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PAULA REGINA PERON
CONTRIBUIÇÕES PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA DO TRAUMA
PSICOLOGIA CLÍNICA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2007
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PAULA REGINA PERON
CONTRIBUIÇÕES PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA DO TRAUMA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia Clínica
sob a orientação da Profa. Doutora Maria Lucia Vieira Violante.
PUC
São Paulo
2007
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AGRADECIMENTOS
A minha família, pela ajuda, confiança e presença.
Ao Roberto pelo grande apoio, pela inspiração e por toda paciência com
minhas ausências.
A Professora Maria Emília Lino Silva, pelo importante incentivo inicial.
A Professora Maria Lucia Vieira Violante, por sua imensa generosidade e
disponibilidade em compartilhar seus conhecimentos e por sua orientação
cuidadosa e constante.
Aos meus supervisores Chu (Regina Célia Cavalcanti de Carvalho) e Mario
Pablo Fuks pelos ensinamentos preciosos.
As Professoras Elisa Maria Ulhôa Cintra e Ivone Carmem Dias Gomes, por
apontamentos precisos e enriquecedores.
Ao Alberto Negrão, por muitos anos de escuta afinada e compartilhamentos
fecundos.
As amigas muito queridas Clarissa Temer, Alessandra Barbieri e Tânia
Berger, pelas conversas que cooperaram muito para que o presente trabalho
fosse possível.
Aos amigos psicanalistas e aos alunos por inúmeras trocas e, finalmente, em
especial, aos meus pacientes por permitirem experiências fundamentais que
dão sentido à minha vida profissional.
RESUMO
A presente pesquisa psicanalítica, baseada em Sigmund Freud e Sándor
Ferenczi, traz considerações metapsicológicas sobre o trauma, seus impactos
e possíveis conseqüências psíquicas. Através das contribuições do
psicanalista húngaro Ferenczi, o tema do trauma é examinado para
possibilitar a compreensão de fenômenos clínicos, especialmente de paralisia
psíquica e forte submissão ao analista, que caracterizam um quadro
transferencial típico nomeado pela autora como transferência depressivo-
masoquista. Tal embasamento permitiu considerar que as atitudes materna e
paterna podem provocar, quando repetidas e carregadas de indiferença e
violência, efeitos patológicos sobre o desenvolvimento psíquico de uma
criança, que fica então inundada por grandes quantidades de excitação, tendo
seu funcionamento subjetivo desorganizado e mobilizando defesas
patológicas que refletem um narcisismo ferido. Foram examinados quatro
casos clínicos cujos movimentos transferenciais faziam supor defesas
psíquicas de clivagem, progressão psicopatológica e identificação com o
agressor. Em tais casos, evidenciou-se a necessidade do analista trabalhar
para permitir o ligamento de excessos psíquicos às palavras e assim,
construir sentido para experiências traumáticas. Verificou-se a necessidade
clínica de não uniformizar a técnica psicanalítica, e de levar em conta tanto a
importância do fato real, quanto a significação singular que um determinado
paciente atribuiu ao fato traumático. Concluiu-se principalmente que
considerar a transferência depressivo-masoquista, os fatores traumáticos
subjacentes e as defesas psíquicas patológicas derivadas permite a ampliação
das possibilidades de intervenção da análise, com atenção especial para os
fatores que produzem compulsão à repetição e sintomas corporais.
Palavras-chaves: Sándor Ferenczi, trauma, clínica psicanalítica, técnica
psicanalítica, defesas psíquicas, transferência depressivo-masoquista.
ABSTRACT
The present psychoanalytical research brings metapsychological
considerations on the theme of trauma, its impacts and possible psychical
consequences, based on Sigmund Freud and Sándor Ferenczi. Through the
contributions of Ferenczi, the subject of trauma is examined, with the
intention to understand clinical phenomena, especially of psychical paralysis
and strong submission to the analyst, features that characterize a typical
transferencial picture, nominated by the author as masochist-depressive
transference. Such basis allowed us to consider that indifferent and violent
repetitive maternal and paternal attitudes can provoke pathological effects on
the psychical development of a child, taken by great amounts of excitement,
disorganizing his subjective functioning and mobilizing pathological defense
mechanisms that reflect a wounded narcissism. Four clinical cases have been
examined, in which transferencial movements indicated psychical defenses
such as splitting, psychopathological progression and identification with the
aggressor. In such cases, the analyst had to work to allow the bounding of
psychical excesses to words, and thus to construct meanings for traumatic
experiences. The clinical necessity of non-standardized psychoanalytical
technique was verified, and also the need to consider the importance of the
real fact, as much as the patient’s attributed meaning to the traumatic fact. It
was concluded mainly that considering the masochist-depressive
transference, the underlying traumatic factors and the derivative pathological
psychical defenses brings more possibilities of intervention to the analysis,
with special attention for the factors that produce compulsion to repetition
and corporal symptoms.
Key words: Sándor Ferenczi, trauma, psychoanalytical practice,
psychoanalytical technique, psychical defenses, masochist-depressive
transference.
SUMÁRIO
Introdução p. 01
I – Considerações teóricas sobre o trauma e possíveis efeitos
psíquicos p.10
1. As influências do contexto social e os traumas gerados
nas relações entre pais e filhos p.18
2. Os traumas derivados de seduções reais p.32
3. A clivagem psíquica como conseqüência do trauma p.40
4. As figuras da clivagem segundo Sándor Ferenczi p.46
5. O problema da inscrição psíquica do trauma p.51
II – Fundamentação clínica: o adulto que carrega em seu
mundo psíquico uma criança traumatizada p.57
1. Isabela p.69
2. Ana p.80
3. Luzia p.88
4. Renato p.99
Considerações finais p.108
Referências Bibliográficas p.120
INTRODUÇÃO
A reflexão sobre o trauma psíquico está presente desde o nascimento da
Psicanálise. Na obra de Sigmund Freud, o exame das características
psíquicas das histéricas e de suas fantasias sexuais infantis concedeu à
sexualidade o lugar central estabelecido ao longo de toda a produção
freudiana. Após 1897, Freud abandona a teoria traumática das neuroses,
1
retirando o trauma sexual decorrente da irritação real dos genitais, ocorrido
na infância, do núcleo da causação das neuroses, lugar que passou a ser
ocupado pelo complexo de Édipo e pelo complexo de castração.
Posteriormente na obra freudiana, tais complexos ocupam o núcleo da
constituição psíquica de qualquer indivíduo, sem que, no entanto, Freud
descarte a importância da cena da realidade.
2
1
FREUD, Sigmund. Carta 69 a Fliess, 21/9/1897. ES The Standard Edition of the
Complete Psychological Works of Sigmund Freud, 24 vol. London: The Hogarth Press,
1995, I, p. 259.
2
Freud afirma: “a sedução real também é bastante comum [...]. Onde intervém, a sedução
invariavelmente perturba o curso natural dos processos de desenvolvimento e, com
freqüência, deixa atrás de si conseqüências amplas e duradouras”. FREUD, Sigmund
(1931). Sexualidade Feminina. S.E. XXI, p. 232.
Foi Sándor Ferenczi
3
quem se dedicou à importância do trauma na
constituição psíquica da criança, ainda que não o tenha colocado no centro
da etiologia das neuroses. Ele observou que as conseqüências dos eventos
muito precoces são evidenciadas nos combates do conflito edipiano e em
frente às exigências posteriores da genitalidade,
4
quando então se manifesta
a fragilidade psíquica daquele que foi traumatizado.
Ao longo de sua produção teórica, vemos recorrentemente o tema do
trauma, que consumiu sua atenção principalmente no período final de sua
vida, em textos como A adaptação da família à criança”, de 1928, “A
criança mal acolhida e sua pulsão de morte”, de 1929, e “Confusão de
línguas entre os adultos e a criança (a linguagem da ternura e da paixão)”, de
1932. Atualmente, no campo analítico, grande diversidade de abordagens
relativas à compreensão teórica e ao manejo técnico das psicopatologias que
3
Sándor Ferenczi (1873-1933) foi contemporâneo e discípulo próximo de Freud.
Nasceu na Hungria, trabalhou em Budapeste e teve grande participação na construção do
pensamento e do movimento psicanalíticos. ROUDINESCO, E. & PLON, M. Dicionário
de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 232.
4
Sándor Ferenczi afirma: “são somente os combates do conflito edipiano e as exigências
da genitalidade que permitem deixar manifestar-se as conseqüências da aversão à vida
precocemente adquirida”. FERENCZI, Sándor. (1929) A criança mal-acolhida e sua
pulsão de morte. Obras completas. São Paulo: Martins Fontes, 1993, IV, p. 51.
envolvem traumas precoces
5
, assunto que ocupa a mente e as publicações de
muitos psicanalistas.
6
Em minha prática clínica em consultório particular, atendi alguns
pacientes cuja transferência manifestou-se de forma bastante peculiar e
repetitiva, excessivamente marcada pela depressão e por uma relação
comigo muito submissa e dependente, predominante durante períodos ou ao
longo de todo o tratamento. Denominei este movimento de transferência
depressivo-masoquista, e minha tese é que a transferência depressivo-
masoquista pode estar presente no tratamento psicanalítico de pessoas cuja
história infantil foi marcada por eventos traumáticos, tais como a indiferença
parental generalizada, alternada com medidas punitivas violentas, com o
terrorismo do sofrimento
7
, e a educação repressora dos impulsos libidinais e
agressivos. Tais eventos desencadearam reações defensivas patológicas, tais
como a identificação com o agressor
8
, a clivagem narcísica
9
e a progressão
5
KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e
Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 559.
6
Ver, por exemplo, o livro de MAIA, Marisa S. Extremos da alma. Rio de Janeiro:
Garamond, 2004. Ele foi resenhado por Luis Cláudio FIGUEIREDO, em O Estado de S.
Paulo, de 20 de março de 2005, em cuja crítica afirma: “[...] nossos consultórios
começam a ser povoados de pessoas que, ao menos parcialmente, padecem de falhas
básicas, justamente em suas capacidades de existir e sofrer. No lugar do sofrimento,
impera a dor e os mais primitivos mecanismos de defesa contra ela”. Ver também
KRISTEVA, Júlia. As novas doenças da alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. E também
ROUDINESCO, Elisabeth. A análise e o arquivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Em
especial o capítulo 3, O culto de si e as novas formas de sofrimentos psíquicos.
7
Conforme descrevo logo abaixo.
8
A definição detalhada está no capítulo de fundamentação teórica, p. 34.
traumática patológica.
10
Apoiei-me nestas experiências clínicas e em Sándor
Ferenczi para definir o evento traumático ocorrido na infância, quando o ego
é imaturo e frágil:
indiferença materna e paterna traduzida em falta ou empobrecimento
excessivo do contato afetivo, corporal e verbal com a mãe e o pai e
deficiência no reconhecimento pelos pais das necessidades materiais e
afetivas básicas da criança;
11
alternância desta indiferença com medidas punitivas violentas,
‘terrorismo do sofrimento’ e atitude repressora dos impulsos libidinais e
agressivos da criança.
O termo terrorismo do sofrimento’ é usado por Sándor Ferenczi para
descrever uma situação em que “uma mãe que se queixa continuamente de
seus padecimentos pode transformar seu filho pequeno num auxiliar para
cuidar dela, ou seja, fazer dele um verdadeiro substituto materno, sem levar
em conta os interesses próprios da criança” ou na qual “as crianças são
9
A definição detalhada está no capítulo de fundamentação teórica, p. 46.
10
A definição detalhada está no capítulo de fundamentação teórica, p. 48.
11
A respeito, ver FERENCZI, Sándor (1928). A adaptação da família à criança. Obras
Completas, IV, p. 1. Ver também FERENCZI, Sándor (1929). A criança mal-acolhida e
sua pulsão de morte. Obras Completas, IV, p. 47.
obrigadas a resolver toda espécie de conflitos familiares, e carregam sobre
seus frágeis ombros o fardo de todos os outros membros da família.”
12
Nos pacientes aos quais me refiro, encontrei recorrentemente as defesas
psíquicas mencionadas acima identificação com o agressor,
13
clivagem
narcísica
14
e progressão traumática patológica
15
em conformidade com o
que Ferenczi observou em sua prática clínica.
Na transferência com estes pacientes, certas características tornaram-se
notáveis, o que me levou a identificá-la como transferência depressivo-
masoquista. Verifiquei uma intransigência superegóica exacerbada, que
regula as relações do paciente com suas expectativas e ideais relativos ao
trabalho analítico, provocando culpa acentuada e excessiva frustração
quando as expectativas em relação à análise não são alcançadas.
Junto a um superego intransigente, o aspecto masoquista também se
mostrou exacerbado, provavelmente derivado da defesa ao trauma a que me
referi, chamada de identificação com o agressor. Na clínica, percebi a
necessidade destes pacientes de se relacionarem comigo como se eu fosse
um representante exigente dos pais, como se precisassem existir submetidos
12
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 105.
13
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, passim.
14
FERENCZI, Sándor. Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV, p. 77.
15
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 104.
a uma potência superior,
16
de quem se mostraram muito dependentes,
procurando meu apoio, amor e aceitação. Neles manifestou-se uma adesão
crônica ao que imaginam ser esperado por mim, bem como uma intensa
necessidade de saber o que penso deles e sinto sobre eles. Nos atendimentos,
isto por vezes derivou para uma impossibilidade de usar o divã, que o
contato do olhar é extremamente importante para que saibam como estou
reagindo às suas falas e vejam meu interesse e aceitação.
Encontrei também manifestações de masoquismo através da reação
terapêutica negativa que todos os sujeitos descritos neste trabalho
apresentavam: satisfação na doença e recusa a abandonar o sofrimento. Na
situação analítica, como descreve Freud,
17
o paciente dominado por um traço
masoquista sente-se constantemente doente, como uma forma de suscitar a
punição do analista, já que ele imagina que o analista espera a melhora.
Na relação analítica, uma última característica marcante destes
pacientes revelou-se na dificuldade de expressão da agressividade, da
fantasia, do pensamento e da recordação. Esta dificuldade desenha um
cenário de excessiva passividade e paralisia, com o paciente funcionando
com a atividade psíquica globalmente rebaixada, ou seja, um quadro de
depressão. Considero depressão no sentido freudiano do termo, como um
16
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 260.
sintoma que pode acometer quadros psicopatológicos diversos.
18
Este
sintoma apresenta-se como uma inibição global das atividades egóicas,
marcante paralisia psíquica e falta de vontade para a realização do trabalho
analítico.
19
A partir da experiência com estes pacientes, denominei transferência
depressivo-masoquista
20
os movimentos transferenciais no contexto analítico
marcados pelas características acima mencionadas: superego extremamente
intransigente regulando as relações com a análise e comigo, excesso de
masoquismo, gerando superdependência em relação ao meu apoio, amor e
aceitação e, ao mesmo tempo, apego ao sofrimento, e dificuldade extrema na
expressão de tendências agressivas e dos próprios pensamentos, fantasias e
recordações. O grupo de indivíduos no qual reconheci as referidas
características transferenciais é diversificado em sua psicopatologia, mas
apresenta pontos em comum: a transferência depressivo-masoquista, as
vivências traumáticas e as já referidas defesas patológicas contra os traumas.
17
FREUD, Sigmund (1923). O ego e o id. S.E. XIX, p. 49.
18
Compreender a transferência depressivo-masoquista como uma possível
manifestação de repetições traumáticas vividas na infância foi importante
para meu reposicionamento analítico, para o enriquecimento de minha
escuta e para o reconhecimento, junto ao analisando, da realidade traumática
que vivenciou.
Em relação aos capítulos deste estudo, no primeiro apresento
considerações teóricas preliminares para sustentar minha tese, a qual será
fundamentada clinicamente no segundo capítulo. Serão descritos casos onde
suponho, a partir da transferência depressivo-masoquista, a ocorrência de
traumas e de defesas patológicas.
Nesta pesquisa, oriento-me pela Psicanálise enquanto teoria, método
terapêutico e de investigação do inconsciente. Nela, ndor Ferenczi ocupa
lugar privilegiado, dado que sua obra respalda a importância do investimento
libidinal materno e paterno para o desenvolvimento psíquico da criança e
traz contribuições específicas para a pesquisa dos possíveis efeitos danosos
de eventos traumáticos acontecidos na infância.
Para finalizar, sobre as obras utilizadas, trabalho com The standard
edition of the complete psychological works of Sigmund Freud, com
caráter masoquista. KERNBERG, Otto F. Agressão nos transtornos de personalidade e
nas perversões. Porto Alegre: Artmed, 1995, p. 41.
tradução livre da língua inglesa de minha responsabilidade. Quanto à obra de
Ferenczi, utilizo a edição Martins Fontes das Obras completas de Sándor
Ferenczi, incluindo seu Diário clínico, para o qual recorro também à Editora
Amorrortu, Sin simpatia no hay curación: el diário clínico de 1932, em
espanhol, quando esclarecimentos se fazem necessários.
I - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O TRAUMA E POSSÍVEIS
EFEITOS PSÍQUICOS
Segundo Laplanche e Pontalis, trauma e traumatismo são termos
utilizados em medicina e cirurgia muito tempo. Trauma vem do grego,
designando uma ferida com efração; traumatismo seria reservado para as
conseqüências no conjunto do organismo de uma lesão resultante de
violência externa. Os autores afirmam: “A psicanálise retomou estes termos
(em Freud apenas encontramos trauma), transpondo para o plano psíquico as
três significações que neles estavam implicadas: a de um choque violento, a
de uma efração e a de conseqüências sobre o conjunto da organização.”
21
Nos primeiros anos da teorização freudiana, entre 1892 e 1897,
encontramos a teoria traumática das neuroses, com a noção do trauma sexual
irritação dos genitais da criança realizada por um adulto como núcleo da
21
LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 523.
neurose. Entretanto, a partir de suas experiências pessoais
22
e clínicas, Freud
abandona a teoria traumática das neuroses, que colocava o núcleo da neurose
em uma cena real de sedução infantil: Eu não acredito mais na minha
neurotica
23
, ou seja, ele renuncia à hipótese da sedução real como fator
etiológico das neuroses a partir de suas investigações sobre o complexo de
Édipo, que se torna, articulado ao complexo de castração, o complexo
nuclear da constituição do sujeito psíquico.
24
Até 1897, o trauma é um
conceito-chave para explicar a causa da neurose. A partir da famosa carta 69
a Fliess, de 1897, o complexo de Édipo e o complexo de castração passam a
ocupar o lugar central na etiologia das neuroses (a fantasia sexual
invariavelmente recai sobre o tema dos pais”
25
), e a seqüência trauma
neurose recordação ab-reação não dará conta da elucidação total do
adoecimento neurótico.
Todavia, não é correto dizer que o abandono da teoria traumática das
neuroses tenha levado Freud à desconsideração total do peso da sedução real
22
Freud escreveu em carta a Fliess, 15/10/1897: “Descobri, também em meu próprio
caso, me apaixonar por mamãe e ter ciúme de papai, e agora o considero um
acontecimento universal do início da infância [...]. Se assim for, podemos entender o
poder de atração de Oedipus Rex [...]”. FREUD, Sigmund. Carta 71 a Fliess. S.E. I, p.
265, tradução minha.
23
FREUD, Sigmund. Carta 69 a Fliess, 21/9/1897. S.E. I, p. 259, tradução minha.
24
Sigmund Freud afirma sobre o complexo de Édipo: “uma situação que toda criança está
destinada a passar”. FREUD, Sigmund (1940). Um esboço da Psicanálise. S.E. XXIII, p.
187, tradução minha.
25
FREUD, Sigmund. Carta 69 a Fliess, 21/9/1897. S.E. I, p. 260, tradução minha.
ou da realidade no adoecimento psíquico. Em “Conferências introdutórias à
Psicanálise”, na de mero XXII Algumas idéias sobre desenvolvimento
e regressão – etiologia”, de 1915, ele usa, pela primeira vez, o termo “séries
complementares” para teorizar sobre as causas da neurose e apontar a
importância do fator psíquico e também da experiência:
Quanto à sua causação, casos de doença neurótica pertencem a uma série na qual os
dois fatores constituição sexual e experiência, ou, se você preferir, fixação da
libido e frustração são representados de tal maneira que se mais de uma,
menos da outra. Em uma ponta da série estão os casos extremos sobre os quais você
poderia dizer com convicção: estas pessoas, em conseqüência de um
desenvolvimento singular de sua libido, teriam adoecido de qualquer forma,
independentemente do que tenham experimentado ou apesar de suas vidas terem
sido protegidas cuidadosamente. No outro extremo estão os casos que, ao contrário,
você teria julgado que certamente escapariam do adoecimento se suas vidas não os
tivessem trazido para esta ou aquela situação. Nos casos entre os extremos, a
constituição sexual é combinada com uma quantidade menor ou maior de
experiências danosas em suas vidas. Sua constituição sexual não os teria levado à
neurose se eles não tivessem vivido tais experiências, e estas experiências não
teriam tido um efeito traumático sobre eles se a libido estivesse predisposta ao
contrário.
26
Em uma nota de 1924, acrescida à abertura da segunda parte do artigo
“Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), Freud afirma:
26
FREUD, Sigmund (1916-1917). Conferências introdutórias à Psicanálise. S.E. XVI, p.
347, tradução minha.
Esta seção está dominada por um erro que eu reconheci e corrigi repetidamente.
Naquela época, eu ainda não era capaz de distinguir entre as fantasias de meus
pacientes sobre os anos de suas infâncias e suas recordações reais. Como resultado,
eu atribuí ao fator etiológico da sedução um significado e uma universalidade que
ele não possui. Quando este erro foi superado, foi possível obter uma compreensão
sobre as manifestações espontâneas da sexualidade das crianças que eu descrevi nos
meus ‘Três ensaios sobre a teoria da sexualidade’ (1905). No entanto, não
precisamos rejeitar tudo que foi escrito no texto acima. A sedução conserva certa
importância etiológica.
27
Ele reafirma esta posição em 1931, emSexualidade feminina”: “a
sedução real é, também, bastante comum [...]. Onde intervém, a sedução
invariavelmente perturba o curso natural dos processos de desenvolvimento
e geralmente deixa conseqüências amplas e duradouras.”
28
Vemos, ainda, em “Moisés e o monoteísmo” (1939):
É verdade que há casos que são distintos por serem ‘traumáticos’ porque seus
efeitos datam indubitavelmente de uma ou mais impressões poderosas do período
precoce impressões com as quais não se pode lidar normalmente, de forma que
estamos inclinados a julgar que se eles não tivessem ocorrido, a neurose também
não teria aparecido.
29
No entanto, apesar de não desconsiderar o peso da realidade na
constituição psíquica, como vimos, Freud não recolocou o trauma na origem
27
FREUD, Sigmund (1896). Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa. S.E.
III, p. 168, tradução minha.
28
FREUD, Sigmund (1931). Sexualidade feminina. S.E. XXI, p. 232, tradução minha.
29
FREUD, Sigmund (1939). Moisés e o monoteísmo. S.E. XXIII, p. 73, tradução minha.
do adoecimento psíquico. E ainda que, após a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), ele tenha voltado a refletir sobre o trauma, em função da
ameaça à integridade psíquica e à vida do indivíduo provocada pela guerra,
suas elaborações desembocaram na concepção de compulsão à repetição e
na construção do conceito de pulsão de morte e do princípio de Nirvana
enquanto manifestação da pulsão de morte.
As pesquisas sobre os efeitos do trauma foram realizadas por outros
psicanalistas, e, conforme afirma Kaufmann
30
, “o trauma não cessou de
atrair a atenção dos autores ao longo de toda a história da psicanálise (desde
Freud, depois Rank e Ferenczi), e a noção foi retomada sob ângulos
diferentes”. Menezes
31
considera que, após a retomada freudiana do tema do
trauma em “Além do princípio do prazer” (1920), é Ferenczi quem trabalha
as concepções apresentadas, dedicando-se à importância do trauma na
constituição psíquica do sujeito.
É a partir das pesquisas psicanalíticas sobre as neuroses de guerra,
devidas à Primeira Guerra Mundial, que Ferenczi desenvolve uma parte
30
KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e
Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 559.
31
MENEZES, Luis C. Considerações sobre a noção de trauma na perspectiva freudiana.
In: FRANÇA, M. Olympia de A. F. (org.). Trauma psíquico: uma leitura psicanalítica e
filosófica da cultura moderna. São Paulo: Casa do Psicólogo, Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo, 2005, p. 101.
importante de suas elaborações sobre o trauma e aprofunda sua compreensão
sobre os efeitos dos choques psíquicos excessivos. Pesquisei seus textos que
tratam diretamente do tema das neuroses traumáticas: “Dois tipos de neurose
de guerra (histeria)” (1916), “As patoneuroses” (1917), Conseqüências
psíquicas de uma ‘castração’ na infância’” (1917), “Psicanálise das neuroses
de guerra” (1919), “Tentativas de explicação de alguns estigmas histéricos”
(1919), “Reflexões psicanalíticas sobre os tiques” (1921), “Contribuição
para a discussão sobre os tiques” (1921) e Apresentação sumária da
psicanálise” (1932). Todos eles foram desenvolvidos após a convocação
militar de Ferenczi para trabalhar em um hospital militar em Pápa, na
Hungria, onde testemunhou de perto as conseqüências das vivências de
guerra.
32
Destes textos, interessa-me destacar alguns pontos que contribuem
para embasar a noção ferencziana de trauma:
O trauma pode ser considerado como um quantum
de excitação intensa demais para o escoamento psíquico
normal, que provoca marcas psíquicas peculiares.
32
FALZEDER, Ernst. The complete correspondence of Sigmund Freud and Karl
Abraham. London: Karnac Books, 2002, p. 292, tradução minha.
Esta excitação intensa pode ser convertida para o
corpo, importante veículo das memórias do trauma,
33
gerando
sintomas aparentemente semelhantes aos sintomas conversivos
histéricos, mas que carregam a marca do acontecimento
excessivo. Isto pode acontecer sem que haja, necessariamente,
complacência somática. Podem ocorrer tremores, paresias
espasmódicas, rigidez nos movimentos ou evitação de certos
movimentos que estiveram presentes no momento do trauma, à
maneira de uma fobia, indicando que o quantum afetivo
parcialmente não liquidado permaneceu ativo na vida psíquica
inconsciente.
Pode haver angústia intensa ou medo em frente à
possibilidade de repetição traumática, como um mecanismo
defensivo do indivíduo.
O traumatizado tende a se expor a situações
semelhantes à situação traumática original para dominá-la, sem
33
Sándor
Ferenczi insere a hipótese de um “sistema mnêmico do ego”, cuja tarefa é
registrar constantemente os processos psíquicos ou somáticos do próprio indivíduo, que
pertence ao inconsciente, mas transbordaria no pré-consciente e no consciente. O sistema
mnêmico do ego é um depósito de excitação pulsional que fornece, mesmo depois do
desaparecimento total das seqüelas da lesão externa, a percepção interna de uma
excitação desagradável. FERENCZI, Sándor (1921). Reflexões psicanalíticas sobre o
tique. Obras Completas, III, p. 88.
consciência disso, usando o mecanismo “traumatofilia
inconsciente”.
34
O trauma provoca lesões no ego e feridas no
narcisismo, acarretando um desequilíbrio entre investimentos
objetais e narcísicos e estase de libido no ego. O traumatizado
pode apresentar sintomas que evidenciam a retirada de libido do
mundo externo, hipersensibilidade do ego e fixação no
narcisismo infantil. Tais sintomas podem ser auto-erotismo
exacerbado, depressão hipocondríaca, pusilanimidade,
incapacidade de suportar sofrimentos ou esforços e desprazeres
morais ou físicos, angústia e excitabilidade elevadas, com
tendência para acessos de raiva, e fuga de idéias, e a
necessidade de contrariar e opor-se aos outros.
Efeitos traumáticos podem existir em quadros de
neurose, complicando as vivências edípicas, dado o
recrudescimento do narcisismo.
35
34
FERENCZI, Sándor (1916). Dois tipos de neurose de guerra. Obras Completas, II, p.
271.
35
FERENCZI, Sándor. (1929) A criança mal-acolhida e sua pulsão de morte. Obras
completas, IV, p. 51.
Todas essas descrições sobre o trauma serão usadas por Ferenczi para
caracterizar estados psíquicos de pacientes traumatizados na infância,
quando o aparelho psíquico, ainda em formação, é incapaz de absorver o
impacto de um evento – ou vários – incompreensível e excessivo.
1. As influências do contexto social e os traumas gerados nas relações entre
pais e filhos
Examino a seguir uma das linhas de pesquisa de Sándor Ferenczi sobre
o trauma, qual seja, a influência do contexto social e familiar no
adoecimento mental, através principalmente dos textos Psicanálise e
Pedagogia” (1908),
Fé, incredulidade e convicção” (1913), “As fantasias
provocadas” (1924), A adaptação da família à criança” (1927) e A
criança-mal acolhida e sua pulsão de morte” (1929). Estes textos são
especialmente importantes para considerarmos possíveis traumas gerados na
criança em suas relações familiares. Pretendo assim agregar elementos para
embasar a idéia de que a indiferença materna e paterna durante a infância
traduzida em falta ou empobrecimento excessivo do contato afetivo,
corporal e verbal com a mãe e o pai e deficiência no reconhecimento pelos
pais das necessidades materiais e afetivas da criança, e a alternância desta
indiferença com medidas punitivas violentas, terrorismo do sofrimento
36
e
educação repressora dos impulsos libidinais e agressivos da criança – podem
ser fatores traumáticos no desenvolvimento psíquico de uma criança,
conforme observei nos sujeitos deste estudo.
Em sua primeira participação em um Congresso de Psicanálise, que se
deu em Salzburg, em 1908, a luta de Ferenczi contra a mentira e a hipocrisia
na educação da época é evidenciada. Ele profere a palestra Psicanálise e
Pedagogia”
37
, em cuja abertura diz:
O estudo das obras de Freud e as análises pessoalmente efetuadas podem convencer
todos nós de que uma educação defeituosa é não a origem de defeitos de caráter,
36
Definição adiante na página 30.
37
Sobre esse texto, Fábio Landa afirma que Ferenczi lança as bases de todo um programa
de trabalho teórico, e aqui se observa a presença dos temas que serão constantes em sua
obra até seu último artigo, “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”, quais
sejam, a criança, a mentira, a influência do ambiente e as primeiras relações com os pais.
LANDA, Fábio. Ensaio sobre a criação teórica em psicanálise: de Ferenczi a Nicolas
Abraham e Maria Torok. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 22.
mas também de doenças, e de que a pedagogia atual constitui um verdadeiro caldo
de cultura das mais diversas neuroses.
38
A pedagogia, guiada por princípios educativos impróprios que cultivam
a negação das emoções e das idéias, se não causa adoecimento, é
responsável por sofrimentos psíquicos inúteis cujo efeito é tornar a
pena assd é cueade ssuald
profundidade à personalidade e um melhor conhecimento de si mesmo,
contrabalançaria a influência exercida pelo meio desde a infância.
40
Gradualmente, o foco das teorizações do psicanalista húngaro sobre o
trauma passa a ser o cleo familiar, o que o leva a afirmar no texto O
conhecimento do inconsciente”, de 1911, que, “no caso de filhos de pais
neuróticos, cumpre levar em conta as influências psicológicas anormais a
que as crianças estiveram expostas desde a mais tenra idade.”
41
Em um de seus artigos iniciais, “Transferência e introjeção”, de 1909,
Ferenczi já havia comentado a importância dos complexos parentais no
desenvolvimento psíquico da criança. Ao observar que a tendência para ser
hipnotizada vinha do despertar dos afetos de amor ou do temor que a criança
sentia por seus pais (uma espécie de obediência retroativa), percebe que a
obediência espontânea da criança teria um limite variável em cada indivíduo,
e,
[...] quando esse limite é transposto pelas exigências dos pais, quando a pílula
amarga da coerção não está envolta na doçura do amor, a criança retira
prematuramente sua libido dos pais, o que pode levar a uma perturbação brutal do
desenvolvimento psíquico.
42
40
Idem, p. 827ne447792( )-0.14779n41585(.)-0.147 c o
Em 1913, no IV Congresso da Associação Internacional de Psicanálise
em Munique, Ferenczi comenta a eficácia da Psicanálise em diferentes casos
psicopatológicos e a influência da experiência infantil no adoecimento.
43
Ele
evoca a oposição hostil e racionalizada dos pacientes à fala do médico, que
pode ser explicada pela decepção que tais pacientes experimentaram quanto
à confiança que haviam depositado nos detentores da autoridade ou na
realidade do amor deles, o que os teria levado a recalcar sua confiança
primitiva e só deixar transparecer ceticismo.
Ferenczi apresenta suas conclusões: as anomalias da crença
credulidade ilimitada, dúvida patológica ou ceticismo e desconfiança
sistemáticos são sintomas de fixação na fase chamada “mágica ou
projetiva do sentido de realidade.”
44
Esta fase começa quando a criança,
instruída pela experiência, começa a perder a fé em sua onipotência e passa a
suspeitar que existam potências divinas, superiores, de cujos favores convém
assegurar-se para que os gestos mágicos sejam seguidos de efeito; há
renúncia à onipotência de seus próprios desejos, transferida para outras
pessoas. A seguir, a criança decepciona-se quanto à potência e à
benevolência das autoridades superiores; estas também estariam obrigadas a
43
FERENCZI, Sándor (1913). Fé, incredulidade e convicção sob o ângulo da psicologia
médica. Obras Completas, II, passim.
obedecer a poderes superiores. Essa última decepção corresponderia à “fase
científica do sentido de realidade.”
45
A criança perde a crença em sua própria potência quando percebe
que não pode satisfazer exigências pela força de seu desejo: ela precisa
objetivar o mundo externo, reconhecê-lo. O mundo externo opõe-se à sua
vontade, especialmente os outros seres humanos, dotados de vontade própria
e sobre os quais a criança deposita suas fantasias de onipotência. Mas esta
adaptação gradual pode ter suas complicações quando a criança que aceita as
palavras como verídicas, que provêm de seres potentes, é impedida de
verificar as declarações dos adultos, sob pena de castigos e de privação de
amor. Deste tipo de influência educativa nasce uma criança cegamente
crédula diante das declarações de pessoas imponentes. Outro fator a
complicar: o fato dos adultos não restringirem uniformemente a capacidade
de julgamento das crianças. A criança não pode contestar questões sexuais
ou religiosas ou que coloquem em dúvida a autoridade dos adultos. Daqui
surgem indivíduos que sucumbem à ascendência de personalidades fortes,
sem se aventurarem fora dos limites dessas influências.
46
44
FERENCZI, Sándor (1913). Fé, incredulidade e convicção sob o ângulo da psicologia
médica. Obras Completas, II, p. 29.
45
Idem, p. 30.
46
FERENCZI, Sándor (1913). Fé, incredulidade e convicção sob o ângulo da psicologia
médica. Obras Completas, II, p. 32.
Mas o obstáculo mais difícil à credulidade da criança refere-se às suas
sensações subjetivas, que o adulto pode exigir que ela considere como
mau o que lhe parece agradável ou como bom algo que lhe é penoso. Por
isto, quando o paciente segue um tratamento analítico e acolhe as palavras
do analista com ceticismo ou desconfiança, está revivendo a decepção
infantil quanto à sinceridade e à integridade de seus pais e educadores. O
analista que pretende explicar ou convencer torna-se um representante da
imago paterna ou magistral e concentra sobre si todo o ceticismo que esses
personagens suscitaram outrora na criança.”
47
Por outro lado,
[...] quando o paciente vê que tem o direito de ser desconfiado, que seu pensamento
e seus sentimentos não sofrerão nenhuma influência, começa a enxergar a
possibilidade de que possa existir algo de verdadeiro nas falas do médico.
48
Ferenczi observa, em “As fantasias provocadas”, de 1924, que crianças
excessivamente bem-educadas, cujas moções pulsionais sexuais não têm
ocasião de radicarem-se na realidade, cujos gestos são controlados com uma
severidade excessiva, cujos chamados maus hábitos são reprimidos, sem que
47
Idem, p. 35.
as crianças tenham qualquer oportunidade de observar em seu meio e, ainda
menos, de viver algo de ordem sexual,
49
sofrem de menor liberdade de
fantasiar. Por outro lado, contudo, não é aconselhável que a ‘vivência’
exceda um limite. Uma experiência excessiva, precoce demais ou intensa
demais, pode igualmente acarretar o recalcamento e, conjuntamente, a
pobreza da vida de fantasia.”
50
O psicanalista húngaro comenta sobre as famílias onde as
manifestações do auto-erotismo infantil são comumente encaradas como
maus hábitos, ao passo que a criança necessita do reconhecimento do valor
erótico de seus órgãos genitais:
Enquanto a função erótica, ou voluptuosa não é reconhecida, existirá sempre um
abismo entre os pais e seu filho pequeno, e, aos olhos deste, eles continuarão sendo
um ideal inacessível [...]. Os pais não podem crer que a criança experimente em seu
sexo sensações análogas às deles. Quanto à criança, sente-se reprovada por causa de
48
FERENCZI, Sándor (1913). Fé, incredulidade e convicção sob o ângulo da psicologia
médica. Obras Completas, II, p. 37.
49
Freud havia se pronunciado a favor de total franqueza por parte dos adultos em
frente aos questionamentos sexuais das crianças, citando o caso de uma criança de 11
anos, então atormentada por suas curiosidades sexuais, que “ficou doente da neurose que
surge de questões inconscientes não respondidas pensamentos obsessivos”. E
acrescenta em nota de rodapé: “Depois de alguns anos, entretanto, seu pensamento
obsessivo abriu caminho para uma demência precoce”. FREUD, Sigmund (1907). O
esclarecimento sexual das crianças. S.E. IX, p. 136, tradução minha. Posteriormente, ele
afirma sobre os questionamentos infantis em torno da sexualidade: “Esses pensamentos e
dúvidas, entretanto, tornam-se o protótipo de todo trabalho intelectual futuro dirigido à
solução de problemas, e a primeira falha tem um efeito incapacitador sobre todo o futuro
da criança”. FREUD, Sigmund (1908). As teorias sexuais infantis. S.E. IX, p. 219,
tradução minha.
seus modos de reação às exigências da civilização. E Ferenczi coloca muita
ênfase na influência das experiências vividas na formação do caráter da
criança, alertando contra os perigos de tentarmos extirpar prematuramente as
necessidades primitivas da criança.
Em 1927, em A adaptação da família à criança”, Ferenczi pronuncia-
se especificamente sobre o ingresso da criança na sociedade de seus
semelhantes, quando o instinto dos pais parece com freqüência falhar”, e
enumera os traumatismos que considera serem os mais importantes da
infância: o trauma do desmame, do treinamento do asseio pessoal, da
supressão dos ‘maus hábitos’ [suas manifestações de auto-erotismo] e,
finalmente, o mais importante de todos, a passagem da criança à vida
adulta.”
53
No Diário clínico, ele afirma sobre essas condições:
O trauma propriamente dito das crianças é vivenciado em situações em que não há a
preocupação de lhe dar remédio imediato e em que uma adaptação, ou seja, uma
mudança no próprio comportamento delas, lhes é imposta [...]. Se o trauma afeta o
psiquismo ou o corpo sem preparação, ou seja, sem contra-investimento, então age
sobre o corpo e o espírito de um modo destrutivo.
54
Sobre o desmame, a passagem de um modo primitivo de nutrição a uma
mastigação ativa, que envolve mudanças fisiológicas e psicológicas,
53
FERENCZI, Sándor (1928). A adaptação da família à criança. Obras Completas, IV,
p.5.
54
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 105.
Ferenczi afirma: “Um desmame malfeito pode influenciar
desfavoravelmente a relação da criança com os objetos e sua maneira de
obter prazer deles, o que pode assim tornar muito sombria uma grande parte
de sua vida”
55
e deixar impressões profundas, que as crianças no começo
de sua vida são extremamente sensíveis.
Em “A criança mal acolhida e sua pulsão de morte”, de 1929, Ferenczi
aponta outra espécie de trauma que pode acometer as crianças. Trata-se de
situações onde as crianças, quando vêm ao mundo, são hóspedes não bem-
vindos na família”
56
, ou seja, não são investidas libidinalmente de forma
apropriada, o que traria as seguintes conseqüências:
Todos os indícios confirmam que essas crianças registraram bem os sinais
conscientes e inconscientes de aversão, ou de impaciência da mãe, e que sua
vontade de viver viu-se desde então quebrada. Os menores acontecimentos, no
decorrer da vida posterior, eram bastante para suscitar nelas a vontade de morrer,
mesmo que fosse compensada por uma forte tensão da vontade. Pessimismo moral e
filosófico, ceticismo e desconfiança, tornaram-se os traços de caráter mais salientes
desses indivíduos. Podia-se falar também de nostalgia, apenas velada, da ternura
(passiva), inapetência para o trabalho, incapacidade para sustentar um esforço
55
Idem.
56
FERENCZI, Sándor (1929). A criança mal-acolhida e sua pulsão de morte. Obras
Completas, IV, p. 48.
prolongado; portanto, um certo grau de infantilismo emocional, naturalmente não
sem algumas tentativas de consolidação forçada do caráter.
57
E a seguir completa:
Eu queria apenas indicar a probabilidade do fato de que crianças acolhidas com
rudeza e sem carinho morrem facilmente e de bom grado. Ou utilizam um dos
numerosos meios orgânicos para desaparecer rapidamente ou, se escapam a esse
destino, conservarão um certo pessimismo e aversão à vida. A força vital que resiste
às dificuldades da vida não é, portanto, muito forte no nascimento; segundo parece,
ela só se reforça após a imunização progressiva contra os atentados físicos e
psíquicos, por meio de um tratamento e de uma educação conduzidos com tato.
58
Sem isto, as pulsões de morte acabariam por predominar. Se a tendência
para a autodestruição não predominar, pode haver uma clivagem da própria
personalidade em duas metades, uma das quais desempenha um papel
maternal com a outra.
59
Tudo isto como conseqüência do fato de que a vida
amorosa do recém-nascido começa no modo da passividade completa. A
retirada do amor conduz inegavelmente a sentimentos de abandono.”
60
Ao citar um caso como exemplo, Ferenczi descreve outras
conseqüências de experimentar a falta de receptividade e empatia materna:
57
Idem, p. 49.
58
Idem, p. 50.
59
Retomarei esse mecanismo adiante, na página 46.
60
FERENCZI, Sándor (1933). Notas e fragmentos. Obras Completas, IV, p. 238.
Neste caso, como em todos os outros, o conflito edipiano constituía, naturalmente,
uma prova de força; ela não estava à altura para ee8(n)-0.295585(a)344(e)3.d844(e)3.74(s)-1.2312.74(o)-0.295585(n2768ã )-733731879(e)3ã mendpueast2e6295.29558723(f)1d585( )-70.1879(e)3.74(d)-0.293142(i)]TJd marrr0.2924-091daaa
Contudo, a partir de 1929, em “Princípio de relaxamento e
neocatarse”, o trauma é abordado especialmente em seu aspecto sexual. Daí
em diante, todos os textos tratam do trauma da sedução real de uma criança
por um adulto e seus efeitos. Usarei principalmente os textos Princípio de
relaxamento e neocatarse” (1929), Análise de crianças com adultos” (1931)
e “Confusão de línguas entre os adultos e a criança (A linguagem da ternura
e da paixão)” (1933), com a intenção de examinar a descrição de tal
traumatismo e, principalmente, suas conseqüências psíquicas, já que neles
Ferenczi descreve algumas defesas típicas de pacientes traumatizados, que
encontrei também em meus atendimentos clínicos apresentados nesta
pesquisa, ainda que meus pacientes não tenham manifestado indicações de
sedução real na infância. Também utilizarei alguns artigos póstumos e
reflexões extraídas do Diário clínico de Sándor Ferenczi.
2. Os traumas derivados de seduções reais
“O que é traumático é o imprevisto, o inexplorável, o incalculável.”
63
Em 1932, apesar dos protestos de Sigmund Freud
64
, Ferenczi apresenta
o texto Confusão de línguas entre os adultos e a criança”, no XII Congresso
63
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 215.
Internacional de Psicanálise em Wiesbaden. A oposição de seu mestre estava
relacionada principalmente às mudanças técnicas propostas por Ferenczi, à
sua recusa em assumir a presidência da Associação Internacional de
Psicanálise e à retomada do tema da sedução
65
, muito embora Ferenczi não
tenha recolocado o trauma no centro da etiologia neurótica, mas salientado a
importância do traumatismo como fator patogênico.
66
Em seu trabalho clínico nos últimos anos de vida, Ferenczi encontra
pacientes em cujo passado houve uma sedução sexual de importância
patogênica evidente. A sedução teria ocorrido da seguinte maneira:
Um adulto e uma criança amam-se; a criança tem fantasias lúdicas, como
desempenhar um papel maternal em relação ao adulto. O jogo pode assumir uma
64
Paul Roazen afirma que, apesar de Freud ter pedido para Ferenczi não apresentar o
texto, que não faria bem à sua reputação, não houve uma ruptura final entre os dois nem
mesmo na longa correspondência (a mais longa de Freud, 2.500 cartas), embora seu
último encontro tenha sido tenso, tendo Freud se retirado da sala sem despedir-se de
Ferenczi. ROAZEN, Paul. Freud and his Followers, New York: Knopf, 1975. p. 368.
Peter Gay também confirma isso, cf. GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 520. Ver também as cartas de 1.233 até
1.238, do período em torno do Congresso. FALZEDER, Ernst. The correspondence of
Sigmund Freud and Sándor Ferenczi: 1920-1933. London: The Belknap Press of Harvard
University Press, 2000. v. 3, p. 441-445.
65
Antoni TALARN rejeita totalmente essa hipótese: “Uma leitura atenta da obra
ferencziana impede-nos de considerar que se trata de um simples retorno à abandonada
teoria freudiana”. TALARN, Antoni. Sándor Ferenczi: el mejor discípulo de Freud.
Madrid: Biblioteca Nueva, 2003, p. 242, tradução minha. André Haynal assinala que as
idéias ferenczianas sobre o trauma poderiam ser consideradas complementares às de
Freud. HAYNAL, André. Disappearing and Reviving: Sándor Ferenczi in the History of
Psychanalysis. London: Karnac, 2002, p. 26.
66
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 101.
forma erótica, mas conserva-se, porém, sempre no nível da ternura. Não é o que se
passa com os adultos se tiverem tendências psicopatológicas, sobretudo se seu
equilíbrio ou seu autodomínio foram perturbados por qualquer infortúnio, pelo uso
de substâncias tóxicas. Confundem as brincadeiras infantis com os desejos de uma
pessoa que atingiu a maturidade sexual e deixam-se arrastar para a prática de atos
sexuais sem pensar nas conseqüências.
67
Nesta situação de abuso sexual evidencia-se uma “tendência incestuosa
dos adultos, recalcada e que assume a máscara da ternura.”
68
Este seria o
primeiro momento do trauma, no qual o adulto confunde a linguagem de
ternura da criança
69
com sua própria, a linguagem da paixão. A reação da
criança frágil e amedrontada é submeter-se à vontade do agressor,
esquecendo-se de si mesma, adivinhando seus desejos e identificando-se
totalmente com ele, o que quer dizer que o agressor torna-se intrapsíquico:
67
Idem.
68
FERENCZI, Sándor (1930). Princípio de relaxamento e neocatarse. Obras Completas,
IV, p. 64.
69
Contra a crítica de apresentar uma versão inocente da infância, podemos recorrer às
palavras de Ferenczi: “O fato de que existe uma sexualidade infantil permanece
evidentemente intangível, mas uma grande parte do que se apresenta como passional na
sexualidade infantil poderia ser a conseqüência secundária de uma violência passional
dos adultos imposta às crianças contra a vontade delas, implantada de certo modo
artificialmente nas crianças. [...] As crianças nada mais pedem do que ser tratadas
delicadamente, com ternura e doçura”. FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo:
Martins Fontes, 1990, p. 115. Ferenczi não negou a sexualidade infantil e não afirmou
que toda ela seria conseqüência da violência passional dos adultos. Afirma, a meu ver,
que o objetivo sexual da criança não é o mesmo do adulto, qual seja, o encontro de
genitais. O texto A criança mal-acolhida e sua pulsão de morte (1929), cujo tema central
são as manifestações da pulsão de morte em crianças, atesta também a idéia de que
Ferenczi não desconsiderou a presença da pulsão de morte no universo infantil, tendo
“A personalidade ainda fracamente desenvolvida reage ao brusco desprazer
não pela defesa, mas pela identificação ansiosa e a introjeção daquele que a
ameaça e a agride.”
70
Não é o agressor quem é introjetado, mas o
sentimento de culpa deste e também seu ódio, de maneira que a confiança da
criança no testemunho de seus sentidos está desfeita. A criança acredita
que ela mesma seja maldosa, responsável pelo abuso: “uma parte de sua
pessoa é posta ‘fora dela’, e o lugar que assim se esvaziou é ocupado pela
vontade de quem a aterrorizou.”
71
A partir daí,
[...] tudo se passa como se o psiquismo, cuja única função consiste em reduzir as
tensões emocionais e evitar as dores no momento da morte de sua própria pessoa,
transferisse sua função de apaziguamento do sofrimento automaticamente para as
tensões, sofrimentos e paixões do agressor, [...], isto é, passa a identificar-se com
aqueles.
72
Neste caso, a criança sente que é mais seguro aceitar o sentimento de
culpa do que abrir mão do adulto que ama e, através da permanência do
objeto amado, tenta recuperar o estado de ternura anterior ao trauma. Assim,
apenas operado um recorte focalizado na agressão do adulto e seu impacto sobre a
sexualidade da infância.
70
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 103.
71
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 80. Trata-se
da descrição feita pela paciente S. I., cuja mãe cometeu uma agressão tresloucada e
pavorosa contra a criança adormecida, por causa de uma atividade masturbatória
praticada durante o sono. Esta mãe tinha o hábito de espancar atrozmente seus filhos
pequenos.
o agressor torna-se o posseiro do ego”
73
ou de regiões dele, gerando partes
separadas. O objeto da identificação usurpa o espaço egóico e toma posse
deste lugar como se assumisse a fala da criança.”
74
Esta defesa, de
identificação com o agressor
75
, observei nos quatro sujeitos que apresento na
presente pesquisa. Eles evidenciaram posturas masoquistas e muita culpa,
bem como acentuada tendência à identificação comigo, com minhas falas e
supostos pensamentos, já que a defesa de identificação com o agressor
posteriormente pode se desdobrar em uma inclinação para se identificar
facilmente com outras pessoas, obliterando a própria vida, e a captar os
sentimentos e desejos das pessoas ao redor de maneira acentuada.
76
Concomitantemente, nossa relação analítica estava também invadida por um
sentimento de que eu poderia constantemente atuar com onipotência, tanto
para julgá-los como para fornecer soluções mágicas aos seus problemas,
como um reflexo de sua obediência automatizada gerada pela identificação
com o agressor. Seu masoquismo podia atingir um grau impressionante,
72
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 142.
73
PINHEIRO, Teresa. Ferenczi: do grito à palavra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.
83.
74
Idem.
75
Essa é de fato a noção de identificação com o agressor de Ferenczi, diferente do que foi
posteriormente descrito por Anna Freud, em 1936, quando o indivíduo passar a agir
agressivamente, imitando física ou moralmente a pessoa do agressor: o agredido faz-se
agressor. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes, 1996, p. 230.
como se fossem merecedores das piores relações, das experiências mais
humilhantes e mais intensas dores psíquicas.
Ainda sobre o trauma, Ferenczi aponta que um segundo momento,
quando o adulto agressor, ou outro adulto que poderia ajudar, comporta-se
como se nada tivesse acontecido e ignora os pedidos de ajuda da criança,
que se vê então em risco de perder as relações das quais precisa a menos que
apague o que viveu:
77
“O comportamento dos adultos em relação à criança
que sofreu o traumatismo faz parte do modo de ação psíquica do trauma.”
78
São duas surpresas excessivas: a violência sexual e a reação de desmentido
do adulto. O desmentido coloca em dúvida o que aconteceu, e a criança
hesita a respeito de sua própria percepção. Ferenczi acredita que “esses
choques graves são superados, sem amnésia nem seqüelas neuróticas, se a
mãe estiver presente, com toda a sua compreensão, sua ternura e, o que é
mais raro, uma total sinceridade.”
79
No entanto,
76
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, passim.
77
Lucia B. Fuks aponta que a criança resiste a contar o que lhe aconteceu principalmente
por temer a perda do afeto do abusador, e “o silêncio da menina é proporcional ao grau de
proximidade com o agressor. Quanto menor for a lealdade que sentir pelo agressor, maior
a possibilidade da denúncia: fala-se menos quando o abusador é o pai natural e existe um
vínculo afetivo com ele, para além do medo”. FUKS, Lucia B. “Abuso sexual de crianças
na família: reflexões psicanalíticas”. Percurso: Revista de Psicanálise, São Paulo, ano X,
1º sem. de 1998, n. 20, p. 120-126, p. 125.
78
FERENCZI, Sándor (1934). Reflexões sobre o trauma. Obras Completas, IV, p. 111.
79
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV, p.
80.
[...] na maioria dos casos de trauma infantil, os pais não têm nenhum interesse em
gravar os incidentes no espírito da criança, pelo contrário [...]. Essas coisas são
simplesmente recobertas por um silêncio de morte, as leves alusões da criança são
ignoradas ou mesmo rejeitadas como incongruentes, e isso com o total consenso de
todo o meio e de um modo tão sistemático que, diante disso, a criança cede e deixa
de poder sustentar a sua própria opinião a tal respeito.
80
Na clínica, vejo que, freqüentemente, este adulto que foi traumatizado
na fase infantil sente sua vida emocional como falsa e suspeita, não confia
em suas próprias percepções e avaliações do mundo externo, acompanha-o
um sentimento de não autenticidade quanto ao seu próprio comportamento e
lhe faltam convicções fortes sobre suas crenças.
81
Com esses pacientes,
ocupo, por vezes e temporariamente, o lugar de alguém que poderia
legitimar suas percepções e lembranças, até que posteriormente possam
fazê-lo por si mesmos, utilizando-me da tendência que têm de serem
crédulos em frente a uma figura que julgam ser onipotente.
Sobre o choque psíquico no momento de um trauma sexual, Ferenczi
afirma:
[...] é equivalente à aniquilação do sentimento de si, da capacidade de resistir, agir e
pensar com vistas à defesa do si mesmo [soi]. Também pode acontecer que os
80
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 58.
81
FRANKEL, Jay. “La découverte impardonnable de Ferenczi”. Le Coq-Héron, Paris:
Érès Editions, 2003, n. 174, p. 57-70, p. 60.
órgãos que asseguram a preservação do si mesmo abandonem ou, pelo menos,
reduzam suas funções ao extremo.
82
Posteriormente, a reação psíquica diante do choque diminui,
acompanhada de passividade e paralisia, de maneira que a detenção da
percepção e do pensamento fica prejudicada, o que pode ter como
conseqüência a inacessibilidade do choque psíquico à memória.
Outras possíveis conseqüências imediatas desta comoção psíquica são:
angústia incompreensível e insuportável, seguida de uma ruptura parcial
com a realidade, que provoca, por um lado, uma “forma de alucinação
negativa (perda de consciência ou desmaio histérico, vertigem)”
83
e, por
outro lado, uma compensação alucinatória positiva imediata que a ilusão
de prazer.”
84
Desta ruptura com a realidade podem se estabelecer clivagens
do ego, que continuarão existindo mesmo quando o choque traumático se
esgotar. Falarei sobre elas a seguir para caracterizar estados psíquicos que se
evidenciaram no tratamento analítico de Isabela, Ana, Luzia e Renato, que
apresentarei no próximo capítulo.
82
FERENCZI, Sándor (1934). Reflexões sobre o trauma. Obras Completas, IV, p. 109.
83
FERENCZI, Sándor (1930). Princípio de relaxamento e neocatarse. Obras Completas,
IV, p. 64.
84
Idem. Segundo Mijolla, a alucinação negativa é o apagamento ativo de uma percepção
que leva o sujeito a negligenciá-la, fazendo aparecer um hiato na realidade ou uma
impressão mais vaga de irrealidade. Para Ferenczi, ela é uma proteção narcísica diante do
afluxo traumático de excitações seguida pela produção compensatória de alucinações
positivas. MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise. Rio de Janeiro:
Imago, 2005, p. 70.
3. A clivagem psíquica como conseqüência do trauma
Para compreender melhor a noção de clivagem, recorri primeiramente a
Freud. No texto Neurose e psicose” (1924 [1923]), ele observa que o ego é
capaz de deformar-se, de maneira defensiva, “até talvez efetuando uma
clivagem ou divisão de si mesmo.”
85
Em “A perda de realidade na neurose e
na psicose” (1924), descreve que um distúrbio na relação do ego com a
realidade pode existir na neurose e na psicose: “Então vemos que em ambas,
neurose e psicose, considera-se a questão não somente da perda de
realidade, mas também de um substituto da realidade.
86
A diferença é que
na psicose o substituto da realidade é imaginário e alucinatório, enquanto na
neurose ele é fantasioso e não implica desligamento total da realidade.
Mais tarde, em 1927, Freud afirma, no texto O fetichismo”, que a
clivagem do ego pode ser encontrada em muitas situações em que o ego tem
a necessidade de construir uma defesa, não somente por meio da recusa
(Verleugnung), mas também pelo recalque, conforme ressalta o editor.
87
No
mesmo texto, Freud cita o exemplo de um jovem que não reconheceu a
morte do pai e mesmo assim não desenvolveu uma psicose, e sim uma
neurose obsessiva na qual conviviam duas partes clivadas do ego, uma
guiada pelo desejo de não ter perdido o pai e a outra guiada pela realidade.
88
85
FREUD, Sigmund (1924a). Neurose e psicose. S.E. XIX, p. 152, tradução minha.
86
FREUD, Sigmund (1924b). A perda da realidade na neurose e na psicose. S.E. XIX, p.
187, tradução minha, grifos do autor.
87
FREUD, Sigmund (1927). O fetichismo. S.E. XIX, p. 151. Bernard Penot discute as
traduções de Verleugnung e ressalta: “[...] para Freud, a recusa é sempre recusa da
realidade.” PENOT, Bernard. Figuras da recusa aquém do negativo. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992, p. 15.
88
FREUD, Sigmund (1927). O fetichismo. S.E. XIX, p. 157.
Por outro lado, Kaufmann
89
e Roudinesco e Plon
90
indicam que o termo
se particulariza na obra freudiana a partir do artigo sobre o fetichismo,
descrevendo um mecanismo altamente específico, operante essencialmente
em face à castração materna.
No texto “A clivagem do ego no processo de defesa” (1940 [1938]),
Freud acrescenta que a clivagem acontece “sob a influência de um trauma
psíquico”
91
, apesar das funções sintéticas do ego. No mesmo texto, observa
que estas funções de importância extraordinária estão sujeitas às condições
particulares e são vulneráveis a um grande número de distúrbios.
92
Laplanche e Pontalis
93
sintetizam que a expressão clivagem do ego ou
do eu (Ichspaltung) é usada por Freud para designar o fenômeno da
coexistência, no seio do ego, de duas atitudes psíquicas para com a realidade
exterior quando esta contraria uma exigência pulsional, sendo que as duas
atitudes persistem lado a lado sem se influenciarem reciprocamente. De
acordo com Figueiredo, é a partir da década de 20 que Freud
89
KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e
Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 83.
90
ROUDINESCO, E. & PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998, p. 121.
91
FREUD, Sigmund (1940). A clivagem do ego no processo de defesa. S.E. XXIII, p.
275, tradução minha.
92
Idem, p. 276.
93
LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 65.
[...] trata em maior profundidade da cisão do eu (Ichspaltung) como uma defesa
primitiva radical contra os riscos impostos à integridade narcísica do indivíduo. O
resultado desse modo de lidar com as experiências traumáticas poderá ser uma
crescente separação entre correntes de desenvolvimento psíquico’ que se tornam
cada vez mais afastadas umas da outras, instalando uma duplicidade no aparelho
mental e nas suas formas de lidar com a realidade externa. A essa defesa Freud
denominou Verleugnung, o que tem sido traduzido como disavowal, déni,
renegación, desmentido, desautorização e recusa.
94
Figueiredo compreende a clivagem e o recalcamento como modos
distintos de lidar com o intolerável, o inadmissível, o ambivalente ou
incompatível na experiência humana:
No primeiro caso, criam-se barreiras verticais que mantêm lado a lado porções
segregadas da realidade objetiva e da subjetividade; no segundo, criam-se barreiras
horizontais em que partes da experiência (representações, mas também afetos) são
excluídas da consciência e “soterradas”.
95
Para ele, as clivagens (ou cisões) cumprem uma tarefa básica de
proteção que impede que o conflito e suas tensões se instalem no
psiquismo.
96
Ele defende a utilização do termo ‘desautorização’ para traduzir
Verleugnung, o mecanismo que Freud coloca como central no fetichismo e
94
FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 20.
95
FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p.16.
96
Idem.
na psicose, já que o termo destaca a “interrupção de um processo pela
eliminação da eficácia transitiva de um dos seus elos.”
97
Neste ponto de
vista, a percepção traumática não é negada; sua imagem é efetivamente
formada, mas se torna de alguma forma ineficaz, anulada em sua autoridade
e mantida “isolada do processo perceptivo e das suas conexões naturais com
os processos mnêmicos e de simbolização.”
98
Na descrição do autor:
A realidade do acontecimento traumático não é, assim, totalmente ignorada, o que
poderia ser sugerido pelo termo ‘recusa’: o que se passa é que ela não recebe a
autorização para se transformar em experiência em um campo subjetivo
relativamente unificado e ramificado, aberto às metabolizações, metaforizações e
disseminações. Nessa medida, o episódio traumatizante desautorizado não impõe
uma transformação radical no conjunto da experiência (que tende a permanecer
intacto), mas passa a existir em uma área separada, paralela e incomunicável, ele
também intacto e inacessível.
99
Mas o mecanismo pode ser inapropriado, uma vez que a desautorização
da transitividade da percepção tende a repor infinitas vezes os antecedentes
de uma experiência traumática sem permitir que alguma elaboração
ocorra.
100
Assim, a sucessão de retornos das ‘quase-coisas’ como o autor
se refere ao conteúdo clivado] geradas pela desautorização é muito mais
perturbadora que o retorno do recalcado a que estamos acostumados na
97
Idem, p. 59.
98
Idem, p. 60.
99
Idem, p. 20.
neurose”, e “as ‘quase-coisas’ que retornam indigestas e fora de controle
geram uma nebulosa de informações”
101
que, por estarem desligadas uma
das outras, acabam produzindo, nos casos menos graves, um estado crônico
de confusão e, nos casos ou momentos de maior comprometimento, uma
sensação premente de ameaça, de características demoníacas e persecutórias,
como observei nos sujeitos desta pesquisa.
Mais contribuições traz o psicanalista Claude Le Guen que observa que
as memórias traumáticas são muitas vezes destituídas de seu conteúdo
fantasístico. Ele enfatiza que estas memórias que parecem ter sido cindidas e
não metabolizadas,
[...] essas cenas se encontram obliteradas pela sua realidade, pelo realismo de sua
crueza e da sua atrocidade, pela verdade e autenticidade do seu retorno na memória,
que desnaturam a fantasia. Essa própria fantasia, numa honesta cena originária,
deveria justamente acompanhar tais cenas, até realmente as produzir. Isso daria à
fantasia essa liberdade na expressão que assegura a sua metabolização e permite,
por exemplo e principalmente, organizar o Édipo na história pessoal. Não havia ali,
portanto, uma fantasia que pudesse ser trabalhada pelo recalque; na verdade, havia
traços mnêmicos que haviam se tornado objeto de ataque pela denegação
.
102
100
FIGUEIREDO, Luis C.
4. As figuras da clivagem segundo Sándor Ferenczi
Ferenczi utiliza a noção de clivagem no sentido de uma separação
dentro do próprio ego reativa ao trauma, especialmente ao falar da
identificação com o agressor, da clivagem narcísica (ou autoclivagem
narcísica) e da prematuração ou progressão traumática patológica. A partir
de sua prática clínica, Ferenczi hipotetiza algumas versões para o
mecanismo da clivagem, que gera modos radicais e fixos de defesa em frente
à realidade traumática.
Ele considera que, em frente a uma situação traumática, pode acontecer
reativamente uma clivagem de parte do ego sob o efeito do choque a
autoclivagem ou clivagem narcísica
103
e define que “essa parte clivada
sobrevive em segredo e esforça-se constantemente por manifestar-se sem
encontrar outra saída senão, por exemplo, os sintomas neuróticos.”
104
Ilustrativamente, Ferenczi comenta que, em sua clínica, a clivagem podia ser
percebida através de sonhos e fantasias nos quais partes do corpo tornam-se
representantes da pessoa toda ou nos quais a cabeça aparece separada do
resto do corpo ou ligada por um fio. Essas imagens seriam representações da
clivagem da pessoa em uma parte sensível e destruída e outra parte que sabe
tudo, mas pouco sente
105
, congelada emocionalmente.
Ferenczi fala sobre os efeitos da clivagem narcísica utilizando a figura
do teratoma (um tumor formado por uma combinação heterogênea de
tecidos, freqüentemente encontrado nos ovários e testículos de adultos e na
região sacrococcígea de crianças; podem ser benignos ou malignos): “uma
103
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 77.
104
Idem.
parte do corpo, escondida, esconde as parcelas de um meo cujo
desenvolvimento foi inibido.”
106
Nesta pessoa, depois da clivagem haveria
uma parte infantil da personalidade, aquela que foi traumatizada, mas
também outra parte, que conseguiu escapar às inibições do desenvolvimento
e tornar-se adulta, embora bastante paralisada emocionalmente. A idéia é
que, em frente a um sofrimento extraordinário e uma angústia que
transborda as defesas do sujeito, a personalidade se divide: o fragmento
que sofre inconscientemente e há aquele que se adapta para que a vida
psíquica continue acontecendo. Ele caracteriza esta situação de bipartição
permanente da vida psíquica:
Teoricamente pode-se esperar uma pavorosa confusão quando uma criança sensível
nesse sentido e nesse grau é influenciada por um adulto desequilibrado, doente
mental. [...] mas conserva a sua própria pessoa, desde o começo, separada da
anormal (neste ponto, acesso à bipartição permanente da pessoa). O elemento da
personalidade que foi expulso de seu próprio âmbito representa essa verdadeira
pessoa originária, que protesta incessantemente contra toda a normalidade e sofre
terrivelmente com isso. Essa pessoa sofredora protege-se, pela formação de
alucinações de realização de desejos, contra a percepção da triste realidade, triste na
medida em que a vontade estranha e má investe todo o ser psíquico e físico
(possessão).
107
105
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 77.
106
FERENCZI, Sándor (1930). Princípio de relaxamento e neocatarse. Obras Completas,
IV, p. 66.
107
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 118.
Em casos extremos de agressões sexuais repetidas, a sucessão de
traumas pode gerar o estado chamado de atomização, onde convive grande
número de fragmentos clivados, que se comportam como personalidades
distintas e desconhecidas entre si.
108
Ferenczi supõe outra conseqüência para uma situação traumática. A
aflição extrema pela qual passou a criança traumatizada sexualmente pode
ter o poder de despertar e ativar disposições latentes, de maneira que ela
passa a manifestar as emoções e o intelecto de uma pessoa mais madura, em
uma prematuração patológica. Para descrever esta situação, Ferenczi vale-se
da figura onírica do bebê sábio que, à maneira de uma aberração, põe-se
subitamente a falar e mostrar sua sabedoria para todos os adultos enfurecidos
e de certa maneira enlouquecidos que estão à sua volta, transformando-se em
psiquiatra deles.
109
O bebê sábio é resultado de um perigo vital que “força
um amadurecimento precoce”
110
por meio de um mecanismo defensivo:
Ao lado da fuga diante da realidade no sentido regressivo, também uma fuga no
sentido progressivo, um desenvolvimento súbito da inteligência, até da
clarividência, em suma, uma fuga para a frente, uma eclosão das possibilidades
108
Antoni Talarn observa que hoje, no campo psicanalítico, chamamos este estado de
fragmentação psicótica. TALARN, Antoni. Sándor Ferenczi: el mejor discípulo de
Freud. Madrid: Biblioteca Nueva, 2003, p. 252, tradução minha.
109
Michael Balint, que foi analisando, amigo, discípulo, herdeiro e executor literário de
Ferenczi, aplicou a noção do bebê sábio para a criança em estado pós-traumático que
possui um saber efetivo acerca da sexualidade dos adultos. Cf. SABOURIN, Pierre.
Posfácio. FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990,
p. 269.
110
FERENCZI, Sándor (1933). Notas e fragmentos. Obras Completas, IV, p. 278.
evolutivas, virtualmente inscritas, mas até o presente momento inutilizadas no plano
funcional; por assim dizer, um brusco envelhecimento.
111
Assim, as superperformances intelectuais surpreendentes podem
emergir da interrupção ou destruição parcial dos processos de percepção, de
defesa e de proteção conscientes, psíquicos e corporais, como
[...] a avaliação mais precisa de todos os fatores dados, internos e externos,
permitindo apreender a única possibilidade correta, ou a única que resta; um
balanço mais exato das possibilidades psicológicas próprias e estranhas, sob o
aspecto tanto quantitativo quanto qualitativo.
112
Por outro lado, a figura do bebê sábio corresponde àquela parte clivada
da personalidade que, a partir do trauma, tenta curar a si mesma: “uma parte
da sua própria pessoa começa a desempenhar o papel da mãe ou do pai com
a outra parte.”
113
Na gênese desta autoclivagem narcísica, o processo é
“como se, sob a pressão de um perigo iminente, um fragmento de nós
111
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 251.
112
FERENCZI, Sándor (1933). Notas e fragmentos. Obras Completas, IV, p. 254.
113
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 76. Sobre esse texto e as idéias que trouxe sobre a clivagem, Freud comentou em 16 de
setembro de 1930: “As novas idéias sobre a fragmentação traumática da vida mental que
você indicou parecem ser muito inventivas e têm algo da grande característica da teoria
da genitalidade. Eu somente acho que não se pode falar de trauma na extraordinária
atividade sintética do ego sem tratar da cicatriz reativa junto. Essa última, é claro,
também produz o que vemos; devemos tornar os traumas acessíveis”. FALZEDER, Ernst.
The correspondence of Sigmund Freud and Sándor Ferenczi: 1920-1933. London: The
Belknap Press of Harvard University Press, 2000. v. 3., carta 1.195, p. 399.
mesmos se cindisse sob a forma de instância autoperceptiva que quer acudir
em ajuda, e isso, talvez, desde os primeiros anos da infância.”
114
A figura do bebê sábio corresponde também ao impulso, presente
naquele que foi traumatizado, de cuidar das pessoas que o cercam: “Também
tendem a cercar maternalmente os outros; manifestamente, estendem assim a
outros os conhecimentos adquiridos a duras penas, ao longo do tratamento,
sobre o seu próprio sofrimento; tornam-se indivíduos bons e prestimosos.”
115
Entretanto, como eu pude observar na clínica, “nem todos conseguem levar
tão longe o controle de sua própria dor, ficando alguns fixados na auto-
observação e na hipocondria.”
116
5. O problema da inscrição psíquica do trauma
114
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 78.
115
Idem.
116
Idem.
Não uniformidade no pensamento ferencziano sobre o destino das
memórias dos eventos traumáticos. Knoblock
117
indica que nos últimos
escritos de Ferenczi e em seu Diário clínico, sobre a memória do trauma,
[...] uma discussão constante entre saber: a) se é possível a rememoração, o que
significaria que houve inscrição do acontecimento e, portanto, sua representação
poderia ser evocada; ou b) se, ao contrário, o que se apresenta nos sintomas são
registros de memória corporal, que não podem se tornar representações.
Não explorarei mais profundamente esta questão aqui, mas, com a
leitura do Diário clínico, entendo que Ferenczi reconheceu ambas as
situações: aquelas nas quais, a partir do trauma, há alguma inscrição psíquica
do acontecimento, lado a lado com memórias corporais, e outras cuja
intensidade traumática e precocidade egóica produziram uma conversão
radical e completa da memória psíquica para o corpo. Em diversas
passagens, o autor refere-se à idéia de que no momento do trauma, “não
estando o órgão do pensamento completamente formado, só eram registradas
as lembranças físicas.”
118
Ferenczi chega a cogitar que a memória do evento
pode ficar perdida completamente também nos casos mais extremos desse
117
KNOBLOCH, Felícia. O tempo do traumático. São Paulo: Educ, 1998, p. 67.
118
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 143.
gênero”
119
, que a retirada do seu próprio Ego fora tão completa que até
mesmo a lembrança de todo o episódio se perdeu.”
120
Ele havia começado a hipotetizar, desde o texto “As patoneuroses
(1917), sobre o corpo como veículo da memória do trauma, em um cenário
onde o excesso de excitação e a fragilidade do aparelho impossibilitam a
ligação da invasão pulsional às representações. Quanto mais remotos e mais
intensos os traumas, menor a chance de existirem memórias inconscientes
para serem recuperadas:
[...] os eventos ‘psíquicos’ do passado (infância) podem ter deixado para trás seus
traços mnêmicos somente na linguagem gestual (corporal), incompreensível para o
nosso consciente, sob a forma de ‘mnemos’ orgânico-psíquicos; na época, talvez
não existisse sequer o pré-consciente, apenas reações emocionais (prazer-desprazer)
no corpo (traços mnêmicos subjetivos) de modo que são reproduzidos
fragmentos de acontecimentos exteriores (traumáticos).
121
Então para Ferenczi, muitas vezes, se o trauma é muito intenso ou
precoce, pode não haver nenhum registro no nível psíquico – toda a memória
seria deslocada para o corpo. Isto explicaria, em parte, o excesso de sintomas
corporais em pacientes traumatizados e a ausência de memórias sobre os
traumas. Ainda assim, não podemos esquecer que parte da tentativa de
limitar e controlar o trauma sempre opera no nível simbólico, como
comprovam vários dos mecanismos defensivos.
119
Idem.
Diversamente, Marta Rezende Cardoso considera que “não é concebível
para nós a suposição de uma ausência de qualquer vestígio, no psiquismo, de
mensagens ‘intraduzíveis’”
122
e que “sua situação tópica deve, então ser
definida.”
123
A partir daí, a autora propõe, seguindo as indicações de Jean
Laplanche, um estudo detalhado da metapsicologia do superego, onde supõe
ficarem as inscrições do que chama “enclaves psicóticos”
124
, resultantes de
mensagens enigmáticas enviadas pelo outro”,
125
que não puderam ser
traduzidas pelo psiquismo e permaneceram em situação de “des-ligação.”
126
Em seu estudo, encontrei a suposição de que Ferenczi localizou no superego
as memórias traumáticas ou versões clivadas destas. A autora evoca uma
passagem escrita por Ferenczi na qual ele fala dos filhos de adultos
desequilibrados ou doentes, que exponho a seguir. Lembro que o trecho foi
tirado do Diário clínico e apresenta passagens obscuras, provavelmente por
falta de mais elaboração e pelo fato de que Ferenczi não visava à publicação
destes escritos.
120
Idem.
121
FERENCZI, Sándor (1933). Notas e fragmentos. Obras Completas, IV, p. 271.
122
REZENDE CARDOSO, M. Superego. São Paulo: Escuta, 2002, p. 91. A autora,
baseada em Laplanche, fala do trauma das mensagens inconscientes, sexuais, enigmáticas
e disruptivas transmitidas pelo adulto para a criança, derivadas da sedução originária.
123
Idem.
124
Idem, p. 96.
125
Idem, p. 97.
126
Idem, p. 98.
Devo a diversos pacientes a representação, anotada em outro lugar, segundo a qual
os adultos fazem entrar à força a vontade deles e, mais particularmente, os seus
conteúdos psíquicos de caráter desagradável na pessoal pueril; esses estranhos
transplantes clivados vegetam ao longo da vida na outra pessoa (reciprocamente,
ouço declarações sobre o fato de que as partes expulsas da pessoa pueril são, por
assim dizer, assimiladas pelo dispensador do Superego).
127
Cardoso
128
utiliza para nomear estes transplantes clivados que povoam
o superego o termo ‘transplantes encravados’ e aponta que Ferenczi havia
relacionado clivagem e superego em outros trechos do Diário: “Sugestão,
intimidação, imposição de uma vontade estrangeira com a clivagem da sua
própria que permanece intacta; isso é análogo à influência violenta dos
anestésicos e dos estimulantes: Superego.”
129
E ainda:
faz muito tempo que a paciente chegou à conclusão de que uma grande parte dos
seus sintomas era-lhe, de um modo ou de outro, imposta do exterior. Depois que se
familiarizou com a terminologia psicanalítica, chama a essas sensações, tendências,
deslocamentos, ações impostas, estranhos ao seu próprio Ego, opostos às tendências
desse Ego e nocivos a este: ações do ‘Superego’. Imagina esse pedaço implantado,
estranho ao Ego, de um modo inteiramente material.
130
Baseada nestas passagens e em seus estudos, Cardoso afirma que
Ferenczi apresenta um modelo “suscetível de dar conta daquilo que é mais
estrangeiro no psiquismo, o que ele correlaciona às situações fortemente
127
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 118.
128
REZENDE CARDOSO, M. Superego. São Paulo: Escuta, 2002, p. 118.
129
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 48.
traumáticas.”
131
A autora considera que os aspectos inconciliáveis ou
intraduzíveis jamais integraram o sistema do ego”
132
e, portanto, seria
incompatível trabalhar com a idéia de clivagem do ego. Para ela,
[...] as mensagens ‘intraduzíveis’, não sendo fixadas pelo recalcamento, vão mesmo
assim inscrever-se como marca no sistema psíquico; inscrição que mostra um
caráter singular, porquanto se trata de mensagens não-metabolizáveis, aquém das
representações. Serão incluídas no psiquismo como material encravado. Essa
condição resulta numa dupla impossibilidade: de serem integradas no ego e de
serem recalcadas (campo do id).
133
Devo destacar que a autora citada acima contou com a colaboração de
muitos autores posteriores a Ferenczi para desenvolver suas hipóteses. Ele,
por outro lado, foi bastante pioneiro na tentativa de compreensão destes
fenômenos clínicos, sobre os quais não teorizou de forma completa ou
acabada. Não pretendo aqui esgotar ou aprofundar-me nesta polêmica;
apenas indicar que, a meu ver, Ferenczi não foi conclusivo em suas
afirmações sobre o destino das memórias do trauma.
Em minha clínica, o que percebi é que as memórias traumáticas não
estavam nem remotamente disponíveis nos casos que conto aqui. Em cada
um deles, elas foram construídas a partir de fragmentos e da elaboração de
130
Idem, p. 93.
131
REZENDE CARDOSO, M. Superego. São Paulo: Escuta, 2002, p. 90.
132
Idem, p. 91.
suas derivações e conseqüências, e somente depois de muito trabalho
psíquico e analítico puderam ser integradas à parte consciente do ego. Por
outro lado, os pacientes que apresentei traziam os transplantes clivados,
provavelmente no superego, dado o caráter judicativo, que pareciam
encarnar ou materializar fragmentos de figuras excessivamente más,
idealizadas e sádicas que fizeram parte de sua experiência de vida.
II – FUNDAMENTAÇÃO CLÍNICA: O ADULTO QUE CARREGA EM
SEU MUNDO PSÍQUICO UMA CRIANÇA TRAUMATIZADA
133
Idem.
Freud observou que
[...] o fraco e imaturo ego do primeiro período da infância é permanentemente
avariado pelas pressões colocadas sobre seus esforços em afastar os perigos que são
peculiares a tal período da vida. As crianças estão protegidas contra os perigos que
as ameaçam do mundo externo pela solicitude de seus pais; elas pagam por esta
segurança pelo medo de perda de amor que as deixaria desamparadas em face dos
perigos do mundo externo.
134
O que acontece, então, quando tais pais solícitos não estão presentes?
Sobre tais destinos, discutirei no presente capítulo, no qual apresento quatro
casos clínicos que fundamentam a minha tese anteriormente referida,
segundo a qual a transferência depressivo-masoquista pode estar presente no
tratamento psicanalítico de pessoas cuja história infantil foi marcada por
eventos traumáticos, tais como a indiferença parental generalizada alternada
com medidas punitivas violentas, com o terrorismo do sofrimento e a
educação repressora dos impulsos libidinais e agressivos. Tais eventos
desencadearam reações defensivas patológicas, como a identificação com o
agressor, a clivagem narcísica e a progressão patológica.
Os casos que descrevo aqui, apesar de suas particularidades,
apresentaram em comum as características acima mencionadas, ao longo dos
atendimentos, que considerei bastante peculiares e, grosso modo, muito
diferentes dos outros atendimentos também feitos em minha clínica
psicanalítica particular. Agrupei e descrevi detalhadamente nos próximos
parágrafos os aspectos mais evidentes, constantes e repetitivos em seus
tratamentos, que produziram um movimento transferencial típico, chamado
por mim de transferência depressivo-masoquista. Ela é caracterizada de
forma geral pelo excesso de masoquismo, que gera superdependência em
relação ao meu apoio, amor e aceitação, pela dificuldade extrema na
expressão de tendências agressivas e dos próprios pensamentos, fantasias e
recordações, desenhando um quadro depressivo, e pela presença de um
superego extremamente intransigente regulando as relações do paciente com
a análise e comigo.
O primeiro traço marcante destes pacientes é uma inclinação
masoquista crônica à submissão e obediência geral a mim, a analista,
acompanhada de um sentimento de não autenticidade quanto ao próprio
comportamento e percepções, sentidas como sem valor, falsas ou suspeitas.
constante demanda de confirmação do valor destas percepções e
comportamentos, bem como intensa necessidade de saber o que penso e
sinto sobre eles. Esta inclinação submissa é acompanhada de uma tendência
134
FREUD, Sigmund (1940). Um esboço da Psicanálise. S.E. XXIII, p. 200, tradução
acentuada para identificação inconsciente comigo, para realização das
minhas supostas expectativas relativas ao tratamento e para captar os meus
sentimentos, desejos e reações, apesar da ausência de referências mais
diretas e conscientes à transferência. A necessidade de certificarem-se das
minhas reações e de meu interesse pode ter colaborado para a
impossibilidade de usar o divã durante períodos destes tratamentos. Ficou
evidente a necessidade destes pacientes de se relacionarem comigo como se
eu fosse um representante exigente dos pais, como se precisassem existir
submetidos a uma potência superior
135
, cujo apoio, amor e aceitação são
extremamente importantes, mas cuja punição pode ser excessiva, como nos
quadros de acentuado masoquismo, descritos por Freud
136
, onde há prazer na
dor e elevado sentimento de culpa que procura punição pelas mãos de um
representante do poder parental
137
, figura que é depositada no analista. Está
presente nestes pacientes um excesso de masoquismo do ego, provavelmente
derivado da supressão cultural das pulsões”
138
, que provoca retenção dos
componentes pulsionais destrutivos do sujeito e suas manifestações. Para os
sujeitos desta tese, quando crianças, as figuras parentais mostraram-se
minha.
135
Cf. FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 260.
136
FREUD, Sigmund (1924c). O problema econômico do masoquismo. S.E. XIX, p.
166.
137
Idem, p. 169.
demasiadamente severas e repressoras das manifestações libidinais e
agressivas, o que provavelmente acentuou o masoquismo.
A segunda característica acentuada nestes pacientes é a apresentação de
um estado geral depressivo que Menezes
139
descreve como dominado pela
pobreza e pela monotonia de uma vida psíquica estagnada numa dolorosa
imobilidade. Aqui estou considerando depressão no sentido freudiano do
termo, como um sintoma que pode acometer quadros psicopatológicos
diversos
140
, e traduz-se por uma inibição global das atividades egóicas,
marcante paralisia psíquica e falta de vontade para a realização do trabalho
analítico.
141
Em meus pacientes referidos aqui, evidenciou-se acentuada
inibição do trabalho de pensamento, de lembrança e do fantasiar e também
das expressões afetivas, especialmente amor e raiva, provocando constante
silêncio durante as sessões e pouca fluidez de associações livres, apesar de
não haver nenhum déficit cognitivo. Estes pacientes apresentaram anestesia
emocional em frente às suas experiências, reagindo a elas de forma pouco
intensa ou aparentemente nula. Mostravam também grande pessimismo e
138
FREUD, Sigmund (1924c). O problema econômico do masoquismo. S.E. XIX, p.
170, tradução minha.
139
MENEZES, Luis C. Fundamentos de uma clínica freudiana. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2001, p. 260.
140
Como vemos em vários textos freudianos: Estudos sobre a histeria (1893 1895),
Fragmento de uma análise de um caso de histeria (1905 [1901]), Sobre a história de uma
neurose infantil (1918 [1914]), Dostoievski e o parricídio (1928 [1927]), Inibições,
sintomas e angústia (1926 [1925]) e Análise terminável e interminável (1937).
pouco investimento na vida e em todas as suas atividades, sobre as quais nos
fala Ferenczi.
142
Como uma terceira característica constante, verifiquei intransigência
superegóica exacerbada regulando as relações do paciente com suas
expectativas e ideais relativos ao trabalho analítico, provocando culpa
acentuada e excessiva frustração quando as expectativas em relação à análise
não são alcançadas. Penso que esta severidade superegóica pode ser derivada
também de características essenciais das figuras introjetadas na infância. Se
as figuras parentais apresentam traços marcantes de severidade e punição, o
superego pode se tornar mais severo e inclinado a punir.
143
Esta inclinação
pode ter sido acentuada pelo controle da agressividade, uma vez que quanto
maior é este controle interno, mais intensa é a inclinação do superego a ser
sadicamente agressivo com o ego.
144
Todos os sujeitos desta pesquisa
narraram freqüentes medidas punitivas violentas utilizadas pelos pais, além
da repressão exagerada dos impulsos libidinais e agressivos, e eles parecem
ter reagido com muito controle interno das manifestações agressivas.
Podemos considerar também a presença de transplantes clivados no
141
FREUD, Sigmund (1923). Inibições, sintomas e angústia. S.E., XX, p. 90.
142
FERENCZI, Sándor (1929). A criança mal-acolhida e sua pulsão de morte. Obras
Completas, IV, p. 48.
143
FREUD, Sigmund (1924c). O problema econômico do masoquismo. S.E. XIX, p.
167.
144
Idem, p. 170.
psiquismo, cuja intensidade sádica deriva dos agressores destas crianças.
145
Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, estava presente nestes pacientes uma
recusa excessiva a abandonar o sofrimento, com alguma satisfação na
doença, gerando culpa em relação a qualquer melhora derivada da análise,
provavelmente devido ao excesso de masoquismo.
Por meio da transferência, pude supor que as histórias de constituição
psíquica desses pacientes traziam marcas traumáticas semelhantes, embora
cada um deles as tenha elaborado de forma diversa. Suas análises e relatos
despertaram em mim a consideração pelo trauma, cuja definição busquei em
Ferenczi
146
, autor que se dedicou à importância do trauma na constituição
psíquica do sujeito. Baseei-me em Ferenczi e em meus casos clínicos para
definir que o trauma pode ser provocado por:
indiferença materna e paterna durante a infância, traduzida em falta
ou empobrecimento excessivo do contato afetivo, corporal e verbal com a
mãe e o pai e deficiência no reconhecimento pelos pais das necessidades
materiais e afetivas da criança;
145
Conforme explorei na página 54.
146
Principalmente nos textos A adaptação da família à criança (1927), A criança mal-
acolhida e sua pulsão de morte (1929), Análises de crianças com adultos (1931),
Confusão de línguas entre adultos e a criança (a linguagem da ternura e da paixão) (1932)
e ao longo de seu Diário clínico (1932).
alternância desta indiferença com medidas punitivas violentas,
terrorismo do sofrimento
147
e educação repressora dos impulsos libidinais e
agressivos da criança.
Ferenczi, ao descrever as reações psíquicas da criança em frente ao
trauma sexual, divide o trauma em dois tempos: o momento da agressão em
si e um segundo momento, no qual o adulto agressor ou outro adulto que
poderia ajudar comportam-se como se nada houvesse acontecido e ignoram
os pedidos de ajuda da criança, que se vê então em risco de perder as
relações das quais precisa, a menos que apague o que viveu. Ferenczi
pergunta-se:
O que é traumático: uma agressão ou suas conseqüências? A response por uma
capacidade de adaptação das crianças, mesmo muito pequenas, às agressões sexuais
ou outras agressões passionais é muito maior do que se imagina. A confusão
traumática sobrevém, na maioria das vezes, em conseqüência da agressão e da
reação serem desmentidas pelos adultos, sob o peso da consciência, e tratadas
até como merecedoras de punição
148
.
Entendo que Ferenczi compreende que o evento traumático não produz
necessariamente os mesmos efeitos, o que depende da capacidade de
adaptação da criança e dos adultos desmentirem ou não o fato,
147
Definido na página 30.
148
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 224.
sensibilizarem-se ou não com o impacto de certos eventos sobre a criança.
149
O desmentido coloca a criança em dúvida sobre o que aconteceu.
Nos casos que apresento aqui, não se trata da vivência de eventos
isolados ou diretamente sexuais, mas de sujeitos que experimentaram
indiferença e agressão ao longo de suas infâncias, cumulativa e
repetidamente, de modo que foram desenvolvidas defesas psíquicas típicas,
em conformidade com o que Ferenczi observou em casos de agressão
sexual.
A primeira delas é a identificação com o agressor
150
, mecanismo
defensivo de introjeção da culpa do agressor pela criança agredida. Percebi a
manifestação desta defesa nos pacientes que serão descritos nesta pesquisa, a
partir de certas características: sensação de não autenticidade do próprio
comportamento, percepção ou sentimento; grande inclinação à submissão e
ao masoquismo; sensação de ser mau ou insuficiente em algum aspecto e
necessitar de punição; distorção do senso de responsabilidade, trazendo
sempre a sensação de culpa; desvitalização do investimento narcísico; e
149
Antoni Talarn afirma: “Para Ferenczi, o trauma se desenrola em dois momentos
sucessivos: o da experiência propriamente dita e o momento da posterior reação dos
adultos em frente à criança”, com o que estou de acordo. TALARN, Antoni. Sándor
Ferenczi: el mejor discípulo de Freud. Madrid: Biblioteca Nueva, 2003, p. 239, tradução
minha.
150
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 103.
grande tendência a alimentar minha suposta onipotência, colocando-me em
uma posição radicalmente superior.
O segundo mecanismo descrito por Ferenczi, que encontrei em meus
pacientes, é a clivagem narcísica
151
, definida como um mecanismo de defesa
ao trauma, que resulta na cisão do ego em duas ou mais partes, sendo que
uma delas escapa às inibições do desenvolvimento e cresce adaptada à vida,
enquanto a outra parte sobrevive inibida e ainda infantil, produzindo
sintomas.
Na clínica, a manifestação desta defesa traduz-se em inacesso a
algumas lembranças traumáticas e reações psíquicas, já que uma parte do
ego clivado é mantida à distância do tratamento.
152
A parte clivada esconde
uma ferida narcísica relativa ao trauma, enquanto aparentemente vemos um
sujeito adaptado ao convívio social, ainda que de maneira estereotipada e
pouco espontânea, às custas do afastamento radical das lembranças infantis.
Observei também a progressão traumática patológica
153
, mecanismo
defensivo caracterizado pela ativação de disposições latentes da criança. A
aflição extrema pela qual passou a criança traumatizada pode ter o poder de
151
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 77.
152
JOSEPH, Betty. O paciente de difícil acesso. In: ROCHA BARROS, E. M. (Coord.).
Melanie Klein hoje: desenvolvimentos da teoria e da técnica. São Paulo: Imago, 1988. v.
2, p. 62.
153
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 251.
ativar disposições, e ela passa a manifestar as emoções e o intelecto de um
adulto maduro, em um mecanismo defensivo de fuga da realidade no sentido
progressivo. Com esta fuga, pode acontecer um desenvolvimento súbito de
habilidades intelectuais que chegariam mais tarde no desenvolvimento
normal da criança. Na clínica, vi os resultados desta defesa no descompasso
exagerado entre as habilidades da inteligência e do raciocínio, desenvolvidas
precocemente, e as habilidades emocionais do paciente.
Em resumo, as características comuns aos casos que apresento a seguir
são eventos vividos como traumáticos na infância e defesas patológicas
contra eles, que facilitaram a repetição de relações masoquistas e a
instalação de posições subjetivas depressivas, que colaboram para o caráter
depressivo-masoquista da transferência.
Diferentemente de outros pacientes, com essas pessoas percebi, após
algum tempo de trabalho analítico, que a neutralidade usual de minha parte
acabava por facilitar a repetição de um ambiente hostil que haviam
experimentado. Notava que alguma eventual rigidez de minha parte, ou uma
atitude geral mais fria e objetiva, acabava por provocar aumento das
resistências e possibilitava o aparecimento de uma reedição bastante literal
dos acontecimentos traumáticos da história infantil, como se o paciente me
identificasse inconscientemente com figuras negativas da infância e ativasse
reações caracteriais e sintomáticas relativas aos traumas infantis. Algumas
vezes, antes de perceber isto claramente, eu precipitava ou favorecia a
interrupção da análise antes da hora. Embora não as explore detalhadamente
nesta pesquisa, atendo-me ao recorte proposto, as indicações técnicas de
Sándor Ferenczi auxiliaram-me bastante nestas situações, dado que
apresentam grande preocupação com a questão da repetição do trauma do
paciente em decorrência da atitude fria e objetiva do analista.
154
Ele ressalta
que, com o paciente traumatizado sexualmente ou por “elementos de
malevolência”
155
ou de tratamento desprovido de tato”
156
advindos das
relações parentais, o analista deve se posicionar de maneira diferenciada,
mais flexível e permissível. Deste modo, reconhecer a transferência
depressivo-masoquista como uma possível manifestação de repetições
traumáticas derivadas da infância foi importante para meu reposicionamento
analítico e para o reconhecimento, junto ao analisando, da realidade
traumática que vivenciou.
Em minha narrativa dos casos estão coletadas informações relativas aos
vários anos de análise de cada um dos pacientes e também suas fantasias
sobre seus próprios passados. Experimentei com eles longas trajetórias de
154
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 101.
reconstrução de aspectos egóicos, não por meio da ressignificação de
experiências vividas, mas da passagem por novas experiências relacionais na
transferência. Com eles, apostei em um árduo trabalho de reconstituição e
descoberta de áreas de vida e de funcionamento mental atrofiadas, como
mostro a seguir, destacando especialmente o movimento transferencial que
denominei depressivo-masoquista.
155
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 74.
156
Idem.
1. Isabela – “Eu não tenho valor nenhum
Isabela tem aproximadamente 40 anos, é uma mulher extremamente
bonita, embora pouco reconheça isto, e diplomada com nível universitário.
Chegou para seu tratamento apresentando uma doçura passiva que
denunciava sua insegurança e absoluto controle em frente à sua
agressividade. Veio para análise logo após o falecimento de seu tio, muito
entristecida e transtornada com esta perda, que ele era considerado como
seu pai.
Logo na chegada percebi sua hesitação em comprometer-se e envolver-
se com a análise, apresentando-se pouco disponível para o trabalho analítico.
Ela pediu que começássemos a trabalhar com uma sessão semanal até que se
sentisse mais segura de que eu poderia ajudá-la. Mais tarde, estabelecemos
duas sessões semanais e, eventualmente, uma terceira sessão foi
acrescentada somente quando achamos necessário. Para que a transferência
se solidificasse, foi preciso que eu tolerasse sua impossibilidade de
estabelecermos horários fixos, por exemplo. Durante muito tempo, ela
telefonava para pedir sessão e parecia precisar disto, manipulando-me de
maneira a sentir algum controle sobre a situação analítica. Atendi Isabela
face a face por longo período, já que ela recusou-se a usar o divã.
157
Seu pai afastou-se definitivamente de sua mãe e de toda a família ainda
durante a gestação de Isabela, devido ao desentendimento do casal. O tio
serviu como substituto paterno, e sua morte marcou muitíssimo Isabela, que
nasceu e morou com os tios e a mãe até a idade de aproximadamente cinco
anos, quando esta resolveu casar-se e mudar-se de cidade. Isabela
permaneceu morando com os tios, com quem teve uma relação muito
afetuosa, embora de submissão e medo velado de abandono. Foram os tios
que forneceram uma relação afetuosa mais constante para que Isabela
crescesse com relativa integração egóica e pudesse se desenvolver em
muitos aspectos. Eles puderam reconhecer o grande sofrimento infringido a
Isabela pela relação com a mãe e pela ausência indiferente do pai e
colaboraram para que a sensação de uma infância cercada de um clima
terrorífico de abandono, de inexistência de si e desvalor não tomasse conta
da totalidade do universo psíquico de Isabela.
157
Sándor Ferenczi fala da necessidade de transgredir alguns conselhos técnicos de Freud
em determinadas situações de uma análise, como permitir que o paciente não deite no
Sua mãe costumava expressar diretamente o arrependimento de tê-la
gerado, fruto de um relacionamento frustrado e fugaz, em que se sentiu
usada e abandonada. Durante a infância e ainda na fase adulta de Isabela, sua
mãe a tratava muito mal, às vezes com indiferença, outras vezes com
violência física e verbal, e dispunha dela como um objeto que servia de
recipiente para suas frustrações e desencantos xingamentos, críticas,
lamentações sobre a vida, sobre a filha e sobre si mesma. Ferenczi chama
esta situação de terrorismo do sofrimento e comenta:
As crianças são obrigadas a resolver toda espécie de conflitos familiares e carregam
sobre seus frágeis ombros o fardo de todos os outros membros da família. Não o
fazem, afinal de contas, por desinteresse puro, mas para poder desfrutar de novo a
paz desaparecida e a ternura que daí decorre. Uma mãe que se queixa
continuamente de seus padecimentos pode transformar seu filho pequeno num
auxiliar para cuidar dela, ou seja, fazer dele um verdadeiro substituto materno, sem
levar em conta os interesses próprios da criança.
158
Parece que a mãe de Isabela foi bastante longe nesta desconsideração,
dado que a submeteu a uma rotina de trabalho pesado e inapropriado para
sua idade, apesar dos protestos constantes do casal com quem viviam. Aqui
podemos cogitar a ativação da prematuração patológica, que não se
apresenta como uma defesa que desperta precocemente disposições latentes
na criança, mas também ativa um impulso de cuidar das outras pessoas,
especialmente dos adultos próximos.
159
A tendência a cuidar da mãe
perdurou, a meu ver resultante da identificação inconsciente de Isabela com
esta posição na qual a mãe a colocou e que Isabela provavelmente ocupou
para garantir que fosse amada. Esta tendência a cuidar também se deslocou
para outras figuras de sua vida. Fez um curso de enfermagem, embora não
tenha exercido a profissão, nem qualquer outra atividade remunerada, como
resultado de suas constantes depressões. Nas poucas relações pessoais
ocupava sempre o lugar de cuidadora, muito sintonizada com o que a outra
pessoa pedia para receber ou tentando imaginar o que a outra pessoa
gostaria. Parece-me que, muito rapidamente, uma relação pessoal mais
próxima com alguém, como comigo, ativa em Isabela este mecanismo de
identificação que desconsidera seus próprios desejos e se alimenta de captar
os sentimentos e desejos das pessoas ao redor de maneira acentuada, em uma
tentativa bastante masoquista de manter o amor de alguém. O movimento
transferencial de caráter depressivo-masoquista manifestava-se
freqüentemente assim, através de um pedido constante para ser cuidada e
amada, ao mesmo tempo em que permanecia bastante inativa, sentindo que a
158
FERENCZI, Sándor (1933). Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Obras
Completas, IV, p. 105.
159
FERENCZI, Sándor (1933). Notas e fragmentos. Obras Completas, IV, p. 278.
única atividade permitida era calar-se emocionalmente. Perguntava-me
freqüentemente, por exemplo, se eu não estava cansada de vê-la chorar ao se
lembrar do tio, como se estivesse proibida até mesmo desta expressão tão
fundamental, e assim evidenciava também seu duradouro apego ao
sofrimento, provavelmente do qual ela estava exaurida.
Quando chegou até mim, Isabela estava em um relacionamento
amoroso insatisfatório, em que sua principal função era justamente a de
cuidar do companheiro, após uma fase durante a qual ele tinha outra
namorada, concomitantemente. Esta situação de infidelidade causava-lhe
imensa culpa. Sentir culpa em um grau paralisante era praticamente uma
constante. Isabela narra situações muito remotas onde reconhecia em si
este sentimento: “Ainda de fraldas, eu me sentia culpada por aqueles acessos
de raiva loucos que ela [a mãe] tinha. Eu achava que precisava melhorar
como filha”. A partir de suas falas, eu inferi que se tratava provavelmente de
um sentimento de culpa exacerbado pelo mecanismo de identificação com o
agressor, que inclui a introjeção da culpa do agressor.
160
Além disto, sua
tendência a colocar-se em posições masoquistas e humilhantes ficava patente
em tal situação.
160
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 82.
A indisponibilidade do namorado causava-lhe muito sofrimento,
embora indicasse também a impossibilidade de Isabela relacionar-se com
alguém de forma mais completa e prazerosa e sua necessidade de continuar
expondo-se a situações semelhantes às situações traumáticas originais.
161
Ferenczi aponta que este tipo de repetição procura “dominar por essa
experiência consciente ulterior a experiência primitiva, inconsciente e
incompreensível na origem”, mecanismo por ele chamado de traumatofilia
inconsciente.”
162
Isabela sentia-se deprimida em vez de reagir com raiva ou
reclamações. A necessidade de agradar acontecia também com seu
namorado, de maneira que ela se esforçava, quase sempre
inconscientemente, para ser exatamente o que ela achava que ele gostaria,
ainda que isto lhe causasse sofrimento, como fazia comigo.
Parece que ela sentia que para ganhar o amor de alguém tinha de dar
muito de si e, ao mesmo tempo, mostrar-se passiva e receptiva. Nas sessões,
eu recorrentemente tinha a impressão de que aceitava tudo de mim, desde
que isto significasse ser cuidada e olhada, sem reivindicações explícitas,
apenas um pedido constante, de pano de fundo, de ser vista, reconhecida
como pessoa. Com o desenrolar da análise, muitas vezes faltava às sessões e
161
FERENCZI, Sándor (1916). Dois tipos de neurose de guerra. Obras Completas, II, p.
272.
162
Idem.
pedia que eu a atendesse em outros horários, o que se revelou uma maneira
de manipulação para checar se eu a receberia incondicionalmente.
Viveu em análise um difícil processo de luto pela morte dos tios
(posteriormente, durante a análise, sua tia faleceu também) e permaneceu
deprimida em sua vida social e emocional: sem trabalho, sem amigos, sem
interesses, sem projetos, sem diversão, sem prazer e dominada por um
intenso desejo de morte. Um cenário mortífero e seco tomou conta de sua
vida, e ela parecia não ter fôlego para investimentos psíquicos ou escolhas
emocionais, vivendo de maneira extremamente apática. Provavelmente,
como elaboramos, estas perdas remeteram-na à perda mais precoce do
investimento libidinal vindo de sua mãe, sem que houvesse alguma
compensação disto por parte do pai, que não conheceu, apesar de ter tentado
contato. Assim, perder outras pessoas afetivamente importantes
possivelmente reconduziu-a a uma sensação profunda e dolorosa de
abandono.
A ameaça de abandono estava bastante presente também entre nós na
transferência. Isabela provocava em mim uma constante sensação de
fragilidade de nossos vínculos, como um fantasma da repetição dos muitos
abandonos que lhe aconteceram o pai, a mãe, sucessivamente, e agora,
mais recentemente, as figuras parentais boas que os tios representavam,
embora tenha ficado em análise por mais de cinco anos. Demonstrava
grande dificuldade de se entregar para a transferência no sentido de
vinculação, sempre muito defendida para o contato, como se as relações
fossem perigos potenciais e como se pudesse ser abandonada a qualquer
momento, provocando um engessamento de suas ações e reações.
Como evoquei no título, eu percebia movimentos internos de
fragilidade narcísica que, aos poucos, foram aparecendo em seu tratamento:
“Não tenho os mesmos direitos que as outras pessoas, acho que não sou uma
pessoa inteira. Será que estou viva?” Uma frase como esta traduzia tanto sua
sensação de incompletude fálica como sua vivência de feridas narcísicas.
Muitas vezes pedia minha legitimação sobre tarefas a desempenhar,
colocando-me no lugar de uma potência superior, de maneira bastante
superegóica: “Você acha que eu tenho condições de fazer isto?” Sobre
outros sentimentos transferenciais, Isabela guardava silêncio. Durante alguns
anos, ela mostrou-se incapaz de reconhecer-se tomada por algum sentimento
em relação a mim, embora todo o tempo me colocasse em um lugar
investido de tanta autoridade. O que pedia era minha aprovação e que eu
legitimasse suas percepções sobre si e sobre seu passado, evidenciando
também um déficit no reconhecimento de suas próprias possibilidades e
conquistas e supervalorizando minha posição. Comportava-se assim em
muitos aspectos, mostrando-se extremamente sensível aos meus
posicionamentos, preocupando-se angustiada em agradar, até o ponto da
paralisia emocional: Não sinto nada, quando sinto coisas tudo fica pior. O
que você acha que devo sentir?”
Assim, foi preciso nomear o que sentiu e viveu para desfazer a trama
estereotipada de imagens negativas de si, que seu próprio testemunho não
lhe era suficiente: “Ela [a mãe] era muito violenta, não acha?” ou “Você
acha que isto que ela fazia era muito pesado para uma criança?” Suas
dúvidas a respeito de si e o questionamento de suas percepções eram sempre
intensos. Em alguns momentos da análise, suas falas denotavam a
construção de um sentimento de si mais sólido: “Imaginar que há algo
legítimo na minha maneira de ver as coisas é inédito para mim”. Muitas
vezes foi preciso que eu desse crédito e legitimação às suas percepções e
sensações para que pudéssemos explorá-las.
De minha parte, foi necessária muita disposição para reconhecer e
suportar a presença de suas partes mais infantis e machucadas em seus
embates reivindicatórios, que se manifestavam pouco a pouco, mas
constantemente marcavam presença de muitas formas, inclusive através de
resistência ao trabalho analítico. Podíamos progredir muito em uma sessão e,
na seguinte, toda a solidez do que havíamos conversado se perdia, como se
houvesse dentro dela movimentos psíquicos de ataque à nossa relação,
possíveis manifestações de seu masoquismo e de sua rigidez superegóica,
que não lhe permitiam progredir. Também costumava faltar bastante após
uma sessão rica em associações ou como manifestação de sua desvitalização
e falta de vontade para continuar trabalhando. A analista Betty Joseph
163
sugere que, nos pacientes por ela chamados de “pacientes de difícil acesso”,
a cisão egóica mantém uma parte do ego à distância do analista e do trabalho
analítico. Algumas vezes, isto é difícil de ser percebido, que o paciente
pode parecer estar trabalhando e cooperando com o analista, mas há aspectos
da personalidade que estão à parte, até mesmo impedindo destrutivamente
um contato verdadeiro entre analista e paciente. Outras vezes, partes do ego
podem desaparecer temporariamente da análise, resultando em apatia ou
passividade, o que parecia acontecer com Isabela. Betty Joseph aponta que
estes pacientes colocam o desafio de encontrarmos um modo de entrar em
contato com suas necessidades e angústias para que uma parte maior da
personalidade se torne disponível e, a longo prazo, propiciar uma maior
integração do ego. E descreve que, muitas vezes, a parte mais vulnerável,
163
JOSEPH, Betty. O paciente de difícil acesso. In: ROCHA BARROS, E. M. (Coord.).
Melanie Klein hoje: desenvolvimentos da teoria e da técnica. São Paulo: Imago, 1988. v.
2, p. 62.
infantil e necessitada de auxílio é aquela que se ausenta temporariamente da
análise.
164
Com Isabela, fui construindo a percepção de que havia uma proteção
psíquica muito grande e consolidada contra os traumas que a habitavam,
permitindo que pudesse cumprir condições básicas para se manter vivendo
de forma ordenada, em um equilíbrio frágil e uma restrição considerável da
qualidade emocional de sua vida psíquica. No entanto, o trabalho analítico
acabou descortinando um mundo interno 78(c)-0.695254(i)-4.21015(578]TJ-301.88i65778it)o-0.695254( )-57.8658(f)8.03039(o)-4.8(d)3.99406(0.áá16(n)-4.55778(d)3.9943(n)-4.557782g2g2.5567300)-545.321.9946(t)-(t)]TJ3059704( )-66m5443.992.55( )-57.8650665( )-126.28(8á3g3(n)-4.55774.55778(a)-0.695254( 67300)-545014-4.56.20911(c)7.85449(o)i13e)]TJ301.85 0 Td( )-126.2( )-126.2( )-1254(b)3.9935821119(rb16 0 Td[(i)-4.21119(a)-0.69525448.254(r)-0.5b1(c)7.85449(o)499.99449(.695254(m)16.8876( )-57.8658(u)-13.1096(m)1(a)-0.69525448.254(r)-0695254(n)3.57.8á87(r)-0..9935821119(m)]TJ31(m)]-0..993582115778(r)8.02987. 08.02987. 08887. 08.02987. 0888(d)3.99406(8887. 08.02987. 0888(986(a)443.998]TJ-301.8575658(s)-4.3824( )b3)3.99406(i)-4.21254(l)4.34064(h)3.99406í5695225(d8.218(i)4..34053()-126.28(876.2994.02987(n)3.976( )-19(e)-0.695254(rI88e( )-92.073448.254(r)-448.254(r)-4(n)3.976( )r)-4- 8Td[21119(m8(d)3.99437(n)3.976( -4.21119(e)-8(o)-4.55778(r)-0.521.0742(v)-4.53.998(o)-4.55778(r)-0.5214.21119(r)-0J3059704( )3059704.)-4.55778(íí-66m5443.99(õ)-4.5577 0.695254( )-109.178(m)16.8865(a)1o)-4.55778(r51(r)-0.521)3.99614(o).88e( )-92.073448.a3059704( i.214.21119(r)-0Jo.( )-126.2( 5448.254(r)-021119(e)-8(1197.254(r)-021119(e)-816.2( )-126.2( )-1]TJ-310.495 -32.16 Td[(d)-4.55778(i)4.34064(l)-4.2448.a305921119(r)-413ju4(r)-021119(-(i)-4.2100õ)-4..99598( )-109721119(e)9059119(e(f)8.02989.55778(a)--413ju4(r)-4(n)3.57.r)-.(l)4.34064(h)Q9(e)-816.26.8865(a)1o)-4.55778(r51(r)-0.521õ)-4..99594.55778(s)098( )-134.8348.)1(r)-0.52134.2100õ)-4..99598( )-19059119(e(f)8.02989.55804.21015(i)4.825448.254333 0 0 8.3335014-4.56.20911(c)7.854499.99449(.693 0 0 8.3335014-4.56.4.824( )-109.178(b)-4..6.26.8865(a)1o)-4.55116.8865( )--413ju4(r)-1119(r)-)-186.145á359598( )-1905915959(e)-0.695254( )-4-0.695254( )-4-0.695254( )r)-0.5216l4( )-109.173.9b65778(i)4.34064(l)-959(e)-0.6)4.34063(c)-0.695254(o)3.-4.55778(íí-66)-4.21119(c)3059704.)-66m5443.95216l4( )i3h1.495 -32.16 Td[(d)-4.5583(e)-0.695254(482.)9õ( )-528.218(i)4.34064(n)-4100õ)-4..99598( )-109i)4.34064(8(r)-413ju4(r)-0211117.r.34064(n)-4-4..99598( )-10933n..85658(b)-48598( )-105254(48p.254(r)-021119(e)-816t4)-4..99598( )-4..99598( 4n)3.99614(o)-pc36.7688.02989.55778(a)--41.995u)-4.55778()-4(n)3.57.3n)3.99614(o)-pc36.7688.02989.5575254(l)4.3406494(a)-0.695254(b)3.99g.8865(e)-0.695254(5448.e)-0.695254(m)16.3.99g.8865(e8..99598( )-4(l)-4.2091-1905915825448.2543.99r3n)3.99614(o)-pc36.768854(v)-4.55778(i)4.340683824( )b33n i niftal a fffmof r llldf r
2. Ana – “O que você quer que eu fale?”
Ana tem aproximadamente 50 anos e ficou em análise durante um
longo período. Aparentemente, sua vinda até mim foi motivada por um
quadro geral de depressão, como havia lhe apontado o psiquiatra que
procurou anteriormente. Não se deitou no divã durante o primeiro ano e
definiu isto desde sua primeira entrevista, quando afirmou também que não
agüentaria um ambiente muito frio na análise: Foi muito difícil vir até aqui,
mas acho que será mais difícil ficar e agüentar seu silêncio”. No entanto, o
silêncio vinha dela! O trabalho com Ana era marcado por este obstinado
silêncio e por uma forte inibição fantasmática. Compreendi que me pedia
para não fazê-la pensar, que isto evocava sofrimento e angústia, por vezes
de maneira catastrófica, difícil de suportar. Esta sua frase da chegada
prenunciou a tônica de várias questões que apareceram durante seu
tratamento, uma vez que por trás de um silêncio insistente em muitos
sentidos de palavras, de investimentos, de afetividade, de envolvimento
escondia-se uma pessoa em sofrimento e marcada por cenas psíquicas
relativas a situações infantis penosas, como resultado provável da clivagem
psíquica que sobrevive em segredo, mas produzindo sintomas.
165
Acompanhava-a uma fantasia, como pudemos elaborar no trabalho analítico,
de que mostrar os sentimentos poderia assustar as pessoas: “Elas me veriam
do avesso, com tripas e sangue e correriam de mim.”, evidenciando a
sensação de um cenário interno de muita violência e sofrimento.
Praticamente em todas as sessões, ela perguntava: O que voquer que eu
fale?”, como se eu tivesse o poder de reconhecer seus pensamentos e
necessidades e colocando-se ao mesmo tempo submissa à minha vontade,
indicando suas impossibilidades.
Com Ana, as cenas infantis pareciam congeladas em seu íntimo,
desvinculadas das elaborações da fantasia e, por isto, impossibilitadas de
metabolização, inclusive em seus aspectos edípicos. Havia apenas traços
mnêmicos desautorizados a aparecer nas fantasias ou na fala.
165
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 79.
As considerações de Figueiredo
166
sobre a cisão e sobre o destino de
certas percepções traumáticas ajudam-me a entender o estado psíquico de
Ana. As percepções traumáticas seriam anuladas em suas conexões com
outros processos mnêmicos e de simbolização, sem autorização para se
transformarem em experiência dentro do campo subjetivo da pessoa. O
resultado disto seria que
[...] o episódio traumatizante desautorizado não impõe uma transformação radical
no conjunto da experiência (que tende a permanecer intacto), mas passa a existir em
uma área separada, paralela e incomunicável, ele também intacto e inacessível.
167
Os silêncios de Ana evidenciavam, a meu ver, os sinais da existência
desta área, aparentemente inalcançável, marcada pelo trauma.
Sobre sua história: é a filha caçula de três irmãos, criados quase
exclusivamente pela mãe, que esta perdeu o marido cedo e continuou a
vida de batalha, sem nunca mais se envolver com outro homem e mostrando-
se forte, auto-suficiente e independente, mas ao mesmo tempo rígida,
automatizada e muito indiferente. A ausência do pai de Ana sempre foi
negada, como se ele não fizesse falta. Ela mal se lembrava do pai, embora
tivesse oito anos quando ele morreu. Lembrava-se, entretanto, de ter sido
166
FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 20.
167
FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 20.
pouco próxima dele. Toda a família nunca comentou a morte do pai com
Ana. Foi somente depois de bastante trabalho analítico que pudemos acessar
os conteúdos relativos à morte paterna e suas conseqüências psíquicas, como
se, de fato, toda esta passagem de sua vida estivesse separada das outras
memórias. Ana havia passado pela perda paterna em idade muito precoce e
nada lhe foi explicado sobre o evento. Não foi levada ao velório ou enterro,
que soube de quem era pelas conversas que ouviu. Com o tempo, tornou-se
testemunha dos infindáveis queixumes maternos sobre qualquer problema
que os filhos pudessem gerar. A sensação de ser um fardo para a mãe foi um
dos componentes na construção de um temperamento fechado e quieto,
muito dedicado a agradar os outros.
Neste episódio da morte do pai e em outros, o clima da infância de Ana
parece ter sido de muita indiferença em relação às suas necessidades
singulares e demandas afetivas. Ana ficava freqüentemente sozinha em casa,
ainda muito pequena e durante todo o seu crescimento, não sendo
reconhecida em sua condição de criança. Seus irmãos, mais velhos,
costumavam agir com violência verbal e física. Hipotetizo que Ana passou
por uma prematuração patológica e passou a se comportar como se fosse
adulta, sob alguns aspectos, para se defender da angústia trazida por várias
situações traumáticas de sua infância, enquanto conteúdos foram isolados
em seu funcionamento psíquico e muitas elaborações próprias do período
vezes, sem demonstrar seu envolvimento ou amor pelo parceiro, mantendo
uma pose bastante parecida com a pose da mãe – Não preciso de um
homem”, aspecto defensivo que relacionamos também ao falecimento do
pai. Sua vida escolar apresentou a mesma característica de volatilidade, não
tendo se apegado às pessoas e às instituições pelas quais passou. Parece ter
desenvolvido uma espécie de casca que lhe a imagem de ser
extremamente independente e desligada de todos, o que também fala de suas
identificações com a mãe, que agora é ela quem é indiferente e auto-
suficiente, apresentando-se por vezes muito exigente e intolerante com as
outras pessoas, provavelmente identificada com o agressor. No entanto, sua
casca estava preenchida por um núcleo povoado por uma sensação de
solidão e abandono, que a fazia comportar-se reativamente.
Ana avaliava de uma maneira muito rígida a si mesma e as pessoas ou
situações e facilmente despencava para uma atitude excessivamente
moralista ou eticamente muito pouco flexível: “Como eles podem ser assim?
Isto não se faz, cada um deve fazer a sua parte, e não depender dos outros!”,
dizia sempre, muito irritada e nervosa. Suas regras sobre como as pessoas
devem se comportar pareciam ter a função de criar uma forma intensa e
endurecida de consistência interna, de integridade psíquica, de se conhecer,
de saber como se deve conviver, exatamente aquilo que se apresenta para ela
como uma ameaça constante. Sua exigência ética e rigidez moral
denunciavam uma instância superegóica superdimensionada e cruel, que
normalmente volta contra si: Eu não progrido na terapia. É incrível como
posso saber das coisas e ainda assim não conseguir mudar.” Em uma destas
situações, respondi: Talvez culpe-me por não progredir”, tentando evocar
sua raiva contra mim. “Não consigo sentir raiva de você, por mais que a
idéia de sentir isto pareça correta”, respondeu. Penso que esta raiva só
aparecia na estagnação que enfrentamos juntas durante muitos períodos de
seu trabalho analítico, onde parecia dizer-me silenciosamente que eu não
trabalhava bem suficientemente para ajudá-la. Neste sentido, considero que
Ana apresentava a resistência à melhora que é extremamente difícil de
superar, resultante de masoquismo excessivo, e uma agressividade auto-
direcionada, derivada de um controle excessivo da agressividade dirigida
para fora.
169
Ferenczi, em 1924
170
, evoca um tipo de paciente parecido com Ana, que
apresenta atividade fantasística pobre, mesmo quando se trata de situações
de grande intensidade de afetos. Apoiado na noção de que tal
169
Cf. FREUD, Sigmund. (1923). O ego e o id. S.E. XIX, p. 49-54.
170
Sándor FERENCZI, Sándor (1924). As fantasias provocadas (atividade na técnica da
associação). Obras Completas, III, p. 241.
comportamento atribui-se a um recalque do material psíquico e a uma
repressão dos afetos, Ferenczi pede aos pacientes que busquem as reações
adequadas ou mesmo que as imaginem, gerando fantasias que mostrem ao
paciente sua capacidade de tais produções psíquicas e forneçam meios de
exploração do inconsciente. Por vezes, em face à resistência do paciente em
produzir fantasias, Ferenczi apresenta como ele próprio sentiria, pensaria ou
se imaginaria na situação em questão a fim de estimular o paciente. As
fantasias provocadas seriam em geral de três espécies: fantasias de
transferência negativa ou positiva, fantasias relativas a lembranças infantis e
fantasias masturbatórias.
Com Ana, o expediente das fantasias provocadas foi extremamente útil
para que ela produzisse representações verbais e falas sobre os difíceis
eventos infantis que experimentou, especialmente a morte do pai. Várias
vezes eu nomeei sentimentos para situações em que ela se mostrava
extremamente congelada afetivamente: “Que raiva uma situação assim
provoca!” ou “Não te deu vontade de abraçá-lo?” ou “Quanta confusão
mental isto gera. Você não acha?”, incitando-a a imaginar reações e
possivelmente evocá-las, paralelamente ao procedimento de análise da falta
de manifestações afetivas. Desta maneira, o trabalho analítico com Ana aos
poucos tornou-se mais povoado de afetos e conflitos externalizados,
lembranças acessíveis, e prosseguiu segundo suas elaborações de sua
história e de nossa transferência, gerando progressivamente a recuperação de
suas possibilidades de sentir e agir e de desfrutar de sua existência.
3. Luzia – “Você ainda quer me atender?”
Luzia tinha aproximadamente 40 anos quando chegou. Foi seu nome
Paula que me trouxe aqui”, disse-me ao chegar. Através do meu nome,
identificou-me aos aspectos positivos associados a uma figura de sua história
e, ao mesmo tempo, pude ser reconhecida como alguém não tão estranha e
desconhecida como haviam sido as outras várias psicólogas com quem se
tratou anteriormente. É possível que as associações que fez ao meu nome
tenham constituído uma maneira de conseguir chegar até mim e superar
minimamente seus medos extremos de ter contato com outras pessoas.
Percebi desde o início sua desconfiança, resistência e dificuldade em se
vincular ao tratamento: Não sei se devo contar alguma coisa, não sei quem
você é”. Aos poucos, me contou sobre uma vida absurdamente empobrecida
social e afetivamente, alternada com episódios do que chamou de síndrome
de pânico. Ela passava-me a sensação de que nada e ninguém eram
confiáveis a princípio e que não se podia esperar compreensão ou depender
de alguém, mesmo que desejasse isto profundamente. Deixava claro em suas
falas o esforço que tinha de fazer para vir às sessões, que tudo era difícil:
o trânsito, as condições do tempo (o sol ou a falta dele...), o custo da
gasolina, o horário e o dia inapropriados etc. Aos poucos, percebi que sua
desconfiança maciça era dirigida tanto ao mundo de fora quanto ao seu
mundo de dentro, como se precisasse ficar alerta ao que poderia fazer contra
si mesma. A noção de transplantes ou de pedaços encravados no psiquismo e
resultantes de experiências traumáticas, de que nos fala Ferenczi, poderia
explicar estas sensações de vir a ser atacada desde dentro. É como se “a
malignidade das pessoas” continuasse “vivendo no espírito daqueles que
foram maltratados.”
171
Idéias próximas são trazidas por Bromberg
172
, que
fala de alteridades instaladas como enclaves dissociados no aparelho
psíquico, reações defensivas a experiências traumáticas de diversos tipos:
situações de ambivalência, incompatibilidade, desconcerto, falta de
acolhimento e legitimação, e de violência física. Estas alteridades
manifestavam-se projetadas em situações diversas do cotidiano de Luzia,
freqüentemente sentido como perigoso, hostil e maligno.
171
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 94.
Sua vinda foi motivada por alguns episódios recentes do que ela e os
médicos que procurou chamaram de síndrome do pânico, com um pano de
fundo de retração social, isolamento, falta de interesse e de envolvimento
com a vida. Os episódios ocorreram todos no carro, onde sentiu palpitações,
tremedeira, suor, perda de controle interno e muito medo de morrer sozinha
e desamparada. O sentido negativo, até nefasto, de se perceber sozinha em
meio a tanta gente estranha que não lhe presta atenção manifestava-se em
muitas outras situações, o que a impedia de circular mais livremente pela
cidade e mantinha seu círculo social muitíssimo reduzido. Quando está
sozinha, ocorre-lhe um pensamento repetitivo: “Posso passar mal e ninguém
irá me acudir, não sou ninguém aqui”. Tanto ambientes diferentes quanto
pessoas estranhas são sentidas como potencialmente agressivas ou
nocivamente indiferentes.
Aos poucos, conforme a análise prosseguia, passou a manifestar uma
transferência intensa e o medo de ficar desamparada por mim: Eu não
mereço o que você me dá. Todo mundo que vem aqui é mais jovem 78(e)-0.695254( )-143.385(i)-4.21s566.8865(p)-4.55778(a)-2n5254( )-10Td[(,5986(ã)-0.6973428.904(m)16.8865(i)-1640643.385(i(a)443.998]TJ-3001962(e)-753.697.55778(c)7.85658(o)-40643.385(i(a)-4.38448( )-613.73254( )-10Td[(,5986(ã)-0.6((ã)-0.6((ã)- )-1)-4.211355778( )-221962(m)16.8876(e)-0.6952)1.994.34064(a)-0.521962(ê)7-1640643.371(i)4.34168(n)-4.5577-4.38448(.)2o7-1.695254(l)-4.21:71(i)4.34168(n)-4.5577-4.38448(.)2o7-1.695254(l)-4.21:71(i)4.Tj)4.34064(o)-T(á)-0.78(54(m)16.88657.888 -32.122.29(o)-.29(o)-4.55929(o)-4.5592,0.695254( )3.)-4.55778(d)-4.55778(o)-4.55778( )-49,0.695254(8414p6,5986(ã)-0.6.1-)-4.55778(e)-0.695254(m)16.8865( )-57.8119( )-57.-32.122.29(o)-.29(o)-4.55929(o)-4.55927119( )-57.-32.104( )-220.356254(m)15929(8n( )-57.8119(-3001962 )-49.2 .904(d)3.9961”9(o)-4.55001(ã)-0.6.1-)-4.557754( )]TJ35( )-[(t)-4.21067(r)-0.521441(a)7.85q(o)-4.559o16.8865( )-151.937(a314(v)3.994d.55778(ã)7..78(54(m)Td[(,5986(ã)-0.697344.6(e)-0.695254( )-143.384(a)6n2-23.6595(p)-4.S47.697344.6(e)-0.695254( )-143.m-8c( )-143 m[(t)-4.21067(r)-0.61962(i)4.33(s)-4.38448(e)7.85658(n)-4.55673(t)4.34168(i)4.34168(d)-4.55778(o)-4.55778( )-83.52.16 Td[(A)3.-4.55778(0e)-0.695254( )-143.54( )4.55778(e)-0.69525 )-143.m-8c( )-143 m[(t)-22143.385(p)-4.(ã)-0.6.1-)-4.55775443.m-8c( )-12-4.38448( )-613.735(e)-0y1.994.34064(a)-0.595254(l)-4.21119( )-32.2113(e)-0.695254( )-40.7632(n)-4.55778(i)4.34064(n)3.99406(g)-4.55778(u)3.99197(é)-0.697342(m)778]TJ-298.128 -32.16 Td[(i)-4.21067(r)-0.521441(á)-0.695254( )-143.384(m)165778(â)7.85778(d)-4.55778(o)-4.55778( )-49,0.695254(8414-0.695257(o)-4.557706(u)-4.55778(i)4.34064(a)-0.693166(,)1128 .21962( )-22u)3.99197(é)-0.69734-0.69734-0.69734-0.697344T-4.21119( )-324)-4.55778( h254(841m98]TJ-3001962(e)-753.6Sr778( h2.)z9)-143.54( )45(o)-4.552d(m)16.88697344T-d(m)16344(t)-4.34064(a)-0.595254(l,i6s)-4.38448( 4(a)-0.5952577-4.38448(.)2o7-1.60m)16.8865( )Td[(A)3.-4.55778(0e)-0.695254( )-143.54( )4.55 3.99:71(i)4.Tj)8( )-491438( )-491438( )-491438( )-488697344T-d(m)16346.99:71(i)4.Tj)8( )-490.695254(.)1.99703( )-57.925778(â)f0 55254(r)-0.521441(á7.-32.122.2)-0.519875254( )-143.5t)-4.21119(5254(a)-04T-d)-1
de interromper o tratamento, o que nunca apareceu mais claramente ou
diretamente. Outra fala voltava recorrentemente após uma interpretação
minha: “Eu já deveria saber disto e fazer diferente”, expressando, a meu ver,
o desejo ambíguo de estar comigo e sentir-se aceita, como uma paciente
perfeita que melhora rápido, mas também sua crítica de que eu não a
transformava conforme suas vontades. Evoco a idéia de paciente perfeita
porque Luzia passava muito tempo preocupada com isto. Ao ver outro
paciente na sala de espera, invariavelmente dizia algo sobre como ela era
inapropriada em comparação ao outro paciente: “Eu não me visto tão bem
para vir aqui quanto ele, todo arrumado, bonito. Deveria me vestir melhor?
Até gostaria, mas não mereço. Também acho que não mereço estar aqui”.
Comparava também seus conteúdos: Eu imagino que ninguém conta algo
tão feio para você [referindo-se a episódios da infância]. Tenho medo que
assim você não vai querer me atender mais. Eu até planejo o que vou falar,
planejo algo que você prefere ouvir, mas chego aqui e tudo muda e eu acabo
mostrando o que não queria. Isto não acontece com os outros, ?
comigo, só eu”.
No início de nosso trabalho juntas, Luzia demonstrava sentir enorme
constrangimento em expressar os sentimentos e pensamentos que eu lhe
provocava. Após muitas tentativas inócuas de interpretação, eu então lhe
dizia: “Imagino que esteja com raiva de mim”, ou Suponho que o que eu
disse provocou-lhe ódio”, mesmo quando as indicações reativas eram
relativamente escassas. Minha atitude nasceu da consideração por seu
quadro de submissão masoquista, sendo absolutamente difícil para Luzia
colocar-se na posição de quem sentia algo inapropriado ou agressivo em
relação a mim, acostumada que era a suprimir reações desagradáveis.
Sua história carrega muito sofrimento e é especialmente marcada por
uma sensação profunda de ter sido malcuidada e pouco amada por sua mãe e
por seu pai, apresentando-os como figuras aterrorizadoras. Lembrou-se aos
poucos de sua infância como povoada por vários eventos traumáticos e por
uma atmosfera de ausência de afetos e palavras, exceto palavras de ataque e
punição. Tais lembranças foram surgindo apenas lentamente, como se
tivessem ficado durante muito tempo imperativamente trancadas sob muitas
chaves, para que sua sobrevivência psíquica ficasse assegurada. Com ela, eu
tive a nítida sensação da existência de clivagem psíquica, que haviam
movimentos psíquicos muito regredidos e infantis, contrastando com uma
aparência de adaptabilidade que, a meu ver, permitiu que ela realizasse
atividades cotidianas e principalmente ligadas ao âmbito familiar e
doméstico, ainda que de forma automática e um tanto anestesiada.
Suas descrições desenham sua mãe como uma pessoa bastante humilde
e ignorante, mas também capaz de muitas crueldades, atormentada pela
severidade da própria mãe e por uma história de miséria e perdas. Durante a
infância de Luzia, sua mãe deu inúmeros sinais de pouca disponibilidade
para investir Luzia libidinalmente de forma intensa e repetiu durante toda a
vida que ao final da gestação esforçou-se para expulsar o bebê que, segundo
ela, estava matando-a. Vários episódios davam apoio à sua sensação de não
existir de verdade ou de ser alguém que ela mesma não reconhecia. Luzia
considerava não ser vista por sua mãe, ao mesmo tempo em que a narrativa
materna sobre a filha não correspondia às impressões de Luzia sobre si
mesma, o que provocava o sentimento constante de ser mais de uma pessoa,
uma interna e outra vista por outros. A menina “de fora” corresponderia à
narrativa da mãe “uma menina doente que atrapalha” e a menina de
dentro’ era linda, loirinha, olhos azuis, ndida, angelical, esperta, viva”,
indicando possivelmente uma compensação ilusória positiva,
173
mas ao
mesmo tempo “ferida, sofredora, esmagada, sangrando”. Considero que
Luzia apresenta fragmentos egóicos bastante distintos, que podem ser
173
Sándor Ferenczi afirma que quando trauma pode ocorrer uma compensação
alucinatória positiva que dá a ilusão de prazer e recompensa narcísica. FERENCZI,
Sándor (1930). Princípio de relaxamento e neocatarse. Obras Completas, IV, p. 65.
descritos conforme as hipóteses de Ferenczi
174
: um ser sofrente inconsciente,
como uma criança que porta a agonia da angústia e as lembranças dos
traumas, e aquele que seguiu em frente na vida, adaptado, e tornou-se
esposa, teve filhos etc.
Sua mãe perdeu a primeira filha, de menos de um ano de idade: a
criança caiu em uma encosta no campo. “A filhinha querida”, como sua mãe
chamava a criança morta, continuou a ser alvo das lamúrias da mãe durante
toda a vida, que chorava olhando para uma boneca da criança falecida, que
nunca saiu de perto de si, evidenciado um luto praticamente permanente. Sua
mãe nunca mais vestiu roupas que não fossem pretas, até a morte.
Depois desta criança morta, sua mãe teve outra menina e, então, veio
Luzia e, depois, mais uma menina. O seio lhe foi tirado no primeiro mês,
que sua irmã mais velha passou a manifestar intenso ciúme e regressão. A
mãe então optou por dar o seio à filha mais velha, de seis anos, o que parece
lhe ter causado sentimento profundo de abandono e também inveja. A
sensação de que sua mãe poderia matá-la agressivamente ou por negligência
ocorria-lhe com freqüência, aspecto do qual tinha consciência desde muito
pequena. Este medo era reforçado por alguns acidentes domésticos que
possivelmente denunciavam as ambigüidades da mãe em relação às filhas.
174
FERENCZI, Sándor. Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 40.
Sua mãe costumava dirigir-lhe palavras cruéis sobre suas constantes
dores de cabeça (presentes desde criança até atualmente), o que lhe custava
diversas séries de surras, “pra tirar o que você tem de ruim na cabeça e
me atrapalha”, dizia sua mãe. O que talvez sua mãe não soubesse é que as
dores de cabeça constituíam sua maneira de obter atenção, como se lembrou
posteriormente: “Assim ela vinha me ver”. Muitas vezes adoeceu na infância
por falta de higienização apropriada de seu corpo. Quando era necessário ir
ao médico, a mãe então a culpava pela sujeira. A falta de cuidados básicos
pode ter cooperado para uma prematuração patológica em Luzia, que narrou
diversas atividades e pensamentos excessivamente precoces, que tinham
como objetivo cuidar de si para sobreviver.
Durante algum tempo, o pai apareceu em sua análise somente como
uma figura que “não era a mãe” e ao menos não a agredia freqüentemente. A
relação entre eles era feita de silêncios, poucas palavras, correções, extrema
rigidez e distância.
Sempre houve muita rivalidade entre os irmãos e Luzia. Seu ódio à irmã
mais nova sempre foi intenso, mas pouco expresso. Sua mãe encarregava-a
de cuidar desta irmã, e havia em Luzia muito medo de que algo de mal
acontecesse à irmã, junto a um imperativo interno de obedecer às ordens
maternais. Chegou até a perder a fala em mais de um episódio quando, por
uma causalidade externa, se viu em perigo com a irmã. Posteriormente,
quando Luzia já tinha sua própria família, recebeu uma visita desta irmã, que
morreu logo depois, o que gerou em Luzia fantasias terríveis de culpa por
sua morte. Como Isabela, Luzia também carregava uma carga imensa de
culpa, provavelmente relacionada ao chamado terrorismo do sofrimento, às
identificações com os adultos agressores à sua volta e ao ódio não expresso.
Na vida conjugal, o prazer sexual limitado também vem acompanhado
de culpa terrível e de ódio ao parceiro, como se a cada relação ele roubasse-a
de sua preciosidade sexual, exatamente a condenação que os pais imputavam
aos impuros sexualmente. Mas a expressão do ódio é tão evitada que se
sente incapaz de dizer ao marido que, por exemplo, não deseja ter relações
sexuais em determinadas circunstâncias. De forma submissa, ela consente,
preocupada em não desapontá-lo, ao mesmo tempo em que fica deprimida,
ali onde o ódio talvez fosse o sentimento mais natural. No entanto, o
constante adoecimento físico de Luzia faz com que ela obtenha outro tipo de
cuidado afetuoso, preocupado que não consegue pedir de outra forma.
Seus adoecimentos físicos constantes conduzem-na a inúmeros médicos, em
um calvário hipocondríaco que evidencia seu forte investimento narcísico e
sua ocupação demasiada com a própria dor. Ao mesmo tempo, parece que o
corpo acaba absorvendo aquilo que não pode ainda ser processado
psiquicamente, uma vez que, com o trabalho analítico, os adoecimentos
diminuem visivelmente de maneira geral. Ainda assim, seu adoecer priva o
casal de oportunidades prazerosas, o que provavelmente é também uma
forma de punir o marido, como aparecia em suas associações.
Entre nós se dava algo parecido, uma vez que cada período de melhora
era seguido por pioras agudas acentuadas, geralmente com impressionantes
sintomas corporais acompanhados de associações que denotavam o sentido
masoquista de permanecer doente e o ataque a mim: “Foi querer sair
muito para agora ter o torcicolo e ter que ficar deitada 15 dias. Também não
pude vir aqui. Você deve ter ficado muito decepcionada comigo, não? Vir
aqui me empurra para frente, mas também para trás”. Desta maneira, seguia
seu tratamento, bastante dominado por esta atitude masoquista, mas também
deprimida na maneira de se relacionar comigo. Como Ana, Luzia hesitava
em expressar seus afetos relacionados a mim, ficando restrita a comportar-se
como alguém que precisava ser aceita, mesmo que para isto congelasse
importantes reações psíquicas. A meu ver, suas reações psíquicas agressivas
geralmente voltavam-se contra si mesma, sob a forma de humilhação,
adoecimento e piora em seu estado geral.
Sua sensação de desamparo podia ser tão forte a ponto de provocar
crises intensas de angústia, os chamados ataques de pânico, que foram
diminuindo progressivamente. Em inúmeras sessões, esta sensação se
traduziu em um chorar compulsivo, falta de ar, taquicardia, tontura, com o
divã funcionando como uma espécie de leito de hospital. Vi positivamente
quando ela pôde trazer os ataques de pânico para dentro da sessão, o que
significou maior possibilidade de expressão de seus afetos para mim. Luzia
ficava mergulhada em suas impressões e emoções interiores de um modo
profundo e muito espontâneo, e então emergiam aspectos muito primitivos e
intensamente emocionais. Em meio a choro intenso, transtorno e desconforto
físico, dizia em tom regredido e infantilizado: “Vou morrer agora? Estou
sentindo que vou morrer, falta ar. Você cuida de mim para eu não morrer?
Como se fosse minha mãe?” Ferenczi advoga que com certos pacientes, e
penso que Luzia é um deles, é necessário intervir para que a tendência à
repetição do infantil se manifeste na cena analítica e o paciente mergulhe
num estado primitivo de infância, ao passo que o analista deixa-o agir
livremente neste estado.
175
desta maneira o analista poderia propiciar,
através de uma atitude empática,
[...] um desmoronamento da superestrutura intelectual e uma emergência brutal da
infra-estrutura, que é sempre primitiva e intensamente emocional, e então começam a
175
FERENCZI, Sándor (1931). Análises de crianças com adultos. Obras Completas, IV,
p. 71.
repetição e a nova liquidação do conflito originário entre o ego e o mundo externo, tal
como provavelmente se desenrolou no tempo da infância.
176
Baseada nestas indicações, muitas vezes reagi com permissividade e
receptividade às falas infantilizadas de Luzia, solicitando ajuda e amparo, e
tentei evitar desta maneira a repetição desnecessária do ambiente infantil
espinhoso e extremamente duro. Apenas depois disto, pudemos avançar mais
intensamente na interpretação e elaboração de seus conflitos edípicos e na
reconstrução de sua história fantasiada e real.
4. Renato – “O que você acha que eu devo fazer?”
Renato tem aproximadamente 35 anos e chegou para análise medicado
com antidepressivos, depois de procurar um psiquiatra, apresentando as
seguintes queixas: ganho de peso, falta de vontade de trabalhar, de
autoconfiança e de motivação para realizar os muitos planos que sempre faz.
Sentia-se deprimido, derrotado e ensimesmado. Falou-me no início sobre sua
família, de como ela o chateava com intromissão, evocando em mim o
desenho de cenas relacionais bastante opacas, que seus vínculos com a
176
Idem, p. 81.
família e outras pessoas sempre pareceram pouco intensos, envoltos numa
névoa de afastamento e de impossibilidade de investir no mundo externo em
detrimento de seu narcisismo.
Em sua chegada falava muito pouco e solicitava que eu perguntasse o
que eu gostaria de saber. Ficávamos algum tempo em silêncio, o que, no
entanto, lhe era insuportável. Respondia brevemente a minhas perguntas e
sentia-se extremamente avaliado e pouco seguro de si: O que achou do que
eu disse?” ou “Respondi a coisa certa?” Aderiu rapidamente à proposta de
duas sessões semanais e de usar o divã, já que não parecia se sentir à
vontade para questionar minhas falas. No entanto, faltava freqüentemente.
Geralmente, eu sentia-me investida de uma autoridade oficial a quem
ele recorria: “O que você acha que eu devo fazer?” Suas perguntas refletiam
dois movimentos: uma defesa contra expor-se e contra assumir seus desejos
– de maneira que eu deveria definir as coisas – e uma relação com as pessoas
e com o mundo habitada por uma instância externa persecutória e exigente
que foi depositada em mim. Na presença desta instância, ele se defendia
tentando incorporar aspectos dela que não seriam assimilados de maneira a
transitar entre os outros conteúdos psíquicos. Muitas de minhas falas eram
tomadas como ordens sobre o que ele deveria fazer: “Não sei se ligo ou não
ligo para ela, não quero parecer interessado demais”, ao que respondi: Por
que não quer parecer interessado demais?”, o que ele entendia como uma
sugestão: que você acha que devo ligar, então acho que vou ligar
mesmo”. Questionei novamente: “Parece que você ouviu meu
questionamento como uma ordem.” Ele então me respondeu: “Eu sei que
não foi, mas vosabe melhor do que eu o que fazer.É?”, indaguei. Eu
sei que você não quer que eu pense que você sabe tudo, mas eu é que não
sei!”. Em frente a mim, comportava-se como alguém desvalorizado, sem
saber sobre si, e, como contrapartida, eu fui investida de grande sabedoria e
da posse de todas as respostas sobre como atingir o sucesso total!
Seu pensamento ruminava obsessivamente planos ambiciosos de
realização sobre o trabalho, a família e seus relacionamentos afetivos, sem
que ele percebesse a idealização gigantesca de seus sonhos. Renato estava
sempre pensando no que deveria fazer, mas não estava conseguindo fazer,
em quem deveria ser, mas não estava conseguindo ser, em quem ela (a ex-
mulher) deveria ser, mas não era, em quem sua família é, mas não deveria
ser etc. etc. No trabalho com Renato, eu tinha a impressão de uma forte
tensão interna entre ideais que serviam como suprimentos narcísicos e uma
impossibilidade de gerir sua existência com autonomia mínima.
177
Ele
177
Cf. FUKS, Mario P. Nos domínios das neuroses narcísicas e suas proximidades. In:
FUKS, L.B. & FERRAZ F. C. (Orgs.). Desafios para a psicanálise contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 212.
encarnava a busca frustrada e ensimesmada pelos ideais inacessíveis e as
sensações de impossibilidade e imobilidade. Esta tensão interna acarretava
grande paralisia de ações e pouca mobilidade psíquica, que sua mente
ficava tomada por exigências e frustrações repetitivas. Aqui seu masoquismo
manifestava-se fortemente: ele queria o que não podia ter e culpava-se por
isto, sentindo-se fracassado e deprimido. Sua auto-exigência era
surpreendentemente violenta. Ao mesmo tempo, parecia não poder funcionar
sem tanta exigência, alimentava-se dela.
Ele freqüentemente intrigava-me pela colagem aos modelos novelescos
de subjetividade. Por aqui também passou a questão da medicação, que
respondeu a uma impossibilidade de aceitar o próprio jeito de ser (mais
acomodado, mais lento para realizar, pouco prático) e a uma valorização de
um certo ideal de personalidade. Renato queria ser o melhor em tudo, sabia
que não era e sentia-se fracassado e culpado por isto. Mas, além disto, seus
ideais pareciam ter a função de criar uma forma intensa e rígida de
consistência interna, de integridade psíquica.
Seu funcionamento psíquico revelou, durante a análise, núcleos de
grande fragilidade e acentuação de seu narcisismo:
178
“Se eu não tiver
parâmetros fortes e exigências definidas, posso perder o equilíbrio, ficar
confuso e estagnar completamente. Posso até não saber mais quem eu sou,
por isto me preocupo com eles”. Parecia em busca constante destes
parâmetros, especialmente vindos de mim, para se sentir mais seguro e
potente. Entretanto, esta sensação invariavelmente durava pouco.
Sempre achei difícil atendê-lo pelos seguintes motivos, que adquiriam
mais ou menos importância conforme a época do tratamento: havia uma
demanda insistente por aconselhamento; muita repetição dos mesmos
assuntos, fazendo o clima da sessão sempre um pouco obsedante;
pouquíssima associação livre, já que ele sempre planejava o que traria, o que
queria discutir e perguntar, às vezes por escrito; pouca percepção de si como
possuidor de inconsciente; grande pobreza de universo cultural e
representativo e de questionamento dos enigmas da vida; difícil acesso à
interpretação em geral e à interpretação da transferência. Demonstrava um
rechaço veemente a este tipo de intervenção, que era alvo de descaso e
negação de sua parte, como se não tivesse nenhum sentimento em relação a
mim, ao mesmo tempo em que demandava fórmulas e respostas prontas para
seus problemas.
Ele parecia suportar muito pouco a dúvida e a diferença que eram
instaladas pelas interpretações e pouco admitia os jogos de linguagem e de
fantasia, funcionando sem liberdade para participar destes jogos em que se
organizam os campos transferenciais em uma análise dita padrão.
179
No
começo, o conteúdo manifesto das sessões foi relativo à sua ex-mulher, com
quem ficou casado durante muitos anos. As brigas e insatisfações
transpareciam alto grau de expectativa quanto à parceira. Renato exigia que
ela fosse algo como um modelo de propaganda de TV, tanto em relação à
aparência quanto à vida profissional, à forma de ser companheira ou à
sexualidade, sem a menor consciência da idealização e da incompatibilidade
dos padrões evocados. Ela terminou o casamento em condições que mais
comumente gerariam muita raiva. Sua ex-mulher tem filhos do casamento
anterior, que Renato viu crescer. Ele não se comprometeu afetivamente além
de um tanto que lhe permitisse sentir que poderia ir embora a qualquer
momento, demonstrando grande dificuldade e medo de se envolver
emocionalmente, dada a pouca disponibilidade libidinal para investimentos
afetivos. Neste sentido, comportava-se da mesma maneira fria e distante que
condenou nos próprios pais, como se estivesse identificado com eles em sua
indiferença, e também possivelmente se defendendo das exigências afetivas
179
Cf. FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 71.
impostas pelas relações. Isso se passava também conosco, de maneira que
uma pose de distância em relação a mim era mantida solidamente.
Sobre sua família: mãe dona de casa, pai mecânico e irmã mais nova
com quem Renato não tem qualquer diálogo ou troca de afetividade.
Informou-me que o psiquiatra que consultou, também médico da irmã,
diagnosticou-a como esquizofrênica. A mãe é beata e maníaca por
organização, controle e limpeza, com universo simbólico muito pobre. Com
o desenrolar da análise, Renato passou a atacar tanto a mãe quanto o pai: o
pai por não criticar ou limitar a mãe, permanecendo como a figura fraca da
casa, enquanto a mãe tentava mandar em todos e evidenciava sua
incapacidade de conversar e cuidar.
Os pais não têm vida social, amigos ou diversão. Da infância lembra
pouco, a não ser da sensação de que os amigos eram melhores e mais ricos e
tinham famílias mais afetuosas, e de seu bom e corretíssimo comportamento
na escola. Um menino que nunca deu trabalho, penso. Ou que nunca teve o
trabalho dos pais. Uma grande sensação de vazio e secura permeava as
sessões em que abordamos este assunto. Sua infância parece ter sido
marcada por uma atmosfera pesada de ausência radical de afetos e palavras,
onde se tratava somente de cumprir obrigações e preencher necessidades
básicas. Renato parece evitar este passado, privilegiando essencialmente o
atual e demonstrando dificuldade de admitir que teve uma infância difícil, e
não aquela que gostaria de ter tido. Parece que os pais não o ajudaram na
tradução de sua vida emocional, de maneira que Renato não reconhece suas
nuances, apenas blocos grandes e definidos de emoções polarizadas e
idealizadas. Também apresentava pouca lembrança e atividade fantasística
muito inibida. Com ele, assim como com os outros pacientes apresentados
aqui, o expediente das fantasias provocadas
180
foi extremamente importante.
Renato, como os outros pacientes desta pesquisa, apresentava uma
nítida divisão psíquica uma casca mais superficial e integrada, mas pouco
sólida, capaz de levar uma vida relativamente normal de trabalho e execução
de tarefas cotidianas, porém deprimida. Esta casca escondia aspectos mais
frágeis e demandantes. Na transferência, aparentemente ele se portava de
maneira apropriada, mas falava muito pouco e tentava não permitir a menor
espontaneidade. Muitas vezes trouxe os assuntos por escrito. Quando se
comportava mais espontaneamente, sentia-se culpado pela própria
fragilidade. Seu masoquismo acentuado aparecia em ataques às próprias
conquistas, que não eram nunca tão grandes quanto deveriam ser tanto
fora quanto dentro da análise: A análise não anda, eu deveria ter
melhorado. Eu sei o que devo fazer, mas o faço, não consigo.” Reagi
180
Conforme descrito na página 86.
perguntando: A análise é uma decepção?”, ao que respondeu: “Eu sou
decepcionante, sou um fracasso também como paciente.” Depois disto,
questionei: Como você acha que deveria ser?” E ele me disse: “Eu deveria
ouvir o que você diz e conseguir fazer as coisas que eu sei que devo fazer.”
Seu superego parecia continuamente apontar suas críticas e frustrações.
As observações do psicanalista Mario Fuks ilustram bem o cenário
infantil trazido por Renato, que se parece com “pinturas de De Chirico:
grandes prédios monumentais isolados e separados por imensos espaços
vazios e silenciosos em que se recorta alguma figura humana, da qual não se
sabe se o pouco que tem de humano não será, justamente, sua sombra.”
181
Resumidamente, posso dizer que o processo analítico de Renato consistiu
em povoar este cenário árido e evidenciar lentamente as figuras humanas e
as sombras que ali habitam, seus embates e desejos.
181
Cf. FUKS, Mario P. Nos domínios das neuroses narcísicas e suas proximidades. In:
FUKS, L.B. & FERRAZ F. C. (Orgs.). Desafios para a psicanálise contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 212.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A dicotomia fantasia ou acontecimento externo, realidade psíquica ou realidade
material, é responsável pela distinção e dissociação entre um campo produzido pela
fantasia, do qual a psicanálise trata e pode dar conta, e um campo produzido pela
intromissão violenta da realidade externa, o trauma, da qual a psicanálise prescinde e
não trata. Mas a realidade externa e a fantasmática não são duas realidades desconexas.
O choque traumático, por exemplo, não intervém sobre a matéria inerte, passiva e sem
resposta, impondo suas determinações. [...] Nem a apreensão da realidade externa fica
desprovida de fantasias, nem a fantasia prescinde, para sua constituição, da realidade
externa.”
182
Para a presente pesquisa, percorri a obra de Freud buscando suas
considerações sobre o trauma. No primeiro momento da produção freudiana,
182
UCHITEL, Myriam. Neurose traumática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p. 16.
elaborações sobre o tema, quando o fundador da Psicanálise considerava
ser o trauma sexual real o núcleo das neuroses. Vemos que esta hipótese é
abandonada para que o complexo de Édipo e o complexo de castração
tornem-se os fatores etiológicos das neuroses. Posteriormente, tais
complexos passam a estar no cerne de toda a constituição psíquica do
sujeito.
Apesar das teorizações, a partir dos traumas de guerra, gerados pela
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Freud não devolveu ao trauma o
status de causador das neuroses, derivando de suas pesquisas importantes
considerações metapsicológicas sobre a compulsão à repetição, a pulsão de
morte e o princípio do Nirvana. Entendo que Freud deixou lacunas para que
outros psicanalistas trabalhassem sobre a questão das experiências
excessivas e que põem em cheque a economia psíquica do sujeito. É Sándor
Ferenczi, seu discípulo e amigo de longa data, quem se debruça sobre o tema
para compreender certos fenômenos que se apresentavam em sua intensa
prática clínica. Ferenczi é um autor para quem o traumático foi
indispensável na elucidação dos processos psíquicos patológicos sem ter
negado os aspectos pulsionais da vida mental. Ele evidencia a dimensão do
impacto e da surpresa e acrescenta ao trauma uma dimensão relacional. Sua
idéia de desmentido mostra que na situação traumática a criança não é
atravessada por afetos intensos, derivados do contato com o adulto, mas se
esta experiência for desmentida pelo agressor, incapaz ou guiado pela má-
fé,
183
deixará conseqüências duradouras.
Neste trabalho, examinei seus textos derivados da experiência em
hospital militar no pós-guerra e também aqueles produzidos mais tarde,
quando o ambiente familiar é concebido como possível fonte de
traumatismos. Neles encontrei embasamento para considerar que as atitudes
materna e paterna podem provocar, se carregadas de indiferença e violência,
efeitos patológicos sobre o desenvolvimento psíquico de uma criança. Teria
sido possível utilizar contribuições de outros psicanalistas, que muitos
autores falam sobre conseqüências danosas derivadas da relação da criança
com seus pais. No entanto, encontrei em Sándor Ferenczi bases suficientes
para elaborar e teorizar alguns aspectos recortados das experiências clínicas
contadas aqui, no tocante especialmente à forma de certos pacientes
relacionarem-se comigo na análise, sem distanciar-me de Freud, referência
maior de meu trabalho analítico. O psicanalista húngaro enxergou defesas
psíquicas típicas em pacientes traumatizados, pesquisou suas possíveis raízes
e apresentou considerações que me ajudaram a construir uma noção de
trauma que abarcasse a história dos sujeitos deste estudo. Percebi, como
183
Cf. FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Ferenczi, que a indiferença, a mentira e a violência física e verbal
enfraquecem a percepção que a criança tem de suas necessidades, impulsos e
emoções. Ela fica desprotegida, incapacitada para metabolizar os estímulos
internos e externos ligados ao viver e às suas dificuldades e pode não
conseguir significar todos os acontecimentos dolorosos derivados dos
distúrbios de interação e comunicação no âmbito familiar.
Verifiquei nestes pacientes os sinais do trauma, que foi seguido por
uma espécie de paralisação, reflexo do estupor diante de agressões súbitas,
ferozes e repetitivas. Essas são as condições que caracterizam um trauma
(em grego, ‘ferida’, de uma raiz que significa ‘furar’): por um lado, a
intensidade do golpe que atinge o sujeito e, por outro, a condição de
fragilidade em que ele o encontra”, comenta Renato Mezan
184
, ressaltando a
condição da vítima. Os golpes repetitivos podem introduzir subitamente uma
grande quantidade de excitação no interior do sujeito, desorganizando seu
funcionamento subjetivo e mobilizando defesas patológicas que refletem um
narcisismo ferido. É preciso ligar essa energia flutuante, vinculá-la a
representações, dar sentido à experiência.
Paulo: Escuta, 2003, p. 20.
184
Para a caracterização descrita neste parágrafo, inspirei-me em um artigo de Renato
MEZAN para o jornal Folha de S.Paulo, de 21 de maio de 2006, O espelho
embaçado,
sobre os ataques do PCC, no qual ele comenta os efeitos dos ataques na cidade de São
Paulo e, para isto, recorre à noção psicanalítica de trauma.
Entretanto, é indiscutível que os mesmos eventos não têm efeitos iguais
sobre pessoas diferentes. Considerar o trauma como conseqüência do
impacto da realidade externa ou como conseqüência de fatores psíquicos
empobrece a compreensão da situação colocada. É preciso levar em conta
tanto a importância do fato real, e assim não desmentir o sujeito e não
incrementar sua culpa e estagnação, quanto a significação singular que um
determinado indivíduo atribui ao fato. Não é possível desconsiderar a
realidade em nossas hipóteses clínicas, ainda que o campo da fantasia e da
pulsionalidade tenha igual ou maior importância.
O tema do trauma e seus efeitos psíquicos coloca problemas relevantes
para o pensamento analítico e questiona seu alcance. Certamente,
divergências sobre o que fazer quando o perfil psicopatológico provoca uma
postura que foge do que normalmente entendemos como Psicanálise.
Podemos pensar neste caso como inanalisável ou prosseguir, com o risco de
fazer algo que não sabemos bem o que é. Tomei este caminho e precisei
flexibilizar minha técnica, tornar-me mais inventiva e, ao mesmo tempo,
afinar os conceitos que embasam minha prática. Assim nasceu minha
interrogação sobre a natureza do processo analítico e um questionamento
sobre a noção de técnica
185
, cujas alterações devem ser fundamentadas por
elaborações teóricas consistentes, ainda que descompassadas.
No artigo Contra-indicações da técnica ativa em psicanálise” (1926),
Ferenczi propugna a capacidade do analista de não se apegar a uma forma de
trabalho independentemente daquilo que escuta de cada analisando. A
técnica é um recurso evocado pela fala do paciente, e não pelos
compromissos transferenciais do analista a um mestre ou a um saber
constituído. Como ressalta Jurandir Freire Costa
186
, o imperativo ético movia
Ferenczi a questionar-se sobre o que fazer diante daquele que sofre, o que o
levou a considerar a incurabilidade de certos pacientes como inabilidade do
analista, e isto possibilitou-o ampliar os limites terapêuticos da Psicanálise.
Minha pesquisa sobre os efeitos dos excessos incompreensíveis
experimentados na infância derivou principalmente das análises dos sujeitos
deste estudo, nos quais a transferência tomou contornos atípicos e muito
marcantes. Com estes pacientes silenciosos, dependentes e de características
desafetados, como sugere Luis Cláudio Figueiredo.
187
Todos eles haviam
passado por psiquiatras e foram medicados com antidepressivos. E nestes
casos, penso que é o analista quem não deve ficar desafetado, e isto é
condição para que algum movimento psíquico se instale, considerando que o
analista deve evitar, também, uma presença excessiva. No entanto, o
objetivo de minha prática continua sendo terapêutico, em um sentido que
será descoberto a cada tratamento, mas que certamente tem relação com a
economia de prazer e de sofrimento do paciente.
Ainda assim, definitivamente não é o caso de ceder a um pragmatismo
vulgar traduzido em uma fórmula utilitarista e apregoar a Psicanálise como
uma promessa de bem-estar, promotora de sucesso e felicidade. Também
não é o caso de confundirmo-nos com o ideal médico de cura, mas não
podemos deixar que o medo de igualarmo-nos à medicina deixe-nos alheios
e ingênuos quanto à dimensão terapêutica do tratamento. Embora não
empreguemos a noção médica de cura ou a do senso comum, adotamos um
projeto terapêutico, supomos retificações subjetivas do analisando,
trabalhamos para desvendar o inconsciente, manejamos a neurose de
transferência. Todos estes passos constituem um corpo teórico sobre o
187
FIGUEIREDO, Luis C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São
Paulo: Escuta, 2003, p. 25.
tratamento que poderíamos chamar de processo de cura. A cura, em
Psicanálise, refere-se ao processo de cada tratamento e inclui o manejo
técnico por parte do analista. Assim, foi necessário de certa forma
redescobrir a técnica com cada um destes meus pacientes para caminhar no
processo terapêutico. Não é possível uniformizá-la, deixá-la burocrática ou
robótica, mas, por outro lado, é necessária a legitimação de um certo estilo
de trabalhar. Para isto, é preciso dialogar com a comunidade analítica,
discutir as bases metapsicológicas de meu trabalho e mostrar minha atuação
analítica, o que faço aqui guiada pela premissa de que o analista não deve
ocupar apenas o campo da metapsicologia, da teoria, mas articulá-la às
exigências do exercício psicanalítico, do sofrimento envolvido aí, tanto do
paciente quanto do próprio analista, e abrir-se para o questionamento de suas
práticas psicanalíticas com rigor e profundidade. Teoria e prática são
justapostas numa relação dialética: ambas inextricavelmente referem-se uma
à outra, de modo que qualquer modificação da práxis está intrinsecamente
ligada a uma modificação de sua articulação teórica e vice-versa, e ambas as
dimensões são indispensáveis.
Questiono-me agora sobre a utilidade de destacar um momento mais ou
menos duradouro da transferência e nomeá-lo. Nos casos aqui narrados, o
movimento transferencial depressivo-masoquista deu lugar, depois de
bastante trabalho analítico, a novas formas de transferência, ainda que,
mesmo quando predominante, não tenha sido uma forma exclusiva de
transferência. A noção de transferência depressivo-masoquista ajudou na
construção e confirmação de hipóteses sobre o desenvolvimento psíquico
daqueles sujeitos e sobre suas vivências infantis e pôde nortear o manejo
técnico que, nestes casos, levou em conta a possibilidade do setting analítico
reforçar os traumas infantis de indiferença e desmentido.
O estudo sobre a transferência depressivo-masoquista tem-me permitido
adquirir uma escuta e uma intervenção analíticas mais refinadas e trabalhar
para que o desmentido não se repita além da medida necessária e inevitável
para o trabalho clínico. O paciente traumatizado que adquiriu uma maneira
depressivo-masoquista de relação com o mundo traz aspectos que facilitam o
aparecimento da reação terapêutica negativa, ameaçando o tratamento com a
interrupção, que tolera bem menos o silêncio, a aparente (ou não)
desafetação do analista e a inflexibilidade técnica, e é constantemente
assombrado pela repetição literal dos acontecimentos da infância. Considerar
a transferência depressivo-masoquista, os fatores traumáticos subjacentes e
as defesas psíquicas patológicas típicas permite a ampliação das
possibilidades de intervenção da análise, com atenção especial para os
fatores que produzem compulsão à repetição e sintomas corporais. Além
disto, possibilita reconhecer as falhas na estabilidade e coesão do ego, a falta
de pais empáticos e amorosos no princípio da vida, os excessos de excitação
psíquica derivados deste começo e sua capacidade de produzir anestesia e
clivagem. Levando em conta todos estes fatores, pude embasar a decisão de
despadronizar o setting conforme as singularidades e necessidades de cada
paciente e flexibilizar a técnica na medida da minha capacidade. Se o
analista reconhece a indiferença e a violência parental colabora para que o
paciente construa sua história, aproprie-se dos choques recebidos e
reposicione-se subjetivamente em frente ao seu passado.
A experiência clínica de outros analistas poderá validar ou não a
utilidade de se adotar a noção de transferência depressivo-masoquista. Em
meu percurso, a noção até agora tem ajudado, uma vez que, a partir da
percepção das possíveis causas do congelamento do movimento
transferencial em um modelo depressivo-masoquista, posso acompanhar o
paciente na construção de sentidos para os aspectos traumáticos de seu
passado, que, em geral, ficam encobertos por seus silêncios e paralisia em
um universo psíquico separado, mas produtor de sintomas. Além disto,
utilizei o expediente das fantasias provocadas, de que nos fala Ferenczi, e
permiti muitas vezes condições diferentes das que normalmente trabalho, em
relação à freqüência de sessões ou duração ou utilização do divã, por
exemplo, em observação à inclinação demasiada à reação terapêutica
negativa que pode advir do excesso de masoquismo.
Minha pesquisa aponta para um desenvolvimento que me parece
inevitável, embora não tenha sido abarcado aqui. A transferência depressivo-
masoquista está relacionada a um quadro psicopatológico específico? Ainda
não saberia responder definitivamente. Com os elementos de estudo que
tenho até agora, penso que não, que ela pode se manifestar em quadros
psicopatológicos diversos, uma vez que falhas na constituição do narcisismo
podem estar subjacentes a rios quadros, complicando os conflitos
edípicos. Nos sujeitos desta tese, um tanto enrijecidos e normatizados,
acometidos de experiências desarticuladoras e por vezes explosivas, como
costuma ser a manifestação do conteúdo clivado, a transferência depressivo-
masoquista revelou-se fruto de decepções e da influência da psicopatologia
dos pais que não puderam ser metabolizadas ou metaforizadas e
permaneceram de certa maneira estrangeiras no psiquismo, afastadas pela
clivagem, mas produzindo sintomas que apresentavam também aspectos
edípicos.
Devo reconhecer que não abordei a dimensão contratransferencial
envolvida nos casos narrados, o que poderia ter contribuído para o
enriquecimento da presente tese, mas não o fiz pela restrição de conteúdo e
tempo a que um trabalho acadêmico subordina-se. Penso que este pode ser
um tema interessante para pesquisas posteriores, que optem por um recorte
diferente daquele enfatizado por mim, uma vez que experiências analíticas
sempre apresentam uma multiplicidade de facetas possíveis para estudo e
trabalho de pensamento.
Finalmente, aponto que a idéia de trauma estruturante também não foi
abordada, embora, ao final do trabalho, eu tenha inúmeras dúvidas se este é
o melhor nome para chamar algo que contribui para o desenvolvimento do
psiquismo infantil, como se costuma dizer.
188
Aquilo que é destrutivo e
restritivo na vida psíquica pode ser chamado de trauma. Aquilo que ajuda a
constituir a vida psíquica pode também? Penso que não. Devemos reservar
outro nome para experiências que ajudam a criança a se desenvolver
psiquicamente sem limitações artificialmente impostas ou que possam ser
assimiladas sem a reparação de um adulto, e desta maneira manter a
especificidade da noção de trauma.
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