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tramas, linhas de vida, linhas de fuga
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– nós entrelaçando, em um mesmo nó
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, o sujeito, o
Homem e o Ocidente; nós, os seres da história, sim!, nós, os modernos
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.
Retorcer o pensamento, mirar o Ocidente, de dentro, desde seus limites e, no limite,
desfazer a “monocentragem” que faz rebaterem-se uns sobre os outros: o Ocidente, o Homem,
o Sujeito (o pai, o chefe, etc.). Passar para o outro lado, território da esquizofrenia e dos
mitos, em que se esvaem os centros, as calcificações, hierarquias coroadas e as dualidades de
que se faz nosso solipsismo. Esse é um empreendimento que arrasta todo um conjunto de
reflexões de uma antropologia nascente, mas que pode encontrar antecessores, ou melhor,
seus intercessores
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, em diversos pensadores do Ocidente. No campo da filosofia, cabe aqui,
citar quatro autores basais, cujas idéias são aptas a nos livrarem de um kantismo quase
espontâneo de sociólogos, hegelianismo de modernos e de um platonismo enraizado de
ocidentais. Tais idéias, produzidas em dois momentos históricos distintos, balizam, enquanto
exploram, três “limites” do Ocidente: um fundo do qual se teria desprendido em um passado
longínquo (o mito); suas bordas nos interstícios da história; e seu limiar de desvanecimento,
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“Poder-se-ia acreditar que os segmentos duros são determinados, predeterminados socialmente,
sobrecodificados pelo Estado; tender-se-ia, em contrapartida, a fazer da segmentaridade maleável um exercício
interior, imaginário ou fantasioso. Quanto à linha de fuga, não seria esta inteiramente pessoal, maneira pela qual
um indivíduo foge, por conta própria, foge às ‘suas responsabilidades’, foge do mundo, se refugia no deserto, ou
ainda na arte... etc. Falsa impressão. A segmentaridade maleável não tem nada a ver com o imaginário, e a
micropolítica não é menos extensiva e real que a outra. A grande política nunca pode manipular seus conjuntos
molares sem passar por essas microinjeções, essas infiltrações que favorecem ou lhe criam obstáculos; e mesmo,
quanto maiores os conjuntos, mais se produz uma molecularização das instâncias que eles põem em jogo.
Quanto às linhas de fuga, estas não consistem nunca em fugir do mundo, mas antes em fazê-lo fugir, como se
estoura um cano, e não há sistema social que não fuja/escape por todas as extremidades, mesmo se seus
segmentos não param de se endurecer para vedar as linhas de fuga. Nada de imaginário nem de simbólico em
uma linha de fuga. Não há nada mais ativo do que uma linha de fuga, no animal e no homem. E até mesmo a
História é forçada a passar por isso, mais do que por ‘cortes significantes’. A cada momento, o que foge em uma
sociedade?” (DELEUZE&GUATTARI, 2002-2005, v.3, pp. 78-79). Ver também: Ibid, v.5, p.222.
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“Num regime flexível, os centros já procedem como nós, olhos ou buracos negros; porém não ressoam todos
juntos, não caem num mesmo ponto, não convergem para um mesmo buraco negro central.”
(DELEUZE&GUATTARI, 2002-2005, v.3, p.86). Ver também: Ibid, p. 87
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Uso o termo moderno no sentido em Foucault o emprega, designando o período que começa com na viragem
dos séculos XVIII e XIX.
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“O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas –
para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até
animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios
intercessores. É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos
perdidos. Eu preciso de meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se
trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê.” (DELEUZE, 2006, p.156)