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SANDRA ALVES DA SILVA
A “GRAMATIQUINHA” DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA LEITURA
HISTORIOGRÁFICA
LÍNGUA PORTUGUESA
PUC-SP
SÃO PAULO
2007
SANDRA ALVES DA SILVA
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A “GRAMATIQUINHA” DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA LEITURA
HISTORIOGRÁFICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de MESTRE em Língua Portuguesa,
sob a orientação da Professora Doutora Neusa
Maria Oliveira Barbosa Bastos.
PUC-SP
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
desta dissertação por processos de foto copiadoras ou eletrônicos
Assinatura: Local e Data
In memoriam:
Dedico esta dissertação aos meus avós
paternos e maternos, ao meu tio Dirceu e a
minha tia Francisca e a amiga Jacira Santos
Andrade.
Em especial:
Ao irmão José Carlos Vitorino pela dedicação
apoio moral, sempre, e pelos serviços de
Informática
À Professora Doutora Neusa Maria O. B.
Bastos, minha professora da graduação e
orientadora de mestrado, pela orientação,
paciência, seriedade e dedicação. Se em
alguns momentos eu quis fraquejar ela me
amparou
AGRADECIMENTOS
A Deus, ser superior, razão de minha existência.
A meus pais, Benedito e Vicentina, amores de minha vida.
Ao Professor Mestre Roberto Melo Mesquita por presentear-me com o livro que
foi corpus de minha pesquisa.
Aos professores do Programa de Língua Portuguesa: Jarbas Vargas, Leonor
Lopes Fávero, Regina Célia Pagliuchi da Silveira, Jeni Silva Turazza, Dieli
Vesaro Palma e Luiz Antônio Ferreira.
Aos meus amigos da PUC-SP pelo incentivo: Ronaldo Martins, Marilu, Inácio,
Julio Neves, Tânia, Lourdes, Carlos Casanova, Nancy Arakaki, Marilena, Maria
José, Margarida, Miguel e todos os outros cujos nomes não me vêm à
lembrança.
A senhora Maria Helena Oliveira de Souza, meu guia espiritual;
A amiga e fisioterapeuta Kátia.
As minhas primas Haidê, Cecília e Suely, pela acolhida e por acreditarem em
mim.
Aos meus queridos sobrinhos Danilo e Daniele
As professoras doutoras Nancy Casagrande e Regina Sellan pela revisão
cuidadosa de meu trabalho
A banca de qualificação: Professoras Doutoras Maria Mercedes Saraiva
Hackerott e Sueli Cristina Marquesi pelas valiosas orientações que
enriqueceram o meu trabalho
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela ajuda financeira.
SUMÁRIO
TABELA .............................................................................................................1
LISTA DE FIGURAS ..........................................................................................2
RESUMO............................................................................................................3
ABSTRACT........................................................................................................4
INTRODUÇÃO....................................................................................................1
1. CAPÍTULO I ................................................................................................9
CONCEPÇÕES DE HISTÓRIA E HISTORIOGRA 0 8.33333 0 0 64368.16436(.)-2.061.2g1145 416436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16436(.)-2.16136(.)-2.16436(.)-217061(.)-217061(.)640...
3.2.2 Aspectos lingüístico-gramaticais da abordagem pronominal..61
4 CAPÍTULO IV –.........................................................................................70
O TRATAMENTO DA COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XX........................................................................70
4.1 C
ELSO
C
UNHA
: V
IDA E
O
BRA
................................................................70
4.2 N
OVA
G
RAMÁTICA DO
P
ORTUGUÊS
C
ONTEMPORÂNEO
............................72
4.2.1 Aspectos da Brasilidade. .............................................................72
4.2.2 Aspectos Lingüístico-Gramaticais da Abordagem Pronominal73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................87
TABELA
Tabela 1:Exemplos de aplicação de Pronomes, segundo Mário de Andrade...55
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mário de Andrade – autor do projeto da “Gramatiquinha”..................22
Figura 2: Manuel Said Ali – “A Gramática Secundária”.....................................27
Figura 3: Celso Ferreira Cunha: Nova Gramática do Português Contemporâneo
..........................................................................................................................70
RESUMO
Este trabalho tem como tema o estudo da “Gramatiquinha de Mário de
Andrade: numa leitura historiográfica. Inserindo-se na linha de Pesquisa
“Descrição e História da Língua Portuguesa”, apresenta-se como fruto das
pesquisas realizadas no Instituto de Pesquisas Lingüísticas “Sedes Sapientiae”
para Estudos do Português, especificamente no Grupo de Pesquisa
Historiografia da Língua Portuguesa. Fundamenta-se nos princípios teórico-
metodológicos de Konrad Koerner e baliza-se nas seguintes perguntas de
pesquisas: 1) em que medida a abordagem de Mário de Andrade acerca dos
pronomes se distancia da gramática de Said Ali? 2) até que ponto as
considerações Márioandradianas na “Gramatiquinha” foram utilizadas nas
cartas, nos textos “teóricos” do mesmo autor? 3) que aspectos da colocação
pronominal de Celso Cunha diferem das de Mário de Andrade e Said Ali? 4)
que reflexões podemos fazer sobre a colocação dos pronomes na fala
brasileira durante a década de 20? A partir das perguntas de pesquisas
elencadas, apresentam-se os objetivos: 1) investigar a abordagem dos
pronomes na ótica de Mário de Andrade, na década de 20; 2) comparar as
explicações sobre pronomes, postuladas na “Gramática Secundária” de Said
Ali e sua aproximação com a colocação pronominal de Mário de Andrade, no
que se refere à fala brasileira; 3) identificar a opinião de Celso Cunha, no que
se refere à colocação pronominal, tomando como ponto de comparação a
postura sugerida por Mário de Andrade. As análises pautam-se nas categorias
a seguir: a) aspectos da brasilidade; b) aspectos lingüístico-gramaticais da
abordagem pronominal e trazem como resultado o delineamento de uma
postura em relação ao uso de pronomes concorde com a fala brasileira, ou
seja, o escritor considera que os falantes da língua portuguesa no Brasil
deveriam formular suas próprias regras, uma vez que ninguém “erra” na
colocação dos pronomes, todos, simplesmente, os utilizam, havendo aqueles
que seguem as regras da gramática apenas em situações formais. Esse
posicionamento diverge dos postulados de Said Ali e Celso Cunha, pois Mário
de Andrade ateve-se ao uso coloquial dos brasileiros para a sua descrição,
sem ter a intenção de escrever uma gramática normativa voltada para a norma
padrão culto.
ABSTRACT
This project has as a theme the historiographical reading study of Mário de
Andrade’s “Gramatiquinha”. Being inserted in the research camp of “Description
and History of Portuguese Language”, and presented
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho situa-se na linha de pesquisa “Descrição e História da Língua
Portuguesa”, baseia-se nos princípios da Historiografia Lingüística e tem como
tema o estudo das influências de Said Ali na elaboração do projeto da
“Gramatiquinha da fala brasileira” de Mário de Andrade.
Para a realização desse projeto, o escritor dispunha dos seguintes materiais:
anotações fortuitas, descontínuas, nem sempre condizentes com o que deveria
servir à obra; notas brevíssimas, escritas em papéis pequenos, cuja origem
provinha de expressões proferidas da boca de um falante, que Mário de
Andrade ouvia e que poderia ser útil para a concretização de tal tarefa.
Por esses materiais rascunhados, a idealização da “Gramatiquinha” tendia para
dois caminhos: a escritura de um texto interpretativo desconexo ou a escritura
de um plano de Gramática.
Mário de Andrade, optou por dedicar-se à elaboração do plano de gramática, a
partir do momento que tomou conhecimento com a “Gramática Secundária” de
Said Ali, na qual fez várias anotações (na marginália). Ocorreu-lhe, então a
idéia de organizar os materiais, mencionados, para dar prosseguimento à
sua tarefa. Esse exemplar seria da 1ª edição.
Pelos comentários apontados, confirmamos a orientação dos estudos de Mário
de Andrade, com base na referida Gramática, rumo à “Gramatiquinha” que está
dividida em quatro partes: Fonologia, Lexeologia, Sintaxe e Estilística. Cada
uma dessas partes, com seus itens, compõe o índice.
Nossos estudos estão voltados para uma perspectiva historiográfica. Temos
como objetivos: 1) investigar a abordagem dos pronomes na ótica de rio de
Andrade, na década de 20; 2)comparar as explicações sobre pronomes,
postuladas na “Gramática Secundária” de Said Ali, e sua aproximação com a
colocação pronominal de rio de Andrade, no que refere à fala brasileira;
3)identificar a opinião de Celso Cunha, no que se refere à colocação
pronominal sugerida por Mário de Andrade.
2
A escolha desse tema surgiu após algumas reflexões feitas ao relembrar de
como foi nosso aprendizado da Língua Portuguesa, bem como nossa
experiência como professora de Língua Portuguesa. Por estarmos no papel de
historiógrafo, decidimos construir o clima de opinião da trajetória do
pesquisador, o que justifica a retrospectiva histórica da década de 20, do
século XX. Antes, porém, remeter-nos-emos às lembranças pessoais que
servirão como justificativa para a escolha do tema da pesquisa.
Na década de 60, para a alfabetização, adotava-se a cartilha e no ginásio para
cada disciplina um livro didático. Estudamos num colégio que, além das
disciplinas comuns a todas as outras escolas (Português, Matemática, História,
Geografia, Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística),
acrescia à grade curricular aulas de Educação Musical. Considerávamos essas
as aulas de o melhor momento e, apesar de sermos “obrigados” a aprender a
notação musical, decorar todos os hinos e cantá-los uma vez por semana,
achávamos esses os momentos mais prazerosos além da participação na
Banda da escola.
O professor de Educação Musical dividia a sala em pequenos grupos e, em
seguida, deixava-nos livres para que escolhêssemos o instrumento musical.
Depois dava uma aula expositiva, falava-nos sobre a importância de cada um
dos instrumentos e ensinava também como tocar cada um deles. O objetivo
principal, a nosso ver, era despertar o interesse musical nos alunos e fazer-nos
entender que esse aprendizado deveria ser parte integrante de nossas vidas e
que aprenderíamos não os hinos, mas também todas as outras musicas
existentes nesse universo. Com relação à Língua Portuguesa, líamos o livro e o
professor “explicava-nos” as classes gramaticais, elaborava uma série de
exercícios para que fizéssemos como tarefa em casa. Marcava um dia da
semana e fazia chamada oral. A estratégia resumia-se a decorar o conteúdo
dado pelo professor, responder às questões, corrigir os exercícios e, assim, a
matéria estava “apreendida”.
3
Na verdade, o professor estava apenas “cumprindo” o conteúdo programático,
pois o conhecimento disponível nos anos 60 levava a buscar no aluno a causa
do fracasso escolar o que tinha sua gica, visto que, apenas para uma parte
dos alunos, o ensino parecia funcionar.
Pensava-se que esse fracasso se devia à falta de algo, sendo, então,
necessário compensar esse déficit para que pudessem, assim, aprender. No
Brasil, essa visão assumiu a forma didática de um conjunto de atividades
mimeografadas que deveriam ser realizadas antes de iniciar-se a alfabetização.
Essas atividades conhecidas como “prontidão” para alfabetização, costumavam
ocupar o primeiro bimestre da série. A hipótese subjacente era de que o
treino de um conjunto de habilidades psicomotoras produziria as condições
necessárias para aprender a ler e escrever. (parâmetros curriculares Nacionais
Vol.2, p.20)
Na década de 80, ingressamos no curso Superior de Música, que teve a
duração de quatro anos. Pretendíamos aprofundar nossos conhecimentos
musicais que foram despertados ainda quando cursávamos o ensino
fundamental.
Nessa mesma época, iniciavam-se as discussões sobre o Ensino de Língua
Portuguesa. Era necessário melhorar a qualidade do ensino no país, pois era
expressivo o índice de repetência no Brasil e nos países mais pobres.
Constatava-se, como causa desse fracasso escolar, a dificuldade que a escola
tinha para ensinar a ler e a escrever. Era visível esse problema nas primeiras
séries iniciais (1ª, 2ª e 5ª séries) e que se arrastava até o ensino médio
chegando ao superior, não se conseguindo, portanto, manter um nível mínimo
de exigência.
Com o exposto, verificamos que a mesma problemática do ensino e
aprendizagem de Língua Portuguesa ainda persiste, embora tenha havido
alguns avanços.
Retomando nosso percurso cumpre salientar que os estudos musicais
despertaram nossa atenção especial para as letras musicais, ou seja, para o
conteúdo dos textos. Esse fato motivou-nos a cursar outra Graduação.
4
Em 1988, decidimos iniciar o curso de Língua e Literatura Portuguesa.
Pretendíamos aprofundar os estudos referentes à Língua materna para,
futuramente, ser professora de Língua Portuguesa. Pensávamos que o
conteúdo gramatical, não apreendido no ensino fundamental e dio, seria
aprendido na Universidade.
Com o decorrer do curso, descobrimos que a Universidade apresentava
programas de Língua Portuguesa que abordavam as teorias lingüísticas, os
lingüistas importantes e a gramática eram vistas como alguns aspectos críticos.
Foi num determinado semestre, quando cursamos a disciplina Arte e Cultura,
que a professora solicitou que fizéssemos um trabalho sobre a Semana de Arte
Moderna. Assim descobrimos o mentor da Semana de Arte Moderna, Mário de
Andrade. Lemos a sua biografia e descobrimos que o escritor começou sua
carreira artística dedicando-se à arte musical concomitantemente à literatura, o
que despertou nosso interesse em aprofundar futuramente o estudo sobre o
escritor Mário de Andrade em saber como utilizou /uniu a música aos estudos
lingüísticos.
Uma vez bacharel em Língua Portuguesa, tínhamos como meta ensinar os
conteúdos gramaticais de forma diferente do que aprendêramos, ou seja,
tornando as aulas de língua materna mais agradáveis por meio de textos (letras
musicais) que, talvez, pudessem amenizar a idéia de que o aprendizado de
Língua Portuguesa era difícil e Mário de Andrade seria a base no sentido de
dar ritmo às aulas no que se referia à interpretação de texto e ao
reconhecimento dos itens gramaticais sem nenhuma pretensão de seguir as
idéias lingüísticas do escritor. Por sua vez Mário de Andrade não concluiu
curso superior, foi autodidata, “especialista” em assuntos diversos,
principalmente em Música e conseguiu vincular o ritmo, a melodia, o tempo à
sua produção literária (a poesia, ensaios e artigos)
Na década de 90, começamos a ministrar aulas de Língua e Literatura
Portuguesa para o ensino fundamental e médio num curso Supletivo. Atuamos
em sala de aula durante dez anos. Nesse tempo, muitos questionamentos
surgiram tais como a dificuldade que os alunos tinham, tanto para ler, como
5
para escrever, sendo que alguns já adultos tinham, no mínimo, estado na
escola por cinco anos.
Passamos a observar que os alunos utilizavam uma linguagem coloquial tanto
na fala, quanto na escrita, motivo que nos fez refletir sobre até que ponto
deveríamos considerar essa atitude um erro.
Dessa forma, buscamos investigar que produções havia no início do século XX
que defendiam o uso coloquial. Encontrando Mário de Andrade, passamos a
observar a postura do autor que apregoava:
“Vale mais errar, porém fazer do que não errar e não fazer” (Andrade sd apud Pimentel
,1990,p.331).
Escrever é tarefa difícil, mas não impossível de aprender desde que
“aceitemos” o que o nosso aluno escreveu e mostremos a ele caminhos que o
levem a diferenciar o que pode ser considerado erro e o que é aceitável.
Mário de Andrade foi o grande defensor da fala brasileira e, durante
aproximadamente trinta anos, anunciou para os intelectuais a gramática da fala
brasileira. Ambicionava contribuir, por meios de estudos lingüísticos e da sua
própria obra literária, para a renovação da expressão artística nacional,
estilizando o brasileiro vulgar. Afirmou o tempo todo que não tinha a intenção
de ir contra Portugal e nem mesmo de ”criar” uma nova língua, mas reconhecer
as variedades lingüísticas existentes, a fala geral de seu povo. Conforme
Pimentel (1990, p.333)
... o que a gente tem de fazer é isso: ter a coragem de falar brasileiro sem si amolar
com a gramática de Lisboa. Dar cada um a sua solução pessoal de falar brasileiro
pra que depois um dia os gramáticos venham a estabelecer a gramática do Rio de
Janeiro. Está certo. Vejam bem:
Falei “sem, se amolar com a gramática de Lisboa” e não “se opondo à gramática
de Lisboa”. Não se trata de reação contra Portugal. Trata-se duma independência
natural sem reivindicações, nem nacionalismos, sem antagonismos, simplesmente,
inconscientemente. Trata-se de “ser”. O brasileiro tem direito de ser.
6
Constatamos o desejo de Mário de Andrade em reafirmar a estilização da fala
brasileira e em mostrar a seriedade do seu trabalho sem ter que ferir as normas
da Língua Portuguesa.
Entre vários aspectos abordados pelo escritor no que se refere à fala brasileira,
selecionamos o item pronome, que suscitou questões que, no decorrer da
pesquisa, pretendemos responder:
1. Em que medida a abordagem de Mário de Andrade acerca dos
pronomes se distancia da “Gramática Secundária” de Said Ali?
2. Até que ponto as considerações Márioandradianas na “Gramatiquinha”
foram utilizadas nas cartas, nos textos “teóricos” do mesmo autor?
3. Que aspectos da colocação pronominal de Celso Cunha difere de Mário
de Andrade e Said Ali?
4. Que reflexões podemos fazer sobre a colocação dos pronomes na fala
brasileira durante a década de 20?
Verifica-se, assim, que o nosso estudo estará direcionado, em geral, para a
reflexão sobre o uso dos pronomes na década de 20, no Brasil e, em particular,
para as posturas de três escritores de prestígio: Said Ali, Mário de Andrade e
Celso Cunha.
Constatamos, nos rascunhos do projeto da “Gramatiquinha”, no item pronome,
que o escritor não fez anotações, motivo que nos levou ao interesse
investigativo.
Destacamos também, na terceira parte do índice da “Gramatiquinha”, ou seja,
Sintaxe, no Capítulo XXI intitulado “Psicologia do Pronome” que,
possivelmente, as considerações sobre o raciocínio sobre o significado do
pronome para Mário de Andrade, estão nas entrelinhas como se pode observar
no texto de Pimentel (1990, p.384)
...cada um deve dar regras a si mesmo sobre a colocação do enclítico. É o que fiz. Por
onde que dei essas regras? Pelo valor psicológico da frase. Vem depois do verbo
quando frase é vaga ou fortemente imperativa.
7
Na verdade, cada um deveria escrever sem se preocupar com o efeito eufônico
que se poderia produzir, haja vista a proposta do escritor no que se refere à
questão pronominal.
Tendo, pois, nosso interesse voltado para o uso dos pronomes nas obras de
Said Ali, Mário de Andrade e Celso Cunha, mostramos que nosso espírito
investigativo foca-se na perspectiva historiográfica como mencionamos
anteriormente.
Assim sendo, nosso trabalho se organiza a partir dos três princípios de Konrad
Koerner: a) princípio da contextualização, diz respeito ao clima de opinião; b)
princípio da imanência refere-se ao entendimento do clima de opinião e c)
principio da adequação, consiste em dar um novo encaminhamento aos dois
primeiros princípios sob a luz de uma nova teoria lingüística.
Ao procedermos à análise, fixando-nos no princípio da imanência e,
posteriormente no da adequação, adotaremos as categorias de análise:
explanação dos aspectos da brasilidade e aspectos lingüísticos da abordagem
pronominal que guiarão nossos passos pelos textos selecionados.
Buscando atingir nossos objetivos e responder as questões que nós fizermos,
seguindo os princípios de Koerner para Historiografia Lingüística,
apresentamos nossa dissertação distribuída da seguinte forma:
Capítulo I AS CONCEPÇÕES DE HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
LINGÜÍSTICA: buscaremos discorrer sobre história e historiografia lingüística
com apoio dos autores estrangeiros: Jacques Le Goff, Konrad Koerner e Pierre
Swiggers e das autoras brasileiras: Cristina Altmann e Neusa Bastos.
O Capítulo II O ESPÌRITO DA ÉPOCA: traçaremos o panorama histórico-
cultural da época, a partir do qual apresentaremos a importância do movimento
modernista brasileiro, em especial, da Semana de Arte Moderna, para a
pesquisa em questão. Ainda neste capítulo, discorremos sobre o estruturalismo
de Ferdinand de Saussure e Vida e Obra de Mário de Andrade e Said Ali.
O Capítulo III OS TEXTOS EM QUESTÃO: A “GRAMATIQUINHA” E
GRAMÁTICA SECUNDÁRIA: analisaremos o “projeto da Gramatiquinhae a
8
“Gramática Secundária” de Said Ali. No projeto e na Gramática, nossa análise
estará baseada em duas categorias a saber: a) aspectos de brasilidade; b)
aspectos lingüístico-gramaticais da abordagem pronominal.
O Capítulo IV – O TRATAMENTO DA COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: trataremos da adequação referente ao
projeto da “Gramatiquinha” de Mário de Andrade, à “Gramática Secundária” de
Said Ali, vistas à luz de Celso Cunha relativa às questões de brasilidade.
Para finalizar faremos as Considerações Finais e Bibliografia.
9
1. CAPÍTULO I
CONCEPÇÕES DE HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA.
Este capítulo tece considerações sobre História e Historiografia e sua interação
com a Lingüística.
1.1. Concepções de História e de Historiografia Lingüística.
1.1.1. História
Quando pensamos a história, pensamos o homem. História é um termo
bastante genérico, que poderia denominar toda e qualquer investigação
científica.
O sábio historiador grego, Heródoto, foi quem primeiro empregou a palavra
“história” que, para ele, contem dois sentidos diferentes: pesquisa racional e
resultado de tal pesquisa dado a entender que história era apresentar aos
leitores uma obra de caráter científico e não fictício ou meramente recreativo.
Besselaar (1974, p.3-4)
Na Antigüidade, o termo foi aplicado e interpretado como a narração de fatos e
acontecimentos do passado. Hoje se ampliou esse conceito sendo, além de
narração dos fatos os próprios fatos do passado.
As divergências, entre autores, acerca do que é a História, fazem suscitar
múltiplas definições. Apresentaremos aqui, algumas das definições dadas por
estudiosos.
Para Besselaar (1974, p.29-30), a história é a ciência dos atos humanos do
passado e dos vários fatores que neles influíram, vistos na sua sucessão
temporal. Os diversos elementos dessa definição podem facilmente ser mal
entendidos, de modo que cumpre examiná-los de perto. Os atos humanos são
próprios do homem enquanto homem, por exemplo: amar, odiar, escrever,
guerrear etc. Por serem deliberados e voluntários, estes atos distinguem-se
dos atos chamados involuntários realizados pelo homem, por exemplo:
respirar, crescer, digerir, entre outros, que independem da inteligência e da
vontade humanas.
10
Em relação à Antiguidade greco-romana, podemos afirmar que, para os
gregos, a história é moral, por glorificar o homem, tornando-o um herói, e
pragmática, por projetar a utilidade que se poderá tirar dos conhecimentos
acerca dos fatos passados. Já, para os romanos, a história apresenta-se não
com intenções morais, mas também com intenções patrióticas, por fornecer
bons exemplos de condução da Pátria a serem seguidos e maus exemplos a
serem evitados. Bastos (2004, p.74)
Assim sendo, compreendemos que os atos humanos são objeto próprio da
história, pois são manifestações da pessoa humana, revelando sempre certo
grau de espiritualidade e originalidade.
Conforme Le Goff (1992, p.8), a História se define em relação a uma realidade
que não é observada e nem construída, mas sim indagada e testemunhada.
Assim, a História começou como um relato, a narração daquele que pode dizer
“Eu vi, senti”. Seu objeto de estudo é o homem, por isso também considerada
uma prática social.
Mediante a necessidade de o historiador misturar relato e explicação, a historia
passa a ser concebida como um gênero literário, uma arte, ao mesmo tempo, é
uma ciência. A história é ciência pouco autônoma, sendo considerada a mais
pobre de todas as ciências, necessitando, mais do que qualquer outra, do
auxílio de disciplinas subsidiárias: a filosofia, a arqueologia, a paleografia, a
cronologia, a geografia, apenas para citar algumas. Besselaar (1974 p257)
Esse múltiplo posicionamento da história perdurou até o século XIX, ou seja, a
história misturou-se com a arte e com a filosofia, esforçando-se (o que
consegue parcialmente) por se tornar mais específica, técnica e científica e
menos literária e filosófica. A História, como todas as ciências, deve generalizar
e explicar o seu objeto. Com o crescimento tecnológico, pôde-se observar uma
nova escritura da história no século XX.
As inovações que se manifestaram por meio da intelectualidade do início do
século XX dizem respeito a três tendências na França: 1)a substituição da
tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema; 2) a história
de todas as atividades humanas e não apenas a história política; 3) a inserção
de outras disciplinas, tais como: geografia, sociologia, psicologia, economia,
lingüística, antropologia social e outras. Bastos (2004, p.74)
11
O tempo é o parâmetro fundamental da história, pois desempenha um papel
de fio condutor. Observamos que o instrumento principal da cronologia é o
calendário, que vai muito além do âmbito histórico, tornando -se o quadro
temporal do funcionamento da sociedade.
Essa temporalidade está ligada às origens míticas e religiosas da
humanidade (festas), aos progressos tecnológicos e científicos (medida do
tempo), à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho e tempo
de lazer).
A oposição passado/presente é essencial na aquisição da consciência do
tempo. Ao que se refere ao tempo histórico, podemos nos certificar de que
a visão de um mesmo passado muda segundo as épocas e o tempo em que
vive o historiador, ao qual está submetido.
Com efeito, o interesse pelo passado está em esclarecer o presente; o
passado é referido a partir do presente (método regressivo de Bloch).
Assim, a história renova-se a partir de 1929, data da fundação da revista
‘Annales,’ por Bloch e Febvre, em que um papel importante é
desempenhado por uma nova concepção do tempo histórico. Nesse
momento, a história passa a ser construída em ritmos diferentes e cabe ao
historiador captar e identificar esses ritmos.
Ressaltamos que, em vez do estrato superficial, o tempo rápido dos
eventos, mais importante seria o nível mais profundo das realidades que
mudam devagar (geografia, cultura, material, mentalidades: em linhas
gerais as estruturas) trata-se do nível das “longas durações” De acordo
com Le Goff (1992, p.15 apud Braudel, Le Roy Ladurie)
O dialogo dos historiadores da longa duração com as outras ciências sociais e com as
ciências da natureza e da vida _ a economia e a geografia ontem, a antropologia, a
demografia e a biologia hoje conduziu alguns deles à idéia de uma história “quase
imóvel”
12
Marc Bloch entende a história como a ciência dos homens do tempo. Para
ele, os homens constituem o objeto da Historia. Ele pensa nas relações que
o passado e o presente entretecem ao longo da história. Considerava que a
história não só deve permitir compreender o “presente pelo passado” -
atitude tradicional – mas, também, compreender o “passado pelo presente”.
Esta relação entre presente e passado no discurso sobre a história é
sempre um aspecto essencial do problema tradicional da objetividade nessa
ciência. A História deve esclarecer a memória e ajudá-la a retificar os seus
erros. A História, como todas as ciências, tem como norma a verdade. Le
Goff (1992, p.29-32)
Georges Lefebvre diz que História é a memória do gênero humano, o que lhe
consciência de si mesmo, isto é, da sua identidade no tempo, desde a sua origem;
é por conseqüência o relato do que, no passado, deixou marca na recordação dos
homens.
1.1.2. Historiografia Lingüística
Nos últimos trinta anos, muitas pesquisas têm surgido na área da Historiografia
Lingüística em busca de um método que atenda às necessidades do
pesquisador, e, também, para que se possa encontrar uma definição para
Historiografia Lingüística.
Segundo Altman (1998, p.25), trata-se de uma disciplina que tem vocação
científica, cujo principal objetivo é o de descrever e explicar como se produziu e
desenvolveu o conhecimento lingüístico, em um determinado contexto social e
cultural, através do tempo.
A Historiografia lingüística vai além de escrever e explicar a produção e o
desenvolvimento de um conhecimento lingüístico. Ela busca na História
referências passadas sobre o objeto que se vai estudar, para que o
investigador tenha condições de interpretar o documento, adquirindo, assim,
subsídios para escrever uma nova História.
13
São objetos de estudo, não os textos publicados e reconhecidos de uma
comunidade, mas também os não publicados tais como: correspondências,
cartas, rascunhos ou qualquer documento pessoal produzido por uma
comunidade científica.
Conforme mencionamos, no início, devido a um grande interesse por parte de
pesquisadores em discutir questões de metodologia e epistemologia para a
Historiografia Lingüística, podemos considerar que a disciplina está próxima ao
amadurecimento.
A primeira discussão organizada aconteceu no final da década de sessenta,
quando o livro de Thomas S. Kuhn, “The Structure of Scientific Revolutions
(1962), começou a exercer impacto na história da lingüística Hymes (1974).
Assim como Kuhn e Hymes, outros estudiosos também contribuíram,
dedicando-se individualmente ao assunto em questão.
Apesar de observarmos os esforços dos pesquisadores em querer estabelecer
métodos para o historiógrafo da lingüística, não haviam eles, ainda, chegado a
uma maneira única de proceder na pesquisa historiográfica em lingüística, que
pudesse atender à comunidade científica, devido à sua natureza particular do
assunto sob investigação (teorias da linguagem e da lingüística), a sua
evolução através dos tempos.
Era necessário que os historiógrafos buscassem a sua própria metodologia e
epistemologia, o seu próprio campo de trabalho, não deixando que métodos e
insights interferissem, de modo que fossem diretamente aplicados ao seu
objeto de investigação.
Assim, prosseguiram os estudos na Europa, onde vários pensadores
começavam a questionar sobre o que era a História da sociedade aaquele
momento. Havia a necessidade de mudança de paradigma.
14
Essa mudança ocorreu a partir da contribuição de Lucien Febvre e Marc Bloch.
Em 1928, eles foram os criadores de uma revista chamada Annales, cujo
objetivo foi divulgar/criar uma nova história, buscar um novo todo para a
história, conforme dissemos anteriormente. De acordo com Casagrande
(2001, p.10):
É de grande importância enfatizar que a “Escola dos Annales”, a qual pertenciam os
dois historiadores supracitados foi,na verdade, a responsável pelo estabelecimento
desse novo paradigma. Vem do século XVIII essa busca por uma nova abordagem da
ciência histórica, em não se concentrar nos acontecimentos políticos, mas também,
nos sociais, nos psicológicos e até mesmo nos lingüísticos. Essa mudança de
paradigma caracterizou-se como a “revolução francesa da Historiografia”, uma vez que
impôs uma nova visão de registro histórico.
Em 1933, Lucien Febvre mudou-se para Paris. Bloch, um pouco mais tarde. Foi
na cidade-luz que se consolidou o movimento dos Annales.
Mediante a esses acontecimentos, podemos dizer que a Historiografia
Lingüística originou-se na França e passou a ser vista como uma disciplina
interdisciplinar, por manter um “dialogo” com outras disciplinas tais como: a
Psicologia, a Geografia, a Sociologia, entre outras.
Com esse novo paradigma, ou seja, essa nova visão sobre a Historiografia
Lingüística, não basta ao historiógrafo ser bem versado em assuntos
relacionados à Lingüística, mas deve ter, também, um conhecimento quase
enciclopédico para melhor aplicar os novos conceitos à sua pesquisa.
Observamos que a Historiografia Lingüística precisava estabelecer bases
sólidas no que se refere ao desenvolvimento da disciplina. Era necessário
orientá-la para a teoria e não para os dados, embora fosse reconhecido que
faltavam muitas leituras para atingir essa finalidade.
No início da década de 70, vários pesquisadores interessados pela conduta da
disciplina e seu aprimoramento, recordando o impacto que causou o livro de
Kuhn “The Structure os Scientific Revolutions” (1962; 1970), retomavam a
questão: até que ponto sua morfologia das revoluções científicas poderia
fornecer um guia útil para o historiador da lingüística?
15
Essa discussão amainou-se ao final da década de 70, provavelmente com o
resultado do texto de (Altman apud Percival, 1998, p.25), ao questionar a
procura de “paradigmas” na lingüística sem, entretanto, ter oferecido um
caminho alternativo.
Acreditamos terem sido vários os motivos/razões para que Kuhn pudesse ser
muito bem recebido por vários cientistas, pois sua obra visava às ciências
naturais, em particular, a física teórica.
Segundo os pesquisadores, no livro de Kuhn percebia-se a falta de
conhecimento do trabalho de outros filósofos, a falta de precisão de muitas das
definições (o que permitia várias interpretações de seu argumento); por outro
lado, notava-se a ênfase dada na dinâmica social que envolvia tais mudanças o
que, provavelmente, agradava aos cientistas sociais (possibilitava abertura
para vários paradigmas).
na década de oitenta, presenciava-se uma variedade de estudos que
ofereciam linhas alternativas de conduta historiográfica, sendo que o debate
era direcionado para a abordagem histórica em lingüística.
Apesar do desempenho dos estudiosos, ainda não tínhamos, estabelecida,
uma base comum sobre como proceder em historiografia lingüística. Mesmo
assim, as discussões prosseguiam cada vez mais acirradas. Não existiam
bases aceitas para o tratamento da história da lingüística. O momento estava
para pensar em desenvolver princípios de pesquisas e procedimentos para o
trabalho historiográfico em lingüística.
Enquanto não se resolvia a questão, conceitos como: ‘matriz disciplinar’ e
‘clima de opinião’, ‘continuidade’ vs ‘descontinuidade’, ‘evolução’ vs ‘revolução’,
‘corrente principal’ vs ‘corrente secundária’, ‘orientação para os dados’,
‘orientação para a teoria, e outros (conforme Koerner, 1982) acabaram por se
tornar termos mais amplamente aceitos, mesmo não sendo sempre unânimes
no que diz respeito ao sentido e escopo da sua aplicabilidade.
16
O historiógrafo da lingüística enfrenta vários problemas metodológicos e
epistemológicos nos quais incluem questões de periodização, contextualização
etc.; mas um dos problemas que mais se evidencia é a questão da metalinguagem
(linguagem empregada para descrever idéias do passado sobre linguagem e
lingüística).
Nenhum escritor/pesquisador consegue deixar de discutir teorias de períodos
passados e esse procedimento está conduzindo às inúmeras e sérias distorções
na história da lingüística. Assim, qualquer historiógrafo T05(g)3.59805(u)3.59805à5or/à5 il um-7059(u)3uf órem-70541102j5287539( )-128.484(i)d0909((148.484(i)d0909((2i)dx)1ã9.2344( )-13.8337(d)3.60059(o539(o)3.60059(n)3.600512(s)-0.23.12476(e)3.60187(m7(g)3.6(e)3.6018(r)-0.524u)0059(n)3(o)3..524u)0059(n)3(4)-3)3u)3.60059(f)-476(ó)n4.60059(s)-0.287dq 0.15uu60059(s)-(s)-0.284994(t)-3.41229(o2i)3.17(e)287539( )32ie30909(6(a)3.600595h2i)3.17(e)294(t)-3.40975(o)3.5981.521641( )-336.sot(2i)dx r gemrtiú
17
Neste capítulo, elencamos apenas algumas definições sobre história e
historiografia as quais consideramos importantes como fundamentos da
Pesquisa por nós empreendida. Naturalmente, compreendemos ser e é
possível que outros autores aqui não tratados tenham outras posições
diversificadas a respeito de História e Historiografia por ser um campo muito
vasto e, nesse sentido. Oferecer recortes. Passamos, a seguir a discorrer sobre
o Panorama Histórico do Século XX.
18
2. CAPÍTULO II
O ESPÍRITO DA ÉPOCA
Neste Capítulo, apresentamos o contexto artístico e cultural da época em que
se situa Mário de Andrade, isto é, a segunda década do século XX e bem como
referências sobre o poeta Mário de Andrade e sobre o Filólogo Manuel Said Ali.
2.1. O Século XX. Panorama Histórico
No século XX, os movimentos artísticos que se desenvolveram antes, durante
e após a I Guerra Mundial foram chamados pela intelectualidade da época, de
Vanguardas Artísticas Européias. Naquele período eram questionadas as
formas tradicionais de organização da obra de arte, ou seja, os ismos
(Dadaísmos, Cubismo, futurismos e Surrealismo) europeus do inicio do século
que colocavam em xeque as próprias pautas que regiam a vida e a sociedade
de seu tempo. Rodrigues (1979, p.3)
A arte deste século tinha como traço identificador a integração das várias
manifestações criativas. Artes plásticas, literatura, música, arquitetura e
cinema, procuraram estabelecer entre si um sistema de conexão, de
identificação.
Os ismos desenvolveram-se anarquicamente na Europa, por meio de
manifestos, revistas, livros e exposições, que investiram, com ímpeto
demolidor, contra o já estabelecido.
Paris era o centro dessas manifestações que se alastraram para todo o mundo
propondo o confronto da Arte Moderna contra a Arte passadista. Divulgava-se
uma verdadeira alergia contra as academias, os museus, os artistas
canastrões, o soneto, a rima, a cartola, a sobrecasaca e a polaina, índices do
passadismo mental e artístico.
Era um hábito cultural que vinha desde o século XIX, propiciando que vários
artistas brasileiros circulassem por Paris e pela Europa como um todo. Alguns
viajavam por conta própria; outros usufruíam bolsas de estudos.
19
Esses jovens assimilavam as novidades cubistas, futuristas, dadaístas e
surrealistas e, assim, retornar ao Brasil, começava
20
Mário de Andrade liderava um grupo que pensava de modo diverso, ao dar
muito valor às nossas tradições, sem ser passadista nem saudosista. A
questão de Mário de Andrade não é trazer o passado de volta, mas, sobretudo,
entender o tempo presente, a brasilidade. Assim, rio de Andrade não
pensava em embalsamar a cultura. Desconfiava do passado como um tempo
perfeito, digno de ser revivido. Não propunha, como o faziam os verde-
amarelos, nenhuma viagem de volta ao passado. Queria entender a tradição no
que ela tinha de atual e de vivo. Era essa a tradição que interessava pesquisar
e analisar, por isso a denominava “tradições móveis”. Velloso (2000, p.34)
Ao estudar as manifestações culturais do passado, interpretava-as com os
olhos postos no presente. No “Prefácio interessantíssimo”, publicado em
“Paulicéia desvairada” (1922), Mário de Andrade define o passado como “lição
para meditar, não para repetir”. Assim, ele compreendia o passado como uma
espécie de ponte que permitia a travessia para o presente. Passado como
passagem, jamais como permanência.
Apesar de sabermos da influência do filólogo e gramático Said Ali na obra de
Mário de Andrade, buscamos traçar um panorama da Lingüística no século XX,
para estabelecermos as diferentes abordagens sobre o fenômeno da
linguagem no século em questão.
Assim, a lingüística é o estudo científico da linguagem. A palavra lingüística
começou a ser usada em meados do culo XIX para enfatizar a diferença
entre uma abordagem mais inovadora do estudo da língua, que estava se
desenvolvendo na época, e a abordagem mais tradicional da filologia.
Weedwood (1995, p.9).
Na lingüística do século XX, vamos nos deparar com a mesma diversidade
existente nos séculos anteriores, no que se refere à abordagem dos fenômenos da
língua e da linguagem.
Duas fontes norteiam os trabalhos lingüísticos no século XX: Ferdinand de
Saussure e Noam Chomsky. Neste trabalho, destarte a importância de Noam
Chomsky, iremos nos concentrar nos estudos de Ferdinand de Saussure.
21
Ferdinand de Saussure é considerado o iniciador do Estruturalismo, com a obra
“Curso de Lingüística Geral”, publicada em 1916. O Estruturalismo propunha
abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos
pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantêm com
os demais elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura da língua. No
Curso de Lingüística Geral, Saussure analisa a língua sob dois aspectos:
diacrônico (variação da língua em função do tempo) e sincrônico (variação das
estruturas da língua em um determinado tempo). Para ele o signo lingüístico é
composto simultaneamente de dois componentes: significado e significante.
Saussure opõe a “língua” a “fala” (escrita ou oral), ou seja, ao conjunto
virtualmente infinito dos enunciados singulares produzido pelos indivíduos que
pertencem a uma comunidade lingüística. Por conseguinte, a fala” está
simultaneamente a montante e a jusante da “língua”: para descobrir a “língua”, o
lingüista constrói os seus corpus com a “fala”, mas essa “língua” é logicamente
anterior a essa “fala”, uma vez que o sistema precede os enunciados que tornam
possíveis. Maingueneau (1997, p.46-47).
Assim sendo, conforme o exposto constatamos, a importância do curso de
Saussure para a lingüística, cuja temática influenciou muitos lingüistas no período
entre as I e II grandes guerras. Nos EUA, por exemplo, Leonard Bloomfield
desenvolveu sua própria versão de Lingüística Estrutural, assim como fez Louis
Hjelmslev na Escandinávia. Na França, Antoine Meillet e Émile Benveniste
continuariam o programa de Saussure.
A lingüística estrutural, desde Saussure, contrapõem-se à tradição filológica do
final do século XIX, que considerava, basicamente, a perspectiva diacrônica. A
lingüística do século XX é marcada pela perspectiva sincrônica que permite
analisar a língua sob vários aspectos: o informal, o prescritivo, o valorativo, o
emotivo e inclusive o temporal.
22
No entanto, o estruturalismo lingüístico se apoiava essencialmente na fonologia,
campo de atuação privilegiado para o teste de comutação; definiu a língua como
sistema de diferenças entre signos, reduziu a diversidade das propriedades das
línguas naturais e, na ausência de uma teoria da frase, não foi capaz de elaborar
23
transformações, tais como, a Primeira Guerra Mundial, Vanguardas Européias
etc. Todas essas transformações refletiram-se no escritor, de várias maneiras,
direcionando-o de um modo descobridor construtivo.
Publicou, em 1917, seu primeiro livro sob o pseudônimo de Mário Sobral “Há
uma gota de sangue em cada poema”. No ano seguinte, continuou escrevendo
contos e poemas.
Lecionou História da Arte, História da Música e Estética no conservatório, local
de sua formação pianística. Exerceu vários cargos públicos ligados à cultura.
Por exercer funções tão relevantes, reconheceram-no, na época, como um dos
melhores pesquisadores do folclore brasileiro.
Foi um dos maiores renovadores da cultura nacional na primeira metade do
século XX e foi o organizador da Semana de Arte Moderna. Escritor-músico
versátil e culto iniciou seus estudos de literatura bem cedo, por meio de críticas
de arte que escrevia para revistas e jornais. Sua obra se estende desde a
poesia até o romance e o conto, contemplando, praticamente, todos os
gêneros literários.
Constatamos nas poesias, romances e contos uma nítida crítica social, tendo
como alvo a burguesia e a aristocracia. No que se refere à poesia, podemos
observar, em grande parte de sua obra, que é de cunho pessoal, complexa,
profunda, marcada com símbolos, metáforas de difícil compreensão para
aqueles que não tenham conhecimento mais profundo da realidade brasileira
embora se faça presente.
Mário de Andrade, na sua obra poética, é plural, pois comprovamos a presença
de aspectos múltiplos: a) poeta folclórico: sua poesia é o retrato de lendas e
assuntos do povo; b) poeta que transfigura fatos cotidianos fazendo, destes,
ponto de partida para aventuras poéticas; c) poeta de si mesmo; d) poeta
criador de poética está sempre à procura de novos meios de expressão, para
lançar-se a novas venturas.
O escritor dá voltas ao mundo haja vista tão grande variedade de temas tratado
em sua obra tendo, como lugar de destaque, o Brasil.
24
Após o término da I Guerra Mundial em 1918, o Brasil se viu inserido num
mundo bastante mudado. Esse acontecimento fez com que o país se
adaptasse aos novos tempos.
Essas transformações despertaram um forte desejo, no escritor Mário de
Andrade, de mostrar uma nova face do Brasil, de apresentar uma nova
linguagem literária, mais brasileira. Ele lutou por uma língua brasileira que
estivesse mais próxima do falar do povo, sendo comum, em seus textos, o
início da frase com um pronome oblíquo, o uso de palavras como “si”, “quasi”,
“guspe”, em vez de se, quase, cuspe. O brasileirismo e o Folclore foram de
grande importância para o poeta. Em 1922, na sua cidade natal, começou a
organizar a Semana de Arte Moderna que daria origem ao Movimento
Modernista Brasileiro.
O objetivo da Semana era abolir por completo a perfeição estética o
apreciada no século XIX. Os artistas brasileiros buscavam uma identidade
própria e a liberdade de expressão e, com este propósito, experimentavam
diferentes caminhos sem definir nenhum padrão.
Mário de Andrade, por sua vez, estudava incansavelmente o homem brasileiro,
seu modo de ser, seus costumes, desejos, o seu jeito de andar e falar. Ele
valorizou a superior unidade lingüística brasileira, sem renegar a sua variante
brasileira e esclareceu a língua é a manifestação concreta do temperamento
psicológico e cultural de um povo.
É essa unidade superior da língua portuguesa dentro da sua natural
diversidade que nos cabe preservar como fator interno de unidade nacional do
Brasil e Portugal e como elo mais forte da comunidade luso-brasileira. Cunha
(1975, p.43)
Mário de Andrade, em 1924, disse: “estou escrevendo em brasileiro, ou seja, a
única língua que a nação brasileira possui. Trata-se de uma língua que nunca foi
imposta. E por meio do herói sem nenhum caráter (personagem de sua obra
“Macunaíma”) ficcionava o drama da dualidade lingüística no Brasil que ele
25
pensara solucionar e considerava, quase sempre, missão primordial dos
modernos.
A obra de Mário de Andrade compreende, praticamente, quase todos os gêneros
literários. Escritor versátil escreveu incansavelmente poemas, poesias, crônicas,
romances. Assim, iremos discorrer apenas sobre algumas de suas obras,
consideradas, por nós, de suma importância para o desenvolvimento de nossa
pesquisa.
Conforme mencionamos, o escritor escreveu seu primeiro livro em 1917,
uma gota de sangue em cada poema”, na primeira parte; temos uma coletânea
de poemas cuja temática, em determinados momentos, faz referência à guerra; em
“Primeiro Andar”, segunda parte, deparamo-nos com uma série de contos que
relatam fatos corriqueiros e fatos provavelmente vivenciados pelo escritor. E nesse
momento que identificamos a escrita brasileira; em “A escrava que não é Isaura”,
terceira parte marcada pela presença das características da arte moderna.
Na obra “Táxi e Crônicas no Diário Nacional”, temos uma coletânea de crônicas
que retrata fatos do cotidiano da cidade de São Paulo, o escritor discorre sobre os
vários poetas tais como José de Alencar, Murilo Mendes e, também, faz críticas
sobre Ortografia e ao focalizar sobre a questão da fala brasileira.
A obra de maior importância para a literatura foi e ainda é até hoje “Macunaíma,
escrita em apenas seis dias. Esta obra resulta de vários anos de pesquisa na
mitologia indígena, no folclore, da observação dos costumes e a língua dos
brasileiros. Apresenta uma narrativa inovadora, cujo personagem principal é
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, que vive com a mãe e dois irmãos às
margens do mítico rio Uraricoera.
Conforme mencionamos, “Macunaíma, obra de extrema importância,
representa o Modernismo no Brasil na sua primeira fase (1922-1928)”. foi
possível a realização desse livro, após longos anos de pesquisa sobre a
mitologia indígena, o folclore e as várias observações dos costumes e a língua
26
dos brasileiros. Apresentamos algumas características do Modernismo
Brasileiro evidenciadas em Macunaíma.
A obra não apresenta coerência no que se refere ao tempo, ao lugar, a ação e
as personagens, uma seqüência lógica, fruto evidente da linguagem moderna.
Com relação ao aspecto lingüístico, em especial no Capítulo IX, intitulado
“Carta pras icamiabas”, rio de Andrade satiriza o distanciamento entre a
língua escrita e a falada: “Ora sabeis que sua riqueza de expressão intelectual
é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra” (P.106).
Por esse comentário, ratificamos a intenção de Mário de Andrade em valorizar
a língua falada, ou seja, a linguagem cotidiana, daí a idéia de escrever a
“Gramatiquinha” da Fala Brasileira.
Ainda ao nos referir à língua, é notório em Macunaíma “o vocabulário regional
de todos os pontos do Brasil”. Com suas frases feitas e provérbios de
propriedade coletiva, Sem dúvida, considerado um dos principais valores do
livro e exatamente esse folclore lingüístico, se é que podemos denominar
assim.
É freqüente na obra o uso de expressões como: __Meu avô, caça pra mim
comer? (pg.20) “__Minha vó, da aipim pra mim comer?” (pg.21) “__ Me
acudam que sinão eu mato! Me acudam que sinão eu mato” (pg.28).
Nosso próximo assunto, será, fornecer informações sobre o filólogo Said Ali
que influenciou Mário de Andrade em seus estudos lingüísticos.
27
2.3. Said Ali Vida e Obra
Figura 2: Manuel Said Ali – “A Gramática Secundária”
Considerado o maior Filólogo, o maior sintaxista da Língua Portuguesa, deixou-
nos obras de grande importância.
Manuel Said Ali nasceu em 21 de outubro de 1861, em Petrópolis, na então
Província do Rio de Janeiro e morreu na cidade do Rio de Janeiro, ainda a
Capital Federal, a 27 de maio de 1953.
Said Ali foi um autodidata e leu, no original, sem orientação de mestres ou de
cursos especializados, obras essenciais em sua época para a formação de um
especialista: Hermann Paul, Gabelenz, Miklosisch, Brugmann, Delbrück,
Sievers, Sweet, Victor Henry, Bourdon, Marty, Bréal, Passy, Whitney. ALI,
(2001)
Sua dedicação e curiosidade a respeito dos fatos históricos da língua
portuguesa formaram inúmeros discípulos do mais alto valor para os estudos
da linguagem do Brasil. Said Ali era amigo intimo de Capistrano de Abreu,
historiador e lingüista. Ambos eram pesquisadores exímios e um encontrou
apoio e fortalecimento no outro. Foram educados na ciência filológica alemã,
onde o rigor existia em tudo: na averiguação, nas referências, na
documentação, na prova, no método, na teoria, na concepção dos trabalhos.
Observaram a frieza com que os professores e compêndios ensinavam a
28
língua materna, a par de teorias que nunca tinham sido demonstradas,
conforme Bechara (1954, p.165-175 apud Ali, 1966)
Estudou em sua cidade natal, até se transferir para o Rio, com cerca de 14
anos, trabalhando então na livraria Laemmert. Iniciou os estudos de medicina,
tendo abandonado o curso no ano, por dificuldades financeiras. Said Ali
tinha um grande interesse pelos estudos da botânica, história natural e
zoologia. Foi professor de Alemão, da Escola Militar e do Ginásio Nacional
(hoje Colégio Pedro II), e lecionou, também, Francês, Inglês, Geografia e
alemão em outros Colégios.
Said Ali, escreveu vários artigos de Crítica Literária para jornais e revistas e é
considerado um dos maiores estudiosos da Língua Portuguesa e deixou-nos
uma vasta coleção de obras importantes.
As obras do mestre Said Ali são várias, porém vamos discorrer apenas sobre
aquelas que ora julgamos de maior importância para nossa pesquisa, por
focalizar o estudo da colocação dos pronomes átonos.
Em 1908, publicou “Dificuldades da Língua Portuguesa”, em que trata de
assuntos como o infinitivo pessoal ou verbos sem sujeito, sob uma perspectiva
psicológica em detrimento do estudo normativo. Assim, declara “o elemento
psicológico como fator importantíssimo das alterações da linguagem”, com o
auxílio do qual se pode evitar “a tortura das regras fixas ou a bateria de teorias
promíscuas e contraditórias”. Devido às suas interpretações psicológicas e
ousadas, sobre afirmações populares do tipo “vende-se casas”, mostrando que
o povo não considera sujeito o substantivo “casas”, deu ensejo a réplicas
ferozes como a de Othoniel Motta em o pronome “si”, em 1916. (VIARO sd
apud Ali, 2001, p.9).
Em 1921, publicou a obra Lexeologia do português histórico. Nessa obra sentiu
a necessidade de consultar diretamente as fontes e ratificar que “é a psicologia
elemento essencial e indispensável à investigação de pontos obscuros”,
colocando, no mesmo patamar das leis fonéticas, a memória e a analogia.
A obra “Meios de Expressão e Alterações semânticas” foi publicada em
1930 e deu ao professor Said Ali o prêmio: “Francisco Alves” de
29
1927,considerada a melhor obra sobre Língua Portuguesa. Nesse livro, Said
Ali, fala sobre a importância da mímica, intitula-se “lingüista”, utiliza com
naturalidade termos como: “discurso”, “símbolo”, “fonema” e “dêitico”.Viu com
ceticismo a “pureza da língua dos escritores chamados clássicos” e alertou
sobre a importância de um estudo histórico, não para fonemas e formas
gramaticais, mas também para a semântica, estudo que está ainda por ser feito
em língua portuguesa.
A “Gramática Secundária” é a obra didática mais significativa do ponto de
vista sincrônico que apareceu no Brasil, quiçá em língua portuguesa, de
quantos compêndios no gênero até agora escritos. As poucas concessões
feitas em suas páginas procuram atender apenas à orientação histórica que
norteava o ensino do idioma, e que ainda hoje não está de todo posta de lado,
convicta de que, como ensinava um neogramático do valor de Hermann Paul,
“não outra perspectiva científica da língua senão histórica”. (Bechara sd
apud Ali, 2006, p.14-15)
Após as referências sobre os autores Mário de Andrade, M. Said Ali e obras
consideradas, por nós, as mais significativas para a pesquisa, passamos ao
terceiro capítulo.
30
3. CAPÍTULO III
OS TEXTOS EM QUESTÃO: A “GRAMATIQUINHA” E GRAMÁTICA
SECUNDÁRIA.
Neste capítulo, seguiremos o princípio da imanência, fixando-nos no projeto da
“Gramatiquinha” e a na “Gramática Secundária” de Said Ali. Para abordagem
dos textos selecionados, partimos de duas categorias que guiarão os passos
analíticos, a saber: 1) aspectos da brasilidade; 2) aspectos lingüístico-
gramaticais da abordagem pronominal.
3.1. A “Gramatiquinha” de Mário de Andrade
Ater-nos-emos neste momento, à obra que temos como foco: em primeiro
lugar, enfocaremos as questões referentes à brasilidade mencionando que o
poeta estudou, com dedicação, clássicos da língua portuguesa como: Frei Luís
de Sousa, Garret, Camões, Castelo Branco, Latino, Vieira, Castilho etc.,
podendo, a partir daí, perceber as diferenças existentes entre o Português
Europeu e o Português Brasileiro.
Assim sendo, notamos que Mário de Andrade sabia escrever de acordo com o
Português Lusitano e que escrever em “brasileiro” era a sua contribuição
pessoal para codificação futura do brasileiro. Ninguém poderia jamais flagrá-lo
em erro, pois era o seu estilo pessoal. Passamos, então, para as análises,
iniciando com a categoria 1.
3.1.1 Aspectos da brasilidade
Neste item, centrar-nos-emos na primeira categoria abordada em nossa
análise. Inicialmente buscamos em: (Mário sd apud Pimentel, 1990, p.322) a
afirmação:
Com exceção duns trinta ou quarenta os doutores não falam a língua oficial nem
nenhuma língua. Língua é o instrumento mais ou menos plausível com que a gente
matuta. Língua é uma expressão espontânea do homem e ordenada unicamente
pelas precisões inconscientes da fisiopsicologia humana.
Na verdade, os doutores não falavam e nem escreviam a língua oficial e
quando pronunciada do jeito brasileiro e gramaticalmente à portuguesa é uma
31
coisa falsa, desonesta. Mas a língua gramatical portuguesa, quando adotada
pelo governo e pelos literatos do Brasil, é linda e rica se pronunciada do jeito
lusitano e escrita por escritores lusitanos.
A “Gramatiquinha” foi a idealização de um livro de ficção e ninguém não
aprende gramática nele, é gico. (Andrade sd apud Pimentel, 1990, p.325). A
escrita nunca foi igual à fala; cada qual tem suas regras especiais, isto é, a fala
é desprovida de planejamento e a escrita, antes da sua realização, é
planejada. Trata-se de um livro para os que sabem a gramática e não para
grupos escolares. Mário de Andrade, ao pensar em escrever a “gramatiquinha”,
tinha a intenção de apresentar um estilo literário que perpassasse pelas raízes
findas nas expressões do povo.
O escritor, a todo o momento, fez questão de afirmar e reafirmar que não tinha
pretensão nenhuma de criar a língua literária de deveras brasileira, pois sabia
até onde poderia chegar. A idéia era identificar a língua humana como a língua
geral, aquela que todos os brasileiros falavam.
Mário de Andrade acreditava que se o governo entregasse a normalização
sintática contemporânea a um grupo de homens de valor (valor lingüístico), tais
como: Mário Barreto, João Ribeiro, Amadeu Amaral, que pesquisassem no
falar brasileiro certas determinações fraseológicas mais ou menos gerais que
pudessem ser estabelecidas como normas de sintaxe nossa, facilitaria a
aceitação popular dessas normas para os semicultos que eram a maioria.
O importante era ser brasileiro, sentir, pensar, agir exprimir-se naturalmente como
brasileiro sem ter que ignorar Portugal, apesar da descendência portuguesa, da
qual muitos costumes e muitas expressões, vieram de lá.
Era preciso que se tivesse a coragem de falar brasileiro sem se preocupar com a
gramática de Lisboa. Mário de Andrade também afirma que seu trabalho não foi
leviano, mas sério. Seu intuito era dar para o seu povo um estilo novo, normas que
o deixasse organizado, possibilitando futuramente normas gerais para a fala oral
transitória e vaga, além da estilização erudita da linguagem oral.
Percebemos que, em nota de Pimentel (1990, p.64), que o escritor adquiriu
conhecimentos relativos à pesquisa de campo, ele menciona a língua nacional
32
e diz que todas as observações e pesquisas sobre a língua nacional devem ser
feitas exclusivamente entre pessoas das classes proletárias, entre analfabetos
e pessoas rurais. Deve estender-se a todas as classes, amesmo aos cultos,
mas sempre na sua linguagem desleixadamente espontânea e natural. As
observações não devem se estender aos indivíduos que primam em falar
certo, ou seja, importam-se excessivamente em verificar e apontar as regras
referentes ao bem. Estas pessoas “culteranistas”, por desatenção
momentânea, pecam contra o Português de Portugal ou das gramáticas.
Na verdade, Mário de Andrade aconselhava que se devesse levar em conta
não o falante, mas também o momento em que se realizaria o ato da fala e
diz:
(Andrade sd apud Pimentel,1990, p.346-348)
O Congresso de língua nacional cantada trouxe contribuições da Sociedade de
Etnografia e Folclore que apresentou os primeiros mapas geográficos de
Lingüística organizados no Brasil com método científico e da Discoteca Pública que
apresentou uma coleção de dezesseis discos de pronúncia culta e inculta das oito
regiões fonéticas do Brasil.
O Congresso tinha por finalidade dois destinos principais: expor aos brasileiros
dentre as suas pronúncias regionais, qual a preferível para ser usada no teatro, no
canto e na declamação eruditos do país e quais as normas de pronúncia dessa
língua-padrão quando cantada. Perto de setenta congressistas, representando
quase todos os Estados da Federação, escolheram a pronúncia carioca para língua
padrão.
O escritor comentou que a pronúncia padrão escolhida não tinha agradado a
todos, (filólogos, professores de canto), mas que teriam de acatá-la, pois fora
determinação do Congresso. Deveriam, pois, esperar por um período de cinco
anos seguidos ao momento de realização, no Rio de Janeiro, do Segundo
Congresso da Língua Nacional cantada, em que fariam a revisão geral dos
trabalhos realizados no primeiro.
De conformidade com rio de Andrade, nossa fala oral brasileira é diferente
da fala portuguesa. Os escritores puristas acostumados à fala e à escrita cultas
(adquiridas na escola e no convívio dos livros), quando a viram de outro jeito
33
escrito acharam-na, feia. O poeta escrevia pra ao invés de para. Muitos
estudiosos interrogaram-no dizendo que jamais falariam pra, porém ele tinha
certeza de que a dicção pra era geral não entre os brasileiros, mas também
entre os portugueses. Em relação à colocação do pronome enclítico cada um
deve dar regras a si mesmo.
Esse acontecimento prende-se ao fato de não se ter, ainda, uma fala brasileira
distinta, o que significa que tudo se resumiria a fenômenos pessoais, pois cada
um fala de um jeito.
Mário de Andrade, para iniciar a composição da “Gramatiquinha da fala
brasileira”, precisava estabelecer um plano e uma metodologia. De acordo com
Pimentel (1990, p.66-67), o escritor não chegou a organizar uma metodologia e
em algumas notas tratou de exemplificações, informando o critério geral:
somente abordar o que devesse ser reformulado.
O plano foi a preocupação maior de Mário de Andrade, pois ele aderiu como
modelo para a “Gramatiquinha da fala brasileira” a “Gramática Secundária” de
Said Ali. A partir dessa adesão pelo escritor, a obra passou a ter uma estrutura
denominada de índice, dividida em partes e subdividida em capítulos
enumerados. Segundo Pimentel (1990, p.67-68):
(...) como o plano não fora sugerido pelo próprio material destinado à obra, mas por um
modelo do gênero gramática, o aproveitamento desse material seria restrito. Deixando
de ser uma obra de campanha, cujo desalinho seria conseqüência da paixão, em que
todo excesso, todo desvio, se justificaria pelo calor do empenho, a organização deveria
pautar-se por preceitos e critérios específicos; e os claros, deixados pela insuficiência
de um material colhido anteriormente à adoção do plano, preenchidos com idéias e
dados pertinentes, ainda que esse plano fosse apenas um roteiro destinado a amarrar
comentários críticos descontínuos.
34
O autor justificou a descontinuidade desses comentários, fazendo anotações
(notas marginais), em determinados pontos do seu exemplar da “Gramática
Secundária” de Said Ali, o que elucidava que a “Gramatiquinha da fala
brasileira” não podia ser concretizada como uma gramática, pois se constatava
discordância em relação à “Gramática Secundária” o que confirmava, assim, “A
Gramatiquinha” como obra de ficção voltada para àqueles que conheciam a
gramática e não para os leigos.
Pelo caráter fragmentário e desconexo dos rascunhos e da marginália, sabia-
se que esse material não iria servir para a elaboração da estrutura da obra,
apenas funcionaria como apoio documental.
A manutenção do modelo de Said Ali representava, pois economia do esforço,
inclusive porque poderia ser facilmente subsidiado por autores acessíveis,
como Eduardo Carlos Pereira, Mário Barreto, João Ribeiro, Amadeu Amaral,
J.J.Nunes, Silva Ramos, todos citados nos rascunhos para a “Gramatiquinha”;
e provavelmente, também por autores não citados, mas, por certo, conhecidos
como Antenor Nascentes e Sousa da Silveira, de acordo com Pimentel (1990,
p.70)
Ratificamos, assim, conforme apontado no início dessa explanação, a
seriedade e a responsabilidade que Mário de Andrade teve ao estudar
incansavelmente os assuntos relacionados à Língua Portuguesa, embora não
tivesse conhecimentos filológicos para a elaboração de uma “Gramática da fala
brasileira”:
“Esta é a primeira vez em que me sinto verdadeiramente tímido ao publicar um livro e incerto
sobre a validade deste” (Andrade sd apud Pimentel, 1990, p.46)
Apesar de o material colhido por meio de oitivas, anotações em folhas avulsas,
viagens ao Amazonas, Nordeste etc., não ter se transformado no livro que
durante, aproximadamente, trinta anos foi idealizado e anunciado pelo escritor,
esse foi o projeto maior do mentor da Semana de Arte Moderna que,
infelizmente, não conseguiu concretizar.
Numa troca de correspondência com Manuel Bandeira, Mário de Andrade dizia
ao amigo que escrever a “Gramatiquinha da fala brasileira” não era tarefa para
35
apenas um homem só, pois precisava da colaboração de outros estudiosos
que tivessem conhecimentos filológicos para a realização de seu intento.
Na verdade, o projeto não foi terminado por Mário de Andrade. A ele, coube a
coleta de dados, notações e anotações da gramática e organização do material
em pastas. Passaremos, agora, à segunda categoria da análise.
3.1.2 Aspectos lingüístico-gramaticais da abordagem pronominal
Neste item, apresentamos em primeiro lugar: a) a descrição e a periodização
do material. Em segundo lugar b) mostramos a organização da obra de Mário
de Andrade para, ao final, apontarmos c) as posições de Mário de Andrade em
relação ao conceito, à divisão e ao uso dos pronomes.
a. Descrição e periodização do material.
O material destinado para composição da “Gramatiquinhaestá distribuído da
seguinte forma: i) Notas Marginais de Mário de Andrade de caráter lingüístico;
ii) Algumas observações escritas nas páginas de livros de propriedade do
escritor; iii) Documentos diversos.
O escritor idealizou escrever a gramática da fala brasileira durante o período
de 1922 a 1925,. a coleta de dados ocorreu de 1925 a1926. Ainda em 1925,
solicitou a Manuel Bandeira que pedisse a Sousa da Silveira, uma lista de
obras fundamentais para seu estudo, mas somente a recebeu em 1927. Em
1931 desiste do projeto da “Gramatiquinha”.
Mário de Andrade organizou o material da seguinte forma: Uma caderneta
intitulada Língua Brasileira, oito envelopes contendo documentos todos
rubricados “Gramatiquinha”, seguindo-se um subtítulo especifico e numerados
de 12-A a 12-I, porém faltando 12-D; outras notas:1,2,3,4,7A, 10, 11,13 ,14 18
,19 20, 21, 23, 24, 30 etc.
36
Dentre as notas marginais destacou-se, em especial, o exemplar da
“Gramática Secundária” de Said Ali, pertencentes ao escritor, cujas anotações
eram de extrema importância dado o caráter lingüístico apresentado nas
páginas (na marginália), que daria suporte para a escritura do o idealizado
projeto.
Com relação às outras notas, as informações estavam contidas em outros
livros, por exemplo, na obra “O Dialeto Caipira” de Amadeu Amaral, cujo
conteúdo referia-se a quase toda parte do vocabulário, e a classificação era de
caráter léxico-semântico. Nos livros restantes, as notas traziam informações
diversas, tais como: autógrafos, rubricas.
Assim sendo, os documentos selecionados por Mário de Andrade pertenciam a
terceiros, tratavam-se de cartas, bilhetes, artigos de jornais em recorte ou em
cópia, anúncios comerciais em folhas volantes e similares. Pimentel (1990,
p.23).
Ressaltamos que, a maioria desse material mencionado, constituía-se em
notas que não estabeleciam coerência, não tinham uma seqüência
cronológica, pois havia muitas lacunas o que dificultava a elaboração do tão
idealizado projeto, embora essas notas estivessem numeradas, davam a
impressão de que havia organização, de forma que atendesse a feitura do
projeto.
Em princípio, conforme mencionado na introdução, a “Gramatiquinha” tendia
para a composição de um texto interpretativo, mas Mário de Andrade, ao
aprofundar seus estudos na “Gramática Secundária” de Said Ali, conscientizou-
se de que a marginália por ele anotada, poderia ser organizada de forma que o
texto da “Gramatiquinha” não mais seria um texto desalinhavado e sim
constituir-se-ia em um texto cujo discurso seria livre sobre gramática de forma
organizada a atender seu objetivo: “A escritura da gramática da fala brasileira.”
A seguir passamos a organização da obra.
37
b. Organização da Obra de Mário de Andrade
A obra de Mário de Andrade organiza-se de acordo com o exposto abaixo.
Índice da "Gramatiquinha".
ÍNDICE
Introdução Cap. I
FONOLOGIA
Fonética Cap. II
(um só capítulo)
Prosódia Cap. III
Ortografia Cap. IV
(É milhor (sic) tudo num só capítulo)
LEXEOLOGIA
Palavra Cap. V
Substantivo Cap. VI
(substantivo propriamente dito)
Pronome
Verbo Cap. VII
(substantivo verbal)
Adjetivo Cap. VIII
(substantivo qualificativo)
Advérbio Cap. IX
Interjeições Cap. X
Partículas sintáticas Cap. XI
Artigo Cap. XII
Partículas determinativas Cap. XIII
(adjetivos determinativos)
Numerais Cap. XIV
Preposições Cap. XV
Conjunções Cap. XVI
38
Formação de palavras Cap. XVII
SINTAXE
Dicção e seus elementos Cap. XVIII
Frase Cap. XIX
Emprego de substantivo Cap. XX
Psicologia do pronome Cap. XXI
Psicologia da ação Cap. XXII
(verbo)
Psicologia do limite Cap. XXIII
(adjetivo advérbio)
Psicologia das partículas sintáticas Cap. XXIV
Pontuação Cap. XXV
ESTILÍSTICA
Frase ou Verso Cap. XXVI
Figuração Cap. XXVII
Vícios Cap. XXVIII
Prosa e Poesia Cap. XXIX
Psicologia da Fala Brasileira Cap. XXX
No rascunho do Prefácio, Mário de Andrade confessou que se sentia tímido,
ao escrever um livro na incerteza de sua validade. Ratificou que naquele
momento estava sendo muito corajoso ao propor um livro de tal
responsabilidade (a gramática da fala brasileira), acreditando que outros, ou
seja, os especialistas da língua portuguesa é que deveriam encarar tal
empreitada.
O escritor muito estudou a língua portuguesa, mas reconheceu que para a
realização de tal intento, precisava ser especialista no referido assunto.
Ninguém se encorajou a fazê-lo, porém Mário de Andrade começou a colher
dados para a confecção do tal livro.
Esclareceu que não seria um livro técnico e nem para técnicos. Era necessária
a elaboração de um livro totalmente desprendido de regras convencionais, pois
39
tinha intenção de apresentar soluções para o problema da variação lingüística
da língua portuguesa.
Acreditava que se outros estudiosos também fizessem a sua parte,
pesquisando o elemento brasileiro durante, aproximadamente, vinte anos, a
civilização atual falaria e escreveria concorde com a nação brasileira. Em
seguida comentaremos a estrutura do projeto da “Gramatiquinha”.
A introdução é chamada de Capítulo I. Mário de Andrade tece considerações
argumentando que se trata de uma língua oficial emprestada e que não
representa nem a psicologia, nem as tendências, nem a índole, nem as
necessidades, nem os ideais do povo brasileiro.
Essa língua oficial a que ele se refere é a Portuguesa que de cinco em cinco
anos é reelaborada pelos legisladores lusitanos. O escritor menciona que a
língua gramatical, adotada pelo governo, é linda, rica quando pronunciada e
escrita por escritores lusitanos, mas falada do jeito brasileiro e gramaticalmente
à portuguesa torna-se falsa, desonesta e feia.
Ainda nesse primeiro capítulo, prossegue discorrendo sobre outras línguas,
mas sempre enfatizando a língua brasileira. Na realidade, tomamos como uma
exposição dos pensamentos de Mário de Andrade em relação à credibilidade
da existência da fala brasileira que homens de valor (os grandes lingüistas),
apenas a reconheciam, porém não tinham “coragem” de reconhecê-la a ponto
de escrever um livro que tratasse da sua sistematização.
O capítulo seguinte, diz respeito à Fonologia que compreende: Fonética
capítulo II; Prosódia capítulo III e Ortografia capítulo IV.
Com relação à Fonética e a Prosódia eram dois conteúdos que o escritor não
separava, mesmo apresentados sob forma de rascunhos, dada a sua atuação
no campo da Música. Em especial, rio sentia-se atraído pelos estudos da
fonética Experimental apesar de sua falta de qualificação para enfrentar tal
empreendimento, mas mesmo assim colhia materiais do tipo: um anúncio
publicado no jornal português sobre Laboratório de Fonética Experimental,
cujos estudos já eram discutidos pelo escritor Amadeu Amaral.
40
A compreensão, sob todos os aspectos, da Fonética e da Prosódia seria de
grande valia para as suas atividades musicais. Intencionava elaborar um
vocabulário musical, mas para isso precisava reunir músicos e conhecedores
profundos da nossa fala, aproveitando, talvez, esses estudos para compor a
“Gramatiquinha”.
A falta de preparo de Mário de Andrade para tal tarefa, e sentindo a
necessidade de colocar suas idéias em prática, desviou o enfoque dos estudos
do vocabulário musical para a pronúncia visando a “dicção cantada”.
Nesse sentido, o autor ajudou a organizar o Primeiro Congresso Brasileiro da
Língua Nacional Cantada, cujo propósito estava vinculado às atividades
artísticas o canto erudito, o teatro, a declamação mas abria-se espaço para
a pronúncia culta. O evento acolheu comunicações das mais variadas
espécies. Mário de Andrade manteve-se no setor de sua especialidade:
relacionando música e língua.
O material colhido do Congresso seria, para Mário de Andrade, de grande
utilidade para a continuidade dos estudos da fala brasileira, por isso foi
anexado aos outros materiais que, provavelmente, deveriam ser parte da
composição da “Gramatiquinha”.
Assim sendo, o escritor apenas selecionou materiais que julgava abrangerem
os principais traços fonéticos da fala brasileira (artigos publicados em jornais e
textos de autores como Amadeu Amaral que tratavam do referido assunto). A
deficiência de informação específica sobre Fonética/Prosódia não lhe permitiu
a escritura de um texto que pudesse elucidar os referidos conteúdos.
Sobre as questões da Ortografia, Capítulo IV, assunto muito discutido por
especialistas e também por pessoas despreparadas, Mário de Andrade fez
adequações nas notas para a “Gramatiquinha” que observamos aparecerem
esboçadas em quatro regras para uso do hífen.
De acordo com PIMENTEL (1990, p.122), Mário de Andrade, respondendo a uma carta a
Carlos Drummond de Andrade, tomava a iniciativa de alterar a ortografia portuguesa por
ele mesmo. Por exemplo, grafias como exacto e contractar retirava-se o c e a grafia da
palavra ficava adequada ao uso brasileiro.
41
Essas modificações, feitas pelo escritor, colocavam-no numa posição
individualista, mas não era um individualismo absoluto, pois não consagrava
certas grafias por sua “plástica”, apenas estava mostrando a escrita brasileira,
não se esquecendo das fortes ligações com a tradição, ou seja, a maneira de
escrever conforme os ensinamentos de Portugal.
As formas si, sinão siquer, quasi, milhor, milhorar, milhormente, chacra,
abobra, iguinorante, adimitir e equivalentes estão documentadas em notas
de leituras e correspondiam à pronúncia brasileira.
Ainda no tocante à Ortografia, nas notas para a “Gramatiquinha”,
acrescentavam-se apontamentos sobre acentuação que, provavelmente, se
fosse elaborado o texto, o modelo a ser seguido seria o da “Gramática
Secundária” de Said Ali.
A Lexeologia foi explicada do capítulo V ao capítulo XVII. O capítulo V é
referente à Palavra. Mário de Andrade fez a distinção entre a palavra e, as
assim chamadas por ele, partículas sintáticas que são as preposições,
conjunções, os artigos e os adjetivos determinativos. também a divisão da
palavra, ou substantivo em diretos ou ditos; pronominais; qualificativos; verbais
ou dinâmicos; modificadores ou adverbiais. Segundo Pimentel (1990, p.149-50)
Comenta que a maioria dos gramáticos da época considerava como “partícula” um
vocábulo de pequeno porte, geralmente monossilábico, que exerce função sintática ou
estilística, e gramaticalmente se classifica como preposição, conjunção ou advérbio, Mário
de Andrade, de tal forma amplia o conceito, e tanto hesita na delimitação de sua
abrangência, que não chega a qualquer definição
.
Na opinião do escritor partículas eram elementos constitutivos tanto de palavra
(sufixo), quanto de frase (partículas sintáticas e partículas determinativas.
Em relação à divisão proposta, ao que parece, o escritor buscou ajustá-la aos
moldes da “Gramática Secundária” de Said Ali apenas na sua estrutura, pois
não sustentação teórica devido às incertezas que transparecem nos seus
escritos ao tentar formular regras.
Passamos ao capítulo VI, cujo título é o substantivo. Mário de Andrade define:
pronomes são subdivisão dos substantivos. Todos os substantivos são
42
abstratos em si, são universalizações. Os termos só se tornam concretos,
quando particularizados.
Essa afirmação de que todos os substantivos são abstratos em si são
universalizações não condiz com a subclassificação tradicional: substantivos
concretos e abstratos, substantivos próprios e comuns, substantivos primitivos
e derivados, substantivos simples e compostos e, finalmente, substantivos
coletivos.
Mário de Andrade justifica esse procedimento, dizendo que não estava sendo
contrário à divisão gramatical tradicional, mas apenas fazendo a Psicologia da
palavra como entidade universal e entidade particular.
Com relação ao item Pronome, não nenhuma anotação. É possível que o
escritor ainda não tivesse encontrado uma “definição” que pudesse melhor se
enquadrar ao uso brasileiro. É certo que, ao se apoiar na “Gramática Secundária”
de Said Ali, ele “renuncia” a certos pontos de seus ideais inovadores relacionados
à nova condição, ou melhor, à “nova nomenclatura” (nova denominação concorde
com a “norma” brasileira), em favor da tradição gramatical, por ser “mais clara e
eficiente”.
No capítulo VII, reservado para o Verbo ou substantivo verbal, verificamos que
Mário de Andrade, embora tendo como apoio a “Gramática Secundária”, não se
prendeu a ela e elaborou suas próprias explicações a respeito do assunto.
(Substantivo verbal) apresenta poucas explicações sobre a conjugação dos verbos saber e
poder, todas as observações se referem a verbos pronominais, incidindo sobre a supressão do
pronome e suas implicações. Pimentel (1990, p.163).
Assim sendo, aparece como “exemplo” o verbo saber conjugado: sube, soubeste,
soube, soubemos etc. Atentando para a primeira pessoa do singular que, ao
invés de soube foi grafado sube, e poude ao invés de pôde, podemos dizer que
essas formas são comuns nas obras literárias já divulgadas do escritor.
O Adjetivo, no capítulo VIII, foi denominado Substantivo Qualificativo. Nesse
capítulo, Mário de Andrade fez reflexões sobre as regras estabelecidas na
“Gramática Secundária” de Said Ali no que se refere ao adjetivo e vai “adequando”
“suas regras” conforme o uso brasileiro.
43
Exemplos:
Said Ali “Na maioria dos casos os adjetivos substantivados aludem a seres
humanos”.
Em Mário de Andrade, o velho (pai) a velha (mãe) é substantivo em fala
brasileira”.
Said Ali trata de “Superlativo intensivo”, e manda “antepor ao adjetivo a
palavra muito”.
Mário de Andrade acrescenta: “por demais”.
Acreditamos que a expressão por demais está de acordo com o uso
brasileiro.
O Advérbio, no capítulo IX, assim se caracteriza:
A inserção desse estudo logo a seguir ao dos adjetivos está coerente com a concepção do
advérbio como nome: trata-se de um substantivo modificador” “uma entidade modalitativa e
modificativa”. Pimentel (1990; 170).
Além da observação citada, não há texto escrito sobre o advérbio.
A Interjeição no capítulo X, conforme (Andrade sd apud Pimentel, 1990, p.171-
172)
“... a interjeição é o único remanescente esporádico da linguagem primitiva e que
permaneceu nas línguas organizadas para expressar os casos de sentimento intenso
(...) ““(...) a interjeição não tem qualificação nem classificação relacional dentro da frase
(...)” “(...) permanece infinitamente variável, subjetiva, e individualística e também
universal (...)” (...) é a única parte do discurso que tem significação internacional por
isso mesmo que isenta de organização”.
“Por vezes ela tenta tomar caráter nacional ou simplesmente regional como em Puxa!
Puta vida! Etc., etc. Mesmo ela é de significação internacional dada à flexão oral
intensiva que a realiza, porém mesmo essa interjeições lingüísticas estão, por assim
falar fora de organização lingüística. Nas linguagens organizadas a interjeição foi
transformada intelectualmente em frases de caráter interjectivo, de admiração, de
espanto, raiva etc.”.
Por meio dessas afirmações, percebemos que as idéias de Mário de Andrade
em relação à Interjeição ainda não estavam amadurecidas.
44
O capítulo XI refere-se às Partículas Sintáticas que, segundo Pimentel (1990,
p.172-173).
Assim chamadas, partículas sintáticas, ligaduras, elos de entidades, sufixos locucionais
são morfemas de frase, pois correspondem comumente a preposições e conjunções;
eventualmente também aos artigos e determinativos. Já as partículas categorizantes,
são morfemas de palavra.
As partículas sintáticas foram abordadas assiduamente pelo escritor que as
considerava como verdadeiros morfemas. Em nota, o escritor orienta-nos a
consultar a definição de morfema em Philosophie du Langage, p.212, (obra
consultada por Mário de Andrade, cuja autoria é do escritor Dauzat), da frase e
não da palavra e complementou considerar a frase como entidade substantiva.
Sobre o Artigo no capítulo XII, não explanações apenas exemplos de frases
incompletas que omitiam o artigo(s):
Fui ver, casa estava fechada, a gente não podia entrar.
__ ... não poude continuar, galho quebrou...
sem o artigo pra “galho”
Conforme verificamos em Pimentel (1990, p.173-175), em outras notas, o escritor
reserva um capítulo próprio para os Artigos, pois eles não poderiam ser inseridos
entre as partículas sintáticas ou entre as partículas determinativas, uma vez
reservado a elas, também, um capítulo à parte. Com relação aos exemplos citados
poderiam ser aproveitados em textos literários.
No capítulo XIII, dedicado às Partículas determinativas, elas aparecem entre
parênteses, também como capítulo XIII, (Adjetivos determinativos), que seriam
estudados os possessivos, os demonstrativos, os relativos, os interrogativos e os
indefinidos. Em seguida, uma observação para que se consulte a “Gramática
Secundária” de Said Ali na página 77, cujo conteúdo referia-se apenas ao estudo,
dos adjetivos qualificativos e com relação aos adjetivos determinativos estão
incluídos entre os pronomes que se subdividem em absolutos, ou pronomes
substantivos; e adjuntos, ou pronomes adjetivos que exerciam função de adjetivos.
Por sua vez, confirma-se que Mário de Andrade, não aderiu, nesse ponto, à
“Gramática Secundária” de Said Ali, pois para tanto deveria renunciar à inclusão
dos determinativos entre as partículas sintáticas, sendo que o escritor nada
45
registrou sobre a questão, o que nos fez acreditar que ele rompeu com o modelo
de Said Ali, para seguir os ensinamentos da Gramática Expositiva de Eduardo
Carlos Pereira, que lhe permitiu distinguir pronomes determinativos e adjetivos
determinativos considerando-se aqueles como Palavras, ou seja, substantivos e
estes como partículas, ou morfemas de frases.
Esse posicionamento justificou que Mário de Andrade estudava Eduardo Carlos
Pereira, pois havia um lembrete para não esquecer os: Esse ume Aquele
um”, exemplos que estavam entre as formas compostas de adjetivos
demonstrativos, citados na Gramática Expositiva, que o autor elucidou, ao
invés de usar esses exemplos, se deveria utilizar os exemplos populares.
Portanto, constatamos que Mário de Andrade neste capítulo das partículas
determinativas discordou de Said Ali e de Eduardo Carlos Pereira
Sobre os pronomes possessivos, Mário de Andrade dava preferência ao uso
brasileiro conforme o modelo de Said Ali:
Abandonar quase por completo este emprego do “seu”
“Em nossa fala (na fala da gente)”
Outros tipos de pronomes: relativos, interrogativos e indefinidos, constam
apenas em breves notas, ficando evidente a rejeição do uso do pronome “seu”.
O escritor empregava aonde, adondecomo pronomes relativos. Conforme
(Ali sd apud Pimentel, 1990, p.177)
“Há interrogativos absolutos e adjuntos. Os absolutos o quem, que se aplica a ente ou entes
humanos, e que ou o que, equivalente de “que cousa
”.
Mário de Andrade usa os dois quem e que juntos, a nosso ver, de acordo com
esses apontamentos, Mário de Andrade estudou, sim, outros autores tais
como: João Ribeiro, Mário Barreto, Vandryes e Dauzat, mas teve como base
para a escritura do projeto da “Gramatiquinha”, a “Gramática Secundária” de
Said Ali.
Ao confrontarmos o índice da “Gramática Secundária” e o índice da
“Gramatiquinha”, podemos constatar a semelhança existente entre ambas. O
capítulo da “Gramática Secundária”, dedicado aos pronomes serviu de apoio
46
para o escritor “criar” as suas próprias “regras”, ou seja, para estabelecer a
aplicação do uso brasileiro.
Com referência aos numerais, preposições e conjunções (Capítulos XIV, XV
e XVI), Mário de Andrade não incluiu os numerais entre os determinativos, não
escreveu nota(s) sobre o assunto, mas reservou um capítulo próprio; sobre as
preposições, verificamos constar uma referência à regência o que,
provavelmente, significava remeter-se para sintaxe.
Ainda sobre as proposições o escritor sistematizou um traço seu, isto é, incluiu
ao lado da preposição para a forma reduzida prá em decorrência de
crase”, pro prum etc., formas que empregou e defendeu.
A respeito das conjunções verificamos que assim como as preposições foram
consideradas como partículas sintáticas ou morfemas de frase. O escritor não
se aprofundou no assunto, apenas citou alguns exemplos (modelo uso
brasileiro) que tudo indica foram colhidos de oitiva ou em leituras feitas.
Exemplos: “mas porém”; “promode”; “mesmo que” = “que nem” etc.
Esses exemplos acima citados constam de notas registradas pelo escritor de
valor apenas documental.
O Capítulo XVII, Formação de Palavras, conforme Pimentel (1990, p.181):
(...) compreendia duas partes: Etimologia e Neologismos, incluindo-se entre as
palavras transitórias. Neste contexto, a referência à Etimologia constante em nota
(12G), mas rasurada em nota (12V), não corresponderia a um estudo histórico da
formação do léxico, aspectos de que o traços nas anotações de Mário de
Andrade. As duas citações nota (12I) da gramática histórica Portuguesa [sic], de J.
J.Nunes, se indicam estudo da matéria, indicam também a direção de seu
aproveitamento: abonar conceitos e justificar posições assumidas por Mário de
Andrade.
47
Observamos que na parte reserva à Etimologia, depois suprimida, foram
possivelmente abordados os processos de derivação e composição de acordo
com Eduardo Carlos Pereira (1907). Os neologismos e as palavras transitórias
foram assuntos de muitas reflexões por parte do escritor: Pimentel (1990,
p.181-182)
“Com prefixos como re (tornara) a (negação) aplicáveis a verbos, substantivos,
adjetivos, a gente pode fazer um dilúvio de figurações expressivas que não são
propriamente neologismos, são antes expressões do momento, sem valor vocabular
registrável. Reamar = tornar a amar não é um novo verbo, porque o prefixo não criou
uma palavra que falte propriamente à língua como o caso de repetir; é uma expressão
de momento, expressão composta na realidade de duas palavras o prefixo ree o
verbo “amar”. São expressões idiomáticas ocasionais e não palavras novas 12-V, 10.”
Neste capítulo, observamos que Mário de Andrade fez várias reflexões
apoiadas na obra Mário Barreto, principalmente no do Dicionário da
Gramática1, no que referia aos neologismos (palavras transitórias), elucidamos
que, apesar de Mário de Andrade não ter, ainda, consolidado suas idéias sobre
o tema, o material por ele recolhido fazia jus aos propósitos de configurar a
função expressiva caracteristicamente nacional.
Para Mário Barreto (1936 apud Pimentel, 1990, p.183):
“Neologismo é toda palavra que entra no léxico da língua para suprir uma carência,
independentemente de se tratar de formação interna ou de interpretação. São, pois
neologismos, em face do léxico padrão português, não os estrangeirismos, mas
também os brasileirismos e os regionalismos.”
Conforme sua afirmação, é sabido que Mário de Andrade não deixou nenhum
texto específico a respeito do assunto, mas sim uma significativa
documentação colhida de oitivas e pesquisas feitas nos livros de célebres
lingüistas.
1
2ª Ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1936, p.87-88 in Pimentel (1990,p.194).
48
Essa documentação armazenada o se destinava exclusivamente à
“Gramatiquinha”, embora para tal finalidade considerava-se pertinente, pois
retratava fatos comprobatórios condizentes com a diferenciação da fala
brasileira; destinava-se, também, à estilização literária, como se comprovou
nas obras: “Macunaíma e “Ensaio Sobre a Música Brasileira”, obras
trabalhadas no mesmo período, com o mesmo tipo de material lingüístico.
Passaremos, agora, a discorrer sobre a sintaxe que é comentada do capítulo
XVIII ao capítulo XXV.
O capítulo XVIII, intitulado A Dicção e seus Elementos, segundo Pimentel
(1990, p201), diz:
“A inexistência de texto relacionado com este capítulo, abre via apenas para
suposições. A primeira delas refere-se à segunda parte do título em 12-V: Dicção e
seus Elementos”. Se Dicção é palavra (dictio), o seria o estudos dos seus
“Elementos” que caberia na sintaxe, mas sim o das “suas combinações”. Pode,
portanto, tratar-se simplesmente de expressões imprecisas, comum em rascunhos
como os textos destinados à “Gramatiquinha”.
Após esse comentário buscamos em Mário de Andrade o significado de dicção
em exemplos que foram separados para compor a “Gramatiquinha”.
“Dicção :
Ir em vez de ir na”
“Dicção:
- Muito obrigado
- Não por isso”
“Porém, é incontestável que a dicção “pra” é geral (...)
49
Esses exemplos e outros aparecem no texto e/ou rascunhos para a
“Gramatiquinha”. No capítulo XIX de acordo com Pimentel (1990, p.202)
“O capítulo XIX reservado para Frase, observamos informações anotadas nas notas
originais de Mário de Andrade, descritas por Pimentel (1990. p203) a saber: a) texto
sobre a natureza nominal ou verbal da frase; b) relações entre ênclise e “valor
psicológico da frase”, entre euforia e as “razões ou necessidades expressivas,
psicológicas”; c) outro texto mencionando que “As orações são abstratas ou concretas
etc.”
Por esse tipo de material, ratifica-se que o assunto discriminado nas notas não
estava suficientemente pensado, apenas tratavam-se de idéias registradas no
papel pelo escritor para futuramente ser destinado à “Gramatiquinha”
No capítulo XX, intitulado Emprego do Substantivo, também não textos sobre o
assunto. Para Mário de Andrade eram substantivos também o adjetivo, o advérbio,
o verbo e a própria frase; a rigor, o emprego de todas essas classes de palavras
caberiam num único capítulo. Conforme Pimentel (1990,205)
No entanto, como a cada uma delas foi reservado espaço especifico, embora com epígrafe
diversa, presumi-se que neste se trataria de substantivo propriamente dito e da substantivação.
Note-se que é sobre o emprego do particípio passado como substantivo que recai
o interesse comprovado de Mário de Andrade:
“Guardados = substantivo usado só plural
Eu estava mexendo nos meus guardados...”
“Como vai, conhecido ?
Ontem encontrei u conhecido”
Esses tipos de exemplos configuram o uso brasileiro de acordo com o escritor.
A Psicologia do Pronome, no capítulo XXI, foi o de maior interesse para Mário de
Andrade, pois ele muito discutiu sobre a colocação dos pronomes, quando afirmou
que cada um deve dar regras a si mesmo sobre a colocação do enclítico,
afirmando que João Ribeiro também observou isso na Língua Nacional o que
comprova ter Mário de Andrade consultado a obra desse gramático.
Desse modo, constatamos que a influência de Said Ali sobre Mário de Andrade foi
decisiva no que se refere à questão da colocação dos pronomes enclíticos,
50
informações que constam das notas originais analisadas por PIMENTEL (1990,
p.207-209).
Em seguida, o escritor cita José de Alencar, Gregório de Matos, Gonçalves Dias,
Rui Barbosa, Osvaldo de Andrade, dentre outros que empregaram o pronome de
acordo com o uso brasileiro.
Infelizmente, os poetas citados por Mário de Andrade apenas fizeram uso das
variações pronominais segundo o uso brasileiro, mas o escritor não se aprofundou
no assunto. Assim sendo, temos os exemplos:
-“Me guiareis” (1ª pessoa) em José de Alencar
-“Te vejo, te procuro” principia Gonçalves Dias uma estrofe.
Em menino escreveu num livro que o pai lhe dera: Me foi dado por meu pai
em outubro de 1860” Rui Barbosa.
Percebemos que Mário de Andrade foi incisivo a todo momento em defesa da fala
brasileira, embora não tenha terminado e publicado a “Gramatiquinha da Fala
Brasileira”.
O capítulo XXII chama-se A Psicologia da Ação, e discorre sobre uso do verbo
de conformidade com o uso brasileiro, exemplificando sempre com o particípio
passado como substantivo,alem da utilização de gerúndio, para isso apoiou-se no
dicionário de Mário Barreto.
No capítulo XXIII, A Psicologia do Limite, identificamos o adjetivo e o advérbio.
Mário de Andrade diz que o qualificativo vem sempre posposto ao substantivo,
pois as palavras, quando pronunciadas pelo povo, possuem valor real e não
literário. Antepor o adjetivo ao substantivo é para os cultos.
Com relação ao advérbio, não nenhuma anotação teórica, mas apenas alguns
exemplos constando a posposição e a repetição da negativa conforme o uso
brasileiro, provavelmente colhido de oitiva ou por meio da literatura.
Exemplos: não é não”; não vamos não”; Tu nada viste não”; Não vou não”;
Não vence não!”.
O capítulo XXIV foi reservado para A Psicologia das Partículas Sintáticas em
que constam alguns exemplos de frases utilizando expressões coloquiais.
51
Há Ausência de texto teórico a respeito, lembrando que a abrangência do conceito a “partícula”
não chegou a ser claramente definida pelo escritor. PIMENTEL (1990, p.223).
No capítulo XXV, nomeado Pontuação, o autor em seus apontamentos para a
“Gramatiquinha” diz que, na maioria das vezes, o hífen é desnecessário exceto em
algumas situações, já que é preciso usá-lo para evitar pronúncias erradas.
“Pontuação é o emprego de certos sinais gráficos que se colocam entre orações e partes de
oração para se indicar pausas de diversas espécies, ou para denotar mudança de tonalidade,
ou simplesmente para chamar a atenção”. Pimentel (1990, p.228).
Mário de Andrade mencionou que, pontuação se faz por meio de certos sinais que
facilitam a compreensão psicológica ou visibilidade imediata da frase.
A nosso ver, fica evidente que o autor pensou nos seus propósitos modernistas
que aplicaria na escritura de poesia, textos em prosa que requereriam o mínimo
possível de sinais gráficos (pontuação).
A Estilística foi abordada do capítulo XXVI ao capítulo XXX .
O capítulo XXVI foi chamado Frase ou Verso, embora no índice, conste como
Frase ou Verbo. Pimentel (1990, p.247)
“Falta de vogal muda no brasileiro, examinada exclusivamente em seu contexto. Sugere
duas vias de interpretação; Poder-se-ia tratar de eneutro ou reduzido em posição átona _
um alofone posicional da vogal e”, segundo Matoso Câmara; poder-se-ia, também, tratar
de pretônico que se torna “muda” em certos ambientes (esp’rança, qu’ria), traços, ambos
típicos da pronúncia portuguesa”. Em qualquer um dos casos, porém, a segunda parte na
afirmação continuaria obscura, pois, numa ou noutra das hipóteses o decassílabo se
reduziria a um verso de nove sílabas, nunca “passaria” a um “endecassílabo legitimo, que
nem em italiano”: este, como se sabe, em decorrência da contagem metatônica das sílabas,
corresponde ao decassílabo, na versificação mas corrente em língua portuguesa.
A interpretação foi dada para a expressão “Falta de vogal muda”, estando o núcleo
do pensamento voltado para a especificidade da realização oral brasileira, sendo
assim, poderia ser compreendida a partir do conhecimento do que isso
significava para Mário de Andrade.
No capítulo XXVII, denominado Figuração, apenas, anotações de algumas
figuras de linguagem: Elipse - Pleonasmo – Anacoluto - Imagem ou Tropo.
Pimentel (1990, p.251).
“Os três primeiros subtítulos correspondem, exatamente, ao que consta em Said Ali,
sob o título geral “Figuras de Sintaxe”, em Eduardo Carlos Pereira, como “Sintaxe
irregular ou figurada de regência”; e, em João Ribeiro, como “Figuras de sintaxe”
52
Conforme a citação, constatamos que não textos tratando do referido
assunto, pois os comentários foram feitos apoiados nos estudiosos
mencionados por Mário de Andrade nas suas notas originais.
Capítulo XXVIII, discriminados Vícios, que na concepção do autor. Pimentel
(1990, p.407):
Mário de Andrade, na verdade defendeu os “neologismos vulgares” condenados pelos
gramáticos, inclusive, Said Ali afirmava que era preciso aproveitar o seu momento de
vida oral e se expressar sem acreditar que fossem vulgarismos, nem se importar de
serem falenismos.
Por outro lado, o escritor em outro texto condenava arcaísmos e preciosismos,
o que nos leva a crer que seriam para ele, os verdadeiros “vícios”. Pimentel
(1990, p.256)
Atacar os “arcaímos”, as palavras rebuscadas e pedantes os termos científicos e inúteis
desque o livro não seja técnico
Por esse comentário, entendemos que o escritor negava que pudessem existir
“vícios”
Os Vícios, na concepção de (Mário sd apud Pimentel, 1990, p.407):
Na realidade, não vícios de linguagem. se escreve bem ou mal. E notem que escrever
bem significa escrever expressivo e não escrever bonito. (...) O principal vício de linguagem é a
demonstração imediata que o individuo procure escrever bonito.
No capítulo XXIX, intitulado Prosa e Poesia, aparece também Estilo (Estilo
Nobre e Estilo familiar). O escritor não distingue prosa de poesia, mas, em
relação ao estilo, defende unicamente o que, em cada época, estivesse em
correspondência com a sociedade. Percebemos assim, que Mário de Andrade,
estava preocupado em registrar e explicar a fala.
No último capítulo, Psicologia da Fala Brasileira”, capítulo XXX, o escritor
retoma alguns assuntos tratados em notas para a “Gramatiquinha”. No início
do capítulo, algumas observações sobre o brasileiro falado no Ceará, em
São Paulo e no Rio Grande do Sul, a nosso ver, essa parte do capítulo seria
dedicado ao estudo do aspecto psicológico da fala brasileira, avaliado por meio
do léxico e da fonética.
53
Verificamos que Mário de Andrade menciona, numa de suas notas, um capítulo
chamado Psicologia da Língua Brasileira, que elencaria as seguintes palavras
e versos de uma poesia popular:
Doçura. Lentidão. Meiguice. Sensualidade. Ironia. Asperezas.
Embolados. Os versos:
Olha o bambu do bambu bambu
Olha o bambo do bambu bambabê
Olha o bambo do bambu bambubê
Quero ver dizer três vezes bambabê bambalalá! . Molenga
língua/ Indecisão passageira. Frases rápidas. Vênus bebia
não. Síntese oratória da conversa. Pimentel (1990, p.415).
Possivelmente, a seleção de palavras e versos feitos por Mário de Andrade iria
corroborar as características da fala brasileira, pois a alternância das vogais na
palavra Bambu, a troca da vogal upela vogal ono segundo verso e na palavra
Bambabê a substituição da segunda vogal “a” pela vogal “uconstatam a presença
de ritmo e musicalidade. Assim sendo, o destaque dessas características, para o
escritor, significava ratificar a expressão brasileira de seu povo.
Ressaltamos que os versos estão representando uma das características mais
relevantes na visão de Mário de Andrade: a musicalidade e o ritmo.
Na verdade, a intenção de Mário de Andrade era criar o estilo brasileiro e o
tempo todo afirmou que não tinha a intenção de ir contra a Gramática de
Lisboa e, se cada um tratasse de reconhecer essa variedade brasileira, oriunda
da Língua Portuguesa, dali a alguns anos, ter-se-ia uma gramática e uma
língua literária brasileiras.
Após a leitura do projeto da “Gramatiquinha”, selecionamos o item pronome
para uma análise mais detalhada que veremos a seguir.
c. As posições de Mário de Andrade em relação ao conceito, à divisão e
ao uso dos pronomes.
54
É sabido que o projeto de Mário de Andrade, ou seja, a Gramática da fala
brasileira não foi publicada, apesar de o escritor afirmar a todo o momento que
seu trabalho foi sério e que não tinha pretensão nenhuma de criar uma nova
língua e nem escrever a Gramática da fala.
Desde o momento que reconheceu a existência de uma variedade brasileira da
língua portuguesa, empenhou-se com afinco para buscar uma sistematização
para a norma brasileira.
Na verdade, a idéia da “criação” de uma “gramática da fala brasileira” estava
inserida nos ideais dos modernistas.
O que nos despertou a atenção é que o defensor da fala brasileira, nas
entrelinhas dos rascunhos da “Gramatiquinha”, disse que era preciso ter
coragem de falar brasileiro sem se amolar com a gramática de Lisboa.
PIMENTEL (1990, p.333).
Nas anotações feitas, no que se refere aos pronomes, dentro do índice no item
Psicologia do Pronome, Mário de Andrade afirmou que cada um deve dar
regras a si mesmo sobre a colocação do enclítico, isto é, os falantes da língua
portuguesa no Brasil, assim deveriam fazer.
Ao verificarmos o texto da “Gramatiquinha”, aparecem alguns exemplos
referentes à colocação dos pronomes segundo Mário de Andrade (uso
brasileiro), e concomitantemente o escritor utilizava os pronomes de acordo
com a gramática de Portugal ao escrever cartas para Manuel Bandeira,
conforme veremos nos exemplos da Tabela 1:Exemplos de aplicação de
Pronomes, segundo Mário de Andrade.
55
Tabela 1:Exemplos de aplicação de Pronomes, segundo Mário de Andrade.
Aplicação dos pronomes na
“Gramatiquinha”
Aplicação dos pronomes nas cartas escritas para
Manuel Bandeira
Cronologia
Me parece francamente que careci ter topete
pra agir assim e o meu livro me parece a
primeira real , mas não bem clarificada na
consciência manifestação de cabotinismo da
minha vida artística. (pg.313)
Até junho ver-nos-emos no Rio? Ou em Petrópolis se inda estiveres.
(pg.85)
fevereiro de 1923
Me lembrei de decorar coisas bonitas...
(pg.318).
Era com todas as outras uma aluna inexistente. Seres assim podem
também ser puros bons __ dessa bondade que é virtud
56
em sua estilização literária... (pg 411) (pg.135)
57
Com referência aos exemplos citados na Tabela 1:Exemplos de aplicação de
Pronomes, segundo Mário de, no que se refere aos pronomes mesoclíticos,
foram empregados de acordo com os ideais modernistas. Assim, observamos
em Schei, (2000, p.262):
Me é o pronome com maior tendência a próclise de maneira geral; em alguns escritores
é até o único pronome a ser colocado em posição inicial.
...De maneira Geral os pronomes da terceira pessoal ocorre enclíticos com maior
freqüência do que os da primeira pessoal.
A colocação do pronome Me, aponta para um registro da fala coloquial,
descontraída, que rio de Andrade transporta para o texto escrito. Dando
prosseguimento, vimos em Cabral, (1986, p.55)
...da noção de sistemas em Mário de Andrade: o da colocação dos pronomes oblíquos
átonos, assunto ao qual deu excessiva importância e o da grafia de “si
Partindo da observação de que na fala coloquial, o falante do português no Brasil,
quando utiliza o pronome obliquo átono da 1ª pessoa, usa preferencialmente a próclise,
extraiu uma regra geral e obrigatória, pela qual todos os pronomes oblíquos átonos
deveriam ocupar a posição proclítica, inclusive os pronomes de pessoa, em início de
sentença.
Esta intransigência de Mário feria o principio da posição dos morfemas no português,
pelo qual todos têm posição obrigatória, tanto os presos, quanto os livres, com exceção
dos pronomes oblíquos átonos, cuja posição é condicionada por outros fatores.
Conforme comentário supra, constatamos, mais uma vez a escrita concorde
com o uso brasileiro.
De conformidade com trechos escritos das cartas datadas em fevereiro, Mário
de Andrade elogiou o carnaval e os carnavalescos do Rio de Janeiro, em 08 de
agosto referia-se a uma aula de dicção, ministrada no Conservatório Musical
Dramático de São Paulo e em dezembro de 1923, tece agradecimentos ao seu
amigo, Manuel Bandeira, pelas sugestões dadas para enriquecer seus poemas.
Ratificamos, assim, a preocupação do escritor em não desvincular os estudos
musicais dos estudos lingüísticos.
58
Em carta datada de 19 de maio de 1924, o escritor confessa ao amigo Manuel
Bandeira que o tempo que tinha para dedicar-se aos estudos referentes à
questão da língua materna era quase nada, pois precisava sobreviver e, para
isso, ocupava-se de produções “mais simples” que atendessem de imediato as
suas necessidades.
Esse desabafo de Mário de Andrade nos faz acreditar que, provavelmente, a
não realização da “Gramatiquinha” da fala brasileira, justifica-se primeiramente
pela falta de tempo para a reflexão em relação à Língua, pela falta de apoio
dos especialistas no referido assunto e pela falta de materiais (livros) que
pudessem orientá-lo para realização da obra.
nas cartas datadas de 29 de setembro e 10 de outubro de 1924, a
informação era: comentários sobre nacionalizar a palavra, pontuação (a
vírgula), organizações de audições musicais, o exemplificou dizendo que
escreveu “clam” com a letra “m” ao invés de “clã”, acentuando a letra “a” com o
sinal gráfico til e, por isso chamaram-no de “besta”.
Assim sendo, na integridade das cartas citadas, constatamos assuntos
diversos e entendemos que, para escrever cartas para amigos íntimos, não
necessidade de utilizarmos linguagem formal. No entanto, o autor redigia
fazendo uso da mesóclise, colocação do pronome, de acordo com a gramática
normativa.
Defensor, sempre, da existência de uma variação lingüística da língua
portuguesa e com propósitos para a escritura da gramática da fala brasileira, às
vezes, “contraditório”, pois escreve, ao mesmo tempo, seguindo a gramática de
Lisboa e, desleixadamente conforme seu povo fala, isto é, a fala do Brasil
versus a escrita de Portugal.
Mário de Andrade discutia, em 1924, a colocação pronominal. Confidenciava
ao amigo Manuel Bandeira, em cartas, que colocava pronomes oblíquos no
início de frase em seus poemas, isto é, não saía da boca de seus personagens,
mas sim de sua pena.
É comum comprovarmos, nas obras de Mário de Andrade, os pronomes retos da
terceira pessoa ele, ela, eles e elas, exercendo a função de objeto direto. Esse
59
uso não nos permite tecer maiores comentários no que se refere à sua aplicação
se correto ou não, pois era proposta do escritor “escrever brasileiro” e, para
sistematizar essa nova forma de escritura era necessário pô-la em prática.
Com relação aos pronomes oblíquos lhe, lhes (3ª pessoa), Mário de Andrade
preferiu usar a forma de tratamento você, COLOCAR DOIS PONTOS e em seus
escritos encontramos pra ele, pra eles. Na verdade, sabia como deveria usar os
pronomes conforme a gramática de Lisboa, mas dava preferência ao uso popular,
daí a justificativa de que cada um deveria elaborar sua própria regra.
Na época em que recolhia conteúdos para a elaboração da “Gramatiquinha” da
fala brasileira, discutiu muito sobre os conceitos gramaticais, mas a discussão
mais acirrada foi em relação à colocação dos pronomes pessoais átonos.
Mário de Andrade, ao escrever as anotações para a “Gramatiquinha”, estava
expondo seus pensamentos, sua forma de reconhecer as variações da língua, o
que não requereria uma linguagem formal. Assim, em Andrade, (2002, p.270):
Assim, num dos mais bonitos sambas nacionais, o “Vejo Lágrimas”, publicado em disco
Colúmbia, n.22-65-B, o cantor argumenta:
Si choras por alguém
Que te enganou
Te conforma, pois Jesus
Também se conformou.
Iniciar frases com o pronome oblíquo, para o escritor, era considerado um
fenômeno relativo ao ritmo no tempo e ao ritmo no tempo e ao ritmo psicológico.
Com relação ao uso de mesóclise nas cartas íntimas, foi por opção, pelo seu estilo
plural, pela maneira de escrever da época, sem ter nenhuma pretensão de ir
contra os ensinamentos de Portugal.
Em seguida, apresentamos a obra de Said Ali, na qual seguimos as categorias já
expostas anteriormente.
60
3.2 A “Gramática Secundária” de Said Ali
Estudar A Gramática Secundária”, de Said Ali, que serviu de apoio para o
escritor rio de Andrade, no que se refere à elaboração do projeto da
"Gramatiquinha”, para nossa pesquisa é fundamental. “A Gramática
Secundária” de Said Ali, segundo o Professor Evanildo Bechara, foi editada
pela primeira vez em 1923. É considerada a obra didática mais importante para
os estudos sincrônicos que apareceu no Brasil. Para Mario Eduardo Viaro,
escritor pertencente à nova geração, “A Gramática Secundária” teve a sua
edição publicada em 1927. Já, conforme Evanildo Bechara - discípulo de Said
Ali - a referida gramática teve a sua publicação em 1923.
Em seguida, passamos, para as análises, iniciando com a categoria 1.
3.2.1 Aspectos da Brasilidade
Neste item, centrar-nos-emos nos aspectos de brasilidade que guiarão nossa
análise.
O Professor Said Ali destacou-se nos estudos da Gramática, da Lingüística e
da Filologia. A Gramática Histórica até hoje é considerada como uma
referência para os estudos diacrônicos do Português
O mestre Said Ali foi um autodidata e leu para sua orientação e formação como
filólogo e lingüista, mestres especializados como: Herman Paul, Witnei, Victor
Henry, Breal e outros.
O Professor Said Ali dedicou-se desde cedo aos estudos dos fatos históricos
da Língua Portuguesa, motivo pelo qual formou um grupo de discípulos que se
dedicou e foi considerado especialistas de valor, no que se referia aos estudos
da Linguagem do Brasil, são eles: Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto e
Evanildo Bechara, dentre outros.
Em 1908, o mestre Said Ali publicou a obra Dificuldade da Língua Portuguesa
que tratava do infinito pessoal ou verbo, sob uma perspectiva psicológica,
diferente do estudo normativo.
61
Com esse reconhecimento, do fator psicológico como de grande importância
para os estudos das alterações da linguagem, podia-se evitar o uso de regras
massificantes ou teorias contraditórias Devido às interpretações psicológicas e
ousadas do mestre Said Ali, ele chegou a discordar de determinados
especialistas que eram concordes com a postura normativa da época. Ele se
posicionava de forma a afirmar que expressões populares como:
“vende-se casas” mostram que o povo não considera sujeito o substantivo “casa”, deu ensejo a
réplicas ferozes, como a de Othoniel Motta em O pronome se, em 1916. (Viaro sd apud Ali,
2001, p.9)
Assim sendo, esse exemplo comprova o interesse do mestre Said Ali nas
questões do Português Brasileiro. Veremos outro exemplo (extraído da
“Gramática Secundária”) que nos mostra marcas de brasilidade, conforme
(Bechara sd apud Ali, 2006, p.15)
“O pronome pessoal tu tem aplicação muito limitada. No trato familiar, é admissível havendo
muita intimidade ou liberdade. No Brasil, vai sendo desbancado pelo termo você. O plural,
dadas as mesmas condições e vocês e não vos
Podemos afirmar, então, que o gramático Said Ali apresenta aspectos de
brasilidade nas influências deixadas para os filólogos, gramáticos e lingüistas
brasileiros que o sucederam e nas considerações acerca de uma língua
portuguesa utilizada no continente americano.
Dando continuidade, passamos ao item seguinte, referente aos aspectos
lingüísticos da abordagem pronominal.
3.2.2 Aspectos lingüístico-gramaticais da abordagem pronominal.
Neste item, apresentamos, em primeiro lugar: a) a descrição e a periodização
do material; em segundo lugar b), mostramos a organização da obra de Said
Ali e c) as posições de Said Ali em relação ao conceito, à divisão e ao uso dos
pronomes.
62
a) descrição e periodização do material
Said Ali, considerado um dos mais ilustres filólogos, em 1895, encetou uma
série de publicações na Revista Brasileira, por ter constatado que os estudos
de língua portuguesa, em sua maioria, não eram voltados para os modernos
princípios filológicos.
Essas publicações o colocariam numa posição de destaque juntamente com
outros filólogos, também de reconhecido saber.
Devido ao seu grande interesse pelos estudos de Língua Portuguesa, dedicou-
se, incansavelmente, ao método histórico-comparativo. dada a sua
preocupação diacrônica e sincrônica, no que se referia à Língua.
Por outro lado, acreditava que havia um excesso de método histórico-
comparativo e reagiu contra isso apesar de respeitar muitos contemporâneos.
De acordo com (Bechara sd apud Ali, 2006, p.14):
O mestre Said Ali, creio, foi o primeiro que, entre nós, conheceu a famosa dicotomia
definida pelo lingüista de Genebra, pois em 1919, no Prefácio da edição das
Dificuldades”, escrevia “... tomei para campo de pesquisas não somente o português
do período literário que se estende de João de Barros e Manuel Bernardes, mas ainda
o falar hodierno e, por outra parte, o menos estudado falar medieval. Pude assim colher
resultados que dão regular idéia da evolução do idioma português desde a sua
existência até o momento presente, de onde se a razão de certas dicções duplas,
existentes ora e ora sucessivas, fontes, muitas vezes, de renhidas e fúteis
controvérsias. Nesses fatos encontraria F. de Saussure, creio eu, matéria bastante com
que reforçar as suas luminosas apreciações sobre lingüística diacrônica” págs. V e VI,
2ª edição)
Por esse enunciado, constatamos a preocupação de Said Ali em fazer da
“Gramática Secundária”, publicada em 1923, um registro do estado do
português escrito e falado pelas pessoas cultas da época em que foi
elaborada.
Cumpre a nós ressaltar que a “Gramática Secundária” para a nossa pesquisa,
foi importante por tratar das questões de brasilidade.
A seguir, mostramos a organização da obra de Said Ali.
63
b) Organização da Obra.
A obra de Said Ali se organiza de acordo com o exposto abaixo.
Índice da Gramática de Said Ali
ÍNDICE
ADVERTÊNCIA SOBRE. ESTA EDIÇÃO
M. SAID ALI
PRÓLOGO
GRAMÁTICA E SUA DIVISÃO:
FONÉTICA
Fonemas em geral
Vogais orais
Vogais nasais
Consoantes
Semivogais
Pontos de articulação
Quadro das consoantes
Quantidade
Silaba
Ditongos
Ditongos decrescentes
Ditongos crescentes
Tritongos
Acentuação
Alterações fonéticas
ORTOGRAFIA
FORMULÁRIO ORTOGRÁFICO
ABREVIATURAS
LEXEOLOGIA
SUBSTANTIVO
Substantivos aumentativos e diminutivos
Gênero
Formação do feminino
Gênero pela significação
Gênero pela terminação
Nomes de duplo gênero
Nomes próprios
Número
Formação do plural
Plural com alteração da vogal tônica
Nomes usados no plural
Plural dos nomes compostos
ARTIGO.
ADJETIVO
64
Gênero dos adjetivos
Plural dos adjetivos
Graus de comparação
Superlativo intensivo
NUMERAIS (QUANTITATIVOS)
Quantitativos indefinidos
PRONOMES
Pronomes pessoais
Pronomes possessivos
Pronomes demonstrativos
Pronomes relativos
Pronomes interrogativos
Pronomes indefinidos
VERBO
Conjugações
Conjugação simples
Conjugação dos verbos auxiliares
Aplicação dos verbos auxiliares
Conjugação de ter e haver com particípio do pretérito
Derivados do pretérito perfeito
Formação do futuro do indicativo
Formação do presente do conjuntivo
Imperativo
Gerúndio
Particípio do presente
Alternância vocálica
Verbos em –ear e iar
Verbos em –uzir
Minguar, enxaguar, desaguar, magoar
Verbos defectivos
Verbos impessoais
Conjugação dos verbos irregulares
Particípios irregulares
Particípios duplos
Verbos nacionais e relacionais
Verbos transitivos e intransitivos
Vozes
ADVÉRBIOS
Gradação dos advérbios
PREPOSIÇOES
CONJUNÇOES
INTERJEIÇÕES
FORMAÇÃO DAS PALAVRAS
DERIVAÇÃO
Derivação Sufixal
Sufixos alternativos
Sufixos diminutivos
65
Sufixos ela segunda espécie
Derivação prefixal
Prefixos
Derivação parassintética
Derivação regressiva
COMPOSIÇÃO
Prefixos gregos
Lista dos radicais gregos mais usados
FORMAÇOES HIBRIDAS
SINTAXE E ESTILÍSTICA
A ORAÇÃO
Termos primários
Termos integrantes e accessórios
Funções atributiva e predicativa
Termos singelos múltiplos e determinados
Oração simples e oração composta
Interrogação direta e indireta
Orações explícitas e implícitas
COORDENAÇÃO
SUBORDINAÇÃO
Oração substantiva
Oração adjetiva
Orações adverbiais
Orações hipotéticas e condicionais
Orações concessivas
Orações temporais
Orações finais
Orações consecutivas
Orações comparativas
Orações proporcionais
Orações causais
CONCORDÂNCIA
EMPREGO DO VERBO
Emprego dos tempos verbais
Emprego dos modos
Imperativo
Indicativo e conjuntivo
Casos particulares
Emprego do Infinitivo
Emprego do infinitivo pessoal
Regras especiais
Emprego do gerúndio
EMPREGO DO ARTIGO
EMPREGO DOS NUMERAIS
EMPREGO DOS PRONOMES
Pronomes possessivos
Pronomes demonstrativos
66
Pronomes indefinidos
COLOCAÇÃO
Colocação dos termos da oração
Colocação dos pronomes átonos
Colocação do pronome complemento de infinitivo
Colocação do pronome complemento de gerúndio
Colocação do pronome complemento de verbo finito
Colocação do pronome átono nas conjugações compostas e perifrásticas
FIGURAS DE SINTAXE
a) Elipse
b) Pleonasmo
c) Anacoluto
TROPOS
VÍCIOS DE LINGUAGEM
Anomalias de Linguagem
PONTUAÇÃO
Vírgula
Ponto e Vírgula
Dois pontos
Ponto final
Ponto de interrogação
Ponto de exclamação
Aspas
Pontos de reticência
Parênteses
Asterisco
Travessão
Parágrafo
SISTEMA GRÁFICO DE 1943
67
Para a nossa análise, dividimos a “Gramática Secundária” em itens.
Nas primeiras páginas uma advertência sobre a edição e biografia de Said Ali,
comentada por Evanildo Bechara. Em seguida, o Prólogo comentado por Said Ali.
No primeiro item, de acordo com Ali (1966, p.15), Fonética ou Fonologia é o
estudo dos sons. Trata-se do estudo dos fonemas em geral, ou seja, suas
particularidades descritas minuciosamente. O segundo item está reservado para
abreviaturas – nome dado às palavras e expressões assim representadas.
No terceiro item, dedicado a Lexeologia, refere-se aos estudos dos vocábulos. Ali
(1988, p.150) diz:
A Lexeologia não examina os vocábulos um por um, como faz o dicionário. Divide-
os em um pequeno número de grupos ou categorias e registra os fatos comuns e
constantes e os fatos variáveis e excepcionais.
Esse item é dedicado à descrição detalhada das Classes Gramaticais, seus
componentes e suas subdivisões, a saber: Substantivo, Artigo, Adjetivo; Numerais
(quantitativos): Pronomes, Verbos e seus derivados, Advérbios, Preposições,
Conjunções e Interjeições.
O quarto item, dedicado à Formação das Palavras, verifica-se o processo de
formação de palavras por: derivação sufixal, prefixal, parassintética e regressiva. A
formação de palavras por composição: prefixos gregos, lista dos radicais gregos
mais usados e uma breve explicação sobre formações híbridas.
No quinto item, Said Ali discorre sobre a Sintaxe e a Estilística, parte mais
extensa que descreve, minuciosamente, sem deixar escapar nenhum detalhe, as
orações coordenadas, subordinadas; concordância; emprego dos: verbos, artigos,
numerais e pronomes.
No sexto item temos a Colocação: dos termos da oração e pronomes átonos; em
seguida as Figuras de sintaxe: Tropos, Vícios de linguagem e Pontuação.
O último item foi reservado para a apresentação do sistema ortográfico de 1943.
c) as posições de Said Ali em relação ao conceito, à divisão e ao uso dos
pronomes
68
69
A colocação do pronome mesoclítico efetua-se no falar lusitano, geralmente
para valorizar o termo que foi deslocado. Quanto ao falar brasileiro, Said Ali
confirma:
O pronome átono na linguagem antiga podia ser arrastado para junto do
primeiro termo, limita-se em português moderno a ficar anteposto ao verbo.
A pronúncia Brasileira diversifica da Lusitana; daí resulta que a colocação
pronominal em nosso falar espontâneo não coincide perfeitamente com a do
falar dos portugueses
.
Mário de Andrade tomou como base a “Gramática Secundária” para a possível
escritura da “Gramática da fala Brasileira”, devido ao reconhecimento do
Mestre Said Ali no que se refere à colocação pronominal.
A “Gramática Secundária” foi escrita em 1923, época em que Mario de
Andrade estava organizando o Movimento Modernista e por sua vez tratava do
assunto em questão, o “escrever brasileiro” e, em uma carta do professor Said
Ali, (Ali sd apud Cunha,1972, p.391), para Sousa da Silveira reafirma:
“...a propósito das Lições: Aplaudo, e muito o citar trechos de autores
brasileiros, autores a que os gramáticos da antiga escola negavam o direito de
votar. Eu pessoalmente não há dúvida que pouco os tenho citado em meus
trabalhos; mas é claro que estudando como estudo, os fatos historicamente, se
não tratei desenvolvidamente do falar brasileiro, é que ainda não cheguei a
esta fase mais moderna da linguagem” .
A preocupação maior de Mário de Andrade foi a colocação dos pronomes
enclíticos. Apoiado na “Gramática Secundária” de Said Ali, escreveu suas
próprias “regras”, ou seja, concorde com o uso brasileiro. O mestre Said Ali
reconhece a diferença entre o uso do pronome no Brasil e Portugal, mas, na
“Gramática Secundária”, permanece o uso conforme a Gramática de Lisboa.
Após discorrermos sobre a “Gramatiquinha” e a “Gramática Secundária”,
passamos ao quarto capítulo que tratará sobre o Filólogo Celso Cunha.
70
4 CAPÍTULO IV –
O TRATAMENTO DA COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA SEGUNDA METADE
DO SÉCULO XX.
Neste capítulo, pretendemos discorrer sobre Celso Cunha, suas obras, seu
conceito sobre os pronomes em relação às conceituações dadas pelo escritor
Mário de Andrade e o Filólogo Said Ali.
4.1 Celso Cunha: Vida e Obra.
Figura 3: Celso Ferreira Cunha: Nova Gramática do Português
Contemporâneo
Professor, Filólogo e Ensaísta e, além do magistério,k ocupou importantes
cargos políticos. Recebeu prêmios importantes como: José Veríssimo (Ensaio
e Erudição) da Academia Brasileira de Letras; Prêmio Paula Brito, da Prefeitura
do antigo Distrito Federal; Prêmio Moinho Santista de Filologia dentre outros.
Nasceu em Teófilo Otoni, em Minas Gerais, em 10 de maio de 1917, e faleceu
no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1989. Foi eleito, em 13 de agosto de 1987
para a Cadeira número 35, na sucessão de José Honór
71
Em 1935 ingressou na carreira do magistério como professor de Português do
Colégio Pedro II. Foi professor titular de Língua Portuguesa da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
em 1947, recebeu o título de Doutor em Letras e Livre Docente em
Literatura Portuguesa pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do
Brasil, com a tese O cancioneiro de Paay Gômex Charinho, trovador do culo
XIII.
Lecionou, como professor associado da Universidade de París-Sorbonne,
Língua Portuguesa de 1970 a 1972 e em 1983. Em 1984, lecionou História da
Língua Portuguesa, no curso de Pós-Graduação, da Universidade Clássica de
Lisboa.
Foi de grande importância a contribuição de Celso Cunha para o estudo dos
cancioneiros, fundamentais para o conhecimento da origem e evolução da
língua. Sua obra filológica versa, particularmente, sobre os problemas de crítica
textual e de versificação.
Celso Cunha, além da carreira no magistério e ocupação de cargos
significativos, deixou-nos uma vasta produção de obras: O cancioneiro de Joan
Zorro aspectos lingüísticos (1949), O cancioneiro de Martin Codex (1956),
Estudos de poética trovadoresca (1961), Gramática do Português
Contemporâneo (1966).
O escritor, além de ter publicado livros, também publicou ensaios com
reflexões sobre a língua, o que resultou na publicação de outros livros: Língua
Portuguesa e Realidade Brasileira, A questão da Norma Culta Brasileira, Uma
política do idioma, Conservação e inovação do português no Brasil e Língua,
nação, alienação.
72
Na obra Língua Portuguesa e Realidade Brasileira, o autor em Cunha (1968, p.25-
26) faz o seguinte comentário:
“... toda a questão da “língua brasileira” se resume, ainda hoje, na luta contra as regras
inflexíveis dos puristas, dos gramáticos retrógrados, sempre contrários a inovações e
defensores de um desarticulado sistema idiomático, simples mosaico de formas e
construções colhidas em épocas diversas do passado literário”
Esse posicionamento de Celso Cunha confirma que os lingüistas/filólogos eram
extremamente conservadores e que, provavelmente, reconheciam as variações
lingüísticas da Língua Portuguesa existentes, mas, para não contrariar os
ensinamentos de Portugal, nada fizeram no sentido de buscar uma
sistematização para a “língua brasileira”.
4.2 Nova Gramática do Português Contemporâneo.
Neste item, nossa preocupação está voltada para ratificar a importância que
teve a obra: “Nova Gramática do Português Contemporâneo” também para a
reflexão sobre os pronomes átonos na concepção de seus autores: Cunha e
Cintra. O exemplar por nós estudado foi publicado em 1985 (2ª edição), a
“Gramática Secundária” de Said Ali teve sua primeira edição publicada em
1923, e o projeto da “Gramatiquinha” foi elaborado entre 1922 e 1927 (período
em que vigorou o projeto para a escritura de uma possível Gramática da Fala
Brasileira). Em seguida, passamos ao item que se refere à questão da
brasilidade.
4.2.1 Aspectos da Brasilidade.
Neste item, buscamos as questões de brasilidade presentes no Prefácio da
obra gramatical de Celso Cunha & Lindley Cintra.
Num primeiro momento, o apresentados os motivos pelos quais a obra foi
realizada em conjunto um português, Lindley Cintra, e um brasileiro, Celso
Cunha. Apontamos dois desses motivos: primeiro a forte amizade que os unia;
segundo, a necessidade de se ter, para o ensino de língua portuguesa, uma
nova gramática do português contemporâneo.
73
Nessa contemporaneidade, aparece o Brasil com força de nação junto a
Portugal, num empreendimento em que se unem dois representantes dos
espaço lusófono.
A nacionalidade brasileira, miscigenada na origem, levou Celso Cunha a inserir
não o Brasil, mas também as demais nações lusófonas da África e todos os
países em que se estuda o idioma português.
Após ter publicado obras gramaticais, em 1970 e em 1972, ambas com suas
últimas edições em 1983, Cunha, unindo-se a Cintra, publica em 1985 esta
obra que se trata:
... de uma tentativa de descrição do português atual na sua forma culta, isto é, da
língua como a têm utilizado nos escritores portugueses, brasileiros e africanos do
Romantismo para cá, dando naturalmente uma situação privilegiada aos autores dos
nossos dias. Não descuramos, porém dos fatos da linguagem coloquial, especialmente
ao analisarmos os empregos e os valores afetivos das formas idiomáticas. Cunha
(1985, p.XIV)
Com o dito acima, podemos afirmar que a presença da brasilidade está na obra
analisada, voltada para as questões do português contemporâneo nos locais
que compõem o espaço lusófono.
A seguir, passamos para os Aspectos Lingüístico-Gramaticais da abordagem
pronominal.
4.2.2 Aspectos Lingüístico-Gramaticais da Abordagem Pronominal
Neste item, apresentamos em primeiro lugar: a) a descrição e a periodização
do material. Em segundo lugar, b), mostramos a organização da obra de
Cunha e Cintra para, ao final, c) as posições de Cunha e Cintra, em relação ao
conceito, à divisão e ao uso dos pronomes.
74
a) descrição e periodização do material
Publicada após 20 anos da implantação da NGB, a obra em questão fixa-se na
superior unidade da língua portuguesa, considerando a sua diversidade
lusófona, constante em todos os lugares em que se utiliza o português.
Segue-se um conceito lingüístico de norma que prega um maior liberalismo
gramatical. Assim, segundo Cunha e Cintra (1985, p.8)
“Este conceito lingüístico de norma, que implica um maior liberalismo gramatical, é o
que, em nosso entender, convém adotarmos para a comunidade de fala portuguesa,
formada hoje por sete nações soberanas, todas movidas pela legitima aspiração de
enriquecer o patrimônio comum com formas e construções novas, a patentearem o
dinamismo do nosso idioma, o meio de comunicação e expressão, nos dias que
correm, de mais de cento e cinqüenta milhões de indivíduos.”
Cumpre mencionar que os capítulos 2, 3 (a maior parte) e 13 couberam a
Lindley Cintra e os demais a Celso Cunha, embora o exame conjunto da obra
tenha sido realizado por ambos os autores.
Para dar conta da descrição e normatização da língua portuguesa, apresenta-
se a gramática dividida em 22 capítulos que abrangem conceitos gerais de
língua, linguagem, discurso, estilo e diversidade geográfica da língua, domínio
atual da Língua Portuguesa e as partes da gramática de acordo com a NGB.
Quanto à pormenorização dos capítulos, cabe ao próximo item.
75
b) Organização da Obra de Celso Cunha
A obra de Celso Cunha organiza-se de acordo com o exposto abaixo.
Índice da Nova Gramática do Português Contemporâneo.
SUMÁRIO
Prefácio
Capítulo 1. CONCEITOS GERAIS
Linguagem, língua, discurso, estilo,
Língua e sociedade; variação e conservação lingüística,
Diversidade geográfica da língua: dialeto e falar,
A noção de correto
Capítulo 2. DOMÍNIO ATUAL DA LÍNGUA PORTUGUESA
Unidade e diversidade,
As variedades do português,
Os dialetos do português europeu,
Os dialetos das ilhas atlânticas,
Os dialetos brasileiros,
O português as África, da Ásia e da Oceania,
Capítulo 3. FONÉTICA E FONOLOGIA
Os sons da fala,
Som e fonema,
Classificação dos sons lingüísticos,
Classificação das vogais,
Classificação das consoantes,
Encontros vocálicos,
Encontros consonantais,
Acento tônico,
Capítulo 4. ORTOGRAFIA,
Letra e alfabeto.
Notações Léxicas,
Regras de Acentuação,
Divergências entre as ortografias oficialmente adotadas em Portugal e no Brasil.
Capítulo 5. CLASSE, ESTRUTURA E FORMAÇÃO DE PALAVRAS,
Palavra e morfema,
Formação de palavras,
Famílias de palavras,
Capítulo 6. DERIVAÇÃO E COMPOSIÇÃO,
Formação de palavras,
Derivação prefixal,
Derivação sufixal,
76
A frase e sua constituição,
A oração e os seus termos essenciais,
O sujeito,
O predicado,
A oração e seus termos integrantes,
Complemento nominal,
Complementos verbais,
A oração e os seus termos acessórios,
Adjunto adnominal,
Adjunto adverbial,
Aposto,
Vocativo,
Colocação dos termos na oração,
Entoação oracional,
Capítulo 8. SUBSTANTIVO.
Classificação dos substantivos,
Flexões dos substantivos,
Número,
Formação do plural,
Gênero,
Formação do feminino,
Substantivos uniformes,
Emprego do substantivo,
Capítulo 9. ARTIGO.
Artigo definido e indefinido,
Formas do artigo,
Valores do artigo,
Emprego do artigo definido
Repetição do artigo definido,
Omissão do artigo definido,
Emprego do artigo indefinido,
Omissão do artigo indefinido,
Capítulo 10. ADJETIVO
Flexões dos adjetivos,
Número,
Gênero,
Graus do adjetivo,
Emprego do adjetivo,
Concordância do adjetivo com o substantivo,
Adjetivo Adjunto Adnominal,
Adjetivo predicativo de sujeito composto,
Capítulo 11. PRONOMES.
Pronomes substantivos e pronomes adjetivos,
Pronomes pessoais,
Emprego dos pronomes retos,
Pronomes de tratamento,
Emprego dos pronomes oblíquos,
Pronomes possessivos,
Pronomes demonstrativos,
Pronomes relativos,
Pronomes interrogativos,
Pronomes indefinidos,
77
Capítulo 12. NUMERAIS
Espécies de numerais,
Flexão dos numerais,
Capítulo 13. VERBO
Noções preliminares,
Tempos simples,
Verbos auxiliares e o seu emprego,
Conjugação dos verbos regulares,
Conjugação da voz passiva,
Voz reflexiva,
Conjugação de um verbo reflexivo,
Conjugação dos verbos irregulares,
Irregularidade verbal e discordância gráfica,
Verbos com alternância vocálica,
Outros tipos de irregularidade,
Verbos de particípio irregular,
Verbos abundantes,
Verbos impessoais, unipessoais e defectivos,
Sintaxe dos modos e dos tempos,
Modo indicativo,
Emprego dos tempos do indicativo,
Modo subjuntivo,
Emprego do subjuntivo,
Modo imperativo,
Emprego do modo imperativo,
Emprego das formas nominais,
Emprego do infinitivo,
Emprego do gerúndio
Emprego do particípio,
Concordância verbal,
Regras gerais,
Casos particulares,
Regência de alguns verbos,
Sintaxe do verbo
haver,
Capítulo 14. ADVÉRBIO.
Classificação dos advérbios,
Gradação dos advérbios,
Palavras denotativas,
Capítulo 15. PREPOSIÇÃO.
Função das preposições,
Significação das preposições,
Conteúdo significativo e função relacional,
Valores das preposições,
Capítulo 16. CONJUNÇÃO.
Conjunção coordenativa e subordinativa,
Conjunções coordenativas,
Conjunções subordinativas,
Locução conjuntiva,
Capítulo 17. INTERJEIÇÃO.
Capítulo 18. O PERÍODO E SUA CONSTRUÇÃO.
Período simples e período composto,
Coordenação,
78
Subordinação,
Orações reduzidas,
Capítulo 19. FIGURAS DE SINTAXE,
Elipse,
Zeugma,
Pleonasmo,
Hipérbato,
Anástrofe,
Prolepse,
Sínquise,
Assíndeto,
Polissíndeto,
Anacoluto,
Silepse,
Capítulo 20. DISCURSO DIRETO, DISCURSO INDIRETO E DISCURSO INDIRETO LIVRE,
Discurso direto,
Discurso indireto,
Discurso indireto livre,
Capítulo 21. PONTUAÇÃO,
Sinais pausais e sinais melódicos,
Sinais que marcam sobretudo a pausa,
Sinais que marcam sobretudo a melodia,
Capítulo 22. NOÇÕES DE VERSIFICAÇÃO,
Estrutura do verso,
Tipos de verso,
A rima,
Estrofação,
Poemas de forma fixa,
Índices ELENCO DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS,
ÍNDICE ONOMÁSTICO,
A gramática está dividida em vinte e dois capítulos.
O Prefácio foi comentado pelos próprios autores colocar dois pontos Celso
Cunha e Lindley Cintra.
O Capítulo 1, Conceitos Gerais sobre a linguagem, língua, discurso e estilo.
Neste mesmo capítulo, vimos: Língua e Sociedade; variação e conservação
lingüística; Diversidade geográfica da língua: Dialeto e falar e a Noção do
correto.
O Capítulo 2, Domínio Atual da Língua Portuguesa, apresenta: Unidade e
diversidade; as variedades do português; Os dialetos do português europeu,
Os dialetos das ilhas atlânticas; Os dialetos brasileiros e O português da África,
da Ásia e da Oceania.
Os Capítulos 3 e 4, Fonética e Fonologia, descrevem os sons da fala;
Ortografia: Letra e alfabeto, Notações léxicas, Regras de acentuação e
79
Divergências entre as ortografias oficialmente adotadas em Portugal e no
Brasil.
Os Capítulos 5 e 6, Classe, Estrutura e Formação de Palavras, discorrem sobre
palavra e morfema, Formação de Palavras e Famílias de Palavras; Derivação e
composição apresentam todas as formas de derivações das palavras.
Capítulo 7 Frase, Oração e Período, elenca a estrutura das frases, orações,
Complementos verbais complementos nominais, a oração e seus termos
acessórios, colocação dos termos na oração e entoação oracional.
Os Capítulos 8, 9.10,11 e 12, referem-se ao Substantivo, Artigo, Adjetivo,
Pronomes, Numerais, todos apresentam suas divisões, subdivisões e flexões.
Capítulo 13, Verbo, é o mais longo, pois discorre sobre os Modos Verbais,
Empregos das Formas Nominais, Vozes Verbais, Concordância Verbal,
Regência Verbal de alguns verbos, Conjugação dos Verbos Regulares e
Irregulares e, finalmente, Conjugação de um Verbo Reflexivo.
Nos Capítulos 14, 15,16, 17 e 18, são tratados Advérbio, Preposição,
Conjunção, Interjeição, Período e sua construção e tratam dos seguintes
conteúdos: classificações e funções das classes gramaticais elencadas
Os Capítulos 19, 20,21 e 22, Figuras de Sintaxe, propõem: as figuras de estilos
com exemplos; Discurso direto, Discurso indireto e Discurso indireto livre;
Pontuação: sinais pausais e melódicos, sinais que marcam a pausa e sinais
que marcam a melodia; Noções de Versificação: estrutura do verso, Tipos de
versos, A rima, Estrofação e Poemas de forma fixa.
80
c) Posição de Celso Cunha em relação ao conceito, à divisão dos
pronomes.
Para Celso Cunha, os pronomes desempenham na frase funções equivalentes
às exercidas pelos elementos nominais. Os pronomes desempenham as
funções: de representar um substantivo (pronome substantivo); de acompanhar
um substantivo, determinando-lhe a extensão do significado (pronome
adjetivo).
Com relação aos pronomes substantivos, aparecem isolados na frase e os
pronomes adjetivos são empregados, sempre, junto a um substantivo, com o
qual concordam em gênero e número.
Os pronomes classificam-se em: pessoais, possessivos, demonstrativos,
relativos, interrogativos e indefinidos. O autor nos chama, em Cunha (1972,
p.278)
,
a atenção para a seguinte observação.
“O característico dos pronomes, do ponto de vista da significação, é a carência de um
sentido constante, fixo e determinado pelo menos parcialmente --, e a diferença mais
importante entre eles é que, enquanto em uns cada situação concreta permite saber
exatamente a quem representam, em outros, como os interrogativos e indefinidos, a
significação é essencialmente indeterminada e não propriamente ocasional.” (J. Roca
Pons
2
).
Nesse momento, vamos nos concentrar nos estudos, apenas, dos pronomes
pessoais e sua função, os quais são itens condizentes com a nossa pesquisa.
As formas do pronome pessoal podem ser: retas (funcionam como sujeito da
oração); oblíquas (empregadas como objeto direto ou indireto). Quanto à
acentuação, distinguem-se, nos pronomes pessoais, as formas tônicas das
átonas.
São pronomes pessoais do caso reto: eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles, elas;
pronomes pessoais oblíquos não reflexivos átonos: me, te, o, a, lhe, nós, vós,
os, as, lhes; pronomes pessoais oblíquos não reflexivos tônicos: mim,
comigo, ti, contigo, ele, ela, nós, conosco, vós, convosco, eles, elas.
2
Introducción a la Gramática, 2ª ed. Barcelona, 1970. pág.186
81
Com relação à colocação dos pronomes átonos: quando o pronome antecede o
verbo, recebe o nome de proclítico; posposto ao verbo, enclítico e no meio do
verbo, mesoclítico, que é possível com formas do futuro do presente ou do
futuro do pretérito.
A colocação dos pronomes átonos no Brasil difere da colocação portuguesa e
encontra, em alguns casos, similar na língua medieval e clássica. Esses
pronomes, em Portugal, se tornaram extremamente átonos em virtude do
relaxamento e ensurdecimento de sua vogal. Já, no Brasil, apesar de
chamarmos de átonos, são eles, na verdade, semitônicos.
“A pronúncia aliada a particularidades de entoação e a outros fatores (de ordem lógica,
psicológica, estética, histórica etc.), possibilita-lhes uma grande variabilidade de
posição na frase, que contrasta com a colocação mais rígida que têm no português
europeu.” Cunha (1972, p.312).
Por esse comentário, o autor considera lamentável que certos gramáticos se
esqueceram dessa variabilidade posicional, em tudo legítima, e que representa
uma riqueza idiomática, eles preconizam, em particular, obediência às regras
portuguesa, deixando de reconhecer a existência de uma variedade lingüística
brasileira. A regra mais rígida e conhecida é aquela que nos obriga a não
começar frases com pronomes átonos, no falar brasileiro é normal esse
emprego.
Dente
82
Em Cunha (1985, p.295), o autor traz a seguinte explicação para o emprego
do pronome “me”:
“O pronome menão desempenha a função sintática alguma. É apenas um recurso
expressivo de que se serve a pessoa que fala para mostrar que es vivamente
interessada no cumprimento da ordem emitida ou da exortação feita. Este pronome de
interesse, também conhecido por dativo ético ou de proveito é de uso freqüente na
linguagem coloquial, mas por vezes aparece na pena de escritores e, não raro,
produzindo belos efeitos:”
Continuando, apresentamos as considerações finais.
83
5 Considerações Finais
Tendo como tema o estudo da Gramatiquinha de Mario de Andrade numa
leitura historiográfica, analisamos o projeto da Gramatiquinha sob a orientação
dos princípios teóricos metodológicos de Konrad Koerner.
Nossos objetivos: 1) investigar a abordagem dos pronomes na ótica de Mario
de Andrade, na década de 20; 2) comparar as explicações sobre pronomes,
postuladas na Gramática Secundária de Said Ali e sua aproximação com a
colocação pronominal de Mario de Andrade, no que se refere à fala brasileira;
3) identificar a opinião de Celso Cunha, no que se refere à colocação
pronominal, foram atingidos.
No quem tange à postura sugerida por Mário de Andrade, observamos que,
sob sua ótica, os brasileiros na década de 20 se haviam constituído sujeitos
de sua própria história e, dessa forma, haviam adquirido a possibilidade de
utilizar o português brasileiro à sua maneira, sem se considerarem erros os
“desvios” da norma padrão considerados pelos gramáticos. Segundo o autor,
os falantes da língua portuguesa no Brasil deveriam formular suas próprias
regras, uma vez que ninguém erra na colocação dos pronomes.
Quanto às comparações feitas entre a posição de Mario de Andrade e de Said
Ali, podemos afirmar que o primeiro, apesar do apego às postulações de Said
Ali nas considerações acerca dos pronomes, tem postura modernista. Assim,
encontramos em textos do autor frases como as que se seguem: Lhe escrevo
hoje num dia bonito”, Pra nós dois”, Me parecem dos milhores que
escrevi em minha vida”, Me senti sujado em mim”, Vem prá trabalhar”;
o segundo tem postura tradicional e aponta para a normatização da língua
portuguesa de acordo com o padrão-culto. Na Gramática Secundária,
menciona que a pronúncia brasileira diverge da Lusitana; dresultando a não
coincidência entre a colocação pronominal em nosso falar brasileiro
espontâneo e a colocação pronominal no falar dos Portugueses. De acordo
com Evanildo Bechara, quando Said Ali escreveu a Gramática Secundária
estava preocupado em fazer dela um registro do estado do português escrito e
falado pelas pessoas cultas da época em que foi elaborada (1923).
84
Quanto à identificação da opinião de Celso Cunha no que se refere à
colocação pronominal, podemos apontar que se fixa no padrão-culto, mas
identifica alguma utilização de pronome de acordo com o uso brasileiro. Ele faz
uma crítica na sua obra “Língua Portuguesa e realidade brasileira”, postulando
questões da “língua brasileira” que se resumem, na década de 80 e ainda hoje,
na luta contra as regras inflexíveis dos puristas, dos gramáticos retrógrados
sempre contrários a inovações que negavam as formas lingüísticas exigidas
pela vida quotidiana.
Celso Cunha reconhece que, na fala cotidiana do Brasil, é freqüente o uso do
pronome ele (a) em frases como: Vi ele”, “Cumprimenta elae acrescenta
que, embora essa construção fosse observada nos trovadores portugueses
dos séculos XIII e XIV, deve ser evitada na ocasião da publicação de sua obra
e podemos afirmar que, ainda hoje, tal postura é desabonada em se tratando
de norma padrão-culto.
No que se refere às categorias que pautaram nossas análises, reconhecemos
aspectos da brasilidade nas três obras analisadas, isto é, na primeira,
Gramatiquinha, temos Mário de Andrade sempre defensor do uso brasileiro,
acreditando que o importante era agir e exprimir-se naturalmente como
brasileiro sem ter, obrigatoriamente, que ignorar os ensinamentos de Portugal.
Queria mostrar para o seu povo um estilo novo, pretendia identificar a língua
humana como a língua geral, aquela que todos os brasileiros pudessem falar
etc.
Verificamos que Mario de Andrade estudou obras de lingüistas estrangeiros e
brasileiros, mas os lingüistas que mais se destacaram no Brasil para o escritor
foram: Mário Barreto, Amadeu Amaral e João Ribeiro. Destes, elencamos
alguns exemplos que são autênticos Brasileirismos: a) Mario Barreto com
expressões: Chamar de fera”, “Limpar em”, “Assoar em”, “limpar a”; b)
Amadeu Amaral com palavras: “adonde”, “azabumbado,”; c) João Ribeiro
com frases: “Me diga...”, “Me faça o favor...”, sobre as quais afirma que esse
modo de dizer é suave; ao passo que Diga-me” e o “Faça-me” são duros e
imperativos.
85
Na segunda, a de Said Ali, observamos o uso brasileiro na obra “Dificuldades
da Língua Portuguesa”, em que trata do infinitivo pessoal ou verbos sem sujeito
sob uma perspectiva psicológica. Para ele, o elemento psicológico é um fator
importantíssimo no que se refere às alterações da linguagem, podendo-se
assim evitar a tortura das regras fixas.
Na terceira, a de Celso e Lindley, verificamos no Prefácio da Nova Gramática
do Português Contemporâneo, elaborada em 1985 (2ª edição) pelo português
Lindley Cintra e pelo brasileiro Celso Cunha, conforme SCHEI (2003, p.58) que
se pretendia descrever o português da época na sua forma culta, isto é, a
língua dos escritores portugueses, brasileiros e africanos do Romantismo em
diante, mas principalmente a linguagem dos autores mais ”atuais” e
acrescentava-se que não haveria descuidos em relação aos fatos da linguagem
coloquial. Com relação à colocação dos pronomes, os escritores identificam
que a norma portuguesa e a brasileira às vezes são divergentes. Vejamos o
exemplo: “Você me anda gastando o tempo com falatórios!” (G. Ramos, SB).
Para Celso Cunha (1972, p.301) o pronome me não desempenha função
sintática alguma. Trata-se de um recurso expressivo de que se serve a pessoa
que fala para mostrar que está vivamente interessada no cumprimento da
ordem emitida ou da exortação feita. O escritor denomina o uso do pronome
me conforme exemplo, como pronome de interesse e é de uso freqüente na
língua coloquial.
Reconhecemos também que, quanto aos aspectos lingüístico-gramaticais da
abordagem pronominal, os três autores se pautam na norma culta em relação à
sua própria maneira de redigir e apresentam os pronomes de acordo com a
língua de prestígio, havendo as seguintes peculiaridades: Mario de Andrade
escrevia utilizando concomitantemente os pronomes concorde o uso brasileiro
e a norma padrão-culto segundo os paradigmas da época. Isto pôde ser
verificado no índice de seu projeto Gramatiquinha.
86
Said Ali, por sua vez, reconhece as diferenças entre o português brasileiro e o
europeu, enfatizando o seu uso com prevalência do uso da norma padrão-
culto. Já, Celso Cunha identifica, como mencionado, que o uso do pronome
brasileiro vinha sendo empregado nos culos XIII e XIV pelos trovadores
portugueses. Contudo, adverte que esse uso deve ser evitado.
A partir desses resultados, apresentamos as nossas reflexões em torno do uso
da língua portuguesa no século XX , de 1920 a 1985.
Todas as considerações, feitas em maior ou menor grau, voltaram-se para o
uso padrão culto, apontando para as diferenças já existentes entre o português
europeu o português brasileiro. Essas diferenças foram marcadas pelas
características brasileiras referentes à miscigenação de raças por ocasião da
colonização neste país, acrescidas das várias imigrações ocorridas no século
XX, em que italianos, espanhóis, japoneses, alemães e outras gentes de outras
nacionalidades influenciaram o português brasileiro presente em todos os
estados que compõem o país nos seus oito milhões de quilômetros.
Nossas variantes regionais, apontadas, principalmente, por Mário de
Andrade na obra analisada, são de uma riqueza incontestável, mas não
impedem a interação entre todos os brasileiros de Norte a Sul e de Leste a
Oeste.
Podemos concluir, então, que, apesar das variantes registradas no Brasil,
prevalece e continua prevalecendo uma norma padrão-culto que é a língua
exemplar, buscada pela escola e que apresenta também variações de uso de
acordo com a cultura de cada brasileiro. Assim, seguindo a tradição, os autores
analisados por meio de suas obras registraram a norma padrão-culto e suas
variantes.
87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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