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PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR
Comunicação, cultura de esquerda
e contra-hegemonia: o jornal
Hoje
(1945-1952)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação, linha de pesquisa
Interfaces Sociais da Comunicação, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do Título de
Doutor em Ciências da Comunicação, sob orientação
do Prof. Dr. Celso Frederico.
São Paulo
2006
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PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR
Comunicação, cultura de esquerda
e contra-hegemonia: o jornal
Hoje
(1945-1952)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação, linha de pesquisa Interfaces
Sociais da Comunicação, da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do Título de Doutor em Ciências
da Comunicação, sob orientação do Prof. Dr. Celso
Frederico.
São Paulo
2006
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COMISSÃO JULGADORA
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RESUMO
Este trabalho procura reconstituir a história do jornal Hoje, diário do
Partido Comunista do Brasil (PCB), que f oi publicado em São Paulo ent re
outubro de 1945 e agost o de 1952, enfatizando se u papel como “ aparelho privado
de hegemonia”, nos moldes da teoria do Estado ampliado propost a por Gramsc i.
Pretendia-se analisar a linha editorial, conteúdos, linguagem e relaçã o política
existente entre Hoje e os trabal hadores urbanos e estratos médios da população,
bem como sua eficácia como instrum ento de “agitação e propaganda”. A pesquisa
demonstrou que foi o apoio social e o protagoni smo militante que suste ntaram o
jornal, não obstante a repressão policial sistemática e as proibições ordenadas
pelo governo central. Hoje realizou-se c omo “aparelho privado de hegemonia”,
desempenhando papel contra-hegemônico relevante na s eleições de 1945 e 1947
em favor dos candidatos do PCB e na autoafirmação da identidade de
classe dos trabalhadores. Um importante fator dessa experiência foi o domínio
das técnicas jornalísticas.
Palavras-chave: jornal Hoje (1945-1952); Partido Comunista do Brasil
(PCB); imprensa e movimento operário; hegemonia e contra-hegemonia;
comunicação e cultura.
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ABSTRACT
This pape r int ends t o reconstitut e the history of Hoje, the daily
newspaper of the Communist Party of Braz il ( PCB), which was publishe d in São
Paulo betwe en October of 1945 and August of 1952, emphasizing its role as
“private device of hegemony”, in the molds of the theory of the extended State
proposed by Gramsci. It intended to analyze the editor ial line, contents, language
and politic relations between Hoje, on one side, and urban w orkers and the
medium stratus of the popula tion, on the ot her, as well as its effec tiveness as a n
instrument of “agitation a nd propaganda”. The research demonstrated that social
support and mil itant protagonism sustained t he ne wspaper, despi te the syst ematic
police repression and the prohibitions ordered by the c entral gove rnment. Hoje
developed into a “private devi ce of hegemony”, playing a counter-hegemonic role
in the elections of 1945 and 1947 in behalf of the ca ndidates of the PC B
and in se lf-assurance of the working class identity. An i mportant factor of this
experience was the masteri ng of the journalistic techniques.
Keywords: dai ly newspa per Hoje (1945-1952); C ommunist Party of
Brazil (PCB); press and worker’s movem ent; hegemony a nd counter-hegemony;
comunication and culture.
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Agradecimentos
Ao professor Celso Frederico, por haver aceitado orientar esta tese a
apenas dois meses do prazo final.
Aos professores Paulo Roberto Ribeiro Fontes e Maria Otília Bochini,
pelas úteis críticas e contribuições no exame de qualificação.
Aos entrevistados: Aparecida Rodrigues Azedo, Armênio Guedes,
Áurea Rebouças, Dinorah Ribeiro, Jacob Feldman, Lúcia Brito, Miguel Juliano,
Pérola de Carvalho, Waldemar Gonzalez, Walter Freitas. Aos jornalistas Agileu
Gonçalves (in memoriam) e José de Moura, por suas indicações.
Aos colegas da Escola de Comunicações e Artes, e amigos, Ricardo
Augusto Orlando, Natália Guerrero, Gabriela Aguiero, Pedro Malavolta, por
todas as ajudas e sugestões.
Aos amigos Daniel Garcia, Vladimir Sacchetta, Luiz Zimbarg, graças
aos quais este trabalho pôde contar com substancial iconografia.
Aos professores Andréa Cristiana Santos e Carlos Eduardo Carvalho,
por valiosas sugestões.
Aos companheiros da Adusp diretores e funcionários por todo o
apoio e estímulo, e especialmente ao professor César Augusto Minto, a Luis
Ricardo Câmara (Peri) e Rogério Yamamoto.
Aos amigos Iole Ilíada, Silvio Aragusuku, Cloves Castro, por sua
solidariedade permanente.
À equipe do Arquivo do Estado de São Paulo, em particular Alfredo,
Lauro, Roberta, Vezoni, Vanessa e Ana Tércia.
À equipe do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, em especial
Leila Duarte e Joenir.
Aos meus pais, Rachel e Wladimir, pelo apoio e estímulo.
A Ana Paula, minha esposa, Marcelo, Ana Beatriz, Marcos e Rafael,
por tudo que representam para mim.
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Sumário
Introdução
I. Ascensão do PCB e surgimento dos “diários vermelhos”
I.1. Era Dutra: luta de classes, disputa política e ideológica
I.2. Entre o arrebatamento das multidões e as contradições táticas e
estratégicas
I.3. Surgimento dos diários do PCB
II. Hoje em cena: no coração do operariado
II.1. Quem exerce a hegemonia?
II.2. Sustentação financeira do jornal
II.3. Tiragens, difusão e circulação do Hoje
III. Jornalistas, amigos, apoiadores — protagonistas
III.1. Os protagonistas da aventura do Hoje
III.2. A força de trabalho: patrões, aqui?!
III.3. Referência política e cultural
IV. A repressão: Polícia e Exército contra o Hoje
IV. 1. Invasões, prisões, apreensões
IV. 2. Dificultar e impedir a circulação dos diários
IV. 3. Espionagem, “observação”, imposturas, intimidação
IV. 4. Análise do jornal pelo DOPS
V. Nas páginas do Hoje
V.1. A experiência da contra-hegemonia
V.2. A classe, o partido e o jornal
V.3. Hoje, um jornal de reportagens e fotografias
Conclusão
Referências bibliográficas
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Introdução
1. Objeto da pesquisa
O projeto pretendia, inicialment e, reconstituir a história dos principais
jornais di ários do Partido Comunista do Brasil (PCB) exi stentes no período 1945-
1947 Tribuna Popular, no Rio de Janei ro, então Dist rito Federal, e Hoje, em
São Paulo bem c omo estudar linha editorial, conteúdos e gr au de influência
política desses jornais (eficácia da difusão programática e da “agitação e
propaganda”) sobre os setores populares que compunham a maior parte das bases
sociais dos comuni stas: os trabalhadores urbanos e os estratos médios da
população.
O período 1945-1947 compreende o i ntervalo em que o PCB pôde at uar
legalmente, marcado pelo declí nio e fim do Estado Novo e pela decorrente
reconstitucionalização do país, que vem sendo equivocadamente designada por
alguns autores como “redemocratização”. Neste curto interregno o PCB
experimentou seu apogeu, conquistando expressivas vitórias eleitorais e
tornando-se um partido de massas com i negável apelo popular.
Por história dos jor nais diários do PC B deve-se compreender: a gênese; o
projeto editorial e o programa político; a evolução da linha edi torial; os sistemas
de f inanciamento; a constituição do corpo diretivo; a constit uição das equipes de
redação e a aquisição de colaboradores; formação de redes de a poio na sociedade;
evolução da tiragem, circulaç ão, vendas, assinantes; evolução do relacionamento
com os grandes jornais, com o Estado, com o próprio partido; os principais
acontecimentos na vida desses jornais.
Posteriormente, decidim os alterar o recorte da pesquisa , fechando o foco no
Hoje, porém estendendo-a por período mais longo, até iníc io dos anos 50. Tal
mudança de perspectiva deveu-se principal mente a fatores de ordem prática, a
saber: a) os prazos exigidos para a conclusão da pesquisa; b) as dificuldades
representadas pelo fato de encontr ar-se no Rio de Janeiro a maior parte dos
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arquivos da polícia pol ítica sobre o Tribuna Popular; c) a expressiva quant idade
de depoimentos e docum entação relati va ao Hoje e a seu sucessor, Notícias de
Hoje, no período pós-1947, levantada no decorrer da pesqui sa.
A nova perspectiva continuou a exigir, contudo, que se deli neie um painel
sobre a iniciativa comunista, tomada antes mesmo do fim do Estado Novo, de
construir um aparato de m eios de comunicação, de caráter nacional (ou quase),
constituído por vários jornai s diários de massa, além de outros jornais de
periodicidade variada, a agência de notícias Interpress, revistas teóricas,
indústrias gráficas, casas e ditoras de livros e a companhi a c inematográfica
Liberdade. Essa iniciativa não encontra paralelo na história das for ças políticas de
esquerda em nosso país.
2. Metodologia
O autor utilizou-se dos seguintes procedimentos m etodológicos:
a) revisão da literatura;
b) levantamento, compilação e l eitura de dossiês da polícia política;
c) realização de entrevistas com prot agonistas e contemporâneos;
d) leitura dos Diários Políticos de Caio Pra do Jr.;
e) leitura exploratória da coleção do Hoje;
f) leitura sistemática da coleção do Hoje;
g) leitura comparativa de outros diários;
h) levantamento de material iconogr áfico.
Revisão da literatura
A revisã o da literatura com preendeu: I - a produção historiográf ica sobre o
final do Estado Novo e a reconst itucionalização ini ciada com as el eições gerais
de dezembro de 1945, e espe cialmente sobre o governo de Eurico Gaspar Dutra;
II- a extensa literatura sobre o PCB; III- as obra s sobre hist ória da im prensa no
Brasil, e de São Paulo em particular; IV- os trabalhos sobre as experiência s
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jornalísticas que denomino liber tárias (anarquistas, comunistas, imprensa
alterna2•ostsóaÐcas
As inverdades ou omissões existe ntes em tais registros em geral
passíveis de identificação mediante o cruzamento de dados, a leitura da
historiografia especializada e, certamente, a experiência e a
sensibilidade do historiador sugerem pistas a serem pesquisadas”
(Pomar, P.E.R., 2002: 11).
A pesquisa que realizamos nos acervos do Arquivo do Estado de São Paulo e
do Aperj revelou que a polícia política dedic ava enorme atenção à i mprensa
comunista, a ponto de, por ocasiã o das invasõe s que cometia, apreender todo t ipo
de documentos ao seu alcanc e: contábeis, trabalhistas etc. Identif icava com ênfase
característica os jornalistas e militantes mais ligados a os jornais do PCB,
encarcerava-os quando possível e monit orava atentam ente o seu not iciário.
Particularmente devastadoras para a economia dos diários comunistas eram as
freqüentes apreensões que os viti mavam. Significativamente, um inspetor da
Delegacia de Segur ança Social (DSS) do antigo Distrito Feder al descreveu a
apreensão de 18.000 exemplares da Tribuna Popular, em julho de 1946, c omo
“proveitosa colheita”
1
.
A at ividade da polícia política, que tantos danos causou ao PCB e a seus
militantes e simpatizantes, t erminou por pr oduzir um amplo e variado corpus
documental, extremamente útil para a reconstitui ção da história dos diários
comunistas. Podemos destacar, entr e os documentos apreendidos e os dossiês
reunidos pelos órgãos de repressão — e que diz em respeito à imprensa do PCB:
Relação de Destinatários do Hoje ( 1948), Arquivo do Estado-SP;
Relação de Acionistas do Hoje (1948), Arquivo do Estado- SP;
Livro de Registro dos Empregados do Notícias de Hoje (1954), Arquivo do
Estado-SP;
Dossiê sobre acionistas do Tribuna Popular, Aperj;
Dossiês sobre Movimento de Ajuda à Imprensa Popular (MAIP, 1947 a
1955), Aperj;
1
Relatório de ocorrências do plantão de 12h de 25/7 a 12h de 26/7
, assinado pelo inspetor Silva Júnior, da Delegacia de Segurança
Social do Distrito Federal. Aperj, setor “Comunismo”, pasta 5, f.4.
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Feitas todas as ressalvas e tomadas todas as cautel as, evidencia-se que tal
documentação tende a iluminar múltiplas facetas do objeto da pesquisa.
“História oral”
Quanto à “histór ia oral”, desempenha, nest a pesquisa, impor tante papel
como técnica auxiliar. Embora o projeto inicial conta sse com a previsão de
entrevistas gravadas com militantes e jornalistas, tal perspectiva ganhou corpo na
medida em que foram sendo ident ificados e localizados diversos prot agonistas do
Hoje, a partir de um depoimento público inicial do ex-repórter Jacob Feldman.
Esse grupo reúne também familiar es de jornalistas que atuaram no Hoje.
Foram reali zadas pelo Autor entr evistas com as se guintes pessoas todas, à
exceção da última, com idade a cima de setenta anos:
Jacob Feldman. Acompanhado do amigo e também ex-militant e do PCB
Waldemar Yañez Gonzales, Feldman concedeu uma longa entrevista, bast ante
concatenada, que pode ser vista como um excelente roteiro para a elucidação da
história do Hoje do ponto de vista dos que produziam o jornal. Feldman foi
repórter e redator . Ingressou jovem no Hoje, oriundo da Juve ntude Comunista, e
ali se tornou jornal ista profissi onal. Manteve-se na carre ira depois que saiu do
jornal do PCB.
Walter dos Santos Freitas. O de poimento de Freitas é vali oso, por tratar-se
de al guém que não teve maiores la ços com o PC B. Repórter-fotográfico que se
tornaria nacionalmente famoso nos Diários Associ ados e na revista O Cruzeiro,
Freitas a prendeu o ofício quando ainda a dolescente, na redação do Hoje. Até
então, trabalhava na banca de jornais do PCB. Em seu depoimento, destaca o
papel do Sindicato dos Jornalista s em defesa do Hoje. Tanto ele como Feldman
permanecem sindicalizados a té os dias de hoje.
Dinorah Pinto Ribeiro. Foi arquivista e redatora do Hoje e do Notícias de
Hoje, tendo també m trabalhado, anos antes, nos mutir ões de venda do jornal em
Santos (“comandos”) e na arrecadaçã o financei ra. Mi litante do PCB desde a
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adolescência, Dinorah foi presa pelo m enos duas vezes, em ambas ficando mais
de um mês e ncarcerada. Seu depoimento surpreende pela vivacidade com que
descreve os problemas internos do jor nal e por seu dist anciamento da direção.
Não permaneceu na carreira.
Pérola de Carvalho. Atuou no Notícias de Hoje como noticiarista, e,
posteriormente, como cr ítica de teatr o, mas foi breve sua passage m pelo jornal.
Uma festa em sua homenagem resultou em incidente com a políc ia, que lhe
rendeu sua prisão e a de Dinorah. Ent ão estudante universitária, de família
economicamente bem situada, como Feldman, e igualmente oriunda da Juventude
Comunista, Pérola relata ter sido vista como “pequeno-burguesa ”. Não se guiu
como jornalista, tornando-se tradutor a de livros, e deixou a militância.
Armênio Guedes. Jorna lista atuant e em diversas das publicações do PCB na
década de 1940, como a revista Continental, membro suplente da direção
nacional (Comitê Central) eleita em 1943, Guedes forneceu ao autor informaçõe s
importantes sobre o aparato i nformativo montado pelo partido. Trabalhou até
2005 como editorialista da Gazeta Mercantil.
Aparecida Azedo. Viúva de R aul Azedo Net o, que foi um dos chefes de
reportagem do Hoje, Aparecida também tem sua própria trajetória de mili tância
no PCB. Sobre viveu ao episódio conhe cido como Chac ina de Tupã (1949) , em
que a polícia do governador Adhema r de B arros executou três ativista s do
partido. A entrevista com Aparec ida não foi realizada em condições satisfatór ias.
Miguel Juliano. Este ar quiteto foi simpatizante ou m ilitante do PCB em
Uberlândia. Ao c hegar a o Paulo, nos anos 1940, conheceu Jorge Amado e
Clóvis Graciano, diretores do Hoje, e passou a arrecadar finanças para o partido.
O depoime nto serviu para compl ementar informações que constam em entrevista
que concedeu à revista elet rônica Projeto Design.
Lúcia Brito. Filha de Nabor C€: °jíx6EÕ€oo2u/dI
1940 e 1950.
Em alguns ca sos, comentários adicionais foram colhidos, por telefone, em
contato pessoal ou mesmo por depoimento escrito, como f ez Pérola de Carvalho.
Lamentavelmente, no caso de Nabor, em seu únic o depoimento gravado
conhecido, pertencente ao acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS), não
quaisquer referências ao trabal ho que desenvolveu no Hoje.
Cabe mencionar que no seminário “A Imprensa Confiscada”, que t eve lugar
em 13/5/2004 na FF LCH-USP
2
, o autor gr avou os dois depoimentos de Jacob
Feldman e Á lvaro Moya que terminaram por incentivar, pelas descobertas que
propiciaram, a realização de uma série de entrevistas (com o próprio Feldman,
com Dinora h Pinto Ribeiro, Pérola de Carvalho, Walter Freitas). Em outra
vertente, o autor colheu ainda de poimento, por telefone, de Áurea Rebouças,
residente em Salvador (BA), viúva do ci tado Milt on Cayres de Brito, que foi um
dos principais dirigentes do PCB em São Paulo, além de deputado federal e
estadual.
As chamadas “fontes orais” enriquecem pesquisas hi stóricas que li dam com
agrupamentos políticos clandesti nos. Contudo, como observado por diversos
estudiosos, o pesquisador deve utilizar esse material com bastante prudência.
Qualquer entrevistado tende, ainda que não necessar iamente de modo consciente,
a ser seletivo em suas declaraçõe s. Contradições internas também são freqüentes,
podendo, em determinados c asos, comprometer o material colhi do. Em que pese
tudo i sso, tais depoimentos fornecem dados objetivos e subjetivos de valia para o
pesquisador. Não se trata somente de constatar que este ou aquele depoimento
traz à luz informações ou “fat os” que jamais seriam localizados em qualquer
documento. Isto oc orre. Mas o fundamental talvez seja poder contar com uma
massa de testemunhos que descrevem com incomparável vivacidade ambientes,
personagens e situações da época estudada, e , tomados em conjunto, forne cem
um notável substrato empíric o.
Ainda sobre a met odologia empregada no tr atamento de “fontes orais” , duas
2 Por iniciativa dos professores Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy.
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questões precisam ser destacadas: a técnica utiliza da par a entrevistar e as técnicas
de transcrição e exposição do material obtido, isto é, do teor da s entrevistas. Em
primeiro lugar, após uma fase i nicial de sondagem, em que o e ntrevistado fala
livremente, passamos a fazer perguntas bem defi nidas e às vezes bastante
específicas ( embora procurando tomar o cuidado de não induzir as re spostas
reconhecendo que isso às vezes pode ter ocorr ido). Ao contr ário do recomendado
por a lguns autores, o m aterial por nós obtido não foi submetido aos entrevista dos
para aprovação e correção de eventuais erros. No processo de transc rição e edi ção
do material gravado, corrigimos erros gramaticais, suprimimos r epetições e vícios
de linguagem próprios da coloquialidade. Tais mudanças têm a finalidade de
valorizar o que de essencial nas declarações recolhidas. De qualquer m aneira,
são realizadas com a cautel a de preservar o sentido original da fala dos
entrevistados, sem distorcê-lo ou e mpobrecê-lo.
Por outro lado, a exposição e stá relacionada a o plano gera l da tese: ou seja,
utilizamos trechos das entr evistas, mais ou menos longos, na medida e m que são
requisitados pelo desenvolvimento da tese. Isto quer dizer que não foi
incorporada a tr anscrição integral das entrevistas, uma a uma, nos moldes
adotados por aqueles pesquisadores que concebem a história oral como núcleo
central de suas pesquisas (opção legít ima e defensável). Com a técnica empregada
neste trabalho perde-se em impacto literário, porém ganha-se na combinaç ão com
a variedade de fontes disponíveis, primári as e secundárias.
Outras fontes
O jornalista Vla dimir Sacchetta, filho de Hermínio Sacchetta, colocou à
disposição do a utor da pesquisa um conjunto de negativos fotográficos de vidro
que pe rtenceram ao Hoje, bem como cópias em papel ger adas a partir deles.
Trata-se de rico e proveitoso mater ial iconográfico.
Foram tentadas, sem êxito, outras fontes, tais como a a e mpresa T. Janér e a
Agência F rance Presse. A primeira não di spõe em seus arquivos dos regist ros
comerciais da época em que fornecia papel ao Hoje. A segunda, por meio de sua
15
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representação comer cial em São Paulo, procurou levantar os registros, mas o
conseguiu.
Também pesquisamos documentos pertencentes ao acervo do ex-gover nador
Adhemar de Barros, recentemente tornado disponível pelo Arquivo do Estado de
São Paulo.
Leitura do jornal
A leitura explor atória da coleção de Hoje foi um dos passos iniciais da
pesquisa. Na leitura exploratória o autor tomou contato com vári as edições da
fase ini cial do jornal (1945-46), o que permitiu, al ém de avançar na c ompreensão
de aspectos do objeto da pesqui sa, apr eender os elementos necessários à
preparação de uma Ficha de Leitura na qual seriam registrados os da dos
levantados, posteriormente, numa leit ura sistemática do jornal, para a qual
adotou-se a metodologia da sem ana composta, ou semana montada.
O problema prático que se colocou, diant e das dimensões da tarefa de leitura ,
foi quais períodos priorizar. Fixamo-nos, assim, na seleçã o de alguns momentos-
chave: os prim eiros meses de vida do Hoje, incluindo as semanas que se seguiram
ao golpe de 29 de outubro de 1945, as eleições gerais de 1945, a cobertura da
onda de greves no início de 1946, as eleições de janeiro de 1947.
Dada a impossibi lidade de ler todas as edições, optamos por trabalhar com
duas semanas compostas compreendendo os meses de novembro e dezembro de
1945 e ja neiro de 1946, pa ra com isso obter dados sistem áticos sobre e scolhas
editoriais, estilo, publi cidade etc
3
. Foram realizadas leituras explorat órias de
alguns outros períodos. Portanto, a s leituras exploratórias foram utilizada s em
dois momentos diferentes da pesquisa .
O l ançamento de dados nas Fichas de Leitura e poste rior tabulação permiti u
captar os aspectos editoriais mais marcantes do Hoje, bem como compará-lo a
dois jornais que lhe f oram conte mporâneos, Folha da Manhã e Correio
Paulistano, mediante a apl icação da mesma Ficha a edições de stes.
3 Posteriormente constatamos que o Arquivo do Estado não possui em sua coleção as edições de dezembro de 1945, o que
3. Quadro teórico de referência. Hipóteses
No projeto, t ivemos como ponto de partida o seguinte problema: em que
medida o PCB teria alcançado, com a publicação dos diários, os seus objetivos
tƒÐEEÐ da
jornalismo. Recorrem os em especial ao conceito de hegemonia e à formulação de
“aparelhos privados de hegemonia”, desenvolvida no país por Carlos Nelson
Coutinho (Coutinho, 1999) mas aplicada pioneiramente em estudos de jornalismo
no Brasil, ao que parece, por Dênis de Moraes (Moraes, 1994). A obra deste
último, O Imaginário Vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no
Brasil, 1947-53, merece atenção pelas provocações teóricas que empreende. Mais
recentemente, Venício Lima aplic ou a formulação gramsc iana à Rede Globo de
televisão
4
(Lima, 2001: 146).
Hegemonia, contra-hegemonia, c ontra-informação, c onceitos referidos à
disputa entr e classes sociais pelo controle dos processos de comuni cação soci al,
foram util izados no debate te órico no B rasil, no início dos anos 1980, por
pesquisadori P2•
àlaHcD2c3I
férteis de tentativas de se tores populares, politicamente organizados, de tomar em
em sua s os a produção de senti do. Pesquisou, por exemplo, o invent ivo
complexo editorial de W. Münzenberg, c riado na República de Weimar, ligado ao
Partido Comunista Alemão (KPD) e que conseguiu publicar, em 1931, o Arbeiter
Illustrierte Zeitung, jor nal com tiragem de 500 mi l exemplares (Marcondes Filho,
1986: 69). Marcondes Fi lho val e-se da expressão “contra-comunicação” par a
enquadrar tais casos.
De outro pesquisador do t ema, Bernardo Kucinski, aut or de Jornalistas e
Revolucionários nos tempos da Imprensa Alternativa, emprest amos o conce ito
de protagonista, estendendo- o a atores que o exclusivamente os jornalistas
profissionais, tais como os mi litantes enga jados na sustentação financeira dos
jornais do PCB e na sua ar riscada difusão, ou os gr áficos que t rabalhavam nas
suas of icinas insalubres. Também levamos em conta suas originais observações
sobre as concepções de Lênin e de Gramsci sobre a imprensa partidár ia (cf.
Kucinski, 1991: 76).
Ainda que não operem no pri sma gramsciano, os instigant es trabalhos de
Marcondes Filho e Kucinski são tomados com o referência pelo Autor desta tese.
Aparelhos privados de hegemonia
Nos termos da teoria de Gramsci do “Estado am pliado”, defendemos as
hipóteses de que a) os jornais diár ios do PCB atuar am como “aparelhos privados
de hegemonia” (APH) portadores de sentido cont ra-hegemônico, e de que b) em
conexão com outros APHs como os sindicatos ligados aos comunistas e o
próprio PCB contribuiram para que, num dado período e dentro de dados
limites, fosse rompido ou abalado o consenso estabelecido pelas classes sociais
em posição de mando na sociedade brasileira, no t ocante a t emas ligados ao
mundo do trabalho: capital versus trabalho, direitos dos trabalhadores,
trabalhadores e política , patr ões versus sindicatos etc. Os APHs são “os
organismos de participação políti ca aos quais se adere voluntari amente (e, por
isso, são ‘privados’) e que não se caracterizam pelo uso da repressão” (Coutinho,
19
19
1999: 125).
“Criam-se”, afirma Carlos Nelson Coutinho a respeito da luta de c lasses e m
curso nas sociedades complexas, c omo é o caso do Brasil,
“enquanto portadores materiais dessas visões do mundo em disputa, em
luta pela hegemonia, o que Gramsci chama de ‘aparelhos privados de
hegemonia’: e não se criam apenas novos ‘aparelhos hegemônicos’
gerados pela lut a das massas (como os sindicatos, os partidos, os
jornais de opinião etc.); também os velhos ‘aparel hos ideológicos de
Estado’
5
, herdados pelo capi talismo, tor nam-se algo ‘priva do’,
passando a fazer parte da sociedade civil e m seu se ntido moderno.
Abre-se a ssim a possibilidade (...) de que a ideologi a (ou sistema de
ideologias) da s classe s subalt ernas obtenha a he gemonia no interior de
um ou de vários aparelhos hegemônicos privados, mesmo antes que ta is
classes t enham conquistado o poder de Estado em sent ido estrito, ou
seja, tenham se tornado classes dominant es” (idem: 133).
De acordo com Dênis Moraes,
“A i mprensa com unista (...) integra um desse s aparelhos privados de
hegemonia o dos meios de comunicação. A meta dos partidos
comunistas é articular-se com segmentos sociais para tentar executar o
projeto revolucionário por eles engendrado. Para isso, dependem da
agregação a suas m ensagens do público-alvo: mil itantes e
simpatizantes, em primeiro plano, e classes populares. É possível
caracterizar os periódicos comunist as como aparatos empenhados em
construir um pilar de sustent ação para a obt enção de consenso em torno
da ideologia partidária” (Moraes, 1994: 45).
5 Conceito criado por L. Althusser.
20
20
Nossa investigação pr ocurará dialogar c om o pioneiro estudo de Moraes,
cujo ponto de part ida foi, porém, muito distinto do nosso. Seu objetivo foi
“analisar as linha s principais de recepção e de assimilação do reali smo socialista
no Brasil, na passagem das décadas de 1940 e 1950”, elegendo como centro da
investigação a rede de jornais e revist as do PC B, que foi “o lugar exemplar de
reverberação das teses de Andrei Jdanov, ideólogo e censor da literatura e das
artes na era Stálin” (idem: 16) .
Moraes, que buscou na font e os escritos de Marx (e Enge ls) e de Lênin que
serviram de fundamento ao que chama de modelo com unicacional comunista”,
concluiu o seguinte:
“A obsessão doutrinária deslocou a informação para o domínio dos
efeitos ideológicos. Essa bitola é sempre perigosa. A hegemonia do
vetor ide ológico const itui uma distorç ão do processo comunicativo,
pois as relaçõe s de poder se i nfiltram na argumentação, invi abilizando a
formação de um consenso legítimo na busc a da verdade” (idem: 72).
À luz do levantamento empírico do Hoje, problema tizamos algumas das
afirmações de Moraes, lembrando pr eliminarmente que os j ornais do PCB, como
quaisquer outros, são experiências que devem ser compreendidas no
correspondente contexto histórico.
Questão das m ais cruciais, para os fins de nosso estudo, é a contr adição vist a
por Moraes na natureza e no agir da imprensa comunista: entre, por um lado,
carregar “contra-sentidos que visam combater, enfraquecer e derrotar a ordem
capitalista”; e, por outro lado, “focalizar a audiência”, reduzindo as classes
populares ou subalternas a “simples espe ctadores de suas simulações” i sto é,
praticar a “fala autoritá ria”.
Sustentamos, com base na pesquisa, um pa recer diverso. Acreditamos que
Hoje realizou-se c omo APH “contra-hegemônico” (o que por certo é uma
contradição em te rmos) precisamente na m edida em que defendeu a spirações das
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21
camadas populares, e mais que isso, deu voz a e las. O diário mate rializou em suas
páginas uma visã o de mundo que não era elaborada à revelia dos de baixo, m as
com eles, ainda que também esse processo de elaboraçã o não fosse linear ou livre
de contradições. Ao revelar um mundo sonegado pelas páginas da grande
imprensa, o mundo do trabalho e da pobreza, Hoje combateu a aliena ção e o
fez a partir de gestos, palavras e image ns dos próprios atores desse mundo.
Não é correto, portanto, afirmar-se que somente “os operadores ‘mais
qualificados’ podem m anifestar parâmet ros racionais de orde nação social”, ou
que o discurso emancipador “prega a elevação dos oprimidos a sujeitos
históricos, mas os manté m como objetos passivos no cir cuito do estabelec ido”
(Moraes: 82). A fala a utoritária” está presente nos diários, mas não é exclusiva ,
convivendo e mesclando-se com a “f ala dos reprimidos”.
Crítica de Martin-Barbero
Outra crítica à imprensa comunista, digna de nota, parte de Martin-Barber o:
citando a obra de Guillermo Sunkel acerca da imprensa popular no Chile, em que
aquele autor e xamina “a transformação da imprensa operária em jorna is de
esquerda”, aponta que “a mudança se situa basic amente na rupt ura do círculo
local onde até e ntão permanecera inscrita”, ou seja, ocorre uma nacional ização e
uma centralização, em busc a das massas:
Mesmo assim, o discurso desses jornais continuará fiel à matriz
racional-iluminista e sua f unção de “ilustra ção popular” e propaganda
política. Os objetivos seguem se ndo educar os setores populares
elevar sua consc iência política e representá-los no ou frente ao
Estado. que e ssa representação si gnifica a problemati zação apenas
daqueles temas que a esquerda marxista considera políticos ou
politizáveis (Martin-Barbero, 2002: 255) .
Embora alguns elementos dessa avaliação seja m pertinentes, podemos
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afirmar que e la não é a plicável, ao menos in totum, a experiências como Hoje e
Tribuna Popular. Ne stes diários, a importância dada aos temas cultur ais foi
relevante, c omo o de monstram a ampla cobertura esportiva e a atenç ão às artes
plásticas, ao cinema, à lit eratura e às escolas de samba.
As questões teóricas até aqui apenas sumariadas serão r etomadas no capítulo
III desta tese.
I. Ascensão do PCB e surgimento dos “diários vermelhos”
Instaurado em 1937 pela vanguarda burguesa, à frente Getúlio Vargas, para
acelerar e i mpor a impl antação das r eformas políticas e econômica s defendi das
pelo movimento de 1930, o Estado Novo começou a deteriorar-se nos primeiros
anos da déca da de 1940, por fatores internos e externos. A entr ada do Brasil na
Guerra Mundial, em 1942, acelerou o proce sso de erosão do regime ditatorial.
Nesse contexto, o Partido C omunista do B rasil (PCB) perseguido com
ferocidade desde 1935, desmantelado com o organização política, seus principais
dirigentes encarcerados conseguiu aos poucos reorganizar -se, afirmar uma
linha política (“uni ão nacional com Vargas na luta contra o nazi-fascismo” ),
ganhar apoio popular. As principais lideranças comunistas f oram libe rtadas por
decisão de Vargas, interessado em reorientar o r egime, diante do contexto
internacional de declínio e depois der rota do fascismo, e em face do grande
prestígio da União Soviética (com a qual o Estado Novo reatou relações
diplomáticas em 1945) e dos Estados Unidos, visto este último país como
“guardião da democracia”. O dit ador também precisou convocar eleiçõe s gerais.
Mal havia ingressado na legalidade na verdade, ante s mesmo de vir a ser
reconhecido pela justiça eleit oral como partido legal o PCB tratou de iniciar a
montagem de um aparato de meios de com unicação, “imensa estrutura” (Rubi m,
1986: 38), que em menos de um ano contaria com diversos jornais diários, uma
agência de notícias, semanários, revistas, editoras de livros. Logo montaria
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também uma empresa cinematográfica. Preocupava-se, portanto, em combater a
hegemonia burguesa no âmbito das realiz ações culturais e da comunicaç ão.
Quando conquistou seu registro ( ainda que provisório) como partido legal, havia
reunido as condições mínimas par a vir a experimentar a contra-hegemonia.
Dois desses jornais di ários, a Tribuna Popular, no Rio de Janeir o, desde 22
de maio, e Hoje, em São Paulo, desde 5 de outubro, bem c omo o semanário O
Momento, em Salvador — este lançado já a 31 de março, por iniciativa da direção
estadual do PCB (Falcão, 1988: 267) estavam em plena atividade quando
Vargas foi deposto, e m 29 de outubro de 1945, por um golpe mil itar-civil
liderado por dois condestáveis do Estado Novo: os generais Eurico Gaspa r Dutra
e Góes Monteiro, apoiados pelos Est ados Unidos e por forças c onservadoras
como a União Democr ática Nacional (UDN) e o Partido Social-Democrático
(PSD).
O sentido do golpe: assegurar uma transição sob controle estrito da elite,
impedindo Vargas de dar prosseguimento à sua aliança com setores da classe
operária os ligados ao Partido Tr abalhista Brasil eiro (PTB) e os influenciados
pelos comunistas e cuja e xpressão era o “queremismo”, movimento de massas
que reivindicava a permanência do ditador à frente do governo. O quadro foi
assim descrito por João Almino:
A necessidade que tem Vargas, isolado em sua tent ativa de composição
elitista, de angariar o a poio da classe operár ia e da pequena burguesia
urbana no se gundo semestre de 1945, levando à esdrúxula situação de
um ditador liberal-democrata confronta do com a oposição de “li berais”
autoritários contri bui, sem dúvida, par a o reforço da dissoci ação entre
luta contra o ditador e luta contra o corporativismo ( ...) representava
para muitos um golpe c ontra a democracia e, para os responsáveis pela
deposição do ditador, não mais que a maneira de evitar o se u
continuísmo no poder e a “agitação popular ” (Almino, 1980: 353).
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O golpe foi acompanhado de prisões, fechamento de sedes do partido, e
suspensão da Tribuna Popular por ordem de um comandante mil itar, o general
Mendes de Morais, como anotou Caio Prado Júnior em seu diá rio no início de
novembro (I umatti, 1999: 177-178). Era o batismo de fogo da imprensa diária
comunista, anunciando os tempos difíceis que teria pela frente. Mas, embora
alguns dos militantes detidos tenham recobra do a liberdade após semanas, as
eleições foram mantidas, o PCB reconhec ido como partido legal, e o país
prosseguiu no que muitos a creditaram ser a marcha para a dem ocracia e para um
futuro melhor:
“Corações e mentes esta vam embr iagados, saíam às ruas, tomavam as
praças e lotavam os estádios. A alegria pela derrota do nazi-fasci smo se
fundia à esperança de que a dem ocracia trouxesse uma nova
perspectiva para o país” (Costa, 1995: 4) .
No breve período de l egalidade do PCB entre abril de 1945 e ma io de 1947,
os comunistas disputaram e ganharam posições no movimento sindical,
deslocando sindicalist as “pelegos” e dividindo com os getulistas do Partido
Trabalhista Brasileiro ( PTB) a condição de principal força do setor, numa
conjuntura (1945-1946) de ascenso do operariado, marcada por fortes gr eves e
por prote stos c ontra o alto custo de vida. C riaram os comitês democrát icos
populares”, canal izando as reivindicações nos bairros pobres. Conquistar am as
simpatias das “classe s médias”. E a briram espa ços na institucionalidade,
disputando eleições par a a Presidência da República, Assembléia Constituinte,
assembléias legislat ivas estaduais.
No que dependesse do PCB, sua impre nsa diária seria uma prese nça
constante entre os operários, quase que de norte a sul do país: “N a primeira
assembléia sindical dos trabalhadores metalúrgicos de Port o Alegre, após a
legalidade do partido, com e xceção de uns trê s companheiros, todos os presentes
liam Tribuna Popular, o jornal de massas dos comunist as” (Martins, 1980: 77).
25
25
Em apenas dois anos o PCB tornou-se um partido de massas, com um
quadro de filiados estimado em 150 mil a 200 mil
6
e uma expressiva
representação pa rlamentar: um senador, 16 deputados federais
7
, 46 deputados
estaduais em 15 Estados. A tendência de crescimento dos comunistas como força
política seria confirmada nas eleições estaduais majoritárias e proporcionais de
janeiro de 1947, nas quais o PCB teve decisiva participação na eleição de
Adhemar de Barros, o candidato do Partido Social- Progressista (PSP) ao governo
de São Paulo.
I.1. Era Dutra: luta de classes, disputa polí tica e ideológica
Prestes, principal nome do partido, eleito senador nas eleições gerais de
dezembro de 1945 com enorme votaç ão após ter passado uma década preso,
tornou-se uma figura mítica de prestí gio somente igualado por Vargas, este
também el eito senador com est rondosa votação. Pela primeira vez na história do
país, uma força política de ori gem popular conquistou impor tantes postos no
parlamento. Mas, de cer ta forma, a rápida asc ensão do PCB custou-lhe,
contraditoriamente, o direito à e xistência legal.
O governo do general Dutra, eleito pr esidente em 1945 pe lo PSD, reprimiu
os comunistas com crescente vi olência, operando para c olocá-los na ilegal idade.
Em maio de 1947, finalmente, o Tribunal Superior Eleitoral os empurrou de volta
à c landestinidade, numa decisão apertada (3 vot os a 2) em julgamento provocado
por ações judiciais estimul adas por Dutra
8
, poucos me ses depois de aprovada a
nova Constituição Fede ral. O PC B, como veremos adiante, não acr editava nessa
possibilidade, e sua r eação f oi pífia. Em janeiro de 1948, mais um dur o golpe: os
mandatos comunistas federais, estaduais, e os dos vereadores do Distrito
Federal, eleitos em dez embro de 1945 for am ca ssados pelo Congresso, que
havia aprovado le i a utorizando a de missão de funcionários públ icos que fossem
6 A primeira cifra, que parece mais realista, é citada em Falcão, 1988. A segunda é mencionada pela maioria dos autores.
7 Aos 14 deputados constituintes comunistas eleitos em 1945 juntaram-se outros dois, em janeiro de 1947, eleitos por São Paulo nas
eleições complementares.
8
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26
comunistas. Assim, ao setor das classes populares que se identifica va com o PC B
não restou nem o direito ao voto (Pomar, P. E. R., 2002: 22) .
Mesmo no período em que atuou com o partido legal o PCB enfrentou dura
hostilidade dos chamados poderes constituídos. Em outras palavras, o fato de
contar então c om parlamentares no exercício do mandato e de existir como
partido re conhecido pela justiça eleitoral não impediu que fosse alvo permanente
de repr essão poli cial, desde a infatigável e cotidiana espionagem até a ções
violentas do Exército e das polícia s, bem como prisões arbitrárias. Tornou-se
trivial a eliminação física de oposi tores do regime pela repressão política: ao final
do mandat o de Dutra, o número de militantes comunistas assassina dos chegar ia a
55 (José, 1997: 170).
O bai xo gr au de tolerâ ncia democrática do governo Dutra para com os
movimentos populares em geral , e os comunistas em particula r, j á f ora, de certa
forma, prenunciado pel a natureza do movimento que derrubou Vargas em
outubro de 1945. Mas o fato de se haverem realizado eleições gerais
“relativamente dem ocráticas” em dezembr o desse mesmo ano (Bethell, 1996: 91),
sob a Presidência interina do udenista José Linhares, e a persistência das euforias
desencadeadas pela derrota do fascismo na guerra, bem como um processo
constituinte que se apresentava como democrático, tudo isso conc orreu pa ra
realimentar e manter acesas as expectativas de um aprofundamento das
liberdades.
O regime de Dutr a recorreu corriqueiramente ao terror ismo de Estado para
dissolver manifestações e prende r ou ca lar opositores, o que se acentuou com o
advento da “Guer ra Fria”. Enquanto o Congresso prepar ava a nova Constituição,
Dutra governou com mão de ferro, como notou Werneck Vianna, pois as leis de
segurança do Estado Novo não foram revogadas (Vianna, 1978: 254). em
março de 1946 editava o decreto-lei 9.070, que proibi a greves e punia grevistas
com multas e prisã o. Dir igentes sindicais foram conde nados e e ncarcerados em
decorrência desse diploma legal (Pomar, P. E. R., 2002: 164, 168). A
27
27
Constituição não trouxe os avanços buscados pela esquerda
9
. Em mai o de 1947,
no dia seguinte à ca ssação do PCB, o governo editou novo decreto-lei, 23.046,
com o qual extingüiu a Confederação Geral dos Tra balhadores do Brasil (CGTB)
e interveio em duas centenas de si ndicatos.
É nesse contexto, inicialmente de relativa liberdade, e posteriormente de
perseguições crescentes, que surgiram e viveram os jornais diários do PCB,
desenvolvendo sua experiência de contra-hegemonia em condiçõe s extremamente
árduas. Sua histór ia confunde-se com a história do PCB nas décadas de 1940 e
1950, mas não se resume a esta, pois os j ornais tiveram suas próprias trajetórias.
“Ocidentalização” da sociedade brasileira
A a preciação do regime encabeçado por Dutra coloca doi s problemas
teóricos pertinentes a este estudo. Um, quanto à sua natureza: de mocracia liberal
de viés antipopular, semidi tadura, ou ditadura aberta com disfarce constitucional?
O outro, desdobramento deste, diz respeito à questão das formas mediante as
quais as classes dom inantes exerciam o poder em tal r egime: hegemonia ou
domínio? Hegemonia ou supremacia? Para tratar de tais questões, tem-se antes
que deslindar o “tipo” de sociedade exi stente no Brasil nesta época.
Não pode have r dúvidas quanto às condições de “ocidentalizaçã o” da
sociedade bra sileira nos anos 1940 ( nos termos da teoria gr amsciana). A I greja
havia, desde a proclamação da República, se separado do Estado, deixando de ser
aparelho ideológico de Estado para converter-se em aparelho privado de
hegemonia (APH). A “sociedade civil” assumira feições diversificadas
(Coutinho, 1999: 211-212). Facções e grupos das classe s dominant es
constituiram, desde fins do culo 19, inúmeros jor na
tomaram posição resoluta c ontra Vargas evidencia sua f unção instrumental
como APHs.
Também os partidos políticos se nacionalizar am e diversificaram, à direita e
à e squerda, no processo de declínio do Estado Novo e formação do novo regime
no pós-guerra, sugerindo a matizaç ão das posi ções e dos projetos políticos.
Partidos como PS D, UDN, PTB, PCB e em menor m edida a Esque rda
Democrática, futuro PSB, tinham expressão eleit oral e social. O fim do Estado
Novo, “o retorno à democracia (ainda que limitada)”, a legalizaç ão do PCB,
tornaram mais nítido “o processo de ocidentalização da sociedade brasilei ra”, os
partidos que nasceram nesse momento “assumiram dimensão nacional e perfil
ideológico mais nítido” (idem: 214) .
Por outro lado, como sustenta Márcia Boschi, a burguesia industria l
brasileira “já em 1946, era bastant e organizada e atuante politicamente,
conseguindo influenciar, muitas vezes de forma dec isiva, as políticas econômicas
que vieram a ser adotadas no governo Dutra” (Boschi, 2000: 12). Os industriais
paulistas haviam criado sua entidade de representação, a Fi esp, em 1934, e logo
organizariam instrumentos de doutrinação do ope rariado: o Serviç o Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai), em 1942, e o Serviço Social da Indústria (Sesi),
em 1946 (idem: 118). O Senai tinha a dupla função de “preparar mão-de-obra
qualificada” e “disciplinar o trabal hador para torná-lo politicament e dócil e
economicamente mais rentável, através da aplicaç ão dos métodos desenvolvidos
por Taylor” (idem: 121). Sobre o Sesi, o senador Robert o Simonsen dirá:
É antes o Homem que nos preocupa, do que o Operário. É sua
formação sadia, de alto val or é tico, do trabalhador brasileiro,
preservando-os de deturpações na sua formação cívica e política (...)
não haverá, entre nós, clima para a penetração insidiosa da técnica
marxista da luta de classes (cit ado por Boschi, 2000: 122).
Outro líder industrial, Euvaldo Lodi, chamará a tal apa rato, em setembr o de
29
29
1947, de “serviços de educação social”, que incidem sobre o tra balhador e
repercutem, logo, na comunhão da família” (idem: 123). S enai e Sesi, portanto,
eram tipicamente APHs, com a clara tarefa de domestica ção e despolitização do
proletariado fabril. Um precursor dessa s organizações aparecera em 1931: o
Instituto do Desenvolvimento Racional do Trabalho (Idort), que no ano se guinte
lançaria uma revista (Nobre, 1950: 238) .
Interesses cor porativos e profissionais ma nifestavam-se na criação de
entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), est a reunindo tanto j ornalistas empregados como
jornalistas e mpregadores. Além disso, o corporativismo estatal estimulou a
criação de sindicatos patronais e de trabalhador es. A sociedade civi l apresentava-
se, assim, razoavelmente compl exa e diversif icada, com um grande número de
APHs de or ientação fortemente burguesa e alguns outros mais indefinidos,
abertos à disputa interna, ou situa dos num campo que pode ríamos chamar de
“contra-hegemônico”.
Porém, embora dadas certas c ondições necessárias ao exercíc io do poder
político burguês por consenso, a bur guesia brasileira não dispensou o ter rorismo
de Estado, a interdição do PCB, a repr essão l egal e pol icial de larga escala ao
movimento operário e sindical. Em discurso no Senado, em junho de 1947,
Simonsen aplaudiu o fechamento do PCB (Boschi, 2000: 25). Desse modo, ao
combinar direção política ( consenso) com coerção em grau elevado ( ditadura, na
terminologia de Gramsci), o regime exerceu sua supremacia sobre a classe
trabalhadora.
30
30
I.2. Entre o arrebatamento das multidões e contradições táticas e estrat égicas
Candidato a deputado federal nas eleições que se r ealizariam dentro de
poucos dias, Caio Prado Júnior, que participara, na véspera, de um comício do
PCB no Vale do Anha ngabaú, c olou em seu diário um recorte do Diário de S.
Paulo de 18 de novembr o de 1945. O j ornal informava que o PCB aprese ntara
seus c andidatos: “De zenas de milhares de pessoas reunidas no Parque
Anhangabaú ouviram a palavra dos oradores do par tido Perfeita ordem reinou
durante toda a manifestação”. Uma fotografia em qua tro colunas ilustrava a
reportagem. Impressi onado com a massa humana que vira lá, Caio Prado Júnior
escreveu: “Calculo a af luência, sem exager o, em 50 a 60 mil pessoas. O
espetáculo foi magnífico”
10
.
A legalidade vivida pelo PCB no inte rvalo abril de 1945- maio de 1947 fez
com que se manifestassem as potencialidades dos comunistas, tanto quanto as
suas contradições como força política que se batia por uma sorte melhor par a a
classe operária e a população explorada em geral. A despeito de toda sorte de
considerações negativas feitas a propósito da linha de “união nacional com
Vargas”, adotada no período da Guerra Mundial , ela permitiu ao PCB m anter a
iniciativa política nos anos 1942-45 e anga riar enorm e simpatia junto às massas
populares. Mas esta linha defendida pela Comissão Nac ional de Organização
Provisória (CNOP), o principal gr upo comunista dentr e os que estavam em
atividade em 1942 como se sabe, a princípio sofreu forte c ontestação dentro
do próprio partido.
A unificação posterior dos vários grupos (e de li deranças, como Carlos
Marighella, que também se opunham à linha da CNOP) pareceu supe rar esse
episódio, porém o PCB viveria outr as tensões neste período, em ra zão de vários
fatores interrelacionados: 1) a m anutenção da consigna de “união nacional
mesmo após o fim da guerra e a posse de Dutra no gover no, revelando 2) a
incompreensão da nova conjuntura e uma vi são estrat égica e quivocada ( por
10 Diários políticos de Caio Prado Júnior, 18/11/1945. Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
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enxergar como principal inimigo a suposta aliança entre o imperialismo e o
latifúndio, entendendo a burguesia nacional como ali ada); 3) a manutenção da
palavra-de-ordem, de fundo positivista, de “ordem e tra nqüilidade”, na verdade
desdobramento da primeira.
Estes problem as t inham como pano de fundo a escassa elaboração teórica do
partido a respeito da formação sócio-econômica brasileira e dos problemas
nacionais, derivada da assimilação insuficiente do marxismo: segundo Del Roio,
o PCB não conseguiu conformar uma teoria da re volução; o marxismo brasileiro,
por várias razões, “não conseguiu se emanci par do invólucro positivista da
tradição cultural do m ovimento operá rio, das próprias camadas médias e da
educação militar” (Del Roio, 2002: 63). A crença na persistênc ia de um regime
“feudal” (ou feudal-burguês) no B rasil em pleno século 20 era um dos traços
marcantes deste arcabouço t eórico.
A liderança de Prestes, neste quadro, era problemática: seu ingresso
galvanizou enormes contingentes popul ares, mas introduziu no partido, ao mesmo
tempo, a figur a do chefe supremo, do qual emanavam orientações, por definição,
sempre ace rtadas e geniais. O culto à personalidade de Prestes alcançou
proporções semelhant es ao de Stáli n, tornando-se o aniver sário do líder tene ntista
um dos principais tópicos anuais da agenda do PCB. C aio Prado Júnior observou
em seu diário, com a causticidade de sempre e algum exagero, ao comentar os
comícios realizados por Prestes e m 1945:
Em muitos aspectos, a campanha prestista-comunista [ilegível] o
colorido das campanhas fascistas. A mesma idealização e quase
deificação do chefe, o mesmo radicalismo (que não se mostra aliás bem
dentro da linha oficial do par tido); as mesmas explosões emotivas e
irracionais coletivas...
11
Fenômenos como o mandonismo e o dogmatismo passaram a castrar o
11 Diários políticos de Caio Prado Júnior, 21/8/1945. Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
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debate e a criati vidade das bases partidárias, provocando não poucos dramas
pessoais. Moisés Vinhas relata que Mário Scott, o líder ferroviário e leito
deputado federal por São Paulo em 1945, foi impedido de assumir a cade ira por
determinação do di rigente Diógenes de Arruda Câmar a, que designou o suplente
Milton Cayres de Brito pa ra o ca rgo. Depois de algum tempo Scott suicidou- se
(Vinhas, 1982: 91). Otávio Brandão, um dos fundadores do partido, sujeitava-se a
submeter os ar tigos que escrevia pa ra o Tribuna Popular ao crivo de Arr uda
Câmara, pedindo “licença pa ra publicação” (Basbaum, H., 1999: 115).
Assim, os feitos extraordinários de arregimentação popular obtidos pelos
comunistas no pe ríodo Dutra de certo modo escondi am debilidades e
contradições de toda ordem. Os maiores problemas, sem dúvida, residiam na
formulação união nacional-ordem e tranqüilidade, pressupondo a pr imeira o
engajamento dos operários no “esforço produtivo de guerra” (e, encerrado o
conflito, o apoi o ao esforço produtivo para o de senvolvimento nacional) e a
segunda a abdic ação ao direito de greve (“apertar a bar riga” ou “apertar os
cintos”). As bases sociai s do PCB nas f ábricas ignoraram tais proclam ações. Os
operários estavam fartos de passar fome. Foram à luta, em 1945-46, pa ra brecar a
superexploração e derrotar o arrocho salarial. Instalava-se o conflito, portanto,
entre os ativistas do partido, colados às massas mobilizada s para a greve, e as
direções partidárias encar regadas de zelar pela funesta dir etriz a nti-greve. O que
levou Costa a falar em “dois PC’s”:
Havia dois PCs na r ealidade. Um PC mais l igado à cúpula do discurso
oficial que apelava para as massa s “apertarem os cintos”, buscando
congelar suas de mandas imediatas; e outro que convivia com um
ativismo intenso das bases do partido nos bairros, nas fábricas,
colocando-se à frente de muitas dessas r eivindicações consideradas
temerárias pela direçã o do partido (Costa, 1995: 8).
O jornal Hoje, acrescenta, espelhava essa ambigüidade, ao trazer em suas
33
33
páginas simultaneamente “as intermináveis resoluções do partido c om os apelos à
ordem e tranqüi lidade, c om condenações de greves, com enaltecimento da figura
de P restes e Stalin” e denúncias sobre o custo de vida, divulgação das atividades
dos comitês democráticos na luta por luz, asfalto, esgoto. “O Hoje divulgava
também as más condições de trabal ho e xistentes nas empresas e, na medida em
que as greves se alastravam, passa a ser o órgão de maior divulgação das
mesmas” (Costa, 1995: 8).
Wladimir Pomar desenvolve o tema dos “dois PC’s”, vincul ando-o ao
sistema decisório do PCB que, tendo “certa raiz no passado, foi se i mplantando
paulatina e furtivamente no par tido, tendo como principal fator o peso e a
autoridade de Prestes”:
Passou a predominar o m étodo de tomar decisões se m [se] ouvir de
forma sistemática, organizada e dem ocrática as base s do partido. C om
isso, bem mais do que no passado, criou- se uma situação int erna em
que era proibida f ormalmente a existência de correntes ou frações, mas
na prát ica havia dois ou mais PC’s, que se dissociavam e se
imbricavam de cima a baixo, sem conseguir forjar uma unidade
ideológica e política sólida e dur adoura (Pomar, W., 2003: 160).
Caio Prado Júnior, que apesar das di vergências com a C NOP terminou por
retornar às fileiras part idárias, após comentar a difícil situação do di ário do PCB
em São Paul o em fever eiro de 1946 “O Hoje está numa si tuação
desesperadora, com ficit de mais de 100 c ontos por mês. Não sei qua nto ainda
viverá, enquanto que imam os úl timos cartuchos” faz um prognóstico
desanimador: “Tenho impressão [de] que o ocaso do partido sob a sua atual forma
cnopista-prestista se aproxima . Será a segunda ve z que Prestes ma tará o
comunismo no Brasil”
12
.
A previsão do intelectual o se conc retizou, pelo me nos não de imediato.
12 Idem, 15/2/1946. Certamente faz referência às desastradas declarações de Prestes sobre uma hipotética guerra entre Brasil e
URSS e à rebelião de 1935.
34
34
Nas eleições de janeiro de 1947, como visto, o partido fortaleceu-se: ampliou sua
bancada federal com dois deputados excepciona lmente bem votados nas eleições
complementares de São Paulo, Arruda C âmara (62 mil votos) e Pedro Pomar (135
mil); conquistou alt a votação para Cândido Portinari, candidato ao S enado (287
mil votos); elegeu deputados estaduais em nove estados, num tot al de 46. Além
disso, teve participaçã o decisiva na eleição de Adhemar de Barros, o que
implicava a derrota do candidato de Dutra, par a quem “a vitória de Adhe mar
representou o m aior revés pol ítico das eleições de janeiro de 1947”, dado tr atar-se
não de um gover nador “apoiado pelos com unistas, mas [que] também vencera
sem o apoio de qualquer um dos pa rtidos da elite” (French, 1995: 205). Ao
comentar o desempenho eleitoral dos comunistas em 1945 e 1947, Aarão R eis
adverte que a política de “união nacional” que “evidentemente, tinha uma
contrapartida conciliatória do ponto de vista do ince ntivo à s lutas sociais”, não
provocou tantas perdas quanto se poderia esperar: “Se houve desgaste , os
sismógrafos eleitorais não o registrar am” (Aarão Reis Filho, 2002: 75).
Todavia, o desempenho elei toral do PCB precipi tou o fechamento do
partido, em maio de 1947, o qual surpreendeu a maior par te dos dirigentes que,
Prestes à f rente, minimizaram tal possibilidade, desde o início do processo na
justiça eleitoral. Mesmo Caio Prado Júnior, que se mpre fez restrições à política
do núcleo dirigente, subestimou os riscos, ao escrever, em março de 1946,
comentário sobre Bar reto Pinto e Himalaia Virgul ino, aut ores das ações contra o
PCB: “São doi s tipos desmoralizados” . “Não penso que o partido seja fechado. O
governo se limitará a c ortar-lhe os movimentos”
13
. O fechamento o encontrou
resistência de qua lquer espécie: os comunistas pareciam anestesiados, eufóricos
com os resultados eleitorais alcançados no início do ano, e mesm o tímidas
medidas preventivas propugnadas pelo Comitê Estadual paulista em circular de
22 de fevereiro logo após a divulgação de pa recer do procurador Alceu
Barbedo, favorável à ação de Barreto Pinto não chegaram a ser ef etivadas
(Pomar, P.E.R., 2002: 87).
13 Diários políticos de Caio Prado Júnior, final de março de 1946.
35
35
É ver dade que a política de “união nacional enquadrava-se na diretriz de
frente única contra o fascismo adotada pel o PC da União Soviética, o que pode
haver influenci ado as posições do PCB. Mas em 1946 e 1947 a direção par tidária
continuava firmemente a cre r no caráter progressista da burguesia nacional e a
atribuir a truculência de Dutra a os “restos do fascismo” supostamente
“enquistados no governo”. Em dezembr o de 1947, sete meses após a proscrição
do par tido, Marighella assim defendia o apoio dado pe los comuni stas a Cirilo Jr.,
um dos candidatos a vice-governador de São Paulo pelo PSD: “Somos os mais
conseqüentes lutadores pela i ndústria nacional, pel as reivindicaçõe s das massas,
pelos interesses da burguesi a nacional (...). Marcham os, assim, para a unidade
com a burguesia”
14
.
O mergulho na ilegali dade provocará per plexidade na polí tica do PC B, que
emite palavras-de-ordem cont raditórias: pri meiro, Prestes exige a renúncia de
Dutra; e m seguida, declara-se disposto a colaborar até com Dutra, caso este
queira descartar seus colaborador es fascistas, e retira a bandeira da renúncia
(idem: 89). As guinadas súbitas e inexplicáveis também car acterizarão o período
iniciado e m 1948, a pós a ca ssação, em j aneiro, dos mandatos comunistas
15
. O
Manifesto de janeiro de 1948
16
adota um giro completo na linha do partido: fala
em “revolução agrária”, “nacionaliza ção dos serviços públicos e anulação de
concessões e privilégios dos grandes capitalistas naci onais e estrangeir os”; critica
a li nha de ordem-e-tranqüilidade por nada tr azer de prático, de útil ou
proveitoso” à classe operária e por te r levado o partido a enxergar “em qualquer
greve ou movimento de massas espontâneo uma provocaç ão perigosa e sempre
contrária aos interesses do proleta riado
17
”. Desaparecem as r eferências explíci tas
à união nacional. A economia do país é “atrasada, semi-feudal e semi-colonial ”.
O Manifesto de janeiro de 1948 impulsionará, também, uma nova linha
sindical, que reproduzirá, com si nais trocados, as tensõe s existentes entre as
direções partidá rias e as bases sindica is do partido no período de ordem-e-
14 Nossa Política. Problemas, n.5, dezembro de 1947, p. 5-6. O outro candidato do PSD era Novelli Jr., genro de Dutra, apoiado por
Adhemar.
15 O Congresso aprovara o projeto 900-A, do senador Ivo d’Aquino, que propunha a medida.
16 Conhecido como “Manifesto de Abril” e intitulado “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista”.
17 Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista. Problemas, n. 9, abril de 1948, p. 34.
36
36
tranqüilidade. Disposto a jogar “a maioria da população contra o gover no”
18
, o
PCB estim ulará greves a qualquer custo, bem como a criação de sindicatos
paralelos. Se antes os sindicalistas comuni stas lutavam par a garantir a autonomia
da classe frente ao colaborac ionismo pregado pelo pa rtido, agora teriam de
resistir à orientaçã o partidária de produzir greves mesmo à reveli a da massa
trabalhadora, e de fundar entidades sindicais alternativas fadada s, na maioria dos
casos, ao fracasso.
Em janeiro de 1950, um novo Ma nifesto será ainda ma is radical, pregando a
luta armada contra o r egime, a criação de um “exército popular de libertação
nacional” (Carone, 1982: 108-111). Era, no dizer de Aarão Reis, a “retórica
catastrófica revolucionária”, que se legitimara, “desde 1947, na radical ização da
Guerra Fria, agravada com o desencadeamento da Guerra da C oréia, e também,
em larga medida, no tr iunfo da Revolução Chinesa, em outubro de 1949” (Aarão
Reis Filho, 2002: 78). Os militantes comunistas be m que t entaram, “com
coragem e a bnegação”, traduzir em pr áticas políticas os cham amentos
revolucionários” desses manifestos, se m o conseguir. “Os militantes exauriam-se
nas tentati vas de empolgar as massas’ com propostas revoluci onárias de açã o e
organização”, mas a sociedade “parecia insensível” a esses ape los (idem: 79).
Não é que esta soc iedade desconhecesse tensões, assinala esse autor, citando
o “processo m olecular de auto-organização” nas áreas rurais, que dese mbocou em
choques armados com forças policiais em Porecatu, no Paraná, e Trombas do
Formoso, em Goiás, e em muitos Estados la nçou, “regadas a sangue, a vidas e
sacrifícios imensos, as ba ses do que viria a ser mais tarde o poderoso movimento
das l igas c amponesas e da formação dos sindica tos rurais” (idem : 79). Nas
cidades desenvolveram-se, com decisiva participação dos comunistas, duas
importantes campanhas na cionais, em de fesa do monopólio nacional do petról eo
(“O Petróleo é Nosso” ), a partir de 1948, e em defesa da paz e contra a
participação do Brasil na Guer ra da Coréia, em 1950. Essas campanhas foram
vitoriosas apesa r da repressão política. O movimento si ndical também
18 Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista. Problemas, n. 9, abril de 1948, p. 39.
37
37
sobreviveria aos inúmeros golpes desfechados por Dutra, ressurgindo com
excepcional vigor na greve dos 300 mil de 1953, em São Paulo (idem: 80).
Nas eleições de 1950 tornou-se evidente, contudo, quem exercia a
hegemonia sobre a classe trabalhadora brasilei ra: Vargas. “Sem revolução
armada, pelo voto. Dos humildes, dos trabalhadores, dos marmiteiros. A gr ande
revanche” (idem: 80).
I.3. Surgimento dos diários do PCB
Tribuna Popular e Hoje começaram a circular em ambiente no qual os
jornais tradicionais j á vinham atuando c om gr ande desenvoltur a, apesar da
atividade inibidora do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A
influência da imprensa na fase final do Estado Novo pode ser medida pe la
repercussão da “sensa cional” entrevista c oncedida por Monteiro Lobato ao
Diário de S. Paulo, em que o escritor defende P restes, a União Soviética e o
socialismo: uma semana a e dição correspondente foi reimpr essa, “tal o interesse
que despertou” (Sodré, 1983: 386).
O PCB, obviamente, não e ra debutante em matéria de imprensa par tidária:
“Desde sua fundação”, “cumpriu a tradição de ter um órgão que di vulgasse suas
posições doutrinárias” (Moraes, 1994: 58). em 1927 l ançava se u primei ro e
efêmero diár io, A Nação (idem: 64). Posteriormente surgiria, por proposta da
Internacional C omunista, A Classe Operária, inicialmente pensado como jornal
de ma ssas, a ser lançado em pleno estado de sítio na República Velha, segundo
relato de Ast rojildo Per eira. A Classe Operária, poré m, nunca foi um jornal
diário, e enquanto sa iu cumpriu o papel de órgão central do partido, voltado para
a sua militância. Tratava-se agora de algo muito diferente: jornais diários,
destinados a “falar” para as camadas sociais às quais os comuni stas sent iam-se
ligados: a classe operária em c rescimento, os estratos mais pobres da população
urbana, as camadas médias escla recidas, os camponeses...
Tratava-se de dirigir-se às massas populares por mei o de jornais
38
38
relativamente estruturados, de periodic idade regular, pr oduzidos por r edações
formadas por jornalistas profissionais e com os requisitos técnicos que se
fizessem necessári os. Jornais diários o que exigiria aportes f inanceiros
consideráveis para a compra de papel e maquinário, instalações, pagamento de
salários, bem como a m obilização de pessoal qualificado. I mportante
complemento dessa rede de jornais seria a c riação da agência de notícias
Interpress, sediada no Rio de Jane iro.
Além de Tribuna Popular e Hoje, surgem em 1945 Folha Capixaba, em
Vitória, lançada em maio; Folha do Povo, em R ecife, em novem bro; Tribuna
Gaúcha, em Porto Alegre; O Democrata, em Fort aleza; Voz do Povo, em Maceió.
O Momento passa a diário em março de 1946. Aparecem também em 1946 O
Estado de Goiás, em Goiâni a, e o Jornal do Povo, em Belo Hor izonte (Rubim,
1986: 43-46). Essas publicações representaram em seu conjunto um
impressionante esforço dos comunistas, de nat ureza financeira e política, no
sentido de garantir-lhes uma inserção na pol ítica nacional em de igualdade
com as demais forças partidárias.
Nos diários, o PCB aglutinou, no primeiro momento, intelectuais de
prestígio, alguns dos qua is militantes “orgânicos” , ao passo que outros e ram
simpatizantes do partido. Na Tribuna Gaúcha, o historiador Décio Freitas, o
escritor Dyonélio Machado, a poeta Lila Ripoll; na Folha do Povo, Paulo
Cavalcanti; n’O Momento, Alberto Passos Guim arães, João Falcão, Már io Alves;
na Tribuna Popular, os escritor es Carlos Drummond de Andrade, Ast rojildo
Pereira, Dalcídio Jurandir; no Hoje, o pensador Caio Prado Júnior, o pintor Clóvis
Graciano, o jornalista e escritor Jorge Amado. O partido tratou de mobilizar,
também, seus militantes jornalistas e gráficos, sem os quais dificilmente teria
êxito na empreitada. Pr ofissionais experient es como Pedro Motta Lima no Rio de
Janeiro e Nabor Cayres de Brito e m São Paulo.
Quando se ana lisa o ambicioso projeto adotado pel a direção do PCB, uma
pergunta se coloca: por que publica r vários diários, ao invés de um único órgão
de massas de caráter naciona l? Não deixa de ser intrigante o plano encaminhado
39
39
produzir vários jornais de âmbito esta dual, se bem que alguns assumindo
tímido caráter regional pois sabe- se que Lênin, tomado pelo PCB como
principal referência teórica nos assunt os que diziam respeito à imprensa
partidária, travou longa discussão interna no Partido C omunista da União
Soviética, e m fins do século 19, em defesa do “per iódico central” (Lênin, 1980:
23, 80). Ele certamente referia-se a uma publicação ampla, de massas,
desenvolvendo um tópico caro ao PCB nos anos 1940: o papel do jornal “social-
democrata” (comunista) de agluti nador não apenas dos operários, mas de outras
classes e camadas:
“Só um órgão de imprensa de todo o partido, que apli que de modo
conseqüente os princípios da luta política e levante bem alto a bandeira
da de mocracia, estar á em condições de ga nhar todos os elementos
democráticos combativos e aproveitar t odas as forças progressistas da
Rússia na luta pela liberdade pol ítica” (idem, 1980: 23).
Os dirigentes do PCB devem ter levado na devida conta, por certo, as
dificuldades de transpor te e de comunicações exist entes à época no Brasi l, como
desaconselhadoras de um e mpreendimento deste porte, bem como o fato bastante
ilustrativo de que a própria impr ensa comercial, burguesa, ainda não tentara tal
façanha.
Por outro lado, a descentralizaçã o, a publicação de inúmeros jornais
diários, semanários, mensários como Momento Feminino representava uma
inegável dispersão de energias, além de ga stos elevados. É verdade que o
fornecimento aos diários de material noticioso da agência Interpress e a
reprodução por eles de artigos redigidos pela e quipe da Tribuna Popular
amenizava os problemas de produção editorial. Mas a questão crucial era a
financeira. O PCB demonstrou haver reconhecido isso quando, em meados de
1946 após o lançamento da maioria dos seus diários promoveu a
“Campanha Pró-Imprensa Popular”, com a finalidade de levantar fundos para o
conjunto dos jornais.
40
40
O partido, ao decidir-se pela publi cação de diários em vári os Estados, pode
haver subest imado a magnitude do invest imento f inanceiro necessá rio. Porém, é
mais plausível que tenha preferido correr os riscos de lançar os jor nais mesmo
sem lastro m aior, em 1945, e obter com eles uma importante arma na s eleições
de dezembro, em alguns dos principais centros ur banos do país. Uma
circunstância pode haver contribuído para turvar a compreensão do problema
financeiro: o auxílio do governo federal, i sto é, de Vargas.
Hoje come çou a ci rcular sem precisar dispor de oficinas próprias, pois o
governo federal cedeu as de A Noite, jornal publica do em São Paulo, pertencent e
às Empresas Incorporadas ao P atrimônio da União (EIPU). Ca io Prado Júnior
registra antecipadamente esse fato nos seus di ários polí ticos, em 31 de agost o de
1945, ao anotar que o coronel Costa Neto, diretor das EIPU, dera autorização para
tanto (IUMATTI, 1999: 153). Também o DOPS aponta: “Por ordem superior, vinda
do Rio de Janeir o, Hoje, o novo jor nal comunista de São Paulo, como
informamos oralmente, será impr esso nas oficinas de A Noite (...)”
19
.
Essa concessã o de Vargas poderia ser entendida no contexto do
“queremismo”. Fosse como fosse , os comunistas puderam imprimir seu diá rio em
São Paulo sem ter de preocupar-se com a aquisição preliminar de equipamentos
caros como impressoras e linotipos. A queda de Vargas, assim, não apenas
alterou os planos políticos na cionais do PCB (como a “Constituinte com
Getúlio”) como, em São Paulo, teve c onseqüências negativas para o seu matutino.
Assim, em fins de novembro de 1945, menos de dois meses após o lançamento do
Hoje, menos de um mês após a deposição de V argas, e em plena campanha
eleitoral, o Ministério da Justiça or denou que A Noite deixasse de imprimir o
diário comunista. Este denunciou energicamente a medida, caracteriza da como
“tentativa de fechamento do Hoje dentro de um a “série de medidas
reacionárias”, tais como a liberdade de agitação per mitida aos integr alistas e
proibição dos comícios promovidos em prol de Yedo Fiuza, o candidato do PC B
à Presidência da Repúblic a
20
.
19 20-Z-45-170. Reproduzido no Relatório SOE de 15/3/1946 (30-Z-74-8).
20 Tramam conra a liberdade às vésperas das eleições. Hoje, 28/11/1945, p. 1.
41
41
Depois de explicar que, em pleno auge da c ampanha eleitoral, foi
“surpreendido por uma medida arbitrária e ilegal, que visa f azer calar a voz
intrépida do Hoje e dificulta r ainda mais a propaganda dos nomes dos candidatos
do povo”, o j ornal f ala do acer to c omercial existente com a EIPU e das condições
unilaterais de ruptura ditadas pe lo ministro Sampaio Dória, da Justiça:
O Hoje era im presso nas ofi cinas gráficas de A Noite, oficinas de
propriedade do governo federal. Com essas oficinas, que são
exploradas comercialmente, tinha o nosso jorna l um contrato verbal,
pelo qual nos obri gávamos ao pagam ento de uma deter minada qua ntia
contra a composição e impr essão diária do Hoje. Esse contrato vinha
sendo cumprido pelas duas partes e nada indicava que estivéssem os em
véspera de vê-l o rompido. No mesmo momento em que o Governo f az
promessas dem ocráticas e di z assegurar a liberdade de palavra e de
propaganda política, a gindo com a mais absoluta parcialidade , ordena
que A Noite rompa o contrato verbal e se desligue dos compromi ssos
assumidos, dando-nos um prazo de 48 horas para reti rar das suas
oficinas o nosso jornal. (...)
Após criticar a opção política do governo interino de Linhares, que
enveredava pelo caminho da reação, desviando-se da dem ocracia, Hoje ana lisa os
problemas técnicos e comerciais provocados pela decisão do governo de desalojá-
lo das oficinas de A Noite:
Mesmo encarado somente o lado comercial da questão, ela se nos
apresenta como um absurdo. Como com preender que se exija de um
jornal que abandone as oficinas gráf icas onde é composto e impresso
num praz o de 48 horas, quando se sa be que pelo me nos quinze dias é
necessários [sic] para capacitar qualquer outra oficina gráfica para sua
impressão e composi ção? Mas o que a medi da visa é exatamente
42
42
impedir a circulação do Hoje nos dias mais agudos da campanha
eleitoral. (...) Comercialmente, todos sabem o que signifi ca para um
jornal ter que deixar de circular, mesmo que seja durante alguns dias
apenas. Politi camente, todos podem imaginar o prejuízo que ser ia o
desaparecimento súbito do Hoje da arena jornalística, onde é o único
órgão da imprensa a fazer a propaganda da candidatura Yedo Fiuza e
das chapas do Partido Comunista do B rasil. (...)
Contudo, de acordo com o jornal, a medida, tomada “por ordem di reta do sr.
Sampaio Dória, como ele mesmo afirmou ao Diretor do Hoje que com ele se
avistou tentando sustar a prátic a de tal violência”, não bastaria par a detê-lo:
(...) O Hoje não vai desaparecer, não vai de ixar de circular. Amanhã,
estará novamente na mão de seus milhares de leitores, que nele
encontram diariamente as respostas justas aos seus anseios. Somos uma
trincheira e não serão [sic] a golpes traiçoeir os que irão nos destruir. O
Hoje é um jornal do povo e o povo continuará a ter o se u jornal”.
Perder as oficinas de A Noite obrigou a direção do Hoje a ini ciar uma via
crucis em busca de onde pudesse ser composto e impresso. De início, foi no
interior do Estado que se consegui u r esolver o proble
diário”, no início de 1946, os responsáveis pelo então semanário tomaram
medidas prepar atórias de financiamento do futuro diário. Além de procurar, como
fizera o Hoje, legalizar “uma sociedade por cotas que seria a proprietária do
jornal e cujo capital se ria destinado à aquisição de máquinas, ac essórios (...) e
tudo mais que a publ icação de um diário exige” a Editora Seiva Ltda , cuj o
primeiro diretor e principal acionista foi Aristeu Nogueira, di rigente estadual do
PCB criou-se no semanário a seção “Construtores do Diário do Povo”, que
publicava nomes e fotografias dos f inanciadores do novo j ornal. A pri meira
impressora foi comprada graças ao empréstimo de um rico empresá rio, pai do
militante e jornalista Joã o Falcão. Um a linotipo foi comprada a prazo (Falcão,
1988: 310).
Os dados disponíveis sobr e os diários comuni stas mais conhecidos permitem
concluir que Tribuna Popular e Hoje apresentavam tiragens bem mais altas que
os demais. Le vando-se em cont a as tiragens mais elevadas de cada j ornal, temos
as seguintes cifras: Tribuna Popular, 50.000; Hoje, 20.000; O Momento, 5.000;
Folha do Povo, 5.000 ( cf. Rubim, 1986: 39-43). Par ece plausí vel estimar que os
oito ou nove jornais, em seu conjunto, produzissem na me lhor das hipóteses algo
em t orno de 100.000 exemplar es por dia. Em períodos eleitorais, esses núm eros
podem ter sido maiores.
Perseguições à imprensa comunista, um padrão
O Estado brasileiro usou de todos os recursos imagi náveis, lícitos ou não,
para sabotar e destruir a imprensa ligada ao PCB . Em setembro de 1951, quando
Vargas exercia o cargo de presidente da República e leito pelo voto popular, O
Globo informava com praz er que “a Procuradoria do Distrito Federal vai agir
contra o periódico vermelho A Voz Operária”, a “Alfândega cassou- lhe o re gistro
para a retirada de papel de im prensa”
21
. O PCB est ando novamente em oposição a
Vargas, seria compr eensível que este passasse de facilitador de oficinas gráficas a
embargador de bobinas. Mas esta era uma forma de perseguição relativamente
21
O Globo
, 3/9/1951. Transcrição. 30-Z-74 pasta 251-420.
44
44
suave (embora eficaz), se comparada às experi ências vividas sob o governo
Dutra.
Sem exceção conhec ida, os diários comunistas fora m obj eto de todo tipo de
violência policial e militar: invasões; depre dação de inst alações e equi pamentos;
detenções e prisõe s de jornalistas, gráficos, funcionários, jornal eiros; a gressões
físicas; apr eensão de edições. Proibições e processos judiciais completam esse
quadro.
De todas essas for mas de pe rseguição estatal, a mais cruel talvez fosse a
apreensão. Não se t ratava uni camente de prejuí zo ec onômico, por si bastante
acentuado, mas de um sacrifício do t rabalho cristaliza do, sempre ár duo, da equipe
de j ornalistas e gráficos. Documentos da polícia política, como os relatórios
transcritos a seguir, de julho de 1946, descrevem como era simples apreender -se
edições inteiras as autoridades policia is davam a ordem, de madrugada, e os
agentes saíam para cumprir sua missão, sem maiores embaraços:
Às 5,20 minutos de hoje, recebi de terminação do sr. Dr. Delegado de
Segurança Social no se ntido de apreender a edição do jornal matutino
Tribuna Popular nas ba ncas onde fossem exempl ares do mesmo
encontrados. Neste sentido, foram e xpedidas três turmas de
funcionários desta DPS com a missão de efetivar a ordem,
respectivamente, nas zonas do Centro, Norte e Sul. (...) Estas t urmas
regressaram às 16,30 hora s, tendo alcançado plenam ente o objetivo,
deixando as “bancas” da ci dade sem qualquer exem plar do refer ido
matutino.
Os exemplares apreendidos, e m número bast ante elevado, foram
depositados no Cartório da DSS à disposição do dr. Del egado.
No t ranscurso da diligência foi detido (...) o indivíduo Jorge Ramos de
Jesus (...) por se haver opost o à ação dos policiais encarregados da
apreensão (...)
22
.
22 Relatório de 25/7/1946 do investigador Geraldo Lucchetti, responsável pelo plantão de meio-dia de 24/7 a meio-dia de 25/7. Aperj.
45
45
Ou então:
Às 5 horas recebi uma comunicação telefônica do dr. Fredgard Martins,
em que o mesmo me autorizava fosse efetuada a apreensão dos
exemplares do jorna l Tribuna Popular. Imediatament e, designe i duas
turmas de funcionários desta Divisão, a fim de da r cum primento à
missão, o que resul tou em proveitosa colheita, tendo sido apreendidos
mais ou menos 18.000 exemplares da quele mat utino, tendo a
acrescentar, e ntretanto, que cerca de 11.000 exempla res foram por mim
pessoalmente apreendidos na redação onde é impresso aquele jornal, e
o restante foi apreendido pelos componentes daquelas turmas nos
diferentes pontos de venda desta capital
23
.
Um outro relatóri o, de agosto segui nte, comunica que a direção da Tribuna
Popular desobe deu a uma portari a do Ministério da Justiça que suspendia sua
publicação por 15 dias, que um agente da polícia exibiu ao jornalista Aydano do
Couto Ferraz logo após a meia-noi te do dia 14:
Às quatro horas, dirigi-me novamente à redaçã o daquele jornal, a fim
de constatar se efetivamente havia sido obedecida aquel a dete rminação,
entretanto verifiquei o não cumprimento da portaria ministerial, pois o
mesmo estava sendo impresso, deliber ando então apreender a tiragem,
num total aproximadamente de 8.000 exemplares, fazendo entrega dos
mesmos à Delegacia de Segurança Soci al (...)
24
.
Rubim anota diversas interrupções na circulaçã o da Tribuna Popular: 30 de
outubro de 1945; 30 de agosto e 27 de novembro de 1946; janeiro de 1948,
23
24 Relatório de ocorrência de 15/8/1946, do inspetor Silva Jr., assinado pelo detetive Felippe Gleichman. O policial salientou que
durante sua permanência na
Tribuna
“também ali se encontravam diversos parlamentares comunistas (...) os deputados Cayres
de Brito, Osvaldo Pacheco da Silva, além dos srs. Agildo Barata, Aydano do Couto Ferraz e outros (...)”.
46
46
quando o prédio é invadido pela polícia, episódio em que resistência de
militantes do PCB, ent re eles Salomão Malina, que em dec orrência disso ficar á
preso por um ano e meio (Rubim , 1985: 42). A partir de então a Tribuna Popular
deixará de circular com esse nome, pa ssando a chamar-se Imprensa Popular.
A ocupação da redação da Tribuna Popular pelo Exército, em fins de
outubro de 1945, renderia um inquérito poo3Ðr
Quanto a O Momento, após uma fase inicial qua se sem repressão (os
comunistas tinham, inicial mente, boa relação com o governador Otávio
Mangabeira), é empastelado pelo Exército em 1947, após a cassação do registro
do PCB; sofre uma tent ativa de invasão pela políci a em fevereiro de 1948; é
invadido em j ulho e a gosto de 1953, havendo prisões. Sônia Serra desc reve em
cores fortes a invasão do jornal em mai o de 1947:
Segundo o relato de testemunhas, às primei ras horas da noite do dia 22
um caminhão do Exército parou à porta do jornal e dele saltaram alguns
policiais e praças, ar mados de revólveres, casset etes e m achados e
ingressaram na redação. Os re datores que se encontravam foram
imobilizados pela força das ar mas e os invasores passaram adiante
arrombando a porta e gerência e penetrando também na of icina,
mandando parar a impressora que estava em funcionamento. A golpes
de machado e usando bastante violência procuraram inutilizar as
máquinas im pressoras e a linotipo e destruiram todo o material, móveis
e equipamentos de todas as dependências do j ornal (Serra, 1987: 91).
A ação militar, aparentemente motivada pela publi cação de matérias
consideradas ofensivas ao presidente Dutra, deu ense jo à instauração de um IPM,
encerrado sem que nenhum dos militares e nvolvidos fosse punido ou
incriminado.
Outro episódio grave, que ficaria c onhecido como “Massacre da Praça da
Sé”, e nvolveria i ndiretamente O Momento. Em fevereiro de 1948, a Secretaria de
Segurança proibiu um comício, convocado pelo PCB, que comemoraria a
“manutenção dos votos dados aos vereador es comunistas” (nas eleiçõe s de
novembro de 1947), o que “terminou provocando um rio conflito entre os
participantes e a polícia, com tiroteio, resultando na morte de um bancário e
muitos feridos”:
48
48
Vários militantes foram presos, ent re os quais três jornalistas de O
Momento: Henrique Lima Santos, Luiz Henri que Dias Tavares e José
Maria Rodrigues. Os dois primeiros foram logo l ibertados mas José
Maria, acusado de ser um dos inicia dores do tumulto, passou seis meses
na cadeia, havendo denúncias de tort uras e humilhações.
Outros comuni stas sofreram agressões, inclusive o diretor do jor nal
Almir Matos — um dos vereadores elei tos (idem: 93).
A Folha do Povo, por sua vez, teve a r edação invadida pela polícia em 8 de
janeiro de 1948; foi suspensa a 17 de abril do mesmo ano; arrombada e
empastelada no dia seguinte, com “mate rial apreendido e 31 pessoas presas,
algumas espancadas”, deixa de c ircular até 5 de maio; obrigada a fechar
novamente em 19 de maio, é suspensa até novembr o de 1948. N ovas agressões
são regi stradas e m 1950 e 1953 (Rubim, 1986: 45). Paulo Cavalcanti relata um
desses incidentes, provavelm ente o de 18 de abril de 1948:
A polícia, certa vez, empaste lou a Folha do Povo, depois de prender e
espancar seus gráfic os e jornalistas. Na lut a por sua sobrevivência,
como jornal popular, a Folha do Povo tem uma história de sangue e
sacrifício (...). Como das out ras vezes, fora, naquela oca sião, alvo de
atrocidades policiais, suas máquinas quebradas, seus arquivos
arrombados. A versão da S ecretaria da Segurança Pública era a de que
os comunistas haviam recebido a bala os agentes de seguranç a. A
polícia fizera somente def ender-se. Toda a chamada ‘imprensa sadia’,
pela ma nhã, estampava em primeira página o noticiário, adotando a
versão do DOPS. À tarde, na Assembléia, fui à tribuna e relatei a
verdade dos fatos, sem carregar nas core s. E encerrei minha de núncia
apresentando um requerimento de protesto contra a ação da Secretaria
de Segurança Pública (...) o requerimento foi aprovado por maioria de
votos (Cavalcanti, 1978: 244).
49
49
O Hoje foi vítima de t oda uma variedade de perseguições, que serão
detalhadas no capítulo IV.
Dissensões internas
Comparativamente aos jornais da burguesia, os diários do PCB não
acumulam um grande contencioso de dissensões, conflitos, denúncias de
perseguição entre camaradas. Mas elas existem, em part e genéricas, referidas ao
sectarismo dos jornais do partido no período posterior ao Manifesto de janeiro de
1948, em parte específicas, relaciona das com problemas enfrentados por
colaboradores ou por funcionários dessas publicações. (Nã o trataremos dos
episódios relacionados à repercussão, nos jornais comunistas, da divulgação do
Relatório Kruschev, em 1956, bast ante trabalhados na liter atura e que fogem ao
escopo desta tese.)
Áurea Cayres de Brito relata haver, e m conversa com o esposo Milton
Cayres, feito crítica s ao Hoje: “O jornal é muito ‘Partido Comunista’. Essas
coisas f ora do Partido não existem no jornal”. Em resumo: “Era muito ‘PCB ’. Eu
dizia isso para ele”. Para ela, seria pr eciso publica r “notícias mais a mplas para
outras pessoas se interessarem”. Arruda Câmara, também baiano como os Cayr es
de Brito, hospedava-se na casa da fa mília. Dizia, segundo Áurea: “Professora,
pense diferente. Você está er rada”
27
.
Armênio Guedes sustenta opinião sobre os j ornais semelhante à de Áurea :
“Tinham repercussão, mas durou no ximo até o i nício de 1947, depois foram
declinando. Foram se sectarizando muito. Não tratavam dos assuntos da vida
democrática, ampla, das massas”. A manc hete dos jornais, ne sse período,
revelava estreiteza, pois e ra “o assunto mais importante do partido no dia”
28
.
Carlos Drum mond de Andrade descreve, numa entrevista, como se deu seu
divórcio com Tribuna Popular, do qual chegou a ser, formalmente, um dos
diretores:
27 Áurea Cayres de Brito, depoimento ao Autor.
28 Armênio Guedes, entrevista ao Autor.
50
50
Éramos cinco diretores e nenhum de nós dirigia na da. Eu era o mais
novo dos aderentes, dos simpatiza ntes. Eu me esforçava muito para
pegar o estilo do j ornal, mas não consegui a, apesar da tarimba
relativamente grande. O que eu escrevia não saía e o que saía eu não
entendia. Ent ão, desanimado e querendo most rar meu dese jo de
colaborar, falei para eles: “Olha , pessoal, vam os fazer uma pági na
literária em que eu possa prest ar um serviço e ficiente”. A página saiu e
nela eu encai xei um a resenha, modesta, de um livro traduzido por
Eneida, que naque le momento não gozava de boa fama no Partido. Ela
fazia par te de um a linha que não admitia a composição com Ge túlio.
Por isso não disse que era um trabal ho magnífico de tradução. Botei
assim emba ixo: “Eneida traduziu”. Saiu a nota, m enos a última linha.
Comecei a me desencantar e acabei por escrever um a carta de
demissão. A violência não era c ontra as mi nhas idéias, mas também
contra a minha sensibilidade
29
.
Drummond teria sofrido retaliaç ões por deixar o jornal: além de uma
acusação publicada anos depois na revista Paratodos, de estar vendido” à
embaixada norte-amer icana, a própria Tribuna Popular o ata cou, fazendo
publicar como sé ria uma declaração irônica do poeta, a uma repórter do jornal, de
que era favorável à bomba atômica: “No dia seguinte o jornal estampou:
‘Drummond é a favor da bomba atômica
30
. Posteriormente, ele entraria
novamente em conflito com o PCB por questões relacionadas ao com portamento
unilateral dos comunistas no Congr esso Brasileiro de Escritores de 1946.
Leôncio Basbaum, que ao contrário de Drummond era um militante histórico
do partido, faz diversas acusações a diretores do jornal como Pedro Pomar,
Ivan Ribeiro, Pedr o Motta Lima que teriam, e m mais de uma ocasião, deixado
de publica r artigos seus a pretexto de que eram inconvenientes ou alegando
29 Carlos Drummond de Andrade. Entrevista à revista
Veja
, 19/11/1980.
30 Idem.
51
51
qualquer outro motivo:
Uma ocasião em que o diretor do jornal e ra Pedro Pomar, e ste devolveu
uma colaboração de Leôncio, que era uma análise sobre as eleições
havidas em 1945, dizendo que “somente se deveria escre ver sobre o
assunto depois que o CN desse a sua opinião”. Um outro artigo, a
propósito da reorganização da Juventude Comunista, foi-lhe de volvido
sob a alegaç ão de que se encontrava “superado pe las novas
circunstâncias”. Outr o, sobre o problema das finanças, foi recusado sob
o pretexto de que e ra “contr a a linha do Partido” (Basbaum, H., 1999:
114).
Em funçã o desses incidentes, Basbaum enviou carta ao Secretariado do
Comitê Nacional em dezembro de 1945, denunciando “o tratament o, a meu ver
injusto e incompreensível, que m e tem si do dispensado pelos redatores e
responsáveis da Tribuna Popular”. Argumentou que colaborar com o jornal é
“um direito que cabe a qualquer membro do P.”, independentem ente do cargo que
ocupe na direção partidária, “de vendo-se ter em vista unicame nte a oportunidade
e a visão política adotada pelo que e screve”. Queixou-se de que dois artigos se
extraviaram e um outro, “enviado cerca de três meses, ainda hoje dorme na
gaveta do camarada Ivan [Ribei ro]” (idem: 114-115).
De qualquer modo, o próprio Basbaum cita que a Tribuna Popular publicou
artigo seu, em “meados de 1946”, criticando posi ções def endidas por Maurício
Grabois, membro do C omitê N acional (comitê central) do PCB . Grabois replicou
e Leôncio treplicou, “com outr o artigo, que não podiam deixar de publicar, por
ordem pe ssoal de Prestes que não apreciava o Grabois” (Basbaum, L., 1988:
199-200). Apesar da explicaç ão sobre a “ordem pessoal de Pr estes”, o f ato de o
jornal haver publicado m ais de um artigo seu de crítica abert a a um alto di rigente
partidário parece contradizer a tese de Basbaum sobre a existência de
“conspiração ou uma espécie de a ntipatia ou de prevenção col etiva contra mim”
52
52
(idem: 197).
II. O Hoje em cena: no coração do operariado
Na déca da de 1940, S ão Paulo destacava-se como unidade mais popul osa e
mais industrializada da federação. A c lasse operária tinha a li feições bem
definidas: ao resistir ao processo de superexploração implantado pelo patronato a
pretexto das “necessidade s de guer ra” desde que o Brasil e ntrou no conf lito, em
1942, esse proletariado fabril engendrou variadas formas de luta e organização,
demonstrando habilidade ao enfrentar ou driblar a repressã o policial , a
intransigência dos i ndustriais e a draconiana legislação do Estado Novo ( Costa,
1997: 12-20). O conjunto do proletariado não se restringia, porém, às plantas
industriais. O desenvolvime nto da economia e a urbani zação fizeram com que se
expandissem outras categorias de trabalhadores, como os eletricitári os, os
condutores de bondes e lotações e os ferroviários, que seriam ativas protagonistas
da luta de classes ao longo dessa década .
O PCB, por sua vez, não obstante as controvertidas pal avras de ordem
(união nacional na luta c ontra o nazi-fascismo, ordem e tranqüilidade) que
amiúde o faziam c hocar-se com suas próprias bases soc iais, ao iniciar- se o ano de
1945 tinha i nfluência, por meio de se us ativistas, sobre numerosos contingent es
da classe operária, ta nto na capital quanto em i mportantes cidades do inter ior.
Além disso, conta va com as simpatias de setores da “classe média” e da
intelectualidade.
Ao surgir e m 5 de out ubro de 1945 de pois que Milton C ayres de Brito
registrou e m cartório do Ofício, no final de agosto, a “ref orma da matrícula
da revist a denominada Hoje (...) que se transforma em jornal di ário”
31
Hoje
contará com va sta rede de apoiadores e colaboradores, presente em praticam ente
todas as regiões do Estado, e cer tamente constituída em boa medi da por
militantes experimentados, que dedic aram-se ao j ornal e ntendendo-o c omo uma
31 Acervo do DOPS. 30 Z 74 179. Arquivo do Estado.
53
53
tarefa revolucionária. A coragem e a determinação desse corpo de sustentaç ão
garantiram a relativa l ongevidade do Hoje apesar da s enormes dificuldades
financeiras e das perseguições de toda ordem movidas pelo aparato estatal .
Lançado com tiragem de 20.000 exemplares (Iumatti, 1998: 164) , em seu
período inicial Hoje circulou am plamente nas bancas da capital e do interior do
Estado, onde tam bém chegava para assinantes. Circulou ainda, de modo regular,
em algumas r egiões de estados limítrofes que não dispunham de jornais diários
do PCB, como Minas Gerais e Paraná .
Em razão de sua exist ência atribulada, Hoje por vezes pr ecisou circular sob
nomes de ocasião. Notícias de Hoje, O Sol e O Popular de Hoje foram os títulos
utilizados, entre 1948 e 1952, para driblar as suspensões que lhe foram im postas
pelo governo
32
.O jornal deixou de circular em agosto de 1952, assumindo então o
título Notícias de Hoje, que sobreviveu até 1959.
32 Feldman, depoimento, 2004. Guedes, 2003.
54
54
II.1. Quem exerce a hegemonia?
Hoje aparece num moment o de efervescência e renova ção na indústria
paulista de jornais, em si ntonia com as tendências do pós-guerra. Em 1945
circulavam na capital paulista, regular mente, nada m enos do que 115 per iódicos,
dos quais 23 eram j ornais e 79 r evistas ( Nobre, 1950: 97). Quase duas dezenas de
títulos disputavam a ca da dia a preferência dos leitore s, somando-se ao
nonagenário Correio Paulistano e ao septuagenário O Estado de S. Paulo
concorrentes mais jovens, como A Gazeta que Casper Líbero havia renovado (cf.
Hime, 1997), os Diários de Assis C hateaubriand em três edições diár ias, as
Folhas sob di reção de Nabantino Ram os também em três edições
33
além de
outros menores. A Noite, j ornal pertencente às Empresas Incorporadas ao
Patrimônio da União, fora lançado em 1942 sob a direção de Menotti del Picchia
(Nobre, 1950: 257). Também fora da c apital eram public ados import antes jornais,
como A Tribuna de Santos, surgida já em 1894 ( Sodré, 1984: 265).
“No aspec to propriamente gráfico, o progresso da i mprensa paul ista foi
rápido e si ngular, nesta últi ma década”, sintet iza Freitas Nobre ao falar dos anos
1940. “Atingimos um novo estágio, o da influência norte-americana”, após a
portuguesa e a francesa:
“O clássico art igo de fundo cedeu lugar à reportagem do dia, ao
noticiário internacional, aos concursos e ntre leitores; os t ópicos
transferiram-se para as páginas i nternas; dese nvolveu-se a seção do
interior e [a] dos esportes; enche ram-se as páginas de fotografias e
ilustrações; aumentou-se o interesse pe lo de bate das questões locais;
criaram-se seções especializadas para o movimento científico,
associativo, religioso, feminino, sindical, político, rural etc.” (Nobre,
1950: 97).
33 Em julho de 1949 seria lançada a
Folha da Tarde
.
55
55
A especialização se fazi a presente com o Diário Comércio e Indústria
(DCI, lançado em 1933), os jornais esportivos a Gazeta Esportiva, surgido
como semanal em 1928, bi-semanal em 1940, tornado diár io em 1948; O Esporte,
surgido em 1938 ( Nobre, 1950: 233, 239, 250) e o sensacionalista A Hora,
pertencente a Dener Médici.
Essa imprensa moderna, que desde os anos 1920 vinha-se consolidando cada
vez mais como um empreendimento empresarial, como assinalado por Werneck
Sodré (Sodré, 1984: 355), sempre ostentou um per fil político-ideológico
marcadamente conser vador, apesar (ou até por causa) de seu liberalismo. O
Estado de S. Paulo dos Mesquita me smo antes de seu alinhamento à UDN
34
, a
Gazeta
35
, as Folhas, nunca esconderam a aversão às demandas popul ares de
natureza política nem a adesão à mili tância anticomunista. O Correio Paulistano
era órgão ofici al do Partido Republicano Paulista (PRP), o que dizia muito quanto
às posi ções políticas que defendia
36
. Qua nto aos Diários Associados, do
conglomerado de Assis Chateaubriand, prom oviam campanhas contra o PCB.
Evidentemente havia diferença s, mais ou menos acentuadas, e nuances no
comportamento das individualidades que lideravam tais empresas jornalísticas,
com reflexos nas táticas editoriais adotadas. Casper Líbe ro e Assis Chateaubr iand
faziam o tipo magnata self-made-man. O primeiro transitou da oposi ção a rmada a
Vargas para o apoio entusiasm ado ao Estado Novo. Nos anos 30 foi recebido na
Alemanha nazista por ninguém menos do que Goebbels ( Hime, 1997: 77). O
segundo, tornando- se proprietário de um conglomerado, foi inigualável no
emprego de seus jornais com o arma de aut opromoção, de chantagem contra os
desafetos, de at aques virulentos aos comunistas (cf. Morais, 1994). Júlio de
Mesquita Filho, um conse rvador que não era dado a tais excentricidades, esteve
sempre na oposição liberal ao movimento de 1930 e a Vargas, pagando alto preço
por isso (intervenção estatal no jornal, por cinco anos), embora no pós-guerra,
vinculado à UDN, tenha apoiado Dutra, herdeiro, com o sabemos, do Estado
34
35 Exceto no curto período em que foi dirigida por Pedro Motta Lima, como se depreende de HIME,
36 A esse respeito, ver Weinstein, Barbara, Impressões da elite sobre os movimentos da classe operária. A cobertura da greve em O
Estado de S. Paulo – 1902/1907, in CAPELATO, M. H. & PRADO, M. L. Jacob Feldman refere-se ao Correio como “o mais reacionário e
o mais conservador de todos”. Entrevista ao Autor, 2004.
56
56
Novo.
Comum a todos esse s capitães de indústria, alé m do anticomunismo e da
visão de mundo burguesa, era o fat o de haverem criado e dese nvolvido poderosos
aparelhos privados de hegemonia, capazes de produzir sentido e de disputar a
opinião de centenas de milhares de pessoas. E, obviamente, de angariar farta
publicidade em suas páginas. Perto de tais Golias, o Hoje teria de esfor çar-se para
repetir a proeza de Davi.
O Quadro 1 relaciona 17 jornais diários que est iveram e m at ividade na
década de 1940, editados em São Paul o, capital:
QUADRO 1-IMPRENSA PAULISTANA NA DÉCADA DE 1940
JORNAL PROPRIETÁRIO LANÇAMENTO TIRAGEM
Correio Paulistano PRP 1854 nd
O Estado de S. Paulo Júlio de Mesquita F. 1875 90.000
A Gazeta Casper Líbero* 1906 nd
Folha da Noite Costa Neto** 1921 nd
Folha da Manhã Costa Neto 1925 80.000
Diário da Noite Assis Chateaubriand 1925 nd
Diário de S. Paulo Assis Chateaubriand 1930 nd
A Noite União Federal 1942 nd
Hoje PCB 1945 20.000
Jornal de S. Paulo Rádio Record 1945 nd
Jornal de Notícias 1935 nd
Jornal da Manhã 1938 nd
O Dia 1933 nd
Diário Com. e Ind. 1933 nd
A Hora Gino Restelli*** nd
O Esporte Gino Restelli 1938 nd
Gazeta Esportiva 1928 nd
Os dados de tiragem de O Estado de S. Paulo referem-se a 1933.
*Falecido em 1943. **Após 1945. *** Segundo Feldman, o dono do jornal era Dener
Médici.
O acelerado grau de dese nvolvimento da imprensa burguesa podia ser
medido, igualmente, pe la crescente profissionalização dos jornalist as. O Sindicato
dos Jornalistas Profissionai s no Estado de o Paulo surgira em 1937, na capital,
e nos anos segui ntes instalari a delegacias regionais em Campinas e Santos. A
57
57
profissionalização, porém, não implicava alienação: antes ao contrário. O
respeitado se cretário de redação da Folha da Manhã, Herminio Sacchetta,
descontente com a venda do jornal por Otaviano Alves de Lima para Costa Neto
e N abantino Ramos, em 1945, saiu liderando um grupo de 50 colegas e criou o
Jornal de S. Paulo, financiado pela dio Re cord, mas que teria vida efêmera
37
(Sacchetta, 1979).
A “imprensa sadia”
Ao nos referirmos à imprensa paulist a, algumas considerações sobre a
“imprensa sadia” se f azem necessár ias. Essa expr essão aparece nas palavras dos
jornalistas de Hoje ora como meio de designar ironicamente a totalidade dos
jornais bur gueses nas década s de 1940 e 1950, ora como uma for ma de enquadrar
aqueles di ários que se valiam da c alúnia para combater o PCB e pa reciam, al ém
disso, muito próximos da polí cia, como o Diário da Noite, de Chateaubriand, e A
Noite j ustamente A Noite, em c ujas oficinas foram compostas e impressas as
primeiras edições do Hoje. “Os outros eram imprensa sadia. Para nós era tudo
imprensa sadia”, de fine o repórter do Hoje Jacob Feldman
38
, ao passo que a
redatora do Notícias de Hoje Pérola de Carvalho assi m coment a a prática de
“requentar” noti ciário dos outros jornai s: “a imprensa di ta ‘sadia’ sem pre foi mãe
generosa”
39
. No noti ciário do Hoje, porém, encontramos a expressão delimitada
aos “dois jornais da rua 7 de Abril”, ist o é, A Noite, “vespertino de duas cores”, e
o Diário da Noite, ambos “jornai s da reação”
40
.
Seja como for, o Hoje preci sou, e conseguiu, m anter boas relações com
alguns dos jornais concor rentes, inclusive com O Estado de S. Paulo, que
enviaria representante s à festa de primeiro aniversário do diário comunista (ver
capítulo III). Após a vitór ia de Adhemar de B arros nas eleições de jane iro de
1947, o Hoje entrevistou a lgumas per sonalidades da elite, como Júlio de
Mesquita Filho e Miguel Reale, sobre a bandeir a da “união nacional”, ainda
37 Freitas Nobre atribui a criação do Jornal de São Paulo a Guilherme de Almeida: Deixou de circular em 1948,
voltando à circulação em 1950” (NOBRE, 1950: 264).
38 Entrevista ao Autor, 2004.
39 Depoimento escrito ao Autor, 2006.
40 Vide p. ex. “A Imprensa Sadia diante das primeiras vitórias eleitorais”.
Hoje
, 21/1/1947, p. 6. Diante da vitória de Adhemar de
Barros (apoiado pelo PCB) nas eleições de janeiro de 1947,
A Noite
destacou a abstenção.
58
58
defendida pelos comuni stas, e estampou na capa, com destaque, as declarações do
dono do Estado: “A união nacional feita com sinceridade e hone stidade pode
ser aplaudida por todos”
41
. Um ano de pois, quando o DOPS invade a redaç ão do
Hoje, o Estado sai em defesa do diário comunist a
42
.
Hoje incorporou muitos traços, tanto tecnológicos como editoriais, da
imprensa da época. Adquiriu o noticiário internaci onal das agências United Press
(UPI) e F rance Press (AFP), valendo-se também dos serviços da agência
Interpress, cr iada pelo PCB. Comprou papel de primei ra qualidade da conhecida
empresa T. Janér
43
. Nomeou correspondentes no interior. Deu grande destaque às
fotografias, sobretudo nas capas (primeira e última) e na página de esporte s.
Certamente, nesse senti do, fez um j ornal r elativamente avançado, nos limites dos
recursos materiais e humanos com que contava. N os seus m elhores momentos,
suas páginas editoriais não ficaram a dever às dos conc orrentes da imprensa
burguesa (ver capítulo I V). As diferenças mais gritantes eram visíveis, sim, no
número de páginas, na quantidade de anúncios e no modo c omo se aprese ntavam
os expedientes, quando se perc ebia o grau de estruturação e organização de
empresas jornalísticas como o Correio Paulistano, as Folhas ou O Estado.
II.2. Sustentação financeira do jornal
Embora tenha havido, ai nda em 1945, uma cam panha de le vantamento de
fundos para o que viria a ser a imprensa di ária do PCB, não se sabe c omo foi
pensada a que stão do f inanciamento, a médio e l ongo prazo, dos primeiros jornai s
a se rem lançados: Tribuna Popular e Hoje. No caso do Hoje, podemos a firmar
que foram dese nvolvidas seis diferentes fontes de receita: 1) criação de uma
sociedade anônima e venda de ações; 2) venda avulsa de jornais, em bancas ou
por meio de “comandos” (venda dir eta); 3) venda de a ssinaturas; 4) publ icidade
nas páginas do jornal; 5) contribuiçõe s financeiras a fundo perdido, especialmente
por meio de “campanhas”, e nvolvendo organizaçã o de festas, venda de bônus e
41
Hoje
, 30/1/1947, p. 1.
42 “Atacada pela Polícia a folha comunista
Hoje
”. O Estado de S. Paulo, 4/1/1948, p. 2.
43 Conforme FELDMAN, J. entrevista ao Autor.
59
59
outras iniciativas; 6) fontes i nusuais ou pontuais.
1. Capital inicial e venda de ações
Os primeiros registros do DOPS sobre a arrecadação de fundos para o
lançamento do Hoje parecem datar de setembro de 1945:
Dentro de alguns dias deverá aparecer e m S. Paulo o jor nal do Partido
Comunista do B rasil, se ção de S. Paulo. O seu título será Hoje. Para
tanto um grupo de capit alistas estrangeiros, principalmente elementos
da col ônia israelita desta capital, formaram um capi tal de cerca de 3
milhões de cruzeiros c om o propósito de montar redação e oficinas
próprias. Como é dificultosa a vinda de mater ial para a fe itura do
referido jornal, o mesmo deverá funcionar, isto é, será confeccionado
ou na redação de A Noite ou na Folha da Noite, onde funciona como
secretário o sr. Nabor Cayres de Brito, que sempre foi comunist a e que
no momento se encontra ao l ado da C NOP, em com panhia de vár ios
elementos comunistas ( ...) Todos os j ornalistas inscritos no P artido
Comunista terão de colaborar no mesmo, sem vencimentos, até que
Hoje tenha uma saída sufic iente para poder arcar com os gastos de uma
redação remunerada de acordo com lei vigente, que estatui os
ordenados dos jornalistas
44
.
Outro relatóÐnaeQerÐlO ro
deverão ser vendidas por pessoas idôneas, devendo estas, para tal, fazer
um depósito de 300.000 cruzeiros no Banco do Brasil. Os comunistas
Caio Prado Júni or, José Rosem berg e Celestino Paraventi estão
interessados em vender as ações daquele jornal. Os mesmos vão fazer o
depósito ac ima, devendo cada um deles entrar com a importância de
100.000 cruzeiros
46
.
As informa ções do DOPS parecem pr ocedentes, ao menos em parte. Iumatti,
que estudou a atuação polític a de Caio Pra do no PCB, atribui-l he a condição de
“maior acionista” do Hoje (Iumatti, 1998: 78-79). É be m possível que a venda de
ações tenha sido lastreada por depósitos de C aio Prado um empresário bem
sucedido, proprietário da livraria e editora Brasiliense e alguns outros.
Também é plausível que a “ala e squerda” da comunida de judaica paulista t enha
colaborado substancialmente com o levantamento de fundos para o jornal. Nos
anos 1942-43, ela par ticipou ativamente da reorganização do partido em São
Paulo, tendo à frente, entre outros, Moisés Vinhas ( Moise Weisencher). Os judeus
viriam a ter atuação marcante na r edação do Hoje.
De uma r elação de a cionistas do jornal, produzida pelo DOPS por m eio da
transcrição de um docum ento apreendido em janeiro de 1948
47
, constam 544
nomes, as cidades onde residiam, o número de ações correspondente e seu valor
total em cruzeiros. É possível constatar nela a presença não de judeus, mas de
cidadãos pertencentes a várias etnias. Além di sso, percebe-se que um i mportante
número de acionistas reside no i nterior do Est ado. Havia também pessoas
jurídicas ent re os ac ionistas. A maioria dos acionista s tinha um pequeno núm ero
de ações, 10 ou menos. Cada ação valia 20 cruzeiros. Alguns acionistas detinham
uma única ação, caso de Amarílio Holanda Ba rros, da c idade de Quintana, ou de
Francisco Sanches, de Juliápolis.
Um grupo de 64 acionistas contribuiu com 1.000 cruzeiros (50 ações). ou
mais. Ent re eles estão a lguns militantes conhecidos, como Hirsch Schor, Davi
46 Relatório SOE de 26/12/45, “do QS”. Dossiê 30-Z-74-7, Arquivo do Estado de São Paulo.
47 Acionistas do Jornal
Hoje
. Dossiê 30-Z-74-50, Arquivo do Estado de São Paulo.
61
61
Rosenberg, Samuel Barnsley Pessoa, Álvaro de Farias, Adamast or Fernandes.
Também se nota a cont ribuição de famílias, como os Recch, de Amparo (quatro
pessoas, totalizando uma contribuição de 4.000 cruzeiros), os Rosenthal, os
Bover. Entr e os acionistas que contr ibuiram com 2.000 cruzeiros ou mais uma
importante presença de moradores do i nterior do Estado:
QUADRO 2- MAIORES ACIONISTAS DO HOJE
Nome Cidade Cota Valor (Cr$)
Darteniem Alido São Paulo 500 10.000
José L. A. Prado Netto Jaú 300 6.000
Angelo Martins Jaú 300 6.000
Antonio P. Fonseca São Paulo 250 5.000
Álvaro de Faria São Paulo 250 5.000
Celso Barroso São Paulo 250 5.000
Francisco Salles Gomes São Paulo 250 5.000
José Candido da Silva São Paulo 250 5.000
Herman Sanhovitz São Paulo 250 5.000
José Ruiz São Paulo 250 5.000
Natália Pinto São Paulo 250 5.000
Paulo F. de Barros São Paulo 250 5.000
Reginaldo Xavier São Paulo 250 5.000
Valdemar A. Camargo Birigui 250 5.000
Davi Rosenberg São Paulo 200* 4.000
Aureliano Moreno Campos do Jordão 150 3.000
Adamastor Fernandes Jundiaí 150 3.000
Celso Brasil Navarro Jaú 100 2.000
Abran Grandishi Araçatuba 100 2.000
Grivilini & Cia Ltda. Araçatuba 100 2.000
Paulo Leão Araçatuba 100 2.000
Xisto Pascoal & Irmãos Amparo 100* 2.000
José Vicente Macedo São Paulo 100 2.000
José Maria Gomes São Paulo 100 2.000
José Ferreira São Paulo 100 2.000
Samuel Barnsley Pessoa São Paulo 100 2.000
Salustiano Sanches São Paulo 100 2.000
Fonte: “Acionistas do Jornal Hoje”, DOPS (30-Z -74-50). * Davi Rosenberg aparece três vezes na
relação; foi descartado um dos regist ros, de 100 cotas. ** Xisto Pascoal, pessoa física, aparece duas
vezes.
Como se pode constatar da transcriç ão de outros pa péis apre endidos, as cotas
eram pagas em parcelas m ensais. Um relatório de cobranças de fevereiro de 1947
cita 18 nomes em atraso, os quais não constam da relação de 544 nomes citada
48
.
De uma outra r elação, de cobranças e nviadas para o int erior e não devolvi das,
48 Relatório de cobranças de cotas do mês de fevereiro de 1947, transcrito pelo DOPS. 30-Z-74-32, Arquivo do Estado de SP.
62
62
constam 12 cidades (Campinas, Ribeirão Preto, Bauru e outras) e os respectivos
encarregados. Às ve zes o dinheiro remetido não chegava à administração do
jornal:
Guarujá- Benedito Pereira Nasc imento. Vila Souza. Recebemos carta do
referido em 22/12/46, cientificando- nos [de] que tinha enviado pelo
Correio de Guarujá a importância de 140,00 ( ...) Até o momento nada
chegou em nossas mãos — nos informar a respei to
49
.
A julgar pela leitura desse documento, o sist ema de cotas era levado a sério
pela administração do Hoje:
Todas as cidade s acima mencionadas deixaram de enviar at é o momento
os seus respectivos relatórios de cobrança assim com o os numer ários
correspondentes. Escrever solicitando com urgência, a fim de
encerrarmos o mais breve possível a transferência das ações e
procedermos a entrega das mesmas aos que tiverem integralizado os
seus pagamentos
50
.
2) Venda avulsa de jornais
São escassos os dados ref erentes à ve nda avulsa do Hoje em bancas. Sabe-
se que o jornal efetivamente che gava às bancas, como o demonstram os ter mos de
interrogatório de diversos jorna leiros
51
. Ele continou sendo distribuído nas ba ncas
mesmo depois da cassação do registro legal do PCB e dos mandatos de seus
parlamentares: assim, em fevereiro de 1948 investigadores do DOPS informaram
aos seus supe riores a apreensão, por eles praticada, de centenas de exemplares do
jornal em bancas da capital
52
. Mas precisamente as constantes apre ensões e
49 Relação dos relatórios enviados para o interior e que até o momento não devolveram. 30-Z-74-31, Arquivo do Estado de SP.
50 Idem.
51 Ver, p. ex., termo de declarações de Henrique Valério no DOPS. 30-Z-74-379.
52 Relatórios de 26/2/1948 e 27/2/1948, registrando a apreensão de 510 e 759 exemplares respectivamente. 30-Z-74-104 e 105.
63
63
proibições de circulação do jornal levam à conclusão de que as receit as oriundas
da ve nda em banca de veriam ser incertas e talvez pouco significativas, quando
comparadas às despesas com papel , salários e outras.
Sabemos, por rel atos como o de Dinorah Ribeiro, que a venda direta por
meio de comandos” realizados nos bairros por militantes trouxe bons
resultados
53
. A administração do Hoje também investia na venda por intermédio
de vendedor es volantes: um deles, ex-guarda civil à época dese mpregado, relat ou
em 1951 que vendia o jornal a 80 centavos o exemplar, “dos quais 40 [centavos]
seriam seus”, e que
“não existe aqui na capi tal jornal que mai or lucro aos jornaleiros
uma vez que os demais jornais (...) em 100 exemplar es dão um lucro de
19 cruzeiros, a o passo que o jornal Hoje em 100 exemplar es um
lucro de 40 cruzeiros”
54
.
Apesar dos esforços evidentes para vender o jornal, sacrific ando até mesmo
as ma rgens de lucro como se pode depree nder das declarações desse vendedor, é
pouco pr ovável que a venda a vulsa, em qualquer de suas modalidades, tenha
contribuído de modo relevante para as rece itas do Hoje.
3) Venda de assinaturas
Fundada em novembro de 1945, portanto após o surgiment o do j ornal, a
Sociedade de Amigos do Hoje propôs-se a “dot ar esta folha dos recursos
necessários ao cumprimento de suas tarefas do jornal do povo a serviço da
democracia”, lançando-se então uma “Campa nha das 30.000 assinaturas”
55
. Essa
campanha obteve resultados expr essivos, ao menos no interior.
O documento “R elação dos Destinatá rios do Jornal Hoje”, apr eendido pelo
DOPS em novembro de 1948, contém 38 páginas com nomes de assinantes e de
distribuidores da publicação em centenas de cidades do interior paulista e de
53 RIBEIRO, Dinorah. Entrevista ao Autor.
54 Termo de Declarações de Benedito Ferreira dos Reis, 8/2/1951. 30-Z-74-357.
55
Hoje
, 4/11/1945, p. 8 e 6.
64
64
outros Estados (principalmente do Paraná, de Goiás e de Mi nas Gerais)
56
. Outro
documento apreendido meses antes, uma relaç ão de assinant es do j ornal em
Barretos em 1948, contém 104 nomes, núme ro que pode ser considerado muito
bom
57
.
Não foram localizados registros que i ndiquem as receitas provenie ntes das
assinaturas.
4) Publicidade nas páginas do jornal
Hoje conquistou, ao menos nos dois anos iniciai s, um volume não
desprezível de anúncios, ainda que inferior ao que os jornais tradicionais
veiculavam. O esforço par a captar publicidade pareceu levar a direção do jornal a
uma posição de pragmatismo, a brindo mão de qualquer restrição de ordem
político-ideológica. Ademais, a c oncepção predominante à época no PCB,
fartamente de fendida nas páginas do Hoje, era a de que havia setores
progressistas da burguesia nacional, dispostos a aliar-se aos trabalhadores na luta
contra o imperialismo e o latifúndio, e que deveriam ser até mesmo apoiados no
esforço produtivo. Essa concepção idealizada da burguesia nacional manteve- se
até mesm o após a virada tática determinada pe lo “Manifesto de Abri l” (na
verdade, de janeiro), em 1948. O que certamente e stimulou e facilitou a captação
de publicidade.
Evidentemente, o jornal tinha entr e seus apoiadores alguns industriais, bem
como a lguns “pr ofissionais l iberais”, o que pode e xplicar par te dos anúncios mais
ou m enos permanentes, c omo os de algumas fábricas, bem como a seção
“Indicador Médico”. De qualquer forma, a publicidade veicul ada pelo j ornal era
razoavelmente di versificada, e esteve longe de limitar-se aos pequenos
anunciantes. Antes mesmo de completar um mês de exist ência, Hoje publicava
anúncio de página inteira dos Labora tórios Silva-Araújo Roussel
58
.
Anúncios de cigarros, incl usive na capa do jornal
59
; anúncios de filmes;
56 Relação dos Destinatários do Jornal
Hoje
, 7/11/1948.
57 30-Z-74-108, provavelmente março de 1948.
58 Hoje, 1/11/1945.
59 Hoje, 28/11/1945, p. 1 (15 cm x 2 colunas): “Flórida Luxo”.
65
65
anúncios de lojas de roupas femininas, como Casas Pernambucanas todos
esses se mantiveram regulcÕ raP mide f m s
Prestes, o PC tinha um enorme prestígio” ( Ribeiro, J. H., 1998: 66).
Ademais, uma análise perspicaz revela que a Campanha tinha finalidades
que iriam muito além daquelas de claradas:
“Não havia precedentes para o entusiasm o com que a Cam panha Pró-
Imprensa P opular foi acolhida . (...) O Partido f oi int eiramente
mobilizado para atingir os objetivos da Campanha, que além do lado
financeiro, visava também a sacudi-lo e arregi mentá-lo para manter o
seu ritmo de crescimento, para mobilizar a s massas e prepará-las para
enfrentar as vicissitudes do momento: a ameaça de fracasso da
Constituinte, dominada pel as pressões da direita ; as perseguições e
atentados do governo Dutra contra os comunistas e as liberdades
públicas; a inflação e a carestia da vida, agravadas com a dilapidação
das nossa s divisas no exterior; e, finalmente, a sistemática campanha da
imprensa reacionária e do governo para a c assação do registro do
Partido C omunista. De fato, o Partido levantou-se como um todo para
atender ao chamado de Prestes e da dir eção nacional” (Falcão, 1988:
318).
As páginas do Hoje fornecem fartos registros da evolução da campanha ,
tanto no tocante à mobilização de apoios quanto à obtençã o dos recursos
financeiros. Criou-se um personagem simbólico, o “Camarada Hoj e”,
materializado na forma de desenhos em vinhetas, bonecos de papelão etc.
Tratava-se de questão est ratégica, preocupação que o jor nal refletiu. P ara citar um
exemplo, a edição de 2/10/1946 dedicou três páginas à campanha. Noticiavam-se
doações, como a do compositor Mário Lago, mil itante do PCB, que cedeu direitos
autorais do samba “Fracasso” , o qual “apesar do nome, é um sucesso”
60
.
A direção estadual do partido inst ituiu prêmios de emulação”, com a
60
Hoje
, 18/10/1946.
67
67
finalidade de estimular o desempenho da militância: “Empenhados em
competição democrática para conquistar os pri meiros lugares nos seus grupos de
emulação, mais de 150 municípios [terão a opor]tunida de
61
de reafirmar suas
tradições de luta e o grau de compreensão de sua s populações da importâ ncia da
imprensa popular para o desenvolvimento político, econômico e social do Estado
e do pa ís. Fazem jus além disso, tais muni cípios, aos prêmios que a Comi ssão
Estadual va i conferir aos que apresentarem maiores arrecadações até o final da
Campanha”
62
.
A mesma matéria indicava os grupos formados e os respectivos prêmios. O
primeiro grupo, ao qual cabia arrecadar 3,5 milhões de cruzei ros, reunia São
Paulo e Santos, sendo o prêmio corre spondente uma cami nhonete. O segundo
grupo, Santo André e Sorocaba, devendo cada uma arrecadar 200 mil cr uzeiros,
tinha como pr êmio uma “m áquina fotográfica m oderna”; o ter ceiro, Americana e
Campinas, respondendo por 150 mil cruzeir os cada uma, um mimeógrafo etc.
Os comícios sucediam -se no país, reunindo mul tidões. Em 9/10/1946, por
exemplo, reali zou-se um em São Paul o, com participação do deputado federal
José Maria Crispim, e foi explorado na capa do diário paul ista, com a publicação
de montagem fotográfica que ocupou toda a largura da página
63
. Também digno
de nota foi o comício r ealizado em Sorocaba em 20/10/1946: teria reunido 12 mil
pessoas. Na ocasião, causou euforia a presença dos sindica listas ferroviári os
Carmínio Caramante e C elestino Santos, acl amados pela massa. Presos políticos,
haviam sido libertados poucos dias antes, após intensa c ampanha do Hoje em
favor da soltura de ambos
64
.
O fa to confirma, de certo modo, a percepção de João Fal cão me ncionada
acima, sobre a natureza política ampla da campanha iniciada no segundo semestre
de 1946. R eitera, ainda, a marcante característica da atividade dos comunistas:
sua estét ica política original e renovadora. Ma s os comí cios, como vimos, tinham
também resultados práti cos. O de Sorocaba arrecadou centenas de jóias e outros
61 Truncado no original.
62
Hoje
, 2/10/1946, p. 6.
63
Hoje
, 10/10/1946, p. 1.
64
Hoje
, 22/10/1946, p. 1. Doze mil pessoas no comício Pró-Imprensa Popular em Sorocaba.
68
68
objetos de valor
65
.
Entre os comitê s estaduais do P CB, coube a o de São P aulo a maior c ota de
arrecadação: 5 milhões de cr uzeiros, o que se traduziu como “Campanha dos 5
milhões”. Contudo, até 6/10/ 1946, na som a dos valores arrecadados na capit al e
no int erior ha via-se obt ido somente 1,495 m ilhão de cruzeiros (30% da meta
fixada). Na véspera da data prevista para o encerramento da campanha, fora
levantado um total de 3,841 milhõe s de cruzeiros (77% da meta fixada)
66
.
Embora a quém da meta, era suficiente para que Hoje pudesse comunicar aos
leitores a compra do prédio onde funcionariam as oficinas de impressão (na rua
Conde de Sar zedas, 246), por 350 mil cruzeiros, e o pagam ento da “segunda
prestação das máquinas, totalizando, c om a primeira, 500 mil cruzeiros”.
Transações efetuadas pela firma Gráf ica Hoje S.A., constituída à parte da
empresa editora do jornal
67
.
A meta nacional da campanha foi alcançada, o que teria alivia do em parte os
diários, no toca nte às necessidades de aquisição de instalações e de equipamentos
de impressão. C ontudo, a partir desse momento a questão do f inanciamento
dependia fundamentalmente do dese mpenho particular de ca da um deles, o que
envolvia venda em bancas, venda de assinaturas e ve nda de publicidade. Ásperos
obstáculos interpunham-se, como vist o, em cada uma dessas frentes.
Outras campanhas
Novas campanhas de arrecadação de contribuições foram realizadas, mas
nenhuma t eve o mesmo êxi to político e fi nanceiro da c ampanha de 1946,
que coincidiu com o período de auge do prestígio do PCB. Entre julho de 1950 e
janeiro de 1951, fase que coincide com uma nova onda repressiva do gover no
Dutra em f inal de mandato, o Hoje parece estar em permanente campanha de
arrecadação. Em 1950 são emitidos bônus da Campanha da Bobina de Papel,
patrocinados pela Sociedade de Ajuda à Imprensa Democrática, SAI D, nos quais
informa-se: “Os nossos jornais precisam de papel para lutar pelo povo”. Além de
65
Hoje
, 22/10/1946, p. 1. “Dei meu ouro para o nosso Hoje”.
66
Hoje
, 31/10/1946, p. 1. Campanha dos cinco milhões.
67
Hoje
, 31/10/1946, p. 1. Adquirido pela “Gráfica Hoje SA” o prédio em que serão instaladas as máquinas do jornal do povo.
69
69
Hoje, são relacionados no bônus Notícias de Hoje, O Sol, O Popular de Hoje,
Frente Democrática, Crítica
68
, a maioria dos quais funcionava como seus
substitutos eventuais.
Bailes e concursos de belez a feminina integr avam esses esfor ços para
levantar fundos, com certo êxito, como se pode comprovar pela leitura de vários
relatórios polic iais. O “Reveillon da Imprensa De mocrática”, em j aneiro de 1951,
cobrava i ngresso de 20 cruzeiros, “a título de auxí lio à imprensa democrática”, ao
passo que votos par a a “Rainha do Natal” e ram vendidos a 50 centavos
69
. Em
maio do m esmo ano, realizou-se, no P arque Balneário de Vila G alvão, o “F estival
dos B rotinhos”: nada menos do que 3.000 pessoas teri am compa recido, se gundo
os próprios investigadores enc arregados de monitorá-lo
70
. A participaçã o, em tais
ocasiões, de artistas popular es do r ádio
71
estimulava o comparecimento de
populares, podendo supor-se que a venda de ingressos gerasse rec eitas
apreciáveis.
Na “Campanha dos Quatro Mi lhões” lançada em 1950, a cria tividade
demonstrada pelos comunistas manifestou-se também na forma de desfiles pelas
ruas:
Na tarde de ontem, numeroso grupo de comunistas saiu às ruas a fim de
angariar fundos para a “Campanha dos Quatro Milhões de A juda à
Imprensa Democrática”. Esse grupo abria al as com uma pequena
charanga, vindo logo a seguir al guns homens mascarados, com
macacões de algodão, nos quais haviam sido impr essas algumas
páginas do Hoje. Levavam à cabeç a quepi de jockey com a palavra
Hoje impressa à frente. Vários dos comunistas que faz iam parte desse
grupo solicitavam ao povo, que se r euniu para assistir ao desfile, que
lhes adquirisse cupons no val or de um e cinco cruzeir os, em benefício
da campanha (...)”
72
.
68 Informação reservada de 22/7/1950, com exemplar do bônus em anexo. 30-Z-74-254.
69 Relatório do Serviço Secreto, SOG, de 2/1/1951. 30-Z-74-322.
70 Investigação 181, de 7/5/1951, relatada por Júlio Duarte e Oswaldo Molina. 30-Z-74-370.
71 P. ex. relatório de 2/1/1951, citado.
72 Diário da Noite, 10/1/1951. Mulheres e crianças à frente da passeata/Luta corporal entre comunistas e policiais na Praça do
70
70
A c ampanha incluía ainda, como observado pelos e spiões do DOPS, “vár ias
modalidades de arrecadaçã o”:
Todos os dias sã o enviadas contribuições espont âneas ao Hoje, dinheiro
este que é e ntregue diretamente ao jor nalista Joaquim Câm ara F erreira,
não se sabendo a quem é entregue poster iormente ou onde é depositado.
Estão os comunistas, nessa ca mpanha, aplicando também a a ssim
denominada arrecadação domicil iar, efetuada principalmente por
senhoras e moças, que percorrem bairros operários, batendo de porta
em porta e sol icitando cont ribuições. Segundo soube, somente na tarde
da feira última f oi arrecadada quantia superior a 1.000 cruzeiros, nas
proximidades de S. Caetano (...)
73
.
6) Fontes inusuais ou pontuais
Nem sempre se adotavam meios ortodoxos de arrecadação para o jornal.
Feldman relata que, e m 1953 (ou 1954) , Pena Malta, um dos responsáveis pe las
finanças partidá rias no Comitê Estadual, parece te r encontrado uma forma
engenhosa de reavivar o caixa do e ntão Notícias de Hoje:
Um dia ele chegou e disse: “Olha, você sabe que o jornal, c omo
entidade, tem direito a importar com total isenção de im postos tudo que
quiser, tudo que for relacionado com o mist er do jornal: máquinas de
escrever, máquinas fotográficas, linotipos... (...) P apel era totalmente
isento. Tanto assim que o papel que vi nha da Suécia, at ravés de uma
firma chamada T. Janér, de São Paulo, er a mais ba rato do que o que o
Klabin fabricava. Melhor, era o linha d’água, papel da rotati va. Poi s
bem, mas o Pena Ma lta chamou a atenção do partido e do jornal. “Nós
podemos importar o que quiser, mas precisa ter dólar para ir à Sumoc
Correio. 30-Z-74-333. A passeata foi violentamente reprimida pela polícia e vários dos participantes foram presos.
73 Informação Reservada do Serviço Secreto, 12/1/1951. 30-Z-74-330.
71
71
depositar”. (...) O problema era ter o dinheiro. Então o Pena Malta
articulou com uns empresários que eu não sei quem fosse, disse:
“Olha, nós vamos fazer o seguinte, nós vamos importar, vamos dizer
(...) um milhão de dólares, a gente usa o nome do Notícias de Hoje,
importa, vem tudo sem impost o, e a gent e vende ”. E f oi fe ito o
negócio. Um dia lá no cais do porto, em Santos, nos galpões, apar ece lá
uma enormidade de mercadorias, em nome do Notícias de Hoje, e o
jornal Estado de S. Paulo soube da coi sa, né. Aí foram lá, fotografaram.
Tinha de tudo. Tinha assim ... 40 máquinas fotográficas... (...) O
Estadão ficou dois meses falando naquele assunto todo dia, você não
lembra, Waldema r?, todos os dias. Entrevistavam deputados... Ah sim ,
teve deputado na A ssembléia que pediu, não se f alava CPI, pediu uma
investigação. Mas a contece que o Rio Branco Paranhos consegui u
liberar, nós ganhamos a causa , a maracutaia foi feita, e os nossos
fotógrafos ganharam m áquinas novas, nós ganhamos um as máquinas de
escrever novas também... (...) Quer dizer, o jornal se valeu de uma
abertura que era feita para a i mprensa burguesa, e nós entramos...
74
Em resumo, o PCB valeu-se do privilégio para importação de insumos da
indústria editorial sem pagamento de impostos, que tinham as empresas
jornalísticas, para importar mercadorias sofisticadas a baixo preço e depois
revendê-las, levantando com isso um a quantia considerável.
E é isso que o Estadão... eles tinha m r azão, era verdade mesmo, el es
não se conformavam que um jornal que c ombatia o regime c apitalista
se valesse dessa abertura para fazer grana. P ara fazer caixa. E fizemos.
Fizemos: o partido fez
75
.
É ainda Feldman que informa sobre outro mecanismo surpreendente de
74 Feldman, entrevista ao Autor.
75 Idem, idem.
72
72
arrecadação de numerário, relacionado à forma instit ucional de suborno de
jornalistas praticada por verea dores paulistanos:
Quando eu era credenciado na sala de imprensa da C âmara Municipal,
a mara destina va um jabaculê, você le mbra da expressão, sabe o que
é: um jabá. Todo j ornalista credenciado na sa la de imprensa tinha uma
verbinha boa mesm o, acho que seria hoje uns mil reais, assim a tulo
de nada, er a uma contribuiçã o dos vereadores. Eu me lembr o de que o
presidente do Clube de Imprensa lá, o Herculano Pires do Diário, veio
até meio constrangido para mim, falou: “Você é do Notícias de Hoje,
mas você ac eita estar incluído, receber?” (...) Eu fale i: “Só vou te dar a
resposta amanhã”. Aí cheguei para o Câ mara e falei: “Câmara, acontece
isso. Eu pego a grana?” [E ele:] “Lógico, com panheirinho!” Ele me
chamava de companheir inho. “Mas é lógico. Tra z para que nós
estamos precisando”, aquela vozinha meio fina. Eu falei com o
Herculano: “Tudo bem, eu resolvi que vou receber o dinheiro” , e tal. E
todo mês... Chega va no dia, o Câmara, muito malandrão, “chegou a
graninha?” Claro que não er a para ele, era para o bolo, né, quer dizer,
aquilo engrossava
76
.
O recurso a tais expedient es, questionáveis do ponto de vista político, mas
justificáveis no contexto de dificuldades enfrentadas pelo PCB desde que foi
colocado novamente na ilegal idade em maio de 1947, dem onstra de modo cabal
que o Hoje não equacionou satisfatoriamente sua sustentaçã o financeira. A
Sociedade de Am igos do Hoje não deixou muitos vestí gios, após a meritória
campanha inicial de assinaturas. Malgrado os esforços de centenas, ou milhares
de militantes e apoiadores engajados na s campanhas de arrecadaçã o, bem como
das suas equipes de direção, administração e publi cidade, o jornal não logrou
obter os recursos necessários para sua manutenç ão e o a primoramento de seus
76 Idem, idem.
73
73
equipamentos de impressão.
A pre cariedade da ar recadação de recursos ti nha um reflexo perverso nos
gastos com pe ssoal. Vários depoimentos convergem no sentido de que os
trabalhadores do Hoje, nisso incluídos os jornalistas, faziam j us a baixos salários,
os quais assim mesmo eram pagos ir regularmente. Os relatos partem tanto dos
trabalhadores da reda ção, como Walter Freitas e Di norah Ribeiro
77
, como de um
dos di rigentes do jornal (Akcelrud, 1997: 287). Tais depoimentos referem-se em
geral ao perí odo iniciado em 1948, m as não razão para crer que antes disso
fosse muito diferente.
II.3. Tiragens, difusão e circulação do Hoje
A tiragem inicial do Hoje, de 20.000 exemplares, era be m inferior à de seus
concorrentes mais importantes. Podemos supor que esta cifra tenha se elevado
nos períodos eleitorais de de zembro de 1945 e janeiro de 1947, quando o PCB
disputou com grande energia as eleições no Estado de São Paulo, da mesma
forma que é razoáve l acr editar que, na maior parte de sua existênc ia, as tir agens
do jornal tenham sido de 10.000 exemplares, número citado por Feldman para os
anos 1950
78
.
Caio Prado Júnior obse rvou em seu diário, ref erindo-se ao lançamento do
Hoje, que a “tiragem de 20.000 exemplar es ‘encalhara’ em gr ande parte, não
tendo sido vendida na capita l paulista nem a metade do montante” ( Iumatti, 1998:
164). Ma s essa af irmação deve ser vista com rese rvas: os expressivos resultados
eleitorais obtidos pelos comunistas em dezembro de 1945 dois meses depois,
portanto — podem guardar relação, em alguma medida, com a difusão do Hoje, o
que pressupõe tiragens significati vas e vendas equivalentes.
Temos razões para acreditar na dif usão do Hoje não apenas na capit al
paulista, m as também no interior do Estado e em al gumas regiões de Estados
limítrofes, com circ ulação relativamente ampla e uma expressiva vendagem em
77 Entrevistas ao Autor.
78 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
74
74
São Paulo, S antos e nas cidades de concentração operária. Parece representativo o
depoimento singelo do se nhor Amadeo, um dos recordadores ouvidos por Ec léa
Bosi, residente em São Paul o: “Sempre fui metalúrgico e assi sti [a]os comícios do
Sindicato. Os metalúrgicos tinham um jornal chamado Hoje” (Bosi, 2001: 142).
Os assinantes e o Interior
O documento “Relação dos Destinatá rios do Jornal Hoje”, de 1948, permit e
uma i déia aproximada da circulação do jorna l fora da c apital e, portanto, também
da influê ncia do PCB na época. A palavra “destinatário” é algo ambígua: de fat o,
a lista parece incluir tant o os assinant es quanto as pessoas encarregadas de
distribuir ou revender o j ornal. De todo m odo, não deixa de ser impressionante
que essas cerca de 1.000 pessoa s espalhadas por centenas de m unicípios se
dispusessem a correr os r iscos de ler e pior a inda, vender ou passar a diante
uma publ icação sa bidamente visada pela polícia e que se tornou, de sde maio de
1947, vinculada a um partido ilegal.
Em várias das cidade s paulistas, especialmente as de pequeno porte,
aparecem como destinatár ios do Hoje os vereadore s eleitos pelo PCB, em
novembro de 1947, em out ras legendas partidárias. É o caso de Amparo,
mencionada no documento com 40 destinatários, entre eles Paulo Sam paio, eleito
vereador em 1947 pelo PSB. Sampaio figura duas veze s na rel ação (que
doravante gr afaremos simplesm ente RD ), numa delas como r esponsável por 100
exemplares.
É de supor-se que os vereadores, por sua posição desta cada, t ivessem
“cotas” de jornais para vender. N a pequena Getulina, cabia à vereadora comuni sta
Valentina Loyola
79
enc aminhar 25 exemplares. Os vereadores Sér gio Barguil , de
Pompéia, e Antonio Vieira, de Fr anca, respondiam cada um pela dist ribuição de
15 exemplares. Mas em Marília, onde ha via 26 destinatári os, entre os quai s o
vereador Reinaldo Machado, não indi cação de que este respondesse por maior
número de exempl ares. Na mesma cidade, se gundo a RD, c abia à firma Thomaz
79 Citada no documento como “Valentim”.
75
75
& Panes uma cota de 25 exempl ares.
Surpreende o número relativam ente alto de dest inatários em cidades
distantes da capital, como Sant o Anastácio (19), Presidente Prudente (20),
Altinópolis (32), quando se leva em conta o ambiente repressivo do período e as
previsíveis dif iculdades organizati vas do PCB nas regiões de predominância
rural. Em São Carlos, um destinatário respondia sozinho por 50 jornais, havendo
ainda 9 outros destinatários do Hoje. Mas havia t ambém o inverso. Em Morr o
Agudo, o único dest inatário a aparecer nas listas da R D era Jovino Assef , também
vereador comunista, eleito pelo PSD. Em Brodoski, o nome solit ário era o de
Batista Portinari, irmão de Câ ndido.
Nos maiores centros ope rários do interior, como Campinas e Soroca ba, a RD
acusava um número acanhado de destinatários do Hoje: 19 e 14, respectivamente.
Na primeira destacavam-se o Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da Linha
Mogiana e a Associação Ca mpineira de Imprensa.
Santos tem apenas 44 nomes na RD, entre os quais três sindicatos dos
Condutores Rodoviários, dos Conferencistas de Carga e Descarga (portuários) e
dos Empregados do Comércio e a Associação dos Ex-Combatentes do Brasil.
O que se explica, tal vez, pelo fato de que a forte militância comunista na cidade
preferisse vender diretamente o jornal, por meio de “comandos”. Ou,
inversamente, os leitores preferissem a aquisição avulsa. Supõe-se que o Hoje
tenha circulado amplam ente em Santos, pois tinha até uma sucursal nesta cidade.
Em São Paulo, capi tal, o número de destinatários constant es da RD era
diminuto: 17. Entre eles, o professor Samuel Barnsley Pessoa, catedrático da
Faculdade de Medicina; o Grêmio Politécnico; a Associação Mútua dos
Carteiros; o Sindicato dos Trabalhador es na Indústria de Artefatos de Borracha.
Várias cidades do Paraná const am da RD: Londri na (21 destinatár ios, ent re
eles Correio do Norte e Associação dos Profissionais Trabalhadores da Indústria
da Madeira), Cornélio Procópio ( 20), Apucarana (13), Curitiba (2), Porecat u (1).
Em Goiás, Goiânia tinha 20 nomes nas listas, e Anápolis 11. O Rio de Janei ro,
então Distrito Federal, apa rece com 10 nomes. Da relaç ão carioca fazem parte a
76
76
agência Inte rpress; a Editori al Vitória; e o Consula do Geral da Suécia. O Hoje era
enviado para a redação de seu congêner e O Momento, de Salvador.
Entre os estados, Minas Gerais parecia reunir o maior contingente de
destinatários do jornal. Uberlândi a cont ava com 38, além de um que respondia
por uma cota de 60 exemplares. Uberaba tinha 11. Poços de C aldas figurava com
40 nomes, o Diário de Poços de Caldas entre eles. Um de sses destinatários f icava
com 11 exem plares. Também havia leitores do Hoje em Belo Horizonte (3,
inclusive no Jornal do Povo), São Sebastião do Paraíso, Adamantina, Guaxupé,
Araxá.
No exterior, Hoje che gava a Montevidéu, Havana (Noticias de Hoy), Roma
(na redação de L’Unitá e na sede do Partido Comunist a Italiano) e também a
Nova Iorque (Four C.B. Corp. Dep., 48-55-56 th street).
Nota-se portanto que não era desprezível a difusão do jornal, sustentada
decerto pela estrutura orga nizativa do PCB. Contudo, não se pode fazer
extrapolar tai s dados automat icamente, tomando-os como garantia de altas
circulação e venda do Hoje: devem ser vistos como um indicador, a ser
confirmado ou não, de um grau de disseminação bast ante razoável.
Os “comandos”
O relato de Di norah Ribeiro sobre a venda direta de jornais “de porta em
porta”, em Santos, nos primeiros meses de existência do Hoje, por meio de
“comandos” dos quais a futura arquivista participou ativamente sugere que
a estratégia era acertada: “Era fácil a gente fazer o comando no di a de sábado e
dia de domingo. (...) Vendia! (...) Sábado e domingo vinha o jornal e nós
vendíamos tudo, às vezes até faltava”. Registre-se que, em seguida, ela relativi za
esse sucesso: “Apesar de que muita gente comprava mais para ajudar. Não lia
não. O brasileiro não é de muita l eitura”
80
.
Não estatística pr ecisa da quantidade de jornais vendidos assim, sendo
também impossível gene ralizar essa evidê ncia para o conjunto do Estado ou para
80 Dinorah Ribeiro, entrevista ao Autor.
77
77
todas as fases do jornal.
Leitores atípicos
O ecleti smo das páginas de entrete nimento do jornal terminou por socorrer
decisivamente suas e conomias, ampli ando as vendas nos finais de se mana, a
julgar-se pelas afirmaçõe s de Feldman:
A nossa circulação melhorou incrivelmente por causa do turfe.
Apareceu na redação um sujeito c hamado Edvaldo P acote, ele era
oficial de justiç a. Nem trabalhava, punha um garoto para levar os
avisos e não trabalhava. Era funcionário do departamento de cir culação
dos Diár ios e um compulsivo vici ado em corr idas de caval o. que o
sem-vergonha acertava tudo. ele queria escrever uma coluna de
palpites de turfe, mas não tinha jornal que publicasse, porque no Diário
tinha, na Folha tinha, e ele veio cair na redação. Não tinha nada de
comunista. Aos sábados e domingos, em que havia corridas, ele
começou a publicar uma coluna de pal pites. E os viciados e m corrida
começaram a comprar o jornal, e dava tudo certo. El e dizia lá: “O
cavalo tal na raia seca, na de grama”, “porque o jóquei tal é muito
pesado, não é”, ou não paga placê , ou paga, aquela linguagem toda de
turfe. A Associação dos Cronistas de Turfe fez um ranking dos
campeões de palpite, e ele f oi o campeão absoluto durante meses. Então
era uma coisa engraçadíssima: sábado e dom ingo os vic iados
compravam o jornal, abria m, jogavam fora todas as páginas e fi cavam
só com a página de turfe. Foi aí que a ci rculação aumentou.
81
III. Jornalistas, amigos, apoiadores — protagonistas
81 Feldman, entrevista ao Autor.
78
78
A capacidade que os jornais vêm a dem onstrar de conquistar leitores,
apoiadores, fazer-se referência em determinados temas, f ormar opini ão, def ender
causas, ganhar solidariedades quando necessário, é que dir á de sua condição de
aparelhos privados de hegemonia. Apesar de suas tiragens relativamente
pequenas, Hoje alcançou esses requisitos, em grande parte pelo fato de estar
ligado ao PCB durante a fase de maior prestígio dest e, em parte por seus próprios
méritos jornalísticos. Principalmente nos primeiros anos de sua existência, Hoje
comprovou, em vári as frentes de atuação, a asse rtiva de Lênin quanto ao papel do
jornal de “organizador coletivo”.
Podemos supor que o arco de sustentação do jornal compree ndia vári os
campos: 1) a força de trabalho especializada : jornalistas e gráficos, se m os quais
não sairia às ruas; 2) uma massa de m ilhares de acionist as, assinantes, vendedores
do jornal, militantes ou não do PCB, e que e ram tam bém seus leitores; 3)
simpatizantes, leitores “não engajados”; 4) o movimento social: sindicatos,
entidades populares, destacando-se entre estes o Sindicato dos Jorna listas
Profissionais. Como aliados “pontuais” (mas não efêmeros): outros jor nais,
inclusive burgueses, e entidades com o a ABI.
O jornal pôde contar com uma massa de protagonistas anônimos
certamente militantes comunistas em sua maioria, mas não sem os quais
dificilmente resi stiria por tant o tempo às investidas do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS-SP), às perse guições do Exército, às carências materiais.
Milhares de dedicados milit antes que se envolveram intensa mente na venda
avulsa e de assinatur as, nas campanhas finance iras e em inúmeras outras tarefas,
na capital do Estado e em centena s de outros municípios.
Foi esse coletivo articulado que deu vida ao Hoje, que possibi litou sua
chegada aos bairros, à s cidades do inter ior, aos outros Estados, e que o fez
ressurgir e voltar a circular em seguida a cada nova investida da repressão.
III.1. Os protagonistas da aventura do Hoje
79
79
Um rela tório do DOPS descreve a ati vidade de um desses militantes, ao final
da ceri mônia de instalação do I Congresso de De fesa do Petróleo, em 1948, em
São Paulo:
“Anexos: uma f otografia da reunião e um exemplar do Hoje que à saída
do prédio era distribuído pelo nosso muito conhecido Fortunato Pac e,
agitador comunista. Distribuía o órgão c omunista e ace itava qualquer
retribuição pelo mesmo”
82
.
Na cidade ou no interior, “agitadores” como Pace cor riam riscos e chegavam
a sacrificar seus be ns em f avor do diá rio comunista. Herzilio Curiguaz y Pereira,
ferroviário aposentado, ofereceu “um lote de t erra de sua propriedade à
Campanha Pró-Imprensa Popular”
83
. Seu nome aparece no documento “Relação
dos Destinatários do Jornal Hoje (1948) como r esponsável pela venda de uma
cota de 60 exe mplares em Rio Claro (SP). Outro personagem pico desse
contingente de apoiadores desprendidos, o professor José Maria Pasc hoalick, que
era diretor do Grupo Escolar de Fernandópolis ( SP), foi removido do cargo “por
ser comunista”
84
. El e também const a como único destinatário do Hoje em
Pedregulho (SP).
fartos registros de i ntimações, detenções, prisões e até agressão a tiros de
que f oram vítima s, ao longo de anos, esses “protagonistas de base”, inúmeras
pessoas que como Pereira e Paschoali ck se envolveram com o jornal, mesmo que
indiretamente, fossem milita ntes comunistas ou não. Esses casos serão
examinados no capítulo IV, que trat a da repressão policial e militar ao Hoje.
Entre os “prot agonistas de base” da aventura do Hoje contavam-se també m
os t rabalhadores das suas oficinas gráficas insalubres, que não raramente abriam
mão de ofertas de empregos e de melhores salários, bem c omo os jornalistas e
demais funcionár ios mais ou menos qualificados da redação, sujeitos à violência
82 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Pasta OP 0673. Informe de 12/10/1948, assinado por A.A.R.
83
Hoje
, 24/10/1946.
84
Hoje
, 5/10/1946, p. 8.
80
80
policial e à incerte za dos pagamentos. É Jacob Feldman quem relata :
O porteiro da redação do Hoje dizia: “O nosso jornal”. Nós éramos
realmente um a comunidade. Havia a pagi nação, havia os revisores,
naquela époc a ficavam em dupla (...). O jornal geralm ente rodava às 2,
3 da manhã. Ele foi dur ante muito tempo, ou todo o t empo,
cognominado de “a fortaleza do partido”, porque era um prédio, na rua
Conde de Sarzedas, que ti nha de 4,5 a 5 met ros de largura, ou 6 metros,
quando muito, com 90 metros de fundo. Não ha via nenhuma entrada
lateral, ele era todo construído cimentado, todos os l ados e em cim a.
Portanto havia uma maneira de a pol ícia entrar: pela f rente. E
sempre havia um segur ança do partido tomando conta da parte da
frente, porque é ali que nós funcionávamos. Quando o jornal foi
empastelado, a redação foi em pastelada pela pol ícia, e quebraram tudo,
nossas máquinas de escrever, a gráfica serviu de redação precariam ente
(...) D a reda ção à gráfica, era uma distância de sete, oito quarteirões. A
nossa redação era na Quintino Bocaiúva, de pois do empastelamento nós
fomos para a Praça C lóvis Beviláqua até porque o locador da
Quintino Bocaiúva não queria a gente m ais como locatário num
prediozinho antigo, ocupamos o t erceiro e quarto andares de um prédio
de quatr o andares, sem el evador. Os meninos subiam os quatro andares
bem, agora os mais idosos é que sofriam. E a nossa redação funcionava
lá, e a gráfica na Conde de Sarzedas. E também era um tr abalho
heróico, porque além da maquinaria toda obsol eta, também era o
problema de sa lários. Operário gráfico sempre foi muito pr ocurado
naquela época. Os nossos linotipistas recebiam diariamente propostas
de outros jor nais. Um deles, que e ra considerado excelent e linotipist a, o
Herminio, recusava salários que seriam hoj e, fazendo uma projeção, em
torno de 3 mil reai s por mês. (...) Ele recusava salários... e le e os outros
81
81
também, mas mais el e.
85
Aparecem em diversos depoimentos as r eferências aos vencimentos que,
além de baixos, eram incertos. Como neste, de Walter Freitas, em que faz alusão
à penúria provocada pela esca ssez de publicidade no jornal:
O sa lário por exemplo, na época, do jornal Hoje, além de ser pe queno,
era difícil de você receber. Eu por exemplo, para você te r uma idéia,
fiquei sem receber mais de um ano e meio. Salário, não tinha. Recebia
vales. Porque naquela época o Partido Comunist a estava sendo
controlado pelo si stema. E por exemplo ai se um empresário pequeno,
médio ou grande auxili asse alguma área do Partido Comunista. Era
cortado, era defesa do capitalismo, porque o jornal atacava o sistema
capitalista, que é a base da posição política comunista
86
.
Isaac Akcelrud, que dirigiu o jornal entr e 1950 e 1955, relata:
Estava em São Paulo quando o Brasil perdeu a copa para o Uruguai.
Célebre copa de 50. Estava aqui meio clandest ino, ainda não sabia onde
ficaria. Eu saí para a legalidade e fui para o Hoje. Por i ncrível que
pareça eu fiz c arreira no PC como j ornalista. Trabalhar nos jornais
revolucionários exige, além de uma certa capac idade profissional, uma
ilimitada devoção ao jornal, à causa. Porque é muito penoso. Os jornais
são pobres, é difícil. Eu dirigi esse jornal por muito tempo. Não ti nha
dinheiro mas o pessoal preci sava comer. Nós conseguimos alguns
feirantes simpat izantes, fizemos uma cozinha no jornal e o pessoal
comia e dormia lá, era aquela zorra. Um troço terrível. Era realmente
muito penoso, um sacrifício muito grande. E a polícia e m cima. Não
tinha profissional , não tinha linotipista. Ent ão pegávamos um garotão,
85 Feldman, entrevista ao Autor.
86 Walter Freitas, entrevista ao Autor.
82
82
pedíamos para ir ao Sesi e entrar no curso de linotipo, aprender um
pouquinho. Depois era para vi r t reinar no jornal par a ser nosso
linotipista e ensinar aos outros. E assim nós formamos um a equipe de
linotipistas profissionais que foram trabalhar na Folha, no Estadão, na
Gazeta e por aí. (Akcelrud, 1997: )
Feldman, um dos mais jovens da redação, sustentado pelos pais, que lhe
garantiam recursos para viver confor tavelmente, costumava abrir mão dos seus
vencimentos em favor dos colegas:
No papel, meu salári o era 2.500 cruzeiros. O do Câmara 3.500. Mas
nunca ninguém recebia. Em verdade, eu abria mão dos vales. E chegava
sábado, o Naim [ Kamil] entrava na redação suando em bicas, com uma
importância xi s, então precisava dividir. (...) Devia receber uma vez por
mês, mas como nunca re cebia, então tinha os vales. Era assim: 100 para
os casados, 50 par a os solteiros. “Pô, mas como é que eu f aço para
pagar a far mácia?”, “estou com o aluguel a trasado tr ês meses”.
“Companheiro, olha o nível ideológico”, c ostumava-se muito falar isso.
(...) Para mim, a destinação seria 20. e u dizia: “Deixa para lá, vai”.
Naim perguntava: “Jacob, você vai quer er?” Eu diz ia “Não”, fazer o
quê? Eu tinha casa, comida, roupa lavada
87
.
Apesar desse quadro dr amático, foi possível constatar que um número
expressivo de gráficos, de outros tr abalhadores manuais e de jornalista s que não
pertenciam ao escalão de chefias e direção do jornal tr abalhou no Hoje e no
Notícias de Hoje durante per íodos superiores a dois anos. G enésio Ferreira da
Silva, um linotipista detido pelo Exército em 1952, declarou em seu depoimento
ser “empregado na Gráfica Hoje desde de agosto de 1948”
88
. No livro de
registros do Notícias de Hoje veri fica-se que Manoel Bezerra Júni or, auxil iar de
87 Feldman, entrevista ao Autor.
88 Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e Auditoria da 2ª RM. Dossiê 30-Z-74 (4)- 421-560, f. 202.
Arquivo do Estado de SP.
83
83
remessa, trabalhou ali entre fevereiro de 1955 e abril de 1958. A própria Dinorah
Ribeiro, já remanescente do Hoje, perm aneceu entre 1954 e 1958.
Primeira diretoria
A primeir a di retoria do Hoje reuniu alguns nomes de projeção soci al e
política: o hi storiador e editor Caio Prado Júni or, o pintor Clóvis Graci ano,
os jornalistas Jorge Amado e Nabor Cayres de Brito, e o irmão deste, o
médico Milton Cayres de Brito. Tudo indica que e ste grupo efe tivamente
dirigiu o jornal na sua primeira f ase, não sendo, portanto, mera f achada. É
difícil aquilatar , porém, o grau de af inação interna do grupo, pois Caio
Prado, que divergira da CNOP, continuava a manter reservas em relação à
direção nacional do PCB, ao passo que Jorge Amado e Mi lton Cayres eram
próximos do núcleo dirigente do partido.
O hist oriador deu, como visto, deci sivo apoio material ao diár io, num
momento em que este não possuía ainda a estrutura necessária. Além de tornar-se
seu maior acionista ( Iumatti, 1999: 78), ele em prestou a Livra ria Brasi liense para
servir de se de provisória à Socieda de de Amigos do Hoje, cr iada em 3 de
novembro de 1945
89
. Em setembro a empresa dos Prado “mudou-se para um
prédio na r ua Barão de Itapetininga, de propriedade do pai de Caio Prado Júnior,
cedendo a casa da r ua D. José de Barros onde funciona va ao jornal Hoje, do
PCB” (idem: 144).
89
Hoje
, 8/11/1945, p. 2.
84
84
Jorge Amado se tornar a um escritor de sucesso, e militante do PCB,
quando assumiu t arefas no Hoje, onde escrevia uma coluna di ária, “Hora do
Amanhecer”. Sua passagem pelo jornal é assi m resumida no seu li vro de
memórias: “eu dirigia o quoti diano [sic] paulista do Partido C omunista, o
Hoje, tarefa que tomava a maior parte do meu tem po” (Amado, 1999: 214).
Eleito deputado federal por São Paulo nas eleições de dezembro de 1945, ele
aparentemente não se desligou do di ário.
Milton Cayres, oriundo da Bahia, de onde chegou no início da década de
1940, desempenhou papel de destaque na reorganização do PCB em São
Paulo. Foi uma das principais figuras públicas” do Hoje, pois no início de
1946 apenas seu nome restou no expe diente, na condição de diretor da
publicação. (Não se sabe por quê os outros foram retirados: a s evidências são
de que continuaram a exer cer funções de direção por bastante te mpo ainda.)
Eleito suplente de deputado federal pelo PCB, acabou assumindo uma
cadeira, na vaga do eleito Mário Scot t, mas em janeiro de 1947 elegeu-se
deputado estadual. De ixou então a Câmara Federal e passou a atuar na
Assembléia Legislativa. Nesta mesma ele ição, também Caio Prado Júnior
tornou-se deputado estadual.
Clóvis Graciano integrava o chamado Grupo Santa Helena de pintores, ao
lado de Rebolo, Volpi e outros. Sua participaç ão revestia-se de evidente
simbolismo: os mais importantes pintores brasileiros, como Portinari e Di
Cavalcanti, tinha m notória afinidade com o PCB. Graciano teve passagem
discreta pelo Hoje, mas efetivamente atuou como um dos seus diretores, pelo
menos até 1948.
85
85
Nabor Cayres, jornalista respeitado no meio pr ofissional, apelidado de
Capitão por ter produzido e apresentado um programa radiofônico sobre a
guerra
90
, “fez o pr ojeto gráfico e foi o primeiro secretário do Hoje, liderando
uma equipe de nível” (Ribeir o, J. H.: 66). No primeiro aniver sário do Hoje,
escreveu longo artigo assi nado, talvez o único relato disponível sobre os
bastidores do trabalho jornalíst ico que antecedeu o lançam ento do diário.
Nele, Nabor revela-se orgulhoso por se r de sua autoria a “le genda” dada ao
Hoje após int enso debate int erno: “jornal do povo a serviç o da democracia”
(Brito, N., 1946).
Nabor integrou a primeira dir eção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo,
em 1937. Antes e depois de passar pelo diário do PCB, exer ceu c argos de
chefia em diversos jornais comer ciais de primeira linha. Ma s ele se mpre teve
forte liga ção com o PCB, tendo atuado, na década de 1930, em duas revistas
mantidas ou influenciadas pelo partido
91
(Ribeiro, J. H.: 37, 121, 134, 205).
É bem provável que Nabor, enquanto se cretariava o Hoje, tenha acumulado a
secretaria da Folha da Noite, onde trabalhava na época.
Como se relacionava o quinteto de dir etores? Em que medida o fa to de três
deles haverem se lança do à disputa de cargos no parlamento pode ter afetado o
jornal? No período imediatamente anterior à eleição, isto é , em novembro e
dezembro de 1945, Hoje publicou diversas vezes em meio à propaganda da chapa
comunista, ocasionalmente com m aior destaque, fotografias de Milton Cayres,
Caio Prado e Jorge Amado. Armar-se para travar a disputa eleitoral em condições
de i gualdade fora um dos motivos para o lançamento dos di ários do PCB, de
modo que as três candidat uras não devem t er causa do pre juízos ao jornal ou
estranheza aos leitores.
Caio Prado, contudo, via com desconfiança seus pares. No dia 11 de
novembro, comentou a propósito da candidatura: Aceitei minha indicação para
candidato a deputado pelo P artido Comunista. Hesitei longam ente, e aceitei a
90 Entrevista de Lúcia Brito ao Autor.
91 Infelizmente, em depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (MIS), Nabor não faz qualquer referência ao
Hoje
, nem os
entrevistadores tocam no assunto.
86
86
custo. Não acredito em Prestes e na atual direção do Par tido”
92
. Meses depois,
nova anotação no diário reitera seu sentimento desfavorável à direção do partido,
por ele identi ficada com a “CNOP”, e revela a distância existente entre ele e
Milton Cayres:
O secretário do partido em São Paulo, rio Scott, pulou fora. Era um
elemento incapaz [ilegível] facilm ente manejável pelos cnopist as. Agora
pulou fora porque não que ria mai s a sua cadeira de deputado, para a
qual fôr a eleito pelas eleições suplementares. Aceitando o mandato
[ilegível] Milton Cayres de Brito, que é elemento da inti midade da
CNOP
93
.
Elias Chave s Neto, que era pessoa de confiança de Caio Prado e com e le
tinha laços de parentesco, af irmará, em seu livro de memóri as, que tanto o
historiador como Nabor Cayres deixara m o Hoje por discordar da orientação
sectária (“espé cie de diári o oficial do partido”) que teria sido imposta por Milton
Cayres (citado por Rubim, 1986: 117).
Da equi pe re sponsável pela administração do jornal e da empresa gráfica,
que também prestava serviços par a terceiros, faziam par te Antonio Cardoso
Treme e Naim Kalil este último respondia pela captação de anúncios
publicitários. Elias Chaves N eto teria sido um dos diretores da gráfica até 1948
94
.
Segunda e terceira diretorias
A partir de 1947, a direção de redação foi confiada a Joa quim Câmara
Ferreira, membro também da direção estadual do PCB
95
. Seu nom e apar ece no
expediente ao lado do de Milton C ayres. O novo secretário de redação é Noé
Gertel, que substit uiu Nabor. Amigo de Câmara Ferreira, no Estado Novo Gertel
esteve por cinco anos preso na Il ha Grande, ao lado de C arlos Marighela e Agildo
92 Diários políticos, 11/11/1945. IEB-USP.
93 Idem, março de 1946. IEB-USP.
94 Essa informação foi prestada por ele em depoimento ao Exército, em 1952. Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e
Auditoria da 2ª RM. Dossiê 30-Z-74 (4)- 421-560, f. 149. Arquivo do Estado de SP.
95 Câmara Ferreira viria a ser torturado e assassinado pela Ditadura Militar em 1970, quando era a principal liderança da Ação
Libertadora Nacional (ALN), após a execução de Carlos Marighella em 1969.
87
87
Barata (Feijó, 2002).
Em 1950, assume a dir eção do jornal Isaac Akc elrud, que havia sido um dos
fundadores da Tribuna Gaúcha. Akcelrud, da mesma forma que Nabor, vi ria a
ocupar cargos importantes em jornais c omerciais, como o Jornal do Comércio,
pertencente ao conglomerado de Assis Chateaubriand, e o Correio da Manhã.
Depois do Hoje, ele tornou-se redator-chefe da Imprensa Popular (ex-Tribuna
Popular), no Rio de Janeiro, até romper com o PCB em virtude dos debate s
provocados pelo Relatório Kruschev (Akcelr ud, 1997: 287).
Redação do Hoje: entre profissionalismo e amadorismo
A afirmação, encontrada em alguns depoime ntos de pessoas ligadas aos
jornal, como Elias Chaves Neto, de que Hoje era “feit o por militantes, isto é,
amadores” (Chaves Neto, 1977: 87), deve ser relativizada. Em primeiro lugar
porque na fase inicial, grosso modo correspondente à da legalidade do PCB, a
redação do jornal contou com um bom número de profissionais experie ntes. Em
segundo lugar porque, mesmo nas fases post eriores, quando cer tamente aumentou
o número de “amadores”, Hoje (e depois Notícias de Hoje) foi produz ido por
jornalistas que continuariam a at uar na profissão.
Talvez seja mais plausíve l pensar-se que as condições de trabalho a
sobrecarga de traba lho dos repórteres e re datores, a remuneração escassa, a
precariedade dos meios à disposição da redação (Feldm an relata que no início dos
88
88
anos 1950 o jornal dispunha de um único telefone
96
) tenham afetado
negativamente o dese mpenho editorial mais do que o am adorismo de parte da
redação. Mesmo assim, a qualidade gráfica e e ditorial do Hoje era semelha nte à
dos diários com os qua is concorria o que, dadas as condições de produção,
indicava competênc ia técnica e profissional tanto dos trabal hadores gráficos
como dos jornalistas.
Gramsci, em seus e studos sobre a “organiza ção material da cultur a”, chama
atenção para a relevância do “aspecto exterior” de jornais e revistas, mesmo
quando sejam publicações de ca ráter político:
Tem grande importância o aspecto exterior de uma revista, tanto
comercial como “ideologicamente”, para assegurar fidelidade e afeição;
na real idade, nest e caso, é difícil distinguir o fato comercial do
ideológico. Fatores: páginas, composiçã o das margens, das intercolunas,
largura das col unas (comprimento da linha) , compacticidade das
colunas, isto é, do número das letras por linha e do c orpo usado em cada
letra, do papel e da tinta (beleza dos tulos, nitidez dos caracteres
devido à maior ou menor utilizaçã o das matrizes ou das let ras ma nuais
etc.). Estes elementos não têm importância somente para as revistas,
mas para os jornais diários. (...) Por certo, o elemento fundamenta l par a
a sorte de um per iódico é o ideológico, isto é, o fato de que satisfaça ou
não determinadas ne cessidades int electuais, políticas. Mas seria um
grande erro crer que este seja o único ele mento e, notadamente, que est e
seja váli do tomado ‘isoladamente’. em c ondições e xcepcionais, em
determinados períodos de boom da opinião pública, ocorre que uma
opinião tenha sorte independe nte da forma exterior na qual seja
apresentada. Habitualmente, o modo de apresentação tem grande
importância para a estabilidade do negócio; e a importância pode ser
positiva, mas também negativa. (Gra msci, 1982: 178)
96 Feldman, entrevista ao Autor.
89
89
Gramsci cita, nesta passagem, fatores em inentemente técnicos ligados ao
aspecto visual das publica ções, por exempl o a “be leza dos tipos, nitidez dos
caracteres”, determinados m ais pe las caracter ísticas do material, das máquinas e
habilidade dos trabal hadores gráficos (linotipistas, impressores) do que
propriamente pela orientação dos jornalistas. Esta, evidentemente, pode influir
nas decisõe s técnicas de que resultam tais c aracterísticas. Contudo, podem os
extrapolar esta avaliação para outros aspectos visuais: a disposição das ma térias
nas ginas, a utilização de fotografias, o emprego de títul os em corpo maior etc.
Neste senti do, Hoje em nada f ica a deve r aos diários comerciais. Com o
assinalamos antes, seus jornal istas à frente Nabor, no período inicial
souberam incorporar ao di ário as novidades da época, como o uso de fotografias e
de t ítulos sobrepostos (“manchetinhas” , l inhas finas e outros). O jornal também
consagrará a reportagem de aspectos do c otidiano da população.
Entre os jornali stas mais ligados à hist ória do Hoje encontraremos, além de
Nabor e Noé: Antonio Mendes de Almeida, Francisco de P aula Campos de
Oliveira, Wolney Rodrigues Rabelo, os quais também foram secretários de
redação, Vitorio Emanuel Martorelli, R aul Azedo Neto, Oswaldo Rodrigues
Gomes, Djales Rodrigues Rabelo (irmão de Wolne y), Fuad Helou, Jacob
Feldman, José Eli ezer Strauch, João B atista Lemos, Jurandir Celso Guimarães,
Dinorah Ribeiro, os repórteres-fotográficos José Antonio Domingues e Walter
dos Santos Freitas, o ilustrador Itaja í Martins.
Constam do livro de registros de Notícias de Hoje, contratados como
repórteres por três ou m ais anos no período 1954-1959, e possivelment e
trabalharam na fase final do Hoje: Margarida Maria Manso, Itamar aty Feitosa
Martins, Helmut Olar ius Griebel, Jayme Martins, Alidio Smiles dos S antos
Bonates, Pedro Dangelo, Alfredo Obliziner, Jaime Ferreira Gonça lves, Paulo
Pontes Tavares de Albuquer que, José da Costa Tei xeira Netto, José de Moura
Filho (repórter -fotográfico). Também aparecem os nomes de Radoic o Guimarãe s
90
90
(responsável pelo jornal Terra Livre) e de Pedro Pomar
97
, como contratados por
cerca de dois anos.
No livro de regi stros encontram-se ainda vários outr os nomes de r epórteres,
os quais no entanto teriam sido contratados apenas por alguns meses. Embora seu
nome apareça nesta condição, Raquel da Silva Gertel, esposa de Noé Ger tel, é
citada em depoimentos como atuante no Hoje. Atuar am, ainda, no Notícias de
Hoje, embora não conste m dos registros, o exce lente desenhista e chargista
Álvaro Moya, sob o pse udônimo de “Ra miro”
98
; Pérola de Carvalho, repórter e
redatora; Dafne Pezotti
99
. Maria das Gra ças Dutra, j ornalista que trabalhou na
Imprensa Popular, teria atuado também no Hoje dur ante algum tempo.
São citados por José Hamilton Ribeiro em li vro sobre os jornalistas paulistas,
como tendo passado “pelo Hoje, e depois por seu sucessor, Notícias de Hoje”,
Narciso Kalili, João Lima Santana, Judith Patarra, Lui z Gazaneo, Georges
Bourdokan, Moacir Longo (Ribeiro, J. H., 1998: 66).
Voltando ao tema amadorismo vs. pr ofissionalismo: vários dos nomes
elencados acima não preenchiam os atributos requeridos de jornalistas
profissionais. Raque l Gertel, por exem plo, era operár ia têxtil (Feijó, 2000), Fuad
Helou, estudante de Arquitetura
100
. Pode-se argumentar , porém, que o jornalismo,
embora viesse consolidando no Brasi l desde a década de 1930 se u estatuto de
profissão (cf. Traqui na, 2005: 106), não tinha normas de i ngresso pré -definidas.
Parece mais significat ivo o fato de que um jornal c omunista com poucos recursos
tenha conseguido forma r e manter bons profissionais numa époc a em que a
imprensa comercial desenvolvia-se r apidamente e o respectivo mercado de
trabalho se ampliava.
O Hoje abriu caminho a alguns talentos jor nalísticos. Wolney R abelo, um
dos jornalistas de Hoje mais elogi ados por seus antigos pares, é um desses casos.
Pérola de Carvalho o descreve como “intelectual cheio de sutilezas”,
97 Registre-se que Pomar, na década de 1950, não pertencia ao Comitê Nacional (comitê central), pois entrara em atrito com
Prestes e fora destituído.
98Moya, que trabalhava concomitantemente em
O Tempo
com Hermínio Sacchetta, recebia, o que era raro na redação do diário
comunista, pagamento regular. Moya, 2004.
99 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
O Dia
, 13/9/1953.
Folha da Tarde
, 14/9/1953.
100 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
91
91
“responsável pelos pertinentes e mordazes tópicos políticos”
101
. Para Feldman,
era “o mais talentoso dos jorna listas”:
Ele era um autodidata, na expressão mai s lata da palavra . Ele tinha
feito o c urso primário, no i nterior de Mi nas (...) ele vivia no ma to, no
sítio, família paupérrima, e quando completou 14 anos o pai disse:
“Agora que você já é homem, vire-se, você vai procurar ganhar sua vida
em São Paulo”. E o menino ve io, de trem, com um míni mo de dinheiro,
arrumou trabalho, foi mor ar numa pensão, e começou a vida de le até
conhecer o jornal. E aí, ávido por leitura, ele passava horas e horas na
Biblioteca Munici pal lendo, porque não tinha dinheiro para comprar, e
quando chegou à redação imediatamente ele se tornou um dos principais
e redigia muito bem. (...) E ele se tornou secretár io do jornal
102
.
Outro desses profissionais foi Walter Freitas, que atuou no Hoje como
repórter-fotográfico entre 1948 e 1952, tendo se ini ciado adol escente ainda , após
trabalhar na banca de revistas do PCB, que funcionava na sede do part ido.
“Comecei a aprender fotografia no jornal. (...) Eles tinham um fotógrafo,
precisavam de mais um, ent ão eu aprendi fotografia”
103
. Convidado a ingressar
nos Diários Associados, Freitas aceitou, deixando o Hoje. “Ele fez reportagens
com o Davi d Nasser, com vários daqueles cobras de O Cruzeiro, por quê? P orque
era excelente profissional”, resume Feldman
104
. Freitas, que tinha apenas 20 anos
quando passou ao novo emprego, relata que “as fotos da primeira página do
jornal Hoje sensibilizaram o chefe de fotografia do Diário da Noite, Lauro
Freire, que o procurou pessoal mente. Logo suas fotografias estariam sendo
publicadas também na revista O Cruzeiro. Freit as ter minaria por aposentar-se nos
Diários Associados
105
.
Vitorio Martorel li foi um dos chefes de reportagem do Hoje. Principal
101 Pérola de Carvalho, depoimento escrito, 2006.
102 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
103 Freitas, entrevista ao Autor, 2005.
104 Feldman, entrevista ao Autor.
105 Freitas, entrevista ao Autor, 2005.
92
92
dirigente do Moviment o Unificador dos Trabalhadores (MUT) em Santos,
Martorelli dirigi u nesta cidade a sucursal do jornal, cr iada em 1946. Pérola de
Carvalho recor da-se dele como “imperturbável, com preensivo, sempre de-bem-
com-a-vida”
106
, ao passo que Raul Azedo, outro dos chefes de reportagem, é
descrito com o “impetuoso, turbulento, fumante invet erado”, além de “inteligência
alerta para os fat os do di a”
107
. Am bos foram presos em mais de uma ocasião por
questões relacionadas ao jor nal. (Em 1952, Azedo, escoltado por policiais, casou-
se num cartório de pa z com Aparecida Rodrigues, militante do PC B que
sobrevivera à chacina de Tupã e retornou à Casa de Detenção, num
acontecimento filmado pela Tv Tupi
108
.)
Vários dos membros da equipe ingressaram jovens na redação de Hoje, mas
haviam exercido algum tipo de militância política. Era o caso de Dinorah
Ribeiro, ativista de base que pa ssara 32 dias na pr isão, em Santos, por haver-se
envolvido num prot esto popular contra a carestia
109
. Era o caso também de P érola
de Ca rvalho e Jacob Feldman, os quais atua vam na juventude comunista (UJC)
antes de entr ar no jornal. Feldman conta que precisou da autorização dos
dirigentes:
Nessa época eu esta va vinculado à UJC, União da Juventude
Comunista, e um dos repór teres, por sinal o melhor do Hoje, chamado
Raul Azedo Neto, ao fazer a cobert ura jornalística de uma passeat a que
a juventude fazia na Rua Direita, ele chegou-se a mim, m e convi dou
para engrossar os quadros da r edação e eu fui. Isso foi em 1950.
Comecei com o todo “foca”, eu sempr e me julguei com alguns pendores
de redator, mas apanhei” muito e depois aos poucos eu acabei
aprendendo, entre aspas, a se r jornalista dentro do Hoje. E fiquei e m
duas fase s: um a a 1955, e outra de 1956 a 1958. Foi essa a minha
participação
110
.
106 Pérola de Carvalho, depoimento escrito, 2006.
107 Idem.
108 Feldman, entrevista ao Autor. Aparecida Azedo, depoimento ao Autor.
109 Dinorah Ribeiro, entrevista ao Autor.
110 Feldman, entrevista ao Autor.
93
93
O próprio Feldman relata outro exemplo notável :
Havia um judeuzinho, com o eu, Eliez er Strauch, que o pai o depor tou
quando o menino tinha uns 16, 17 anos, e estava envolvido com o
partido e o jornal, o pai m andou para os Estados Unidos, para um
irmão do pai, para viver lá. ‘Não, aqui é um perigo’, e le tinha sido
preso. Ele chegando foi trabalhar num jornal do partido, o Daily
Worker, o jornal do PC americano. E ele era tão talentoso que em
poucos meses conseguiu se r redator do Daily Worker. Mas a í também
andou t endo problemas de perseguição política, voltou e veio tr abalhar
com a gente
111
.
III.2. A força de trabalho: patrões, aqui?!
Hoje e Notícias de Hoje reproduziam na redação o esquema de divisão do
trabalho adotado na época pelos jornais comerciai s: diretor, secretários, c hefes de
reportagem, noticiaristas, repórteres, repórteres-fotográficos. Todavia, não foi
possível constatar, nem nos depoimentos colhidos ne m nos documentos
disponíveis, mai ores problemas nas relações de trabalho decorrentes da ativi dade
jornalística propriamente dita, isto é: incidentes entre chefes e subordinados
relacionados de alguma forma com o trabalho dese nvolvido, jornadas excessivas,
exigências descabidas. Havia divergências ideológicas que se m anifestavam em
vários momentos, mas que não se e xpressavam na forma de antagonismo entre
patrões e empregados.
Pérola de Carvalho, que al ém de repórter e noticiarista trabalhou, numa fase
posterior, c omo crítica de teatro do Notícias de Hoje, conta que, apesa r de sua
condição de “pequeno-burguesa” , seus escritos nunca foram alterados, me smo
quando desfavoráveis a uma amiga do partido:
111 Feldman, entrevista ao Autor.
94
94
E eles não exerciam uma c ensura. Tanto que uma vez eu f iz uma crítica
teatral em cim a da Helena Silveira, coitada. Olha, disso eu me
penitencio até hoje, você sabe?, porque ela escreveu um a peça chamada
“No Fundo do Poço” (...) porque pouco tempo ti nha havido um
assassínio na Faculdade de Filosofia, na seção de Química. Um rapaz
matou a mãe, as irmãs, e enterrou no poço da casa, sabe, ali no Bexiga.
Foi um caso... ter rível, te rrível. (...) Trabalhava na USP (...) professor
assistente, uma coisa assim... Então eu não sei se por causa disso,
quando e u vi aquilo em peça, entende, ah, e vi assim tratado à maneira
do Ne lson Rodrigue s (...) eu caí de ripa em cima dela. E era ela
simpatizante do partido. Pois e les não... eles disseram: “Ô P érola, ela
é gente nossa”. Mas eles o cortaram uma linha, e ne m m e censuraram
por causa disso. Então é uma coisa que eu guardo com muito respeito
daquela tur ma com quem eu tr abalhei. ( ...) E eles o exigi am nada da
gente, realmente . Nunca exigiram. Eu até cheguei a recusar tar efa. Uma
vez eles quiseram que eu fosse fazer um a reportage m sobre a UN E na
Faculdade de Direito, e era tarde da noite. Eu disse: “Eu não vou,
porque é tarde da noite, estou cansada e não vou fazer”. E ele, “está
bom”. Entende, quer dizer: eles foram compreensi vos
112
.
Conflito havi a, sim, na rela ção trabalhador-empresa , porém motivado pela
aparente de sorganização quanto ao registro dos funcionários e pelos atrasos
crônicos no pagamento. Dinorah Ribeiro, a Lila, é quem aprese nta os pontos de
vista mais contundentes a respe ito:
Eu ainda peguei o Noticias de Hoje, trabalhei, eu ti nha carteira assinada.
Eu tinha exigido a carteira assinada. Bom, se era uma firma! (...) Não é
por eu ser comunista que eu não ia te r meu documento, assinado,
112 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.
trabalhando ali dentr o. (...) Eu acho que at é ali não tinha pa ssado pela
cabeça deles que eles estavam dirigindo uma firma. Na cabeça deles
eles est avam fazendo um boletim, uma coisa, não sei, partidária. A
linha do partido era polí tica, mas a li era uma empresa, nós estamos
numa sociedade capitalista. Onde... mesmo que não fosse capitalista
tem que existir um controle de renda, de c omércio né. (...) Eu era muito
jovem mas pensava assim. Eles passaram a pedi r cartei ra, registraram
todo mundo, mas depois que eu entrei com... Eu e stava t rabalhando e
não ia ter nada. Quer dize r, er a militante, trabalhando numa empresa,
uma empresa que exigia isso exigia aquilo, um dia m ais tarde eu ia... a
minha mocidade toda se a cabando. E eu ia ficar de que jeito? Na
velhice, trabalhar onde? me re stava talvez um asilo. Ainda se
encontrasse uma vaga, né? Ou o apoio da famíli a, que era contra eu
trabalhar na política. Bom, acabou o Hoje, desapareceu, entrou Notícias
de Hoje, fomos, eu falava par a os colegas: “Agora eles têm que dar
baixa aqui, assinar Notícias de Hoje”. Carteira profissional. eles
falaram... arranjaram guarda-livro, acertaram as coisas. Se paga ram?
Não sei. Mas nós tínhamos o documento a ssinado. (...)
113
A célula do PCB
A direção do jornal r ealizava reuniões com os funcionários. Havia reuniões
gerais, de avaliação das ediçõe s, e reuniões da célula partidária na redação, das
quais participavam os militantes. Curiosamente, as referências sobre a célula são
espao”dc
comportamento da m oça. Aquela coisa de dirigente do partido daquela
época, né? E o Henrique levantou esse pr oblema numa reunião da célula
da redação o Wolney que contou, eu o estava presente. O Wolney
disse que o Henrique falou assim: “É, companheiro Isaac, você não
pode impor”. diz o Isaa c: “Eu imponho sim”. diz o Henrique:
“Então você é um impostor”. (...) Tinha umas coisas engraçadas. O
jornal era visto por uns como a menina-dos-olhos. E para uma parte da
militância, nós eramos pequeno-burgueses
114
.
Walter Freitas informa que “alguns dirigentes do partido procuravam fazer
reuniões”, às quais ele, embor a convidado, não assistia, “porque a par te
fotográfica tinha que sair, então eu não assistia”, mas “tam bém porque não ti nha
visão”. Ele relata, de maneira mais detalhada, a existência de “discussões para
imprimir de madrugada”, “muito acentuadas” e cuja finalidade era definir se a
edição em andamento estava “dentro dos preceitos, dos conceitos”; bem como
reuniões r ealizadas a cada semana ou a cada dez dia s, em que, depreende-se, se
fazia a crítica a posteriori:
No caso nós desc íamos mais cedo para mostrar o que nós fi zemos
errado, o que nós a certamos, o que deve continuar, se está dent ro de sses
conceitos. Certo? Ent ão e ra a diretoria do jornal, e inc lusive alguém do
partido também, diretor do partido, para ver se “não, aqui está certo”,
enfim, porque o jornal tinha que ter uma característica bem jornalística,
para ter entrada nos bairros, o [leit or] se interessar, né? (...)
115
.
Pérola de Carvalho, porém, que vinha de uma experiência de muitas reuniões
no movimento estudantil, diz haver estranhado a ausência delas na redaçã o:
De modo que quando eu sa í da Faculdade, e eles me chamaram par a ir
114 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
115 Walter Freitas, entrevista ao Autor, 2005.
97
97
trabalhar no Notícias de Hoje eu estranhei, entende, porque de repente
de uma situação de organização bem definida, eu caí numa sit uação
absolutamente amorfa, porque eu a li era jornalista, assi m como os
outros, como o Wolney, como o Djal es, c omo o Azedo, eu tinha
esquecido que ele chamava R aul, como o Jurandir [Guimarães] que todo
mundo respeitava, porque era o chefão... porque não havia reuniões, não
havia nada, entende? Nós tínhamos o tr abalho de jornal ista (...) el es
confiavam que a gente estivesse suficientemente politizado (...) mas
mesmo a politização ali nem precisava, você nem precisa va de
politização. A própria r eportagem era, e ntende? Você i a fazer a
reportagem e dava de cara com os problemas todos de um ba irro, ou de
um hospital, de uma coisa, você não tinha nem o que politizar ali, a liás
como não tem até hoje, eu acredito, né. Então a gente simple smente
fazia
116
.
III.3. Referência política e cultural
Independentemente da repressão policial, ou mesmo por causa dela, Hoje
tornou-se desde logo uma referência política e cultural em São Paulo, um “lugar
social”, sua redação conver tendo-se em ponto de encontro de a tivistas,
simpatizantes do PCB, populares em geral: um desaguadouro de reivindicações
das camada s subalternas da população. Situaç ão perceptível nas suas páginas,
repletas de notas e fotografias de visi tas de todo tipo, de artistas a direções
sindicais, comissões de tr abalhadores em greve, grupos de moradores. Bem
representativa desse espírito é a nota publ icada em novembro de 1945 sobre a
libertação de Faustina Bonimani , pertencente a uma numerosa família de
militantes comunistas
117
: uma fotografia mostra a jovem “ent re a migas e
companheiras, na redação do Hoje”.
116 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.
117 Para detalhes sobre a família Bonimani, ver Prontuário DOPS 2431, v. 15, f. 67-88.
98
98
Também esclarecedor, neste sentido, é o depoimento de Dona Brites,
recolhido por Ecléa Bosi e public ado em seu belo livro Lembranças de Velhos:
Conheci Portinari na sede do jorna l Hoje: era pequenininho, puxava
uma perna, m uito simples, muito modesto. Descobri que aquela pessoa
tímida, humilde, num c anto, era Portinari. Sent ei ao lado dele e
conversei com ele sobre de senho, ele respondeu todas as minhas
perguntas (Bosi, 2001: 346).
Dona Brites fornece um histórico bastante pr eciso:
O jornal Hoje é dessa época; f oi uma revista de peque no porte que não
pôde continuar, e que deu o nome ao jornal do partido. Era de dona
Silvia Mendes Cajado, i rmã de dona Leonor Mendes de Barros, mãe da
artista Madalena Nicol, pessoa esclareci da, de u o jornal ao partido. Nos
primeiros tempos o Hoje saía à vontade. Depois da cassação a polícia
de vez em quando prendia as edições, ia na redação. Tomam os uma
assinatura da revista das mulheres francesas Femme Française, que
recebíamos a qui. Quando houve o caso Rosenberg (as mulheres
francesas trabalharam muito pelo casal R osenberg), vinham artigos.
Traduzimos um sobre a condenação dos Rosenberg e levamos pa ra o
Hoje. Pequena s notícias também dávamos para o jornal , não como
colaboradoras, era uma contribuição que a gente dava para ajudar a
defesa dos Rosenberg (idem: 347).
O testemunho do hoje arquitet o Miguel Juli ano, que mili tou no PCB,
confirma essa espé cie de “c entralidade” da redação, comparável ao que se
convencionou chamar, na sociologia a tual, de círculos de sociabilidade:
99
99
Quando cheguei de Uberlândia fui até o Hoje, que e ra o jor nal do
Partidão. estavam Clóvis Graciano e Jorge Amado, entre outros.
Mostrei meus de senhos e eles me levaram para almoçar. Na vol ta me
disseram: “Você vai trabalha r nas finanças” (Juliano, 2004).
O Hoje fazia as vezes de “alt er ego” do par tido — se de alter nativa procurada
por toda sorte de militantes. Feldman cita como frequentadores habituais do
jornal o então ex-deputado estal
Marrey Junior, dir etor do Jornal de Notícias; José Gonçalves Machado, “por si e
pelo dr. Júlio de Mesquita Filho, dir etor do Estado de S. Paulo”; R oberto
Boavista, ge rente do Jornal de S. Paulo; Plínio Gom es de Mello, presidente do
Sindicato dos Jornal istas Profissionais; Manoel D omingues, diretor da France
Press; Jorge Amado, C aio Prado, Clóvis Graciano e Nabor Cayres, “f undadores
do Hoje”; “numerosos profissionais de impre nsa”
119
.
Desse modo, Hoje estreitava laços até com os representant es da imprensa
burguesa. O jornal do PCB, aliás, não sobre viveria sem manter relações amistosas
com alguns dos concorrentes. Depois de ser impedido pelo gover no federal de
continuar utilizando as oficinas de A Noite, e antes de obter os recursos que lhe
permitiriam adqui rir impressora e sede própria, o matutino comunista foi
impresso sucessivam ente nas oficinas do Diário do Povo (Campinas), do Jornal
de S. Paulo e Jornal de Notícias
120
.
Nos anos subseqüentes, em mais de uma oportunidade os gr andes jornais
paulistas serão solidários ao Hoje diante das investidas da repr essão. Quando da
invasão da redação em 1948, promovida pelo DOPS, o Estado de S. Paulo
manifestou em editorial sua desaprovação à iniciativa, o que levou o deputado
federal Pedro Pomar a citar o texto, na tribuna da Câmara, com o “um protesto da
consciência democrática brasileira
121
. Ma is do que a oposição infatigável ao
governador Adhe mar de B arros, pesou no gesto do bravo matutino a coerência do
seu c onservadorismo, pois já se manifestara contra a cassaçã o do registro legal do
PCB.
Por oca sião de violento ataque da polícia a uma passeata or ganizada pel o
Hoje para angariar f undos, em 1951, a Folha da Manhã publicou editorial em
defesa da imediata li bertação das pe ssoas presas. Dec larando logo de início sua
“bastante conhecida” posição sobre o comunismo “Não nos temos cansado de
advogar maior firmeza e ma is decidida repulsa ao totalit arismo de Moscou” a
Folha dizia não poder, “de maneira alguma, concor dar com violê ncias inúteis e
até contraproducentes”, entre as quais i ncluía a a gressão poli cial “que reclama
119
Hoje
, 7/10/1946, p. 1. O primeiro aniversário do ‘Hoje’.
120
Hoje
, 5/10/1946, p. 1. Porque [sic] o ‘Hoje’ circula em formato diferente.
121
O Estado de S. Paulo
, 6/1/1948, p. 3. O Momento político.
101
101
providências”:
Segundo i nformações que nos foram trazidas por interessados, ainda
continuam presos alguns dos participantes de uma passeata promovida
no dia 9 do corrente, para recolher donativos destinados a auxiliar a
manutenção do jornal Hoje. Trata-se, como ninguém ignora, de um
periódico de f eição niti damente comuni sta, estreitamente ligado aos
remanescentes do extinto Pa rtido Comunista Brasileiro [sic]. Reuniram-
se alguns dos amigos do jornal e realizaram uma passeata, que foi
violentamente interrompida pela polícia. Os m antenedores da ordem
tomaram o dinheir o já arrecadado (cer ca de mil e qui nhentos cruzeiros),
espancaram alguns dos manifestant es e segundo nos informam
mantêm presos até agora alguns ci dadãos envolvidos nas ocorrências.
A denúncia é grave e exige prontos esc larecimentos da Secretaria da
Segurança e do próprio Governo do Estado. O jornal que deu motivo à
passeata tem sua circulaç ão assegurada pelas leis do país. Não é ór gão
clandestino, não lhe podendo ser nega do, por isso, o di reito de
promover campanhas de auxíli o próprio. De outra parte, a manifestação
decorria em ordem, sem arruaças, sem confli tos. A ri gor, t inha até
mesmo cer tos aspectos carnavalescos, com gente mascarada e
fantasiada...
A polícia errou, port anto, e devemos esperar que sejam tomadas
providências radicais par a que não se r epitam essas demonstrações de
valentia fácil , contra populares de sarmados e apanhados de surpresa
pelos cassetetes dos polic iais.
Quanto aos cidadã os que ainda permanecem presos ( ...) queremos
acreditar que se trate de excesso de zelo de alguma autoridade
atrabiliária e que a Secretar ia da Segurança t omará as medidas
necessárias para pôr cobro a essa manifesta irregularidade. o é com
violência e métodos totalitários que poderemos combater com
102
102
eficiência a infiltra ção comunista em nossa terra.
122
Até mesmo os jornais da “imprensa sadia”, como os comunistas jocosamente
chamavam A Noite e o Diário da Noite, eram procurados pelos jornali stas do
Hoje quando de sejavam denunciar alguma violência. Desse modo, em fins de
1951 aparecem , em fotografia publicada pelo Diário da Noite, Francisco de Paula
Campos Oliveira e outros t rês redatores, os quai s solicitaram, segundo o
correspondente texto-legenda, “tornemos público estar se ndo apreendido o jornal
onde trabalham, Hoje
123
.
Entre as i nstituições que apoiava m Hoje incluía-se, como sugerido pela
presença de seu presidente no coque tel de aniversário do jornal, o Si ndicato dos
Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Esse fato é enfatizado pelo
repórter-fotográfico Walter Freitas, ele próprio filiado à ent idade, ao procurar
explicar por quê o jornal não era definitivamente proibido pelo governo: “Porque
os jornalistas, o Sindicato, na época, também lutava para não fechar”. Não que a
diretoria do Sindicato fosse comuni sta, argumenta: “Não tinha nada de
comunista. Era apena s impedir que fechasse. Porque se fecha um, i a abrir porta
para fechar os outros també m”. Tratava-se assim, na sua ótica, de preservar o
mercado de tr abalho, mas não só: “Defendiam. Não i mporta que partido seja.
Montou um jornal, é um meio de c omunicação. Quer dizer, a luta é pelo respe ito
da comunicação”
124
.
Festas e entretenimento
Outro índice de cer to reconhecimento e legitim idade do jornal era a
significativa afluência de público às festas e atividades por ele organizadas,
mesmo na fase em que sua qualidade decli nava e o P CB amar gava dias difíceis,
de um lado enfrentando a duríssima repressão policial, de outro lado aplicando
uma linha ultra-esquerdista. Q uem atesta os êxitos do Hoje (e do PCB) no campo
do entretenimento é o pr óprio DO PS, como se constata pela leitura de informe do
122
Folha da Manhã
, 17/1/51. Métodos totalitários. Arquivo do Estado, acervo do DOPS, 30Z74-337.
123
Diário da Noite
, 17/10/51. Apreendidas edições de jornal paulistano. Idem, 30Z74-392.
124 Walter Freitas, entrevista ao Autor, 2005.
103
103
Serviço Secreto em outubro de 1948:
Este “SS” esteve presente ao baile de aniversário do jornal Hoje,
realizado a 9 do corrente, no Salão do Clube Ginást ico à Rua Couto
Magalhães 280. Cerca de 600 pessoas estiveram presentes, na mai oria
jovens. À entrada do salão era m vendidos laci nhos com as cores verde-
amarelo e, a inda, voto para a rainha da festa, ao preço de um cruzeiro
(...)
125
.
Ou, em 1950, quando a “Festa da I mprensa Democrát ica”, realiza da no Cine
Coliseu, “promovida pelo Hoje e que visou angari ar f inanças para o Partido
Comunista”, teve início com o local “completamente lotado de comunista s”.
Acrescenta: “Pode-se calcul ar a audiência em cerca de mil pessoas”
126
.
Bailes orquest rados, concursos, eleição de “rainha dos tra balhadores”,
apresentação de pa tinadores, tudo o que fazia parte das práticas culturais do
operariado na época foi incorporado às atividades de entretenimento e de
socialização promovida s pelo Hoje. O primeiro a niversário do j ornal, em 1946,
foi marcado não pe lo coquet el citado, mas tam bém pela realização de festas
em bairros da capital (como um baile no Clube Ginástico, c om a presença do
escritor e deputado Jorge Amado) e em cidades do interior, conferências,
festivais, parada de ciclistas e até piqueni ques
127
. Dessa f orma, o jornal não
apenas movimentava-se no sentido de angariar recursos que eram vitais à sua
manutenção, mas tecia ou reforçava uma r ede de vínculos, solidariedades, af etos
que escapavam ao âmbito exclusiva mente político, ou político stricto sensu.
125 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Pasta OP 0673. Informe do SS de 11/10/1948.
126 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Relatório 732, de 4/12/1950.
127
Hoje
, 7/10/1946.
104
104
IV. A repressão: Polícia e Exército contra o Hoje
Onisciente políci a política, o DOPS exercia controle de tudo que dizi a
respeito ao Hoje. Espi onava, de modo metódico, as festas e out ros eventos
públicos promovidos pelo jornal. Investigava as e mpresas que colabora vam com
o jor nal, int errogava jornaleir os, apreendia ediç ões, seguia os passos de seus
representantes comerciais. Por mais de uma vez, invadiu a redaçã o do Hoje e,
depois, do Notícias de Hoje, onde confiscou documentos trabalhistas, contábeis,
correspondência pessoal.
Nada disso era aleatório: a a ção do DOPS e da polícia em geral contra os
diários comunistas era funci onal ao tratame nto que o r egime decidira dispensar a
esse tipo de publicaçã o. Pr ocurava-se e strangular os diár ios, a sfixiando-os nas
diversas etapas do processo de produção, da captação de rec ursos financei ros até
a cir culação e venda dos exe mplares. Quando um c apitão da Força Pública atirou
à queima-roupa, pelas costas, num operário que cometia o crime de distri buir
exemplares do Hoje, em outubro de 1950
128
, nada mais fez do que radicalizar a
relação existente entre o Est ado e o jornal.
A partir de maio de 1947, quando ocorre a cassação do registro legal do
partido, o maior inimigo enf rentado pelos diár ios do PC B foi a cada vez mais
dura repressão aos comunistas, praticada pelo governo Dut ra com a c umplicidade
dos governos estaduais. Em janeiro de 1948, mês em que se dari a a cassação dos
mandatos dos parlamentares comunist as, novo recrudescimento da repressão.
No madrugada do dia 3 o D OPS invade a redação e apreende uma edição do
Hoje. São presos Joaquim Câmara Ferreira e Noé Gertel, entre muitos outros
129
.
Nesse mesmo ano, Milton Cayres de Brito é preso na porta do jornal
130
.
Começava uma escalada de suspensões e proibições. A portaria 12.791 do
Ministério da Justiça, de 5/2/ 1948, suspendeu por 15 dias a circulação do diário.
Nova portaria, a 12.862, de 27/2/1948, renovou por sei s me ses a suspensão.
128
Diário da Noite
, 23/10/1950. Fazia entrega de um jornal comunista/Baleado no pescoço pelo capitão da Força Pública. Recorte
colado ao dossiê 30-Z-74-251/420. O operário Álvaro Fernandes Lopes foi baleado pelo capitão Benedito da Silva Mattos, após lhe dar
as costas. Álvaro entregara um exemplar do
Hoje
a outro trabalhador.
129
O Estado de S. Paulo
, 3/1/1948.
130 Depoimento de Áurea Rebouças ao Autor.
105
105
Nestes momentos o jornal , para sobreviver, recorreu a tí tulos substit utos, como O
Sol e Notícias de Hoje, os quais também se sujeitavam a a preensões e suspensões.
Voltaria a ser publ icado no dia 5 de setembro, e novamente apreendido no dia 7,
“por conter matéria ofensiva à ordem pública e aos poderes constituídos”.
No governo Vargas, iniciado em 1951, o jornal e nfrentou a fúria do Exército:
irritados com a publ icação de um document o secreto, os mili tares invadiram
a redação e as oficinas do jornal com o auxíl io do DOPS. Foram presos
importantes membros da equipe
131
, e Hoje passou a ser alvo do Exército. Em
agosto de 1952, em of ício “reserva do urgente”, o Exé rcito pede informações
ao DOPS sobre apreensão da edição de 1° de jul ho. Fora instaurado inquérito
policial-militar (IPM) “destinado a apur ar os fatos relacionados com a
campanha difamatória ao Exér cito, levada a efeito pelo jornal Hoje
132
.
A portaria 372 do m inistro Negrão de Lima, da Justiça, de 1º/9/1952, aplicou
nova suspe nsão de se is meses ao diário do PCB, que terminou por provocar
seu desa parecimento e substit uição por Notícias de Hoje. Dois meses antes,
o Supremo Tribunal F ederal havia condenado Mil ton Cayres de Brit o e
Joaquim Câmar a Ferreira, diretores do jornal, a seis meses de prisão, por
“injúrias” que teriam sido cometidas contra o general Dutra, em matéria
publicada em janeiro de 1948, a mesma que t eria dado causa à invasão do
jornal naquele ano
133
.
IV. 1. Invasões, prisões, apreensões
131 Relatório. Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e Auditoria da 2ª RM. 30Z74 (4) 421- 560 folha 147,
cópias.
132 Of. 5-IPM, 4/8/1952, 2° Batalhão de Saúde, assinado pelo tenente Altivo Guimarães Knust.
133
Diário da Noite
, 4/6/1952.
106
106
A primeir a invasão do Hoje ocorreu na noite de 2 para 3 de janeiro de 1948,
quando a polícia, decidida a apreender a edição comemorativa do 50º
aniversário de Pr estes, deparou-se com a resistência da equi pe do jornal:
Câmara Ferreira, Noé Gertel, o deputado estadual Estocel de Morais,
Francisco Manoel C haves (suplente do Comitê Nacional do PCB) e gráficos
como José Jofre Farias
134
.
A polícia, alegando terem sido disparados tiros contra ela vindos do
interior da gráfica, joga bombas de s l acrimogêneo e atira contra as
oficinas. Com intervenção dos deputados estaduais comunistas Caio
Prado Júnior e Mário Schenberg o tiroteio é suspenso e todos os que
estavam na gráfica são presos (Chaves Neto, citado por Rubim, 1986:
42).
Quarenta pessoas fora m pr esas, inclusive dez que a polícia i dentificou como
estivadores: se riam seguranças do jornal. Foi apreendida vast a
documentação contábil e t rabalhista. A história dessa invasão tem início com
um ofício do secretário da Segurança Pública, coronel Nelson de Aquino:
“Chegando ao meu conhecimento que o jornal Hoje prepara nova edição
contendo propaganda de processos vi olentos para subverter a ordem política
e social, determino a V. Sa. pr ovidências para a apreensão dest a edição no
momento em que sair à luz, obedece ndo-se as cautelas legais”
135
.
O delegado Louzada da Rocha, que presidiu o “auto de prisão em flagrante”,
produziu relatór io de 31 páginas sobre o incidente. Percebe-se, pela leitura de ste
documento, que o DOPS ha via compreendido plenamente o caráter dos di ários do
PCB e o papel que poderi am vir a dese mpenhar. Louzada abre o relatório citando
ninguém menos do que Lênin sobre a imprensa com o “agitador cole tivo” e
“organizador coletivo”. Segundo o delegado, A Classe Operária apenas “f oi
134 Processo, 30 Z 74 22. Arquivo do Estado de SP, acervo do DOPS.
135 Ofício de 2 de janeiro de 1948 do secretário da Segurança Pública, coronel Nelson de Aquino, citado em relatório do delegado
Louzada da Rocha. 30 Z 74 22.
107
107
mantido como tradição”, pois er a “vulnerável”; os comunistas teriam sentido a
“necessidade de criaçã o de órgãos de caráter mais amplo e ainda não
estigmatizados”
136
.
Feita a digressão i ntrodutória, o dele gado informa que o DOPS tinha
conhecimento exato de que, nas oficinas da R ua Conde de Sarzedas 246,
ocultavam-se armas e munições em abundância”, bem como “elementos a liciados
para seu uso e emprego”; “sabia, com exatidão”, que na edição de 2 de janeiro
Hoje reincidiria “na infração legal que deter minara a apreensão da edição
imediatamente ant erior”
137
. Portanto, expli ca Louzada, a di ligência tinha um
“duplo caráter”, ou “dupla missã o”, qual seja a de “apreender o número do dia do
jornal
seriam as “Gestapo”, as “NKW D”, a serviço da selvageria, da
brutalidade e do cru arbítrio dos total itarismos verticais. Do l ado de l á,
de onde fugimos, ou do lado de , onde nos situamos, a necessidade
precípua de um serviço de int eligencia” constitui base inalienável do
exercício da prevenção e da repre ssão ao delito
139
.
Ainda conforme Louzada,
Nesse primeiro ingresso nas of icinas do jornal Hoje, feito numa
atmosfera de gases e com o auxílio de máscaras protetoras, resultou
patente uma das finalidades do delito que tinha levado a polícia ao
local: a preenderam-se inúmeras armas e grande quantidade de munição,
acrescidas aquela s das armas que os comunistas haviam a tirado pelas
janelas dos fundos nos quintais da vizi nhança.
A diligência complementar de apreensão de armas e material subversivo
só pôde ser feita na tarde de 5 do cor rente. Apreenderam-se então outras
armas, algumas delas ocultas num cofre f orte que foi preciso mandar
abrir (...)”
140
.
A r epercussão do episódio foi desfavorável ao governo de Adhemar de
Barros: em bora os comunistas estivessem a poucos dias de sofrer mais um duro
golpe agora com a perda de seus mandatos pa rlamentares conquistaram
solidariedades na imprensa, na Assembléia Legislati va e na Câmara Fe deral. No
dia 6, O Estado de S. Paulo publi ca a rtigo em nome da UD N, no qual considera
“um fato degradante” o empastelamento de jor nais
141
. Na mesma data, um
representante da UDN manifesto na Câmara Federal denunciando a invasão do
jornal e acusando Adhemar
142
. Nos dias 7 e 8 o assunt o monopoliza o debate na
Assembléia Legislativa: a maioria dos deputados considera ilegal o ataque
139 Idem, idem.
140 Idem, f. 19.
141
O Estado de S. Paulo
, 6/1/1948. O Momento Político/UDN e os atentados contra a imprensa.
142
O Estado de S. Paulo
, 7/1/1948. O Momento Político.
109
109
praticado pelo DOPS
143
.
Câmara Ferre ira, Noé Gertel e Estocel de Morais foram libertados após dois
meses, “pois a just iça considerou falsa a alegação de que os comunistas tivesse m
atirado na polícia” (Chaves Ne to, citado por Rubim, 1986: 117). Em dezembro de
1950, poré m,
o jui z da Vara Criminal proferiu sentença condenando os três à
pena de um ano de detenção, por sua par ticipação no episódio
144
.
Os incidentes de 1950. Cerco e “diligência” de dezembro
O ano de 1950 foi de cerco permanente da polícia ao Hoje — e de resist ência
da e quipe do jornal. A conjuntura era de enfrentamento: de um lado, os governos
Dutra e Adhemar em final de mandato; de outro lado, os mil itantes do PCB
radicalizados pelo “Mani festo de Abril” (1948) e depois pelo “Manifesto de
Agosto” (1950) . Assim, em f evereiro de 1950 ocorreria um incidente sui generis:
o espa ncamento de um policial por componentes do chamado pelo DOPS
“gr upo de choque e r esistência” do Hoje. Um informe reservado do Serviço
Secreto comenta o assunt o. O policial surrado, A lberto de Carva lho, é qualificado
nele, curiosamente, como um “pistoleiro”
145
. Os jornais noticiam o i ncidente
146
.
Em razão do ocorrido, a pol ícia ca ptura Eloy Antonio dos Santos, o Tibiriç á,
membro do “grupo de choque e resistência”
147
.
O Serviço Secreto i nforma que haveria metralhadoras na sede do jornal, o
que é desmentido por uma investigaç ão do próprio DOPS:
Continua pernoitando nas oficinas do Hoje o grupo de choque
comunista. Em investi gação que mandamos proceder nas oficinas
gráficas do Hoje a propósito do comunicado do SS de 17-2-1950
apurou-se não ser verdade que ali exi stam barricadas de areia e
metralhadoras. Conti nuam pernoitando no dormitório do último andar
os homens do gr upo de choque c hefiado por Antonio Donoso Vidal e
143
O Estado de S. Paulo
, 8/1/1948 e 9/1/1948, p. 2. Na Assembléia Legislativa Estadual.
144
Diário da Noite
, 28/12/1950. Receberam a polícia à bala nas oficinas do jornal
Hoje
/Condenados a um ano de detenção um ex-
deputado, o diretor do jornal e um jornalista. Também
A Gazeta
, 28/12/1950.
145 Informe reservado, sem data, arquivado em 24/3/1950. 30 Z 74 274.
146
A Noite
, 12/2/1950. Comunistas agridem violentamente um policial. 30 Z 74 276.
147 Ver 30Z74-270 A, f. 27. O DOPS anexou uma fotografia de Tibiriçá, o que demonstra sua importância.
110
110
seu irmão José, composto de cerca de 22 elem entos, havendo diversos
revólveres e respectiva munição. Parte desses homens são tr abalhadores
do jornal; o resto são capa ngas. A novidade é que, além da máquina
fotográfica c olocada no último andar, fazendo ângulo para a parte de
cima da rua Conde de Sarzedas, foi colocada outra, em posição
simétrica, fazendo ângulo com a par te de baixo
148
.
No final do ano, a dir eção do Hoje solicitou à justiça um m andado de
segurança, para que a polícia permitisse a livre entrada e saída de pessoas nas
suas de pendências e a circulação do jornal. No di a 22 de dezembro, a última
edição do Diário da Noite assi m noticiou a ação do DOPS:
Conforme vem sendo anunciado, as autoridades est ão atentas a f im de
evitar que seja levado a c abo pelos comunistas um amplo plano de
agitação preparado pa ra e ste fim de ano, descoberto no Rio e com
ramificações em S. Paulo e outros Estados. Em consequência desta
atitude de vigilância, o delegado Hugo R ibeiro da Silva, titula r da
Delegacia Especializada de Ordem Política , está realizando, neste
momento, uma diligência na redação do Hoje, à rua C onde do Pinhal,
pois o aludido jornal vem publica ndo matéria c onsiderada de caráter
subversivo, incit ando o operar iado à greve. Nessa di ligência, que à hora
em que encerrávamos nosso expediente ai nda prosseguia, foi realizada a
apreensão de numerosos exemplares do jornal, tendo sido realizadas
várias prisões, entre as quais, ao que parece, a de um fotógrafo do
vespertino A Hora. Segundo informes colhidos pela reportagem no
local, foi presa tam bém uma comissão de grevi stas do IAPTC que
compareceu à redação a fim de formular um protesto, o mesmo
sucedendo a todas as pessoas que deixam aquela dependência do órgão
comunista
149
.
148 Comunicado 147, de 24/2/1950.
149
Diário da Noite
, 22/12/1950. Diligência na redação do
Hoje
/Ação policial contra a propaganda subversiva/Efetuadas prisões. 30-Z-
74-317 f. 106.
111
111
A invasão de janeiro de 1952
Quatro anos após ter sofrido sua primeira grande invasão, Hoje foi
submetido a um novo ataque, desta vez por tropa s da Região Mil itar,
comandadas pelo tenent e-coronel Diderot Ayres de Miranda. O motivo, desta
vez, foi um “f uro” jornalístic o: Hoje havia divul gado um documento do Exército
relativo à mobil ização de tropas brasile iras para participaç ão na Guerra da Coréia,
iniciativa que os militares consideraram inaceitável, porque a “segurança
nacional” teria sido comprom etida. Nas palavras do Exército:
O jornal Hoje, editado e m São Paulo, capit al, em sua edição de 25
de novembro de 1951, em um edi torial sem assinatura, entre outras
cousas disse: “A respeito, o Chefe do Escalão Territorial da Região
Militar, em ofíci o circular secreto número 1.061 de 31 de julho,
determina às Seções Mobilizador as uma série...”. E mais adiante: “D iz o
oficio que, em certa data, os re servistas receberão em suas r esidências
um aviso nos seguintes termos: Convocado a pa rticipar das manobras de
1952...”
O a tual Che fe do Escal ão Ter ritorial da Região Militar , o então
Chefe do Escal ão Territorial, senhor coronel José da Costa Monteiro, o
tenente-coronel do Quadro do Est ado Mai or da Ati va, Benedi to
Hamilton Bianchão de Carvalho, asseveram que exist e realmente o
documento em apreço, tratando-se de longo ofício secreto que, entre
outros assunt os, a borda a questão da convocação de reservist as para
uma eventual manobra e salientam a i mportância do documento.
Verifica-se assim que o jornal Hoje, citando um documento secreto
sobre preparo de m obilização, transcreveu par te dele, acrescendo
comentários e asseverações não constantes do doc umento em apreço
150
.
Desse modo, foi instaurado inquérito, do qual resultou um mandado de
150 Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e pela Auditoria da 2ª RM. 30Z74 (4) 421- 560 f. 147, cópias.
112
112
“busca e a preensão”. Na tarde de 7 de janei ro de 1952 foi realizada uma grande
operação na redação e nas oficinas do jornal , em que os soldados do te nente-
coronel Diderot tiveram o auxílio pressuroso dos hom ens do DOPS. For am
detidos “17 empregados ou colaboradores, os quais horas depois foram soltos,
restando presos os mai s cat egorizados, isto é, seis redatores”
151
, a saber: Oswaldo
Rodrigues Gomes, Francisco de Paul a C ampos de Oliveir a, Vi tório Ma rtorelli,
Djales Rabelo, Paulo Nunes Batista e Raul Azedo Neto. A contabilidade dos
presos está errada neste informe, porque também fora m a prisionados El ias
Chaves Neto e Jaime Gonçalves, num tot al de oito pessoas.
Além disso, foram indiciados o repórte r Jacob Fel dman, o repórter-
fotográfico Walter Fr eitas, o ilustrador Itaja í Martins, o linot ipista Genésio
Ferreira da Silva e o pa ginador José Jof re Farias, entre outros. O juiz a uditor de
Guerra pediu ao DOPS os “antecedentes” também de jornalistas que não
estiveram entre os detidos na invasão, c omo Joaquim Câma ra Ferreira e Wolney
Rabelo, e do advogado José Eduardo Fernandes. Jacob Feldman, que tinha então
18 anos, e passa ria tr ês dias deti do em função do ocorrido, descreve o momento
da invasão:
O jornal tinha publicado um mês antes uma notícia dizendo que o
Exército preparava e nviar tropas do B rasil para a Coréia. Era uma
tremenda bobagem . O governo ame ricano queria que o Brasil
engrossasse as fileiras, como agora no caso do Ir aque, mesmo caso. Mas
o jornal publicou uma manchetinha, como nós cham ávamos, ficava
acima da manchete, uma notíci a mais ou m enos assim: “De acordo com
o boletim secreto” im agine, com essa expressão —, de acordo com
o boletim secreto número tal , do dia tal, do C omando da Região
Militar de São Paulo, tropas farão exercícios na Praia de São Vicente
(ou Praia Grande), e de seguirão para uns navios que est arão à espe ra
para destino ignorado”. E o jornal achou que esse destino ignora do era a
151 Idem.
113
113
Coréia. O problema é que constava “boletim secreto númer o tal, de tal
data”. O Exército nem ficou sabendo disso. Depois de um mês é que
alguém disse, “mas você não viu um mês esse jornal aqui, esse
jornaleco aqui, publicou isso”, é que os militares viram. Eles não
recebiam o jor nal, não se interessavam em checar nada. Quando vi ram,
foram verificar, o número do docume nto e a data eram corretos. Então
eles queriam saber com o é que um jornal como aquele podia ter uma
informação dessa, tão sigilosa. eles prepararam uma invasão,
entraram mai s ou menos eram 3 da tarde, ninguém espe rava, nossa
redação ficava na quinta sobreloja, havia dois elevadores. Ninguém
subia pelas escadas, evidente, havia elevadores. De repente os
elevadores se abrem, nós estávamos trabalhando, e a redação em
questão de se gundos ficou tomada por 40, 50, 60, sei quantos
soldados. Armados e apontando as metr alhadoras e os fuzis na nossa
cabeça. Houve aquela subida de adrenal ina no momento, né, fomos
todos para um canto, el es mandaram: fiquem todos ali”. Começaram a
nos revista r, óbvio, não acharam arma nenhuma, abriram gave tas. E
eles disseram: “Quem publicou essa notícia?” E foi assim, ninguém
sabia... E de fato nós não sa bíamos. Meses depois eu fiquei sabendo que
alguém assoprou, não que levou o documento, o docum ento não saiu de
dentro do Exército. Alguém leu, tomou not a e passou para o Oliveira,
que era o redator-chefe. E nós publicamos com a maior displicência
possível. Nem de mos i mportância, aquilo passou despercebi do. Se
alguém o tivesse avisado os gener ais, os coronéis, nunca eles te riam
sabido
152
.
Chaves Net o e os outros jornalistas f oram encaminhados para a Casa de
Detenção, onde passariam meses. Ele foi quem mais tempo permaneceu
encarcerado: qua se um ano. No seu livro de memórias, relata haver peregrinado
152 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
114
114
por diferentes l ocais de detenção, ironiza o fato de ter sido preso justamente
quando realizava para o Hoje entrevistas sobre a paz mundial, e comenta as
incongruências da sentença proferida pela j ustiça militar:
Fui absolvido por t rês votos contra dois, nest es últimos incluindo o do
auditor, sentença depoi s conf irmada pelo Supremo Tribunal Militar. O
secretário do jornal f oi condenado a três anos de prisão, o que tam bém
era absurdo pois a prevalecer a responsabilidade l egal pel a public ação
da m atéria o “crime” seria de imprensa, sendo nest e caso incompetente
a Justiça Militar. Não se apresentando não pôde apelar, mas nunca foi
preso nem procurado. Posto em liberdade no dia 10 de dezembro (...)
nos primeiros dias de janeiro de 1953 entrei para a Editora Bra siliense
(Chaves Neto, 1977: 136-137).
1953: o caso da “Gruta Baiana” e a invasão de Notícias de Hoj e
De todos os episódios de truculência policial que marcariam a história da
imprensa comunista diár ia, o caso conhecido como da “Gruta Baiana” é talvez o
mais excêntrico. Reunidos nesse resta urante — situado na r ua Quintino Bocaiuva,
em frente à sede do Notícias de Hoje par a festej ar o retorno de Pér ola de
Carvalho ao Brasil, após acidentada viagem que incluiu a Dinamarca, a União
Soviética e a Romênia, seus colegas de r edação, o temperamental Raul Azêdo à
frente, ter minaram por envolver-se numa briga e tiroteio com policiais. Como
resultado, a reda ção foi depredada por uma t ropa de choque e pelos bombeiros.
Pérola, que convale scia de uma enfermidade contraída na viagem, f oi pr esa e
levada para o DOPS c om Dafne Pezotti. Na reda ção do Notícias de Hoje teriam
sido presas outras 11 pessoas
153
.
O c aso tem várias versões, ta nto nos jornais comerciais da época como na
lembrança que os protagonist as têm daque le sábado, 12 de setembro de 1953.
Feldman, que não foi ao resta urante, a ssim mesmo descreve o episódio de
153
Folha da Manhã
, 13/9/1953. Grave conflito ocorreu ontem entre policiais e funcionários do jornal
Notícias de Hoje.
Diário Popular
,
14/9/1953, p. 3. Conflito promovido por elementos extremistas.
115
115
maneira convincente:
Eu cheguei à redação, o Aze do falou: “Olha, hoje tem feijoada na Gruta
Baiana, vam os ver se reanima mos a P érola”. Eu digo: “N ão, eu
prometi par a a minha mãe que vou almoçar em casa”. “Ah, vai come r a
sopinha da ma mãe ídiche”, e tal. Eu falei: “É, Azêdo, vou...” E ele s
foram para o almoço, com eçaram a toma r caipi rinha, o João Taibo
Cadórniga, que não era jornalista mas estava lá, foi junto, começou a
fazer um discurso em homenagem à Pérola, tentando motivá-l a. “Viva o
glorioso Partido C omunista do Brasil!”, “Viva Luis Carlos Prestes!” e
tal. E tinha um tira do DOPS alm oçando do la do. Esse tira chegou para
ele e falou: “Olha, vamos maneirar, isso é pr oibido, vocês estão
fazendo uma irregularidade”. Que nada. é que incendiou mesmo.
o Azedo contestou, confrontou o tira, o tira tir ou o revólver, o Azedo
desarmou o tira, na valentona, arrancou o revólver da mão do tira e
começou a da r ti ro para o a lto. Q uer dize r, imaginou, um restaur ante
à 1 da tarde, com tiro... aquela confusão t oda, aí feita a besteira o Azedo
saiu com o revólver na mão, pela Quintino Bocaiúva, entr ou na Rua do
Riachuelo e a primeira coisa que el e pensou: o Álvaro Moya e o S ilas,
com as esposas, moram num apartamento embaixo, no fim da
Riachuelo. Eram dois casa is que tinham alugado um apartamento. E f oi
se hom iziar lá, se refugiar lá. Não se i o que ele fez com o revól ver, se
ele jogou no meio da rua. Bom, mas aí, feita a besteira, o pessoal foi
todo para a redação. Passaram 15 minutos veio a Força P ública, entrou
lá e estourou com tudo
154
.
A polícia destruiu tudo, inc lusive os laboratórios fotográficos. Mas, no
domingo, Notícias de Hoje voltou a circul ar:
Quando eu voltei do almoço cheguei na rua Quintino Bocai úva, vi
154 Idem.
116
116
aquele aparato de polícia todo, e encontrei o Wolney numa esquina,
porque t ambém não tinha ido almoçar lá. Nessa altur a o Rivadá via
Mendonça esta va sabendo, e o Artigas
155
, começaram os telefonemas,
nós nos ar ticulamos e f omos para a grá fica. E l á nós e ditamos um j ornal
de quatro páginas só, no domingo. O Wolney esc reveu um editorial...
(...) O editorial do Wolney f oi uma obra lit erária, né. Eu lembro até hoje
o título que ele fez, assim: “Ferida de morte, a besta escoiceia”
156
.
Pérola, que ficaria presa durante um m ês, conta:
Eu estava sentada junto com os outros, com os m eus colegas de
trabalho, e de repente baixou uma t urma assim que você não sabia de
onde vinha nem porque tinha vindo, e disse : “Estão fazendo desordem
aqui”. Ninguém estava fazendo, estava todo mundo comendo. Não
estava ninguém fazendo... o Azedo se levantou, entende, c om aquele
jeito assi m estaba nado que ele tinha... Par a dizer a verdade, nem se i se
ele sacou da arma, nem sei. Nem sei se ele tinha arma para sacar ,
entende? Eu se i que houve um tiro. E um coit ado de um freguês do
restaurante, que est ava al i no canto, foi atingido com uma bala na boca .
Felizmente ele não mor reu. Agora, todo o pessoal que estava ali saiu. E
eu f iquei sentada, em primeiro lugar porque eu tinha dificuldade pra
andar, e depois tam bém porque eu achei que era ridículo fugir. Eu não
estava fazendo nada, entende ? Então quando eu vi baixou o camburão e
me puseram dentro da coisa, até tiraram fotografi a. Acho que em algum
jornal da época deve t er saído. Eu sei que toda a minha famíli a ficou
sabendo, foi uma coisa horrorosa, você pode imaginar
157
.
Perseguição a jornalistas
Prisões e detenções de jornalistas do Hoje ocorriam não apenas nas i nvasões
155 Rivadávia Mendonça e João Batista Vilanova Artigas, conhecidos militantes comunistas.
156 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
157 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.
117
117
do jornal pela polícia e Exército. Em março de 1948, o ex-repórter Eliezer Penna
foi detido pela polícia em Taquarituba, sem m otivo aparente, e pr ecisou prestar
declarações ao DOPS
158
. Mauro José de Lara mal com eçara a trabalhar como
repórter do jornal, em janeiro de 1951, qua ndo — ao tentar faze r uma r eportagem
sobre migrantes nordestinos na Esta ção Roose velt foi de tido e obrigado a
prestar declarações ao DOPS. Foi detido com ele o repórter-fotográfi co Manoel
Vital
159
. Raul Azedo foi detido em São Roque, em dezembro de 1951, “quando
procurava agitar os operários”
160
.
A polícia, nesse aspe cto, nem sempre privilegi ava os jornalistas do Hoje,
tratando mal igual mente os profissionais de outros jornai s. Em outubro de 1946,
repórteres-fotográficos do Correio Paulistano e dos Diários Associados foram
“agredidos e presos no exercício da pr ofissão”, segundo denúncia do Hoje,
quando tentavam fotografar o depoim ento do e mpresário Francisco Matarazzo
Júnior (Conde Chiquinho Matarazzo) no Palácio da Justiça, em processo
relacionado ao chamado “mercado negr o” de mercadorias
161
.
O histórico de problemas deve ria ser grande, para levar o secretário da
Segurança Pública, coronel Flodoardo Maia, a editar portaria, em 1949,
garantindo expr essamente o exercício da profissão dos jor nalistas que provassem
seu credenciamento no Sindicato:
tendo em vista que a im prensa deve ser considerada como órgão de
coooperação do Poder Público e que o l ivre exerc ício da profissão de
jornalista não pode ser obstado pela Políci a, mesmo nos momentos de
perturbação da ordem, visto como a sua missão é a de informar e
esclarecer, que, por Portaria n. 34, de 21 de novem bro úl timo,
recomendei ao Departamento de Ordem Política e Social, ao C omando
Geral da Força Pública, às Diretorias da Guarda Civil e da Guarda
Noturna e às a utoridades e f uncionários policiais, não sejam im pedidos
158 Termo de declarações DOPS 12/3/1948, 30 Z 74 112.
159 Termo de declarações DOPS 27/1/1951.
160 SS 20/534, de 12/12/1951, enviado ao major Hugo Bethlem, diretor da Divisão de Polícia Política e Social (DPPS, federal), pelo
DOPS, por haver sido apreendida com Raul uma caderneta com endereços do Rio de Janeiro.
161
Hoje
10/10/1946, p. 8. Arbitrariedades policiais contra profissionais da imprensa.
118
118
de exercer a sua profissão os jor nalistas ou fotógrafos que provem,
perante a autoridade civil ou militar, estar credenciados pela sua
associação de classe
162
.
Perseguição a gráficos
O gráf ico Ma rtins Fer reira, da Gráfica Hoje, teria sido seqüestra do pela
polícia em agosto de 1950
163
.
Reveses: os azares da polícia
A leitur a dos documentos da repressão permite constata r que a polícia
também sofria reveses, como ocorreu no bairro da Bela Vista em abril de 1951.
Para prender um di stribuidor do Hoje, delatado por um informante, a “Dele gacia
de Ordem Social tinha enviado para aquele local os investigadores Oswaldo
Bonani e Amancio Batist a, para efetua rem a apree nsão dos jornais em questão, o
que o fizeram dado o número maior de ‘vermelhos’ ali exist ente, que
informaram em todo o bairro a existência desses investigadores naquele local”.
Quando o “reforço” policial chegou, os di stribuidores já haviam desaparecido
164
.
No “Festival dos Brotinhos”, a tividade promovida pelo Hoje no Balneário de
Vila Gal vão, reunindo cerca de 3.000 pessoas, um policial inexper iente prendeu
dois rapazes que distribuiam o jornal Voz Operária, o que causou “início de
tumulto e possível conseqüência grave”. Os agentes do DOPS Júlio Duarte e
Oswaldo Molina relatar am haver solicita do ao policial “a soltur a dos presos, de
maneira muito delicada” , para não desa utorizar o colega. “Não houve comícios,
nem discursos etc. Vivas ao Hoje f oram dadas”
165
.
IV. 2. Dificultar e impedir a circul ação dos diários
Uma das principais preocupações da polícia política era bloquear a
162 Relatório das Atividades Administrativo-Policiais da Segurança Pública de SP, encaminhado pelo coronel Flodoardo Maia ao
governador Adhemar de Barros, 1950, p. 3: Imprensa – órgão de cooperação do Poder Público.
163
O Sol
, 29/8/1950. Raptado quando se dirigia ao trabalho.
164 Relatório 173-51, assinado pelo investigador José Ferreira Porto. 30 Z 74 362.
165 Investigação 181, de 7/5/1951, relatada por Júlio Duarte e Oswaldo Molina. 30 Z 74 370.
119
119
circulação dos jornai s comunistas não apenas Hoje, mas todos os outros
periódicos do PCB. Não ha via censura prévia, ou pelo menos, essa era uma
garantia f ormal inscrita na Constituição. Por outro lado, nem sempre o governo
parecia disposto a pagar o ônus de novas proibições, e Hoje tinha exist ência legal,
como l embrou a Folha da Manhã em e ditorial j á citado
166
. Assim , muit as vezes
restava ao DOPS o recurso de apreender o jornal, sob qualquer pretext o, a ssim
que e le fica sse pronto. I sso incluí a identifica r as pessoas envol vidas na
distribuição e venda do jornal, detê-las ou prendê-las, interrogá-las como forma
de intimidaçã o, bem como se fosse o caso tentar interceptar as remessas de
jornais do R io de Janeiro. Como dem onstra este relatório de junho de 1950, o
primeiro passo nestas ações er a entender a logística da distribuição:
O indivíduo conhecido por Batata é o principal distribuidor dos jornais
comunistas Imprensa Popular e O Sol, que recebe e espalha pelas
bancas da capital. A Imprensa Popular é transportada do Rio para São
Paulo em avião da Vasp, chegando diariamente uma remessa de 1.500
ou 2.000 exem plares, que são ret irados por Batata e às vezes por pessoa
a seu mando
167
.
Nem sempre o DOPS acer tava: em maio de 1951, um invest igador dirigiu-se
à Estação Presidente Roosevelt à espera de que fossem retirados, de t rens
procedentes do Rio de Ja neiro, os jornais Imprensa Popular e Voz Operária, mas
isso não ocorreu
168
.
Detenção e interrogatório de jornaleiros
Entre 1950 e 1951, o DOPS deteve rios donos de bancas de jornais e
vendedores de jor nais avulsos. Um deles foi Henrique Va lério, jornaleiro havi a
30 anos, e que não era, “nem nunca foi”, comuni sta, “detido quando terminava o
seu t rabalho e ia f echar a sua banca de jornais, sit a à Praça João Mendes, talvez
166 Folha da Manhã, 17/1/1951. Métodos autoritários.
167 Relatório 477, de 21/6/1950. 30 Z 74 291.
168 Comunicado SOG de 30/5/1951. 30-Z-74 374.
120
120
porque tinha alguns exem plares de jornais da chamada impr ensa popular”. No
depoimento ele indica as razõe s pelas quais vendia o Hoje:
Não recebe tais jornais com finalidade política e sim no exercício de sua
profissão de jornaleiro. Não pode escolher determi nados jornais par a
vender, poi s, ao receber jornais de distribuidores, é obrigado a receber
determinadas quantidades de cada título, conforme a praxe e ntre as
distribuidoras e vendedore s. Se o vendedor exigir determinado jornal, o
distribuidor corta-lhe a quota usual, de ixando o vendedor em
dificuldades
169
.
Às vezes, a polícia com portava-se violentamente em tais ocasiões. Em junho
de 1950 foram presos e espancados os donos de ba ncas José Baroni e Feldeneu
Magnani
170
.
169 Termo de declaração de Henrique Valério, 24/1/1951. 30 Z 74- 379.
170
Hoje
7/6/1950. 30 Z 74 284.
121
121
IV. 3. Espionagem, “observação”, imposturas, i ntimidação
A e spionagem, isto é, coleta de informações por meio de delat ores ou de
policiais “infiltrados”, foi uma das a rmas mais utilizadas pe lo DOPS cont ra os
comunistas nas décadas de 1930 e 1940, e continuou sendo usada intensamente
mesmo após a chama da “de mocratização” de 1945-46. Esta prática de espionar
ou simplesmente “observar” se aplicada, por tanto, em re lação a os jornais
comunistas, assumindo variadas formas:
Procedendo as investigações a fim de locali zarmos a residência de
Milton Cayres de Brito, c umpre-nos informar que desde 5 do corrente
não foi visto pelos nossos investigadores, constando que (...) se acha em
Porto União trabalhando em uma important e casa de ferragens. (...)
Porém, sabemos que no dia 5 Milt on e vários próceres do P. estiveram
nas of icinas do Hoje, comemorando festivamente o reaparecimento
desse órgão comunista
171
.
Ou:
No auge da fol ia, apareceram no centro do sa lão a popular Nega
Maluca” e seu “noivo” (duas moças caracterizadas), que traziam um par
de me ias e faziam coleta de dinheir o a fim de auxiliar os jornais da
“Imprensa Democrática”. Não houve shows ar tísticos, conforme
anunciou o jornal Hoje, porém estavam doi s populares artistas do
nosso broadcasting, Murilo Caldas (irmão de Silvi o Caldas) e sua
esposa Linda Marival. (...)
172
Ou ainda:
Levamos ao conhecimento de V. S.ª que deverá mudar -se da Rua
Quintino B ocaiuva 255 a redação do jor nal Notícias de Hoje sendo que
171 Relatório de 18/9/1948 do Serviço Secreto (SOE), assinado pelo investigador A. Paz. 30 K 111 p. 31.
172 SS/SOG 2/1/1951.
122
122
para isso o engenheiro comunist a dr. Vilanova Artigas entrou em
entendimentos com o dr. Afonso Caruso, proprietário do prédio da
Praça João Mendes onde na ocasi ão da últi ma greve este ve inst alado o
“QG” dos grevistas, e que é conhecido por “amarelinho”.
Dr. A fonso Caruso, elemento de nossa confiança , deverá encerrar esse
assunto hoje à s 15 horas, desde que o novo inquilino r esolva pagar o
aluguel pedido que é de Cr$ 20.000,00 mensai s.
O fiador apresentado pelo Notícias de Hoje é o dr. Abelardo de Souza
(...). Pretende a direção de sse jornal ocupar apenas uma grande sa la e as
demais sobrealugar
173
.
Intimidação para cortar o apoio financeiro
“Ao SOE para apurar a identidade dos sócios da Casa Marchetti’ , à rua 11
de A gosto 108, que vai oferta r um relógio à ‘Rainha da Imprensa Democrática’,
concurso esse que é patrocinado pelo jornal Hoje”. “Ao SOE para apurar quais
são os sócios da Manufatura de Roupa s SK, à rua Bresser nº 1687, que patrocinou
o ‘cheque mágic o’ do jornal Hoje de 1/12/ 50, apurando quais são se us sócios e
suas ideologias políticas”
174
.
A invest igação de e mpresas que col aboravam financ eiramente com o Hoje,
que t em a clara finalidade de intimidar seus donos e dissuadi-los de conti nuar
apoiando o jornal, é uma das inúmer as atividades dese nvolvidas pelo D OPS
contra a imprensa comuni sta. O “c heque mágico” envolvia a premiaçã o de
leitores que o encontrassem nas páginas do jornal e que poderi am trocá-lo por
determinados brindes, oferecidos por em presas.
Impostura antioperária
Havia outras modalidades de atuação dos agentes do DOPS. Em maio de
1950, um deles fez-se passar por repórter de O Sol em uma fábrica da Matarazzo,
“onde entrevistou turmas de trabalhadores, tirando fotografias e prometendo
173 Informação reservada. Serviço Secreto, SOG, 20/10/1955. 30 K 110 67-68.
174 Processos de investigação 448, de 4/12/1950, e 449.
123
123
grande reportagem contra o conde Chiquinho Mat arazzo”, de modo que vários
deles “foram fichados na polícia com o comunistas”
175
.
IV. 4. Análise do jornal pelo DOPS
“Quem contr olava politica mente o Hoje era o Depa rtamento de Ordem
Política e Social”, recorda Walter Freitas. “Por exemplo, toda ma téria que saia no
Hoje o DOPS tinha pessoas que l iam para ver se podia processa r”
176
. O órgão
também produzia comentários relat ivos ao noticiário do jornal, nos quais
preocupava-se em rebater determinadas afirmações
177
. Chegou a analisar o int eiro
conteúdo do Hoje, seu perfil editorial e se u desempenho nas bancas, como no
seguinte informe, assinado por J. N., em que são citados alguns dos principais
nomes da direção do j ornal, com o Caio Prado Júnior, Antonio Mendes de
Almeida e Jorge Ama do, este apontado como a “f igura central da redaçã o”, mas
que
não está se ndo visto com muitas simpatias nos m eios intelectuais por
ser muito cabotino e gostar mui to de exibir-se, tendo si do a causa do
afastamento de elementos de valor simpati zantes do comunismo, com o
os srs. Sérgio Milliet, Oswald de Andrade e outr os (...)
178
.
O informe prossegue, traçando um prognóstico de sanimador:
No primeiro e no segundo dia de circulaç ão o jornal teve muita procura,
dada a curiosidade que r einava em torno do mesmo. Todavia, a julgar
pela venda de hoje, essa curiosidade tende a diminuir, vi sto que o jornal
não apresenta muita coisa int eressante. Mesmo nos meios comunistas,
está despertando pouco inter esse, na classe dos intelectua is, visto que
175 Relatório G/4-H/5, 19/5/1950. 30 Z 74 288.
176 Walter Freitas, entrevista ao Autor. 2005.
177 Por exemplo: Pasta OP 0673, relatório de 7/12/48, f. 83.
178 Informe do DOPS 10/10/45
seus r edatores e colaboradores parecem formar um cír culo fechado, em
torno do qual gira a figura de Jorge Ama do, que faz questão de que o
seu nome apar eça dia riamente no jor nal ( ...). Quanto à orientação, se
sabe que é da linha “stalinista”. Quanto à escolha da matéria, parece
estarem seguindo uma forma condenável, qual se ja a de artigos muito
pesados e de pouco interesse, em lugar de comentários leve s e ligeiros.
O noticiário também é feito de modo a interessar exclusivamente aos
adeptos do credo c omunista (...) o que é consi derado erro, pois que se o
jornal pudesse despertar interesse fora desses círculos, faria um
trabalho mais eficiente de catequese (...) (citado por Ium atti, 1999:
164).
Um relatório de novembro de 1947 comenta a exploração, pelo diár io, do
tema abono de Natal, feita “por mei o de entrevistas, col hidas nos próprios locai s
de tra balho e posteriormente publicadas no Hoje”. Por tratar-se de “quest ão que
encontra o apoio e a simpatia dos interessa dos, o cit ado matutino vai ganhando
cada vez m ais popularidade”. Desse modo, conclui o autor do re latório, a questão
do abono deveria ser estudada pelas “ classes produtoras” e o benefício concedido,
para evitar que os comunistas usem essa “arma de agitação”
179
.
179 Relatório de 14/11/1947, sem referências. 30 Z 74 18.
125
125
V. Nas páginas do Hoje
Na primeir a fase do Hoje, os assuntos diretamente ligados ao PCB dominam
praticamente toda a capa, com farta utilização de f otos de Prestes e de Stálin.
A capa restringe-se ao noticiár io de política nacional e de política externa.
As páginas internas, de maior variedade temática, são encimadas por
dísticos, característica também encontrada na Tribuna Popular e na Folha
do Povo (Rubim, 1986: 43).
No arranjo inicial do jornal, a quarta capa era utilizada para matérias de
repercussão, além de incluir uma seção i nternacional de notícias curtas, “O
Mundo em 15 minutos” . A página 3, que tinha como dístico “Solução
pacífica dos problemas políticos”, comportava editoriais, artigos, e as
colunas de Jorge Amado (“Hora do Amanhecer”) e de Nabor Cayres
(“Clarinadas de Hoje”). Das dem ais páginas, as mais definidas quanto a um
conteúdo permanente era m a 6: assuntos culturais e de entretenimento, e a 7:
esportes. Ao longo da existência do jornal, ou seja, entre fins de 1945 e
meados de 1952, essa distribuiçã o irá variar grandemente.
O período mais rico do jornal, de um ponto de vista propriamente
jornalístico ( técnico, gráf ico, editorial), é sem dúvida o que corresponde à
legalidade do PCB, ou seja, o q ue se encerra em mai o de 1947, e e m especial o
ano de 1946. Isso porque é nesse período que o partido vive seu auge, sua
inserção e atividade nos movimentos sociai s, o que se reflete intensamente na s
páginas do Hoje. Por questões práticas e metodológicas, a análise dos “a spectos
jornalísticos” do Hoje, que pretendemos levar a c abo neste c apítulo, vai
concentrar-se nas edições publicadas e m 1945, 1946 e 1947.
V.1. A experiência da contra-hegemonia
Examinada a experiência dos diários do P CB, e em particular a do Hoje,
podemos nos pe rguntar, novamente, se eles de fato exerceram em alguma medida
126
126
a cont ra-hegemonia. Te rão contri buido para ampliar a democracia no Brasil,
alargar os horizontes polít icos das classes subalternas, alavanc ar a c onquista de
direitos? Terão representado aquilo que Gramsci chamava de “casamatas” na
“guerra de posições” travada na socieda de brasileira?
A julgar por muitos ângulos, sim: a “imprensa popular” comunista colheu
êxitos ponderáveis, seja no tocante à propaganda política das teses e bande iras
partidárias, seja no tocante aos a spectos mais propriamente jornalísticos da
atividade. Dos diários comunistas pode- se dizer, como disse João Falcão de O
Momento, que abordaram “os problemas mais gerais de interesse da população
(...) como jamais outro jornal fizera ant es” (Falcão, 1988: 314-315).
Os jornais empresariais que então a travessavam acelerado processo de
modernização técnica e editorial, a “imprensa sadia”, não de ixaram de dominar o
mercado leitor e, portanto, de exercer seu papel de aparelhos pri vados de
hegemonia em favor da dominação capit alista, dos valores burgueses. O que
Hoje e seus congêneres fizeram foi, para usa r novamente a linguagem mili tar,
lançar uma cabeça de ponte” num territ ório até então completamente dom inado
pelo inimigo.
Dênis de Moraes admite que com “a redemocratização de 1945, a imprensa
partidária tornou-se fator decisivo para a ascensão do PCB legalizado no quadro
nacional”, e que foi “uma fase áurea, com intelectuais de prestígio nas redações e
exemplares se esgotando nas bancas (Moraes, 1994: 65, grifos nossos). Ora,
isso foi possível porque uma parcela im portante das camadas populares
identificou-se com o partido e viu-se repre sentada nos seus jornais. Do c ontrário,
como se expli caria que uma imprensa tão bitolada pela primazia do vetor
ideológico (idem: 72) tenha-se torna do fator decisivo na ascensão do PCB?
Evidentemente, ao conc luirmos que houve exe rcício efetivo de contra-
hegemonia, e que i sso se deu em benefício das classes populares, partimos da
premissa de que o PCB, não obst ante seus equívocos, era então a representação
organizada dos interesses políticos dessas classes.
Moraes crit ica o que cha ma de “espelho leni nista”, ao mesmo t empo em que
127
127
questiona a “eficácia da incorporação acrítica da s teses de Lênin”. Resume o
“modelo comunicacional comunista” a três pressupostos: educar as massas para
elevar o nível de consciência política; organizar os setores mais combativos da
classe operária em torno do par tido; propagar a linha ideológica (idem: 63).
Informa, porém, que nin defendia “a seriedade da informação”, ir ao local,
escolher os documentos, fazer estatíst icas, não omitir data ou nome” (idem : 61).
A l eitura que Moraes faz do conj unto da imprensa comunista (revistas, jornais
populares e órgãos voltados para a militância) com preende a inda os segui ntes
pontos principais:
“não é parti do político, mas se comporta como se fosse , expressando
programas ideológicos” e executando “operações discursivas nas quais os
acontecimentos são filtrados e reenquadrados em sintonia com conveniências
particulares” (idem: 47);
“não foge à regra das demais dias: reelabora o m undo em razão de
imperativos polí ticos-ideológicos, códigos de comunicação, normas técnicas,
circuitos tecnológicos e sinal izações mercadológicas” (idem: 50);
— “e ngendra uma metodol ogia especí fica de enquadramento do real”, portanto
as “informações são processadas de acordo com soluções retóricas capazes de dar
conta da construção/leitura do m undo” (idem: 80);
vive o paradoxo de, por um lado, carregar consi go “contra-sentidos que
visam combater, enfraquec er e derrotar a ordem capitalista”, e, de outro lado,
focalizar a audiênc ia “(aí inseridas as classes populares) como simpl es
espectadores de suas simulaç ões” (idem: 82).
Ora, certas considerações, por exempl o a de que “a lmejam seduzir o olhar do
próximo” ou de que engendram “metodologia específi ca de enquadramento do
real”, a r igor prestam-se à definição de qualquer jor nal ou meio de comunicaçã o.
Que fazia a grande imprensa da época , se não processar informações “de acordo
com soluções retóricas capazes de dar conta da construção/leitura do mundo”?
Por isso, o próprio Moraes trata de reconhecer que a imprensa comunista “não
foge à regra das demais mídias”, reelaborando o mundo em r azão de seus
128
128
próprios imperativos, códigos, normas etc. Por i sso, tam bém o foge à regra
quando e xecuta “operações discursivas nas quais os acontec imentos o filtr ados
e reenquadr ados em sintonia com conveniência s particulares” , pois isto,
afirmamos, é um a típica operação jornalística. Pode-se relac ionar esta atit ude
com o fato de comportar-se ou não como par tido político, ma s somente na
medida em que muitos jornais “comportam-se como” partidos. Para citar
exemplos da época : O Estado de S. Paulo, dos Mesquita, e os Diários
Associados, de Chateaubriand, oper avam dessa forma:
“Muitas vezes, a s funções desempenhadas pelos partidos políti cos
podem ser desempenhadas por um jorna l, ope rando como uma força
dirigente superiora aos partidos, propriamente ditos, e às vezes
reconhecida como tal pelo público, havia indicado Antonio Gramsci.
Não ter ia sido para ele outra a função do Times inglês ou do Corriere
della Sera na Itália. No caso brasileiro, O Estado de S. Paulo esta va
muito à esper a da sua interpreta ção” (Paulo Sérgio Pinheiro, in Capelato
& Prado, 1980: XI).
Pode-se tentar uma analogi a, para abordar outros aspectos dessa questão. Tanto
Iskra, de Lênin e Plekhanov, como L’Ordine Nuovo, de Gr amsci, Togliatti e
outros, nasceram como partidos ou quase-partidos. Lênin revela, ao reconstituir
em ar tigo a história da imprensa operária na Rússia czarista, em que medida
confundiam-se o partido revolucionário e seu j ornal:
“A imensa mai oria dos operários conscientes que em 1901-1903
representavam 46% dos condenados por delitos políticos, enquanto os
intelectuais eram 37% colocou-se a o lado do antigo Iskra, contra
o oportunismo. Três a nos de ativi dade (1901-1903) permitiram a Iskra
redigir o progr ama do Partido Soci al-Democrata
180
, os fundamentos de
180 Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).
129
129
sua t ática e as formas de combi nação da luta econômica e pol ítica dos
operários baseada no marxismo c onseqüente. Em torno de Iskra, e sob
sua direção ideológica, a imprensa operária cresceu e m grande me dida
durante os anos que precederam a revoluçã o”
181
(Lênin, 1980: 10).
Também o programa do L’Ordine Nuovo quinzenário, apresent ado por
Gramsci em 1924, confunde-se de certa forma com o pr ograma do Partido
Comunista Italiano (vide relato a r espeito em Gramsci, 1978: 156 e ss).
Os jornais diár ios do PCB que, por serem “de massa”, não devem ser vist os
como iguais aos órgãos internos do partido, cujo público leitor eram os militantes
comunistas têm características, porém, que os diferenciam dos casos cit ados,
seja por que surgem quando o part ido existia havia mais de duas décadas, seja
porque a maioria dos pr incipais f ormuladores teóricos e dirigentes do partido não
estava nas suas redações, mas no Comitê Naci onal ( antigo Comitê Central).
Embora os diários espelhasse m as políticas do partido, faziam-no com variadas
mediações. Por isso, afirmamos que tais APH atuavam em conexão com o
partido, mas não se reduziam a uma si mples extensão do PCB.
Mais que isso, deve-se consi derar que os diár ios comunistas operaram em
circunstâncias e conjunturas bem diferentes daquel as em que se situou, por
exemplo, Iskra no período 1901-1903. Os primeiros, numa democracia formal
com ampla hegem onia burguesa, apesar da inquietação social, das mobilizações
populares e do crescimento do PCB. A segunda, num regi me monárquico em
crise, em conjunt ura de agudas tensões que desembocaria na Revoluçã o de 1905,
a qual, embora frustrada, serviria de ensa io geral pa ra a vitoriosa Revolução de
1917.
Identificamos duas “frentes” em que Hoje concretizou a sua vocação contra-
hegemônica: a “frente político-elei toral”, ou seja, as eleiç ões de de zembro de
1945 e janeiro de 1947, na s quais o jornal atuou como instrumento de ost ensiva
propaganda dos candidatos do PCB; a “frente cultural”, que seria a construção de
181 Refere-se à Revolução de 1905. Este texto, “Passado da Imprensa Operária na Rússia”, foi escrito em 1914.
130
130
uma identidade cultural e ideológica na qual a classe tr abalhadora viria a
reconhecer-se como sujeito independente na sociedade (“cl asse para si”).
Vejamos como isso se deu na práti ca.
Contra-hegemonia na frente político-eleitoral
Nas eleições de 1945 e 1947 os comunistas utili zaram decididame nte o Hoje
como i nstrumento de campanha, sem di sfarces. O jornal atirou-se na campanha,
modificando as suas páginas, eliminando seções habituais, abrindo espaço para
fotografias dos se us candidatos e para enorm es peças de propaganda, além de
tomar outras decisões editoriais cuja finalidade era incidir diret amente no
processo eleitoral. Era o reconhecimento de que se t ravavam então batalhas de
grande importância para o partido, contra adversários poderosos e que não raro
dispunham de apoio na im prensa tr adicional. Os comunistas não poderiam ter
agido de outra forma, pois queriam disputar para ganhar e sabiam que os jornais
comerciais de grande tirage m não franqueariam suas páginas àqueles candidatos.
Na edi ção de 17 de novembro de 1945, o jornal traz a novidade, em manchete
na c apa em letr as garrafais: “Yedo Fiuza, candidato do povo/Seu nome será
lançado hoje no grande comício do Anhangabaú”. O partido decidira disputa r a
eleição para a Presidência da Re pública com candidato próprio. De perfil apagado
e e xpressão apenas regional, pois havia sido pr efeito de Petrópolis, Fiuza foi
ungido pessoalmente por Prestes. Faltando a lgumas semanas para a eleição,
seria preciso difundir massivament e e com rapidez o nome e a biografia do
candidato.
Nessa mesma ediç ão, cinco, dos sete textos da capa, são dedicados à
candidatura: o anúncio feit o por Prestes a os jornalistas; uma entrevista que Fiuza
concedeu na vésper a; seu perfil biográfico; a convocatória do “comíci o monstro”
do Anha ngabaú; comunicado aos comitês democráticos popular es a propósito do
comício. A i magem do candidato materializa-se em uma fotografia colocada,
porém, do lado esquerdo da página, encimando se u perfil, e não, c omo ser ia de se
esperar, na porção superior direit a da página, onde ilustraria a maté ria principal:
131
131
ali foi situada uma fotografia de Prestes, de quem se diz que “anunciou
pessoalmente aos jornalistas a esc olha do candidato das forças democráti cas”:
Infelizmente (...) o prazo de registro de candidatos foi muito curt o, de
modo que, com outras correntes democráticas, o PCB escolheu um
grande administrador, democrata ve rdadeiro, homem que não teme
fantasmas e cujo progr ama será a sua lut a conseqüente pela ext irpação
definitiva dos rem anescentes fascistas em nossa terra. O candidato do
povo não é um comunista, é um elemento saído da classe dominante,
mas é um sinc ero democrata e inspira confiança ao proletariado e ao
povo
182
.
Na edição de 25 de novembro de 1945, r elata-se a “excursão triunfal” reali zada
por Prestes em dois dias no interior pauli sta, enquanto Fiuza fazia campanha no
Rio Grande do Sul: “Com Prestes pela candidatura civil de Jundiaí a Bauru
levanta-se o povo”. A reportagem é assinada por Jorge Amado, ele próprio
candidato a deputado federal. O terço inferior da c apa é tomado por fotografias
que parecem atestar as afirmações da reportagem sobre a a fluência aos comícios
realizados em Jundiaí e Bauru. Na mesma edição publica-se com destaque e
fotografias a matéria intitulada “Yedo Fiuza é um verdadeir o amigo dos
trabalhadores”, sobre as reminiscências de “um velho operário que trabalhou com
o ilustre engenheiro em Mato Grosso há m ais de 25 anos”
183
.
Na quarta capa publica-se repor tagem sobre a “cam panha de fi nanças pró-
candidatura Ye do Fiuza”, em que mais uma vez se recorre à surrada idéia do
“apertar os cintos”, desta vez para convidar o leitor a contribuir com o esforço
financeiro eleitoral. Fotografias mostram dinheir o e objetos doados
184
. Tam bém
nesta edição constata-se a substituiç ão do stico da página 3, “Solução pacífica
dos problemas políticos” por um outro, “Tudo pelo candidato do povo”, que
182
Hoje
, 17/11/1945, p. 1. Yedo Fiuza – candidato do povo.
183
Hoje
, 25/11/1945, p. 5. Yedo Fiuza é um verdadeiro amigo dos trabalhadores.
184
Hoje
, 25/11/1945, p. 6. O povo sabe atender com presteza aos apelos de seu líder. O título sugere um trocadilho de gosto
duvidoso.
132
132
resume de certo modo o espírito que animava ent ão o Hoje. No dia 28 de
novembro, o jornal reserva uma página inteira para a publicação de fotografias
dos candidatos do PCB
185
.
Em janei ro de 1947 o jornal lançou- se intei ramente na ca mpanha para as
eleições de de putados estaduais, deputados federais e governador. Além de
projetar os candidatos c omunistas, pediu votos para Adhemar de Barros,
candidato a governador pelo PSP que o PCB decidiu a poiar. O jornal recorreu
fartamente à util ização de fotografias: de com ícios, de visitas, de caravanas, e até
de c omandantes m ilitares cujas dec larações publicava . Inovou ao publ icar, ao
longo de uma semana, uma espécie de história em quadrinhos em que critica o
coronelismo eleitoral. As página s de cultura e esportes desaparece ram; o
noticiário internacional diminuiu; o jornal parecia mais desorganizado, até o seu
expediente descaracterizou-se , mas tudo indica que foi eficaz na bata lha eleitoral.
Uma das m aiores preocupações do Hoje, nas eleições de 1947, foi justificar a
aliança com Adhemar, que anunciou no dia 6 de janei ro
186
. no dia seguinte,
diante das acusações de que fora realizado um acordo escuso entre o ex-
interventor do Estado Novo e os c omunistas, o jornal publica o texto int itulado
“O Par tido Comunist a não faz conchavos”, e reproduz um a carta de Adhemar na
qual este afirma que o PCB “pa trioticamente nada de nós exigiu além da
promessa formal de defesa da Constituição e dos intere sses do povo”
187
. Nesta
mesma edição o publicadas, na capa, grandes fotografias de Adhemar (“o
candidato do povo”), e de Cândido P ortinari, candidato a o Senado pelo PCB, e
Pedro Pom ar, que concorr eu a deputado fede ral pela le genda do PSP (chamados
de “homens do povo, candidatos do povo”)
188
.
Por vários dias, até a eleição, o jornal cont inuará publicando grandes
fotografias e ilustrações que retratam o candidat o do PSP. “Adhemar é o povo no
governo”, diz um desses anúnci os, em letras garrafais
189
. No dia 15, um anúncio
de pági na int eira convoca um comício que será real izado no mesmo dia no
185
Hoje
, 28/11/1945, p. 8. Candidatos do Povo.
186
Hoje
, 6/1/1947, p. 1. Adhemar de Barros é o candidato do PCB ao governo do Estado.
187
Hoje
, 7/1/1947, p. 1. O Partido Comunista não faz conchavos.
188 Idem. Cairam em desespero as forças reacionárias.
189
Hoje
, 8/1/1947, p. 5.
133
133
Anhangabaú: “Vá ouvir Adhemar de Barros, o candidato que não faz
‘cambalachos’ e tem compr omissos com o povo”
190
. No dia 16, Hoje fe steja o
sucesso do comício: “Mais de meio milhão no comício ‘União para a
Democracia’”:
O Vale do Povo foi pequeno para conter a grande massa humana
comprimida para ouvir Adhemar de Bar ros e Luis Carlos Prestes
Falam representant es do Comit ê Estadual do PC, do Partido Democrata
Cristão e do Partido Social Progre ssista
191
.
A estét ica ousada do Hoje, base ada em imagens fortes e vibr antes a s
fotografias de multidões, os títulos exagerados e gritantes, os desenhos a bico de
pena de líderes popular es, como o Prestes de bombac has na edição que
comemorou seu aniversári o, em 3 de janeiro, com enormes let ras vermelhas
192
certamente tem seu quinhão de participação nas conquistas e leitorais do PCB.
Esses recursos não eram est ranhos aos outros jornais: a diferença é que os
comunistas usa vam-nos para amplificar sua própria m ovimentação polí tica. É de
supor-se, além di sso, que as tiragens tenham sido aume ntadas nesse período,
contando com provável contribuição fi nanceira de Adhemar.
No dia 17, a manchete apela à emoção, em corpo 120: Brasileiros! De ntro de
poucas horas mai s uma vitória do povo/Mai s uma vitóri a da democracia/Vot em
na Chapa Popular”
193
. No dia 18, véspera da eleição, a capa do jorna l é
inteiramente tomada pelo apelo ao voto na Chapa Popular. Todo o espaço foi
ocupado por uma montagem que combinou ilust ração, fotografia e o títul o,
desenhado à mão, “São P aulo na s urnas com Prestes e Adhemar uni dos para o
progresso e a democracia”
194
.
“A História de ‘seu’ Belar mino... que agora sabe em quem vai votar”, que
190
Hoje
, 15/1/1947, p. 5. Vá ouvir Adhemar de Barros...
191
Hoje
, 16/1/1947, p. 1. Mais de meio milhão no comício União para a Democracia.
192
Hoje
, 3/1/1947, p. 1. Salve Cavaleiro da Esperança/Prestes faz anos hoje.
193
Hoje
, 17/1/1947, p. 1.
194
Hoje
, 18/1/1947, p. 1. São Paulo nas urnas com Prestes e Adhemar unidos para o progresso e a democracia. Ver também
editorial de capa: A aliança da vitória.
134
134
começa a ser publicada por Hoje no dia 8 de janeiro, é uma te ntativa de chegar
aos e leitores rurais, “uma história contada pelos trabalhadores do campo para os
trabalhadores do campo”, segundo a explicação do próprio jornal. “A vida, a
existência do ca mponês e sua famí lia vai sendo conta da, em versos caipi ras,
tipicamente paulistas”
195
:
Eis aqui seu Belarmino
E a família qu’ele tem
Na miséria qu’ele vive
Vivem muitos também
Belarmino é bom caboclo
Mas não sei por que será
Quase morre de trabalho
Não consegue melhorá
A muié tem a maleita
E as crianças amarelão
Também ele vive doente
Mas não deita de opinião
Como é triste quem é pobre
Neste mundo não tem gozo
Inda muita gente fala
Que o caboclo é preguiçoso
Mas ninguém se lembra dele
Nem procura lhe ajudá
Só no tempo de eleição
É que vão lhe cortejá
Faiz promessa o coroné
Isto tudo vai mudá
Se eu chegá a deputado
Por voceis vou trabalhá
196
O fina l, previsível, é ant ecipado pelo próprio Hoje: Belarmino “sa be para onde
195
Hoje
, 8/1/1947, p. 1. A História do ‘seu’ Belarmino...
196
Hoje
, 8/1/1947.
135
135
vai, o que quer e em quem vai votar: em Adhemar de Bar ros e nos candidat os da
Chapa Popular”
197
. Outro uso da ilustração neste período é uma série de charges
que o jornal publica sobre Vargas, inti tulada “Ele disse... Ele fez”.
Após a s eleições, em 19 de janei ro, Hoje continuará a tratar delas com títul os
vigorosos, seja acompanhando a lenta apuração dos resul tados, seja comenta ndo
suas reper cussões. No dia 20, com emora em letras garrafais (corpo 140) : “Isto é
democracia/Derrotada a r eação”; no dia 21, “Adhemar está vencendo”; no dia 22,
“Vence a democracia e m todo o país”, quando comenta que “os últimos
resultados, nos diversos Estados, garantem a vitória dos candidatos democráticos,
apoiados pelo Partido Comuni sta do B rasil”. Na quarta capa, festeja a vitória de
Adhemar e do PCB: “Nunca se votou tão ce rto como desta vez”
198
.
Contra-hegemonia na frente cultural
Se Hoje conqui stou alguns sucessos importantes como APH na frente
político-eleitoral, não menos dignos de nota são seus êxitos na c onstrução de um
“lugar social” em que a c lasse trabalhadora pudesse re conhecer-se e enxergar-se
como sujeito independente. Isso par ece contraditório: afinal de contas, o jorna l
engajou-se na concepção de “união nacional” propugnada pela di reção partidária,
que forçosamente eclipsava as reivindicações dos trabalhadores e suas
perspectivas de emancipação. Mas a verdade é que nem essa concepção
prevaleceu monoliticamente, nem poderia represar todos os anse ios e ener gias do
movimento operário em ebulição.
Em 1946, certamente em razão das m udanças que se operavam na conjuntura
nacional, e na própria linha do PCB, que introduzi u mediações no modo de ver as
greves, o jornal t orna-se mais inter essante do ponto de vista dos conteúdos
publicados. Os dísticos desa parecem, bem como as colunas assi nadas, ao passo
que ganham espaço as reportagens. Os tem as maiores: as condições de vida da
população, as c ondições de trabalho nas fábricas, a l uta de classes real e concreta.
Hoje noticia, por exemplo, que a “ Constituição é letra morta na E. F. Noroeste do
197 Idem.
198
Hoje
, 22/1/1947, p. 6.
136
136
Brasil”, onde as leis t rabalhistas são desrespeitadas e operários que t rabalham
trinta dias “recebem vinte e cinc o”. A matéria, redigida pel o “correspondente em
Bauru”, é visivelmente editorializada, mas traz alguns dados sobre a situação dos
ferroviários considerados extranumerários, como os maquinistas, que “m ourejam
anos a fio não passando do mísero salár io de seiscentos cruzeiros”
199
.
“A Delegacia de Ordem Política e Soci al não respeita a Constituição da
República/Processadas pelo policial Cat aldi Júnior três operárias do Moi nho
Santista”
200
, “Entraram em gr eve 700 tecelões de G uaratinguetá”, “Movimentam-
se os trabalhador es de São Paulo pela libertação dos líderes da Sorocabana” são
manchetes de outubro
201
. O enquadramento engajado tinha um mérito, o de
conceder legitimidade a um mundo que era subrepresentado, dist orcido ou
inexistente na s páginas dos concorrente s: o mundo do tra balho. Com ele, o
mundo da pobreza: 15 famílias vão ser despe jadas da Travessa dos
Estudantes”
202
, “Falta de pão e excesso de choro para comemorar a Sema na da
Criança”
203
.
O jornal destacava aspectos da dinâmica sindical que dificilmente seriam
divulgados fora das suas páginas. Assim foi com a destituiçã o, por uma
assembléia, da junta governativa do Sindicato dos Tecelões de Sorocaba,
“imposta dois a nos pelo Ministér io do Trabalho”; e com a c onseqüente reação
do governo, que usou a polícia para ocupar a sede do sindicato
204
. Assim foi
também com a decisão dos operários da Goodyear de paralisar sua s atividades
antes do fim da jornada, com a f inalidade de participar , “em massa” (como prova
a fot ografia publica da), de uma assembléia convocada pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Artefat os de B orracha, o que foi “prova eloqüente de
consciência de classe e profundo e spírito si ndicalista”. O principal obj etivo da
assembléia (realizada no salão do Sindicato dos Músicos) foi a luta pelo descanso
semanal remunerado, previsto no ar tigo 157, § 6 da Constituição Federal
205
.
199
Hoje
, 7/10/1946.
200 Hoje, 2/10/1946, p. 8.
201
Hoje
, 12/10/1946, p. 8.
202
Hoje
, 2/10/1946, p. 8.
203
Hoje
, 12/10/1946, p. 8.
204
Hoje
, 17/10/1946, p. 8. Foi tomada de assalto pela polícia a sede do Sindicato dos Tecelões de Sorocaba.
205
Hoje
, 21/10/1946, p. 1. Os operários da Goodyear paralisaram o trabalho para participar de uma assembléia do Sindicato.
137
137
Aspecto importante é a linguagem adotada por Hoje em algumas matérias,
próxima da coloquialidade popular e até do se nsacionalismo. Na manchete da
edição de de outubro de 1946, “Os tubarões são donos de poderosa rede que
envolve o comércio desta capital”, o jornal investe contra as indústrias Matarazzo
e outros monopólios:
Queixa contra o Matarazzo não a dianta nada. Aliás não contra
Matarazzo, mas também cont ra a “Swift”, a “Wilson” e outras. Antes do
óleo comestível ser racionado, estas firmas entregavam o produto
quando o comprador adquirisse outras mercadori as, sendo que grande
parte delas ficavam encalhadas. foi dito na Comissão de Preços que
não pode ser elevado o preço do sabão, mas, apesar disso, somente a
Companhia Gessy, num prazo de cinquenta dias, aumentou o preço do
sabão Minerva de trinta cruzeir os e trinta centavos para t rinta e seis,
trinta e oito, quarenta e três cruzeiros e cinquenta centavos e agora
quarenta e oito cruzeiros e ci nquenta centavos
206
.
Reportagem sobre a pobreza numa favela da capital, em que foram ouvipÐre
inquietude do dia de amanhã (...).
“Louvado seja Deus, o Partido Comuni sta tem vida legal” é o título de
uma reportagem sobre o problema habitacional na capital paulista, que c ita as
favelas da Avenida do Estado, a “tragédia dos retirantes do Nor deste” e o
“prestígio de Prestes e se u partido”. Tipos populares são ouvidos pelo repórter,
entre eles Maria do Rosário, que “já foi cozinheira, cost ureira e agora vende
amendoim”, e nas “horas vagas é pedr eira”. A reportagem reproduz uma frase
atribuída a Maria do Rosá rio, e que é puxada pa ra o t ítulo: “ Louvado seja Deus, o
Partido Comunista já tem vida legal e não é sem tempo”.
Em agost o de 1947, Hoje resume de forma contundente, em ma nchete da
quarta capa , o episódio que ficar ia conhecido como “quebra-quebra da CMTC”:
“Explosão popular”, se guida da explica ção concisa: “A revolta do povo contra o
aumento das passage ns levou-o a depreda r e incendiar dezenas de ônibus da
CMTC”
207
. Outros títulos revelam, igualmente, uma sintaxe bastante direta e
eficiente: “A base de Val de Cãs c ontinua ocupada por soldados do imperialismo
norte-americano”
208
, “Em pleno culo XX ainda são tratados como escravos”,
sobre como a Tinturaria Brasileira de Te cidos se relaciona com os operários, “O
Comitê Democr ático da Casa Verde ganhou o ‘Prêmio Nobel’ da popularidade”,
sobre o “exemplo vivo de um organismo que sabe se aproximar do povo lutando
pelas suas causas mais sent idas”
209
.
Qualquer que seja o juízo que se faça do tratament o dado à matéria seguinte ,
deve-se reconhecer que dificilmente tal história seria publicada nos grandes
jornais pa ulistas da época: “Onze famílias de camponeses são espoliadas em São
João da Boa Vista”. A história de sempre”, dizia o subtít ulo: “camponeses
roubados por fazendeiros exploradores” , “Trabalharam a meias e não receberam
um níquel se quer”. “Depois de bater em todas as portas, dirigiram- se para a sede
do comitê municipal do Partido Comunista do Brasil, de São João da Boa Vista”.
Três dos lavradores estiveram na redação do jornal, onde narraram o ocorrido e
207
Hoje
, 2/8/1947, p. 8.
208
Hoje
, 2/10/1946, p. 1.
209
Hoje
, 2/10/1946, p. 8.
139
139
foram fotografados. A reportagem conta a históri a em detalhes
210
.
Certas matérias publicadas no período assumem contornos pioneir os. É o
caso de um texto que denuncia a disc riminação racial, assim intitulado: “Um
brasileiro pode entrar em qualquer restaur ante, barbei ro, estabelecim ento de
ensino independentemente de sua r aça ou c or”. Seu fio condutor é a re velação da
censura, praticada por um “mat utino” (de nome não revelado), de uma
reportagem que tornaria públ ica a existênci a de discriminaçã o num colégio
particular. Vale a pena transcre vê-lo parcialmente:
“Naquele colégio catól ico colégio ‘granfino’ e muito conhecido
nesta capital uma negrinha entre as alunas loiras e ruiva s e
morenas. Na hora do banho na piscina, todas as cri anças mergulham na
água e brincam risonhamente; a ne grinha fica de fora, vestida de
maiô mas sem toc ar o líquido, nem sequer com a pont a dos dedos.
Certa vez, o pai da menina per guntou à direção do colégio qual e ra a
razão daquilo e uma freira lhe disse muito reservadamente: ‘Os pais
das meninas brancas não querem que a negrinha tome ba nho na mesma
água em que as filhas deles na dam’.
Um r epórter que sabia desse caso escreveu uma repor tagem sobre o
assunto. A report agem estava chei a de dados, com tudo anotado muito
bem, mas o diretor do jornal achou que não f icava bem aquilo sair nas
colunas do matutino conse rvador e sério’. Achou que as fotografias de
jovens morenas passeando pela rua Direita não ‘cabiam ’ naquele jornal.
Apesar de afirmar o contrário, aque le diretor de jornal guardava muitos
preconceitos de raça e de c or.
211
O texto prossegue explorando as diferenças entre a i mprensa popular são
citados o pr óprio Hoje, a Tribuna Popular, O Momento, a Tribuna Gaúcha e a
“imprensa sadia”, no tocante ao modo como são tratados os negros, inclusi ve
210
Hoje
, 1/10/1946.
211
Hoje
, 13/10/1946, p. 8.
140
140
deputados e sindicali stas. Acom panha a matéria uma fotogra fia de três jovens
negras, com a seguinte legenda: “No popular passeio domingueiro da Rua
Direita”. Um dos argumentos util izados para contrast ar a forma de tratamento é o
de que “o Hoje publica diariamente fotografias de ne gros de valor [sic], que
ocupam lugar de destaque nos mais diver sos setores das atividades humanas”
212
.
O jornal publicou t ambém, em setembro e outubro, reportagens sobre a
expropriação de terras sofrida pelos índios guaranis de um al deamento do litoral.
Três índios estiveram na sucursal de Santos para fazer a denúncia, como atesta
fotografia publicada. Eles enfrentavam “tr istes condições”, “ameaçados por uma
malta de desumanos latifundiários de perderem as terras que lhes for am doadas
pelo patrimônio nacional”. Os invasores brancos di spunham de “bandoleiros
armados” e contavam com “proteção escandalosa dos funcionários do Serviço de
Terras e Colonização de São Vicente”
213
.
V.2. A classe, o partido e o jornal
Como vi sto no capítulo I, na fase final do Estado Novo, e specialmente após
1943, quando se reorganizou, o PCB a dotou uma linha política que, embora
controversa, garantiu- lhe paulatino cr escimento entre as massas populares: a
“união nacional contr a o nazi-fascismo”, que pressupunha o apoio ao governo
Vargas na guerra contra os paíse s do Eixo. Foi essa linha política, aliada ao
enorme prestígio da União Soviética ao final do conflito mundial, que permitiu
aos comunistas passarem da clandestinidade à legalidade com amplo apoio
popular e com uma organização aguer rida e eficiente do ponto de vista eleitor al.
Encerrada a guerra, derrubado Vargas, eleit o e empossado um governo de
viés nitidamente conservador (Dutra), o PCB insistiu todavia em manter a
mesmíssima linha política, transformando o que era um acerto tático num desvio
estratégico de proporções desastrosas. A política de união nacional, traduzida
212 Idem, idem.
213
Hoje
, 28/10/1946, p. 5: Dois civilizados “apatacados” roubam as terras dos índios do Bananal.
141
141
para as massas em expressões como apertar a bar riga” (Prestes) ou “apertar os
cintos” portanto conter reivindicações salariais em nome do “progresso” ou
ainda “ordem e tranqüilidade”, transmutou-se em mera colaboração de classes
com a burguesia.
Tratava-se, para o PCB, de forta lecer a burguesia para dese nvolver o
capitalismo; a revolução viria numa etapa posterior; o nacionalismo do partido
passou a preponderar sobre o compromisso com a luta de classes. O PCB
“tornou-se um grupo de pressão comprometido com a tarefa de radicalizar a
burguesia contra o imperia lismo norte-americano” (Chilcote, 1982: 307). Nesse
contexto, o poucas greves passaram a ser entendidas como “provocações”.
Havia em determinados casos orgulho e jactância por brecar as paralisações,
como quando o Movime nto Unificador dos Trabalhadores (MUT) consegui u
fazer “gorar” a greve da Light no Ri o de Janeiro, em novembro de 1945:
Telegramas procedente s da capital federal noticiar am ontem que, graças
à ação do Movimento Unificador dos Tra balhadores, foi abortado um
movimento grevista que deveria ser declarado na Light. Esta não é a
primeira vez que o MUT, empenhado em fazer com que o proletariado
constitua de f ato uma força ativa pa ra a consolidaçã o da Democracia em
nossa Pátria, inter vém no sentido de que seja evitado um c lima de
intranquilidade e de agitações, que facilitari a a atividade de círculos
interessados em impedir a marcha normal do País pa ra a s eleiçõe s livres
e honestas
214
.
A aplicação dessa pol ítica gerou conflitos nas bases sindic ais dos
comunistas, e contradições difíceis de explicar, como o apoio dado pelo partido
ao governo Dutra mesmo após a cassação em 1947 ( Pomar, P. E. R., 2002: 89).
Como já notou Hélio da Costa, o Hoje espelhou a ambigüidade da políti ca do
214
Hoje
, 1º/11/1945, p.4. A intervenção do MUT faz gorar uma greve da Light, no Rio de Janeiro.
142
142
PCB no tocante às greves (Costa, 1995: 8). Por um lado, o jornal amplifica a
orientação de evitar greves: sem tergiversa ções, o MUT decla ra-se “contra as
greves, pela ordem e pela tranqüilidade”
215
. Por outro lado, Hoje abre suas
páginas a inúmer as greves, oscila no tratamento dado a el as e algumas vezes cede
mesmo à pressão dos trabalhador es que comparecem massivament e à redação
para tratar do assunto.
As gr eves ocor ridas em três grandes empresas estrangeiras Light,
Goodyear e C ompanhia City de Santos (City of Santos Improvement Co.) —, mal
se inicia ra o ano de 1946, consti tuiram experiências privilegiadas da cla sse
trabalhadora em alvoroço, mas aos olhos do PCB e do MUT pareceram pura
provocação. Trabalhadores em greve foram acusa dos até de “integralistas”, como
neste título sobre a greve na Goodyea r: “Agentes provocador es e integralistas
tentaram paralisar os trabalhos e foram i mpedidos pela atitude ordeira dos
operários da grande empresa”
216
.
Hoje chegou, mesmo, a publicar reportagem de elogio a um grupo de fura-
greves da Light, por se haverem mantido “fi éis à pa lavra-de-ordem: evitar greves,
a todo transe ”. O jornal não hesitou em estampar o assunto na quarta capa,
incluindo uma fot ografia, em quatro colunas, dos quatro oper ários que “evitaram
que São Paulo ficasse às escuras”:
Responsáveis pela sub-estação da r ua Riachuelo, não obstante a pressão,
mantiveram-se fiéis à palavra de ordem: evitar greves, a todo transe
Quem o os homens aos quais os paulistanos devem o não ter
interrompida a energia elét rica durante a greve da Light
217
.
No dia seguint e, o jornal concedeu tratamento inteir amente di verso à greve
da City, empresa encarregada do serviço de bondes em Santos: “Esperam os
santistas ceda agora a C ia City às justas reivindic ações dos seus trabalhadores” ,
estampou Hoje, acrescentando: “Volt aram ontem ao t rabalho numa trégua pa ra
215
Hoje
, 28/11/1945, chamada de capa.
216
Hoje
, 2/1/1946, p. 8. A ‘Célula Brasil’ evitou uma greve na Good Year [sic].
217
Hoje
, 3/1/1946, p. 12. Evitaram que São Paulo ficasse às escuras.
143
143
solução definitiva da greve a que deu motivo a intransigência da empresa
empregadora”. Aqui, portanto ao contrário do juízo emit ido quanto ao
movimento grevista na Light a s reivindicações mostram-se “justas”, e a
empresa demonstrara “intransigência” . Il ustra a re portagem um a fotogr afia de um
grupo de trabalhador es que aguarda, à noite, “nas oficinas de tráfego da e mpresa
o momento de vol tarem ao trabalho”
218
. Dois dias a ntes, o jornal publicar a
matéria informando que o MU T de Santos “trabalha pela solução da greve dos
trabalhadores da City”
219
.
Na edição de 5 de janeiro, apenas dois dias após o elogio aos fura-greves,
Hoje voltou a dar dest aque à greve da Light, porém de um modo bem diverso. A
principal fotogr afia da capa, na sua meta de superior, suge re que a reviravolta no
tratamento pode t er sido provocada pela pressão in loco dos trabalhadores: e les
aparecem em numeroso grupo na redação, dando declarações a um repórter. A
manchete principal, no alto da página e m cai xa alta e dentro de um quadro
toma partido, cl aramente: “A Li ght desa fia os trabalhador es”. “Motor neiros e
condutores afastados do serviço”, inf orma o título sob a fotografia. O “abre” da
reportagem procura concilia r a movim entação dos trabalhadores com a palavra-
de-ordem do PCB:
Vinte e seis condutores e motorneiros suspensos o polvo
canadense” continua a fazer provocações Interessada num clima de
desordens e agitações — Os trabal hadores mantêm uma atitude firme —
O abono virá Importante proclamação Ordem e tranqüilidade, a
palavra de ordem dos operários da empre sa.
A preocupação de justificar, de explicar, de buscar razões que levaram os
trabalhadores a fazer o que fizeram entrar em gr eve, “último recurso”
218
Hoje
, 4/1/1946, p. 12.
219
Hoje
, 2/1/1946, p. 12.
144
144
aparecerá também no text o, na forma de uma espécie de preâmbulo:
Continua em foco a úl tima gr eve dos trabalhadores da Light. Esta
empresa, numa atit ude de franca e aberta provocação contra os
trabalhadores, principalmente condutores e motorneiros, está
suspendendo injustificadamente se us funcionários.
Todo o mundo conhece o que é, nos dias de hoje, a vida de um
assalariado. Vida de sacri fícios, de miséri a, de penúrias, diante da alta
dos pre ços. Todo o mundo sabe que os trabalhadores, com o que
ganham, não podem m anter um nível razoá vel de vida, pois o dinheiro
está desvalorizado e com 800 ou mi l cruzeiros mensais não é possível
alimentar-se, vestir-se, manter os filhos na escol a, c omprar remédios,
pagar aluguéis de casa, divert ir-se de vez em quando etc.
Pois bem. Mesmo assi m, o prol etariado compr eende, graças ao intenso
trabalho de politizaçã o e esclarecimento do Partido Comunista do Brasil
e do Movi mento Unificador dos Trabalhadores, que as greves, as
agitações, as desordens, não o recomendáveis, neste m omento, para a
conquista de suas reivindica ções. Somente como último recur so é que
certos setores da classe operária apelam para a greve, a fim de defender
suas mínimas conquistas. As associações de cl asse dos trabalhadores,
porém, e o Partido Comuni sta i ndicam sempre o recurso da organização
de c omissões para entendimentos, indicam o Sindicato, indicam as
autoridades do Departamento do Trabalho etc. pa ra solucionar suas
questões
220
.
O texto é todo e le marcado pela e ditorialização: o noticiário sobre o
desenrolar do movimento dos trabalha dores é, dessa forma, devidamente
220
Hoje
, 5/1/1946, p. 1. Motorneiros e condutores afastados do serviço.
145
145
enquadrado pela ótica vigente e ntão no PCB, do qual, não resta dúvida, neste
momento o jornal se faz porta-voz (grifos nossos):
A greve dos traba lhadores da Light, desfechada precipitadamente sem
antes serem utilizados os caminhos normais, foi, como se sabe,
solucionada graças à intervenção da Comissão Pró-Aumento de S¡Õ
greve, faz endo questão de explicar, porém, que e la não era “obra dos
comunistas”
222
:
Uma comissão de operários da Fiação e Te celagem Saad S/A,
estabelecida à rua Sorocabanos 517, esteve em nossa redação, a fim de
nos com unicar que e ntraram e m gr eve pa cífica em sinal de protesto, e,
também, e m defesa dos seus direitos, pelo ínfimo abono de ano bom
concedido por aquela indústria aos mil e t antos trabalhadores que
compõe[m] o seu quadro de empregados.
As c onsciências me nos esclarecida s, e as de fé, di rão: “Isso é obra
dos comunistas. Cadeia para os comuni stas e violências policiais para
os grevista s”. Entretanto, se as consciências menos escl arecidas não
nos referimos às de f é, porque estas têm o máximo interesse na
supressão das liberdades públicas soubessem o quant o o Partido
Comunista tem dese nvolvido de esforços na solução ordeira desses
problemas ocasionados pela crise econômica, não pensariam assi m.
Dariam carradas de razão às diretrizes traçadas pe lo Partido e pelo
Movimento Unificador dos Trabalhadores
223
.
A greve é, desse modo, reduzida a “problema ocasionado pela crise
econômica”. Este texto é bem típico dos publicados pelo Hoje, mesc lando
características de artigo opinat ivo com outras próprias de uma reportagem.
Primeiro se trata de balizar o assunto, enquadrá-lo nos moldes definidos pelo
partido. depois é que aparece m os personagens de carne e osso. Assim, após
afirmar que a “causa real desse surto grevista, que se estende por todo o país, de
norte a sul , está na desvalori zação do nosso dinheiro”, bem como na “política
econômica adotada até aqui pelas sucessivas oligarquias que têm governado o
222
Hoje
, 5/1/1946, p. 5. Estão em greve os operários da Fiação e Tecelagem Saad SA. Também foto e texto-legenda na p. 12.
223 Idem.
147
147
Brasil”, o texto finalme nte desce a alguns detalhes da greve:
A diretoria da fábrica concordou em c onceder o abono, mas esse não
satisfez a total idade dos operários. Que fazer com 200 c ruzeiros, se um
par de sapatos custa 300; um terno de roupa mais de mil e assim por
diante. O que esses operários ganham mal par a manter a si e às suas
famílias. Alegam os grevistas que não procede a afirmação dos diretores
de que tiveram prejuízo. E os gordos dividendos? E a construção de
casas para aluguel? E outras provas visíveis de que essa desculpa não é
cabível?
“O pior disse-nos um deles é que um dos diretores tentou
subornar um dos grevistas, para que a bortasse o movimento, sendo
imediatamente repelida tal pr oposta reacionária . Aplaudimos o gesto do
nosso compa nheiro. Uni dos venceremos. Est aremos unidos até a vitória
final”.
200 HORAS DE BONIFICAÇÃO PARA CADA OPERÁRIO
Os grevistas pl eiteiam que se lhe s conceda uma bonifica ção, sem
distinção de categorias ou de tempo de ser viço. O que interessa a eles é
que as nece ssidades individuais são idênticas a todos. Daí esse critério.
(...)
IRÃO AOS CAMPOS ELÍSEOS
Informaram-nos ainda os visitante s que segunda-feira próxima irão a
Palácio, com a finalidade de solicitar do Interventor seus bons ofícios
junto aos dirigentes da f ábrica, para que seja m atendi dos em suas justas
pretensões.(...)
224
224 Idem.
148
148
Bem diferente é a matéria publicada na qua rta capa, que aborda as greves
ocorridas em outras fábricas do setor têxtil. Trata-se de um texto mais próximo do
que se convencionou chamar de reportagem. Em bora pre nda-se a uma única
fonte, o presidente do sindicato dos t rabalhadores, o texto é rico em informações
sobre o movimento gre vista. Quase não editorializaçã o ou opiniã o: a exceção
mais óbvia é a crítica ao se cretário de Segurança Pública:
Trabalhadores de diversa s fábricas de fiação e tecelagem dest a capital
declararam-se em greve, dois ou três dias, em virtude da s negati vas
das diretorias das fábricas em que trabalham de conceder o abono de
fim de ano por eles pleiteado. As firmas, cujos operários de ixaram o
trabalho, iniciando assim uma greve pacífica de protesto c ontra a não
concessão desse abono, são as seguintes: “Fábrica de Lonas Lt da”,
“Fiação de Te celagem de Juta S.A.” (Fábrica São Luis), “Companhia
Industrial de Juta (Fábrica São José), ambas no Ipiranga; “C ompanhia
Brasileira de Linhas para Cose r”, e outras.
Nesta última a greve foi solucionada, tendo alcançado êxito a
intervenção do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e
Tecelagem que, aliás, tem ac ompanhado de perto estas greves, havendo
entrado em entendimentos c om os patrões das diversas f ábricas para a
solução do m ovimento. No que di z respeito a o surto verificado na
“Companhia Brasileira de Linhas”, ficou acertado que os trabalhadores
receberiam trezentos cruzeiros (para os maiores de 18 anos) e para os
menores de 18 anos seria dado um abono de cento e cinquenta
cruzeiros. Além disso, t odos eles passaria m a ter um aumento de 10%
no salário a partir de 16 de janeiro.
NÃO QUEREM DAR O ABONO
Quanto à greve da Fábrica São José, e que ainda perdura, a
149
149
reivindicação dos trabalhadores é, alé m do abono que não
estipularam, deixando a cargo da direção determinar sua i mportância
um aument o de ordenado, c onforme nos e sclareceu o sr. Domingos
Mano, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação
e Tecelagem, que tem estado em permanente contato com todas as
fábricas em que a greve foi dec larada.
Acrescentou o nosso informante que a direçã o da referida fábrica,
quando de sua visita como mediador na questão, mostrou-se
intransigente, afirmando que pr efere ficar com a fábrica parada a
conceder o abono. E tampouco dará o aumento. Alega, para isso, que a
juta, artigo com que trabalha a fábr ica, é controlada pela
Coordenação
225
, o que não lhe oferece um lucro nas m esmas proporções
que o ve rificado com out ras indúst rias de teci dos, que não são
controladas por aquele órgão federal. (...)
SÓ A BONIFICAÇÃO
Os trabalhadore s da “Fábrica São Luis” só pretendem o abono de fim de
ano. Não fazem como os da outra fábrica, que afirmam que que a
bonificação de fim de ano não pode se r dada por lei, desejam, então,
aumento de salário. Estes últimos ficam em casa, esperando unicamente
a gratificação. Ma s a gratificação não vai sair, conforme responderam
os di retores desta fábrica ao presidente do sindicato de classe. Os
operários da “Fábrica São José” desejam um reajustament o de
ordenados, pois são pagos à razão de dezoito a vinte cruzeiros por peças
que pr oduzem: dese jam nivelar os ganhos. Além disso, os operários
destas duas fábricas de juta, quando procuraram a gerência para
reivindicar o abono, foram mal tratados e até expulsos. Enquanto não
sair a gratificação eles não pretendem voltar ao trabalho e a direção
afirma que a gratificação não sairá. Te remos, então, f ábricas paradas,
225 Coordenação da Mobilização Econômica.
150
150
como tudo faz crer.
TRABALHADORES PRESOS
Na greve da “F ábrica de Lonas Ltda.”, à rua Henri que Dias 83, a polícia
interferiu, prendendo numer osos trabalhador es que deixavam o serviço.
Não se compr eende que o secretário da Segurança Pública consinta em
que os grevistas f ossem encarcerados por reivindicarem o que julgam de
direito, pelos meios que a democracia lhes lega, como a greve, por
exemplo.
Com a ação do Sindicat o dos Trabalhador es na Indústria de Fiação e
Tecelagem, os operários foram soltos, c om exce ção de um, G regório da
Silva, que, não se sabe por quê, ainda conti nua preso.
Nessa firma, uma pa rte dos t rabalhadores est á trabalhando, não se
sabe se por imposição da polícia ou se por promessa de se rem atendidos
no pedido do abono, que até hoje, dia 5, ainda nã o apareceu.
OUTRAS GREVES
Na “Fábrica de Rendas Alexandr e Davi”, à rua C ipriano Barata, no
Ipiranga, os operários pedi ram, além do abono, um aumento de vi nte
por cento. O Sindic ato estava tratando do caso e os patr ões ofereceram
dez por ce nto. Ficaram, patrões e operários, de estudar as propostas e
contrapropostas
226
.
O noticiário da greve dos têxteis incluiu, ai nda, um editori al que ataca
duramente os empresários do setor — o que em certa medida discrepa da linha de
conciliação de classes e ntão pr egada pelo PCB. Significativament e int itulado
“Manobras reacionárias contra o povo”, esse texto comenta reunião que teria
ocorrido na sede do Sindicato da Indústria de Fiaç ão e Tecelagem, na qual
226
Hoje
, 5/1/1946, p. 12. Em greve milhares de trabalhadores na indústria de fiação e tecelagem.
151
151
elementos de grande destaque dessa organização patronal teriam
proposto a todos os seus colegas que resistissem com todas as suas
forças às reivindicações dos operários com referência a aumento de
salário. Na mesma ocasião teria ficado bem claro que as chamadas
“classes produtoras” quer dizer, os homens dos lucros
extraordinários não devem contar no momento senão com um forte
apoio do a parelhamento de rea ção policial, um a vez que, segundo eles,
o ministro do Trabal ho não se tem manifesta do muito dispost o a apoiar
as pretensões patronais. Por outro lado, os pat rões mais reaci onários
prometeram empreender uma cam panha visa ndo impedir a reali zação
do Congresso Si ndical do Est ado de São Paulo, cuj o início está marcado
para o dia 9 deste mês, sob o pretexto de que o momento não é opor tuno
para a concentração proletária desse vulto. Evidentemente, não pode
passar sem os m ais enérgicos protestos o estabelecimento de medidas
tão reacionárias como as que acima referimos
227
.
“A situação da indústria de tecelagem é excepcional”, argumenta o jornal.
“Foram os homens que mais ganha ram no Brasil, durante a guerra, em
proporções jamai s alcança das em nossa história econôm ica”, ac rescenta,
lembrando que os contratos celebrados após a guerra com a UNR RA
228
e com
países europeus “garantem, ai nda, a produção de tecidos e roupas em proporções
elevadas, deixando margens superiores a os lucros verificados antes de 1939”:
Assim, dando a penas um ou dois aumentos mais ou menos sofríveis
durante os seis anos de guerra, garantidos, ade mais, por leis de e xceção
que obrigavam os operários a permanecer nas fábricas, e sses industriais
227
Hoje
, 5/1/1946, p. 12 e 2. Manobras reacionárias contra o povo.
228 Administração de Assistência e Reabilitação das Nações Unidas (United Nations Relief and Rehabilitation Administration).
152
152
contam com mão de obra remunerada com salários não satisfa tórios, se
lembrarmos, por exemplo, que some nte os fabric antes de casimir as
abaixaram agora 10 por cento nos preços de se us produtos obriga dos
por lei e que os chamados “tecidos populares” jamais eram
encontrados pelo povo. E os operários são os primeiros consumidores
dos artigos dos seus patrões.(...)
229
V. 3. Hoje, um jornal de reportagens e fotografias
Montamos uma semana composta ou semana montada com o i ntuito de
identificar regularidades em determinados aspectos do jornal. A semana
compreendeu a s segui ntes datas: de novembro de 1945, quinta-feira ( primeira
edição disponível na coleção do Arquivo do Estado de São Paulo); 9 de
novembro, sexta-feira; 17 de novembro, sábado; 25 de novembro, domingo; 5 de
janeiro de 1946, sábado; 14 de janeiro, dom ingo. O planejamento inicial incluia
as e dições de 4 (terça-feira), 12 (quarta-feira), 20 (quint a-feira) e 28 (sexta-feira)
de dezembro de 1945, perfazendo duas semanas. No entanto, o AESP não dispõe
dos exemplares de dezembro de 1945.
O levantamento r ealizado por intermédio da Fic ha de Le itura do Hoje
(Anexo 1) nas edições que constituem a semana composta permit e sistematizar
alguns dados, e r esumir da seguinte maneir a as características do Hoje:
publicação de reportagens em número expressivo; publicação de acent uada de
“notícias”, sobretudo de agênci as noticiosas internacionais; uso releva nte de
fotografias; baixa utilização de ilustraç ões; padrão regular de titulação de
matérias; cobertura ace ntuada do movimento operário e sindical, lutas populares,
PCB, acontec imentos inter nacionais, esportes e fatos culturais; publicidade em
quantidade e qualidade apreciável, a inda que signif icativamente inferior ao
volume visto nos diários tradicionais.
A seguir, os dados colhidos na amostra:
229 Idem.
153
153
1- Edição de 1/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 1/11/ 1945, quinta-feira
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 16
Número de ilustrações: 1
154
154
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
O partido continua sua luta pacífica pela convocação de uma
Assembléia Constituinte/Ordem e tranqüilidade- r eafirma o Partido
Comunista do Brasil
p. 2
A maior contribuição à vitória da s Nações Unidas foi feita pela União
Soviética
p. 3
Franquias democráticas, princi pal fator de ordem
p. 4
Alteração nos itinerários e pre ços das passagens de ônibus nos Finados*
p. 5
Angustiosa espera do povo nas filas de ônibus
p. 6
[Hoje nas Artes]
[Música/Ricardo Strauss e a Danç a dos Sete Véus]
p. 7
Palmeiras e Internacional lutam esta noite no Pacaembu
Gaúchos, Paulistas, Carioca s e Mineiros em confronto no torneio
preparatório para o sul-americano de natação
p. 8
Em ambiente do mais intenso t rabalho e do mais vivo entusiasmo
prepara-se a instalação do I Congresso Si ndical dos Trabalhadores do
Estado
Aumento de salários para os operários a mericanos
155
155
Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM 12
NOTÍCIA 44
ARTIGOS ASSINADOS 3
COLUNA/CRÕNICA/CRÍTICA ESPECIALIZADA 8
EDITORIAL 6
TEXTO-LEGENDA 1
Número de anúncios: 16
Relação e tamanho dos anúncios:
Encanadores 4 x 2, Auto 10 x 1, Imobiliária 4 x 2, advocaci a 3 x 2,
metalúrgica 10 x 2, Máquinas Singer- Casa Para Todos 5 x 2, Clínica
Santa Luzia 4 x 2, Clínica Popular 3 x 2, Esparadrapo Z 18 x 3, Hospital
São Jorge 6,5 x 2, Cines Ritz e Mara bá 6,5 x 3, Dr. Araújo Lopes 3 x 2,
Alfaiataria Rival 4,5 x 1, Ótica Valentim 5,5 x 1, Indústria de Artefatos
de Borracha Triângulo (17,5 x 3), “Os Amores de Suzana” ( filme) 3 x 1
Teor do material publicado (predominante)
PCB, movimento operário e sindical , política geral/PCB, lutas
populares, cultura e entretenimento, e sportes, movimento operário e
sindical
Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pa cífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical ( p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a se rviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)
2- Edição de 9/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 30, 9/11/ 1945, sexta-feira
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 20
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
Sem a cooperação anglo-america na-soviética impossível haver
156
156
esperança de paz mundial
Revogado por decreto do presidente da R epública o artigo 177 da
Constituição de 1938
Chiang-Kai-Chek ordenou o ataque geral aos comunistas
p. 2
O clima imprescindível
p. 3
Crise estrutural
Stalin jornalista
p. 4
Visita do Comitê Popular Progressista da Fr eguesia do Ó à redação do
Hoje
“Natal da Cr iança Pobre” promovido pelo Comitê Democrático de
Santana
p. 5
A Armênia Soviética reivindica se us territórios ocupados na Turquia
p. 6
De volta de uma “tournée” pela Amér ica Latina fala ao Hoje o maest ro
Camargo Guarnieri
p. 7
Em choque esta noite os líderes do c estobol bandeirante
p. 8
O povo deseja sufragar o nome de um candidato c ivil
157
157
Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM 14
NOTÍCIA 30
ARTIGOS ASSINADOS 2
COLUNA/CRÕNICA/CRÍTICA ESPECIALIZADA 5
EDITORIAL 3
TEXTO-LEGENDA 2
Número de anúncios: 11
Relação e tamanho dos anúncios:
Editorial Calvi no (25 x 3), Sociedade C omercial Atualidades (8 x 3),
Ótica Valent im (5,5 x 1; 5 x 1), Dr. Araújo Lopes (3 x 1), IAPC,
Indicador Profissional (espécie de classificados com mais de 30 nomes
de m édicos, labor atórios, c línicas e advogados), cines Ma rabá e Ritz,
livro “Terra Vermelha”.
Teor do material publicado (predominante)
Internacional, política ger al, comitês democráticos populares, cultur a e
entretenimento, esportes
Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pa cífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical ( p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a se rviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)
3- Edição de 17/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 36, 17/11/ 1945, sábado
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 14
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
Yedo Fiuza – candidato do povo
Por decreto de ontem foi extinto o Tribunal de Segurança Nacional
158
158
p. 2
Liquidaremos a hipertrofia presidencia lista
p. 3
Com o povo, hoje no Anhangabaú
Advertência aos eleitores
p. 4
Movimento Sindical/Os trabalhador es da Light propugnam pela eleição
de seu companheiro Mendonça Falcão para a C onstituinte
p. 5
Recebida com júbilo, no Vale do Paraí ba, a presença de Jair Batalha na
chapa do PCB
O PCB, fator de ordem e tranquilidade em Fernandópolis
p. 6
Hoje nas artes/20 artistas brasilei ros
A reunião de anteontem em Cidade Ja rdim
p. 7
Hoje à noite terá início o c oncurso de natação para adultos
Empate de cinco tentos entr e Coríntians e Jabaquara
p. 8
O problema da alimentação popul ar
A Hungria marcha para a democracia
Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM 11
NOTÍCIA 31
ARTIGOS ASSINADOS 4
COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA 4
EDITORIAL 5
TEXTO-LEGENDA --
159
159
Número de anúncios: 8
Relação e tamanho dos anúncios:
Flórida Luxo (15 x 2, 5 x 2), arquiteto (5 x 1), Agência Continent al (5 x
1), cinemas (8 x 4, 10 x 3), Alfaiataria Ri val (5 x 1), Dr. Araújo Lopes
(3,5 x 2)
Teor do material publicado (predominante)
Política geral/PCB, movimento ope rário e sindical, PCB, cultura e
entretenimento, esportes, lutas popula res
Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pa cífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical ( p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a se rviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)
4- Edição de 25/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 43, 25/11/ 1945, domingo
Número de páginas: 6
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 22
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
Com Prestes, pela candidatura civil/De Jundiaí a Bauru levanta-se o
povo
O MUT denuncia agentes provocadores que pret endem impedir a
realização de eleições pa cíficas
p. 2
Com Prestes, pela candidatura civil
p. 3
Candidatura de todas as forças progressist as
Informe político lido por Prestes no Pleno da Vit ória, do Partido
Comunista do Brasil
p. 4
160
160
O Ministro do Trabalho assegura aos dirigentes do MU T ampla
liberdade sindical
Concentração de Comitê s Democráticos dos subúrbios da Sorocabana
p. 5
Yedo Fiuza é um verdadeiro amigo dos t rabalhadores
Para que Anita Leocádia visi te São Vicente
p. 6
O povo sabe atender com presteza aos a pelos do seu líder
Há falta de pão em diversas padaria s da capital
Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM 11*
NOTÍCIA 25
ARTIGOS ASSINADOS 2
COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA ---
EDITORIAL 3
TEXTO-LEGENDA 3
Número de anúncios: 22
Relação e tamanho dos anúncios: Agência de Seguros O riente (4 x 2),
Esparadrapo Z (18 x 2), Guia Postal “Paname ricana” (13 x 2),
Alfaiataria Rival (5 x 1), Dr. Mário Ka ufman (3 x 2), Lima França
despachante (2,5 x 2), Organização B rasília (imobiliária, 4 x 2),
Perfume Malibu (3,8 x 1), Clínica Popula r (3 x 2), Máquinas Singer-
Casa Para Todos (5 x 2), Indústria de Artefatos de B orracha Triângulo
(17,5 x 3), Policlínica da Fundação Guert zenstein (10,5 x 2), cinemas
Marabá e Ritz (6 x 3, 7 x 4), Farmácia Municipal (8 x 2), Farmácia
Catedral (5 x 2), Casa César (6 x 2), Agência Continental (livros, 4,5 x
2), Dr. Araújo Lopes, Água Mineral Platina (17,5 x 1), Rá dio Difusora
São Paulo (programa de rádio do PCB).
Teor do material publicado (predominante)
PCB, movimento operário e sindical
161
161
Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Tudo pelo candidat o do povo (p.
3, substituindo Solução pacífica dos problemas pol íticos), Pela
liberdade sindical (p. 4), Trinta mi lhões de brasileiros vivem no campo
(p. 5).
5-Edição de 5/1/1946
Nº ed/Data/dia da semana: 70, 5/1/ 1946, sábado
Número de páginas: 12
Formato (cm x cm): 44 cm x 29,5 cm
Número de colunas: 5
Número de fotografias: 15
Número de ilustrações: 4
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
A Light desafia os trabalhadores
O povo brasileiro não mais será governado por vel hos moldes ditatoriais
e fascistas
p. 2
Aumenta a tensão grevista nos Estados U nidos
Incidentes ocorridos em várias fábricas de Nova Jersey e Detroit
p. 3
Saudação ao povo de Santos
Aumento de salários – fator de ordem
De Munich a Nuremberg
p. 4
Católicos, espíritas, prote stantes, espiritualistas — todos unidos sob a
bandeira da Democracia
p. 5
Convenção das entidades traba lhistas de Campinas para debate das t eses
que apresentarão no Congresso Sindical do Est ado
A equiparação dos jornalistas de Sant os aos do Rio e de São Paulo
162
162
Estão em greve os operários da Fiação e Te celagem Assad S.A.
p. 6
Querem pôr na rua os moradores da vila númer
Relação e tamanho dos anúncios:
Rádio América PRE-7 (15,5 x 2), Ótica Valentim (5 x 1), Drogadada
(14,7 x 3), cinemas (6,5 x 3), Agência Continental ( livros, 5 x 1),
imóveis (5 x 2; 2,5 x 2; 2,5 x 2), Dr. João A. Lopes (4,5 x 2), Farmácia
Catedral (9,5 x 2), viajante (3 x 1)
Teor do material publicado (predominante)
Movimento operário e sindical (3 pg), lutas popula res (2 pg), cultura e
entretenimento, esportes inter nacional, PCB, Prestes
6-Edição de 14/1/1946
Nº ed/Data/dia da semana: 77, 14/1/ 1946, segunda-feira
Número de páginas: 12
Formato (cm x cm): 44 cm x 29,5 cm
Número de colunas: 5 (3/4)
Número de fotografias: 16
Número de ilustrações: 2
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:
p.1
Duplicação de salários
Haverá guerra civil no México se Padilha f or eleito
p. 2
Selos comemorativos do Congresso Sindical do Estado
p. 3
Os problemas do campo
A luta pela paz
p. 4
Rede de água e esgotos/recl amam os moradores de Vila Nova
Conceição
Constituído o Departamento Femi nino do Comitê Democrático de Ponte
Grande
p. 5
Os ferroviários da Central já têm o se u órgão de classe
164
164
Reclamam contra a Goodyea r
p. 6
Será escolhida nas urnas a “R ainha dos Trabalhadores de S. Paulo de
1946”
Uma “mesa redonda” promovida entr e as donas de casa de um bairro
proletário
p. 7
Operários e patrões confraternizados fest ejam o ano da Vitória
p. 8
“Todos os filhos de Deus têm asas”
p. 9
Os comunistas e os problemas de Guarati nguetá
p. 10
Iniciado o certame sul-americano de f utebol os argentinos venceram os
paraguaios por 2 a 0
p. 11
Duplicação de salários
Franco e Salazar são apoiados pel a política fascista do Vaticano
p. 12
Exigida a demissão do secret ário da Guerra dos Estados Unidos
Qual será a “Rainha dos Trabal hadores de S. Paulo de 1946”?
Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM 11
NOTÍCIA 27
ARTIGOS ASSINADOS 2
COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA 4
EDITORIAL 4
TEXTO-LEGENDA 2
Número de anúncios: 26
Relação dos anúncios:
165
165
Rádio América PRE-7, Repartiçã o de Águas e Esgotos de São Paulo
(edital), cinemas (2), Farmácia C atedral, Farmácia Técnica, Farmác ia
Municipal, Empresa de Ônibus Pássa ro Marrom, Expresso Luxo,
Agência Continental (livros), imóveis (3) , Dr. João A. Lopes, Dr. J.
Martins Costa, Clínica Santa Luz ia, Clínica Popular, Casa Para Todos
(máquinas Singer usadas), Casa Mont ini (relógios), maquinistas (oferta
de emprego), loja Rádio Mundial, bar -restaurante Leão, semanário O
Trabalho, técnico de rádio, jóias
Teor do material publicado (predominante)
Movimento operário e sindical, lut as populares, política, PCB,
internacional, esportes, cultur a e entretenimento
Breve comparação à Folha da Manhã e ao Correio Paulistano
Com a finalidade de encontrar e analisar semelhanças e dif erenças no
aspecto visual, na titulação, no emprego de imagens, nos conteúdos e também na
quantidade de mat erial publi citário veicul ado, com paramos o Hoje à Folha da
Manhã e ao Correio Paulistano. São com paradas as edições de Hoje e FM de
9/11/1945 e de Hoje e CP de 5/1/1946, data s que fazem parte das semanas
compostas utilizadas para pesquisar o Hoje. A c omparação foi realizada com dois
pares de edições (ao invés de empr egar edições das três publ icações na mesma
data) em função de lacunas nas coleções disponí veis. Note-se que o Hoje de
5/1/1946 tem formato tablóide porque vinha sendo produzido, na ocasião, nas
oficinas do Diário do Povo.
A amostra revela que sem elhanças no tratamento técnico confe rido à
titulação, na quantidade de fotografias emprega da, no emprego de mat erial
noticioso das agências internacionais, na utili zação da reportagem como gênero
jornalístico. Em alguns aspectos Hoje leva vantagem, como no uso de fotografias.
O maior desequilíbrio entre os jornais, na amost ra, é a quant idade de publicidade
veiculada: o espaço comerci alizado pela FM é 433% superior ao de Hoje (710
cm/coluna vs. 133 cm/coluna) , ao passo que o espaço comercializa do pelo CP é
550% maior (1.008 cm/coluna vs 155 cm/coluna) .
166
166
Ambos os conc orrentes do diário do PCB possuem trunfos editoriais. A
maior parte da amostra das página s do CP exibe poucas fotografi as e paginação
conservadora, mas isso é contrabalançado pela publ icação, em tom
sensacionalista, de reportagens sobre temas de interesse popular com o as
fraudes praticadas na composição do leite ilustradas por montagens
fotográficas. A FM, por sua vez, publica na capa reportagens exclusivas assinadas
pelos correspondentes do Chicago Daily News em Washington e Tóquio
230
. (Por
outro lado, nada na capa foi produzido pelo próprio jor nal: o restante do noticiário
procede das agências United Press e Reuters.) A FM reproduz, com
“exclusividade da agência Interamericana”, um a crônica humorísti ca diária do
jornalista Aparicio Torelly, o “B arão de Itararé”, conhecido militante do PCB.
A base para a comparação foram as Fichas de Leitura empregadas para o
Hoje. A seguir, os resultados:
1-Características físicas gerais
Folha da
Manhã
9/11/1945
nº 6.633
20 páginas em 2 cadernos
Formato: 49 cm x 38 cm
Mancha gráfica: 44,4 cm x 35,2 cm
7 colunas de texto (coluna = 5 cm); total 350 cmxcol
Hoje
9/11/1945
8 páginas
Formato: 58,5 cm x 41,5 cm
Mancha gráfica: 54,5 cm x 36,5 cm
8 colunas de texto
CorreioPaulista
no 5/1/1946
nº 27.539
12 páginas
Formato: 55,5 cm x 39 cm
Mancha gráfica: 50,2 cm x 36,4 cm
7 colunas de texto (coluna = 5,2 cm); total 351,4
cmxcol
Hoje
5/1/1946
12 páginas
Formato: 44 cm x 29,5 cm
Mancha gráfica: 39,3 cm x 25,3 cm
5 colunas de texto (coluna = 5 cm)
A análise das car acterísticas físicas indica i mportantes diferenças entre os
jornais na amostra colhida. Na comparaçã o com a FM, Hoje tem menos de
metade do número de ginas (oito contra 20, estas divididas em dois cadernos
230 Wallace Deuel e William Mac Gaffin, respectivamente.
167
167
ou “seções” como se chamava na época), enquanto que na comparaçã o com CP
os formatos são diferentes: este é standard, aquel e é tablóide. Os formatos
standard medidos na pesquisa (Hoje de 9/ 11/1945, FM e CP) variam entre si em
questão de centímetros; a mancha gráfica aprese nta valores mais próximos uns
dos outros. Outra diferença relevante diz respei to ao número de colunas de Hoje
no formato standard: oito, ao passo que os outros têm se te.
2-Capas - manchete e 2º título: 9/11/1945
Folha da Manhã Chegará amanhã a Washington, para import antes
conversações com Truman, o sr. Clemente Attl ee
Prevista para breve uma nova conferência dos “ Três
Grandes”
Fotografias --
Reportagens 3
Notícias 4
Opinião/editorial --
Anúncios 1 Refinações de Milho Brasil (5 x 3)
Hoje Sem a cooperação anglo-amer icana-soviética
impossível haver esperança de paz mundial
Chiang-Kai-Chek ordenou o ataque geral aos
comunistas
Fotografias 3
Reportagens 2
Notícias 7
Opinião/editorial --
Anúncios --
168
168
3-Capas - manchete e 2º título: 5/1/1946
Correio
Paulistano
Mac Arthur ordena rigoroso expurgo no governo
nipônico
Não foi submetido à apreciação da Argent ina o plano
do Tratado de Segurança Continental
Fotografias 1
Reportagens --
Notícias 7
Opinião/editorial 1
Anúncios --
Hoje A Light desafia os trabalhador es
O povo brasileiro não mais será governado por velhos
moldes ditatoriais e fascistas
Fotografias 2
Reportagens 2
Notícias 4
Opinião/editorial --
Anúncios --
4-Quartas capas- manchete e 2º título: 9/11/1945
Folha da Manhã Concluídos os estudos relativos ao texto do
anteprojeto de padronização do arroz
Mussolini confessa que o Comando italiano na
Iugoslávia armou milhares de “chet niks” para a luta
contra as forças de Tito
Fotografias 3
Reportagens 2
Notícias 5
Opinião/editoria
l
--
Anúncios 1 Casa Anglo-Brasileira (17,5 x 3)
169
169
Hoje O povo deseja sufragar o nome de um candidato c ivil
Querem criar um parque infantil com o nom e de
Anita Leocádia
Fotografias 7
Reportagens 2
Notícias 4
Opinião/editoria
l
--
Anúncios --
5- Quartas capas- manchete e 2º título: 5/1/1946
Correio
Paulistano
5/1/1946
O projeto de Constituição do prof. Sampaio Dória
pode e deve transformar-se num projeto oficial do
governo
“A administração do serviço público mui to teria a
lucrar, se quisesse ouvir o funcionalismo”
Fotografias 4
Reportagens 6
Notícias 3
Opinião/editorial --
Anúncios --
Hoje
5/1/1946
Em greve milhares de trabalhadores na i ndústria de
fiação e tecelagem
Reúnem-se hoje os trabalhadores na indústr ia
metalúrgica
Fotografias
2
Reportagens 2
Notícias 5
Opinião/editorial 1
Anúncios --
A compa ração de manchetes e títulos das capas e quartas c apas não revela
diferenças acentuadas na sintaxe , entre Hoje de um lado e FM e CP de outro. A
maioria dos títulos apresenta excessivo número de palavras. Os títulos dos jornais
do PC B e do PRP são mais editorializados do que os da FM: “A Light desafia os
trabalhadores”, “O povo brasileiro não mais será governado por velhos mol des
ditatoriais e fasc istas” (Hoje 5/1/1946); “O projeto de C onstituição do prof.
Sampaio Dória pode e deve transformar-se num projeto ofi cial do governo” ( CP
170
170
5/1/1946).
Títulos das páginas esportivas- 5/1/1946
Correio
Paulistano
5/1/1946
p.8
Brasileiros e uruguaios empenhados hoje na pr imeira
grande luta pela conquista da “Copa Rio Branco”
231
Caldera e Soares decidirão esta noite a lut a
“revanche”
232
Fotografi
Capa -- -- -- --
2 1 18 -- --
3 1 2 -- --
4 -- -- 1 9,6
5 -- -- 2 10
6 9 197 -- --
7 3 74 3 17
8 -- -- 2 24,5
9 4 175 1 44
10 1 351 1 31
11 11 191 1 19
12 -- -- -- --
Totais
30 1.008 11 155
A amostra reve la alto volume de publicidade no CP, com destaque para a
chamada publicidade legal ( balanços, edit ais) de empresas e ór gãos pertenc entes
ao pode r público: B anco do Brasil, Departame nto Nacional do Café, Repartição
de Águas e Esgotos de São Paulo, Prefeitura de São Paulo, Lot eria do Estado
(página inteira), o que sugere forte ligação do jornal com o poder polít ico fe deral
num período em que os Estados tinham interventore s e os prefeitos eram
nomeados. Na mesma edição, anunci am várias empresas pri vadas: Metalúrgic a
Matarazzo, Cia. Pecuária do Brasil Central, Cia. Brasileira de Pólvora e
Explosivos, Cia. Sorocabana de Material Ferroviário, Cia. Brasileira de Soda
Cáustica, Banco Nacional da Cidade de São Paulo S.A., Linhas Aéreas Paulistas,
Antarctica (Pilsen Ext ra), Rádio Excelsi or. Outros anunciantes: Droga dada, Clube
Militar da For ça Pública, Hotel Interlagos, Cassi no S. Vicente, Expre sso Paulista,
Ótica Lutz F errando, cinemas Broadw ay, Alhambra, Roxy/Astória,
Ipiranga/Ópera.
No mesmo dia, Hoje publicou apenas a propaganda da Rádio Améri ca PRE-7,
Ótica Val entim, Drogada da, cinemas, Agência Continental (livros), além de
alguns pequenos anúncios.
172
172
Publicidade na Folha e Hoje- 9/11/1945, sexta-feira
Folha da Manhã
Hoje
anúncios total (cm x
coluna)
anúncios total (cm x
coluna)
Capa 1 15 -- --
2 -- -- 3 104,5
3 1 87 -- --
4 2 88 1 20
5 2 34,5 2 8,3
6 -- --
7 3 30 -- --
8 1 30 -- --
9 2 264 -- --
10 1 65 -- --
11 3 44,3 -- --
12 1 52,5 -- --
Totais
17 710 6 133
A FM publicou um expressivo volume de anúncios para Refina ções de Milho
Brasil, Casa Anglo-Brasileir a, Loteria Federal, Secretaria da F azenda, Partido
Trabalhista Brasilei ro (PTB, 44 cm x 6 colunas) , Rádio Panamericana, Rádio São
Paulo, Rádio Bandeirantes, cassinos Guarujá e São Vicente, Lote ria Paulista,
Lipotrop (medicamento) e outros. Dois anúncios da própria FM deixaram de ser
computados.
No m esmo dia, Hoje trouxe anúncios de Editorial Calvino, Soci edade
Comercial Atualidades, Ótica Valentim, IAPC e outros menores. Foram
desconsiderados dois anúncios do próprio jornal.
173
173
CONCLUSÃO
A pr eocupação do Partido Comunista do Brasil em combater a hegemonia
burguesa no âmbito das realizações culturais e da comunicação social
materializou-se num aparato de imprensa que colheu si gnificativos êxitos
nos campos políti co e cultural. Rubim chamara a atenção para a
importância política e social da “ampla rede de jorna is e revistas” montada
pelo PCB, bem como para a novi dade representada pela criação da agência
noticiosa Interpress (Rubim, 1986: 50).
O presente trabalho dem onstrou que um dos mai s importantes jornais de ssa
rede, o diário Hoje, sediado em São Paulo, const itui-se como aparelho
privado de hegemonia e torna-se mesmo assediado permanentemente
pela repressão política — uma notável exper iência de contra-hegemonia.
No Brasil dos anos 1940, a sociedade civi l é complexa o bast ante, isto é ,
suficientemente “ocidentalizada ”, comportando toda uma varie dade de
aparelhos privados de hegemonia (APHs), capa zes de produzir e difundir
ideologias: não a Igreja, que se de svinculara do Estado no fim do culo
19, mas instituições outras com o os partidos polí ticos, os jornais (vários
criados no século 19), as entidades corporativas ou assemel hadas como a
OAB e a ABI, as or ganizações criadas pela burguesia industrial, como a
Fiesp, o Senai e o Sesi , os sindi catos de trabalhadores etc. É nesse contexto
que Hoje se movimenta, com relativo sucesso.
O profundo vínculo com o PCB condicionou a exist ência do jornal. Esse
vínculo manifestava-se tanto na orientação editorial (conteúdo, f orma e
linguagem dos textos publicados) como na composição das sua s equipes de
jornalistas e gráficos, a maioria dos quais e ra de profissionais ao menos na
fase inicial do Hoje porém ligados ao partido por convicções políticas e por
uma trajetória de mili tância.
Hoje acompanhou as va riações da linha política do partido, à direita e à
174
174
esquerda. Assi m, nos primeiros anos de vida, entre outubro de 1945 e fins de
1947, defendeu a linha de união nacional com Vargas, e depois com Dutra. Ent re
1948 e 1952, no entant o tendo o PCB pa ssado pela dolorosa experiência da
cassação do registro legal e dos mandatos de seus parlamentares o jornal
inclinou-se para uma radicalização política, vista por contemporâneos como
sectária, consoante com a letr a e o espírito dos manifest os de j aneiro de 1948
(“Manifesto de Abril”) e de agosto de 1950 (“Ma nifesto de Agosto”).
Convencida de que a união nacional era indispensável à democracia mesmo
após o fina l da Segunda Guerra Mundial; de que era pr eciso a poiar a burguesia
nacional para com isso desenvolver o capitalismo; e de que um a política de
ordem e tranqüilidade poderia assegurar tais condições e provar às elites do pa ís
seu compromisso com soluções pacíf icas dos problemas brasilei ros, nos a nos de
1945 e 1946 a direçã o do PCB enver edou pelo senda da colaboração de classes e
do nacionalismo puro e simples ao re comendar à classe operária que se abstivesse
de promover greves e de provocar “desordens”.
Essa orientação foi seguida pelo Hoje, porém de forma contraditória à
medida que o jornal, si tuado no epicentro da movimentação operár ia, recebia as
pressões dos próprios trabalhadores em greve. Aos poucos, a presença das greves
avoluma-se nas página s do diário comunista. O jornal mostrou-se assim
permeável à influência da classe operária, em momento de ascenso dest a, que
buscava recuperar os direitos e o pode r aquisitivo perdidos durante a guerra.
Interessado em implantar medidas econômicas que desmontassem os
aspectos nac ionalizantes da política de Vargas, e abrir a economia do país ao
capital estrangeiro, Dutra mostra-se também sensível às reivindicações dos
industriais, alarmados com a c rescente mobilização dos operários. Seu decr eto
antigreve, que atropela a Assembl éia Na cional Constituinte, é de março de 1946.
A partir daí tomar-se-ão medidas cada vez mais duras c ontra trabalhadores,
sindicatos e o PCB. É nesse contexto que se situa a repressão viol enta ao Hoje e
às demais publicações comunistas, como a Tribuna Popular, a Folha do Povo, O
Momento, a Tribuna Gaúcha. Esses APHs te ntam sobreviver, a ssim, em
175
175
condições adversas: o regime ampara-se no t errorismo de Estado, prefe re a
coerção ao exercício de hegemonia sobre a sociedade.
Foi somente graças a um va sto apoio social na capital e no interior que Hoje
pôde ser lançado e mantido pelos comunistas por vários anos. O jor nal circulou
com int errupções que somaram mais de um a no entre outubro de 1945 e
agosto de 1952, num total de 1.284 edições conhecidas, ao passo que de seu
sucessor Notícias de Hoje, que circulou entre 1952 e 1959, foram publicadas
2.144 ediç ões
233
. Ainda que modest os quando comparados às cifras dos jorna is
comerciais, os números do Hoje atestam o gigantismo da empreitada levada
adiante pelo PCB desde o final do Estado Novo.
A pesquisa demonstrou que o desempenho propriamente jor nalístico de
Hoje não ficou a deve r (ao menos na fase i nicial, na qual concentrou-se este
estudo) aos diários com os quais concorria. Mostr ou compet ência técnica na
maior parte dos quesitos que constituem um jornal: qualidade do papel; variedade
temática da cober tura noticiosa; textos, títulos, imagens (fotografias, ilustraçõe s);
características de composição e impr essão. De fato, Hoje se situa em cl ara
situação de inf erioridade na comparaç ão com o número de páginas e na
quantidade de publicidade dos concorrentes. Mesmo assim, devem ser destacados
os resultados obtidos pelo diário na venda de publ icidade.
O jornal mostrou pragmatismo tanto em relação ao tipo de anunciantes
quanto ao local de publicação dos anúncios nas suas edições com c erta
freqüência, publicou anúncios de cigarros na capa do jornal. Hoje procurou,
assim, viabilizar aquela que era, naquela época , a maior fonte de receitas de
um jornal. Os pri ncipais fatores de frustração desse objetivo não era m de
natureza comercial, mas pol ítica: as seguidas proibiçõe s e apreensões, que
interrompiam a circulação do jornal fazendo cai r os índi ces de venda e lei tura; as
pressões sobre empresas dispost as a colaborar com o jornal; e o próprio fato de
que Hoje, por sua temática e orientação editorial, colocava-se num campo
antagônico ao dos potenciais anunciante s.
233 Esses números referem-se às coleções disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp.
176
176
Aqui pode- se traçar um paralelo com um jornal que surgi ria em São Paulo
na cada de 1950, Última Hora. Gisela Goldenst ein def ende a i déia de que
Última Hora, que ti nha uma finalidade polí tica clar a (e portanto um a causa),
teve de encerrar suas ativi dades em razão de uma contr adição insanável.
Segundo ela, apesar de não ser anticapitali sta, a mensa gem de Última Hora
defendia um arranjo político que não encontrava suficient e adesão entre os
grupos dominantes: a lguns aspectos de sse arranjo sofriam mesmo cerrada
oposição de parte desses grupos (Goldenstein, 1987: 56). Para essa autora,
assim, a mensagem política de Última Hora “fazia com que seu sucesso de
público junto às classes populares, em vez de levar à obtenção de mais
anúncios, lucros, crédito, expansão etc., ti vesse efeitos inversos”.
Em outras palavras, neste sentido “a mensagem polític a do jornal Última
Hora r evelava-se incompatível com a afirmação da lógica da empresa
Última Hora (idem: 57). A morte do j ornal teria decorrido assim do fato de
que sua mensagem era “mercadoria por acrésc imo, e não por def inição”. “A
primazia da mensagem política populista impediu a afirmação da lógi ca
empresarial ao revelar-se incompatí vel com ela” (idem: 134).
Finalmente, deve -se fr isar que a pesquisa desc onstruiu alguns m itos sobre o
jornalismo do PCB . Espaço de páginas inteiras e tr atamento al egre conc edidos ao
esporte; a cobertura de fatos culturais; a linguagem util izada nos títulos e textos,
que incorpora element os do sensacionalismo e do gosto popular; o uso criativo da
fotografia como recurso editori al tudo isso desautoriza um ce rto reducionismo
presente nas análises que Dênis de Moraes e Martin-Barbero (este, base ado em
estudo de Sunkel sobre a imprensa operá ria no Chile) fazem da imprensa
comunista, vista como bitolada. Muito ao contrário, Hoje trabalhou sempre, de
maneira hábil, as práticas de entretenimento adota das pel os setores sociais que o
apóiam: bai les, festas, concursos de beleza feminina como a escolha da “Rainha
da Imprensa Democrática” são promovidos f reqüentemente pelo jornal. O
comparecimento de artistas populares em tais eventos era garant ia de público
numeroso, (re)legitimando Hoje como referência sócio-cultural para aqueles
177
177
setores.
178
178
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ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS CONCEDIDOS AO AUTOR
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BRITO, Lúcia. Entrevista. São Paul o, 2003.
CARVALHO, Pérola de. Entrevista. São Paulo, 2005.
________. Depoimento escrito. São Paulo, 2006.
FELDMAN, Jacob, GONZALES, Waldemar . Entrevista. São Paulo, 2004.
________. Depoimento gravado. São Paulo, 2006.
FREITAS, Walter. Entrevist a. Guarujá (SP), 2005.
GUEDES, Armênio. Entrevista . São Paulo, 2004.
JULIANO, Miguel. Entrevista. São Paulo, 2004.
RIBEIRO, Dinorah. Entrevista. Sant os (SP), 2004.
REBOUÇAS, Áurea. Depoimento por telef one, de Salvador (BA), 2004.
OUTROS DEPOIMENTOS
BRITO, Na bor Cayres de. Gravado em fitas de áudio (133.19-A e B). Coleção
Memória da Imprensa, Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 1982.
FELDMAN, Jacob. Depoimento no Seminár io “A Im prensa Confiscada”,
FFLCH-USP, gravado pelo Autor. São Paulo, 2004.
MOYA, Ál varo. Depoimento no Sem inário “A I mprensa Confiscada”, FFLCH-
USP, gravado pelo Autor. São Paulo, 2004.
OUTRAS FONTES
Coleção Pessoal de Astrojildo Per eira — Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano (Asmob), Arquivo do Estado de São Paul o.
Acervo Pessoal de Adhemar de Barros — Arquivo do Esta do de São Paulo.
Diários Políticos de Caio Prado Júnior, 1945-1947. Fundo Caio Prado Júnior.
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB -USP).
184
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Anexo 1 - Ficha de Leitura do Hoje
1- Nº ed/Data/dia da semana:
2- Número da página/dístico, se presente:
3- Formato (cm x cm):
4- Número de colunas/iguais-desiguais:
5- Unidades de texto:
6- Número de fotografias:
7- Número de ilustrações:
8- Manchete ou título principal:
9- Segunda manchete ou título:
10-Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):
REPORTAGEM
NOTÍCIA
ARTIGO ASSINADO
COLUNA
CRÕNICA
EDITORIAL
CRÍTICA ESPECIALIZADA
TEXTO-LEGENDA
OUTROS
11-Seções, se presentes:
12-Anúncios (nº): / % sobre espaço da página:
12.1- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.2- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.3- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.4- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.5- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.6- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.7- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.8- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.9- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.10- Anunciante/tamanho (cm x col.)
13-Teor do material publicado
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PREDOMINANTE: CATEGORIA/ % sobre espaço da página:
RELEVANTE 1: CATEGORIA
RELEVANTE 2: CATEGORIA
SECUNDÁRIO 1: CATEGORIA
SECUNDÁRIO 2: CATEGORIA
TABELA DE CATEGORIAS:
A- POLÍTICA (GERAL) (MENOS PCB)
B- PCB
C- PRESTES (TÍTULO, FOTO OU ILUSTRAÇÃO)
D- STÁLIN O U PCUS (IDEM)
E- INTERNACIONAL
F- ECONOMIA
G- MOVIMENTO OPERÁRI O E SINDICAL
H- C OMITÊS DEMOCRÁTICO-POPULARES
I- MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POPULARES
J- OUTROS JORNAIS DO PCB
K- JORNAL HOJE
L- OUTROS JORNAIS (EXCETO PCB)
M- CULTURA
N- ESPORTES
O- O UTROS
Observações:
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Capa de 17 de novembro de 1945
A classe operária se movimenta: 5 de janeiro de 1946 (1)
A classe operária se movimenta: 5 de janeiro de 1946 (2)
Prestes com os jornalistas do Hoje: 1946
Carlos Scliar e Noé Gertel na redação do Hoje
Agildo Barata (terceiro da direita para a esquerda) em visita ao Hoje em 10 de
outubro de 1946. Adolfo Roitman, Joaquim Câmara Ferreira, Clóvis Graciano,
Mário Scott, Milton Cayres de Brito e José Tavares Dias.
Prédio do Hoje na rua Conde de Sarzedas, após invasão policial em 3 de janeiro de
1948.
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