Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A QUÍMICA NA EJA: CIÊNCIA E IDEOLOGIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Alceu Júnior Paz da Silva
Santa Maria, RS, Brasil.
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
A QUÍMICA NA EJA:
CIÊNCIA E IDEOLOGIA
por
Alceu Júnior Paz da Silva
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM - RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação
Orientadora: Profª. Drª. Valeska Fortes de Oliveira
Santa Maria, RS, Brasil.
2007
ads:
iii
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
A QUÍMICA NA EJA: CIÊNCIA E IDEOLOGIA
elaborada por
Alceu Júnior Paz da Silva
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profª. Valeska Fortes de Oliveira, Drª.
(Orientadora)
Prof. Oswaldo Alonso Rays, Dr. (UNIFRA)
Prof. Décio Auler, Dr. (UFSM)
Santa Maria, 28 de maio de 2007.
iv
Uma ciência educacional crítica trata a educação
também como uma prática social embebida de
valores; pôr em relevo quais são estes valores,
priorizando aqueles que permitem uma vivência
educativa que auxilie na superação da irracionalidade
desumana e da opressão é uma tarefa dos
professores.
Claiton Grabauska
v
Resumo
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A QUÍMICA NA EJA: CIÊNCIA E IDEOLOGIA
Autor: Alceu Junior Paz da Silva
Orientadora: Drª. Valeska Fortes de Oliveira
Santa Maria, 28 de maio 2007.
O cenário contemporâneo de desemprego massivo e de intensificação da
precarização do trabalho tem levado para o interior dos cursos de Educação de
Jovens e Adultos o imaginário de que a escolarização média é fundamental para a
qualificação profissional e a conquista de (melhores) empregos. O objetivo deste
trabalho é problematizar o currículo da disciplina de Química frente ao interesse
destes jovens e adultos em se qualificarem para o mundo do trabalho. Para isso
utilizamos a teoria do currículo de Michael Apple e as contribuições da Teoria Social
Marxiana de Gramsci como instrumentos teórico-metodológicos a fim de
investigarmos os aspectos hegemônicos nos quais o currículo está imerso. Tomando
o currículo como espaço de disputa pela hegemonia social, concluímos que é
promissor explorar a abordagem histórica do conhecimento químico como elemento
mediador de práticas educativas contra-hegemônicas.
Palavras-chave: Currículo de Química; Educação de Jovens e Adultos; Ideologia.
vi
Abstract
Master thesis
Post-graduation Program in Education
Federal University at Santa Maria
CHEMISTRY IN ADULT AND YOUTH EDUCATION:
SCIENCE AND IDEOLOGY
Author: Alceu Junior Paz da Silva
Advisor: Dr. Valeska Fortes de Oliveira
Santa Maria, May 28
th
2007.
The contemporary setting of huge unemployment and precarization of work has
brought to Adult and Youth Education courses an imaginary that secondary
education is fundamental for professional qualification and achievement of (better)
jobs. The objective of this work is to problematize the Chemistry curriculum according
to young and adults interests in order to qualify them to the world of work. For that
purpose, we adopted Michael Apple’s curriculum theory and some contributions of
Gramsci’s Marxist social theory as methodological and theoretical tools to investigate
hegemonic aspects in which the curriculum is immersed. By analyzing the curriculum
as a space of struggle for social hegemony, we conclude that is promising to explore
the historical approach of the chemical knowledge as a mediator element of counter-
hegemonic educational practices.
Key words: Chemistry curriculum; Adult and Youth Education; Ideology.
vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EDEQ – Encontro de Debates sobre o Ensino de Química
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
IEEOB – Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac.
LABMENQ – Laboratório de Metodologia do Ensino de Química.
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria.
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação.
LP3 – Linha de Pesquisa 3 (Currículo, ensino e práticas escolares).
PEIES – Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior da UFSM.
viii
LISTA DE ANEXOS E APÊNDICES
APÊNDICE A – Linha do tempo: a produção do conhecimento
desde a Antigüidade .............................................................................................
138
APÊNDICE B – O modo de produção social ........................................................
139
APÊNDICE C – A Escola no contexto da sociedade civil .....................................
140
APÊNDICE D – Relações entre Escola e estrutura econômica ............................
141
APÊNDICE E – Escola e contra-hegemonia .........................................................
142
ANEXO A – Cronograma das aulas de Química ...................................................
143
ANEXO B – Teste sua Empregabilidade ...............................................................
145
SUMÁRIO
RESUMO ..............................................................................................................
v
ABSTRACT ..........................................................................................................
vi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..............................................................
vii
LISTA DE ANEXOS E APÊNDICES ...................................................................
viii
INTRODUÇÃO .....................................................................................................
11
CAPÍTULO I - O CONTEXTO DO SURGIMENTO DAS QUESTÕES DE
PESQUISA ...........................................................................................................
13
1.1. Questões de pesquisa ................................................................................
15
CAPÍTULO II – O CENÁRIO DA PESQUISA ......................................................
16
2.1 O Laboratório de Metodologia do Ensino de Química .............................
16
2.2 O Curso de Educação de Jovens e Adultos do IEEOB ...........................
20
2.3 Princípios do processo investigativo ........................................................
23
2.3.1 Diário de Bordo ...........................................................................................
27
2.4. Aulas de Química no Curso de EJA do
Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac ...................................................
27
CAPÍTULO III – TEORIA DO CURRÍCULO ........................................................
37
3.1 Pressupostos educacionais para Jovens e Adultos ................................
44
3.2 O currículo, a prática pedagógica e o contexto da hegemonia ...............
51
CAPÍTULO IV - IMPLICAÇÕES CURRICULARES FRENTE AO TEMA
TRABALHO E EMPREGO ..................................................................................
65
4.1 A centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo ....................
73
4.2 O currículo da EJA frente ao tema trabalho e emprego ...........................
80
CAPÍTULO V - EPISTEMOLOGIA HISTORICISTA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA:
CONTRIBUIÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ............................
94
5.1 Ciência como superestrutura e força produtiva .......................................
102
5.2 História da Química e contra-hegemonia ..................................................
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ENTRE LIMITES E POSSIBILIDADES ....................
125
BIBLIOGRAFIA CITADA ........................................................................................
132
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E NÃO CITADA ..................................................
137
ANEXOS E APÊNDICES .........................................................................................
138
11
INTRODUÇÃO
Os cursos de Educação de Jovens e Adultos têm se caracterizado pela
presença de alunos que, em sua maioria, desejam se capacitar para a luta por
(melhores) empregos dentro do excludente mercado de trabalho atual. Dessa forma,
o tema emprego torna-se lugar comum para qualquer investigação curricular
realmente atenta à vida cotidiana dos educandos.
Por isso, a intencionalidade deste trabalho é de problematizar o currículo da
disciplina de Química frente ao interesse destes jovens e adultos em qualificarem-se
para o mundo do trabalho, buscando apreender, neste processo, as múltiplas
determinações nas quais tal estudo está submerso.
No Capítulo I, mostramos o contexto do surgimento das questões de
pesquisa, isto é, durante a participação no curso de Educação de Jovens e Adultos,
lecionando a disciplina de Química.
Materializadas nas relações entre classe social e conhecimento escolar, as
questões de pesquisa são assim apresentadas: no contexto curricular da disciplina
de Química quais são os conhecimentos devemos abordar com estes alunos jovens
e adultos tendo por base sua realidade social, seus anseios em relação ao mundo
do trabalho? Faz-se necessária uma abordagem centrada nas relações entre
Ciência Química e Sociedade? Qual a relação desta abordagem com a formação
destes jovens e adultos?
O Capítulo II descreve os cenários da pesquisa, os quais se constituem: a) na
iniciação cientifica realizada no Laboratório de Metodologia do Ensino de Química da
UFSM; b) e no trabalho desenvolvido no curso de Ensino Médio da EJA no Instituto
Estadual de Educação Básica Olavo Bilac (Santa Maria/RS) durante o ano de 2005.
Após a descrição dos cenários da pesquisa, explicitamos os princípios
investigativos que norteiam este trabalho, enfatizando a utilização de um Diário de
Bordo de pesquisa. Logo a seguir, relatamos, por meio do Diário de Bordo, as
atividades pedagógicas realizadas no curso de EJA, trazendo à tona as reflexões
acerca de seus limites e possibilidades.
No Capítulo III, as questões de pesquisa são elevadas ao âmbito da teoria do
currículo encontrando correspondência na abordagem de Michael Apple, onde o
currículo é revelado em sua dimensão ideológica e situado no contexto da disputa
pela hegemonia social. Logo em seguida, apresentamos os pressupostos
12
educacionais que, alicerçados na teoria social marxiana de Antonio Gramsci,
apreendem a prática pedagógica no seio das relações de classe e de hegemonia
social, assumindo, dessa forma, papel importante num projeto cultural para
emancipação humana.
No capítulo IV, a abordagem de Michael Apple, caracterizada pela
investigação das relações entre a cultura “distribuída” nas escolas e a estrutura
econômica, nos remete ao estudo do tema trabalho e emprego e suas implicações
curriculares. Após uma leitura acerca dos principais fundamentos da Economia do
Trabalho e da centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo e das suas
relações com o alto índice de desemprego mundial, o capítulo é finalizado com as
implicações curriculares que o tema trabalho e emprego provoca na EJA.
No capítulo V, a intenção de uma abordagem do currículo de Química por
meio da História da Química é apresentada. Primeiro, situamos a perspectiva
historicista no âmbito da epistemologia, para, em seguida, apreendermos as
relações entre a Ciência e a Sociedade. Nesse capítulo, exploramos os aspectos
contra-hegemônicos que uma postura histórico-problematizadora do conhecimento
químico pode desempenhar na Educação de Jovens e Adultos.
Nas considerações finais, retomamos as questões de pesquisa e, refletindo
sobre o caminho investigativo percorrido, procuramos revelar os limites e as
possibilidades vivenciados por este trabalho ao assumir a elaboração do currículo de
Química a partir da vida concreta de Jovens e Adultos e dos anseios em relação ao
mundo do trabalho.
13
CAPÍTULO I
O CONTEXTO DO SURGIMENTO DAS QUESTÕES DE PESQUISA
Durante o segundo semestre de 2005, inseri-me no Instituto Estadual de
Educação Olavo Bilac (IEEOB) com o intuito de atuar no Ensino Médio da
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) por meio da disciplina de
Química.
Em meio às discussões promovidas pelas disciplinas Seminário LP3 e
Currículo e Programas do curso de mestrado do PPGE/UFSM, tomei conhecimento
desse campo de investigação educacional que é o Currículo ao mesmo tempo em
que vivenciava, na prática pedagógica, as discussões e as inquietudes
compartilhadas por meus colegas nestas duas disciplinas.
A necessidade da reflexão sobre os aspectos teóricos do Currículo surgiu
dessa inserção em uma turma de EJA. Embora, anteriormente, eu tivesse uma
trajetória de iniciação científica no que diz respeito ao Ensino de Química, a minha
prática educativa ficou impregnada de dúvidas, principalmente no que se refere à
seleção de conteúdos a serem ensinados.
Nesse momento, intensificou-se o interesse pelos conhecimentos relativos ao
Currículo, uma vez que, eles eram “requeridos” pelos problemas enfrentados na e
com a prática docente. Dessa forma, a minha primeira atitude foi a de “querer
conhecer” os meus alunos jovens e adultos e suas respectivas realidades e, neste
processo, ficou evidente a limitação de qualquer prática pedagógica baseada
essencialmente em “listas” de conceitos químicos como as vivenciadas num curso
de Ensino Médio regular.
O limite era, por um lado, devido ao fato de que as atividades relativas à
disciplina de Química deveriam ser desenvolvidas em um semestre apenas, ao
passo que no ensino regular elas são desenvolvidas durante três anos letivos.
Embora o critério tempo não seja, essencialmente, definidor de uma aprendizagem
em Química significativa, ele corroborou para pôr em questão a “definição” e a
“quantidade” dos conhecimentos a serem ensinados.
14
Por outro lado, se o “tempo” limitava uma abordagem baseada em listas de
conceitos, o nível de desenvolvimento cognitivo evidenciado poderia limitar, também,
qualquer postura pedagógica de essencialização de resolução de exercícios
envolvendo excessivas relações lógico-matemáticas.
Ressalvo isso, uma vez que, era comum entre os professores o conhecimento
da dificuldade que os alunos encontravam em ler e interpretar textos, pois muitos
haviam parado de estudar há muito tempo e agora retornavam à escola.
Por isso, desde os primeiros dias de aula, ficou evidente a necessidade de
criar situações de diálogo com os alunos, a fim de tentar romper com o quietismo em
sala de aula, com a pedagogia do silêncio, onde só fala o professor. A opção
escolhida para mediar o diálogo entre professor e alunos foi a de trazer para sala de
aula questões e situações problemas.
Evidencio a aula onde foi abordado o fenômeno de ebulição da água, o qual
já havia sido trabalhado, anteriormente, pela professora titular. Nesta ocasião, foi
realizado em sala de aula o aquecimento de um pouco de água acompanhado de
um monitoramento da temperatura utilizando um termômetro, pois “eu queria iniciar
uma relação de diálogo com os alunos e discutir acerca da diferença entre fenômeno
e representação gráfica do mesmo (Diário de Bordo: 18/08/2005)”.
O fato de que a água estava sendo aquecida e que quando o termômetro
chegava à marca dos 100 ºC, mesmo com a contínua adição de calor, não se
alterava, intrigou os alunos e possibilitou, aos poucos, a participação de todos com
suas interpretações sobre o fenômeno observado.
Essa perspectiva de diálogo, que aos poucos foi estabelecida com os alunos,
possibilitou conhecer seus anseios em relação ao curso da EJA e a própria disciplina
de Química. Na sua maioria eram trabalhadores, como mecânicos, metalúrgicos,
cobradores de ônibus, domésticas, autônomos, etc. e dos seus principais anseios se
destacavam o de conseguir um emprego melhor e o de fazer cursos de capacitação,
tudo isso em função do tema central: “emprego”.
Arriscar-me-ia dizer que uma espécie de “ideologia da qualificação” pairava
na escola. Informalmente, era senso comum por parte dos alunos que o término dos
estudos pela EJA os potencializaria na tentativa de conseguir um emprego. Mas, os
conhecimentos que eram vivenciados nas aulas o que tinham a ver com isso? A
necessidade de certificação para os processos de seleção de emprego não seria
15
apenas uma máscara para esconder o grande número de desempregados e dessa
forma “legitimar” estes processos de exclusão?
Neste momento, as relações entre escola e mundo do trabalho se destacaram
em forma de “dúvidas”, não pelo fato de os alunos já estarem ou terem estado no
mercado de trabalho e dele trazerem saberes para a sala de aula, mas pela “função”
dos conhecimentos escolares nas suas tarefas cotidianas de busca de emprego e
qualificação para o trabalho.
Emergiram na e com a prática educativa na EJA, no primeiro semestre de
2005, questões sobre quais são os conhecimentos que devemos abordar com
estes alunos jovens e adultos tendo por base sua realidade social, seus
anseios em relação ao mundo do trabalho?
Complementamos estas questões de pesquisa com as seguintes indagações:
Faz-se necessária uma abordagem centrada nas relações entre Ciência
Química e Sociedade? Qual a relação desta abordagem com a formação destes
jovens e adultos?
A partir dessas questões iniciamos nossa investigação acerca dos
referenciais filosófico-sociológicos para o estudo das múltiplas determinações que
dão concretude a esses fenômenos sociais, relacionando dialeticamente cultura e
estrutura econômica, no intuito de perquirir o processo de construção do currículo da
disciplina de Química na EJA.
16
CAPÍTULO II
O CENÁRIO DA PESQUISA
Neste capítulo, apresentamos os espaços de investigação pedagógica,
enfatizando o trabalho de iniciação científica no Laboratório de Metodologia do
Ensino de Química da UFSM e as diversas experiências formativas nele
vivenciadas, além do trabalho realizado no curso de EJA do Instituto Estadual de
Educação Olavo Bilac. Após descrevermos os caminhos percorridos nestes
espaços, anunciamos os princípios do processo investigativo baseado na utilização
de um Diário de Bordo de pesquisa. Em seguida, por meio do Diário de Bordo,
expomos as intervenções na disciplina de Química, no contexto da Educação de
Jovens e adultos.
2.1 O Laboratório de Metodologia do Ensino de Química.
Nossa iniciação científica, no Ensino de Química, iniciou-se no ano de dois mil
com a constituição de um grupo de estudos formado por acadêmicos do curso de
Química Licenciatura Plena da Universidade Federal de Santa Maria. O Laboratório
de Metodologia do Ensino de Química (LABMENQ) fica situado no Centro de
Educação da UFSM (sala 3376) e os professores responsáveis pelo andamento dos
trabalhos e aulas, nele realizados, são: o Prof. Luiz Carlos Nascimento da Rosa e o
Prof. Guilherme Corrêa.
O grupo de estudos a que me refiro era coordenado pelo professor Luiz
Carlos Nascimento da Rosa e, inicialmente, contava com a participação dos meus
colegas de graduação e da pedagoga que, na época, era mestranda em Educação,
Elizandra Fiorin Soares.
17
Assim como o grupo de estudos estava aberto para a participação de
acadêmicos de outras áreas do saber, estava aberto, também, para a interação
entre os departamentos de Química e o de Metodologia do Ensino.
Alguns de nossos trabalhos possuíam a orientação compartilhada entre
professores do departamento de Química, como a Profª. Shirlei Betti de Aguiar
Camillo (ROSA; et al., 2000) e o Prof. Herton Fenner (LEÃES; FENNER; ROSA,
2007), e do departamento de Metodologia do Ensino, pelo prof. Luiz Carlos
Nascimento da Rosa.
Neste contexto, destaca-se a interação do grupo de estudos, no ano de 2000,
com os cursos de Pedagogia e Biologia, por meio da mestranda Elizandra Fiorin
Soares e do seu orientador, o Prof. Claiton José Grabauska, que nas disciplinas de
Metodologia do Ensino de Ciências desses referidos cursos, promoviam o
intercâmbio das experiências pedagógicas realizadas pelos alunos nestes distintos
cursos de formação de professores.
O fato de optar e conseguir fundar nossa iniciação cientifica em educação
numa perspectiva de diálogo e colaboração entre Educação e Educação em
Química, veio a corroborar em ato para a crítica e a superação da dicotomia entre
conhecimento químico e conhecimento pedagógico, referenciado por concepções
anacrônicas que se materializam em compreensões fragmentadas do processo
formativo, onde, primeiramente, se apreende o conhecimento químico, aprende-se a
ensinar e, num último instante vivencia-se o ensino, agora de fato, por meio da
prática pedagógica.
Essas práticas sociais colaborativas vêm potencializando o diálogo de forma a
superar as estruturas curriculares fragmentárias do curso de formação de
professores. Atualmente, um fator significativo, e que é sinal desse processo, é o
fato de ter sido estabelecido no currículo de graduação do curso de Química
Licenciatura da UFSM a pesquisa como princípio formativo.
Esse processo histórico de construção de identidade profissional foi
vivenciado, inicialmente, em nosso grupo de estudos, uma vez que, nossa dinâmica
de trabalho consistia, por meio de encontros periódicos, em desenvolver um
processo sistemático de reflexão sobre as diferentes áreas de conhecimento que
circunscrevem o campo epistêmico da formação de professores.
18
Concomitantemente com a reflexão teórica, indispensável como norteadora
da prática pedagógica, organizávamos o estudo com a construção, o planejamento e
a implementação de oficinas pedagógicas em Química nas escolas em que os
nossos colegas de curso realizavam os seus estágios curriculares.
Como o LABMENQ era lugar comum dos demais alunos do curso de Química
Licenciatura que cursavam as disciplinas Introdução à Pesquisa no Ensino de
Química (e em Ciências), Didática da Química I, Didática da Química II e Prática de
Ensino de Química, nos foi possibilitada uma constante interação entre o grupo de
estudos e os nossos colegas de graduação, mediados pelas oficinas pedagógicas
que desenvolvíamos, e, então, implementávamos nas aulas de estágios da rede
pública de ensino.
Dessa forma, o conjunto de saberes educacionais, que produzimos ao longo
da constituição do grupo de estudos, tem como gênese a nossa real imersão no
espaço social da escola. Da interação, na prática, com os nossos colegas de
graduação, e da nossa contínua produção de oficinas pedagógicas, surgiu a
iniciativa de avaliarmos e organizarmos os materiais produzidos na forma de
Caderno Didático, pois, até então, nos limitávamos, e não por isso menos relevante,
à publicação de resumos em congressos, à construção de relatórios destas práticas
para os órgãos financiadores e apresentações de trabalhos nos EDEQ’s.
Com isso, nossa intenção também era de construir um material didático de
baixo custo, que pudesse ser acessível às escolas da Educação Pública. Assim,
produzimos, a partir do ano de 2000, e publicamos, em 2001, os cadernos didáticos
intitulados O Cotidiano e o Ensino de Química I (ROSA et al., 2001-b) e O
conhecimento Eletroquímico através das Pilhas: uma experiência pedagógica
vivenciada (ROSA et al., 2001-a), os quais deram início à sistematização dessa nova
forma de produção científica à medida que o comprometimento acadêmico do grupo
com esse processo conduziu os nossos estudos acerca da educação em Química.
Mais tarde, os trabalhos produzidos em 2002 e 2003 foram selecionados e
apresentados nos cadernos didáticos intitulados Química e vida cotidiana:
construindo saberes pedagógicos através de uma abordagem temática (Rosa et al.,
2003-a) e Tematizando o Ensino de Química (ROSA et al., 2003-b).
Esses cadernos também contavam com trabalhos produzidos pelos nossos
colegas de graduação, alunos da disciplina Introdução à Pesquisa no Ensino de
19
Química, pois a produção desses cadernos, que, inicialmente, era circunscrita ao
grupo de estudos, foi proposta como alternativa de publicação científica para os
graduandos.
De certa forma, fomos construindo uma rotina de estudos que procurou
interagir com os outros alunos, informalmente, compartilhando dúvidas e trocando
experiências vivenciadas no âmbito do Ensino de Química.
Nesse mesmo ano de 2003, incorporou-se ao grupo de estudos a doutoranda
em Ciência do Movimento Humano pela UFSM, Profª. Maristela da Silva Souza. Dos
nossos encontros para a discussão e a reflexão sobre pensamento gramsciano,
culminou a sistematização de um trabalho para a publicação no livro “Desafios da
Educação neste século: pesquisa e formação de professores”, sendo que o capítulo
do livro ficou intitulado: “Senso Comum, Ciência e Filosofia: construindo as bases
epistemológicas de Antonio Gramsci (ROSA, SILVA, FLORES e SOUZA, 2003)”.
No ano de 2004, além da participação ativa em nosso fórum máximo de
discussões (EDEQ), o grupo manteve o ritmo de estudos que culminou na
publicação de dois artigos denominados: “Uma abordagem externalista da
epistemologia através do pensamento de Antonio Gramsci (ROSA, SOUZA, SILVA e
FLORES, 2004)” e “Tópicos sobre epistemologia: buscando o bom senso através de
Gramsci (ROSA, BERNI, SOUZA, SILVA e FLORES, 2004)”.
Ainda, a análise e a seleção de trabalhos produzidos pelos alunos de
graduação em Química possibilitou a organização de mais um caderno didático,
publicado no ano seguinte, chamado “A Química na Educação: vivências de
educadores em formação (ROSA e SILVA, 2005)”.
Atualmente, o grupo de estudos publicou um trabalho, realizado em 2005,
denominado Educação em Química: a prática docente construída pelo trabalho
investigativo (ROSA e SILVA, 2007).
No processo de apropriação crítica dos referenciais teórico-práticos que
fundamentam as análises das nossas práticas pedagógicas em Química foram
definindo-se nossas opções filosóficas e sociológicas que hoje demarcam as formas
de trabalho do grupo de estudos.
Dentro do espectro filosófico investigado, nesses anos de atuação do grupo
de estudos, destacamos as reflexões bachelardianas acerca da educação científica:
o papel fundamental das “questões” (problemas) na produção do conhecimento; o
20
cuidado com a linguagem e o simbolismo químico; a importância da historicização do
conhecimento e os obstáculos epistemológicos presentes na prática de ensino de
ciências.
A dinâmica coletiva destas reflexões deu origem a um artigo publicado no
primeiro semestre de 2005, intitulado Epistemologia e Educação: Reflexões
bachelardianas para a construção de uma prática pedagógica crítica em Química
(SILVA, ROSA e GRABAUSKA, 2005).
Concomitantemente com a abordagem epistemológica internalista de Gaston
Bachelard (BACHELARD, 1977; 1983; 1985) e Thomas Kuhn (KUHN, 1997; 1979),
temos investigado a dimensão externatista da produção do conhecimento químico,
com base na sociologia do conhecimento, abordando as condições histórico-
culturais da produção dos conhecimentos científicos e suas relações com o
desenvolvimento histórico das sociedades, utilizando para isso o pensamento de
Marx e Gramsci.
Nesse contexto, produzimos, recentemente (no primeiro semestre de 2005),
experimentos problematizadores dos aspectos históricos da construção do
conhecimento químico, um deles foi o experimento da eletrólise da água. Tal
experimento, que comumente é “visto” em ilustrações nos livros didáticos, pode ser
realizado em sala de aula e dessa forma “criar” situações de ensino ao problematizar
o conhecimento necessário para o seu desvelamento.
Dessa forma, nossos estudos, no LABMENQ, relacionam-se com as
contribuições da História da Química e da abordagem epistemológica historicista
para o Ensino de Química, e destacamos esse fato porque essas experiências foram
incorporadas-confrontadas com a prática pedagógica em Química durante o
processo de investigação curricular no contexto da Educação de Jovens e Adultos.
2.2 O curso de Educação de Jovens e Adultos do IEEOB
Na pretensão de investigar o currículo, “em ato”, da disciplina de Química,
inserimo-nos no Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac (IEEOB), localizado no
centro de Santa Maria, onde fiquei responsável pela disciplina de Química da turma
21
330, sendo a professora titular que desempenhou o papel de “tutora” sobre a minha
prática pedagógica.
O termo “tutora” foi estabelecido informalmente pela coordenadora
pedagógica no intuito de que os professores “estagiários”, inclusive eu, se
relacionassem de forma direta com os professores que estavam há mais tempo no
curso e eram responsáveis pela disciplina, mas também, com a finalidade de que os
estagiários tivessem uma prática pedagógica coerente com projeto político-
pedagógico do curso.
Para isso, os professores ficariam disponíveis para assessorar os estagiários
quando fosse necessário e, inclusive, assistiriam algumas de suas aulas. Tal
interação foi proposta nos primeiros dias de aula quando
... os estagiários e os professores responsáveis fizeram uma reunião com a
coordenadora pedagógica. Nesta reunião ficou claro que estagiário e
professor têm que dialogar e interagir entre si. O professor deve verificar a
prática pedagógica do estagiário, observando se ele está seguindo a
metodologia e os objetivos do curso, isso, é claro, respeitando a autonomia
de cada estagiário (Diário de Bordo, 12/08/2005).
O curso de Ensino Médio da EJA é organizado em módulos semestrais, num
total de três módulos e o aluno, para completar os estudos nesse nível, deve, no
mínimo, cursar um ano e meio. Os referidos módulos se definem por áreas de
conhecimento, ficando assim constituídos: No módulo 1, estão as disciplinas de
Língua Portuguesa, Literatura, Educação Artística e Língua Inglesa; no módulo 2,
encontram-se as disciplinas de Matemática e Física; e no módulo 3, estão a
disciplina de História, Geografia, Biologia e Química.
As aulas se dão de segunda a quinta-feira, das 19 às 23 horas. Cada
disciplina possui 4 aulas presenciais semanais que representam um total de 220
minutos por semana. Eu trabalhei quarta das 19 às 20:50 horas e quinta das 21 às
23 horas.
Todas as sextas-feiras, das 19 às 21 horas, eram reservadas para as reuniões
de estudo dos professores ou de planejamento das atividades curriculares. Nesse
período, os alunos vinham à escola e realizavam atividades como resolução de
exercícios, assistiam a vídeos, sendo que, essas atividades ficavam a cargo de uma
disciplina específica da área a cada mês.
22
Ainda, era reservada uma carga horária semestral de 20 horas, destinadas a
atividades não-presenciais, como trabalhos de pesquisa na Internet, coleta de
informações na sociedade, produção de textos, etc, sob a orientação dos
professores nas sextas feiras ou durante as aulas da semana.
A metodologia, utilizada para a construção do currículo, consistia em
promover, na primeira semana de aula, atividades com o objetivo de “conhecer” os
alunos, as suas realidades cotidianas, os seus anseios em relação ao curso.
A sistematização dessas informações tomou a forma de cartazes, com frases
e desenhos, confeccionados pelos próprios alunos. Daí então, coletivamente todos
os professores do curso se reuniram para ler, discutir e retirar desses o eixo temático
norteador de todas as atividades que seriam realizadas durante aquele semestre.
De modo geral, as frases recolhidas dos cartazes explicitavam os seguintes
anseios: “... um crescimento intelectual, terminar mais rápido o ensino médio,
viabilizar a aquisição de um emprego melhor, para fazer cursos profissionalizantes...
(Diário de Bordo, 05/08/2005)”.
Após o consenso, entre os professores, sobre os anseios dos alunos, partiu-
se para a construção do eixo temático do semestre, que foi definido na seguinte
expressão: “Conhecimento e relações viabilizando escolhas”.
Neste mesmo encontro, realizamos a leitura de um texto do Antonio Nóvoa
(não foi nos fornecido a referência bibliográfica) que “abordava a organização
escolar (Diário de Bordo, 05/08/2005)”. Neste dia, fiz o seguinte registro:
Durante a leitura dos textos, percebi que poderia-se iniciar uma discussão
sobre as formas organizativas da escola, pois era este o conteúdo do tal
texto, e que não foi debatido ou explorado. O texto falava na necessidade
de os professores se organizarem coletivamente para resolver, também,
coletivamente, os problemas surgidos na prática pedagógica. Eu poderia
ter intervido, exaltado esta abordagem e proposto uma forma organizativa
que planejasse, refletisse, avaliasse, replanejasse suas atividades.
Entretanto não falei nada, não houve uma “abertura” para o debate (Diário
de Bordo, 05/08/2005).
No texto acima, eu fazia alusão a um processo permanente, e em maior
freqüência, de planejamento-avaliação das práticas pedagógicas desenvolvidas na
escola, ao contrário do que se procedeu de fato, pois, acerca de nossa prática
pedagógica, pouco ou nada se avaliava em nossas reuniões de área.
As primeiras impressões sobre as reuniões de trabalho também foram
registradas na segunda etapa do planejamento semestral, isto é, aquela que tratava
23
das aulas não-presenciais. Para essas atividades, na forma de projetos que os
alunos desenvolviam paralelamente às aulas regulares, foi estabelecido o seguinte
tema: Evolução da Humanidade, o qual defini assim: “uma abordagem que vai do
início do universo até a contemporaneidade, perpassando sobre a evolução de cada
ciência, em cada da História correspondente, uma espécie de história natural-
humana (Diário de Bordo, 12/08/2005)”.
Nessa reunião de trabalho específica, realizei os seguintes apontamentos:
Nesse processo percebi que os professores em geral não querem discutir
muito, e sim, fazer tudo rápido considerando o que é mais fácil. Talvez seja
cedo para me impor mais, pois estou chegando agora na escola... um fator
que está a favor é o tema dos estudo não-presenciais, pois se é no
contexto da evolução do mundo natural e humano que serão realizadas as
atividades, o meu objetivo de trabalhar com a História e a Filosofia da
Ciência pode ser potencializado... (Diário de Bordo, 12/08/2005).
Dessa forma, apresentamos os aspectos gerais do curso de EJA no qual me
inseri e os seus primeiros procedimentos semestrais.
2.3 Princípios do processo investigativo
A minha inserção no curso da EJA do Instituto Estadual de Educação Olavo
Bilac precedeu qualquer problema prévio de pesquisa, pois foi na e com a prática
pedagógica nessa escola que emergiram as questões de pesquisa, motoras desse
processo investigativo.
O fato de atuar junto aos professores na construção curricular da EJA, teve a
finalidade de vivenciar, na prática, os procedimentos, as discussões, os
entendimentos e as atividades que constituem o processo de elaboração curricular.
Esse vínculo orgânico com a prática pedagógica na investigação curricular
pressupõe que a realidade é sempre mais rica e complexa do que a teoria que
procura descrevê-la. Logo, essa investigação educacional deve tomar como princípio
a radical relação dialética entre teoria e prática pedagógica, no intuito de superar as
concepções positivistas de pesquisa, nas quais a necessidade de mensuração e a
quantificação de dados assumem um aspecto essencial para que a pesquisa se faça
“objetiva”. Pois, em função da complexidade dos processos sociais, “uma visão que
24
teime em congelá-los, analisando-os como fotografias meramente, deixa escapar
sua fluidez, sua dinâmica de constituição em processo, nas lutas ideológicas e
disputas por significado (GRABAUSKA, 1999, p. 66)”.
A busca por essa vigilância dialética levou na assunção de um Diário de
Bordo de pesquisa onde, após as reuniões de planejamento, de estudo e das aulas
de Química, fez-se uma descrição dessas atividades e, em seguida, uma reflexão
sobre elas.
O Diário de Bordo foi constituído de uma escrita livre, informal, com o fim de
retratar ao máximo os diálogos com os professores, o conteúdo das discussões, os
problemas compartilhados, bem como, o processo pedagógico de sala de aula,
materializado na fala dos alunos, suas reações e na implementação das atividades
planejadas.
Segundo Araújo e Oliveira, um Diário de Bordo deve incluir
... detalhes das conversações e das sessões de planejamento, entrevistas
com visitantes, com dirigentes da comunidade; questões pendentes de
estudo, desenhos, esboços, exemplos de boas idéias para o ensino,
registros diários de áreas específicas da prática; observações sobre
estratégias de ensino; reflexões sobre lições; planos para o ensino futuro e
respostas a questões centrais antes de começar a escrita (ARAÚJO e
OLIVEIRA, 2003, p. 15)
A utilização deste diário é, num primeiro momento, “sincrética”, pois visa estar
atento aos “movimentos” que ocorrem na sala de aula, na Escola e na comunidade,
na medida em que são registrados e refletivos.
Entretanto, o decorrer da manutenção do diário (da descrição-reflexão)
permite sistematizar os achados, os problemas, as possibilidades e as necessidades
vividas na prática pedagógica, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento
da investigação.
Se, cotidianamente, o Diário de Bordo pressupõe uma “reflexão sobre a
prática”, ele igualmente permite a “reflexão da reflexão da prática”, no momento em
se volta ao diário e as mesmas práticas são refletidas a partir de novas vivências. O
Diário de Bordo consiste numa constante investigação da própria prática, pois além
de ser
[...] uma estratégia para descobrir-se como escritor e pessoa que
compreende o processo da escrita e sua função social; [...] é um meio de
obter poder, através do desenvolvimento da confiança, na utilização da
palavra escrita como guia para a ação e para proporcionar oportunidades
25
de reflexão sobre esta ação e novos planos de ação consecutivos
(ARAÚJO e OLIVEIRA, 2003, p. 15).
Importa destacar que não se trata da descrição e da reflexão de uma prática
pedagógica abstrata, isolada, pelo contrário, a escrita no Diário de Bordo intenciona
a apreensão e a sistematização dos diversos elementos que determinam a atividade
pedagógica na sua totalidade.
Como no esquema acima, partimos da concepção de que o real é uma
unidade, ou melhor, “é concreto por que é a síntese de múltiplas determinações, é
unidade do diverso (MARX, 1974-b, p. 122)”, por isso, apreender o fenômeno
educativo é captar tais determinantes os quais lhe dão concretude.
A assunção de que a relação entre professor e alunos não esgota a
capacidade interpretativa desse fenômeno, pois cabe apreender o conjunto dessas
determinações para além de uma simples adição dos seus elementos constituintes.
Essa “visão de conjunto” chamamos totalidade do real, sempre inacabada e
provisória porque histórica.
A totalidade, essa visão de conjunto, “é sempre provisória e nunca pode
pretender esgotar a realidade a que ela se refere. A realidade é sempre mais rica do
que o conhecimento que temos dela [pois] há sempre algo que escapa às nossas
sínteses (KONDER, 1987, p. 37)”, [mas neste processo] “uma certa compreensão do
todo precede a própria possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes
(KONDER, 1987, p. 45)”. No entanto, é por meio dessas sínteses, dessas visões de
conjunto, que chegamos ao entendimento das “estruturas significativas”, sempre de
acordo com uma realidade específica, que denominamos totalidade.
Esquema construído pelo Prof. Luiz Carlos N. da Rosa
durante as reuniões do grupo de estudos no LABMENQ.
26
Para além de uma “soma das partes”, as setas duplas indicam uma relação
dialética entre professor e alunos, sala de aula e escola, e escola e sociedade. Tais
relações são estabelecidas de forma mediata e são imersas em contradições.
Nesse movimento, o conhecimento se compreende como um processo, sendo
apreendido dialeticamente, uma vez que, a dialética “não pensa o todo negando as
partes, nem pensa as partes abstraídas do todo. Ela pensa tanto as contradições
entre as partes (a diferença entre elas: o que faz de uma obra de arte algo distinto
de um panfleto político) como a união entre elas (o que leva a arte e a política a se
relacionarem no seio da sociedade enquanto totalidade) (COUTINHO apud
KONDER, 1987, p. 46)”.
Dessa forma, o Diário de Bordo é instrumento fundamental para uma
pesquisa que se proponha dialética, pois, no movimento real da atividade
investigativa, o Diário busca compreender, além do universo complexo da sala de
aula, a dinâmica da escola como um todo, ou seja, a “particularidade” da sala de
aula não se perde da “totalidade” da Escola, da comunidade, etc. e vice e versa.
Ele nos auxilia a captar os materiais (jornais, artigos, legislações, teorias da
aprendizagem, etc.) utilizados nas reuniões de estudos dos professores, registrar
conversas com os alunos, professores e funcionários. É nesse momento em que
teoria e prática se “dialetizam”, ou seja, percebe-se como uma determinada teoria da
aprendizagem ou uma determinada legislação educacional “chega” na Escola e
materializa-se na prática pedagógica.
Teoria e prática problematizam-se continuamente dando concreticidade ao
processo de pesquisa, na medida em que a prática do Diário de Bordo propõe a
reflexão da ação educativa e, ao apreender suas contradições e possibilidades,
retira elementos para nortear ações educativas posteriores.
É nesse contexto, que o pesquisador se estabelece como sujeito concreto da
investigação, pois, ao mergulhar no tecido social, se situa frente aos seus
determinantes culturais, políticos e ideológicos, à medida que reflete sobre sua
prática pedagógica.
Pois, é neste processo de investigar sua própria prática que “os professores
podem desopacizar o que se encontra ‘oculto’ - no que se refere à ideologia, aos
valores, às concepções de educação, sociedade, ciência; desta forma, podem,
intencionalmente, por meio de mudanças nos currículos, modificar tais concepções
27
e, por extensão, contribuir para transformar a sociedade (GRABAUSKA, 1999, p.
68)”.
Mais precisamente, afirmam Araújo e Oliveira:
... desenvolver semelhante proposta [a implementação do Diário de Bordo]
leva ao fortalecimento dos sujeitos via investigação didática da redação de
diários, como propulsora da desnaturalização do conhecimento, sobretudo
do conhecimento educacional ao ponto de vista de seus fundamentos, uma
vez que as neutralidades teórico-metodológicas se fazem presentes em
muitas práticas que se pretendem críticas e/ou inovadoras (ARAÚJO e
OLIVEIRA, 2003, p. 15).
Sendo assim, a assunção da investigação educacional dialética, por meio do
Diário de Bordo, pressupõe uma ligação orgânica com os problemas da prática
cotidiana, e no seu desenvolvimento busca apreender as múltiplas determinações
que lhes conferem concreticidade, ao mesmo tempo em que produz a
intencionalidade da superação de tais problemas, explora as relações-contradições
que os cercam e tenta resolvê-los.
2.3.1 Diário de Bordo
No primeiro semestre de 2005, iniciaram-se observações, no IEEOB junto ao
curso da EJA, com o intuito de recolher informações sobre as atividades cotidianas
da escola na sua totalidade, desde os espaços físicos oferecidos para as aulas, os
equipamentos, as normas de rotina e, principalmente, as reuniões de estudo e
planejamento do referido curso, que se realizaram todas as sextas-feiras às 21
horas.
Logo nos primeiros dias, a coordenação pedagógica determinou que
observasse as aulas de Química da professora titular, como já havia me referido, ela
assumiu o papel de “minha tutora”, durante o respectivo semestre.
A partir desses primeiros momentos, na escola, fiz uso de um Diário de
Bordo, onde anotava os resultados daquelas observações, as quais me ajudaram a
compreender o funcionamento e as peculiaridades desse curso da EJA.
Após assumir a disciplina de Química, o Diário de Bordo compreendeu não
apenas o processo de construção curricular geral, mas também, a minha atuação
em sala de aula. O diário foi utilizado até o início do primeiro semestre de 2006.
28
2.4 Aulas de Química no curso da EJA do Instituto Estadual de Educação
Olavo Bilac
A partir do mês de agosto de 2005, iniciei as atividades no Instituto Estadual
de Educação Olavo Bilac com a turma 330 da EJA Ensino Médio, no intuito de
vivenciar o funcionamento e as características dessa modalidade de ensino. Durante
o decorrer do semestre iniciaram-se as aulas da disciplina intitulada Currículo e
Programas do mestrado, a qual proporcionou o contato com esta área específica da
Educação responsável pelo estudo dos critérios de organização e seleção dos
conhecimentos escolares, em especial com os estudos de Michael Apple.
De fato, as duas situações eram “novas”, aliás, todo professor, com um
mínimo de criticidade sobre sua prática, sabe que nenhuma situação de ensino-
aprendizagem é igual a outra, mas “novas” no sentido da possibilidade de refletir
acerca do estudo das teorias do currículo (na UFSM) e ao mesmo tempo estar
ligado, em ato, com o processo de construção curricular da EJA do IEEOB. Situação
que ajudou a entender e a definir os problemas de pesquisa (no Anexo A,
mostramos uma tabela com o resumo das atividades desenvolvidas em sala de aula
durante o segundo semestre de 2005).
As atividades desenvolvidas nesse semestre tiveram por base a tentativa de
guiar-se pelo eixo temático adotado pelo curso, por meio da investigação realizada
dia 1º/08/2005 com os alunos, procurando conhecer os anseios desses em relação
ao curso de EJA.
O eixo temático escolhido para aquele semestre foi intitulado: Conhecimentos
e relações viabilizando escolhas, baseado nos anseios manifestados pelos alunos:
de “crescimento intelectual, de terminar mais rápido o ensino médio, viabilizar a
aquisição de um emprego melhor e fazer cursos profissionalizantes (Diário de Bordo,
05/08/2005)”. Durante as discussões entre os professores, que resultaram na
construção desse eixo, a minha atuação foi bastante tímida, pois eu era um
“estagiário” recém chegado.
29
Ao entrar em sala de aula, assumi prontamente a perspectiva de “querer
conhecer” os alunos. Seja por meio do questionário do dia 17/08/2005 (Anexo A),
seja por meio de problematizações em sala de aula em relação aos fenômenos
químicos. A assunção de apresentar para os alunos situações-problema, tinha como
foco estratégico instigar o diálogo entre o professor e os alunos e estes entre si.
Aqui o diálogo significa diálogo entre conhecimentos, saberes e experiências
entre esses sujeitos sociais, a situação-problema deveria quebrar com uma relação
tipo “falação-ouvição”, em que o professor fala e os alunos ouvem de forma passiva,
o que não quer dizer que em determinados momentos do processo de ensino-
aprendizagem isso não seja necessário.
A opção por essa abordagem nos mostrou, inicialmente, um estranhamento,
por parte dos alunos, dessa forma de participação nas aulas. Isso se deve, em parte,
a minha postura ingênua, ao desconsiderar a forma de estudos aos quais eles
estavam acostumados. Agora, mais tarde, diria que o currículo de Química em sala
de aula não foi claramente “negociado”, ou seja, o processo em sala de aula (suas
etapas, a forma de avaliação, etc.) não foi previamente discutido, pois eu havia
assumido a turma 330 que já havia iniciado as aulas com outra professora, com
entendimentos, objetivos e práticas pedagógicas distintas.
O confronto entre esta proposta “problematizadora” e os alunos culminou
quando as aulas implementadas se desviaram do polígrafo confeccionado pela
professora titular, embora eu tivesse esclarecido que isso poderia acontecer, os
alunos demonstraram intensa preocupação com relação a provas e testes e a
perspectiva de que os diálogos estabelecidos em sala de aula fossem incluídos
como forma de avaliação semestral.
A minha ingenuidade foi tão considerável a esse respeito, que de quase nada
me importavam os teste e as provas naquele momento, não estava preocupado com
as provas, mas com o complexo processo de ensino-aprendizagem enfrentado até o
momento, devido à raridade presencial de alguns alunos, à dificuldade de alguns
adultos em estabelecer raciocínios lógico-matemáticos elementares, a fadiga pós-
trabalho, e, se não for forçoso da minha parte, a influência de “elementos de
passividade social (GRAMSCI, 1989-b, p. 400)”.
30
Além do desvio em relação ao programa do polígrafo e o fato de temer que
nossos diálogos fossem objeto de questões em provas e testes, os alunos, pelo
menos a grande maioria, estavam confusos pelo fato de ao realizarem um
experimento na sala de aula o professor perguntar para eles como é que eles
explicariam o respectivo fenômeno, uma vez que, eles de nada sabiam ou ainda não
tinham estudado aquilo antes (Diário de Bordo, 22/09/2005)”.
Durante nosso diálogo, um aluno falou: “nós queremos que o senhor explique
as coisas como elas são, e pronto! (Diário de Bordo, 22/09/2005)”, a partir desse
momento, comecei a explicar detalhadamente os momentos metodológicos
adotados em sala de aula, bem como, seus respectivos objetivos. A influência
metodológica vinha dos “três momentos pedagógicos” (DELIZOICOV e ANGOTTI,
1990) constituídos por momentos de problematização, de organização e de
aplicação do conhecimento.
Nesse dia ficou claro que os alunos estavam vinculados a experiências de
aulas do tipo ilustrativa, onde não eram explorados os conhecimentos
prévios dos alunos. Em outras palavras eles não estavam acostumados à
pedagogia do erro, eles tinham medo de tentar responder sobre algo que
ainda não sabiam. Acredito que a frase do aluno foi muito forte, pois ele
disse que quem sabe é o professor apenas, e esse deve informar aos
alunos sobre tudo que acontece, explicitando o caráter passivo dos alunos
no processo de construção do conhecimento. O que me ocorreu
imediatamente, não foi tanto a relação em sala de aula (professor sabe,
aluno não sabe), mas que essa postura poderia ser reproduzida nas outras
esferas da sociedade. Se o aluno não adquire uma certa autonomia
intelectual e se esse pensamento de não saber e de, passivamente,
acreditar numa pessoa que culturalmente sabe mais, a sua prática social
no contexto do capitalismo só tende a limitar-se aceitando, passivamente,
as contradições de classe onde imerso está.
Se o aluno assistir um tele jornal e o apresentador bem vestido der uma
notícia de forma entusiasmada e alegre, do tipo: a economia cresceu 0,8%
este mês e se, culturalmente, o jornal for detentor do saber e este aluno
relacionar-se de forma passiva e medíocre, uma vez que nada sabe, então
a notícia é boa! Mesmo que no âmbito da economia política crescimento
econômico não, necessariamente, signifique geração de empregos, diga-se
de passagem, o que é objeto de desejo destes alunos-trabalhadores
([des]empregados) (Diário de Bordo, 22/08/2005).
Nesse dia, no término da aula, após a maioria dos alunos já ter saído, um
aluno que trabalhava como mecânico, e era bastante ativo em sala de aula, veio e
me falou o seguinte:
Eu entendi professor o que o senhor quer da gente. Quer que a gente
raciocine e tente explicar o que a gente tá vendo. Comigo acontece só
assim, quando me dizem o nome de alguma peça de algum motor que eu
31
não tivesse visto antes, de nada adianta. Mas se eu trabalho no motor, vejo
ele, como ele é, como a peça tá colocada em relação às outras, daí eu
consigo memorizar e saber mais tarde, isso por que eu vi e trabalhei com
ele. Como o senhor falou, memorizar por memorizar não adianta, a gente
esquece rápido (Diário de bordo, 22/08/2005).
O relato acima mostra a intencionalidade de nossa postura problematizadora
em sala de aula, ou seja, não necessariamente todos os alunos, a exceção deste,
entendam seu fundamento ou aceitem tal abordagem, mas o que ficou claro, com
isso, é a necessidade imediata de replanejar as atividades pedagógicas, só que as
confrontando com as situações já experenciadas, de modo a reinventá-las e superá-
las com base nas dificuldades antes encontradas, como a negociação curricular.
O fato de não poder realizar todas as etapas (os 3 momentos pedagógicos)
numa mesma aula sobre combustão ocasionou a seguinte situação: como a
resposta “certa” sobre o que estava acontecendo não era enunciada imediatamente,
os alunos o silêncio estabeleceram, foi necessário explicar que eles tinham que
tentar explicar os fenômenos com suas “palavras” e seus “conhecimentos prévios”,
não importaria, naquela ocasião, estar “certo ou errado”.
Mas logo a turma entendeu que as respostas não eram para ser corretas e
que não teriam que ser a resposta correta do professor, eu falo de um certo
medo de errar que remete ao silêncio ou a não escrever. Como se eles
estivem presos numa lógica de questões Æ respostas certas, o que
contraria a própria natureza do processo de construção do conhecimento
químico. No fim da aula, um aluno disse que tinha vergonha de falar para
os colegas [...] nesse momento ele me fez um questionamento bastante
interessante sobre aqueles fenômenos. Isto posto, leva-me a refletir sobre
o modo de organizar a aula para que as idéias dos alunos tímidos não
sejam perdidas, pois como diria um anarquista francês: “um pensamento
que pára é um pensamento que apodrece”. Talvez o trabalho em grupo
maximize a circulação destes conhecimentos entre os alunos e depois
cheguem ao professor, aí como conhecimento do grupo e não de um aluno
individual (e tímido) (Diário de Bordo, 31/08/2005).
As atividades, também, assumiram a pretensão de abordar a historicidade do
conhecimento químico. A abordagem metodológica encontrada no livro Metodologia
do Ensino de Ciências (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1990) foi complementada com
um resgate histórico sobre as diferentes teorias explicativas sobre as transformações
da matéria, nos diferentes momentos históricos da sociedade, uma espécie de “linha
do tempo” (baseada em MAAR, 1999; BENSAUDE-VINCENT e STENGERS, 1992)
foi apresentada e discutida com os alunos (ver Apêndice A).
32
A ênfase se deu na abordagem dos diferentes modos de produção, nos quais
a atividade científica estava inserida. Isto é, Antigüidade (a escravidão), Idade Média
(Feudalismo) e final do século XVIII (ascensão do Capitalismo).
Tal postura se colocou no sentido de implementar o texto intitulado: Stahl ou
Lavoisier? do referido livro, pois esse já parte da teoria do Flogisto sobre os
fenômenos químicos e a confronta com a teoria lavoisieriana, não abordando o
movimento histórico anterior.
Nessa aula percebi que um texto deve ser plenamente discutido e relido
pelo professor ponto a ponto. Como o texto era de um livro de Ciências
pensei que os alunos não iriam ter dificuldades, ledo engano! [...] tenho que
afirmar a importância dos três momentos pedagógicos, pois no momento
da aplicação do conhecimento (por meio de textos escritos) é que podemos
realmente avaliar os alunos e a nossa prática pedagógica. Lendo
rapidamente os textos dos alunos verifiquei que para o papel, eles
utilizavam a teoria do flogístico, e para a palha de aço a teoria de Lavoisier,
o que na minha proposta de abordagem histórica faz sentido, porque uma
teoria é verdadeira no seu tempo histórico, possui uma lógica que é
histórica (provisória) e mostrar isso é historicizar e desmistificar a Química
como sendo construída por teorias únicas, bem sucedidas e absolutamente
verdadeiras (Diário de bordo, 08/09/2005).
Esse fato, o de nos guiarmos pelos três momentos pedagógicos, possibilitou
tomar consciência do equívoco, por parte dos alunos (o fato de não conseguir
interpretar claramente o texto, suas frases, orações, etc.), ao mesmo tempo em que
permitiu que, na aula seguinte, este “equívoco” fosse objeto de discussão e um
pressuposto para a retomada dos entendimentos sobre os fenômenos e as
diferenças entre as teorias de Stahl e de Lavoisier, isto é, a ruptura conceitual
existente entre ambas. O que, também, favoreceu para que essa prática pedagógica
não se constituísse num mero “fingir que se ensina e fingir que se aprende”.
A opção por essa abordagem histórica implicou no fato de, ao contrário do
professor titular, privilegiar o estudo dos modelos atômicos e seus respectivos
processos de construção.
Normalmente, pouco se evidencia tal abordagem, ou quando se faz, é de
modo rápido, e resumindo-se a datas, nomes de cientistas e memorização de
modelos. Nesse caso, a ênfase era em mostrar a ruptura conceitual que cada
modelo atômico pressupõe. A passagem de um modelo para outro, mostra uma
descontinuidade de pensamento e da forma de conceber a matéria, assim, a
33
exploração da história dos modelos atômicos, também, complementava a “linha do
tempo” (que terminava em Lavoisier) utilizada anteriormente.
Apesar dessas aulas assumirem um aspecto mais teórico do que prático-
concreto (essa divisão se refere à forma de problematização dos conhecimentos),
pois em vários momentos não foram construídas estratégias pedagógicas que
pudessem problematizar fenômenos práticos quotidianos (refiro-me, por exemplo, ao
fato de que se poderia construir uma fotocélula, para explorar a dualidade partícula-
onda do elétron). Mesmo assim, abordando teoricamente os modelos atômicos e os
seus respectivos processos históricos, com alguns recursos visuais (desenhos,
esquemas, etc.) tínhamos em mente que a complexidade de tais conhecimentos não
poderia ser tangenciada, sob a pena de não fazer mais do que uma caricatura do
conhecimento químico.
Isto se deve à assunção de que o compromisso histórico da prática
pedagógica, com a elevação cultural das massas populares, implica numa posição
coerente e honesta em relação ao conhecimento, descartando, dessa forma,
qualquer possibilidade de “facilitar” o processo de ensino-aprendizagem ou
“infantilizar” os jovens e adultos que chegam à escola.
Este fato nos levou, por um lado, a não exceder na carga conceitual de
Química (lista de conceitos a ser vencida), e, por outro, em tentar explorar ao
máximo os conceitos científicos considerados, bem como, as respectivas
historicidades e processos de construção.
Mas as atividades pedagógicas em relação à abordagem histórica não se
estabeleceram de modo satisfatório. No que diz respeito a situações-problema para
criar nos alunos um “querer saber”, e, por meio do diálogo entre conhecimentos,
abordar os fenômenos químicos e suas respectivas explicações científicas, acredito
ter conseguido sucesso (por exemplo, a utilização de experimentos como: o da
combustão, da eletrólise da água, da pilha de limão, da difração da luz branca), mas
refletindo por meio do Diário de Bordo, evidenciei que os mesmos experimentos (ou
estratégias) problematizadores não se conseguiram no que tange aos
conhecimentos sobre a epistemologia química.
Mais claramente, os aspectos como ruptura, provisoriedade e contradição no
processo de construção do conhecimento químico (segundo KUHN [1997]:
34
anomalias, ciência normal, comunidade de cientistas, revoluções científicas, etc.)
não sofreram um tratamento problematizador. Trazemos o seguinte trecho do Diário
de Bordo:
eu poderia de imediato trabalhar o texto Stahl ou Lavoisier?, mas para ser
coerente tinha que fazer um corte e historicizar a evolução do
conhecimento químico. Achei que a aula foi um pouco cansativa, uma vez
que só falei sobre História da Ciência até Stahl, eu fazia poucas perguntas,
resumindo a aula a minhas palavras. No próximo semestre, penso ser
melhor dividir essa historicização em partes menores e construir atividades
para cada fase da história da Química, com textos (para organizar os
conhecimentos) e com situações-problema específicos (Diário de Bordo,
1º/09/2005).
A problematização e a historicização dos conhecimentos foram
complementadas por uma abordagem das relações entre Química (Ciência) e a
sociedade. Concomitantemente, com o estudo dos modelos atômicos, foi
historicizado os efeitos desses conhecimentos em outras áreas do saber, mais
especificamente, o elétron foi relacionado com a eletricidade e o desenvolvimento de
produtos como lâmpada incandescente, geradores, telégrafos, transistores, etc.
O estudo do átomo e seus constituintes permitiu abordar a construção bomba
atômica, utilizamos um vídeo intitulado Dias que abalaram o mundo, o qual retratava
o primeiro teste nuclear e o ataque nuclear a Hiroshima (Dias que abalaram o
mundo: Londres, 2003). Já nesses momentos, optou-se pelo trabalho em grupo,
onde os alunos poderiam interagir entre si, como a experiência passada mostrava
necessária.
O acúmulo de discussões em sala de aula culminou no dia em que foi
mostrado um esquema (abaixo) no quadro e realizado a seguinte questão: Como
você entende a relação da Ciência (Química) e a sociedade? O esquema sintetizava
o que havíamos trabalhado até então.
Diário de bordo, 03/11/2005.
35
O esquema serviu para os alunos visualizarem o fenômeno na sua
totalidade: Ciência X Sociedade. Ao propor esta discussão em sala de aula,
consegui avançar um pouco na abordagem externalista da Ciência. Pois,
lembro que no início do semestre a professora titular enfatizou a Química
como a ciência que ao produzir cosméticos, remédios e outros produtos
melhoraram a vida do ser humano, a condição de vida da população,
tangenciando os aspectos obscuros dos produtos da Ciência (03/11/2005).
Entretanto,
muitos aspectos que eu abordei na minha fala deveriam estar
sistematizados num texto escrito, como a relação entre a Ciência e o
impacto de seus produtos no modo de produção social de uma época. Por
exemplo, a máquina à vapor, os motores elétricos, etc. estão relacionados
diretamente com as revoluções industriais, essas relações poderiam ser
melhor sistematizadas e evidenciadas para os alunos. [...] eles teriam mais
subsídios para construírem sua opinião sobre a questão que foi realizada
(03/11/2005).
A insuficiência de um tratamento mais elaborado (uso de recursos visuais,
textuais, etc.) no que diz respeito ao momento pedagógico de organização do
conhecimento (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1990), também, foi vivenciado na próxima
aula, onde que se buscava problematizar a relação entre a prática social dos
cidadãos e a produção-utilização dos conhecimentos científicos. A questão era: O
que podemos fazer para termos maior controle sobre os usos dos conhecimentos
científicos (químicos) na sociedade?
O questionamento inicial provocou várias discussões com os mais diversos
exemplos, como a qualidade da água, os conservantes encontrados nos
alimentos, agrotóxicos, etc. O questionamento foi válido no sentido em que
conseguiu problematizar nos alunos a responsabilidade social de pensar
sobre questões que comumente são deixadas apenas para os especialistas
(sejam cientistas ou funcionários do estado, refiro-me ao poder estatal de
forma geral). Acredito que esse foi um dos primeiros momentos onde todos
os alunos participaram, pois não faziam idéia de como responder a questão
(até então isso era um falso problema). Mas foi com alguns exemplos
cotidianos, que a turma conseguiu entender a relevância da questão, como
o uso de conservantes nos alimentos: Quantos dias dura um leite tirado in
natura? e um pasteurizado (de saquinho)? E um Longa Vida (de caixinha)?
Porque e o que determina esta diferença? Foram com questões
semelhantes que a questão inicial se tornou mais concreta e relevante
(Diário de Bordo, 09/11/2005).
36
Dessa forma, apresentamos as reflexões acerca das atividades pedagógicas,
da disciplina de Química, realizadas durante o segundo semestre de 2005, no
Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac.
37
CAPÍTULO III
TEORIA DO CURRÍCULO
O limiar do século XXI é anunciado por uma grande quantidade de avanços
científicos e tecnológicos, mal apreendemos cotidianamente os impactos da
transgenia e a sua aventura na manipulação das estruturas do DNA e somos
abalados pelas pretensões da nanotecnologia e dos seus robôs nanométricos.
A inventividade, a capacidade humana de apreender e transformar o mundo
natural tem promovido, além de um novo mundo, novas relações sociais para com
este mundo. Ao contrário da intelligentsia que postula o “fim da história” e a
estagnação da racionalidade humana, de sua capacidade de “criar o novo”, de fazer
história, o presente insiste em afirmar um ser humano capaz de materializar suas
idealizações.
Basta assistir um documentário contemporâneo sobre a biodiversidade das
profundezas oceânicas, para remontarmo-nos a um romance de Júlio Verne e a
suas estranhas criaturas marinhas. Ficção... realidade... a concretização de uma
idealização... o humano.
Entretanto, a capacidade humana de “criação do novo”, por exemplo,
materializada nas Ciências Naturais e em suas tecnologias, parece que só é
relevante e concreta quando, de alguma forma, “serve” para corroborar com a
exploração capitalista, ao passo que, para criar novas formas de relações sociais
alternativas à lógica “individualista e individualizante” do neoliberalismo, tal
capacidade torna-se débil, que digam os arautos da pós-modernidade.
Notadamente, o mesmo avanço produzido nas Ciências Naturais e em suas
tecnologias não teve correspondência no que diz respeito à estrutura social mundial.
O capitalismo contemporâneo, em sua fase imperialista
1
, mascarado pela chamada
1
A conjuntura atual do sistema capitalista de produção traz de volta os estudos sobre a relevância
conceitual deste termo (“imperialismo”) iniciados por Lênin. Alguns aspectos desta fase de
acumulação capitalista monopolista são: nela ocorre a exportação de mercadorias e, com a mesma
intensidade, a exportação de capital; grandes cartéis centralizam a produção e distribuição capitalista;
as economias capitalistas avançadas demarcam o mundo em zonas de influência; tal divisão promove
uma guerra intercapitalista, fruto do aumento da monopolização e da concorrência. Também se
38
política neoliberal, maximiza a pobreza e a miséria no planeta em busca de maiores
padrões de acumulação de capital.
Após o ligeiro sucesso do capitalismo mundial do pós-segunda guerra
mundial, nos anos 50-60, dirigido pela social-democracia européia e seu Estado do
Bem-Estar Social, veio a forte recessão e o processo inflacionário dos anos 70.
Nesse contexto de crise capitalista, ou seja, de redução das taxas de crescimento
econômico, o projeto político ideológico neoliberal obteve crédito, e foi adotado, por
partidos e governos, como um suposto remédio para a crise dos anos 70.
Perry Anderson descreve em linhas gerais os principais fundamentos
econômicos do programa neoliberal: os governos
[...] contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram
drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles
sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desempregos massivos,
aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e
cortaram gastos sociais, posteriormente, se lançaram num amplo programa
de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida
as indústrias básicas como aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água
(ANDERSON, 1995, p. 06).
Tais medidas adotadas, apesar de aumentar relativamente a taxa de lucro
das empresas, às custas do desmonte das leis trabalhistas e dos próprios sindicatos,
não conseguiram atingir seu objetivo principal que era a retomada do crescimento
econômico do capitalismo mundial, aos moldes dos índices dos anos 50-60.
Este “paradoxo” é abordado por Anderson: nestes países
[...] a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão importante no
programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a inversão
especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma
verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas
transações, puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio
mundial de mercadorias reais (ANDERSON, 1995, p. 10).
O projeto político-ideológico iniciado nos anos 70-80, e descrito, acima, por
Anderson, ainda é vivenciado no mundo de forma hegemônica, uma vez que, essas
destaca a luta dos países capitalistas desenvolvidos em frear (por meios econômicos e militares)
qualquer tentativa de desenvolvimento dos países capitalistas subdesenvolvidos. “As classes
dominantes dos países capitalistas adiantados tendem a aliar-se com as classes dominantes pré-
capitalistas dos países atrasados, e essa aliança impede que a burguesia consiga, nesses países,
provocar com êxito uma revolução burguesa que a leve ao poder de Estado. E sem o poder do
Estado, a burguesia local permanece fraca e o capitalismo continua subdesenvolvido (BOTTOMORE,
1988, p. 189)”.
39
reformas se evidenciam no capitalismo contemporâneo, onde o crescimento do
mercado financeiro não se dá com a mesma intensidade da expansão comercial
mundial, e menos ainda, do crescimento do setor produtivo.
Um aspecto prático dessa postura política neoliberal é o anseio do aumento
da produtividade do trabalho por meio da inserção de novas tecnologias no processo
de trabalho e da criação de novas formas de organização deste, contribuindo para
elevar os índices de desemprego
2
, promovendo com isso o desequilíbrio entre
produção-consumo, fator que pode explicar a redução do crescimento econômico,
pois a este se torna obstáculo e, também, um impulsionador de crises capitalistas
sistêmicas.
Em sua fase atual, o capitalismo mundial vai a qualquer custo em busca da
maximização das taxas de acumulação de capital, para isso, promove o aumento
excessivo da exploração e da precarização do trabalho, o corte em direitos
trabalhistas já adquiridos, a destruição de sistemas previdenciários e a diminuição
extrema dos salários.
O contexto mundial em geral, e o brasileiro em particular, é marcado pela
acentuação da dicotomia ricos-pobres. Não é caracterizado apenas pela
perpetuação de sociedades estratificadas, mas também, pelo agravamento das
contradições entre as relações sociais de produção e as forças produtivas nelas
encontradas, fato que promove o crescimento da exclusão social, da violência, da
criminalidade e do desemprego.
É nessa conjuntura que se encontra a sociedade brasileira, mostra-se como
uma sociedade essencialmente contraditória, onde a maioria da população é
excluída dos benefícios e da riqueza produzidos por ela, ou seja, apenas uma
pequena parcela da sociedade detém o equivalente que é adquirido por 50% da
população nacional
3
.
2
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) existem atualmente cerca de 1,2 bilhões de
desempregados e subempregados no mundo (A classe operária, 2005, p. 03).
3
“O 1% mais rico da população acumula o mesmo volume de rendimentos dos 50% mais pobres e os
10% mais ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres. Metade dos trabalhadores
brasileiros ganha até dois salários mínimos e mais da metade da população ocupada não contribui
para a Previdência. As desigualdades de rendimento acarretam muitas outras: 80% dos domicílios
dos 10% mais ricos têm saneamento adequado, contra um terço dos 40% mais pobres; existem mais
de 30% de empregados sem carteira entre os 40% mais pobres e apenas 8% entre os 10% mais
ricos; o percentual de estudantes de nível superior, de 20 a 24 anos, também é bastante desigual nos
dois grupos, de 23,4% e de 4%, respectivamente (http://www.ibge.gov.br/ capturado dia 22/03/2006)”.
40
Dessa forma, “situamos” a escola e os conteúdos transmitidos por ela nesse
cenário, cenário de uma sociedade complexa, socialmente desigual e injusta, que se
apresenta ao educador crítico como um desafio com a mesma magnitude da própria
história desta sociedade.
Neste processo, encontramos consonância do aporte teórico de Michael
Apple com as nossas questões de pesquisa, as quais expressam-se na
problematização das relações entre conhecimento escolar e estrutura econômica.
São nessas circunstâncias que Apple vai inferir que o problema do
conhecimento educacional, não é analítico, não é técnico, não é psicológico, e sim
ideológico.
Em termos mais claros, o conhecimento manifesto e oculto encontrados
nos equipamentos escolares, e os princípios de seleção, organização e
avaliação desse conhecimento, são seleções, dirigidas pelo valor, de um
universo muito mais amplo de conhecimento possível e princípios de
seleção. Portanto não devem ser aceitos como dados, mas
problematizados [...] de modo que possam ser rigorosamente examinadas
as ideologias sociais e econômicas e os significados padronizados que se
encontram por trás deles (APPLE, 1982, p. 72).
Assim, é no contexto da sociedade brasileira socialmente estratificada e
imersa sob as contradições capitalistas (Capital X Trabalho), situamos os
questionamentos de Michael Apple para refletir sobre quais os conteúdos escolares
necessários para a sociedade contemporânea. Para “quem” servem os
conhecimentos? Quem selecionou esses conhecimentos? E por que não são
outros?
Além de questionarmos a “origem” e a “legitimidade” dos conhecimentos
atualmente transmitidos pelas escolas, colocaríamos o questionamento de Michael
Apple: qual a relação que esses conhecimentos possuem com a dinâmica da
reprodução do modo capitalista na sociedade?
Para isso, primeiramente, consideramos a escola como um mecanismo de
distribuição cultural e, questionamos em que medida essa cultura distribuída
corrobora com a hegemonia ideológica, exercida pelas classes dominantes, por meio
das funções sociais latentes ou manifestas do conhecimento transmitido nas
escolas.
Ao empregarmos a metáfora “distribuição”, temos atenção para a forma
desigual com que é distribuído o conhecimento entre as diferentes classes sociais ou
grupos sociais, com distintos poderes na sociedade. Concordamos com a afirmação
41
de Apple que diz que “alguns grupos possuem acesso ao conhecimento que lhe é
distribuído e que não é a outros [...] [a] falta de determinados tipos de conhecimento
[...] relaciona-se, sem dúvida, à ausência, nesse grupo, de determinados tipos de
poder político e econômico na sociedade (APPLE, 1982, p. 29)”.
Dessa forma, se estabelece uma relação entre conhecimento e poder, dentro
e fora da escola. Por isso, cabe uma análise “do modo como os tipos de símbolos
organizados e selecionados pelas escolas estão dialeticamente relacionados ao
modo como determinados tipos de estudantes são organizados e selecionados e,
finalmente, estratificados econômica e socialmente (APPLE, 1982, p. 29)”.
As escolas (instituições) engendram o conhecimento que vai ser distribuído
com base na seleção e organização de uma totalidade de conhecimentos
encontrados num certo momento histórico, por isso devemos atribuir e a esse
processo uma “função ideológica” (latente ou explicita). Ou seja, por que um
determinado conhecimento deve ser ensinado e não outro?
Para Apple,
... as formas de conhecimento (tanto os tipos declarado quanto oculto)
encontradas nos equipamentos escolares implicam noções de poder e de
recursos e controle econômico. A própria escolha do conhecimento escolar,
o ato de projetar contornos escolares, embora possam ser feitos de forma
não consciente, freqüentemente se baseiam em pressuposições
ideológicas e econômicas que fornecem as regras do senso comum para o
pensamento e a ação dos educadores (APPLE, 1982, p. 74).
Nesse contexto de “função ideológica”, concordamos com Apple que os
professores e agentes escolares podem não ter a convicção e a consciência de
estarem “exercendo esta função”. Nossa prática, no IEEOB, nos reservou um
momento de reflexão sobre este aspecto, o qual transcrevo a seguir:
sobre o capitalismo em que nós vivemos atualmente, eu li uma revista
bastante interessante que explica que o capitalismo na verdade é a própria
essência do ser humano, pois ele sempre quer ter algo que é seu, quer ser
individual e competitivo (Diário de bordo, 23/09/2005).
Essa fala foi defendida numa reunião com todos os professores do curso,
onde o módulo 1 apresentava a sua proposta de projeto para as aulas não-
presenciais denominado “Evolução Humana”. A disciplina de Geografia decidiu
abordar a história do desenvolvimento dos modos de produção social, e essa fala
explicitou a concepção do capitalismo contemporâneo que por ela foi desenvolvida
nas aulas.
42
Dessa intervenção escrevi, logo que cheguei em casa, algumas idéias
Um dia antes eu pensava que meus alunos eram ingênuos e
intelectualmente submissos produzindo práticas acríticas, e agora o que eu
vou dizer dessa professora, que, supostamente, leu numa revista. Claro
que no campo filosófico existem escolas diferentes de pensamentos, seja
neoliberal ou marxista, mas daí ler numa revista qualquer é bem diferente.
A respeito disso não sei o que fazer... o que me veio no pensamento é que
tenho que fazer da minha prática docente um meio para abordar valores
éticos que, urgentemente, se contraponham a essa posição defendida, e se
for preciso abordar questões que fujam da Química talvez eu faça (Diário
de Bordo, 23/09/2005).
Tais reflexões, no âmbito ideológico, também, nos levam a abordar outro
conceito fundamental para as discussões curriculares, o de “hegemonia”, resgatado,
por Apple, de Antonio Gramsci para melhor investigar as relações entre a
reprodução cultural e a reprodução econômica, entendendo-as como dialéticas e
afastando qualquer análise baseada numa relação mecânica e direta entre cultura e
estrutura econômica.
Hegemonia é a forma como as sociedades capitalistas ditas democráticas (as
que não se organizam sob a forma de Ditaduras Cívico-Militares explícitas), se
mantém “coesa” e que, mesmo mergulhadas em contradições sociais como a
miséria de muitos e a riqueza de poucos, não têm sua estrutura econômica
radicalmente alterada. É uma espécie de consenso geral, ideologicamente exercido
pelas classes dominantes afim de manutenir o referido status quo.
A educação como momento de mediação, entre o ser humano, a cultura e o
seu processo de desenvolvimento histórico, é um lócus de disputa pela hegemonia,
que pode tanto corroborar com a conservação das atuais relações sociais, como
pode conduzir a ações de caráter contra-hegemônicas.
Nesse contexto, Apple enfatiza que “a hegemonia é produzida e reproduzida
pelo corpus formal do conhecimento escolar, assim como pelo ensino oculto[,] a
tradição e incorporação seletivas atuam no conhecimento manifesto, de modo que
alguns significados e práticas são escolhidos como importantes e outros são
menosprezados, excluídos, diluídos ou reinterpretados (APPLE, 1982, p. 125)”.
A crítica radical à legitimidade do conhecimento escolar é para Apple um
ponto de partida essencial para a investigação curricular, pois “não deve ser aceito
como dados, mas problematizados [...] de modo que possam ser rigorosamente
43
examinadas as ideologias sociais e econômicas e os significados padronizados que
se encontram por trás deles (APPLE, 1982, p. 72)”.
Se, num primeiro momento, Apple é enfático no papel do conhecimento
escolar para a reprodução hegemônica, e nesse caso ele justifica com a
essencialização do conhecimento técnico (ao invés do estético, por exemplo) e a
própria concepção de “Ciência” na seleção-organização do conhecimento escolar,
num segundo, suas investigações também o reconhece como uma possibilidade de
ser contra-hegemônico.
O que leva Apple a essa consideração é o fato das escolas serem locais de
distribuição cultural, mas, também, espaços de produção cultural, de produção de
conhecimentos. Assim, da mesma maneira que as ideologias sobre ela operam,
nela, também, são “construídas”.
Diríamos que a relevância da categoria conceitual Hegemonia se dá no
momento em que ela for entendida como categoria histórico-dialética, diretamente
ligada à realidade a qual procura descrever. Tal desligamento a torna mera
abstração.
O próprio Gramsci já indicava isso na sua teoria quando desenvolveu o
conceito de Bloco Histórico, onde afirmava que “as forças materiais são o conteúdo
e as ideologias são a forma - sendo que essa distinção entre forma e conteúdo é
puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente
concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças
materiais (GRAMSCI, 1989-a, p. 63)”.
Se Ideologia é forma, seu conteúdo é a prática social. Apple superou qualquer
tipo de idealismo, pois não reduziu mecanicamente todos os fenômenos sociais à
meros resultados de pressões ideológicas das classes dominantes e da economia
capitalista, embora não se negue a existência delas.
Assim, chegamos numa compreensão de “possibilidade-limite”, como
descreve Apple:
[A hegemonia] não é uma forma de consciência falsa imposta pela
economia. Ao invés disso, ela é parte de uma cultura vivida que é resultado
das condições materiais de nossas práticas cotidianas. É um conjunto de
significados e práticas que na verdade contém tanto elementos de bom
senso quanto elementos reprodutivos (APPLE, 1989, p. 42).
Uma vez que a ideologia é forjada na e pela prática social, Apple pôs-se a
investigar essas relações nos locais de trabalho “fora da escola”. Seu trabalho
44
consistiu na investigação das formas organizativas de trabalho e a sua relação com
a estrutura de produção capitalista.
Ele constatou, em exemplos concretos, várias formas de resistências nos
locais de trabalho. Embora a gerência capitalista empregada sobre os trabalhadores,
por meio do controle técnico e ideológico, sejam eficientes, elas não conseguem se
estabelecer plenamente.
Apple evidencia formas de “resistência cultural” às imposições capitalistas, de
modo a confirmar sua tese de que a esfera cultural não é totalmente redutível à
econômica, pois “pelo mero fato de que o capital gostaria de tratar os trabalhadores
como robôs não significa que eles sejam robôs (Paul Willis, apud APPLE, 1989, p.
101)”.
No local de trabalho emergem formas de práxis que corroboram com as
relações capitalistas de produção ao passo que podem também afrontá-las. Apple,
conclui que “em quase toda a situação real de trabalho, haverá elementos de
contradição, de resistência, de autonomia relativa, que têm potencial transformativo
(APPLE, 1989, p. 102)”.
O autor estende essa análise, também, para a escola, o que cabe considerá-
la, então, como espaço de reprodução-contestação. Assim, a hegemonia ideológica
emerge na e com a prática social, na escola, no local de trabalho, na comunidade,
etc..., de forma geral, ocorre em todos os níveis da totalidade social, levando consigo
as contradições dessas relações.
Definitivamente, estrutura econômica não pode por si só impor e manter as
relações capitalistas de produção, não existe uma relação de “correspondência”
direta entre o fator econômico e o cultural. Por isso, a Escola e os conhecimentos
escolares ocupam papel fundamental na manutenção destas relações, só que Apple
reconhece que esse processo é contraditório e conflituoso, ou seja, é passível de
resistências, e se estabelece como lugar em disputa.
3.1. Pressupostos educacionais para Jovens e Adultos
Durante uma reunião de estudos dos professores da EJA (Diário de Bordo,
16/09/2005) foi-nos apresentado um texto para leitura coletiva sobre a formação de
45
competências e habilidades como princípio educativo. Num certo trecho, o texto
descrevia o ato de aprender a dirigir (guiar um automóvel), onde era necessário
mobilizar diferentes habilidades cognitivas para o enfrentamento dessa situação
prática, isto é, dirigir. No momento da leitura, foram dadas atenção e ênfase a esse
trecho do texto como forma de apresentar com mais clareza, por parte da nossa
coordenadora pedagógica, a proposta pedagógica do curso da EJA do IEEOB, a
qual é voltada para a “formação de competências”.
Durante essa reunião alguns professores disseram entender-se como
“professores tradicionais”, ou seja, em suas aulas, davam ênfase aos conteúdos, aos
conhecimentos, ao invés de guiarem-se pelas competências.
Da forma como foi apresentada a “formação de competências”, não restaram
dúvidas sobre o seu reducionismo psicológico. Que os alunos jovens e adultos
devam desenvolver, por meio da aprendizagem, suas funções cognitivas, não temos
dúvida, entretanto, na prática social concreta dos professores, essa postura tem
influenciado uma concepção dicotômica entre conhecimento e competência, tendo
essa última assumido o objetivo central do ensino.
O estudo desses referenciais teóricos (sobre formação de competências), em
nossas reuniões da EJA, abriu margem para a proposta curricular, por parte de
alguns colegas de módulo, da realização de “dinâmicas de grupos”, por meio de
aplicação de técnicas de dinâmicas de entrosamento, de apresentação e de
sensibilização. Tais técnicas tinham o intuito de promover a sociabilização, a
criatividade e o empreendedorismo, bem como, ajudariam os alunos a aprender a
“falar em público”.
Após a reunião, onde foram estabelecidas estas atividades, escrevi no Diário
de Bordo o seguinte:
Olhando agora com mais calma, não me surpreendo muito com o fato
dessa proposta ter partido de meus colegas. No semestre passado, foi
distribuído um texto sobre formação de habilidades e competências. Nesse
texto, que fazia parte de nossa formação profissional, a autora compara as
habilidades com os requisitos cognitivos necessários para “guiar um
automóvel” e de certa maneira estas técnicas motivacionais têm o mesmo
significado, elas entram neste jogo psicologizado e por ele tem
determinado o seu limite ideológico. Podemos memorizar e com a prática
mecanicamente interiorizar os aspectos cognitivos que nos permitam “guiar
um automóvel”, mas isso não significa que entendamos o seu processo de
produção e as múltiplas determinações histórico-culturais que lhe dão
concretude. Minha proposta é lutar pela última abordagem (Diário de
Bordo, 19/04/2006).
46
A abordagem adotada pelo coletivo de professores da EJA, tendo por base a
formação de competências e habilidades, remete à investigação de um princípio
educacional condizente com a realidade de nossos alunos, a maioria operários e
desempregados.
A prática social no seio do coletivo de professores da EJA problematizou as
minhas próprias concepções acerca da educação. Além da Formação de
Competências, outro aspecto foi a escolha do eixo temático correspondente ao
primeiro semestre de 2006. Após a investigação da realidade e dos anseios de
nossos alunos, os professores, por meio de discussões, estabeleceram o tema do
eixo como: “EJA e mundo do trabalho”.
Depois de ficar claro e consensual para nós que os desejos dos nossos
alunos eram a obtenção de um emprego e de qualificação para o mesmo, iniciou-se
uma discussão sobre quais seriam os objetivos do curso da EJA a partir dessa
realidade posta. Este processo de construção coletiva do eixo temático produziu um
denso diálogo, o qual faço menção de alguns aspectos.
Neste dia,
[...] como já estava participando do grupo durante o semestre passado e
senti um clima amistoso entre eu meus colegas, pedi a palavra e mencionei
o uso do certificado de conclusão do ensino médio como instrumento de
legitimação do desemprego ou da falta desse. Problematizei que para
trabalhos simples como o de Gari, exigiam formação média, entretanto
questionei se essa exigência não era apenas para diminuir o número de
inscritos para a seleção nessa profissão (para a disputa de vagas), ou seja,
o certificado de conclusão da EJA seria mais um critério de exclusão social
no processo de procura por emprego, pelo menos neste caso (Diário de
Bordo, 12/04/2006).
Mesmo correndo o risco de citar esse exemplo, fazendo com isso um recorte
específico na totalidade social brasileira no que diz respeito ao mundo do trabalho,
tinha a clareza de que queria fazê-lo no intuito de elevar a discussão sobre as
relações entre o trabalho e a educação a outros patamares, ou seja, à estrutura
econômica mais ampla.
Mesmo tendo iniciado a problematização das relações econômicas mais
amplas, as demais intervenções vieram no sentido de promover a qualificação para
o trabalho, “embora tenha feito essa e outras intervenções o debate caiu em torno
das competências e habilidades. As sugestões dos PCN’s se materializam direitinho
na EJA, nesse momento senti a força que os PCN’s têm na escola (Diário de Bordo,
12/04/2006)”.
47
Contra estas concepções psicologizantes do currículo, fiz uma intervenção
mais no final das discussões onde tentei sintetizar as duas dimensões que
os diálogos assumiram, ou seja, primeiro: nossa atuação deveria ser de
levantar questões mais amplas e conjunturais sobre o emprego no Brasil,
isto é, uma visão do emprego por meio do funcionamento do capitalismo; e
segundo: seria nossa tarefa desenvolver habilidades que ajudassem os
alunos na procura e obtenção de emprego (Diário de bordo, 12/04/2006).
Nessa reunião, ficou claro que eu fazia uma certa oposição a uma abordagem
do problema emprego que ficasse reduzida a uma pedagogia profissionalizante, ou
de qualificação para o trabalho. A minha intervenção influenciou outros professores
que também contribuíram nessa linha de abordagem do problema.
Neste contexto,
... uma das frases que gravou na memória foi a que a Profª. de Química
explicitou, ela disse: mesmo que todos os nossos alunos encontrem-se
qualificados isso não significa que todos tenham empregos. Ela fazia
alusão a questões mais amplas, mais estruturais. Mesmo que essa frase
hipotética expresse, ou tente expressar, as múltiplas relações que
condicionam a demanda de empregos no Brasil e no mundo, ela não deixa
de ser ideologicamente comprometida, ou seja, da mesma forma hipotética
eu poderia dizer: se todos os trabalhadores resolvessem não trabalhar, o
patrão teria lucro? Quem iria gerar os seus lucros? A primeira hipótese
pode naturalizar a falta de empregos ao passo que a segunda problematiza
as relações de classe e é, ao contrário da primeira, aliada ideológica dos
trabalhadores, a eles pertencem, fala a partir deles (Diário de bordo,
12/04/2006).
Com estas e outras vivências na e com a prática pedagógica no curso da
EJA, surgiram problemas que nos implicaram na reflexão sobre a natureza do
processo educacional, e que abrangesse as relações entre a Educação e o mundo
do trabalho.
Aqui, voltemos às questões de pesquisa: quais são os conhecimentos que
devemos abordar com esses alunos jovens e adultos tendo por base sua realidade
social, seus anseios em relação ao mundo do trabalho? Faz-se necessária uma
abordagem centrada nas relações entre Ciência Química e Sociedade?
Como vimos anteriormente, a realidade mundial, e a brasileira em particular, é
marcada pelo desemprego massivo, fator que leva os alunos a buscarem na escola
capacitação para o trabalho e para o enfrentamento desse cenário de disputa
interproletária por posições empregatícias.
Esse fato nos remete as seguintes proposições: a) A escola deve preparar os
alunos jovens e adultos para o trabalho, isto é, assumir uma dimensão
profissionalizante; b) A escola nada tem a ver com a profissionalização, devendo,
48
assim, fundar-se na cultural geral, assumindo-se como escola de formação
humanística.
É nesse contexto, que assumimos as reflexões de Gramsci sobre a escola
diante deste impasse de relacionar o mundo do trabalho com o mundo da cultura.
Para Gramsci (1978, p. 118), a revolução industrial ao transformar a vida no campo
e na cidade, exigiu um novo tipo de formação intelectual, fato que provocou a crise
da escola tradicional de cultura humanista e abriu espaço para a escola tecnicista
ligada diretamente aos interesses da produção. Entretanto, sem menosprezar a
relevância da formação cultural geral humanista e, menos ainda, dos processos
produtivos modernos, a saída vislumbrada por Gramsci foi a de uma Escola Unitária,
a qual deveria compreender essas duas dimensões (Trabalho-Cultura).
Cabe indagar, então: quais os fundamentos e as características dessa
proposta unitária? Ao estudar a implementação do Fordismo na América (EUA),
Gramsci (1989-b, p. 406-407) percebe que a necessidade da organização produtiva
fordiana implica numa certa liberdade para os trabalhadores, pois não estariam
submetidos apenas à coerção direta, e sim à coação combinada com altos salários.
Neste contexto, evidenciava-se a possibilidade de os trabalhadores melhorarem de
vida, isto é, “de alcançar[em] o nível de vida adequado aos novos modos de
produção e de trabalho (GRAMSCI, 1989-b, p. 407)”.
Entrementes, no Fordismo, sob a égide capitalista, essa liberdade é logo
objeto de coerção. O alto salário vinha juntamente com a necessidade de controle,
por parte dos industriais, sobre o seu gasto “racional”. Destacavam-se medidas de
controle sobre a boemia, o uso de bebida alcoólica e o sexo, a fim de preservar, fora
da fábrica, a integralidade do operário necessária ao processo de produção. Esse
fato leva Gramsci a observar que “os novos métodos de trabalho estão
indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e sentir a
vida; não é possível obter êxito num campo se obter resultados tangíveis no outro
(GRAMSCI, 1989-b, p. 396)”.
Essa compreensão da relação dialética entre trabalho e cultura é evidenciada
por Gramsci ao afirmar que
[os] industriais norte-americanos compreenderam muito bem esta dialética
inerente aos novos métodos industriais. Compreenderam que “gorila
domesticado” é apenas uma frase, que o operário continua “infelizmente”
homem e, inclusive, que ele, durante o trabalho, pensa demais ou, pelo
menos, tem muito mais possibilidade de pensar, principalmente depois de
49
ter superado a crise de adaptação. Ele não só pensa, mas o fato de que o
trabalho não lhe dá satisfações imediatas, quando compreende que se
pretende transformá-lo num gorila domesticado, pode levá-lo a um curso de
pensamentos pouco conformistas. A existência desta preocupação entre os
industriais é comprovada por toda uma série de cautelas “educativas”, que
se encontram nos livros de Ford e de Philip (GRAMSCI, 1989-b, p. 404).
Com isso, constata-se que o processo de organização produtiva implica numa
certa liberdade histórica ao trabalhador, a qual é imediatamente objeto de
“preocupação” dos industriais, ou seja, necessidade e liberdade são dicotomizadas
pelo capitalismo, então, cabe ao processo educativo e político implementar essa
unidade.
Isso leva Gramsci a situar a luta pela liberdade (concreta) dentro da esfera
produtiva (da necessidade), isto é, esperar que a liberdade dos trabalhadores se
materialize com a superação futura das contradições capitalistas é idealismo utópico,
pois isso é tarefa para o agora, para o presente. A liberdade deve ser pensada no
seio da necessidade, e é vinculado a este projeto sócio-político que ele vai propor o
trabalho como princípio pedagógico para a escola unitária.
Mas quais as características desta escola unitária? Em que consiste a
assunção do trabalho como princípio educativo? A Escola Unitária (elementar e
média) caracteriza-se pelo seu caráter “desinteressado”, a qual é ulteriormente
complementada pela Escola Profissionalizante, essa sim, “interessada”.
O termo “desinteressado” diz respeito à escola de formação humanística, de
cultural geral, sem fins imediatos e utilitaristas, ou seja, que não “interesse” a
determinados estratos sociais, mas é um conjunto de saberes e valores relevante
(que “interessa”) para a humanidade em sua totalidade. Além disso, cabe dizer que
essa formação cultural difere da cultura tradicional enciclopédica, como exorta
Gramsci:
É preciso desacostumar-se e parar de conceber a cultura como saber
enciclopédico, para a qual o homem é um recipiente a ser enchido e no
qual devem ser depositados dados empíricos, fatos brutos, e
desarticulados [...]. Esta forma de cultura é realmente prejudicial sobretudo
para o proletariado [...]. Esta não é cultura, é pedanteria, não é inteligência,
é intelecto; e contra ela com razão se deve reagir. A cultura é algo bem
diferente. É organização, disciplina do próprio eu interior, é tomada de
posse de sua própria personalidade, é conquistar uma consciência
superior, através da qual consegue-se compreender seu próprio valor
histórico, sua própria função na vida, seus direitos e seus deveres
(Gramsci, apud NOSELLA, 2004, p. 44).
50
E essa cultura “desinteressada” tem na última fase da escola unitária, o
Ensino Médio, a intencionalidade de “criar os valores fundamentais do ‘humanismo’,
a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias para uma posterior
especialização (GRAMSCI, 1978, p. 124)”, quer seja na universidade, ou na esfera
produtiva. Nessa fase, os elementos e métodos criativos das ciências, das artes, etc.
deixam de ser privilégio da Universidade para serem estudados na escola, tornando-
a uma escola “criadora”, onde se tende a “expandir a personalidade, tornada
autônoma e responsável, mas com uma consciência moral e social sólida e
homogênea (GRAMSCI, 1978, p. 124)”.
Esta escola criadora
não significa escola de “inventores e descobridores”; ela indica uma fase e
um método de investigação e de conhecimento, e não um “programa”
predeterminado que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo.
Indica que a aprendizagem ocorre notadamente graças a um esforço
espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas
uma função de guia amigável...(GRAMSCI, 1978, p. 124).
Mas a escola unitária, de cultura “desinteressada”, participativa e criativa se
articula sobre o trabalho como princípio educativo. Em que consiste isso? Escola de
cultura “desinteressada” não significa escola neutra ideologicamente, significa que a
sua unitariedade está no fato de que o trabalho industrial moderno, a sociedade
industrial moderna, é a sua fonte de inspiração.
A escola unitária deve buscar “fora dela”, na prática social dos alunos, em
suas vivências coletivas e individuais na sociedade moderna, os elementos que a
complementam. A prática educativa escolar ao ligar-se à realidade concreta, ao
trabalho industrial moderno, busca superar as práticas enciclopedistas, pois os
conhecimentos não são abordados de forma abstrata, mas, ao contrário, são
relacionados com a realidade cotidiana. É com a apreensão do conhecimento
(cultura) elaborado que a realidade prática dos jovens e adultos se mostra mais
“rica”. A questão essencial é a busca pela unitariedade, a ligação orgânica, entre
escola e sociedade (o mundo industrial moderno).
Assim, Escola “desinteressada” não se pretende neutra, pois intenciona, por
meio da cultura, ensinar a “enfrentar” o mundo do trabalho. Não é construindo no
seio escolar uma pequena empresa ou uma cooperativa, mas é trazendo para a
escola os conflitos e os processos que marcam a natureza do trabalho humano
contemporâneo, afim de problematizá-los, criticá-los por meio da História e da
Política.
51
Embora sob o regime social capitalista o trabalho apresente-se como objeto
de exploração que reduz grande parte da população ao reino da necessidade, para
Gramsci o trabalho, como princípio educativo, deve ser apreendido como momento
histórico imediato de luta pela liberdade. Daí que
a tendência democrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em
que um operário manual se torne qualificado, mas em cada cidadão possa
se tornar governante e que a sociedade o coloque, ainda que
abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo: a democracia
política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido de
governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada
governado a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação
técnica geral necessárias ao fim de governar (GRAMSCI, 1978-a, p. 137-
grifos do autor).
Assim, a cultura “dessinterada” da escola unitária, intenciona a formação do
ser humano onilateral, que, por meio da Ciência, da Arte, da Literatura, aborde
valores ético-culturais necessários para que os educandos se tornem ativos-criativos
e qualifiquem suas práticas sociais, e, dessa forma, em condições “culturais” de
“governar” enfrentem de forma crítica os desafios do mundo do trabalho.
3.2. O currículo, a prática pedagógica e o contexto da Hegemonia.
A prática docente na EJA, como mencionado, problematizou as relações
sobre a educação e o mundo do trabalho. Constatamos que os alunos jovens e
adultos “trazem” para a sala de aula o desejo de qualificarem-se para o trabalho, e
nesse contexto, evidenciamos uma certa concepção de que escolaridade produz
empregabilidade. Vimos, também, que as competências e habilidades, como
princípio pedagógico, implicam na ênfase sobre os aspectos psicológicos da prática
educativa e do currículo.
É nesse cenário vivenciado que encontramos as contribuições de Michael
Apple e de Antonio Gramsci, ou seja, os conhecimentos escolares se relacionam
com a estrutura econômica, implicando na crítica ideológica dos mesmos. Em
Gramsci, a prática pedagógica, também, pode se relacionar com a reprodução
econômica, igualmente imersa em funções ideológicas.
Os dois autores utilizam o conceito de Hegemonia. Nas relações entre Cultura
e Mundo do Trabalho, Apple percebe que os trabalhadores, mesmo sob coerção no
52
processo de trabalho, promovem “resistências” culturais, ou seja, que o capitalismo
deseje que os operários fossem robôs, não significa que eles o sejam.
Em Gramsci, vimos que por mais que os industriais pretendam fazer dos
trabalhadores “gorilas domesticados”, eles, ao superarem a crise de adaptação,
continuam “homens”, continuam “pensando” e questionando as contradições nas
quais estão submetidos.
Se existe resistência é porque igualmente existe prostração, tentativa de
domínio, seja pela coerção ou pelo consentimento. O que nos leva a abordar o
conceito de hegemonia é o fato de percebermos in locus, nas discussões entre os
professores, os aspectos ideológicos nos quais a construção curricular estava
imersa.
A saber: escola como qualificadora para o trabalho (a escola é um novo
SENAI, SENAC, etc.?), escolaridade como empregabilidade (e os aspectos
estruturais da economia?), EJA como certificação (apenas? E o seu conteúdo
formativo?), competências como exigência do mundo do trabalho (...pragmáticas?).
No processo de pesquisa não se levou para a escola uma “realidade” prévia,
nem mesmo uma presuntiva hegemonia, aliás, a pretensão dialética da pesquisa
pressupõe que a prática social seja o critério de verdade e não elucubrações
apriorísticas.
Dessa forma, torna-se oportuno localizar o currículo e a prática educativa no
terreno da hegemonia social (uma vez que, esse conceito é um instrumento
fundamental para os estudos das relações entre Cultura e Trabalho) que,
dialeticamente, pressupõe uma contra-hegemonia, assim como, toda a “resistência”
pressupõe uma “tentativa de domínio”, coercitiva ou consensual.
O estudo da hegemonia é inerente ao do modo de produção social (veja
apêndice B e C). E é nesse âmbito que Gramsci, valendo-se do materialismo
dialético, utiliza as categorias conceituais infra-estrutura e superestrutura, onde a
infra-estrutura é formada pelas relações de produção estabelecidas pelos indivíduos
e pelas relações de classe existente entre eles, enquanto a superestrutura é o
53
conjunto de sentimentos e de modos de pensar que emergem desta estrutura, ou
seja, o Estado (poder jurídico-político), a ciência, a ideologia, a arte, a moral, etc.
Superestrutura e infra-estrutura se relacionam dialeticamente formando um
bloco histórico, onde as alterações em uma esfera implicam em efeitos na outra,
relacionando-se e produzindo-se historicamente.
Assim, na concepção gramsciana, o Estado, uma superestrutura, constitui-se
dialeticamente pela união da sociedade civil, “o conjunto de organismos chamados
comumente de ‘privados’ (GRAMSCI, 1978, p. 10)”, responsável pela hegemonia
(consentimento social) que um grupo dominante exerce sobre toda sociedade e pela
sociedade política, o “governo jurídico (GRAMSCI, 1978, p. 11)”, responsável pelo
comando direto por meio da coerção (normas, leis, polícia, exército, prisão...). Deve
ficar claro que essa divisão é puramente didática, nas sociedades reais estas duas
esferas interagem e complementam-se (veja o Apêndice B).
O comando, ou a direção política-cultural, de uma classe fundamental sobre o
restante da totalidade social é exercido nas duas esferas de forma simultânea e
complementar, ou seja, quando o consentimento social é forte (hegemonia), a
coerção é mínima, mas quanto mais fraco for o consentimento social, mais
fortemente é exercida a coerção “legal” sobre os grupos que não “consentem” o seu
conteúdo “ético”. Dessa forma, o Estado se expressa como hegemonia revestida de
coerção, um equilíbrio de forças entre sociedade civil e sociedade política, a fim de
promover o consenso acerca de uma determinada condição infra-estrutural (esfera
da produção).
Mas em que consiste a hegemonia? E como se processa?
Para isso, tomemos nosso exemplo concreto: os anseios de alunos jovens e
adultos em relação ao mundo do trabalho, os quais se materializam na concepção
de que escolaridade é igual a empregabilidade. No contexto atual, perguntemos
como as sociedades “democráticas” conseguem conviver com o elevado índice de
desemprego, mantendo sua “harmonia” social? Como o desemprego, que provém da
infra-estrutura (esfera produtiva), adquiri legitimidade?
De fato, o Estado não se restringe à coerção direta policialesca, a medida em
que não se instala, em momentos de crise orgânica, uma ditadura declarada, pois
ele também “educa”, por meios de órgãos “privados” da sociedade civil, este
consenso social acerca da “inevitabilidade” ou da “legitimidade” do desemprego.
54
Nesse contexto, a concepção escolaridade = empregabilidade pode estar
cumprindo um papel relevante nessa hegemonia se contribuir para reduzir as causas
do desemprego ao fracasso intelectual, a desqualificação dos jovens e alunos para o
trabalho, isto é, se mascarar os aspectos infra-estruturais do modo de produção
capitalista.
Assim, a escola como distribuidora da cultura (Ciências, Artes, Literatura,
Política, etc.) ocupa, no seio da sociedade civil (veja o apêndice C), uma posição
estratégica na disputa pela hegemonia social, isto é, hegemonia como um conjunto
de valores e concepções de mundo necessárias ao consenso, pelos quais a classe
fundamental exerce sua direção ideológica
4
sobre toda a complexa esfera da
sociedade civil. A hegemonia “unifica” e torna “coeso” o bloco histórico.
Para isso, Portelli (2002, p. 28) destaca que o aspecto essencial da sociedade
civil consiste na sua organização interna, por meio da qual a classe fundamental
dirigente propaga sua ideologia. Ele destaca o que Gramsci denomina de “estruturas
ideológicas” da classe dirigente, que pertencem a essa estrutura, não apenas as
organizações propagadoras de ideologia, mas, sobretudo, todos os meios de
comunicação social, bem como, todos os instrumentos capazes de influenciar direta
ou indiretamente a “opinião pública”.
Destacam-se, no seio da sociedade civil, (PORTELLI, 2002, p. 29) as
organizações divulgadoras, as que carregam consigo uma “fração cultural”, e as
culturais propriamente ditas (e essenciais), como: a Igreja, a Escola e a Imprensa, as
quais difundem o “material” ideológico pelos meios de comunicação audiovisual
(teatro, cinema, rádio, televisão, etc.) e de comunicação escrita (livros, jornais,
revistas, etc.).
Dessa forma, a hegemonia social exercida pela classe fundamental é
responsável pela articulação interna do bloco histórico (entre a infra-estrutura
econômica e a superestrutura política-ideológica), fato que torna pertinente saber:
como a hegemonia se processa?
Neste contexto, Gramsci (1978, p. 06-07) constata o grave erro metodológico
em investigar o papel dos intelectuais a partir do âmago de sua atividade, pois se
4
“[...] que se dê ao termo ‘ideologia’ o significado mais alto de uma concepção do mundo, que se
manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de
vida individual e coletiva (GRAMSCI, 1989-a, p. 16)”.
55
deve investigá-lo segundo a sua função em relação ao conjunto das relações sociais
nas quais a atividade intelectual está inserida.
Dessa forma, ele destaca que
[c]ada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que
lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no
campo econômico, mas também no social e no político...(GRAMSCI, 1978,
p. 03).
Esses intelectuais
5
orgânicos (funcionais, vitais), sejam os ligados à classe
dirigente, que detém o domínio econômico, atuam como “comissários” da
superestrutura, tendo a função de criar uma concepção de mundo necessária à infra-
estrutura, em outras palavras eles dão organicidade ao vínculo entre superestrutura
e infra-estrutura, “soldam” esses elementos do bloco histórico, ao processarem a
hegemonia social.
A atuação dos intelectuais orgânicos prolonga-se por toda a esfera social,
desde os mais ligados à infra-estrutura, como os técnicos, os gerentes, ou seja,
diversas “‘especializações’ de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social
novo que a nova classe deu à luz (GRAMSCI, 1978, p. 04)”, até as atuações mais
elevadas de hegemonia social (na sociedade civil – sindicatos, escolas, partidos,
etc.) e de direção política (na sociedade política – gestores do aparelho estatal, do
exército, etc.).
Nesse âmbito, Gramsci (1978, p. 11) destaca dois níveis de intelectuais, os
“criadores” da concepção de mundo, “das várias Ciências, da Filosofia, das Artes,
etc.”, e, em um nível menor, os “administradores” e “divulgadores mais modestos da
riqueza intelectual já existente”.
Junto aos intelectuais orgânicos, encontram-se os intelectuais tradicionais
6
,
também importantes, os quais não emergem diretamente de um grupo social ligado
à estrutura econômica, uma vez que, já existiam em formações sociais e políticas
5
Gramsci (1978, p. 07) utiliza uma concepção ampla de intelectual. Todos os seres humanos são
intelectuais, pois é impossível excluir de qualquer atividade humana o seu aspecto intelectual, não se
pode separar o homo faber do homo sapiens, entretanto, nem todos exercem na sociedade o papel
de intelectual.
6
Acerca do intelectual tradicional destaca-se “sua ligação com a tradição científica e com os grandes
mestres da área. Seu método de trabalho e seu estatuto científico foram definidos e são guardados
pela sua corporação. [...] Justamente essa sua fidelidade ao estatuto cientifico tradicional é o
elemento político mais precioso para a luta pela hegemonia [, pois,] os grupos econômicos que
pretendem dirigir o Estado disputam a adesão dos intelectuais tradicionais cujo valor político é
proporcional à sua fidelidade - competência – ao estatuto científico tradicional (NOSELLA, 2004, p.
163)”.
56
anteriores, “estas várias categorias de intelectuais tradicionais sentem com ‘espírito
de grupo’ sua ininterrupta continuidade histórica e sua ‘qualificação’, eles
consideram a si mesmos como sendo autônomos e independentes do grupo social
dominante (GRAMSCI, 1978, p. 09)”.
Entretanto, é ilusão pensá-los como intelectuais “neutros”, pelo contrário,
tendem a ser objeto de disputa entre os diversos grupos sociais, a fim de absorvê-
los. Nessas circunstâncias, cabe relevar, por meio de Portelli (2002, p. 109), que os
intelectuais têm uma autonomia relativa em relação à classe social a qual
representam, pois é necessário “afastarem-se” da estrutura econômica, para
constituírem-se em verdadeiros elementos superestruturais, autocríticos,
conscientes de si, de suas forças e de suas fraquezas.
Essa autonomia leva a formação de um “bloco intelectual” para o exercício da
direção sobre o sistema hegemônico, onde os diversos intelectuais “formam-se em
conexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em conexão com os
grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas
em ligação com o grupo social dominante (GRAMSCI, 1978, p. 08-09)”.
Isso ocasiona a constituição de três grupos sociais no interior do bloco
histórico: “a classe fundamental que dirige o sistema hegemônico, os grupos
auxiliares que servem de base social à hegemonia e de viveiro para o seu pessoal e
as classes subalternas, excluídas do sistema hegemônico (PORTELLI, 2002, p. 99)”.
Assim, os intelectuais orgânicos, ao atuarem na esfera da produção
(economia), na sociedade civil (hegemonia) e na sociedade política (coerção),
buscam dar homogeneidade à classe dirigente e processar sua hegemonia no
interior do bloco histórico.
Esse complexo contexto do capitalismo, onde a manutenção do controle
econômico implica numa igual manutenção das concepções de mundo, pois essas
são essenciais na orientação das práticas sociais cotidianas dos indivíduos e de
grupos sociais, leva Gramsci a elaborar, por meio dos conceitos de Folclore, Senso
Comum, Religião e Filosofia, os diferentes estratos qualitativos das concepções de
mundo, que, se tomados em conjunto e dialeticamente relacionados, expressam
suas dimensões epistemológica, política e pedagógica.
No nível mais baixo encontra-se o folclore, concepção de mundo, baseada em
crenças e superstições, “não elaborada e assistemática” [, formando] “um conjunto
indigesto de fragmentos de todas as concepções de mundo e da vida sucedidas na
57
história, cuja maior parte encontra-se exclusivamente no folclore, mas sobre a forma
de documentos mutilados e contaminados (Gramsci apud PORTELLI, 2002, p. 27)”.
No nível mais alto a Filosofia e, no nível intermediário a esses extremos, o
Senso comum e a Religião. Mas em que consiste a apreensão destas categorias
conceituais pelo processo educativo de jovens e adultos, no contexto da disputa pela
hegemonia?
A disputa pela hegemonia é a disputa pelo consentimento social, inerente a
concepção de mundo. Nesse contexto, a Escola, e a EJA em particular,
mediante o que ensina[m], luta contra o folclore, contra todas as
sedimentações tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir
uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais
são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo
objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se para dominá-las, bem
como de leis civis e estatais que são produto de uma atividade humana
estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas visando o seu
desenvolvimento coletivo [visto] [que] a barbárie individualista e localista é,
também, uma aspecto do folclore (GRAMSCI, 1978, p. 129-130).
Assim, o papel da prática pedagógica em superar estas “visões de mundo”
anacrônicas e intencionar a formação de jovens e adultos “modernos”, atuais à sua
época, se materializa nas relações entre Filosofia e Senso Comum.
Diferentemente da Filosofia, o Senso Comum não pode se reduzir a
unitariedade e coerência individual ou coletiva, entretanto ele tem a capacidade de
influenciar o comportamento individual e coletivo de um determinado estrato social,
pois pela concepção de mundo somos partícipes de um determinado grupo que
comunga modos específicos de pensar e agir, “somos conformistas de algum
conformismo, somos sempre homens-massa (GRAMSCI, 1989-a, p. 12)”.
O Senso Comum
não é uma concepção única, idêntica no tempo e espaço: é o folclore da
filosofia e, como folclore, apresenta-se em inumeráveis formas; seu traço
fundamental e mais característico é o de ser uma concepção desagregada,
incoerente, inconseqüente, adequada à posição social e cultural das
multidões, das quais ele é filosofia (GRAMSCI, 1989-a, p. 143).
Cada estrato social tem seu Senso Comum que é a
concepção da vida e do homem mais difundida. Cada corrente filosófica
deixa uma sedimentação de “senso comum”: é este o documento de sua
efetividade histórica. O senso comum não é algo rígido e imóvel; ele se
transforma continuamente, enriquecendo-se com noções científicas e como
opiniões filosóficas que penetraram no costume (GRAMSCI, 1978, p. 178).
58
Por ser, em geral, incoerente e anacrônico, o senso comum implica nas
classes sociais subordinadas a dificuldade de elas construírem um projeto de
sociedade coerente com suas necessidades, pois a sua visão da realidade é
fragmentada, deveras os problemas aparecem como sendo “naturais” devido às
suas soluções fundamentarem-se numa compreensão desconexa da totalidade
social. O senso comum é terreno estratégico para o exercício da hegemonia social,
pois se sedimentam nele as concepções de mundo que são “importadas”,
passivamente, de outros grupos sociais, e que lhes são “estranhas”, do ponto de
vista de classe social, ao invés de construírem suas próprias crenças criticamente.
O Senso Comum constitui-se como o “Folclore da Filosofia” e a sua
relevância “pedagógica” se dá no fato de que ele possui um “núcleo sadio”, ou seja,
sua solidez formal na determinação de normas de conduta, de dar unidade
ideológica a um determinado grupo social, de tornar-se um “bom senso”.
Este fato remete à recusa em reduzir o Senso Comum apenas a uma visão de
mundo acrítica, simplista e consensual em determinados grupos sociais. A tarefa
pedagógica apontada por Gramsci é que toda Filosofia, ao criticar-superar o Senso
Comum, torne-se um “novo Senso Comum”, transformado à luz da sistematização
filosófica e convertido em guia para a conduta individual e coletiva.
Assim, os dois elementos relacionam-se, “na filosofia, [...] as características
de elaboração individual do pensamento; [e,] no senso comum, [...] as características
difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo
ambiente popular (GRAMSCI, 1989-a, p. 18)”. Pois dessa relação, importa “elaborar
uma filosofia que – tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada à
vida prática e implícita nela – se torne um senso comum renovado pela coerência e
pelo vigor das filosofias individuais (GRAMSCI, 1989-a, p. 18)”.
Mas é preciso deixar claro que a Filosofia também pode servir para fortalecer
a hegemonia social capitalista, por isso, nesse processo é inerente à assunção de
uma “posição filosófica”, e como temos por teoria guia o marxismo de Apple e
Gramsci, fica explícito que essa Filosofia, ao contrário das Filosofias que corroboram
com a hegemonia das classes dirigentes (explícita, ingênua ou cinicamente),
[n]ão busca manter os [sujeitos] na sua filosofia primitiva do senso comum,
mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se
ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os [sujeitos] não é
para limitar atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior
das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que
59
torne possível um progresso intelectual de massa e não apenas de
pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI, 1989-a, p. 20).
Na medida em que esse processo que permite a construção de uma
concepção de mundo superior ao senso comum não perca o contato com esse
último, para daí retirar os problemas a serem enfrentados, é que “uma filosofia se
torna ‘histórica’, depura-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se
transforma em ‘vida’ (GRAMSCI, 1989-a, p. 18)”.
Enfim, a unificação cultural do gênero humano, ou seja, a formação de
homens e mulheres atuais à sua época, corresponde à tarefa da Educação (mas
não apenas) que, por meio da Escola Unitária, a qual articula organicamente a
realidade social moderna aos elementos culturais produzidos pela humanidade
necessários para o desvelamento e o enfrentamento crítico da sociedade industrial
contemporânea, configura-se num contexto de Contra-Hegemonia.
Isso porque a assunção da luta pela elevação cultural da grande massa da
população, encontra-se mergulhada numa contradição capitalista contemporânea, a
qual consiste, por um lado, no aumento no nível intelectual necessário para a
operação dos modernos processos produtivos, e de suas respectivas tecnologias,
mas, de outro, no fato de esse aumento da intelectualidade operária e popular ser
controlado homeopaticamente e estar diretamente ligado à qualificação da força de
trabalho, não assumindo níveis mais amplos que proporcionem o questionamento
sobre a atual condição de exploração capitalista.
Em termos gerais e mundiais este “controle” (hegemonia capitalista) que a
classe essencial capitalista, os plutocratas detentores do poder econômico, tentam
exercer sobre a distribuição cultural para a população é descrita por Duarte (2001, p.
06-07) em três níveis fundamentais.
1. Para que as ideologias capitalistas, que pregam a necessidade de
adaptação as inevitáveis das leis do capital, sejam aprendidas “é necessário que
essa grande parcela da população mundial saia da condição de absoluto
analfabetismo e torne-se capaz de assimilar informações imediatamente aplicáveis
sem a necessidade de grandes alterações no cotidiano dos indivíduos”.
[Constituindo-se em níveis intelectuais] “que permitam o controle de suas
necessidades e aspirações (DUARTE, 2001, p. 06-07)”.
60
2. A uma outra parcela da população é preciso fornecer “uma educação de
um nível intelectual mais elevado e mais complexo, que permita a reprodução da
força de trabalho (DUARTE, 2001, p. 07)”.
3. E uma formação altamente qualificada para uma pequena parcela da
população, ou seja, para “as elites intelectuais que tem a tarefa de tentar gerenciar o
processo econômico e político do capitalismo (DUARTE, 2001, p. 07)”.
Mais especificamente, direcionamos essa abordagem à particularidade da
Educação de Jovens e Adultos, onde o processo de elevação cultural das massas
populares, e o seu respectivo controle exercido pelo capitalismo são evidenciados
por Vieira Pinto (1994).
Esse autor reconhece que os adultos possuem uma participação na
sociedade e por meio de suas atividades de trabalho “educam-se”, preparam-se até
mesmo para atividade política, e isto implica que a falta da “educação formal” não é
para eles uma “deficiência” fulcral para a participação ativa na vida social. Ao
contrário, eles “exercem importante papel como representantes da consciência
comum em sua sociedade chegando até a serem líderes de movimentos sociais
(VIEIRA PINTO, 1994, p. 81)”.
Diante disto, Vieira Pinto assinala que
a sociedade apressa em educá-los não para criar uma participação, já
existente, mas para permitir que esta se faça em níveis culturais mais altos
e mais identificados com os estandartes da área dirigente, cumprindo o que
julga um dever moral, quando em verdade não passa de uma exigência
econômica (VIEIRA PINTO, 1994, p. 81).
Nesse autor, também, é evidente a relação entre a elevação cultural de
adultos e o processo econômico, pois ele enfatiza, ao mesmo tempo em que
estabelece como “lei geral”, que
[a] sociedade nunca desperdiça seus recursos educacionais (econômicos e
pessoais), apenas proporciona educação nos estritos limites de suas
necessidades objetivas. Não educa ninguém que não precise educar. Por
isso, se hoje em dia em todos os países em desenvolvimento [Brasil!] se
faz sentir a iniciativa do poder público, que promove e comanda o esforço
de alfabetização do povo, é porque a sociedade agora precisa que os
atuais analfabetos possam ler e que os indivíduos de escassa instrução
adquiram outros conhecimentos técnicos e profissionais (VIEIRA PINTO,
1994, p. 103).
Essas relações de hegemonia e de controle capitalista sobre o processo
educacional (sempre mediato, contraditório e complexo) implicam que o aluno da
EJA chega à escola no intuito de se qualificar para o mercado de trabalho, de
61
adequar-se às exigências intelectuais empregatícias, sem ter uma plena
compreensão das ideologias que revestem as causas da sua condição de não
escolarizado e da sua situação sócio-econômica (o reino da necessidade).
Tais aspectos nos colocam (os educadores) frente à dimensão ideológica na
qual insere-se a Educação de Jovens e Adultos e, ao mesmo tempo, ao processo de
enfrentamento dessas concepções. Mas se insere na prática social educativa o
ensino destas ideologias e daquelas contra-hegemônicas?
Como ressalta Vieira Pinto
não compete ao educador transferir mecanicamente para o educando
adulto suas próprias concepções [ideológicas], do contrário não somente
estaria violando os direitos de liberdade de pensamento de um ser
humano, como também praticaria um at
62
enriquecida pela sua prática social, pelo trabalho ou não. Não é um “recipiente
vazio” que necessita ser “preenchido”, de forma passiva.
Mas como estabelecer este “diálogo amistoso”? Que é diálogo entre
“conhecimentos” (senso comum e Filosofia [Ciência]), com a mediação docente.
Nesse contexto, inserimos as contribuições de Gramsci, da Escola Unitária, onde “[a]
participação realmente ativa do aluno na escola, [...] só pode existir se a escola for
ligada à vida (GRAMSCI, 1978, p. 133)”, e nas suas experiências na alfabetização
dos operários italianos, à sua época, aonde vai nos dizer que:
Alfabetizar-se [cientificamente!] ainda não é necessidade e, portanto torna-
se castigo, imposição dos prepotentes. Para torná-la uma necessidade,
precisaria que a vida em geral fosse mais rica e assim fizesse nascer de
forma autônoma a exigência, o sentimento da necessidade do alfabeto e da
língua (Gramsci apud NOSELLA, 2004, p. 61).
Esses aspectos fulcrais, aprendizagem, realidade social e necessidade nos
mostram que o processo de “diálogo amistoso”, de “relações recíprocas” entre
professor e alunos, surge da criação, pedagogicamente falando, da “necessidade”
do quer aprender-dialogar (para não se tornar imposição dos prepotentes), de
promover situações de ensino-aprendizagem ligadas à “riqueza” da vida social.
Como, igualmente percebe Vieira Pinto, devemos “partir dos elementos que
compõem a realidade autêntica do educando, seu mundo de trabalho, suas relações
sociais, suas crenças, valores, gostos artísticos, gíria, etc. (VIEIRA PINTO, 1994, p.
86)”.
Ainda em Gramsci, a escola mediante o que ensina luta contra o folclore e ao
apreender pedagogicamente o Senso Comum o supera pela Filosofia (cultura
elaborada) a fim de tornar o educando contemporâneo em relação ao seu tempo. A
mesma intencionalidade ocorre na educação de adultos, uma vez que, Vieira Pinto
(1994, p. 86) afirma que aquilo que o adulto precisa aprender não difere da cultura
destinada à educação regular, apenas fica evidente que suas possibilidades de
alcançar níveis mais altos de conhecimento são menores, devido a suas condição
social e/ou atividades de trabalho.
Essa postura confronta-se com qualquer tentativa de “infantilizar” (ou
promover “facilidades
7
”) para os adultos, seja na alfabetização ou no ensino médio, o
7
“A participação das mais amplas massas na escola média leva consigo a tendência a afrouxar a
disciplina do estudo, a provocar ‘facilidades’. Muitos pensam, inclusive, que as dificuldades são
artificiais, já que estão habituados a só considerar como trabalho e fadiga o trabalho manual. A
questão é complexa. [...] estas questões podem se tornar muito ásperas e será preciso resistir à
63
conhecimento escolar deve estar adequado “às etapas do processo de
autoconsciência crescente do aluno, e justificado como o saber corrente (nos
diversos ramos das ciências) pelas possibilidades que oferece de domínio da
natureza, de contribuição para melhorar as condições de vida do homem (VIEIRA
arram, se4( nsarram a EJAdo co)]TJ8.9.14 0 TD-0.0001 Tc017376 Tw[(melecimenttocotituirentvidEsroc).1(o)1.1(la)-7.4A os
64
É nesse contexto, que buscamos fundamentar os pressupostos educacionais
para a Educação de Jovens e Adultos, por meio de um ensino unitário que
intencione a elevação cultural das massas populares, enriquecido
metodologicamente pela relação entre conhecimento e realidade cotidiana. O que
faremos a seguir é investigar a confrontação dessa proposta com o interesse dos
alunos jovens e adultos em se qualificarem para o trabalho, para retirar daí as
implicações curriculares e ideológicas presentes nesse processo.
65
CAPÍTULO IV
IMPLICAÇÕES CURRICULARES FRENTE AO TEMA
TRABALHO E EMPREGO
A inserção no curso da EJA nos possibilitou participar do processo de
organização curricular relativo ao primeiro semestre de 2006. Esse processo
consistia, como a cada novo semestre letivo, em uma investigação inicial realizada
pelos professores no intuito de conhecer os anseios dos nossos alunos.
Evidenciaram-se, nessa investigação, o que já havíamos percebido no
semestre anterior, ou seja, o interesse por parte dos alunos de “prepararem-se” para
o mercado de trabalho e, dessa forma, a necessidade em “querer conhecer” a
complexidade social na qual esse processo está imerso.
Tal constatação foi confirmada na pesquisa realizada pelos professores
acerca do estudo à distância, onde foi apresentado para os alunos o eixo temático
do semestre intitulado “A EJA e o mundo do trabalho” e a partir desta frase eles
tinham que apontar os assuntos os quais tinham interesse em estudar durante
semestre.
As respostas dos alunos plasmaram-se nos seguintes temas:
Trabalho infantil; O trabalho na sociabilização dos apenados; A mulher no
mundo do trabalho; Mundo do trabalho e reciclagem (pois alguns alunos
eram coletores de resíduos - lixo); O mundo do trabalho e a pirataria;
Trabalho no exterior; e Substituição do homem pela máquina (Diário de
Bordo, 03/05/2006).
A assunção da necessidade de problematizar o “mundo do trabalho” no
contexto de sala de aula nos remeteu ao estudo das relações-contradições
econômicas nas quais o trabalho está submetido, no intuito de vislumbrar as
ideologias propagadas em torno do tema “trabalho e emprego” e, por sua vez,
relacioná-las com a organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos.
Isso porque a abordagem curricular de Michael Apple consiste nessa postura
investigativa baseada nas relações entre estrutura econômica e atividade
66
educacional, a fim de problematizar o próprio conhecimento escolar e a sua possível
relação com o conjunto das relações econômicas de produção.
Apple polemiza acerca da necessidade desta postura:
Exatamente como nossas práticas, valores e teorias em educação
fundadas no senso comum são aspectos da hegemonia, nossa consciência
(ou falta dela) do funcionamento das estruturas de nosso sistema político e
econômico opera de forma semelhante. Também nos força a não pensar
estrutural ou relacionalmente. Determina limites quanto ao campo
interpretativo que damos para definir nosso sistema econômico, cultural e
político... (APPLE, 1982, p. 236).
Dessa forma, nos debruçamos sobre um estudo sucinto do papel do trabalho
no capitalismo contemporâneo, abarcando a sua relação com o grande número de
desempregados encontrados atualmente.
No intuito de investigar como a riqueza capitalista é produzida, Karl Marx em
O Capital vai postular os princípios basilares do funcionamento e do
desenvolvimento do modo de produção capitalista.
É no processo de produção de mercadorias que o autor constata a existência
de uma mercadoria singular a qual é capaz de criar valor excedente, tal mercadoria
é denominada força de trabalho. Dessa forma, Marx vai além da superficialidade
fenomenológica que concebia a produção e acumulação da riqueza como sendo
originárias apenas do intercâmbio de mercadorias.
O ditado popular: “dinheiro chama dinheiro!” pode problematizar em parte este
fenômeno, pois cabe desvelar como o dinheiro “chama mais dinheiro”. O dinheiro
sendo o equivalente-universal, ou seja, a mercadoria-dinheiro sendo a expressão do
valor das mercadorias na realização das compras e vendas, por si só não cria valor
excedente, com 10 reais podemos comprar uma certa quantidade de arroz, o que
equivale a uma diferente quantidade de carne, de farinha, etc... Porém, todas
mercadorias são “iguais”, possuem o mesmo valor-de-troca equivalente a 10 reais.
Tirar apenas da lógica do intercâmbio de mercadorias, assumindo que o
acúmulo de capital tenha daí sua única origem, remete à crença vã de que o
comprador venda mais caro um produto e que o comprador pague sempre um valor
a mais, pressupondo, com isso, “a existência de uma classe que apenas compra
sem vender, e, por conseguinte, só consome sem produzir (MARX, 2004-a, p. 192)”.
Constatando que apenas a esfera da circulação das mercadorias não
explicaria a acumulação de capital (“dinheiro que chama mais dinheiro”), Marx
investiga o próprio processo de produção daquelas. Nesse processo, a lógica
67
capitalista é investir inicialmente uma certa quantidade de dinheiro (Capital) para
resgatar no final uma quantidade superior, um excedente.
Vejamos então. O dinheiro investido pelo capitalista (o capital global) no
processo de produção de mercadorias se divide em dois tipos. Marx (2004-a, p. 244)
atribui o nome de capital constante àquele transformado em matérias-primas,
instrumentos e meios de trabalho necessários à produção (os meios de produção); e
capital variável àquele convertido em força de trabalho
8
, necessária para colocar em
ação esses meios de produção transformando-os, dessa forma, em mercadorias.
Os adjetivos variável e constante relacionam-se com a magnitude de valor
desses capitais no processo de produção, ou seja, o valor do capital constante
“reaparece” nas mercadorias, é transferido para ela e não varia; ao passo que varia
o valor da força de trabalho, pois além de reproduzir nas mercadorias o seu próprio
valor, cria um valor excedente (mais-valia), do qual o capitalista se apropria.
Para compreender como a força de trabalho cria mais valor, assume-se que o
seu valor, o da atividade do trabalhador no processo de produção de mercadorias,
seja determinado “como o de qualquer outra mercadoria, [ou seja,] pelo tempo
necessário à sua produção e, por conseqüência, à sua reprodução (MARX, 2004-a,
p. 200-201)”.
Dessa forma, o valor equivalente da força de trabalho é determinado pelo
valor dos “meios de subsistência” do trabalhador, necessários à sua manutenção,
como: alimentação, vestuário, habitação, assistência médica, etc., o qual varia de
uma sociedade para outra, bem como, a capacitação, o treinamento necessário para
colocar a força de trabalho em condições de operar as atividades de trabalho.
Uma vez, assegurado as condições mínimas para que o trabalhador não
morra, que consiga trabalhar noutro dia, ele é prontamente colocado no processo de
trabalho para ser explorado por “estranhos” fenômenos, os quais nos escapam a
uma análise imediata.
Tal estranheza fenece à medida que Marx analisa, com as devidas
abstrações econômicas, a jornada de trabalho. Assim, preservadas a normalidade
da força de trabalho e dos meios de produção, a investigação sobre o tempo total de
trabalho mostra uma divisão intrínseca.
8
Marx infere que força de trabalho é “o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo
e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores-
de-uso de qualquer espécie (MARX, 2004-a, p. 197)”.
68
As duas dimensões da jornada de trabalho são explicitadas por Marx dessa
forma:
Chamo de tempo de trabalho necessário a essa parte do dia de trabalho na
qual sucede essa reprodução [a reprodução do próprio valor da força de
trabalho]; e de trabalho necessário o trabalho despendido durante esse
tempo. [...] O segundo período do processo de trabalho, quando o
trabalhador opera além dos limites do trabalho necessário, embora
constitua trabalho, dispêndio de força de trabalho, não representa para ele
nenhum valor. Gera a mais-valia, que tem, para o capitalista, o encanto de
uma criação que surgiu do nada. A essa parte do dia chamo de tempo de
trabalho excedente, e ao trabalho nela despendido, de trabalho excedente
(MARX, 2004-a, p. 253).
Assim, evidencia-se que o valor da força de trabalho difere do valor que ela
produz, parte do dia de trabalho é destinada à produção de mercadorias
equivalentes ao valor da força de trabalho, com as quais o capitalista paga o
trabalhador. Sendo as mercadorias criadas pelo tempo de trabalho excedente
apropriadas pelo capitalista, daí que “[m]ede-se a riqueza capitalista não pela
magnitude absoluta do produto, mas pela magnitude relativa do produto excedente
(MARX, 2004-a, p. 266)”.
Descobertas as intenções vampirescas do capital em sorver com a maior
gana possível o trabalho excedente (mais-valia), apresentam-se duas alternativas
distintas para concretizá-las. Para Marx (2004-a, p. 366) a extração de mais-valia
absoluta se dá pelo prolongamento da jornada de trabalho, onde o tempo de
trabalho excedente é igualmente aumentado.
Mas a jornada de trabalho pode manter-se com a mesma duração (?), desde
que se aumente a produtividade do trabalho
9
, contraindo, dessa forma, o tempo de
trabalho necessário para a reprodução do valor da força de trabalho. A parte do dia
em que o trabalhador trabalhar para si diminui, aumentando, assim, a outra na qual
trabalha para o capitalista, sem alterações na jornada de trabalho, eis a mais-valia
relativa.
A percepção dessas dimensões da jornada de trabalho é mascarada pelo
salário pago ao trabalhador, pois se mostra como sendo o valor pago ao uso da
mercadoria força de trabalho pelo capitalista, não representando o valor total das
9
Entende-se por aumento da produtividade do trabalho “uma modificação no processo de trabalho
por meio da qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma
mercadoria, conseguindo produzir, com a mesma quantidade de trabalho, quantidade maior de valor-
de-uso (MARX, 2004-a, p. 365)”.
69
mercadorias que, por meio do trabalhador, são produzidas. O trabalho total (trabalho
necessário + trabalho excedente) aparece como trabalho pago.
Essa conversão de dinheiro em capital, por meio da atividade dos
trabalhadores, é resumida por Marx nas seguintes etapas:
[Primeiro, existe a] conversão de uma soma de dinheiro em meios de
produção e força de trabalho, [segundo], o processo de produção
[transforma] os meios de produção em mercadoria cujo valor ultrapassa o
dos seus elementos componentes, contendo, portanto, o capital que foi
desembolsado, acrescido de uma mais-valia. A seguir, essas mercadorias
têm por sua vez, de ser lançadas na esfera da circulação. Importa vendê-
las, realizar seu valor em dinheiro, e converter de novo esse dinheiro em
capital... (MARX, 2004-b, p. 657).
Posto assim, percebemos como o capital origina a mais-valia, entretanto nos
interessa o movimento pelo qual o capital é acumulado e a relação deste
procedimento sobre o processo de trabalho.
Uma vez garantidas as condições objetivas para que se repita novamente o
processo de produção, a primeira condição para a acumulação de capital é a
transformação de parte do dinheiro obtido pela venda das mercadorias produzidas
em capital adicional, pois se o restante da mais-valia fosse gasta apenas em objetos
de desejos e gozos capitalistas, se fragmentaria na esfera da circulação.
Essa transformação de parte da mais-valia em capital adicional se dará pelo
investimento em capital constante e capital variável. Se a composição do capital
10
e
as condições técnicas do processo de trabalho não se modificam, a tendência é de
que aumente a quantidade de força de trabalho, pois mais trabalhadores são
necessários para colocar em ação os meios de produção. Nesse caso a acumulação
capitalista é acompanhada de um aumento da composição variável do capital, onde
o trabalho não-pago de antes, emprega novos trabalhadores para serem igualmente
explorados.
Entretanto, as revoluções ocorridas na produção, como o emprego da
maquinaria, das novas tecnologias e das novas formas de organização do trabalho,
aumentam a produtividade do trabalho implicando um deslocamento da composição
do capital para sua parte constante. Esse aumento da produtividade do trabalho
implica que a quantidade de meios de produção cresce a medida em que a
quantidade de força de trabalho diminui.
10
...[ou seja,] determinada massa de meios de produção ou determinado capital constante exijam
sempre, para funcionar, a mesma quantidade de força de trabalho (MARX, 2004-b, p. 716).
70
As utilizações de maquinaria e de aparatos tecnológicos no processo de
produção nos remetem ao tema ensejado pelos alunos da EJA: “Substituição do
homem pela máquina”, pois, a incapacidade de aumentar a extração de mais-valia
absoluta pela ampliação da jornada de trabalho a níveis imorais leva, por outro lado,
ao aumento da extração da mais-valia relativa, por meio da elevação da
produtividade do trabalho.
O constante aperfeiçoamento da maquinaria, então, torna-se necessidade
fulcral para alavancar a acumulação capitalista. Nesse contexto, a investigação de
Marx confirma que a maquinaria, sendo meio de produção, tem seu valor transferido
ao produto, e de nenhuma forma incrementa mais valor do que o seu próprio.
Ademais, o seu valor total é dividido pelo total de produtos que por ela são
produzidos.
Isso leva Marx a inferir que:
Quanto maior o período em que funciona, tanto maior a quantidade de produtos
em que se reparte o valor transferido pela máquina, e tanto menor a porção de
valor que acrescenta a cada mercadoria em particular (MARX, 2004-a, p. 461).
Dessa forma, a maquinaria altamente produtiva transfere menos valor a cada
mercadoria em particular, ou seja, barateia a mercadoria. Mas o capitalista não luta
para ter um produto mais caro? Como vimos até agora, não! O lucro do capitalista é
determinado pela mais-valia, e essa depende do trabalhador, ou melhor, de sua
exploração.
Esse fato, de a força de trabalho ser a produtora de mais-valia, é polemizado
por Marx (2004-a, p. 464, 465) ao inferir os efeitos da generalização do uso da
maquinaria num determinado ramo de produção, fato que diminui o valor do produto
da máquina, sendo esse regulador do valor dos demais produtos da mesma espécie.
Isso leva o capitalista a aumentar a jornada de trabalho, para compensar o número
de trabalhadores que foram substituídos pela máquina.
Outro aspecto é que esse fenômeno capitalista ao colocar a maquinaria para
baratear as mercadorias que servem de meios de subsistência para o trabalhador,
favorece, indiretamente, na diminuição do valor da força de trabalho, pois este
depende daqueles.
Por outro lado, a maquinaria cumpre diretamente o importante papel em
aviltar o valor da (mercadoria! Sic!) força de trabalho, por meio dos trabalhadores
que ela substitui no processo de produção, como afirma Marx:
71
A auto-expansão do capital através da máquina está na razão direta do
número de trabalhadores cujas condições de existência ela destrói.[...] A
parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população
supérflua, não mais imediatamente necessária à auto-expansão do capital
[...] inunda todos os ramos industriais mais acessíveis, abarrotando o
mercado de trabalho e fazendo o preço da força de trabalho cair abaixo do
seu valor (MARX, 2004-a, p. 491).
Definitivamente, a maquinaria como é utilizada na produção capitalista
favorece ao aumento da exploração dos trabalhadores, em hipótese nenhuma serve
para reduzir a jornada de trabalho, ou aumentar salários. Embora, estes fatores
possam concretizar-se, operam apenas em certos limites, nos quais o
funcionamento do sistema capitalista seja mantido, e com ele sua voraz tendência
de acumular capital.
Dessa forma, para além de considerar o impacto da máquina no processo de
trabalho, não podemos vislumbrá-lo dentro da internalidade do próprio sistema
capitalista, pois ficaríamos presos em suas contradições e delas nos resultariam
uma simples postura antimaquinaria, antitecnologia, ao passo que a sua aplicação
capitalista, que a priori tem a finalidade de sorver mais-valia, seja ocultada. Marx,
assim, infere:
A maquinaria como instrumental que é, encurta o tempo de trabalho; facilita
o trabalho; é uma vitória do homem sobre as forças naturais; aumenta a
riqueza dos que realmente produzem; mas, com sua aplicação capitalista,
gera resultados opostos: prolonga o tempo de trabalho, aumenta sua
intensidade, escraviza o homem por meio das forças naturais, pauperiza os
verdadeiros produtores (MARX, 2004-a, p. 503).
Quando visto pela retina liberal capitalista, os trabalhadores assumem uma
relação com os instrumentos de trabalhos onde são os objetos de trabalho que
“empregam” os trabalhadores e não ao contrário, e por extensão, o emprego da
maquinaria, como fonte de extração de mais-valia, então, aparece como “inevitável”
e legitimado, como sendo características de um “progresso” científico e tecnológico
que foge ao controle da sociedade.
Sob essa óptica o desemprego também se torna “inevitável”, justificado por
meio das mais diversas razões, do aumento da taxa de natalidade à desqualificação
profissional para o trabalho, tangenciando-se a própria natureza das relações
capitalistas de produção. São inquestionáveis porque “eternas”.
Mas na essência desse fenômeno encontra-se a acumulação de capital. Ao
promover a acumulação de capital, a composição global do capital sofre alterações,
72
ou seja, a parte variável (empregada em força de trabalho) cresce a taxas sempre
menores que a parte constante (empregada em meios de produção).
Segundo Marx:
Essa redução relativa da parte variável do capital [...] assume [...] a aparência
de um crescimento absoluto da população trabalhadora muito mais rápido que
o do capital variável ou dos meios de ocupação dessa população. Mas a
verdade é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção da sua
energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente,
isto é, que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-
se, desse modo, excedente (MARX, 2004-b, p. 733).
E, dessa forma, a rejeição-assimilação de trabalhadores relaciona-se com a
“necessária” população trabalhadora supérflua. A estreita relação do desemprego
como um fator necessário à acumulação de capital se dá pelo fato de ser regulador
do preço da força de trabalho, bem como, impulsionador da precarização do
trabalho. O desemprego inerente ao capitalismo é referenciado por Marx assim:
[A] população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz,
em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma
população supérflua. [...] Mas, uma população trabalhadora excedente é
produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no
sistema capitalista e, mesmo, condição de existência do modo de produção
capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que
pertence ao capital de maneira tão absoluta como se fosse criado e
mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das
necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser
explorado, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da
população (MARX, 2004-b, p. 734-735 - grifos meus).
Essa condição de existência para desenvolvimento da acumulação capitalista,
que o exército industrial de reserva (desempregados) desempenha, provém, da
macabra luta antropofágica que trabalhadores empregados e desempregados
travam sobre a arena da produção capitalista.
O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa
as fileiras de seu exército de reserva, enquanto, inversamente, a forte
pressão que este exerce sobre aquela, através da concorrência, compele-a
ao trabalho excessivo e a sujeitar-se às exigências do capital. A
condenação de uma parte de classe trabalhadora à ociosidade forçada, em
virtude do trabalho excessivo da outra parte, torna-se fonte de
enriquecimento individual dos capitalistas e acelera ao mesmo tempo a
produção do exército industrial de reserva, numa escala correspondente ao
progresso da acumulação social (MARX, 2004-b, p. 740).
O resultado desse hediondo confronto entre empregados e desempregados,
promovido pelas relações capitalistas de produção, que do trabalhador apenas quer
expropriar trabalho não-pago, se materializa na precarização do trabalho expresso
73
no aumento do grau de exploração, na diminuição de salários, no aumento da
produtividade do trabalho seguido de igual aumento da taxa de mais-valia, na
ampliação da jornada de trabalho.
Nessas condições podemos dizer que um acréscimo de capital variável, o
qual é indicador da necessidade de mais trabalho para colocar em ação os meios de
produção, não necessariamente corresponda ao aumento do número de
trabalhadores. Em outras palavras, no capitalismo, a oferta de trabalho não
corresponde a de emprego, uma vez que, sob a égide da precarização do trabalho é
possível explorar de forma mais intensa uma menor quantidade de trabalhadores.
Dessa forma, Marx infere que
na medida em que se acumula o capital, tem de piorar a situação do
trabalhador, suba ou desça sua remuneração. A lei que mantém a
superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva no nível
adequado ao incremento e à energia da acumulação acorrenta o
trabalhador ao capital [...] Determina uma acumulação de miséria
correspondente à acumulação de capital. Acumulação de riqueza num pólo
é, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, de trabalho atormentante, de
escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral, no pólo oposto,
constituído pela classe cujo produto vira capital (MARX, 2004-b, p. 749).
Assim, o desenvolvimento do capitalismo ensejando taxas sempre maiores de
acumulação de capital possui em seu interior o germe de promoção do desemprego
materializado na exploração do trabalhador empregado e naquele que deseje sê-lo.
Qualquer tentativa em impulsionar a geração de emprego deve passar pelo
enfrentamento das questões estruturais típicas da sociedade capitalista, ao risco de
se propagarem, sem isto, conjecturas vãs, que como sonhos que a política neoliberal
dissipa, apenas serve como tranqüilizante ideológico, “legitima” o caos social-moral
provocado pelo desemprego.
4.1 A centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo
Juntamente à polêmica do desemprego insere-se a questão da centralidade
do trabalho no capitalismo contemporâneo. Impulsionada pelo avanço na produção
científico-tecnológica nas últimas três décadas, a aplicação de inovações
tecnológicas no processo de produção como: a robótica, a informática, a cibernética,
a eletrônica, a automação, etc., bem como, a implementação de novas formas de
74
organização da produção e das empresas, teria tornado supérfluo o trabalho como
elemento fundamental para a produção da riqueza capitalista.
O resultado dessas transformações do processo de trabalho estaria
provocando o surgimento de uma sociedade “Pós-Industrial” onde o trabalho
perderia sua relevância se comparado ao empregado no processo de produção
industrial clássico, e havendo inclusive um forte deslocamento da massa de
trabalhadores para o setor de serviços. A sociedade Pós-Industrial surge como a
“sociedade do conhecimento”, movida em torno dos saberes necessários à aplicação
e gerenciamento desses novos aparatos, emergindo daí um novo contexto de
relações sociais, um novo perfil de trabalhador.
Mas a propagação deste novo mundo do trabalho implica em efeitos
ideológicos sobre o destino dos trabalhadores, pois, se o trabalho já não é tão
relevante à acumulação capitalista, não se justifica a luta pela socialização dos
meios de produção, pela superação das relações capitalistas e pela criação de
emprego. O destino dos trabalhadores, agora supérfluos, seria a contemplação do
“eterno” e “sacrossanto” desenvolvimento capitalista.
Diante desse contexto, a análise marxista do processo de produção, da qual
abordamos inicialmente alguns aspectos, toma relevância, ou seja, quando é
revisitada e enfrentada à luz de dados concretos que se manifestam na realidade
econômica atual.
É com esse propósito que Prieb
11
(2005) analisa as principais teses
defendidas sobre o fim da centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo,
juntamente com uma rigorosa análise dos dados referentes ao mundo do trabalho
divulgados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) nesses últimos 25
anos.
Da vasta pesquisa realizada pelo referido autor mencionaremos, e de forma
sucinta, alguns aspectos de seus resultados. Primeiramente, a análise sobre a
jornada de trabalho semanal em um grupo heterogêneo de países desenvolvidos (de
1974 a 1994) mostrou uma relativa tendência de redução, a qual segundo Prieb
(2005:179) não pode ser generalizada, pois está relacionada às diferentes condições
políticas de cada país, como liberdade e nível de organização sindical.
11
O Professor Sérgio Prieb é vinculado ao Departamento de Ciências Econômicas da UFSM, e os
seus estudos apresentados em sua tese de doutoramento no Instituto de Economia da UNICAMP
foram publicados no livro: O trabalho à beira do abismo: uma crítica marxista à tese do fim da
centralidade do trabalho Ed. Unijuí, 2005.
75
Mas a investigação de Prieb (2005: 180) abarcou de forma específica a
jornada de trabalho semanal (de 1976 a 1999) do setor manufatureiro, uma vez que
as teses sobre a “sublimação” do trabalho sustentam-se no emprego de inovações
tecnológicas nesse processo. A pesquisa, surpreendentemente, mostrou uma
tendência de redução da jornada igual a encontrada anteriormente, sendo que nos
EUA houve, até mesmo, um discreto aumento.
A análise desses dados é expressa por Prieb, assim:
Mesmo que se observe uma certa tendência em nível geral de diminuição
da jornada de trabalho nos países desenvolvidos, é importante esclarecer
que este fato, por si só, não indica que esteja havendo uma diminuição do
trabalho no mundo, pois a redução da jornada, em muitos casos, pode
estar combinada com a intensificação do trabalho, o que representa uma
compensação para o capital (PRIEB, 2005, p. 181).
Além da intensificação do trabalho (mais-valia relativa), o autor também
menciona um provável aumento nas “horas-extras” como sendo um agente
compensador de uma redução da jornada de trabalho.
O segundo aspecto que mencionaremos é sobre o número de trabalhadores
no mundo (de 1976 à 1999). Esses dados revelam “que o número de trabalhadores
em todo mundo, mesmo que apresente diferentes níveis de evolução, está em
processo de aumento e não de diminuição (PRIEB, 2005, p. 184)”. Dentre esses
dados o Brasil teve sua população trabalhadora aumentada de 38,038 milhões para
69,963 milhões, enquanto os EUA promoveram um incremento de 88,752 milhões
para 133,488 milhões.
Esse aumento de trabalhadores vem ocorrendo tanto em países
desenvolvidos como nos chamados de terceiro mundo, fato que contraria
empiricamente a tendência alardeada sobre o, já em curso, processo de extinção do
trabalho.
Por último, apresentaremos os estudos acerca da produtividade do trabalho.
Ao buscar maiores margens de lucro, o capitalismo impulsiona a maximização da
produtividade do trabalho pela utilização, entre outras, de inovações tecnológicas do
processo de trabalho, permitindo reduzir a quantidade de força de trabalho, fato que
ocasiona a corrente reivindicação dessas inovações como sendo as principais (e
inevitáveis!) causadoras do aumento do desemprego a escalas inauditas.
Entretanto, a investigação de Prieb considera a produtividade do trabalho
como “a divisão do PIB real pelo número de trabalhadores ocupados (PRIEB, 2005,
76
p. 187)”. Isso porque a tecnologia em si mesma não dá conta de desvelar o
fenômeno do desemprego, devendo, então, ser vista de forma relacional a outros
fatores econômicos. A assunção disso, Prieb expressa por meio de Mattoso:
Isto significa que, se a questão da inovação, da reestruturação produtiva,
não for examinada em conjunto com a questão do crescimento, da
capacidade de gasto e de regulação do Estado e da redução da jornada de
trabalho, ela [a tecnologia] não poderá ser entendida em sua relação com o
desemprego (Mattoso apud PRIEB, 2005, p. 187).
Dessa forma, analisado dados da produtividade do trabalho em relação ao
crescimento econômico, Prieb (2005: 188-
77
se transforma em força de trabalho, em contradição com sua outra tendência de
produzir a maior quantidade possível de mais-valia (MARX, 2004-a, p. 352)”.
O capital dispensa ao máximo possível os trabalhadores, entretanto, como é
por meio da força de trabalho criadora de valor que o capital extrai seus lucros, ele,
também, tende a explorar ao máximo esses trabalhadores ocupados (diga-se: para
além de qualquer pudor cristão).
Os resultados dessa exploração dos trabalhadores pelo capital vêm se
materializando em inúmeras formas de precarização do trabalho. Se, por um lado,
as inovações tecnológicas dessas últimas décadas promoveram revoluções no
processo de produção industrial e agrícola, deslocando uma grande massa de
trabalhadores dessas áreas para o setor de serviços, por outro, as formas
organizativas de gerenciamento da produção tiveram, também, um papel relevante
na precarização das relações de trabalho.
Com o objetivo de superar a produção baseada no Taylorismo-Fordismo que
nos anos 60 já se mostrava exaurida, devido à massificação da produção dentro de
um modelo rígido o qual “impedia a modificação dos tipos de mercadorias
produzidas, o que se refletia na dificuldade de adaptar a oferta a um tipo de
demanda específica (PRIEB, 2005, p. 172)”, e de combater a forte organização
sindical edificada a partir do pós-segunda guerra surge o Toyotismo.
A fortificação do paradigma toyotista assentado no aumento da produtividade
do trabalho e no incremento das margens de lucro capitalista promove a diminuição
da massa de força de trabalho necessária à produção, à medida que estrangula a
luta sindical dos trabalhadores ao incorporar os sindicatos à própria organização da
empresa, onde é eficientemente controlado por meio de dádivas empresariais
(ascensão no emprego, vinculação do salário à produtividade da empresa, etc.) que
metamorfoseiam os interesses de empresários e trabalhadores, de forma a torná-los
com aparência una.
Com o controle sindical, a redução do número de trabalhadores no processo
de produção é compensada com a intensificação do trabalho que, por meio dessa
nova organização produtiva, que aprofunda o controle sobre o trabalhador, “ao
mesmo tempo em que o trabalhador é induzido a operar várias máquinas ao mesmo
tempo, o que faz com que se ocupe com a produção praticamente todo o tempo em
que se encontrar dentro da fábrica (PRIEB, 2005, p. 176)”. Mas se a intensificação
não for suficiente, esse modelo “flexível”, promove um aumento da jornada de
78
trabalho (horas-extras) ou a contratação de trabalhadores temporários, podendo
conforme as necessidades da produção, ora retrair-se, ora expandir-se.
Novamente, as transformações no mundo do trabalho ao aumentarem a
produtividade do trabalho não significaram com isso tempo livre para o trabalhador,
ao contrário, promoveram uma exploração desmedida, pois “trouxe para os
operários o desemprego, a subcontratação, a desqualificação e um aumento no
volume de trabalho (Ibid., p. 176)”, além da “terceirização [e da] ascensão do
mercado informal como resultado da diminuição da oferta dos empregos formais
(Ibid., p. 176)”.
No quadro abaixo, resumimos algumas expressões dessa precarização:
QUADRO 1 – Manifestações da precarização do trabalho.
Forma de precarização do trabalho Características
Terceirização
a
Transferência de atividades de uma empresa
à outra empresa prestadora de serviços.
Nesta os salários são em média 25% a 30%
menores que naquela. Promove um
enfraquecimento sindical ao mesclar na
mesma empresa trabalhadores contratados e
terceirizados.
Trabalho temporário
Salários mais baixos, diminuição dos direitos
trabalhistas.
Trabalho informal
b
Atividade de subemprego
c
com baixas
remunerações. Provoca diminuição de
arrecadação tributária.
a
No Brasil, entre 1995 e 2005, os trabalhadores terceirizados passaram de 1,8 milhão para 4,1 milhões, uma
expansão de 127%. Só em 2005, isso permitiu que as empresas cortassem R$ 26 bilhões de salários e encargos
sociais, ao contrário da Alemanha e da Itália, onde a legislação prevê que o salário do terceirizado não pode ser
menor do que o que era pago para o funcionário na mesma função (Pochmann, 2006).
b
Segundo a OIT, de 1999 a 1996, o índice de novos empregos (formais e informais) no Brasil demonstrou um
incremento de 81% em favor dos chamados informais.
c
A atividade de subemprego se encontra no setor de serviços, como “trabalhadores artesanais, vendedores
ambulantes, ocupações underground, engraxates, jardineiros, lavadores de carro, etc. (Kon apud Prieb,
2005:195)”, e, longe de se mostrar como uma opção, aparece como resultado de uma necessidade de fugir do
desemprego, pois “impedidos de realizar-se como assalariados, o jeito é tornar-se pequeno patrão ou
trabalhador por conta própria (Malaguti apud Prieb, 2005: 198)”. Márcio Pochmann utiliza a expressão
“desemprego disfarçado” para se referir ao trabalho informal.
Quadro inspirado em Prieb (2005).
É diante desse cenário de exploração e desemprego que surgem movimentos
de amenização das contradições entre capital e trabalho, sendo uma delas
recentemente polemizada é a redução da jornada de trabalho mediante a geração
de novos empregos. A geração de empregos é um “unificador” político das diversas
classes de trabalhadores empregados, subempregados e desempregados (e o
79
Lupemproletariado
12
), mesmo que o desconheçam, ou seja, que não haja entre eles
a devida compreensão dos seus papéis no processo de produção capitalista.
Diríamos que a estrutura econômica os coloca em condições de subordinação
em relação ao capital e que qualquer movimento real de superação-amenização da
exploração do trabalho mediante a geração de novos empregos está diretamente em
oposição à lógica capitalista. Vejamos alguns pontos já mencionados: a utilização
das inovações tecnológicas pelo capital substitui força de trabalho, aumenta a
produtividade do trabalho, mas não reduz a jornada de trabalho; as novas formas de
organização da produção maximizam a produtividade do trabalho, entretanto a
jornada de trabalho não é minimizada; a promoção de um exército industrial de
reserva como condição necessária ao desenvolvimento do capital produz uma
massa de desempregados, a qual serve para manter os salários em índices
módicos.
Esses aspectos basilares do desenvolvimento capitalista inferem que devido
sua própria natureza baseada na exploração dos trabalhadores, o capitalista
dificilmente concordará em reduzir sua “sacrossanta” margem de lucro, embora seja,
em essência, o causador do desemprego. Este fato implica na questão fulcral de
quem pagará a conta pela geração de empregos por meio da redução da jornada de
trabalho
13
?
As diferentes formas de financiamento desse intento podem vir: do Estado,
dos próprios trabalhadores, de toda a sociedade ou do capitalista (de seus lucros).
Vejamos! O Estado financiaria parte dos salários dos novos trabalhadores; os
próprios trabalhadores teriam salários reduzidos e a sua redução empregaria outros
trabalhadores; toda sociedade poderia pagar pela arrecadação de tributos e por
último o capitalista diminuiria sua margem de lucro.
12
Marx em O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte de 1852 infere o termo Lupemproletariado
(Lupenproletariat) para definir “uma massa desintegrada”, o “lixo de todas as classes” constituído por
mendigos, assaltantes, proxenetas, vagabundos, etc. os quais ajudaram a levar Luis Bonaparte ao
poder. Em nossa contemporaneidade há quem chame de “marginais”, desempregados miseráveis,
que estão “fora” de qualquer classe social. Mas o que a literatura marxista observa na História, para
além de tipificar certos grupos sociais, é a sua “vulnerabilidade ideológica” que os tornam propensos
a engajarem-se, em momentos de crise social, em movimentos reacionários [fascismo, por exemplo.]
(BOTTOMORE, 1988, p. 223).
13
Segundo a CUT a redução da jornada de trabalho poderia gerar cerca de 747.314 empregos na
indústria de transformação (Metalurgia e Química), 355.796 no setor de transportes e comunicações,
730.000 no comércio, 500.000 no setor de prestação de serviços... (Emprego e Renda apud PRIEB,
2005, p. 124). No que diz respeito às horas extras, outro empecilho à geração de empregos, pois a
redução da jornada poderia ser compensada por um aumento das horas extras, o “economista Márcio
Pochmann estima que 4,5 milhões de novos postos de trabalho seriam criados no Brasil se as horas
extras fossem eliminadas (MARTINS, 2006, p. 01)”.
80
Na avaliação de Prieb:
Nos marcos do modo de produção capitalista, é muito difícil, os patrões
aceitarem de bom grado a redução da jornada de trabalho, mesmo que o
empresariado possa obter alguns benefícios com a diminuição da jornada,
como o aumento da produtividade do trabalho, que propicia a expansão do
consumo pelos novos assalariados, bem como a ampliação do consumo do
ócio, por parte dos trabalhadores com maior tempo livre. Assim mesmo, a
lógica do capital é opor-se à medida, senão for seguida da redução dos
salários (PRIEB, 2005, p. 125).
A relutância do capitalista na redução da jornada de trabalho só fenece
quando quem paga a conta é o trabalhador, seja de forma direta (redução de salário)
ou indireta (pelo Estado), mesmo quando há possibilidades de ganho em relação ao
aumento do consumo. Mas o aumento do consumo por meio do tempo livre que o
trabalhador disporia, poderia igualmente possibilitar o “consumo” estético, cultural e
político, ingredientes indispensáveis para a formação de trabalhadores conscientes e
politizados, questionadores do mundo e das contradições que os cercam.
Enfim, a luta pela geração de empregos como alternativa de promoção da
dignidade humana choca-se com os interesses impiedosos do capital, promotor
estrutural da exclusão social. Seja na utilização de novas tecnologias, seja na
utilização de formas organizativas de produção, o seu fim é único, a acumulação de
riqueza por meio da exploração daqueles que a produzem.
Isso nos coloca o desafio de romper com qualquer ideologia legitimadora do
desemprego que procura conceituá-lo como “inevitável” e “natural” desmascarando o
seu conteúdo humano e histórico, tarefa para a assunção de uma pedagogia crítica,
que ao problematizar as contradições sociais do mundo, onde o trabalhador se
encontra, possibilite a reflexão sobre este mundo e, neste processo, a reflexão sobre
seu próprio agir neste mundo.
4.2 O currículo da EJA frente ao tema trabalho e emprego
A assunção do trabalho e emprego como elemento norteador da construção
curricular para a EJA, além de corresponder aos anseios concretos dos alunos,
evidencia uma totalidade de contradições sócio-econômicas e culturais. No
capitalismo contemporâneo, a incorporação de inovações tecnológicas e de novas
81
formas de organização e gerenciamento no processo de trabalho têm se voltado
para a intensificação e a precarização do trabalho, à medida que exclui diretamente
da esfera produtiva uma grande quantidade seres humanos, gera em níveis
alarmantes, uma multidão de desempregados.
Diante desse limite estrutural imposto pelo capitalismo, que impede a
manutenção objetiva da dignidade humana ao decretar o destino de uma multidão
de jovens e adultos à exploração do trabalho ou a miserabilidade, se insere a
educação. A nossa prática social educativa na EJA nos mostra que, longe de ser
elucubração intelectual de algum filósofo desocupado, o tema trabalho e emprego
emerge como um “problema concreto” do currículo.
É com base nisso que nos deparamos com a seguinte questão: A escola, ao
trazer para o currículo as questões sobre o mundo do trabalho, deve ajudar os
alunos a se capacitarem para o enfrentamento do desemprego e/ou para a aquisição
de melhores empregos?
No caminho para a reflexão sobre essa questão encontram-se as relações
entre educação e trabalho, que, assim como o próprio processo de produção
capitalista, sofreram transformações nos últimos tempos. Inicialmente, a chamada
teoria do capital humano expressava a relação educação-trabalho no sentido de que
a escola atuasse como uma “entidade integradora (Gentili, 2005: 48)”, de suma
importância para o desenvolvimento econômico.
Essa função “integradora” é descrita por Gentili:
A promessa integradora da escolaridade estava fundada na necessidade
de definir um conjunto de estratégias orientadas para criar as condições
“educacionais” de um mercado de trabalho em expansão e na confiança
(aparentemente incontestável) na possibilidade de atingir e pleno emprego.
A escola se constituía, assim, num espaço institucional que contribuía para
a integração econômica da sociedade formando o contingente (sempre em
aumento) da força de trabalho que se incorporaria gradualmente ao
mercado (GENTILI, 2002, p. 49-50).
A ênfase nessa abordagem integradora da escola dava-se no ambiente do
pós-segunda guerra, onde o Estado do bem-estar social promovido pelos governos
social-democratas europeus atingiram um nível de crescimento econômico elevado,
combinado com uma igual política de geração de empregos, aumento dos salários e
diminuição da pobreza. Pois as fagulhas mal apagadas do pós-guerra poderiam
motivar a ascensão operária em sua luta pelo poder político, assim, o dique de
contensão social-democrata evitaria por meio do quase pleno emprego qualquer
82
tentativa de transformação revolucionária das sociedades capitalistas
industrializadas.
Mas uma transformação substancial na teoria do capital humano veio
inicialmente com a crise do capitalismo dos anos 70, onde, segundo Prieb (2005, p.
25-26) os produtos alemães e japoneses aumentaram a concorrência intercapitalista
devido aos seus baixos custos de produção, fato que diminuiu a taxa de lucro dos
capitalistas norte-americanos, a medida que afetou também o Japão e a Alemanha
ao impulsionar a sobrevalorização das suas respectivas moedas.
Esse fato abre as portas para uma reestruturação do capitalismo
internacional, a fim de amenizar suas contradições internas na busca pela
manutenção de maiores taxas de lucro, a qual se materializou na maximização da
exploração dos trabalhadores, no prolongamento da jornada de trabalho, na
precarização do trabalho e na redução do número de trabalhadores no processo de
produção impulsionados pela aplicação das inovações tecnológicas e das novas
formas de organização do trabalho, em especial o Toyotismo.
É nesse período que Gentili evidencia uma mudança substancial na teoria do
capital humano, na sua forma de conceber a relação educação-trabalho, por meio da
“desintegração” da promessa da escola como um agente integrador.
...é importante destacar que a desintegração da promessa integradora não
tem suposto a negação da contribuição econômica da escolaridade, mas
sim uma transformação substantiva de sentido. Passou-se de uma lógica
da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo
(a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza nacional,
etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase
nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no
mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de
trabalho (GENTILI, 2002, p. 51- grifo nosso).
Juntamente como a derrocada do pleno emprego ocorre um deslocamento da
função econômica da escolaridade, agora cabe ao indivíduo a responsabilidade de
83
empresas de garantir empregos, pois agora isto é incumbência do ser e de suas
capacidades individuais.
O desprezo do capitalismo contemporâneo pela força de trabalho no processo
de produção vem corroborar com a desmistificação da correspondência direta e
mecânica entre educação e desenvolvimento econômico. Pois, se por um lado a
capacitação mediante a apreensão de competências e habilidades proporcionam
que o indivíduo dispute as vagas de trabalho ofertadas pelo mercado, por outro o
desenvolvimento econômico independe do aumento do número de trabalhadores no
processo de produção, como afirma Gentili “as economias podem crescer e conviver
com uma elevada taxa de desemprego e com imensos setores da população fora
dos benefícios do crescimento econômico (GENTILI, 2002, p. 54)”.
O que o referido autor evidencia, podemos relacionar com o “processo de
produção destrutiva” que possibilita ao capitalismo equilibrar a relação dialética entre
produção e consumo, uma vez que, a grande maioria da população encontra-se
empobrecida, a capacidade de consumo de mercadorias pela sociedade é
drasticamente diminuída, o que provocaria uma crise capitalista. Entretanto, a
sapiência diabólica capitalista promove uma saída. Efetiva-se a diminuição da vida
útil dos produtos a fim de aumentar a rapidez do consumo, onde, assim, o
consumismo exacerbado de poucos promove a miserabilidade de muitos.
Esse processo de produção destrutiva denominado por Mészáros é assim
caracterizado:
... o capitalismo corresponde a uma sociedade descartável. O equilíbrio
entre a produção e consumo só se concretiza quando ocorre o aumento da
velocidade do consumo, ou seja, o descarte prematuro de grandes
quantidades de mercadorias que anteriormente pertenciam à categoria de
bens duráveis, devendo os mesmos serem descartados antes de esgotar
sua vida útil. [...] Logo, quando uma nova tecnologia é criada, é decretada
sua morte. O desenvolvimento dos meios de produção se opõe às
necessidades humanas, pois o que importa é a expansão do capital
(Mészáros apud LUCENA, 2005, p. 192).
Como podemos ver, a reestruturação capitalista, seja qual for, não perde sua
incessante intenção de acumular capital à medida que promove o acúmulo de
miséria e desemprego. Em dados concretos, “segundo a OIT, para uma população
economicamente ativa em 1999 de 3 bilhões de pessoas, cerca de 1 bilhão estão
em situação de desemprego [150 milhões] ou em atividades de sobrevivência [850
milhões] (Pochmann apud PRIEB, 2005, p. 196)”. Recentemente, a OIT (2006)
confirma que um terço da mão-de-obra disponível mundialmente está em condições
84
de desemprego ou subemprego, desses 180 milhões em condição de desemprego
aberto.
O que queremos evidenciar é que as transformações ocorridas no capitalismo
nos últimos tempos definitivamente não nos levam a conceber a escolaridade como
elemento fulcral para a aquisição de empregos, o capitalismo em sua base estrutural
possui o germe promotor do desemprego.
É por esse motivo estrutural que o discurso da empregabilidade, em nosso
entender, vai ocupar um papel central na manutenção da exclusão da grande
maioria da população ao direito de emprego. Se num primeiro momento,
vivenciamos no ambiente escolar uma certa “ideologia da qualificação” (pela
promessa de empregabilidade), num segundo, a tendência dos discursos correntes
vem materializando uma espécie de “autoflagelo empregatício”.
O autoflagelo empregatício se manifesta quando se torna senso comum, para
o indivíduo: que ele é o único responsável pelo seu sucesso na obtenção de um
emprego; que o Estado não tem incumbência (ou é incapaz) de promover políticas
públicas que gerem empregos; que as suas competências e habilidades são sempre
determinantes na obtenção (ou não) de um emprego; que a inevitável utilização de
tecnologias é a responsável natural pela diminuição do número de empregos, enfim
qualquer concepção que o torne psicologicamente promotor de seu, eventual,
“fracasso” perante a busca (ou a manutenção) de empregos no mercado de trabalho.
Mas essa condição de ser não surge apenas de uma postura pueril em
relação à realidade, pois, cotidianamente, os mais diversos meios de comunicação e
informação, sustentam de forma tácita ou manifesta as visões de mundo
“autoflagelantes”. Se tomarmos, por exemplo, jornais correntes, não faltam artigos
evidenciando que para se conseguir um emprego: é preciso montar um bom
currículo; que é fundamental saber se comportar na hora das entrevistas; que é
preciso estar atento às diversas oportunidades que os setores “do momento” estão
ofertando, como o empregado deve se relacionar com os chefes superiores; etc.
Só para citar alguns
14
, no caderno Empregos e Oportunidades do jornal Zero
Hora encontramos os respectivos artigos: “Quais são suas competências? Além de
dominar técnicas específicas que cada função exige, profissionais também são
14
Encontramos em Duarte (2001, p. 141) exemplos semelhantes, só que na televisão, que em nosso
entender atuam (atuavam) com o compromisso ideológico que mencionamos, tratam-se dos
programas Gente que Faz e Pequenas Empresas, Grandes Negócios.
85
recrutados pelas qualidades pessoais que possuem (MELO, 2006-a, p. 03)”;
Conflitos no escritório: perder o controle no local de trabalho, brigar com colegas e
tornar o ambiente pesado pode prejudicar tanto o próprio profissional quanto o
andamento de projetos na empresa (MELO, 2006-b, p. 03)” e “Ler faz diferença no
mercado de trabalho: profissionais que falam bem e cometem poucos erros ao
escrever têm mais chances de conquistar uma vaga (SANTI, 2006, p. 03)” (veja, no
Anexo B, um esclarecedor teste prático que lhe permite avaliar o seu nível de
empregabilidade).
Ao mostrarmos essas formas sutis(?) de ideologização dos meios de
comunicação em favor dos interesses do capital, não estamos dizendo que o
trabalhador não deva lutar pela manutenção-obtenção dos empregos, mas, no
entanto, estes fatores, como vimos analisando, por si só não explicam as “causas”
do alto nível de desemprego.
Com afirma Grabauska
A idéia que se quer difundir é a de que basta a treinamento individual para
o acesso ao trabalho, retirando-se do modelo econômico adotado qualquer
responsabilidade quanto ao aumento do desemprego. A mensagem, não
dita, é de que, por maior que seja a capacitação de todos os trabalhadores,
não haverá, de qualquer forma, trabalho para todos, visto que a política de
industrialização, emprego e comércio exterior acaba por fechar mais postos
de trabalho do que os que são abertos. Ao fim e ao cabo, tem-se uma
grande massa de desempregados, ironicamente, com maior qualificação
profissional do que quando possuíam emprego (GRABAUSKA, 1999, p.
75).
Fica-nos mais clara a densidade desse viés ideológico, quando a análise do
processo de qualificação dos trabalhadores, por meio, das investigações de Lucena
(2005), nos mostra as ideologias e as contradições nas quais a formação dos
trabalhadores está imersa (veja o Quadro 2).
Quando trazemos esse debate acerca da “influência ideológica” sobre a
prática social de jovens e adultos, compreendemos que o capitalismo, além de
aprisionar os trabalhadores de forma objetiva, ou seja, por meio da estrutura
econômica que os condicionam ao cenário escatológico da precarização do trabalho
e do desemprego, precisa promover, juntamente com o controle objetivo, um modo
de mantê-los culturalmente sob controle. Em termos da dialética materialista,
diríamos que para uma determinada conformação infraestrutural existe uma
86
superestrutural, as quais permanecem, uma em relação à outra, em constante
estado de dialetização.
Na acepção gramsciana é a hegemonia que “unifica dialeticamente” essas
duas dimensões, ou seja, a base econômica com o consentimento (ideológico-
cultural) geral, o qual permite que sejam manuteníveis as relações sociais de
produção de uma época.
Essa “unificação” cultural exercida pela hegemonia é descrita por Gruppi:
A ideologia é o que mantém coeso o “bloco histórico” [estrutura econômica
e o Estado], que solda entre si seus elementos, que permite manter unidas
classes sociais diferentes e com interesses até opostos, antagônicos. A
ideologia é o grande cimento de todo bloco histórico, faz parte de sua
edificação. Esta não é só ideológica, mas cultural também, em primeiro
lugar é política, mas não pode ser separada do aspecto da ideologia e das
idéias (GRUPPI, 1986, p. 82).
Quadro 2 – Processos ideológicos e contraditórios na formação dos trabalhadores.
Processo Características
Ideológico
1. Ao omitir que em um processo de crise, os homens de negócios se
tornam mais seletivos em virtude do aumento do exército de reserva.
2. Ao apontar que a maior formação intelectual exigida é homogênea,
quando na realidade varia de região para região do país, dependendo do
potencial escolar oferecido regionalmente.
3. Ao omitir que o trabalhador com maior nível de escolaridade passa a
ter sua força de trabalho sobreexplorada nas empresas.
Contraditório
1. Por proporcionar que a elevação escolar de um trabalhador
corresponda ao desemprego de outro trabalhador.
2. Por defender o aumento do nível de escolaridade dos trabalhadores
por meio da inserção na ciência e atuar no movimento oposto proposto
pelo neotaylorismo.
3. Todos os avanços ocorridos por conta do aumento das forças
produtivas enriquecem o capital em detrimento do trabalho.
As informações contidas neste quadro são encontradas em Lucena (2005: 197).
Dessa forma, a Hegemonia, como influência ideológico-cultural, viabiliza a
continuação das relações de produção capitalismo no plano subjetivo geral. Embora,
a atividade Hegemônica se processe de forma concreta, ela não se dá de forma
87
plena e mecânica, pois sua execução está imersa em contradições e conflitos, que já
constituem elementos para uma oposição contra-hegemônica
15
.
O que nos cabe, como contestação dessa hegemonia, é o não alinhamento
como as posturas ideológicas que naturalizam a atual condição social de miséria e
desemprego. As “soluções” para esse problema se convertem em hegemonia
capitalista quando se propagam que as saídas são “puramente individuais”, e a luta
entre os indivíduos (trabalhador, desempregado e capitalista) é da própria “essência
do ser humano”, ou seja, os melhores vencem! Conseguem empregos e pronto! Pois
os melhores possuem “espírito empreendedor, criatividade, otimismo, perseverança,
autoconfiança, disposição para o trabalho, domínio de técnicas atuais [e crêem] que
a sociedade só pode progredir se forem respeitadas as leis do mercado (DUARTE,
2001, p. 140)”.
Segundo Duarte, com isso surge “a concepção de que o desenvolvimento
tanto do gênero humano quanto de cada indivíduo é fruto dessa constante tensão
entre individualismo e convivência social (DUARTE, 2001, p. 137)”. O que é aspecto
central do capitalismo é “universalizado, no plano ideológico, a toda história humana,
transformando a competição própria da sociedade mercantil em algo natural do ser
humano em toda e qualquer época (DUARTE, 2001, p. 137)”.
Este processo de naturalização
significa a tentativa de justificação, por meio da eternização e da
universalização, de uma determinada realidade, apresentando-se como
correspondente à natureza humana. A naturalização [é] a consideração
como natural, isto é, como pressuposto da vida social, daquilo que é
histórico, produto do desenrolar histórico das relações sociais (DUARTE,
2001, p. 138).
15
Embora não seja nosso objetivo fazer uma análise acurada, cabe ressaltar como aspectos contra-
hegemônicos (em relação à lógica capitalista), as recentes transformações ocorridas nos países sul-
americanos. Desde a revolta de Caracazo em 1989, criou-se um movimento popular de massas na
Venezuela que aos poucos se tornou contra-hegemônico (não por abranger a totalidade da
população, mas por ter coerência e unitariedade no seu “projeto de sociedade”), unificou a grande
maioria da população na luta contra as políticas neoliberais até então em curso naquele país. Esse
movimento elegeu um presidente (que na prática iniciou a distribuição justa da riqueza nacional por
meio de diversos programas sociais) e o vem mantendo no poder por meio de eleições democráticas
desde 1992. Outro exemplo, diz respeito à Bolívia, que outrora foi um modelo de aplicação da cartilha
neoliberal, onde agora os excluídos deste projeto social (a grande maioria indígena) constituíram-se
em força social que levou ao poder de forma democrática um presidente que, igualmente ao primeiro
citado, promete transformações econômicas contrárias à lógica do capital. O que queremos
evidenciar é que estes movimentos sociais emergiram do seio da sociedade civil, lócus da disputa
pela hegemonia ideológico-cultural, que por ser histórica pode, tanto corroborar com a manutenção
das contradições capitalistas quanto, ao explicitá-las, propiciar a constituição de um novo momento
ético-politico. Em tempos onde o “inimigo é invisível” e o capitalismo é o “fim da história”, esses
exemplos, vivenciados nestes países vizinhos, evidenciam a miopia ideológica daqueles que insistem
que a construção de projetos sociais contrários aos interesses capitalistas internacionais é
concretamente impossível.
88
Dessa forma, os fenômenos sociais, como o desemprego, aparecem como se
fossem produzidos por leis naturais e alheias à condição humana. Em outras
palavras, o desemprego assume aspecto metafísico ao serem ocultadas as
contradições e as relações sociais que o criam, tornando senso comum a
impossibilidade de uma atuação social na superação do desemprego. Como vimos
anteriormente, tanto a aplicação da tecnologia e das formas de organização no
processo de trabalho com o intuito de aumentar a exploração do trabalhador e da
promoção da miséria, é fruto de decisões e juízos humanos, longe de ser uma
“tendência natural”.
É diante desse processo de disputa pela hegemonia social na sociedade
capitalista que a escola se encontra, ou seja, imersa sob contradições e influência
ideológica. Dessa forma, “a escola pode passar a ser vista como uma instituição que
sofre determinações da sociedade; determinações que, em função dos interesses
das classes dirigentes, operam no sentido de legitimar os lugares sociais, domesticar
consciências, via ideologia, e vender a idéia de harmonia social, baseada numa
ordem ‘natural’ (GRABAUSKA, 1999, p. 73)”.
Um exemplo concreto, vivenciado na prática social educativa no IEEOB, foi
constatado no conteúdo de um texto oferecido em nossas reuniões de planejamento
curricular da EJA.
89
estaria corroborando com a exploração do trabalho, ao baratear a força de trabalho
para o capital? Não estaria aumentando os lucros capitalistas, ao livrar o capital da
responsabilidade de custear a qualificação da força de trabalho, e
conseqüentemente agravando a correspondente acumulação de miséria? Diante da
impossibilidade estrutural do capitalismo de gerar empregos, devido sua tendência
em reduzir a parte variável do capital, a escola ao optar por formar competências,
não estaria propagando falsos otimismos e servindo como tranqüilizante ideológico
para jovens e adulto?
Em relação às questões de qualificação para o trabalho, as transformações
ocorridas no âmbito da organização produtiva dialeticamente influenciaram as
pedagogias e as formas de organização curricular. O movimento histórico que
percorremos pela economia política agora será relacionado com as tendências
curriculares correspondentes.
No período pré-crise capitalista dos anos 70, a supremacia na organização da
produção era o modelo baseado no taylorismo-fordismo, e como vimos, é um
modelo rígido, de produção massiva de um tipo de mercadoria e pouca flexibilidade
em moldar a oferta a variações específicas de demanda. Este modelo apresentava-
se “com tecnologia estável e com processos de base eletromecânica rigidamente
organizados, que não abriam espaços significativos para mudanças, participação ou
criatividade para a maioria dos trabalhadores (KUENZER, 2002, p. 83)”.
É nesse contexto, que se evidencia o modelo de currículo escolar forjado por
uma visão positivista da ciência, a qual sugere uma estrutura rígida, fragmentada e
baseada em objetivos técnicos de desempenho escolar.
Segundo Kuenzer estas propostas curriculares
organizavam rigidamente os conteúdos, em termos de seqüenciamento
intra e extradisciplinares, os quais eram repetidos, ano após ano, por meio
do método expositivo, combinado com cópias e questionários; a habilidade
cognitiva a ser desenvolvida era a memorização, articulada ao
disciplinamento, ambos fundamentais para a participação no trabalho e na
vida social organizada sob a hegemonia do taylorismo-fordismo
(KUENZER, 2002, p. 84).
Uma vez que a atividade de trabalho consistia basicamente em movimentos
mecânicos-repetitivos, a capacidade ou o treinamento de memorização já era o
suficiente para o enfrentamento das tarefas padronizadas na fábrica.
90
Entretanto, a crise do capitalismo imediatamente coloca as condições para a
sua renovação e reestruturação por meio de transformações nas formas
organizativas de produção. O esgotamento do modelo taylorista-fordista convive com
o surgimento do toyotismo.
Marcado pela flexibilidade de acumulação de capital, esse modelo exige ao
trabalhador uma igual “flexibilidade” operacional nas atividades laborais, pois se
caracteriza por ser um trabalhador multiuso, capaz de cumprir diferentes tarefas e
operações na célula de produção. Ao contrário do modelo anterior, este além de
fugir a rigidez procedimental daquele, ainda é acompanhado por mudanças radicais
de base tecnológica.
A aplicações de novas tecnologias ao processo produtivo implica que o
trabalhador detenha novos conhecimentos e habilidades. Segundo Kuenzer, essa
nova forma produtiva vai exigir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e
comportamentais, tais como:
análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas e
criatividade, diante de situações desconhecidas, comunicação clara de
precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem,
capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos, eleger
prioridades, criticar respostas, avaliar procedimentos, resistir a pressões,
enfrentar mudanças permanentes, aliar raciocínio lógico-formal à intuição
criadora, estudar continuamente... (KUENZER, 2002, p. 86).
A exigência de tais habilidades vai se materializar na escola com a chamada
“pedagogia toyotista (KUENZER, 2002)”, a qual se manifesta sob a concepção
educacional de formação de competências. Mesmo que aqui não esgotemos a
discussão sobre “o que são competências”, tomamos como referencial a concepção
que “chega” na escola, geralmente por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais
- PCN’s (BRASIL, 2002).
O seguinte fragmento textual foi utilizado em nossas reuniões para ajudar a
clarear as idéias coletivas de nós professores sobre o que se entende por
competência. Vejamos:
Quando uma pessoa começa a aprender a dirigir, parece-lhe quase
impossível controlar tudo ao mesmo tempo: o acelerador, a direção, o
câmbio e a embreagem, o carro da frente, a guia, os espelhos (Meu Deus,
3 espelhos!! Mas eu não tenho que olhar para frente??). Depois de algum
tempo, tudo isso lhe sai tão naturalmente que ainda é capaz de falar com
o passageiro ao lado, tomar conta do filho no banco traseiro e, infringindo
as regras de trânsito, comer um sanduíche. Adquiriu esquemas que lhe
permitiram, de certo modo, automatizar as suas atividades. Por outro lado,
91
as situações que lhe apresentam no trânsito nunca são iguais. A cada
momento terá que enfrentar situações novas e algumas delas podem ser
extremamente complexas [...] A competência implica uma mobilização dos
conhecimentos e esquemas que se possui para desenvolver respostas
inéditas, criativas, eficazes para problemas novos (Diário de bordo,
16/09/2005 grifos nossos).
Nesse texto fica claro o reducionismo psicológico do enfrentamento da
construção curricular na escola. Aqui, competência é a mobilização de diferentes
habilidades para a resolução de problemas cotidianos, é a apreensão de um método
que condiciona o jovem e o adulto a estarem em constante processo de
automatizarem suas atividades. A centralidade com que a formação de
competências se estabelece em relação a centralidade do próprio conhecimento a
ser ensinado, também, é vivenciado intensamente na escola, fato que favorece a
idéia de que competência é um “método”, que apreendido propicia a educação
permanente dos jovens e adultos, como sugere o lema “aprender a aprender”,
incorporado aos PCN para EJA e na escola adotado como paradigma (BRASIL,
2002, p. 19).
Nesse processo especifico de construção curricular (no IEEOB), que por
princípio segue as especificações dos PCN para a EJA, as habilidades que o
currículo se propõe a desenvolver, e que definitivamente são as finalidades do
processo pedagógico em sala de aula, foram assim estabelecidas:
1. Dominar a leitura, a escrita e as diversas linguagens; 2. resolver
situações-problema, selecionando, organizando e interpretando dados; 3.
organizar informações e conhecimentos disponíveis em situações
concretas; 4. posicionar-se criticamente; 5. planejar, trabalhar e decidir em
grupo; 6. conviver e interagir solidariamente; e 7. comprometer-se com
assiduidade e responsabilidade na execução e entrega de trabalhos (Diário
de Bordo, 03/05/2006).
Comparadas essas habilidades curriculares com as requeridas pelo
toyotismo, vislumbram-se claramente certas semelhanças como: capacidade de
resolver situações-problema (típico do trabalhador multitarefa?); saber trabalhar em
grupo (na célula de produção?); posicionar-se criticamente (frente ao mundo do
trabalho e suas contradições ou as situações cotidianas de trabalho?); conviver e
interagir solidariamente (no local de trabalho, para aumentar a eficiência da
empresa?); dominar a leitura e a escrita; selecionar, organizar e interpretar dados
(qualificação indispensável para o uso das novas tecnologias no trabalho?); etc.
92
Definitivamente, podemos vivenciar na prática que a construção curricular da
EJA se dá pela adoção dos pressupostos contidos nos PCN para a EJA, e com eles
a materialização, pelo menos em ato, das exigências toyotistas, limitando o
aprofundamento da discussão política-ideológica acerca das relações entre
educação e trabalho. Fato que de forma geral constitui o currículo como uma força
produtiva a favor do capital e com isso, com as devidas ressalvas, agente de
reprodução da hegemonia.
Enfim, o que abordamos até o momento nos leva a concluir que o trabalho é
ainda o principal responsável de produção de riqueza capitalista, entretanto a
utilização de novas tecnologias e formas de organização no processo de produção,
com o intuito de maximizar a acumulação de capital, aumentou a intensificação e a
precarização do trabalho gerando desemprego e miserabilidade a níveis inauditos.
Esse processo implica que a assunção da “empregabilidade” como fundamento
curricular não passa de tranqüilizante ideológico devido à própria escolaridade não
ser um elemento fulcral para a aquisição de empregos, pois isso diz respeito à
estrutura capitalista.
Além disso, o currículo organizado por meio da formação de competências
antes mesmo de ter ineficácia formativa para geração de empregos, é ineficaz em
relação ao próprio desenvolvimento capitalista que varia de região em região com
exigências formativas diferenciadas (nem sempre as toyotistas). Mas no que essa
pedagogia toyotista pode obter sucesso é no seu papel em psicologizar a
abordagem curricular na escola, esvaziar as discussões políticas, ideológicas,
históricas e sociológicas em relação ao tema “trabalho e emprego”, à medida que
contribui para omitir as contradições existentes no próprio capitalismo e nas relações
entre escola e trabalho.
Aliás, o papel de ocultar essas contradições já constitui-se como elemento
ideológico e hegemônico, como afirma Grabauska:
A escola, por ser o modo dominante de educação sob o capitalismo,
cumpre, no mais das vezes, o papel de ajudar a sustentar e cimentar a
hegemonia das classes dirigentes, inculcando valores, hábitos e padrões
destas às classes dirigidas. Isto, entretanto, não é realizado de forma linear
e sem resistência. Porém, é importante frisar que isto é feito, mesmo que
as intenções declaradas sejam outras (GRABAUSKA, 1999, p. 72).
Com isso, acreditamos que a construção curricular está imersa num ambiente
de disputa pela hegemonia, repleto de contradições e conflitos (veja o apêndice D) e
93
a assunção de uma postura crítico-ideológica em relação ao currículo deve estar
concatenada com a perspectiva da superação das contradições entre capital e
trabalho, à medida que assuma um caráter eminentemente contra-hegemônico ao
colocar na ordem dia à necessidade da formação de um novo momento ético-
politico, de uma nova cultura em oposição à dominada pela lógica capitalista
contemporânea.
94
CAPÍTULO IV
EPISTEMOLOGIA HISTORICISTA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA:
CONTRIBUIÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR.
Como vimos, anteriormente, a hegemonia ou a contra-hegemonia se
materializa na e com a prática social, e é nesse contexto que Apple vai nos alertar
sobre o fato de que a “própria forma e conteúdo das mensagens da sala de aula, da
vida escolar cotidiana incorporam transmissões ideológicas (APPLE, 1982, p. 232)”.
Embora isso não queira reduzir todo o conhecimento escolar ao conhecimento
ideológico, o autor defende a relevância de se questionar: A quem pertence o
“capital cultural”, tanto o manifesto quanto o latente, que é introduzido no currículo
escolar? De quem é a visão de realidade econômica, racial e sexual, de quem são
os princípios de realidade econômica, de quem são os princípios de justiça social,
que estão engastados no conteúdo da escolarização? (APPLE, 1982, p. 233).
Obviamente Apple situa as discussões sobre o currículo nessas questões no
intuito de estabelecer as relações entre reprodução cultural e reprodução econômica
como os marcos teóricos investigativos, levando-o a considerar, como sendo um dos
aspectos pelo qual ocorre à manutenção da hegemonia, a maximização da produção
do conhecimento técnico, ou seja, da relevância dada aos conhecimentos das
Ciências Naturais em detrimento a outros (Literatura, Estética, etc...) e a concepção
de “Ciência” dos professores.
Na esteira de Apple, os seguintes questionamentos tornam-se relevantes: A
concepção de Ciência interfere na seleção e organização do conhecimento escolar?
Existe relação entre a concepção de Ciência e a reprodução cultural-econômica? Em
que a abordagem historicista implica na prática educativa?
A partir destas questões abordamos, primeiro, os principais aspectos da
vertente historicista no contexto da reflexão epistemológica, para em seguida
discutirmos acerca das contribuições da abordagem histórica do conhecimento
Químico como elemento da contra-hegemonia na prática social educativa de Jovens
e Adultos.
95
A epistemologia historicista surge em contraposição às teses defendidas pela
tendência analítica a qual, influenciada pelo positivismo de Augusto Comte, entre
outros, propõe um método único para se chegar ao conhecimento verdadeiro.
Impulsionada pela publicação do livro “A construção lógica do mundo”, de
Rudolph Carnap, em 1928, cujo trabalho consistia em explicar logicamente o mundo
a partir de dados empíricos (da relação sensível e imediata com a realidade), a
maior expressão dessa tendência surge, um ano depois, com a fundação do Círculo
de Viena, o qual reunia pesquisadores de várias áreas do conhecimento, como a
Lógica, a Matemática, a Física, a Filosofia, etc., com propósito de prosseguir com os
estudos e, ao mesmo tempo, de divulgar “a concepção científica do mundo”.
Segundo Bombassaro, “o Círculo de Viena incorporava o princípio básico da
filosofia empirista e positivista, que afirmava somente ser possível o conhecimento
em se partindo da experiência com o imediatamente dado, e servia-se da análise
lógica da linguagem como método filosófico (BOMBASSARO, 1992, p. 27)”. Esse
programa de investigação consistia: “na aplicação de conceitos lógicos para
reconstrução racional dos enunciados científicos, na procura de critérios de
significado empírico, na recusa da metafísica [e] na superação da distinção entre
ciências da natureza e as ciências humanas (BOMBASSARO, 1992, p. 27)”.
O método utilizado era o indutivo e o princípio de demarcação científica era o
de verificabilidade. O método indutivo consistia em: partir de dados empíricos, de
observações particulares, poder-se-ia chegar a enunciados (hipóteses, teorias)
universais. Ainda no Círculo de Viena, o próprio Carnap vai provocar uma
renovação, mudando o critério de verificabilidade pelo de confirmabilidade, assim,
era comprovada a cientificidade de uma teoria, se ela pudesse ser “confirmada”
experimentalmente.
Entrando em contato e interessando-se pelas questões discutidas no Círculo
de Viena, Karl Popper inicia uma crítica sobre o método indutivo. Popper menciona
que o método de indução não poderia garantir a validade dos enunciados, pois eles
poderiam incluir “dados ainda não observados”. Em “A lógica da pesquisa científica”,
Popper enfatiza, o que chamou de problema da indução: “Ora, está longe de ser
óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais
de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam esses;
com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa:
independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso
96
não justifica a conclusão de que ‘todos’ os cisnes são brancos (POPPER, 1974-a, p.
28)”.
Popper propõe um método dedutivo, que a partir de enunciados universais
(generalizações) deduzem-se enunciados particulares. Esse método consiste em
submeter à prova as teorias e de selecioná-las de acordo com os resultados obtidos.
Popper menciona que: “a partir de uma idéia nova, formulada conjecturalmente e
ainda não justificada de algum modo podem-se tirar conclusões por meio de
dedução lógica”, pode-se submeter à prova uma teoria com:
a comparação lógica das conclusões umas às outras, com o que se põe à
prova a coerência interna do sistema[,] a investigação da forma lógica da
teoria, com o objetivo de determinar se ela é de caráter empírico ou
científica[,] a comparação com outras teorias, com o objetivo de determinar
se a teoria representará um avanço de ordem científica [e] finalmente,
[com] a comprovação da teoria por meio de aplicações empíricas das
conclusões que dela se possam deduzir (POPPER, 1974-a, p. 33).
Depois de submetida à prova, uma teoria poderia ser “corroborada”, isto é,
quando resistisse às provas e aos testes, porém o fato de ser corroborada não
implicaria ser confirmada, pois essa aceitação, devido a resistência aos testes, era
tomada como provisória, um dia poderia ser contestada. Assim, Popper substitui o
critério de demarcação entre ciência e não ciência, o de confirmabilidade para o de
falseabilidade, o conhecimento para ser científico deveria ser refutável, construindo,
assim, uma “epistemologia negativa” onde o desenvolvimento científico, então, se
dava pela capacidade de negar as teorias científicas.
Popper enfatiza:
... se os enunciados básicos devem ser, por sua vez, suscetíveis de teste
intersubjetivo, não podem existir enunciados definitivos em ciência – não
pode haver, em ciência, enunciado insuscetível de teste e,
conseqüentemente, enunciado que não admita, em princípio, refutação
pelo falseamento de algumas das conclusões que dele possam ser
deduzidas (POPPER, 1974-a, p.49).
Em relação ao Círculo de Viena, Karl Popper difere no que tange à recusa da
metafísica, pois esse a considera como evidente no processo de “fazer ciência”. Ele
próprio vai evidenciar que
o avanço da ciência não se deve ao fato de se acumularem ao longo do
tempo mais e mais experiências perceptuais. Nem se deve ao fato de
estarmos fazendo uso cada vez melhor de nossos sentidos. A ciência não
pode ser destilada de experiências sensoriais não interpretadas,
97
independentemente de todo o engenho usado para recolhê-las (POPPER,
1974-a, p. 307).
Mais adiante, “os que não disponham a expor suas idéias à eventualidade da
refutação não participarão do jogo científico. [...] mesmo o teste cuidadoso e sóbrio
de nossas idéias, através da experiência, é, por sua vez, inspirado por idéias: o
experimento é ação planejada, onde cada passo é orientado pela teoria. Não
deparamos com experiências, nem elas caem sobre nós como chuva (POPPER,
1974-a, p. 307)”. Daí, então, a ciência “não é meramente um corpo de factos[,]
[s]erá, no mínimo, uma coleção, e como tal depende dos interesses do colecionador,
de um ponto de vista (POPPER, 1974-c, p. 267)”.
A concepção de Popper, assim como a do Círculo de Viena, recusa à
distinção, no que diz respeito ao método, entre ciências naturais e ciências
humanas, conservando nelas a lógica da pesquisa e a objetividade do conhecimento
científico (pois dependem de uma base empírica).
Já a tendência historicista criticava o fato de se considerar apenas os
aspectos lógicos (a análise lógica da linguagem) dos enunciados científicos,
desconsiderando a ação humana no “fazer ciência” e os modos como isso se
produzia.
Podemos dividir a tendência histórica da epistemologia em: tendência
histórica internalista, que busca, na internalidade da atividade científica, por meio de
exemplos históricos, estudar seus processos de produção, e em tendência histórica
externalista, que busca na externalidade da ciência, estudar seu desenvolvimento,
ou seja, considerando as relações sociais mais amplas (a sociedade), o contexto
histórico-cultural da produção dos conhecimentos científicos.
Essa nova tendência afirmava que, na investigação científica os “nossos
conhecimentos prévios e [as] nossas crenças são constituintes da observação e do
significado que atribuímos àquilo que observamos (BOMBASSARO, 1992, p. 33)”.
Um dos representantes da epistemologia histórica internalista é Thomas Kuhn
(KUHN, 1997) com seu livro “As estruturas das revoluções científicas”. Kuhn vai
negar o critério da refutabilidade popperiana como demarcação entre ciência e não-
ciência, pois na história da ciência, mesmo uma teoria depois de refutada, ainda era
utilizada pelos cientistas, o que para Popper isso não seria uma atitude racional.
Para Kuhn a Ciência, produzida por uma comunidade de praticantes, enfrenta
períodos históricos de “ciência normal” e de “revoluções científicas”. Na ciência
98
normal os cientistas têm a tarefa de resolver “quebra-cabeças”, ou seja, problemas
por meio de um paradigma. Kuhn define paradigma como um conjunto de fatores
metodológicos, lingüísticos, teóricos e de valores que uma comunidade científica
compartilha, e tautologicamente, tudo que uma comunidade de praticantes de
ciência compartilha é um paradigma, “esse conjunto de compromissos de nível
elevado... tanto de dimensões metafísicas quanto metodológicas... fornece ao
cientista uma visão de mundo e um conjunto de regras que lhe permitem realizar sua
atividade de investigação (BOMBASSARO, 1992, p. 35)”.
Eis para Kuhn o critério de demarcação, o paradigma, sendo assim, a
psicologia, a educação, sociologia, etc... Por não terem um consenso paradigmático,
e sim, se apresentarem em termos de confronto entre “escolas de pensamento”, não
são consideradas ciência. A ciência normal tem sua atividade orientada por um
paradigma, e quando começam a surgir situações em que esse paradigma não
responde mais as exigências, o que é denominado de “anomalias”, possibilita a
“mudança paradigmática”, ou verdadeiras “revoluções científicas”, a adoção de outro
paradigma que responda as exigências e que introduza outras.
Nesse contexto da mudança de paradigma, Kuhn vai se opor a uma
“invariância de significado”, defendida pelos analíticos, com a tese da
“incomensurabilidade”, que admite a impossibilidade de comunicação total entre
paradigmas diferentes. O mesmo fenômeno observado em tempos diferentes é
explicado de forma diferente e por diferentes linguagens. Nas palavras de Kuhn,
“quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo. Guiados por um
novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em
novas direções[,] durante as revoluções, os cientistas vêem coisas novas e
diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham os mesmos pontos já
examinados anteriormente (KUHN, 1997, p. 145)”.
Kuhn aqui rompe com o critério da “objetividade científica” da tendência
analítica, pois a mudança de paradigma é acompanhada da mudança do “modo de
ver o mundo”, os fenômenos investigados. A fórmula representativa da “água”, nem
sempre, no decorrer da história da química, foi H
2
O e muito menos foi constituída
por dois outros “elementos”.
Objetividade questionada, também, pelo o caráter indireto da pesquisa
científica, pois “[n]ão temos acesso direto ao que conhecemos, nem regras ou
generalizações com as quais expressar esse conhecimento (KUHN, 1997, p. 242)”,
99
não somos capazes de “enxergar” as partículas atômicas, as relações com o objeto
de pesquisa são cada vez mais mediatizadas pela instrumentação, perdendo o
caráter “sensista” até então mencionado pelos analíticos.
As mudanças de paradigmas realmente levam os cientistas a ver o mundo
definido por seus compromissos de pesquisa de uma maneira diferente. Na
medida em que seu único acesso a esse mundo dá-se através do que
vêem e fazem, podemos ser tentados a dizer que, após uma revolução, os
cientistas reagem a um mundo diferente (KUHN, 1997, p. 146).
A mudança paradigmática não ocorre de forma rápida, pois ela depende do
poder de “persuasão” do novo paradigma sobre a comunidade de cientistas, pois os
cientistas adeptos e praticantes de um paradigma relutam em abandoná-lo, em sair
da sua tradição de pesquisa na qual foram instruídos. Aos poucos um paradigma
ganha adeptos que a reforçam até que ela substitua o paradigma anterior. E nesse
sentido, a ciência progride devido ao fato de conflitos/contribuições entre os
integrantes de uma comunidade científica, o que vem a revelar a crença errônea de
que a ciência evolui devido aos insights individuais de grandes “gênios” da ciência.
Como mencionamos anteriormente, vamos abordar a tendência
epistemológica historicista, também, na sua dimensão externalista, e para tal, vamos
nos valer da dialética materialista de base marxiana, explícitas no pensamento de
Antonio Gramsci.
Gramsci, refletindo sobre os processos da ciência, identifica a provisoriedade
das “verdades científicas”, pois caso essas fossem definitivas, a própria ciência
deixaria de existir como tal, resumindo-se a mera repetição do que já foi descoberto,
pois o ser humano conhece a realidade somente em relação ao próprio ser humano,
sendo o ser humano um processo histórico, um “devenir”, também, a realidade, o
conhecimento e a objetividade o são.
Contrariamente às teses da tendência analítica da epistemologia, que se
baseavam numa “objetividade científica”, ou seja, que o objeto (fenômenos naturais)
da ciência já se encontrava posta na natureza e que o cientista, passivamente, só
tinha o trabalho de descobri-lo, desvelá-lo, Gramsci polemiza: “na ciência, buscar a
realidade fora dos homens, entendido isto em um sentido religioso ou metafísico,
nada mais é do que um paradoxo. Sem o homem, que significaria a realidade do
universo? (GRAMSCI, 1989-a, p. 70)”.
100
Se, por um lado, a atividade científica não está baseada num pressuposto,
essencialmente, objetivista, por outro, ela foge a um subjetivismo metafísico, e, por
ser uma categoria histórica, estar num movimento de evolução permanente, “a
atividade científica (a ciência) não coloca nenhuma forma de incognoscível
metafísico, mas reduz o que o homem não conhece a um empírico não
conhecimento que não exclui a cognoscibilidade, mas a condiciona ao
desenvolvimento da inteligência histórica dos cientistas individuais (GRAMSCI,
1989-a, p. 70)”.
É num eixo de relação dialética entre o ser humano e o mundo natural, sujeito
e objeto, que Gramsci descreve a atividade cientifica, e que, em tal atividade, se
desenvolveu com mais magnitude a dialética sujeito-objeto, pois a ciência “é a
subjetividade mais objetivizada e universalizada concretamente (GRAMSCI, 1989-a,
p. 170)”.
A atividade científica, para Gramsci, é
a primeira célula do novo método de produção, da nova forma de união
ativa entre homem e a natureza. O cientista-experimentador é também um
operário, não um puro pensador: o seu pensar é continuamente controlado
pela prática e vice-versa, até que se forma a unidade perfeita da teoria com
a prática (GRAMSCI, 1989-a, p. 171).
Neste sentido a ciência, como uma prática social, é ligada às necessidades, à
vida, à atividade do ser humano e tal unidade entre teoria e prática não pode ser
“dissolvida”, pois, para a dialética materialista, “o ser não pode ser separado do
pensar, o homem da natureza, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se se faz
esta separação, cai-se em uma das muitas formas de religião ou na abstração sem
sentido (GRAMSCI, 1989-a, p. 70)”.
Sendo a ciência processo de mediação entre ser humano e natureza, o que
lhe interessa “não é tanto a objetividade do real quanto o homem que elabora os
seus métodos de pesquisa, que retifica continuamente os seus instrumentos
materiais que reforçam os órgãos sensoriais e os instrumentos lógicos (inclusive as
matemáticas) de discriminação e verificação, isto é, a cultura, a concepção do
mundo, a relação entre o homem e a realidade com a mediação da tecnologia
(GRAMSCI, 1989-a, p. 70)”.
No que diz respeito ao método científico, vai ser explícito nas contribuições de
Gramsci para a dialética materialista, o fato de que o objeto de pesquisa é que
101
define o próprio método, rompendo com visões equivocadas de homogeneizações
epistemológicas e de monismos metodológicos, como vimos na tradição positivista
da tendência analítica da epistemologia, onde esta se propunha tratar por meio de
um único método objetos de estudos diferentes (fenômenos sociais e fenômenos
naturais), para isso, enfatiza, Gramsci, “[d]eve-se fixar que toda investigação tem
seu método determinado e constrói uma ciência determinada, bem como que o
método desenvolveu-se e foi elaborado conjuntamente ao desenvolvimento e à
elaboração daquela determinada investigação e ciência, formando com ela um único
todo (GRAMSCI, 1989-a, p. 163)”.
Assim, o que cabe à dialética materialista de base marxiana, em sua análise
externalista do processo de produção da ciência, é o fato de que, por exemplo, ela
não estuda uma máquina para conhecer e estabelecer a estrutura atômica
do material, as propriedades físico-química-mecânicas dos seus
componentes naturais (objeto de estudo das ciências exatas e da
tecnologia), nas enquanto é momento das forças materiais de produção,
enquanto é objeto de propriedade de determinadas forças sociais,
enquanto expressa uma relação social e esta corresponde a um
determinado período histórico (GRAMSCI, 1989-a, p. 191).
Tomando como exemplo o fenômeno da eletricidade, Gramsci vai nos dizer
que ela é historicamente ativa, mas
não como mera força natural (como descarga elétrica que provoca
incêndios, por exemplo) e sim como um elemento de produção, dominado
pelo homem e incorporado ao conjunto das forças materiais de produção,
objeto de propriedade privada. Como força natural abstrata, a eletricidade
existia mesmo antes de sua redução a força produtiva, mas não operava
na história, sendo um tema para hipóteses na ciência natural (e, antes, era
o nada histórico, já que ninguém ocupava-se dela, ao contrário, todos a
ignoravam), [assim], as diversas propriedades físicas (químicas,
mecânicas...) da matéria, que em seu conjunto constituem a própria
matéria, [...] devem ser consideradas, mas tão somente na medida em que
se tornam elemento econômico produtivo, [...] então, consideradas [...]
como social e historicamente organizadas pela produção e, desta forma, a
ciência natural como sendo essencialmente uma categoria histórica, uma
relação humana (GRAMSCI, 1989-a, p. 190-191).
Para melhor dizer, a epistemologia historicista estuda a produção do
conhecimento cientifico, por meio das relações entre a ciência e a produção,
mediados pela técnica, e a variação dessa relação de acordo com uma determinada
formação econômico-social, considerando, também, o objeto e a característica
específica da ciência a ser estudada.
102
Poderíamos dizer que, quanto menos desenvolvidas as forças produtivas,
num determinado período histórico, menor, também, se apresentam às exigências
sociais à ciência, ou seja, progride de forma mais lenta.
No período histórico da sociedade grega (na Antigüidade) e na idade média
(no feudalismo), não havia a necessidade social de se inventar a Química e Física,
tal como a conhecemos, como ciências de “prestígio”, mesmo que as condições
fossem, supostamente, favoráveis. A Física se desenvolve com mais intensidade
com o aparecimento da indústria.
Da Química do flogístico à Química da ressonância magnética nuclear existe
um notável desenvolvimento da técnica, da instrumentação tecnológica, que mediou,
e media, o desenvolvimento dessa ciência. Nos tempos alquímicos, caracterizados
pela influência da ideologia clerical, a atividade era baseada na magia e na mística,
apesar de haver um certo desenvolvimento de instrumentos laboratoriais, e com o
surgimento da indústria (e suas necessidade no âmbito da indústria metalúrgica,
farmacêutica, têxtil, de corantes, etc.) contribuindo com a ruptura destas práticas
místicas e para a criação de uma Química moderna.
E em nossa contemporaneidade, a indústria continua impondo à Química
novas exigências que se refletem no constante desenvolvimento do seu arcabouço
teórico, ou seja, é impossível pensar coerentemente a produção científica sem a sua
mediatização com o desenvolvimento histórico-social mais amplo, de forma a
apreender as contradições e relações no qual esse processo está imerso.
5.1 Ciência como superestrutura e força produtiva.
Nossa leitura gramsciana aponta para a definição da Ciência como um
elemento privilegiado da superestrutura, isto é, como um dos elementos
determinantes do sistema sócio-econômico, onde a sua edificação superestrutural
coincide com o próprio desenvolvimento do modo de produção capitalista.
No modo de produção feudal, a exploração exercida pela classe dominante
(nobreza e clero) levava a miséria a grande massa camponesa e artesã. Nesse
contexto de opressão social edificou-se uma superestrutura legitimadora das
contradições sociais feudais.
103
À medida que as contradições sociais não podiam ser explicadas, econômica,
social ou politicamente, cabia a tarefa para o sobrenatural, ao Deus Uno, isto é, é na
dimensão religiosa que a nova ideologia é forjada. É evocada como na Epístola aos
romanos (texto medieval):
Estais todos submetidos às autoridades superiores, pois não há autoridade
que não venha de Deus e as que existem, por Deus foram estabelecidas.
Assim, quem enfrenta a autoridade enfrenta a ordem estabelecida por
Deus, e aqueles que a enfrentam atraem para si sua própria condenação.
[...] é preciso que estejais submetidos à autoridade não somente devido ao
castigo, mas também por aquilo que dita vossa consciência, pois é
precisamente por isso que lhe pagais os tributos, porque são ministros de
Deus e O servem deste modo (São Paulo apud PINSKY, 1986, p. 95).
A ideologia religiosa atinge a supremacia, fortalece a opressão dos senhores
feudais sobre a massa popular e submete a Filosofia, a Arte, a Educação, a moral e
a Ciência à teologia, perseguindo hereges e qualquer movimento cultural que
colocasse em risco a ordem social estabelecida, sustentáculo das regalias da
nobreza e do clero.
Entretanto, cabe ressaltar, que a imposição ideológica encontrava, em certos
limites, resistências populares. Como afirmam Biriukovitch e Levitski, nos períodos
de pleno desenvolvimento do modo de produção feudal, ou seja, de exploração
social máxima, grandes insurreições antifeudais emergiram tanto no Oriente quanto
no Ocidente, no campo e nas cidades, marcadas pela sua intensidade e sua
cruentação. Na cultura, as resistências expressavam-se nas lendas, fábulas,
canções e poesias populares, ao passo que o substrato popular expressou-se do
teatro à pintura (Biriukovitch e Levitski apud PINSKY, 1986, p. 172 - 174, 180).
Nessas circunstâncias, “o conhecimento da natureza era palco de um
confronto ideológico e político acirrado: as classes dominantes (e, em particular, o
clero) não podiam admitir que abalasse sua cosmogonia, porque o conjunto de sua
importante arquitetura ideológica arriscava se desmoronar sem esta pedra de toque
(LÖWY, 1994, p. 198)”. Na história da Química, nota-se, nesse período, a assunção
e a conservação milenar da influencia aristotélica nas práticas “alquímicas”, onde a
teoria dos 4 elementos e a transmutação constituíam-se seus guias teóricos-práticos
mesclados da mais pura metafísica religiosa.
Mas é com o desenvolvimento das relações de produção e das forças
produtivas, no seio da vida medieval, que culmina a revolução burguesa e a
104
instauração do modo de produção capitalista, momento aonde a Ciência vai se
desvencilhar das amarras ideológicas religiosas anteriores.
A “desideologização” da Ciência, para além de libertá-la do jugo clerical,
implicará na visão de “neutralidade”, de “imparcialidade ideológica” do próprio devir
científico. Se por um lado, a Ciência deveria desenvolver-se “livremente” para
impulsionar o desenvolvimento da indústria e do próprio modo de produção
capitalista, por outro, este sistema social continuava organizado em classes sociais,
e tendo em essência a extração de mais-valia para a acumulação de capital.
Esse novo cenário constituía-se de novas contradições sociais, ou seja, do
antagonismo entre capitalista e trabalhador, ocasionando a acumulação da riqueza
nas mãos de um petit comité de afortunados em virtude da apropriação do trabalho
alheio, e, com isso, exigindo “[...] um cimento ideológico de tipo econômico-social e
político e não tendo que construir uma cosmogonia religiosa (LÖWY, 1994, p. 199)”.
É nesse sentido, que a Ciência vai ser apreendida pelo capitalismo e elevar-
se numa superestrutura, com a finalidade de mascarar as contradições sociais,
justificando e servindo à manutenção e expansão deste modelo social de exclusão e
discriminação, como afirma Gramsci:
O progresso científico fez nascer a crença e a esperança de em um novo
Messias, que realizará nesta terra o país da felicidade; as forças da
natureza; sem nenhuma intervenção do esforço humano, mas através de
mecanismos cada vez mais perfeitos, darão em abundância à sociedade
tudo necessário para satisfazer suas necessidades e viver na fartura
(GRAMSCI, 1989-a, p. 71).
O progresso na perspectiva apontada por Gramsci assume caráter ideológico,
uma vez que nele está subentendido
a possibilidade de uma mensuração quantitativa e qualitativa: mais e
melhor. [...] O nascimento e desenvolvimento da idéia de progresso
correspondem à consciência difusa de que se atingiu uma certa relação
entre sociedade e natureza (incluindo o conceito de natureza e de acaso e
o de irracionalidade), relação de tal espécie que os homens - em seu
conjunto - estão mais seguros quanto ao seu futuro, podendo conceber
racionalmente planos globais para sua vida (GRAMSCI, 1989-a, p. 44-45).
Dessa forma, a “ideologia do progresso científico” produzida pelo capitalismo
faz parte da operação que transforma os interesses das classes dominantes no
interesse de toda a sociedade, ou seja, os “portadores” da idéia de progresso
justificam as mudanças sociais ou ambientais (e as contradições já estabelecidas,
como, por exemplo: o “desemprego tecnológico”) pelo desenvolvimento do
105
conhecimento científico-tecnológico e sua inevitabilidade progressista. No dizer de
Gramsci (1989-a, p. 45), estes “portadores” oficiais, perderam o controle racional do
progresso, pois, suscitaram “forças destruidoras” e “angustiantes”, tornando-se (os
portadores) uma “natureza” que deve ser dominada.
O “progresso” corrobora para a propagação da “neutralidade” da prática
científica, a fim de esconder as relações intrínsecas entre a Ciência e os interesses
capitalistas. Juntamente com a crítica ao progresso, a Ciência deve ser entendida
como uma força produtiva.
Para Braverman (1987), depois do trabalho a ciência é a propriedade social
mais importante a tornar-se um instrumento do capital. A Revolução Industrial, por
meio da técnica, foi a alavanca do desenvolvimento da Ciência, pois, como vimos
anteriormente, ela estava presa a superestrutura clerical e seu arcabouço teórico
constituía-se de resquícios filosóficos da Antigüidade (na alquimia - teoria dos 4
elementos, etc.).
Se num primeiro momento, o da Revolução Industrial, a relação entre Ciência
e capital é indireta, no processo histórico ulterior “o capitalista organiza
sistematicamente e ornamenta a ciência, custeando a educação científica, a
pesquisa, os laboratórios, etc. (BRAVERMAN, 1987, p. 138)”.
A incorporação da Ciência pela indústria capitalista começa pela Alemanha, e
além de fornecer a base para as duas grandes Guerras, “ensina” os demais países
capitalistas a como procederem na incorporação da Ciência ao Capital. Nesse
contexto, existiam avanços em diversas áreas como: eletricidade, aço, petróleo e
motor a explosão, e a pesquisa científica inspirava estas áreas a fim de “demonstrar
à classe capitalista, e especialmente às entidades empresariais gigantes, então
surgindo como resultado da concentração e centralização do capital, sua importância
como um meio de estimular ainda mais a acumulação do capital (BRAVERMAN,
1987, p. 140)”.
O fraco desenvolvimento do capitalismo alemão se valeu do avançado nível
teórico da Ciência alemã. Segundo Braverman (1987, p. 143), enquanto Inglaterra e
EUA utilizavam os cientistas universitários de forma esporádica e no intuito de
resolver problemas específicos, os capitalistas alemães já haviam integrado e
organizado (nas universidades, nos laboratórios industriais, nas associações
comerciais, Governo, etc.) um esforço contínuo para a produção científico-
tecnólogica forjar a nova base da indústria moderna.
106
O resultado desta simbiose pode ser expresso pelo extraordinário
desenvolvimento obtido na Indústria Química alemã, como relata Bäumler:
No caso da Hoechst – com praticamente também nos da Bayer e da BASF
– este processo extraordinário consumou-se dentro de apenas quarenta
anos. Neste período, o número de funcionários – calculada a partir o ano
de fundação [1863] – se multiplicara mil vezes; surgira, de uma miserável
barraca, uma cidade industrial com centenas de prédios, atravessada por
quilômetros de ruas e trilhos. Um edifício com numerosos escritórios se
tornara necessário, [inclusive] usinas de força de dimensões
metropolitanas, para abastecê-la de eletricidade e vapor. A produção diária
de produtos químicos inorgânicos e de corantes precisava ser medida
agora em toneladas e em vagões ferroviários (BÄUMLER, 1963, p. 74).
Mais adiante, encontramos o “ônus” desse processo para o capitalista:
“Desde 1863, as distribuições de lucros oscilaram em 30 e 20 por cento. Tempos
felizes para os acionistas! Em poucos anos, eles puderam duplicar o capital investido
(BÄUMLER, 1963, p. 75)”.
Temos que ressaltar que as investigações de Braverman (1987, p. 146)
apontam para a mudança da dimensão da revolução científica e tecnológica em
relação aos aspectos vivenciados durante a Revolução Industrial clássica. As
inovações deixam de ser espontâneas (suscitadas indiretamente pela produção
social), pois agora implicam num planejamento tecnológico e produtivo, ocasionado
pela transformação da Ciência em mercadoria
16
, comprada e vendida como qualquer
outro meio de produção. Citado por Klaw em 1968 (apud BRAVERMAN, 1987, p.
173), um químico da época dizia: “Já não mais estou interessado em problemas que
não impliquem considerações econômicas. Vim a perceber a Economia como outra
variável com que lidar no estudo de uma reação – há pressão, há temperatura e há
dólar”.
O referido autor ainda acrescenta que a revolução científico-tecnólogica
apenas pode ser entendida em sua totalidade, ou seja, a ciência e suas
investigações como parte intrínseca do funcionamento do modo de produção, e não
em seus produtos particulares, as inovações específicas. Ao contrário, diz
Braverman (1987, p. 147), “a inovação chave não deve ser encontrada na Química,
na Eletrônica, na maquinaria automática, na aeronáutica, na Física Nuclear, ou em
16
Em relação à transformação da Ciência em mercadoria, o recente artigo de Oliveira (2005),
intitulado: Ciência: força produtiva ou mercadoria? exorta a relevância de se tomar a ciência como
mercadoria, baseando-se no processo mais amplo da mercantilização (produzido pelo
Neoliberalismo) igualmente da Educação e dos bens intelectuais. Este processo, além de ser a fusão
da Ciência com a tecnologia (formando a tecnociência), segundo o autor, vai deixar o mercado
determinar o ritmo, os ritmos das pesquisas, chagando interferir nos princípios metodológicos da
ciência.
107
qualquer dos produtos dessas tecnologias científicas, mas antes na transformação
da própria Ciência em capital”.
Na mesma linha investigativa de Braverman, Ernest Mandel identifica os
principais aspectos da contribuição da Ciência (na chamada “aceleração da
inovação tecnológica”) no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, o qual
ele denomina de Capitalismo tardio (um desenvolvimento ulterior do capitalismo
monopolista, onde continuam válidos os aspectos da chamada fase imperialista).
Longe de assumir uma perspectiva “abstrata” e economicista, esse autor intenciona
descrever o desenvolvimento capitalista do pós-guerra, assumindo uma perspectiva
de totalidade, isto é, considerando os múltiplos aspectos que determinam o
desenvolvimento do capitalismo tardio, ao incorporar em sua análise as dimensões:
históricas, políticas, tecnológicas e, as especificamente, econômicas.
O modo de produção capitalista constitui-se no desenvolvimento cíclico de
aumento e diminuição de produção de mercadorias (e de mais-valia). Existe um
movimento cíclico de expansão e contração da realização da mais-valia (a mais-valia
é produzida no processo de trabalho, mas se concretiza na circulação, ou seja, na
venda da mercadoria) e da acumulação de capital (quando a mais-valia obtida após
a venda da mercadoria não é gasta, mas convertida em capital adicional). A
discrepância entre a produção de mais-valia e a sua realização, e essa última com a
acumulação de capital provocam crises capitalistas de superprodução.
Na fase de oscilação ascendente (Mandel, 1982, p. 75), a acumulação se
acelera. Chega num determinado ponto onde se torna difícil assegurar a valorização
do capital que está sendo acumulado (o investimento do capital acumulado não se
dá às mesmas taxas de lucro iniciais). Ocorre então uma superacumulação (em
termos relativos), aonde o capital que vem sendo acumulado, só pode ser investido
a taxa de lucros cada vez menores.
Já numa fase de oscilação descendente, ocorre a desvalorização do capital e
o subinvestimento, isto é, investe-se menos capital do que a quantia apta para se
expandir às taxas médias de lucro. Esse subinvestimento tem a intenção de
aumentar novamente as taxa médias de lucros. Nas palavras de Mandel, “o ciclo
econômico capitalista aparece como o encadeamento da acumulação acelerada de
capital, da superacumulação, da acumulação desacelerada de capital e do
subinvestimento (Mandel, 1982, p. 75)”.
108
O aspecto que determina a duração desses ciclos econômicos é o tempo de
rotação necessário à restituição do capital fixo (capital destinado a compra de
maquinaria), isto é, o tempo necessário para que o valor gasto com a maquinaria, e
que é transferido em parcelas à cada mercadoria individual, seja restituído pelo
capitalista com a venda das mercadorias. E
109
fase inicial, em que a tecnologia passa efetivamente por uma revolução
[mudança qualitativa], e durante a qual devem ser criados os locais de
produção e atendidas outras exigências preliminares dos novos meios de
produção. Essa fase é caracterizada por uma taxa de lucros ampliada, a
acumulação acelerada, crescimento acelerado, auto-expansão acelerada
do capital anteriormente ocioso e desvalorização acelerada do capital antes
investido no Departamento I [setor responsável pela produção dos meios
de produção], mas agora tecnicamente obsoleto. Esta fase inicial dá lugar a
uma segunda, em que já ocorreu a transformação real na tecnologia
produtiva: em sua maior parte, já estão em funcionamento os novos locais
de produção requeridos pelos novos meios de produção, só podendo ser
ampliados ou aperfeiçoados em termos quantitativos. Trata-se, agora, de
tornar os meios de produção desses novos locais de produção
universalmente adotados em todos os ramos da indústria e da economia.
Assim, se dissolve a força que determinou a expansão repentina, em
grandes saltos, da acumulação do capital no Departamento I; em
conseqüência, essa fase se torna caracterizada por lucros em declínio,
acumulação gradativamente desacelerada, crescimento econômico
desacelerado, dificuldades cada vez maiores para a valorização do capital
total acumulado [...] e aumento gradativo, auto-reprodutor, no capital posto
em ociosidade [o subinvestimento] (Mandel, 1982, p. 84).
Dessa forma, vemos a inovação tecnológica como um elemento indispensável
para o capitalismo, pois, tende a constituir e interferir nas próprias leis do seu
funcionamento e desenvolvimento, emergindo, nesse quadro relacional entre
tecnologia e leis econômicas capitalistas, as características fundamentais do
capitalismo tardio para a Ciência e a tecnologia.
É a partir da 3ª Revolução Tecnológica, que se constitui efetivamente a
incorporação da Ciência e da tecnologia aos moldes organizacionais capitalistas,
sob a égide de um processo de “aceleração da inovação tecnológica”, como
descreve Mandel:
A aceleração da inovação tecnológica é um corolário da aplicação
sistemática da ciência à produção. Embora tal aplicação tenha raízes na
lógica do modo de produção capitalista, não esteve de maneira alguma
contínua e uniformemente entrelaçada à mesma, ao longo da história
desse modo de produção (Mandel, 1982, p. 175).
Embora, durante os séculos XIX e XX, as inovações científicas não se
produziram de forma “independente” do capital, ou de qualquer outra necessidade
social, é no capitalismo tardio que “a organização sistemática da pesquisa e
desenvolvimento como um negócio específico, organizado numa base capitalista – o
investimento autônomo em pesquisa e desenvolvimento –, se manifestou
plenamente (Mandel, 1982, p. 176)”.
Entretanto, o autor deixa claro que não há uma identidade entre “invenção
científica e técnica” e “inovação tecnológica”, e igualmente, no processo de
110
aceleração dessas inovações tecnológicas, é preciso distinguir a esfera das
condições de produção da Ciência e da Tecnologia e das inovações tecnológicas e a
esfera das condições econômicas capazes de propiciar a aplicação dessas
inovações. Entrementes, deve-se buscar apreender a aceleração da atividade
científica e tecnológica relacionando os múltiplos aspectos inerentes à história da
ciência, do trabalho e da sociedade.
Mandel (1982: 176) destaca o significado histórico da segunda revolução
científica iniciada no início do século XIX, complementada pelo desenvolvimento da
física quântica, da teoria da relatividade, da pesquisa atômica e da matemática
moderna. Pois, assim como a física clássica ofereceu uma gama de possibilidades
de aplicações tecnológicas (da máquina a vapor ao motor elétrico), essa segunda
revolução científica forneceu uma base de aplicação tecnológica, que, a partir de
1920-30, culminou na energia nuclear, na cibernética e na automação.
Mas, foram no contexto da Segunda Guerra Mundial e da ulterior economia
armamentista que se desencadearam as condições objetivas dessa aceleração da
inovação tecnológica. Num ambiente de acumulação desacelerada de capital, a
economia armamentista começa a absorver as invenções e os conhecimentos
científicos produzidos até então e potencialmente aplicáveis em novas inovações
tecnológicas, na medida em que cria concomitantemente as pré-condições do
desenvolvimento destas.
Mandel (1982, p. 177) enfatiza, tomando alguns exemplos, que os
desenvolvimentos da bomba atômica, do radar, da miniaturização de equipamentos
eletrônicos, de novos componentes eletrônicos, de aplicações da matemática em
problemas econômicos, do modelo sinergético
17
de planejamento empresarial,
tiveram origem nesse contexto da economia armamentista, a qual abre caminho
para a organização sistemática e intencional da pesquisa científica com a finalidade
de acelerar a inovação tecnológica. O referido autor usa como síntese a paráfrase:
“a confiança na pesquisa organizada foi ampliada pelos êxitos no tempo de guerra
(Mandel, 1982, p. 177)”.
A partir daí a pesquisa científica adentra diretamente no processo de
produção de mercadorias de forma especializada e autônoma. “De início, a pesquisa
17
Na rubrica econômica significa: ação conjunta de empresas, visando obter um desempenho melhor
do que aquele demonstrado isoladamente (Dicionário HOUAISS, 2004).
111
e o desenvolvimento tornaram-se um rumo à parte dentro da divisão do trabalho das
grandes companhias”, para, posteriormente, assumirem “a forma de empresa
independente; surgiram laboratórios de pesquisa operados por particulares, que
vendiam suas descobertas e inventos ao preço mais alto (Mandel, 1982, p. 177)”.
Como em qualquer outro setor da produção capitalista, a pesquisa como área
de investimento empresarial
18
obedece à lei da lucratividade. Embora se constitua
como investimento de alto risco, seus retornos são altamente compensatórios ao
capitalista, segundo Mandel (1982, p. 178), “as rendas tecnológicas se tornaram a
principal fonte de superlucros
19
”.
Entretanto, Mandel reconhece que o capital investido em pesquisa e
desenvolvimento só adquiri sua valorização à medida que se materializa em
mercadorias ou meios de produção que diminuam os custos de produção, por isso o
alto risco assumido é característico e tarefa para as grandes empresas
monopolistas, que toma o “risco” do investimento e concorrência intercapitalista
como necessidade factual de cada vez mais tentar diversificar e aperfeiçoar o
planejamento da pesquisa. Essa tarefa reside no fato (assim acreditamos) de que
não existe uma relação mecânica e imediata entre a pesquisa científica e a sua
aplicação a produtos comerciáveis.
Fica-nos mais explícito no pensamento e na investigação de Mandel quando
ressalta que se deve considerar a Ciência, não como força produtiva direta (como
Marx), mas sim, como uma força produtiva potencial. Para o autor é “mais que
evidente que o conhecimento e a originalidade não podem ser produzidos da mesma
maneira e com a mesma regularidade dos bens de consumo (Mandel, 1982, p.
181)”.
O aspecto potencial de a ciência atuar como força produtiva, está relacionado
à sua autonomia relativa de desenvolvimento, isto é, seu caráter interno não
pragmático. A produção do conhecimento científico, como vimos anteriormente, é
compreendida historicamente por meio de uma abordagem tanto internalista quanto
externalista de sua epistemologia. A perspectiva capitalista se estabelece justamente
no intuito de eliminar este “não pragmatismo” inerente a Ciência. Citamos um
18
Mandel se refere à pesquisa e o desenvolvimento na esfera “privada”, à medida que considera a
realizada na esfera estatal, em certa medida, livre da coerção da lucratividade.
19
Superlucros: os lucros superiores à taxa de lucro social média, que, por sua vez, é a relação entre o
volume total de mais-valia produzida numa determinada sociedade capitalista e o volume de capital
(Mandel, 1982, p. 415).
112
exemplo na Indústria Química alemã, que, de forma explícita, organiza-se
capitalistamente:
Nenhum sistema, por mais perfeito que fosse, seria capaz de prever as
possibilidades futuras de uma invenção ou descoberta química. Quando
parecia ser medianamente promissora, era necessário investir primeiro
milhões de marcos. Só muito mais tarde é que se verificava então se se
tratava de um êxito. De alguma centena de preparados, até 1909, apenas
três tiveram bons resultados financeiros – ANTIPIRINA, PYRAMIDOM, e o
soro ANTIDIFTÉRICO. Só nos anos seguintes acresceu o SALVARSAN
(BÄUMLER, 1963, p. 75).
Com isso, queremos inferir que, preservadas as condições históricas internas
de desenvolvimento da pesquisa científica, o controle “externo” se dá em termos de
decisões políticas e econômicas, as quais norteiam a pesquisa e direcionam a
aplicação desses conhecimentos científicos e tecnológicos. É na escolha dos
“problemas de pesquisa”, na escolha entre esta ou aquela questão de pesquisa,
como nos corrobora Löwy:
Tanto a seleção do objeto de pesquisa, como a aplicação técnica das
descobertas científicas dependem dos interesses e de concepções de
classes e de grupos sociais que financiam, controlam e orientam a
produção científico-natural, assim como da ideologia ou visão de mundo
dos próprios pesquisadores. Isto vale não somente para os laboratórios das
empresas privadas e para a pesquisa no campo dos armamentos, mas
para o conjunto do sistema de produção de conhecimentos científicos na
sociedade capitalista moderna (LÖWY, 1994, p. 199).
A interferência radical, ou seja, exercida no seu próprio conteúdo tende a
levar a Ciência e seus processos a uma forma grotesca de prática científica, e ou a
um estado de “pseudociência”. Como vimos anteriormente, a radicalidade exercida
pela ideologia clerical na idade média, aprisionou o devir científico numa milenar
base teórica aristotélica, praticamente em termos “alquímicos” pouco se avançou no
desenvolvimento da Ciência.
Outro exemplo é encontrado na história da União Soviética, mais
especificamente acerca dos desdobramentos do “caso Lyssenko
20
”. Segundo Löwy
(1994), a interferência ideológica do Estado Soviético Stalinista sobre a Ciência
implicou na instauração de um “positivismo às avessas”, isto é, as teorias científicas
eram classificadas como “burguesas” ou “socialistas”, gerando a indistinção
metodológica e epistemológica entre Ciências Naturais e Ciências Sociais. A
20
O caso Lyssenko é discutido por Löwy (1994) no livro: As aventuras de Karl Marx contra o barão de
Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento, no Capítulo III, no item:
Ideologia estalinista e ciência (p. 164 – 195).
113
genética de Mendel (da hereditariedade) era “burguesa”, deveria ser combatida em
favor de uma genética “socialista”, a de Lyssenko. Analogamente, a teoria das
Ligações Químicas de Linus Pauling deveria ser superada pela teoria “socialista” de
Schelintsev. Essa interferência na “autonomia relativa” da Biologia provocou um
contundente atraso científico da agricultura soviética em tempos stalinistas.
Por outro lado, o artigo de Oliveira (2005) menciona a interferência capitalista
na produção científica a ponto de influenciar os próprios métodos científicos, além da
tendência capitalista em acabar com a pesquisa desinteressada, isto é, de tencionar
a “morte da ciência pura”.
A afirmação de que a ciência pura está morta tem, portanto um lado
verdadeiro, na medida em que reflete tendências reais, mas também um
lado falso, decorrente do fato de que as tendências ainda não se
consumaram totalmente, ou seja, que continuam a ser financiados projetos
de pesquisa destituídos de possibilidade de aplicação, que se justificam
apenas, grosso modo, como contribuições à expansão do conhecimento
(OLIVEIRA, 2005, p. 91-92).
Embora mereça uma discussão mais aprofundada, fica-nos claro, que sob a
égide da lógica capitalista contemporânea, surgem novas contradições sociais
de um lado, o crescimento cumulativo da ciência, a necessidade social de
dominá-la e disseminá-la ao máximo e a crescente necessidade individual
de capacitação na ciência e na tecnologia contemporâneas, e, de outro
lado, a tendência inerente ao capitalismo tardio de tornar a ciência uma
prisioneira de suas transações de lucro e de suas estimativas de lucro
(Mandel, 1982, p. 184 - 185).
Posto dessa forma, ensejamos abordar o problema da “crise da ciência” para
além de uma “crise de paradigmas”, pois esses estimulam, cinicamente, uma
abordagem relativista dos processos da ciência, tanto da sua internalidade, quanto
dos seus aspectos externos.
Dizer que a crise é interna estimula a cegueira em relação ao seu papel no
próprio desenvolvimento capitalista, isto é, se a crise é da ciência não é do
capitalismo, aliás, esta vertente (a pós-moderna) postula o capitalismo como o fim da
história, embora “narrativamente” negue o “determinismo”, a sua visão seletiva
apenas nega o de viés “cartesiano” porque “moderno”, considerando o capitalismo
(já “determinado”) e a superação de suas mazelas, não mais do que “falsos
problemas”.
Aliás, “[n]ada mais coerente com o projeto de dominação das classes
dirigentes: apagar a historicidade das relações sociais, negar os discursos
114
divergentes, negar a existência da luta de classes, afirmar que só há uma saída: a
dos vencedores (GRABAUSKA, 1999, p. 90)”.
Como nos corrobora Grabauska,
[a] crise está no modo capitalista de produção, que concentra poder,
dinheiro e conhecimento na mão de poucos, deixando muito próxima da
linha da miséria grande parte das parcelas trabalhadoras assalariadas,
dirigidas, e muito menos do que isto para os excluídos da cidadania. Não
falhou a modernidade em produzir conhecimentos, tecnologias, conforto e
meios de como distribuí-los. Falhou, e conhecendo o que fazia, o sistema
capitalista, em fazer com que a produção coletiva dos seres humanos
fosse, ela também, distribuída coletiva e eqüitativamente. Ideologicamente,
entretanto, o argumento é distorcido. Se a explicação da realidade não
condiz com o que está acontecendo (se o projeto Iluminista não trouxe as
"luzes" para todos), é necessário mudar a explicação, não importando que,
na verdade, é o mundo que precisa ser mudado (GRABAUSKA, 1999, p.
88-89).
Ao contrário das posturas que exortam a crise da Ciência, a abordagem da
Ciência como superestrutura e força produtiva vem colaborar para o entendimento
do processo de construção do conhecimento científico e de suas tecnologias. Trazer
um conteúdo econômico para a reflexão epistemológica é abordar a relevância que
o processo científico adquiriu em nossa contemporaneidade.
Pois, tomando a Ciência como uma força produtiva, revela-se num alto grau
de desenvolvimento, de conhecimento elaboração, capaz de apreender
“racionalmente” os fenômenos naturais libertando o ser humano da imediaticidade e
dos limites impostos pela natureza. Entretanto, a serviço da manutenção e do
funcionamento do capitalismo, essa força produtiva cada vez mais promove a
desumanização, à medida que sua teleologia é, acima de tudo, a incansável
obtenção de lucros.
E por outro lado, o processo científico tomado como uma superestrutura,
revela a sua dimensão ideologizante, como a do “progresso científico”, o qual tende
a contribuir para uma “fetichização” da idéia de “força produtiva”, isto é, quando esta
última assume aspectos de “inevitabilidade histórica”, bem como, possuidora de uma
“natureza interna” sempre coincidente como “o melhor”. Fato que esconde as opções
humanas de direcionamento da pesquisa científica e da aplicação de seus
conhecimentos, os quais sempre implicam em questões ecológicas, sociais e éticas,
que em nossa contemporaneidade apresentam-se com relevância inaudita.
O controle social atingirá sua plenitude na sociedade organizada pelos
trabalhadores livremente associados, quando a sociedade civil funde-se com a
115
sociedade política para a criação de uma sociedade regulada. Mas nesse caminho,
os desafios para a superação das contradições inerentes à utilização da prática
cientifica está diretamente ligada à luta pela superação das contradições sociais
capitalistas mundiais.
5.2 História da Química e contra-hegemonia
A Química se desenvolve e se desenvolveu historicamente devido às
“necessidades” sociais estabelecidas em cada momento histórico da civilização.
Diríamos que a Química está ligada aos interesses e necessidades de cada modo
de produção social e submetida, como toda prática social, aos interesses de classes
ou grupos sociais.
Dessa forma, acreditamos que a prática pedagógica em Química possa
contribuir para que os seres humanos, em geral, consigam perceber melhor o lugar e
o papel da ciência na construção das condições materiais de produção da vida
social e para que possam romper com os mitos propagados pela ideologia científica.
A identificação do desenvolvimento científico com o “progresso” cria um senso
bastante comum de que o devir da ciência se faz “fora de julgamentos de valor”, isto
é, de “neutralidade ideológica”. Este progresso alardeado a todo instante pelos
meios de comunicação, fortalece uma visão de “não ruptura”, de não j .00ruçã” da( )]TJ-29.-3 -1.725 TD.65384 Tw[(produçãodco cnhlecimento científica. 567.6Aos )]TJ-2185 0 TD0.0003 Tc065305 Tw[veridades científicos sa mnstamo
116
Se por um lado, a visão de neutralidade da Ciência implica numa legitimação
direta do status quo, uma vez que, corrobora para o não questionamento das
inovações tecnológicas, marca incontestável da sociedade contemporânea. Por
outro lado, a reflexão epistemológica contribui para que o ensino de ciências seja
mais coerente com o processo de construção do próprio conhecimento científico. Em
relação à seleção e a organização curricular de Química, nos parece pertinente, a
asserção de que é necessário saber como o conhecimento é produzido, para saber
como deva ser ensinado.
Se tomarmos os livros didáticos, normalmente, perceberemos uma seqüência
“lógica” de conteúdos. Numa forma propedêutica a aquisição de determinados
conhecimentos garante a aprendizagem de outros (as “listas de conteúdos”, tal como
b coexntelo). Já na h“liór7(ida1( )]TJ-25.04 -1.725 TD-0.0002 Tc283424 Twe Quími icesso nãas parecl comveriedao )]TJ164576 0 TD0.0002 Tc28373 Tw[rido,omaição senvolvdaiciments dmuitados
117
O Ensino de Química está inserido numa sociedade imersa em “novas
tecnologias” com a qual a grande maioria dos sujeitos estabelece relações
fetichizadas. Também os meios de comunicação de massa são divulgadores de
cultura científico-tecnólogica, seja das novidades mercadológicas, ou, como já
mencionado, da idéia de progresso científico ou da “neutralidade” científica.
A eleição do saber histórico, em nosso entender seria elemento de contra-
hegemonia, uma vez que, se contrapõe às concepções naturalizantes da estrutura
social, pois no capitalismo se maximiza o fetichismo da mercadoria, abrangendo-se,
dessa forma, para outras dimensões da vida social. Em outras palavras, o fetichismo
está no fato de que as relações entre “pessoas” sejam percebidas como relações
entre “coisas”, ocorrendo uma “naturalização” daquilo que é social.
Nos afirma Duarte que “na maioria das vezes essa naturalização do social
não ocorre de maneira franca e direta, mas sim por meio de muitos e intrincados
subterfúgios, o que dificulta bastante o trabalho de análise crítica (DUARTE, 2001, p.
129)”.
Além disso,
a naturalização daquilo que é histórico e social é um recurso ideológico que
pode ter significados diferentes, dependendo do contexto no qual é
utilizado, bem como, dos motivos que levaram a sua utilização. Essa
diversidade dos significados que a naturalização do social pode assumir
nos vários contextos históricos jamais elimina, porém, seu caráter
alienante, contido na transformação, no plano ideológico, de algo criado
pelo homem em algo que teria sido produzido pela natureza, retirando do
ser humano a crença na possibilidade de transformação daquilo que ele
próprio produziu (DUARTE, 2001, p. 129).
A naturalização do que é social é um processo ideológico expresso nas
diversas áreas do saber e que invade a vida cotidiana, tornando-se aspecto do
senso comum necessário para a legitimação das contradições sociais capitalistas.
Pois, juntamente com a redução, via ideológica, dos fenômenos históricos aos
fenômenos naturais, estabelece-se uma relação fetichizada, segundo o qual a
intervenção nesses fenômenos está para além da condição humana, pois a sua
118
aparente naturalidade esconde suas dimensões humanas e históricas (sua
provisoriedade).
Na reprodução das condições econômicas capitalistas essa “naturalização”
ganha força em nossa contemporaneidade, como evidencia Belluzzo (Economista da
Unicamp):
Depois da queda do Muro de Berlim, a teoria social predominante aboliu a
palavra capitalismo do seu dicionário. [...] Trata-se de um estranho jogo
dialético: o caráter histórico do capitalismo é eternizado numa tosca
manobra de “naturalização” das relações sociais e econômicas. [...] O
capitalismo ressurgente teve sucesso na empreitada de “re-naturalizar” os
nexos monetários e mercantis e apresentá-los como condições para se
alcançar simultaneamente a Liberdade, a Igualdade e a fruição da máxima
utilidade para todos (BELLUZZO, 2005, p. 13).
O mesmo processo ideológico é encontrado no capítulo anterior, no que se
refere a uma “naturalização” do desemprego, pois a hegemonia capitalista educa a
população sob a visão de avanço “inevitável” da tecnologia, incompetência
profissional, desqualificação, ou qualquer outro elemento que propicie uma
concepção fetichizada do desemprego, escondendo seu caráter social, promovido
por decisões e opções humanas.
A naturalização se constitui como um instrumento de justificação da ordem
social ao apresentá-la como originária da própria “natureza” humana. É a tentativa
ideológica de “eternizar” e “universalizar” os aspectos de uma determinada realidade
histórica, mostrando-os como desde sempre fossem inerentes à natureza humana.
A tarefa de “eternizar” e “universalizar” as características sociais de uma
época ganha força quando a concepção de Ciência circunscreve o campo
positivista-empirista, pois nesta visão de Ciência encontram-se os seguintes
aspectos:
1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis,
independentes da vontade e ação humanas; na vida social, reina uma
harmonia natural.
2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada à
natureza (o que classificaremos como “naturalismo positivista”) e ser
estudada pelos mesmos métodos, démarches e processos empregados
pelas ciências da natureza.
3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se
à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva,
neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando
previamente todas as prenoções e preconceitos (LÖWY, 1994, p. 17).
Essa concepção de Ciência relaciona-se com a reprodução cultural-
econômica, a medida em que corrobora para a divulgação de uma visão de
119
desenvolvimento da Ciência e do Mundo baseada num objetivismo “livre de
julgamentos de valor ou ideologias” e “independentes da vontade e ação humanas”,
isto é, fundamentais para promover um consenso passivo acerca das contradições
sociais presentes na era do capital.
Nesse processo, torna-se “indispensável” o esvaziamento dos aspectos
históricos necessários para a superação dessas visões “naturalizantes” da vida
social (no contexto da Educação Científica, os livros didáticos podem ser um bom
exemplo desse processo, uma vez que, praticamente inexistem referencias sobre a
História da Química).
Como menciona Duarte, a naturalização não é um retorno à natureza,
mas sim a considerar como natural, isto é, como pressuposto da vida
social, daquilo que é histórico, produto do desenrolar histórico das relações
sociais. [...] o recurso à naturalização contém, com freqüência, também o
processo de universalização a-histórica de determinadas características
específicas da sociedade capitalista (DUARTE, 2001, p. 138).
No que se refere ao conhecimento químico, diríamos que esse assume um
aspecto abstrato e, na perspectiva de Duarte, alienante, quando abordado em sala
de aula “à parte” da dinâmica do mundo social. Pois os conceitos químicos possuem
uma história dentro da sua própria ciência, como também estão circunscritos à
história universal da sociedade.
Apple evidencia a conseqüência da ausência dessa abordagem histórica no
processo educacional como a criação por parte dos alunos de uma visão “que possui
pouca força para questionar a legitimidade das suposições tácitas sobre conflito
interpessoal que dirigem suas vidas e suas próprias situações educacionais,
econômicas e políticas [...] não lhes é mostrado como o debate e o conflito se deram
em favor do progresso da ciência (APPLE, 1982, p. 140)”.
Assim, a crítica à naturalização do social se dá como uma crítica nas
dimensões ideológica e epistemológica, a qual fazemos por meio da epistemologia
de base historicista. Nesse sentido, questiona-se: em que essa abordagem implica
na prática educativa?
A utilização da História da Química como um princípio pedagógico, a partir da
abordagem epistemológica historicista anteriormente citada, pode ser entendida, de
acordo com Rosa, em dois âmbitos distintos e complementares. Segundo Rosa,
existe um conteúdo epistemológico, pois;
120
envolve a utilização da História da Ciência pelo educador como uma forma
de tomar consciência da ruptura do seu conteúdo específico com o
conhecimento de senso comum, bem como, de aprender os diferentes
processos históricos de construção do conhecimento na Ciência, ou seja, a
captação dos diferentes sistemas epistemológicos produzidos no como
fazer ciência ligados ao seu tempo histórico determinado (ROSA, 1997, p.
07 – grifos do autor).
No âmbito do Ensino, Rosa aponta para a sua utilização “no preparo do
conteúdo de ensino como um processo de decodificação, um movimentar-se pelos
produtos e processos do fazer Ciência e nesse sentido tem como objetivo dar
condições para que os educandos consigam perceber e compreender os momento
catárticos, de ruptura, que caracterizam a evolução da Ciência (ROSA, 1997, p. 08 –
grifos do autor)”.
O referido autor nos propõe esses aspectos da abordagem epistemológica
historicista no ensino devido ao seu trabalho de pesquisa acerca das contribuições
do pensamento de Antonio Gramsci. Gramsci nos diz que:
... sabe-se que uma verdade é fecunda somente quando se faz um esforço
para conquistá-la; porque de fato ela não existe em si e por si, mas foi
conquista do espírito [...] é preciso que em cada mente singular se
reproduza aquela ansiedade que tomou o estudioso antes da descoberta
[...] Esse representar em ato para os ouvintes a seqüência dos esforços,
dos erros e das vitórias pelos quais os homens passaram para alcançar o
conhecimento atual é bem mais educativo do que a exposição esquemática
desse mesmo conhecimento (Gramsci apud NOSELLA, 1992, p. 21-22).
Comumente o conhecimento químico é abordado de forma a-histórica, ou
seja, é ensinado na sua “forma final”, por meio de enunciados e fórmulas químicas já
“prontas” e pouco se discute acerca de sua gênese.
Encontramos, em Gramsci, as características deste “método histórico” num
trecho acerca do jornalismo, fato que não contradiz sua dimensão essencialmente
pedagógica:
O leitor [aluno] comum não tem, e não pode ter, um hábito “científico”, que
só se adquiri com o trabalho especializado: por isso, deve-se ajudá-lo a
assimilar pelo menos o “sentido” [significado] deste hábito, através de uma
atividade crítica oportuna. Não basta lhe fornecer conceitos já
estabelecidos e fixados em sua expressão “definitiva”; a concreticidade de
tais conceitos, que reside no processo que levou àquela afirmação, escapa
ao leitor [aluno] comum: deve-se, por isso, lhe oferecer toda a série dos
raciocínios e das conexões intermediárias, de um modo bastante
determinado e não apenas por indicações (GRAMSCI, 1978, p. 170).
121
Esse processo visa à constituição da Escola Unitária, onde a ligação orgânica
entre Escola e sociedade é mediada por uma abordagem histórica do conhecimento.
Nesse processo, os aspectos históricos e os naturais tendem a serem
pedagogicamente “diferenciados”, buscando superar qualquer homogeneização
destas dimensões, como afirma Gramsci, a apreensão do equilíbrio existente entre a
dimensão natural e a dimensão social
cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda
magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior
desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo, para a
compreensão do movimento e do devenir, para a valorização da soma de
esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro
custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do
passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro. É este
o fundamento da escola elementar... (GRAMSCI, 1978, p. 130-131).
De fato não se pode historicizar todos os conceitos químicos uma vez que
ainda não se encontra, na própria História da Química, elementos para “reconstruir
os passos”, a “série de raciocínios” necessários para o entendimento do “significado”
do processo de construção dos conhecimentos. Entretanto, como já mencionamos,
não primamos pela “quantidade” de conceitos abordados em nossa prática
educativa, fato que torna possível a historicização de alguns conceitos basilares para
o entendimento dos fenômenos químicos.
O que queremos dizer é que com a mediação da história da ciência e de uma
reflexão epistemológica historicista, podemos gestar práticas pedagógicas em
Química que sejam coerentes com o processo de produção do conhecimento.
Desmistificando o conhecimento químico, apreendido como “verdade absoluta”,
produzido por “grandes gênios solitários”, além da concepção de “neutralidade” da
ciência, como se ela não estivesse diretamente ligada aos interesses e contradições
presentes na totalidade social.
A abordagem historicista intenciona explorar, pedagogicamente, os momentos
de ruptura (as “revoluções cientificas”) e a descontinuidade do processo evolutivo da
ciência, fazer uma historicização dos conceitos químicos, isto é, um breve histórico
do seu processo de construção, diferentemente, de como ele é comumente
ensinado, em seu fim último e acabado. Isto, também, pressupõe a ruptura com uma
postura pedagógica mecanicista, de estímulo-resposta, onde a linguagem e a
simbologia química são tomadas em si mesmas.
122
As contribuições de uma abordagem histórica do conhecimento químico
podem abrir caminho para que se resgate, nesse processo, a dialética entre
cotidiano e História Universal, na medida em que, na cotidianidade tudo o que
queremos está, mais ou menos, ao alcance de nossa prática social, ou seja, são
realizáveis na sua imediaticidade.
Nesta relação com a cotidianidade, afirma Kosik, que “o indivíduo cria para si
relações, baseado na própria experiência, nas próprias possibilidades, na própria
atividade e daí considerar esta realidade como seu próprio mundo (KOSIK, 1986, p.
70)”.
O senso comum divide a vida em cotidianidade e história, aparecendo a
cotidianidade como a-histórica e a história como negação da cotidianidade. Uma
guerra, uma catástrofe, algo de forte impacto na sociedade, é tido como história, isto
é, como interrupção da cotidianidade da vida social, em outras palavras, a história é
passível de mudanças, a cotidianidade é sempre constante.
Dessa forma, a relevância da cotidianidade no processo pedagógico se dá
porque ela é um mundo fenomênico onde a realidade ora se manifesta, e de certo
modo, ora se esconde. Assim, “não é possível entender a realidade da
cotidianidade, mas a cotidianidade é entendida como base na realidade (KOSIK,
1986, p. 72)”.
Nesse caminho, a abordagem historicista busca explicitar “o fazer ciência” em
seus aspectos internos e externos, como uma prática social humana, e os seus
produtos, como resultado dessa prática, e entendidos como natureza humanizada.
Busca explicitar, também, que nesse processo os seres humanos, ao transformar a
natureza, transformam sua própria natureza humana, o mundo e as suas práticas
nesse mundo.
Acreditamos que esse movimento dialético entre cotidiano e História, além de
intencionar a superação das visões “naturalizantes” do processo histórico, permite
uma postura mais “interdisciplinar” (como é comumente denominado), pois revela
que a relação “entre” as disciplinas não é fator exógeno e mecânico, pelo o qual a
prática educativa deve juntar as partes disciplinares, mas é epistemologicamente
intrínseca a cada disciplina e essa relação deve ser apreendida de forma dialética,
porque mediata e contraditória.
Os conceitos químicos possuem uma história e a sua abordagem em sala de
aula é um elemento de contra-hegemonia, uma vez que, desmistifica a “evolução
123
natural” da construção do conhecimento químico, sendo esse apresentado como
produto do trabalho humano. Assim, o conceito químico ao elevar-se na História da
Química contextualiza-se, deixando de ser apresentado como “o conceito em si”,
para então nesse retorno ser percebido como um “conceito pensado
concretamente”.
A abordagem do conceito químico por meio de sua história interna, não
esgota sua própria epistemologia. A produção dos conceitos químicos está
dialeticamente ligada às relações sociais mais amplas, ao modo de produção social
em cada tempo histórico particular. Abordar em sala de aula as relações entre
Química e sociedade e suas relações ao longo da história da humanidade torna-se
fator antifetichista, pois deve evidenciar os conflitos e as contradições encontradas
neste processo.
Nossa intenção é criar pedagogicamente elementos que corroborem para que
os educandos alcancem a consciência de “si” e do seu “ser” no mundo, como
síntese histórica dessas próprias relações. O conhecimento químico ao ser abordado
para além de seus aspectos lógico-matemáticos, pode ser um problematizador
acerca das múltiplas determinações que o tornaram, e o tornam, real, concreto.
É nesse “caminho dialético”, conceito químico História da Química
História Universal conceito químico, que a prática educativa torna o conceito
químico concreto, ao problematizar as suas múltiplas determinações. Neste
processo as supostas fronteiras entre Química, Sociedade e História se rompem,
124
formando um terreno promissor para a formação, no educando, de uma consciência
crítica e não fragmentada do real.
A manutenção da ordem social exige que se divulgue a idéia de não ruptura,
uma vez que, se vivenciada no devir da Ciência poderia ser identificada
analogamente no processo histórico mais amplo. Tal manutenção intenciona impedir
a formação do autoconhecimento acerca do processo histórico da construção do
conhecimento vinculado à totalidade social, o papel da ciência na construção das
condições materiais da existência humana, imersa em contradições históricas,
culturais, ideológicas e políticas.
A ciência Química como uma atividade intelectual (portanto, coerente),
abordada historicamente e socializada pela da educação científica, pode, fornecer
elementos aos seres sociais, para que possam “iniciar” um processo crítico de suas
próprias concepções de mundo, uma vez que “criticar a própria concepção de
mundo, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até ao ponto atingido pelo
pensamento mundial mais desenvolvido” e “significa, portanto, criticar, também toda
a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações
consolidadas na filosofia popular (GRAMSCI, 1989-a, p. 12)”.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ENTRE LIMITES E POSSIBILIDADES
A prática pedagógica no Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac
possibilitou a vivência do processo de construção curricular da Educação de Jovens
e Adultos, bem como, das características dessa modalidade específica do Ensino
Médio.
Nesse processo, evidenciou-se, tanto nas reuniões dos professores quanto na
sala de aula, que o interesse de grande parte dos jovens e adultos era o de
qualificarem-se para o mercado de trabalho. Por isso, a procura pelo Ensino Médio
desempenhava um papel importante enquanto uma oportunidade de preparação
intelectual para a realização de cursos profissionalizantes, de concursos e para os
processos de seleção de empregos, na medida em que a “certificação” de conclusão
da educação básica constituía-se como elemento indispensável para um curriculum
vitae competitivo.
Assim, emergiu na e com a prática pedagógica na EJA a seguinte questão:
Quais são os conhecimentos que devemos abordar com estes alunos jovens e
adultos tendo por base sua realidade social, seus anseios em relação ao mundo do
trabalho?
Essa questão encontrou correspondência na abordagem de Michael Apple
para a teoria do currículo, uma vez que, o seu método consiste em investigar as
relações entre a cultura “distribuída” nas escolas (o currículo) e a reprodução
econômica, à medida que problematiza a dimensão ideológica do currículo situando-
o no contexto da disputa pela hegemonia social.
Ficou-nos claro a dimensão ideológica da construção curricular para a EJA,
quando os aspectos relativos ao mundo do trabalho trazidos pelos alunos
penetraram as discussões entre os professores (de todos os módulos), durante as
reuniões de planejamento do currículo.
Essas discussões se deram em duas perspectivas (Diário de Bordo,
12/04/2006): a) alguns professores enfatizaram que a questão do emprego era
ligada aos aspectos conjunturais da própria estrutura econômica; b) outros
sustentavam a necessidade de ajudar esses jovens e adultos em suas lutas pela
obtenção de empregos, por meio do desenvolvimento de habilidades requeridas pelo
126
mercado de trabalho. Enfim o dilema era o de “preparar” ou “não preparar” os alunos
jovens e adultos para o trabalho.
Com base nesses pressupostos, ao investigarmos os principais fundamentos
da economia do trabalho, juntamente com uma leitura atualizada da centralidade do
trabalho no capitalismo contemporâneo, constatamos que o trabalho continua sendo
a “mercadoria (sic!)” necessária para a produção da riqueza e a acumulação de
capital. Apesar de o capitalismo intencionar a diminuição do número de
trabalhadores no processo de produção, ele não pode extingui-los plenamente sob
pena de ter sua taxa de extração de mais-valia sublimada.
O que acontece de fato, é que houve um aumento na intensificação e na
precarização do trabalho, causados pela utilização das novas tecnologias e das
novas formas de gerenciamento no processo produtivo, sempre no intuito de elevar
as taxas de acumulação de capital.
Esse fato implica num limite estrutural imposto pelo capitalismo, que impede a
manutenção objetiva da geração de empregos, pelo contrário, o capitalismo
contemporâneo conseguiu “sobreviver” com os elevados índices de desemprego
atuais. Quando abordamos o desemprego a partir desses aspectos econômicos,
vemos que as questões acerca da necessidade de qualificação profissional tendem
a mascarar-legitimar este limite estrutural próprio da organização social capitalista,
ao apresentá-lo como sendo um limite exclusivamente cultural.
Com base nessas reflexões acerca do mundo do trabalho e suas relações
com o processo de construção curricular, inferimos que a assunção da “formação de
competências e habilidades” como princípio organizativo, tem se materializado “na
prática”, como determinante para uma abordagem “psicologizada” do currículo, isto
é, esvazia as discussões mais amplas sobre os problemas tomados como
127
competências e habilidades, já mostra de forma latente uma adequação aos
princípios basilares da ideologia capitalista, isto é, os da competitividade, da
produtividade e da eficiência.
Dessa forma, o currículo contribui para legitimar o senso bastante comum de
que a única saída para as contradições sociais capitalistas é a de via individual,
sendo a aquisição de emprego uma tarefa essencialmente ligada à competência
intelectual individual, nunca à própria natureza da sociedade organizada em função
do lucro e, conseqüentemente, da exploração do trabalho.
Se por um lado, a formação de competências e habilidades pode servir como
tranqüilizante ideológico, ao alimentar a idéia de que a escolaridade resulta em
empregabilidade, por outro, a escola, ao contribuir para a formação de indivíduos
multitarefistas, estaria livrando o capitalista da responsabilidade de custear a
qualificação da força de trabalho, pois a mesma estaria sendo realizada com o
dinheiro público, fruto de parte da mais-valia total produzida pela sociedade (dos
impostos recolhidos pelo Estado).
A formação de competências e habilidades atua como dispositivo de
hegemonia à medida que corrobora para a naturalização das contradições
encontradas no mundo do trabalho, como por exemplo, na questão do desemprego.
No processo de construção curricular de um curso da EJA, esse “dispositivo” se
materializa quando a centralização na formação de competências fecha as portas
para discussões acerca dos aspectos ideológicos e conjunturais (sócio-econômicos)
nos quais a educação está imersa, assim, se não são “discutidos”, dificilmente serão
incorporados como aspectos relevantes nas atividades curriculares.
Na melhor das hipóteses, pode ocorrer uma “concorrência” entre abordagens
mais amplas envolvendo o mundo do trabalho e a formação de competências, uma
vez que, essa última materializa-se como princípio pedagógico da EJA. Embora seja
concreta, a autonomia pedagógica que o professor tem em sala de aula, a escola,
baseada nos PCN’s, promove a discussão e a orientação das atividades educativas
dentro desses preceitos de competências.
Diríamos que a construção do currículo geral da EJA, isto é, a organização
das atividades pedagógicas semestrais que perpassam a internalidade de cada
disciplina particular (seminários, atividades não-presenciais, cursos, palestras,
oficinas), também fica submetida aos propósitos da formação de competências.
128
Em nossas vivencias no IEEOB, constatamos que, nas reuniões de
planejamento e de estudo, ao invés de discutirmos, colaborativamente, os aspectos
metodológicos do ensino-aprendizagem (claro que isso não é tarefa fácil!),
fundando-os nos problemas práticos, encontrados no dia-dia de sala de aula, a
centralidade das discussões é posta na formação de habilidades cognitivas, até
mesmo, favorecendo um desvio da relevância do “conhecimento” em favor da
formação de “competências”.
Se um jovem, ou um adulto, observar atentamente o movimento realizado
pelo Sol e ficar intrigado, poderá, perfeitamente, relacioná-lo à geometria, isto é, a
forma de um semicírculo. O movimento repetitivo, do nascente em um horizonte e do
poente num outro oposto, induz à especulação de que a forma de um círculo
completaria aquela trajetória que à noite torna-se oculta. Isso pode levá-lo a diversas
conjecturas, e devido a sua posição na Terra parecer imóvel, a formulação da
hipótese mais significativa e coerente é a de que o Sol gira em torno da Terra. Ele é
capaz de mobilizar diferentes raciocínios, relações entre fatos, deduções e induções,
enfim, várias habilidades cognitivas, e mesmo assim, “viver” na era ptolomaica.
Esses aspectos são fundamentais quando questionamos a relação entre o
conhecimento escolar para a EJA e o mundo do trabalho, a medida em que a
priorização da formação de competências e habilidades pode cumprir um papel
hegemônico. Ao contrário disso, uma abordagem curricular centrada nas relações
entre Sociedade e Ciência pode tornar-se mais coerente com os anseios de jovens e
adultos, uma vez que, possa ajudá-los a preparar-se para o enfrentamento critico
das contradições sociais vividas direta ou indiretamente pela classe trabalhadora, ao
invés de tacitamente “legitimar” esse estado contraditório, amparado
ideologicamente pela “competitividade” e “habilidade” individual.
A relação entre a Sociedade e a Ciência, no contexto curricular, constitui-se
numa postura pedagógica onde a Escola não esteja separada da dinâmica da vida
social. Abordam-se, na Escola, os fenômenos cotidianos sob a luz das diferentes
áreas do saber, da cultura historicamente produzida, no intuito de qualificar as
práticas sociais de jovens e adultas.
Nesse contexto, a Ciência Química e seus processos devem estar
organicamente ligados às práticas cotidianas dos alunos, fornecendo elementos
para que rompam com o senso comum e construam autonomamente concepções de
mundo unitárias e coerentes. O desvelamento de fenômenos químicos cotidianos,
129
por meio do conhecimento químico, pode implicar na superação de visões,
essencialmente, metafísicas ou teológicas dos fenômenos naturais. Repetiríamos
que: é com o conhecimento elaborado que a realidade cotidiana vislumbra-se mais
ricamente.
Entrementes, uma abordagem histórica do conhecimento intenciona,
igualmente, a formação de uma concepção coerente da Ciência. O cotidiano é
elevado à dinâmica histórica (seja interna ou externa) da construção do
conhecimento, no intuito de problematizar os múltiplos aspectos dos quais um
determinado conhecimento científico é síntese, sempre histórica, e com isso,
contrapor-se às concepções “naturalizantes” da realidade social.
Porém, torna-se indispensável uma reflexão sobre os limites e os avanços
emergidos no devir desse trabalho.
a) O diário de bordo assumiu um papel fulcral para a coordenação e a
reflexão sobre os saberes, emergidos do processo investigativo. A necessidade do
estudo teórico para o desvelamento dos problemas encontrados na prática,
encaminhou-se, por meio do Diário de Bordo, no sentido de constituir uma
investigação sobre a minha própria prática educativa.
b) A auto-reflexão sobre as práticas pedagógicas na EJA serviram para
avançar no estudo da teoria curricular, ao passo que exigiram o aprofundamento do
estudo sobre o mundo do trabalho capitalista e a sua relação com Ensino de
Química. Diríamos que as situações encontradas nas práticas pedagógicas
impulsionaram o estudo teórico-filosófico para fundamentar o nosso trabalho
pedagógico.
c) O processo investigativo contribuiu para dar conteúdo a nossas atividades
realizadas na EJA, do Instituo Estadual de Educação Olavo Bilac, ao passo que
poderia ter avançado mais na forma. Aqui, cabe ressaltar que as ocasiões em que
os três momentos pedagógicos (Delizoicov e Angotti, 1990) foram implementados de
forma satisfatória, por exemplo, nas aulas sobre Ligações Químicas (23 à
30/11/2005) e sobre Combustão [e conceitos sobre reações químicas, estados
físicos da matéria, leis ponderais, massa, peso e elementos químicos] (31/08 à
14/09/2005), serviram para avaliar profundamente a nossa prática pedagógica, bem
como, dar coerência e unitariedade aos nossos objetivos educacionais.
130
d) A prática pedagógica realizada na EJA em apenas um semestre,
impossibilitou que as atividades pudessem ser reelaboradas e implementadas com a
incorporação do resultado das reflexões teóricas paralelamente desenvolvidas. Na
verdade, os problemas de pesquisa emergiram durante a prática educativa na EJA e
o curso nas disciplinas da pós-graduação do segundo semestre de 2005.
De fato, no início do primeiro semestre de 2006, tentou-se continuar com as
atividades no IEEOB. Entretanto, como minha a minha inserção naquela
comunidade escolar era na condição de “estagiário”, a atuação na disciplina de
Química não foi renovada, ao contrário, atuaria como um professor auxiliar,
ajudando na construção de aulas experimentais, de oficinas, etc.
e) O prosseguimento das atividades na EJA, poderia ter servido para que os
aspectos externalistas da História da Química pudessem ser mais bem
sistematizados em propostas metodológicas específicas, bem como, para que se
criassem textos didáticos, experimentos, estratégias de ensino, voltados para a
abordagem das condições e contradições presentes no devir da Ciência Química.
A “linha do tempo (Apêndice A)” poderia ter sido dividida, para melhor
entender-se as rupturas presentes na passagem de cada modo de produção e os
seus reflexos na Ciência. Embora fizéssemos isso em sala de aula, poderia ter sido
mais bem sistematizada, isto é, da mesma maneira com que os aspectos
internalistas da História da Química se desenvolveram.
Cientes dos limites e dos avanços que encontramos ao longo deste trabalho,
temos a consciência de que a complexidade da prática social educativa, não admite
qualquer imposição acerca de uma única “verdade educacional”, ao passo de
reduzir-se à uma questão meramente escolástica. Dessa forma, definimos o papel
da abordagem histórica do conhecimento em termos de contribuições, como gerador
de uma abordagem pedagógica que intencione captar a provisoriedade, a
contraditoriedade e a diversidade dos determinantes, nos quais a produção do
conhecimento químico está imersa.
Na medida em que a educação é um encontro amistoso de consciências,
onde algo (um “embrulho”) é transmitido de uma à outra, nossa atividade educativa
torna-se, essencialmente, intencional.
Como afirma Vieira Pinto:
131
Um dos graves erros da pedagogia alienada [...] [é] avaliar o resultado da
prática educacional pela devolução do embrulho, sem compreender que
isso não é educação. A educação implica uma modificação de
personalidade e é por isso que é difícil de se aprender, por que ela modifica
a personalidade do educador ao mesmo tempo em que vai modificando a
do aluno. [...] ela consiste em abalar a segurança, a firmeza do professor,
sua consciência professoral (que teme perder o estabelecido, que é o seu
forte no plano da prática empírica) para se flexionar de acordo com as
circunstâncias (VIEIRA PINTO, 1994, p. 22).
É essa mudança de personalidade que intencionamos materializar ao longo
deste trabalho, à medida que se procurou dialetizar, em ato, a teoria com a prática
educativa. Submergimos no interior do curso da EJA para melhor apreendermos os
aspectos que lhe dão concretude, vivenciando essa realidade educativa para, a
partir disso, intencionar transformá-la. Esse é o pressuposto fundamental que nos
norteou e que nos conduz para a superação dessas limitações em nossas práticas
educativas futuras.
132
Bibliografia citada
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo In: SADER, E. e GENTILI, P. (orgs.).
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1995.
APPLE, M. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
APPLE, M. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
ARAÚJO, A, OLIVEIRA, E. F. Diário reflexivo no ensino: interfaces da educação e
artes no contexto atual in: Revista Apreciando n° 11 Santa Maria: UFSM – Curso
de Desenho e Plástica, 2003.
BACHELARD, G. O Racionalismo Aplicado. Rio de janeiro: Zahar, 1977.
BACHELARD, G. O novo espírito científico 2ª ed. Rio de Janeiro: T. Brasileiro,
1985.
BACHELARD, G. Epistemologia. Rio de janeiro: 2ª edição, Zahar, 1983.
BÄUMLER, E. Um século de Química São Paulo: Econ-Verlag, 1963.
BELLUZZO, L. G. de M. O regime do capital e o desenvolvimento capitalista In:
Revista Princípios nº 79 São Paulo: Anita, 2005.
BENSAUDE-VINCENT, B. e STENGERS, I. História da Química. Lisboa: I. Piaget,
1992.
BERNI, A. S.; LERMEN, C. L.; SPALL, L. À procura da vitamina C in: ROSA, L. C. N.
da; SILVA, A. J. P. da; (orgs). O Cotidiano e o Ensino de Química I. (nº 44) Santa
Maria: LAPEDOC, 2001.
BOMBASSARO, L. C. As fronteiras da epistemologia: uma introdução ao
problema da racionalidade e da historicidade do conhecimento Petrópolis:
Vozes, 1992.
BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar,
1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental Proposta
Curricular para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino
fundamental: 5a a 8a série: introdução v. 1, Secretaria de Educação Fundamental,
2002.
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no
século XX 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
133
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Metodologia do ensino de ciências o Paulo:
Cortez, 1990.
Dias que abalaram o mundo: filme 1 – Hiroshima e filme 4 – o primeiro teste nuclear.
Produzido por Bill Locke e Chris Kelly 1 DVD (107 min), color. BBC Londres, 2003.
DUARTE, N. Vigotski e o aprender a aprender: críticas às apropriações
neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2ª ed. Campinas: A.
Associados, 2001.
GENTILI, P. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais
in: LOMBARDI, J. C., SAVIANI, D. e SANFELICE, J. L. (orgs.) Capitalismo,
trabalho e educação Campinas: A. Associados, 2002.
GRABAUSKA, C. J. Investigação-ação na formação dos profissionais da
educação: redimensionando as atividades de ciências naturais no curso de
Pedagogia. Santa Maria: UFSM, 1999. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de
Santa Maria, Programa de Pós-graduação em Educação, 1999.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: C. Brasileira,
1989-a.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: C.
Brasileira, 1978.
GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o estado moderno. 7ª ed. Rio de Janeiro: C.
Brasileira, 1989-b.
GRUPPI, L. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx,
Engels, Lênin e Gramsci 7ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1986.
HARNECKER, M. Os conceitos elementares do materialismo histórico. São
Paulo: Global, 1983.
JORNAL, A classe operária. n° 271, Ano 80, São Paulo: 1° de julho de 2005.
KONDER, L. O que é dialética. 17ª ed. São Paulo: E. Brasiliense, 1987.
KUENZER, A. Z. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de
dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre trabalho e educação in:
LOMBARDI, J. C., SAVIANI, D. e SANFELICE, J. L. (orgs.) Capitalismo, trabalho e
educação Campinas: A. Associados, 2002.
KOSIK, K. Dialética do concreto, 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1986.
KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
KUHN, T. S. Reflexões sobre meus críticos. In: LKATOS, I. e MUSGRAVE, A. A
crítica e desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: USP, 1979.
134
LEÃES F. L.; FENNER H. e ROSA, L. C. N. da A Química orgânica e os alimentos:
o conhecimento cotidiano e o conhecimento científico na prática pedagógica em
Química in: Educação em Química: a prática docente construída pelo trabalho
investigativo. LAPEDOC, 2007.
LOPES, N. L. de; ROSA, L. C. N. da e SILVA, A. J. P. da Problematizando a
prática pedagógica por meio da Química dos detergentes Campinas: Anais do
25º ENEQ – Trabalho completo – CD-ROM, 2006.
LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen:
marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 5ª ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
LUCENA, C. Marxismo, crise do capitalismo monopolista e qualificação dos
trabalhadores in: LOMBARDI, J. C. e SAVIANI, D. (orgs.) Marxismo e educação:
debates contemporâneos Campinas: A. Associados, 2005.
MAAR, J. H. Pequena História da Química: primeira parte – dos primórdios a
Lavoisier. Florianópolis: Papa-livro, 1999.
MANDEL, E. O capitalismo tardio São Paulo: A. Cultural, 1982.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política Livro I vol.1 22ª ed. Rio de
Janeiro: C. Brasileira, 2004-a.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política Livro I vol 2 22ª ed. Rio de
Janeiro: C. Brasileira, 2004-b.
MARX, K. e ENGELS F. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1989.
MARX, K. Para a crítica da economia política in: Manuscritos econômico-
filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: A. Cultural, 1978.
MARTINS, U. Hora extra e exploração do trabalho no Brasil [artigo
disponibilizado em 13 de setembro de 2006, ao Portal Vermelho], 2006. Disponível
em: <http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=7397>. Acesso em: 10 nov. 2006.
MAUS F., BUDKE M. Equilíbrio Ácido-Base, Funções e Reações Orgânicas a partir
de extração do produto natural – Lapachol in: ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da
(orgs.) Química e vida cotidiana: construindo saberes pedagógicos através de
uma abordagem temática. (nº 59) Santa Maria: LAPEDOC, 2003.
MELO, D. Quais são suas competências?... Zero Hora, Porto Alegre, 03 dez. 2006-
a. Caderno Empregos e Oportunidades, p.3.
MELO, D. Conflitos no escritório... Zero Hora, Porto Alegre, 26 nov. 2006-b.
Caderno Empregos e Oportunidades, p.3.
NOSELLA P. A escola de Gramsci Porto Alegre: A. Médicas, 1992.
135
NOSELLA P. A escola de Gramsci 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Cortes, 2004.
OLIVEIRA, M. B. Ciência: força produtiva ou mercadoria? In: Revista Crítica
Marxista nº 21 Campinas: Revan, 2005.
PINSKY, J. Modo de produção feudal 4ª ed. São Paulo: Global, 1986.
POCHMANN, M. Pochmann estuda boom na terceirização: 127% em dez anos
[Entrevista disponibilizada em 4 de setembro de 2006, ao Portal Vermelho], 2006.
Disponível em: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=7093 . Acesso em: 10
nov. 2006.
POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1974-a.
POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos vol. I São Paulo: EDUSP, 1974-
b.
POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos vol. II São Paulo: EDUSP, 1974-
c.
PORTELLI, H. Gramsci e o bloco histórico Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
PRIEB, S. O trabalho à beira do abismo: uma crítica marxista à tese do fim da
centralidade do trabalho Ijuí: Unijuí, 2005.
ROSA, L. C. N. A História da Ciência no ensino de Ciências Naturais e a
construção do Bom Senso: uma leitura gramsciana. Revista Ciências Humanas
vol. 3 nº 2, Criciúma - SC: 1997.
ROSA, L. C. N. da; BERNI, C. P.; SOUZA, M.; SILVA, A. J. P. da; FLORES, G. da S.
Tópicos sobre epistemologia: buscando o bom senso através de Gramsci. in:
Utopía y Práxis Latinoamericana: Revista Internacional de Filosofia Iberoamericana y
Teoria Social. Año 9 nº 26. Maracaibo: Universidad Del Zulia, 2004.
ROSA, L. C. N. da; CAMILLO, S. B. da A.; CANDEIA, C. R., SILVA, A. J. P. da;
JUNIOR, E. R. J. P., MALHEIROS, R. P., HUNDERTMARCK, V., FLORES, G. da S.,
SOARES, E. F. Epistemologia e ação docente. In: Livro de resumo e
programação: A educação em Química pela pesquisa: desafios para a sala de aula,
2º ELEQ – Encontro Latino-Americano de Ensino de Química. Porto Alegre, PUC-
RS: 2000.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da (orgs.) Educação em Química: a prática
docente construída pelo trabalho investigativo. Santa Maria: LAPEDOC, 2007.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da (orgs.). A Química na Educação: vivências
de educadores em formação. (nº 69) Santa Maria: LAPEDOC, 2005.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da (orgs.) Química e vida cotidiana:
construindo saberes pedagógicos através de uma abordagem temática. (nº 59)
136
Santa Maria: LAPEDOC, 2003-a.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da (orgs.) Tematizando o Ensino de Química.
(nº 55) Santa Maria: LAPEDOC, 2003-b.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da; (orgs.). O conhecimento Eletroquímico
através das Pilhas: Uma experiência pedagógica vivenciada. (nº 45) Santa
Maria: LAPEDOC, 2001-a.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da; (orgs). O Cotidiano e o Ensino de Química
I. (nº 44) Santa Maria: LAPEDOC, 2001-b.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da; FLORES, G. da S.; SOUZA, M. Uma
abordagem externalista da epistemologia através do pensamento de Antonio
Gramsci. In: Revista do Centro de Educação / UFSM Santa Maria: LAPEDOC, 2004.
ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da; FLORES, G. da S.; SOUZA, M. Senso
Comum, Ciência e Filosofia: Construindo as Bases Epistemológicas de
Antonio Gramsci. In: ALMEIDA, C. T. de et al. (orgs.) Desafios da educação neste
século: pesquisa e formação de professores vol. 2 Cruz Alta: UNICRUZ, 2003.
SANTI, A. de. Ler faz diferença no mercado de trabalho... Zero Hora, Porto Alegre,
05 nov. 2006. Caderno Empregos e Oportunidades, p.3.
SILVA, A. J. P. da; ROSA, L. C. N. da; GRABAUSKA, C. J. Epistemologia e
Educação: Reflexões bachelardianas para a construção de uma prática
pedagógica crítica em Química in: IV Seminário Regional e I Seminário Nacional
de Formação de Professores: Alfabetização e Letramento: os desafios de ensinar e
aprender. Santa Maria – RS, 2005.
SILVEIRA, E. da S.; ROSA L. C. N. e SILVA, A. L. de L. da A Determinação da
Acidez do Leite através de uma Abordagem Problematizadora no Contexto do
Ensino de Química in: ROSA, L. C. N. da; SILVA, A. J. P. da (orgs.). A Química na
Educação: vivências de educadores em formação. (nº 69) Santa Maria: LAPEDOC -
Laboratório de Pesquisa e Documentação CE / UFSM, 2005.
VIEIRA PINTO, A. Sete lições sobre educação de adultos. 9ª ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
137
Bibliografia consultada e não citada
ATKINS, P. W. Moléculas. São Paulo: USP, 2000.
CORRÊA, G. Oficina: Novos Territórios em Educação. In: Pey Maria Oly
(org.).Pedagogia Libertária - Experiências Hoje. São Paulo: Imaginário, 2000.
HALL, N. Neoquímica: a química moderna e suas aplicações Porto Alegre;
Bookman, 2004.
LECOURT, D. Para uma crítica da epistemologia. 2ª ed. Lisboa: Assírio e Alvim,
1980.
LEE, J. D. Química Inorgânica não tão concisa. São Paulo, E. Blucher: 1996.
LOMBARDI, C. e SAVIANI, D. (orgs.) Marxismo e educação: debates
contemporâneos Campinas: A. Associados, 2005.
LUTFI, M. Cotidiano e Educação em Química. Ijuí, Unijuí: 1988.
MANACORDA M. A. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez, 1991.
MANACORDA M. A., O principio educativo em Gramsci. Porto Alegre: A.
Médicas, 1990.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos – terceiro manuscrito in: Manuscritos
econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: A. Cultural, 1978.
MÓL, G. de S. e SANTOS, W. L. P. (orgs.) Química na sociedade: projeto de
ensino de química em um contexto social vol. 1, Brasília: Ed. UnB, 1998.
PIMENTEL, G. C. Química: uma ciência experimental. 2ª ed., Lisboa: C.
Gulbenkian, 1976.
ROZEMBERG, I. M. Química Geral 1ª edição; São Paulo: E. Blücher, 2002.
RUSSEL, J. B. Química geral, 2ª ed., Vol. 1 e 2, São Paulo: M. Books, 1994.
SOLOMONS, T. W. G. Química orgânica. Volume 1 e 2; 6ª ed. Rio de Janeiro: LTC,
1996.
VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis, 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
138
Apêndice A – Linha do tempo: a produção do conhecimento desde
a Antigüidade
139
Apêndice B – O modo de produção social
140
Apêndice C – A Escola no contexto da sociedade civil
141
Apêndice D – Relações entre Escola e estrutura econômica
142
Apêndice E – Escola e contra-hegemonia
143
Anexo A – Cronograma das aulas de Químicas
Dia Atividade
1º/08/2005 Aplicação da dinâmica de grupo e sondagem das pretensões dos
alunos em relação ao curso (atuei junto à professora titular da
turma).
03/08/2005 Discussão do texto: “Brincando com fogo” (Candido, J. Revista
Superinteresante julho, 2004: 57-8). (observei a aula)
04/08/2005 Mudanças de estados físicos, gráficos (T x t). (observei a aula)
10/08/2005 Resolução de exercícios. (observei a aula)
11/08/2005 Fui conhecer o laboratório de Ciências (materiais, reagentes,
etc.), as salas de vídeo e as demais dependências da escola.
17/08/2005 Aplicação do questionário sobre o perfil de cada aluno (onde
trabalhavam, onde moravam, suas expectativas em relação à
disciplina, etc.) e outro sobre as concepções dos alunos acerca do
conceito de Ciência. (apliquei este questionário na metade final da
aula).
18/08/2005
(a partir
deste dia
assumi a
turma
como
professor
titular)
Experimento prático de construção da curva de aquecimento da
água (abordando: ponto de ebulição, estados físicos, calor e
temperatura). Por meio do questionamento: porque quando a
água chega na temperatura de 100ºC, continuamos aquecendo a
água, porém o termômetro não registra aumento de temperatura?
Misturas Homogêneas e heterogêneas, densidade, por meio do
seguinte questionamento: porque numa mistura de 20mL de água
com a mesma quantia de óleo, o óleo fica na superfície?
24/08/2005 O conceito de Densidade e resolução de exercícios sobre
misturas e substâncias puras.
25/08/2005 Correção de exercícios.
31/08/2005 Experimento de queima da palha de aço, do papel e da vela. Por
meio do questionamento: Porque, ao contrário do papel, a palha
de aço quando queima aumenta de massa?
01/09/2005 Histórico das teorias explicativas das transformações da matéria;
dos Filósofos gregos até Lavoisier (teoria da combustão e
conservação da massa).
08/09/2005 Leitura e discussão do texto: Sthal ou Lavoisier? (Delizoicov &
Angotti, 1990), seguidos da questão: Porque, ao contrário do
papel, a palha de aço quando queima aumenta de massa?
14/09/2005 Novamente a discussão sobre texto e os experimentos acerca da
teoria da combustão
15/09/2005 Experimento da eletrólise da água e discussões
21/09/2005 Experimento da eletrólise da água, da pilha de limão e
discussões.
22/09/2005 Modelo atômico de Dalton
28/09/2005 Modelo atômico de Thompson, história do conceito de
eletricidade, alguns produtos originados desses conhecimentos
(lâmpada incandescente, telégrafo, gerador, dínamo, válvulas e
transistores) e a relação do conhecimento científico (eletricidade)
144
e a sociedade.
29/09/2005 Modelo atômico de Rutherford e Rutherford–Bohr, teste de
chama, conceito de luz, transições eletrônicas.
05/10/2005 Confecção de um desenho representativo de um átomo,
aquecimento de um metal até ficar “em brasa” (transições
eletrônicas e emissão de luz). Modelo atômico de Sommerfeld.
06/10/2005 Modelo atômico de Sommerfeld, O efeito foto-elétrico e Modelo
atômico quântico.
13/10/2005 Aplicação de exercícios sobre todos os conhecimentos
trabalhados.
14/10/2005 Trabalho extraclasse relativo aos estudos complementares
19/10/2005 Diagrama de Linus Pauling
20/10/2005 Resolução de exercícios
26/10/2005 Discussão sobre a simbologia química e exercícios
27/10/2005 Trabalho de resolução de exercícios e discussão sobre a
historicidade do conhecimento químico.
03/11/2005 Relações entre Ciência e Sociedade
09/11/2005 Discussão sobre a questão: O que podemos fazer para termos
maior controle sobre os usos dos conhecimentos científicos na
sociedade?
10/11/2005 A história da tabela periódica.
16/11/2005 A aula foi cedida para a professora de História
17/11/2005 Revisão acerca da tabela periódica e exercícios
23/11/2005 Experimentos da série tribo elétrica, eletropositividade e
eletronegatividade, e experimentos sobre as propriedades das
substâncias (solubilidade, condutividade elétrica no estado sólido
e líquido).
30/11/2005 Ligações Iônicas (relacionando a simbologia Química com o
respectivo fenômeno observado) e exercícios
01/12/2005 Ligações covalentes (relacionando a simbologia Química com o
respectivo fenômeno observado) e exercícios
07/12/2005 Ligação metálica, reação química, fenômeno químico,
experimento de caramelização do açúcar comum. (relacionando a
simbologia Química com os respectivos fenômenos observados)
145
Anexo B – Teste sua Empregabilidade
146
(Jornal Zero Hora, Caderno Empregos e Oportunidades, pág. 03 -
31/12/2006).
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo