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Ora Bakhtin situa o conceito [de dialogismo] no campo do diálogo
socrático, definindo-o como um debate tenso de idéias em que as
palavras de um se confrontam com as palavras do outro no interior de
um único discurso; ora entende o dialogismo como sincretismo das
formas carnavalizadas presentes no discurso citado, na paródia, na
mistura de línguas e de linguagens, enfim, em todas as formas do
discurso dentro do discurso. Também por implicar fenômenos de bi e
multivocalidade, o dialogismo pode ser focalizado como uma
manifestação de oralidade, de onde Bakhtin derivou seu conceito de
polifonia. Assim, o que define a dialogia é menos a oposição imediata
ao monologismo e sim o confronto das entoações e dos sistemas de
valores que posicionam as mais variadas visões de mundo dentro de
um dado campo de visão. (MACHADO, 1997, p. 145).
Parece que aí reside mesmo o fundamento do dialogismo como apontou
Machado: confronto das entoações e dos sistemas de valores que posicionam
as mais variadas visões de mundo dentro de um dado campo de visão. O que
também não podemos perder de vista é o fato de estarmos, no caso da
parábola, tratando de um gênero retórico que, segundo afirma o próprio
Bakhtin, ao tratar do caráter responsivo ativo do interlocutor, é uma
modalidade que simula situações de interlocução e as manipula:
Nos gêneros secundários do discurso [gênero complexo; aparece em
circunstâncias de uma comunicação cultural, principalmente escrita:
romance, teatro, discurso científico, discurso ideológico, etc],
sobretudo nos gêneros retóricos, encontramos fenômenos que
parecem contradizer o princípio que colocamos [o do caráter
responsivo ativo do interlocutor presente em todo enunciado].
Observa-se de fato que, nos limites de um enunciado, o locutor (ou o
escritor) formula perguntas, responde-as, opõe objeções que ele
mesmo refuta, etc. Porém esses fenômenos não são mais que
simulação convencional da comunicação verbal e dos gêneros
primários do discurso [gênero simples; comunicação verbal
espontânea, do diálogo oral: linguagem das reuniões sociais, dos
círculos, linguagem familiar, cotidiana,, linguagem sociopolítica,
filosófica, etc]. É um jogo característico dos gêneros retóricos (que
incluem certos modos de vulgarização científica); aliás, todos os
gêneros secundários (nas artes e nas ciências) incorporam
diversamente os gêneros primários do discurso na construção do
enunciado, assim como a relação existente entre estes (os quais se
transformam, em maior ou menor grau, devido à ausência de uma
alternância dos sujeitos falantes). (BAKHTIN, 2000, p. 295).
Ou seja, nos gêneros retóricos, o diálogo não passa de dissimulação,
pois o outro é um artifício do retor, não há, afinal, alternância de sujeitos
falantes; o que há é uma voz que indaga, responde, refuta as objeções que ela