87
plena e mecânica, pois sua execução está imersa em contradições e conflitos, que já
constituem elementos para uma oposição contra-hegemônica
15
.
O que nos cabe, como contestação dessa hegemonia, é o não alinhamento
como as posturas ideológicas que naturalizam a atual condição social de miséria e
desemprego. As “soluções” para esse problema se convertem em hegemonia
capitalista quando se propagam que as saídas são “puramente individuais”, e a luta
entre os indivíduos (trabalhador, desempregado e capitalista) é da própria “essência
do ser humano”, ou seja, os melhores vencem! Conseguem empregos e pronto! Pois
os melhores possuem “espírito empreendedor, criatividade, otimismo, perseverança,
autoconfiança, disposição para o trabalho, domínio de técnicas atuais [e crêem] que
a sociedade só pode progredir se forem respeitadas as leis do mercado (DUARTE,
2001, p. 140)”.
Segundo Duarte, com isso surge “a concepção de que o desenvolvimento
tanto do gênero humano quanto de cada indivíduo é fruto dessa constante tensão
entre individualismo e convivência social (DUARTE, 2001, p. 137)”. O que é aspecto
central do capitalismo é “universalizado, no plano ideológico, a toda história humana,
transformando a competição própria da sociedade mercantil em algo natural do ser
humano em toda e qualquer época (DUARTE, 2001, p. 137)”.
Este processo de naturalização
significa a tentativa de justificação, por meio da eternização e da
universalização, de uma determinada realidade, apresentando-se como
correspondente à natureza humana. A naturalização [é] a consideração
como natural, isto é, como pressuposto da vida social, daquilo que é
histórico, produto do desenrolar histórico das relações sociais (DUARTE,
2001, p. 138).
15
Embora não seja nosso objetivo fazer uma análise acurada, cabe ressaltar como aspectos contra-
hegemônicos (em relação à lógica capitalista), as recentes transformações ocorridas nos países sul-
americanos. Desde a revolta de Caracazo em 1989, criou-se um movimento popular de massas na
Venezuela que aos poucos se tornou contra-hegemônico (não por abranger a totalidade da
população, mas por ter coerência e unitariedade no seu “projeto de sociedade”), unificou a grande
maioria da população na luta contra as políticas neoliberais até então em curso naquele país. Esse
movimento elegeu um presidente (que na prática iniciou a distribuição justa da riqueza nacional por
meio de diversos programas sociais) e o vem mantendo no poder por meio de eleições democráticas
desde 1992. Outro exemplo, diz respeito à Bolívia, que outrora foi um modelo de aplicação da cartilha
neoliberal, onde agora os excluídos deste projeto social (a grande maioria indígena) constituíram-se
em força social que levou ao poder de forma democrática um presidente que, igualmente ao primeiro
citado, promete transformações econômicas contrárias à lógica do capital. O que queremos
evidenciar é que estes movimentos sociais emergiram do seio da sociedade civil, lócus da disputa
pela hegemonia ideológico-cultural, que por ser histórica pode, tanto corroborar com a manutenção
das contradições capitalistas quanto, ao explicitá-las, propiciar a constituição de um novo momento
ético-politico. Em tempos onde o “inimigo é invisível” e o capitalismo é o “fim da história”, esses
exemplos, vivenciados nestes países vizinhos, evidenciam a miopia ideológica daqueles que insistem
que a construção de projetos sociais contrários aos interesses capitalistas internacionais é
concretamente impossível.