiram de sua criação até
2004, mais de 3,9 milhões de crianças e jovens em 24 estados
brasileiros, por meio de 3.375 parcerias com organizações
38
Números fornecidos pelo Instituto Ayrton Senna e que aparecem nos press
releases divulgados pela empresa para a mídia em 2004.
não-governamentais, escolas e universidades. Ao todo, segundo
dados do IAS, foram investidos mais de R$ 113 milhões nos
programas sociais do instituto. Números que ajudam a
explicitar o papel de Senna na sociedade brasileira mesmo
depois de sua morte, numa leitura que a imprensa tratou de
dar ao ídolo esportivo como um exemplo a ser seguido não
apenas por sua determinação nas pistas, mas pelos valores que
transcendiam as competições. Algo que o Brasil, como um país
ainda carente de modelos, necessitaria até hoje _lembrando
que “a nação necessita, de algum modo, de uma intenção, a fim
de atuar como um poder uno (Campbell, 2005)” e que coube a
mídia manter viva a memória deste modelo.
Além das revistas semanais já citadas (Veja e
Isto É), as bancas também estiveram recheadas de outras
publicações sobre Ayrton Senna por ocasião de maio de 2004. O
destaque maior foi para as revistas especializadas em
automobilismo, com a edição especial de Quatro Rodas, da
Revista Speedway e da Revista Racing.
Apesar de focar mais espaço aos automóveis em si,
a Quatro Rodas soube aproveitar o momento de memória de Senna
e republicou, junto com sua edição especial, uma coletânea de
colunas do piloto brasileiro na revista. Também lançou um
pôster especial e um “documento especial”, batizado de “Senna
completo”, de exatas 100 páginas retratando o tricampeão. A
revista trazia reportagens históricas publicadas na Quatro
Rodas, relatando “a vida na intimidade, os bastidores de suas
conquistas, as entrevistas reveladoras, o diário dos tempos
de iniciantes (relembrando inclusive de uma nota publicada na
revista, em 1978, sobre um jovem kartista de nome Senna aos
18 anos de idade)”. Também não faltaram títulos que
enalteciam o mérito do esportista, como ”no kart nasce o
futuro ídolo”, “quando Senna entrou para a história”, “meu
papo é com Deus”, “como me planejo para vencer”, “moldado à
perfeição” etc.
Mais focada nas corridas, a Speedway trouxe Senna
na capa, relembrando sua carreira na F-1. Já Racing trouxe a
edição especial, “A Saga de Ayrton Senna”, dividida em três
capítulos, contando as histórias de Senna na F-1 e
depoimentos seus em cada época: parte 1, o prodígio, parte 2,
o campeão, e parte 3, o mito. Mesmo revistas que lutavam para
se manter nas bancas aproveitaram a memória de Senna para
lançar edições especiais, como a “Máquinas & Pilotos” (que
também trouxe momentos da carreira de Emerson Fittipaldi e
Nelson Piquet) e “Heróis do Esporte”, publicando uma série de
fotos-legendas de diversos momentos da vida do piloto
brasileiro morto em 1994. Destaque também para a edição
especial da “Manchete” (10 anos sem Ayrton Senna – o homem, o
herói e o mito), que teve seu bom momento editorial quando
Senna era vivo (o piloto foi a capa da revista em sete
ocasiões), mas que há algum tempo não era publicada com
periodicidade - a cobertura, também no estilo “celebridade”,
privilegiou menos os atributos esportivos e mais a imagem da
vida pessoal, além de seus valores e sonhos e legado do
Instituto Ayrton Senna.
Os jornais diários também não ficaram para trás e
dedicaram várias páginas ao assunto. Alguns, como O Estado de
S. Paulo e Jornal do Brasil, publicaram um caderno especial,
exatamente como fizeram em 1994, e com manchetes que
certamente poderiam ser extraídas daquele ano, como vemos no
caso do JB:
- “a vida do piloto que só aceitava a vitória”;
- “a chocante morte na pista que fez o Brasil chorar”;
- “Galvão, o amigo e a voz dos grandes triunfos”;
- “Viviane, a irmã que zela pela imagem do mito Senna”.
Os textos davam tons míticos aos feitos de Senna,
como no texto de abertura do caderno, intitulado “O Último
vôo do menino que não tinha medo”:
Senna comandava carros como se mãos divinas orientassem os
movimentos dos pilotos. Nenhuma curva lhe parecia suficientemente
traiçoeira, nenhuma ultrapassagem se afigurava arriscada demais.
Fossem quais fossem o circuito, o clima, a temperatura, a colocação
na prova, ele só admitia pressionar com mais brandura o acelerador
subjugado pela perna direita no momento além do qual a morte
estaria à espera. O menino que pilotava como artista morreu,
coerentemente, no palco. Numa curva de Ímola, Ayrton Senna enterrou
o coração do Brasil. (Augusto Nunes, 2004, in Jornal do Brasil).
Pelo tom empregado na cobertura de automobilismo,
mesmo dez anos após a morte de Senna, percebe-se o tamanho da
responsabilidade herdada pelos pilotos que sucederam a honra
brasileira na F-1, como veremos mais adiante.
Além do Jornal do Brasil, outros veículos diários
da mídia impressa saíram atrás de algumas reportagens para
buscar contextualizar a importância de Senna neste período. A
Folha de S. Paulo, que em sua cobertura esportiva tende a
priorizar as matérias em que os números são apresentados de
forma a consolidar uma tese, o destaque na edição de 30 de
abril de 2004 foi a capa do caderno: “Dez anos após Senna,
F-1 atinge pico de segurança”, apontando que nenhum acidente
fatal fora registrado na categoria desde então e que mesmo os
acidente menos graves estavam bem mais escassos do que há dez
anos - reflexo, como a própria reportagem aponta, do esforço
de Senna em sua batalha da segurança e de sua morte em Ímola.
Neste ponto, assim como percebemos os números atingidos pela
magnitude da ação social do Instituto Ayrton Senna, percebe-
se que a imagem do piloto é ainda mais glorificada hoje
justamente porque vai ao encontro do que origina todo o
motivo de uma personalidade ser tratada de forma mítica por
uma sociedade: “o herói é alguém que deu a própria vida por
algo maior que ele mesmo” (Campbell, 2005).
Até mesmo outros suplementos do jornal deram
destaque ao dez anos sem Senna, como a “Folhinha”, voltada ao
público infantil, com a reportagem “Um talento atrás do
volante”, atingindo leitores que certamente não teriam idade
suficiente para se lembrar de quem o país começava a falar
tanto naqueles dias novamente. Um outro caso emblemático
também foi abordado pela “Folha de S. Paulo” e revistas como
“Isto É”, sobre dois pequenos meninos do interior de São
Paulo, um de seis anos, de Paulínia, e outro de sete, de
Sertãozinho, que se chamam Ayrton Senna da Silva e que correm
de kart, sonhando com a F-1, para por em prática o “plano de
repetir a trajetória do ídolo de seus país”. Um dos meninos
inclusive afirma que “quer cobrir a vaga que o Senna deixou
na F-1”
39
, um peso que os psicanalistas ouvidos pela
reportagem são unânimes em afirmar que podem tornar as
crianças “adultos frustrados”. Esta reportagem, bem como a da
homenagem prestada a Senna no GP de F-1 de 2004 pelo amigo e
piloto Gerhard Berger, e pela Jordan (que estampou o rosto de
Senna em seus carros), foi destaque na primeira página do
jornal, mostrando a relevância do assunto em nível nacional
para o veículo de maior circulação do país.
As rádios e TVs também deram ampla cobertura para
os dez anos sem Senna. Os programas “Rock Motor”,
especializado em automobilismo da Rádio Transamérica, Pole
Position (Rádio Bandeirantes) e Fórmula Jovem Pan (Jovem Pan)
dedicaram uma hora de programação com entrevistas e histórias
relembrando o tricampeão. Já nas TVs, o destaque ficou mesmo
com a TV Globo que, além de mostrar as homenagens de Senna em
todo o país e em Ímola, na transmissão do GP de F-1, também
produziu um “Globo Repórter” especial. O programa
jornalístico dedicou uma hora do horário nobre de sexta-feira
para trazer ainda mais detalhes da vida e da carreira do
39
Publicado na Folha de S. Paulo em 25 de abril de 2004, página E-1
piloto, com imagens de suas atuações nos GPs, suas férias em
Angra dos Reis e uma entrevista de Fátima Bernardes com a
família de Senna - que, à exceção de Viviane, é bastante
avessa a depoimentos sobre o filho ou irmão famoso.
Além das matérias usuais na exata data dos dez
anos da morte de Senna (incluindo as memórias e homenagens no
Cemitério do Morumbi), a cobertura esportiva deu amplo
destaque no GP Brasil de F-1, realizado em outubro de 2004. A
programação especial contou com uma volta em Interlagos da
Lotus da primeira vitória obtida por Senna na categoria, com
o bólido sendo conduzido por ninguém menos que seu sobrinho,
Bruno Senna, que tenta a carreira de piloto na F-3 Inglesa.
Também destaque para as exposições sobre Ayrton Senna que
marcaram a data na corrida brasileira, com a “Arte para
Senna”, do já citado artista plástico Paulo Solaris. Mas o
grande destaque foi o Senna Experience, ocupando um pavilhão
inteiro no Shopping Eldorado, que fazia com que seus
visitantes, com ingressos a partir de R$ 10, tivessem acesso
a um acervo de fotos, carros e objetos do piloto, além de
instalações multimídias onde o “público sentiria um pouco as
emoções de um piloto de F-1, assim como Senna”. A renda era
revertida ao Instituto Ayrton Senna, o que ajudou a difundir
nos meios de comunicação, inclusive na TV Globo, na qual a
exposição rendeu matéria de encerramento, com grande destaque,
no Jornal Nacional (geralmente avesso a “propagandas
gratuitas” de eventos promocionais).
Com tanta presença na cobertura esportiva, o
automobilismo voltou a ocupar um espaço em 2004 que há muito
não se fazia presente. Como veremos a seguir, a morte de
Senna implicou em uma série de mudanças no modo como a
imprensa começou a cobrir este esporte, evidenciando a
necessidade do jornalismo esportivo em pautar suas matérias
na esteira de um grande ídolo nacional.
4.3 A cobertura do automobilismo depois da morte de Senna
A importância de um assunto pode ser determinada pelo tempo em que
ele permanece em evidência na mídia. Tempo maior significa valor
maior. Trata-se de uma obrigação da imprensa: manter bem-informado
o público-leitor, que busca diariamente novas notícias sobre o tema
de interesse. (SCARDUELLI, 1995, p. 50).
Autor do livro “Ayrton Senna – Herói da Mídia”,
Scarduelli fez uma interessante análise: mesmo 100 dias
depois da morte de Senna, a mídia continuava publicando
notícias sobre o piloto. No entanto, se na semana do acidente
em Ímola chegaram às bancas 2,3 milhões de exemplares de
revistas extras, totalizando 432 páginas (destacando as 58
especiais de Veja
40
) e faturamento bruto de US$ 6,2 milhões
41
,
nos dias seguintes, a realidade foi bem diferente. Já depois
do dia 6 de maio, Senna não era mais a manchete principal dos
jornais, ainda que ficasse em destaque na primeira página até
10 de maio. O automobilismo foi saindo da mídia até um breve
retorno com o acidente grave de Karl Wendlinger no GP
seguinte ao de San Marino, em Mônaco. Até um mês depois de
sua morte, Senna continuava com pelo menos um bom destaque
por semana, mas assim que começou a Copa do Mundo, “o país da
pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues, deu um
descanso para Senna” (Scarduelli, 1995, p. 51). Tanto que,
entre 1º e 17 de julho daquele ano, com o campeonato de
futebol entrando em sua fase decisiva, não foi publicada uma
única reportagem sobre Senna na Folha de S. Paulo. Foi
somente com a conquista do tetracampeonato de futebol, nos
Estados Unidos, que o automobilismo voltou a ter destaque na
mídia, já que os jogadores fizeram questão de homenagear
Senna.
40
A edição sobre Senna foi a quarta até então na história da revista. As outras
três foram a indicação de Ernesto Geisel para a Presidência da República em junho
de 1973, a morte de Juscelino Kubistchek em agosto de 1976 e o impeachment de
Fernando Collor em setembro de 1992.
41
Dados da Newsletter Deadline, citadas no livro “Ayrton Senna – Herói da Mídia”.
O tetra não saiu de suas mãos. Saiu de seu exemplo de tenacidade e
luta, transferido, como imã, para os craques do futebol. Mal
terminava a partida decisiva na Copa, os jogadores, noutro gesto
comovente, surpreendem com a faixa “Senna, aceleramos juntos, o
tetra é nosso”. (LIMA, 1995, p. 138).
A homenagem a Senna comoveu a população, mas não
os editores de esporte: o automobilismo não voltaria à mesma
proporção de páginas e horas de audiência dedicada como antes.
Em reportagem publicada na semana seguinte ao GP de San
Marino de 1994, o Estado trouxe um texto bastante coerente
com a análise desta situação: “Formula 1 sem Senna perde o
atrativo humano”. A matéria de José Emílio Aguiar destaca que
a categoria sente os reflexos da perda de seu ídolo não
apenas no Brasil, mas em todo o mundo, já que, “pela primeira
vez desde 1959, quando o inglês Mike Hawthorne, detentor do
título, morreu em um acidente de estrada, a Fórmula-1 fica
sem um campeão nas pistas”. Aguiar aponta Schumacher, então
jovem promessa da categoria, como uma possível estrela que
ajudaria o bilionário esporte a sair desta incômoda situação,
mas ressaltava que até lá seriam necessários alguns anos para
que os fãs se acostumassem, em todo o mundo, a venerar ídolos
como Senna, Piquet, Mansell e Prost, que dominaram a F-1 nos
anos 80 e início dos 90. Para muitos torcedores brasileiros,
mesmo com o domínio total de Schumacher na categoria,
considerado por alguns especialistas como o melhor de todos
os tempos, esta falta de “atrativo humano” permanece até hoje,
e não são poucos os analistas, mesmo estrangeiros, que
consideram as conquistas de Schumacher mais relativizadas por
não haver rivais à altura do alemão nas pistas.
Outra analise interessante do texto, que também
escreve que “Rubens Barrichello não quer carregar a
responsabilidade de substituir Senna”, é sobre a postura da
Rede Globo. Uma reportagem acompanhando a matéria principal
destaca que a emissora “não admite queda na audiência da F-1”.
Em depoimento a O Estado, o diretor de esportes da emissora,
Ciro José, aponta que “a Globo não vende apenas corridas de
F-1, mas um projeto de comunicação para todo o ano e que isso
não deve ser alterado”. Como contraponto, no entanto, Aguiar
ressalta os dados de até então, que relevam a extrema ligação
do bom resultado de audiência com as performances de Senna:
“Várias pesquisas feitas durante os GPs já apontaram quedas
significativas de audiência, várias vezes com os números caindo
quase pela metade, depois que Senna abandonava. Com a morte do
piloto brasileiro, várias pessoas (...) já declararam que não vão
mais assistir corridas de F-1” (AGUIAR, 1994, in O Estado de S.
Paulo)
O autor também se baseava nas freqüentes
demonstrações do público brasileiro de sua paixão por Senna -
e não por automobilismo - como no GP Brasil daquele ano,
quando o brasileiro rodou a 13 voltas do final e, mesmo tendo
um piloto nacional em sua melhor corrida até então (Rubens
Barrichello, em quarto lugar), boa parte das pessoas deixou
as arquibancadas em Interlagos. Este descrédito com a atuação
dos pilotos do Brasil, como se veria meses depois, não
ocorreria apenas quando Senna roubava as atenções. Ela seria
ainda mais cruel com a ausência do ídolo nas pistas.
4.4 A aposta em Barrichello
Conforme aponta Mário Ciccone no texto “Uma
década sem Ayrton Senna”, a falta de atrativo humano apontada
pela reportagem de O Estado de S. Paulo logo uma semana após
a morte de Senna, se de fato criou um “grande vazio na F-1,
logo se modificou com a consagração de Michael Schumacher e
da Ferrari às glórias”, batendo recordes de audiência em
vários países. Para o Brasil, no entanto, a situação
permaneceu de ausência.“As viúvas de Senna são um fenômeno
quase que exclusivamente brasileiro. E grande parte desta
viuvez pôde ser notada no trabalho da imprensa esportiva”
(Mário Ciccone, 2004, p. 22).
De imediato, ainda em 1994, a audiência em si
continuou interessada em ver a F-1 apenas para ver a
repercussão da morte de Senna. Ou, como apontam Castilho de
Andrade e Livio Oricchio, os jornais, TVs e rádios já haviam
se comprometido com patrocinadores para realizar a cobertura
da temporada completa, então não haveria sentido em cortar
drasticamente o espaço para este esporte. Com apenas 21 anos,
Barrichello virou já no final de semana seguinte o sucessor
de Senna nas pistas - e sua situação era bastante
interessante. Depois da corrida de Ímola, ele era o vice-
líder do campeonato, atrás apenas de Michael Schumacher, um
resultado promissor para um jovem talento e que corria por
uma das equipes mais modestas do circuito, a Jordan.
Lutando contra a deficiência de seu conjunto,
especialmente do motor, Barrichello conseguiu resultados
dignos de nota, na opinião de Luiz Alberto Pandini, aquela
época à frente da Revista Grid, a principal especializada em
automobilismo. Oricchio também aponta que, naquele ano, o
brasileiro conseguiu a proeza de subir ao pódio (no Japão) e
marcar uma pole position (na Bélgica) e, mesmo depois da
perda de seu ídolo, continuou mostrando personalidade na
pista, tanto que terminou o ano entre os seis primeiros do
campeonato, com 19 pontos, e tendo recebido ofertas de outras
equipes mais poderosas para um futuro contrato, como a
McLaren e até mesmo a Williams, para o lugar que era de Senna
- o lobby britânico, no entanto, falou mais alto e David
Coulthard foi o escolhido.
Como recorda Livio Oricchio:
“Os resultados promissores em 1994, mesmo depois da saída
do Senna, fizeram com que o país se interessasse pelos passos de
Barrichello. No ano seguinte, sua equipe, a Jordan, teria ainda
mais estrutura, sendo apoiada por uma fábrica (a Peugeot), e isso
aumentou bastante as expectativas”. (ORICCHIO, 2006)
42
Este aumento de responsabilidade é apontado pelos
jornalistas especializados como um divisor de águas na
carreira de Barrichello, e, por conseguinte, a exposição do
automobilismo na imprensa esportiva. Em entrevistas para o
Brasil, o jovem piloto não teve medo em afirmar que ‘agora
não haveria desculpas para não vencer’, já que sua equipe
estava bem estruturada. Houve até uma nova procura de
empresas para patrocinar um brasileiro na F-1, e o caso mais
notório foi da Pepsi, que pagou o equivalente a US$ 8 milhões
para contrato anual com Barrichello, com direito de uso de
imagem, espaço no carro, no macacão, boné e participação em
propagandas de TV. Este acordo, por sinal, fez com que o
piloto cancelasse o contrato com a Arisco, que o apoiava
desde o início no kart, sendo o principal motivo da discórdia
entre Rubinho e Nelson Piquet, que na época também era
contratado da Arisco e considerou o ato de Barrichello como
traição a quem sempre o apoiou quando era um simples piloto
de kart.
Com a morte de Ayrton Senna, o caos gerado pela perda inaugurou a
nova ordem discursiva que transformou Senna em mito e que,
simultaneamente, abriu um vazio no discurso do marketing esportivo
que, por sua vez, tinha um importante produto de referência na
imagem do herói Senna.O discurso da perda significou a necessidade
de se encontrar um sucessor, porque o pódio não pode ficar vazio. O
discurso que fala a morte do herói significa a sucessão como
inadiável, porque a ausência do herói não condiz com o discurso que
se perpetua por intermédio de uma imagem heroicizada – a máscara
muda a aparência, mas o herói é o mesmo (Wiel, 1993). O desejo de o
sujeito brasileiro concretizar, num curto espaço de tempo, o sonho
de preencher o vazio do herói Senna foi (...) enunciado pela mídia
que apresentou Barrichello como o novo modelo esportista (...), de
maneira a se tornar um novo produto de referência para ocupar o
pódio no qual Senna havia se consagrado. (TAMBUCCI, 2000, p. 110)
42
Depoimento dado ao autor.
Polêmicas à parte com os patrocinadores, a
expectativa da temporada 1995 era grande, mas o fato, porém,
é que os resultados não vieram. Na opinião dos jornalistas
especializados, o carro não era mesmo dos melhores - era pior
que o do ano anterior, com motores reconhecidamente mais
fracos. Além disso, Barrichello teve que adaptar seu estilo
de guiar (freando com o pé esquerdo) e esta mudança fez com
que o piloto ficasse atrás de seu próprio companheiro de
equipe, o irlandês Eddie Irvine. “O mesmo Irvine que o Senna
dava voltas estava deixando o Rubinho para trás, isso
incomodava o torcedor brasileiro”, relembra Oricchio.
Castilho de Andrade também recorda de outro
episódio decisivo na carreira de Barrichello. No primeiro GP
Brasil após a morte de Senna, em 1995, o piloto resolveu
homenagear o ídolo nacional pintando seu capacete com as
cores idênticas a utilizadas pelo esportista morto no ano
anterior. Para muitos torcedores, foi “o pecado mortal”, já
que na classificação Barrichello largou apenas na 16ª posição
e acabou rodando no meio da corrida. Nas outras corridas do
ano, os resultados continuaram minguando e, mesmo com o
segundo lugar conquistado no GP do Canadá, em junho, o
interesse pelo automobilismo na imprensa esportiva despencou.
Segundo dados da TV Globo, a audiência, conforme previa José
Emílio Aguiar em sua reportagem no Estado de S. Paulo apenas
oito dias após a morte de Senna, caiu para 20 pontos, bem
diferente dos picos de 40 que a emissora tinha constantemente
com o ídolo na telinha.
As condições de produção constitutivas desse discurso não
permitiram, naquele momento, que Barrichello, com pouca experiência,
se instaurasse como o sucessor do herói Senna, porque esse lugar só
pode ser ocupado por aquele que é legitimado pelo pódio (...), e
Barrichello não havia sido legitimado pelo discurso do rito de
vitória da Fórmula-1. (TAMBUCCI, 2000, p. 110)
Os problemas no carro de Barrichello, que eram
muitos neste primeiro ano de parceria entre o motor Peugeot e
o chassi Jordan, também eram recorrentes e a postura de
reclamação do brasileiro deu motivo para que a mídia
esportiva e, depois, os programas humorísticos começassem a
fazer piadas sobre a situação do piloto na F-1. A gozação não
era nova para o esporte a motor: mesmo quando Barrichello era
uma pequena criança, a participação brasileira na F-1 também
era alvo de chacota, e o atingido era ninguém menos que o
outrora ídolo Emerson Fittipaldi, bicampeão da categoria que
abandonou as equipes de ponta para o sonho de ser o primeiro
colocado com um carro construído por um time brasileiro - o
Copersucar. Os resultados, no entanto, também não vieram e a
crítica não o perdoou.
Em uma pesquisa exclusiva publicada pela revista Época
43
, sobre os
500 Anos do Brasil, destacaram-se as repetidas decepções de heróis
que chegaram ao pódio no Brasil, e que viveram louvações e
indiferenças da torcida. Os testemunhos de Emerson Fittipaldi (...),
inscritos no fio discursivo do discurso da mídia, evidenciara a
dificuldade de o brasileiro conviver com a ausência de vitórias
(TAMBUCCI, 2000, p. 118).
O próprio Emerson Fittipaldi, em entrevista a
essa edição especial de Época, afirma ter aprendido que o
país é “impaciente com projetos ambiciosos e nada
misericordioso com heróis compelidos ao papel de vencedor”, o
que explicaria o porquê da equipe brasileira ter sido alvo de
piada - e que, décadas seguintes, atingiriam em cheio
Barrichello. Mesmo os eventuais bons resultados do brasileiro
- como a histórica pole em 94, quando se tornou o mais jovem
piloto a largar na primeira posição de um GP de F-1, foram
suficientes para apagar esta imagem, já que, como ressalta
Fittipaldi, “o brasileiro só tem apreço por campeões, e
43
Nós, Brasileiros. Época, São Paulo, ano II n. 53, 24 mai 1999. Suplemento
especial, p. 4 e 5.
campeões perpétuos, que vençam sempre, em quaisquer
circunstâncias”.
Com as piores formas de tratamento na mídia e
sendo chamado de “Rubinho Pé-de-Chinelo” pelo principal
programa humorístico do país, no Casseta & Planeta, da TV
Globo (a mesma que exibe a F-1, por mais contraditório que
possa parecer), Barrichello conseguiu permanecer na F-1 de
forma a manter pelo menos a cobertura jornalística e das
transmissões das corridas aceso no país, ainda que já sem
nenhuma comparação com o espaço dedicado a Senna - que o
digam, por exemplo, as revistas especializadas, que sumiram,
inclusive a Grid, das bancas neste período.
No final de 1996, conforme relembram Castilho de
Andrade e Luiz Alberto Pandini, a situação parecia ter
chegado ao limite extremo: Barrichello não teria seu contrato
renovado com a Jordan, depois de dois anos amargando poucos
resultados, e não eram poucos os que acreditavam que seus
dias na F-1 estariam contados. “A salvação veio com Jackie
Stewart”, conta Pandini. De fato, o tricampeão mundial de F-1
lançou sua equipe na categoria em 1997 e contratou
Barrichello, a quem sempre admirou pela competência na época
das categorias de base na Inglaterra. Mesmo correndo por uma
equipe estreante, e ao lado de um companheiro de equipe, Jan
Magnussen, que tinha batido o recorde de vitórias de Ayrton
Senna na F-3 Inglesa, Barrichello manteve acessa as
esperanças do brasileiro, ainda que já quase se apagando. O
GP Brasil de 1997, no entanto, foi considerado um marco de
desatenção da mídia que não a esportiva (o Jornal da Tarde
destacou a completa ausência de VIPs, tão tradicionais neste
evento, naquele ano, mostrando que apenas o jogador de
futebol Viola foi quem apareceu de famoso no paddock de
Interlagos).
Os resultados continuaram escassos, mas desta vez
havia a desculpa do time ser pequeno e estreante. Por conta
disso, os bons resultados de Barrichello, como o segundo
lugar em Mônaco em 1997, e especialmente na temporada de 1999,
quando fez 2 poles position e brigou pela vitória em vários
GPs, inclusive o do Brasil, fizeram com que uma nova tacada
de ânimo fosse dada em sua carreira e conseqüentemente, no
espaço do automobilismo na mídia brasileira: a partir de 2000,
o piloto correria na equipe Ferrari, a mais tradicional do
esporte a motor, e com um carro capaz de oferecer a Rubinho a
chance de finalmente subir no topo do pódio.
A reação da imprensa esportiva foi quase que
imediata. Segundo dados da Folha de S. Paulo, foram 12 os
correspondentes brasileiros a cobrir o primeiro GP daquele
ano, que, por ser na Austrália, envolve um dos maiores custos
de toda a temporada, por razões logísticas. O despertar do
interesse era nítido, mesmo sendo Barrichello “aquele mesmo
piloto que já era piada do Casseta, que não segurara a onda
da morte de Senna, que sofrera anos atacado nas conversas de
botequim e nas mesas-redondas dominicais” (in Folha de S.
Paulo, 21 de outubro de 2005, p. D3).
O promissor segundo lugar na estréia, apenas
atrás de Michael Schumacher, deixou os torcedores animados
nas próximas corridas, que, mesmo sendo de madrugada,
registraram 25 pontos de audiência, bem próximos dos índices
das corridas noturnas na época de Piquet e Senna (com exceção
das decisões de campeonato). Tambucci aponta a “euforia da
torcida brasileira ferrarista, que acreditou na possibilidade
de recuperar o pódio e, desse modo, projetar-se em uma imagem
heroicizada, capaz de levar sua torcida à aventura da alta
velocidade”. O súbito re-interesse do público pelo esporte –
e conseqüentemente da mídia esportiva - também são explicados
pelo fato de que, “apesar da Fórmula-1 ter conquistado sua
torcida, a ausência de um esportista brasileiro capaz de
conquistar o pódio influi no nível de audiência, porque o
fato de o sujeito brasileiro não se projetar como herói em
figuras públicas no cenário político leva-o a buscar o pódio
em figuras heroicizadas do esporte” (TAMBUCCI, 2000, p. 163).
A própria mídia soube capitalizar em cima deste
momento e mais uma vez as revistas semanais serviram como
termômetro deste aumento de espaço do automobilismo na mídia.
A Isto É estampou capa, com foto de Barrichello e da torcida
ferrarista, com os dizeres “O Brasil é Vermelho”, apontando
que o brasileiro, “na mitógica Ferrari, trouxe de volta à F-1
a fanática torcida que idolatrou Fittipaldi, Piquet e Senna”.
Reportagens apontaram que o “GP Brasil resgatou seu status de
evento de badalação”, mostrando que desde a última
participação de Senna nesta corrida, não havia tantas
personalidades em Interlagos. Frases davam o tom épico da
cobertura da mídia naqueles dias, como: “de piloto
desacreditado a verdadeiro pop star em um espaço de poucos
meses, Barrichello transformou o GP Brasil de 2000 um evento
concorrido”
44
.
A audiência da TV Globo naquela corrida também
foi histórica, registrando pico de 42 pontos, e totalizando a
média de 33, 10 a mais em relação ao ano anterior, quando
Barrichello, mesmo correndo pela mediana Stewart, liderou a
prova por 23 voltas.
O resultado na pista daquela prova, no entanto,
frustrou toda a expectativa criada em torno daquele GP e “a
derrota de Rubinho despertou o discurso da crítica atrelado
ao estigma do azar” (TAMBUCCI, 2001) e, mesmo com toda a
tentativa do marketing esportivo e da mídia em criar uma aura
de herói no piloto, esta tentativa esbarrava “no próprio
44
Vips voltam e dividem a atenção. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 mar. 2000, p.
E5
processo discursivo da construção da imagem de Barrichello”
(TAMBUCCI, 2001).
Com a ausência de um bom resultado imediato, todo
alvoroço causado pela ida do brasileiro para a Ferrari logo
foi se esvaecendo. Três meses depois da estréia na Austrália,
aponta a própria Folha de S. Paulo, nos GPs seguintes da
temporada de 2000 já caiu para oito o número de
correspondentes brasileiros, já que Barrichello ainda não
lutara pela vitória conforme o esperado. Mesmo quando o
piloto finalmente conquistou o topo do pódio, no GP da
Alemanha daquele mesmo ano, a mídia não conseguiu superar as
mesmas marcas daquela expectativa de antes da temporada. Os
jornalistas especializados relembram que, sim, ficaram até de
madrugada no autódromo escrevendo várias matérias sobre
aquela corrida chuvosa em Hockeinheim
45
em que finalmente
Barrichello entrava no hall de vencedores da F-1. Mas, mesmo
com grande cobertura destacada para esta prova, o
automobilismo não viveu mais a intensidade daquele interesse
de início de temporada.
Os anos seguintes na Ferrari, de 2000 a 2005,
também foram marcados por algumas vitórias, mas ainda assim
não despertaram na torcida brasileira o mesmo sentimento de
idolatria em relação a Senna. O fato de Barrichello ter um
companheiro de equipe, com o mesmo carro, vencendo tudo e
conquistando títulos e recordes (Michael Schumacher), só
piorou o estigma de perdedor e as piadas em que o piloto foi
alvo, com o destaque para o “sempre atrás do alemão” e também
das ordens de equipe que a Ferrari o submetia (teve que abrir
mão da vitória na Áustria, em 2003, para deixar Schumacher
vencer em seu lugar). Até mesmo no discurso em 2005, quando
anunciou sua saída da Ferrari, Barrichello mostrou que “era
45
Por ter sido debaixo de chuva, talvez a maior especialidade de Ayrton Senna,
houve até charges que mostravam o ídolo brasileiro, do céu, “regando” o circuito
com água para ajudar Barrichello.
apenas um brasileirinho” lutando contra os grandes interesses
de sua equipe, numa clara inversão de valores com relação ao
discurso e atitude de Senna, que, ao contrário, mesmo sendo
um brasileiro, fazia questão de ir “contra tudo e contra
todos” e subir no topo do pódio.
A questão da sucessão de Senna na F-1 não
esbarrou apenas no desempenho de Barrichello, conforme aponta
reportagem do caderno especial de 10 anos sem Ayrton, em O
Estado de S. Paulo.
Até agora, todos os candidatos a sucessor de Senna decepcionaram.
(...) Alguns brasileiros passaram pela categoria praticamente sem
serem notados, casos de Tarso Marques, Ricardo Rosset, Ricardo
Zonta, Enrique Bernoldi e Luciano Burti, entre outros. Era mesmo
difícil que os dias de glória fossem revividos. (Almir Leite, 2004).
Mesmo outros pilotos que passaram pela F-1 neste
período, como Christian Fittipaldi, Roberto Moreno, Pedro
Paulo Diniz, Antonio Pizzonia e Cristiano da Matta, também
não conseguiram empolgar fãs e mídia com suas atuações nas
corridas. O próprio Barrichello, embora não tenha se tornado
um ídolo como Senna, tem atuação que deveria ser mais
destacada pelo público, na visão dos jornalistas
especializados. De acordo com Luiz Alberto Pandini, “um dia,
talvez depois que o Brasil atravessar um longo período sem
vitórias na F-1, os torcedores darão a Barrichello o devido
valor. Nem mais, nem menos”. Como argumento, o jornalista
aponta o currículo do brasileiro, com nove vitórias e dois
vice-campeonatos, que o colocam num grupo seleto de pilotos
mesmo em nível mundial, e inclusive sendo “o quarto melhor
brasileiro” na história da categoria, conforme relembra
Castilho de Andrade, atrás apenas dos campeões Senna, Piquet
e Fittipaldi.
4.5 Necessidade do ídolo na cobertura esportiva
A questão é que o público brasileiro ainda se
sentia órfão de um ídolo para ocupar o espaço daquele perdido
em 1º de maio de 1994, e o automobilismo parecia não ser
capaz de fornecer um substituto à altura. Os jornais, TVs,
rádios e revistas buscaram em outros esportes algumas
tentativas de substituição ao esporte a motor, e não foram
poucas as tentativas de tornar a cobertura mais popular do
tênis após o surgimento de Gustavo Kuerten, que venceu o
importante torneio de Roland Garros, do Grand Slam, em 1997.
O ídolo revela-se catalisador de interesse. A exemplo, pode-se
mencionar o tênis, que, apesar de não ser uma modalidade esportiva
de forte apelo junto aos brasileiros, passou a atrair mais
simpatizantes com o surgimento de Gustavo Kuerten (TAMBUCCI, 2000,
p. 111
)
A seqüência de bons resultados nos anos seguintes
deixou o esporte em voga no país, mas logo com alguns
infortúnios em vários torneios, “Guga” não conseguiu atingir
o status de mito nacional. O mesmo pode ser dito de Robert
Scheidt no iatismo que, embora tenha um currículo invejável,
com duas medalhas de ouro em Olimpíadas, ainda luta para
receber reconhecimento no país, devido à dificuldade de
criação da cultura do iatismo na população brasileira. A
mesma dificuldade sente a ginástica olímpica, que teve Daiane
dos Santos e Laís Sousa vencendo Mundiais em 2004 e 2005,
respectivamente, e ganharam cobertura da mídia que o esporte
que praticam jamais teve, mas que ainda assim são incapazes
de mobilizar a mídia como o automobilismo nos tempos de Senna.
Segundo Castilho de Andrade, do Jornal da Tarde, este é um
fenômeno mais do que natural nas redações: buscar um ídolo
para fazer o esporte mais divulgado. “Não tenho dúvida de que,
se um brasileiro fosse o novo Michael Jordan, na NBA, o
basquete viraria febre nacional”, afirma o editor.
No caso da F-1, a vantagem para o novo candidato
a sucessor de Senna é que já foi criada a cultura do
automobilismo no país. Para os repórteres e editores ouvidos
nesta pesquisa, o esporte a motor pode ser considerado o
segundo que mais receber cobertura da mídia no país, depois
do futebol, mesmo depois da morte de Senna, porque, conforme
aponta Oricchio, “três décadas de conquistas fizeram com que
boa parte dos torcedores se identificassem com o esporte”,
independente do sucesso dos praticantes brasileiros nesta
modalidade. Andrade também aponta outro fator: o país recebe
desde 1972 de forma ininterrupta uma etapa do Campeonato
Mundial de F-1, o que faz do Brasil um país privilegiado em
relação ao automobilismo. “O evento do GP em Interlagos é
hoje o principal acontecimento esportivo no país de caráter
internacional, e isso ajuda a solidificar a cultura do
esporte a motor na torcida brasileira”.
Com estas características, a cobertura esportiva,
carente de ídolos para que seu espaço seja ampliado, acabou
criando no automobilismo um caso raro, de mídia garantida
mesmo sem a necessidade do ídolo - a própria TV Globo manteve
a transmissão da F-1 mesmo depois da morte de Senna e segue
faturando alto pela venda dos anúncios da transmissão. Ao
mesmo tempo, esta condição atingida pelo esporte a motor só
foi conquistada justamente porque, em uma seqüência sem
paralelo para qualquer país do mundo, mesmo para potências
como Estados Unidos, França e Alemanha, o Brasil produziu em
um espaço de tempo relativamente curto (duas décadas) três
grandes ídolos, que conquistaram oito títulos mundiais e que,
um deles, tornou-se o mito de seu esporte em todo o planeta.
Segundo Dugaich (1999), o homem têm necessidade de heróis;
necessidade esta que o constitui e que o orienta na busca do herói
imaginário que existe nele próprio e da representação exteriorizada
de heróis humanos nos quais ele projeta seus anseios. Acredita-se
que o discurso do marketing esportivo funcione nessa direção em
todas as modalidades esportivas, desde que confirme o apogeu de um
ídolo. (TAMBUCCI, 2000, p.111)
Esta necessidade do herói pode ser confirmada
facilmente nas páginas esportivas e no noticiário de TV ou
rádio. Claro que esta dependência da sociedade com seus
ídolos ocorra não apenas na área esportiva - em “O
Funcionamento do Discurso do Marketing Esportivo em campanhas
publicitárias e matérias jornalísticas”, Tambucci aponta que,
mesmo na cobertura de cultura, em especial de cinema, ganham
nova conotação quando o Brasil concorre ao Oscar, por exemplo.
Um fato que ficou bastante exemplificado quando Fernanda
Montenegro concorreu como melhor atriz por Central do Brasil
ou quando Fernando Meirelles, por Cidade de Deus, foi um dos
cinco diretores escolhidos candidatos ao prêmio máximo do
cinema americano.
Mas é sem dúvida no esporte em que a importância
do ídolo na sociedade se acentua de forma significativa e,
como conseqüência, marca toda a cobertura jornalística destes
eventos. Como vimos na citação anterior de Dugaich, os homens
necessitam de heróis para que se reconheçam também no pódio e
recebam, junto com seu ídolo, os louros da glória. O público,
então, passa a “adorar aquele que parece ter concluído o
difícil percurso da realização do sonho da fama” (Dugaich,
1999).
Também neste ponto é importante ressaltar que o
esporte, como um fenômeno de massa, “não consegue se
sustentar por muito tempo sem a presença de heróis, estrelas
ou ídolos, uma vez que eles levam as pessoas a se
identificarem com aquele evento” (Helal, 1998). E com esta
massificação dos costumes na sociedade, por meio do esporte,
a mídia tem papel fundamental. Afinal, são os meios de
comunicação que transformam em espetáculo qualquer modalidade
esportiva, como no caso que estamos estudando, o
automobilismo. O esporte, “enquanto signo da sociedade
contemporânea, remete a imagem do viver bem, estar bem
consigo, ser vitorioso” (RUBIO, 2001, p. 111).
Com a mídia promovendo a democratização do
esporte, também é possível afirmar que os meios de
comunicação sejam ponta de lança do processo de globalização,
com destaque para o papel da TV, que faz da F-1 o evento
anual mais visto em todo o planeta, perdendo apenas a cada
quatro anos para outras duas modalidades esportivas, a Copa
do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos.
Com a mídia o globalizando cada vez mais, o
esporte aumenta na mesma proporção a importância de seu
fenômeno na sociedade moderna, transbordando sua atuação para
questões econômicas e culturais de cada nação do mundo. De
acordo com Whannel, é por isso que o esporte é prodigamente
apresentado como uma meta-narrativa: a mídia narra os eventos
esportivos transformando-os em histórias com estrelas,
personagens, heróis ou vilões. Como vimos anteriormente, no
caso em questão, de Ayrton Senna com a mídia brasileira, esta
alegoria por muitas vezes tornou-se praticamente real, com
reportagens na TV Globo destacando o piloto como a estrela da
trama e Alain Prost como vilão, Jean-Marie Balestre como o
dirigente mafioso etc. Para a construção da audiência, Rubio
também ressalta que estão “estrategicamente posicionadas as
questões nacionais e patrióticas”, contribuindo assim para
fazer do esporte um importante instrumento de identificação
de um povo ou uma nação. É aqui é bastante válido citar como
exemplo os jargões utilizados por narradores esportivos, que
a toda hora nas transmissões apelam para a primeira pessoa do
plural, algo como “venceremos a corrida” ou até mesmo falando
dos “nossos atletas”, além do caso célebre de Galvão Bueno ao
narrar a vitória de Ayrton Senna como “Ayrton Senna... do
Brasil”.
Esta necessidade do herói na cobertura esportiva
também pode ser observada em pesquisa publicada na revista
Isto É
46
sobre a auto-estima do brasileiro. Dos 29 momentos
selecionados na votação, obteve-se 17 contextos positivos,
que contribuíram para que o entrevistado sentisse orgulho de
ser brasileiro. Destes, mais da metade, nove, foram
provenientes do esporte (9), com a política (4) e cultura
(música e cinema, com 3) bem atrás. Já nos 12 momentos de
baixa-estima, apenas um veio do esporte, ao passo que 10
estavam ligadas à política e 2, à música e cinema.
Não é por acaso que, acerca do próprio
automobilismo, os jornalistas ouvidos neste estudo são
unânimes em apontar que as corridas de F-1, muito embora já
tenham seu público garantido, ainda que longe dos tempos
áureos de Senna, tornar-se-iam novamente febre assim que um
outro sucessor aparecesse de forma consistente - e não em
breves modismos, como o caso da ida de Rubens Barrichello
para a Ferrari, em 2000. A própria ida de Felipe Massa para a
escuderia, justamente para o lugar de seu compatriota, que
foi para a BAR é vista com mais desconfiança pela grande
imprensa brasileira. Ainda assim, a Folha de S. Paulo
47
ressaltou em reportagem à época do anúncio da contratação de
Massa, na Ferrari, em outubro de 2005:
Se os anos Barrichello deixaram uma lição, foi a de que o país hoje
prescinde de figuras hercúleas, discursos engajados ou atitudes
politicamente corretas para elevar alguém à condição de ídolo.
(...). Há espaço na mídia, os corações andam vazios, o mercado
vibra com cada novidade. Basta um resultado, ou menos: basta a
expectativa de conseguir algum resultado para todos, da torcida à
mídia, se empolgarem. Somos todos, todos, volúveis.
Se a torcida embala a necessidade da mídia em
correr atrás da notícia esportiva desde que ela produza algum
46
Isto É, São Paulo, n. 1534, 24 fev.l 999, p. 80-86, citada por TAMBUCCI, 2000,
p. 124.
47
Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 de outubro de 2005, p. D3
elemento que eleve a auto-estima de seu público, certamente é
compreensível entender o fenômeno Ayrton Senna na imprensa do
país, seja na sua época de conquistas, seja na cobertura de
sua morte ou ao tratamento mítico a ele dado nos anos
seguintes. Um título interessante na cobertura dos dez anos
sem o piloto saiu no jornal gaúcho Zero Hora de 1º de maio de
2004, no exato aniversário do acidente em Ímola, com os
dizeres: “Fãs não aceitam que seu herói tenha morrido”.
De fato, para o público, a dificuldade da perda
do ídolo é enorme, mesmo estando a ferida aberta há dez anos.
E, para a mídia esportiva, resta o difícil papel de encontrar
um substituto à altura, esteja ele em qual modalidade estiver
e, de preferência, com os mesmos valores e velocidade do mito
que se foi.
Considerações finais
Se tem origem nas mais remotas atividades humanas,
ainda na pré-história, o esporte certamente evoluiu tão
rapidamente quanto a própria sociedade. Nos dias atuais, como
vimos, a atividade esportiva tem penetração praticamente
global e isso a torna parte integrante de um grande negócio
bilionário. Não por acaso, suas ações também mexem com o brio
de torcedores de cada uma das mais de 200 nações espalhadas
pelo mundo. Este universo de tecnologia, desafio e superação
de limites, em que o esporte une o planeta, mostra-se com
mais força em eventos como a Copa do Mundo de futebol e os
Jogos Olímpicos, a cada quatro anos, mas tem na Fórmula-1 o
seu encontro praticamente quinzenal em um lugar diferente do
globo. Como se não bastasse, este esporte ainda envolve outro
forte atrativo (e leia-se também outro importante componente
financeiro): o automóvel, que exerce fascínio no imaginário
humano.
Pois se o automobilismo evoluiu muito como nós
conhecemos nos últimos cem anos, e, neste trabalho, vimos
como este crescimento se deu de forma veloz também na
cobertura de mídia nele envolvida. No caso específico do
Brasil com a F-1, o trabalho de reportar as notícias superou
a mera necessidade básica de toda a população de ser
informada. Ela passou a ser um braço da divisão de divulgação
das glórias nacionais pelas pistas do mundo a fora, tendo
este fator patriótico seu auge durante os anos de sucesso de
Ayrton Senna, sobretudo na conquista do tricampeonato mundial
(nos anos de 1988, 1990 e 1991).
Um fenômeno midiático transformou este esportista
em um herói nacional e também contribuiu para que ele se
tornasse mito, com tratamento praticamente santificado, logo
após a sua morte - e ainda mais de dez anos depois, como se
vê pela enorme quantidade de reportagens especiais produzidas
na mídia em 2004, uma década depois do acidente em Imola. Mas
este interessante processo não teve início com a trajetória
do piloto, que se iniciou no kart em 1978. Ela passa pela
chegada e valorização tanto do automóvel quanto do esporte no
Brasil das primeiras décadas do século XX, como vimos neste
estudo, e se torna possível com o surgimento daquele que é
apontado pelos jornalistas e estudiosos do automobilismo
brasileiro como um fator desencadeador de todo este processo:
Emerson Fittipaldi.
Mesmo sem vir de um país com tradição no esporte
a motor e de uma nação que, ao contrário das mais poderosas
na Europa, sequer tinha uma montadora com matriz aqui sediada,
Fittipaldi abriu as portas para os pilotos brasileiros na
Fórmula-1. E, com suas conquistas, abriu as mentes e corações
de nossa população para o esporte em que a nata da a
indústria automobilística mundial e seus melhores pilotos
desafiavam a morte e a velocidade em busca de prêmios
milionários.
Mas nenhum esportista, por mais heróica e
premiada que seja sua carreira, tem uma seqüência intacta de
vitórias e, por isso, o fenômeno deste esporte no Brasil
poderia logo cair em desgraça não fosse uma outra incomum
aparição de um atleta de capacidades bem acima da média.
Nelson Piquet surgiu no momento certo da transição, em um
ponto crucial, em que a equipe brasileira na Fórmula-1, a
Copersucar, já era motivo da chacota dos torcedores nacionais,
ainda que comandada pelo outrora herói Emerson Fittipaldi,
pois não fazia frente às suas rivais européias,
“envergonhando” a nação brasileira.
Com os títulos de 1981, 1983 e 1987, Piquet
colocava o Brasil em um grupo mais do que seleto de países na
história do esporte de competição. Nem mesmo nações como
Alemanha e França, com indústria automobilística muito mais
desenvolvida que a brasileira, poderiam se orgulhar de ver um
bicampeão e um tri em espaço tão curto de tempo. De fato,
estes dois países só assistiram a um fenômeno assim anos mais
tarde, quando Schumacher salvou a pátria de BMW, Audi,
Volkswagen e Porscher, e Alain Prost se tornou o primeiro
campeão da nação sede de Peugeot, Renault, Citroen etc.
Só que o Brasil ainda teria outro fora-de-série. E
que, desta vez, seria praticamente unanimidade em todo
planeta. Com suas vitórias arrebatadoras e demonstrações
geniais de garra, técnica e talento, Ayrton Senna conquistou
a F-1 e uma legião de fãs pelo globo. Fez história, com
recordes (como o de pole position, imbatível até o início da
temporada 2006), conquistas e títulos, mas ganhou um contorno
ainda mais mítico com sua morte em um acidente transmitido ao
vivo para mais de 140 nações. A batida na sétima volta na
curva Tamburello do circuito italiano de Imola, em 1º de maio
de 1994, foi a primeira vez em que um campeão mundial (tri,
no caso de Ayrton) morria em um GP de competição. Só que, nos
anos 50 e 60, as notícias de morte de pilotos não
proporcionavam o mesmo choque das imagens por ângulos de uma
transmissão global que, anualmente, gera mais de um bilhão de
telespectadores, segundos dados da própria Formula One
Management.
A forma como ocorreu a morte de Senna, como
pudemos acompanhar nesta dissertação, influenciou e muito
para que o piloto ganhasse a áurea de herói intocado pelo
mundo inteiro (foi notícia até nos periódicos norte-
americanos New York Times e USA Today, num país que não
prestigia tanto a F-1). No Brasil, não poderia ser diferente.
Mas houve outros ingredientes no caso nacional que aumentaram
esta mitificação, como o momento único que o país atravessava
naqueles anos da década de 1990. Condições específicas que
também contribuíram para causar imagens de comoção nacional
que os próprios jornais compararam a momentos históricos da
política brasileira, como o suicídio de Getúlio Vargas ou a
morte de Tancredo Neves. Senna não era presidente da
República, mas teve funeral com honras de chefe de estado _e
o clima em São Paulo deixava claro que não havia nenhum
exagero neste procedimento. O que teria feito um esporte como
a F-1 ampliar de tal forma seu âmbito que, de mera diversão
aos domingos pela manhã, tornasse um momento marcante e
singular na história de uma das maiores nações do planeta,
com mais de 150 milhões de habitantes?
As razões, claro, são as mais diversas e não era a
pretensão deste trabalho esgotar todas as possibilidades. Mas
algumas chamaram bastante a atenção deste autor e mereceram
serem destacadas ao longo da dissertação. Primeiro, a
carência de heróis nacionais naquele início de década, em que
os planos econômicos mostravam-se insuficientes para combater
a inflação e os políticos eram conhecidos não por suas
virtudes e sim por sua imensa capacidade de corrupção (tendo
o maior exemplo Fernando Collor de Mello, o primeiro eleito
pelo povo após décadas de ditadura militar que acabou
sofrendo processo de impeachment, em 1992). Como se não
bastasse, o até então chamado “ópio do povo”, o futebol,
andava em baixa. Mesmo no auge da repressão da ditadura as
conquistas da Seleção Brasileira, como o tri em 1970, serviam
para dar a dose matinal necessária de auto-estima para a
população de todo o país, mas naquele momento os gramados
eram palco de decepções, algumas de caráter dignos de
tragédia, como em 1982, ou dignos de farsa e revolta, em 1990.
O fato é que, como em qualquer outro país, como
destacam diversos estudiosos como Freud, Geene e Campbell, a
sociedade humana precisa de heróis e modelos. Então, o Brasil
não tinha mais nas chuteiras os seus idealizados. Eles
vestiam capacete, luva, macacão e sapatilha, e a mídia
esportiva, parte levada por este processo de busca do herói,
parte responsável pela consolidação desta posição, apostou na
F-1. E investiu alto, haja vista a proliferações de revistas
especializadas e o envio de diversos repórteres para as 16
corridas pelo mundo afora a fim de trazer notícias dos heróis
nacionais no automobilismo (em casos até impensáveis hoje,
como o do SBT, que mandava um repórter mesmo sem ter direito
ao acesso nos autódromos, que era exclusivo da Globo).
Pois se a nação precisa de ídolos, a mídia cumpre
sua função de apresentar toda e qualquer informação sobre
este herói é possível obter, nem que para isso a imprensa
especializada em esporte também amplie seu leque para aquela
cobertura que mais pareceria apropriada a de “celebridades”.
Senna foi o caso típico desta parceria entre herói e mídia,
por vezes fundamental para o esportista, que precisa de
retorno publicitário para seus patrocinadores, mas também por
muitas vezes incomodativa e invasora de sua privacidade. O
súbito desaparecimento deste ídolo, como os próprios jornais
naqueles primeiros dias de maio de 1994 reportaram, criou um
vácuo no coração dos brasileiros _e por conseguinte, em suas
páginas de jornal, revista e horas e horas de transmissão nas
rádios e TVs.
Não foram poucos os jornalistas, articulistas e
comentaristas que, como numa reação natural à população
carente de ídolos, buscassem um culpado por aquela morte -
afinal, sabemos, o homem não sabe lidar com a perda, ainda
mais quando de forma tão brusca, privando a sociedade
brasileira de um ser com qualidades tão raras retratadas pela
mídia. A dificuldade de aceitação não foi o único fenômeno
produzido após aquele fatídico GP em Ímola. Nesta
contribuição para construir a imagem do herói, a TV nos impôs
também uma grave conseqüência deste processo - parecia que
perdíamos alguém da família, como várias autoridades, de
prefeito a governador, falaram no enterro do esportista em
São Paulo.
Com tanto luto, pesar e ressentimento, e em um
ambiente ainda carente de modelos, não era difícil imaginar
que a vida de sucessor deste esportista não seria das mais
fáceis. E de fato, Rubens Barrichello sucumbiu nesta difícil
missão - e a mídia esportiva, que tanto buscava este novo
herói, não o perdoou. Houve ainda uma segunda chance, como
vimos no interessante caso registrado pelo jornalismo desta
área no começo de 2000, quando o paulista assinou com a
Ferrari e novamente trouxe a esperança de um novo herói nas
pistas. O momento da nação já era outro - a inflação fora
combatida e o futebol, agora, vivia anos de conquistas. Mas
ainda assim a expectativa foi frustrada quando vimos que o
Brasil, na F-1, desta vez não seria páreo para a Alemanha de
Michael Schumacher.
Barrichello não foi o único a sofrer com este
árduo papel de substituto de um mito. Outros tantos passaram
pela categoria, como Diniz, Marques, Burti, Bernoldi, Zonta,
Pizzonia, da Matta, Rosset etc, mas também tiveram que
agüentar a “herança maldita”, definição que os próprios
jornalistas especializados da área costumam utilizar.
Não foram apenas os pilotos que viram na mídia esportiva uma
excelente aliada mas que ao mesmo tempo se torna implacável
perseguidora em até maior proporção. A necessidade de ídolo
nas páginas e blocos desta editoria se mostrou vital, para
não dizer condição ‘si ne qua non’. Na carência de modelos,
os jornalistas viram e reportaram fenômenos passageiros, como
Gustavo Kuerten no tênis e, mais recentemente, Daiane dos
Santos na ginástica olímpica, fazendo destes esportes, ainda
que de pouca tradição no país, uma espécie de segunda
modalidade preferida de público e mídia - a exceção do
praticamente intocável futebol.
Se esteve em muitos momentos ameaçado, o
automobilismo, no entanto, mostrou-se forte o suficiente para
brigar sempre por esta condição de vice na preferência do
público, ainda que não fosse constantemente ocupadora deste
lugar. Esta foi uma das gratas surpresas desta dissertação
que, ao colher depoimentos de jornalistas especializados,
editores e pessoas influentes na própria TV Globo, mostraram
que, passados mais de dez anos da perda do ídolo maior que
este esporte já teve, ainda assim as corridas de Fórmula-1
continuam despertando um considerável interesse da população.
Tanto que as revistas especializadas conseguiram,
depois dos primeiros anos de decepção com a falta de
resultados de Barrichello em 1995 e 1996, estabelecer-se de
forma consolidada nas bancas, como o caso da Speedway,
surgida no final dos anos 90, e Racing, que se tornou
inclusive quinzenal nos últimos anos. Até outras modalidades
do esporte a motor menos populares que a F-1, como as
categorias nacionais (rally, Stock Car, Fórmula Truck etc.),
encontraram seu espaço na mídia e hoje tem divulgação
comparável aos campeonatos nacionais de algumas modalidades
esportivas importantes no país, como basquete e vôlei. Os
títulos especializados também aparecem neste automobilismo
brasileiro, como indicam as revistas O Carreteiro Racing
(Truck), Stock Car Show e Universo Rally. Nos jornais de
grande circulação, como O Estado de S. Paulo, Folha de S.
Paulo e O Globo, o esporte a motor segue sendo notícia,
inclusive com colunas semanais sobre o assunto. No rádio e na
TV não é diferente. Estações de FM também apostam em
programas como Rock Motor, na 89 e Transamérica, e CBN, Jovem
Pan e Bandeirantes levam jornalistas para cobrir as corridas
in loco. E, além da cobertura da TV Globo nas transmissões e
telejornais, que em nada devem em termos de espaço aos anos
de Senna, existem programas especializados na TV a cabo, como
Grid Motor, na Sportv, e Limite, na ESPN Brasil, além da
transmissão de corridas de caminhões na Rede TV!, Fórmula
Renault na TV Bandeirantes e a Stock Car atingindo mais de 15
pontos de audiência na TV Globo, números que indicam a
identificação do público com o esporte a motor, e não apenas
a F-1.
Este crescimento tornou possível a formação de um
nicho de mercado no jornalismo que é bastante especializado e
encontra espaço de expansão mesmo em uma profissão tida cada
vez com menos vagas. Repórteres especializados, comentaristas
e até empresas de assessoria de imprensa voltados totalmente
ao automobilismo (como RLeme, Mastermídia, RF1, entre outras)
mostram que a mídia está se tornando cada vez mais segmentada
neste assunto.
É claro que fenômenos de audiência da época de
Ayrton Senna ainda estão sendo difíceis de serem superados,
mas o fato é que, mesmo 12 anos depois do acidente em Imola,
as TVs, rádios e jornais seguem dando espaço significativo
para a cobertura deste evento. E de forma consolidada, a
ponto de outras modalidades esportivas, como tênis, voleibol
e basquete, sequer conseguirem rivalizar em espaço total
anual com o automobilismo. A cultura do esporte a motor foi
criada no Brasil.
É importante ressaltar, no entanto, que isso não
quer dizer que a mídia esportiva não careça de ídolos em suas
páginas ou transmissões de mídia eletrônica. Os estudos
vistos nesta área e entrevistas coletadas dão claro indício
de que, havendo um herói, a mídia esportiva trata de torná-lo
uma celebridade e, por conseqüência, o seu esporte um
fenômeno de massa no país. Não é apenas em países carentes de
modelos por sua condição política e econômica que isso ocorre.
Com dezenas de anos e viagens internacionais em sua bagagem,
jornalistas especializados no esporte a motor são unânimes em
apontar o processo de mania decorrente do surgimento de um
ídolo no esporte a motor - o caso mais recente foi da Espanha
após a consagração do mais novo campeão mundial da história
da Fórmula-1, Fernando Alonso, em 2005.
A presença do herói será sempre bem-vinda _e
provavelmente, difícil de ser esquecida, pelo menos num
espaço de tempo de uma geração, como é o caso de Senna,
fenômeno mídiatico de relevante importância em 2004, quando
foi capa das revistas semanais, teve cadernos especiais
publicados e teor de matéria de hora inteira em horário nobre
no Globo Repórter. É a TV, por sinal, um dos principais
catalisadores deste processo, seja pela sua rápida divulgação
(ao vivo, em tempo real), seja pelo seu largo alcance (em
milhões de lares), seja por sua capacidade de passar emoções
como o patriotismo de Senna levantando a taça ou injetando
auto-estima nas veias da população com uma música que toca em
cada vitória brasileira. Foi esta mesma mídia que ajudou a
criar a cultura do esporte a motor no país, também facilidade
com a consolidação de um Grande Prêmio anual em nossas terras,
ambos movidos não apenas na paixão do brasileiro pela
velocidade, mas também pela intensa capacidade de captação de
recurso de patrocinadores em sua área de investimento.
De fato, com base na leitura de trabalhos
realizados da área de jornalismo esportivo e no depoimento de
dezenas de profissionais que atuam neste segmento, bem como
tomando como exemplo a cobertura da grande impressa ao
automobilismo durante a época de Ayrton Senna e depois de sua
morte, nota-se que o jornalismo esportivo, mais do que
qualquer editoria, necessita de um ídolo, capaz de produzir
manchetes positivas, para justificar seu espaço dentro de um
noticiário, seja ele em TV, rádio, site ou revista. A própria
cobertura do automobilismo decaiu consideravelmente após a
morte de Ayrton Senna, mas como citamos anteriormente,
conseguiu sobreviver com considerável mérito.
O piloto-herói se foi, mas sua áurea mítica
permanece. Mesmo sem deixar de buscar um substituto para
repor esta perda, a mídia esportiva também soube se
revitalizar, levando à população carente de ídolos um novo
tipo de cobertura sobre o esporte em que afloraram aqueles
nobres sentimentos de patriotismo e de vitória, que
tremulavam junto com o piloto no pódio. E a sociedade, que
outrora chorou com a morte de seu ídolo em um acidente a 300
km/h, agora pode ver os frutos do legado social de seus
valores com o Instituto Ayrton Senna, que atende milhares de
crianças carente em todo o país, ambicionando a possibilidade
de fazer o Brasil ser lembrado não apenas pelos feitos
individuais de um herói na pista, mas pela sua capacidade de
oferecer a chance deste mesmo sonho para milhões de seus
cidadãos.
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SOBRENOME DO(S) AUTOR(ES), Prenome(s). Título: subtítulo.
Edição. Local : Editora, Ano.
4.2 LIVRO EM PARTE
Capítulo de autor colaborador
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MARTINS, M. H.; SOUZA, M. L. Z. de (Org.). Reinventando o diálogo: ciências e
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Capítulo do mesmo autor da obra
 CHARTIER, Roger. O leitor entre limitações e liberdade. In: ____________. A
aventura do livro : do leitor ao navegador. São Paulo : Fundação Ed. UNESP, 1998.
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