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MAÍSA BELTRAME PEDROSO
A SALA DE AULA UNIVERSITÁRIA COMO ESPAÇO DE INOVAÇÃO:
INVESTIGANDO O CURSO DE NUTRIÇÃO DA UNISINOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de Ciências
Humanas, Universidade do Vale do Rio dos
Sinos como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Isabel da Cunha
São Leopoldo
2006
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MAÍSA BELTRAME PEDROSO
A SALA DE AULA UNIVERSITÁRIA COMO ESPAÇO DE INOVAÇÃO:
INVESTIGANDO O CURSO DE NUTRIÇÃO DA UNISINOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de Ciências
Humanas, Universidade do Vale do Rio dos
Sinos como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Aprovado em 17 de abril de 2006.
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Isabel da Cunha – Orientadora (UNISINOS)
__________________________________________________
Profª. Drª. Mari Margarete dos Santos Forster (UNISINOS)
__________________________________________________
Profª. Drª. Marlene Grillo (PUCRS)
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Dedico esse trabalho
Ao Paulo, que com seu amor e compreensão, animava
meus momentos difíceis, deixando minha caminhada mais serena.
Aos meus filhos Anderson e Natália, presenças vivas de Deus,
que, acreditando nos meus sonhos, renunciaram a nossos momentos de convívio.
À memória de meu pai, pelos seus gestos de ternura e seu colo amoroso e
À minha mãe, primeira professora presente em minha vida, que me guiou
e me ajudou a trilhar o caminho do saber.
Agradecimentos
Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para que este momento se
concretizasse. Em especial,
A Deus, pela dádiva da vida e pela fé, que me faz seguir em frente.
À Professora Dra. Maria Isabel da Cunha, minha orientadora, pelo seu exemplo de sabedoria,
humildade, dedicação e amor pelo trabalho docente e por ter-me feito protagonista desse
momento de aprendizagem tão significativa, que muito me acrescentou em conhecimento e
afeto.
Aos professores da Banca Examinadora, pelo prazer do encontro e do saber partilhado.
As professoras que se dispuseram a ser sujeitos desta pesquisa, pela participação e desejo de
construir novas realidades, tornando possível este trabalho.
Aos alunos que participaram da pesquisa, pela revelação de suas vivências e busca de uma
melhor formação.
À Clarice, pelo apoio afetivo e pelas observações oportunas e construtivas efetuadas em todas
as etapas dessa trajetória.
À Regina, à Ruth e à Leila, pela amizade e carinho e pelo apoio incondicional, sem o qual não
teria sido possível chegar até aqui.
À Coni, pela confiança em mim depositada.
Aos meus afilhados Fifo, Camila, Bruna, Fernanda, Marlize, Cristiane, Janaína, Carol,
Roberto e Marina pela aceitação de todos os momentos que este trabalho consumiu do nosso
convívio.
Aos meus irmãos e familiares, por seu apoio durante estes anos de limitações, por sua
paciência e compreensão com a perda de tantas horas de lazer familiar dedicadas aos estudos.
À Maria e Tia Nádia, que, na minha ausência, fizeram dos meus filhos seus filhos.
À Lia, Léia e Maria, pelos ensinamentos carinhosos.
Aos professores do Curso de Nutrição, pela partilha do caminho percorrido.
A todos os amigos que, de alguma forma, apoiaram este trabalho.
“Quando se sonha sozinho, é apenas um sonho.
Quando sonhamos juntos, é o começo da realidade.”
D. Quixote
RESUMO
Este trabalho está centrado nas práticas pedagógicas consideradas significativas pelos
estudantes do Curso de Nutrição da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e no
protagonismo das professoras que as desenvolvem. Procurou perceber se essas experiências significam
inovação na perspectiva de uma ruptura paradigmática, compreendendo a inovação como um processo
descontínuo, de rupturas com as formas tradicionais do ensinar e aprender. Dentro desse propósito
buscou também compreender como os professores, percebidos como inovadores por seus alunos,
construíram suas trajetórias docentes, identificando os processos que instituem suas práticas
pedagógicas. Foram utilizados a metodologia qualitativa e os princípios da abordagem etnográfica na
expectativa de compreender os processos no contexto social onde são produzidos, a partir de sua
história e contingências de produção. Para a realização da pesquisa, foram selecionados, como
interlocutores, trinta e nove alunos e quatro professores do Curso de Nutrição. Foi aplicando um
questionário aos alunos concluintes do Curso, relativo a suas experiências no processo de formação,
em especial aquelas que consideravam as mais significativas. A partir da análise de seus depoimentos,
foram localizadas as docentes que protagonizaram essas experiências, observando a constância dos
nomes escolhidos. Sempre que possível procurou-se trabalhar também com o critério de
representatividade, incluindo docentes vinculadas às diferentes áreas do Curso, com quem foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas, por considerar que essas permitem um maior aprofundamento
das informações desejadas. Foram de diferentes naturezas as atividades elencadas pelos alunos como
práticas significativas. No entanto, em todas elas, a prática aparece como ponto de partida da
apropriação da teoria, e essa passa a ter significado para os estudantes, constituindo-se na ruptura mais
presente na reconfiguração do conhecimento, transformando-se em autoconhecimento e provocando,
no aluno, uma ação transformadora. Essas atividades se caracterizaram pela interação com dimensões
afetivas e subjetivas, incluindo a emoção, sensibilidade e percepção estética, articulando subjetividade
e objetividade, ciência e cultura, técnica e política. Para a ampliação da análise dos dados, utilizaram-
se categorias propostas nos estudos de Sousa Santos, Cunha, Lucarelli, Leite, entre outros. No campo
dos saberes docentes, os aportes de Tardif, Pimenta e Anastasiou foram importantes. As trajetórias
pessoais e profissionais são fatores definidores dos modos de atuação das professoras, revelando suas
concepções sobre o seu fazer pedagógico. Indicam condições presentes na constituição da
profissionalidade do docente da educação superior. A pesquisa reafirma a importância de compreender
e desenvolver conhecimentos sobre as práticas docentes que se instituem na Universidade, destacando
a relevância de que os professores reflitam sobre elas e de que as alternativas de avanços surjam de
suas reais possibilidades. Nessa direção se alinha a outros estudos que objetivam construir as bases de
uma pedagogia universitária.Os projetos político-pedagógicos dos cursos e das instituições podem ser
importantes instrumentos de estímulo a essa condição.
Palavras-chave: inovação pedagógica - aprendizagem significativa - saberes docentes -
pedagogia universitária - Curso de Nutrição.
ABSTRACT
This work is based on the pedagogical practices that are considered significant by the
students of the Nutrition Course at the Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS and the
advocacy of the lecturers that developed these practices. It was sought to discover whether these
experiences signified innovation in the sense of a paradigmatic break, understanding innovation as a
discontinuous process, of ruptures with the traditional forms of teaching and learning. Within this
goal, it was also sought to understand how the lecturers, seen as innovators by their students,
constructed the route to follow as educators, identifying the processes instituted in their pedagogical
practice. A qualitative methodology and the principles of an ethnographic approach were used in the
expectation of understanding the processes in the social context under which they were produced, on
the basis of their history and the contingencies of their production. To carry out the research thirty nine
students and four lecturers from the Nutrition course were selected as subjects. A questionnaire was
given to the finalists of the course, asking about their experiences of the process of university study, in
particular those that they considered most significant. From the analysis of their answers the lecturers
that were responsible for these experiences were identified, with it being observed that the same names
were consistently chosen. Where possible it was sought to work, also, with a criterion of
representativity, including educators associated with different areas of the course, with whom semi-
structured interviews were held, as it was considered that these permitted a greater depth to be
obtained in the desired information. The activities elected by the students as being significant were of
various different natures. However in all of them the practice appears as the launching point for the
adoption of a theory which then acquires greater meaning for the students, being constituted in the
most recent rupture in the reconfiguration of knowledge, transforming itself into self-knowledge and
triggering, in the student, a transforming action. These activities are characterized by the interaction
between the affective and subjective dimensions, including emotion, sensitivity and aesthetic
perception, interconnecting subjectivity and objectivity, science and culture, technique and politics. To
enhance the analysis the categories proposed in studies by Sousa Santos, Cunha, Lucarelli, Leite,
amongst others, were used. In the field of educator knowledge the approaches of Tardif, Pimenta e
Anastasiou were important. Personal and professional paths are defining factors in the approach of
lecturers, revealing their conception of their pedagogical actions. They indicate the conditions present
in the constitution of the professionalism of teachers in superior education. The research confirmed the
importance of understanding and developing knowledge about the educational practices that are used
in the University, emphasizing the importance of the lecturers reflecting on these and that alternatives
in processes arise from their real possibilities. In this sense it is in agreement with other studies that
had the objective of constructing the basis for a university level pedagogy. The pedagogical policy
projects of the courses and institutions can be important instruments in the stimulation of this
condition.
Key-Words: innovation pedagogy - meaningful learning - educator knowledge - university
pedagogy - Nutrition course.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
1 ORIGEM DO ESTUDO....................................................................................................13
2 CONTEXTO DA PESQUISA........................................................................................... 21
2.1 A Universidade ............................................................................................................. 21
2.2 A UNISINOS................................................................................................................28
2.3 O Curso de Nutrição ..................................................................................................... 32
3 INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E SALA DE AULA NA UNIVERSIDADE:
COMPREENDENDO E TEORIZANDO ............................................................................41
4 CAMINHOS METODOLÓGICOS................................................................................. 53
4.1 Tipo de pesquisa ........................................................................................................... 55
4.2 Interlocutores ................................................................................................................ 58
4.3 Problema e questões de pesquisa.................................................................................. 59
4.4 Trajetória da pesquisa ................................................................................................... 60
4.5 Coleta e análise dos dados ............................................................................................62
5 OS ALUNOS E O ENSINO: AS APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS E SEUS
PROTAGONISTAS ...............................................................................................................67
5.1 Sala de aula como conceito ampliado........................................................................... 70
5.2 O protagonismo ............................................................................................................ 72
5.3 A relação teoria e prática .............................................................................................. 74
5.4 A dimensão profissional ............................................................................................... 76
9
6 VIVENDO A INOVAÇÃO: AS EXPERIÊNCIAS NO CURSO DE NUTRIÇÃO ..... 78
6.1 Conhecendo os docentes que protagonizaram as experiências..................................... 84
6.2 Conhecendo as experiências que anunciam inovação .................................................. 86
6.3 Refletindo sobre as experiências que anunciam inovação............................................ 93
6.4 As concepções e condições da inovação .................................................................... 103
6.5 Saberes e Construção.................................................................................................. 108
6.5.1 Como os professores constroem seus saberes?...............................................114
6.6 Projeto Político-Pedagógico: possibilitando a construção de práticas inovadoras..... 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................133
ANEXOS ...............................................................................................................................142
INTRODUÇÃO
Esse estudo está marcado, desde a sua origem, por reflexões e inquietações sobre a
prática docente, decorrente da minha trajetória profissional, construída como professora e
coordenadora do Curso de Nutrição da UNISINOS. Essas tensões, presentes no cotidiano da
sala de aula, estimularam-me a refletir sobre esse campo de estudo e, de modo especial,
estimularam o estudo das experiências significativas de aprendizagem, vivenciadas pelos
estudantes, analisando o contexto em que se produzem, como parte importante do processo de
mudança paradigmática vivida pelas universidades, tanto no que se refere ao conhecimento,
como ao seu compromisso social.
A atividade docente e a relação que se estabelece entre os professores e os saberes
que produzem constitui-se, também, preocupação desse estudo, como um tema que tem
merecido atenção dos estudiosos e pesquisadores da área de educação. Durante muito tempo,
essa relação foi percebida dentro do paradigma da racionalidade técnica, que, através do
controle científico, buscava a eficácia da prática educacional. Essa concepção tem sido
bastante questionada, na medida em que nega a subjetividade dos professores e dos alunos
como agentes no processo educativo.
Meu cotidiano como docente universitária colocou-me diante de alguns desafios. Um
deles foi entender o docente como sujeito que produz conhecimentos, refletindo sobre a
própria prática e tomando-a como tema de reflexão nesse processo de transformação. Com
esse propósito, objetivei compreender como os professores, percebidos como aqueles que
protagonizam aprendizagens significativas para seus alunos, construíram suas trajetórias
docentes, identificando os processos que instituem suas práticas pedagógicas. Também
11
procuramos analisar se as práticas pedagógicas que resultam em aprendizagens significativas
para os estudantes, se constituem como inovações. Cunha (2001), afirma que “a eleição das
inovações como objeto de estudo pode trazer importantes contribuições, se o foco preferencial
da análise for sua gênese, e procurando entender como elas se produzem no campo da
contradição e como espaço de tensão” (p.77). Nesse sentido optei por uma investigação no
meu próprio contexto de trabalho, na perspectiva de contribuir com sua qualificação.
O presente estudo buscou, a partir do referencial teórico, subsídios para discutir as
inovações em sala de aula universitária, a formação docente no ensino superior e os saberes
docentes que fundamentam suas ações.
O texto que ora apresento está dividido em seis tópicos. No primeiro, partilho a
minha trajetória de vida, propondo uma reflexão sobre a construção da minha prática, como
docente universitária. No segundo momento, visito o passado procurando desvendar a origem
da universidade, ressaltando os marcos históricos que a constituíram ao longo do tempo.
Nesta viagem, revejo a trajetória da criação da UNISINOS e como foi se constituindo o Curso
de Nutrição nessa Instituição.
No terceiro tópico, busco me apropriar do conhecimento de autores que transitam na
área educacional, em especial refletindo sobre a ação e os saberes docentes, a fim de construir
o referencial teórico que subsidiou o meu estudo, contribuindo com a sistematização
reflexiva.
Juntamente com a busca do referencial teórico que fundamenta as questões
levantadas, busquei também traçar os caminhos metodológicos da pesquisa que foram
percorridos para chegar aos objetivos propostos. As concepções, definições e justificativa dos
instrumentos de coleta de dados, além dos eixos que nortearam a escolha dos interlocutores
também estão explicitados no quarto tópico.
Com base nesse referencial, a análise e a interpretação dos dados constituíram outros
capítulos. No quinto analisamos as experiências significativas descritas pelos alunos na
perspectiva de entender se elas trazem, na sua constituição, os embriões da mudança.
12
Os dados obtidos, sua análise e discussão, estabelecendo um diálogo com os
professores entrevistados, apresentando suas percepções em relação às experiências
significativas e suas concepções e condições de inovação, estão relatados no sexto tópico.
Nesse capítulo também estabelecemos uma associação entre os saberes docentes descritos por
Tardif e a relação dos professores com os saberes que ensinam e a sua identidade profissional,
Por fim, pontuo algumas sínteses à guisa de conclusão. Essas querem assumir o
caráter de provisoriedade, procurando contribuir para o campo da pedagogia universitária e,
ao mesmo tempo, estimular novos estudos.
1 ORIGEM DO ESTUDO
Nos tempos atuais, em que constantemente somos chamados a responder aos novos
desafios da realidade, percebemos a necessidade de produzir conhecimentos e novos saberes.
Essa necessidade move-me, na busca de um aperfeiçoamento que qualifique meu processo de
docência no Ensino Superior. A inquietação que teve início desde a primeira experiência
como professora de graduação continua presente em mim.
Em 1990, fui convidada a dar aulas de Nutrição e Atividade Física no Curso de
Nutrição da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, área em que havia realizado curso de
Especialização. Essa iniciativa foi recebida com muito entusiasmo, pois estava sendo
convidada a ser docente na universidade na qual havia realizado minha formação. Passada a
euforia, vários questionamentos foram por mim levantados: Qual a perspectiva dos alunos em
relação a uma disciplina que saía um “pouco fora dos padrões estabelecidos?” Como poderia
fazer com que o aluno/aluna entendesse que era necessário articular conhecimentos já
adquiridos e analisá-los de outra forma? Como favorecer o processo de compreensão de que,
numa situação específica, eles precisariam dos conhecimentos de bioquímica, de fisiologia e
de dietética para pensar sobre o que é modificado no momento em que o indivíduo faz uma
atividade física? Questionamentos como esses levaram-me a outros que me faziam refletir
sobre como deveria desenvolver esses conteúdos em sala de aula. Como poderia “ensinar”
alguns conteúdos que eu não dominava completamente? Compreendi que esta disciplina não
poderia ser desenvolvida do mesmo modo que as outras. Como fazer então? Haveria algum
modelo a seguir? Haveria necessidade de seguir um modelo? Essas inquietações
acompanharam-me no transcurso do período letivo. O semestre transcorreu dentro de uma
aparente normalidade, mas durante todo o período pensava em como melhorar a minha prática
de ensino.
No semestre seguinte, fui convidada a substituir uma professora que saíra em
licença-maternidade. Mais um desafio. A disciplina era carregada de conteúdos, com a
ressalva de que era uma disciplina específica da área de nutrição. Pensei que seria mais fácil.
Tratava-se de trabalhar do mesmo modo como aprendi. Parti do pressuposto de que
necessitaria apenas reproduzir as orientações de como deveria ser uma alimentação
14
equilibrada
1
, sua técnica (fórmulas e conceitos), aplicar e corrigir exercícios para fixar os
conteúdos.
Tudo ia muito bem, até que um dia um aluno questionou meu conhecimento técnico
dizendo “A minha vida toda eu comi pão com banana e estou muito bem, sinto-me saudável,
acho que é a melhor alimentação”. No primeiro momento pensei “Que atrevimento! Ele está
questionando meu conhecimento”. Contra-argumentei. Trouxe novamente conceitos
estabelecidos. Pensava comigo mesma: “Eu aprendi isso quando fiz a graduação. Nunca
haviam perguntado se esta informação estava correta ou não”. O que ouvi a seguir chocou-me
mais ainda. O aluno, talvez vendo a minha irritação e tentando acabar com o assunto,
encerrou a discussão da seguinte maneira: “Está professora, talvez quando eu chegue na sua
idade eu pense que nem a senhora”. A indignação aumentou: além de ter tido meus
conhecimentos colocados em teste, fui chamada de velha! No entanto, essa situação fez-me
pensar sobre o que estava fazendo com esses alunos e alunas. Será que estava trabalhando
para torná-los profissionais competentes? Que prática docente estava exercendo? Será que não
estava centrada apenas nas minhas verdades? Essas perguntas, certamente, não foram
respondidas e, ainda hoje, me fazem repensar as práticas que desenvolvo em sala de aula.
Em 1991 fui convidada a ser docente no Curso de Auxiliar de Enfermagem, em uma
Escola Técnica Profissionalizante. Ministraria a disciplina de Nutrição. O público a ser
atendido era totalmente diferente. Tratava-se de atendentes de hospitais que, por determinação
legal, necessitavam do diploma para poder continuar na atividade que exerciam, ou eram
alunos que não tinham passado no vestibular para Enfermagem e também alunos que já
estavam cursando a graduação e realizavam o Curso Técnico para poder chegar ao mercado
de trabalho mais rapidamente e, assim, manter seus estudos. Novamente minhas inquietações
afloraram: como desenvolver conteúdos preestabelecidos pelo programa que me foi fornecido
pela direção da Escola para um grupo tão heterogêneo? Como poderia despertar interesse por
uma disciplina que, à primeira vista, parecia não pertencer à área de atuação dos alunos?
Como poderia trabalhar com determinados conteúdos, quando não havia os conhecimentos
prévios necessários para entendê-los? Novamente os questionamentos sobre minha atuação
1
Entende-se como alimentação equilibrada aquela que é composta por alimentos que contenham as substâncias
indispensáveis para a manutenção de uma vida saudável.
15
como docente me inquietavam. Movia-me o desafio de fazer daquelas pessoas profissionais
com a qualificação exigida.
Procurei entender qual era a função do auxiliar de enfermagem. Propus a organização
de reuniões com o grupo de professores do Curso. Eles aceitaram, e desenvolvemos um
trabalho em que cada professor explicitava que conteúdos faziam parte de sua disciplina, bem
como quais eram os prioritários na formação do auxiliar de enfermagem. Com base nessas
discussões, propusemos uma mudança curricular, uma reorganização de conteúdos e uma
outra forma de trabalhá-los com os alunos. Essa mudança foi muito positiva para o
desenvolvimento do Curso, pois cada professor, sabendo o que seu colega trabalhava na sua
disciplina, aperfeiçoava sua prática.
Talvez por ter demonstrado “vontade para enfrentar novos desafios”, fui convidada
para “montar um curso novo” na área da saúde. Esse deveria ser em nível técnico. Desafio
aceito, fui incumbida de organizar o primeiro Curso de Técnico em Gesso Hospitalar de nosso
Estado. Não havia lei de reconhecimento da profissão, nem currículo mínimo, tampouco
professores formados na área. Novamente surgiram questionamentos: como deveria montar
este Curso? Qual seria o campo de trabalho destes profissionais? Quais as disciplinas que
deveriam fazer parte do currículo
2
? Qual a carga horária? Seria necessário estágio? Como
estes deveriam ser realizados? Quem supervisionaria? Quais os passos a serem seguidos para
montar este Curso?
Depois de muitas idas e vindas à Secretaria de Educação, ao Conselho Estadual de
Educação, e de muitas horas de assessoria com uma pedagoga, o Curso foi autorizado. Por
decisão administrativa, o Curso iniciou sem ter seu quadro de professores preestabelecido.
Algumas contratações passaram a ser feitas diretamente pelo diretor. Depois do primeiro
semestre, sem ver uma perspectiva de melhora na condução do processo de escolha dos
professores que levariam à formação pretendida, e por não concordar com alguns
procedimentos, por mim considerados inadequados e antiéticos, pedi demissão. Percebi que
não poderia atuar sem as condições estabelecidas e centrei minhas energias no Curso de
2
O entendimento que tínhamos na época sobre currículo era apenas o de um conjunto de disciplinas, de
conteúdos a serem ministrados pelos professores e aprendidos pelos alunos.
16
Nutrição da UNISINOS, no qual cada vez mais, se ampliava minha carga horária. Novas
disciplinas foram por mim assumidas e novos desafios surgiram.
Em 1993, a chefe do Departamento de Nutrição convidou-me a fazer parte da
Comissão de Estudos para a Proposta de Modificação de Grade Curricular e Conteúdos
Programáticos do Curso de Nutrição
3.
. Após um ano de trabalho da Comissão, por questões
administrativas, o projeto não foi implantado. A Universidade passava por um processo de
reestruturação, implantando o Planejamento Estratégico.
Em decorrência desse processo, em 1995, com a nova Direção do Centro de Ciências
da Saúde da UNISINOS, fui convidada a assumir a coordenação executiva do Curso de
Nutrição, a qual exerço até o momento. Neste período, houve a aprovação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei 9394/96, dando início às discussões que
desencadearam um repensar dos cursos de graduação, na UNISINOS. Neste contexto, houve
apoio da Instituição para que pudéssemos conhecer outros cenários institucionais,
relacionados à área da educação e saúde. Compartilhando diferentes perspectivas teóricas, do
conhecimento de outros cursos, das necessidades em termos de novos saberes que a
contemporaneidade apresenta, iniciamos, na UNISINOS, a discussão sobre a formação
profissional do Nutricionista. Esse processo nos levou a repensar o Projeto Pedagógico do
Curso de Nutrição. Tal oportunidade mobilizou-me para a busca de leituras na área do ensinar
e aprender, da formação da docência do ensino superior, das recentes discussões sobre o
significado da universidade, do projeto pedagógico e currículo. Essa busca fez-me
compreender a universidade “como escola de elaboração intelectual, como construtora de
produções culturais, como humanizadora de homens” (ENRICONE, 2001, p.46). Considerada
assim, a universidade deixaria de ser apenas o lócus da busca do saber e assumiria a condição
de ser um lugar no qual se aprende a ser. Em outras palavras, procuraria ser o lugar de
formação do profissional de uma forma integral e comprometida com uma sociedade em
constante transformação. Neste mesmo contexto, discutiu-se o projeto pedagógico, não como
algo construído para constar, encaminhar às autoridades e cumprir uma tarefa burocrática. Ele
foi “construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo
educativo da escola” (VEIGA, 2001, p.13).
3
Assim era o entendimento de reforma curricular.
17
A sistemática utilizada foi constituída a partir de reuniões de avaliação sobre o
currículo existente, identificando os pontos dissonantes, junto com o colegiado e os
representantes dos alunos. Após a etapa inicial, os professores foram divididos por áreas de
saber, de modo a procederem a troca de idéias específicas, pertinentes às sobreposições,
lacunas e novidades referentes aos conteúdos das disciplinas do Curso, bem como, a respeito
do perfil, conhecimentos e habilidades de profissional egresso, incluindo o esboço do novo
projeto pedagógico. Nesses seminários foram discutidos temas como Pedagogia Inaciana no
ensino universitário, objetivos do Curso de Nutrição, metodologias de ensino e de avaliação e
a importância da explicitação da proposta pedagógica no ensino superior. Algumas
constatações importantes foram feitas sobre o currículo em vigor: necessidade de definição
dos objetivos e projeto pedagógico do Curso; desarticulação entre o primeiro ciclo e o ciclo
profissionalizante e fragmentação do conhecimento, necessitando de integração das áreas de
conhecimento, para maior esclarecimento do papel da disciplina no Curso; desarticulação
entre a teoria e prática; necessidade de reorganizar e adequar os conteúdos das disciplinas ao
novo contexto social, econômico, político, cultural e ambiental, a partir da definição dos
objetivos do Curso e do perfil do aluno egresso; concentração da prática no último ano. A
partir desses encontros, o Colegiado do Curso redefiniu o perfil do profissional a ser formado
na UNISINOS, reelaborou e explicitou seu Projeto Pedagógico.
O investimento e os esforços no sentido de aprofundar novos conceitos para ensinar e
aprender favoreceram a compreensão de que a formação integral do profissional, sua inserção
crítica e investigativa no contexto cultural de atuação, afasta-se da concepção de currículo
como veículo de transmissão de conhecimentos ou informações compartimentalizados e
passivamente absorvidos por quem está aprendendo. A partir das leituras de Moreira e Silva
(1994), Costa, M.C.V. (1998) e Santomé (1998), percebemos o conceito de currículo como
uma articulação entre saberes historicamente construídos pela cultura que produz estes
saberes e o conjunto de experiências vivenciadas no cotidiano. Essas idéias se expressaram no
projeto pedagógico do curso. Depois de uma série de encontros dos especialistas, nos
diferentes segmentos da Nutrição e áreas afins, e de posse das sugestões, construímos as
Diretrizes Curriculares do Curso de Nutrição da UNISINOS. O Curso se constituiu a partir de
três principais eixos do conhecimento: Eixo I-Alimentos, Alimentação e Meio-Ambiente;
Eixo II-Nutrição e Desenvolvimento Humano e Eixo III-Nutrição Terapêutica, articulados
com as bases para investigação científica e formação humanística de orientação cristã. Essa
nova estrutura evoluiu a partir de uma visão diferenciada, respeitando a experiência do
18
profissional e os conhecimentos necessários à formação do mesmo, fortalecendo o vínculo do
nutricionista com seu principal objeto de trabalho, o alimento, sua relação com os seres
humanos e o meio-ambiente
4
e não mais a partir das áreas de atuação que o mercado de
trabalho propunha.
Repensar tais questões e relacioná-las ao perfil profissional a ser formado na
universidade, bem como as formas de ensinar e aprender que seriam necessárias para a
formação deste nutricionista, possibilitou-me o início de uma quebra de paradigmas sobre as
concepções de ensino e aprendizagem. Durante muito tempo acreditei que ensinar era apenas
repassar conteúdos e os alunos aprenderem apenas através da memorização. No entanto, na
atualidade, partilho da concepção de que aprender é construir conhecimentos, partindo de
situações reais, vivenciados pelos envolvidos no processo educativo.
Esta reflexão sobre o processo de ensinar e aprender refletiu-se também na minha
atuação profissional. Se antes acreditava que, apenas repassando as informações aos
pacientes, a partir da prescrição da dieta, esses aprenderiam como fazer e mudariam seus
hábitos alimentares, tornando-se pessoas mais saudáveis, hoje percebo o quanto isso é
ineficaz. A mudança na concepção de ensinar e aprender, na formação profissional do
nutricionista, tornou-se cada vez mais urgente, pois o nutricionista também é um educador.
Ele não é apenas um técnico que dita as normas de uma alimentação saudável ou prescreve
uma dieta para enfermos, mas, principalmente, ele precisa oportunizar que as pessoas
aprendam a alimentar-se corretamente, alcançando uma vida mais saudável e, assim, melhor
qualidade de vida. Como formar estes profissionais, se muitos professores tiveram uma
formação presidida por uma concepção tradicional de ensino?
A perspectiva tradicional de ensino, segundo Cunha (1998), assenta-se na idéia de
que “a competência do professor é medida através de suas habilidades de transferir
informações com precisão e segurança, de forma que o aluno nunca perceba qualquer
indecisão ou dúvida” (p.12). Na mesma direção, Tardif (2002) caracteriza a dimensão
4
O documento “La práctica dietética del futuro” elaborado pela Comisión de Estudios sobre Programas
Académicos en Nutrición y Dietética (1991), já apontava que “Nuestra profesión sigue centrada entonces en tres
preocupaciones principales: los alimentos, la gente, y la salud y en las numerosas interacciones posibles entre
los tres” (p. 94).
19
tradicional, como sendo aquela em que “professor/professora é, antes de tudo, alguém que
sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros” (p.31).
Acredita-se, como afirma Enricone (2001), que há necessidade de priorizar as
discussões sobre a formação do professor universitário, com vistas a inovar suas formas de
ensinar “para dialogar com a incerteza” (p.41), quebrando com a perspectiva tradicional do
ensino. Neste sentido, o professor precisa refletir sobre as suas experiências vivenciadas,
compartilhá-las com seus pares e, assim, construir pedagogias mais eficazes que levem o
futuro profissional a construir as competências necessárias. E competências estão sendo
compreendidas nesta reflexão, a partir de Perrenoud (2001), quando afirma que são saberes,
capacidades, informações para solucionar, de forma eficiente e pertinente, uma situação.
O trabalho desenvolvido frente à Coordenação e como professora do Curso suscitou
várias inquietações e reflexões, acompanhadas por um certo nível de ansiedade. Diante da
falta de respostas, das incertezas e das múltiplas demandas cotidianas que estão sendo
apontadas, atualmente, pela área da nutrição, cada vez mais há necessidade de aprofundar
conhecimentos. A partir dessas inquietações, das vivências e das leituras, tornou-se cada vez
mais urgente refletir sobre minhas práticas e o contexto coletivo que as abriga.
A perspectiva de pensar a proposta e a prática pedagógica do Curso de Nutrição, a
partir de distintas concepções paradigmáticas, estimulou-me a uma aproximação com o
conceito de inovação. Será que a proposta do Curso favorece a produção de práticas
inovadoras nos processos de ensinar e aprender? Serão elas consideradas significativas pelos
estudantes?
A temática acerca da pedagogia universitária e do conceito de inovação pedagógica
pareceu-me importante e profícua para discutir as questões e encaminhar pesquisas. Para
tanto, fui buscar nas leituras de Cunha, M.I. (2003a); Leite, D. B.C. et al. (1999); Veiga e
Castanho (2000); Hernandez, et al. (2000); Morosini, (2001) os referenciais que subsidiassem
minhas buscas.
Elas tomariam como referência o entendimento de inovação como um processo
descontínuo, de ruptura com os paradigmas tradicionais vigentes no ensino e na pesquisa e
20
que se materializariam pelo reconhecimento de formas alternativas de saberes e experiências,
nas quais imbricam objetividades e subjetividades, senso comum e ciência, teoria e prática,
cultura e natureza, anulando dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos, mediante
novas práticas (Leite, D. et. al., 1999 e Cunha, 2003a). Entender o que vem acontecendo,
nessa direção, é que estimulou esse estudo. Busquei compreender as mudanças que estão
sendo produzidas nos espaços da sala de aula, no Curso de Nutrição da UNISINOS, e se essas
mudanças são consideradas significativas pelos estudantes. Também foi meu interesse
identificar os saberes que os professores protagonistas das experiências vêm mobilizando para
dar sentido às práticas pedagógicas que desenvolvem.
2 CONTEXTO DA PESQUISA
Adorno e Horkheimer (1985) destacaram que o movimento dialético de elaboração
do conhecimento é sempre condicionado por um processo histórico no qual as teorias que
permitem a emancipação dos homens acabam por mediar ações que ampliam a dominação de
certos segmentos sobre as sociedades e sobre a natureza. A idéia de universidade
5
remonta às
primeiras incursões do homem nos domínios do pensamento filosófico e na aventura do saber
sistemático. Portanto, as universidades, como espaço de produção, reprodução e socialização
do conhecimento, estão inseridas neste mesmo movimento e o saber nelas elaborado deve ser
ampliado para o domínio social, recuperado socialmente em processos econômicos, políticos
e culturais.
2.1 A UNIVERSIDADE
A universidade surgiu na Europa nos séculos XI e XII, mas, segundo Castanho,
S.E.M (2000), antes dessa época já ocorriam estudos superiores no seio da Igreja Católica
(mosteiros, catedrais, centros religiosos), onde se ensinava Religião, Artes, Direito, Cálculo e
outros conhecimentos, formando os grandes pensadores e os administradores da Igreja,
conforme podemos constatar pelo fragmento do discurso proferido pelo secretário de estado
Cardeal Angelo Sodano na inauguração do "studium generale marcianum" de Veneza, em 24
de abril de 2004
6
:
Na Igreja nasceram escolas e universidades e surgiram instituições
culturais de vários tipos para ajudar as novas gerações na descoberta do verdadeiro,
do bom e do belo, ou seja, de tudo aquilo que corresponde às exigências mais
profundas do espírito humano.
5
No Brasil, o termo ‘universidade’ é utilizado, freqüentemente, em referência ao conjunto das Instituições de
Ensino Superior (IES), com diferentes características quanto ao desenvolvimento das atividades de ensino,
pesquisa e extensão, além de tamanho, fontes financiadoras e sistemas jurídicos.
6
Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/2004/documents/rc_seg-st_20040424_
sodano-venice_po.html> Acesso em: 30 abr. 2004.
22
Entretanto entre as primeiras universidades propriamente ditas, esteve a de Bolonha,
na Itália, fundada em 1088, que, inicialmente, foi uma escola leiga, não clerical, especializada
na área de direito. A mais famosa de todas as instituições medievais de educação superior,
entretanto, é a Universidade Sorbonne, em Paris, que nasceu por obra da Igreja. Segundo o
Cardeal Angelo Sodano, citado anteriormente, ela tem esse nome, porque foi fundada pelo
teólogo Robert de Sorbon ao redor de 1257. Essas universidades tornaram-se modelos para
muitas outras organizadas na Europa e, posteriormente, em outros continentes.
Até a passagem do século XV para o XVI, formaram-se na Europa cerca de 80
universidades, originariamente vinculadas a organizações religiosas, que as controlavam
rigidamente. Castanho, S.E.M. (2000) afirma que o ambiente em que essas instituições
surgiram caracterizava-se por uma “grande excitação intelectual, resultante da confrontação
entre a fé cristã, tradicional baluarte da vida medieval de cristandade, e a ciência experimental
que emergia lentamente” (p.17).
Com o passar do tempo, as instituições foram conquistando autonomia, não apenas
na forma de sua organização e gerenciamento, como também na orientação dos estudos nelas
desenvolvidos. Para Mance (1999), as universidades, nesse período, estimularam o
desenvolvimento intelectual e passaram a ser o principal espaço de formação de lideranças
sociais, religiosas e civis.
Várias características atuais advêm desse período. Castanho, S.E.M. (2000) afirma
que há características fortemente estruturais que permanecem até nossos dias. Diz o autor:
“Refiro-me à autonomia da universidade e à sua criticidade, esta articulada com aquela e
ambas enlaçadas com a natureza corporativa da instituição” (Ibidem, p. 20). Para o autor, o
corporativismo universitário manteve-se como característica básica da instituição até nossos
dias, reportando nas lutas pela autonomia e na afirmação de sua criticidade.
No século XVII, ocorreu a fundação das primeiras universidades nas Américas, em
regiões de colônias inglesas, francesas e espanholas, como Estados Unidos, Canadá, México e
Peru. Na América Latina, as primeiras a serem criadas foram as de Santo Domingo (1538),
Lima (1551) e México (1551), sempre controladas por ordens religiosas (jesuítas e
dominicanos). Tais instituições dedicavam-se ao ensino de Teologia e Direito Canônico e
23
exerciam papel importante no trabalho missionário. No Brasil, Morhy (2001) nos aponta que,
em 1592, os jesuítas tentaram fundar a primeira universidade brasileira, a Universidade do
Brasil, entretanto essa instituição jamais foi oficialmente aprovada ou reconhecida.
Entre 1780 e 1860, registra-se a primeira grande renovação no sistema universitário
mundial, com as mudanças introduzidas nas universidades alemãs e francesas: a educação
tornou-se mais aberta, e os Estados passaram a exercer maior controle sobre os diversos níveis
do ensino, diminuindo o poder das organizações religiosas (MORHY, 2001). Na Alemanha,
as transformações foram influenciadas pela corrente neo-humanista de W. Von Humboldt,
Fichte e Schleiermacher, que propuseram a liberdade de aprender, a liberdade de ensinar,
recolhimento e liberdade do pesquisador e do estudante, e o enciclopedismo, que, ao defender
o princípio da livre investigação, atraía as atenções de professores e estudantes do mundo
todo, ganhando corpo o ensino mais especializado e científico. A livre investigação valia-se
de seminários, laboratórios científicos e estudos monográficos, modelo esse que foi
reproduzido em muitos outros países. No entanto, na França, o modelo universitário voltou-se
para a formação profissional, sob a influência da Revolução Francesa, em detrimento da
atividade científica e da erudição. Considera-se que isso causou atraso ao desenvolvimento
científico francês, enquanto a Alemanha avançava com o seu modelo universitário inovador
(MANCE, 1999).
O Brasil organizou suas primeiras universidades seguindo o modelo francês,
ocupando-se da formação de quadros/profissionais para o Estado, com as faculdades
profissionais estruturadas conforme currículos bem definidos e um sistema governamental de
controle e credenciamento. Em 1920, foi criada a Universidade do Brasil, hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro, que nasceu da união da Escola Politécnica, da Faculdade de
Medicina e da Faculdade de Direito então existentes. No entanto, foi a partir do primeiro
governo de Getúlio Vargas (1930-1945), com a criação da Universidade de São Paulo, em
1934, que se estabeleceram as bases da atual estrutura universitária nacional.
Para Morhy (2001), nesse período de Getúlio Vargas, houve um grande crescimento
na demanda pelo ensino superior em todo o mundo, exigindo mudanças nos modelos
organizacionais e pedagógicos das universidades, com ampla diversificação, expansão e
maior fixação dos docentes na vida acadêmica, criando-se a profissionalização do pesquisador
24
e/ou docente. A partir dessa década, outras universidades públicas e privadas também foram
criadas.
Durante a Segunda Guerra Mundial e após o seu término, as pesquisas, voltadas ao
desenvolvimento científico e tecnológico, foram muito encorajadas por Estados e empresas.
Em muitas universidades, a pesquisa tornou-se a principal atividade acadêmica,
secundarizando-se o seu papel no ensino, pois havia a compreensão de que a pesquisa
científica era um elemento necessário ao desenvolvimento do país e que o seu aprimoramento
necessitava das organizações institucionais (MANCE, 1999).
No Brasil, nos anos 60, segundo relatos de Cunha, L.A (1989), a ebulição das
Instituições de Ensino Superior (IES) acompanhava o clima político e econômico do País.
Verificava-se a intensificação da mobilização popular que exigia mudanças estruturais em
diversos setores da sociedade e colocava em xeque o capitalismo. A mobilização em torno da
reforma universitária, como parte dessas reivindicações, politizou o movimento estudantil.
Este movimento estudantil considerava a Reforma Universitária prioritária para a
modernização do País. Para Trindade (2004), as reivindicações do movimento estavam
associadas a questões políticas, pois queriam a universidade a serviço da sociedade.
Nesse clima, houve o Golpe de 1964. O Governo Militar que assumiu o poder adotou
uma política que preconizava superar os problemas tecnológicos da indústria nacional,
aumentando sua participação na oferta nacional e global. Foram elaborados planos para o
desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, nos quais a formação de técnicos e pesquisadores
era considerada primordial. De acordo com Cunha, L.A. (1988), a educação estava vinculada
à economia com relevância restrita à noção de produtividade e desenvolvimento econômico
para a modernização do País.
Nesse processo, a Reforma Universitária de 68 (RU/68), publicada na Lei
Universitária n. 5.540, de 1968, determinou que as IES brasileiras adotassem o modelo de
universidade moderna, que associa ensino e pesquisa e contempla diversas áreas do
conhecimento. Para Trindade (2004), essa Reforma representou um marco do Estado como
orientador de políticas para a educação superior. Naquele momento, o Estado assumia
diretamente o controle de várias instituições, através de intervenções e patrulhamento
25
ideológico, orientação dos gastos e investimentos para expansão de vagas e para o
financiamento da estrutura de pesquisa, considerada, no momento, uma alternativa para o
desenvolvimento científico e tecnológico autônomo. Para o autor, houve uma tentativa para a
criação de uma rede de relações entre atores acadêmicos e o setor produtivo, ao estimar uma
demanda de pesquisa e estimular a formação de competências em áreas estratégicas. O
mesmo aconteceu entre a universidade e a sociedade, através da criação de programas de
extensão. No entanto, a crise mundial do petróleo e a explosão de juros da dívida externa
mudaram o contexto político e econômico. Os investimentos em pesquisa foram afetados e,
sem apoio do setor produtivo, desinteressado de investir na produção de Ciência e Tecnologia,
as pesquisas mostravam-se dispendiosas e de pouco retorno, tornando-se, para o Estado, um
custo e não mais um investimento.
Nos anos 80, a crise em todo o mundo ocidental, tanto nos países centrais quanto nos
periféricos, a globalização do capitalismo e sua repercussão nos Estados nacionais deram
início à passagem do modelo de Estado intervencionista e de Bem-Estar para a perspectiva
neoliberal, onde o Estado atua como ‘regulador’ do mercado e promotor da competitividade.
No Brasil, reinicia-se a luta pela redemocratização da sociedade e, como parte dela, a da
universidade. Entre as questões que perpassavam as discussões, estavam a autonomia
acadêmica, científica e administrativa das universidades, bem como a crescente desobrigação
do Estado em relação à escola pública. Na educação, as influências deste contexto
implicaram, não só a obtenção de novos espaços e meios de acesso ao conhecimento, mas
também, uma nova determinação dos seus objetivos/fins.
Para Buarque (2003), a universidade tem sido duramente maltratada pelo
neoliberalismo das últimas décadas, pela perda de poder e de recursos financeiros, ao mesmo
tempo em que se verifica a redução do número de professores, em detrimento do crescimento
do número de vagas.
Apesar disso, a democratização vivida pela sociedade, com os novos rumos tomados
a partir da nova Constituição
7
, teve um impacto na vida universitária. A Constituição de 1988
dedicou uma seção específica para a Educação (Título VIII - Da Ordem Social, capítulo III -
7
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.
26
da Educação, da Cultura e do Desporto, Secção III - Da Educação). A fundamentação e a
missão da educação brasileira foram estabelecidas no art.205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Ressalta-se a existência de um compromisso do Estado, da sociedade, da família e
dos educadores em prover os educandos de um aprendizado educacional que possibilite uma
formação cultural consistente, possibilitando o seu desenvolvimento como seres humanos e a
aquisição de uma consciência de seus direitos e deveres como cidadãos brasileiros,
desenvolvendo a educação, de modo que possa prover o estudante de recursos e habilidades
que o qualifique para uma atividade profissional futura.
Destaca-se também que esse dispositivo constitucional consagrou a autonomia
universitária, protegida pelo seu art. 207, que dispõe que as universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Todavia a Lei n. 9394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, que foi
sancionada em 20 dezembro de 1996, não contemplou esses anseios. Para Cunha, L.A (2004),
diferentemente da primeira LDB (de 1961), a de 1996 tratou detalhadamente da autonomia
universitária, estabelecendo, em dois artigos (art. 53 e art. 54), contendo cada um numerosos
itens, o que esse tipo de instituição poderia fazer. Dentre eles, reassegurou a possibilidade
(negada às instituições isoladas de ensino superior) de criar e extinguir cursos, assim como de
determinar o número de vagas de cada um, elementos importantes para a sintonia das
instituições privadas com o mercado.
A LDB de 1996 estabeleceu condicionantes específicos para segmentos da educação
superior. No âmbito das instituições de ensino, definiu em seu art. 52 que “as universidades
são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de
pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano”. Na concepção de Cunha,
27
L.A. (2004), a instituição universitária foi definida, de modo genérico, no inciso I, do artigo
referido anteriormente, como a que desenvolve "produção intelectual institucionalizada
mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista
científico e cultural quanto regional e nacional". Entretanto, ela deveria cumprir requisitos
bem específicos, relativos à qualificação e dedicação dos docentes: um terço deles deveria ter
títulos de pós-graduação de mestre ou de doutor; um terço (não necessariamente os mesmos)
deveria atuar na instituição em regime de tempo integral.
O novo dispositivo legal trouxe também profundas modificações no modo de se
estruturar a educação superior. Dentre os principais pontos, destacam-se: o entendimento de
que a educação superior é parte de um processo contínuo de ensino aprendizagem; a
compreensão de que a formação superior transcende a diplomação voltada para o exercício de
profissões regulamentadas; a necessidade da diversificação dos cursos e programas; a
importância de diversificar os tipos de instituições que ministrarão os cursos e programas.
Rompendo com um dos elementos tradicionais do ensino superior brasileiro, não menciona os
exames (concursos) vestibulares, embora faça referência à aprovação em "processos
seletivos" e à exigência de conclusão do ensino médio, como condições para um candidato ser
admitido em qualquer curso de graduação. Para Trindade (2004), essa omissão abriu caminho
para que as instituições de ensino superior adotassem diversos processos de admissão de
estudantes, conforme sua inserção no mercado do ensino superior.
O poder do Estado no âmbito do ensino superior foi reassegurado em novas bases,
mediante o duplo reconhecimento/credenciamento e avaliação. A autorização e o
reconhecimento de cursos, bem como o reconhecimento de instituições de ensino superior,
passaram a ter prazos limitados, sendo renovados periodicamente, após processo regular de
avaliação (CUNHA, 2003a).
Para Buarque (2003), a crise da universidade brasileira coincide com a crise global
da instituição universitária. Para o autor, a universidade está diante de uma encruzilhada e terá
que escolher entre o conhecimento obsoleto e o conhecimento que se renova
permanentemente; entre o ensino que se dava por canais bilaterais diretos - professor e aluno,
e em locais definidos, para ocorrer em uma variedade de meios de comunicação; entre a
formação profissional, que representava antes uma base para o sucesso, e que hoje se torna
28
somente um “equipamento” nesta luta da revolução científico-tecnológica do neoliberalismo e
da globalização.
A discussão sobre a reforma universitária, depois de várias décadas, foi trazida para a
agenda das prioridades do governo Lula, no início do segundo ano do seu mandato. Para
Trindade (2000), a priorização do tema da reforma universitária é, de um lado, um ato de
ousadia política, diante da complexidade de sua elaboração participativa num contexto
democrático, já que as leis universitárias anteriores foram elaboradas em situações
autoritárias; e, de outro, um desafio de alto risco político, diante das tendências restritivas da
economia brasileira para ampliar os níveis de financiamento público, das resistências
tradicionais às mudanças nas instituições públicas e da capacidade de pressão sobre o
Congresso.
De qualquer modo, em meio a este cenário de debate, disputa e indefinições, urge
reafirmar que cabe à universidade, com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão,
colaborar para transformar e melhorar o mundo.
2.2 A UNISINOS
Nascida do coração da Igreja, a Universidade Católica insere-se da tradição que
remonta à própria origem da universidade como instituição. Pela sua vocação a “Universitas
magistrorum et scholarium” consagra-se à investigação, ao ensino e à formação dos
estudantes, livremente reunidos com os seus mestres no mesmo amor do saber. Essa descrição
encontra-se em carta
8
enviada pelo Papa Alexandre IV à Universidade de Paris, em 1255 e
descrita em documento intitulado Constituição Apostólica do Sumo Pontífice João Paulo II,
sobre as Universidades Católicas, em 1990. Esse mesmo documento define que
toda a Universidade Católica, enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica
que, dum modo rigoroso e crítico, contribuí para a defesa e desenvolvimento da
8
Pe. Paulo Meneses. Universidade hoje: compromisso com a verdade, fé e justiça. Palestra pronunciada no
Seminário Internacional –Visão Inaciana da Educação: desafios hoje, ocorrida nos dias 14 a 16 de maio de 1997,
na UNISINOS.
29
dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os
diversos serviços prestados às comunidades locais, nacionais e internacionais (p. 3).
A missão fundamental é a procura contínua da verdade, a conservação e a
comunicação do saber para o bem da sociedade. Portanto, uma universidade se definirá
católica por seus compromissos com a verdade, fé e justiça.
A UNISINOS é uma universidade católica, fundada por jesuítas e, portanto, inspira-
se no seu fundador Inácio de Loyola e tem como tradição a ênfase na formação da pessoa do
estudante
9
.
O inicio das atividades da UNISINOS guarda semelhança com a institucionalização
da universidade na Idade Média, quando eram formados lideres religiosos para atuar nas
comunidades. O objetivo da formação de lideranças, numa perspectiva humanista, social e
cristã permanece desde então. De acordo com o relato de Bohnen e Ullmann (BOHNEN,
1989), a universidade surgiu pela necessidade que tinham os estudantes jesuítas, que vinham
estudar em São Leopoldo, de realizar seus estudos de Letras Clássicas, no Juniorado
10
.
Durante três anos, eles estudavam grego, latim, alemão, português e, por igual período,
dedicavam-se à Filosofia e por mais quatros anos à Teologia. Entretanto, ao cabo de longos
anos de esforço, cumprindo, na prática, um currículo até mais amplo do que os desenvolvidos
nas faculdades da região, não faziam jus a um diploma oficialmente reconhecido pelo
governo. Para poderem lecionar nos colégios jesuítas, como o Colégio Anchieta, em Porto
Alegre e o Colégio Santo Inácio, em Salvador do Sul, os padres precisavam se submeter a um
exame de suficiência, ou cursar uma faculdade, para obter um diploma reconhecido por lei.
Objetivando resolver esse problema e motivados também por uma advertência do
Pontífice Pio XII, de setembro de 1950, que recomendava que a cultura literária e científica
dos futuros sacerdotes deveria ser “pelo menos não inferior à dos leigos que freqüentam
análogos cursos de estudos” (p.294) foi fundada, em 21 de fevereiro de 1953, a Faculdade de
9
Luis Ugalde, SJ. La propuesta de AUSJAL y la pedagogia ignaciana. Palestra pronunciada também no
Seminário citado anteriormente.
10
Este nome era atribuído ao período de estudo dos jovens que se candidatavam ao sacerdócio, que haviam feito
os votos, após o noviciado.
30
Filosofia, Ciências e Letras de Cristo Rei (FAFI), que, em 1964, passou a denominar-se
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo, fundamentos da futura
universidade. Esta Faculdade somente começou a aceitar estudantes leigos em 1958.
O crescimento do número de alunos e a criação de diversas faculdades apontavam
para a necessidade de integração destas em uma grande unidade. Iniciou-se o planejamento da
Universidade. Para tanto, foi considerado que a região geo-educacional do Vale do Rio dos
Sinos preenchia todos os requisitos, já que São Leopoldo contava com a existência das
Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, a Faculdade de Economia, a Faculdade de Direito,
além das Escolas Integradas de Teologia e do Instituto Musical Carlos Gomes (do Colégio
São José).
No dia 31 de julho de 1969, data consagrada a Santo Inácio de Loyola, o Decreto-lei
No. 722 autorizava o funcionamento da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Em 10 de dezembro, quando da inauguração oficial da Universidade, o Vice-Reitor
acadêmico, Padre Dr. José Marcus Bach, SJ
11
dá o seguinte enfoque à Universidade:
Uma Universidade tem a seu cargo tarefas múltiplas. Nenhuma delas, no
entanto, corresponde melhor ao título de Universidade do que a de auxiliar o aluno a
transformar em síntese pessoal o conjunto dos conhecimentos de toda ordem que lhe
são ministrados. Para que esta síntese venha a ter repercussão real da vida, ela não
pode permanecer no plano de um intricado, mas inofensivo, exercício intelectual,
enfim, de um Curso [...] (BOHNEN, 1989, p. 312).
Portanto, esta Universidade nasce alicerçada em um trabalho educacional, baseado
nos compromissos de ensino, pesquisa, publicações, construído a partir da “formação de
pessoas em sentido do humanismo integral” (BOHNEN, 1989, p.313).
Dentro do espírito da Reforma Universitária de 1968, mas com características
próprias, a Universidade desenvolveu seus cursos com a obrigatoriedade de o aluno passar
pelo ciclo básico, objetivando, inicialmente, o preenchimento de lacunas de conhecimentos
11
SJ - designação para Padres Jesuítas.
31
nos estudos anteriormente feitos. Procurou ainda integrar o aluno na Universidade e
oportunizar uma reavaliação, uma decisão mais consciente sobre o curso superior desejado.
A UNISINOS caracterizou-se também pelo pioneirismo, marca que a acompanha
ainda nos dias de hoje. Primeiramente, foi a introdução do “módulo quatro”, isto é, o aluno,
por turno, assistia a quatro horas de aula da mesma disciplina. A “sabatina” semanal sobre a
matéria passada na aula anterior também foi uma prática construída, o que permitia juntar
elementos para avaliação e acompanhamento do desempenho discente. Só mais tarde foi
adotada a prática de duas verificações semestrais, com data marcada, até hoje vigente.
A fim de dar um cunho efetivamente humanístico à formação dos alunos, foram
introduzidas as disciplinas denominadas Humanismo e Tecnologia, e Deontologia, com o
propósito de estudar o homem e as repercussões da tecnologia sobre ele. Entretanto, a partir
de 2000, a universidade determinou a formação de um núcleo que desenvolveria, nos cursos
de graduação, as disciplinas de formação humanística de orientação cristã (FHOC), para
cumprir um pressuposto da Universidade Jesuíta: empenhar-se em formar cidadãos, fazer com
que seus alunos tenham o senso do bem comum, que saibam pensar os problemas na
perspectiva universal do Estado.
Atualmente a UNISINOS é uma instituição de grande porte, contando com
aproximadamente 28.000 alunos, 52 cursos de graduação e 16 de pós-graduação strictu
sensu
12
. Tem forte inserção na região que é abrangida por suas relações acadêmicas e exerce
visível impacto no desenvolvimento do seu entorno. É reconhecida nacionalmente por suas
realizações, qualidade de seus cursos e capacidade de adaptação às exigências da sociedade.
Por estar atenta às exigências da sociedade, a UNISINOS começou a idealização do
futuro Curso de Nutrição, sendo este o primeiro curso a ser instalado na Região Sul e o
primeiro curso a ser oferecido em uma universidade particular. Em 1972, o curso foi
efetivado, passando a formar profissionais nutricionistas.
12
Informação retirada do site da UNISINOS, disponível em <www.unisinos.br> Acesso em: 31 mar. 2006.
32
2.3 O CURSO DE NUTRIÇÃO
A abrangência dos estudos, embora escassos, realizados no Brasil em torno da
trajetória da profissão de nutricionista já permite uma reconstituição dos passos trilhados pela
categoria. À luz da história, a profissão de nutricionista teve seu embrião no ensino da
economia doméstica pelas irmãs da Ordem das Ursulinas, no Canadá, por volta do ano 1670.
O primeiro curso universitário de formação de dietistas
13
foi na Universidade de
Toronto em 1902. Entretanto, outras vertentes apontam o surgimento do dietista a partir da
Primeira Guerra Mundial (1914), para o atendimento alimentar de feridos de guerra, tanto em
hospitais europeus como americanos, pela necessidade de um profissional específico
responsável pela elaboração de dietas, articulando-o com a organização da enfermagem
moderna (ARRUDA; CAMPOS, 2001).
Santos (1988), em trabalho desenvolvido sobre o tema, oferece-nos elementos
valiosos para a reconstituição da emergência do nutricionista em sua relação com a
enfermagem. Segundo a autora, podemos compreender esse percurso a partir da análise do
dietista/nutricionista e, antes disso, da própria constituição da dietética
14
, cuja estruturação
como prática se dá no interior da enfermagem, na era medieval, caracterizando-se a
assistência dietética como componente dos cuidados à saúde e, portanto, como um trabalho
caritativo, exercido na casa dos enfermos, pautado na experiência, isto é, independente de
formação acadêmica.
Na América do Sul, a formação profissional surgiu em 1926, quando o professor
Pedro Escudero criou o Instituto Municipal de Nutrição em Buenos Aires, Argentina. Em
1933, surgiu a Escola Municipal de Dietista, que oferecia bolsas de estudo aos países latino-
americanos, constituindo-se, assim, num marco na formação do dietista/nutricionista na
13
Categoria precursora do Nutricionista, considerada por Santos (apud BOSI, 1996) como uma função que,
descolada da prática da Enfermagem, passava a constituir mais um agente da saúde, trazendo em sua origem
histórica as determinações de uma prática complementar ao ato médico e a este subordinada técnica e
cientificamente.
14
Ciência onde se aplicam os fatores descobertos sobre os alimentos e seu uso para alimentar corretamente
pessoas e coletividades (CHAVES, 1985).
33
América do Sul e estabelecendo as bases da profissão nesta parte do continente (ASBRAN,
1991).
No Brasil, a evolução dessa profissão foi peculiar, pois sua origem não se prendeu
apenas ao setor de saúde e aos demais determinantes, comuns em outros países. Para Bosi
(1996), a emergência do surgimento do profissional, na sociedade brasileira, teve como pré-
condições o processo de organização do capitalismo nacional e as contradições a ele
inerentes, surgindo como vontade governamental
15
, em sua busca de legitimação social. Do
ponto de vista sócio-histórico, o surgimento do dietista/nutricionista, dentro de uma
conjuntura específica, aponta para a necessidade de responder pela execução/viabilização de
ações no setor, implementadas por um Estado em busca de legitimidade, em que o
profissional, através da administração de restaurantes mantidos, constituiu-se em mais um
instrumento de alívio de tensões sociais (BOSI, 1996; YPIRANGA, 1993; SANTOS, 1988).
Mais tarde, essa categoria também seria incorporada ao setor hospitalar (BOSI, op.cit.).
O processo histórico de formação do nutricionista no Brasil, de acordo com Costa,
(2000) evidencia dois elementos que caracterizam sua prática e o identificam na equipe
profissional: planejar e orientar dietas e administrar serviços de alimentação. Esse processo de
separação parece remeter ao início das atividades de nutrição na saúde no Brasil, quando duas
correntes de pensamento, a biologista e a sociológica disputavam a hegemonia do processo.
Outros determinantes, durante sua evolução, alteraram as suas expectativas e influenciaram
sua formação, ampliando a abrangência do campo de atuação, e trazendo também um
descompasso entre sua formação e sua identidade, perante a sociedade que o criou e a
percepção de sua prática, sentida por outros profissionais.
O Curso de Nutrição da UNISINOS, pioneiro na Região Sul, foi idealizado e
estruturado pela professora Nira Simões Leite Casagrande e pelo médico Luís José Varo
Duarte, contando com o incentivo da então presidente da Associação Gaúcha de
Nutricionistas (AGAN), Maria de Lurdes Bacelar Hirschland. Criado pela Resolução da
Reitoria/ CONSUN No. 49, de 24/11/72, foi estabelecido pela primeira vez
16
pelo Conselho
15
Governo de Getúlio Vargas, no fim dos anos 30 e início dos 40.
16
Dados fornecidos pela Assessoria Acadêmica da Universidade em 22/04/2003.
34
Federal de Educação através da Resolução CFE No. 23, de dezembro de 1974, com a
denominação de “Curso de Graduação em Nutricionista”. Entretanto, a partir da Resolução
CFE No. 08, de 20 de maio de 1983, a denominação do Curso passou a ser “Curso de
Graduação em Nutrição”, que permanece até os dias atuais.
É importante destacar a presença do médico na criação dos cursos, uma vez que, ao
lado do dietista, convivia no setor o nutrólogo, profissional médico pós-graduado, a quem
competia as funções de comando, no trabalho e na produção do saber em Nutrição, e que
desempenhava, já no momento da criação dos cursos, um papel fundamental na definição dos
conteúdos de formação e na configuração do campo de prática da categoria.
Na passagem do dietista ao nutricionista de hoje, cabe mencionar alguns fatos que
ocorreram relacionados ao crescimento à luta da categoria em torno de questões como espaço
de atuação e reconhecimento da profissão. A partir de 1954, a Associação Brasileira de
Nutricionistas (ABN) iniciou o processo de reconhecimento dos cursos de nutricionistas em
nível superior para, depois, vir à luta pela regulamentação profissional (BOSI, 1996;
ASBRAN, 1991). Em 1958, no Rio de Janeiro, realizou-se o 1º. Congresso Brasileiro de
Nutricionistas, que trouxe como recomendação a eliminação da duplicidade de denominações
-nutricionistas e dietistas- em favor da primeira (SANTOS, 1988).
Ao longo das discussões e dos documentos produzidos pela categoria na área de
Nutrição, nota-se que o termo dietista, no Brasil, refere-se a uma atividade muito mais
restritiva do que a praticada pelos profissionais designados pelo termo nutricionista. Apesar
de ter sido mantida a segunda nomenclatura, é digno de nota que o termo nutricionista foi
pensado para designar a prática de um profissional pós-graduado, ou seja, equivalente ao
título de nutrólogo. Isso atesta maior prestígio do título de nutricionista, em relação ao dietista
(BOSI, 1996).
Simultaneamente ao reconhecimento do curso de formação de nutricionista em nível
superior, caminhou a regulamentação profissional, que, após vários vetos, foi sancionada pela
Lei 5.276, em 24 de abril de 1967. Assim, o nutricionista, pouco depois, foi enquadrado pela
Portaria Ministerial No. 3.425, do Ministério do Trabalho como profissional liberal autônomo.
Após vinte anos da primeira regulamentação da profissão e durante o período em que houve
35
grande expansão dos cursos de Nutrição e a criação dos conselhos e sindicatos, foi aprovada a
segunda regulamentação da profissão de nutricionista – Lei 8.234, publicada no Diário Oficial
da União, em 18 de setembro de 1991, representando um grande avanço, mesmo que no plano
legal, em relação à regulamentação anterior.
Paralelamente ao desenvolvimento da profissão, a formação acadêmica foi
progredindo e os currículos sendo organizados temporalmente, para atender à evolução do
conhecimento científico e adequar o perfil profissional às novas atividades, preconizadas pela
lei que regulamenta a profissão e pelas mudanças sociais, econômicas, culturais de nossa
sociedade (ARRUDA; CAMPOS, 2001).
Em 1983, estudos realizados pelo Ministério da Educação e Cultura sobre os Cursos
de Nutrição detectaram a existência, nos currículos, de um hiato entre o biológico e o social,
como um descompasso entre a teoria e a prática, o que poderia comprometer a atuação do
profissional em questões essenciais para a população brasileira, entre elas a fome (COSTA,
2000). Reconhece a autora que a prática do nutricionista estava relacionada à reprodução e
manutenção das relações sociais, isto é, ao atendimento dos interesses da classe dominante.
Por outro lado, o profissional, formado pelos Cursos de Nutrição, estaria preparado,
teoricamente, para lidar com os aspectos biológicos, políticos, socioeconômicos e culturais do
fenômeno da fome. Historicamente, sua intervenção na realidade alimentar e nutricional do
País não tem apresentado os resultados desejados porque, para acompanhar as transformações
que o mundo vem sofrendo, influenciado pela dinâmica do processo de globalização, é
importante que o nutricionista promova modificações nos processos alimentares, através de
processos educacionais.
As reflexões acerca da profissão de nutricionista continuam na década de 1990. A
bibliografia concernente ao profissional nutricionista atesta a existência de trabalhos
desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990, que recuperam a trajetória da formação e da
prática desse profissional, dentro de uma abordagem histórico-social, constatando que o
currículo de nutrição tem contribuído para a manutenção/reprodução das relações sociais
vigentes (BOSI, 1996; YPIRANGA, 1993; COSTA, 2000). Os estudos apontam para a
necessidade de uma redefinição da formação, a fim de que a prática do nutricionista sirva à
transformação da sociedade e à garantia de acesso aos alimentos como direito de todos,
36
conforme prescrito no Pacto Internacional sobre Direito Humano à Alimentação (VALENTE,
2002).
O Curso de Nutrição da UNISINOS, sempre atento aos cenários profissionais,
registra diversas reformulações curriculares, tendo ocorrido uma em 1986, que visou a atender
às recomendações da Comissão de Estudos Sobre Programas Acadêmicos em Nutrição e
Dietética da América Latina – CEPANDAL
17
, incorporada por todas as Escolas de Nutrição
da América Latina e permanecendo até 1999 com essas mesmas normatizações. Em 1993, foi
criada uma comissão, formada por professores do então Departamento de Nutrição da
UNISINOS, com o objetivo de elaborar uma proposta de currículo para o curso que visava a
atender às exigências da nova lei que rege o exercício profissional do nutricionista - Lei
8.234/91. Esse trabalho se desenvolveu durante o período de 1993/94. Entretanto, com as
discussões e implantação do Planejamento Estratégico da Universidade e a subseqüente
mudança na regulamentação do ensino superior, pelos órgãos federais competentes, a direção
do Centro de Ciências da Saúde daquele período resolveu manter os currículos de todos os
cursos de graduação por ela administrados, não efetivando a proposta elaborada.
Em 1995, foi implantada a nova estrutura da Universidade. Uma série de alterações
foi efetivada, como a formação das Comissões Coordenadoras de Curso, subcomitê de área e
a representação de um professor no Conselho de Centro. Com a reconfiguração da
Universidade e das Comissões de Coordenação de Curso, estabeleceram-se novas metas e
compromissos com relação ao acompanhamento do plano curricular. A coordenação passou, a
partir desse momento, a exercer atribuições relativas ao planejamento, organização,
supervisão e avaliação da execução do ensino, do desenvolvimento e da consolidação do
curso. Foi instituída a avaliação institucional, que forneceu dados importantes para a tomada
de decisão, identificando a necessidade de se propor uma profunda reestruturação curricular
do curso.
17
O documento recomendava, em síntese, atender a um conjunto mínimo de conteúdos, disciplinas e carga
horária a ser contemplado nos cursos de Nutrição.
37
No Curso de Nutrição desta Universidade, os caminhos para a discussão sobre a nova
formação do profissional foram trilhados a partir de 1995, tendo como referência o Encontro
das Escolas de Nutrição da América Latina – FLASANYD, em Lima / Peru.
Várias reuniões foram realizadas com as Instituições de Ensino de Nutrição do Rio
Grande do Sul e do Brasil, com o objetivo de discutir a necessidade de ser revista a formação
dos novos profissionais egressos das instituições de ensino nacionais.
Assim, mesmo antes de ser proposta a Lei 9.394 de 20/12/96, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), pelo governo federal, os profissionais
envolvidos com a formação dos estudantes do Curso de Nutrição da nossa Instituição já se
mostravam preocupados com a necessidade de mudanças nas diretrizes curriculares, em
virtude da evolução rápida e crescente da ciência em todos os campos e das exigências do
mercado latino-americano e internacional.
Em outubro de 1997, em Brasília, ocorreu o I Seminário Novos Rumos para os
Cursos de Nutrição, sob a coordenação do Conselho Federal de Nutricionistas, para discutir
diretrizes curriculares para os cursos de Nutrição. Depois da realização de vários encontros
com as instituições de ensino do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, em novembro
de 1998 ocorreu o II Seminário Novos Rumos dos Cursos de Nutrição, também realizado em
Brasília, no qual se formulou uma proposta de Diretrizes Curriculares das Instituições de
Ensino de Nutrição do Brasil, encaminhada aos especialistas do Ministério da Educação e
Cultura.
Após debates da comunidade acadêmica brasileira da área de Nutrição, houve um
consenso acerca de Diretrizes Curriculares, cuja versão final foi aprovada pela Resolução
CNE/CES Nº5, de 7/11/2001. Essa proposta, encampada pelo Ministério da Educação,
significou uma nova fase na relação entre docentes, alunos, currículos, e desses com a
sociedade.
As diretrizes se propõem a oferecer uma formação profissional não mais restrita à
compreensão do homem como indivíduo, mas com o objetivo de entendê-lo em suas relações
dentro do contexto social. Para Arruda e Campos (2001), o processo de formação profissional
38
exige, complementarmente, um acompanhamento contínuo do desempenho dos egressos da
graduação, principalmente no que se refere à sua inserção no mercado de trabalho.
Na mesma direção, Venturelli (2000) contribuiu, afirmando que, nos currículos
inovadores, as habilidades profissionais devem ir além das técnicas tradicionais da profissão e
devem incorporar a capacidade de boa comunicação com os diferentes indivíduos e suas
famílias, bem como a habilidade de atuar como educador junto àqueles a quem atendem, e
também a promoção da própria educação permanente.
O resgate do lugar central das habilidades de educador do profissional nutricionista
torna-se um objetivo importante no currículo da nutrição. Um dos elementos importantes para
que isso ocorra é uma ação docente no ensino superior voltada à formação desse profissional,
além da utilização dos espaços que a universidade oferece para o desenvolvimento dessas
ações, bem como, a atenção às demandas da sociedade.
Nesta tentativa, em 1997, o Curso de Nutrição da UNISINOS iniciou seu processo de
reformulação curricular
18
, discutindo o currículo de Nutrição com os professores do Curso,
através da realização de seminários pedagógicos, sob a tutela da Coordenação do Curso de
Nutrição e assessoria do Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) do Centro de Ciências da
Saúde. A sistemática utilizada foi, a partir de reuniões de avaliação sobre o atual currículo,
identificar os pontos dissonantes e construir, junto com o colegiado e representantes dos
alunos, a nova proposta.
Após a etapa inicial, os professores foram divididos por áreas de saber, de modo a
procederem à troca de idéias específicas pertinentes à identidade do profissional que estava
sendo formado, as características que evidenciam a sua prática na sociedade e à sobreposições
de conhecimentos. Nesses seminários foram discutidos temas como Pedagogia Inaciana no
ensino universitário, objetivos do curso de Nutrição, metodologias de ensino e de avaliação e
18
Para Costa (2000), as reformulações curriculares apresentam diferentes graus de complexidade, envolvendo
desde simples alterações de carga horária e conteúdos de disciplinas, até mudanças baseadas em discussões
teóricas profundas. Entretanto, as análises desses itens constituem um instrumento importante para traçar a
tendência da formação profissional numa determinada sociedade, em dado momento histórico.
39
a importância da explicitação da proposta pedagógica, no ensino superior, para os docentes,
discentes e comunidade em geral. Algumas constatações importantes foram feitas sobre o
currículo em vigor, tais como: necessidade de definição dos objetivos e elaboração do projeto
pedagógico do curso; fragmentação do conhecimento, necessitando a integração das áreas de
conhecimento, para se levar maior esclarecimento do papel da disciplina no curso;
desarticulação entre a teoria e prática; necessidade de reorganizar e adequar os conteúdos das
disciplinas ao novo contexto social, econômico, político, cultural e ambiental, com base na
definição dos objetivos do curso e do perfil do aluno egresso. A partir desses encontros, o
colegiado do curso redefiniu o perfil do profissional a ser formado, reelaborou e explicitou a
proposta do projeto pedagógico do curso de Nutrição da UNISINOS.
Entende-se a formação profissional como um processo de construção de
competências que, segundo Le Boterf, citado por Perrenoud (1999), não são um estado, mas
um processo. Para Perrenoud
19
, “competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de
recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações) para solucionar com pertinência e
eficácia uma série de situações” (2001, [s.p.]). A construção de competências demanda
aperfeiçoamento e atualização contínua e, para que se realizem na prática, é necessário que os
responsáveis pela execução comprometam-se com ela.
Rios (2002) contribui, afirmando que a atividade docente vem se modificando em
decorrência de transformações nas concepções de escola e nas formas de construção do saber,
resultando na necessidade de repensar a intervenção pedagógico-didática na prática escolar.
Um dos aspectos cruciais dessas transformações é o investimento na qualidade da formação
dos docentes e no aperfeiçoamento das condições de trabalho nas escolas. Cunha (2003a)
relata também que, em grande parte das instituições, a qualificação do professor do ensino
superior não ocorre de forma aleatória, mas
acompanha a trajetória das mesmas [instituições], assumindo, entretanto, as
tendências políticas e epistemológicas que caracterizam cada época, o estágio em
desenvolvimento em que vivem as universidades e as legislações definidoras das
práticas acadêmicas (p.23).
19
Em entrevista concedida para a revista PUCRS Informações, a. XXIV, n. 106, set-out/2001.
40
Durante os semestres de implantação do novo currículo, ocupando o cargo de
Coordenadora Executiva do Curso de Nutrição, responsável pelo acompanhamento
pedagógico do curso e com a preocupação constante com a melhoria da qualificação do
processo de ensino-aprendizagem e dos profissionais que o exercem, foram desenvolvidas
algumas atividades. Essas objetivaram adequar a formação do nutricionista às transformações
sociais decorrentes do progresso científico e tecnológico. Algumas ações estão sendo
implementadas na busca dessa qualificação, tais como: a capacitação didática do corpo
docente através de seminários, discussões em pequenos grupos, reuniões individuais com os
professores para análise e acompanhamento do processo ensino-aprendizagem.
É fácil compreender a riqueza da caminhada já construída, mas também é importante
ter clareza quanto à necessidade de continuar investindo na qualificação do curso, incluindo a
condição da docência e do envolvimento dos estudantes. Nessa perspectiva, a pesquisa pode
ser um importante elemento dinamizador de reflexão sistemática e rigorosa. Ela se impõe
como uma necessidade e um desafio.
3 INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E SALA DE AULA NA UNIVERSIDADE:
COMPREENDENDO E TEORIZANDO
A universidade vem enfrentando vários desafios para se afirmar como produtora
efetiva de conhecimento. Para Morosini (2001), a educação, em especial a superior,
desempenha um papel muito importante no atual estágio de desenvolvimento econômico, em
que a inovação e a pesquisa agregam valor a uma economia baseada no conhecimento.
Entretanto,
un punto central para comprender la complejidad de la problemática de la
innovación educativa, es la ineludible e imprescindible referencia acerca del impacto
que los nuevos lineamientos de la política educativa han introducido en la
educación, instaurados a partir de las reformas educativas ejecutadas en la década de
los 90, como parte del programa del modelo económico neoliberal que domina a
toda la región latinoamericana desde fines de los años 80 (ZACCAGNINI, [s.d.], p.
1).
O atual processo de Reforma Universitária se insere neste contexto sociopolítico,
cujo propósito é o reordenamento profundo da política educativa, para colocar todo o sistema
em função das demandas do novo pacto social impulsionado pelo modelo neoliberal. A
Reforma procura ser uma alternativa que faça avançar o processo educativo universitário para
além dos efeitos contextuais dos anos 90.
Esses movimentos políticos que vêm marcando a história do País estabelecem
avanços e recuos na construção de um projeto educacional cada vez mais dependente das
estruturas do poder dominante (CUNHA, 2001b).
Os delineamentos políticos descritos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação-
LDB, imprimiram temas como a formação docente, implantando como princípios
fundamentais a capacitação e a atualização docente, bem como o domínio de conhecimentos
básicos comuns a várias áreas de conhecimento (como é o caso dos cursos da área da saúde) e
estabelecem saberes e conhecimentos sociais e culturais que seriam importantes na formação
42
dos alunos. Constituiriam a base das capacidades necessárias que permitisse aos estudantes
uma visão mais ampla do mundo social. Deste modo, o contexto sociopolítico, que configura
a atividade profissional do docente, isto é, as relações entre o controle social e a autonomia do
trabalho docente, resulta de vital importância na hora de analisar as condições reais em que se
desenvolvem as práticas docentes.
A insistência atual de avaliar o ensino superior, ora pela qualificação das instituições
como universidades, conforme descrito no texto constitucional de 1988 e na LDB/96, ora pela
discriminação entre ensino superior e ensino universitário, reflete a inexistência de um acordo
conceitual sobre o sentido da indissociabilidade do ensino e da pesquisa nos cursos de
graduação, admitindo a existência de espaços acadêmicos que só ensinam e de outros que
ensinam e pesquisam (Cunha, 1998).
Morosini (2001) afirma que “um dos condicionantes mais fortes do habitus
20
da
docência universitária é o espaço institucional em que o professor exerce sua atividade”
(p.22). Na concepção da autora, dependendo da missão da instituição e das conseqüentes
funções que são priorizadas, a atividade do professor pode ser diferente. Se o professor atua
em uma universidade, sua visão de docência terá um condicionante de investigação; se atua
em uma instituição isolada, num centro universitário, ou mesmo em uma federação de
faculdades, sua visão de docência incluirá o ensino sem pesquisa.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como função da universidade,
permanece como o grande desafio. No dizer de Fernandes (1999), há a necessidade de
reforçar a compreensão de que esse princípio [indissociabilidade] não se faz
espontaneamente, pela natureza de ações intrínsecas nos seus processos históricos e
epistemológicos, mas, sim, pela intencionalidade de compreender o conhecimento, a ciência e
o mundo, numa relação dialética produzida por sujeitos históricos - professores e alunos - que
interagem, construindo e reconstruindo seus saberes. Para a autora, com base nessa
compreensão, é preciso que professores e alunos construam outra prática pedagógica, que
20
Conceito que a autora vai buscar em Bourdieu (1983) como “(...) sistema de esquemas adquiridos que
funciona no nível prático como categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação e,
simultaneamente, como princípios organizadores da ação (...) significava construir o agente social na sua
verdade de operador prático de construção de objetos”. Para a autora, habitus “indica a disposição incorporada,
quase postural, de um agente de ação” (apud MOROSINI, 2001, p. 21).
43
ultrapasse a visão de conhecimento a-histórico, de competência profissional, reduzida a uma
qualidade universal e neutra, definida em modelos dogmáticos de ciência e de verdade. Na
mesma direção, Cunha (1998) afirma que “é preciso retomar a reflexão teórico-prática
rigorosa sobre o ensino e a aprendizagem, para fazermos avançar a prática pedagógica que se
dá na universidade, na direção da indissociabilidade” (p.10).
Para as autoras, o ensino só será indissociado da pesquisa quando for construído um
novo paradigma de ensinar e aprender na sociedade e, por conseguinte, na universidade.
Como afirma Cunha (1998),
não se trata apenas de uma nova didática, mas de uma ruptura com as formas de
entender o conhecimento e o mundo. O ensino para ser realizado com pesquisa,
necessita incorporar os princípios da tarefa investigativa, isto é, assumir os processos
metodológicos desta atividade, tendo a dúvida como ponto de partida da
aprendizagem (p.13).
O aluno deve ser compreendido como um dos atores principais da ação e é nele que
acontecerá o processo de indissociabilidade do ensino e da pesquisa. Essa visão se contrapõe à
do ensino tradicional, que sustenta a concepção de que a teoria antecede a prática,
desconsiderando que o aluno possa fazer pesquisa na graduação, negando-o como um ser, por
natureza, investigativo.
No intuito de questionar os princípios do ensino tradicional, Cunha (1998, p.13)
identifica algumas idéias de indissociabilidade que caracterizariam uma nova proposta [grifo
da autora] de atividade pedagógica:
- enfocar o conhecimento a partir da localização histórica de sua produção, percebendo-o
como provisório e relativo. O homem é um sujeito histórico e toda a sua produção é
construída tendo essa condição como referência. Nessa perspectiva, o conhecimento não se
produz ao acaso e, sim, a partir de necessidades e contradições humanas e sociais;
- estimular a análise, a capacidade de compor e recompor dados, informações, argumentos,
idéias. Valorizam-se as habilidades intelectuais de compreensão e reinterpretação do que já
44
foi descoberto e dito, realçando a síntese, que deve ser feita pelo aluno, como resultado da
análise. O pensamento divergente é estimulado, por ser este uma condição para a criatividade;
- valorizar a curiosidade, o questionamento exigente e a incerteza. A dúvida e o erro devem
ser parte integrante do processo de aprendizagem, favorecendo um processo de aprender com
significado, a partir de reflexão sistematizadas;
- perceber o conhecimento de forma interdisciplinar, propondo pontes de relação entre eles e
atribuindo significados próprios aos conteúdos, em função dos objetivos sociais e
acadêmicos. O conhecimento é percebido como uma totalidade, e a especificidade só se
justifica pela importância de, conhecendo a parte, melhor conhece o todo. A aprendizagem
que parte da dúvida socialmente construída é sempre interdisciplinar, porque é assim que a
realidade se apresenta;
- entender a pesquisa como um instrumento do ensino e a extensão como ponto de partida e
de chegada da apreensão da realidade. A pesquisa é entendida como uma atitude própria do
sujeito cognoscente, traduzindo o sentimento de busca, de indagação que toda a aprendizagem
requer. A extensão proporciona a leitura da realidade, sendo esta a matéria-prima da dúvida
acadêmica;
- valorizar as habilidades sociointelectuais tanto quanto os conteúdos. É exigida uma nova
postura de professores e alunos frente aos problemas sociais e às relações desses com o
conhecimento.
No entanto, a autora alerta para o fato de que, ao analisarmos essas características na
prática universitária, devemos considerar que nelas estão imbricados os modos de organização
e distribuição do conhecimento na sociedade, compreendendo “que o ensinar e o aprender
estão alicerçados numa concepção de mundo e de ciência” (CUNHA, 1998, p.17). Para Costa
(2005), o professor universitário é, na verdade, um sujeito histórico, revelador de um contexto
social, estando engajado, conscientemente ou não, em um projeto político. A sua situação na
realidade educacional é dada por mediações sociais, econômicas e culturais que se
constituíram ao longo de sua trajetória profissional.
45
Portanto, compreender o aluno como protagonista de sua aprendizagem tem sido um
dos desafios a ser enfrentado pelas universidades. No entanto, as críticas ao ensino tradicional
e à organização acadêmica dos currículos, como vêm sendo realizadas, não têm sido
suficientes para produzir transformações. É urgente a adoção de novos paradigmas que
favoreçam as mudanças. Nesse sentido, a eleição das inovações, como objeto de estudo, pode
trazer importantes contribuições, se o foco preferencial de análise for sua gênese, procurando
entender como elas se produzem no campo da contradição e como espaço de tensão.
Leite (2000) visualiza a inovação como um processo descontínuo de ruptura com os
paradigmas tradicionais vigentes na educação, no ensino e na aprendizagem. Sousa Santos
(2002) descreve como “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente” (p.
74) que parte da revolução científica, ocorrendo numa sociedade revolucionada pela ciência,
emergindo dela não apenas um paradigma científico (prudente), mas também um paradigma
social (decente), reconfigurando saberes e poderes.
Cunha (2003b) ainda afirma que “as inovações se materializam pelo reconhecimento
de formas alternativas de saberes e experiências acadêmicas que extrapolam perspectivas de
papéis, tempo e espaços tradicionais de ensinar e aprender” (p.150). Para a autora (2001c),
quando se amplia a possibilidade de relacionar a teoria com a prática e o professor estimula
seus alunos à elaboração de um conhecimento próprio, a aprendizagem passa a ter muito mais
significado.
A experiência inovadora só acontece quando se instala uma cumplicidade entre o
professor e os estudantes provocando, não apenas uma ruptura epistemológica, mas exigindo
uma imbricação com a dimensão existencial. Os sujeitos da aprendizagem não só atuam no
plano cognitivo, como também redefinem uma visão de mundo e de sociedade (CUNHA,
2001c).
Estudar quais são e como acontecem os processos de ensinar e aprender vai além do
interesse em discutir pedagogias universitárias, pois investigar o processo pedagógico que se
realiza no espaço de formação alcança novos significados quando se percebe que a forma
como se transmite conhecimento pode ser mais significativa do que o próprio conhecimento.
Para a autora, não são os currículos explícitos ou os conteúdos específicos que os professores
46
ministram que os definem, mas, sim, os valores presentes e manifestos na sua prática
cotidiana, que são elementos de formação muito mais poderosos do que os conteúdos
desenvolvidos. A identidade do professor não é um dado adquirido, mas um lugar de lutas e
conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão (CASTANHO,
2002).
Da mesma maneira que a identidade do professor não é algo dado e adquirido, mas
sim construído cotidianamente, também as aprendizagens significativas para os alunos não
ocorrem passivamente, mas são construídas em meio a diferentes movimentos que ocorrem no
espaço de formação. Um desses espaços privilegiados de formação é a sala de aula. Como
afirma Lucarelli (2004),
es en el aula universitaria donde se revelan, con lentes de aumento, los rasgos que
caracterizan a la vida institucional y las luchas que en ella se libran por la
persistencia de líneas caducas o por la incorporación de los nuevos pensamientos.
Dentro de las prácticas diversas que se dan en ese microespacio de articulación entre
lo subjetivo y lo social, aquellas que hacen a la formación de los estudiantes son
reflejo deslumbrante de ese campo de disputas e intereses (p.506).
Para a autora, o ensino é uma das práticas mais sensíveis ao dinamismo institucional
e às tensões por ele impostas, em especial pelo caráter de mediador ativo que o docente
universitário desenvolve entre um conhecimento altamente especializado, proveniente de um
campo acadêmico profissional, e o sujeito em formação.
Candau, citada por Pimenta e Anastasiou (2002 p. 75), considera fundamentais os
estudos sobre o cotidiano escolar, porque por meio de sua análise “é possível aprender o
movimento de busca criativa presente na dinâmica escolar. E este movimento gerado no
interior de experiências particulares transcende sua própria singularidade e aponta em direção
ao ‘genérico’” (Ibidem, p.81-82).
É na sala de aula que os professores exercem influência direta sobre a formação e o
comportamento dos alunos. É nesse espaço que o professor afirma aos seus alunos uma visão
de mundo, uma visão das relações sociais, uma visão da profissão, ou seja, uma
intencionalidade em relação à formação dos futuros profissionais.
47
Reforçando a idéia da aula universitária como referência básica para o ensino
superior, Cunha (1997) afirma que
é nela que, principalmente, se traduzem as ambigüidades e os desafios do ensino
superior. [...] Nela é que se materializam os conflitos entre expectativas sociais e
projetos de cada universidade, sonhos individuais e compromissos coletivos,
transmissão e produção do conhecimento, ser e vir-a-ser (p. 80-81).
Consideramos a sala de aula como um espaço de construção conjunta do
conhecimento, onde se dá a situação de ensino em que alunos e professores são protagonistas
do processo de mudança, não sendo entendida meramente como um espaço físico e um tempo
determinado, em que o professor está com seus alunos, mas, sim, como todo espaço em que
os alunos podem aprender. Inspiramo-nos em Masetto (2001), quando ensina que a “sala de
aula é espaço e tempo no qual e durante o qual os sujeitos de um processo de aprendizagem
(professor e alunos) se encontram para juntos realizarem uma série de ações” (p.85).
Nessa perspectiva propomo-nos a estudar a aula universitária como o lócus concreto
do ensino, onde professor, aluno e conhecimento constroem “espaço revelador de
intencionalidades, carregada de valores e contradições” (CUNHA, 1997, p.81), repensando
sobre as formas como se dá o processo de construção do conhecimento e as instâncias de
poder nele envolvidas. Portanto, devemos valorizar a pesquisa da prática docente nas
instituições, na perspectiva
de uma rica possibilidade de superação do fazer tradicional presente na maioria das
salas de aula universitária, comparando os métodos de pesquisa e de ensino de que o
professor se apropria e em que se aprofunda em seu caminhar profissional,
diferenciando-os e situando sua importância em relação ao fazer docente
(PIMENTA; ANASTASIOU,2002 p. 27).
As construções partilhadas na sala de aula envolvem principalmente, os professores e
os alunos, tendo o conhecimento como eixo articulador desse processo. São os atores desse
movimento, que acionam saberes, representações e afetos.
48
Atualmente há uma retórica cada vez mais abundante sobre o papel fundamental que
os professores desempenham nessa relação. O professor que, historicamente, era visto como
detentor e produtor de conhecimento, começa a ser colocado em questão, o que faz com que
ele repense o seu papel na produção e transmissão do conhecimento na função de mediador e
intérprete ativo das culturas, dos valores e do saber em transformação (NÓVOA, 1999).
Para Tardif (2002), a questão do saber do professor não pode ser separada das outras
dimensões do ensino nem do estudo do trabalho realizado diariamente pelos professores de
profissão. Portanto, não se pode falar de saber sem relacioná-lo aos condicionantes e ao
contexto do trabalho. Diz ele que
o saber do professor é o saber dele e está relacionado com a pessoa e a identidade
dele, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas
relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola
(TARDIF, 2002, p.11).
O saber do professor é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito
de realizar um objetivo qualquer. Entretanto, cabe ressaltar que o docente só pode ter seu
perfil delineado, de fato, se considerada, fundamentalmente, sua condição de sujeito como
professor, já que trabalhar não é exclusivamente transformar um objeto ou situação em uma
outra coisa. O trabalho modifica a identidade do trabalhador, pois “trabalhar não é somente
fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo” (TARDIF, 2002,
p.56). Essas considerações apontam para o caráter dinâmico da profissão docente como
prática social. É na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os
referenciais para modificá-la.
Na mesma direção, Grillo (2001) afirma que o
ponto inicial para a análise das dimensões da docência é a figura do professor como
pessoa e como profissional, referências inseparáveis numa profissão construída
sobre fundamentos éticos-filosóficos, impregnada de valores e de intencionalidade.
Tais fundamentos dinamizam um projeto que, mais do que pedagógico, é um projeto
existencial, explicando assim a dimensão humana da docência (p.79).
49
No caso dos docentes do ensino superior, como é a situação dos que atuam no Curso
de Nutrição, os saberes docentes são, principalmente, aqueles que Tardif chama de
experenciais, isto é, os que são construídos no espaço do trabalho, da prática pedagógica que
exercem na universidade. São esses que envolvem as características pessoais e profissionais
dos professores.
Para Lucarelli (2004) é
imposible negar la preeminencia que tiene el dominio de los contenidos sustantivos
del área disciplinar profesional en el buen desempeño del docente; más aún si se
tiene en consideración que su práctica como investigador puede generarse en
función de los interrogantes que suscita ese objeto de conocimiento. No obstante,
esto no quita significatividad a la presencia de un conocimiento pedagógico que le
permita al docente articular teoría con práctica en la construcción de su metier
profesional en torno a la enseñanza universitaria (p. 507).
Na situação do Curso de Nutrição, se confirmam os pressupostos de Lucarelli (2004):
os docentes universitários reconhecem a si mesmos por sua profissão de origem
(nutricionistas, médicos, biólogos, etc) e se identificam pelo título outorgado pela instituição
onde se graduaram. A legitimidade profissional é dada pela prática como nutricionista. O
poder e o prestígio não provêm da docência universitária como saber pedagógico, mas, sim,
do domínio de um campo científico.
Nos processos de construção da identidade docente, tem papel fundamental o
significado social que os professores atribuem a si mesmos e à educação, constituindo
também um processo epistemológico que reconhece a docência como campo de conhecimento
específico. Pimenta e Anastasiou (2002) chamam a atenção para o fato de que os professores,
quando chegam à docência na universidade, trazem consigo inúmeras e variadas experiências
do que é ser professor. Os docentes atuam inspirados, muitas vezes, em suas trajetórias como
alunos e, depois, como professores. Experiências que lhes possibilitam dizer quais são os bons
professores; quais os professores que foram significativos em sua vida; quais os que
dominavam o conteúdo, mas não sabiam ensinar. No entanto, a constituição da docência nem
sempre é objeto de uma reflexão baseada em fundamentos teóricos. Mesmo assim, seus
saberes são legitimados e constantemente ressignificados. Para as autoras, o desenvolvimento
profissional dos professores tem constituído um objetivo de propostas educacionais que
50
valorizam a formação, não mais baseada na racionalidade técnica, mas em uma perspectiva
que reconheça a capacidade de decisão dos atores.
O desafio parece ser, neste contexto, tomar as práticas docentes, que são gestadas
21
e
desenvolvidas pelos docentes em sua atividade cotidiana e, em especial, as que são
significativas para os alunos, como referências para refletir sobre os processos de ensinar e
aprender. Lucarelli (2004), afirma que há muitas experiências alternativas ao modo tradicional
de ensinar, as quais são verdadeiros espaços de inovação. Espaços estes que estão ocultos nas
instituições e que só se fazem visíveis dentro da vida da sala de aula.
A autora lembra que a inovação em sala de aula pressupõe
siempre una ruptura con el estilo didáctico impuesto por la epistemologia positivista,
aquel que habla de un conocimiento cerrado, acabado, conducente una didáctica de
la transmisión que, regido por la racionalidad técnica, reduce al estudiante a un
sujeto destinado a decepcionarlo pasivamente (LUCARELLI, 2004, p. 512).
Nesse sentido as inovações são entendidas como
producciones originales en su contexto de realización, que se inician a partir del
interés por la solución de un problema relativo a las formas de operar de los
docentes en relación con uno o varios componentes didácticos; tales innovaciones
son llevadas a cabo por esos sujetos a lo largo de todo el proceso y afectan el
conjunto de las relaciones de la estructura didáctico-curricular (LUCARELLI apud.
LUCARELLI, 2004, p. 512).
Os protagonistas destas experiências são os seus criadores, responsáveis pela ação e
pelos momentos significativos destas práticas. Portanto, é importante que o professor crie
espaços onde ultrapasse o discurso, a retórica e provoque ações concretas e efetivas no
redimensionamento do seu papel. A atitude inovadora rompe com os modelos impostos e
21
Termo usado por Lucarelli (2004) e que consideramos o mais adequado, apesar de não constar no dicionário
da língua portuguesa, pois deriva da palavra gestação que significa do Lat. gestatione, ação de trazer e s. f., Biol.,
Tempo em que o embrião dos mamíferos se desenvolve desde a concepção ao nascimento; e fig., elaboração,
preparação.
51
sedimentados nos meios educacionais, e estaria presente em ações desencadeadas no
cotidiano da sala de aula.
Cunha (2003b) afirma que “tratar a inovação como ruptura epistemológica é dar-lhe
uma dimensão emancipatória. Não na perspectiva de negação da história, mas partindo desta
para avançar no processo de mudança, assumindo a fluidez das fronteiras” (p.150). Para
Sousa Santos (2002), a vida de fronteiras resulta em uma constante definição e redefinição
dos limites. Embora os limites possam ser experienciados de formas diferentes, eles devem
ser relevantes para a constituição da subjetividade de fronteira. Na transição paradigmática,
diz o autor, a subjetividade de fronteiras navega por cabotagem
22
, guiando-se ora pelo
paradigma dominante, ora pelo paradigma emergente.
Leite (2003) e Cunha (2003b) aceitam a contradição e a alternância entre formas de
conhecer e produzir saberes, o que significa trabalhar sobre o limite das fronteiras
mencionadas por Sousa Santos (2002). As inovações nos espaços educativos, segundo o autor
se estabelecem como uma expressão de ruptura que supõe a transição paradigmática, exigindo
dos professores a reconfiguração de saberes e favorecendo o reconhecimento da diferença e a
geração de relações sociais com seus alunos.
É importante compreender as inovações que são gestadas em espaços de contradições
e que se afirmam numa perspectiva de conhecimento e de práticas educativas que superem
tanto a homogeneização e padronização abstrata da visão única quanto as visões que se
afirmam unicamente na particularidade, na diferença e alteridade dos sujeitos.
A UNISINOS e o próprio Curso de Nutrição, ao estimularem processos
investigativos e reflexivos sobre as práticas que vivenciam, constituem-se num locus
privilegiado de formação. Pois devemos considerar que
as transformações das práticas docentes só se efetivam à medida que o professor
amplia sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula, a da universidade
22
Cabotagem é uma forma usual de navegação de muitas populações costeiras. Implicar em navegar fora dos
limites, mas em contato físico com eles e ir realizando outras atividades ao longo do trajeto. Quanto mais longe
se estiver e menores, por vistos de longe, forem os limites, maiores serão as oportunidades de autonomia
(SOUZA SANTOS, 2002, p.354).
52
como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a
realidade (PIMENTA; ANASTASIOU 2002, p. 89).
O estudo das inovações, no contexto real de sua produção, procura compreender os
saberes que os professores colocam em ação para melhor alcançar um ensino de qualidade, ou
seja, aquele que tem significado para os alunos.
É com este intuito que se alinha esse estudo.
4 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Uma pesquisa é sempre um modo diferente de olhar e pensar determinada
realidade, a partir de uma experiência e de uma apropriação de conhecimento.
(DUARTE, 2002).
Na realização de uma pesquisa, busca-se o confronto dos dados e informações
coletados e o conhecimento teórico acumulado (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), com a finalidade
de acrescentar novas reflexões, permeadas pela visão da realidade do autor e do tema
abordado no estudo.
Guimarães ([s.d]) alerta que a escolha de um objeto de pesquisa está ancorada na
história e no interesse de quem a faz. Portanto, delinear o seu caminho, implica,
necessariamente, revisitar essa trajetória de aprendizado. Nesse pressuposto, busquei em
minha trajetória profissional os rumos de minhas indagações. Se, até um determinado
momento, buscava conhecer os conceitos de nutrição, com a intenção de bem ensinar, em
outro tomei a docência como minha preocupação central, pois aí estava grande parte dos meus
questionamentos.
Minayo (1992) acredita que a pesquisa é uma atividade de aproximação sucessiva
com a realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e
prática. Assinala ainda que o objeto de estudo deve ser estimado no contexto da instituição em
que está inserido e em sua dimensão social, política e cultural. Dessa forma, o conhecimento
do entorno onde se realizou a pesquisa é fundamental para o entendimento dos dados
coletados e das reflexões deles decorrentes.
A decisão de realizar esta pesquisa junto ao Curso de Nutrição da UNISINOS deve-
se a vários motivos. Em primeiro lugar, por ser essa uma Universidade e, portanto, ligada ao
ensino, à pesquisa e à extensão, autorizada à realização de projetos de pesquisa, facilitando
meu intento. Um outro fator facilitador dá-se pela minha condição de
professora/coordenadora de Curso, onde atuo junto à equipe de professores há 16 anos,
facilitando o contato com as pessoas e propiciando que elas me aceitem como pesquisadora
54
com maior facilidade. E, finalmente, por ter o entendimento da necessidade de compreender o
aprender e ensinar a nutrição e o aprender e ensinar na formação profissional.
O objetivo desta pesquisa centrou-se, principalmente, no intuito de compreender
como professores que protagonizaram experiências de aprendizagem significativas para os
alunos, constroem suas trajetórias docentes, identificando se os processos que desenvolvem
possuem características inovadoras.
Para a construção do objeto de pesquisa, busquei caminhos que permitissem
compreender a prática docente em sua complexidade, possibilitando captar a sua estrutura e
trajetórias de construção.
Nesse processo, me fundamentei em Costa (2005), para quem
há que se tentar construir uma metodologia condicionada principalmente pela
natureza do fenômeno e pelas formas particulares de desenvolvimento que assume a
realidade a investigar, posto que os métodos de investigação e as opções
metodológicas são parte integrante dos pressupostos teóricos empregados pelo
pesquisador (p. 39).
Nessa perspectiva, utilizei a metodologia qualitativa e os princípios da abordagem
etnográfica. A escolha da perspectiva qualitativa para a realização deste estudo se justifica,
em primeira instância, pela própria natureza do objeto, que supõe respostas múltiplas, as quais
não podem ser expressas ou traduzidas por linguagem numérica. Em segunda instância, a
abordagem qualitativa privilegia o conhecimento da realidade, pois tem o “ambiente natural
como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (LÜDKE;
ANDRE, 1986, p. 11). E, em terceira instância, a abordagem permite a compreensão do
significado que um fenômeno tem para as pessoas que o vivenciam em uma situação concreta,
num determinado contexto cultural. Como afirmam Lüdke e André (op.cit., p. 5), “cada vez
mais se entende o fenômeno educacional como situado dentro de um contexto social, por sua
vez inserido em uma realidade histórica, que sofre toda uma série de determinações”.
Tendo em vista a opção metodológica que escolhi, caracterizo o campo de estudo,
como sendo as práticas significativas que ocorrem no Curso de Nutrição da UNISINOS,
55
entendendo por campo “o recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando
uma realidade empírica a ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o
objeto de investigação” (MINAYO, 1994, p.53). A autora afirma ainda que
esses sujeitos de investigação [atores sociais, grupos específicos,], primeiramente,
são constituídos teoricamente enquanto componentes do objeto de estudos. No
campo, fazem parte de uma relação de intersubjetividade, de interação social com o
pesquisador, daí resultando um produto novo e confrontante tanto com a realidade
concreta como com as hipóteses e pressupostos teóricos, num processo mais amplo
de conhecimentos (Idem, 1996, p.105).
Portanto, o trabalho de campo, constituiu-se numa etapa essencial deste estudo, onde
buscamos compreender as particularidades deste evento
23
, que são as inovações em sala de
aula universitária, seu significado para os alunos e os saberes docentes que mobilizam.
4.1 TIPO DE PESQUISA
A escolha da pesquisa etnográfica justifica-se ainda pela razão de que este tipo de
pesquisa, desenvolvida originalmente pelos antropólogos, tem a finalidade de estudar a
cultura e a sociedade, de acordo com André (2004). Entretanto, a autora defende que, por
haver diferença de enfoque entre a área da antropologia e a área da educação, e tendo esta
última adaptado algumas técnicas que tradicionalmente são associadas à etnografia “os
estudos são do tipo etnográfico e não etnografia no seu sentido estrito” (p.28).
Referindo-se também às dificuldades dessa abordagem em estudos etnográficos que
estão contidos na pesquisa qualitativa, Triviños (1987) comenta que
a tentativa de definir o que se entende por etnografia não é tarefa fácil. Em forma
muito ampla podemos dizer que ela é o estudo da cultura. No entanto, não há nada
mais complexo que desvendar os propósitos ocultos ou manifestos dos
comportamentos dos indivíduos e das funções das instituições de determinada
realidade cultural e social. Logo, a função do etnógrafo não é tanto estudar a pessoa,
e sim aprender das pessoas (p. 121).
23
Neste contexto concebido como Evento vem do que “e-veio”, do que está indo para fora: do que está surgindo
como o vento (GAUTHIER, 1999, p. 16).
56
No entanto, ao consultarmos André (2004), encontramos as razões para o uso da
etnografia no estudo da prática escolar cotidiana. Para ela, o uso da pesquisa do tipo
etnográfico se justifica, pois esta se “caracteriza fundamentalmente por um contato direto do
pesquisador com a situação pesquisada, permitindo reconstruir os processos e as relações que
configuram a experiência escolar diária” (p.41).
Thiollent (1982) também considera importante, caracterizando a pesquisa
etnográfica, a interação entre o pesquisador e o objeto pesquisado, ou seja, o fato de que o
pesquisador é o instrumento principal da coleta de dados. Portanto, é importante enfatizar o
papel do pesquisador e a sua participação construtiva no processo investigativo.
O pesquisador passa a ser visto como eixo configuracional do
conhecimento, participando necessariamente do fenômeno estudado, determinando a
concepção de ser o conhecimento uma construção da experiência estruturada
hermeneuticamente, de tal maneira a o se ter somente uma ordem única, mas
muitos mundos possíveis, tanto quantos forem os observadores (FERREIRA et. al.,
2002, p. 247).
Desse modo, o pesquisador é o produto do contexto social em que ele está envolvido
e não está apenas engajado na descrição passiva de fatos preexistentes sobre o fato narrado.
Para Ferreira et al. (2002), quando se elabora um conhecimento não se está
representando coisa alguma da realidade lá fora nem tampouco traduzindo os objetos
exteriores em enunciados. Na verdade, constrói-se, paralelamente, um objeto original, ao
mesmo tempo em que o indivíduo constitui-se a si mesmo, de forma consistente.
Na concepção dos autores,
não se é antes sujeito, para então utilizar-se da linguagem na construção de
representações descontaminadas de subjetividades, como um instrumento sob o qual
se tem poder. O sujeito é, tacitamente, constituído pela linguagem. Assim os
conceitos referentes à realidade, desenvolvidos pelo conhecedor, estarão sempre
impregnados de conteúdos culturais seus (FERREIRA et. al., 2002, p. 247).
57
Assim, a capacidade de pensar sobre a realidade é limitada pelos esquemas
conceptuais adquiridos através da história de vida, e disso decorre a condição das pessoas de
terem esquemas conceptuais diversos, em função da diversidade de suas histórias individuais,
permitindo-lhes organizar dados de suas experiências de uma maneira singular.
Para a utilização da pesquisa do tipo etnográfica, compartilhei dos critérios adotados
por André (2004), que reafirma a importância que se deve dar ao processo, e não só ao
produto ou aos resultados finais. É importante dar ênfase a como isto ocorre, enfatizando a
especificidade da situação da pesquisa, incluindo a indagação do significado do fato para a
pessoa entrevistada, e ainda como as pessoas se percebem entre si, num processo de diálogo e
interação.
Gauthier (1999) lembra que, nas pesquisas etnometodológicas, precisa-se
compreender o singular, ainda que inserido num processo cultural mais amplo. Esse processo
envolve os significados atribuídos tanto pelo pesquisado como pelo pesquisador.
Uma área de conhecimento é criada, aos poucos, na qual são teorizados os
dados produzidos pelos grupos-sujeitos das pesquisas, sendo estes dados criações
singulares, quase artísticas, inesperadas e imprevisíveis, dos sujeitos pesquisados.
Muitas vezes, os pesquisadores tornam-se pesquisadores ao participar da leitura, da
análise, da experimentação e da teorização dos dados que produziram (GAUTHIER,
1999, p.14).
Nessa direção, incluo na análise a minha participação na condução do processo
metodológico, em que as opções teóricas e empíricas não ficam subentendidas, pois procuro
explicitá-las e implicá-las no processo de realização do estudo. Minayo destaca a afirmação
de Strauss (1975) que diz: “numa ciência, onde o observador é da mesma natureza que o
objeto, o observador, ele mesmo, é uma parte de sua observação” (apud MINAYO, 1994, p.
215), estabelecendo definitivamente a relação entre o pesquisador e seu campo de estudo.
Nesse sentido a visão de mundo de ambos está implicada em todo o processo de
conhecimento, desde a concepção do objeto até os resultados do trabalho.
58
Respondendo aos princípios da abordagem etnográfica, a expectativa foi
compreender os processos no contexto social onde são produzidos, a partir de sua história e
contingências de produção.
Para tanto, utilizei a técnica de entrevista semi-estruturada, por considerar que ela
permite um maior aprofundamento das informações desejadas. Acredito que a entrevista é um
instrumento
onde é possível documentar o não-documentado, isto é, desvelar os encontros e
desencontros que permeiam o dia-a-dia da prática escolar, descrever as ações e
representações dos seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de
comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer
pedagógico (ANDRÉ, 2004, p.41).
Minha inserção intensa no Curso de Nutrição da UNISINOS favoreceu essa
perspectiva. Dela mesma decorreu, como contingência, a necessidade de um esforço contínuo
de imersão e distanciamento da realidade estudada, de forma a dar fidedignidade aos dados.
4.2 INTERLOCUTORES
Para a realização da pesquisa, selecionei, como interlocutores, alunos e professores
do Curso de Nutrição da UNISINOS. Iniciei com os alunos concluintes do Curso,
perguntando-lhes sobre suas experiências no processo de formação, em especial aquelas que
consideravam as mais significativas. A partir da análise de seus depoimentos, localizei os
docentes que protagonizaram essas experiências. Sempre que possível procurei trabalhar
também com o critério de representatividade, incluindo docentes vinculados às diferentes
áreas do Curso.
Num segundo momento, os professores se constituíram como interlocutores
preferenciais. A idéia foi aprofundar com eles, através das entrevistas semi-estruturadas,
reflexões sobre as experiências indicadas pelos alunos, tentando perceber se elas significavam
inovações, em que direção e qual a intensidade.
59
4.3 PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA
Esse estudo, como foi explicitado anteriormente, centrou-se nas práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos professores do Curso de Nutrição da UNISINOS, consideradas
significativas pelos estudantes. Será que essas experiências significam inovação na
perspectiva de uma ruptura paradigmática? Que saberes que os professores mobilizam nesse
processo?
Nessa direção, destaco algumas questões que orientaram o estudo:
1- Na percepção dos alunos, quais as experiências de aprendizagem que foram mais
significativas durante o Curso?
2- Como os alunos caracterizam essa experiência e justificam suas escolhas? De que
natureza são seus argumentos?
3- Quem são os professores que atuam no Curso de Nutrição da UNISINOS e que são os
protagonistas dessas práticas? Que fatores são desencadeados nessa disposição? A
titulação interfere nessa condição? O mesmo ocorre com a experiência profissional?
4- Como os professores concebem a relação conhecimento / ensino-aprendizagem no
processo vivido?
5- Como se desenvolveu a experiência? Ela vem se caracterizando como uma inovação?
6- Que saberes são mobilizados pelos docentes que protagonizam a experiência? Há neles
pressupostos inovadores, entendendo-se esse conceito na perspectiva de ruptura
paradigmática?
60
4.4 TRAJETÓRIA DA PESQUISA
A identificação dos docentes que desenvolvem experiências pedagógicas
significativas decorreu da aplicação de um questionário aos alunos (Anexo A) da disciplina
Estágio III, que se localiza no oitavo semestre, portanto na parte final do Curso. Essa etapa
ocorreu no final do segundo semestre de 2004.
O instrumento foi aplicado na sala de aula, em dia e hora previamente definidos, em
um tempo cedido pelo professor da classe. Após o instrumento entregue, nenhuma instrução
mais específica foi dada para o procedimento requerido. Os alunos responderam, por escrito,
às três perguntas abertas, mencionadas a seguir:
1- Durante o Curso de Nutrição, a (s) melhor (es) experiência (s) de ensino aprendizagem
que vivenciei foi (ram)...
2- Escolhi esta (s) experiência (s) por quê...
3- O (s) professor (es) que realizou (aram) esta (s) atividade (s) foi (ram)...
Dos 49 alunos matriculados na disciplina, 34 responderam ao questionário,
representando 69,38 % do total de alunos da disciplina.
Após análise do material fornecido pelos alunos, as respostas foram organizadas em
núcleos dos textos discursivos e divididas em três categorias: definição da melhor
experiência; justificativa para essa escolha e a indicação do(s) professor (es) protagonista(s)
dessa experiência. Os dados coletados possibilitaram o mapeamento quantificado das
experiências significativas, assim como dos professores que as protagonizam. Dessa análise
decorreu a seleção inicial de sete professores, dos quais escolhemos quatro como
interlocutores da pesquisa.
A escolha dos quatros professores sujeitos da investigação foi feita a partir de dois
critérios:
61
- terem sido citados enfaticamente pelos alunos como protagonistas de experiências
significativas.
- representarem disciplinas dos diferentes eixos que compõem o Curso de Nutrição: Eixo I-
Alimentos, Alimentação e Meio-Ambiente; Eixo II-Nutrição e Desenvolvimento Humano e
Eixo III-Nutrição Terapêutica, e o eixo que caracteriza as bases para investigação científica.
Estes critérios se orientaram pela representatividade de áreas que atribuíssem mais
abrangência do Curso.
Para que a coleta de dados se desse de maneira satisfatória e com representatividade,
foi realizado um contato informal com os docentes selecionados, momentos em que os
convidei para fazer a entrevista.
Foi utilizada a entrevista semi-estruturada (Anexo B) com questões abertas, sem
conhecimento prévio do roteiro por parte dos entrevistados. O roteiro da entrevista foi
elaborado a partir dos pressupostos advindos da definição do objeto de estudo.
A realização da entrevista, propriamente dita, ficou na dependência da
disponibilidade de cada professor. As informações foram coletadas entre julho e novembro de
2005, com as entrevistas sendo realizadas no próprio ambiente da universidade, em dia e hora
previamente agendados com os professores. Para a condução da entrevista procurou-se, no
primeiro momento, explicar a eles os objetivos da pesquisa e colocá-los a par da escolha dos
alunos enquanto professores que protagonizaram uma experiência significativa.
Todos os professores entrevistados se colocaram prontamente disponíveis a
participar da entrevista, não havendo dificuldades em realizá-las. Os professores pesquisados
explicitaram sua concordância em participar deste estudo e o consentimento para o uso dos
dados gravados. As entrevistas duraram, em média, 1 hora. Todas as informações foram
coletadas, e foi realizada gravação magnética das entrevistas, que foram transcritas
literalmente à medida que iam sendo realizadas.
62
Para dar início às entrevistas, foi usado um formulário de registros (Anexo C) que
apresentava questões de identificação, caracterização do início das atividades docentes, tempo
no exercício das atividades, tempo de formado, etc. Esse instrumento possibilitou traçar um
perfil dos entrevistados.
Na entrevista propriamente dita, a ordem dos assuntos tratados nem sempre seguiam
rigidamente o roteiro, permitindo aos entrevistados discorrer
24
sobre os temas em foco. No
entanto, foi preocupação do entrevistador garantir que não ocorressem divagações sobre o
assunto procurando retornar ao núcleo de interesse quando isso ocorria. Após a transcrição,
foram novamente ouvidas as interlocutoras, para fazer a conferência do texto. Quando
necessário, foram feitas alterações de pontuação para facilitar a leitura, sem, no entanto,
interferir no sentido das palavras e frases.
4.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Os dados já são interpretações do mundo, dependentes de quadros
conceituais marcados, em que posições políticas estão em jogo, lutas simbólicas,
fraturas e redes de alianças, que permitem a negociação e constituição do sentido
(GAUTHIER, 2004, p.127).
Como afirma Souza Santos (1989), os conhecimentos científicos devem voltar-se
para uma situação concreta onde “quem aplica está existencial, ética e socialmente
comprometido com o impacto da aplicação” (p.158).
Como foi explicitado anteriormente, o trabalho de campo compreendeu duas
inserções na realidade do Curso, visando a aplicação dos instrumentos escolhidos para a
investigação. A escolha da entrevista permitiu obter informações junto aos docentes, na busca
de compreender suas práticas, bem como suas explicações ou razões a respeito dos processos
que protagonizaram.
24
Do latim discurrere. v. int. Significa divagar com o pensamento; correr em determinada direção. Dicionário da
língua portuguesa on line. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx> Acesso em 4 fev. 2006.
63
Com a entrevista houve o aprofundamento de reflexões favorecidas pelas narrativas
dos alunos. O roteiro proposto exigiu atenção e flexibilidade. Atentei às respostas dadas pelos
entrevistados, mas também à predisposição para a comunicação não-verbal, observando os
gestos, as expressões, as entonações e as pausas, que ocorriam simultaneamente, como
alertam Ludke e André (1986).
De outro lado, o uso da entrevista reforçou a concepção de Triviños (1987, p. 146) de
que essa forma de aproximação “valoriza a presença do investigador, oferece todas as
perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade
necessárias, enriquecendo a investigação”.
É importante destacar que, como constatado por Costa (2005) sobre sua pesquisa, a
entrevista,
mais do que um encontro entre duas pessoas para trocar informações sobre a atuação
docente, foi um momento de interação humana, propiciando o estabelecimento de
uma parceria entre a pesquisadora e os entrevistados para o desvelamento de uma
realidade ainda encoberta ou apenas intuída (p.44).
No que diz respeito à análise das informações obtidas nas entrevistas, foi utilizada a
modalidade de análise de conteúdo, definida por Gomes ([s.d]) como “um método para
estudar e analisar as comunicações de forma sistemática e objetiva” (p.12). Seus fundamentos
nos proporcionam coletar informações sob formas diferenciadas e diversificadas, pois as
mensagens contidas nas entrevistas podem ser decompostas de um todo em seus elementos
construtivos, proporcionando o estudo das relações que esses elementos têm entre si. No
entanto, como afirma o autor, uma mensagem terá significação se o receptor identificar os
signos recebidos com os que tem armazenado em seu próprio repertório e perceber mais além
dessa associação.
Franco (2003) acredita que é a mensagem o ponto de partida na análise de conteúdo.
Essa mensagem pode ser espontânea ou provocada. Neste estudo, a mensagem foi provocada
pelo pesquisador através da entrevista realizada. Franco (op.cit.) ressalta a importância da
mensagem com as seguintes palavras: “[...] o que está escrito é o ponto de partida, a
64
interpretação é o processo, e a contextualização o pano de fundo que garante a relevância”
(p.15).
A mensagem, necessariamente expressa um significado e um sentido. Sentido que
não pode ser considerado um ato isolado, pois
os diferentes modos pelos quais o sujeito se inscreve no texto correspondem a
diferentes representações que tem de si mesmo como sujeito e do controle que tem
dos processos discursivos textuais com que está lidando quando fala ou escreve
(VARlOTTA apud FRANCO, 2003, p.13).
Além disso, é indispensável considerar que a relação que vincula a emissão das
mensagens está, necessariamente, vinculada às condições contextuais de quem a produz. A
análise de conteúdo “não pode estar dissociada do material que o acompanha desde um
emissor a um receptor por meio do espaço e do tempo” (GOMES, [s.d], p.21).
Franco (2003) alerta ainda que
para compreender as situações que ocorrem cotidianamente, é indispensável
considerar que essas situações ocorrem em determinado ambiente (situações,
espaços temporais específicos) e no bojo de certos campos de interação pessoal e
institucional que, por sua vez, são mediados por modalidades técnicas de construção
e transmissão de mensagens, cada vez mais complexas nos dias atuais (p. 30-31).
Desta forma busquei, no depoimento dos professores entrevistados, entender o que
acontece dentro da sala de aula universitária, procurando perceber se há indícios de inovações
e em que grau essas ocorrem.
A fase de organização para análise e sistematização das idéias foi operacionalizada
da seguinte maneira: inicialmente, fiz uma leitura dos conteúdos das entrevistas, procurando
conhecer o texto, abordagem esta denominada por Franco (2003) como leitura flutuante.
Ressalta a o autor que
a primeira atividade da pré-análise consiste em estabelecer contatos com os
documentos a serem analisados e conhecer os textos e as mensagens neles contidas,
65
deixando-se invadir por impressões, representações, emoções, conhecimentos e
expectativas (FRANCO, 2003, p. 44).
Passada a primeira etapa, realizei uma segunda leitura para localizar, extrair e
agrupar trechos dos depoimentos, que seriam as expressões-chave e também as idéias
centrais. A localização das expressões-chave, no entanto, demandou várias releituras das
entrevistas, tendo em vista que os pensamentos que respondiam a determinadas questões
achavam-se inseridos ao longo das respostas, e não exatamente na resposta da pergunta
específica. No decorrer do trabalho de estudo e da análise dos dados fiz constantes idas e
vindas da teoria ao material de análise, do material de análise à teoria, o que me deixou mais
familiarizada com os discursos. Esse exercício foi significativo. Segundo Gomes ([s,d]),
uma análise, para se tornar exata, necessita comprovar suas hipóteses, confrontar as
impressões com os dados que as fizeram aparecer, por via de conseqüência, o
material analisado deve estar disponível continuamente, para poder voltar e estudá-
lo quando se deseja (p.22).
Em seguida passei à seleção dos “recortes” que representavam maior possibilidade
de interpretação, denominada por Franco (2003) como a fase de categorização. “A
categorização é uma operação de classificação de elementos construtivos de um conjunto, por
diferenciação seguida de um reagrupamento baseado em analogias, a partir de critérios
definidos” (p.51). No entanto, para o processo de construção das categorias se pressupõe um
processo de interpretação do conteúdo contido nos depoimentos e nas falas do sujeito
(BROILO, 2004, p.79).
A determinação das categorias de análise constituíram-se como questões-chave nesta
abordagem de pesquisa, pois a determinação de categorias depende da escolha e classificação
da informação procurada. Neste estudo, as categorias foram criadas a priori, definidas assim
por Franco (2003) quando “as categorias e seus respectivos indicadores são predeterminados
em função da busca a uma resposta específica do investigador” (p.52), e nos aproximamos das
categorias organizadas por Cunha em estudos anteriores (1998, 2004). Procuramos dessa
forma, contribuir para a consolidação teórica dos pressupostos analíticos de estudos sobre
66
inovação. Entretanto, mesmo que tenham sido estas categorias que orientaram a análise,
houve abertura para captar indicadores que pudessem anunciar novas categorias.
Foi esse pressuposto, com os resultados que produziu, que motivou a análise e
interpretação dos dados, que procedo logo a seguir.
5 OS ALUNOS E O ENSINO: AS APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS E SEUS
PROTAGONISTAS
Frente às novas demandas sociais e amplos questionamentos em relação à qualidade
das práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Instituições de Ensino Superior (IES), a
necessidade de rever a formação do professor universitário tem sido apontada por vários
pesquisadores (BALZAN, 1995; CUNHA, 1999; SOBRINHO, 1995).
Neste cenário, estudos realizados por Leite et al. (1998) e Cunha (1995) têm
mostrado que as mudanças e as inovações que desafiam a qualificação do corpo docente nos
cursos de graduação são afetadas por concepções distintas e não são percebidas da mesma
forma nas diferentes áreas do conhecimento.
Os professores universitários, de modo geral, pouca relevância têm dado à sua
formação como professores, isto é, à sua preparação para a função de ensino. Autores como
Abreu e Masetto (1997) e Gil (1994) vêm alertando para a lacuna existente na formação dos
docentes do ensino superior, pois o professor se identifica fundamentalmente como um
especialista no seu campo de conhecimento. No entanto, várias pesquisas vêm sendo
realizadas e estão ganhando espaço no campo educativo, colocando em evidência o professor,
a sua profissão e sua profissionalidade. Para Fernandes (2001), ainda são poucos os estudos
que têm sido feitos sobre a formação pedagógica e a prática cotidiana do professor
universitário, revelando o pouco valor dado à essa formação. Relata ainda a autora que “no
cotidiano da vida universitária, tem sido possível verificar que há preocupação institucional
com a competência do profissional na área de sua formação, sem situá-la historicamente na
perspectiva de ser professor” (Ibidem, p.177).
A formação do professor está intimamente relacionada com uma concepção de
educação, seus fins e objetivos, os quais definem e delimitam a função do professor. Existe
implícita ou explicitamente uma concepção de ensino, de sua função social e do papel que
devem cumprir os professores e, por conseguinte, da formação devem ter para desempenhá-lo.
O desempenho da ação pedagógica não envolve somente conhecimento teórico a respeito de
como se aprende ou a respeito dos objetos de conhecimento. Perante sua turma de alunos, o
68
professor recupera a sua própria história de aprendizagens, carregada de significados,
compondo e interagindo na construção da professoralidade.
A profissionalização
25
docente constitui-se como um desafio, na perspectiva de
possibilitar que as práticas de ensinar e aprender nas IES se reorganizem, sobretudo para “dar
conta de uma nova perspectiva epistemológica, onde as habilidades de intervenção no
conhecimento sejam mais valorizadas do que a capacidade de armazená-lo” (CUNHA, 1999,
p.8).
Tal preocupação tem como justificativa o próprio princípio norteador das ações de
uma instituição de ensino superior, que não deve visar exclusivamente à formação
profissional, assegurando a aprendizagem de fundamentos e metodologias, mas também
favorecer o processo geral de socialização. Dessa forma, estará possibilitando a
conscientização de seus acadêmicos sobre a vida que os cerca e, fundamentalmente,
assumindo o compromisso de sua formação integral com qualidade e ética.
O ensino na área de nutrição há algum tempo preocupa os estudiosos da área, pois
vem mostrando um modelo de educação muito semelhante a outras profissões da área da
saúde, em que a atuação do professor é fundamentada, basicamente, em princípios e técnicas
científicas. Sousa Santos (1989) retoma o paradigma da ciência moderna explicitando que a
adaptação dos procedimentos metodológicos de busca do conhecimento se dá pela
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica.
A compreensão crítica de formação acadêmica nessa perspectiva vem apontando
para a necessidade de uma ruptura. Para Sousa Santos (1989), se faz urgente a ocorrência de
uma dupla ruptura epistemológica, ou seja, a ruptura com o paradigma da ciência moderna,
para a emergência de um novo paradigma da ciência pós-moderna; e uma nova ruptura, com a
configuração do conhecimento que não dicotomize o senso comum e o conhecimento
científico. As duas rupturas afastam-se da racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e
da tecnologia presentes na modernidade, visto que propõem a atitude epistemológica, que
25
Termo empregado como expressão de uma posição social e ocupacional, de inserção em um tipo determinado
de relações sociais de produção e de processo de trabalho (BROILO, 2004).
69
permite reconfigurar conhecimentos para além das suas regularidades. Para o autor, é preciso
ultrapassar a concepção de que o conhecimento, para ser científico, precisa desconsiderar o
senso comum, visto que o senso comum deverá ser recuperado, reconfigurado, tornado
ciência e vice-versa. O salto da perspectiva emergente se dá quando o ciclo - senso comum-
conhecimento científico-novo senso comum - acontece.
Levar em conta essa condição epistemológica provoca novas alternativas para pensar
o processo ensino-aprendizagem na universidade e propõe um conhecer enraizado na
realidade, nos espaços/tempos do cotidiano social, sendo capaz de tratar o real, de dialogar, de
negociar com ele incluindo sua complexidade e multidimensionalidade.
Para Cunha (1997), a universidade, muitas vezes pressionada pelas exigências de
mudança, convivendo com tensões e contradições, vai gestando novos espaços, onde pode-se
observar experiências inovadoras, tendo “o professor como elemento fundamental que pode
favorecer a mudança, pela sua condição de dar direção à prática pedagógica que desenvolve”
(Idem,1998, p.33).
Nesta perspectivas a primeira parte deste estudo buscou identificar as práticas
docentes que foram significativas na percepção do aluno do Curso de Nutrição da
UNISINOS, compreendendo que a prática pedagógica do professor se reconfigura em sua
trajetória, onde ele constrói e reconstrói seus saberes iniciais em confronto com a prática
vivenciada.
Tardif (2000) afirma que é preciso atribuir à noção de “saber” um sentido amplo, que
engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos
docentes. Para o autor,
os saberes profissionais dos professores são plurais, compósitos, heterogêneos, pois
trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do
saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados, provenientes de fontes variadas,
as quais podemos supor que sejam também de natureza diferente (Ibidem, p.213).
70
É importante, segundo o autor, encontrar uma nova articulação e um novo equilíbrio
entre os conhecimentos produzidos pelas universidades e o ensino e os saberes desenvolvidos
pelos professores em suas práticas cotidianas. Considera ainda que os professores são atores
competentes, sujeitos ativos e que sua prática não é apenas “um espaço de aplicação de
saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos
oriundos dessa mesma prática” (TARDIF, 2000, p.234). Isso significa que o professor
desenvolve e produz a teoria da sua própria ação. Contudo, tal concepção da relação teoria e
prática ainda é pouco vivenciada nos cursos de graduação. Entretanto, de acordo com os
dados por mim encontrados, ela está presente na percepção dos alunos, quando apontam as
experiências significativas de aprendizagem.
O procedimento de análise, os resultados e as discussões das respostas dos alunos aos
questionários permitiu identificar, em uma primeira etapa, as seguintes categorias: sala de
aula, o protagonismo, a relação teoria e prática e a dimensão profissional.
Tomaremos cada uma para uma exploração mais analítica.
5.1 SALA DE AULA COMO CONCEITO AMPLIADO
Na visão dos alunos, as aulas desenvolvidas em espaços não convencionais, como as
que ocorrem nos estágios, favorecem a troca de experiências mais concretas, provavelmente
porque, ao mudar os espaços de aprendizagem, promovem uma aproximação com a prática
profissional. Como descrevem Veiga, Resende e Fonseca (2000), essa é uma das
possibilidades de reconfiguração de saberes, pois implica novas relações com o
conhecimento.
Cunha (1997), em estudo similar, afirma que a universidade é rica em espaços de
inovação, entre os quais se destaca a sala de aula, mesmo que ela não seja o único espaço
onde a inovação acontece. A autora afirma que a sala de aula, no sentido amplo, é o principal
lugar para se trabalhar a formação da cidadania e da consciência dos alunos. Para ela,
71
as relações interpessoais, o contato face a face do professor com o aluno, é um
momento tão importante quanto o é o clímax da descoberta científica, até porque
este, mesmo exigindo alguma solidão, é fruto, principalmente, de interações
intelectuais (CUNHA, 1997, p.80-81).
Nessa dimensão, se (re)significa a sala de aula como sendo um espaço revelador de
intencionalidades, carregada de valores e contradições, não estando circunscrita a um espaço
mensurado, com duração precisa e fronteiras delimitadas, mas sendo o “lócus concreto do
ensino, onde professores, alunos e conhecimento constroem uma ciranda de mãos dadas,
percorrendo o caminho da construção coletiva” (CUNHA, 1997, p.81).
A sala de aula é um espaço de construção conjunta do conhecimento. É o lugar onde
professores e alunos buscam esse conhecimento, estabelecem interações, diálogos, trocas.
Portanto, não pode ser entendida meramente como espaço físico, mas, sim, como todo o
espaço em que os alunos podem aprender. Para Masetto (2001), a sala de aula é “o espaço e o
tempo no qual e durante o qual os sujeitos de um processo de aprendizagem (professor e
alunos) se encontram para juntos realizarem uma série de ações” (p. 85).
Os depoimentos dos estudantes reafirmam a compreensão ampliada de sala de aula
afirmando que a aprendizagem que favorece maior compreensão é a que se realiza em
distintos ambientes profissionais, especialmente os que colocam o aluno em contato com a
realidade, aproximando a teoria da prática, possibilitando a releitura da teoria estudada e uma
reflexão sobre a prática desenvolvida. Dizem eles:
no estágio realizado (...) tive grandes oportunidades de colocar em prática o que
havia aprendido em aula e, principalmente, pude ver, na prática, coisas que eu nem
imaginava sobre saúde materno-infantil;
as aulas práticas de algumas cadeiras, os estágios, as atividades extracurriculares e
visitas fora da Universidade são de grande valia para melhorar o relacionamento
com outros profissionais e colegas;
na pesquisa com adolescentes de São Leopoldo, participei da realidade de muitos
adolescentes, de diferentes classes sociais, diferentes hábitos.
Tardif (2000) afirma que toda práxis social é, de certa maneira, um trabalho cujo
processo de realização desencadeia uma transformação real do trabalhador. Para o autor,
72
“trabalhar não é exclusivamente transformar um objeto ou situação em uma outra coisa, é
também transformar a si mesmo em e pelo trabalho” (p.209). Portanto, é importante
compreender os saberes dos profissionais, na medida em que trabalhar remete a aprender a
trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do
trabalho. Num dos depoimentos, podemos observar essa preocupação, quando o aluno declara
que
é nos estágios que podemos ter uma visão mais clara e verdadeira da profissão,
inclusive das dificuldades que ainda vamos enfrentar e também onde podemos ter
contato com outros profissionais da área e onde sabemos se esta é a profissão que
realmente queremos seguir.
Neste pressuposto, a sala de aula deixa de ser um espaço arquitetonicamente definido
e se constitui como espaço das ações de sujeitos históricos, exigindo operações que permitam
percursos, passagens, intercâmbios, trocas e compartilhamentos. A aprendizagem se torna
significativa, pois envolve o aluno como pessoa integrante de um contexto sociocultural, e o
coloca diante das atividades profissionais futuras. Diz um dos nossos interlocutores: trabalhos
que envolvem o aluno também são muito válidos, como a prática que fiz através de uma
reunião com gestantes em uma loja de mamãe e bebê (...). Compreende-se, então, a
multiplicidade de situações de aprendizagem valorizadas pelos estudantes, o que reforça a
idéia de que o estágio não deve se prender aos limites da sala de aula e, sim, ampliar os
horizontes, estimulando a universidade a promover e a constituir também um espaço para o
exercício da prática. Nesta perspectiva, o estágio é compreendido como uma atividade que
tem em vista a aprendizagem pela interação do indivíduo com a realidade e a construção e
reconstrução do conhecimento na prática, o que inclui a análise e a reflexão sobre essa mesma
prática, apontando para a possibilidade de que a indagação e a pesquisa sejam o seu referente.
5.2 O PROTAGONISMO
Nas respostas dos alunos, foi possível perceber que a experiência significativa se dá
quando eles se sentem protagonistas de suas aprendizagens. Essa experiência envolve o modo
de atuar, a interação com a realidade e o pensar essa realidade, tornando-os sujeitos ativos,
73
assumindo uma atitude reflexiva e ativa diante dos novos conhecimentos. Os alunos
valorizam as experiências porque são atividades que envolvem coletas de dados,
embasamento teórico, pesquisa e desenvolvem senso crítico, visões diferenciadas,
posicionamentos diante de condutas, possibilidades de avaliar e sugerir novas propostas.
Compreender o aluno como protagonista de sua aprendizagem tem sido um dos
desafios a ser enfrentado pela universidade. A prática tradicional de ensinar entendia o aluno
de forma passiva, como alguém que só recebia informações e as armazenava. Sobre essa
perspectiva, também se construía a concepção do papel docente. Entretanto as transformações
sociais e o processo de distribuição de conhecimento atingido pelas relações do homem com
as alternativas tecnológicas de comunicação têm impactado o referente dos processos de
ensinar e aprender.
As críticas ao ensino tradicional e à organização acadêmica dos currículos,
entretanto, não têm sido suficientes ainda, para produzir transformações significativas. Os
currículos ignoram, muitas vezes, as peculiaridades e as diferenças do desenvolvimento
individual e cultural, impondo conteúdos perenes e descontextualizados. Ignoram também as
contradições e os conflitos presentes na história do pensar e do fazer, restringindo o objetivo
do ensino ao conhecimento factual, desconsiderando o componente de subjetividade que
preside a ciência. É urgente a adoção de novas perspectivas que ajudem a produzir as
necessárias mudanças. Neste sentido, a universidade deve cultivar, nos seus alunos, a
capacidade de pensar criticamente, concebendo o docente como facilitador dos processos de
reflexão e compreensão. Um dos alunos descreveu a experiência mais significativa que
vivenciou, ressaltando que, em determinadas disciplinas o professor tinha conhecimento e
conseguia despertar o interesse do aluno e sabia transmitir este conhecimento. Na condição
contrária, destaca que, em (...) outras disciplinas (...) não são de grande valor, ou seja, não
têm muito aproveitamento pelo curso, não por não serem interessantes, mas, sim, pela
maneira como são administradas.
Observamos que, conforme descreve Meirieu (2002), o aluno não é mais um sujeito
disponível a uma racionalidade que se expõe, mas é um indivíduo concreto, com seus gostos,
suas aptidões e seus limites, que fazem dele um ser mais ou menos suscetível para ocupar
determinado lugar na sociedade e a quem se propõem aprendizagens em vista de uma inserção
74
social positiva. Nessa perspectiva, é importante que se faça uma reflexão sobre a prática para
a reconstrução social, em que o ensino é concebido como uma atividade crítica, e o professor,
como um profissional reflexivo, comprometido com o desenvolvimento da autonomia dos
alunos e com a transformação da realidade (GIMENO SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ 1998).
5.3 A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
Merece especial atenção a compreensão de conhecimento mediado pela relação
estabelecida entre a teoria e a prática, como destacam nossos estudantes: Foram as
experiências onde se aplicou a teoria apreendida no decorrer do curso ou a prática é o
melhor método para experimentar e aplicar nossas habilidades e conhecimentos.
As respostas dos alunos sugerem que, em geral, há um distanciamento entre teoria e
prática e essa é a razão porque valorizam situações em que as percebem conectadas. Percebe-
se que o ensino universitário ainda é fortemente concebido como transmissão cultural e sua
ênfase recai sobre os conteúdos disciplinares, dentro de uma perspectiva acadêmica
tradicional
(GIMENO SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998), ainda entendida como
transmissão estruturada e linear desses conteúdos, seqüencialmente organizados pelo
professor. Nesse caso, importa o que o aluno denomina de teoria.
A contar pelo depoimento dos alunos, a dicotomia entre teoria e prática precisa ser
desfeita, sendo esta uma condição essencial para efetivar uma ruptura que atribua significado
às aprendizagens e estabeleça uma estreita relação do ensino com o mundo do trabalho.
Fernandes (2001) reforça essa posição dizendo que:
neste outro espaço/tempo em que estamos vivendo, há necessidade de revisitar a
formação pedagógica para configurá-la como um construto teórico-prático marcado
pela intencionalidade de um projeto de ação transformador e emancipatório, que tem
na sua dimensão coletiva, a possibilidade de concretude (p.180).
Para a autora, esse construto teórico e prático tem como elementos fundantes os
saberes da prática e da teoria, entendo a prática como uma produção de saberes nascentes da
75
reflexão, que instigam a busca de novos caminhos para o embate com a teoria, compreendida,
contextualizada e recriada, e não teoria posta, pronta.
Conforme descreve Tardif (2000), os saberes ligados ao trabalho são temporais, pois
são construídos e dominados progressivamente durante um período de aprendizagem variável,
de acordo com cada ocupação. Essa dimensão temporal decorre do fato de que as situações de
trabalho exigem dos trabalhadores conhecimentos, competências, aptidões e atitudes
específicas, que só podem ser adquiridas e dominadas em contato com essas mesmas
situações. Para o aluno, experiências profissionais de nutricionistas já formadas e atuando no
mercado de trabalho são fundamentais para aliarmos o conhecimento teórico com a prática.
Os alunos indicam que é preciso alterar as situações de trabalho que estão baseadas
na racionalidade técnica do saber, segundo a qual a prática profissional consiste numa
resolução instrumental de problemas baseada na aplicação de teorias e técnicas científicas
construídas em outros campos como a pesquisa e em laboratórios.
Baseada nas concepções de Perez Gómez (2001) percebe-se que o problema da
aprendizagem está na concepção de universidade como uma entidade artificial, especialmente
configurada para desenvolver aprendizagens abstratas e descoladas da vida cotidiana. Uma
indicação relevante para essa reflexão partiu do depoimento de um aluno, quando afirmou:
experiência significativa foram os estágios, pois foi onde vivenciei a realidade do nosso
curso. Profissão no qual aprendi e apliquei o conhecimento adquirido e busquei mais
informações quando no surgimento de dúvidas.
Quando os alunos elegem como experiência significativa as práticas desenvolvidas
nos estágios, eles estão elencando as motivações para aprender, como a necessidade de
recontextualizar as tarefas de aprendizagem dentro de uma cultura da comunidade, na qual
ferramentas e conteúdos aprendidos dentro da sala de aula tradicional podem adquirir
significado. Portanto, se torna relevante entender o estágio como uma oportunidade ímpar de
viver a unidade indissociável entre ensino e pesquisa e entre teoria e prática.
O estudo das aprendizagens significativas ajuda a compreender a importância da
pesquisa na graduação, como geradora de conhecimento. Para Cunha (1998), esse é um ponto
76
não resolvido na educação universitária e tem estreita relação com a questão epistemológica e
a perspectiva pedagógica do ensino.
Grillo e Lorenzen (2003) ressaltam que o professor, sendo um pesquisador e um
produtor de conhecimentos, precisa desenvolver uma prática capaz de conhecer a realidade e
intervir nela, “chamando os alunos à participação, dialogando e debatendo com eles como
iguais protagonistas nesse processo” (p.35). Envolver os alunos em suas aprendizagens e em
seu trabalho, desenvolve a curiosidade e o desejo de aprender continuamente. Essa
perspectiva foi reafirmada pelos nossos interlocutores estudantes que valorizaram situações
em que procedimentos investigativos deram significado ao processo de ensino e
aprendizagem que vivenciaram.
5.4 A DIMENSÃO PROFISSIONAL
A forma de relacionamento professor-aluno-profissionais foi outro elemento
importante e destacado pelos estudantes, pois se verifica que essas relações propiciam uma
resignificação do conhecimento. Disse um dos alunos: Durante todos os estágios tive contato
com diferentes colaboradores, e a educação de cada um fez com que eu aprendesse muito.
Essa dimensão assume um papel de destaque na perspectiva de competência social, que,
muitas vezes, é pouco valorizada pelas propostas de formação presentes nos currículos.
Para Lemos e Menezes (2002), a competência social
26
se refere a um conjunto de
comportamentos aprendidos e socialmente aceitos, permitindo interações eficazes com os
outros e prevenindo relações socialmente inaceitáveis. Ela desempenha um papel fundamental
no desenvolvimento humano em geral e no funcionamento adaptado do aluno, afetando as
relações com os professores, a aceitação dos pares e a realização acadêmica.
26
A competência social é um conceito lato, utilizado para descrever o comportamento social, a compreensão e
utilização de habilidades sociais e a aceitação social (HAAGER ; VAUGHN, 1995 apud LEMOS; MENESES,
2002).
77
Também Tardif (2000) ressalta que os fundamentos do ensino são sociais, na medida
em que, como vimos, os saberes profissionais são plurais, oriundos de fontes diversas
(família, escola, universidade, etc.) e adquiridos em tempos sociais diferentes: tempo da
infância, da escola, da formação profissional, do ingresso na profissão e da carreira. São
sociais também na medida em que, em certos casos, são explicitamente produzidos e
legitimados por grupos sociais, nesse caso os professores universitários, os nutricionistas
supervisores e demais profissionais. O uso desses saberes pelo professor implica, então, uma
relação social com esses mesmos saberes, bem como com os grupos, instâncias e indivíduos
que os produzem.
Nesse sentido, pode-se dizer que a relação do professor com seus próprios saberes é
acompanhada de uma relação social que envolve a consciência profissional do professor. Essa
não é um reservatório de conhecimentos no qual ele se abastece conforme as circunstâncias;
ela parece ser amplamente marcada por processos de avaliação e de crítica em relação aos
saberes situados fora do processo de socialização anterior e da prática da profissão, como, por
exemplo, os saberes das ciências da educação transmitidos durante a formação profissional.
Para o aluno esses professores foram significativos, pois demonstraram interesse e
preocupação comigo.
Para muitos alunos, a identificação com a profissão se dá por uma importante relação
afetiva com seus professores. Essa relação aparece bem antes de assumirem suas funções
como agentes do seu conhecimento. De acordo com Tardif (2000), os alunos valorizam os
professores que dão importância àquilo que eles são enquanto pessoas. Como disse uma
aluna, a professora (...) é uma superprofessora, é amiga. São as dimensões afetivas e
cognitivas se imbricando, num todo que envolve o ensinar e o aprender.
As reflexões aqui apresentadas não pretendem dar conta da totalidade da pesquisa a
respeito dos docentes e das inovações que ocorrem no Curso de Nutrição da UNISINOS. No
entanto, são instrumentos valiosos e capazes para nos ajudar a compreender como os
estudantes vivenciam o ambiente universitário e verificar como as experiências universitárias
marcam seu percurso acadêmico.
6 VIVENDO A INOVAÇÃO: AS EXPERIÊNCIAS NO CURSO DE NUTRIÇÃO
O mundo de minha vida diária não é de forma alguma meu mundo
privado, mas é, desde o inicio, um mundo intersubjetivo compartilhado com meus
semelhantes, vivenciado e interpretado por outros.
(WAGNER, 1979)
27
.
A universidade, ao longo de sua história, desempenhou as funções de depositária da
cultura e de agente social de manutenção da ordem, de meio de adaptação às mudanças
sociais e ainda de elaboração do conhecimento e de construção do modelo cultural da
sociedade. As atuais políticas nacionais de saúde e de educação apontam para a necessidade
de mudanças nos processos de formação profissional e têm estimulado e apoiado iniciativas
no sentido da ampliação da responsabilidade social dos seus egressos. RHORS
28
discute as
mudanças que a universidade terá que experimentar para continuar capaz de enfrentar as
exigências atuais. Para o autor, três são os elementos fundamentais para esse desafio: a idéia
de autonomia, que representa liberdade e auto-suficiência da modalidade científica de
existência; a busca da verdade, que se efetiva dentro da comunidade de docentes e discentes
numa ação recíproca; e a unidade entre a investigação e o ensino.
Souza Santos (2002) afirma que a cultura ocidental atravessa um momento de
transição da modernidade para a pós-modernidade, criando um ambiente de incerteza e de
caos, que repercute nas estruturas e nas práticas sociais, nas instituições e nas ideologias, nas
representações sociais e nas inteligibilidades, na vida vivida e na personalidade. Para o autor,
a assim denominada transição paradigmática repercute, tanto nos dispositivos da regulação
social, como nos dispositivos da emancipação social, cuja ruptura e atravessamento possui
uma ambigüidade própria, síntese de seu caráter desconstrutivo. Ele afirma que, “uma vez
transpostos os umbrais da transição paradigmática, será necessário reconstruir teoricamente
uns e outros” (p.287). Nesse sentido, este momento de transição bem ilustra a histórica
hegemonia e a atual crise da racionalidade técnica.
27
WAGNER, Helmut R. Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
28
apud SARMENTO, D.C.; TEIXEIRA, L.H.G. Educação Brasileira. Brasília, v. 14, n. 29, p. 45-58,2
o
sem/1992.
79
Essa transição tem duas dimensões principais: a epistemológica, que ocorre entre o
paradigma da ciência moderna do conhecimento-regulação, e o paradigma emergente,
denominado pelo autor de “paradigma do conhecimento prudente para uma vida decente” (p.
74), do conhecimento-emancipação, e societal, menos visível, que ocorre entre o paradigma
dominante, da sociedade patriarcal; da produção capitalista, do consumismo individualista; da
democracia autoritária; do desenvolvimento global, desigual e excludente - e um novo
paradigma, que permita reinventar os caminhos do inconformismo contra toda forma de
naturalização da opressão. Mais ainda, Souza Santos recorre a uma tradição marginalizada da
modernidade que é o pensamento utópico. Afirma que o "único caminho para pensar o futuro
parece ser a utopia. E por utopia entendo a exploração, através da imaginação, de novas
possibilidades humanas e novas formas de vontade" (p.331-332). Recusando “o fechamento
do horizonte de expectativas e de possibilidade e criando alternativas; recusando a
subjetividade do conformismo e criando a vontade de lutar por alternativas” (p.333).
Além de reinventar os mapas de emancipação social, o pensamento utópico
possibilita a vivência de subjetividades com capacidades e vontade de usar tais configurações.
Para tanto, “é preciso recuperar a idéia de que o espaço da contradição é o que possibilita a
construção e a utopia” (CUNHA, 2001c, p.35). Posições como essas nos instigam a entender a
complexidade do ser humano em se situar neste mundo buscando, no campo das
possibilidades, um entendimento da realidade que gera desconforto, inconformismo e
indignação, descobrindo o porquê dos silêncios e das alternativas que deixaram de ser
construídas.
As transformações vividas pelas universidades nos colocam uma série de
perspectivas que buscam compreender historicamente e criticamente suas manifestações nos
âmbitos epistemológicos e político. Mesmo admitindo que a qualidade da educação depende
de decisões políticas e da conseqüente atuação do poder público, o professor destaca-se como
um dos principais agentes para mudanças concretas, pois, como afirma Cunha (2001c, p.36),
“uma inovação existe em determinado tempo e circunstância, como produto de uma ação
humana sobre um ambiente ou meio social”.
Na visão de Rozendo et al. (1999), a educação superior, de maneira geral, prioriza
práticas pedagógicas que nem sempre contribuem para o desenvolvimento de
80
uma sociedade de sujeitos sociais construtores de sua própria história. Para os autores, a
concepção predominante é a de uma educação para o ajustamento, para a adaptação às normas
e padrões de comportamento considerados “adequados”, em que é imposto, muitas vezes, aos
educandos uma condição de passividade e subordinação à autoridade do educador. Portanto, a
pratica educacional continua enraizada na concepção bancária
29
de educação. Essa concepção
tradicional de ensinar e aprender é identificada na universidade, mas também há espaço para
transformação, porque nela existem homens, e porque são concretizadas ações realizadas por
homens e a eles destinadas, as quais visam ao desenvolvimento da consciência crítica sobre a
realidade.
Na opinião dos autores,
a universidade, enquanto uma instituição social inserida numa realidade concreta,
experimenta a dialética do movimento social. Ao mesmo tempo em que determina, é
determinada; ao mesmo tempo em que transforma a realidade, também reproduz esta
realidade. Compartilha as contradições da sociedade e produz suas próprias
contradições (ROZENDO et al., 1999, p.16).
A evolução do paradigma educacional não está deslocada do desenvolvimento do
paradigma científico (LIBÂNEO, 1999). Em conseqüência, a atividade docente modifica-se
seguindo as transformações da sociedade, processo que suscita uma transformação da práxis
dos docentes. Para Zabalza (2004,) “os professores transformam-se sempre em mediadores e
agentes básicos das inovações na universidade (sempre como aplicadores e, com freqüência,
como instigadores e mentores de mudança)” (p.11). Essa visão também é compartilhada por
Enricone (2001) para quem “os docentes não são os únicos criadores de inovação mas, com
certeza, são agentes ativos por suas convicções, experiências, identidade e, ainda, pela
consciência do que é valioso em educação” (p.51).
29
Concepção de educação usada por Paulo Freire (1971, p. 67), para descrever a aprendizagem que se dá quando
esta se torna um ato de depositar informações na mente dos educandos, os quais irão recebê-las sem
questionamento.
81
Essa reflexão facilita a compreensão dos condicionantes sócio-históricos, associados
às mudanças paradigmáticas que surgem em resposta à necessidade de superar a visão
dicotômica e fragmentada da sociedade e da pedagogia tradicional.
As práticas pedagógicas são influenciadas pelos condicionantes sociopolíticos que
configuram diferentes concepções de homem e de sociedade e, conseqüentemente, por
diferentes pressupostos sobre o papel da escola, da aprendizagem, das relações professor-
aluno e das técnicas de ensino.
A ação educativa dos docentes é influenciada, então, por diferentes princípios
ideológicos, a partir dos quais selecionam e organizam o conteúdo, escolhem metodologias de
ensino e avaliação, relacionando com os pressupostos teórico-metodológicos e com a
compreensão que cada um tem sobre educação.
Na concepção de Assmann (2004), a discussão sobre o conhecimento abarca hoje
todos os processos naturais e sociais onde se gera, e, a partir daí, esses processos são levados
em conta na forma de aprendizagem. Nessa perspectiva, a experiência de aprendizagem
implica, além da instrução informativa, a reinvenção e construção personalizada do
conhecimento. E nisso o prazer representa uma dimensão-chave.
Para o autor, “reencantar a educação significa colocar ênfase numa visão da ação
educativa como ensejamento e produção de experiências de aprendizagem” (p. 29). Reforça
ainda que o ambiente pedagógico tem de ser um lugar de fascinação e inventividade, para que
o processo de aprender aconteça como mixagem
30
de todos os sentidos, potencializando-os e
(re)significando os modos como concebemos o mundo. Para ele, é preciso (re)introduzir na
escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a
experiência do prazer, pois, na sua concepção, o conhecimento só emerge em sua dimensão
vitalizadora quando tem algum tipo de ligação com o prazer.
30
Conceito que fomos buscar na área musical e que bem define a proposta de Assmann. “É a arte dos DJs de
passar de uma música para outra sem que caia o ritmo da pista de dança. Quando perfeita, os alegres dançarinos
nem percebem que já mudou de música”. Disponível em: <
www.terra.com.br/mp3box/col_pecanha4.html>
Acesso em: ago. 2005.
82
Zaccagnini ([s.d]) dimensiona o ato pedagógico
como un encuentro de representaciones sobre lo que va aconteciendo en la escena.
En ella, interaccionan el docente y los alumnos, definidos ambos en un proceso
comunicacional que habilita o no, fronteras semióticas en donde se negocian
sentidos y significados (p.3).
Ao estudarmos as práticas educativas, não podemos negar que toda a educação tem
caráter político, mas devemos, sim,
entender que o ético-político se enraíza em campos do sentido, que emergem sob a
forma de experiências de aprendizagem, que por sua vez emergem de processos
auto-organizativos da vida real, onde viver e aprender se identificam num único
processo (ASSMANN, 2004, p.108).
As práticas pedagógicas realizadas no interior da sala de aula universitária são
reflexos da sociedade e nela se refletem, espelhando a complexidade da dinâmica social e da
interação humana. Conhecer tais práticas e desvelá-las é fundamental para compreendê-las,
oferecendo subsídios aos professores universitários, para analisar os momentos de transição
paradigmática que vivem.
Rever a formação do nutricionista face às mudanças de paradigma é repensar a
inovação no sentido dado por Veiga, Resende e Fonseca (2000), que destacam o caráter
inovador das atividades de ensino, pesquisa e aprendizagem quando tais atividades
permanecem em constante movimento, desenvolvendo-se ao longo da história, instigando e
propiciando a descoberta e a aprendizagem do aluno por meio da relação dialógica com o
professor.
Este trabalho, portanto, buscou identificar e caracterizar as práticas pedagógicas dos
docentes do Curso de Nutrição, conseqüentemente relacionadas como portadoras de
aprendizagens emancipatórias, realizando uma reflexão sobre o caráter inovador dessas
práticas, entendidas como “aquelas que favorecem a ruptura com as formas tradicionais de
ensinar e aprender” (CUNHA, 2001c, p.34). Os caminhos metodológicos adotados
envolveram um diálogo com a literatura e registros realizados a partir das transcrições das
83
entrevistas com os professores elencados por seus alunos como aqueles que protagonizaram
experiências significativas em suas trajetórias acadêmicas. Relacionar as aprendizagens
significativas com a possibilidade da inovação foi outro intento assumido no contexto do
estudo. Para tanto, usando o dialogo teórico com autores escolhidos, procuramos identificar
características nas experiências, tais como:
- estar em movimento constante, instigando e propiciando o descobrimento do novo;
- trabalhar com múltiplas tensões presentes na atividade do aluno;
- favorecer a relação horizontal professor-aluno, permitindo atendimento à
singularidade de cada um, evitando a homogeneização;
- assegurar a relação ensino-pesquisa tendo o trabalho como princípio educativo;
- ser atividades coletivas permeadas por intencionalidade;
- atribuir à pesquisa importante espaço de mediação entre o ensinar e o aprender.
Essas características, assumidas como ponto de partida da pesquisa, se aproximaram
das categorias organizadas por Cunha (1998, 2004), que foram tomadas como referentes nesse
estudo. Dessa forma, se pretendeu contribuir para a consolidação teórica dos pressupostos
analíticos dos estudos sobre inovação. Para a autora, a inovação pode acontecer quando há
- ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender e/ou com os
procedimentos acadêmicos inspirados nos princípios positivistas da ciência moderna;
- gestão participativa, por meio da qual os sujeitos do processo inovador são
protagonistas da experiência, desde a concepção até a análise dos resultados;
- reconfiguração de saberes, com a anulação ou diminuição das clássicas dualidades
entre saber científico/saber popular, ciência/cultura, educação/trabalho, etc;
- reorganização da relação teoria/prática, rompendo com a clássica proposição de
que a teoria precede a prática, dicotomizando a visão de totalidade;
- perspectiva orgânica no processo de concepção, desenvolvimento e avaliação da
experiência desenvolvida;
84
- mediação entre as subjetividades dos envolvidos e o conhecimento, envolvendo a
dimensão das relações e do gosto, do respeito mútuo, dos laços que se estabelecem entre os
sujeitos e o que se propõem conhecer;
- protagonismo, compreendido como a participação dos alunos nas decisões
pedagógicas, valorização da produção pessoal, original e criativa dos estudantes, estimulando
processos intelectuais mais complexos e não repetitivos.
Essas categorias explicitam a compreensão de que a inovação pressupõe alterações
na concepção de conhecimento presidido pela ciência moderna. Portanto, não se referem
somente a arranjos metodológicos ou inclusão de aparatos tecnológicos. Incorporam,
necessariamente uma nova epistemologia que se traduz nas práticas de sala de aula.
6.1 CONHECENDO OS DOCENTES QUE PROTAGONIZARAM AS
EXPERIÊNCIAS
Somos o que fazemos, mas somos, principalmente,
o que fazemos para mudar o que somos
(Galeano).
Para favorecer a análise dos dados obtidos nessa pesquisa, apresento um breve relato
das principais características dos professores entrevistados, bem como de suas atividades na
Instituição, com a finalidade de contextualizar os docentes e conhecer as peculiaridades de
cada um, de modo a permitir maior entendimento de seu posicionamento. A denominação, de
Professora 1 até Professora 4 se baseou na seqüência das entrevistas realizadas.
Como já explicitado, quatro professoras foram envolvidas na investigação, todas do
sexo feminino, nutricionistas de formação, tendo exercício específico na profissão, como se
pode identificar a seguir.
Professora 1 - 55 anos; Formada há 29 anos, sendo da primeira turma do Curso de
Nutrição da UNISINOS. Professora desde 1977, nessa Instituição, exerce essa função há 34
85
anos, tendo realizado o Curso de Magistério e ministrado aulas por 8 anos no ensino primário,
hoje denominado Ensino Fundamental, na cidade de Osório. Fez curso de especialização em
Metodologia do Ensino Superior. Possui também outras especializações na área específica de
Nutrição. No Curso, a professora trabalha com as disciplinas Fundamentos de Dietoterapia e
Estágio III - Nutrição Terapêutica, que compõem o Eixo III - Nutrição Terapêutica, do Curso
de Nutrição. Atuou por 19 anos, como nutricionista, na Secretaria de Saúde de São Leopoldo,
estando aposentada, nessa atividade. É o professor com mais tempo de formado e de exercício
da atividade docente.
Professora 2 - 45 anos; formada há 23 anos pela PUCCAMP-São Paulo, exercendo
atividade como docente no ensino superior há 20 anos. Na UNISINOS está há quatro anos. É
doutora em Ciências Biológicas pela Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal
de São Paulo-UNIFESP, desde 1988. Realizou estágio de aprimoramento na Bélgica.
Desenvolveu atividades de docente assistencial junto a Universidade Federal de São Paulo-
UNIFESP. Hoje ministra as disciplina de Nutrição nos Ciclos da Vida II e Seminário II, para
o Curso de Nutrição da UNISINOS. Essas disciplinas fazem parte do Eixo II - Nutrição e
Desenvolvimento Humano. Desenvolve atividade junto ao PIPAS - Programa Interdisciplinar
de Atenção à Saúde, que é um programa de extensão da Universidade, onde exerce atividades
de assistência à população, dando supervisão aos alunos estagiários ou bolsistas. É
pesquisadora, atuando na área de nutrição infantil.
É consultora Internacional do Ministério da
Saúde para a área da criança. Não realizou nenhum curso específico de formação pedagógica.
Professora 3
- 50 anos; formada há 26 anos pela UNISINOS, exercendo atividade
como docente no ensino superior há 18 anos, na sua totalidade como professora na
UNISINOS, onde trabalha com as disciplinas: Nutrição nos Ciclos da Vida I e Supervisão em
Estágio II- Desenvolvimento Humano, ambas pertencentes ao Eixo II- Nutrição e
Desenvolvimento Humano, que compõem o Curso. É Mestre em Saúde Pública pela
Universidade Luterana - ULBRA, desde 2003. Também atua junto ao Programa de Extensão
da Universidade-PIPAS, onde exerce atividades de assistência com alunos estagiários e
bolsistas. Faz supervisão de Estágio junto ao Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas,
onde desenvolveu suas atividades profissionais de 1996 até 2004. Trabalhou na LBA-Legião
Brasileira de Assistência, de 1980 até sua extinção, em 1995. É Especialista em Aleitamento
86
Materno pelo International Board Certified Lactation Consultant-IBLCE
31
, sendo a única nutricionista,
no Brasil, aprovada em 1998. Fez o curso Esquema Um, formação em nível de Licenciatura
Plena, para o exercício nas disciplinas profissionalizantes do ensino de segundo grau,
incluindo a formação pedagógica para esse nível de ensino.
Professora 4 - 39 anos; formada há 12 anos na Instituição onde exerce sua atividade
de professora há 11 anos. Ministra aulas no Curso de Nutrição, na disciplina Técnica Dietética
II, disciplina essa do Eixo I-Alimentos, alimentação e meio ambiente. Atua também junto ao
Curso de Formação especifica em Gastronomia, na mesma Instituição. Fez Cursos de
Especialização em Administração Hospitalar, na PUCRS, em 1994, e em Nutrição Clinica,
pela UNISINOS, em 1995, onde teve a disciplina de Metodologia de Ensino, disciplina esta
uma exigência do MEC para esse tipo de pós-graduação. Iniciou o Mestrado em
Biotecnologia na Universidade de Caxias do Sul-UCS, mas ainda não o concluiu. Exerceu
atividade de nutricionista na área de produção de alimentos por um período de 7 anos e atuou
na área hospitalar durante 3 anos e meio.
6.2 CONHECENDO AS EXPERIÊNCIAS QUE ANUNCIAM INOVAÇÃO
A sociedade do conhecimento é uma sociedade aprendente
32
que,
como a vida, se flexibiliza, se adapta, instaura e cria redes de relações.
Educar é fazer experiências de aprendizagem pessoal e coletiva
(LEONARDO BOFF)
33
.
Descrevemos, a seguir, cada situação de ensino aprendizagem que compõe este
estudo a partir do relato das professoras. Procuramos identificar nelas as categorias teóricas
que orientaram a pesquisa. As experiências estão relatadas na mesma seqüência das
entrevistas realizadas.
31
O IBLCE é uma organização internacional, sem fins lucrativos, que certifica, por meio de um exame de nível
internacional, consultores em lactação. Disponível em: <www.iblce.org> Acesso em 9 fev. 2006.
32
Agente cognitivo (indivíduo, grupo, organização, instituição, sistema) que se encontra em processo ativo de
estar aprendendo.Que/quem realiza experiências da aprendizagem. Glossário de conceitos que faz parte do livro
Reencantar a educação : rumo à sociedade aprendente (ASSMANN, 2004).
33
Boff, L. In: ASSMANN, H. Reencantar a educação : rumo à sociedade aprendente. 2004.
87
Experiência I: A construção progressiva da identidade profissional
Trata-se de uma experiência na disciplina de Estágio III, que se caracteriza por ser a
última etapa necessária para conclusão do Curso de Nutrição. A professora trabalha com um
grupo de aproximadamente 15 alunos, que realizam seus estágios em vários hospitais. A
experiência é realizada com os alunos em contato direto com os pacientes que estão
internados nos hospitais conveniados com a Universidade. Os alunos desenvolvem suas
atividades, interagindo com a rotina do hospital, desenvolvendo visitas aos leitos, realizando
avaliação nutricional, acompanhando a evolução dos pacientes e realizando as intervenções
necessárias. Todas as atividades são supervisionadas pelos nutricionistas dos locais. Os
alunos, quando o local permite, participam dos rounds
34
de discussão multidisciplinar.
A professora realiza a supervisão acadêmica, em encontros semanais, na
Universidade. Nestes encontros, os alunos relatam suas experiências, tiram suas dúvidas e
discutem os processos dietoterápicos
35
. Cabe à professora acompanhar os relatos dos casos
reais, oportunizando uma avaliação crítica sobre os procedimentos adotados, incentivando a
busca de artigos atuais sobre o assunto, que subsidiem a critica em relação aos procedimentos,
os quais nem sempre são efetivados pelos alunos. Levando em consideração que os locais que
recebem os alunos para estágio nem sempre apresentam as condições ideais na prestação de
serviços de saúde, o papel da professora é desafiar o aluno a desenvolver seu potencial,
mobilizando conhecimentos para o desenvolvimento de situações concretas de aprendizagem.
Para a professora, o aluno tem que tentar fazer a diferença, apresentar propostas
diferenciadas, valorizando o atendimento personalizado, pois nenhum paciente é igual ao
outro.
Na visão da professora a atividade desafia para o novo e possibilita ao aluno se
exercitar no papel de nutricionista. A professora, ao descrever a atividade, relata:
34
Termo utilizado no meio hospitalar para designar a reunião de vários profissionais onde discutem as condições
clinicas dos pacientes e os procedimentos a serem adotados.
35
Esquema especial de alimentos, comidas e bebidas, geralmente prescrito por um nutricionista, visando às
necessidades nutritivas específicas de um grupo de pacientes com uma doença, ex. diabetes melitos. Inclui ou
exclui determinados alimentos ou tipos de alimentos e, de maneira geral, regula os períodos de ingestão.
Biblioteca Virtual da Saúde. Disponível em: <http://decs.bvs.br> Acesso em: 27 jan. 2006.
88
Eu incentivo que o aluno desenvolva seu potencial de nutricionista da área clinica
um pouco mais independente daquela rotina que o local tem. Por exemplo, há um
hospital que tem uma estrutura que deixa bastante a desejar em relação ao que a
gente gostaria que fossem as rotinas da clínica, e o aluno tem que fazer o estágio lá.
Eu desafio o aluno e digo: você tem de tentar fazer a diferença. Faça a sua
proposta, se você fosse o nutricionista deste local como é que faria a atenção a
esses pacientes? Propõe para o nutricionista se puderes fazer dessa maneira.
Continua sua narrativa dizendo:
Eu acredito que assim o aluno se testa. Ele nem pensava que poderia ir tão longe.
Ele começa a perceber que nem sempre a refencia maior é a equipe do local e vai
descobrir outras referências, vai descobrir a bibliografia, vai descobrir os novos
artigos científicos daquela patologia. E pode somar essas referências com as que a
equipe tem. E se descobre como alguém que desconhecia [...] como alguém capaz de
saber além do que era solicitado.
O educando é o ator principal no processo de seu desenvolvimento. Por meio desse
tipo de ação, adquire e amplia seu repertório interativo, aumentando, assim, sua capacidade de
interferir de forma ativa e construtiva em seu contexto. O centro da proposta é que, através da
participação ativa, construtiva e solidária, o aluno possa envolver-se na solução de problemas
reais na universidade, na comunidade e na sociedade.
Experiência II: Trilhando os caminhos da pesquisa
Trata-se de uma experiência realizada na disciplina de Seminário II. Essa disciplina
aborda temas ligados aos assuntos que permeiam o Eixo II - Nutrição e Desenvolvimento
Humano e objetiva trabalhar, de maneira sistêmica, os conteúdos referentes às disciplinas que
pertencem ao eixo comum. Objetiva que os alunos integrem os conhecimentos, desfazendo a
relação fragmentada de conteúdos. Propõe que eles realizem discussões mais ampliadas sobre
determinados assuntos, permitindo perspectivas interativas de campos disciplinares, além de
revisão e suprimento de eventuais temas.
Essa disciplina não tem o conteúdo programático totalmente preestabelecido. Este é
escolhido no inicio de cada semestre a partir de uma avaliação do professor com os alunos.
89
No entanto, deve contemplar questões da atualidade. O planejamento que o professor elabora
para cada semestre tem como referente a ementa oficial, que é de conhecimento de todos os
alunos. Entretanto o professor propõe estratégias, com base em discussões com os estudantes.
Os alunos têm, dessa forma, a oportunidade de interagirem e atualizarem seus conhecimentos
sobre Nutrição e áreas afins. A turma, de aproximadamente 30 alunos, é dividida em grupos.
Cada grupo fica responsável pela apresentação de um tema, usando os princípios da técnica de
Seminário. A dinâmica deve levar em conta a pluralidade dos participantes. Os seminários são
acompanhados pelo professor, que atua como um articulador.
No inicio do semestre, a professora trabalha a preparação do seminário, mostrando
como se faz uma pesquisa bibliográfica, seus passos, cuidados e pressupostos. Leva os alunos
até a biblioteca e ensina como se realiza a busca no MEDLINE
36
. Mostra seus cantos
preferidos da biblioteca, incentivando seus alunos a manipular os periódicos principais,
destacando a importância destes no contexto científico. Faz com que cada aluno leia um
periódico internacional, estimulando a leitura em outra língua e mostrando o quanto é possível
realizar essa atividade.
Na apresentação dos seminários, é destacada a atualização do assunto, bem como o
referencial bibliográfico que lhe dá sustentação.
Vale ressaltar que toda a produção dos alunos é discutida na presença do autor. O
erro é tratado como fator de diagnóstico, provocando as intervenções do professor e dos
demais alunos.
Como podemos observar, a professora destaca por que acredita que a atividade é
significativa para o aluno, dizendo:
Eu não deixei essa disciplina virar uma disciplina desestimulante porque são os
alunos que apresentam seminário e os alunos falam: “Ah, eu vou assistir um
seminário do meu colega que não sabe nada, que preparou ontem”. Eu não permito
isso. Eu cobrava dos alunos que cada apresentação tivesse realmente conteúdo e
quando não tinha, eu falava: Olha, não está adequado, não está bom. Então havia
36
Banco de dados on-line da MEDLARS - Medical Literature Analysis and Retrieval System da Biblioteca
Nacional de Medicina. Biblioteca virtual da saúde. Disponível em: <http://decs.bvs.br> Acesso em: 27 jan. 2006.
90
uma questão que os alunos levantavam: “Puxa, a gente está vindo aqui e está
valendo a pena, nós estamos aprendendo porque foi exigido”.
Na apresentação dos trabalhos, a professora sempre complementa os assuntos,
destacando como sãos conectados com a prática profissional. Ela destaca: eu sempre
complementei muito com a minha experiência, então, em cada seminário, os alunos
aprendiam muito. Em todo tema, eu contava um caso, eu contava uma história.
A avaliação é feita através de múltiplos procedimentos, incluindo uma prova, onde
são cobrados os conhecimentos trabalhados em sala de aula, bem como as discussões que eles
suscitaram. Também são avaliados os procedimentos processuais e o envolvimento dos
estudantes com a proposta.
Eu fiz uma avaliação, e os alunos disseram que gostaram muito da inserção da prova
no Seminário II, porque os obrigava a prestar mais atenção, a participar mais e
também a ler depois os resumos que eram dados pelos colegas de cada grupo.
A fim de obterem cada vez mais autonomia e tornarem-se sujeitos do seu processo de
aprendizagem, todos os alunos têm conhecimento das propostas de atividades e do tempo
disponível para concluí-las, fazendo registros individuais e/ou coletivos do trabalho realizado
e averiguando se cumpriram ou não a meta estipulada.
As atividades de pesquisa desenvolvidas pela professora recebem a repercussão de
seu trabalho na sala de aula. Para ela, estar trabalhando é estar coletando dados. Essa
atividade se dá com a participação de alguns alunos, que se candidatam voluntariamente a
desenvolvê-la.
Na percepção da professora, a experiência é significativa para o aluno porque seu
nome está ligado ao desenvolvimento de pesquisas, como ela relata.
Eu criei uma cultura de desenvolvimento de pesquisa desde que aqui cheguei, em
agosto de 2001. E, em outubro, já estava com os alunos, indo para o Hospital
Centenário, selecionando as crianças. A cada curto espaço de tempo estava
promovendo trabalhos, e os alunos comentavam: “Eu estou fazendo um trabalho
91
com a professora Márcia, estou coletando dados”. Isso provavelmente foi gerando
toda uma cultura em volta do meu nome.
Esse é um processo interessante porque integra ensino e pesquisa e dá sentido à
produção de conhecimento, que é tarefa da universidade. Integra o espaço de graduação com a
pesquisa, assumindo essa condição como possibilidade de qualificar o processo de ensinar e
aprender.
Experiência III: Praticando a teoria.
Trata-se de uma experiência de Estágio II, disciplina do Eixo Nutrição e
Desenvolvimento Humano, realizada no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HPV).
Este é um hospital da rede pública, e a professora é referência para o aluno, pois foi lá
também que desenvolveu suas atividades profissionais, proporcionando sustentação ao
referencial teórico apresentado em sala de aula e inserindo o aluno no campo profissional.
Os alunos realizam visitas ao leito das pacientes internadas, que são parturientes,
avaliando o prontuário para conhecimento da situação em que se encontram. Acompanham a
primeira mamada dos recém-nascidos e incentivam as mães para a prática do aleitamento.
Realizam processos demonstrativos de como, por exemplo, a mãe deve colocar o bebe ao
seio, ajudando no esgotamento da mama. Acompanham e observam as reações dos pacientes e
procuram intervir nas práticas culturais do aleitamento, na perspectiva de aperfeiçoá-las.
Os alunos que optam por realizar seu estágio nesse local vivenciam a prática de
saúde pública, junto ao hospital que é referencia no atendimento à gestante. A professora é
também responsável pela disciplina Nutrição dos Ciclos da Vida I, e já desenvolveu com os
alunos os pressupostos que são objetos do estágio, incluindo os aspectos relacionados à
gestação e ao primeiro ano de vida da criança. Na visão da professora, essa relação prévia que
tem com seus alunos favorece a aprendizagem, o que pode ser percebido a partir de seu
depoimento.
92
Acho que eu, particularmente, por trabalhar no Ciclo, faço o gancho com o HPV,
onde faço a supervisão de estágio. Tem tudo a ver, pois dá para juntar a questão de
sala de aula com a questão prática. Acho que os alunos vêem a evolução da
aprendizagem, efetivando aquilo que viram em sala de aula. Eles podem ver na
prática o que se discutiu em sala de aula. Acho que isso dá uma certa satisfação.
Essa experiência proporciona uma postura pró-ativa do aluno, pois favorece o
estabelecimento de relações entre o novo, que está sendo vivenciado no estágio, e os
conhecimentos já presentes em sua estrutura cognitiva, permitindo o estabelecimento de redes
e relações de diferentes matizes de extensão e complexidade.
Nessa experiência, os alunos também são protagonistas da construção de seu
conhecimento quando são chamados a participar de grupos operativos com as nutrizes e toda
a equipe de profissionais, médicos, enfermeiros, psicólogos, etc. Favorecendo a relação inter-
pessoal e os processos de comunicação do aluno e seus pacientes; do professor e os alunos;
dos alunos entre si e do aluno com os profissionais da área.
Experiência IV: O professor como facilitador da aprendizagem
A disciplina Técnica Dietética II está localizada no segundo semestre do curso. A
professora, no primeiro dia de aula, trabalha na caracterização da disciplina, descrevendo os
tópicos que serão trabalhados durante o semestre, retomando os conteúdos que foram dados
na disciplina que a antecedeu. Essa disciplina estuda as alterações físico-químicas e biológicas
dos alimentos. Na primeira aula, a professora procura fazer com que o aluno entenda a
importância do conhecimento da composição química dos alimentos, como ela pode sofrer
alterações, como isso ocorre no fazer diário e o uso destas propriedades na atividade prática
do profissional nutricionista, favorecendo uma visão da trajetória acadêmica que o aluno deve
percorrer.
A professora toma como referente da sua proposta, a escolha de um alimento que
possa sustentar a exposição do conteúdo. Penso em um alimento e tento esgotar esse
alimento, indo desde o início, que é a composição química, até o final, que é a sua utilização.
É feita uma explanação teórica sobre o mesmo e, após, os alunos exercitam o que aprenderam
93
através das preparações no laboratório de Nutrição e Dietética. Formam-se grupos de 4 a 5
alunos, e cada grupo assume uma das cozinhas experimentais onde as preparações devem ser
executadas. Ao final do período, cada grupo apresenta as preparações feitas para o grande
grupo, sendo descrito todo o processo, bem como as alterações sofridas. Após a degustação,
são realizadas as avaliações de cada preparação. No momento da explanação, a professora vai
questionando os conhecimentos e chamando a atenção para as alterações sofridas pelos
alimentos e para a sua utilização na prática do profissional nutricionista. Há a intenção de
tomar as informações da vida cotidiana como ponto de partida para a reflexão teórica.
Explica a professora.
Quando eu falo do leite, falo de seus derivados, como, por exemplo, a manteiga. E
pergunto: “Qual é a característica da manteiga? Como a gente encontra no mercado?
O que é uma manteiga clarificada? Por que os Chefs utilizam manteiga clarificada?”
Então, eu vou falando e acho que isso chama bastante a atenção, porque os alunos
vêem, na prática, como vão usar esse alimento.
De acordo com a professora, não existe um cronograma fixo a ser seguido. As
escolhas dos conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas se dão pelo interesse despertado nos
alunos em sala de aula, ou mesmo pelas curiosidades estimuladas pela professora para que os
alunos aprofundem seu conhecimento sobre o alimento, extrapolando o mínimo exigido pela
disciplina. No entanto é importante destacar que há um roteiro de conteúdos importantes a
serem trabalhados, que não é fixo, mas, ao final do semestre, todos são cumpridos.
6.3 REFLETINDO SOBRE AS EXPERIÊNCIAS QUE ANUNCIAM INOVAÇÃO
O inesperado nos surpreende, e quando se manifesta, é preciso revisitar
nossas teorias e idéias e saber interpretar o inesperado em vez de
deixá-lo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo. (MORIN, 2000)
37
.
37
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2000.
94
Na análise das experiências, procurei compreender as dinâmicas que as envolvem, a
partir do que foi relatado pelos professores e das perspectivas teóricos-concentuais presentes
na literatura. Busquei compreender como essas práticas vêm contribuindo para o
desenvolvimento de aprendizagens significativas no Curso de Nutrição da UNISINOS.
Os alunos, ao elegerem as experiências significativas, evidenciavam a importância
dada ao movimento entre a teoria e a prática como referência do trabalho acadêmico. Essa
categoria, que emerge na fala dos estudantes, é recuperada pelos professores quando
descrevem as suas práticas.
As experiências citadas pelos alunos são portadoras de situações de ensino que
desenvolvem o eixo teoria-prática em atividades inovadoras, permitindo, às vezes, diferenciar
categorias que incluem atividades com significado diferenciado. Verifica-se a importância dos
trabalhos desenvolvidos nos campos de estágios, em atividades realizadas em laboratórios e
em visitas a bibliotecas. Destaca-se o trabalho em equipe e as reflexões para sistematização
dos estudos. Em todas essas instâncias, o que o aluno valoriza tem sido a condição de
produzir conhecimento através da investigação e de ser protagonista de uma ação que tem a
realidade como referencial.
O espaço de formação não ocorre somente na escola. Ele ocorre em múltiplos
espaços, assim como são múltiplas as aprendizagens que acontecem em cada um desses
espaços. Para os professores entrevistados, a atividade prática que ocorre em espaços não-
convencionais é o elemento de partida para aquisição de conhecimentos, pois possibilita ao
aluno uma atitude mais reflexiva e ativa diante do conhecimento, permitindo que se
estabeleçam relações entre a realidade e a fundamentação teórica, propiciando a
reconfiguração de saberes. Para esses professores, a concepção de conhecimento deve
envolver flexibilidade e movimento, ocorrendo uma significativa valorização das experiências
profissionais como forma de permitir uma articulação entre teoria e prática, como podemos
observar nos relatos a seguir.
No meu ponto de vista, toda atividade vivencial tem uma importância significativa.
Acho que a prática e a vivência são fundamentais para desencadear todo um
processo de conhecimento humano.
95
O professor pode oportunizar ao aluno vivenciar uma prática. Para fazer, acho que é
só ele querer.
Eu acho que na disciplina [Nutrição no ciclo da vida I] tinha que haver, junto com a
teoria, a atividade prática. Mas isso não estou conseguindo fazer. Já pensei até em
pedir ao Centenário [Hospital] essa oportunidade. Eu creio que poderia trabalhar
melhor o recém-nascido, se os alunos pudessem ver não só no slide, mas como é na
realidade. E é isso o que eles vêem no Estágio II.
Essa concepção também é partilhada por Lucarelli (2005), para quem a articulação
teoria-prática se constitui no eixo central dinamizador das inovações didático-curriculares na
aula universitária, sendo uma das possibilidades de transformação do ensino nas
universidades. Para ela,
dada la importancia que asumen en la institución las definiciones acerca de la
naturaleza del conocimiento tanto en lo relativo a su producción como en lo
referente a los procesos y contenidos en la formación de los sujetos; a la vez, esa
articulación se hace presente en el contexto universitario a través de la inclusión de
la profesión, sus representaciones y sus prácticas, como anticipatorios del campo
laboral en el que desarrollará su actividad el egresado (Ibidem, [s.p]).
Essa questão permite analisar a articulação entre a teoria e a prática na perspectiva de
um entrelaçamento de aspectos epistemológicos e didáticos, o qual aponta para novos
enfoques acerca dos processos de formação profissional. Para a autora, esta nueva
epistemologia supõe que a articulação da teoria e da prática se desenvolva através de uma
estratégia metodológica em que se propicia la reflexión en la acción, proporcionando uma
reflexão sobre o que está se fazendo simultaneamente ao momento da ação.
Argumenta ainda que,
en el caso de la formación en la práctica profesional, el conocimiento en la acción
propio de cada campo adquiere las características que le otorga el contexto
estructurado, social e institucional, de esa profesión. Conocimiento profesional y
sistema de valores compartido definen un determinado campo profesional y generan
las formas del conocimiento en acción, a la vez que la concepción epistemológica
acerca de la práctica profesional determina la estrategia general de formación
(LUCARELLI, 2005, [s.p])
96
Nesse caso se justifica a valorização da experiência como meio possível de
articulação entre teoria-prática na formação profissional, como afirmam nossos entrevistados:
No Estágio II, os alunos têm a oportunidade de exercitar o que foi trabalhado em
sala de aula.
E.
Vou mostrando como vai acontecer no decorrer do curso. Qual é a importância do
alimento, quando vai se fazer a preparação e, depois, na dietoterapia. Pergunto
sempre: “Na dietoterapia, tem importância esse alimento? Como eu vou usá-lo? Eu
vou poder colocá-lo em qualquer dieta?” Eu acho que isso chama bastante a atenção
porque os alunos vêem na prática como vão usar esse alimento. E depois também,
como nutricionista, atuando na dietoterapia, eles precisam perceber qual é a
diferença de usar na dieta de um paciente a manteiga qualificada ou a manteiga
comum. Eles precisam saber: “Tem diferença? Com que justificativas?”
Na visão das professoras, os alunos desenvolvem, nesse exercício, sua autonomia e
capacidade de análise, refletindo sobre o processo como um todo e conseguindo avaliar a
utilização do conhecimento na prática profissional. Eles são estimulados a buscar novos
conhecimentos, quando são interpelados por perguntas que suscitam a curiosidade e a
necessidade de avançar no conhecimento.
Os conteúdos passam a ser explorados considerando-se o significado a eles
atribuídos e sua consistência e funcionalidade para o enfrentamento de situações reais. A
construção de significados ultrapassa uma aprendizagem baseada na memória e apela para
uma aprendizagem que tem como pressuposto a integração teoria-prática.
Nessa perspectiva, as experiências se identificam com o conceito aqui adotado para
inovação, pois estimulam os alunos a realizar uma leitura do campo profissional, exigindo
uma reconfiguração epistemológica. O conceito de conhecimento passa a ser compreendido
sob outras bases, afastando-se da tradicional formulação da ciência moderna, prescritiva,
generalizadora e compartimentada. Procura-se um conhecimento percebido como processo,
sempre em movimento. Deste modo, os professores e os alunos rompem com a visão de
ensino tradicional descrita por Cunha (1998).
97
Podemos perceber também que as professoras reconhecem que há formas e fontes
alternativas de produção de conhecimento, como indica a afirmação abaixo.
Então eu digo para eles: “Proponham, façam as suas propostas. Se você fosse o
nutricionista deste local como é que faria a atenção a esses pacientes?” E, assim, eu
os desafio o tempo todo, no estágio.
A professora vai mais longe, instigando o aluno a superar seus próprios limites, como
podemos observar na continuação de seu relato.
Instigo o aluno dizendo: “Propõe para o nutricionista e vê se você pode fazer assim”.
Então, ele já entra num outro espaço, que é fazer uma proposta e tentar ser aceito
naquela equipe. “Será que a equipe aceita uma nova proposta, a introdução de um
novo fazer?” Muitos trazem como resposta: “Sim, nos aceitaram. Sim, nos
elogiaram”. No final das contas, são contratados.
O reposicionamento dos alunos garante uma prática dinâmica, que exclui a
passividade do aprendiz, tornando-o protagonista do próprio aprendizado. À medida que o
aluno é convidado a comentar, ouvir, sugerir e criar, seu envolvimento é maior e rompe-se
com o ensino que pressupõe ser o professor a fonte única do conhecimento. Com demonstra a
professora:
Quando estudamos o leite, vamos ver como ele se modifica nas preparações. Então
eu pergunto: “Quando vocês fazem torta de limão e acrescentam suco de limão no
leite condensado, o que acontece? Por que foi engrossando?” E por que eu preciso
acrescentar gelatina no suco de morango com leite condensado?”
As professoras parecem ampliar as dimensões da aprendizagem, destacando as
repercussões das experiências prévias sobre a assimilação do conhecimento novo e
ressaltando duas condições para a (re) construção de significado: um conteúdo potencialmente
significativo e uma atitude favorável para aprender significativamente, o que confirma o
pensamento de Lima (2005), para quem “uma aprendizagem significativa requer do aprendiz
uma postura pró-ativa que favoreça o estabelecimento de relações entre o novo e os elementos
já presentes em sua estrutura cogniscitiva” (p.374).
98
Nas experiências relatadas, percebem-se as condições para a ruptura quando as
docentes possibilitam a organização de ambientes de aprendizagem que sejam mediadores dos
processos de apropriação, discussão, análise e produção de conhecimento. As atividades, ao
possibilitarem que os alunos alcancem um outro nível de apropriação do conhecimento, ao
assumirem novos significados e ao propiciarem inter-relações com o cotidiano, em diferentes
espaços sociais, evidenciam a configuração de movimentos de reflexão, crítica e proposições
de caminhos.
Então, aprendemos a diferença entre folato e ácido fólico. Eu, por exemplo, também
não sabia, mas o grupo detectou que o folato é natural do alimento, e o acido fólico é
sintético. E isto é coisa que todo mundo usa errado. A gente usa como sinônimo. E
aí você vai ver que lá no suplemento não está escrito que é acido fólico. E nas
tabelas não está acido fólico, está folato. Então, são criadas condições para que haja
uma atualização mínima, para que haja o aprendizado de informações novas.
Sempre questiono um pouco mais. “Tem alguma história sobre temperos que vocês
conhecem? De que colonização é a região de vocês? Essa colonização trabalha com
algum tipo de tempero especifico? É de origem italiana? Então usa mais sálvia e
alecrim. Ou é de colonização alemã e usa mais erva doce e hortelã? Ou é árabe?”
Questiono um pouquinho, e eles, às vezes, vão um pouco mais atrás de quais são os
temperos mais utilizados. Nem sempre chegam a buscar o conhecimento que eu
quero, mas é interessante porque eles sempre trazem novidades em relação a isso.
Acho que, despertam para buscar coisas de fora, não só aquilo que está na sala de
aula.
Nessa posição, percebe-se a valorização do conhecimento do senso comum e como
ele pode ser o ponto de partida para a reflexão teórica. Nesse sentido, acontece a ruptura com
as formas acadêmicas de entender e produzir o conhecimento, o que ajuda os alunos a
reconhecerem que as verdades científicas são produções relativas a um espaço, a um tempo e,
portanto, devem ser reelaboradas e partilhadas, emergindo do diálogo com a realidade, e
buscando na prática o conhecimento interdisciplinar, o que é corroborado por Gimeno
Sacristán (1998), para quem os efeitos educativos não se derivam linear e diretamente dos
currículos que os professores e alunos desenvolvem. Para ele, o trabalho de professores e
alunos no desenvolvimento do currículo está mediatizado pelas formas de trabalhá-lo, porque
a mediação é que condiciona a qualidade da experiência. Nesse caso, a professora, ao relatar
sua experiência, demonstra a intenção de mediar formas distintas de conhecimentos e desses
conhecimentos com a cultura dos estudantes.
99
Por outro lado, as professoras, ao elegerem metodologias interativas, como projeto
de ação e pesquisa, a partir da sala de aula, possibilitam a construção de habilidades
intelectuais complexas, que incluem o prazer e o entusiasmo como elementos-chave de
recuperação de subjetividade. Nestas experiências, instala-se, com efetividade, a categoria de
mediação, conforme afirma Cunha (2005), pois observamos que o professor exerce um papel
fundamental, fazendo a mediação entre o mundo acadêmico e o campo profissional, entre a
objetividade do conhecimento técnico e a subjetividade do olhar seletivo de cada aluno, entre
saberes teóricos e o mundo real.
Como podemos observar, ao analisarmos o relato de uma das professoras, há,
também um uso da relatividade do conhecimento e do dinamismo que ele inclui.
Não há um conteúdo fixo a ser seguido. O conteúdo está na disciplina, mas não há
uma ordem. A gente não tem que seguir uma ordem, pois não é possível seguí-la. É
possível mexer no conteúdo, conforme for necessário. O único inconveniente é que
tem que se estar sempre preparado com o material meio à mão para responder ao
aluno. Hoje eu trabalho com as hortaliças, então trago todas as substâncias que dão
coloração às hortaliças, falo da beterraba, das substâncias que elas contêm, como as
betalainas, as antocianinas, as antoxantinas. É, se o assunto é carne e o aluno
pergunta sobre o ferro da beterraba, se é bom para quem tem anemia, deve-se parar e
retomar o assunto da beterraba, para explicar e mostrar a diferença entre um e outro.
Observa-se, pelo depoimento acima, que a professora, ao perceber a necessidade de
alterar a organização do conteúdo, deixa transparecer uma outra perspectiva de ensinar e
aprender. O professor, na medida em que não se prende apenas ao conteúdo, estabelece novas
bases na relação pedagógica, transformando seu trabalho docente em um campo de
possibilidades de novos conhecimentos.
Essas vivências acadêmicas extrapolam a perspectiva dos papéis tradicionais de
ensinar e aprender. A professora possibilita que o aluno relacione a teoria com a prática,
estimulando à elaboração de um conhecimento próprio.
No processo de investigação, encontramos também indicadores para o
redimensionamento da forma tradicional de se trabalhar o erro, como podemos observar no
depoimento que se segue:
100
Fico ouvindo até o final, mesmo que os alunos estejam apresentando um trabalho
aquém do esperado. Depois, no grande grupo, eu pontuo algumas manifestações,
sobre algumas observações. Então, às vezes, eu constato que, para aquele grupo que
não alcançou os objetivos, ou que ficou aquém. Eu não preciso dizer isso. Eles
concluem no grande grupo e se manifestam, dizendo: “Nós não alcançamos. Eles
logo deduzem o porquê de eles não alcançarem. O fato de eles terem essa
oportunidade, eu acho fundamental. Muitas vezes eles pedem: “Podemos tentar mais
uma vez? Nós vamos tentar agora em outro local!”
Percebe-se que, nessa perspectiva, o erro passou a fazer parte do processo ensino-
aprendizagem, porque é trabalhado como parte da construção do conhecimento. Essa
condição “distensiona o aluno, o liberando para novas aventuras epistemológicas” (CUNHA,
2001a, p. 113).
Nesse sentido, a relação pedagógica não é percebida como um campo para
homogeneização, que oculta diferenças sociais, conflitos e contradições, mas como um campo
de identidade e diversidade.
Eu acho que o nosso aluno é um adolescente, um recém-adulto. Ele ainda precisa
muito de referências. A presença da gente é uma presença que marca, porque não
são poucas as horas que se está com eles. Procuro ter cuidado sobre o caráter, que é
fundamental, e a ética. Porque o teu comportamento, em qualquer situação, seja no
dia em que estás cansado, ou no dia em que chorastes, deve ser igual.
Esse depoimento revela, por parte da professora, uma percepção que imbrica o
conhecimento com a preocupação ética de formação e, nesse sentido, envolve subjetividade e
objetividade, negando a dicotomia entre essas duas dimensões. É interessante, entretanto,
notar que, apesar dessa percepção, a professora ainda nega, de alguma forma, a idéia do
professor como pessoa que carrega consigo suas emoções. Certamente, essa condição é
resquício da imagem que ela construiu da função docente, como destituída de fragilidades.
A professora também argumenta:
Eu acho fundamental o vínculo que se cria entre professor e aluno. Se não há um
bom vínculo com o aluno, o aprendizado não é bom. Aquele aluno que é mais
arredio também não constrói um bom conhecimento na tua área, na tua disciplina.
Eu noto que essa empatia também se constrói, conquistando os alunos.
101
Novamente, se faz presente a dimensão do afeto e do reconhecimento do mesmo
como importantes no processo de ensinar e aprender. A professora constrói o movimento de
singularidade, reconhecendo as dificuldades dos sujeitos, o que também sinaliza uma visão de
educação e conhecimento.
Eu mostrava o quanto a nossa biblioteca tem coisas maravilhosas, que nenhuma
outra biblioteca aqui tem. Há revistas riquíssimas, o top da nutrição internacional.
Então, eu pegava uma revista e fazia-os lerem. E dizia: “Lê esse título!”. Fazia
reconhecerem o título. Depois do susto, eles verificavam que o inglês não é um
bicho-de-sete-cabeças. Então, eles diziam: “Ah! Estou compreendendo. Não é sobre
folato e gestação?” E eu dizia: “Você está lendo!” Acho que isso é algo que tem que
ser feito. É preciso criar condições para que a disciplina não vire mais um crédito
que eles simplesmente têm de fazer para cumprirem o que está estabelecido na
grade.
A professora, nesse depoimento, sinaliza que acreditar na capacidade de aprender do
aluno é chave para o seu desenvolvimento.
Para Veiga, Resende e Fonseca. (2000), a unicidade de ensinar, aprender e pesquisar
está caracterizada pela relação dialética do papel de orientador e diretivo do professor e a
auto-atividade do aluno. Nessa unicidade, portanto, há tensões e conflitos, como podemos
observar no depoimento da professora, quando ela afirma: Eles têm um certo medo. Eu digo
para eles, se não quiserem saber aquilo é melhor eles reverem a sua opção profissional, eles
têm que rever se querem ser nutricionistas, mesmo! Eu meio que pego pesado, meio forte!
Essa afirmação, porém, no contexto da narrativa da professora, pode ser entendida
como uma estratégia que faz os alunos reagirem, assumindo-se como sujeitos de seus
processos de formação.
Investigar os processos de ensinar e aprender que se realizam no Curso de Nutrição
fez-nos compreender, como Cunha (2001a) que a “forma como se transmite o conhecimento
pode ter mais significado do que o próprio conhecimento” (p.105). Para a autora, inspirada em
Bernstein, “não são os conteúdos ou as informações que carregam as relações sociais que
geram a reprodução social ou cultural, mas a forma de transmissão, entendida como a teia de
relações de poder e de subjetividade que as permeiam” (CUNHA, 2001a, p. 105).
102
Ruiz-Moreno et al. (2005), afirma que
as práticas formativas em saúde, ao comprometerem-se com a criação de
aprendizagens que favoreçam o contato dos sujeitos com suas próprias histórias e
com as histórias dos outros, podem ser espaços educativos orientados para a
construção da autoria e autonomia (p. 201).
Para os autores,
as práticas pedagógicas são enriquecidas e se tornam produtivas quando demandas,
desejos, dúvidas e questões, que emergem do grupo de alunos, encontram
acolhimento e intencionalidade de serem tomadas como ponto de partida para o
delicado e complexo ato de aprender (RUIZ-MORENO et al., 2005, p.202).
Foi possível perceber que as atividades consideradas pelos alunos como
significativas na sua formação, independente do lugar em que acontecem e dos objetivos
estabelecidos no desenho da estrutura curricular, se concretizam metodologicamente nas
ações de ensino-aprendizagem que ocorrem na sala de aula, afetando, de alguma maneira, a
articulação teoria-prática, considerada como processo genuíno de ensino aprendizagem,
revelando que os elementos que constituem a prática cotidiana desses professores incluem,
mesmo que instintivamente, a dimensão do prazer (CUNHA, 2001a, p.105). Todos eles
mencionam a satisfação e a gratificação que está presente em suas docências. Essa condição
reforça a perspectiva de Rios (2002), quando afirma que a qualidade em educação se dá
quando se faz bem nossa missão e quando ela também faz bem a nós.
As experiências relatadas pelas professoras transparecem as relações de afeto que
existem em seu trabalho. E essa parece ser uma referência para o diálogo com o conhecimento
e com seus alunos.
103
6.4 AS CONCEPÇÕES E CONDIÇÕES DA INOVAÇÃO
A inovação das escolas e dos professores é uma autêntica aventura, uma
viagem apaixonante marcada de dificuldades, paradoxos e contradições, mas
também de possibilidades e satisfações (CARBONELL
38
).
Ao analisarmos as práticas de inovação, percebe-se que há algo em aberto, capaz de
múltiplas formas e significados, associadas com o contexto no qual se inserem e são
produzidas.
Algumas professoras, quando informadas que haviam sido indicadas pelos alunos
como aquelas que protagonizaram experiências significativas de aprendizagem, se
surpreenderam. Uma delas respondeu: Que bom! Espero que as lembranças sejam boas.
Entretanto, elas não tiveram dificuldade em identificar que significado de suas práticas foi
referência para os seus alunos, como destacam os depoimentos abaixo.
No estágio eu procuro fazer com que o aluno consiga desenvolver seu potencial de
nutricionista da área clinica, de forma um pouco mais independente do que a rotina
que o local tem.
Eu não deixei essa disciplina [Seminário II] tornar-se uma disciplina desestimulante.
Os alunos é que apresentam seminários, mas eu sempre complementei muito com a
minha experiência. Assim, os alunos, em seminário, aprendiam muito com todo o
tema. Eu contava um caso, uma história. Então, você cria condições para o
aprendizado.
Eu acho relevante a vivência, quando os alunos começam a exercitar a prática. Eles
vêm com o conteúdo da teoria das disciplinas do eixo da vida, e daí no Estágio II
têm a oportunidade de exercitar isso.
Acho que isto tem a ver não só com a disciplina, mas também com o tipo de
recepção que eles têm nesta disciplina. Eu tenho o cuidado de, na primeira aula,
fazer uma revisão, tentado colocar para o aluno tudo que ele pode indagar a respeito
da nutrição.
Ao serem questionadas sobre o conceito de inovação, as professoras não tiveram
dificuldades para dar suas respostas. No entanto, uma delas não reconheceu sua ação como
38
A aventura de inovar: a mudança na escola. Jaume Carbonell. Artmed, 2002
104
tal, dizendo “É uma coisa muito diferente do que eu faço. Eu acho que inovação é outra
coisa, não é isto aí!”.
Nesse depoimento, observa-se certa dissociação entre o que o professor faz e suas
representações de inovação, como se fossem pólos antagônicos, com interesses diferentes:
Não me considero inovadora. Em primeiro lugar, não sou uma pesquisadora. Um
pesquisador é alguém muito inovador, eu acho que isso me falta, pois não sou uma
pesquisadora.
Ao ligar a percepção de inovação com a condição de pesquisador, o professor revela
um certo sentimento de deslegitimação, pelo fato de não se incluir nessa categoria. Deixa
transparecer seu sentimento de desautorização. Provavelmente, essa visão venha dos valores
do campo científico em que atua, em que o novo é indicador do inédito, prevendo um produto.
Essa professora não incluí a inovação como processo e não percebe com clareza os
pressupostos dessas práticas nas atividades de ensinar e aprender.
Outras de nossas interlocutoras manifestaram suas concepções sobre inovação
revelando percepções distintas, como podemos verificar nos relatos abaixo.
Tem que ter muita ousadia (...) Inovar é alguma coisa muito acima desse patamar
que a gente trabalha.
Criar oportunidades, isto é inovação.
Uma maneira de trabalhar nova. Tu podes mudar a técnica, podes fazer diferente. A
inovação pedagógica é conseguires fazer a mesma coisa de maneira diferente, para
que o aluno entenda melhor. E, para mim, a inovação pedagógica é conseguir chegar
ao mais próximo do que eles têm [recursos]. Então, eu acho que tentar colocar essa
condição junto as práticas seria uma inovação pedagógica. Um fazer diferente a
mesma coisa.
Inovação... é uma maneira nova de fazer as coisas. Eu acho que se inova um
pouquinho quando se vai ao encontro das necessidades do aluno. Isso é uma
inovação.
A característica comum que aproxima os depoimentos é a necessidade da ousadia de
inovar, mesmo que o significado dessa ousadia seja diferente entre as respondentes.
105
Leite (2005) afirma que uma inovação educativa ou pedagógica é
um processo descontínuo de rompimento com os paradigmas tradicionais vigentes
na educação, no ensino-aprendizagem e na avaliação, ou como uma transição para
um modo de ver e fazer ciências e produzir conhecimento onde aconteceria uma
reconfiguração de saberes e poderes (p.26).
O que se percebe é que há pouca reflexão sobre os processos de inovação como
ruptura paradigmática entre os professores, o que dispersa, em certo nível, a sustentação
teórica de seus conceitos. Mesmo assim, apreende-se, em seus depoimentos, indícios das
características inovadoras que sustentam esse estudo. O que falta, parece ser a reflexão com
bases teóricas que ajudem as professoras a sistematizar os processos pedagógicos que
realizam.
O conceito de inovação definido pelas professoras se identifica também com a idéia
da prática reflexiva, envolvendo a perspectiva da produção do conhecimento, incorporando,
inclusive, dimensões afetivas que compõem as atitudes inovadoras. Nessa perspectiva, a
experiência inovadora acontece quando se instala uma cumplicidade entre o professor e os
estudantes, provocando não apenas uma ruptura epistemológica, mas exigindo uma
imbricação com a dimensão existencial.
Os vínculos que são construídos no cotidiano das experiências demonstram atitudes
afetivas e de respeito, como podemos observar no que manifestam.
Tenho um respeito muito grande pelas limitações de cada um, ou de cada grupo que
está fazendo o trabalho. Há grupos que vão além e há outros que ficam aquém, e na
hora do fechamento, a discussão final, é preciso ter muito cuidado para não excluir
aqueles que não alcançaram os objetivos com a mesma intensidade.
Tu tens que formar a pessoa, mostrar para ela que aquilo que aprende atrás de uma
cadeira não é tudo. Aquilo é o básico. Ela deve ir além: tem que ser uma pessoa que
saiba não só ouvir, mas também criticar. Essa é uma formação que ela tem que ter e
levar adiante, e pensar de que maneira vai agir em relação àquele conhecimento. Ela
levará isso para sociedade onde vai atuar. Como ela vai agir com aquele
conhecimento? Vai passar adiante ou não vai? Tem que ser crítica!
106
As (re)significações conseguidas nas relações dessas professoras com seus alunos
(re)valorizam a dimensão da subjetividade e se contrapõem à objetividade imposta pelo
paradigma da ciência moderna, e resultam não somente na melhoria do desempenho de seus
alunos, ma também na percepção que os mesmos constroem do mundo e da sociedade.
Os alunos não estão prontos, e muitos estão querendo saber mais, e tu não podes
aceitar o que eles trazem como revolvido. Então, sempre é preciso buscar mais.
Mostrando para eles que na história pode haver mais que um caminho. Pode ser
maior. Que é possível explorar mais. Acho que isto tem muito no HPV, de poder
saber a história da mãe, como ela vive. Que o prontuário, não se trata só da foto que
eles estão vendo naquele momento, pois aquela foto tem toda uma história de vida.
A aprendizagem parece que passa a ser significativa quando envolve o aluno em um
processo interpretativo do mundo entrelaçado por símbolos, que expressa uma construção
social e cultural da história, compreendendo as relações que se estabelecem com o seu mundo
e a apropriação de experiências e conhecimentos dos e sobre os indivíduos, podendo refletir e
tomar decisões sobre suas ações.
Nos primeiros dias eles não conseguem chegar à mãe na maternidade. Eles têm
medo de chegar, de conversar. E depois, quando conseguem, vão ver que sabem
orientar, sabem ensinar a mãe a pegar o bebê, e eles vêem a mãe tirar o leite e dar de
copinho. Então, se apossa do conhecimento do cuidado. Acho que é esse o grande
diferencial.
O trabalho desenvolvido pelos professores e alunos se constitui em um espaço
prático de produção, de transformação e de mobilização de saberes. A aula passa a ser não
apenas uma expressão do pensar a ação e do agir, mas constitui também “a construção do
novo senso comum que surge da própria ação e que transforma essa aula em um ato de
solidariedade, de participação e de prazer” (VEIGA, 2004 p. 149).
Acho que magistério é gosto! O professor tem que vibrar com cada nova descoberta
do aluno. Quando eu penso que já cansei de ser essa professora, me vejo de novo no
momento em que esqueci do tempo, da hora, esqueci o período, esqueci se chove ou
não lá fora E estou indo junto, descobrindo junto com meu aluno. Estou vibrando
com uma descoberta que ele fez. É o impulso maior que te realimenta e abre outras
possibilidades.
107
Nessa perspectiva, se evidencia outra dimensão importante na inovação, já apontada
por Cunha em seus trabalhos, que é o entusiasmo do professor na construção do seu fazer em
sala de aula. Uma das professoras justifica a sua prática, afirmando: Eu acho que, porque eu
gosto do que eu faço, para mim é uma atividade leve. Eu posso ter muitas horas de trabalho,
mas eu não me canso. Dá prazer, acho que é uma coisa muito boa. Para outra, além do gosto,
o tempo na atividade também é um indicativo. O gosto pela profissão, o prazer, a seriedade e
o comprometimento ajudam, sem dúvida, mas a maturidade ajuda bastante. Tu aumentas o
grau de paciência, ficas mais complacente com as coisas.
No entanto, para alcançar esse patamar, há dificuldades e desafios apontados pelos
docentes para a realização de seu trabalho, que interferem profundamente no cotidiano da sala
de aula, construído na heterogeneidade. Afirmam elas que alguns alunos são resistentes às
suas proposições: Eu noto que alguns alunos não respondem (...). Eles não querem nada com
nada. Há alunos que não conseguem responder adequadamente. Isso não é para qualquer
aluno. Para outra professora, o sentimento de frustração se instala no momento em que seus
objetivos não são alcançados, produzindo nela o desejo ou não de continuar trabalhando com
a disciplina: Eu não gostava muito de dar seminário, porque quando via aquela coisa que os
alunos não foram atrás, que não fizeram o papel que tinham que fazer, me dava uma
frustração. Os professores, ao analisarem, problematizarem, compreenderem suas práticas
pedagógicas, demonstrando os sentimentos em relação a sua ação, revelam-se também
sujeitos de conhecimento, pois constroem suas identidades a partir das diferenças sociais, dos
conflitos e contradições e dos desafios. Aprendem também que sua ação tem limites e que são
dependentes de outros fatores que interferem na prática pedagógica que protagonizam.
Esse fato, entretanto, não os faz esmorecer. Não é suficientemente corrosivo de suas
crenças e esperanças. E, provavelmente, essa é a condição que os faz persistir.
Para dar significado às aprendizagens dos alunos, é preciso que o docente encontre
sentido para a sua missão. Talvez essa seja a condição de ousadia, necessária à inovação.
108
6.5 SABERES E CONSTRUÇÃO
O nosso sistema social encontra-se integralmente em cada um dos nossos
atos, em cada um dos nossos sonhos, delírios, obras, comportamentos. E a história
deste sistema está contida por inteiro na história da nossa vida individual.
(FERRAROTTI, 1988, p. 26)
39
A trajetória das professoras é constituída por etapas que vão se sucedendo ao longo
de suas vidas, simbolizando a explicitação temporal da mesma. Ela envolve um intricado
processo que é construído permanentemente, englobando fases da vida e da profissão dos
docentes. Misturam-se experiências e contextos que criam representações sobre a
profssionalidade que desenvolvem.
Quando eu cheguei aqui, nada entendi. Para mim era uma coisa muito diferente
daquilo que eu vivenciei. Isto eu tenho que te dizer por que é verdade. Eu saí de uma
estrutura completamente diferente de currículo. Dei aula durante 15 anos na
PUCCAMP, e lá haviam estruturas diferentes, pois as turmas acompanhavam o ano.
Então, eu realmente acho que me perdi um pouco, no início, com o conteúdo como
eu dava, porque o tempo era diferente. Eu estava acostumada com turmas inteiras,
tinha a turma do 1º, a 2º e a do 3º ano. Aqui a gente não tem turma, os alunos são
dinâmicos, as salas são dinâmicas. Então, quando eu cheguei aqui, isso me
embaralhou, mas agora já me acostumei. Aliás, estou adaptadissíma!
Os saberes da prática docente são constituídos na própria prática. Essa condição é
mais acentuada quando se refere aos professores de ensino superior, pois esse “professor se
constitui, historicamente, tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no
mundo do trabalho” (CUNHA, 2004a, p. 526), que é aquela que consistiu na sua opção de
formação. O exercício do magistério aconteceu posteriormente, em geral como decorrência da
inserção no campo específico de trabalho.
Para Tardif e Raymond (2000), quando uma pessoa ensina há algum tempo “ela não
faz simplesmente a mesma coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma” (p.210). Para os
autores, o professor constrói sua identidade carregando as marcas de sua atividade, e uma boa
39
FERRAROTTI, Franco. Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, António; FINGER, Matthias
(Orgs.) O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde. Depart. de Recursos Humanos da
Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988. p. 17-34.
109
parte de sua existência é caracterizada por sua atuação profissional. Os professores, quando
questionados sobre seus saberes, valorizaram a prática cotidiana da profissão inicial,
reconhecendo-a como referência da sua atuação na universidade.
Eu sempre trabalho em sala de aula aquilo que vivi na prática. Eu nunca fui só
professora! Então, quando fui dar aula pela primeira vez, em 85, já estava a dois
anos nos ambulatórios de pediatria, visitando creches, fazendo pesquisa na Escola
Pública de Medicina. Já estava vivenciando a prática da nutrição por isso fui dar
aula. Minhas dissertações foram naquilo que eu dou aula. Então, acho que ter
vivenciado a prática e adquirido o conhecimento teórico extremamente embasado
me fez o que eu sou hoje.
Outras das nossas respondentes acrescentaram:
Um pouco da trajetória eu fui construindo. Eu trabalho com estagiário desde o meu
segundo semestre de LBA. Eu já era nutricionista e já pedia estagiário. Toda a
minha vida profissional, eu trabalhei com aluno. Antes de ser docente, trabalhei com
aluno estagiário. O aluno te obriga a ir buscando, porque ele está sempre te
cobrando.
Ou,
É claro que ter tido um pouco de experiência, ter trabalhado na área de alimentação
facilita. Porque eu falo como eram as minhas técnicas, quando eu trabalhava em
produção, ou quando trabalhava em clínica. Digo o que fazia e aí consigo chamar
atenção para o conhecimento da Técnica Dietética. Então, tu também exemplifica
com a prática. É uma construção.
Tardif e Raymond (2000) vinculam o saber ao trabalho docente, a seus
condicionamentos e a seu contexto e assinalam que o saber não é apenas uma atividade
cognitiva, mas também social, sendo construído pelo indivíduo e pelo coletivo que o
incorpora à sua prática diária. Portanto, não pode ser estudado fora de seu contexto. As
decisões pedagógicas são demarcadas pela intensidade e extensão com que os saberes
docentes são elaborados e sistematizados. O docente, ao decidir sua ação pedagógica, aciona
domínios da ordem dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes, intermediadas pelo
contexto significativo que o identifica, antes de tudo como indivíduo.
110
Cunha (2004a) destaca também que a formação dos professores universitários foi
fortemente influenciada pela concepção epistemológica dominante, própria da ciência
moderna, em que o valor dado ao conteúdo específico era significativamente maior do que ao
conhecimento pedagógico e das humanidades. Essa concepção ainda é fortemente observada
nas entrevistas. Para uma das professoras, a sua habilidade está no domínio do conteúdo. Diz:
Eu construí assim, estudando muito, muito, muito aquilo que eu dava em sala de aula”.
A preocupação com o conteúdo e a sua atualização também está presente em outros
depoimentos, quando é mencionado o planejamento das aulas.
Não faço proposta de alguma coisa em que eu não tenha alguma vivência, algum
domínio, para poder participar de todo o processo com os alunos. Essa é uma
condição; eu nunca proponho alguma prática que não domine, ou alguma coisa sobre
a qual eu não tenha a menor noção.
Ou,
Eu acho que é preciso ter um certo domínio sobre a supervisão que se está fazendo,
para poder, avaliar e sugerir. Se eu não tivesse base teórica, se eu não tivesse
conhecimento, se eu não lesse sobre os assuntos da área, se eu não conseguisse
discutir, eu só ia concordar.
O contexto significativo faz parte do universo dos saberes e alavanca processos
educativos, determinando, na prática, a competência profissional como arranjo de uma arte
específica que identifica um ofício. Desse modo, pode-se relacionar esses conhecimentos aos
saberes experenciais descritos por Tardif (2002) que nascem da prática e a ela se incorporam.
As professoras entrevistadas construíram suas trajetórias como docentes acreditando na
existência desses saberes oriundos da própria prática, dificultando, em muitos casos, a
consciência da importância dos processos de mediação pedagógica para a formação dos
futuros profissionais.
Nestas condições, os conhecimentos pedagógicos são relegados ao segundo plano.
Leio de tudo um pouco. Da área de nutrição, leio muitos artigos. Sobre educação,
111
especificamente, eu não li. No entanto, a desqualificação da pedagogia universitária se
estabelece também pela sua condição instrumental, na perspectiva da racionalidade técnica.
Tive um pouco dessa teoria na época do mestrado. Ajudou, mas acho que depende
mais de mim. Acredito que a teoria ajuda, mas acho que tem um pouco que é da
gente. Só teoria, sem gente, não resolve, acho que é preciso pegar e transformar.
Ao mesmo tempo, as professoras demonstram a necessidade de um espaço para
discutir suas atividades, proporcionando a construção do novo.
Eu acho que se pudéssemos discutir mais, seria bom. Eu estou falando por mim.
Como professora, eu me sinto um pouco insegura para me desligar de todos os
padrões que até então deram certo. Padrões de aula, de ação. E, então, vamos
desconstruir tudo. Vamos inventar uma coisa nova. Fico me perguntando: será que
eu conseguirei, com outra forma de trabalhar, fazer todas as abordagens que eu faço?
Será que não levaria muito tempo? Será que eu teria respostas? Então, eu acho que é
uma coisa assim que a gente teria que fazer experimental: “x” horas dessa disciplina,
vou dedicar a fazer uma reconstrução do ensinar, do aprender e do avaliar; tanto por
cento da minha disciplina eu vou dedicar a essa atividade Não precisa ser toda ela; e
a gente poderia socializar com os colegas.
É interessante perceber, por esse depoimento, a tensão que se instala no cotidiano da
professora, entre ousar, rumo à mudança, e manter os “padrões” (grifo nosso) que lhe sugerem
segurança. Manifesta ela uma certa desacomodação com o seu trabalho, mas não se anima a
uma ruptura sozinha. Sugere a partilha, a experiência, a pesquisa da própria prática como
alternativas.
Para a professora, a idéia de envolver os demais professores, para pensar sobre o
fazer pedagógico passa, necessariamente, pelo apoio pedagógico. Para ela, o assessoramento
dado pelo Núcleo de Acompanhamento Pedagógico (NAP), que a universidade oferecia,
proporcionou experiências positivas. Demonstrando inquietação, com o término desta
proposta, ainda afirma:
Acho que com o Núcleo Pedagógico era melhor. Ele foi útil. Eu sempre gostei muito
dos núcleos pedagógicos; são pessoas que só trabalham com isto e têm uma
qualificação e um referencial para nos passar e nos ajudar.
112
Corrobora com o que Broilo (2004) constatou em sua pesquisa, destacando que “é
possível afirmar que a ação pedagógica na Universidade, numa forma de atuação investigativa
e numa dimensão de construção coletiva, deve ser garantida junto aos professores com vistas
à qualificação de sua prática em sala de aula” (p. 240).
As crenças e concepções teóricas implícitas que os professores têm acerca de seu
fazer pedagógico podem sinalizar a maneira como eles processam as informações e como
percebem as formas de intervenção didática, sendo marcos de referência para sua prática.
Resgatam a importância de considerar o professor como artífice de sua própria
formação, num processo de autoformação, de reelaboração dos saberes iniciais, em confronto
com a prática vivenciada. Assim, seus saberes vão se constituindo a partir de uma reflexão na
e sobre a prática. Essa tendência reflexiva vem se apresentando como um novo paradigma na
formação de professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e
profissional dos professores e das instituições.
Tardif (2002) refere ainda que a construção dos saberes ligados ao trabalho é
temporal, pois são construídos e dominados progressivamente durante um período de
aprendizagem variável. Para o autor (p. 261), “os primeiros anos de prática profissional são
decisivos na aquisição do sentimento de competência e no estabelecimento de rotinas de
trabalho”. Portanto, para a construção desses saberes, há exigências de tempo, prática,
experiência, hábito, como se pode perceber no depoimento aqui analisado.
Eu me tornei professora muito cedo e dois anos depois de formada eu já estava em
uma sala de aula. Então, fui mudando à medida que ganhava experiência. E aquela
insegurança foi passando e fui criando um estilo (...).
A base da construção das representações sociais oferece elementos altamente
pertinentes para a identificação dos núcleos conceituais em que se apóiam as representações
que os docentes têm acerca da ação docente e de sua prática. No entanto, nem sempre tomam
consciência desses atravessamentos e percebem que a natureza do seu discurso pedagógico
está, essencialmente, na sua cultura, como podemos observar na continuação do depoimento
da professora.
113
[...] um estilo próprio de dar aula. Um estilo que hoje eu identifico muito bem.
Reconheço alguns defeitos, mas realmente não quero mudar esse estilo. Sei que
poderia mudar, mas não sei se quero ser diferente, porque foi um estilo construído
na experiência. É meu estilo de dar aula. Criei, assim, um estilo de exigência.
Tardif (2002) reforça ainda que os saberes profissionais dos professores também são
plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, conhecimentos e manifestações do
saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados, provenientes de fontes variadas” (p.213).
Na definição das experiências que são formadoras do professor dentro da
universidade, devemos considerar que estas não se referem apenas ao tempo e às experiências
individuais vividas por cada um. A sua experiência profissional é mais ampla e se constitui
nas instâncias formais de interação existentes na universidade e nos mecanismos oferecidos
ao professor para seu crescimento profissional, no cotejamento com os demais docentes.
Nesse pressuposto, verificamos que há obstáculos a serem transpostos, em termos
dos espaços e do tempo disponibilizados para a ocorrência de interações e de trocas entre os
professores, de compartilhamento de experiências, de planejamento em equipe, de
envolvimento na construção e manutenção do projeto pedagógico do Curso, conforme
manifestações por nós percebidas.
A gente se encontra pouco! A gente quase não se encontra (...).
A gente não está fazendo isto! A professora com quem eu trabalho muito é a de
Seminário II, mas nunca falei com a de Seminário I e a de Seminário III. Na
verdade, eu soube do que uma professora fazia, e eu achei bárbaro, pois ela sorteava
alunos para apresentação de trabalhos. Eu copiei dela, isto foi bárbaro! Nem foi ela
que me disse, eu fiquei sabendo pelos alunos que isso acontecia. Aí, eu achei muito
interessante, mas nunca conversei com ela, até porque o tempo foi passando,
passando... O ideal seria a gente conversar. Aliás, eu estou sentindo falta de
conversar com os professores que estão ligados à minha disciplina. Eu acho que
deveria ter reuniões, reuniões pequenas de professores afins. Isso seria fundamental!
Eu não socializo muito, até porque nunca tive problemas maiores. Eu acho que a
gente discute bastante, mais informalmente, e não formalmente; principalmente por
nossa característica aqui, com a qual acho que a gente se acostumou.
Sempre converso com as pessoas mais próximas da minha disciplina, mas não em
reuniões formais. Há encontros na sala dos professores, em alguns horários, dentro
da universidade.
114
O que se percebe nesses depoimentos é a falta de um projeto institucional que crie e
garanta as condições de diálogo entre os docentes como forma de articulação curricular. Há
uma certa carência de partilha e de espaços de reflexão sobre a prática que desenvolvem,
empobrecendo a possibilidade de qualificar a prática pedagógica e a própria formação dos
professores.
A experiência é desperdiçada, como destaca Souza Santos (2002) pela
impossibilidade de torná-la objeto de estudo e ponto de partida para a mudança.
Se as experiências consideradas significativas pelos alunos, captadas nessa pesquisa,
fossem objetos de atenção pedagógica, a análise de suas características e condições poderiam
fazer avançar o conhecimento sobre os processos de ensinar e aprender que acontecem no
espaço universitário. Ao mesmo tempo, fundamentariam os saberes empíricos dos professores
e, assim, contribuiriam com seu processo de profissionalização.
6.5.1 Como os professores constroem seus saberes?
Conto o passado –– o passado de que foi contemporânea aquela que fui –
– conhecendo-lhe o futuro; portanto, na verdade, reconstruo-o em função desse
futuro, que é o meu presente de hoje (SOARES, 2001)
40
.
Para Tardif e Raymond (2000), os saberes docentes são produzidos através do
“processo de imersão dos indivíduos nos diversos mundos socializados (família, amigos,
escolas, etc) nos quais eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e
social” (p. 218). Para os autores, a construção da prática profissional dos professores está
alicerçada na socialização anterior à preparação profissional.
40
SOARES, Magda. (2001, p.41), no Memorial que elaborou com vistas ao concurso de Professor Titular da
Universidade Federal de Minas Gerais. In: VASCOCELOS, Geni. Amélia Nader (org.). Como me fiz professora.
Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
115
Os professores de nutrição chegam à docência sem terem, na sua grande maioria,
formação inicial para o magistério, e sua atividade é norteada pela experiência construída no
cotidiano, não só na reflexão sobre sua atividade como professores, mas também por
intermédio das vivências familiares, como podemos constatar.
A minha mãe foi professora. Então, eu gostava de brincar de ser professora e dava
aula para mim mesma desde pequena. É uma coisa muito antiga. Eu acho que tem
toda uma coisa que é tua. Me lembro que tinha que fazer Esquema 1, porque a
minha mãe queria.
Essa premissa é compartilhada por Zaccagnini:
En principio pensemos los primeros modelos pedagógicos que el
individuo aprehende durante la etapa de socialización primaria: los propios del
mundo familiar, los padres son sus primeros maestros. Luego, durante esa etapa
crucial en la vida humana que es la infancia, el individuo pasa a una segunda
instancia socializadora, extramuros del mundo familiar: la educación formal en el
ámbito de la escuela. El mundo escolar, anclándose en parte en los productos de la
socialización primaria, provee nuevos modelos pedagógicos que son internalizados
por el individuo ([s.d.], p. 4).
Para outra professora, a paixão justifica suas atividades: tu tens que gostar, tu tens
que ter um grande prazer.
Observa-se também, nessa professora, a busca em seus alunos, da relação afetiva que
tinha com as crianças no início de sua carreira docente.
Eu trabalhei no ensino primário e no ensino fundamental durante um tempo. Eu
devo ter trabalhado uns oito anos. A criança sempre tem aquela luz! Porque a
criança tem curiosidade. Isto, às vezes, quero ver no meu aluno aqui da
universidade. Quero ver o aluno instigante, aquilo que a criança tem!
No entanto, as professoras foram pródigas em lembrar pessoas que foram
importantes e contribuíram para sua formação como docentes, configurando como
determinantes em seus fazeres. Lembravam de pessoas e fatos que, durante a graduação,
especialização, e mesmo nos cursos anteriores, os influenciaram como docentes. Referiam-se
116
ao conhecimento que Tardif e Raymond (2000) chamam de saberes pré-profissionais, os quais
para além da educação formal, recebem a influência de conhecimentos que têm sua origem
em modelos de mestres e em suas histórias vividas como alunos.
Para Tardif (2002),
ao evocar qualidades desejáveis ou indesejáveis que quer encarnar ou evitar como
professor, ele se lembrará da personalidade marcante de uma professora do quinto
ano, de uma injustiça pessoal vivida na pré-escola ou das intermináveis equações
impostas pelo professor de química do segundo grau. A temporalidade estruturou,
portanto, a memorização de experiências educativas marcantes para a construção do
Eu profissional e se constitui no meio privilegiado para se chegar a isso (p. 67).
Essa construção, que nem sempre se baseia em experiências gratificantes, podem
repercutir, ora com reforço em uma atividade bem-orientada, ora em práticas que se reflitam
de maneira insatisfatória.
Eu tive uma dupla de professores que, graças a Deus, não me lembro mais do nome,
eram muitos diferentes na maneira de conduzir as aulas, mas até aí tudo bem! A
gente estava conseguindo ir, no ritmo de cada um, mas tinha um colega psicólogo
que, meu Deus, quanta dificuldade. A turma era unida. Andávamos no buteco da
universidade velha. Mas na última disciplina, chegaram esses dois professores. Acho
que era um casal. Os dois vieram e derrubaram o curso todo. Quando um fechava a
boca, o outro começava. Tudo que nós tínhamos aprendido e tudo havíamos
vivenciado era falácia. Na verdade, para eles nós não sabíamos nada! Depois
bateram o chapéu e foram embora, e encerraram o curso. Nós nos olhávamos e nos
perguntávamos: Será possível uma coisa dessas? Apesar deles terem feito isto acho
que tinham os seus propósitos. Na minha opinião, eles fizeram isto para que não
tivéssemos a sensação de terminalidade. Acho que rendeu frutos!
Para Zaccagnini ([s.d.]), a experiência do docente como sujeito da aprendizagem está
alinhada com a sua própria história como aluno, incorporando concepções acerca de como se
ensina e como se aprende. Também incluí o modo como se relacionam os diferentes atores
institucionais com o conhecimento e como estão determinadas as relações de poder.
O depoimento a seguir pode conter essa perspectiva. Aprende-se também pelo
enfrentamento que, muitas vezes, de forma autoritária, o professor determina ao aluno.
117
Eu tinha estudado um monte, e ele perguntou justamente sobre ecossistema, que não
estava no material. Então ele disse assim: lê o resto da bibliografia. Foi uma das
coisas que mais me marcou. Eu só não chorei de vergonha porque eu era muito
crescida. Eu senti não sei o quê, eu fiquei muito triste. Minha vontade de chorar era
de tristeza porque eu tinha estudado tudo, e ele dizia que eu não tinha estudado.
Como experiência inversa, uma das depoentes lembra sua professora de forma
significativa:
Eu me lembro, sim! Porque foi realmente um marco. Foi a Olga. Lembro porque foi
uma professora que se destacou no nosso curso, por ser uma das primeiras
nutricionistas a ter doutorado no Brasil, e quando ela veio dar aulas, já era doutora.
Trabalhava com pesquisas em ratos, não sei mais o quê. Eu me lembro muito da
Olga em sala de aula, pois ela foi uma pessoa que me marcou bastante. Ela era muito
exigente.
Continua a professora...
[...] a Olga nunca se envolveu muito não! Na verdade, a gente estudava em
Campinas e a Olga vinha, dava a sua aula e ia embora. Em sala de aula, eu me
lembro que ela chegava, eram os anos 70, com aquela “sainha” curta que se usava na
época, bem anos 70. O conteúdo que ela dava era para nós o mundo. Nós ficávamos
olhando de boca-aberta. Depois, eu fui fazer pesquisa com ela. Aí, é outra história,
porque eu fui trabalhar com ela. Fui pesquisar com ela! Lembro-me dela porque ela
tinha conhecimento, tinha mestrado, doutorado. Tinha conteúdo.
Os fatos importantes lembrados pela professora determinam, muitas vezes, suas
ações, como o fazer e o não fazer, e, ao narrar essa experiência, a professora toma consciência
de que sua ação docente era influenciada por esta relação.
Acho que, de repente, eu criei uma neurose! Talvez eu repita essa relação com meus
monitores; os alunos que fazem pesquisa comigo têm um vínculo fortíssimo
comigo! Eles me vêm como pessoa humana. Mas em sala de aula, eu não presto
muita atenção nos alunos, como eles estão, se estão bem ou não. Ás vezes eu até me
toco. Mas não sou de escutar muito e ficar perguntando: “e aí, como é que foi?
Vocês estão gostando?” Eu chego, entro na aula e plá, plá, plá [dar o conteúdo].
Esse depoimento revela que a personalização do saber profissional resulta em
práticas freqüentemente reprodutoras de papéis institucionalizados. De alguma forma, as
118
atitudes que admiramos nos professores que tivemos, tendem a marcar o nosso
comportamento.
Para Tardif e Raymond (2000), a estrutura temporal da consciência proporciona a
historicidade que define a situação de uma pessoa em sua vida cotidiana, atribuindo um
significado e uma direção à própria trajetória de vida.
Uma das entrevistadas mencionou uma professora que teve forte influência na sua
atividade docente e hoje é sua colega. Essa escolha se repetiu entre os alunos do curso de
graduação, na coleta dessa pesquisa.
Na graduação, a Elba foi uma professora que me chamou muito a atenção porque ela
falava em sala de aula sobre os conteúdos, mas questionava muito. Então, a gente
tinha que buscar informações. Por isso penso que aquilo que está em sala de aula é
um embasamento. É preciso ir atrás das coisas; para a tua construção é necessário
mais.
Evocar fatos e situações que adquiriram significado particular, guardados na
memória, pode ter um sentido para o momento atual. Como afirma Arroyo (2002), “o
reencontro com nossa memória nos leva ao reencontro com uma história que pensávamos (ou
desejávamos) não existir” (p. 17). Essas vivências condicionam, por vezes, as concepções de
docência que os professores apresentam. A ação docente apresenta componentes explícitos e
implícitos, bem como saberes advindos do conhecimento sistematicamente elaborado.
E
xpectativas, sentimentos e apreciações acompanham a linha da trajetória docente,
como podemos observar quando a professora justifica seu modo de agir: Eu sempre penso em
como eu gostaria que o professor fosse pra mim, em que ele acordasse para coisas que são
essenciais. Podemos ver nessa prática a procura de um saber-fazer melhor, transpassado pelos
traços culturais de sua vivência enquanto aluna. Para Nóvoa (1999), o momento em que o
professor julga e decide, a partir da análise de uma situação singular e com base nas suas
convicções pessoais, transforma-se numa dimensão central do processo de identidade,
passando a ser um elemento essencial para as determinações das práticas docentes.
119
Grillo e Lorenzen (2003) destacam que a falta de clareza sobre o significado da
docência e sobre o compromisso social do ensino tem sérias repercussões na construção das
teorias pessoais dos professores, podendo levá-los a equívocos conceituais, pela falta de uma
compreensão mais precisa dos processos de ensino e de aprendizagem e de uma teoria que
explique e justifique o que o professor faz o que faz em sala de aula.
Entretanto, o processo de formação que atribui significado à docência, certamente, se
constituirá a partir do resgate dos saberes pré-profissionais dos professores. Fazê-los refletir
sobre as representações que têm sobre a docência e a origem dessas construções é o ponto de
partida para um processo reflexivo de profissionalização. Essa perspectiva afasta-se da
racionalidade técnica e assume uma visão epistemológica que incluí as subjetividades
presentes nos sujeitos cultural e historicamente situados. Por outro lado, também desnaturaliza
a idéia de um padrão único de referência para o exercício da docência. Exige, nessa
concepção, um autoconhecimento e um processo consciente de opção por valores que
pautarão a condição de cada professor.
6.6 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: POSSIBILITANDO A CONSTRUÇÃO
DE PRÁTICAS INOVADORAS
A beleza é fundamental. É preciso que a escola tenha beleza, seja um
espaço educador, construído como um jardim, para criar as condições das novas
relações sociais e humanas, das novas relações interpessoais, relações sustentáveis.
(ALVES, 1998)
41
.
O cotidiano da universidade revela alternativas e escolhas, definidas nas relações
sociais. Elas não se isolam e podem ser identificadas pela diversidade, pela intencionalidade e
pela igualdade, dando ênfase aos processos participativos de tomada de decisões. Para Veiga
(2004), é importante conhecer o cotidiano acadêmico,
41
Rubem Alves. Folha de S. Paulo, 27 de maio de 1998.
120
primeiro porque sendo descrito, problematizado e compreendido, é possível repensá-
lo e propor um projeto pedagógico que possibilite sua reconfiguração. Segundo,
porque o cotidiano acadêmico, sendo desvelado e compreendido, propicia a tomada
de decisões coletivas e democráticas voltada para a melhoria da qualidade do ensino
(p. 145).
Na concepção da autora, quando se utiliza a palavra projeto está contida uma
intencionalidade, significando tanto o que é proposto para ser realizado quanto o que será
feito para atingí-lo. Nessa perspectiva, o projeto exige uma reflexão compartilhada de pontos
de partida e concepções iniciais.
Visto como algo que se constrói, a reflexão contribuí para a compreensão
das questões postas pela prática, indicando decisões, orientando caminhos. Visto
como resultado de um processo, o projeto é também o momento de sistematização e
apropriação do que foi realizado (VEIGA, 2004, p. 145)
Nesse sentido, quis ser este estudo um questionamento das articulações existentes
entre o projeto político-pedagógico do Curso (PPP) e as aprendizagens que ocorrem na sala de
aula, considerando que seu valor educativo reside, na flexibilidade e na contextualização dos
atos de ensinar e aprender.
Considerando que as trajetórias pessoais e profissionais são fatores definidores dos
modos de atuação do professor, revelando suas concepções sobre o seu fazer pedagógico,
percebe-se que sua experiência como professor não exprime somente o que ocorre com ele,
mas o que ele faz com aquilo que acontece, sua leitura e interpretação desses eventos. Nesse
pressuposto, é importante adicionar à experiência profissional ampla do professor suas
atitudes e percepções sobre as relações profissionais que se desenvolvem na universidade e
como estas estão inseridas no projeto político-pedagógico do curso.
A prática pedagógica é complexa, enquanto nela se expressam múltiplas idéias,
valores e usos pedagógicos. Gimeno Sacristán (1998) chama a atenção para o fato de que “se
o currículo é ponte entre a teoria e a ação, entre intenções ou projetos e realidade é preciso
analisar a estrutura da prática onde fica moldado” (p. 201), pois é na análise da prática
pedagógica que se manifestam os espaços de decisão autônoma dos seus destinatários:
professores e alunos. Assim, o currículo subsidiará, de uma forma mais próxima, a
121
compreensão da realidade imediata que o cerca e a reflexão da realidade, espelhando, desta
maneira, o compromisso de cada um para com a sociedade a que pertence.
Ao provocar nossos respondentes sobre o projeto do curso e suas percepções sobre
sua execução, algumas questões foram se evidenciando. Uma delas é expressa a seguir:
Acho que nosso curso, desde o momento em que trouxe mais pesquisadores, tem
tido uma diferença bem sensível. E a participação de nossos alunos que querem
pesquisar. Eles saem com essa característica inovadora. Acho que eles se desafiam e
seguem ponto a ponto, até que se descobrem. Eu vejo por ai!
Para outra professora, a pesquisa é também a grande impulsionadora da inovação do
projeto pedagógico, constatando que essa proposta efetivamente vem ocorrendo.
Acho que o Curso de Nutrição acabou colocando uma inovação [pesquisa],
exatamente porque não tinha antes. Os alunos agora têm mais pesquisa para realizar,
e isso não abre oportunidade só para um. É um volume mais continuo, vamos dizer
assim, não é uma coisa pontual.
Na perspectiva de Grillo e Lorenzen (2003), o professor pesquisador e produtor de
conhecimentos desenvolve uma prática capaz de conhecer e intervir na realidade, chamando
os alunos à participação, dialogando e debatendo com eles como iguais protagonistas nesse
processo. Essa condição se revela no depoimento exemplificado a seguir:
Acho que o nosso aluno está muito diferente. Apresenta um perfil muito mais
receptivo para esse tipo de trabalho. Mais receptivo para fazer o que nós precisamos
fazer. É a nossa formação. Não é uma coisa mecânica, só do tipo quero assistir aula,
quero fazer meus créditos, quero ganhar meus créditos e acabou. Eu sinto hoje o
aluno da UNISINOS, mais participante. Acho que todo esse período em que a gente
vem trabalhando com pesquisa, tem se falando isto: “olha é preciso diferenciar
porque se não, não vai ter diferenciação no campo”. E é necessário ter consistência,
porque, se não houver consistência, não vai.
O depoimento dos nossos respondentes nucleou a pesquisa como o referente mais
evidente de um projeto pedagógico que procurou fazer avançar uma proposta curricular mais
próxima da desejável. Essa constatação reforçou o empenho de incluir a dimensão da pesquisa
122
como elemento da qualificação dos alunos de graduação, registrando avanços que se
aproximam de uma visão epistemológica inovadora. A inserção da perspectiva investigativa
sinaliza um novo patamar metodológico que interfere no trato do conhecimento.
Entretanto, mesmo reconhecendo a importância desse avanço, não se constatou a
presença de outras dimensões que o projeto político-pedagógico vem propondo e enfatizando.
Caberá, portanto, questionar esses resultados e, quem sabe, torná-los uma indicação de que é
preciso retomar os demais propósitos presentes no PPP como objeto de reflexão com os
docentes.
É fundamental destacar que a estrutura da prática é justificada em parâmetros
institucionais, organizativos, tradições metodológicas. No entanto, são os atores no interior da
universidade que fazem da organização aquilo que ela é. Por isso, é importante compreender a
percepção que estes têm da sua atmosfera de trabalho, a fim de se conhecerem as
possibilidades reais dos professores e dos alunos, dos meios e condições físicas existentes,
analisando os aspectos que influenciam seu rendimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Gadotti (2000), ao se falar da educação na atualidade, é preciso fazer “um
balanço sobre práticas e teorias que atravessaram os tempos” (p.8), identificando as idéias, os
valores que perpassam as práticas educativas, caracterizando o presente e abrindo
possibilidades para o futuro. Para o autor, “os educadores, numa visão emancipadora, não só
transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam
pessoas” (Ibidem, p.9). Ao discutirmos a inovação em sala de aula universitária buscamos
compreender o seu funcionamento e sua função social, pois, como afirma Costa (2005),
a realidade é construída socialmente e o ser humano, ao dar significado a objetos,
situações e experiências, é que a constrói. O ser humano é o verdadeiro criador do
conhecimento e da realidade e, neste processo de construção, dá-se ênfase ao caráter
intencional desta tarefa. (p.151)
Esse estudo teve como eixo norteador as experiências de aprendizagens significativas
para os alunos, buscando compreender como os professores que protagonizaram essas
experiências constroem sua trajetória docente, identificando os elementos ou fatores que
podem ser considerados inovadores, a partir de uma perspectiva de ruptura com o paradigma
epistemológico dominante. Esse questionamento encaminhou a metodologia e procedimentos,
incluindo a coleta de dados, bem como sua análise.
A partir das reflexões que puderam ser extraídas dos dados, considerando a trajetória
percorrida e recompondo as partes fragmentadas pela análise, buscamos compreender em que
medida a inovação introduzida em sala de aula do Curso de Nutrição e desenvolvida no
124
contexto da Universidade deve ou não ser considerada significante (VEIGA; RESENDE;
FONSECA, 2000, p.173) e em que grau se aproxima das categorias que foram tomadas como
referentes neste estudo.
Ao analisar as experiências, fomos percebendo os indicadores da concepção de
conhecimento que as presidia e constatamos alguns rompimentos com a forma tradicional de
ensinar e aprender, especialmente quando reconheciam outras formas de conhecimento,
envolvendo as diferenças sociais e culturais. As atividades extrapolaram as perspectivas de
papeis, tempo e espaços tradicionais de aprendizagem e estimularam a elaboração de um
conhecimento próprio. Os espaços das experiências significativas ocorreram na sala de aula
tradicionalmente compreendida e nos campos de estágios curriculares e de pesquisa.
Percebeu-se através das entrevistas, que a aula é entendida como espaço para dúvida,
em que as atividades de leitura e interpretação de textos e trabalhos em grupo sustentavam
processos reflexivos. O aluno se constitui na referência do trabalho pedagógico, que valoriza
seu cotidiano e suas expectativas. As professoras, ao selecionarem conteúdos que emergem
dos objetivos, inserem a dúvida como princípio pedagógico, valorizando a busca de materiais
de ensino, procurando recuperar a dimensão do prazer de ensinar e aprender, possibilitando
relações interdisciplinares nas novas aprendizagens.
O princípio da pesquisa revela-se nas atividades de ensino, possibilitando a ruptura
com a concepção tradicional, não apenas pelo uso em si dos instrumentos investigativos, mas,
principalmente, pela forma, princípios e motivações que produzem. Balizam as experiências
das professoras com seus alunos, pressupondo uma diminuição da dualidade entre ensino e
pesquisa, ao assumir a perspectiva do conhecimento em construção.
Uma das professoras evidenciou claramente que sua ação pedagógica está articulada
através do ensino, pesquisa e extensão, pontuando a pesquisa como a grande geradora de
conhecimento. Ao eleger a pesquisa como uma prática em sala de aula, desenvolve a
capacidade de conhecer e intervir na realidade, chamando os alunos à participação, sendo
ambos protagonistas no processo. Ao afirmar a relevância da pesquisa, evidencia suas
experiências na área de formação. Se o exemplo dessa professora foi mais indicativo da
125
relação ensino e pesquisa, é preciso afirmar que as demais interlocutoras também
mencionaram posições similares, mesmo que sem tanta ênfase.
As docentes, ao relacionarem os conteúdos com o contexto mais amplo,
aproximando-os da prática profissional, ajudam a construção de uma reflexão crítica e
privilegiam outras racionalidades, que se distanciam da memorização. A fragmentação do
conhecimento, presente na ciência moderna, procura ser superada quando as professoras
destacam a importância de se trabalhar demonstrando a visão da totalidade nas atividades
desenvolvidas em sala de aula. O desenvolvimento dos conhecimentos de diferentes origens e
o uso de formas alternativas para a compreensão do conhecimento numa perspectiva
integradora favorecem uma aprendizagem significativa, pois os conhecimentos alcançam
sentido nas tarefas ligadas à prática profissional.
Dessa forma, as professoras contribuem para aperfeiçoar uma ação educativa que
provoca interação entre elas, o aluno e o conhecimento, compreendendo como cada ação afeta
o desempenho e o desenvolvimento de seus alunos. Esses resignificam suas experiências
compreendendo, à luz da teoria, as ações concretas desenvolvidas, favorecendo a integração
universidade-sociedade, de modo a vincular a formação do nutricionista à realidade do ensino
na universidade. Despertam também a consciência profissional do aluno através da reflexão
sobre a dimensão de sua responsabilidade no contexto social.
Foram de diferentes naturezas as atividades elencadas pelos alunos como práticas
significativas. No entanto, em todas elas, a prática aparece como ponto de partida da
apropriação da teoria, e essa passa a ter sentidos diferentes. Duas experiências diziam respeito
às práticas que os estudantes cumprem nos estágios, em situação real; as outras destacam as
disciplinas curriculares, que, mesmo sem sair do espaço da sala de aula tradicionalmente
descrito, oportunizam ao aluno, contato com a prática social e profissional. A condição de
relacionar teoria-prática e tratar o conhecimento numa perspectiva histórica e contextualizada,
concebendo outras maneiras de tempo e espaços de aprendizagem, coloca o aluno em contato
com a realidade e quebra com a lógica tradicional de ensinar e aprender. Provocam a ruptura
com a racionalidade técnica, pois a prática se estabelece como referente da construção teórica,
incorporando a provisoriedade do conhecimento e a possibilidade de alternativas múltiplas de
encaminhamentos. Neste contexto, pensar a prática não significa somente pensar a ação
126
pedagógica na sala de aula, mas é pensar a profissão, as relações de trabalho e de poder nas
organizações.
Os princípios da gestão participativa, apesar de ser a categoria que menos se
explicitou no discurso das professoras, estiveram presentes nos relatos das experiências.
Percebeu-se a importância que atribuem ao processo de trabalho coletivo, incluindo trabalhos
em grupos e participação em atividades com profissionais da área no contexto do trabalho. Lá
os estudantes trocam informações e perspectivas e aprendem a conviver com as diferenças,
desenvolvendo sua capacidade de trabalhar em equipe. Aprendem, inclusive, a importância do
respeito aos pares e desenvolvem sua capacidade de cidadania.
As experiências analisadas incluem a participação ativada dos sujeitos envolvidos,
avaliando suas experiências, refletindo sobre os conteúdos que fazem sentido na sociedade.
Procuram romper com a lógica dos conteúdos prontos e acabados, bem como com as
metodologias padronizadas de ensino. Os alunos, ao participarem de forma ativa, têm
oportunidade de reverem suas condições assumindo a autoria dos processos de aprendizagem.
Essa é também uma prática de ruptura por seu caráter construtivo e reflexivo, permitindo o
desenvolvimento, nos estudantes, de atitudes de questionamento e levantamento de
alternativas que levem à resolução de problemas emergentes, proporcionando uma reflexão
sobre as práticas e as condições em que essas ocorrem, assumindo o compromisso com a
mudança.
A reconfiguração de saberes se estabelece com significação nessas práticas
pedagógicas. A prática social se constitui como a base para o conhecimento teórico das
disciplinas em questão. Ao analisar as experiências, verifica-se que a ruptura mais presente
trata de reconfiguração do conhecimento que parte do conhecimento científico para o senso
comum, transformando-se em autoconhecimento e provocando, no aluno, uma ação
transformadora. Essas atividades se caracterizaram pela condição de provocar um
conhecimento que incorpora emoção, sensibilidade e percepção estética, articulando
subjetividade e objetividade, ciência e cultura, técnica e política.
Em todas as experiências analisadas, foi possível identificar a condição de
protagonistas que assumem os alunos. O contato direto com os atores sociais nas atividades
127
desenvolvidas faz com que sejam mediadores em situações concretas. Nessa trajetória o aluno
aprende que a condição profissional requer a capacidade de interpretar a teoria frente à
realidade. O protagonismo também se manifesta quando os alunos têm que apresentar seus
estudos para os colegas, assumindo-se como autores do conhecimento que propõem. Desse
modo, participam da gestão da própria experiência pedagógica em que estão inseridos. Outra
condição de protagonismo é percebida quando os alunos assumem responsabilidades, ao
proporem os conteúdos e as estratégias a serem trabalhados em sala de aula, tendo um espaço
para elaboração autônoma.
Percebe-se a ampliação do conhecimento sobre o contexto da sala de aula incluindo,
nesse processo de construção, a disponibilidade dos professores para ouvir as críticas e as
dificuldades dos alunos, favorecendo a possibilidade de equacionar as dificuldades
evidenciadas através da pesquisa e de experimentações, assumindo os possíveis riscos, daí
decorrentes. Essa condição parece favorecer o desenvolvimento da autonomia dos alunos.
A mediação, entendida como espaço das relações que envolvem professor, aluno e
conhecimento, foi percebida nas experiências relatadas. As professoras exercem um papel
fundamental, ao proporcionar ao aluno o contato do mundo acadêmico com o campo
profissional, entre os saberes técnicos e a realidade do mundo social. As professoras fazem a
mediação propondo e incentivando-os a buscarem novos conhecimentos, compartilhando com
eles a responsabilidade pelo processo ensino-aprendizagem. Além disso, a dimensão afetiva
também se evidencia, pois, as professoras demonstram uma relação prazerosa com a docência,
incluindo a relação com os alunos, bem como com o campo de conhecimento em que se
movimentam.
Para se compreender, entretanto, os diferentes modos de concepção das práticas
educativas, foi preciso considerar as peculiaridades que definem cada docente e os processos
de formação e desenvolvimento profissional que viveram. No entanto, nem sempre é
percebido que a construção do papel de professor se dá numa condição coletiva e se faz na
prática de sala de aula e no exercício de atuação cotidiana na universidade. É uma conquista
social, compartilhada, pois implica trocas e representações. Assim, as formas mais úteis de
representação das idéias, explicações e demonstrações, a maneira de representar e formular a
matéria para torná-la compreensível, revelam a compreensão do processo de ensinar e de
128
aprender pelo professor a partir de um marco epistemológico. Por outro lado, também se
evidencia uma condição valorativa, incluindo a dimensão política do seu fazer.
A complexidade do que seja ensinar é admitida, ao compreender que o ensino se dá
na comunicação entre diferentes pessoas e grupos, que pensam e agem impregnados de
valores e representações que vêm de sua história, incluindo ainda características intelectuais,
afetivas, culturais de cada um. Portanto, o ensino envolve uma forma efetiva de negociação de
significados para se concretizar.
Na análise das entrevistas, percebemos que as trajetórias pessoais e profissionais são
fatores definidores dos modos de atuação das professoras, revelando suas concepções sobre o
seu fazer pedagógico. Para que construíssem sua ação docente, recorreram a marcas forjadas
ao longo de sua história.
Foi possível perceber que a maior influência que incide sobre a própria prática
pedagógica que desenvolvem decorre de suas histórias como alunas. Para Cunha (1998), os
professores geralmente repetem o que consideraram positivo e reagem contrariamente às
experiências negativas vividas com seus professores.
Vale ressaltar, porém, que a experiência do professor não é somente o que ocorre
com ele, mas o que ele faz com aquilo que acontece, sua leitura e interpretação do vivido. As
formas como as professoras percebem o Curso e como vêem as oportunidades de interação
nele presentes, permitem compreender como se apropriam de suas próprias experiências,
incluindo os momentos de aprendizagem e crescimento profissional.
Em sua definição de uma epistemologia da prática docente, Tardif (2000) explica que
esta definição dá à “noção de 'saber' um sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as
competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos professores” (p.10), sendo o
fundamento do ato docente. Os estudos sobre os saberes docentes vêm se constituindo como
uma possibilidade de análise dos processos de formação e profissionalização dos professores,
podendo contribuir no seu aperfeiçoamento.
129
A partir da noção de saber, percebe-se que as atitudes das professoras fazem parte de
seus conhecimentos, e o desenvolvimento de tais atitudes deve ser considerado na sua
construção histórica. Nessa pesquisa, procuramos compreender a natureza desses saberes,
bem como seu processo de construção na formação profissional das professoras do Curso de
Nutrição.
Ficou evidente que, para elas, o saber do professor tem como fonte sua experiência
profissional, com destaque para a inserção no campo profissional que está presente na sua
formação de professoras. Consideram que a sua experiência profissional é mais ampla do que
sua experiência em sala de aula e que é a fonte do que realizam enquanto docentes.
Na perspectiva das professoras entrevistadas, a ação educativa da universidade
precisa estar imbuída do compromisso com a formação do aluno, incluindo o
desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais que ampliem suas capacidades de
raciocínio, análise, solução de problemas, iniciativa, tomada de decisão, comunicação e
discernimento de valores. É preciso que fortaleçam a autonomia na busca do saber, do saber
fazer e do ser, sem se deixar manipular por interesses que não sejam os seus e os da
sociedade. Para as professoras, o currículo deve buscar a lógica de aquisição de saberes
baseada essencialmente na convicção de uma ciência que dá conta da realidade, abrindo
espaço também para uma educação que contemple a sensibilidade, o engajamento na
realidade concreta, apelando para a integração, não apenas da teoria com a prática, mas dessas
com a própria biografia e com a condição existencial e política de cada um. Esse aluno, futuro
profissional, deve estar preparado para transformar e transformar-se a si mesmo, mediante sua
prática social e cultural.
Uma outra instância de interação e desenvolvimento profissional que as professoras
destacam é a importância da pesquisa no trabalho e desenvolvimento do professor. A maioria
das professoras investigadas reconhece a importância da pesquisa para o ensino que
desenvolvem. Para elas a pesquisa e o ensino são indissociáveis, e a pesquisa tem caráter
formador na vida dos alunos. No entanto, as professoras entendem que a pesquisa não é
priorizada no contexto da universidade, principalmente para aqueles professores que não estão
vinculados a um programa de pós-graduação, promovendo a dicotomia entre ensino e
pesquisa, levando a uma diferenciação entre ser professor e ser pesquisador. Para Cunha
130
(2003), não se trata, contudo, de optar por uma função, em detrimento de outra e, sim, de
integrá-las na prática pedagógica universitária.
Vale ressaltar que, para essa condição, concorre a descentralização das decisões
sobre os processos educativos, acompanhados de forte controle presente nas avaliações
externas, que repercute na legitimidade do discurso do saber docente, produzindo uma visão
dicotômica entre quem ensina e quem pesquisa. A pesquisa que se faz na e para a sala de aula
não recebe o reconhecimento acadêmico e é silenciada na representação dos professores da
educação superior.
Para Nóvoa (1999), aí estão os germes de uma desvalorização da profissão docente,
uma vez que provocam a “deslegitimação” dos professores, como produtores de saberes, e
investem em novos grupos de especialistas que se assumem como “autoridades científicas” no
campo educativo. Essa visão também é compartilhada por Fernandes (1999), que sustenta que
a própria relação do professor com o saber acha-se abalada por correntes de pensamento que
valorizam os experts e desqualificam o saber dos professores, privilegiando os sistemas de
valores do pesquisador e da “ciência”, provocando uma grande brecha entre a condição real
do professor e o peso que é atribuído à sua ação.
A avaliação externa, consoante com os valores de uma sociedade de mercado, tomou
uma dimensão demarcadora das relações de poder, de posições de ranqueamento entre as
instituições de ensino. Esses limites, impostos pelos mecanismos reguladores de uma lógica
excludente, vêm roubando a liberdade acadêmica e, por desdobramento, a própria prática
social, interferindo na autonomia dos professores e exercendo uma forma de controle sobre os
mesmos.
Para Cunha et al. (2004), a avaliação, tomada de forma isolada das condições de
trabalho, e vista descolada das responsabilidades das políticas públicas, tende a voltar-se
contra o próprio professor, responsabilizando-o individualmente pelo fracasso escolar. A
proposição política, na qual os docentes são definidos de acordo com critérios de
racionalidade técnica, reforça as separações entre teoria e a prática e a ambigüidade de suas
relações com o saber, colocando o professor em situação de conflito. De um lado, suas lutas e
seu conhecimento construídos na prática são oficialmente desconsiderados e substituídos pela
131
formulação teórica da academia. De outro, sentem-se ameaçados no seu pequeno espaço de
poder decisório pela ingerência das organizações acadêmicas. O entendimento deste paradoxo
parece essencial para compreender alguns dos dilemas atuais por que passam os docentes.
Alguns autores afirmam que uma das formas de resistência é a mudança de postura
do professor em relação aos alunos e à construção do conhecimento. A crise de autoridade
42
do professor se constitui em uma manifestação da crise dos mecanismos de delegação de
poder, que não foram assegurados. Acreditam ainda que a crise seria amenizada se houvesse
um reforço nos processos que permitissem aos professores “autorizarem-se mediante suas
obras, suas criações e sua palavra” (CUNHA et al., 2004, p. 5.), assumindo a questão da
autoridade do professor a partir da idéia de ocupação de um lugar social instituído.
As professoras explicitam também, o insuficiente investimento institucional, em
termos dos espaços e do tempo, para a ocorrência de interações entre os professores, de
compartilhamento de experiências, de planejamento em equipe, de envolvimento na
manutenção do projeto político-pedagógico do Curso, da gestão participativa e de reuniões
que poderiam oferecer, em princípio, a condição de troca de informações e desenvolvimento
profissional. Para Arroyo (2002), essa colaboração do colegiado à gestão participativa
também é uma forma de organização escolar que favorece a melhoria da escola e o
crescimento profissional do professor. Entretanto, as horas despendidas nessa direção nem
sempre são incluídas na jornada de trabalho, dificultando a concretização de projetos dessa
natureza.
O cotidiano da universidade impõe opções por alternativas e escolhas. As diferenças
são definidas nas relações sociais. Elas não se isolam e podem ser identificadas pela
diversidade, intencionalidades e pela igualdade, dando ênfase aos processos participativos de
tomada de decisões. Nessa perspectiva, o projeto pedagógico do curso, visto como algo que se
constrói no cotidiano dos espaços de convivências e aprendizagens, precisa ser visto como um
processo, exigindo uma reflexão compartilhada dos pontos de partida e das concepções
42
De acordo com Cunha, et al. (2004) e por inspiração de Correia e Matos (2003) a autoridade é entendida em
sintonia com sua raiz etimológica, ou seja, associada à idéia de autor, de criador, de compositor, de inventor ou
arquiteto, ou ainda, alguém que se legitima por sua obra. Sendo assim, a autoridade do professor é decorrente de
sua produção científica e do exercício de seus processos, o qual autoriza-se pelas suas obras, suas criações e sua
palavra explícita. Um agente que se encontra na origem de sua própria ação e que é capaz de se autorizar.
132
iniciais do grupo, contribuindo para a compreensão das questões postas pela prática e
indicando decisões e orientações para os caminhos a trilhar.
A pesquisa que desenvolvemos reafirma a importância de se compreender e
desenvolver conhecimentos sobre as práticas docentes que se instituem na Universidade.
Importante também é que os professores reflitam sobre elas e que as alternativas de avanços
surjam de suas reais possibilidades. Para Zabalza (2004), “refletir não é retornar
constantemente aos assuntos utilizando os mesmos argumentos; é documentar a própria
atuação, avaliá-la e implementar os processos de ajustes convenientes” (p.125).
Desse modo, este estudo também buscou contribuir para a reflexão do que vem
sendo realizado, analisando as articulações entre o projeto político-pedagógico do Curso de
Nutrição e as inovações que ocorrem na sala de aula, considerando que seu valor educativo
reside na flexibilidade e contextualização dos atos de ensinar e aprender. Com ele foi possível
constatar que vivemos a chamada fase de transição de paradigmas, com todas as tensões e
desafios que ela impõe.
Percebemos que, como a inovação tem sempre um componente coletivo, é através da
socialização das experiências significativas para os alunos, as quais resultam de práticas
inovadoras dos professores, que poderemos ampliar as condições para a necessária ruptura
paradigmática. Os professores que já estão produzindo inovações podem inspirar a renovação
pedagógica para que essa se amplie, bem como mostrar que é possível estabelecer novas
relações entre professor, aluno e conhecimento. Deste modo, compartilho os êxitos e
dificuldades dos docentes na busca de uma prática que avance continuamente, incluindo os
métodos, objetivos e conteúdos do curso e modificando a práxis do ensinar e aprender,
estimulando o prazer de estudar, de descobrir e de ser plenamente cidadão.
Ao finalizar esse estudo, reafirmo ainda a importância da produção de conhecimento
sobre a pedagogia universitária, numa intersecção de saberes que incluem a área de educação
e o campo científico e profissional de carreiras acadêmicas. Parece que é com o diálogo
epistemológico que se poderá fazer avançar o conhecimento e a profissionalização do
professor universitário. Esse esforço exige humildade, capacidade de diálogo e requer
objetivos comuns.
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Lula. Educ. Soc, Campinas, v. 25, n. 88, Especial, out. 2004.
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VEIGA, I. P. A; CASTANHO, M. E. L. M.(orgs.). Pedagogia Universitária: a aula em foco.
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VEIGA, I. P. A; CASTANHO, M. E. L. M.(orgs.). Pedagogia Universitária: a aula em foco.
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Campinas: Papirus, 2001.VEIGA, I. P. A. O cotidiano da aula universitária e as dimensões do
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1993. Anais. Paraná: UFPR, 1993.
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Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653) [s.d.]. Disponível em <
http://www.rieoei.
org/deloslectores.htm> Acesso em ago. 2006.
ANEXOS
ANEXO A – QUESTIONÁRIO AOS ALUNOS
Universidade do Vale do Rio dos Sinos_ Unisinos
Programa de Pós-Graduação em Educação.
Nome (opcional):...................................................................................................
No. matricula (opcional):..............................
1- Durante o curso de Nutrição, a (s) melhor (es) experiência (s) de ensino
aprendizagem que vivenciei foi (ram)......................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
2- Escolhi esta (s) experiência (s) por quê..............................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
3- O (s) professor (es) que realizou (aram) esta (s) atividade (s) foi (ram)................
............................................................................................................................
............................................................................................................................
ANEXO B – ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Universidade do Vale do Rio dos Sinos_ UNISINOS
Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Educação
Entrevista Semi-estruturada
1- Os estudantes identificaram como significativa a experiência de aprendizagem
protagonizada na disciplina........................que fostes propositora.
Na tua opinião, por que essa condição ocorre?
O que pensas que é significativo para os alunos?
2- Para melhor compreender as experiências vivenciadas, poderias descrevê-las?
Em que momento do curso acontecem?
Que objetivos devem ser alcançados?
Que etapas o trabalho percorre?
O que seria um diferencial nessas práticas?
3- As atividades de ensino requerem do professor diferentes saberes. Poderias
relatar como esses saberes vêm sendo construídos na tua trajetória docente?
Quem ou o que inspira a tua tomada de decisão e o modo como ensinas?
Enquanto foste aluna, tiveste experiências inovadoras?
4- Consideras que as experiências apontadas pelos alunos são inovadoras, tendo
em vista o contexto geral das práticas escolares/ acadêmicas?
5- Que conceito tens de inovação pedagógica? O que te vem em mente quando
ouves essa expressão?
6- Como essa experiência (indicada pelos alunos) se integra no currículo?
Há um processo coletivo de discurso/ análise? Ou trabalhos sozinhos?
7- O projeto pedagógico do Curso de Nutrição favorece/estimula experiências
como a que vem desenvolvendo?
8- Encontras dificuldades/desafios a superar para alcançar teus objetivos? O que
facilitaria o trabalho proposto?
9- Que iniciativas poderia a Universidade proporcionar para que o ensino fosse
cada vez mais significativo para o aluno? Isso representaria uma inovação?
10- Como sugeres que as experiências pedagógicas no campo da Nutrição
poderiam ser referências para melhorar a qualidade dos cursos e os saberes docentes?
ANEXO C – FORMULÁRIO DE REGISTROS DOS DADOS DE PROFESSORES
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
Programa de Pós-Graduação em Educação
Título da pesquisa:
Pesquisador:
Data da Entrevista:
Duração: início: término:
Entrevistado:
Área/ disciplina:
Titulação:
Graduação:.............................................................ano:.........................................
Especialização:......................................................ano:.........................................
Mestrado:...............................................................ano:.........................................
Doutorado:.............................................................ano:.........................................
Outros:...................................................................ano:.........................................
Tempo de magistério:
Ensino superior:.........anos
Na UNISINOS:..........anos
Total:..........................anos
Formação pedagógica: ( )Sim ( )Não
Caso positivo, descrever:
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
Exercício específico na profissão? ( )Sim ( )Não
Caso positivo, descrever:
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
...........................................................................................................................................
ANEXO D – QUADROS DE ANÁLISE (EXEMPLOS)
Quadro 1- Análise do questionário dos alunos
Dimensões Depoimentos
Me realizei como pessoa e como profissional
fazendo o estágio na creche, foi uma
experiência bastante enriquecedora para
minha profissão, assim como o projeto da
cadeira de educação alimentar (?) com
crianças (1)
Vivenciei a realidade do nosso curso e
apliquei o conhecimento (6)
Algumas das atividades citadas (...) pois
tenho interesse profissional nelas (2)
De alguma forma contribuíram para minha
formação como uma futura profissional (13)
Aprender na prática o desenvolvimento da
nossa profissão (14)
Troca de experiência entre eu e as
nutricionistas supervisoras dos estágios e as
professoras supervisoras (19)
1- Profissional que mobiliza o aluno como
pessoa, no seu projeto.
Experiências profissionais de nutricionistas
já formadas e atuando no mercado de
trabalho são fundamentais para aliarmos o
conhecimento teórico com a prática (33)
As atividades que envolvem coletas de dados
(12)
2- Pesquisa
Colocar em prática conhecimentos
adquiridos, bem como vivenciar a pesquisa
científica de populações (30)
(...) embasamento teórico, pesquisa e
desenvolvem o senso crítico, visões
diferenciadas, posicionamentos diante de
condutas, possibilidades de avaliar e sugerir
propostas (12)
Os seminários onde se pode discutir e
aprofundar os temas (4)
Pois atuei juntamente com os pacientes (14)
Acredito que aprendi bastante com os
estágios e, tenho consciência de que tenho
ainda muito por aprender e estudar, mas
principalmente praticar (19)
Estudar com um caso é bem mais produtivo,
ou seja, ver o paciente e ir buscar enriquece
muito (20).
Participei da realidade de muitos
adolescentes, de diferentes classes sociais,
diferentes hábitos (22).
3- Protagonismo
Eu queria trabalhar com pessoas, no
atendimento direto, as dificuldades
individuais (26)
151
Trabalhos que envolvem o aluno são muito
válidos como uma prática de educação
alimentar que fiz através de uma reunião com
gestantes em uma loja de mamãe e bebê.
O seminário 2 me trouxe orientação para um
trabalho sobre prematuridade (32)
Nas cadeiras práticas (...) onde pude aprender
mais sobre como se fazer ... (35)
Foram as experiência onde se aplicou a teoria
aprendida no decorrer do curso (11)
Aulas práticas; podemos ver na prática o que
aprendemos na teoria. (8)
A prática é o melhor método para
experimentar e aplicar nossas habilidades e
conhecimentos (7)
(...)aliamos a teoria a prática (5)
Os estágios onde pude seguir colocando em
prática a teoria aqui aprendida (4)
(...)onde aprendi o que se ensinava em sala
de aula (3)
Acho que quanto mais práticas tem nas aulas,
mais se aprende (15)
os estágios porque a partir daí pude perceber
que a prática é muito diferente da teoria (17)
Vivenciar na prática o aprendizado teórico
(31)
(...) assim como aprender na prática,
conhecimentos vistos somente na teoria (35)
4- Teoria/prática
Tive grande oportunidade de colocar em
prática, o que havia aprendido em aula e
principalmente pude vê, na prática, casos que
nem imaginava (36)
Em determinadas disciplinas onde o
professor tinha conhecimento e conseguia
despertar o interesse dos alunos e transmitir
este conhecimento (10).
Pois nenhum professor tinha feito isto antes e
era uma dificuldade minha (23)
5- Mobilização do interesse
Me motivou a seguir em frente e buscar
novos conhecimentos (24)
Onde podemos ter uma visão mais clara e
verdadeira da profissão, inclusive das
dificuldades (10)
Os estágios me proporcionaram a verdadeira
visão prática do que é a teoria (16)
6- Estágios .
(...) são colocados em prova os
conhecimentos adquiridos (18)
Quadro 2- Análise das entrevistas das professoras
Professora 1 Professora 2 Professora 3 Professora 4
Experiência significativa:
Condição ocorre
Por exemplo, pega um
hospital que tem uma
estrutura, né! Que deixa
bastante a desejar o que a
gente gostaria que fossem as
rotinas da clínica, por
exemplo, e o aluno tem que
fazer o estagio lá! Eu desafio
o aluno, você tentar fazer a
diferença, porque se você
ficar um fazer um mero
parecer daquela coisa
mínima que tem lá ele não
vai quase aprender, ele vai
aprender muito pouco! E ele
não se desfia, não se auto
desafia. Assim que eu penso,
então eu digo para ele,
propõe, faça as tuas
propostas se tu fosses o
nutricionista deste local
como é que tu farias a
atenção e estes pacientes? E
por ali eu vou o tempo todo
do estagio deles desafiando,
desafiando.
eu criei uma cultura de
desenvolvimento de pesquisa
desde que eu cheguei, que eu
cheguei em agosto de 2001 e
em outubro eu já estava com
alunos indo para o hospital,
lá o Centenário, já
selecionando as crianças tal e
a cada curto tempo tava
promovendo trabalhos e os
alunos sabendo, “ah eu to
fazendo trabalho, to
coletando dados”, então isto
provavelmente foi gerando
toda uma cultura em volta do
meu nome
daí no Estágio II eles tem a
oportunidade de exercitar
isso, eu acho que eu
particularmente que trabalho
nos Ciclos, né, e se tu fizer o
gancho com o HPV onde eu
faço supervisão também, tem
tudo haver,né, da pra junta a
questão de sala de aula com a
questão prática, acho que
eles vêem a evolução vamos
dizer, efetivado aquilo que
eles vêem em sala de aula,
eles podem ver na prática
aquilo que a gente discute em
sala de aula, eu acho que isto
dá uma certa satisfação, né.
eu pego a caracterização da
disciplina, eu pego tópico por
tópico da caracterização e
dou uma relembrada da
técnica I que é do primeiro
semestre. Então tem o tópico
da técnica II, eu pego o leite,
por exemplo, e ai vejo o que
eles viram de leite na técnica
I. Então eles me falam, “ah a
gente viu composição, eu
relembro então se viu
composição tal e o principal
nutriente energético do leite,
e daí retomo um pouquinho e
faço uma ligação com
técnica II. Em técnica II a
gente vai ver leite, mas a
gente vai ver assim,,, leite
caseína do leite como ele se
modifica numa preparação?
Então se eu to acrescentando
suco de limão no leite
condensado, porque que isto
foi engrossando?
seguir uma ordem a gente
153
Porque é significativo
para os alunos?
Bom no estagio eu tenho a
impressão que o que eu
procuro mais com elas é
assim! Vê se o aluno
consegue desenvolver seu
potencial, tá! De
nutricionista da área clinica,
um pouco mais independente
do que, daquela rotina que o
local tem.
Na verdade eu não deixei
essa disciplina, ela virar uma
disciplina desestimulante, ta,
porque é os alunos que
apresentam seminário e os
alunos falam, ah eu vou
assistir um seminário do meu
aluno que não sabe nada, que
preparou ontem porque eu vi
que ele não tinha preparado,
eu não permiti isto!
Eu acredito que seja assim,
ele se testa ele nem pensava
que poderia ir tão longe né?
Ele começa a perceber que
nem sempre a referencia
maior é a equipe do local! E
ele vai descobrir, outras
referencias, ele vai descobrir
a bibliografia, ele vai
descobrir os artigos
científicos, ele vai descobrir
tudo que é novo naquelas
patologias é que ele pode
somar essas referencias ai!
Somar! Com as que a equipe
faz, somar mais esta, ele se
descobre como alguém que
ele nem sabia, que ele
poderia buscar tanto.
- Acontece que tive um
trabalho eu vivenciei isto e
muitas vezes eu dizia assim,
“olha eu acho que você
entendeu errado porque não
é!, então essas questões
faziam com que os alunos se
interessavam então eles
terminavam a disciplina de
seminários.
“Eu sempre, sempre,
complementei muito, muito
com a minha experiência,
então os alunos em seminário
aprendiam muito com todo o
temazinho, eu contava um
caso, eu contava uma
estória”,
Eu acho que é por trazer
muita da vivência, quando
eles começam a exercitar a
prática, né. Então que eles
vêm com o conteúdo de
Teoria do eixo da vida e daí
no Estágio II eles tem a
oportunidade de exercitar
isso, eu acho que eu
particularmente que trabalho
nos Ciclos, né, e se tu fizer o
gancho com o HPV onde eu
faço supervisão também, tem
tudo haver,né, da pra junta a
questão de sala de aula com a
questão prática, acho que
eles vêem a evolução vamos
dizer, efetivado aquilo que
eles vêem em sala de aula,
eles podem ver na prática
aquilo que a gente discute em
sala de aula, eu acho que isto
dá uma certa satisfação, né.
Por trazer muita da vivência,
quando eles começam a
exercitar a prática.
acho que isto tem haver, não
só com a disciplina, mas
também, talvez, com o tipo
de recepção que eles têm
nesta disciplina, porque eu
tenho o cuidado de na
primeira aula fazer uma
revisão tentado colocar pro
aluno tudo que ele pode
indagar a respeito da nutrição
na disciplina.
- Então quando eu começo a
ler isto, né, eu começo que o
aluno participe disto, eu
questiono um pouco se tem
algum conhecimento sobre
tempero, o quê que sabe, se
tem alguma estória, se
conhece, isto geralmente
quando eu falo sobre o
assunto, preparo a aula sobre
condimento, então é claro a
aula bem
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
MAÍSA BELTRAME PEDROSO
A SALA DE AULA UNIVERSITÁRIA COMO ESPAÇO DE INOVAÇÃO:
INVESTIGANDO O CURSO DE NUTRIÇÃO DA UNISINOS
São Leopoldo
2006
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
P372s Pedroso, Maísa Beltrame
A sala de aula universitária como espaço de inovação:
investigando o Curso de Nutrição da Unisinos / por Maísa
Beltrame Pedroso. – 2006.
146 f.
Dissertação (Mestrado) -Universidade do Vale do Rio dos
Sinos. Programa de Pós-Graduação em Educação, 2006.
“Orientação: Profª. Drª. Maria Isabel da Cunha, Ciências
Humanas”.
1. Professor universitário - formação. 2. Inovação pedagógica.
3. Professor – Prática pedagógica. 4. Curso – Nutrição - Unisinos.
I. Título.
CDU 371.13
Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184
Revisão Língua Portuguesa: Iara Salin Gonçalves
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