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Quando, certa vez, perguntei a um vendedor o que ele achava do seu trabalho,
ele afirmou que o considerava “o mais digno no mundo” e contou uma história extensa
que acreditava justificar este caráter. Começou apresentando um panorama mais amplo,
falando da continuidade do desemprego e, em seguida, partiu para um relato particular.
“Quando eu estava com 17 anos, eu estava com uma namorada e ela
ficou grávida. Eu trabalhava em obra, de servente de pedreiro, só que a
gente não tinha carteira assinada, a gente não tinha quase nenhum direito.
Às vezes, ficava sem vale transporte, a gente tinha que pedir dinheiro
para poder trabalhar. A gente passava muito risco de trabalhar em morro,
confusão, polícia, guerra de quadrilha. Era muito difícil, sabe? Eu saí
desse trabalho e fiquei desempregado durante cinco meses. Estava
desesperado, pensando um montão de besteira. Vendo a dificuldade,
minha mãe trabalhava, não tinha como eu pedir nada a ela. Aí eu fui
pedir a ela um dinheiro para poder procurar um trabalho. Ela me
emprestou dois reais para mim poder arrumar um trabalho. E nisso, a
passagem do trem era noventa centavos. Aí eu saí de casa, de manhã, fui
na estação do trem. É muito engraçada a minha história, vou até chorar.
[Fico] com os olhos cheio de lágrimas. Fui pegar o trem para poder vir
até a Central, os dois reais era para mim comprar um pacote de bananada
para vender, comprar mais até eu conseguir um dinheiro para mim
comprar uma mercadoria direito. Aí pulei o muro da estação para pegar o
trem. O guarda mandaram eu voltar. Tive que voltar. Pulei o muro de
volta. Aí quando o trem veio, parou na estação, eu vim correndo, pulei
aquela grade de ferro do portão, saí correndo, o trem fechou a porta, pulei
pela janela, entrei no trem, vim até a Central. Na Central, comprei um
pacote de bananada, aí voltei para a Presidente Vargas, fui vendendo, até
na Candelária. Lá na Candelária eu atravessei para o outro lado, voltei
vendendo, fui até a Central. Dali, eu comprei outro pacote que tinha pela
metade, que é dez centavos a bananada, eu dei cinqüenta bananadas.
Toda hora eu ia, pedia para entrar no ônibus, o motorista estava achando
que eu estava até de brincadeira, você com pouca mercadoria, ele fica
desconfiado da pessoa. Aí, eu comprei, fui vendendo até perto do
aeroporto Santos Dumont, depois atravessei pela passarela, para o outro
lado. Voltei pela Presidente Vargas, até a Leopoldina. Eu consegui
vender os dois pacotes de bananada, que eu fiz dez reais. Aí voltei lá na
Central de novo, comprei cinco pacotes de bananada, vim vendendo por
Botafogo. Fui até o Leblon, do Leblon eu voltei por Copacabana direto
até acabar. Depois que acabou, eu fui embora para casa. No mesmo dia
que eu vim com dois reais, eu voltei com vinte e cinco reais. É muito
esforço. Cheguei cedinho lá, era oito horas da manhã, fui sair daqui era
nove horas da noite. Cheguei em casa quase onze horas da noite. Sem
tomar café, sem almoçar, sem comer nada. Dali ... fui vendendo direto,
comecei direto. Poucos têm coragem...” (Alex)
Quando Alex relata que, aos 17 anos, tendo a namorada grávida e estando
desempregado, tentou várias vezes arranjar trabalho, tendo conseguido se estabelecer