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positivo – enquanto se cresce. Mas quando o valor do trabalho humano
abstrato tende a zero – haja vista a robotização das fábricas e informatização
das organizações –, este círculo vicioso roda em sentido contrário. Pessoas
são demitidas, salários são achatados, governos se enxugam – todo este
quadro orientado segundo as famosas e danosas reengenharias de Michael
Hammer
110
. Donde surge a pergunta de Brecht, em A Santa Joana dos
Matadouros: e quem vai consumir?
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A resposta sempre repisa o mesmo
discurso, posto que estrutural: devemos crescer mais, produzir mais, consumir
mais. Daí a velocidade colossal – tecnicamente possível – das mudanças nos
dias de hoje. Mas não se sai do impasse, pois a pergunta está errada,
constituindo um falso truísmo. Procurar respostas dentro do quadro do sistema
produtor de mercadorias significa continuar na mesma forma básica, que só
abre espaço para paliativos, cada vez mais efêmeros.
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O narrador rastreia os motivos que o levaram a aceitar o convite para o
jantar; depois, ainda, a razão de ter efetivamente comparecido. Sentado e
calado, tece considerações e avalia os convidados da reunião – em sua
maioria artistas de Viena, com os quais travara amizade mas que abandonara
há quase trinta anos. Esperam a chegada de um ator do Burgtheater,
renomado palco de Viena, que representa naquele momento, com enorme
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M. Hammer e J. Champy, Reengineering the corporation: a manifesto for Business
Revolution, 1993. A reengenharia preconiza uma mudança brusca na organização, com o uso
da máxima tecnologia disponível e o estabelecimento de metas individuais e grupais para os
funcionários, que assumem as responsabilidades e devem ser, ao mesmo tempo, entre si,
competitivos e cooperativos. Demite-se muita gente e a pressão sobre os que ficam aumenta
exponencialmente. Não há mais separação entre espaço da casa e do trabalho. Assim
justificam-se muitas demissões em massa e a enorme tensão organizacional dos dias de hoje.
Não é de se estranhar que este conceito tornou-se rapidamente estigmatizado pela resistência
dos funcionários, que não era ativa, política, mas sim da ordem do inexequível. Este funcionário
do século XXI parece assumir responsabilidades e tomar decisões, como um sujeito que
fizesse a história, mas na verdade serve ao capital, de forma mais acintosa e desgastante –
embora com ares de autonomia – do que antes.
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B. Brecht, A santa Joana dos Matadouros, p. 39: “CRIDLE: [...] Engraxo as facas e mando
trazer umas tantas máquinas / Novas, que poupam muito salário. / É um novo sistema, da
máxima inteligência. / Suspenso em tela de arame, o suíno sobe / Ao andar mais alto onde
começa a ser abatido. / Com leve ajuda o animal se precipita das alturas / Sobre as facas.
Entendeu? O suíno corta-se / Por conta própria e transforma-se em salsicha. / Assim, caindo
de etapa em etapa, abandonado / Pela sua pele, que se transforma em couro / Separando-se
de seus pêlos que serão escovas / E deixando enfim os seus ossos – futura / Farinha – o suíno
impele a si mesmo / Rumo à lata de conserva. Entendeu? GRAHAM: Entendi. Porém, qual
será o destino das latas? Malditos tempos!”
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Assim recupero um dos argumentos principais de R. Kurz, em O colapso da modernização,
absolutamente fundamental para o diagnóstico que adoto aqui sobre a crise atual do
capitalismo; um debate que está longe de ser equacionado, quanto mais resolvido, mas que
exige posição.