Expressão Portuguesa’, e que é segundo nos diz, ‘o problema actual’ do africano
ocidentalizado” (António Cardoso, 1958 apud Hamilton, 1981: 87. Grifos nossos.)
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Ao longo dos anos 1960, Alfredo Margarido escreve em vários artigos, em diferentes
espaços e momentos, onde são avaliadas as contribuições de Mário António para a formação
literária angolana. Estes artigos são publicados integralmente em 1980, em um livro com o
título Estudos sobre literaturas das nações africanas de língua portuguesa. O posicionamento
de Mário António é criticado em alguns desses artigos. Entretanto, as críticas dirigidas mais
diretamente a ele são expostas em um artigo escrito nos anos 1980, onde a sua poesia é
analisada ao longo de 7 páginas. Vejamos um trecho:
“A evolução poética de Mário António está agora reunida em três pequenos livros:
‘Poesias’, ‘Poemas & Canto Miúdo’ e ‘Amor’. Mas essa evolução poética mantém-se
fiel ao quadro natal do poeta, a cidade de Luanda, que na poesia de Mário António se
afirma em dois planos que algumas vezes, dificilmente contactam: a cidade da infância,
o bairro da Maianga, onde a força telúrica da temporalidade negra ainda podia ser
ostensivamente vivida, as terras longe do Bungo, hoje dominado já pelas grandes
construções de cimento armado, o mar da Samba Grande ou da Samba Pequena, os
musseques lentos e demorados, com donas de panos negros e rapariguinhas de seios
quase libertos pelos vestidos leves, musseques de nomes mágicos: Cayatte, Sambizanda,
Assis, Pérola, Liceira, nomes que formam uma constelação poderosa que as escavadoras
vão arrasando para lançar os alicerces dos grandes edifícios, onde a temporalidade
muda de desinência (...), lança as linhas fundamentais de uma duração
racionalizada e obedecendo a uma estrutura previamente definida, exactamente ao
contrário do que antes sucedia, quando o homem dependia apenas dos fenómenos da
Natureza e guiava os passos pelos astros. Dentro desse campo é que devemos colocar a
poesia de Mário António, sem que, entretanto, nos possamos esquecer da especificidade
do seu psiquismo, já que na sua poesia sentimos juntar-se à saudade pelas formas do
passado – pelas que sobreviveram e por aquelas que desapareceram e são apenas a
saudade doce-amarga- considerado no seu perfil mais geral a saudade por um
passado que, não sendo embora secreto, é inteiramente pessoal. É assim que nos não
surpreende a saudade pelo pai. O primeiro poema de ‘Poesias’, que tem o título de
‘Beijo-de-mulata’ invoca esse pai desaparecido cedo: ‘Pai: / Olho o teu rosto fechado /
nas letras apagadas dessa campa / a tua / (no quadro dezasseis do Cemitério Velho) / e
não sei que mistério poderoso / me prende os olhos, / Pai!’ E, na evolução lógica do
processo poético (...) Mário António mostra quanto a falta desse pai cortou as
possibilidades de ascensão social ao menino órfão (...). Esta lamentada
autocomplacência do poeta debruçado sobre o próprio umbigo, ultrapassa, no
entanto, o mero quadro dos valores sociais, pois é o lamento do mestiço que,
amputado do genitor branco, se sente desamparado e, até, incapaz de lutar contra o
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Estas palavras foram comunicadas por António Cardoso na Cultura II, número 2/3, em janeiro de 1958, com o
título A Poética de Mário António. Neste mesmo espaço e tempo, Mário António publicou artigo sobre a
literatura angolana, o que demonstra a proximidade de relação entre esses dois autores, participantes do mesmo
espaço de debate. Não tivemos acesso a este artigo de Mário António, o que nos impede de reconstituir este
diálogo entre os dois atores. Estamos, portanto, mostrando como evidência a recusa de António Cardoso em
aceitar a poesia de Mário António como “autêntica”, no sentido daquilo que se espera para a Poesia em Angola,
naquele contexto. Além disso, é fato relevante a própria reconstituição deste fragmento do discurso de António
Cardoso por Hamilton, 20 anos depois.
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