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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Museu Nacional
Narrando Angola:
A trajetória de Mário António e a invenção da
“literatura angolana”
Carla Susana Alem Abrantes
2007
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Narrando Angola:
A trajetória de Mário António e a invenção da “literatura angolana”
Carla Susana Alem Abrantes
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu
Nacional, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Antropologia
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de
Souza Lima
Rio de Janeiro
2007
ii
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Narrando Angola: A trajetória de Mário António e a invenção da
“literatura angolana”
Carla Susana Alem Abrantes
Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos de Souza Lima
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social do Museu Nacional (PPGAS-MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), como requisito necessário à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
___________________________________________ Orientador
Prof. Antônio Carlos de Sousa Lima
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
___________________________________________
Profa. Giralda Seyferth
Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional
___________________________________________
Profa. Bela Feldman-Bianco
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
___________________________________________
Profa. Adriana Vianna (suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Museu Nacional
___________________________________________
Prof. Marcelo Bittencourt (suplente)
Universidade Federal Fluminense / ICHF / História
Rio de Janeiro
2007
iii
FICHA CATALOGRÁFICA
Abrantes, Carla Susana Alem
Narrando Angola: a trajetória de Mário António e a invenção da “literatura
angolana”, Carla Susana Alem Abrantes - Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGAS, 2007.
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
143 p. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/PPGAS/Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, 2007
1. Angola 2. Literatura angolana 3. Nacionalismo 4. Colonialismo
5. Formação de Estado-Nação I. Souza Lima, Antonio Carlos de. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social. III. Narrando Angola: a trajetória de Mário
António e a invenção da “literatura angolana”
iv
Narrando Angola: a trajetória de Mário António e a invenção da “literatura
angolana”.
Carla Susana Alem Abrantes
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
A presente dissertação foi um exercício de reflexão sobre a formação da nação
angolana ao longo da segunda metade do século XX. Os elementos que aportamos para esta
reflexão partiram da trajetória de Mário António Fernandes de Oliveira, poeta e pensador
relevante para a história social daquele país. Focalizamos como objetos centrais da análise
os discursos sobre a literatura que nos permitiram identificar determinados conteúdos como
fontes simbólicas de identidade cultural angolana. Em um primeiro momento, foram
mapeados alguns autores-atores que classificaram a literatura angolana a partir de diferentes
espaços sociais onde estiveram inseridos. Em seguida, analisamos seus discursos a partir das
opiniões emitidas sobre o intelectual de Mário António. Isso permitiu que vislumbrássemos
a heterogeneidade de seus conteúdos, que se inscreveram em um campo de lutas que
produziu representações sobre Angola. Em um terceiro momento, parte da produção
intelectual de Mário António foi submetida à análise, de forma a se apreender a força, a
permanência e os efeitos do seu discurso, gerando uma nova possibilidade de interpretação
sobre o seu trabalho. A chave de análise foi dada a partir do entendimento de que seus livros
são como monumentos, produzidos a partir de regras sociais específicas que viabilizaram a
sua própria condição de existência. Finalmente, foi explicitada a nossa interpretação sobre a
formação da literatura e do imaginário nacional, procurando ultrapassar a polaridade atual
que concebe a realidade e a literatura angolanas a partir das formulações crioulidade e
negritude.
v
ABSTRACT
Narrating Angola: the trajectory of Mário António and the invention of the
“angolan literature”
Carla Susana Alem Abrantes
Orientador: Antonio Carlos de Souza Lima
This essay was an exercise of understanding the formation of the angolan nation on
the second half of the twentieth century. The elements brought to this analysis came from
the social trajectory of Mário António Fernandes de Oliveira, a poet and thinker of angolan
social history, who contributed in a significative way to the angolan literature. The analysis
concentrates on the discoursive practices about the angolan literature, which permited us to
identify certain contents as symbolic sources of cultural identity. First, some author-actors
who classified the Angolan literature were mapped in the social spaces in which they were
integrated. Second, the discourses were analysed in relation to the opinions expressed
about the intelectual Mário António, thus making it possible to illuminate the
heterogeneity of their contents localized in a field of struggle of (that produced)
representations about Angola. In a third moment, a part of the intelectual production of
Mário António was analysed towards the understanding of the power, permanence and the
effects of his discourse, conducing us to a new form of interpretation of his work. The key
of this analysis was based on the perception of his books as monuments, which means that
they were produced inside specific social rules that made its own condition of existence
possible. Finally, we exposed our interpretation of the formation of the literature and the
national imaginary, looking forward to transcend the current polarity that conceives the
angolan reality and literature: the formulations of crioulidade and negritude.
vi
Para
Manuel e Celina,
dois exemplos de muita luta por aquilo que se sonha
e
Marina, Isabela, Felipe e Pedro Miguel,
quatro riquezas diferentes em movimento
vii
AGRADECIMENTOS
Este trabalho só se tornou possível a partir de um conjunto de pessoas e instituições
que o apoiaram. A eles dedico algumas palavras de agradecimento.
Às bibliotecárias do Real Gabinete Português de Leitura, Vera e Carla, pela ajuda,
gentileza e por me fazerem “sentir em casa” nos vários dias que ali passei consultando o
material para esta pesquisa.
Ao Antonio, meu orientador, agradeço a dedicação e a generosidade com que me
ensinou os primeiros passos em direção à pesquisa em Ciências Sociais. Além dos outros
muitos aprendizados adquiridos nos cursos e nos encontros de orientação, fico muito feliz
em dizer que o seu apoio e confiança foram fundamentais para mim e para o resultado do
trabalho que apresento aqui.
Ao professor Marcelo Bittencourt da UFF pela generosa receptividade em sua sala
de aula, transmitindo-me informações sobre Angola essenciais para esta dissertação.
Aos professores do PPGAS, Adriana Vianna, Moacir Palmeira, Giralda Seyferth e
Federico Neiburg pelos inúmeros ensinamentos que enriqueceram a minha experiência.
Agradeço também aos funcionários do PPGAS, em especial Tânia e Bete da Secretaria e
Carla, Cristina e Maria Helena da Biblioteca, pela ajuda oferecida em diferentes
momentos.
Aos professores John Commerford (CPDA/UFRRJ) e Cláudia Rezende (UERJ)
pelas aulas de iniciação à Antropologia, que se tornaram bases importantes para a minha
entrada no PPGAS, e que ainda retenho com muito carinho.
Dos meus apoiadores principais, meus pais desempenharam um papel
extremamente relevante, apoiando incondicionalmente as minhas escolhas. A eles dedico
este trabalho. Ao Marcelo, minhas palavras de carinho pela sua presença e tranqüilidade,
que me deram forças em diferentes etapas desta caminhada. O seu apoio foi, sem dúvida
alguma, um presente especial. Aos meus irmãos Sílvia e Pedro por esperarem
pacientemente pela minha chegada a Montes Claros. As nossas conversas pelo skype foram
salvadoras nestes últimos meses.
Aos meus amigos, Letícia, Rebecca, Eduardo, César e Caroline pela força e
alegrias compartilhadas que tornaram estes últimos dois meses mais coloridos. Agradeço à
Rebecca especialmente pela leitura atenta da maioria destas páginas. À Claudia Mura por
dividir comigo o apartamento, vários magníficos jantares e muitos momentos de angústia
viii
ao longo da escrita da dissertação. Ao amigo João Paulo Macedo e Castro pelas muitas
conversas e discussões, que me deram acesso a um primeiro contato com o “mundo
acadêmico” da antropologia. Agradeço também a ele a oportunidade pelo trabalho no
Programa Escolas de Paz (UNESCO/SEE) onde um conjunto de questões surgiram, e
estão, nesta dissertação, ainda em movimento. À amiga Fernanda Thomaz pelo cuidado e
carinho com que me enviou um dos livros de Mário António de Salvador. Aos meus
amigos e ex-colegas de trabalho da CVRD, Luna Clete, Francisco Bello, Fernando
Nóbrega e Adriana Câmara, pelo apoio recebido no momento da minha mudança de
profissão.
Agradeço o apoio financeiro da CAPES que me concedeu uma bolsa de estudos,
sem a qual não teria sido possível a dedicação exclusiva a este trabalho. Agradeço também
à FAPERJ pelos recursos oriundos do projeto Estudo Antropológico da Administração
Pública no Brasil: Das Formas de Incapacitação Civil e Social e da Idéia de
“Homogeneidade Nacional” aos “Sujeitos Especiais de Direito” e à Construção de uma
Sociedade Plural. Pesquisa, Debate e Divulgação – Bolsa Cientistas do Nosso Estado
concedida a Antonio Carlos de Souza Lima para o período de 2004-2006 pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
ix
LISTA DE SIGLAS
ANANGOLA – Associações Regional do Naturais de Angola
CEI – Casa dos Estudantes do Império - Portugal
FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola
JEC - Juventude Escolar Católica - Angola
ISCSPU – Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina – Portugal
MPLA – Movimento pela Libertação de Angola
MUDJ - Movimento de Unidade Democrática Juvenil – Portugal
ONU – Organização das Nações Unidas
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
OUA – Organização de Unidade Africana
UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola
x
Profecia de Nakulenga
(origem Kwanyama*)
Algo de estranho se agita nas águas
algo de estranho se arrasta na terra.
Era longe, ficou perto, agora é cá.
E o povo já foge.
Talvez até caia
um pau de omuhama
na estrada a indicar que para o rei
a morte vai chegar
a vida é breve.
Eles vêm de um país muito distante
e trazem para dizer coisas diferentes
que é preciso avaliar com atenção.
Cruzava o país e dos nobres eu via
os ricos currais.
Renovo a viagem
e que vejo agora?
Dos nobres agora não vejo os currais
mas vejo dos brancos
suas construções.
Ruy Duarte de Carvalho (**)
Ondula, savana branca, 1982
(*) Kwanyama é um idioma utilizado pelo povo kwanyama
que vive no sul de Angola, província de Cunene (425.000
pessoas) e no norte da Namíbia, região de Ovamboland
(240.000 pessoas).
(**) Ruy Duarte de Carvalho é poeta, cineasta, antropólogo
e ficcionista. Nasceu em Santarém, Portugal em 1941, e está
radicado em Angola desde 1963. Em Ondula, savana
branca estabelece um diálogo com versões de sabedoria
popular, num exercício de tradução das tradições orais de
várias línguas autóctones africanas.
xi
Índice
TINTRODUÇÃO....................................................................................................................................................2 T
ALGUNS ELEMENTOS DO CONTEXTO HISTÓRICO...................................................................................................5
O processo de independência de Angola........................................................................................................5
A participação dos escritores e intelectuais angolanos................................................................................10
A literatura como atividade relevante para Angola......................................................................................16
A TRAJETÓRIA DE MÁRIO ANTÓNIO E ALGUMAS POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS..........................................18
Elementos sobre a trajetória de Mário António............................................................................................21
As posições ocupadas – formação e atividades profissionais.......................................................................23
Os livros publicados .....................................................................................................................................26
A DIVISÃO DOS CAPÍTULOS.................................................................................................................................30
CAPÍTULO 1: OS CLASSIFICADORES DA LITERATURA ANGOLANA..................................................33
CAPÍTULO 2: OS DISCURSOS SOBRE MÁRIO ANTÓNIO.......................................................................48
O POETA ALIENADO.............................................................................................................................................49
UM POETA ANGOLANO.........................................................................................................................................60
O POETA CRIOULO: DISCUSSÕES EM TORNO DA SUA TEORIA DA CRIOULIDADE ....................................................63
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................................71
CAPÍTULO 3: OS OBJETOS PRODUZIDOS POR MÁRIO ANTÓNIO: ALGUMAS POSSIBILIDADES
DE ANÁLISE........................................................................................................................................................75
A SOCIEDADE ANGOLANA DO FIM DO SÉCULO XIX E UM SEU ESCRITOR.................................................................76
Um meio de acesso à realidade angolana. ...................................................................................................77
A personalidade de J. D. Cordeiro da Matta................................................................................................81
As condições de existência do livro. .............................................................................................................86
LUANDA, “ILHA CRIOULA..................................................................................................................................88
O quadro de referências: o sistema Sul-Atlântico Português.......................................................................88
O artigo “Luanda, ‘Ilha’ Crioula”...............................................................................................................89
A produção de conhecimento a partir de um conjunto de relações..............................................................93
A recepção de Luanda, ‘ilha’ Crioula. .........................................................................................................98
A FORMAÇÃO DA LITERATURA ANGOLANA (1851-1950).........................................................................................99
O século XIX – do fim do tráfico de escravos à formação de uma imprensa local. ...................................101
A primeira metade do século XX: do movimento de protesto crioulo à repressão.....................................103
A década de 30 em diante: uma nova literatura ganha forma....................................................................105
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................108
CAPÍTULO 4: CRIOULIDADE OU NEGRITUDE? À GUISA DE CONCLUSÃO ....................................111
TRADIÇÕES INVENTADAS: DUAS POSSIBILIDADES DE DEFINIÇÃO PARA A LITERATURA ANGOLANA .....................111
A INVENÇÃO DE ANGOLA: UMA COMUNIDADE IMAGINADA...............................................................................119
A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE EXCLUSÃO E DISCRIMINAÇÃO: ALGUMAS ALTERNATIVAS PARA PENSAR A
FORMAÇÃO DA NAÇÃO ANGOLANA
...................................................................................................................122
OS OBJETOS PRODUZIDOS POR MÁRIO ANTÓNIO: O EXERCÍCIO DE IDENTIFICAR NOVAS POSSIBILIDADES DE
ANÁLISE QUE ULTRAPASSEM A POLARIDADE CRIOULIDADE VERSUS NEGRITUDE
................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................130
ANEXOS.............................................................................................................................................................143
1
Introdução
A presente dissertação partiu de um interesse por Angola que me acompanha há muitos
anos
1
. Nasci em Nova Lisboa, uma cidade angolana, em 1974. O nome desta cidade foi
alterado para Huambo após a independência, momento em que também eu e minha família nos
mudamos para o Brasil
2
. Entretanto, esse passado continuou registrado (na minha carteira de
identidade consta a naturalidade angolana) e operante ao longo de muito tempo. Permaneceu,
portanto, na minha identificação e no meu imaginário, essa idéia de uma cidade portuguesa-
angolana gravada num tempo antes da independência, o que, pelas vias burocráticas, também
me concedeu o “direito” a ter um passaporte português e uma nacionalidade “européia”.
Assim, apesar de estar há muito tempo distante, a minha ligação com Angola, e ao mesmo
tempo o meu não pertencimento a ela após a independência, foi transmitida a mim, ao longo
dos anos de vida, por um conjunto complexo de aprendizados e sentimentos comunicados pela
minha família e pelos diferentes espaços sociais por onde circulei. Sou, portanto, uma africana
branca e cidadã portuguesa, vivendo no Brasil com igualdade de direitos políticos. Esta foi a
primeira motivação para realizar uma pesquisa sobre Angola.
Após alguns anos de trabalho em empresas privadas - fruto da minha primeira
formação, em Administração de Empresas - dei um passo em busca de compreender e refletir
sobre esses mundos fragmentados pela história colonial portuguesa. Isso foi possível por meio
das primeiras leituras realizadas no curso sobre colonialismo (“Antropologia dos
Colonialismos”), dado pelo professor Antonio Carlos de Souza Lima em 2004, e da minha
subseqüente entrada para o Programa de Pós Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Museu Nacional (UFRJ/MN), em 2005. Nesse
primeiro ano, tive a possibilidade de participar do curso oferecido por Giralda Seyferth e
Olívia Maria Gomes da Cunha, também sobre colonialismo (“Problemas de Antropologia
1
Os termos colocados em itálico, nesta dissertação, estão sugerindo a suspensão do seu sentido imediato.
Procuraremos considerá-las como construções e formulações a serem analisadas. Assim, a fonte itálica será
utilizada para as expressões retiradas dos textos e trabalhos do universo de pesquisa que escolhemos como objeto,
bem como para os títulos de publicações e termos em língua estrangeira, como é usual. Os outros critérios de
grafia utilizados são as aspas, para citações, indicação de expressões de autores citados ao longo do texto e
ponderações quanto a algum aspecto dos termos ou expressões; e o negrito, que aparece como uma ênfase nossa
nos trechos citados ou em expressões do próprio corpo do texto.
2
Ver mapa de Angola no Anexo desta dissertação.
2
Comparadas - Antropologia dos Colonialismos (des)Governo dos corpos: políticas de
separação, evitação e mistura em contextos coloniais e pós-coloniais”), que agregou outras
possibilidades de reflexão às minhas preocupações. Depois desses primeiros contatos com a
antropologia, surgiu a possibilidade de trabalhar com a história do colonialismo e a formação
das fronteiras nacionais africanas, tornando-as minhas temáticas preferenciais de investigação.
Ainda no primeiro ano de formação no PPGAS, surgiu uma idéia de pesquisa a partir
de um livro cujo título e conteúdo chamaram a minha atenção: ANGOLANA, Documentação
sobre Angola (1783 a 1883). O livro reunia um conjunto de documentos oficiais de
representantes do governo português ao longo do século XIX. Esta publicação me pareceu, a
princípio, interessante para a compreensão de como o governo colonial foi ganhando espaço
no território e como foi construindo, a partir de seus agentes, um conjunto de procedimentos e
administrações locais.
Foi a partir dessa publicação que a idéia de uma pesquisa histórica foi ganhando força
e se apresentando como um ponto de partida interessante para um possível trabalho. Tudo isso
graças, especialmente, ao meu envolvimento com o PPGAS e às primeiras sugestões do meu
orientador. A partir daí, procurei participar das discussões que ocorreram no curso “Angola:
Nacionalismo, Revolução e Guerras”, ministrado pelo professor Marcelo Bittencourt, no
primeiro semestre de 2006, no departamento de História da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Ao longo desse curso, que se concentrava na história do nacionalismo angolano, foi
possível uma aproximação com as principais questões sobre Angola que vêm sendo discutidas
na atualidade.
Entre as principais temáticas apresentadas pela historiografia sobre Angola nos dias
atuais, figuram o processo de formações políticas de oposição ao colonialismo, a herança de
reivindicações da elite negra do século XIX, o apoio para a mobilização política de alianças
com grupos e governos do exterior e a continuidade de conflitos após a independência. Em
meio a estas diferentes questões, a literatura, nesse contexto, ganhou e vem ainda ganhando
muita atenção por parte dos pesquisadores. Em um país marcado por 14 anos de guerra anti-
colonial até a proclamação da república, em 11 de novembro de 1975 (Pinto, 1999), a
atividade literária foi considerada um meio de criação de espaços no interior do “fato colonial”
(Margarido, 1988), assim como ocorreu em outros territórios africanos transformados, de
colônias européias, em países independentes.
3
Entendemos que essa é uma temática comum também a outros países: a produção de
um pensamento social nacional e sua imaginação nacional. A expressão literária é também
considerada uma “força inovadora” cultural, conectada à luta política nos contextos onde se
faz necessária a criação de novas condições morais e culturais (de pensamento e sentimento) e
em espaços marcados pela desigualdade, como afirmaram Antonio Gramsci (1978) e
Raymond Williams (1958). Para o caso angolano, vimos estar a literatura intensamente
associada à sua história já desde os finais do século XIX, ganhando proporções
“diferenciadas” na formação do país, como sugeriu Bittencourt (1999, 2000). A presença de
escritores que utilizavam a escrita em língua portuguesa, seja nas publicações ou em jornais,
foi relevante para a promoção de discussões e a divulgação das aspirações independentistas,
que adquiriram mais força a partir da geração dos anos 50. Como um meio pelo qual se
formaram grupos e se teceram alianças – interna e externamente ao território - a literatura tem
se tornado um objeto privilegiado na historiografia sobre Angola, por ser considerada a
principal arma na luta anti-colonial
3
.
A partir deste primeiro contato com a historiografia de Angola, localizamos os estudos
sobre a sociedade e literatura angolana de Mário António [Fernandes de Oliveira], um
escritor e poeta angolano, também responsável pela seleção e organização dos documentos da
ANGOLANA – Documentação sobre Angola. Ao longo da pesquisa, tomamos conhecimento
da sua participação no contexto literário da década de 1950, embora, por outro lado, ele fosse
considerado como um “cúmplice dos colonialistas portugueses”, segundo informou Leonel
Cosme (2002: 31). Diante do valor que a atividade literária tem para a imaginação de Angola,
Mário António aparece como um dos representantes desse fazer literário, mesmo ocupando
uma posição não-satisfatória, reticente (Cardoso, 1958) e ambígua, (Margarido, 1992: 525),
supostamente contrária às propostas de autonomia nacional reivindicadas por seus
companheiros poetas angolanos. Por outro lado, a ANGOLANA é considerada um registro
histórico importante para Angola e é utilizada por diferentes pesquisadores para a
compreensão do seu passado
4
.
3
A literatura angolana é temática que aparece com destaque nas análises historiográficas sobre Angola, como
em Bittencourt (1999, 2000, 2002), Hamilton (1980 e 1984), Laban (1991), Ferreira (1976), Cosme (1978) e
Chaves (1999), entre outros.
4
Encontramos referências ao trabalho de Mário António como fonte de material histórico nos trabalhos de Curto
e Gervais (2001), Dias (1984, 1998), Tavares e Santos (2002), Freudenthal (2001) dentre outros. Para mais
4
Procurando respostas para compreender melhor essa qualidade ambígua da atividade
intelectual de Mário António, percebemos que sua posição no interior do campo intelectual
onde se produziam representações sobre Angola - uma posição considerada oposta à dos
outros escritores que “fizeram” a independência - nos permitiria uma via de acesso
interessante ao contexto social e político que engendrou a literatura angolana, assim como a
própria invenção de Angola. Explicitar essa posição e o que ela nos permite - ou permitiria ver
- é o propósito deste nosso primeiro exercício em direção à compreensão da formação da
nação angolana.
Alguns elementos do contexto histórico
Antes de seguirmos, precisamos situar melhor o contexto histórico com elementos que
nos permitam perceber melhor o contexto onde viveu Mário António, e que contribuíram para
a sua atividade intelectual.
O processo de independência de Angola
As fontes históricas nos sinalizam para a importância do movimento de luta contra o
colonialismo português que culminou em 1975 com a proclamação da República Popular de
Angola, em Luanda, por António Agostinho Neto, representante do Movimento Popular pela
Libertação de Angola (MPLA)
5
. Esse movimento nacionalista e outros que se organizaram no
interior do território - como a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
informações sobre a relevância de um de seus estudos sobre a sociedade angolana do século XIX, ver prefácio de
Jill Dias em Oliveira (1981).
5
António Agostinho Neto foi um dos escritores angolanos participantes do movimento cultural e político pela
independência. Nasceu na região do Catete, em Icolo e Bengo (uma região próxima a Luanda) em 1922, filho de
uma família culta (pai metodista e mãe professora primária), freqüentou o Liceu Salvador Correia, em Luanda,
em 1933-34 e trabalhou como funcionário público nas cidades do Malange e Bié, entre 1945-47, tendo papel
destacado como poeta e comentador da literatura angolana nos jornais Estandarte e Farolim. Prosseguiu os
estudos de medicina na “metrópole” a partir de 1947, quando se muda para Coimbra. Posiciona-se como um dos
membros mais ativos do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD Juvenil) – movimento da juventude
portuguesa no período Salazarista.. Foi preso em 1955, voltando para Luanda em 1959, para assumir a chefia do
MPLA. Para a participação de Agostinho Neto nos movimentos políticos em Portugal, ver Pinto (1998: 65). Para
a atividade de Agostinho Neto no movimento nacionalista e nas associações políticas em Angola e Portugal, ver
Rocha (2003: 246).
5
e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – receberam o apoio para a mobilização
para a guerra a partir de relações com grupos americanos, soviéticos e sul-africanos (Pinto,
1998). Vale ainda ressaltar o momento do processo de independência das colônias africanas
sob domínio português, ocorrido alguns anos mais tarde do que nos outros territórios africanos
de colonização inglesa e francesa.
Portanto, na reorganização do sistema internacional feita após a Segunda Guerra
Mundial, Portugal foi o último país a resistir ao processo de descolonização de seus territórios
(Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, Angola e Timor). Sua imagem de uma “nação
isolada no seu combate pela civilização ocidental em África” conferia-lhe uma neutralidade
em meio à “guerra discreta no campo internacional”, entre os anos de 1963 e 1968 (Pinto,
1999: 52 e 58). Nessa reconfiguração internacional, os interesses dos grupos africanos, não-
alinhados e carentes, econômica e militarmente, ganham força política significativa, sendo a
França (país fortalecido pela guerra, ao lado dos Estados Unidos) o primeiro país colonizador
a reconhecer a independência de seus territórios, seguido pela Inglaterra (Rocha, 2003: 43). As
descolonizações contaram com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU),
pressionada pelos países vencedores a definir, no seu segundo artigo, o princípio de
“autodeterminação” e independência dos povos sob domínio colonial. Por outro lado, foi
também relevante a pressão feita, desde os anos 1960, por parte do bloco afro-asiático, no
sentido de levantar problemas quanto à manutenção do controle de territórios coloniais na
África e Ásia.
Nos anos 1950, o governo português ganhou apoio para a continuidade do controle dos
seus territórios no ultramar, por meio de sua participação na Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), que olhou para a questão colonial com neutralidade
6
. Por outro lado,
as críticas ao seu posicionamento militar e político cresceram, originadas principalmente na
6
A OTAN foi o espaço para reunião dos regimes ditos democráticos, sendo Portugal convidado a ser um de seus
membros fundadores. Entre os regimes participantes estavam EUA, França, Grã-Bretanha e República Popular da
Alemanha, que se posicionavam neutros com relação à questão colonial portuguesa, e Dinamarca e Noruega, que
apoiavam os movimentos de libertação. Ao longo do tempo, Portugal perde apoio e com ele a possibilidade de
compra de armamentos de alguns desses países, como a Noruega, em 1961, e a República Federal da Alemanha
(um importante fornecedor militar de Portugal), em 1971. Para esse assunto, ver Pinto (1998: 51-63). Pinto
explicita que a guerra colonial e o problema de Portugal em África foram sendo esquecidos em meados dos anos
60, graças a questões emergentes no cenário político, como a guerra do Vietnã e a Guerra Fria. Ver Pinto (1998:
53).
6
Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização de Unidade Africana (OUA
7
).
Rebatendo as críticas, o governo português tomou medidas com relação às colônias,
elaborando uma revisão constitucional, em 1961, que transformou os territórios sob seu
domínio em partes integrantes de seu território no ultramar. No entanto, com o aumento da
pressão anti-colonial, tanto externa quanto interna - por crescentes movimentos estudantis e da
classe média -, acelerou-se o processo de oposição ao governo português, que culminou com o
fim do regime, em 25 de abril de 1974. Pinto (1998) acrescenta ainda que um dos principais
apoios ao governo foi abalado no início da década de 70, quando a Igreja Católica - ao ser
pressionada por grupos católicos internos à organização - deu passos em direção ao apoio aos
movimentos de libertação
8
.
Em meio a este panorama internacional, as relações entre Portugal e Angola receberam
um forte impulso econômico, com a importação de produtos coloniais e o incentivo,
promovido pelo governo, à migração dos núcleos familiares
9
. É também neste período que as
idéias luso-tropicalistas, originadas da teoria do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre,
ganharam proporção e credibilidade excepcionais, ao se verem conectadas com a ideologia
colonial portuguesa
10
. De maneira resumida, a teoria de Freyre criava, a partir de pressupostos
históricos, “uma imagem essencialista da personalidade do povo português” (Castelo,
1998:14), onde foram ressaltados, como qualidades, uma tendência “inata” para a
“mestiçagem” e o caráter não racista do “povo” português nas colônias.
Com a constituição do Estado Novo de 1933 e com o Ato Colonial de 1930, o governo
assumiu um caráter nacionalista e colonialista altamente centralizador, com forte repressão
política. Na década de 1940, houve um incremento de leis e práticas discriminatórias que
dificultavam a obtenção de documentos de identidade por mestiços e negros que se
7
A OUA foi fundada em 1963 Addis Ababa, Etiópia, por 32 governos de países africanos independentes e
assumiu a responsabilidade pela coordenação do apoio militar, logístico e diplomático aos movimentos de
libertação (Rocha, 2003).
8
Em 1971, o papa Paulo VI recebeu lideranças dos movimentos de libertação - Amílcar Cabral (Guiné),
Agostinho Neto (Angola) e Marcelino dos Santos (Moçambique) -, fato que abalou, moral e politicamente, a elite
do regime português, assim como desagradou ao bloco soviético que apoiava esse movimento. Ver Pinto (1998:
54).
9
Os produtos para o consumo interno eram algodão, açúcar, café, sisal, oleaginosas e óleos vegetais. Os
diamantes e o petróleo eram repassados para o mercado externo. Ver Rocha (2003). Para o incentivo à migração,
em especial nos anos 60, ver Castelo (2005).
10
Para mais informações sobre a teoria luso-tropicalista e sua conexão com o governo colonial português, entre
1933 e 1961, ver Castelo (1998). Para ideologia e contradição da colonização no século XX, ver Conceição Neto
(1997).
7
consideravam “civilizados”, um problema que ganhou repercussões na imprensa de Luanda
até início dos anos 60
11
. Como se vê, as décadas de 1930 e 1940 foram de intensa dominação
colonial européia em África. Nesse período, os discursos imperialistas e racistas recebem novo
fôlego, associados à forte depressão mundial (Conceição Neto, 1997). Em Angola, este
processo ocorre em meio a uma crescente migração de colonos portugueses brancos e a uma
redução cada vez maior da liberdade de movimentos sociais e econômicos dos “mestiços”. As
“estruturas sociais organizavam-se em função de um bloco europeu, que foi sempre
minoritário, mas que, sobretudo a partir dos anos trinta, ocupou de maneira hegemônica todos
os cargos que decidiam a organização das escolhas técnicas e políticas” (Henriques, 1998:
254). Com a chegada cada vez maior de imigrantes brancos e com o êxodo rural para os
“musseques” urbanos, Luanda, a capital de Angola, transforma-se num centro urbano em
crescente desenvolvimento econômico e industrial na década de 1960, passando a ter, já no
princípio da década de 1970, uma população de quase meio milhão de habitantes
12
.
Ilustração 1: Luanda, a ilha (à direita) e a cidade – 1960
Fonte: Amaral (1968)
11
Conceição Neto informa que em Dezembro de 1942 criou-se portaria para obtenção do bilhete de identidade,
em Angola, essa foi uma “questão” que teria se tornado representativa da discriminação social entre negros e
mestiços, que também incluía os brancos nascidos em África. Ver Conceição Neto (1997: 340).
12
Ver Bithencourt e Chaudhuri (1998: 124). Os “musseques” são os bairros ou aglomerações de moradias das
classes pobres, em Luanda.
8
Ilustração 2: “O encontro da «cidade branca» com os «musseques»”.
Fonte: Amaral (1968).
Ilustração 3: Mercado nos “musseques”.
Fonte: Amaral (1968).
9
A participação dos escritores e intelectuais angolanos
Segundo Castelo (1998), Mário Pinto de Andrade
13
teria sido o primeiro autor a fazer
denúncias contra a teoria luso-tropicalista veiculada pelo governo, afirmando ser uma teoria
que ocultava o problema colonial no seu aspecto político e social. Foi em resposta a essa
estratificação social que Mário Pinto de Andrade, o “primeiro e o mais persistente e lúcido
teorizador e divulgador da literatura africana de expressão portuguesa” (Ferreira, 1976: 160),
cumpriu papel pioneiro na produção de conhecimento sobre o povo angolano, em busca de
valorização da sua negritude e da literatura e poesia angolanas (e dos outros territórios de
língua portuguesa) que continham uma mensagem de angolanidade. Estudando em Lisboa
desde 1948, lançou, em 1953, a primeira antologia da literatura de expressão negra,
colocando-se numa posição intelectual crítica face às imagens da literatura colonial
14
. As
idéias defendidas por esse movimento da negritude, que também receberam a influência e o
apoio de intelectuais marxistas da Europa, África e América (Cosme, 1978: 10), vão promover
a criação do homem novo, baseada na idéia de uma única raça, comum a todos os habitantes
do território angolano. Foi por meio desta idéia que se mobilizaram pessoas para a luta armada
da independência, dentro e fora do território angolano – uma idéia que se tornou um
“símbolo” da nação
15
.
13
Mário Pinto de Andrade foi outro escritor angolano participante dos movimentos de libertação. Era natural de
Angola, descendente de uma família mestiça, no seio da qual recebeu formação católica, e partiu aos 20 anos para
Lisboa, em 1948, para dar continuidade aos seus estudos em filologia clássica. Realizou trabalhos de cunho mais
científico, através do Centro de Estudos Africanos, criado em 1951 com o objetivo de ser um espaço para estudar
a “África” - “conhecermo-nos a nós próprios”. Posteriormente, em 1954, por meio de contatos acadêmicos em
Portugal e por uma amizade com o militante negro Alioune Diop, diretor da revista Presence Africaine,
localizada em Paris, Andrade muda-se para a França, com o início da repressão aos movimentos de esquerda em
Portugal. Na capital francesa, Andrade publicou uma extensa quantidade de trabalhos e conectou-se à
“comunidade africana” e de esquerda anti-imperialista, que naquele momento ganhava força em vários pontos da
Europa. Em finais da década de 50, ele juntou-se a Agostinho Neto nas atividades do MPLA e na preparação para
o movimento de luta armada. Ver Andrade (1997).
14
Andrade, ao longo desses anos, participa de importantes reuniões do movimento anti-colonial, como a
Conferência de Bandung, em 1955, e o Congresso dos Escritores e Artistas Negros, em 1956, promovido por
intelectuais africanistas que tinham a intenção de acelerar e afirmar a reflexão sobre os problemas da poesia e da
literatura nacionais. Ver entrevista a Andrade em Laban (1997).
15
Appiah (1997) explicita os malefícios de se ter a raça como um princípio organizador da solidariedade política,
que teve papel central na mobilização para a independência dos territórios africanos. Supõe-se uma solidariedade
racial, quando outras questões mais importantes precisam ser colocadas ao se pensar no futuro das nações
africanas, como por exemplo: que verdades precisam prevalecer e se transformar na base da política nacional e de
que maneira se podem administrar as relações entre uma herança “tradicional” e as idéias vindas de fora. Ver
Appiah (1997: 21-23) e Mandani (1996).
10
É importante ter em mente as origens de Mário Pinto de Andrade. José Cristino Pinto
de Andrade, seu pai, foi um dos fundadores da Liga Africana na década de 1920 e, juntamente
com outros de sua geração, fez parte de um grupo denominado por Andrade de “assimilados”.
“Assimilados eram homens que acreditavam serem verdadeiramente os defensores dos
valores antigos, valores que os jovens começavam a esquecer. Consideravam que tinham
lutado por uma promoção social, ao lado dos brancos, por vezes contra os brancos. Eram
funcionários exemplares – havia o culto da burocracia” (Laban, 1997:35).
A proximidade deste grupo com o governo e posições de poder e a transmissão dos
valores dos pais aos filhos são mostradas na entrevista de Mário Pinto de Andrade a Laban
(Laban, 1997), quando o escritor faz referência à atividade profissional de seu pai como
funcionário público vinculado às finanças, “o ramo mais nobre da administração do Estado, do
Estado Colonial” (Laban, 1997: 7). Ele também informa que os parentes mais velhos desta
geração prestavam serviços em algum setor do governo, e que buscavam a participação,
reivindicando sua africanidade e o seu enraizamento em Angola: eram “angolanos enraizados”
(Laban, 1997: 37). Como informa Andrade, “ter um filho “alto funcionário” e outro a estudar
na metrópole, era motivo de orgulho” (Laban, 1997: 36). As “famílias angolanas” eram
formadas por camadas médias do governo e moravam no bairro Imgombotas - o “coração de
Luanda” - onde havia o edifício da Liga Nacional Africana, a Câmara Municipal, a Igreja do
Carmo e a linha férrea, que ia até a estação da Cidade Alta
16
. Esse bairro era conhecido por ser
formado pelas famílias negras, “africanas” e de elite, em Luanda.
A partir das indicações
teóricas de Ulf Hannerz (1997), este grupo - do qual Mário Pinto de Andrade fazia parte -
poderia ser pensado como formado a partir de “culturas crioulas” que, embora não tenham
fronteiras demarcadas e limites definidos, se apresentam vivas e enriquecidas pela “dinâmica
da cultura”
17
.
16
Ver localização do bairro no mapa da cidade de Luanda, em anexo. O bairro Cidade Alta era o bairro da
população branca, e o bairro Maianga, onde Mário António viveu era conhecido como um bairro popular.
17
A idéia de um grupo “crioulo” (“criollo” em espanhol) vem de contextos históricos específicos de sociedades
do Novo Mundo e poderia ser utilizada para marcar determinadas particularidades sociais e culturais que se
apresentam no contexto que descrevemos. Nas palavras do autor: “penso que a perspectiva da "criolização" é
particularmente aplicável aos processos de confluência cultural que se estendem num continuum mais ou menos
aberto de diversidade, ao longo de uma estrutura de relações centro-periferia que pode ser perfeitamente alargada
para o âmbito transnacional, também caracterizado pela desigualdade de poder, prestígio e recursos materiais.
Dentro desse raciocínio, parece-me possível integrar a análise social e cultural de uma forma que não é
claramente sugerida pelos outros conceitos, e, desse modo, alcançar uma visão mais macroantropológica. Só que
isso significa, mais uma vez, tornar menos genérico o termo "criolização", relacionando-o a um tipo mais
11
Ilustração 4: Os fundadores da Liga Africana, em 1930. Da esquerda para a direita: José Cristino Pinto de
Andrade (pai de Mário Pinto de Andrade), Manuel Inácio Torres Vieira Dias, Gervásio Ferreira Viana e
Sebastião José da Costa.
Fonte: Rocha (2003).
Ilustração 5: Os bairro dos Ingombotas, na década de 60.
Fonte: Amaral (1968: figura 34).
Mário Pinto de Andrade foi uma das principais lideranças do MPLA, movimento
criado a partir de 1956 e que integrava outros escritores que haviam participado do Movimento
dos Novos Intelectuais de Angola, no final dos anos 1940. A organização dos grupos
nacionalistas que se mobilizaram para a crítica ao colonialismo e a libertação de Angola teve
início na década de 1950 e ocorreu também em outras localidades do território angolano,
elaborado (E sugerindo também uma paisagem social bem mais estruturada, não tanto uma fronteira ou uma zona
fronteiriça.)”. Ver Hannerz (1997: 27-28).
12
sendo o MPLA um grupo integrado em sua maioria por escritores e outros intelectuais
formados na metrópole
18
.
É neste sentido que podemos compreender o papel da literatura angolana como um
meio para se transmitir vozes caracterizadas por uma “ideologia revolucionária” (Cosme,
1978), vozes que “transmitiam e expandiam a angústia dos angolanos” (Bittencourt, 1999)
19
.
Além disso, estes textos possibilitaram a mobilização e conscientização da população
angolana face à repressão instituída (Bittencourt, 1999). Cosme e Bittencourt sugerem que
essa mobilização (cultural e militar) foi influenciada principalmente pela circulação de textos e
livros de pensamento de esquerda, de orientação marxista, transmitidos por trabalhadores
marítimos, exilados do regime e outros estrangeiros
20
.
Temos, assim, alguns dos principais líderes políticos do MPLA, que também
contribuíram para o movimento literário emergente no final dos anos 1940, no quadro a
seguir
21
:
Liderança Gêneros Principais Editoras e Formação e atividades Participação no MPLA
18
Para referência aos agrupamentos políticos que participaram da luta anti-colonial, ver Bittencourt (1999).
19
Cosme (1978) afirma que inexistiam escritores e artistas nos outros dois movimentos que se formaram na luta
contra a colonização portuguesa: a FNLA e a UNITA. A organização do MPLA seria também o resultado do
convívio dos estudantes angolanos na metrópole, ligados ao ambiente intelectual e político daquele momento em
Lisboa e Luanda (Bittencourt, 1999).
20
Ver Bittencourt (1999: 126).
21
Segundo Germano Gomes em entrevista dada a Marcelo Bittencourt (1999), o Movimento teria sido composto
por outros escritores participantes, em sua maioria, da Associação Regional dos Naturais de Angola
(ANANGOLA), entre os quais se encontrava Mário António.
A ANANGOLA, originada do antigo Grêmio
Africano fundado em 1913, teve atividades, nos anos 40 marcadas pelas tendências anti-colonialista. Os
principais objetivos divulgados pelos integrantes desta associação estavam voltados para atividades orientadas
para as massas, com campanhas contra o analfabetismo e atividades culturais para jovens.
Ver Bittencourt (1999:
117) Para mais informações sobre as associações sociais e políticas em Luanda desde os finais do século XIX até
a década de 60, Ver Pelissier (1978: 240).
13
Literária publicados Revistas onde
publicaram trabalhos
profissionais e/ou associações culturais
António
Agostinho
Neto:
Catete
(1922-1979)
Poesias. Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa – 1961;
Mensagem, Luanda,
1951-1952
Primário e secundário –
Liceu Nacional
Salvador Correia;
Medicina –
Universidade de
Lisboa.
Presidente do MPLA.
Viriato da
Cruz:
Porto
Amboim
(1928-1973)
Poesias; Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa – 1961,
Mensagem, Luanda,
1951-1952; Revolution,
Paris - 1964
Primário e secundário –
Liceu Nacional
Salvador Correia.
Membro Fundador e
Secretário Geral do MPLA.
ANANGOLA
Sociedade Cultural de
Angola. Considerado “chefe
do movimento” e o principal
ícone do nacionalismo
angolano.
Mário
Coelho
Pinto de
Andrade
22
Golungo
Alto
(1928-1990)
Trabalhos
sociológicos
e
lingüísticos.
Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa – 1950;
Mensagem, Luanda,
1951-1952;
Gráfica Portuguesa
1953;
Vértice – Coimbra;
Presence Africaine
1953/1962; Pierre Jean
Oswald, Paris – 1958;
Revolution Africaine,
Paris – 1964
Editori Riuniti, Roma –
1961.
Seminário Católico de
Luanda;
Concluiu a sua
formação escolar no
Colégio das Beiras,
1948, em Luanda;
Filologia Clássica,
Faculdade de Letras da
Universidade Clássica
de Lisboa;
Pesquisador de
lingüística e literatura
africana.
Participa da criação do
Primeiro comitê diretor do
MPLA (com Viriato da
Cruz, Eduardo Santos,
Lúcio Lara e Azancot de
Menezes); em 1963 se torna
secretário para as relações
exteriores, do Comitê
Diretor; Contribui para a
criação de outras frentes
nacionalistas no exterior,
ligadas ao movimento
nacionalista africano. EM
1974, posiciona-se contra o
presidente, na chamada
“Revolta activa”.
António
Jacinto do
Amaral
Martins:
Golungo
Alto
(1924-1991)
Poesias;
Prosa.
Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa – 1961,
Mensagem, Luanda,
1951-1952
Cultura, Luanda – 1957.
Primário e secundário –
Liceu Nacional
Salvador Correia;
Funcionário de
Escritório, anos 50;
Ministro da Cultura de
Angola, 1975-1978.
Preso de 1960 até 1972,
integrou o MPLA em 1973.
Organizador da revista
Mensagem, do
departamento cultural da
ANANGOLA.
António
Cardoso :
Luanda,
(1933)
Poesia,
Prosa.
Boletim o Estudante,
Liceu Nacional Salvador
Correia, Luanda – anos 50
Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa – 1961;
Mensagem, Luanda,
1951-1952
Coleção Imbondeiro, Sá
da Bandeira – 1961
União dos Escritores
Angolanos, Luanda - 1979
Primário e secundário –
Liceu Nacional
Salvador Correia.
Exerceu funções
superiores na Rádio
Nacional e na
Secretaria de Estado da
Cultura – após 1975.
Preso pela PIDE (Política
Portuguesa) em 1959, e
depois em 1961, sendo
libertado em 1974.
22
Mário Pinto de Andrade passou a adolescência em Luanda, relacionando-se com outros “filhos de famílias
tradicionais de Luanda, que nos anos 30 habitavam nas Ingombotas, como as famílias Bento Ribeiro, Viana,
Mingas, Vieira Dias e Van-Dúnem, dentre outras”. Ver Kajibanga (2000: 99).
14
Seus principais participantes eram estudantes do Liceu Nacional Salvador Correia e
membros de associações locais, como a ANANGOLA e a Sociedade Cultural de Angola
23
,
ambas em Luanda, associações estas que ganharam força na década de 1940, e se
transformaram em pontos de encontro e em novos espaços editoriais, localizados fora do
controle do governo português.
Ilustração 6: Na ordem, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto e António
Cardoso.
23
A Sociedade Cultural de Angola foi criada em 1942 por portugueses em oposição a Salazar que migraram para
as colônias em busca de refúgio. Foi um dos espaços onde se transmitiam valores alternativos às orientações da
metrópole e foi a responsável pela publicação do suplemento literário Cultura - entre 1945-51 e a partir de 1957
por Luandino Vieira e António Cardoso. Segundo Eugênio Ferreira, presidente da organização no ano de 1947,
faltava um “ambiente propício às criações que simbolizavam e afirmavam uma específica forma de vida coletiva,
um pensamento e um sentimento coletivos, quer dizer, o ambiente propício à vida literária” (apud, Ervedosa
(1979: 68). Esta idéia de uma literatura angolana que precisava existir se opunha à idéia da existência de uma
literatura do Ultramar que passou a ser produzida após 1926 com incentivo do ministro das Colônias do governo
português, e o patrocínio da Agência Geral das Colônias cuja responsabilidade se dirigia à produção cultural
direcionada para as colônias. Nas narrativas, idéias exóticas e pré-concebidas sobre a população africana eram
divulgadas e auxiliavam a sustentar a missão civilizadora e outras ideologias políticas e econômicas em Portugal.
Ver Laranjeira (1997/1998); Trigo (1979: 13) e Hamilton (1980).
15
Os meios de expressão dos jovens poetas limitaram-se, portanto, às associações, nas
quais houve uma renovação literária
24
. Ao serem lançadas, a revista cultural-literária
Mensagem e o suplemento literário Cultura, além do grito Vamos Descobrir Angola -
pronunciado por Viriato da Cruz e divulgado, mais tarde, em 1958, por Mário Pinto de
Andrade - tornaram-se os principais emblemas dos novos valores “africanos” e as formas de
vínculos culturais que eram almejados para Angola.
A idéia de “descobrir” Angola já era divulgada entre os principais representantes
negros do início do século XX, descendentes das famílias negras burguesas de Luanda.
Famílias que teriam chegado à notoriedade e riqueza no século XIX e que se consideravam os
verdadeiros “filhos de África” (Pelissier, 1978; Hodges, 2002). Envolvidos em outros
movimentos reivindicativos que haviam ocorrido nas décadas que antecederam a “geração de
50”, estes representantes procuravam defender seus interesses face às transformações pelas
quais passou Luanda com as mudanças no projeto político português, em 1870 (Dias, 1984)
25
.
Nesse contexto social se destacaram aqueles mestiços que ocupavam uma posição de mais
privilégio na organização, em função de sua riqueza, educação e fortes ligações com outros
circuitos no interior. Esta burguesia é considerada relevante poram0.0251 Tw 120.51 -1402351gio (o d)na XXna01 tr
“Esta sessão solene em que se proclama a constituição da União dos Escritores
Angolanos, é mais um começo na nossa jovem República popular. Mais uma vez se
vêem assim materializadas as esperanças que nós tínhamos desde o início da nossa luta
numa adesão total de todas as camadas sociais, de todos os elementos válidos do povo
angolano. Não é por acaso que todos os escritores de Angola então no MPLA, (...).
Tenho ainda a esperança de ver esta União dos Escritores Angolanos funcionar,
funcionar duma maneira bastante dinâmica para que a cultura do nosso povo, a
cultura do povo angolano seja conhecida do nosso próprio povo e também seja
conhecida pelo mundo inteiro que deseja a todo preço conhecer a Alma deste país”
(AGOSTINHO NETO, 1978:19-20. Grifos nossos).
A participação destes escritores é considerada, portanto, um fato relevante para a
independência de Angola e para o início de uma “conquista”, pelo povo angolano, da criação
de uma unidade nacional de governo e do direito de gerir autonomamente o “seu” território.
Entretanto, esta idéia traz consigo algumas considerações que precisam ser, a nosso ver,
problematizadas. Ao se definir a idéia de uma nação independente para o território angolano, é
necessário lembrar que este é ocupado e habitado por outros grupos e nações
27
. O território
que alguns definem como sendo de um Estado-Nacional angolano é composto por uma
heterogeneidade de outras formações políticas, lingüísticas e de costumes que trazem para essa
idéia de “uma” nação um conjunto de problemas. É neste sentido que entendemos ser
relevante a análise da formação destes discursos que fortalecem a noção de uma nação
angolana e que procuram ganhar legitimidade ao delimitar espaços e populações a partir de
um centro de governo. Este ponto é, para nós, primordial, diante dos atuais conflitos gerados a
partir de diferentes “grupos etno-lingüísticos” presentes no território denominado por Angola e
destinos da literatura, procurando definir e transmitir os novos símbolos da nação angolana. Esta associação
continua existindo na atualidade. Os trabalhos de seus colaboradores e outras notícias são divulgados on-line na
internet, pelo site http://www.uea-angola.org. Por estar diretamente ligada ao governo, explicita o papel da
literatura no processo de construção nacional e na unificação do território angolano no pós-independência. Por
que resistem às ações de integração e homogeneização dirigidas para eles pelo governo
independente
28
.
A trajetória de Mário António e algumas possibilidades metodológicas.
Já tendo mencionado que 1) Mário António é considerado por críticos como um poeta
angolano de grande talento e como um marco importante para a discussão da literatura
angolana, também recebendo reconhecimento por ser o fundador de uma das “duas grandes
escolas de pensamento social angolano contemporâneo”
29
; 2) ele recebe, por outro lado, um
conjunto de críticas que o vinculam à ideologia colonial – que foi sustentada pelas teorias
luso-tropicalistas do sociólogo Gilberto Freire – e consideram o seu posicionamento literário
“ambíguo” e “alienado” do esforço político identificado com a causa angolana
30
; 3) seus
trabalhos historiográficos são considerados como importantes fontes de material histórico para
uma nova reconstrução da bibliografia da literatura angolana e mesmo das condições sociais
e políticas da sociedade angolana, nos perguntamos: de que nos serviriam as contribuições de
Mário António para a história de Angola? Que conhecimento poderíamos obter sobre a
formação da nação angolana a partir de um olhar mais próximo sobre a trajetória deste
escritor?
É justamente pelo seu papel destoante das narrativas literárias daqueles que vêm sendo
considerados como os pioneiros de uma nova literatura promotora da independência, que um
olhar mais atento para as contribuições de Mário António pode servir como um experimento
para refletir analiticamente sobre a formação da nação angolana, a partir da “invenção” da
28
Os três principais “grupos etnolingüísticos” (os Ovimbundu, os M’bundu e os Bakongo) representam 75% da
população no território angolano, e ocupam o litoral norte e centro e o planalto central, regiões consideradas de
grande importância econômica (Rocha, 2003). Para referência quanto às dificuldades que os governantes
angolanos vêm enfrentando com relação às resistências dos grupos localizados no interior do território, ver
Serrano (2001). Também Bittencourt (2000) confirma ser o “conflito étnico” um dos grandes problemas da
sociedade angolana, agravado pela política centralizadora do MPLA. Segundo ele, faz-se necessária a
“transposição de categorias histórico-sociais para o terreno da política” (Bittencourt, 2000: 2). Para uma reflexão
futura, temos em mente, ainda, o trabalho de Mandani (1996), por sua abordagem sobre a “questão nativa” - um
problema que se coloca para os países africanos da atualidade.
29
Kajibanga (2000) refere-se aqui à teoria da crioulidade de Mário António, situando-a numa tradição exógena
que comparece ao lado da “tradição sociocultural do saber endógeno” proposta por Mário Pinto de Andrade.
Estas duas “escolas do pensamento social angolano contemporâneo” continuam, segundo este autor, a influenciar
as reflexões teóricas “de e sobre Angola”. Ver Kajibanga (2000: 11).
30
Ver Hamilton (1981) e Kandjimbo (2001). Estes dois autores são os principais críticos da teoria da crioulidade
proposta por Mário António, como veremos no primeiro capítulo.
18
literatura angolana. O posicionamento de Mário António no “campo intelectual”
31
que
procura refletir sobre Angola nos traz a possibilidade de darmos alguns passos em direção à
percepção do conjunto das relações que ele estabeleceu com seus pares e com os distintos
públicos consumidores de suas obras, procurando compreender a força e os efeitos de suas
construções narrativas.
Esta opção de análise faz com que vejamos o escritor relacionalmente, além de permitir
que consideremos a essência do que ele produz como parte de um trabalho - frente a outras
construções e produtores - em constante luta por poder e reconhecimento. Em outras palavras,
as teorias formuladas serão compreendidas a partir dos indivíduos que as criam, ao longo do
tempo e em estreito relacionamento e luta com aqueles contra quem escolhem, e ao mesmo
tempo são obrigados a, se posicionar. Isso nos permitirá descartar a idéia de que sua escrita
fosse isolada e, paralelamente, de que as de seus opositores fossem hegemônicas e incontestes.
Trata-se de desenhar as grandes linhas de força que exercem pressão sobre a produção de
Mário António e, ao mesmo tempo, de destacar a ação deste “autor-ator” e seus opositores em
luta para garantir um “capital simbólico”, que também é político, frente a uma dada realidade
social
32
.
A expressão “autores-atores” parte da proposta de Luiz Castro Faria (2006:276) de
submeter à reflexão crítica a produção intelectual de qualquer autor, como parte integrante de
um circuito específico de relações sociais. Estamos chamando à atenção para este termo, por
considerarmos relevante a idéia nele implícita que é a de produção de bens simbólicos pelos
autores, e ao mesmo tempo a atuação destes em instituições e espaços que concorrem pela
“legitimidade cultural, [onde] interferem na avaliação da produção intelectual e na elaboração
de regras que a orientam” (Almeida, 1978:1).
Assim, estamos descartando a possibilidade de refletir sobre a literatura angolana a
partir de seu conteúdo, mas procurando pensar na própria construção dessa idéia e suas
implicações. É uma análise distinta, que passa a considerar como objeto os autores-atores
dessa construção. Em outras palavras, é uma análise sociológica. Ainda assim, não temos a
intenção de dar conta de todo o vasto material sobre literatura angolana – e que não está todo
31
Estamos utilizando a noção de “campo intelectual” como constituindo “um sistema de linhas de força: isto é, os
agentes ou sistemas de agentes que o compõem podem ser descritos como forças que se dispondo, opondo e
compondo, lhe conferem sua estrutura específica num dado momento do tempo” (Bourdieu, 1968: 105).
32
Ver Bourdieu (1968; 2005).
19
disponível no Brasil. A idéia é concentrarmos nossa atenção neste exercício de dissertação na
apreensão de dados parciais, captados ao longo de poucos meses de pesquisa, que nos
possibilitem um diálogo com outros autores preocupados com semelhante tema. Ou seja,
consideramos este trabalho como um esforço de reflexão e de “aquisição de conhecimento
sobre determinados fenômenos” (Bertaux, 1981: 33) que se dirige a determinados leitores
interessados no assunto, o que confere, portanto, a sua própria significação social
33
.
A nossa proposta aqui é conhecer (e não reconhecer) quem foi Mário António.
Partimos das proposições de Michel Foucault de que os livros, teorias e a própria biografia
(“unidades do discurso”) figuram como o resultado de discursos que têm a sua origem num
“campo prático” constituído por outros autores-atores (Foucault, 1972). Ao colocarmos em
suspenso essas unidades que se impõem à primeira vista, ao questionarmos essas unidades,
elas perdem a sua evidência e dão lugar a novas interpretações. Nas palavras do autor:
“Essas formas prévias de continuidade, todas essas sínteses que não problematizamos e
que deixamos valer de pleno direito, é preciso, pois, mantê-las em suspenso. Não se
trata, é claro, de recusá-las definitivamente, mas sacudir a quietude com a qual as
aceitamos; mostrar que elas não se justificam por si mesmas, que são sempre o efeito de
uma construção cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser
controladas; definir em que condições e em vista de que análises, algumas são legítimas;
indicar as que, de qualquer forma, não podem mais ser admitidas” (Foucault, 2000: 29).
É neste sentido que se faz necessário apresentarmos Mário António levando em
consideração, em primeiro lugar, a sua “trajetória” social. Esse é um procedimento analítico
que parte de Bourdieu (1996a), sugerindo que a história de vida é ela mesma dependente de
um conjunto de fatores:
“Ela nos leva à construção da noção de trajetória como uma série de posições
sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou mesmo grupo), em um espaço ele
próprio em devir e submetido a transformações incessantes. Tentar compreender
uma vida como uma série única e, por si , suficiente de acontecimentos sucessivos,
sem outra ligação que a vinculação a um “sujeito” cuja única constância é a do nome
próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em
conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diversas
estações. Os acontecimentos biográficos definem-se antes como alocações e como
deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente, nos diferentes estados
sucessivos da estrutura da distribuição dos diferentes tipos de capital que estão em
jogo no campo considerado. É evidente que o sentido dos movimentos que levam de
uma posição a outra (de um editor a outro, de uma revista a outra, de um bispo a outro
33
Bertaux (1981: 6) sugere que as histórias de vida (“life stories”) de pessoas podem ser analisadas por meio de
uma abordagem “qualitativa”, o que nos levaria diretamente ao nível das relações sociais, que por sua vez seria a
base do olhar sociológico.
20
etc.) define-se na relação objetiva entre o sentido dessas posições no momento
considerado, no interior de um espaço orientado. Isto é, não podemos compreender
uma trajetória (...), a menos que tenhamos previamente construído os estados
sucessivos do campo no qual ela se desenrolou; logo, o conjunto de relações
objetivas que vincularam o agente considerado – pelo menos em certo número de
estados pertinentes do campo – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo
campo e que se defrontaram no mesmo espaço de possíveis. Essa condição prévia é
também condição de qualquer avaliação rigorosa do que poderíamos chamar de
superfície social, como descrição da personalidade designada pelo nome próprio, isto é,
o conjunto de posições simultaneamente ocupadas, em um momento dado do tempo, por
uma individualidade biológica socialmente instituída, que age como suporte de um
conjunto de atributos e de atribuições que permitem sua intervenção como agente
eficiente nos diferentes campos” (Bourdieu, 1996a: 81-82. Grifos nossos).
Elementos sobre a trajetória de Mário António
Os elementos da trajetória social apresentada nesta introdução nos permitem
vislumbrar o mundo de onde sai Mário António a partir de um conjunto de elementos que
procuramos extrair de diferentes leituras e das sugestões adquiridas nas ementas dos cursos de
Castro Faria (2002;2006) e em Souza Lima (1990), dentre outros. Cabe ressaltar que os livros
de Mário António estavam acessíveis para nós através do Real Gabinete Português de leitura,
biblioteca de referência para obras “portuguesas” no Rio de Janeiro
34
.
34
No apêndice, encontram-se referências às bibliotecas onde cada título foi encontrado, o que nos auxilia a
explicitar os canais de divulgação de obras literárias que permeiam as relações entre os países, bem como os
vínculos que se estabelecem por meio da atividade de um conjunto de atores, como os bibliotecários, editoras etc.
O Real Gabinete é uma instituição fundada em 1837 por um grupo de 43 emigrantes portugueses do Rio de
Janeiro, que vem, desde então, se responsabilizando pelo arquivo de livros “portugueses”. Em 1935, o Governo
português concedeu ao Real Gabinete o benefício de receber um exemplar das obras por ele impressas, a partir do
decreto no. 25.134, também conhecido como “depósito legal”, que permite manter a biblioteca atualizada quanto
a muito do que é publicado em Portugal.
21
Quadro 1: Dados familiares de Mário António
_________________________________________________________________________
Pai: António Jorge de Oliveira (1904-1944)
[Fez o curso do seminário completo. Teve negada a sua entrada no Seminário de Luanda, com
a justificativa de não se aceitarem padres “africanos”. Mudou-se para Maquela do Zombo,
onde Mário António nasceu, para trabalhar como funcionário dos correios. Volta para Luanda
em 1940, para o bairro da Maianga. Morreu em 1944, quandorio António tinha 10 anos.]
Mãe: Maria da Conceição Fernandes de Oliveira (1911-1984)
[Ajudou Mário António com despesas até que ele conseguisse seu primeiro emprego, em 1951,
aos 17 anos de idade, em Luanda. Não temos referência sobre sua atividade profissional. Se
Mário António era mestiço, supomos ter sido a sua mãe branca, entretanto, não temos
referências que comprovem essa hipótese.]
_________________________________________________________________________
O Quadro 1 nos apresenta alguns fragmentos da sua posição familiar, que contribuem
para compor elementos relevantes no que diz respeito às escolhas feitas por Mário António,
como: a explicitação da insatisfação do pai por não ter seguido a atividade pastoral, pelo
motivo de não serem aceitos padres “africanos” nas missões, e a necessidade de encontrar um
meio de sobrevivência cedo, aos 17 anos de idade, para não trazer despesas para a mãe. Estes
fragmentos foram abordados por Mário António em sua entrevista a Laban (1990) e são
considerados aqui como histórias de si - mesmo após muito tempo, permanecem como fontes
relevantes de informação, ao se procurar compreender as diferentes escolhas de um escritor
35
.
Esta perspectiva foi proposta por Bertaux (1981:6), que afirma serem as “histórias de si”
importantes fontes de acesso às relações sociais e, portanto, necessárias para o conhecimento
dos contextos sociais e das condições que levaram aos conflitos e lutas. As histórias contadas
por Mário António sobre a sua infância nos permitem ver pontos divergentes ou convergentes
em relação a outras histórias contadas - como as de Mário Pinto de Andrade, também a Laban
- e mapear / compreender os diferentes percursos intelectuais trilhados.
35
Bourdieu (1996) afirma que as informações explicitadas em uma entrevista precisam ser consideradas dentro
do contexto em que o diálogo se realiza. Neste caso, a entrevista foi realizada por Michel Laban, pesquisador da
Universidade de Paris, em julho de 1984. Laban desenvolveu, ao longo da década de 80, um trabalho de pesquisa
sobre os escritores africanos de língua portuguesa, com destaque para os escritores participantes da luta anti-
colonial. Ao longo da entrevista, aparecem referências nas perguntas de Laban à conexão de Mário António com
as teorias luso-tropicalistas, que delimitam a situação em que as respostas são oferecidas.
22
As posições ocupadas – formação e atividades profissionais.
Ao colocarmos no centro da nossa análise esse autor-ator, procuraremos revelar
aspectos que giram em torno da sua “história”, e que podem ser revelados a partir dos
diferentes espaços ocupados ao longo da sua vida, como vemos no quadro abaixo:
Quadro 2 – Posições ocupadas por Mário António
___________________________________________________________________
1934 Nascimento, 04 de abril em Maquela do Zombo – antigo Congo Português (norte de
Angola)
1945 Estudante do Liceu Nacional Salvador Correia - Luanda
1949 Diretor do jornal do Liceu, o Estudante - Luanda
Membro da Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA) e da Sociedade
Cultural de Angola
1951 Integrante do grupo Novos Intelectuais de Angola, com poesias e contos publicados na
revista Mensagem
1951 Observador metereológico dos Serviços Metereológicos de Angola - Luanda
1955 Integrante e fundador do Partido Comunista de Angola – Luanda
1964 Pesquisador do Centro de Estudos Históricos Ultramarinos – Lisboa
1967 Professor de lingüística africana do Curso de Extensão Universitária do Instituto de
Ciências Sociais e Política Ultramarina (I.S.C.S.P.U.).
1970 Ingressa na Fundação Calouste Gulbenkian
36
1971 Licenciatura em Ciências Sociais pelo I.S.C.S.P.U. - Lisboa
1985 Tese de doutoramento em literaturas africanas de língua portuguesa pela Universidade
Nova de Lisboa
1985 Diretor dos Serviços de Cooperação com os novos Estados Africanos da Fundação
Calouste Gulbenkian - Lisboa
1989 Falecimento em Lisboa, aos 55 anos.
_____________________________________________________________
No quadro acima, temos um mapeamento dos principais pontos dos possíveis espaços
por onde circulou Mário António, que nos conferem uma outra possibilidade de devolvê-lo ao
contexto do qual participou ao longo de seu trabalho como escritor. É por meio desse contexto
que poderemos dar passos no sentido de compreendermos o seu trabalho enquanto resultado
esperado de um esforço “pedagógico” próprio das instituições das quais participou, e das
36
A Fundação Calouste Gulbenkian foi criada em 1956 com sede em Lisboa com a herança de Calouste
Gulbenkian (1869-1955) – empresário arménio naturalizado britânico atuante no desenvolvimento do setor
petrolífero do Oriente Médio e com dedicação ao mecenato das artes e às obras de beneficiência. A instituição
desenvolve atividades em Portugal e no estrangeiro orientadas para a arte, beneficiência, ciência e educação. Em
2003 lançou prêmio em homenagem a “Mário António” concedido a obras de escritores da África Lusófona e do
Timor-Leste nos gêneros prosa de ficção, teatro, ensaio e poesia.
23
trocas a elas vinculadas, que conferem ao seu fazer literário uma certa continuidade. Com isto,
temos a intenção de trazer elementos para pensar a trajetória de Mário António, a partir dos
termos de Bourdieu (1996b), como inserida num espaço de trocas que denotam, ao contrário
de escolhas livres e descontínuas, as condições mesmas de sua inscrição literária e textual
37
. A
noção de trajetória permite revelar os intervalos a que a sua produção intelectual esteve
submetida, e o circuito de trocas que definiram a eficácia dos seus textos. Situando Mário
António nesse contexto, a partir da sua origem, da sua formação e das instituições de que
participou, temos um primeiro olhar sobre os pontos a serem marcados para pensar por uma
outra perspectiva a literatura angolana e as representações sobre Angola veiculadas nos seus
textos.
Tomemos o exemplo das instituições de ensino. Se nos aproximássemos das atividades
e integrantes do Liceu Nacional Salvador Correia naquela década de 40, teríamos indicadores
das diferentes temáticas e “modelos culturais” recebidos por Mário António e outros jovens,
que posteriormente se tornaram a intelectualidade representativa da independência de
Angola
38
. As referências sobre as condições de ensino em Angola na década de 1940 falam da
existência de dois sistemas de ensino nas colônias: o formal e o missionário. O primeiro era de
responsabilidade do governo, era destinado aos portugueses e “assimilados” e tinha condições
de ensino similares às de Portugal. O segundo era de responsabilidade dos missionários e
estava destinado à população indígena. Se considerarmos que, na década de 1940, existiam
dois Liceus de ensino secundário na colônia, e que, em 1959, esse número cresce para 5
instituições de ensino secundário formal, onde se reuniam 132 professores e 3.523 alunos,
percebemos que o ensino formal estava restrito a um número muito reduzido da população no
território angolano, mais especificamente destinado a uma elite governante, que falava
português, e habitava a cidade de Luanda
39
. As instituições de ensino que mapeamos na
37
Bourdieu (1996b) explicita o seu modelo teórico sobre a experiência do dom como sendo “o intervalo temporal
entre o dom e o contradom que permite ocultar a contradição entre a verdade vivida (ou desejada) do dom como
ato generoso, gratuito e sem retribuição, e a verdade que o modelo revela, aquela que faz do dom um momento de
uma relação de troca transcendente aos atos singulares de troca. Ou seja, o intervalo que possibilita viver a troca
objetiva como uma série descontínua de atos livres e generosos é o que torna psicologicamente viável e vivível a
troca de dons, ao facilitar e favorecer a self deception, a mentira para si mesmo, condição de coexistência do
conhecimento e do desconhecimento da lógica da troca” (Bourdieu, 1996b: 7-8).
38
Mário António, em entrevista a Michel Laban, sugere ter sido o contexto do Liceu o que lhe forneceu modelos
culturais para a sua atividade literária. Ver Oliveira (1990: 521).
39
Para os liceus na década de 1940, ver Ervedosa (1979). Para o sistema de ensino nas colônias de uma maneira
geral, ver Ferreira (1977), especialmente p. 74-75.
24
trajetória de Mário António são referências que consideramos relevantes, principalmente a
partir das considerações de Bernard Cohn (1996), que indica a possibilidade de olhar para
instituições - como as escolas públicas - como canais por onde se transmitem as crenças
oficiais sobre como as coisas são e como devem ser, produzindo cidadãos como Mário
António, para quem os Estados Nação são “naturais”, são uma “expressão natural” da história,
reunindo num todo único território e sociedade
40
.
O quadro acima também nos auxilia a procurarmos localizar Mário António no
cotidiano de uma das instituições da administração colonial: foi como observador
metereológico que ele realizou a sua primeira atividade de pesquisa, feita a pedido de seu
superior no departamento para a comemoração do centenário da observação metereológica em
Angola, nos finais da década de 50. Esta sua ocupação nos leva a procurar elementos que nos
revelem um novo conjunto de relações entre pessoas a que esteve ligado, e que influenciaram
a sua experiência, à medida que ele desempenhou atividades em busca de reconhecimento. O
que queremos afirmar é que os textos de Mário António guardam “histórias” construídas em
relações, a partir de uma “interação criativa” que possibilita a construção de significados
específicos, que só podem ser compreendidos a partir da explicitação dessas relações, como
nos propõe Tilly (2000)
41
. A compreensão dos seus textos e do espaço social do qual
participou partem, portanto, dessa primeira tentativa de sistematização de sua trajetória, que
40
Cf. Cohn (1996). “From the eighteenth century onward, European states increasingly made their power visible
not only through ritual performance and dramatic display, but through the gradual extension of ‘officializing’
procedures that established and extended their capacity in many areas. They took control by defining and
classifying space, making separations between public and private spheres; by recording transactions such as the
sale of property; by counting and classifying their population, replacing religious institutions as the registrar of
births, marriages, and deaths; and by standardizing languages and scripts. The state licensed some activities as
legitimate and suppressed others as immoral or unlawful. With the growth of public education and its rituals, it
fostered official beliefs in how things are and how the ought to be. The schools became the crucial civilizing
institutions and sought to produce moral and productive citizens. Finally, nation states cabe to be seen as the
natural embodiments of history, territory, and society” (Cohn, 1996: 3)
41
Nos termos de Tilly (2000): “Creative interaction appears visibly in such activities as jazz and soccer. In these
cases, participants work within rough agreements on procedures and outcomes, arbiters set limits on
performances, individual dexterity, knowledge, and disciplined preparations generally yield superior play, yet the
rigid equivalence of military drill destroys the enterprise. Both jazz and soccer, when well executed, proceed
through improvised interaction, surprise, incessant error and error-correction, alternation between solo and
ensemble action, and repeated responses to understandings shared by at least pairs of players. After the fact,
participants and spectators create shared stories of what happened, and striking improvisations shape future
performances. If we could explain how human beings bring off such improvisatory adventures, we could be well
on our way to accounting for how relations store histories in contentious repertoires, conversation, rights and
obligations, war and peace, and similar phenomena”(Tilly, 2000: 723).
25
indica posições ocupadas dentro de determinadas instituições, formadas elas mesmas por
outros atores e suas agências.
É com esta idéia de “ponto numa rede” de ação e comunicação que precisamos
entender a atividade de Mário António, bem como o duplo movimento de “obrigação” e
“direitos” ao qual aderiu (e não como um escritor angolano que seguiu os passos do poder,
aderindo incondicionalmente ao luso-tropicalismo e sujeitando-se absolutamente às
demandas). Trata-se de uma troca que precisa ser situada em um conjunto de relações, como
por exemplo, a sua atividade ao longo de 12 anos de carreira na administração pública
42
.
Os livros publicados
Mário António teve uma atividade intelectual intensa, iniciada já em 1949, com a
publicação, em um dos principais jornais de Luanda, de um trabalho desenvolvido no Liceu:
As populações de Angola. No início dos anos 50, suas poesias – incentivadas na escola - foram
publicadas em revistas em Luanda, onde podemos destacar a Revista Mensagem e o
suplemento literário Cultura, que se tornaram os dois emblemas dos novos valores e formas de
vínculo cultural para Angola e para as elites que ali se formavam, ligadas à ANANGOLA e à
Sociedade Cultural de Angola. A primeira edição da Mensagem, lançada em 1951, publicava
poesias e contos dos ganhadores do concurso organizado pelos editores da revista. Os textos
veiculavam uma mensagem de angolanidade e foram considerados um “grito de descoberta
preludiando uma literatura social e politicamente engajada” (Hamilton, 1980: 82). Mário
António foi premiado neste concurso com dois poemas e um conto, passando a fazer parte do
grupo dos Novos Intelectuais, que ganhava destaque naqueles anos. A escolha dessas poesias e
contos, no concurso, revela a convivência com o tema da angolanidade, na vida de nosso
escritor e na de outros jovens contemporâneos a ele: era uma temática privilegiada, referida a
Angola. Ela se mantém ao longo do tempo e é visível ao longo dos livros publicados, como
mostra o quadro a seguir.
42
O trabalho de dois pesquisadores americanos, Abshire e Samuels (1969), sobre as instituições do governo
português em África, pode ser uma interessante fonte de informação para iluminar o contexto por onde circulou
Mário António.
26
Quadro 3: os livros publicados por Mário António
Título Ano Editora
Poesias de M.António
1956
s. editora, Lisboa (Portugal)
A sociedade Angolana do fim do século XIX e um seu
escritor
1961
Editorial NÓS,
Luanda (Angola)
Gente para romance: Álvaro, Lígia e António
1961
Publicações Imbondeiro,
Sá da Bandeira
(Angola)
Contos d'Africa : antologia de contos angolanos 1961 Publicações Imbondeiro, Luanda
Poema e canto miúdo 1960 Publicações Imbondeiro, Luanda
Chingufo - poemas angolanos 1962 Agência-Geral do Ultramar, Lisboa
Para uma história do trabalho em Angola 1963
Instituto do Trabalho, Previdência e
Ação Social,
Luanda
considerado como uma unidade imediata, por isso há que se suspender estas idéias de
integração e unicidade e procurar pelas regras que tornam possível a sua existência. O quadro
acima nos sugere um início para esta des(re)construção proposta por Foucault, porque nos
remete às editoras que publicaram as obras de Mário António.
Por meio destas conexões com as editoras, apresenta-se uma possibilidade de
compreensão das aparições públicas de Mário António, da circulação e divulgação de seus
textos e dos laços sociais que as sustentam. É nesse meio – de pessoas que compartilham o
interesse pela literatura e de escritores - que precisamos compreender a atividade deste autor-
ator. Precisamos levar também em consideração o fato de que algumas poucas editoras
apareceram em Luanda e cidades adjacentes naqueles anos 50 e 60 - tais como as Publicações
Imbondeiro (Sá da Bandeira/Lubango), a coleção Bailundo (Nova Lisboa/Huambo) e a editora
ABC (Luanda) - com a possibilidade de divulgar alguns poucos trabalhos de escritores que
habitavam naquelas cidades, entre os quais figuravam, em sua maioria, jornalistas imigrantes
da metrópole, que contribuíam para os principais jornais locais
43
.
Para além das editoras, cabe também nos determos nos textos produzidos por Mário
António e avançarmos nas proposições de suspensão da “unidade” do livro. Estes precisam
passar a ser vistos como o “resultado” (dentro de outras possibilidades) de um conjunto de
operações que podem ser acessadas por meio do texto. Esta proposta parte das considerações
de Max Weber (2004) sobre o seu método da “interpretação compreensiva”, que sugere:
“seja qual for a intensidade relativa com que costuma se manifestar as diversas
referências ao sentido envolvidas na ‘luta dos motivos’ igualmente compreensíveis para
nós, é algo que, em regra e segundo toda a experiência, não se pode avaliar seguramente
e, em grande número de casos, nem aproximadamente. Somente o resultado efetivo da
luta dos motivos nos esclarece a esse respeito. Como em toda hipótese, é imprescindível,
portanto, o controle da interpretação compreensiva do sentido, pelo resultado no curso
efetivo da ação” (Weber, 2004:7).
Com esta referência, temos em mente a impossibilidade de avaliar e pesar as escolhas
que compõem a escrita textual de Mário António (desde os motivos por que escreveu o livro, a
editora, os autores com quem trabalhou, etc.), e que devem ter implicado em riscos e perdas.
Estes dados não estão acessíveis para nós. O que nos ocorre perceber, e que figura como a
43
Ver Ervedosa (1963: 40). Ervedosa afirma ainda que o primeiro livro de contos escrito por Mário António e
submetido à apreciação não obteve êxito e que as obras produzidas em Angola não eram divulgadas para o grande
público da metrópole, por não serem amparadas pelos grandes nomes da propaganda.
28
nossa possibilidade de descrição, são os resultados dessas escolhas, cujos efeitos dão sentido
“objetivo” e “compreensivo” ao texto. É por meio do texto, portanto, que podemos ter acesso à
sua proposta de conhecer a literatura e a realidade angolanas, bem como o diálogo que ele
estabelece com outros autores-atores. Da mesma forma, é também um meio de perceber o
texto como um “monumento”, como propôs Foucault:
“A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os
temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios
discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como
documento, como signo de outra coisa, como elemento que deveria, ser transparente,
mas cuja opacidade importuna é preciso atravessar freqüentemente para reencontrar,
enfim, aí onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso
em seu volume próprio, na qualidade de monumento” (Foucault, 2000: 159. Grifos do
autor).
É ainda importante fazer referência à qualidade de Mário António como um “escritor
polígrafo”
44
, que escreve sobre diferentes assuntos referentes a Angola (Poesias, Ficção,
estudos literários, sociológicos e históricos). Participando de diferentes espaços sociais,
localizados no eixo metrópole-colônia, Mário António deixa registrado na sua atividade de
escritor não apenas um conjunto de dados e informações consideradas relevantes para se
“compreender” Angola no passado (como a recuperação de documentos, textos literários e
periódicos utilizados nos seus trabalhos), mas sobretudo as diferentes possibilidades pelas
quais se procurou conhecer Angola. Com isto, estaremos situando a sua expressão
“localmente” e “temporalmente”.
Seus textos escritos nos dão, pois, a possibilidade de pensar, nos termos de Bhabha
(2005), nas diferentes repetições dos termos Angola e angolana(o) que se deslocam no próprio
“ato de escrever a nação” e de onde partem as inscrições das entidades políticas. Com a idéia
de uma “localidade da cultura”, a análise dos textos de Mário António nos serve no sentido de
identificar os espaços e pessoas que contribuíram para que determinados conteúdos ganhassem
permanência, força, e se transformassem em “potentes fontes simbólicas e afetivas de
identidade cultural” (Bhabha, 2005: 1999), ao narrarem Angola
45
.
44
O termo “escritor polígrafo” é colocado em uso por Luiz de Castro Faria para referir-se dentre outros a Silvio
Romero. Para referências, ver Castro Faria (2006: 361).
45
Nas palavras de Bhabha (2005), “as problemáticas fronteiras da modernidade estão encenadas nessas
temporalidades ambivalentes do espaço-nação. A linguagem da cultura e da comunidade equilibra-se nas
fissuras do presente, tornando-se as figuras retóricas de um passado nacional. Os historiadores transfixados
no evento e nas origens da nação nunca indagam, e teóricos políticos possuídos pelas totalidades ‘modernas’ da
29
Esta localização dos seus textos no que se refere à construção da realidade angolana
pode ser pensada em continuidade com a distribuição de uma “consciência geopolítica”, nos
termos de Edward Said (1995). Nas palavras deste autor,
“(...) o orientalismo não é um mero tema político de estudos ou campo refletido
passivamente pela cultura, pela erudição e pelas instituições; nem é uma ampla e difusa
coleção de textos sobre o Oriente; nem é representativo ou expressivo de algum nefando
complô imperialista “ocidental” para subjugar o mundo “oriental”. É antes uma
distribuição de consciência geopolítica em textos estéticos, eruditos, econômicos,
sociológicos, históricos e filológicos; é uma elaboração não só de uma distinção
geográfica básica (o mundo é feito de duas metades, o Ocidente e o Oriente), como
também de toda uma série de “interesses” que, através de meios como a descoberta
erudita, a reconstrução filológica, a análise psicológica e a descrição paisagística e
sociológica, o orientalismo não apenas cria como mantém; ele é, em vez de expressar,
uma certa vontade ou intenção de entender, e em alguns casos controlar, manipular e até
incorporar, aquilo que é um mundo manifestamente diferente (ou alternativo e novo); é,
acima de tudo, um discurso que não está de maneira alguma em relação direta,
correspondente, ao poder político em si mesmo, mas que antes é produzido e existe em
um intercâmbio desigual com vários tipos de poder, moldado em certa medida pelo
intercâmbio com o poder político (como uma ordem colonial ou imperial), com o poder
intelectual (...), com o poder cultural (...) com o poder moral (como as idéias sobre o que
“nós” fazemos e o que “eles” não podem fazer ou entender como “nós” fazemos)” (Said,
1990: 24. Grifos do autor em itálico. Grifos nossos em negrito).
A divisão dos capítulos
Após essa primeira apreensão da trajetória social de Mário António, podemos agora
avançar na apreensão de outros aspectos que se constituem como relevantes para compreender
as marcas do seu trabalho intelectual.
Apresentaremos no primeiro capítulo os principais autores-atores que se dirigiram ao
seu posicionamento intelectual e que nos permitem compreender as idéias veiculadas sobre a
sua participação “ambígua” na literatura angolana. Consideraremos estes autores como objeto
próprio de investigação, pela sua representatividade enquanto analistas do trabalho de Mário
António e por conferirem a ele um determinado lugar na construção de conhecimento sobre
Angola. A idéia que repousa neste capítulo é a de descrever um conjunto de autores que
deixaram marcas e cristalizaram uma determinada idéia sobre Mário António - os
nação – ‘homogeneidade, alfabetização e anonimato são características chaves – nunca fazem a pergunta
essencial sobre a representação da nação como processo temporal” (Bhabha, 2005: 202. Grifos nossos).
30
“classificadores”
46
. Procuraremos mostrar, para além da homogeneidade que a princípio
aparece nas classificações de Mário António, que há possibilidade de submetermos estes
autores a uma reflexão crítica, fazendo emergir as particularidades e condições sociais que
orientaram determinados posicionamentos, e que não podem deixar de ser consideradas nas
situações específicas de espaços e localidades sociais.
No segundo capítulo, estaremos atentos às classificações emitidas por estes autores
sobre o trabalho de Mário António, levando em consideração o nome do autor enquanto um
“significante” retratado nas lutas pela afirmação de certas “verdades” sobre a literatura
angolana. Ao localizarmos os autores e discursos que deram forma às classificações
conhecidas de Mário António, poderemos compreender por que a sua personalidade literária e
as disputas em torno dela permanecem até hoje sendo discutidas, além de compreender a força
deste autor marcado pela ambigüidade.
No terceiro capítulo, focalizaremos em detalhe três universos do discurso de Mário
António, que serão descritos e colocados como objeto de reflexão. Escolhemos três livros
publicados, conectados a três momentos distintos de sua trajetória intelectual: 1) A sociedade
angolana do século XIX e um seu escritor, de 1961, época do seu envolvimento com a
literatura angolana, que ganhava força na década de 60, em Luanda; 2) Luanda, “Ilha”
Crioula, de 1968, época da sua participação em conexão ao ambiente intelectual em torno do
ISCSPU; e 3) A formação da literatura angolana (1851-1950), de 1985, época de pós-
independência e da sua tese de doutoramento.
Nesses distintos momentos do tempo, a análise desses livros nos permite novas
possibilidades de descrever e perceber sua narrativa e as idéias nela veiculadas. Mais
precisamente, percebendo-as enquanto conectadas a contextos próprios da época em que
Mário António viveu e da qual participou. Essa forma de ver nos confere meios de emitir uma
“nossa” opinião sobre quem era Mário António, bem como o contexto no qual foram
construídas representações sobre a literatura angolana e a própria idéia de uma nação
angolana.
46
O termo “classificador” está sendo aqui utilizado a partir das reflexões de Castro Faria (2006: 305) sobre a
história do pensamento social brasileiro, e do seu uso por Pacheco (1987: 93-95), quando ele aborda
analiticamente a população dos viajantes estrangeiros que produziram relatos sobre a região do Alto Solimões no
Brasil, entre os séculos XVII a XVIII.
31
No quarto e último capítulo, desenvolveremos algumas questões sobre a polaridade
crioulidade versus negritude – questões que aparecem nos diferentes discursos de Mário
António e nos dos classificadores da literatura angolana. A idéia desse capítulo é explicitar as
relações da formação da literatura angolana com o processo colonial que precedeu a
independência. Estaremos, portanto, neste capítulo conclusivo, levantando algumas questões
que poderão, por meio de outras análises empíricas, sugerir respostas para as perguntas sobre a
formação do Estado-Nação angolano que foram formuladas no presente exercício dissertativo.
32
Capítulo 1: Os classificadores da literatura angolana
Estaremos, neste capítulo, procurando constituir e apresentar um conjunto de
classificadores da literatura angolana, procurando localizá-los dentro do espaço social de
onde transmitem as suas opiniões e avaliações sobre Mário António. Faremos isso por
considerarmos que este é um primeiro passo no sentido de compreendermos analiticamente a
trajetória de Mário António. Os classificadores que apresentaremos aqui têm em comum a
produção de textos que estão remetidos à categoria literatura angolana - categoria esta que
está colocada em suspenso no nosso trabalho e apontada como objeto de análise.
Não estamos tratando de todos os envolvidos que se remetem a esta literatura, mas
apenas dos que foram selecionados a partir de sua relação com o trabalho de Mário António.
Esta relação de classificadores se constitui como relevante para a compreensão do “projeto
criador” do poeta. Em um sentido que parte das proposições teóricas de Bourdieu (1968),
entendemos estas classificações de Mário António como pesos que conferem ao seu trabalho
um lugar específico no conjunto da produção intelectual sobre literatura angolana
47
.
Os autores aqui considerados foram selecionados por terem, em seus textos, feito
referências a Mário António e produzido interpretações sobre o seu trabalho intelectual. Esses
autores estão indicados no quadro abaixo, dispostos de maneira que possamos visualizar o seu
país de procedência e o ano em que se ocuparam de fazer referências a Mário António. Estes
foram autores cujos textos encontravam-se disponíveis nas bibliotecas do Rio de Janeiro,
portanto não se pretende dar conta do conjunto completo de escritores que retrataram Mário
António. Ao dispormos com mais clareza para o leitor os países de origem, cabe ressaltar que
estamos lidando com pessoas que transitaram, mais ou menos freqüentemente, entre diferentes
47
“A evolução concomitante do discurso do criador sobre sua obra, do ‘mito público’ desta, e talvez mesmo da
estrutura interna de tal obra, leva à questão de saber se as pretensões iniciais à objetividade e a conversão
posterior à subjetividade pura não estão separadas por uma tomada de consciência e um reconhecimento feito a si
mesmo da verdade objetiva da obra e do projeto criador, tomada de consciência e reconhecimento preparados e
favorecidos pelo discurso dos críticos e pela vulgata pública: de fato, não se notou, suficientemente, que hoje em
dia pelo menos o discurso dos críticos sobre a obra se coloca para o próprio criador, não tanto como um
julgamento crítico feito sobre o valor da obra, mas como uma objetivação do projeto criador tal como pode
ser retirado da obra mesma, distinguindo-se, essencialmente, por isso, da obra enquanto expressão pré-
reflexiva do projeto criador e mesmo do discurso teórico que o criador pode ter de sua obra. (...) Interrogar-se
sobre a gênese desse senso público é perguntar-se sobre quem julga e quem consagra, sobre como é feita a
seleção que, no caos indiferenciado e indefinido das obras produzidas e mesmo publicadas, distingue as que
são dignas de serem amadas e admiradas, conservadas e consagradas” (Bourdieu, 1968: 119-120. Grifos nossos).
33
espaços. Na apresentação da mini-biografia de cada um destes escritores, este ponto deverá
ficar mais claro. Entretanto, a intenção é marcar o país como um elemento importante, que nos
auxilia a localizar estes autores-atores em redes próprias de referência social e intelectual, que
consideramos relevantes para a nossa análise.
Quadro 4: Os classificadores da literatura angolana e as referências a Mário António –
localidade, publicação data e editora
Autor País onde
estavam
localizados (*)
Publicação Editora e local da
publicação
António
Cardoso
Angola Artigo (1958)
Cultura II
Luanda
Carlos
Ervedosa
Portugal
- A literatura Angolana, Resenha
histórica (1963)
- Roteiro da literatura Angolana
(1979)
- Edição da Casa dos
Estudantes do Império.
- Edições 70.
Lisboa
Alfredo
Margarido
Portugal/
França
- Estudos sobre literaturas das nações
africanas de língua portuguesa, que
inclui artigos publicados a partir de
1962; (1980)
- O testamento histórico político de
Mário António (Fernandes de
Oliveira); (1992)
A Regra do Jogo
Revista Finisterra, no. 9,
ano 1992
Lisboa
Manuel
Ferreira
Portugal
No Reino de Caliban – Antologia
panorâmica da poesia africana de
expressão portuguesa (1976)
Seara Nova
Lisboa
Salvato Trigo Portugal
A poética da ‘Geração da Mensagem’
(1979)
Brasília Editora
Porto
Hamilton
Russell
E.U.A.
Literatura Africana, Literatura
Necessária I – Angola (1981)
Edições 70, Biblioteca de
Estudos Africanos
Lisboa
José Carlos
Venâncio
Portugal
Literatura versus Sociedade – Uma
visão antropológica do destino
angolano (1992)
Veja
Lisboa
Francisco
Soares
Portugal
A autobiografia lírica de ‘M.
António’: uma estética e uma ética da
crioulidade angolana (1996)
Editorial Pendor
Évora
Leonel Cosme Portugal
Crioulos e Brasileiros de Angola;
(2002)
Novo Imbondeiro,
Coleção Estudos e
Documentos, dirigida
pelo prof. Pires
Laranjeira da
Universidade de Coimbra
Lisboa
Luís
Kandjimbo
Angola Ideogramas de Nganji (2003)
Novo Imbondeiro
Lisboa
34
Dos autores aqui listados, Leonel Cosme foi o escritor por meio do qual pudemos
localizar, pela primeira vez, algumas críticas e avaliações ao trabalho de Mário António. As
referências a Mário António são centrais na análise que realizou em Crioulos e Brasileiros de
Angola, onde são retratadas algumas condições da permanência do termo “crioulo” numa
época pós-colonial – em 2002 -, bem como se avalia em que bases se qualificam os novos
termos da negritude para a cultura nacional angolana
48
. A maneira como Mário António é
retratado, e os próprios termos de sua exposição teórica, serão apresentados no próximo
capítulo. Neste momento, é interessante marcar aqui alguns elementos da biografia de Leonel
Cosme.
Leonel Cosme (1934) nasceu em Guimarães, Portugal, tendo vivido 30 anos em
Angola, desde os anos 50. Trabalhou na Rádio Clube da Huíla, no Cine Clube da Huíla
(ambos na cidade de Sá da Bandeira, atual Lubango), e na delegação da Sociedade Cultural de
Angola. Em 1960, fundou a Coleção Imbondeiro, em companhia de Garibaldino de Andrade,
transformada em Editora em 1963, em Sá da Bandeira
49
. A Imbondeiro foi considerada uma
das primeiras editoras a publicar livros em Angola, sempre identificados como livros de
literatura angolana. Também em parceria com os Serviços Culturais do Município de Sá da
Bandeira, esta editora foi responsável pela publicação, em 1963, dos artigos apresentados no I
Encontro de Escritores de Angola, realizado em Sá da Bandeira (19 a 27 de janeiro). Esse
encontro reuniu, além de Leonel Cosme e Mário António, outros 33 escritores de língua
portuguesa, para discutirem a questão da literatura angolana. Em 1975, Cosme regressou a
Portugal para ser chefe de redação da Radiodifusão Portuguesa (1976-1982), retornando a
Angola, entre 1982-1987, como “colaborador”
50
. Ao regressar definitivamente a Portugal, em
1987, ele deu continuidade à atividade jornalística, como redator do Jornal África, e à
docência, no centro de Formação de Jornalistas do Porto. Em 1996 e 1997, veio ao Brasil para
realizar pesquisa, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1990, passou a dedicar-
se à atividade literária, colaborando em jornais e revistas e publicando obras de ficção e
ensaios sócio-históricos, do qual Crioulos e Brasileiros de Angola é um exemplo.
48
Pires Laranjeira escreveu a apresentação para o livro de Leonel Cosme (2002). Pires Laranjeira é professor e
diretor da Pós-graduação e Mestrado em Literatura e Cultura Africanas e da Diáspora na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e diretor da Coleção Estudos e Documentos da Editora Novo Imbondeiro.
49
Garibaldino de Andrade (1914-1970) foi escritor de língua portuguesa e professor do ensino primário.
50
Não encontramos referências ao tipo de serviço prestado por Leonel Cosme no retorno a Angola, valendo, no
entanto, deixá-lo registrado aqui, pois denota a sua manutenção de laços com o território.
35
Estes dados da vida profissional de Leonel Cosme nos remetem a uma proximidade
com o contexto no qual viveu Mário António. Na década de 60, ambos estiveram em contato
quando a atividade literária começou a ganhar mais contornos em Luanda, e nas cidades Sá da
Bandeira (Lubango) e Nova Lisboa (atual Huambo). Nessa época, os escritores em Luanda se
mobilizaram em torno da Livraria ABC – onde teria surgido a idéia do I Encontro de
Escritores -, e dos jornais Vespertino da Capital e ABC – Diário de Angola
51
. Leonel Cosme,
portanto, participou desse meio literário, que estava crescendo nas referidas cidades, em um
contexto do qual também participou Mário António.
Estes detalhes nos ajudam a compor um quadro dos classificadores a partir de
elementos que indicam que há uma proximidade social entre eles e Mário António ao longo de
suas vidas. Com o auxílio de Bourdieu (2005), podemos procurar, a partir destes fragmentos -
como é o caso da proximidade destes escritores com Mário António -, um conhecimento maior
do espaço e dos autores-atores que delimitamos para estudo. Selecionaremos um conjunto de
características que se inscrevem nestes autores, analisando-as relacionalmente, o que permite-
nos discriminar e considerar de forma crítica o espaço social onde eles atuam
52
. Assim como
Leonel Cosme, também António Cardoso, Francisco Soares, Alfredo Margarido e Salvato
Trigo tiveram contatos próximos com Mário António, em diferentes momentos de sua
trajetória. O quadro abaixo permite visualizar essa proximidade.
51
A Coleções Bailundo foi dirigida por Inácio Rebelo de Andrade e Ernesto Lara Filho (irmão da poetisa
angolana Alda Lara). No jornal ABC encontrava-se Machado Saldanha, como diretor, que foi com quem Mário
António fez o contrato de edição para o livro 100 poemas, de 1963. Em sua entrevista a Laban, Mário António
conta que Machado Saldanha foi responsável pelo envio destas poesias para concorrerem ao Prêmio Ocidente
(Secretaria Nacional de Informação), que o tornou conhecido no circuito de escritores de Lisboa (membros da
Sociedade Nacional de Belas Artes – SNBA, que tem como finalidade “promover e auxiliar o progresso da Arte
em todas as suas manifestações”). Para referência a esta ‘estréia’ da sua poesia, ver Oliveira (1990: 532-533).
Para informações sobre a SNBA, ver site: http://www.snba.pt/.
52
Bourdieu afirma que “mediante um trabalho de constrão dessa natureza (...) constróem-se, pouco a pouco,
espaços sociais os quais – embora só se ofereçam em forma de relações objetivas muito abstratas e se não possa
tocá-los nem apontá-los a dedo – são o que constitui toda a realidade do mundo social” (Bordieu, 2005: 29-30).
36
Quadro 5: Índices de proximidade social com Mário António
Autor Contato pessoal
com Mário António
Período – Ligações
Leonel
Cosme
Espaço social
(1) Editora Imbondeiro – Sá da Bandeira (década de 60)
António
Cardoso
Pessoal
(2)
Jornal O Estudante – Liceu Nacional Salvador Correia e Revista
Mensagem e Cultura – Luanda (década de 40, 50)
Alfredo
Margarido
Pessoal
(3) Liceu Nacional Salvador Correia (década de 40).
Carlos
Ervedosa
Espaço social
(4)
Casa dos Estudantes do ImpérioColeção Autores Ultramarinos
(década de 50)
Salvato Trigo Pessoal (5)
Especialista em Literatura africana, orientou o trabalho “ A
formação da Literatura Angolana (1851-1950)” de Mário António
(década de 80)
Fontes:
(1) Cosme foi responsável pela editora Imbondeiro, que publica alguns trabalhos de Mário António.Ver Hamilton (1981) e
Oliveira (1961a e 1961b).
(2) Ver Hamilton (1981).
(3) Ver Oliveira (1990: 524).
(4) Carlos Ervedosa publicou textos de Mário António pela Casa dos Estudantes do Império. Ver Oliveira (1990: 167).
(5) Ver Oliveira (1997), nos agradecimentos.
António Cardoso foi o escritor que manteve um contato bastante próximo com Mário
António quando eles ainda participavam dos primeiros lançamentos de obras literárias
vinculadas à efervescência cultural da ANANGOLA e do Liceu Nacional Salvador Correia.
Ele teve uma ligação forte com António Jacinto e Viriato da Cruz, além dos outros envolvidos
com as publicações na CEI, como Carlos Ervedosa e Alfredo Margarido. António Cardoso
representou na sua expressão literária, segundo Hamilton (1981), os ideais de uma luta anti-
colonial. Estas considerações são relevantes, no sentido de fazerem transparecer
explicitamente um “posicionamento político engajado com as questões sociais, que o
levaram a participar, na década de 60 e 70, de uma ação militar clandestina que resultou em
sua prisão, no Tarrafal
53
. Encontramos também essa referência ao “engajamento político” nos
textos de Alfredo Margarido, a partir dos finais da década de 50.
Alfredo Margarido, escritor e jornalista, era natural da região de Vinhais, Portugal.
Formou-se em Belas Artes e, nos anos 50, foi funcionário público com atribuições na África,
tendo regressado a Portugal após alguns anos, dando início a duras críticas ao regime colonial.
53
O presídio do Tarrafal foi criado na década de 30, pelo governo português, em uma ilha de Cabo Verde. Para
ele foram enviados presos políticos e sociais, entre os quais encontravam-se alguns dos militantes da luta-
anticolonial. António Cardoso é libertado em 1974, quando volta para Luanda para fazer parte do MPLA. Ver
Hamilton (1981: 91).
37
Em 1964, deslocou-se para Paris, freqüentando a École des Hautes Études en Sciences
Sociales, e afiliou-se ao grupo que fundou e publicou os Cadernos Circunstância (Paris),
entre 1966 e 1970. Esses cadernos tiveram um papel de difusão da crítica à ditadura
portuguesa e ao Salazarismo. Margarido foi, durante longo tempo, investigador e professor
universitário da Universidade de Paris, nas áreas de sociologia e antropologia cultural. Mário
António se referia a Margarido como autor que teve forte influência na sua escrita, já na
década de 50, apesar das discordâncias de pontos de vista. Nas suas palavras: “o Alfredo que
foi, de certo, o primeiro português a julgar os factos artísticos angolanos com a mesma bitola
que usava para os parisienses” (Oliveira, 1990: 525). Desde os finais da década de 50, Alfredo
Margarido publicou uma série de artigos referidos à literatura africana de língua portuguesa
(Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe), editados pela Casa dos Estudantes do Império
(CEI)
54
. Nesses artigos, posicionava-se contrariamente ao regime ditatorial e favoravelmente à
expressão cultural reivindicada pelos “colonizados”. Nas suas palavras:
Os colonialistas tinham entretanto compreendido que o espaço cultural podia ser
uma arma anticolonial eficaz. Tendo eliminado todos os outros campos onde seria
possível a elaboração de um projecto político – associações, sindicatos, jornais, partidos
– os colonialistas foram obrigados a constatar que não podiam controlar a totalidade do
campo cultural” (Margarido, 1980: 21. Grifos nossos).
Consideramos as posições sociais de António Cardoso e Alfredo Margarido, a partir
dos discursos que proferem, distintas da posição de Leonel Cosme, por exemplo. Embora este
54
A Casa dos Estudantes do Império (CEI) foi fundada em 1944 e reunia estudantes africanos. Esses estudantes
eram herdeiros de famílias crioulas do século XIX que detinham grandes propriedades de terras ou ocupavam
postos altos na administração colonial (Dias, 1984). Aquela casa era financiada pelos governos gerais das
colônias – funcionando com o objetivo de “criar entre os estudantes uma mentalidade nacional mais profícua”
(Ministro das Colônias Veiga Machado, apud Rocha, 2003: 78). “A CEI desenvolveu durante anos uma intensa
actividade associativa, apoio assistencial, e promoveu o desporto e acções culturais, reunindo estudantes oriundos
das várias colónias africanas, indianas e macaenses” (Rocha, 2003: 78). A CEI de Coimbra reuniu, na década de
50, estudantes marcados por uma opção política antifascista e anticolonialista, como Lúcio Lara, Carlos Veiga
Pereira, Orlando de Albuquerque, Jorge Nunes, Fernando Mourão e outros. Nela aconteciam intensas reuniões e
discussões entre os membros que a freqüentavam. Ali também foram realizadas atividades de divulgação da
literatura africana, graças ao Boletim O Meridiano e ao contato estreito com a Presence Africaine, revista de
Paris. Os Cadernos de Poesia Negra de Expressão Portuguesa foram publicados em 1952, para a juventude
africana em Portugal, numa “afirmação dos valores culturais africanos e constituiu um marco fundamental na
afirmação da personalidade africana em terras lusitanas” (Rocha, 2003: 82-83). A seção cultural da CEI era
formada por Carlos Ervedosa, Fernando Costa Andrade, Tomaz Medeiros e Fernando Mourão, responsáveis pela
publicação de escritores e poetas originários das colônias portuguesas, entre eles Mário António. Rocha explicita:
“Estas obras representam um repositório das literaturas africanas de expressão portuguesa, de grande importância
histórica e constituíram mensagens determinantes para a tomada de consciência nacionalista da juventude
africana em Portugal e nas colónias” (Rocha, 2003: 85). A casa é fechada em 1965, por decisão governamental.
38
jornalista tenha participado deste mesmo contexto social, sua preocupação, naquela altura, era
a de promoção da literatura angolana a partir de sua especificidade, encontrada nos escritores
de língua portuguesa – fossem eles brancos, mestiços ou negros –, sem referência explícita a
qualquer engajamento político que não fosse o de valorização da angolanidade. Esta marca da
angolanidade aparece nos textos literários publicados pela Imbondeiro. Na contracapa de um
dos livros de Mário António (Gente para Romance – Álvaro, Lígia e António, de 1961), vemos
os comentários da crítica, que demonstra os termos dessa angolanidade:
“O conto de Óscar Ribas é uma jóia literária... Passa nele um frémito de vida, que se
alarga constantemente e nos abre horizontes de compreensão da alma negra... Um
retalho da vida em pinceladas magistrais...” (Oliveira, 1960 – contracapa)
55
É também relevante marcar que no início da década de 60, quando estes escritores e
jornalistas participavam da promoção de divulgação e publicação de obras angolanas - que
esteve conectada, é importante lembrar, com jornais locais como o ABC e com o I Encontro de
Escritores angolanos –, António Cardoso e outros escritores já se encontravam na
clandestinidade, organizados em movimentos de luta armada para a independência. Da mesma
forma, Alfredo Margarido se deslocava para Paris, com receio de ser preso pela política
portuguesa pelo seu desafeto ao sistema. Isto nos permite visualizar relações e discursos
distintos entre estas pessoas, que denotam sinais de um cotidiano de lutas políticas vinculadas
à idéia de uma literatura angolana
56
e empreendidas no sentido de conquistar espaço e poder.
55
Óscar Bento Ribas (Luanda 1909 - Cascais, Portugal 2004 - mestiço) foi aluno do Liceu Nacional Salvador
Correia e funcionário público dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, ficando parcialmente cego aos 22 anos
de idade. É considerado um dos “fundadores da ficção literária” - atividade que começou quando ainda era
estudante do Liceu. Preocupava-se com a literatura oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de
língua kimbundu. Desconhecemos os autores da crítica ao seu trabalho, exposta na citação acima, temos apenas a
referência a uma publicação, Perspectivas – dos Serviços Culturais do Municipio de Sá da Bandeira, que
provavelmente veicularam tais críticas antes delas aparecerem na contracapa da referida publicação.
56
Estas relações e a percepção de suas distinções no discurso destes autores-atores nos permitem refletir a partir
das proposições teóricas de Norbert Elias quanto à existência de indivíduos conectados por laços de
“interdependência”. Ao nos aproximarmos destas distinções e semelhanças, encontramos indivíduos em luta, que
se relacionam de forma interdependente, disputando espaços entre si, na tentativa de tornar reconhecida uma
distinção: a angolanidade, diante da idéia de uma literatura que seria exterior, ou seja, portuguesa. Nas palavras
de Elias, “A la place de ces représentations traditionnelles apparaît ainsi l’image de nombreux individus, qui, de
par leur dépendance réciproque, sont liés entre eux de multiples façons, formant ainsi des associations
interdépendantes ou des configurations dans lesquelles l’équilibre des forces est plus ou moins instable” (Elias,
1991: 10). É pertinente, ainda, pensar nestes discursos como projetos políticos em si mesmos, envolvidos em um
projeto mais amplo. As palavras de Foucault, ao se reportar ao discurso histórico, nos auxiliam neste sentido:
“(...) uma trama epistêmica muito densa de todos os discursos históricos, sejam quais forem afinal as teses
históricas e os objetivos políticos que eles proponham. Ora, essa trama epistêmica ser tão densa não significa de
39
É essa “interdependência” entre os atores que sugere uma apreensão da realidade – neste caso,
da literatura angolana – como homogênea. O que queremos ressaltar é que, ao apresentarmos
estes autores-atores relacionalmente, vislumbramos um conjunto de comunicações que, apesar
de diferentes, colocam-se dentro de um mesmo circuito de “regras de formação do discurso”
(Foucault, 1999: 250), ao qual esses atores não podem fugir. As suas opiniões sobre Mário
António estão, portanto, referidas a essas relações.
É diante destas referências a espaços sociais específicos que procuraremos situar a
opinião destes classificadores. As opiniões de António Cardoso dirigidas a Mário António são
formuladas antes de seu afastamento para a luta armada. As de Alfredo Margarido, precisam
ser consideradas também dentro de um contexto específico: a partir de seu posicionamento
enquanto intelectual em Paris. Finalmente, importa refletir sobre as considerações de Leonel
Cosme lembrando que foram emitidas recentemente – em 2002-, embora ligadas à sua
experiência e conhecimento do contexto social em Luanda, Lubango (Sá da Bandeira) e
Huambo (Nova Lisboa) – as cidades que presenciaram essa “efervescência cultural”.
De Carlos Ervedosa (1932-1992) não sabemos se conheceu pessoalmente Mário
António, embora, ao longo da direção da Coleção Autores Ultramarinos
57
, este classificador
tenha tido acesso a alguns dos textos de Mário António publicados. Seu ensaio publicado em
1963, A literatura angolana, resenha histórica, tem sido considerado o primeiro trabalho de
sistematização da literatura angolana e foi também vencedor de prêmio “melhor ensaio”, no
concurso promovido pelo departamento cultural da ANANGOLA
58
. Em Lisboa, quando
freqüentava a universidade, ingressou na CEI e foi responsável pela publicação de várias
modo algum que todo o mundo pense da mesma forma. Essa é mesmo, pelo contrário, a condição para que se
possa não pensar da mesma forma, é a condição para que se possa pensar de uma forma diferente e para que essa
diferença seja politicamente pertinente. Para que os diferentes sujeitos falem, possam ocupar posições
taticamente opostas, para que possam, uns em face dos outros, encontrar-se em posição de adversários, para que
em conseqüência, a oposição seja uma oposição tanto na ordem do saber quanto na ordem da política, era
justamente preciso que houvesse esse campo muito denso, essa rede muito densa que regularizasse o saber
histórico. Quanto mais regularmente formado é o saber, mais é possível, para os sujeitos que nele falam,
distribuir-se segundo linhas rigorosas de afrontamento, e mais é possível fazer esses discursos, assim
afrontados, funcionarem como conjuntos táticos diferentes em estratégias globais (em que não se trata
simplesmente de discurso e de verdade, mas igualmente de poder, de status, de interesses econômicos). Em
outras palavras, a reversibilidade tática do discurso depende diretamente da homogeneidade das regras de
formação desse discurso” (Foucault, 1999: 250. Grifos nossos).
57
A Coleção Autores Ultramarinos foi criada por Carlos Ervedosa e Costa Andrade, em 1958, na CEI, para
divulgação da literatura africana. Costa Andrade - Francisco Fernando da Costa Andrade – nasceu em Huambo
(Nova Lisboa), Angola, em 1936. Era branco, poeta e contista, estudou arquitetura em Lisboa e participou da luta
anti-colonial nos anos 60 e 70.
58
A publicação de 1963 foi dedicada a António Jacinto, Luandino Vieira (outro escritor angolano), António
Cardoso e Alfredo Margarido.
40
antologias de poetas e contistas africanos de língua portuguesa. No período de 1970 a 1975,
foi professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Luanda, nas cadeiras de
mineralogia, geologia e antropologia cultural. Em 1974, publicou o Roteiro de Literatura
Angolana, que teve uma segunda edição em 1979, pelas Edições 70.
Finalmente, dos escritores que conheceramrio António (localizados ao longo desta
pesquisa), Salvato Trigo nos remete a um outro momento da trajetória do poeta. Salvato Trigo
foi professor e reitor da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, com doutorado em
Literaturas de Expressão Portuguesa pela Universidade do Porto. Pelo seu conhecimento da
língua e literatura portuguesas e africanas, Salvato Trigo colaborou, mais tarde, com o último
trabalho de Mário António, escrito para sua tese de doutoramento, apresentada à Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Nova Lisboa, em 1985
59
. Salvato Trigo
participou ainda do contexto intelectual da década de 70 nas universidades portuguesas -
quando os estudos de literatura africana ganharam impulso.
Manuel Ferreira foi um dos precursores deste movimento, sendo considerado o
primeiro a introduzir a cadeira de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa em Portugal,
após o 25 de Abril de 1974 (data que marcou o fim do regime de ditadura)
60
. Na trajetória de
Manuel Ferreira (1917-1992) encontramos sua passagem pelo curso de Farmácia na Escola
Médica de Goa
61
e sua licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Técnica de Lisboa.
Sua vida profissional teve início como oficial do exército nas antigas colônias portuguesas de
Cabo Verde (1941-1947), Índia (1948-1954) e Angola (1966-1967). Seguiu trabalho de
ensaísta, divulgador e professor. Seu interesse pela literatura africana de língua portuguesa
teria vindo dos contatos com poetas e prosadores em Cabo-Verde, a partir do seu casamento
59
Ver agradecimentos em Oliveira (1997).
60
Os estudos sobre a África Lusófona, em geral, não são particularidade das instituições de pesquisa portuguesas
nos últimos anos. Eles têm sido objeto de pesquisa de crescente interesse nas universidades de vários países,
desde a década de 60. Nos EUA, temos informações de que as universidades incentivaram pesquisas sobre a
África Lusófona a partir da década de 60, segundo Joseph Miller, em palestra proferida na Universidade Federal
Fluminense (UFF) - Niterói - em abril de 2006. As suas pesquisas sobre a historiografia de Angola receberam
esse tipo de incentivo da Universidade de Wisconsin (local onde também se formou Hamilton, como veremos).
Para referências às pesquisas historiográficas deste autor, ver Miller (1988). Ao levarmos isso em consideração,
entendemos serem relevantes pesquisas que questionem esse crescimento do interesse dirigido ao continente
africano nos últimos anos e seus efeitos – considerações que estão aqui marcadas a partir das leituras de Said
(1990, 1995).
61
A Escola Médica de Goa foi formada pelo governo português a partir de 1840, para provisão de serviços de
saúde à população, tornando-se um centro de ensino importante. Segundo pesquisa de Cristiana Bastos, a
instituição também concentrou funções de poder intermediário, subalterno à estrutura imperial. Ver Bastos (2002:
136) entre outros textos desta mesma autora.
41
com a escritora Orlanda Amarílis. Nos seus vínculos a associações e revistas, destacam-se a
Associação Portuguesa de Escritores (da qual foi presidente), a revista África (que ajudou a
fundar em 1978), bem como as Edições ALAC - África, Literatura, Arte e Cultura (editora
onde foram publicadas algumas obras de autores africanos e ensaios sobre a história das
literaturas africanas de língua portuguesa). Colaborou nas publicações culturais cabo-
verdianas Certeza, Claridade e Cabo-Verde, e nas moçambicanas Itinerário e Paralelo 20.
Ao percorrermos as trajetórias destes classificadores da literatura angolana que falam
de Mário António, também observamos as suas ligações a diferentes espaços sociais, como as
revistas (Mensagem), associações culturais (CEI e a ANANGOLA) e mesmo instituições
universitárias. Essas são conexões a sistemas de agências específicos, que não configuram um
dado de menor relevância. Nestes espaços se estabelecem laços entre as pessoas, que têm
efeitos sobre as atividades intelectuais por elas realizadas
62
. Isto nos impele a dar destaque e a
visualizar relacionalmente estas posições - no momento da expressão de opinião sobre o
trabalho de Mário António - conforme o quadro abaixo:
62
Bourdieu (1983) nos auxilia a refletir sobre aqueles espaços conhecidos como “científicos”. Diz ele: “O campo
científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o
espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da
autoridade científica
Quadro 6: Os classificadores: natureza dos vínculos às instituições
Autor Instituição
Leonel Cosme - Jornalista do jornal A Página da Educação;
- Colaborador da Enciclopedia Biblos da Literatura de Língua Portuguesa
Editorial Verbo
Alfredo Margarido Professor e pesquisador da Universidade de Paris
António Cardoso Colaborador da Revista Mensagem, e suplemento literário Cultura
Carlos Ervedosa Diretor do departamento cultural da Casa dos Estudantes do Império
Salvato Trigo Professor e Pesquisador de Literatura de expressão Portuguesa na
Universidade do Porto (Faculdade de Letras)
Manuel Ferreira Professor e Pesquisador de Literatura de Expressão Portuguesa na
Universidade de Lisboa (Faculdade de Letras)
Russell Hamilton - Recebeu bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian;
- Recebeu patrocínio da União dos Escritores Angolanos;
- Professor e Pesquisador da Universidade de Minnesota / EUA.
Luís Kandjimbo - Membro da União dos Escritores Angolanos;
- Animador cultural da Televisão Pública de Angola
Francisco Soares - Professor e Pesquisador da Universidade de Évora
José Carlos Venâncio
- Reitor da Universidade da Beira do Interior – UBI;
- Membro do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto
Entre os classificadores diretamente ligados a instituições universitárias, como Manuel
Ferreira e Salvato Trigo, estão também Russell Hamilton, Francisco Soares e José Carlos
Venâncio. Russell Hamilton, mestre pela Universidade de Wisconsin - Madison, passou dois
anos no Brasil, na Universidade da Bahia, entre 1960-1962, como um Fulbright Fellow. Foi,
ao longo de vinte anos, investigador e professor na Universidade de Minnesota, nas linhas de
língua e literatura portuguesa, do Brasil e África Lusófona. Seu interesse pela literatura
africana lusófona inicia-se em 1970, após pesquisas em Lisboa, Angola, Cabo Verde e
Moçambique, com financiamento da Fundação Gulbekian. Em 1975, publicou Voices from an
Empire: A History of Afro-Portuguese Literature, recebendo posteriormente o apoio do Social
Sciences Research Council
63
(1978-79) para realizar os estudos dos países recentemente
independentes da África. Sua estadia em Angola, no início da década de 80, foi patrocinada
pela União de Escritores Angolanos. Desde então, ele vem mantendo contato com Luís
63
Agência independente dirigida por cientistas sociais e outros pesquisadores de diversas áreas e que financia
pesquisas nessas áreas. Tem sede nos EUA, Nova York, e foi criada em 1923.
43
Kandjimbo
64
. Hoje, Hamilton é pesquisador e professor da Escola Superior Vanderbilt, no
departamento de Línguas espanholas e portuguesas, em Nashville, USA.
Luís Kandjimbo nasceu em Benguela, em 1960, e é escritor da “geração dos anos 80”,
tendo se ocupado em investigar a história literária angolana. Foi jornalista e professor de
língua portuguesa e literatura angolana, tendo sido editor da Revista Mensagem, do
Ministério da Educação e Cultura de Angola, e da Gazeta Lavra & Oficina, da União dos
Escritores Angolanos. Durante 18 meses, foi animador do programa Leituras, da Televisão
Pública de Angola, entrevistando escritores angolanos. É colaborador do Arquivo Histórico
Nacional de Angola e membro da União dos Escritores Angolanos e da Association pour
l´Étude dês Littératures Africaines (APELA), com sede em Paris. Desempenha ainda o cargo
de conselheiro cultural da Embaixada de Angola em Portugal.
Quando comparamos Kandjimbo (e também Hamilton) com os outros classificadores
já apresentados, percebemos que ele se ocupa da literatura angolana em um período mais
recente. Nos seus textos, observa-se uma preocupação com a construção de um discurso
literário e cultural que seja “autônomo” e “endógeno” e com a necessidade de transmissão
desse conhecimento nas escolas.
É também de um período mais recente o envolvimento de Francisco Soares e José
Carlos Venâncio com a temática da literatura angolana. Francisco Soares é professor de
Literaturas Africanas na Universidade de Évora, Portugal, tendo como orientador do seu
trabalho de doutoramento José Carlos Venâncio, sociólogo, também um intelectual conectado
a reflexões sobre a literatura angolana. Nas suas palavras,
“a literatura tem ocupado em Angola o papel que em princípio estaria destinado à
sociologia, antropologia ou à filosofia, domínios que ainda se encontram aí num estádio
de desenvolvimento incipiente.” (Venâncio, 1992, p. 90)
Venâncio é pró-reitor da Universidade da Beira Interior (UBI), à qual está vinculado
desde 1988. Acumula ainda outras funções, como professor visitante da Universidade de
Macau, membro do Centro Português de Estudos do Sudeste Asiático, investigador do Centro
de Estudos Africanos da Universidade do Porto e acadêmico da Academia Internacional da
64
Kandjimbo, em comunicação realizada em 1990, no Colóquio sobre a Dimensão Cultural e Desenvolvimento
do 1º Festival Nacional de Cultura, em Luanda, afirmou ter solicitado auxílio de Russell Hamilton para a
definição da literatura angolana. Em resposta, Hamilton teria afirmado que essa opinião deveria ser toda dos
angolanos. Ver Kandjimbo (1990: 40).
44
Cultura Portuguesa
65
. É doutor em sociologia pela Universidade de Mainz (Alemanha). Tem
trabalhos publicados na área de literatura de expressão lusófona, nomeadamente angolana,
sob uma perspectiva etnológica e antropológica. Em 1999, foi coordenador do colóquio sobre
a Luso-tropicologia, em conjunto com Adriano Moreira
66
. O colóquio foi patrocinado pela
Universidade de Beira Interior, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação Oriente, entre
outras instituições portuguesas.
Os classificadores apresentados têm, em sua grande maioria, vínculos pessoais
distintos com o território que se define por Angola. Alguns nasceram e/ou participaram dos
contextos sociais vividos em algumas das localidades do território angolano, como Francisco
Soares, que abandonou o país aos 17 anos de idade. Vejamos o quadro abaixo:
Quadro 7: Os classificadores e suas ligações com o território angolano
Autor Nascimento Relação com o território angolano
Leonel Cosme Portugal Viveu 30 anos no território (1950-1975) – (1982-1987)
Alfredo Margarido Portugal Pelo que temos conhecimento, fez viagens esporádicas enquanto
representante de governo (década de 50).
António Cardoso Angola Nasceu em Luanda (1933), onde também viveu grande parte da
sua vida. Após a independência, exerceu funções na Rádio
Nacional e na Secretaria de Estado da Cultura.
Carlos Ervedosa Angola (?) Infância e adolescência em Luanda, onde também foi professor da
universidade até 1975.
Salvato Trigo Portugal -
Manuel Ferreira Portugal Oficial do exército entre 1966-1967.
Hamilton Russell EUA Pesquisas e conferências.
Luís Kandjimbo Angola Nasceu e viveu em Angola.
Francisco Soares Angola Mudou-se aos 17 anos para Portugal.
José Carlos Venâncio Angola Nasceu em Angola.
Este quadro serve para marcar outros espaços que também contribuem para o
posicionamento destes escritores em relação à literatura angolana e ao próprio território que
nomeiam. Estamos atentos às possibilidades que teriam levado estes escritores a se
interessarem pela temática, a produzirem conhecimentos sobre ela.
Essas possibilidades constituem por si “pré-requisitos” da sua atividade intelectual
67
.
Estes dados nos levam a perceber um forte ligação com experiências conectadas a Angola,
experiências que se caracterizam de maneira bastante diversificada para cada um destes atores.
A partir da idéia de “pré-requisitos” apresentada por Pacheco de Oliveira, percebemos que
estes elementos são também “formadores” de maneiras de retratar a realidade. Segundo
Pacheco de Oliveira, essa idéia permite a “descrição da capacitação que deveriam possuir os
indivíduos aos quais é dado transformar-se em viajantes” (Pacheco de Oliveira, 1987: 113).
Suas considerações se aplicam a quatro grupos distintos de formação, entre os quais estão uma
formação acadêmica, uma formação diversificada, uma formação geográfica e, por último,
uma formação geral, orientada para a descrição geral. No nosso argumento, estamos sugerindo
que a “formação geográfica” capacita os nossos classificadores a construírem conhecimento
67
João Pacheco de Oliveira (1987) também denomina de “pré-requisitos” aspectos da formação dos viajantes dos
séculos XVII e XVIII que produziram conhecimento sobre os costumes e as instituições de populações no Alto
Solimões, norte do Brasil. Por pré-requisitos, ele sugere a necessidade de se compreender a formação e os
vínculos desses indivíduos a determinados espaços que os “capacitaram” para tal empreendimento.
46
sobre a literatura angolana. Estas ligações com o território nos auxiliam a compreender os
motivos que levaram esses autores a produzir conhecimento sobre Angola, aqui particularizada
por sua qualidade literária.
Esta experiência não pode ser considerada como um dado isolado. Deve ser somada
aos outros elementos já apontados, que também contribuem para a existência do trabalho
destes autores. São eles: as instituições de pesquisa e patrocínio cultural metropolitanos que
investem em seus trabalhos (como as universidades do Porto, de Lisboa, de Évora e de
Minnesota, a Fundação Calouste Gulbenkian, e os centros a elas vinculados); o crescimento de
uma valorização frente a saberes africanos em âmbitos que extrapolam os próprios limites dos
territórios português ou angolano; a existência de um mercado editorial que estivesse em
condições de publicar os seus trabalhos (como a CEI, a Revista Mensagem); e outros espaços
onde as suas temáticas são colocadas (Televisão Pública, União dos Escritores Angolanos,
entre outros). A nossa intenção, ao longo dessas linhas, foi a de mapear estes espaços
minimamente, de maneira a apresentar a diversidade dos autores e dos espaços onde eles
estiveram inseridos. A possibilidade de explicitar algumas condições da fala sobre Mário
António é extremamente relevante para o exercício que pretendemos fazer, pois permite que
localizemos os seus discursos em seus contextos de enunciação
68
. A análise crítica destes
discursos é para onde nos voltamos a partir de agora.
68
Ao iluminarmos esses contextos de enunciação – de onde partem as classificações de Mário António - estamos
orientados pelas considerações de Foucault (1999), procurando reconstituir elementos que são relevantes para a
compreensão da história de lutas e de seus conteúdos. Com este autor, consideramos que estes enunciados
integram e criam uma ordem ao produzir “verdades” que se pretendem inabaláveis. Nas palavras de Foucault:
“(...) apenas os conteúdos históricos podem permitir descobrir a clivagem dos enfrentamentos e das lutas que as
ordenações funcionais ou as organizações sistemáticas tiveram como objetivo, justamente mascarar” (Foucault,
1999: 11).
47
Capítulo 2: Os discursos sobre Mário António
Neste capítulo, são apresentadas as avaliações do trabalho de Mário António feitas e
emitidas pelos classificadores. Essas, ao serem explicitadas, nos concedem acesso a uma
maior compreensão da reticência e ambigüidade do seu trabalho, por serem elas mesmas
partes integrantes do seu “projeto criador”. Isso é importante para compreendermos a
permanência de qualidades atribuídas a Mário António e o chamado à cena de seus trabalhos
por autores que se ocupam de refletir sobre a literatura. Com a descrição destas avaliações,
procuraremos revelar diferentes significados atribuídos aos seus trabalhos, de acordo com
momentos e contextos sociais diferenciados. Isso nos serve como o próprio meio pelo qual
podemos explicitar o posicionamento desses classificadores no interior de um “campo” onde
se produz e circula o discurso sobre literatura angolana
69
. É importante ressaltar, entretanto,
que estamos trabalhando com agentes posicionados em momentos distintos do tempo, e suas
posições precisam ser consideradas a partir destes momentos específicos. Não estamos,
portanto, afirmando a coexistência de todos estes agentes no interior de um único “campo”,
mas procurando demarcar essas conexões, assim como suas distinções, levando em conta sua
ocorrência no tempo. Neste sentido, nos aproximaríamos do aporte teórico de Elias, que nos
remete às formações discursivas colocadas em ação por agentes ao longo de um processo
histórico e contingencial. O tempo tem, para Elias, um papel essencial na identificação dos
significados das categorias utilizadas pelas pessoas (Elias, 2000: 38). É com relação a estes
discursos que poderemos trazer elementos para refletir sobre a pergunta que nos colocamos:
para que serve a representação de Mário António?
Ao longo do capítulo, procuramos estabelecer conexões entre os autores, agrupando-os
a partir das diferentes perspectivas dirigidas a Mário António: 1) com relação à reticência e
ambigüidade, 2) na aceitação das suas poesias para o que eles denominam de literatura
angolana, e 3) na continuidade de uma controvérsia sobre a produção de Mário António nos
últimos anos, especialmente a partir de 1990. Os discursos são apresentados
69
A noção de “campo” é utilizada aqui no sentido de Bourdieu (1996) entre outros, como o espaço onde se
produzem e circulam discursos constituídos por agentes posicionados no seu interior, disputando vantagens
materiais ou simbólicas disponíveis conforme a “estrutura de distribuição do capital específico” do campo
(Bourdieu, 1996c:133).
48
cronologicamente, salvo em algumas situações onde achamos melhor descrevê-los em
conjunto, de forma a procurar compreender algumas das relações entre os autores. Isso
acontece no primeiro bloco, que apresentamos a seguir.
O poeta alienado
Carlos Ervedosa foi, dos críticos aqui abordados, o primeiro a emitir opiniões sobre o
trabalho de Mário António. Já em 1963, no seu primeiro ensaio publicado A literatura
Angolana, Resenha Histórica -, Mário António é reconhecido como um poeta angolano que
não consegue ter seu primeiro livro de contos publicados em Portugal, pois os “temas não
interessavam ao grande público da metrópole”. Além disso, o poeta participava de um
movimento literário que não ganhava estímulo e não era apoiado “pelos grandes nomes da
propaganda” (Ervedosa, 1963). Precisamos localizar as referências deste ensaísta, no seu papel
de divulgação de uma literatura angolana, onde se inscreviam nomes da “poesia feita em
Angola” veiculadas nos principais meios de divulgação locais - entre eles, a Editora
Imbondeiro e a Coleção Bailundo, que se juntavam à Coleção Autores Ultramarinos (dirigida
por Ervedosa). Esses veículos possuíam um valor positivo pelo seu esforço de promover uma
literatura, diríamos, “local”. Nos textos deste crítico, não encontramos referências a rupturas
no trabalho de Mário António. Ao contrário, é revelada sua participação como um escritor
angolano de destaque, pelas suas poesias e trabalhos ensaísticos que versavam sobre a história
daquela literatura. Entretanto, há uma pequena distinção referida a Mário António, quando ele
afirma que:
“Do grupo da ‘Mensagem’ apenas o então jovem Mário António continua a poetar,
editando os seus livros...” (Ervedosa, 1963: 40).
Embora não utilize os termos ambigüidade, ou reticência, Ervedosa sinaliza para um
isolamento de Mário António em 1963. Não há rejeição à participação de Mário António na
literatura angolana, embora exista a idéia de isolamento e de distanciamento em relação aos
outros escritores. O trecho encontrado no seu discurso mostra que Mário António teria seguido
a carreira literária, enquanto “todos” os outros escritores cumpriam um papel no movimento
político naquele início da década de 1960.
49
Russell Hamilton, por sua vez, é um dos classificadores que emitem uma opinião direta sobre
a qualidade ambígua do trabalho de Mário António. As suas considerações são afirmadas em
Literatura africana, literatura necessária (1981), um livro que apresenta a si mesmo como
uma contribuição “para os povos dos cinco países empenhados na sua revolução cultural”
(Hamilton, 1981: 12)
70
. Chama-nos a atenção a epígrafe do livro, com um poema de Manuel
Rui
71
, de título Poesia Necessária, que nos comunica: “De palavras novas também se faz país
/ neste país tão feito de poemas / que a produção e tudo a semear / terá de ser cantado noutro
ciclo”. O texto é dividido em nove capítulos, que procuram ordenar a construção literária
naquele país, começando com os escritores dos finais do século XIX, que são denominados de
escritores “aculturados”, passando pelos escritores do início do século XX (também
precursores de uma literatura autônoma, negra) e pela apresentação da geração de 50 até
chegar à independência e às bases de construção de uma base literária nacional.
As referências a Mário António são feitas em dois momentos distintos do texto. No
primeiro, Mário António é chamado para apresentar a “sociedade luandense” do século XIX,
onde se localizaria uma “pequena burguesia africana”, composta por “mestiços” e
“assimilados”, que formariam as bases da “cultura aculturada” do presente. Para tanto,
Hamilton faz referências ao texto Luanda, ‘ilha’ Crioula, de 1968. Em um segundo momento,
no capítulo quatro, ao tratar da poesia de Angola, o crítico analisa a construção poética de
Mário António. É nesse contexto que explicita a sua opinião, “identificando” características
dessa poesia em comparação com a de outros poetas angolanos e “consciencializados”, como
Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato da Cruz, Mário de Andrade e António Cardoso, que
são demarcados por características particulares e uma mesma preocupação com a “temática
reivindicatória”. O trecho específico de sua afirmativa sobre o trabalho de Mário António diz
o seguinte:
“No entanto, o outro poeta que quero considerar aqui ocupa uma posição ambígua e
até controversa na curta história da literatura de Angola. Nos anos 50, um poeta
muito prometedor e de habilidades literárias já comprovadas, era Mário António – nos
seus livros costuma assinar M. António. Como já observamos, os colegas de Mário
António, também colaboradores nas revistas Mensagem e Cultura (II), tinham-no por
70
A sua pesquisa é publicada em dois volumes e em momentos diferentes. O primeiro, de 247 páginas, faz
referência à literatura de Angola e foi publicado em 1981; o segundo, à literatura dos outros 4 países:
Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, publicado em 1984.
71
Manuel Rui (Huambo/Nova Lisboa, Angola – 1941) estudou direito em Portugal, onde exerceu advocacia,
participando da vida cultural e política no período que se segue à independência de Angola.
50
bom poeta; mas alguns, como António Cardoso, criticavam-no por estar menos
empenhado na reconquista duma personalidade africana e mais dado ao
individualismo e a preocupações esteticistas e universalistas.
Seguindo a trajectória da sua produção poética, de 1950 a 1961, vemos que nela
predomina uma linha psicológica singular. Em vários dos seus poemas, o sujeito de
Mário António encara as contradições da realidade objectiva de uma maneira
interiorizada (...).
Com o tempo, M. António vinha impregnando a sua poesia de uma certa ironia,
talvez como reflexo da sua própria alienação e ambivalência. Assim, o título
‘Simples Poema de Amor’, escrito em 1959, é intencionalmente irónico devido ao
erotismo algo violento de algumas das imagens do poema contrastadas com conceitos
petrarquianos como ‘pele cor de marfim’, que serve, sardonicamente, para enfatizar as
distinções entre a Europa e África. (...)
Quando, por volta de 1964, M. António se deslocou a Portugal, onde vive
actualmente, escreveu os poemas de Rosto de Europa (1968), uma obra em que
ressaltam escapismo e confrontação. A confrontação com a Europa é uma das bases
da negritude; e M. António dá uma dimensão interiorizada a este conceito que não
é, realmente, de confrontação. O poeta encara a Europa como uma mistura de pasmo,
aceitação e a sentimentalidade do africano na ‘diáspora’ (...)” (Hamilton, 1981: 110-111.
Grifos nossos).
Mário António também aparece, no capítulo 3, como um dos “descobridores de
Angola”, participante das revistas Mensagem e Cultura, ganhando consciência sobre
aquela entidade geográfica delineada pelos inventores de Angola e sobre aquela
‘outra’ realidade sociocultural existente dentro das fronteiras arbitrariamente
traçadas. Os sentimentos nacionalistas que no passado se haviam manifestado de forma
embrionária tomavam contornos mais nítidos, alimentados por novas contingências
políticas” (Hamilton, 1981: 79. Grifos nossos)
72
.
Essa “temática reivindicatória” a que se refere Hamilton definiria a “literatura
emergente” como uma constante luta de contestação de uma “ordem vigente”, onde as
questões da “origem” e “raça” se fazem presentes como elementos prioritários dessa oposição,
como vemos neste outro trecho:
A questão da literatura de e em Angola faz ressaltar esse problema perene de raça
e escritor africano. Recordando as nossas considerações prévias sobre o problema,
quando nos referimos à heterogeneidade da comunidade européia em Angola, podemos
concluir que António Cardoso e outros intelectuais e escritores de origem européia,
72
Nos termos de Said (1990) (...), a construção de um imaginário espacial - como, no nosso caso, Angola - teria
uma história e uma tradição que lhe possibilitaria uma existência, apenas reconhecida “no e para o Ocidente”. É
nestes termos que compreendemos as referências aos “inventores de Angola” encontradas neste trecho, e nos
questionamos se a nova construção, oposta a estes ideais colonialistas e luso-tropicalistas, não manteria em seu
interior um padrão de construção semelhante, em comunicação especial e única com o exterior. Ver Said (1990:
17).
51
quer queiram quer não, viam-se forçados a lidar com os diversos factores oriundos
da questão rácico-social” (Hamilton, 1981: 86. Grifos nossos).
Estes dados nos possibilitam compreender a posição de Hamilton ao emitir a sua
opinião sobre Mário António. A “questão racial” se encontra presente como elemento
privilegiado, base dos textos literários deste autor. Essa questão é ressaltada por Hamilton
como o elemento aglutinador desse movimento, em Angola. No trecho acima, vemos ser
explicitada a participação de escritores brancos na construção de uma literatura que procura
valorizar a “raça negra” e reduzir as desigualdades sociais constituídas a partir da “longa
presença em África de Portugal” e “sua missão civilizadora” (Hamilton, 1981: 13)
73
. Para este
autor, o “movimento literário” é presença marcante nos territórios de língua portuguesa, em
resposta à dura repressão cultural e política do regime português, especialmente nos anos 50 e
60, e ao “estado de inferioridade em que os intelectuais se sentiam” (Hamilton, 1981:16).
Estas considerações de Hamilton nos fornecem as bases de suas críticas ao colonialismo
português e o seu próprio posicionamento frente ao assunto. O que precisamos compreender é
que a literatura, como um elemento que possibilitou a “revolução” de grupos, tinha, para
aquele contexto, um significado específico
74
. As classificações de Mário António por este
classificador estão referidas a esta atribuição de significados por um conjunto de atores sociais
específicos.
73
Podemos refletir sobre a “questão da raça” a partir de algumas considerações de Giralda Seyferth. Essa questão
estaria vinculada a uma concepção da humanidade em grupos hierarquizados a partir de uma herança biológica
que implica em si uma diferença de classe e de cultura. Esta idéia ganha dimensão científica a partir do século
XIX, associada à expansão européia. “O racismo resultou de uma sobreposição da ideologia (de superioridade da
raça branca) à ciência, no contexto do expansionismo europeu, da luta de classes, da revolução de 1848, da
emergência do socialismo, da cristalização dos nacionalismos etc. Os pressupostos da desigualdade biológica
com referência à humanidade, portanto, não abrangiam apenas as chamadas ‘raças inferiores’ (os não brancos),
mas também as ‘classes inferiores’, o ‘sexo inferior’, os ‘grupos étnicos inferiores’ etc. Afinal, para muitas
doutrinas racistas, os europeus verdadeiramente superiores eram homens da classe dominante (aristocracia e
burguesia); as mulheres, as classes trabalhadoras (camponeses, operários etc.), os pobres em geral, os ciganos, os
judeus e muitos outros penavam no inferno da inferioridade biológica e da dominação legítima. É bom lembrar,
porém, que nem o etnocentrismo, nem o racismo, são produtos exclusivos do século XIX; mas foi nele que
ganharam o respaldo das ciências” (Seyferth, 1995:177).
74
Aqui nos reportamos à proposta de Malinowski (1935) de que a linguagem é compreensível para aqueles que a
ouvem e é em função desta compreensibilidade que se estabelece a sua função comunicativa e sua força
pragmática (que induz os homens para a ação). Malinowski, ao se referir ao estudo da linguagem utilizada na
jardinagem dos moradores das Ilhas Trobriand, nos apresenta à possibilidade de ver o significado das palavras
conectado a determinados “contextos culturais”, que lhe conferem valor e a própria compreensibilidade ao
“observador” externo. O seu estudo nos permite estabelecer um certo distanciamento das concepções utilizadas
pelos atores na nossa análise, tais como confronto, oposição ao colonialismo, reivindicação cultural e outras,
deixando que se demonstrem os significados particulares para aqueles que sobre elas falam.
52
“Penso que dadas as circunstâncias da sua própria consciência como poeta angolano
distanciado do seu meio e, mais importante, da corrente principal da literatura de
Angolauma corrente que ele ajudara a fundar – M. António dera tudo quanto poderia
dar nessa conjuntura histórica” (Hamilton, 1981: 112. Grifos nossos).
Os autores escolhidos por Hamilton sinalizam essa “revolução cultural”, baseada nos
termos da possibilidade de manifestação de uma “cultura” outra, que tem como base
diferenciações “raciais” e “culturais”
75
. Isto é colocado por Hamilton de forma a justificar que
nem todos os escritores eram negros, como é o caso de António Jacinto e António Cardoso
(escritores que compartilhavam esses significados por terem nascido no território angolano,
apesar de serem brancos). As “reivindicações culturais” são, portanto, medidas “mais no grau
de consciencialização sociopolítica do que na expressão negra de determinado poeta, fosse ele
branco, preto ou mestiço” (Hamilton, 1981: 87). Por outro lado, a expressão literária de Mário
António - um “poeta mestiço”
76
- é reconhecida por Hamilton como divergente dessa
proposta reivindicativa, embora não completamente. Na opinião deste classificador, como dito
antes, as suas poesias são detentoras de uma qualidade “irônica”, de “confrontação com a
Europa”, que se manifesta de forma “intimista”, ou seja, não suficiente para aquilo que se
espera dos novos escritores angolanos. Daí a sua “ambigüidade”, na opinião deste
classificador.
Precisamos lembrar que Hamilton escreve no início da década de 80, quando a
independência já havia sido proclamada, e que o seu discurso é construído a partir de
argumentos do passado, que lhe fornecem as bases para a sua opinião sobre Mário António.
Nesses argumentos, são revividas as críticas realizadas por António Cardoso em 1958 - no
suplemento literário Cultura II - dirigidas a Mário António, conforme a passagem abaixo:
“Comparando-o com dois casos poéticos notáveis de Angola (referimo-nos a 4 ou 5
poemas de Viriato da Cruz e António Jacinto), vemos Mário António menos
empenhado na ‘conquista de uma personalização, numa reabilitação de valores’
(‘valores nativos destruídos’, na frase de Mário Pinto de Andrade em ‘Poesia Negra de
75
Ver Mandani (1996:4). Este autor nos apresenta a questão do “africanismo” como uma tendência dos países
africanos em geral, que vê a cultura da África como singular e diferente, e sua preservação necessária. Esta
tendência se oporia a uma outra, o “eurocentrismo” que também procura olhar para a África a partir de reformas
estatais no que concerne aos direitos humanos e à igualdade. Estas duas tendências teriam sido deixadas pelo
legado colonial, afirma Mandani, e somente pela localização dessa dialética (Eurocentrismo x Africanismo), em
seu contexto histórico e institucional, é que se poderia ter a chave de compreensão de como o poder é organizado
e de como ele tende a uma fragmentação da diferença.
76
Esta marca do escritor é enfatizada por Hamilton na página 87.
53
Expressão Portuguesa’, e que é segundo nos diz, ‘o problema actual’ do africano
ocidentalizado” (António Cardoso, 1958 apud Hamilton, 1981: 87. Grifos nossos.)
77
.
Ao longo dos anos 1960, Alfredo Margarido escreve em vários artigos, em diferentes
espaços e momentos, onde são avaliadas as contribuições de Mário António para a formação
literária angolana. Estes artigos são publicados integralmente em 1980, em um livro com o
título Estudos sobre literaturas das nações africanas de língua portuguesa. O posicionamento
de Mário António é criticado em alguns desses artigos. Entretanto, as críticas dirigidas mais
diretamente a ele são expostas em um artigo escrito nos anos 1980, onde a sua poesia é
analisada ao longo de 7 páginas. Vejamos um trecho:
“A evolução poética de Mário António está agora reunida em três pequenos livros:
‘Poesias’, ‘Poemas & Canto Miúdo’ e ‘Amor’. Mas essa evolução poética mantém-se
fiel ao quadro natal do poeta, a cidade de Luanda, que na poesia de Mário António se
afirma em dois planos que algumas vezes, dificilmente contactam: a cidade da infância,
o bairro da Maianga, onde a força telúrica da temporalidade negra ainda podia ser
ostensivamente vivida, as terras longe do Bungo, hoje dominado já pelas grandes
construções de cimento armado, o mar da Samba Grande ou da Samba Pequena, os
musseques lentos e demorados, com donas de panos negros e rapariguinhas de seios
quase libertos pelos vestidos leves, musseques de nomes mágicos: Cayatte, Sambizanda,
Assis, Pérola, Liceira, nomes que formam uma constelação poderosa que as escavadoras
vão arrasando para lançar os alicerces dos grandes edifícios, onde a temporalidade
muda de desinência (...), lança as linhas fundamentais de uma duração
racionalizada e obedecendo a uma estrutura previamente definida, exactamente ao
contrário do que antes sucedia, quando o homem dependia apenas dos fenómenos da
Natureza e guiava os passos pelos astros. Dentro desse campo é que devemos colocar a
poesia de Mário António, sem que, entretanto, nos possamos esquecer da especificidade
do seu psiquismo, já que na sua poesia sentimos juntar-se à saudade pelas formas do
passado – pelas que sobreviveram e por aquelas que desapareceram e são apenas a
saudade doce-amarga- considerado no seu perfil mais geral a saudade por um
passado que, não sendo embora secreto, é inteiramente pessoal. É assim que nos não
surpreende a saudade pelo pai. O primeiro poema de ‘Poesias’, que tem o título de
‘Beijo-de-mulata’ invoca esse pai desaparecido cedo: ‘Pai: / Olho o teu rosto fechado /
nas letras apagadas dessa campa / a tua / (no quadro dezasseis do Cemitério Velho) / e
não sei que mistério poderoso / me prende os olhos, / Pai!’ E, na evolução lógica do
processo poético (...) Mário António mostra quanto a falta desse pai cortou as
possibilidades de ascensão social ao menino órfão (...). Esta lamentada
autocomplacência do poeta debruçado sobre o próprio umbigo, ultrapassa, no
entanto, o mero quadro dos valores sociais, pois é o lamento do mestiço que,
amputado do genitor branco, se sente desamparado e, até, incapaz de lutar contra o
77
Estas palavras foram comunicadas por António Cardoso na Cultura II, número 2/3, em janeiro de 1958, com o
título A Poética de Mário António. Neste mesmo espaço e tempo, Mário António publicou artigo sobre a
literatura angolana, o que demonstra a proximidade de relação entre esses dois autores, participantes do mesmo
espaço de debate. Não tivemos acesso a este artigo de Mário António, o que nos impede de reconstituir este
diálogo entre os dois atores. Estamos, portanto, mostrando como evidência a recusa de António Cardoso em
aceitar a poesia de Mário António como “autêntica”, no sentido daquilo que se espera para a Poesia em Angola,
naquele contexto. Além disso, é fato relevante a própria reconstituição deste fragmento do discurso de António
Cardoso por Hamilton, 20 anos depois.
54
quadro social em que está inscrito. O choque da morte do pai, que o poeta mantém
como marca poderosa na sua psique, é, também, o elo inicial de uma longa carreira
de humilhações” (Margarido, 1980: 385. Grifos nossos.)”.
A poesia de Mário António recebe lugar privilegiado na sua análise sobre a literatura
das nações africanas, ao ser apresentada em um artigo isolado (páginas 385-391), o que não
ocorre com os outros poetas citados no livro. As poesias selecionadas do escritor são aquelas
escritas na década de 1950. Não há referência àquelas produzidas quando o escritor
encontrava-se já em Lisboa, nas décadas de 1960 e 1970. Observamos, com esta seleção, que
este “classificador” busca compor o quadro social onde Mário António se expressou
poeticamente a partir de um duplo registro: a manutenção de “formas do passado”, que
sinalizam a sua força referida à negritude (valorizadas em seu discurso), em contraste com as
novas formas, “racionais” e “previamente definidas” (relacionadas com o colonialismo). A
poesia de Mário António é considerada diante deste quadro, ocupando, de acordo com
Margarido, uma ligação mais estreita com o segundo registro, por sua “incapacidade” de se
vincular às idéias de contestação. Isso é justificado pelo fato do poeta ter tido um “pai branco”,
que lhe teria legado valores da colonização branca
78
.
A interpretação de Margarido indica em que termos interpreta a expressão literária de
Mário António. Entendemos ser a poesia de Mário António, tornada explícita neste artigo,
relevante para demarcar determinados posicionamentos e enfrentamentos aos quais Margarido
estava referido. As qualidades de uma literatura angolana são enfatizadas naquele momento,
qualidades que não são “encontradas” na poesia de Mário António. Ele é excluído - e sua
78
Aqui, cabem algumas considerações a respeito da origem familiar de Mário António. Embora não saibamos se
seu pai era de fato um homem “branco”, temos informações, a partir de sua entrevista a Michel Laban
(pesquisador francês especialista em literatura lusófona), realizada em julho de 1984, que sugerem o contrário.
Nas suas palavras, “o meu pai era um homem cultivado, quanto se podia ser em África, porque ele era um
africano, era um homem que tinha feito o curso do Seminário, completo. Não tinha sido padre porque o
Seminário de Luanda passou longos anos sem fazer padres, porque se submeteu a um conceito colonialista,
racista propriamente, sobre a capacidade de os africanos serem padres. Quase todos os indivíduos que
freqüentavam o Seminário no século XX não foram padres, foram para o Seminário, fizeram os estudos no
Seminário, mas depois os padres convenceram-nos que o melhor era empregarem-se nos quadros públicos. O
meu pai foi trabalhar para os quadros públicos e permaneceu” (Oliveira, 1990: 519-520. Grifos nossos). Em outro
trecho, Mário António afirma ter nascido no norte de Angola, mas o pai “não tem ligação nenhuma familiar,
sanguínea, com populações do norte. É possível que a minha avó paterna, ela própria fosse do Norte
(Oliveira, 1990: 523. Grifos nossos). Estas informações, apesar de não apresentarem explicitamente a cor de pele
do pai de Mário António, indicam uma discriminação a que ele foi submetido por ser africano. Assim, não temos
informações suficientes que explicitem e confirmem a interpretação dada por Margarido às poesias de Mário
António. Portanto, mantemos nossa posição de procurar interpretar as considerações deste classificador à luz do
significado atribuído ao poeta como “incapaz de lutar contra o quadro social em que está inscrito”.
55
poesia é criticada - por não lutar pela transformação “dos quadros sociais” existentes na sua
época.
Outras classificações sobre o poeta também foram encontradas em outros momentos do
trabalho crítico de Margarido:
Poetas marginalizam-se, seja passando a existir só pelo estilo (é o caso de Mário
António), ou comprazendo-se num auto-exotismo que os afasta de toda a criação (o que
acontece com Geraldo Bessa Victor). Uma terceira posição é a dos poetas que hesitam
entre o auto-exotismo e uma adesão profunda às exigências da prática (será o caso de
Tomás Jorge). As visões de mundo entram assim em contradição com as opções
nacionais; contradição que utiliza o colonialismo para tentar fazer rebentar a unidade do
imaginário poético, que precede, acompanha e completa o imaginário e a prática
sociológicas” (Margarido, 1980: 343. Grifos nossos).
Esta actividade dos ficcionistas, limitada certamente, teria podido ir mais longe se
alguns criadores não estivessem na impossibilidade de encarar uma obra em
profundidade. Luandino Vieira, condenado a 14 anos de prisão cumpre pena no campo
de trabalho de Chão Bom (...), assim como António Jacinto (...) e António Cardoso.
Outros como Costa Andrade, estão integrados no combate contra o colonialismo e
afastados assim da criação. Outros ainda, como Mário António, a braços com a
ambigüidade da sua posição, não são capazes de enfrentar os problemas mais
profundos da confirmação desta jovem ficção angolana. Os ensaístas também não
são numerosos ou então encontram-se sobretudo no terreno do político. Contudo deve-se
fazer sobressair os nomes e as obras de Carlos Ervedosa, autor da única história da
literatura angolana, Mário de Andrade, cujas análises da literatura angolana e
principalmente da poesia são indispensáveis ao conhecimento do processo literário
angolano, Costa Andrade, cujos poucos trabalhos sobre a cultura angolana mostram
grande profundidade, Viriato da Cruz que, ao lado do ensaio político, analisa as
condições da criação angolana, Mário António que depois dum trabalho sobre o poeta e
filólogo Cordeiro da Matta, continua a estudar a literatura angolana, bem como as
estruturas histórico-sociais de Angola” (Margarido, 1980: 345. Grifos nossos).
Neste trecho, originalmente publicado na revista L’afrique littéraire et artistique,
número 2, em 1968, Margarido apresenta uma lista dos principais escritores envolvidos no
processo de construção literária angolana, fossem eles ficcionistas ou ensaístas literários.
Embora ele faça críticas ao posicionamento de Mário António no que se refere à sua ligação
com o “estilo”, sem se preocupar com “os problemas mais profundos da ficção angolana” -
que entendemos estar conectada com a “linguagem autóctone” promovida por essa literatura-,
o seu trabalho como ensaísta e estudioso da literatura angolana não desaparece das
referências e ordenamentos deste classificador. Nesta avaliação, observamos o posicionamento
de Margarido, que procura definir a literatura angolana em oposição às construções que
impedem que a opção literária nacional se realize.
56
Vale ressaltar que, ao pretender definir as bases “internas” da literatura nacional,
nenhum destes classificadores fez qualquer menção às tradições orais africanas, ainda que eles
se declarassem explicitamente em oposição à literatura produzida no exterior. A literatura
angolana por eles defendida diz respeito aos autores que escrevem em língua portuguesa.
Fica-nos mais clara a definição, para Margarido, de literatura angolana, a partir do trecho que
apresentamos abaixo, tornado público originalmente em 1962, com o título Incidências sócio-
econômicas na poesia negra de expressão portuguesa:
Se os autores pertencentes ao grupo dos colonizadores utilizam muitas vezes as
línguas africanas, apenas com o fim de realçar o carácter exótico das suas obras,
para os poetas colonizados, a razão é completamente diferente. A moral da
opressão exige igualmente a aniquilação das línguas ‘indígenas’ e a introdução
duma língua ‘oficial’. Necessariamente esta última será fortemente influenciada pela
linguagem autóctone e determinará a criação – não do que é chamado ‘o português do
colonizador’ – mas dum dialecto híbrido, mais negro do que português” (Margarido,
1980: 66. Grifos nossos).
Nesse trecho, vemos claramente uma distinção da literatura angolana, que se opõe às
idéias veiculadas pelo “grupo dos colonizadores”. É neste jogo de oposições que as
classificações dirigidas a Mário António estão referidas. E podemos ainda afirmar que é
Margarido o classificador que torna a qualidade do trabalho de Mário António como ambígua,
um termo que é apenas repetido por Hamilton.
Mais tarde, em 1992, após a morte de Mário António e a publicação de uma coletânea
com seus trabalhos - Reler África -, Margarido se posiciona favoravelmente à classificação de
Mário António como angolano, apesar de considerar os seus trabalhos referidos a uma
utilização “luso-angolana”. A classificação do poeta como um escritor angolano é justificada
pelo classificador pela sua ligação com Angola, por sua “paixão” por Luanda - “à qual
consagrou a maior parte da sua criação, a literária e a reflexiva” (Margarido, 1992: 161) -, e
por uma experiência literária que marcaria a vida angolana, por ter sido construída fora do
controle dos portugueses
79
. Os tempos haviam mudado, pois estamos falando de quinze anos
após a independência. Mário António podia agora ser reapropriado como “autóctone”.
É importante marcar que os termos utilizados por Margarido referem-se a diferentes
momentos do tempo. A utilização, por exemplo, das categorias “luso-angolana”, em 1992, e
79
Neste artigo de 1992, Margarido faz referência a essa produção exterior ao controle dos portugueses, pela
participação de Mário António em espaços sociais como a ANANGOLA.
57
“grupo dos colonizadores”, em 1962, embora diferentes, são sempre colocadas em oposição à
literatura angolana, que se definiria por uma qualificação mais próxima de uma realidade
“autóctone” e negra. É interessante também ressaltar que, após a morte do poeta, Margarido
interpreta a sua construção literária de forma oposta à interpretação de 1980, reconhecendo-a
como legítima. Entretanto, as balizas que orientam o seu discurso continuam presentes: a
oposição portugueses X angolanos.
Os discursos de Carlos Ervedosa, Russell Hamilton, Alfredo Margarido e António
Cardoso podem ser reunidos de forma sintética, a partir das semelhanças e diferenças
encontradas em seus discursos. Procuramos expô-las em um quadro, de modo a localizar estas
classificações e a poder relacioná-las entre si, no tempo em que foram produzidas. O quadro
também permitirá destacar as categorias que são reproduzidas em cada um dos discursos.
Ficaria assim o quadro:
58
Quadro 8: Classificações de Mário António: António Cardoso, Alfredo Margarido e
Russell Hamilton
Classificador Ano /
Publica-
ção
(fontes)
Classificações de Mário
António
Autores
citados
Balizas que orientam o seu
discurso
António
Cardoso
1958 Escritor reticente; não se
empenha na reabilitação de
valores.
Mário Pinto de
Andrade.
O problema do africano
ocidentalizado é que os
valores nativos foram
destruídos. Retomada desses
valores.
Carlos
Ervedosa
1963 Poeta angolano, único que
continua a poetar. Idéia de um
isolamento, enquanto outros se
organizavam politicamente
Luandino
Vieira,
Arnaldo
Santos,
António
Cardoso,
Alfredo
Margarido
Valorização da literatura
angolana, nos termos de
uma expressão feita em
Angola.
Alfredo
Margarido
1968,
1980,
1992
Posição ambígua (classificação
que parte de suas relações com
o pequeno grupo de escritores
onde esteve colocado António
Cardoso);
poesia voltada para o próprio
umbigo, preocupação com o
estilo e incapacidade de lutar
pela mudança do quadro
social onde esteve inscrito;
reconhece relevância de Mário
António para a literatura
angolana.
António
Cardoso,
Agostinho
Neto, Costa
Andrade,
António
Jacinto, Mário
Pinto de
Andrade,
Carlos
Ervedosa
Grupo dos colonizadores
utiliza línguas africanas pelo
seu exotismo; a literatura
angolana deveria ser mais
próxima de sua realidade e
do povo autóctone e negro.
Russell
Hamilton
1981 Posição ambígua
(reproduzindo Margarido),
confronto com valores
europeus de forma intimista,
individualismo, preocupação
com a estética e questões
universalistas; alienado;
ambivalente; falta de
consciencialização; um dos
fundadores da literatura
angolana.
Agostinho
Neto,
Luandino
Vieira,
António
Jacinto,
António
Cardoso,
Mário Pinto de
Andrade,
Carlos
Ervedosa
Angola é inventada
arbitrariamente; a
consciência da outra
realidade sócio-cultural no
interior dessas fronteiras é
expressa pela literatura;
reivindicam-se novos
termos, mais realistas, que
valorizam a raça negra e
procuram minimizar as
desigualdades sociais.
Estes classificadores, então, posicionam-se de maneira semelhante frente a uma
orientação: de que a literatura angolana deveria permitir a expressão das condições de um
59
grupo que eles denominam de “angolanos”, e que são caracterizados por ocuparem posições
desfavoráveis (sejam elas raciais ou sociais) frente às condições impostas pelo colonialismo.
Também fazem referência a outros escritores que remetem os seus textos a esta orientação,
enquanto, por outro lado, realizam críticas ao trabalho de Mário António, que passa a ocupar
um papel de “anti-herói” nos seus discursos. Mário António é o poeta excluído daquilo que se
interpreta como a “legítima” literatura angolana. No entanto, ele não é esquecido, suas
poesias são lembradas pela reafirmação de seus aspectos negativos.
A partir dos dados apresentados sobre estes quatro autores, vemos a classificação
negativa do trabalho de Mário António emergir no texto de António Cardoso, quando ele o
qualifica como um escritor reticente, no final dos anos 50. Em seguida, essa idéia é colocada
de uma maneira mais sutil por Carlos Ervedosa, em 1963. Posteriormente, é transformada para
ambigüidade por Margarido e Hamilton, que escrevem mais ou menos no mesmo momento: a
década de 1980.
Um poeta angolano
Em 1976, Manuel Ferreira publica No Reino de Caliban – Antologia panorâmica da
poesia africana de expressão portuguesa, onde são reunidas as poesias dos cinco países de
língua portuguesa em África: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e
Moçambique
80
. Considerado um “manual de literatura” pelo autor, este trabalho dá ênfase à
construção da poesia em Angola a partir de “referências africanas”, e apresenta um conjunto
de poetas – incluindo uma pequena biografia – e uma seleção de suas poesias. Mário António
figura entre os poetas angolanos, com poesias escolhidas dentre todos os períodos de sua
produção literária. Na sua biografia, são incluídos dados básicos, como nascimento, formação
e trabalho, bem como uma listagem de grande parte de seus trabalhos publicados, entre
80
Para este autor, “Caliban vai tomando consciência dessa cultura (...) e será através da língua de Prospero, já que
outra não conhece” (Ferreira, 1975: 20). Ele afirma que isso é uma metáfora para designar o conjunto dos países
africanos de língua portuguesa, e que funcionaria para louvar a sua rebelião contra o colonialismo. Por outro lado,
Luís Kandjimbo faz críticas a esta terminologia utilizada por Manuel Ferreira – que também seria utilizada por
outro crítico literário português, Pires Laranjeira - indicando ser um “arquétipo de servidão num simbolismo em
que o critério racial parece o mais relevante” (Kandjimbo, 1997: 5). Kandjimbo afirma ainda que, com a
independência política, as ações para promoção de estudos sobre as línguas faladas pela maioria da população são
legitimadas. No entanto, não sabemos em que medida estas ações vêm sendo tomadas, já que não tivemos acesso
a expressões que não fossem enunciadas por escritores da língua portuguesa.
60
poesias e ensaios, em livros e periódicos
81
. Ao considerá-lo um “poeta, ensaísta e contista”
(Ferreira, 1976: 150), o classificador faz referências à “sua tese das ‘ilhas’ crioulas em Angola
[que] parece assumir, em alguns pontos, um certo parentesco com o luso-tropicalismo de
Gilberto Freyre” (Ferreira, 1976:150).
A associação dos trabalhos de Mário António à “teoria luso-tropicalista” é encontrada
pela primeira vez nos trabalhos de Manuel Ferreira. A distinção do seu trabalho é feita por um
vínculo com essas teorias, enquanto os outros classificadores utilizavam outros termos para
marcar essa distinção. Entre os autores apresentados por Manuel Ferreira, Mário António é o
único a ter o seu trabalho associado à ideologia colonial. A percepção destes vínculos,
conhecidos e compartilhados por determinados grupos - especialmente os intelectuais -, nos
auxilia a colocar em suspenso alguns dos termos utilizados no texto de Ferreira, e a buscar
compreender o seu significado a partir desse contexto
82
. Para isso, é preciso levar em conta
que, em meio às independências das colônias e às fortes críticas à ditadura militar que
governou o país por quase 50 anos, o termo luso-tropicalismo apresentava-se carregado de um
peso negativo. Merece destaque, ainda, estarmos nos referindo a um texto publicado dois anos
após o fim de um regime ditatorial.
Salvato Trigo é também outro classificador que procura fornecer um panorama da
poesia angolana no livro A poética da “Geração da Mensagem”, publicado em 1979. Ele
sugere que esta poesia trouxe a possibilidade de crítica ao colonialismo a partir da sua
expressão em língua portuguesa. Os poetas angolanos são considerados por este crítico como
os primeiros na luta pela “descoberta de Angola”,
“um punhado de jovens angolanos dispostos a assumirem uma atitude de combate
frontal ao sistema sócio-culutral vigente na época – foi, sem dúvida, o maior e mais
seguro passo em frente na busca de uma cultura, mergulhada em letargia de séculos,
sobre a qual se arquitetaria uma literatura autêntica, uma literatura social, uma
literatura participada, como o é aquela que hoje possui já um lugar de destaque e
em cuja passarela é possível fazer desfilar nomes de real capacidade artística
(Trigo, 1979: 7. Grifos nossos).
Em outro trecho, Trigo faz referência a Mário Pinto de Andrade que afirma que Mário
António possuía uma posição literária em desafino com os jovens poetas angolanos:
81
Manuel Ferreira informa que Mário António teria ingressado na Fundação Calouste Gulbenkian quando ainda
era estagiário do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (I.S.C.S.P.U), o que nos deixa
inúmeras perguntas sobre as possíveis relações entre estas duas instituições naquele período.
82
Ver Malinowski (1935).
61
“Mário António de Oliveira – o mais jovem poeta da geração da Mensagem, da qual é
acusado de se ter desviado por Mario de Andrade que classifica sua poesia posterior a
1956 atacada de uma crise intimista” (Trigo, 1979: 68. Grifos nossos)
83
Para Trigo, a geração dos novos escritores é considerada crítica de uma orientação
“integracionista”, “lusitana”, ensinada no antigo ISCSPU, sob a orientação do Professor
Adriano Moreira, que via a literatura africana de língua portuguesa como resultado do luso-
tropicalismo. De acordo com Trigo, Mário António - ao lado de Geraldo Bessa Victor
84
e
Amândio César
85
- opunha-se ao termo Negritude, num esforço intelectual que procurava
integrar o território português e angolano. Trigo se opõe à idéia integracionista
86
, embora
também seja reticente quanto ao uso do conceito de negritude idealizado pelos jovens poetas,
afirmando que “transformar a Negritude num movimento poético cultural que abarcasse toda a
África negra era ignorar os valores particulares, as diferenças específicas, que caracterizam
cada um dos povos africanos” (Trigo, 1979: 146).
Reunidos, os argumentos expressos por estes classificadores ficariam assim:
Quadro 9: Classificações de Mário António: Manuel Ferreira e Salvato Trigo
Classificador Ano /
Publicação
(fonte)
Classificações de
Mário António
Autores
citados
Balizas que orientam o seu discurso
Manuel
Ferreira
1976 Poeta angolano, vínculo
com a teoria luso-
tropicalista.
- Literatura angolana de expressão da
língua portuguesa; língua portuguesa
como um meio de “rebelião” contra o
colonialismo.
Salvato Trigo 1979 Poeta atacado de uma
crise intimista;
referências aos seus
trabalhos conectados
com o luso-
tropicalismo.
Mário
Pinto de
Andrade
Literatura de expressão portuguesa
permite construir a liberdade contra o
colonialismo, ação negativa de
destruição sócio-cultural. Negritude
também não oferece possibilidades de
levar em consideração as
particularidades locais.
83
Trigo faz referência ao texto de Mário Pinto de Andrade, La poesie africaine d’expression portugaise
(Andrade, 1969: 27), publicado em Paris.
84
Geraldo Bessa Victor nasceu em Luanda, em 1917. Foi considerado escritor angolano radicado em Portugal
durante longe tempo.
85
Amândio César foi um jornalista português vinculado aos jornais e emissoras de televisão do governo
português, por meio dos quais defendia os ideais do luso-tropicalismo. Foi também um dos dirigentes da Editora
Pax, responsável pela publicação de alguns dos trabalhos de Mário António, em Portugal.
86
Suas críticas se dirigem ao “colonialismo”, responsável pela transformação do sistema econômico e social de
Angola, que resultou na alteração de relações entre “europeus e africanos”, na privação da posse de terras pelos
africanos, e no seu subseqüente abandono da agricultura de subsistência e de hábitos sociais e culturais para se
deslocarem para as cidades, agregando-se em “sanzalas” e “musseques”. Em resumo, o colonialismo trazia
implícita uma “destruição sócio-cultural”, que foi denunciada por “todos” - inclusive os jovens poetas angolanos.
62
Estes escritores foram apresentados juntos neste quadro, por sinalizarem uma
perspectiva diferente da proposta pelos quatro classificadores anteriores. Nos seus termos, a
literatura representa um ponto importante na luta contra o colonialismo. Entretanto, a idéia de
uma literatura de expressão portuguesa é valorizada em seus discursos. O posicionamento
destes classificadores em instituições de pesquisa portuguesas sinaliza um interesse pela
produção literária em língua portuguesa, embora não seja o seu objetivo a luta pela afirmação
de direitos políticos, ou de uma angolanidade. É preciso lembrar dos elementos do capítulo
um, apresentados anteriormente, onde estes classificadores estão referidos a um momento
muito específico, poucos anos após a independência das colônias africanas. Podemos pensar
também que Hamilton e Margarido estiveram posicionados contrariamente a estes
classificadores localizados em instituições portuguesas (Ferreira e Trigo) – num momento em
que se procurava estabelecer as histórias sobre o passado da literatura angolana e seus
“verdadeiros” representantes. É assim que podemos visualizar a idéia de exclusão de Mário
António dessa literatura (Hamilton e Margarido), e a sua inclusão (por Ferreira e Trigo).
O poeta crioulo: discussões em torno da sua teoria da crioulidade
Apresentamos agora outros classificadores que fizeram referência ao trabalho de Mário
António em um momento do tempo bastante diferente - quando a idéia do vínculo de Mário
António à ideologia colonial já se encontrava presente. No trabalho de Luís Kandjimbo, no
livro Ideogramas de Nganji, publicado em 2003, Mário António aparece como a principal
marca de sua crítica à crioulidade e como uma tendência a “assustadoramente fixar o mal
disfarçado neocolonialismo” e a negar a “identidade cultural angolana”. Neste caso, a análise é
feita com relação aos seus trabalhos ensaísticos - diferentemente dos classificadores anteriores,
que consideravam basicamente sua expressão ptica. Embora se refira a Mário António de
forma positiva, classificando-o como o “único ensaísta angolano que na década de 60 do séc.
XX consagrou larga reflexão a Joaquim Dias Cordeiro da Matta” (Kandjimbo, 2003: 131),
Kandjimbo identifica a sua teoria da crioulidade como falaciosa (2003: 89)
87
.
87
É importante sinalizar que, embora a teoria da crioulidade continue recebendo críticas, os trabalhos de Mário
António que reconstituem a história de Angola, seja em referência à literatura ou à sociedade angolana,
63
O discurso de Kandjimbo procura estabelecer uma autonomia cultural para Angola –
“cultura” esta que se expressaria na língua e na construção literária
88
. O seu argumento sugere
a utilização do conceito de “angolanidade” para definir o que seria a “substância nacional
angolana” (Margarido, 1980: 5 apud Kandjimbo, 2003:18). Esta definição tem estreito vínculo
com as propostas de Mário Pinto de Andrade e Alfredo Margarido.
“Considero que esta categoria é expressão nuclear de manifestações culturais angolanas,
encontrando-se por ela recobertas as práticas literárias orais e escritas. Se partirmos da
idéia segundo a qual Angola, enquanto quadro de referência, é um espaço cultural
africano, importará não perder de vista o substracto histórico desse mesmo espaço”
(Kandjimbo, 2003: 18).
Kandjimbo entende ser necessário o estabelecimento de um denominador comum para
o “discurso cultural”, levando em consideração seu “substrato” – constituído, em sua maioria,
por uma população de origem “bantu”. Na sua opinião, e por meio de uma perspectiva que
considera “democrática”, há que se levar em conta, igualmente, as minorias e a
heterogeneidade étnica, cultural e lingüística de Angola, sem ignorar, do mesmo modo, o
contato histórico com Portugal, do qual Angola também recebeu heranças culturais.
Diante deste seu argumento, ele considera que a continuidade de referências a uma
“dualidade cultural” e crioulidade do povo angolano servem para “legitimar a especificidade
do colonialismo português em Angola” (Kandjimbo, 2003: 19). Mário António aparece como
o primeiro ensaísta a fazer uso desse conceito para denominar a literatura angolana, em textos
escritos entre 1961 e 1964. Mário António considera a poesia e a literatura angolanas como
expressões da língua portuguesa que, embora “cantadas” de forma diferente, mantém suas
semelhanças e são resultado da presença portuguesa no território. Segundo Kandjimbo, esta
teoria atenderia à valorização das características crioulas estabelecidas para Angola, bem
como estaria associada à busca por uma “hegemonia política lusa” – “uma virulenta
fagocitose” – e a uma continuidade na negação da autonomia política, “verdadeiramente”
angolana.
continuam sendo utilizados e considerados importantes fontes de acesso ao passado angolano. Discutiremos este
ponto no último capítulo.
88
Ver Renan (2000) e Elias (1997). Para uma idéia de nação formada a partir de uma língua, um povo e um
território, temos em mente os textos de Renan. Ao pensar que estes elementos são símbolos produzidos por uma
determinada “classe”, e usados politicamente para mobilizar e unir a coletividade em geral, partimos de Elias
(1997).
64
As críticas de Kandjimbo à crioulidade
“Nem todos os intelectuais angolanos empregam a expressão sociedade crioula, mesmo
que esta recusa seja, na grande maioria dos casos, apenas formal. Quer dizer, aceitam a
especificidade do colonialismo português em Angola, aceitam a existência de uma
sociedade mista que permeabiliza o tal dualismo cultural, mas evitam empregar tal
termo. Há razões que os levam a proceder assim. Em primeiro lugar, desejam manifestar
o seu afastamento em relação ao aproveitamento que o Salazarismo fez do pretenso
caráter não rácico do colonialismo português, ao qual terá aderido não só Gilberto
Freyre, como também um intelectual angolano de reconhecida obra, Mário Antonio. Em
segundo lugar, e este é um assunto que tentarei desenvolver mais pormenorizadamente
na 3ª parte deste capítulo, a sua recusa prende-se com a incógnita que se levanta quanto
ao futuro da sociedade angolana, quanto aos métodos escolhidos para a consolidação da
sociedade civil e da construção da nação, quanto à legitimidade e à possibilidade de
generalizar a experiência de viver a modernidade na sociedade crioula a todo o espaço
político angolano” (Venâncio, 1992: 84-85).
Venâncio e Kandjimbo discutem as propostas para o futuro do país com discursos
distintos – onde empregam os conceitos crioulidade e angolanidade –, mas preocupações
semelhantes, procurando soluções para a heterogeneidade do território e o destino de
unificação
90
. É uma discussão ainda atual, colocada na mesa por duas perspectivas, que
alimentam a idéia de uma construção nacional, baseada em uma única cultura
91
.
As considerações de José Carlos Venâncio são compartilhadas por Francisco Soares, que
também considera a crioulidade como uma realidade a ser colocada como objeto de pesquisa
de grande valor.
"Caracterizar a existência desta dimensão cultural é, mais do que reconhecer a
justiça de anteriores afirmações, alargar o quadro das culturas em jogo em Angola
a mais uma, a dos crioulos. Vem isto a propósito da leitura da lírica do próprio MA,
que, para além de receber influências africanas, americanas e européias, se integra numa
tradição de mistura que, literariamente, se fixa no século XIX, e que tende a ver no
Brasil e em Cabo Verde gradações diferentes de crioulização cultural, ambas em estado
mais avançado de fusão e solidificação" (Soares, 2001: 199. Grifos nossos).
90
Ver Mandani (1996). Para Mandani, as discussões em torno do impasse da África apresentam duas tendências:
uma que detecta que “o problema [é] que a sociedade civil é uma construção embriônica e marginal em África” e
outra que afirma que as comunidades africanas são marginalizadas “da vida pública, assim como as tribos”. Estas
duas posições sinalizariam um impasse, e precisariam ser problematizadas a partir de uma posição que não
tomasse partido de nenhum dos lados. Estamos, a partir de Mandani, procurando trazer para estas tendências uma
problematização, no caso específico de Angola. Ver Mandani (1996: 3).
91
Vislumbramos nestes discursos elementos distintos, que pretendem compor a unidade e a consciência de uma
nação, termo que se encontra vinculado à formação de comunidades políticas e, portanto, está no campo da
política, de acordo com as referências de Weber (1971). Diz este autor que “(...) há interesses, em parte materiais
e em parte ideológicos, de camadas que são, sob vários aspectos, intelectualmente privilegiadas pela existência de
tal forma de comunidade política e, na realidade, privilegiadas pela sua simples existência. Compreendem todos
aqueles que se consideram como ‘integrantes’ específicos de uma ‘cultura’ específica, distribuída entre os
membros dessa organização política. Sob a influência desses círculos, o prestígio puro e simples do poder é
inevitavelmente transformado em outras formas especiais de prestígio e, especialmente, na idéia de ‘nação’”
(Weber, 1971: 202).
66
"Em nossa opinião, a poesia escrita por Mário António - que hoje alguns dos seus
inimigos de ontem reconhecem como das de maior qualidade que em Angola se
escreveram - é, pelo contrário, muito consciente de uma hipótese fundada numa
vivência própria, que vai refigurando nas palavras: a dos de Angola, ilhados entre
a dupla matriz africana e euro-americana que, sozinhos, superaram por um
processo transculturador, universalizante e personalizado" (Soares, 2001: 198.
Grifos nossos).
É a partir da experiência de Mário António, considerada por Francisco Soares enquanto
prova mesma de uma cultura híbrida e misturada a receber destaque e valor para Angola, que
podemos entender a sua publicação de 1996, com o título A autobiografia lírica de “M.
António”: uma estética e uma ética da crioulidade angolana. Trata-se de uma publicação de
418 páginas, resultado da dissertação de doutoramento do autor. A tese foi orientada por José
Carlos Venâncio, que também assina o prefácio
92
.
O livro é desenvolvido a partir da “lírica em verso” de Mário António, considerada a
expressão mesma da crioulidade: uma confirmação da sua “estética”. Os outros escritores
participantes do movimento literário angolano figuram também como escritores crioulos,
contrariamente ao que havia sido colocado por Russell Hamilton, que os interpreta a partir dos
aspectos da negritude. Daí também a sugestão de Francisco Soares de uma “ética” inscrita nas
palavras de Mário António, que afirmaria uma “poética da crioulidade em Angola” (Soares,
1996: 21). O livro está dividido em cinco capítulos. No primeiro, são expostos os conceitos
que orientam a construção da “subjetividade poética” de Mário António. No segundo, esses
conceitos são aplicados à análise da “obra”, especificamente o seu livro 100 poemas. Os três
capítulos restantes tratam da formação do “sujeito de M. António”, enquanto pessoa e poeta.
Por último, analisa-se a sua história bibliográfica, fixando uma unidade na sua “obra”, apesar
da diversidade de suas produções. A “unidade” proposta por este autor é interpretada a partir
da sua crioulidade, onde se nega qualquer possibilidade de apreendê-lo como um poeta negro.
No prefácio, as palavras de José Carlos Venâncio apresentam a especificidade desse
trabalho, que busca classificar a expressão poética de Mário António:
A Autobiografia Lírica de ‘M. António’, para além de repor a verdade sobre a
obra literária e, de certa forma, histórico-antropológica, de um grande poeta e de
um grande intelectual de língua portuguesa, tem ainda o mérito de ser desenvolvido,
na qualidade de trabalho interdisciplinar, uma perspectiva inédita no panorama dos
92
Além deste livro, Francisco Soares publica Notícia da Literatura Angolana, em 2001, e é responsável pela
publicação também da Obra Poética de Mário António, em 1999, ambas pela editora Imprensa Nacional – Casa
da Moeda.
67
estudos literários e das ciências sociais em Portugal. Refiro-me ao que designaria por
Antropologia Literária. Diferentemente da Antropologia da Literatura ou da Sociologia
da Literatura, cujas abordagens assentam fundamentalmente na consideração do acto de
escrita como uma acção humana sistematicamente integrada, i.e., culturalmente (no caso
da Antropologia) e socialmente (no caso da Sociologia), a Antropologia Literária, com
uma vertente mais literária que as anteriores abordagens, distingue-se por recorrer (em
muitas das situações fortuitamente) à Antropologia e à Sociologia para levar por diante a
sua tarefa hermenêutica e consequentemente crítica e valorativa. E foi isto que o
Franciso Soares precisamente fez. Analisou a lírica em verso de Mário António
(Fernandes de Oliveira) à luz da auto-consideração do autor como intelectual
crioulo e angolano. Procurou descortinar no poeta as idéias e o sentir do ensaísta e,
e quiçá, do político.
Esta apresentação ficaria, porém, incompleta, se não dedicasse algumas palavras no
sentido de crioulidade na obra ensaística de Mário António, que tantos dissabores
lhe causou após o 25 de Abril, não na sua terra natal, Angola, mas também em
Portugal, onde não deixou de ser igualmente relegado ao esquecimento” (Venâncio,
no prefácio de Soares, 1996. Grifos nossos).
Os trabalhos de Francisco Soares e José Carlos Venâncio retiram Mário António do
esquecimento, com intenções de “devolver” a sua produção literária à angolanidade a partir da
qual foi construída. O esforço destes classificadores é orientado pelo pensamento de que a
literatura produzida em Angola era, e ainda é, essencialmente crioula. A construção dessa
crítica literária está orientada por concepções que podemos interpretar como associadas à idéia
de integração dos espaços e territórios, em continuidade com as idéias veiculadas por outros
escritores vinculados ao governo colonial.
As referências a Mário António no livro de Francisco Soares são muitas. Entre elas,
encontramos uma que explicita a valorização do vínculo do poeta com a literatura angolana,
com a continuidade de uma tradição luso-tropical e com a idéia de nação
93
:
93
Encontramos nos textos de Maria da Conceição Neto (Professora de História Angolana do Instituto Superior de
Ciências da Educação e pesquisadora do Arquivo Histórico Nacional, em Luanda) duras críticas a esta
recuperação do luso-tropicalismo na crítica literária das ex-colônias portuguesas, fazendo explícita referência aos
trabalhos de José Carlos Venâncio e Francisco Soares. Esta recuperação, em sua opinião, faz com que se
“pretenda descrever e interpretar realidades sociais coloniais (e pós-coloniais) a partir quase que exclusivamente
da(s) literatura(s) ou da ‘alta cultura ou cultura cultivada’” (Conceição Neto, 1997: 335). Seu argumento é o de
que se esquece que Angola é formada por sociedades com forte presença da oralidade na cultura, e por uma
“Mais vezes aproveitado que citado, como ensaísta, a ele devemos informações e
intuições preciosas para lapidar um quadro autêntico de como se formou a
literatura em Angola. Mas a sua obra literária, que não tem sido estudada com o realce
que merece por muitos críticos, trouxe à mesma tradição a continuidade, garantida não
só pelos versos em si, mas por se ter tornado uma das fontes onde vários poetas
angolanos posteriores beberam a inspiração e aprenderam os instrumentos da arte,
quando não do país (...)” (Soares, 2001:199. Grifos nossos).
Estes três classificadores se aproximam pelo momento a que estão referidos, e em seu
diálogo, o que nos leva a compor um quadro com as principais avaliações e balizas do seu
discurso.
Quadro 10: Classificações de Mário António: Luís Kandjimbo, José Carlos Venâncio,
Francisco Soares e Leonel Cosme
Classificador Ano /
Publicação
(fonte)
Classificações de
Mário António
Autores citados Balizas que orientam
o seu discurso.
José Carlos
Venâncio
1992 Experiência em
Angola, e de uma dupla
matriz africana e euro-
americana; grande
poeta e intelectual da
língua portuguesa.
Luís Kandjimbo Sociedade crioula
relevante para
compreender
população angolana,
híbrida, e herdeira do
contato cultural.
Francisco Soares 1996, 2001 Escritor que afirma a
crioulidade em Angola;
o seu trabalho traduz
uma ética e uma
estética da crioulidade.
Intelectual crioulo e
angolano, deixou
marcas profundas na
literatura e cultura
angolanas.
José Carlos
Venâncio
Literatura angolana
tem viés crioulo,
mesmo quando se
afirma o contrário;
Tradição de mistura,
que se fixa no século
XIX a partir da
colonização
portuguesa.
Leonel Cosme 2002 Esforço intelectual
isolado, para dignificar
segmento da
população.
José Carlos
Venâncio
Luís Kandjimbo
Críticas à crioulidade,
termo em uso na
atualidade, críticas às
teorias englobantes,
nacionalistas, que não
olham para outros
segmentos da
população do
território.
Luís Kandjimbo 2003 Teoria da crioulidade
falaciosa;
Ensaísta angolano.
Mário Pinto de
Andrade
José Carlos
Venâncio
Autonomia cultural
para Angola;
construção de um
denominador comum,
nacional, para a
literatura e língua
angolanas, críticas à
crioulidade.
69
Acrescentamos ainda, no quadro, as considerações de Leonel Cosme, que em seu
trabalho Crioulos e Brasileiros de Angola, publicado em 2002, interpreta o uso do termo
crioulidade a partir da intenção de Mário António. Segundo ele, este autor teria procurado
dignificar “um segmento da população nativa”, crioula, localizada especificamente na segunda
metade do século XIX e início do XX - por isso, o termo precisaria ser datado. Este uso não
teria relações com a manutenção do uso do termo por escritores da atualidade, face aos quais
são dirigidas fortes críticas:
“(...) dificilmente se entenderá a bondade das exumações historicistas que propõem uma
reviviscência de fenômenos ou ocorrências para além do que convém à História, mais se
parecendo com uma vontade maniqueísta de manter vínculos que se confundem, não
raro, com tributos em dívida suspensa (...). Não será despiciendo
94
, mas é equívoco, que
essa revivescência, assente em teorizações mal ou bem arquitectadas, parte de um
(ainda) pequeno grupo de acadêmicos e literatos, geralmente nascidos em Angola,
brancos ou quase-brancos, reconhecidamente inseridos na cultura européia, consonantes
com o luso-tropicalismo freyreano e opositores à linha político-ideológica seguida pelos
governos do MPLA” (Cosme, 2002: 49).
Para além dos escritores, Cosme sinaliza que o termo vem sendo utilizado também por
segmentos internos da população em Angola que, em oposição ao governo, definem a
“arrogância e supremacia crioula” como tributária do passado colonial
95
. Encontramos assim,
neste classificador, a primeira referência às disputas internas ao território, formadas por grupos
de oposição que disputam uma representação legítima para Angola
96
. Leonel Cosme procura
afirmar que, para além destas duas, é preciso lembrar da existência de outros segmentos da
população que também deveriam ter uma representação legítima
97
.
As suas críticas ao uso do termo crioulidade procuram reduzir o peso do papel de
Mário António nesta construção referida à crioulidade – contrariamente aos outros
classificadores que abordamos aqui – e mostrar a partir de onde elas se mantêm:
“Repousemos, enfim, sobre o convencimento de que a crioulidade, como royalty ou
penhor da colonização portuguesa, é hoje uma figura de retórica, que só durará a idade
dos que se imaginam crioulos e porventura aspiram, nesta ‘qualidade’, a uma qualquer
94
Segundo o Houaiss, despiciendo significa: “que deve ser desprezado por inútil, errôneo etc”.
95
Leonel Cosme refere-se aqui a um artigo publicado por um ex-representante da UNITA (principal partido de
oposição ao governo), Domingos Muekalia, publicado em Washington.
96
Pelo que compreendemos, a UNITA reivindica representatividade do povo “bantu”, e a expressão de suas
culturas. Suas críticas são dirigidas aos governantes, que são considerados ocupando o governo pelas suas
relações com o colonialismo no passado. Esse fato teria gerado e alimentado “a supremacia crioula e a sua
arrogância características” (Muekalia, apud Cosme, 2002:29).
97
Leonel Cosme não faz referência a que parte da população se refere, apenas indicando tratar-se de “minorias”.
70
legitimação de um qualquer direito histórico de ressarcimento, por inapagáveis
memórias de tempos de discriminação biológica, interdição cultural e proscrição
política, que os tornava, contudo, em portugueses-outros” (Cosme, 2002: 57).
Também é necessário nos referirmos ao posicionamento crítico deste classificador com
relação às afirmações propostas de “autenticidade africana” e das “teorias englobantes”, como
as encontradas em Kandjimbo, que procuram esquecer o passado em prol da construção de
algo novo. Para ele, seria justamente nesse passado que se encontrariam respostas para a
compreensão da base política encontrada hoje no país. Novamente, Mário António é citado
para expressar esta sua idéia:
“Que a mestiçagem inaugura o mundo já foi escrito algures, por um poeta crioulo. A
última obra de Óscar Ribas oferece, portanto, um quadro genesíaco, tipificando o
aspecto inaugural de relações interpessoais, intersociais e culturais que dão corpo à
realidade crioula que, emergente da cidade portuguesa de Luanda, havia de
oferecer modelo às restantes cidades de Angola no período colonial e assegurar o
matiz cultural à nação angolana que surgiria para a plenitude política sob o nome
de República Popular de Angola?” (Oliveira, 1977 apud Cosme, 2002: 56-57. Grifos
nossos)
98
.
Mesmo nos discursos de classificadores mais recentes, a polêmica em torno da
atividade intelectual de Mário António permanece. Esse foi o motivo de apresentarmos esses
discursos aqui. Para além de mostrar a continuidade da idéia de ambigüidade, esses discursos
mostram ainda o interesse pela literatura angolana, e os debates que giram em torno dela.
Algumas considerações finais
A partir das informações apresentadas acima, vemos Mário António sendo classificado
nos discursos de diferentes classificadores. O primeiro ponto a remarcar é a centralidade de
Mário António para o tema da literatura angolana. Embora os classificadores pretendam
excluí-lo - ou incluí-lo - como representante dessa literatura que surge a partir dos anos 50,
Mário António está presente em seus discursos. Os significados sobre Mário António
aparecem no centro dessa disputa, e sua produção intelectual é chamada para o palco,
98
Este trecho nos remete às considerações de Cohn e Dirks (1988: 226) ao procurar compreender o nacionalismo
como uma reprodução, embora diferenciada, da experiência colonial que lhe precedeu. O colonialismo, para estes
autores, estaria inserido no projeto de construção de uma nação. Esta relação precisaria ser desconstruída a partir
da problematização entre “Estado” e “história”, e localizada no campo da cultura. Ver Cohn e Dirks (1988).
71
conforme convém a cada um dos participantes do “campo”. Trata-se de um significante do
objeto em jogo, privilegiado, a partir do qual se constrói a idéia que se pretende mais
verdadeira”. Estas classificações emitem opiniões sobre a produção de Mário António e,
como já dissemos anteriormente, são parte integrante do seu “projeto criador”: daí a relevância
em compreendê-las.
A apresentação destes discursos permite que visualizemos a heterogeneidade de suas
classificações, ao mesmo tempo que permite notarmos que eles se encontram em estreita
conexão. Poderíamos localizar, a partir deles, os termos em oposição, que sinalizariam
igualmente conflitos entre pessoas que se associam, de certa forma, em torno de um mesmo
assunto: o que é Angola? Como defini-la? Quem participa dela? Quem são seus
representantes?
99
Suas disputas estão, portanto, sempre referidas à denominação de uma
“cultura nacional” para Angola. Uma cultura que, na maioria dos casos, é chamada a partir da
literatura angolana.
Essas disputas são melhor qualificadas se observarmos, ao longo das descrições, os
autores-atores que, ao qualificar Mário António de reticente, estão referidos a uma busca de
autonomia nacional para Angola. Entre os seus objetivos, temos a idéia de um movimento
político situado em um momento do tempo e do espaço, do qual fazem parte estas
classificações. Este seria o caso dos discursos de António Cardoso e Carlos Ervedosa.
Entretanto, perguntamo-nos qual seria a finalidade de se excluir este autor, nos anos
posteriores à independência, quando já se teria atingido a autonomia política desejada para o
país? A resposta a esta pergunta pode ser localizada a partir dos diferentes espaços e discursos
emitidos após a independência.
A crítica ao colonialismo passa a ser central em todos esses discursos, e a classificação
de Mário António passa a estar referida ao luso-tropicalismo, em alguns deles (Ferreira e
Trigo). Estamos em um momento em que o colonialismo teria, pelo menos na teoria, chegado
ao seu fim. Hamilton e Margarido continuam marcando a característica ambígua do trabalho
de Mário António. Entretanto, ela precisa ser referida a este novo momento. Estes
classificadores, enquanto autores-atores, dão continuidade a uma disputa pelo estabelecimento
dos termos da literatura angolana. O interessante é perceber que essa luta se dá não em
99
Temos em mente aqui as reflexões de Gellner sobre as bases do nacionalismo. Para este autor, trata-se de um
princípio político que demarca um território, suas fronteiras e, principalmente, um Estado, por meio do qual se
procura afirmar um direito – o da independência – e se pretende governar uma população (Gellner,1983:1).
72
termos de autores-atores inseridos em um espaço angolano versus espaço português. Os
participantes dessa luta, pelo que pudemos vislumbrar dos elementos apresentados no primeiro
capítulo, fazem parte de outros espaços - que atuam em associação com representantes
angolanos (no caso, Hamilton em associação com a UEA).
Nos termos de Elias (1991), podemos considerar essas classificações de Mário António
como “fantasmas”. Sob um certo aspecto, esses “fantasmas” contribuem para a transformação
do pensamento de um grupo (esses discursos têm força, já que até hoje essas qualificações são
consideradas em outros textos), mas, no fundo, eles se reportam à manutenção de posições de
poder e busca de interesses que não estão aparentes (propositalmente) nos textos
100
. Ao
atuarem politicamente, e não somente construindo idéias sobre o que seria a literatura
angolana, estes “autores-atores” – como o próprio termo indica - contribuem para reificação
de uma “história” que está referida a um contexto anterior: os anos 1950.
É neste sentido que os dados apresentados acima nos auxiliam a entender a idéia da
ambigüidade e reticência de Mário António como produto de um momento específico, mas
que permaneceu nos anos seguintes, e até hoje, como uma lenda fundadora do movimento
político para a independência. A história avalia pessoas ao longo do tempo e constrói
cristalizações que se tornam verdadeiras. Se pensarmos nos termos de Hayden White (1987), a
construção desses eventos do passado precisa ser considerada a partir do interesse no controle
dessas verdades e na manutenção desses mitos
101
.
Diante da relevância do trabalho de Mário António na manutenção desses discursos,
propomo-nos agora a refletir mais diretamente sobre a sua produção, procurando igualmente
trazer informações que nos permitam criar a nossa interpretação sobre sua atividade intelectual
e sobre o espaço onde ele se moveu como escritor. Este procedimento permitirá levantar novas
100
Segundo Norbert Elias, os “fantasmes qui jouent um rôle important dans la formation de la pensée collective
et dans l’action de groupes humain ne seraient, em realité, que des alibis. Ce ne serait, en fait, qu’um masque
séduisant, derrière lequel se dissimulerait la propagande. Des groupes dominants les utiliseraient
astucieusement, afin de camoufler des objectifs extrêmement rationnels et réalistes, ne visant em cela qu’à
satisfaire leur propre intérêts, selon um plan froidement calculé
” (Elias, 1991: 26). Este autor também se refere
ao papel dos intelectuais e da literatura na Alemanha do século XIX para a produção de normas que são
internalizadas num discurso que não é produzido pela classe popular, mas por uma classe educada. Ver Elias
(1997).
101
Cf. White (1987). “To conceive of narrative discourse in this way permits us to account for its universality as
a cultural fact and for the interest that dominant social groups have not only in controlling what will pass for the
authoritative myths of a given cultural formation but also in assuring the belief that social reality itself can be
both lived and realistically comprehended as a story. Myths and the ideologies based on them pressuppose the
adequacy of stories to the representation of the reality whose meaning they purport to reveal” (White, 1987:
pagina x - prefácio).
73
perguntas, que irão orientar nossa reflexão sobre a construção de um pensamento social
angolano.
74
Capítulo 3: Os objetos produzidos por Mário António: algumas
possibilidades de análise
No presente capítulo, consideramos relevante apresentar três livros produzidos por
Mário António em momentos diferentes de sua trajetória. Essa apresentação nos oferece a
possibilidade de acessar as suas condições de existência, além das propostas interpretativas ali
veiculadas. A partir desse acesso, há a possibilidade de estabelecermos novos parâmetros para
a análise, criando perguntas que nos permitam confrontar as opiniões dos classificadores,
expostas no capítulo anterior.
Procuraremos, a partir das propostas de Foucault (2000), desfazer algumas unidades
que se apresentam para nós de imediato, deixando aparecer outros elementos, que permitam
compreender de outra maneira os textos de Mário António. Estes elementos se referem a todo
um conjunto de relações entre indivíduos - relações que são a condição mesma de sua
existência. De acordo com Foucault, os recortes dos
“discursos estudados – são sempre, eles próprios, categorias reflexivas, tipos
institucionalizados: são, por sua vez, fatos de discurso que merecem ser analisados ao
lado dos outros, que com eles mantêm, certamente, relações complexas, mas que não
constituem seus caracteres intrínsecos, autóctones e universalmente reconhecíveis”
(Foucault, 2000: 25).
É esse campo complexo de discursos que pretendemos fazer surgir. Ele nos traz a
possibilidade de construção de uma nova interpretação do trabalho de Mário António: que leve
em conta o espaço social onde se manifestaram os seus discursos e as condições históricas que
permitiram a construção desses objetos - os livros - que figuram como produtos de sua
reflexão intelectual.
Esses objetos são aqui apresentados de maneira a colocar em uso a idéia de Foucault de
que “as margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente determinadas” (Foucault,
2000: 26). A nossa intenção é colocar em suspenso os limites que conferem uma unidade ao
trabalho de Mário António. Ao apresentarmos certos aspectos dos seus livros, estaremos
procurando mostrar a sua dependência de todo um conjunto de atividades, de percepções e de
pré-noções que fazem com que a sua realidade seja possível, além de mostrar a dispersão que
os compõe. Colocar em evidência essas regras, questionar a sua presença “silenciosa”, como
75
propôs Foucault, é um caminho que consideramos interessante para nos aproximarmos do
escritor e para reconstruirmos o seu papel no pensamento social angolano.
Os três livros são expostos cronologicamente: A Sociedade Angolana do século XIX e
um seu escritor (1961), Luanda, ‘Ilha’ Crioula (1968) e A Formação da Literatura Angolana
(1851-1950) (1985). A escolha destes exemplares de sua escrita está relacionada aos contextos
diferentes em que foram produzidos, que são explicitados ao longo de cada apresentação.
A Sociedade Angolana do fim do século XIX e um seu escritor
A Sociedade Angolana do fim do século XIX e um seu escritor foi publicado em 1961,
pelo editorial Nós, de Luanda, contendo 79 páginas. A orelha do livro informa que se trata do
primeiro trabalho publicado pela editora. Entretanto, não foi possível ter acesso aos
responsáveis pela editora. A publicação foi realizada com uma tiragem “especial” de 50
exemplares, “numerados e rubricados pelo autor”. Classificado como um “ensaio” nas
informações da capa, o livro conta ainda, em uma das orelhas, com uma foto e uma
apresentação do autor:
Ilustração 7: Mário António
“Ele iniciou a sua actividade literária como poeta em “Poesias” (1956), “Poemas e Canto
Miúdo” (1960) e “Amor” (1960) e notabilizou-se também pelos seus trabalhos de
natureza crítica e ensaística, dispersos por revistas metropolitanas e angolanas.
Ao longo dessa sua actividade, tem-se revelado observador interessado do fenômeno
literário angolano, cujo passado, neste livro, parcialmente entremostra, dentro de
coordenadas que constituirão surpresa para quantos – e são quase todos – conhecem
apenas as formas recentes da produção literária em Angola.
76
Além disso, procurando uma base sólida para as suas interpretações, dá-nos, cremos que
pela primeira vez, uma imagem global e integrada duma sociedade que representou um
caso notável de pluralismo, étnico e cultural, resolvendo-se de modo harmonioso.
Nisto reside o principal interesse deste novo livro de M. António que a Editorial “NÓS”
se orgulha de apresentar e com o qual muito significativamente inicia a sua actividade”
(Oliveira, 1961 – orelha do livro).
Estes comentários nos interessam por mostrarem que o texto de Mário António é
considerado pelos editores como uma narrativa “nova”, que causaria “surpresa” aos leitores
102
.
O livro de Mário António seria interessante, a partir deles, por retratar o passado desse novo
“fenômeno” literário nos termos de uma realidade angolana, definida pela imagem “global” e
“integrada” de uma sociedade plural e em “harmonia”. Esta apresentação dá acesso aos
principais aspectos que qualificam o seu trabalho e que apresentam ao leitor as “vantagens” de
sua proposta.
Um meio de acesso à realidade angolana.
O texto é estruturado em partes distintas. Inicialmente, são apresentadas a sociedade
angolana e a participação de Joaquim Dias Cordeiro da Matta, um escritor de grande prestígio
na segunda metade do século XIX, em Luanda. Em seguida, são desenvolvidas as produções
deste escritor, com a intenção de recuperar o seu trabalho escrito, que estaria esquecido. No
final do texto, é apresentado um posfácio, que conclui a argumentação e explicita a relevância
do tema para o momento “atual”, vivido pelo autor.
O objetivo do livro é apresentado no início, em que se procura enquadrar
“a personalidade literária de J. D. Cordeiro da Matta no seu tempo e na sociedade em
que viveu. Esta, pelo que dela pudemos saber, foi uma sociedade bastante típica de um
luso-tropicalismo ainda por estudar no seu aspecto africano” (Oliveira, 1961: 5).
102
Entretanto, na abertura do texto, Mário António explicita, em nota de rodapé, ter tratado em outros textos da
literatura angolana, a partir da personalidade de Cordeiro da Matta. Estes trabalhos foram Literatura angolana –
uma perspectiva, publicado pela Tempo Presente, em 1960, em Lisboa, e A sociedade angolana do último quartel
do século XIX e a geração literária de 1890, publicado pela editora ABC – Diário de Angola, em 1961, em
Luanda.
77
Descrito como um “laborioso e fecundo escritor” e uma “personalidade” (Oliveira,
1961: 12), Cordeiro da Matta teria feito parte da “primeira geração literária angolana e em que
floriu um muito brilhante jornalismo feito por africanos” (Oliveira, 1961: 9).
Para explicitar a relevância deste autor para a sua época, são apresentados, em seguida,
alguns aspectos que retratariam a “sociedade” em que viveu este escritor. O texto apresenta, na
segunda página, o “conceito” de luso-tropicalismo, que ajudaria a descrever a sociedade
angolana do século anterior. Nessa página, também encontramos comentários sobre a teoria
do sociólogo Gilberto Freyre (a partir de uma publicação recente e editada pela Junta de
Investigações do Ultramar: Integração Portuguesa nos trópicos), comentada em nota:
“Trabalhos monográficos, descrevendo, sem prejuízos, formas passadas ou presentes de
aspectos sociais das várias regiões onde o fenómeno se terá verificado, serão a base
indispensável da confirmação de que fala Freyre. Só através deles, por outro lado,
ganhará o luso-tropicalismo – ou a sua forma mais ambiciosamente proposta como
sistema: a luso-tropicologia – o autêntico terreno de discussão que foi o que se propôs o
seu criador, e não o que escolheram, desvirtuando-o, quantos o combatem ou o utilizam
mal o conhecendo. (...) No caso de Angola pode dizer-se que muito pouco foi
estudado – e mesmo esse muito pouco de um modo excessivamente fragmentário e
assistemático” (Oliveira, 1961: 63-64. Grifos nossos).
Com estas palavras, coloca-se em evidência com quem Mário António dialoga e os
termos de sua comunicação. O uso de Freyre poderia ser pensado como um código de acesso,
que possibilita o diálogo com outros pesquisadores contemporâneos a Mário António, que
também se ocupam de retratar a realidade angolana. Nesta nota, encontramos um modo de
acessar a maneira como Mário António propõe “conhecer” a essa realidade e as origens de
uma literatura nacional
103
.
Os autores utilizados como referência, neste livro, podem ser dispostos no seguinte
quadro:
103
Cf. Said (1990:24). A proposta de conhecer a realidade angolana a partir das proposições de integração do
luso-tropicalismo pode ser pensada a partir da idéia de Said sobre a produção de discursos para o “Ocidente”.
78
Quadro 11: Autores utilizados, temas e data da publicação: livro de 1961
Autores Temas e/ou teorias Publicação Ano
Gilberto
Freyre
Luso-tropicalismo. Integração Portuguesa nos Trópicos, Junta
de Investigações do Ultramar, Lisboa.
1958
Alberto de
Lemos
História de Angola.
Nota Introdutória II Recenseamento geral da
população 1950, 1º volume, Repartição
Técnica de Estatísticas Geral, Luanda.
1953
Irene S. Van
Dongen
Atividade mercantil em Luanda.
The port of Luanda in the economy of
Angola, Boletim Sociedade de Geografia de
Lisboa 78.
1960
Henrique
Carvalho
Exportações angolanas. Descrição da viagem à Mussumba do
Muatiânvua, Imprensa Nancional, Lisboa.
1890
António de
Almeida
Estudo das populações da Ilha
de São Tomé.
Contribuição para o estudo da antroponímia
dos angolares (S. Tomé), Estudos sobre a
etnologia do Ultramar Português, Volume I,
Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
1960
Júlio de
Castro Lopo
História do jornalismo em
Angola; jornalismo retratando a
sociedade do litoral de Angola.
Para a história do jornalismo em Angola,
Museu de Angola, e
Alguns aspectos dos musseques de Luanda.
1952
1948
O livro de Mário António apresenta-nos uma sociedade angolana que passava por
grandes transformações naquela segunda metade do século XIX, tais como: a franquia do
porto de Luanda ao comércio estrangeiro (1844); a publicação das disposições legais para
estimular a produção algodoeira (1855); a concessão de terras (1875)
104
; a abertura da
Associação Comercial de Luanda e do Banco Ultramarino (1860); e o início da construção do
Caminho de Ferro de Luanda (1886). Este último ponto, em especial, é considerado relevante
pelo autor, por demonstrar que se encontrava a caminho um crescimento econômico que
superava a “crise da abolição”. Em outras palavras, esse crescimento teria surgido após a
abolição do “estado da escravidão”, em 1869. A atividade comercial “suportaria” a vida de
uma população de 28.000 habitantes, sendo 5.000 “europeus” e 23.000 “africanos”, segundo a
Repartição Técnica de Estatística Geral
105
.
Em meio a este crescimento, teria surgido uma geração literária composta por
“africanos”. Essa categoria é definida nos seguintes termos:
104
Não é informado a quem essas terras eram “concedidas”.
105
Segundo referência de Mário António, a população da cidade estava dividida da seguinte maneira (E para
“Europeus” e A para “Africanos”): “No Musseque, para um total de 6.676, 37 E e 6.639 A, na Ilha, num total de
1.388, 47 E e 1.341 A, na Cidade Alta, num apuramento global de 2.746, 1.442 E, 1.295 A e 10 diversos; na
Baixa, num cômputo de 17.360 almas, 3.437 E, 13.895 A e 28 diversos” (Oliveira, 1961: 66).
79
“O elemento europeu anterior – móvel por condição – havia sido substituído por outro
mais propenso à fixação mas menos numeroso, incluindo alguns elementos de élite que
foram os que, associados à élite local – gente desempenhando cargos no funcionalismo
público, no foro ou no comércio – deram expressão ao jornalismo luandense do fim do
século” (Oliveira, 1961: 9. Grifos do autor).
A idéia de uma integração encontra-se aqui presente. Os “elementos europeus”, para
Mário António, estavam associados a uma elite local, que desempenhava atividades no
conjunto da sociedade em transformação. A categoria “africanos” é utilizada para esse
conjunto de funcionários e comerciantes, também partícipes dessa transformação, como nos
revela Mário António. Ele também explicita que o termo – sinônimo de “filhos do país” e
“angolenses” - é utilizado “oficialmente” para englobar “toda a população negra e mestiça
cujo contacto com o elemento europeu a tornava um elemento culturalmente distinto”
(Oliveira, 1961: 8)
106
. A definição dessa camada da população pelo critério racial é justificada
pelo autor como resultado de três séculos “de um intercurso biológico e cultural que fora
possível nas condições de extrema mobilidade que caracterizaram a sociedade angolana”
(Oliveira, 1961: 8).
Estes seriam os termos de sua interpretação da sociedade angolana, de onde teria
surgido não apenas Cordeiro da Matta, o escritor do século XIX, mas também a expressão
literária posterior, a da geração da década de 1950, a qual o autor esteve vinculado. Esta
sociedade que, apesar de suas “diferenças” raciais e culturais, mantém-se integrada, teria sido
capaz de produzir escritores “brilhantes”, e é apresentada pela perspectiva da mistura.
Entretanto, fala-se o português, seus integrantes são funcionários públicos ou do comércio, e,
como afirmou Mário António, fazem parte de uma elite que foi educada nos mesmos termos
dos “europeus” que ali se encontravam. Este olhar, que procura descrever as condições sociais
existentes em Luanda, retrata igualmente outros elementos, como as organizações do governo,
os meios de comunicação, as emp Tw 1.0 T Tc 0.o g mganiza86.o Tmexiaprosc Td[osía5 0 xts do governo,ente outro
Para explicitar melhor este ponto, vejamos quem foi J. D. Cordeiro da Matta, segundo
a interpretação de Mário António.
A personalidade de J. D. Cordeiro da Matta.
Mário António nos diz que Joaquim Dias Cordeiro da Matta era natural de Icolo e
Bengo (distrito do Catete), onde nasceu em 1857, filho de Agostinho José Cordeiro da Matta e
Isabel José Afonso. Ele teria sido um dos escritores que integravam o movimento designado
por “geração de 1890”, composta por alguns “filhos do país”. Ele teria sido uma personalidade
ativa dentro desse “movimento literário personalizado”. Além do interesse pela poesia e de sua
formação “auto-didata”, este escritor teria desempenhado atividades profissionais no comércio
de Luanda e publicado grande número de livros e artigos nos jornais da época, abordando
diferentes aspectos daquela sociedade. Mário António busca, nesse conjunto variado de textos,
nessa produção intelectual “multifacetada”, encontrar uma “unidade” que a caracterizasse:
“Essa figura do homem dará unidade ao escritor que, por necessidade de análise,
decidimos considerar os seus diversos aspectos: 1) o poeta; 2) o cronista; 3) o
romancista, 4) o jornalista; 5) o pedagogo; 6) o historiador; 7) o filólogo e 8) o
folclorista. Multifacetada figura de intelectual, convenhamos. Que as linhas que se
seguem não diminuam o real apreço em que se a deve ter” (Oliveira, 1961: 19. Grifos do
autor)
Encontramos aqui, no interesse de Mário António pelo escritor, semelhanças com a sua
própria estória. Com uma narrativa que se dispersa em diferentes estilos, Cordeiro da Matta
pode ser caracterizado também como um escritor polígrafo. A divisão e a classificação da
escrita de Cordeiro da Matta proposta por Mário António parecem representar o seu próprio
desejo - ser classificado de acordo com determinados princípios. A sociedade onde viveu
Cordeiro da Matta - uma mistura de pessoas diferentes, mas que vive em harmonia e
integração - também faz parte desse desejo, e é nela que se deve buscar inspiração para os
“problemas agudamente consciencializados nos tempos de hoje” (Oliveira, 1961: 60).
A apresentação de Cordeiro da Matta recebe, portanto, uma classificação ideal, onde
cada um dos aspectos é analisado e exemplificado com poesias e trechos retirados das
publicações. Como poeta, Cordeiro da Matta é considerado talentoso, principalmente por ter
transposto, “para o nível da incipiência cultural do meio, os elementos de uma escola literária
81
metropolitana pouco propícia à autenticidade e à descoberta” (Oliveira, 1961: 24). Mário
António recorre a Heli Chatelain
107
para comprovar o valor da escrita poética de Cordeiro da
Matta – valor este justificado por ter ele, Cordeiro da Matta, trocado “a musa européia pela
africana”. A qualidade da sua escrita também é louvada por outros críticos da época, que
reservam para a poesia de Cordeiro da Matta um lugar de valor na literatura angolana. Esse
argumento seria ainda “válido” e por isso é transcrito por Mário António no seguinte trecho:
“Apreciável é, com efeito, para quem, olhando o meio literário em que foi concebido,
queira ver nele, não um primor da poesia portuguesa, mas o esforço arrojado dum
homem que, à força da sua boa vontade, aprendeu o que sabe, que escreve para o povo
em que vive e que, à força de trabalho, de estudo e de leitura, só, sem mestres que o
dirigissem, fez o que muitos dos seus críticos trocistas não seriam capazes de fazer. (...)
A província de Angola é ainda criança, com sangue puro e robusto, na verdade, e
ainda tem de crescer, de desenvolver-se, de lutar muito para tornar-se adulta na
grande vida da civilização moderna” (Oliveira, 1961: 26 apud Candal, Luís de. O
Arauto Africano, agosto de 1890. Grifos nossos).
Vemos aqui, particularmente, a idéia de uma integração que estabelece distinções. A
poesia de Cordeiro da Matta não seria classificada como um “primor”, mas antes como um
“esforço arrojado”, que a qualifica a partir da idéia de uma sociedade que ainda não está
pronta, que ainda é “infantil” e “robusta” diante daquilo que se reconhece como sendo o valor
máximo: a “civilização moderna”. Estes termos não são questionados por Mário António, mas
antes validam a idéia de “integração” a uma origem e um epicentro localizados em Portugal
e/ou “Europa”. Poderíamos pensar na continuidade de um discurso que mantém o valor a
partir da idéia de “civilização”. Também encontramos essa idéia de um centro de onde partem
as concepções do que é verdadeiro ou não
108
nesta carta de Heli Chatelain, transcrita por
107
Heli Chatelain nasceu na Suíça em 1859 e chegou a Angola com 26 anos. Foi Pastor protestante, integrando as
Missões Independentes em África. Seu trabalho era aprender as línguas locais e ensiná-las aos missionários.
Chatelain publicou uma gramática e um livro de introdução à cultura lingüística angolana, bem como alguns
contos populares de Angola (publicado em 1894, com o título Folk Tales of Angola, nos Estados Unidos). Mário
António faz referência a este escritor como um “catalizador em relação à geração literária de 1890”. Ele teria sido
responsável pelas “ferramentas culturais” ensinadas a Cordeiro da Matta, que lhe permitiram sistematizar
material recolhido no campo da lingüística e folclore “Quimbundu”.
108
Ver Geertz (1991). “O poder serviria a poma e não ao contrário. Por detrás desta, para nós estranha, relação
invertida entre substância e aparatos de poder, encontra-se uma concepção geral da natureza e bases da soberania
a que, por uma mera questão de simplicidade, podemos chamar a doutrina do centro exemplar. (...) A
equivalência entre sede do poder e domínio do poder, expressa pelo conceito de negara, é mais do que uma
metáfora acidental; é a afirmação de uma idéia política controladora – a de que, pelo simples acto de fornecer um
modelo, um protótipo, uma imagem impecável da existência civilizada, a corte molda o mundo à sua volta numa
aproximação, mesmo que rudimentar, da sua própria perfeição” (Geertz, 1991 :25-26).
82
Cordeiro da Matta em Philosofia popular em provérbios angolenses e, mais tarde, citada pelo
próprio Mário António:
É preciso que os próprios filhos do país, cheios de santo zelo pelas cousas pátrias,
desenvolvam a literatura nascente; e como a união faz a força, é mister que se reunam
os poucos que sentem na sua alma o fogo sagrado; é mister que este fogo queime e
consuma as mesquinhas rivalidades e vaidades pessoais de modo que cada um se
regojise da prosperidade do colega. Se o Netto, o Lino, o Phino, o meu amigo, o Luís
Bastos, e pouco a pouco mais outros trazem cada um a sua pedra para o edifício
nacional, não pode este deixar de progredir e ser um monumento, não só à glória
dos que o construíram, como à da nação para cujo serviço se levantou” (Oliveira,
1961:13-14 apud Cordeiro da Matta, s.d.. Grifos nossos).
Precisamos entender que esse desejo de uma literatura feita para os “filhos do país”,
para além de um esforço de dar voz e participação a um determinado grupo – “crioulo” - em
uma sociedade, traz consigo a idéia de uma integração a um padrão externo, originado no
exterior ou, diríamos, “ocidental” (Said, 1990). Mário António volta ao passado para procurar
elementos que lhe permitam colocar em destaque a importância dessa literatura. A sua
recomposição é também construída a “serviço” da construção de uma nação.
Voltemos ao texto. As qualificações que Mário António faz de Cordeiro da Matta
como “cronista”, “romancista” e “jornalista” são apresentadas rapidamente, recuperando o
título de alguns de seus trabalhos e artigos em jornais, bem como citações do seu texto. A
marca do “pedagogo” é descrita mais demoradamente, pelo seu esforço de “educação popular”
e pela produção de textos pedagógicos como a Cartilha racional para se aprender a ler o
Kimbundu escrita segundo a Cartilha Maternal do Dr. João de Deus. Esta cartilha, explica
Mário António, aplica os “métodos de ensino da leitura” para “angolenses”, pois “só é grande,
só é homem, aquele que se distingue pela instrução e saber” (Cordeiro da Matta, apud
Oliveira, 1961: 37)
109
. Na rubrica “filólogo”, aparece a sua contribuição na publicação de
dicionários Kimbundu-Português, que teriam, no seu prefácio, a seguinte citação:
109
A sua atividade de pedagogo é explicitada com mais clareza por Mário António em outro livro, a partir de um
artigo de Cordeiro da Matta publicado em 1892, no jornal O Arauto Africano. Mário António explicita: “Na
verdade, nesse artigo, algo longo, Cordeiro da Matta, quase no fim da sua vida, fala das circunstâncias dos povos
de África, considera-os imersos em obscurantismo absoluto donde só por milagre sairão, os seus costumes, que
somente variavam de um lugarejo para outro, por longos séculos permanecendo estacionários, sem mudarem de
caráter” (Oliveira, 1997: 90). Mário António comenta dizendo que essa seria uma idéia da “pseudociência” do
século XIX, que mais tarde seria denominada de colonial.
83
“É assim que todas as línguas têm sido aperfeiçoadas; e assim é que a língua mbundu,
tão suscetível de metrificação, de cadência e de ritmo, poderá tornar-se culta” (Oliveira,
1961: 43 apud Cordeiro da Matta).
Como “folclorista”, Cordeiro da Matta teria se preocupado em recolher informações
sobre as tradições dos “angolenses”, o que mostra a “existência de uma consciência cultural
que não era só de Cordeiro da Matta, mas de toda uma geração” (Oliveira, 1961: 44). O
sumário de um de seus livros (Philosophia popular em provérbios angolenses) é exposto por
Mário António:
“Importância dos provérbios angolenses – Utilidade dos provérbios – Origem dos
provérbios e seu emprego e aplicação na antiguidade – Seu valor filosófico – Como
coleccionamos estes provérbios e orthographia que n’elles adoptamos – Como João de
Pinho considera os seus patrícios – Sua orthographia na língua vernáculaNecessidade
de Angola ter uma literatura sua – Como os angolenses a devem desenvolver – O
que é a literatura de um povo” (Oliveira, 1961: 44-45. Grifos nossos).
As atividades de “folclorista” de Cordeiro da Matta teriam recebido ajuda de Heli
Chatelain, ajuda que tornou possível “erguer uma obra, ainda hoje inultrapassada, no campo
da linguística e do folclore quimbundus” (Oliveira, 1961: 49). Ao conc
Se partirmos das propostas de Hayden White, as escolhas narrativas envolvem a
construção de realidades coerentes e compreensíveis para aqueles com quem o autor se
relaciona. Nessa narrativa que pretende dizer a verdade sobre a “história” da literatura
angolana, Mário António transmite idéias. Pela própria forma como essa história é narrada,
pode-se explicitar como essas idéias se mantém. Segundo White, a própria forma - tida e
reconhecida como verdade - é o meio pelo qual essas idéias são transmitidas. É por isso que
nos cabe perguntar como e para quem se mantém essa realidade. A narrativa não seria apenas
um meio de retratar a realidade, mas um meio pelo qual se luta politicamente. A forma
utilizada por Mário António é aceita, por isso se constitui como um instrumento de poder e, ao
mesmo tempo, como um “ato moral”, nos termos de White
111
.
Mário António utiliza o recurso de voltar ao passado para narrar o que ele deseja que
seja criado no futuro: uma realidade “ideal” para si, para a literatura angolana e, ainda mais
amplamente, para Angola. Entretanto, os parâmetros que ele define são valorizados por um
pequeno número de pessoas (não apenas os “africanos” ou “mestiços”), a partir de um outro
conjunto de relações, exteriores e conectadas com a metrópole
112
. Esta idéia pode ser
explicitada a partir das condições que permitem a existência do próprio livro.
because discourse is actualized in its culturally significant form as a specific kind of writing that we may consider
the relevance of literary theory to both the theory and the practice of historiography” (White, 1999:1).
111
“(...) narrative is not merely a neutral discursive form that may or may not be used to represent real events in
their aspect as developmental processes but rather entails ontological and epistemic choices with distinct
ideological and even specifically political implications. Many modern historians hold that narrative discourse, far
from being a neutral medium for the representation of historical events and processes, is the very stuff of a
mythical view of reality, a conceptual or pseudoconceptual ‘content’ which, when used to represent real events,
endows them with an illusory coherence and charges them with the kinds of meanings more characteristic of
oniric than of waking thought” (White, 1978: ix. Grifos nossos).
112
Ann Laura Stoler (1995) nos auxilia a pensar na construção dessas categorias e nos sujeitos que elas retratam,
não como algo dado, ou importadas do “Ocidente”, mas na sua construção nesse contexto de relação entre
metrópole e colônias. “Colonialism was not a secure bourgeois project. It was no only about the importation of
middle-class sensibilities to the colonies, but about the making of them. This is not to suggest that middle-class
European prescriptions were invented out of whole cloth in the outposts of empire and only then brought home. I
want to underscore another observation: that the philanthropic moralizing mission that defined bourgeois culture
in the nineteenth century cast a wide imperial net; that the distinctions defining bourgeois sexuality were played
out against not only the bodies of an immoral European working class and native. Other, but against those of
destitute whites in the colonies and in dubious contrast to an ambiguous population of mixed-blood origin”
(Stoler, 1995:99-100).
85
As condições de existência do livro.
Voltemos nosso olhar para o momento em que Mário António escreve. Seu livro,
enquanto um meio de comunicação para uma idéia, só tem existência enquanto há interessados
pelo tema. O esforço criativo de Mário António e as suas estratégias de apresentação - a
produção de um texto que se compõe na forma de um “livro”, com capa, título, apresentação,
foto - devem ser reconhecíveis pelo público leitor e patrocinador do seu trabalho (no caso, a
editora). Trata-se de um esforço que parte de uma “interação criativa” (Tilly, 2000: 723). É
preciso lembrar que os discursos, as comunicações escritas, não são produzidos em um vazio,
mas dentro do universo de expectativas de um público leitor, para o qual se dirigem. No ano
de 1961, observamos um crescente interesse pela atividade literária, como já dissemos
anteriormente, tanto em Luanda, em torno da Livraria ABC, como nas cidades de Lubango (Sá
da Bandeira) e Huambo(Nova Lisboa), em torno de suas respectivas editoras. Como Mário
António participava desse campo, publicando poesias e contos em alguns destes novos
espaços, este seu trabalho tinha um público, para o qual era dirigida essa nova maneira de
retratar a literatura angolana.
Embora essa recuperação do passado da literatura angolana seja novidade naquele
momento, como ficou claro na apresentação do livro, é preciso ter em mente que não houve
rejeição a esse método “criativo”. Para fazermos esta afirmação, temos em mente o I Encontro
de Escritores realizado no município de Lubango (Sá da Bandeira), dois anos após esta
publicação – 1963. Ali se reuniram outros escritores interessados no tema da literatura
angolana, e Mário António expôs uma comunicação que procurava definir a literatura a partir
de uma “evolução” e de um acúmulo da atividade escrita ao longo das décadas. Os escritores
ali presentes não concordaram com as escolhas dos nomes dos poetas que figuravam na lista
de Mário António, mas não rejeitaram a proposta de se discutir a literatura angolana, pois este
teria sido o motivo pelo qual estavam presentes
113
. A sua comunicação era uma contribuição
para as perguntas que se colocavam ali: o que é a literatura angolana? Como defini-la? Quem
participa dela? Quem são seus representantes? Por meio deste episódio, poderíamos seguir
procurando dados para reconstituir esse conjunto de autores-atores que, juntamente com Mário
113
Este encontro foi realizado com a participação de 33 escritores, sendo que o texto de Mário António
comunicado neste encontro e os comentários dos outros escritores encontram-se publicados em Oliveira (1990:
355-358).
86
António, permitiram manter esse impulso moralizador e normatizador que procurava definir
como a literatura e a sociedade angolana deveriam ser organizadas
114
.
Este livro também circulou por outros espaços. Mário António afirma, na sua entrevista
a Michel Laban em 1984, que esta sua “publicação de capa verde” (Oliveira, 1990: 532) foi
lida pelo Dr. Carlos Lopes Cardoso, diretor da Divisão de Etnologia e Antropologia do
Instituto de Investigação Científica, em Lisboa, no início dos anos 1960. Naquele mesmo ano
da publicação, este diretor propôs a Mário António que trabalhasse e estudasse em Lisboa. A
proposta foi aceita, já que Mário António preferia estudar a “fazer livro de fichas” (Oliveira,
1990: 533) no Serviço Metereológico de Lisboa, instituição onde trabalhava desde 1951.
Estes são dados – a receptividade com que o seu trabalho foi acolhido por um investigador em
Lisboa – que nos levam a priorizar este livro como um objeto construído para comunicar uma
mensagem, uma idéia. Em outras palavras, o esforço intelectual foi recompensado
115
.
Assim como este, outros “monumentos” foram criados por Mário António, em
condições diferentes, tanto de tempo, como de espaço. É para eles que nos dirigimos agora.
114
Estes atores com quem Mário António disputa a definição de literatura angolana podem ser pensados nos
termos de Norbert Elias (1994), como constituindo uma rede de pessoas que, associadas e em conflito, lutam por
ter acesso a fontes de poder. Esta idéia nos vem a partir da noção de “configuração”, proposta por este autor: “A
rede de interdependências entre os seres humanos é o que os liga. Elas formam o nexo do que é aqui chamado
configuração, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes. Uma vez que as pessoas
são mais ou menos dependentes entre si, inicialmente por ação da natureza e mais tarde através da aprendizagem
social, da educação, socialização e necessidades recíprocas socialmente geradas, elas existem, poderíamos
arriscar a dizer, apenas como pluralidades, apenas como configurações. Este o motivo por que, conforme
afirmado antes, não é particularmente frutífero conceber os homens à imagem do homem individual. Muito mais
apropriado será conjecturar a imagem de numerosas pessoas interdependentes formando configurações (isto é,
grupos ou sociedades de tipos diferentes) entre si” (Elias, 1994: 249).
115
A idéia de obtenção de um reconhecimento por Mário António, em meio ao circuito em que viveu, parte das
considerações de Bourdieu (1996). “(...) é o intervalo temporal entre o dom e o contradom que permite ocultar a
contradição entre a verdade vivida (ou desejada) do dom como ato generoso, gratuito e sem retribuição, e a
verdade que o modelo revela, aquela que faz do dom um momento de uma relação de troca transcendente aos atos
singulares de troca” (Bourdieu, 1996:7-8).
87
Luanda, “Ilha” Crioula
O livro Luanda, “Ilha” Crioula, foi publicado em 1968, pela Agência-Geral do
Ultramar
116
, em Lisboa. São 162 páginas divididas em cinco documentos, escritos por Mário
António ao longo do tempo. Essa estrutura é apresentada na “Nota Justificativa” colocada em
sua primeira página. Os títulos destes documentos, na ordem em que são apresentados, são:
“Luanda, ‘Ilha’ Crioula” (que abre a coletânea); “Um intelectual angolense do século XIX”;
“O romancista angolense António de Assis Júnior”; “Tomaz Vieira da Cruz, poeta”; e
finalmente, “A obra literária de Óscar Ribas”. O primeiro artigo é um trabalho de Mário
António que ganhou grande destaque ao longo dos anos, e onde desenvolveu a chamada
“teoria da crioulidade”. O segundo artigo corresponde ao livro publicado sobre Cordeiro da
Matta em 1961, que nesta nova edição ganha um título diferente, embora o seu conteúdo
permaneça exatamente igual. Os outros três artigos são menores, mas também analisam
escritores angolanos de gerações anteriores a Mário António: António de Assis Júnior (1887),
Tomaz Vieira da Cruz (1900) e Óscar Bento Ribas (1909). Apesar destes artigos fazerem parte
do mesmo volume, apenas o artigo “Luanda, ‘Ilha’ Crioula” ganhou destaque. Analisaremos, a
seguir, esse artigo.
O quadro de referências: o sistema Sul-Atlântico Português.
No início do livro, após a Nota Introdutória, Mário António apresenta um “quadro de
referência” - um texto com a data de 1964, a partir do qual ele situa o leitor quanto ao método
teórico proposto para desenvolver os trabalhos que compõem o livro. Este quadro, intitulado
“o arquipélago Sul-Atlântico Português”, mostra os diferentes espaços (ilhas de Cabo-Verde,
Brasil e Angola) construídos a partir de elementos de um “sistema de circulação” - que estaria
vinculado à colonização portuguesa - e que tiveram processos paralelos de desenvolvimento,
especialmente após a “abolição do tráfico”. Em Angola, esses espaços, a que Mário António
denomina de “ilhas”, foram Luanda, Benguela (outra cidade do território angolano) e alguns
presídios no interior, no século XIX, considerados núcleos a partir dos quais se definiram
116
A Agência-Geral do Ultramar, antiga Agência-Geral das Colônias, foi criada em 1925 pelo governo português
e era responsável pela produção cultural direcionada para as colônias.
88
unidades maiores. Nesse território, a “criação de uma cultura” ficou limitada a essas zonas de
influência, e teria sido resultado de uma “miscigenação cultural profunda”. Para este esquema
teórico, são feitas cinco referências a autores, que apresentamos no quadro abaixo.
Quadro 12: Autores utilizados, temas e data da publicação: livro de 1968
Autor Temas e teorias
apresentadas por Mário
António
Textos citados Origem
Francisco
Tenreiro
Processo de integração em
Cabo Verde e S. Tomé.
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe –
Esquema de uma evolução conjunta,
Imprensa Nacional, Praia, 1956.
Cabo Verde,
morava na
metrópole.
Gabriel
Mariana
Processo Cabo-Verdiano de
integração.
Do funco ao sobrado ou o ‘mundo’
que o mulato criou, Colóquios Cabo-
Verdianos, Junta de Investigações do
Ultramar, 1959.
Cabo Verde,
morava na
metrópole.
José
Redinha
Especificidade do termo
Reino de Angola, para uma
pequena região, Luanda, no
séc. XIX.
“Origem e generalização do nome
‘Angola’”, Ultramar – Revista da
comunidade portuguesa e da
actualidade ultramarina.
Portugal
Heli
Chatelain
Pesquisas etnográficas,
sinaliza miscigenação.
- Suíça, morava
nos Estados
Unidos.
Óscar
Ribas
Também pesquisas
etnográficas, relacionadas ao
processo de miscigenação.
- Angola,
morava na
metrópole.
Fonte: Oliveira (1968)
Estes são os principais, ponto de partida para a sua análise. Entretanto, ao longo dos
artigos que compõem o livro, outros autores serão citados, dependendo dos aspectos que estão
sendo analisados. A explicitação do “quadro de referências” tem como objetivo, informa
Mário António, dar destaque para as “formas culturais crioulas” que vêm recorrendo nos
trabalhos de escritores angolanos, e que orientam todos os “que querem ser artistas
angolanos” (Oliveira, 1968: 11).
O artigo “Luanda, ‘Ilha’ Crioula”.
O artigo “Luanda, ‘Ilha’ Crioula” é estruturado em dez itens. O autor enfatiza, em cada
um deles, um aspecto de Luanda. O primeiro item é apresentado logo no início do artigo, onde
se define o termo “crioulo”:
89
Crioulo é designação a cujo radical se liga a significação de criar. Aplica-se,
genericamente, aos descendentes, em áreas tropicais, de não-aborígenes, sendo
originariamente independente de cor ou raça. No domínio linguístico, porém, o seu
sentido restringiu-se, passando a aplicar-se a um estádio da evolução das línguas de
recurso em regiões – designadamente ilhas - onde chegaram gentes de diferente
proveniência, estádio em que essas línguas são ‘faladas por grupos compactos de
locutores e em todas as circunstâncias de vida, com exclusão de qualquer idioma’”
(Oliveira, 1968: 13. Grifos nossos).
Este trecho foi desenvolvido a partir de referências teóricas de autores (como o
Rodrigo Sá de Nogueira e André Martinet) que também utilizam e definem o termo.
Entretanto, haveria uma especificidade para o caso dos “territórios portugueses”:
“Entre nós, crioulo tem uma conotação sentimental que não podemos pôr de lado:
denota, porventura, o tipo melhor acabado da amálgama bio-social que Portugueses
realizaram nos trópicos (...). Nele se experimentaram e cruzaram influências, se
caldeou um novo tipo humano, um novo tipo de mentalidade e até de linguagem: o
crioulo, nascido da fusão harmoniosa do Branco com os escravos negros” (Oliveira,
1968: 13. Grifos nossos).
E citando Francisco Tenreiro
117
:
“(...) embora em alguns aspectos de vida material sobrevivam elementos de culturas
negras, na maioria das expressões e atitudes encontramos a marca profunda de
paradigmas europeus. (...) mantêm-se ainda vivos factores de civilização que são
comuns e veiculares a ambos os grupos: a língua, a religião e a troca de sangues. E
outros ainda: como o compadrio, a cozinha partilhada nos melhores pratos por pretos,
brancos e mulatos e aqueles que se estabelecem nos serviços públicos da cidade. (...) No
arranjo da casa, no vestuário, nos festejos e solenidades os crioulos aproximam-se do
estilo de vida europeu” (Oliveira, 1968: 13-14. Grifos nossos).
Esses trechos nos levam a pensar que o termo “crioulo” vai sendo construído a partir
de diferentes aspectos conectados à “fusão” com o “estilo de vida europeu”: uma língua, uma
crença, e a troca de sangues. É neste item de abertura que se define essa idéia de fusão, que
teria gerado aquilo a que se denomina “crioulo” como resultado da “maior obra humana do
Portugal Ultramarino da expansão civilizacional portuguesa” (Oliveira, 1968: 18). Por
“crioulo” se entende, portanto, um conjunto de fatores que se distinguem do “europeu”, e que
constituem uma natureza particular, híbrida, mestiça.
117
Francisco Tenreiro foi funcionário do Ministério do Ultramar e, segundo Mário Pinto de Andrade, um
profundo conhecedor de Angola através dos livros. Foi autor de alguns estudos de geografia “colonial”, foi ligado
ao professor Orlando Ribeiro e tinha relações nas revistas de esquerda da capital portuguesa. Como “homem das
ciências”, contribuiu para a formulação do plano de trabalho do Centro de Estudos Africanos, criado em 1951,
em colaboração com Mário Pinto de Andrade. Ver entrevista a Andrade, em Laban (1997: 71).
90
Precisamos lembrar que Mário António fala da sua própria condição de “mestiço”, cujo
pai não foi aceito nos quadros da igreja pelas regras vigentes de não aceitação de “africanos”.
O significado do seu argumento de uma “fusão” pode ser pensado no sentido de uma forte
necessidade do autor de se integrar em uma “sociedade”. Podemos resgatar aqui o exemplo de
Mozart, analisado por Norbert Elias (1991), onde a “configuração” na qual o músico viveu, e
que ditava as condições para o seu trabalho, teve um forte impacto sobre a sua necessidade de
valorização, reconhecimento e ascensão social. O exemplo de Elias sugere-nos uma
comparação com o caso de Mário António, por ser também este um “artista” que utilizava as
formas e expressões encontradas no ambiente onde cresceu para buscar valorização. As
lembranças do pai que não pôde alcançar o sonho de ser padre estariam fortemente marcadas
em sua memória. Ao trazer para o seu discurso a especificidade e a qualidade do “crioulo” de
Luanda, das ilhas portuguesas, Mário António busca reformular essa condição de ser
“africano”, procurando dignificar um conjunto de atores sociais que foram marcados por uma
separação e excluídos de determinados circuitos – o establishment, nos termos de Elias – onde
transitavam aqueles que se consideravam detentores de um status mais elevado.
Ao longo do artigo, em cada item escolhido, os termos dessa qualidade e distinção são
colocados. No segundo item, encontramos a origem para o nome Angola, que teria surgido do
termo “Ngola”, um prova da “sobrevivência” de elementos “africanos” na língua, como afirma
no seguinte trecho:
“Não será ocioso lembrar que até os topónimos são reveladores do processo histórico
cumprido: se de outro modo, com um sentido de superioridade, de não-aderência, se
houvesse processado o contacto nesta zona de África, não sobreviveriam nomes
como esse, de raiz quimbunda, apenas amoldados à pronúncia portuguesa” (Oliveira,
1968: 18-19. Grifos nossos).
Neste item, são lembrados os termos dessa “ação regional”, que implicaram numa
existência “culturalmente diferente” e que contribuíram, da mesma maneira, para a “afirmação
de uma cidade luso-tropical, motor de Civilização na África Ocidental” (Oliveira, 1961:
23)
118
.
No terceiro item, são abordadas referências ao entendimento do que seria aquela terra,
e dos processos de administração, seja militar ou da justiça, que ali foram realizados, no
passado. Para Mário António, houve formas de administração que se fizeram “adequadas”
118
As referências a este item foram trazidas das leituras de José Redinha.
91
para seus moradores e habitantes, porque levavam em conta seus “usos e costumes” ao
construírem figuras jurídicas próprias dos “nativos”. Isso permitiu detectar não uma “atitude
de contemporização, mas de dinâmica criadora, no que poderia ser um campo aberto à
incompreensão e à intolerância” (Oliveira, 1968: 28)
119
.
O contato entre as religiões tradicionais e a católica, apresentado no item 4, também
conferiu provas de uma integração harmônica. Os trabalhos de Óscar Ribas, e de A. da Silva
Rego são escolhidos como fontes de exemplos desta integração, já que traduziriam o
“encontro de homens e a sua capacidade de moldarem as formas que lhes permitissem viver de
acordo com a realidade social nova que ia surgindo na própria medida em que todos dela
participavam e no seu interior se transformavam” (Oliveira, 1961: 32). Na seqüência, o item 5
retrata a comunicação pela língua - um aspecto que, segundo Mário António, seria o “melhor
sinal de êxito (...) da integração social de grupos de diferente origem” (Oliveira, 1961: 35-36)
– e o item 6 mostra a literatura angolana como o principal campo de “criação” da expressão
literária – idéia exemplificada pelo I Encontro de Escritores, realizado em Lubango (Sá da
Bandeira), em 1963. Ali se teria encontrado
“A base da sua caracterização na interinfluência de ‘uma realidade circunstancial,
fundamentalmente europeia, e de uma realidade circunstancial africana’, definindo-se o
‘tipico angolano’ como o ‘produto da concorrência das culturas originais
(Oliveira, 1961: 36. Grifos nossos).
Estas palavras são reproduzidas da sua própria comunicação, apresentada naquele
encontro em Lubango (Sá da Bandeira), onde apresentou a relevância dos estudos históricos
para se conhecer a literatura angolana
120
. Como exemplos dessa literatura crioula, Mário
António identifica Cordeiro da Matta e Tomaz Vieira da Cruz, que serão objeto de uma análise
mais detalhada nos outros artigos do livro. No item 7, José Blanc de Portugal é lembrado pela
sua pesquisa sobre as danças folclóricas, que também apresentariam elementos desse
hibridismo cultural. No item 8, o autor aborda os festejos e celebrações e, no item 9, os
“costumes”, reconhecidos pelos hábitos alimentares, pelos “lavores femininos” e pelas
119
Neste terceiro item, são apontadas informações encontradas nos trabalhos de Heli Chatelain, Ilídio do Amaral,
Gilberto Freyre e outros livros de exploradores do século XIX.
120
Nesta comunicação, Mário António não apresenta, na lista dos autores que comporiam a literatura angolana,
aqueles que já se encontravam na luta armada, como Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato da Cruz, Mário
Pinto de Andrade e António Cardoso, fato que foi objeto de críticas por alguns dos participantes, também
escritores, presentes no encontro. Cabe também colocar que os “povos tradicionais” foram colocados em segundo
plano, com a justificativa de que o mais importante seria voltar à “evolução” e ao “acúmulo” da escrita literária a
partir dos elementos do passado.
92
vestimentas. Nesse item é homenageada a “Mulher Africana, criadora do luso-tropicalismo e
artífice – talvez, nalguns aspectos, acima de todos os outros – da edificação de uma cidade
crioula: Luanda” (Oliveira, 1968: 50-51). No último item, fechando a sua comunicação, Mário
António mostra o “sentimento de orgulho” dos Portugueses pela costa ocidental da África,
numa espécie de agradecimento à herança ali deixada. Entretanto, nem tudo são flores. Mário
António apresenta a idéia de que muito trabalho ainda precisaria ser feito:
“Nesse aspecto, a cidade capital de Angola tem, porém, uma responsabilidade maior:
sendo a partir dela que se conformaram os padrões de vida social do interior da
província e detendo ainda ela esse poder de influência, da evolução das relações
humanas no seu interior dependerá em muito a evolução delas na restante
província. É de crer, porém, que a regra da simples fidelidade – que é a da
memória sentimental que de si própria guarda qualquer cidade ou comunidade –
seja bastante para feliz decisão do seu futuro” (Oliveira, 1968: 53. Grifos nossos).
Com estas palavras, colocadas quase no final Antónioreafirumaae
e mantre mos c ”lqu, nemco trprimo
poniode crsbenton a suaas(soccaçã). a sua
Portugal (seu chefe), que foi considerado por Mário António como uma forte influência para o
seu trabalho de escritor
121
. Seu chefe de departamento, Secundino José de Almeida
122
, teria
também lhe pedido, em meados dos anos 50, para realizar uma pesquisa histórica para a
comemoração do centenário da observação metereológica em Angola. Na nossa pesquisa, não
pudemos localizar outros atores sociais com os quais Mário António pudesse ter dialogado e
que pudessem ter dado a ele acesso a teorias e ao próprio interesse pela história como um
modo de narrar a realidade. Entretanto, ao explicitarmos a relação de Mário António com estes
dois atores (José Blanc de Portugal e Secundino José de Almeida), podemos colocar como
hipótese a apreensão desses instrumentos e do conhecimento – que igualmente foram
transmitidos por outros livros a que teve acesso – por meio dessas relações no trabalho
123
.
São estas relações que nos permitiriam apreender o “contexto” onde Mário António
viveu e onde teve acesso a um modo pelo qual se poderia narrar a história de Angola
124
.
Podemos pensar, ainda, que a sua procura de valorização esteve referida à posição destes
contatos no interior da hierarquia da instituição onde trabalhava, o que determinaria as suas
121
“Lembro-me, por exemplo, da administração pelo requinte da expressão, que me foi manifestada por um
espírito tão requintado como o do Dr. José Blanc de Portugal” (Oliveira, 1990:169). José Bernardino Blanc de
Portugal (1914, Lisboa) formou-se em Ciências Geológicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa, cursando também cadeiras de História da Música e Língua e Literatura Árabe. Desempenhou cargos
diretivos no Serviço Meteorológico Nacional em diferentes sedes: no Açores, Cabo Verde, Angola e
Moçambique. Foi também professor universitário, de Integração Cultural e Sociologia da Informação, nos
cursos de Formação Artística da Sociedade Nacional de Belas Artes. Exerceu, por vinte anos, a crítica musical,
com artigos publicados no jornal Diário de Notícias. Tem poesias publicadas, especialmente nos anos entre 1959
e 1962.
122
Não encontramos informações sobre este chefe de departamento.
123
Não havia instituições de curso superior em Luanda. Mário António, naquela época, já havia terminado os
estudos no Liceu já há muitos anos. É importante destacar que Ao darmos importância para o conjunto de
relações e conexões pessoais e diádicas entre os atores, estamos nos baseando nos trabalhos de Clyde Mitchell
(1969). Mitchell destaca a relevância dessas redes e de suas qualidades (como a proximidade entre os atores, a
durabilidade do seu contato, etc.) ao interferirem na própria ação e comunicação dos atores. Essa influência
partiria da expectativa que as pessoas têm, umas em relação às outras, no que diz respeito a obrigações e
responsabilidades. Ver Mitchell (1969). “The interest in these studies focuses not on the attributes of the people
in the network but rather on the characteristics of the linkages in their relationship to one another, as a means of
explaining the behaviour of the people involved in them. (...) Barnes (1954) introduced the idea of a social
network to describe an order of social relationships which he felt was important in understanding the social
behaviour of the parisshioners in Bremnes and hich was not subsumed by structural concepts such as groups
based on territorial location or on occupational activities” (Mitchell, 1969: 4-5).
124
Ver White (1999). Estamos sugerindo, a partir de White, desfazer as certezas das narrativas sobre o passado e
percebê-las constituídas a partir de processos de socialização próprios e disciplinadores, que em si definem os
parâmetros possíveis para esta reconstrução. Nas suas palavras: “But it must be stressed that we are here
considering not the question of the methods of research that should be used to investigate the past but, rather, that
of historical writing, the kind of discourses actually produced by historians over the course of history’s long
career as a discipline. And narrative has always been and continues to be a predominant mode of historical
writing” (White, 1999: 3). Cabe ainda ressaltar, como já afirmamos na introdução, que Mário António foi um
“escritor polígrafo”, para quem narrar o passado se constituiu como uma das possibilidades da sua escrita.
94
relações
125
. Ao ocupar o cargo de “observador metereológico”, Mário António passou por um
processo de aprendizado e de aquisição de deveres que possibilitaram que ele pertencesse a
uma comunidade, específica, de valores e moralidades. O interesse pela narrativa histórica e os
objetivos a serem atingidos por meio dela precisariam ser compreendidos a partir do vínculo a
estes, e a outros, atores sociais.
Cabe ainda remarcar a valorização da pesquisa histórica e do narrar o passado, quando
encontramos um conjunto de instituições onde estavam armazenadas informações,
documentos e outros materiais que alimentaram as pesquisas realizadas por Mário António. A
menção feita em seus textos aos arquivos onde encontrou o material da pesquisa mostra a
existência de bibliotecas e locais de armazenamento de informações geridos pela Igreja
(Seminário) e pelo Estado (Câmara). O seu trabalho esteve conectado com instituições
construídas em Luanda em uma época colonial, o que nos permite novas possibilidades de
análise, feitas a partir do espaço por onde circulou Mário António. A relação de Mário
António com estas instituições poderia ser também objeto de uma pesquisa mais específica,
nos termos da proposta de Bernard Cohn (1996)
126
. No entendimento desse autor, estas
instituições e o armazenamento de informações possibilitaram a construção de um
conhecimento estreitamente conectado à construção de imaginários nacionais e ao controle do
território por seus governantes, controle que teve origem a partir dos Estados europeus. Seria
nos “procedimentos oficializantes” do Estado que encontraríamos conhecimentos capazes de
gerar novas moralidades e novos cidadãos.
Por outro lado, não são apenas as relações de trabalho e seu vínculo com as instituições
do Estado Português que cabem ser ressaltadas quando procuramos apreender o contexto de
“vida” de um autor-ator. Devemos considerá-las como partes de um conjunto mais amplo, que
125
Ver Weber (1974). Este autor nos leva a pensar nestes termos quando diz o seguinte: “os princípios de
hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e
subordinação, no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores” (Weber, 1974: 230).
126
Ver Cohn (1996). “From the eighteenth century onward, European states increasingly made their power
visible not only through ritual performance and dramatic display, but through the gradual extension of
‘officializing’ procedures that established and extended their capacity in many areas. They took controle by
defining and classifying space, making separations between public and private spheres; by recording transactions
such as the sale of property; by counting and classifying their population, replacing religious institutions as the
registrar of births, marriages, and deaths; and by standardizing languages and scripts. The state licensed some
activities as legitimate and suppressed others as immoral or unlawful. With the growth of public education and its
rituals, it fostered official beleifs in how things are and how the ought to be. The schools became the crucial
civilizing institutions and sought to produce moral and productive citizens. Finally, nation states cabe to be seen
as the natural embodiments of history, territory, and society” (Cohn, 1996: 3).
95
também incluiu outros núcleos por onde esse ator passou, como as associações culturais (que
publicaram a Mensagem e a Cultura), as outras editoras (como a Imbondeiro), o Liceu
Nacional Salvador Correia, onde teve contato com amigos e colegas, além de outros, que
poderíamos mencionar, como os jornais e os interessados no tema da literatura. Estas outras
relações, se fossem mapeadas e qualificadas (como mais próximas ou mais duráveis em
relação a Mário António, por exemplo), permitiriam compor um quadro do conjunto de atores
aos quais Mário António teve acesso.
Estas relações são relevantes por nos apresentarem a possibilidade de pensar nas idéias,
pensamentos e sentimentos que circularam - o que nos mostraria um conjunto de
“comunicação e ação” (Mitchell, 1969) em fluxo, que teria contribuído para a própria
existência dos seus livros. No entanto, não foi possível compor integralmente estas redes e
suas respectivas interferências sobre o trabalho de Mário António. Tivemos acesso apenas a
pequenos fragmentos sobre seus chefes no trabalho (José Blanc e Secundino), sobre o Liceu
Nacional Salvador Correia (António Cardoso, Viriato da Cruz), sobre os responsáveis pelas
editoras (Leonel Cosme), e sobre alguns jornalistas (Amândio César, Eugenio Ferreira). Não
foi possível, portanto, mapear todo o conjunto de relações. Entretanto, pelas referências
teóricas utilizadas em seus livros, podemos ter acesso aos temas (abordados pelos
pesquisadores) que se encontravam acessíveis a Mário António por meio dessas relações.
É preciso pensar no desenvolvimento de seus trabalhos a partir das pressões externas e
do seu próprio interesse – o que nos sugere uma perspectiva diversa daquela apontada e
remarcada por seus classificadores, onde Mário António é visto como um escritor “isolado” e
“deslocado” de seu meio. Ao contrário, estes elementos sugerem a existência de uma condição
social e cultural a que Mário António esteve integrado. Certamente, de uma maneira diferente
da que teve Mário Pinto de Andrade, por exemplo, ao receber sua educação através das
escolas missionárias de Luanda e da herança de uma das “famílias tradicionais de Luanda”.
Nesse caso, um outro conjunto de relações foi seguramente estabelecido. A idéia que temos
presente é a de que, entre aqueles jovens da década de 50, outros possíveis escritores poderiam
ter surgido. Em outras palavras, esse feixe de relações nos mostra a diversidade de opções
possíveis, embora elas estivessem também limitadas pelas próprias condições do seu tempo.
É com estes elementos em mente que precisamos compreender as escolhas e o
interesse de Mário António frente às expectativas e interesses também daqueles com quem ele
96
se relacionou. Seus livros podem ser considerados, ao mesmo tempo, como em continuidade e
ao mesmo tempo partes de uma construção de conhecimento para retratar a realidade
angolana. Portanto, esse conhecimento não poderia ser compreendido sem que nos
perguntássemos também sobre as condições mesmas de sua existência, vinculada a circuitos
de relações sociais.
Se avançarmos no tempo e observarmos mais atentamente o livro publicado em 1968,
um outro conjunto de relações é acrescentado à sua atividade. No texto, novas referências
teóricas aparecem, vindas de atores com quem Mário António teria tido ligações pessoais
(como as do “Prof.” Rodrigo de Sá Nogueira
127
e A. da Silva Rego
128
). Ou seja, todo um novo
quadro de relações sociais poderia ser composto. As instituições a que Mário António esteve
ligado, como o I.S.C.S.P.U
129
, o Centro de Estudos Históricos Ultramarinos e a Fundação
Calouste Gulbenkian congregam elementos da maior relevância para se compreender a
natureza de sua publicação e as idéias e práticas desenvolvidas pelos atores sociais delas
participantes
130
.
Esses conjuntos de elementos permitiriam desenhar um quadro mais amplo e trazer
para a discussão as condições pelas quais se construiu o Estado-Nação angolano, em um
momento muito específico do tempo. A análise dos discursos e produtos da atividade
intelectual de Mário António nos abre portas de acesso a esses espaços, levantando a
possibilidade de construir novas perguntas sobre essa formação. Precisamos considerar estes
livros, portanto, como produtos não apenas de Mário António, mas engendrado por todo o
conjunto de relações e instituições a que ele pertenceu. Voltemos, portanto, aos seus livros.
127
Rodrigo de Sá Nogueira era um filólogo português convidado pela antiga Escola Colonial (anos 1950) para
estudar o Ronga, língua encontrada no território de Moçambique. Para alguns detalhes sobre os estudos de
lingüística africana e seus pesquisadores, ver Andrade (1997: 91).
128
O padre A. da Silva Rego (1905-1986) foi um intelectual português com trabalhos desenvolvidos sobre a
história Luso-Africana e Oriental e estudos coloniais, nos anos 60. Foi também professor da Universidade
Técnica de Lisboa e membro da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Portuguesa de História nos
últimos anos de vida. Ainda na década de 60, esteve ligado diretamente a Mário António, como professor do
I.S.C.S.P.U. e como diretor da biblioteca. Em 1968, Rego era responsável pelo Centro de Estudos Históricos
Ultramarinos, instituição que contratou Mário António para a publicação de ANGOLANA (1968).
129
Ver Said. “As grandes escolas coloniais, por exemplo, ensinaram a várias gerações da burguesia nativa
verdades importantes sobre a história, a ciência e a cultura. A partir desse processo de aprendizado, milhões de
pessoas absorveram os princípios fundamentais da vida moderna, mas permaneceram como dependentes,
subordinados a uma autoridade cujas bases estavam distantes da vida delas” (Said, 1995: 282).
130
É nesse conjunto de relações que também poderiam ser explicitadas as condições de existência da publicação
ANGOLANA, além das orientações teóricas que embasaram a sua produção.
97
A recepção de Luanda, ‘ilha’ Crioula.
O livro Luanda, “Ilha” Crioula recebeu grande destaque. Conseguimos identificar um
dos sinais da recepção a essa obra, emitida por Amândio César
131
em Novos parágrafos da
Literatura Ultramarina e publicada pela Sociedade de Expansão Cultural em 1971:
A formação da literatura angolana (1851-1950).
O livro A formação da literatura angolana (1851-1950) foi publicado pela Imprensa
Nacional – Casa da Moeda
132
, sendo identificado como o décimo terceiro livro da coleção
Escritores dos Países de Língua Portuguesa. O livro veio a público no ano de 1997, após a
morte do autor, sob os cuidados de Francisco Soares
133
, conforme informado na Nota Editorial
colocada na primeira página. Francisco Soares – apresentado naquela nota como um
“laborioso e inteligente investigador da história das letras em Angola” - tal como Mário
António, teria colaborado esclarecendo alguns pontos do trabalho que não puderam ser feitos
pelo próprio autor. Também é informado que Mário António teria apresentado o estudo na sua
dissertação de doutorado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, em 1985, quando já estava doente. Nesta nota introdutória, é expresso o valor do
trabalho realizado por Mário António:
“O presente trabalho é um valioso contributo para o conhecimento do período de
formação da literatura angolana, o que se inicia em meados dos oitocentos, com a
criação do Boletim Oficial de Angola e a publicação do livro de poesias de José da
Silva Maia Ferreira, Espontaneidades da Minha Alma e encontra seu termo, um
século depois, com a geração de Mensagem, de que o autor fez parte e cuja obra, no
plano da criação poética, é, reconhecidamente, a mais alta expressão. Fruto de um
apurado trabalho de pesquisa de elementos dispersos por inúmeras publicações, nem
sempre de fácil acesso, este livro apresenta-se como uma obra inovadora no domínio de
que se ocupa e um indispensável instrumento de trabalho para os investigadores e
estudiosos da literatura angolana e um sólido ponto de partida para futuras
investigações” (Oliveira, 1997 – Nota Introdutória. Grifos dos editores).
Nos agradecimentos, constam os nomes de Graça de Almeida Rodrigues, professora de
História Literária da Universidade Nova de Lisboa, Salvato Trigo, pela sua especialidade em
literatura africana, e D. Filomena Freire Freitas, a secretária que teria datilografado os papéis.
Aos amigos, o agradecimento é feito de uma maneira geral:
“(...) não citando nomes para não falhar algum, quero deixar consignado o meu
agradecimento a todos os que me acompanharam e estimularam na realização de um
trabalho que a cada momento me venceu e destruiu, pela sua palavra amiga e incitadora
– amigos dos bancos de estudo e do trabalho ou simples conterrâneos que sabiam que
estava a tratar deles” (Oliveira, 1997: 10).
132
A editora Imprensa Nacional – Casa da Moeda é uma empresa pública, criada em 1972. Tem sede em Lisboa.
133
Para informações sobre Francisco Soares, ver capítulo 2.
99
O livro contém 405 páginas e está dividido em capítulos que compõem, de maneira
cronológica e sob diferentes aspectos, a formação da literatura angolana.
No primeiro capítulo, cujo título - “Crioulidade e literatura em Angola” - já sinaliza a
maneira pelo qual o assunto vai ser tratado, é desenvolvido o argumento da “crioulidade”.
Logo no início, o autor expõe que a literatura será vista a partir de
“um quadro de encontro de culturas que ilustra o contacto da literatura portuguesa com
culturas africanas, numa localização em que poucas vezes tem acontecido o seu estudo,
mas onde longamente se processou, a costa de Angola. Tal processo obrigar-nos-á à
adopção de um dos termos que foram introduzidos pela expansão portuguesa, ainda que
com a interferência castelhana, nas áreas pelos povos ibéricos contactadas, não apenas
na África mas nas Américas: crioulo, proveniente de criadillo” (Oliveira, 1997: 11.
Grifos do autor).
Notamos a permanência da idéia do contato entre culturas e do termo “crioulo”,
embora neste livro o seu significado e origem sejam construídos a partir de outras referências
teóricas, apresentadas como as “principais enciclopédias do Ocidente” (Encyclopaedia
Britannica e Grande Encyclopédie), que por si justificariam a sua utilização. As referências a
Gilberto Freyre, encontradas nos outros dois livros, não são mais encontradas. Focalizando a
especificidade do termo para o caso português, Mário António recorre a outras referências que
o auxiliam a situar o termo, como pode ser visto no quadro abaixo:
Quadro 13: Autores utilizados, temas e data da publicação: livro de 1997
Autores Temas e teorias Publicação Ano
Wallace
Thompson
Hipótese de origem
para as línguas
crioulas.
Encyclopaedia of Social Science, The MacnNillan Company,
New York.
1961
Marius F.
Valkhoff
Estudos sobre
crioulos e suas
culturas.
Studies in Portuguese and Creole – With special reference to
South Africa, Johannesbourg.
1966
Manuel Alves
da Cunha
História de Angola. História Geral das Guerras Angolanas, Agência Geral das
Colónias, Lisboa.
1942
António
Carreira
Tráfico da escravatura
e processo de
crioulização.
O Crioulo de Cabo Verde – Surto e Expansão, Lisboa. 1982
Júlio de
Castro Lopo
Jornalismo em
Luanda.
Jornalismo de Angola – Subsídios para a sua História, Centro
de Informação e Turismo de Angola, Luanda.
1964
Leo Spitzer Crioulidade. “Assimilação, marginalidade e identidade – Os dois mundos de
André Rebouças, Cornelius May e Stephan Zweig”, Estudos
Afro-Asiáticos, 3.
?
Jill Rosemary
Dias
História de angola,
século XIX.
“Uma questão de identidade: respostas intelectuais às
transformações económicas no seio da elite crioula de Angola
portuguesa entre 1870 e 1930, Revista Internacional de Estudos
Africanos, Lisboa.
1984
100
Para Mário António, o “crioulo” seria uma língua, uma forma de comunicação que se
constitui a partir de uma ordem social, e que portanto é utilizada na vida em comunidade e na
socialização de seus membros. No entanto, essa língua combinaria elementos das línguas com
que teve contato. No caso de Angola, “verifica-se uma diferenciação lingüística, quer do
português quer do quimbundo, através das suas mútuas aquisições” (Oliveira, 1997: 14). A sua
proposta é apresentar os documentos da “senda da afirmação da literatura”, no século XIX,
quando já estariam “presentes os factores que, em nosso entendimento, deram um caráter
crioulo à sociedade angolana e a seus produtos – literários e outros” (Oliveira, 1997: 16).
Daquele período, são mencionados os primeiros jornais e os autores que merecem destaque
como representantes dessa literatura. Entre eles, figura com destaque J. D. Cordeiro da Matta.
Os capítulos seguintes seguem uma ordem cronológica de apresentação, passando pelas
diferentes fases de expressão literária no início do século XX e pela forte repressão a partir da
terceira década do século, culminando com o novo movimento literário do grupo da
Mensagem, símbolo de uma nova era para a literatura, assim como para Angola.
Apresentaremos, a seguir, a idéia central de cada um desses capítulos.
O século XIX – do fim do tráfico de escravos à formação de uma imprensa local.
“Uma perspectiva de modernização: a imprensa oficial e o primeiro livro impresso em
Angola” é o título do segundo capítulo. Nele são abordados os diferentes periódicos e a sua
relação com o “processo de modernização” que se instalou entre os anos de 1830 e 1850, a
partir da ação de um representante do Governo-Geral, considerado “o portador dos mais vivos
e duradouros sinais de mudança para a terra angolana” (Oliveira, 1997: 19)
134
. Essa
modernização é caracterizada pela substituição do “odioso” tráfico de escravos por agricultura
e indústria. Vejamos este trecho:
“Tratava-se de um processo de modernização de que a autoridade responsável pela
administração da colónia tinha a intenção e sobre a qual deixa larga
documentação, designadamente a sua correspondencia para autoridades subordinadas
da colónia, no Boletim do Governo-Geral da Província de Angola, que criara e cujo
primeiro número tem a data de 13 de Setembro de 1845, data esta que é considerada a
134
Cabe ressaltar que esse “processo de modernização” compreendido entre o período de 1830-1850 foi o objeto
de estudo de Mário António na sua dissertação de licenciatura, apresentada em 1971 ao I.S.C.S.P.U, onde
também foi aluno e professor. Neste capítulo, são feitas referências a este seu trabalho anterior.
101
da fundação da imprensa em Angola, de que o primeiro órgao foi aquele Boletim. A
sua fundação marca também o início do primeiro período da história da imprensa em
Angola até o aparecimento do semanário político, industrial e noticioso A Civilização da
África Portuguesa, a 6 de Dezembro de 1866” (Oliveira, 1997: 20. Grifos do autor em
itálico. Grifos nossos em negrito).
e
“Importa aqui referir que foi no seu jornal, Jornal de Luanda, que apareceu o, de nosso
conhecimento, primeiro sinal crítico de apoio à criação pelos angolanos de uma
literatura em que tivesse expressão a sua especificidade própria, territorial e
humana” (Oliveira, 1997: 22. Grifos do autor em itálico. Grifos nossos em negrito).
Observamos a ênfase dada aos primeiros sinais de surgimento da imprensa, que passou
a veicular a expressão de uma “sociedade híbrida”, denominada de angolana, e de uma
literatura que se distinguia por ser mais “africana” que “européia”. Exemplos são citados ao
longo das páginas, como é o caso das poesias de José da Silva Maia Ferreira, publicadas em
Espontaneidades da Minha Alma – às Senhoras Africanas, pela Imprensa do Governo, em
1849. Esse é considerado “o primeiro livro de poemas publicado em África na língua
portuguesa” (Oliveira, 1997: 26). Mário António afirma que o livro é um exemplo de
literatura angolana por ser dividido “entre sugestões quase contemporâneas e as absorvidas na
educação que teve [referindo-se ao autor – C.S.A.]” (Oliveira, 1997: 32).
São poemas escritos em português, retratando as “formas”, a “cor” e a “beleza”
“africanas”. Citamos uma destas poesias – “Ainda a ela!” -, para o leitor ter uma idéia do que
seria essa literatura “africana”:
“Mulher que tanto amei e que amo ainda
Não sei se nume ou deusa, Arminda minha,
Anjo, ninfa, mulher, meu ser na vida,
Ai, recebe o meu só nascido da alma
Amoroso suspiro eterno e forte,
Da mais negra saudade transbordando
Que é áridos torrões da terra sua
De África adusta o miserando vate
Das áureas asas de suave brisa
Saudoso e melancólico te envia!
(Oliveira, 1997: 32 apud José da Silva Maia Ferreira, Espontaneidades de minha
alma...: 33).
O terceiro capítulo tem como título “A polêmica do tráfico” e apresenta a produção
literária de um escravista que teria oferecido os seus préstimos na luta antiescravista, sendo
depois enganado pelo Governo. Os documentos e poesias retratam a sua indignação contra o
governo – “um contraventor” – nos primeiros anos após o fim do tráfico de escravos. No
102
quarto capítulo, com o título “Imprensa ‘livre’ de Luanda e a Literatura”, são apresentados os
jornais da época, sempre considerando a colaboração “harmoniosa” e “frutuosa” entre
“europeus” e “africanos”. Entre os jornais, é destacado o jornal A Civilização da África
Portuguesa, que realiza, por si e totalmente, um ato de romantismo político com antecedência
em relação à mãe-pátria e ao Brasil” (Oliveira, 1997: 71). Na seqüência, o quinto capítulo -
“Dos jornais, surgem escritores angolanos” - apresenta os escritores que se ocuparam com
trabalhos “mais profundos e alongados” já nos anos 1880 - este é o período de Cordeiro da
Matta e outros autores contemporâneos.
A primeira metade do século XX: do movimento de protesto crioulo à repressão
No sexto capítulo - “Novo século: esperanças e fracassos” - é apresentada a
organização dos “africanos” em um movimento, frente ao governo, de reivindicação de
direitos e de valorização do que seria, para Mário António, a sociedade crioula. O movimento
aconteceu no primeiro decênio do século e foi um momento de intensa expressão que teria
assumido outras formas, além das literárias. Vejamos um trecho retratando um dos líderes
“africanos”, António Joaquim de Miranda:
“O seu programa, embebido de ideário republicano e sentimento popular,
aproximou-se da reclamação da independência em relação a Portugal, tendo
prosseguido, para além do combate nos jornais que dirigiu, com a incitação dos
africanos a que não pagassem taxas – o que se chamaria imposto indígena, um dos
gravames sobre as pessoas dos africanos que percorreria quase toda a época
colonial – e sofrendo consequentemente a perseguição pelo exílio” (Oliveira, 1997: 127.
Grifos nossos).
Observamos a narrativa colocando em destaque as ações e lutas de uma sociedade
crioula. Este período da história angolana foi também abordado por Mário Pinto de Andrade,
em livro publicado em 1997 (após a sua morte) - Origens do Nacionalismo Africano –
continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação
colonial portuguesa: 1911-1961. Trata-se de um período considerado importante para a
história daquele país, pois foi nele que as lideranças - crioulas (para Mário António), ou
“negras” (para Mário Pinto de Andrade) - lutaram para ganhar espaço frente a um governo que
procurava cortar o seu acesso a posições de decisão. No trabalho de Mário António, por vezes
103
esse grupo é denominado pela categoria de “crioulos”, por outras, pela de “africanos”, como
vemos no trecho abaixo:
Esse protesto assume um caráter colectivo, não só pela autoria que aparece impressa
no seu rosto, dos ‘Naturais’, mas porque, efectivamente, por investigações feitas, se
conclui que foram seus autores quase todos os africanos que no ano da sua
publicação eram vivos e que antes haviam assumido papel de relevo na imprensa
crioula angolana dos dois-três últimos decênios do século XIX” (Oliveira, 1997: 130.
Grifos nossos).
Por outro lado, as categorias utilizadas por Mário Pinto de Andrade são de “nativos”,
“nativistas”, “negros”, “raça”, e também “africanos”. No livro, coloca-se de maneira mais
explícita a idéia de que estes seriam os “porta-vozes das populações ‘anónimas’ ou
‘indígenas’” (Andrade, 1997: 77) – uma categoria à parte. Ao mesmo tempo, os termos
estabelecidos para o opositor são de “dominação colonial” e “colonizadores”, enquanto no
texto de Mário António essas palavras só aparecem para um período restrito da história:
quando o governo de ditadura (Salazar) toma o poder, a partir de 1926. Mário António,
quando se refere aos movimentos de valorização, usa palavras como “governo”, “governador”
e “administração pública” para identificar os lugares que se opõem ao movimento
reinvidicativo dos “crioulos”, embora, em sua escrita, esta oposição seja amenizada e colocada
de forma a se compreender a luta política dentro de um padrão harmonioso. Cabe ressaltar,
ainda, que ambos os escritores – Mário António e Mário Pinto de Andrade – utilizam fontes
muito parecidas, que dão acesso aos argumentos da sua narrativa, como documentos oficiais,
trechos de jornais (e, no caso de Mário Pinto de Andrade, inclusive fotos).
Quadro 14: Categorias e temáticas: Mário António e Mário Pinto de Andrade
Autor Tema
abordado
Categorias
utilizadas
Material
utilizado
Ano de
publicação
Mário
António
Literatura
angolana.
crioulo, africano
x
governo,
administração.
Periódicos,
documentos
oficiais, livros de
literatura, outras
pesquisas
1997 (após a
morte).
Escrito em 1985
Mário Pinto
de Andrade
História
política de
Angola.
negro, raça,
africano
x
colonizador,
dominação.
Periódicos e
pesquisas
historiográficas,
fotos.
1997 (após a sua
morte, ocorrida
em 1990).
Não sabemos
quando foi
escrito.
104
O que queremos colocar em destaque, a partir destes dados, é a utilização da narrativa
histórica por ambos os autores, e o uso de fontes semelhantes para construí-la. Precisamos
pensar ainda no interesse destes autores em contar essa história, e na luta política em que estão
envolvidos, mais do que simplesmente observar que eles retratam uma realidade do
passado
135
.
Como explicitou White, a narrativa histórica, e mesmo a própria ficção, não pode ser
pensada em termos neutros de representação da realidade porque ela implica, antes de mais
nada, em um instrumento de luta e de negociação. Essa idéia pode ser útil para o nosso caso,
mesmo que White (1987; 1999) tenha colocado a questão de uma maneira mais ampla. A sua
preocupação encontra-se voltada para o processo de disciplina dessa construção narrativa, e
para a impossibilidade dela se abrir para outros tipos de construção histórica que não utilizem
a narrativa para se expressar, como por exemplo a expressão oral. É este ponto de seu aporte
teórico que mais nos interessa aqui. Quando observamos a história contada por esses atores
sociais, em especial Mário António – o ator que focalizamos neste trabalho –, não vemos
surgir qualquer menção a outras histórias ou à possibilidade de conhecer outros passados,
inacessíveis pela palavra escrita. Isso nos força a levantar algumas questões: “para quem” se
produzem essas histórias nomeadas como angolanas? O que é Angola? O que significa
literatura angolana, propriamente?
Abordaremos estas questões no próximo capítulo. Precisamos agora voltar à narrativa
de Mário António, que levanta outros interessantes elementos que permitem refletir sobre o
seu discurso.
A década de 30 em diante: uma nova literatura ganha forma.
Após explicitar os movimentos de protesto que surgem no início do século XX, Mário
António abre um capítulo, o sétimo, para abordar a atividade da Igreja, intitulado “Padres,
135
Ver Said (1995). “Boa parte da resistência ao imperialismo, mas não toda ela, foi conduzida no amplo
contexto do nacionalismo. ‘Nacionalismo’ é uma palavra que ainda designa todo tipo de coisas indiferenciadas,
mas ela me serve bastante bem para designar a força mobilizadora que se aglutinou como resistência contra um
império exterior de ocupação, por parte de povos que possuíam uma história, uma religião e uma língua comum.
Mas, apesar de ter conseguido – ou justamente por conseguir – libertar muitos territórios do domínio colonial, o
nacionalismo permaneceu como uma iniciativa extremamente problemática. (...) As burguesias nacionais e suas
elites especializadas, de quem Fanon fala de modo tão agourento, de fato tenderam a substituir a força colonial
por uma nova força de tipo classista, em última análise exploradora, que reproduzia as velhas estruturas coloniais
em novos termos” (Said, 1995: 281-282).
105
seminaristas, liceu”. Nele, são tratados os aspectos da educação promovidos pelas ordens
religiosas e, mais tarde, pelo Liceu, uma instituição conectada com o próprio governo. Mário
António procura explicitar neste capítulo os termos de transmissão de uma educação que
também teria contribuído para a própria idéia de nacionalismo africano, “numa época em que
as ideologias nacionalistas dominavam ou pareciam dominar o quadro político europeu,
reflectindo-se no colonial” (Oliveira, 1997: 218).
O período que Mário António considera de colonização efetiva é delimitado a partir do
Governo Norton de Matos (década de 20), que teria promovido a “eliminação da expressão
crioula que fora a emergente das sociedades sobreviventes do tráfico” (Oliveira, 1997: 219).
As associações - Liga Angolana, Grêmio Africano, ANANGOLA, e outras - são consideradas
aqui como uma “oferta colonial de expressão” que, segundo Mário António, não tiveram
relevo para o protesto crioulo.
A literatura é colocada em destaque no oitavo capítulo, onde se enfatiza a “literatura
colonial”, contra a qual dizem resistir os novos intelectuais que surgem na década de 50, a
partir dos dois únicos liceus do território – um em Luanda e outro em Lubango(Sá da
Bandeira). Assim são explicitamente colocados os termos destas duas literaturas que se
opõem: “O colono e o negro são símbolos de duas literaturas, ambas riquíssimas em motivos,
que se torna preciso trabalhar intensamente – com esperança, com fé, com amor, enfim”
(Oliveira, 1997: 233). Ou seja, Mário António não se posiciona favoravelmente perante
nenhuma das duas, dando continuidade à sua idéia de uma coexistência harmoniosa entre as
duas culturas.
Os últimos sete capítulos trazem elementos sobre os anos subseqüentes, de 1930 em
diante, até alcançar o contexto da publicação de Mensagem. Por meio dos seus títulos,
passamos superficialmente sobre as principais divisões e temas abordados: “Em busca de uma
linha negro-africanista”; “Vector santomense na cultura e literatura angolanas”; “O vector
evangélico na cultura e na literatura angolanas”; “Do Liceu Salvador Correia à Sociedade
Cultural de Angola”; “O maior poeta colonial português e a polémica da literatura colonial”;
“Universidade que não havia”; e, por último, “Algo vai mudar, a Mensagem”.
Pelos títulos, podemos ver a variedade de aspectos que estiveram envolvidos nessa
nova literatura que teria surgido nos anos 50. É já no final do livro que Mário António
apresenta uma nova versão para a história da revista Mensagem - que se tornou o símbolo da
106
nova literatura reconhecida para Angola (conforme apresentamos na introdução) - ao
apresentar detalhes do concurso promovido pela ANANGOLA, a partir da notícia de jornal:
“Associação dos Naturais de Angola
O Sarau de sábado esteve muito concorrido
No salão de festas do Rádio Clube de Angola realizou-se no sábado o anunciado sarau
para distribuição de prémios aos laureados do primeiro concurso de Literatura
promovido pelo Departamento Cultural da Associação dos Naturais de Angola.
O júri que classificou os trabalhos era constituído pelos srs. Dr. João de Barros, capitão
Augusto Casimiro e Julião Quintinha e pela nossa distinta colaboradora Lília da
Fonseca
136
.
Presidiu ao sarau, que esteve muito concorrido, o Sr. Dr Avila de Azevedo, Chefe dos
Serviços de Instrução, em representação do sr. Encarregado do Governo-Geral.
O sr. Júlio de Castro Lopo leu uma interessante conferência sobre o jornalismo em
Angola, cuja história dividiu em três períodos – (...).
O conferencista fez uma larga referência à curiosa personalidade de Urbano de Castro,
que consagrou toda a vida a Angola, tendo sido em Luanda, até a morte, um complexo
de actividades – advogado de provisão, vereador municipal, administrador do concelho,
jornalista e poeta.
Finda a conferência que foi muito aplaudida, a sra. Dra. Maria do Amparo Minas da
Cruz, directora da revista Mensagem, leu as actas do júri, seguindo-se a distribuição dos
prémios e diplomas nas duas modalidades: poesia e conto.
Os versos premiados foram primeiramente declamados por Manuel Lereno e Santos e
Sousa” (Oliveira, 1997: 385. Grifos nossos).
Nas atas do júri, outro elemento nos pareceu interessante:
“O júri pôs todo o seu cuidado e escrúpulo na classificação desses trabalhos que logo se
impuseram ao seu interesse tanto pelo que revelam de generosa inquietação espiritual,
sensibilidade atenta e ao serviço de valores que permitem a eclosão e o triunfo dos
grandes movimentos literários, como pelas possibilidades técnicas já poderosamente
afirmadas em alguns. (...) Mas entendeu que, por tais trabalhos literários precederem
de um território como Angola, de grandiosa projecção no futuro, pleno de
vitalidade e de seiva, porém, sem ter ainda a maturidade espiritual dos velhos
países e cerceado por mil e uma limitações, o seu juízo crítico não poderia ser rígido,
embora na avaliação do método das obras apresentadas e sua classificação tenha posto o
mais sincero espírito de justiça” (Oliveira, 1997: 386. Grifos nossos)
137
.
Mário António traz à tona, neste trecho, a possibilidade de que a existência da Revista
Mensagem estivesse vinculada aos interesses do Governador-Geral de Angola. Destaca ainda a
presença de um júri convidado de Portugal para julgar os trabalhos apresentados no concurso
de poesias - ou seja, a produção dos poetas seria classificada de acordo com um ideal
136
Mário António informa que o júri era constituído por pessoas de Lisboa. Não tivemos acesso a quem era Julio
Castro Lopo, apenas há indicações de que é uma das referências teóricas utilizadas por Mário António nos seus
trabalhos.
137
Este trecho também dá acesso aos valores transmitidos na educação de Mário António, bem como à sua busca
de procurar afirmar a qualidade de sua narrativa literária, ao longo da vida.
107
“europeu”. Esses elementos contribuem para pensar na própria posição de Mário António
enquanto um escritor dessa literatura, que busca comunicar as qualidades da escrita angolana
e questionar as rigorosas classificações impostas a uma atividade que ainda era vista como
falha ou imatura. É neste trecho que vislumbramos um exemplo das prioridades que Mário
António colocou para seu trabalho: a transformação de idéias estereotipadas sobre uma
literatura que, de acordo com os olhares externos, continuava a ser considerada como de
menor valor.
Este contexto, de onde saíram os novos escritores angolanos, esteve oculto na maioria
dos textos encontrados ao longo da nossa pesquisa. Conforme exposto na introdução desta
dissertação, a revista Mensagem teria sido considerada um dos símbolos dos novos valores
“verdadeiramente” angolanos pelos escritores e revolucionários do início da década de 1950.
Isso prova que foram diferentes as maneiras pelas quais o passado foi revivido e reconstruído
pelos outros autores. Tanto a história de Mário António – onde retrata um universo imbricado
de elementos “europeus” e “africanos” – como a de outros - que procuram estabelecer uma
ruptura com o passado colonial - precisam ser percebidas não como mais “verdadeiras”, mas
duas possibilidades entre outras variadas que podem emergir para retratar experiências
diversas.
Algumas considerações finais
Mário António foi um pesquisador atento, com uma produção intelectual sobre a
literatura e a realidade angolanas que formulou uma narrativa histórica a partir da seleção de
eventos do passado que eram reconhecíveis na sua própria experiência. Nós nos aproximamos
de sua formulação a partir da descrição de três livros elaborados por Mário António, o que nos
deu a possibilidade de reler o seu trabalho e produzir uma análise mais crítica do seu esforço
criativo.
Seus livros, foram pensados como “monumentos”, o que nos auxilia a localizar a
particularidade do seu discurso, e a força a ele atribuída a partir de um conjunto de relações
que colaboraram para a sua “verdade”. Pensar dessa forma é procurar desfazer e questionar as
continuidades e as unidades, tal como propôs Michel Foucault (2000). Enquanto um
monumento, o livro circula e permanece no tempo, oferecendo interpretações sobre essa
108
realidade a novas gerações de atores sociais. A produção desses livros traz elementos para
pensar nos espaços sociais a que Mário António esteve vinculado, e que lhe deram não apenas
o conhecimento teórico para realizar a tarefa a que se propôs, mas também os meios de narrar
a realidade para a qual se dirigia o seu interesse. Esse conjunto complexo de ações -
constituído a partir das editoras, dos locais de armazenamento de informações, como as
bibliotecas, arquivos, o acesso aos livros por meio de redes de comunicação referidas a
relações entre a metrópole e os centros coloniais - deram legitimidade à produção, ao seu
esforço criativo e à manutenção da sua palavra nos objetos no qual estão inscritas.
Por outro lado, o conteúdo e também a forma utilizada por Mário António propõem
uma determinada noção dessa realidade, que está vinculada a um pequeno grupo que entende
Angola, de uma maneira muito específica. Coube-nos, portanto, pensar as propostas de seu
discurso como reguladoras de uma maneira de pensar a realidade que pretende abranger uma
população que supostamente estaria contida naquilo que se denomina por território angolano.
Procuramos mostrar quais são os limites do seu discurso, para quem se enuncia, como se
enuncia e onde pode circular, o que nos permite ter mais controle sobre essa forma de pensar a
realidade angolana.
O que cabe ressaltar, a partir dessas histórias contadas por Mário António em
diferentes momentos, é que a categoria Angola encontra-se presente e é o objeto mesmo que se
negocia. Um objeto constituído por um conjunto de pessoas ao longo do tempo, um objeto
inventado no passado que continua sendo significado e compartilhado por um conjunto de
pessoas muito específico. A literatura angolana, é portanto uma construção particular de um
circuito restrito de pessoas. Mário António figura como um dos personagens centrais desse
circuito: um narrador que, em seu discurso, defende uma possibilidade de interpretação da
realidade angolana.
O que pretendemos dizer aqui é que os livros de Mário António - produzidos em um
determinado contexto e por meio de uma determinada forma narrativa - só estão acessíveis aos
que reconhecem esses códigos. Tentar ampliar esse entendimento, tentar expandir, por
exemplo, a forma literária para toda Angola, é perceber como o conhecimento se transforma
em poder – instituindo-se como uma crença e como algo a ser seguido, e que se transforma
numa técnica ou ação que contribui para a afirmação de um domínio. Isso ocorre a partir de
processos complexos de narrativa, no esforço criativo de homens como Mário António.
109
Quando focalizamos o trabalho de Mário António fica-nos mais fácil pensar nos efeitos
da sua atividade. Ela estabelece determinadas formas que pretendem ser a base de uma única
cultura para toda uma comunidade ampliada. Ela também nos dá meios de mostrar de que
maneira essas entidades “imaginadas” ganham existência ao longo do tempo
(Anderson,1991)
138
. A possibilidade de produção e divulgação de livros como os de Mário
António, os atores envolvidos nessa produção, os comentários e as disputas por seu
significado que se formaram ao longo do tempo, são todos elementos de um conjunto mais
amplo de relações sociais, que contribuem para dar possibilidade a essa imaginação e, na sua
luta, para manter intacta e inacessível qualquer possibilidade de alteração desses termos.
A nossa tarefa, neste capítulo, consistiu em apresentar, por meio dos livros e discurso
de Mário António, alguns elementos que nos dessem a possibilidade de nos desfazermos de
algumas unidades e “verdades”, e de as percebermos como constituídas no tempo,
perguntando-nos como ganharam existência. Nos termos de Bhabha (2005):
“As problemáticas fronteiras da modernidade estão encenadas nessas temporalidades
ambivalentes do espaço-nação. A linguagem da cultura e da comunidade equilibra-se
nas fissuras do presente, tornando-se as figuras retóricas de um passado nacional.
Os historiadores transfixados no evento e nas origens da nação nunca indagam, e
teóricos políticos possuídos pelas totalidades “modernas” da nação – “homogeneidade,
alfabetização e anonimato são características chaves – nunca fazem a pergunta
essencial sobre a representação da nação como processo temporal” (Bhabha, 2005:
202. Grifos nossos).
Ao mapear alguns dos espaços que contribuíram para a sua força temos a possibilidade
de compreender essa construção imaginada como produto de um conjunto de relações
fortemente imbricadas - por onde se transmitem e circulam determinadas formas de pensar e
de narrar a realidade. As regras de produção são assim questionadas por nós. A sua
possibilidade, ao contrário do que se imagina, está limitada a espaços muito restritos. Com
esta idéia em mente, acreditamos estar abrindo as possibilidades de novos processos de
construção nacional ganharem existência. Assim, novas matizes e cores poderiam ser
encontradas e conhecidas para “escrever a nação” (Bhabha, 2005:207).
138
Ver Anderson (1991). “(...) nation-ness, as well as nacionalism, are cultural artefacts of a particular kind. To
understand them properly we need to consider carefylly how they came into historical being, in what ways their
meanings have changed over time, and why today, they command such profound emotional legitimacy
(Anderson, 1991: 4).
110
Capítulo 4: Crioulidade ou negritude? À guisa de conclusão
Neste quarto capítulo, pretendemos trazer para a reflexão o conjunto de elementos
apontados nos capítulos anteriores, colocando como problema a literatura angolana e as suas
duas interpretações – negritude e crioulidade –, que aparecem nos diferentes discursos,
contextos e indivíduos que analisamos ao longo da nossa pesquisa. Ao percorrer alguns dos
pontos de onde emanam significados sobre essa literatura, podemos, portanto, explicitar a
nossa interpretação sobre a sua “formação”, a partir de alguns instrumentos analíticos que nos
permitiram compreender a força, a permanência e os efeitos desse discurso. Complementar a
esta idéia, encontra-se a problemática em torno da formação de uma nação angolana como
uma imposição de valores e práticas que excluem e segregam outros habitantes desse mesmo
território nomeado por Angola. Entendemos ter essa construção ligações com processos
coloniais anteriores que viabilizaram as condições mesmas de existência dessa construção.
Poderemos, assim, chegar a algumas conclusões sobre os dados analisados e propor questões
distintas, que transcendam a polarização atual crioulidade e negritude.
Tradições inventadas: duas possibilidades de definição para a literatura
angolana
A história de Mário António contada nesta dissertação traz à tona a existência de duas
qualificações para a literatura angolana - cuja oposição foi construída, ao longo das últimas
décadas, por um conjunto de atores sociais - a crioulidade e a negritude.
A idéia de uma poesia negra e a possibilidade de expressão de uma sociedade que se
encontrava excluída pelo processo de colonização em Angola formam a base dos argumentos
de um conjunto de autores que participaram do movimento dos novos intelectuais (António
Cardoso e Mário Pinto de Andrade, entre outros). O movimento surgiu a partir dos anos 1950,
em Luanda e cidades adjacentes. Esse pequeno número de escritores, por meio da expressão
literária, passou a reivindicar a possibilidade de denunciar as práticas desiguais que
compunham a realidade na qual estavam inseridos. Essa idéia esteve conectada com outras
111
expressões literárias semelhantes, marcadas por um contexto de luta anti-colonial – que teve
lugar na África, Estados Unidos e França, na metade do século XX. Dentro desse contexto,
foram viabilizados contatos entre indivíduos e grupos, que os levou a propor diferentes
representações, em oposição às formações discursivas do governo colonial. Poderíamos dizer
que a então “nova” qualificação para a literatura angolana tornou-se uma representação
hegemônica, que ainda está presente nos dias atuais como uma “verdadeira” via cultural para
Angola.
Para estes autores, Mário António foi considerado um escritor que não se propôs a
seguir a campanha de luta-anticolonial, passando a ser considerado como um escritor reticente
(Cardoso, 1958) e de poesia intimista (Andrade, 1968), por ser um dos participantes do
primeiro movimento de intelectuais de Angola, veiculado pela revista Mensagem. Mário
António persegue caminhos distintos dos de seus contemporâneos, passando, na década de
1960, a realizar atividades de escrita que procuravam produzir conhecimento sobre a
sociedade angolana. É ao longo destas narrativas que ele estabelece uma nova interpretação
para a literatura angolana: a partir do destaque conferido ao “encontro” cultural entre
“portugueses” e “africanos”. Para Mário António, a literatura angolana deveria ser valorizada
nos termos: de uma integração de diferenças que resultam na crioulidade da literatura
angolana
139
.
É neste sentido que entendemos ambas as formulações, negritude e crioulidade, como
“invenções” datadas historicamente e que mantêm-se dentro de um mesmo campo discursivo.
Enquanto qualidades que definem o que seria a literatura angolana, elas são construídas a
partir de uma dinâmica específica, entre grupos cujas narrativas precisam ser localizadas no
tempo e no espaço. O termo “invenção”, nos termos de Hobsbawn (
origens precisam ser demarcadas, bem como os atores responsáveis por sua valorização.
Devemos fazer isso antes de pensar que essas construções se aplicam a uma coletividade,
como “pretendem” os seus discursos.
A repetição dessas categorias pode ser melhor visualizada se ascendermos a uma escala
mais próxima dos dados levantados nesta pesquisa. O “projeto criador” de Mário António,
apresentado principalmente no terceiro capítulo, nos leva a observar os adjetivos em uso e em
repetição ao longo de sua narrativa histórica, nos três tempos analisados nos livros. A
repetição do termo crioulo e a sua idéia para uma determinada sociedade se mantêm nas três
narrativas, onde elementos do passado são coletados para justificar a sua proposta. Isso é
possível a partir da construção e associação com outros atores sociais e instituições que
constituem, em si mesmo, a força e a viabilidade de sua manutenção. A própria idéia de um
livro e a de uma narrativa histórica escrita passam a ser naturais, legítimas - e é dessa
naturalidade e legitimidade que emana a sua força (Foucault, 2000). O termo crioulo e a sua
interpretação da literatura e da sociedade se repetem nestas condições.
Esses pares de opostos permanecem presentes e matéria de disputa por outro conjunto
de autores que também se encontra referido à literatura angolana, mas num período pós-
colonial. Essa oposição se torna mais explícita ao descrevermos as críticas dirigidas a Mário
António e a presença central deste escritor nos discursos que pretendem afirmar a qualidade da
literatura. No capítulo 2, apresentamos um conjunto de classificadores dessa literatura e suas
opiniões e avaliações sobre o trabalho de Mário António. Foi possível identificar que algumas
adjetivações, como reticência e isolamento, foram repetidas ao longo dos discursos destes
escritores, passando de um a outro e sendo transformadas em outras categorias, como
ambigüidade e luso-tropicalista, mas que permaneciam com a idéia de exclusão de Mário
António, não considerando o poeta como um dos representantes da literatura nacional.
A possibilidade de inventariarmos essas lutas pela definição de literatura angolana nos
sugere elementos para pensar na construção de uma versão interpretativa “oficial” para essa
literatura, em oposição a uma outra fórmula, anterior, não mais aceita nos novos tempos. O
personagem, autor e ator, Mário António foi o ponto de dispersão por excelência onde se
inscreveram essas novas formas de compreensão da literatura angolana. O nosso mapeamento
das diferentes inscrições sobre a atividade literária desse país nos dá a possibilidade de ver e
refletir sobre o conjunto variado de atores que participaram da sua construção, antes da
113
independência. Mas igualmente, nos sugere que essa luta por definições se mantém contínua
ao longo dos anos pós-independência e até os dias atuais, sem que novos termos tenham sido
acrescentados para essa literatura.
Os capítulos 1 e 2 nos apresentam, portanto, esse conjunto de autores-atores em luta
pela definição da literatura angolana, em diferentes momentos do tempo, e pela manutenção
de uma idéia que se pretende legítima. Os autores-atores que estão envolvidos nessa luta por
definições e que pretenderam definir os parâmetros de uma nova realidade literária, que se
quer construída, estão referidos a espaços muito específicos. Um dos principais veiculadores
dessa idéia é Alfredo Margarido, intelectual português que trabalhava na França. Ele tinha
estreito contato com outros grupos em Portugal, que se posicionavam contrários ao governo
Salazarista. Suas opiniões sobre a posição controversa de Mário António são comunicadas no
início dos anos 1980. Também nesse mesmo período surgem as considerações de Russell
Hamilton, pesquisador americano com relações com diferentes instituições financiadoras do
seu trabalho. Os espaços ocupados por estes classificadores são preponderantes para
percebermos a heterogeneidade de interesses na afirmação dessa literatura - interesses que
estão localizados fora do território angolano, e num período posterior ao da independência.
Longe de um programa da geração de revolucionários, muitos outros participaram, pois, da
disputa.
Da mesma forma, José Carlos Venâncio e Francisco Soares, que são angolanos
nascidos no território, dão continuidade a formulações que procuram estabelecer padrões
diferentes para essa literatura, em manutenção com idéias de um período anterior, de
integração do território angolano ao português. Falam de longe. Poderiam expressar de fato as
condições vividas pelos sujeitos que se localizavam naquele espaço do qual se falava? Suas
opiniões sobre Mário António e literatura angolana precisam ser pensadas a partir desses
espaços de onde falavam, e em relação aos interesses a eles conectados.
O que pretendemos destacar é que, na ação de definir os padrões de uma literatura, seja
ela crioula ou negra, estes atores colaboravam para a idéia de existência de uma única via de
construção. Suas narrativas são similares, o objeto que disputam coexiste a partir de sua luta, e
se transforma na idéia por excelência de elencar escritores de literatura falantes da língua
portuguesa.
114
Ao considerarmos este conjunto de atores referidos a Mário António como formando
parte de uma “configuração” mais ampla de indivíduos interdependentes e orientados por uma
mesma idéia, aprendida e compartilhada socialmente, estamos procurando mostrar que a idéia
mesma de uma literatura angolana só pode existir dentro desse conjunto de interação (Elias,
1994). Não se trata de indivíduos isolados - da mesma maneira, não se trata apenas de “uma”
literatura angolana - mas de grupos integrados, que procuram se distinguir e disputar recursos
de poder
140
.
É também relevante pensar nessa luta e oposição a partir das considerações de George
Simmel (1964), que sugere a necessidade de observarmos a hostilidade ou o conflito como
criadores de formas sociais
141
. As considerações de Simmel nos dão a possibilidade de
questionar a idéia de uma oposição em seus termos negativos, para pensá-la como construtora
e criativa. Assim sendo, por mais que identifiquemos a diversidade de posições ocupadas por
esses atores e classificadores da literatura angolana e de Mário António e suas opiniões
divergentes, eles constituem parte integrante de um conjunto de ações interligadas por
“categorias de interação” (Simmel, 1964: 16).
Ao interpretarmos a definição da literatura angolana, e os adjetivos a ela aplicados,
como parte integrante de um conjunto de esforços interpretativos ao longo do tempo, surge a
possibilidade de concluirmos alguns pontos que consideramos relevantes para compreender a
formação dessa literatura e a sua importância para Angola.
Primeiro, entendemos ser esse conjunto de atores, suas agências e as instituições a ele
vinculadas, o local mesmo de construção da idéia de uma literatura angolana. Ela se dá não
em termos de concordância entre um conjunto de indivíduos e grupos, mas por meio de
140
Ver Elias (1994: 249). Elias nos ajuda a pensar nos termos “grupos” ou “sociedade” a partir de seus
componentes individuais formando redes, o que auxilia a refletir analiticamente sobre essas relações sociais
localizadas em espaços e tempos distintos, e sobretudo cujos termos de sua vivência são compostos de grande
fluidez, e limitações dificilmente marcadas. Outros instrumentos teóricos são igualmente úteis para esta situação,
e já foram explicitados anteriormente, como Mitchell (1969) e Tilly (2000).
141
Nestes termos, não seria apenas a harmonia entre as relações a geradora de união, mas igualmente a sua forma
antagônica. O conflito se coloca como uma forma de “sociação”, de “sociabilidade”, que permite a manifestação
e a positividade de uma “unidade vivente”. “Conflict itself resolves the tension between contrasts. The fact that it
aims at peace is only one, an especially obvious, expression of its nature: the synthesis of elements that work both
against and for one another. This nature appears more clearly when it is realized that both forms of relations – the
antithetical and the convergent – are fundamentally distinguished from the mere indifference of two or more
individuals and groups. Whether it implies the rejection or the termination of sociation, indifference is purely
negative. In contrast to such pure negativity, conflict contains something positive. Its positive and negative
aspects, however, are integrated; they can be separated conceptually, but not empirically. Social phenomena
appear in a new light when seen from the angle of this sociologically positive caracter of conflict” (Simmel,
1964: 14).
115
disputas e estratégias de definição. A definição da literatura e suas qualidades crioula ou
negra são os resultados mesmos dessas disputas, e a condição mesma de sua existência.
Segundo, essa posição nos leva a considerar que a própria construção narrativa de
Mário António, seus livros publicados, editoras que o apoiaram e outras redes pelo meio das
quais sua comunicação foi viabilizada são elementos integrantes desse campo onde se procura
definir essa literatura. Se pensarmos que cada um desses autores-atores aporta e contribui para
essas formulações a partir dos recursos disponíveis (financiamentos, teorias, conhecimento
sobre Angola, etc.), vislumbramos a particularidade e heterogeneidade desses discursos, que,
na sua intenção de definir uma literatura, findam por construí-la como objeto mesmo de
valorização. Mário António, para além de ser um ator excluído dessa luta, sendo chamado ao
palco quando é de interesse para determinados atores sociais (como se fosse um “fiel da
balança”), é peça chave para a manutenção da idéia de uma literatura, como vimos nas
descrições apresentadas no capítulo 2.
A partir disso, chegamos ao terceiro ponto. É neste conjunto de esforços interpretativos
que vislumbramos esses autores como atores políticos, que permanecem referidos à tônica
dominante de um tempo passado, em um momento onde se fez necessária a luta por se
estabelecer novas formas interpretativas. Por outro lado, estas são mantidas como fixadas no
tempo, sem devir, sem quaisquer alterações, dando continuidade a uma lenda fundadora e
sacralizadora do movimento político de independência, que não mais poderia ser aplicada para
os tempos atuais. As classificações de Mário António, assim como a própria interpretação da
literatura angolana pelas qualificações crioulidade e negritude, precisam ser compreendidas
dentro de um contexto muito específico de uma conjuntura histórica, já há muito passada.
Estes eventos continuam, todavia, sendo colocados em uso por alguns atores políticos, em
textos que historicizam essas definições, cristalizando-as no tempo como “verdades” absolutas
(White, 1987)
142
. Os resultados dessa construção são claros. Impedem novas possibilidades de
interpretação, por serem estas restritas a pessoas que se colocam como representantes de um
conhecimento acessível apenas a um pequeno número de pessoas. Esta poderia ser
considerada a verdadeira finalidade da literatura angolana.
142
“(...) what kind of notion of reality authorizes construction of a narrative account of reality in which continuity
rather than discontinuity governs the articulation of discourse?” White (1987: 10).
116
Enquanto permanecerem as continuidades de um discurso já morto há algum tempo, o
acesso ao conhecimento produzido por Mário António, por exemplo, será inviabilizado.
Permanecerá com elas a idéia de um escritor ambíguo, e do não valor de sua contribuição para
o pensamento social angolano. Como vimos no capítulo 3, o conjunto de dados apresentados
por Mário António está referido a uma sociedade do século XIX, como também propôs Leonel
Cosme (2002), e além disso restrita a uma população muito específica da cidade de Luanda
composta por um pequeno grupo de elite, “integrado” aos “europeus”, que procurava ganhar
espaço e prestígio dentro de um circuito social específico. É esse o espaço social de onde teria
saído o escritor Cordeiro da Matta e outros personagens da sua história sobre a sociedade
luandense. Assim, os esforços do trabalho de Mário António encontram-se dirigidos para a
valorização de um grupo que ocupou uma posição inferior dentro da hierarquia da sociedade
imposta pelos “europeus”. Embora estivesse referido à sociedade do século anterior, Mário
António procurava com a reconstrução do passado reforçar igualmente o valor da sua
condição de crioulo, ampliando-a para o “fenômeno” literário da geração ao qual esteve
integrado na década de 1950.
Neste sentido, entendemos que, ao procurarmos colocar em discussão o material
produzido por Mário António - seu conteúdo e suas condições de possibilidade -, teremos
acesso a conhecer o seu trabalho, ao contrário de reconhecer classificações que são
“exumadas” (Cosme, 2002) a cada momento – sejam elas positivas ou negativas. Isto abre a
possibilidade de se fazer críticas construtivas ao seu trabalho, bem como abre espaço a novas
interpretações que, mesmo divergentes ou em oposição, podem ser pensadas por outros
ângulos, a partir de outros diálogos, por outros paradigmas teóricos - não apenas aqueles
circunscritos à literatura.
Do outro lado da mesma moeda, entendemos serem estas novas interpretações fontes
importantes para impedir que determinados valores estabelecidos por uma elite crioula
ganhem força e se estabeleçam como a única via de construção de uma cultura e de “um”
povo para Angola. A partir dos poucos dados que conseguimos apreender nesta nossa pesquisa
(seria ainda necessária uma pesquisa mais ampla), podemos sugerir que a construção desses
novos parâmetros negros foi feita a partir de um circuito muito restrito de pessoas, com
vínculos diretos a recursos de poder e autoridade, interna e externamente ao território do país
Angola. Eles formam um número muito pequeno de escritores - herdeiros tanto de uma elite
117
negra do século XIX (Dias, 1984), como de brancos que ocuparam altas posições de poder
naquele mesmo espaço social. A afirmação de uma literatura nacional no passado e no
presente precisa ser pensada como construída sobre essas bases.
Os indicadores de detenção desse conhecimento e da sua possibilidade de construção
por apenas um pequeno grupo são identificados quando observamos os discursos que
defendem a construção da literatura angolana por meio da escrita em língua portuguesa. Nos
textos de Luís Kandjimbo, vemos afirmações da necessidade de “um denominador cultural
comum”, que contemple a diversidade cultural (Kandjimbo, 2003). Por outro lado, as
atividades desse classificador - como “professor de língua portuguesa e literatura angolana” e
como animador do programa “Leituras” da Televisão Pública de Angola e dos debates que
encontramos divulgados no site da União dos Escritores Angolanos (UEA) - sinalizam para a
preponderância da língua portuguesa e da “reunião” de pessoas que compartilham e se
expressam por meio desse idioma. E quanto às outras línguas faladas no território,
provenientes inclusive de troncos lingüísticos diferentes autóctones ao continente africano e
suas formas literárias orais?
A invenção de Angola: uma comunidade imaginada
Contar a história da literatura angolana é também contar a história de Angola. A
literatura - como o objeto por excelência dos discursos de Mário António e de outros aqui
apresentados - comporta, em sua condição mesma de existência, os termos de uma idéia
nacional. Ao longo de nossa narrativa, a categoria Angola vem sendo repetida e colocada em
suspenso, de modo que a visualizássemos como um operador principal da interpretação de
Mário António e dos outros autores-atores aqui descritos. É chegado o momento de refletir
sobre a natureza desta categoria de maneira mais consistente, o que nos permitirá ampliar a
reflexão e encontrar um outro plano de análise, que possa nos dar algumas possíveis respostas
para as questões levantadas ao longo deste exercício.
Percebemos que a literatura (língua portuguesa) exposta nos textos analisados se apresenta
como um dos símbolos da nação angolana. Por meio de um conjunto complexo de ações, ela
se torna um operador que provoca sentimentos fortes e disposição para a ação, ao criar
semelhanças e identificações (Verdery, 2000), colocando outros operadores e criadores de
comunidade em segundo plano
143
.
As qualificações negras ou crioulas são partes integrantes dessas operações de
identificação que se pretendem ampliadas para toda Angola. O típico angolano seria definido,
portanto, a partir de uma história de integração e de contato cultural entre realidades humanas
distintas, uma “européia” e outra “africana”, ou de uma história de ruptura, negra e distinta do
passado colonial. A categoria Angola, nos diferentes discursos analisados, sinaliza a busca de
uma comunidade unida em termos nacionais. Supõe o estabelecimento de um território, de
uma idéia de povo, unido pela raça e pela língua, e de uma vontade política (Renan, 1990)
144
.
143
Ver Verdery (2000). “Todos os grupos orientados para ela tomam a nação como o símbolo fundamental, mas
têm intenções diferentes a seu respeito. (....) Essa pesquisa indaga como se produzem e reproduzem as idéias
sobre nação e a identidade como elementos centrais da luta política. Ela vê a nação como um constructo cujo
sentido nunca é estável, mas se altera conforme o equilíbrio mutável das forças sociais, e indaga que tipo de
alavanca esse constructo proporcionou a certos grupos – e por que a esses, não a outros. Levar a sério o uso de
‘nação’ como símbolo significa um exame rigoroso das tensões e lutas sociais em meio às quais ela se tornou
uma expressão significativa – uma forma de moeda corrente, usada para transacionar questões que podem não ter
nada a ver com a nação” (Verdery, 2000: 243).
144
Ver Renan (1990). “What in fact is the defining feature of these different states? It is the fusion of their
component populations. (...) Yet the essence of a nation is that all individuals have many things in common, and
also that they have forgotten many things. (...) The modern nation is therefore a historical result brought about by
a series of convergent facts. (...) These formations always had a profound raison d’être” (Renan, 1990: 9-12).
119
É a partir destes termos que propomos nos referir a Angola como uma “comunidade
imaginada”, sendo mediada, construída e reformulada por um pequeno número de atores
sociais (Anderson, 1991). Como a idéia de uma nação construída a partir de forças históricas,
que uma vez criadas se tornam “modulares” e são transplantadas para outras regiões, a
proposta de Benedict Anderson pode ser muito útil para pensar na própria construção da nação
angolana. Nos dados apresentados nos discursos de Mário António ao longo do tempo,
observamos a existência dessa unidade imaginária em fluxo, em negociação, mesmo a partir
de outros períodos muito anteriores ao próprio nascimento do escritor. A idéia de uma pátria,
de uma terra de que seremos os donos, vinha sendo comunicada a Mário António pelo pai, ao
manusear os mapas em casa, pela escola, por meio da aquisição de conhecimentos de
geografia, e pelos outros conjuntos de transações sociais ao qual esteve conectado ao longo
dos anos seguintes, tanto em Luanda como em Lisboa. Pela experiência de um único
indivíduo, percebemos um imaginário que não foi questionado, mas esteve presente e foi
reconhecido por aqueles com os quais esse indivíduo se relacionou. Mário António é um dos
sujeitos cuja ação narrativa comporta em si mesma a idéia de uma transposição de imagens, de
uma definição de limites e de um povo – uma idéia estabelecida e incorporada na experiência
de gerações de indivíduos.
O problema que nos colocamos para o caso angolano, e que também poderia ser
estendido para tantas outras nações, como a brasileira, por exemplo, é que estas imagens
reproduzem um ideal nacional que se encontra distante da realidade daqueles que se supõem
no interior de suas fronteiras. A nação pode ser pensada como um princípio político (Gellner,
1984)
145
, como uma construção que depende de uma vontade política e não como uma
realidade em si, natural. Como este princípio político se daria para Angola, se o ideal de nação,
seja ela crioula ou negra, parte de uma minoria, localizada num espaço de confluência cultural
145
Ver Gellner (1984). “Nationalism is primarily a political principle, which holds that the political and the
national unit should be congruent” (Gellner, 1984: 1). “Mankind has always been organized in groups, of all
kinds of shapes and sizes, sometimes sharply defined and sometimes loose, sometimes neatly nested and
sometimes overlapping or intertwined. The variety of these possibilities, and of the principles on which the
groups were recruited and maintained, is endless. But two generic agents or catalysts of group formation and
maintenance are obviously crucial: will, voluntary adherence and identification, loyalty, solidarity, on one hand;
and fear, coercion, compulsion, on the other. These two possibilities constitute extreme poles along a kind of
spectrum. A few communities may be based exclusively or very predominantly on one or the other, but they must
be rare. Most persisting groups are based on a mixture of loyalty and identification (on willed adherence), and of
extraneous incentives, positive or negative, on hopes and fears” (Gellner, 1984: 53).
120
que se encontra muito distante da realidade daqueles “outros” habitantes do mesmo território,
com quem nem mesmo compartilham uma mesma língua?
Ao situarmos os discursos de Mário António e outros referidos à construção desse
imaginário social (pela via da literatura), estamos procurando fazer um exercício de
levantamento dessas fronteiras rígidas que, “nacionais”, permanecem como símbolos e
imagens fortes de uma homogeneidade, e que são conectadas por sentimentos, como afirmou
Verdery (2000). É neste sentido que a idéia de uma imaginação nacional está associada à
pretensão de se conceber um território com fronteiras, quando na verdade, suas fronteiras
culturais são outras, fixadas em “ilhas”, para usarmos o termo de Mário António - ilhas com
forte relação com o exterior. Se fosse possível construir um mapa novo dessa homogeneidade,
estaríamos demarcando outras fronteiras, embora mesmo estas fossem difíceis de ser
formuladas, dada a heterogeneidade dos participantes encontrados em seu interior.
Assim, permanecemos com a hipótese de que essas categorias, mais do que
representarem uma realidade que diríamos nacional, são “fantasmas sociais” e “imagens de
um todo” (Elias, 1991). Elas se sustentam pela comunicação e por mensagens de atores muito
específicos e interdependentes.
A nação, vista como um projeto político, acaba por ter, na realidade, termos e
categorias impostos por uma “alta cultura”, por meio dos quais se cria uma sociedade anônima
e impessoal (Gellner, 1984). A idéia nacionalista não reconheceria outras possibilidades de
unidades políticas independentes, encontradas nesse mesmo território para o qual são dirigidos
os seus pensamentos e ações. Como um “retalho” (“shred”) ou um “remendo” (“patch”) - duas
imagens propostas por Gellner - as culturas seriam assim coladas àquela idéia de nação, e
difundidas para toda uma população. São contingenciais e acidentais, e a sua unidade forjada é
“efetuada por meio da brutalidade” (Renan, 1990: 11).
É esta a idéia que temos ao pensar na viabilidade da existência de uma nação angolana
construída a partir de concepções crioulas ou negras - que acabam sendo exteriores à maioria
da população do país. Podemos pensar nessas propostas como seleções superficiais e
arbitrárias de elementos do passado: que são inventadas por um pequeno grupo, que detém
mais chances de poder. Como sugeriu Conceição Neto (1997), continuar o trabalho de
recuperação dos termos da literatura angolana a partir da “alta cultura” seria um engano, na
medida em que o território angolano possui comunidades com forte tradição de oralidade, bem
121
como uma parte da população analfabeta, que não poderia ter acesso a essa “cultura”.
Poderíamos esperar que houvesse uma adesão automática e empreendida pela vontade, se
apenas uma minoria fala o idioma que se pretende integrador - o português? Quais são as
chances de que esse projeto tenha sido, ou ainda seja, empreendido pela coerção e pelo medo?
Ou poderíamos ir mais longe e pensar que Mário António e seus opositores pretendiam que
essas mensagens de uma cultura única alcançassem a população em nome da qual eles supõem
falar.
A compreensão dos processos de exclusão e discriminação: algumas
alternativas para pensar a formação da nação angolana
Ao colocarmos o problema de uma Angola imaginada por apenas uma minoria de
indivíduos, estamos nos posicionando em um debate que já vem sendo realizado por outros
pesquisadores do continente africano. Os questionamentos de Mahmood Mandani (1996) e
Kwame Appiah (1997) sobre a inviabilidade da solidariedade pela raça para pensar os projetos
futuros das nações africanas nos interessam sobremaneira. Estamos também tratando de uma
solidariedade pretendida para a nação angolana, nos termos de uma mesma “raça”: crioula ou
negra. Entretanto, a partir de Appiah (1997), outros termos precisam ser colocados para pensar
a herança “tradicional” e os termos da sua manutenção, administrada a partir de idéias
colocadas desde fora (Appiah, 1997). Mandani sugere alguns caminhos possíveis neste
sentido. Segundo este autor, a construção de uma comunidade imaginada acarreta, da mesma
forma, a segregação territorial, já que todo um conjunto da população permanece excluído da
possibilidade de participação no projeto político
146
.
Os termos propostos por Mandani (1996) sinalizam para a continuidade de uma
segregação territorial, que vem desde os tempos coloniais que tem por trás de si o
estabelecimento de uma “nova” forma de governo, que contém em si mesma mecanismos de
controle e exclusão. Seria necessário, portanto, identificar que mecanismos “institucionais”
geraram as exclusões no passado e quais permanecem em continuidade no presente. Em outras
146
Ver Mandani (1996). “(...) is about the regime of differentiation (institutional segregation) as fashioned in
colonial Africa – and reformed after independence – and the nature of the resistance it bred. Anchored
historically, it is about how Europeans ruled African and how Africans responded to it. Drawn to the present, it is
about the structure of power and the shape of resistance in contemporary Africa” (Mandani, 1996: 7).
122
palavras, trata-se de um regime de diferenciação. Trata-se de compreender a natureza desses
governos, de que maneira eles regulam ou pretendem regular a população que se localiza no
território.
Este ponto diz respeito diretamente aos dados que analisamos ao longo desta
dissertação. Se formularmos que a escrita da nação por Mário António (poderíamos incluir
também os outros discursos apresentados) é parte integrante da formação de uma “entidade
política” unitária (Bhabha, 2005), que é gravada, marcada e inscrita no tempo, veiculando
imagens e sentimentos – isso sinaliza para a constituição de um “aparato de poder” a partir de
“estratégias” complexas da ação do discurso. Os significados da nação angolana são
deslocados no tempo e no espaço nos discursos de Mário António. A idéia de nação é mantida
por meio de disputas com os seus opositores. Entretanto esses significados constituem em si
mesmos aparatos de poder, afirmações sobre quem deve governar o território e os povos nele
incluídos, tomados como um só povo.
Mário António deu continuidade a esse imaginário nacional a partir de processos de
socialização nos quais esteve inserido, como a família e a escola, entre outros. Podemos
pensar, nos termos de Bernard Cohn, que essas categorias são criadas a partir de um conjunto
de “procedimentos oficializantes” (Cohn, 1996: 3) que vem sendo colocado em prática ao
longo de um processo histórico contínuo, que os torna legítimos. Em outras palavras, as idéias
e as ações para pensar a nação angolana teriam sido formuladas a partir de parâmetros
externos e dirigidas para fora desse mesmo território que se pretende criado.
Assim, podemos perguntar: para quem se fala sobre Angola? A construção de um
Estado-Nação, de acordo com Tilly (1991), nos dá a possibilidade de pensar nessas formações
políticas a partir de vínculos com o exterior; mais particularmente, de vínculos de luta por
poder e distinção. Elas seriam “organizações que aplicam coerção, distintas das famílias e dos
grupos de parentesco e que em alguns casos exercem prioridade manifesta sobre todas as
outras organizações dentro de extensos territórios” (Tilly, 1991: 46). Sua força motriz estaria
localizada na preparação para a guerra com outros Estados-Nacionais, força esta que
possibilitaria a constituição de “aparelhos de crença nacional” (Tilly, 1991: 21) utilizados
pelos membros das oligarquias políticas para canalizar riquezas e distinção.
Portanto, Mário António contribui para a formulação desses aparelhos de crença ao
emitir opiniões sobre a formação da literatura angolana. A comunicação de sua atividade
123
intelectual constitui parte integrante de um conjunto de ações direcionadas para o
estabelecimento de modos de governar, que se modelam a partir do exterior. As condições de
existência de seus livros, apresentadas no terceiro capítulo desta dissertação, nos apresentam
elementos para pensar nesses termos: os de uma narrativa que é unicamente estabelecida para
fora. Sua mensagem é comunicada para apenas um seleto grupo de pessoas, que compartilham
dessa mesma idéia e que reconhecem os livros como objetos legítimos e a sua mensagem
como verdadeira.
Ali estão contidas idéias prospectivas de um “centro” simbólico do poder estatal e de
uma “civilização” (Geertz, 1991) que não permanecem referidas apenas ao período colonial,
mas continuam operando nos anos posteriores à independência. Nestes termos, também podem
ser pensadas as reconstruções da história por Russell Hamilton, Alfredo Margarido e outros
atores que fazem críticas à discriminação racial. Eles propõem a raça como um princípio
organizador da comunidade angolana, procurando estabelecer a hegemonia destes termos para
a superação das diferenças e exclusões. Entretanto, se formos além dos discursos e pensarmos
no contexto social de onde emanam suas palavras e formulações, um outro conjunto de
perguntas surge: para quem eles comunicam as suas propostas? Quem financia os seus
trabalhos e se interessa pelo tema? Qual é a finalidade de seus discursos? Que efeito eles
geram? Apesar de serem necessários outros conjuntos de dados que permitiriam localizar
respostas para estas perguntas, em seu próprio contexto, alguns dos dados coletados nos
permitem localizar o espaço social de onde falam estes autores. E propor que esses são
discursos construídos em condições que contribuem para afirmar uma verdade estabelecida a
partir de fora (como a do próprio Mário António o é), frente a uma grande variedade de outras
respostas possíveis - que poderiam emergir de uma multiplicidade de atores localizados no
interior do território denominado por Angola.
Esta alternativa de compreensão nos leva a colocar a questão em outros termos, e a
procurar, a partir do material trazido para a discussão por esta dissertação, caminhos possíveis
de ser trilhados no sentido de se compreender a continuidade da exclusão e da diferenciação.
As condições de possibilidade dos discursos de Mário António - que pretendem uma
integração para a sociedade angolana -, a especificidade de sua posição e a força que ela
configura na manutenção de uma verdade, trazem para a superfície a desigualdade praticada
pela sua ação. Para se definir e estar inserido numa luta política de definição dos projetos
124
pretendidos para Angola, é necessário todo um conjunto de elementos que, uma vez
autorizados, permitem a veiculação da mensagem. Quem pode falar sobre Angola precisa
atender a estes pré-requisitos, estabelecidos por um conjunto de relações localizadas em
espaços de poder exteriores ao próprio território angolano. De onde vêm os recursos para a
publicação dos exemplares e sua circulação? Quem são os comentaristas que confirmam a sua
coerência e verdade? Que conjunto de outros autores-atores se posiciona favoravelmente a este
material e transmite esse conhecimento adiante? Não poderíamos, portanto, perceber a
existência de todo um conjunto de relações, de interdependência, que possibilita e viabiliza a
opção crioula de Mário António?
Não estaríamos, a partir destes dados, confirmando que as constatações de Appiah e
Mandani têm consistência, e que as preocupações em estabelecer solidariedades em termos de
definições “raciais” ou “sociais” criam, reproduzem, no silêncio, no subterrâneo, formas de
exclusão em si mesmas? Não estamos falando de autores-atores que, em suas práticas
narrativas, constituem e consolidam o silêncio de outros possíveis escritores e historiadores?
Os termos de Geertz (1991) se aplicam aqui perfeitamente. Com eles podemos visualizar as
condições de produção dos livros de Mário António, as instituições e o conjunto de núcleos e
associações a ele ligados, enfim, todo o aparato ao qual seu trabalho está vinculado, como um
espetáculo dramatizado publicamente. São performances narrativas e expositivas que contém
um fim em si mesmas: a manutenção de status e da soberania de um grupo específico
147
.
É nestes termos que este exercício de compreender a trajetória de Mário António pode
abrir caminho para novas perguntas e novas pesquisas que procurem colocar em debate como
determinadas formas estatais e nacionais prevaleceram, impedindo que outras possibilidades
ganhassem existência (Tilly, 1991). Se pudermos compreender como essas formas políticas
foram moldadas, acreditamos que passa a ser possível pensar em outras formas diferenciadas,
que contemplem - ao contrário de excluir - as populações para as quais elas dirigem as suas
ações.
147
Ver Geertz (1991). “As espetaculares cremações, limagens de dentes, consagrações dos templos,
peregrinações e sacrifícios de sangue, mobilizando centenas e mesmo milhares de pessoas e grandes quantidades
de riqueza, não eram meios para fins políticos: eram os próprios fins, aquilo para que o Estado servia” (1991:25).
125
Os objetos produzidos por Mário António: o exercício de identificar novas
possibilidades de análise que ultrapassem a polaridade crioulidade versus
negritude
Os livros de Mário António apresentados nesta dissertação, além de mostrar sua
própria trajetória como ator social, são vias de acesso para se ir além e identificar os espaços
sociais mais amplos de onde emanaram essas formas, esses ideais de Estado-Nação. Eles nos
concedem a possibilidade de construir um conjunto de perguntas sobre a construção da nação
angolana como um processo histórico e cultural em formação há muito tempo. Este processo
mantém continuidade com um sistema herdado do período colonial, que foi, em si, também
um projeto cultural (Thomas, 1994; Cohn & Dirks, 1988)
148
. Mário António foi um dos
agentes que contribuíram para a construção desse espaço nacional, construindo objetos que
fizeram parte de um aparato de poder que impõe determinadas formas, deslegitimando outras.
Compreender mais a fundo o espaço social onde ele se movia pode nos trazer a possibilidade
de acesso às maneiras como esse sistema foi construído, e à sua continuidade para o presente.
Para dar um derradeiro exemplo, gostaríamos de voltar a uma outra publicação
mencionada na introdução, e que pode ser pensada a partir dos dados apresentados ao longo
deste último capítulo. Precisamos lembrar que Mário António, como um escritor polígrafo
(Castro Faria, 2006), também se ocupou de pesquisar, selecionar e comentar documentos que
estiveram referidos ao passado da formação do futuro país Angola. O próprio nome da
publicação (ANGOLANA - Documentação sobre Angola) indica a pretensão de se falar a
verdade e a totalidade sobre o passado de um território que se denomina de Angola. Em seu
interior, o livro apresenta documentos que pretendem contar a história de Angola de uma
maneira muito particular. Os documentos “narram” as histórias dos governantes, bispos e
outros indivíduos que ocuparam posições conectadas com o governo, ao longo de uma década
– entre os anos 1783 e 1887
149
. A mensagem comunicada parte da idéia de uma história
148
Ver Cohn and Dirks (1988). “The determination, codification, control and representation of the past have also
been central to the establishment of the nation state. And here again we have witnessed the implication of
colonialism in the project of the nation state, for not only did empire provide the basis and ground of European
domination, it also worked through its own negativities, to reproduce itself after its own demise. (...) With the
establishment of each ‘new’ nation out of the old European colonial order, each has to be equipped with an
official history of its precolonial past and its freedom struggle” (Cohn & Dirks, 1988: 226).
149
Ver introdução e índice analítico desta publicação, no anexo.
126
“oficial”, sem considerações sobre o fato de ela ser originária de um território estrangeiro.
Também não há referências sobre o fato de que as ações e decisões desses “personagens”
afetavam a vida de outros indivíduos e grupos. Esta publicação estabelece os termos que
devem ser valorizados na história da formação de uma sociedade angolana.
Ao ser publicado, em 1968 (seu segundo volume saiu em 1971), o livro recria uma
história do passado a partir de conteúdos e formas motivadas por um conjunto de concepções
do espaço social onde esteve inserido. Convém notar que a publicação desse livro foi
patrocinada pelo Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, e que a apresentação do mesmo
foi feita pelo responsável do departamento, António da Silva Rego. Esses fatos sugerem que
havia muitos interesses em jogo, num momento em que se constituíam fortes críticas à ação
colonial portuguesa nas colônias. Da pesquisa realizada para esta publicação, também saíram
grande parte das considerações apresentadas nos livros Luanda, “Ilha” Crioula e A formação
da literatura angolana (1981-1950), e na sua própria tese de licenciatura, apresentada ao
I.S.C.S.P.U., em 1971, sobre a administração colonial.
Desfazer a unidade desse livro e propô-lo como um dos meios pelos quais se constrói
uma verdade que se quer legitimada, e que permanece no tempo para futuras pesquisas, é em
si um argumento plausível para pensarmos nesse objeto (assim como foram os outros três,
apresentados anteriormente) como um instrumento rigoroso de pretensão à verdade,
divulgando uma imagem de Angola e ao mesmo tempo se estabelecendo como um aparato
legítimo de poder. Seria esse um de vários outros mecanismos, por meio dos quais se
estabeleceria a “legitimidade histórica” (Mandani, 1996) de Angola, enquanto uma unidade
concreta e existente, além de regulável.
As ANGOLANAs, assim como os outros produtos do trabalho de Mário António,
portanto, precisam ser consideradas como uma parte integrante e extremamente relevante para
o processo de construção do Estado-Nação angolano - enquanto formador de uma moralidade
e de uma “civilização”. Trata-se de partes de um “projeto cultural” (Cohn, 1996) que procura
representar o passado, estabelecendo os parâmetros que se pretende para o futuro e, ao mesmo
tempo, constituindo e produzindo crenças oficiais que, uma vez inventadas, possibilitam o
controle e o domínio de um conjunto de indivíduos e grupos. Também Nicholas Dirks, em
conjunto com Bernard Cohn (1988), sugere que esse “projeto de legitimação é produzido e
representado por formas de conhecimento que o Estado cria, acumula e organiza para marcar e
127
medir a saúde, a riqueza e o bem estar de seus cidadãos” (Cohn & Dirks, 1988: 225 - tradução
nossa). Nestas condições, esses autores sugerem que a decomposição da relação entre “Estado
e História” seria um caminho viável para compreender de que maneira a força histórica se
constitui por meio dessas agências. Também é preciso levar em consideração as propostas de
Thomas (1994) sobre o colonialismo como um “projeto” e um modo de governamentalidade,
onde estão implicados variados atores e agências que precisam ser localizados, descritos e
colocados para análise e discussão
150
.
Estes autores nos auxiliam a perguntar como isso acontece, e a partir de que novos
dados e pesquisas podem ser realizadas de modo a viabilizarem o debate sobre como Angola
vem se formando ao longo do tempo. Como um ator social privilegiado dessa construção que
compõe o passado de Angola e formula que concepções e padrões narrativos devem ser
valorizados no pensamento social angolano, Mário António serviu-nos sem dúvida alguma,
como já afirmamos antes, como um meio de acesso a um universo complexo de agências,
instituições e atores sociais que, ao longo do tempo, construíram estruturas e formas de
relações muito rígidas de governos orientados para a desigualdade.
Assim, pensamos que é nos espaços sociais por onde circulou que podem estar algumas
dessas respostas. O contexto de socialização no Liceu Nacional Salvador Correia, nas
associações e núcleos aos quais esteve vinculado, nas estruturas administrativas onde
desempenhou atividades públicas, enfim, um grande volume de dados e informações poderia
nos auxiliar a compreender esse passado de formação desse Estado-Nação recente. Talvez,
ainda mais relevantes sejam os processos e agências encontradas em instituições portuguesas,
formadoras e divulgadoras de uma determinada visão da realidade. Visão que entendemos ser
de extrema importância colocar em questão. Assim, tanto o I.S.C.S.P.U. (Instituto de Ciências
Sociais e Política Ultramarina), por onde passaram Mário António e outros indivíduos
formados para ocuparem posições de governo nas colônias, quanto a Fundação Calouste
Gulbenkian, incentivadora de programas de valorização das “culturas africanas”, são locais
privilegiados. Neles podem estar armazenados, guardados, os segredos das condições que
150
Ver Thomas (1994). “A project is neither a strictly discursive entity nor an exclusively practical one: because
it is willed creation of historically situated actors it cannot be dissociated from their interests and objectives, even
if it also has roots and ramifications which were not or are not apparent to those involved. And a project is not
narrowly instrumental: the actors no doubt have intentions, aims and aspirations, but these presuppose a
particular imagination of the social situation, with its history and projected future, and a diagnosis of what is
lacking, that can be rectified by intervention, by conservation, by bullets or by welfare” (Thomas, 1994: 106).
128
geraram sujeitos reprodutores de ações coloniais, como Mário António. Complementares a
estas instituições estão também outras associações que existiram naquele período, como a
Casa dos Estudantes do Império, onde se reuniam os principais herdeiros da elite crioula,
conectados igualmente com esferas de governo em Angola.
A pesquisa e análise desses espaços sociais nos permitiriam alcançar elementos para
pensar como determinadas maneiras de ver e agir se constituíram, assim como a própria
imaginação de Angola, e em que condições de vida se encontram os seus atores sociais
(Comaroff, 1997). Neste sentido, nos aproximaríamos das considerações propostas por Souza
Lima (2002): procurar identificar os espaços onde se produziu “conhecimento destinado à
gestão de espaços e populações” (Souza Lima, 2002: 152); e trazer para a discussão formas e
processos que também podem servir para pensar outras localidades, como a nossa, a
brasileira.
Não tratamos de olhar para os produtos do trabalho de Mário António ou para as
informações e dados por ele reunidos, mas para a sua agência enquanto ator social inserido em
um conjunto mais amplo de relações. Os efeitos de suas ações estão agora presentes em
Angola e são considerados “construção de brancos” (Carvalho, 1982: 29), por atingirem
populações que se constituem e vivem a partir de outras maneiras de conceber a realidade. No
nosso entender, ao revelarmos de que maneira essas construções foram colocadas de pé, quem
foram seus participantes e instituições onde se reuniram e organizaram as principais agências,
e onde se concentraram formas de ver e pensar, será possível ter mais claro o que ainda
permanece em segredo, operante e mantendo o silêncio de outras vozes. De tais vozes
estamos, ainda, longe de termos a história contada.
129
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Incluímos ao final de algumas referências bibliográficas (autores portugueses e angolanos) a localidade onde
foram encontrados no Brasil. Esta informação é dada entre colchetes [ ], onde consta RGPL para Real Gabinete
Português de Leitura; UFF para Universidade Federal Fluminense; UCAM para a biblioteca da Universidade
Candido Mendes (todos na cidade do Rio de Janeiro). A biblioteca da Universidade Federal da Bahia, localizada
na cidade de Salvador, é aqui denominada de UFBA.
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142
Anexos
Mapa de Angola
Fonte: http://www.worldmapfinder.com/Pt/Africa/Angola/
Mapas da cidade de Luanda (bairros: Ingombotas, Maianga e Cidade Alta)
Fonte: Amaral (1968)
Oliveira, Mário António Fernandes de. (1968). ANGOLANA I - Documentação sobre Angola,
(1783-1883) – Introdução e Índice Analítico
Oliveira, Mário António Fernandes de. (1990). “Programa de Literatura Angolana”, oferecido
aos cursos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa –
ano 1981-1982
143
Mapa de Angola
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