248
Aliás na carta de ontem não poderia lhe contar estas coisas tão da fragilidade dolorosa
de mim, porque sucederam depois da carta, mas quis lhe contar como nasceu esse sacré de
poema na véspera, e só não contei porque estava exigindo de mim trabalhar. Mas agora
mando tudo plantar batata, porque preciso antes de mais nada me livrar destas obsessões.
Foi curioso. Estava escutando uma conferência do prof. Zabel (3) sobre Walt Whitman,
interessadíssimo. E vaidoso. Porque eu tenho uma dificuldade enorme de compreender o
inglês falado. A bem dizer isso já ficou como um complexo em mim que não consigo vencer.
Mas três dias antes, obrigado a apresentar Zabel ao público, fui também obrigado a escutar a
conferência dele sobre Cooper e Irving, que não me interessava nada. Mas fiquei
deslumbrado: entendia tudo que o homem falava! De forma que na 2ª conferência dele,
Whitman me interessando, fui contente. Estava interessadíssimo, o homem é bom mesmo, o
assunto era meu, eu entendendo tudo, quando de repente me bateu esta idéia na cabeça:
Preciso reler Whitman, quem sabe se ele me sugere mais alguns poemas prá Lira Paulistana.
Tanto bastou, não foi possível entender mais nada. Fazia esforço mas eu tinha um tumulto
nebuloso por dentro. Foi num esforço desses que o prof. Zabel conseguiu me prender todo,
dizendo por sinal que bem, único que disse bem, aquele poema de Whitman que repete de
quando em quando o refrão Oh pioneers, oh pioneers (4).
Gostei muito e surgiu assim, de
chapa e de supetão, esta idéia: "Aquele filme da vida de Cristo, de... (não me lembrava de
quem, e ainda não tenho a certeza que é de Cecil B. de Mille - que não sei como se escreve! -
e tudo ainda preciso tirar a limpo) de quem (5)?
não me lembro agora, tem um nome, que
posso aproveitar, com o contraste da anedota verdadeira do mictório. Mas como é o título
mesmo?. . . " E fiquei nisso, meu Carlos. Todo o resto da conferência era um esforço danado
pra me lembrar do título do filme, não conseguia. A idéia insistia em que principiava "O
grande..." qualquer coisa, e assim descaminhada, não conseguia atinar mesmo com o título.
Bem, conferência acabou, larguei de todos os conhecidos, vim sozinho, matutando com dor,
até que enfim me bateu na lembrança que decerto o título não principiava por "O grande" não-
sei-o-que, e eu carecia procurar doutro jeito. Mesmo assim, até em casa não foi possível
lembrar. Mas já conseguira firmar (do que não tenho ainda certeza) de que era de Cecil B. de
Mille, e ficava fácil procurar. Ou nos meus livros sobre cinema ou perguntando.
Mas como sempre faço, quando tenho a idéia dum poema, tomo nota em caderno
(aliás, não sei se lhe contei, foi uma nota dessas, tomada em 1936, descoberta agora que
provocou a nascença da Lira Paulistana) tomo nota e fico esperando que a coisa venha. Posso
até "forçar" que o poema chegue, pelos processos psicológicos e físicos existentes pra isso,
mas sou incapaz de sentar e escrever coisa nenhuma (em poesia) sem já estar fatalizado pra
isso.
Mas agora é que vem o mais divertido. Lhe mando a página arrancada do caderninho,
pra você seguir o caso. É a parte riscada por lápis azul, que quando uma poesia está "vencida"
risco pra não estar relendo. Você vê a nota e vê bem a "pureza" de espontaneidade da poesia