Você era a nossa esperança. Quando você punha o capacete, púnhamos
o capacete com você. Quando você entrava no carro, entravamos no
carro com você. Quando você acelerava, acelerávamos no carro com
você. E a nossa pequenez, e a nossa insignificância, e a nossa
incontornável incapacidade, e o nosso irremediável destino de
obscuros coadjuvantes eram esquecidos enquanto perseguíamos com
você, em cada reta, em cada freada, em cada curva traiçoeira, em
cada manobra arriscada, a glória da liderança, o posto supremo do
pódio, os braços erguidos, a taça ostentada. (...). Você era nosso
orgulho, a nossa alegria, a nossa cachaça, a nossa consolação.
(...). Se um de nós vence como esse, se um de nós é respeitado como
este, por que não havemos de lutar, por que não havemos de vencer,
por que não havemos de ser respeitados um dia? (...). Você morreu,
Ayrton. Morremos também, um pouco. Como morrem os coadjuvantes.
(Raul Drewnick, in O Estado de S. Paulo, 2 de maio de 2004)
Tambucci também analisa esta questão importante
sobre a perda do herói, acrescentando que “ao falar sobre a
vida particular do ídolo, esse discurso (da mídia) permite
que seus interlocutores estabeleçam uma relação mais estreita
com ele (ídolo), a ponto de percebê-los como um amigo ou
parente”. O autor ainda destaca depoimentos de autoridades,
como o governador do Estado de São Paulo na ocasião, Luiz
Eduardo Fleury, de que “parece que perdemos alguém da
família”, ou de Paulo Maluf, o prefeito da cidade onde Senna
nasceu e foi sepultado, São Paulo, “dá a impressão que a
gente está perdendo um ente querido”, para estabelecer um
interessante paralelo da cobertura da mídia e a dificuldade
em aceitar a perda, algo que é natural ao ser humano.
Quando a mídia focalizou e acompanhou detalhadamente os fatos sobre
a morte de Ayrton Senna da Silva, do acidente ao sepultamento,
foram televisionadas e, até mesmo, publicadas algumas entrevistas
realizadas com representantes dos mais diversos segmentos da
sociedade. Pôde-se observar, a partir destes depoimentos
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, o
quanto o esportista havia se tornado próximo às famílias
brasileiras, ultrapassando as fronteiras que, geralmente, separam
as pessoas comuns. (TAMBUCCI, 2000, p. 67)
Esta estreita relação entre o poder da mídia e a
conseqüente massificação da entrada do ídolo no cotidiano e a
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Depoimentos analisados no artigo de Cibele M. Dugaich, A construção do herói-mito de Ayrton Senna na
mídia, apresentado no IV Compôs, na Universidade Federal de Brasília, agosto de 1995. Nota do autor.