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Dessa maneira, para Revuz (1998, p. 223), “o que se estilhaça ao contato com a LE é a
ilusão de que existe um ponto de vista único sobre as coisas, é a ilusão de uma possível tradução
termo a termo, de uma adequação da palavra à coisa”. Ainda na concepção de Revuz, a
aprendizagem de uma LE consiste na utilização de uma língua estranha na qual as palavras são
parcialmente contaminadas pelos valores da LM, pelo fato de que não há correspondência termo a
termo. Além disso, diferentemente do que ocorre na LM, o aprendiz está constantemente buscando
adequar aquilo que diz ao que deseja dizer.
Compreende-se, então, como a relação estabelecida entre a LM e a LE poderá afetar a
constituição da autoria na língua-alvo: quanto maior for o sentimento de pertencimento à LE, maior
poderá ser considerado o sentimento de deslocamento em relação à LM (REVUZ, 1998, p. 227) e,
conseqüentemente, o aluno poderá produzir sentidos distintos
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daqueles produzidos na LM. Por sua
vez, os “efeitos de deslocamento e ruptura [...] serão mais reduzidos, na medida em que a LE se
destine a um código técnico” (REVUZ, 1998, p. 227), sendo esse código desprovido de carga
afetiva.
Cabe destacar, porém, que não se desconsidera a importância dos conhecimentos
gramaticais e lexicais (código lingüístico), apesar de que eles não conduzem à certeza de uma
“comunicação interpessoal, não permitem um discurso em primeira pessoa” (REVUZ, 1998, p. 227-
8). Percebe-se, então, que mesmo exercendo o domínio de tais conhecimentos, isso não implica a
constituição da autoria. A autoria em LE parece exigir, também, a ruptura com a carga afetiva
existente em relação à LM, ainda que momentânea, a fim de nos inserirmos em outro código, em
outra cultura, enfim, em outra discursividade. Todavia, nem sempre isso se manifesta nos textos dos
alunos. Muitas vezes ocorre a mera repetição formal, conforme mencionada por Orlandi (1998, p.
209), sendo a interpretação e o significado relegados a segundo plano, uma vez que os alunos
parecem mais preocupados com os aspectos gramaticais em seus textos (BOHN, 1999, p. 176).
Após essa breve explanação, pode-se concluir essa discussão teórica, afirmando que existe
diferença entre a autoria em LM e em LE. Isso decorre do fato de que, ao produzir textos em LE, o
sujeito entra em contato com outra discursividade (língua, cultura e, provavelmente, outra
ideologia) e, conseqüentemente, tende a produzir outros sentidos, diferentes daqueles produzidos
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Tais sentidos podem ser distintos porque existe uma discursividade diferente da LM envolvida no processo de
produção textual do aluno-escritor de LI. Em outras palavras, o contexto sócio-histórico e ideológico da LM é
possivelmente diferente da LE e isso poderá contribuir para produção de sentidos distintos da LM. No entanto, cabe
destacar que na LM também pode ocorrer a produção de outros sentidos, já que tal produção parece ser constitutiva da
autoria, independente da língua de expressão (LM ou LE). Esses sentidos, porém, são produzidos no contexto sócio-
histórico e ideológico do qual o sujeito encontra-se inscrito.