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LUIS GUILHERME GALEÃO-SILVA
ADESÃO AO FASCISMO E PRECONCEITO CONTRA NEGROS: UM
ESTUDO COM UNIVERSITÁRIOS NA CIDADE DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social
PUC/SP
São Paulo
Março de 2007
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LUIS GUILHERME GALEÃO-SILVA
ADESÃO AO FASCISMO E PRECONCEITO CONTRA NEGROS: UM ESTUDO
COM UNIVERSITÁRIOS NA CIDADE DE SÃO PAULO
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo como exigência parcial para a
obtenção do título de Doutor no
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia Social sob a orientação do
Professor Doutor José Leon Crochík.
São Paulo
Março de 2007
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iv
RESUMO
Ao longo dos últimos anos, muitas pessoas mudaram sua percepção sobre a desigualdade
racial no Brasil. Antes, era senso comum que não havia racismo e que os negros não se
destacavam na sociedade por condições sociais. Hoje, a maioria dos brasileiros acredita que
existe racismo no Brasil. Mas a compreensão da natureza do preconceito racial contra
negros no Brasil ainda gera muitas questões. Esta pesquisa foi orientada para a busca da
compreensão de uma dessas questões: a relação entre o preconceito sutil, o preconceito
flagrante e a tendência à adesão ao fascismo. Para isso, foi realizada uma pesquisa social
crítica que como hipótese estabeleceu que o preconceito sutil e o preconceito flagrante
contra negros estão relacionados à tendência à adesão ao fascismo. Para investigar essa
hipótese, cento e três universitários (103) do curso de Administração de Empresas, auto-
identificados como brancos, responderam a um questionário. O questionário foi composto
pelas escalas F (fascismo), preconceito flagrante e preconceito sutil. Foram verificadas
correlações significativas entre os escores das três escalas. Também foi observado que os
sujeitos, em média, obtiveram escores mais altos na escala F, seguida da de preconceito
sutil e, por último, da escala de preconceito flagrante. Foi realizada uma análise fatorial
pelo método dos componentes principais das três escalas. A correlação entre a escala F e a
escala do preconceito sutil chama a atenção porque se esperava uma relação maior entre a
tendência à adesão ao fascismo e ao preconceito flagrante do que entre a tendência à adesão
ao fascismo e ao preconceito sutil. Mas os estudantes mais preconceituosos sutis contra os
negros tendem ao fascismo, do mesmo modo que os preconceituosos flagrantes. Outra
conclusão importante, a partir dessa correlação e da análise dos componentes principais das
escalas, é que o preconceito sutil sinaliza semelhanças entre as condições psicológicas para
a adesão ao fascismo e à ideologia racista contemporânea. Essas conclusões indicam a
necessidade de que as medidas igualitárias entre brancos e negros sejam acompanhadas da
crítica e da mudança das condições sociais que levam ao autoritarismo, uma vez que o
fascismo e o preconceito contra negros, inclusive o sutil, estão relacionados.
Palavras-Chave: Preconceito Sutil, Preconceito Flagrante, Fascismo, Teoria Crítica da
Sociedade.
v
ABSTRACT
Recently, Brazilian society has experienced a shift in the perception of racial inequality.
Few years ago, it was widely spread the notion that there was no racism in Brazil and that
the social conditions were the main problem of black population. Nowadays, however, it
seems that the majority of Brazilians has realized there is, indeed, racism in Brazil. The
nature of racial prejudice against black people raises many questions. Here we had
proposed to explore one of these questions: the relationship between subtle prejudice,
explicit prejudice and tendency to Fascism. We hypothesized that subtle and explicit
prejudice against black people are correlated to a tendency to Fascism. To investigate this
hypothesis, it was applied a questionnaire to 103 students of a Business Administration
School, who self-declared being white. It was performed a critical social research. The
questionnaire was composed by the F-scale (Fascism) blatant prejudice and subtle
prejudice. In our results it was found a correlation between F-scale and both types of
prejudice. In addition, we found a higher mean in the F-scale, subtle prejudice and blatant
prejudice, respectively. The most relevant correlation occurred between F-scale and subtle
prejudice. We interpreted that students with subtle prejudice against black people have
higher tendency to Fascism. It was done a factor analyses with the principal factor method.
We concluded from the correlation and the data analysis that the subtle prejudice signalizes
similarities between psychological conditions and adhesion to Fascism and the
contemporary racist ideology. We suggested that the need of social measures for black and
white people should be followed by a critic perspective and by changes of social conditions
that lead to authoritarianism.
Key Words: Subtle Prejudice, Blatant Prejudice, Fascism, Critical Theory.
vi
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS x
APRESENTAÇÃO 1
INTRODUÇÃO 5
Racismo e preconceito contra negros no Brasil 5
Estudo do preconceito racial pela psicologia social 25
Pesquisa empírica do preconceito racial contra negros brasileiros 52
A pesquisa do preconceito e da ideologia racial em uma nova etapa das
relações raciais no Brasil 57
Preconceito flagrante e preconceito sutil no Brasil 61
OBJETIVO E HIPÓTESE 85
MÉTODO 85
Sujeitos 85
Material 86
Escala de fascismo (F) 87
Escala de preconceito flagrante e escala de preconceito sutil 88
Padronização das respostas das escalas 89
Questionário de dados pessoais 91
Procedimentos 91
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 93
Resultados descritivos das escalas 93
Análise fatorial de cada escala 98
A pertinência da distinção entre o preconceito flagrante e o
preconceito Sutil 106
A correlação entre a escala F e o preconceito 108
Tendência latente ao preconceito e o preconceito sutil 111
vii
O preconceito sutil e a predisposição à adesão à ideologia
autoritária 114
Novas hipóteses 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS 127
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS 132
Anexo 1 (termo de consentimento) 140
Anexo 2 (lista dos enunciados das escalas) 142
Anexo 3 (tabela descritiva dos resultados para cada enunciado) 145
viii
Lista de tabelas
Tabela 1: Alfa de Cronbach para Escala de Fascismo, Preconceito Flagrante e Preconceito
Sutil 88
Tabela 2: Média e desvio padrão da Escala de Fascismo, do Preconceito Flagrante e do
Preconceito Sutil 93
Tabela 3: Componentes principais do Preconceito Flagrante 99
Tabela 4: Componentes principais do Preconceito Sutil 101
Tabela 5: Correlações entre Escala F, Preconceito Flagrante e Preconceito Sutil 107
ix
Dedico esta tese a meus pais, a Roberta, que dividiu comigo
muitos dos ônus e alegrias desta empreitada e a Helena, pois a
esperança renasce a cada nova vida.
x
AGRADECIMENTOS
São muitos os agradecimentos àqueles que contribuíram para a realização deste
trabalho. Minha gratidão é expressa apenas parcialmente pelas linhas que se seguem. Faço
questão de registrá-la aqui como parte inseparável do texto desta tese. Peço paciência ao
leitor se me repetir, pois por outras razões minha gratidão deve se estender a várias pessoas
e instituições.
Agradeço ao CAPES por ter permitido que me dedicasse o tempo necessário ao
esforço de pesquisar um aspecto da realidade psicossocial deste país. Agradeço a todas as
pessoas que responderam a esta pesquisa, por sua disposição e crença no bom uso das suas
respostas e por sua dedicação cooperação. Espero ter feito jus a sua confiança.
Agradeço ao Programa de Estudos de Psicologia Social da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo pela acolhida e suporte na formulação deste trabalho. Agradeço, em
especial, a meus professores nesse período: Bader Sawaia, José Leon Crochík, Odair Sass,
Antônio da Costa Ciampa e Iray Carone. Agradeço a Marlene Camargo, o anjo da guarda
do programa.
Agradeço à Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação
Getúlio Vargas, que me ofereceu condições de lecionar e questionar minhas práticas e
conhecimentos na interação com outros saberes e necessidades. Agradeço, em especial, a
Maria Irene Stocco Betiol, a Mário Aquino Alves, a Tiago Corbisier Matheus, aos colegas
do grupo de estudos de teoria crítica e administração, Marcus Vinícius Peinado Gomes,
Caio Motta e Albert Mojzeszowicz.
Agradeço ao meu orientador, José Leon Crochík, e ao co-orientador, Odair Sass,
pela grande dedicação a este trabalho e, afinal, pela enorme paciência e firmeza na gestação
e parto desta tese. Com Leon tenho ainda outras dividas de gratidão. Ele foi muito influente
em minha trilha intelectual e laboral por mais de dez anos, desde a graduação em
psicologia, passando pelo mestrado e agora pelo doutorado.
Agradeço aos colegas do grupo de pesquisa em psicol
xi
Nova Tiete e várias pessoas que têm necessidades, como todos, e mais qualidades do que
muitos.
Agradeço ao rio Aquino Alves, pela amizade e companheirismo ao longo de
vários anos; a Marie Claire Sekkel, por ter participado do socorro à tese em um momento
crítico de perda de rumo; a Olga Carfunquel, pela inestimável revisão da qualificação; a
José Ferreira, pelas aulas de redação e revisão final do estudo, a Ligia Assumpção Amaral,
em memória, por ter mostrado vários dos caminhos seguidos nesta empreitada, a Maria
Júlia Kovaks, por segurar na mão do ex-aluno quando este fraquejava, a Roberta Kehdy,
por muita paciência com os originais confusos das escalas e dos textos.
Agradeço a Reinaldo Morano, cuja dedicação e ajuda em tantas coisas acabaram
fazendo que, sem dúvida, várias delas desaguassem neste trabalho.
Agradeço a Roberta Kehdy por sua grande qualidade como companheira e fonte de
esperança.
APRESENTAÇÃO
A sociedade brasileira mudou, abrindo espaço para que o preconceito contra negros
volte a ser discutido e estudado. Quando a ideologia racial brasileira foi criticada, no século
XX, muitos de seus valores e comportamentos foram questionados. Várias pesquisas
recentes demonstram a forte redução da crença do Brasil como uma democracia racial.
Aparentemente muitos comportamentos mudaram. Mas o que significam essas mudanças
em relação ao preconceito e à tendência à adesão ao fascismo?
A compreensão do fascismo é importante para esta investigação. Aqui, o fascismo
não tem o significado de um regime político. É mais o sinal de uma grave regressão do
esclarecimento, da sociedade e da política, a qual reproduz o autoritarismo e a aceitação
cínica da dominação do sistema social sobre todas as potencialidades humanas. Essas
características gerais são inscritas na subjetividade por meio da socialização dos indivíduos.
Elas moldam a suscetibilidade do indivíduo à adesão ao ideário fascista: a tendência à
adesão ao fascismo.
Além disso, o preconceito se apresenta de muitas formas. Os conceitos de
preconceito flagrante e preconceito sutil são uma tentativa de classificar as mutações do
preconceito. O preconceito flagrante é a apresentação direta da rejeição do grupo
discriminado. Exemplo de preconceito flagrante é uma pessoa afirmar que nunca teria
relações sexuais com um negro ou uma negra. O preconceito sutil é a expressão indireta da
rejeição do grupo discriminado, e um exemplo disso é a afirmação de que a discriminação
contra os negros é causada por sua própria falta de esforço para serem aceitos na sociedade.
Porém, atos, juízos, classificações ou comunicações a respeito de um grupo discriminado
podem ser interpretados como mais diretos ou indiretos, segundo o significado que se lhes
atribua e o contexto. Daí a dificuldade de classificar o preconceito como sutil ou flagrante
em muitas situações. Ao mesmo tempo, é necessário distingui-los, para evitar que artifícios
retóricos ocultem o preconceito em enunciados com desqualificações indiretas.
Esta tese de doutorado é resultado da preocupação do autor de compreender como o
preconceito contra negros se relaciona com a tendência à adesão ao fascismo. Para incluir
2
novos elementos empíricos nessa discussão, foi realizada uma pesquisa, por meio de
questionários. A amostra foi composta de universitários de cursos de Administração de
Empresas da cidade de São Paulo. Supõe-se que há relação entre as tendências ao
preconceito e ao autoritarismo. O preconceito é uma atitude – uma tendência – do indivíduo
em relação a uma identidade, por exemplo, o negro.
Desde já, é necessário esclarecer que o negro é considerado nesta pesquisa um
modelo, identificado em indivíduos e utilizado por eles para identificar um grupo social.
Nenhum grupo étnico é considerado, nesta pesquisa, uma naturalização das distinções
sociais.
Além da atitude preconceituosa contra o negro, os indivíduos podem ser mais ou
menos autoritários. Esse autoritarismo dos indivíduos pode ser observado como uma
tendência à adesão ao fascismo (uma disposição de afetos e cognições a comportamentos
autoritários) e como um caráter (uma estrutura de personalidade). É possível medir a
tendência à adesão ao fascismo dos indivíduos por meio da escala de fascismo (F). Por sua
vez, a medida do caráter fascista depende de entrevistas e outros materiais subjetivos.
O uso da escala de fascismo é uma forma de medida quantitativa para aferir a
tendência à adesão ao fascismo. É uma medição de aspectos das respostas dos indivíduos a
determinados enunciados, que ao serem analisadas por meio da teoria critica da sociedade
revelam aspectos da dominação social registrados na subjetividade. Ela não é uma redução
da dimensão psicológica à sociológica. As escalas de atitudes (um tipo de questionário)
registram a subjetividade por meio de respostas e enunciados predeterminados. Essa
investigação enfatiza a presença, nos indivíduos, de gidos padrões de pensamento, pois a
resposta das pessoas aos enunciados é mediada por condições sociais que as padronizaram.
Essa compreensão da pesquisa quantitativa, com escalas, também não é uma redução da
dimensão sociológica à psicológica, pois não compreende o particular, o comportamento do
indivíduo, como uma ação imediata, devida unicamente a idiossincrasias. A ação do
indivíduo é sempre mediada socialmente, e atualmente essa mediação é maior do que nunca
(Adorno, [1950] 1965; Crochík, 1997).
A presente pesquisa foi proposta com o sentido de analisar a relação entre o
preconceito flagrante, o preconceito sutil e a tendência à adesão ao fascismo, e seu
3
conteúdo está disposto em quatro itens: introdução, método, discussão dos resultados e
considerações finais.
A introdução foi dividida em quatro partes. A primeira refere-se à discussão do
racismo contra negros no Brasil. Essa relação social é composta por uma serie de elementos
econômicos, culturais, sociais e psicológicos. Esses elementos articulam-se para determinar
as disposições individuais para a discriminação. Para tanto, fez-se uma revisão das teorias
sobre as relações racistas no Brasil. Nela são abordadas: a democracia racial, a mestiçagem,
a valorização da identidade negra, a crítica à discriminação contra os negros no Brasil e a
apresentação da situação do preconceito racial na atualidade. Depois, é apresentada a
relação entre subjetividade e o todo social. Descreve-se o potencial de fascismo e de
civilização, interiorizado pela socialização no íntimo de cada cidadão. O escopo deste
estudo está circunscrito àquilo que o sujeito expressa do preconceito contra os negros e à
tendência à adesão ao fascismo.
Na segunda parte da introdução discute-se a possibilidade de que a psicologia
social, em especial a psicologia social analiticamente orientada (Adorno, 1991), investigue
tanto teórica como empiricamente a predisposição à discriminação. São descritas pesquisas
sobre a relação do preconceito racial com a atitude autoritária. Por fim, são mencionadas
recentes pesquisas que apresentam outras formas de compreensão do preconceito racial, por
exemplo, o preconceito simbólico.
A terceira parte da introdução versa sobre a investigação empírica do preconceito
racial no Brasil. Para isso, foram reconsideradas as observações sobre o preconceito racial
no Brasil no terceiro quarto do século XX e feitas análises sobre a atitude de brancos
brasileiros sobre o racismo, nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI.
Na quarta parte da introdução são discutidos o preconceito flagrante e o preconceito
sutil contra negros no Brasil. Foram apresentadas as características atribuídas a um e a
outro tipo de preconceito. Também estão indicados os papéis de cada um no mundo
administrado (Adorno, 1995). E para considerar criticamente a integração do negro na
cultura nacional analisa-se, detidamente, uma das características do preconceito sutil: o
exagero da diferença cultural. A controvérsia sobre a assimilação da cultura negra por parte
da cultura brasileira torna necessária uma analise da diferença cultural em conjunto com a
crítica à sociedade. A sociedade brasileira tem uma percepção muito receptiva da cultura
4
negra, o que é o oposto do exagero da diferença cultural. Logo, à primeira vista, essa
característica do preconceito sutil não seria pertinente no Brasil. Porém, mostra-se a
necessidade de tal característica na compreensão do preconceito, e, por isso, a sua
manutenção na análise do preconceito.
Depois da introdução são apresentados o objetivo e a hipótese desta tese. A seguir,
no método, foram apresentadas as características dos indivíduos que responderam à
pesquisa. Foi descrito o instrumento de pesquisa: as escalas F, de preconceito flagrante e de
preconceito sutil; e suas adaptações a esta pesquisa. E apresentam-se os procedimentos de
coleta das respostas.
A seguir são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa. Os resultados
descritivos das escalas, suas correlações e a análise de seus componentes principais são
discutidos segundo as confirmações e refutações de partes da hipótese de pesquisa e
possíveis interpretações desses resultados para uma crítica à sociedade. Por último, foram
redigidas as considerações finais, nas quais são apresentadas as conseqüências críticas e
políticas dos resultados desta tese.
5
INTRODUÇÃO
Racismo e preconceito contra negros no Brasil
O racismo é uma relação composta por um conjunto de elementos econômicos,
históricos, sociológicos e psicológicos. Esses elementos determinam a discriminação que
é sempre uma ão. Para compreender o que se passa no ato discriminatório, é necessário
entender as mediações dos atores. Essas mediações são os aspectos sociais presentes na
pessoa, no seu modo de pensar e de agir. A imagem, a estima, as representações, as
projeções, as identificações surgem da relação concreta do indivíduo com a sociedade.
Alguns conseguem, apesar das fortes disposições em contrário, negar a iniqüidade de
generalizações pejorativas e com isso transformar a raça, algo natural para muitos, em uma
questão de debate e crítica pela sociedade.
Essas mediações são apresentadas para, inicialmente, situar esta pesquisa crítica em
relação ao preconceito racial. Primeiro, o racismo é compreendido como uma relação social
maior do que o preconceito. Segundo, são apresentadas três teorias sobre as relações raciais
no Brasil. Terceiro, são indicadas recentes teorias sobre o racismo nos Estados Unidos da
América. Por fim, é apresentada a relação entre o indivíduo e a civilização que situa o papel
da socialização no racismo. Ou seja, a sociedade determina a subjetividade, o que é
demonstrado pela influência da economia, da história e da cultura nos aspectos racistas da
subjetividade.
O racismo é o exercício do poder
1
para exteriorizar o etnocentrismo ou o
preconceito racial: “O racismo resulta da transformação do preconceito racial e/ou
etnocêntrico, através do exercício de poder contra grupo definido como inferior, por
indivíduos e instituições com o apoio intencional ou não de toda a cultura” (Jones, 1973:
105). O racismo é uma relação entre um indivíduo e um alvo, o grupo considerado inferior.
Esse grupo pode ser inclusive o do próprio indivíduo racista (Jones, 1973).
Para Jones (1973), o racismo tem três dimensões: cultural, institucional e pessoal.
No sentido cultural, o racismo é a discriminação de símbolos culturais minoritários e a
6
valorização da superioridade espiritual e técnica da maioria. A inferioridade do grupo
discriminado
2
é justificada pela inferioridade de sua identidade cultural. O que une e
identifica esse grupo, seus valores, mitos e estética é considerado inferior, imoral ou
primitivo. No sentido institucional, o racismo é o uso de instituições, como a escola e o
trabalho, para manter a inferioridade do grupo discriminado. As regras sociais ditam o que
é esperado e normal para o convívio social. Além disso, os regulamentos e as práticas das
instituições têm grande força no convívio das pessoas. Por exemplo, a escola que usa livros
didáticos que apresentam os negros em posições subalternas, associados a animais ou com
traços grotescos ou feios (Rosemberg et al, 2003); outro exemplo é o uso de critérios de
“boa aparência” (aparência branca) para selecionar candidatos a uma vaga de trabalho.
Esses dois exemplos apresentam formas institucionais de racismo contra negros. No sentido
pessoal, o racismo é a discriminação feita por indivíduos. A discriminação pessoal é a
realização de uma predisposição: o preconceito. Essa capacidade individual de discriminar
seria parte da natureza humana (Jones, 1973).
3
As dimensões culturais, institucionais e pessoais do racismo são determinadas por
eventos econômicos e históricos. A economia é determinante para a cultura. A cultura já foi
admitida como um bem da elite. A elite social financiava e usufruía a cultura e considerava
o povo inculto. Desde o período clássico, a cultura distinguia-se da civilização por ser um
espaço do espírito, enquanto a civilização era um espaço da técnica. Ela também era usada
como fator definidor dos povos, tendo sido muitas vezes associada às etnias. Hoje, a
determinação econômica da cultura significa existência de uma determinação econômica da
dimensão cultural do racismo. No racismo contra os negros não se pode negar que, até hoje,
2
Nas ciências sociais o termo “minoria” é utilizado como referência a um grupo discriminado. K. Lewin
cunhou esse termo com o cuidado de determinar seu aspecto político, ou seja, que a minoria era um grupo
com pouco poder social e que dependia das concessões da maioria. Por sua vez, essa maioria era controlada
por uma minoria privilegiada. (Mailhiot, 1970) Porém, um significado corrente para o termo “minoria”
como grupo menos numeroso na sociedade. Muitas vezes esse é o caso do grupo discriminado. Porém, no
Brasil essa é uma discussão em aberto, pois envolve categorias sociais ambíguas que são partes do processo
de discriminação racial e normatização da sociedade. Por isso, é mais especifico para a sociedade brasileira
usar no lugar do termo minoria a locução "grupo discriminado".
3
A natureza humana na teoria de Jones (1973) é fruto da evolução das espécies, isto é, um conjunto de
características naturais dos seres humanos. A teoria crítica é contraria a essa definição porque a natureza
humana é social e a mediação da sociedade constitui uma verdadeira segunda natureza para o ser humano.
(Horkheimer e Adorno, 1973) Por isso, a compreensão do racismo individual não deve ter um viés
naturalizado, ou seja, o que aparece como natural na teoria de Jones é produto social.
7
a baixa remuneração e a dificuldade na qualificação têm uma utilidade econômica: a
redução dos custos da mão-de-obra.
A história determina a cultura. O conflito social, com crises e superações, representa
o grande motor da cultura. O conflito é econômico, mas também se desenrola nos campos
das idéias (inclusive das ideologias), do conhecimento, da arte e das normas. Assim, as
diferentes formas de combinação desses componentes do conflito social se dão nas ações
dos seres humanos no seu tempo. A história é a sucessão e ruptura desses arranjos. A
cultura, composta por ideologias, conhecimentos, arte e normas, apresenta os resultados
desses conflitos. A história da cultura apresenta as diversas ideologias racistas que
representam diferentes momentos do conflito social. O racismo contra negros é justificado
por ideologias produzidas no período capitalista. As mudanças nas ideologias racistas na
atualidade são determinadas por novas formas do conflito social. A proposta de inclusão do
negro na sociedade de massas tem uma forte raiz ideológica. É a idéia de que o indivíduo
deve contribuir como um átomo para o desenvolvimento econômico. Ela é ideológica
porque o capitalismo atual induz ao comportamento de massa e exclui muito mais do que
inclui. O comportamento de massa pode impedir a aproximação das pessoas de sua
individualidade e a exclusão dos bens e direitos sociais, o que dificulta uma mudança da
condição social de todos os negros.
Isto é, a dimensão cultural do racismo, definida por Jones (1973), é determinada por
aspectos históricos e econômicos. A mesma determinação ocorre na dimensão institucional
e na dimensão pessoal do racismo.
As instituições que reproduzem o racismo são parte do sistema econômico e foram
formadas ao longo da história dos conflitos sociais. A escola, como instituição, reproduz o
racismo como parte do conflito social. Essas partes são relevantes por serem o espaço de
conflito e por determinarem parte dele. Logo, instituições sociais são sobredeterminadas,
mas suas particularidades são determinantes nas formas de reprodução do racismo. Por
exemplo, o sistema escolar no Estado de São Paulo tem particularidades determinantes na
reprodução do racismo. A diferença de qualidade entre a escola pública e a escola privada
afeta mais os negros, pois estes utilizam mais o ensino público do que o privado. Além
disso, existem os livros didáticos que reproduzem situações racistas historicamente
registradas, como o papel subalterno dos negros nas ocupações (Rosemberg et al, 2003).
8
Desse modo, as condições econômicas e históricas marcam a socialização precoce de
alunos da rede escolar.
Por fim, a determinação histórica e econômica do indivíduo. A própria noção de
indivíduo é histórica. Logo, aquilo que modernamente é chamado de indivíduo não é uma
divisão natural entre o ser e o mundo. É, antes, uma divisão reproduzida a partir de
distinções históricas. Essas distinções são fruto de conflitos sociais entre grupos sociais. E,
modernamente, esses conflitos são certamente econômicos. Quando a autonomia foi
incentivada pelos burgueses a noção de indivíduo ganhou força. A raiz desse incentivo foi
econômica. Ou seja, o papel econômico de agentes individuais era relevante para o modelo
econômico burguês. E, ao mesmo tempo, a afirmação ideológica do indivíduo sobre a
comunidade favorecia esse mesmo modelo: o capitalismo. O indivíduo no capitalismo não
é tão autônomo como se afirma no ideário burguês. Essa contradição é parte da própria
organização econômica do capitalismo. No racismo, a contradição entre individualidade e
sociedade é evidente. Para o código criminal, o escravo era considerado nos EUA uma
propriedade e, ao mesmo tempo, um indivíduo (Jones, 1973). No Brasil, o escravo era
apenas uma propriedade, passível de ser castigado por seu senhor. Contudo, ele podia ter
posses e, no caso do escravo urbano, até contratar um aluguel, que pagava a seu dono
mediante seu trabalho na cidade. Após a abolição, não havia condições de cidadania,
aspecto político da individualidade, para o negro na sociedade brasileira. Ora, o aspecto
individual do racismo no Brasil é determinado pela história e economia brasileiras. Essa
determinação implica diferenças entre o racismo norte-americano e o brasileiro. O que não
está em questão é a representação desses conflitos históricos e econômicos nos indivíduos.
Ou seja, os indivíduos não são isentos de atitudes tomadas a partir de influências históricas
e econômicas.
O racismo, como dominação, manifesta-se por meio de atos de segregação,
humilhação, menosprezo e marginalização. Todos eles são apoiados pela força,
explicitamente, por meio de ataques ou coações, e, normativamente, pela interiorização da
ameaça e de papéis sociais mantidos pela cultura. Uma discriminação social próxima do
racismo é o etnocentrismo. Existem semelhanças e diferenças entre o racismo e o
etnocentrismo. No racismo a identificação da pessoa por meio de suas características
naturais tem um papel-chave; no etnocentrismo, a cultura ganha mais importância. Em
9
ambos os casos, a percepção da vítima é o fator principal para sua designação. As duas
podem ser confundidas, mas, no Brasil, onde a identidade do negro foi, em parte,
incorporada à identidade nacional, a distinção entre eles é significativa.
No racismo, o alvo é identificado por meio da aparência do corpo e no
etnocentrismo, por meio dos sinais de pertencimento ao grupo – as roupas, os nomes, a fala,
o comportamento e, também, o corpo. Nos dois, o humano é estereotipado, ou seja, o
indivíduo não é percebido como tal, e abundam exageros e maledicências. As percepções
não são reavaliadas com a experiência.
Em algumas situações pouco se pode mudar em relação ao corpo, que é a senha para
o preconceito. Os costumes, a religião e os nomes podem ser velados, ou mesmo negados
em algumas situações. Nesse sentido, o racismo aproxima-se da naturalização e afasta-se do
etnocentrismo. No racismo, as características mutáveis e diversas ganham aparência de
natureza desencantada, ou seja, repetitiva e simplificada. Para compreender o racismo, é
necessário compreender seus nexos com as estruturas sociais. Não o mesmo racismo em
todas as sociedades. O grupo que é objeto de discriminação racial ou etnocêntrica revela as
contradições de cada sociedade. O racismo europeu contra os imigrantes das ex-colônias e
seus descendentes não é o mesmo do norte-americano ou do brasileiro contra os negros. A
relação dialética entre a cultura, as instituições e sua mediação na subjetividade cria em
cada sociedade uma versão própria do racismo. Muitas vezes, o racismo é declarado e
assumido pela sociedade. As leis, a moral, a divisão do trabalho e a estética criam uma
segregação do grupo discriminado. Ou condutas veladamente discriminatórias, por
exemplo, afirmar um padrão de beleza que exclui os negros. A noção de boa aparência
exclui do emprego aqueles que não têm o fenótipo do grupo dominante. A ocultação da
discriminação do negro, um tipo de racismo bem brasileiro, é desmascarada pela rejeição
da intimidade dos brancos com negros (Venturi e Paulino, 1995).
O preconceito é a tendência psicológica para discriminar. Além do preconceito, a
dimensão pessoal do racismo inclui a mediação da cultura e da sociedade no próprio
sujeito. Assim, a pessoa pode, em um caso extremo, não ser preconceituosa mas ser racista
por desinformação. Por exemplo, muitos brasileiros desconhecem o papel, em sua
sociedade, da cultura negra, para além da música ou do futebol. Por esse desconhecimento,
eles a consideram inferior ou primitiva. Por isso, é correta a inclusão da história e da arte
11
população por sua origem. Ao mesmo tempo, mostrou a importância da miscigenação no
campo simbólico e das relações individuais. No campo simbólico a cultura negra não é
considerada estrangeira no Brasil. Ela é considerada parte da cultura brasileira. O que
significa que os negros não são identificados como estrangeiros. Nas histórias individuais e
familiares as relações interpessoais são negociadas a partir de um grande número de
variáveis: classe social, escolaridade, padrões de beleza e raça (Schwarcz, 2000), mas sem
que esta última seja necessariamente decisiva.
A teoria da mestiçagem como gênese de um povo sem preconceitos é ideológica. O
negro e o índio são assimilados como brasileiros, mas não um ajuste de contas da
opressão e, ainda mais, a negação das reivindicações de redistribuição dos bens sociais.
4
A estratégia da admissão do passado injusto sem reconhecê-lo como elemento importante
para construir a sociedade favorece a alienação sobre a reprodução da discriminação de
grupos sociais, em particular os negros (Guimarães, 2000).
A segunda teoria a respeito das relações raciais denuncia o racismo. Caracteriza-se
pela compreensão da raça como uma construção social. Faz a afirmação do valor da
identidade do negro como uma estratégia para modificar as conseqüências negativas da
assimilação da população negra pela sociedade. Essa assimilação colocou a população
negra como representante de um passado e de uma parte da matriz simbólica do povo
brasileiro, mas um representante que deveria se encarregar de ser assimilado pela
sociedade, sem qualquer reparação ou reconhecimento. Uma parte dessa estratégia de
assimilação é a concepção de que o preconceito contra os negros é definido pela aparência.
A negritude ou brancura da pessoa é julgada, nessa estratégia, a partir da aparência, do
papel social, dos sinais de riqueza e de origem. O conceito “racialização” é uma tentativa
de separar o aspecto pejorativo da raça a discriminação por origem ou aparência da
afirmação da identidade da população negra como um valor positivo (Guimarães, 2005).
O panorama social, da segunda teoria sobre as relações raciais no Brasil, articula o
maior engajamento com as lutas do movimento negro, tanto na política quanto nas ciências
4
A redistribuição dos bens sociais tem como motivo a assimetria da distribuição de renda entre pessoas de
origem negra e branca. Porém, tal ação pode ser uma nova concentração de renda, por um grupo privilegiado
de pessoas negras e brancas associadas à causa do anti-racismo. Essa concentração pode ocorrer caso a
redistribuição de renda seja considerada uma finalidade. Na verdade, ela é um meio de minorar os efeitos dos
mecanismos sociais que produzem a concentração. Logo, a crítica ao capitalismo, sistema econômico
concentrador de renda, deve ocorrer junto com a da iniqüidade da distribuição de bens.
12
sociais. A luta do movimento negro contra o racismo no Brasil ganhou reconhecimento
com a Constituição de 1988. O racismo foi tratado como um fato social. Foram previstas
medidas jurídicas contra a discriminação racial. Foi um grande avanço, pois antes se
desconhecia juridicamente o racismo. Além disso, as novas teorias nas ciências sociais
passaram a valorizar o engajamento político do pesquisador e da pesquisa com o objeto
pesquisado. Muitas vezes, as preocupações com a parcialidade do conhecimento produzido
por pesquisadores engajados na luta social pesquisada foram desconsideradas como parte
da influência do positivismo nas ciências humanas.
A discussão política da discriminação racial parece, atualmente, ascender a um novo
patamar, no qual a afirmação da existência do racismo e a ambigüidade de um povo
identificado como “sem racismo” são cada vez mais discutidas.
O racismo de uma forma geral é agressivo, mas sua consciência pode ser admitida
ou negada. A ideologia racista nega a consciência das relações sociais no Brasil. O racismo
é negado publicamente. A ideologia camufla o racismo por meio de um discurso
contraditório sobre o lugar do negro na sociedade brasileira. Porém, as instituições penais,
policiais e educacionais, a pirâmide econômica não deixam dúvida sobre sua existência
(Santos, 2000). Existe uma associação entre a pobreza e os negros. Eles são mais pobres,
em média, do que os brancos, e sua mobilidade social ascendente é menos provável (Silva,
2000: 33). O estereótipo dos pobres, em larga medida, estende-se aos negros. No mesmo
sentido, o discurso sobre a violência contra o negro é naturalizado: “Quando alguém negro
é morto por um policial, o fato transparece socialmente como natural. É natural pela forma
que foi transmitido à consciência coletiva, ficando respaldado e autorizado pela cultura do
racismo” (Cunha Júnior, 1996: 149).
Contudo, o movimento anti-racismo, por meio do engajamento, com a mudança da
realidade carrega o risco de se constituir como nova ideologia. O anti-racismo transforma-
se em nova ideologia quando se distancia da visão abrangente do conflito social, quando
não crítica as relações sociais concretas que mantêm a discriminação. Essas relações são: a
hierarquia da sociedade, na qual desigualdade entre o mais fraco e o mais forte, e a
relação por meio de ideais abstratos (como os de ser negro ou brasileiro). Assim, os
avanços do anti-racismo podem se tornar um reforço à ideologia da sociedade desigual,
não solidária e não diversa. Por exemplo, medidas de inclusão de negros nas universidades
13
americanas foram bem-sucedidas, aumentaram o número de negros com curso superior,
porém não impediram que a pequena burguesia negra tomasse posições alienadas em
relação à maioria dos negros, que continuam pobres.
A terceira teoria sobre as relações raciais é a da crítica social. Essa teoria
compreende as relações raciais como formas de dominação estabelecidas na sociedade,
quer na sua apresentação institucional quer na cultural. Essa teoria não aceita nem a
mestiçagem como mito fundador nem a valorização da raça como alternativa política. A
própria idéia de mito como um ideário modernizador da sociedade capitalista é estranha à
teoria crítica.
5
As idéias não são consideradas por seu caráter simbólico em uma cultura.
Elas são parte do sistema social, tanto como fontes de conhecimento da realidade social
como de manutenção da dominação ideologias. Assim, a mestiçagem tem uma dimensão
de realidade social e outra de ideologia. As interações entre negros, brancos e outros grupos
sociais são objeto do conhecimento da história da sociedade brasileira. Essa mestiçagem se
deu como forma de assimilação e resistência ao racismo e a outras formas de dominação
como criminalização dos movimentos sociais (na primeira República). Esses conflitos
sociais determinaram histórias de vida de muitos indivíduos e famílias brasileiras. Por outro
lado, a ideologia da mestiçagem enfatiza a possibilidade de superação das barreiras entre
grupos por meio da mistura na formação de novas famílias. Porém, as barreiras entre os
grupos são mantidas por práticas discriminatórias e concentradoras de renda. O que surge
dessa prática são nuanças identificatórias de uma parte da população. A identificação dos
mestiços com o negro ou com o branco ou com nenhum dos dois segue as conveniências e
a divisão de poder. Essa estratégia de miscigenação é potencializada na ideologia da
mistura racial até o desaparecimento da identificação com grupos étnicos.
Portanto, como idéia, a mestiçagem revela o que silencia a ideologia racial: que a
identificação com os poderosos, ao ser bem acolhida pelos dominados sem a memória ou a
percepção de que a barbárie continua, transforma-os em reprodutores da dominação social.
A valorização da identidade do grupo discriminado também não é suficiente para a
superação das desigualdades. Lutar pelo direito de afirmar suas características, lembrar o
passado e reivindicar a erradicação da discriminação fazem parte de um movimento
5
Horkheimer e Adorno ([1945] 1992) mostraram como o esclarecimento e o sistema social regridem a
funcionamentos míticos. Porém, não assumiram o significado de mito somente como ideário, mas como modo
recalcado de funcionamento do esclarecimento.
14
progressista. Mas esses direitos deixam de ser assimilação à ideologia dos dominantes
quando a civilização igualar a todos e permitir identificações diversas, ou seja, a realização
da diversidade humana. Pode-se perguntar como a afirmação da identidade pode mudar o
preconceito. Ao afirmar a unidade da raça negra para substituir outras unificações ideais,
por exemplo, brasileiro e branco, o conteúdo muda, mas a ideologia da ação não.
No movimento negro não consenso sobre os termos “negro” ou “afro” ou “afro-
brasileiro”. Observe-se que o nome “negro” significa a continuidade da identidade do
grupo. Ao mesmo tempo, os críticos afirmam que ele é excessivamente próximo do termo
“cor”, majoritariamente rejeitado. O nome “afro” ou “afro-brasileiro” destaca a origem
histórica dos ascendentes do grupo e assemelha-se ao termo estadunidense: “afro-
american”. Os aspectos negativos do termo “afro” são sua referência a outro universo
lingüístico, os EUA, país no qual o termo “nigger” é rechaçado por ser pejorativo. Ele não
15
exercício do racismo. Houve uma incompatibilidade formal entre a relação escravocrata
entre senhor e escravo e o avanço da acumulação capitalista em territórios periféricos. O
capitalismo industrial ganhou novos aliados nas elites e serviu de sustentação ideológica à
rejeição das barbaridades escravistas. Para Florestan Fernandes (1965), o desenvolvimento
do capitalismo, no Brasil, pedia a integração do negro à sociedade de classes. Contudo, as
raízes mais profundas da discriminação racial na interação social repuseram as condições
de dominação sobre os negros, na forma de ideologias eugênicas e branqueadoras (Carone,
2002; Schwarcz, 2002), e mantiveram no capitalismo as barreiras à plena integração do
negro. A discriminação racial e a ideologia burguesa criaram um fenômeno, cínico, de
negação do reconhecimento do racismo em público o preconceito de ter preconceito e
sua afirmação no âmbito privado (Fernandes, 1965; Schwarcz, 2000).
Ainda para ocultar o racismo, foram incentivadas práticas ambíguas de identificação
de quem não era branco – o preconceito de marca. (Nogueira, 1955) A aparência foi
considerada fator discriminatório, denominado à época preconceito de cor. Essa ênfase na
aparência refletia entre a população discriminada a ambivalência com respeito ao corpo e a
fantasia de uma fuga da discriminação, por meio da assimilação aos modelos brancos. Essa
assimilação significa inclusive a alteração das características do corpo, por exemplo, alisar
os cabelos. Porém, o corpo e a ascendência continuaram a marcar as trajetórias de vida dos
negros. (Guimarães, 2005)
Os comportamentos preconceituosos dependem das normas percebidas em certas
situações, de modo que a discriminação pode ser indireta ou direta. Ou seja, o
preconceituoso pode perceber maior ou menor receptividade ao seu comportamento ou
expressão racista. A partir desse dado, ele pode ser mais explícito ou implícito. Portanto
podem-se classificar as formas de racismo na sociedade atual assim: o aversivo, o
simbólico e o ambíguo. (Dolvidio e Gaertner, 1986) Essas formas de racismo são muito
importantes para esta pesquisa e serão mais analisadas a seguir.
Dessa transformação histórica do racismo surge a necessidade de se observar sua
presença nos indivíduos. O racismo tem uma dimensão individual que se aproxima muito
de um tema caro à psicologia social: o preconceito. O preconceito tem diferentes causas: as
psicodinâmicas, a socialização, os conflitos de interesses e os problemas cognitivos
(Crochík, 1997). Todas elas concorrem para a formação do racismo individual. As causas
16
psicodinâmicas indicam a introjeção
6
das forças sociais em estruturas psíquicas
fundamentais para a manifestação do preconceito. Situações de frustração, inclusive as
causadas por crises econômicas, causam um aumento no número de ataques racistas. O
grupo discriminado é o “bode expiatório” dos problemas econômicos e sociais. Aliás, essas
crises econômicas e sociais não são causadas por eles, mas os estratos sociais mais
prejudicados extravasam neles sua frustração. As estruturas de personalidade criam
predisposições, suscetibilidades, adesão à ideologia e agressividade contra aqueles que
diferem do padrão grupal. A socialização leva os indivíduos a interiorizar os padrões
sociais, por exemplo, de discriminação e adesão ao líder. Os conflitos de interesses de
grupos sociais também são uma fonte de preconceito, pois os interesses econômicos e de
poder são motivos de discriminação. Por fim, os estereótipos contribuem para o
preconceito: fixar e simplificar a percepção social, por meio de conjuntos de atributos
generalizados para todos os membros dos grupos discriminados (Crochík, 1997).
É possível aprofundar a compreensão do papel da discriminação do negro no Brasil
atual a partir da relação do mal-estar na civilização e da dialética do esclarecimento com a
propensão à discriminação racista. A psicanálise e a teoria crítica à sociedade permitem
entender criticamente a evolução das relações raciais no Brasil: a luta por direitos.
Para Freud ([1933-(1932)] 1976a), os poderosos tentam escrever a lei de forma
favorável a si mesmos e os oprimidos, entre eles os negros, tentam proteger-se da violência
dos mais fortes por meio da lei. A ideologia que explica como os poderosos são favorecidos
por uma lei formalmente universal está fora da teoria psicanalítica. Eles fazem com que
seus interesses de grupo, particulares, sejam considerados os de toda a sociedade:
universais. Na análise de Freud (Freud, [1932-1933], 1976a), os poderosos buscam fugir da
lei, o que é uma espécie de variação do mesmo tema. Na sua individualidade, o poderoso
busca escapar da lei produzida por sua própria classe. Os dominados buscam o domínio da
civilização sobre todos. A alternativa freudiana é conservadora por considerar a lei a única
alternativa dos dominados. Nesse caso, Pellegrino (1987) avança, em relação à
compreensão freudiana, por considerar a possibilidade de que a civilização não seja
6
A introjeção é compreendida, nesta pesquisa, como o termo psicanalítico de interiorização de um objeto
percebido no sujeito. O superego é o locus desse processo quando tem como objeto valores morais ou
aspectos da identificação com líderes. Quando a introjeção envolve o superego, o conteúdo introjetado passa a
17
representada pelo Estado, mas sim por aqueles que questionam suas injustiças. Na busca da
lei ou da revolução, os dominados buscam segurança, pois sua existência está sempre
ameaçada pela barbárie contida na dominação. Tanto as leis como os poderes dos grupos
dominantes são um risco para os mais fracos.
Para Freud, a civilização domina a todos, nas relações entre os seres humanos, com
a lei e o poder. Ele mostrou em Mal-estar na civilização (Freud, [1930] 1997) as íntimas
relações entre o impulso destruidor e agressivo e o impulso de união: erótico. É impossível
eliminar o impulso destrutivo, e cabe à civilização desviá-lo ou inibir sua realização mais
destrutiva. Essa relação traz grandes complicações para a interação social, pois o impulso
destrutivo é, na verdade, um princípio natural, e está associado à agressividade. Contra esse
impulso, ergue-se o impulso de vida, que busca a união. Esse impulso é impróprio à
reunião de grupos, pois pode levar a uma relação amorosa entre dois de seus membros, que
por sua vez ocasiona uma ruptura na união dos grupos.
O amor e a destruição (necessária à transformação) são duas poderosas forças
presentes no ser humano, e elas ameaçam a civilização. Por esse motivo a sociedade usa
estratégias de coesão que mantêm a união por meio da identificação, do controle de seus
membros e da formação de massas regredidas. A defesa da civilização contra a
desagregação é a socialização de seus membros. O controle e a realização dos indivíduos
estão em constante tensão na civilização. Porém, quanto mais abrangente for apara a
necessidade de uma socialização, contaminada pelo fascismo, mais ameaçada estará a
realização do amor e da transformação. Na sociedade atual, a socialização é cada vez mais
totalitária. (Adorno, 2003) Por exemplo, em muitos sítios na internet as regras de convívio
social são cada vez mais ensinadas por serem cada vez menos respeitadas, porém o sistema
informático é completamente monitorado, como qualquer totalitarismo. Mesmo assim, é
comum ler comentários preconceituosos e desrespeitosos em diários virtuais (blogs) e
mediadores desses sítios prescrevendo regras para os comentários.
É necessário mostrar as raízes fascistas na socialização comum para evitar a
compreensão de que existe, atualmente, uma socialização não-fascista. As poderosas forças
às quais se opõe a socialização são os impulsos: o destrutivo, causador de instabilidade nos
ser investido de cobranças cruéis, sentimento de culpa e a envolver o próprio papel da civilização na vida
mental.
18
grupos, e o erótico, ambos suscitadores da formação de pares nocivos ao controle social.
Para que a civilização exista, são necessários princípios normativos formados a partir da
percepção do terceiro excluído na relação amorosa. Portanto, o amor à civilização deu as
condições necessárias para o controle dos indivíduos na sociedade. A identificação é um
processo que ocorre desde o início da formação do ego. O eu (ego) forma-se por meio do
narcisismo primário. Nesse narcisismo a imagem de si é introjetada por meio do estágio do
espelho. As identificações anaclítica e narcísica são fundamentais para a manutenção da
civilização. A identificação do indivíduo com as figuras paternas (Freud, [1930] 1997) é a
possibilidade de a cultura ser interiorizada no ser humano. Essa introjeção abre uma terceira
possibilidade na relação do ser humano com o poder e a lei, além da dominação e do
recurso dos mais fracos à lei para assegurar sua sobrevivência. Essa terceira possibilidade é
a introjeção da lei. A lei é parte do próprio indivíduo, e para ser cumprida não depende
mais das pressões externas. Ela realiza uma identificação, permitindo o controle dos
membros da sociedade por seus líderes.
Cabe neste momento lembrar a análise da teoria crítica sobre a psicanálise de Freud
(Adorno, 1991). A separação entre líderes e liderados é um retrato da sociedade burguesa,
que mantém diferenças insuperáveis entre dominados e dominadores. Por outro lado, essas
diferenças não impedem que a regressão da massa seja captada por uma ressonância
inconsciente e utilizada por um der fascista (Adorno, 2006). Se para Freud existe uma
ontologia, para a teoria crítica, a natureza humana é uma segunda natureza, ou seja, a
relação dialética do humano com a sociedade retira-o da natureza anistórica e cria um ser
histórico. Por esse motivo, a afirmação de que a ligação entre líderes e liderados é
inconsciente é uma sentença histórica, assim como a psicanálise e a própria sociedade à
qual se refere. Ou seja, em determinado momento histórico, a dominação é hegemônica, e
utiliza a identificação inconsciente no lugar da racionalidade para manter os laços grupais.
Nas condições históricas da sociedade regressiva e de massa, Freud pode ver como
a subjetividade espelhava o todo, assim como uma mônada inferior reflete a superior
(Adorno, 1991).
O líder domina os outros, por meio do temor, e conseqüentemente a psicologia do
grupo surge como resultado desse temor: “Ele [o líder] os forçava, por assim dizer, à
19
psicologia de grupo. Seu ciúme e intolerância sexual tornaram-se, em última análise, a
causa da psicologia de grupo” (Freud, [1930] 1997: 157).
Hoje, a psicologia de grupo mantém esse caráter primitivo
7
por uma regressão
forçada pela própria sociedade repressiva, afinal o ciúme e a intolerância continuam a
serem reproduzidos. Não é difícil lembrar exemplos de ciúme no cotidiano. Por outro lado,
pode parecer difícil ver a intolerância sexual em uma sociedade aparentemente liberal em
relação à sexualidade. Mas o fascismo manifesta-se por meio da intolerância em relação à
sexualidade livre do outro, daí a persistência dos ataques a homossexuais, por exemplo. Por
isso, a socialização atual tende ao fascismo toda vez que aumenta a intolerância ou a
escamoteia para dificultar sua erradicação.
A concepção de Freud do mal-estar na civilização é, para Adorno (1991),
esclarecedora, fatalista e anistórica. Os limites da civilização apontados por Freud são
realidade, ou seja, a civilização não cumpriu nem atualmente 558(z)-6.2659(a)3.ra. Frl74(r)2.80561(r)-7.20029(a)3.74(d)-03.74m4(d)-0.295585(o)-06165l743.74(m)-26192(u)-0395585(t)-2.16436(e)3.74( )-10.1525(558)-2.16436(l1.c)3.74(i)-2.16558(v)-0.295.(m)-2.4(d3(d)2736(e0029(a)3.74(d)-0.2955.58(39á(d3.5( )-2247.(( )-2247.(F8)3.74(ã)3.7474(t)-2274(ã)3.71(n)-0.2952( )-220.276(i)-2.164l.16558(l)-2( )-220.2.05)-2833117(r)558(l)-2( )-220.2.05)-28332)-0.147792(n)-0.295585(ã)3.7427360.295585(ã)4a.29574(e)3.74(,8332)-31)-0.295585(a6(q)-0.29554057792(o)-0.2960.314 0 Td[(e)3.74(z)-6.2659( )-220.276(q0439( )-230.282(F)468(a)3.,3.74(i)2295585-6.4(u)-0.28(a)3.,3.74(i)229u)-0.(i)229u)-0.(i)229u)-0.(i4(o)-06165)-27(l)9(,)250]TJ- u l,
20
capitalismo monopolista e da sociedade de massas regredidas (Horkheimer e Adorno,
[1947] 1992).
Podemos, então, voltar para a compreensão das relações raciais a partir do mal-estar
na civilização: a manutenção da discriminação contra negros na sociedade brasileira. As
normas da sociedade
podem formar vínculos entre os membros da sociedade que favorecem
sua submissão aos poderosos. É possível aplicar essa idéia à compreensão da ênfase
patriótica na representação do povo brasileiro: a construção do tipo ideal brasileiro pela
soma dos estereótipos dos diferentes grupos sociais representados como raças índios,
negros e brancos, sinalizando para os oprimidos com a esperança de assimilação pelo
grupo. Por isso, formalmente, não era adequado afirmar as discriminações, como se elas
fossem opostas à generalização da lei. A universalidade é um instrumento de dominação
quando passa a ser sinônimo de negação dos horrores do passado. Por exemplo, em nome
da reunião dos brasileiros em uma união republicana foram destruídos, no início do século
XX, os registros oficiais da escravidão.
Os indivíduos oprimidos pelo racismo observam que buscam não apenas leis mais
justas, mas, sobretudo, a reparação e o reconhecimento. Nesse sentido, essa busca concorda
com a recomendação freudiana de almejar mais civilização. Hoje, é difícil saber como seria
essa civilização justa. A hegemonia capitalista coloca todas as utopias à margem do debate
sobre a justiça da civilização. Superar a limitação dos direitos à associação com a
propriedade é um grande desafio. Essa associação indica que os direitos de cada cidadão
vão até onde começam os direitos dos outros. Porém, como ter direitos quando eles não são
universais? Desse modo, a civilização justa ocorre na medida em que o direito de cada
cidadão é tão amplo quanto o direito da pessoa que tem menos posses na sociedade. Caso
contrário, corre-se o risco de que se defendam aspectos regressivos da civilização e não os
virtuosos. Por exemplo, a defesa da propriedade não pode superar o reconhecimento das
lutas do passado, por isso o reconhecimento das comunidades quilombolas acarreta o
reconhecimento da posse da terra. Também, não se pode ceder à tentação de afirmar a
civilização atual como justa. A defesa do mérito na educação não pode ignorar as
diferenças da educação das crianças pobres, em sua maioria negras, não apenas na
qualidade da educação, mas na profecia auto-realizadora dos professores que olham para
elas como menos capazes de aprender do que as brancas. A civilização é uma realidade
21
concreta, e há problemas inerentes à sua constituição que precisam ser entendidos e
superados.
A civilização, capaz de alterar a natureza humana a ponto de inibir o prazer em
destruir e coagir o outro, foi, como o próprio Freud escreveu em Mal-estar na civilização,
incapaz de garantir a felicidade humana, pois ela se mantém à custa da infelicidade. O
preço pago pelo indivíduo para entrar na civilização é o sentimento de culpa por não ser
uma cópia do ideal de ser civilizado. O ideal de indivíduo completamente civilizado é
inalcançável enquanto supõe a dominação completa das pulsões do ser humano. Talvez em
outro momento da civilização, quando esta não se apoiar na infelicidade de seus membros,
o indivíduo possa existir e ser completamente civilizado. Porém, antes disso, a civilização
precisa fazer a crítica à barbárie contida na própria civilização para ser capaz de
transformar o ser humano em um ser racional (Crochík, 2001a). As tendências autoritárias
da própria razão colocaram em risco o que foi trocado pela felicidade: a vida e a melhoria
da sociedade. A sociedade transformou-se em uma eterna repetição dos aspectos
repressivos e não permite a reconciliação do ser humano com sua natureza (Matos, 1995 e
Gagnebin, 1997).
O indivíduo observado por Freud é uma mônada
8
, contém em si todos os aspectos
da sociedade que o formou. E no entanto não é idêntico a ela; resiste, mesmo que
inconscientemente, aos aspectos da sociedade que não lhe satisfazem. Porém, ele não existe
mais; hoje o indivíduo freudiano pode ser um modelo de comparação com o indivíduo
atual. Perto do anterior, o atual é um ser regredido (Crochík, 2001a).
Do que até aqui se expôs, pode-se esperar grande risco da regressão no debate sobre
o preconceito racial, especialmente quando no lugar da crítica à civilização ocorre uma
representação acrítica da realidade social e quando a vítima do racismo é condenada a ser
assimilada ou integrada ao próprio sistema que a agride. Por exemplo, para algumas
posições políticas, o ideal da civilização é opressor, pois esta seria européia e colonizadora.
Qualquer modelo de civilização seria uma dominação inaceitável, paradoxalmente, quando
essas posições políticas supõem que a questão do poder prevalece sobre o direito
(Nascimento, 2003). Desse modo, a crítica do racismo abandona o caminho dos dominados
– a lei – e reafirma a tomada do poder como finalidade, o que favorece a regressão.
8
A noção de indivíduo burguês é logicamente equivalente a uma mônada (Adorno, 1992).
22
A crítica ao capitalismo também é denunciada como uma forma de opressão racial.
As tentativas de transformação libertária da sociedade brasileira assumiram, por algum
tempo, o modelo ideal de brasileiro: o mestiço (Nascimento, 2003). A mudança da
sociedade seria construída por modelos universais e pela marcha do progresso. Porém, a
adoção de um modelo universal de uma forma abstrata o impede a discriminação racial.
Essa abstração do universal não contempla as contradições concretas dos seres humanos
entre si. Assim, o modelo de ser humano abstratamente definido reproduz o padrão branco
e masculino.
Abstraindo-se o erro da generalização indevida da concepção de ser humano da
crítica ao capitalismo, uma outra reflexão pertinente sobre o tratamento da questão do
racismo pelos movimentos políticos libertários no Brasil. Os movimentos populares deram,
até os anos 1980, uma parca atenção às demandas singulares dos negros. Tal crítica é
significativa para esta tese, pois questiona a capacidade da teoria crítica de compreender as
demandas e situações dos negros. A crítica do capitalismo, na perspectiva de superar a
dominação exercida por uma elite político-econômica, idealizou uma representação de
povo, um modelo de identidade para a população expropriada pelo sistema produtivo. Esse
conceito de povo toma a forma de uma identidade única com características semelhantes às
atribuídas a ela por um nacionalismo tanto de direita como de esquerda. Tais características
seriam a ancestralidade das três “raças” fundadoras, a naturalidade das habilidades e a
solidariedade comum. Essas abstrações, que levam parte dos projetos críticos da sociedade
capitalista a desconsiderar as diferenças e as hierarquias existentes entre negros e brancos,
impediram esses projetos de considerar que a superação da295585(s)-1.2312(0s)-1.22997(i).74(n)-0.2951879(b)-095585(u)-0.295585(TJ251.668 0 Td[(ç16436(c)A2(s)-1.2312(,)250]TJ-.16436(o)-0.2956ç6p)A2(s)-1(s)-1.22997(.22997(i).r)-7.20151(a)3..16436(e)2895585(i)52(a)3.74(r)2)-0 aradedare.14773.74(r)2 arada
23
A teoria crítica esclarece a mediação do fascismo na subjetividade. Contudo, essa
não é uma constatação contemplativa, é uma especificação dos conceitos que iluminam a
barbárie para erradicá-la. Dessas observações pode-se depreender que não haverá melhoras
na inclusão do negro, se não houver uma transformação profunda na economia, na política
e na “natureza”
9
humana. Sem ela nenhuma mudança na moral social surtirá grande efeito.
Pode-se concluir que isso envolve também o risco de o movimento anti-racista fortalecer a
estereotipia de uma identidade negra positiva. Cabe, então, perguntar qual é a solução para
a civilização que seja capaz de liberar o potencial de modificação da natureza humana,
impedido pela regressão, e permitir o domínio da razão sem a dominação do ser humano.
Volta-se, mais uma vez, ao tema do poder e do direito. O esclarecimento da
sociedade será realmente útil para fins práticos quando o próprio conhecimento for uma
força material que supere os limites da sua regressão. (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992)
Mesmo sabendo dos limites da prática na atualidade, é necessário dizer que só
quando o esclarecimento tiver poder sobre a prática social, para limitar a dominação, será
possível que a civilização se modifique. (Horkheimer e Adorno, 1992: 194) Mas essa força
material não é a violência do próprio esclarecimento transformado em barbárie que busca
por dominação; é, sim, a força material para superar o fascismo. Em resumo, a civilização
poderia levar o homem ao esclarecimento, justiça e felicidade, caso se reconciliasse
consigo; em outras palavras, se houvesse a reconciliação com sua natureza (natural e
histórica). Contudo, a civilização atual é menos esclarecida e autocrítica. Ela leva o ser
humano à barbárie, pois a razão não reconciliada é a própria força de dominação, ou seja,
converte-se naquela violência incontida que se pretendia evitar com o advento da própria
civilização.
O poder tem as mesmas possibilidades do esclarecimento: emancipação e regressão.
Ele é regressivo enquanto instrumento da subjugação do homem à sociedade injusta. A
dominação usa-o a seu serviço, tanto o exercido com violência quanto o internalizado. O
poder é usado para garantir a submissão do homem à reprodução da injustiça. Ocorre,
também, quando a coação é internalizada, criando a humilhação e a identificação com o
agressor. A mesma força, contudo, também é emancipatória na medida em que é necessária
9
Entendemos o ser humano como um ser naturalmente social, por isso, tudo o que a mediação social forma
ou deforma no ser humano não pode ser entendido como uma ontologia, mas sim como uma relação dinâmica
entre as potências naturais e o que a sociedade faz delas (Horkheimer e Adorno, 1973).
24
para romper as amarras do esclarecimento à barbárie (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992;
Galeão-Silva, 2000).
A discriminação causa um trauma, e este se estende de formas diferentes a
dominados e dominadores. Para a teoria crítica, o desastre, as condições para a
manifestação do terror estão na natureza social da dominação, ou seja, em sua segunda
natureza. O trauma marca todos os membros da sociedade desencantada, pois a repressão
dos mitos não os exorciza; como sintomas eles assombram o esclarecimento. A sociedade
desencantada mente ao prometer, por meio da racionalização do mundo, a proteção contra a
natureza e o aprimoramento das relações humanas (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992;
Freud, [1930] 1997; Rouanet, 2004). Além disso, o próprio corpo é o depositário de
cicatrizes da socialização, pois na dialética do esclarecimento a possibilidade da existência
do indivíduo é uma conquista tardia e ainda não garantida na luta entre razão e natureza:
É dentro dessa dialética de dominação e de resistência, de submissão e de libertação, de
enrijecimento e de sensibilidade, de força e de sensualidade, de força motriz e de fonte de prazer
que o corpo aparece como índice de condensação do que é histórico e natural nas relações entre
indivíduo e sociedade. (Ramos, 2004: 60)
No preconceito se um “idealismo dinâmico” (Horkheimer e Adorno, [1947]
1992) que transforma a raça, materialmente inexistente, em realidade social. Os motivos
econômicos-políticos são importantes para a manutenção de grupos subjugados e ligados ao
trabalho, como os negros. Contraditoriamente, agora é cada vez menos necessário o
trabalho e ainda é preciso espezinhar aquele que representa com o suor do rosto o trabalho
mais pesado e arcaico, as lavouras e os garimpos manuais. É possível que o ódio ao grupo
dos negros ainda carregue resquícios do ódio dos senhores contra seus servos, hoje
matizado pela fragilidade de senhores e servos num sistema social que só precisa do
trabalho como ideologia.
Como conclusão desta primeira parte da introdução pode-se afirmar o seguinte: a
discriminação é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. É objetiva numa sociedade voltada
para a reprodução das condições sociais de dominação: o mundo administrado (Adorno,
1995). Os interesses dos indivíduos autopreservação, felicidade e esclarecimento são
25
sistematicamente transformados em ameaça, infelicidade e alienação (Franciscatti, 2002).
Ela é subjetiva também, pois para o indivíduo é evidente a abrangência da violência. A
manutenção da dominação exige o desvio da percepção da origem do mal-estar causado
pelo sistema social. É assim que a ideologia naturaliza a tensão social e seus participantes
(Zaluar, 2000).
A ideologia corrente é a da acomodação à realidade, à dominação (Horkheimer e
Adorno, 1973). A violência é causada pelo medo da aniquilação. O outro é a fonte, o autor
dessa ameaça. Contudo, esse outro é estereotipado, ou seja, predefinido socialmente. Desse
modo, o indivíduo não se conta da amplitude das diferenças e julga que o diferente é
ameaçador. O indivíduo passa a ser violento com o outro, supostamente ameaçador. Ele não
identifica a origem da ameaça na sociedade e em si mesmo. Não pensa que ele próprio
passou a ser uma ameaça aos outros. Assim, a sociedade atual é transparente, todos estão à
mercê da violência, e o medo da consciência dessa ameaça passa a servir à própria
dominação que a criou.
Por isso, é provável que o negro seja visto como uma ameaça não apenas por ser a
representação do outro, mas também por estar associado à condição de diferente: o fato de
ser de outra classe social ou de ter outros costumes. É evidente que essas origens são
estereotipias, pois o negro não tem sempre outros costumes ou é necessariamente de outra
classe social. Provavelmente existe a tendência de compreender os negros como os “de
fora” do grupo e como uma ameaça.
Estudo do preconceito racial pela psicologia social
Parte desse processo de esclarecimento do racismo e do preconceito racial contra
negros no Brasil é a observação das tendências psicológicas como determinadas por
mediações do mundo administrado
10
. Assim, em vez de investigar o comportamento
discriminatório, são observadas suas raízes na acomodação dos sujeitos à sociedade. O
10
No mundo administrado, as determinações da totalidade (a sociedade) nas partes (por exemplo, a
subjetividade) são tão fortes que por meio de uma “psicologia social orientada psicanaliticamente é possível
esclarecer as cicatrizes da dominação nos sujeitos e as tendências implícitas na sociedade (Adorno, 1991).
26
esquematismo da mentalidade preconceituosa presta-se a uma investigação empírica
quantitativa das predisposições psicológicas ao racismo:
Se o preconceito (contra raças, contra a mulher, a criança, o adolescente, o velho) não está aplacado
(ao contrário, se ele é manifestado cada vez com mais força e se não é uma manifestação
estritamente psíquica), cabe à psicologia envidar esforços para responder: quais os elementos
presentes que formam e dão conteúdo à estereotipia.
Em outras palavras, para a teoria crítica continuar contribuindo para o combate à violência e ao
preconceito é importante que a psicologia possa continuar atualizando, por meio de pesquisas,
como os processos sociais (familiares, escolares, dos meios de comunicação) estão imbricados com
a constituição da estereotipia. (Sass, 2001: 158)
O estudo empírico da predisposição subjetiva ao racismo não visa investigar a
discriminação racista em si, pois esta existe como ato, ou seja, é mediada por situações
concretas, mas sim observar um dos elementos constituintes dessas situações: a
predisposição à discriminação.
A predisposição à discriminação é mensurável, por meio de enunciados. O conteúdo
e a forma de tais enunciados servem para medir a proximidade das pessoas ao pensamento
estereotipado a respeito de um grupo específico. Ou seja, a disposição para discriminar
outro indivíduo depende de sua adesão a idéias e afetos que o fazem projetar em diversas
situações o medo da agressão. A pessoa agride outra pelo uso da força, simbólica ou física,
como reação a esse medo. Essa disposição individual é determinada pela sociedade, por
isso as idéias sociais podem ser apresentadas às pessoas para medir sua introjeção. Quando
os indivíduos concordam com os enunciados discriminatórios mostram sua disposição à
discriminação.
A partir das pesquisas críticas da sociedade sobre o caráter fascista, propõe-se uma
outra forma de medida dessa disposição à discriminação. Essa medida é latente por incluir
nos enunciados os fatores inconscientes de adesão ao fascismo. Essas pesquisas localizam
no fascismo as características latentes do chauvinismo social e sua mediação na
subjetividade, e elas foram organizadas na escala de fascismo. (Adorno, [1950] 1965) Essa
mediação leva a condutas aparentemente imediatas como o preconceito e a predisposição a
aderir a ideologias fascistas. Desse modo, a pessoa pode mostrar concordância com os
enunciados sobre o preconceito, demonstrando estar disposta a discriminar, e pode mostrar
27
concordância com aspectos latentes do fascismo demonstrando estar disposta a aderir a
ideologias autoritárias e racistas.
Para desenvolver essas idéias, divide-se esta parte da introdução em: pesquisas
empíricas sobre o preconceito racial contra negros e acríticas à sociedade,
11
estudos sobre a
relação entre ideologia e o indivíduo, pesquisas empíricas críticas da sociedade, tanto sobre
preconceito como a respeito da tendência à adesão ao fascismo, e a conclusão sobre
reificação da subjetividade no preconceito direto e indireto contra negros e na tendência à
adesão ao fascismo.
Várias pesquisas empíricas tradicionais apresentam aspectos do preconceito. Esses
conhecimentos, mesmo que restritos em suas conclusões, captam as mutações do objeto de
estudo: o preconceito. Nos EUA, há vários anos vêm sendo realizadas pesquisas que
mostram uma mudança no preconceito contra negros.
Nos EUA os sentimentos dos brancos em relação aos negros são mais favoráveis
hoje do que foram antes da década de 60 do século passado (Henry e Saers, 2002). Nesse
período, muitas medidas políticas foram tomadas para diminuir a discriminação contra os
negros. Essas mudanças tomaram dois sentidos: o igualitário e o inclusivo (Katz et al.,
1986). As primeiras foram o fim das leis e normas segregacionistas, as segundas, medidas
afirmativas como a inclusão do negro na indústria cultural
12
como figura de identificação,
discriminação positiva em escolas, faculdades e empregos. Porém, alguns estereótipos
contra negros e a aversão a contatos inter-raciais continuam presentes entre a maioria da
população. A situação caracteriza-se por uma ambigüidade dos brancos em relação aos
negros. De um lado, mais brancos têm uma opinião pró-negro e acham necessária a
11
Em um texto inaugural da teoria crítica da sociedade, Horkheimer (1991) aponta as distinções entre
pesquisas empíricas tradicionais e críticas. As ciências parcelares são uma exteriorização do esclarecimento e
como tal podem iluminar seus objetos de estudo. Mas essa compreensão dos objetos é ofuscada nas pesquisas
tradicionais por sua limitação ideológica e falta de uma visão do todo social. Desse modo, os conhecimentos
empíricos das ciências parcelares sociologia, psicologia, crítica literária são úteis para a compreensão da
sociedade. E os conhecimentos empíricos em geral devem orientar a crítica à sociedade. Então, pesquisas
tradicionais são aquelas que não relacionam seus resultados a essa crítica. Ora, seria impreciso chamar de
tradicionais as pesquisas contemporâneas que adotam tal procedimento. Por esse motivo, as pesquisas que não
levam a uma crítica são denominadas nesta tese acríticas da sociedade.
12
O termo utilizado pelo texto citado é mídia. Nesta tese, utiliza-se o conceito de indústria cultural. A idéia
geral sobre “mídia” a concebe como meio de troca entre a sociedade e o indivíduo. Mas o termo “indústria
cultural” acrescenta duas críticas ao papel da mídia na sociedade. Ela tem o modelo de uma indústria, ou seja,
é alienante e tem produção e consumo planejados. E participa de uma troca dialética entre a sociedade e o
indivíduo. Ou seja, pela mídia a sociedade exerce controles sobre os indivíduos.
28
eqüidade. De outro, não querem que negros morem no mesmo bairro ou estudem na mesma
escola:
(...) atitudes contra negros foram reveladas em experimentos recentes envolvendo manipulações
não explícitas e medidas não declaradas do afeto e da preferência intergrupal como (1)
comportamento de ajuda, (2) agressão direta ou indireta e (3) comportamento não-verbal (distância
interpessoal e tom de voz). Os dados sugerem que, mesmo no nível inconsciente, muitas formas de
discriminação racial são comuns por parte dos brancos estadunidenses. (Katz et al, 1986: 36-7)
[tradução do autor]
Esse racismo manifesta-se por meio da atitude de brancos contra as vantagens
concedidas aos negros. Dois conjuntos de valores muito arraigados na cultura norte-
americana orientam esse julgamento: o igualitarismo e o individualismo. O primeiro refere-
se ao senso de justiça e de eqüidade, isto é, igualdade de direitos. O segundo significa a
valorização da iniciativa individual, do mérito próprio nas conquistas pessoais. Esse
conjunto de valores é uma influência da ética protestante na cultura dos EUA (Katz et al,
1986). Porém, esses valores igualitários que hoje são em parte favoráveis aos negros já
existiam durante a escravidão, e nem por isso os negros deixaram de ser considerados
mercadoria. A oposição formal entre escravidão e igualitarismo era apaziguada por uma
dualidade ideológica na qual o negro, de um lado, era responsável por seus atos, podendo ir
a julgamento e, de outro, uma mercadoria (Jones, 1973). Somente com a mudança das
normas sociais e o advento da campanha pelos direitos civis, o igualitarismo passou a ser
associado a direitos iguais para negros e brancos. Porém, esse mesmo igualitarismo permite
a crítica às medidas anti-racistas que beneficiam negros, como uma injustiça com os
brancos. Nesse ponto os valores individualistas contribuem para a sensação de injustiça,
pois todos os indivíduos deveriam ser iguais perante a lei, os negros não deveriam receber
vantagens por pertencer a certos grupos e deviam lutar com esforço próprio para ter
sucesso.
13
A dualidade em relação aos negros intensifica-se com a ascensão do negro na
sociedade estadunidense. Em termos psicológicos, essa dualidade se expressa como
ambivalência:
A ambivalência é responsável por criar na pessoa uma alta vulnerabilidade e
tensão emocional em situações de contatos com indivíduos socialmente estigmatizados ou
em situações associadas a eles” (Katz et al, 1986: 45).
13
Para melhor compreensão da dicotomia entre sucesso e fracasso na sociedade norte-americana, consultar o
livro Corrosão do caráter (Sennett, 2000).
29
Para reduzir o mal-estar da ambivalência, os indivíduos adotam comportamentos
extremos, quer positivos quer negativos, em relação ao objeto da atitude. A auto-estima do
sujeito o leva à negação do racismo. Ele justifica sua opinião racista apoiando-se em fatos
empíricos ou em valores sociais. Uma situação reveladora dessa tendência é seu
comportamento após reconhecer que assumiu uma conduta racista. A postura da pessoa é
ou denegrir o alvo da atitude ou racionalizar o feito atribuindo-o a causas não-racistas. Em
30
1983; Dolvidio apud Gaertner e Dolvidio, 1986). Porém, os adjetivos positivos foram mais
utilizados com referência aos brancos. Ou seja, o pensamento racista permanece, apesar de
algumas mudanças normativas na sociedade estadunidense, mas ele é encoberto por
procedimentos que o ocultam da auto-imagem:
O pensamento preconceituoso e a discriminação ainda existem, mas sua forma contemporânea é
mais sutil, indireta e menos claramente negativa que as formas tradicionais. Além disso, a forma
contemporânea de racismo é expressa de tal modo que protege e perpetua a auto-imagem de não
preconceituoso e não discriminador. (Gaertner e Dolvidio, 1986: 84) [tradução do autor]
No cenário da psicologia social, outra teoria muito prestigiada, sobre as relações
intergrupais é a da identidade social. Ela apresenta a identidade como conteúdo simbólico
que une as pessoas a seus grupos. Essa identificação é suficiente para uma desvalorização
dos não-membros do grupo, sendo compreendida como uma “norma social genérica” de
favorecimento do próprio grupo. Para a teoria da identidade social (Amâncio, 2000), é uma
norma social genérica: a desvalorização do não-membro do grupo é a valorização do
próprio membro do grupo. Para essa teoria, o sujeito é cognitivo, ou seja, é um organismo
capaz de certas operações mentais. É reducionismo tomar a parte, o aspecto cognitivo da
diferenciação intergrupal, e transformá-lo no todo.
Essas pesquisas marcaram a compreensão das relações discriminatórias: uma
mudança para o viés cognitivista intergrupal em detrimento da compreensão interindividual
(Amâncio, 2000; Stephan, 1986). Porém, a psicologia como ciência parcelar pode
contribuir com a crítica à sociedade capitalista administrada se considerar o individual e o
sociológico. A relação dialética entre eles é histórica. O esclarecimento da sociedade
permite, ao mesmo tempo, a formação e o aprisionamento do indivíduo (Adorno, 1991). No
capitalismo tardio, os interesses dos verdadeiros atores sociais o mercado financeiro, as
empresas multinacionais, os Estados, os partidos políticos e os sindicatos estão
legitimados. Na sociedade capitalista administrada, a sobrevivência desses atores dita as
ações hegemônicas: o equilíbrio econômico, o lucro e a racionalidade técnica. Os
indivíduos têm sua sobrevivência condicionada à sua utilidade para os atores sociais.
As pesquisas cognitivas com compreensão interindividual ou intergrupal do
fenômeno demonstram como as pessoas tentam suportar a vida prejudicada por uma
31
sociedade pouco acolhedora das demandas humanas, como a segurança, a melhora do
relacionamento humano e a felicidade. Decorrem daí a manutenção da atenção em pesquisa
no âmbito da psicologia social sobre o fenômeno do racismo, nas suas diferentes dimensões
– cultura, instituição e indivíduo –, e o conflito entre o todo social e a segunda natureza, ou
seja, a formação mediada por necessidades subjetivas.
14
No Brasil, algumas pesquisas no campo da psicologia social têm revelado as formas
do racismo. Uma pesquisa ampla sobre racismo no Brasil na década de 90 entrevistou 5.081
pessoas em todo o país (Turra e Venturi, 1995: 90), a maioria identificou-se como não
racista e julgava que a maioria dos brasileiros era racista contra negros. Além disso, as
pessoas pesquisadas mostraram racismo ao responder a diversas questões. Os pesquisadores
dividiram as questões em duas escalas uma rigorosa e outra generosa: 87% dos
entrevistados apresentaram algum preconceito na escala rigorosa e 42%, na escala
generosa.
15
Logo, a maioria dos sujeitos apresentava traços de racismo, mas um pouco
menos da metade expõe mais essas atitudes (Venturi e Paulino, 1995). Em outra pesquisa,
sobre atitudes racistas no Brasil, realizada em 2000,
16
foi elaborada uma seleção de
questões de pesquisa sobre a percepção do preconceito racial, obtendo-se um baixo índice
de racismo e um alto nível de percepção do racismo (Oliveira e Barreto, 2003). Os
brasileiros julgam existir racismo contra os negros. É uma mudança na opinião em relação
às décadas de 50 e 60 (Fernandes, 1965; Guimarães, 2000). Então, a maioria das pessoas
negava a existência de racismo na sociedade brasileira. Mas a recriminação do próprio
racismo permaneceu alta da década de 1950 para hoje. Isso corrobora o que foi observado
por Fernandes (1965): a norma social no Brasil recrimina as manifestações diretas de
preconceito.
14
Essas mesmas necessidades subjetivas também são uma mediação entre a natureza e o ser humano.
15
Nesse estudo, a escala “rigorosa” considera racistas pessoas que obtiveram mais da metade dos pontos no
questionário inteiro (12 questões) (87%). A escala “generosa” ou “complacente” considera racistas as pessoas
que obtiveram pontos nas cinco questões inequivocamente preconceituosas do questionário. Discordaram de
todas as questões 58% da amostra e 42% concordaram parcialmente com ao menos uma das questões. (Turra
e Venturi, 1995) Essas escalas foram concebidas como uma medida da opinião; cada um dos respondentes
pontuava sua concordância com enunciados racistas. E foram estipuladas as questões mais “rigorosas” e
“generosas” com o racismo.
16
Em 2000, foi realizada no Estado do Rio de Janeiro uma pesquisa sobre Atitudes Raciais, dirigida pela
CEAP - Centro de Articulação de População Marginalizada e aplicada pelo Núcleo de Pesquisas, Informações
e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (DATAUFF). (Oliveira e Barreto, 2002)
32
Os brasileiros, hoje em dia, atribuem a origem do racismo a fatos históricos, como a
escravidão e o processo de sua abolição e pós-abolição, econômicos e sociais, como a
pobreza e a baixa escolaridade. Curiosamente, essas características estão relacionadas ao
passado dos brasileiros e não ao presente. Desse modo, a responsabilidade pela mudança
dessa situação passa a ser ou do próprio negro ou de ações compensatórias dos governos.
Mas divergências sobre as ações compensatórias. As ações de redistribuição de bens
sociais são menos bem-vistas do que ações universalistas que atingissem indiretamente os
negros, como a melhoria das escolas públicas (Oliveira, 2002; Machado e Barcelos, 2001).
Várias pesquisas empíricas mostram a projeção de afetividade positiva em relação
ao negro. Pesquisas com estudantes universitários revelaram uma valorização dos negros e
identificação e crítica em relação à discriminação racial no Brasil (Camino et al, 2001). Os
estudantes atribuíram mais adjetivos positivos aos negros do que aos brancos. Mas também
se detectou o reconhecimento de racismo na sociedade brasileira. A primeira explicação
para essa disparidade seria uma “formação reativa” contra o preconceito. A “formação
reativa” se daria como forma de defesa da consciência do próprio racismo e levaria os
universitários a valorizar mais os negros do que os brancos. Outra hipótese explicativa é a
maior solidariedade com os negros, por estes serem discriminados. Ou seja, haveria uma
identificação com o mais fraco. Por essa explicação a reação ao negro não seria mais
discriminatória. Outro resultado desse estudo indicou uma correlação entre os adjetivos
utilizados para caracterizar o Terceiro Mundo com os negros e os atribuídos aos brancos,
com o Primeiro Mundo. Esse resultado revelou a continuidade do racismo entre estudantes
e levou a relacioná-lo com o racismo simbólico, que se manifesta na falta de
responsabilização pelo preconceito e oposição a movimentos igualitários (Camino et al.
2001). Esses resultados são coerentes com o conceito de racismo aversivo, no qual a
ambivalência entre posições pró e contra negros pode gerar comportamentos de valorização
do negro, inclusive acima do grupo do próprio branco. Mais do que isso, esses resultados
fazem lembrar uma adesão, pouco refletida e incoerente em si mesma, a um conjunto de
idéias veiculadas por meio do sistema social. Em certas circunstâncias, podem ser aceitos
enunciados pró-negros sem uma mudança da adesão a outros enunciados.
Em outra pesquisa, Pettigrew e Meertens (1995) observam na Europa que pessoas
que não demonstram um racismo flagrante podem apresentar rejeições ao convívio ou
33
motivos individualistas e falsamente universalistas (a afirmação da igualdade de direitos
nas desigualdades sociais), o que seria racismo sutil.
O preconceito sutil pode ser compreendido como fenômeno normativo. As pessoas
mudariam seus pontos de vista racistas por submissão à influência social: conformismo,
identificação e interiorização. Sob essa perspectiva, é tênue a linha que separa os
preconceituosos sutis dos não-preconceituosos:
Nossa conjectura é que os sutis têm um limiar maior do que os igualitários (porém, menor do que o
dos flagrantes) antes que a inibição de respostas preconceituosas seja ativada. Por isso, os sutis
tendem a aceitar os enunciados da escala sutil e os igualitários, não. (Pettigrew e Meertens, 1995:
73) [tradução do autor]
Os preconceitos flagrantes e sutis estão correlacionados, mas não são idênticos. O
preconceituoso flagrante rejeita e ataca o grupo discriminado. Já o preconceituoso sutil tem
outra postura, afasta-se e neutraliza seus sentimentos em relação ao grupo discriminado, no
entanto, não aceita proximidade nem intercâmbio cultural.
Uma hipótese sobre as diferentes manifestações do racismo é que o racista busca
subterfúgios para escapar às sanções sociais contra manifestação em público do
preconceito. Uma mudança de comportamento racista como o aparecimento de
comportamentos mais sutis pode não ser uma modificação ampla na predisposição racista.
Não é uma transformação abrangente da socialização do indivíduo. Pode ser uma
ressocialização restrita à discriminação entre os momentos adequados e inadequados para
manifestar a atitude preconceituosa. Por isso, os questionários tradicionais, usados para
medir o preconceito, não seriam eficientes para captá-lo, pois eles estão procurando
verificar uma disposição por meio de manifestações comportamentais suprimidas do
indivíduo. Caso o indivíduo discrimine a situação da resposta à escala como uma ocasião
34
aspectos não explícitos na sociedade como um todo. Qualquer proposta de compreensão do
racismo deve levar em conta as mudanças objetivas.
A ideologia racista no Brasil é também mediada por necessidades objetivas. Hoje,
essa ideologia muda de uma raiz conservadora para uma adesão à racionalidade
tecnológica. Em recente pesquisa, Crochík demonstrou a mudança do quadro ideológico de
formação da personalidade autoritária. No lugar da ideologia conservadora e liberal é mais
importante, hoje, a ideologia da racionalidade tecnológica (Crochík, 2001b). Ou seja, a
eficiência dos procedimentos e a competência dos técnicos têm força normativa e
justificadora na sociedade atual. Sendo assim, é pouco radical a crítica à ideologia a partir
da oposição entre seus princípios universais e a divisão de classes. Os princípios da
ideologia da racionalidade tecnológica são pragmáticos e com pouca profundidade
reflexiva. Assim, hoje, a adesão aos princípios liberais ou conservadores se sem grande
entusiasmo, pois eles não são fundamentais para a dominação. Nesse sentido a diminuição
da adesão às ideologias racistas, se houver, é positiva, mas não significa o fim da
predisposição geral a aderir de forma submissa aos comandos sociais o que deve se
expressar por meio da tendência à adesão ao fascismo e de formas latentes de preconceito.
Por esses motivos, a adesão das pessoas à ideologia e sua determinação objetiva
permitem supor que a mudança que tiver ocorrido na ideologia racista contra negros
dirigirá, objetivamente, a insatisfação e a insegurança das pessoas contra outros grupos.
Essa mudança trará como conseqüência a indiferença ao horror,
17
em especial com o
destino dos mais fracos pobres, deficientes, e homossexuais. A tendência histórica ao
horror criou cicatrizes que mudanças concomitantes da subjetividade e da objetividade
podem alterar.
17
O aumento da dominação sobre a natureza e o ser humano tem como conseqüência o aumento do horror. O
aumento dos horrores na história da humanidade – o aumento do número de vítimas e da eficiência da morte e
humilhação é uma mudança na qualidade do horror. O esclarecimento da geração presente a faz ainda mais
responsável e terrível que as anteriores: “Quem se deixa arrancar o reconhecimento do aumento do horror
entrega-se não somente a uma contemplação insensível, mas não consegue compreender, junto com a
diferença específica entre os acontecimentos recentes e os antecedentes a verdadeira identidade do todo, do
terror sem fim” (Adorno, 1992: 205). A geração da Segunda Guerra foi responsável pelos maiores horrores
(como Auschwitz) até o século XX. A geração atual é responsável pela banalização do genocídio: Ruanda,
ex-Iugoslávia. Nos dois países, tribunais internacionais julgam os culpados, apesar da indiferença
internacional com esses e outros horrores.
35
Nesse quadro, é importante o papel da socialização dos indivíduos na adesão e
predisposição ao racismo individual. A formação do indivíduo representa a contradição
existente:
A formação do espírito (...) é contraditória, pois remete simultaneamente à liberdade e à
manutenção da opressão no mundo do trabalho. Nesse sentido, pregar a formação do espírito em si
mesma é esquecer o que impede seu objetivo de ser cumprido; de outro lado, negá-lo é reproduzir a
violência existente. (Crochík, 1998: 78)
A socialização, na sociedade atual, se principalmente por meio da educação. A
educação apresenta a luta entre a civilização e o indivíduo. Por um lado, ela é um
importante instrumento de formação do indivíduo na civilização, por outro, tem um
inegável caráter coercitivo. Nenhuma reforma na educação atual pode resolver essa
contradição. É falha a educação que segue a lógica do sujeito, seja a ênfase no humanismo
a busca de valores não sustentados na prática social atual –, seja a ênfase na tecnologia
a busca da manipulação cnica da natureza e das pessoas. A educação que busca a
objetividade também não resolve essa contradição, pois seu resultado é a desconsideração
do sujeito (Crochík, 1998).
A antiga formação erudita não é uma alternativa válida embora a comparação da
educação de outrora com a atual, inclusive a das elites, demonstre o nivelamento por baixo
da formação contemporânea. Seus equívocos são o elitismo e a separação entre a teoria e a
práxis. A educação tem como tarefa formar o indivíduo para a práxis e a teoria, sem
esquecer nenhuma delas. Somente o desenvolvimento da consciência da contradição do
presente pode contribuir para mudar a sociedade. Aliás, todas as formas de resistência ao
nivelamento da educação por baixo conscientizam para a negação da autonomia na
sociedade atual (Crochík, 1998).
Esse nivelamento “por baixo” é útil ao sistema social, pois facilita a troca de bens e
de trabalhadores. O tecnicismo do trabalho atual exige apenas adaptação à máquina, o
treinamento, e não a formação. Desse modo, a apropriação da cultura “a possibilidade de
reflexão universal pelo particular” passou a ser a “apropriação de bens de consumo”. O
resultado desse processo é uma formação superficial, a pseudoformação (Crochík, 1997:
121).
36
Os índices da formação são a experiência e o uso de conceito. O conceito é o
resultado do trabalho humano de compreensão do mundo, é a teoria. A experiência é a
espontaneidade da vida, ela é tanto a continuidade quanto a mudança do ser vivente:
Se somente as metamorfoses são salientadas, para configurar a vida do indivíduo, a tradição, a
memória, o passado são deixados em segundo plano; se só o idêntico é configurado como marca do
individual, a própria experiência fica impedida. (Crochík, 1997: 121)
A contradição entre a continuidade e a descontinuidade da experiência é o motor da
síntese do universal e do particular na vida de cada indivíduo. Da mesma forma, o conceito
pode ganhar uma forma verdadeira se for o resultado da dialética entre o sujeito e o
objeto. O ensino atual reforça a visão unidimensional da vida e do conhecimento, é um
grande obstáculo à formação de um indivíduo pleno (Crochík, 1998).
O indivíduo pseudoformado
18
é preconceituoso. Busca visões estereotipadas para
aplacar sua ansiedade diante do mundo. A cultura de massas, via indústria cultural,
transmite a representação de um mundo claustrofóbico e conformista. A escola voltada para
essa pseudoformação enfatiza as necessidades do ego ideal, do narcisismo primário
(Crochík, 1997). É a pedagogia da facilidade, da o-frustração, criadora da ilusão de uma
apreensão total da realidade. É, na verdade, uma apreensão esquemática da realidade
(Crochík, 1997).
A educação, desse modo, contribui tanto para a possibilidade da emancipação
quanto para a adaptação ao mundo administrado. A emancipação viria caso ela colaborasse
para a percepção real da diversidade em relação aos outros e a si mesmo:
A educação, no que é ainda próprio do seu nome, deveria levar a reflexão sobre a inutilidade que
marca a todos nós, uma vez que cada vez mais somos prescindíveis, isto é, substituíveis. (Crochík,
1997: 124)
18
Existe uma divergência nas traduções brasileiras do termo “Halbbildung”. (Maar 2003) Para todos, o
processo designa a constituição do eu numa sociedade mediada pela indústria cultural. Não há uma
deformação, mas uma formação já prejudicada desde o início. (Maar, 2003 e 2001) Alguns autores traduziram
o termo como “semiformação” para caracterizar a interrupção do processo de formação. Outros autores
(Crochik, 1997) traduziram-no como “pseudoformação”, pois nele cabe a formação prejudicada e, por
conseguinte, uma falsa formação.
37
Como a educação pode reduzir a aversão à diversidade, é importante investigar se
somente o preconceito impede a aceitação das diferenças entre pessoas e grupos como algo
não pejorativo. Defendemos a tese de que o autoritarismo das pessoas também contribui
para a não-aceitação das diferenças. E pode permanecer como um potencial latente mesmo
quando o preconceito for bastante reduzido.
Daí a estereotipia do preconceito originar-se da sociedade capitalista administrada e
da pseudoformação e mediação social do indivíduo. A diversidade das pessoas sucumbiu à
tendência à homogeneidade na sociedade de massas. Essa homogeneidade aproxima o
preconceito do caráter autoritário. O preconceito mais flagrante tende a se manifestar nas
pessoas mais autoritárias. Para esclarecer a relação entre preconceito e personalidade
autoritária, é necessário observar as variações nas manifestações de preconceito e quais são
suas ligações com a tendência à adesão ao fascismo.
Como se verá a seguir, a pesquisa crítica sobre o racismo parte da crítica à
sociedade e à subjetividade e formula pesquisas e análises para a persistência do
preconceito. Por fim, pode-se compreender e pesquisar empiricamente o objeto, racismo
contra negros no Brasil, a partir de seus elementos econômicos, históricos, culturais,
institucionais e subjetivos.
Para a teoria crítica, se houver uma transformação da atitude do preconceituoso, ela
depende de elementos objetivos mediados nos indivíduos. A socialização é cada vez mais
determinada pela indústria cultural e pelo capitalismo (Marcuse, 1968; Crochík, 1999). A
mediação do Capital ganha importância em detrimento de outras mediações, como a
religião, a educação e o trabalho. Essa mediação é mascarada na vivência do indivíduo,
como se houvesse uma relação imediata com outros indivíduos e com bens materiais. O
indivíduo, que se ilude com essas relações ilusórias, as como materiais. Porém,
exatamente o aspecto material dessas relações está escondido pela redução da relação
imediata ao seu equivalente em Capital, o que qualifica essas relações diretas como
ilusórias. Essa mediação no indivíduo manifesta-se no Brasil a partir da sua posição
periférica no capitalismo. (Mello e Novais, 2000) Logo, a variação histórica do preconceito
racial no Brasil, caso ocorra, está relacionada às mudanças em todo o sistema capitalista.
A socialização tradicional brasileira sobre o racismo inclui uma certa sutileza ao
declarar o preconceito. A crítica à ideologia da democracia racial observou no brasileiro o
38
preconceito de ter preconceito (Fernandes, 1965). Essa característica dos indivíduos é uma
intricada forma de dominar e manter aparência de urbanidade. O racismo contra o negro é
reproduzido pela falta de condições de cidadania dos mais pobres e negros, ou seja, pela
discriminação racial no trabalho, na escola, na representação política e na saúde. Esse
preconceito deve aparecer em escalas como preconceito sutil, por não assumir em público a
discriminação social e ao mesmo tempo não tolerar a proximidade com os negros. O caráter
autoritário da sociedade brasileira é reproduzido por essa socialização, pois a
“cordialidade” do homem brasileiro (Holanda, 1996) está associado: ao respeito pela força
e pelo poder, à submissão e à agressividade autoritárias. Em resumo, ocorreria a introjeção
do preconceito racial associado à adesão à ideologia antidemocrática. É muito provável que
a tendência das pessoas à adesão ao fascismo esteja associada a um preconceito flagrante,
pois são duas atitudes semelhantes. Mas, além do preconceito explícito, a possibilidade
de o preconceito sutil também estar associado à tendência à adesão ao fascismo, inclusive
por esta também ter uma apresentação velada. Essa possibilidade será testada nesta
pesquisa.
Por outro lado, contemporaneamente, a racionalidade instrumental diante da
discriminação racial pode ter ganho força na sociedade brasileira, ou seja, nem a reação
odiosa (quente) nem a cordial (ambígua). Essa racionalidade instrumental refere-se à
capacidade de cálculo e planejamento funcional da sociedade. O destaque, tanto desse
aspecto da razão como de seu todo, é fruto da transformação do esclarecimento. Sempre
houve um aspecto instrumental na razão, pois ela sempre foi um instrumento da prática.
Depois, na modernidade, a razão foi progressivamente separada em seus aspectos práticos
(ética e política) e instrumentais (técnica e fabricação) até se constituir uma racionalidade
instrumental, ou seja, uma aprimorada capacidade de cálculo e controle racional da
natureza e do ser humano reduzido à condição de coisa. Esse uso da racionalidade
instrumental no racismo é uma reação ao conflito mais próxima da sociedade capitalista
administrada do que da sociedade capitalista brasileira
19
. Supõe-se que uma das causas para
19
No Brasil, a racionalidade das relações sociais de dominação está associada a um capitalismo periférico e
dependente. Os processos de modernização reacionária do capitalismo brasileiro introduziram novas formas
administradas de capitalismo. De forma desigual, uma parte da produção brasileira passou a ser mais
administrada, tanto no controle da mão-de-obra quanto nos processos produtivos. (Tragtenberg, 1980). Assim,
a modernização da sociedade capitalista brasileira levou a que certos setores abandonassem a ambigüidade e
39
essa nova relação com o grupo discriminado seja a fraqueza do indivíduo diante do sistema
social, em sua pseudoformação e em seu estado de submersão na massa regredida. O
indivíduo obedeceria à socialização que condena o preconceito flagrante e expressões
diretas da tendência à adesão ao fascismo. Desse modo, a manifestação do preconceito
contra negros tenderia a ser mais sutil. A manifestação da tendência à adesão ao fascismo
também é implícita e apresentaria juízos pejorativos sobre o povo e sua incapacidade de
escolha.
20
Os mais aderidos a essa nova irracionalidade, em sua indiferença com o alvo da
dominação, aceitariam integrar alguns negros no trabalho valorizado e tolerariam a cultura
negra. Essas concessões ocorrem quando não é mais necessário tanto trabalho e a cultura é
um produto da indústria. Ou seja, essas mudanças, a inclusão do negro, a tolerância e a
valorização da cultura, não diminuem a dominação social.
A valorização de alguns negros no mercado de trabalho revela a importância da
racionalidade instrumental na assimilação do negro na sociedade de classes. O uso intenso e
hegemônico da racionalidade instrumental pelos indivíduos denota um esquematismo no
entendimento do mundo, a racionalidade instrumental. O esquematismo da visão de mundo
é uma característica da pseudoformação (Duarte, 2003). A racionalidade instrumental está
presente na relação entre brancos e negros, quando a outra pessoa é coisificada. Ou seja,
quando a relação com outras pessoas não apresenta a alteridade. Nas relações inter-raciais,
essa racionalidade aparece quando a inclusão do negro é considerada um ganho produtivo e
uma estratégia retórica. Um sintoma dessa aceitação instrumental do negro é a polidez sem
qualquer afeto.
O medo e a fragilidade diante da socialização causam uma tendência à
homogeneidade, a obedecer às normas sociais mesmo que elas sejam contraditórias. Essas
normas são a repetição do discurso ideológico e a cópia (mimese) das práticas sociais.
Nesse sentido, o caráter autoritário é parte da irracionalidade do mundo administrado. Por
isso, para compreender as variações do preconceito é necessário observar a atitude
autoritária.
passassem a adotar uma ideologia de inclusão da diversidade da mão-de-obra de uma forma calculada e
controlada. (Alves e Galeão-Silva, 2005).
20
Esses juízos pejorativos são, também, a manifestação de preferência pela ordem social imposta por regimes
autoritários.
40
A mimese pode ser a cópia imperfeita ou a semelhança esclarecida. Essa diferença é
importante para a integração de um grupo discriminado na sociedade. Na filosofia, existem
dois entendimentos diferentes sobre o papel da mimese. Mimese é importante na poética
platônica e na educação aristotélica (Gagnebin, 1997). Para Platão, a arte realizava uma
cópia imperfeita do mundo. O seu modelo era, por sua vez, uma imagem das essências.
Esse significado da mimese é utilizado na teoria crítica. O conhecimento para ser
desencantado e racional deveria evitar a mimese, pois esta era apenas um artifício artístico
(Horkheimer e Adorno, [1947] 1991). Esse pressuposto da ciência moderna gera o aspecto
regressivo da mimese na sociedade do século XX. Ela era a alegria primitiva com a
semelhança com o mundo e foi combatida pela razão para o progresso do esclarecimento.
No seu lugar, surge uma segunda mimese, observada na pulsão de morte e no anti-
semitismo. Ela é uma característica importante do mundo administrado, a sociedade atual.
A segunda mimese é a cicatriz indelével da crueldade que ocupou o lugar da antiga alegria.
Essa crueldade foi utilizada para a constituição do indivíduo. Ou seja, ela é parte do
progresso da humanidade. E nem por isso é menos problemática para suas possibilidades
futuras (Gagnebin, 1997).
Outro significado de mimese na filosofia foi apresentado por Aristóteles. Ele
indicou que a mimese não era uma cópia imperfeita do objeto mas a possibilidade humana
de compreender o mundo por meio das semelhanças, cujo sentido dependia do intelecto
humano. Essa capacidade era fundamental para o reconhecimento dos objetos do mundo
(Gagnebin, 1997).
Sem dúvida, a possibilidade de percepção das semelhanças e diferenças, ou seja, o
reconhecimento, depende de suas condições históricas. Nesta introdução foram
apresentados alguns obstáculos objetivos a esse reconhecimento, em relação ao qual a
racionalidade instrumental é uma barreira, pois não compreende o significado histórico da
integração do negro na sociedade capitalista, ou seja, uma integração que reafirma a
dominação capitalista. A semiformação é um empecilho para a realização do
reconhecimento, pois impede o exame profundo das relações entre os indivíduos. O
preconceito é um estorvo para o reconhecimento, que ele significa a impossibilidade de
se ter uma experiência sensível com uma pessoa.
41
A pesquisa crítica sobre o racismo associou o preconceito a aspectos políticos. A
pesquisa sobre a personalidade autoritária (Adorno et al, [1950] 1965), realizada nos EUA
sobre o potencial fascista e o preconceito, permite compreender melhor a relação entre a
sociedade, a ideologia, o indivíduo, sua conduta preconceituosa. A questão central do
estudo foi esclarecer quais eram as predisposições para adesão ao fascismo entre a
população norte-americana. Esse estudo multidisciplinar permitiu provar a correlação entre
as ideologias, a personalidade autoritária e o preconceito (Crochík, 2001b).
O estudo utilizou várias técnicas empíricas para investigar seu objeto: testes
psicológicos, entrevistas e escalas. As questões de cada escala foram planejadas para medir
primeiro a manifestação atitudinal, o etnocentrismo (escala E) e o anti-semitismo (escala A-
S), depois a adesão à ideologia, que foi operacionalizada como concepções político-
econômicas (escala CPE) e, por fim, as tendências ao fascismo (escala F). A escala E se
divide em subescalas de anti-semitismo (EA), de racismo contra negros (EB) e de
patriotismo (EP) (Adorno et al, [1950] 1965).
As medidas tradicionais de preconceito dependem de manifestações em relação a
grupos discriminados, que são generalizadas como atitudes. Elas dependem da disposição
do indivíduo diante do objeto social, englobando aspectos cognitivos, afetivos e
predisposições a comportamentos. Como atitude não é comportamento, é importante
compreender como as mediações entre os diversos fatores levam ao comportamento. Pois
bem, depois da Segunda Guerra Mundial, quando a pesquisa A Personalidade Autoritária
foi realizada, havia uma grande reprovação ao racismo, cristalizada nas normas sociais. A
guerra tinha demonstrado várias faces da barbárie, e o racismo foi um fator distintivo dos
regimes fascistas derrotados. Apesar de nenhum país poder afirmar que era livre de
racismo, nos países derrotados essa barbárie atingiu novas proporções. Os países
vencedores apresentaram-se como os defensores do mundo contra o racismo fascista. No
campo das atitudes, a identificação com os próprios EUA era associada à adesão a normas
não-racistas. Nessa situação social, a manifestação de comportamentos ligados à disposição
de abraçar o fascismo era menos evidente. Por isso foram necessárias medidas da mediação
subjetiva dessa tendência, ou seja, uma investigação de enunciados que levassem os
respondentes a demonstrar se tinham traços de uma estrutura psicológica que os
predispunha à adesão ao fascismo (Adorno et al, [1950] 1965).
42
Duas hipóteses foram testadas: (i) a da correlação entre o etnocentrismo (E), o anti-
semitismo (A-S) e o conservadorismo econômico (CPE) e (ii) correlação entre estruturas de
personalidade e tendência a aderir ao ideário anti-semita e etnocêntrico. A correlação entre
o conservadorismo e as escalas foi significativa, porém não suficiente para excluir a
presença de preconceituosos que aderiam à ideologia liberal.
Os respondentes de escores baixos na escala CPE e altos nas duas outras (F e A-S)
foram considerados falsos democratas, pois respondiam aos enunciados sobre política e
economia como se fossem democratas, mas desprezavam a liberdade. As pessoas com essa
tendência usam a aceitação superficial da democracia como álibi para sua prática autoritária
(Adorno et al, [1950] 1965).
A escala CPE é uma medida correlacionada com a postura preconceituosa, porém
essa relação não foi suficientemente alta para uma correlação única entre adesão à ideologia
político-econômica e preconceito, pois havia liberais etnocêntricos, anti-semitas e
conservadores que não sucumbiam ao ideário fascista. Mas, com mais freqüência, os
conservadores são preconceituosos e os democratas, não. A segunda hipótese referia-se à
observação de certas constâncias psicológicas nos anti-semitas e etnocêntricos e numa certa
generalização dos comportamentos fascistas. Por isso, foi construída a escala de fascismo,
para medir a predisposição ao preconceito, sem referência, nos enunciados, a um grupo
discriminado tendência latente ao preconceito –, e para medir o potencial de adesão à
propaganda antidemocrática (Adorno et al, [1950] 1965). Adorno comenta que sua
experiência como pesquisador no projeto a Personalidade Autoritária foi facilitada pela
crença comum dos pesquisadores na importância da teoria freudiana para a compreensão do
autoritarismo no século XX (Adorno, 1995). Assim, em vez de gerar confusão entre os
termos “sutil” e “implícito”, esta investigação opta por interpretar o termo “implícito”
utilizado na pesquisa da personalidade autoritária como um sinônimo de latente, termo da
teoria da interpretação dos sonhos de Freud. O latente está subjacente na formulação dos
enunciados da escala de fascismo, cuja relação com a ideologia fascista é uma relação de
“associação livre” (Adorno, 1995), ou seja, de associação entre o manifesto e o latente.
Os pesquisadores tinham o objetivo de medir em uma escala (F) os aspectos mais
profundos da personalidade associados ao preconceito “racial”. Esses aspectos tinham
sido observados em dados qualitativos – entrevistas, testes projetivos e história de vida – da
43
pesquisa sobre Personalidade Autoritária. Porém, a profundidade desses aspectos poderia
inviabilizar essa mediação em uma escala, pois desse modo, aparentemente, só seriam
observáveis em dados qualitativos. Porém, por considerarem que o latente não está distante
do manifesto, eles julgaram ser possível medir aspectos da personalidade por meio
quantitativo. (Adorno et al, [1950] 1965) Essa avaliação da proximidade do conteúdo
manifesto do latente tem origem na interpretação dos sonhos proposta por Freud. Por meio
do método de associação livre era possível ao paciente relatar conteúdos latentes que eram
interpretados pelo analista. Essa interpretação também permitiu observar padrões de relação
entre os conteúdos manifestos e latentes (Garcia-Rosa, 1990). Conclui-se que essa
descoberta freudiana foi importante para a formulação dos enunciados da escala de
fascismo. E destaca-se que, ao lidar apenas com a escala de fascismo, sem o material
qualitativo (entrevistas, testes projetivos e história de vida), a melhor denominação para o
componente da personalidade predisposto ao fascismo é de tendência latente ao fascismo.
Antes de avançar nessas relações entre a subjetividade, o etnocentrismo, o anti-semitismo e
a propensão à adesão à ideologia fascista é necessário lembrar que a psicologia não
pesquisa o todo social, ela é antes a investigação de um aspecto dessa totalidade (Adorno,
[1950] 1965: 613). A subjetividade é uma parte da mediação do todo social com a vida
concreta e, por isso, representa, segundo suas peculiaridades, a sociedade. O objeto
psicológico não é um espelho da sociedade, pois nesse caso triunfaria a padronização dos
comportamentos. A subjetividade é um dos espaços para a realização da emancipação.
Porém, a sociedade não realiza essa utopia porque regrediu à barbárie e acaba produzindo
uma grande padronização da subjetividade: “Quem quiser saber acerca da vida imediata
tem que investigar sua configuração alienada, investigar os poderes objetivos que
determinam sua existência individual até o mais recôndito nela” (Adorno, [1947] 1992: 7).
A sociedade gera as condições da personalidade autoritária por meio das pequenas
condições para a autonomia dos indivíduos (Adorno, 1996). Por isso, a relação entre as
características psicológicas e sociais teve uma formulação específica na pesquisa:
44
Chegamos a ponto de considerar que nossa principal tarefa não era analisar o anti-semitismo, ou
qualquer outro preconceito contra uma minoria,
21
como fenômeno psicossocial per se, mas sim a de
examinar qual é a relação existente entre o preconceito antiminoritário e as pautas ideológicas e
características mais gerais. (Adorno, [1950] 1965: 589)
Logo, a subjetividade que tende ao fascismo ou a ideologia fascista são partes do
todo social. A adesão à pauta ideológica depende subjetivamente de dois fatores: das
predisposições psicológicas e da necessidade de autopreservação do indivíduo em uma
sociedade cada vez mais autoritária. Desse modo, alguns aderem à multidão fascista, e
outros agem constrangidos por ela.
Adorno (1991), ao tratar da relação entre a determinação social e a dimensão
psicológica, indicou a necessidade de uma psicologia social orientada psicanaliticamente
para a compreensão da relação da determinação social com as estruturas pulsionais
predominantes na massa fascista. Quanto mais o indivíduo se ajusta à razão
autoconservadora na sociedade plenamente administrada, menos autônomo ele é. A
coisificação do indivíduo nesse processo é apreendida por instrumentos de pesquisa que
pedem respostas operacionais. Ou seja, quanto mais coisificado for o indivíduo mais as
suas respostas a uma escala (um tipo de questionário com respostas predeterminadas) serão
representativas da sua subjetividade. Assim, em certos objetos, o estudo quantitativo
representa um retrato fiel da regressão do próprio indivíduo (Horkheimer e Adorno, 1973).
Na pesquisa A Personalidade Autoritária, a tendência à adesão ao fascismo e a tendência
latente ao preconceito foram definidos operacionalmente por meio de diversas
características, em uma escala Likert. Os subsídios para essa escala vieram de estudos
anteriores sobre os agitadores fascistas (Lowenthal, 1987 e Adorno 2000).
22
As respostas às
alternativas representavam a adesão à tendência ao fascismo. Porém, o determinante da
adesão à ideologia não é a idiossincrasia individual: “Poderíamos chamar esse determinante
de atmosfera cultural geral e, particularmente, de influência ideológica exercida sobre o
21
Ver nota sobre a especificidade da sociedade brasileira e os termos “minoria” e “grupo discriminado” (nota
2).
22
Nas edições consultadas não há a data original do livro. Em um texto sobre sua experiência nos EUA
Adorno afirma que seu estudo é de 1943. (Adorno, 1995:170). Para Wiggershaus, o texto de Lowenthal é
parte dos estudos sobre o preconceito da década de 1940 que antecederam a pesquisa sobre Personalidade
Autoritária (1994: 410).
45
povo pela maioria dos meios destinados a modelar a opinião publica” (Adorno, [1950]
1965: 614).
Como a atmosfera cultural geral sofreu grande padronização, os hábitos de
pensamento e a dinâmica da personalidade também foram padronizados. É para pesquisar
essa padronização que a teoria crítica recorre a medidas e modelos (escalas) para
estabelecer tipologias sobre a adesão ao fascismo.
Um ensaio sobre o anti-semitismo no século XX Os Elementos do Anti-semitismo
(Horkheimer e Adorno, [1947] 1992) contemporâneo da pesquisa sobre a Personalidade
Autoritária ([1950] 1965), pode lançar luz sobre os aspectos históricos do modelo empírico
e dos resultados da tendência ao fascismo e da tendência latente ao preconceito. No estudo
sobre o anti-semitismo, apresenta-se uma forma de racismo que demonstrou a regressão no
progresso da razão, assim como são apresentados temas-chave para se compreender a
relação entre contexto social e preconceito: uma espécie de idealismo dinâmico, a
competição econômica, o desencantamento da religião, a falsa projeção, a idiossincrasia e o
pensamento de ticket. Esses mesmos temas também estão presentes na pesquisa sobre a
personalidade autoritária (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992; Galeão-Silva, 2000).
A ideologia da sociedade industrial e de massas, e particularmente seus aspectos
racistas, não são criticáveis como era a ideologia do século XIX. A ideologia burguesa do
século XIX permitia a crítica imanente, enquanto a ideologia atual é mentira manifesta, ou
seja, não pode ser objeto de uma crítica imanente. Só é possível criticá-la como parte da
dominação social. Por isso, é fundamental entender como a sociedade a produz e como os
indivíduos aceitam a ideologia atual.
A sociedade produz, no século XX, a ideologia autoritária porque seu sistema
produtivo reencontrou equilíbrio no controle centralizado da produção e do consumo. Essa
situação reforçou ideologias contrárias à autonomia dos indivíduos. Por isso “em uma
espécie de idealismo dinâmico” os ideólogos transformam as raças de uma flagrante
mentira numa verdade factual (Horkheimer e Adorno, [1947]1992). Para Horkheimer e
Adorno, os indivíduos aderem a essa mentira manifesta por medo de serem atacados e por
prazer com a destruição dos judeus, que aparentavam ser felizes sem precisar do poder
(Galeão-Silva, 2000). Veremos mais adiante que as pessoas são transformadas em apenas
46
negros também por uma mentira manifesta, e em vez de serem sistematicamente
exterminadas são sistematicamente oprimidas.
A competição econômica entre grupos também é uma explicação para o racismo.
No caso dos judeus, seu papel histórico na circulação das mercadorias marcou seu destino,
porque despertou o ódio entre as classes populares:
O anti-semitismo burguês tem um fundamento especificamente econômico: o disfarce da
dominação na produção. (Horkheimer e Adorno 1991: 162)
A palavra-chave desse processo é disfarce. A perseguição do povo judeu é o disfarce da
acumulação, da manipulação ideológica do trabalho e do mal-estar da adaptação ao capitalismo
avançado. (Galeão-Silva, 2000)
A perseguição à religião é uma forma de racismo cultural (Jones, 1973). O
desencantamento do mundo parece ter levado a religião para uma esfera de escolha privada.
Mas os ataques a certos grupos, por meio da atribuição de características demoníacas à
religião do grupo discriminado, contradizem o aspecto privado da escolha religiosa: “A
religião foi integrada como patrimônio cultural, mas não abolida. A aliança entre o
esclarecimento e a dominação impediu que sua parte de verdade tivesse acesso à
consciência e conservou suas formas reificadas” (Horkheimer e Adorno 1991: 164-5).
Ou seja, a importância dos ritos para o fascismo é canalizar os recalques do
desencantamento como motivação para o ataque ao bode expiatório: “A fanática, de que
se vangloriam os chefes e seus seguidores, não é outra senão a encarniçada que ajudava,
outrora, os desesperados a agüentar, seu conteúdo se perdeu” (Horkheimer e Adorno,
1991: 165).
O trauma desse desencantamento permanece produzindo sintomas que os
antidemocratas habilmente usam como um fortalecimento do vínculo e contra seus alvos. A
projeção é o mecanismo psíquico subjacente à predisposição ao preconceito. Todo
conhecimento precisa do mecanismo de projeção, nada pode ser conhecido sem que antes a
pessoa tenha projetado no objeto aspectos preconcebidos. Contudo, essa projeção deve ser
modificada pela apreensão do objeto, ou seja, a percepção do objeto altera a imagem feita
pelo sujeito. Desse modo, a projeção inicial é superada pelas informações a respeito do
objeto (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992).
47
Essa projeção é distorcida no preconceito: “O mecanismo de projeção é marcante no
preconceito por permitir que fantasias estereotipadas sejam transferidas para o objeto
cujas características percebidas passam a ser o conteúdo projetado” (Adorno, [1950] 1965:
576). Essa projeção característica do preconceito é uma falsa projeção. O mecanismo da
projeção é intensificado a tal ponto que o conteúdo projetado anula o objeto. Por exemplo,
a projeção de que o negro não é inteligente apaga a percepção de que a cor da pele não
afeta a cognição. Essa é uma projeção maciça sobre a vítima de preconceito. O sujeito que
projeta maciçamente também é afetado. O conteúdo de sua projeção não é uma
idiossincrasia do indivíduo. A falsa projeção tem o conteúdo definido pela sociedade que
bombardeia a percepção e a capacidade de pensamento do indivíduo com rótulos sociais. A
falsa projeção caracteriza-se pelo convencionalismo, uma adesão desmedida às convenções
(Horkheimer e Adorno, [1947] 1992).
A falsa projeção é o mecanismo de estereotipia. O que muda com essa observação é
a perspectiva cognitivista de que o estereótipo é uma característica natural e mostra seu
caráter histórico e político. O racismo e a atitude autoritária ligam-se pelo uso dos
estereótipos e com isso revelam, novamente, o caráter histórico e não ontológico do
indivíduo.
No estudo da tendência à adesão ao fascismo foi observado que o alto escore na
escala de fascismo tem duas ambigüidades fundamentais: em relação à autoridade e em
relação à humilhação. A adesão à autoridade é ambígua, pois a introjeção da figura de
autoridade no Ego nem a consolida nem a desconsidera. O indivíduo fascista, ao mesmo
tempo que deseja ser a autoridade, procura se submeter a ela. A relação com as pessoas
humilhadas é de estranhamento – a repulsa a algo desejado e posteriormente recalcado – no
caso, a repulsa do humilhado por temor de ser também objeto de humilhação. O que resulta
dessas ambigüidades é o comportamento de submissão ao superior hierárquico e de
autoritarismo com os inferiores na hierarquia.
A origem dessas ambigüidades é social. Elas são produto das necessidades de um eu
frágil. Esse eu é produto da sociedade, que negou as condições de formação de um sujeito
mais capaz de lidar com as pressões da realidade e do mundo psíquico. A projeção divide-
se em dois tipos. O primeiro é a projeção sem limite (sobre o objeto), na qual: “o
indiferenciado agride a diferença” (Crochík, 1997: 74). O segundo é a busca de uma adesão
48
total ao grupo. Essa adesão é interessante para a manipulação social em uma sociedade de
massa e a introjeção da figura de autoridade também se divide em dois tipos. As duas
interiorizações abrangem diferenças de relação com a autoridade, a primeira envolvendo a
necessidade de autoridade e a segunda, a rigidez. Em termos de desenvolvimento do eu,
elas afetam dois momentos diferentes de mediação com o outro. (Crochík, 1997: 97-8)
A idiossincrasia
23
do preconceituoso é não aceitar, ou melhor, não suportar a
idiossincrasia do outro. Essa não-aceitação é fruto da interiorização da rejeição do diferente
do modelo socialmente estabelecido. Ela é parte de uma tendência à adesão à ideologia. E é
fonte do prazer sentido na prática do terror contra minorias (Horkheimer e Adorno, [1947]
1992).
As características idiossincráticas dos preconceituosos diferenciam-se por meio do
tipo de projeção estabelecida entre o preconceituoso e o objeto do preconceito. A primeira é
o reencontro, em quem é discriminado, das características fantasiadas pelo preconceituoso.
A segunda é a anulação de si mesmo para tentar ser aceito pelo grupo. Essa última
característica é a raiz do convencionalismo (uma característica da tendência à adesão ao
fascismo).
A incorporação, como padrão, dos estereótipos contidos na ideologia é uma
universalização do particular. Por exemplo, o ser humano um ente universal é
considerado idêntico ao homem branco, heterossexual, cristão, uma expressão particular do
todo.
Paralelamente a análise da ideologia política e econômica mostrou que a orientação (...) se dá por
meio da estereotipia. A cisão existente entre tal estereotipia, por uma parte, e as experiências reais e
normas democráticas, por outra, levam à situação de conflito. (Adorno, [1950] 1965: 572)
[tradução do autor]
As necessidades objetivas da sociedade moldam os estereótipos, que são um
poderoso canal de controle sobre a subjetividade.
Esse controle não é casual, pois os estereótipos são parte do próprio esclarecimento.
Seu caráter regressivo está no fato de serem conceitos que não completam o ciclo do
23
Theodor W. Adorno usa o termo “idiossincrasia” para descrever uma qualidade da estrutura de
personalidade (Adorno, [1950] 1965: 578).
49
conhecimento, ou seja, de partirem das impressões do sujeito sobre o objeto para chegar ao
conhecimento do objeto. Os estereótipos são o resultado de paralisações no processo do
conhecimento no momento da projeção da subjetividade no objeto:
A propriedade lógica dos estereótipos é essa, seu caráter geral e absoluto, que não admite desvios,
não é adequado para satisfazer certos requisitos da perspectiva preconceituosa: constitui, em si
mesmo, a expressão de um traço psicológico que, provavelmente, poderia ser compreendido
plenamente em relação com a teoria da paranóia e com o “sistema” paranóide, que sempre tenta
incluir tudo, e não tolerar nada que o sujeito não possa identificar por meio da sua fórmula. A
pessoa extremamente preconceituosa é sensível ao “totalitarismo psicológico”. O qual parece uma
imagem microscópica do estado totalitário a que se predispõe. (Adorno, [1950] 1965: 593)
São causas sociais que levam a essa generalização do particular. Um dos efeitos
dessa identificação do dominante como universal é o ódio ao mais fraco e, ao mesmo
tempo, o medo da identificação com ele. O mais fraco seria o retrato da ameaça de cada um
estar na mesma posição e sob ataque. Logo, o preconceituoso imita a vítima, seus
estereótipos, sob o pretexto de estar ridicularizando o mais fraco. Um processo psicológico
intrigante para o senso comum e de difícil observação para as pessoas muito coisificadas,
por exemplo, é o fato de que elas acham natural a necessidade de deter poder, a competição
no lugar da cooperação. Outra identificação de raiz preconceituosa está na discriminação
por meio da comiseração. Por exemplo, o amor pelos pobres: para o senso comum não é
uma manifestação preconceituosa. Porém, amar a alguém por sua condição social não é
considerá-lo uma pessoa, mas sim um estereótipo.
Por outro lado, a pessoa sem predisposição ao preconceito identifica-se com o
discriminado por meio da empatia por exemplo, querer o fim da pobreza, pois se coloca
no lugar de quem é obrigado a viver na pobreza.
Os preconceituosos tendem a ser contra diversos grupos, o que significa uma
suscetibilidade a várias idéias hostis. Porém, à moda do paranóico, o preconceituoso projeta
seu ódio sobre certos grupos-alvo. “De qualquer modo, o paranóide está cheio de ódio, em
geral, tende a escolher seu inimigo, a importunar certos indivíduos que atraem sua atenção,
por assim dizer, se enamorou negativamente”(Adorno, [1950] 1965, 574).
50
Em outro momento, Horkheimer e Adorno ([1947] 1992) demonstraram que o
caráter autoritário do esclarecimento está intrinsecamente ligado à sociedade e aos
indivíduos. A formação dos indivíduos passou a refletir o medo do Estado, por isso, os que
se mostram mais sensíveis a ela têm igualmente lugar na hipocrisia do confinamento
psiquiátrico e nos aparatos repressivos da sociedade.
Essa transformação era antevista por Horkheimer e Adorno, quando no livro
Dialética do esclarecimento, no capítulo “Elementos do anti-semitismo” eles afirmaram
que não havia mais anti-semitas genuínos, ou seja, diferenças na estrutura psicológica
dos anti-semitas. Os anti-semitas genuínos são aqueles indivíduos cuja estrutura psicológica
era razoavelmente independente do todo social e tinham crenças anti-semitas estruturadas
no inconsciente. Os anti-semitas não genuínos são pessoas cuja estrutura psicológica é
frágil demais para alguma independência da sociedade e é submetida aos comandos sociais
anti-semitas. Essas pessoas, para não serem postas de lado, aderem ao conteúdo
estereotipado veiculado pela indústria cultural. Essa predisposição, tão submetida ao
momento social, é chamada de mentalidade de ticket, ou seja, a mentalidade que aceita as
ordens sociais em bloco. A adesão ao ticket fascista, ou ao liberal, ou ao democrático, é
uma forma irrefletida de adaptação à sociedade (Horkheimer e Adorno, 1991: 191;
Horkheimer e Adorno, 1973). As entrevistas dos preconceituosos levam a uma conclusão
semelhante. Não há coerência entre os motivos alegados pelo preconceituoso para odiar um
grupo social.
O que contribui para a adaptação conformada a idéias divorciadas da realidade e que
ordinariamente associamos com a inadaptação? (...) A objetivação dos processos sociais, a
obediência a leis supra-individuais intrínsecas parecem abrir uma brecha entre o intelecto
individual e a sociedade. Tal separação cria desorientação acompanhada de terror e incerteza.
[Como se verá] não é errado pensar que a personalização e a estereotipia política constituem
subterfúgios úteis para superar um estado de coisas tão desagradável. De igual modo pode-se
interpretar que as imagens criadas ao redor de políticos e burocratas servem de indicadores do
caminho a seguir e como projeções nascidas dos temores originados da desorientação. (Adorno,
[1950] 1965) [tradução do autor]
51
É o medo e a desorientação que direcionam a adaptação na sociedade capitalista
administrada. Ela se transforma em conformismo e ódio contra certos grupos (Adorno,
1991).
Quando posto diante do problema de como evitar que Auschwitz se repetisse,
Adorno respondeu que era necessário combater a frieza dos algozes por meio da educação
das novas gerações (Adorno, 2003). Essa frieza é produto da própria sociedade tecnológica
e de massas. Manifesta-se na indiferença dos burocratas ao usarem a racionalidade
instrumental para aumentar a eficiência de qualquer processo. Essa indiferença é o indício
do caráter autoritário que apóia o extermínio ou brutal repressão dos inadequados ao
sistema social.
Houve críticas aos métodos e conclusões do estudo A Personalidade Autoritária
(Carone, s/d.; Crochík, 2000). Foi questionada se a predisposição ao autoritarismo ocorreria
apenas nos predispostos à adesão à ideologia de direita. Porém, a própria pesquisa alertava
sobre pessoas autoritárias predispostas à adesão à ideologia de esquerda embora essas
pessoas fossem em menor número do que as propensas à direita.
Para a psicologia cognitivista, Adorno e os pesquisadores de Berkeley ([1950]
1965) erraram, ao terem associado submissão com autoridade e tendência à dominância em
uma mesma escala, a da síndrome fascista (Altemeyer, 1998). Porém, falta a essa crítica a
perspectiva dinâmica do significado do comportamento negado numa determinada
circunstância social. Segundo Adorno (1991), o que não é aceito pela civilização
permanece no inconsciente; a submissão é negada em uma sociedade que enaltece a
indiferença e o narcisismo regredido da ideologia individualista.
Recapitulando, parte da predisposição individual ao racismo é objetivamente
determinada pela sociedade atual e, por semelhança, pode haver a tendência à adesão ao
fascismo. Essa disposição é objetivamente determinada e faz parte da tendência ao horror
da sociedade atual. O preconceito flagrante é a transformação da insegurança geral em
ataque, coação e discriminação contra uma etnia ou “raça” considerada inferior. Visa, desse
modo, oferecer catarses para os pseudoformados não pensarem na realidade e se
acomodarem à realidade opressiva. A sociedade continua a valorizar as “virtudes” dos
líderes fortes e a capacidade de obediência e sacrifício por ideologias. Para a teoria crítica o
preconceito sutil é produto da sociedade atual, forças sociais que reprimem a manifestação
52
direta de preconceito. Contudo, a regressão do esclarecimento ao mito leva as forças do
esclarecimento do preconceito a ter um alcance progressista limitado. Esse esclarecimento
até ocupa o lugar de racionalização para a barbárie.
24
Dessa contradição do próprio
esclarecimento surge o preconceito sutil. Por ser parte dessa predisposição geral ao horror,
a tendência à adesão ao fascismo deve ter sua relação investigada com o preconceito
53
grupo, há formas explícitas de preconceito contra o negro, como se a situação fosse
privada, por exemplo, as piadas racistas.
Nessa teoria sobre o racismo no Brasil, o público é sinônimo de uma representação
conservadora das relações políticas. Ou seja, o público não é o que define uma reunião ou
grupo de pessoas, mas sim o reconhecimento de estar entre pares, na vigência de uma certa
moralidade católica, e no intuito do indivíduo de afirmar-se como figura respeitável. Essa
representação conservadora do político diferencia o espaço público do privado de um modo
determinado. O privado é também uma reunião ou grupo de pessoas. Mas nele as relações
são regidas por representações do poder patriarcal, do compadrio e do apadrinhar. É o
espaço hierarquizado, no qual a moral católica transforma-se em respeito ao pai e à família.
Esse é o espaço do racismo contra negros, na sociedade brasileira tradicional e em
transformação da segunda metade do século XX.
Ora, uma visão crítica revela que onde há a representação do privado existem várias
relações políticas e recalques. O chamado espaço privado é algo de grande poder social no
Brasil, e as relações nele estabelecidas contaminam o dito espaço público. Os recalques dos
desejos eróticos e destrutivos desse espaço familiar se manifestam como transgressões dos
mores católicos e sintomas, inclusive autoritários. O dito espaço público é mais um espaço
da ideologia de classe, de justificativas retóricas da dominação, de fato, exercida no
trabalho.
Os predicados que formam a identidade do negro são um capítulo à parte da
ideologia racial brasileira. O preconceito de cor (Fernandes, 1965; 1973) ou de marca
(Nogueira, 1955) caracteriza-se por dar mais importância ao fenótipo do que ao genótipo. A
múltipla determinação da posição social classe, adequação e origem relativiza, em
parte, o preconceito racial. A posição social está associada à origem familiar, pois no Brasil
a mobilidade social é pequena (Henriques, 2001; Quadros, 2004). Porém os juízos sobre
essa origem variam de acordo com outras condições. Assim, um mulato rico ou famoso (um
caso de mobilidade social) sofre menos preconceito do que um mulato pobre. Em geral,
essa variação de tratamento contamina a identificação do sujeito, o mais bem colocado na
sociedade não se como negro ou tenta ocultar a sua identidade negra. Por exemplo,
pessoas negras que alisam os cabelos para evitar sua identificação com o fenótipo africano
(Piza, 2000).
54
Essa ambigüidade na identificação de negros e brancos criou uma diferença
significativa na linha de cor brasileira em relação à norte-americana. Nos EUA a linha de
cor entre brancos e negros é definida pela origem do indivíduo: se for de família negra a
pessoa será negra, não importa a sua aparência. Quando ocorre mistura de etnias prevalece
a identidade socialmente discriminada. Assim, é considerado negro o filho de pais brancos
que tenha um dos avós negro. É a regra da uma gota (“one drop”), na qual toda mistura
étnica é condenada socialmente. No Brasil a linha de cor entre negros e brancos sofre duas
diferenças significativas. A primeira é a introdução da mistura como um fator ambíguo de
identificação. Essa mudança é reforçada por meio da criação da identidade intermediaria
(mestiça ou mulata). A segunda diferença é a indefinição unívoca da fronteira da identidade
branca e negra com essa terceira identidade. Deste modo, a definição da identidade passa a
depender de diversos fatores: origem familiar, região do país, renda, fenótipo, por exemplo,
a cor da pele) (Skidmore, 1976).
Essa variação de classe social, determinada por uma linha de cor, é uma forte aliada
da dominação. Ela facilita a ambigüidade de tratamento e de identificação. A ambigüidade
enfraquece os movimentos reivindicatórios e a coesão do grupo discriminado em relação ao
grupo dominante. Esse é o fenômeno do embranquecimento (Fernandes, 1965), que, tal
qual uma mágica, cria ilusões nos negros e diminui a culpa cristã dos brancos.
A norma social de interação entre brancos e negros teve dois estágios. O estágio
tradicional teve costumes racistas definidos. A inferioridade do negro era mantida por
coerções materiais e uma ideologia de superioridade do branco. O patriarcalismo era a
articulação social dessas duas bases do racismo tradicional. O mandonismo e os vínculos
por apadrinhamento determinavam as relações sociais. Assim, os negros que fossem ou
submissos ou apadrinhados aos patriarcas brancos tinham alguma ascensão social. Os que
eram assimilados ao sistema social recebiam a tutela e certo conforto. Houve um processo
de diferenciação entre os assimilados àqueles que estavam reduzidos à condição de
propriedade, sem dignidade ou garantias de vida. O embranquecimento é essa diferenciação
social do negro, assimilado aos estratos médios do sistema, do escravizado (Fernandes,
1965). A tradição racista apresentava duas expressões de patriarcalismo, a ambígua e a
intransigente. A ambígua usava a afetividade na diferenciação dos negros e não expressava
a superioridade do branco igualmente para todos os negros. A intransigente não utilizava
55
qualquer subterfúgio afetivo na diferenciação e exercia severa inferiorização dos negros
(Fernandes, 1965).
Antes de continuar, é necessário que se faça uma distinção entre a assimilação, a
integração e a independência. Segundo Kurt Lewin, elas são três tipos de relação entre o
grupo discriminado e o grupo dominante. A assimilação é a relação do dominado, que
isolado da identidade do seu grupo ascende e compartilha de certa condescendência do
grupo dominante, mas não passa a pertencer ao grupo. A integração é a melhor distribuição
de poder entre o grupo discriminado e o dominante, garantindo uma universalização de
direitos e garantias. A independência é a separação dos grupos, um deixando de ser
subalterno ao outro. (Mailhiot, 1970) Essa categorização não problematiza a integração e a
independência como soluções conservadoras das regras do sistema social de dominação. A
universalização dos direitos na integração muda os indivíduos atingidos, mas não muda a
natureza das desigualdades. O sistema social permite certos direitos ao grupo discriminado,
mas não muda a relação subalterna com respeito ao grupo dominante nem a existência de
desigualdades. A independência pode se confirmar em uma relação dialética que altere a
relação de contradição entre o dominador – a classe afirmada – e o dominado – a classe que
o nega.
O segundo estágio da norma social racista é a crise do sistema social tradicional
(Fernandes, 1965). Essa crise é motivada por mudança no sistema produtivo, do escravista
para o capitalista industrial (“o sistema competitivo”). Então, ocorreu uma contradição
entre o sistema competitivo e as normas racistas. As contradições do escravismo e as
mudanças no capitalismo mundial levaram a uma superação do suporte social do
patriarcalismo e do racismo contra negros. O novo sistema do capitalismo não era
normativamente eficiente na substituição dos valores racistas por valores competitivos.
Nessa nova conjuntura, a relação inter-racial teve outras duas expressões: a evitação e a
convivência forçada. A evitação significava o afastamento de situações inter-raciais,
preferência por empregados brancos, por exemplo. A regra era a negação de relações
pessoais e afetivas com os negros. Além do contato evitava-se a manifestação pública do
preconceito. Havia um afastamento do objeto o negro que torna presente (próximo) o
desconforto do branco ante os juízos motivados por normas patriarcais e por normas
capitalistas. A outra forma de relação típica desse período foi a convivência forçada. Ela
56
atingia os brancos que não tinham poder para evitar esses encontros. As relações de
57
sociais. A eqüidade era suspensa para os negros. Por motivos sociais o sistema produtivo
e os conflitos de classe a condição social e racial se sobrepunha na determinação da
posição social e da discriminação. E a mistura da condição racial com a condição social
contribuiu para perpetuar a injustiça em ambas. A ideologia racial brasileira não foi
ambígua para negar a existência do preconceito e desmobilizar a união dos negros e o senso
de justiça de todos. Um dos instrumentos dessa desmobilização foi a crença na existência
de uma democracia racial no Brasil. Ou seja, por negar a existência do problema, a crença
em uma ideologia contribuiu para a perpetuação do racismo.
A pesquisa do preconceito e da ideologia racial em uma nova etapa das relações
raciais no Brasil
25
A nova etapa da norma social inter-racial é a da integração do negro à sociedade
administrada. A hegemonia do mito da democracia racial foi superada. Várias pesquisas
mostram que os brasileiros reconhecem a existência de discriminação racial no país (Turra
e Venturi, 1995; Venturi e Bokany, 2004). Mas a negação ideológica ainda se manifesta na
inversão do preconceito para quem defende compensações aos negros. Por exemplo, nesse
referencial, quem quebra a suposta harmonia das relações raciais nas empresas atuais ao
defender contratações de negros e de negras é taxado de preconceituoso.
Essa mudança está relacionada com a transformação da sociedade brasileira. Hoje,
um capitalismo tardio implantado em uma sociedade que manteve uma extrema
desigualdade social. É um capitalismo tardio que resiste aos questionamentos sobre sua
iniqüidade. E, no caso brasileiro, mantém uma grande disparidade de acumulação do capital
entre as classes sociais (Mello e Novais, 2000).
Na etapa atual da sociedade, há contradições nas pressões contra o racismo. A
sociedade admite a existência da discriminação, porém nega sua dimensão preconceituosa,
ou seja, sua responsabilidade individual. E não admite mudanças nas regras sociais que
levem à eqüidade. O anti-racismo afirma que a discriminação e o racismo estão presentes
25
Essa seção é fruto de reflexões desta investigação sobre a atualidade da relação de dominação e da relação
racial entre negros e brancos no Brasil.
58
na sociedade brasileira, dá mais voz ao negro e repete que a discriminação deve ser
combatida.
A sociabilidade reprodutora da crença (do mito) na democracia racial resistiu à
criatrd 2250.294(d4l)-2.16434( )-210.270.271(2250.294(ul4l)-2.167.16558(e)3.167.271(à)444.00-u.9( )-210.271(r)-7.20151(e)u9.9( )e)u9.9( )eeremeere natep
59
tipo de ser humano ou movimento social. A deformação da individualidade ocorre em toda
a sociedade. E os movimentos sociais são corrompidos por um sistema social injusto e por
diferenças atávicas entre os objetivos: dos grupos, do esclarecimento e dos indivíduos.
Assim, os movimentos anti-racistas comportam várias contradições e oportunismos. Essas
deformações atrapalham as reivindicações e a implementação de medidas igualitárias, mas
elas não são uma nova forma de racismo.
A contradição nas representações sobre os negros aparece no cruzamento de
diferentes respostas a respeito de grupos sociais. Por exemplo, pediu-se a estudantes
universitários que descrevessem as profissões preferidas e aptidões de negros e brancos.
Quando se solicitou que associassem um grupo a características profissionais, os negros
foram associados a aptidões (ditas inatas) nas artes, nos esportes e nas profissões braçais e
os brancos, a profissões universitárias. Mas no que toca a comparações diretas entre negros
e brancos, a negação permitiu fosse mudado o sentido das predisposições, e as alternativas
escolhidas não assumiram as diferentes representações dos grupos étnicos. Além disso, a
atribuição de afeto foi relativamente maior para os negros do que para os brancos, ou seja,
os respondentes daquela pesquisa atribuíam mais afeto positivo aos negros do que aos
brancos (Camino, 2001).
O afeto é uma questão crucial para a compreensão do preconceito contra negros,
pois suas contradições marcam as respostas a questões inter-raciais. No estudo citado
(Camino, 2001) o negro recebeu mais afeto positivo do que os brancos, porém dois
comportamentos sociais, marcados pelo afeto, estão dissociados dessas respostas. Primeiro,
a adoção de crianças é marcada pela etnia e, em segundo lugar, os modelos de beleza ainda
são branqueados, por exemplo, a mulata de cabelos alisados.
Em outra pesquisa, universitários foram entrevistados sobre suas representações
sobre o racismo e o anti-racismo. Nas entrevistas, a maioria se mostrou contrária ao
racismo. Contudo, as opiniões sobre o anti-racismo se dividiram. Uma parte dos brancos
questionava as ações anti-racistas enquanto a maioria dos negros as considerava necessárias
(Barreto, 2003).
A discussão sobre a variação da linha de cor também tomou conta da época atual.
Essa linha é a fronteira de identidade entre os brancos e os negros. No passado, a variação
dessas identidades foi denominada embranquecimento (Fernandes, 1965). O que
60
significava um componente social na linha de cor no Brasil. Quanto mais alto o status
social, menor a possibilidade de que fosse considerado negro. Além disso, as pessoas
queriam evitar a identificação como negras. Essa evitação levava a uma grande variação da
auto-identificação. Tanto a variação social quanto a prolixidade das representações de cor
eram estratégias de dominação sustentadas pela ideologia racial brasileira (Fernandes,
1965).
Desde o segundo quarto do século XX, a variação social da linha de cor e
prolixidade das representações de cor foram combatidas por meio do anti-racismo. As
pesquisas sobre o embranquecimento demonstraram que sua mediação das nuances da
discriminação racial do negro (ascensão social de alguns negros, estratégia de miscigenação
e ideologia racial brasileira) criou um conjunto de contradições em muitos indivíduos. A
projeção (o olhar) do branco sobre o negro construía as possibilidades de representação da
identidade do negro (Bento, 2002). A crítica em relação a essa projeção resultou em várias
observações sobre como a ideologia racial era reproduzida por valores, identidades e
normas.
A crítica social (o movimento anti-racista e o conhecimento crítico do racismo)
levou a um novo fator de influência na linha de cor: a consciência. De fato, a linha de cor
continua fortemente determinada por projeções formadas a partir da interiorização da
ideologia racial. Mas a crítica dessa ideologia levou muitas pessoas a se representarem de
outra forma (Silva, 2001).
Atualmente, há um movimento de coesão dos negros em prol de uma identificação e
cultura comuns. Esse movimento diminuiu a presença da ideologia racista nos dados
oficiais sobre o Brasil. A luta anti-racista modificou a denominação oficial de cor e raça.
Antes, o IBGE permitia alienadamente – a autodenominação. Do censo de 1980 para a
autodenominação de cor foi limitada a “pardo” e “preto”. Posteriormente os pardos e os
pretos passaram a ser chamados de negros (Piza e Rosemberg, 2002). Essa é uma inversão
da tendência de minguar o número de negros por meio de subdivisões.
Mas é, ao mesmo tempo, uma forma de justificação política ideológica por meio da
identidade. Ou seja, é uma forma de criar uma identificação entre brasileiros que não se
vêem como negros. Essa identificação serve como conscientização de problemas sociais
para alguns. Porém serve, também, para manipulações das identificações nos produtos da
61
indústria cultural, por exemplo, a existência de revistas temáticas, e nos produtos da
indústria, por exemplo, linhas de produtos de beleza só para negros que facilitam o disfarce
das características corporais identificadas com a origem negra.
As duas situações a tomada de consciência e a mudança da identidade dos negros
afetam a auto-identificação e a hetero-identificação do brasileiro. A consciência dos
negros quanto às discriminações que sofrem levou à mudança de atitude (Silva, 2001). A
mudança da atitude dos negros, a de tomar para si o papel de formuladores de sua
identidade, afeta os brancos. Os brancos são forçados a considerar uma outra identidade
ativa. O resultado para o branco, dessa nova identidade e de sua fonte, o negro, é a
necessidade de atitudes defensivas do que antes lhes parecia assegurado.
Supõe-se que a ideologia racial não é o único fator de influência para a investigação
do racismo hoje, por meio das respostas dos brancos em enunciados sobre preconceito. O
preconceito de ter preconceito e a ambigüidade identitária não estão mais sozinhos na
determinação do comportamento dominante. Os embates políticos ideológicos com o negro
e o julgamento do negro ganharam peso no discurso do branco. metaforicamente dois
atores no palco. A manifestação de preconceito atualmente é provavelmente influenciada
por três fatores: o preconceito de ter preconceito, a integração do negro na sociedade
administrada e a pressão do negro sobre o branco por reconhecimento e redistribuição.
Preconceito flagrante e preconceito sutil no Brasil
Para relacionar a tendência à adesão ao fascismo com o preconceito flagrante e o
preconceito sutil no Brasil, é necessário compreender criticamente as características dessas
duas expressões do preconceito. Para medir esses dois conceitos foram escolhidas duas
características do preconceito flagrante e três do preconceito sutil (Pettigrew e Meertens,
1995). As características do preconceito flagrante estão bastante relacionadas a outras
características psicossociais do preconceito que serão apresentadas a seguir. Será feita,
também, uma comparação entre os dois conjuntos. A seguir, na discussão do preconceito
sutil será apresentada e criticada a teoria subjacente à escala sobre a aprendizagem das
62
normas sociais. Além disso, cada uma das características do preconceito sutil será abordada
e criticada.
A escala de preconceito flagrante tem duas características predominantes em seus
enunciados: por um lado, a ameaça e a rejeição e, por outro lado, a antiintimidade.
A percepção da rejeição e da ameaça do grupo discriminado é a primeira
característica que reflete o preconceito flagrante. A rejeição foi observada nos primeiros
estudos científicos a respeito do preconceito. Eles enfatizavam o processo psicológico do
preconceito. A rejeição do grupo discriminado e o sentimento de ameaça que ele causava
estavam presentes na definição clássica de preconceito (Allport, [1954] 1979). O
preconceito era considerado uma predisposição psicológica contra um grupo-alvo. Essa era
uma correção da postura anterior da ciência, a qual justificava a superioridade de certos
grupos sobre outros a partir de falácias biológicas.
A virada da posição da ciência sobre a superioridade das raças levou à atribuição de
tal engano aos indivíduos (Duckitt, 1992). Na definição do preconceito, aquele que
rejeitava o outro por ser membro de um grupo praticava um erro. A ciência social podia
identificar as características e mecanismos psicológicos dessa disfunção. O que a ciência
fez com o preconceito, como diz um ditado popular, foi dar uma no cravo e outra na
ferradura. Deixou de endossar a superioridade das raças, sem fazer o mea-culpa no que se
refere a sua posição anterior. Ficou para o indivíduo a responsabilidade de ver, ensinar e
agir como se o outro grupo fosse a ameaça. Sem dúvida, essa predisposição de perceber o
grupo discriminado como uma ameaça e rejeitá-lo é um importante reflexo de preconceito;
nem por isso é de se desconsiderar o papel da sociedade em mediar e formar esses
sentimentos.
A percepção de ameaça apresenta três aspectos psicossociais: a projeção
psicológica, a competição social e a fragilidade do indivíduo. Na ameaça representada pelo
discriminado para os preconceituosos é potencializada uma projeção paranóica. Os
preconceituosos projetam no grupo discriminado o que é negado neles próprios.
A ameaça e o medo dos preconceituosos flagrantes devem-se a essa falsa projeção
do paranóico. A percepção das características do discriminado é apagada pela projeção que
o preconceituoso faz. Assim, o discriminado passa a ser percebido como uma ameaça, pois,
na fantasia, a perseguição volta-se contra o perseguidor. No indivíduo, a projeção
63
psicológica da ameaça começa pela separação maniqueísta de aspectos bons e maus do
indivíduo e do próprio grupo. Essa divisão protege a identidade pessoal, pois projeta os
aspectos maus para fora de si. Porém, a verdadeira ameaça é o grupo, o próprio grupo do
preconceituoso representa uma ameaça para ele. A ameaça consiste em não ser querido e
ser objeto da agressividade do grupo. Essas ameaças e sua origem são projetadas fora do
grupo. Um caso exemplar dessa projeção foi o ataque ao índio Galdino por jovens. Eles
atearam fogo a uma pessoa. Para se defender, alegaram que não sabiam que era um índio.
Pensavam que era um mendigo. Ou seja, eles assumiram que seu desprezo por uma pessoa
diferente havia motivado seu ataque. Supõe-se que esses jovens quisessem atacar um
representante da vida sem trabalho e de regras burguesas. Caso seja verdade, a distorção
perceptiva apresentada é um exemplo da projeção psicológica da ameaça.
A ameaça é também evocada por situações de competição social. Ela se acirra
quando há grave crise de recursos da sociedade. Vários estudos clássicos sobre racismo nos
EUA mostraram um aumento de linchamentos e ataques a bairros e igrejas de negros
durante os períodos de recessão econômica. Outras pesquisas registram maior incidência de
preconceito entre brancos que competem diretamente com negros por recursos e posições
sociais (Vala, 1999). Quanto maior a fragilidade, tanto econômica quanto psíquica, maior o
preconceito; nesse aspecto a subjetividade e a economia são aliados na motivação da
discriminação.
A ameaça é intensificada pelo sentimento de fragilidade do indivíduo diante da
sociedade e de seu grupo. Mesmo o mais corajoso dos membros de uma turba em um
linchamento teme ser confundido com a vítima de tanto ódio e não tem a força necessária
para pensar em agir contra a tendência do grupo. Essa característica a fragilidade é
fundamental para se entender o predisposto ao preconceito e por que em uma sociedade
capitalista administrada ele não manifesta tanto o preconceito flagrante.
A sociedade capitalista administrada segue a lei da administração da antecipação
dos conflitos explícitos. Uma das marcas da administração como ideologia é evitar os
conflitos, por meio de sua antecipação e solução burocrática (Tragtenberg, 1980). Mas essa
administração dos conflitos não elimina o sentimento de ameaça e medo, pelo contrário, o
potencializa, na medida em que os controles dos conflitos são produzidos por uma grande
quantidade de normas. Elas são regidas pela racionalidade instrumental e perdem de vista
64
65
A definição de preconceito é histórica. Suas variações de conceito, por exemplo, o
preconceito sutil e o preconceito flagrante, também são históricas. As mudanças nas
sociedades ocidentais afetaram as normas sociais sobre os grupos discriminados. A
distinção entre o preconceito flagrante e o preconceito sutil é conseqüência de uma maior
tolerância com os grupos discriminados e da recriminação do preconceito explícito. O
preconceituoso flagrante é intransigente, irascível, e recalcitrante. O preconceituoso sutil
evita o confronto direto, tolera os discriminados a certa distância e os ataca de modo
indireto. Ele demonstra conhecer as normas sociais anti-racistas, mas sem interiorizá-las.
A diferença entre o preconceito sutil e o preconceito flagrante é o grau de
interiorização das normas sociais anti-racistas. As normas sociais contra o preconceito
limitam certas manifestações do preconceito. Para a teoria da aprendizagem social, as
normas sociais podem ser conformadas, identificadas ou interiorizadas. Esses limites anti-
racistas podem ser conformados como uma norma grupal, ou seja, aprende-se que a
conseqüência de tais atos é a recriminação do grupo. Pode-se obedecer à norma anti-racista
por meio da identificação do indivíduo com outro que apresente essa norma. Além disso, a
norma anti-racista pode ser interiorizada, incorporada aos valores do indivíduo (Pettigrew e
Meertens, 1995). As diferentes apreensões das normas anti-racistas levam a diferentes
manifestações do preconceito: “O preconceito flagrante é quente, próximo e direto. O
preconceito sutil é sofisticado, distante e indireto”.
O preconceito sutil ocorre quando a predisposição ao comportamento é determinada
por conformação e por identificação. Ou seja, quando os valores anti-racistas são impostos
de fora, da sociedade, para dentro, ou os valores são exigidos pelo meio ou são copiados de
uma outra pessoa. O não-preconceito ocorreria quando esses valores fossem interiorizados.
Seria um aprofundamento do aprendizado, nesse nível o indivíduo tem valores anti-racistas
entre os seus próprios
(Pettigrew e Meertens, 1995).
Essa classificação do preconceito sutil será analisada criticamente a seguir. Mas,
neste momento, é necessário mostrar discordância com a definição do não-preconceito nos
seguintes termos. Primeiro, a ausência de uma ou duas definições de preconceito não é
suficiente para excluir outras. Segundo, não existem pessoas não-preconceituosas em uma
sociedade que reproduz as condições do preconceito nas mediações impostas aos
indivíduos: submissão ao principio lógico da identidade, acumulação de bens e dominação
66
social. Nessas condições não como superar o preconceito apenas por meio da
internalização de valores, sem uma mudança na prática social. Por outro lado, é possível
um menor nível de certos preconceitos a partir do esclarecimento e da história de vida de
cada indivíduo.
Esse modelo de aprendizagem da norma e do comportamento é reinterpretado pela
crítica à sociedade. A raiz dessa divisão conformação, identificação e interiorização é o
conceito de aprendizado das normas. O indivíduo aprende a ser um membro do grupo
social por meio do aprendizado das relações concretas que os outros significativos
estabelecem com ele. O processo depende da relação dialética entre o indivíduo, a ação e o
outro. Essa relação é marcada pela história da sociedade, pois antes do indivíduo já existe o
outro e uma série de modelos de ação. Assim, as interações concretas entre as pessoas são a
fonte da aprendizagem das normas sociais. A aprendizagem é dividida em duas etapas pela
formação do próprio indivíduo (sua interioridade e identidade). Depois de formada uma
individualidade primária, o processo de introjeção das normas passa a depender do grau de
enraizamento das normas no indivíduo. As normas sociais podem ser aceitas ou não por
esse indivíduo a partir de outras interações e aspectos interiorizados em sua
individualidade. Caso sejam aceitas, elas podem ser incorporadas ao próprio indivíduo (a
interiorização dos valores) ou apenas consideradas um dado da realidade (conformação) ou
parte da vinculação com um líder (identificação).
Como a aprendizagem dos valores e comportamentos é histórica, não se pode
atribuí-la às idiossincrasias dos outros significativos. Desse modo, o grau de introjeção e
exteriorização das normas anti-racistas, no preconceito sutil, é histórico também. Ele
depende das possibilidades de interação, o que na sociedade capitalista tardia significa uma
forte mediação do capital. A relação tanto com outros indivíduos como com outros grupos e
valores é fortemente mediada por princípios capitalistas no lugar de princípios éticos,
religiosos ou grupais (Horkheimer e Adorno, 1973).
Mas, antes de prosseguir no rumo da compreensão do preconceito sutil, é necessário
esclarecer o significado do termo “sutil” quando está associado ao preconceito. Alguns de
seus significados “quase imperceptível” ou “leve, pouco espesso” ou “penetrante, que se
insinua com facilidade” (Houaiss, 2006) – são próximos do que se relaciona ao preconceito.
Porém, outros significados da palavra “sutil” “que tem grande sensibilidade” ou “feito
67
com arte, delicadeza” (Houaiss, 2006) não são adequados para o preconceito em questão.
Assim, o preconceito sutil é escamoteado, mas nunca é belo.
O preconceito sutil é investigado por meio de três características operacionais, que
são: o conservadorismo (reacionarismo), o exagero da percepção de diferença do grupo
discriminador para o grupo discriminado (narcisismo das pequenas diferenças e identidade
grupal) e a ausência de afetos positivos em relação ao grupo discriminado (identidade).
Essas são as características operacionais usadas para pesquisar o preconceito sutil contra
diversos grupos discriminados. (Pettigrew e Meertens, 1995) Tais características podem
surgir associadas com as próprias do preconceito flagrante, porém não dependem delas para
representar um tipo de preconceito.
A primeira característica é o conservadorismo. É a atitude de defesa de valores
ligados ao esforço e sucesso individuais (Vala, 1999), ou a determinação do lugar social da
pessoa por meio do status do grupo social.
A relação entre preconceito e conservadorismo (reacionarismo) foi observada na
pesquisa sobre tendência à adesão ao fascismo. Nela, a ideologia conservadora mostrou-se
associada ao caráter autoritário, embora a correlação fosse mediana, ou seja, havia
autoritários que não eram conservadores. Na própria pesquisa, essa correlação não era
integral, o que permitiu apontar a existência de pessoas com orientação política democrata,
porém com tendências fascistas (Adorno
68
escala (Europa Ocidental). Os valores patrimonialistas e patriarcalistas não são favoráveis à
plena implementação das normas individualistas (ver a análise de Florestan Fernandes
sobre a ordem competitiva e a ordem tradicional). O que não significa que o
conservadorismo no Brasil seja apenas o apego a regras tradicionais. O conservadorismo
brasileiro é capitalista, mesmo sem cultivar todas as normas descritas acima.
26
Essa discreta distinção entre o conservadorismo individualista e o tradicional está
refletida nas representações que se fazem no Brasil sobre o negro. O negro foi
compreendido como propriedade privada, havia a ojeriza à miscigenação, e representações
difundidas sobre o negro no sistema escravocrata. No momento seguinte, foi acrescentada a
representação do negro como um fardo para a nação, que visava modernizar-se à européia.
Depois, ocorreu o elogio da mistura. Houve o fortalecimento da idéia da mistura de raças
como a origem do povo brasileiro para atender às necessidades de uma elite interessada no
nacionalismo. Nessa época cultivava-se o mito da democracia racial, a pretensa união
harmoniosa entre o branco, o negro e o índio. Esses povos seriam a matriz de uma nova e
moderna sociedade tropical, que superaria as características de atraso identificadas entre
negros e índios (Schwarz, 2000; Fernandes, 1965). Todas essas representações são
conservadoras tradicionais.
As representações conservadoras individualistas a respeito dos negros variam em
dois momentos históricos. O primeiro surge com a vigência de um capitalismo mais
competitivo. O trabalhador negro passa a conviver com o branco. Como colegas de trabalho
os negros são em geral desqualificados pelos brancos (Fernandes, 1965). No segundo
momento, atual, o negro é considerado um competidor na disputa de espaços de trabalho ou
na universidade, onde pleiteia vantagens indevidas, por exemplo, cotas, com as quais
compete com as outras pessoas. (Essa concepção está expressa na escala de preconceito
sutil aplicada na amostra desta pesquisa).
O convencionalismo é uma característica tanto do conservadorismo tradicional
quanto do individualista. O apego às convenções em uma sociedade capitalista em que
todas as mediações tradicionais tendem a ser substituídas pelo capital é uma contradição
26
Porém, o conservadorismo atribuído aos europeus pode conter uma idealização. Adorno (1995) observou a
preferência dos europeus por regimes de força, com a submissão do indivíduo aos interesses do estado, em
vez da adesão aos valores da democracia e individuais. É provável que o conservadorismo também varie entre
os países europeus.
69
flagrante. As convenções de cada ideologia são incorporadas e transformadas em
estereótipos de vida. Essa contradição não intimida os tradicionalistas nem inibe o apego
dos individualistas às convenções superficiais do egocentrismo consumista e hedonista.
27
O
apego a essas convenções é tanto uma forma de defesa quanto um tipo de manipulação. São
idiossincrasias socialmente determinadas pela forma atual do capitalismo: o mundo
administrado.
A segunda característica do preconceito sutil é percepção exagerada da diferença
cultural entre o grupo dominante e o grupo dominado. O exagero da percepção da diferença
é uma forma suficiente de expressão do preconceito sutil.
28
Mas essas diferenças não são
idênticas àquelas projetadas por meio dos preconceituosos flagrantes. Ou seja, as
pseudodiferenças biológicas, utilizadas pelo preconceito sutil, não estão associadas a uma
manifestação sutil de preconceito. Por exemplo, dizer que os negros seriam naturalmente
diferentes dos brancos é uma manifestação de preconceito flagrante. E afirmar que os
negros têm costumes inadequados à sociedade é uma manifestação de exagero da diferença
cultural, ou seja, as diferenças culturais podem ser o pretexto de um preconceito velado.
Além disso, as diferenças culturais são bastante evidenciadas em um mundo
internacionalizado. Em uma sociedade cada vez mais regida pelo mercado global, as
características próprias sofrem mutações e são transformadas em mercadoria. Todas as
características das diferentes culturas passaram a ser mercadorias, por isso têm cada vez
menos diferenças substantivas e ostentam apenas nuances diferentes para ou atrair os
consumidores globalizados ou criar identidades grupais. Logo, quanto menos variam as
características culturais, pois maior é sua padronização, mais elas são tomadas como
motivo para diferenciar o poder dos grupos. Por exemplo, um norte-americano branco pode
ser budista e liberal, mas não gosta de vizinhos negros e atribui essa separação ao fato de
seus hábitos serem culturalmente diferentes.
A comparação de culturas influencia as definições das identidades dos grupos, por
exemplo, na Alemanha, os estrangeiros e os nacionais; nos EUA, os imigrantes ilegais e os
27
Embora não seja objeto desta investigação, o egocentrismo poderia ser uma resistência ao constante
controle social. Porém, a insistência com que novas convenções são criadas e abraçadas como tábuas de
salvação mostra a heteronomia dos indivíduos. São fetiches que sem esclarecimento levam a um controle
ainda maior. A satisfação pelo consumo de bens poderia ser uma forma de sobrevivência, mas no
consumismo é apenas uma eterna repetição do ato de adquirir.
28
Note-se que percepção da diferença não é o mesmo que reconhecimento da diferença.
70
estadunidenses; e, no sul do Brasil, os nordestinos e os descendentes de imigrantes
europeus. A maior percepção da cultura no cotidiano se na medida do seu
estranhamento. Ou seja, certos aspectos que caracterizam uma cultura estão presentes na
sociedade como se fosse uma segunda natureza, não se destacam dela. Quando eles são
modificados ou encontram-se costumes diferentes, a percepção da existência da cultura.
Logo, a percepção da diferença cultural, no dia-a-dia, é um forte indício da não-
identificação do outro como pertencente ou próximo do grupo do respondente.
Por um lado, a resposta estereotipada do exagero da diferença é um preconceito
contrário à integração. Por outro, a igualdade é progressista quando é concebida como
eqüidade. A eqüidade é a igualdade de direitos, o que significa medidas diferentes para que
pessoas diferentes tenham os mesmos direitos. Por exemplo, quando os deficientes físicos e
os não-deficientes disputam o mesmo emprego, ocorre uma eqüidade caso o empregador os
considere de modo a respeitar suas diferenças. Caso um empregador não tenha condições
de receber um deficiente, ele não é equânime em relação aos concorrentes. Há uma
igualdade, pois todos concorrem à mesma vaga, com condições de trabalho iguais, mas o
deficiente não pode ser contratado, ou seja, não é respeitado.
O exagero da diferença é distinto do respeito à diferença. Aplicando essa máxima ao
objeto de estudo desta pesquisa o preconceito suas duas facetas são a percepção da
diferença e a percepção da igualdade. A percepção da diferença, quando é uma atitude de
reconhecimento, não é preconceituosa. Mas quando é uma atitude que exagera a diferença
ela causa a repulsão. A percepção da igualdade, quando é identificação, permite a
aproximação. Mas quando a igualdade é construída à custa do recalque do diferente ela é a
negação da eqüidade.
A crítica do lugar do exagero da diferença cultural no Brasil será retomada depois
da análise do aspecto afetivo do preconceito sutil.
A última característica do preconceito sutil é a negação da atribuição de afeto
positivo quando se pede ao sujeito que avalie o grupo discriminado. A diminuição das
manifestações de afetos negativos contra grupos discriminados em sociedades que
estabeleceram normas anti-racistas foi demonstrada por várias pesquisas (Vala, 1999;
Meertens e Pettigrew, 1997). Essas mesmas pesquisas demonstraram que, apesar das
normas anti-racistas, ainda existia a desigualdade da atribuição do afeto positivo. Essa
71
característica é distintiva da presença ou não de preconceito sutil (Pettigrew e Meertens,
1995). No Brasil, resultados de Camino (et al, 2001) indicam uma atribuição de afeto maior
aos negros do que aos brancos, o que significa que afetos positivos foram relacionados a
negros em sua amostra
de estudantes universitários. No mesmo estudo, os negros brasileiros
foram associados a características de países do terceiro mundo, enquanto os brancos foram
associados a características de países do primeiro mundo, o que significa um estereótipo
negativo. Ou seja, em outra amostra brasileira, o preconceito se apresentou com afeto
positivo atribuído aos discriminados. Houve preconceito e relação afetiva positiva para com
o grupo discriminado, porém esse resultado é incoerente com a teoria do preconceito sutil.
Outras teorias sobre o racismo contemporâneo (Racismo Ambivalente e Racismo
Simbólico) descrevem a ambivalência de preconceituosos em relação aos discriminados.
Muitos preconceituosos sentem culpa por suas tendências e as compensam com afeto
exagerado e positivo em relação ao grupo discriminado. As respostas sobre o afeto devem
ser observadas atentamente para verificar se a amostra desta investigação apresenta esse
afeto positivo em relação aos negros, o que contrariaria a teoria do preconceito sutil.
Para medir, na escala, quanto de afeto positivo se destina ao grupo discriminado
foram construídos dois enunciados.
29
As possibilidades de resposta refletem a qualidade em
freqüência. As alternativas para os respondentes são: muitas vezes (very often), algumas
vezes (fairly often), poucas vezes (not too often) e nunca (never) (Pettigrew e Meertens,
1995). Entende-se que a variação da freqüência significa uma variação na qualidade desses
afetos. Quanto mais freqüentes, mais favorável deve ser a percepção da pessoa em relação
aos negros. A mudança na quantidade afeta a qualidade do afeto: mais freqüência está
relacionada a maior afeto por intermédio do outro.
A representação conservadora da nação tropical formada por mistura de raças
apresente uma divergência maior em relação aos outros temas adotados no preconceito
sutil: o exagero da diferença e a negação da afetividade positiva. O conservadorismo
tropical não desqualifica as diferentes etnias ou culturas, nele há a domesticação das
diferenças culturais.
29
As duas frases a seguir são os enunciados, adaptados para o português, a respeito da afetividade na escala
de preconceito sutil. Com que freqüência você sente simpatia pelos negros? Com que freqüência você sente
admiração pelos negros?
72
A freqüente declaração de afetos positivos é, no contexto da ideologia racial
brasileira, uma manifestação ambígua. Por um lado, é a negação do preconceito, por outro,
confunde-se com manifestações de afeto não preconceituosas. O narcisismo é a raiz dessa
negação do preconceito por meio da expressão do afeto. O narciso
30
ama o que é seu
espelho; a admiração e a simpatia são projeções narcisistas. A pessoa se dizendo que
admira os negros e simpatiza com eles, por isso se imagina como um bom exemplo,
inclusive melhor do que muitos brancos que não seriam tão altivos e bons de coração (essa
retórica é uma influência da tradição católica).
duas conseqüências da atribuição de afetos positivos aos negros. A primeira é a
redução do preconceito flagrante. Ela diminui o distanciamento afetivo em relação aos
negros. E a diminuição do preconceito sutil permitiria um debate mais democrático sobre a
redistribuição dos bens sociais.
A outra conseqüência é política. Ela é a modificação da ideologia racial brasileira. A
ideologia racial tradicional não aceita uma manifestação de afeto positivo para com os
negros. Ela admite apenas a aceitação pública do convívio intergrupal e troca de afeto na
vida privada com negros descaracterizados (não identificados com a identidade negra).
Os conceitos de preconceito flagrante e preconceito sutil permitem uma comparação
entre diferentes conjuntos de predisposições à discriminação. Além das críticas
apresentadas, é necessário desenvolver mais a crítica do exagero da diferença cultural, uma
característica do preconceito sutil. Essa crítica é feita na próxima parte da introdução.
Concluindo esta parte, retoma-se o exagero da diferença cultural para fazer
considerações críticas da integração do negro na cultura brasileira.
A teoria do preconceito sutil arrola como uma de suas características o exagero da
diferença cultural. Essa é uma das manifestações do preconceito formada a partir de uma
série de modificações nos códigos sociais a respeito de relações inter-raciais nos países
capitalistas mais expressivos. Sua pertinência em um país periférico e seu lugar em uma
crítica à sociedade devem vir de uma compreensão crítica de seu significado na ciência no
capitalismo periférico.
30
O narcisismo tem um papel complexo na economia psíquica do sujeito atual. Esse estado pode ser a
possibilidade de ruptura com a sociedade administrada caso o narciso tenda ao modelo mítico, no qual o
sujeito recusa a perda do amor (Crochík,1999). Mas, no sentido pretendido neste texto, ele é o sintoma da
73
A crítica do exagero da diferença cultural (característica do preconceito sutil) em
uma sociedade periférica implica duas etapas. A primeira é um percurso preliminar da
relação entre o preconceito cultural e o indivíduo: o caráter histórico da relação do
74
conhecimento. Antes da mudança de postura da ciência sobre o preconceito, muitos
horrores foram justificados cientificamente. A falta dessa autocrítica levou ao recalque da
irracionalidade do esclarecimento, por isso somente o indivíduo foi identificado como a
origem do preconceito.
O preconceituoso utiliza diferentes justificativas para seus diferentes estereótipos.
Em princípio, tipos diferentes de justificativas levam a dois conjuntos diferentes de
estereótipos. Um tipo de justificativa do preconceito associa a inferioridade do seu alvo a
pseudo-inferioridades biológicas. Outro tipo de justificativa para o preconceito são as
suposições a respeito de superioridades
31
culturais (Pettigrew e Meertens, 1995; Vala,
1999).
Tanto as falsas diferenças biológicas quanto as superioridades culturais são produto
de ideologias racistas que são legitimadas pela posse da classe dominante dos meios de
disseminação e criação das crenças. Os estereótipos ditos biológicos remetem à legitimação
científica (da sociedade esclarecida) do preconceito. Para Schwarcz, esse período ocorreu
mais intensamente, do século XIX até a década 1920 (Schwartz, 1993).
Por sua vez, os estereótipos culturais são legitimados pela regulação da vida entre os
seres humanos. Eles são fruto da introjeção das ações concretas, o que acarreta a adesão a
determinados padrões culturais. Mas, além das vicissitudes da introjeção, os padrões são
fruto da contradição concreta na mediação social das forças reacionárias e das forças
transformadoras do esclarecimento na intimidade das pessoas. Na sociedade capitalista
atual, essas forças reacionárias são tanto a ideologia da racionalidade tecnológica quanto a
ideologia do individualismo.
A localização da existência do preconceito nos indivíduos foi um avanço no
esclarecimento, pois a irracionalidade do preconceito foi revelada (Duckitt, 1992). A
compreensão do preconceito como irracionalidade dos indivíduos revela que as mediações
sociais da intolerância às diferenças alcançam níveis inconscientes da subjetividade. Os
processos de produção objetiva da discriminação desigualdades econômicas e
estereótipos sociais influenciam profundamente o indivíduo. Assim, o preconceito é uma
idiossincrasia e, ao mesmo tempo, uma padronização dos indivíduos. A sociedade não
31
A crítica à superioridade cultural dirige-se à dominação que se justifica por meio de diferenças culturais. A
diferença entre civilizações transforma-se em luta, exatamente por nenhuma ter superado ainda a pré-história
do ser humano.
75
superou a produção objetiva da discriminação. Logo, a irracionalidade é mais ampla do que
só individual.
A diferença cultural é uma categoria organizadora da percepção da identidade. A
comparação entre as identificações do indivíduo com identidades de grupos sociais leva à
inferência da desvalorização da identidade do grupo discriminado. Mas a relação entre
cultura e indivíduo vai além de trocas que mantêm um e outro separado. Ela marca
amplamente o próprio indivíduo.
Entra-se na segunda etapa da crítica do exagero da diferença cultural. O
esclarecimento da contradição da cultura e a sua mediação no indivíduo permitem
especificar como a diferença, em vez de significar o reconhecimento, significa a
desqualificação.
32
Para tanto são discutidas adiante: a introjeção da cultura no indivíduo, a
contradição entre cultura e barbárie e suas conseqüências para o reacionarismo.
A cultura é reproduzida na medida em que o ser humano pode apreendê-la,
exteriorizá-la e transmiti-la como legado às próximas gerações. Assim, embora a cultura
não se reduza ao indivíduo, sua mediação nele é parte de sua existência material. Parte da
mediação da cultura no indivíduo é saber as normas sociais e suas condições de
aplicabilidade.
A teoria crítica permite uma compreensão da profunda relação entre cultura e
indivíduo, em especial da relação do indivíduo com a norma social, que é o aspecto-chave
das definições de preconceito flagrante, preconceito sutil e não-preconceito. A
compreensão de uma psicologia social orientada psicanaliticamente (Adorno, 1991) ajuda
a esclarecer a complexidade dessa relação entre o indivíduo e norma (a civilização). A
capacidade de conhecer e decidir o que é adequado fazer em função das circunstâncias e
dos resultados esperados é uma função da subjetividade. O preconceito sutil ocorre quando
o indivíduo conhece a norma social anti-racista e escamoteia seu preconceito. Esse saber
tem um sentido egóico. Por meio do princípio de realidade, o ego conhece os possíveis
efeitos externos de cumprir ou não uma regra. a pretensão de obedecer à norma como
moralmente correta, ou seja, passível de efeitos internos, depende da sua introjeção. As
32
Por isso, “diversidade” não é um termo suficiente para descrever a relação democrática entre pessoas de
diferentes grupos sociais, condições físicas e mentais.
76
principias conseqüências internas da desobediência são: a angústia e o sentimento de culpa
(Freud, [1930] 1997).
A norma anti-racista é um princípio normativo. Ele causa o sentimento de culpa
pela discriminação e é uma motivação para a resistência ao preconceito contra negros.
Porém, a culpa reforça o reacionarismo e não a resistência. As últimas décadas foram
pródigas em embaralhar os significados desses termos. Nesta análise distingue-se
criticamente a “resistência” da “reação”. A primeira significa o esforço de contraposição à
dominação, ao passo que a segunda é a contraposição ao progresso humano. A crítica à
resistência à dominação significa o desenvolvimento da liberdade, da autoconservação e
autonomia humana.
A culpa é aliada do racismo na introjeção das normas racistas. Ela é parte da reação
ao progresso da sociedade. De fato, as reações sociais ao avanço da sociedade (em termos
de liberdade e eqüidade) encontram um aliado na forma como o ego e o superego se
estruturam:
A adesão ao status quo ante é implantada na estrutura instintiva. O indivíduo torna-se
instintivamente um reacionário tanto no sentido literal como figurativo. Exerce contra si próprio,
inconscientemente, uma severidade que, outrora, era adequada a um estágio infantil de sua
evolução, mas que há muito tempo se tornou obsoleta, à luz das potencialidades racionais da
maturidade (individual e social). (Marcuse, 1968: 49)
A reação à transformação social não se situa na consciência, mas no inconsciente
formado na sociedade totalmente controlada. Aspectos inconscientes do ego e do superego
são as trincheiras dessa reação. São reacionários, o superego, ao ser modelado pela
repressão cultural, e o ego, quando é restrito à razão instrumental. O ego tem outras funções
além da adaptativa, mas esta suplanta as outras em um ambiente regressivo como a
sociedade atual. Essa sociedade tem condições materiais de garantir uma liberdade maior,
mas, em vez disso, exige a submissão a seus desígnios, ou seja, uma sociedade capitalista
administrada (Adorno, [1967] 1990).
A função do superego na economia psíquica do mundo administrado é mais fraca do
que no capitalismo do século XIX. O superego forte e repressor tinha uma função
econômica na sociedade capitalista clássica, pois esta demandava alguns indivíduos
77
capazes de ações sustentadas por valores interiorizados no indivíduo. Neste período a
produção dependia da atividade de indivíduos que reproduzissem o modelo da nova ordem
capitalista. Com o desenvolvimento do capitalismo monopolista, a função dos indivíduos
mudou. A função do indivíduo para a sociedade totalmente administrada é diferente da
função no capitalismo competitivo, que deve ser maleável aos controles massificados. Essa
mudança causa transformações na subjetividade. O vínculo entre indivíduo e a massa, como
ensina Freud, depende da identificação com o líder (Horkheimer e Adorno, [1947] 1992). O
ideal de ego é uma estrutura subjetiva fundamental para o processo de interiorização do
líder, pois é o resultado da interiorização do pai como um modelo para o filho. Na etapa do
capitalismo monopolista, a dominação social passou a reforçar mais o ego ideal, ou seja, o
narcisismo, do que o superego. O superego fraco é menos repressor, permite
comportamentos mais perversos, é mais adequado ao controle social por meio da
dessublimação repressiva, que é uma característica da atual sociedade. Ora, é justamente
nessa estrutura subjetiva, da internalização da moral, a da teoria do preconceito flagrante e
do preconceito sutil. Ela supõe haver condições para diminuir o preconceito por meio dessa
estrutura subjetiva. Essa suposição é problemática para a teoria crítica.
Será feita a seguir uma pequena digressão sobre uma conjunção problemática do
superego frágil com valores contrários ao preconceito. Essa associação ocorre entre a
subjetividade prejudicada, por meio da regressão geral da sociedade, e a sociedade
administrada. Ela retiraria o indivíduo do rol dos preconceituosos flagrantes, mas o mantém
preconceituoso. A culpa pela vida civilizada é apaziguada por uma formação reativa. No
afã de evitar a culpa o ego lança-se na negação do preconceito de forma regressiva. Caso
haja a interiorização dos valores contra o preconceito por meio de sua associação com a
adesão regressiva à massa, em conjunto com o superego frágil, não seria uma emancipação
do sujeito, mas uma mudança na aparência do preconceito. Seria uma adesão a uma
ideologia preconceituosa e não um progresso contra o preconceito. Por exemplo, uma
pessoa que se diz favorável à inclusão de negros em sua empresa, pois supõe que todas as
pessoas de bom senso devem pensar assim, mas que isso não é possível por eles não serem
qualificados profissionalmente. Essa pessoa mostra uma adesão aos valores contrários ao
preconceito, por imitação do senso comum, e submete a justiça da inclusão à ordem
econômica, como manda a razão instrumental.
78
As condições materiais dessa interiorização cruel dos valores contra o preconceito é
a administração da sociedade A personalidade que abrigaria esse superego fragmentado é
funcional para o mundo administrado. Essa conjunção levaria a adesões incoerentes e
culposas ao multiculturalismo e à diversidade. Ela cria uma superficialização do conflito
social e comportamentos estereotipados. Caso a situação vivida por essa pessoa fugisse do
preestabelecido para uma convivência falsamente tolerante, o preconceito reapareceria.
Depois dessa digressão, volta-se à relação entre a irracionalidade do preconceito e
da civilização. A razão que permite a problematização do vínculo social e a inserção na
sociedade inclui uma racionalidade restrita à adaptação. A prevalência da racionalidade
adaptativa, aquela que visa à aceitação pelo grupo, sobre a razão mais ampla é parte da
sociedade atual. Essa redução da razão à racionalidade adaptativa seria desnecessária na
vida madura (emancipada) (Marcuse, 1998). Porém é funcional para a sociedade atual, pois
bloqueia a capacidade do indivíduo de ser crítico em relação à cultura. Impede a
possibilidade de que se pense racionalmente a respeito do que é reacionário no próprio
sujeito e na sociedade.
A adesão racional a princípios libertários e eqüitativos é parte da razão, mais ampla,
e defende-se do aspecto reacionário do superego. A possibilidade de ter valores libertários
contrários ao racismo, ou seja, sem a regressão ao adaptativo envolve dois aspectos da
intimidade: a não-associação a valores superegóicos reacionários e a força egóica da
manutenção, ao mesmo tempo, do princípio de realidade com a crença na utopia. É
necessário manter o senso de realidade, isto é, observar as dificuldades, se não
impossibilidades, de uma posição verdadeiramente democrática, na sociedade atual. Assim,
é necessário ter força egóica para suportar as angústias causadas por meio do contato com
as pessoas que reproduzem o reacionarismo (tanto as pessoas reacionárias como as
preconceituosas).
No capitalismo tardio, a superficialidade da aceitação das diferenças contrasta com
o papel da diferença cultural na história e no indivíduo. A superficialidade da adesão à
diversidade esconde a ojeriza ao que seja realmente diferente. A alternativa a essa ojeriza é
o reconhecimento da diferença em termos políticos e a elaboração da violência
internalizada no processo de formação do superego.
79
A ojeriza ao diferente existia na antigüidade clássica, o diferente do padrão da
sociedade era considerado o bárbaro (Marcuse, 1998). A relação entre barbárie e
civilização, observada no indivíduo, é histórica.
As condições materiais e culturais do adulto condicionam a expressão das
tendências cicatrizadas na subjetividade. Por um lado, a intimidade colabora com o
reacionarismo, quando ela espelha valores reacionários que foram interiorizados na
infância. Por outro, ela poderia mostrar o resultado das condições sociais para a formação
de indivíduos plenos. Ou seja, a autonomia que a sociedade permite ao sujeito é a origem
da ousadia de criticar os valores culturais, por isso a minoridade socialmente produzida é
reacionária:
Sob a defesa de valores introjetados de forma irracional encontram-se,
simultaneamente, o medo e a necessidade de autoridade: o medo frente à punição;
necessidade devida ao sentimento de desamparo, de fragilidade” (Crochík, 1997: 35).
A minoridade (o oposto da maioridade esclarecida) manifesta-se no sujeito por meio
do temor e necessidade de um outro que o conduza (autoridade, identidade de grupo). A
fragilidade desse sujeito não-maduro é o combustível do preconceito. A causa dessa
fragilidade é a falta de condições sociais para o amadurecimento do sujeito.
A cultura é dependente da civilização, pois os valores e as crenças são dependentes
do mundo da necessidade, da técnica e dos conhecimentos práticos (Marcuse, 1998: 155).
Sem a necessidade e as ações humanas para supri-las, a civilização e a cultura não
existiriam. A civilização demonstra aspectos que são parte da cultura, embora não sejam
aceitos como tais. A civilização utiliza a dominação, a destruição, a crueldade e o fanatismo
(Marcuse, 1998: 153). E a cultura não admite que ela própria sustente essas ações de terror
da civilização.
Essa contradição interna da cultura e da civilização é introjetada na psique. A
cultura é interiorizada como finalidade (objetivos, valores, regras) para o indivíduo. Ele se
sente culpado quando não consegue realizar essas finalidades. Mas essa não-realização
ocorre porque a cultura na sociedade e no sujeito não é apenas a virtude; ela é, também, a
conformidade com o mal (Marcuse, 1968; Freud, [1930] 1997). Paradoxalmente, essa
contradição interna à cultura e sua inscrição na intimidade são funcionais para uma
sociedade regressiva (ou seja, uma sociedade esclarecida por meio da razão e, ao mesmo
80
tempo, regredida pelas contradições do próprio esclarecimento) (Horkheirmer e Adorno,
1992).
A representação da cultura como apenas a virtude e o bem é um obstáculo ao
esclarecimento da civilização. A civilização sempre incluiu a dominação, o mal, a barbárie
e a injustiça; por isso, a possibilidade de superação reside na criação de condições para a
crítica e a produção de uma cultura que não seja integrada à necessidade de dominação. A
repressão do potencial negativo da cultura
33
impede essa superação da necessidade de
dominação. As conseqüências do silêncio sobre os aspectos desvirtuados da cultura são as
crueldades, os fanatismos e as destruições. Esses sintomas são projetados por meio do
civilizado no não-civilizado. Por isso, o civilizado sente a necessidade de destruir seu
oposto. E atribui ao diferente a incivilidade e todos os males que foram recalcados em sua
própria civilização.
É possível revelar essa regressão da cultura por meio da crítica de suas condições (a
civilização) e de seu conteúdo (intelectual, valorativo e estético). Essa é a possibilidade de
vislumbrar o “inteiramente outro” da cultura-civilização e dominação. Nesse sentido é
importante criticar a civilização e o conteúdo cultural do preconceito, para entender a
desvalorização dos que têm uma cultura diferente da dominante.
34
Porém, a afirmação de que o exagero da percepção da diferença cultural é um sinal
de desvalorização parece contraditória com a representação de que a diversidade tem um
alto grau de conhecimento e interesse por diferentes culturas. No capitalismo tardio, a
massificação e a repressão do caráter negativo da cultura (Marcuse, 1996) criaram uma
falsa impressão de aceitação da diversidade. A cultura tem seu lado afirmativo, como um
produto humano, e tinha um caráter negativo ao destoar da civilização. Mas, na sociedade
atual – administrada – a cultura passou a ser integrada à civilização. A cultura transformou-
se em uma mercadoria da indústria cultural, um aspecto de diferenciação entre os produtos.
Por um lado, seu distanciamento da civilização, o elitismo da cultura, foi substituído pela
busca de agradar às massas. Por outro lado, o caráter negativo, questionador, da cultura
também foi diluído:
33
Esse potencial negativo é a possibilidade de a cultura negar a si mesma como forma de reacionarismo.
34
Duas características da cultura permitem a existência de preconceitos culturais. A primeira é a cultura
sempre se referir a um universo específico nação, religião, etnia. A segunda é esse universo definir seu
81
O operacionalismo no pensamento e no comportamento remete essas verdades à dimensão pessoal,
subjetiva e emocional; nessa forma podem ser facilmente ajustadas ao existente a transcendência
crítica e qualitativa da cultura é eliminada e o negativo, integrado ao positivo. (Marcuse, 1998:
160)
Isso que dizer que, em vez de o conhecimento de muitas culturas na sociedade
contemporânea representar a aceitação das diferenças culturais e da alteridade, ele significa
a esterilização da contribuição que a cultura poderia dar à alteridade (o caráter crítico da
cultura). Resta à cultura ser uma mercadoria e fonte de estranhamento. Ela é um marco, um
limite ilusório
35
de grupos de pessoas que se ressentem das ameaças da sociedade. Elas
estão tolhidas em seu desenvolvimento e por isso se identificam com grupos por meio da
cultura-mercadoria.
A civilização atual também produz conhecimentos científicos esclarecedores sobre
o papel da percepção da diferença como um sinal de desprezo do outro grupo (ou pessoa).
36
Na psicologia social, a associação entre a percepção da diferença e a desqualificação é
esclarecida por teorias de relações intergrupais (Pettigrew e Meertens, 1995; Vala, 1999) e
por meio do narcisismo das pequenas diferenças (Freud, [1930] 1997). Para a teoria crítica,
essa desqualificação por meio da diferença é a concretização do pérfido princípio da
identidade. A essência humana é a diferença, mas em uma sociedade iníqua as diferenças
são desigualdades (Adorno, [1967] 1990).
Um membro de um grupo poderoso, quando faz a comparação entre dois grupos,
atribui menos valor e associa afetos negativos ao grupo menos poderoso e o discrimina. As
pesquisas sobre identidade social simbólica mostram que a mínima diferença entre os
membros do grupo e a outra pessoa já é suficiente para ela receber menos valor do que os
pertencentes ao grupo. Além disso, quando os grupos em questão têm diferenças de
negativo de identidade, por exemplo, o estrangeiro. Logo, a cultura cria o diferente e as condições de negar-
lhe a simpatia e o reconhecimento.
35
Esse limite é social, como são todas as identidades grupais, porém ninguém confia neles, pois o sistema
social ameaça a todos. Por isso, as identidades grupais, hoje, guardam um componente de ilusão que é
percebido, em parte, por seus membros. É uma falsa projeção na concepção de Horkheimer e Adorno (1991).
36
A civilização técnica usa esse conhecimento como forma de controle social, por ser instrumentalizável e
por ser uma fonte de crença para as massas. Deste modo, não é sem problemas que a ciência identifica o uso
da diferença como marca de desigualdade. Mas esta observação pode ser tomada como ponto de apoio para a
crítica dessa civilização, como este texto pretende.
82
identidade social, estas funcionam como sinais de valorização do próprio grupo em
detrimento do outro (Vala, 1999). Desse modo, somente quando a discriminação é uma
disposição presente no indivíduo, o exagero da percepção da diferença serve como sinal do
preconceito. Caso essa disposição seja implícita, o exagero da diferença cultural
permanece, enquanto as declarações de aversão à intimidade e o ataque ao grupo
discriminado não se manifestam (Pettigrew e Meertens, 1995; Meertens e Pettigrew, 1997).
O narcisismo das pequenas diferenças é o investimento do amor-próprio nas
características do grupo. O ego identifica-se com o grupo e gera grande relevo na percepção
das diferenças com outros grupos. O grupo é um objeto de paixão, suas características
positivas são exageradas. Os outros grupos são desvalorizados por qualquer detalhe
diferente do próprio grupo. Essa diferença é exagerada por meio do investimento afetivo na
percepção do grupo. Além disso, o narcisismo das pequenas diferenças tem uma função
importante na dinâmica de grupo. A agressividade gerada no convívio do grupo pode ser
projetada para fora dele por meio desse tipo de narcisismo. Desse modo, o diferente não é
investido de afeto positivo, mas o é de agressividade (Freud, [1930]1997).
A crítica do princípio de identidade feita pela teoria crítica corrobora a observação
da diferença cultural como fator de discriminação. O princípio de identidade não é idêntico
ao conceito de identidade nas ciências sociais. Porém, em certa concepção do indivíduo, a
identidade segue seu próprio princípio, quando o ser é considerado uma mônada, una, sem
contradições, e cuja identidade o separa de seus semelhantes. Nesse caso, ocorre a rejeição
da diferença, tanto no próprio ser quanto em relação aos outros (Adorno, [1967] 1990).
Em um mundo emancipado da dominação, reconhecer as diferenças faria parte da
percepção da realidade. Porém, em um mundo controlado pela dominação, elas são
sinônimo de desigualdade, de rejeição (Adorno, [1967] 1990).
Logo, o que caracteriza o ser humano, sua diversidade suas crenças e modos de
ser –, é impedido de se realizar plenamente. Esse obstáculo manifesta-se como fetiche ou
como sede de extermínio. Para alguns indivíduos pseudoformados, alcançar a diversidade
transforma-se em um fetiche. Por exemplo, existem pessoas que buscam mostrar sua
“cultura” com souvenires de várias partes do mundo. Outros perseguem a diversidade para
acabar com ela. As características culturais, sociais e de caráter são ao mesmo tempo um
pretexto para a projeção do ódio, causado pela dominação, e elementos que indicam a
83
forma dessa projeção. (Crochik, 1997) O preconceituoso é intolerante com vários grupos,
porém sua intolerância se articula a partir dos significados deles para seu grupo. Por
exemplo, o ódio ao modo de vida dos ciganos é caracterizado pela repulsa aos que não
seguiram o principio do trabalho, pouco importando ao preconceituoso que ele tenha valor
para sua cultura e não para a cigana.
O ataque sobre o pretexto da diferença a relação intergrupal, o narcisismo das
pequenas diferenças indicam a realidade do capitalismo tardio. Sua negação, o elogio da
diversidade, é apenas uma trégua na luta. A crítica do princípio da identidade esclarece as
raízes dessa repulsa à diferença na formação do próprio pensamento científico. A ciência ao
buscar a padronização e a positividade, leva à necessidade do estabelecimento do padrão e
do objeto sempre idêntico. Os cânones científicos exigem a padronização de seus achados,
no processo de formulação das leis científicas.
O exagero da diferença foi identificado como um comportamento estereotipado
característico do preconceito sutil contra negros. (Pettigrew e Meertens, 1995) Daí sua
operacionalização na escala de atitude sutil contra negros. Por exemplo, o considerar que os
negros são extremamente diferentes dos brancos no modo de falar. Contudo, sua
capacidade de captar o objeto o preconceito é limitada, pois a igualdade, inclusive da
própria escala, também é preconceituosa. Por exemplo, quando as crianças são repreendidas
por não falarem exatamente de acordo com a norma culta da língua portuguesa. A análise
critica dessa relação entre o exagero da diferença e da igualdade sugere que ocorre um erro
quando a escala de preconceito sutil não remete a seu momento histórico (ciência e
sociedade), no qual as diferenças são exageradas para discriminar e as igualdades e
homogeneidades são definidas para controlar.
Mas aquelas diferenças que são exageradas para separar o nero humano em
grupos melhores e piores são preconceituosas. Por outro lado, a percepção da diferença e
semelhanças radicais
37
entre as culturas deveria ser sinônimo do não-preconceito. A
compreensão radical da diferença em relação ao outro (simbolizada por uma outra cultura)
é uma forma de despertar o Eros das diferenças, por exemplo, na curiosidade, no respeito
(àquilo que não tem equivalente), no desejo de união com o diferente.
as cult m.147792( )-0.147792( )-0.147792 ra a8),o.147792( )-0.14777T5850.147792( )-0.6(r15(e)3.74)-0.295585(792( )-0.147792( )c5)3.74(o)-0.(,)-0.114.74(s245)2.80439(a)3.919(o)500].74(s245)2.80439(a)2586 0 Td[(o)-0.295585( 4( )c5)3.74(o9 )-0.14.2( )-04.2( )-04.2( p465( ).295585(t)714777T.)250]TJ-2n885(t)714777T.
84
A questão do exagero da diferença como característica do preconceito é criticada na
análise dos resultados desta pesquisa, em especial, na análise da identificação e
diferenciações feitas pela escala. Ou seja, não se pode afirmar, sem maior discussão, que a
percepção da diferença cultural seja preconceituosa.
Então, ao fim desta introdução, é relevante identificar a relação entre estudos sobre
a tendência latente ao preconceito (nos quais o grupo-alvo de preconceito não é
mencionado, como ocorre na escala de fascismo) (Adorno et al, [1950] 1965), com
enunciados preconceituosos flagrantes e preconceitos sutis contra negros
38
(Pettigrew e
Meertens, 1995).
Também é relevante observar a relação entre o preconceito flagrante e o preconceito
sutil (Pettigrew e Meertens, 1995) e a tendência à adesão ao fascismo (Adorno et al., [1950]
1965). Ou seja, investigar se a inferioridade atribuída aos negros pelo preconceito flagrante
está correlacionada com a tendência à adesão ao fascismo e investigar se a negação das
condições de eqüidade entre negros e brancos, uma característica do preconceito sutil, e a
receptividade às ideologias fascistas estão correlacionadas. Caso haja relação entre
preconceito contra negros e tendência à adesão ao fascismo, será possível comparar a
adesão à ideologia racista e a tendência latente à adesão à ideologia fascista.
38
Essas reflexões situam o objetivo e a hipótese desta investigação. Eles são apresentados a seguir.
85
OBJETIVO
O objetivo desta pesquisa é compreender como o preconceito flagrante e o
preconceito sutil contra negros se relacionam com a escala de fascismo.
HIPÓTESE
A hipótese da pesquisa é a de que correlações positivas entre o preconceito
flagrante, o preconceito sutil e a escala de fascismo.
MÉTODO
Sujeitos
Os sujeitos da pesquisa foram 133
39
estudantes universitários do curso de
Administração de Empresas em duas instituições privadas.
40
Universitários de ambos os
sexos, no último ano da faculdade, com idade entre 20 e 25 anos.
A pesquisa teve 133 respondentes. Deles, 103 se identificaram como brancos, 16
como orientais, seis como mais de um grupo étnico, que foram chamados de mestiços, e 8
como negros. Os respondentes se dividiram em 75 homens e 58 mulheres.
A fim de investigar se os brancos tinham preconceito contra os negros e para não
adotar uma medida pseudocientifica, como ascendência ou aparência, para definir as etnias
foi pedido aos respondentes que se identificassem como negros, brancos, mulatos ou
39
Cinco classes do curso de administração de empresas foram visitadas para se obter mais de 100 respostas
validas para o questionário. Por prudência, foram solicitados a responder mais de 100 alunos, para evitar a
necessidade de novas aplicações dos questionários.
40
Os estudantes de Administração de Empresas foram escolhidos por dois motivos. O primeiro foi o fato de
que o autor conhecia essas instituições de ensino e seus cursos de Administração de Empresas. O segundo
86
orientais e informassem sua cor: branca, negra, amarela ou parda. Foram considerados
brancos os respondentes que repetiram a cor e a identificação branca.
Esta pesquisa optou pelo cálculo dos resultados apenas com os identificados como
brancos e brancas. Como foi descrito (ver Apresentação), a definição de etnia e cor são
modelos de identificação criados pela sociedade e utilizados pelos indivíduos para a
definição de identidades sociais. Todos eles são significados atribuídos pelos respondentes
a si e aos outros. Esses significados são mediações da sociedade na aparentemente imediata
classificação de grupos étnicos. Deste modo, o conflito social e sua mediação aparecem na
relação na projeção do dominante (branco) sobre o dominado (negro).
A média de homens e mulheres foi idêntica na escala de fascismo (3,4 para homens
e mulheres, com desvio padrão de 0,8). Nas escalas de preconceito, os homens se mostram
mais preconceituosos (Preconceito flagrante: homens 2,3 e desvio padrão 0,9 e mulheres
2,1 e desvio padrão 0,9) (Preconceito sutil: homens 2,9 e desvio padrão 1,0 e mulheres 2,5
e desvio padrão 1,0).
uma tendência a maior média de preconceito flagrante e preconceito sutil entre
os homens do que entre as mulheres. Essa tendência discreta de alta no grupo dos homens
se verifica também em outros estudos no Brasil (Crochík, 2001b e 2005). Como se vê, o
gênero não parece ser uma variável significativa para a mediação de preconceito na amostra
de universitários.
Material
Como instrumento de pesquisa, foi utilizado um questionário composto de
enunciados em três escalas com itens do tipo Likert.
As escalas medem as características principais do preconceito, por isso não se pode
afirmar que os respondentes que discordaram dos enunciados não são preconceituosos.
Existem diferentes formas de expressão do preconceito. Algumas aparecem no
comportamento em situações não representadas na escala. Por exemplo, quando um grupo
foi curiosidade de saber as respostas de alunos de administração em uma sociedade que, em certos momentos,
tende ao capitalismo administrado (Mello e Novais, 2000).
87
apresenta seu preconceito, uma tendência do indivíduo a imitar o preconceito, caso ele
busque a aceitação do grupo. Desse modo, cada escala mede a predisposição do indivíduo
ao preconceito e não se pode garantir que em determinadas circunstâncias um indivíduo
não será preconceituoso contra negros, mesmo que tenha baixa média na escala.
Elas discriminam as tendências para o preconceito flagrante contra negros, o
preconceito sutil contra negros e a personalidade autoritária. Os enunciados sobre a
tendência à adesão ao fascismo são apresentados na escala de fascismo (Adorno et al,
[1950] 1965) (enunciados 1 a 28). As outras questões correspondem às escalas sobre
preconceito flagrante (enunciados 29 a 38) e preconceito sutil (enunciados 39 a 48)
elaboradas por Pettigrew e Meertens (1995). A escala de fascismo foi adaptada do inglês
para o português por José Leon Crochík (1999). As outras escalas preconceito flagrante e
preconceito sutil foram adaptadas pelo autor desta pesquisa. Todas as escalas passaram
por adaptações a partir da apreciação de juízes e de uma pré-aplicação com 22 alunos de
administração.
Escala de fascismo (F)
A pesquisa sobre o potencial de adesão das pessoas ao autoritarismo o caráter
autoritário –, realizada nos EUA, desenvolveu uma rie de instrumentos de medida, entre
os quais a escala de fascismo sobre a personalidade autoritária. Ela foi desenvolvida no
núcleo de opinião pública de Berkeley, em colaboração com um instituto de pesquisa social
de Frankfurt (Adorno et al, [1950] 1965), tem enunciados divididos em temas a partir de
diversas pesquisas sobre o agitador fascista e sua audiência (Horkheimer e Adorno, [1947]
1992; Adorno, 2000 e Lowental, 1987) e adequações das interpretações a partir dos dados
da pesquisa quantitativa e qualitativa. Entre os padrões de comportamento do indivíduo
com caráter autoritário estão: a ojeriza ao fraco e a antiintracepção (não levar em conta a
interioridade); a predominância do pensamento estereotipado; a crença no poder e na força
como forma de evitar as angústias; a orientação política e moral conservadora; a relação
ambígua com a autoridade desrespeito por figuras de autoridade e forte adesão ao uso
extremo da autoridade; a tendência ao comportamento
88
projetividade de medos e ameaças, com uma fraca elaboração da noção de realidade e da
diferença entre interioridade e exterioridade. Os comportamentos típicos da pessoa com
síndrome da tendência à adesão ao fascismo relacionam-se com o convencionalismo, a
submissão à autoridade, a agressividade contra a autoridade, a divisão do mundo em grupos
e a superstição. A escala original é composta por 2
89
flagrante, e 0,77 para o preconceito sutil (Valla et al., 1999: 177). Em outras pesquisas, na
Europa, o alfa variou de 0,84 a 0,89, para o preconceito flagrante e de 0,70 a 0,81, para o
preconceito sutil (Pettigrew e Meertens, 1995: 64). A confiabilidade das escalas de
preconceito flagrante foi maior do que a de preconceito sutil nos estudos estrangeiros e
menor nesta pesquisa.
Como foi citado acima, a escala de preconceito sutil foi criada por Pettigrew e
Meertens (1995). Para eles havia um preconceito explícito ou flagrante caracterizado por
dois fatores: ameaça ou rejeição e antiintimidade.
.
uma distinção importante entre os
termos “antiintracepção”, da escala de fascismo, e “antiintimidade”, da escala de
preconceito sutil. A antiintracepção significa a rejeição da dimensão subjetiva do indivíduo.
A antiintimidade significa a rejeição da aproximação amorosa ou familiar entre os grupos
sociais.
O preconceito sutil seria um tipo não explícito de preconceito, caracterizado por três
fatores: a defesa de valores tradicionais, o exagero de diferenças culturais e a negação de
emoções positivas (Pettigrew e Meertens, 1995).
Padronização das respostas das escalas
Cada item da escala de fascismo contêm seis alternativas e seus valores variavam de
–3 a +3. Note-se que nenhuma alternativa tem o valor 0 (zero). A escolha do número e dos
valores das alternativas para o questionário desta pesquisa se deu por maior abrangência e
por valores positivos. As alternativas adotadas para os enunciados da escala de fascismo
foram as seguintes: (1) discordo muito, (2) discordo em parte, (3) discordo um pouco, (5)
concordo um pouco, (6) concordo em parte e (7) concordo muito. Assim, a amplitude das
respostas para cada enunciado passou a ser de 1 a 7. Como a escala de fascismo tem 28
enunciados, cada pessoa pode ter um valor de respostas variando entre 28 e 196.
As escalas de preconceito flagrante e preconceito sutil tiveram as alternativas
padronizadas de forma idêntica à escala de fascismo: (1) discordo muito, (2) discordo em
parte, (3) discordo um pouco, (5) concordo um pouco, (6) concordo em parte e (7)
concordo muito. A maioria dos enunciados das escalas de preconceito flagrante e
90
preconceito sutil tinham as seguintes alternativas de resposta: (1) concordo muito (strongly
agree), (2) concordo em parte (somewhat agree), (4) discordo em parte (somewhat agree) e
(5) discordo muito (strongly disagree).
Porém, alguns enunciados das escalas de preconceito tinham outras alternativas.
Nestes enunciados é necessário detalhar cada uma das decisões da adaptação. Nos
enunciados 37, 43, 44, 45 e 46 do questionário as alternativas eram (1) muito diferente
(very diferent), (2) em parte diferente (somewhat diferent), (4) em parte semelhante
(somewhat similar) e (5) muito semelhante (very similar). No questionário, foram
escolhidas as seguintes alternativas de resposta: (1) muito semelhante, (2) semelhante, (3)
um pouco semelhante, (5) um pouco diferente, (6) diferente e (7) muito diferente. No
enunciado 38, as alternativas na escala original eram (1) muito aborrecido (very bothered),
(2) aborrecido (bothered), (4) um pouco aborrecido (bothered a little) e (5) nada aborrecido
(not bothered). No questionário as alternativas são (1) nada aborrecido, (2) quase nada
aborrecido, (3) um pouco aborrecido, (5) aborrecido, (6) muito aborrecido e (7)
extremamente aborrecido. Os enunciados 47 e 48 têm como alternativas de resposta na
escala original as seguintes respostas: muitas vezes (very often), algumas vezes (fairly
often), poucas vezes (not too often) e nunca (never). No questionário utilizam-se as
respostas: sempre, quase sempre, algumas vezes, poucas vezes, quase nunca e nunca.
42
As escalas de preconceito sutil e de preconceito flagrante tinham alternativas de 1 a
5, sem o número 3. Eram escalas com as alternativas representadas por numerais de 1 a 5,
sem o numeral 3, considerado a alternativa neutra. Em uma escala Likert com alternativas
numeradas de 1 a 7 o excluído por ser neutro é o 4. Na adaptação dessas escalas para esta
pesquisa o número de alternativas foi alterado.
Assim, a amplitude das respostas para cada enunciado da escala de preconceito
flagrante e de preconceito sutil passou a ser de 1 a 7. A escala de preconceito flagrante e a
escala de preconceito sutil têm dez enunciados, e o valor da resposta pode variar de 10 a 70.
A ordem da apresentação aos respondentes dos enunciados foi alternada em 4
modelos de questionário, por exemplo: o tipo 1 foi ordenado com os enunciados da escala
de fascismo, preconceito flagrante e preconceito sutil nessa seqüência. O tipo 2 foi
ordenado com os enunciados da escala de fascismo, preconceito sutil e preconceito
42
Considera-se que o neutro, que deve ser excluído desta escala, seria a locução mais ou menos.
91
flagrante. O tipo 3 foi ordenado com os enunciados da escala de preconceito flagrante
preconceito sutil e escala F. O tipo 4 foi ordenado com os enunciados da escala de
preconceito sutil, preconceito flagrante e escala F. Depois, sempre foram apresentadas as
questões sobre dados pessoais.
Questionário de dados pessoais
Além das escalas, os sujeitos responderam a um questionário com questões sobre
idade, sexo, cor da pele, origem étnica e renda familiar. Para completar a informação sobre
renda familiar foi usado o questionário Critério de Classificação Econômica Brasil, da
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2005). Para aferir o grau de
identificação do respondente do questionário foram feitas duas perguntas sobre etnia e raça.
As duas questões são:
53 Cor: 1branca, 2negra, 3 amarela, 4parda, 5 outra.
54. Quanto a suas origens, você se considera? 1 sou negro, 2 sou branco, 3 sou
mulato, 4 sou amarelo, 5 sou índio, 6 sou de outra origem. Qual?____________
Procedimentoseaoto1.44d4(nbi0.2955856128196C(3 40.721099( )-11.3345(( )-11.3399(d)-10.610.6134(e)1.442 )-11.3.94pl10. I4(nbi0.2955( )-11.3.bi0.2955( )-11.2955( )-11.4(e)3.74(d)-4.3311(e)3.74(d)4O9()-4.3311(Q.65585TJ/8.442)0.7210()-4.3311(Q.6592.0781 0 T.4422(r)-4.55617(e3422(c)-6.3339(ê)1.4422( )-1111(e)3.74(d).585(b)-0.295585(r)2.8043974(d)4O9556698573 4u96612.5159(e)3 9.96 Tf41.042212.5159(e)3 9.96 Tf41.042 )-10.491.4422(u)1.445551999T512.5159(e)3.491.(o)1.4463q-4.55617(i)5(g)-105796 Tf9.966126-10.6134mT(Q)9811(e)3.74(d)4O9()-435564422)5(g)-105796 Tf9.96612J/R373 9.96 Tf61(Tf9.96612 0 Td4422(r)0.91933634(_)1.4422(_)-10.6134()4422(r)0.91d[( )0.7210.6134()4422(r)0.91d4(_)1.4422(_)-10.6134()4422(r)0.91d[( )0.(r)1d[( )0.7210.6134()4422(a2(r)0.9 0 T77)44)1.4422(_)-10.613-12.1715(m)12é[]TJ/R317(t)2959.96612 0 Td4422(r)1099( )0.72102197(o16<39515 91/R317(t)295J/R373 463132o)-0.295585,e)3.74(d)4O9()-435569()-4.331169()-4.331169()-4.3311)3.74(d)4O9()-435569()-4.33114O9()-4355694-434422(_)-10.6134()44226d)4O9()-435569()-4.33114O9()-4/R317(t)2.80561(o1a 4422(_)-10nd6 )-11.2955( )-11.4(4422(r)-4.55617(e3422(c)-6.3339)295J/R373 )-6.3339c _
92
questionário foi aplicado na sala de aula dos sujeitos, por um período de 30 minutos de uma
aula, tempo cedido pela instituição e por intermédio do professor. Os sujeitos foram
informados sobre a pesquisa num primeiro momento e tiveram suas dúvidas respondidas.
Foi destacada a importância da sinceridade nas respostas. Eles foram avisados de que
poderiam desistir de responder ao questionário a qualquer momento. Os universitários
foram informados, depois de terem respondido ao questionário, que não puderam ser
avisados de que a pesquisa versava sobre preconceito racial e caráter autoritário, porque
isso atrapalharia a espontaneidade das respostas. Duas pessoas não concordaram em
participar e seus questionários foram inutilizados. Os 133 universitários que concordaram
em entregar o questionário respondido assinaram o termo de consentimento. Depois de
entregues, as dúvidas foram dirimidas.
93
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A discussão e apresentação dos resultados divide-se em cinco pontos. O primeiro é
a discussão das médias das escalas em relação à comparação do preconceito flagrante,
preconceito sutil e escala de fascismo. O segundo ponto é a discussão dos componentes
principais de cada escala. Essa discussão problematiza os elementos constitutivos de cada
escala e subsídios à comparação entre elas. O terceiro ponto analisa a pertinência da
divisão entre o preconceito flagrante e o preconceito sutil a partir da alta correlação entre as
duas escalas. O quarto ponto consiste na discussão das correlações entre a escala de
fascismo e o preconceito sutil. São analisadas as implicações da correlação para o estudo da
tendência latente ao preconceito e o preconceito sutil e para a compreensão da ideologia
racista e ideologia fascista. Por último, são apresentadas duas novas hipóteses a partir da
correlação entre a escala de fascismo e o preconceito sutil. Essas duas hipóteses tratam do
significado social dos enunciados da escala de preconceito sutil e da relação do preconceito
sutil com o mundo administrado.
Os resultados descritivos das escalas
A seguir, é apresentada a tabela dos valores das médias e desvios padrões da escala
de fascismo, do preconceito flagrante e do preconceito sutil.
Tabela 2: Média e desvio padrão da Escala de Fascismo, Preconceito Flagrante e
Preconceito Sutil
Média Desvio padrão
Escala de Fascismo
3,38 0,76
Preconceito Flagrante
2,20 0,85
Preconceito Sutil
2,70 1,05
94
A escala de fascismo (tendência à adesão ao fascismo) teve média maior do que as
de preconceito sutil e preconceito flagrante. Segundo o t de Student (bicaudal), a média da
escala de fascismo é significativamente maior do que a média de preconceito flagrante (t =
41,77, 1 e 132 graus de liberdade, p<0,01) e do que a média de preconceito sutil (t = 39,7; 1
e 132 graus de liberdade, p<0,01). As médias do preconceito flagrante e do preconceito
sutil são diferentes também (t = -6,6; 1 e 132 graus de liberdade, p<0,01). Ou seja, as
diferenças entre as médias são significativas.
Ao observar as médias das escalas, destaca-se a diferença entre os valores extraídos
de cada escala. A seguir se discutem esses valores e se comparam com as de outras
pesquisas para compreender melhor o comportamento das médias em relação à amostra. A
primeira evidência é de uma discordância em média do preconceito. A resposta média ao
preconceito flagrante está próxima da alternativa discordo em parte (de 2,2 para 2) e a do
preconceito sutil está próxima da alternativa discordo um pouco (de 2,7 para 3).
Essa discordância não significa a ausência do preconceito: como foi explicado
anteriormente, não é possível que haja ausência de preconceito em uma sociedade cuja
tendência ao autoritarismo é muito presente. É possível uma baixa expressão de certos
preconceitos, quer por esclarecimento, quer por necessidade do sistema social de
dominação. O fato de a amostra ser composta de universitários faz crer que o esforço de
esclarecimento sobre o racismo contra negros no Brasil tenha dado bons frutos. Ao mesmo
tempo, os respondentes podem estar respondendo à necessidade do sistema capitalista de
não excluir por grupos sociais, mas sim por não adaptação à dominação. Assim, o negro
adaptado, hipoteticamente, não representa um estranho ao sistema de dominação. Esse é um
pensamento hipotético da amostra, cuja maioria não tem amigos negros (61,2%) e nem
vizinhos negros (80,6%). Mas a adesão à dominação está bem presente nas médias de
alguns enunciados.
44
44
A negação das condições sociais e o desconhecimento ativo do preconceito estão presentes em dois
enunciados que apresentaram altas médias de resposta. São o quarto enunciado do preconceito flagrante
(PF4): “Estão errados os governantes que se preocupam mais com os negros do que com os brancos em
dificuldades” (4,76); e o segundo enunciado do preconceito sutil (PS2): “Muitos grupos de imigrantes vieram
para o Brasil e superaram o preconceito e lutaram para encontrar seu caminho. Os negros deveriam fazer o
mesmo sem qualquer favor especial” (4,02).
95
As diferenças entre as médias indicam maior presença do preconceito medido pela
escala de fascismo do que preconceito sutil e preconceito flagrante. O que significa que na
amostra existe uma intensidade da tendência latente ao preconceito maior do que a média
do preconceito flagrante e pelo preconceito sutil. Essa tendência latente indica uma
disposição na amostra para o preconceito com grupos desvalorizados na sociedade. Ou seja,
nesse momento histórico e social os negros não são o alvo de todo o potencial de
preconceito contra os grupos discriminados. Socialmente, isso indica que as cicatrizes da
socialização na sociedade atual são mais amplas do que a dominação direcionada contra o
negro. E, ao mesmo tempo, o preconceito contra os negros é menor do que essa disposição
latente ao preconceito.
São duas as possíveis explicações dessa menor expressão, em média, do preconceito
sobre os negros do que a tendência latente ao preconceito. Uma possível explicação é a
possibilidade de os indivíduos controlarem o efeito da tendência à adesão ao fascismo. Eles
podem ser amenizados em algumas circunstâncias e pela percepção da sua inadequação às
normas sociais inferidas ou deduzidas. Por exemplo, a percepção de que a manifestação do
preconceito contraria as intenções de aceitação em um grupo de universitários pode
amenizar a manifestação tanto do preconceito sutil quanto do preconceito flagrante,
inclusive nos mais submissos ao autoritarismo. As normas sociais importantes nos grupos
podem ser inferidas das ações de seus membros ou podem ser explícitas e obedecidas por
todos. A segunda explicação possível para essa diferença é a mediação nos indivíduos de
um momento social e histórico mais tolerante com a integração do negro na sociedade
administrada. Nesse contexto, as alternativas de inclusão do negro na sociedade de classes
não são uma grande ameaça à dominação. Os projetos de inclusão do negro podem parecer
aos respondentes uma parte de um bloco (ticket) de modernização reacionária, de tal sorte
que a resignação e adesão ao fascismo está em um patamar superior ao do preconceito
contra negros. Essa é uma crítica necessária a muitos projetos de ação afirmativa. A
inserção do negro na sociedade de classes não é em si um processo libertário. Quando essa
inserção é definida por regras de concentração de renda, divisão do trabalho e dominação
social, ela não é libertária. Caso essa crítica contenha uma verdade histórica, ela pode ser
intuída e pensada pelos respondentes da pesquisa. A relação entre a expressão do
96
preconceito sutil e da tendência latente ao preconceito também será interpretada a partir das
correlações obtidas.
A média e o desvio padrão das escalas de preconceito flagrante e preconceito sutil
são baixos (ver tabela 2). As médias indicam uma baixa concordância com o preconceito
contra negros na amostra.
Para compreender se pouco preconceito na amostra é necessário comparar esse
resultado com outras pesquisas. Para isso, são feitas comparações com médias de outras
escalas de preconceito aplicadas no Brasil e com as variações das médias da escala de
fascismo entre o Brasil e outros países. A seguir é feita uma análise sobre quais foram as
variações do resultado dessa pesquisa em relação às outras.
A comparação dos resultados das escalas de preconceito flagrante e de preconceito
sutil com outros questionários aplicados no Brasil revela um outro aspecto do resultado da
pesquisa desta tese. Houve uma aceitação maior da intimidade com o negro do que em
outras pesquisas, por exemplo, Turra e Venturi (1995) e Venturi e Bokany (2004). Essa
diminuição corrobora o resultado de uma outra pesquisa (Camino, 2001).
É interessante a comparação entre a média de antiintimidade, da escala de
preconceito flagrante (1,92), com outras pesquisas sobre o racismo no Brasil. A média da
antiintimidade é baixa, assim como as outras sobre preconceito. Os respondentes em média
discordaram sobre enunciados emocionais estereotipados contra os negros. Parece não
haver restrições a intimidade com negros. Esse resultado destoa de outras pesquisas (Turra
e Venturi, 1995; Venturi e Bokany, 2004). A questão a respeito de relações sexuais inter-
raciais, que é considerada um sinal de racismo contra negros no Brasil, teve média baixa
(média 2,6) (seria equivalente à resposta discordo em parte).
A causa dessa mudança seria a transformação da diferença entre o comportamento
público e o privado do brasileiro quanto ao racismo contra negros. A diferença foi descrita
na história da sociedade brasileira, na segunda metade do culo XX. (Schwarcz, 2000;
Fernandes, 1985) No final do século XX e início do século XXI essa hipocrisia entre a
dimensão pública e a privada no comportamento racista pode ter diminuído. Logo, ou o
preconceito de ter preconceito passou a atingir também o comportamento privado ou a
intimidade passou a ser mais bem aceita em todas as situações.
97
Corrobora com a segunda explicação, da maior aceitação da intimidade, o possível
efeito da educação sobre o comportamento racista na intimidade. As amostras de
universitários, desta pesquisa e da feita por Camino (2001), demonstraram uma menor
antiintimidade ao contrário das amostras mais representativas da população das pesquisas
de Turra e Venturi (1995); e Venturi e Bokany (2004).
Então se pode supor que as médias indicam diferenças significativas da amostra
para a média da população brasileira e uma possível mudança nas marcas sociais que
constituem o preconceito. Pode-se afirmar que grande parte dos respondentes discorda do
preconceito flagrante e tem uma discordância um pouco menor quanto ao preconceito sutil.
E escolaridade, ao menos no nível superior, é um fator inibidor da antiintimidade com
negros.
A discussão das médias das escalas não estaria completa sem a comparação da
média da escala de fascismo com outras pesquisas. Assim é possível observar se há alguma
relação entre as médias das escalas F, preconceito flagrante e preconceito sutil.
As pesquisas da personalidade autoritária (Adorno et al, [1950] 1965) com a escala
de fascismo tiveram média 3,7 e desvio padrão 0,9. Essa média foi obtida com diversos
grupos. Foram pesquisados homens e mulheres, e também foram pesquisados
universitários, presidiários, operários e população em geral. O grupo mais semelhante à
amostra nesta pesquisa foi de mulheres, da universidade de George Washington. A média
dessas universitárias foi de 3,5 (Adorno et al, [1950] 1965).
A escala de fascismo mede uma característica da subjetividade que se apresentou de
forma diferente entre universitários e outros estratos sociais. Daí, a hipótese de que a
sociedade molda a rejeição do preconceito de modo diferente nos universitários. Como a
média entre universitários é menor do que entre a população em geral, é provável que a
educação superior amenize os fatores preconceituosos presentes na escala de fascismo.
Como essa diferença repete-se num país de peso do capitalismo, os EUA, e num país
periférico, o Brasil, pode-se supor que certos estratos sociais, como os estudantes do curso
universitário, sofrem socializações diferentes, que resultaram em veis similares quanto à
tendência à adesão ao fascismo.
Desse modo, os fatores que influem na média menor entre universitários são
determinados socialmente. Segundo o modelo do mundo administrado (Adorno, 1995), a
98
sociedade produziria cada vez mais controles sociais sob a justificativa da racionalização
instrumental. Assim, a resistência à dominação tem de enfrentar a racionalidade
instrumental. Porém, quando a resistência não é possível, surgem formas regredidas de
reação ao pleno controle da vida pela racionalidade instrumental. Uma das formas de
regressão nessa sociedade é a tendência à adesão ao fascismo, medida na escala de
fascismo. Uma hipótese explicativa para essa diferença entre os universitários e a
população em geral é a de que a educação reduz essa tendência, por permitir alguma forma
de resistência à racionalidade instrumental.
Em resumo, a discussão das médias leva a algumas conclusões. maior potencial
de preconceito latente na amostra do que o direcionado contra os negros. uma
manifestação do conservadorismo contra mudanças nas condições sociais dos negros.
Acredita-se que essas discordâncias estejam relacionadas à maior participação do negro na
política nacional. Também se acredita no efeito positivo da escolaridade na discordância do
preconceito racial no Brasil.
Análise fatorial das escalas
A seguir, são apresentados e discutidos os componentes principais de cada uma das
escalas e sua relação com o objetivo da tese.
45
A discussão dos resultados das escalas de
preconceito flagrante e de preconceito sutil necessita de uma análise do significado das
respostas dos sujeitos. Para formular as escalas foram consideradas as principais
características do fenômeno estudado para medi-lo. Assim, os enunciados foram
formulados e testados para medir a adesão das pessoas a cada uma das características do
preconceito. Esses significados dividem a escala em fatores característicos do fenômeno.
Mas as respostas podem não seguir esses significados e formar novos subconjuntos. Nesta
45
Os fatores principais de cada uma das escalas foram calculados. Mas nesta apresentação e discussão dos
resultados não são apresentados nem as variações dos fatores da escala de fascismo, pois por escolha dos
formuladores da pesquisa (Adorno et al [1965] 1950) não foi feita uma análise semelhante, o que
impossibilita uma comparação com os dados desta pesquisa, nem a repetição das características principais das
escalas de preconceito flagrante e de preconceito sutil, pois seriam redundantes em relação ao exposto na
Introdução e no Método. foram apresentadas as variações entre as características principais (escolhidas
para formular a escala) e os fatores principais das escalas de preconceito (calculados a partir da amostra).
99
apresentação e análise são enfatizadas as mudanças dos fatores em relação às características
principais do preconceito flagrante e do preconceito sutil (Kerlinger, 1980).
A análise dos componentes principais das escalas mostra a correlação dos
enunciados entre si na amostra. Deste modo, os componentes indicam agrupamentos de
enunciados cuja resposta é semelhante para os respondentes, cujo significado deve ser
interpretado pelo pesquisador. Esse processo de análise e de interpretação permite observar
os fatores principais que influenciam as respostas das pessoas da amostra (Kerlinger, 1980).
Análise fatorial de cada escala
A análise dos componentes principais do preconceito flagrante é apresentada na
tabela a seguir:
100
Tabela 3: Componentes principais do Preconceito Flagrante
Enunciado e sua característica por componente
principal
Antiintimidade Os negros
são
inferiores
aos brancos
Assistência
social a negros é
errada
PF7 Eu não gostaria que um negro
suficientemente qualificado fosse escolhido para meu
chefe.
,856
PF8 Eu não gostaria que um negro, do
mesmo nível social que o meu, se casasse com algum
familiar próximo a mim.
,793
PF6 Eu não teria relações sexuais com
um(a) negro(a).
,694
PF5 Os negros m de povos menos
capazes, e isso explica por que eles não são tão bons
quanto aa maioria dos brancos.
,459
PF9 Tratando-se de honestidade, como são
negros e brancos?
,783
PF3 Brancos e negros dificilmente estão
confortáveis uns com os outros, mesmo sendo amigos
próximos.
,755
PF1 Os negros têm empregos que deveriam
ser dos brancos.
,692
PF2 A maioria dos negros que recebem
assistência social poderia continuar vivendo bem sem
essa ajuda.
,806
PF4 Estão errados os governantes que se
preocupam mais com os negros do que com os
brancos em dificuldades.
,779
Variação explicada 32,4 15,0 11,8
Médias dos fatores 1,73 1,94 3,59
Média do preconceito flagrante 2,20
(O método de cálculo foi a análise do componente principal. Método de rotação: Varimax com
normalização do tipo Kaiser; foi o resultado de cinco rotações.)
101
A análise do preconceito flagrante revelou três componentes principais que
explicam 59,2% da variação da escala de preconceito flagrante. Dois desses componentes –
o primeiro e o segundo são semelhantes aos propostos como características das escalas
(Pettigrew e Meertens, 1995).
O primeiro e o segundo fatores principais são muito semelhantes às características
utilizadas na formulação da escala [antiintimidade (1); medo e ameaça (2)]. Esses
resultados corroboram a pesquisa de Vala (1999). Porém, nesta pesquisa, o terceiro
componente principal carrega um significado a mais: além da ameaça, indica a resistência a
políticas de ação afirmativa.
O conjunto de enunciados sobre medo e ameaça contra os negros se divide em dois
componentes principais. O primeiro é composto por medo e ameaça tradicionais. O
segundo representa uma mudança no sentimento de ameaça, pois sinaliza o medo de que as
ações governamentais sejam injustas. O significado dessa injustiça tem duas interpretações,
que serão tratadas em conjunto com a análise dos fatores do preconceito sutil.
Também houve um deslizamento semântico de um enunciado entre dois fatores da
escala de preconceito flagrante. Ou seja, uma mudança do significado do enunciado de
uma representação da antiintimidade para a ameaça e o medo. Porém, ele se alinhou com o
conjunto dos enunciados contra a intimidade. Provavelmente esse resultado se deve à
ideologia nacional. Como foi apresentada, essa ideologia criou a origem do povo
brasileiro a partir da mistura de raças branca, negra e indígena e isso influenciou a
ideologia racial brasileira, levando-a a aceitar a participação da cultura negra no passado e a
negar a intimidade com o negro. Assim, um enunciado sobre a incapacidade do povo negro
(PF5) não é interpretado como uma ameaça, mas como a negação da intimidade.
Para ampliar essa discussão é necessária uma crítica dos fatores do preconceito sutil
e de sua relação com o preconceito racial e a ideologia racista.
A seguir, a análise dos componentes principais do preconceito sutil.
102
Tabela 4: Componentes principais do Preconceito Sutil
Enunciado por componente Negação
do afeto
positivo
Exagero da
diferença
cultural
Conservadorismo
(racismo é um
problema
individual)
PS10 Com que freqüência você sente admiração
pelos negros?
,823
PS9 Com que freqüência você sente simpatia pelos
negros?
,774
PS7 (...) responda o quão semelhantes ou diferentes
os negros são de você. Nos valores e práticas sexuais
dos negros.
,741
PS1 Os negros não deveriam se impor onde não são
bem-vindos
,659
PS4 Os negros ensinam valores e habilidade para
seus filhos que não são adequados para se ter sucesso
na sociedade.
,764
PS6 (...) responda o quão semelhantes ou diferentes
os negros são de você. Nas práticas religiosas dos
negros.
,679
PS8 (...) responda o quão semelhantes ou diferentes
os negros são de você. Na forma de falar dos negros.
,658
PS5 (...) responda o quão semelhantes ou diferentes
os negros são de você. Nos valores que os negros
ensinam às crianças.
,631
PS2 Muitos grupos de imigrantes vieram para o
Brasil e superaram o preconceito e lutaram para
encontrar seu caminho. Os negros deveriam fazer o
mesmo sem qualquer favor especial.
,850
PS3 A discriminação contra os negros é apenas um
problema de pessoas que não se esforçaram o
suficiente. Caso os negros se esforçassem mais, eles
seriam tão bons como os brancos.
,814
Variação explicada 42,9 12,7 10,2
Média dos fatores 2,31 2,81 3,07
103
Média do Preconceito Sutil 2,70
(O método de cálculo: Análise do componente principal. todo de rotação: Varimax com
normalização do tipo Kaiser, cinco rotações.)
A análise dos componentes principais do preconceito sutil apresentou três
subconjuntos. Eles explicam 65,8% da variação das respostas à escala. Os significados dos
componentes principais das respostas à escala de preconceito sutil são os mesmos utilizados
na sua composição: negação do afeto positivo, exagero da diferença cultural e
conservadorismo. Mas dois enunciados mudaram de significado. Um enunciado sobre
valores inadequados (PS4), composto como conservador, foi associado na amostra ao
exagero da diferença cultural. O que mostra que os valores não são compreendidos nas
ações públicas de conservadorismo, mas no exagero da diferença entre os grupos sociais.
Outro enunciado trocou de significado: sobre os negros não serem bem-vindos onde não
foram chamados (PS1). Ele também foi composto como conservador, mas foi associado, na
amostra, com os enunciados da negação do afeto positivo. Essa mudança mostra que o bem-
vindo está mais próximo dos afetos que do conservadorismo. Essas duas mudanças de
significado indicam uma depuração do conjunto de enunciados conservadores. Os
enunciados que permaneceram conservadores (PS2 e PS3) tratam do racismo como um
problema individual. Ou seja, caso os negros se esforçassem (PS3) ou agissem como os
membros de outros grupos de imigrantes seriam bem-sucedidos (PS2). Assim, superariam
o racismo por eles mesmos. Esses enunciados apresentam a ideologia do individualismo e,
por isso, são considerados conservadores (reacionários). Mas essa relação com a
individualidade não é unívoca. Por um lado, o individualismo é uma característica da
sociedade capitalista, mas, por outro, a abolição dos interesses individuais é uma
característica do fascismo.
Os enunciados conservadores (PS2 e PS4) e os enunciados sobre ameaça
relacionados ao debate sobre ação afirmativa (PF2 e PF3) mostraram os efeitos do debate
contemporâneo sobre o reconhecimento dos negros. Desde a redemocratização, em 1985,
passando pela Constituição de 1988 e pela criação do Conselho da Consciência Negra, em
1995, ocorre um novo debate sobre o racismo no Brasil. Nessa nova etapa, o racismo é
admitido e são discutidas formas de minimizá-lo. As respostas diferenciadas para
104
enunciados relacionados a esse tema mostram duas posições sobre esse debate. A primeira
é a ideológica, que critica as reparações efetivas por meio da ideologia reacionária. É parte
das mutações do preconceito racial no Brasil. A segunda é a crítica de métodos de
discriminação positiva. É a crença de que ações universalistas seriam mais adequadas para
diminuir o preconceito. As ações universalistas são a melhoria da escola, do emprego e dos
direitos sociais, enquanto as discriminações positivas são vantagens para os membros dos
grupos discriminados em relação aos privilegiados. Essas vantagens compensariam a
discriminação negativa do preconceito e do racismo.
Então, sobre esses resultados e análises cabem duas digressões. A primeira, sobre a
projeção da ideologia racial brasileira sobre o negro. E a segunda o duplo significado das
105
uma repulsão e uma atração inconsciente manifesta no preconceito flagrante em
relação ao corpo do negro. Essa ojeriza é a raiz da crueldade contra ele:
Na relação do indivíduo com o corpo, o seu e o de outrem, a irracionalidade e a injustiça da
dominação reaparecem como crueldade, que está tão afastada de uma relação compreensiva e de
uma reflexão feliz quanto a dominação relativamente à liberdade. (Horkheimer e Adorno, 1991:
217)
A impossibilidade de uma relação compreensiva e uma reflexão feliz sobre o
próprio corpo e o de outrem é uma característica comum do preconceito flagrante e da
tendência à adesão ao fascismo. As duas são motivos suficientes para a reprodução da
crueldade a serviço da dominação.
A projeção reveste o negro de conteúdos negados no próprio corpo do
preconceituoso.
46
Essa ojeriza ao corpo do negro se liga a fantasias sobre sua sexualidade
exagerada.
O controle da sexualidade continua a ser uma peça-chave na domesticação do ser
humano. O mal-estar causado pela repressão sexual encontra um de seus sintomas na
fantasia de que os não-civilizados são mais aptos ao sexo. O ódio de que são alvo é a
projeção da castração já registrada na mente do “civilizado”. Assim, a falsa projeção
reveste mais uma vez seu objeto de características reprimidas no ocidental. Indo do corpo
para a atividade, a falsa projeção recobre o negro de preguiça e o branco de diligência.
Por último, a preguiça é a projeção moderna do poder do dominador sobre o
dominado. O mais forte julga-se mais diligente, valendo-se muitas vezes de convenções
aprendidas para comprovar seu próprio juízo, de que ele é mais ativo do que o dominado.
Porém, ele inveja o preguiçoso por este, supostamente, ser livre do fardo do trabalho
pesado e exigente.
Essas são situações de falsas projeções presentes na escala de preconceito flagrante.
Mas uma variação da projeção da preguiça pode estar registrada nos resultados. A nova
projeção da preguiça é da acomodação a vantagens injustas. A partir da ideologia da
integração do negro em papéis sociais valorizados a projeção de que terá vantagens
46
Essa projeção foi estudada no fecundo artigo de Jurandir Freire Costa sobre a introjeção da cor da pele.
(Costa, 1984).
106
injustas para concorrer com os outros. Os enunciados com médias mais altas, na escala de
preconceito flagrante (PF2 e PF4) e de preconceito sutil (PS2 e PS3), são relacionados
respectivamente à ameaça e ao conservadorismo. Esses enunciados não destacam a
concorrência, mas as vantagens auferidas aos negros por meio de ações compensatórias. E a
suposta passividade dos negros para procurarem, por seus próprios meios, melhorar de
vida.
A segunda digressão é sobre a dupla interpretação dos enunciados conservadores em
relação à inserção do negro na sociedade de classes. dois significados diferentes para
alguns enunciados que criticam as medidas governamentais de apoio aos negros, tanto no
preconceito flagrante como no preconceito sutil.
O primeiro é a atualização do preconceito. Na sociedade brasileira, o debate sobre
ações compensatórias é cada vez maior, por isso a ameaça de uma ação governamental em
prol dos negros se destaca das outras. Como foi observado na introdução desta pesquisa, o
debate político tem o negro como um ator social que demanda medidas compensatórias.
Essa mudança do papel do negro, de necessitado a protagonista, influencia no resultado da
pesquisa. Ao mesmo tempo, a discordância dos enunciados conservadores não implica
necessariamente uma postura libertária, pois muitas medidas igualitárias estão distantes da
faixa de renda e do cotidiano dos estudantes pesquisados.
Outro significado desse fator é a crítica às medidas compensatórias. Nesta outra
interpretação, o que dirige essas respostas não é o preconceito, mas o sentimento de que o
instrumento para combater o racismo não é a discriminação positiva. Neste significado,
uma preferência por medidas universais para combater o preconceito, como o aumento da
cidadania e da qualidade dos serviços públicos. Ou seja, um significado não
preconceituoso e crítico das medidas de discriminação afirmativa misturado com o
significado preconceituoso de oposição conservadora a medidas coletivas favoráveis aos
negros.
As duas possíveis interpretações para essa concordância com enunciados resistentes
às medidas coletivas têm de ser testadas em outra pesquisa para serem mais bem
compreendidas. E são mais interpretados a seguir.
Os componentes principais das escalas mostram uma variação do preconceito contra
negros em relação a outras pesquisas e indicam os significados mais importantes para a
107
amostra, em relação ao preconceito contra negros. A discussão da escala de preconceito
flagrante mostrou a distinção entre a ameaça tradicional e a ameaça das ações afirmativas.
E na escala do preconceito sutil também se verificou a distinção entre aspectos tradicionais
e novos, no caso do conservadorismo. Esses elementos reforçam a necessidade de se
distinguir uma atitude reacionária à redistribuição de bens sociais da atitude crítica a
discriminações positivas apresentadas, no momento, na sociedade brasileira.
A pertinência da distinção entre o preconceito flagrante e o preconceito sutil
Depois das discussões sobre as médias e os componentes principais, serão
apresentadas a seguir as discussões sobre as correlações entre as escalas, a primeira delas a
correlação discutida será entre as escalas de preconceito flagrante e preconceito sutil, pois a
relação entre ambas na amostra é muito forte e, ao mesmo tempo, indica a diferença entre o
preconceito flagrante e o preconceito sutil. A seguir é discutida a relação entre as escalas de
preconceito flagrante e preconceito sutil e a escala de fascismo.
Na tabela a seguir são apresentadas as correlações de Pearson entre as escalas F,
preconceito flagrante e preconceito sutil.
Tabela 5: Correlações entre Escala de Fascismo, Preconceito Flagrante e Preconceito
Sutil
Escala de fascismo Preconceito
Flagrante
Preconceito Sutil contra
negros
Escala de Fascismo
1
Preconceito Flagrante
0,30 1
Preconceito Sutil
0,33 0,72 1
(Nota: correlações e Pearson, significativas a 0,01)
Houve correlação significativa entre as três variáveis no nível de P = 0,01. Não
houve diferença significativa das correlações entre o preconceito flagrante e o preconceito
sutil com a escala de fascismo (t = 1,24, 3 gl. p <0,01) e houve diferença significativa da
108
correlação do preconceito sutil e preconceito flagrante com a correlação do preconceito
sutil com a escala de fascismo (t = 4,27, 3gl. p<0,01). (Cohen e Cohen, 1983) Ou seja,
numericamente existem diferenças entre todas as correlações. Mas estatisticamente se
pode afirmar que existe diferença entre as correlações de preconceito flagrante com a escala
de fascismo (0,30) e preconceito sutil com a escala de fascismo (0,33) em relação a do
preconceito flagrante com o preconceito sutil (0,72). Entre as duas primeiras (PF e EF) e
(PS e EF) correlações não se pode afirmar que existe uma diferença significativa.
Apesar da alta correlação entre preconceito flagrante e preconceito sutil, ou seja,
dos resultados semelhantes dos respondentes, considera-se importante a manutenção da
distinção entre os dois conceitos preconceito flagrante e preconceito sutil - porque eles
captam diferentes expressões do preconceito racial contra negros.
A correlação entre preconceito flagrante e preconceito sutil foi mais alta e
significativamente diferente das outras correlações (ver tabela 6). Ela mostra a relação entre
os dois tipos de preconceito, mais próximos entre si do que com a escala de fascismo. Mas
essa proximidade cria a dúvida quanto a se elas representam duas dimensões realmente
diferentes do preconceito. Afinal, há várias escalas a partir de formulações diferentes sobre
o preconceito. E pode-se perguntar se empiricamente elas também são diferentes.
A resposta a essa questão é dedutiva, pois considera a realidade social para então
avaliar as escalas. Além de empiricamente interessante,
47
a divisão das escalas de
preconceito flagrante e preconceito sutil é teoricamente pertinente. As características do
preconceito flagrante a ameaça e a antiintimidade estão relacionadas ao modelo de
preconceito que foi investigado no Brasil desde a década de 50 do século XX. As
características do preconceito sutil – o conservadorismo, o exagero da diferença cultural e a
negação do afeto positivo são relativamente novas no estudo do preconceito racial no
Brasil. Porém, são coerentes com pesquisas (Turra e Venturi, 1995; Camino, 2001; Venturi
e Bokany, 2004) que buscaram novas formas de apresentação do preconceito.
Medir tanto a fórmula clássica do preconceito quanto a nova permite a comparação
entre o novo conceito e o anterior. Essa comparação já foi discutida em relação às médias.
Agora, os dois conjuntos de características podem ser comparados com uma terceira escala.
47
As análises de confiabilidade revelaram que cada escala mede uma dimensão apenas e a correlação não
indica uma igualdade das escalas, mas uma forte relação entre as respostas.
109
Essa terceira escala é a F, cuja composição não incluiu uma referência direta a um grupo
discriminado mas verificou a adesão a características subjetivas latentes em
preconceituosos.
A correlação entre a escala de fascismo e o preconceito
As correlações permitem, após essas discussões preliminares, discutir a fundo a
hipótese desta pesquisa. Ou seja, como o preconceito racial contra negros se relaciona com
a escala de fascismo (tendência à adesão ao fascismo).
A correlação entre a tendência ao fascismo (escala de fascismo) e o preconceito sutil
surpreenderia o senso comum. Há uma associação cotidiana entre a tendência ao fascismo e
o preconceito flagrante (0,30). Mas o cinismo do preconceito sutil não é associado, no dia-
a-dia, a comportamentos autoritários. E a correlação entre o preconceito sutil e a escala de
fascismo mostra essa relação (0,33).
A hipótese desta pesquisa era a existência de uma correlação entre tendência à
adesão ao fascismo
e preconceito flagrante e, também, que haveria correlação entre
preconceito sutil e tendência à adesão ao fascismo. Essa hipótese foi confirmada.
Essas correlações não são um dado estatístico. Elas indicam significados
históricos e sociais. As escalas de preconceito flagrante e preconceito sutil têm correlações
com a escala de fascismo, ou seja, há correlação entre as manifestações implícitas e
explícitas do preconceito e a subjetividade prejudicada (a tendência latente ao preconceito
na tendência à adesão ao fascismo). Além disso, há, por meio do preconceito sutil, uma
nova relação entre a tendência à adesão à ideologia autoritária e a adesão à ideologia
racista.
Antes de analisar essa correlação entre o preconceito sutil e a escala de fascismo é
necessário considerar a relação, esperada, entre o preconceito flagrante e a escala de
fascismo. Por hipótese, essa correlação se por meio da associação da agressividade
autoritária e da estereotipia, características da tendência latente ao preconceito, com as
características do preconceito flagrante: o sentimento de ameaça e medo e a aversão à
intimidade.
110
Os predispostos ao preconceito (escala de fascismo) apresentam a agressividade
autoritária. Ela consiste na tendência ao sadismo e à paranóia contra aqueles que forem
percebidos como mais fracos:
48
O sadismo latente em cada um adivinha infalivelmente a fraqueza latente de cada um. E a fantasia
de perseguição é contagiante: todas as vezes que ela se apresenta, os espectadores são levados de
modo irresistível a imitá-la. (Adorno, 1992: 143)
O preconceito flagrante assemelha-se à agressividade autoritária ao perseguir o
negro. Em ambas ocorre a projeção do ódio à fraqueza sobre o discriminado. Esse ódio é
projetado como defesa inconsciente contra o temor da própria fraqueza. Ele também
cumpre a função de manter algozes dos mais fracos entre os que também são ameaçados
pela sociedade.
A paranóia em relação ao diferente também é uma característica da tendência ao
fascismo. Ela colabora com o medo; por isso a ameaça do negro é, em grande parte,
irracional. A paranóia caracteriza-se por projetar em uma outra pessoa elementos do mundo
interno muito ameaçadores. Esses elementos ameaçadores passam a justificar o medo
sentido em relação a outra pessoa.
A tendência latente ao preconceito também se caracteriza por um tipo específico de
funcionamento mental: a estereotipia. O pensamento por estereótipos é uma característica
do preconceito flagrante e da tendência à adesão ao fascismo. A pessoa diferente do modelo
de identificação e, por extensão, do modelo idealizado do grupo é percebida por meio de
qualidades pejorativas e fortemente generalizadas. A estereotipia do preconceituoso é uma
falsa projeção porque é rígida, pois não permite a transformação do conceito por meio do
que for percebido como diferente do projetado. Outra característica da falsa projeção é
associar o grupo a características desqualificantes. Além disso, ocorre uma generalização
dos estereótipos sobre todos os membros do grupo discriminado. Essa mentalidade
transforma o indivíduo meramente num membro de um grupo desqualificado.
48
Os itens do preconceito flagrante mais relacionados com conteúdo mais próximo do sadismo são: (PF1) os
negros têm empregos que deveriam ser dos brancos; (PF3) os brancos e os negros dificilmente estão
confortáveis uns com os outros, mesmo sendo amigos próximos; (PF4) estão errados os governantes que se
preocupam mais com os negros do que com os brancos em dificuldades.
111
São essa mentalidade centrada em estereótipos e a ojeriza ao inferior que levam à
antiintimidade, característica do preconceito flagrante. O indivíduo do outro grupo seria
indivisível de seu grupo e associado a qualidades desvalorizadas. Isso impossibilita a
intimidade com o discriminado ou, caso ocorra, leva a uma grande ambigüidade entre a
percepção do indivíduo e do grupo. Além disso, a percepção do discriminado como inferior
leva a uma repulsa a suas características. É comum nessas circunstâncias ambíguas a
solução de compromisso de não aceitar a outra pessoa como parte do grupo discriminado,
criando uma categoria específica para ela. Essa categoria é inclusive representada por
características diferentes daquelas a que o discriminado tem ojeriza. No racismo tradicional
brasileiro essa ambigüidade é representada, por exemplo, na expressão “preto de alma
branca”.
Então, a tendência latente ao preconceito é aquela que não indica o grupo
discriminado, mas aproxima-se do preconceito flagrante por meio do funcionamento
estereotipado da mente. Pois bem, depois da discussão sobre a correlação entre a escala de
fascismo e o preconceito flagrante pode-se passar a seguir à correlação entre a escala de
fascismo e o preconceito sutil.
Tendência latente ao preconceito e preconceito sutil
A correlação entre o preconceito sutil e a escala de fascismo leva a duas discussões.
A primeira delas envolve a relação entre o preconceito sutil e a tendência latente ao
preconceito e a segunda, a relação entre a ideologia racista contemporânea e a ideologia
fascista.
O resultado desta pesquisa contradiz o que Duckitt (1992), Altmayer (1998) e Vala
(2000) afirmam: que a escala de fascismo mede características de personalidade e por isso
não captaria os aspectos sociais do preconceito. Para eles seriam necessárias escalas
direcionadas à aprendizagem das normas sociais para medir o preconceito.
Essas outras escalas têm em comum a apresentação de enunciados a respeito ou
relacionados ao grupo discriminado. As escalas de preconceito flagrante e preconceito sutil
são exemplos dessa concepção de pesquisa. Mas o resultado deste estudo indica justamente
112
o contrário, ou seja, que há relação entre as escalas diretas (preconceito flagrante), indiretas
(preconceito sutil) e latentes (escala de fascismo).
A discussão sobre a correlação entre o preconceito sutil e a escala de fascismo
pretende dar conta de duas questões. A primeira pergunta é sobre a relação entre a
tendência latente ao preconceito e o preconceito sutil e a segunda, sobre a diferença das
correlações entre a escala de fascismo e o preconceito sutil, nesta pesquisa, e a escala de
fascismo e o etnocentrismo contra negros na década de 1950 nos EUA.
A relação entre a escala de fascismo e o preconceito sutil é corroborada por análises
do próprio autoritarismo. Há o uso de elementos do preconceito como argumento do
autoritarismo. Esses elementos são, em geral, a ameaça e o medo do diferente, a rejeição
emocional do grupo discriminado. Os agitadores fascistas utilizavam a retórica racista para
formar uma identificação entre a população e os ideais de submissão e agressividade
autoritária. Essa identificação operava por meio de estruturas subjetivas importantes para
o autoritarismo e para o preconceito: a identificação com líderes fortes, a estereotipia e o
narcisismo das pequenas diferenças.
As raízes do preconceito são sociais, por isso uma mudança na sociedade alterou a
sua manifestação. Hoje, agitadores raivosos sem a aparência de fascistas podem utilizar os
elementos do preconceito sutil. Esses elementos também podem se manifestar sem maldizer
o nome do grupo discriminado, por formas indiretas de preconceito. Esse novo preconceito
utiliza as cicatrizes da subjetividade para ficar marcado nos indivíduos. A exibição dos
elementos do preconceito mudou. A busca do líder autoritário pode aparecer no preconceito
sutil, como a adesão ao conservadorismo. O narcisismo das pequenas diferenças e a
estereotipia são projetados no exagero das diferenças culturais. A rejeição da subjetividade,
na amostra, é uma característica secundária na escala de fascismo, e passou a ser a negação
do afeto positivo (conforme a discussão dos elementos principais das escalas).
A relação entre a rejeição da interioridade, uma característica da escala de fascismo,
e a negação da atribuição do afeto positivo se pela rejeição da consciência da
subjetividade. A consciência da subjetividade implica um pensamento dialético. A relação
entre o sujeito e a realidade nunca é influenciada apenas por uma das partes. Tanto a
objetividade, por não depender apenas do sujeito, quanto a subjetividade, por ser
contraditória, representam limites para o sujeito. Ter ou não consciência dessa relação não
113
muda sua existência; o que muda são os recursos psíquicos para lidar com as angústias
causadas pela subjetividade e por sua relação com a realidade. Essa angústia se expressa
tanto na incerteza com as outras pessoas quanto com o próprio eu. Assim a rejeição da
intimidade, do conhecimento de si, se une à da empatia com os outros. A incapacidade de
empatia é a raiz subjetiva da projeção de afetos positivos sobre os negros.
A relação entre a personalidade e o preconceito sutil se destaca nessa comparação
entre a escala de fascismo e o preconceito sutil. A existência da correlação entre enunciados
que não indicam um grupo e enunciados direcionados contra um grupo discriminado mostra
a existência de uma estrutura subjetiva que favorece o preconceito. Esse resultado contradiz
os psicólogos sociais que buscam compreender apenas a relação entre o indivíduo e o
objeto do preconceito. Eles entendem apenas a relação sem compreender o quanto o
indivíduo e o objeto do preconceito estão dialeticamente ligados.
O preconceito no indivíduo é o resultado das cicatrizes na formação da
subjetividade causadas por uma sociedade em muitos aspectos autoritária.
49
Essas marcas
formam uma subjetividade prejudicada que não desenvolveu sua potencialidade para a
emancipação e, além disso, regride a estágios primitivos do funcionamento mental (o
preconceito). Assim, uma predisposição ao preconceito pode ser notada na amostra
(resultado da escala de fascismo) e sua associação ao preconceito sutil.
A correlação de 0,33 entre a escala de fascismo e o preconceito sutil demonstra que
as marcas da subjetividade prejudicada não são a única determinação do preconceito sutil.
É a mesma interpretação da correlação entre a escala de fascismo e a escala E
(etnocentrismo) (Adorno et al, [1950] 1965).
A escala de fascismo é parte da pesquisa sobre personalidade autoritária. Embora o
seu tema seja a tendência à adesão ao fascismo, a escala está correlacionada com a de
etnocentrismo (escala E). As correlações entre a escala de fascismo e a escala E em toda a
amostra de universitários foi de 0,58. Como a escala E tratava tanto de anti-semitismo
quanto do racismo contra negros, seus itens foram divididos em duas subescalas: EA
(escala de anti-semitismo) e EB (escala de racismo contra negros). A correlação geral entre
a escala de fascismo e a escala EB foi de 0,53 (Adorno et al, [1950] 1965). Essas
49
A discussão dessa subjetividade prejudicada foi realizada por Adorno (1992) e sua relação com o
preconceito foi discutida por José Leon Crochík (1997).
114
correlações mostram a relação entre a escala de fascismo e o preconceito contra negros nos
EUA na década de 1950.
Embora a correlação tenha um valor diferente, as forças sociais que levaram a essa
correlação estão presentes nas duas sociedades, o que explica a semelhança. O capitalismo,
a divisão social do trabalho e o viés fascista da sociedade administrada estão presentes tanto
nos EUA como no Brasil. A mediação dessas características leva o sujeito a dirigir sua
repulsa direta ou indireta ao objeto do preconceito, ou seja, a uma outra pessoa
transformada em coisa por um mecanismo social de alienação e estereotipia. A relação do
indivíduo com o grupo estereotipado não depende apenas de sua disposição, depende
também do que o grupo exterioriza e como esse produto do grupo é aproveitado para
manter o preconceito. Assim, os negros no Brasil ainda são mais pobres que os brancos. A
pobreza de muitos negros não é devida apenas ao racismo. O que ocorre é uma redução
ideológica da pobreza da população negra à sua condição étnica.
A correlação entre uma escala que não enuncia o grupo discriminado (escala de
fascismo) com outra (preconceito sutil) que o enuncia com predicados sutilmente
desqualificantes confirma a tese da relação dialética entre o indivíduo (como produto
social) e o objeto do preconceito, já defendida na pesquisa sobre a personalidade autoritária
(Adorno et al, [1950] 1965). A mediação social cria condições para o preconceito. Essas
condições se manifestam em relação ao grupo discriminado, mas também existem como
condições latentes, inconscientes, de preconceito.
A relação entre a escala de fascismo e o preconceito sutil mostra que a primeira
investiga as marcas da sociedade na subjetividade, as quais contribuem para o preconceito.
A escala de fascismo não é a projeção na psicologia das características sociais nem é uma
projeção de características psicológicas na sociedade. A diferença da correlação entre a
escala de fascismo e o preconceito sutil entre universitários no Brasil (0,33), com a
correlação entre a escala de fascismo e a escala EB (etnocentrismo contra negros) nos EUA
(0,53), mostra a mediação da sociedade na subjetividade investigada pela escala de
fascismo.
Por fim, nota-se que a estrutura subjetiva do indivíduo abriga a tendência latente ao
preconceito sutil contra negros. E qualquer medida para diminuir esse preconceito para
115
além de sua coerção circunstancial deve evitar a formação nos indivíduos da tendência à
adesão ao fascismo.
O preconceito sutil e a predisposição à adesão à ideologia autoritária
A correlação entre as escalas F e de preconceito sutil (0,33) tem outro significado. A
predisposição à adesão à ideologia racista em sua versão contemporânea está
116
predisposição pode ou não ser realizada na escala de fascismo, porém a adesão à ideologia
já está explícita na resposta à escala de preconceito sutil.
A escala de preconceito sutil foi composta a partir de mudanças nas características
principais do preconceito. Ora, o preconceito na sociedade capitalista é sustentado por uma
ideologia racista; desse modo, a nova escala também segue as mudanças dessa ideologia.
Ela não é um instrumento de investigação do conteúdo da ideologia racista. A investigação
do conteúdo da ideologia é feita por outros métodos sociológicos. A escala é um conjunto
de enunciados que representam a adesão a características definidas da ideologia racista.
A representação da ideologia racista tradicional é mais evidente na escala de
preconceito flagrante, exatamente por seus enunciados mostrarem o conteúdo explícito da
ideologia racista. Nesse caso, a escala de preconceito sutil esconde essa adesão explícita.
Mas ela apresenta a adesão a outras características ideológicas do racismo: o
conservadorismo, o exagero da diferença cultural e a falta de afeto positivo. Os sujeitos se
posicionam sobre esses conteúdos ao escolher as alternativas. Eles mostram sua adesão ao
conservadorismo, a não-aceitação de outras culturas e a resistência a admirar os negros e
mostrar a eles simpatia. Ou seja, eles mostram sua adesão à ideologia racista em sua versão
contemporânea.
A escala de fascismo foi formulada para medir a tendência latente à adesão à
ideologia autoritária, cuja expressão histórica – o fascismo – empresta seu nome à escala de
F. Essa predisposição é medida por enunciados com conteúdos relacionados ao discurso
dos agitadores e às características subjetivas necessárias para a adesão.
Para construir a escala de fascismo foram analisados estudos sobre o caráter dos
líderes fascistas e de suas audiências. Também foram construídas teorias sobre como a
personalidade absorvia determinadas características que a tornavam mais suscetível ao
fascismo. Esses estudos incluíram manifestações autoritárias diretas e latentes. Por isso, a
correlação do preconceito sutil com a escala de fascismo também pode medir a
predisposição à adesão a discursos racistas sutis.
outra discussão importante para a comparação e o confronto dos conteúdos das
adesões às duas ideologias. A ideologia racista contemporânea e a autoritária não são
idênticas. A ideologia antidemocrática implica uma posição política ampla e contrária à
liberdade. Já a ideologia racista é discriminatória. Ela desvaloriza um grupo e permite um
117
auto-engano sobre a posição política e a liberdade. Por exemplo, um racista no Brasil pode
ser a favor da democracia, desde que esta não proponha efetivamente a igualdade racial. A
semelhança de conteúdo entre as duas ideologias é o conservadorismo presente no
preconceito sutil e o convencionalismo e submissão autoritária, na tendência ao fascismo.
Mas esse conservadorismo não é o único ponto de contato entre as ideologias. A correlação
ocorre entre várias características das duas escalas e é maior no todo do que nas partes.
Portanto, a correlação entre as duas escalas comprova a semelhança entre a
tendência à adesão ao fascismo e a adesão à ideologia racista contemporânea. A sutileza
dessa nova ideologia racista oculta ao senso comum essa relação. Para o observador
desavisado pode parecer que adesão ao preconceito sutil não implique adesão à ideologia
autoritária tanto quanto a adesão ao preconceito flagrante. Porém, não é o que indica o
resultado da pesquisa. A tendência à adesão ao fascismo está correlacionada com a versão
sutil do preconceito. Do mesmo modo, a ideologia autoritária está associada à ideologia
racista contemporânea.
Duas características da ideologia racista contemporânea (presentes na escala do
preconceito sutil) ganham novo significado à luz da correlação com a escala de fascismo: o
exagero da diferença cultural e a negação do afeto positivo.
O exagero da diferença cultural é uma característica ambígua que se torna mais
assertiva por meio da tendência à adesão ao fascismo. O exagero da diferença é claramente
contrário ao respeito mútuo dos grupos, ele também contradiz a eqüidade. Mas o exagero
da igualdade é um desconhecimento das especificidades dos grupos discriminados, o que
também é antidemocrático, especialmente no capitalismo de massas, que iguala todos os
símbolos a mercadorias. Enquanto o exagero da diferença é preconceituoso, a diferença não
o é, por permitir o reconhecimento da cultura negra por pessoas democráticas. para o
preconceito, a diferença e a igualdade cultural são nos seus extremos muito semelhantes
para o preconceito. Tanto o extremo da igualdade por exemplo, não cultura negra
quanto o extremo da diferença – por exemplo, os valores dos negros são incompatíveis com
a sociedade moderna são preconceituosos e autoritários. A dialética entre diferença e
igualdade é por outro lado fundamental para a emancipação e a eqüidade. Essa dialética
supõe condições psíquicas contrárias às da tendência à adesão ao fascismo.
118
A não-manifestação de afeto positivo é, também, uma característica do preconceito
sutil. Ela é coerente com a tendência à adesão ao fascismo, especialmente nas
características: cinismo e submissão autoritária. A postura de não adotar afetos positivos
contra um grupo, por rejeitá-lo intimamente e, ao mesmo tempo, não investir nele os afetos
negativos é cínica. A discriminação dos negros por meio da negação do afeto positivo é um
sinal de submissão a regras sociais, que prescrevem não direcionar afetos negativos contra
grupos discriminados. A contradição dos afetos no preconceito sutil remete à ambigüidade,
uma das características da relação antidemocrática com a autoridade; ao mesmo tempo os
afetos positivos são devotados predominantemente ao próprio grupo.
Desse modo, existe uma relação entre a ideologia racista contemporânea e a
ideologia autoritária. A adesão à ideologia racista contemporânea é medida pela escala de
preconceito sutil. A função dessa ideologia é justificar a manutenção da dominação social
no capitalismo administrado. Ela não adota as justificativas da discriminação racial da
ideologia racista tradicional. A nova versão da ideologia surge dos temas constantes do
capitalismo administrado: a mediação dos conflitos e o conformismo com a injustiça social.
Suas características são a ocultação do conflito social por meio do exagero da diferença
cultural, o conformismo com a injustiça social mediante o conservadorismo. E o
convencionalismo e cortesia nas relações afetivas com os negros.
Essa mediação dos conflitos consiste na administração racional dos conflitos para
evitar que eles rompam a hegemonia da racionalidade instrumental e provoquem alguma
manifestação coletiva contrária à dominação. Contudo, essa mediação não significa uma
resolução justa dos conflitos, pois permanece a dominação. No caso da ideologia racista
contemporânea essa mediação se pela tolerância de diferenças. Porém, essa tolerância é
falsa, pois trata-se apenas de ignorar ou menosprezar as diferenças. Não nenhum apoio
ao reconhecimento das diferenças, nem uma crítica às desvalorizações sutis dos diferentes.
Assim, a cultura africana é tolerada, mas seus valores não são conhecidos ou são
desvalorizados em relação aos ocidentais, por exemplo, quando a África é vista como
exótica e a Europa, como o modelo de civilização.
O conformismo com a injustiça social é o resultado subjetivo da hegemonia do
sistema de dominação capitalista. Por meio de uma maciça desqualificação de qualquer
alternativa racional a esse sistema, ele se impõe como única forma de organização social
119
possível. E suas injustiças são ideologicamente consideradas um mal que só pode ser
resolvido dentro do próprio sistema. Por esse motivo, o conservadorismo do preconceito
sutil apela ao individualismo como única solução para o sofrimento social.
Por fim, a ideologia autoritária e a ideologia racista contemporânea são produtos
objetivos da necessidade de reprodução da dominação social no capitalismo administrado.
Ao mesmo tempo, estão mediando as relações entre os indivíduos. Elas não são um
anacronismo, nem um subjetivismo, mas uma conseqüência do sistema social.
Novas hipóteses
A análise geral do resultado da correlação entre a escala de fascismo e o preconceito
sutil por meio de elementos teóricos críticos da sociedade capitalista administrada permite a
formulação de novas hipóteses sobre a relação entre o preconceito sutil e a tendência à
adesão ao fascismo.
A primeira nova hipótese é que o preconceito sutil depende de uma certa estrutura
subjetiva latente no indivíduo para que as posições contrárias a soluções coletivas, o
exagero da diferença cultural e a negação do afeto positivo sejam realmente
preconceituosos. Na escala do preconceito sutil, os enunciados têm outros possíveis
significados além dos indicativos do preconceito sutil. Vários dos enunciados
conservadores valorizam o indivíduo. Eles significam a postura de que a ajuda coletiva
deveria ser deixada de lado e cada um deveria se esforçar para conseguir mudar a própria
vida. Os enunciados sobre o afeto positivo são idealistas ao propor afetos positivos
(admiração e simpatia) distribuídos igualmente não entre o próprio grupo como também
para outros. E os enunciados do exagero da diferença cultural também são ambíguos, pois
seu oposto não é a negação das diferenças culturais, pois ela é uma característica do
preconceito.
É necessária uma nova interpretação do próprio preconceito sutil que ajude a
discutir o significado das respostas aos enunciados. O significado das respostas da escala de
preconceito sutil pode ser biunívoco? Ou seja, é possível que as pessoas estejam sendo
críticas ao rejeitar as estratégias coletivas de discriminação positiva? Essa questão é
120
esclarecida por meio da consideração, em conjunto, da análise da correlação entre
preconceito sutil e escala de fascismo e da totalidade social.
Por hipótese, os significados da correlação entre preconceito sutil e escala de
fascismo estão relacionados a dois elementos do capitalismo administrado mediados na
estrutura latente do indivíduo. O conformismo com a realidade social (Crochík, 2001a) e a
mimese feita pelo sujeito semiformado da sociedade completamente desencantada (cópia
das culturas, do aspecto estereotipado e espetacular das culturas, mas que depois se mostra
como desvalorização da diferença). Os reflexos dessas mediações no indivíduo estão
presentes tanto na tendência à adesão ao fascismo quanto no preconceito sutil contra
negros.
O conformismo com normas sociais, sem questionar suas contradições ou injustiças
flagrantes, é uma forma de apatia que combina com a submissão autoritária. A
racionalização instrumental do conflito para antecipá-lo e controlá-lo também leva a um
comportamento mimético da realidade social. Por último, o sujeito não nenhuma
alternativa, nem diferença entre realidade e projeção de um mundo desencantado. Essa é
uma das hipóteses explicativas para as correlações: a tendência à adesão ao fascismo está
ligada ao cinismo do preconceito sutil.
A primeira determinação social do significado unívoco dos enunciados do
preconceito sutil é o conformismo. O conservadorismo do preconceito sutil na época do
capitalismo tardio soa como algo anacrônico. O cinismo transformou a defesa da
propriedade privada, do individualismo, e a reação a mudanças radicais ou igualitárias, em
algo mais complexo do que a adesão a um ideário. O cinismo característico da relação com
a ideologia é parte da adaptação dialética do indivíduo à sociedade capitalista administrada.
Ele é parte do conformismo com a imposição de uma realidade sem transformação social.
A negação desse conformismo é a resistência do indivíduo à total adaptação.
O conformismo e a resistência à dominação social são formas antagônicas de reação
do indivíduo à sociedade totalmente administrada: “O indivíduo (...) marca-se pela
resistência à dominação e como dominação” (Crochík, 2001) O conformismo é uma das
marcas do preconceito sutil, por este ter como característica o conservadorismo e, ao
mesmo tempo, o convencionalismo e a submissão autoritária – tendência à adesão ao
fascismo. O conformismo do preconceito sutil e o do preconceito flagrante são diferentes --
121
o primeiro é cínico. Sua atitude é arbitrária e conservadora, sem exageros, cortês e ao
mesmo tempo cruel.
A individualidade, como servidão, tenta conseguir a autoconservação por meio do
conformismo ao mundo administrado. A regressão do indivíduo aparece na sua dificuldade
de se comportar como sujeito autônomo. A ameaça contra a individualidade vem da
fraqueza da emancipação e da força do terror coletivizado. O resultado é um modelo
regredido de subjetividade que reproduz as condições do preconceito sutil.
A coisificação da consciência é a contrapartida de uma integração social imposta
coletivamente em vez de reconhecida e formadora do indivíduo. Quanto maior a integração,
maior é o risco de barbárie, pois é quase impossível o equilíbrio entre a consciência e a
obediência à massificação.
A consciência coisificada foi observada na teoria da personalidade autoritária. Ela
foi chamada de caráter manipulador (Adorno, 2003). Esse tipo de consciência se adapta ao
preconceito flagrante. É o protótipo do burocrata da burocracia do extermínio. Mas ele
também pode ser associado ao preconceito sutil, pois o caráter manipulador é cada vez mais
forte em uma sociedade tecnológica (Crochík, 1997: 94). A coisificação da consciência é
um produto da ideologia da racionalidade tecnológica (Crochík, 1999).
No nazismo, exemplo de regime político que utilizava o preconceito flagrante, o
executor das ordens de extermínio apresentava crueldade para conduzir seus crimes. A
individualidade de muitas pessoas se conformava à radicalização da sociedade. Essa parte
da tendência à adesão ao fascismo valoriza a realização técnica das tarefas e não reflete
sobre a finalidade de suas ações. É um tipo de pensamento para o qual as ações
remuneradas e aceitas pela sociedade devem ser executadas.
A sociedade capitalista avançada utiliza o preconceito sutil como controle social. O
conformismo com a realidade social age tanto na aceitação da inclusão dos negros como
parte da massa quanto na não-aceitação de ações sociais justas que sejam contrárias ao
conservadorismo. Ocorre no indivíduo, tal qual em uma mônada, a repetição da estrutura
social. Por exemplo, as pessoas preconceituosas sutis dizem que o racismo é errado, mas
não querem que recursos estatais sejam gastos em medidas compensatórias, assim como a
sociedade critica o preconceito racial, mas não modifica os mecanismos reprodutores do
preconceito. A individualidade, no capitalismo do século XIX, funcionava como mônada,
122
era reflexo do todo social da época (Adorno, 1995: 119). No preconceito sutil o indivíduo
também reflete o desinteresse nos fins práticos, na ética e política da inclusão do negro na
sociedade de classes. A inclusão do negro na sociedade administrada não é vista como uma
ameaça caso se trate de uma repetição das regras sociais injustas.
Assim como o nazismo foi uma espécie de narcisismo coletivo, o preconceito sutil
também faz parte de uma forma política que se caracteriza por meio do narcisismo coletivo
o preconceito sutil faz parte do modelo econômico-político contemporâneo. Esse modelo
é aquele que se reproduz por meio da ideologia da sociedade industrial (Marcuse, 1973).
A resignação ao estado de coisas da sociedade atual também contribui para as outras
características do preconceito sutil: o exagero da diferença cultural. A sociedade dissocia os
interesses individuais dos coletivos. Ao mesmo tempo exige a manutenção do vínculo e a
obediência às normas. Essa semeadura leva a duas formas de reação: a aceitação forçada e
o desencanto
.
O desencanto transforma-se em cinismo, pois o a decepção com o mundo foi,
historicamente, uma ação autoritária com a natureza e o mito (Horkheimer e Adorno,
1991). O todo social está presente nessa parte que foi moldada à sua semelhança. No século
XX, era foi comum a subjetividade capaz de intenso cinismo. A subjetividade teve cada
vez menos condições de se formar. Isso levou o cinismo a ficar mais evidente, pois ele é
uma cicatriz, em vez da confiança no ambiente, que se perdeu por falhas ambientais. Então,
ela também mostra a força da relação entre o conservadorismo, presente no preconceito
sutil, e o convencionalismo, do fascismo.
Por fim, um tipo de mimese (cópia) dominante no capitalismo administrado é o
segundo determinante social que dá significado sectário aos enunciados do preconceito sutil
por estar refletido na estrutura latente do indivíduo.
O exagero da diferença cultural é uma forma de dissociar o imperativo da submissão
de todos ao capitalismo do desagradável sentimento de ser diluído na coletividade. Mas
esse movimento não salva o sujeito da diluição na coletividade, pois o exagero da diferença
é um comportamento estereotipado. Esse comportamento é heterodeterminação e tem como
contraparte, no indivíduo, a falsa projeção.
Essa falsa projeção tem uma definição específica, é a percepção do que já foi
projetado na realidade pela lógica da dominação social. Por exemplo, o indivíduo reduz
123
tudo aos seus equivalentes em capital, pergunta-se qual é o preço de cada ação ou
qualidade. Ele faz isso porque imita a sociedade, que também é regida pelo mesmo
princípio da equivalência. Porém, a sociedade é regida por esse princípio em uma espécie
de imposição dos modelos da sociedade administrada. Ou seja, o indivíduo percebe a
realidade social atual que já é uma projeção da sociedade administrada.
Hoje, não grande resistência ideológica à integração do negro ao sistema social
de dominação, desde que ele se submeta à racionalidade instrumental. E essa integração
não significa uma ameaça à hegemonia da sociedade administrada, por isso são aceitos
negros nos empregos, mas não são modificados os mecanismos de planejamento e controle
dos trabalhadores. Ou seja, a postura crítica ao preconceito racial, na sociedade atual, é
mais difícil do que na do capitalismo liberal, como conseqüência da projeção do reflexo da
razão instrumental na realidade. A ideologia não é falsa na realidade, a própria realidade é
ideologia. Assim, a ideologia racista tradicional do Brasil podia ser criticada por sua
própria falsidade de conteúdo e de compreensão da realidade. Ou seja, a ideologia de
superioridade dos brancos sobre os negros não se sustentava em dados concretos, mas em
mentiras travestidas de ciência. Com a repetição da projeção, a ideologia racista do
preconceito sutil é verdadeira do ponto de vista da análise da sociedade administrada. Desse
modo, a ideologia da racionalidade tecnológica não pode ser contestada por fatos sociais,
pois, de fato, a adaptação do negro, ou de outros indivíduos, depende da submissão da
cópia dos modelos hegemônicos de carreira profissional e vida pessoal.
Um reflexo dessa cópia da realidade no indivíduo é grande dificuldade para
compreender a cultura como algo transcendente da realidade material. Logo, ou a cultura é
um dado superficial, uma mercadoria que pode ser trocada, ou é algo imutável. As pessoas
podem comprar muitos itens que apresentam diferentes culturas, mas caso elas sejam
confrontadas com diferenças significativas a sensação é de que são insuperáveis.
Mas o exagero da diferença cultural parece o oposto da cópia. Afirmar a diferença
entre as culturas do dominante e do dominado aparentemente não combina com a sociedade
contemporânea, que parece tão multicultural. Nesse caso, as aparências enganam. A
tendência do capital é diluir todas as culturas, ao reduzir o simbolismo cultural a
mercadoria. A cultura faz parte da civilização, que por sua vez tem a função de regular a
interação entre os indivíduos, no princípio de realidade. Essa conquista da cultura pelo
124
capitalismo deixa seqüelas. A interação entre os indivíduos passa a ser cada vez mais
regulada por meio do capital. Porém, a cultura como um simulacro do que já foi permanece
no universo social. Desse modo, o indivíduo fica com uma cicatriz no lugar de sua
adaptação à cultura. Essa cicatriz é dolorosa, representa que a cultura, assim como o
próprio indivíduo, está se diluindo na civilização. O sintoma dessa cicatriz é o apego
fetichista à cultura, como por exemplo a tentativa de produzir e apresentar filmes para
poucos privilegiados, enquanto muitos nem sequer sabem ler de fato. Esses que não sabem
ler poderiam ter a cultura aliada em sua alfabetização.
A cultura passa a funcionar como um fetiche para as pessoas da sociedade
capitalista administrada. O lado de troca de mercadorias desse fetiche é o consumo de bens
culturais. O lado da interação é como se manifesta o fetiche no preconceito sutil. Não
ocorre a rejeição pura e simples da cultura e dos grupos sociais estrangeiros, pois isso seria
preconceito flagrante. Ocorre o exagero da diferença para marcar, in extremis, a diferença
do sujeito do coletivo. Essa diferença é deslocada para o grupo. Os sinais desse
deslocamento são o exagero e a característica fetichista da conduta. Um exemplo desse
exagero são as tristes brigas de torcidas de times de futebol. Os indivíduos se apegam
narcisicamente às mínimas diferenças para criar limites entre os grupos. Em muitos casos,
são usados xingamentos racistas para uma ofender a outra.
A mimese do mundo administrado é representada na estrutura psíquica pela
paranóia. A paranóia também está presente no preconceito flagrante. Mas o conteúdo dessa
patologia é diferente no preconceito sutil. Além de esse conteúdo envolver a cultura, ele é
revestido de racionalidade instrumental. A paranóia manifesta-se por meio da desconfiança
de qualquer proposta de mudança da sociedade. Um exemplo da paranóia ligada ao
preconceito sutil contra negros no Brasil é o medo de que os bairros do centro percam cada
vez mais valor à medida que são mais ocupados por pobres e negros. Existem propostas de
recuperação do centro de São Paulo que prevêem a remoção da população de negros e
pobres, o que demonstra um medo paranóico. E esse medo é encoberto pelo do exagero da
diferença, conservadorismo e negação do afeto positivo.
A sociedade atual idealiza a conivência entre as pessoas de diferentes grupos étnicos
e religiosos. O multiculturalismo nega o exagero da diferença. Mas ele não é plenamente
possível no mundo administrado, a não ser como utopia. A sociedade atual danifica a
125
cultura e a vida de tal forma que leva as pessoas a uma cópia do objeto morto. A cultura
viva seria a contradição entre a arte, os imperativos e a dominação. Hoje, ela é mais um
pretexto para discriminar os outros grupos sociais que representam o diferente. O realmente
diferente é objeto de ódio, pois quase ninguém consegue ser aceito, sentir-se seguro na
massa, e, ao mesmo tempo, ser diferente do imposto pelo capitalismo tardio.
Desse modo, para concluir, é necessário rever o roteiro da questão da avaliação da
diferença cultural nesta pesquisa. A afirmação das características principais do preconceito
sutil foi negada por outros possíveis significados dos enunciados da escala. Significados
que, em alguns casos, não permitiam afirmar que a concordância com os enunciados
representava uma adesão ao preconceito sutil. Esses outros significados foram discutidos a
partir dos resultados da investigação, em especial, da correlação com a escala de fascismo.
Demonstrou-se a filiação das respostas ao preconceito indireto e latente na sociedade. Após
essa demonstração, foi proposta uma hipótese sobre a relação das características do
preconceito sutil com a adesão à dominação social. Essa hipótese esclarece a ligação dos
enunciados com relações sociais determinantes do preconceito sutil. Essas relações sociais
fazem a mediação do indivíduo com o discriminado e constituem-se em uma estrutura
latente de predisposição à dominação por meio do preconceito.
A segunda hipótese derivada da correlação entre a escala de fascismo e o
preconceito sutil é que a tentativa de prevenir o preconceito flagrante na sociedade
ocidental sofreu um uso ideológico que disseminou o preconceito sutil. A tentativa de evitar
a repetição da barbárie dos campos de extermínio levou a caminhos que ignoraram as
advertências do esclarecimento daquela catástrofe. O horror ao preconceito flagrante levou
ao recalque de seus mecanismos. Um produto desse recalque seria o preconceito sutil.
Para Adorno (2003), a sociedade moderna semeou as condições do extermínio
sistemático de pessoas. Essa possibilidade não foi um desvio do caminho do progresso, mas
a concretização de suas potencialidades mais tenebrosas. Das várias pesquisas sobre essas
condições uma produziu a compreensão sobre a tendência à adesão ao fascismo (Adorno et
al, [1950] 1965). Essas pesquisas revelam características da reprodução do preconceito
flagrante na sociedade cada vez mais esclarecida. E também revelam características do que,
a partir dos resultados desta pesquisa, pode ser considerado preconceito sutil. As tentativas
de considerar o preconceito separado de seu conteúdo sistemático levaram a julgá-lo uma
126
responsabilidade apenas do indivíduo. Os apelos idealistas e as exigências do controle
social para a diminuição do preconceito flagrante levam ao preconceito sutil?
Os elementos da sociedade associados aos traços individuais do preconceito sutil
o conformismo e a mimese contribuem para a transformação da diminuição do
preconceito flagrante em preconceito sutil. O capitalismo não permite uma verdadeira
diminuição das desigualdades associadas ao preconceito social. A diminuição do
preconceito pressupõe uma resistência às desigualdades. Porém, qualquer justa mudança
nas condições de um grupo discriminado é corroída pelo contexto geral de injustiça. Por
fim, quando busca adaptar-se a uma sociedade capitalista administrada, o indivíduo
encontra normas sociais contra o preconceito flagrante e sua alternativa ideológica: o
preconceito sutil. A tendência desse indivíduo é copiar essas normas. Contudo, essa cópia
não significa uma visão critica do preconceito que permita a crítica à sociedade
administrada. Assim, a postura preconceituosa permanece disfarçada no preconceito sutil. E
o conteúdo do preconceito sutil também é parte do mimetismo do mundo administrado:
conservadorismo, exagero da diferença cultural e negação do afeto positivo.
O preconceito sutil não significa uma redução da dominação racial na sociedade. As
análises da história do preconceito (feitas na introdução) mostram que o uso de recursos
retóricos para ocultar o preconceito contra negros no Brasil não é uma novidade do fim do
século XX. Tudo indica que a sociedade em que a miscigenação teve um papel na
dominação racial possui categorias e nuanças simbólicas para ser indiretamente
preconceituosa. Esses mesmos recursos também servem de mediação da discriminação
social. As denominações ambíguas podem ou seduzir os discriminados para sua adesão à
ideologia racista ou matizar o preconceito racial. Então, no Brasil, o preconceito sutil não é
característico de uma redução da dominação social.
A hipótese é que o preconceito sutil é reforçado como alternativa da reprodução da
ideologia racista adaptada ao mundo administrado. Essa adaptação ocorre segundo
determinações sociais, e sua racionalização como redução do preconceito serve a fins
ideológicos.
Essas hipóteses a respeito da relação entre o preconceito sutil e a tendência à adesão
ao fascismo devem ser objeto de outras pesquisas. Este estudo pretende dar sua
127
contribuição à realização de novas pesquisas sobre a teoria crítica à sociedade sobre o
preconceito racial contra negros. É o momento de um balanço crítico do trabalho realizado,
o que será feito a seguir.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos resultados permite formular algumas considerações sobre o
preconceito racial contra negros. Três pontos se destacam na discussão dos resultados. Os
dois principais resultados desta pesquisa foram: a correlação da tendência latente ao
preconceito com o preconceito sutil e a da tendência ao fascismo com a adesão à ideologia
racista contemporânea. Houve, também, baixos níveis de resposta para o preconceito
flagrante e para a rejeição da intimidade com negros em relação a outras pesquisas. Para
cada um deles nos arriscamos a pensar suas conseqüências para a crítica do preconceito
racial contra negros, no mínimo, em pessoas semelhantes à amostra (universitários).
A correlação da escala de fascismo com o preconceito sutil demonstra que é
possível predizer uma parte da variação do preconceito sutil por meio da tendência latente
ao preconceito. Tanto o preconceito sutil quanto a tendência à adesão ao fascismo são
produtos da regressão geral do indivíduo, mantêm a dominação como registro das relações
entre os indivíduos e adaptam essa dominação ao capitalismo contemporâneo. As marcas
da sociedade que produzem o preconceito sutil estão registradas na subjetividade mais
profunda dos indivíduos contemporâneos.
O que mostra que as preocupações de Adorno em Educação após Auschwitz com as
condições gerais da formação para conter o preconceito flagrante também são validas para
conter o preconceito sutil. Ou seja, é necessário cuidar da educação infantil e do clima geral
de esclarecimento. A educação infantil deve ser planejada para evitar o masoquismo, o
sadismo, o elogio da dureza e da virilidade. Ela também deve evitar o culto ao avanço
tecnológico para prevenir a formação de uma consciência coisificada. É necessária a crítica
às razões de Estado, ao nacionalismo e ao totalitarismo. A submissão da dignidade humana
à manutenção do Estado é o princípio do terror e o nacionalismo exacerba o uso
instrumental do narcisismo das pequenas diferenças.
Além dos aspectos psicológicos é necessário cuidar dos aspectos objetivos que
reproduzem as condições da tendência latente ao preconceito contra negros. A ameaça e a
redução de todas as coisas ao capital são aspectos da produção, e não apenas da reprodução
ou da dimensão psicológica. Assim, a sua crítica também tem que ser no campo das
relações de produção. Não havemenos preconceito enquanto perdurar a ameaça à vida.
129
Essa ameaça é produzida por uma sociedade que não garante a sobrevivência do seu
membro não adaptado às normas capitalistas. A racionalidade do capitalismo administrado
exige a total adaptação aos desígnios sociais. As instituições e o Estado são veículos dessa
ameaça ao se intrometerem cada vez mais na privacidade e exigirem cada vez mais
dedicação dos indivíduos aos interesses institucionais e estatais. No Brasil, essa ameaça
ainda se estende para os indivíduos que estão sujeitos ao autoritarismo do Estado e da falta
de controle público sobre a violência.
Deste modo, são parte da redução do preconceito racial contra negros no Brasil: a
diminuição da insegurança do indivíduo em relação à sociedade (às instituições e ao
Estado) e a reconsideração dos significados da natureza, dos seres humanos e seus produtos
para além do seu equivalente em capital. Para tanto é necessário desmontar as hegemonias
do controle sobre a liberdade e a do sistema capitalista sobre qualquer alternativa produtiva.
Os resultados desta pesquisa ainda levam a considerações sobre a adesão à ideologia
racista contemporânea. A escala de preconceito sutil mostra a adesão à ideologia racista
contemporânea e as características psíquicas indicativas da tendência à adesão às duas
ideologias (autoritária e racista) se assemelham.
O preconceito sutil pode aumentar por ser o mais adaptado ao capitalismo
administrado, por ocultar o conflito (exagero da diferença cultural) e revelar a apatia com
as injustiças (conservadorismo e negação do afeto positivo). O preconceito sutil é
adaptativo ao mundo administrado. No capitalismo administrado, a suposta relação
imediata entre as pessoas leva a um raciocínio que diminui a importância de mediações
tradicionais de origem e dos direitos. As pessoas são consideradas em suas características
pseudo-individuais, condicionamentos sociais ao lucro e ao cálculo racional, e são aceitas
caso se esforcem e superem, por si, as defasagens que a sociedade lhes causou. As
representações tradicionais de origem, por exemplo, as raças, são consideradas atrasadas,
desnecessárias, para o desenvolvimento do sistema capitalista. Ao contrário dessas
representações o sistema do capitalismo administrado valoriza a adaptação acrítica do
indivíduo. Esse individualismo transforma a subjetividade em refém do sistema econômico.
O indivíduo é levado a regredir ao narcisismo. A ênfase no narcisismo é uma cicatriz desse
processo na subjetividade. A ideologia do capitalismo administrado considera os direitos
também um entrave para o desenvolvimento. As formas imediatas de acerto de contas são
130
privilegiadas e geram privilégios que não são questionados na sua injustiça. Na atual etapa
histórica, a principal mediação é a do capital. Mas ela se oculta na aparência de relações
sociais imediatas. O preconceito perdura porque essa mediação do capital reproduz a
dominação. Recentemente houve artigos na imprensa contra os obstáculos causados pela
preservação de áreas indígenas e quilombolas à construção de novas represas hidroelétricas
no Brasil. Esses artigos argumentavam que era tecnicamente e economicamente necessário
retirar os habitantes de áreas tradicionais pelo progresso da sociedade. Logo, as razões do
progresso e da economia da sociedade ocidental se sobrepõe às outras razões e isso é feito
sem o preconceito flagrante de considerar os índio e os negros como inferiores. Esse é um
exemplo do preconceito que se oculta em nuanças das posições adotadas a respeito dos
negros e indígenas.
A ambigüidade do preconceito racial no Brasil é parte da justificação da
manutenção de condições inferiores para negros. Pode-se supor que a racionalidade da
dominação do preconceito sutil possa ser sustentada mais facilmente em um ambiente
universitário, enquanto uma ordem para ser amistoso com os diferentes. As pessoas são
estereotipadas e falsamente toleradas. Algumas chegam a ser admiradas por mostrarem
adesão ao ideário conservador, negarem as suas diferenças culturais e demandarem a
aceitação afetuosa.
O conteúdo da ideologia racista contemporânea não deve ser o principal alvo da
crítica. Assim como o conteúdo da ideologia autoritária, ele é pobre de significados por não
afirmar nenhuma discriminação direta e por não pretender conquistar a adesão dos
indivíduos à ideologia. A adesão dos indivíduos à ideologia autoritária é motivada por
vínculos inconscientes com a dominação. Outra característica da ideologia racista
contemporânea é o seu caráter tecnológico. Ao contrário de ideologias clássicas, nas quais
os valores e as idéias eram importantes, a ideologia atual se sustenta na sua simbiose com o
capitalismo administrado. Ou seja, ela não se distancia da realidade da manipulação da
realidade social e não têm ideais de justiça, liberdade e fraternidade. Deste modo, a
ideologia racista deve ser revelada por sua adaptação às regras do capitalismo administrado.
Essa crítica tem que revelar a característica irracional da identificação das pessoas com o
autoritarismo, com a razão instrumental e com a tolerância sem aceitação.
131
Não haverá redução da tendência latente ao preconceito enquanto o significado
último de todas as coisas for o seu equivalente em capital. A redução de todas as coisas ao
seu equivalente em capital se evidencia na possibilidade de equivalência entre pessoas,
produtos e objetos a partir do seu custo valor de mercado. Por exemplo, o cálculo de vidas
humanas por seu custo para as instituições subsiste a muitas relações econômicas. O cálculo
do valor de mercado das pessoas, em particular de pobres negros, chega ao seu ápice
quando estão ameaçados por algum risco da produção. Por exemplo, o risco de um acidente
em uma escavação é ponderado pelo custo de diminuí-lo em relação aos custos dos recursos
humanos e materiais. Nesses casos, a dignidade dos indivíduos é reduzida ao custo da
indenização das famílias em caso de acidente de trabalho.
Por último, e não menos importante, houve uma baixa resposta às características do
preconceito flagrante e um pouco maior para as do preconceito sutil. A partir da
comparação com outras pesquisas e suas amostras pode-se inferir que a educação superior
tem um efeito redutor do preconceito flagrante. Além disso, a antiintimidade que
representava um fator de dualidade nas relações entre negros e brancos foi menos preferida
do que em outras pesquisas. Esses resultados são vistos com cautela, pois podem ser
devidos a uma amostra que não representa um grupo da população, ou seja, a amostra não é
representativa nem para os universitários de Administração de Empresas. Mas é indicativa
e estatisticamente relevante para o estudo de correlações e análise da diferença das médias.
Assim, os resultados são indicativos de baixos índices para as características escolhidas
como preconceito flagrante. Como elas são muito semelhantes em outras pesquisas a
comparação é valida para os níveis de resposta do preconceito flagrante. Já o preconceito
sutil é mais difícil de comparar com outras pesquisas por não haver consenso na psicologia
social sobre quais são as características do preconceito indireto. Porém, mesmo sem a
comparação o nível em si é próximo da alternativa discordo em parte.
Esses níveis de resposta sobre a antiintimidade, parte do preconceito flagrante
contra o negro são suficientes para supor que a afetividade privada não é mais a trincheira
do preconceito racial na amostra. Mas essa trincheira pode estar mudando para a oposição
conservadora às propostas coletivas de igualdade entre negros e brancos.
A crítica do preconceito sutil e da sua característica autoritária esclarece a sociedade
quanto à urgência de enfrentar ao mesmo tempo o preconceito racial contra negros e as
132
estruturas de dominação da sociedade brasileira. Por isso, não ação afirmativa sem anti-
autoritarismo na sociedade. A diminuição da discriminação contra negros não pode ser
restrita à entrada de negros como consumidores de serviços ou partícipes da concentração
de renda. É necessária a crítica à submissão e agressividade autoritárias, do
convencionalismo e da insuficiência da tolerância superficial das diferenças na sociedade
entre as classes, os gêneros e as etnias.
133
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SCHWARZ, R. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo: Editora 34, 2000.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SILVA N. V. “Extensão e natureza das desigualdades raciais no Brasil”. Em
GUIMARÃES, Antônio. S. A. e HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara: ensaios
sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
139
SILVA, M. P. “O anti-racismo no Brasil: considerações sobre o estatuto social baseado na
consciência racial”. Em Revista Psicologia Política, 1(1): 67-99, 2001.
SKIDMORE, Thomas. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento
brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
STEPHAN, W. G. “Intergroup Relation.” Em Lindzey, G. e Aronson, E. Handbook of
Social Psychology. Nova York: Random House, 1986.
TRAGTENBERG, Maurício. Administração, poder e ideologia. São Paulo: Moraes, 1980.
TURRA, Cleusa & VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. São Paulo: Ática, 1995.
VALA, Jorge, et al. Expressões dos rascismos em Portugal. Lisboa: Instituto de Ciências
Sociais, 1999.
VENTURI, Gustavo & PAULINO, M. F. “Pesquisando preconceito racial.” Em TURRA,
Cleusa e VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. São Paulo: Ática, 1995.
VENTURI, Gustavo & BOKANY, Vilma. Racismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2004.
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Brasil.” Em NOVAIS, Fernando (coord.), História da vida privada no Brasil, vol.
4. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
140
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO
1. Nome do projeto: Personalidade autoritária e preconceito contra negros: um estudo com
universitários na cidade de São Paulo
2. Justificativas e objetivos gerais: Busca-se com este trabalho compreender a relação
entre o preconceito e o caráter autoritário.
3. Procedimentos: A pesquisa será feita mediante a aplicação de um questionário, a cujas
perguntas você poderá responder sem a necessidade de se identificar, estando livre para
desistir, a qualquer momento, de participar da pesquisa.
4. Garantia de acesso: em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais
responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de ev ent4379.779.779.779.779.779.779.77919810979.77919810979.7791981ê023 ss o o,
141
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
sujeito ou de seu representante legal para sua participação neste estudo.
__________________________________ _________________ / /
Assinatura do pesquisador Local Data
142
ANEXO 2
LISTA DE ENUNCIADOS POR ESCALAS
Escala de fascismo (adaptada e modificada a partir de Crochík, 1999)
EF 1 A obediência à lei e o respeito pela autoridade são as principais virtudes que devemos
ensinar a nossas crianças.
EF 2 Um indivíduo de más maneiras, maus costumes e educação dificilmente pode fazer
amizade com pessoas decentes.
EF 3 Se falássemos menos e trabalhássemos mais, todos estaríamos melhor.
EF 4 O comerciante e o industrial são muito mais importantes para a sociedade do que o artista e
o professor.
EF 5 A ciência tem seu lugar, mas muitas coisas importantes que a mente humana jamais
poderá compreender.
EF 6 Todos devemos ter fé absoluta em um poder sobrenatural, cujas decisões devemos acatar.
EF 7 Às vezes, os jovens têm idéias rebeldes que, com os anos, deverão superar ao assentar seus
pensamentos.
EF 8 O que este país necessita, primordialmente, antes de leis e planos políticos, é de alguns
líderes valentes, incansáveis, e devotados em quem o povo possa confiar.
EF 9 Nenhuma pessoa decente, normal e ajuizada pensaria em ofender um amigo ou parente
próximo.
EF 10 Só por meio do sofrimento se aprendem as coisas verdadeiramente importantes.
EF 11 Aquilo que nossa juventude mais necessita é de disciplina estrita, firme e determinação e
vontade de trabalhar e lutar pela família e pela pátria.
EF 12 Deve-se castigar sempre todo insulto a nossa honra.
EF 13 Os crimes sexuais, tais como o estupro ou ataques a crianças, merecem mais que a prisão;
quem comete esses crimes deveria ser linchado ou receber um castigo pior.
EF 14 Nada é mais baixo e pior do que uma pessoa que não sente profundo amor, gratidão e
respeito por seus pais.
EF 15 A maioria dos nossos problemas sociais estariam resolvidos se pudéssemos nos livrar das
pessoas imorais, maldosas e débeis mentais.
EF 16 Os homossexuais são quase criminosos e deveriam receber um castigo severo.
EF 17 Quando alguém tem problemas ou preocupações, é melhor não pensar neles e ocupar-se
com coisas mais agradáveis.
EF 18 Hoje em dia, as pessoas se intrometem cada vez mais em assuntos que deveriam ser
estritamente pessoais e privados.
EF 19 Algumas pessoas nascem com a necessidade de se atirar de lugares altos.
143
EF 20 Os homens podem ser divididos em dois grupos definidos: os fracos e os fortes.
EF 21 Algum dia se provará que a astrologia pode explicar muita coisa.
EF 22 As guerras e os conflitos sociais vão acabar quando a humanidade for extinta por
alguma catástrofe natural, como um terremoto ou uma inundação.
EF 23 Nenhuma fragilidade ou dificuldade pode nos deter, quando temos força suficiente.
EF 24 A maioria das pessoas não imagina até que ponto nossa vida é dirigida por complôs
secretos.
EF 25 É da natureza humana promover guerras e conflitos.
EF 26 A familiaridade cria o desprezo.
EF 27 Hoje em dia, quando tantas classes diferentes de pessoas andam e se misturam por todos os
lados, as pessoas devem se proteger, em especial, contra o contágio de infecções e enfermidades.
EF 28 A vida sexual sem limites que se no Brasil, mesmo nos lugares menos prováveis, nunca
ocorreu em qualquer outro lugar ou momento da história.
Escala de Preconceito Flagrante (traduzida do original em Pettigrew e
Meertens, 1995)
PF 1 Os negros têm empregos que deveriam ser dos brancos.
PF 2 A maioria dos negros que recebem assistência social poderia continuar vivendo bem sem
essa ajuda.
PF 3 Brancos e negros dificilmente estão confortáveis uns com os outros, mesmo sendo amigos
próximos.
PF 4 Estão errados os governantes que se preocupam mais com os negros do que com os brancos
em dificuldades.
PF 5 Os negros vêm de povos menos capazes, e isso explica por que eles não são tão bons quanto
a maioria dos brancos.
PF 6 Eu não teria relações sexuais com um(a) negro(a).
PF 7 Eu não gostaria que um negro suficientemente qualificado fosse escolhido para meu chefe.
PF 8 Eu não gostaria que um negro, do mesmo nível social que o meu, se casasse com algum
familiar próximo a mim.
PF 9 Tratando-se de honestidade, como são negros e brancos?
PF 10 Como você se sentiria caso um(a) filho(a) seu tivesse um(a) filho(a) com uma pessoa de
cor e características muito diferentes das suas?
144
Escala de Preconceito Sutil (traduzida do original em Pettigrew e Meertens,
1995)
PS1 Os negros não deveriam se impor onde não são bem-vindos
PS 2 Muitos grupos de imigrantes vieram para o Brasil e superaram o preconceito e lutaram para
encontrar seu caminho. Os negros deveriam fazer o mesmo sem qualquer favor especial.
PS 3 A discriminação contra os negros é apenas um problema de pessoas que não se esforçaram o
suficiente. Caso os negros se esforçassem mais eles seriam tão bons como os brancos.
PS 4 Os negros ensinam valores e habilidade para seus filhos que não são adequados para se ter
sucesso na sociedade.
PS 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de você. Nos valores que os
negros ensinam às crianças.
PS 6 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de você. Nas práticas
religiosas dos negros.
PS 7 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de você. Nos valores e
práticas sexuais dos negros.
PS 8 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de você. Na forma de falar
dos negros.
PS 9 Com que freqüência você sente simpatia pelos negros?
PS 10 Com que freqüência você sente admiração pelos negros?
145
ANEXO 3
TABELA DESCRITIVA DOS RESULTADOS POR CADA ENUNCIADO.
Enunciados do Preconceito Flagrante e do Preconceito Sutil Média Desvio Padrão
PF 1 Os negros têm empregos que deveriam ser dos brancos.
1,46 1,243
PF 2 A maioria dos negros que recebem assistência social poderia continuar
vivendo bem sem essa ajuda.
2,43 1,769
PF 3 Brancos e negros dificilmente estão confortáveis uns com os outros,
mesmo sendo amigos próximos.
2,41 1,922
PF 4 Estão errados os governantes que se preocupam mais com os negros
do que com os brancos em dificuldades.
4,76 2,242
PF 5 Os negros vêm de povos menos capazes, e isso explica por que eles
não são tão bons quanto a maioria dos brancos.
1,31 0,980
PF 6 Eu não teria relações sexuais com um(a) negro(a).
2,57 2,269
PF 7 Eu não gostaria que um negro suficientemente qualificado fosse
escolhido para meu chefe.
1,36 1,220
PF 8 Eu não gostaria que um negro, do mesmo nível social que o meu, se
casasse com algum familiar próximo a mim.
1,68 1,423
PF 9 Tratando-se de honestidade, como são negros e brancos?
1,97 1,452
PF 10 Como você se sentiria caso um(a) filho(a) seu tivesse um(a) filho(a)
com uma pessoa de cor e características muito diferentes das suas?
2,11 1,577
PS1 Os negros não deveriam se impor onde não são bem-vindos
2,04 1,697
PS 2 Muitos grupos de imigrantes vieram para o Brasil e superaram o
preconceito e lutaram para encontrar seu caminho. Os negros deveriam
fazer o mesmo sem qualquer favor especial.
4,02 2,318
PS 3 A discriminação contra os negros é apenas um problema de pessoas
que não se esforçaram o suficiente. Caso os negros se esforçassem mais
eles seriam tão bons como os brancos.
2,14 1,799
PS 4 Os negros ensinam valores e habilidade para seus filhos que não são
adequados para se ter sucesso na sociedade.
1,83 1,438
PS 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de você.
Nos valores que os negros ensinam às crianças.
2,65 1,649
PS 6 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de
você. Nas práticas religiosas dos negros.
3,69 1,956
PS 7 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de
você. Nos valores e práticas sexuais dos negros.
2,13 1,333
PS 8 5 (...)responda o quão semelhantes ou diferentes os negros são de
3,11 1,955
146
você. Na forma de falar dos negros.
PS 9 Com que freqüência você sente simpatia pelos negros?
2,21 1,081
PS 10 Com que freqüência você sente admiração pelos negros?
2,89 1,434
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